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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Abrão Miguel Árabe Neto
Cumprimento das decisões do sistema de solução de
controvérsias da Organização Mundial do Comércio:
análise das medidas de indução e das propostas para seu aprimoramento sob a
perspectiva dos países em desenvolvimento
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Abrão Miguel Árabe Neto
Cumprimento das decisões do sistema de solução de
controvérsias da Organização Mundial do Comércio:
análise das medidas de indução e das propostas para seu aprimoramento sob a
perspectiva dos países em desenvolvimento
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito das Relações Sociais,
subárea Direito das Relações Econômicas
Internacionais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação do
Professor Doutor Cláudio Finkelstein
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelas oportunidades.
Aos meus pais, família e amigos pelo apoio.
Aos professores, diplomatas e internacionalistas pela inspiração.
Ao meu orientador pelo incentivo.
RESUMO
Autor: Abrão Miguel Árabe Neto
Título: Cumprimento das decisões do sistema de solução de controvérsias da
Organização Mundial do Comércio: análise das medidas de indução e das
propostas para seu aprimoramento sob a perspectiva dos países em
desenvolvimento
O sistema de solução de controvérsias da OMC Organização
Mundial do Comércio destaca-se como um dos avanços mais significativos do
direito internacional contemporâneo. Revestido por feições marcadamente
jurisdicionais, é o principal foro para a apreciação dos conflitos de interesse do
comércio internacional. O êxito nessa tarefa, no entanto, está condicionado ao
grau de observância de suas decisões. Assim sendo, cumpre indagar se a
normativa da OMC prevê instrumentos aptos para garantir a implementação de
suas soluções, especialmente quando dificultada por seus respectivos
destinatários. Motivado por esse desafio, o presente trabalho analisa o
desempenho das atuais medidas de indução ao cumprimento das determinações
da OMC, sobretudo a partir da perspectiva dos países em desenvolvimento.
Expostas as deficiências do instituto, o exame avança sobre as propostas para
sua reforma, concluindo pelas alternativas mais apropriadas em direção ao seu
aperfeiçoamento.
Palavras-chave: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO OMC
SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS CUMPRIMENTO DE DECISÕES
MEDIDAS DE INDUÇÃO AO CUMPRIMENTO – ENTENDIMENTO DE SOLUÇÃO
DE CONTROVÉRSIAS ESC REFORMA DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO COMÉRCIO
INTERNACIONAL.
ABSTRACT
Author: Abrão Miguel Árabe Neto
Title: Implementation of decisions from the World Trade Organization’s dispute
settlement system: analysis of its enforcement tools and proposals for its
improvement from the perspective of developing countries
The WTO World Trade Organization dispute settlement system
stands out as one of the most significant developments in contemporary
international law. Created with strong jurisdictional features, it serves as the main
forum for the resolution of conflicts of interest in international trade. Success in this
task, however, is dependent upon the degree of compliance achieved by its
decisions. As a consequence, it is important to assess whether WTO rules provide
suitable instruments in order to secure implementation, especially when opposed
by respondents. Guided by this challenge, this paper seeks to examine the current
performance of WTO enforcement tools, particularly from the perspective of
developing countries. After exposing the shortcomings of these instruments, the
analysis focuses on its reform proposals, aiming to identify the most viable
alternatives for enhancement.
Keywords: WORLD TRADE ORGANIZATION WTO DISPUTE SETTLEMENT
COMPLIANCE ENFORCEMENT TOOLS UNDERSTANDING ON DISPUTE
SETTLEMENT DSU REFORM TO THE DISPUTE SETTLEMENT SYSTEM
ENFORCEMENT DEVELOPING COUNTRIES INTERNATIONAL TRADE.
SUMÁRIO
Introdução..............................................................................................................
1
1. Sistema de solução de controvérsias da OMC: cumprimento das
decisões e medidas para sua indução................................................................
6
1.1 Considerações iniciais.............................................................................. 6
1.2 Precedentes: solução de controvérsias no GATT.................................... 6
1.3 Panorama do sistema de solução de controvérsias da OMC.................. 12
1.3.1 Adensamento de juridicidade....................................................... 12
1.3.2 Etapas do procedimento de solução de controvérsias................. 16
1.4 Cumprimento das decisões do sistema de solução de controvérsias da
OMC............................................................................................................... 23
1.4.1 Considerações iniciais.................................................................. 23
1.4.2 Estrutura do direito internacional.................................................. 23
1.4.3 Ato de cumprimento das decisões da OMC................................. 25
1.5 Medidas de indução ao cumprimento das decisões da OMC.................. 31
1.5.1 Considerações iniciais.................................................................. 31
1.5.2 Definição....................................................................................... 32
1.5.3 Objetivos....................................................................................... 35
2. Critérios para análise das medidas de indução ao cumprimento das
decisões da OMC..................................................................................................
42
2.1 Considerações iniciais.............................................................................. 42
2.2 Custos para o reclamante........................................................................ 45
2.3 Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento................... 48
2.4 Reflexos para os setores privados........................................................... 57
2.5 Aplicabilidade da medida.......................................................................... 62
2.6 Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio......................................................................................................... 64
2.7 Aceitabilidade pelos membros da OMC................................................... 66
3. Análise das medidas atuais de indução ao cumprimento das decisões da
OMC........................................................................................................................
74
3.1 Considerações iniciais.............................................................................. 74
3.2 Análise das medidas indiretas de indução............................................... 74
3.2.1 Medidas indiretas de indução na OMC......................................... 74
3.2.2 Sugestão para o cumprimento das recomendações................... 75
3.2.3 Prazo razoável para o cumprimento da decisão.......................... 78
3.2.4 Supervisão das medidas de implementação................................ 81
3.2.5 Painel de implementação............................................................. 83
3.2.6 Arbitragem das sanções............................................................... 84
3.2.7 Aplicação dos critérios.................................................................. 86
3.2.8 Conclusão..................................................................................... 91
3.3 Análise das medidas diretas de indução.................................................. 92
3.3.1 Compensação............................................................................... 92
3.3.1.1 Descrição do instituto..................................................... 92
3.3.1.2 Aplicação dos critérios................................................... 93
3.3.1.3 Conclusão...................................................................... 98
3.3.2 Sanção........................................................................................ 100
3.3.2.1 Descrição do instituto..................................................... 100
3.3.2.2 Aplicação dos critérios................................................... 102
3.3.2.3 Histórico das sanções na OMC..................................... 112
3.3.2.4 Conclusão...................................................................... 117
3.4 Eficácia das medidas atuais de indução ao cumprimento e
necessidade de reforma................................................................................. 119
3.4.1 Conceito de eficácia..................................................................... 120
3.4.2 As medidas atuais de indução ao cumprimento da OMC são
eficazes?................................................................................................ 122
4. Análise das propostas para incremento da eficácia das medidas de
indução ao cumprimento das decisões da OMC...............................................
126
4.1 Considerações iniciais: fortalecimento das retaliações ou medidas
alternativas?................................................................................................... 126
4.2 Fortalecimento das disciplinas da etapa de implementação.................... 130
4.2.1 Considerações iniciais.................................................................. 130
4.2.2 Sugestão para o cumprimento das decisões................................ 130
4.2.3 Fortalecimento dos mecanismos de supervisão........................... 132
4.2.4 Racionalização da etapa de implementação................................ 137
4.2.5 Análise das propostas.................................................................. 144
4.3 Compensação.......................................................................................... 149
4.3.1 Fortalecimento da compensação.................................................. 150
4.3.2 Análise das propostas.................................................................. 154
4.4 Sanção..................................................................................................... 165
4.4.1 Fortalecimento da ameaça de sanção.......................................... 166
4.4.1.1 Apresentação da proposta............................................. 166
4.4.1.2 Análise da proposta....................................................... 168
4.4.2 Fortalecimento da retaliação cruzada........................................... 170
4.4.2.1 Considerações iniciais................................................... 170
4.4.2.2 Apresentação das propostas......................................... 173
4.4.2.3 Análise das propostas.................................................... 174
4.5 Retaliação coletiva................................................................................... 180
4.5.1 Apresentação das propostas........................................................ 180
4.5.2 Análise das propostas.................................................................. 182
4.6 Remédios retrospectivos.......................................................................... 187
4.6.1 Apresentação das propostas........................................................ 187
4.6.2 Análise das propostas.................................................................. 189
4.7 Suspensão de direitos.............................................................................. 194
4.7.1 Apresentação das propostas........................................................ 194
4.7.2 Análise das propostas.................................................................. 195
4.8 Recomendações para a reforma das medidas de indução...................... 200
Conclusão..............................................................................................................
207
Referências bibliográficas...................................................................................
211
Anexo I..................................................................................................................
227
Anexo II..................................................................................................................
230
Anexo III.................................................................................................................
232
Anexo IV.................................................................................................................
233
Anexo V.................................................................................................................
267
ABREVIATURAS
ABEF Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango
ABRAPA Associação Brasileira dos Produtores de Algodão
ACPs African, Caribbean and Pacific countries
ASMC Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias
BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
CE Comunidade Européia
CIRDI Centro Internacional de Resolução de Disputas sobre Investimentos
ESC Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de
Controvérsias
EUA Estados Unidos da América
FMI Fundo Monetário Internacional
ICSID International Centre for Settlement of Investment Disputes
GATS General Agreement on Trade in Services
GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
NAFTA North American Free Trade Agreement
OA Órgão Permanente de Apelação
OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OIC Organização Internacional do Comércio
OMC Organização Mundial do Comércio
OMPI Organização Mundial da Propriedade Intelectual
OMS _ Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Órgão de Solução de Controvérsias
PDs Países Desenvolvidos
PEDs Países Em Desenvolvimento
PI Propriedade Intelectual
PMDR Países de Menor Desenvolvimento Relativo
RAMs Recently Acceded Members
SGP Sistema Geral de Preferências (Estados Unidos)
STF Supremo Tribunal Federal
TRIPS Trade-related aspects of intellectual property rights
UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development
WTO World Trade Organization
1
INTRODUÇÃO
O comércio desempenha função nuclear na atual conjuntura
internacional, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social dos países
e para a manutenção da paz
1
. A atividade tem acompanhado a evolução da
humanidade e ganhado destaque nos últimos tempos, notadamente com a
intensificação do fenômeno da globalização. O próprio panorama consolidado no
pós-guerra erigiu os postulados do livre comércio como um de seus pilares
estruturais. Por seu turno, as receitas freqüentemente divulgadas para enfrentar
os vários percalços que afetam a economia mundial apontam, em sua maioria,
para o fortalecimento das trocas comerciais entre os Estados como parte da
solução.
Assim como os demais empreendimentos humanos, o intercâmbio
comercial também demanda regulamentação jurídica. Embora se saiba que a
consolidação de um cenário harmônico nas relações internacionais é
imprescindível para sua prosperidade, não é possível evitar o surgimento de
atritos entre seus participantes. Os interesses dos atores mercantis são muitas
vezes contrários e a ocorrência de conflitos é corolário quase natural. Sua
verificação, no entanto, traz insegurança e instabilidade para as operações
comerciais, e impõe a necessidade de intervenção do direito para sua pacificação.
Neste contexto, o sistema de solução de controvérsias da OMC
Organização Mundial do Comércio se investe de importante significado, atuando
como o principal foro internacional para a apreciação e o deslinde de
contenciosos comerciais. Sua estrutura é amplamente enaltecida pelas marcadas
feições jurídicas, e sua contribuição reconhecida como um dos mais importantes
avanços do direito internacional contemporâneo. Em termos concretos, seu mérito
comprova-se pelo elevado número de disputas submetidas ao seu crivo.
1
Ressalta-se a existência de dissensão doutrinária acerca dos efeitos da intensificação do
comércio internacional para o desenvolvimento, existindo corrente que vislumbra conseqüências
negativas nesse fenômeno. Cumpre salientar, no entanto, que referida análise não se insere no
escopo desta dissertação.
2
Vale reconhecer, no entanto, que não basta a previsão de um
mecanismo sofisticado de resolução de litígios lastreado em regras jurídicas
desenvolvidas. Necessário, ainda, que as decisões por ele oferecidas sejam
passíveis efetivação, sob pena de representar mero simulacro de solução,
ineficientes para corrigir os atentados aos valores do comércio internacional e
proteger os interesses legítimos da partes prejudicadas. No bojo dessas
considerações encontra-se a motivação que inspira o presente estudo: examinar
se o sistema de solução de controvérsias da OMC possui instrumentos
adequados para garantir a implementação de suas decisões, especialmente a
partir da perspectiva dos PEDs – países em desenvolvimento.
Em um segundo instante, a depender dos resultados obtidos
nessa investigação, será forçoso excursionar sobre a análise de propostas para
aprimorar o exercício da função pacificadora da OMC, de maneira a assegurar a
eficácia prática de suas recomendações. Caso se evidencie a insuficiência de
aludidos instrumentos, a tarefa acima proposta somente será satisfatoriamente
concluída com a indicação de alternativas viáveis para resguardar as normas do
sistema multilateral de comércio. A virtude não está em se identificar falhas, mas,
sobretudo, em lhes apontar soluções.
Na persecução desses objetivos, o trabalho encontra-se dividido
em quatro etapas, sendo que os dois capítulos iniciais tencionam assentar as
bases para a condução da pesquisa, enquanto os dois capítulos últimos ocupam-
se da análise propriamente dita dos institutos relacionados ao adimplemento das
decisões da OMC.
O capítulo 1 esboça conceitos elementares que possibilitam
averiguar a questão fundamental que aqui se coloca. Em primeiro lugar, portanto,
expõe-se a estrutura do mecanismo de solução de litígios, desde seus
precedentes, sediados no GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, até as
transformações que lhe atribuíram sua constituição atual no âmbito da OMC. A
intenção, frisa-se, não consiste em esmiuçar as nuanças desse aparato, mas
apenas revelar suas características essenciais, bem como o iter procedimental
que se deve percorrer em um conflito.
3
Examinam-se, nesta mesma oportunidade, os elementos que
concorrem para a resolução do membro em cumprir uma decisão da OMC. A
empreitada ganha destaque principalmente quando se considera que a entidade,
devido à geometria descentralizada do direito internacional, não possui poder
coercitivo suficiente para fazer prevalecer suas manifestações contra a vontade
de seus integrantes. Assim, afigura-se relevante verificar os fatores que
influenciam o ato de cumprimento de um governo em reverência às
determinações de uma organização.
Na seqüência, o enfoque recai sobre os instrumentos incumbidos
de estimular os membros participantes de uma controvérsia a concretizar as
recomendações da OMC – que, na égide do presente estudo, serão denominados
de “medidas de indução ao cumprimento”. Introduzem-se os preceitos básicos
desse instituto e delineia-se uma tentativa de enquadrá-los, segundo suas
particularidades, em categorias diretas e indiretas de indução. Os objetivos
encerrados em tais medidas são explicitados de acordo com o espírito que se
lhes atribui o conjunto normativo da OMC.
O capítulo 2, por seu turno, preocupa-se em estabelecer os
critérios de análise das várias medidas de indução ao cumprimento, vigentes ou
teóricas. Busca-se, nesse ponto, desenvolver um feixe de elementos definidos a
ser aplicado, indistintamente, sobre todos os institutos analisados, emprestando
rigor científico ao cotejo entre eles. Esses critérios apreciativos refletem aspectos
heterogêneos que compreendem desde os efeitos práticos da utilização das
medidas indutoras, incluindo o prisma dos interesses privados envolvidos em um
conflito, passando pela verificação de sua sintonia com os princípios do comércio
internacional, até a receptividade que lhes é externada pelos membros da OMC.
Importa salientar o caráter apenas instrumental de aludidos
critérios, que se colocam como ferramentas para subsidiar o exame analítico e
uniforme das medidas de indução. Por meio deles não se pretende promover uma
classificação aritmética dessas várias medidas, mas facilitar a comparação de
seus contornos. Vale recordar que a etapa de implementação das decisões da
OMC consiste em um dos objetos de pesquisa preferidos dos especialistas em
comércio internacional. Por conseguinte, vislumbra-se ampla e competente
4
produção de conhecimento científico sobre a matéria. Em meio a terreno tão fértil,
a definição desse conjunto de elementos para avaliar as diversas medidas de
indução pretende se colocar como contribuição original do presente trabalho.
Assentadas as noções que orientarão a pesquisa, o capítulo 3
passa para o exame crítico dos mecanismos existentes nas regras da OMC para
fomentar o adimplemento de suas determinações. Cada instituto é submetido ao
teste desenvolvido no capítulo anterior, com a pretensão de discernir seus méritos
e fragilidades, especialmente a partir do entendimento dos PEDs. Averiguam-se
as medidas indiretas de indução, consistentes nos vários procedimentos, visando
balizar a fase de implementação da decisão, assim como sua vertente direta,
representada pela compensação e sanções.
Atenção especial é conferida para as experiências concretas
registradas no histórico da OMC a partir da utilização desses mecanismos. A
prática acumulada pelo sistema de solução de controvérsias da OMC encerra
ensinamentos preciosos sobre os desdobramentos de suas medidas de indução.
Atualmente verificam-se 380 (trezentos e oitenta) disputas iniciadas em seu
âmago, comprovando seu impressionante ativismo. Esses números ultrapassam
qualquer outro foro semelhante no cenário internacional, mesmo aqueles
edificados muito mais tempo. Logo, mostra-se fundamental apoiar-se nessa
experiência como fonte mandatória para a investigação.
Os resultados desse labor apreciativo, em seu conjunto, servirão
como supedâneo para aferir se os instrumentos de estímulo ao cumprimento se
revestem de eficácia para assegurar a observância das normas do sistema
multilateral de comércio. E, a partir dessas constatações, será possível asseverar
a necessidade ou não de reformas em sua estrutura.
O capítulo 4 arremata o estudo enfocando as principais sugestões
para o aperfeiçoamento das medidas de indução ao cumprimento das decisões
da OMC. Nesse ensejo, serão examinadas propostas apresentadas pelos
membros da instituição no âmbito das negociações correntes para emendar o
diploma normativo de solução de controvérsias da entidade. Em
complementação, também será reservado espaço para as idéias defendidas pela
doutrina especializada no tema. A escolha das proposições obedecerá àquelas
5
que angariam maior atenção no momento, e sua análise seguirá os padrões
definidos no capítulo 2, uma vez mais privilegiando a posição dos membros de
menor inserção internacional.
Partindo-se do diagnóstico levado a efeito em relação às medidas
de indução em vigor na OMC, bem como em face das propostas mais adequadas
para seu aprimoramento, conclui-se a pesquisa com a recomendação das
iniciativas que demonstrem melhores resultados em consonância com os
elementos de exame previamente estabelecidos. Ressalta-se que os interesses
dos PEDs, notadamente do Brasil, deverão permear toda a atividade apreciativa.
Afinal, deseja-se que o produto do presente trabalho, não obstante suas evidentes
limitações, possa se unir aos demais esforços promovidos pela doutrina a fim de
auxiliar na reflexão dos membros sobre as alternativas mais viáveis para a defesa
de seus direitos na égide da OMC.
6
1. SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC:
CUMPRIMENTO DAS DECISÕES E MEDIDAS PARA SUA
INDUÇÃO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O capítulo inicial trata das noções necessárias para o
desenvolvimento da presente pesquisa. Após apresentar o panorama de
funcionamento do sistema de solução de controvérsias da OMC, desde seus
antecedentes, passa-se ao estudo dos motivos que levam um Estado a submeter-
se às determinações de uma organização internacional, bem como dos
mecanismos disponíveis em suas normas para estimular referido cumprimento.
1.2 PRECEDENTES: SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO GATT
As feições gerais do sistema de solução de controvérsias da OMC
não podem ser compreendidas de maneira desassociada do GATT
2
, que o
precedeu na tarefa de apreciação dos conflitos surgidos no comércio
internacional. As origens históricas do GATT remontam ao final da Segunda
Guerra Mundial, como parte dos esforços para assegurar a manutenção da paz
recém-conquistada. Motivadas por tal fim, as potências vencedoras decidiram
reestruturar o cenário internacional por meio da criação de um conjunto de
organizações de âmbito multilateral, dentre as quais figuravam o FMI - Fundo
Monetário Internacional, o BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento e a ONU - Organização das Nações Unidas.
Ainda nesse contexto, a função de regulamentar o comércio
mundial estaria reservada à OIC - Organização Internacional do Comércio, cuja
2
O acrônimo GATT é formado pelas letras iniciais da expressão em língua inglesa General
Agreement on Tariffs and Trade.
7
proposta de criação foi objeto da Conferência Internacional de Comércio e
Emprego, realizada em 1947, em Cuba. Durante os preparativos para essa
Conferência, vinte e três países, dentre eles o Brasil, se reuniram em Genebra, e,
na tentativa de antecipar alguns dos efeitos liberalizadores da futura OIC,
firmaram um acordo de redução tarifária, envolvendo cerca de 20% do volume
das trocas internacionais da época (US$ 10 bilhões)
3
. O acordo ficou conhecido
como GATT, e foi estabelecido para vigorar temporariamente, até o advento da
nova organização
4
. Sem embargo, e muito embora o acordo constitutivo da OIC
a Carta de Havana tenha sido aprovado em 1948, no fim da Conferência em
Cuba, sua concretização foi inviabilizada pela posterior recusa do Congresso dos
Estados Unidos em ratificá-lo
5
.
Como conseqüência, o GATT passou de mero acordo provisório
para a posição de principal instrumento na regulamentação do comércio
internacional, com vigência estendida por tempo indeterminado
6
. No entanto, o
fato de haver sido originariamente concebido com caráter transitório, e não para
atuar como organização internacional, resultou em “defeitos congênitos”, que se
refletiam na estrutura de todo o acordo, bem como na economia com que
dispunha sobre matérias fundamentais
7
. Afinal, para um tratado de natureza
temporária, a previsão de regras minuciosas sobre tópicos não essencialmente
relacionados ao seu objeto in casu, a desgravação tarifária das operações do
3
OMC. Understanding the WTO. 3. ed. Genebra: WTO Secretariat, 2003, p.15.
4
O GATT, em grande parte, refletia o capítulo IV da Carta de Havana, referente às regras básicas
para o comércio internacional. Sua provisoriedade decorria do instrumento normativo que o
instituiu, qual seja um Protocolo de Aplicação Provisória, revestido de natureza executiva, e que
dispensava aprovação congressista. Tal acordo foi integrado ao ordenamento jurídico brasileiro
pela Lei n. 313, de 30 de julho de 1948.
5
Em detalhada análise dos fatos que contribuíram para o insucesso da OIC, Eitii Sato esclarece
que, ao mesmo tempo em que a participação dos Estados Unidos, enquanto principal potência da
época, era fundamental para a viabilidade de uma organização internacional, sua superioridade
também lhes permitiam, na prática, prescindir do multilateralismo como forma de resolver seus
problemas comerciais. SATO, Eiiti. Mudanças estruturais no sistema internacional: a evolução
do regime de comércio do fracasso da OIC à OMC. Disponível em:
<http://www.cedep.ifch.ufrgs.br/Textos_Elet>. Acesso em: 03.10.2006.
6
Para detalhada análise sobre a concepção do GATT, conferir: HUDEC, Robert E. GATT legal
system and world trade diplomacy. Nova Iorque: Praeger Publishers, 1975; JACKSON, John H.
World trade and the law of GATT: a legal analysis of the General Agreement on Tariffs and
Trade. Indianápolis: Bobbs-Merrill, 1969; IRWIN, Douglas et al. The genesis of the GATT.
Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
7
JACKSON, John. H. The jurisprudence of GATT & the WTO: insights on treaty law and
economic relations. New York: Cambridge University Press, 2002, p. 119.
8
comércio internacional de mercadorias afigurava-se ancilar. O tratamento sobre
solução de controvérsias, por exemplo, se resumia a dois sucintos dispositivos:
enquanto o art. XXII impunha a obrigação geral da realização de consultas para a
pacificação de divergências entre as partes-contratantes, o art. XXIII, por seu
turno, trazia o núcleo do sistema ao enunciar as situações que ensejavam uma
controvérsia, bem como as formas para seu deslinde. Alguns breves comentários
sobre as peculiaridades desses dispositivos contribuirão para o entendimento das
características atuais do sistema da OMC, no qual eles subsistem.
Inicialmente, cumpre mencionar que as controvérsias no GATT
não encontravam fundamento legal na violação de uma obrigação, mas sim na
idéia de “anulação ou restrição” dos benefícios que o acordo deveria proporcionar,
direta ou indiretamente, para a parte-contratante; ou, ainda, no impedimento de
quaisquer de seus objetivos
8
. Como ressalta Jackson, a expressão “anulação ou
restrição” mostra-se bastante ambígua, e estaria provavelmente relacionada com
a frustração das vantagens que as partes haviam antecipado para si no momento
da contratação
9
. Para compreender exatamente essa noção, é preciso considerar
que o GATT envolvia não apenas a aceitação de um conjunto de normas sobre o
comércio internacional (v.g. nação mais favorecida, tratamento nacional, cláusulas
de exceção), mas também uma intrincada rede de concessões comerciais
recíprocas. Cada parte-contratante firmava compromissos de reduções tarifárias
ou conferia outras vantagens comerciais aos seus parceiros, sempre em virtude
das ofertas que lhe eram garantidas em troca. Como resultado desse complexo
processo negociador, encontrava-se subjacente ao GATT extensa malha de
compromissos bilaterais, com mais de 45 (quarenta e cinco) mil concessões
tarifárias. Nesse cenário, a “anulação ou restrição” de benefícios era vista como
um conflito que perturbava o sensível equilíbrio originariamente construído.
Diante do surgimento de uma controvérsia, a parte prejudicada
poderia provocar o suposto responsável por seus danos para buscar uma solução
mutuamente negociada, que, se não alcançada em prazo razoável, permitiria a
8
GATT, Art. XXIII.1.
9
JACKSON, John. H. The jurisprudence of GATT & the WTO: insights on treaty law and
economic relations, cit., p. 119.
9
submissão da questão conflituosa para a apreciação das demais partes-
contratantes. Estas, por sua vez, após investigarem os fatos, deveriam emitir
recomendações apropriadas para o satisfatório desfecho da contenda
10
. A
aplicação de sanções, traduzidas na linguagem do GATT como “suspensão de
concessões ou outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos”, somente
poderia ser autorizada quando as circunstâncias do caso concreto fossem
interpretadas como “suficientemente sérias”
11
Assim, as sanções eram entendidas
como instrumentos para restabelecer a harmonia das concessões recíprocas,
rompida por uma conduta alheia. Em outros termos, a “anulação ou restrição” dos
benefícios assegurados a uma parte impunha ao respectivo responsável a
obrigação de retornar ao status quo ante para cessar a fonte de prejuízos. Em
caso de inércia, a sanção surgia para permitir ao prejudicado a suspensão de
suas próprias concessões ou outras obrigações, como forma de restaurar a
igualdade de condições anteriormente existente.
Nota-se, pois, que as orientações contidas nos artigos do GATT
sobre solução de controvérsias mostravam-se bastante genéricas, e, por isso, não
forneciam respostas para a maioria das questões concernentes ao
processamento dessa importante atividade. Por conseguinte, as soluções para
lidar com os obstáculos concretos tiveram que ser gradualmente desenvolvidas e
aperfeiçoadas pela prática, que ia sendo codificada em diversos instrumentos
normativos
12
. E, na medida em que o sistema avançava, um número maior de
casos, cada vez mais complexos, eram trazidos para sua alçada, provocando
novos progressos no sistema. Em suma, a natureza provisória do GATT e a
exigüidade com que regulamentava a tarefa de pacificação de litígios, tiveram que
ser contornadas para atender a função de supervisionar o sistema multilateral de
comércio. Um exemplo dessa evolução observa-se na interpretação do art. XXIII.2
do GATT, que se restringia a enunciar os órgãos responsáveis pelo exame dos
10
GATT, Art. XXIII.2, primeira parte.
11
GATT, Art. XXIII.2, parte final.
12
A consolidação das práticas do sistema de solução de controvérsias ocorreu na forma de
Entendimentos, Declarações Ministeriais, Decisões sobre o Sistema de Solução de Controvérsias,
Decisões sobre o Aprimoramento do Sistema de Solução de Controvérsias do GATT, Decisões
sobre Procedimentos em consonância com o art. XXIII, dentre outros diplomas. OMC. GATT
analytical index: guide to GATT law and practice. Genebra: WTO Publications, 6. ed., 1994, p.
586-597.
10
contenciosos. Muito embora essa tarefa apreciativa tenha sido inicialmente
relegada a grupos de trabalho (working parties) formados pelas próprias partes-
contratantes, a partir de 1955 as controvérsias passaram a ser submetidas a
grupos de especialistas (painéis), que atuavam de maneira independente
13
.
Outra característica marcante do mecanismo de composição de
litígios do GATT consistia em suas fortes feições políticas, nitidamente refletidas
na existência de direito ao veto. Com efeito, o GATT conferia às partes o direito
de obstar o prosseguimento de uma controvérsia, uma vez que os principais atos
procedimentais como o estabelecimento de um painel, a adoção de suas
recomendações e a autorização para efetivar sanções – estavam sujeitos ao
consenso positivo das partes. Assim, bastava a manifestação de oposição de
apenas um contratante – em regra, o próprio reclamado – para impedir sua
concretização. De acordo com Abi-Saab, ex-árbitro do OA - Órgão Permanente de
Apelação da OMC, a previsão do direito ao veto lançou dúvidas se o sistema do
GATT se assemelhava a um processo de aplicação de leis ao caso concreto,
acomodação de interesses, ou algo intermediário
14
. De qualquer maneira, resta
nítido o caráter diplomático do mecanismo, no qual a influência do poder político
desempenhava papel preponderante.
O histórico do GATT registra uma intensa atuação na resolução
de controvérsias. Em consonância com o estudo conduzido por Hudec,
abrangendo o período entre 1948 e 1989, contam-se 207 (duzentos e sete)
conflitos, dos quais 88 (oitenta e oito) terminaram na adoção de relatórios pelas
partes-contratantes
15
. Por sua vez, o GATT Analytical Index indica 195 (cento e
noventa e cinco) litígios, com 81 (oitenta e um) relatórios adotados
16
. Convém
frisar que, em quase 50 (cinqüenta) anos de funcionamento, a permissão para
imposição de medidas retaliatórias por força do art. XXIII.2 ocorreu em apenas um
13
Jackson concebe referida mudança como “a shift, from a primarily ‘negotiating’ atmosphere of
multilateral diplomacy, to a more ‘arbitrational’ or ‘judicial’ procedure designed to arrive impartially
at the truth of the facts and the best interpretation of the law”. JACKSON, John. H. The
jurisprudence of GATT & the WTO: insights on treaty law and economic relations, cit., p. 172.
14
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization. Genebra: WTO
Publications, 2008, p. 112.
15
HUDEC, Robert E. Enforcing international trade law. Salem, NH: Butterworths, 1993, p. 277-
278.
16
OMC. GATT analytical index: guide to GATT law and practice, cit., p. 719-734.
11
caso, de 1952, quando se facultou à Holanda a redução da cota de exportações
de trigo conferida aos Estados Unidos, em resposta às restrições ilegais imposta
por esse país contra suas vendas de laticínios
17
. Apesar da autorização, a
retaliação nunca chegou a ser implementada, fazendo com que o sistema do
GATT encerrasse suas atividades sem jamais presenciar a concreta ocorrência
desse instituto
18 e 19
.
Em suma, apesar de todas as deficiências do GATT, sua notável
capacidade de adaptação resultou em progressos salutares. A intensificação de
seu viés jurídico (rule-oriented) e a gradual limitação da vertente política como
força motriz de seu sistema de controvérsias, permitiu ao GATT perdurar por
quase meio século como o principal instrumento de regência do sistema
multilateral de comércio. De conformidade com Lafer:
(...) a criativa evolução desta prática, num sentido amplo, indica a
passagem com marchas e contramarchas de um sistema mais
voltado para a conciliação (...) para um sistema que foi abrindo a
possibilidade de um adensamento crescente da ‘juridicidade’ na solução
de controvérsias, sem nunca excluir a solução negociada dos
interesses
20
.
Sem embargo, a evolução observada não se mostrou suficiente
para superar todas as limitações relacionadas com as origens históricas de sua
criação
21
. A esse cenário, somavam-se a ausência de personalidade jurídica de
17
GATT. Determination by the CONTRACTING PARTIES of 8 November 1952: Netherlands
measures of suspension of obligations to the United States. BISD 1S/32-33.
18
Segundo Jackson, a Holanda foi autorizada a aplicar sanções por sete anos consecutivos, sem
jamais efetivá-las. JACKSON, John. H. The jurisprudence of GATT & the WTO: insights on
treaty law and economic relations, cit., p. 172. Todavia, quem assevere que a medida
retaliatória chegou a ser utilizada na prática até 1959. MALACRIDA, Reto. Towards sounder and
fairer WTO retaliation: suggestions for possible additional procedural rules governing members'
preparation and adoption of retaliatory measures. Journal of World Trade, 42(1), Kluwer Law
International, 2008, p. 7.
19
É possível colher casos de retaliação não autorizadas, como no contencioso Canada - Provincial
Liquor Boards, de 1992, em que ambos os litigantes aplicaram sanções sem a chancela do GATT.
GATT. Council: minutes of meeting. 27/10/1992. Documento C/M/ 259, pp. 2-31.
20
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 115.
21
Sobre o assunto, Hudec constata que: “there were rather serious limitations on the political
commitment governments made to GATT law. The most obvious limitation, of course, was the fact
that the entire legal drama took place in a setting in which the leading governments had retained
the legal authority not to obey GATT law. GATT law was never given direct effect in their domestic
laws. The fact that governments wanted the freedom to disobey was the starting point from which
12
sujeito de direito internacional (v.g. organização internacional), a não inclusão de
matérias relevantes em seu escopo (v.g. serviços, propriedade intelectual,
agricultura, têxteis etc.), além de outros aspectos que se mostravam obstáculos
insuperáveis, exigindo uma reforma completa em sua estrutura.
1.3 PANORAMA DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC
1.3.1 ADENSAMENTO DE JURIDICIDADE
Como demonstrado acima, os esforços do GATT no sentido de
consolidar práticas que preenchessem as lacunas de seu texto legal, bem como o
constante aprimoramento para reduzir a influência do poder político no
funcionamento de seu sistema de solução de controvérsias, mostraram-se
insuficientes para fazer frente aos novos desafios do comércio internacional. Em
resposta a essas deficiências, a Rodada Uruguai de negociações foi lançada, e
após intensa atividade (1986-1994)
22
, resultou no estabelecimento da OMC como
o organismo responsável pela regulamentação do sistema multilateral de
comércio
23
, acompanhado de novo mecanismo de pacificação de conflitos, dotado
de acentuadas feições jurídicas
24
.
the GATT legal system had to build. No matter how well GATT legal system succeeded in
constructing impediments to the exercise of this freedom, the legal system was always working
against this fundamental reservation”. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in
WTO Dispute Settlement. In: WEISS, Friedl; WIERS, Jochem (Eds.). Improving WTO dispute
settlement procedures: issues & lessons from the practice of other international courts and
tribunals, Londres: Cameron May, 2000, p. 3.
22
A Rodada Uruguai traduziu-se na mais complexa e ampla negociação existente no âmbito
multilateral, tendo sido descrita como “‘the most important event in recent economic history’”.
JACKSON, John. H. The jurisprudence of GATT & the WTO: insights on treaty law and
economic relations, cit., p. 168.
23
Segundo Jackson, a criação da OMC “‘completed’ the triad of organizations contemplated by the
Bretton Woods Conference of 1944”. JACKSON, John H. The Changing Fundamentals of
International Law and Ten Years of the WTO. Journal of International Economic Law, v. 8, n. 1,
Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 4.
24
Para maiores informações sobre a Rodada Uruguai, consultar PETTERSMANN, Ernst-Ulrich.
The GATT / WTO dispute settlement system: international law, international organizations and
dispute settlement. The Hague: Kluwer Law International, 1998; COSTA, Lígia Maura. OMC:
manual prático da Rodada Uruguai. São Paulo: Saraiva, 1996.
13
Em síntese, o fortalecimento do aparato de pacificação de litígios
da OMC pode ser visto como meio-termo encontrado para acomodar: a) as
reclamações dos Estados Unidos, que entendiam o sistema do GATT como
insuficiente para proteger de maneira adequada seus interesses; b) o desejo dos
demais atores do comércio internacional em domar o excessivo unilateralismo
estadunidense intensificado a partir de 1988, com a edição do Super Section
301, sob o argumento de fragilidade do GATT
25
. A essas razões podem ser
incluídas a necessidade de preservação da efetividade do sistema de
controvérsias, que vinha sendo desafiada por conflitos cada vez mais relevantes
politicamente
26
, e de seu fortalecimento devido ao alargamento ex materiae
operado pela OMC, com a inclusão de novos temas em seu feixe normativo,
como serviços e propriedade intelectual
27
.
Lafer batizou o produto do movimento promovido pela Rodada
Uruguai no âmbito do sistema de solução de controvérsias de “adensamento de
juridicidade”
28
. O que era regulamentado por apenas um par de dispositivos no
GATT, desdobrou-se em um novo acordo composto por 27 (vinte e sete) artigos,
143 (cento e quarenta e três) parágrafos e 4 (quatro) apêndices, denominado
ESC Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de
Controvérsias. Esse diploma legal parte integrante do corpo normativo
abrangido pela OMC, sob a forma do Anexo 2 de seu Acordo Constitutivo
consiste na pedra angular de todo o novo sistema de pacificação de conflitos da
25
A Section 301 autorizava o Executivo dos Estados Unidos a impor sanções comerciais
unilaterais em inúmeras hipóteses. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO
Dispute Settlement, cit., p. 6. Segundo o casal Chayes, o sistema da OMC marcou o fim de duas
décadas de “unilateralismo agressivo” dos Estados Unidos. CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia
Handler. The new sovereignty: compliance with international regulatory agreements. Cambridge:
Harvard University Press, 1995, p. 101.
26
O sistema de solução de controvérsias do GATT foi ganhando importância, notadamente nas
décadas de 70 e 80, e, com isso um maior número de controvérsias, cada vez mais relevantes do
ponto de vista político, foram sendo submetidas ao seu crivo. Como resultado, as decisões do
sistema ganharam maior notoriedade nas capitais das partes vencidas e seu cumprimento passou
a ser mais contestado, notadamente em razão do direito ao veto (v.g. por que aceitar a decisão se
poderíamos vetá-la?). Dessa maneira, a manutenção da credibilidade do sistema, e, em última
análise, sua própria existência, passavam necessariamente por seu fortalecimento. HUDEC,
Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 7.
27
SUTHERLAND, Peter et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the
new millennium. Genebra: WTO Secretariat. 2004, p. 49.
28
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira,
cit., p. 29-32.
14
organização, encerrando as regras basilares sobre seu funcionamento. Trata-se
de verdadeiro código procedimental responsável, inter alia, por regulamentar as
etapas do mecanismo, erigir seus princípios informadores e atribuir competências
a seus órgãos.
Dentre as principais modificações operadas pelo novo diploma,
algumas revelam de maneira exemplar mencionado adensamento de juridicidade.
A primeira delas, consistente na inversão da regra do consenso, corrigiu o maior
defeito do GATT: o direito ao veto. Assim, para o bloqueio de uma controvérsia
não é mais suficiente a oposição de uma única parte (“consenso positivo”), sendo
necessária a unanimidade dos membros inclusive do próprio reclamante no
sentido contrário ao do prosseguimento da contenda (“consenso negativo”). Em
decorrência da eliminação do direito de veto, consolida-se, inter alia, os direitos
de estabelecimento do painel, adoção das recomendações, apelação e aplicação
de sanções. O reclamante passa a ter assegurada a realização de todos esses
atos procedimentais, afastando a elevada possibilidade de ingerência política
antes verificada no GATT.
Como corolário direto da inversão da regra do consenso, observa-
se a automaticidade do procedimento de solução de controvérsias. As várias
etapas que compõem um conflito passam a se suceder mecanicamente, sem a
necessidade de provocação de cada ato pela parte interessada. Na prática, o
evento é incluído na pauta de reunião dos membros da OMC, e aprovado
automaticamente após sua leitura e eventual manifestação dos presentes. Além
disso, a expressa determinação de prazos e regras específicas para cada etapa
contribui para evitar protelamentos desnecessários e aumentar a previsibilidade
do procedimento. Por outro lado, a eliminação do direito de veto foi compensada,
em parte, pela criação do OA - Órgão Permanente de Apelação, como forma de
conferir equilíbrio ao procedimento, permitindo contornar a natural inconformidade
das partes com provimentos contrários, bem como evitar que o membro vencido
deixe de implementar as decisões sob reclamos de injustiça ou erro
29
. Apontada
29
“The strictly legal function and expertise of the appellate body were perceived as a rule-oriented
substitute for the political consensus practice regarding panel reports in the GATT Council”.
PETTERSMANN, Ernst-Ulrich. The GATT / WTO dispute settlement system: international law,
international organizations and dispute settlement, cit., p. 186. No mesmo sentido, SUTHERLAND,
15
como uma das mais importantes inovações trazidas pela OMC, o estabelecimento
de uma instância revisora, à qual se pode recorrer para reexame do relatório do
órgão de primeira instância (painel), torna eficaz o princípio universal do duplo
grau de jurisdição
30
. Nesse sentido, oferece maior segurança para a prevenção de
equívocos decorrentes da falibilidade humana, além de conferir maior
credibilidade e uniformidade para as decisões da OMC.
Outra novidade do ESC foi a criação do OSC - Órgão de Solução
de Controvérsias, composto por todos os membros da entidade, sobre o qual
recai a função de aplicação e administração das normas de resolução de
conflitos
31
. Este órgão representa uma especialização funcional do Conselho
Geral da OMC que, com regras e direção próprias, desempenha as tarefas
relacionadas à pacificação de conflitos
32
. Em razão da relevância dessa atividade,
quem afirme que a função mais importante do Conselho Geral é a de ser um
órgão de solução de disputas
33
. Dentre as competências reservadas ao OSC,
encontram-se o poder para estabelecer painéis, adotar relatórios provenientes
dos painéis e do OA, supervisionar a implementação das decisões e
recomendações contidas em aludidos relatórios, bem como autorizar a suspensão
de concessões ou outras obrigações constantes dos tratados abrangidos pela
OMC
34
.
As alterações ocasionadas nas regras de pacificação de conflitos
também resultaram na extensão da obrigatoriedade do ESC para todos os
membros da entidade, representando um sistema único de solução de
P. et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new millennium, cit., p.
50; PRADO, Victor Luiz do. Mecanismos de solução de controvérsias: fonte de poder e de
problemas na OMC. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. (coord). OMC e o comércio internacional.
São Paulo: Aduaneiras, 2002, p.268.
30
Para um interessante panorama sobre as perspectivas em face do AO dos negociadores que
atuam na OMC e os doutrinadores que estudam o assunto, ver: THORSTENSEN, Vera. O papel
do Órgão de Apelação: visão das comunidades diplomáticas e acadêmica. In: BAPTISTA, Luiz
Olavo; CELLI JÚNIOR, Umberto; YANOVICH, Alan (Orgs). 10 anos de OMC: uma análise do
sistema de solução de controvérsias e perspectivas. São Paulo: Aduaneiras, 2007. p. 91-112.
31
ESC, Art. 2.1; Acordo Constitutivo da OMC, Artigo III.III.
32
Acordo Constitutivo da OMC, Art. IV. III. Sobre o dispositivo, Lafer que exerceu a presidência
do OSC no ano de 1996 explica que a especialização funcional do OSC lhe assegura uma
identidade institucional própria, reveladora da hierarquia e da importância atribuída pela OMC à
solução de controvérsias. LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio
internacional: uma visão brasileira, cit., p. 127.
33
JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. São Paulo: LTr, 2000, p. 449.
34
ESC, Art. 2.1.
16
controvérsias
35
. A medida visou combater a antiga prática existente no GATT,
conhecida como forum-shopping, segundo a qual as partes possuíam prerrogativa
para eleger uma, dentre as inúmeras vias previstas por diferentes acordos, para o
deslinde de seus desentendimentos
36
.
O adensamento de juridicidade explicitado acima levou Abi-Saab
a concluir que a trajetória do sistema de solução de controvérsias desde o GATT
até a OMC poderia ser comparada à passagem de um modelo de mediação para
uma estrutura com feições judiciais
37
. Ou ainda, em alusão à “evolução
Darwiniana”, que o ESC representaria o desenvolvimento de coluna vertebral em
um sistema anteriormente invertebrado
38
. Com efeito, o mecanismo implementado
pela OMC representa inegável progresso em termos de eficácia, na medida em
que reduz sua dimensão diplomática e concebe um “sistema verdadeiramente
jurídico”
39
.
1.3.2 ETAPAS DO PROCEDIMENTO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
Efetuados alguns comentários introdutórios sobre o
aprofundamento do caráter jurídico do sistema de solução de controvérsias da
OMC, julga-se oportuno apresentar um breve panorama sobre seu
funcionamento. Preliminarmente, no entanto, importa assentar que apenas os
membros da organização têm legitimidade para figurar nos pólos ativo ou passivo
de uma divergência
40
. Assim, quando se fala que a OMC tem jurisdição
35
ESC, Apêndice 1.
36
Como observa Lafer, a medida procurou fazer frente ao risco de fragmentação decorrente da
dispersão dos diversos Códigos da Rodada Tóquio, cada qual prevendo seu próprio sistema para
resolver litígios. LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma
visão brasileira, cit., p. 122.
37
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 105.
38
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 112.
39
VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute
settlement decisions. Law and Policy in International Business, v. 33, n. 4, Washington:
Georgetown University Law Center, 2002, p. 557.
40
Para os fins do presente trabalho, adotam-se os termos “reclamante” e “reclamado”, ou
“demandante” e “demandado” para fazer referência às posições ativa e passiva respectivamente
ocupadas por um membro da OMC nas controvérsias submetidas ao seu sistema de pacificação
de conflitos.
17
obrigatória
41
, isso significa que tal compulsoriedade alcança somente seus
integrantes e repousa no consentimento prévio por eles externado no momento
de ratificação do Acordo Constitutivo da entidade. Considerando que somente
podem aceder à OMC Estados ou “territórios aduaneiros separados” e dotados de
completa autonomia na condução de suas relações comerciais externas
42
, o
envolvimento direto de particulares na condição de parte, em contraposição ao
que ocorre em outros foros, jamais será admitido pelas regras em vigor. No
tocante às obrigações que poderão ser submetidas à apreciação da OMC,
informa-se que todo o conjunto normativo abrangido pela organização poderá ser
alegado como matéria controvertida em um conflito
43
.
Passando-se ao exame do iter procedimental da atividade de
composição de litígios na OMC, é possível vislumbrar uma série de etapas que a
integram. A primeira consiste na fase de consultas, que representa a vertente
diplomática do sistema, na qual a solução para a divergência é perseguida por
negociações diretas e confidenciais entre as partes
44
. A realização de consultas,
como etapa preliminar ao ingresso nas chamadas vias jurisdicionais, aparece
como fase obrigatória, reforçando o espírito supremo do sistema: o deslinde do
conflito de forma satisfatória para ambas as partes. Não obstante sua natureza
compulsória, seu sucesso fica condicionado à vontade dos contendores em
transigir o que nem sempre ocorre, principalmente quando grande
discrepância de poder entre eles, ou quando os interesses em debate são
significativos. Até o presente momento, registram-se 373 (trezentos e setenta e
três) controvérsias submetidas à apreciação da OMC, sendo que 47%, ou seja,
176 (cento e setenta e seis), foram encerradas durante a fase de consultas
45
.
Frustrada a tentativa de autocomposição
46
, abre-se ao reclamante
o direito de iniciar a fase de estabelecimento de painel, por meio da qual a
41
Diz-se que uma jurisdição é obrigatória quando uma das partes pode invocá-la unilateralmente
em relação à outra.
42
Acordo Constitutivo da OMC, Art. XII.1. Nessa categoria de Membros classificam-se Taipé
Chinês e Hong Kong.
43
ESC, Apêndice 1.
44
ESC, Art. 4.6.
45
Disponível em <http//:www.wto.org/english/traptop_e/dispu_e/dispu_e.htm.> Acesso em
09.10.2008.
46
O ESC determina, em seu art. 4.7, que as consultas devem perdurar por pelo menos 60
(sessenta) dias, contados da data de recebimento de sua solicitação.
18
apreciação da controvérsia é remetida a um grupo de especialistas formado
especificamente para o caso concreto
47
. Ao contrário da etapa de consultas, essa
fase tem caráter predominantemente jurisdicional, uma vez que retira a análise da
controvérsia da esfera das partes, encaminhando-a a um terceiro independente
(painel). Nas palavras de Luiz Olavo Baptista, esse movimento tem a virtude de
despolitizar a questão “circunscrevendo-a e tornando-a suscetível de avaliação
racional, jurídica. A questão sai do âmbito da soberania e passa
imperceptivelmente, mas efetivamente para um plano material e dos interesses
comerciais em jogo”
48
.
Em regra, os painéis são organismos provisórios compostos por
três integrantes, escolhidos de maneira ad hoc
49
. Assim sendo, não se revestem
de profissionalidade ou permanência, posto que instituídos para uma tarefa
exclusiva, finda a qual são dissolvidos. A partir da apreciação objetiva dos fatos e
do direito aplicável, e conferindo oportunidade para as partes manifestarem seus
argumentos por meio de petições e audiências, o painel deverá expressar suas
conclusões na forma de um relatório escrito endereçado ao OSC
50
. Verificando a
existência de uma medida incompatível com as normas do sistema multilateral de
comércio
51
, o painel deverá incluir recomendações no sentido de conformação da
47
O trabalho utilizará o vocábulo “painel” para fazer menção ao grupo de especialistas formado
para apreciar juridicamente, e em caráter inicial, uma controvérsia na OMC. A escolha está em
sintonia com a tradição consolidada na doutrina brasileira especializada. Nesse sentido: AMARAL
JÚNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008. Vale advertir,
no entanto, que a tradução do ESC para o português, adotada pelo Ministério das Relações
Exteriores, prefere a expressão “grupo especial”, em atenção à versão oficial do documento nas
línguas francesa (“groupe spécial”) e espanhola (“grupo especial”). Disponível em
<http://www.mre.gov.br/portugues/ministerio/sitios_secretaria/cgc/controversias.doc>. Acesso em
25.03.2008. Ademais, Cretella Neto assinala que o uso do termo “painel” consiste em anglicismo,
visto que seu significado no vernáculo não compreende o de grupo de especialistas composto
para apreciar uma questão jurídica. CRETELLA NETO, José. Sistema processual de solução de
controvérsias da OMC organização mundial do comércio: casuística de interesse para o
Brasil. 485 f. Dissertação (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, p.
74-75.
48
BAPTISTA, Luiz Olavo. Aspectos teóricos da solução de controvérsias. Carta Internacional,
São Paulo, ano V, nº. 58, dez. 1997, p. 7-11.
49
ESC, Art. 8, Parágrafos 5-9.
50
ESC, Art. 12.7.
51
A existência de medida incompatível ocorrerá nas hipóteses de reclamação de violação, quando
a “anulação ou restrição” dos benefícios do reclamante resultam de um suposto descumprimento
das obrigações do reclamado. Por sua vez, na reclamação de não violação, inexiste medida ilegal,
sendo a controvérsia lastreada exclusivamente no dano sofrido pelo reclamante. Considerando
que a primeira situação corresponde à maioria dos casos observados na OMC, será ela adotada
como referência na análise ora em andamento.
19
conduta inadequada
52
o que, poderia ser interpretado como exteriorização do
clássico instituto de direito internacional público da cessação e não-repetição de
ilícitos internacionais
53
. Vale anotar que até o momento o sistema da OMC
contabiliza a formação de 179 (cento e setenta e nove) painéis, dos quais 83%,
ou seja, 148 (cento e quarenta e oito) chegaram a distribuir relatórios para as
partes
54
.
Como antecipado, um dos principais reflexos do adensamento de
juridicidade da OMC encontra-se na criação do OA
55
, ao qual foi atribuída a
função de analisar em grau de recurso os relatórios elaborados em primeira
instância
56
. Atualmente, o percentual de apelação é de cerca de 70%, abrangendo
104 (cento e quatro) relatórios recorridos
57
. Em contraposição aos painéis, o OA
traduz-se em um foro permanente composto por sete integrantes, dos quais três
atuam em cada controvérsia
58 e 59
. Tal característica lhe permite consolidar
correntes de entendimento e interpretação acerca das questões versando sobre
as normas da entidade.
A legitimidade para recorrer é exclusiva das partes em
controvérsia, não alcançando terceiros interessados
60
. Considerando a inversão
da regra do consenso, os litigantes têm assegurado seu direito de apelar, que
deverá ser exercido por meio de notificação formal ao OSC antes da adoção do
52
ESC, Art. 19.1.
53
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, n. 65, 2004, p. 771-772.
54
Disponível em <http//:www.wto.org/english/traptop_e/dispu_e/dispu_e.htm>. Acesso em
09.10.2008.
55
O Órgão Permanente de Apelação foi estabelecido pelo OSC em junho de 1995. Documento
WT/DSB/1 (19/06/1995).
56
ESC, Art. 17.1.
57
Disponível em <http//:www.wto.org/english/traptop_e/dispu_e/dispu_e.htm>. Acesso em
09.10.2008.
58
A escolha dos árbitros do OA é feita pelo OSC, por meio do consenso de seus membros, para
um mandato de 4 (quatro) anos, com a possibilidade de uma recondução. A composição do órgão
deverá refletir a diversidade dos Membros da entidade, envolvendo pessoas de reconhecida
competência e com comprovada experiência em direito, comércio internacional e demais matérias
contidas nos acordos da instituição. Diferentemente dos integrantes do painel, os árbitros não
podem possuir laços governamentais. ESC, Art. 17, parágrafos 1-3.
59
A atual presidência do OA é exercida pelo brasileiro Luiz Olavo Baptista, nomeado árbitro em 25
de setembro de 2001, e reconduzido ao cargo por uma oportunidade.
60
Sem embargo, terceiros que tenham notificado o OSC, na fase do painel, sobre seu interesse
substancial no conflito, poderão entregar comunicações escritas e serem ouvidos pelo OA (ESC,
Art. 17.4).
20
relatório do painel. Insta ressaltar que a matéria apelável se restringe às questões
de direito e interpretações jurídicas contidas no relatório de primeira instância
61
. O
procedimento prevê o amplo direito de defesa das partes, permitindo a submissão
de manifestações escritas e a participação em audiência. Em prazo de 60
(sessenta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta), o OA deverá apresentar suas
conclusões em um relatório próprio, confirmando, modificando ou revogando o
entendimento do painel
62
.
Vale notar que o relatório final proveniente do painel ou do OA
não se reveste, por si só, de força obrigatória automática para as partes. Ao
contrário, a plenitude de efeitos jurídicos das conclusões e recomendações nele
contidas ficam condicionadas à adoção pelo OSC. Em consonância com Lafer,
essa aprovação configura uma espécie de homologação política do relatório,
conferindo o exequatur para seu cumprimento. Nesse sentido, ainda segundo o
ex-presidente do OSC, a natureza jurídica formal dos relatórios seria a de “um
parecer, de um tertius, acima das partes, dotado de vis directiva
63
. A exigência da
chancela política pelo OSC, todavia, é temperada pela automaticidade do
procedimento da OMC, e pela existência do direito de adoção do relatório,
assegurado aos seus membros por intermédio da regra de consenso negativo.
Assim, mesmo sem ignorar a necessidade dessa aprovação formal pelo OSC, a
virtual certeza de sua ocorrência faz com que a vinculação das partes ao
conteúdo do relatório seja uma questão de tempo.
Conclui-se que o caráter jurídico vinculante dos relatórios é
diferido no tempo: ao invés de surtir efeitos imediatamente após sua distribuição,
seus reflexos ficam suspensos até o momento de sua adoção. Nessa esteira,
apontando para a enorme improbabilidade da ocorrência de consenso negativo,
quem assevere, como Abi-Saab, na condição de ex-árbitro do OA, que as
recomendações da OMC são de facto binding
64
. Na mesma linha, Vázquez e
61
ESC, Art. 17.6.
62
ESC, Arts. 17.5 e 17.13.
