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INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA
E SOCIEDADE
TESE
Condicionantes históricas da construção da segurança
alimentar no Atlântico: o caso de Angola e São Tomé e
Príncipe
FRANCISCO SARMENTO
2008
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
Condicionantes históricas da construção da segurança alimentar no Atlântico: o
caso de Angola e São Tomé e Príncipe.
FRANCISCO SARMENTO
Sob Orientação do Professor
Nelson Delgado
Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em
Ciências Sociais.
Rio de Janeiro, Agosto 2008
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2
Sarmento, Francisco
Condicionantes históricas da construção da
segurança alimentar no Atlantico: o caso de Angola, e
São Tomé e Principe
Orientador: Nelson Delgado
Tese (doutorado) – Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e
Sociais
1. Segurança Alimentar dissertações. 2.
Desenvolvimento dissertações. 3. Redes
dissertações. 4. Palops - dissertações
3
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE
FRANCISCO SARMENTO
Tese submetida ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, como requisito parcial para obtenção do grau de doutor em Ciências
Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade.
TESE APROVADA EM ____ / ____ / _______.
_________________________________
Nelson Delgado (Dr.)
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA
(Orientador)
__________________________________
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA
__________________________________
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA
__________________________________
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA
__________________________________
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, CPDA
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta tese aos meus pais que, pelas suas convicções e ações geraram
em mim, desde muito cedo, este projeto sempre em construção. Ao Lucio Lara
por, desde criança, no Huambo, dar açúcar às formigas.
Criança nos mares de São Tomé, de volta a sua comunidade, transportando bolsa com farinha
de mandioca (nas costas, protegida pela camisa). Foto do autor, São Tomé e Principe, 1992
5
AGRADECIMENTOS
À Joana por tudo.
Aos meus amigos por o serem em todos os momentos.
6
RESUMO
O trabalho que se apresenta tem como objetivo principal procurar analisar as
condicionantes históricas da situação atual de insegurança alimentar no Atlântico,
no triângulo gerado entre Angola, São Tomé e Príncipe e Brasil, verificando a sua
repercussão nos respectivos Estados e “sociedades civis” atuais, assim como em
possíveis estratégias para a sua superação . Para isso, num primeiro momento,
analisa-se a evolução dos países citados identificando-se as raízes da sua situação
atual e procurando demonstrar-se que esta decorre da singularidade das relações
comerciais estabelecidas entre estes , no contexto da formação e transição do
capitalismo mercantil e industrial dos séculos XVII, XVIII e IXX. Posteriormente
realizada uma revisão conceitual do potencial papel do Estado e das redes da
sociedade civil na construção institucional de políticas de segurança alimentar, em
função de suas condicionantes históricas. Conclui-se pela existência de um
patrimônio comum nos países analisados, mas também de diferenças expressivas,
recomendando reflexão por parte dos diferentes atores com responsabilidades
institucionais, na luta contra a fome e na cooperação entre os diferentes paises.
Palavras-chave: segurança alimentar, desenvolvimento, redes, PALOPs.
7
SYNTHÈSE
Le travaille que l’on présente a comme objectif principal identifier les racines
communes des différents stages de développement, pauvreté et sécurité alimentaire
dee les Pays Africains avec Langue Portugaise (en particulier, Angola et S. Tome e
Principe) mais aussi du Brésil, à partir d’une perspective historique. Pour cela, dans
un premier moment, on analyse l’évolution des pays mentionnés, en identifiant les
racines de leur situation actuelle, en cherchant démontrer que celle-ci découle de la
singularité des rapports commerciaux établies entre ceux-ci dans le contexte de la
formation et transition du capitalisme mercantile et industriel du XVII
e
, XVIII
e
et XIX
e
siècles. Postérieurement on fait une révision sur le rôle potenciel de l’Etat et de les
réseaux de la société civile dans la construction institutionnel des politiques de
sécurité alimentaire et de ses condicionementt historique. Se conclut par
l'existence d'un patrimoine commun dans les pays analysés mais aussi des
différences expressives en exigeant la réflexion de la part des différents acteurs avec
des responsabilités institutionnelles dans le combat à la faim et cooperacion entre les
pays concernés.
Mots-Clés: sécurité alimentaire, développement, réseaux, PALOPs
.
8
ABSTRACT
The current thesis aims to analyze the historical conditionallities of the food
insecurity status in the Atlantic, in the virtual region including Angola, São Tomé e
Príncipe and Brazil, verifying its consequences in the related States and civil
societies, as well as in possible strategies do overcome the present situation. In this
sense, the evolution of the above-mentioned countries will be analyzed, and the roots
of their current situation will be identified, aiming to demonstrate that these are
consequences of the singularities of the commercial relationships established
between them in the context of the configuration and transition of the mercantile and
industrial capitalism of the 17
th
, 18
th
and 19
th
centuries.
Later a conceptual revision
of the potential role of the State and civil society networks in the institutional
formulation and implementation of food security policies is made having in
mind the historical conditionalities previously identified. Particular attention is
given to the existence of a common patrimony in the analyzed countries but
also expressive differences demanding the reflection from the different actors
with institutional responsibilities in the fight against hunger and bilateral
cooperation from the involved countries.
Key words: food security, development, networks, PALOPs
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Enfoque do PESA 113
Quadro 2 Amostragem da vulnerabilidade 122
Quadro 3 Balanço e necessidades alimentares para 2005/2006 126
Quadro 4 Características de uma rede da sociedade civil 151
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Indicadores de desenvolvimento e insegurança alimentar 121
11
LISTA DE FOTOS E ILUSTRAÇÕES
Foto 1 D. Pedro VII, quadragésimo oitavo monarca do reino do
Congo, e sua esposa, D. Isabel
30
Foto 2 Estátua de Salvador Correia de Sá, em Luanda 44
Foto 3 Engenho na região do Dombe, fundada por imigrantes de
Pernambuco
56
Foto 4 Moinho construído pela família Torres junto ao porto da
cidade de Moçâmedes
70
12
LISTA DE CAIXAS DE TEXTOS
Caixa de texto 1 Regime de contrato em São Tomé e Príncipe 64
Caixa de texto 2 Transferência do capital para o Brasil 81
Caixa de texto 3 O boi do ministro 82
Caixa de texto 4 O pilão de madeira e as crianças 84
Caixa de texto 5 Definição de SAN 101
Caixa de texto 6 O Kilombo de Angolares 128
13
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADRA – Associação para o Desenvolvimento Rural de Angola
CICV – Comitê Internacional da Cruz Vermelha
CDESC – Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
CEAST – Conferência Episcopal de Angola e São Tomé
CICA – Conselho das Igrejas Cristãs de Angola
CMA – Cimeira Mundial da Alimentação
CNSAN – Conferência Nacional de Segurança Alimentar
CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas
DHAA – Direito Humano à Alimentação Adequada
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FENAPA – Filiação Nacional dos Pequenos Agricultores
FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola
FONG – Federação das ONGs de São Tomé e Príncipe,
FONGA – Fórum de ONGs Angolanas
GIEPPA – Grupo de Interesse Econômico das Palaiê e Pescadores Artesanais
GSA – Gabinete de Segurança Alimentar
IDA – Instituto do Desenvolvimento Agrário
INAR – Instituto Nacional dos Assuntos Religiosos
INSAN – Insegurança Alimentar e Nutricional
LOSAN – Lei Orgânica de SAN
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
14
MINA – Movimento para a Independência de Angola
MINADER – Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural
MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola
PAM – Programa Alimentar Mundial
PESA – Programa Especial de Segurança Alimentar
PIDCP – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
PLUAA – Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola
PNSAN – Programa Nacional de Segurança Alimentar
PNSAN – Programa Nacional de Segurança Alimentar em Angola
SISAN – Sistema Nacional de SAN
SAN – Segurança Alimentar e Nutricional
UNACA – União das Associações de Camponeses e Cooperativas Agro-Pecuárias
de Angola
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 18
1 DEPENDÊNCIA DE TRAJETÓRIA: AS ORIGENS DE BRASIL,
SÃO TOMÉ E ANGOLA
21
1.1 A ORIGEM COMUM 23
1.1.1 São Tomé, laboratório mercantil do Atlântico 27
1.2 O NEGÓCIO DE ALMAS SUBNUTRIDAS 37
1.2.1 A desconstrução alimentar de Angola 42
1.3 A CONSTRUÇÃO DO BRASIL 52
1.3.1 A mandioca, a cachaça e outros produtos agrícolas na
construção do Brasil
54
2 HISTÓRIA COMUM E EVOLUÇÃO DIVERGENTE 59
2.1 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 59
2.2 ANGOLA 68
2.3 BRASIL 83
3 A CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR 98
3.1 EVOLUÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SAN 98
3.1.1 O direito humano à alimentação e a soberania alimentar 104
3.2 O ENFOQUE DA SAN NO BRASIL 108
3.3 AS RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS DA FAO 113
3.4 (IN) SEGURANÇA ALIMENTAR EM ANGOLA E SÃO TOMÉ E
PRÍNCIPE
120
3.5 ESTADO E POLÍTICAS PARA A (IN)SEGURANÇA
ALIMENTAR
131
3.6 A SOCIEDADE CIVIL NA CONSTRUÇÃO DO IMPOSSÍVEL 138
3.7 CAPITAL SOCIAL E REDES PARA A SEGURANÇA
ALIMENTAR
146
16
3.8 REFLEXÕES SOBRE ESTRATÉGIAS EM CURSO 153
CONCLUSÕES 159
BIBLIOGRAFIA 164
ANEXOS 179
17
Fonte: Boxer, C. (2002).
18
INTRODUÇÃO
O tema que me proponho trabalhar não é estranho à minha experiência
pessoal e profissional que nasci e passei minha infância em Angola indo
regularmente de férias ao Brasil, e ficando sempre intrigado por não encontrar sucos
e sorvetes de manga, maracujá, goiabada em lata ou até "pé de moleque", em
Angola , onde todos estes produtos se consumiam “in natura”.
No mundo da minha infância, as duas margens do Atlântico estavam mais
longe do que as horas de avião que as uniam.
Mais tarde, fui viver para o Brasil, em plena ditadura militar e,
cuidadosamente, aconselhado por meu pai, evito divulgar entre os colegas os livros
de história da jovem República Popular de Angola para onde regresso, anos mais
tarde, em plena guerra civil. É assim que acabo comemorando com vinho branco do
Rio Grande do Sul (Brasil), o cessar fogo com a África do Sul, e a retirada para
norte do paralelo treze ,das tropas cubanas.
Sempre procurei ligar a minha vida profissional aos demais Países Africanos
onde se fala português, acabando por conhecer bem São Tomé e Príncipe,
Moçambique e Cabo Verde. O primeiro, ao contrário dos demais, sempre me
pareceu um “Brasil” em miniatura.
A partir de 2004, por inerência da minha atividade profissional, iniciei um
projeto de construção de capacidades para a sociedade civil envolvendo a
construção de redes para a segurança alimentar. Este projeto estendeu-se a Angola
e organizou em 2007, sob liderança de uma colega, o lançamento da rede
Angolana da sociedade civil para a segurança alimentar e ainda nesse mesmo ano,
19
da rede da sociedade civil dos países africanos de Língua Portuguesa. A facilidade
com que estes atores decidem cooperar, via associativismo, aumenta em mim o
desejo de aprofundar a averiguação, iniciada, da conformação histórica das suas
identidades e o potencial uso da mesma, para sua maior participação nos
processos políticos , visando a melhoria da sua situação atual em termos de
insegurança alimentar, aspecto muito apreciado pelas propostas internacionais de
formulação de políticas de segurança alimentar e nutricional, baseadas,
majoritariamente, no enfoque contemporâneo usado no Brasil, o qual implica,
politicamente, a existência de um compromisso Estatal e elevada participação social.
Vou então procurar analisar as condicionantes históricas da atual situação de
insegurança alimentar no Atlântico, no triângulo gerado entre Angola, São Tomé e
Príncipe e Brasil, verificando a sua repercussão nos respectivos Estados e
“sociedades civis” atuais, assim como possíveis estratégias para superar essa
situação Trata-se por isso de uma pesquisa descritiva e explicativa, que descreve
e procura entender o fenômeno em questão, utilizando pesquisa documental,
bibliográfica e de campo, além da própria experiência pessoal e profissional do
autor.
A apresentação deste trabalho inicia-se com um primeiro capítulo que
procura identificar e descrever a singularidade do capitalismo mercantil português,
do escravismo e das relações bilaterais Brasil - África. Nele se visualiza como
Angola e São Tomé e Príncipe são colocados, desde cedo, na órbita do
desenvolvimento brasileiro.
O segundo capítulo apresenta a evolução posterior, até ao século XXI, deste
conjunto de países, procurando a trajetória que, ainda hoje, impacta as suas
economias e sociedades. Acredito que fique levantado o véu quanto à possível
20
influência do longo período escravista, na conformação de suas economias,
Estados e “sociedades civis” atuais. É neste capítulo que aponto para as
conseqüências da especificidade da relação comercial direta entre o Brasil e Angola
, durante cerca de 300 anos: a utilização, em grande escala, de produtos agrícolas
para escambo. Esta singularidade, por sua importância para a temática da
segurança alimentar no passado, mas também no presente e a sua superação
futura, demanda um terceiro capitulo sobre a (in) segurança alimentar e nutricional
em Angola e em São Tomé e Príncipe.
No terceiro capítulo, além de uma revisão conceitual sobre o tema e enfoques
atualmente em uso no Brasil e na Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação, relaciono a atual situação daqueles países africanos, de
seus Estados e “sociedades civis” com a sua evolução histórica, e avalio, face a
algumas iniciativas em curso, possíveis estratégias para a superação dessa
situação.
21
1 DEPENDÊNCIA DE TRAJETÓRIA: AS ORIGENS DE BRASIL, SÃO
TOMÉ E ANGOLA
Vários autores se têm ocupado em explicar os processos inerentes ao
desenvolvimento do capitalismo e das relações sociais nele engendradas, as quais
têm levado também à crescente importância atribuída às análises institucionais da
história econômica. Particularmente muito se escreveu sobre a transição do
capitalismo mercantil para industrial e. sobre o surgimento da revolução industrial
na Inglaterra
Douglas North (1970, 1973, 1990), por exemplo, fez uma análise, partindo da
era de caçadores e coletores aà revolução industrial, em que procura identificar
as mudanças institucionais que determinam e explicam, no longo prazo , a direção e
as mudanças na performance econômica, em especial da Inglaterra.
É hoje aceite que o capitalismo mercantil precedeu a revolução industrial e o
surgimento do capitalismo moderno, e que este processo foi fortemente
condicionado e impulsionado pelo comércio Atlântico, entre os séculos XVI e XIX.
É também aceite o papel importante de Portugal e Espanha nesse contexto, e
conseqüentemente das colônias americanas, quer pela prata e ouro aí retiradas (em
particular na América Espanhola, mas também em Minas Gerais no Brasil), mas,
sobretudo, pelo comércio Atlântico. Este permitiu o aumento do consumo de novos
produtos na Europa fornecidos em sua maioria pela plantation americana, criou um
mercado de massas na Europa, ajudou a dinamizar o comércio intra-europeu, o
sistema bancário e de seguros ,e a nascente indústria naval e têxtil, na Inglaterra.
22
Da mesma forma o comércio Atlântico permitiu e gerou a base social de
produção de todas estas atividades pré-capitalistas na Europa, em particular na
Inglaterra.
Por isso, alguns autores como Inikori (2002), procuraram analisar as relações
e impactos neste processo, decorrentes da utilização de mão-de-obra escrava ,
procurando discutir a relevância da escravidão para o surgimento da revolução
industrial na Inglaterra. No caso do Brasil ,e de acordo com Inikori (2002:188), as
produções brasileiras de açúcar, café, algodão, ouro e diamantes exportados entre
1650 e 1891, foram todas produzidas por mão-de-obra escrava.
Uma análise do somatório total destas exportações, importações de
manufaturados, custo dos escravos e reexportações, indica no caso do Brasil, que o
saldo final da balança comercial poderá ser negativo ou tendente a zero,
basicamente pelo peso do custo dos escravos. Aliás, diversos autores consideram
que os valores pagos pelos escravos, a partir de 1700, corresponderam em Angola e
até 1850, a 80% do valor de todos os produtos exportados (Eltis, David 1989) e que
no seu conjunto, os escravos exportados por África possuíram um valor superior a
todos os outros produtos do comércio Atlântico (Bean, Richard ,1974; Boogaart,
Ernest Van, 1992).
Naturalmente existe alguma controvérsia em torno destes números, mas
importa notar que, de qualquer forma, certamente o valor dos escravos exportados
por Angola foi muito elevado e representava uma soma tão ou mais considerável
que o total das commodities exportadas pelo Brasil nos séculos XVII, XVIII e XIX.
Sabendo-se que os comerciantes de escravos eram também, em muitos
casos, de produtos manufaturados, e que as empresas de plantação estavam não
raro endividadas a estes, parece lógico concluir que o financiamento da cadeia
23
provinha essencialmente do setor comercial e que, os resultados se os houvesse, a
ele voltavam (Florentino, 1997:117,129, 193,211 ; Boxer 1992:164; Alencastro,
2000:37).
Esta análise contraria as visões mais tradicionais do desenvolvimento
brasileiro, sobretudo as que colocam o senhor de engenho no topo da pirâmide
social. Ela permite visualizar que a acumulação esteve sempre ligada
majoritariamente ao comerciante (que também detinha investimentos na agricultura),
e que a acumulação primitiva se baseou no comércio de almas negras.
A visão acima exposta sugere que a conformação do comércio de escravos
terá gerado as condições necessárias para o posterior e tardio desenvolvimento do
capitalismo brasileiro e para o seu não desenvolvimento ,em Angola e São Tomé e
Príncipe. Ela apoia também ,o reconhecimento de que, "O colonizado absoluto do
Brasil, colonial ou não colonial, aquele que nunca escreverá a história verdadeira da
colonização brasileira nos únicos termos adequados, é o africano". (Lourenço,
1999:152). Este capítulo pretende iniciar a exploração dessa história pela sua
origem comum.
1.1 A ORIGEM COMUM
De acordo com Valentim Alexandre (2000), a historiografia considera
usualmente três impérios distintos na expansão ultramarina portuguesa; o do
Oriente, formado no início do século XVI e que declina no final do mesmo; o do
Brasil com início nessa altura, apogeu no século XVIII e final no primeiro quartel do
24
século seguinte, e o Africano, que se impulsiona dificilmente no século XIX e acaba
com a descolonização em 1975.
Todos os impérios marítimos do final do culo XVI e século XVII estiveram
assentes num capitalismo comercial
1
. De acordo com Furtado (1968) apesar de
algumas semelhanças (ausência de importantes instituições financeiras e existência
de grandes companhias que nunca deram grandes frutos), a economia colonial do
império português divergiu da espanhola em alguns aspectos.
Referindo-se aos espanhóis, Celso Furtado (1968:16), afirma que "Fora da
exploração mineira, nenhuma outra empresa econômica de envergadura chegou a
ser encetada".
No caso Português, o triângulo econômico-geográfico engendrado na
confluência dos três impérios evolui assente no domínio de alguns produtos
agrícolas dominantes, que por sua vez, geraram zonas dominadas
2
.
Madeira, Açores e Cabo Verde são ilhas Atlânticas onde se dão os primeiros
passos na produção açucareira, mas é claramente em São Tomé que se inicia a
primeira sociedade escravocrata como aquela que será mais tarde implementada no
Brasil. Embora a Guiné exporte grande número de escravos para o Brasil, em
especial para o Nordeste, é Angola a região fundamental para a implantação e
consolidação da colonização brasileira.
Também no caso Português e face às ligações iniciais com capitais externos
(em particular de judeus sefarditas) , e às características de uma metrópole com
1
Considerando que os detentores de capitais são maioritariamente comerciantes.
2
Furtado (1968:15-18) refere que a Espanha nunca chegou a interessar-se em fomentar um intercâmbio com as colônias
ou entre estas. A não autorização de barcos de outras nacionalidades em portos americanos tornava os fretes muito
elevados. Mesmo quando Portugal esteve ligado à Espanha (1580 a 1640), os equipamentos para os engenhos açucareiros
produzidos em Lisboa tinham que transportar-se a Sevilha de onde seguiam com altos custos de frete até às colónias
espanholas.
25
menor capacidade financeira (a metrópole sem indústria era, na maior parte dos
casos, mera intermediária ou rentista das importações e exportações) e mais
despovoada, uma parte considerável dos ganhos do comércio triangular inicial é
transferido primeiro para a Holanda e depois, claramente, para a Inglaterra.
Segundo Deer (1948, apud Furtado 1968:453) , “os flamengos várias vezes
participavam do transporte entre o Brasil, São Toe Lisboa ou então, recolhiam o
produto bruto em Lisboa, refinavam-no e faziam a sua distribuição por todo o Báltico,
França e Inglaterra. Com essa participação, não é difícil concluir que boa parte dos
ganhos da cadeia ficava em suas mãos” (somente os lucros com a refinação
equivaliam a cerca de 35% do valor do açúcar em bruto).
Além disso, as próprias condições de navegação (menor tempo de
navegação, ventos favoráveis etc.) desde cedo privilegiaram uma relação bilateral
acentuada entre Brasil e África. No império português o comércio triangular foi, por
isso, quase sempre uma miragem entre os séculos XVI e XIX.
O grau dessa inclinação, ou do afastamento português de África , verifica-se
em parte pelas trocas comerciais diretas entre Brasil/Portugal e Portugal/África (no
final de 150 anos de presença brasílica em Angola como veremos mais adiante). As
primeiras representavam uma média anual de 9500 contos entre 1796 e 1807. No
mesmo período, as trocas diretas de Portugal com o conjunto dos países africanos
representavam cerca de 100 contos/ano (Boxer, 2004). Alencastro (2000:29) refere
que no século XVIII, apenas 15% dos navios entrados em Luanda, eram
provenientes de Portugal. Todos os demais , do Rio de Janeiro, Bahia ou Recife.
Também Ferro, Marc (1996: 171) e Verger (1987:22) citam o ministro Martinho de
Melo e Castro, Ministro da Marinha e Ultramar de Pombal que dizia em 1781, que
“os brasileiros controlavam todo o comércio e a navegação com Angola….”
26
acrescentando ainda, que a perda do comércio com África resultava da existência
no Brasil de “gêneros da terra” que participavam do escambo escravagista.
Veremos isso mais adiante.
Como refere Neves (1830 apud Florentino 1997: 118) , não era por acaso
que em 1830 apenas algumas (poucas) firmas comerciais portuguesas
permaneciam em Angola.
Assim, enquanto Moçambique é colocada sob jurisdição de Goa desde a
viagem de Vasco da Gama e fornecerá escravos ao Brasil no final do século XIX
(quando a voragem brasileira é avassaladora face ao fim anunciado da escravidão),
a África Ocidental entra desde muito cedo na esfera de influência dos comerciantes
brasileiros ,para cuja colonização se exige a partir de 1530, cada vez mais escravos.
Esta relação bilateral ,alavancada pelo comércio de escravos, marcou
decisivamente a evolução dos países africanos ,em especial de Angola e São Tomé
e Príncipe e a do Brasil. Por isso falo em duas colonizações de São Tomé e Príncipe
e de Angola. A primeira até à independência do Brasil. A segunda , de meados do
século XIX à década de 70 do século XX, quando estes países se tornaram
independentes de Portugal.
A primeira colonização, gerida crescentemente por interesses ali
estabelecidos, foi essencialmente efetuada com o objetivo de “construir” o Brasil,
como veremos mais adiante. A segunda, feita por Portugal, não estabeleceu
rupturas com as estruturas socioeconômicas do período anterior, a não ser
tardiamente, nas décadas de 1960 e 1970 e por um período de tempo limitado.
Desta forma, as zonas dominadas do Atlântico foram os atuais países
africanos e, as dominantes, o Brasil e Portugal. Naturalmente existem diferenças,
27
especificidades e momentos mais marcantes para a construção e fortalecimento do
capital mercantil envolvido neste processo , onde a aprendizagem foi fundamental.
Devo por isso fazer uma breve análise particular do papel desempenhado por São
Tomé e Príncipe na economia do Atlântico, onde, como disse, se ensaiou uma
sociedade escravocrata como aquela que viria a ser desenvolvida posteriormente ,
no Brasil. Este papel configurará, como veremos mais adiante, a trajetória posterior
deste país.
1.1.1 São Tomé, laboratório mercantil do Atlântico
A ilha de São Tomé é ocupada em 1484 para respaldar a rota da Índia e as
feitorias da Guiné, possuindo particular importância estratégica para os portugueses,
na seqüência dos primeiros contatos com o reino do Congo (1482). As três ilhas
(São Tomé, Príncipe e Anobom), não eram habitadas por Africanos.
Em 1485 Dom João II arrenda o negócio de escravos dos cinco rios da Guiné
a comerciantes de São Tomé, o que fará desta ilha placa giratória do comércio nas
costas da Guiné e do Congo. Escravos vindos da Guiné, Benin (antigo Daomé),
Congo e Angola, com destino a Lisboa, Madeira e Açores passam por aqui. Mas
mais relevante, será a produção açucareira, que a partir de 1520, se torna o fator
mais importante na economia das ilhas que entretanto haviam sido colonizadas por
escravos,por africanos livres (essenciais para o comércio com o continente), e por
28
colonos brancos (em sua maioria degredados, agentes comerciais espanhóis,
franceses , genoveses e judeus.
3.
Uma sociedade altamente estratificada é implementada com o objetivo de
desenvolver nos trópicos a primeira colônia de exportação de açúcar.
São capitais de judeus sefardi e holandeses associados a mercadores de
Bruges e Gênova ,os responsáveis pela expansão da produção de açúcar. Estes
capitais terão deixado Portugal e Espanha em função da Inquisição (inicialmente em
Espanha) e perseguições diversas sofridas mais tarde, quando em 1580 Felipe II de
Espanha assume o trono de Portugal. Recorde-se que os judeus abandonam em
massa Portugal fixando-se na Holanda
4
, país com conhecida tolerância religiosa e
importante centro comercial e financeiro da época. Refira-se que Antuérpia era, no
final do século XV , a maior cidade da Europa (com cerca de 150.000 habitantes),
com uma bolsa comercial importante, uma indústria naval desenvolvida e várias
refinarias de açúcar.
A indústria açucareira em São Tomé cresce no século XVI. Em 1530
produziram-se 500 arrobas de açúcar, mas em 1550 eram 150.000 (Boxer,
1969:102). No período de 1578 a 1582 a produção anual alcançou um pico de
800.000 arrobas (Eyzaguirre, 1986 apud Seibert 2001) . Mais de 70 navios estavam
registrados em Antuérpia (principal mercado para o açúcar) para realizarem viagens
para São Tomé carregando farinha de trigo, vinhos, queijos, couros, espadas e
óleos.
3
Milhares de judeus passaram a fronteira Espanhola para Portugal em fuga da inquisição, aos quais foram dados 8 meses
para deixarem o país pelo rei de Portugal. Um numero significativo viajou para a Holanda e outros dispersaram-se pelos
novos territórios, entre os quais, São Tomé, Angola e Brasil. Mauro (1988), Boxer (2002) entre outros.
4
E outros países incluindo Marrocos. Minha família é natural daqui e desenvolveu intensa atividade comercial entre Angola,
Marrocos, Brasil e Portugal ao que tudo indica tecidos. A família Curiel, cristões novos, foram, até ao século XIX
representantes de Portugal na Holanda desempenhando, segundo Alencastro (2000) um papel importante em diversas
negociações no âmbito da ocupação Holandesa de Angola, de São Tomé e Príncipe e do Nordeste do Brasil.
29
Em 1530, os comerciantes São-tomenses, gozando da liberdade de comércio
alargada ao Golfo da Guiné e ao Congo, atribuída anteriormente por Dom Manuel
5
,
vão mais longe no comércio de escravos. Congo inicialmente, e depois Angola, são
as regiões que fornecem mais escravos a o Tomé, que os reexporta para o Brasil
até que , comerciantes ali instalados assumam, mais tarde, autonomamente, este
comércio.
Para essa descida na costa, os portugueses haviam procurado fazer alianças
com soberanos locais ao longo da costa angolana como no caso do reino do Congo.
Alianças que vão sendo importantes para as plantações de cana de São Tomé, e
mais tarde ,para as do Brasil. O rei Nzinga do Congo, depois de uma recepção com
grande luxo, aceita a conversão ao cristianismo até porque, era certamente sua
expectativa promover a modernização do reino com base no intercâmbio com os
portugueses. O casal real recebe por batismo o nome de João e Leonor. Na capital
do reino, Mbanza Congo (zona setentrional de Angola), ergue-se uma pequena
igreja e seu nome será alterado, mais tarde, para São Salvador. Um dos príncipes
do reino é enviado para estudar em Portugal e chegará a ser ordenado Bispo por
insistência da coroa portuguesa ,junto do Papa.
O tráfico particularmente fomentado pelos comerciantes de São Tomé,
mesmo por vezes contrariando as instruções da corte portuguesa (Costa e Silva,
2002:362-365), envolvia a todos, inclusive aos membros da igreja ali instalados, e
desestruturou social e politicamente o Congo, assim como toda a região, como se
verá mais tarde. O reino do Congo chegará a procurar estabelecer relações diretas
com o Papa , quando o seu processo de desagregação está já acelerado por
5
"Por a dita ilha ser tão alongada destes nossos reinos, a gente não quer ir lá viver senão com mui grandes liberdades e
franquezas" - citado por Alencastro, 2000:65.
30
guerras internas ,movidas por guerreiros jagas
6
da África Central e pelo tráfico
clandestino.
Mas a pilhagem de escravos
era muito comum tendo os
traficantes chegado a diligenciar um
atentado contra o sucessor de Nzinga
(João). Note-se que em 1530 o
número de escravos exportados era
de cerca de 4000 a 5000 peças
(Boxer, 2004:113).
7
O trafico terá sido assim um
dos motivos, talvez o principal, para a
"não ocidentalização" do reino. A
familia real , contudo, ter-se-à
ocidentalizado, como mostra a foto ao lado , de D. Pedro VII, quadragésimo oitavo
monarca do reino do Congo, e sua esposa, D. Isabel, tirada em 1940.
A escravidão no Congo, antes da chegada dos Portugueses, era
essencialmente doméstica, ou seja, não existia uma classe de escravos e sim uma
classe servil transitória os seus descendentes, não o eram. Suas tarefas eram
essencialmente cuidar das roças do plantio à colheita, providenciar lenha, lavar,
varrer e manter as reservas de água.
6
Jagas, tribo africana.
7
A peça era um escravo masculino, jovem, de primeira qualidade. Mas uma peça podia ser constituída por dois ou três
indivíduos dependendo do sexo, estado de saúde, idade etc...
F
oto 1
-
D. Pedro VII, quadragésimo oitavo monarca do
reino do Congo, e sua esposa, D. Isabel
Fonte: Salvador (2004)
31
Os Congoleses praticavam em geral uma agricultura móvel e a rotação de
culturas produzindo sorgo e feijão. Tinham domesticado rios animais como
porcos, galinhas e, em algumas zonas, gado bovino. Dominavam o ferro e o cobre.
sendo este último a “moeda “usada com os portugueses, em troca de suas
mercadorias manufaturadas. Seus utensílios agrícolas eram a enxada e o machado,
não conhecendo outras técnicas tais como o arado, o carro de roda, os moinhos de
água e vento, o serrote, a broca, enfim, os instrumentos que se desenvolveram na
Europa no período na Idade Média. Costa e Silva (2002:360-395)
Esta era a cooperação desejada por D. João, que repetidamente solicitava ao
Rei de Portugal que lhe enviasse os técnicos necessários para isso , ao mesmo
tempo que mandava jovens para serem educados em Portugal ,com o mesmo
objetivo.
O Rei de Portugal vai satisfazendo esses pedidos. Contudo, as tentativas da
Coroa portuguesa de manter esta aliança e de desenvolver o território com base na
colonização branca e numa agricultura de plantação ( introduzida pelas plantas e
sementes enviadas de São Tomé), embateram de frente com os interesses do
tráfico que já servia ao desenvolvimento da indústria açucareira no Brasil.
Isto porque, se inicialmente a maioria dos escravos se destinou a São Tomé,
desde logo seu destino final era o Brasil, dado que o desenvolvimento da atividade
açucareira necessitava crescentemente de mão-de-obra que uma metrópole
despovoada não poderia facilitar. Mesmo que pudesse, a escassez de meios
monetários no império impossibilitava essa via. Caldeira (1999:62) refere, por
exemplo, que a liquidação da produção açucareira em metal , era crescentemente
32
uma impossibilidade prática para Portugal, havendo que introduzir mercadorias para
escambo
8
, ou seja, os escravos.
Os índios encontrados no Brasil, não eram por isso a solução de mão-de-
obra para as roças ou primeiras plantações de cana dos colonos -
independentemente das considerações que se faziam normalmente quanto à sua
aptidão para esse trabalho. A Coroa portuguesa vai proibindo mesmo sua
cativização a partir de 1570, embora os colonos não cumprissem essa
determinação. Esta legislação por vezes contraditória e pouco eficiente do ponto de
vista social, era importante pelo aspeto econômico, que desvalorizava o índio
face ao escravo africano, e contribuía para o reforço do tráfico com África.
Em 1575, por exemplo, quando é fundada Luanda para apoio ao plano de
Paulo Dias Novais, esta passa a servir ao tráfico e não ao plano de
desenvolvimento autônomo da colônia. Boxer (1992: 116) cita um dos raros relatos
de uma tradição oral sobre essa época. O povo Pinda que vivia no litoral de Angola
foge para o interior junto do rio "Kasai" e refere que: " Um dia os homens brancos
chegaram em navios com asas que brilhavam como facas ao sol (....) os homens
brancos voltaram outra vez ainda. Trouxeram-nos milho e mandioca, facas e
enxadas, amendoim e tabaco. Desde então, até aos nossos dias, os brancos não
nos trouxeram nada , senão guerras e misérias".
