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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
DISSERTAÇÃO
“ÊXODOS” E AS MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: UM
ESTUDO SOBRE O DISCURSO FOTOGRÁFICO DE
SEBASTIÃO SALGADO
SALGADO, Sebastião. Êxodos” p. 45.
Ana Luiza de Abreu Cláudio
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
“ÊXODOS” E AS MIGRAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: UM ESTUDO
SOBRE O DISCURSO FOTOGRÁFICO DE SEBASTIÃO SALGADO
ANA LUIZA DE ABREU CLÁUDIO
Sob orientação do Professor
ctor Alberto Alimonda
Dissertação submetida como requisito
necessário para obtenção do grau de Mestre
em Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade.
Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO AGRICULTURA E SOCIEDADE
ANA LUIZA DE ABREU CLÁUDIO
Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, como requisito necesrio para a obtenção do grau de Mestre.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM 08/09/2008
____________________________________
Dr. Héctor Alberto Alimonda
Orientador
_____________________________________________
Dr. Luiz Flávio de Carvalho Costa (UFRuralRJ)
_____________________________________________
Dr. Marco Antônio Teixeira Gonçalves (UFRJ)
Dedico essa dissertação a minha família
“migrante”: meu pai, minha e e meu irmão,
pela compreensão, pelo carinho e pela
confiança, apesar da distância geográfica.
Às falias migrantes.
AGRADECIMENTOS
A Ana Maria Mauad, pelos frutíferos comentários no início da pesquisa, mostrando-me as
viabilidades da desconstrução em busca de uma reconstrução do objeto de estudo. Ela foi a
responsável pelo “start”.
A Syrléa Marques Pereira, por abrir as portas da sua casa, dividindo comigo uma tarde de
pesquisa de campo. O meu muito obrigado pela disponibilização do conjunto de reportagens
sobre Sebastião Salgado. Que continue sendo uma guardda meria.
A Aguinaldo Araújo Ramos, pela disponibilização dedeos sobre o fotojornalismo brasileiro
e internacional, muito importantes para a compreensão do estilo fotográfico de Sebastião
Salgado.
Aos colegas do grupo de estudos Fotografia e Artes visuais”, Simone Rodrigues, Marco
Antônio Portela, Cícero Rodrigues, Juliana Blumer, Alex Toppini, Fernanda Antoun e Ângela
dos Santos, pelas trocas de opiniões- ora inflamadas, ora ácidas, ora ponderadas- sobre o
estudo da fotografia, com especial atenção à fotografia de Sebasto Salgado.
A todo corpo docente do CPDA e aos seus funcionários, com especial gratio aos
professores Maria Verônica Secreto, Luiz Flávio de Carvalho, Silvana De Paula, John
Comerford, Regina Bruno e Eli de Fátima Napoleão de Lima pelos ensinamentos, pelo apoio
e pelo incentivo, de forma multidisciplinar, à elaboração e publicação desta pesquisa. Foram
anos de intenso aprendizado.
A Maria do Carmo Couto Teixeira, que possibilitou-me conhecer outros campos do
conhecimento, senão a Comunicação Social, durante a minha trajeria na graduação, por
apresentar-me o CPDA, incentivando-me a embrenhar nos estudos multidisciplinares.
Às amigas de longe, espalhadas por esse mundo afora, Ana Paula Turbay, Melina Lemos
Reis, Tai de Lucas, Sulamita Carvalho, Maria Isabel Cardozo, Fayga Moreira, Suhelen
Barros. Um carinho especial por dividirem comigo as percepções sobre as novas etapas das
nossas vidas, estando atentas aos meus momentos de aflição e descobertas durante a produção
desta pesquisa.
Aos amigos de perto, que bom que são tantos! A João Pinto, Mariza Goulart, Maryanne
Rizzo, Abigail Gomes, Edilson Pereira, Sílvia Aquino, Janaína Sevá, Maíra Martins, Klênio
Costa e Juliana Silveira, pela socialização” dos conflitos durante o antes, o durante, o depois
da escrita das dissertações, pelo apoio profissional, acadêmico e também pelo aconchego nos
momentos de solidão. Com carinho.
Às queridas amigas Fabiene Gama e Dorotheé Serges, por dividirem os finais de semana
comigo em troca de momentos de imersão nesta produção editorial e pela animação quase que
diária.
Ao meu “flaneurFabrício Cavalcanti pela presea constante ao meu lado, pelo amor, pelo
otimismo invejável e principalmente por abrandar minhas angústias e inseguraas, e festejar
as boas surpresas e as pequenas vitórias. Agradeço-o principalmente pela paciência.
A ctor Alimonda, pelas indicações bibliográficas precisas, pela orientação, pelo carinho e
principalmente pelos estímulos em todas as etapas de formação e construção desta pesquisa.
Ao Jazz, ao Cssico, ao Rock 70’s, à Bossa Nova e a todos os outros hitsque embalaram
minhas madrugadas, transportando-me para o universo da inspiração.
RESUMO
CLÁUDIO, Ana Luiza de Abreu Cláudio. “Êxodose as migrações contemponeas: UM
estudo sobre o discurso fotográfico de Sebastião Salgado. 2008. 115p Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade). Instito de
Ciências Humanas e Sociais. Curso de s-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento Agricultura e Sociedade. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, RJ,
2008.
O presente trabalho buscou analisar o discurso fotográfico de Sebastião Salgado sobre
as migrões contemporâneas, as quais caracterizam-se por migrações ocorridas por razões
econômicas, culturais e a mesmo ambientais, no período da chamada globalização
econômica. As fotografias estudadas fazem parte da obra “Êxodos”, trabalho que reúne uma
tríade: documentarismo, viagens e migrações. As paisagens registradas são de espos
geográficos e sociais diferenciados, enfocando a temática do êxodo rural, a disputa por
território, a urbanização acelerada e os conflitos étnicos de países da África, do Oriente
Médio, da Europa, da Ásia e da Arica Latina. Para esta pesquisa optamos por focar o
estudo das fotografias sobre os países da América Latina e da África. O recorte temporal
compreende o final dos anos 90 aa atualidade, momento das viagens para a realização das
fotografias até a publicação da obra “Êxodos”, bem como sua repercussão na atualidade. Tal
pesquisa torna-se relevante por considerarmos Salgado um fotógrafo internacionalmente
conhecido, cuja produção traduz-se em fontes documentais de grande relevância para as
Ciências Sociais. Leva-se em consideração que Salgado é um viajante contemporâneo em
situação de deslocamento, assim como seus “modelos fotográficos”. Ele percorre, com seu
olhar de viajante/fotógrafo/migrante, diferentes regiões do mundo com organizações
socioculturais distintas. O todo utilizado para este trabalho, compreendeu a leitura visual
das fotografias de “Êxodos”, por meio de categorias e conceitos de análise. Enfatizamos que a
leitura visual foi suportada pela linguagem escrita, presente nos relatos de viagem que
acompanham as fotografias de Salgado, em entrevistas concedidas por ele a veículos de
comunicão (sites, jornal impresso e televisão) e em toda a bibliografia referenciada. O
estudo do discurso fotográfico formou-se a partir de um olhar observador sobre todo o livro,
partindo de uma análise mais ampliada do ambiente para uma mais focalizada, esmiuçando
assim, especificidades presentes nas fotografias.
Palavras-chave: Viagens, fotografias, migrações contemporâneas, Sebastião Salgado.
ABSTRACT
CLÁUDIO, Ana Luiza de Abreu Cláudio. “Exodus” and the contemporaries migrations: a
study about Sebastião Salgado’s photographic discussion. 2008. 115p Dissertation (Master
in Social Sciences in Development Agriculture and Society). Institute of Social and Humans
Sciences. Post-Graduation of Social Sciences in Development Agriculture and Society,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, RJ, 2008.
The present work seeks to analyze Sebastião Salgado’s photographic discussion about
contemporary migrations, which can be seen as migrations that happened due to economical,
cultural and environmental reasons, during the so-called economical globalization. The
photography's used in this study constitute the publication "Exodus", work that unifies a triad:
documentaries, travels and migrations. The photographed landscapes are of social and
geographical distinguished spaces, emphasizing the issue of rural exodus, the struggle for
territory, the accelerated urbanization and the ethnic conflicts in the countries of Africa,
Middle East, Europe, Asia and Latin America. For this research we focused on the
photographs of Latin America and Africa. The temporal clipping comprises from late 90`s
to nowadays, period of the travels for the realization of the photographs up to the publication
of "Exodus", as well as its actual repercussion. Such research becomes important as far as we
consider Sebastião Salgado internationally known, whose photographic work can be taken as
a documentary source of great relevance to the Social Sciences. We must take into account
that the photographer is a contemporary traveler in situation of displacement, such as his
"photographic models". He covers, with his view of traveler/ photographer/migrant, different
regions in the world with distinct social and cultural organizations. The method utilized
involves the visual reading of the photographs of "Exodus", by the means of categories and
concepts of analysis. We emphasize that the visual reading must be supported by the written
language, present in the travel notes that follow Salgado`s photographs, by interviews
conceded by him to communication vehicles (web sites, newspapers and television) and in
diverse books. The study of the photographic discussion was formed from an observer`s view
of the whole book, parting from a wider analysis of the environment to a more focused, going
into details including the peculiarities present in the photographs.
Key-words: travels, photographies, contemporary migrations, Sebastião Salgado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Viagens, viajantes e narrativas 2
O percurso do aprendizado 10
CATULO I
NO CAMINHO DAS MIGRÕES
1.1. O processo migratório e o contexto da globalização 19
1.1.1 A transculturação nas migrações contemporâneas 23
1.2. As migrações contemporâneas e a produção de diásporas 27
1.3. Os sujeitos das migrações 30
1.3.1O ACNUR 33
1.3.2 Os migrantes de Sebastião Salgado 37
1.3.3 A formação do fotógrafo migrante 41
CATULO II
NOS TRILHOS DA FOTOGRAFIA
2.1. O sentido da comunicação visual: a mensagem fotográfica em foco 45
2.2. Os componentes do processo fotográfico: para entender o estilo fotográfico de
Sebastião Salgado 47
2.2.1 A elaboração dacnica 50
2.2.2 A produção de sentido 51
2.2.3 A linguagem fotográfica 57
2.3. Sebastião Salgado não está sozinho: a presença de Outros na fotografia 60
2.3.1 Da relação com os fotografados 61
2.3.2 O público-alvo 63
CATULO III
POR DENTRO DE ÊXODOS
3.1 O conjunto das obras de Sebastião Salgado em foco 68
3.1.1 Projeto Educacional de Cidadania 69
3.2 Em segundo plano: de “Outras Aricas” a “Terra” 71
3.3 Em primeiro plano: “Êxodos” 80
CONSIDERÕES FINAIS 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 100
ANEXOS
Anexo A - Fotografias escolhidas –CD ROOM 107
1
INTRODUÇÃO
2
Viagens, viajantes e narrativas
Por que é triste o olhar do verdadeiro viajante? Como ninguém, ele sabe que
“o mundo comou sem o homem e se acabasem ele. Percebe que todos
os mitos, estilos e linguagens são construções de sentido, sempre à beira do
vazio. Sente que sua viagem não terá propriamente um retorno, sua
exploração fica sempre inconclusa. No entanto, entre a solidão que
reproduz a máquina de uma cultura herdada e a tristeza desse caos
caleidospio do mundo que se deixa entrever, ele prefere a segunda
condição: a de navegante solitário, fiel apenas à própria narrativa, senhor de
suas histórias e paisagens, aquém de todo pensamento e além de toda a
sociedade (contra capa da obra de LÉVI-STRAUSS “Tristes Trópicos”).
Diante dessa perspectiva mais ampla, em que se introduz o primoroso trabalho de
Lévi-Strauss, um “viajante radical e iluminado”, já fica evidente a repulsa aos exploradores e
suas viagens. O que o autor questionava era as razões e os objetivos de sua participação na
viagem para o interior do Brasil. “Sua resistência quanto às narrativas de viagem é tal que se
passam quase vinte anos entre suas incursões pelo interior do Brasil e a publicação do livro,
que sai em 1955 (pela editora Plon), e que, diga-se de passagem,o se resume a um diário de
viagem (NOVAES 1999:2).
A repulsa a esse viajar pode ser em parte historicamente compreensível, ao
recordarmos que os países das zonas tropicais, principalmente, foram, desde a colonização,
alvo de viajantes estrangeiros, todos ansiosos por conhecer, explorar e provar da terra
‘estranha’. Os relatos destes viajantes povoaram as percepções dos indivíduos que não se
aventuravam, mas aguardavam as notícias vindas do Novo Mundo.
Para cada culo, configurou-se um tipo ideal de viajante: conquistador de terras e
dizimador da população nativa, explorador de ouro e de pedras preciosas, catalogador da
fauna e da flora e aventureiros em busca de experiências mais excêntricas. No início do século
XX percebem-se as trajetórias de viajantes que almejavam conhecer, por meio dos estudos e
das pesquisas, os bitos, os costumes e os rituais de populações nativas. Os viajantes
modernos agora não estavam munidos de armas, mas de câmeras fotográficas, assistentes e
cadernetas de campo, eram também chamados de etnógrafos, como vi-Strauss. Mas é ainda
a etnografia (ou a Antropologia) que atrai Lévi-Strauss, assim como ressalta Novaes (1999).
Segundo ele mesmo, por uma afinidade entre as civilizões que ela estuda e seu próprio
pensamento.
3
De uma forma criativa e irônica, mas cuidadosa, de dispor as informões, o autor nos
coloca como se estivéssemos lendo um diário de viagem daqueles exploradores. No entanto,
sua micia ao relatar nunca abre mão da reflexão mais rigorosa, própria de um estudioso. O
tom sarcástico, às vezes, deixa claro as críticas aos exploradores das terras tropicais,
principalmente aos portugueses e espanhóis, mesmo que não tenha agregado à lista os
franceses e os ingleses imperialistas, os quais dizimaram e desmembraram social, cultural e
economicamente tribos e populações na África e América Latina, dentre outros locais.
É interessante ressaltar que o autor estimula sensações aos leitores, ao identificar os
aromas e as formas do Brasil. Ora incorpora memórias de viajantes ao recorrer a relatos de
Colombo e outros para construir sua narrativa. Em alguns momentos é perceptível o status de
um pesquisador que olha de cima seus pesquisados, diferenciando-se por Velho Mundo e
Novo Mundo principalmente quando estabelece comparações sobre os materiais para
construções arquitetônicas e as tecnologias.
Além de desconstruir aquele ideal de beleza intocada. Os trópicos o menos
exóticos do que obsoletos. Não é a vegetação que os caracteriza, mas pequenos detalhes da
arquitetura e a sugestão de um tipo de vida que, mais do que ter transposto imensos espaços,
convence que imperceptivelmente recuamos no tempo” (Strauss 1996:82). O estranhamento e
a inserção de novas opiniões, frente ao que lhe era desconhecido faz parte, assim, do ato de
viajar. Afinal, mesmo os viajantes solitários deparam-se com realidades que o o as dele:
o novos espaços geográficos, arquitetônicos e outras sociedades com organizações distintas
que pode encontrar pelo caminho.
Süssekind (1990) ainda complementa que é tarefa do viajante narrar, observar,
compreender os tipos e os enquadramentos locais. Como menciona Clifford (1997), a viagem
denota uma ampla gama de práticas materiais e espaciais, que produzem conhecimentos,
histórias, tradições, comportamento, músicas, livros, diários e outras expressões culturais. Ele
ressalta que a viagem é um termo de comparação cultural devido, precisamente, à sua
coloração histórica, suas associações com corpos raciais e denero, bem como privilégios de
classe, caminhos trilhados, agentes, fronteiras e também de documentos.
O autor também chama atenção para um ponto específico, o qual consiste na análise
das interações e hibridizações culturais que surgem a partir das viagens. Essas acontecem a
partir dos encontros entre os que vêm de fora e os que estão dentro, os quais seriam, para
Clifford (1997), “a figura cultural do nativo e a figura intercultural do viajante.
4
A conexão intercultural, portanto, está inerente às condições impostas pelas viagens,
no momento em que inaugura-se um espaço para que tais interações aconteçam. Tal lugar é
denominado por Clifford (1997) de zona de contato, que significa:
A ação cultural, a configuração e a reconfiguração de identidades, se
realizam nas zonas de contato, seguindo as fronteiras interculturais (uma
vez controladas e transgressoras) de nações, povos, lugares. A
permanência e a pureza se afirmam- criativa e violentamente- contra
forças históricas de movimento e contaminação (CLIFFORD 1997:18).
O autor refere-se, especificamente, às relações entre o pesquisador e seus informantes
locais, na tentativa de refletir quais as novas formas de aproximão e tamm como tais
relões podem ser incorporadas no trabalho de campo e na pesquisa. Com tais reflees,
Clifford reconhece os avanços dos métodos da pesquisa de campo: A etnografia do século
XX- uma prática de viagem moderna, em estado de evolução- tem se voltado cada vez mais
cautelosa a respeito de certas estratégias localizadoras, no processo de construção e
representação das culturas” (Clifford 1997:31).
De forma diferenciada, além da etnografia, podemos perceber outras áreas do
conhecimento que se expressaram sobre a construção e a representação das culturas. Ainda no
culo XX, o mundo também de interligar-se devido aos avanços dos meios de
comunicão. Um dos meios que mais contribuiu para a globalização dos saberes, nesse
período, foi a fotografia. O ato de fotografar e ser fotografado representava para a sociedade
de então a possibilidade de registrar e materializar momentos, lugares e pessoas em um papel.
“A partir daí tornar-se-ia um documento de grande relevância, seja para os usos sociais,
políticos ou artísticos. Além disso, ela apresentava a viabilidade de tornar comum realidades
distantes geograficamente” (CUDIO e GOMES 2006:3).
Como expõe Kossoy (2001), o mundo tornou-se familiar após o advento da fotografia;
o ser humano passa a ter conhecimento mais preciso, em amplas proporções, de outras
realidades que eram transmitidas apenas pela tradição escrita, oral ou pictórica
1
. O
desenvolvimento da fotografia disponibilizou uma nova forma de perceber o mundo- agora
pelas lentes da mera fotográfica.
1
Sem desconsiderar as gravuras, marcadamente a gravura em metal e a litogravura, como meio técnico de
reprodão de imagem e texto, largamente utilizados a partir dos séculos XVI e XVIII respectivamente.
5
Mesmo com instrumentos mais arcaicos, muitos fotógrafos aventuraram-se para outras
localidades do mundo, com a câmera na bagagem. Tanto os etnógrafos quanto os fotógrafos
do início do culo XX passaram a utilizar a câmera para as respectivas viagens.
2
O destino
escolhido pelos fotógrafos, na maioria das vezes, eram as regiões mais ‘inóspitas’ e
‘aunticas’, onde, para muitos, se conservavam as características locais, relacionadas à
cultura, à sociedade ou à arquitetura
3
. Muitos desses fografos originavam-se de países
europeus ou de países como os Estados Unidos da América, pertencentes a classes mais
favorecidas, seja pelo nível intelectual, seja pelo capital financeiro.
Aos fotógrafos que partiam pelo incentivo ao diferente e por aventuras em outras
terras, denominamos tamm de viajantes- os fotógrafos viajantes
4
. Como afirma Novaes
(1999), as fotografias e as narrativas de viagem se equivalem, no sentido de demonstrarem
certa complancia com a percepção imediata das coisas, por serem ambas testemunhas de
um tempo pretérito e irreversível.
Como exemplo de nossa argumentação, podemos citar os fotógrafos norte-americanos
da “Farm Security Administration”, uma ancia de fomento governamental criada durante a
era Roosevelt e dirigida por Roy Stryker para desenvolver programas de ajuda a pequenos
agricultores e arrendarios durante os anos da “Grande Depressão”. Neste projeto a fotografia
foi utilizada como prova da realidade, documentando a pobreza da população rural e urbana
de certas localidades norte-americanas, de forma a divul-la a um público mais vasto- um
projeto que combinava interesses políticos e sociocríticos, documentais e estéticos
5
.
Podemos citar os profissionais Walker Evans, Jacob Riis e Dorothea Lange,
contratados para viajar para o interior dos Estados Unidos da Arica. Mesmo com objetivos
pré-definidos pela agência, cada fotógrafo imprimiu um diferencial nas suas fotografias,
apresentado nas várias faces da miséria da vida rural e tamm urbana pelas lentes das
meras.
2
Não é a nossa intenção comparar os trabalhos de um antropólogo com o de um fotógrafo. Sabemos das
diferenças de área e de trabalho. No entanto, de convir que em determinados momentos, tais áreas podem se
aproximar, principalmente no que diz respeito à manipulação da técnica fotográfica.
3
Ver Telê Ancona Lopez. Mário de Andrade: fotógrafo e turista aprendiz. São Paulo: Instituto de Estudos
Brasileiros, 1993.
4
A circulação dos fotógrafos pelo mundo também possibilitou que seus trabalhos passassem a ter veiculação nos
jornais diários. Como uma de suas funções, as fotos foram incorporadas ao texto jornalístico, compondo a
narrativa. Revistas de sociologia também começaram a publicar e discutir a fotografia, mas de uma forma mais
acadêmica, levando em consideração o campo da pesquisa. E assim como outras áreas posteriormente.
5
Ver http://www.loc.gov/rr/print/.
6
Mas os elementos recorrentes nas fotografias nos chamam atenção para uma
abordagem de apelo social, onde espresente o indivíduo, os seus meios de produção, bem
como os objetos que narram a história dos fotografados. Colocamos em destaque as
renomadas fotos de Lange, da rie “Migrant Mother”
6
.
o nos interessa, aqui, categorizá-los em uma área específica do conhecimento, mas
torna-se importante reconhecer que tais profissionais exerceram um importante papel para o
pensamento sociológico moderno, ao construírem uma narrativa do registro das condições dos
indivíduos frente às transformões políticas e ecomicas mundiais. E assim, a fotografia
social, ou humanística, ou engajada, passa a participar e dialogar no universo da produção
fotográfica, até os dias atuais. As propostas o similares e o discurso dos fotógrafos se
aproxima, o que se modifica o os usos de novas tecnologias e as escolhas dos fatos a serem
abordados.
E, assim, inserimos o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado dentro da discussão, no
momento em que percebemos pontos de convergência entre a forma fotográfica (ângulos,
planos e enquadramentos) dos fotógrafos da década de 30 acima citados, com a do fotógrafo
Sebastião Salgado. Mas ele se afasta quando trata-se da relação com os fotografados, pois,
segundo o próprio fotógrafo, em depoimento no filme de Silvio Tendler
7
:
[...] o profissional de fotografia não pode julgar, tem que tentar
compreender a realidade. O que existe é um imperialismo cultural.
Nos anos 30, o fotógrafo vai em direção aos países imperialistas, o
fotógrafo hoje tem que participar, eu preciso ser aceito, tem que ter
respeito com quem é fotografado (SALGADO 1988).
Mas a relação de proximidade é novamente estabelecida quando observamos as
fotografias dos norte-americanos acima citados com a de Salgado. Todos fotografam em
viagem, constituindo-se em fotógrafos-viajantes. Além disso, a escolha da temática é muito
próxima, pois têm como foco a população mais pobre dos países, fotografando também o
contraponto e as semelhanças entre a vida urbana e a vida rural.
6
Sobre o trabalho de Lange, aprofundaremos no capítulo II.
7
Ver Caçadores da Alma (Vídeo-documentário, 1988, 58’). Direção: Sílvio Tendler. Realização: RCV, UnB.
7
Sobre o fotógrafo-viajante Sebastião Salgado, ele parte do lugar onde vive (França)
em busca de cenas da condição humana dos países periféricos
8
, além de possuir o capital
intelectual e financeiro, o que viabiliza ainda mais a dimensão de seu trabalho. Com mais de
doze obras publicadas - todas resultantes de suas viagens fotográficas - Salgado possui em seu
trabalho fotográfico um apelo social e político intrigante, o que o coloca em uma posição de
destaque, sujeito tanto a críticas severas quanto a elogios enriquecedores.
Consideramos que suas fotografias o além de apenas ilustrar fatos, elas podem
explorar uma subjetividade social partindo de um discurso que agrega a degradação humana a
uma determinada estética fotográfica. Ao mesmo tempo em que ressalta a preocupação com a
ecologia humana e social
9
, ele carrega nos tons da catástrofe e da miséria, ao definir suas
paisagens e seus ‘modelos fotográficos’.
Além das suas escolhas profissionais, as características pessoais também despertam-
nos interesse, pois elas podem contribuir para a formão do fotógrafo, “Afinal vo fotografa
com tudo que você é. Venho de um país subdesenvolvido, onde os problemas sociais o
muito intensos. Torna-se inevitável que as minhas fotos reflitam isso [...] (SALGADO
2007)
10
. Reconhecemos Sebastião Salgado se posicionando em uma encruzilhada de fatores,
onde todos se relacionam, pois ele é brasileiro, busca compreender a realidade global, e tem
“sua formação e trajetória como fotógrafo internacional independente, associado às tenncias
renovadoras da fotografia documental dos últimos trinta anos” (MAUAD 2002:11). O
resultado disso é um brasileiro fotógrafo, radicado na França, que viaja para seu país de
origem e para o resto do mundo, buscando interpretar realidades periféricas.
Diante de tais potencialidades em suas fotografias, percebemos que elas podem
oferecer importantes contribuições para os estudos em imagem e sociedade. A fotografia de
Salgado, dentro do contexto da pesquisa em Cncias Sociais, consiste em um importante
instrumento para compreender as relações entre as estruturas sociais, como também
selecionar, apreender e perceber como se a crião destas imagens, e a relação entre o
fotógrafo e seus fotografados.
É a partir desse fluxo de possibilidades que devemos inserir nossos estudos sobre a
relão entre imagem fotográfica e seus usos sociais. Devemos sustentar que, tal como existe
uma ecologia do ambiente que pretende, sobretudo, prevenir os estragos ambientais e
8
Sebastião Salgado é brasileiro, mas vive e trabalha na França desde a década de 70. Aprofundaremos em sua
biografia já no capítulo I.
9
Ver Felix Guattari. As três ecologias. Tradução Maria Cristina Bittencourt. 16.ed. Campinas, SP: Papirus,
2005.
10
Ver entrevista: www.fotomundi.com.br/secao.asp?area=12&entrada=35.
8
favorecer o desenvolvimento equilibrado do ambiente e das sociedades humanas, parece
legítimo defender a necessidade de uma ecologia da imagem” que previna, balize, oriente,
sustente pensamentos, modos de estar e de ser que partam da imagem e que confluam na
imagem” (ABRANTES 1999:02).
É importante ressaltar que as fotografias, no contexto das pesquisas em Ciências
Sociais, não o mais consideradas meras ilustrações, mas sim um cerio passível de estudos
de representações e concepções. Segundo Leite (1998) o texto visual vem sendo redescoberto
como forma possível de comunicação, cuja leitura passa a exigir o que poderíamos chamar de
alfabetização visual. A imagem visual, de forma generalizada, pode ser considerada o veículo
de comunicação em potencial da contemporaneidade, e [...] sua posição, estabelecimento e
integração entre textos tradicionais ocupa devidamente o pensamento de acadêmicos
interessados em imagem e praticantes da imagem” (EDWARDS 1996:12).
A fotografia apresenta-se, como argumenta Edwards (1996), como um campo rtil
para os pesquisadores, onde possam retirar informões significativas. Por isso, uma
fotografia pode ser percebida e utilizada a partir de diferentes ângulos. “O que define a
fotografia como objeto de pesquisa ou como método não é o assunto, mas a classificação do
conhecimento ou realidade”, feita pelo usuário, que a fotografia parece transmitir”
(1996:24). Mesmo as fotografias que são criadas em função de uma pesquisa científica ou
aquelas presentes nos jornais, revistas ou a mesmo em cartazes publicitários, podem ser
apropriadas com finalidades de pesquisa.
Para isso, é necessário desvendar o olhar ideal para a fotografia, pois tais reflexões e
comparações trazem à tona a necessidade de percebê-la como um estudo que o se faz
unilateralmente. Precisam estar presentes na cena: o observador e a imagem, a imagem
encarando o observador, uma imagem provocando sentido em outra imagem e finalmente a
relão dos fotografados com o observador e em seguida com o fotógrafo. Ressaltamos que o
estudo da linguagem visual não diz respeito somente à leitura da fotografia, a pesquisa se
constrói junto à escolha das imagens e também da observação da cnica, ou seja, da anállise
sobre a escolha dos ângulos e dos enquadramentos utilizados pelo fotógrafo.