63
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira,
cit., p. 125.
64
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 112.
21
Jackson declaram que a adoção do relatório pode ser considerada uma
conseqüência inevitável
65
.
Visando garantir a reunião do OSC que deverá adotar o relatório,
as normas de solução de controvérsias das OMC determinam prazos para sua
realização
66
. As partes da controvérsia possuem o direito de participar plenamente
da reunião que examinará o relatório, podendo, assim como todos os demais
membros, expressar sua opinião sobre seu conteúdo
67
. Acerca do consenso para
aprovação, via de regra, o presidente do OSC concede a palavra às partes em
disputa e aos demais membros, registra eventuais manifestações e,
posteriormente, determina a adoção do relatório o que ocorreu em 136 (cento
e trinta e seis) oportunidades
68
.
Por fim, adotado o relatório, parte-se para a sensível etapa de
implementação da decisão
69
, cujo objetivo é a modificação da conduta
considerada inconsistente com as normas da OMC. Após percorrer todo o
intrincado trajeto previsto para a solução de controvérsias, chega-se ao clímax do
procedimento, no qual as violações detectadas deverão ser corrigidas a fim de
colocar fim ao conflito. Nesse caso, em um primeiro instante, assegura-se ao
reclamado a oportunidade de cumprir espontaneamente as recomendações da
entidade em um prazo razoável, geralmente fixado por mútuo acordo ou
arbitragem
70
. Esgotado o prazo, é necessário verificar se a parte vencida
realmente observou a decisão, reparando os desvios apontados pelo relatório.
Havendo concordância em relação ao status de adimplemento, a divergência
65
VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute
settlement decisions. Law and Policy in International Business, cit., p. 555.
66
No caso de relatório proveniente do painel, sua adoção deverá ser apreciada entre 20 (vinte) e
60 (sessenta) dias após distribuição (ESC, Art. 16.1 e 16.4). Nas hipóteses em que o relatório do
painel for recorrido, o relatório final do OA deverá ser levado ao OSC em até 30 (trinta) dias após
publicação (ESC, Art. 14). Além desses prazos, o ESC dispõe que a decisão sobre adoção do
relatório não deverá exceder 9 (nove) meses, no caso de painel, ou 12 (doze) meses, para o OA,
salvo quando prorrogados seus trabalhos (ESC, Art. 20).
67
ESC, Art. 16, parágrafos 3 e 4.
68
Disponível em <http//:www.wto.org/english/traptop_e/dispu_e/dispu_e.htm>. Acesso em
09.10.2008.
69
Para fins didáticos, o presente estudo tratará como sinônimos os termos “decisão”,
“recomendação” e “determinação”. Todos eles, indistintamente, terão como significado a
manifestação oficial proferida pelos órgãos julgadores da OMC (painéis e/ou OA) na forma de
relatório posteriormente adotado pelo OSC.
70
ESC, Art. 21.3.
22
encontra seu termo. Caso contrário, abre-se ao reclamante a possibilidade de
negociar compensação temporária com o reclamado enquanto não se perfaz a
adequação de sua conduta.
Na hipótese em que o reclamado afirma o cumprimento, mas a
parte adversa contesta a veracidade da alegação, erige-se a necessidade de
verificar quem está com a razão. A nova discordância poderá ser submetida a um
painel de implementação (“compliance panel”), que se incumbirá de dissolver o
litígio, averiguando se o reclamado de fato implementou as mudanças
necessárias para cumprir integralmente a decisão, bem como se as alterações
levadas a efeito estão em conformidade com as regras do sistema multilateral de
comércio
71
. Restando comprovado o descumprimento ou reconhecendo o
reclamado, de maneira expressa ou tácita, que não adequou seu comportamento
tal como estava obrigado, o reclamante se reveste da prerrogativa de, em ultima
ratio, retaliar o membro sucumbente como forma de lhe impelir o adimplemento.
Com o mesmo objetivo, porém de maneira menos incisiva, o ESC
também disponibiliza uma série de outros mecanismos durante a etapa de
implementação, como a exigência de relatórios periódicos sobre o progresso do
cumprimento pelo reclamado e o acompanhamento dessa trajetória pelo OSC,
com o escopo de estimular o respeito pelas recomendações da entidade. Todos
esses instrumentos constantes do sistema de solução de controvérsias da OMC
podem ser denominados, em acepção ampla, como medidas de indução ao
cumprimento.
71
ESC, Art. 21.5.
23
1.4 CUMPRIMENTO DAS DECISÕES DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS DA OMC
1.4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antes de se ingressar no exame das medidas de indução ao
cumprimento previstas no sistema de solução de controvérsias da OMC, é preciso
responder a uma pergunta que permeará toda a análise: por que os membros
cumprem as decisões da OMC? Ou, em uma perspectiva mais ampla, por que os
Estados se vinculam às obrigações do direito internacional? Como restará
evidente, a identificação dos motivos determinantes que levam um Estado a
observar as regras do comércio internacional se mostrará salutar para averiguar
se as medidas de indução atuais desempenham satisfatoriamente sua função,
bem como para apontar em que aspectos referidos institutos podem ser
aprimorados. Em última instância, a questão permitirá revelar em que grau tais
medidas influenciam a resolução dos membros em implementar as determinações
proferidas pela OMC.
1.4.2 ESTRUTURA DO DIREITO INTERNACIONAL
Tendo em vista que a OMC é uma organização internacional com
personalidade jurídica própria e formada por sujeitos de direito internacional, o
primeiro passo consiste em tecer comentários sobre como a estrutura da
sociedade na qual ela está inserida pode interferir na questão do cumprimento de
suas decisões.
Para tanto, vale lembrar que a sociedade internacional está
disposta de maneira descentralizada, inexistindo um aparato institucional
desenvolvido, bem como um legislador central
72
ou uma autoridade que se
72
“International law, unlike domestic legal systems, is ‘decentralized’ in that it has no central
legislator creating its rules. The creators of international law are at the same time the main subjects
24
sobrepõe aos seus integrantes
73
. Os Estados, atores tradicionais dessa sociedade
e sujeitos de direito com acesso predominante à OMC
74
, organizam-se
horizontalmente, ou seja, em posição de igualdade formal. Como corolário, a
relação estabelecida entre eles é de coordenação
75
. Convém frisar que a ausência
de um poder central significa que o Estado somente é jurisdicionável perante uma
corte em razão de seu próprio consentimento, revelando a inexistência de uma
polícia organizada, com poder suficiente para impor o cumprimento de uma
decisão ou para substituir a atuação do Estado quando este se recusa a perfazer
determinada ação.
A falta de estrutura institucional centralizada poderia levar à
interpretação equivocada da ordem internacional, redundando no entendimento
de que as regras da OMC não seriam vinculantes, na acepção tradicional do
termo. Afinal, "the WTO has no jailhouse, no bail bondsmen, no blue helmets, no
truncheons or tear gas"
76.
No entanto, como adverte Cho, a previsão desses
instrumentos coloca-se como elemento subsidiário de um sistema jurídico, e não
como pressuposto de sua existência
77
. A lacuna ocasionada pela dispersão do
poder não se constitui em obstáculo para a edificação de normas comuns para
ordenar o relacionamento entre os Estados. Ademais, a ausência de aparato
coativo organizado não priva a comunidade internacional de meios para promover
o cumprimento de suas normas
78
. Nesse sentido, observa-se a existência de um
of international law, namely states. PAUWELYN, Joost. The role of public international law in the
WTO: how far can we go? The American Journal of International Law, Washington, v. 95, 2001,
p. 535.
73
Sobre o assunto, Mello aduz que “a falta de uma organização institucional significa que a
sociedade internacional não é um superestado, isto é, não possui um poder legislativo, executivo
ou judiciário por cima dos Estados e, em conseqüência, é descentralizada”. MELLO, Celso
Duvivier de Albuquerque. Direito internacional público. 14. ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, Vol.
I, 2002, p. 53.
74
“Le droit de gens est un droit de coordination et non de subordination”. ROUSSEAU, Charles. De
la compatibilité des normes juridiques contradictoires dans l’ordre international. Revue Générale
de Droit International, Paris, v. 39, n.133, 1932, p. 150-151.
75
Mais precisamente, o Art. XII.1 do Acordo Constitutivo da OMC permite a acessão como
Membros de territórios aduaneiros separados”, dotados de completa autonomia na condução de
suas relações comerciais externas.
76
BELLO, Judith Hippler. The WTO Dispute Settlement Understanding: Less is More. The
American Journal of International Law, Washington, v. 90, n.3, 1996, p. 417.
77
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 782.
78
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas,
2008, p. 5-8.
25
incipiente sistema de sanções no âmbito internacional, cujos maiores obstáculos
residem na desigualdade fática entre os atores estatais
79
.
O extremo oposto a esse cenário encontra-se nos sistemas
jurídicos domésticos, cuja apreciação permite ressaltar os traços fundamentais da
sociedade internacional. Assim, importa mencionar que as estruturas nacionais
revelam uma geometria centralizada na figura do Estado, que concentra o poder e
se reveste de autoridade superior em face dos indivíduos nele presentes. Verifica-
se a existência de uma polícia estatal forte e de mecanismos institucionais que
asseguram a vontade oficial e a vigência da ordem jurídica. A vontade política é
exprimida por meio da representação (parlamentares)
80
. A relação entre Estado e
particulares é marcada pela subordinação, o que implica dizer que todos os
indivíduos são jurisdicionáveis e estão obrigados a se submeter às cortes locais,
cujas decisões são passíveis de serem executadas, inclusive pela substituição da
vontade do indivíduo. As sanções existentes apresentam feições desenvolvidas,
sendo sua aplicação garantida pelo monopólio da força exercida pela polícia
estatal.
Muito embora as características acima descritas representem
modelos estereotipados da realidade das sociedades internacional e doméstica,
que têm sofrido modificações profundas nas últimas décadas, com o surgimento
de novos atores externos e internos e o desenvolvimento de instituições na esfera
global, é preciso reconhecer sua serventia para transmitir uma noção satisfatória
do ambiente em que operam as decisões da OMC.
1.4.3 ATO DE CUMPRIMENTO DAS DECISÕES DA OMC
Diante do panorama da sociedade internacional, marcado pela
ausência de uma autoridade central capaz de impor sua manifestação de
vontade, é possível concluir que o cumprimento de uma determinação do
79
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2002, p. 1-2.
80
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, cit., p. 1.
26
mecanismo de controvérsias da OMC dependerá, em última instância, do
consentimento do membro envolvido. O fundamento das obrigações
internacionais, nesse sentido, está calcado na expressão prévia explícita ou
implícita – de assentimento do Estado, sem o qual dificilmente será possível
verificar o cumprimento. Não obstante o nível de desenvolvimento institucional da
OMC, ela ainda está longe de representar uma autoridade centralizada no âmbito
do sistema multilateral do comércio, com força e meios suficientes para exigir a
observância de suas decisões, notadamente diante da oposição de seus
destinatários. Assim sendo, reitera-se, a modificação da conduta do reclamado
em respeito a uma determinação da OMC está condicionada a sua inequívoca
concordância e participação. Diante dessa constatação, convém investigar quais
motivos levam um membro a adotar tal comportamento.
O ponto de partida dessa tarefa consiste em vislumbrar o ato de
cumprimento como resultado de uma decisão governamental influenciada por um
conjunto complexo e heterogêneo de fatores. O reclamado, para implementar
uma determinação da OMC, deverá estar disposto a modificar sua própria decisão
anterior que redundou na violação
81
. Esse tipo de processo é complexo, porque
orientado por uma multiplicidade de fatores, que atuam de maneira paralela e com
intensidades distintas. Em regra, um único elemento não é capaz de, solitária e
hermeticamente, provocar alteração tão profunda. Por sua vez, como se verifica a
seguir, os elementos que instruem mencionada decisão também são
heterogêneos, posto que decorrerem de considerações de natureza variada,
principalmente de ordem política e econômica.
Considerando os fatores que podem concorrer para a formação
da vontade política para implementar uma decisão, é possível elencar, inter alia:
a) confiança nos benefícios a longo prazo de um sistema legal efetivo; b) pressão
de grupos de interesses; c) aplicação de medidas de indução ao cumprimento; d)
força normativa decorrente das obrigações internacionais
82
; e) observância
81
HUDEC, Robert. The adequacy of WTO dispute settlement remedies: a developing country
perspective in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (eds). Development,
trade, and the WTO: a handbook, chapter 10, Washington, DC: World Bank, 2002, p. 90.
82
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 8-9.
27
dessas obrigações como conduta de boa política
83
; f) manutenção do bem-estar
dos cidadãos
84
; e g) zelo pela reputação do membro no sistema multilateral de
comércio
85
.
quem afirme, com razão, que alguns desses elementos, de
maneira conjunta, redundam em uma “propensão geral” dos Estados para o
cumprimento de suas obrigações internacionais. Essa inclinação é lastreada por
fatores como, eficiência, interesses econômicos e políticos, além da própria força
vinculante das normas internacionais
86
.
Dentre os itens enumerados, os três primeiros mostram-se
especialmente importantes para a condução da presente pesquisa, e por isso
merecem atenção especial:
a) Confiança nos benefícios a longo prazo de um sistema legal
efetivo
A confiança nas vantagens futuras que podem ser colhidas em
um sistema jurídico efetivo estimula o cumprimento de suas decisões
87
. O
raciocínio, transposto para a OMC, é de que se os membros da entidade
acreditam nos benefícios decorrentes do sistema multilateral de comércio, eles
tenderão a implementar suas soluções a fim de assegurar resultados positivos
futuros
88
. O cálculo de interesses não seria elaborado com lastro em
83
HUDEC, Robert. The adequacy of WTO dispute settlement remedies: a developing country
perspective in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (eds). Development,
trade, and the WTO: a handbook, cit., p. 84-85.
84
O raciocínio de Trachtman de que os países recorrem ao Direito Internacional e à negociação
de tratados internacionais com o escopo de incrementar o bem-estar de seus cidadãos também
pode ser aplicado ao cumprimento das decisões da OMC. OMC. 2007 WTO Public Forum: how
can the WTO help harness globalization, cit., p. 114.
85
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 110. Esse elemento é também referido em linguagem
diplomática como “the shame factor”.
86
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 3-9.
87
DAVEY, William J. The WTO: looking forwards. Journal of International Economic Law, Vol.9,
N. 1, Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 17; HUDEC, Robert. The adequacy of WTO dispute
settlement remedies: a developing country perspective in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya;
ENGLISH, Philip (eds). Development, trade, and the WTO: a handbook, cit., p. 82.
88
PALMETER, David. The WTO dispute settlement system in the next ten years. In: WTO at 10
Conference: governance, dispute settlement and developing countries, 2006, Nova York. Working
Papers. Nova York, Columbia University, p. 10. Disponível em:
<http://www.sipa.columbia.edu/wto/html/papers.html>. Acesso em: 22.04.2008.
28
considerações imediatistas, mas na importância da eficácia a longo prazo das
relações jurídicas estabelecidas no âmbito internacional. Expressando tal
entendimento, Davey confidencia:
I believe that it is probably the case that the overall positive record of
implementation in the WTO is due to the good faith desire of its members
to see the dispute settlement system work effectively. The more active
users of the system are repeat players, and they appear as both
complainants and respondents. Accordingly, it is in their overall interests
that the system function effectively
89
.
Uma série de constatações corroboram essa proposição. Por um
lado, o funcionamento adequado e previsível do sistema multilateral de comércio
está condicionado, em certa medida, à eficácia e à credibilidade de seu aparato
de solução de controvérsias
90
. Caso ele se mostre insatisfatório, o sistema
multilateral como um todo será afetado. Além disso, a negociação de tratados
internacionais, como aqueles constantes da OMC, envolve profundo e minucioso
processo de discussão e reflexão nos planos doméstico e internacional sobre
seus respectivos custos e benefícios para os contratantes. Assim, ao final do
processo de negociação, os atores envolvidos concentram uma noção ampla
sobre os impactos de suas obrigações, e somente concluiriam o acordo se
estivessem convictos de que seus interesses individuais seriam acomodados
mesmo que parcialmente no texto final. Por conseguinte, os membros se
inclinariam a cumprir as decisões proferidas pela OMC na medida em que tal
comportamento, uma vez generalizado, asseguraria a integridade das obrigações
estabelecidas reciprocamente
91
. A própria decisão dos membros da OMC em
aceder à organização, bem como o gradual e ininterrupto aumento do número de
seus integrantes, podem ser interpretados como reconhecimento dos benefícios
89
DAVEY, William J. Implementation in WTO dispute settlement: an introduction to the
problems and possible solutions. Research Paper n. 05-16 (Illinois Public Law and Legal Theory
Research Paper Series), 2005, p. 14.
90
“Thus it is extremely important that the major players follow a policy of conforming to the
obligations outlined in WTO panels or Appelate Body reports in cases brought against them. It is
important for the system to maintain the political support and confidence of all WTO Members, and
to be viewed as fair and rigorously impartial by all stakeholders”. SUTHERLAND, P. et al. The
future of the WTO: addressing institutional challenges in the new millennium, cit., p.55.
91
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 4-7.
29
trazidos pela regulamentação do comércio em âmbito multilateral, e da vontade
de submissão a tais regras
92
.
A questão da garantia da efetividade do mecanismo de solução
de disputas por meio do cumprimento também pode ser examinada pelo prisma
da reciprocidade de tratamento. O membro que se recusa reiteradamente a
implementar as decisões de um organismo internacional atrai para si
comportamento semelhante de seus parceiros comerciais, sempre que ocupar
uma posição ativa em um litígio. Como resultado, a utilização dos mecanismos de
resolução de conflitos deixa de trazer resultados efetivos para o membro
recalcitrante. Jackson declara que os Estados Unidos enfrentou dificuldades na
década de 70 para receber atenção em suas reclamações sobre irregularidades
na concessão de subsídios por outros governos. Segundo o autor, isso ocorreu
porque os países-alvo desses protestos passaram a adotar a mesma postura
persistentemente externada pelos Estados Unidos no caso DISC (Domestic
International Sales Corp.) do GATT, quando ele se recusou a cumprir as decisões
que condenavam seus próprios subsídios
93
. Há quem entenda que essa relutância
em se conformar com as regras do comércio internacional pode levar até mesmo
à exclusão ou redução de participação deste membro no processo normativo e de
elaboração da política internacional
94
.
b) Pressão de grupos de interesse
O segundo fator consiste na atuação de grupos de interesse no
sentido de influenciar o processo decisório governamental do reclamado diante
das recomendações da OMC. Há uma diversidade de grupos que interagem
nesse processo – pertencentes ao âmbito governamental e privado, em ambas as
92
Segundo a árbitra do OA da OMC, Merit Janow, a resolução em se tornar Membro da entidade é
fruto de uma decisão soberana guiada por considerações de que inúmeros problemas e
oportunidades são melhor tratadas no âmbito internacional, ou simplesmente não podem ser
resolvidas apenas na esfera doméstica. OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help
harness globalization, cit., p. 114.
93
JACKSON, John H. The WTO Dispute Settlement Understanding: misunderstandings on the
nature of legal obligations. Journal of International Economic Law, Vol.91, N. 1, Oxford: Oxford
University Press, 1997, p. 60-61.
94
“The ability of a state to remain a participant in the international policy-making process and
thus its status as a member of the international system – depends in some degree on its
demonstrated willingness to accept and engage the regime’s compliance procedures”. CHAYES,
Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with international regulatory
agreements, cit., p. 230.
30
esferas doméstica e internacional –, cujo apoio pode ser galvanizado em posição
favorável ou contrária à implementação. O êxito na mobilização positiva desse
apoio tende a agilizar o movimento de aceitação das normas do sistema
multilateral de comércio. Esta aprovação, principalmente quando proveniente dos
setores internos diretamente envolvidos na violação objeto da controvérsia, soma-
se à “propensão geral” dos Estados no sentido do cumprimento, e estabelece as
condições políticas necessárias para sua ocorrência. Por outro lado, a
manifestação de discordância em relação à medida recomendada pela OMC, com
grupos de interesses pressionando pela recusa em sua adoção, gera a criação de
obstáculos políticos que podem retardar ou até impedir sua execução
revertendo aquela predisposição inicial dos Estados. A composição de cada um
desses grupos, e a maneira como podem influenciar a decisão de seu governo,
serão examinadas mais detidamente no capítulo 2. Não obstante, importa
adiantar que o resultado de sua atuação dependerá dos interesses em jogo no
caso concreto, assim como da força e organização política dos grupos envolvidos.
c) Aplicação de medidas de indução ao cumprimento
A ameaça ou efetiva aplicação de medidas de indução também é
capaz de influenciar a decisão de um membro em implementar as
recomendações provenientes do sistema de controvérsias da OMC. É claro que o
nível de influência se encontra diretamente relacionado com a natureza da
respectiva medida, dos interesses que ela atinge e da forma como é assimilada
pela comunidade internacional. Referidos aspectos serão devidamente abordados
no decorrer da pesquisa, notadamente no capítulo 3, no que concerne às medidas
atualmente existentes, e no capítulo 4, no tocante às propostas para sua
modificação. Entretanto, insta antecipar que tais institutos podem contribuir de
maneira preponderante para a decisão dos governos em trilhar o caminho do
cumprimento. A íntima conexão entre as medidas de indução e os dois fatores
anteriormente examinados comprova a assertiva.
Em primeiro lugar, a eficácia do sistema multilateral de comércio
não pode ser dissociada da eficácia de seus mecanismos de solução de conflitos,
responsáveis por dirimir os inevitáveis choques de interesses que ocorrem em
seu âmago. E, como não basta apontar uma solução para o conflito, mas
31
necessário também assegurar sua implementação, as medidas de indução
ganham papel de destaque. Charnovitz declara que muitas das violações das
regras do GATT que não puderam ser resolvidas por conta de sua deficiência
estrutural, acabaram sendo levadas à OMC em virtude do fortalecimento de seu
aparato de pacificação de litígios
95
. Assim, na proporção em que as medidas de
indução podem estimular o cumprimento, elas devem ser vistas como importantes
para a eficácia do sistema normativo como um todo.
Além disso, como se verá no Capítulo 2, aludidas medidas atuam
de maneira especial sobre os grupos de interesses, sensibilizando-os para a
defesa do adimplemento. Eventual mobilização de forças políticas poderosas no
interior do reclamado, bem como da comunidade internacional, podem ser
essenciais no exercício de convencimento do membro que se recusa a efetivar as
decisões da OMC.
1.5 MEDIDAS DE INDUÇÃO AO CUMPRIMENTO DAS DECISÕES DA OMC
1.5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Após apresentar as linhas gerais do aparato de resolução de
conflitos da OMC, bem como os principais fatores que informam a decisão
governamental de um membro em adimplir suas recomendações, mostra-se
oportuno concentrar o foco da pesquisa nas medidas de indução ao cumprimento.
Nesse contexto, os próximos tópicos visam sintetizar os elementos básicos desse
instituto.
95
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 616.
32
1.5.2 DEFINIÇÃO
Em apertada síntese, o escopo de um sistema de pacificação de
conflitos consiste em propor soluções para as divergências que lhe são
encaminhadas. Após se desincumbir da tarefa, o sistema pode simplesmente
encerrar seu envolvimento, relegando a matéria da implementação ao inteiro
arbítrio dos contendores, ou ir além, prevendo mecanismos para assegurar a
efetividade de suas decisões. Surgem, nessa segunda hipótese, as medidas de
indução ao cumprimento, que podem ser definidas como instrumentos previstos
no âmbito de um mecanismo de solução de controvérsias cujo objetivo é estimular
a concretização de suas decisões pelas partes envolvidas.
Por uma questão de coerência, o cenário que prescinde de
medidas de indução tende a ter maior sintonia com modelos de jurisdição
voluntária, e cujas decisões não são obrigatórias. É dizer, sistemas que
demandam a concordância expressa das partes para cada controvérsia, e nos
quais suas manifestações têm força apenas diretiva, não vinculando o
comportamento dos envolvidos. Por sua vez, o cenário acompanhado de medidas
de indução parece mais adequado para modelos de solução de controvérsias nos
quais os membros são jurisdicionáveis, e suas decisões revestem-se de natureza
obrigatória
96
. Tomando o sistema da OMC como exemplo, verifica-se seu
enquadramento no panorama de jurisdição e decisões vinculantes
97
.
Consistentemente, como se verá adiante, nele se encontra a possibilidade de
aplicação de medidas indutoras.
96
Sem embargo, vale advertir que a correlação entre ambos os modelos e a existência ou não de
medidas de indução não se apresenta como regra necessária.
97
A condição de membro da OMC implica na aceitação da jurisdição de seu sistema de solução
de controvérsias, independentemente de concordância expressa para cada situação. Por sua vez,
apesar da conotação suave do termo ‘recomendação’, que envolve as decisões do sistema, seu
significado tradicional na jurisprudência da OMC é o de que, uma vez aprovada pelo OSC, ela
vincula juridicamente as partes. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO
Dispute Settlement, cit., p.10. Em sentido contrário, Jorge Fontoura entende que mencionadas
decisões exsurgem ”muito mais como recomendações aptas a prover solução do caso do que
como decisões impositivas a serem cumpridas tout court. FONTOURA, Jorge. A imanência jurídica
da OMC. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 39, n. 153, 2002, p.28.
33
Em acepção ampla, é possível verificar duas formas distintas de
exteriorização das referidas medidas de indução ao cumprimento:
a) Medidas indiretas de indução: instrumentos projetados para
promover e facilitar a atitude de implementação das decisões de uma organização
por meios indiretos e não-coercitivos. A previsão de normas e prazos bem
definidos para os sucessivos atos em direção ao cumprimento pode ser
considerada como exemplo dessas medidas, porquanto permite evitar impasses
procedimentais que poderiam dificultar seu objetivo final. No mesmo sentido
situam-se os mecanismos de supervisão e acompanhamento do progresso das
ações de adimplemento do reclamado. Tais ferramentas visam enaltecer a
observância das normas internacionais como conduta de boa-fé, decorrente de
uma obrigação a que o Estado livremente se vinculou. Ressaltam, ainda, as
vantagens advindas do cumprimento espontâneo das decisões do sistema.
Estas medidas são batizadas por Charnovitz como softer
compliance approaches”, cujos fundamentos se encontrariam na percepção de
que o comportamento dos sujeitos de direito internacional pode ser mais
facilmente alterado pela força da persuasão, do que pela persuasão da força. O
autor vislumbra sua adoção principalmente em tratados ambientais e de direitos
humanos, e assevera que o caminho do cumprimento deve ser buscado mais em
medidas de convencimento, do que em medidas coercitivas
98
. Essa modalidade
de medida de indução, guardadas as devidas reservas, também poderia ser
vislumbrada na teoria de Abram e Antonia Chayes, que a concebe como parte de
um “managerial model”, caracterizado, em suma, pela adoção de estratégias que:
(…) seek to remove obstacles, clarify issues, and convince parties to
change their behavior. The dominant approach is cooperative rather than
adversarial. Instances of apparent non-compliance are treated as
problems to be solved, rather as than wrongs to be punished. In general,
the method is verbal, interactive, and consensual. In some cases (…) the
system may have some benefits it can withhold. In the background more
generally there is the threat of various manifestations of disapproval:
98
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 627; 632-633.
34
exposure, shaming, and diffuse impacts on the reputation and
international relationships of a resisting party
99
.
No âmbito da OMC, a essência dessas medidas pode ser
identificada, em grande parte, nas regras procedimentais que delineiam a fase de
implementação das determinações do OSC, estabelecendo prazos e mecanismos
específicos para a execução dos principais atos rumo ao cumprimento. A
sistemática da OMC, ao eliminar o direito de veto na adoção dos relatórios, bem
como na aplicação de retaliações, viu-se obrigada a melhor regulamentar os
follow-up procedures”: práticas institucionalizadas que têm lugar desde o relatório
final da controvérsia até a implementação de suas conclusões. Notando tratar-se
de um mecanismo incomum no contexto internacional, Giorgio Sacerdoti enaltece
suas virtudes e elogia a previsão no âmbito da OMC
100
.
Dentre as principais medidas previstas pelo ESC, e que serão
melhor examinadas no capítulo 3, é possível mencionar as seguintes:
1. Sugestão para o cumprimento das recomendações;
2. Prazo razoável para o cumprimento da decisão;
3. Supervisão das medidas de implementação;
4. Painel de implementação (art. 21.5); e
5. Arbitragem para fixação do valor e área das sanções (art.
22.6).
b) Medidas diretas de indução: correspondem à vertente
tradicional das medidas de indução, que buscam impelir o cumprimento por meios
incisivos, aplicados diretamente sobre a parte reclamada, em razão de sua recusa
na observância da decisão. Geralmente acompanhadas de traços coercitivos e de
litigiosidade, a idéia nelas subjacente se traduz na tentativa de forçar o
cumprimento do recalcitrante por meio de prejuízos aos seus interesses. A teoria
do casal Chayes as classificam como parte de um enforcement model
101
. Uma
breve análise da conjuntura do direito internacional permite entrever inúmeras
99
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 109-110.
100
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 106.
101
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 3.
35
variações desses mecanismos, como, inter alia, embargos, represália, bloqueio
pacífico, boicote e ruptura de relações diplomáticas.
No panorama da OMC, as sanções são a espécie por excelência
de medida coercitiva. A compensação, muito embora tenha caráter consensual,
fruto do mútuo acordo, também poderia ser encerrada como espécie indireta de
medida indutora. Ambos os institutos serão melhor examinados no Capítulo 3.
1.5.3 OBJETIVOS
O exame dos objetivos das medidas de indução consiste em
tarefa aparentemente singela. Como a própria terminologia deixa transparecer,
referidas medidas visam incitar seus destinatários ao cumprimento das decisões
de um sistema de solução de controvérsias. Em outras palavras, sua ratio essendi
é estimular a implementação dessas decisões, fazendo com que os reclamados
corrijam sua conduta irregular em observância às normas internacionais. Feitas
essas considerações, a presente análise poderia ser dada por encerrada.
Contudo, a questão se mostra mais complexa, exigindo uma reflexão
proporcionalmente mais elaborada. A afirmação genérica de que os mecanismos
previstos nas regras de pacificação de conflitos servem para induzir o
cumprimento não é exata, uma vez que existem inúmeros outros objetivos que
podem ser alcançados por meio de sua aplicação: retribuição do dano, punição
pela violação, promoção de mudanças internas
102
, inibição de transgressões
futuras
103
, dentre outras. Tudo dependerá da estrutura e intenção subjacente em
cada sistema estudado.
102
Tomando as sanções na OMC como referência, Charnovitz aponta que elas poderiam ser
usadas a favor do próprio reclamado, conferindo-lhe margem de manobra para justificar mudanças
internas contrárias aos interesses de grupos dominantes. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth
be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The
political economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 616.
103
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 778; MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation:
suggestions for possible additional procedural rules governing members' preparation and adoption
of retaliatory measures. Journal of World Trade, cit., p. 13.
36
Considerando que o foco de interesse da presente pesquisa se
concentra na OMC, a escolha pela análise do objetivo de indução ao cumprimento
ficaria justificada a partir do momento em que se conclui estar ele contido nas
principais finalidades dos instrumentos previstos nas normas de solução de
disputas da entidade. Todavia, até mesmo essa verificação apresenta
dificuldades. À teoria da função indutora se opõe, em acirrada discussão
doutrinária, os defensores da teoria do reequilíbrio. Os contornos do debate
podem ser nitidamente ilustrados utilizando-se as sanções como referência.
A corrente que declara que as sanções da OMC têm como
escopo restabelecer o equilíbrio das concessões feitas pelos participantes do
sistema multilateral de comércio encontra seus fundamentos na origem legal do
GATT. Como demonstrado, a participação no GATT exigia das partes-
contratantes, além de sua aquiescência às regras sobre o comércio internacional
de mercadorias, a negociação de vantagens comerciais, geralmente na forma de
redução tarifária. Nesse contexto, a “anulação ou restrição” de quaisquer dos
benefícios negociados era passível de contestação, com o escopo de promover o
retorno ao status quo ante. Caso o responsável assim não agisse, o reclamante
poderia suspender suas próprias concessões ou outras obrigações contidas no
GATT como forma de restabelecer o equilíbrio original. Nesse movimento
vislumbravam-se as sanções do sistema. O raciocínio assemelhava-se à noção
contratual da exceptio inadimpleti contractus”: o descumprimento da obrigação
pelo violador conferia à parte contrária o direito de suspender seus próprios
deveres
104
. Em suma, a sanção do GATT assumia o desígnio de restaurar a
ordem do tabuleiro de concessões mútuas, sempre que sua delicada harmonia
fosse perturbada.
Referida concepção era extremamente coerente com o panorama
legal do GATT. Todavia, a gradativa evolução verificada durante seus quase 50
(cinqüenta) anos de funcionamento, culminando na passagem para a OMC,
resultou também em avanço nas relações subjacentes entre seus integrantes. O
104
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 13.
37
que era inicialmente um simples acordo provisório sobre comércio de bens entre
23 (vinte e três) partes-contratantes, transformou-se em uma organização
internacional com personalidade jurídica própria, que abrange número
substancialmente maior de adeptos (evolução ratione personae)
105
, assim como
de aspectos do comércio internacional (evolução ratione materiae)
106
. Com isso,
operou-se uma progressão da noção contratual privatista inerente ao GATT, para
se alcançar um sentido mais amplo, que envolve a noção comum a todos os
participantes da necessidade de manutenção dos valores fundamentais do
sistema multilateral de comércio (v.g. segurança, previsibilidade, equidade, bem-
estar). Mencionada evolução é descrita com clareza por Cho:
Critically, however, the aforementioned (GATT) private law nature came
to be tempered by the new teleology of the global trading system that the
WTO stands for. While the old GATT 1947 pursued a rather narrow
objective of the elimination of discriminatory trade barriers, the new WTO
system upholds a broader mission of developing ‘an integrated, more
viable and durable multilateral trading system’. Such a multilateral trading
system cannot be established merely through a sum of contractual
relationships among Members. Rather, this system should be firmly
premised on a constitutional perspective according to which Members are
bound by certain indisposable obligations. Under the system, even
bilateral settlements between Members are conducted in the shadow of
law, not totally under political calculations. In other words, the physis of
political bargains should be tamed by the nomos of legal governance. As
a result, the system can institutionalize within itself predictability and
reliability. After all, the WTO is no more a provisional executive
agreement among the contracting parties as the old GATT 1947 used to
be: It is an independent international organization enjoying its own legal
identity
107
.
Diante dessa evolução, a finalidade primordial das sanções e dos
demais instrumentos que entram em ação quando um membro viola suas
obrigações, deixou de ser apenas o reequilíbrio de concessões comerciais entre
105
Atualmente com 153 membros.
106
Comércio de bens, serviços, propriedade intelectual, agricultura, têxteis, regras (antidumping,
subsídios e salvaguardas), normas de facilitação ao comércio, barreiras técnicas, sanitárias e
fitossanitárias etc.
107
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 791-792.
38
as partes. Na melhor das hipóteses, a função de restaurar a reciprocidade de
concessões passa para um plano secundário, sendo o palco principal ocupado
pelo objetivo de induzir o cumprimento das decisões do mecanismo de solução de
controvérsias.
Esse entendimento é corroborado por grande parte da doutrina
contemporânea, com pequenas variações. Steve Charnovitz anota que, não
obstante a semelhança apresentada entre a “suspensão de concessões ou outras
obrigações” no GATT e OMC, tal instituto jurídico foi objeto de um processo
evolutivo resultante da prática, segundo o qual sua função principal passou do
reequilíbrio de concessões para a indução ao cumprimento, sendo caracterizado
tipicamente como sanção
108
. Hudec vai mais além para asseverar que a maioria
dos governos está consciente da falta de sentido da teoria do reequilíbrio, sendo o
objetivo supremo das sanções estimular o cumprimento pela obtenção de apoio
no reclamado de grupos favoráveis à supressão da inconsistência
109
. Lafer anota
que as sanções previstas na OMC constituem um expediente para reforçar o
cumprimento das normas primárias
110
. A tese da indução ao adimplemento como
propósito fundamental das sanções na OMC também é compartilhada por Cho
111
.
Malacrida, por seu turno, entende que ambos os objetivos coexistem na OMC:
enquanto o reequilíbrio de concessões consiste no fim imediato das retaliações, a
indução ao cumprimento representaria seu objetivo último
112
. Também para
Davey, ambas as finalidades estão presentes no sistema
113
.
108
O autor resume sua tese nas seguintes palavras: “although the instrument of suspending
‘concessions or other obligations’ remains constant from the GATT to the WTO, the dualistic quality
of this act has shifted. In the GATT, Article XXIII trade measures were conceived primarily as
rebalancing (although analysis recognized the sanction potential). In the WTO, the trade measure
is conceived primarily as a sanction, while the rebalancing idea retains vestigial influence.”
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY,
Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law: essays in honor
of Robert E. Hudec, cit.,p. 609-614.
109
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 22.
110
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira,
cit., p. 129.
111
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 791-792.
112
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 5.
113
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations. Londres: Cameron May, 2006, p. 95
39
Os próprios órgãos julgadores da OMC reconheceram a essência
indutora das sanções em diversas oportunidades
114
, revelando uma espécie de
aceitação formal da tendência pós-OMC de entender as sanções como
instrumentos para fomentar o cumprimento, ao invés da proposição “gattiana” de
compensação temporária pela perturbação da reciprocidade de concessões
115
.
Além disso, a análise dos dispositivos constantes do ESC também apontam para
essa interpretação. Considerando, em atenção ao seu art. 22.1, que as sanções
são medidas temporárias que somente devem vigorar até a implementação da
decisão, é possível concluir com segurança sua finalidade de fomentar o
cumprimento de suas recomendações.
Em sentido contrário, e apesar da força dos argumentos acerca
da evolução da natureza das sanções, cumpre fazer alusão às vozes que
entendem que o propósito das retaliações verificado no GATT subsistiria na
OMC
116
. A proporcionalidade entre o montante da retaliação e os prejuízos da
violação, imposta por força do art. 22.4 do ESC, é um dos principais fundamentos
para a referida alegação
117
. Segundo essa corrente, fosse a indução ao
cumprimento o objetivo das sanções, tais medidas estariam autorizadas a
extrapolar o limite verificado pelos danos, de maneira a assegurar o cumprimento
da decisão. Nesse contexto, a obrigatoriedade de equivalência representaria
indício suficiente de que seu escopo é o reequilíbrio das vantagens recíprocas. Os
expoentes desse pensamento acrescentam como justificativas: a) a inexistência
de uma decisão expressa dos membros no sentido de modificar o entendimento
114
Nesse sentido, conferir os relatórios de arbitragem do Art. 22.6 para os casos EC-Hormones
(US), WT/DS26/ARB; EC-Hormones (Canada), WT/DS48/ARB; EC-Bananas III (Ecuador),
WT/DS27/ARB/ECU; e Brazil-Aircraft, WT/DS46/ARB.
115
HUDEC, Robert. The adequacy of WTO dispute settlement remedies: a developing country
perspective in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (eds). Development,
trade, and the WTO: a handbook, cit., p. 89.
116
Sustentando essa posição, Bello assevera que “the only sacred WTO imperative is to maintain
that balance so as to maintain political support for the WTO Agreement by members". BELLO,
Judith Hippler. The WTO Dispute Settlement Understanding: Less is More. The American Journal
of International Law, cit., p. 416-417.
117
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC, cit., p. 114. Na mesma
esteira, Palmeter e Alexandrov expressam que “While treaty text can be said largely to be silent on
the point, the use of the word ‘equivalent’ in the DSU suggests very strongly that the negotiators
had anything but ‘induce compliance’ in mind.” PALMETER, David; ALEXANDROV, Stanimir.
‘Inducing compliance’ in WTO Dispute Settlement. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James.
The political economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec.
Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 650-655.
40
prevalecente no GATT; b) a ausência de fundamento no direito internacional; e c)
que a teoria de indução estimularia pretensões por sanções punitivas, ameaçando
a credibilidade da organização
118
.
As razões expostas, especialmente o último argumento,
evidenciam a confusão entre o objetivo das sanções e o conceito de
proporcionalidade. Receando que o reconhecimento do caráter indutor das
retaliações conduza, em um segundo momento, à aplicação de sanções punitivas
com montante superior aos danos experimentados, seus defensores se agarram
ao espírito antes predominante no GATT, e acabam por transpô-lo à OMC
119
.
Todavia, impende esclarecer que a confirmação da feição indutora das sanções
não leva necessariamente à imposição de sanções punitivas. Como salienta
Hudec, o postulado da proporcionalidade reflete tão-somente uma escolha política
no que concerne à intensidade das sanções, sendo que, mesmo no GATT, outro
parâmetro poderia ter sido adotado caso as partes assim desejassem
120
. A
definição por sanções equivalentes ao prejuízo, portanto, representa apenas a
decisão desses membros por um sistema com medidas de indução limitadas, ou,
quando muito, uma aparente desconformidade entre a finalidade da indução e o
meio pelo qual se pretende alcançá-la
121
.
Para arrematar, ressalta-se que, muito mais do que as
considerações teóricas subjacentes às retaliações, a decisão de um membro em
recorrer às sanções e demais medidas de indução é influenciada
preponderantemente por razões práticas. Como adverte Hudec, os governos
tratam as sanções de maneira pragmática, como instrumentos para produzir
resultados positivos. Assim, eles estariam cientes da ficção representada pela
118
“If arbitrators keep asserting that the purpose of countermeasures is to induce compliance,
further calls for ‘stiffer penalties’ are a virtual certainty”. PALMETER, David; ALEXANDROV,
Stanimir. ‘Inducing compliance’ in WTO Dispute Settlement. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK,
James. The political economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec,
cit., p. 659.
119
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 778.
120
HUDEC, Robert. The adequacy of WTO dispute settlement remedies: a developing country
perspective in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (eds). Development,
trade, and the WTO: a handbook, cit., p. 86.
121
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 614.
41
teoria do reequilíbrio, e de que, na realidade, a imposição de novas barreiras
tarifárias forma tradicional de exteriorização das sanções não compensaria os
prejuízos causados pela violação das regras do comércio. Em consonância com
essa percepção pragmática, os membros buscam, por meio das sanções, uma
forma de provocar a parte contrária a agir em direção ao cumprimento da
decisão
122
.
Por todo o exposto, e retomando o raciocínio que motivou a
presente análise, é possível concluir que os mecanismos previstos nas regras de
solução de controvérsias da OMC referentes à etapa de implementação têm,
como ultima ratio, a intenção de fomentar o cumprimento das recomendações
adotadas pela entidade. Em suma, justifica-se a abordagem conferida pelo
presente trabalho em tratá-los, em conjunto, como medidas de indução ao
cumprimento
123
.
122
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 22.
123
Vale assentar que a abordagem continuaria válida mesmo segundo o entendimento de que
inexiste ruptura na passagem entre o GATT e a OMC, permanecendo as sanções com a função
de restabelecer o equilíbrio original entre as partes. Ainda nesse cenário seria difícil deixar de
reconhecer que as sanções incitam, pelo menos reflexamente, seu destinatário ao adimplemento,
buscando evitar ou interromper seus efeitos prejudiciais. Bastaria a constatação subsidiária dessa
conseqüência para justificar a análise que segue acerca das medidas para estímulo ao
cumprimento.
42
2. CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DAS MEDIDAS DE INDUÇÃO AO
CUMPRIMENTO DAS DECISÕES DA OMC
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antes de avançar o estudo para a análise das medidas previstas
na OMC para induzir o cumprimento de suas decisões, bem como das propostas
para aprimorar seu funcionamento, afigura-se necessário estabelecer os critérios
que deverão orientar essa tarefa investigativa. Os resultados da pesquisa não se
mostrarão satisfatórios caso o exame de cada mecanismo de indução ocorra de
maneira aleatória, sem a precisa delimitação de uma metodologia de estudo.
Assim, oportuno desenvolver com cautela um conjunto de elementos para ser
utilizado como ferramenta na apreciação de todas as medidas, assegurando,
como corolário, a qualidade e a coerência das conclusões do presente trabalho.
Importa notar que a introdução desses critérios não se faz com a
ambição de efetuar uma análise quantitativa, um estudo econométrico ou outro
exercício semelhante que procure aferir o quilate de cada medida, para, ao final,
ordená-las hierarquicamente. Uma empreitada dessa ordem reclamaria depurada
apreciação das repercussões econômicas de cada alternativa, bem como sua
tradução em coordenadas matemáticas. Seria necessário, a título exemplificativo,
desenvolver métodos capazes de medir numericamente as vantagens e prejuízos
de cada medida, o que excede o escopo aqui delineado. O objetivo para com
aludidos critérios é bastante distinto e mais modesto. Busca-se, em verdade,
adotar instrumentos para averiguar, de maneira uniforme, as características das
várias medidas de indução, e suas respectivas contribuições na tarefa de
incentivar o cumprimento das recomendações expedidas pela OMC. Trata-se, em
suma, de propiciar condições adequadas para a condução de um exame
qualitativo, por meio de um conjunto de elementos que possam apontar os
méritos e deficiências dos mecanismos de indução.
Dentre os vários prismas para se apreciar referidas medidas, e
que poderiam compor os critérios de análise, o mais intuitivo consiste na
capacidade para angariar apoio em favor do cumprimento por parte de interesses
43
econômicos e forças políticas, notadamente situadas no âmbito do reclamado que
se recusa a implementar a decisão da OMC. Trata-se de elemento essencial e
que deve integrar naturalmente o teste de análise proposto. Todavia, ele não se
mostra suficiente para sozinho aferir se o instrumento perfaz adequadamente
seus objetivos, sendo necessário acrescentar outras dimensões complementares
que influenciam na situação de adimplemento, como é o caso da viabilidade
prática na aplicação de uma medida. A pergunta que se coloca é: qual a validade
em se sugerir uma solução que em tese poderia garantir a observância da
decisão, mas que se mostra inviável no plano concreto, particularmente para
PEDs? Cumpre verificar, nessa esteira, os efeitos colaterais para o reclamante
decorrentes da utilização de uma medida, bem como outros obstáculos
eventualmente existentes para sua efetivação.
Considerando que as controvérsias apreciadas na OMC tendem,
em última análise, a envolver interesses particulares, parece razoável averiguar
também as conseqüências para os grupos econômicos privados dos litigantes
decorrentes das medidas indutoras. Confere-se, dessa maneira, atenção para os
impactos suportados por esses ativos atores do comércio internacional que,
recorrentemente, são desprezados nos estudos sobre solução de controvérsias.
Em âmbito mais amplo, mostra-se recomendável, ainda, verificar a sintonia com
os valores fundamentais do sistema multilateral de comércio e da OMC, sob a
justificativa de não ser desejável fomentar instrumentos que lhes causem
malefícios. Por fim, o teste deve abranger uma perspectiva pragmática acerca da
probabilidade de mudança das normas de pacificação de conflitos. Vale examinar
a receptividade dos membros da OMC em relação às propostas para
aprimoramento de suas ferramentas de indução de maneira a verificar a
viabilidade de elas de fato integrarem a instrumentária da entidade.
A diversidade dos referidos componentes anuncia a amplitude do
método que se pretende adotar para a avaliação das medidas de indução.
Malgrado seu espectro abrangente, o teste não esgota, por óbvio, todas as
vertentes possíveis de apreciação, sendo que inúmeras outras perspectivas
subsidiárias poderiam ser mencionadas, como a capacidade para inibir violações
44
futuras
124
, a habilidade para atenuar o descontentamento dos nacionais do
reclamante atingidos pela violação
125
e o auxílio ao reclamado para promoção de
mudanças internas
126
. Todavia, em razão dos limites da análise, os critérios serão
restritos àqueles reputados mais relevantes, quais sejam:
a) Custos para o reclamante;
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento;
c) Reflexos para setores privados;
d) Aplicabilidade da medida;
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio; e
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC.
Cada um desses critérios será indistintamente aplicado no exame
das medidas de indução atuais, bem como das sugestões para sua modificação,
permitindo uma apreciação padronizada de suas características
127
. Vale notar que
nenhum deles terá valor preponderante sobre os demais, sendo que a chancela
ou a reprovação de uma medida decorrerá dos resultados do exame global de
referidos elementos. Impende ressaltar, ainda, que o enfoque aos interesses dos
PEDs, anunciado como ponto central da pesquisa, orientará toda a condução do
trabalho, surtindo reflexos na estrutura de cada critério
128
. Os custos para o
124
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 777.
125
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 22.
126
Também denominada de gaiatsu para o reclamado, trata-se da hipótese em que sua
disposição em cumprir a decisão é obstruída por força internas opositoras. Nesse sentido, as
medidas de indução poderiam conferir espaço de manobra para a realização das mudanças
desejadas. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 616.
127
Conforme se explica no item 2.7, a única exceção será o aspecto da aceitabilidade pelos
membros da OMC, que somente ganha sentido na análise das propostas para reforma de suas
regras de solução de controvérsias, e não para medidas que já fazem parte da normativa atual.
128
Como ressaltado, a perspectiva dos PEDs ocupa posição central na presente pesquisa, de
modo que a proteção de seus interesses guiará a análise das medidas de indução ao
cumprimento. Sem embargo, a definição do conceito de “PED” não se insere no escopo desta
dissertação. Para seus fins, adota-se a classificação desenvolvida em AMARAL JUNIOR, Alberto
do (Coord). A reforma do sistema de solução de controvérsias da OMC e os países em
desenvolvimento. São Paulo: IDCID, 2006. p. 14-25. (cd-rom), segundo a qual essa condição é
designada a todos os Estados, com exceção daqueles membros da OCDE Organização para a
45
reclamante ou a capacidade de reunir apoio, por exemplo, serão aferidas levando-
se em conta os interesses desses membros. Assim, ao invés de se erigir a
perspectiva dos PEDs em relação às várias medidas de indução como um critério
específico, ele será o fio condutor do exercício de investigação. A seguir, passa-
se ao estudo detalhado de cada um dos critérios acima mencionados.
2.2 CUSTOS PARA O RECLAMANTE
O primeiro elemento da análise visa aferir a extensão dos efeitos
colaterais que as medidas de indução podem acarretar para aqueles que as
manejam. Idealmente, tais mecanismos não deveriam ocasionar prejuízos para o
reclamante, que a eles recorre justamente para interromper os danos de uma
violação alheia às regras do comércio internacional. Afinal, não se supõe que a
tábua de salvação do náufrago lhe cause maior sofrimento. Contudo, nessa seara
parecem inexistir mecanismos de indução inofensivos para seus usuários (“cost-
free”). Segundo Malacrida, invariavelmente a manutenção da ordem jurídica traz
impactos para seus defensores. Em perspicaz colocação salienta que, mesmo
nos sistemas jurídicos domésticos, parte dos custos da afirmação da ordem
normativa é suportada pela própria sociedade, vez que são os contribuintes que
sustentam os gastos do aparelho de polícia responsável pela executoriedade das
decisões judiciais (substituindo a parte resistente, quando necessário)
129
.
Partindo-se da identificação dessa realidade, o critério permite
aferir importantes desdobramentos de ordem prática em relação às medidas de
indução. Assim, não basta sua previsão no sistema de controvérsias da OMC sem
a necessária garantia de que possam ser administradas com sucesso por seus
membros. Em outras palavras, deve-se assegurar o movimento de transposição
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico que prestam assistência oficial para o
desenvolvimento, bem como de Israel. Além disso, cumpre mencionar que no âmbito da OMC não
regras que estabelecem mencionada definição. Ao contrário, são os membros que se auto-
designam como “país em desenvolvimento”. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/d1who_e.htm>. Acesso em 10.03.2008.
129
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 12.
46
da teoria ao caso concreto, o que somente será possível quando a efetivação
desses instrumentos não impuser custos desproporcionais ao reclamante,
especialmente PEDs. Aludidos custos se apresentam em duas acepções que,
embora não sejam estanques, serão analisadas separadamente para fins
didáticos: custos econômicos e políticos.
A aplicação de mecanismos de indução pode abalar o
relacionamento comercial bilateral entre os contendores, afetando
economicamente segmentos do reclamante envolvidos nessa atividade (v.g.
importadores e consumidores finais), bem como a eficiência de setores produtivos
que dela dependem (v.g. consumidores intermediários). Os impactos danosos
podem alcançar ainda a capacidade do reclamante em atrair investimentos
externos. Em última análise, seu bem-estar geral pode ser comprometido pelo
recurso às medidas de indução. A título ilustrativo, a aplicação de sanções na
forma de aumento de tarifas poderia, inter alia, elevar o preço no mercado interno
dos produtos importados, reduzir as opções dos consumidores, privilegiar
indústrias locais menos eficientes em detrimento das empresas estrangeiras
afetadas, criar instabilidade econômica e repelir fluxos de capitais no setor
atingido.
Além dos patentes prejuízos de ordem econômica, a imposição de
instrumentos para impelir o cumprimento pode trazer ainda importantes
conseqüências no âmbito político. Nem sempre o reclamado interpretará com
resignação as atitudes contrárias aos seus interesses, mesmo que
fundamentadas em posições legítimas. A resolução do reclamante em aplicar
uma medida dessa natureza e que geralmente enfatiza, diante da comunidade
internacional, a posição de inadimplência do reclamado em face das regras do
comércio internacional pode ser vista como inoportuna pelo membro
recalcitrante. Como resultado, o entendimento de alto nível e o clima amistoso no
relacionamento entre os litigantes poderão ser afetados, levando ao acirramento
de tensões e despertando, até mesmo, sentimentos revanchistas
130
. Nos casos
130
Antes mesmo de se falar na possibilidade de recorrer a medidas de indução, o clima das
relações entre Brasil e Canadá foi seriamente afetado com a escalada das disputas sobre
aeronaves. O Canadá, por exemplo, chegou a bloquear as importações de carne do Brasil, como
represália, sob justificavas sanitárias. Valor Econômico. Estamos em guerra com o Canadá?
47
em que as medidas de indução afetam segmentos do reclamado sem qualquer
vínculo com o setor responsável pelas violações, em que costumam proliferar
acusações de injustiça da resposta, os efeitos negativos na seara política
mostram-se ainda mais nítidos.
Nos dois casos custos econômicos e custos políticos os PEDs
figuram em posição de maior fragilidade, sendo desnecessário grande labor
argumentativo para comprovar a assertiva. Em virtude de sua modesta
participação no comércio internacional e da elevada dependência das economias
desenvolvidas, resta evidente sua maior sensibilidade aos efeitos deletérios de
cunho econômico das medidas de indução. Na controvérsia US-Gambling, por
exemplo, a decisão da arbitragem do art. 22.6 do ESC deixou clara a inviabilidade
de sanções contra os Estados Unidos no mesmo acordo em que ocorreu sua
violação (GATS), por conta dos danos que a interrupção de serviços de infra-
estrutura (v.g. serviços de transporte, telecomunicações e financeiros), ensejaria
para países como Antígua e Barbuda
131
.
Por sua vez, em virtude da reduzida influência dos PEDs nos
organismos internacionais e de sua menor inserção no cenário político mundial,
eles também se mostram mais susceptíveis aos prejuízos causados pelo
deterioramento de sua relação política com os reclamados. Em decorrência da
solicitação do Brasil para retaliar os Estados Unidos no domínio do contencioso
US-Upland Cotton, por exemplo, este país ameaçou suspender o benefício
tarifário concedido a determinadas exportações brasileiras no âmbito de seu SGP
Sistema Geral de Preferências
132
. Em conjunto, por todos os fatores que
decorrem da condição de desenvolvimento desses membros, o mais provável é
que referidos efeitos colaterais de cunho econômico e político atuem como
elementos impeditivos na utilização concreta das medidas indutoras previstas na
OMC.
Célia de Gouvêa Franco. 8/2/2001. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/
ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?tit=Estamos+em+guerra+com+o+Canadá?&codmateria=47
0823&dtmateria=08+02+2001&codcategoria=89>. Acesso em 09/04/2008.
131
OMC. Unites States – measures affecting the cross-border supply of gambling and
betting services: recourse to arbitration by the United States under Article 22.6 of the DSU
decision by the Arbitrator. 21 December 2007. WT/DS285/ARB. Genebra: OMC, p.70-73.
132
Gazeta Mercantil. Zoellick reage a sanções e ameaça tirar o Brasil do SGP. Kelly Oliveira.