Cada vez mais escravos são obtidos mediante uma rede interiorana assente
em intermediários mulatos ou libertos (os pombeiros), ou com base em guerras
movidas pelos guerreiros jagas. Estes se tornam os principais aliados do tráfico. A
farinha de milho brasileira levada por bandeirantes paulistas vai auxiliá-los , mais
tarde , nesse papel.
8
Troca.
33
É por isso claramente visível que Angola, desde cedo, foi colocada na órbita
dos interesses brasileiros, os quais tiveram em São Tomé um “laboratório de ensaio
e uma plataforma logística nada menosprezáveis, face aos custos e ao risco
envolvidos , na montagem da empresa açucareira. Muitas das primeiras instituições
que governaram a complexa sociedade e economia açucareiras, assim como o
capital mercantil a estas associado, formam-se e (ou) aperfeiçoam-se aqui.
A aprendizagem estendeu-se às plantas (cana de açúcar, banana, inhame,
coco)aos métodos de cultivo, à criação de gado (bovino, eqüino, muar, suíno,
caprino, ovino, galinhas e patos aclimatados),aos tipos de moendas açucareiras,
homens forros e escravos imunizados e especializados no trabalho colonial, e até às
instituições de controlo indireto.
No caso das plantas, por exemplo, efetua-se a substituição alimentar para
abastecimento das feitorias, dos armazéns e marinheiros. Produtos cultivados e
integrados na dieta alimentar da costa da Guiné , como o Inhame (várias espécies
do gênero Dioscorea
9
), a banana
10
o azeite-de-dendê
11
, o coco
12
e a pimenta
malagueta
13
tomam o lugar das bolachas de trigo, do queijo, do azeite de oliva e do
alho da Europa.
9
Existem diversos gêneros e dezenas de espécies de inhames. Os gêneros principais o Dioscorea, Colocasia, Alocasia
e Xanthosoma. O gênero Dioscorea possui espécies venenosas e não deveria ser utilizado a bordo dos navios. Ferrão
(1992)
10
Todas as bananeiras existentes são híbridos entre a Musa balbisiana e a Musa acuminata. A banana introduzida em
Cabo Verde, depois em São Tomé e por fim no Brasil é a banana figo ou banana prata a qual teria sido introduzida na África
Ocidental pelos Árabes. Ferrão (1992)
11
A Palmeira dende (Elaeis guineensis) é originária da costa ocidental africana desde S. Luís no Senegal aao sul de
Benguela em Angola. Não existia no Brasil e foi introduzida na Bahia desde São Tomé e Príncipe. Será a oleaginosa que
maior quantidade de óleo produz por hectare. Em África é uma das culturas mais importantes para Guiné Bissau, São Tomé
e Príncipe e Angola. A exportação para os países desenvolvidos visa as industrias de margarinas e sabões. Ferrão (1992)
12
Referimo-nos à Cocos nucifera a qual, apesar de alguma controvérsia parece ter sido transportada pelos Portugueses da
Costa Oriental africana para a costa ocidental e daqui para a Bahia no Brasil. No Brasil entretanto existiriam outras
palmeiras como o babassu. Ferrão (1992)
13
Provavelmente a Afromomum melegueta ou pimenta do paraíso, embora também pudesse tratar-se da Pimenta da Guiné
(Xylopia aetiopica) que em São Tomé se designa por Inhé Bóbó. Ferrão (1992)
34
São Toexportará
14
para a América de Portugal indivíduos mais resistentes
às doenças européias e africanas, versáteis na língua luso-africana e até treinados
nas diferentes etapas e serviços auxiliares ao fabrico do açúcar. A técnica e lógica
empresarial , aperfeiçoam-se também. Em São Tomé compravam-se escravos de
dois sexos para o trabalho nas plantações, que isto assegurava a maior
produtividade e reprodução da mão-de-obra. Esta racionalidade (para uma maior
rotação do capital investido ), irá mudar mais tarde, no Brasil, quando as empresas
passam a requerer, essencialmente, mão de obra masculina).
Segundo Alencastro (2000), é também em São Tomé que pela primeira vez
na história do ocidente ,se estabelece por regimento Manuelino em 1519, as regras
para triagem, embarque, alimento, transporte, marca a ferro em brasa e treinamento
do africano ,para o escravismo.
Instituições e organizações religiosas são desenvolvidas como a Irmandade
do Rosário dos Negros de São Tomé (instalada mais tarde na Bahia e no Rio de
Janeiro, respectivamente em 1581 e 1631). Note-se que de 1677 a 1884, São Tomé
passa a pertencer à arquidiocese da Bahia onde muitos “forros” foram educados
como padres, como refere Seibert (2001:41)
.
O mesmo se passa com outros mecanismos de controle social. Ainda que
comprados em pares, a fuga de escravos das plantações, onde a fome era uma
constante, é freqüente. Em 1517 ocorre a primeira revolta de escravos
documentada, e em 1596 ocorre a segunda, envolvendo 2000 escravos, a
destruição de 30 engenhos e mais de 200 mortos, ambas citadas por Seibert (2001).
14
Note-se que a ilha contava nessa época com 2.000 escravos fixos e cerca de 5.000 a 6.000 itinerantes para cerca de 650
moradores segundo Mauro (1988)
35
Estas fugas, efetuadas normalmente para regiões montanhosas e
inacessíveis, mantêm-se até ao século XX (após a abolição da escravatura e sua
substituição pelo regime de contrato) e geram, a partir de 1530, as designadas,
“Guerras do Mato”, as quais arcavam elevados encargos para a administração
colonial.
Segundo Alencastro (2000), a revolta dos negros em São Tomé, no final do
século gerará também apreensões no outro lado do Atlântico e com,razão, que o
sistema será repetido mais tarde,no Brasil
15
.
Note-se que Mukambo, termo quinbundo que significa cumeeira, é utilizado
em São Tomé para designar o refúgio de rebeldes (grande parte originária de
Angola) ,nas colinas da ilha. Designará no Brasil um "povoado de negros
insurrectos". Mais tarde será também utilizada a expressão Kilombo - nome do
campo de guerreiros jagas dos reinos de Matanba e Caçanje (Angola)- e
"mocambo" ou “mucambo’ designará, no Brasil, lugares onde vivam negros,
palhoças e habitações populares (MENDONÇA, 1973).
A política indigenista no Brasil não esquecerá a lição de São To: índios
"mansos" começam a ser fixados ao longo das zonas de povoamento para barrar a
fuga de negros e evitar os mocambos.
Mas no caso do açúcar, não se tratava apenas de possuir conhecimentos
relacionados com as técnicas de cultivo da cana, com a existência em Portugal de
uma indústria para fabrico dos equipamentos utilizados nos engenhos de açúcar,
16
ou ainda, de mecanismos de organização e controlo de trabalho. São também
15
Afonso Taunay (1941) citado por Teixeira Leite (1963: 65) quando refere que “ …De quão numerosos foram os pontos e
trechos de mata onse se acoutaram os escravos tentando fugir à contenção dos brancos subsistem as provas nessa
infinidade de quilombos e mucambos incorporados à toponímia nacional , em todas as regiões do Brasil”
16
Supõe-se que apesar desta técnica ser relativamente difundida no Mediterrâneo ela envolvia segredos técnicos. Em 1612
o Conselho de Veneza, cidade que detinha o monopólio da refinação proibia a exportação de técnicos, equipamentos e
capitais para a atividade de refino. Furtado (1968)
36
fundamentais os conhecimentos sobre os circuitos de comercialização, que
entretanto se geraram pela entrada dos portugueses na produção.
Sabe-se que os Venezianos detinham praticamente o monopólio da
comercialização, e que a produção portuguesa era por estes comercializada
17
em
sua fase inicial (Madeira). No entanto, a capacidade de ampliação destes canais
tradicionais era limitada, e na segunda metade do século XVI, grande parte do
açúcar do império lusitano era comercializado em parceria com interesses, primeiro
de Antuérpia e depois de Amsterdã.
Pelos mercados existentes, conhecimentos acumulados e instituições
desenvolvidas, o início da ocupação efetiva do Brasil vai ser efetuado mediante a
implantação da cultura da cana-de-açúcar, em especial no litoral do Nordeste
(Pernambuco e Bahia), Espírito Santo e Rio de Janeiro, por donatários que em geral
se financiam junto de banqueiros e comerciantes Holandeses.
18
Esta “primeira grande empresa colonial agrícola européia nas Américas”,
como designa Furtado (1968:10), sustentou-se, como vimos, pelo conhecimento
técnico desenvolvido e acumulado nas ilhas Atlânticas, em particular em São Tomé
e Príncipe, e pela submissão social e econômica de Angola. Marchas de
"libambos"
19
caminhando em direção de Luanda passaram a ser uma constante
durante os três séculos seguintes.
O papel da dinâmica do comércio de escravos são analisados em seguida.
17
A partir de 1470 surgem refinarias fora de Veneza, em Bolonha por exemplo. Isto aliado à queda de preços verificada no
final do século XV pode indicar a passagem de um mercado de monopólio para um de maior concorrência. Furtado (1968)
18
A implantação de um engenho com grande capacidade era um investimento considerável razão para que nem todas as
propriedades pudessem possuir um. Um engenho compreendia numerosas construções e maquinas para a moenda, casa
da caldeira e casa de purgar. A isto acrescentavam-se armazéns, a casa grande, instalações para trabalhadores e
escravos.
19
Libambo designa em Quinbundo (Angola) uma coluna de cativos amarrados. Libombo designa atualmente no nordeste do
Brasil as levas de sertanejos em migração para o sul procurando trabalho (Alencastro, 2000: 83).
37
1.2 O NEGÓCIO DE ALMAS SUB NUTRIDAS
Por inúmeras razões, o “negócio de almas” tardiamente começou a ser
estudado em detalhe pelos pesquisadores. Indiferença política , ou até receio de
fazê-lo, ausência e dispersão de dados fiáveis, e exigência de grande arcabouço
científico (e lingüístico), podem ser algumas das explicações.
Contudo, desde meados do século XX, alguns autores têm procurado
analisar e contribuir para desvendar uma das atividades com importante
repercussão na gênese da revolução industrial e do capitalismo na Europa e nas
Américas , sob diferentes pontos de vista.
Estão neste caso Philip Curtin (1969) que realizou um impressionante recolha
e tratamento dados que permitiu acender o debate à volta do número de escravos
embarcados e desembarcados, e consentiu o desenvolvimento de inúmeros
trabalhos na área da história social e económica do tráfico, como sejam os
elaborados por Herbert Klein (1999), ou ainda ,a visão institucionalista de Joseph
Inikori (2002). A lista de autores, em particular do Brasil, sem ser longa, não caberia
neste ponto
20
. Interessa apenas realçar um aspecto importante para o nosso
objetivo que é tratar-se de uma área de trabalho relativamente recente e onde as
portas estarão ainda abertas por muito tempo, em especial na temática que julgo
interessar particularmente neste capítulo: análise do papel que o mesmo teve na
20
Contudo, podemos citar Manolo Florentino (1997) , Alberto Costa e Silva ( 2002) , Luis Felipe Alencastro ( 2000) e João
Fragoso (1996)
38
construção de uma evolução socioeconômica divergente, nos dois lados do
Atlântico.
De 1480 a 1570, o comércio de escravos realizado por Portugal teve por base
a forte presença da Coroa que, como já disse antes, procurava estabelecer relações
de aliança com as facções dominantes do reino do Congo. Os escravos vendidos
eram membros da sociedade Congolesa : feiticeiros, violadores do direito
consuetudinário, endividados ou até escravos domésticos, mas também prisioneiros
obtidos nas regiões de fronteira do reino do Congo.
A esta rede de arrecadações juntavam-se traficantes autônomos , quer
portugueses ,quer de figuras destacadas na hierarquia Congolesa, que com essas
atividades reforçavam o seu poder. Afonso, rei do Congo, queixa-se ao Rei de
Portugal (Iliffe,1999:171) “Muitos dos nossos súbditos cobiçam avidamente as
mercadorias portuguesas que o vosso povo traz para os nossos reinos. Para
satisfazer este apetite desordenado, apoderam-se de vários dos nossos bditos
negros, livres ou libertados e até de nobres, filhos de nobres , até membros de
nossa própria família. Vendem-nos aos brancos….Esta corrupção e depravação
estão tão difundidas que o nosso país está completamente despovoado por isto….”
Diversas tensões internas geradas neste processo levam a guerras, como por
exemplo em 1560 com Jagas, Imbangalas
21
nômades do Leste que, vencidas com o
apoio dos traficantes, consolidaram os mecanismos de arrecadação de escravos.
Jagas que aprenderam com os bandeirantes paulistas a carregar milho em
grão em suas incursões reduzindo sua vulnerabilidade e aumentando sua
capacidade de captura de escravos. É que ao contrário da mandioca, que necessita
21
Caracterizados pela ausência de dois dentes frontais – “banguela” no Brasil viria a indicar a pessoa sem dentes
39
de um ano para ser colhida, o milho (Zea mays) ou "masa mputo"
22
frutificava de
três a seis meses após a sementeira, e podia ser carregado em grãos.
As tensões internas com o Soyo e o início das designadas Guerras Angolanas
(1575 a 1683) deslocaram a oferta de escravos para o Sul, fazendo de Luanda o
maior porto negreiro Africano.
Segundo Klein (1999), o aumento vertiginoso da demanda de escravos pelo
Brasil (de 30 mil no culo XVI para 500 a 700 mil no século XVII), consolidou uma
ocupação cujo aparelho burocrático e administrativo tinha como fim último , o
controle das rotas de exportação da força de trabalho para a economia de além-mar,
e o reforço das investidas bélicas para assegurar o monopólio das rotas a sul,
anteriormente (desde o início da ocupação de o Tomé) realizadas por traficantes
nativos, ligados ao Rei Ngongo (Ngola = Angola).
A reação negativa de Ngongo gera uma situação de tensão e conflito
permanente com os governadores locais (com interesses pessoais no negócio) que,
por sua vez, geram mais escravos. Somente a partir de 1683 é que os portugueses
passarão a deixar de querer garantir o acesso direto às fontes do interior e, com
isso, na passagem para o século XVIII e particularmente entre 1701 a 1800,
exportam-se mais de dois milhões de escravos para o Brasil
(KLEIN, 1999).
Sob os efeitos do tráfico, a escravidão teve tendência a assumir formas cada
vez mais mercantis e, com isso, a afetar zonas cada vez mais distantes da costa,
chegando no Sul , aos planaltos da Huila, Bié e reforçando a importância do porto
de Benguela.
22
Masa puto em Kicongo (lingua do povo bacongo, falado na Republica Democrática do Congo e na Republica Popular do
Congo) significa "espiga de portugal". O sorgo africano é conhecido por "masa mbela"ou "espiga da aldeia".
40
Mas, para compreender melhor como se “germina” a partir de 1683 a
“liberalização” das atividades do tráfico e seus efeitos, será importante mencionar as
invasões holandesas e as suas conseqüências no incremento do comércio bilateral
Brasil África Isto , porque foi a reconquista africana pelo Brasil que determinou
que este último passasse a assumir o papel de "gerência direta" das colônias
africanas por quase 150 anos.
Em 1621 é criada na Holanda a Companhia das Índias Ocidentais com a
dupla função de fazer o comércio e, se necessário, a guerra, para recuperar essas
mesmas áreas de comércio. Na sua estratégia de manutenção do comércio do
açúcar, os portos dos dois lados do Atlântico eram fundamentais. Em 1624-25
tomam a Bahia. Em 1630 caem Olinda e Pernambuco, e em 1635 a Zona da Mata
pernambucana será ocupada.
Contratado em 1636 como governador da nova conquista, o conde alemão,
João Mauricio de Nassau - Siegen, vende a holandeses e brasileiros os engenhos
confiscados, os quais recomeçam a produção em 1638. Para isso, são necessários
escravos, e Nassau afirma "Os Portugueses dizem em forma de adágio: quem
quiser levar o Brasil do Brasil, traga África para o Brasil” (FHBH, vol I apud
Alencastro 2000:104), ou seja, quem quiser fazer fortuna no Brasil, traga escravos
até ao Brasil.
Após alguma preparação
23
, Nassau envia uma frota de Recife para conquistar
São Jorge da Mina, a qual tem sucesso. Os Holandeses ficarão até 1872. Meses
mais tarde, feitorias são levantadas em Pinda (Reino do Soyo, abaixo da boca do
Congo), e no Loango.
23
Os Holandeses foram desde 1640 aproveitando o comércio de escravos mas sem poderem participar dele como
desejavam. Para isso era necessário uma boa rede de contatos com tratistas nativos, a disponibilidade de navios
adequados e o bom conhecimento da língua portuguesa - língua necessária ao comercio.
41
Em 1640 os portugueses revoltam-se contra Espanha e esperam que com
isso os Holandeses os deixem em paz. É assinada uma trégua por 10 anos, que não
tem efeitos a porque Nassau lança nova ofensiva
24
a Luanda, o maior porto
negreiro do Atlântico,
com dezenove navios e 1950 soldados..São conquistados
Luanda e os portos negreiros de Benguela e São Tomé. No Brasil, são incorporados
Maranhão, Alagoas, Ceará e Sergipe.
De 1638 a 1645, a produção de açúcar ganharia novo fôlego. De cem mil
arrobas anuais exportadas passa-se a trezentas mil (Wehling, Arno e Wehling, Maria
José C. M., 1999:130).
Em Portugal, a situação de guerra com Espanha é uma das justificações para
que o recém criado Conselho Ultramarino, verdadeiro Ministério para os assuntos do
Ultramar cuja ação se prolongará até à descolonização africana do século XX,
endosse, em 1643 ao Brasil, em especial ao Rio de Janeiro, a responsabilidade
pela reconquista Angolana e São-Tomense.
Salvador de detinha o poder real de governo geral no Rio de Janeiro e
Angola. Lançando mão da requisição de bens e de ajudas diversas, monta-se a
ofensiva. Animais dos currais de e dos Jesuítas são abatidos, para aprovisionar
a frota. Toca-se sica nas ruas do Rio, para angariar dinheiro. Salvador de e
seus sócios negreiros legitimam a empreitada pelo proveito que esta dará à
economia fluminense, ao comércio com o Prata (escravos versus prata), e aos
imperativos da geopolítica lusitana. De acordo com Alencastro (2000), os
comerciantes negreiros financiam 70% dos custos da empreitada sendo o restante
24
Aproveitando a demora de ratificação de tréguas com Portugal, Nassau envia a frota sem esperar pelo aval metropolitano.
Luanda cai em 1641.
42
arrecadado de diversas formas, entre as quais o confisco de bens de cristãos
novos.
"A nova guerra de Pernambuco" expressão com que os moradores do Rio de
Janeiro designam a ofensiva, cria insegurança pela possibilidade de os Holandeses
aproveitarem a saída da frota para conquistar a cidade desguarnecida. De acordo
com Alencastro (2000), esta primeira frota internacional armada e equipada por
colonos do novo mundo (duzentos e setenta anos antes que os Estados Unidos o
fizessem na primeira guerra mundial) , constituía-se de onze naus e quatro patachos
com cerca de 2000 homens que chegam a Angola, fazem alianças com Sobas e
vencem os Holandeses, em Agosto de 1648. A “Gloriosa Família” do escritor
Pepetela, retrata a chegada em meio a uma bruma repentina, da maioria das naus a
Luanda. A maior, a nau Almirante, também designada por Galeão, acidenta-se no
caminho. Ainda hoje dá nome ao aeroporto internacional da cidade de onde partiu.
Angola e São Tomé e Príncipe iniciam seu período de domínio "brasílico"
25
, o
qual, durante 150 anos marcará decisivamente a evolução daqueles países, em
particular, pela desconstrução de seus sistemas alimentares.
1.2.1 A desconstrução alimentar de Angola
Os expedicionários provenientes do Brasil entram no sertão angolano
marcando as fronteiras do país até o século XIX. Diversas batalhas são travadas na
ocupação angolana por um corpo expedicionário mais adaptado aos trópicos.
25
Substantivo usado no seculo XVI para designar a sociedade colonial portuguesa na América. Lencastre (2000) usa-o para
designar essa mesma sociedade nos séculos XVI, XVII e XVIII.
43
Como refere Alencastro (2000: 294) "recursos das escaramuças contra índios,
quilombolas, reducciones do Guairá e Holandeses - o uso de gibões paulistas,
matula de mandioca e milho, marchas rápidas adescalço, e note-se, a destruição
sistemática de roças nativas - surgem como novidades nas guerras angolanas do
período".
A utilização, por exemplo, de armas de fogo testadas nas lutas contra os
Holandeses, a roldete e percussão e não à mecha (que não resiste à umidade
tropical ou à chuva), ajudaram na vitória mais importante e decisiva dos brasílicos
contra o reino do Congo - a batalha de Ambuila.
Após a “restauração
26
o envolvimento brasílico estende-se ao aparelho
administrativo. Além do próprio Salvador de (estátua em Luanda, apresentada na
foto abaixo) , e vários de seus mais diretos colaboradores, mais de 10 governadores
de Angola tiveram antes cargos equivalentes no Brasil , entre 1680 e1810 Também
os governos de São Tomé e Príncipe e Cabo Verde são entregues a brasílicos.
26
Nome pelo qual a recuperação ficou conhecida. Na década de 70 do século XX , em pleno Estado novo ainda se
comemorava em Angola o dia da “restauração”.
44
Será neste período que a cachaça se impõe nos mercados africanos. É
necessário referir que os africanos do período pré-europeu desconheciam as
aguardentes, mas consumiam bebidas fermentadas.
Os portugueses denominam "vinho de palma" ao "malafo", bebida fermentada
com valor de consumo, troca e cerimonial, extraída de diversos tipos de palmeira em
especial do dendezeiro
27
. A palmeira de dendê fornecia aos Angolanos o coquinho
de onde também se extraía azeite alimentar, ungüentos medicinais, sabão, estacas
para as casas, fibras para tecidos e cordas, sendo um elemento de poder social e
económico para os sobados
28
.
Com a gradual destruição propositada de palmares por jagas e pelo corpo
expedicionário brasílico, a produção de malafo vai-se desestruturando e as
importações de cachaça aumentam. Esta passará por diversos momentos, ora
27
"Marafo" será o nome pelo qual será também conhecida a cachaça no Rio de Janeiro
28
Soba, ou líder da comunidade local.
Foto 2 – Estátua de Salvador Correia de
Sá, em Luanda
Fonte:
Salvador (2004)
45
ilegalizada, ora pagando impostos regulares no Brasil, em função dos interesses que
envolviam a venda de vinhos e licores portugueses para Angola.
Quando no final do século XVII,os vinhos portugueses começam a conquistar
o mercado inglês e se origina um motim dos produtores de cachaça no Rio de
Janeiro que leva à destituição de Salvador de
29
, abrem-se maiores possibilidades
para o comércio legal. A cachaça foi o produto brasileiro que mais escravos
comprou, representando entre 1699 e 1703, 78,4% das bebidas alcoólicas
legalmente exportadas (ALECASTRO, 2000:295).
Ainda segundo o autor, as exportações brasileiras de fumo e cachaça
permitiram comprar 48% dos 2,027 milhões de escravos chegados vivos ao Brasil
entre 1701 e 1810. Considerando outros produtos exportados como o couro,
cavalos, mandioca, carne e peixe salgados e secos, e considerando também ,que se
trabalha apenas com números legalmente registrados para efeitos de pagamento de
impostos ,ou ressarcimento de seguros, não é difícil pensar que muito mais de
metade dos escravos chegados ao Brasil, tenham sido adquiridos com mercadorias
agrícolas brasileiras, as quais certamente foram valorizadas em África, em função
da desestruturação cumulativa que o tráfico foi fazendo nos sistemas agro-pastroris
tradicionais, e na concentração/competição verificada no âmbito do próprio negócio.
Explico em seguida.
Note-se que escravatura doméstica tradicional, em África, normalmente
assente no controle do campesinato, se foi reforçando e ligando intimamente à
atividade comercial, rompendo estruturas e gerando vulnerabilidades, que por sua
vez reforçaram o número de almas disponíveis para venda. O equilíbrio precário
29
Principal artificie da reconquista de Angola quando se torna seu governador voltando mais tarde ao governo do Rio de
Janeiro. Possuía também interesses na Companhia Geral de Comercio, entidade responsável pela venda dos vinhos
portugueses.
46
vivido pela maioria dos camponeses africanos (sujeitos a mecanismos de controle
do estado, dos traficantes e raides de outros estados), aumentou a vulnerabilidade
das secas, das pestes e de outros fenômenos naturais cíclicos na região, gerando
diversas situações de fome recorrente que se traduziram em maior competição por
recursos.
Os guerreiros Jagas, atrás mencionados, por exemplo, certamente fariam
parte de hordas móveis surgidas na decorrência deste flagelo associado
ciclicamente às secas (Miller, 1982). Sua primeira incursão documentada no reino do
Congo coincide com um período de seca (recorrentes ao longo dos séculos XVIII e
XIX). Acredito que na história de Angola e Congo, durante os três séculos de
escravismo, várias guerras inerentes à desestabilização social e econômica,
associadas ao tráfico (e que o alimentaram), tiveram origem em problemas
relacionados com a fome.
Costa e Silva (2002: 139) refere e apóia Pigafetta (1978) a propósito do reino
do Congo, no final do século XVI dizendo que Viam-se eles forçados a trocar por
comida com os navios São-Tomenses, primeiro, os seus escravos e dependentes, e
depois os familiares. Escravizavam-se até mesmo filhos de nobres”.
Note-se que era possível, ou pelo menos mais viável, fazer campanhas
militares nas épocas de seca logo após um período anterior de colheitas, e que
estas eram realizadas pela população servil (que também servia como mão de obra
para a guerra e, em caso de insucesso, para a escravidão).
Entre os séculos XVI e XIX, e face à gradual desestruturação dos reinos
existentes e do surgimento de diversos estados em permanente competição, pelos
escravos, é natural que não tivesse parado de crescer também a carga de impostos
sobre o campesinato. O aumento dos tributos, corveias, serviço militar e o risco de
47
escravização geraram um ambiente permanente de opressão e revolta , no meio
rural local, de onde saíam a grande maioria dos escravos exportados (Birminghan,
1975:340).
Vale a pena repetir: em Angola , e ao contrário das demais zonas
fornecedoras, a maioria dos escravos exportados foi obtida nas áreas mais interiores
do país. Citando Costa e Silva (2002:375), “Angola, contudo, seria um caso limite:
desde a segunda metade do século XVII, a maioria dos cativos vinha de muito longe,
o que aumentava as perdas”. O autor refere mortalidade de cativos no transporte
desde o interior ao litoral, quer no seu armazenamento pré-embarque na ordem dos
40%, ou seja , menos 10% do que Miller (1982) considera.
Se existem mortes associadas a doenças antes desconhecidas, também
existiram por fome, e as segundas, são não apenas mais citadas como
provavelmente mais comuns, face à desestruturação dos sistemas produtivos locais
que, além de destruídos sistematicamente, tinham sofrido face à alteração de
componentes da dieta tradicional africana, baseada no sorgo, feijão
30
, inhame
31
milhos pequenos, amendoim
32
entre outros. Algumas destas variedades, embora
menos produtivas, eram mais resistentes a secas e pragas usuais.
A introdução de espécies exóticas da América certamente rompe equilíbrios
ecológicos pré-existentes que, sendo naturalmente precários, facilmente redundam
em maior competição por recursos face à ação do tráfico. Como refere Miller (1982 e
1983), a área bantu do Atlântico transforma-se, assim, no cenário ideal para a
produção de escravos, face à insegurança alimentar.
30
Cajanus indicus.
31
Discorea bulbifera L. mais conhecido na Bahia como Inhame de Angola. Cascudo (2004).
32
Voandzeia subterranea
48
Aliás, insegurança alimentar e doença andam normalmente de mãos dadas. A
tuberculose, a pneumonia bacilar, sífilis endêmica e venérea, mas, sobretudo, a
varíola, estiveram sempre associadas à fome no Congo e em Angola , até ao
principio do século XX (Iliffe, 1999: 181).
A própria aceitação e valorização de produtos alimentares como meio de
escambo ajuda a defender esta idéia, em particular, as vendas de cachaça e de
mandioca, carne e peixe secos (já que o tabaco e o couro eram frequentemente
utilizados para escambo com comerciantes holandeses ou locais que o revendiam
mais tarde).
Embora existam relatos de pequenas fazendas instaladas nos caminhos e
trajetos percorridos pelos escravos nos séculos XVII e XVIII (Alencastro, 2000) ,
estas não eram certamente, capazes de satisfazer não apenas a demanda regular
de alimentos de Angola, como teriam condições muito deficientes de funcionamento
para garantir o abastecimento em períodos de ponta, ou seja, nos momentos de
maior expansão do mercado internacional de produtos tropicais, fornecidos pelo
Brasil, em particular no século XIX, quando o mero de escravos capturados
aumenta significativamente face à pressão inglesa para a abolição. Nessa época, o
governador de Angola ainda solicita aos comerciantes brasileiros que tragam
mandioca e outros produtos alimentares para Angola (ALENCASTRO, 2000).
No mesmo sentido, a maior concorrência e o abaixamento de preços
constantemente impostos pelos comerciantes brasílicos (que financiavam as redes
locais de captura, nomeadamente os comerciantes l e os sertanejos responsáveis
pelo escambo interiorano), induziram os comerciantes locais a aumentar a violência
utilizada na captura (menor tempo e conseqüente custo de manutenção dos
escravos, que esta pode passar a ser feita no momento de chegada do
49
comprador) , e a fixar o preço dos escravos , repassando os custos de sua
manutenção e transporte ao litoral , para o comerciante litorâneo ou de além-mar.
A utilização de produtos alimentares para escambo configura assim uma
deterioração dos termos de troca deste comércio Sul Sul, com claras
desvantagens para os Africanos e expressivos ganhos para o Brasil.
O número total de escravos chegados ao Brasil sempre foi fonte de
controvérsia Mas é hoje geralmente aceite, que cerca de 40% dos 10 milhões
chegados à América, vieram para o Brasil, ou seja, 4 milhões. Admitindo-se perdas
(extremamente conservadoras face ao citado anteriormente) de 10% na captura,
25% no transporte do interior para o litoral, 15% no armazenamento no litoral e 5%
na meia passagem
33
, teríamos milhões de seres humanos retirados da África
Ocidental (Congo e Angola) para o Brasil , de 1551 a 1860
34
.
Como refere Florentino (1997), seja em termos de extensão cronológica seja
com relação ao volume absoluto de importações, nenhuma outra região americana
esteve tão ligada à África por meio de uma complexa rede econômica associada ao
tráfico como o Brasil.
Por estes motivos, Alencastro (2000:325) refere que "a destruição constante
de Angola se apresentou como contrapartida da construção contínua do Brasil".
Construção contínua que, como vimos até agora, se efetua com base na
acumulação gerada em trocas não equivalentes como, por exemplo, o escambo de
33
Esta é uma área polêmica existindo autores como Klein (1999) que encontram taxas inferiores a estas e outros como
Florentino (1997) que consideram 20% uma media aceitável a partir do levantamento que faz para o Rio de Janeiro.
Florentino não entra em linha de conta, contudo, com o valor de escambo (perecível) já que utiliza declarações de valor
realizadas pelos armadores para efeitos de ressarcimento por companhias de seguros em caso de acidentes ou apreensão
da carga.
34
Séries trabalhadas por Klein (1999) – quadro 2 pag 210. Joseph Miller (1988:862) considera as taxas de mortalidade
apresentadas as quais indicariam um número de escravos superior retirado de Angola.
50
um escravo por três ou quatro garrafões de aguardente de cana (também produzida
com recurso a mão de obra escrava).
Mas esta destruição não se altera em Angola, após a independência do
Brasil. porque o tráfico bilateral continua, também porque a metrópole
mantém sua dependência do Brasil , e não são, por isso, feitos esforços
significativos para alterar a política e a situação nas colônias africanas.
no final de 1880 é que o comércio com os países africanos ultrapassou o
do Brasil. As remessas financeiras do Brasil feitas pelos emigrantes pobres ainda
ultrapassavam as africanas (SMITH, 1990: 15)
Esta situação só se inverte a partir de 1930, ou seja, cerca de 30 anos antes
do início da luta armada em Angola, quando no contexto da recessão mundial, o
governo brasileiro fecha as portas às remessas monetárias de emigrantes e elimina
as importações de vinho e produtos alimentares portugueses. Bancos portugueses
que haviam aberto filiais no Brasil nos anos 20 abrem falência , as companhias de
navegação suspendem esta rota no Atlântico e milhares de famílias que dependiam
das remessas de familiares no Brasil , mergulham na pobreza.
Como refere Smith (1990:23), "Foi em 1930 que Portugal realmente perdeu o
Brasil e não em 1825".
Naturalmente esta situação influiu na falta de atenção que foi dada às
colônias africanas entre 1830 e 1930. Com a independência do Brasil e o final da
Guerra Civil em Portugal (1834) ,o império africano existia apenas enquanto
conceito. O poder metropolitano estava esvaziado em África. Juntas locais de
governo, quase independentes da metrópole, exerciam a pouca autoridade nas
colónias. Estas estavam numa situação caótica. O despovoamento evidenciava isso.