Ao observarmos tais características, Salgado passa, portanto, a perder certa inocência,
dada pela realidade objetivista, ele passa a ganhar o estatuto de um agente social. É a partir,
daqui, que se insere o nosso objeto de pesquisa - as fotografias de Sebastião Salgado,
especialmente as do livro Êxodos”, o qual rne uma série de fotografias sobre as migrões
9
contemporâneas, tendo como pano de fundo a globalização econômica. O livro de fotografias
é o resultado da sua mais longa viagem fotográfica (passou seis anos fotografando).
As paisagens registradas o de espaços geográficos e sociais diferenciados,
enfocando a tetica do êxodo rural, a disputa por território, a urbanização acelerada e os
conflitos étnicos de países da África, do Oriente dio, da Europa, da Ásia e Arica Latina.
Para esta pesquisa optamos por focar o estudo das fotografias sobre os pses da América
Latina e África. O recorte temporal compreende o final dos anos 90 até a atualidade, momento
das viagens para a realização das fotografias até a publicão da obra Êxodos”, bem como
sua repercussão na atualidade.
o intencionamos em escolher as fotografias antes de iniciarmos as pesquisas e a
dissertação do que foi pesquisado. nhamos em mente o nosso objetivo, nossas hipóteses e
os nossos problemas. Isso norteou a escolha, juntamente com a análise de todos os arquivos
colhidos durante o trabalho de campo. As fotografias foram, assim, escolhidas, na medida em
que construíamos a nossa pesquisa: para cada fato, questão pesquisada, nos interrogávamos se
era necessário escolher uma foto ou o.
Também estivemos atentos ao contínuo diálogo entre texto verbal e texto visual
(fotografia) para a escolha das fotografias. Por isso, optamos por dispor as fotografias ao
longo do texto, transformando-as como um complemento visual ao texto escrito. É importante
ressaltar que também inserimos fotografias de outros fotógrafos - W. Eugene Smith e
Dorothea Lange- para compreender certas conexões que supomos existirem entre o estilo
fotográfico destes três fotógrafos.
O que possuíamos em mente, antes do início da pesquisa de campo, era a opção
pelas fotografias da América Latina e da África, pois a Arica Latina é o continente de onde
se originou o fotógrafo, especificamente o Brasil, e foi o local para onde Salgado viajou logo
após o término de seu exílio político na Fraa. a África foi escolhida pois foi o local onde
Salgado iniciou sua carreira de fotógrafo. A partir desse momento, ele construiu uma relação
de bastante proximidade com a África. Em ambas as regiões, Salgado esteve próximo,
estabelecendo uma relação quase que afetiva com o que foi fotografado. Isso se traduz nas
fotografias, nas quais observaremos ao longo da dissertação.
Vale pontuar que as fotografias presentes na dissertação foram extraídas dos livros
“Trabalhadorese “Êxodos”. Para a presente pesquisa, trabalhamos as fotografias como fonte
documental, a fim de estudar os fatores sociais que influem na vio (por que pessoas, objetos
e cenários aparecem de uma dada maneira), na representação de um grupo social, como
10
também questionar qual é a natureza, o papel e a organização institucional do simbolismo
visual na construção da realidade e quais os signos que o revelados na análise fotográfica.
Sustentados por essas escolhas, temos como objetivo principal estudar o discurso
fotográfico de Sebastião Salgado sobre as migrações contemporâneas e sobre os sujeitos que
migram. Tendo como pressuposto que o tecido migrante/ migração contemporânea o deve
ser visto apenas como o cruzamento físico de fronteiras ou o intercâmbio entre as nações ou
das localidades, mas múltiplos espaços de vida que atribuem sentidos e configuram
simbolicamente as experiências migratórias vivenciadas.
Como objetivos específicos, buscamos analisar o estilo fotográfico de Sebastião
Salgado, identificar as relações existentes entre fotógrafos e fotografados, o blico-alvo e
relacionar as fotografias de Salgado sobre o êxodo e o contexto social, cultural e político das
migrações em tempos de globalização, além de entender qual é o migrante que Salgado
fotografa e a causa dessa escolha.
O percurso do aprendizado fotográfico
“Odeio as viagens e os exploradores. E eis que me preparo para contar minhas
expedições. Mas quanto tempo para me decidir!” (STRAUSS 1996:15).
Foi assim, guiando-me pelas concepções de Lévi-Strauss, que iniciei minha viagem. A
preparação dessa viagem iniciou-se pela minha paixão pela fotografia, especificamente em
2005, ano em que participei como bolsista de um projeto de comunicação e meio ambiente,
com jovens do um grêmio estudantil de uma escola estadual, localizada na cidade de
Araponga, Minas Gerais.
Em uma das oficinas de “Educomunicação e meio ambiente”, optamos por trabalhar a
representação de natureza em fotografias. O primeiro nome que veio à mente foi o de
Sebastião Salgado, muito pela temática enfocada por ele. Nunca nos deparamos com ele, mas
suas fotografias enfeitavamos espaços acadêmicos- tanto salas de professores quanto os
espaços do movimento estudantil- e também ‘ilustravam’ marias jornalísticas dos jornais
estudantis, a mesmo camisetas e cartazes.
naquele ano, encaminhava-me para a formatura de Comunicação Social/Jornalismo
na Universidade Federal de Vosa, e o nome do fotógrafo o saía dos meus pensamentos. A
estratégia nesse momento era reunir, na monografia de final de curso, um tema que fizesse
parte tanto do meu trabalho de extensão universitária e uma temática que fosse relevante para
o início de um estudo de maior profundidade. Ao perceber meus objetivos, optei por estudar o
11
fotojornalismo e as questões socioambientais, e meu objeto foi Sebastião Salgado. O universo
que circundava suas fotografias foi envolvente, por isso, segui a proposta de estudar as suas
fotografias já no mestrado no CPDA.
Definitivamente, decidi embarcar nessa viagem pela fotografia de Salgado. A partir
dela, posicionando-se neste momento como mediadora, pude embrenhar-me e apaixonar-me
pelo campo das Cncias Sociais. O grande desafio imposto a mim foi: aproximar-me das
fotografias de Sebastião Salgado. O obstáculo que existia era o fato de eu considerá-lo um
ícone. Idealizava suas fotografias, pois via nelas uma relação de beleza plástica, muito pelos
fantásticos contrastes em preto e branco. Aquilo tudo me seduzia...
Assim como argumenta Leite (1988):
A imagem não é rapidamente absorvida pelas imagens seguintes. Amplia o
olhar, como através de uma janela, até suas margens se distenderem e
incorporarem o leitor. Não precisa de aparelhos para sua distribuão e
armazenamento. As informações que contém estão em sua superfície.
Embora muda, a fotografia fixa admite uma volta infinita ao ponto de
observação, uma contemplação detida, longa, ltipla e repetida. A imagem
pode ser lida como um mosaico que muda constantemente de configuração,
à medida que o olhar perpassa através dos planos e grãos e conforme o
distanciamento em que a fotografia é colocada ou o grau de ampliação que
dela se faz (LEITE 1988:88).
Mas eu reconhecia que deveria, a cada dia da pesquisa de campo do mestrado, diluir
minha fascinação e construir um senso crítico sobre as fotografias. Desde então resolvi
mapear meus caminhos, e as primeiras visitas feitas à obra de Sebastião Salgado foram no
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro. Isso porque antes me deparei
com a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional de Belas Artes fechado, em virtude de uma
greve.
no CCBB deparei-me com uma biblioteca de Artes Visuais, repleta de obras nunca
antes folheadas por mim. Dada a imensidão de tulos e aos meus anseios, comecei
observando muitos fotógrafos da Agência Magnum (Henri Cartier-Bresson, Robert Capa,
David Seymour) e outros da “Farm Security Administration” (Dorothea Lange, Walker
Evans), além de buscar autores que escreveram sobre Sebastião Salgado, mas nada encontrei.
Depois de muitas observações e algumas leituras, enfim fui até a prateleira de Sebastião
Salgado. Mas não peguei “Êxodos”, peguei “Trabalhadores”.
12
E assim fiz minhas anotões desse último. Fui-me embora, questionando-me por que
o Êxodos”? Fui lá mais duas vezes e peguei “Outras Aricas”, seguindo com minhas
anotações. Toda vez, uma espécie de vergonha e de repulsa me impediram: -“E então, por
onde como, como entender por que, onde e como foram realizadas as fotografias de
“Êxodos”? O lado bom dessas idas e vindas em torno das principais obras de Salgado, foi
também ter observado com cuidado as obras anteriores a Êxodos”, e ter percebido que elas
mantinham uma estreita relação, por conta da repetição de muitas fotos.
Isso pode ser melhor compreendido ao longo da pesquisa, o que resultou em uma das
estratégias de análise que utilizei na dissertação: dialogar com Outras Américas”,
“TrabalhadoreseTerra”, para compreender o caminho que Salgado percorreu a chegar na
produção e publicação de “Êxodos”.
O ato de pesquisar iniciou-se repleto de pontos de interrogações e de exclamões,
como se caminhasse em direção ao desconhecido. Ao relatar alguns impasses aos colegas,
passei a conceber que as dúvidas e as inseguraas são inerentes a qualquer pesquisa. Percebi
principalmente a existência de muitos pontos de exclamões, muito por ter me proposto a
estudar fotografias, objeto que proporcionou, dentre as dificuldades de pensar numa
metodologia de análise, prazer, energia e curiosidade.
A partir d aceitei que existia muito pouca informão escrita sobre a fotografia de
Salgado e por isso deveria traçar diferentes percursos para atingir os objetivos. Assim o fiz.
Iniciei as pesquisas em arquivos de forma mais aleatória, em documentos das bibliotecas
(CCBB, CPDA, UERJ, IMS), em sites especializados em fotografia (Magnum Photos,
Amazonas Imagens, Sebastião Salgado/terra, etc.) reuniões com professores e pesquisadores
estudiosos da imagem, bem como artigos acadêmicos e reuniões de orientação.
Destaco, aqui, o espaço onde encontrei mais informações sobre Salgado e onde pude
aprimorar meu olhar sobre as fotografias: a rede social que construí devido ao meu
envolvimento quase que afetivo com a fotografia, e às minhas aflições de uma jovem
pesquisadora.
A primeira estratégia utilizada foi comunicar das montanhas de Minas até as praias do
Rio sobre a pesquisa de mestrado. À parte os exageros, nesses encontros, deparei-me com
muitos apaixonados e alguns severos críticos à posição do fotógrafo Salgado e às suas
fotografias de “estetização da miséria”.
Graças aos apaixonados e estudiosos da área, ganhei cópias de filmes antigos onde
Salgado concedia entrevistas, de uma coleção quase inteira de jornais da década de 90,
13
período de suas viagens fotográficas, e cadernos especiais de revistas internacionais. Dos mais
severos recebi indagações, críticas, ponderações e muitas sugestões. Pude também participar
de um grupo de estudo em Fotografia, espaço fértil onde pude trocar e aprender muito com
fotógrafos e artistas visuais do Rio.
Além disso, tinha o intuito de me aproximar ainda mais do fotógrafo, pois seria um
ganho para a pesquisa conseguir uma entrevista com ele. Para isso, informei-me das futuras
exposições de Salgado no Brasil: em novembro de 2006 foi feita uma exposição em Belo
Horizonte sobre o seu último projeto fotográfico, o ainda incompleto Gênesis”. A exposição
teve por objetivo realizar uma prévia do que seria o novo trabalho de Salgado, uma estragia
de publicização de seu trabalho. Busquei, assim, a assessoria de comunicação do fotógrafo
(Bei Comunicação) para conversar, e fui informada de que Salgado não estava na cidade pois
continuava viajando por causa do projeto. O que consegui foram encartes, folders” e
informações das próximas exposições.
Recorri ao site da sua agência de fotografias, com sede na França, Amazonas Images.
Correspondi-me com funcionários, que me encaminharam para a esposa de Sebastião
Salgado, e também sua empresária, Lélia Wanick Salgado. Trocamos três mensagens no
correio eletrônico. No segundo, enviado no dia 20 de abril de 2007, informei sobre o meu
trabalho, ainda incipiente, conforme solicitado por ela em e-mail anterior:
Estou desenvolvendo, desde 2006, minha dissertação de mestrado sobre a
concepção ambiental nas fotografias de Sebastião Salgado. Trata-se de um
estudo sociológico sobre como o meio ambiente se configura nas fotografias
do livro “Êxodos”. Ao fazer um exercício de observação das fotografias,
percebi que as fotografias do “Êxodos seriam um objeto pertinente para
problematizar as questões ambientais. Para isso, seria importante
conversarmos para entender melhor o trabalho de fotografia de Sebastião
Salgado. Envio anexo ao email o resumo da dissertação e a contextualização
da área de pesquisa. Ressalto que ainda está em processo de
desenvolvimento.
Enviou-me uma mensagem no mesmo dia, informando sobre uma falha no arquivo:
“Impossível de abrir este anexo. Que formato é este. docx? Enviei preocupada com os
desdobramentos dessa falha, informando que o erro havia sido meu. Pedi desculpas,
informando que enviara o documento corrigido e pronto para a leitura em qualquer
computador. Depois desse incidente, ela nunca mais respondeu às mensagens enviadas.
14
Foram feitas outras tentativas para me comunicar, mas não obtive respostas. Permaneci
um tempo me questionando qual deveria ter sido a minha postura, como eu poderia ter feito, o
que eu tinha que aprender com o acontecido. Após esse tempo, optei por buscar diretamente o
fotógrafo: enviei email para o Instituto Terra, Organização Não Governamental que Salgado
coordena, juntamente com sua esposa, com sede na sua terra natal, Aimos, Minas Gerais;
participei de grupos de discussão sobre o fotógrafo na internet, mas não obtive o contato
diretamente com o fotógrafo.
Ao perceber as dificuldades de aproximar-me do fotógrafo para realizar uma
entrevista, optei pela estragia de estudar o seu discurso fotográfico sobre Êxodos” e as
migrações contemporâneas a partir da análise de uma gama de materiais publicados nos meios
de comunicação de massa, desde entrevistas em revistas, em cadernos especiais de jornais
impressos, em programas televisivos e filmes e em sítios especializados em fotografia.
Diante de todas as experiências de campo, comecei a perceber o cuidado que se deve
ter ao utilizar a fotografia como objeto de estudo. Aprendi que gostar das fotografias de
Salgado o bastava para a construção de uma pesquisa, tendo como objeto as suas
fotografias. Foi preciso desconstruir, reconstruir e ressignificá-las, além de relacioná-las com
o estudo do contexto das migrões contemporâneas. Afinal, eu também sou uma receptora e
observadora das fotografias!
Sobre isso Joly (1996) argumenta que o observador tem que ser também um
questionador: qual o significado de uma imagem, sua legibilidade; identificar o estilo
fotográfico e qual a subjetividade da fotografia analisada. As alises são elaboradas a partir
de um fragmento do real definido pelo fotógrafo e por todas as condições culturais, sociais e
sicas existentes no momento da produção. E sobre isso, colocamos nossas impressões, como
estudiosos da área e tamm carregados de concepções e olhares para a realidade social
discutida.
Para que o observador-pesquisador possa se aproximar ainda mais da fotografia,
supomos que uma das condições seria utilizar uma lupa”, para conhecer, compreender, para
simular a vivência daquela situação e das condições fotografadas. Do ponto de vista de Joly
(1996), o estudioso deve se colocar como receptor, o que o o livra da necessidade de
estudar o histórico da mensagem e do desafio de tentaro se proibir de compreender, devido
a critérios de avaliação mais tênues.
Um estudo mais minucioso do contdo elimina sua configuração global. Como
receptores e pesquisadores, devemos analisar a fotografia sempre levando em consideração o
15
objetivo da pesquisa. Além disso, não olhamos apenas para uma foto; sempre aproximamos e
relacionamo-la com as nossas pretensões e nossas perceões de mundo. É que se configura
um dos maiores desafios.
Devemos considerar, também, os possíveis diálogos com o contexto
histórico, o sociológico, o político e até com o cultural. Dada a delicadeza em estudar imagem, em
especial a fotografia, num contexto acadêmico, Leite (1988) argumenta que:
[...] os trabalhos empíricos de interpretação de fotografias desenvolvidos nas
várias áreas das Ciências Humanas vêm dando conta de alguns problemas
recorrentes: a singularidade das imagens apresenta uma resistência ao
tratamento genérico ou serial, dificultando sempre a sistematização do
conhecimento adquirido através da percepção e da memória: a natureza
diversa e, muitas vezes, intransponível da percepção visual para o processo
cognitivo esbarra sempre na transmissão imperfeita através de palavras.
Impressões e expressões não admitem inteiramente uma sistematização
adequada do conhecimento que transmitem. Os tons de cinza e as sombras
bem dosadas das fotografias podem alterar a transmissão da mensagem da
foto, ao estetizá-la e ao destituí-la de elementos relativos a outros (LEITE
1988:89).
Mauad (2005) afirma que a fotografia tanto adquire status de imagem/documento
como imagem/monumento. Na relação imagem/documento, considera-se a fotografia como
um signo indiciário, como a materialização dos objetos, pessoas e lugares. Tal materialização
nos informa as condições de vida do passado, através da moda, da infra-estrutura urbana ou
rural, das condições de trabalho. na relação imagem/monumento, estabelece-se aí a
fotografia como um mbolo, o qual a sociedade elegeu para representar o passado a ser
cristalizado para o futuro. “Sem esquecer jamais que todo documento é um monumento, se a
fotografía informa, tamm é conforme uma determinada visão de mundo
11
(MAUAD
2005:463).
Assim, para construir nossas investigações, é necessário identificar em que
circunstâncias sócio-culturais, econômicas e políticas o fotógrafo está inserido, as causas da
escolha dos determinados modelos fotográficos”, como também a possível abrangência e
aceitação do blico receptor, culminando em uma espécie de arqueologia do documento
fotográfico. Esta também se constrói em bases transdisciplinares para decodificar
informações explícitas e implícitas no material” (KOSSOY 2002: 44).
“O que se vê depende de onde se está e quando; ou seja, o que se é relativo à
posição do fotógrafo e do observador no tempo e no espo. É também relativo à utilização
11
Tradução livre da autora. Do original: Sin olvidar jamás que todo documento es un monumento, si la
fotografía informa, también conforma una determinada visión del mundo”.
16
social da fotografia quanto à questão estudada”. (LEITE 1988:85). A fotografia é o meio de
comunicão onde espresente, explícita ou implicitamente, o registro de um evento
12
, o que
agrega uma “dualidade inseparável”- existe o objeto-fotografia e também o conteúdo dessa
fotografia, que precisam ser levados em conta, conjuntamente ou não.
Devido ao cuidado e ao apuro crítico e estético que se deve ter ao estudar a fotografia,
defendemos que, assim como comunica Mauad (2005), a fotografia expressa-se, mediante
mensagens não verbais, cujo signo constitutivo é a imagem. Mas, para uma alise imagética,
dentro do campo das Ciências Sociais, devemos considerar o auxílio de outros suportes, os
quais podem acompanhar a fotografia. Como é o caso dos textos verbais. As mensagens
visuais transportam em sua essência a subjetividade. Isso pode provocar um mundo infinvel
de questões. Aqueles que a produzem (fotógrafos, artistas plásticos, pesquisadores) percebem
no texto escrito uma alternativa para complementar e também dialogar com a informão
visual.
Joly (1996) também opina sobre a complementaridade da linguagem imagética e da
linguagem verbal, uma vez que o meio verbal o apenas participa da construção da
mensagem visual, como tamm pode substituir e até complementá-la “em uma circularidade
ao mesmo tempo reflexiva e criadora”. A partir daí, imagem e texto estabelecem relações
íntimas e variadas, podendo a imagem fornecer graus de subjetividades e também de
objetividade a um texto verbal, assim como o texto escrito pode contribuir e formatar a
interpretação da imagem que se lhe impõe.
É importante ressaltar que existem diferentes tipos de textos que podem
complementar, influenciar e informar sobre as imagens pesquisadas. Os textos que as
acompanham podem vir em forma de poesias, relatos de viagem, e principalmente se
apresentar como legendas. Esse último recurso pode ser utilizado, tanto no fotojornalismo
quanto no fotodocumentarismo, quanto nos artigos científicos que utilizam imagens. Elas
surgem para estabelecer planos de expressão, onde o meio verbal (texto escrito) encontra-se
com o o verbal (fotografia), e os processos de interpretão o mediados pela interação
entre imagem e texto.
Trazendo para o nosso campo de pesquisa, a noção de complementaridade pode ser
compreendida nas obras de Sebastião Salgado, no momento em que as legendas contam
pequenas histórias sobre o momento fotografado, convidando-nos a entender melhor o
12
Identificamos como evento, todo e qualquer acontecimento, seja ele do cotidiano ou fatos históricos,
antropológicos ou sociológicos. O evento é, assim, todo fato capturado pela máquina fotográfica e materializado
na fotografia.
17
contexto social e político que está por trás das fotografias. Assim, podemos nos valer da
interação e complementaridade entre imagens e textos para esclarecer e incrementar nossas
reflexões sobre as questões presentes na pesquisa.
A partir do nosso exercício de refleo, consideramos que, para a nossa pesquisa, não
devemos olhar a fotografia como um retrato da realidade, ela é apenas um dos diversos
dispositivos utilizados para a compreensão desta. A fotografia é, portanto, resultado da
“interferência” do fotógrafo juntamente com a projeção pessoal do observador”
(MACHADO 1984:34). Tal compreensão vale-se para constituirmos as interpretões e os
estudos necessários para compreendermos o discurso das fotografias de Sebastião Salgado
sobre as migrações contemporâneas, no contexto da globalização.
Para isso, iniciamos esta discussão apresentando a estrutura da dissertação, com os
seguintes catulos: o primeiro, “No Caminho das Migrações”, apresenta uma breve
contextualizão do debate sobre as migrações contemponeas, o impacto na cultura, na
sociedade e no ambiente, em diálogo com as leis que regem os direitos e os deveres dos
migrantes. Am de apresentar as categorias de migrantes existentes na atualidade, bem como
a condição dos sujeitos pertencentes a tais categorias, já apresentando o fotógrafo Sebastião
Salgado e seus fotografados.
Depois dedicamos o segundo capítuloNos Trilhos da Fotografia” ao sentido da
comunicão visual, incorporando a compreensão do estilo fotográfico de Sebastião Salgado.
no terceiro capítulo Por Dentro de Êxodos”, introduzimos integralmente Êxodos” e as
outras três maiores obras de Sebastião Salgado para promovermos uma análise mais
aprofundada das fotografias.
18
CAPÍTULO I NO CAMINHO DAS MIGRAÇÕES
19
1.1 O processo migratório e o contexto da globalização
Por mais que os movimentos migratórios ao redor do mundo sejam um fenômeno
recorrente, podemos afirmar que novas configurões emergem no contexto das migrações,
concomitante às transformações políticas e econômicas no cenário global. Segundo Blanco
13
apud Cogo (2006), em 1995, 125 milhões de pessoas residiam fora de seu país de origem
contra as 75 milhões que gozavam dessa condição de migrantes, registradas no ano de 1965.
Nesse período, pelo menos 50 milhões de pessoas tornaram-se migrantes, mas poderia
ser um mero ainda maior, se levarmos em consideração quantos não foram registrados, pela
própria situação de ilegalidade, ou os que migraram para países que não possuem um controle
exato, e amesmo os migrantes internos, que podem possuir um grande fluxo, por conta da
possibilidade de mobilidade.
O foco dos maiores fluxos migratórios está nos chamados países em vias de
desenvolvimento. Nesses países tanto o deslocamento entre as regiões internas, dos locais
rurais para as áreas urbanas, quanto em direção aos pses desenvolvidos. O intenso fluxo traz
conseqüências como as medidas de controle e a restrição dos fluxos registrados nas nações
desenvolvidas. Enquanto os países avançados buscam policiar o movimento dos pobres do
mundo e excluí-los, a instabilidade das noções de cidadania e de comunidade política torna-
se-á cada vez mais evidente(HIRST E THOMPSON 1998:279).
De forma progressiva, a realidade dos migrantes, os quais buscam por melhores
condições de vida, não é bem vinda nos países mais avançados. A condição da maioria deles é
a de migrantes ilegais. O aumento relevante do mero de migrantes
14
atenta-nos para
questionar quais seriam as razões atribuídas a tal movimento. Tal perspectiva quantitativa, de
acordo com Cogo (2006) pode agregar, portanto, uma compreensão qualitativa sobre as
configurações e as tendências que vão definindo e consolidando novas pautas migratórias
internacionais nos últimos 25 anos.
13
Assim como ressalta Cogo (2006) as cifras e as estatísticas expostas no texto não contemplam os migrantes
não regularizados e também os migrantes clandestinos. Para uma discussão legal mais apurada, ver BLANCO,
Cristina. Las migraciones contemporáneas. Madrid: Alianza Editorial, 2000.
14
Blanco apud Cogo (2006) ressalta que, aliada a essa primeira dimensão, registra-se a ampliação das redes
migratórias com a intensificação de múltiplas redes inter-regionais e a incorporação a essas redes de novos
países emissores e receptores de migrantes que vão conformando um entremeado de fluxos migratórios
internacionais, ainda que Europa, América do Norte e Austrália sigam se consolidando como as principais
regiões receptoras de migração internacional. De forma geral, dominam as redes sul-norte e as transoceânicas,
seguidas das produzidas no interior da Ásia e no interior da África. Percebemos que os anos noventa inaugrua
um novo fluxo: a imigração leste-oeste como conseqüência da queda do Muro de Berlim, a desaparição da União
Soviética e os conflitos étnicos produzidos na região.
20
Os anos finais do culo XX apontaram o femeno da globalização, segundo
Appadurai (2004), como um dos estimulantes das migrações, sejam elas por questões de
sustentabilidade, por motivos profissionais ou até mesmo por conta de catástrofes ambientais.
Pelo fato de a refleo sobre a temática ter sido largamente discutida e criticada no campo
das Ciências Sociais, atentaremos em refletir sobre as possíveis tensões provocadas pela
globalização nas migrações humanas, tendo como referência visual as imagens de Sebastião
Salgado.
Para isso, devemos considerar que a globalizão não deve ser entendida como a
representação da dominação, que pode abarcar todas as instâncias da sociedade, como se a
transformasse em uma engrenagem homogênea. No entanto, partimos do pressuposto que
existem processos globais que transcendem os grupos, as classes sociais e as nações. Ortiz
(2006) ainda ressalta que os indícios da globalização em nossa sociedade o inegáveis. Eles
o perceptíveis na mídia, na economia, na política e também no meio ambiente.
Do ponto de vista econômico, Hirst e Thompson (1998) analisam que a globalização é
um mito conveniente a um mundo sem ilusões, mas é também um mito que rouba a
esperança. Os mercados são dominantes, e o enfrentam amea de um projeto político
contrário viável, pois a democracia social ocidental e o socialismo do bloco soviético
acabaram. Mesmo nomeando a economia internacional de globalizada, ela o corresponde
por completo a um sistema econômico globalizado, pois os Estados-Não ainda possuem
papel significativo a desempenhar na governabilidade econômica. O fenômeno se apresenta
para simbolizar as aberturas econômicas e as novas alianças políticas, bem como a diluição de
fronteiras e os possíveis entrelaçamentos culturais.
pelo viés cultural, Hirst e Thompson (1998) defendem que a homogeneidade
cultural, do ponto de vista nacional, é pouco importante para os Estados avançados ligados
aos mercados mundiais, uma vez que os Estados-Nação, como entidade política, podem
oferecer menos. Daí a celebração por um pluralismo religioso, étnico e de estudos de vida,
podendo tais grupos ganharem a representatividade dentro dos Estados, tendo como focos
alternativos de lealdade. Appadurai (2004) busca compreender como se constroem as
dimensões culturais da globalização, partindo do princípio de que existem dois diacríticos
relevantes para pensar como a globalização pode interferir na formação social e cultural
contemporânea. Os diacríticos apontados pelo autor são os meios de comunicação de massa e
as migrações, ou os movimentos de populações.
21
Sobre o donio do Estado em relação aos meios de comunicão, o autor argumenta
que, com o advento das novas tecnologias da comunicação, tornou-se inviável para o Estado o
controle soberano dos meios de comunicão de massa. A perda da autonomia enfraquece não
somente as ditaduras ideológicas, mas também as tentativas de preservar a homogeneidade
cultural. Por isso, questionamos a hegemonia cultural, ao percebermos que a diversidade
cultural é uma das características emanadas em decorrência dos movimentos de populações.