7/10/2005. Caderno A, p. 6.
48
Exposto o caráter contraditório das medidas de indução, que ao
mesmo tempo em que são desenhadas para garantir a observância das regras do
sistema multilateral de comércio ameaçam seus aplicadores com graves danos,
mostra-se imperioso identificar institutos que possam ser empregados com
sucesso pelos PEDs. Considerando que raramente será possível eliminar a
ocorrência desses efeitos colaterais, deve-se, ao menos, tentar encontrar
mecanismos nos quais eles mostrem-se sustentáveis, podendo ser absorvidos
sem grandes sacrifícios pelo reclamante. Além disso, é importante que os
benefícios de sua utilização superem substancialmente seus reflexos negativos,
muito embora a ausência de efetividade da medida seja patente quando forem
eles muito graves. Em suma, quanto menor o impacto da medida para o
reclamante, melhor seu desempenho na presente análise, consistindo a
relevância do critério em favorecer medidas apropriadas para permitir uma
atuação eficaz de PEDS
133
.
2.3 CAPACIDADE DE REUNIR GRUPOS DE APOIO PARA O CUMPRIMENTO
O escopo do segundo elemento selecionado para compor a
análise avalia a capacidade inerente a cada medida para instigar a formação ou o
desenvolvimento de grupos de apoio no sentido do cumprimento da decisão.
Corresponde a um dos critérios mais importantes para se medir o grau de
indução, pois afere em que extensão tais mecanimos conseguem fomentar
movimentos de pressão sobre o reclamado para convencê-lo a adequar sua
conduta com as normas da OMC. Como demonstrado anteriormente, a decisão
governamental de um membro em adimplir as recomendações de uma
organização internacional resulta de um conjunto complexo e heterogêneo de
fatores
134
. Muito embora se possa falar em uma propensão geral para o
cumprimento, as forças políticas e econômicas atuantes sobre o membro
133
Como antecipado, e no que diz respeito ao critério sob comento, a pedra de toque para aferir a
extensão dos custos econômicos e políticos desencadeados para o usuário de uma medida de
indução não se traduzirá em métodos quantitativos, mas sim em constatações decorrentes da
análise de sua estrutura, aliada a demonstrações empíricas.
134
Cf. capítulo 1.4.3.
49
desempenham função preponderante em suas considerações sobre se, como, e
quando efetivar uma recomendação. Assim sendo, o presente critério tem por
objetivo analisar a habilidade das medidas de indução para canalizar referidas
forças em direção ao cumprimento
135
.
Para essa tarefa, urge identificar, inicialmente, os potenciais
grupos de apoio em favor do cumprimento que poderão ser encontrados nos
escalões do poder público ou nas fileiras da iniciativa privada, nos planos interno
e externo ao reclamado
136
. O esquema a seguir sintetiza o cenário:
GRUPOS DE APOIO
a) Nível governamental
a.1) Plano interno (reclamado)
a.2) Comunidade internacional
b) Setores privados
b.1) Plano interno (reclamado)
b.2) Comunidade internacional
Todos esses grupos contribuem em maior ou menor grau, a
depender das circunstâncias do caso concreto, na intrincada tarefa de
convencimento da implementação, e assim receberão tratamento adequado por
meio do presente critério.
A relevância dos grupos de apoio situados na esfera
governamental do reclamado deve-se ao fato de que as convicções e crenças de
seus oficiais são diretamente refletidas na formulação de suas políticas públicas
(internas e externas). Uma vez persuadidos da necessidade e viabilidade da
observância da decisão da OMC, pavimenta-se o caminho para o cumprimento.
135
A empreitada é chacelada por Hudec, que assim afirma: “A complete picture of the enforcement
pressures of the WTO would have to take into account the interplay between these detailed
remedies and the larger pressures they help to create”. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of
Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 35.
136
Charnovitz anota que a imposição de uma medida de indução envolve o governo do reclamante
em um jogo de três níveis, considerando interações com governos da comunidade internacional,
bem como atores privados domésticos e estrangeiros. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be
pulled?: an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political
economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 619.
50
Em outras palavras, existindo vontade e momentum políticos, os
demais obstáculos tendem a diminuir, porquanto os poderes para efetivar os
câmbios exigidos pelo adimplemento se concentram nos integrantes do
governo
137
. Sem embargo das peculiaridades da estrutura organizacional de cada
membro, sempre que para a conformação da conduta condenada pela OMC for
suficiente mudanças administrativas, tal prerrogativa geralmente recairá sobre o
Poder Executivo
138
. Por seu turno, quando a implementação exigir alterações
legislativas, em regra os parlamentares serão responsáveis pelo andamento do
aparelho legiferante para a elaboração de diplomas em conformidade com as
regras do comércio internacional
139
. Mesmo quando partes do processo legislativo
(v.g. iniciativa, emendas, ratificação etc.) são compartilhadas com outros entes
(v.g. Poder Executivo, cidadãos etc.), são os parlamentares quem costumam
deter o poder para aprovar mudanças nas leis.
As medidas de indução também podem influenciar os atores
governamentais da comunidade internacional. Sua ameaça ou efetiva aplicação,
dependendo da visibilidade, pode atrair a atenção dos demais membros da OMC
para a violação que a provocou. Assim, a resistência do reclamado em
implementar a recomendação da entidade torna-se assunto recorrente, e,
eventualmente, passa a constar na pauta das agendas políticas dos diplomatas e
demais representantes do governo envolvidos com assuntos de comércio
internacional. O espaço conquistado pela medida reaviva discussões verificadas
quando a decisão foi publicada, e que haviam sido relegadas a segundo plano,
bem como pode estimular o envolvimento de membros que antes não haviam sido
137
Vale ressalvar que a representação consiste em construção simplificada das forças atuantes no
processo decisório em direção ao cumprimento. Não se quer, com isso, menosprezar a presença
de outros importantes elementos, como o apoio popular ou a distribuição de poder político dentro
do governo.
138
Alguns exemplos podem ser colhidos em controvérsias envolvendo medidas de defesa
comercial. A série de disputas US-Steel Safeguards foi solucionada pela revogação das
salvaguardas ilegais impostas pelos Estados Unidos. Também por meio da revogação de medidas
antidumping inúmeras controvérsias encontraram seu fim, como US-Urea AD Measures, US-
Television Receiver AD Duties, US-DRAMS, Guatemala-Cement e South Africa - Pharmaceutical
AD Duties. Disponível em <http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/summary.asp>. Acesso em
15.01.2008.
139
Nessa condição poderiam ser elencados as divergências US-1916 Act, em que a legislação
condenada foi revogada, e EC-Trademarks/Geographical Indications, no qual o diploma normativo
contestado sofre revisão para corrigir suas impropriedades. Disponível em
<http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/summary.asp>. Acesso em 15.01.2008.
51
sensibilizados. Em última instância, ao apontar os holofotes para a transgressão,
a medida de indução incita os membros a manifestarem-se em desacordo com o
comportamento do reclamado, mesmo que apenas com base em suas
conseqüências sistêmicas.
Segundo Hudec, a pressão da comunidade internacional é
elemento vital para o sucesso de um sistema de solução de controvérsias, devido
à força de sua influência para a observância das regras pertinentes
140
. Uma
análise abrangente da participação dos Estados na conjuntura internacional deve
incluir a percepção de que (a) sua atuação em conflitos não se limitará à posição
de reclamado, mas eventualmente alcançará o pólo ativo, quando, então, seus
interesses dependerão do cumprimento da decisão pela parte adversa; e (b) o
comércio internacional envolve complexa rede de interesses, sendo que sua
resistência atual em cumprir uma decisão poderá refletir na posição futura dos
demais membros quanto às suas próprias pretensões. Ao se levar em conta todos
esses fatores, é possível desenvolver um melhor entendimento sobre como as
pressões externas efetuadas pela comunidade internacional podem ter profundos
reflexos na definição do comportamento daquele que delas é alvo in casu, o
reclamado.
Os canais para que a comunidade internacional exteriorize
mencionada pressão sobre o recalcitrante são variados, abrangendo reuniões dos
Conselhos e Comitês especializados da OMC (v.g. Comitê de Agricultura, Comitê
de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, Comitê de Comércio e Desenvolvimento,
etc.), reuniões bilaterais ou plurilaterais, visitas oficiais de governo, e até mesmo
em sede de outros organismos internacionais (v.g. OMPI Organização Mundial
da Propriedade Intelectual, UNCTAD, etc.). Talvez a oportunidade mais incisiva
esteja nas reuniões do OSC, quando os reclamados são obrigados a apresentar
relatórios periódicos sobre o progresso de sua implementação perante todos os
membros. Nessa oportunidade cada presente tem o direito de manifestar-se sobre
140
O autor aponta o êxito do sistema de solução de controvérsias do GATT para justificar a
importância da pressão da comunidade internacional. Apesar de ressalvar que tal pressão ocorre
mesmo sem um sistema desenvolvido de medidas de indução, Hudec reconhece que tais
instrumentos contribuem para sua intensificação. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of
Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 34-35.
52
a respectiva violação e externar preocupações ou elogios sobre as ações levadas
a efeito pelo reclamado.
Após breve exposição sobre como os grupos de apoio no âmbito
governamental – nas searas doméstica e internacional – podem operar para
galvanizar forças no sentido do adimplemento de uma determinação da OMC,
cumpre examinar a participação dos setores econômicos privados do reclamado.
Tais coletividades atraem interesse especial, porquanto se mostram
peculiarmente sensibilizadas quando ameaçadas ou efetivamente atingidas por
medidas de indução. Considerando os objetivos do presente estudo, afigura-se
justificável melhor explorar os desdobramentos da atuação desses grupos de
interesses, que podem ser divididos do seguinte modo:
a) Segmentos não envolvidos com a violação detectada pela
OMC, mas diretamente afetados por seus reflexos, como alguns importadores,
fornecedores, investidores e consumidores (intermediários ou finais). Tomando
como referência, para fins ilustrativos, a controvérsia EC–Hormones, verifica-se
que nesta categoria enquadram-se os importadores comunitários prejudicados
pelo embargo ilegal da CE Comunidade Européia às importações de carne
produzida com hormônios nos Estados Unidos e Canadá. Esses grupos
demonstram uma tendência a pressionar seu governo para o cumprimento da
decisão da OMC, independentemente da ameaça ou concreta aplicação de
medida indutora, posto que a interrupção de seus danos provavelmente se dará
apenas com a correção do comportamento indevido. Tomando por base o
exemplo acima, somente com o levantamento da proibição ilegal aos produtos
bovinos provenientes dos Estados Unidos e Canadá é que os importadores
poderão retomar suas operações normais de comércio. Cumpre ressaltar, no
entanto, que a medida de indução visa intensificar o poder de persuasão e
influência desses grupos, uma vez que atrai o foco para a necessidade de
cumprimento.
b) Segmentos não envolvidos com a infração condenada pela
OMC, mas posteriormente alcançados pela ameaça ou concreta imposição de
medida de indução pelo reclamante. Distinguem-se, nesse quadro, dois
momentos: a princípio, esses grupos estão imunes a quaisquer conseqüências
53
danosas, vez que não guardam conexão com a medida que originou a
controvérsia; contudo, em um segundo instante, durante a fase de
implementação, tornam-se alvos da resposta do reclamante, passando a
experimentar perdas econômicas. Em continuidade com o exemplo dos
hormônios, seria o caso dos exportadores da CE de cashmere, caviar, queijo
roquefort e motocicletas que passaram a colher prejuízos a partir do momento em
que foram selecionados como alvo das retaliações dos Estados Unidos e Canadá
que elevaram as tarifas de importação desses produtos. Mencionados grupos
costumam manter-se inicialmente afastados dos desdobramentos políticos do
conflito
141
; porém, conforme são alvejados pela medida indutora, deixam a posição
de meros espectadores para transformarem-se em participantes ativos, a fim de
influenciar o processo de formação decisória de seu governo em direção ao
cumprimento.
c) Segmentos diretamente envolvidos e beneficiados pela
violação. Em EC-Hormones, esta seria a situação do produtor de carnes da CE
favorecido pelo afastamento, em seu mercado doméstico, da concorrência dos
produtos congêneres dos Estados Unidos e Canadá. A propensão desses
segmentos é pressionar seu governo para a manutenção da conduta denunciada,
prolongando ao máximo as vantagens dela advindas. Insurgindo-se contra esse
cenário, a imposição – ou ameaça de medida de indução pelo reclamante
contra referidos grupos poderá levá-los a modificar seu posicionamento, fazendo
com que engrossem as exigências pela observância da decisão da OMC
142
.
Todavia, estes também podem permanecer irredutíveis, persistindo na defesa da
inadimplência. A reação, em grande parte, será determinada pelo resultado do
cálculo entre os benefícios e prejuízos de cada conduta
143
.
141
Convém ressalvar a atuação daqueles setores privados que, apesar de não possuírem
participação direta no litígio, apóiam o cumprimento das decisões por entenderem ser essa a
conduta correta a ser assumida, bem como por depositarem confiança nos benefícios advindos da
manutenção de um sistema jurídico internacional efetivo.
142
O problema é que nem sempre será possível aplicar medida de indução em face dos
segmentos responsáveis pela violação. Imagine-se, na hipótese de sanções, quando o reclamado
não exporta para o reclamante o produto ou serviço envolvido na controvérsia.
143
Nesse cômputo, por suposto, não entrarão apenas considerações imediatistas sobre o lucro a
curto prazo percebido com a continuidade da medida ilegal; todavia, também não se deve esperar
que os envolvidos sejam comovidos apenas por argumentos sobre as vantagens de equidade,
54
Muito embora os cenários ilustrados padeçam dos vícios das
generalizações e simplificações, comuns a qualquer tentativa de se enfeixar em
categorias estáticas os complexos fatos do mundo real, eles têm a virtude de
descrever os variados grupos de interesses privados presentes na estrutura
interna do reclamado. Além disso, antecipam suas possíveis reações diante da
ameaça ou concreta aplicação de medidas de indução pelo reclamante,
comprovando ser possível mobilizar o apoio desses segmentos. Apesar de os
grupos descritos no item a) já possuírem uma propensão ao apoio, a aplicação da
medida mostra-se politicamente oportuna, pois faz com que a implementação seja
exigida não apenas para interromper os efeitos colaterais da conduta ilegal, mas
também os danos causados pela resposta do reclamante. em relação aos
segmentos refletidos nos cenários b) e c), os mecanismos de indução têm papel
incisivo, intervindo em seus interesses comerciais, de maneira a estimulá-los a
tomar partido pelo cumprimento
144
.
Mais especificamente, observa-se que referidas medidas
provocam um movimento de retrocesso na condição dos particulares aludidos no
item b), que passam de uma posição teoricamente nula, em que não são
atingidos pela violação, para uma posição desfavorável. De maneira distinta, o
grupo refletido no item c) desfruta de uma condição inicial positiva, devido às
vantagens decorrentes da violação. Assim, seu apoio somente tenderá a ser
angariado quando as medidas de indução conseguirem reduzir intensamente ou
anular por completo tais benefícios.
Apesar de mais difícil de ser conquistado, o suporte desses
grupos também se mostra substancialmente mais valioso, que elimina o
principal foco de oposição ao adimplemento. Em todo caso, vale recordar que os
três segmentos de interesses privados residentes no reclamado são passíveis de
serem comovidos por medidas de indução, variando o nível dessa provocação de
acordo com as características do caso concreto. Ressalta-se que o objetivo
credibilidade e efetividade do sistema multilateral de comércio decorrentes do cumprimento de
suas decisões.
144
Utilizando as sanções como modelo, Hudec assevera que “Hopefully, the economic pain
caused by the retaliation, threatened or actual, will enlist the support of the affected economic
interests”. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.
22.
55
dessas medidas é alterar o equilíbrio das forças políticas e econômicas que
operam sobre o reclamado, catalisando-as rumo à conformação de sua conduta
com as normas do sistema multilateral de comércio
145
. Sobre esse cenário anota
Malacrida:
(…) a key objective behind harming private actors' interests is to
galvanize such actors into political action. The objective is to motivate
and mobilize the affected private actors to use whatever political clout
and influence (bargaining weight) they can wield to put pressure on the
policy-makers or lawmakers of the responding Member to address the
cause of retaliation, namely, the responding Member's failure to comply
with an adverse DSB ruling
146
.
Para completar a análise, importa tecer alguns comentários sobre
os setores econômicos privados dos demais membros da OMC. Inicialmente, no
âmbito do próprio reclamante, afigura-se patente que os grupos de particulares
diretamente prejudicados pelo comportamento restritivo do reclamado utilizarão
toda sua influência para pressioná-lo. Nessa esteira, pressupõe-se que os
participantes da cadeia produtiva relacionada à exportação de carnes tratadas
com hormônios nos Estados Unidos e Canadá exigiram de seus representantes
governamentais o recurso a todos os meios disponíveis para garantir a suspensão
do embargo da CE tanto assim, que retaliações foram efetivadas por ambos os
países. Essas constatações, guardadas as devidas proporções, também são
válidas para grupos de interesses privados baseados em outros membros da
OMC não envolvidos na controvérsia. O grau de desenvolvimento alcançado pelo
comércio internacional resulta em enorme interdependência entre seus atores.
Ademais, os interesses econômicos privados não se limitam às fronteiras de cada
membro, pois se caracterizam pela internacionalidade, como bem exemplifica a
atuação das empresas multinacionais. Por tudo isso, os interesses envolvidos na
maioria das controvérsias extrapolam o âmbito dos litigantes e repercutem em
grupos de particulares sediados em outros integrantes da organização. O elevado
145
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 616.
146
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 14.
56
número de membros que acompanham os conflitos da OMC como terceiros
interessados, bem como as demandas para extensão dos direitos dessa categoria
na revisão das regras do ESC, comprovam a permeabilidade recíproca de
interesses
147
.
Em perspectiva ampla, a influência do apoio arrecadado por parte
dos setores privados, tanto no interior do reclamado, como nos demais membros,
dependerá de sua força econômica e organização política. O sucesso da
empreitada estará condicionado à capacidade desses grupos em influenciar as
decisões políticas de seus governos no sentido de cumprir ou pressionar o
cumprimento da determinação da OMC. O exercício do lobby ganha, assim, papel
de destaque. E, no seio de sua prática, o direito ao voto reponta como poderoso
instrumento que esses setores têm para influenciar o rumo das ações
governamentais. Além disso, o apoio político e econômico que esses setores
prestam aos partidos políticos também lhe garantem atenção privilegiada. Logo,
assim que certo ramo produtivo seja anunciado como potencial alvo de medidas
de indução pelo reclamante, sua propensão, caso minimamente organizado, será
ativar os canais de interlocução política com seus representantes governamentais
para requerer o cumprimento da decisão e evitar que seus interesses sejam
prejudicados
148
. Da mesma maneira, os grupos de interesses privados situados
em outros membros recorrerão à mesma arma para exigir que seus governos
protestem pelo adimplemento da determinação da OMC.
Essa passagem revela que a atuação dos referidos grupos de
apoio não ocorre de forma estanque. Verifica-se um íntimo diálogo entre os
segmentos da esfera privada e aqueles em escalão governamental,
especialmente no âmbito doméstico, e, em menor escala, na seara internacional.
Em regra, as manifestações de insatisfação dos setores privados são decisivas
para o posicionamento de seus respectivos governos, que nada mais são do que
147
Apenas em raríssimas ocasiões é possível notar a ocorrência de painéis sem a participação de
terceiros interessados, como em Canada-Patent Term, Australia-Leather ou India-QRs.
148
“The mechanism by which the threat of sanction induces compliance is not solely state-to-state.
Rather, the sanctioning government (or sender) threatens private actors in the private country who
then lobby their government to comply with the WTO recommendation”. CHARNOVITZ, Steve.
Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK,
James. The political economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec,
cit.,p. 619.
57
representantes da vontade popular. Por seu turno, o reclamante, ao decidir por
uma medida de indução, tende a atrair a atenção da comunidade internacional
para a violação, fazendo com que os governos que a integram aumentem as
cobranças para a adequação da conduta irregular. Justamente em razão dessa
interconexão entre grupos de apoio é que em muitas oportunidades não será
possível individualizar, por meio do presente critério, a exata contribuição de cada
um deles, levando à abordagem conjunta de seus resultados.
Conclui-se, portanto, que o grau de indução de uma medida
dependerá de sua capacidade para despertar ou intensificar grupos de interesses
e força políticas localizadas na esfera governamental e privada do próprio
membro reclamante (aplicador da medida), do membro reclamado (contra quem a
medida é imposta), e de outros membros da OMC (que além de observarem o
fenômeno, têm interesses de diversas ordens no desdobramento da situação).
Por sua vez, mencionada capacidade responderá ao nível de força econômica,
organização política, bem como à importância atribuída aos interesses em
discussão na controvérsia, dos grupos favoráveis e contrários à implementação
da decisão da OMC. Em todas essas considerações é possível depreender que
os PEDs encontrarão maior resistência para obter apoio no âmbito governamental
e de interesses privados para alcançar seus objetivos do que os PDs.
2.4 REFLEXOS PARA OS SETORES PRIVADOS
A OMC é uma organização internacional com personalidade
jurídica distinta de seus membros
149
. Nessa qualidade, assume a condição de
sujeito de direito internacional público. Seus integrantes, por sua vez, devem ser
Estados que representam os indivíduos de direito internacional público por
excelência
150
. Somente eles possuem loci standi na entidade, participando dos
órgãos que administram suas regras e das negociações sobre novas normativas
149
Acordo Constitutivo da OMC, Art. VIII.1.
150
Acordo Constitutivo da OMC, Art. XII. Referido dispositivo também faculta o ingresso à
organização de “territórios aduaneiros” (customs territory) com completa autonomia na condução
de suas relações comerciais externas, como são Hong Kong, Macao e Taipei Chinês. Não
obstante, a absoluta maioria dos membros são Estados.
58
de comércio
151
. Em todas essas acepções, a OMC se insere no ramo econômico
do direito internacional. Seu aparato de solução de controvérsias não poderia fugir
à regra, sendo considerado como um dos principais foros para resolução de
conflitos do sistema multilateral de comércio. A legitimidade para recorrer ao
mecanismo de pacificação de litígios da entidade é restrita aos membros, assim
como o ônus de ocupar o pólo passivo em uma reclamação
152
.
Por outro lado, e como se depreende do próprio nome da
entidade, a OMC regulamenta o comércio internacional em sua vertente
multilateral. E esse comércio, grosso modo, é movido por grupos econômicos
privados
153
. Muito embora o comércio internacional figure como objeto de políticas
públicas e tenha fundamental importância para a economia e a riqueza dos
Estados, em essência, ele envolve interesses particulares. O sistema de solução
de controvérsias, uma vez mais, não poderia se afastar dessa realidade. Apesar
de a participação em conflitos na OMC ser exclusiva de seus Estados-membros,
elas costumam versar, em última análise, sobre interesses de particulares. Talvez
o exemplo mais emblemático se vislumbre na acirrada disputa comercial entre as
empresas Boeing e Airbus, que acabou sendo levada à OMC pelos membros que
as sediam (Estados Unidos e CE, respectivamente), desembocando no conjunto
de litígios sobre subsídios à aviação civil EC-Large Civil Aircraft (DS316 e DS347)
e US-Large Civil Aircraft (DS317 e DS353). Outros exemplos podem ser
mencionados, como o contencioso US-Upland Cotton, que representa a
encampação governamental brasileira das reclamações do setor cotonicultor
151
Em algumas oportunidades, confere-se a organizações internacionais (v.g. Banco Mundial,
FMI, OMPI, UNCTAD, ONU Organizações das Nações Unidas, OMS Organização Mundial da
Sapude, Codex, etc.) a prerrogativa para participar, na qualidade de observador, das reuniões dos
órgãos da OMC. Para a lista completa cf. <http://www.wto.org/english/thewto_e/igo_obs_e.htm>.
Acesso em 22.02.2008.
152
Tal ônus pode-se dizer relativo, pois em muitas ocasiões interessará ao reclamado defender-se
de uma alegação de violação das regras multilaterais de comércio para fazer prevalecer seu ponto
de vista. Em aproximadamente 10% das controvérsias o reclamado sai vencedor do embate
jurídico, concluindo-se pela integral adequação de sua conduta. Disponível em
<http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/violationcount.asp>. Acesso em 12.02.2008.
153
Segundo Vázques e Jackson, o Art. 3.2 do ESC reconhece a importância de segurança e
previsibilidade para um sistema baseado em princípios de mercado, e composto por milhões de
agentes não-governamentais. VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on
compliance with WTO dispute settlement decisions. Law and Policy in International Business,
cit., p. 562-563.
59
nacional
154
, e o caso EC-Poultry, que revela o patrocínio diplomático dos
interesses de criadores e exportadores de aves brasileiros
155
. Tais afirmações o
significam que inexiste interesse público em referidos litígios, o que se mostra
evidente, mas apenas deixa claro que os interesses privados estão no coração
das divergências na OMC.
E, se os interesses privados estão no âmago do comércio
internacional e da própria OMC, é evidente que as decisões emanadas por seu
sistema de solução de controvérsias geram efeitos diretos em relação a esses
grupos. Sem embargo, e surpreendentemente, poucos os estudos que conferem
atenção devida para a perspectiva dos setores privados
156
. Visando não perpetuar
tal falta, o presente estudo erige como critério específico de análise os reflexos
dos instrumentos de indução para os setores privados dos contendores. Mais
detalhadamente, por meio deste critério pretende-se aferir se mencionadas
medidas (a) trazem benefícios temporários para o setor do reclamante
diretamente afetado pela violação; e (b) concentram seu poder de indução e
pressão, assim como eventuais danos, nos setores privados do reclamado que
contribuíram para a transgressão.
No primeiro viés, será interessante averiguar quais as vantagens
que a aplicação dos mecanismos de indução trazem para os grupos privados do
reclamante que foram prejudicados pela inobservância das normas do comércio
internacional. Não se contesta o caráter instrumental de tais medidas, que
funcionam como meios para se alcançar um fim maior: o cumprimento da decisão.
No entanto, é desejável que elas, ao perseguirem seu objetivo, tragam
154
A ABRAPA -
Associação Brasileira dos Produtores de Algodão chegou a organizar uma rifa
junto ao setor produtivo brasileiro para conseguir levantar os recursos necessários para pagar as
despesas da disputa travada com os Estados Unidos.
O Estado de São Paulo. Produtores de
algodão fazem rifa para bancar painel na OMC. Patrícia Campos Mello. 18.09.2003. Caderno de
Economia.
155
O setor produtor de frangos, representado pela ABEF - Associação Brasileira dos Produtores e
Exportadores de Frango, informa ter suportado os custos legais da controvérsia na OMC. Valor
Econômico. Ministério discorda de exportadores. Mauro Zannata. 29.05.2008. Disponível em
<http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?tit=Ministério
+discorda+de+exportadores+&codmateria=4952058&dtmateria=29+05+2008&codcategoria=306>.
Acesso em 29/05/2008.
156
Dentre as análises que emprestam a devida atenção aos interesses de particulares, ver
HORLICK, Gary. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 636-645.
60
conseqüências positivas para os segmentos privados afetados, propiciando alívio,
mesmo que provisório, para seus males. A observação é ainda mais pertinente
quando o reclamante é um PED, cujos setores privados possuem menor
consistência para suportar tais prejuízos. O percurso entre a ocorrência da
violação, sua verificação pela OMC e a possibilidade de ativar mecanismos de
indução mostra-se extenso, sendo os interesses de certos atores econômicos
privados no reclamante constantemente prejudicados durante sua duração. Como
corolário, nada mais razoável do que fazer com que referidos instrumentos sirvam
para mitigar os prejuízos experimentados. Além disso, tal orientação também
contribui para reduzir ímpetos protecionistas, uma vez que impediria a corrida
interna por meio de lobby – dos setores privados não relacionados com a
violação no sentido de receber a proteção temporária oferecida pela medida de
indução.
Em um segundo ângulo, importa examinar se essas medidas
desferem seus golpes nos setores do reclamado responsáveis pela infração ou
beneficiados, de alguma maneira, pela continuidade da situação de
inadimplemento. Isso porque, como demonstrado anteriormente, o
direcionamento da pressão dos mecanismos de indução nos pontos corretos do
reclamado torna mais eficiente o processo de dissuasão dos grupos contrários à
adequação da conduta, uma vez que atinge diretamente seus interesses
econômicos
157
. Ademais, no cenário inverso, quando o setor privado alcançado
pelo remédio para fomentar o cumprimento não possui qualquer relação com a
reclamação, a medida corre o risco de ser percebida como injusta e
desproporcional, como atenta Malacrida:
Retaliation tends to be perceived as unfair by affected private parties of
the responding Member, at least in those cases where these private
parties are not ‘behind’ the underlying breach of the responding
Member's WTO obligations. There is therefore a risk that the underlying
157
Ver descrição do tópico 2.3 referente ao grupo de interesses privados mencionados na alínea
(c). Aproveitando o ensejo, vale notar que o presente critério se aproxima da análise
proporcionada pela “capacidade de reunir apoio para o cumprimento”, porquanto os reflexos das
medidas de indução para os setores privados influenciará no apoio reunido a favor, ou contra, o
cumprimento. Contudo, ambos não se confundem, sendo que o presente elemento tem como
enfoque a distorção das medidas em relação aos setores privados dos litigantes, e não
necessariamente como eles posicionam seu apoio.
61
dispute will escalate and spill over into fields of bilateral relations that are
unrelated to the dispute in question. In other words, there is a risk that
retaliation, rather than bringing the disputing parties closer to a resolution
of their trade dispute, will actually widen the gap between the disputing
parties
158
.
É claro que se deve ter em mente uma noção mais abrangente da
situação. Em última instância, o membro deve ser interpretado como responsável
pelo descumprimento e, dessa maneira, suportar as medidas em retribuição a sua
inadimplência, sem embargo de quem em seu âmbito é de fato atingido. A teoria
da responsabilidade internacional dos Estados suporta essa interpretação. Pode-
se argumentar, ainda, que os setores do reclamante que sofrem com a conduta
ilegal do reclamado também são inocentes e, portanto, alvo de extrema injustiça.
Sem embargo, como alertado, a ocorrência de medidas distorcivas tende a fazer
prevalecer o entendimento de que um setor inocente está suportando o ônus pela
transgressão alheia, além de retirar certa legitimidade da medida aplicada pelo
reclamante e ameaçar esvaziar o apoio antes existente para o cumprimento. Para
transmitir essa idéia, interessante recorrer a duas passagens colhidas por
Malacrida. A primeira concerne à declaração do ativista francês José Bové, que
comparou o ato de atingir interesses de particulares com o bombardeamento de
civis em guerras
159
. Em outra ocasião, exportadores de motocicletas da CE, tidos
como possíveis alvos de retaliações dos Estados Unidos no contencioso dos
hormônios, indagaram: where is the beef in motorcycle”?
160
Fazendo alusão ao
contencioso EC-Hormones, Horlick sintetiza o desconforto: Stated simply, the
purpose of the WTO is not to impose 100 percent duties on importers of Roquefort
cheese, or other innocent bystanders
161
.
158
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 15.
159
Le Monde. Pascal Lamy promet à José Bové de plaider pour un meilleur fonctionnement
de l'OMC. Rafaele Rivais. 15.08.2001.
160
INTERNATIONAL TRADE REPORTER. US Agriculture Reps Urge Rotating Products on
Beef Hormone Retaliation List. N. 16, 1999, p. 662.
161
HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec, cit., p. 641.
62
Diante desse quadro, salienta-se a importância de se buscar
medidas que, além da sua eficiência em induzir o cumprimento final, gerem
conforto mesmo que transitório para o setor econômico afetado do
reclamante, bem como concentrem sua pressão e distribuam eventuais impactos
negativos nos setores do reclamado intimamente conectados com a infração. Os
reflexos desses mecanismos no setor privado estão longe de serem mera
conjectura, e não apenas influenciam na capacidade de um membro por fim à
controvérsia, mas também, em sentido amplo, dizem respeito ao próprio apoio
que os setores privados conferem ao sistema multilateral de comércio e ao
progressivo movimento de liberalização comercial. O êxito na defesa dos
interesses dos PEDs por meio do sistema de solução de controvérsias tende a ser
potencializado quando esses objetivos são alcançados.
2.5 APLICABILIDADE DA MEDIDA
O teste da aplicabilidade consiste em averiguar os requisitos
necessários para a concretização das medidas de indução pelo reclamante, e se
existem obstáculos consideráveis para sua efetivação, especialmente a partir da
perspectiva de PEDs. Nessa esteira, o principal foco do exame se traduzirá em
investigar se, no plano concreto, referidas medidas podem ser implementadas por
meio da vontade e conduta exclusivas do reclamante, ou, ao contrário, exigem a
aquiescência, colaboração, ou qualquer outra forma de intervenção por outras
partes (v.g. reclamado). Os contornos desse critério ficam bem ilustrados pela
oposição entre unilateralidade e bilateralidade na aplicação de uma medida. No
primeiro panorama, bastaria a resolução do reclamante para a efetivação do
mecanismo (“self-help remedies”), enquanto no segundo, seria exigido o mútuo
acordo entre os litigantes ou até mesmo o envolvimento de outros participantes.
Em um exemplo concreto, trata-se da típica diferenciação entre compensação e
sanções: essas podem ser aplicadas unilateralmente pelo retaliador, mesmo
diante de graves protestos do retaliado; aquela fica comprometida por qualquer
63
objeção do recalcitrante, uma vez que deve ser fruto de consenso entre as
partes
162
.
Referidas constatações permitem concluir pela primazia das
medidas unilaterais, que impedem que o reclamante fique refém da boa-vontade e
de cálculos de interesses alheios. O caminho para concretização dessas medidas
prova-se bem menos tortuoso do que para aquelas que exigem o assentimento de
outras partes pelo próprio membro recalcitrante, como na compensação, ou
mesmo de terceiros, como na proposta de sanções coletivas ou de transferência
do direito de retaliação
163
. As vantagens dos instrumentos unilaterais ganham
especial relevo quando analisadas pelo prisma dos PEDs. Considerando que o
êxito na aplicação de medidas bilaterais está ligado ao poder de barganha e
capacidade de persuasão do reclamante, tem-se que os PEDS, em razão de suas
limitações econômicas e políticas, dificilmente conseguirão reunir as condições
necessárias para desempenhar com sucesso a tarefa de arrebatar a cooperação
da parte adversa, ainda mais quando se tratar de PDs. Dessa maneira, ficaria
prejudicado o acesso às medidas bilaterais..
Além desse confronto entre unilateralidade e bilateralidade, o
elemento da aplicabilidade visa aferir outras dificuldades práticas que poderiam
existir para a execução dos mecanismos de indução ao cumprimento, seja em
razão dos requisitos impostos pelas normas da OMC para se assegurar tal direito
(v.g. exigências do art. 22 do ESC para implementar retaliações cruzadas), seja
em razão de outras peculiaridades próprias do instituto (v.g. limitação do volume
da pauta de comércio para as retaliações punitivas
164
ou necessidade de
162
Apenas como nota de advertência, importa salientar que o conceito de unilateralidade é tomado
aqui no sentido de aplicabilidade da medida, partindo do pressuposto de que as condições
exigidas pelas normas da OMC para sua ocorrência tenham sido observadas. A sanção, por
exemplo, diz-se unilateral, porquanto passível de aplicação independentemente da cooperação do
retaliado, ou de outras partes; no entanto, sua autorização pelo OSC continua imprescindível. Não
que se confundir entre unilateralidade no manejo da medida e multilateralidade em sua
aprovação pela OMC (condição indispensável para sua legalidade).
163
A proposta para permitir a transferência do direito de retaliar tem o objetivo de aumentar a
indução ao cumprimento de decisões quando o reclamante, notadamente PEDs, não possuem
condições de implementá-la. Nesse caso, a autorização para aplicar sanções se transformaria em
ativo econômico, passível de ser transferido para outros membros mediante contraprestação
econômica. Cf. propostas TN/DS/W/23 e TN/DS/W/40.
164
Retaliações punitivas são aquelas que se expressam em valor superior ao montante dos
prejuízos experimentados pelo reclamante.
64
legislação interna específica para retaliações em propriedade intelectual).
Observa-se que o critério dos custos para o reclamante, tratado no item 2.2,
poderia ter sido incluído no âmbito da aplicabilidade, uma vez que também
examina a viabilidade prática das medidas de indução. Contudo, por fazê-lo do
ponto de vista específico de seus efeitos colaterais, bem como em razão da
relevância desse aspecto, entendeu-se mais apropriado abordá-lo de maneira
separada, como o elemento inaugural da tarefa apreciativa.
Por derradeiro, e em sintonia com a orientação do presente
trabalho, antecipa-se que o critério sob comento tenderá a favorecer instrumentos
cuja aplicabilidade seja facilitada para PEDs, em detrimento daqueles que,
embora apresente vantagens em outros aspectos, ficam inviabilizados em razão
das barreiras para colocá-lo em prática. Assim, por exemplo, as medidas que
podem ser auto-executadas pelos reclamantes serão priorizadas em desfavor
daquelas que requerem cooperação de outras partes. Nesse último caso, os
diferentes níveis de concordância exigidos para a aplicação concreta da medida
também poderão influenciar em sua classificação.
2.6 CONFORMIDADE COM OS PRINCÍPIOS DO SISTEMA MULTILATERAL DE
COMÉRCIO
O próximo elemento procura averiguar se as medidas de indução
ao cumprimento se conformam com os princípios dirigentes do sistema
multilateral de comércio, dentre os quais se destacam os postulados do livre-
comércio, da redução progressiva de barreiras comerciais e do tratamento
equânime
165
. Nesse sentido, o preâmbulo do Acordo Constitutivo da OMC permite
entrever que a redução substancial das tarifas aduaneiras e demais obstáculos ao
fluxo comercial, bem como a eliminação do tratamento discriminatório nas
relações entre os atores de comércio, são valores fundamentais que informam a
criação e os objetivos da entidade. Por meio deles, seus membros procuram
alcançar a elevação do bem-estar, a plenitude de emprego, o crescimento das
165
O postulado da não discriminação, também conhecido como princípio do tratamento igualitário,
exterioriza-se de duas formas distintas: o tratamento da nação mais favorecida e o tratamento
nacional.
65
receitas e demandas dos países, e o aumento da produção e comércio de bens e
serviços. Além disso, as normas do ESC enaltecem a segurança e a
previsibilidade do sistema multilateral de comércio, constituindo o aparato de
solução de controvérsias como instrumento essencial para sua proteção
166
.
Levando-se em consideração esses valores, o exame se
concentrará na maneira como são exteriorizadas as diversas medidas de indução:
ainda que transitoriamente, elas tomam a forma de novas barreiras comerciais ou,
ao contrário, conseguem desempenhar seu papel de maneira consentânea com
os cânones liberalizadores exaltados pela OMC? Ao intentar estimular a
conformação de condutas em atenção às normas do comércio internacional, tais
instrumentos contribuem para a manutenção de sua previsibilidade ou provocam
uma sensação de insegurança para os participantes que atuam nessa atividade?
Sua aplicação respeita o postulado do tratamento igualitário entre os membros ou
cria regimes diferenciados entre eles? São medidas que promovem o livre-
comércio ou estimulam o protecionismo dos setores privados, levando situações
de proteção provisória, artificial e discriminatória contra a concorrência leal de
outros membros?
167
Enfim, a intenção com o uso desse critério é encontrar medidas
que não representem uma contradição fundamental com os princípios
preconizados pelo sistema multilateral de comércio
168
. Como aduz Charnovitz,
parece estranho que a OMC procure defender as normas do comércio global por
meio de medidas antagônicas aos seus princípios. A menção diz respeito às
sanções, que, conquanto costumam ser externadas por meio da elevação de
impostos aduaneiros, levantam restrições ao intercâmbio de bens e serviços,
166
ESC, Art. 3.2.
167
Griswold exemplifica tal fenômeno fazendo alusão à corrida para garantir a proteção temporária
das sanções que seriam aplicadas no caso EC-Hormones: “Despite their free-trade rationale,
WTO-sanctioned retaliations promote protectionism. Domestic producers clamor for ‘enforcement’
not just to open foreign markets, but to close their own markets to foreign competition. That's why,
in the dispute over beef, for example, America's National Pork Producers Council is lobbying so
hard for the new carousel hit list to include all EU pork products”. Wall Street Journal Europe. The
Coming Trans-Atlantic Trade Tussle. Daniel Griswold. 13.12.2000. Disponível em
<http://www.freetrade.org/node/217>. Acesso em 21.03.2008.
168
Nesse sentido, Davey declara que “It would be desirable if a remedy could be devised that
would not lead to less liberalization overall”. DAVEY, William J. The WTO: looking forwards.
Journal of International Economic Law, cit., p. 95.
66
reduzem a competitividade dos produtos atingidos, intensificam anseios
protecionistas e lançam indícios de insegurança no ambiente internacional.
Segundo o autor, em paralelo pouco usual, seria como se a OMS - Organização
Mundial da Saúde, na persecução de seus objetivos, autorizasse a propagação
de vírus ou doenças por seus integrantes; ou ainda que a OMPI usasse a pirataria
como forma de combater essa prática vil
169
.
Se no critério que examina os custos para o reclamante, ou
naquele que prioriza os reflexos para os setores privados, são avaliados os
prejuízos causados por essas medidas, ora ao membro que as patrocina, ora aos
grupos de interesses particulares situados no interior dos integrantes da OMC, o
enfoque da análise corrente se concentra nos impactos acarretados ao sistema
como um todo. O exame, portanto, afigura-se um pouco mais abrangente,
afastando-se da seara individual dos membros, para enfatizar a preservação de
um bem comum: o sistema multilateral de comércio. Nessa esteira, não há que se
falar que o critério é especialmente favorável aos PEDs, mas beneficiaria todos os
participantes da OMC, indistintamente.
2.7 ACEITABILIDADE PELOS MEMBROS DA OMC
O último critério investiga o grau de receptividade que as
diferentes propostas para modificação das medidas de indução despertam nos
membros da OMC. Ao estabelecê-lo como componente derradeiro da análise,
arremata-se o exercício de avaliação com uma perspectiva pragmática da
viabilidade dessas sugestões serem efetivamente incorporadas no sistema de
solução de controvérsias da entidade. Assim, após examinar as propostas de
emenda ao ESC por prismas diversos, verifica-se como elas são recebidas pela
comunidade internacional. O critério será restrito ao exame de propostas para
alteração da normativa atual da OMC, tratadas no capítulo 4, afigurando-se
descabida sua aplicação sobre as medidas que já a integram, uma vez que
169
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 622.
67
aceitas pelos membros no âmbito da Rodada Uruguai ou quando de sua acessão
à organização.
A intenção é aproximar a atividade investigativa da realidade das
negociações políticas que ocorrem na OMC e antecipar dificuldades que elas
possam enfrentar para sua inclusão no corpo normativo da entidade. Afinal de
contas, o primeiro passo para a aplicação de uma medida de indução é sua
previsão nas regras procedimentais do sistema. Somente a partir dessa
permissão legal é que demais considerações sobre sua eficácia podem ser tidas
como pertinentes. Vale notar que o exame do grau de aceitabilidade estará
relacionado com a profundidade das alterações que cada proposta desencadeia
no aparelho de pacificação de conflitos da OMC. Isso porque o processo de
emendas ao ESC está permeado por obstáculos cuja transposição é muito difiícil,
notadamente por decorrência da regra do consenso encerrada no art. X.8 do
Acordo Constitutivo da OMC:
Any Member of the WTO may initiate a proposal to amend the provisions
of the Multilateral Trade Agreements in Annexes 2 and 3 by submitting
such proposal to the Ministerial Conference. The decision to approve
amendments to the Multilateral Trade Agreement in Annex 2 shall be
made by consensus and these amendments shall take effect for all
Members upon approval by the Ministerial Conference.
Considerando que o Anexo 2 mencionado no excerto acima
contém o conjunto de regras sobre solução de controvérsias, conclui-se que
sempre que a adoção de um mecanismo de indução lhe impuser modificações, a
proposta que o veicula deverá ser aprovada por unanimidade. A formação desse
consenso no âmbito de uma organização internacional composta por 153 (cento e
cinqüenta e três) membros, com ampla diversidade política e econômica, além de
interesses e entendimentos muitas vezes antagônicos, erige-se em enorme
desafio
170
. Não é à toa que é cada vez maior a preocupação em relação à
eficiência do processo decisório da OMC
171
.
170
Victor do Prado, com a experiência da atuação diplomática, corrobora essa visão realista das
negociações na OMC, salientando que: “a realpolitik do poder econômico continua, naturalmente,
a ser regra para as decisões que necessitam de um consenso positivo entre os Membros da OMC,
ainda que cada vez mais matizada pelo papel crescentemente ativo dos países em
68
Ainda nos primeiros anos da organização, Jackson já alertava que
mesmo em relação a meros ajustes (“fine tunings”), sem maiores conseqüências
dramáticas nos procedimentos do ESC, o mecanismo de deliberação lançava
restrições
172
. A questão do sequencing”, por exemplo, reconhecida como uma
das mais patentes incongruências no âmago do sistema e cuja convergência
sobre a necessidade de se remediar é quase absoluta, vem sendo arrastada por
longa data justamente devido às adversidades na obtenção do consenso
173
. Se
ligeiros reparos, sem reflexos profundos na natureza do sistema são de difícil
aprovação, depreende-se que propostas que impliquem em modificações
complexas podem encontrar consideráveis entraves para sua adoção,
notadamente em casos de marcado conflito com a vontade política dominante na
OMC.
Acrescente-se a essa dificuldade a percepção geral por parte dos
membros de que o sistema tem funcionado satisfatoriamente e que eventuais
mudanças estruturais poderiam enfraquecer sua credibilidade. Esse espírito foi
externado com precisão em 1998, quando o então presidente do OSC, o
Embaixador Armstrong relatou: because the DSU is considered to be working
effectively, almost all delegations were of the view that a careful approach to the
review was warranted
174
. Em 2003, o chairman da Sessão Especial do OSC,
Embaixador Péter Bálas, reiterou esse entendimento em relatório ao Comitê de
Negociações Comerciais da OMC, manifestando que: the prevailing view of
desenvolvimento”. PRADO, Victor Luiz do. Mecanismos de solução de controvérsias: fonte de
poder e de problemas na OMC. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. (Coord). OMC e o comércio
internacional, cit., p. 263.
171
Davey opina que “the organization badly needs to improve its decision-making effectiveness
and efficiency”, classificando tal tarefa como um “daunting challenge” para a OMC. DAVEY,
William J. The WTO: looking forwards. Journal of International Economic Law, cit., p. 3.
Jackson também externa preocupação acerca das dificuldades de formação de consenso.
JACKSON, John H. International economic law: complexity and puzzles. Journal of International
Economic Law, Vol.10, N. 1, Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 4-5.
172
JACKSON, John H. The jurisprudence of GATT & the WTO: insights on treaty law and
economic relations, cit., p. 187.
173
SUTHERLAND, P. et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new
millennium, cit., p. 53.
174
OMC. Procedures for the review of the Dispute Settlement Understanding. 26 Frebuary
1998. WT/DSB/W/74. Genebra: OMC, p.1.
69
Members is that the DSU has generally functioned well to date
175
. Na mesma
direção, o Sutherland Report
176
, ao apreciar a atuação do sistema de litígios da
OMC expôs que:
First, while there are some ground for criticism and reform on the dispute
settlement system, as a whole, there exists much satisfaction with its
practices and performance. Second, in appraising ideas for reform and
improvement, the most important principle is to ‘do no harm’. Caution and
experience are needed before any dramatic changes are undertaken
177
.
Essa percepção de que o aparelho de pacificação de divergências
da OMC desempenha adequadamente suas funções gera certa resistência de
grande parte dos membros em relação a modificações substanciais no ESC.
Verifica-se o receio de que mudanças estruturais possam esvaziar o apoio
construído ao seu redor, abalando o respeito por suas decisões. Como corolário,
recomenda-se atenção ao princípio do do no harm”, segundo o qual eventuais
alterações no aparato de resolução de disputas não deveriam perturbar sua
sintonia
178
. Julga-se prudente tratar com cautela os projetos para alteração,
estudando-se minuciosamente cada proposição e seus impactos antes de se
decidir sobre sua incorporação. A legitimidade construída em torno do sistema da
OMC é um patrimônio que merece ser preservado e que não pode ser arriscado
por meio de movimentos precipitados. No entanto, adverte-se, o sentimento de
precaução não pode ser levado ao extremo, a ponto de impedir mudanças vitais
para o melhor funcionamento da etapa de implementação, principalmente em
atenção às necessidades de PEDs.
175
OMC. Special session of the Dispute Settlement Body: Report by the Chairman,
Ambassador Péter Balás, to the Trade Negotiations Committee. 6 June 2003. TN/DS/9. Genebra:
OMC, p.1.
176
O Sutherland Report, ou Consultative Board Report, foi como ficou informalmente conhecido o
documento The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new millennium,
elaborado por um grupo consultivo formado em 2003, a pedido do então Diretor-Geral da OMC
Supachai Panitchpakdi, para analisar de maneira independente os desafios institucionais
enfrentados pela OMC, bem como propor sugestões para vencê-los. O grupo era composto por
oito especialistas: Peter Sutherland, Jagdish Bhagwati, Kwesi Botchwey, Niall FitzGerald, Koichi
Hamada, John Jackson, Celso Lafer e Thierry de Montbrial.
177
SUTHERLAND, P. et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new
millennium, cit., p. 49.
178
Vale anotar, como ressaltado pelo então presidente do OSC, Bruce Gosper, que os membros
hoje estão mais atentos para os detalhes dos textos em negociação e menos propensos a
concordar com mudanças cujos resultados não possam ser antecipados. Nesse sentido, verifica-
se uma maior resistência para inclusão de “ambigüidades construtivas” nos textos dos acordos.
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 107-108.
70
Segundo Davey, muito do espaço conferido às manifestações de
satisfatoriedade quanto ao mecanismo da OMC deve-se ao fato de que seu uso
freqüente inclusive para resolver contenciosos comerciais emblemáticos
confere credibilidade aos elogios que lhe são direcionados
179
. Todavia,
contrastando com este sentimento, identifica-se grande número de propostas para
sua alteração
180 e 181
. Ademais, essa percepção de contentamento costuma ser
externada em relação ao sistema como um todo e não especificamente à fase de
implementação, cujas deficiências têm sido salientadas, corroborando o esforço
para seu aperfeiçoamento, principalmente no sentido de fortalecer o caráter de
indução ao cumprimento de seus instrumentos.
A questão da reforma das medidas de indução também está
intimamente ligada ao modelo de sistema de solução de controvérsias desejado
pelos membros, posto que o incremento de sua eficácia ensejaria,
inevitavelmente, uma redução da margem de manobra conferida aos reclamados
para efetivar mencionadas decisões
182
. Em outras palavras, a adoção de um
sistema legal mais rigoroso, dotado de mecanismos incisivos para assegurar a
observância de suas determinações, aumentaria as pressões sobre os membros
no sentido do cumprimento e isso nem sempre é bem recebido por todos os
participantes da entidade. Como anota Hudec, principalmente os atores mais
influentes anseiam por um sistema que funcione contra seus oponentes, mas que
179
DAVEY, William J. The WTO: looking forwards. Journal of International Economic Law, cit.,
p. 9.
180
Somente de documentos de trabalho (“working papers”) colocados em circulação são 92,
sendo que grande parte veicula propostas. É claro que muitos documentos são aprimoramentos
de uma mesma proposta, ou apenas agenda de reuniões, todavia é possível ter uma noção da
grande atividade dos Membros nesse sentido. Além disso, aqui não estão computados as
propostas que são distribuídas em caráter informal, como os documentos “JOB”, ou ainda os “back
room papers”.
181
Davey chama atenção para essa contradição entre a percepção geral de satisfação dos
Membros e o número de propostas apresentadas: “It is noteworthy, however, that while WTO
Members generally expressed satisfaction with the way that dispute settlement system had worked
to date and agreed that only fine-tuning was called for, many of them in fact presented position
papers that proposed numerous modifications to the DSU’s basic rule” DAVEY, William J.
Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT obligations, cit., p.
50.
182
“In the end, the extent to which the DSU can and will be amended to produce greater
compliance with primary norms is as much a political question as a technical one. In part, it will turn
on the degree of compliance the members would like to produce.” VÁZQUES, Carlos M.;
JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute settlement decisions. Law
and Policy in International Business, cit., p. 565.
71
não tenha idêntica efetividade quando aplicado em desfavor de seus interesses.
Nessa esteira, existiria um ímpeto inicial contrário a alterações substanciais nos
mecanismos que buscam incitar o cumprimento, pelo menos no que diz respeito
às principais potências do sistema multilateral de comércio. Esse sentimento
mostra-se ainda mais intenso quando se atenta que o espaço de
discricionariedade política dos membros foi consideravelmente reduzido por
ocasião da transição do GATT para a OMC, em razão, principalmente, da
eliminação do direito de veto e da automaticidade do procedimento. Com isso,
amenizou-se a influência das forças políticas na atividade de resolução de
conflitos que, por sua vez, cederam espaço para a maior incidência de regras
jurídicas, caracterizando seu adensamento de juridicidade. Por esse motivo,
Hudec entende que a tendência desses membros seria a busca pelo relaxamento
e não pelo enrijecimento das normas de pacificação
183
.
À luz do reconhecimento dessas dificuldades para a promoção de
reformas nas normas atuais de solução de controvérsias, ressalta-se a função
exercida pelo presente critério para auxiliar na identificação das propostas mais
viáveis. Assim, se uma sugestão prescinde de alteração das regras existentes,
requerendo apenas seu melhor aproveitamento ou interpretação distinta, sua
praticabilidade será quase imediata. Se a proposta pode ser operacionalizada
pela adoção de decisões do OSC
184
ou por mudanças superficiais no texto do
ESC, eventual oposição por parte de alguns membros terá conseqüências
limitadas e sua aceitação supõe-se menos conturbada.
De outro modo, se a proposição requerer alterações substanciais
nas regras vigentes, é previsível o surgimento de grupos contrários que podem,
dependendo de sua força, inviabilizar ou exigir grande esforço diplomático para
sua aprovação. Nessa esteira, o critério da receptividade permite aferir o capital
183
A previsão de Hudec está em sintonia com sua teoria de que o adensamento de juridicidade do
sistema de solução de controvérsias da OMC não traduz uma mudança profunda na postura
política de seus membros, que continuariam almejando manter o poder de escolha sobre quais
decisões cumprir tal como no sistema do GATT. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of
Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 9-10.
184
Elencando formas de introduzir mudanças na OMC, sem a necessidade de emendas ao ESC,
Jackson anota: “Apart from formal amendments, one can look at the powers concerning decisions,
waivers, and formal interpretations. But in each of these cases, there are some substantial
constraints. JACKSON, John H. The jurisprudence of GATT & the WTO: insights on treaty law
and economic relations, cit., p. 186.
72
negociador e o empenho diplomático necessários para assegurar o êxito de
determinada proposta. Considerando que o presente estudo busca opções para o
incremento da eficácia das decisões da OMC segundo a ótica dos PEDs, e que
tais membros possuem recursos escassos e menor poder de barganha (moedas
de troca) nas negociações, a inclusão desse elemento ganha particular relevo
para o cálculo das alternativas que merecem sua atenção
185
. Busca-se, dessa
forma, conferir supedâneo para uma atuação pragmática, estratégica e
concentrada nos tópicos em que se acredita existir maior relação custo X
benefício para os interesses dos PEDs.
Poder-se-ia alegar, em contrariedade às colocações feitas acima,
que a conjuntura política internacional es sujeita a alterações repentinas e
imprevisíveis, passíveis de influenciar a posição negociadora defendida pelos
países. Assim sendo, qualquer análise da receptividade atual dos membros em
face de determinadas propostas teria valor apenas relativo, não podendo ser
seguramente estendida para cenários futuros. A observação, embora permeada
de lições importantes, deve ser recebida com parcimônia. O objetivo do critério da
aceitabilidade não é produzir uma leitura definitiva das posturas adotadas pelos
membros da OMC sobre a necessidade de mudanças em seu sistema de solução
de controvérsias. É reconhecido o dinamismo da política mundial e de seus
reflexos na disposição dos países em aceitar modificações no status quo, bem
como o fato de que a simpatia ou a aversão declaradas em relação a certas
propostas estão sujeitas a variações. O critério não pretende menosprezar essas
forças, mas proceder a uma leitura do posicionamento geral dos principais
membros por meio da análise de suas manifestações políticas, das percepções
dos envolvidos no processo negociador, do próprio histórico das negociações do
ESC e da repercussão das propostas colocadas em circulação. O objetivo, em
suma, é construir um entendimento coerente sobre a aceitabilidade de cada
sugestão.