51
Aridez, solos pobres, poucos recursos minerais (desconhecia-se o papel futuro do
petróleo), comunicações difíceis, o esvaziamento ocasionado pelo tráfico e a
brutalidade de uma administração colonial subcapitalizada, além de muitas doenças,
eram os principais motivos para a fraca densidade populacional africana.
35
Em todas as colônias, em particular nas cidades litorais de Angola, tinha - se
verificado a formação de partidos "brasileiros" que defendiam a anexação ao Brasil.
Estas tentativas são prontamente reprimidas pelas autoridades coloniais, e não terão
apoio oficial do Brasil que havia assinado um acordo expresso com Portugal,
defraudando assim, as elites brasileiras que sonhavam com um Império em África.
Estas vão receber, contudo, renovada atenção quando sua expressão
económica o desaconselha. De acordo com Smith (1990), a África representava
menos de 1% do comércio total de Portugal até ao princípio da década de 1840. Nos
anos subseqüentes esta participação aumenta, mas em 1850, situa-se apenas em
3% a 4%.
Será a renovação e ampliação de uma ideologia imperial com base na idéia
de novos "Brasis" (o que compensa um profundo sentimento de perda das elites
políticas) ,que levará Portugal à opção africana em detrimento de uma união Ibérica.
Daí resulta, em parte, como também refere Smith (1990), que o modelo para
a reconstrução do Império Africano, durante os séculos XIX e XX, será o do anterior
- o do Brasil . Mas os tempos não eram mais os mesmos, e Angola ou São Tomé
35
Mesmo em 1960, Angola com uma superfície maior do que a de França, Itália e Alemanha Ocidental tinha menos de 5
milhões de habitantes. Moçambique com dois terços da área angolana tinha cerca de 6 milhões. O resto do império tinha
mais um milhão. Dois terços do território Angolano não recebiam chuvas suficientes ou estavam cobertas pelas areias do
Kalahari que cobriam parte do sul de Moçambique. Moçambique não tinha recursos minerais com excepção do carvão e o
cobre e ferro de Angola não eram de boa qualidade. A mosca tsé tsé era frequente nos dois países e inviabilizava a
atividade pecuária.
O litoral era escarposo impedindo a penetração fácil para o interior. Os rios eram pouco navegáveis. Verifica o exagero de
pensar em novos "Brasis" (Smith ,1990:19)
52
não assistiram a um processo desenvolvimentista parecido com o brasileiro, como
veremos em seguida.
1.3 A CONSTRUÇÃO DO BRASIL
Como vimos, este comércio, embora inicialmente operacionalizado e
revertendo para interesses europeus foi, majoritariamente, uma atividade altamente
lucrativa desempenhada pelas elites brasileiras, que resistiram durante mais de 40
anos (1810 a 1850) às poderosas pressões sociais econômicas, políticas e militares
visando a sua extinção.
Como ainda refere Florentino (1997: 118), “a parcela de africanos que
cruzaram o atlântico sob responsabilidade direta de traficantes portugueses terá sido
mínima….em torno de 20% a 23% do total”.
Utilizando ainda o trabalho desenvolvido por Florentino (1997) verifica-se,
para o caso dos comerciantes registrados na praça do Rio de Janeiro, e para o
período entre 1790 e 1830, que a atividade negreira ali desenvolvida foi claramente
a mais importante do país (superando a Bahia e demais regiões do Nordeste), e foi a
empresa mais rentável do período colonial… superando o valor isolado das
importações nacionais de produtos manufaturados, tendo uma taxa de lucro dio
no período de 20%
36
, quando outras atividades desenvolvidas no século XIX, como
por exemplo a produção do café, tinham, segundo o mesmo autor, taxas na ordem
36
Valores encontrados por Florentino (1997: 168) que menciona valores encontrados por outros autores para a Bahia de
17,8% e 21,8% nos mesmos períodos. Refere ainda que os valores médios em 10 anos considerados para a actividade nas
colónias inglesas eram de 8,2% e 13%.
53
dos 15% em anos muito excepcionais. Mas note-se mais uma vez , que falamos de
valores declarados a companhias de seguros, o que significa a valorização das
mercadorias compradas.
É também aceite que este “comércio de homens” referido por Celso Furtado
(1968) se tornou o item de maior peso nas importações coloniais brasileiras, e
variava proporcionalmente ao aumento da exportação de produtos agrícolas
tropicais
37
. O baixo custo de produção ajudou o setor comercial e agro-exportador a
resistir às conjunturas internacionais desfavoráveis, e a uma acumulação que lhe
permitiu a diversificação de investimentos para outras áreas de negócio, como o
imobiliário e a agricultura.
Embora Florentino (1997) não explique ou sugira as razões para a
excepcional taxa de lucro do comércio negreiro do Brasil quando comparado com o
de outros países como a Inglaterra e a França (taxas na ordem dos 5% a 10%),
acredito que provavelmente isto decorra em parte, porque o montante necessário
para a formação de bens alimentares utilizados para escambo era certamente
inferior aos utilizados pela Inglaterra e França (mesmo considerando o Rum das
Antilhas).
Isto decorrerá da singularidade brasileira descrita por Alencastro (2000),
que cerca de metade dos escravos importados para o Brasil são trocados por
produtos nacionais, em particular por produtos agrícolas, e isto decorre, por sua vez,
de uma política deliberada e sistemática (destruição de palmares, colheitas,
alteração das bases alimentares tradicionais e do regime de propriedade) , de
aumento da fome e da vulnerabilidade às mudanças climáticas, em particular, às
secas freqüentes. A troca de produtos agrícolas por mão-de-obra estabelece-se ao
37
Prado Júnior (1978: 29); Furtado (1968: 53-4 e 125)
54
redor de vários produtos, sendo imprescindível referir, em primeiro lugar, a mandioca
(várias)
38
e a cachaça ou aguardente de cana.
1.3.1 A mandioca, a cachaça e outros produtos agrícolas na construção
do Brasil
A mandioca foi inicialmente o principal produto de escambo. A distância entre
Luanda e o Recife (35 dias de viagem), entre Luanda e Salvador (40 dias) e Rio de
Janeiro (50 dias), obrigava ao armazenamento de consideráveis quantidades de
farinha para alimento a bordo e, como referi, nos entrepostos e caminhos
africanos. Dava-se cerca de 1,8 litros diários de mandioca a cada escravo, farinha
de emba (coquinho da palmeira de dendê), um quinto de litro de feijão ou milho,
peixe seco salgado, carne de boi seca e salgada, baleia, hipopótamo ou elefante
(Alencastro, 2000).
39
O porto de Luanda consumia em meados do século XVI, 35 mil a 40 mil sacos
de mandioca por ano, ou seja, cerca de 1,5 toneladas diárias, produzidas em
fazendas situadas próximo da cidade
40
. Estas fazendas produziam também milho e
sorgo, produtos demandados pelo trato e pelos habitantes locais. A mandioca
espalha - se pelos sertões africanos, no percurso dos "libambos", onde de ser
38
A mandioca é originária da América e conhecida desde sempre pelos Guaranis. Existem nas suas formas cultivadas
mandiocas doces e amargas. Estas ultimas possuem acido cianídrico que se elimina mediante maceração em água. Os
portugueses levaram a mandioca para África, presume-se que inicialmente para São Tomé e Príncipe, sendo cultivada em
Angola desde o final do século XVI. O extremo oriente ainda importava mandioca do Brasil no século XIX. A mandioca é
base da alimentação africana sendo Angola, Costa do Marfim, Nigéria, Zaire e Ghana os principais produtores mundiais
mas não exportadores. O Brasil faz parte dos maiores exportadores. A mandioca possui elevado valor energético podendo
também obter-se dextrose e glucose para utilização em diversos produtos não alimentares como papel, cartão ondulado,
gomas e colas, processos para os quais o Brasil desenvolveu tecnologia adequada.
39
Citando o relatório do diretor Moortamer, Luanda, 14.10. 1642 in ACA, t.I,pp 353-4 HGGA, t. III, pp 341, 360
40
Alencastro (2000:448),calcula que as cerca de 540 toneladas/ano consumidas em Luanda nos anos 1660 podem ser
relacionadas com as 680 toneladas/ano exportadas do Rio para Angola por volta de 1610 quando ainda não havia produção
em Angola.
55
encontrada pelo paulista Lacerda e Almeida
41
e, como veremos mais adiante, passou
a ser a mais importante base alimentar da agricultura familiar africana.
A mandioca era também, por vezes, usada para pagamento do soldo de
soldados, a exemplo do que sucedia também no Brasil. Angola nunca deixaria de
necessitar de mandioca brasileira aporque, os mandiocais africanos eram (e são)
mais susceptíveis à seca e aos gafanhotos, e o inhame africano é muito mais difícil
de se plantar e conservar na época da seca.
As exportações de mandioca para África no final do século XVI auxiliam o
desencravamento econômico do Rio de Janeiro. O produto extorquido do trabalho
indígena compulsório auxilia a ascensão a senhores de engenho dos lavradores
fluminenses, em especial após a introdução da moenda vertical (Barros de Castro,
1980, apud Alencastro, 2000).
Note-se que ainda no início do século XIX o governador de Angola insistia
para que os negreiros trouxessem mandioca do Brasil
42
face à insuficiência da
produção local, a qual, como disse, decorre em grande parte da desestruturação
das sociedades agrícolas tradicionais
43
Maior importância teve ainda a aguardente
de cana, cachaça ou "jeribita".
44
Vamos verificar como esta entra em África.
41
Lacerda e Almeida empreendem uma viagem desde o litoral de Moçambique e começa a encontrar roças com mandioca
quando se aproxima do actual território angolano. Alencastro (2000), citando F. J. de Lacerda e Almeida, Diários de viagem,
op cit., pag 258; "Noticias dadas por Manoel Caetano Pereira (...) que se entranhou (...)até a cidade do rei Cazembe...",
1798, AA, vol III (16-18), 1937, pag 39
42
Nunca entendi porque em Angola ou ainda no Ghana e em São Tomé praticamente se come a farinha de mandioca
fermentada e não a seca como no Brasil. O “funge” africano que se come com os dedos (úmidos para não se colar) envolto
no molho do guizado de peixe seco, quiabos ou carne com dendê. Embora no último também se consuma fermentada em
algumas regiões, a verdade é que as regiões que mais exportavam mandioca para África eram aquelas onde esta se
consome em farinha e seca. Contudo, em épocas de grande procura, seria a mandioca realmente seca? Haveria tempo
para isso? Sabendo que a farinha era transportada em bolsas de couro no porão dos barcos com elevada umidade e calor
por pelo menos 30 dias sempre pensei que a fermentação, mesmo que leve, seria inevitável.
43
Aviso de 18/08/1817, AA, 2 série, vol XVIII, ns 71-74, 1961 apud Alencastro, 2000.
44
"Jeribita" é o nome pelo qual será conhecida a bebida em Angola. "Jeribá" em Tupi é uma espécie de palmeira de onde
os índios produziam no Brasil uma bebida fermentada.
56
A queda de consumo do açúcar e a maior concorrência das Antilhas, assim
como a concorrência da Virgínia no tabaco, gera uma queda de preços destes
produtos na segunda metade do século XVII. O incremento da produção interna
brasileira e a venda de cachaça para África representam a transferência do custo de
reprodução dos escravos no Brasil para as aldeias e famílias angolanas.
Ela aumentará os lucros dos comerciantes e senhores de engenho
45
,
aumentará a oferta de escravos
46
e assegurará a importância brasileira sobre o trato
negreiro. Manter-se-á como moeda-mercadoria em Angola até o século XX, como
veremos mais adiante, tendo os primeiros engenhos sido estabelecidos face à
ligação ao Brasil. Na foto abaixo pode ver-se um engenho na região do Dombe,
fundada por imigrantes de Pernambuco.
Também o cultivo de fruteiras americanas nas vizinhanças dos portos
Angolanos e das redes interiores de tráfico, de plantas da América tropical como o
45
Um aumento de lucro calculado por Stuart Schwartz em cerca de 25%. (Alencastro, 2000:310)
46
Desde 1660 que os termos de troca entre o Brasil e África são favoráveis ao primeiro. O preço relativo do
escravo africano permanecerá baixo até à ultima década do século XVII em função da cachaça. Alencastro
(2000:310)
Foto 3 – Engenho na região do Dombe,
fundada por imigrantes de
Pernambuco.
Fonte:
Salvador (2004)
57
feijão (Phaseolus vulgaris), amendoim (Arachis hypogaea), abacaxi (Ananas
commosus L.), mamão (Carica papaya), goiaba (Psidium guiavum L.), entre outros,
terá contribuído, segundo Alencastro (2000: 93)
47
para diminuir a mortalidade dos
cativos e consolidar o tráfico negreiro
48
a favor do Brasil.
O mesmo sucedeu com plantas do Sudeste Asiático como o limão
49
, a laranja
(citrus sp) e a manga (Mangifera indica L.).O Brasil acabou recebendo a banana, o
azeite de dendê e o feijão andu.
Considero particularmente importante esta “fertilização cruzada”, singular no
espaço Atlântico, pelo estabelecimento de um património agrícola comum, que
constrói identidades e potencia a cooperação a vários níveis - ainda hoje a Embrapa
possui o maior banco de germoplasma de mandioca trazida de África). Mas não só.
O mais importante, o mais singular, foi que desta particularidade “alimentar” e não
apenas das guerras geradas em Angola (algo claro no estudo de Florentino ,1997),
resulta, em grande parte, a importância e poder crescentes da elite brasileira
associada ao tráfico.
O Rio de Janeiro, sendo a mais importante praça mercantil de escravos do
país no período final do tráfico, conseguia, face às margens de que dispunha,
exportar escravos para toda a região Sudeste, em particular São Paulo e Minas
Gerais, região Sul, Centro e Oeste, assim como em menor proporção para o
47
Alencastro cita também a batata (Solanum tuberosum L.). Parece-nos contudo que deve referir-se a batata-doce (Ipomea
batatas L.) na medida em que a primeira se conhece em Portugal no final do século XIX. Ao contrário, a batata-doce
existia no Brasil e foi levada pelos portugueses para Cabo Verde e São Tomé e Príncipe onde é referida em 1552 (Ferrão,
1992). Aliás esta ultima adapta-se mais a terrenos de baixa altitude com as características dos existentes na região de
Luanda.
48
Admitimos que estes produtos cultivados e(ou) existentes sub-espontaneamente no percurso dos "libambos" possam
aqui reduzir a mortalidade dos escravos. O mesmo quando estes se encontravam aguardando embarque. Mas as maiores
mortalidades deviam-se ao transporte marítimo e afigura-se mais difícil o seu transporte por questões de conservação.
49
Os citrinos (Citrus sp) existiam em Portugal antes da expansão e terão sido aqui introduzidos pelos árabes. Os
portugueses encontraram-nos na costa oriental africana (Vasco da Gama) e no norte da Costa Ocidental de onde as
introduziram em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Brasil. Entre os maiores produtores mundiais estão hoje o Brasil e
Moçambique. Ferrão (1992).
58
Nordeste. Florentino (1997) comprova que após 100 anos de governação brasílica,
era visível uma acentuada concentração de atividades com diversas barreiras à
entrada, uma alta lucratividade e um risco crescente, uma diversificação de
investimentos consideráveis, e uma elite que ao longo do período analisado se
confunde com o Estado e com os mais altos níveis de poder do Império.
Não podendo generalizar estes dados para um período muito mais extenso,
em particular para o período anterior, é importante notar que o tráfico foi claramente,
antes do início da industrialização do Brasil, a atividade econômica com maior
capacidade de acumulação endógena da colônia, e isso considerando épocas em
que os custos com sua manutenção eram elevados face às necessidades de
suportar os riscos e o apresamento pela armada inglesa.
Se no lado Brasileiro esta atividade permitiu a acumulação primitiva que
contribuiu para que os traficantes desfrutassem de um papel ímpar na hierarquia
socioeconômica colonial, influenciando ativamente as políticas internacionais do
Estado, no lado Angolano e São Tomense ela permitiu a geração e cristalização de
hierarquias sociais e relações de poder fundamentais para obtenção de uma mão de
obra a custos muito baixos, que se produzia com recurso crescente à fome, à
doença e à violência. Em função disso, a evolução econômica e social
subseqüentes, em ambos os lados do Atlântico, foi diversa, como detalho no
próximo capítulo.
59
2 HISTÓRIA COMUM E EVOLUÇÂO DIVERGENTE
Numa tentativa de tornar esta evolução divergente mais clara, ela é
apresentada separadamente neste capítulo. Também separo os casos de São Tomé
e Príncipe, Angola e Brasil para tornar mais evidentes as ligações com o capítulo
anterior.
Como veremos em seguida, o Brasil se afirma como centro do sistema de
comércio atlântico e os demais países se vocacionam para esta integração, gerando
estruturas sócio-econômicas que perdurarão no tempo. É assim que ainda hoje
SãoTomé e Príncipe é absolutamente dependente do cacau e de uma reforma
agrária, não tendo gerado nenhum projeto econômico ou político alternativo. Inicio
assim por São Tomé e Príncipe.
2.1 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Com a gradual entrada e consolidação da produção açucareira no Brasil, vai
assistir-se ao declínio acentuado desta produção São-Tomense, em especial a partir
de 1600
50
. Grande parte dos fazendeiros São-Tomenses muda-se para o Brasil
(SEIBERT, 2001: 39).
A decadência açucareira permite, contudo, o controle político das ilhas pela
elite forra que assume o controle da igreja, da administração local e das terras. Pela
sua importância, este aspecto merece uma explicação mais detalhada.
50
Embora a produção açucareira São Tomense se incremente alguns anos na ocupação holandesa de Pernambuco, tal
situação será conjuntural.
60
O regime de propriedade privada da terra era estranho à cultura africana
(Negrão, 2003). Desde o início da colonização que os “forros”
51
tiveram acesso a
glebas que, pela sua área reduzida, não tinham valor significativo para a produção.
Naturalmente, o regime de monocultura ocupou inicialmente as áreas mais férteis,
planas e com água abundante, e nelas desenvolveu a produção de cana-de-açúcar
(ainda hoje essas são as áreas com maior concentração populacional).
Com o declínio da produção açucareira, e no quadro do absentismo vigente e
do abandono das terras antes utilizadas para a cana-de-açúcar, existiam vastas
áreas abandonadas que foram sendo ocupadas (ou) agregadas pelos forros e
crioulos (e em menor escala por escravos). Outras áreas foram re-ocupadas pela
floresta, anteriormente cortada para instalação da cultura da cana. Esta situação, de
interrupção da autoridade colonial efetiva não sucedeu, por exemplo, nas colônias
inglesas do Caribe (SEIBERT, 2001).
Após a independência do Brasil e a instabilidade política em Portugal, São
Tomé e Príncipe estará mais próximo da Bahia e do Rio de Janeiro do que de
Lisboa. Nesta fase, e também mais tarde, com o fim do tráfico, muitos homens livres,
e sobretudo fazendeiros, procurarão também novas oportunidades no Brasil. A
população de brancos e mestiços nas duas ilhas totalizava nessa época 185
indivíduos, para uma população total de 12.753 indivíduos (NASCIMENTO, 1998).
A atividade comercial que agora existia fazia-se com embarcações que
percorriam a costa e trocavam as sobras do comércio continental por produtos locais
como a mandioca, milho, feijão, inhame, azeite de dendê, gengibre e algum algodão.
A introdução do café (Coffea arábica) e do cacau (Thebroma cacao L.) vai
alterar a situação anterior assim como alterar a distribuição geográfica da população.
51
Escravos libertos
61
A introdução do café em o Tomé e Príncipe é proveniente do Brasil pela
mão do então nomeado governador, João Baptista e Silva. Registros de João
Baptista e Silva admitem a existência de plantas de café trazidas para experimento,
por ele próprio, em 1789. Isto reforça a idéia de que o café tenha vindo do Paou
do Maranhão porque em 1748 havia nessa área cerca de 17 mil plantas de café
52
,
enquanto no Rio de Janeiro este ainda não tinha expressão significativa.
Repare-se que Portugal estava mais interessada em que se produzisse
algodão em São Tomé e Príncipe, e fez várias tentativas nesse sentido. No entanto,
esta cultura nunca se desenvolveu face ao peso das ligações existentes com o
Brasil.
O café rapidamente ocupa terras mais altas movendo a população para as
zonas rurais da ilha de São Tomé. A ilha do Príncipe, até então a capital
administrativa, inicia um longo período de decadência ainda hoje visível para quem a
visita.
Em 1830 o café rendia um quarto da receita pública de São Tomé. Nas
décadas seguintes, este processo de renascimento da atividade agrícola empurraria
os ilhéus para fora das terras entretanto ocupadas.
A falta de mão-de-obra faz com que formas diversas de escravidão subsistam
nas ilhas até ao início do culo XX, e que a "importação" de "voluntários" se
estenda a Angola e a Cabo Verde. O regime de trabalho de contrato moldou
significativamente a sociedade São-Tomense assim como a Angolana, e não foi
mais do que a continuação do sistema escravista anterior.
52
Participação do Senado da Câmara do Pará ao Governador-geral referida por Ferrão (1992:216)
62
Como refere M ´Bokolo (1998) “Slavery thus persisted within the colonial
system, as we can see from the League of Nations surveys conducted between the
two world wars. Worse still, in order to drive the economic machine, they created a
new type of slavery in the form of forced labour. "Whatever it is called, nothing can
disguise the fact that forced labour is de facto and de jure simply the reintroduction
and promotion of slavery."
Estas situações ainda se agravariam mais com a expansão do cacau pelo
final do século XIX. Sabe-se que o cacau foi trazido da Bahia e introduzido como
planta ornamental na ilha do Príncipe em 1822 por José Ferreira Gomes, natural de
Benguela (FERRÃO, 1992).
A expansão do café não lhe deu muito espaço para se desenvolver
comercialmente até que os seus baixos preços no mercado internacional, e o
sucesso da cultura do cacau na Bahia, entusiasmassem as elites locais, as quais
possuíam ligações familiares com esta região do Brasil.
João Maria Sousa e Almeida, por exemplo, último barão de Água Izé, tinha
nascido na ilha do Príncipe em 1816. Seu pai era brasileiro, natural da Bahia, muito
provavelmente de uma família nobre. Sua mãe era uma crioula local. O jovem João
foi para Benguela onde participava no tráfico para o Brasil, sendo nomeado
governador de Benguela interior com 25 anos de idade. Anos após a independência
do Brasil, saiu de Angola, viajou até à Bahia para ver suas propriedades e voltou à
ilha de São Toem 1858 comprando terras onde iniciou a cultura do cacau , em
grande escala (Theobroma cacao).
Neste processo, introduziu a fruta-pão (Artocarpus communis) em São Tomé
e Príncipe a qual é, ainda no século XX, uma das bases alimentares da população.
63
A sua roça (nome ainda hoje dado em São Tomé às grandes fazendas para
exportação), Agua Izé ocupava em 1884, uma área de 80 quilômetros quadrados
com 50 de caminho de ferro, 200 trabalhadores angolanos e 50 empregados
europeus. (Seibert, 2001; Ferrão, 1992; Smith 1990).
Em 1913, segundo Seibert (2001:48 ), o cacau ocupava 62 500 hectares em
São Tomé e cerca de 10.000 hectares no Príncipe. As monumentais roças eram
estados dentro do Estado. As terras antes ocupadas pelos crioulos e nativos foram
ocupadas fazendo com que 90% da terra no país estivesse na mão da grande
empresa exportadora.
Refira-se novamente que o sucesso e o insucesso da cultura de cacau em
São Tomé e Príncipe vai marcar sua trajetória até os dias de hoje. O país chega a
ser o primeiro produtor mundial de cacau no início do século XX, até ser superado
pelo Brasil e por outros países africanos. Isto foi efetuado com custos ambientais
significativos. Explico em seguida.
As ilhas de São Tomé e do Príncipe, possuem uma das florestas equatoriais
mais exuberantes do equador, fundamental para o seu equilíbrio ecológico. Quando
os produtores de cacau descobrem que derrubando parte da floresta e intensificando
a luz absorvida, conseguem maiores produções, terminam com o frágil equilíbrio
existente, modificam o regime de pluviosidade e acabam com uma das formas de
subsistência de parte significativa da população
53
. Naturalmente que esta situação
trará , anos mais tarde, o seu resultado. Os Cacaueiros começam a morrer aos
milhares devido a um inseto (“ Heliothrips rubrocintus” ) em 1918. A quebra da
bolsa de Nova Yorque em 1930 faz descer os preços internacionais do cacau,
53
Em 1910 um grande produtor, Francisco Mantero, calculava em 120.000 hectares a área total das ilhas. Destes cerca de
90.000 seriam aráveis e já estavam em produção 62.000 hectares. Enders (1994)
64
liquidando lentamente com o "ouro" São-Tomense. Os custos de produção,
representando mais de 70% das vendas explicam também a decadência do cacau
em São Tomé. Em 1975, véspera da independência do país, a área total plantada
não superava os 25.000 ha produzidos com mão-de-obra sob regime de contrato,
em especial, Angolanos (SEIBERT, 2001; FERRÃO, 1992; ENDERS, 1994).
Após a independência, as roças são intervencionadas pelo Estado, mas a
conjuntura internacional e a situação econômica, política e social do país não
permitem melhorias significativas nas condições de vida da maioria da população.
Caixa de texto 1 - Regime de contrato em São Tomé e Príncipe
A nacionalização da economia e a conservação da economia de plantação
,como política de estado, favoreceu a elite forra que reaveu as terras antes
expropriadas pela burguesia portuguesa (favorecendo o seu uso privado, contudo
em condições de ausência de capacidade técnica e financeira), e impediu o
surgimento de uma economia de pequenos produtores baseados em não-forros. A
alienação da maioria da pequena burguesia forra, a orientação política e as
Em 1985 durante visita à roça “Monte Café” em São Tomé, no âmbito de meu trabalho entrevistei rios
trabalhadores. As condições de trabalho haviam melhorado substancialmente em relação aos relatos eu ouvira sob as
condições de trabalho do contrato do início do século tendo a roça um posto médico e cantina financiados pelo Banco
Africano de Desenvolvimento. A roça, como as demais, não era rentável e mantinha-se graças ao financiamento do
Banco que pagava maioritariamente os serviços do Grupo Espírito Santo, seu gestor. Ouvi contudo relatos de
trabalhadores de que na data da independência, seus filhos não podiam deixar a roça pela dívida por eles acumulada
no pagamento que era suposto fazer pela alimentação e alojamento. As casas onde viviam eram de madeira, sob
estacas as mesmas do século XIX pois aos contratados não eram fornecidas casas, tendo estes que construí-las.
(Nota de viagem a São Tomé).
65
comunicações restritas com o exterior geraram um ainda maior isolamento da
sociedade o-Tomense. Os cidadãos afastam-se do partido que reclamara
representá-los legitimamente
54
. A reorientação política da década de 80 (economia
de mercado), faz-se não por isso, mas pela dependência externa do país.
A reforma agrária que se faz (com base em processos de privatização da
terra) apenas se realiza em decorrência do programa de ajuste estrutural das
décadas de 1980 e 1990 e de programas visando o re-lançamento da produção de
cacau (não havia alternativa econômica no curto e médio prazos, segundo os
doadores), a diversificação da produção e a criação de uma classe de pequenos e
médios produtores.
Note-se que em 1991, a proporção entre terras ocupadas pelas plantações e
por pequenos agricultores era a mesma que em 1926 ou seja, 86% das terras
aráveis pertenciam às plantações nacionalizadas (mas então exploradas com base
em contratos de arrendamento ou de gestão muitas vezes pagos pelo Banco
Africano de Desenvolvimento), 9% a empresas de média dimensão e 5% aos cerca
de 13.779 pequenos agricultores existentes no país (Seibert, 2001:324).
Naturalmente nestes 5% estão majoritariamente , ou quase exclusivamente
os descendentes de escravos e trabalhadores do regime de contrato, ou seja, a
população não-forra. O uso da maior parte dos lotes de pequenos produtores
produz, na maioria dos casos, cacau, banana pão e prata, e quando envolvendo
54
Note do autor: Angola esteve sempre ligada ao surgimento dos Movimentos de Libertação de São Tomé e
Príncipe. Várias tentativas foram sempre feitas pelos quadros ligados ao MPLA. A ausência regular de representante de um
movimento de libertação nacional em São Tomé e Príncipe gerava a necessidade política de criar um. Assim se criam o
CLSTP Comitê de Libertação de São Tomé e Príncipe , o MLSTP Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe
com o apoio do MPLA, da FRELIMO de Moçambique e da Argélia. A liderança é atribuída a Manuel Pinto da Costa. São
portanto as amizades e as relações estabelecidas entre as elites crioulas angolanas e São Tomenses (Mario de Andrade,
Agostino Neto, Alda Espírito Santo e Tomás Medeiros , todos fora de seus paises) que explicam a o surgimento do MLSTP
como protagonista da independência de São Tomé e Príncipe. Esta idéia é também defendida por Mateus (1999).
66
sistemas agro-florestais também mandioca, palmeiras de dendê (ou babaçu) e
coqueiros. Este sistema, ainda baseado, em termos de geração de recursos via
mercado, no cacau, não permite acumulação e (ou) investimento, o que a par com a
inexperiência dos pequenos produtores, a ausência de crédito, apoio técnico e infra-
estruturas básicas para acesso a mercados, gera nestes a necessidade de corte de
floresta para venda de madeira e carvão.
Seibert (2001:85) refere que “A estigmatização como cidadãos de segunda
classe, o baixo nível de escolarização, anos consecutivos de submissão e a
marginalização política transformaram os trabalhadores das plantações em
individualistas, indiferentes e apolíticos [...] comunidades de interesse, espírito de
iniciativa, criatividade, mecanismos de resolução de conflitos […] e representação ao
nível político são muito tênues”.
O objetivo retórico de vários governos nas cadas de 80 e 90 de reduzir a
migração para as cidades (10% para 33% da população entre 1960 e 1991), reduzir
a importação de alimentos (todos importados com exceção de carne, frutas,
tubérculos e bananas) nunca se alcançou. Note-se que em 1996 o cacau continuava
a representar 96,6% das exportações. A produção de mandioca, tomate e cebola
aumentou ligeiramente mas sem com isso haver qualquer perspectiva de maior
sustentabilidade para os sistemas da pequena produção ou para a diminuição da
migração campo – cidade (SEIBERT, 2001).
Contrariamente a outras colónias de plantação, como por exemplo as ilhas do
Caribe, São Tomé e Príncipe tem em particular o fato de ter sido submetida a um
processo colonial baseado na união inter-racial promovida pelos Portugueses como
forma de colonizar o país. Esta elite mestiça e os forros foram tendo direitos iguais e
participação em maior ou menor escala na vida econômica e política das ilhas,
67
dominando também a igreja. Contudo, a burguesia nacional assim constituída esteve
sempre dividida estabelecendo essencialmente redes de parentesco e irmandades
religiosas enquanto motores da ação coletiva. Como bem descreve Seibert (2001),
as relações patrono cliente, as disputas entre facções e os laços familiares são
determinantes na construção e desconstrução política, social e administrativa do
país.
A representação política dos não forros é, nesse contexto, minoritária, que
a descendência familiar, a posse de uma pequena parcela de terra, a recusa de
trabalhar em plantações (escravos libertos e mulatos têm o mesmo comportamento
no Brasil), a criação e filiação em organizações católicas e associações culturais, e a
inserção no aparelho administrativo como fonte de promoção social e econômica,
tornaram-se desde cedo uma possibilidade apenas dos forros. Estes sempre se
opuseram aos processos de modernização econômica e social do país que
pudessem (legitimamente ou não) ameaçar os seus interesses ou a visão
(conservadora e isolada) que possuem dos mesmos.
Por isso, também em São Tomé e Príncipe, o pluripartidarismo não se
caracteriza por propostas ideologicamente distintas ou projetos nacionais
divergentes, e sim pela representação de interesses de indivíduos ou facções
diferentes, o que, somado à tradicional competição pelos recursos (nacionais ou
estrangeiros) da elite forra, em particular quando ocupa lugares de poder, têm
gerado estruturas e políticas de governo descoordenadas, ineficientes, marcadas
pela corrupção assim como pela ausência de uma prestação de contas que a
democracia é suposta ter.
A ausência de instituições fortes tem assim origem nas características do
processo colonizador e nas relações econômicas e sociais nele enraizadas. Isto leva
68
à conseqüente atual incapacidade para a geração de um projeto social de mudança
a médio prazo. Mas, sobre a sociedade civil São Tomense falarei mais adiante no
capitulo três. Descendo a costa vou procurar relatar, com a brevidade possível, a
evolução Angolana.
2.2 ANGOLA
Em Angola, e como havia referido, com a expulsão dos holandeses por
uma força expedicionária constituída no Rio de Janeiro, o Brasil vai aumentar
bilateralmente as suas relações e o seu domínio, a ponto de se verificarem
importantes movimentações políticas para anexação ao Brasil, quando este declara
a sua independência de Portugal, prontamente abafadas (MAGALHÃES, 2000;
FERRO, 1996; ALENCASTRO; 2000; RODRIGUES, 1982).
A situação no final do século XIX era caracterizada pela existência de
estabelecimentos localizados na costa, onde a presença estrangeira provocava a
existência de estruturas sociais de tipo colonial, vivendo até 1840, basicamente do
tráfico negreiro. A repressão do tráfico se inicia em 1845, de acordo com Amaral
(1999).
O despovoamento era imenso. o existem números concretos, mas de
acordo com Manning (1990), a população Africana seria, em 1850, de 100 milhões
se não tivesse existido o tráfico, quando na realidade era de 50 milhões.
69
Como refere Iliffe (1999), “todos os autores são unânimes em considerar que
Angola foi a região mais afetada em termos demográficos. Ainda hoje, uma análise
demográfica do território mostra que metade está praticamente desocupada.
