estatelado. Sem dúvida, tinha mister de recomeçar os meus estudos,
refazê-los desde a cumeeira até os alicerces. Eu nada sabia, e ele, o
rude agricultor e campeiro, era mais digno da América do que eu. Ele
era um brasileiro e eu um manequim da Europa, deslocado no meio
em que nasci, onde vivia e respirava, apesar de conhecer várias
línguas, história, filosofia e quejandas matérias. (PORTO ALEGRE
apud CESAR, 2006, p.219, grifos do autor).
A afirmação de que saber usar o dialeto do campo perfeitamente faz do
campeiro um ser mais digno da América do que o autor demonstra a
necessidade de se retratar na literatura uma linguagem que fosse nacional ou,
acima disso, regional. Em busca de uma literatura nacional e,
conseqüentemente, de uma identidade pátria, era necessário fazer-se notar a
língua do povo, daquele que não escrevia a literatura ou nem sequer lia. Era
necessário ser brasileiro e não mais manequins da Europa.
Os discursos de Apolinário Porto Alegre e José de Alencar assemelham-
se pela ideologia nacionalista. Ambos perseguiam a temática nacional, em prol
do desenvolvimento de uma literatura exclusivamente brasileira. Em defesa de
sua ideologia, os autores pagaram um preço com relação às questões
artísticas das suas obras. Porém, devido a essas obras nacionalistas, tiveram o
grande mérito de lançar a semente que seria cultivada pelos grandes
regionalistas brasileiros e, assim, legar-nos excelentes romances. Dessa forma
Chaves afirma: “O regionalismo gaúcho tudo deve a Apolinário Porto Alegre.
Seu romance legou um tema e inaugurou uma tradição”. (CHAVES, 1994,
p.13). E aqui acrescento também a obra de Alencar, pela sua herança
transmitida a Apolinário e à Sociedade do Partenon Literário.
Passamos para a análise da obra O Vaqueano. O narrador descreve a
província de maneira melancólica. A solidão, o frio, os grandes espaços vazios
são descritos como uma paisagem triste e morta:
Cahia neve em flocos. O frio, intenso. O mystério daquella natureza
recolhida e inanime, profundo e terrivel. Não tinha só a melancolia do
deserto, o vago e indefinido que coam nalma as savanas e matas
americanas, tinha mais o tom baço, a desoladora taciturnidade, a
paralysia, a inercia, a apparencia de cadáver que resaltam da quadra
hybernal. Só quem viajou por noites assim através do ermo selvagem,
póde comprehender a expressão aziaga que lhe é própria, os
sentimentos ineffaveis que ele desperta, expressão e sentimentos
que jamais a linguagem conseguiria reproduzir, são tão
indescriptiveis! (PORTO ALEGRE, 1927, p.7).