185
Kawase adverte que a revisão das regras de solução de controvérsias de maneira separada
dos demais temas em negociação na Rodada Doha (mandato autônomo) é desfavorável aos
PEDs, que passam a ter menor poder de barganha, posto que as concessões que eles podem
fazer em troca de seus objetivos ficariam restritas aos tópicos do próprio ESC. KAWASE,
Tsuyoshi. Looking back over WTO dispute settlement understanding. Research Institute of
Economy, Trade and Industry, Coluna 63, 17 Jul. 2003. Disponível em
<http://www.rieti.go.jp/en/columns/a01_0090.html>. Acesso em 07 jun. 2008.
73
Com a seleção desse critério também não se quer prestigiar
apenas propostas que possam ser facilmente adotadas. Reconhece-se a
importância em se discutir novas abordagens e propor soluções criativas como o
principal caminho para a evolução do mecanismo de solução de controvérsias da
OMC. Empreitadas desse gênero são sempre louváveis e devem ter seu valor
reconhecido no esforço de desenvolvimento do direito internacional. Apenas a
título ilustrativo, a existência de uma instância permanente de revisão das
decisões ou do automatismo no andamento do procedimento, sem direito ao veto,
dentre inúmeros outros mecanismos observados atualmente, não eram
concebíveis quando do surgimento do GATT. Os institutos jurídicos não são
estáticos, mas avançam gradualmente em resposta às mudanças do ambiente
circundante e aos desafios que lhe são impostos
186
.
Coerentemente, a dimensão da aceitabilidade não terá caráter
eliminatório, tampouco se colocará em patamar superior ao dos demais critérios
na condução do presente teste. É dizer, se todos os componentes do exame
apontarem para os méritos de uma proposta, não será o resultado contrário da
análise de aceitabilidade que significará seu descarte. O critério da receptividade
figura como elemento derradeiro do exame mais no sentido de auxiliar a
segmentação das propostas que devam ser perseguidas no curto prazo, daquelas
que, embora salutares, devam ser postergadas a segundo momento. Enquanto as
propostas bem sucedidas no presente critério possuem melhores condições de
reunir consenso nas negociações em curso, as segundas exigem maior
maturidade do sistema, em razão da profundidade de suas mudanças. Dessa
forma, menor possibilidade de serem acordadas no futuro próximo, devendo
ser recomendadas como alternativas viáveis para médio e longo prazo.
186
Em consonância com Pauwelyn, muito embora diversas propostas para alteração das normas
de solução de controvérsias ainda estejam longe de serem incorporadas, “one of the objectives of
legal research is to prepare the ground for change”. PAUWELYN, Joost. Enforcement and
Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a more collective approach. The American
Journal of International Law, cit., p. 347.
74
3. ANÁLISE DAS MEDIDAS ATUAIS DE INDUÇÃO AO
CUMPRIMENTO DAS DECISÕES DA OMC
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O objeto do presente capítulo consiste no exame das medidas de
indução ao cumprimento atualmente previstas pelo sistema de solução de
controvérsias da OMC utilizando como lente de análise os critérios estabelecidos
no capítulo 2. Conforme exposto, referidas medidas podem ser divididas de forma
bipartite, sendo que a empreitada almejada respeitará essa segmentação. Dessa
maneira, a análise será iniciada pelas medidas indiretas de indução, para depois
se ocupar da vertente direta do instituto. Importa reiterar que os resultados da
apreciação possibilitarão concluir se os mecanismos vigentes nas normas da
OMC são capazes de desempenhar adequadamente a tarefa para a qual foram
projetados e se há necessidade de reformas para incrementar sua eficácia.
3.2 ANÁLISE DAS MEDIDAS INDIRETAS DE INDUÇÃO
3.2.1 MEDIDAS INDIRETAS DE INDUÇÃO NA OMC
Conforme antecipado no capítulo 1, dentre as medidas indiretas
de indução previstas pelo conjunto normativo da OMC (ESC), destacam-se:
1. Sugestão para cumprimento das recomendações;
2. Prazo razoável para o cumprimento da decisão;
3. Supervisão das medidas de implementação;
4. Painel de implementação (art. 21.5); e
5. Arbitragem para fixação do valor e da área das sanções (art.
22.6).
Cumpre, portanto, passar à análise de cada uma delas.
75
3.2.2 SUGESTÃO PARA O CUMPRIMENTO DAS RECOMENDAÇÕES
As regras da OMC conferem aos “painelistas” e aos árbitros do
OA a prerrogativa de, no âmbito de apreciação de um litígio, sugerir meios pelos
quais o reclamado poderá promover a adequação de sua conduta em observância
às normas do comércio internacional
187
. Com efeito, se os julgadores entraram
em contato com as peculiaridades do caso concreto, e adquiriram conhecimento
suficiente para a proposição de uma solução jurídica, parece coerente permitir-
lhes também apontar formas que considerem adequadas para a efetivação de
suas recomendações. Mencionada faculdade, portanto, reponta como importante
ferramenta para facilitar a implementação, servindo como ponto de referência
inicial para a etapa do cumprimento.
Ressalta-se que a sugestão para o cumprimento se trata de uma
faculdade dos julgadores, e não de um dever que lhes é imposto. Entendendo que
as circunstâncias do caso concreto são apropriadas, eles podem fazer uso de seu
direito. A discricionariedade, enfim, é o leitmotiv da medida
188
. Por outro lado, o
reclamado também não se vincula à eventual sugestão externada pelos árbitros.
Acreditando haver maneira mais conveniente para executar a decisão, ele possui
ampla liberdade
189
. E mesmo quando aceita a sugestão dos árbitros, a medida
continua podendo ser desafiada por meio de painel de implementação
190
.
187
ESC, art. 19.1, parte final. Importa salientar que a prerrogativa não se estende aos árbitros que
atuam, em conformidade com o art. 21.3(c), nos procedimentos para definição do prazo razoável.
188
O OA, no recurso da decisão do painel de implementação em US-OCTG Sunset Reviews
(DS268), assinalou a natureza discricionária da autoridade de se fazer sugestões, decorrente do
Art 19.1 do ESC. OMC. United States sunset reviews of anti-dumping measures on oil
country tubular goods from Argentina: recourse to article 21.5 of the DSU by Argentina. 12 April
2007. WT/DS268/AB/RW. Genebra: OMC, p.77.
189
Hudec defende que havendo múltiplos caminhos para implementar uma decisão, eventual
sugestão do órgão julgador não tem caráter vinculador. A questão seria mais complexa quando a
medida específica sugerida pelos árbitros é considerada imprescindível para o cumprimento da
determinação, como em alguns casos envolvendo medidas compensatórias ou antidumping, em
que sua revogação parece ser a única forma de reparar a violação perpetrada. HUDEC, Robert.
Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.10-13.
190
Esse o entendimento do painel de implementação (art. 21.5) na controvérsia EC-Bananas III
(Ecuador), manifestando que a efetiva concretização pelo reclamado da sugestão de cumprimento
positivada pelos árbitros não elidiria a possibilidade de o reclamante contestar a existência e/ou
legalidade da medida concreta. OMC. European Communities - regime for the importation,
sale and distribution of bananas: second recourse to article 21.5 of the DSU by Ecuador – report
of the panel. 7 April 2008.WT/DS27/RW2/ECU. Genebra: OMC, p.164-169.
76
Na prática, a capacidade prevista pelo art. 19.1 do ESC tem sido
muito pouco aproveitada. Os esparsos casos em que ocorreu se circunscreveram
aos órgãos de primeira instância da OMC, jamais sendo utilizada pelo OA. Alguns
motivos podem ser reunidos para explicar a renitência dos julgadores em aplicá-
la, como a cautela em não produzir decisões excessivamente intrusivas,
principalmente em aspectos inerentes à soberania dos membros, assim como os
explícitos protestos dos reclamados contra seu uso. Além disso, a complexidade
da análise desincentiva os julgadores
191
. quem vislumbre, ainda, na falta de
permanência dos painéis atualmente escolhidos pelas partes e dependentes do
assessoramento do Secretariado – a razão por sua precária utilização
192
.
Mais do que a omissão em fazer uso ex officio do instrumento, os
painéis e o OA chegam a denegar, em inúmeras situações, o pedido do
reclamante nesse sentido, ressaltando, em resposta, a falta de sua vinculação
193
.
Em algumas hipóteses, a recusa também é motivada pela complexidade do caso
concreto
194
, pelo elevado número de violações identificadas
195
ou pela ampla
variedade de maneiras para a implementação
196
.
191
FUKUNAGA, Yuka. Securing compliance through the WTO dispute settlement system:
implementation of DSB recommendations. Journal of International Economic Law, Vol.9, N. 2,
Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 399.
192
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.15. O
argumento, no entanto, pode ser parcialmente contrariado pelo fato de que o OA, mesmo
revestido de permanência, nunca fez uso dessa prerrogativa.
193
Nesse sentido manifestaram-se os painéis EC-Salmon, US-OCTG AD Measures, India-Patents
(US), US-Sheet/Plate from Korea, EC-Sardines, US-Steel Plate from India, US-Line Pipe
Safeguards, US-Lumber AD Final, US-Lumber ITC Investigation e EC-Pipe Fittings. Em US-OCTG
Sunset Reviews (DS268), a posição foi adotada pelo painel, e reiterada pelo painel de
implementação e pelo OA. Por fim, em Korea-Paper AD Duties, tanto o painel original, como o
painel de implementação, expressaram referido posicionamento.
194
O painel de implementação em US-Lumber CVDs Final, argumenta que "Given the complexities
of the issue at hand, we consider that in the first instance the modalities of the implementation of
our recommendation are for the United States to determine." OMC. United States - final
countervailing duty determination with respect to certain softwood lumber from Canada:
recourse by Canada to Article 21.5 – report of the panel. 1 August 2005. WT/DS257/RW. Genebra:
OMC, p.36.
195
Conferir o relatório do painel Japan-DRAMS CVDs (DS336) no sentido de que it had found
various violations of Japan’s obligations under the SCM Agreement, which may necessitate
differing responses in order to bring the measure concerned into conformity with Japan’s
obligations”. OMC. Japan - countervailing duties on dynamic random access memories from
Korea: report of the panel. 13 July 2006. WT/DS336/R. Genebra: OMC, p. 205.
196
Nessa direção, os painéis em US-DRAMS, US-Hot-Rolled Steel from Japan e EC-Tariff
Preferences, bem como o painel de implementação em EC-Bananas III (Ecuador).
77
Nas controvérsias em que a prerrogativa chegou a ser efetivada
os painéis sugeriram a revisão ou revogação das medidas condenadas, a saber:
a) Nas contendas Guatemala-Cement I (DS60), Guatemala-
Cement II (DS156), Argentina-Poultry AD Duties (DS241) e Mexico-Pipes and
Tubes AD Duties (DS331), os painéis determinaram a interrupção ou reexame
dos respectivos direitos antidumping aplicados.
b) Em US-Underwear (DS24) e US-Cotton Yarn (DS192), os
julgadores recomendaram a pronta remoção das restrições à importação
consideradas contrárias às regras do sistema multilateral de comércio.
c) No conflito US-Lead and Bismuth II (DS138), o painel
aconselhou que os Estados Unidos tomassem todas as medidas apropriadas,
incluindo a revisão de suas práticas administrativas, como solução para prevenir a
violação do ASMC - Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias.
d) Na controvérsia US-Offset Act ("Byrd Amendment") (DS217 e
DS234), os painéis apontaram para a revogação do diploma normativo condenado
como a forma mais apropriada e efetiva para cumprimento da decisão. Por sua
vez, em EC-Trademarks and GIs (DS174 e DS290) sugeriram a reforma do
regulamento comunitário que versava sobre marcas e indicações geográficas
como maneira de sanar as violações identificadas.
Além disso, em outras oportunidades os painéis apontaram para
alternativas mais abrangentes, como:
a) Em India-QRs (DS90), o painel sugeriu que as partes
envolvidas negociassem a gradual implementação da decisão, com um período
de phase-out das restrições condenadas, em virtude da sensibilidade do tema
(balança de pagamentos) para a Índia e em atenção a sua condição de PED.
b) Na disputa EC–Sugar Subsidies (DS265, DS266 e DS283), os
julgadores expressaram que a correção dos subsídios à exportação de açúcar
deveria levar em conta a demanda interna do produto na CE, bem como os
acordos internacionais por ela pactuados, notadamente em face dos PEDs (v.g.
Índia e ACPs – African, Caribbean and Pacific countries
197
).
197
Países da África, Pacífico e Caribe.
78
c) Em US/Canada-Continued Suspension of Obligations -
Hormones Dispute (DS320 e DS 321), o relatório de primeira instância indicou às
partes o estabelecimento de painel de implementação (art. 21.5 do ESC) como
caminho para verificar a legalidade das novas medidas adotadas pela CE para
justificar suas restrições à importação de carnes com hormônios.
A relevância do mecanismo de sugestões fica ressaltada quando
se verifica que as recomendações usualmente proferidas pelos painéis e OA são
exteriorizadas em termos absolutamente genéricos (v.g. “recomendar que o
membro interessado tome medidas compatíveis com o acordo”), que permitem
aos demandados reivindicar a condição de cumprimento, mesmo quando tenham
implementado apenas parcialmente a decisão. Forçam, ainda, a parte contrária a
perseguir procedimentos adicionais para comprovar a situação de inadimplência
(v.g. painel de implementação). Como corolário, os reclamados, principalmente os
mais fortes, aumentam suas chances de constrangir seus oponentes a aceitarem
cumprimentos defeituosos como solução final para a disputa
198
. Em suma, quanto
maior a precisão de uma decisão, mais célere tenderá a ser o trâmite de seu
procedimento e mais débil se tornará a alegação de cumprimento lastreada em
medidas insuficientes.
3.2.3 PRAZO RAZOÁVEL PARA O CUMPRIMENTO DA DECISÃO
De acordo com o iter procedimental de uma controvérsia na OMC,
o reclamado deverá manifestar suas intenções acerca do cumprimento logo após
a adoção de um relatório pelo OSC
199
. Idealmente, a implementação deverá
ocorrer de forma imediata, ressalvadas quando se mostrar infactível o que, na
prática, corresponde à maioria das situações. Nesse caso, então, deve ser
assegurado ao membro um prazo razoável (reasonable period of time) para
promover as medidas necessárias para sua conformação. O estabelecimento
198
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.15.
199
A comunicação do reclamado deverá ser feita em reunião do OSC, a ser realizada em até 30
dias após a adoção das recomendações, consoante determina a parte inicial do art. 21.3 do ESC.
79
desse prazo poderá ocorrer de três maneiras, conforme a seguinte ordem de
preferência:
a) Sugestão do reclamado, aprovada pelo OSC
200
;
b) Mútuo acordo entre as partes e
201
c) Determinação por arbitragem
202
.
A primeira hipótese nunca ocorreu, uma vez que o consenso
positivo exigido para a aprovação da proposta do reclamado é passível de
obstrução por qualquer membro (v.g. o próprio reclamante)
203
. Assim, o prazo
costuma ser instituído por ajuste entre as partes ou por arbitragem, com maior
incidência da primeira alternativa
204
. Em caso de procedimento arbitral, o
guideline oferecido pelo ESC para a definição do prazo razoável corresponde a
quinze meses, contados da data de adoção do relatório final. Trata-se de um
parâmetro indicado pelas regras da OMC e não de uma sugestão de prazo: o
interregno poderá ser estendido ou reduzido, a depender das circunstâncias
concretas, e costuma ser interpretado como o menor período necessário para a
implementação, de acordo com o sistema legal do reclamado
205
. A título
exemplificativo, em Brazil-Retreaded Tyres, o prazo razoável foi estabelecido em
doze meses, levando-se em consideração as mudanças judiciais (ação de
constitucionalidade no STF Supremo Tribunal Federal) e legislativas
(regulamentação no âmbito do Mercosul) indicadas pelo Brasil como necessárias
200
ESC, art. 21.3.(a).
201
O art. 22.3(b) prevê prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contados da adoção das
recomendações pelo OSC, para a formalização desse acordo.
202
Em observância ao art. 21.3.(c), o laudo arbitral deverá ser divulgado em até 90 (noventa) dias
após a adoção das recomendações, sendo inapelável e vinculante. Sem embargo, como a maioria
dos pedidos de arbitragem tem sido feita já em um período avançado desse interregno, e como as
decisões têm envolvido uma análise jurídica profunda das circunstâncias, as partes costumam
conceder a prorrogação do prazo. Por costume, a apreciação é conduzida por árbitros ou ex-
árbitros do OA. Disponível em
<http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/disp_settlement_cbt_e/c6s7p1_e.htm#fnt9>. Acesso
em 29/07/2008.
203
ESC, art. 2.4.
204
Até a presente data, o intervalo para cumprimento foi estabelecido por mútuo acordo em 51
ocasiões, e mediante procedimentos arbitrais em 23 oportunidades. Disponível em
<http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/rptawards.asp>. Acesso em 12/10/2008.
205
Nesse sentido, as decisões arbitrais em EC-Hormones, Korea-Alcoholic Beverages, Canada-
Pharmaceutical Patents e US-1916 Act.
80
para o cumprimento da decisão
206
. Na prática, sem embargo da forma pela qual o
lapso temporal é fixado, sua duração média tem sido de aproximadamente 298
dias, ou seja, quase dez meses
207
.
As características que incluem esse procedimento no rol das
medidas de indução indiretas dizem respeito às evidentes vantagens advindas da
delimitação de um período específico para o cumprimento. O reclamante não fica
condicionado ao seu poder de persuasão em obter um comprometimento da parte
adversa sobre o prazo para implementação, porquanto, inexistindo consenso
entre os contendores, a OMC avocará para si a função de determiná-lo por
arbitragem. Passa a existir, dessa forma, uma segurança no estabelecimento do
prazo razoável, amenizando o risco de manobras protelatórias. A data-limite
servirá de referência para a realização das ações necessárias, criando certa
pressão sobre os órgãos internos da parte vencida em direção ao adimplemento e
facilitando a cobrança pelo reclamante. Afinal, por meio dela tem-se, em tese, um
reconhecimento, oficial ou das próprias partes, de que aquele interregno se
mostra suficiente para a adequação do comportamento irregular.
Vale notar que o êxito da presente medida de indução estará
condicionado à capacidade das partes, ou da OMC, de assinalar prazos
equilibrados para a tarefa do cumprimento: suficiente, por um lado, para a
concretização das mudanças legislativas, administrativas ou judiciais necessárias,
de acordo com as especificidades do sistema doméstico do reclamado; e, por
outro lado, que não prorrogue em demasia o término da controvérsia,
aumentando o ônus suportado pelo reclamante em decorrência da violação.
206
OMC. Brazil - measures affecting imports of retreated tyres: arbitration under article 21.3(c)
of the DSU– award of the Arbitrator. 29 August 2008. WT/DS322/16. Genebra: OMC.
207
Para esse cálculo foram computados o período médio estabelecido mediante mútuo acordo
entre as partes (276 dias) e por meio de arbitragem (350 dias), ficando excluídos os prazos
definidos em conformidade com o art. 4.7 do ASMC (104 dias). Fosse esse considerado, a média
final cairia para 279 dias. Disponível em
<http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/implementaverage.asp>. Acesso em 28/07/2008.
81
3.2.4 SUPERVISÃO DAS MEDIDAS DE IMPLEMENTAÇÃO
O monitoramento pelo OSC do processo de implementação de
suas decisões consiste em uma das mais relevantes medidas de indução ao
cumprimento previstas na OMC
208
. Trata-se de uma forma típica de medida
indireta, segundo a qual a entidade estimula a consecução de suas decisões por
meio do acompanhamento dos atos de conformação do reclamado. Salvo
consenso negativo, a atividade de supervisão deverá iniciar-se seis meses após a
definição do prazo razoável para o cumprimento, e permanecerá válida até o
efetivo deslinde da disputa. Durante todo esse ínterim, o tópico da implementação
será incluído na pauta de todas as reuniões ordinárias do OSC
209
.
A tarefa de supervisão, insta salientar, não é feita mediante
comportamento ativo do OSC. Ao contrário, são os próprios reclamados que
deverão fornecer as informações referentes ao progresso de seu cumprimento.
Em outros termos, a função de monitoramento atribuída ao OSC desdobra-se em
um dever colateral para o reclamado de apresentar relatórios periódicos (status
report) descrevendo a evolução de suas ações. A vigência dessa obrigação
acompanhará a permanência do tema na agenda do OSC, devendo a submissão
de relatórios ocorrer dez dias antes de cada reunião.
O OSC tampouco promove a revisão ou confere a veracidade do
conteúdo das informações prestadas pelo reclamante. A omissão, entretanto, não
esvazia a função dos relatórios, que poderão ser contestados por qualquer
membro. De fato, sua relevância se encontra na oportunidade oferecida aos
interessados de se manifestarem regularmente quanto ao assunto condenado. O
reclamante terá assegurado, quase que mensalmente, uma ocasião para incitar o
reclamado ao cumprimento, bem como demonstrar que está atento às
repercurssões do caso. Além disso, seus pronunciamentos atraem a atenção dos
208
Vázques e Jackson apontam a supervisão pelo OSC como uma das características mais
inovadoras de todo o sistema de solução de controvérsias da OMC. VÁZQUES, Carlos M.;
JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute settlement decisions. Law
and Policy in International Business, cit., p. 558.
209
O art. 21.6 do ESC permite a qualquer membro suscitar a questões sobre o adimplemento após
a adoção da respectiva decisão.
82
demais membros da OMC, que podem expressar sua preocupação acerca dos
reflexos da violação tanto para si, como para a própria eficácia e credibilidade do
sistema de pacificação de litígios.
Sem embargo dessas observações, o breve exame da prática de
monitoramento indica resultados aquém daqueles que se poderiam obter com
aludida medida. Nota-se, mais precisamente, certo descaso dos demandados no
desempenho de suas obrigações de reportar, o que leva alguns observadores a
concluir que o mecanismo tem se tornado too much of a meaningless ritual
210
.
Com razão, grande parte dos relatórios disponibilizados pelos reclamados são
exageradamente vagos e agregam pouco valor para aferir a exata situação de
implementação. Informes genéricos, repletos de jargões abstratos e frases
prontas figuram de maneira cada vez mais freqüente nas reuniões do OSC,
depreciando seus objetivos
211
. Uma possível explicação, melhor explorada no
próximo capítulo, aponta para a imprecisão com que mencionado dever está
consubstanciado no ESC.
Em suma, portanto, a supervisão levada a efeito pelo OSC
aparece como extremamente benéfica, na medida em que impõe ao reclamado o
dever de informação sobre seu status de adimplemento, fomentando a
transparência. Além disso, assegura um foro para apreciação periódica de sua
conduta por todos os membros da entidade. Em conjunto, tais atributos permitem
galvanizar o apoio da comunidade internacional para estimular o reclamado a
avançar gradualmente rumo ao cumprimento. Não obstante, como demonstrado,
seu êxito dependerá da forma como as obrigações dela decorrentes são
concretamente executadas.
210
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 72.
211
Os Estados Unidos, por exemplo, se restringem, em diversas ocasiões, a afirmarem que “The
US Administration is working with the current US Congress with respect to appropriate statutory
measures that would resolve this matter”. OMC. United states section 211 Omnibus
Appropriations Act of 1998: Status report by the United States - addendum. 10 October 2008.
WT/DS176/11/Add.71. Genebra: OMC. Ou ainda, quando entendem haver implementado a
decisão, mesmo quando apenas medidas parciais foram efetivas, limitam-se a asseverar que: no
further action is necessary for the United States to bring these challenged measures into
compliance with the recommendations and rulings of the DSB”. OMC. United States - measures
relating to zeroing and sunset reviews: status report by the United States addendum. 11
January 2008. WT/DS322/22/Add.2. Genebra: OMC.
83
3.2.5 PAINEL DE IMPLEMENTAÇÃO
A previsão de um mecanismo para resolver divergências acerca
da ocorrência da execução das decisões da OMC pode ser considerada, em
acepção ampla, como parte dos esforços para impelir o reclamado a modificar
sua conduta. Nessa categoria enquadra-se o painel de implementação
(compliance panel), que poderá ser provocado sempre que houver discordância
entre os litigantes acerca do status final do cumprimento. Não se pode negar que
esse painel equivale a um novo e completo procedimento, contendo todos os atos
existentes em um painel comum, inclusive o direito de recurso ao OA
212
. Ademais,
ele também apresenta as feições de litigiosidade inerentes a um modelo
contencioso. Não obstante, na proporção em que está contido dentro da fase de
implementação, e que busca evitar a recalcitrância do reclamado sob a falsa
defesa de cumprimento
213
, poderá ser incluído no escopo das medidas indutoras.
Além disso, considerando que os reflexos de sua decisão não se revestem de
traços coercitivos, mas apenas permitem o prosseguimento da etapa de
implementação, quando comprovada a inobservância do reclamado, o
procedimento melhor se amolda à categoria indireta dessas medidas.
Alguns comentários sobre o instituto devem ressaltar que sua
competência se restringe à apreciação do cumprimento integral pelo reclamado,
bem como de sua consistência com as normas da OMC
214
. Preferencialmente, o
painel deverá ser composto pelos mesmos especialistas que serviram na
controvérsia principal, e o prazo para distribuição de seu relatório será, em tese,
de 90 dias, contados do recebimento da matéria controvertida
215
. A realidade,
contudo, demonstra que a observância desse prazo se torna impraticável,
notadamente em razão da complexidade da análise jurídica que se solicita ao
212
Uma exceção seria a fase de consultas, em relação a qual não existe consenso acerca de sua
obrigatoriedade.
213
Por exemplo, quando o reclamado promove pequenas alterações, ou transveste a medida
inconsistente para dissimular uma situação de cumprimento. CHO, Sungjoon. The nature of
remedies in international trade law. University of Pittsburgh Law Review, cit., p. 772.
214
Assim se pronunciou o OA nos contenciosos Canada-Aircraft (art. 21.5) e US-Shrimp (art.
21.5).
215
ESC, art. 21.5.
84
painel
216
. Em média, suas atividades têm se estendido por um período de pouco
mais de 6 (seis) meses
217
. Além disso, o recurso a esse tipo de procedimento
também tem se tornado cada vez mais recorrente, sendo inclusive considerado
pela árbitra do OA, Merit Janow, como uma fase habitual do sistema
218
. O
histórico atual da OMC registra o estabelecimento de 38 (trinta e oito) painéis de
implementação
219
. Muito embora não exista um dispositivo expresso, a prática
consolidou o direito de recorrer da decisão do painel, o que ocorreu em 17
(dezessete) ocasiões
220
.
Apesar das vantagens trazidas pela previsão desse instrumento, a
demora em seu trâmite enseja preocupação sobre o retardamento excessivo da
controvérsia. Ademais, a freqüência com que tem ocorrido deixa transparecer
indícios de que o reclamado, algumas vezes, procede a alterações apenas
formais para ganhar fôlego extra em sua recalcitrância, impedindo o acesso
imediato aos demais instrumentos de indução ao cumprimento.
3.2.6 ARBITRAGEM DAS SANÇÕES
A etapa de implementação encerrada nas regras da OMC
também disponibiliza um procedimento arbitral para decidir sobre o montante e a
forma de aplicação das sanções
221
. Trata-se, evidentemente, de um procedimento
subsidiário, conectado de maneira inextricável às retaliações. Todavia, essa
arbitragem possui um valor indutor próprio, hábil a estimular o cumprimento da
decisão pelo reclamado por meio do enfoque na possibilidade efetiva da
216
Em um exemplo, o relatório do painel de implementação em US-Upland Cotton contém 998
páginas na versão em inglês. O relatório do OA, por sua vez, apresentou-se em 194 páginas.
217
O prazo médio entre a submissão da controvérsia para o painel e a distribuição do relatório
para as partes corresponde a 180 dias. Caso se considere o tempo até o dia em que o relatório
final é colocado em circulação para todos os Membros, o prazo médio é de 233 dias. Disponível
em <http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/paneltiming1.asp>. Acesso em 17.10.2008.
218
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. p. 110.
219
Disponível em <http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/searchcomplaintscompliance.asp>.
Acesso em 17/10/2008.
220
Em um total de 26 relatórios de painel de implementação divulgados, o que representa um total
de 65,3% de apelações. Disponível em
<http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/appealcount.asp>. Acesso em 17.10.2008.
221
ESC, art. 22. 6.
85
retaliação. Isso porque, uma vez prolatado o laudo arbitral, esse será
automaticamente adotado pelo OSC e logo ensejará o direito de aplicar sanções.
Além disso, essa ferramenta empresta maior legitimidade à eventual medida
retaliatória, que se tornará fruto de uma manifestação imparcial do sistema da
OMC, arredando reclamações de arbitrariedade, principalmente porque, por meio
dela, o reclamado poderá contestar a forma de exteriorização das sanções
pretendidas.
Segundo as regras da entidade, o reclamante interessado em
efetivar sanções deverá submeter pedido ao OSC, indicando o valor e os setores
em que pretende aplicá-las. O requerimento deverá ser apreciado em até 30 dias
após o decurso do prazo razoável, e somente poderá ser recusado na hipótese de
consenso negativo. Nesse interregno, no entanto, o potencial destinatário das
retaliações possui o direito de se opor aos termos da pretensão, submetendo a
divergência à arbitragem. A matéria de impugnação deverá se restringir (i) ao
montante requerido, que deverá ser equivalente aos prejuízos decorrentes da
violação (princípio da proporcionalidade)
222
; e (ii) ao alvos pretendidos, que
deverão obedecer a uma ordem de preferências, estabelecida em razão do setor
e do acordo em que se detectou a infração, da seguinte maneira
223
:
a) Retaliação no mesmo acordo e setor;
b) Retaliação no mesmo acordo, porém em setor distinto; e
c) Retaliação em acordo distinto.
Em regra, as sanções deverão alcançar o mesmo setor em que foi
constatada a transgressão. Porém, quando tal alternativa se mostrar
“impraticável” ou “ineficaz” em face das condições do caso concreto, a suspensão
de concessões ou outras obrigações poderá ser requerida em setor distinto,
dentro dos lindes do mesmo acordo (“retaliação por transposição de setor”). Em
última instância, quando nem mesmo tal medida se mostrar adequada para
proporcionar o grau de indução desejado, e quando as circunstâncias se
mostrarem “suficientemente graves”, o reclamante poderá demandar sua
222
ESC, art. 22.4.
223
ESC, art. 22.3.
86
aplicação em acordo diverso ao da violação (“retaliação por transposição de
acordo”). Enquanto a situação contida na alínea (a) pode ser batizada de
“retaliação convencional” ou “horizontal”, as hipóteses retratadas nas letras (b) e
(c) costumam ser referidas pela doutrina como “retaliações cruzadas”, cuja
autorização se afigura mais intricada
224
.
A arbitragem deverá ser conduzida pelos membros do painel
original, quando disponíveis, ou por um ou mais árbitros escolhidos pelo Diretor-
Geral da OMC. A decisão, por orientação do ESC, deverá ser concluída em até
60 (sessenta) dias após o término do prazo estipulado para o adimplemento e
será definitiva
225
. O OSC deverá ser imediatamente informado da promulgação do
laudo arbitral e, caso seja provocado pelo reclamante, deverá autorizar
retaliações em conformidade com mencionada decisão, salvo consenso negativo.
Outra vez mais, resta demonstrado que os procedimentos de implementação são
salutares para compelir a persecução da decisão; sem embargo, também nesse
caso, pode-se entrever uma indesejável dilatação da controvérsia, tornando mais
longo o trajeto que leva ao seu desfecho.
3.2.7 APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS
Expostas as linhas gerais das medidas de indução indiretas
existentes na OMC, passa-se a sua apreciação pelo feixe dos critérios
estabelecidos no capítulo 2. Salienta-se que as características dessas medidas
serão analisadas em conjunto, reservando-se espaço, contudo, para comentários
específicos sobre cada uma delas, sempre que adequado.
1. Custos para o reclamante
Quando se repara no panorama vigente na época do GATT, em
que inexistiam regras para a etapa do cumprimento, salvo a possibilidade de
224
ÁRABE NETO, Abrão M.; ARBIX, Daniel. Retaliação cruzada em propriedade intelectual:
alternativa para uma atuação mais eficaz dos Países em Desenvolvimento no sistema de solução
de controvérsias da OMC, 2008 (prelo), p. 5.
225
ESC, art. 22.7.
87
suspensão de concessões ou outras obrigações, cada ato do reclamante com o
escopo de induzir a efetivação da decisão pela parte adversa tendia a ser
interpretado como inoportuno, concorrendo para o potencial deterioramento de
suas relações políticas:
The vice of the GATT’s follow-up procedure was that enforcement was
left to the persistence of the complainant. To bring pressure to bear on
the defendant, the complainant had to place the issue on the agenda of
the GATT Council, make demands for compliance, urge other
governments to support the demand, and eventually threaten retaliation.
It was up to the complainant to decide how often to repeat the process,
when to threaten retaliation, and when to retaliate. Each initiative by the
complainant could be regarded as an unfriendly act. This was a
particular problem for smaller countries, but even the largest countries
would feel the need to lay back whenever it seemed unwise to introduce
another irritant in commercial relations with the defendant country.
Threats of retaliation were almost always branded as premature,
unnecessary and thus hostile
226
.
Atualmente, no entanto, muitos desses atos são inerentes ao
próprio procedimento, tendo lugar automaticamente (v.g. supervisão da
implementação pelo OSC), ou por fácil provocação do reclamante (v.g.
estabelecimento do prazo razoável). Em algumas hipóteses, a prerrogativa recai
sobre os órgãos da OMC (v.g. sugestão para o cumprimento), ou até mesmo
sobre o próprio demandado (v.g. arbitragem do art. 22.6). Assim sendo, sua
ocorrência passa a ser vista como desdobramento natural do sistema, superando
a noção anterior que a associava ao ativismo inconveniente do reclamante. O
adensamento de juridicidade promovido pela OMC, ao reduzir a esfera de
influência do poder no trâmite de uma controvérsia, também diminuiu os ônus
políticos dela decorrentes. O fenômeno é especialmente benéfico para os PEDs,
que possuíam menor força para movimentar o procedimento prévio do GATT, e
que são menos resistentes na absorção da pressão política de outros membros.
Sem embargo, impende reconhecer que os impactos políticos continuam
espreitando os bastidores das relações entre os conflitantes, notadamente no
tocante aos mecanismos com maior caráter litigioso, como o painel de
226
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.27-28.
88
implementação e a arbitragem dos prejuízos da violação. Mesmo na atividade de
monitoramento pelo OSC, é possível conceber pequenos incidentes políticos.
A atenuação dos desgastes na esfera política também se reflete
na menor probabilidade de prejuízos de ordem econômica
227
. Em regra, a
faculdade de sugestões e o acompanhamento da implementação não impõem
custos econômicos para o reclamante, ou o fazem de maneira marginal. Por seu
turno, a previsão de procedimentos para a arbitragem do prazo razoável, para a
verificação de implementação (art. 21.5) e para a definição do valor e forma das
sanções (art. 22.6) podem fazer com que o decurso da controvérsia se estenda
excessivamente, bem como facilite a ocorrência de manobras protelatórias,
aumentando os prejuízos dos setores afetados. Uma vez mais, referidos efeitos
tendem a ser mais contundentes para os membros economicamente mais frágeis.
2. Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
A capacidade que referidas medidas possuem para arrebatar
grupos favoráveis à situação de adimplemento mostra-se salutar. As sugestões
do art. 19.1 do ESC, sempre que aplicadas, funcionam como guia para a
conformação do reclamado, permitindo-lhe iniciar a etapa de implementação com
uma alternativa viável de ação. Ademais, aumentam a força das cobranças do
reclamante, concentrando-as em um ponto específico (aquele sugerido pelos
julgadores), mesmo existindo outras opções possíveis
228
. A fixação de um prazo
razoável para o cumprimento empresta feições concretas a tal hipótese,
incrementando a pressão sobre os segmentos do reclamado envolvidos no
processo de ajuste da conduta, notadamente os oficiais governamentais. A
supervisão do progresso da implementação pelo OSC encerra notável
potencialidade para estimular a comunidade internacional a cobrar a adequação
do recalcitrante, movendo-o para fora de sua zona de conforto. Além disso, a
227
Por custos econômicos não se quer fazer referência aos gastos necessários para movimentar o
procedimento de solução de controvérsias da OMC que, sem embargo, são bastante elevados.
O significado da expressão, em consonância com o item 2.2 do capítulo 2, diz respeito aos efeitos
colaterais decorrentes de sua utilização.
228
“Panels were given explicit power to make nonbinding suggestions for how compliance can be
achieved a power that, if used, could sharpen the focus of compliance pressures”. HUDEC,
Robert. The adequacy of WTO dispute settlement remedies: a developing country perspective in
HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (eds). Development, trade, and the
WTO: a handbook, cit., p. 83.
89
providência fomenta a idéia do cumprimento como dever de boa-fé objetiva, que
aproveita a todos os membros da entidade. As regras sobre o painel de
implementação e a arbitragem das sanções, por sua vez, ressaltam a iminência
de medidas coercitivas, aumentando as pressões internas no reclamado por parte
de seus potenciais alvos. Essas medidas, em conjunto, contribuem para enfocar a
necessidade do cumprimento e, como conseqüência, sensibilizam interesses em
prol da observância das normas do sistema multilateral de comércio, sendo útil
principalmente para os PEDs que, revestindo-se de menor poder de persuasão,
encontram nessa alternativa importante aliado na proteção de seus interesses.
3. Reflexos para setores privados
Por um lado, as medidas indutoras de natureza indireta não se
revertem em benefícios imediatos para atenuar os prejuízos dos setores privados
do reclamante alcançados pela violação. Todavia, na proporção em que
contribuem para o objetivo final do cumprimento, correspondem a instrumentos
positivos para os interesses de tais segmentos. Em sentido oposto, nas hipóteses
em que podem ser usados para retardar o desfecho do litígio, aumentam os
reflexos negativos para tais grupos
229
. Em relação aos interesses privados do
reclamado não envolvidos na controvérsia, observa-se que a medida não os afeta
indevidamente. Como a pressão para o adimplemento é conduzida pelo apelo ao
dever de respeito às obrigações internacionais, à cooperação nas relações
multilaterais e ao enfoque na situação de recalcitrânciae não pela imposição de
prejuízos para o reclamado, tal como ocorre na compensação e nas sanções, os
setores “inocentes” têm pouco a temer.
4. Aplicabilidade da medida
A facilidade na aplicação das medidas de indução indiretas
desponta como aspecto vigoroso desses instrumentos, que raramente poderão
ser obstados pela parte contrária, porquanto independem de sua concordância. O
monitoramento do status da implementação, por exemplo, coloca-se como
atribuição do OSC, que dela não poderá se eximir. Tal tarefa passa a constar
229
A proposta do México (TN/DS/W/91) sintetiza essa constatação da seguinte maneira: In any
event, longer procedures mean more time with an illegal measure in place and its negative
consequences”.
90
automaticamente de sua pauta de reuniões, sem necessidade de provocação por
qualquer dos envolvidos. Por sua vez, os procedimentos para o estabelecimento
do prazo razoável (na hipótese de falta de consenso entre as partes), para o
painel de implementação e para a arbitragem das sanções podem ser iniciados
por mero pedido do reclamante, vinculando completamente a participação do
demandado. Duas, as únicas exceções ao fácil acesso a tais medidas. Em
primeiro lugar, as sugestões para efetivar as recomendações da OMC consistem
em prerrogativa dos julgadores, que se revestem de ampla discricionariedade em
seu exercício e não podem ser compelidos a tanto. Em segunda instância, o
dever de apresentar relatórios depende de uma conduta ativa do reclamado, que
poderá se recusar a cumpri-lo, ou mesmo tentar burlar tal obrigação, fornecendo
informações vagas e imprecisas. Muito embora tais condutas possam trazer
repercussões políticas negativas para o reclamado, as constatações acima se
mostram como sérias deficiências que exigem correção.
5. Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
Considerando a essência dessas medidas de indução, é possível
asseverar sua fina sintonia com os princípios do sistema multilateral de comércio.
Afinal, tais mecanismos buscam promover a cooperação multilateral, ao invés do
confronto. É dizer, ressaltam a noção do cumprimento como corolário dos
compromissos assumidos internacionalmente e dos deveres colaterais de
lealdade e boa-fé, em contraposição ao cumprimento impelido por medidas
coercitivas. Sua lógica fundamenta-se na força da persuasão, ao revés da
persuasão dos atos de força
230
. Mesmo o painel de implementação, cujo trâmite
se faz na tradicional forma confrontacional, e os procedimentos arbitrais
referentes às sanções, que estão evidentemente relacionados com a aplicação
desses institutos, não chegam a destoar desses princípios fundamentais, uma vez
que apenas visam confirmar a situação de inadimplemento, no primeiro caso, ou
evitar a arbitrariedade das retaliações, no segundo. Subjacente a todas essas
230
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 633.
91
medidas estará sempre a idéia de convencer o recalcitrante a implementar
voluntariamente as decisões da OMC.
3.2.8 CONCLUSÃO
O sistema de solução de controvérsias da OMC estabeleceu
procedimentos específicos e normas secundárias para lidar com os atos
relacionados à implementação de suas decisões (follow-up procedures),
consubstanciando marcante avanço no cenário das jurisdições internacionais
231
.
As vantagens desses mecanismos espelhadas pelos critérios acima refletem-
se principalmente na atuação dos PEDs que, mais suscetíveis aos efeitos
colaterais políticos e econômicos das medidas de indução, dotados de menor
poder de convencimento para mobilizar grupos a seu favor, e menos hábeis para
manejar instrumentos que dependem do envolvimento ou aquiescência de outras
partes, vêem-se beneficiados por regras que incrementam, por via indireta, a
efetividade das determinações que lhes são convenientes. Como conseqüência, o
cenário florescido durante o GATT, em que cada iniciativa do reclamante era vista
com maus olhos, motivando protestos políticos pelo reclamado, cede lugar a um
procedimento que se desenrola de maneira mais natural, cujas etapas são
interpretadas como parte das regras que o próprio Membro ajudou a desenvolver.
O novo panorama extrai parte do caráter de indução antes concentrado nas
sanções, para distribuí-lo nos diversos atos procedimentais que compõem a fase
de implementação
232
. Sem embargo de todos esses aspectos positivos, impende
ressaltar a existência de algumas fragilidades, como a escassa utilização da
faculdade de apontar formas para a execução das recomendações, a vagueza na
delimitação dos deveres de informação sobre o cumprimento e o uso dos
recursos procedimentais dessa etapa como forma de protelar o deslinde do
231
PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a
more collective approach. The American Journal of International Law, cit., p. 339.
232
Hudec, nesse tópico, conlcui que the smaller reforms made in the Uruguay Round do make
legal complaints without retaliation quite a bit more effective then they were before”. HUDEC,
Robert. The adequacy of WTO dispute settlement remedies: a developing country perspective in
HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (eds). Development, trade, and the
WTO: a handbook, cit., p. 84.
92
conflito. Lastreada em tais observações, recomenda-se o fortalecimento das
disciplinas das medidas indiretas de indução.
3.3 ANÁLISE DAS MEDIDAS DIRETAS DE INDUÇÃO
3.3.1 COMPENSAÇÃO
3.3.1.1 DESCRIÇÃO DO INSTITUTO
Em sede de direito internacional, o instituto da compensação é
tradicionalmente identificado com a idéia de ressarcimento ou reparação
proporcional de um dano, sobretudo por meio do oferecimento do valor pecuniário
correspondente. No âmbito da OMC, contudo, a compensação não se reveste de
caráter monetário, mas toma a forma de um benefício comercial (v.g. tal como
reduções tarifárias, expansão de quotas de importação, ou maior acesso à
mercados), que deverá ser proporcionado ao reclamante pelo reclamado. Essa
natureza peculiar da compensação pode ser vista como uma reminiscência na
OMC da teoria prevalecente no GATT de reequilíbrio das concessões comerciais,
segundo a qual se ofereceria uma vantagem mercantil com a intenção de
compensar o ganho anulado pela transgressão das regras do comércio
internacional
233
.
Em linha com as medidas indutoras, a compensação traduz-se
em instrumento temporário, a ser empregado como meio para alcançar o objetivo
final do cumprimento de uma decisão da OMC
234
. Sua utilização não significa que
o reclamado adimpliu a obrigação que lhe cabia, mas apenas que concordou em
prestar uma medida paliativa, com a função de aliviar os prejuízos sofridos pelo
233
Para alguns doutrinadores, no entanto, essa característica é comprovação de que a teoria do
re-equilíbrio de concessões subsiste na OMC. PALMETER, David; MAVROIDS, Petros. Dispute
Settlement in the OMC: Practice and Procedure. Cambridge: Cambridge University Press, 2004,
p. 167.
234
ESC, art. 3.7.
93
reclamante enquanto a determinação em caráter final não for implementada.
Nesse sentido, bastante elucidativa a imagem descrita por Horlick:
Compensation, granted, was intended by the WTO drafters as a
compromise mechanism to be used as a last resort to keep the full
team on the field by allowing a Member to play with one arm tied behind
its back, rather than ejecting it from the game, if the pain of compliance
made it politically infeasible for that Member to immediately stop playing
offside
235
.
Outra importante característica da compensação é sua
voluntariedade, o que significa não ser ela compulsória para as partes envolvidas
na controvérsia. Ao contrário, o instrumento somente terá lugar quando acordado
mutuamente pelos litigantes. Em termos procedimentais, a negociação da
compensação deverá ser iniciada ainda durante o prazo estabelecido para a
implementação da decisão e, caso não seja concluída em até 20 dias após seu
decurso, permite ao demandante solicitar autorização para retaliar
236
. Sem
embargo, os esforços para se alcançar um meio-termo poderão prosseguir após
tal data. A redação do ESC, cumpre comentar, transmite a impressão de que a
iniciativa para as conversações acerca do instituto estaria limitada ao reclamante;
entretanto, considerando seu caráter consensual, é coerente o entendimento de
que a proposta de acordo também possa partir do reclamado.
3.3.1.2 APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS
a) Custos para o reclamante
Considerando que a compensação equivale, em regra, ao
recebimento de uma vantagem comercial, o reclamante tenderá a ser beneficiado
no específico setor em que ela ocorrer. Em um exemplo, caso o instituto tome a
forma de redução de determinadas tarifas de importação do reclamado, o
reclamante poderá alcançar esse mercado em condições mais competitivas,
235
HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec, cit., p. 640-641.
236
ESC, art. 22.2.
94
aumentando sua participação e conseqüente volume de exportações. Uma única
ressalva seria a situação em que o benefício outorgado ao reclamante não atende
aos seus interesses concretos, quando, então, suas conseqüências seriam nulas
(ex.: garantia de maior acesso ao mercado de telecomunicações para um Membro
que não exporta tais serviços). Por outro lado, também não faz muito sentido falar
em danos políticos, uma vez que a compensação é necessariamente voluntária,
ocorrendo tão-somente com a concordância expressa da parte contrária. Reflexos
negativos de eventuais protestos dos setores privados prejudicados com a
concessão comercial (v.g. setor que teve sua proteção tarifária reduzida) serão
direcionados ao governo do próprio reclamado, que os selecionou como moeda
de troca pelo descumprimento temporário da decisão da OMC.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
A formação ou intensificação de grupos favoráveis ao
cumprimento dependerá dos setores em que se oferece compensação, sendo que
a iminência ou efetivação da medida poderá levar o reclamado a se movimentar
internamente para conformar sua atitude com as normas da OMC. De maneira
geral, no entanto, as feições gerais do mecanismo parecem não contribuir
decisivamente para demover forças políticas que se opõem ao adimplemento.
Com efeito, o governo do reclamante, diante da obtenção de um acordo
compensatório, poderá diminuir, mesmo que temporariamente, suas pressões
contra a parte adversa. No mesmo sentido, a propensão dos demais integrantes
da comunidade internacional será acompanhar a conduta, abaixando o tom de
suas próprias cobranças, salvo quando a compensação se mostrar
discriminatória
237
. No que tange aos segmentos privados, o caráter voluntário do
mecanismo permite ao reclamado evitar a escolha dos interesses politicamente
mais influentes
238
.
237
Interessante notar como a Austrália se preocupou no sentido de que eventual acordo
compensatório no âmbito de US-Copyright Act não ocorresse em bases discriminatórias. OMC.
Dispute Settlement Body: minutes of meeting held in the Centre William Rappard on 24 June
2003. 24 June 2003. WT/DSB/M/151. Genebra: OMC, p. 2.
238
Nesse sentido, parece pouco provável que a concessão cause mal-estar para os setores do
reclamado que colhem vantagens com a violação. Sendo eles influentes o bastante para resistir à
adequação da conduta irregular, conseguirão também evitar seu envolvimento, ao menos
substancialmente, no acordo compensatório.
95
O próprio processo de escolha das concessões será sugestionado
pela força desses grupos, aumentando a probabilidade de que a opção
governamental recaia sobre setores pouco participativos
239
. É verdade que os
segmentos afetados negativamente pela compensação irão protestar,
principalmente se não possuírem conexão com a controvérsia; todavia, assim
como não tiveram força para se esquivar da compensação, difícil acreditar que
suas manifestações em prol do cumprimento surtam maior efeito. Inúmeros
autores advertem ainda para os riscos de enfraquecimento do apoio, em razão do
estímulo de ímpetos protecionistas e do fenômeno do buy out
240
. No primeiro
cenário, as vantagens compensatórias recebidas por determinados grupos
poderiam levá-los a pressionar pela continuação da violação, de forma a
assegurar a continuidade no recebimento do benefício. No tocante ao buy out, a
interpretação da compensação, como medida equivalente ao cumprimento,
reduziria as exigências para a correção da inconsistência detectada pela OMC.
c) Reflexos para setores privados
O cenário ideal de uma compensação é quando realizada em
relação ao mesmo setor no qual ocorreu a violação objeto da controvérsia. Dessa
maneira, seria possível atenuar os prejuízos experimentados pelos grupos
privados do reclamante por ela atingidos, bem como garantir que os custos das
benesses comerciais oferecidas em compensação sejam suportados por setores
do reclamado envolvidos na quebra das regras do comércio internacional. Um dos
poucos exemplos em que se observa essa constatação se refere ao caso Japan-
Alcoholic Beverages II, no qual o Japão reduziu seus impostos internos sobre
239
A exigência de concordância do reclamante com a compensação oferecida não invalida a
constatação de que o reclamado evitará selecionar interesses pertencentes aos grupos
politicamente influentes.
240
O buy outpode ser entendido como a suposta faculdade que os membros da OMC teriam
entre cumprir efetivamente a decisão da entidade, ou, por outro lado, prestar compensação ou
suportar sanções como alternativa equivalente ao cumprimento. Posicionando-se contra a
permissão do buy out, ver: JACKSON, John H. The WTO Dispute Settlement Understanding:
misunderstandings on the nature of legal obligations. Journal of International Economic Law,
cit., p. 60-64; JACKSON, John H. The world trading system: law and policy of international
economic relations. 2. ed. Cambridge: MIT Press, 1997. Em sentido contrário: BELLO, Judith
Hippler. The WTO Dispute Settlement Understanding: Less is More. The American Journal of
International Law, cit., p. 416-417; SYKES, Alan O. The remedy for breach of obligations under
the WTO Dispute Settlement Understanding: damages or specific performance?, In BRONCKERS,
Marco; QUICK, Reinhard (eds.). New Directions in International Economic Law: essays in
honor of John H. Jackson, Haia: Kluwer Law International, 2000, p. 347-357.
96
bebidas alcoólicas de interesse dos reclamantes (Canadá, CE e Estados Unidos)
como forma de compensar a demora na implementação da decisão da OMC que
tratava do mesmo bem
241
.
Sem embargo, a correspondência entre violação e compensação
dificilmente ocorrerá na prática, dentre outros motivos porque os grupos do
reclamado, que pressionam pela manutenção da inadimplência, exercem a
mesma influência para não serem alcançados pelo acordo compensatório
242
. Em
sendo bem sucedidos na primeira hipótese, a probabilidade é que tenham êxito
semelhante no segundo caso. Tal situação implicaria distorções (mistarget) na
distribuição dos benefícios e ônus da compensação, respectivamente, para
segmentos do reclamante e do reclamado alheios à controvérsia. Justificaria,
ainda, a crítica de que o instituto provoca conseqüências negativas para ambos
os contendores (lose-lose proposition): enquanto o reclamante, ao aceitar
compensações, não promoveria benefícios para o setor nele prejudicado, o
reclamado, ao oferecê-las, simplesmente elegeria um setor inocente para arcar,
na forma de menor proteção, com os gravames da inadimplência
243
.
d) Aplicabilidade da medida
A compensação é um instituto essencialmente bilateral, no
sentido de que seus termos devem ser mutuamente aceitáveis para as partes em
desentendimento. Não bastará a vontade do reclamante em estabelecer um
acordo compensatório por entendê-lo vantajoso enquanto medida de indução ao
cumprimento; necessária, ainda, a aquiescência do reclamado, sem a qual a
alternativa não poderá prosperar. E é justamente nessa expressa exigência de
concordância daquele que deverá suportar o ônus da compensação que reside a
241
Cf. Documentos WT/DS8/19; WT/DS10/19 e WT/DS11/17.
242
Corroborando a observação, Horlick anota que “the cost of compensation is often not levied on
those who are keeping up the pressure to break the rules. That is, the Member’s arm is punished
when it is the foot that keeps fouling”. HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the
WTO dispute resolution process. In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of
international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 640-641.
243
PALMETER, David; ALEXANDROV, Stanimir. ‘Inducing compliance’ in WTO Dispute
Settlement. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 665.
97
principal fragilidade do mecanismo
244
. A construção de consenso entre os
litigantes acerca da área e montante das concessões comerciais a serem
ofertadas reponta como tarefa árdua e, na maioria das vezes, intangível. Além
disso, por exigir grande poder de convencimento por parte do reclamante, será
mais difícil ainda quando neste pólo estiver um PED. Outra deficiência apontada
em relação a sua aplicabilidade diz respeito ao momento processual de sua
ocorrência, situado no final do prazo fixado como razoável para o cumprimento.
Tal previsão permite o decurso de um extenso interregno temporal antes que as
negociações por compensação possam ser iniciadas, reduzindo seu caráter
indutor para a implementação.
Insta mencionar, ainda, que a compensação necessita respeitar o
princípio da nação mais favorecida
245
. Assim, a vantagem acordada entre os
conflitantes deverá ser estendida a todos os outros membros da entidade,
tornando sua atratividade substancialmente menor, como reconhece a própria
OMC
246
. Reduzem-se as vantagens obtidas pelo reclamante (que não receberá
tratamento exclusivo), ao mesmo tempo em que se aumentam seus custos para o
reclamado (que deverá oferecê-la a todos os integrantes da organização), como
expõe Malacrida:
(…) in cases where a compensation offer would benefit Members other
than the complaining Member to a significant extent (i.e., where, due to
application of the most-favoured-nation principle, the complaining
Member would need to share the benefits of compensation with other
Members), the complaining Member would probably view the offer as
inadequate. In order to avoid, or minimize, this type of ``free-rider''
problem, the responding Member may need to offer compensation in a
sector where the complaining Member is the exclusive or at least the
principal supplier. Alternatively, the responding Member could offer to
provide compensation at a level which exceeds the level of nullification or
impairment caused by its offending measure, but which would effectively
provide the complaining Member a level of benefits that is equivalent to
244
ESC, art. 22.1, parte final: “Compensation is voluntary and, if granted, shall be consistent with
the covered agreements”.
245
Para uma justificativa histórica sobre a formulação de referida cláusula, cf. NAKADA, Minoru.
OMC, Alca e Mercosul. Carta Internacional, São Paulo, ano X, nº 115, 2002, p.5.