Rela (1992) aponta como única causa a atração pelas atividades econômicas
localizadas no litoral. Mas essa área corresponde, inteiramente, à área de atuação
dos guerreiros jagas na captura de escravos entre os séculos XVI e XVIII ,
delimitada por Boxer (1992:109), o que nos sugere e estimula investigações
posteriores, procurando confirmar este indício de que também na distribuição
demográfica atual do território angolano, o tráfico com o Brasil terá tido influência.
Aliás, isso é obvio se pensamos que a fundação das cidades se deveu …ao
tráfico. Mas voltemos ao século XIX e à evolução dos traficantes.
Após quase quatro séculos como atividade econômica dominante, os
traficantes iniciam a diversificação de seus investimentos, e muitos o fazem para a
agricultura de exportação, embora se mantenha durante muitos anos o negócio de
fornecimento de trabalhadores a São Tomé em regime de contrato. Esta modalidade
servia antes para "camuflar" a atividade do tráfico. Reforça-se, assim, a
escravidão interna (que sob diversas formas se manterá até às primeiras décadas
do culo XX), e a procura de mão-de-obra para novas fazendas, em que vai sendo
aplicado parte do capital acumulado.
Na década de 1840, por exemplo, o governo de Luanda tenta promover a
plantação de algodão, de café, de cana-de-açúcar e tabaco, reproduzindo o modelo
das fazendas brasileiras. Técnicos vindos do Brasil orientavam as plantações de
colonos provenientes de Pernambuco que se instalam nas várzeas do Bero e Giraul,
e mais tarde em Capangombe, Curoca e S. Nicolau (RODRIGUES, 1982).
70
Também de Pernambuco vieram, em 1849, duzentas famílias que se fixaram
em Moçâmedes (PINTO,1987:197) , como mostra a foto abaixo, que retrata o
moinho construído pela família Torres junto ao porto da cidade, e os camelos
aparentemente utilizados no transporte de pessoas
55
.
56
Como refere Ferro, Marc (1996:171) , De sorte que desempenhando o papel
de uma colônia colonizadora, foi o Brasil que mandou para Angola os maiores
contingentes de imigrantes brancos, vindos de Pernambuco, onde, desde a rebelião
de 1847 a insegurança era grande [...] Os novos imigrados preferiram, assim, ir para
Angola, onde desenvolveram a cultura da cana , arruinada no Nordeste” .
Contrariando, Rela (1992), defende que a fixação das famílias oriundas do
Recife foi circunstancial, que a colonização efetiva começa mais tarde, em 1885,
55
Julgo que estes Camelos terão sido importdaos do Nordeste do Brasil. Para maiores esclarecimentos sobre a importação
falhada de camelos argelinos para diversificação da pecuária no Nordeste do Brasil , ver Venâncio e Priore (2002).
Foto 4 - Moinho construído pela família Torres, de Pernambuco, junto ao porto da
cidade de Moçâmedes, onde também se podem ver camelos provenientes do
Nordeste do Brasil.
Fonte:
Salvador (2004)
71
com cerca de 600 habitantes da ilha da madeira que se estabelecem no planalto do
Lubango. Ambos terão razão já que ambas “levas” aconteceram.
Os colonos mais descapitalizados, em vez de construir engenhos para
açúcar, preferiram as fazendas de algodão (Gossypium herbaceo) ou café, que
exigiam menos capital. No entanto, nas décadas de 1850 e 1860 uma minoria
desenvolveu de fato as fazendas de cana-de-açúcar mais extensas de Angola, entre
as quais a Cassequel
57
.
Uma ilustração da facilidade de circulação de capital e conhecimento entre
Brasil e Angola é dada por Enders (1994), que refere a história de Antônio de Sousa
Lara, que foge de seus credores no Brasil em 1873, tornando-se um dos mais
poderosos comerciantes deste produto no final do século em Angola. Ele
diversificará a sua atividade para a cana-de-açúcar e para o álcool. A sua
participação futura (início do culo XX), no "lobby" colonial na metrópole será
importante.
Com estas fazendas floresce a produção de aguardente de cana para o
mercado interno, não apenas em substituição da que era anteriormente importada
do Brasil. A produção de cachaça se sustentará e terá maior importância com o
início da exploração da borracha no final do século XVIII. A cachaça permanecerá
como moeda de troca em Angola até ao século XX.
Um caso estudado por Torres (1991:235-236) é bastante ilustrativo do que
mencionei antes, relativamente ao valor de troca da cachaça. Após a independência
do Brasil, existiram várias tentativas de reconversão da produção de álcool para
açúcar, as quais esbarravam sempre nos interesses da pequena burguesia colonial,
57
Cassequel marcou gerações de Angolanos que para ela trabalharam direta ou indiretamente, face à sua dimensão e
relevância no contexto angolano. Meu primeiro emprego após conclusão da graduação foi no Grupo Espírito Santo, um dos
últimos maiores acionistas da Cassequel (antes da sua nacionalização pós independência).
72
que esta continuava ligada à escravidão ou , mais tarde, após a abolição real, à
contratação de mão de obra. No princípio do século XX, o território tinha capacidade
para produzir cerca de 150 mil toneladas de açúcar. No entanto, apenas se
produziam 1 mil toneladas. Desperdiçava-se assim 90% da cana plantada, em
função da produção de aguardente. Quase cem anos após a independência do
Brasil, esta continuava a possuir o valor de moeda-mercadoria em Angola.
58
Mas também o café começa a atrair a atenção dos comerciantes, assim como
no Brasil, em especial a variedade robusta cuja área de origem se estende no
território angolano.
Apesar do café em Angola possuir expressão internacional a partir da
segunda guerra mundial
59
, este era, por isso, um dos produtos em início de
expansão no final do século XIX. O café era espontâneo nas florestas a norte dos
rios Lucala e Zenza.
Começa a ser plantado em maior escala na década de 50 do culo XIX nos
distritos de Golungo, Zenza, Dembos e Cazengo por colonos de famílias mestiças
de Luanda, com experiência pré-adquirida no Brasil. Nos distritos de Dembos e
Ambriz fixaram-se colonos luso-brasileiros em fazendas de algodão e café
(RODRIGUES, 1982; DIAS, 1998).
Também a produção de algodão aparece na região de Dombe, onde, no
princípio de 1860, existiam 40 plantações pertencentes a brasileiros ligados ao
comércio de Benguela. Segundo Dias, Jill (1998) o setor foi- se concentrando e, nos
58
A cachaça permitia a troca por alimentos para subsistência, troca por produtos explorados localmente como a cera, o
marfim e o café e sua posterior troca por alguns manufaturados. O álcool era também apreciado por uma população
mantida em condições de escravidão ou semi-escravidão (em sentido lato) até quase meados do século.
59
Pelo surgimento da industria de cafés solúveis que utilizam as variedades robusta com mais corpo que a arábica.
73
anos seguintes, apenas duas sociedades eram responsáveis pela maior parte das
exportações na região.
O algodão desenvolver-se-ia ainda mais tarde, na colônia, em função dos
estímulos dados pela metrópole, os quais incluíram a abolição de direitos
alfandegários para sua exportação e a obrigatoriedade de seu cultivo pelo setor
camponês a partir de 1926, existindo em 1973 cerca de 500 empresas agrícolas
produtoras de algodão, a maioria das quais, na província de Malange (GUERRA,
1988) .
Grande parte destas unidades será mais tarde vendida a grupos financeiros.
O famoso Sousa Lara, atrás referido, por exemplo, vende suas participações na
Companhia do Açúcar de Angola (proprietária da Cassequel, mencionada),
fundada por ele em 1901, ao Banco Inter-Unido , compartilhado entre o Grupo
Espírito Santo e o grupo Rockfeller (GUERRA, 1988).
Em termos gerais, podemos dizer que até quase a década de 1960, e por
vezes até mesmo junto à independência do país em 1975, se mantiveram
claramente visíveis traços fundamentais da herança brasileira no mundo rural
angolano.
60
A organização do espaço e do trabalho em todas estas fazendas seguia
o modelo brasileiro (até pela utilização inicial de trabalho escravo ou variantes).
Apenas algumas técnicas agrícolas foram adaptadas às práticas africanas,
nomeadamente, a plantação de café debaixo de árvores mais altas para
sombreamento. Esta influência estendeu-se a quase todos os domínios, da
arquitetura rural aos comportamentos sociais e manifestações culturais, incluindo as
artes sob variadas expressões (FREIRE, 1971;1980).
60
Até 1930 isto era também facilmente verificável no meio urbano pela arquitetura das casas (sobrados) , arvores plantadas
junto às mesmas etc etc. Com o estado novo e urbanização acelerada nas décadas de 1950 e 1960 a situação alterou-se.
74
Como veremos mais adiante, nessa época, no Brasil, as relações
capitalistas eram hegemónicas no campo, e o Estado tinha criado instrumentos
de apoio (como a EMBRAPA empresa pública de pesquisa agro-pecuária) ,a uma
revolução verde “tropical”, originando-se , assim, interesse e necessidade, por parte
dos grupos angolanos, em manter ligações com o Brasil. Sendo este o breve retrato
da evolução do capital agrícola na colônia, vejamos o que aconteceu com a
sociedade como um todo.
Verificou-se um elevado nível de estratificação no qual se destacavam dois
núcleos: um central, constituído pelos brancos, mestiços e alguns negros
"assimilados"; e outro pelos não "assimilados". É no núcleo central que se mantêm
as "aristocracias locais", negras e mestiças com ligações ao Brasil, e aonde se vão,
por vezes, se integrando os novos colonos portugueses que vão chegando muito
lentamente (GUERRA, 1988; RELA, 1992). É importante ver este aspecto mais em
pormenor por suas implicações nas “sociedade civis” angolanas e são tomenses , do
século XXI.
A origem desta elite local está associada ao tráfico com o Brasil, que se
constitui com base numa classe de brancos comerciantes e donos de escravos ,
negros destribalizados envolvidos neste comércio, e mulatos que vão naturalmente
surgindo. Esta classe esteve, quase sempre, localizada nas cidades do litoral, a
maior parte delas criadas ou desenvolvidas para servir ao tráfico, como mencionei
antes.
O clima de critica à cultura local por parte de novos colonos portugueses leva
a que alguns intelectuais educados no Brasil comecem a divulgar, a partir de 1860, a
língua, provérbios e folclore quimbundos. O despertar da "angolanidade" parece
75
assim forjar-se inicialmente sob influência do que também se passava no outro lado
do Atlântico.
São estas elites que, miscegenando-se crescentemente face à ausência de
mulheres brancas, assumem a administração corrente do território, e vão, mais
tarde, face à incapacidade de abertura do regime colonial, gerar o movimento de
resistência que levará à conformação e luta armada contra o regime de António
Salazar (MATEUS, 1999). Até porque em 1932, com a ascensão de Antônio de
Oliveira Salazar, a ideologia imperial reforça-se em Portugal, função da perda do
mercado brasileiro, e este procura em África alguma compensação.
Para isso, de acordo com Rela (1992) são ali criados diversos mecanismos de
dominação entre 1920 e 1930, nomeadamente:
a) Apropriação de terras para constituição de grandes empresas, segundo os
princípios da "agricultura de plantação";
b) Imposição de culturas obrigatórias, fundamentais para o desenvolvimento
do colonizador, como por exemplo o algodão;
c) Desmembramento das redes comerciais existentes e proibição do comércio
ambulante.
Após a revolução de 1820 em Portugal foram declarados portugueses todos
os indígenas das “províncias ultramarinas” , direito que a maioria dos visados jamais
tomou conhecimento, segundo Mateus (1999). Aliás, quase um século depois, a
Lei
61
considerava como indígenas (e não civilizados) todos “os indivíduos de raça
negra ou seus descendentes, que não possuam ainda a ilustração ou os hábitos
61
Art 11 do Estatuto do Indigenato.
76
individuais e sociais pressupostos para a aplicação integral do direito público e
privado de cidadãos portugueses”.
O governo português declarava ter tomado a “responsabilidade de conduzir à
civilização (…) raças decadentes e atrasadas”.
Mas, porque a “cidadania é um nobre conceito legal e leva séculos a criar um
cidadão” , os africanos permaneceram à margem da vida política, cultural e social do
seus países (Mateus, 1999:25), mesmo porque a implantação do sistema colonial
em Angola encontrou a sua lógica interna no crescimento de matérias-primas para
exportação e no aumento da capacidade de absorção de bens de consumo
importados da metrópole.
A consolidação e desenvolvimento destes mecanismos vai ser lentamente
feita mediante a promoção de emigração européia, a qual será apenas significativa a
partir da década de 50 do século XX (o número de colonos brancos era de 79.000
em 1950, 173.000 em 1960 e 335.000 em 1974). A população total era de 4,8
milhões em 1960 para 5,8 milhões em 1970, de acordo com Rela (1992:29 )
Isto significa que a partir da década de 50 o número de portugueses aumenta
consideravelmente, e até mesmo as profissões mais simples como carpinteiro,
serralheiro ou engraxate são então ocupadas por portugueses brancos e,
geralmente, pobres. Luanda perde o ar de cidade pacata com velhos palácios e
casas com goiabeiras e mangueiras no quintal , tornando-se uma cidade européia,
moderna e limpa, mas cercada de outra suja e miserável, a cidade africana.
Contudo, como refere Mourão (1978), aquilo que é fruto de um longo
processo de relacionamento tende a persistir. É assim que uma elite urbana,
circulando e acasalando muito à vontade com as culturas portuguesa e africana
77
persiste, e é a única a poder olhar para a frente, unir o país e ter um projeto de
nação. Esta elite intelectual angolana causa inveja a muitos países africanos,
conforme Pepetela (1992), é crioula
62
, e virá a constituir a base dirigente do MPLA.
Em parte, membros deste grupo terão estado na origem em 1955 do Partido
Comunista em Angola, com base na adaptação de estatutos do partido comunista
brasileiro (Mateus, 1999)
63
, criação da PLUAA Partido da Luta Unida dos
Africanos de Angola e do MINA - Movimento para a Independência de Angola e do
Partido Comunista Angolano, tendo estes, de acordo com Lucio Lara
64
, dado origem
ao MPLA em Dezembro de 1956.
Esta elite reage também a uma maior pressão social desencadeada pelo
colonialismo português, a qual resulta, a partir de 1960, de acordo com Mateus
(1999) e Rela (1992), de novas políticas visando o potencial crescimento econômico
da colônia nomeadamente:
a) Intensificação dos trabalhos de abertura de estradas e outras infra-
estruturas;
b) Intensificação do investimento estrangeiro estimulado por Portugal com
venda das principais empresas da burguesia tradicional a capitais financeiros
portugueses e de outros países.
62
Crioulo em Angola possui um significado especifico. Trata-se de uma categoria sócio-cultural envolvendo um vasto grupo
que inclui os descendentes dos Europeus nascidos localmente (brancos, mulatos ou negros) e os africanos
destribalizados. A elite crioula atuava como interface entre a metrópole e a massa não aculturada. Como exemplo, os
Matoso de Andrade, Pinheiro Falcão, Velasco Galiano ou Van Dunen (os últimos de origem holandesa), todos com
antecedentes na colônia desde o século XVII ( Mateus, 1999 : 46).
63
Com base em arquivos da PIDE Processo 58/59, “Auto de perguntas a Mario Antonio” 24 de Outubro de 1959
64
Lucio é um exemplo desta geração da utopia. Mulato, filho de Lucio Gouveia Barreto (português, branco) e de
Clementina Barreto (negra). Seu percurso é idêntico a outros membros dessa elite. Estudos (direito) em Portugal na
década de 50 e vários cargos associativos entre os quais o de presidente da direção da delegação de Coimbra da Casa
dos Estudantes do Império. Preso pela polícia política portuguesa alegadamente como membro do Partido Comunista
Português (responsável pelo setor ultramarino), passa por um exílio na Alemanha de Leste e treino militar na China. Foi
grande impulsionador dos Centros de Instrução Revolucionária, onde se aprendia história, filosofia, economia política e,
naturalmente, teoria revolucionária, e comandou a frente Leste em substituição de Agostinho Neto de quem profere a
oração fúnebre, já como membro do comitê central do MPLA na Angola independente.
78
c) Início da exportação de petróleo de Cabinda, o que permite uma
disponibilidade de cambiais, principal entrave ao crescimento (30% das exportações
em 1973);
d) A agricultura de caráter empresarial, baseada na grande e média
propriedade diversifica suas produções para carne de bovina, bananas, abacaxi e
algodão, começando a serem também significativas as produções com destino ao
mercado interno como milho e oleaginosas;
e) O pequeno comércio, de venda a varejo, nas zonas rurais multiplica-se,
pelo fim dos condicionantes à sua existência, estimulando a geração de excedentes
mercantis capazes de abastecer de produtos agrícolas os principais centros
urbanos.
Coexistindo um crescimento econômico com uma taxa anual de 6% ao ano,
começa-se a verificar a concretização de medidas com o objetivo de melhorar o
nível de vida da população em geral.
Como refere Rela (1992), o objetivo era travar o desenvolvimento da luta
armada iniciada em 1961 pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA)
e pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).
Estas medidas não produziram, contudo, o efeito esperado, entre outros
motivos por terem visto o seu desenvolvimento bloqueado pela burguesia colonial
local - a mesma cuja visão empresarial assentava ainda no modelo escravista ou de
contrato.
Assim, apesar das diversas alterações institucionais que procuraram, a partir
de 1961, limitar práticas discriminatórias dos direitos das populações, como por
exemplo relativas a ocupação de terras, estatuto do indigenato, abolição do sistema
79
de culturas obrigatórias, etc., abrandando os mecanismos de dominação colonial, a
evolução confirmou a consolidação de um "sistema central local", em muitos casos,
suportado pela transferência de competências para instâncias locais.
A integração das formações tributárias no todo da formação central nunca foi
tentada até 1960, e foi limitada a partir dessa data, não se constituindo assim um
mercado interno suscetível de também contribuir para o desenvolvimento de
tecnologias de caráter intermediário com base nas matérias-primas nacionais.
No final dos anos 70, a economia do País era importadora de bens
alimentares na sua maioria qualitativamente seletivos e dirigidos para certas
camadas urbanas, e exportadora de algumas matérias-primas como o café, o
algodão, o caju e o petróleo bruto, além de importadora de bens e equipamentos
característicos de um processo de crescimento e de "consumo intermediário" dada a
existência de uma inadequada estrutura industrial.
As três principais culturas de exportação (café, algodão e sisal)
representavam 77% da área cultivada e empregavam 265.000 pessoas em caráter
permanente, segundo Rela (1992). Em termos gerais podemos dizer que o papel do
setor agro-exportador como indutor do desenvolvimento interno foi reduzido até
porque existiam severas restrições à instalação de indústrias. Quando estas
restrições são eliminadas, instalam-se indústrias com produtos da segunda
revolução industrial assentes em matrizes tecnológicas importadas de Portugal, pelo
menos até à descolonização.
A grande maioria da população camponesa (80% - cerca de 4 milhões em
1975), num regime de subsistência empregando ainda, segundo Guerra (1988), no
fundamental, os mesmos instrumentos de produção e as mesmas técnicas
agrícolas e pecuárias do tempo do regime comunal primitivo.
80
Nesta fase, que se poderá enquadrar entre abril de 1974 a novembro de
1975, vivenciada pelo autor, deflagrou-se no país uma guerra civil generalizada, a
que não foram alheios interesses estrangeiros, e o êxodo maciço das populações
européias, ao qual se juntaram milhares de brancos angolanos e um contingente de
negros e mestiços. É também nesta altura (11 de novembro de 1975) decretada a
independência do país, em Luanda, pelo MPLA Movimento Popular para a
Libertação de Angola.
O panorama geral do país tornou-se desolador: a destruição de pequenas
vilas e cidades, campos, equipamentos agrícolas e viaturas abandonados, cidades
desertas e lojas com prateleiras sem nada, enfim, sinais de um país destroçado.
O aparelho de Estado estava, na sua generalidade, completamente vazio,
excetuando alguns serviços antigos, tradicionalmente procurados pela burguesia
africana, como os correios, a alfândega e os serviços de saúde. Em muitos casos,
não ficou ninguém, capaz de transmitir as mais simples rotinas.
Nesta fase, entre 1976 e 1977, de acordo com o testemunho pessoal do
autor, mas também de Rela (1992), decorre a "onda " de decretos de intervenção do
estado nas empresas. No terreno, restaram para além do Estado, enfrentando uma
guerra generalizada e sem dispor de uma estrutura administrativa minimamente
capaz, os trabalhadores que ainda se tinham mantido e a grande massa de
camponeses. O capital, enfrentando dificuldades várias, mudava-se desta vez para
o outro lado do Atlântico.
81
Caixa de texto 2 – Transferência do capital para o Brasil
As primeiras tentativas de resolução destes problemas surgem timidamente
com a entrega a camponeses supostamente organizados em cooperativas, de
blocos de terra para exploração. A continuada insuficiência de insumos, capacidade
técnica e meios de escoamento, tendo-se mantido, foram os principais motivos pelos
quais estas tentativas não resultaram em sucesso e foram abandonadas.
Os camponeses retraíram progressivamente as áreas cultivadas, diminuindo
a produção para níveis que lhes garantissem a sobrevivência. No entanto, a guerra
agravou também a possibilidade desta opção, de si limite, pelo clima de
insegurança que criou e ,conseqüente , a expulsão destas populações para as
periferias das cidades. Angola viveu numa situação de crise alimentar desde 1975
até ao final da guerra civil , ou seja, até 2004.
No início foi muito difícil, que tentávamos reorganizar o grupo numa situação muito complicada. Eu lembro-
me que quando o Bernardo Espírito Santo me chamou para vir para o Brasil, fiquei uns meses sem ter nada para fazer.
Isto só mudou quando compramos a fazenda noTocantins, que pertencia a Juscelino Kubicheck. começamos a
trabalhar outra vez, e hoje temos muito para fazer e muito para onde ir.
Fonte: Conversa com António Maçarico, administrador da ESAGRI, Lisboa 1990.
82
Caixa de texto 3 – O boi do ministro
Os diamantes e o petróleo foram, o atualmente , a principal ou quase única
fonte de riqueza do país. Estes recursos foram aliás suficientes para manter a
guerra em níveis de vida intoleráveis milhões de angolanos que recentemente
voltaram a poder cultivar a terra em paz. Mesmo assim, existe a ameaça de minas e
a ausência de estruturas de apoio concreto como sejam assistência técnica,
insumos, estradas e ainda , infra-estruturas básicas de educação e de saúde.
Estes pontos serão desenvolvidos no próximo capítulo no contexto de uma
análise da situação atual de insegurança alimentar no país. Situação esta que
também será mais difícil de superar face à ausência de tecnologias “tropicais”,
geradoras de aumentos sustentáveis da produtividade agrícola.
Antes, vou por isso, procurar explicar porque algumas técnicas de cultivo e
processamento que remontam ao século XVI ainda persistem em Angola mas não,
na generalidade, no Brasil. Aliás, é importante referir que a análise a seguir
efetuada tem como objetivo evidenciar como a relação estabelecida durante mais de
350 anos entre o Brasil e os países africanos analisados neste trabalho, favoreceu
claramente o desenvolvimento capitalista no Brasil.
Não era voador, andava lentamente mas não voava apesar de tão magro. Caminhava nos pátios do antigo
matadouro de Luanda e segundo ouvi teria vindo numa remessa, de barco, do Namibe uns anos antes. É que face à
ausência generalizada de carne, alguém se lembrou de fretar um barco e trazer gado disperso do Sul para a capital,
que por terra isso não seria possível pela guerra. A boiada veio de “cruzeiro” e foi abatida. Após isso, o matadouro
parou por falta de peças e um boi foi poupado. Oferecido ao ministro, passeava nos pátios de um matadouro que já não
funcionava e alimentava-se de ervas entretanto nascidas no quintal. A partir dessa altura, toda a carne era importada.
Primeiro frango europeu, depois, na década de 90, o frango brasileiro tomou conta do mercado angolano, e era
escoltado até à Frescangol, empresa nacional de armazenagem frigorífica, por guardas armados desde o Porto de
Luanda. Estimativas da altura situavam o roubo de frangos entre o Porto e a Frescangol (15 Km) em 30% da carga.
Fonte: Conversa com Sebastão Dourado, delegado da empresa “Agropromotora”. Viagem a Angola, 1989
83
2.3 BRASIL
No Brasil, desde o século XVI, gradualmente, vão sendo introduzidas
melhorias nos processos técnicos para obtenção da farinha. A falta de produtos de
primeira necessidade estimula a produção doméstica e a tendência à auto-
suficiência. Nos arraiais e vilas eram beneficiados produtos como o milho e a
mandioca, sobretudo quando a quantidade começou a exigir técnicas mais
sofisticadas (VENÂNCIO & PRIORE, 2002; RODRIGUES, 1982).
O ralador de pedrinhas e as frigideiras citados por Novais (1997) segundo
relatos dos séculos XVI e XVII de Léry (1557), Fernão Cardim (1584) e Brandônio
(1618) são substituídos pelos raladores de casca de conchas e mais tarde de ferro.
O Tipiti por onde escorre o caldo da mandioca é substituído por uma prensa de fuso
portuguesa, as panelas de barro passam a ferro e cobre, e o fogão deixa de ser
apenas pedras sobre o fogo para dar origem ao fogão de barro e depois de tijolos.
Também o processo de fabrico de farinha de milho produzida para
subsistência (mais apreciada pelos paulistas) foi melhorado no Brasil colônia.
No século XVIII o simples pilão de madeira aperfeiçoou-se transformando
se nos vários tipos de monjolos, os quais eram inicialmente utilizados para
tratamento do arroz. Quando aumentam as necessidades de farinha de milho para a
alimentação humana e animal, e também para a exportação para África, os
84
moinhos são adaptados ao beneficiamento do milho. A farinha de milho ou fubá
65
era, ainda no século XVIII, o principal alimento de São Paulo e de Minas Gerais.
O mesmo não acontece no outro lado do Atlântico como se pode verificar no
quadro a seguir apresentado.
Caixa de texto 4 – O pilão de madeira e as crianças
Podemos visualizar que, na linha defendida por Alencastro (2000) o
desenvolvimento de novas técnicas produtivas no Brasil gerou maior eficácia na
estrutura envolvida no despovoamento africano, que, como referi antes, o milho
levado como escambo, como alimento para os guerreiros jagas usarem em seus
raides para captura de escravos, ou até para alimentação de marinheiros e
escravos, implicou a sua disponibilidade, em quantidade e qualidade. Por outras
palavras, no lado brasileiro houve estímulos à inovação e à construção de uma
cadeia fornecedora, não se tendo verificado o mesmo em África (pelo contrário).
O mesmo aconteceu com o tabaco e com o couro. O primeiro era
conhecido em África , mas os negros que estavam em contato com os brancos do
65
Fuba em Angola significava a farinha de mandioca usada para confeccionar o pirão que aqui se designaria por "Funge".
Pilão de madeira que é hoje ainda o instrumento básico da família africana quer seja em Angola, São Tomé ou até
Moçambique. No sul de Angola, no planalto do Huambo, o “funge” é de milho, este é o preferido. Trabalho para as
mulheres e crianças em toda a região se houver colheita de milho. Em Moçambique perguntei às crianças que se
ocupavam deste trabalho e estas me disseram que passavam até um mês por safra nessa tarefa.
Fonte: Notas de viagens pessoais, Moçambique, 1996 e Angola,1992
85
Brasil preferiam fumar o tabaco baiano pelo seu melhor sabor, e sobretudo pelo
cheiro (Mauro, 1998: 109).
O tabaco baiano assume maior importância nas exportações para África
durante o século XVII e a produção estende-se a Sergipe, Pernambuco e
Maranhão. Seu valor de escambo é tão elevado que compete no Brasil pelos
melhores terrenos com as culturas de subsistência. Ele permitiu aos baianos o
domínio do comércio de escravos no Golfo da Guiné, principalmente a partir do
último quartel do século XVII, no âmbito do trato bilateral entre a Bahia e aquela
região (VERGER, 1987).
De acordo com Alencastro (2000: 324), no século XVIII, em 1410 saídas de
barco para a Costa dos Escravos são exportadas 8.131.000 arrobas de tabaco e
importados cerca de 575.000 escravos na Bahia e Pernambuco.
Tabaco que era embrulhado em bolsas de couro que surgem na seqüência ainda da
implantação do açúcar no século XVI, que se ocupam as melhores terras junto ao
litoral para esta atividades, o que "empurra" durante oculo a criação de gado para
o sertão. Até 1640 o Brasil é importador de gado, carne e couro no império.
Para este início da pecuária brasileira, contribuem os animais previamente
aclimatados e as peles provenientes de São Tomé, e também alguns de Portugal,
para os quais "certas ervas eram nocivas e que só à sua custa puderam aperceber-
se disso " (Mauro, 1998:100 )
66
.
Boiadas para moenda e carreto nos engenhos, para "carnear" e consumo em
fresco nos pequenos centros urbanos, ou ainda, para preparar a "carne de sol" para
66
Citando registos no Livro do Tombo de São Bento Bahia, pag XXVII
86
transporte interno e para abastecer navios, induzem a implantação de grandes
fazendas extensivas nos confins da zona açucareira.
Facilita a penetração da pecuária, a vegetação pouco densa da caatinga.
Para se defender o vaqueiro sertanejo e seu cavalo são protegidos com couro. De
couro era também a porta das suas cabanas, a cama em chão duro, as cordas, o
mocó ou alforje para levar a comida, a mala para guardar roupa, a mochila para
milhar cavalo e as bainhas da faca entre outras coisas (MAURO, 1998).
A indústria de carne e couro desenvolve-se no Brasil. A partir de 1640
67
as
necessidades internas de carne estão mais satisfeitas e o Brasil exporta também
peles para Portugal. De couro eram também as bolsas onde é transportado o
tabaco exportado para a Guiné, São Tomé e Angola, e que também serve de meio
de pagamento para a compra direta de escravos , ou para troca com outros produtos
que permitiam a sua compra.
Os escravos adquiridos foram uma das bases para o desenvolvimento
brasileiro porque este surge no esteio da produção açucareira , mas também de
outras culturas, como o café, face à diversificação de investimentos do capital
acumulado no comércio. Café que demandou muitos escravos gerando novos
núcleos de desenvolvimento no país. Florentino (1997) refere, por exemplo, que a
população do vale do Paraíba no estado do Rio de Janeiro passou de 292
habitantes em 1789 para 15.700 em 1840. O mesmo se passou naquilo que hoje se
consideram as regiões Sul e Sudeste (750 mil habitantes em 1790 para 2.5 milhões
em 1830).
67
. Mauro (1997) op cit, pag 100-101 relata o pedido de exportação feito em 1628 e valores anuais dos couros exportados
pela Bahia para Portugal a partir de 1640. No entanto até 1656 os matadouros municipais não são arrendados e até 1670
as Assembléias Municipais interessam-se pelo abastecimento interno de carne. Em 1710 o Brasil parece contar com cerca
de 800.000 cabeças no sertão de Pernambuco, 500.000 na Bahia e apenas 60.000 no Rio de Janeiro segundo dados de
Antonil (1968).
87
A verdade é que o café se assume como nova cultura articuladora do
desenvolvimento brasileiro. A abolição da escravatura nos estados cafeeiros
também não teve efeitos significativos
68
a não ser o crescimento da agricultura de
subsistência, porque a mão-de-obra permaneceu a mesma. A riqueza gerada pelos
mercados externos e internos alimentou uma legião de fazendeiros bem sucedidos
que transformou a base da sociedade imperial…. Foi necessária uma geração inteira
de agricultores desbravadores de matas para que seus filhos se tornassem barões
do Império” (Venâncio e Priore, 2002: 137).
Aliás, as elites do tráfico investiram no café significativamente e mantiveram-
se ligadas a ele, aporque “o próprio Estado não podia ser compreendido sem ser
referido à função de absorver pelo emprego público os representantes da ordem
escravocrata” (Evaldo Cabral de Mello apud Bresser-Pereira, 2003:305). O Brasil era
um país negro com um Estado patrimonialista branco. Em 1872, por exemplo, o
Brasil tinha , segundo Rodrigues (1982:101) cerca de 60% de pretos e pardos para
40% de brancos, e isso considerando que todos os mulatos se declaravam como tal,
o que é duvidoso.
Para branquear o país, o Estado importa” milhares de emigrantes europeus
para trabalho na "plantation" e para a pequena e média indústria nascente, com
conseqüências importantes para o crescimento do mercado interno. Emigrantes
estes sem lugar no processo de proletarização do início da revolução industrial
européia ou seja, expulsão de um campesinato também afetado pela importação de
alimentos do Canadá, Argentina e EUA.
Note-se que em 1940 e ainda segundo o mesmo autor, a proporção era de
60% de brancos e 40% de pretos e pardos.
68
O mercado internacional do café estava em grande crescimento e o Brasil era o maior produtor mundial.
88
Ironicamente a abolição da escravatura em 1888 não se fez sentir sobre a
indústria açucareira ou cafeeira, que estas se haviam modernizado
anteriormente, em alguns casos com base em investimentos estrangeiros, muitos
deles financiados por bancos ingleses para onde parte do capital acumulado com o
tráfico se desloca (Smith, 1990). No caso do café, Holloway (1980:58-59) dá-nos
uma idéia da evolução tecnológica ao referir que: Ao tempo em que o cultivo do
café estava sendo introduzido em escala comercial no oeste de São Paulo, a partir
da década de 1850, as técnicas de beneficiamento, tal como o uso de trabalho
escravo e os métodos de cultivo e colheita, eram os mesmos do Vale do
Paraíba….na cada de 1870 foram inventadas máquinas mais avançadas para
retirar a polpa externa das cerejas antes da secagem , quebrar a casca dos grãos
secos, separar o café por tipo e tamanho, e realizar outros processos
especializados. Algumas destas operações , como o despolpamento, não eram
feitas anteriormente. Outras eram-no por métodos lentos, ou exigiam grande
quantidade de pessoas no trabalho” .