Questionamos também a globalização da cultura, ou seja, a tentativa de estabelecer um
segmento globalizado para comportar a diversidade social do mundo
Sendo assim,
A homogeneidade cultural torna-se cada vez mais problemática: culturas
ditas nacionais são, simplesmente, partes de um conjunto de culturas em que
o povo participa com objetivos diferentes. A homogeneidade cultural
completa e exclusiva é cada vez menos possível. As culturas ‘nacionais’, que
objetivam dominar seus membros individuais, são crescentemente projetos
de resistência ao mundo e dele se retiram (HIRST E THOMPSON
1998:279).
Ao tratarmos da influência dos meios de comunicação de massa na sociedade
contemporânea, podemos apontar a mediatização do mundo, onde se prevalece o pido fluxo
de imagens, textos e sensações mediatizadas, como inflncia para as migrações
contemporâneas (voluntárias e forçadas). “Aqui, as imagens, os textos, os modelos e as
narrativas que chegam pelos meios de comunicão de massas traçam a diferença entre as
migrações de hoje e as do passado” (APPADURAI 2004:18).
Podemos assim chamar de migrões contemporâneas as novas motivações que levam
comunidades inteiras para fora de seu país de origem ou para outras regiões dentro do seu
próprio território, desde princípios dos anos 90 até o momento. Esses migrantes “[...] criam
esferas blicas de diáspora, fenômenos que invalidam as teorias ancoradas na hegemonia
continuada do Estado-Nação como o principal árbitro de importantes transformações sociais”
(APPADURAI 2005:15).
De uma forma generalizada, o autor comenta sobre o aumento do movimento de
indivíduos ao redor do mundo. Nunca como agora tantas pessoas parecem imaginar
rotineiramente a possibilidade de elas ou os seus filhos viverem e trabalharem em lugares
diferentes daqueles em que nasceram: isto pode ser um índice do aumento da taxa de
migrações nos veis da vida social, nacional e global. Observamos também o ainda crescente
22
fluxo de homens, com idade entre 20 e 35 anos que partem para traçarem uma rota de
migração dentro do seu próprio ps. Eles, em sua maioria, saem do interior ou de zonas
rurais, em direção às cidades, em busca de melhores empregos e melhores salários, ou até
mesmo são os primeiros alvos dos conflitos étnicos e de guerras civis.
Em uma bucólica paisagem rural, composta por seis mulheres, um menino e um
homem de partida, sedimenta-se uma comunidade quase que inteiramente composta e
gerenciada por mulheres. Sebastião Salgado esteve atento a este fenômeno, fotografando
diferentes localidades rurais da Arica Latina e da África.
SALGADO, Sebastião. Êxodos”– p. 285. Esta foto foi feita na comunidade de San Miguel Chiptic, parte
do município zapatista autogovernado de Morelia, na região de Las Margaritas. A maioria dos membros
da comunidade apóia o movimento zapatista. Não trabalham a terra coletivamente, mas desenvolveram
um forte espírito comunitário. O alcoolismo, problema endêmico entre os índios da região, foi erradicado.
Dirigida por uma enérgica organização feminina, a comunidade também estava lutando para instalar água
potável e adquirir instrumentos agrícolas. Chiapas, México, 1998.
Devemos considerar, portanto, conforme analisa Baeninger apud Cogo (2003), que as
novas modalidades migrarias, no cenário da globalização, não são mais caracterizadas
apenas por sua expressão numérica, a relevância do fenômeno migratório internacional e
nacional reside hoje mais em suas especificidades e em seus impactos diferenciados do que no
volume de imigrantes envolvidos nos deslocamentos populacionais.
23
Em contrapartida, as barreiras às migrações têm se transformado em um dos principais
temas da pauta dos acordos de livre comércio e de integração regional no cerio da
globalização. Tanto a emigração quanto a imigração são consideradas por teóricos que tratam
do multiculturalismo
15
como fenômenos históricos que marcaram a condição humana e o
argumento epistemologicamente estragico para a reafirmação da heterogeneidade das
sociedades ocidentais, o que confere às sociedades contemporâneas a possibilidade de
compreensão das inter-relações e das tensões entre economia e cultura, entre mercados e
identidades culturais.
A compreensão dessas possíveis tensões e relações deve ser possível se levarmos em
consideração que as migrões, antes de serem internacionais, o nacionais, ou seja, todo o
cenário de angústia e inseguraa, junto às crises ecomica, ambiental e social surge a partir
do local. Os fluxos migratórios então se desenvolvem em âmbitos nacionais, a ponto de se
desenvolverem e ampliarem esse cenário para além das fronteiras, chegando a proporções
internacionais. Por isso, percebemos que o foco está em entender qual a situação daqueles que
migram- os refugiados, os exilados, os deslocados e os apátridas.
1.1.1 A transculturão nas migrações contemponeas
De maneira geral, criam-se tramas de relações complexas, ou seja, um processo de
transmigração, pois, junto aos que migram pela primeira vez, somam, de acordo com Ianni
apud Cogo (2003), os migrantes descendentes de migrantes junto aos indivíduos considerados
‘nativos’ daquele país, estado ou região. O resultado de tal inter-relação pode configurar-se
em intensificações de tenes, crises e conflitos, concomitante a trocas de significados, de
vivências e de horizontes, onde cria-se um espaço rtil para a ampliação e para a
multiplicação das experiências de transculturação
16
, de pluralidade e de relatividade nos
países ocidentais. A transculturação pode ser entendida também como idéia de contato,
15
Ver Nestor Garcia Canclini apud Denise Cogo. Mídia, interculturalidade e cidadania: sobre políticas
midiáticas e visibilidade das migrações internacionais no cenário brasileiro. Belo Horizonte: XXVI Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2003. (formato em CD ROOM).
16
A gênese desse conceito se encontra na obra de Fernando Ortiz, Contrapuento cubano del tabaco y el azucar.
Universidad Central de las Villas, 1963, Cuba. Neste momento, Ortiz argumenta que o vocábulo transculturação
expressa melhor as diferentes fases do processo transitivo de uma cultura a outra, porque esta não consiste
somente em adquirir uma distinta cultura que indica a voz anglo-americana de aculturação. O processo implica
em uma parcial deculturação, e, ainda significa a criação de novos fenômenos culturais que puderam denominar-
se de neoculturação. Os sujeitos sociais sempre possuem elementos das culturas em contexto, mas também
possuem distinções peculiares a cada cultura.
24
intercâmbio, permuta, aculturação, assimilação, hibridação ou mestiçagem, podendo ser o
resultado da conquista e da dominação, mas também da interdependência e da acomodação.
Ainda sobre o processo de transculturação, Pratt (1999) analisa que tal processo não
surgiu no tempo presente, ele é produto das primeiras viagens marítimas de exploração e
colonização. Do ponto de vista histórico a autora classifica a transculturação como a escolha,
por parte de povos subjugados”, do que e em que nível, elementos de uma cultura
metropolitana são absorvidos em sua própria cultura e em que esses novos elementos serão
utilizados.
Grupos subordinados ou marginais selecionam ou inventam a partir de materiais a eles
transmitidos por uma cultura dominante ou metropolitana. Tais grupos determinam, portanto,
em graus variáveis, o que absorvem em sua própria cultura e no que utilizam-nos. Trata-se de
uma colocação incisiva por parte dos que são submetidos às propostas externas, o que resulta
na criação de algo novo, diferente do original externo.
As conceituações realizadas por Pratt (1999) e Iani apud Cogo (2003) tornam-se
relevantes, todavia, para pensarmos como a transculturação
17
pode ser utilizada para entender
a situação dos migrantes contemporâneos. Para isso, neste momento, trazemos nossos sujeitos
da pesquisa: tanto o fotógrafo Sebastião Salgado, que se considera um migrante- e
considerado por s também um viajante- como seus migrantes fotografados durante a cada
de 90. Trazemos para essa discussão os contextos sociais em que todos estão envolvidos,
caracterizados pela globalização econômica e pela mundialização cultural, levando em
consideração que eles também influenciam nas relações estabelecidas entre o fografo e os
fotografados.
Podemos afirmar que tais acontecimentos externos puderam proporcionar o encontro
entre os indivíduos, pois, de um lado eso desejo do fotógrafo em buscar quem eram os
sujeitos que sofriam com a migração contemporânea, e de outro, a existência das rotas
migratórias traçadas por aqueles que fugiam das guerras civis, das crises ambientais ou
migrando do campo para as cidades. Em um espaço distante das habitações de origem, os
referidos sujeitos se encontram e se relacionam. O resultado desse encontro é a fotografia, ela
é o produto dessa inter-relação.
Mas a contemporaneidade agrega novos contextos sociais e políticos, além de novas
possibilidades de relação com os seus ‘modelos fotográficos’. Diante do fotógrafo e dos seus
fotografados, pertencentes a distintas condições sociais, presenciamos uma relação, mas ela
17
Ressaltamos que não se trata de importar um conceito, e sim buscamos compreender como ele se apresenta
dentro do contexto da presente pesquisa.
25
o se apresenta de forma igual. Assim como argumenta Clifford (1997) devemos estar
atentos em compreender as diferenças entre os viajantes (Salgado) e os trabalhadores
migrantes (os fotografados).
De forma superficial, é comum a concepção de relacionar ambos como sujeitos que
possuem experiência e certa autonomia e cosmopolitismo, pois praticam o trânsito entre os
lugares. É possível encontrar, segundo o autor, em uma técnica contemporânea, os diferentes
migrantes, sendo denominados, metaforicamente, de ‘viajantes’. Ele argumenta que os
migrantes e os viajantes devem situar-se em categorias diferenciadas, pois:
A disciplina política e as pressões econômicas que controlam os regimes de
trabalho migrante oferecem uma forte oposição a qualquer visão demasiado
otimista em relação à mobilidade da gente pobre, em geral não branca, que
deve abandonar o lugar de origem a fim de sobreviver. O viajante é por
definição alguém que tem a segurança e o privilégio de mover-se com
relativa liberdade. Em todo caso, este é o mito de viajem. [...] a maioria dos
viajantes burgueses, científicos, comerciantes, artistas se movem dentro de
circuitos altamente determinados. Inclusive estes viajantes burgueses podem
ser localizados em itinerários específicos ditados pelas relações globais,
políticas, econômicas e interculturais. Tais limitações o oferecem uma
equivalência simples com outros trabalhadores imigrantes e migrantes.
Alexandre Von Humboldt não chegou obviamente à costa de Orinoco pelas
mesmas razões que um trabalhador asiático contratado (CLIFFORD
1997:50).
Diante de tal contextualizão ressaltamos que o processo de transculturação ocorre, de
forma ressignificada. Ele é causa e conseqüência do encontro de culturas e de classes sociais
distintas. Tal inter-relação pode ser verificada no processo fotográfico, dentro do nosso
contexto de pesquisa. Os indivíduos em contato o: o fotógrafo e sua equipe (um fotógrafo
como Salgado não é um viajante solitário) e os povos migrantes. Não podemos, a priori,
afirmar quesubjugação, mas existe uma relação que não se encontra em um mesmo nível.
De um lado está o fotógrafo, munido de uma mera tecnologicamente eficaz, de seus
objetivos para a captura das melhores imagens, sendo acompanhado por uma estrutura básica
para passar os dias ao redor de alguns continentes. Do outro lado estão as falias,
comunidades inteiras, à expectativa de algum acontecimento, amesmo à espera da captura
da própria imagem. Essas o se encontram em uma posição estável, pois estão em um
processo de destituição de sua moradia, do seu local de origem, em busca de outras condições
para viver.
26
Da vivência construída durante os dias da produção fotográfica, podem formar novos
conceitos, relações, cujas quais interferem e modificam a fotografia e, possivelmente aqueles
que participam do processo fotográfico. Entende-se que, ainda segundo Pratt, a
transculturação é um fenômeno que proporciona a criação da zona de contato. Trata-se de
“espaços sociais onde culturas díspares se encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a
outra”.
“[...] da expreso zona de contato, que uso para me referir ao espaço de
encontros coloniais, no qual as pessoas geogfica e historicamente
separadas entram em contato umas com as outras e estabelecem relações
contínuas, geralmente associadas a circunstâncias e coerção, desigualdade
radical e obstinada” (PRATT 1999:32).
A zona de contato se constrói e se caracteriza por uma tentativa de invocar a presença
espacial e temporal conjunta de rios sujeitos anteriormente separados por descontinuidades
históricas e geográficas, cujas trajetórias agora se cruzam. Ao utilizar o termo contato, a
autora busca enfatizar as dimensões interativas e improvisadas dos encontros coloniais, o
facilmente ignoradas ou suprimidas pelos relatos difundidos de conquistas e dominões.
No caso da presente pesquisa, deslocamos o tempo e o espaço para o contexto
contemporâneo de zona de contato, pois consideramos que o gesto e o produto fotográfico são
os mecanismos que proporcionam o contato. O espaço onde esse encontro é neutro aos
indivíduos, é um novo lugar para a formação de novas relações sociais.
A todos aqueles que vivenciam tal processo Iani apud Cogo (2003) classifica de
transmigrantes. Embora seja proclamada a diluão das fronteiras, a viabilidade de se
percorrer grandes distâncias e a possibilidade de estar em diferentes lugares em pouco tempo,
o Estado permanece tendo o controle legal e militar sobre as fronteiras e sobre o movimento
daqueles que tentam cruzá-las.
Assistimos aí ao encontro de duas forças: a supressão exercida pelo Estado contra a luta
pela mobilidade, em prol da sobrevivência. Mesmo que haja o conflito, os transmigrantes
seguem sua diáspora, ao manterem muitas e diferentes identidades raciais, nacionais e étnicas,
tornam-se aptos para expressar as suas resistências às situações econômicas e às políticas
globais que os envolvem, bem como para se ajustarem às condições de vida marcadas pela
vulnerabilidade e a insegurança em tempos de globalização.
27
1.2 As migrões contemporâneas e a produção de diásporas
O conceito clássico de diáspora repousa sobre a idéia de dispersão de povos por
motivos políticos ou religiosos, em virtude da perseguição de grupos dominadores e
intolerantes. Sabemos que indivíduos pertencentes a períodos históricos diferenciados
presenciaram situões de diáspora
18
. Podemos citar como exemplo o movimento dos judeus,
no decorrer dos séculos ao longo do mundo.
E assim por diante, as rias histórias de diáspora ao redor do mundo puderam ser
inscritas, como argumenta Hall (2003), tendo como modelo a história moderna do povo judeu,
cujo destino no Holocausto é bem conhecido. Podemos considerar, assim, o Holocausto como
um dos episódios histórico-mundiais comparáveis em barbárie com a escravidão moderna.
A estética do sofrimento está diretamente relacionada aos movimentos de populações.
Pela história católica, podemos compreender como se apresenta tal sofrimento. O autor chama
a atenção para o Velho Testamento- fascículo da Bíblia- onde se apresenta a saga do povo
escolhido”, violentamente levado à escravidão no Egito”; de seu sofrimento” nas mãos da
“Babilônia”; da liderança de Moisés, seguida pelo grande Êxodo, o qual buscou livrar do
cativeiro e trazer esperança e prosperidade para o povo.
Para refletir sobre a diáspora do presente, Hall (2003) se baseia no conceito tradicional
da diáspora Ele esclarece que durante muito tempo o usou o termo diáspora, pois o termo
era remetido principalmente em relação aos judeus:
Era o uso político dominante e é um uso que considero problemático, por
causa do povo palestino. Esse é o significado original do termo “diáspora”,
embutido no texto sagrado, fixado na paisagem original, que exige a
expulsão dos demais e a recuperação de uma terra habitada por mais de
um povo (HALL 2003:418).
Os movimentos migratórios dos judeus ao redor do mundo e o dos negros no período
de colonização são considerados por Hall (2003) como pertencentes a uma estreita relação. E
estes, podem ser resignificados e relevantes para compreendermos como se apresentam as
diásporas da atualidade. Para elucidar a relação entre as diásporas, o autor argumenta que
18
Ver também James Clifford. Itinerarios transculturales. Barcelona: Gedisa, 1997.
28
a experiência de sofrimento e de exílio, e a cultura do livramento e da
redenção explica porque o rastafarismo usa a Bíblia, o reggae usa a Bíblia,
pois ela conta a história de um povo no exílio dominado por um poder
estrangeiro, distante de “casa” e do poder simbólico do mito redentor.
Portanto a narrativa da colônia, da escravidão e da colonização está
reinscrita na narrativa judaica (HALL 2003:417).
Diante da contextualização histórica, consideramos que as manifestações diaspóricas
estão presentes também na contemporaneidade. Tal passagem da história é pertinente para
pensarmos como tal discurso se apresenta nos movimentos das populações atuais.
Em especial nos estudos das Ciências Sociais a noção de diáspora emergiu como uma
ligação para o entendimento do dinâmico processo migratório. A diáspora atual acontece, de
acordo com Lopes (2007), para contribuir com o entendimento do processo massivo da
migração de pessoas para além dos limites de uma cultura ou não. A diáspora
contemporânea, para Hall (2003), sedimenta-se nas vivências dos migrantes na atualidade.
De acordo com Hall (2003), a pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de
oportunidades- os legados do Imrio em toda parte- são estimulantes para forçar as pessoas a
migrarem e incentivar novas expectativas, o que causa o espalhamento, a dispersão. A partir,
portanto, desse movimento, desse trânsito dos indivíduos entre os países, abre-se uma
oportunidade para o acontecimento da diáspora. Na maioria dos casos, cada disseminação
carrega consigo a promessa do retorno redentor. Questiona-se, portanto, a experiência da
diáspora como espécie de intervenção nos modelos de identidade cultural. Optamos, assim,
por relacionar os movimentos de populações com as mudaas sociais e culturais que estão
arraigadas ao processo.
O conceito de diáspora constrói-se, partindo do conceito de migração
19
. A diáspora
difundida por Hall (2003) busca compreender as relações da globalização, das migrões nas
constantes hibridizões culturais, nas releituras ideológicas e nas novas posturas políticas.
Tais manifestações o assumidas individualmente, mas podem difundir-se pelo grupo social.
A diáspora pode abranger representações mutáveis que constantemente estão oferecendo uma
coerência imaginária a um conjunto de identidades dinâmicas. Cogo (2006) entende que o
processo diaspórico o é exclusivo das migrões, ele vai am do ato de saída e de
deslocamento físico de um local passível de quantificão espacial e temporal, que implique
19
A migração é um conceito que se adéqua aos movimentos históricos- mundiais da modernidade tardia, já que a
experiência diaspórica se adéqua às vivências dos migrantes na contemporaneidade. A migração, aqui, é
compreendida como a ação de migrar, e o que ela significou para uma dada população em um determinado
período.
29
na existência de um ponto inicial, de movimento, ou seja, de um lugar de origem.
Observamos que cada processo diasrico apresenta características específicas, mas podemos
afirmar que existem importantes conexões e semelhanças entre eles. É questiovel também a
forma como a situação dos migrantes intervém na formação da identidade cultural e na
organização social pós-diáspora.
Nesse sentido, possuir uma identidade cultural está primordialmente em contato com
um núcleo imutável e atemporal, ligando o passado, o futuro e o presente numa linha
ininterrupta. De acordo com Hall (2003), tal ligação é o que se convencionou chamar de
tradição, cujo teste é o de sua fidelidade às origens, sua presea consciente diante de si
mesma. Em situões de migrações, tais laços se chocam com outros de outras culturas. Cabe
a cada grupo estabelecer entrelaçamentos e fues para sobreviverem no local de chegada.
As identidades concebidas como estabelecidas e estáveis podem se diluir e ao mesmo
tempo interagirem com as já existentes no novo lugar. O indivíduo migrante, de modo geral,
relativiza a significação estática do seu território, ao desarticular o concreto e o coletivo.
Podemos refletir, portanto, sobre a contraposição enunciada por Bauman
20
entre o espo dos
fluxos, entendidos como velocidade de movimento, onde as fronteiras são permeáveis e
permeadas, forçando o reduto da significação territorial e simbólica fixa. Por outro lado, o
espaço dos lugares são espaços de fixação em que as fronteiras não o entendidas como
lugares de interação, mas sim de afastamento.
A reflexão do autor sugere, como argumenta Cogo (2006), o quanto as migrões
contemporâneas desestabilizam os sentidos de lugar como espaço fixo determinado pela
lógica do Estado-Nação, uma vez que os espos de fluxos dos migrantes o acionados e se
dinamizam justamente no interior e nas interseções das geografias territoriais e simbólicas
nacionais. Segundo Hall (2003), por todo o globo as chamadas migrações voluntárias ou
forçadas estão mudando de composição, diversificando as culturas e pluralizando as
identidades culturais dos antigos Estados-Nação dominantes, das antigas poncias imperiais,
e, de fato, do próprio globo. A discussão sobre a diáspora e seus desdobramentos está
estreitamente relacionada com a formação do fotógrafo, que tamm é um migrante e um
viajante. Quando ocorre a diáspora, evidencia-se a formão de comunidades imaginadas
21
e
fortalece-se uma identidade perdida ou até o momento inexistente.
20
Ver Zygmunt Bauman. Resíduos modernos das nações. Folha de São Paulo. São Paulo; 614, 2003. p.3.
(Caderno Mais- Sociedade)
21
Sobre a discussão de comunidades, ver, Benedict Anderson. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a
origem e a difusão do nacionalismo. Cia das Letras: Rio de Janeiro, 2008.
30
1.3 Os sujeitos das migrões
Diante desse contexto notamos que ainda é crescente a intolerância aos estrangeiros,
cresce o choque entre as etnias, como também o choque por causa de questões políticas e
econômicas. As distâncias físicas e os obstáculos formados pelas fronteiras funcionam com
mais eficácia para os migrantes marginalizados e pobres. Assim como argumenta Hirst e
Thompson (1998), exceto os executivos de mobilidade internacional, profissionais altamente
qualificados, e os desesperados migrantes e refugiados pobres, dispostos a enfrentarem as
piores condições e provocações para deixarem suas condições intoleráveis, a maior parte da
população não pode se mover tão facilmente.
Mas questionamos então quem é esse estrangeiro, em especial quem é esse estrangeiro
pobre e marginalizado que migra. Seria o estranho, uma categoria e uma classificação para
aquele que nunca deixa de ser. A dimensão do estrangeiro permite até pensarmos nos sujeitos
que o o, ainda, migrantes, mas pensam em migrar, que convertem a migrão em ‘projeto
de vida’, ou simplesmente colocam no horizonte o desejo de migrarem. O estranho pode,
portanto, ser estrangeiro sem nunca ter saído do seu local de origem. Dessa forma, pensamos
que, para a presente pesquisa, tratamos como estrangeiro aquele que migra, entendido como
ão material, de corpos deslocados.
Para entendermos a complexidade do sujeito migrante precisamos considerar, de
acordo com Cogo (2006), que todo migrante é um estrangeiro-estranho, o qual percorre
caminhos além da receptividade, da interação ou da integração que ele possa vivenciar em
lugares de migração quando a experiência migraria implique em deslocamento corporal.
Para cada experiência migratória pode evidenciar um caminho a ser seguido para o sujeito
migrante, e para cada caminho emerge-se uma categoria migratória.
De acordo com ACNUR, existem aqueles indivíduos que se tornaram migrantes, pois
foram forçados a saírem do território de origem seja por conta de crises ambientais
(refugiados ambientais), seja pelos conflitos étnicos ou devido a guerras políticas (refugiados
políticos). Além dos refugiados o movimento migratório contemporâneo é também marcado
por migrões intelectuais, ou seja, indivíduos dos países- de prefencia do e mundo-
que o convidados por empresas, universidades e outros tipos de instituições de outros países
para prestarem serviços fora de seu ps de origem.
Tal pluralização, resultantes em grande medida das atuais políticas de migração,
aparece complexificada, ainda, pelas migrações voluntárias de profissionais qualificados, que,
31
nomeada como fuga de cérebros’ durante a Guerra Fria, configura-se por um amplo
movimento de capital humano que transcende as fronteiras nacionais ou, ainda, pela recente
migração da chamada Terceira Idade, constituída de aposentados e inativos europeus que
passam longas temporadas em países com melhores condições climáticas e econômicas, como
a Espanha. Mencionamos tamm a construção de luxuosos condomínios no litoral da Bahia.
A situão é semelhante no Caribe e em outras regiões da Arica Central, onde muitos
desses empreendimentos passam a ocupar terras e entrar em conflito com quilombolas,
pescadores ou ameríndios.
Sendo assim, o ponto de coesão é a situação de diáspora, de hibridização e de
adaptação cultural, mesmo que em medidas completamente diferenciadas. No contexto da
América Latina, a permeabilidade das fronteiras e das políticas de integração regional, como é
o caso do Mercosul, vêm contribuindo para o incremento das migrações de caráter fronteiriço
e transfronteiriço e, sobretudo, para a definição de padrões migratórios intra-regionais
pautados por uma perspectiva qualitativa evidenciada “pela enorme diversidade e
potencialidade de espaços de migração e uma menor concentração no volume de migrantes”
(Cogo 2003:2).
A migração internacional e clandestina configura-se, na perspectiva analítica de
Baeninger apud Cogo (2003), no tipo de movimento específico dessa nova etapa do
capitalismo, em que o volume e a composição das migrações, assim como a constituição de
blocos regionais integrados apontam para uma maior diversidade de deslocamentos
migratórios e, em alguns casos específicos, até para o aumento em sua intensidade.
Um exemplo desse tipo de emigração pode ser percebido na fotografia de Salgado,
realizada no Estreito de Gibraltar. O Estreito de Gibraltar separa o Golfo de dis (Oceano
Atlântico) do Mar de Alborão (a oeste do Mar Mediterrâneo). Ao norte encontra-se a Espanha
e Gibraltar e ao sul está Marrocos e Ceuta. A profundidade média na zona do estreito é de 300
m, e a xima quase de 1000 m perto de Algeciras. A largura mínima é de 14,4 km, entre
Punta de Oliveros na Espanha e Punta Cires em Marrocos. Tal proximidade entre os
continentes europeu e africano proporcionou o controle do tráfego fluviário. Nesse tráfego
passam tanto embarcações regulares, como os “ferry-boat” entre Algeciras, Ceuta e Tânger,
como tamm as irregulares. Essas últimas, em sua maioria, transportam imigrantes ilegais,
os quais seguem ou pela rota que vai da África a a Europa, ou pela rota que faz o trajeto
contrário. Muitos deles o homens, com idades entre 20 e 45 anos, que saem do seu lugar de
origem em busca de melhores condições de vida nos países mais desenvolvidos
32
economicamente. A travessia pelo Estreito é apenas um dos obstáculos vivenciados pelos
imigrantes. Por mais próximo que possam estar os continentes, os limites dos Estados ainda
encontram-se bem definidos, principalmente para os imigrantes pobres, como os fotografados
por Sebastião Salgado, no momento da captura de uma embarcação repleta deles.
No momento em que são capturados pelas entidades espanholas, a foto é feita. O
resultado dessa apreensão surpresa” percebemos nos olhares da maioria dos africanos
fotografados. A partir da observação do ângulo em que a foto foi tirada e o discurso de
Salgado, materializado na legenda, podemos entender que ele fotografou do ponto de vista da
embarcação espanhola, a qual escolta Punta de Oliveros, protegendo-a dos imigrantes ilegais.
SALGADO, Sebastião. Êxodos p. 39. O sistema espanhol de radar em Gibraltar, conhecido como
Tráfego, acaba de identificar uma embarcação suspeita navegando sem luzes pelo estreito. O posto de
observação em Tarifa transmite a informação para um barco-patrulha da Guarda Civil, que aborda o barco
suspeito, no qual havia 33 migrantes clandestinos. Estreito de Gilbratar, 1997.
Apenas nos últimos anos do culo XX, mais de um milhão de pessoas foram
impulsionadas, por motivos diferenciados, a abandonar os seus lares no Kosovo, no Timor
Leste, na África ou na América Latina, dentre outros. Tal realidade apresenta-se como uma
das grandes preocupações da comunidade internacional ao longo do século XXI. A
diversificação das tipologias ou das experiências migratórias, representadas pelos refugiados e
pelos asilados, ou ainda, pela migração clandestina e pela reagrupação familiar, são
tendências que concorrem para pluralizar, de forma crescente, os fluxos migratórios
contemporâneos.