246
Disponível em <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/disp_settlement_cbt_e/c6s9p1_
e.htm>. Acesso em 12/07/2008.
98
the level of nullification or impairment. The former option has the
drawback that it may not be available very often in the real world. The
latter option might generate political opposition in the responding
Member, as the responding Member would temporarily be providing more
market access than it would be legally required to provide
247
.
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
A compensação destaca-se pela promoção dos valores
esculpidos no sistema multilateral de comércio. Em sua feição atual na OMC, ela
traduz-se em concessões de natureza comercial, ocasionando a redução, mesmo
que temporária, de barreiras ao intercâmbio global de bens ou serviços. A
constatação torna-se nítida ao se vislumbrar a diminuição de impostos aduaneiros
à importação como sua forma tradicional, fomentando o intercâmbio comercial.
Por esse motivo, a compensação é reputada como a medida de indução que mais
se conforma com os princípios do livre-comércio. Além disso, a parte final do art.
22.1 do ESC determina que a compensação deve ser consistente com os demais
acordos da OMC. Em termos práticos, tal previsão revela a necessidade de
observância do princípio da nação mais favorecida, de maneira a evitar
tratamentos discriminatórios em face daqueles que não estão envolvidos na
controvérsia
248
.
3.3.1.3 CONCLUSÃO
A compensação pode ser reputada como uma medida indutora
positiva, vez que fomenta benefícios diretos para o reclamante na forma de
247
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 25.
248
“This provision purports to temper the bilateral ethos inherent in the settlement for
compensation in order to prevent a situation where two parties concerned would create in the
name of compensation new illegal trade barriers which might harm third parties, and thus, yet
another dispute could ensue in the future. In this regard, when parties notify the WTO of the fact
that they agreed on a mutually acceptable compensation, they usually include in such notification a
clause offering the same treatment in the compensation agreement to any other member.” CHO,
Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh Law
Review, cit., p. 775-776.
99
vantagens comerciais, minimizando, ou até mesmo suprimindo, efeitos colaterais
econômicos e políticos. O mecanismo também merece encômios por ir ao
encontro dos valores do sistema multilateral de comércio, exaltando os postulados
da livre-troca. Sua habilidade em arrecadar apoio no sentido da interrupção da
violação, e em gerar reflexos não distorsivos para os setores privados do
reclamante e reclamado, dependerá da difícil realização de acordo compensatório
na área específica em que se detectou a transgressão. Seu mais contundente
defeito, no entanto, concentra-se nas restrições impostas para sua aplicação,
notadamente seu caráter de bilateralidade, que virtualmente inviabiliza sua
ocorrência
249
.
O escasso histórico desse instituto na OMC comprova o
diagnóstico. Nesse sentido, vale fazer alusão ao caso Japan-Alcoholic Beverages
II, em que as tarifas domésticas impostas pelo Japão sobre bebidas como uísque,
conhaque e outros destilados foram consideradas discriminatórias em cotejo com
o imposto mais reduzido cobrado para a comercialização de shochu, uma bebida
tradicional japonesa. Como forma de assegurar o tempo necessário para
promover as mudanças internas determinadas pela decisão, o Japão ofereceu
compensação aos reclamantes (Canadá, CE e Estados Unidos) na forma de
diminuição provisória dos impostos exigidos para a venda de bebidas alcoólicas
de seu interesse
250
. Por seu turno, em US–Copyright Act, após anos de tratativas,
os Estados Unidos acordaram pagamento compensatório no valor de US$ 3,3
milhões para um fundo assistencial na CE com fins de promoção de direitos
autorais. A indenização foi arbitrada em conformidade com o art. 25 do ESC e
representaria um acordo mútuo de satisfação vigente por um período de três
anos, contados da data do término do prazo razoável
251
.
249
Lastreando-se em tais motivos, o atual Diretor da Divisão de Assuntos Jurídicos arremata que
“WTO dispute settlement model in practice has been a ‘compliance-retaliation’ model rather than a
‘compliance-compensation-retaliation’ model”. WILSON. Bruce. Compliance by WTO members
with adverse WTO dispute settlement rulings: the record to date. Journal of International
Economic Law, Vol.10, N. 2, Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 399.
250
Cf. documentos WT/DS8/19; WT/DS10/19 e WT/DS11/17.
251
Cf. documento WT/DS160/23.
100
3.3.2 SANÇÃO
3.3.2.1 DESCRIÇÃO DO INSTITUTO
Verificada a inércia do reclamado em implementar as decisões da
OMC e o fracasso na tentativa de se alcançar um acordo compensatório, o
reclamante poderá então requerer autorização para aplicar sanções. Em verdade,
os termos “retaliação” ou “sanção” não são encontrados nos acordos da OMC,
que se utilizam de uma expressão técnica, originária do GATT, para lhes fazer
referência: “suspensão de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos
acordos abrangidos”
252
. Não obstante o tecnicismo da estipulação, é incontestável
que ela encerra instituto com a natureza jurídica de sanção, posto que
corresponde a um ato coercitivo (efetivo ou latente), marcado pela interferência
limitada na esfera de interesse protegido de outro Membro, e que se
operacionaliza por meio da privação temporária de direitos legítimos
253
.
Muito embora o objetivo das sanções tenha evoluído na
passagem do GATT para a OMC, assumindo a função primordial de indução ao
cumprimento de suas decisões, a expressão foi mantida intocada nas novas
normas de pacificação de litígios
254
. Seu significado corresponde à possibilidade
de o reclamante deixar de observar, vis-à-vis o reclamado, determinadas
concessões comerciais ou obrigações constantes do conjunto normativo da OMC.
Nessa esteira, a forma mais comum de exteriorização das sanções é o aumento
dos impostos de importação para bens ou serviços provenientes do retaliado, em
percentual superior ao teto fixado em seus compromissos para com aquele
Membro. Fazendo referência a essa expressão, Vazquez e Jackson consideram
as sanções na OMC mais restritas do que aquelas existentes na teoria geral do
direito internacional, que se exteriorizariam não apenas na forma de suspensão
de concessões ou outras obrigações “decorrentes dos acordos abrangidos”, mas
252
ESC, art. 22.2, parte final.
253
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC, cit., p. 110-113.
254
Cf. item 1.5.3. do capítulo 1.
101
alcançariam também obrigações costumeiras e aquelas encerradas em outros
tratados
255
.
A análise de algumas das características das sanções, conforme
delineadas na OMC, auxiliará no correto entendimento do instituto. Inicialmente,
vale notar que a retaliação surge como o último recurso para estimular o
reclamado a implementar as recomendações da entidade
256
. Portanto, para que
possa ter lugar será necessário o esgotamento do prazo razoável para o
cumprimento, sem o devido ajuste da violação, bem como a falta de concordância
entre os contendores sobre a compensação. Uma segunda qualidade das
retaliações é que são medidas temporárias, que somente devem permanecer em
vigor até a conformação da conduta questionada ou outra solução satisfatória
para a divergência
257
. Depreende-se, assim, que as sanções se revestem de
caráter instrumental, cujo fim derradeiro é contribuir para a efetivação da decisão:
inexistiria, portanto, a pretensa opção pelo buy out
258
. Como expressamente
esclarece o ESC, o cumprimento integral da decisão sobrepõe-se às
retaliações
259
.
O uso das sanções na OMC está condicionado à autorização pelo
OSC. Novamente, segundo Vazquez e Jackson, essa exigência demonstraria a
sua maior limitação em cotejo com o instituto correlato do direito internacional
260
.
Considerando, no entanto, que a permissão para retaliar somente poderá ser
recusada diante da oposição unânime pelos membros da OMC (consenso
negativo), é possível asseverar que as normas da entidade asseguram verdadeiro
255
VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute
settlement decisions. Law and Policy in International Business, cit., p. 560-561.
256
ESC, art. 3.7, parte final.
257
ESC, arts. 22.1 e 22.7, primeira parte.
258
Jackson sumariza a questão: “If everybody believed that the rich and powerful countries could
avoid their obligations to conform to the rules upon which traders rely for a measure of predictability
and security by simply ‘buying out’ of those obligations through compensation or sustaining
suspended obligations, then a considerable degree of credibility and fairness of the system would
be diminished or lost. Both small countries and developing countries could then say that the DS
system is of no interest to them because they do not have the power to ‘buy out’ but the ‘big guys’
do have that power, and if they exercised it regularly, they would undermine the predictability and
security of the rules as they might apply to enterprises or individual entrepreneurs from small
countries.” JACKSON, John. The Changing Fundamentals of International Law and Ten Years of
the WTO. Journal of International Economic Law, cit., p. 120-121.
259
ESC, art. 22.1.
260
VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute
settlement decisions. Law and Policy in International Business, cit., p. 560-561.
102
direito às sanções. O valor da retaliação deverá ser proporcional aos danos
causados pela violação e sua exteriorização deve estar em sintonia com a
hierarquia determinada pelo ESC (retaliações convencionais em preferência às
retaliações cruzadas). O reclamado poderá requerer arbitragem caso entenda que
tais dispositivos não foram respeitados. Em última instância, terminado o
procedimento arbitral, o reclamante investir-se-á no direito de aplicar sanções.
3.3.2.2 APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS
a) Custos para o reclamante
Grande parte dos especialistas em OMC é uníssona em apontar
as conseqüências danosas das sanções para o reclamante como um de seus
mais categóricos defeitos
261
. The teeth bite back, enuncia a expressão em língua
inglesa fazendo referência aos efeitos colaterais causados pelas sanções,
também aludidas como os “dentes” da entidade. Mencionados efeitos podem ser
colhidos em ambos os campos econômico e político e, dependendo de sua
intensidade, podem inviabilizar o uso das sanções como medida de indução ao
cumprimento pelo reclamante.
Tomando como exemplo a forma mais corriqueira pela qual as
retaliações são exteriorizadas, é dizer, o aumento das tarifas de importação do
reclamante em desfavor de certos produtos do reclamado, é possível ilustrar os
principais impactos econômicos sujeitados pelo retaliante
262
: (a) aumento do
preço de importação do produto afetado (ocasionando a redução ou interrupção
de seu consumo); (b) substituição desse produto por bens similares, geralmente a
preços mais altos e/ou com qualidade inferior; (c) substituição dos canais de
abastecimento por outras fontes domésticas ou estrangeiras (desvio de
261
HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec, cit., p. 640; CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an
analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy
of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 621.
262
As constatações a seguir, referentes ao comércio de bens, podem ser ampliadas também,
guardadas as devidas proporções, para o comércio de serviços. No tocante aos direitos de
propriedade intelectual, os efeitos colaterais serão tratados no capítulo 4.
103
comércio)
263
; (d) redução de opções de consumo; (e) prejuízos para importadores,
consumidores intermediários e finais; (f) diminuição do fluxo de investimentos por
falta de segurança; (g) diminuição do bem-estar econômico de seus cidadãos; (h)
afastamento gradual do concorrente que produz mercadorias a melhores preços;
(i) perda gradativa de eficiência dos produtores internos protegidos pela elevação
de tarifas; (j) retardamento da evolução tecnológica; e (k) risco de criação de
monopólio (podendo gerar, a longo prazo, controle nas políticas de preços e
oferta do produto)
264
.
Os custos políticos, por sua vez, também podem ser significativos.
Em tese, as sanções não deveriam causar protestos ou reclamações pelo
retaliado, porquanto figuram como respostas a sua renitência em corrigir condutas
reconhecidamente violadoras das regras do comércio internacional. Além do
mais, são mecanismos expressamente previstos nas normas da OMC e, quando
autorizados, contam com a chancela multilateral da organização. Todavia, o
movimento do reclamante em direção às sanções não costuma ser bem recebido
pelo potencial destinatário, podendo gerar desde um pequeno mal-estar político,
facilmente contornável, até desgastes consideráveis, sempre que interpretadas
como reação extrema, desproporcional e, sobretudo, ofensiva ao relacionamento
bilateral de alto nível construído entre os contendores.
Os sucintos comentários acima possibilitam entrever o elevado
potencial de risco que se incorre com a utilização de sanções, abalando sua
eficácia enquanto medidas de indução ao cumprimento. A situação, vale ressaltar,
mostra-se especialmente grave para PEDs, visto que aludidos danos econômicos
são potencializados em virtude da fragilidade de suas economias, altamente
dependentes do intercâmbio comercial com outros membros
265
. Na arbitragem do
263
Finkelstein, ao tratar dos efeitos causados pela criação de blocos regionais, alerta para a
possibilidade de ocorrência de desvio de comércio em detrimento de origens mais eficientes de
abastecimento. A observação também pode ser direcionada, sem perder precisão, à imposição de
barreiras temporárias por conseqüência das medidas de indução ao cumprimento das decisões da
OMC. FINKELSTEIN, Cláudio. O processo de formação de mercados de bloco. São Paulo: IOB
– Thomson, 2003, p. 95-99.
264
FINKELSTEIN, Cláudio. O processo de formação de mercados de bloco, cit., p. 98.
265
Em referência à cautela em aplicar retaliações no caso US-Upland Cotton, Roberto Azevedo,
então subsecretário de Comércio do Itamaraty, afirmou:"Não podemos retaliar e acabar dando um
tiro no pé". O Estado De São Paulo. Retaliação contra os Estados Unidos deve ser lenta e
complicada. Jamil Chade. 22.06.2008. Disponível em: <http://si.knowtec.com/scripts-
104
art. 22.6 em EC-Bananas III (Ecuador), por exemplo, os árbitros entenderam que
a suspensão pelo Equador de certos compromissos referentes a serviços
prestados fisicamente por empresas da CE em seu território seria prejudicial ao
próprio retaliante na medida em que poderia levar à perda de investimentos
estrangeiros diretos essenciais por falta de proteção jurídica
266
. No âmbito
político, a inferioridade de poder apresentada por PEDs os deixam
particularmente sensíveis às pressões políticas contrárias à aplicação de
sanções. A opção pela retaliação será apreciada com cautela, levando-se em
conta o relacionamento a longo prazo com o retaliado, que quase certamente será
um de seus principais parceiros comerciais
267
. Somando-se todas essas
conjecturas, dificilmente o emprego de sanções mostrar-se-á como alternativa
viável para esses membros.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
O sucesso na criação ou no alargamento de conjuntos favoráveis
ao cumprimento está relacionado, em grande parte, com a escolha dos alvos que
serão afetados pelas sanções. Quando selecionados com precisão, atingindo
interesses daqueles que se opõem com veemência à implementação, maiores
serão as chances em se modificar o equilíbrio político no interior do reclamado,
impulsionando-o rumo ao adimplemento. A maneira mais eficiente de levar a cabo
tal desígnio seria aplicar sanções contra os grupos privados do reclamado
diretamente envolvidos na violação, uma vez que a conquista de seu apoio
significaria, em tese, a redução ou erradicação do principal foco de resistência
268
.
Além disso, evitaria o risco de a medida ser vista como uma reação “desmedida”
ou “injusta”, por envolver setores que não guardam ligação com a transgressão
original.
si/MostraNoticia?&idnoticia=16590&idcontato=2192&origem=fiqueatento&nomeCliente=FUNCEX&
data=2008-06-22>. Acesso em 22/06/2008.
266
OMC. European Communities – regime for the importation, sale and distribution of
bananas - recourse to arbitration by the European communities under article 22.6 of the
DSU: decision by the Arbitrators. 24 March 2000. WT/DS27/ARB/ECU. Genebra: OMC, p.25.
267
Segundo Cho, even if such sanction is effective arguendo, the small, poor country should also
take into account any negative political implication in the future that the sanction may bring vis-à-vis
the targeted big, rich country. Certainly, the small, poor country would not want to sacrifice much
bigger potential economic benefits for such a one-time Pyrrhic victory”. CHO, Sungjoon. The nature
of remedies in international trade law. University of Pittsburgh Law Review, cit., p. 785.
268
Cf. item 2.3. do capítulo 2.
105
Na maioria das vezes, no entanto, não será possível impor
sanções nos exatos setores objeto da controvérsia, por razões que vão desde a
inexistência de exportações desse produto para o reclamante, até os efeitos
colaterais sobre sua própria economia sendo essa impossibilidade, inclusive,
uma das principais críticas às retaliações tais como presentemente desenhadas
na OMC. Nesses casos, a alternativa mais apropriada para sensibilizar grupos de
apoio será o uso criativo das sanções (smart sanctions), escolhendo áreas
relacionadas, de alguma maneira, com a infração às regras da entidade, ou ainda,
setores cuja relevância política para o Membro recalcitrante é decisiva
269
.
Tais comentários podem ser ilustrados pelo contencioso US-
Upland Cotton, no qual a opção ideal para eventuais retaliações, segundo a ótica
do presente critério, seria o aumento de tarifas às importações brasileiras de
algodão dos Estados Unidos. A medida, dessa maneira, afetaria diretamente os
interesses cotoníferos estadunidenses que pressionam o governo para não alterar
sua política de subsídios condenada na OMC. Contudo, em não existindo
exportações de algodão para o Brasil, poderia se buscar outras formas
assemelhadas, como o aumento nas tarifas de importação de têxteis, agrotóxicos
e adubos, ou a suspensão do pagamento de royalties sobre variedades de
algodão (cultivares), insumos e tecnologias de produção relacionadas ao setor
cotonicultor
270
. Outra alternativa seria a retaliação de produtos cuja exportação é
concentrada nos Estados Unidos, que politicamente apóiam os subsídios
271
. A
tentativa de aproximar, de alguma maneira, a aplicação de sanções às áreas
conectadas com a infração acaba sendo vista como uma espécie de fonte de
269
Ressalva-se que a presente análise preocupa-se exclusivamente com o prisma da capacidade
de levantar apoio para o cumprimento, desconsiderando, portanto, outros reflexos ocasionados
pelas retaliações, como custos econômicos, políticos etc.
270
Tais medidas foram vislumbradas como alternativas viáveis pelo presidente da ABRAPA,
Haroldo Rodrigues da Cunha. Valor Econômico. País vence disputa por algodão e pode retaliar
Estados Unidos. Sergio Leo. 3 Junho 2008. Disponível em
<http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/primeirocaderno/brasil/Pais+vence+disputa+p
or++algodao+e+pode+retaliar+ESTADOS UNIDOS,,,63,4960945.html>. Acesso em 21/08/2008.
271
A idéia seria afetar interesses de empresas de Estados americanos considerados importantes
para os republicanos em disputas eleitorais. Apesar de afirmar que a estratégia influenciará a
decisão, Roberto Azevedo se mostra um pouco cético, em razão da força do lobby do algodão. O
Estado De São Paulo. Retaliação contra os Estados Unidos deve ser lenta e complicada.
Jamil Chade. 22 Junho 2008. Disponível em: http://si.knowtec.com/scripts-
si/MostraNoticia?&idnoticia=16590&idcontato=2192&origem=fiqueatento&nomeCliente=FUNCEX&
data=2008-06-22. Acesso em 22/06/2008.
106
legitimidade da medida, reduzindo a probabilidade, mencionada acima, de ela ser
qualificada como “resposta injusta”.
Outro efeito positivo das sanções é que sua ameaça ou concreta
utilização tende a fortalecer a posição daqueles que defendem o cumprimento no
âmbito do reclamado, pertençam eles aos escalões do governo (v.g. oficiais que
crêem que a eficácia do sistema advém da observância de suas decisões), ou às
fileiras da iniciativa privada (v.g. interesses afetados pela violação, como
importadores, fornecedores, investidores e consumidores). Ademais, a
exteriorização da intenção retaliatória, que atinge seu ápice com a autorização do
OSC, possui habilidade especial para atrair o foco da comunidade internacional
(v.g. governos, meios de comunicação, particulares) para a conduta de
inadimplência do reclamado e, com isso, incitar movimentos de cobrança para
sua reversão. Considerando-se que as sanções correspondem ao último recurso
disponibilizado pelas regras da OMC, ficaria evidenciado o protelamento
excessivo do Membro recalcitrante.
Por outro lado, o exame do mecanismo sob a perspectiva
específica dos PEDs demonstra uma posição bastante fragilizada. Em razão do
tamanho de suas economias e da conseqüente participação reduzida no volume
de comércio dos demais membros da OMC, o nível de indução ativado por suas
sanções se revela facilmente resistível pelos PDs
272
. Por conseguinte, a
suspensão de concessões ou outras obrigações tenderá a passar
despercebida
273
. Reconhecendo esse obstáculo, a arbitragem do art. 22.6 no
contencioso EC-Bananas III (Ecuador) expressou que eventuais retaliações pelo
país sul-americano em produtos primários e de capital provenientes da CE não
seriam efetivas:
(…) given the fact that Ecuador, as a small developing country, only
accounts for a negligible proportion of the EC's exports of these products,
the suspension of concessions by Ecuador vis-à-vis the European
272
BARRAL. Welber. Solução de controvérsias na OMC .In: KLOR, Adriana D. et al. Solução
de controvérsias: OMC, União Européia e Mercosul. Rio de Janeiro: Fundação Konrad
Adenauer, 2004, p. 45-46.
273
HORN, Henrik; MAVROIDS, Petros C. Remedies in the WTO dispute settlement system and
developing country interests, 1999, p. 12. Disponível em
<http://www.ppl.nl/bibliographies/wto/files/1360.pdf>. Acesso em 22.05.2008.
107
Communities is unlikely to have any significant effect on demand for
these EC exports (The EC's exports to Ecuador are less than 0.1 per
cent of the EC's total merchandise exports)
274
.
c) Reflexos para os setores privados
Na esteira das considerações aduzidas no critério precedente, os
reflexos para os setores privados também obedecerão à lógica da correlação
entre os interesses envolvidos na infração condenada pela OMC e aqueles
alcançados pela retaliação. Havendo identidade entre eles, as chances são de se
propiciar conforto temporário para os particulares do reclamante prejudicados pela
conduta irregular, ao mesmo tempo em que se atribui aos seus responsáveis no
reclamado os ônus decorrentes da medida. As retaliações autorizadas pela OMC,
contudo, comumente não são aplicadas dessa maneira
275
. Exemplo nítido colhe-
se na controvérsia EC – Bananas III (US), em que as sanções contra violações no
segmento de bananas tiveram lugar em produtos como óleo para banho, bateria
para carros, cafeteiras, bolsas e carteiras
276
. Em EC-Hormones, muito embora se
tenha tentado responder a proibição ilegal às exportações de carne bovina dos
Estados Unidos e Canadá com o aumento de tarifas às importações desses
mesmos produtos provenientes da CE, as retaliações acabaram englobando
também artigos como laticínios, foie gras, trufas, mostarda, chocolate etc
277
.
Referido desvio no uso das sanções, mesmo que efetivado
conscientemente, tendo como escopo a mobilização de apoio, ou a minimização
de seus efeitos colaterais para o reclamante, acaba criando distorções lesivas
para os setores privados do retaliador. Considerando que a ameaça ou concreta
aplicação de sanções nem sempre será hábil para levar ao pronto cumprimento
das decisões, tem-se que a situação de recalcitrância poderá se arrastar por
274 OMC. European Communities regime for the importation, sale and distribution of
bananas: recourse to arbitration by the European Communities under article 22.6 of the DSU
decision by the Arbitrators. 24 March 2000. WT/DS27/ARB/ECU. Genebra: OMC, p.22.
275
Fazendo alusão ao contencioso das aeronaves envolvendo o Brasil, Celli Júnior noticia que o
Canadá havia antecipado que poderia aplicar sanções contra as exportações brasileiras de têxteis,
considerando que o país recuperava seu status de grande player global nesse produto. Diante da
hipótese, o autor se manifesta: “Por que razão os importadores canadenses de têxteis brasileiros
teriam de ser penalizados? Simplesmente, não faz sentido”. CELLI JUNIOR, Umberto. Brasil
(Embraer) x Canadá (Bombardier) na OMC. ComCiência. Revista Eletrônica de Jornalismo
Científico, v. 8, p. 21, 2007.
276
Federal Register. Vol. 64, N. 74. April 19, 1999. Notices, p. 19209 - 19211.
277
Federal Register. Vol. 64, N. 143. July 27, 1999. Notices, p. 40638 – 40641.
108
tempo indeterminado. Nesse ínterim, os males suportados pelos setores afetados
não recebem qualquer forma de alívio, mesmo que passageiro. É bem verdade
que a hierarquia na aplicação de sanções, que estabelece a preferência por
retaliações horizontais em detrimento das retaliações cruzadas, pode ser
interpretada como tentativa para minimizar esses desvios. Contudo, o dispositivo
fica bastante aquém de prover anteparo adequado para os setores privados (v.g.
uma violação do GATT poderá motivar sanções contra qualquer bem e ainda
assim será considerada como modalidade de retaliação horizontal).
d) Aplicabilidade da medida
O principal mérito das sanções reside na possibilidade de sua
aplicação pelo reclamante sem a necessidade da cooperação de terceiros.
Diferentemente da compensação, não se requer a negociação de acordo
mutuamente aceitável ou qualquer outra forma de participação do reclamado.
Assim, pode-se falar na unilateralidade da aplicação das sanções: uma vez
aprovada pelo OSC, bastará a atuação do reclamante para colocá-la em vigor.
Mesmo referida exigência de autorização pelo OSC não invalida as vantagens na
aplicabilidade do instrumento, sendo que seu potencial destinatário não poderá
obstá-lo, uma vez que não mais existe direito ao veto. Em verdade, referida
chancela ocorre de maneira quase automática, salvo em hipótese de consenso
negativo. Como o retaliante, entretanto, não irá votar contra seu próprio pedido, o
direito fica assegurado na prática. A possibilidade de contestação, pelo
reclamado, do valor e de setores em que se solicitou a retaliação (art. 22.6 do
ESC) também não se traduz em óbice, mas apenas em ferramenta para
supervisionar sua correta efetivação.
Em suma, portanto, as sanções são instrumentos auto-
executáveis. O reclamante concentra em seu campo de ação a iniciativa de todos
os atos necessários para utilizá-las. Por isso, segundo o critério da aplicabilidade,
as sanções são extremamente eficazes, pois poderão ser manejadas pelo
reclamante, independentemente de seu nível de desenvolvimento econômico,
influência política, ou de quem ocupa a posição passiva na controvérsia (PDs,
PEDs ou PMDRs – Países de Menor Desenvolvimento Relativo).
109
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
Uma crítica incisiva às sanções previstas pela OMC consiste na
observação de que elas contrariam os postulados fundamentais do sistema
multilateral de comércio
278
. O preâmbulo do Acordo Constitutivo da OMC
estabelece a redução gradual das barreiras tarifárias e não-tarifárias, bem como a
eliminação do tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais,
como instrumentos imprescindíveis para se alcançar os objetivos supremos do
sistema (v.g. elevação dos níveis de vida, pleno emprego, desenvolvimento
sustentável etc.). Contraditoriamente, a forma recorrente de exteriorização das
sanções se pelo aumento discriminatório de impostos de importação do
reclamante em relação a determinados bens ou serviços do reclamado.
Evidencia-se, dessa maneira, o paradoxo das retaliações: o cumprimento das
regras do comércio internacional é perseguido por meio de medidas que impõem
barreiras ao livre-comércio.
Ao contrário da compensação, as sanções atuam como
instrumentos mercantis restritivos, que buscam combater um desvio nas
obrigações internacionais pelo levantamento de novos obstáculos comerciais. O
resultado é o estreitamento das vias do comércio, reduzindo-se o volume de
intercâmbio mercantil, ao menos entre os contendores. Nesse sentido, vislumbra-
se verdadeira “regressão mercantilista”. Por outro lado, as sanções também se
revelam discriminatórias vis-à-vis o retaliado, na medida em que permite o
tratamento aos seus produtos, serviços ou detentores de propriedade intelectual
em condições menos benéficas do que aquelas asseguradas aos demais
membros da OMC. Referido comportamento representaria ofensa ao princípio da
278
“The problem is that retaliation goes against the underlying objective of the WTO system
generally to promote rather than restrict international trade”. SUTHERLAND, P. et al. The future of
the WTO: addressing institutional challenges in the new millennium, cit., p. 54.
110
nação mais favorecida não fosse sua previsão expressa na parte final do art. 3.7
do ESC
279
.
Acrescenta-se, ainda, que as sanções fomentam anseios
protecionistas no interior do retaliante. Ao criarem uma proteção temporária para
certos setores comerciais, passa a existir acirrada disputa para influenciar a
escolha de quem será resguardado. Em um segundo momento, os interesses
beneficiados tenderão a pressionar seu governo para a manutenção da proteção
pelo maior tempo possível, criando resistência para o levantamento da sanção
280
.
No longo prazo, esse viés protecionista pode até mesmo reduzir a simpatia
perante futuros movimentos de liberalização comercial.
Apesar de todas essas reservas quanto às sanções, deve-se
reconhecer que sua regulamentação no âmbito multilateral da OMC, e segundo
preceitos jurídicos preestabelecidos, evita o uso arbitrário por parte dos atores
mais poderosos do cenário internacional
281
. Com sua previsão nas normas da
entidade, as sanções são retiradas do arbítrio exclusivo dos Estados, e trazidas
para a supervisão da OMC no que Trachtman concebe como authorized self-
help
282
. A organização passa a atuar como guardiã das sanções, condicionando-
as a sua autorização. Os benefícios dessa regulamentação são apresentados por
Lafer:
279
Art. 3.7 do ESC, parte final: “The last resort which this Understanding provides to the Member
invoking the dispute settlement procedures is the possibility of suspending the application of
concessions or other obligations under the covered agreements on a discriminatory basis vis-à-vis
the other Member, subject to authorization by the DSB of such measures”.
280
Another problem is that once sanctions are turned on, vested interests in collecting rents may
fight hard against removing sanctions even after the defendant government takes action to
comply. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 625. Segundo Horlick, ainda hoje é possível identificar
tarifas em vigor nos ESTADOS UNIDOS, como o imposto de 25% sobre a importação de
caminhões da UE, cuja origem remonta à aplicação de medidas retaliatórias à época do GATT
(Chicken war tariff). HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute
resolution process. In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 641.
281
Em sentido contrário, CHO vislumbra no tratamento conferido pela OMC um movimento de
privatização das sanções, colocando-as fora das rédeas da normatividade: by privatizing
sanctions and thus leaving the power of retaliation in the hands of the winning party, the WTO
deprives itself of the rule of law and instead invites the rule of the jungle in international power
politics. Without an aura of law, relationships among trading nations are vulnerable to economic
and political disparities”. CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law.
University of Pittsburgh Law Review, cit., p. 785.
282
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 114.
111
Com efeito, o self-help unilateral, por ser discricionário, tende à violência
que se caracteriza, inter alia, pela imprevisibilidade, pela
descontinuidade, pela desproporção entre meios e fins. As normas
secundárias do DSU são multilateralmente disciplinadoras do uso da
força econômica. Impõem medida à violência e estabelecem, como
standards para o OSC, agir com medida; de acordo com a medida, e
tendo como fim a medida
283
.
A energética desaprovação de toda a comunidade internacional
em hipóteses de desrespeito desse múnus, como ocorrido em EC-Bananas III
(US), quando os Estados Unidos decidiram retaliar a CE sem a chancela da OMC,
revela a importância atribuída à função de supervisão e como o sistema
internacional ficaria fragilizado diante de sua ausência
284
. Afinal, como apontam
vários autores, foi exatamente o desejo em frear o unilateralismo excessivo do
Estados Unidos no final da década de 1980 que resultou no consenso para
fortalecer o mecanismo de pacificação de litígios na direção do que ele representa
hoje
285
.
Em suma, todavia, as sanções são medidas de indução que, em
sua essência, contrariam os princípios liberalizadores do comércio internacional
ao promover a propagação de obstáculos discriminatórios ao seu livre-fluxo e
despertar sentimentos protecionistas. Apenas não são tratadas como violações
em si mesmas em razão de sua chancela pelo OSC
286
. Em ampla perspectiva,
elas colocam em risco o movimento mundial de integração econômica, bem como
a segurança e previsibilidade do sistema multilateral de comércio.
283
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira,
cit., p. 115.
284
No caso EC Bananas III, os Estados Unidos resolveram suspender concessões na data em
que julgavam limítrofe para a concessão de autorização (3/março/1999), contudo sem a chancela
formal do OSC (que somente veio mais tarde, em 19 de abril de 1999). Como conseqüência, a CE
recorreu ao sistema de solução de controvérsias e conseguiu condenar a ação unilateral e
arbitrária dos Estados Unidos (WR/DS165/R).
285
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 6;
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with international
regulatory agreements, cit., p. 101.
286
PALMETER, David; ALEXANDROV, Stanimir. ‘Inducing compliance’ in WTO Dispute
Settlement. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 665.
112
3.3.2.3 HISTÓRICO DAS SANÇÕES NA OMC
O histórico de contenciosos na OMC que registram pedidos de
autorização para aplicar sanções reponta como excelente fonte para apreciar a
eficácia desses mecanismos na tarefa de induzir o cumprimento. Conforme se
observa no Anexo 3, contabilizam-se atualmente trinta e duas solicitações para
retaliar, no âmbito de vinte e quatro controvérsias distintas
287
. Desse conjunto,
metade dos requerimentos foram aprovados pelo OSC, mas em somente oito
oportunidades as sanções foram realmente efetivadas.
É possível colher desdobramentos variados nas dezesseis
ocasiões em que o pedido do reclamante não redundou em autorização para
retaliar. Em dez delas, o procedimento arbitral para fixação do montante das
sanções foi interrompido por ter sido alcançada solução satisfatória
288
. Em relação
a outros quatro pedidos, ocorreu a suspensão do procedimento arbitral para
aguardar decisão final do painel de implementação
289
. nos dois restantes, as
partes solicitaram referida suspensão com a intenção de entabular negociações
para uma solução mutuamente satisfatória
290
.
Na maioria desses casos, portanto, a ameaça de sanção mostrou-
se exitosa para fomentar no reclamado condições políticas que permitissem um
desfecho favorável para a divergência
291
. Em US-1916 Act, por exemplo, a
medida inconsistente foi retirada imediatamente após o término dos trabalhos
287
Cada disputa que tenha recebido um número próprio no sistema da OMC foi computada aqui
como uma controvérsia autônoma. Assim, por exemplo, o contencioso US-Offset Act (Byrd
Amendment), que foi iniciado como DS217 e DS234, envolvendo reclamantes distintos, foi
considerado como 2 controvérsias.
288
Compreendem as seguintes controvérsias: US-Softwood Lumber V (DS264), US-Softwood
Lumber VI (DS277), US-Softwood Lumber IV (DS257), Japan-Apples (DS245), US-1916 Act (EC)
(DS136), US-Copyright Act (DS160), US-1916 Act (Japan) (DS162), Canada-Dairy (US) (DS103),
Canada-Dairy (New Zealand) (DS113) e Australia-Salmon (DS18).
289
Esses casos refletem acordos bilaterais para solucionar os problemas causados pelo
sequencing”, e dizem respeito a dois pedidos em US-Zeroing (Japan) (DS322) e dois pedidos em
US-Cotton (DS267).
290
EC-Biotech Products (DS291) e US-Oil Country Tubular Goods Sunset Reviews (DS268).
291
Compartilhando dessa interpretação, Charnovitz declara que: in some cases, such as
Australian Salmon, the threat of WTO-authorized sanctions was probably instrumental in securing
compliance by the defendant government”. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an
analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy
of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 603.
113
descritos no art. 22.6 do ESC
292
. Em Japan-Apples, pouco mais de um mês após
a adoção do relatório do painel de implementação concluindo pela subsistência de
irregularidades na legislação fitossanitária japonesa, e na iminência da retomada
da arbitragem para apreciar as sanções, o Japão e o Estados Unidos fecharam
acordo para encerrar o litígio
293
. Também em US-Softwood Lumber V, algum
tempo após a adoção da decisão do painel de implementação assinalando a falta
de cumprimento, Estados Unidos e Canadá colocaram término à discussão por
meio de uma solução reciprocamente satisfatória
294
.
Nas dezesseis hipóteses em que o OSC chegou a conceder
autorização para suspender concessões ou outras obrigações, observa-se um
cenário variado. Em oito vezes, apesar da permissão para retaliar, e mesmo sem
uma solução para o deslinde da controvérsia, o reclamante deixou de lançar mão
de sua prerrogativa
295
. Nesses casos, a mera ameaça não se mostrou eficaz para
convencer o reclamado a implementar a decisão da OMC. Interessante notar que,
em sua maioria, quem figurava como reclamante eram PEDs, como Antigua e
Barbuda, Brasil, Chile, Equador, Índia e Coréia. Somente em uma hipótese o pólo
ativo estava ocupado por um PD, o Canadá. O fato demonstra cabalmente como
os defeitos das sanções, na forma como esquadrinhadas atualmente, dificultam
seu manuseio por PEDs. Mesmo nas oito situações restantes em que retaliações
foram concretizadas é possível entrever as limitações dessas medidas, vez que
nem sempre foram suficientes para induzir o reclamado a conformar sua conduta.
O conflito US-FSC é o exemplo mais bem sucedido do uso das
sanções na OMC, muito embora sua solução tenha se arrastado por tempo
considerável. Nele, o tratamento tributário especial concedido pelos Estados
Unidos para certas empresas exportadoras (foreign sales corporations) foi
considerado subsídio, em violação às regras da entidade (maio/2000). Em razão
292
WILSON. Bruce. Compliance by WTO members with adverse WTO dispute settlement rulings:
the record to date. Journal of International Economic Law, cit., p. 399.
293
OMC. Japan measures affecting the importation of apples: statement by Japan. 22 July
2005. WT/DS245/19. Genebra: OMC.
294
OMC. United States final dumping determination on softwood lumber from Canada:
notification of mutually agreed solution. 16 November 2006. WT/DS264/29. Genebra: OMC.
295
US-Gambling (DS285), autorizações para Brasil, Chile, Índia e Korea em US-Offset Act (Byrd
Amendment) (DS217), Canada-Aircraft (DS222), Brazil-Aircraft (DS46) e EC-Bananas III (Ecuador)
(DS27).
114
da inércia dos Estados Unidos em reformar sua legislação, a CE recebeu
chancela para suspender concessões em valor equivalente a US$ 4,043 bilhões
anuais (maio/2003). Após aguardar um prazo adicional para a conformação do
reclamado, a CE decidiu então iniciar a aplicação de sanções em uma fração do
valor autorizado pelo OSC (março/2004)
296
. Assim, de maneira bastante criativa,
determinou um aumento progressivo na tarifa de importação de produtos como
brinquedos, jogos, equipamentos eletrônicos, gravadores de som e imagem,
ferramentas e talheres de aço inoxidável, pedras preciosas e semipreciosas,
algodão, cereais etc. A elevação tarifária inicial foi de 5%, com previsão de
incremento mensal de 1%, até alcançar, no prazo de um ano, o teto de 17%.
A medida provou-se efetiva para estimular os Estados Unidos,
alguns meses depois, a aprovarem mudanças legislativas (American Jobs
Creation Act of 2004, outubro/2004). Como conseqüência, a CE suspendeu a
retaliação (janeiro/2005)
297
, solicitando, contudo, análise pela OMC da
compatibilidade da lei com suas regras, devido à existência de disposições
transitórias (grandfathering provisions) que mantinham os subsídios condenados
até o fim de 2006. Uma vez comprovada a ilegalidade dessas disposições, a CE
determinou fosse a aplicação das sanções retomada (março/2006)
298
. Todavia,
nas vésperas de sua reintrodução os Estados Unidos promulgaram novo diploma
normativo reparando as violações reminiscentes (Tax Increase Prevention and
Reconciliation Act of 2005, maio/2006), fazendo com que a CE deixasse de
restabelecer as sanções
299
.
As peculiaridades da controvérsia US-Offset Act (Byrd
Amendment) também aparecem como bastante elucidativas do ponto de vista das
296
Official Journal of the European Union. Council Regulation (EC), N. 2193/2003 of 8 December
2003 establishing additional customs duties on imports of certain products originating in the United
States of America. L 328/3, 17.12.2003.
297
Official Journal of the European Union Regulation. Council Regulation (EC) No 171/2005 of 31
January 2005 amending and suspending the application of Regulation (EC) No 2193/2003
establishing additional customs duties on imports of certain products originating in the United
States of America. L 28/31, 1.2.2005.
298
Cf. documento WT/DS108/AB/RW.
299
Official Journal of the European Union Regulation. Council Regulation (EC) No 728/2006 of 15
May 2006 suspending and conditionally repealing Regulation (EC) No 2193/2003 establishing
additional customs duties on imports of certain products originating in the United States of America.
L 127/1, 15.5.2006.
115
medidas de indução ao cumprimento. Por meio da Emenda Byrd, o governo dos
Estados Unidos distribuía valores arrecadados com a imposição de direitos
antidumping e medidas compensatórias para as próprias empresas responsáveis
por patrocinar essas investigações. Levada ao exame da OMC, a lei foi
considerada incompatível com suas normas (janeiro/2003). A renitência do
reclamado em proceder às mudanças necessárias fez com que oito reclamantes
solicitassem permissão para suspender concessões, devidamente autorizadas
pelo OSC, em montante proporcional aos valores ilegalmente repassados pelos
Estados Unidos (novembro/2004). Nesse contexto, Canadá, CE
300
, México e
Japão
301
resolveram aplicar sanções, fundamentais na decisão do Congresso dos
Estados Unidos aprovaram legislação que, dentre outras medidas, revogava a
Emenda Byrd (Deficit Reduction Act of 2005, fevereiro/2006).
Não obstante a alteração, a nova lei somente atinge direitos
recolhidos após de outubro de 2007, o que redunda em problemas de
transição: uma vez que nos Estados Unidos a distribuição desses direitos
costuma perdurar por alguns anos depois de sua cobrança, os efeitos deletérios
da violação devem permanecer ao menos até outubro de 2009
302
. Como corolário,
CE e Japão indicaram que suas retaliações subsistirão enquanto os direitos
cobrados de seus exportadores continuarem sendo transferidos para seus
concorrentes nos Estados Unidos
303 e 304
. Canadá e México, por sua vez,
300
A suspensão de concessões pela CE ocorre na forma de imposição de tarifa adicional de 15%
sobre um leque de produtos agrícolas, têxteis, máquinas e papel, em valor reajustado anualmente,
correspondente a US$ 36,9 milhões (maio/2006), US$ 81,19 milhões (maio/2007), e atualmente
pouco mais de US$ 33 milhões. Jornal Oficial da União Européia. Regulamento (CE) N. 283/2008
DA COMISSÃO de 27 de Março de 2008 que substitui o anexo I do Regulamento (CE) n.
673/2005 do Conselho que institui direitos aduaneiros adicionais sobre as importações de certos
produtos originários dos Estados Unidos da América. L 86/19, 28.3.2008.
301
As retaliações do Japão iniciaram-se em setembro de 2005, na forma de aumento do imposto
de importação em 15% para 15 artigos, como rolamentos e produtos de aço. Kyodo News
International. Japan formalizes retaliatory tariffs on U.S. ball bearings, steel. Tóquio, 12 agosto
2005. Disponível em <http://www.highbeam.com/doc/1G1-135067154.html>. Acesso em
28/08/2008.
302
EU welcomes repeal of Byrd Amendment; regrets transition period. Disponível em
<http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2007/may/tradoc_134643.pdf> Acesso em 13/06/ 2008.
303
EU publishes revised smart sanctions to counter US Byrd Amendment. Disponível em
<http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2008/february/tradoc_137921.pdf>.
304
Japão decidiu estender até agosto de 2009 suas sanções contras os ESTADOS UNIDOS,
reduzindo o percentual da alíquota do imposto para 10,6%, e o escopo dos produtos para duas
espécies de rolamentos. Kyodo News International. Japan continues retaliation over U.S.
116
interromperam as retaliações em decorrência de decisão judicial esclarecendo
que a Emenda não se aplica ao integrantes do NAFTA North American Free
Trade Agreement
305
. Impende registrar ter sido essa a única oportunidade em que
um PED implementou sanções.
Em EC-Bananas III (US), o regime de importação, distribuição e
vendas de bananas da CE foi declarado inconsistente com as regras do sistema
multilateral de comércio. Malgrado as inúmeras tentativas comunitárias em
implantar um regime em sintonia com as determinações da OMC, todas suas
alterações foram declaradas inadequadas pelos procedimentos do art. 21.5 do
ESC, arrastando o impasse até os dias de hoje
306
. Em um dos vários
desdobramentos verificados nesse caso, os Estados Unidos decidiram retaliar a
CE por intermédio da imposição de 100% de tarifa de importação a produtos
como óleo para banho, bateria para carros, cafeteiras, bolsas e carteiras
(abril/1999)
307
. As sanções ficaram em vigor por mais de dois anos, mas foram
posteriormente levantadas por acordo entre as partes (julho/2001)
308
.
Por fim, importa abordar o contencioso EC-Hormones, envolvendo
a proibição da CE de importações provenientes dos Estados Unidos e Canadá
referentes à carne bovina tratada com hormônios e que foi considerada contrária
ao Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC. Provavelmente, o
evento traduz-se no litígio mais duradouro da entidade, iniciado apenas um ano
após sua criação (janeiro/1996) e ainda sem solução visível. Nele, ambos os
reclamantes impuseram sanções contra a CE pouco tempo após o decurso do
prazo para implementação da decisão (julho/1999).
A medida retaliatória dos Estados Unidos tomou a forma de
impostos aduaneiros de 100% em produtos como carne bovina e suína, queijo
antidumping law. Tóquio, 22 agosto 2008. Disponível em http://www.manufacturing.net/News-
Japan-Continues-Retaliation-Over-US-Antidumping-Law.aspx?menuid=722. Acesso em 28.8.2008.
305
WILSON. Bruce. Compliance by WTO members with adverse WTO dispute settlement rulings:
the record to date. Journal of International Economic Law, cit., p. 403.
306
A controvérsia está no segundo painel de implementação do art. 21.5 do ESC, iniciado pelo
Equador, sendo que a CE apelou dessa decisão em agosto de 2008 (cf. documento WT/DS27/89).
O conflito esteve perto do fim na Mini Ministerial de Genebra, em julho do presente ano, com um
acordo satisfatório totalmente arquitetado. No entanto, a falta de consenso nos temas negociados
na Rodada Doha, contexto no qual ele estava inserido, impediu sua formalização.
307
Federal Register. Vol. 64, No. 74, April 19, 1999. Notices, p. 19209 - 19211.
308
Cf. documento WT/DS27/58.
117
roquefort, foie gras, cebola, trufas, mostarda, chocolate etc
309
. O Canadá seguiu o
mesmo caminho, porém restringindo o escopo dos bens afetados, que incluiu,
dentre outros, carne bovina e suína, foies gras e pepinos. Em 2003, a CE reportou
ao OSC uma nova diretiva (2003/74/EC) para justificar a proibição, baseada em
estudos científicos inéditos. Alegou, com isso, a implementação da decisão e a
necessidade de interrupção das sanções. Posteriormente, recorreu à OMC para
ver declarada a ilegalidade das retaliações que ainda estavam em vigor
(novembro/2004)
310
. O relatório do painel provocado pela CE, de maneira
equivocada
311
, condenou as sanções de Estados Unidos e Canadá
(março/2008)
312
. No entanto, o OA reverteu o entendimento, assegurando a
possibilidade de manutenção das sanções até o fim do painel de implementação
(art. 21.5 do ESC) e manifestando, com ineditismo, a “reponsabilidade
compartilhada” entre os contendores de iniciar tal procedimento para verificar a
consistência da nova medida (outubro/2008)
313
.
3.3.2.4 CONCLUSÃO
A apreciação das sanções por meio dos critérios selecionados no
capítulo 2 permite concluir que tais medidas, na forma como previstas atualmente
pelas regras da OMC, não se mostram suficientemente adequadas para induzir o
cumprimento de suas decisões. A capacidade das retaliações em estimular
positivamente forças políticas em apoio ao objetivo de implementação, bem como
309
Federal Register. Vol. 64, N. 143, July 27, 1999. Notices, p. 40638-40641.
310
A CE alegou, por meio das disputas US-Continued Suspension (DS 320) e Canada-Continued
Suspension (DS 321), que as novas circunstâncias introduzidas por sua diretiva impunham aos
reclamantes, caso desejassem manter sanções, o dever de solicitar nova autorização para retaliar,
condicionada a decisão de painel de implementação que declarasse a inconsistência do diploma
normativo comunitário.
311
A posição parece ser compartilhada por Hudec que, fora do contexto da controvérsia, havia se
posicionado defendendo que em hipóteses de novas medidas anunciadas pelo reclamado, a
sanção deveria continuar em vigor até a decisão final do painel de implementação. HUDEC,
Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.33.
312
Cf. documentos WT/DS320/R e WT/DS321/R.
313
Cf. documentos WT/DS320/AB/R e WT/DS321/AB/R. Para um breve sumário e considerações
da decisão, cf: International Economic Law and Policy Blog. PAUWELYN, Joost. Is the bloodbath
in Hormones justified? 17/10/2008. Disponível em:
<http://worldtradelaw.typepad.com/ielpblog/2008/10/is-the-bloodbat.html>. Acesso em: 19/10/2008.
118
a possibilidade de sua aplicação unilateral pelo reclamante, devem ser
reconhecidas como aspectos salutares. Referidas vantagens, no entanto, tendem
a ser ofuscadas por uma série de imperfeições, capitaneadas pelos elevados
custos econômicos e políticos que o retaliante deverá suportar, bem como pela
alta probabilidade de desvios na aplicação das sanções que fazem com que
elas não se revertam em benefícios instantâneos para os interesses afetados pela
inadimplência, ou cobrem seu preço de setores não-relacionados. Em acepção
ampla, as sanções também contrariam os princípios fundamentais do livre-
comércio encontrados no alicerce da OMC. Nesse sentido é que Charnovitz
pondera que os defeitos das retaliações superam seus proveitos
314
. A
constatação é agravada quando se considera a perspectiva dos PEDs, que detêm
poder de persuasão limitado para sensibilizar interesses a seu favor,
principalmente devido à pouca representatividade de seu comércio vis-à-vis os
grandes atores internacionais. Além disso, sua fragilidade econômica e política
potencializa os impactos negativos que acompanham o manuseio das sanções.
O exame dos casos concretos também corroboram a conclusão.
Como demonstrado, a controvérsia US-FSC figura como exemplo mais exitoso do
recurso às sanções, contribuindo para que os Estados Unidos efetuassem as
alterações legislativas necessárias para sua adequação. Apesar disso, o deslinde
do conflito somente veio depois de cinco anos e meio do fim do prazo estipulado
para o cumprimento, e em troca de inúmeros benefícios oferecidos aos interesses
privados envolvidos
315
.
Por seu turno, as retaliações verificadas no âmbito de US-Offset
Act (Byrd Amendment), muito embora tenham possibilitado eliminar as principais
distorções do comportamento dos Estados Unidos, não foram suficientes para
reparar todas as irregularidades, que ainda subsistem. Inúmeros PEDs obtiveram
o direito para retaliar no contexto dessa disputa; todavia, com exceção do México,
314
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 627.
315
“In the most significant case – the Foreign Sales Corporation (FSC), the first attempt at
implementation was clearly defective in part, and the second attempt could be achieved only
through adoption of a massive tax bill filled with benefits for many companies. Even then, there
were troublesome transitional provisions DAVEY, William J. The WTO: looking forwards. Journal
of International Economic Law, cit., p. 13.
119
todos “preferiram” abrir mão da prerrogativa comprovando os obstáculos que o
instituto opõe a tais membros. A própria retaliação do México, muito
provavelmente, apenas ocorreu devido à participação de outros co-retaliantes o
que permitiu a redução de seus custos políticos, que foram absorvidos por todos.
Não à toa que o país latino-americano foi o último Membro a aplicar sanções. O
diminuto valor das concessões mexicanas suspendidas, equivalente a US$ 6,1
milhões, também parece ter facilitado sua operacionalização.
Mencionadas dificuldades enfrentadas pelos PEDs também
ficaram claras em EC-Bananas III: ambos Equador e Estados Unidos receberam
autorização para retaliar, porém somente o segundo mostrou-se em condições
para levar a ameaça adiante; mesmo permitindo-se ao Equador inéditas
retaliações cruzadas em propriedade intelectual, sua utilização não resultou
viável. As sanções dos Estados Unidos, que perduraram por mais de dois anos,
não foi hábil para resolver a questão, que continua se arrastando nos corredores
da OMC.
Por derradeiro, em EC-Hormones, cumpre salientar que as
sanções aplicadas por duas das mais influentes potências do cenário
internacional (Canadá e Estados Unidos), e que permanecem em vigor depois de
mais de nove anos, ainda não conseguiram alcançar seu objetivo. É verdade que
o caso envolve interesses sensíveis relacionados à saúde humana, alçados ao
mais alto patamar de relevância para a CE; entretanto, tal constatação não
invalida as observações conduzidas acima que apontam para as deficiências das
sanções como medidas de indução ao cumprimento.
3.4 EFICÁCIA DAS MEDIDAS ATUAIS DE INDUÇÃO AO CUMPRIMENTO E
NECESSIDADE DE REFORMA
A tarefa de apreciação das medidas de indução previstas
atualmente nas normas de solução de controvérsias da OMC não se conduz com
a finalidade única de se expor as linhas gerais, deficiências e benefícios desses
institutos. Mencionado esforço apenas ganha sentido dentro de um contexto
maior, que diz respeito à verificação de sua eficácia. Somente assim será possível
120
responder à indagação acerca da adequação de referidas medidas em perfazer
as funções que lhe são reservadas, bem como sobre a necessidade de
movimentos para aprimorar suas feições.
3.4.1 CONCEITO DE EFICÁCIA
Antes de se dedicar ao estudo dessas questões, importa assentar
algumas considerações preliminares sobre a noção de eficácia que, em
consonância com Bobbio, erige-se em uma das facetas pelas quais é possível
contemplar as normas jurídicas
316
.
A eficácia foi objeto de pesquisa de inúmeros juristas
preocupados com as repercussões das normas no mundo concreto. No contexto
da teoria pura do direito de Kelsen, a eficácia reponta como uma condição de
validade da norma jurídica, que se manifesta no mundo do ser. Ela não se
identifica com a validade em si, que é mais abrangente, porém equivale a um de
seus requisitos. Por conseguinte, uma ordem jurídica será considerada válida
quando suas normas, em uma visão global, mostrarem-se de fato observadas e
aplicadas, ou seja, eficazes. A validade de uma ordem jurídica, no entanto,
poderá subsistir mesmo quando uma norma individual deixar de apresentar
eficácia em um caso específico
317
.
Tercio Sampaio Ferraz Jr. conceitua a eficácia como a qualidade
de que se reveste uma norma adequada para produzir efeitos. Referida
capacidade estaria condicionada a certos requisitos, de natureza fática ou técnica.
A sintonia da prescrição normativa com as situações concretas que ela visa
regulamentar diz respeito à eficácia social ou efetividade. Por seu turno, a
presença dos elementos técnicos necessários para que a norma possa gerar
efeitos reflete a eficácia de caráter técnico. O autor assevera existir várias funções
de eficácia no plano de realização normativa, assentando os fundamentos da
teoria das funções eficaciais da norma. Nesse sentido, as normas apresentariam
316
Bobbio, Norberto. Teoria da norma jurídica. 3 ed. São Paulo: Edipro. 2005, p.65.
317
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes. 1998, p. 235-238.
121
três espécies de funções: bloqueio, programa e resguardo. A função de bloqueio
visualiza-se nitidamente nas normas que buscam desestimular certos
comportamentos, contrários a sua essência. A função de programa almeja a
consecução de determinado objetivo, é dizer, fomentam um programa a ser
concretizado. Por derradeiro, a função de resguardo visa assegurar a realização
de uma conduta específica. Nem todas as normas exercem, de maneira
concomitante, a mesma função, e com o mesmo grau de intensidade. No entanto,
todas essas dimensões estão nelas presentes
318
.
Também trazendo à tona a noção de eficácia social, Miguel Reale
identifica a eficácia com a regra jurídica enquanto momento da conduta humana.
O Direito não é apenas declarado, mas também deve ser reconhecido – e é nesse
reconhecimento da sociedade que a norma encontra sua eficácia. Esse valor está
ligado à normatividade concreta, é dizer, à aplicação ou execução prática da
norma jurídica. A eficácia para Reale também funciona como um dos aspectos
essenciais da validade das normas, a validade social. Fazendo alusão à
geometria tridimensional do Direito, enquanto a vigência se comunica com a
norma, e o fundamento reclama um valor, a eficácia estaria conectada ao fato
319
.