O mesmo autor refere que empresas metal–mecânicas americanas começam
a produzir em série descascadores mecânicos inventados no Brasil, e que rodas de
água forneciam energia assim como se produziam geradores elétricos funcionando
com as cascas do café. O autor refere ainda que …na época em que a escravidão
foi abolida, estava estabelecido um padrão de beneficiamento de capital intensivo,
requerendo uma força de trabalho pequena mas especializada”.
Pode argumentar-se que grande parte do capital acumulado no tráfico foi
também transferido para a metrópole, mas não parece ter sido significativo , já que o
perfil do comerciante passa a ser aquele que se havia estabelecido no Brasil , ou
89
nele havia nascido e ali permaneceu diversificando seus investimentos, primeiro
para a agricultura e depois , para a indústria.
Essa era uma particularidade dos portugueses que vinham para o Brasil - a
permanência e acumulação patrimonial. Como refere Caldeira (1999) citando
Ambrósio Fernandes Brandão, "(...) mas os moradores do Brasil (ao contrário dos
colonos na Índia
69
) toda a fazenda tem metida em bens de raiz, não é possível
serem levados para o Reino, e quando algum para vai os deixa na própria terra, e
desses deveis de conhecer muitos em Portugal, e assim não é possível deixarem
tanta fazenda e comprarem lá outras".
A descoberta de ouro em Minas Gerais no culo XVIII tinha também
estabelecido um outro ponto de partida para o desenvolvimento brasileiro e, pelo
contrário, o não retorno das elites . Segundo Furtado (1968) a emigração européia
para o Brasil, no século do ouro, poderá ter alcançado 500 mil indivíduos. Mais do
que a Espanha para todas as suas colônias.
A elevação dos preços de alimentos e animais nas regiões vizinhas irradia os
benefícios econômicos da atividade mineira, articulando-se, pela primeira vez, a
economia de algumas regiões do país. Em Minas Gerais, tropeiros abrem novos
caminhos e disseminam o “capim gordura” , gramínea viscosa, com origem em
Angola, que se adapta perfeitamente a terrenos secos e pobres, crescendo
depressa e afugentando cobras e carrapatos pelo cheiro das suas folhas. A
movimentação das tropas , possível graças ao capim gordura, implica a necessidade
de marcar os animais a ferro, surgindo inúmeros ferreiros ao longo dos caminhos
percorridos pelos animais. Este ofício para homens livres era baseado em cnicas
africanas (Venâncio e Priore, 2002).
69
A observação entre parênteses é nossa
90
Em 1795 acaba a proibição da instalação de indústrias no Brasil. Repare-se
nesta diferença: quase duzentos anos mais tarde, na década de 1950, esse assunto
ainda era objeto de reticências oficiais em Angola.
Na Amazônia desponta no final do século a extração da borracha com base
em mão-de-obra nordestina, e na Bahia inicia-se a produção de cacau. A Amazônia
com a borracha é responsável por cerca de 15% das exportações brasileiras, e por
uma taxa de crescimento da renda per-capita média de 6,2% na segunda metade do
século XIX. O Brasil cresce a taxas anuais médias de 3,5 % e taxas de crescimento
da renda per-capita nacional em torno de 1,5% (FURTADO, 1968:157).
Na segunda metade do século XIX a economia brasileira apresentava, por
isso, no seu conjunto, uma alta taxa de crescimento alicerçado no setor exportador,
mas com reflexos igualmente na expansão do mercado interno e na agricultura de
subsistência, que encontra dentro do país um mercado capaz de absorver seus
excedentes de produção. Este é o caso do Sul do país, onde se reintegra a
produção pecuária na economia do resto país, e se duplica a população entre 1872
e 1900.
No final do século XIX e começo do século XX, cerca de um quarto da
população agrícola estaria envolvida no Sistema de Mercado Externo. Os outros três
quartos estavam marginalizados ou ocupados na produção para o autoconsumo, o
mercado interno nacional e os mercados locais (SINGER, 1984).
A existência de um mercado interno em expansão induz o início da
industrialização assente em pequenas manufaturas. Como já indiquei para o caso do
café, mas sendo uma dinâmica de certa forma clássica, o desenvolvimento da
agricultura induziu investimentos na indústria metalo-mecânica destinada ao fabrico
de equipamentos para a agricultura e para a agro-indústria com base na importação
91
de ferro, aço e outros metais. A existência de alíquotas baixas ou isenções de
direitos para importação terá facilitado esse movimento.
No Rio e no Nordeste, os comerciantes portugueses e seus descendentes
passaram da atividade comercial para a banca, para a indústria e para a agricultura.
Foram também os pioneiros na indústria têxtil brasileira face aos conhecimentos que
possuíam da importação destes produtos, e monopolizaram o transporte e comércio
da borracha na região Amazônica (SMITH, 1990).
Como aponta Smith (1990:47) "numa sociedade em que praticamente não
existia banca, os portugueses eram prestamistas, e uma complexa rede de crédito
estendeu sua influência a todo o país. As taxas de juro eram elevadas, mais de 20%,
e muitos plantadores estavam endividados a aos cabelos com os prestamistas
portugueses. Daqui resultou que cerca de metade das plantações brasileiras
estivessem hipotecadas a comerciantes". O mesmo autor relata a história de
Joaquim Pereira Marinho, português, nascido em 1816 e principal traficante na
Bahia na década de 1840. Chegou a possuir 20 navios negreiros e entrou no
mercado de carne seca tendo chegado a ganhar o apelido de "rei da carne seca".
Investiu quase todo o seu dinheiro no Brasil onde fundou o banco da Bahia na
década de 1850 e foi diretor da Companhia dos Caminhos-de-ferro de Juazeiro.
No entanto , a unificação física do mercado interno ocorreria mais tarde,
pelo que a substituição da produção artesanal pela fabril ou da Produção Simples de
Mercadorias pelo Capitalismo Industrial vai fazer-se inicialmente, a nível regional,
em função do dinamismo do Sistema de Mercado Externo. Estando a maior parte da
população no meio rural, existiam nas cidades e vilas do interior um certo número de
unidades semi-artesanais. O relativo isolamento em que se encontravam e os seus
baixos rendimentos protegeu esta manufatura da competição do produto industrial
92
importado, o qual se dirigia para as classes mais altas dos centros urbanos de maior
dimensão.
De acordo com Simonsen (1939), em 1889, dos capitais envolvidos na
indústria, 60% estavam no setor têxtil e 15% na alimentação. Em 1907, 26,7%
estavam no setor da alimentação e 20,6% na têxtil e em 1920, 40,2% estavam na
alimentação e 27,6% na têxtil. Tratava-se de uma indústria essencialmente assente
em pequenas e médias unidades (até 12 empregados no máximo) organizadas
majoritariamente, com base na Produção Simples de Mercadorias. A importância
crescente do setor alimentar é visível e está relacionada com o surgimento da
indústria de processamento de carne com base na refrigeração.
Parece-me evidente que este setor assentava também na transformação e
comercialização de produtos alimentares tradicionalmente consumidos pela
população urbana de menor poder aquisitivo. Tratava-se de um setor naturalmente
protegido. Por um lado, não concorre com o tipo de produtos alimentares
importados, e por outro ,utiliza matérias-primas exclusivamente nacionais.
Poderíamos encontrar vários exemplos de produtos. Rapadura, doces e conservas
de frutas tropicais, licores e bebidas caseiras de frutas (incluindo o guaraná e caju),
frutos secos, salga de carne e peixe, sabão de coco e farinhas, biscoitos de
mandioca e milho poderiam ser alguns.
Facilmente se deduz que esta demanda por produtos alimentares
semitransformados e de baixo custo vai influenciar o aparecimento de outras
indústrias através dos linkages existentes.
Nas estatísticas de 1907, citadas por Suzigan (1986) aparecem, por exemplo,
279 fábricas classificadas como indústria metalo-mecânica. Procurando suprir um
mercado de equipamentos para a agricultura e agroindústria em expansão e
93
concorrendo com equipamentos importados, estas indústrias desenvolvem
equipamentos nacionais tecnicamente menos sofisticados , mas melhor adaptados à
realidade nacional. Ferramentas e implementos agrícolas, bombas de água,
equipamentos para moinhos de milho e mandioca, beneficiamento e escolhedores
de café, moendas de cana, equipamentos para processamento de carnes e diversas
máquinas e utensílios vão constituindo a base tecnológica nacional para o setor.
Uma base tecnológica que nunca se originaria nos países africanos, face à
troca desigual realizada desde sua colocação a serviço do fornecimento de almas
para o Brasil. Como mencionei, quando se esboça a sua industrialização (em
particular em Angola), esta faz-se apenas na década de 1960 com base em matrizes
tecnológicas atrasadas e voltadas a padrões de consumo do Norte.
De acordo com Singer (1984) a industrialização brasileira que decorre entre
1880 e 1930, assente num grande mercado interno, caracterizada por uma
infinidade de pequenas empresas tecnlogicamente pouco sofisticadas, espalhadas
pelo Brasil, com fortes vinculações agrário-urbanas, resiste melhor do que o setor
agro-exportador à crise de 1930. Ela será, inclusive, a base para a industrialização
extensiva que vai ocorrer entre 1933 e 1955 - à medida que se unifica o mercado
interno,
70
e se inicia um processo lento, com retrocessos vários, mas gradual, de
constituição de uma administração pública mais profissionalizada apor forma a
libertar a elite burocrática para a transição para o capitalismo industrial.
Industrialização que induziu à maior urbanização do país, a demanda urbana
de alimentos e conseqüentemente a expansão da agricultura comercial. Entre 1938
e 1955 a produção de arroz cresceu 144%, a de feijão 73%, a de batata inglesa
70
A partir de 1930 o poder passa a dar prioridade ao desenvolvimento do mercado interno. A rede rodoviária passa de
113.570 Km em 1930 para 459.714 Km em 1955. O numero de caminhões em circulação passa de 54.842 em 1937 para
210.244 em 1951. Fonte: dados do IBGE apud Singer (1984:219)
94
123% e a de mandioca 137%. As taxas médias anuais de crescimento da produção
de alimentos para o mercado interno acompanharam as taxas médias de
crescimento da população urbana, que foram de 3,84% entre 1940 e 1950 e de
5,47% entre 1950 e 1960 (Singer, 1984: 220).
O crescimento do mercado interno e da demanda urbana levou também,
desde 1930, a um crescimento intenso da demanda por importações e à
conseqüente necessidade, face à conjuntura da época, da substituição de
importações como condição para a continuidade do processo de modernização atrás
citado.
As empresas metalo-mecânicas ganham assim novo impulso na década de
1930 e 1940 e diversificam a sua produção aparecendo ainda mais fabricantes de
máquinas para a indústria de bebidas, torrefação de café, maquinaria completa para
usinas de açúcar, beneficiamento de arroz, bombas centrífugas e hidráulicas, e
máquinas pesadas para a agricultura tais como arados e grades de discos. Suzigan,
(1986).
Ainda de acordo com o autor, este setor industrial nascido no pós-guerra , vai
mais tarde (1956-1967) ser repartido com as firmas multinacionais as quais detinham
em 1968, 35% do setor de alimentos e bebidas brasileiro. Nesse período completa-
se a integração do território nacional mediante sua interligação ao redor de Brasília.
A expansão rodoviária liga o Nordeste e Centro-Oeste e alarga definitivamente o
mercado nacional.
Neste processo, substitui-se ainda em maior escala a produção artesanal pela
industrial, centraliza-se o capital e as relações capitalistas tornam-se hegemônicas
no campo onde se instala também o capital monopolista. A legislação trabalhista
abrange então o meio rural, mas o mesmo não acontece ainda com a previdência,
95
ou seja, os direitos sociais, aparecem antes dos políticos. Em decorrência, o
Estado fomenta serviços de apoio a esta "revolução verde" e o Brasil desenvolve
tecnologia tropical de vanguarda com base na criação de organizações
governamentais de pesquisa agropecuária como a Embrapa.
Se, em traços muito breves, esta foi a dinâmica e cronologia da evolução
capitalista brasileira, verifico , também, que a conformação de uma estrutura social
daí decorrente é também importante para o nosso trabalho, na medida em que
pretendo claramente sinalizar as diferenças com o sucedido nos países africanos,
em particular no que respeita aos tempos e características dos processos de
construção das respectivas “sociedades civis”.
No Brasil, grandes camadas da população ficam excluídas do processo de
crescimento econômico verificado nas décadas de 60 e 70, o designado “milagre
econômico”. A diferença de distribuição de renda, aliás, piora sempre nesses anos.
Subsistem também graves problemas no campo onde a concentração de terra
mantém milhares de brasileiros sem acesso à terra desde a primeira lei de terras
publicada em 1850. Nas cidades a pressão exercida sobre uma população que se
torna excedente na década de 80 e 90 leva à deflagração altíssima da violência e
criminalidade
71
. Subsistem também desigualdades muito significativas na
distribuição nacional e inter-regional da riqueza e da tecnologia a ela associada.
Restam enfim, várias "áfricas interiores" por solucionar.
Contudo, por tentativa e erro, este longo processo de desenvolvimento
capitalista brasileiro permitiu a germinação de novas formas sociais que levaram o
país a iniciar, no final do século XX, um processo de amadurecimento de
71
Em 1960 a população urbana era de 44,7% e em 1980 havia aumentado para 67,6%. Quase 50 milhões de aumento em
valores absolutos. Em 2000, 81% da população do país é urbana (Carvalho,2008: 169)
96
organizações da sociedade civil que contribuíram decisivamente, desde o nível local,
para a construção de redes de influência política importantes para maior
consolidação da democracia com a eleição de Lula e, posteriormente, para a
obtenção de uma lei de segurança alimentar.
Este foi um processo lento e com características muito próprias, podendo
apenas , no âmbito deste trabalho, sinalizar alguns pontos desse longo percurso
feito de avanços e retrocessos. É assim que numa busca de eventuais sinais de
construção de cidadania refiro a famosa “revolta da vacina” , protesto popular com
mais de 30 mortos que, na opinião de Carvalho (2001) constituía (assim como outras
revoltas) um “ esboço de cidadania” no Brasil do século XIX.
Mas, no Brasil, os direitos sociais vieram primeiro que os políticos em
decorrência do próprio processo de desenvolvimento capitalista, que se tornava
necessário lançar as bases para a proletarização dos escravos libertos e seus
descendentes e, em grande parte, dos imigrantes. A partir de 1930, por exemplo,
verifica-se um avanço considerável no avanço de direitos sociais com a criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e diversa legislação trabalhista,
garantindo, por exemplo, a jornada de trabalho de 8 horas, o descanso semanal
remunerado e a lei de férias. Em maio de 1932, uma greve geral em São Paulo para
a cidade durante um s (GIANOTTI, 2007). Mais tarde, em 1943, vasta legislação
trabalhista e previdenciária é também publicada para servir de base à
industrialização (CARVALHO, 2008).
Ainda mais tarde, em 1962 a esquerda acaba por promover a criação da
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, e alguns setores
mais progressistas da igreja católica apóiam a causa dos Sem Terra através do
Movimento de Educação de Base e da “teologia da libertação”.
97
A universalização do voto, tornando-o facultativo aos analfabetos na
constituição de 1988
72
, com aumento substancial da educação
73
e a redefinição do
papel do Estado e maior importância atribuída ao local quer por correntes
neoliberais quer pelas ONGs e movimentos de esquerda, também foram importantes
nesse processo. Um processo que, como disse, foi lento e que apenas é aqui
mencionado para tornar claro que as sociedades civis” dos dois lados do Atlântico,
pela história comum partilhada, mas também pela evolução divergente sofrida, têm
que ter, forçosamente, estágios de desenvolvimento institucional muito diferentes.
Carvalho (2008:229) refere que a desigualdade é a escravidão de hoje, no
sentido em que é um cancro que impede a construção de uma nação. No Brasil do
século XXI, analfabetos assim como pobres são, maioritariamente, negros
74
descendentes de vítimas dos libambos, habitantes das Áfricas interiores brasileiras,
talvez hoje, os espaços sociais mais próximos da realidade africana, em particular
da de Angola ou de São Tomé e Príncipe.
Reforço esta idéia: os principais atores da mudança política recente do Brasil
não foram os das suas Áfricas interiores , mas sim os originados no bojo do
processo de desenvolvimento capitalista que se iniciou muito antes do vivenciado no
lado Africano.
72
Cerca de 8% dos eleitores em 1990 segundo Carvalho (2008: 200)
73
Redução do analfabetismo de 25,4% em 1980 para 14,7% em 1996 segundo Carvalho (2008: 206)
74
Analfabetismo de 9% para os brancos e de 22% para negros em 1997 de acordo com Carvalho (2008: 208)
98
3 A CONSTRUÇÂO DA SEGURANÇA ALIMENTAR
Este capítulo pretende estabelecer uma ligação entre o surgimento e a
evolução dos conceitos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), as diferentes
realidades e possíveis abordagens futuras em São Tomé e Angola, quer por parte
dos seus Estados, quer do posicionamento possível, de suas sociedades civis”. O
Brasil será apenas referido em função da “exportação” de suas metodologias para
tratar o tema da segurança alimentar e nutricional. Para isso vou apresentar
primeiro as principais questões concernentes à SAN (evolução e construção do
conceito), para em seguida abordar as situações específicas dos países africanos
objeto deste estudo.
3.1 EVOLUÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SAN
A concepção de SAN Segurança Alimentar e Nutricional nem sempre foi a
mesma. A sua evolução deveu-se aos diferentes contextos econômicos, políticos e
sociais que se viveram, mas também às novas abordagens que entretanto foram
surgindo, tanto por parte dos organismos internacionais como das universidades e
movimentos sociais.
Retrospectivamente podem situar- se as primeiras utilizações desta
expressão no contexto da I Guerra Mundial. Nesta altura, a expressão era utilizada
com um significado estritamente ligado à auto-suficiência alimentar a nível nacional
para sustentar a população, não sendo feita qualquer referência aos planos
individual ou familiar. A alimentação surge assim como questão central no que
99
respeita à capacidade dos países de produzirem os seus próprios alimentos a fim de
evitarem crises de abastecimento provocadas por cercos militares ou boicotes
políticos (ADAS, 2004).
Em meados da década de 1970, o conceito surge de forma mais consistente
no contexto das discussões sobre a crise alimentar mundial que se viveu. Nesta
década, os estoques mundiais de alimentos começam a diminuir drasticamente
devido a quebras acentuadas na produção em vários países entre os quais a
União Soviética, a Índia, a China e a Austrália o que origina subidas abruptas dos
preços de cereais e uma conseqüente crise alimentar em escala global. A FAO
organiza em 1974 a sua primeira Cimeira Mundial da Alimentação, da qual resulta
um consenso sobre a necessidade de existir uma disponibilidade suficiente de
alimentos para alimentar toda a população do globo, e na qual os líderes mundiais
aceitam, pela primeira vez, a responsabilidade comum de acabar com a fome e com
a desnutrição
75
. O foco inicial da atenção foi nos problemas de abastecimento
alimentar, em assegurar a disponibilidade e a estabilidade dos preços dos alimentos
básicos em nível internacional e nacional (CLAY, 2002).
Naturalmente, este ambiente institucional legitimou e facilitou a
“modernização” do setor agrícola em particular nos países do Sul, que o foco se
colocava na necessidade de maior produção de alimentos para resolução do
problema da fome, ou seja, a fome era apenas conseqüência da baixa
produtividade.
No início da década de 1980, começa a desvanecer a idéia de que a
disponibilidade alimentar resultante de incrementos na produção agrícola poderia
75
Desta Cimeira resulta a “Declaração Universal para Eliminação Definitiva da Fome e da Desnutrição”, aprovada por
unanimidade pelos 130 países participantes, bem como a criação de um Conselho Mundial da Alimentação e da Comissão
sobre Segurança Alimentar da FAO.
100
resolver o problema da fome, dando lugar à preocupação com o lado da procura e
com o acesso aos alimentos pelos grupos mais vulneráveis. Amartya Sen defende
que a tradicional abordagem da fome incidindo no abastecimento (disponibilidade)
de alimentos se revelou infundada e equívoca para as políticas a seguir, e apresenta
um todo alternativo de análise e abordagem baseado na atribuição de direitos
(entitlements) de acesso aos alimentos, i.e., à produção, transformação, comércio e
transferência de recursos básicos (SEN, 1981).
No seguimento, a FAO e o Banco Mundial publicam trabalhos que marcam a
evolução do conceito e contribuem para que a abordagem da Segurança Alimentar,
no final da década, se baseasse na disponibilidade de alimentos em nível nacional e
regional, e no acesso estável em nível local (FAO, 1983; Banco Mundial, 1986). A
preocupação centrava-se na compreensão dos sistemas alimentares, sistemas de
produção e outros fatores que influenciam a disponibilidade e o acesso a alimentos
de forma permanente (FRANKENBERGER & MacCASTON, 1998).
A partir da década de 1990 a SAN é reconhecida como uma questão desde o
nível individual ao global, e alguns trabalhos desenvolvidos acrescentam os
problemas nutricionais e qualitativos à problemática alimentar. De fato, a
disponibilidade e o acesso aos alimentos são necessários, mas não suficientes para
garantir segurança alimentar, devido aos problemas de nutrição ou da qualidade
dos alimentos que podem causar situações de insegurança e graves problemas de
saúde. Esta maior preocupação pela segurança sanitária e organoléptica dos
alimentos, agora comercializados globalmente, é a base para a criação de agências
reguladoras nacionais para parte da regulação internacional do comércio de
produtos alimentares, constituindo também a base para diversas barreiras não
tarifárias entre países, em particular do Norte.
101
Como é fácil verificar, o significado atribuído à noção de SAN vai evoluindo ao
longo dos tempos. A definição mais amplamente aceite hoje é aquela que resultou
da Cimeira Mundial da Alimentação (CMA) realizada em Roma em 1996
76
.
Caixa de texto 5 – Definição de SAN
“Existe segurança alimentar quando as pessoas m, de forma
permanente, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e
suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências
alimentares, a fim de levarem uma vida ativa e saudável” In: Declaração de
Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano de Ação (FAO, 1996)
A SAN possui, por isso, um caráter multidimensional implicando
disponibilidade
77
, acesso
78
, consumo
79
, utilização
80
, estabilidade
81
e
sustentabilidade
82
.
76
Note-se que, em África, como se verá adiante, ainda predominam as visões anteriores.
77
Em termos globais a disponibilidade de alimentos é suficiente para alimentar toda a população existente no planeta.
Porém, se existem problemas de fome é porque esses alimentos não estão disponíveis da mesma forma em todos os
lugares. A questão da distribuição de alimentos deve também ser equacionada, ou seja, mesmo que exista uma quantidade
de alimentos suficiente no país (via produção nacional ou importações) é preciso salvaguardar que esses alimentos
cheguem a todos os níveis subseqüentes.
78
A mera existência de alimentos não é suficiente para garantir a SAN: é preciso que as pessoas tenham acesso aos
alimentos quando estão disponíveis, seja produzindo-os (desenvolvendo uma agricultura de subsistência), seja comprando-
os nos mercados locais ou adquirindo-os através de doações (ajuda alimentar). O poder de compra das populações é um
fator muito importante para garantir o acesso aos alimentos, além da existência de infra-estruturas de transporte,
armazenamento, sistema de mercados que funcione, redes de comunicação, etc.
79
A dimensão de consumo e utilização está relacionada com o ato de alimentação em si mesmo, ou seja, os hábitos
alimentares das pessoas incluindo o processo de escolha e preparação dos alimentos, distribuição no interior do agregado
familiar, etc. As dietas alimentares devem ser variadas e equilibradas, de qualidade (física, química e biológica) e em
condições de sanidade (inocuidade) para evitar riscos de contaminação. O consumo deve também levar em conta as
preferências alimentares de forma a salvaguardar as características culturais de cada povo em termos de costumes,
tradições ou credos religiosos, mesmo em programas de Ajuda Alimentar de emergência.
80
A utilização dos alimentos está relacionada com a nossa questão biológica, com a forma como o organismo ingere,
absorve e utiliza os nutrientes e os converte em energia, assim como com o estado de saúde que apresentamos.
102
É importante mencionar que todas as dimensões m que estar presentes em
simultâneo para que se verifique uma situação de segurança alimentar e nutricional,
dado que se encontram intrinsecamente relacionadas.
Entre as principais causas de insegurança alimentar encontra-se a dificuldade
de acesso a alimentos, quer por via das restrições de renda, quer pela sua
indisponibilidade. É por isso que a pobreza é frequentemente apontada como a
principal causa da insegurança alimentar e da fome. A correlação entre pobreza,
vulnerabilidade e insegurança alimentar é uma constante, em particular em todos
os países africanos.
A vulnerabilidade refere-se à propensão das pessoas para cair ou ficar
abaixo do limiar da segurança alimentar durante um determinado período de tempo.
A vulnerabilidade é o resultado de um acumular de determinadas situações ao longo
do tempo.
Por exemplo, como referi antes, o equilíbrio precário vivido pela maioria dos
camponeses angolanos durante mais de três séculos (sujeitos a mecanismos de
controle dos traficantes e raides de outros estados) aumentou a vulnerabilidade a
secas, pestes e outros fenómenos naturais cíclicos na região, gerando diversas
situações de fome recorrente que se traduziram em maior competição por recursos.
A insegurança alimentar e nutricional (INSAN) pode ser descrita como uma
situação em que uma pessoa ou população não tem acesso seguro a uma
81
Para que a condição de segurança alimentar seja mantida de forma contínua (permanente) é necessário salvaguardar a
dimensão de estabilidade, tanto em termos dos alimentos disponíveis (nos mercados, sazonalidade da agricultura,
catástrofes climáticas, etc.), como no acesso aos alimentos (garantia de poder de compra, garantia de emprego, garantia de
condições de logísticas, etc.).
82
O processo de produção de alimentos deve salvaguardar ainda a dimensão de sustentabilidade da segurança alimentar
em relação às questões ambientais (problemas de salinização e erosão do solo, poluição, resistência a pesticidas e perda
da biodiversidade, utilização de OGMs na agricultura, alterações climáticas, etc.)
103
quantidade suficiente de alimentos para ter um crescimento e desenvolvimento
normais, e para levar uma vida ativa e saudável. De acordo com o período de tempo
que se considera, pode ter-se uma situação de insegurança alimentar crónica
(quando ocorre de forma continuada no tempo em decorrência de situações de
extrema pobreza e completa incapacidade de acesso aos alimentos, como a vivida
em Angola nos últimos 500 anos), ou insegurança alimentar aguda ou transitória
(quando ocorre por um curto período de tempo em decorrência, por exemplo, de
adversidades climáticas como secas e inundações ou de outros problemas sociais,
políticos ou econômicos como conflitos, guerras, etc.).
Outras causas concorrem também para agravar a situação de vulnerabilidade
e insegurança alimentar, como a dificuldade de acesso a recursos como terra, água,
saneamento básico, serviços de saúde, educação, crédito ou mesmo acesso a
mercados onde se possam comprar e vender os alimentos.
Também a debilidade do estado de saúde dos indivíduos (particularmente
HIV/Sida, malária e tuberculose) coloca-os numa situação mais vulnerável quando
em insegurança alimentar. Contudo, a situação inversa também é verdadeira porque
indivíduos subnutridos têm mais dificuldade em resistir a qualquer doença. A
insegurança alimentar e nutricional conduz ainda outras situações como anemia,
xeroftalmia, bócio, raquitismo, marasmo, entre outras, que quando não fazem
vítimas directamente , acabam por facilitar o aparecimento de outras doenças. Por
isso, provavelmente, se verificavam taxas de mortalidade muito elevadas entre a
captura, transporte e embarque dos escravos para o Brasil.
As situações de guerras ou conflito aumentam inevitavelmente a
vulnerabilidade e podem de fato tornar-se insegurança alimentar crónicas, que
são necessários , pelo menos, 3 a 4 anos de estabilidade e acesso mínimo a fatores
104
de produção para que uma família camponesa possa consolidar-se em determinada
área gerando excedentes agrícolas. Como vimos antes, essa situação foi a que
ocorreu em Angola, em função da política implementada (destruição de palmares,
colheitas, alteração das bases alimentares tradicionais e do regime de propriedade)
favorecendo o aumento da fome e barateando o custo do escravo.
Convém sublinhar, que na base das dimensões de SAN correntemente
usadas no Brasil estão dois pilares a que se refere em seguida: o primeiro
corresponde ao Direito Humano à Alimentação e relaciona-se com a condição
humana do indivíduo, a qual não lhe permite, independentemente da sua própria
vontade, abdicar da alimentação enquanto necessidade básica à vida; o segundo,
na opinião de vários movimentos sociais, em particular da Via Campesina, uma
condição política para a SAN - a Soberania Alimentar, ou o direito dos países e
seus povos definirem suas políticas e estratégias de produção, distribuição e
consumo de alimentos. Vou referir ambos em seguida.
3.1.1 O direito humano à alimentação e a soberania alimentar
As questões relacionadas com a insegurança alimentar e pobreza estão, em
primeira instância, vinculadas à concepção dos Direitos Humanos. Estes direitos
constituem um conjunto de prerrogativas que se baseiam em princípios éticos e
morais como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no Mundo, os quais todos
os indivíduos possuem pela sua condição de seres humanos. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) assinada em 1948 veio consagrar
internacionalmente esses direitos, entre os quais se encontra a alimentação.
105
“1. Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure,
assim como à sua família, saúde e bem-estar, especialmente alimentação, vestuário,
habitação, assistência médica e os serviços sociais necessários (…)”. In: Declaração
Universal dos Direitos Humanos, Artigo 25º.
Em 1966 foi adotado pela ONU o Pacto Internacional dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) que, juntamente com o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), contêm os principais
compromissos decorrentes da declaração universal
83
. O objetivo geral destes pactos
é vincular juridicamente os direitos humanos responsabilizando internacionalmente
os Estados nacionais pela sua violação.
A supervisão da proteção destes direitos cabe ao Comitê de Direitos
Económicos, Sociais e Culturais (CDESC) da ONU, através de relatórios
apresentados pelos Estados nacionais. A realização deste direito deve ser feita de
forma progressiva, cabendo aos Estados a obrigação de implementar ações para
mitigar a fome. O DHAA é composto por duas partes inseparáveis: Em primeiro lugar
83
No PIDESC, a alimentação vem reconhecida como direito humano no Artigo 11º da seguinte forma:
“1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de qualquer pessoa a um nível de vida adequado para si e
a sua família, inclusive alimentação, vestuário e habitação adequados, e a uma melhoria contínua das condições de
existência. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a efectividade deste direito, reconhecendo
para esse efeito a importância essencial da cooperação internacional fundamentada no livre consentimento. 2. Os
Estados Partes no presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de qualquer pessoa a estar protegida contra a
fome, adoptarão, individualmente e mediante a cooperação internacional, as medidas, incluídos os programas concretos,
necessárias para:
a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de alimentos mediante a plena utilização dos
conhecimentos técnicos e científicos, a divulgação de princípios sobre nutrição e o aperfeiçoamento ou a reforma dos
regimes agrários de forma a alcançar uma exploração e utilização mais eficazes das riquezas naturais;
b) assegurar uma distribuição equitativa dos alimentos mundiais em relação às necessidades, tendo em conta os
problemas existentes tanto nos países que importam produtos alimentícios como nos que os exportam.” In: Pacto
Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Artigo 11º
106
cabe assegurar que todos os seres humanos têm o direito de estar livres de fome e
desnutrição; Em segundo lugar, cabe assegurar que todas as pessoas têm direito a
uma alimentação adequada. Como são inseparáveis, cada uma dessas partes não
pode ser garantida sem a realização da outra. O significado de adequação é
importante nesta interpretação. Ele diz-nos que devem ser levados em conta rios
fatores para determinar se os alimentos, ou as dietas específicas, podem ser
considerados os mais apropriados para cada circunstância e para cada comunidade.
A adequação é coerente com o principio político da soberania.
No sentido de apoiar os governos na implementação do Direito Humano à
Alimentação, foram elaboradas e aprovadas na Organização das Nações para a
Agricultura e Alimentação, por um vasto número de países, as Diretrizes
Voluntárias
84
. Estas são uma ferramenta importante para ajudar os Estados e a
sociedade nessa tarefa, e constituem um documento onde se procura compatibilizar
um direito universal com formas soberanas de o realizar, ou, por outras palavras , “o
que se deve colocar no prato são as comunidades e os povos que devem decidir”
85
.
Na elaboração desse documento participaram também organizações
internacionais, ONGs e outros representantes da sociedade civil. O documento
resultante constitui a primeira iniciativa dos governos em interpretar um dos Direitos
84
Diretriz 1- Democracia, boa gestão pública, direitos humanos e o Estado de direito ; Diretriz 2-Políticas de
Desenvolvimento Econômico; Diretriz 3- Estratégias; Diretriz 4- Sistemas de mercado; Diretriz 5-
Instituições; Diretriz 6-Partes interessadas; Diretriz 7-Marco jurídico; Diretriz 8- Acesso aos recursos e bens;
Diretriz 9-Segurança dos alimentos e proteção do consumidor; Diretriz 10-Nutrição; Diretriz 11-Educação e
conscientização; Diretriz 12-Recursos financeiros nacionais; Diretriz 13-Apoio aos grupos vulneráveis; Diretriz 14-Redes
de proteção; Diretriz 15-Ajuda alimentar internacional; Diretriz 16-Catástrofes naturais e provocadas pelo homem; Diretriz
17-Monitoração,indicadores e marcos de referência; Diretriz 18-Instituições nacionais e direitos humanos; Diretriz 19-
Dimensão internacional
85
Expressão utilizada por militante da Via Campesina, em seminário que o autor esteve presente.