33
1.3.1 O ACNUR
Diferentemente da conceituação de Hall (2003), que analisa a situação da migração
sob uma perspectiva cultural do processo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados
22
(ACNUR) parte de uma análise legal e política. O Órgão considera os migrantes
como pessoas que deixam seus países de origem e se estabelecem em outro, seja de forma
temporária ou permanente. Os migrantes têm em geral motivações sociais, política e
econômicas.
Além das migrações impulsionadas pelas necessidades econômicas, percebemos outra
categoria migratória: os refugiados. Eles caracterizam-se, segundo o ACNUR, por pessoas
que tiveram de abandonar o seu país devido a perseguições, em virtude da sua raça, religião,
nacionalidade, opinião política ou pertença a um determinado grupo social, o podendo ou
o querendo regressar. Segundo Lubbers
23
refugiados e migrantes o fundamentalmente
distintos, por isso são tratados de forma diferenciada pelas atuais leis internacionais. Em sua
maioria, os migrantes escolhem um novo local para viver principalmente por razões
econômicas, podem migrar internamente como em direção ao exxterior, os refugiados m
de abandonar seus locais de origem para salvar suas vidas ou preservar a liberdade, migrando
para outro país.
Como mencionado anteriormente, as causas dos fluxos de refugiados alteraram-se ao
longo da história. De acordo com Moreira (2006), as transformações históricas desde a
Conveão de 1951 foram tornando as resoluções da convenção cada vez mais defasadas e, a
nova realidade dos fluxos migratórios- os deslocados forçados não eram mais os europeus,
mas asiáticos e principalmente africanos que passavam por processo de descolonização-
tornou necessária a retirada das limitações temporais e geográficas da Conveão de 1951, o
que ocorreu com o Protocolo sobre o estatuto do Refugiado de 1967.
Ao mencionarmos isso, torna-se imprescindível apontar a categoria migratória que
hoje nomeia muitos indivíduos, que é a dos deslocados no seu próprio país. Entende-se por
deslocados ou “desplazados as pessoas que são forçadas a migrar dentro do próprio país por
22
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) foi instituído em 1949. Ele consiste
em uma organização supranacional, que tem como missão procurar assegurar os direitos e o bem-estar dos
refugiados. O ACNUR iniciou seus trabalhos em 1º de janeiro de 1951. O Estatuto do ACNUR foi aprovado um
ano depois, caracterizando seu trabalho como apolítico, humanitário e social. Ele deve garantir que qualquer
pessoa possa, em caso de necessidade, beneficiar do direito de asilo noutro país e possa, caso o deseje, regressar
ao seu país de origem. Quando não há outros recursos disponíveis - dos Governos dos países de acolhimento ou
de outras agências - o ACNUR proporciona assistência aos refugiados (e outras pessoas abrangidas) que não
possam satisfazer as suas necessidades básicas. Além da parceria com o Governo, a organização também conta
com as Organizações Não Governamentais, regionais e internacionais.
23
Revista Aquecimento Global. Ano 1- No 3. Editora Carbon Free.
34
motivos de violência interna, luta armada, violação generalizada e sistemática dos direitos
humanos, grave desordem pública, incapacidade dos governos de garantir segurança a seus
cidadãos, entre outras causas.
24
Vivem situação semelhante à dos refugiados, mas
permanecem no território do próprio país. Por mandato especial, ou seja, em casos
específicos, o ACNUR pode também intervir em benefício de pessoas ou grupos em situões
de risco, tais como os atridas (pessoas sem nacionalidade ou cuja nacionalidade é
controversa) e, em certos casos, as pessoas ou grupos "deslocados" dentro do seu próprio país.
o destino dos refugiados pode estar relacionado com questões políticas e com os
direitos humanos. As maiores vítimas das migrações forçadas são mulheres, crianças e idosos.
No momento em que os homens jovens e adultos são mortos nos conflitos das guerras civis,
ou são convocados para a luta armada, elas necessitam de buscar um local seguro para
viverem. Nos últimos anos, m-se caracterizado principalmente por crises ambientais, pelas
guerras civis e pela violência étnica ou religiosa. Partindo desse princípio, os indivíduos
podem ser classificados como refugiados políticos, que consiste em indivíduos ou
comunidades inteiras obrigadas a saírem de seus países por conta de oposicionismo ao
governo ou devido às guerras civis.
Caracterizam-se também os refugiados por questões culturais, em sua maioria são
indivíduos vítimas e ou participantes de conflitos entre etnias, colocamos em destaque os
conflitos étnicos do Kosovo e a de Ruanda
25
. Identificamos também uma nova categoria de
refugiados- os refugiados ambientais
26
. Um dos maiores motivos das migrações ambientais
o os desastres naturais, como os ciclones, as ondas gigantes, as tempestades, a invasão do
mar ao continente. As crises ambientais surgem também por conta do aumento demográfico
de um determinado local, podendo desencadear em doenças como a cólera e a disenteria.
Devemos mencionar também que processos ocasionados pela ação do tempo como mudanças
climáticas, desertificação do solo provocam também as migrações.
Ressaltamos que em determinadas situações um conflito pode estar intrinsecamente
relacionado ao outro, como, por exemplo, um conflito político pode posteriormente gerar um
cultural que por sua vez pode provocar um ambiental. Segundo o ACNUR, o aumento de
pessoas no campo de refugiados pode provocar graves crises ambientais, impulsionando a
mais conflitos e mais migrações.
24
Ver http://www.migrante.org.br/index.htm
25
Ressaltamos que posteriormente discorrerei mais sobre os conflitos em Ruanda.
26
Trata-se de um tema bastante recente e ainda pouco consolidado. A maioria da bibliografia, até onde sabemos,
encontra-se em língua estrangeira. No entanto, pensar os refugiados ambientais torna-se pertinente, portanto,
para localizarmos as fotografias de Sebastião Salgado no contexto das migrações contemporâneas.
35
Sendo assim, em tempos de crise, o ACNUR reconhece a estreita relação entre o bem-
estar das populações e um ambiente saudável. No seu trabalho com as populações refugiadas
e as comunidades locais, o ACNUR e as organizações com quem tem parcerias procuram
minimizar os impactos ambientais das operações com refugiados. Em casos específicos, como
os atingidos por crises ambientais, ainda o existe um consenso e integração entre as
atividades do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da ACNUR
para legitimar os direitos dos refugiados ambientais.
Na mesma linha, de pouco adiantará ao ACNUR renovar sua definição de refugiado
abarcando os refugiados ambientais se os fatores do deslocamento forçado não forem
combatidos. A pobreza associada aos problemas ambientais é uma causa adicional. Má
nutrição, aumento da população, desemprego, rápida urbanização, doenças cnicas, políticas
governamentais desastrosas e conflitos étnicos tamm lideram a lista dos motivos que levam
a população a se refugiar e a dificultar a distinção entre os desalojados ambientais e as
pessoas que abandonaram suas casas por problemas financeiros. Essa realidade também faz
parte da probletica dos deslocados internamente.
Embora esse femeno seja derivado basicamente da degradação do meio ambiente,
uma miríade de problemas políticos e sociais de todos os tipos gerados por ele, fato que
também pode se tornar causa de desordem e conflito. Podemos citar a África subsaariana
como local das migrações relacionadas aos problemas ambientais, mas a questão também
afeta igualmente milhões de pessoas na Ásia e no subcontinente indiano. A Europa e os
Estados Unidos sofrem pressões daqueles que buscam escapar da degradação do meio
ambiente no norte da África e na América Latina.
27
Em termos legais de proteção aos refugiados, foram elaboradas convenções regionais,
como a Convenção da OUA em 1969, na África, e a Declaração de Cartagena em 2001, na
América Latina. Elas se tornaram segundo Moreira (2006), um importante instrumento
regional de proteção ao refugiado, inovando no sentido de não mais colocar como condição ao
status de refugiado o “fundado receio de perseguição” (ACNUR, 2008). No entanto, os
instrumentos de auxílio ao refugiado, descritos acima, se aplicam aos refugiados políticos e
sociais, eles não contemplam os refugiados ambientais, que deixam seus países em razão de
catástrofes naturais, como terremotos, secas ou inundações.
27
Revista Aquecimento Global. Ano 1- No 3. Editora Carbon Free.
36
À medida que o mero de pessoas sob o mandato de organizações internacionais,
como o ACNUR, aumenta, também cresce a complexidade dos problemas dos movimentos
migratórios forçados. Hoje, a política é determinada em função de mudaas geopolíticas
fundamentais: o enorme crescimento do número de pessoas deslocadas internamente; a
predomincia de emergências humanitárias em situações de conflito em que os civis são os
principais alvos, bem como os trabalhadores humanitários; o aumento do tráfico humano; a
denegação de possibilidades de asilo.
O ACNUR assegura que um migrante refugiado tem direito a um asilo seguro.
Contudo, a proteção internacional abrange mais do que a segurança física. Os refugiados
devem usufruir, pelo menos, dos mesmos direitos e da mesma assistência básica que qualquer
outro estrangeiro, residindo legalmente no país. Em certas circunstâncias, como as de influxos
em larga escala de refugiados, os países de acolhimento podem sentir-se obrigados a restringir
certos direitos, como a liberdade de circulação, a liberdade de trabalhar ou a educação
adequada para todas as crianças. Estas lacunas devem ser preenchidas, sempre que possível,
pela comunidade internacional.
De acordo com a ACNUR, a reinstalação não é, geralmente, uma opção realista,
exceto em relação a muito poucos indivíduos. Muitos refugiados desejam viver perto dos seus
países de origem. Contudo, apesar do repatriamento volunrio ser, quase sempre, a melhor
solução duradoura para a maioria dos refugiados, alguns deles, que estão em perigo, irão
sempre requerer a reinstalação por razões políticas e de seguraa, ou devido à sua
vulnerabilidade. Em alguns casos, parece haver pouca esperança em relação à possibilidade
de uma integração local duradoura no país de acolhimento.
A reinstalação de tais indivíduos em países terceiros pode ser a única opção viável.
Sendo assim, entendemos que as especificidades que levam os indivíduos a migrarem
existem, mas existem razões muito semelhantes entre os diferentes tipos de migrantes. Tal
contato os coloca numa posição convergente em determinados momentos, a de refugiados-
migrantes que o forçados a fugirem para salvaguardarem sua vida e em prol da liberdade,
ou impulsionados para buscarem sustentabilidade financeira.
Na maioria das vezes têm de abandonar a casa, os bens, a família e o país - rumo a um
futuro incerto em terras estrangeiras, o que configura em um dos maiores fenômenos dos
nossos dias
28
.
28
O número total de pessoas sob o mandato do ACNUR passou de 17 milhões em 1991 para um recorde de 27
milhões em 1995. Em de Janeiro de 1999, o mesmo número tinha baixado para 21,5 milhões. Apesar da
37
1.3.2 Os migrantes de Sebastião Salgado
Para elaborar o livro de fotografias “Êxodos”, Sebastião Salgado partiu da Fraa, país
onde vive, e foi em direção aos pses em desenvolvimento
29
. Salgado viajou para encontrar
certos migrantes, principalmente aqueles que mais sofriam com os movimentos migratórios.
Sua preferência foram os migrantes, refugiados, deslocados ou exilados “constrangidos por
forças que não têm como controlar, fugindo da pobreza, da repressão ou das guerras”. Salgado
(2000) tamm considera que a migração atual é diferente dos outros fenômenos que
aconteceram.
Ele denomina de “convulsão populacional globalas novas correntes migrarias, e
estas são impulsionadas pelas revoluções na maneira de viver, produzir, comunicar-se,
urbanizar-se e viajar. Da África Subsaariana a a Europa Oriental, passando pelo Oriente
Médio e pelos países da América Latina e finalizando uma viagem de 6 anos nos países
asiáticos da China e Índia, o fotógrafo capturou imagens de comunidades inteiras em
movimento.
Tal percurso já possuía um objetivo pré-definido: identificar quem eram os indivíduos
em movimento, em transição, o resultado do trabalho culminou na publicação do livro de
fotografias. Os locais de encontro entre Salgado e os migrantes compreendiam as estradas, os
campos de refugiados ou ainda as favelas urbanas. Durante o percurso, ele percebeu que
muitos atravessavam os piores momentos de suas vidas. [...] mesmo assim, aceitavam serem
fotografados, pois queriam que seu sofrimento fosse divulgado. Sempre que possível, eu lhes
explicava que a minha intenção era essa. Muitos não faziam mais do que postar-se diante da
minha câmera e dirigir-se a ela como se fosse um microfone” (Salgado 2000:7).
A partir desse encontro o fotógrafo interpretou quais eram as características dos
migrantes
30
, onde estavam e quais eram as causas migratórias deles, transferindo sua
conceão da realidade para as fotografias. Para ele, nem o migrante, nem o refugiado nem o
exilado migram por vontade própria, todos advém de países periféricos, e migram por
necessidades de sobrevivência. Salgado (2000) situou os migrantes fotografados como
pertencentes a uma mesma situação de miria, como se todos migrassem por conta da
pobreza.
redução acentuada, este número representa uma em cada 280 pessoas do planeta. Nele se incluem refugiados,
retornados e pessoas deslocadas internamente nos seus países.
29
Termo utilizado por Sebastião Salgado nas entrevistas analisadas. Ele utilizou também o termo países de 3º
mundo.
30
Legalmente, o órgão ACNUR assistência a quem é considerado refugiado, mas é preciso ressaltar que nem
todo migrante migra por livre e espontânea vontade. Muitos migram em busca de melhores condições de vida,
pois seu lugar de origem talvez não possa oferecer nem mesmo água potável.
38
No entanto, em cada capítulo de Êxodos” é possível encontrar diversas realidades e
causas distintas de migrações. Podemos, sim, encontrar pontos de semelhança, mas que não
podem simbolizar a igualdade, uma mesma situação de conflito, um mesmo local geográfico,
mesmos traços culturais. Sebastião Salgado busca construir a narrativa a partir das
semelhanças, mesmo que sejam evidentes para nós, observadores, as diferenças latentes
presentes nos signos fotográficos.
As fotos, assim, provocam uma reação dinâmica, migrando da diferença para a
semelhança, assim como veremos posteriormente
31
. No entanto consideramos que as
conexões o o responsáveis pela homogeneização em que Salgado coloca seus
fotografados, quando discursa sobre eles nas entrevistas e nas legendas. É o que pode ser
percebido em sua fala, em seus apontamentos de viagem:
Mais do que nunca sinto que a raça humana é somente uma. Por isso vejo
que minhas fotografias são os vetores entre o que acontece no mundo e as
pessoas que não tem como presenciar o que acontece (...) as fotografias são o
retrato da globalização e liberação econômica, uma amostra da condição
humana neste planeta (SALGADO, 2000).
De acordo com Sebastião Salgado:
Este livro xodos] conta a história da humanidade em trânsito. É uma
história perturbadora, pois poucas pessoas abandonam a terra natal por
vontade própria. Em geral, elas se tornam migrantes, refugiadas ou exiladas
constrangidas por forças que não têm como controlar, fugindo da pobreza, da
repressão ou das guerras. [...] Viajam sozinhas, com as famílias ou em
grupos. Algumas sabem para onde estão indo, confiantes de que as espera
uma vida melhor. Outras estão simplesmente em fuga, aliviadas por estarem
vivas. Muitaso conseguirão chegar a lugar nenhum.
Salgado argumenta ainda que, em suas viagens para se fotografar a ‘humanidade em
trânsito’, sempre encontrou bandos de crianças, todas elas ‘loucas para serem fotografadas’.
Ele escreve na introdução: “Em toda situação de crise [...] as crianças são as maiores vítimas”.
Assim como aponta Salgado, as crianças apresentam-se mais fracas fisicamente, são sempre
31
Será discutido melhor no capítulo 3, em que analisamos a obra Êxodos de forma mais ampliada.
39
as primeiras a sucumbir à fome ou à doença. Emocionalmente vulneveis, não m condições
de compreender por que estão sendo expulsas de suas casas.
Partindo da observação e da interpretação de “Êxodos”, percebemos que ele classifica
como refugiados os africanos e os europeus. Para os refugiados africanos Salgado dá ênfase e
atribui aos conflitos étnicos as maiores causas das migrações. Trata-se de um continente que
possui um grande número de indivíduos refugiados, a maioria deles desprovidos de uma
condição digna de vida.
De forma generalizada, os anseios pelo poder político e pelo poder econômico em
diversos países da África
32
, geraram graves conflitos nesses últimos anos, principalmente
entre as etnias. As guerras entre essas o as principais causas das migrações na África, pois
na maioria das vezes há a expulsão dos civis pertencentes ao grupo rival. Esses são obrigados
a fugirem de suas casas e de suas cidades para salvarem suas vidas.
SALGADO, Sebastião. “Êxodos” - p.173. Foto tirada ao amanhecer, de um grande número de ruandeses
abastecendo-se de água num lago próximo ao campo de Benako, Tanzânia, 1994.
32
A África foi o continente mais visitado por Sebastião Salgado, pois a relação que ele estabeleceu com o
continente surgiu anteriormente à sua carreira de fotógrafo. Desde a década de 70, Salgado começou a visitar
alguns países, incluindo a Etiópia, o Sudão, Angola, Moçambique, Somália, Ruanda, dentre outros. Levando em
consideração o histórico de degradação social e ambiental de quase todo o continente, muito em decorrência de
séculos de exploração da matéria-prima e da mão-de-obra local, Salgado retornou ao continente na década de 80
e na de 90. Os anos noventa foram o cenário escolhido para a elaboração das fotografias. Anos depois da corrida
imperialista, Salgado fotografa os resquícios de guerras e do surgimento violento de outras.
40
Como se não bastasse, os conflitos étnicos terem expulsado comunidades inteiras de seu
lugar de origem, eles contribuíram para o aumento expressivo dos campos de refugiados
espalhados por outros locais do continente. Isso não provocou o inchaço populacional,
como tamm o ressecamento de rios, desmatamento de florestas e a disseminação de
doenças mortais, como o cólera, o tifo e a disenteria.
Para os refugiados europeus, especificamente do Leste Europeu, Salgado indica as
razões dos regios serem políticas e também religiosas. Também na década de 90, Salgado
fotografou curdos, rvios e bósnios. No entanto, tudo indica que o foco de Salgado eram os
países em desenvolvimento, por isso o fotógrafo o dedicou muitas páginas para contar a
guerra do leste europeu, se comparado o mero de ginas que dedicou à África, América
Latina e Ásia.
Para os migrantes econômicos e para os deslocados dentro do próprio país, Salgado
dedicou boa parte de sua documentação fotográfica, presente emÊxodos”. Eles foram
classificados como os maiores representantes da globalização econômica, pois todos estavam
migrando em busca de melhores condições financeiras e de sobrevivência. Como sintomas do
aumento das migrações na globalização, Salgado apontou o êxodo rural, a luta pela terra e a
urbanização acelerada das capitais dos países periféricos.
O fotógrafo também fotografa e classifica as migrações asiáticas como sendo
econômicas, geradas por meio do êxodo rural em larga escala. Ele captura imagens da
realidade da Índia, Vietnã, Bangladesh e da China, pois busca representar a urbanização
acelerada das grandes cidades do continente asiático, com destaque para Xangai e Bombaim.
A linguagem fotográfica de Sebastião Salgado pode, portanto, responder a diversas
questões no que refere ao direito dos migrantes e dos refugiados, bem como sua posição no
mundo globalizado. A partir, portanto, de uma discussão mais ampliada sobre a migração,
onde é perceptível em Êxodos” o convívio de causas e de fluxos migratórios o distintos, o
fotógrafo nos apresenta a mensagem visual como uma forma de compreensão das migrações
contemporâneas.
Partindo dessa perspectiva, o ser migrante de Sebastião Salgado o pertence a um
local específico. Ele pode ser um estrangeiro sem mesmo sair do seu país ou do seu
continente, como é o caso dos milhares de refugiados espalhados pelo mundo. Ele possui uma
origem, um ponto de partida, mas seus anseios ou suas necessidades o encaminham para um
local indefinido, local esse que Sebastião Salgado não fotografou.
41
1.3.3 A formação do fotógrafo migrante
De acordo com Dorothéa Lange (apud Sontag 2004:138), todo retrato de outra pessoa
é um ‘auto-retrato’ do fotógrafo, assim como para Minor White ao promover a auto-
descoberta por meio da câmera- as fotos de paisagens são, na verdade, paisagens interiores’.
Portanto, considerando as possíveis subjetividades, em cada fotografia feita por um fotógrafo
existe um pouco dele ali, seu conhecimento de mundo, suas ideologias políticas, e por fim
sentimentos e sensações. O lugar e o tempo para o fotógrafo se expressar é a fotografia, seja
ela documental, de moda ou jornalística.
Ao pesquisarmos a formão profissional de Sebastião Salgado, o desenvolvimento de
seu estilo e a escolha das teticas para fotografar, constatamos que tudo isso está
intrinsecamente relacionado à sua trajetória pessoal. O ato de migrar esteve sempre presente
em sua vida. Sebastião Ribeiro Salgado Junior nasceu em 1944 numa fazenda em Minas
Gerais. É filho de pais pecuaristas, único homem numa falia de seis mulheres.
Quando tinha cinco anos mudou-se para a cidade de Aimos (MG); na adolescência
passou a viver em Vitória (ES), onde concluiu o secunrio e entrou para a faculdade de
Economia. Após o término do curso, Salgado mudou-se para São Paulo, casado com lia
Wanick Salgado, para dar continuidade aos estudos em Economia. Em 1968 obteve mestrado
em Economia nas Universidades de o Paulo e de Venderbilt University (EUA).
No auge da ditadura militar no Brasil, Salgado militou no movimento estudantil, e
mais tarde participou da Juventude Universitária Católica
33
. Por conta da sua participação
nesses movimentos, ele e sua esposa foram exilados na França e, cada uma dessas migrações
o conduziu para um universo urbano cada vez mais denso. Na condição de um exilado
político ele analisa a sua vida e de sua mulher num país estrangeiro: “[...] constatamos que
passamos a ser refugiados- parte imigrantes, parte estudantes. Três cadas mais tarde
constatamos que ainda somos estrangeiros” (Salgado 2000:9).
Tal depoimento torna-se relevante para identificarmos as suas marcas identitárias, que
mais tarde refletirá nas suas fotos. exilado e buscando uma nova inserção, mas desta vez no
33
A JUC surgiu no Brasil a partir da Associação Universitária Católica (AUC). Em 1950, organizou-se
nacionalmente e adotou o modelo da Ação Católica francesa, belga e canadense de organização por meios
específicos (universitários, rurais, operários, etc.), reduzindo a importância das dioceses. A JUC foi um
movimento que foi formada no seio das universidades, fornecendo diversos líderes para a jovem União Nacional
dos Estudantes (UNE). Muitos jucistas participaram da organização dos trabalhadores rurais, estimulando sua
sindicalização. A crescente influência do marxismo na América Latina fez com que estes movimentos se
engajassem na política universitária e em movimentos de cultura e educação popular, os militantes da JUC
passaram a ser perseguidos após o golpe militar de março de 1964.
42
cenário estrangeiro, Salgado freqüenta em Paris, de 1969 a 1971, a Escola Nacional de
Estatística Econômica. Em 1971 obteve o doutoramento, também em Economia. De 1971 a
1973 trabalhou em alguns pses da África para a Organização Internacional do Café, baseada
em Londres. Durante seu trabalho, utilizou a câmera de sua esposa lia como suporte para a
documentação de seu trabalho.
O contato com a ptica fotográfica lhe permitiu compreender uma nova forma de
expressão- a linguagem visual. A partir daí, ele começa a perceber a relevância da fotografia
para seu trabalho. “Quando voltei a Londres, as fotos me deram dez vezes mais prazer que os
relatórios econômicos que tinha que escrever”
34
. E, assim, aprofundou-se nos estudos sobre
as sociedades a partir das imagens, e buscou adquirir espo dentro do fotojornalismo
internacional. No entanto, percebemos que os traços adquiridos pelos estudos em Economia,
o se distanciaram da maneira de pensar e de produzir o seu estilo fotográfico.
A mescla entre a beleza e o engajamento social, resultou em fotografias que tratam de
teticas que atingem proporções mundiais. A prinpio, suas fotografias conquistaram o
blico europeu, o que garantiu a Salgado um lugar de destaque em agências de imagens
internacionais. Em 1974, ele ingressa na agência Sygma, cobrindo imagens em Portugal,
Moçambique e Angola. No ano seguinte, passa a trabalhar para a agência Gama.
em 1979, Salgado entra para a Magnum
35
, uma das mais importantes agências de
imagens do mundo, por onde passaram importantes nomes da fotografia internacional, como
Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, Eugene W. Smith e Robert Frank. Como fotógrafo do
jornalismo diário, ele produziu fotografias para fins diversos e em diferentes lugares do
mundo. Cobriu as guerras em Angola e no Saara Espanhol, israelitas aprisionados em Entebe,
os inndios de poços de petróleo no Kwait e a tentativa de assassinato do presidente Ronald
Reagan. No entanto, foram as longas reportagens fotográficas ou fotodocumentais,
envolvendo a tetica da fome, os trabalhadores do mundo, os processos de migrações
contemporâneas, a luta pela terra, e, mais recentemente, a natureza ainda intocada, seus
trabalhos mais reconhecidos. Seu primeiro trabalho desta categoria (já utilizava o método de
viagens ou incursões fotográficas) foi sobre a falta de habitação em um subúrbio parisiense,
depois o foco foram os migrantes europeus.
Com a carreira consolidada, Salgado deixa a Magnum em 1994, no mesmo ano em
que cria sua própria agência- a Imagens da Amazônia (“Amazonas Images”) com sede em
Paris. E assim segue realizando seus trabalhos fotodocumentais ao redor do mundo. Para
34
Stephen Perloff (ed), “Sebastião Salgado: A lecture”, Photo Review 16, 4, Fall, 1993, p.3.
35
Posteriormente aprofundaremos nas características da Magnum.
43
Fraois bel, atual diretor da Magnum, Salgado mostrou a uma gerão inteira de
fotógrafos a necessidade de se fotografar os fatos do mundo, vis-vis”, sempre à luz de um
projeto. O resultado desses trabalhos advém de uma intensa pesquisa, anterior às fotografias
36
.
Como desdobramentos de seu trabalho, Salgado também coordena o Instituto Terra,
juntamente com sua esposa. Ele foi fundado pelo casal em 1999 e o foco está no
reflorestamento da mata atlântica, no artesanato, na criação de cinema e de teatro na sua terra
natal. Sebastião Salgado, hoje com 64 anos, se dedica, desde 2004, ao projeto fotográfico
“Gênesis”
37
, a ser finalizado em 2012.
Sua última publicação aconteceu no início de 2008, quando o fotógrafo lançou o livro
“África”. O fotógrafo tem até o momento em seu currículo um conjunto de aproximadamente
13 livros de fotografia documental: “Sahel: Homem em nico”; Outras Américas”; “Um
Incerto Estado de Graça”; “As Melhores Fotos”; Photopoche, Sebastião Salgado”;
“Trabalhadores”; “Terra”; “Um Fotógrafo em Abril”; “Serra Pelada”; Êxodos”; “Retratos de
Crianças do Êxodo”; “Malpensa, La città del volo” e finalmente “África”.
36
Aprofundaremos este ponto no capítulo II.
37
O projeto, segundo Sebastião Salgado, busca retratar a paisagens paradisíacas no mundo todo, de forma a
incentivar a preservação do planeta. A estratégia escolhida foi fotografar uma natureza intocada, espécies de
animais que resistiram à domesticação, bem como sociedades distantes, como tribos africanas que conservam um
modo de vida “tradicional”, comunidades do Tibete, alojadas em montanhas geladas, e rituais indígenas.
44
CAPÍTULO II NOS TRILHOS DA FOTOGRAFIA
.
45
2.1. O sentido da comunicação visual: a mensagem fotográfica em foco
Tendo em vista a existência de um poder simbólico junto às linguagens visuais,
podemos considerar a crescente participação e o fascínio exercido por essas linguagens na
organização social contemporânea. Como declara Bourdieu (2005), toda relação de
comunicão é também uma relação de poder simbólico.
Por isso, o recurso visual em muitas vezes é utilizado como forma de dominação e
sobreposição de uma cultura à outra. De acordo com Bourdieu (2005) o poder simbólico é
imperceptível, ele é, com efeito, um poder invisível, o qual pode ser percebido com a
cumplicidade daqueles que o querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.