A partir dessas considerações, é possível depreender que o
exame da eficácia de um instrumento ou norma jurídica está intimamente ligado
aos efeitos práticos produzidos. Assim sendo, sua análise desdobra-se
necessariamente em duas etapas. Inicialmente, afigura-se necessário definir com
exatidão a finalidade para qual determinada norma foi desenhada. Em um
momento ulterior, deve-se certificar se ela realmente atinge o objetivo pretendido,
adequando-se à realidade concreta.
A proposição é válida para a apreciação das medidas de indução
ao cumprimento constantes das normas da OMC. Aplicando-se a teoria das
funções eficaciais ao seu estudo, é possível concluir, em consonância com o
raciocínio elaborado no capítulo 1, que a função eficacial primária desses
mecanismos consiste na função de resguardo, devido ao seu objetivo de
318
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas. 2003, p.199-202.
319
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 112-116.
122
estimular o adimplemento das decisões da OMC. A função de bloqueio seria
secundária e alcançada a contrario sensu, na proporção em que ela busca
combater a recalcitrância por parte dos membros. Também secundária seria a
função de programa, no sentido em que seu fim último preconiza o adequado
funcionamento do sistema multilateral de comércio.
Por conseguinte, e considerando o caráter de indução dessas
medidas, o benchmark da apreciação de sua eficácia traduzir-se-á em verificar
com que sucesso elas desempenham tal mister
320
. Nessa empreitada, a pesquisa
se aproveitará da análise conduzida nos tópicos anteriores para explicitar os
efeitos concretos de sua utilização, bem como de sua habilidade para impelir à
observância das determinações da OMC, especialmente quando ocorrer o
envolvimento de interesses de PEDs
321
.
3.4.2 AS MEDIDAS ATUAIS DE INDUÇÃO AO CUMPRIMENTO DA OMC SÃO
EFICAZES?
Elaboradas essas ponderações, cumpre enfrentar a questão da
eficácia das medidas de indução ao cumprimento disponibilizadas na OMC.
Algumas observações iniciais apontariam para a adequação desses institutos,
como: (a) o impressionante grau de adimplemento de suas determinações, com
índice superior a 80%
322
; (b) a percepção generalizada de satisfação perante o
funcionamento de seu sistema de solução de controvérsias; e (c) o receio das
conseqüências de sua modificação, consubstanciado no postulado do do no
harm
323
. Segundo Bruce Wilson, Diretor da Divisão Jurídica da OMC, a reduzida
incidência de casos em que se requereu autorização para aplicar sanções
320
Entrevista com Joost Pauwelyn. Genebra. 10/04/2008.
321
VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute
settlement decisions. Law and Policy in International Business, cit., p.562.
322
Em um levantamento feito por Davey, o índice de cumprimento registrado em 2005
corresponderia a 83%. DAVEY, William J. The WTO dispute settlement system: the first 10 years.
Journal of International Economic Law, Vol.8, N.1, Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 47.
323
JACKSON, John H. International economic law: complexity and puzzles. Journal of
International Economic Law, cit., p. 5
123
também indicaria tal direção
324
. No entanto, as conclusões advindas da
apreciação desses mecanismos, levada a efeito nas páginas precedentes,
permitem entrever graves defeitos que comprometem sua eficácia, especialmente
no que concerne a atuação de PEDs
325
.
A recorrente situação de implementações tardias e deficientes
reponta como obstáculo considerável para a efetivação das decisões da
entidade
326
. Por um lado, a ausência de incentivos convincentes para o célere
cumprimento contribui para a proliferação de manobras protelatórias (foot-
dragging), permitindo a manutenção da violação por um lapso temporal excessivo,
sem maiores conseqüências para o transgressor (cost-free opportunity for
delay)
327
. Como demonstrado, a distância que separa a ocorrência da infração e o
momento em que se autoriza o recurso aos mecanismos para induzir sua
correção costuma ser enorme, inexistindo, nesse meio-termo, remédios para
amenizar os prejuízos do reclamante ou desestimular o atraso do reclamado. A
situação corresponderia a uma espécie de de facto waiver para infrações das
normas do sistema multilateral de comércio
328
.
Por outro lado, verifica-se o aumento na incidência de problemas
na qualidade do cumprimento das decisões, com inúmeras hipóteses de correção
apenas parcial, ou mesmo dissimulada, das irregularidades detectadas pela OMC.
O incremento na litigiosidade envolvendo painéis de implementação reforça a
324
WILSON. Bruce. Compliance by WTO members with adverse WTO dispute settlement rulings:
the record to date. Journal of International Economic Law, cit., p. 397.
325
Para Mavroids a eficácia desses mecanismos depende do poder de persuasão de quem os
utiliza. Em relação aos PEDs, portanto, a eficácia seria reduzida. MAVROIDS, Petros. Remedies in
the WTO Legal System: Between a Rock and a Hard Place. European Journal of International
Law. Vol. 11, n. 4, 2000, p. 806-813. A respeitada opinião de Hudec é a de que: The remedies
provided by the WTO dispute settlement procedure are a considerable improvement over the
remedies available under the GATT dispute settlement procedure that preceded it. Nonetheless,
the WTO remedies fall a good bit short of what might ask of an effective legal system HUDEC,
Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.33-34.
326
DAVEY, William J. The WTO: looking forwards. Journal of International Economic Law, cit.,
p. 10.
327
Horlick adverte que a falta de incentivos para o célere cumprimento, somada à ausência de
alternativas viáveis às sanções, constituem-se em carrot and stick problems, que ressaltam a
necessidade de depuração do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, exigindo
procedimentos mais ágeis e que evitem atrasos injustificados. HORLICK, G. Problems with the
compliance structure of the WTO dispute resolution process. In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J.
The political economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p.
637.
328
Proposta México TN/DS/W/91, p.2.
124
observação, ilustrada pelo contencioso US-Upland Cotton, no qual os Estados
Unidos, muito embora tenham procedido a ajustes mínimos em seus programas
de subsídios (v.g. supressão do Step 2), asseveraram insistentemente o integral
adimplemento da decisão, forçando a intervenção de painel do art. 21.5 do ESC,
e subseqüente apelação, para resolver o impasse. Fenômeno ainda mais
preocupante se vislumbra nas ocasiões de inegável descumprimento das
decisões, mesmo após o esgotamento de todas as medidas de indução (non-
compliance a posteriori)
329
.
Os problemas observados com a implementação das decisões da
OMC estão, em grande parte, ligados à atuação dos Estados Unidos e CE
330
. Os
motivos encontram-se não somente no fato de que ambos participaram na
condição de demandados em quase metade das controvérsias da OMC e,
portanto, foram objeto da maioria de suas determinações
331
, mas também
devido a sua supremacia econômica e política, que os deixa em posição de
vantagem quando em litígio com outros membros o que os permite, de certa
maneira, suportar melhor as pressões para sua conformação. De acordo com
Davey, atrasos significativos são verificados quando o adimplemento da decisão
está condicionado a uma conduta dos Estados Unidos, envolvendo,
principalmente, modificações de caráter legislativo. Muito embora o país acabe,
depois de certa resistência, cumprindo as recomendações, isso costuma ocorrer
somente depois de demasiado atraso no procedimento. Nas hipóteses em que a
adequação depende de medidas a cargo do Poder Executivo, o índice de
cumprimento seria relativamente positivo, notadamente após condenação em
painel do art. 21.5 do ESC
332
.
No Trade Policy Review que apreciou as medidas de comércio
dos Estados Unidos, realizado pela OMC em junho de 2008, a CE expressou que,
329
OMC. Diagnosis of the problems affecting the dispute settlement mechanism: some ideas
by Mexico. TN/DS/W/90, 16 de Julho de 2007, p. 12.
330
JACKSON, John H. The Changing Fundamentals of International Law and Ten Years of the
WTO. Journal of International Economic Law, cit., p. 5; SUTHERLAND, P. et al. The future of
the WTO: addressing institutional challenges in the new millennium, cit., p. 54.
331
Os Estados Unidos foram demandados em cem casos, enquanto a CE participou na condição
de reclamada em sessenta e duas disputas. No total, ambos estiveram envolvidos no pólo passivo
de 42,6% de todas as controvérsias da OMC.
332
DAVEY, William J. The WTO: looking forwards. Journal of International Economic Law, cit.,
p. 12.
125
apesar dos esforços, inúmeros tópicos de implementação dos Estados Unidos
estão na agenda do OSC por tempo suficientemente longo, sem demonstrações
de progresso. As controvérsias envolvendo zeroing seriam sintomáticas, uma vez
que a recusa dos Estados Unidos em aceitar a decisão correspondente redundou
na ocorrência de controvérsias similares, que poderiam ter sido evitadas e que
ameaçam enviar perigoso sinal de desafio às normas internacionais
333
.
Contenciosos como US-Section 211 (Havana Club), US-Copyright Act, US-Hot
Rolled Steel
334
e US-Offset Act (Byrd Amendment), que percorreram todas as
etapas do aparato de solução de controvérsias da OMC, perduram como casos
de recalcitrância pelos Estados Unidos. Outros casos, como US-Upland Cotton,
US-Zeroing (EC) e US-Zeroing (Japan), evidenciam o prolongamento exacerbado
de algumas divergências, cujo desfecho ainda se encontra pendente.
No que diz respeito à atuação da CE, as controvérsias EC-
Hormones e EC-Bananas III demonstram como a resolução de casos
politicamente sensíveis podem se arrastar por anos a fio, sem o êxito
necessário
335
. As manifestações de desrespeito às recomendações da OMC,
apesar de concentradas nesses membros, também se exteriorizam em outras
situações, como Brazil-Aircraft, Canada-Aircraft e Japan-DRAMs (Korea).
Por todo o exposto, conclui-se que a eficácia das medidas atuais
de indução ao cumprimento da OMC mostra-se limitada, sobretudo enquanto
instrumentos para a proteção dos interesses dos PEDs. Justifica-se, dessa
maneira, o prosseguimento em direção ao exame de propostas para sua
reforma
336
.
333
Trade Policy Review of United States. Statement by Eckart Guth, EC Ambassador at the
WTO: Geneva 9 & 11 June. Disponível em: <http://ec.europa.eu/comission_barroso/
mandelson/speeches_articles/spaw001_en.htm> Acesso em 17/06/2008.
334
Davey afirma que esses três casos envolvem assuntos de importância marginal, e que os
reclamantes têm tolerado a falta de ação pelos Estados Unidos, como revelam as várias
extensões de prazo para implementação acordadas entre as partes. DAVEY, William J. The WTO:
looking forwards. Journal of International Economic Law, cit., p. 13.
335
WILSON. Bruce. Compliance by WTO members with adverse WTO dispute settlement rulings:
the record to date. Journal of International Economic Law, cit., p. 401.
336
Amaral Jr. anota que o adensamento de juridicidade verificado nas normas de solução de
controvérsias da OMC não solucionou as intempéries proporcionadas pela assimetria de poder na
etapa de implementação, prejudicando a atuação dos PEDs e exigindo modificações em busca de
um maior equilíbrio entre os membros. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A solução de
controvérsias na OMC, cit., p. 115. Celli Júnior, por seu turno, reconhece que ainda muito
126
4. ANÁLISE DAS PROPOSTAS PARA INCREMENTO DA EFICÁCIA
DAS MEDIDAS DE INDUÇÃO AO CUMPRIMENTO DAS DECISÕES
DA OMC
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: FORTALECIMENTO DAS RETALIAÇÕES OU
MEDIDAS ALTERNATIVAS?
Demonstrada a necessidade de reforma para corrigir algumas
deficiências das medidas de indução ao cumprimento das decisões da OMC, insta
passar para o exame das principais propostas nesse sentido. Subjacente a essa
análise, no entanto, verifica-se um notável debate teórico que merece ser
preliminarmente abordado, opondo defensores de retaliações mais severas
337
,
àqueles que sustentam medidas alternativas à aplicação de sanções. Em
consonância com a divisão que vem sendo delineada nesse trabalho, poderia se
falar em grupos que apregoam o fortalecimento das medidas diretas de indução
vis-à-vis àqueles que preferem o aprimoramento de sua vertente indireta. Referida
dissensão aparece visivelmente na doutrina e, de maneira menos acentuada, nas
proposições dos membros para emendas ao ESC, podendo ser ilustrada pela
alusão que se faz às sanções como os dentes da OMC: a solução variaria,
conforme a posição adotada, entre tornar tais dentes mais afiados, ou arrancá-los,
substituindo-os por instrumentos alternativos de indução. A resposta, entretanto,
pode estar não na afiliação incondicional a uma ou outra corrente de pensamento,
mas na combinação de ambas, adotando-se uma posição intermediária que
aproveite suas respectivas vantagens.
Por um lado, as retaliações, como demonstradas no capítulo 3,
estão repletas de defeitos, alguns deles de extrema gravidade. Os custos
trajeto a ser percorrido para o aprimoramento do mecanismo. CELLI JUNIOR, Umberto.
Conclusões. In: BAPTISTA, Luiza Olavo; CELLI JÚNIOR, Umberto; YANOVICH, Alan (Orgs). 10
anos de OMC: uma análise do sistema de solução de controvérsias e perspectivas. São Paulo:
Aduaneiras, 2007. p. 282
337
Dentre os defensores de retaliações mais duras cf: BUSCH, Marc; REINHARDT, Eric. Testing
international trade law: empirical studies of GATT / WTO dispute settlement. In: KENNEDY, Daniel;
SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law: essays in honor of
Robert E. Hudec. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 457-481.
127
econômicos e políticos de sua utilização pelo reclamante, a costumeira ausência
de benefícios para os setores privados envolvidos e a incongruência com o
espírito liberalizante do sistema multilateral de comércio, dentre outras distorções,
comprovam a assertiva. E se as sanções, tais como previstas hoje, apresentam
sérias deficiências, essas tenderiam a se agravar com a implantação de dentes
mais incisivos, notadamente em relação aos PEDs. A mudança traria sérios riscos
de rompimento do equilíbrio que sustenta a legitimidade do sistema, levantando
questionamentos sobre soberania, eqüidade e razoabilidade
338
. Além disso, todo
o aprendizado duramente acumulado com os ônus decorrentes da utilização das
sanções, e que poderia ser usado para corrigir suas falhas, seria completamente
desprezado. Por esses motivos, dentre outros, a sugestão de fortalecimento das
sanções como principal solução para a maior eficácia no adimplemento das
determinações da OMC encontra fortes opositores na comunidade internacional.
Por seu turno, e apesar de referidos defeitos, a atual conjuntura
do sistema multilateral de comércio não parece suficientemente desenvolvida
para substituir por completo as sanções. Em primeiro lugar, porque ainda
inexistem alternativas maduras para desempenhar com integralidade suas
funções. Assim, na hipótese de ser esse o desejo dos membros da OMC, seria
necessário um movimento gradual de transição até a existência de condições
favoráveis para a total supressão das retaliações. Além disso, a posição de
prestígio e respeito hoje ocupada pelo aparato de solução de controvérsias da
OMC está bastante ligada à previsão de tais medidas – reconhecidas como um de
seus principais ativos, e fonte de seu “poder singular”
339
. Como salientado, o
próprio adensamento de juridicidade desse sistema, em face do GATT, resultou
da tentativa de frear o crescente unilateralismo dos Estados Unidos no uso de
sanções comerciais, remetendo sua regulamentação e supervisão para a OMC.
338
“Atempts to add teeth to the WTO in the form of tougher sanctions […] risk upsetting the
balance governments made when they established this unique legal system”. PALMETER, David;
ALEXANDROV, Stanimir. ‘Inducing compliance’ in WTO Dispute Settlement. In: KENNEDY,
Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law: essays in honor
of Robert E. Hudec, cit., p. 659; 666.
339
PRADO, Victor Luiz do. Mecanismos de solução de controvérsias: fonte de poder e de
problemas na OMC. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. (Coord). OMC e o comércio internacional,
cit., p. 263.
128
Não sem motivo, sua inclusão nas normas da entidade foi considerada um passo
fundamental na evolução do direito econômico internacional.
Acrescenta-se a essas considerações o arraigado receio de que
modificações estruturais profundas desmontem o apoio depositado no sistema,
minando sua eficácia e credibilidade. O princípio do do no harm”, mencionado
anteriormente, opera efeitos no sentido da manutenção das medidas coercitivas.
As sanções conferem certa autoridade à Organização
340
, sendo que sua
eliminação poderia reduzir o grau de reverência que ela desperta na comunidade
internacional. Por fim, tal instituto jurídico encontra-se fortemente enraizado na
estrutura do direito internacional, sendo suas qualidades e mesmo defeitos
razoavelmente conhecidos e aceitos. A pópria noção de sanções na OMC não é
nova, pois remonta à época do GATT. Assim sendo, é possível captar um relativo
sentimento de familiaridade no tocante ao seu funcionamento e resultados
341
.
Tudo isso, em conjunto, depõe a favor da manutenção das sanções como medida
de indução e enfraquece a posição daqueles que advogam em prol da supressão
das normas da entidade. A percepção é corroborada por especialistas que
reconhecem que, sem embargo de sua natureza polêmica, nada indica a
eliminação das retaliações no curto prazo
342
. Ao contrário, a tendência é que elas
sejam reformadas e permaneçam no cenário normativo da instituição até o
desenvolvimento de instrumentos capazes de substituí-las
343
.
A opção mais viável, portanto, parece situar-se no meio-termo
entre ambas as proposições. A conservação das sanções evitaria um movimento
muito brusco, provavelmente interpretado como inadequado e inaceitável por
grande parte dos integrantes da OMC, e que ameaçaria o apoio por ela
340
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC, cit., p. 111.
341
Nesse sentido, Merit Janow, integrante do OA, entende que o escasso número de propostas de
revisão do ESC que mudariam radicalmente sua arquitetura geral seria sugestiva de relativa
satisfação com seu funcionamento. OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help
harness globalization, cit., p. 110.
342
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 4..
343
Charnovitz vaticina que “Even if trade sanctions are shown to be counterproductive, however,
they will likely remain WTO policy until they can be replaced.” CHARNOVITZ, Steve. Should the
teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The
political economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 627.
129
conquistado. Em contraposição, afigura-se desejável uma reforma nos contornos
das retaliações, tentando ao máximo amenizar suas fragilidades e efeitos
negativos. A recomendação em não substituir integralmente as sanções não ilide
a possibilidade de se introduzir, de maneira complementar, mecanimos
alternativos de indução ao cumprimento, bem como promover alterações para o
fortalecimento da compensação e das demais disciplinas que regulam a etapa de
implementação. Recorda-se aqui que a deliberação de um membro no sentido de
modificar sua conduta em atenção às decisões da OMC envolve complexo
conjunto de fatores, que não se restringe à iminência ou efetiva aplicação de
sanções. Como expõe Horlick, outras formas de incentivos que merecem ser
exploradas:
While retaliatory tariffs may have been the only acceptable sticks in a
world of formal national sovereignty boundaries, recent experiments
suggests that as markets become global, notions of national sovereignty
are on the whole becoming less rigid. (…) As jurisdiction becomes an
increasingly fluid concept, it becomes posible to image new, more
targeted approaches to achieving WTO compliance. (…) The key is to
find remedies which lead to compliance and which also limit the
incentives to delay. (…) While these will be considered radical thoughts
by tradionalists, they barely begin to skim the surface of useful
alternatives
344
.
Partindo-se da premissa de que a resposta para a melhora na
eficácia das decisões da OMC pode ser encontrada em uma via heterogênea, que
admite tanto a continuidade das medidas diretas de indução, com consequentes
evoluções em seu delineamento, como incentiva a adoção e o aperfeiçoamento
de medidas indiretas como alternativas viáveis para o desenvolvimento do
sistema de pacificação de contendas, mostra-se oportuno passar para o exame
por meio da aplicação dos critérios pré-estabelecidos no capítulo 2 das
principais propostas representativas de aludidas categorias.
344
HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec, cit., p. 642.
130
4.2 FORTALECIMENTO DAS DISCIPLINAS DA ETAPA DE IMPLEMENTAÇÃO
4.2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em linhas gerais, por etapa de implementação entende-se o
conjunto de procedimentos tendentes ao cumprimento de uma decisão da OMC.
Tem início com a adoção de uma recomendação pelo OSC e se estende, em
tese, até o momento em que o membro modifica sua conduta em atenção a tal
determinação. Abrange, por conseqüência, todos os atos ocorridos nesse ínterim,
como, inter alia, a definição do prazo razoável para mudanças, a supervisão das
medidas efetuadas pelo reclamado, a análise de sua consistência com as normas
da entidade (painel de implementação), além de solicitação e eventual
autorização para o emprego de sanções. Um pacote com modificações pontuais
na arquitetura dessa etapa, visando o fortalecimento e desenvolvimento de suas
disciplinas, poderá contribuir para um melhor resultado no funcionamento do
mecanismo da OMC. Nesse ensejo, apresentam-se, a seguir, as mais importantes
propostas para sua alteração.
4.2.2 SUGESTÃO PARA O CUMPRIMENTO DAS DECISÕES
Ao contrário das demais medidas indiretas, apenas
disponibilizadas após a adoção pelo OSC das recomendações emitidas no seio
de uma disputa, a prerrogativa da sugestão de cumprimento antecipa-se ao início
da fase de implementação propriamente dita. Mais exatamente, ela tem lugar
durante a do relatório pelos órgãos julgadores, quando aludidas recomendações
estão em processo de positivação. Sem embargo, na proporção em que busca
induzir o cumprimento pelo reclamado, apontando um caminho adequado para
pôr fim ao conflito sem fazer uso de meios coercitivos, afigura-se coerente
abordar as propostas para seu aperfeiçoamento no presente tópico.
Como mencionado no capítulo 3, apesar de seus benefícios, a
utilização da faculdade de sugerir meios para o cumprimento costuma ser
131
bastante incomum na prática. Os julgadores, no âmbito de uma controvérsia,
evitam fazer uso ex officio dessa prerrogativa e por vezes recusam pedidos
expressos feitos pelas partes envolvidas fazendo uso de justificativas diversas.
Como resultado, surgem recomendações vagas, que ocasionam incertezas sobre
a maneira apropriada de se implementar a decisão
345
. Essa imprecisão, por seu
turno, permite ao reclamado, especialmente aqueles com maior força política e
econômica, recorrer a manobras dilatórias, apontando mudanças parciais em sua
conduta como sinônimo do adimplemento integral
346
. Nesse contexto, oportuno
verificar alternativas para estimular os julgadores a lançar mão de seu privilégio
com maior freqüência, oferecendo opções viáveis para o cumprimento e
reduzindo a margem de ambigüidade das decisões.
Uma solução aparente seria tornar obrigatória a sugestão de
cumprimento pelos julgadores, todavia ela carrega o risco de tornar o exame das
inúmeras alternativas de adequação extremamente complexo, fazendo com que a
decisão final se estenda por tempo excessivo. Além disso, diante de um universo
elevado de possibilidades, a indicação de um único caminho para o adimplemento
evocaria a impressão errônea de que a opção seria a mais adequada, quando na
verdade há outras opções tão ou mais eficientes.
Como saída para contornar tais obstáculos pode ser vislumbrada
a hipótese em que o reclamante solicita ao painel ou ao OA a análise de uma
opção específica para concretizar suas recomendações. Assim, o órgão julgador
restringiria sua atuação ao exame de adequação somente desta situação
concreta, evitando atrasos na decisão e complexidades excessivas. Além disso,
345
PETTERSMANN, Ernst-Ulrich. Implementation of WTO rulings: the role of courts and
legislatures in the US and other jurisdictions (EC, China). In: WTO at 10 Conference: governance,
dispute settlement and developing countries, 2006, Nova York. Working Papers. Nova York,
Columbia University, p. 2. Disponível em: <http://www.sipa.columbia.edu/wto/html/ papers.html.>.
Acesso em: 10 jul. 2008.
346
De acordo com Shaffer, a ambigüidade das recomendações da OMC tendem a beneficiar os
países com maior influência. SHAFFER, Gregory. O sistema de solução de disputas da OMC,
seus pontos fracos e propostas para aprimoramento> uma visão de econômica e de mercado. In:
BAPTISTA, Luiza Olavo; CELLI JÚNIOR, Umberto; YANOVICH, Alan (Orgs). 10 anos de OMC:
uma análise do sistema de solução de controvérsias e perspectivas. São Paulo: Aduaneiras, 2007.
p. 182-183. No mesmo sentido, Hudec anota que: “While the vagueness of the WTO’s general
orders does give defendants useful room to maneuver in their search to find politically acceptable
means of compliance, that vagueness unfortunately also gives larger countries room to bully
defendants into accepting partial compliance”. HUDEC, Robert. Broadening the Scope of
Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.34.
132
seria oportuno, como forma de diminuir a resistência dos membros, que os
julgadores explicitassem que sua sugestão consiste apenas em uma opção dentro
de extenso leque de possíveis recursos, cabendo ao reclamado escolher aquele
que reputar mais conveniente
347
. A reteiração dessa prática poderia consolidar o
salutar costume de emitir sugestões, facilitando a tarefa de cumprimento.
4.2.3 FORTALECIMENTO DOS MECANISMOS DE SUPERVISÃO
O monitoramento do progresso das ações realizadas pelo
reclamado para se adaptar às normas da OMC no domínio de uma controvérsia
pode ser considerado como uma das principais inovações trazidas pelo ESC.
Trata-se de instrumento salutar para instigar o cumprimento por meios não
coercitivos, cujo aperfeiçoamento certamente contribuirá para aumentar a eficácia
do mecanismo de resolução de divergências da OMC. Dentre as mais relevantes
propostas nesse sentido, é possível indicar:
a) Antecipação do início da supervisão pelo OSC
Atualmente, a inclusão do cumprimento de uma decisão como
tópico regular na agenda do OSC ocorre quando se completam seis meses após
a definição do prazo razoável para implementação
348
. Apesar de as partes
possuírem o direito de suscitar indagações acerca da matéria tão logo as
recomendações tenham sido adotadas, propostas que visam antecipar o
momento em que a questão é automaticamente inserida na pauta de reuniões do
OSC. A consolidação de propostas apresentada em 2003 pelo Embaixador Peter
Balas, então Presidente da Sessão Especial do OSC, para reforma das normas
de solução de controvérsias
349
, contém dispositivos nesse sentido, pelo qual o
347
FUKUNAGA, Yuka. Securing compliance through the WTO dispute settlement system:
implementation of DSB recommendations. Journal of International Economic Law, cit., p. 400.
348
ESC, Art. 21.6.
349
Tal consolidação de propostas ficou conhecida como Balas Text”, em referência ao
responsável por sua elaboração. Não corresponde a um texto consensual entre os membros, mas
a uma representação daquilo que o Chairman entendeu que seria o resultado aceitável das
negociações em curso. Foi divulgado em 16 de maio de 2003 para servir como base para um
acordo em atenção ao mandato da Rodada Doha, que estabelecia como prazo para o fim das
negociações o mês de maio de 2003. O consenso ao redor do texto não foi obtido. Sua versão
133
ínicio da supervisão é adiantado para seis meses após a adoção das
recomendações pelo OSC ou após o decurso da metade do prazo razoável, o que
ocorrer primeiro
350
.
b) Fortalecimento do dever de informação pelo reclamado
A mais plausível explicação para o limitado caráter de indução
atual da supervisão do cumprimento pelo OSC encontra-se na forma como a
obrigação de submeter relatórios pelo reclamado está consubstanciada nas
normas da OMC. O ESC lança mão de termos amplos para prescrever o dever de
informação que recai sobre o reclamado sem detalhar satisfatoriamente como
efetivá-lo. O art. 21.6 do ESC limita-se a enunciar que “o membro interessado
deverá fornecer ao OSC relatório escrito do andamento das recomendações e
decisões”. A imprecisão da redação resulta em relatórios vagos e evasivos, que
não descrevem de maneira suficiente as medidas de ajuste realizadas pelo
transgressor. Em sintonia com tal observação, colhem-se inúmeras propostas que
visam refinar a obrigação de informação do reclamado com o escopo de ensejar
uma vigilância mais efetiva pelo OSC. Todas essas proposições têm em comum a
intenção de aprofundar referida obrigação, positivando deveres laterais que
tornem mais rígida a forma como o membro deve noticiar seus passos em direção
ao adimplemento.
Uma idéia nesse sentido seria introduzir a necessidade de
especificar, em cada relatório, todas as ações tomadas pelo reclamado rumo à
implementação, desde sua última manifestação. Ao invés de declarar, de forma
ampla, que The US Administration is working with the current US Congress with
respect to appropriate statutory measures that would resolve this matter”,
351
que
no further action is necessary for the United States to bring these challenged
measures into compliance with the recommendations and rulings of the DSB
352
,
revisada foi publicada como anexo do Relatório do Presidente ao Comitê de Negociações
Comerciais. OMC. Dispute Settlement Body - Special Session: Report by the Chairman,
Ambassador Péter Balás, to the Trade Negotiations Committee. 06.06.2003. TN/DS/9.
350
Balas Text, Art. 21.6(b).
351
OMC. United states section 211 Omnibus Appropriations Act of 1998: Status report by
the United States - addendum. 8 February 2008. WT/DS176/11/Add.68. Genebra: OMC.
352
OMC. United States - laws, regulations and methodology for calculating dumping
margins (zeroing): status report by the United States addendum. 21 August 2007.
WT/DS294/20/Add.6. Genebra: OMC.
134
ou outros pronunciamentos similares, o reclamado deveria esclarecer quais
exatamente as medidas concretizadas
353
.
Outra proposta interessante consiste na obrigação de o
reclamado apresentar um relatório final (“final status report”) quando do término
do lapso temporal estabelecido para sua conformação, devendo tal documento
conter a totalidade das medidas executadas para a modificação de seu
comportamento em atenção às normas da OMC, bem como cópia do instrumento
que a comprove
354
.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, impende mencionar
proposta para inserir o dever de notificação, sempre que o reclamado considerar
haver implementado integralmente as determinações do OSC. Nesse sentido,
alguns documentos apontam para a obrigação de apresentar relatório escrito, que
descreva com detalhes as modificações perpetuadas, acompanhado de cópia do
documento comprobatório pertinente
355
. Outras acrescentam a necessidade de
notificar a data de entrada em vigor de referida medida, como a recente
consolidação de propostas levada a efeito pelo Embaixador Saborío
356
. No
mesmo viés, porém de maneira mais desenvolvida, ainda aquelas que
solicitam explicações legais e fáticas, ou outros documentos que permitam avaliar
como se reparou as violações detectadas pela OMC. Eventual dúvida sobre a
observância desses requisitos poderia ser dirimida por um painel especial
357
.
Também com a finalidade de fortalecer o dever de transparência
pelo reclamado, vale fazer menção à idéia de depurar o texto sobre a duração do
período de supervisão e a obrigação de fornecer relatórios. Atualmente a redação
353
Balas Text, Art. 21.6(b). O dispositivo foi sinalizado entre colchetes, o que significa a
inexisitência, à época, de consenso sobre sua aceitação.
354
Balas Text, Art. 21.6(b). Proposta conjunta do Japão e CE (JOB (05)71/Rev.1), Art. 21.6(b).
355
Balas Text, Art. 21.6(c).
356
Em julho de 2008, o Embaixador Ronald Saborío, Presidente da Sessão Especial do OSC para
revisão das normas de solução de controvérsias da OMC, apresentou texto de sua
responsabilidade com a intenção de consolidar as principais propostas sobre a mesa de
negociação, além de acrescentar algumas sugestões de sua lavra. Seu objetivo, como externa o
próprio Chairman, é servir como base para avanços futuros em direção à conclusão dos esforços
negociadores. O documento, de circulação restrita entre os membros da OMC sob a referência
JOB(08)/81, será aqui aludido como “Proposta Saborío JOB(08)/81”. OMC. Special Session of
the Dispute Settlement Body: report by the Chairman, Ambassador Ronald Saborío Soto, to the
Trade Negotiations Committee. TN/DS/22, 18 July 2008.
357
Proposta conjunta do Japão e CE (JOB (05)71/Rev.1), Art. 21.6(c); nota de rodapé 34.
135
do ESC deixa margem à incertezas ao determinar que o tópico da implementação
deve ser mantido na pauta do OSC até sua resolução
358
. Contudo, não esclarece
quando a controvérsia será tida como pacificada, e, portanto, retirada da agenda
de tal órgão, sendo comum notar nos registros das reuniões do OSC casos no
qual o relatório do reclamado tão-somente responde, de maneira sucinta, que o
cumprimento ocorreu
359
. Assim, propostas que procuram determinar que o
assunto somente deverá ser excluído da agenda do OSC quando ambos os
contendores concordarem acerca do término da divergência
360
.
Acerca da periodicidade dos relatórios, as normas da OMC
impõem como obrigação sua apresentação pelo reclamado em até dez dias antes
de cada reunião do OSC
361
. Na prática, somente são consideradas para tais
efeitos as reuniões ordinárias, que totalizam aproximadamente dez por ano.
Algumas sugestões, embore não modifiquem a freqüência dos relatórios, criam
uma previsão especial para PEDs, que ficam obrigados a apresentar informativos
somente a cada duas reuniões
362
. A iniciativa atende às reclamações colocadas
por Valentina Delich, para quem as disposições atuais do ESC referentes à
atividade de supervisão das determinações da OMC não erigem tratamento
diferenciado concreto para PEDs
363
. Tendo em vista essa constatação, bem como
as limitações atinentes aos seus recursos humanos e econômicos, a proposição
mostra-se acertada, fazendo com que mencionada medida não se transforme em
ônus excessivo para PEDs.
O exame de todas essas propostas desperta uma questão conexa
referente à existência de conseqüências para o descumprimento dessas
obrigações. Quanto à esse tema anota o casal Chayes: although omitting of a
report is the nonfulfillment of a treaty obligation, it is generally thought to be of a
different order of seriousness than nonperformance of the substantive
358
ESC, Art. 21.6.
359
Cf. documentos WT/DS322/22/Add.2 e WT/DS294/20/Add.6.
360
Balas Text, Art. 21.6(c).
361
ESC, Art. 21.6.
362
Proposta do Equador TN/DS/W/19, p.5; Balas Text, Art. 21.6(c).
363
“DSU provisions related to the surveillance of implementation of DSB recommendations and
rulings are too weak to imply any difference between the possibilities open to industrial and
developing countries”. DELICH, Valentina. Developing countries and the WTO dispute settlement
system in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya; ENGLISH, Philip (Eds.). Development, trade,
and the WTO: a handbook, chapter 9, Washington, DC: World Bank, 2002, p. 73-74.
136
requirements, and it is so regarded even in domestic legal systems
364
. A fim de
minimizar essa percepção, verificam-se recomendações para permitir ao
reclamante iniciar tratativas para negociação de compensações ou solicitar
autorização para sanções, caso o reclamado deixe de enviar o relatório de
cumprimento integral da decisão
365 e 366
. A previsão desponta como estímulo
considerável para convencer os membros a se desincubirem de suas obrigações
com diligência. Outras alternativas também poderiam ser concebidas, mesmo
sem intimidar o membro por meio de penalidades. No entanto, o que não se pode
perder de vista é que o fortalecimento das disciplinas de supervisão é
fundamental para combater demonstrações de falsa cooperação e pretenso
respeito às normas da OMC, explicitando situações de recalcitrância,e
fomentando o dever do reclamado de informações, transparência e boa-fé.
c) Relatório periódico do Diretor Geral sobre o status de
implementação das decisões
As propostas para reforçar os mecanismos de vigilância também
englobam a previsão de um relatório periódico elaborado pelo Diretor-Geral da
OMC sobre o andamento dos procedimentos de implementação das decisões da
entidade por parte dos reclamados. A idéia foi recebida pelo Balas Text, que
enuncia como função do Diretor-Geral colocar em circulação um relatório público
dessa natureza a cada seis ou doze meses (periodicidade entre colchetes)
367
.
Importa salientar que mencionado instituto deverá ter caráter apenas informativo,
registrando o que tem sido feito pelos membros para a adequação de suas
condutas, se os reclamados têm apresentado relatórios conforme vinculados, bem
como advertindo aqueles que não estão encaminhando documentos construtivos,
objetivos e detalhados. Não se pretende com tal manobra fazer uma
determinação legal sobre a questão do cumprimento papel este reservado aos
painéis de implementação. Busca-se, ao revés, fornecer um registro solene por
364
CHAYES, Abram; CHAYES; Antonia Handler. The new sovereignty: compliance with
international regulatory agreements, cit., p. 173.
365
Balas Text, Art. 22.2.(a).(ii).
366
Em relação à possibilidade de solicitor retaliações: Proposta do G6 (Argentina, Brasil, Canadá,
Índia, Noruega e Nova Zelândia) (JOB(04)/52/Rev.1), Art. 22.2bis.(c) e Proposta conjunta do
Japão e CE (JOB (05)71/Rev.1), Art. 22.2bis.(b)
367
Balas Text, Art. 21.6(b).
137
parte da OMC, conduzido por seu dirigente, que enalteça a obrigação de
cumprimento de suas decisões como elemento vital para o funcionamento eficaz
do mecanismo de pacificação de conflitos, e, em última análise, do sistema
multilateral de comércio.
4.2.4 RACIONALIZAÇÃO DA ETAPA DE IMPLEMENTAÇÃO
Ademais da sugestão de cumprimento das decisões e do
fortalecimento dos mecanismos de supervisão, a etapa de implementação
também pode ser aperfeiçoada por meio da racionalização de seu funcionamento,
com o objetivo de torná-lo mais célere. A existência de uma pluralidade de atos
procedimentais em seu âmago faz com que referida fase possa se arrastar por
tempo excessivo, gerando impunidade em face de recusa ou retardamento na
concretização das decisões da OMC
368
. Assim sendo, busca-se a otimização dos
procedimentos dessa etapa de maneira a aumentar seu grau de indução ao
cumprimento. As sugestões para perfazer tal objetivo apontam para mudanças
em todos os procedimentos existentes entre o acolhimento da decisão final e a
autorização para aplicar sanções, tais como:
a) Manifestação da intenção de cumprimento
Após a adoção do relatório pelo OSC, o reclamado possui 30 dias
para manifestar suas intenções diante da implementação das recomendações
nele contidas
369 e 370.
Com o espírito de suprimir demora excessiva na etapa de
implementação, observam-se propostas para reduzir o prazo para esse
368
BUSCH, M.; REINHARDT, E. Testing international trade law: empirical studies of GATT / WTO
dispute settlement. In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 479-480.
369
ESC, Art. 21.3.
370
Segundo o texto legal, mencionado posicionamento deverá ser feito em reunião do OSC, no
entanto, tal exigência é relevada na prática, uma vez que, em regra, os membros se limitam a
declarar sua disposição em efetuar as alterações apropriadas, requerendo, porém, prazo razoável
para assim agir. DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute
settlement and GATT obligations, cit., p. 71.
138
pronunciamento do reclamado. O Balas Text, por exemplo, estabelece como novo
interregno o período máximo de dez dias para sua ocorrência
371
.
b) Prazo razoável para o cumprimento da decisão
Três espécies de alterações podem ser vislumbradas para
melhorar o procedimento referente à definição do prazo razoável para
implementação das decisões da OMC. A primeira diz respeito ao momento em
que se permite recorrer à arbitragem para a execução dessa tarefa. Em
conformidade com as regras vigentes, afigura-se necessária a tentativa de mútuo
acordo entre os litigantes durante os quarenta e cinco dias subseqüentes à
adoção do relatório. Somente após o transcurso desse lapso é permitido remeter
o impasse à competência de um árbitro
372
. Tal interregno poderia ser reduzido
sem traumas, refletindo positivamente na agilidade da etapa sob comento.
Entendendo as partes haver condições para um acordo, bastaria continuar as
tratativas mútuas, sem requisitar o início do procedimento arbitral
373
. Almejando
antecipar o início dessa arbitragem, a Coréia sinaliza com um procedimento
expedito (“fast-track option”), segundo o qual as partes quando entendam
inexistir ambiente para acordo mútuo poderiam requerer a indicação do árbitro
na própria reunião do OSC em que o reclamado deverá externar suas intenções
em face da decisão adotada
374
.
Em segundo lugar, o prazo determinado para a emissão do laudo
arbitral demonstra-se inadequado na forma como atualmente previsto. A menção
ao limite de noventa dias após a adoção do relatório pelo OSC não se amolda à
hipótese em que as partes estão engajadas na tentativa de um acordo bilateral.
Justamente por tal motivo, o período para divulgação da decisão arbitral costuma
ser estendido pelos contendores. O início da contagem do presente prazo deveria
ter como referência outro marco temporal, provavelmente a data de indicação do
árbitro, e não a adoção do relatório. No documento assinado por Peter Balas, são
estabelecidos cinqüenta dias para a conclusão dos trabalhos arbitrais contados a
partir do momento de sua investidura na função.
371
Balas Text, Art. 21.3.
372
ESC, art. 21.3.(b).
373
O Balas Tex reduz para trinta dias o limite para a busca de consenso.
374
Ver proposta TN/DS/W/35.
139
A redução do próprio prazo razoável para o cumprimento também
costuma ser objeto de algumas propostas. Atualmente, o parâmetro estabelecido
é de quinze meses, contados a partir do recebimento do relatório final pelo OSC,
sendo que sua extensão concreta poderá ser menor ou maior em razão das
peculiariedades da controvérsia
375
. Muito embora esse período médio atual seja
de duzentos e noventa e oito dias (quase dez meses)
376
, a situação mostra-se
preocupante quando se considera o intervalo transcorrido entre o pedido de
consultas e o fim do prazo razoável, cuja média supera a quatro anos (1.507
dias)
377
. Diante dessas estatísticas, Davey sugere como teto um período menor
do que os quinze meses atuais, entendendo que o interregno entre seis a nove
meses seria suficiente, ressalvadas condições especiais para PEDs
378
. Nesse
particular, importa fazer alusão a algumas propostas que buscam explicitar a
necessidade de os árbitros atentarem para as peculiariedades dos PEDs no
momento de definir o prazo razoável
379
.
c) Painel de implementação (art. 21.5 do ESC)
Dentre as possíveis emendas às normas do ESC concernentes ao
painel de implementação, a mais notória concentra-se no aparente conflito
sequencial entre os arts. 21.5 e 22, conhecido como sequencing”. A redação
desses dispositivos não deixa clara a ordem que deve ser observada entre o
painel de implementação e a solicitação para a aplicação de sanções, exigindo
seu aclaramento para se evitar a interpretação equivocada de que um membro
poderia avançar à etapa de retaliação antes mesmo da conclusão dos trabalhos
do painel de implementação. O art. 22.2 estabelece que a autorização para
aplicar sanções deverá ser requerida vinte dias após o término do prazo razoável.
375
ESC, Art. 21.3.(c).
376
Disponível em http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/implementaverage.asp Acesso em
28/07/2008.
377
Ver proposta TN/DS/W/90, p. 12.
378
O autor reconhece que alguns Membros terão grande dificuldades em observar tal prazo; no
entanto “the fact that they will become subject to suspension of concessions or other remedy
should have a salutary effect in focusing their efforts on implementation”. DAVEY, William J.
Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT obligations, cit., p. 84
379
A proposta do Equador TN/DS/W/19 sugere 15 (quinze) meses como prazo máximo para
implementação quando o reclamante é um PED. Em caso contrário, quando o PED é demandado,
15 (quinze) meses seria o período normal, exceto se necessárias mudanças legislativas, quando
poderia ser estendido para até dois ou três anos. Recentemente, ver Proposta Saborío
JOB(08)/81.
140
No entanto, caso haja divergência acerca do cumprimento, o painel de
implementação certamente não terá encerrado sua apreciação nesse interregno.
Há unanimidade em assentar que o painel de implementação
deve preceder a autorização para aplicar sanções, restando diferenças apenas na
forma como regulamentar tal questão. Algumas propostas a tratam de maneira
sucinta, enquanto outras preferem a previsão detalhada de suas
particularidades
380
, mas em todas é possível observar uma tensão recorrente: de
um lado, a desejável celeridade no trâmite dos procedimentos de verificação do
adimplemento não deverá comprometer a qualidade de suas decisões; de outro,
os atos que compõem referidos procedimentos também não deverão se estender
demasiadamente, sob pena de se frustar os objetivos de indução ao
cumprimento
381
. Feita essa ressalva, passa-se aos principais atos que integram o
painel de implementação.
Em primeiro lugar, insta mencionar que o início desse
procedimento pode variar conforme as diferentes proposições, mas em regra
vincula-se à data fixada para o término do prazo razoável
382
. Interessante
iniciativa, no entanto, se entrevê na tentativa de aproveitar o interregno fixado
para cumprimento para realizar atos procedimentais concernentes ao painel de
implementação, almejando economizar tempo mediante a antecipação das
atividades de revisão. Nessa direção, Hudec sugere impor ao reclamado o ônus
de revelar o conteúdo de suas medidas de conformação noventa dias antes do
decurso do prazo razoável
383
. Quanto às consultas, atualmente não
obrigatoriedade de sua prévia realização para o estabelecimento do painel, o que
se mostra em sintonia com a brevidade exigida em seu andamento. No texto de
380
Nesse sentido, o Balas Text que introduz um novo artigo (21bis), composto de 10 parágrafos.
381
“While care must be taken to ensure that these proceedings are not so expedited as to
compromise the quality of the panel and appellate reports (after all, some of these cases have
been as complex as the original proceedings), this is a stage of the proceeding that can add a
great deal of time to the overall amount of time required to process a case. Thus, care must be
taken to see that compliance proceedings do not drag out unnecessarily”. DAVEY, William J.
Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT obligations, cit., p.
85.
382
Balas Text, Art. 21bis.2. Segundo tal diploma, o painel de implementação também pode se
iniciado quando o reclamado expresse ser desnecessário prazo para implementar a decisão, ou
apresente relatório de cumprimento.
383
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.31.
141
Balas essa previsão está entre colchetes, sendo que eventual compulsoriedade
remeteria a consultas expeditas (vinte dias após o envio do pedido)
384
. Propostas
mais recentes expressamente apontam para a desnecessidade de consultas
385
.
No tocante ao painel de implementação, parece haver
concordância em não se permitir à parte contrária o direito de obstar sua
formação na primeira reunião do OSC, como costuma ocorrer com o
estabelecimento do painel regular
386
. Sobre o prazo para divulgação do relatório,
o ESC assinala noventa dias, contados da data em que lhe foi submetida a
divergência. Todavia, com exceção do contencioso EC-Bananas III, nenhum outro
procedimento dessa natureza foi encerrado em tal prazo, sendo sua duração
média por volta de seis meses
387
Com efeito, os trabalhos desse painel envolvem
a apreciação, por vezes complexa, de uma nova medida, o que demanda
considerável tempo. Assim, dificilmente seria possível concluí-la em tempo inferior
ao indicado, sendo esse entendimento corroborado pelas propostas em
negociação
388
. Malgrada a ausência de um dispositivo que traga a previsão
expressa da possibilidade de apelação do relatório do painel de implementação, a
prática tratou de consolidar tal direito. Assim, uma reforma das normas da OMC
não poderia deixar de positivá-lo, como demonstra as proposições atuais,
instituindo, contudo, garantias para que ele não se prolongue excessivamente
389
.
d) Arbitragem para fixação do valor e área das retaliações (art.
22.6 do ESC)
Por derradeiro, a racionalização da etapa de implementação
também poderá ser perseguida por intermédio de modificações no procedimento
de arbitragem das sanções. Em consonância com as regras em vigor, vale
384
Balas Text, Art. 21bis.2 e 3, que determina que as consultas deverão ocorrer até 20 dias antes
do fim do prazo razoável, para que amos terminem, sempre que possível, de maneira
concomitante.
385
Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1); Proposta conjunta da CE e Japão (JOB(05)71/Rev.1);
Proposta Saborío JOB(08)/81.
386
Balas Text, Art. 21bis.5, Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1); Proposta conjunta da CE e Japão
(JOB(05)71/Rev.1); Proposta Saborío JOB(08)/81.
387
Disponível em http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/paneltiming1.asp. Acesso em
17/10/2008.
388
Balas Text, Art. 21bis.6, Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1); Proposta conjunta da CE e Japão
(JOB(05)71/Rev.1); Proposta Saborío JOB(08)/81. Em grande parte delas, indicação expressa
da possibilidade de extensão, caso o prazo não seja suficiente.
389
Balas Text, Art. 21bis.7, entre colchetes.
142
relembrar que o reclamante poderá solicitar autorização para retaliar se, dentro de
vinte dias após a data de expiração do prazo razoável, não houver consenso
quanto à compensação satisfatória
390
. Tal pedido, por seu turno, deverá ser
deferido em até trinta dias após o fim do prazo razoável, salvo hipótese de
impugnação pelo reclamado, o que fará com que a questão seja submetida à
arbitragem para definição do valor e da área das sanções
391
. Na realidade,
entretanto, em razão da dificuldade de sequenciamento exposto na alínea
anterior, referida arbitragem costuma ser suspensa, por força de acordos
bilaterais entre os contendores, até a decisão final do painel de implementação. O
início efetivo do procedimento somente ocorre em momento bastante avançado
na linha temporal da controvérsia, debilitando seu caráter de indução ao
cumprimento.
Ao invés de permitir o começo dos trabalhos da arbitragem
previstos no art. 22.6 somente depois do término do prazo razoável, mais
precisamente com o acolhimento da decisão final do painel de implementação,
seria recomendável adiantar seu início. Ensaiando passo ousado, o México
apresenta sugestão para permitir que a cômputo dos prejuízos causados pela
violação possa ser levado a efeito durante o próprio painel original, desde que
assim requerido pelo reclamante, após a divulgação do relatório preliminar
(“interim report)
392
. A decisão, que poderia ser revista pelo OA, tornaria
desnecessário o procedimento para futura arbitragem
393
. Todavia, mencionado
recurso ainda estaria disponível para as hipóteses em que o reclamante preferiu
não fazer uso dessa prerrogativa durante a etapa do painel ou diante de
alterações fáticas que interfiram no montante dos prejuízos experimentados
394
.
Outras propostas possibilitam a arbitragem após o acolhimento da
recomendação pelo OSC, desde que acordado entre as partes
395
, ou mesmo
bastando que o reclamado manifeste não ser possível implementar de maneira
390
ESC, Art. 22. 2.
391
ESC, Art. 22. 6.
392
Proposta TN/DS/W/40, Art. 15.4.
393
Proposta TN/DS/W/40, Art. 17.6.
394
Proposta TN/DS/W/40, Art. 22.7.
395
Proposta da CE TN/DS/W/1, Art. 21.3bis; Proposta do Japão TN/DS/W/32, Art. 22.1; e Balas
Text, Art. 22.1bis.
143
imediata a decisão adotada
396
. Há, ainda, documentos que prevêem o início do
procedimento arbitral quando o reclamado: (a) não manifesta sua intenção vis-à-
vis à decisão adotada; (b) expressamente declara que não pretende efetivá-la; (c)
não apresenta relatório afirmando cumprimento integral no fim do prazo razoável;
ou (d) não informa o adimplemento em até vinte dias após o término desse
prazo
397
.
Em outro viés, algumas delegações vislumbram como alternativa
para ganhar tempo precioso no andamento da controvérsia a possibilidade de o
procedimento arbitral ocorrer paralelamente ao painel de implementação ou ser
conduzido sucessivamente no âmbito do mesmo procedimento. A Coréia
envereda nessa direção apontando para mudanças que permitiriam que o painel
de implementação, caso conclua pelo descumprimento do reclamado, prossiga
sua atuação para definir financeiramente o grau do prejuízo
398
. Dessa forma, a
ocorrência de posterior arbitragem do art. 22.6. do ESC ficaria relegada apenas
para a hipótese de discordância dos setores a serem afetados pela retaliação, o
que costuma ocorrer com menor freqüência. Sugestões nesse sentido também
permitiriam que a decisão acerca do montante pudesse ser submetida à
reapreciação pelo OA, o que hoje é vedado
399
.
Acerca do prazo para concluir a análise do valor dos prejuízos
afigura-se difícil encurtar a duração atualmente prevista em sessenta dias, muito
embora a tentativa ocorra nas propostas em que o procedimento arbitral se limita
a aferir o montante do prejuízo, sem apreciar a adequação dos setores de
incidência das sanções
400
. Apesar dessa dificuldade, é perfeitamente possível
corrigir o marco segundo o qual se computa esse prazo: ao invés da reprovável
referência ao prazo razoável, muitas propostas apontam para a data de escolha
396
Propostas so Equador TN/DS/W/26 e TN/DS/W/33, Art. 21.3bis.
397
Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1); Proposta conjunta da CE e Japão (JOB(05)71/Rev.1).
398
Propostas da Coréia TN/DS/W/11 e TN/DS/W/35, Art. 21.5.
399
DAVEY, William J. DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute
settlement and GATT obligations, cit., p. 85. No mesmo sentido, Proposta Korea TN/DS/W/35, Art.
21.5.
400
Balas Text.
144
do árbitro
401
ou a data na qual a matéria foi referida à arbitragem ambas mais
apropriadas do que a previsão atual
402
.
4.2.5 ANÁLISE DAS PROPOSTAS
a) Custos para o reclamante
Em uma análise global, o conjunto de propostas para o
fortalecimento das disciplinas da etapa de implementação tende a manter os
reduzidos índices de efeitos colaterais de caráter econômico e político que a
espécie indireta de medidas de indução costuma acarretar para os reclamantes. A
prerrogativa de sugestão para o cumprimento e as atividades para seu
monitoramento permanecem sob a esfera de órgãos da própria OMC os
julgadores, na primeira hipótese, e o OSC, na segunda. Essa concentração na
entidade desvia o foco do reclamante, e ameniza a ocorrência de reflexos que
possam lhe prejudicar. A racionalização dos atos procedimentais da fase de
implementação, porquanto otimizam seu funcionamento, abreviando o iter a ser
percorrido para o deslinde da controvérsia, também atenuam eventuais
conseqüências negativas para o reclamante, notadamente aquelas de natureza
econômica. Todas essas vantagens, como ressaltado anteriormente, são
especialmente relevantes para os membros de constituição mais frágil. Distoando
um pouco dessas constatações, os procedimentos do painel de implementação e
da arbitragem das sanções, na medida em que continuam revestidos de
características de litigiosidade, podem impor custos para aqueles que ocupam o
pólo passivo da divergência, notadamente PEDs.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
Algumas das propostas supramencionadas incrementam a
capacidade das medidas constantes da etapa de implementação em sensibilizar
grupos de interesses a seu favor. O melhor aproveitamento da prerrogativa dos
401
Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1), Art. 22.6.(b).
402
Balas Text, Art. 22.6.(b), Proposta México TN/DS/W/40, Art. 17.6 e Proposta conjunta da CE e
Japão (JOB(05)71/Rev.1), Art. 22.6.(b).
145
julgadores em apontar caminhos para a concretização de suas recomendações,
por exemplo, permitiria maior apoio em prol de seu adimplemento
403
. A redução
da margem de ambigüidade dos relatórios, por meio de instruções mais claras
sobre como conformar a medida contestada, aumentaria a força dos reclamantes
para exigências de correção das condutas inconsistentes, bem como restringiria o
poder dos reclamados em impor a aceitação de cumprimentos defeituosos como
desfecho do litígio.
A revisão das regras procedimentais do ESC para o
fortalecimento dos mecanismos de supervisão, no sentido de permitir um
acompanhamento mais rígido da conduta do reclamado, também auxiliaria a
busca pelo cumprimento. A sugestão para se antecipar o início dessa função
afigura-se positiva na medida em que adianta no tempo a obrigação do reclamado
de apresentar relatórios e o conseqüente acompanhamento de sua conduta,
estimulando ainda mais o respeito às decisões. Além disso, convém notar que a
tarefa de fixação do prazo razoável, principalmente quando relegada à
arbitragem, pode tomar algum tempo, atrasando o começo dos atos de
supervisão, segundo as regras atuais. Na divergência Brazil-Tyres, por exemplo,
devido à demora na definição do período para implementação, o monitoramento
automático somente deverá se iniciar depois do limite estabelecido para a
adequação do Brasil
404
. Referida inconveniência poderia ser corrigida por
mencionada proposta.