107
Econômicos, Sociais e Culturais, e contém um conjunto de recomendações para a
apoiar a sua realização
86
.
A implementação destas diretrizes é incentivada ao nível da elaboração das
estratégias, programas, políticas e leis, particularmente nas que estão relacionadas
com a SAN. Elas conformam um conjunto de deveres que os Estados, em parceira
com a sociedade civil, devem ter em atenção na luta contra a fome. Convém
sublinhar que estas diretrizes são também uma importante ferramenta para a
sociedade civil exigir responsabilidades dos governos em matéria de direito à
alimentação.
Mas vou agora referir o conceito de soberania alimentar.
A discussão da soberania alimentar surgiu a debate público em meados dos
anos 1990
87
como opção para as políticas neoliberais existentes e que são
consideradas uma das causas principais do empobrecimento rural.
A Soberania Alimentar pode ser definida da seguinte forma:
“Soberania alimentar é o DIREITO dos países e povos de definirem as suas
próprias políticas de agricultura, emprego, pesca, alimentação e de terra para que
sejam ecológica, social, econômica e culturalmente apropriadas às suas
circunstâncias únicas. Isto inclui o verdadeiro Direito à Alimentação e a produzir
alimentos, o que significa que todos os povos têm direito a alimentos sãos, nutritivos
e culturalmente apropriados, bem como aos recursos para a sua produção, e à
capacidade para se sustentarem a si mesmos e às suas sociedades.”
86
A versão completa das Diretrizes Voluntárias da FAO podem ser obtidas em
http://www.fao.org/righttofood/kc/downloads/vl/docs/VoluntaryGuidelines_portuguese.pdf.
87
Entre outros momentos, quando se realizou a Cimeira Mundial Alimentação em Roma em 1996 a sociedade civil
organizou um fórum paralelo com a presença de 1200 organizações provenientes de 80 países e discutiu a necessidade de
implementar um modelo alternativo capaz de assegurar a segurança alimentar para todos.
108
In: Declaração Política do Fórum das ONG/OSC para a Soberania Alimentar à CMA: +5
Estas discussões influem e nascem de posições de organizações latino
americanas e em menor grau, asiáticas e européias associadas, também, mas não
só, à Via Campesina.
Em África, em geral, a construção de movimentos camponeses reunidos em
torno da soberania alimentar é ainda incipiente. Contudo, existem, naturalmente,
organizações de camponeses ativas, quer em Angola quer em São Tomé e Príncipe.
No primeiro país existe uma organização nacional com ligações à Via Campesina
88
.
Vamos agora verificar a proposta conceitual e a política em vigor no Brasil e
como alguns aspectos da mesma se transformaram em metodologia de trabalho e
proposta internacional da FAO para um elevado número de países.
3.2 O ENFOQUE DA SAN NO BRASIL
O enfoque atualmente existente no Brasil é fruto de um amplo movimento da
sociedade na sua construção. Os trabalhos de Josué de Castro
89
desenvolvidos a
partir da cada de 1930 denunciam um tema tabu (a fome) analisando um
complexo jogo de manifestações biológicas, econômico-sociais, culturais e políticas.
Na década de 1960 o governo de João Goulart anuncia um ambicioso
programa de reforma agrária e de fomento à produção nacional que não se
implementa até pelo golpe de estado que leva os militares ao poder. Um pouco por
todo o país, mas, particularmente no Sul, camponeses vão se organizando e
88
A União Nacional dos Camponeses de Angola - UNACA
89
Josué de Castro que faleceu em 1973. Era médico, geógrafo, cientista social e político, nasceu em Pernambuco. Para
além de membro e fundador de inúmeras organizações ligadas ao tema, assumiu a presidência da FAO entre 1952-54.
109
encetando lutas locais pela terra que recebem, muitas vezes com o apoio da igreja,
da oposição consentida e da intelectualidade regional e nacional (LERRER, 2003).
Mas é a partir de meados da cada de oitenta, durante o processo de abertura e
democratização, que surgem iniciativas e mobilização popular que constróem o
enfoque de SAN atual. Naturalmente este processo não foi possível antes, em
decorrência do Regime Militar (1964-85).
Até 1986 a utilização da noção de segurança alimentar apenas se referia ao
controle da situação nutricional dos indivíduos, particularmente a desnutrição infantil,
através da Vigilância Alimentar e Nutricional.
Em 1991, o “Governo Paralelouma iniciativa do Partido dos Trabalhadores
(PT) liderada por Lula –, lança uma proposta de “Política Nacional de Segurança
Alimentar” trazendo a SAN e o conteúdo das suas políticas para o campo da luta
político-partidária (PESSANHA, 2002).
O documento coloca a segurança alimentar como princípio de políticas
públicas e afirma que a alimentação é um direito elementar , exigindo respostas
urgentes por via de ações emergenciais e de políticas especificas para o setor da
produção, distribuição, comercialização e consumo de alimentos.
No Governo de Itamar Franco (1992-95) é instalado o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (CONSEA). Este conselho, vinculado à Presidência da
República, assume como funções de articular vários organismos do governo em
conjunto com a participação da sociedade civil.
Ainda no nível da mobilização social cabe a importante referência à Ação da
Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, movimento social fortemente
impulsionado pelo sociólogo Herbert de Souza, ou Betinho, que mobilizou milhares
110
de pessoas e amplos setores da sociedade brasileira sob o lema A fome não pode
esperar”, criando milhares de comitês de solidariedade espalhados pelo país.
Em Julho de 1994, realizou-se em Brasília a primeira Conferência Nacional
de Segurança Alimentar (CNSAN) com o apoio do CONSEA, que contou com cerca
de duas mil pessoas provenientes de todos os estados do Brasil, para além de
convidados e observadores. Mas esta experiência seria interrompida. Em 1995, o
novo Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) lança o Programa
Comunidade Solidária, onde se incluía a constituição do Comitê Técnico
Interministerial, que conta com participação da sociedade civil para analisar a
atuação do governo na área da SAN e articular novas ações com outras
existentes, em torno de uma política nacional.
A retomada em força dessa questão na agenda política no início dos anos
2000, está relacionada com o agravamento da situação de pobreza e vulnerabilidade
das famílias e pelas iniciativas dos organismos internacionais (FAO, ONU e Banco
Mundial) que passaram a desenvolver ações mais coordenadas de combate à
pobreza e segurança alimentar (BELIK, SILVA e TAKAGI, 2001).
Em 2001 é lançado publicamente pelo Instituto da Cidadania o documento
“Projeto Fome Zero Uma Proposta de Política de Segurança Alimentar para o
Brasil”, base do atual Programa Fome Zero, elaborada com ampla participação de
ONGs, movimentos sociais, sindicatos, institutos de pesquisa e diversos
especialistas. Em termos institucionais, o projeto propõe uma política vinculada à
Presidência da Republica, para além de solicitar a reposição do CONSEA (o que
acontece com a primeira eleição do Governo Lula).
O Fome Zero é atualmente coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) e possui dezenas de programas articulados em
111
quatro eixos: Eixo 1 Acesso aos alimentos; Eixo 2 Fortalecimento da Agricultura
Familiar; Eixo 3 Geração de Renda; Eixo 4 Articulação, Mobilização e Controle
Social
90
. O programa tem sido assumido como uma experiência em evolução.
Em setembro de 2006 a Lei Orgânica de SAN (LOSAN) é sancionada pelo
Presidente da República. A aprovação da LOSAN coloca definitivamente a SAN no
campo dos direitos e institui mecanismos de promoção da intersetorialidade e
participação social através da criação do Sistema Nacional de SAN (SISAN), seu
maior desafio neste momento.
A definição atualmente em uso no Brasil, consagrada na II CNSAN e
posteriormente incorporada na LOSAN é a seguinte:
A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso
regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o
acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de
saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente
sustentáveis (Art. 3º, Lei Nº 11.346/2006).
A abordagem da SAN subordina-se, assim, aos princípios do Direito Humano
à Alimentação e posicionamentos políticos propostos no âmbito da Soberania
Alimentar. A SAN adquire, assim, um status análogo ao de equidade e
sustentabilidade, evidenciando os laços entre a política agroalimentar e
macroeconómica (MALUF, 1995:135). Um ponto importante a destacar é que neste
âmbito o enfoque brasileiro é que a promoção da SAN mantém uma relação de mão-
90
Alguns exemplos: Eixo 1 (Bolsa Familia, Restaurantes Populares, Bancos de Alimentos, Cisternas, Alimentação Escolar);
Eixo 2 (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar); Eixo 3 (Qualificação social e profissional, Organização produtiva de comunidades, Microcrédito produtivo
orientado); Eixo 4 (Mutirões e doações, Parcerias com empresas e outras entidades, Casa das familias). Fontes:
www.fomezero.gov.br. Algumas análises sobre o Fome Zero podem ser encontradas em Silva, Belik e Takagi (2002),
Yasbeck (2004), Frei Betto (2004), FAO (2006) ou Takagi, Del Grossi e Silva (2006).
112
dupla
91
com a equidade social e que essa equação contribui para a configuração dos
padrões de desenvolvimento que deve ter o país (MALUF, 2001:147). Neste
contexto, a SAN é visualizada como estratégia de desenvolvimento envolvendo
concertação intersetorial e, sobretudo, elevada participação social.
A participação social, sendo fundamental, exige esforços de apoio à
constituição de espaços institucionais
92
de negociação que gerem concertação social
entre atores diferenciados (governos, movimentos sociais, ONGs, sindicatos,
empresas, Universidades, etc.) promovendo parcerias aos mais variados níveis e
assegurando algum nível de controle social.
Particularmente importante para o meu objetivo, é verificar que a construção
da segurança alimentar no Brasil esteve e está claramente ligada ao próprio
processo de desenvolvimento do país, na geração de uma densidade crítica
intelectualizada mas, também , ainda que em menor escala, de um conjunto de lutas
sociais e políticas nas quais, agricultores sem terra, pequenos produtores rurais,
sindicatos e ONGs, desempenharam um papel relevante. O papel de organizações
sociais de nível regional e local, assim como de importantes movimentos a nível
nacional , em particular com origem no Sul do Brasil, como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi, por suas articulações políticas, importante
neste processo.
A experiência brasileira chamou a atenção de diversos organismos
internacionais entre os quais a FAO. Aliás, muitos dos técnicos responsáveis pela
elaboração da SAN no Brasil atuaram ou ainda atuam como consultores da FAO no
91
Esta relação de mão-dupla evidencia-se poque, por um lado, uma maior equidade social, i.e., dimunição da
desigualdade, aumento do nível de emprego, melhores salários, igualdade de oportunidades, é pré-condição para garantir
segurança alimentar e por outro, a questão alimentar participa também da construção da equidade social (Maluf, 2001:147).
92
Refiro-me aos vários desenhos existentes que dão forma a espaços institucionais com caráter consultivo ou decisório,
como por exemplo os Fóruns temáticos, Conselhos, Redes ou Articulações.
113
país e no exterior. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil possui também
uma coordenação internacional do programa Fome Zero e a FAO na América Latina
lançou o programa América Latina sem fome” , uma abordagem inspirada na
proposta em implementação no Brasil
93
. Em resumo, fez parte da imagem
internacional da atual Presidência do Brasil o lançamento internacional de variantes
do programa Fome Zero.
Vejamos então, em seguida, a metodologia atualmente proposta pela FAO
para os países africanos em particular para São Tomé e Príncipe e Angola.
3.3. AS RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS DA FAO
Desde a sua implementação em 1994, que o PESA Programa Especial de
Segurança Alimentar da FAO, evoluiu em termos do enfoque adotado, mudando de
uma abordagem mais centrada nas tecnologias (Produção) para uma abordagem
mais centrada nas pessoas. Ou seja, o PESA abandonou o seu único objetivo de
incrementar a produção agrícola, passando a procurar formas de melhorar o acesso
aos alimentos.
Quadro 1 – Enfoque do PESA
Fortalecer a produtividade e os
rendimentos
Aumentar o acesso aos alimentos
Desenvolvimento sustentável dos
pequenos produtores (melhor gestão da
água, fertilidade do solo, pragas,
tecnologias sociais de baixo custo, etc.)
Alimentação materno-infantil (incluindo
suplementos nutritivos)
Alimentação escolar
93
Graziano da Silva, um dos ministros do primeiro governo Lula é nomeado coordenador da FAO na América Latina.
114
Agricultura urbana e peri-urbana e
silvicultura (melhoria dos sistemas de
produção)
Hortas escolares (associadas à
alimentação escolar)
Reforma Agrária
Desenvolvimento de mercados
Inocuidade e qualidade dos alimentos
Infra-estrutura Rural
Investigação e extensão (especialmente
capacitação de instrutores para
processos de aprendizagem
participativa)
Gestão de recursos naturais (incluindo
biodiversidade)
Capacitação profissional e alfabetização
de adultos (associada a redes de
proteção social)
Educação nutricional
Prestações de desemprego e reforma
assim como transferências
condicionadas de dinheiro.
Alimentos por trabalho
Merenda escolar
Restaurantes populares e cantinas nas
fábricas
Bancos de alimentos
Fonte: Programa Especial de Segurança Alimentar (FAO)
Os conteúdos e componentes de cada política nacional são diferentes de país
para país, embora existam alguns pontos comuns que são propostos na maioria dos
programas do PESA existentes (ZEZZA & STAMOULIS, 2003):
Uma liderança forte e com visão de futuro que faça da erradicação da fome
um verdadeiro objetivo nacional para o qual todos os cidadãos sintam que
contribuem.
Boa governança, estabilidade econômica e social e paz.
Políticas de suporte e um ambiente legal que aborde questões como
subsídios, tarifas, taxas de câmbio, descentralização e acesso a terra e recursos
hídricos, bem como o direito à alimentação.
115
Um compromisso total, não só por parte de governos, como também por parte
de instituições da sociedade civil, para trabalhar em conjunto, e numa base
interdisciplinar, na implementação de ações práticas para erradicar a fome.
Um sistema de avaliação e monitoração, capaz de gerar informação credível
acerca do impacto e dos custos de programas, bem como o de minimizar os
riscos de uma administração menos transparente.
Como se pode verificar, qualquer semelhança com a mensagem institucional
do programa Fome Zero não é mera coincidência. Esta visão forma as propostas da
Organização em países da África, Ásia ou até da América Central, e inclui países
com diferentes capacidades. Angola, por exemplo, é em muitos casos, contribuinte
líquido das organizações internacionais, mas o mesmo não acontece com São Tomé
e Príncipe. Neste contexto, o PNSAN Programa Nacional de Segurança Alimentar
em Angola está na sua fase inicial de formulação com apoio da FAO. A contraparte
Angolana é o MINADER Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural em
conjunto com GSA Gabinete de Segurança Alimentar e IDA- Instituto do
Desenvolvimento Agrário, ambos pertencentes ao citado Ministério. O governo
afirma pretender formular um PNSAN Programa Nacional de Segurança Alimentar
de forma participativa, envolvendo todos os atores interessados (sociedade civil,
igrejas, organismo internacionais, universidades e setor empresarial), articulando e
complementando as ações em curso nos diversos setores de governo (MINADER,
2007).
Em São Toe Príncipe, a FAO encontra-se a iniciar idêntico processo. De
uma maneira geral, a FAO procura que os seguintes princípios sejam observados
no processo de formulação de uma política de SAN em ambos os países:
116
Forte compromisso político: Os governos nacionais devem assumir um
compromisso político inequívoco para com o combate à fome. Esse compromisso
deve ser ao mais alto nível para que todos os ministérios se comprometam em
integrar a formulação e a implementação da política nacional.
Princípio do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA): Sugere-se que a
definição de estratégias e programas nacionais de SAN tenham em conta as
Diretrizes Voluntárias da FAO sobre o direito à alimentação, pois estas
proporcionam uma orientação prática aos Estados no que se refere aos seus
esforços para conseguir a realização progressiva desse direito em cada contexto
nacional, com vista a alcançar os objetivos do Plano de Ação da Cimeira Mundial da
Alimentação realizada em Roma, em 1996.
Múltiplas dimensões da SAN: As linhas orientadoras e as ações constantes da
política devem ter em conta uma visão integrada que incorpore todas as dimensões
da SAN (disponibilidade, acesso, utilização, estabilidade); O caráter abrangente e
multidisciplinar desta questão implica uma articulação entre aspectos produtivos,
econômicos, sociais, nutricionais e educacionais, entre outros.
Intersetorialidade: Significa que tem que existir um planejamento e uma
coordenação das ações a desenvolver entre todos os sectores do Governo com
intervenção em matérias relacionadas com a SAN (Saúde, Agricultura, ão Social,
Educação, Economia, Planejamento, etc.); A muldimensionalidade da SAN exige
que a política seja intersetorial.
Enquadramento da política de SAN: A política que se define deve tomar em linha
de conta as ações que estão a ser desenvolvidas no país. A política pode, por
exemplo, articular essas ações e identificar outras que as complementem.
117
Participação Social: A participação dos vários sectores sociais é fator decisivo na
elaboração da política no sentido de incorporar diversas experiências e opiniões; A
participação deve incidir tanto ao nível do processo de formulação (consultas
públicas), como na implementação e acompanhamento das ações; É determinante
a criação de espaços de discussão e participação bem como a disponibilização de
informação em todas as fases do processo.
Descentralização: Definição de responsabilidades e tarefas entre as várias
instâncias de Governo (central e provincial) e entre Governo e Sociedade Civil;
Incorporar uma lógica de intervenção abrangente na definição da política que
incorpore iniciativas regionais e locais, i.e., país, província e comunidade, na sua
implementação.
Eqüidade: Incorporação de princípios básicos na política que combatam formas de
desigualdade (social, econômica, de gênero, étnica, etc.) e que tenham em conta
critérios democráticos e transparentes.
Atribuição de recursos: É necessário articular a atribuição de recursos com uma
conveniente definição de custos e processos de gestão adequados; Coordenação
entre os vários Ministérios quanto aos recursos disponíveis e adoção de
mecanismos de gestão eficazes.
Uma análise dos pontos comuns prioritários acima mencionados revela a
importância da prioridade política ao alto nível, a existência de um quadro legal que
garanta os direitos humanos, em particular , o direito humano à alimentação, a
existência de recursos, a equidade, a descentralização, a intersetorialidade e a
participação da sociedade civil na construção de um pacto social para erradicação
da fome. Aspetos que, como vimos, e referi, estão, em maior ou menor grau,
presentes no enfoque de SAN do Brasil.
118
Do confronto deste conjunto de requisitos por vezes “imaginários” e situações
reais historicamente conformadas, parece-me que nenhum destes países africanos
estaria em condições de implementar uma política de segurança alimentar e
nutricional com as características das preconizadas pela FAO, senão vejamos: em
ambos os países africanos não existe compromisso ao mais alto nível para com a
segurança alimentar, até porque as bases de apoio ao poder instalado não são as
mesmas que (na época) permitiram a eleição do presidente Lula no Brasil. Acredito
até que na maioria dos países onde a fome seja uma questão importante, o mesmo
se verifique. Isso não significa que seus Estados não o possam fazer. Questão a ser
averiguada.
Em ambos os países africanos (em igualdade de circunstâncias talvez com o
Brasil) , existe um quadro legal que garante os direitos humanos; mas é apenas isso,
um quadro. Recursos existem em Angola, mas o em São Tomé e Príncipe, mas
em ambos os casos não se vislumbra forte investimento pelo Estado neste
programa, mas sim nos diversos instrumentos das políticas em curso que favorecem
de forma direta ou indireta a iniciativa privada, em particular a importação de
alimentos (caso da merenda escolar com leite importado).
Eqüidade não existe em ambos e muito menos transparência na utilização
dos recursos existentes. Este é, aliás, um dos maiores problemas em ambos os
países. Nesse sentido, a descentralização foi possível, mas aquela em que se
passaram competências sem meios para satisfazer as primeiras.
A intersetorialidade decorrente da multidimensionalidade da Segurança
Alimentar é bastante difícil de colocar em prática se pensarmos nas características
do Estado naqueles países, que este, tendo, como veremos, um elevado caráter
119
patrimonialista, é mais palco de disputas internas do que de cooperação para o bem
público.
Relativamente ao Estado temos por isso que averiguar ainda a prioridade
política que poderia ser dada a este tema, e o potencial interesse do governo em
coordenar instrumentos e orçamentos da atual política e instrumentos públicos, com
o objetivo de obter maior eficiência.
Por último, a sociedade civil tem características muito diferentes de país
para país, e a sua participação social, nesta como em outras políticas, é
aparentemente limitada. Contudo, este aspeto parece fundamental para a questão
da eqüidade e da descentralização, para não referir que será talvez também
fundamental para promover mudanças institucionais que coloquem o tema na
prioridade do Estado. Questões a serem também averiguadas neste capitulo, até
porque certamente, o “modelo” proposto pela FAO admitirá, necessariamente
adaptações , ao ser implementado como normalmente se verifica com qualquer
modelo.
Um elemento adicional a considerar é que a proposta da FAO parece não ter
em conta o ponto de partida da própria situação de (in) segurança alimentar atual
nem a sua origem histórica , que como vimos, é muito diferente no Brasil ou em
Angola. A forma como os diferentes atores se podem colocar no presente e no
futuro varia certamente em função dessa circunstância. Por isso esta deve ser
levada em consideração.
Feitas estas considerações gerais, interessa agora verificar então a génese, a
natureza e a capacidade do Estado e das “sociedades civis” existentes, quer em
Angola quer em São Tomé e Príncipe, e o potencial papel que estes atores podem
ou não desempenhar na construção deste tipo de políticas públicas. Isso vai
120
também depender do ponto de partida e daquele onde se pretende chegar em
termos de (in) segurança alimentar.
Por estes motivos vou analisar três aspectos: a situação atual em termos de
segurança alimentar nos países africanos analisados: a natureza e a potencial
capacidade interventora do Estado e das “sociedades civis”, passando pela
relevância das redes sociais nos processos de formação desta mesma sociedade .
Será por essa ordem o que desenvolvo em seguida.
3.4 (IN) SEGURANÇA ALIMENTAR EM ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Segundo o último estudo sobre a situação da insegurança alimentar no
mundo (FAO, 2006), a África subsaariana possuía 206 milhões de pessoas com
fome e a América Latina 52 milhões (FAO, 2006). Na primeira região, África
subsaariana, uma em cada três pessoas (32% população) se encontra em estado de
desnutrição, a manifestação mais grave de insegurança alimentar. Esta foi a única
região onde esse número aumentou em vez de diminuir, passando de 169 milhões
para 206 milhões (1990/92 para 2001/03). Para alcançar o objetivo da CMA esse
número deveria ser de 85 milhões em 2015 (FAO, 2006).
É nesta região que se localizam Angola, São Tomé e Príncipe e outros países
que falam português. Todos estes países revelam indicadores preocupantes em
matéria de pobreza e insegurança alimentar, como seria de esperar e se visualiza
em seguida:
121
Tabela 1 – Indicadores de desenvolvimento e insegurança alimentar
Indicadores Angola
Cabo
Verde
Guiné-
Bissau
Moçambique S. Tomé e Príncipe
1990-92 5,60 -- 0,30 9,2 --
Pessoas Subnutridas
(Milhões)
2002-04 4,8 -- 0,60 8,3 --
1990-92 58 -- 24 66 18
População Subnutrida
(%)
2002-04 35 -- 39 44 10
Esperança média de vida à
nascença
41,0 70,7 44,8 41,6 63,2
1970 180 -- -- 168 --
Taxa de mortalidade
infantil
2005 250 27 126 104 75
Crianças (< 5 anos) com peso
abaixo do normal (%)
31 14 25 24 13
Crianças (< 5 anos) com altura
abaixo do normal (%)
45 16 31 41 29
População sem acesso a água
(%)
47 20 41 57 21
Posição 161 106 173 168 127
Índice de
Desenvolvimento
Humano (IDH 2004)
IDH 0,439 0,722 0,349 0,390 0,607
Prevalência HIV/SIDA (% 15-49
anos)
3,7 -- 3,8 16,1 --
População sem acesso
sustentável a saneamento
melhorado (%)
69 57 65 68 75
PIB per capita (USD) 2.180 -
- - 1.237
Serviço da dívida (%
do PIB)
10,5 15,4
2,7 16,0 1,4
Fontes:ActionAid com base no Relatório do Desenvolvimento Humano 2006 (PNUD, 2006); FAOSTAT (FAO, 2006); SOFI (FAO, 2006)
Em termos absolutos e também como seria de esperar, Angola é um dos
países mais afetados, apesar de ser o maior em termos de PIB per-capita. Vamos
ver a situação mais em detalhe.
Angola está situada na costa meio-ocidental de África, tem uma superfície
territorial de 1.2 milhões de km² e uma população em crescimento estimada em
cerca de 14 milhões de habitantes, dos quais à volta de 60% são menores de 18
anos. A esperança de vida ao nascimento é de 40 anos uma das mais baixas no
mundo. Quando trabalhamos com estatísticas em Angola, o primeiro aspecto a ter
em causa é sua pouca confiabilidade. Um país em guerra generalizada durante
122
décadas dificilmente possui elementos fiáveis. De qualquer forma, e para termos o
contexto, valerá a pena referir alguma informação suplementar.
A taxa global de fecundidade é muito alta - 7.2 filhos por mulher. Os
sucessivos conflitos armados que assolaram o país promoveram intensos fluxos
migratórios. Estudos elaborados por organismos internacionais ou do Estado são
unânimes na constatação que as maiores vítimas são as famílias, obrigadas a
deslocar-se mais de uma vez. Uma situação que, com as devidas diferenças,
conhecemos desde o século XVII. O quadro abaixo, amostragem adaptada de
Pacavira (2005) ilustra a situação:
Quadro 2 – Amostragem da Vulnerabilidade
Variáveis Agregados menos
vulneráveis
Agregados com baixa
vulnerabilidade
Agregados
altamente
vulneráveis
Área geográfica Norte Centro Sul Centro
No/famílias 50.873 65.55 71,628 131.193
Características
demográficas da
região
Maioria foi
deslocada pelo
menos uma vez
Maioria foi
deslocada mais
de uma vez
Maioria foi
deslocada pelo
menos uma vez
Maioria foi
deslocada mais de
uma vez
Etnia e língua Predominância
Bacongo,
Quimbundo,
Kuikongo e Lingala
Predominância
Umbundo
Umbumdo,
Chocue,
Ganguela,
Chuanhama
Predominância
Umbundo
- nutrição severa
(crianças)
- Má nutrição crônica
(crianças)
5.0%
15%
20%
40/60%
25.5%
35.5%
20.5%
40/60%
Modo de vida família Agricultura, pesca
e criadores de
gado
Agricultura e
produtos
florestais
Criadores de
gado; pesca
Agricultura
Fontes: GSA/Minader (2006); FAO/Pam (2004); MICS (2002); PAM/VAM (2005) e UNHCR (2006) adaptados por
Pacavira (2005)
Vale ainda a pena reparar nas populações mais afetadas (agregados com
baixa e alta vulnerabilidade que se deslocaram mais de uma vez) , com
predominância da etnia Umbundo, a mesma de Jonas Savimbi, antigo líder da
UNITA , movimento que combateu o MPLA. São as zonas mais afetadas pela
guerra dos últimos 40 anos, poderá dizer-se, e com razão. Mas porque foram estas
zonas as mais afetadas pela guerra nestes 40 anos? Porque as elites urbanas,
123
originadas pelo tráfico (as que maioritariamente fundaram o MPLA) não eram,
também na sua maioria, das regiões dos Umbundos. Logo, nessas regiões se
constituíram os principais redutos inimigos por maior facilidade de recrutamento
(forçado na maior parte dos casos) da UNITA. Recorde-se que Benguela nasceu
exclusivamente para servir o tráfico durante o apogeu do período brasílico, que os
comerciantes passaram a operar nas regiões mais interiores do país as regiões
dos umbundos. Existe um paralelo em Angola a ser mais estudado: as regiões mais
desestruturadas pelo tráfico nos culos XVI a XIX são provavelmente aquelas onde
a guerra entre 1975 e 2004 foi mais intensa, e aquelas com maior insegurança
alimentar em 2008, e portanto com maior número de mortes, em especial, de
crianças.
Por isso, a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos estimada para
Angola é de 250 óbitos por 1.000 crianças nascidas vivas, ou seja, uma em cada
quatro crianças, morre antes de atingir os 5 anos de idade, significando 200.000
crianças por ano (PAM, 2005:48). Esta taxa é a terceira mais alta do mundo, e
equivalente quase ao duplo da taxa média para a África Sub-Saariana. Valerá a
pena repetir o que mencionei antes: em Angola, e ao contrário das demais zonas
fornecedoras da África Sub-Saariana, a maioria dos escravos exportados foi obtida
nas áreas mais interiores do país, ou seja, o grau de desestruturação foi muito
profundo quando comparado com outras regiões Africanas.
Ainda de acordo com o PAM Programa Alimentar Mundial, um reduzido
número de doenças, nomeadamente a malária, as doenças diarréicas agudas, as
infecções respiratórias agudas, o sarampo e o tétano neonatal são responsáveis
diretos de 60% das mortes citadas. A desnutrição é a principal causa associada de
mortalidade quer nas áreas rurais quer nas urbanas. Mas enquanto nas áreas rurais
124
o maior problema é a produção, a falta de acesso, pelo reduzido poder aquisitivo
nas áreas urbanas, é muito evidente.
Num estudo efetuado por Pacavira em 2002 (citado pela mesma autora em
2005), a autora verificou que a média geral do rendimento per capita/dia dos
agregados familiares na área periurbana de Luanda (deslocados) era de 0,29 USD.
As condições de vida da população refletem a extrema pobreza. Apenas metade das
aldeias e vilas rurais têm um sistema de latrinas. Mais de 80% da população não
tem acesso a medicamentos essenciais e a cuidados básicos de saúde. Apenas
10% da população têm acesso a fontes protegidas de água.
Contudo, aquela autora, a exemplo da maioria de outros trabalhos realizados
no país, reforça a análise dos problemas de natureza produtiva como saída para a
atual situação. Explicações como “as crises alimentares têm sido freqüentes por
falta de uma tecnologia adequada que alargue o período de conservação e consumo
dos produtos alimentares”, ou . “as fortes chuvas e a sua freqüência irregular, ou
ainda, “existe um débil sistema de transportes, vias de comunicação deterioradas,
dificultando o escoamento dos produtos agrícolas”.
Esta abordagem das principais causas da segurança alimentar revela o
estágio conceitual vigente e as restrições de natureza política subjacentes, mas não
deixa de ser verdade que, como vimos antes, o país não teve condições para
desenvolver tecnologia de processamento alimentar endógena para os produtos
tropicais.
É interessante verificar que os projetos de cooperação cnica desenvolvidos
nesta área com países como Portugal centram-se, por exemplo, na componente de
food safety e na conseqüente criação de agências nacionais de segurança
125
alimentar com o objetivo de estruturar a fiscalização sanitária das importações
(portuguesas) e da produção interna.
A realidade em Angola é que, cerca de 120 anos após o fim da escravidão
(legal e ilegal), o país mantém-se com uma insegurança alimentar crônica cujas
maiores vitimas são agricultores, continuando absolutamente dependente de
importações de produtos alimentares.
Neste ponto de minha narrativa, creio que vale a pena perguntar ao leitor se
tem idéia de qual será o maior fornecedor de produtos alimentares a Angola. Note-
se que de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio do Brasil
94
, as exportações brasileiras para Angola subiram de 200
milhões de dólares em 2002 para 1.200 milhões de dólares em 2007. O principal
produto agrícola exportado é o açúcar, mas também frangos, carne bovina e suína,
arroz, produtos lácteos entre outros. Produtos, hoje em dia, trocados por outro ouro
negro…o petróleo.
Do lado da produção nacional angolana verifica-se que a mandioca continua
a ser a única cultura compatível com a desestruturação sistemática dos sistemas
produtivos familiares (por não ser muito exigente no cultivo e poder ficar conservada
no solo por períodos relativamente longos), na medida em que apenas esta cultura e
a batata doce apresentam atualmente excedentes de produção. De acordo com
dados apresentados no quadro a seguir, existe um excedente considerável de
mandioca, havendo necessidade urgente de se criar pequenas fábricas para a sua
transformação. Esta tecnologia, como vimos, foi bem desenvolvida no Brasil para
fornecer também ao mercado angolano durante 300 anos.
94
Apex – Agência Brasileira de Apoio à Exportação. Dados de Julho de 2008 verificados no site www.apex.gov.br
126
O quadro seguinte, resume o balanço de alimentos em Angola no período
2005-2006 mostrando os excedentes de mandioca.
Quadro 3– Balanço de alimentos e necessidades alimentares para 2005/2006
Produto (ton) Cereais
Leguminosas
Raízes
Tubérculos
Disponibilidade total 698.660 153.421 8.835.009 1.040.398
Produção total 674.305 149.421 8.815.009 979.898
Necessidades 1.511.415 402.440 3.646.227 887.978
Importação 812.755 243.336 0 *65.942
Excedentes 0 0 5.188.782 168.300
Fonte: MINADER, 2005/2006 * stocks
Vejamos agora a situação em São Tomé e Príncipe. Como se sabe, é um
país composto por duas ilhas com cerca de 200.000 habitantes sendo um dos mais
pobres do continente africano. Depende absolutamente da ajuda internacional
(cerca de 75% de seus recursos segundo Seibert (2001), como antes dependia das
remessas de escravos de Angola , ou de alimentos do Brasil.