Isto significa que o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos em
forma de uma “illocutionary force”, mas que se define numa relação
determinada e por meio desta entre os que exercem o poder e os que lhe
estão sujeitos, quer dizer, na própria estrutura do campo em que se produz e
se reproduz a crença. (Bourdieu 2005:15).
As linguagens visuais, em especial a fotografia, pode ser, assim, considerada como
detentora de mecanismos simlicos. Isso se afirma a partir dos inevitáveis enquadramentos
da fotografia, pois ela “[...] contém e restringe dentro de suas próprias fronteiras, excluindo
tudo o mais, um análogo microcósmico do enquadramento do espaço, o qual é conhecimento
(Szarkowski apud Edwards 1996:16). De uma forma generalizada, Kossoy (2002) observa
que as imagens criam uma relação de cumplicidade com a massa, para quem seus contdos
o aceitos e assimilados como a expressão da verdade.
É importante situarmos a fotografia como pertencente aos veículos de comunicação de
massa, principalmente por possuir o potencial da reprodutibilidade cnica, e por transportar
consigo o estatuto de verdade. Ramonet (1999) possui um discurso similar ao de Debord
38
(1997) ao considerar que os “mass media, especificamente a comunicação visual,
representam e apresentam uma espécie de mundo maravilhoso, como se houvesse outra
realidade, uma realidade espetacularizada, distraindo os cidadãos, desviando-os da ão
38
Segundo Guy Debord, em sua obra Sociedade do Espetáculo (1997), o espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. [...] É uma visão de mundo que se
objetivou. Considerado em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de
produção existente.
46
vica, da conscientização das condões humanas ao redor do mundo, ou do próprio país.
Nesse sentido, o espetáculo toma o lugar da realidade, passando a existir uma realidade
espetacularizada, a que nos submetemos. Desde então, a cultura do texto cede espaços para a
tomada da imagem como linguagem imperativa:
Atualmente o iletrado participa da cultura dominada por imagens. Lutar
contra o analfabetismo vai-se revelando luta quixotesca. Contudo, não são
apenas os países subdesenvolvidos que começam a percebê-lo: “Johnny
can’t spell”, nos Estados Unidos. O analfabetismo fotográfico está levando
ao analfabetismo textual (Flusser 2002:56).
Diante dessa afirmação, devemos ressaltar que a mensagem fotográfica não submete
completamente os indivíduos, causando em todos um ‘analfabetismo visual’, mas não
podemos deixar de considerar que ela atua na estrutura social, criando necessidades e
motivações, reforçando padrões culturais, sociais e também interferindo na ação política.
Apesar do amplo potencial de informação contido na imagem, ela o substitui a realidade tal
como a fotografia representava no passado.
O olhar contemporâneo a percebe, então, como local de informações visuais de um
fragmento do real, de uma interpretação do real, selecionado e organizado estética e
ideologicamente. De acordo com Edwards (1996) a fotografia sugere significado através do
meio no qual está estruturada, pois sua forma representacional cria uma imagem acessível e
compreensível para a mente, informando e sendo informada por um conjunto de
conhecimentos que é explorado pelos significantes da imagem.
O valor da fotografia, assim, se mede, pela pertinência e o interesse da informação que
consegue transmitir como símbolo. Portanto, a fotografia vai além de significar apenas o
objeto (a imagem), ou seja, somente o que esno plano material da fotografia, apresentando,
sim, uma maneira de ver e de pensar o mundo, o tempo, a história, a arte e os seres humanos,
etc. Ela pode se configurar como um documento ou como monumento, como uma obra de
arte, assim como objeto de estudo para áreas do conhecimento como a Ciências Sociais
39
.
A fotografia se localiza, portanto, como um instrumento em potencial para alise,
interpretações e de educação. Ela é atualmente utilizada tanto nos sistemas educacionais, nos
mecanismos de inclusão social, na publicidade, como também nas pesquisas científicas.
39
Sobre fotografia e Ciências Sociais, ver Etienne Samain. O fotográfico. 2. ed. São Paulo: Hucitec/SENAC,
2005.
47
Sabemos que o uso da imagem fotográfica está relacionado com o significado que ela possui
para cada área do conhecimento. As interpretações, assim, diferem umas das outras, sem que
sejam, por isso, contraditórias.
Assim como argumenta Alimonda (2004), não é possível pensar a imagem
fotográfica fora do contexto social atual. Tendo em vista a sua relevância, podemos considerar
que, se a fotografia informa, ela também conforma uma determinada visão de mundo. Nesse
sentido, a fotografia é o resultado do que se desejou privilegiar, e isso não é inocente nem
gratuito, “toda síncope do quadro é uma operação ideologicamente orientada, que entrar em
campo fotográfico ou sair dele pressupõe a intencionalidade de quem enuncia e a
disponibilidade do que é enunciado” (Machado 1984:77).
2.2 Os componentes do processo fotográfico: para entender o estilo fotográfico de
Sebastião Salgado
O processo fotográfico acontece mediante a participação de uma rie de
componentes, essenciais para a materialização da fotografia. Como figuras necessárias para a
realização do processo fotográfico estão o fotógrafo, a quina fotográfica, e os elementos a
serem fotografados. A máquina fotográfica foi o veículo que proporcionou aos indivíduos
possibilidades de outros ângulos para ver o mundo. A fotografia representou o produto dessa
nova forma de apreensão.
Como afirma Leite (1988), a perspectiva pessoal visualizada pela mera fotográfica
possibilitou o enquadramento, a iluminação e a velocidade do que via imobilizado, num
momento único. Pelo fato de ser a fotografia o resultado do trabalho humano de comunicação,
ela é guiada por códigos socialmente construídos, possuindo um caráter subjetivo, o qual
remete às formas de ser e de atuar no contexto em que está inserido.
De acordo com Bourdieu (1979), a fotografia se consolidou por meio da mediação
entre a objetividade e a subjetividade. A fotografia ainda agrega à sua prodão de
subjetividade, a técnica objetiva que nela opera. A objetividade fotográfica se deve ao seu
aparato técnico e à produção e à reprodutibilidade técnica da fotografia, ou seja, o
automatismo da quina. A subjetividade compreende a escolha pelo fotógrafo do objeto
40
e
da paisagem a ser fotografada, bem como a busca pelos valores estéticos ideais.
40
O objeto aqui explicitado refere-se a qualquer coisa a ser fotografada, como um utensílio doméstico, um
animal, uma pessoa. A paisagem compreende o plano geral, ou seja, a composição de toda a cena: os objetos, a
luz, a sombra, o ângulo, o local.
48
O ângulo da mera, as lentes, o tipo de filme, a abertura e o tempo de exposição
escolhidos o determinados pelo fotógrafo e moldam ainda mais o momento. Além disso,
existem dois componentes essenciais para a composição de uma fotografia- a relação entre o
tempo e o espaço. Intimamente relacionados, eles contribuem, segundo Edwards (1996), para
a criação de uma imagem. Esta eficácia técnica e objetiva explica em grande parte o sentido
real do mundo visível atribuído à fotografia.
Podemos dizer, portanto, que a cnica fotográfica é, então, um sistema convencional,
pois expressa o espaço, de acordo com as leis da perspectiva, os volumes e as cores mediante
as gradões de branco, preto, e das outras cores primárias. Se não houver ainda uma fonte de
luz natural ou artificial modelando o referente
41
e umoperator”
42
regendo tudo isso, também
o havefotografia, muito embora o candidato a referente possa estar disponível. Barthes
apud Machado (1984) sentencia ainda que, sem referente o há fotografia; mas poderíamos
completar: só com o referente, muito menos.
O fotógrafo exerce a função de um caçador de objetos, mitos, posições, lugares e
personalidades, se movimentando na floresta densa da cultura. De acordo com Santaella e
th (2001) o fotógrafo é o voyeur universal, ora observador ora observado, pois uma
compulsão de tomar a câmera entre as mãos, uma compulsão de praticar o ato. Assim, a
representação de uma dada realidade diz muito a respeito da formação do fotógrafo, como ele
percebe o ambiente, os indivíduos, a natureza. Ele é o responsável por trabalhar sobre o
tratamento estético - a preocupação na organização visual dos detalhes que comem o
assunto, a escolha dos referentes, bem como a exploração dos recursos oferecidos pela
tecnologia.
Tudo isso o fatores que influenciam no resultado final da imagem fotográfica. O
fotógrafo, seja ele profissional ou amador, então escolhe o objeto e, junto à busca pela
estética, ele carrega consigo o campo social ao qual pertence- influenciado pelos valores ou
formas de capital que lhe dá sustentação. Bourdieu (2005) classifica esses valores como
“habitus”. Tal conceito é largamente discutido em sua obra, percebemos, assim que ele pode
ser incorporado à discussão sobre o processo fotográfico. Nesse processo, o conceito pode ser
interpretado como a força conservadora no interior da ordem social, bem como traços
adquiridos em decorrência do processo de socialização.
41
Termo utilizado por Arlindo Machado, em Imagem Especular (1984), para caracterizar o que é fotografado,
cujo qual a fotografia faz referência.
42
Termo utilizado por Roland Barthes, em Câmera Clara (1984), para caracterizar o fotógrafo.
49
A composição do objeto fotografado está relacionada com o “habitus” do fotógrafo,
pois ele carrega consigo a forma como percebe o mundo em sua volta, como ele deposita sua
emão nas imagens, e quais são os traços adquiridos em decorrência de seu processo de
socialização. Outro conceito discutido por Bourdieu (2005) e que também é percebido no
processo fotográfico é o de campo. Ele surge, segundo o autor, como uma configuração de
relões socialmente distribdas.
Através da distribuição das diversas formas de capital - cultural, social, simlico - os
atores em cada campo são providos das capacidades adequadas ao desempenho das funções e
à prática das lutas que o atravessam. O campo representa um espaço de disputas por posições
dominantes. Na sua estrutura objetiva (hierarquia de posições, tradições, instituições e
história) os indivíduos adquirem um corpo de disposições, que lhes permitem agir de acordo
com as possibilidades existentes no interior dessa estrutura objetiva.
A representação, portanto, de uma dada realidade pode dizer muito a respeito do
campo e do habitus” do fotógrafo, como ele percebe o ambiente social e o físico, a
arquitetura, os indivíduos, bem como seu posicionamento na sociedade, qual é a sua postura
diante da ptica fotográfica. É importante concluir que campo e “habitus” o categorias
indissociáveis. No interior desta relação não existe aquele campo total, universalizante, ele é
socialmente construído a partir do “habitus, o qual é passível de disputas e confrontos.
O profissional da fotografia, então, se vale das suas conceões para organizar a
captação fotográfica do mundo, segundo a oposição entre o que é fotogravel e o que o é.
Isso é indissociável, como explicita Bourdieu (1979), dos sistemas de valores implícitos
próprios de uma classe, de uma profissão, da qual a estética fotográfica não é mais um
aspecto, mesmo quando se pretende, desesperadamente, a autonomia.
Termos em mente a existência de uma técnica por trás de uma intenção e do objeto ou
da paisagem a ser fotografada, torna-se mais coerente perceber as intenções do fotógrafo.
Assim, para compreendermos de que migrante Sebastião Salgado está tratando, qual a sua
conceão das migrações contemporâneas, é importante relacionarmos sua técnica às suas
intenções ideológicas e políticas.
50
2.2.1 A elaborão da técnica
Três câmeras Leica” (modelos N e R) na mão, dentro delas o mais antigo filme preto
e branco (KODAK Tri X, de 400 ASAS e 800 ASAS), e lentes distintas- de 28 mm, de 35
mm e de 60 mm-, subsidiam a cnica fotográfica de Sebastião Salgado. Fugindo da luz em
direção à sombra, ele é considerado um profissional que domina uma das cnicas mais
difíceis da fotografia: a contraluz
43
. Em busca de uma boa definição, de um macro com boa
qualidade ótica e de uma sensibilidade altíssima, Salgado constrói seu estilo fotográfico.
De acordo com Salgado (1995), o seu estilo fotográfico o era o bem aceito para o
mercado das fotografias publicitárias, pois esse mercado priorizava fotografias coloridas, e
com os fatores de detalhamento de um modelo ou de um objeto. Desde o início de sua
carreira, Salgado, então, prezou fotografar em preto e branco e em contraluz. Diferente das
fotografias preto e branco, as coloridas ampliam a possibilidade de interpretação da definição
das cores nas fotos.
Para expressar tal diferença, Flusser (2002) exemplifica que há, por certo, ligação
indireta entre o verde do bosque fotografado e o verde do bosque percebido pelos receptores.
Assim entre esses “[...] dois verdes se interpõe toda uma rie de codificações complexas”
(Flusser 2002:40). a prática fotográfica do preto e branco é o que existe de mais tradicional,
isto porque o preto e o branco constituem situações ideais, situações limite.
Como afirma Flusser (2002), o branco é a presença total das vibrações luminosas e o
preto é a ausência total delas.[...] as fotografias em preto e branco o fruto de um
maniqueísmo munido de aparelho fotográfico (Flusser 2002:39). Isso pode explicar a opção
de um grande número de fotógrafos escolherem trabalhar com o preto e branco, onde se
encontra o significado dos símbolos fotográficos, ou o universo dos conceitos. Sebastião
Salgado é um deles.
Stallabrass (1997) argumenta que o trabalho de Salgado apresenta-se por qualidades
formais, em que se manifesta a compaixão, a concentração de suas fotografias está nas
qualidades gráficas do preto e do branco, impulsionados ao limite. As fotografias em preto e
branco são vetores para a ‘transcodificão de teorias’. De acordo com Flusser (2002) elas são
a magia do pensamento teórico, conceitual, e é precisamente nisto que reside seu fascínio.
43
Contraluz é uma técnica em que a luz, em vez de estar às costas do fotógrafo, vem da sua frente. Embaça a
cena, reflete nas lentes. Qualquer descuido pode arruinar a foto.
51
2.2.2 A produção de sentido
Todo o seu percurso como fotógrafo foi importante para delinear seu estilo de fazer
fotografia: as fotos de Salgado materializam-se em função da tentativa de problematização da
condição humana, reunindo certa plasticidade, estica documental e engajamento social
44
.
Tais características conduzem-nas para uma categoria de fotos, denominada de fotografias
engajadas ou humasticas
45
.
Podemos identificar outros fotógrafos célebres que também produziram
46
fotos dessa
categoria: Robert Capa, Henri Caritier-Bresson, David Seymour (Chim como pseudônimo),
Dorothea Lange, Walker Evans e W. Eugene Smith. Sebastião Salgado e os citados acima
pertenceram, em algum momento da carreira, à Agência Magnum, a qual se consolidou a
partir de um banco fotográfico e da formão de uma família de fotógrafos.
A Magnum foi fundada em 1947, por Robert Capa e Henri Cartier-Bresson, com o
intuito de formar uma grande cooperativa de fotógrafos, tendo como preceito a construção de
um estilo fotográfico diferenciado. O modo de representação dominante pode ser
caracterizado por fotografias dramáticas, realistas e ricas em narrativa, assinadas por um
estatuto humanista. A estragia central, utilizada pelo editorial da Magnum, para se tornar
uma marca única e dominante foi a criação de uma assinatura visual específica.
Sebastião Salgado é o mais contemporâneo dos nomes citados e possui o estilo da
Magnum como uma presença marcante no seu trabalho fotográfico. Por causa dessa marca,
alguns trabalhos dos profissionais da Magnum se dialogam com freqüência. Como por
exemplo, o trabalho fotográfico de W. Eugene Smith sobre a eras-industrial e o de Salgado
sobre os trabalhadores do mundo e sobre as migrações contemporâneas.
Os trabalhos fotográficos desses profissionais foram publicados, em períodos
diferentes, nas revistas Life (EUA) ou na “Paris Match” (Fraa). Outras semelhanças no
estilo fotográfico envolvem Salgado e Smith, elas surgem ao consideramos que os critérios de
assimilação da fotografia não estão inteiramente desvinculados dos padrões pictóricos que os
informam.
44
Ver Entrevista do Roda Viva com Sebastião Salgado, realizada no dia 17/04/2000.
45
Ver Susan Sontag. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
46
Escrevemos no tempo presente, por considerarmos que, mesmo que a maioria já tenha falecido, a obra
fotográfica permanece como documentos e monumentos ao longo da história.
52
Para ilustrar tal argumento, Sontag (2004) aponta algumas fotografias de W. Eugene
Smith, feitas na década de 60, na baía de Minamata no Japão. Tais fotografias documentaram
as deformações causadas pela poluição de merrio nos pescadores da região. Uma foto em
especial chamou a atenção: “era a foto de uma mãe com os braços abertos e um sorriso
benigno depositado sobre o filho monstruoso que jazia em seu colo”.
SMITH, W. Eugene. Tomoko Uemura in Her Bath, Minamata, 1972.
Observamos também que a fotografia, feita por Salgado, de um casal de irmãos no
hospital do campo de refugiados de Kitale, no Zaire, dialoga com essa feita por Smith. Ela
possui maiores contrastes entre o preto e o branco, muito por conta da luz do dia e o local
aberto, mas o ângulo de ambas as fotos são próximas, indicando que os fotógrafos fizeram-
nas de pé, de frente para seus referentes. Am disso, o sentido atribuído é semelhante por
conta da relão de solidariedade das mulheres diante da degradação humana dos homens em
seus braços.
53
SALGADO, Sebastião. Êxodos –p.196. O hospital do campo de
Katale era administrado por uma equipe de médicos e enfermeiras
da seção holandesa da Médecins Sans Frontières, com ajuda de
pessoal médico do Exército holandês. Tratava-se de um dos maiores
hospitais da região de Goma, e, quase sozinho, atendia a uma
população de 250 mil refugiados. [...]. Zaire (atual República
Democrática do Congo), 1994.
Mesmo que a foto de Salgado nos mostre uma mulher com olhar quase que indiferente
ao homem doente de cólera, as duas composições são símbolos da condição das vítimas de
grandes catástrofes. As fotografias de Smith e Salgado transformam mulheres da nossa
sociedade em Pietás- como aPietá” pintada por Michelangelo, uma Pietá japonesa da década
de 60 e uma africana dacada de 90- e os homens em seres frágeis, terrenos.
54
Mesmo com estes diálogos possíveis, Salgado busca, ainda, afastar-se das
semelhanças entre os colegas da Magnum, afirmando que uma imagem é fruto da integração
do fotógrafo com a pessoa ou comunidade fotografada” (Salgado apud Lissovsky 2003:99).
Lissovsky percebe algumas semelhanças (e diferenças) entre os trabalhos de Sebastião
Salgado e de Henri-Cartier Bresson. Segundo Lissovsky (2003) eles o considerados
representantes de certo rigor classicista no que diz respeito ao instantâneo e às composições
fotográficas.
Cartier-Bresson considera lido o momento do encontro, entre o fotógrafo e o
fotografado. Mas o há, ali, nenhuma forma de aproximão e intenção anterior àquele
instante. O tempo de espera, como argumenta Lissovsky (2003), é maior, a imagem o é
dada naturalmente, resulta, sim, de um investimento de trabalho sígnico. O instante
fotográfico dem de uma espera construtiva, a configurão também resulta de um processo
largo de construção. Sobre este aspecto, Salgado busca diferenciar-se ao discordar do
“instante fotográfico” de Cartier-Bresson.
Para Cartier-Bresson apud Lissovsky (2003), o aparelho fotográfico é o mestre do
instante, questiona e decide ao mesmo tempo: “Fotografar é reconhecer, num mesmo instante,
numa fração de segundo, um fato e a organização rigorosa das formas percebidas visualmente
que exprimem esse fato”. De acordo com Martins (2008), Cartier-Bresson se relaciona com a
probabilidade imaginária da ocorrência de um momento fotograficamente decisivo numa cena
banal dos fatos cotidianos.
em Salgado, a fotografia imprime a densidade da experiência da integração buscada
pelo fografo ao contexto em que esteja documentando, o que seria a “latitude de espera”,
como define Lissovsky (2003). A espera de Salgado prevê o que ele classifica como
fenômeno fotográfico, ou seja, a tentativa de pensar não mais em momentos decisivos, mas
em “fenômenos”. Quando ele chega ao ápice do fenômeno, ou o instante do click”, “o
fotógrafo realmente conseguiu a fotografia mais forte, podendo então abandonar o fenômeno
e passar para o outro, vivendo os fenômenos e não mais passar pela tangente
47
(Salgado apud
Lissovsky 2003:96).
Salgado comenta que possui a estratégia de aproximação, que acompanha o
“femeno” a o seu ápice, o que ele costuma chamar de curva de abordagem”. Ele
recomenda gastar tempo com cada comunidade, indivíduo ou região fotografada, pois a
espera é a contrapartida do amadurecimento do instante: Sobre Etiópia, Suo, Chade, em
47
“Tangente” foi o termo utilizado por Cartier-Bresson para explicar o momento em que se toca no objeto
fotografado, uma assíntota que se aproxima continuamente até onde a variação da distância perde relevância.
55
quinze meses de trabalho, fiz aproximadamente mil e duzentos a mil e quatrocentos rolos de
filme” (Salgado apud Lissovsky 2003:98).
O fotógrafo deseja a estabilidade, a qual é garantida pela convergência gradualmente
construída entre luz e tema. Adquirir este tipo de estabilidade, seja por sedimentação, seja por
prefiguração, é o que se exige nestes fotógrafos. Ao tornar-se invisível na imagem fotográfica,
o tempo passou a ser a matriz, a fonte, a origem que pulsiona o instante na direção de sua
configuração.
Além de alguns fotógrafos da Magnum que, de fato, possuem um estilo que se
aproxima de Sebastião Salgado, podemos relembrar, aqui, fotógrafos de um período menos
recente: os fografos da Farm Security Administration (FSA), que se tornaram célebres da
fotografia documental por registrar recortes da vida rural e urbana no período da Grande
Depressão nos EUA. Afora as diferenciações de técnica e logística no momento das viagens
de Salgado e desses outros fotógrafos, percebemos principalmente uma proximidade com a
tetica apresentada na época e a que Salgado apresentou em “Êxodos”.
Dorothea Lange é a que mais dialoga com essa obra de Salgado. Mesmo antes de
participar da FSA, ela fotografava de forma documental. Em um de seus ensaios iniciais,
ela fotografou indivíduos desalojados à procura de emprego durante a Grande Depressão,
partindo da expectativa de que suas fotografias poderiam despertar a ateão da sociedade
norte-americana para o grande número de marginalizados.
A partir desse dizer, observamos mais uma aproximação entre a fotógrafa e Salgado.
Assim como ele, Lange via a sua fotografia como um vetor de informar sobre uma realidade
que nem toda a sociedade conhecia. Mas o romantismo e certo rigor classicista impressos no
discurso de ambos pode desprezar a necessidade de unir outras ações efetivas de combate à
pobreza ou à migração forçada. Não somente a imagem revolucionará o pensamento e as
ões do público que observa, ela pode, sim, contribuir com sua subjetividade e sua
objetividade presente em seus signos para formar e mobilizar o público receptor.
Ainda sobre a sua trajetória, Lange segue fotografando indivíduos e paisagens, ao
ingressar em 1935 na equipe da FSA. Ela seguiu por cidades do interior e também pelas zonas
rurais dos EUA para fotografar e identificar as famílias que migravam, bem como denunciar,
mesmo que de forma subjetiva. Para isso, optou por enfocar a catástrofe, inflexivelmente
direta, mas ressaltando em determinados signos a dignidade com que as pessoas suportavam
56
as circunstâncias, tendo como princípio o tocar e nem perturbar quem fotografava,
permanecendo distante, dispensando arranjos
48
.
Isso é perceptível em algumas fotografias visualizadas, onde aparecem homens,
mulheres, crianças, em lugares de transitoriedade como acampados na beira de estradas, ou na
fila aguardando a doação de comida. Nessas nenhum de seus referentes está olhando em
direção à câmera da fotógrafa, dando a impressão de Lange ter fotografado sem que eles a
vissem no momento do “click”.
Vale ressaltar que o o todas as suas fotografias que apresentam essa opção de
enquadramento, em muitas outras os referentes se direcionam para a lente da fotógrafa, mas
o como se tivessem posando para um retrato, mas como se fossem surpreendidos com a
ão da fotógrafa. Ela tem o foco em tipos de indivíduos, na série sobre a migração ela
apresenta um grande número de fotografias de mulheres, exercendo principalmente a função
de mãe. Destacamos uma das fotografias mais conhecidas internacionalmente de Dorothea
Lange, intitulada de “Migrant Mother” (Mãe Migrante).
48
Ver Museum Ludwig de Colónia. Fotografia do Século XX (2007).
57
LANGE, Dorothea. Migrant Mother. Califórnia, 1936.
2.2.3 A linguagem fotográfica
Sebastião Salgado caracteriza suas fotografias como fotojornalísticas. Podemos
considerar que o fotojornalismo é uma atividade singular, que usa a fotografia como um
veículo de observação, de informão, de análise e de opinião sobre os contextos sociais,
políticos, econômicos ou ambientais. Como considera Souza (2002), as fotografias
jornalísticas são aquelas que possuem valor jornalístico e que são usadas para transmitir
informação diária e útil, em conjunto com o texto escrito associado.
É importante destacar que, quando se fala em fotojornalismo o se fala
exclusivamente de fotografia, mas tamm da existência do texto escrito, representando o
complemento de orientação e composição da notícia. O termo pode abranger tanto as
58
fotografias de notícias quanto as fotografias dos grandes projetos documentais, passando pelas
ilustrações fotográficas e pelos “features”, isto é, as fotografias intemporais de situações
peculiares com as quais o fotógrafo se depara, dentre outras.
De uma forma ampla, segundo Souza (2001), o fotodocumentarismo é um termo que
se assemelha ao fotojornalismo, uma vez que ambas as atividades usam em alguns momentos
o mesmo suporte de difusão, ou seja, a mídia impressa, e têm intenções semelhantes, a saber;
documentar a realidade e informar, tendo como mediadora das informações as fotografias. O
que distingue, apenas, é a tipologia do trabalho, pois um profissional fotodocumentarista pode
trabalhar em termos de projeto fotográfico. Mas essa vantagem raramente é oferecida ao foto-
repórter, dado ao dinamismo da profissão.
Diante de tais características entendemos que Sebastião Salgado pode ser considerado
um fotodocumentarista, pois constrói sua narrativa baseada em um trabalho mais minucioso.
Isso se deve à sua metodologia de trabalho: seus conhecidos projetos fotográficos o
produtos de longas viagens, onde o fotógrafo busca se aprofundar na tetica a ser
fotografada, para conhecer o que vai enfrentar. A pesquisa auxilia no conhecimento do espaço
geográfico e da estrutura necessária para a realização das fotografias, bem como a
identificação do que seria fotografado.
O fotodocumentarismo de Salgado é opinativo, denunciativo, engajado, onde o dado
da subjetividade garante a existência de uma postura crítica diversa. O que contribui para esse
aspecto é o forte apelo formal em suas fotografias, com ênfase na geometria, no contraste
visual moderno. As medidas de suas fotografias também podem indicar esse modernismo, a
maioria delas mede 1m x 1,50 m, medidas bastante recorrentes em outras fotografias
modernas, principalmente a de fotógrafos que trabalham ou trabalharam na Magnum. Com
isso, o fotógrafo diferencia-se de muitos profissionais contemporâneos, por possuir um estilo
de fotografia documental ainda moderna ou realista, o que provoca uma interessante
contradição para as reivindicões pós-modernas.
Ele se aia à dramaticidade da iluminação, assim como a constituição monumental da
cena, as quais constituem valores que a sua espera agrega. Devido às suas características,
Lissovsky (2003) e Stallabrass (1997) aproximam-se ao considerar que as fotografias de
Salgado possuem elementos semelhantes aos das iconografias religiosas e épicas. Assim, os
questionamentos das formas modernas com duplicidade e simetria colidem com uma imagem
de um cuidado digno, arruinado por querer, é como se os temas das fotografias de Salgado
59
lutassem contra e ao mesmo tempo criassem a beleza da degradação humana, na qual todos os
‘modelos fotográficos’ estão condenados.
Grande parte do choque imediato das fotografias está simplesmente por
representar cenas contemporâneas, as quais deveriam ser banidas do estado
neoliberal; muito por mostrar cenas de uma sociedade pós-industrial, mas de
indivíduos que vivem de forma pré-industrial; no tempo ahistórico feliz,
cenas de opressão e exploração em desenvolvimento
49
(Stallabrass 1997:3).