A exigência de informações detalhadas, por seu turno, tornaria
mais difícil a tais membros desvencilharem-se de sua obrigação por meio de
relatórios evasivos. O dever de fornecer esclarecimentos ao fim do prazo razoável
(“final status report”) ou quando de seu entendimento da ocorrência da
implementação, ressaltariam eventuais atitudes de desobediência, sendo
403
Entrevista com Niall Meagher. Genebra. 07/10/2008.
404
Cf. documento WT/DS332/16. Nesse caso, o período para implementação somente foi definido
8 (oito) meses depois da adoção do relatório do OA, sendo fixado em 12 (doze) meses, a contar
dessa data. Assim sendo, o monitoramento automático somente se iniciará em março de 2009,
enquanto, curiosamente, o limite para a adequação do Brasil se esgotará em dezembro de 2008.
146
particularmente elogiadas por Davey.
405
As propostas para definir quando uma
controvérsia será tida como solucionada e, portanto, excluída da pauta das
reuniões do OSC, poderá evitar impasses em que o reclamante insiste pela
permanência do item na agenda, e o reclamado alega o fim do conflito. O relatório
periódico do Diretor-Geral, ferramenta que ainda não existe, poderia contribuir, de
certa maneira, para aumentar a pressão sobre os membros para ajustamento de
sua conduta. Em todos esses casos, estimulam-se cobranças mais incisivas da
comunidade internacional e um patrulhamento mais efetivo pelo OSC, o que
beneficiaria enormemente a participação dos PEDs.
Os projetos para a abreviação da duração da etapa de
implementação também acentuam o caráter indutor da observância das decisões
da OMC. A antecipação dos procedimentos de quantificação dos prejuízos, para
se citar um exemplo, principalmente antes do fim do prazo razoável, permitiria ao
reclamado visualizar mais claramente a extensão das consequencias de sua
inadimplência, incentivando sua adequação. Na mesma linha, o esforço para
elucidação do suposto conflito de normas encerrado no sequencingensejaria a
diminuição do tempo gasto em uma controvérsia, bem como evitaria a
prevalescência de interesses dos membros mais poderosos em disputas
envolvendo PEDs
406
.
c) Reflexos para setores privados
As medidas indiretas de indução ao cumprimento não costumam
gerar efeitos específicos para os setores privados dos membros envolvidos, seja
na forma de paliativo para as consternações experimentadas pelos grupos
internos do reclamante, ou mesmo de maneira a assegurar que seus ônus
recaiam sobre os segmentos do reclamado responsáveis pela violação. As
propostas existentes para o desenvolvimento dos procedimentos da etapa de
implementação não modificam esse panorama. Todavia, enquanto estimulam a
resolução mais célere do conflito, e combatem a proliferação de comportamentos
405
“The report at the end of the implementation period and the report on implementation whenever
it does occur should be particularly useful”. DAVEY, William J. Enforcing world trade rules:
essays on WTO dispute settlement and GATT obligations, cit., p. 72.
406
AMARAL JR., Alberto do (Coord). A reforma do sistema de solução de controvérsias da
OMC e os países em desenvolvimento, cit., p. 87.
147
que buscam retardá-lo, os instrumentos que compõem essa etapa trazem
benefícios, mesmo que de maneira reflexa, para os grupos de interesses
particulares prejudicados pelo desrespeito às normas do comércio internacional.
d) Aplicabilidade da medida
O cenário descrito no capítulo 3 acerca das vantagens de
aplicabilidade dos instrumentos indiretos de estímulo ao cumprimento permanece
praticamente inalterado com as propostas avançadas nesse estudo. Em outras
palavras, a facilidade em seu manuseio e a existência de reduzido atrito que
possa impedir sua concretização quando da vontade dos reclamantes, continua
sendo a característica preponderante. Cumpre ressaltar, entretanto, que a
possibilidade de sugerir meios para a efetivação das deciões continua sendo
privilégio dos julgadores, inacessível ao campo de ão dos membros. Eventual
proposição para torná-la obrigatória não se mostra recomedável, pois a tarefa
exigiria, em muitos casos, o profundo conhecimento de informações irrelevantes
para a apreciação do mérito da disputa, como especificidades sobre o
procedimento legislativo ou administrativo do reclamado, atrasando o desfecho do
relatório.
Por sua vez, se o refinamento do dever de informação dos
reclamados, por um lado, faz com que seja mais difícil burlar por meio de
relatórios vagos – sua intenção de permitir o acompanhamento próximo dos
passos tomados em direção ao cumprimento, em contrapartida também não
eliminam a necessidade de cooperação do reclamado. As novidades referentes
às notificações detalhadas, obrigações de relatórios ao fim do prazo razoável
(“final status report”) ou relatório quando do adimplemento integral, permanecerão
condicionadas à conduta ativa e, em grande parte exclusiva, do reclamado. Uma
forma de minimizar esse domínio do reclamado encontra-se nas propostas para
abrir ao reclamante o caminho da compensação ou sanções quando ele deixe de
cumprir essas obrigações. Vale salientar, ainda, que a solução para o problema
do seqüenciamento tornará despicienda a necessidade dos acordos bilaterais
atualmente firmados entre os litigantes para operacionalizar os procedimentos do
art. 21.5 e 22.6 do ESC.
148
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
As proposições para reforma da etapa de implementação não
afetam substancialmente seu relacionamento atual com os princípios do sistema
multilateral de comércio. É dizer, se os procedimentos integrantes dessa etapa, tal
como delineada no presente, se mostram em harmonia com os valores
preconizados pela OMC, como demonstrado no capítulo 3, as propostas para seu
fortalecimento somente tendem a aperfeiçoar tal ligação. O principal estímulo
provocado por esses mecanismos continuará, por conseguinte, sendo a busca
pela implementação voluntária das decisões pelo reclamado, e pelo
fortalecimento dos deveres de cooperação, lealdade e boa-fé. Os projetos para
alteração de suas normas almejam apenas aumentar a eficácia desses
instrumentos na persecução de mencionados objetivos. No cômputo geral, todo o
sistema de solução de controvérsias sai vencedor, com vantangens claras para os
PEDs. Um comentário especial merece ser tecido sobre as iniciativas para
aclaramento das normas do ESC, como o problema do sequenciamento, ou a
correção dos marcos de contagem de prazos (v.g. definição arbitral do período
para cumprimento, ou do montante das sanções), vez que elas colaboram para o
aumento salutar da previsibilidade.
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC.
O principal ingrediente para o maior sucesso das sugestões de
recomendação encerradas no Art. 19.1 do ESC não se encontra em sua reforma,
mas em mudanças no comportamento dos próprios membros e órgãos julgadores
da OMC. Enquanto estes devem ser incitados a explorar com maior freqüência,
criatividade e sabedoria tal instrumento, aqueles devem nele divisar uma
alternativa para facilitar o deslinde da controvérsia e não uma intrusão em seus
poderes soberanos. Assim sendo, não que se conjecturar acerca do difícil
processo de formação de consenso para emenda ao ESC, muito embora se exija
uma postura ativa da organização e de seus membros. Nesse ensejo, o OA
poderia desempenhar um papel significativo, em razão da força diretiva de suas
manifestações, caso patrocinasse a conduta, ao contrário do que ocorre
atualmente.
149
Acerca das alterações estruturais para melhor delinear os deveres
atinentes ao monitoramento da implementação pelo OSC, algumas propostas
exibem razoável aceitação. Atualmente na mesa de negociações, por exemplo, se
encontram em discussão as exigências sobre notificação detalhada na hipótese
de alegação de cumprimento ou devido ao fim do prazo razoável
407
.
No âmbito da racionalização da etapa de implementação, a
necessidade de emendas ao ESC para sanar o problema do “seqüenciamento”
continua sendo um dos tópicos que reúne maior consenso na agenda de
negociações do OSC
408
mesmo sendo seus inconvenientes contornados na
prática por meio de acordos bilaterais ad hoc entre os litigantes. Convém
asseverar que essa convergência de interesses poderá contribuir para a adoção
de outras medidas tendentes a acelerar o andamento da fase de implementação,
bem como aclarar suas normas. Dentre outras iniciativas, pode-se citar a redução
de prazos para atos intermediários, a correção dos marcos para sua contagem
(v.g. prazo para emissão do laudo arbitral), a não-obrigatoriedade de consultas, a
previsão do direito de apelação. Em se tratando de alterações quanto ao
momento para arbitrar o montante dos danos, a probabilidade de consenso é
mais distante. Para Davey, a hipótese de cumulação do painel de implementação
com o procedimento arbitral, por exemplo, seria quase impossível em um futuro
próximo, devido à reprovação provocada pelo caso EC-Bananas III
409
.
4.3 COMPENSAÇÃO
Verificada a resistência do reclamado em abraçar determinações
adotadas na esfera de uma controvérsia, a compensação surge como medida
temporária para estimular o cumprimento. Todavia, como restou demonstrado, a
maneira como ela é hodiernamente regulamentada torna rara sua ocorrência.
407
Balas Text; Proposta Saborío JOB(08)/81.
408
“Event though parties in subsequent cases [ao de Bananas] have reached agreements on how
they will proceed, the ambiguity remains and may rise again and cause similar problems. Thus, a
solution is imperative”. DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute
settlement and GATT obligations, cit., p. 74.
409
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 74.
150
Dentre os principais fatores que a desestimulam estão: as regras sobre o
momento em que ela pode ser ativada, a necessidade de aquiescência do
reclamado, a exigência de mútuo acordo sobre o montante compensatório, seu
cunho exclusivamente não-monetário, e o imperativo de observância do princípio
da nação mais favorecida.
4.3.1 FORTALECIMENTO DA COMPENSAÇÃO
A partir dessas considerações, recomenda-se analisar o conjunto
de propostas que visam fortalecer as disposições gerais sobre a compensação,
destacando-se, dentre elas:
a) Adiantamento da determinação dos prejuízos
Como explicitado no item 4.2.4(d), algumas propostas cogitam
antecipar o momento de determinação do quantum dos prejuízos causados por
uma violação de modo a impulsionar o reclamado no sentido do cumprimento. Na
forma como prevista hoje, as tratativas sobre eventual acordo compensatório
deverão ser concluídas em até vinte dias após o encerramento do prazo razoável;
todavia, os instrumentos para arbitrar o exato montante dos prejuízos somente se
abrem em momento posterior em regra, ao fim do painel de implementação.
Assim sendo, a negociação das compensações costumam ocorrer “no escuro”,
sem um valor de referência para a construção de consenso entre as partes.
Considerando que a tarefa de quantificação dos prejuízos é bastante complexa, e
que existem inúmeras metodologias para seu cálculo, cada litigante tende a
adotar um entendimento distinto sobre o correto valor de possíveis
compensações, obstacularizando um acordo final. mesmo quem assevere que
tal deficiência acaba reduzindo o instituto à inutilidade
410
.
Com lastro nesses argumentos, o adiantamento dos
procedimentos para avaliação dos impactos da violação se coloca como uma das
principais alternativas para incrementar as chances de sucesso do instituto. A
410
Proposta da Coréia TN/DS/W/35, p.3.
151
proposta mais ousada nesse diapasão é assinada pela delegação mexicana, que
permite a determinação dos prejuízos ainda na etapa do painel original, tão logo
seja o relatório preliminar (“interim report”) colocado em circulação
411
. Outras
proposições apontam para a possibilidade de determinação do dano (a) no
momento de fixação do prazo razoável
412
, (b) após a adoção da recomendação
pelo OSC, desde que acordada pelos contendores,
413
ou mesmo (c) depois da
manifestação do reclamado alegando a impossibilidade de efetivação imediata da
decisão
414
. Algumas delegações também sugerem que, sempre que o reclamado
deixar de expressar sua intenção de cumprir a decisão, ou deixar de informar o
cumprimento no fim do prazo razoável, o reclamante poderia solicitar permissão
para retaliar, levando ao procedimento arbitral para definição do prejuízo
415
.
b) Antecipação do momento da compensação
Mais do que adiantar o procedimento para quantificação dos
prejuízos, o incentivo ao cumprimento pode ser promovido pela antecipação do
momento da compensação. Ao invés de permitir sua ocorrência apenas depois do
decurso do período fixado para modificação da conduta violadora, alguns
membros assinalam para a opção de compensação expedita, sempre que o
reclamado não estiver hábil a implementar a decisão instantaneamente
416
. A
razão subjacente a essa sugestão se encontra no espírito da compensação como
alívio para as perdas suportadas pelo reclamante durante o lapso temporal
necessário para a conformação do transgressor. Por suposto, o êxito da proposta
fica condicionado à determinação antecipada do montante dos prejuízos, bem
como ao estímulo do reclamado em oferecer compensação. Em sintonia com
essas exigências, os negociadores mexicanos que defendem a proposta,
complementam-na com a prerrogativa de definição do prejuízo pelo próprio painel,
e sanções cujo cálculo incluam o prazo razoável quando não ocorrer a
compensação.
411
Propostas do México TN/DS/W/23, p. 2, e TN/DS/W/40, Art. 15.4.
412
Proposta do Equador TN/DS/W/9.
413
Proposta da CE TN/DS/W/1, Art. 21.3bis; Proposta do Japão TN/DS/W/32, Art. 22.1; e Balas
Text, Art. 22.1bis.
414
Propostas do Equador TN/DS/W/26 e TN/DS/W/33, Art. 21.3bis.
415
Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1); Proposta conjunta da CE e Japão (JOB(05)71/Rev.1);
Consolidação de propostas JOB(07)/135; Proposta Saborío JOB(08)/81.
416
Proposta do México TN/DS/W/91, Art. 22; Proposta Saborío JOB(08)/81 (entre colchetes).
152
c) Definição de prazo para resposta
Muito embora as regras do sistema de solução de controvérsias
da OMC determinem um limite para a concretização da compensação (vinte dias
após o esgotamento do prazo razoável), inexiste um cronograma definido para o
momento de resposta do reclamado ao pedido de negociação interposto pelo
reclamante. Em atenção a essa lacuna, algumas propostas procuram estabelecer
um prazo para a manifestação do reclamado, cominando como pena a permissão
para o reclamante recorrer às sanções
417
. É claro que a fixação desse interregno,
independente do número de dias, provará ser insuficiente para assegurar o
resultado satisfatório das tratativas, posto que, se o reclamado não estiver
convencido da utilidade da medida, nada impedirá que ele se coloque à
disposição para o diálogo, mas não conceda qualquer compensação. No entanto,
a determinação desse prazo contribuirá para tornar o procedimento mais
previsível e célere, evitando postergações do demandado desinteressado.
Ademais, quando combinada com outras medidas (i.e. compulsoriedade da
compensação), suas vantagens poderiam ser potencializadas.
d) Compensação obrigatória
Em consonância com o delineamento conferido pela parte final do
art. 22.1 do ESC, a compensação é voluntária, dependendo de entendimento
mútuo entre as partes. Em hipótese de ausência desse consenso, o procedimento
deverá seguir seu curso normalmente. Diante desse cenário, a bilateralidade da
compensação é apontada como uma de suas principais fragilidades; e, visando
contorná-la, algumas propostas avançadas pela doutrina
418
, e por membros da
OMC
419
, defendem sua compulsoriedade. Sustentam tais iniciativas que a
imposição do dever de oferecer compensação pelo reclamado incrementaria sua
taxa de sucesso. A viabilização da proposta deverá ser acompanhada por
mecanismos para arbitrar o montante da compensação, sempre que se verificar
discordância sobre ele. As mudanças sugeridas nas alíneas acima, portanto,
417
Balas Text, Art. 22.2bis. A Proposta Saborío JOB(08)/81 estabelece o prazo de 10 dias, porém
não prevê pena pelo descumprimento.
418
PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a
more collective approach. The American Journal of International Law, cit., p. 345-346.
419
Proposta do Equador, TN/DS/W/9, p.5; Proposta do Grupo de PMDs Países Menos
Desenvolvidos TN/DS/W/17, p. 4.
153
seriam complementares à imposição da obrigação de compensar. Há, ainda, a
questão sobre a escolha dos setores em que ela deverá ocorrer, variando as
opções entre (i) prerrogativa de alguma das partes – reclamante ou reclamado, (ii)
resultado de mútuo acordo, ou (iii) definição por decisão da OMC.
e) Compensação monetária
A compensação monetária figura dentre as mais antigas
propostas de alteração das medidas de indução ao cumprimento do sistema
multilateral de comércio. Já em 1965, quando PEDs ameaçavam substituir o
GATT pela UNCTAD como foro para tratamento de seus interesses, Brasil e
Uruguai apresentaram documento conjunto reivindicando a possibilidade de
compensações financeiras
420
. Argumentavam que os danos causados pela
trangressão das normas do comércio internacional apresentavam efeito
especialmente retardatário sob o progresso dos PEDs, o que poderia ser
amenizado pelo oferecimento de quantia pecuniária
421
. Apesar do insucesso do
pleito à época, a alternativa continua sendo reiteradamente levantada, tanto pela
doutrina
422
, como pelos membros da OMC, como solução para aumento da
eficácia de suas decisões, notadamente por enfatizar a perspectiva dos PEDs.
Em largas linhas, todas essas propostas buscam introduzir a
possibilidade de a compensação, ao invés de se expressar exclusivamente na
forma de concessões comerciais (v.g. redução de tarifas, expansão de quotas,
etc.), se concretizar como quantia financeira ofertada em prol do reclamante,
tomando como referência o montante das perdas ocasionadas pela violação
423
.
420
Ver documentos do GATT COM.TD/F/W.1 e COM.TD/F/W.4.
421
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.16.
DAM, Kenneth. The GATT: law and the economic international organization. Chicago: University of
Chicago Press, 1979, 368-373.
422
Nesse sentido, ver BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The
WTO: improving the remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic
Law, N. 8, Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 101-126.; SUTHERLAND, P. et al. The future
of the WTO: addressing institutional challenges in the new millennium, cit., p. 54; PAUWELYN,
Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a more collective
approach. The American Journal of International Law, cit., p. 346; HOWSE, Robert;
ESSERMAN, Susan. The WTO on Trial. Foreign Affairs Magazine. V. 82, N.1, 2003, p. 5. Em
sentido contrário, John Jackson em OMC. The Dispute Settlement System: what reforms for 21st
century? WTO Forum. Disponível em http://www.wto.org/english/forums_e/
debates_e/debate1_e.htm. Acesso em 12.10.2008.
423
Alguns autores se referem ao pagamento pelo reclamado de multas pecuniárias em razão do
não cumprimento da decisão da OMC. Essas propostas serão indistintamente tratadas como
154
No âmbito das negociações na OMC, a delegação mexicana parece ser a
principal militante na defesa dessa idéia, advogando não apenas a possibilidade
de aplicação de compensação de cunho financeiro, mas tornando-a regra em
divergências envolvendo PEDs
424
. Inúmeros outros membros também o
ativistas da medida, apontando-a como instrumento relevante para indução ao
cumprimento
425
. Ademais, ela vem sendo incluída nos recentes textos de
consolidação de propostas elaborados pelos consecutivos Presidentes da Sessão
Especial do OSC, cuja função é servir de base para a tentativa de consenso nas
negociações para a reforma das regras de solução de controvérsias da OMC
426
.
f) Compensação progressiva
Outra idéia criativa no que tange à compensação, seja ela
financeira ou não, encontra-se na imposição de escalas progressivas,
aumentando-se, com o decurso do tempo, o valor da obrigação compensatória,
de maneira a estimular o cumprimento pelo reclamado. A idéia seria apropriada,
ainda, para se adequar à capacidade limitada de pagamento no caso de
reclamados com restrições econômicas (v.g. PEDs).
4.3.2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS
a) Custos para o reclamante
As propostas para o fortalecimento da compensação, em sua
maioria, não acarretam custos econômicos para o demandante, permanecendo
válidas todas as considerações feitas anteriormente acerca de sua inofensividade
e benefícios. Difícil argumentar, por exemplo, que o recebimento de prestações
compensação monetária, uma vez que possuem o mesmo espírito: possibilitar o alívio temporário
do reclamante enquanto o trangressor promove a adequação de sua conduta. DAVEY, William J.
Implementation in WTO dispute settlement: an introduction to the problems and possible
solutions, cit., p. 28-29; CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO
sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 603.
424
Proposta do México TN/DS/W/91, Art. 22.1.
425
Proposta do Paquistão, WT/GC/W/162, p. 4; Propostas do Equador, TN/DS/W/9, p. 4 e
TN/DS/W/33, Art. 22.2; Proposta do Grupo de PMDs TN/DS/W/17, p. 4; Proposta do Grupo
Africano, TN/DS/42, Art. 26.8.
426
Balas Text, Art.22.2bis; Proposta Saborío JOB(08)/81 (entre colchetes).
155
pecuniárias ou concessões comerciais por um membro poderia prejudicá-lo
financeiramente. Por meio dessas sugestões, especificamente da compensação
obrigatória e/ou monetária, permite-se contornar a crítica de inviabilidade na
aplicação de medidas de indução, em razão de seus efeitos colaterais,
especialmente para membros de menor expressividade econômica.
427
Da mesma
maneira, não parece haver muito espaço para se falar em desgaste político,
porquanto em todas os casos de compensação voluntária a decisão passa pela
concordância do demandado. Mesmo na hipótese de compulsoriedade no
oferecimento de compensação, a medida tenderia a ser vista como parte
automática do procedimento de solução de controvérsias, cujas regras foram
estabelecidas pelo consenso da comunidade de membros da OMC, e não como
um movimento indesejável patrocinado pelo reclamante, amenizando, portanto,
eventuais danos políticos.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
As alterações sugeridas para o adiantamento do momento de
compensação e da determinação de seu valor, bem como para a delimitação de
prazo para resposta ao pedido de sua negociação, aumentam a potencialidade de
indução ao cumprimento das decisões da OMC. Isso porque, além de abreviar a
duração da etapa de implementação, essas medidas fortalecem o instituto da
compensação. Com efeito, a hipótese de compensação imediata quando
impossível ao reclamado efetivar a decisão sem requerimento de prazo adicional,
criaria incentivos para a célere observância
428
. Por seu turno, a manifestação
antecipada da OMC sobre o exato quantum dos prejuízos incrementaria o poder
de persuasão do reclamante, e de simpatizantes do cumprimento no interior do
reclamado, para exigir sua adequação ainda durante o lapso razoável.
No tocante à previsão de compensação obrigatória, o reclamado
passaria a trabalhar com a certeza de que se não modificar sua atitude no período
preestabelecido, será impelido a prestar concessões em favor do reclamante.
Certamente, essa antecipação evitaria manobras dilatórias e aumentaria a
427
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 18.
428
Proposta México TN/DS/W/91, p.3.
156
pressão para o cumprimento. Além disso, os setores potencialmente afetados
pela oferta de compensação tenderiam a fazer gestão no governo para convencê-
lo a implementar a decisão. Na hipótese de efetivação da compensação, sua
capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento estaria diretamente
relacionada com os setores envolvidos, tal como ocorre com a medida em sua
feição atual. Por conseguinte, referida proposta aumentará o grau de indução
durante o momento que precede a concretização da compensação. Após tal
marco, a situação seria semelhante à que se verifica hoje.
Em se tratando da modalidade monetária da compensação, insta
mencionar que a habilidade de atrair apoio conecta-se com a questão de quem irá
suportar os encargos da medida: se o reclamado criar mecanismos internos para
cobrar o montante compensatório daqueles setores envolvidos com a violação,
com certeza seu poder de instigação se mostrará mais robusto.
Apesar desses benefícios, alguns observadores aduzem que
mencionadas propostas não eliminariam o problema de que, uma vez
implementada, a compensação reduziria, em certa medida, o poder do reclamante
para exigir o cumprimento. O decréscimo do grau de indução, e especialmente a
preocupação com o buy out”, é dizer, de a compensação ser interpretada como
satisfação equivalente da decisão, encerrando as pressões para sua observância,
parecem ser maiores em relação à vertente financeira do instituto:
Introducing a requirement to provide monetary compensation would
create the risk of Members ‘opting out’ of the single undertaking that is
the WTO Agreement, against payment. As a practical matter, it probably
would be mainly wealthy developed country Members that could afford to
‘opt out’ of their WTO obligations in this manner. (…) On the other hand,
and ironically, monetary compensation might in some circumstances
make it less likely that developing country Members could successfully
induce developed country responding Members to comply with DSB
rulings, notably where the amount of monetary compensation due would
be relatively low
429
.
429
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 18.
157
A inquietação, todavia, não é unânime, havendo quem entenda
que a compensação financeira não reduz o estímulo ao adimplemento, nem
obscurece a noção de sua primazia, notadamente porque não elimina o recurso
às sanções.
430
De toda forma, é preciso promover a idéia de que a compensação
seja interpretada invariavelmente como temporária
431
. Uma alternativa
interessante para se minimizar o risco desse efeito colateral, e que aumenta
gradualmente seu caráter indutor, encontra-se na imposição de compensação
progressiva. Quanto mais tempo tardar ao reclamado para implementar a
decisção, maior será o ônus suportado a título de compensação a ser garantida
para o reclamante.
c) Reflexos para os setores privados
Nenhuma das alterações acima mencionadas garante
categoricamente que as concessões advindas da compensação se revertam em
frutos para os setores privados diretamente prejudicados pela violação, ou,
segundo a perspectiva do reclamado, que elas sejam cobradas dos interesses
particulares responsáveis pela conduta transgressora. As mudanças sugeridas
em relação ao procedimento de arbitragem dos danos, ou do momento da
compensação, muito embora fomentem a ocorrência de acordo entre os litigantes,
em nada contribuem para mitigar as distorções entre os setores envolvidos na
infração e aqueles beneficiados pela compensação. A tendência continuará sendo
o oferecimendo de vantagens em áreas não relacionadas com a medida ilegal,
impondo danos para setores inocentes do demandado, e deixando de fornecer
alívio para segmentos afetados do reclamante. A afirmação também se aplica
para a hipótese de compulsoriedade na compensação, uma vez que a obrigação
atribuída ao reclamado não vincula, necessariamente, os setores de sua
incidência, subsistindo aludido risco de distorção
432
. Uma opção seria conferir ao
reclamante o direito de efetuar dita escolha. A proposta, porém, parece de difícil
430
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 118-119.
431
“[…] A great care must be exercised to be sure that monetary compensation is only a temporary
fallback approach pending full compliance, otherwise the ‘buy out’ problems will occur”.
SUTHERLAND, P. et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new
millennium, cit., p. 54.
432
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 108.
158
aceitação na medida em que levantaria protestos por ofensa à soberania dos
membros
433
. De qualquer maneira, a alternativa, também não asseguraria a
correlação entre violação e compensação, muito embora aumente suas chances.
A compensação monetária, por seu turno, se traduz em hipótese
com maior capacidade para atenuar as discrepâncias atuais do mecanismo. No
que concerne aos benefícios diretos para grupos privados do reclamante
envolvidos na controvérsia, tudo dependerá se o produto da compensação será
destinado, em parte ou no todo, para a reparação dos danos por eles
experimentados. Apesar de a decisão sobre sua distribuição recair
exclusivamente no âmbito discricionário do governo do reclamante (“rule of
thumb”), ponderações de justiça e coerência tendem a influenciá-lo a reverter a
compensação aos setores prejudicados. Ademais, afigura-se nítido que o
direcionamento da prestação financeira para esses grupos requer muito menos
esforço do que a árdua tarefa de negociar concessões não-monetárias em áreas
que pudessem beneficiá-los
434
. Também não que se indagar se a oferta
disponibilizada pelo reclamado irá se traduzir em vantagens efetivas (v.g. se uma
maior abertura a determinado mercado poderá ser efetivamente aproveitada pelos
exportadores do reclamante); o benefício não se condiciona a eventos futuros,
uma vez que já se traduz em pecúnia.
Por outro lado, o exame dos reflexos da compensação monetária
sobre os segmentos privados do reclamado passa por considerações sobre quem
arcará com seus custos. Havendo métodos para a cobrança do valor pago em
compensação diretamente dos responsáveis pela violação, inexistirão distorções.
Tal ocorreria, inter alia, por meio do recolhimento de contribuições pecuniárias
específicas desse setor, ou restrição de investimentos, vantagens e outras
concessões governamentais previstas no orçamento a seu favor
435
. Caso
433
“It is odd to think that a WTO Member would accept that any part of its trade regime could be
changes unilaterally, if only temporatily, by another WTO Member”. BRONCKERS, Marco; BROEK,
Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the remedies of WTO dispute settlement.
Journal of International Economic Law, cit., p. 107-108.
434
PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a
more collective approach. The American Journal of International Law, cit., p. 346.
435
Em um exemplo, imagine-se uma dotação orçamentária reservada para financiamento de um
dado setor envolvido na violação que poderia ser utilizada para suportar os custos da
compensação monetária.
159
contrário, se o governo buscar tais recursos nos fundos públicos, sem repassá-los
posteriormente aos responsáveis, o que parece mais provável, é possível
argumentar que partes inocente seriam afetadas. De qualquer maneira, o ônus
seria diluído sobre toda a comunidade, e não desproporcionalmente sobre apenas
um setor inocente, tal como ocorre nas condições atuais
436
. Nas hipóteses em
que a decisão governamental de não cumprir imediatamente com a
recomendação da OMC deriva de cálculos políticos que levam em consideração
os interesses gerais do membro, justifica-se perfeitamente o pagamento a partir
do orçamento público. Em todo caso, conclui-se que a compensação de cunho
monetário reduz os efeitos negativos sobre partes não relacionadas com a
violação, seja fazendo seus gastos recaírem sobre o setor privado violador, ou, ao
menos, distribuindo seu ônus sobre toda a coletividade.
d) Aplicabilidade da medida
A extensão dos efeitos de qualquer mudança no formato da
medida compensatória é restringida por seu caráter de bilateralidade. Como
verificado acima, uma das mais contundentes fragilidades da compensação
consiste na necessidade de aquiescência do reclamado. Por mais que as
mudanças sugeridas em relação ao seu procedimento (v.g. antecipação da
determinação dos prejuízos, adiantamento da solicitação da compensação ou
definição de prazo para resposta) sejam positivas para fortalecê-la, elas não são
suficientes para afastar a imperiosidade da participação do transgressor para seu
êxito. Como resultado, tais emendas, muito embora possam aumentar a
freqüência na verificação de acordos compensatórios, não asseguram resultados
expressivos
437
.
A constatação também é válida para a vertente monetária da
compensação, cujo alcance fica limitado pela característica da bilateralidade,
porém de forma menos dramática do que sua congênere convencional. Isso
porque, a resistência política do reclamado em outorgar vantagens pecuniárias
para o reclamante certamente será menor do que se tivesse que eleger setores
436
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 110.
437
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 75.
160
específicos para abertura de mercado (v.g. concessões tarifária preferenciais),
aumentando, assim, as chances de um desfecho positivo na compensação.
Corrobora a assertiva o próprio histórico da OMC, que revela a ocorrência de
compensação monetária na controvérsia US-Copyright Act, na qual os Estados
Unidos obrigaram-se a pagar anualmente mais de 1.200 milhão à CE por ainda
não terem conformado sua legislação
438
. A experiência do direito internacional
também registra casos de sucesso no pagamento de compensações monetárias,
como no âmbito das controvérsias de investimento solucionadas pelo CIRIDI
Centro Internacional de Resolução de Disputas sobre Investimentos
439
, em algumas
disputas no NAFTA
North American Free Trade Agreement, e em laudos proferidos
pelo Tribunal de Reclamações Irã-Estados Unidos
440
.
Além disso, no que concerne à compensação monetária existem
algumas sugestões, pouco prováveis, é verdade, mas que poderiam reduzir a
necessidade de cooperação ou a própria resistência da parte adversa, como a (a)
criação de um fundo administrado pela OMC, composto a partir de contribuições
pecuniárias proporcionais à população ou capacidade financeira de cada membro,
com o fim de satisfazer subsidiariamente suas obrigações
441
; (b) criação, por cada
membro, de fundos nacionais domésticos
442
; (c) autorização para execução do
montante compensatório diretamente nas cortes domésticas do reclamado
443
; e
(d) execução de bens do membro, ou de seus nacionais, localizados no âmbito de
jurisdição do reclamante
444
. Adicionalmente a essas considerações, impende
anotar que a aplicabilidade da compensação monetária pode ser dificultada, em
438
Cf. documento WT/DS160/R.
439
Em lingua inglesa, tem-se o acrônimo ICSID - International Centre for Settlement of Investment
Disputes.
440
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 115.
441
Charnovitz recolhe essa idéia dos escritos de Frank Noel Keen, acrescentando acreditar ser
uma boa solução. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO
sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 629.
442
Segundo o autor, essa sugestão tornaria desnecessária aprovações legislativas específicas
para arcar com a compensação, não atrasando sua efetivação. DAVEY, William J. The WTO:
looking forwards. Journal of International Economic Law, cit., p. 22.
443
Tal medida está prevista no acordo lateral do NAFTA sobre meio-ambiente envolvendo o
Canadá.
444
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 17-18.
161
certa medida, pela complexidade na avaliação de seu quantum todavia, a
ressalva é semelhante para as compensações de caráter não-financeiro hoje
existentes
445
.
Por fim, a compensação compulsória se mostra como sugestão
natural para evitar a necessidade de concordância do reclamado para sua
efetivação. Contudo, a imposição dessa obrigação não afastaria a possibilidade
de o reclamado simplesmente se recusar a oferecer compensação. Como bem
denota a crítica nesse sentido, uma vez descumpridor da obrigação principal de
implementar a decisão da OMC, nada impedirá o membro recalcitrante de
também deixar de cumprir o dever acessório de fornecer compensação
446
. Para
alguns autores o êxito na implementação do mecanismo compulsório também
exigiria a previsão do direito de o reclamante escolher os setores de realização da
compensação, o que poderia esbarrar em argumentos de soberania do
reclamado
447
. Como forma de contornar tais óbices, há quem aponte para a
negociação prévia pelos membros da OMC de determinados setores e formas de
compensação, oferecidos antecipadamente por cada um deles, e que poderiam
ser escolhidos pelo reclamante na hipótese de descumprimento
448
. Nessa esteira,
a compensação obrigatória de cunho monetário superaria a discussão, que
somente há se falar em setores para as concessões comerciais.
445
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 776. SUTHERLAND, P. et al. The future of the WTO: addressing institutional
challenges in the new millennium, cit., p. 54.
446
DAVEY, William J. Implementation in WTO dispute settlement: an introduction to the
problems and possible solutions, cit., p. 14.
447
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 107-108;
LAWRENCE, Robert Z. Crimes and punishments?: retaliation under the WTO, Washington:
Peterson Institute for International Economics, 2003, p. 81.
448
O mecanismo, preconizado como “contingent liberalization commitments”, é assim descrito pelo
autor: “WTO members would be given the option of offering a preauthorizing compensation
mechanism during the Doha Round negotiations. […] If a country offer is accepted, in the event it is
later found to have violated the agreement and failed to come into compliance, winning plaintiffs
would be authorized to select an equivalent package of concessions from the defendant’s
commitment”. LAWRENCE, Robert Z. Crimes and punishments?: retaliation under the WTO, cit.,
p. 86-89.
162
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
A compensação pode ser reputada como uma das medidas de
indução ao cumprimento que maior sintonia apresenta em face dos princípios do
sistema multilateral de comércio. As propostas para seu fortalecimento, portanto,
não desvirtuam mencionada harmonia. Alguns comentários, contudo, merecem
ser expendidos em relação à compensação financeira. A princípio, não parecem
existir razões especiais para que ela não seja abraçada pela conclusão de
conformidade, uma vez que é reiteradamente interpretada como medida não
restritiva ao comércio. Todavia, alguns especialistas atentam para o risco que ela
carrega de ignorar direitos de terceiros, em infração ao princípio da nação mais
favorecida
449
. Ou ainda, fragilizar os valores de previsibilidade e segurança do
sistema devido à ameaça de buy out
450
. A resposta a esses ataques vêm no
argumento de que, no primeiro caso, o pagamento da compensação não restringe
o direito que outros membros, eventualmente afetados pela violação, também têm
de requerer tratamento compensatório; e, na segunda ocasião, de que a medida
não perde seu caráter temporário e subsidiário em relação ao cumprimento
451
.
Pelo lado positivo, há quem argumente ser ela uma ferramenta de monitoramento
mais simples que as demais, já que se expressa em quantia financeira, ao
contrário das concessões comerciais
452
. No que diz respeito á compensação
progressiva, deve-se tomar cuidado para que ela não ultrapasse o montante dos
prejuízos, e com isso infringir a regra de equivalência insculpida no art. 22.6 do
ESC
453
.
449
O’CONNOR, Bernard; DJORDJEVIC, Margareta. Practical aspects of monetary compensation:
the US Copyright case. Journal of International Economic Law, N. 8, Oxford: Oxford
University Press, 2005, p. 127-142.
450
SUTHERLAND, P. et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new
millennium, cit., p. 54.
451
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 118-119.
452
PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a
more collective approach. The American Journal of International Law, cit., p. 346.
453
Salvo na hipótese de alteração dessa normas, permitindo compensações superiores aos danos
advindos da violação.
163
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC
O critério da aceitabilidade será individualmente apreciado em
relação a cada uma das propostas identificadas no presente tópico. Em primeiro
lugar, a noção de antecipação do procedimento para determinação dos prejuízos
se mostra bem recebida por número expressivo de membros, de variegada
composição econômica. Os PEDs, como México, Equador e Coréia, enunciam
alternativas ousadas, na medida em que o G6, e PDs como Japão e CE,
encaminham proposições mais conservadoras. Enquanto as primeiras, embora
salutares, não devem ser aceitas no curto-prazo, as segundas, que praticamente
positivam entendimentos óbvios, estão atualmente sob a mesa das negociações
da Sessão Especial do OSC que debate as prováveis emendas às regras de
pacificação de conflitos
454
. No que diz respeito ao adiantamento do momento da
compensação, a construção defendida pela delegação mexicana foi inserida,
entre colchetes, no recente texto consolidado do Chairman Saborío, o que permite
entrever boas chances dela se tornar parte integrante da evolução das normas da
OMC
455
. A mesma constatação pode ser efetuada em relação à definição do
prazo para resposta, principalmente em razão das limitadas conseqüências
impostas por sua eventual adoção.
A compensação obrigatória não atrai a simpatia da maioria dos
membros da Organização, salvo aqueles que patrocinaram a iniciativa de encerrá-
la em proposta formal no âmbito das negociações. No entanto, na medida em que
circunscreve a atuação das partes, não arrebata grande apoio, tendo limitadas
chances de prosperar. A compensação progressiva, apesar dos méritos, também
não tem demonstrado causar grande comoção até o momento. Sem embargo,
parece adequado vislumbrá-la como alternativa interessante para muitos dos
problemas enfrentados pela compensação, no que se recomenda sua adoção.
Por sua vez, a tarefa de aferir a aceitabilidade da compensação
monetária se mostra mais complexa. Em verdade, verifica-se certo desacordo até
mesmo quanto à possibilidade de sua aplicação a partir da redação atual do ESC,
uma vez que referido diploma não define expressamente o conceito de
454
Consolidação de propostas JOB(07)/135; Proposta Saborío JOB(08)/81.
455
Proposta Saborío JOB(08)/81.
164
compensação. Diante dessa lacuna, quem defenda que o mecanismo
prescinde de reformas no conjunto normativo da OMC, como comprovaria o
próprio caso US–Copyright Act
456
. Alguns autores argumentam que, embora tal
categoria de compensação não esteja explicitamente prevista, também não
estaria proibida pelas regras da entidade
457
. Por outro lado, posicionam-se
teóricos que entendem que a compensação financeira reclama necessariamente
emendas ao ESC, uma vez que sua autorização não poderia ser implicitamente
encontrada na ausência de proibição
458
. O Relatório Sutherland assevera que
tradicionalmente no direito internacional e no histórico do GATT/OMC as
compensações não se refletem em pagamentos monetários (cheque in the
mail)
459
. O exemplo ocorrido no contencioso US–Copyright Act não seria exceção,
mas resultado de negociações sob a alçada do art. 25, e não do art. 22
460
. A
razão parece assistir a esse segundo grupo. Não obstante, a reforma do ESC
seria importante, ao menos, para superar a celeuma, provendo certeza quanto a
prerrogativa de utilização de compensação financeira. Tanto é assim que a
própria delegação do México, partidária da primeira corrente, sugere mudanças
para explicitar tal possibilidade
461
.
Acerca da receptividade da proposição, afigura-se possível, com
algum grau de otimismo e ambição, entrever o sucesso de sua inclusão dentre as
mudanças a curto ou médio prazo. Por um lado, a medida conta com amplo apoio
456
Em interessante documento abordando problemas no sistema de resolução de controvérsias, o
México manifesta entendimento de que o atual art. 22.1 do ESC abrangeria a compensação
monetária. OMC. Diagnosis of the problems affecting the dispute settlement mechanism:
some ideas by Mexico. TN/DS/W/90, 16 de Julho de 2007, p.11.
457
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 631. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?:
an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political
economy of international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 631.
458
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 123-124.
459
SUTHERLAND, P. et al. The future of the WTO: addressing institutional challenges in the new
millennium, cit., p. 53.
460
BRONCKERS, Marco; BROEK, Naboth. Financial compensation in The WTO: improving the
remedies of WTO dispute settlement. Journal of International Economic Law, cit., p. 124;
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 24. Em sentido contrário: O’CONNOR, Bernard; DJORDJEVIC,
Margareta. Practical aspects of monetary compensation: the US Copyright case. Journal of
International Economic Law, cit., p. 127.
461
Cf. proposta TN/DS/W/91.
165
da doutrina especializada em comércio internacional. Joel Trachtman, por
exemplo, ao comentar desafios enfrentados pelos PEDs para uma participação
mais intensa nas controvérsias da OMC, referenda seu apoio à proposta
mexicana como possível solução
462
. Em relação à comunidade de membros, as
proposições são historicamente patrocinadas por PEDs, desde o primeiro
movimento no GATT, até os documentos atuais colocados em circulação pelo
México, Equador, Paquistão e Grupo dos PMDRs
463
. Por outro lado, até mesmo
uma perfunctória análise das manifestações das demais delegações deixa
depreender seu crescente apoio
464
. Não sem motivo, a compensação financeira
foi inserida na proposta apresentada por Peter Balas em 2003 como possível
texto-base para emendas ao ESC, assim como figura no último texto de
consolidação de propostas divulgado pelo atual Presidente do grupo negociador
na OMC, Embaixador Saborío Soto
465
. Por fim, a inclusão de mecanismos de
pagamento pecuniário em vários acordos internacionais de livre comércio
recentemente celebrados pelos Estados Unidos com parceiros como Chile,
Cingapura e Marrocos, bem como em acordos laterais do NAFTA, se coloca como
sinal evidente da gradual aceitabilidade da compensação monetária no cenário
internacional
466
.
4.4 SANÇÃO
Em consonância com o espírito do do no harm”, segundo o qual
modificações nas normas de pacificação de divergências da OMC não deveriam
alterar substancialmente seu formato atual, sob pena de ameaçar o apoio e
credibilidade conquistados; em atenção à constatação de que as sanções ainda
462
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 116.
463
Cf. notas de rodapé n.4223 e n.422.
464
O informativo preparado periodicamente pela delegação brasileira sobre as negociações na
OMC deixa transparecer que em reunião ocorrida em abril desse ano a CE, apesar de demonstrar
algumas reservas, manifestou que a proposta mexicana traz avanços na implementação efetiva
das decisões. No mesmo sentido, a Austrália também enxergou méritos no documento. Ministério
Das Relações Exteriores. Carta da Genebra, Genebra: Missão Permanente do Brasil em
Genebra, ano VII, vol. 4, junho de 2008, p.51.
465
Proposta Saborío JOB(08)/81.
466
DAVEY, William J. Implementation in WTO dispute settlement: an introduction to the
problems and possible solutions, cit., p. 28-29.
166
desempenham papel importante para o adequado funcionamento desse
mecanismo; e por inexistir alternativas suficientemente maduras para sua
completa substituição, os tópicos seguintes concentram-se no estudo do feixe de
propostas para aprimoramento da “suspensão de concessões ou outras
obrigações contidas nos acordos da OMC”, comumente conhecida como
retaliação. Ao contrário da metodologia até aqui levada a efeito, mediante a qual,
após a apresentação de todas as propostas, se conduz o exame conjunto de suas
peculiaridades, no presente tópico, cada proposta será apreciada separadamente
de maneira a obter uma apresentação mais didática.
4.4.1 FORTALECIMENTO DA AMEAÇA DE SANÇÃO
4.4.1.1 APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA
Costuma-se afirmar que o caráter indutor da ameça de sanção, na
maioria dos casos, demonstra-se superior àquele emanado por sua concreta
aplicação. Ou ainda, que as retaliações na esfera da OMC são projetadas para
estimular o cumprimento, notadamente por meio de sua ameaça. Nessa esteira,
Giorgio Sacerdoti expõe que a mera possibilidade de aplicar retaliações
contribui para a efetivação voluntária das decisões
467
.
A relevância da medida também seria corroborada pela
observação de que, muitas vezes, as sanções são efetivadas com o objetivo
principal de conferir credibilidade às ameaças do reclamante
468
. Busca-se deixar
claro para a comunidade internacional que suas declarações não são vazias, e
que, em não havendo cumprimento por seu adversário, ele estará disposto a
percorrer todas as instâncias previstas na OMC para fazer valer seu direito. A
título ilustrativo, o Canadá, ao impor 100% de tarifas sobre a importação de certos
467
OMC. 2007 WTO Public Forum: how can the WTO help harness globalization, cit., p. 107. Na
mesma esteira, o Prof. Alberto do Amaral Jr. entende que a ameaça de sanção é fator capaz de
induzir a obediência. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC, cit., p.
114.
468
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.22.
167
produtos da CE, em resposta a sua inadimplência, deixou clara sua intenção no
próprio diploma normativo que instituiu a medida: “While the withdrawal of tariff
concessions to the EU will likely prohibit $11.3 million in trade, a failure to take
such action would leave open doors for countries to take trade restriction actions
against Canada without fear of recourse”
469
.
A partir dessas ponderações, importa averiguar a existência de
propostas para incrementar a eficácia da ameaça de retaliação, especialmente
quando se constata sua fragilidade na estrutura do sistema de solução de
controvérsias da OMC. Devido à aparente contradição cronológica das normas do
art. 22 do ESC, concebida como “sequencing”, o reclamante fica obrigado a
exteriorizar sua vontade de retaliar em até trinta dias após o fim do prazo razoável
para cumprimento, muito embora tal pedido, em regra, somente possa ser
apreciado ao final de referido painel que necessariamente leva mais do que
trinta dias
470
. Como conseqüência, os litigantes costumam firmar acordos
bilaterais para que mencionado requerimento de sanções seja suspenso, e possa
ser ulteriormente examinado após a conclusão dos trabalhos do painel de
implementação. Em termos práticos, o resultado desse procedimento é que o
reclamante apresenta pedido de sanções apenas para reservar seu futuro direito,
e não quando realmente detém a intenção de retaliar. A formalização do pedido
de sanções perde força enquanto instrumento de indução, uma vez que recebida
não como ameaça séria, mas como parte de um procedimento quase
autômato
471
. Afinal, a interpretação predominante é de que caso o reclamante
assim não proceda, perderá o direito de aprovação automática pelo OSC de seu
469
Canada Gazette. European Union Surtax Order. 28 July 1999, Vol. 133, No. 17, SOR/99-317,
p. 2015.
470
Em breves linhas, o art. 22.6 do ESC determina que a autorização para retaliar deve ser
assegurada dentro de 30 dias após o decurso do prazo razoável. Por sua vez, o art. 22.2
prescreve que a solicitação para retaliar somente pode ocorrer na hipótese de descumprimento
das determinações do OSC, o que, em regra, dever ser declarado pelo painel de implementação,
que necessariamente leva mais de 30 dias para se desincumbir de seu mister. Assim sendo, antes
mesmo da decisão do painel de implementação, o reclamante deve encaminhar pedido de sanção,
como forma de assegurar sua posterior ocorrência.
471
“The mere fact that a complaining Member puts a request for authorization to retaliate on the
DSB's agenda is therefore not necessarily a reliable indicator of that Member's willingness to
impose retaliatory measures.” MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation:
suggestions for possible additional procedural rules governing members' preparation and adoption
of retaliatory measures. Journal of World Trade, cit., p. p.9.
168
pedido de sanção, que passa a ficar condicionado, em momento posterior, ao
consenso positivo dos membros.
A solução apontada para o problema da ameaça de sanção é
simples, e se encerra em pequenos ajustes na redação do ESC. Variadas
propostas contornam essa falha por meio da supressão da menção ao prazo de
trinta dias para requerimento de sanções no texto do art. 22.6
472
. Extinguindo-se
referido limitador temporal, o reclamante ficaria livre para formalizar sua intenção
de retaliar no momento político que entendesse mais oportuno para pressionar o
reclamado. Ademais, o movimento passaria a ser percebido pelo membro
renitente como ameaça iminente e sincera de retaliação, que tenderá a se
consumar caso ele se recuse a conformar sua conduta com a decisão da OMC.
4.4.1.2 ANÁLISE DA PROPOSTA
a) Custos para o reclamante
O fortalecimento da ameaça de sanção não ocasiona custos
econômicos imediatos para o reclamante, uma vez que a medida retaliatória,
enquanto permanece no plano abstrato, não tem o condão de impor efeitos
restritivos ao seu comércio. A imunidade, entretanto, não se estende à esfera
política, vez que o prenúncio da aplicação de sanções pode ser suficiente para
abalar seu relacionamento bilateral com o potencial retaliado
473
. De qualquer
maneira, em um balanço global, os impactos negativos da medida tendem a ser
inferiores do que aqueles inerentes à concreta utilização das sanções.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
A alteração sugerida permite que a ameaça de aplicação de
sanção seja efetivamente levada a sério por seus possíveis destinatários. A
conseqüência é a intensificação do caráter de indução ao cumprimento promovido
472
Balas Text, Art. 22.6; Proposta da CE TN/DS/W/1, Art. 21.3bis; Proposta do Japão
TN/DS/W/32, Art. 22.1; Proposta do G6 (JOB(04)/52/Rev.1); Proposta conjunta da CE e Japão
(JOB(05)71/Rev.1); Proposta Saborío JOB(08)/81.
473
Caso isso ocorra, será possível a superveniência de impactos de ordem econômica.
169
pela manobra. A sinalização do intento de retaliar poderá despertar, ou mesmo
intensificar, o apoio de oficiais e grupos de interesses privados do reclamado no
sentido de exigir o ajuste da conduta de seu governo, com o fim último de evitar a
sanção anunciada. Deverá atrair, ainda, a atenção da comunidade internacional
para a situação de desrespeito a suas normas, aumentando a pressão sobre o
retaliado. Comprovam o poder de disuasão da ameaça os inúmeros conflitos em
que a implementação da decisão, ou uma solução mutuamente satisfatória, se
seguiram imediatamente após o encaminhamento do pedido de retaliação
474
, ou
até mesmo antes dele
475
. Nesse sentido é que a concreta aplicação de sanções
chega a ser reputada como o anticlímax da ameaça, com resultados políticos
inferiores em termos de indução ao cumprimento
476
.
c) Reflexos para setores privados
Os prejuízos sofridos pelos setores privados do reclamante não
são imediatamente mitigados pela ameaça de sanção, muito embora a ferramenta
contribua para o fim último por eles almejado, qual seja, a correção da obstrução
às normas da OMC. Em relação aos segmentos privados do reclamado
envolvidos na transgressão, inexiste certeza de que a ameaça alcançará seus
interesses.
d) Aplicabilidade da medida
A ameaça de sanção recai exclusivamente sob a
discricionariedade do reclamante, sem qualquer necessidade de intervenção do
demandado. A proposta de modificação acima referida não interfere nessa
característica. No que diz respeito ao presente critério, portanto, a medida revela-
se extremamente positiva.
474
Malacrida entrevê a influência preponderante da ameaça de sanção para o êxito no desfecho
dos seguintes contenciosos: Australia-Salmon, Canada-Dairy, US-1916 Act, Japan-Apples, US-
Softwood Lumber IV, US-Softwood Lumber V e US-Softwood Lumber VI. MALACRIDA, Reto.
Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible additional procedural rules
governing members' preparation and adoption of retaliatory measures. Journal of World Trade,
cit., p. p. 9.
475
Nessa categoria Malacrida coloca Canada-Periodicals e Australia-Leather. MALACRIDA, Reto.
Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible additional procedural rules
governing members' preparation and adoption of retaliatory measures. Journal of World Trade,
cit., p. 10.
476
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p. 22.
170
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
Na medida em que a ameaça de sanção se circunscreve ao plano
abstrato, seus efeitos restritivos ao comércio são bastante reduzidos quando
comparados ao da retaliação propriamente dita. Sem embargo, a mera conjectura
sobre a aplicação da sanção é suficiente para provocar imprevisibilidade e
insegurança nas relações entre as partes, o que fere os postulados do sistema
multilateral de comércio. A sugestão de reforma no art. 22.6 do ESC não remedia
tais defeitos, fazendo com que a ameaça continue com o potencial de romper a
harmonia de aludidos princípios.
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC
A modificação do ESC necessária para a introdução da proposta
é pontual, e sua aceitação é praticamente pacífica no âmbito da OMC,
notadamente porque integra o conjunto de mudanças recomendadas pelos
membros para solucionar o problema de longa data conhecido como
sequencing”. Virtualmente todas as propostas que abordam mencionada
contradição veiculam a eliminação do prazo de trinta dias para a manifestação do
pedido de retaliação
477
.
4.4.2 FORTALECIMENTO DA RETALIAÇÃO CRUZADA
4.4.2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para os fins de aplicação de medidas coercitivas, a estrutura
normativa da OMC é dividida em três grandes conjuntos, correspondentes às
principais matérias nela regulamentadas: bens, serviços e propriedade
intelectual
478
. Cada um desses acordos, por sua vez, se desdobra em setores
477
Cf. nota de rodapé n. 472
478
ESC, Art. 22.3(f). O conjunto de bens diz respeito aos tratados constantes do Anexo 1A do
Acordo Constitutivo da OMC (v.g. GATT 1994, Acordo de Agricultura, Acordo sobre a Aplicação de
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio e Acordo de
171
distintos, agrupados em razão de suas características
479
. Enquanto a sanção
convencional deve recair sobre o mesmo setor em que se verificou a ruptura das
normas do sistema multilateral de comércio, a retaliação cruzada consiste na
possibilidade de se efetivar sanção em setor ou acordo distintos.
Suas origens datam das negociações da Rodada Uruguai, e se
fundamentam no anseio dos PDs em assegurar a eficácia de decisões versando
sobre serviços e PI. Constatando a inexpressiva atuação comercial dos PEDs
nessas áreas, os membros economicamente mais fortes se esforçaram para que
o desrespeito ao GATS - General Agreement on Trade in Services
480
, e
principalmente ao TRIPS Trade- related aspects of intellectual property rights
481
,
pudesse ser legalmente respondido com sanções em bens (GATT). Caso
contrário, alegavam, a medida restaria inviabilizada. A manobra foi fortemente
oposta pelos PEDs, que temiam sofrer represálias em suas exportações por
inobservância de obrigações no pouco familiar terreno da PI propriedade
intelectual
482
. Apesar dos interesses antagônicos, prevaleceu a vontade dos PDs,
que conseguiram incluir no art. 22.3 do ESC o direito de retaliação cruzada. A
pressão exercida pelos PEDs, por seu turno, resultou na imposição de pré-
requisitos para a concretização da medida, exigindo-se a impraticabilidade ou
ineficácia da retaliação horizontal, e, em alguns casos, a existência de
circunstâncias fáticas suficientemente sérias
483
.
Antidumping), bem como os acordos plurilaterais que integram o Anexo 4. O acordo sobre
serviços trata-se do GATS Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (Anexo 1B). Por fim, os
direitos de propriedade intelectual estão encerrados no TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Anexo 1C).
479
ESC, Art. 22.3(f). A área de bens é interpretada como um bloco indivisível, sem distinções em
seu interior. Já o acordo de serviços segmenta-se em 11 (onze) setores (v.g. serviços de empresa,
comunicação, distribuição, educacionais, financeiros e transporte), e os direitos de PI se
subdividem em 9 (nove) segmentos (v.g. direitos do autor, marcas e patentes).