Como vimos antes, com a gradual entrada e consolidação da produção
açucareira no Brasil, vai assistir-se ao declínio acentuado da produção São-
Tomense, em especial a partir de 1600,
95
tendo- se a maior parte dos fazendeiros
São-Tomenses mudado para o Brasil (SEIBERT, 2001:39). A decadência
açucareira permite, contudo, o controle político das ilhas pela elite forra que assume
o controle da igreja, da administração local e das terras, marcando decisivamente a
evolução futura da sociedade São Tomense.
Atualmente, face à diminuição das receitas com a exportação de cacau e alta
de preços dos produtos alimentares importados, a balança comercial é
95
Embora esta se incremente alguns anos na ocupação holandesa de Pernambuco isto será conjuntural.
127
estruturalmente deficitária e a de pagamentos ,recorre necessariamente, ao
endividamento externo.
A agricultura (incluindo a pesca) , tem contribuído nesta década, em média,
com cerca de 20% do PIB e representa 90% das exportações do país. Estas são
maioritariamente de cacau, cultura dominante desde sua introdução em 1890. O
café é ainda a sua segunda cultura mais importante com uma produção anual de
cerca de 13 toneladas (FAO, 2006). Como vimos antes, estes produtos são
introduzidos e cultivados face às ligações com capital proveniente do Brasil, que
Portugal, na mesma época, estava mais interessada em que se produzisse algodão
em São Tomé e Príncipe.
Como também mencionei antes, o café ocupou as terras mais altas e em
1830 rendia um quarto da receita pública empurrando os ilhéus para fora das terras
entretanto ocupadas, e movendo a população para as zonas marginais da ilha de
São Tomé. Note-se que a plantação de cacau introduzido desde a Bahia, gera
também concentração fundiária. Em 1991, a proporção entre terras ocupadas pelas
plantações e por pequenos agricultores era a mesma que em 1926 ou seja, 86% das
terras aráveis pertenciam às plantações (entretanto nacionalizadas) de cacau e ca
(FAO, 2006).
Esta é, ainda hoje, a maior fonte de insegurança alimentar naquele país.
Como também vimos antes, a falta de mão-de-obra para estas culturas faz com que
formas diversas de escravidão subsistam nas ilhas até o início do século XX com
base na importação de "voluntários" de Angola. O regime de contrato marca a
sociedade São Tomense até os dias de hoje, não tendo permitido a consolidação de
uma classe de pequenos agricultores rurais.
128
As culturas atuais mais importantes para o mercado local são o millho, feijão,
amendoim e a mandioca, todos variedades levadas do Brasil, incluindo o amendoim,
que a variedade americana substituiu a africana. A produção de cereais o cobre
as necessidades alimentares do país.
Grande parte do território de São Tomé ainda é ocupado por florestas
primárias (28%) e secundárias (30%), com uma biodiversidade das mais importantes
no mundo, sendo fonte de renda para muitos São Tomenses (FAO, 2006). Esta
floresta é muito semelhante à encontrada no Brasil, em particular nas regiões mais
húmidas, e vem sendo substituída pela plantação de café, com conseqüente
alteração do ecossistema e prejuízo de uma das formas de subsistência de uma
parte significativa da população. Atualmente decorrem projetos visando assegurar
algum modo de vida pela proteção do conhecimento tradicional.
A pesca artesanal é ainda hoje uma atividade muito importante, tendo-se
conformado historicamente pela existência de populações com acesso ao mar, em
alguns casos, quilombos como o de Angolares.
Caixa de texto 6 – O Kilombo de Angolares
Existe uma região na ilha de São Tomé, Angolares, a relativa pouca distância da capital que é detentora de lendas diversas.
Somos aconselhados a evitar parar e não dar muito à vontade já que a gente dali é naturalmente “revoltosa”, no mínimo, “antipática” e
por vezes desagradável. O povoado de Angolares, diz a lenda, resulta de um grupo numeroso de escravos de um barco naufragado
vindo de Angola. Reunidos em terra, os sobreviventes, formaram um quilombo, viviam da pesca e extração de babaçu, criavam
pequenos animais, feijão e mandioca. Viveram isolados por mais de 100 anos. Polêmicas existem, mas talvez tivessem sido não
apenas de um mas de vários barcos que no final do século XIX era comum que os barcos clandestinos com escravos, deitassem
sua carga ao mar em caso de risco de serem detectados.
Fonte: Notas de viagem a São Tomé , 1988
129
A produção de animais (aves, porcos e pequenos ruminantes) destina-se ainda
hoje, basicamente, ao auto consumo, que historicamente não podia ocupar o
espaço da cultura de exportação. Por isso o efetivo bovino era em 2004 de apenas
cerca de 700 animais (FAO, 2006).
Não existem maiores dados sobre a insegurança alimentar do que os
apresentados anteriormente na Tabela 1, porque o PAM - Programa Alimentar
Mundial das Nações Unidas está neste momento , a realizar esse levantamento. De
qualquer forma, para meu objetivo isso não é um problema maior, já que me
interessa, sobretudo, mostrar a trajetória de conformação de sua situação atual de
forma a, posteriormente, discutir formas para a sua superação.
Pela reduzida dimensão do país e número de habitantes, a maioria das
situações mais dramáticas são resolvidas no âmbito de laços de proteção e
solidariedade muito próprios à família alargada africana. Se assim não fosse,
certamente grande parte da população teria já sucumbido.
O acesso da população a terra tem sido estimulado por sucessivos programas
e projetos que vão reduzindo a área ocupada pelas antigas roças de cacau e café, e o
turismo desponta como atividade geradora de renda e emprego. A possibilidade de
exploração de petróleo também gera expectativas de melhoria futura da situação
econômica do país que, atualmente, depende em grande parte de energia enviada
desde Angola.
Em resumo, fica claro que a situação em Angola é uma das mais dramáticas
no continente pelo elevado número absoluto de vítimas de fome, e é o país onde uma
ação mais urgente por parte do Estado e da Sociedade Civil seria importante. É
também aquele onde a gênese da situação mais claramente se relaciona com a
130
brutalidade do tráfico, já que foi um território com população e estruturas sociais pré-
existentes sujeitas a uma enorme pressão, por mais de 300 anos.
A situação em São Tomé e Príncipe decorre mais de uma dependência de
trajetória originada a partir do momento em que aquele país foi colocado e retirado
da órbita dos interesses brasileiros. Por isso, em São Tomé e Príncipe, a situação
relativa é (mesmo com ausência de dados), mas pela reduzida dimensão do
país(maior facilidade de apoio face à família alargada africana ) e pelo seu número
de habitantes , não configura um problema absoluto maior.
Angola possui recursos que São Tomé e Príncipe o tem para procurar
resolver a situação. Entretanto, como foi mencionado, Angola vem conseguindo
um crescimento anual significativo, graças ao petróleo, que pode tornar-se mais um
problema antes que uma solução, como é visto em vários países que concentram
suas riquezas apenas no ouro negro. Além disso, é necessária a mobilização da
sociedade civil para que este crescimento seja convertido em desenvolvimento, e
não apenas em mais concentração de renda para os mesmos, e alguns novos
colonizadores (como se vê com o avanço dos chineses nos campos de petróleo),
Vejamos com que Estados contamos, presentemente, para a construção da
segurança alimentar nos moldes em que a discutimos anteriormente.
131
3.5 ESTADO E POLÍTICAS PARA A (IN) SEGURANÇA ALIMENTAR
Vejamos primeiro as condicionantes históricas na construção dos Estados em
análise.
Se, de acordo com Curtin (1969), no século XVI, a maioria dos escravos
provinha no máximo, de locais a 80 kilometros do litoral, em Angola e como fiz
referência, os escravos são obtidos cada vez mais no interior ( mais de 1200
kilometros) , a partir de guerras. De acordo com Fage (1959:94), mais de três
quartos dos escravos capturados e enviados para as Américas tesido aprisionado
através de guerras promovidas pelos governadores ali instalados, os quais
possuíam, na maioria dos casos, elevados investimentos no Brasil. A captura passa
a ser garantida, mesmo nas zonas Bantu (Angola) por Estados militarizados. Isto é
condição para a elasticidade da oferta de escravos face à demanda brasileira
assente nas minas e na agricultura em expansão.
No Congo, por exemplo, a escravidão representava 50% da população total,
em particular, camponeses (FLORENTINO, 1997:99). No Ndongo a classe dos
escravos era a base do poder real e dos chefes de linhagens mais poderosas, e
garantia mais receitas que a taxação do campesinato. O mesmo sucedia nas terras
kinbundu, nos estados de Cassange e Matamba e nos reinos Luba e Lunda
(HEINTZ, 1984 apud FLORENTINO, 1997:99). Sendo os escravos essencialmente
obtidos através das guerras estas implicavam o alargamento de fronteiras dos
Estados e a submissão de povos tributários limítrofes.
Como refere Florentino (1997: 101) o tráfico Atlântico é afro americano ,
porque desempenhou funções estruturais nos dois continentes. Do lado Africano ele
132
fortaleceu os Estados como fontes e pré-condição para suprir a oferta americana por
mais de 350 anos sem necessidade de intervenção direta dos comerciantes nesse
processo. Aliás, as tentativas feitas por estes de ter acesso direto aos cativos ,foram,
na maioria dos casos, mal sucedidas. o é por isso estranho que, no auge do
tráfico (séc XVIII e XIX), as regiões onde não existiam estados consolidados
estivessem fora dos circuitos de fornecimento. (Polanyi, 1968 apud Florentino, 1997:
101).
A colonização portuguesa após a independência do Brasil, realizada em
grande parte sob auspícios do fascismo, não reverteu as relações sociais antes
cristalizadas pelo tráfico. Aliás, referi quando concordei com Mourão (1978) que
aquilo que é fruto de um longo processo de relacionamento tende a persistir. È
assim que, a par de relações no meio rural que se mantiveram, existe também uma
elite urbana muito à vontade com as culturas portuguesa e africana que persiste, e é
a única a ter um projeto de nação. Seu poder reforça– se no litoral durante os 350
anos de domínio brasílico e vem a constituir a base do Estado “unificado” sob o
regime socialista do pós independência. Sua componente mais intelectualizada está
hoje alheada das dinâmicas políticas e sociais do país, tendo se reforçado também o
caráter patrimonialista durante o período do socialismo e da guerra.
É talvez importante referir, que mesmo após a independência, o recrutamento
para as forças armadas era feito através da “caça” ao recruta, tragédia a que assistiu
o autor. Caminhões civis ou militares (os últimos circulando disfarçados)
carregavam jovens retirados à força de suas aldeias e de suas casas para servir no
exército. Muitos deles não voltaram a dar notícias a suas famílias, sendo o número
de desaparecidos sentido em muitas famílias angolanas. Para isto, o Estado
133
estabeleceu alianças com sobas locais , assim como o haviam feito centenas de
anos antes os comerciantes.
Convivendo assim centenas de anos com estados fortes, militarizados e
“predadores”, o controle social sobre programas do governo é muito reduzido. O
país nunca teve tradições democráticas já que as sociedades “banto” não as tinham,
e o escravismo também não. O fascismo português muito menos, e o socialismo
africano defraudou as expectativas que pudesse haver nesse sentido, até porque,
face ao relatado, seriam apenas isso mesmo… expectativas.
A verdade é que, como refere Pacheco (2005:7,8), “…a democracia,
enquanto instrumento hegemônico de transformação, foi-nos “sugerida” no início da
década de 1990 como solução para os problemas que nos afetavam (guerra e
subdesenvolvimento) mas, ao mesmo tempo, foi-nos imposta como condicionalidade
para a paz e para o modelo de desenvolvimento neoliberal indicado como solução
para os fracassos até então verificados….. ao modelo econômico neoliberal
triunfante no início da década de 90 correspondia, de certo modo, uma democracia
representativa no estilo de Westminster, que se coaduna com sociedades
relativamente homogêneas do ponto de vista cultural, religioso, e etnolingüístico”
Como também refere Heimer (2004) a maneira como o espaço político e o
Estado foram estruturados durante a guerra nas décadas de 1970 a 2000 (e como
esta foi manipulada com este objetivo) conformou, mais uma vez, o controle do
poder económico, administrativo e militar por um grupo (ou grupos) reduzidos cuja
lógica é a obtenção de ganhos elevados no curto e médio prazos.
Reforçando a idéia de que estes Estados se mantiveram fortes, Michael
Cahen (1995), considera que estes países possuem uma tradição histórica de um
Estado forte até pela ausência de uma potência neocolonial dominante como
134
elemento de autonomia política e econômica (situação rara no quadro dos países
pertencentes ao capitalismo da periferia).
Mas o avanço das políticas neoliberais que se verificou com mais intensidade
a partir da década de 1980 conduziu de fato a uma maior internacionalização da
economia e determinou uma perda crescente da capacidade dos países, mesmo
destes países, o que não lhes exime da responsabilidade da implementação de
políticas de desenvolvimento e segurança alimentar, nem tampouco da governança
económica , nos processos nacionais e internacionais (HIRST & THOMPSON,
1996).
Esta opinião é compartilhada por mestre Hobsbawn (1994) quando considera
que todos os milagres do séc. XX foram obtidos por meio de políticas
intervencionistas.
Em Angola e São Tomé e Príncipe, entretanto, o que se visualiza no contexto
da globalização é que, como parte do processo, as políticas seguidas têm satisfeito
os interesses de grupos internos ou externos interessados na captura de grande
parte das áreas de negócios antes exploradas, muitas vezes, através de empresas
públicas (Fiori,1998). Esta situação é ainda hoje visível e comentada em ambos
países, já que na “onda” de privatizações da década de 1990 se formaram os
maiores grupos privados nacionais, com origem nos quadros superiores do Estado.
Por isso, a diminuição do papel do Estado no fornecimento de bens públicos
por razões orçamentárias, ou até de interesses privados em sua apropriação, não
implica (a priori) sua menor capacidade ou poder para implementação de novas
políticas. Significa que a articulação de interesses internos e externos favorece
determinadas políticas, ou seja, a pretensa "incapacidade" dos Estados no atual
cenário afigura-se também como causa, e não conseqüência.
135
Não se pretende aprofundar este tema. Sua importância no âmbito deste
capítulo é apenas manifestar as condicionantes históricas dos Estados nacionais
africanos , em particular de Angola, a existência de alguma margem de manobra
para políticas de desenvolvimento , assim como políticas visando a segurança
alimentar. Naturalmente, as situações Angolana e São Tomense são distintas.
Se no caso de São Tomé e Príncipe, como se viu, o Estado é
patrimonialista, e em Angola tem fortes característica predatórias (ambas
remontando às respectivas dependências de trajetória), o aprofundamento da
democracia e a maior participação social na formulação e, sobretudo,
implementação e controle de políticas e orçamentos, parece representar uma
caminhada necessária.
De uma forma geral as políticas em vigor nos países considerados foram
evoluindo nas últimas cadas em resposta à conjunção de interesses, forças e
articulações políticas possíveis. Em ambos os países, mas mais claramente em
Angola, o setor privado é visualizado como o motor do processo de desenvolvimento
que certamente (via aumento da produção nacional) resolverá o problema da fome.
O governo prioridade ao desenvolvimento do setor tradicional e
empresarial agropecuário, considerando-os como a base da segurança alimentar, e
compromete-se com o aumento da produção e a comercialização de cereais,
leguminosas, raízes e tubérculos, café, produtos da pesca continental/artesanal; a
criação de pequenos ruminantes e gado bovino; a promoção do desenvolvimento
sustentável dos recursos naturais; e a promoção de atividades-piloto para criar
condições para relançar outras atividades (micro-finanças, extensão rural, pequenas
áreas irrigadas, produção de leite, suinocultura, avicultura e apicultura).
136
Chamo a atenção para o trecho a seguir, retirado de um discurso do
Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, proferido em 2004. Repare-se em
como sendo prioridade, ela se atinge pela dinamização da economia privada, mas
não se cumpre, devido a estrangeiros ingratos para com os angolanos que os
acolheram.
“Não vamos interromper os programas provinciais que estão a dinamizar a
atividade económica e social de caractere local e a contribuir para criar empregos,
para oferecer oportunidades de negócios aos empresários angolanos e para
combater a pobreza e acabar com a fome. Anunciei no Luena, logo depois da
conquista da paz, que terminada que estava a guerra, a primeira prioridade do
Governo é erradicar a fome. Nesse sentido, foi feita uma gestão mais cuidadosa das
finanças públicas. A inflação baixou muito, a moeda nacional tornou-se mais estável,
o valor real dos salários aumentou, embora eles ainda estejam abaixo do desejado.
A produção, entretanto, aumentou muito pouco. Continuamos a importar
quase tudo….. Três ou quatro grandes grupos empresariais, controlados por
cidadãos estrangeiros, dominam o comércio grossista e manipulam os preços…
complicando a vida dos angolanos que os acolheram com toda hospitalidade e
simpatia” .
Uma primeira questão fica, portanto, respondida. Dificilmente com a gênese e
contexto verificados, o Estado Angolano ou ainda o São Tomense terá como real
prioridade política a questão da fome nos moldes em que tal situação se colocou no
Brasil. O mesmo se verifica com a coordenação de instrumentos e orçamentos com
o objetivo de obter maior eficiência. Isto é tanto mais importante, quanto se pode
dizer que o aparato legal e a quantidade de programas vocacionados ao combate à
137
pobreza e ao desenvolvimento rural que o país possui são relevantes,
96
assim
como, normalmente, o respectivo orçamento.
Contudo, é claro que a estratégia do governo se centra no crescimento
económico baseado na iniciativa privada. As consultas com a “sociedade civil”
ocorrem em função das necessidades do governo na maior parte dos casos, e os
maiores problemas em Angola serão, provavelmente, a ausência de transparência
no uso de verbas públicas. Em São Tomé e Príncipe este problema também existe,
mas para além disso, o país não possui meios para implementar os principais
instrumentos das políticas teoricamente em vigor
97
.
Em relação ao diálogo com a sociedade civil, afigura-se também que nesta
África (e provavelmente nas “outras”) qualquer processo de construção de capital
que não construa (também) agendas positivas com o Estado terá, provavelmente,
96
Em Angola o Gabinete de Segurança Alimentar (GSA) foi criado para assistir o governo na formulação,
implementação e monitoramento de políticas de segurança alimentar e que possui categoria de Direção Nacional, ou seja,
não possui os meios necessários a uma ação eficaz e torna-se basicamente órgão de apoio ao Vice Ministro Mas Angola
possui uma Estratégia de Combate à Pobreza (ECP) e o Programa de Extensão e Desenvolvimento Rural (PEDR). A
ECP
96
foi aprovada pelo governo angolano em fevereiro de 2004 e tem como objetivo a redução em 50% da proporção de
população que vive em situação de pobreza (definida com base no nível de renda de menos de 1 dólar por dia) no período
de uma década o que inclui minimizar o risco de fome, satisfazer as necessidades alimentares internas e relançar a
economia rural como setor vital para o desenvolvimento sustentado” (Ministério do Planejamento, 2003).
O PEDR foi desenvolvido pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário
96
(IDA) e aprovado pelo governo também em
2004. Este programa criado para um horizonte de cinco anos pretende: i) organizar a produção das comunidades rurais; ii)
aumentar a produção e a produtividade das empresas agrícolas familiares; e iii) melhorar as condições de vida das
comunidades abrangidas.
Para finalizar é importante referir a existência de uma Lei de Terras, de uma Lei das Cooperativas; Lei de
Sementes ; Lei de Sanidade Animal; Política Nacional de Florestas, Fauna Selvagem e Áreas de Conservação; Plano
Estratégico para a Redução Acelerada da Mortalidade Materna Infantil (que prevê aumentar e melhorar a qualidade dos
serviços de saúde primários e promover ações de base comunitária com intervenções na área da nutrição e doenças
infecto-contagiosas como malária e HIV/AIDS); Programa Merenda Escolar (em curso através do Ministério da Educação
com apoio do Programa Alimentar Mundial).
97
Em Setembro de 2006 foi aprovada a CAPADRP - Carta de Política Agrícola e do Desenvolvimento Rural,
instrumento político importante para promover o desenvolvimento sustentado do Sector da Agricultura, do Desenvolvimento
Rural e das Pescas, com vista a atingir os objetivos da Estratégia Nacional de Redução da Pobreza (ENRP) e os
Objetivos do Milênio para o Desenvolvimento (ODM). Os recursos financeiros para a implementação do Plano de Ação
foram estimados em 208,4 milhões de USD para o período 2006-2025 mas o seu financiamento internacional não está
assegurado.
138
muitas dificuldades em progredir. Isto é tanto verdade pela oposição ao Estado
poder vir a ameaçar a sua existência , quanto pela incapacidade do Estado em
satisfazer as expectativas criadas por estes grupos, no decorrer do processo de
construção de agendas políticas (esta última questão particularmente importante em
São Tomé e Principe).
Por isso, na linha de outros autores como Putnam (1993), Pacheco (2005),
aponta para que a reconstrução do país (afetado por longos anos de guerras e por
políticas que afastaram os cidadãos comuns dos processos de tomada decisões),
implica a adoção de estratégias que permitam a redução das distâncias entre os
cidadãos e a construção ou restabelecimento de um capital social que contribua
para a ação coletiva e para o desenvolvimento. Vamos por isso, verificar a gênese e
intervenção da sociedade civil , assim como potenciais estratégias para esta
missão.
3.6 A SOCIEDADE CIVIL NA CONSTRUÇÃO DO IMPOSSÍVEL
Para abordar a questão da sociedade civil, é preciso voltar-nos à sua gênese
nos países envolvidos neste trabalho, pois acreditamos que a perspectiva histórica
explica muitas ações e vácuos resultantes de sua “potencial” ausência.
Como disse antes, quer no lado Brasileiro quer no lado Angolano e São
Tomense, o tráfico permitiu a geração e cristalização de hierarquias sociais e
139
relações de poder cujos traços perduram a os dias de hoje nos dois lados do
Atlântico
98
.
Como Seibert (2001) referiu a propósito de São Tomé e Príncipe, mas sendo
algo mais do que aplicável a Angola (e ao afro-descentes no Brasil), conforme
mencionámos, a estigmatização como cidadãos de segunda classe, o baixo nível de
escolarização, anos consecutivos de submissão e a marginalização política
transformaram os descendentes de escravos, também trabalhadores das plantações
na época subseqüente , em individualistas, indiferentes e apolíticos.
A constituição de comunidades de interesse, espírito de iniciativa, criatividade,
mecanismos de resolução de conflitos e representação ao nível político sempre
foram baixos, não querendo dizer com isto que não existissem, até porque o
escravismo e o regime de contrato não acabaram sem uma boa dose de resistência
dos Africanos. Vamos ver primeiro a situação atual em Angola.
Relativamente a Angola, é freqüente que as análises existentes refiram que
esta emergiu a partir do início dos anos noventa, subestimando-se a importância da
intervenção individual e coletiva no campo cívico e político , correspondente à
afirmação da angolanidade e luta pela libertação nacional. Será por isso importante
lembrar o que já foi referido no primeiro capítulo sobre esse assunto.
Valerá também a pena recordar a sempre menor densidade São Tomense e o
papel fundamental desempenhado historicamente pelo MPLA na formação e
articulação da intelectualidade daquele país.
98
Em Angola e São Tomé se impede o desenvolvimento de um capitalismo moderno e se passa mais tarde do “socialismo
Africano” ao Neoliberalismo. No Brasil estas elites controlam a vida econômica e política do país durante séculos,
contribuindo para a configuração do Brasil como um dos paises mais desiguais do mundo.
140
Em Angola, ainda que com muitas dificuldades, Pacheco (2005) não tem
dúvidas em afirmar que a sociedade civil angolana constitui um segmento em franco
crescimento e dinamismo desde o início da transição multipartidária, e que esta:
Contribui para alcançar a paz
Contribui para a promoção e defesa dos direitos humanos e atua na
influência sobre algumas políticas públicas (pobreza, terras, imprensa, educação);
Contribuiu para a criação de espaços de diálogo, concertação e
planificação conjunta entre as Administrações Locais do Estado e os cidadãos , em
alguns dos municípios e comunas.
Não obstante o crescente protagonismo e os avanços apontados
anteriormente, as organizações da sociedade civil angolana, nomeadamente as
ONGs, enfrentam ainda grandes dificuldades e limitações como a falta de recursos
humanos (capacitados) e materiais, a sua baixa capacidade organizativa e de
gestão, a enorme dificuldade de captação de recursos, ou a pouca experiência na
elaboração e implementação de projetos.
O passado colonial, os anos da guerra e repressão e ainda a pouca abertura
por parte do Estado funcionam também como principais obstáculos ao seu
desenvolvimento. A sociedade civil angolana é, pois, ainda relativamente fraca, para
o que contribuem tanto as limitações acima apontadas como vários entraves ao seu
desenvolvimento, sendo talvez os mais importantes em termos cronológicos, o peso
da história e do petróleo. A isto deve somar-se o alheamento e envelhecimento de
um número ainda considerável de intelectuais membros daquilo a que um escritor,
Pepetela, denominou “a geração da utopia”.
141
A partir de 1988, chegam ao país mais ONGs internacionais como a OXFAM,
Federação Luterana, Médicos sem Fronteiras, Comité Internacional da Cruz
Vermelha (CICV), CARE, Save The Chidren, Ação Agrária Alemã, ACORD, OIKOS,
entre outras, também no âmbito da ajuda humanitária (Plataforma Portuguesa das
ONGD, 2005). Um pouco a exemplo do sucedido em quase todos os países
africanos, estas organizações passaram a ser vistas, em lugar do Estado, como os
principais fornecedores de serviços básicos no país, utilizando recursos
maioritariamente internacionais (Nações Unidas, Agências de Desenvolvimento e de
cooperação bilateral e multilateral).
Com o advento da democratização e a transição para o multipartidarismo no
início dos anos noventa, criaram-se muitas ONGs nacionais funcionando com base
em contratos e parceiras com doadores e financiadores internacionais, assim como
com o Estado angolano.
A principal estrutura em rede no domínio das ONGs em Angola é o Fórum de
ONGs Angolanas (FONGA)
99
. O FONGA tem atualmente cerca de 365 ONGs que
atuam em diferentes setores como água e saneamento, saúde, educação, formação
profissional, micro-crédito, direitos humanos, agricultura, segurança alimentar,
ambiente, minas, HIV/SIDA, entre outras.
Relativamente aos partidos políticos refira-se a existência de mais de 100
partidos registrados. Desses apenas uma dúzia tem assento parlamentar na
Assembléia Nacional, dos quais apenas o MPLA e UNITA efetivamente disputam
99
Estas organizações de cúpula estão presentes em todo o espaço lusófono de que são exemplo a Associação Brasileira
de ONG (ABONG), a Plataforma das Organizações Não Governamentais de Cabo Verde (PONG’s), a Plataforma de
Concertação das ONGs Nacionais e Estrangeiras na Guiné-Bissau (PLACON-GB), o Fórum de ONGs de Moçambique
(LINK), a Plataforma Portuguesa das ONGD e a Plataforma de ONGs de São Tomé e Príncipe (FONG).
142
programas, num quadro ainda hegemónico por parte do primeiro. Ainda não houve
condições para que um terceiro partido se pudesse afirmar.
Também as igrejas são numerosas em expansão no país. Recentemente o
Instituto Nacional dos Assuntos Religiosos (INAR) noticiou que existiam no país 800
igrejas por reconhecer oficialmente
100
. Refira-se que as maiores são brasileiras
como a Igreja Universal do Reino de Deus. A Igreja Católica é representada pela
Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) e as principais igrejas
protestantes (Metodista, Batista, Congregacional, etc.) são representadas pelo
Conselho das Igrejas Cristãs de Angola (CICA).
Ao nível das organizações camponesas, sobressai a Confederação das
Associações de Camponeses e Cooperativas Agro-Pecuárias de Angola (UNACA),
que se afirma como a mais representativa com presença nas 18 províncias do país e
que, embora com estatuto de observadora junto a Via Campesina em África, não
participa ativamente desta organização
101
.
Por ultimo é importante referir que a existência de órgãos de comunicação
públicos instrumentalizados vai mudando, mas ainda não permite que se considere
existir verdadeira liberdade e expressão.
Em São Toe Príncipe a situação é diferente face ao que se disse no
primeiro capítulo. Naturalmente que a densidade de organizações neste país é
reduzida, e face às relações muito próximas entre todos os atores, a relação de
dependência com o Estado possui características muito específicas.
100
Fonte: ANGOP, 10 de Setembro 2007.
101
Nas reuniões internacionais de camponeses atuais assim como, antigamente, de estudantes, todos têm inveja dos
representantes angolanos porque sempre têm mais dinheiro. A UNACA possui uma estrutura em Angola, herdada do
socialismo que faz inveja a todas as organizações equivalentes de outros países.
143
De qualquer forma existe um conjunto de organizações que será importante
referir, nomeadamente a FENAPA Filiação Nacional dos Pequenos
Agricultores de São Tomé e Príncipe formada em 1997 que aponta
102
como
problemas ao desenvolvimento da agricultura do país a falta de irrigação, de
materiais e insumos, escoamento, roubo, falta de infra-estruturas e crédito. .
Também a FONG Federação das ONGs de São Tomé e Príncipe,
organização que congrega 98 organizações entre ONGs nacionais e internacionais
bem como outras associações locais, é importante assim como o GIEPPA – Grupo
de Interesse Econômico das Palaiê
103
e Pescadores Artesanais de São Tomé e
Príncipe, que é a organização social mais representativa na área das pescas. Esta
organização representa 2600 pescadores e mais e 3500 vendedoras de peixe.
Sublinhe-se que uma elevada percentagem da população são tomense vive do mar,
nele obtendo cerca de 75% da proteína animal (FAO, 2006) .
Como foi citado antes, o pluripartidarismo (mas também as organizações
da sociedade civil) em São Tomé não se caracterizam por projetos nacionais
divergentes e sim pela representação de interesses de indivíduos ,ou facções
diferentes. Isto, em parte face à ausência de cooperação entre distintos setores da
sociedade civil, tem gerado políticas de governo descoordenadas, ineficientes,
marcadas pela corrupção assim como a ausência de uma prestação de contas à
sociedade civil que a democracia é suposta ter.
Em termos gerais, a temática da segurança alimentar agora começa a
entrar na agenda política das organizações da sociedade civil em Angola e em São
Tomé e Príncipe. As organizações destes países justificam esta questão por falta de
102
De acordo com Pinto, João; Relatório de Missão a São Tomé e Príncipe, FAO, 2007, cópia do autor
103
Palaiê é o nome na língua local dado às mulheres vendedoras de peixe.
144
capacidades, o que significa conhecimentos e recursos, mas existe , naturalmente,
outra explicação. É que o tema tem sido tratado pelos respectivos governos
basicamente na ótica do aumento da produção, e as componentes relativas à
advocacia são ainda muito incipientes no trabalho destas organizações, que são, na
sua maioria, ONGs (nacionais e internacionais) e associações, todas elas sem fins
lucrativos, mas altamente dependentes do Estado, das ONGs internacionais ou
ainda,dos organismos e doadores internacionais.
Sabendo que os quadros técnicos e dirigentes destas organizações são
normalmente recrutados entre as elites nacionais (e note-se que as ONGs
atualmente retiram quadros ao Estado já que oferecem maiores compensações
financeiras e profissionais), temos que a sociedade civil a que nos temos vindo a
referir é, em parte, constituída por membros das elites nacionais destes países, os
quais dificilmente serão atores autónomos frente ao Estado e ao mercado, pela
dependência económica face a ambos. Note-se, também, que no contexto de
Angola e no de São Tomé e Principe, visualizar a sociedade civil como elemento
estrutural da democracia e de políticas de segurança alimentar democráticas pode
ser um abuso, que nem todas as suas organizações se pautam por mecanismos
de governança e objetivos democráticos.
De acordo com Sorj (2005), a sociedade civil, tanto como arena como
conjunto de atores, é uma instituição que evolui na história, incluindo cada vez mais
atores (embora possa no início ter tido basicamente membros de uma elite).
Se no caso do Brasil o Estado é, atualmente, talvez, o principal garantidor da
sua existência e desenvolvimento, e a imprensa (privada ou do Estado) o seu mais
importante espelho (ainda que distorcido), o mesmo está longe de suceder em
Angola ou São Tomé e Principe. Se também no Brasil foi possível ao longo dos
145
últimos 200 anos ir incluindo cada vez mais atores nesta arena, o mesmo não
aconteceu em Angola e São Tomé e Príncipe pelas características do seu
relacionamento prévio com o mesmo Brasil. Em Angola, em 1970, de um total de
5.600 milhões de habitantes, não mais de 20.000 indivíduos, estariam “classificados”
como pertencentes à semi-burguesia africana (GUERRA,H., 1988). Se somarmos a
semi-burguesia branca (portuguesa) chegamos a menos de 70.000 indivíduos.
Como disse, a esmagadora maioria da população estava, nesta época, ao nível
de desenvolvimento social e produtivo do século XVI. Nos 40 anos seguintes, estas
populações são sujeitas a uma guerra civil fortíssima e à completa desestruturação
das redes sociais tradicionais, ou pelo menos , daquelas que se formaram nos 100
anos anteriores. Esta situação é naturalmente distinta da verificada no Brasil.
Trabalhando com uma noção aberta de sociedade civil, onde podem entrar
potencialmente, baseado na liberdade de expressão e de associação, muitos atores
(exceto o governo, setor privado e organizações multilaterais ou bilaterais)
interessados em debater e desenvolver atividades orientadas a valores que afetam
a realidade coletiva, verificamos que, em Angola ou São Tomé e Príncipe, a grande
maioria da população, ou seja, as vítimas da fome, ficam ainda fora da porta até
porque o possuem, ainda, os mecanismos e estruturas democráticas de
representação social e política.