O fotógrafo busca expressar, por meio das fotografias, a ausência
50
, (os excluídos)
instituída pela hegemonia cultural e política. Tal exclusão, assim como explica Salgado,
deixou à margem do sistema milhares de pessoas, muito pela ocasião da globalização
econômica. Salgado busca, assim, trabalhar enfocando a ecologia humana e também social.
As suas lentes direcionam-se para os conflitos étnicos, políticos, para o trabalho em condições
inumanas, para os movimentos das populações e para crises ambientais. Nas palavras de
Salgado (2000), sua formão em Economia lhe permitiu se concentrar em uma área, pensar,
analisar, situar-se na corrente histórica do que acontecia em determinado momento, situar-se
na fotografia e relacioná-la com o contexto ao qual estava vivendo.
Diante disso, Mauad (2002) constata que o fotógrafo reelabora a linguagem
fotográfica assumindo elementos de textos que a precedem, conseguindo com isso uma
expressividade, perfeitamente entrosada à textualidade da época que se associa como
mensagem significativa. Como sugere Leite: “Só se atinge o sentido da fotografia quando se
consegue que a apancia instantânea, simplificada através do foco, da tonalidade, da
profundidade, do enquadramento, da textura, da escala e do jogo de luz, se estenda a um antes
e a um depois do momento fotografado” (Leite 1988:85). Como resultado, percebemos
mensagens fotodocumentarísticas, que informam sobre o objeto que retrata, mas o embarca
na ilusão da verdade fotográfica, identificando historicamente referente e representação.
49
Tradução livre da autora, do original em inglês: So part of the immediate shock of Salgados work is simply to
present contemporary scenes which should have long been banished from the perfectible neoliberal state; to
show in a supposedly post industrial world scenes of vast preindustrial labour; in a time of ahistorical bliss,
scenes of maked exploitation and oppression.
50
Ver Boaventura de Souza Santos. IN: Crítica da Razão Indolente. 1. ed. Rio de Janeiro: Cortez Editora,
2000.
60
2.3 Sebastião Salgado não essozinho: a presença de Outros na fotografia
Ao dedicar seu trabalho ao fotodocumentarismo, ele tornou-se reconhecido por longos
projetos fotográficos, que culminaram em grandes exposões e livros. O resultado do esforço
de Salgado está em negativos bem revelados, fotografias em alta velocidade e prioritariamente
de interiores, seguindo toda a tradição da fotografia realista
51
e moderna.
Vale ressaltar que seus projetos fotográficos valem-se da parceria com a esposa- o
projeto gráfico de todos os seus livros é de responsabilidade de lia Wanick Salgado- e com
uma competente equipe, os quais o apóiam de forma eficaz na revelação das fotos, nas
relões blicas e nas suas viagens a campo’. Salgado informa que ele financiou e ainda
financia seus projetos de longa duração: “[...] tudo o que faço em fotografia, volta para a
fotografia. É uma paixão, uma forma de vida” (Salgado 1995:5).
Além de toda sua equipe, Salgado conta tamm com o apoio logístico de
Organizações Humanitárias, como o ACNUR, a Organização Internacional para a Migração,
“Médecins Sans Frontières”, UNICEF, Norwegian People Aid”, “Cristian Aid” e Save the
children”. Salgado relata:
Eu fico no campo, mas em contato com algumas organizações, com quem
possa me dar alguma informação. [...] tenho formas diferentes de me
hospedar, acampo, fico em hotéis, na casa de médicos, em todo lugar que é
possível. Tem muito lugar para ficar. Se você está em um campo que é
fechado, escurece e você não pode andar à noite, você explica para o
pessoal das Forças Armadas, das Nações Unidas e eles arrumam um canto
para você dormir (Salgado 1995:2).
Como forma de agradecimento, Wanick (1999) menciona que todas as organizões
humanitárias parceiras recebem as cópias das reportagens fotográficas de Sebastião Salgado.
No que concerne a publicação de suas fotografias, Salgado pode contar com os mais
importantes jornais do mundo. A base do material, segundo Salgado, está na imprensa, e
acredita ser o meio mais eficaz de divulgação do seu trabalho. No entanto, existem outros
suportes tão importantes quanto, como os apontados por Stallabrass (1997): “é comum
encontrar as suas fotografias muito bem alocadas nas galerias de artes ou nos centros
51
Ver Sontag, Susan. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
61
culturais, a maioria delas tamm não estão expostas em jornais drios, e sim em livros
muito bem finalizados”
52
.
Sobre as formas de veiculação de suas obras, Salgado inaugurou em “Terra, uma
forma diferenciada de publicidade. Simultaneamente, em diferentes galerias do mundo,
Salgado expôs as fotos sobre a luta dos Sem-Terra pelo direito à propriedade rural.
Posteriormente as fotografias de Êxodos” foram expostas, simultaneamente, nas galerias,
incluindo espaços culturais de Universidades brasileiras, como o da USP. Publicou também
diversos ensaios prévios de suas obras, como “Movimento de populações”, e artigos em
revistas como a “The New York Times Magazine”, “Rolling Stone”, “El País Semanal”,
“Actuel”, “Newsweek”, “The Sunday Times Magazine” e “Geo”.
Porém, nenhum outro fotodocumentarista teve ao momento um comando de tantas
exibições e espaços quase que personalizados nos veículos de comunicação de massa, ou tem-
se engajado em projetos e assuntos tão amplos e auto-envolventes. A enorme tetica
individual de suas exposições– Trabalhadores”, Êxodos”- entrou para a História da
Fotografia e do Fotojornalismo mundial.
2.3.1 Da relação com os fotografados
No ano passado quase me mataram. Eu estava na fronteira de Ruanda com a
Tanzânia, tinha um rio que separava os dois países e um grupo de pessoas
passando, tutsis fugindo dos massacres dos hutus. Tentei alugar um barco
para chegar e um grupo de tutsis veio com machetes (tipo de facão de
mato) na mão dizendo: “Você quer passar o rio para se juntar aos hutus, vo
é um inimigo”. Pedi calma, avisei que era fotógrafo e trabalhava com a Cruz
Vermelha. Disse que tinha vindo fazer identificação de população para a
Organização. Você anda no limite, anda realmente na corda bamba. Você
tem que ter um sexto sentido para saber em que hora se retirar não ir tão
longe como eu fui. (Salgado 1995:4).
Ao contrário do que planeja o senso comum, a fotografia o é feita somente da
sensibilidade, ou da cnica precisa do fotógrafo, ou a mesmo da boa qualidade de uma
mera. O jogo de intencionalidades e disponibilidades depende exclusivamente da
52
Tradução livre da autora. Do original em inglês:”[…] it is common to find its photographs very placed well in
the galleries of arts or in the cultural centers, the majority of them is also not displayed in daily periodicals, and
yes in books very finished well”.
62
composição dos sujeitos presentes na fotografia. A concepção da imagem fotográfica, para se
tornar material, depende do fotógrafo, da paisagem, dos sujeitos que supostamente povoam as
fotos, e do público-alvo. A opção por indivíduos é comum nas fotografias documentais.
É preciso ressaltar que o fotógrafo também faz parte da cena, ele se encontra como
uma co-presença no espo dos acontecimentos e “essa presea não é nem poderia ser
indiferente ou descomprometida, mesmo porque a liberdade para fotografar se dapor
força de um pacto explícito ou implícito entre enunciadores e enunciados” (Machado
1984:106). Tal relação não é diferente nas fotografias de Sebastião Salgado. A começar em
seu discurso, Salgado deixa claro a necessidade da presença e da relação construída entre o
fotógrafo e os fotografados. Conversar, perguntar, ver, sentir. O envolvimento de um
fotógrafo documental com seus referentes
53
é quase inevitável.
Para o fotógrafo, não existe separação entre os sujeitos e o fotógrafo: [...] as
fotografias podem ser boas ou ruins, isso vai ocorrer em função do relacionamento que nós
estabelecemos com as pessoas a serem fotografadas. A relação prolonga-se para além do
momento em que a fotografia foi feita. […] (Salgado apud Stallabrass 1997:31). O fotógrafo
envolve-se mais do que o tempo instantâneo do “click” fotográfico.
Na maioria das vezes é bem recebido, no entanto, ele esciente que suas fotografias
acontecem em locais de conflitos extremos, como o conflito africano entre as etnias tutsi” e
“hutu”. O fotógrafo em “campo” passa a vivenciar o somente suas possibilidades de
encontrar referentes, como também situações delicadas ou violentas, afinal ele encontra com
sociedades distintas ao longo de suas viagens fotográficas.
Especificamente para o trabalho sobre a humanidade em trânsito, Salgado alcançou
uma média de 40 países, fotografando crises políticas, inter-raciais, ambientais e até mesmo
econômicas. Encontrou africanos, latino-americanos, europeus, asiáticos. O referente, ou o
fotografado, está definitivamente condenado a ser a miragem da representação fotográfica.
Para Machado (1984) o referente comparece na fotografia nas mesmas condições em qualquer
outro sistema de representação, “[...] como um objeto do qual se deve aproximar por um
“détour”, perfurando a sua ordem fantastica mais imediata, desconstruindo o sem tréguas,
através do conhecimento crítico dos processos de refração que o distorcem, que o ocultam,
que o anulam.” (Machado 1984:156).
Stallabrass (1997) critica o trabalho de Salgado por direcionar suas fotografias para o
blico dos países desenvolvidos, enquanto os fotografados dos países em desenvolvimento
53
Termo utilizado por Susan Sontag, na obra Sobre fotografia, para caracterizar os indivíduos fotografados.
63
o dialogam com aqueles que representam. Esse público acaba por selecionar e colocar em
uma posição pouco autônoma, distante dos mecanismos de discussão sobre as causas
abordadas por Salgado. O fotógrafo acredita que os indivíduos dos países desenvolvidos
possuem o capital financeiro e até o intelectual para atenuar os problemas dos países em
desenvolvimento.
Contrariando as críticas impostas ao seu trabalho fotográfico, Salgado argumenta que
o trabalha com a miséria e sim com as pessoas mais pobres. “Elas possuem dignidade e
buscam, de forma criativa, uma vida melhor. [...] não fotografo o excluído, e sim uma
amostragem do que é a maioria da humanidade”. As comunidades representadas por Salgado,
especialmente em Êxodos”, são continuamente móveis, desenhando novas rotas migratórias
entre o centro e a periferia.
A ausência explícita e a presença subjetiva de tais agentes devem-se ao fato de que
toda a narrativa visual de Salgado trata da figura do marginalizado, morador dos países
periféricos, como um agente com grande potencial de transformação. Salgado busca no outro
a face da luta pela sobrevivência, supondo que se luta, um inimigo que, de forma
alguma, se resume nas intempéries da natureza”.
O que mais intriga os críticos da fotografia de Salgado é o fato dele passar tanto tempo
com os fotografados e ainda permanecer distante. Isso pode ser verificado na auncia de
trocas regulares. A expectativa é que, a partir do momento em que o fotógrafo captura a
imagem do outro, haja uma relação de troca entre o fotógrafo e quem foi fotografado, sejam
trocas de fotografias, ou até mesmo o retorno do profissional ao local onde realizou seus
trabalhos fotográficos.
Mas, assim como relatam os críticos, o retorno físico não acontece, pois Salgado ainda
permanece viajando, a desenhar novas rotas em fuão dos seus projetos fotográficos. Sobre
isso, não uma diversidade de relatos que possam somar à discuso. O que podemos
pontuar são relatos da equipe, como o feito por Wanick (2000), mencionando o envio de
pias das fotografias para as Organizações parceiras.
2.3.2 O público-alvo
Para a produção de sentido, conferida à imagem fotográfica, é evidente a presença dos
recortes e das edições de imagem, pois levamos em consideração a presença na trama
fotográfica do observador, receptor e também do blico-alvo. Todos os sujeitos aqui
presentes eso subordinados ao processo fotográfico. No entanto, como argumenta Machado,
64
[...] o recorte efetuado pelo quadro da câmera esteve o tempo todo
ideologicamente orientado no sentido de prescrever uma “leitura
européia/ocidental do material registrado: a escolha do campo significante
abarcado pelo quadro não era nem de longe “objetiva”, mas arbitrária e
autoritária; e nem podia ser diferente porque o ato puro e simples de
intervenção da câmera é já um ato de colonização implícito (Machado
1984:77).
Tal recorte pode ser comum em fotografias documentais, fotojornalísticas e a
artísticas. Podemos citar a foto de Jane Fonda, tirada pelo fotojornalista Joseph Kraft,
colhendo depoimentos de populares norte-vietnamitas durante a guerra do Vietnã.
A câmera- explicam os autores- encontra-se colocada num ponto tal que
privilegia apenas a atriz; os interlocutores vietnamitas aparecem um de
costas para a câmera e o os outros de frente, mas já fora do limite da
profundidade de campo e, portanto, desfocados. Por razões comerciais e
ideológicas evidentes, era preciso orientar a câmera para a vedete, ressaltar a
sua presença fotogênica, enquanto os vietnamitas comparecem apenas como
marcas geográficas do lugar que a atriz ocupa (Godar & Gorin apud
Machado 1984:103).
A escolha pelo fotógrafo de quem seo seus ‘modelos fotográficos’ traz um
importante índice sobre a formação do público-alvo daquelas fotografias. Tal escolha,
conseqüentemente contribuirá para a conquista de um blico específico. Em extensão,
Salgado pode estar desenhando sob os diversos recursos arte-históricos em que tem se
estabelecido em poses particulares como indicativas de emões particulares. Isso configura
em um humanismo religioso, como um pedido de compaixão ao público que observa as
fotografias.
Torna-se significativo tamm pensar para quem Salgado direciona suas fotografias.
De acordo com o estudo-alise das entrevistas cedidas pelo fotógrafo e dos espaços (galerias,
jornais e revistas) onde suas fotografias aparecem, é possível termos indícios sobre o público
para quem Salgado direciona seu trabalho.
Partindo de uma observação mais ampliada, podemos caracterizar o público-alvo de
Salgado por indivíduos pertencentes à classe média, intelectualizada, a maioria envolvida
indireta ou diretamente em causas sociais, ambientais e ou políticas. Estes possuem o capital
financeiro e cultural de circular por espaços onde podem encontrar as fotos de Salgado, como
nas galerias, nos centros culturais, nas livrarias e nas bibliotecas, como o “Centre Georges
65
Pompidou” (França), o “The National Museum of Modern Art” (Japão) e o “Hasselblad
Center” (Suécia), além das revistas “Life(EUA), “Paris Match” (França), jornais como “The
New York Times” (EUA) e “Folha de o Paulo” (Brasil).
A atenção é especialmente direcionada para esses intelectuais advindos de países mais
desenvolvidos. Em proporções estatísticas, notamos que, dos locais utilizados por Salgado
para a publicação das fotografias, apenas 10% se encontram no Brasil e na América Latina. O
que pode sinalizar a localizão e quais o os interlocutores de Sebastião Salgado. Os 90%
o compostos pelos europeus e pelos norte-americanos, estes mundialmente reconhecidos
por serem grandes apoiadores de projetos e de pesquisas sobre os países periféricos.
Sendo assim, “[...] ao buscar com que suas imagens provoquem uma reação, Sebastião
Salgado faz com que suas imagens ganhem sentido pleno numa relação dialógica e
intersubjetiva entre diferentes agentes sociais” (Mauad 2002: 13). Podemos citar como
exemplo de agentes, os professores universitários de forma geral, integrantes de movimentos
sociais, profissionais liberais ligados à arte e fotografia e jovens estudantes. Isso explica os
diferentes veículos de comunicação onde são divulgadas as fotografias.
Especialmente sobre os livros de Salgado, Mauad argumenta:
Como o livro é um produto a ser comercializado e, prevendo pelo preço da
capa, que os consumidores sejam pessoas de uma classe social diferente da
dos fotografados, é fundamental que reconheçam em tais representões
sociais, comportamentos que lhes são familiares, desta forma, a fotografia
atua como um elemento de convencimento e persuasão, servindo desta vez a
uma bandeira contra-hegemônica. (Mauad 2002:22).
Levando em consideração a comunicação visual da fotografia, podemos elencar certos
signos presentes nas fotografias documentais do estilo de Sebastião Salgado. Podemos
apontar a presença de crianças e também de mulheres. Am disso, paisagens como a da casa,
dos utensílios de trabalho, bem como de ambientes externos, como plantações, florestas,
cidades são bastante recorrentes como recurso visual de comunicação.
As fotografias ressaltam tamm a omissão de grupos representantes da hegemonia. A
tetica versa sobre os migrantes pobres, as minorias étnicas, os sem-terra. Imagens como a
de crianças vestidas de anjo, brincando com ossos ou sentadas na bancada do dico com o
olhar perdido e o corpo marcado pela desnutrição, ou amesmo na simples sala de aula de
um acampamento do MST, eso presentes nos livros de Salgado, de forma geral.
66
Observamos ainda que a presença maciça de crianças possa ter propiciado uma
aproximação maior entre os fotografados e o fotógrafo. Salgado declarou que preza muito a
cumplicidade, ele deseja ser compreendido, por isso valoriza a aproximação entre eles. “A
fotografia é o resultado da relação amena entre os imigrantes e eu” (Salgado 1994:12).
Os homens e as mulheres também estão presentes nas fotografias. Os homens, na
maioria das fotos, são os elementos de destaque, pois simbolizam a força viril, o provedor e o
que está à frente da luta. as mulheres encontram-se dispostas como esposas,es e
protetoras da família. A recorrência deste sentido leva-nos a identificar que uma
valorizão na produção de estereótipos.
Contudo, a formão de um blico-alvo prescinde a escolha de certos elementos em
uma cena. A construção da fotografia se concretiza a partir de uma série de fatores presentes
antes, durante e depois do instante fotográfico. Dentre eles estão as conceões do fotógrafo
sobre as relações culturais, sociais, econômicas e políticas, as noções sobre as cnicas de
captura da imagem, bem como a convivência que o fotógrafo pode estabelecer com os
fotografados, ou o somente permanecer distante da cena. A escolha, assim, dos elementos e
as relações que o fotógrafo estabelece, está presente no produto final- a fotografia.
67
CAPÍTULO III Por dentro de Êxodos
68
3.1 O conjunto das obras de Sebastião Salgado: “Êxodos” em foco
Como mencionado anteriormente, o fotógrafo Sebastião Salgado ficou
internacionalmente conhecido por conta dos seus projetos fotográficos. Dentre estes trabalhos
podemos destacar “Êxodos” como o mais complexo de sua carreira ao momento. Segundo
Salgado
54
a obra faz referência a alguns de seus trabalhos anteriores, pois ele é fruto de uma
pesquisa fotográfica extensa, que ele iniciou ainda em Outras Américas”. O diálogo entre a
presente obra e as anteriores pode ser comprovado a partir da observação das fotografias
existentes nela. Podemos encontrar as mesmas fotografias ou fotografias semelhantes às das
obras anteriores, em “Êxodos”.
Observamos que a presença- de forma subjetiva ou objetiva- das fotos de “Outras
Américas”,Terra”, e deTrabalhadores”, fazem parte da construção da narrativa de Salgado,
bem como das suas trajetórias que fez pelo mundo: em cada viagem, um percurso definido.
Para cada um, o fotógrafo traçou objetivos mediante os fatos que ele acreditava serem
expressões do contexto social e político, ressaltando a realidade de indivíduos que viviam nos
países em desenvolvimento. Acreditamos que as obras e o estilo fotográfico de Salgado fazem
parte, portanto, da formação do fotógrafo viajante e por vezes migrante.
Encontramos nas obras alguns signos que entrelaçam-nas, sendo responsáveis por
tra-las para uma única história. Assim, para complementarmos nossos estudos sobre o
discurso fotográfico de Salgado em “Êxodos”, é necesrio levarmos em consideração as
outras obras presentes nela, como também os outros materiais produzidos durante o projeto
fotográfico. Por isso, partiremos pela exposição e por uma breve análise dos materiais
pedagógicos produzidos, contendo também a temática abordada nas fotos, pois acreditamos
que o caminho da compreensão da narrativa de Salgado também passa pela linguagem e os
recursos pedagógicos utilizados nesses materiais.
Podemos encontrar nas fotografias de Salgado, de um modo geral, diferentes espaços
geográficos, indivíduos diferentes e probleticas específicas abordadas por ele. Elegemos
algumas delas como monumento para a presente pesquisa, partindo de uma alise que se
constrói com o texto verbal (as legendas) e com o texto visual (as fotos).
54
Ver Sebastião Salgado. Êxodos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
69
3.1.1 Projeto Educacional de Cidadania
Como parte das atividades que comem o projeto fotográfico “Êxodos”, foi
elaborado pela BEI Comunicação, em parceria com o SESCo Paulo, Imagens da Amania
e o FFLCH/USP e aplicado em escolas públicas e privadas o Projeto Educacional de
Cidadania”. O projeto compreendeu o desenvolvimento dos Cadernos Educacionais: 1, 2, 3. O
objetivo do programa foi essencialmente pedagógico, pois buscou incentivar professores e
alunos de escolas públicas e privadas para apreender e discutir sobre as realidades e as
contradições do cotidiano de populações migrantes e refugiadas. A temática central tratou,
assim, das condições humanas no contexto das migrões, tendo como instrumentos as
fotografias de Sebastião Salgado expostas em “Êxodos”.
Podemos identificar como temas trabalhados as migrões, a pobreza, o desemprego, a
violência, am das relações possíveis entre o que é imediatamente visível nas fotografias, ou
seja, seu aspecto formal, os sentidos que ela guarda e sugere e alguns de seus significados.
Observamos que todos seguem diretamente os preceitos ideológicos de Sebastião Salgado,
expressos tanto em sua fotografia quanto em sua fala.
O I caderno educacional, Deslocamentos populacionais e novas formas de
solidariedade”, busca discutir a migração em tempos de globalização negativa, onde muitos
percebem no deslocamento a alternativa por melhores condições de vida. A estragia
utilizada para proporcionar as discussões foi colocar uma foto, no início do texto. A foto
permanece isolada do texto, como o primeiro material; em seguida está o texto. Assim como a
intertextualidade existente nos livros de Salgado, a função do texto aqui também, na maioria
das vezes, gira em torno da fotografia. Mesmo percebendo que isso não acontece a todo
momento, em determinadas situações, a imagem assume a condição de monumento para
propiciar discussão mais avaada sobre um drama social. Quando possível, criam-se
personagens para entreter e ilustrar a discussão.
O II caderno, Leituras da imprensa”, oferece ao leitor uma compreensão dos
processos que envolvem a difusão da fotografia na imprensa contemporânea. O material se
divide em três partes: a daFotografia de Imprensa tece breves comentários sobre a inveão
da fotografia, quais foram os fotógrafos expoentes, os usos sociais da fotografia no século
XIX, XX e XXI; a parte da dia e poder no Brasil”, trata da forma como a mídia se
relaciona e assume poderes simbólicos na contemporaneidade. Questiona e aponta os
detentores dos maiores veículos de comunicação de massa e quais o os espos para as
70
dias alternativas. Além disso, essa parte expõe as tecnologias de comunicação do século
XXI; finalmente a última parte “Trabalhando com a imprensa”, dialoga de uma forma mais
próxima com o trabalho desenvolvido por Salgado. Neste momento o apontados problemas
sociais recorrentes, como a luta pela conquista da terra do Movimento Sem Terra (MST), a
reflexão sobre o território dos índios brasileiros. Tudo isso para refletir sobre as condições em
que estes sujeitos o percebidos pelos veículos de comunicão.
O III e último caderno, “A narrativa do olhar”, apresenta um pequeno estudo da(s)
narrativa(s) fotográfica(s) de Sebastião Salgado. Neste material, podemos compreender as
estratégias de condução do trabalho e as interpretões presentes na obra de Salgado. Como
estratégia pedagógica, ao final de cada estudo sobre o campo da fotografia, foi criada uma
caixa de sugestões de atividades. Presenciamos, aí, um exemplo de material didático, o qual
propiciou os desdobramentos do debate sobre a fotografia e as contribuições para as reflexões
de pesquisadores de outras áreas do conhecimento.
A análise possibilitou a aproximação dacnica, ou seja, a relação entre o jogo de luz e
sombra, os planos e os enquadramentos, e o caráter educativo inerente à fotografia. Assim
como os outros, o último caderno da série é composto de três grandes partes. A primeira trata
da seleção de rias fotografias de Salgado para alise e a inserção de sub-temas, os quais
surgiram devido ao potencial sígnico das imagens.
Podemos perceber, também, que a fotografia, uma artedia
55
, permanece em diálogo
com outras iconografias, especialmente pinturas já consagradas nas belas artes. As duas
últimas partes tratam da relevância das imagens cotidianas para a fotografia de imprensa,
especialmente as produzidas por Sebastião Salgado, bem como da presea da imagem para a
formação social contemporânea. “No interior de uma foto é possível distinguir também uma
iconografia. A maneira de realizar a representação de um tema” (Cadernos Educacionais
2000:68).
Assim, o enfoque grandioso de Salgado, em tonalidades épicas, transformou-se em
parâmetro para qualquer aproximação fotográfica do mundo do trabalho, de conflitos étnicos
e das guerras. De acordo com texto do III Caderno, somente grandes nomes das artes
plásticas, como ndido Portinari, Picasso, Diego Rivera, puderam retratar o bem a
tetica acima, no entanto, Salgado expressou emoção similar nas fotografias.
Partindo da análise das obras de Sebastião Salgado acima citadas, podemos afirmar
que elas constroem importantes conexões entre as fotografias apresentadas e a vida
55
Ver Pierre Bourdieu. La fotografia: un arte intermédio. México: Nueva Imagen, 1979.
71
profissional e pessoal do fotógrafo, garantindo ainda mais o fortalecimento do seu discurso
para diferentes públicos. Isso é confirmado ao observarmos as relações dos grandes temas das
obras, com suas respectivas fotografias e suas legendas. Percebemos tamm, que a repetição
de algumas imagens é necessária para dinamizar as questões e uni-las em uma problemática
ainda maior.
A ‘outra América, que já o é aquela em que Salgado vivia (Outras Aricas), pode
ser o espo geográfico de milhões de trabalhadores os quais ainda conservam formas
tradicionais de se relacionar com a terra, com as matérias-primas (Trabalhadores). No entanto,
complexas modificações no contexto social, econômico, político e cultural, podem
transformar aquele local. O resultado disso, ali, e em outras partes do mundo, é a disputa por
territórios, pela propriedade da terra, por uma nova identidade (Terra). Muito dessa busca
pode influenciar um novo dinamismo social, o qual se configura em migrações e imigrações,
culminado em um grande movimento das populações mundiais (Êxodos).
3.2 Em segundo plano: de “Outras Aricas” a “Terra”
Diante da formação do projeto fotográfico, também observamos que algumas
fotografias estiveram presentes em obras anteriores a “Êxodos”, mas não se repetem nessa
última. Consideramos que, mesmo que não haja a repetição de algumas fotos na obra
analisada, elas também são relevantes para a compreensão do discurso imagético de Salgado,
levando em consideração a hipótese das obras formarem a narrativa de Salgado.
A escolha destas fotos é norteada pelo apuro estético, pelacnica fotográfica utilizada
(escolha por ângulos, relações entre luz e sombra), pelo motivo selecionado, bem como o
apelo sociológico da foto e a relação deste com a presente pesquisa. Assim, citamos a
fotografia de três pés, em close, como exemplo desta ausência da forma objetiva, mas da sua
presença de maneira subjetiva. Esta foto estanto no livro “Outras Américas” quanto em
“Terra”. Optamos por essa foto por trazer à tona a estética do desgaste, simbolizando a
degradão humana, conceito o enfocado por Salgado em Êxodos”. É impossível adivinhar
os donos desses s. Tudo indica que eles foram fotografados por Sebastião Salgado durante
suas viagens fotográficas pela América Latina.
72
Depois que tais pés se materializaram em fotografia eles comaram a fazer parte
também do imaginário dos seus observadores. Sem o auxílio de legendas (recurso verbal o
disponível emTerra” e “Outras Américas”), contamos com o nosso imaginário para situá-los
em um tempo e em um espaço. Com um lance de olhar, nos parecem s bastante
semelhantes, pertencentes a um mesmo grupo social.
SALGADO, Sebastião. Terra - p. 59. Outras Américas – p.53/54
No entanto, como argumenta Barthes (1984), a semelhança é uma conformidade. Mas
a quê? A uma identidade imprecisa, imagiria ao ponto de podermos falar em semelhança
sem jamais ter visto o modelo. Mas em um segundo olhar, notamos que, sob essas rústicas
lajotas de barro, se acomodam três gerações de pés. Agora são homens de diferentes idades,
com fortes laços de parentesco ou simples parceiros de lavoura, cada busca simbolizar o
tempo de vida de trabalho em meio às configurações políticas e sociais que os envolvem.
Até mesmo a força sensitiva do preto e do branco e a utilização de um plano mais
fechado na fotografia, levam-nos a uma interpretação mais atenta sobre a realidade focalizada.
Um, mais distante, talvez solitário, com os dedos meio tortos, como se estivesse se
recolhendo a um espaço mais próprio, se despedindo da árdua lida diária, se posiciona à
direita. O chinelo do primeiro já está carcomido, os dedos apresentam-se enrugados, a calça
acompanha os dias de trabalho, debaixo de chuva e sol, (e molha o no barro, mas seca
debaixo do sol).
73
Da direita para a esquerda, a figura de um um pouco mais resistente encara a lente
de frente, mesmo que os dedos e as unhas mostrem os primeiros sinais de miséria e cansaço.
A calça ainda resiste frente às intempéries do espaço onde vive e sobrevive. o da esquerda,
ainda comporta vigor, força, mesmo que paire na simplicidade do possível agricultor, criador,
meeiro ou parceiro da terra. O chinelo ainda o encardiu tanto assim e nem os dedos se
entortaram, estão firmes. A calça ainda escom o tecido sem manchas, mais brilhante ainda
com a luz refletida sobre ele.
A fotografia acima é uma interpretação de uma situação encontrada na primeira longa
viagem de Salgado para a Arica Latina, de 1977 a 1983. Em 1986 o fotógrafo publica
“Outras Aricas” na Europa, em 1999 no Brasil. O fotógrafo percorreu lugares remotos da
América Latina, analisou os avanços e os retrocessos, fotografou o cotidiano das populações
rurais latino-americanas. Para o fotógrafo, “Outras Américas” é uma exploração meditativa
das culturas camponesas e da resistência cultural dos índios e de seus descendentes.
Após um longo tempo de exílio na Europa, o fotógrafo brasileiro retorna ao seu
continente para interpretar, em imagens, a população rural brasileira, equatoriana, mexicana,
chilena, guatemalteca, boliviana e peruana. De acordo com Stallabrass (1997) o fotógrafo
representou o primeiro passo na tentativa de (re)conectar-se ao seu local de origem.
Por isso, Salgado afirma: Para ser possível viver na Europa, eu tive que voltar à América
Latina, como muitos latino-americanos, deixaram a sua terra natal para posteriormente
descobri-la” (Salgado apud Mraz 2006:2).
A face sombria da América, então, se destaca em um lugar do passado e o do
presente. Mesmo sendo um brasileiro viajante, migrante, exilado, Sebastião Salgado
argumenta que percebe e fotografa o mundo com o seu olhar de latino-americano. Mas o olhar
do fotógrafo sobre a América Latina parece imcompatível com o período de intensas
transformações econômicas, principalmente. Pelo que a fotografia indica, as interpretações do
tempo vivenciado pelo fotógrafo eram diferentes do tempo dos seus fotografados.
As fotos desta obra levam-nos para uma Arica Latina remota, triste, misevel, em
ruínas, frente ao restante do mundo industrializado. De acordo com Mraz (2006), Salgado
busca naqueles indivíduos o belo no que é pitoresco, grotesco e religioso. Não é somente
Salgado que busca tal interface, citamos, tamm, outros profissionais latino-americanos com
projeção internacional, como o diretor de cinema Emílio Fernandez, que escolheu o pitoresco
para tornar-se monumento aos olhos dos europeus. Assim como ressalta Martins (2008), faz
74
parte da tradição inicial da fotografia latino-americana fazer do nativo o motivo folclórico do
retrato, o registro do diferente que está aquém da imagem civilizada e moderna.
Mesmo sendo Salgado um fotógrafo da atualidade, seu estilo repousa sobre o que é
clássico e moderno
56
na fotografia. Ele ainda inicia sua grande narrativa elevando a igualdade,
a integração dos povos, desprezando a presença das diferenças. Isso já é perceptível na
introdão de “Outras Aricas” onde ele explicita que todos os latino-americanos
fotografados são pobres e excluídos, além da auncia de legendas. Tais características
transformam todos os seus fotografados em sujeitos indeterminados, ficando à mercê somente
do imaginário do observador. Mas, a fotografia de uma índia equatoriana guarda importantes
marcas identitárias - tipo de tecidos de roupas, certos adornos, traços sicos - que as
distinguirá de mulheres de outros grupos.
No mesmo ano do lançamento de “Outras Américas”, Salgado lança, na Europa,
“Sahel: O Homem emnico”, em 1988 no Brasil. O livro é o resultado de um trabalho de 15
meses na região do Sahel, na África, em parceria com o grupo francês “Médecins San
Frontières”. Para Salgado, este foi um documento sobre a dignidade e a perseverança de
pessoas nas mais extremas condições(Salgado, 2000)
57
.
Partindo das crises ambientais e econômicas da África, Salgado inaugura outro projeto
fotográfico. Dedica-se, de 1986 a 1992, a fotografar o progressivo desaparecimento do
trabalho manual em 26 países do mundo, em detrimento do trabalho em escalas industriais e
cada vez mais alienado. O projeto resulta no livro Trabalhadores”, publicado em 1993 na
Europa e em 1996 no Brasil. O fotógrafo buscou, assim, capturar as diversas formas de
organização social do trabalho, entendendo que cada trabalhador participa do processo de
desenvolvimento dos pses. Em “Trabalhadores”, uma evolução das seqüências
fotográficas, cada parte do livro é capaz de formar pequenas histórias sobre o mundo do
trabalho. Os sujeitos da cena são os homens e a relação que eles constroem com suas
ferramentas e seus locais de trabalho. Sobre a composição da fotografia, Stallabrass
58
(1997)
identifica a intenção de Salgado em unificar uma problemática social, que se apresenta tão
diversa: “Salgado seleciona às vezes materiais de diferentes países para fazer comparações de
modo a indicar como funciona uma economia unitária e globalizada (Stallabrass 1997: 23)”.
Devemos constatar que as fotos são fortes em sentido, pois o fotógrafo destaca a
modernização industrial como o centro do problema da extinção do trabalho manual. Ele
56
Vide capítulo II.
57
Ver http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado.
58
Tradução livre da autora. Do original em inglês: Salgado sometimes draws together material from different
countries for comparison, indicating the operation of a unitary economy on a global scale.
75
considera, assim, que o excesso de modernização deve estar na fotografia propositalmente,
para expressar o nível de industrialização em que a sociedade se encontra. Dentro desta ótica,
Salgado leva-nos a perceber que a fragilidade não é somente do meio ambiente explorado,
porque estes seres humanos estão ali à mercê das condições naturais. É a natureza sendo
transformada em produto para os humanos e pelos humanos.
Por mais dura que seja a crítica que a maioria das fotografias de Salgado faz à
modernização forçada, destacamos a escassez de fotos sobre as relações entre as classes
trabalhadoras. Notamos que no acervo de Salgado, somente uma fotografia, apresenta o
confronto entre dois grupos: A fotografia foi feita no Brasil, é de um garimpeiro da Serra
Pelada em confronto com um policial, o que faz de “Trabalhadores” uma obra distinta em
relão ao trabalho anterior. Além disso, podemos apontar a existência de legendas como
recurso discursivo nesta obra. Aqui, os seus fotografados já começam a adquirir
individualidades. As legendas das fotografias encontram-se em anexo ao livro.
Os objetos sígnicos em cena se aproximam do olhar do leitor, representando um
instante absoluto importante para aquele grupo. A fotografia sobre o confronto, a princípio
proporciona a idéia de um caos instalado nas montanhas amazônicas. Milhares de homens,
que saíram de diferentes partes do Brasil, no início de 1980, se amontoam e se enfrentam
pelas serras em busca de ouro. Cidaos brasileiros, homens em sua maioria, perceberam no
garimpo uma forma de amenizar a crise que os tocara. A presença das mulheres ficou
subordinada à figura das prostitutas, ou das comerciantes de bens de consumo (roupas,
alimentos, etc.), estas últimas acompanhadas de seus maridos. Pela exploração, os
garimpeiros tornaram-se escravos de empresas de mineração, ganhando praticamente o valor
referente à alimentação e alojamento.
Os seres humanos que rumaram para a Serra Pelada foram em busca de dinheiro,
desconhecendo muitas vezes as condições em que iam sobreviver. Pode-se dizer que o que
mais chama atenção na foto é realmente o confronto entre os grupos sociais. A imagem
chama-nos atenção para o embate, mas rapidamente somos convidados a desviar o olhar para
os indivíduos que estão à volta do policial e do garimpeiro. Com um plano mais fechado, e
com trabalhadores compondo o pano de fundo, Sebastião Salgado registra a discussão,
acalorada, ao que se percebe nos posicionamentos dos que a assistem do lado do policial, e
para quem está próximo do garimpeiro para ser mais uma das discussões acaloradas do
cotidiano tão hostil.
76
SALGADO, Sebastião. Trabalhadores 308/309. As minas são controladas por guardas-civis que têm um
salário ainda mais baixo que o dos carregadores; os conflitos são freqüentes. Os guardas fardados têm orgulho de
seu status e não querem ser considerados inferiores aos mineiros por causa de seus salários. Às vezes há brigas e
mortes: um guarda que tinha disparado contra um trabalhador foi apedrejado a a morte por carregadores
durante um desses confrontos. Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.
Dos cenários das fábricas na Europa, dos estaleiros na Ásia e das monoculturas na
América do Sul, Salgado direciona sua câmera para a luta das diferentes marchas do
Movimento dos Sem Terra (MST) em favor da propriedade da terra. A documentação
fotográfica sobre o MST deu origem ao livro Terra”, lançado simultaneamente no Brasil, na
Fraa, na Inglaterra e em Portugal. Acompanham o livro textos de José Saramago e um CD
com quatro canções de Chico Buarque (uma delas em parceria com Milton Nascimento).
Podemos perceber que o livro também possui, juntamente com fortes cenas de conflitos
políticos e lutas por conquistas de terras, legendas publicadas no fim do livro. Tal formato se
perpetuou nos livros posteriores. Desde Trabalhadores” as legendas objetivaram explicar o
contexto fotografado, identificando o lugar, a causa de um conflito e ou relatando sobre um
determinado sujeito fotografado.
Observamos que até este momento, as legendas se aprimoraram ainda mais, pois
houve a preocupação de detalhar a cena fotografada, agregando a ela os contextos sociais, ou
políticos ou culturais relacionados. EmTerra”, Salgado desenvolveu uma narrativa que
documenta não só a opressão, mas tamm sua resposta dialética: a luta coletiva. Nesse livro
77
de fotografias, o fotógrafo captura imagens da escola, da casa, da plantação, do envolvimento
religioso, bem como das reuniões dos sem-terra e das ocupações das fazendas.
“Terra” reserva um espaço maior para o nordeste, e somente algumas fotografias
representam o sul e o sudeste brasileiro. As fotografias indicam três grandes blocos que
evidenciam as diferenciações no território brasileiro, no que se refere à luta pela terra. O
primeiro se refere à conquista da terra, sendo representada pelos estados de Santa Catarina e
Paraná. O segundo representa as conseqüências de um êxodo rural. o Paulo é local
escolhido para tratar daqueles que migraram para a grande cidade. “É o espaço da
hibridização cultural, mas também da criminalidade e da desesperança” (Mauad 2002:19).
o terceiro evidencia o nordeste
59
brasileiro, através do Ceará, onde a luta não é
somente pela terra, mas tamm pela vida, lutando contra a seca e a mortalidade infantil.
Estes elementos podem ser vistos claramente nas fotografias de Salgado dos acampamentos e
dos assentamentos
60
, de forma a interpretar o cotidiano dos grupos que já conquistaram a casa
para morar e a terra para plantar, e aqueles que ficam nas beiras de grandes rodovias, debaixo
de tendas, à espera da concessão da terra pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA). Tais fotografias escolhidas estão em Terra” e já se encontram em
“Êxodos”. Elas representam na primeira obra os sujeitos da luta pela terra ou os integrantes do
MST, na segunda obra, elas trazem outro simbolismo: elas representam tipos de migrantes
fotografados por Salgado, os migrantes Sem-Terra. Salgado os mostra como sujeitos em
trânsito entre o mundo urbano e o mundo rural.
Parece que transitam em consonância com as marchas do Movimento, e com a
conquista da propriedade privada. Ambas as fotografias selecionadas trazem a relação da
família com o lugar onde vivem, assim como os meios de produção. A primeira foto
selecionada é de um acampamento. Nessa imagem, Salgado deu enfoque nos sujeitos,
deixando o local onde se encontram como pano de fundo. Em segundo plano, percebemos a
desorganização do que os acampados aprendem a chamar provisoriamente de lar: uma mulher
de, olhando ao seu redor, está de costas para o que está em primeiro plano. Aqui vemos um
59
Quando nos referimos a Nordeste, buscamos envolver os indivíduos que vivem no sertão e nas periferias,
como também os animais e as plantas que também resistem à seca. Em uma luta conjunta, encontram-se os seres
humanos e o meio ambiente local.
60
Acampamento é o local provisório, onde famílias que estão em busca de uma terra própria decidem ficar até
conquistá-la. Muitos acampamentos se formam com o objetivo de pressionar o governo à concessão das terras,
outros se formam para aguardar o sinal do INCRA para ocuparem a terra que muitas vezes ganharam na
justiça. Pode ser considerada uma significativa ferramenta de luta e persistência. Mas o que pode acontecer é um
acampamento durar mais de 10 anos, à espera da terra prometida. assentamento é uma área demarcada pelo
INCRA, para alojar famílias que lutaram e lutam pela posse da terra. O maior objetivo destas famílias é possuir
um lugar para viver e plantar. Presume-se que a maioria dos assentados possuía um elo com as práticas rurais.
78
casal com ares sombrios, sentados em meio às lonas pretas, o homem olha desolado para um
lado e a mulher parece ter o mesmo sentimento, mas olha em direção contrária à do homem.
Nenhum deles mira o fotógrafo, dando a impreso de que o que eles pensam é mais
importante do que a pose para o retrato.
Os indivíduos nos acampamentos estão alocados em casas em ruínas ou nas lonas, a
terra, ali, ainda o é sinal de fertilidade e prosperidade, o tempo é instável, inconstante. A
legenda que diz respeito à foto exposta confere apenas um cater informativo à imagem, sem
agregar tanto sentido a ela. O espaço fotográfico
61
dos acampamentos apresenta-se
demasiadamente conflituoso, como podemos perceber na relação entre a imagem e o texto
escrito referente.
61
Espaço fotográfico é um termo utilizado por Mauad (2002) para caracterizar tamanho, formato e relação com o
texto escrito, tipo, sentido, direção, distribuição dos planos (profundidade de campo), objeto central, arranjo e
equilíbrio, impressão visual e iluminação.
79
SALGADO, Sebastião. Êxodos - p.300. [...] invasão de
camponeses sem-terra dos 70 mil hectares da Fazenda
Giacometti, a maior propriedade do Paraná As 3 mil famílias
que acabaram invadindo a terra criaram um fato consumado,
que foou o INCRA a reexaminar o caso. A área é suficiente
para assentar 4 mil falias e gerar mais de 8 mil empregos.
Paraná, Brasil, 1996.
nas fotografias sobre o assentamento rural, é possível perceber um espaço
fotográfico mais harmônico. A legenda que acompanha a próxima foto não possui um cater
descritivo, ela explica e complementa o conteúdo da foto. Isso a transforma em um importante
indicador de diferenciação entre assentamento e acampamento, como é possível acompanhar
observando a primeira foto (acima) e a segunda foto (abaixo).
O local geográfico escolhido da segunda foto foi outra fazenda do Paraná, mas o
espaço dos objetos come a imagem da casa organizada e limpa, a família é composta pelo
homem, pela mulher e pelos filhos, todos são de pele clara, e possuem semblantes saudáveis e
tranqüilos. Os olhares de todos ali, na foto, estão fixos na lente do fotógrafo.
80
SALGADO, Sebastião. Êxodos - p.302. Conquista na Fronteira é um exemplo de sucesso na longa luta
pela reforma agrária no Brasil.O assentamento de 1.200 hectares na cidade de Dionísio Cerqueira, em
Santa Catarina, abriga hoje sessenta famílias que formaram uma cooperativa. Elas cultivam mate, frutas,
milho e outros cereais em lotes individuais, mas a comercialização dos produtos é feita pela cooperativa.
Esta possui setecentas cabeças de gado e também montou uma pequena fábrica que produz camisetas e
jeans, dando emprego para muitas mulheres de Conquista na Fronteira. Essas atividades transformaram o
nível de vida dos novos assentados e demonstram que os antigos sem-terra podem participar da economia
de mercado. Santa Catarina, Brasil, 1996.
3.3 Em primeiro plano: “Êxodose o mundo da maioria
De acordo com Salgado, foi a partir da pesquisa feita para Trabalhadores” que
inspirou a elaboração e a execão do projeto sobre o movimento das populões, intitulado
“Êxodos”. Aproximamos, então, da sua principal publicação.
Para a elaboração das fotografias desse livro, Salgado viajou por seis anos,
fotografando os movimentos migrarios de 40 países diferentes, da Rússia à Guatemala, da
Namíbia ao Japão. Em cada um desses locais, Salgado retratou diferentes indivíduos e
situações, e questionou, por meio da fotografia, o sentido da migração, com o objetivo de
chamar a atenção para os efeitos da globalização.
A forma como o fotógrafo questionou as migrações contemporâneas está presente no
seu estilo fotográfico. Ele se utilizou de planos fechados, para retratar as pessoas e planos
abertos para evidenciar o ambiente natural, como florestas, plantações e amesmo ambientes
das grandes cidades. Além disso, como Salgado enfatizou em seu discurso, ele buscou unir,
81
em uma única história, todos os seus migrantes, provocando uma interpretação de que todos
eles encontravam-se em uma mesma situação de miséria. Isso é perceptível quando fotos de
diferentes lugares estão dispostas na mesma página, por exemplo.
Salgado também questionou as migrações do ponto de vista dos migrantes pobres,
advindos dos países periféricos, estagnados em prisões nas fronteiras, nas filas para pedir asilo
político, nos campos de refugiados e no meio de um percurso. Tal escolha por esses
fotografados, juntamente com a sua técnica, pode facilmente evidenciar os malefícios da
globalização econômica descarregados principalmente naqueles que estão à margem da
sociedade. Assim como complementa Salgado ele pensou em “[...] fotografar a humanidade
em trânsito para incentivar a justiça social. [...] todos falam da globalizão em cifras
econômicas, mas ninguém fala daqueles que o severamente atingidos pela globalização
econômica e cultural” (Salgado, 2000)
62
.
É o próprio Sebastião Salgado quem escreve:
Este livro conta a história da humanidade em trânsito. É uma história
perturbadora, pois poucas pessoas abandonam a terra natal por vontade
própria. Em geral, elas se tornam migrantes, refugiadas ou exiladas
constrangidas por forças que não têm como controlar, fugindo da pobreza, da
repressão ou das guerras. [...] Viajam sozinhas, com as famílias ou em
grupos. Algumas sabem para onde estão indo, confiantes de que as espera
uma vida melhor. Outras estão simplesmente em fuga, aliviadas por estarem
vivas. Muitas não conseguirão chegar a lugar nenhum (Salgado 2000:7).
A concepção de Salgado sobre as migrações reflete nas suas fotografias de grande
apelo sensível, evidenciando a beleza na fragilidade, na resistência e na degradação humana
(gras à condição do Outro fotografado). Como comentado anteriormente
63
, os migranteso
fotografados em trânsito, em um ponto de partida, mas a maioria das fotos não mostra o ponto
de chegada de nenhum deles.
Podemos considerar Êxodos” o maior projeto fotográfico da carreira de Sebastião
Salgado até o momento, pois reúne a publicação do livro, com fotografias inéditas e de
trabalhos anteriores, um relato de viagem e um programa educacional, e uma maior projeção
na mídia. Como estratégias de divulgação, Salgado publicou, durante o desenvolvimento do
projeto, reportagens em importantes jornais do mundo: The New York Times” (EUA), The
62
Ver Programa Roda Viva, entrevista a Sebastião Salgado, realizada no dia 17/04/2000.
63
Vide Capítulo I.
82
Independent” (Reino Unido), El País” (Espanha). Nas revistas: Time” (EUA), “Paris
Match” (Fraa), “Stern” (Alemanha) e Visão” (Portugal). Am da divulgação impressa, a
exposição de suas fotografias aconteceu simultaneamente nas principais megalópoles do
mundo. No livro, para cada cena registrada, existe uma legenda com informões sobre o
contexto abordado. No entanto, o plano verbal (as legendas) encontra-se no final do livro.
Podemos dizer que o conjunto de legendas representa parte do seu relato de viagem, onde é
possível perceber os caminhos traçados pelo fotógrafo e as diversas realidades encontradas
por ele. Elas são, em sua maioria, descritivas e informativas.
Em algumas das legendas, há o predomínio da função de informar o leitor sobre o
acontecimento que está por trás da fotografia, em outras a informão encontra-se com a
descrição da foto e com algumas opiniões do fotógrafo sobre o fato. É o que podemos
perceber nas fotos expostas abaixo. Aqui as legendas encontram-se integralmente descritas,
para garantir integralmente nossos questionamentos e reflexões. A primeira foto possui uma
legenda que pode ilustrar muito bem o contexto em que os refugiados africanos passam em
decorrência dos conflitos étnicos, por meio da imagem da mulher com um feixe de lenha nos
braços em primeiro plano e o campo de refugiados sem árvores em volta, onde se somente
barracas.
SALGADO, Sebastião. Êxodos - p.200. A área em torno de Goma era arborizada até a chegada em
massa dos refugiados, que logo começaram a cortar as árvores para fazer fogo. Com o desmatamento,
os refugiados tinham de ir cada vez mais longe obter lenha para cozinhar e aquecer-se. Zaire (atual
República Democrática do Congo), 1994.
83
a segunda foto, possui uma legenda que vai além da descrição da cena capturada,
possuindo informões adicionais, consideradas importantes para os possíveis observadores
entenderem ainda mais o contexto que envolve a imagem. A foto sozinha é conceitual,
poética, pois permite ainda mais interpretações de quem observa. Se não fosse pela legenda
para trazer para uma dada realidade. A legenda desta foto vai além da descrição da foto.
Podemos dizer que a imagem está a serviço de dados estatísticos, além das opiniões enfáticas
e pouco aprofundadas do fotógrafo. Aqui, ele cita dados geográficos que seriam possíveis
de a confirmação se visualizássemos um mapa da região, bem como dados sociológicos que
dizem respeito a pesquisas anteriores no momento de captura da imagem.
SALGADO, Sebastião. Êxodos - p.275. Quase todas as aldeias da província de Imbabura, no Norte do
Equador, tiveram a mesma sorte das províncias do Sul e do Centro do país: os homens migraram,
deixando as mulheres e as crianças lutando pela sobrevivência, enquanto esperam que seus maridos e pais
voltem uma ou duas vezes por ano com mantimentos e dinheiro. De acordo com pesquisadores da
Faculdade de Ciências Sociais da América Latina (FLACSO), os camponeses relutam em partir para as
cidades, pois sabem das dificuldades que os aguardam. Como afirmou José Cachimuel, da Conferência
dos Bispos Equatorianos, os migrantes encontram muita dificuldade para arranjar emprego nas cidades,
pois são pouco qualificados. Os únicos trabalhos disponíveis são os de diarista na construção civil, sem
nenhum direito aos benefícios sociais e expostos a taxas elevadas de acidentes. Muitos dormem em
barracos erguidos por parentes e costumam se alimentar mal. A mudança também provoca um grave
choque cultural, e os migrantes logo se adaptam à vida urbana. O quíchua, a língua indígena, é substituída
pelo espanhol, ao mesmo tempo em que mudam o de vestir e a alimentação. Mas também fazem enormes
sacrifícios, tentando economizar o máximo para mandar dinheiro para as famílias que ficaram nas aldeias.
Província de Imbabura, Equador, 1998.
84
Desde Trabalhadores” o fotógrafo utiliza esse suporte. Para uma composição mais
fiel às fotografias, Salgado sugere as legendas, considerando que o envolvimento ideológico
com o tema das reportagens é fator fundamental em sua carreira. Como supõe Moura,
partindo de uma observação ampliada da relação das legendas com as fotografias:
[...] nas obras de Sebastião Salgado, uma das funções das fotografias é
ilustrar o texto verbal, servindo como elemento de credibilidade. Por
outro lado, as legendas referentes às fotografias orientam a
interpretação, construindo uma espécie de barreira que impede a
proliferação dos sentidos conotados, isto é, limita o poder de projeção
da imagem (Moura 2004:15).
Ou seja, o plano verbal (as legendas, as introduções, os prefácios e outros textos)
“conduz o leitor por entre os significados da imagem, fazendo com que ele se desvie de
alguns e assimile outros; [...] o sentido, assim, um teleguia em direção a um sentido escolhido
a princípio” (Barthes apud Moura, idem). Como estruturação da obra, Salgado a apresenta em
quatro catulos abrangentes. Em cada capítulo existem partes que remontam as diferentes
situações em que se encontram os seus migrantes.
O primeiro capítulo é denominado de Migrantes e refugiados: o instinto da
sobrevivência” e introduz a tetica das migrações, pois aponta e distingue as diversas
formas das migrações e suas conseências. Inicia-se com uma foto, em plano aberto,
64
de um
rio e sua margem cheios de pessoas e embarcações- o rio “Suchiate” demarca parte da
fronteira entre a Guatemala e o xico, é a linha divisória entre a América Central e a
América do Norte. A imagem simboliza, assim, a tentativa de saída dos migrantes, a cruzada
das fronteiras, a precariedade que os migrantes de Salgado se encontram.
Nesse capítulo existem fotos dos refugiados políticos, dos migrantes por queses
econômicas, das fugas de países em decorrência de conflitos étnicos. De forma abrangente,
Salgado expõe desde a travessia do xico (percursos feitos por migrantes latinos em direção
aos Estados Unidos-EUA) e a fronteira entre EUA e México, o estreito de Gibraltar e a
separação de realidades distintas, caminhos da ssia a a América, a imigrão vietnamita,
os afeganeses deslocados pela guerra, os palestinos no Líbano, a agonia dos curdos, a o
drama dos refugiados da Ex-Iugoslávia.
64
Ver Sebastião Salgado. Êxodos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
85
A última foto do capítulo é a de um grupo de ciganos de Kosovo que fugiam da
milícia rvia e também da ameaça feita pelos separatistas albaneses. A foto mostra os rostos
dos sujeitos fotografados, onde o destino de todos foi a Itália, país que, segundo informações
da legenda dessa foto, historicamente o recebe de forma o amistosa a forma de viver e de
relacionar dos ciganos. O segundo capítulo é dedicado integralmente ao continente africano.
Ele é intitulado de A tragédia africana: um continente à derivae agrega fotografias que
expressam os desequilíbrios ambientais, as desigualdades sociais e os conflitos étnicos do
continente Africano.
Neste capítulo o foco está nas migrões entre o próprio continente e entre regiões.
Podemos dizer que são as fotos mais trágicas, pois Salgado evidencia os vestígios da morte e
também da guerra. Os planos abertos aparecem quando Salgado retrata os inúmeros campos
de refugiados por onde passou, tendo na maioria deles a presença de milhões de pessoas.
A situação de alguns pses da África aparece na obra de Salgado por meio de
fotografias sobre as freqüentes secas que atingem grande parte do povo do Sul do Sudão;
sobre a busca por refúgio dos ruandeses na Tanzânia (em decorrência do conflito étnico entre
Tutsis e Hutus), na região de Goma, no Zaire (permanece a contínua busca dos ruandeses por
um local para viver longe da guerra).
SALGADO, Sebastião. Êxodos –p.171. Ruandeses rumando para o campo de refugiados na região de
Ngara, em território tanzaniano. Tanzânia, 1994.