A construção de capital social e a remoção de travas e barreiras burocráticas
e clientelistas, assentes em razões históricas, das quais as populações não
necessariamente têm memória ou conhecimento, mas aceitam como fato
consumado, afigura-se assim, aparentemente, como estratégia primeira de qualquer
intervenção no domínio da construção de políticas de segurança alimentar quer em
Angola quer em São Tomé e Príncipe. Uma tarefa que, face à situação actual, se
146
afigura como “impossível” e, como tal, apenas factível fora do quadro institucional
proposto pelas Nações Unidas.
Para entretanto superar esta condição e seguir caminho rumo a acções
concretas que possam reduzir a condição de (in) segurança alimentar nestes países,
devemos então apresentar as possibilidades para fora da “receita” Norte-Sul, ou
então Sul-Sul, e encontrar caminhos de soluções mais endógenas (ainda que com
apoio externo) e portanto sustentáveis. Neste momento, a discussão teórica-
aplicada em torno de capital social e redes que se segue propõe-se oferecer um
instrumento de acção não exlusivo, que porém vem sendo bem referido,
respeitados os diferentes contextos em que é,de variadas formas, utilizado.
3.7 CAPITAL SOCIAL E REDES PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR
É importante referir que neste trabalho o foco é no capital social como um
conjunto de atributos coletivo
104
a la Coleman (1988), Putnam (1993) e Bourdieu
(1998), em que existem formas individuais e colectivas de capital social, que são
propriedade de comunidades, classes e sociedades inteiras. Esta abordagem
envolve tanto a extensão e as interfaces das relações individuais de reciprocidade e
confiança, como as normas e instituições para a cooperação no seio de um grupo ou
comunidade.
Refazendo o caminho teórico, Atria (2003), observa que a partir da
Conferência da CEPAL em 2001, é possível observar duas dimensões principais
que abarcam as distintas formas de se abordar o capital social: a primeira dimensão
104
Ao contrário de Portes (1998) , que o vê como um atributo de indivíduos expresso pelas redes de reciprocidade a que
têm acesso.
147
refere-se a capital social entendido como uma capacidade específica de mobilização
relações sociais. Trabalho com ambas perspectivas neste capitulo.
Como refere Woolcock (1998) o capital de um grupo social poderia ser de
determinados recursos por parte de um grupo; e a segunda remete à disponibilidade
de redes de entendido como a capacidade efectiva de mobilizar de forma produtiva e
em benefício do conjunto, os recursos associativos das distintas redes sociais às
quais os membros do grupo em questão têm acesso. A constituição de redes de
relações entre grupos ou comunidades similares (bridging) e as redes de relações
externas (linking) são mecanismos interessantes no estabelecimento de relações de:
i) confiança (resultado da iteração de interações com outras pessoas, que
demonstram na experiência acumulada que responderam satisfatoriamente a às
expectativas existentes); ii) reciprocidade (princípio condutor de uma lógica de
interação alheia à lógica do mercado, que envolve intercâmbios baseados em
favores); iii) cooperação (ação complementar orientada para a consecução de
objetivos compartilhados de um empreendimento comum), que dimensionam o
capital social (DURSTON, 2003).
Segundo Fukuyama (2003) o capital social são normas ou valores
compartilhados que promovem a cooperação social. Ainda de acordo com o autor,
os debates em torno do capital social servem para trazer à tona que os fatores
culturais estão presentes no desenvolvimento e as razões pelas quais, instituições
idênticas em diferentes sociedades obtêm resultados completamente distintos.
O conceito de capital social, visualizado desta forma, situa as políticas e
instituições em seu contexto cultural adequado e impede a criação de expectativas
ingênuas de que uma fórmula política relativamente sensata, como por exemplo a do
148
modelo de SAN utilizado no Brasil, conduza inevitavelmente ao sucesso em todo
lado.
Retomando a argumentação e considerando as possíveis estratégias para
desenvolver o capital social de um grupo, ou as acções que permitem que um grupo
ou comunidade consiga converter capital social restrito em ampliado, interessa-nos,
particularmente, uma: empoderamento via associativismo, ou seja, acções que
tendem a expandir ou fortalecer a trama ou o alcance das redes em que participam
os membros do grupo, potencializando a cooperação deste com outros grupos,
mediante o estabelecimento de novas ligações entre suas redes. O associativismo é
assim uma estratégia de cooperação e colaboração mediante a identificação,
comunicação e acção conjunta com aliados que pode promover o empoderamento.
Este trata das questões de poder, mais especificamente de estratégias de alteração
das relações de poder em favor daqueles,que até então ,exerceram pouco poder
sobre suas vidas (G. SEN, 1997).
No contexto de uma estratégia social, é um processo seletivo consciente e
intencionado, que tem como objetivo proporcionar igualdade de oportunidades entre
os actores sociais. O critério central é de transformar sectores sociais excluídos em
actores (STAPLES, 1990). A ênfase está em que o grupo e as pessoas são
protagonistas de seu próprio empoderamento, e não em uma entidade superior que
lhes poder (G. SEN, 1997), sendo a antítese do paternalismo, a essência da
auto-gestão através da pedagogia construtivista, que constrói a partir das forças
existentes de uma pessoa ou grupo social (suas capacidades) para potencializá-las,
ou seja, aumentar e trazer à tona estas forças potenciais pré-existentes.
Para Romano (2002), empoderamento pode ser visto como abordagem -
coloca as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento- e como
149
processo - instrumento por meio do qual as pessoas, as organizações, as
comunidades assumem o controle de suas próprias questões, de sua própria vida, e
tomam consciência de sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir. O
empoderamento implica no desenvolvimento das capacidades
105
(capabilities a la
Amartya Sen) dos excluídos e de suas organizações para transformar as relações
de poder que limitam o acesso e as relações em geral com o Estado, o mercado e
com outras organizações sociais (partidos, sindicatos etc).
Iório (2002, apud Romano, 2002) salienta que, muito embora durante um
período de tempo a ênfase do empoderamento tenha estado no grupo, e o no
indivíduo, análises mais profundas mostram que o empoderamento deve levar a
processos de mudança em nível individual, não apenas em termos de controle de
recursos, mas, igualmente, em termos de uma maior autonomia e autoridade sobre
as decisões que têm influência sobre a própria vida. Estas duas dimensões devem
se articular na apreensão das causas que originam a pobreza do grupo e do
indivíduo, e esta articulação tem um impacto directo na efectividade das estratégias
de empoderamento.
No cenário Angolano e São Tomense, a construção de capital social via
empoderamento obtido pelo associativismo foi parte da estratégia do projeto da
ActionAid mencionado, e pode significar uma agenda melhor das ações em
parceria, do que a adoção de um modelo pronto, feito para outro contexto
institucional.
105
A abordagem de capacidades de Amartya Sen, tem como objetivo fundamental do desenvolvimento a ampliação das
capacidades das pessoas para fazer e ser (doings e beings, respectivamente). As capacidades determinam, assim, rias
combinações de modos de funcionar que o indivíduo pode atingir. Sen considera que a perspectiva das capacidades na
análise da pobreza melhora a compreensão sobre as suas causas reais da pobreza na medida em que a adequação dos
meios, sobretudo econômicos, não podem ser julgados independentemente das possibilidades reais de sua conversão para
realizar os funcionamentos (SEN, 2001)
150
Estas ações em parceria são, em grande parte, constituídas por redes
compostas por diversos actores, e oferecem um aporte significativo de recursos não
materiais que remetem à construção de capacidades pela dinâmica inerente à sua
condição, além, é óbvio, dos recursos materiais necessários para o impulso e
manutenção das articulações entre os actores, e entre estes e o Estado e o setor
privado.
A título de esclarecimento, e face à grande quantidade de conceitos,
abordagens e definições de redes, mencionamos a perspectiva aqui utilizada. Para
Wilkinson (2004), a noção de rede, como metáfora, descrição, ou técnica de
pesquisa quantitativa alternativa, tem se tornado uma ferramenta analítica preferida
em muitas sub-disciplinas, entre elas, a abordagem da alteração das relações entre
Estado, mercado e sociedade civil, apresentada por Evans (2003).
Neste sentido, entre as diversas significações que as redes vêm adquirindo,
apesar de não se limitar somente a elas, servem ao propósito desta tese a noção de
rede social como uma metodologia de trabalho através da qual se cria um sistema
de relações capaz de organizar pessoas e organizações de forma democrática e
através de métodos participativos em torno de princípios e objectivos comuns. A
rede estrutura-se por vínculos de diversas naturezas entre indivíduos, grupos e
organizações, construídos ao longo do tempo, intencionalmente ou oriundos de
outros contextos. Seria, então, composta por várias “camadas”, cada qual associada
a um tipo de relação e a um dado período de tempo.
A estrutura geral e as posições dos atores nessas redes moldam as suas
ações e estratégias (constrangendo inclusive as alianças e confrontos possíveis),
ajudam a construir as preferências, os projetos e as visões de mundo (já que esses
“bens imateriais” também circulam e se encontram nas redes) e dão acesso
151
diferenciado a recursos de poder dos mais variados tipos, que em inúmeros casos
são veiculados pelas redes desde status e prestígio até recursos mais facilmente
mensuráveis, como dinheiro e, muito importante para as questões de (in) segurança
alimentar, acesso à informação (MARQUES, 1999).
A seguir identificam-se outras características e princípios usados para a
conformação e apoio a Redes da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar.
Quadro 4 – Características de uma rede da sociedade civil
Luta por um objetivo comum: O espírito do trabalho da rede baseia-se na existência de
um propósito comum que é capaz de unificar posições de organizações diferentes. No caso
das Redes de SAN o objetivo básico subjacente é normalmente a melhoria ou fim da
insegurança alimentar pelo estabelecimento de um conjunto de políticas públicas
adequadas.
Pluralidade de atores envolvidos: Devem fazer parte de uma rede de segurança alimentar
um conjunto diversificado de atores como ONGs, Associações movimentos de camponeses
e da agricultura familiar, grupos e jovens, organizações de mulheres, grupos religiosos,
organizações de consumidores, centros de estudo e pesquisa, organizações de apoio a
pessoas com HIV/Sida, etc.
Diversidade de temas em discussão: O caráter multidisciplinar e intersetorial da SAN
permite juntar organizações vocacionadas para temas diversificados como: agricultura,
pescas, florestas, biodiversidade e recursos genéticos, agroecologia, acesso a terra e outros
recursos (água, sementes, crédito), gênero, saúde e nutrição, HIV/Sida, comércio, etc.
Capilaridade e abrangência da sua intervenção: O trabalho em rede permite uma maior
capilaridade territorial pois consegue trazer pequenas organizações que estão distanciadas
dos centros de discussão para trabalhar em conjunto. Dessa forma consegue-se dar voz aos
que m mais dificuldades em partilhar os seus problemas e propostas. Por outro lado, a
própria estrutura da rede permite ultrapassar as fronteiras nacionais para se relacionar em
nível regional e internacional com outras organizações.
Participação e cooperação: A rede só funciona se todos os membros estiverem envolvidos
e motivados para trabalhar em conjunto em prol do objetivo comum. Uma vez que nenhuma
organização é obrigada a entrar ou a permanecer na rede, a sua intervenção deve ser
constante para gerar dinâmicas entre todos os envolvidos. Sem participação e motivação a
rede perde sentido e deixa de existir.
Independência dos seus membros: Todos os integrantes na rede têm conhecimento dos
objetivos propostos, pois fazem parte da sua definição, e devem acordar em conjunto as
ações a implementar. Contudo, o fato de pertencerem à rede não limita a sua independência
enquanto organização individual com objetivos próprios e outras ações fora da rede.
Flexibilidade e dinamismo: Uma rede da sociedade civil para a segurança alimentar
apresenta-se diferente em cada instante porque não tem centro. Além disso, a sua
dimensão varia no tempo e no espaço devido à entrada e saída de membros consoante as
suas motivações e disponibilidade. A rede funciona se todos interagirem uns com os
outros.
152
Horizontalidade: Neste tipo de redes não existem hierarquias. Todos os integrantes tomam
decisões e atuam de forma compartilhada após consenso
Fonte: ActionAid International, 2008
Face aos objetivos da pesquisa, não se pretende analisar as características
das redes em questão. Isto bem poderia ser feito pela abordagem de Granovetter
(1973), cuja ênfase nos laços fracos leva por si mesma à discussão das relações
entre grupos, e a analisar os segmentos da estrutura social que não são facilmente
definidos em termos de grupos primários. Ou então, pela teoria do ator-rede (ANT),
método que propõe a abolição do pensamento dualístico, e revê a sistemática de
práticas de pesquisa, encontrando terreno fértil, graças à necessidade de dar conta
ou do caráter cada vez mais abrangente da tecnologia na vida cotidiana ,ou da
centralidade de questões ambientais e a conseqüente extensão de direitos à
natureza (animais, florestas, rios), ou ainda de repensar os espaços de
desenvolvimento local e regional sob o impacto de mercados globais baseados em
qualidade.
Meu objetivo, como se depreende do atrás discutido, focaliza-se na
contribuição das redes sociais nos processos de empoderamento e construção de
capacidades das organizações da sociedade civil , em Angola e São Tomé e
Príncipe.
Diante de um quadro tão complexo e com limitações institucionais que
remontam a 500 anos de um Estado predatório ou patrimonialista (independente do
governo de turno), é importante referir os casos em que a abordagem de construção
de capital social via empoderamento (obtido pelo associativismo como parte da
estratégia) atinge seus objetivos. Citamos, então, o projeto Construindo uma
153
Rede Internacional para a Segurança Alimentarda ActionAid International (Anexo
1), com a participação das redes
106
da sociedade civil, e a experiência recente da
mais importante Organização Não Governamental Angolana, a ADRA Associação
para o Desenvolvimento Rural de Angola, como opções interessantes para a
construção “do impossível” como veremos em seguida.
3.8 REFLEXÕES SOBRE ESTRATÉGIAS EM CURSO
A situação “impossível que quero abordar, compartilhando dúvidas, e
introduzindo a questão das políticas de segurança alimentar na discussão, é a de
sociedades com níveis muito baixos de confiança social como em Angola e São
Tomé e Príncipe.
Seria ingénuo supor que apenas um conjunto de intervenções de política
pública, incluindo esforços de formação e reforma institucional, pudessem reverter
hábitos e modos de pensar profundamente arraigados no tocante, por exemplo, à
participação social e ao espaço para isto aberto pelo Estado.
Quando falamos de Estado e sociedade civil no Brasil ou em Angola e São
Tomé e Príncipe, falamos de estágios muito distintos, e perde-se a pretensão de
pensar em alguma articulação face à diferença de contextos. Contudo, se
consideramos separadamente os grupos com maiores afinidades culturais
106
Estas redes caracterizam-se pela horizontalidade das relações entre os seus membros. Nelas não deve haver
subordinação e quem tem poder é quem toma as iniciativas, sendo qualquer membro livre de o fazer. Na prática e a nível
nacional, por vezes, a organização encarregada da coordenação da rede acaba por ter acesso facilitado a informação.
Contudo, todos têm capacidade de estabelecer conexões e relações entre si e tomar iniciativas. As responsabilidades entre
os vários membros são distribuídas em função dos objetivos definidos.
154
historicamente conformadas, são evidentes as semelhanças, a quase espontânea
identidade e as potencialidades de trabalho cooperativo conjunto.
As observações realizadas a partir do projeto Construindo uma Rede
Internacional para a Segurança Alimentarda ActionAid International (Anexo 1), com
a participação das redes da sociedade civil, recém referido, permitiram vivenciar de
perto e confirmar para o caso de Angola e o Tomé e Principe, a ausência de
relevância dada ao papel da sociedade civil, enquanto espaço ou arena, para o
debate político. O mito da sociedade civil enquanto “pilar da democracia e do bem”,
ao contrário do que sucedeu na América Latina, não é evidente nos dois países
africanos inseridos neste trabalho. De todas as formas, existem “sociedades civis”
nestes países, e foi com elas que foi possível trabalhar para a discussão e
construção futura de outras realidades, as quais, face aos condicionantes históricos
apresentados, implicam, aparentemente, antes de mais, o fortalecimento do capital
social, quer em Angola, quer em São Tomé e Príncipe.
A experiência do projecto da Organização ActionAid International de
construção de capacidades da sociedade civil mencionado, envolveu o apoio à
constituição de redes da sociedade civil para a segurança alimentar nos Países
Africanos com Língua Portuguesa e, conseqüentemente, em Angola e em São Tomé
e Príncipe. Para a constituição da rede angolana, a primeira a ser lançada,
contribuíram a construção de confiança entre os organizadores e demais
entidades, assim como entre as diferentes entidades e entre todos e o Estado (se
este desse sinais claros de que não apoiaria, as organizações presentes não
avançariam).
Refira-se que como em Angola a discussão política é restringida aos espaços
de “democracia formal”, com pouca ligação com a população, mesmo que não haja
155
influência política, a rede pode proporcionar aos cidadãos uma área de debate mais
independente , onde se podem manifestar opiniões e discutir prioridades. Isto é tanto
mais importante quando sabemos que agora os técnicos das ONGs nacionais
deixam de estar exclusivamente preocupados com as conseqüências da guerra, da
violência, da pobreza, da exclusão e da injustiça social, para procurarem atacar as
causas dessas situações.
Este projeto envolve ainda, o apoio ao intercâmbio entre organizações
brasileiras, angolanas, são tomenses e de outros países africanos com língua
portuguesa. Foi possível, em alguns encontros, verificar que as exposições
realizadas por ativistas brasileiros criaram um clima de partilha de problemas
comuns, mas também, alguma desconfiança: - “muito bom mesmo, mas aqui
estamos a séculos da realidade de lá” dizia ao autor, uma técnica do Ministério da
Saúde de Angola. A mesma expressão teria mais tarde um jovem ativista angolano
que participou na III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do
Brasil. Contudo, a nível nacional, começam a existir experiências de trabalho que
contribuem para o reforço de capacidades da sociedade civil. Estas, como apresento
em seguida, reforçam-se pela existência de uma rede nacional , mas também pela
exposição internacional a que as organizações participantes estão sujeitas.
A experiência da ADRA
107
, a ONG Angolana mais antiga, que adotou o
método do desenvolvimento comunitário como principal estratégia de atuação é
interessante de mencionar.
No seu entendimento, o desenvolvimento comunitário como modelo educativo
de intervenção es a proporcionar o desenvolvimento do capital social, a ação
107
Dados apresentados por técnico da ADRA em seminário para constituição da rede dos paises de língua portuguesa em
Fortaleza , 2007
156
coletiva e a criação de espaços de participação a dois níveis: um interior às
comunidades (grupos, associações), e outro exterior a elas (relacionamento com a
ADRA, instituições do Estado e outras agências), o que contribui para uma maior
autonomia das comunidades e para a construção da cidadania. Contudo, as
reflexões da organização têm identificado alguns obstáculos à sua atuação nesta
área tais como: (i) o baixo nível de conhecimento da realidade social em que as
equipes atuam; (ii) o tipo de formação de base de que a maior parte dos técnicos é
portador, com base numa perspectiva assistencialista, paternalista, de modernização
acelerada, de fraco compromisso social a favor dos desfavorecidos, pouco crítica e
sem pôr em causa o status quo; e (iii) o deficiente domínio da metodologia e o baixo
nível de conhecimentos sócio-políticos por parte dos técnicos.
Em termos mais específicos, destaca ainda os seguintes obstáculos:
- A ação de instituições do Estado que nas suas relações com as
comunidades usam abordagens autoritárias e impositivas ou paternalistas,
“desresponsabilizando” as populações, mantendo-as em situação de dependência e
desvirtuando o trabalho de Desenvolvimento Comunitário;
- A acção de ONGs nacionais e estrangeiras, e de igrejas e organizações
religiosas portadoras de filosofias de intervenção caritativas, assistencialistas e
“desresponsabilizantes”;
- A ausência de referências no país sobre Desenvolvimento Comunitário e
sobre experiências de sucesso no domínio do desenvolvimento participativo;
- A falta de estudos e pesquisas na área de ciências sociais que permitam
avaliações ajuizadas a montante e a jusante das intervenções;
157
- A debilidade institucional e a instrumentalização político-partidária de que
são alvo, freqüentemente, as instituições;
- E ainda a iliteracia, certos costumes e tradições e o espírito de dependência
em relação ao Governo e a outras instituições por parte das populações.
Esta organização considera que os resultados da sua intervenção são
evidenciados nos domínios da vida material (as pessoas têm acesso a alimentos de
forma mais sustentada através da produção agrícola e da venda de excedentes); no
domínio social (através do acesso a serviços de saúde e principalmente ao ensino,
que vem melhorando de qualidade devido à constante formação de professores que
a própria ADRA vem promovendo); no domínio cultural (devido à preocupação com
o resgate de valores perdidos, ao reconhecimento e valorização de formas
organizativas e instituições tradicionais e à assumção da diversidade cultural); no
domínio cívico (pela afirmação progressiva da cidadania e da autonomia, expressa
na defesa de direitos, em reivindicações de diversos tipos e na mudança do tipo de
relacionamento com as instituições do Estado); no domínio político (pelo aumento
gradual do poder das distintas autoridades comunitárias e seu reconhecimento pelos
sistemas interventores, incluindo as Administrações Municipais e Comunais, pela
ampliação desses poderes a novos actores comunitários e por uma mais larga
participação dos diferentes grupos e pessoas, na vida das comunidades); e,
finalmente, no domínio organizativo (através da recuperação do papel de algumas
das formas organizativas tradicionais” ou endógenas e da introdução de formas
organizativas e de gestão modernizantes).
Para a ADRA, por exemplo, a participação numa rede nacional da sociedade
civil para a segurança alimentar e outra internacional, mais ampla, envolvendo
outros países africanos com a mesma língua e também o Brasil, representa, a nível
158
nacional, a possibilidade de envolver em condições de maior igualdade outras
organizações locais na discussão da segurança alimentar, e a nível internacional o
acesso a informação e experiências necessárias ao seu corpo técnico. A construção
desse espaço, pensava igualmente a ADRA, corresponderia ao aproveitamento de
uma dimensão qualitativa importante do capital social vinculada à existência de uma
cultura ou de valores comuns numa relação social, todos, historicamente
conformados.
Ou seja, existe uma dimensão de mobilização e capacitação nacional, e outra
internacional, e ambas se reforçam não apenas na mobilização e (ou) construção de
capacidades da sociedade civil, mas também na mobilização do Estado, que após
a constituição da rede no seminário e posterior reunião com o Ministério da
Agricultura e a Presidência da República, estes se comprometem a dar maior
prioridade ao tema da fome. Como disse um técnico angolano
108
a propósito da
eventual maior prioridade prometida pelo governo : “ isso é ótimo porque depois não
há volta – nós estaremos lá para cobrar” .
108
Coordenador da ADRA
159
CONCLUSÕES
A experiência histórica de desenvolvimento pela qual passou o Brasil desde o
século XVI até ao final do século XX é um período de transição entre uma sociedade
colonial escravista e uma sociedade burguesa capitalista, sendo o escravismo um
modo de produção internacional que surgiu na decorrência do comércio triangular
colonial. No caso do império Português, o trato negreiro envolvendo Brasil, Angola e
a Costa da Mina, em especial nos culos XVII e XVIII e XIX, decorre
essencialmente de um comércio bilateral bastante desigual já que desestruturou a
sociedade pré-existente em Angola e lhe deixou, como herança, o ónus da
continuidade do escravismo.
Se no Brasil a escravatura foi acabando graças ao fim das fontes africanas e
da incapacidade de reproduzir, dentro do país, a mão-de-obra cativa, o mesmo não
se passou na maioria dos países africanos. Nestes, era possível essa reprodução.
Pior do que isso, esta era indispensável para manutenção dos circuitos econômicos
e das estruturas sociais até aí desenvolvidas localmente.
Não apenas se visualiza que o Brasil se constrói no Atlântico como também
fica mais perceptível que os países africanos nele se limitam. Como defende Mauro
(1998), nessas relações bilaterais, a vantagem marginal obtida pelo Brasil foi
superior à vantagem marginal cedida à África Lusófona em especial a Angola. Mais
importante é verificar que esta vantagem marginal se constrói, do lado brasileiro, em
função da sistemática manutenção da insegurança alimentar do lado africano face à
destruição de colheitas e insegurança generalizada no meio rural.
160
Isto é mais perceptível quando se verifica que a grande maioria dos cativos
eram camponeses e que o clima de guerra permanente instalado pelos diferentes
estados garantidores do mercado inviabilizava, certamente, a instalação e
permanência de camponeses no campo gerando uma situação de insegurança
alimentar crônica que viabilizou a utilização, em grande escala, de produtos
agrícolas para escambo. Esta singularidade fez do tráfico brasileiro a atividade mais
rentável da colônia.
Dessa forma, verifica-se que o desenvolvimento da economia açucareira, pilar
da sociedade escravocrata brasileira foi o ponto de partida para o Brasil actual em
função da acumulação de capital realizada no escravismo pelo comerciante. Não
pode argumentar-se que a independência brasileira tenha colocado um ponto final
na sua influência sobre África. É que a dependência de uma trajetória anterior é
longa e mais complexa. Vimos, por exemplo, como a cachaça mantinha seu valor de
troca em Angola (impedindo a produção de açúcar) quase 150 anos depois da
independência do Brasil.
Não pode também argumentar-se que Portugal teve um papel decisivo nesta
evolução africana desde sempre, e em particular após a segunda metade do século
XIX. Certamente que Portugal teve seu papel antes e depois da independência do
Brasil. Mas antes da independência, em especial a partir da segunda metade do
século XVII, vão-se tornando mais finos os traços que podemos imprimir a esse
papel.
O Brasil já se ía tornando um imenso Portugal.
A descoberta de ouro em Minas Gerais contribuiu para essa mutação. O
número de colonos portugueses emigrados para o Brasil no século XVIII, citados
por Furtado (1968), é próximo do total de portugueses que vão existir nos cinco
161
países africanos no final de 1973, ou seja, após quase cinco séculos de
colonização
109
.
Até ao início da cada de 30 do século XX, o Brasil é um dos maiores
destinos da imigração portuguesa. Um aspeto que não deve ser menosprezado é
que até à utilização do quinino no final do século XIX, era muito mais fácil viver e
enriquecer no Brasil do que em qualquer país africano.
Desta forma, enquanto o desenvolvimento industrial no Brasil surge no esteio
da produção açucareira com a implantação da indústria têxtil no Nordeste em 1844,
o de Angola surgirá timidamente apenas um século depois.
A este século perdido nas margens africanas corresponderá um período de
diversificação fecunda no Brasil. Um período estimulado a casem dúvida, mas
talvez por isso, fecundo em novas oportunidades, na integração econômica de
parcelas maiores da população, no desenvolvimento de qualificações, na inovação
frente às dificuldades, no aproveitamento da proteção natural conferida aos recursos
endógenos, enfim, na gestação de um capitalismo industrial libertador e prenho de
ameaças que as diferenças sociais se agravam constantemente e os direitos
políticos apenas tardiamente se implementam.
Angola esperaria um século por essa gravidez sempre negada. Quando
enfim chega pela mão dos oligopólios de um Portugal cada vez mais voltado para o
interior europeu, vem no esteio da segunda revolução industrial, adaptada a mãos
de "branco" e temperada com o sabor do norte. Doces de figo, pêra e marmelada
impõem-se ao sabor da manga e da goiaba. Sucos de pêra enlatada e refrescos de
groselha vão refrescar alguns nas tardes de calor dos canaviais enquanto vinhos de
qualidade duvidosa invadem as noites nos "musseques".
109
Angola possuia 335.000, Moçambique 200.000; Cabo Verde; Guiné Bissau; São Tomé e Príncipe. Fonte: Enders(1994)
162
Utilizando tecnologia da segunda revolução industrial européia, o Estado novo
Português conseguia a façanha de tentar promover o desenvolvimento industrial a
baixo custo. O passo seguinte foi abruptamente interrompido pelos acontecimentos
subseqüentes às independências nacionais.
Além do que poderíamos designar por "divida social histórica" para com os
países africanos, outros aspetos historicamente gerados são importantes para o
nosso trabalho, sobretudo se pensamos no conjunto de possibilidades abertas para
a construção de políticas de segurança alimentar.
Durante quase quatro culos, no ambiente tropical das duas margens do
Atlântico, fluem pessoas, plantas, ritos e ritmos agrilhoados ao mesmo sistema
social, contribuindo para a formação de um complexo sistema de hábitos e valores
comuns.
Nestes processos bio-sociais de adaptação e de transculturação, o Brasil
desempenhou o papel de segundo colonizador. Traços dessa dominação secular e
das relações por ela engendradas, conformando esse sistema eco-cultural comum
entre o Brasil e os países africanos, podem, ainda hoje, ser encontrados, em
particular os decorrentes da disseminação de plantas e do papel desempenhado
pela organização da atividade agrícola e seus produtos. O mesmo se verifica
relativamente ao caráter patrimonialista dos respectivos Estados nacionais e grau de
sub-desenvolvimento e participação da sociedade civil na construção de políticas
públicas.
Este trabalho conclui que a conformação de um patrimônio eco-cultural
comum, e de Estados e “sociedades civis” com diferenças importantes é decorrência
da história comum que a todos entrelaçou. Conclui também que, isso implica,
talvez, ao nível internacional, uma abordagem por parte dos organismos
163
internacionais, em especial por parte das Nações Unidas, mas também da
cooperação bilateral do Brasil, reconhecendo, metodologicamente em seus
programas de cooperação, os diferentes estágios de desenvolvimento dos países
considerados. Por esse motivo, o enfoque de SAN, generalizado pela FAO, com
base na experiência recente do Brasil deve ser repensado face à historicidade e
realidade dos países onde procura aplicar-se. Esta área de trabalho estará ainda
em aberto.
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179
ANEXOS
180
Anexo 1
Declaração das Organizações da Sociedade Civil Angolana
presentes no Seminário Internacional
“Direito à Alimentação e Desenvolvimento Rural”
181
Declaração das Organizações da Sociedade Civil Angolana
presentes no
Seminário Internacional
“Direito à Alimentação e Desenvolvimento Rural”
21 (vinte e uma) organizações da sociedade civil de Angola estiveram presentes no Seminário
Internacional “Direito à Alimentação e Desenvolvimento Rural”, organizado por ActionAid
através da Rede International de Segurança Alimentar, ADRA, ESAC, Escritório das Nações
Unidas em Angola, ISPRA e Vicentina, nos dias 12 e 13 de Junho, no Lubango.
Durante estes dois dias, estas organizações, conjuntamente com representantes do governo
Angolano e organismos internacionais discutiram a problemática do direito humano à
alimentação, a segurança alimentar e nutricional e do desenvolvimento rural em Angola e
partilharam experiências de outros países, nomeadamente Brasil e Moçambique.
As organizações aqui reunidas concluiram pela importância do tema do Direito Humano à
Alimentação Adequada e sua integração na agenda de uma estratégia e políticas de segurança
alimentar e nutricional. Também concordaram na necessidade de reforçar as capacidades e
coordenação entre organizações da sociedade civil, de forma a poderem participar com maior
qualidade no diálogo com governo, universidades e organismos internacionais, para a
construção desta estratégia. Nesse sentido, entenderam reunir esforços para a construção de
uma rede temática de SAN.
Para dar início a esse processo serão sistematizados pela organização do seminário os
documentos de trabalho apropriados e serão convidadas a participar deste esforço outras
organizações que não puderam estar presentes no Lubango. Uma nova reunião será convocada
oportunamente para discussão e aprovação dos mesmos e definição de ações futuras.
Os signatários manifestam a sua firme convicção de que uma sociedade civil reforçada em
suas capacidades de análise e formulação de propostas será um importante contributo para a
manutenção do diálogo aqui iniciado e, consequente construção de uma estratégia nacional de
segurança alimentar e nutricional.
Lista de organizações:
ACCORD
ACH – Acción Contra el Hambre
ADCP – Associação para o Desenvolvimento Comunitário Participativo do Sul de Angola
ADESPOV – Associação de desenvolvimento e Enquadramento da População Vulnerável
ADRA – Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente
Caritas Angola
Agromarket
ANGOP
APN – Agência Popular da Noruega
Associação Mulheres Empresárias da Huíla
ASD –
CIC – Cooperação, Intercâmbio e Cultura
FONGA – Fórum das ONGs Angolanas
182
Horizonte
ISPRA – Instituto Superior Privado de Angola
MAFIKU – Associação para a Promoção do Desenvolvimento Comunitário
OKUTIUKA
UNACA – União nacional dos Camponeses
SINFIC – Sistemas de Informação Industriais e Consultoria
SODEMAT – Matala
SNV
World Vision
183
Anexo 2
Angola melhora em segurança alimentar
Angola Press
184
Luanda - Sexta-feira, 15 de Junho de 2007 - 12:08
Angola melhora em termos de segurança alimentar
Lubango, 13/06 – A docente universitária Rosa Pacavira
considerou terça-feira, na cidade do Lubango, que o país tem
registado nos últimos tempos melhorias em termos de
segurança alimentar.
Falando à margem do Seminário Internacional sobre Direito à
Alimentação e Desenvolvimento Rural, a professora referiu
ser este um facto positivo, uma vez que Angola vive em paz
há apenas cinco anos.
Acrescentou que se viveu muitos problemas devido à guerra e
cidadãos estiveram expostos à insegurança alimentar e
vulnerabilidade, situação que hoje já não se regista.
Disse que o papel da sociedade civil é importante neste
capítulo, porquanto poderá interagir com as instituições do
governo para a melhoria das condições de vida da população.
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