86
Fotografou também a real situação de Angola, pois, a princípio, é considerado um dos
países mais estáveis da África. De forma a desconstruir tal discurso, Salgado fotografou como
viviam os refugiados, no país em que a guerra deixava resquícios armados pelo chão em
forma de bombas. Ele voltou-se para as questões emergenciais dos refugiados do lugar. Por
fim, Salgado fotografou a repatriação dos moçambicanos, indicando pelas fotografias o
princípio do percurso de volta para os locais de origem, sem evidenciar onde e como seria a
volta para a casa.
O fotógrafo se dedica em fotografar e relatar com mais micia o conflito étnico em
Ruanda. Das sete partes do capítulo, quatro são para a demonstração dos fluxos migratórios
dos ruandeses em meio ao conflito. Também nos chama atenção a forma como se encontram
os sujeitos fotografados. As situações de conflito o representadas pelos indivíduos que com
rostos expressando desespero, desolação e até mesmo indiferença. Para aqueles que o
fotografados caminhando rumo a um local seguro das milícias, são perceptíveis o
carregamento de pouquíssimos pertences e nenhuma estrutura para respaldar o percurso. A
maioria movimenta-se à pé.
SALGADO, Sebastião. Êxodos –p.178. A maioria dos refugiados só consegue levar uma parte ínfima de
seus pertences. Felizmente, porém, alguns levam seus instrumentos de trabalho, como esta máquina de
costura, que servia para consertar roupas rasgadas na fuga para o exílio e para fazer roupas e tendas de
plástico. Tanzânia, 1994.
87
Para aquelas fotos de pessoas que já se encontram nos campos de refugiados, como a
indicada acima, Salgado enfatiza a precariedade como estão alojados, por meio de barracas
frágeis e pequenas o suficiente para quebrarem por causa de uma chuva branda. Além disso,
ele fotografa algumas cenas do cotidiano que o bastante significativas para
compreendermos a tentativa de sobrevivência perante a adversidade da destituição de um lar e
de algumas famílias.
os sujeitos que estão retornando para suas casas em Mambique, após um longo
tempo nos campos de refugiados, em sua maioria localizados na Tanzânia, o fotografados
por Salgado por outro viés. A luz mais clara das fotos, a escolha por fotos diurnas com dias de
sol foi um recurso técnico para ressaltar a boa notícia para os refugiados de voltarem para o
local de origem. Percebemos a empolgação no rosto dos fotografados, os quais vestem roupas
limpas, e também estão juntos, como uma família. Outro objeto que já aparece, aqui, o as
casas e as pessoas dentro delas, antes invisíveis nas fotografias sobre os conflitos na África.
O terceiro capítulo foi chamado de “A América Latina: êxodo rural, desordem urbana
e contém fotos do Brasil, Peru, Bolívia, Equador e xico. É aqui que presenciamos um
pouco do trabalho já desenvolvido por Salgado em Outras Américas”, novamente trazendo à
tona a sua América Latina rural e as problemáticas que as envolvem. O capítulo traz, assim,
fotografias sobre o êxodo rural e a urbanização caótica das grandes cidades, a luta pela terra e
pelos territórios indígenas. Especialmente nesse catulo, Sebastião Salgado inicia discutindo
e refletindo sobre a situação dos índios da Amazônia brasileira frente às disputas de território
com grileiros, fazendeiros e madeireiros.
Logo em seguida presenciamos uma rie de fotografias remetendo ao bucólico e ao
idílico do índio brasileiro, como se o fotógrafo utilizasse o vestígio frágil das civilizações pré-
colombianas, construindo uma nostálgica alusão ao passado. A primeira foto diz muito a esse
respeito: é de uma jovem índia Ianomâmi, na maloca em Hayahora, em Roraima. Mas a
paisagem seria completamente rontica, como as epoias de Jode Alencar, se o fosse
a presença, ou a interferência, do cachorro, o qual é o símbolo da domesticação.
88
SALGADO, Sebastião. Êxodos –p.251. Uma jovem Ianômami na
maloca, em Hayahora, uma das numerosas aldeias Ianômamis do
distrito da serra das Surucucus. Cada aldeia tem de trinta a 150
habitantes; as cerca de quarenta aldeias da serra das Surucucus, com
população de 4 mil indivíduos, constituem uma das principais
concentrações Ianomâmi no Brasil. Pouco menos da metade dos 22
mil Ianomâmi remanescentes encontram-se no país;os demais vivem
na Venezuela. No Brasil, distribuem-se por cerca de duzentas
comunidades, espalhadas em um território de 94.200 kilômetros
quadrados. Nem todas as aldeias mantêm contato direto entre si, mas
estão interligadas por uma trama cultural que se estende por uma
ampla rego em ambos os lados da fronteira. Roraima, Brasil, 1998.
Ao que tudo indica as fotografias dos indígenas brasileiros iniciam uma narrativa
sobre a degradação social e ambiental do Brasil e de alguns países fotografados da América
Latina. Isso se explica ao percebermos a disposição de uma rie de dez retratos de indígenas
e de seus ambientes de convincia e trabalho, no início do capítulo. Após esse conjunto de
89
fotos, a narrativa de “Êxodos” conduzem-nos para a deterioração e a desagregação disso, onde
o ponto de culminância são as fotografias das grandes cidades,finalizando o capítulo.
Diante da seleção destas imagens, passa-nos uma disjunção, entre imagens idílicas de
famílias indígenas reunidas em volta de piscinas naturais na floresta e as legendas que
remetem a elas. Há, aqui, uma inversão, pois no momento em que as fotografias expõem o
cotidiano dos índios, todos em harmonia com o ambiente onde vivem, as legendas descrevem
a badedo paraíso: “as culturas nativas têm sido empurradas à beira da extinção pelas
doenças e invao, a devastação da floresta as tem levado à erosão da qual o tem retorno”.
(Salgado apud Mraz 2006:5).
As legendas agregam ainda mais valor às imagens, pois contribuem para entendermos
um pouco mais os tipos de fluxos migratórios expressados nas fotografias. Podemos supor
que os fluxos migratórios que estão subjetivamente expostos são aqueles ora provocados
pelos costumes das tribos mades, ora provocados em detrimento do confronto com
fazendeiros, grileiros e amadeireiros. Notamos que os fluxos o estão materializados nas
imagens, como os do continente africano, mas estão descritos nas legendas.
Após as imagens dos índios da Amazônia brasileira, es a parte dos territórios
camponeses de países da América Latina (Equador e México), onde se repetem as fotos
expostas emOutras Aricas”, tendo a luta pela terra e o êxodo rural como relevante. Como
exposto anteriormente, as maiores causas das migrações na América Latina o por
questões econômicas, é o que presenciamos no Brasil, no México e também no Equador. De
uma forma mais ampla, o movimento ainda preponderante nesses locais é a saída do campo
para a cidade, seja pelo crescimento das agroinstrias, pelo empobrecimento da terra, seja
em busca do aprimoramento educacional dos jovens.
A parte que segue diz respeito ao sem-terra, o de fotografias expostas em “Terra
e já comentadas anteriormente. Para Salgado, os camponeses sem-terra e suas famílias
formam estranhas cidades rurais”, algumas com mais de 10 mil habitantes, isso parte da
campanha para obter um lote para plantar. Além da luta pela terra, Salgado apresenta
fotografias que também trazem a questão da moradia como ponto central, mas nestas o motivo
é a perda da moradia, por conta de uma castrofe ambiental (o Furacão Mitch).
Para a parte das fotografias sobre a cidade, Salgado reserva as últimas páginas do
capítulo, a fim de representar o espaço da cidade como sinônimo da abundância de elementos
negativos e nocivos à convivência humana.
90
SALGADO, Sebastião. Êxodos –p.316. Vista aérea dos novos bairros que fazem parte da Grande Cidade
do México. Até uma antiga pedreira foi urbanizada. Cidade do México, 1998.
As imagens citadinas de Sebastião Salgado possuem, em sua maioria, planos abertos,
de forma a produzir a idéia da grande área ocupada pelos prédios e pelos intensos fluxos de
pessoas. É o que percebemos na foto acima. Para Salgado, a cidade é o espaço de perdas e
ganhos, ou seja, os indivíduos migram do campo para a cidade em busca de melhores
condições de vida, mas encontram dificuldades de posicionamento social e também
econômico; ao mesmo tempo em que se deparam com elementos de diferentes culturas.
Assim, emergem novas formas de relacionamento com o local e seus significados: “[...]
deixam de ser trabalhadores para tornarem-se marginais desterrados(Salgado 2000:23).
Tais elementos materializam-se em fotografias de prédios em construção, de um
orfanato superlotado, de meninos de rua tanto do Brasil como do México, bem como de
‘lixões’, o qual seria o último sinal deixado pelos que moram na cidade. Em meio ao ‘lixão
também vivem e trabalham os cidadãos. Mais uma vez o discurso de Salgado de unir todos os
seus fotografados em uma mesma situação de miséria aparece para enfatizar a recomposição
da família humana”. Salgado argumenta que ele crê que sua fotografia seja o vetor para a
provocão da discussão e da mudança sobre as condições de uma grande parcela da
população
65
. Isso pode ser percebido nas fotografias sobre os ‘lixões’ das grandes cidades,
65
Ver www.terra.com.br/sebastiaosalgado
91
uma foto do lado da outra, sendo que uma foi feita em o Paulo (Brasil) e a outra foi feita na
cidade do xico (México), além de repetir certos componentes nas fotografias, como a
presença dos cavalos nas fotos. Nestas fotos a idéia de unicidade tem sentido, ao levarmos em
consideração que os problemas de grandes cidades o recorrentes, pois toda grande cidade
agrega culturalmente e socialmente indivíduos vindos de locais diferentes, criando um
ambiente onde emergem fenômenos de entrelaçamento de culturas e também de conflitos.
Tais entrelaçamentos materializam-se nas organizações sociais, no choque entre
grupos e tamm no estabelecimento de hierarquias sociais, bem como na arquitetura e nos
problemas logísticos referentes à urbanização. Como é o caso do problema do descarte do lixo
e a criação de um meio de vida por meio do descarte. Isso é perceptível nas fotos abaixo.
SALGADO, Sebastião. Êxodos –p.318. O lixo nas cidades pobres do Terceiro Mundo proporciona
trabalho para os mais desfavorecidos, que recolhem vidro, metal e tecido para reciclagem. Em muitas
cidades, a coleta de lixo também um negócio lucrativo, com freqüência dominada por grupos mafiosos.
Na Cidade do México, esses grupos, tradicionalmente próximos, também controlam os trabalhadores
que selecionam o lixo e, em alguns casos, vivem em barracos no meio do lixo. O depósito de lixo de
Netzahualcóyotl visto nestas fotos, é típico dos da Cidade do México. Cidade do México, México,
1998.
Podemos dizer que a acumulação de lixo é um problema emergencial contemporâneo
presente, mesmo que em proporções diferenciadas, tanto no campo como na cidade. Quando
também nos deparamos com a próxima imagem, também associamos a uma cena urbana, pois
92
no segundo plano encontram-se prédios altos, presentes no cotidiano de uma cidade. No
primeiro plano percebemos um resquício de natureza, até mesmo atípica ao que tal palavra
nos remete, ou seja, belas paisagens em harmonia. Dois cavalos e centenas dessaros
convivem em meio a pilhas de lixo, se alimentam das sobras da cidade.
Os tons da fotografia trazem mais uma vez a dramaticidade para a cena,
proporcionando uma sensação de miséria, abandono. Ao analisarmos a fotografia percebemos
que Sebastião Salgado se encontra distante da paisagem, como se não quisesse se aproximar
daquela realidade. Tal distanciamento tamm afasta o resto da cidade de tudo o que remete
ao lixo: ele desaparece” das proximidades dos bairros, das praças e de outros espaços de
lazer, mas se aproxima daqueles que habitam perto dos lixões e utilizam-no como fonte
geradora de renda.
Como indica a fotografia, a presença do ser humano na segunda foto não é
objetivamente clara, mas se nos propusermos a percorrer os caminhos oferecidos pela imagem
fotográfica, é possível afirmar que a presença do ser humano ali é subjetiva, pois ele o está
presente, enquanto objeto, na fotografia, mas sim como o agente transformador da paisagem.
SALGADO, Sebastião. Êxodos p.319. Depósito de lixo perto de São Paulo. Brasil, 1996
Finalmente, o quarto capítulo apresenta mais fotografias sobre as cidades, conferindo
sentido às formões das megalópoles asiáticas. De acordo com os relatos de Salgado, um
93
alto potencial de desenvolvimento desses locais. Percebemos tal discurso no predomínio de
fotografias em planos abertos, a maioria ocupando duas ginas do livro. Aqui, é possível
conhecer um pouco das tribos ameadas do Sul de Bihar, na Índia; a luta pela sobrevivência
em Mindanao, nas Filipinas; nas minorias étnicas do Viet; finalmente as cidades asiáticas,
como o Cairo, Jacarta e Bombaim.
Partindo, portanto, da observação de todas as etapas que compuseram a obra
“Êxodos”, podemos perceber que O imaginário se tornou personagem da história
contemporânea. É preciso imaginar a imagem para poder ver nela o que de fato ela quer dizer,
para construir sua identidade” (Martins 2008:149). Foi preciso observar diversas vezes a
mesma fotografia para buscar interpretar quais eram os signos e as simbologias presentes
nela. Mas devemos ressaltar que a existência do livro de legendas e do relato da viagem de
Salgado, foi essencial para a compreensão das fotografias.
Dentre as observações sobre o espaço fotográfico, Mauad (2002) argumenta que o
ordenamento das imagens do livro, supõe uma narrativa que fica evidenciada, na leitura das
legendas. Levamos em consideração que a disposição das fotografias em partes, localizadas
dentro dos capítulos, foi um recurso pertinente para a construção da narrativa (mensagem
visual). Em cada parte, as fotografias construíram uma narrativa, aos olhares de quem
observa. No momento em que há a visualização e a compreensão do discurso sobre os
diferentes tipos de migrações abordadas, a sinalização para uma narrativa que reúne todas
as partes e todos os capítulos.
Tal narrativa encontra-se relacionada com o discurso do fotógrafo que permeia toda a
obra: refletir como as fotografias podem evidenciar que todos os migrantes de Salgado estão
numa mesma situação de miséria. Assim como argumenta Martins (2008), todo o discurso
ideológico de exclusão social que também tem estado em manifestações de Sebastião
Salgado, é um discurso de integração, e não de contestação. Aliás, as fotos de Salgado em
“Êxodosnos falam justamente disso em diferentes lugares do sofrimento do mundo: a saída
da realidade e de situações que se tornaram iníquas, indeseveis, insuportáveis.
Ao aproximar realidades, Sebastião Salgado pode deslocar o tempo e o espaço
vivenciado pelos fotografados, trazendo-os para o tempo e o espaço delimitado pelo
fotógrafo. As similitudes encontradas por Salgado nas fotografias o podem, por isso, diluir
as diferenças culturais e econômicas, como também as especificidades dos diferentes tipos de
fluxos e de causas migratórias.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
95
Os países denominados em desenvolvimento possuem altos índices de emigração,
sendo as questões econômicas uma das maiores causas migratórias. Como se o bastasse a
migração para outros países e continentes, existem os intensos fluxos de migrações internas.
Além de comportarem tais aspectos, são os países em desenvolvimento que acolhem muitos
migrantes, advindos de países em conflitos, seja econômico, cultural ou por crises ambientais.
Segundo dados da ACNUR, o as nações mais pobres que recebem os contingentes mais
importantes: a República Democrática do Congo abriga a300 mil pessoas, e 1,7 milhão se
acrescentarmos a população deslocada; a Síria, mais de um milhão; o men, cem mil; a
Tanzânia, cerca de 500 mil; o Paquistão, mais de um milhão e a Jordânia, entre 2,3 e 2,5
milhões.
Tais pses são abrigo para os deslocados, os refugiados, os apátridas. A receão de
todas estas categorias de migrantes é de responsabilidade desses países e o subsídio financeiro
e logístico muitas vezes vem de países desenvolvidos, por intermédio das Nações Unidas e da
sua rede de Organizões. Os pses que mais contribuem o os da União Européia, Estados
Unidos e até Japão e são também os que mais atraem os migrantes, principalmente os que
migram por conta da aquisição de emprego e maiores salários. Mas as políticas de controle à
migração são cada vez mais severas. Assim, subsidiar o abrigo de milhões de pessoas nos
países em desenvolvimento parece uma forma de amenizar e até coibir as correntes
migratórias, rumo às fronteiras dos países desenvolvidos.
Os movimentos das populações intensificam-se na medida em que há o aumento da
iluo de mobilidade social, principalmente quando ela é constituída no momento da
globalização econômica. De acordo com Escobar (2005), tanto a modernidade como o
desenvolvimento são projetos espaciais e culturais que exigem a conquista incessante de
territórios e povos, assim como sua transformão ecológica e cultural na consonância com
uma ordem racional logontrica. O deslocamento, ou “desplazamento” forma, portanto, parte
integrante da modernidade eurontrica e do desenvolvimento revestindo, depois da II
Segunda Guerra Mundial, a Ásia, a África e a Arica Latina.
Além disso, a soma de conflitos culturais e políticos, que se alastram em regiões dos
continentes, pode ser considerada a propulsora das migrações forçadas. Sendo assim, não
somente os refugiados encontram-se fragilizados nesse processo, mas também aqueles que
foram obrigados a abandonarem seus lares, seus meios de vida, essas pessoas vivem o destino
dos emigrantes forçados sem poderem pleitear esse estatuto: estão exiladas’ no seu próprio
país. Podemos apontar os países da Colômbia, do Iraque, da República Democrática do
96
Congo, do Azerbaijão e do Sudão como os que comportam o maior número de deslocamentos
em terras do próprio país.
Os deslocamentos na Colômbia, em especial, ocorreram com maior intensidade a
partir de 1998, quando grupos armados de guerrilheiros esquerdistas e paramilitares de direita
penetraram em muitas regiões da Colômbia. O terror e os deslocamentos tem por finalidade
desarticular os projetos das comunidades, quebrar sua resistência e, provavelmente, realizar
seu extermínio, o qual se facilitado pela utilização cada vez maior de armas de fogo
(Escobar 2005:54). E o destino da maioria das populações deslocadas é a capital Bogo, o
que também contribui para o inchaço populacional, para o aumento de pessoas nas ruas e
também do desemprego e da violência.
Mas além dos deslocamentos por conflitos, presenciamos também os deslocamentos
gerados por crises ambientais. Aqueles indivíduos que vivenciam tais deslocamentos o
denominados de refugiados ambientais. De acordo com declarações do integrante da direção
do ACNUR, Antônio Guterres (2008), os grandes empreendimentos, como as barragens, os
centros industriais e as agroinstrias, por exemplo, também forçam o deslocamento de 10 a
15 milhões de pessoas anualmente. Nas mudanças vinculadas a problemas ambientais, as
escalas de grandeza são ainda maiores: em 2006, 145 milhões de pessoas foram atingidas, de
acordo com o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (Centro de pesquisas
sobre a epidemiologia dos desastres).
O êxodo rural está historicamente presente na realidade latino-americana, e assim
continuamos presenciando cenas de migrões campo-cidade: quantas centenas de milhares
de camponeses mexicanos, produtores de ervilha, milho ou feijão, o conseguem enfrentar
mais a concorrência dos produtos americanos, fartamente subsidiados, e tiveram que
abandonar sua plantação, deixar sua terra e mudar-se justamente para os Estados Unidos,
sobrevivendo em grande parte de forma clandestina.
Ainda sobre a América, apontamos outros fatos recentes como o desastre natural
“Furacão Katrina”, que atingiu cerca de 400 mil vítimas e muitas dessa ainda encontram-se
em abrigos no Sul dos Estados Unidos da América; tambémo poderíamos deixar de
mencionar as migrões decorrentes do desenvolvimento de grandes plantações e da
implantação de pastos para gado em grande parte da região amazônica. Consideramos que as
formas de deslocamentos podem estar relacionadas com causas econômicas, o que deixa o
contexto ainda mais complexo, sendo difícil distinguir um migrante econômico de um
migrante simples ou um refugiado. No quadro dessas movimentações migratórias bridas”,
97
é, portanto, delicado garantir uma assistência e uma proteção eficientes. Diante das intensas
transformações no campo das migrações, o ACNUR admite encontrar dificuldades para obter
os números precisos, mas pode-se considerar que os deslocamentos vinculados aos grandes
empreendimentos e aos desastres naturais são de cinco a dez vezes mais significativos do que
aqueles gerados por conflitos.
No total, quaisquer que sejam suas causas, os deslocamentos envolvem entre 100 e
200 milhões de pessoas. “Está na hora de medirmos as conseqüências da globalização e da
liberalização do comércio sobre os deslocamentos forçados de populações”
66
(Guterres
apud Rekacewicz 2008:4). Isso pode indicar a preocupão com essa situação atual, mas até o
momento ele acrescenta que a Organização encontra dificuldades de identificar esse tipo de
migrante, o que dificulta abarcá-lo nas leis regentes.
Por essas raes e dificuldades encontradas pelos deslocados e todos os indiretamente
envolvidos, consideramos pertinente ressaltar tais aspectos dessa categoria emergente e que
ainda não é favorecida pelas leis internacionais de proteção aos refugiados. Os fatos acima
mencionados fazem parte de um conjunto de acontecimentos muito recentes, mas as suas
causas têm como origem as problemáticas sociais de cadas atrás. É nacada de 90 que nos
damos conta das conseqüências deões políticas passadas e observamos uma série de
mudanças nos fluxos migratórios, ainda presentes no período atual.
Acreditamos que Sebastião Salgado estava atento a isso, e buscou deixar suas opiniões
impressas na série de fotografias de “Êxodos”, am de discursar sobre a importância de se
documentar a “recomposição da família humana”. Tanto que seu discurso se assemelha com
os das organizações de assistência aos migrantes. As migrações contemporâneas, para ele, têm
sentido no momento em que ele argumenta que a globalização, conceito latente nesse período,
corrobora com o aumento dos fluxos migratórios, tanto aqueles existentes dentro do próprio
país, quanto os que ultrapassam as fronteiras nacionais e até continentais. Para ele, o os
migrantes mais desfavorecidos que sofrem com as fronteiras impostas pela globalização.
Nas fotografias de Êxodos foi possível identificar as causas e as conseqüências dos
diferentes tipos de migrações (ecomicas, refugiados, exilados, deslocados). Salgado, em
vários momentos de sua fala, levando em consideração as entrevistas analisadas, em conjunto
com as fotografias, afirma que sua intenção é mostrar que a realidade dos migrantes pobres e
mais desfavorecidos é uma só, pois todos se encontram numa mesma situação de miséria.
66
Disponível em http://diplo.uol.com.br/2008-03, a2299.
98
Mas ao mesmo tempo em que critica tal sintoma, o fotógrafo nivela todos os seus
migrantes a uma mesma condição, alocando-os em um único livro, onde a intenção de
construir uma narrativa. Mauad (2002) enfatiza tal paradoxo, ao identificar a existência do
paradigma
67
do local e do global na fala e nas fotografias de Sebastião Salgado, pois os
trabalhadores daqui, os injustiçados daqui são também os de ”.
As fotografias, isoladamente, comunicam sobre a existência da diversidade, em meio à
generalização instruída por Salgado. Ela é percebida nas diferentes etnias fotografadas ao
redor do mundo, nas vestimentas, nos objetos que os migrantes carregam consigo, na estrutura
dos abrigos, ou campo de refugiados. Ela tamm é evidenciada nos tipos de migrantes, nas
causas dos deslocamentos e também nos conflitos fotografados. Além das fotografias, as
legendas pertencentes a cada foto, mostram os fatos que se referem a elas.
Podemos perceber que existe uma narrativa fotográfica que perpassa toda a obra e a
existência de pequenas narrativas, referentes aos conteúdos de cada capítulo. A que perpassa a
obra trata de expor a situação dos migrantes de determinados países do mundo, o que se
evidencia ao aproximar realidades, a partir de ângulos e planos semelhantes, dispondo as
imagens em uma mesma gina. Tal proximidade desperta em s, observadores, a idéia de
uma grande história- a do êxodo. Foi possível perceber que, para cada capítulo, são
apresentados os pontos dessa tessitura, pois cada um possui uma tetica diferenciada
(migrações econômicas, conflitos étnicos, êxodo rural e deslocamento forçado, e, finalmente,
a urbanização acelerada e a relação campo-cidade). Aos analisarmos os capítulos
separadamente percebemos que torna-se visível a presença de quatro obras em um único livro.
Ao explorar as potencialidades de cada capítulo percebemos a existência de uma
diversidade latente. Ela está presente no discurso visual de Salgado, e nas legendas, mas o
em sua alise sobre sua própria fotografia. Nas narrativas dos capítulos fica mais evidente a
diversidade que é inerente à diversidade cultural, social e econômica dos migrantes
fotografados. Outro ponto a ser considerado, é o fato da maioria dos registros em Êxodos”
serem de pessoas que estão em trânsito. As fotografias não apontam o local de origem e o
local de chegada, muito para ilustrar o ser que migra, como se estivesse sempre em
mobilidade, destituído de possibilidades de chegar a algum lugar. Percebemos que tanto
Salgado quanto os seus fotografados estão em trânsito, mas Salgado se posiciona como um
viajante e os indivíduos e os grupos fotografados como migrantes dos países periféricos. Tal
67
Segundo Mauad (2002) o paradigma a qual se refere é o conjunto de obras do autor entendida a partir da sua
inserção numa geração de fotógrafos especializados em um fotojornalismo de denúncia social, bem como pela
sua trajetória marcada pela busca incessante, em diferentes parte do mundo de temas associados a situações
limites, que tivessem uma conexão entre si- dos trabalhadores do mundo às guerras interétnicas.
99
constatação leva-nos a compreender o porq da presença, em quase todas as fotografias, de
situações de trabalho, dos marcantes objetos em cena e da natureza definida pela
exterioridade.
Notamos que a escolha por espaços externos nas fotografias es relacionada à
condição de vida dos migrantes fotografados, pois esses possuem escassez de pertences
pessoais e de objetos do interior de uma casa. Assim, o que nos indica a fotografia é a
auncia tamm de uma casa, distantes do conforto e da seguridade de um lar. A vivência
dos seus modelos fotográficos está, assim, intrinsecamente ligada aos seus pertences. A
casa, a moradia, somente aparece nas fotografias que demonstram o início do retorno para o
país de origem, como é o caso das fotos sobre Mambique. Am dessas, apontamos as
fotografias sobre os russos, onde visualizamos situões de partida da Rússia para os Estados
Unidos da América (EUA), e do cotidiano deles nos bairros de imigrantes nos EUA,
principalmente nos espaços de socialização e lazer.
Sobre o caráter documental da fotografia de Sebastião Salgado, Stallabrass (1997)
define que tal caráter agrega uma verdade convencional, sem explorar e aprofundar o bem
os significados locais. Sendo assim, ele parte para suas viagens com roteiros p-definidos,
em parte esses elaborados a partir de fatos que foram notícia no mundo. O
fotodocumentarismo de Salgado esvinculado, portanto, a uma linha editorial, que tem por
objetivo transformar as suas viagens fotográficas em obras a serem comercializadas,
direcionando-as para um público-alvo.
A certeza desse objetivo pode ter estado presente desde a preparação de suas viagens,
ao tempo em que passou com os migrantes fotografados, bem como na revelação das
fotografias e na produção do livro “Êxodos”. Salgado apresenta-se para nós como um
viajante-fotógrafo que tem a Economia e a sociedade como o fio condutor de seu trabalho
que, nas palavras de Salgado (2000), lhe permitiu se concentrar em uma área, pensar, analisar,
situar-se na corrente histórica do que acontecia em determinado momento, situar-se na
fotografia e relacioná-la com o contexto ao qual estava vivendo. Suas fotografias, então, estão
a serviço de um olhar de economista sobre as migrões contemporâneas. A culminância
destes fatores esimpressa no estilo fotográfico de Sebastião Salgado, que tanto o diferencia
de outros fotógrafos quanto desperta a curiosidade de estudo de pesquisadores. Elas não
devem ser vistas como o retrato da realidade propriamente dita, pois devemos considerar as
críticas, mas tamm devemos admitir que seja impossível ficar passivo diante das fotografias
de Sebastião Salgado, é inviável a alienação.
100
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107
ANEXO
Anexo A - Fotografias escolhidas –CD ROOM
108
109
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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Baixar livros de Defesa civil
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Baixar livros de Direitos humanos
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