480
Acordo Geral sobre Comércio de Serviços.
481
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio.
482
CROOME, John. Reshaping the world trading system: a history of the Uruguay Round.
Geneva: OMC, 1998, p. 113; 278-282.
483
“Paradoxically, in the Uruguay Round, it was the developing countries, fearing that cross-
retaliation would be used against them to enforce obligations on TRIPS and GATS, which
negotiated the present ‘safeguards’ into the DSU. As this paper implies, these ‘safeguards’ are of
course counterproductive to their interests”. SUBRAMANIAN, Arvind; WATAL Jayashree. 2000.
“Can TRIPS Serve as an Enforcement Device for Developing Countries in the WTO?”. Journal of
International Economic Law, v. 3, n. 3, Oxford: Oxford University Press, p. 410.
172
Ao pleitear o direito de retaliação cruzada, no entanto, os PDs não
anteciparam que ele poderia representar uma via de mão dupla, passível de
utilização contrária aos seus interesses. Em divergências envolvendo o GATT, por
exemplo, os PEDs teriam a chance de pressionar os PDs por ameaças aos seus
serviços ou direitos incorpóreos de PI
484
. Em verdade, nem mesmo os PEDs
vislumbraram essa alternativa, rejeitando com veemência as investidas daqueles
que patrocinavam a proposta de retaliação cruzada. Sem conseguir impedí-las, os
PEDs reclamaram então o levantamento de barreiras que dificultassem sua
ocorrência. A resistência causada por essa interpretação limitada de que o
mecanismo somente aproveitaria aos PDs, permaneceu mesmo depois da
conclusão da Rodada, como se depreende da proposta elaborada pelo Paquistão
em 1999, defendendo a revogação do instituto
485
.
As vantagens para os PEDs ensejadas pela retaliação cruzada
somente começaram a ser exploradas quando o Equador resolveu solicitar, no
contexto da disputa EC-Bananas III (Ecuador), autorização inédita para suspender
obrigações consubstanciadas no TRIPS, sob o argumento de que a CE não teria
corrigido seu regime discriminatório de importação, venda e distribuição de
bananas. Muito embora o país latino-americano tenha deixado de efetivar seu
direito, a controvérsia se tornou paradigmática, revelando os benefícios da
retaliação cruzada para a promoção dos interesses dos PEDs. Os elogios
manifestados na reunião do OSC que sucedeu à aprovação do pedido
equatoriano demonstra essa importante repercussão
486
. O panorama voltou a se
repetir em US Gambling, quando se autorizou Antígua e Barbuda a retaliar os
484
“This use of cross-retaliation was not foreseen by negotiators in the Uruguay Round, who had
envisaged cross-retaliation as an instrument to enforce the TRIPS agreement (since developing
countries were not major exporters of intellectual property–intensive goods) rather than as a
vehicle for developing country retaliation”. HUDEC, Robert. Developing countries in the
GATT/WTO legal system, p. 106.
485
Ver proposta WT/GC/W/162, p.3.
486
Ressalta-se o registro do representantes da Guatemala, que aponta a felicidade de seu país
em perceber que “not only the dispute settlement procedure was available to developing countries,
but that the drafters had considered the need for a suitable and effective solution to ensure that the
results of such proceedings were not merely theoretical. Na mesma esteira, o diplomata de
Honduras enaltece que “Even those Members who could not withdraw tariff concessions because
of their weak economies could take measures in other sectors. This had given some breathing
space to the multilateral trading system.” E até mesmo a delegação dos Estados Unidos manifesta
que “One of the central elements of the Uruguay Round package was the ultimate right of a
Member to cross-retaliate when it considered it necessary under Article 22.3 of the DSU”. OMC.
Dispute settlement body: minutes of meeting. WT/DSB/M/78. 12 May 2000. Geneva: OMC.
173
Estados Unidos em PI e serviços de comunicação, sendo que o litígio envolvia
infrações em serviços de jogos de azar e apostas online
487
. Por fim, também o
Brasil ensaiou a manobra, formulando requerimento para aplicar sanções em
serviços e PI em resposta à manutenção de subsídios ilegais concedidos pelos
Estados Unidos para sua produção de algodão, conforme reconhecido em US
Upland Cotton
488
.
4.4.2.2 APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
489
Resultados mais eficazes na indução ao cumprimento de
decisões benéficas aos PEDs não estão condicionados a mudanças nas normas
do sistema de controvérsias da OMC. O melhor aproveitamento de seus
mecanismos também poderá garantir bons frutos. A retaliação cruzada, por
exemplo, especialmente na área de PI, se erige como instrumento que, utilizado
de forma mais recorrente, poderá resguardar os interesses de membros de menor
estatura econômica. O histórico da OMC registra apenas três pedidos de
retaliação cruzada, dos quais somente dois foram apreciados
490
. Além disso, em
nenhum deles os reclamantes concretizaram a medida, fazendo com que ela
ainda hoje permaneça cinscunscrita ao plano teórico. Conclui-se, portanto, que
existe amplo terreno a ser explorado para a descoberta das potencialidades da
retaliação cruzada, sendo necessário melhor definir a interpretação reservada aos
pré-requisitos de sua aplicação (v.g. impraticabilidade ou ineficácia), bem como
examinar seus efeitos práticos (v.g. necessidade de legislação doméstica
487
Ver documento WT/DS285/22.
488
Ver documentos WT/DS267/21 e WT/DS267/26
489
Considerando que as principais propostas, as maiores promessas, e as mais interessantes
peculiaridades dizem respeito à retaliação cruzada em PI, essa será a modalidade selecionada
para análise nos tópicos 5.2.2 e 5.2.3. A retaliação cruzada em serviços não será objeto de
considerações específicas.
490
A análise dos dois requerimentos feitos no contexto do contensioso US-Upland Cotton (em
relação aos subsídios proibidos e aos recorríveis) foram suspensas por mútuo acordo entre as
partes com o objetivo de conduzir o painel de implementação. Apenas agora, após a adoção de
sua decisão final pelo OSC, é que o Brasil irá reapresentar pedido para aplicar retaliações
cruzadas.
174
específica, conflito com outros acordos internacionais de PI, problemas
decorrentes da suspensão desses direitos)
491
.
Por outro lado, vale mencionar que também existe um conjunto de
iniciativas para reformar as regras concernentes à aplicação da retaliação
cruzada, notadamente com o escopo de sua facilitação. Nesse sentido, ressaltam-
se as propostas sobre tratamento especial e diferenciado para PEDs, que lhes
outorgariam completa liberdade na escolha dos setores para retaliar, sob a
justificativa de que as exigências atuais delineadas no art. 22:3 do ESC impõem
ônus excessivos
492
. O benefício, em consonância com essas proposições, seria
limitado aos PEDs, não sendo aplicável quando o pólo ativo é ocupado por PDs.
4.4.2.3 ANÁLISE DAS PROPOSTAS
a) Custos para o reclamante
Em tese, a retaliação cruzada em PI ameniza os efeitos colaterais
de ordem econômica característicos da sanção tradicional, uma vez que, ao invés
de aumentar, reduz os custos de aquisição dos bens por ela atingidos, isentando-
os do pagamento de direitos de PI incidentes
493
. Como corolário, o consumo
interno desses produtos tende a aumentar, com possíveis efeitos positivos para a
indústria cultural, bem como para o desenvolvimento, produção e domínio de
tecnologias no território nacional
494
. Um exemplo seria a possibilidade de
491
Para maiores detalhes sobre as interpretações do OSC sobre os requisitos para aplicação de
retaliações cruzadas, bem como os desdobramentos práticos de sua adoção, ver ÁRABE NETO,
Abrão M.; ARBIX, Daniel. Retaliação cruzada em propriedade intelectual: alternativa para uma
atuação mais eficaz dos Países em Desenvolvimento no sistema de solução de controvérsias da
OMC, cit.
492
Ver proposta TN/DS/W/19 (Cuba, Honduras, Índia, Indonésia, Malásia, Paquistão, Sri Lanka,
Tanzânia e Zimbábue); proposta TN/DS/W/47 (Cuba, Honduras, Índia, Jamaica, Malásia e
República Dominicana); e proposta JOB(06)/222 (Cuba, Egito, Índia, Malásia e Paquistão).
493
In the case of TRIPS retaliation, denying foreign IP rights, at least in the short run, results in
assets being available at a lower price, i.e. has the opposite effect of a retaliatory tariff”. OMC.
World trade report 2007: six decades of multilateral trade cooperation: what have we learnt?.
Genebra: WTO Publications, 2008, p. 285, nota n. 239. Disponível em
<http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/ world_trade_report07_e.pdf> Acesso em
15/09/2008.
494
“Another added value lies in the potential to generate positive welfare effects: if implemented
wisely, suspending TRIPS obligations can create temporary policy space for designing the
domestic intellectual property regime in a way that facilitates technological development and
175
fabricação de medicamentos ou divulgação de conhecimentos com menores
custos, o que incrementaria o bem-estar dos cidadãos situados no reclamante.
Em contrapartida, podem ocorrer impactos negativos sobre a capacidade do
membro em atrair investimentos, posto que a retaliação gera insegurança para o
fluxo internacional de capitais. A adoção da medida também pode gerar fortes
atritos na esfera política, devido ao enorme poder concentrado pelos
representantes da indústria de bens intelectuais, bem como pela atenção que ela
é capaz de atrair na comunidade internacional e no interior do retaliado
495
.
Na proporção em que as mudanças defendidas pelos PEDs
facilitariam o uso da retaliação cruzada, pode-se dizer que sua aprovação
atenuaria os custos econômicos que eles se sujeitam, posto que não teriam a
necessidade de recorrer à retaliação convencional.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
A retaliação cruzada em PI revela enorme capacidade para reunir
grupos de apoio para o cumprimento, especialmente em razão da sensibilidade
política da pauta “propriedade intelectual”, e da articulação e força dos setores
que a detêm
496
. Basta, para ilustrar a assertiva, fazer menção aos segmentos
farmacêutico, da tecnologia da informação e da indústria do entretenimento.
Esses setores, uma vez afetados, ou meramente ameaçados, tendem a exercer
enorme pressão na forma de lobby e de outros canais de ação sobre seu
governo, exigindo a correção da conduta desconforme.
Subramanian e Watal afirmam que, ao contrário da retaliação
convencional, que atinge muitos fornecedores, a suspensão de obrigações em
domestic innovation through imitation and technological learning”. RUSE-KHAN, Henning Grosse.
Suspending IP obligations under TRIPS: a viable alternative to enforce prevailing WTO rulings?.
Center for International Environmental Law, April 2008, p.1.
495
A mera expectativa de retaliações cruzadas no contencioso do algodão foi suficiente para que
representantes da indústria dos Estados Unidos acusassem o Brasil de pretender oficializar a
“pirataria de Estado”. Alguns especialistas ouvidos pelo Los Angeles Times”, previram, ainda,
uma reação agressiva desse país, caso retaliado. Valor Econômico. Quebra de patente pode
virar arma. Sergio Leo. 14 Junho 2005. Caderno Agronegócios.
496
Ressaltando sua relevância, Ruse-Khan anota que direitos de PI são “often the main asset of
most advanced, high technology industries since more and more products and services are to
some extent protected by various IP rights (such as patents, copyrights, industrial designs,
geographical indications or trademarks).” RUSE-KHAN, Henning Grosse. Suspending IP
obligations under TRIPS: a viable alternative to enforce prevailing WTO rulings?, cit., , p. 2.
176
TRIPS revela habilidade para selecionar empresas específicas, assim como
costuma ocorrer em investigações antidumping, o que permitiria a seleção de
grupos de pressão ativos, dotados de recursos econômicos e peso político
relevantes
497
. Nesse sentido, é possível remeter para a disputa EC Bananas III
(Ecuador), na qual o governo equatoriano, ao solicitar permissão para retaliação
cruzada, indicou direitos específicos, que entendia sensíveis para indústrias
vocais dos países europeus afetados. Por outro lado, deixou de lado países que
haviam sido contrários à manutenção do regime de bananas contestado na OMC,
como Holanda e Dinamarca. Essa possibilidade de escolha de alvos “jurídicos”
permite transmitir uma mensagem política clara aos defensores da violação
498
.
Outra vantagem da ferramenta é que seus destinatários não têm
como se esquivar de seu alcance, sofrendo efetivamente seus efeitos deletérios.
Não é possível simplesmente desviar parcela da produção para outros mercados,
como fariam fabricantes de bens, ou prestadores de serviços. Apesar de sua
potencialidade, resta a advertência de que a medida não deve ser superestimada.
Não obstante possa aumentar o grau de indução ao cumprimento exercido por
PEDs, as limitações aos membros com poderio político e econômico reduzido
tendem a subsistir em controvérsias contra as principais potências internacionais.
Na medida em que as propostas atualmente divulgadas pelos membros da OMC
facilitam a aplicação de retaliação cruzada por PEDs, verificam-se reflexos
positivos em sua capacidade para reunir apoio a seu favor.
c) Reflexos para setores privados
A ocorrência de reflexos positivos para os interesses privados
lesados pela ofensa das normas da OMC dependerá de certa dose de criatividade
497
SUBRAMANIAN, Arvind; WATAL Jayashree. 2000. “Can TRIPS Serve as an Enforcement
Device for Developing Countries in the WTO?”. Journal of International Economic Law, cit., p.
407-408.
498
ÁRABE NETO, Abrão M.; ARBIX, Daniel. Retaliação cruzada em propriedade intelectual:
alternativa para uma atuação mais eficaz dos Países em Desenvolvimento no sistema de solução
de controvérsias da OMC, cit., p. 28. No mesmo sentido Smith assenta que “Ecuador was careful
to restrict its targets to categories of intellectual property in which there was little or no technology
transfer, so as not to jeopardize its access to valuable technologies. Music and alcohol, after all,
are the functional equivalent of consumer non-durables in the context of intellectual property.
SMITH, James M. Compliance Bargaining in the WTO: Ecuador and the Bananas Dispute.
Trabalho apresentado à Conference on Developing Countries and the Trade Negotiation Process –
UNCTAD (November 2003), p.15. Disponível em <http://www.ruig-gian.org/ressources/dupont-
Smith.pdf> Acesso em 10/09/2007.
177
do retaliante na busca por direitos de PI que possam atenuar seus danos. A título
exemplificativo, no contencioso US Upland Cotton, uma opção aventada seria a
suspensão do pagamento de royalties sobre cultivares de algodão, insumos ou
tecnologias de produção relacionadas ao setor cotonicultor (v.g. agrotóxicos e
fertilizantes)
499
. No que diz respeito aos setores privados do reclamado, a medida
raramente deixará de ensejar distorções: as retaliações são cruzadas, é dizer,
invariavelmente aplicadas em setores, ou mesmo acordos, sem envolvimento na
infração condenada pela OMC. As partes afetadas pela contramedida do
reclamante até poderão apresentar pontos de contato com o setor responsável
pela violação (v.g. hipótese em que os produtores subsidiados de algodão são
detentores dos direitos de propriedade de novas espécies da planta, ou têm
participação acionária nos fabricantes de herbicidas). Todavia, dificilmente essa
situação terá lugar com frequencia no mundo real. Importa salientar que as
propostas encaminhadas pelos membros da OMC para reforma da retaliação
cruzada não modificam o diagnóstico apresentado no presente critério.
d) Aplicabilidade da medida
A retaliação cruzada partilha da característica de unilateralidade
comum às sanções. Assim, as vantagens descritas no capítulo 3 acerca de sua
aplicabilidade podem ser parcialmente estendidas à retaliação cruzada,
ressalvando-se a existência de alguns limitadores
500
. Em primeiro lugar, sua
permissão exige a comprovação de “impraticabilidade” ou “ineficácia” da sanção
convencional. Caso a medida tencione exceder os lindes do acordo
desrespeitado, para alcançar outros acordos, é necessária ainda a verificação de
circunstâncias suficientemente graves. Ademais, existe uma série de fatores que
precisam ser observados, como (a) o comércio relativo ao setor ou acordo no qual
ocorreu a violação, (b) a respectiva importância desse comércio para o
reclamante, (c) os elementos econômicos gerais decorrentes do ato trangressor, e
(d) as conseqüências econômicas gerais da sanção pretendida. Considerando
499
Sugestão feita pelo presidente da ABRAPA. Valor Econômico. País vence disputa por
algodão e pode retaliar Estados Unidos. Sergio Leo. 3 Junho 2008.
500
Em posição contrária, Ruse-Khan entende que os requisitos para efetivação da retaliação
cruzada são fáceis de serem atendidos, não impondo restrições substanciais para os PEDs. A
pirate of the Caribbean?: the attractions of suspending TRIPS obligations. Journal of
International Economic Law, N. 11, Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 314-318.
178
que as propostas mencionadas acima visam justamente eliminar tais limitadores,
seu resultado facilitaria a aplicabilidade da retaliação cruzada por PEDs
501
.
Outra restrição atual ao manejo do mecanismo se encontra na
necessidade de legislação interna para regulamentar a suspensão de obrigações
do TRIPS, de maneira que seja lícita a interferência estatal sobre direitos
previamente assegurados pela lei de PI do retaliante. Não restam dúvidas de que
a competência para se desimcumbir dessa determinação não ultrapassa as
fronteiras do próprio reclamante. Todavia, a elaboração e aprovação de diploma
normativo costuma repontar como óbice de difícil transposição, que prejudica a
aplicabilidade da medida. Nesse sentido, Subramanian e Watal sustentam que o
principal obstáculo para o uso da retaliação em TRIPS pode residir não na OMC,
mas na falta de previsão legal específica no arcabouço jurídico dos PEDs,
enquanto potenciais aplicadores do instrumento
502
. Essa a presente situação no
Brasil, onde tramitam projetos legislativos para introduzir tal dispositivo no texto
da Lei de Propriedade Intelectual (Lei n. 9.279/96), cujo incentivo pode ser
encontrado na intenção de viabilizar medidas dessa natureza no âmbito da
controvérsia US–Upland Cotton)
503
. Por fim, acrescenta-se que a retaliação deve
se mostrar em consonância com as normas internacionais, evitando-se eventuais
ilícitos de direito internacional público, notadamente em razão da extensa malha
de tratados que regulamentam a PI. As sugestões de mudanças patrocinadas
501
Malacrida sustenta que essas propostas reduziriam o custo “To the extent that this proposal
would reduce the cost of retaliation and this reduction of cost would have a positive impact on
developing country Members' willingness to retaliate, the proposal would make retaliation a more
useful enforcement mechanism for this subset of Members”. MALACRIDA, Reto. Towards sounder
and fairer WTO retaliation: suggestions for possible additional procedural rules governing
members' preparation and adoption of retaliatory measures. Journal of World Trade, cit., p. 20-
21.
502
SUBRAMANIAN, Arvind; WATAL Jayashree. 2000. “Can TRIPS Serve as an Enforcement
Device for Developing Countries in the WTO?”. Journal of International Economic Law, cit., p.
415.
503
Existem em trâmite atualmente na Câmara dos Deputados dois projetos de lei sobre a matéria.
O primeiro, PL 5489/2005, de autoria do Deputado Fernando Gabeira (PV/RJ), busca “estabelecer
a suspensão temporária dos direitos patentários” nas hipóteses de “descumprimento dos
compromissos assumidos na OMC”. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/318181.pdf>. Acesso em 14.08.2008. O segundo,
assinado pelo Deputado Paulo Teixeira (PT/SP), se traduz no PL 1893/2007 que “dispõe sobre
medidas de suspensão e diluição temporárias ou extinção da proteção de direitos de propriedade
intelectual no Brasil em caso de descumprimento de obrigações multilaterais por Estado
estrangeiro no âmbito da Organização Mundial do Comércio.” Disponível em
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/497234.pdf>. Acesso em 15.08.2008.
179
pela propostas existentes até o momento não influenciam quaisquer dessas
características.
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
O instituto da retaliação cruzada em PI é alvo de críticas
contundentes por perturbar a sintonia dos postulados do sistema multilateral de
comércio. Sua concretização atenta contra os valores de previsibilidade e
segurança do comércio internacional. Ademais, ao impor restrições
discriminatórias para determinados direitos de propriedade situados no
reclamado, ela acaba por romper com o postulado do tratamento nacional, um
dos fundamentos estruturais do Acordo TRIPS (art. 3º). Nesse contexto, Nuno
Carvalho adverte que o instituto não passaria de uma “falsa solução” para os
PEDs, não apenas porque seriam obrigados a suspender as patentes de seus
próprios cidadãos, em atenção ao princípio do tratamento nacional, mas também
por ensejar represálias fora do âmbito da OMC, com fundamento na Convenção
de Paris, por eventual ofensa aos direitos de PI de nacionais de outros membros
não envolvidos na controvérsia
504
. Convém salientar que essas distorções não
seriam reparadas pelas propostas hoje em debate no âmbito das reformas das
normas contidas no ESC.
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC
A recomendação para se incentivar o uso da retaliação cruzada
como instrumento de resguardo dos interesses dos PEDs pode ser implementada
por duas vias. A primeira corresponde à modificação da postura dos membros da
OMC, e não de suas normas. O instituto, tal qual delineado atualmente, poderia
ser melhor explorado pelos reclamantes, especialmente PEDs. Nesse viés, o
presente critério se mostra irrelevante. Situação diversa, no entanto, se verifica
em relação às propostas para eliminar a hierarquia vigente no contexto das
sanções, elevando a retaliação cruzada ao mesmo patamar de sua vertente
convencional por meio da supressão das exigência do art. 22.3 do ESC ao
504
CARVALHO, Nuno Pires. Entrevista. E-mail, 16.07.2008. Nuno Carvalho exerce o cargo de
Acting Director do Departamento Legislativo para Políticas Públicas e Desenvolvimento da OMPI
180
menos para PEDs. Impende registrar que o documento nesse sentido
apresentado por Cuba, Egito, Índia, Malásia e Paquistão
505
foi incluído, mesmo
que em colchetes, no texto base para os trabalhos do grupo negociador de
reformas no ESC.
506
Certamente sua aceitação sofrerá considerável resistência
pelos PDs, que seriam os principais membros a arcar com o fortalecimento da
retaliação cruzada, notadamente em PI. Considerando o poder e influência dos
detentores de bens intelectuais, pode-se antecipar que, apesar de factível, a
concretização de referidos avanços exigirá substancial capital negociador por
parte de seus defensores.
4.5 RETALIAÇÃO COLETIVA
4.5.1 APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
A proposta a favor da retaliação coletiva foi lançada em 1965, no
âmbito do GATT
507
. Sua motivação em sintonia com aquela verificada na
compensação financeira, que aparece na mesma época residia na dificuldade
enfrentada pelos atores de menor inserção internacional para assegurar seus
direitos em face de PDs. Diante da alegada injustiça do sistema bilateral de
sanções, de restrita aplicabilidade por PEDs, notadamente em razão de seus
efeitos colaterais, surge a idéia do caráter coletivo da retaliação: múltiplas partes
atuariam em conjunto para, na medida de suas possibilidades, efetivar sanções.
O objetivo de induzir o cumprimento seria alcançado pela soma de ações
individuais. Dessa maneira, a posição desfavorável enfrentada por PMDs e PEDs
no emprego de sanções seria corrigida pelo compartilhamento de seus ônus, bem
como potencialização de suas vantagens para o demandante.
Subjacente a essa proposta, vislumbra-se a percepção da norma
do sistema multilateral de comércio como bem comum da coletividade
505
Proposta JOB(06)/222, Corr.1.
506
Proposta Saborío JOB(08)/81.
507
Ver documentos COM.TD/F/W.1 e COM.TD/F/W.4.
181
internacional. O desrespeito ao seu conteúdo passa a ser interpretado como
prejudicial a todos. Assim sendo, na medida em que as decisões do mecanismo
de controvérsias da OMC reparam essa conduta transviada, o estímulo ao seu
cumprimento se erige ao patamar de dever coletivo, que aproveita à integralidade
dos membros. Fala-se, por conseguinte, no “princípio da responsabilidade
coletiva”
508
. Mesmo que a infração prejudique diretamente apenas um indivíduo,
seus reflexos mediatos alcançam os demais membros, pois ameaça a
credibilidade e efetividade do sistema como um todo. Em consonância com Cho,
a violação da norma somente pode ser suprimida com a reafirmação do sistema
normativo ofendido
509
. Na perspectiva ora apresentada, essa tarefa recairia sobre
todos os membros indistintamente.
Apesar de suas vestutas raízes, o instituto ainda encontra
substancial representação na OMC, como se observa em várias propostas
distribuídas entre os membros. Algumas delas introduzem a automaticidade da
medida coletiva em litígios envolvendo PMDs ou PEDs, como decorrência de
tratamento especial e diferenciado
510
. Outras assinalam a possibilidade de
“retaliação em larga escala” somente quando as demais medidas de indução se
mostrem infrutíferas, independente da condição econômica do reclamante
511
. A
sugestão mais recente, datada de março do corrente ano, aponta para o direito de
um grupo de membros recorrer conjuntamente a sanções em prol de PMDs ou
PEDs
512
. Em abordagem um pouco distinta, Pauwelyn divulga a retaliação
coletiva no sentido de se criar um fast-track procedure” para permitir que outros
membros, em situação semelhante àquela apreciada e condenada pela OMC,
possam receber o direito de também retaliar em conjunto com o demandante da
controvérsia inicial
513
.
508
TN/DS/W/17, p. 4.
509
“Therefore, under the WTO, a violation should be deemed not as a breach of contract but as
damage to the legal system whose sole remedy is to repair the system by re-confirming its rules”.
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh Law
Review, cit., p. 792.
510
Proposta PMDs, TN/DS/W/17, p.4; Proposta Haiti, TN/DS/W/37, Art. 22.6.(b); Propostas Grupo
Africano, TN/DS/W/15, p. 3 e TN/DS/42, Art. 22.6.(b).
511
Proposta Equador, TN/DS/W/9, p. 5.
512
Proposta Grupo Africano, TN/DS/W/92, Art. 22.6.(b).
513
PAUWELYN, Joost. Entrevista ao autor. Genebra, 05 de abril de 2008.
182
4.5.2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS
a) Custos para o reclamante
Dentre os objetivos precípuos da retaliação coletiva está o de
atenuar os custos da sanção para reclamante, notadamente PMDs e PEDs
514
. Por
meio dela partilham-se os ônus econômicos e políticos inerentes à sanção
tradicional. O desgaste econômico é manifestamente reduzido, vez que vários
sujeitos se unem para perfazer o ato retaliatório, distribuindo entre eles o
montante dos direitos a serem suspendidos. Como conseqüência, o reclamante
suportará menos impactos econômicos do que se tivesse que retaliar
solitariamente. Os efeitos prejudiciais de natureza poítica, por sua vez, também
são minimizados, porquanto a participação de outros membros retira, ao menos
parcialmente, o foco do reclamante. Muito embora ele possa ser apontado como o
responsável pela represália, existirão outros retaliantes em ação, o que confere
maior legitimidade para a medida, e reduz o espaço para protestos pelo
demandado.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
Na medida em que a proposta abre as portas do instrumento
retaliatório para membros da OMC que antes não poderiam manuseá-lo com
eficácia, resta evidente o incremento em sua capacidade de arrecadar apoio para
as decisões que lhes beneficiam. A efetiva utilização da sanção por esses
membros, ou mesmo a imposição de uma ameaça crível, engrossa as fileiras
daqueles que se mostram favoráveis à adequação da conduta condenada,
principalmente no âmbito do potencial retaliado. Por exemplo, ganhasse Antigua e
Barbuda o direito de retaliar os Estados Unidos em um montante considerável,
por conseqüência do contencioso US-Gambling, dificilmente o país caribenho
conseguiria implementar tal direito, devido à limitação de sua pauta comercial.
514
“Under such conditions, participation by other Members in a collective retaliation exercise could
lower the economic cost of retaliation for a developing country Member via a burden-sharing
effect”. MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 21.
183
Todavia, fossem as sanções aplicadas conjuntamente com outros membros, até
sua hipotética integralidade, os Estados Unidos sofreriam maior pressão para
modificar seu comportamento, inclusive por grupos privados situados em seu
território. Ademais, considerando que a retaliação coletiva reclama a participação
de outros membros, isso poderia se traduzir em maior apoio na esfera
governamental do reclamado. Se parcela da comunidade internacional alia-se ao
reclamante para retaliar o membro renitente, fica mais evidente as repercussões
negativas de seu descumprimento prolongado.
c) Reflexos para setores privados
Tomando-se como referência a retaliação convencional, depura-
se que a vertente coletiva da sanção acarreta reflexos negativos mais amenos
para os setores privados do reclamante. Afinal, sua cota de suspensão de
obrigações será menor do que se tivesse que agir individualmente. Por outro lado,
os impactos para o reclamado tendem a permanecer iguais, desde que
respeitados os limites de equivalência dos prejuízos causados pela violação.
Caso contrário, se houver possibilidade de sanção punitiva, com montante
superior aos danos registrados, os interesses particulares do reclamado
certamente serão mais afetados. Uma novidade seria a ocorrência de reflexos
negativos para os setores privados das terceiras partes dispostas a compartilhar
os ônus da retaliação com o demandante. Tal constatação demosntra que a
medida não corrige satisfatoriamente a distorção provocada pela sanção
tradicional. Não obstante, salienta-se que mencionados reflexos seriam rateados
entre todos os envolvidos, redundando em efeitos substancialmente menores
para cada co-retaliante.
d) Aplicabilidade da medida
O critério da aplicabilidade reflete uma complexidade adicional da
presente modalidade de sanção. A necessidade de assentimento de outros
membros da OMC para atuarem como parceiros do demandante na atividade
retaliatória, se não inviabiliza, ao menos dificulta exponencialmente sua
concretização
515
. Considerando-se os prejuízos econômicos e políticos
515
LAWRENCE, Robert Z. Crimes and punishments?: retaliation under the WTO, cit., p. 86.
184
acarretados pelas sanções, mesmo quando suportadas conjuntamente com
outros participantes, nota-se que o trabalho para convencer o envolvimento de
terceiros deverá ser penoso. Não se deve esperar o predomínio de um espírito
benevolente nas relações entre os membros da entidade. Ademais, o
entendimento de que a implementação de suas decisões é um dever que cumpre
a todos ainda está longe de estar sedimentado. Uma opção criativa para mais
facilmente arrebatar a participação de outros membros, garantindo a retaliação
coletiva, seria firmar compromissos de apoio recíproco na égide de grupos com
interesses semelhantes (v.g. Mercosul, Comunidade Andina, Grupo Africano,
PMDs, G-20, RAMs Recently Acceded Members
516
, ACPs). Sem embargo, a
alternativa dependeria de intensa negociação com os potenciais co-
patrocinadores, e não garantiria o sucesso da medida. Além disso, alianças muito
frágeis poderiam não atingir força suficiente para induzir o cumprimento.
Algumas iniciativas sustentam que a dificuldade da aplicação do
mecanismo poderia ser revertida com o estabelecimento de retaliação coletiva
mandatória, tornando imperativo o envolvimento de terceiros. Todavia, a idéia não
parece ser muito atrativa, tendo em vista que eliminaria a discricionariedade dos
membros em selecionar as divergências mais apropriadas para sua participação.
Adicionalmente, a medida enseja uma variedade de questionamentos sobre sua
operacionalização: como eleger os membros que devem figurar como retaliantes?
Qual o montante de suspensão de concessões incumbiria a cada um? Haveria
divisão igualitária do valor da sanção ou cada co-retaliante contribuiria na
proporção de seus limites, respeitando as restrições dos PEDs? Todos aplicariam
sanções na mesma área? A participação cumulativa em sucessivas medidas não
traria prejuízos excessivos?
Outra legítima preocupação que se levanta na discussão da
retaliação coletiva concerne ao montante da suspensão de concessões. Como a
permissão para retaliar seria concedida a vários membros, cumpre saber se a
soma de suas reações individuais precisaria obedecer ao princípio da
516
A sigla em português significa “Membros Recentemente Incorporados”, fazendo alusão aos
sujeitos de direito internacional que apenas recentemente passaram a integrar a OMC na condição
de membros, como Albania, Arábia Saudita, Armênia, Arábia Saudita, Ex-República Iuguslava da
Macedônia, República Moldova, Tonga, Ucrânia e Vietnã.
185
equivalência dos prejuízos (art. 22.4 do ESC). As opiniões divergem, havendo
defensores da possibilidade de sanções desproporcionais
517
, e aqueles que
entendem mais razoável guardar coerência com as normas atuais sobre o teto da
retaliações. Em verdade, a discussão aqui desemboca na questão da
oportunidade em se adotar – ou não sanção punitiva. Sem embargo, para
alguns doutrinadores, a única forma de se evitar sanção punitiva nesse caso seria
levar em conta o “fator de desenvolvimento” no cálculo do dano, resultando em
um direito de retaliação com valores substanciais
518
.
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
As desconformidades da retaliação coletiva com os princípios do
sistema multilateral de comércio acompanham, em grande parte, aquelas
discutidas em relação à sanção convencional. O caráter multilateral da retaliação,
no entanto, significa um número maior de membros agindo de maneira
contraditória com os valores desse sistema, o que poderia banalizar
manifestações protecionistas no cenário internacional, e causar insegurança e
imprevisibilidade exageradas. Em última instância, o número de restrições
comerciais poderia até mesmo sufocar os canais de comércio. Por tudo isso, as
reservas ao mecanismo se mostram mais contundentes que no que se refere a
sua vertente tradicional. Caso a medida contenha traços de sanção punitiva,
tornando desnecessária a observância do princípio da proporcionalidade entre
retaliação e prejuízos, suas inconsistências se mostrariam ainda mais graves.
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC.
De certa maneira, os efeitos da retaliação coletiva podem ser
parcialmente alcançados sob a égide das normas atuais. Nas hipóteses em que
vários membros interpõem, conjuntamente, uma única reclamação
519
, ou iniciem,
de maneira autônoma, procedimentos individuais em desfavor de uma mesma
517
Proposta PMD, TN/DS/W/17, p.4; Proposta Haiti, TN/DS/W/37, Art. 22.6.(b).
518
“By definition, this retaliation would also have been punitive in amount, unless one allowed a
‘development multiplier’ to inflate the measurement of harm to developing countries”. HUDEC,
Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.27.
519
Em US-Offset Act (Byrd Amendment), Austrália, Brasil, CE, Chile, Índia, Indonésia, Japão,
Korea e Tailândia iniciaram conjuntamente a controvérsia de DS217, enquanto Canadá e México
se uniram no polo ativo da disputa DS234.
186
medida
520
, seria possível se falar em retaliação coletiva no sentido de mais de um
membro com direito de aplicar sanção contra o mesmo reclamado, e com lastro
em um mesmo fundamento. A ressalva, em relação à proposta discutida no
presente tópico, seria a de que mencionado direito se restringiria aos
reclamantes, e sua extensão estaria condicionada aos prejuízos arbitrados para
cada um deles
521
. Um exemplo dessa possibilidade se entrevê no feixe de
disputas EC-Hormones, no qual Estados Unidos e Canadá aplicaram sanções
contra a CE, por decorrência da mesma violação do Acordo de Medidas
Sanitárias e Fitossanitárias. Na mesma esteira, o contencioso US-Offset Act (Byrd
Amendment) afigura-se emblemático, vez que Canadá, CE, México e Japão
suspenderam concessões contra os Estados Unidos como consequencia da
mesma legislação, enquanto Brasil, Chile, Índia e Coréia, que também haviam
recebido autorização para retaliar, não a implementaram, procurando se
beneficiar reflexamente das reações alheias. Em ambos os casos, verifica-se que
os múltiplos reclamantes poderiam concertar a proporção em que cada um
suspenderia concessões, distribuindo os ônus da medida retaliatória, sem
prejudicar seu caráter indutor ao cumprimento.
Todavia, como antecipado, o alcance dessas medidas são
limitados, e não satisfazem o anseio vislumbrado na retaliação coletiva
propriamente dita: garantir a possibilidade de a sanção ser efetivada por membros
que não participaram da controvérsia
522
. Para tanto, alterações no ESC seriam
obrigatoriamente necessárias. De acordo com os tópicos acima se verifica que
inúmeros membros defendem a introdução da retaliação coletiva. Entretanto, a
maioria deles são PMDs, e alguns poucos PEDs, com poder de barganha limitado
para conseguir a aprovação de referidas mudanças. A falta de consenso de suas
propostas se revela nas consolidações de emendas colocadas em circulação
520
O contecioso EC-Certain Information Technology Products foi trazido pelos Estados Unidos
(DS375), Japão (DS376) e Taipei Chinês (DS378) de maneira indipendente.
521
Malacrida recorda que, enquanto no primeiro caso bastaria uma única autorização para retaliar,
no segundo, cada parte necessitaria efetuar um requerimento individual. MALACRIDA, Reto.
Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible additional procedural rules
governing members' preparation and adoption of retaliatory measures. Journal of World Trade,
cit., p. 22.
522
Nessa esteira, o México afirma que “Collective retaliation, as such, has never been authorized”.
OMC. Diagnosis of the problems affecting the dispute settlement mechanism: some ideas by
Mexico, cit., p.12.
187
pelos sucessivos Presidentes da Sessão Especial do OSC. Enquanto ausentes do
conteúdo do Balas Text”, elas aparecem em colchetes no recente documento
patrocinado por Saborío
523
. A inclusão nessa consolidação, vale notar, não
significa a existência de apoio para sua aprovação, mas pode refletir apenas a
tentativa de construção de um texto equilibrado, com a adoção de pontos de
vistas variegados. Busch e Reinhardt, por exemplo, manifestam que a proposta
seria politicamente inviável
524
. De fato, a tendência é que os PDs, naturais alvos
dessas mudanças, se esforcem para barrar seu avanço.
4.6 REMÉDIOS RETROSPECTIVOS
4.6.1 APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
As deficiências da etapa de implementação são atribuídas, por
muitos especialistas, à ausência de incentivos para cumprir oportunamente as
decisões da OMC
525
. Nesse sentido, a previsão de mecanismos de natureza
exclusivamente prospectiva nas normas de solução de controvérsias da entidade
seria insuficiente para estimular o pronto adimplemento, bem como coibir medidas
protelatórias (“foot-dragging”) pelo reclamado. Desde o GATT até os dias de hoje,
as medidas diretas de indução (compensação e sanções) apenas alcançam os
prejuízos ocorridos após o decurso do prazo razoável para correção do
comportamento transgressor, sendo impossível reparar danos verificados antes
desse momento. Assim, todas as perdas suportadas pelo reclamante entre o
início da violação até o término do prazo razoável se mostram irremediáveis,
encorajando o demandado a arrastar sua conformação pelo maior tempo
possível. A gravidade do cenário se acentua quando se observa o longo
523
Proposta Saborío JOB(08)/81.
524
BUSCH, Marc; REINHARDT, Eric. Testing international trade law: empirical studies of GATT /
WTO dispute settlement. In: KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of
international trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 478.
525
HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec, cit., p. 640; DAVEY, William J. The WTO: looking forwards. Journal of
International Economic Law, cit., p. 22.
188
interregno que pode transcorrer entre esses dois marcos. Em média, desde o
pedido de consultas, que registra o início de uma controvérsia, até o fim do prazo
razoável, costuma-se transcorrer mais de 4 anos
526
. Levando-se em conta o
ínterim entre a ocorrência da violação, sua percepção pelo membro afetado e a
decisão política de submetê-la ao sistema da OMC, o lapso temporal, por
suposto, mostra-se exponencialmente maior.
Aludido caráter meramente prospectivo dos remédios previstos na
OMC, leva Vázquez e Jackson a anotar que a responsabilidade decorrente da
inobservância das obrigações reunidas na organização parece mais limitada do
que sua congênere no direito internacional geral. Com efeito, nessa esfera, o
ilícito internacional determina não apenas o dever de cessar a violação, mas
ainda o retorno ao status quo ante, com a compensação integral ex tunc dos
prejuízos ocasionados pelo ato ilícito, desde sua concretização. Os mesmos
autores assinalam ainda que o menor escopo das medidas de indução da OMC
pode ter sido o preço cobrado para a criação de um mecanismo de controvérsias
desenvolvido e consistente, ou ainda que instrumentos mais eficazes pudessem
ter sido reputados desnecessários justamente em razão do vigor desse
sistema
527
. Hudec, por seu turno, interpreta a restrição das medidas da OMC em
face daquelas do direito internacional geral como reflexo da visão de que o direito
do GATT deveria estar posicionado em patamar inferior ao direito doméstico, sem
gerar efeitos diretos para as partes
528
.
A partir dessas reflexões justifica-se a análise das propostas para
inserir nas regras da OMC a possibilidade de instrumentos com caráter retroativo,
que incluam em seus cálculos os prejuízos acarretados pela conduta infratora em
momento anterior ao fim do prazo razoável. O fundamento que as envolve é de
que mencionadas mudanças incentivariam o cumprimento tempestivo das
decisões.
Apesar das origens dos remédios retrospectivos, que remontam
aos idos de 1965, estarem intimamente ligadas à reivindicação dos PEDs por
526
Ver documento México TN/DS/90, p. 11.
527
VÁZQUES, Carlos M.; JACKSON, John H. Some reflections on compliance with WTO dispute
settlement decisions. Law and Policy in International Business, cit., p. 560-561.
528
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.16-17.
189
compensação monetária, a medida também se atualmente relacionada com o
instituto da sanção. Algumas sugestões são bastante ousadas, indicando a
retroatividade da análise de prejuízos a serem financeiramente compensados a
partir da data de adoção da violação condenada pela OMC
529
. Outras, mais
flexíveis, prevêem uma série de opções para aquilatar o montante da retaliação,
que vão desde a efetiva ocorrência da transgressão, o pedido de consultas ou o
estabelecimento do painel
530
. Mais recentemente, o México apresentou
interessante proposição permitindo que o valor da sanção englobe danos
experimentados durante o prazo razoável, sempre que não houver sido acordada
compensação pela falta de cumprimento imediato da decisão
531
. No plano
doutrinário, Grané propõe mudanças limitadas que permitiriam a reparação
retroativa diante de violações temporalmente restritas, ou em casos de medidas
compensatórias ou direitos antidumping recolhidos indevidamente, cuja valoração
é mais fácil
532
. Davey, por sua vez, sugere sanções progressivas com o passar do
tempo, medida essa que eventualmente pode ser interpretada como modalidade
de retaliação retrospectiva
533
.
4.6.2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS
a) Custos para o reclamante
Caso a reparação por danos pretéritos tome a forma de
compensação, não que se falar em custos econômicos para o reclamante. Ao
contrário, terá ele a chance de colher maiores benefícios com o aumento do valor
de eventual acordo reparatório, seja ele de natureza monetária ou meramente
comercial. Em se tratando de sanção retrospectiva, entende-se que seus
impactos econômicos serão maiores do que aqueles advindos da sanção
convencional. O aumento do quantum autorizado para a retaliação, proporcionado
529
Proposta Grupo PMDs TN/DS/W/17, p. 4.
530
Propostas México TN/DS/W/23, p.4 e TN/DS/W/40, Arts. 22.4; 22.6; 22.8.
531
Proposta México TN/DS/W/91, Arts. 22.7.
532
GRANÉ, Patricio. Remedies under WTO law. Journal of International Economic Law, Vol.4,
N. 4, Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 770-771.
533
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 95.
190
pelo alargamento do prazo considerado em seu cálculo, restringirá ainda mais o
comércio do reclamante, elevando suas perdas potenciais. Em sede de custos
políticos, a compensação retrospectiva tem reduzida probabilidade de acarretar
danos, notadamente devido à bilateralidade de sua aplicação. A sanção
retroativa, ao contrário, potencializa os efeitos colaterais políticos, tendo em vista
que seu montante mais expressivo deverá estimular reclamações mais incisivas
por parte do governo atingido.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
O raciocínio defendido na presente proposta é o de que a
possibilidade de se recorrer a mecanismos retroativos teria o condão de impelir o
membro renitente a implementar com maior celeridade as decisões da OMC. Com
efeito, o montante passível de autorização compensatória ou retaliatória será
proporcionalmente maior ao tempo transcorrido até o cumprimento. Nesse
diapasão, grupos favoráveis ao adimplemento ganhariam argumento adicional em
favor de sua posição; em contrapartida, segmentos contrários teriam que
dispender maior esforço para a defesa da manutenção de recalcitrância. A ilação
guarda certa dose de verdade, vez que o incremento do valor da medida indutora,
mesmo que apenas utilizada como ameaça, poderá ser capaz de intimidar o
governo do potencial retaliado a tomar ações expeditas para buscar sua
conformação
534
. Os setores privados do reclamado que podem ser alvo da
eventual retaliação, também procurarão lançar mão de todo seu poder para
pressionar o governo a evitar a concretização da medida. Por outro lado, todavia,
é possível antecipar, em casos politicamente sensíveis, o recrudescimento de
manifestações de repúdio à medidas retroativas interpretadas como injustas e
desproporcionais, conferindo ao governo legitimidade interna para se recusar ao
cumprimento. A solução, muitas vezes, se situará no equilíbrio entre a violação e
sua respectiva resposta.
534
“Where there is no retroactive remedy, it is difficult for a government to refuse to pursue the
entire range of delay tactics when pressured by domestic interest groups with a stake in
maintaining protection.” HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute
resolution process. In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 640.
191
c) Reflexos para setores privados
As constatações acerca dos reflexos para os setores privados
acompanham aquelas efetuadas para a compensação e sanção na forma como
previstas atualmente, com a ressalva de que os maiores valores possibilitados no
presente caso causariam reflexos negativos mais graves e difusos para eventuais
grupos privados do reclamado não envolvidos na controvérsia. Ademais, os
remédios retrospectivos não garantem que o maior quantum que eles
proporcionam se reverterá para os interesses particulares do reclamante
lesionados pela ruptura das normas do sistema multilateral de comércio.
d) Aplicabilidade da medida
A medida compensatória retroativa enfrentaria enormes
obstáculos para concretização, porquanto sua maior expressividade econômica
dificultaria a obtenção da imprescindível concordância por parte do reclamado
535
.
A sanção em valor mais elevado, apesar de continuar condicionada apenas à
vontade do reclamante, também encontraria dificuldades em sua aplicação, por
decorrência das naturais limitações da pauta de comércio entre os contendores.
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
Em consonância com Cho, as medidas de caráter retrospectivo
assemelham-se, na seara do direito internacional público, à figura da restituição
ou reparação
536
. Nessa esteira, difícil argumentar serem contrárias, em sua
essência, aos postulados do comércio internacional, ainda mais quando tomam a
forma de compensação (monetária ou comercial). Pauwelyn assevera, inclusive,
que os remédios retroativos fortaleceriam a previsibilidade e estabilidade do
sistema multilateral de comércio
537
. Todavia, quando essas ferramentas se
exteriorizam como sanção, as advertências acerca de seus efeitos comerciais
restritivos permanecem válidas, e até mesmo se agravam. Quanto o maior valor
535
A constatação não se aplica à compensação obrigatória.
536
CHO, Sungjoon. The nature of remedies in international trade law. University of Pittsburgh
Law Review, cit., p. 776.
537
PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a
more collective approach. The American Journal of International Law, Washington, v. 94, n.2,
2000, p. 346.
192
da retaliação, mais profundamente os princípios que regem o comércio
internacional serão afetados. Além disso, preocupações no sentido de que,
levando-se em conta o estágio atual de desenvolvimento das relações
internacionais, o enrigecimento das decisões da OMC, por meio da imposição de
medidas retroativas, poderia ser interpretado como excessivamente intrusivo,
estimulando seu descumprimento
538
.
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC
O histórico de controvérsias envolvendo medidas de indução
retroativas é bastante exíguo, refletindo a tradição de preferência do GATT e da
OMC por mecanismos prospectivos. É possível observar no GATT uma curta
série de decisões, entre 1985 e 1995, versando sobre direitos antidumping e
medidas compensatórias, que determinou a restituição ex tunc de valores
recolhidos indevidamente
539
. Sem embargo, de todas elas (sete, no total), apenas
três foram adotadas, e somente uma implementada
540
. As decisões foram tidas
como extremamente controversas e reforçaram o entendimento prevalecente de
que a reparação retroativa não estava albergada pela vontade das partes
541
.
na OMC, uma nota de rodapé em que se vislumbra tal ocorrência se encontra em
Australia-Automotive Leather II, cujo relatório do painel de implementação (art.
21.5) interpretou que o cumprimento da decisão implicava na devolução retroativa
de valores distribuídos pelo demandado na forma de subsídios proibidos
542
. A
decisão foi severamente criticada por inúmeros membros da entidade, incluindo
ambos os litigantes, que expressaram que a normativa da OMC sob apreciação
se revestia de cunho prospectivo apenas
543
. Sem embargo desse caso isolado,
predomina o entendimento da natureza prospectiva dos remédios da OMC
544
.
538
GRANÉ, Patricio. Remedies under WTO law. Journal of International Economic Law, cit., p.
770.
539
PALMETER, David; MAVROIDS, Petros. Dispute Settlement in the OMC: practice and
procedure, cit., p. 162-163.
540
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.18.
541
GRANÉ, Patricio. Remedies under WTO law. Journal of International Economic Law, cit., p.
765.
542
Ver documento WT/DS126/RW.
543
Não obstante a adoção do relatório pelo OSC, as partes notificaram solução mutuamente
satisfatória em que acordaram a forma como implementar as decisões do painel de
implementação. Ver documento WT/DS126/11.
544
Em Brazil-Aircraft e Guatemala-Cement I, ambos os reclamantes fizeram pedidos de natureza
retrospectiva, cuja apreciação foi esquivada pelos painéis, que argumentaram a forma de
193
Segundo Pauwelyn, não nada nas regras da OMC que
precluam reparações por danos pretéritos
545
. Contudo, as constatações trazidas
acima demonstram claramente a inquietude que a matéria desperta, tornando
propício que eventual recurso ao mecanismo seja expressamente autorizado pelo
ESC, de maneira a evitar protestos quando de sua utilização. Nesse sentido, no
entanto, não parece haver grande apoio na comunidade internacional para
aprovação de mecanismos retrospectivos, notadamente por parte da CE e dos
Estados Unidos
546
. As justificativas são variadas, e percorrem argumentos desde
a inconveniência em se adotar medidas que posteriomente possam se voltar
contra os interesses dos próprios membros
547
, até a sensibilidade em aprovar
mecanismos para restituição de valores recolhidos indevidamente
548
. Mesmo os
autores que defendem as vantagens do instituto reconhecem que sua adoção é
tarefa árdua, e até certo ponto remota
549
. Apesar da adversidade da tarefa, vale
notar que a sugestão do México (TN/DS/W/40) mereceu encômios pelo ex-Diretor
da Divisão de Assuntos Jurídicos da OMC
550
, e sua proposta mais recente
(TN/DS/W/91) chegou a ser incluída, mesmo que entre colchetes, no texto de
consolidação de propostas assinado por Ronald Saborío
551
.
implementação de suas decisões caberia aos reclamados. Em US-Certain EC Products, o painel
foi inequívoco em afirmar que determinações ex tunc são um corpo estranho à experiência do
GATT e da OMC.
545
PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures in the WTO: rules are rules-toward a
more collective approach. The American Journal of International Law, cit., p. 346.
546
HUDEC, Robert. Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.18-19.
547
“Each member lives in a glass house, and is unlikely to request a remedy which could later be
turned against it”. HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute
resolution process. In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international
trade law: essays in honor of Robert E. Hudec, cit., p. 640.
548
“Given the unusual controls on contingent government expenditures, one might expect that few
governments would be eager to seek such authority, particularly if it were to extend to refunds of
such things as GATT-illegal tariff charges”. HUDEC, Robert. The adequacy of WTO dispute
settlement remedies: a developing country perspective in HOEKMAN, Bernard; MATTOO, Aaditya;
ENGLISH, Philip (eds). Development, trade, and the WTO: a handbook, cit., p. 86.
549
Para O’Connor as propostas sobre retroativade modificam toda a natureza atual das sanções, e
portando não é de fácil aceitação. O’CONNOR, Bernard. Remedies in the World Trade
Organization Dispute Settlement System: the Bananas and Hormones cases. Practical aspects of
monetary compensation: the US Copyright case. Journal of World Trade, 38(2), Kluwer Law
International, 2004, p. 264. Ver também: PAUWELYN, Joost. Enforcement and Countermeasures
in the WTO: rules are rules-toward a more collective approach. The American Journal of
International Law, cit., p. 22.
550
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 97-98.
551
Proposta Saborío JOB(08)/81.
194
4.7 SUSPENSÃO DE DIREITOS
4.7.1 APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
A vertente doutrinária que apóia o desenvolvimento de medidas
alternativas para assegurar o cumprimento das decisões da OMC, muitas vezes
em total substituição às sanções, costuma apontar como solução a suspensão de
determinados direitos do demandado
552
.
Dentre as sugestões mais interessantes nesse sentido vislumbra-
se a possibilidade de suspensão do direito de recorrer ao sistema de solução de
controvérsias da OMC. Nela se reflete um raciocínio linear: o membro que se
recusa a implementar as decisões adotadas pelo OSC deveria ser impedido,
temporariamente, de levar suas próprias reclamações ao sistema. Todavia, a
medida não deve ser interpretada como uma penalização do reclamado, mas
como forma de lhe estimular o adimplemento. A suspensão poderia alcançar seu
direito de iniciar um conflito por meio do pedido formal de consultas com o
suposto infrator. Além disso, é possível pensar na hipótese de paralisação de
disputas em curso patrocinadas pelo recalcitrante, suspendem-se, inter alia, seu
direito de requerer a formação de painéis, apelar, negociar compensação ou
requerer autorização para impor sanções
553
. A faculdade de participar como
terceira parte em outros litígios também poderia ser alcançada pela suspensão.
Davey, nesse ensejo, sugere um mecanismo os direitos do membro fossem
552
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 18.
553
Pugnando por essa solução como instrumento de ultima ratio, ver Proposta do Equador
TN/DS/W/9, p. 5.
195
gradualmente congelados, até se alcançar, em última instância, seu direito de
participar das reuniões do OSC
554
.
Na mesma esteira, existem diversas outras propostas para
suspensão de direitos, como a) direito de participação em reuniões de órgãos da
OMC; b) direito de participação do processo decisório de mencionados órgão,
com a perda temporária da prerrogativa de voto; c) direito de indicar
representantes para a composição dos órgãos da entidade; d) direito de
assistência técnica ou financeira oferecida pela OMC. Horlick chega até mesmo a
conceber a idéia, até certo ponto absurda, de limitar o direito do membro a suas
vagas no estacionamento do prédio da OMC
555
, ilustrando como as possibilidades
nessa seara são vastas e dependem da criatividade dos membros.
4.7.2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS
a) Custos para o reclamante
De maneira geral, a suspensão de direitos do reclamado
relacionados a sua atuação na OMC não trariam qualquer impacto econômico ou
político para o reclamante, desde que consistisse em mera conseqüência natural
do procedimento, prevista nas normas da entidade em razão da inobservância
das decisões de seu sistema de solução de controvérsias. Hipótese distinta seria
o caso em que, a depender das regras estabelecidas para regulamentar esse
mecanismo, o reclamante necessitasse demonstrar ativismo para fazer recair
sobre o recalcitrante os efeitos dessas medidas. Nesse caso, certamente os
infortúnios experimentados pelo demandado seriam diretamente atribuídos ao
demandante, ensejando o deterioramento de suas relações políticas, bem como
possíveis reflexos econômicos dele decorrentes.
b) Capacidade de reunir grupos de apoio para o cumprimento
554
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 97.
555
HORLICK, G. Problems with the compliance structure of the WTO dispute resolution process.
In: KENNEDY, D.; SOUTHWICK, J. The political economy of international trade law: essays in
honor of Robert E. Hudec, cit., p. 642.
196
A habilidade para sensibilizar o reclamado a modificar seu
comportamento em atenção às normas da OMC dependerá da espécie de direito
atingido pela presente medida. A suspensão do direito ao uso do mecanismo de
pacificação de litígios poderá se mostrar bastante eficiente, porquanto se traduz
em faculdade reputada primordial pelos membros da OMC. Seu êxito, todavia,
estaria condicionado à freqüência com que o membro afetado recorre a esse
aparato, vez que aqueles que não costumam dele se utilizar tendem a não se
importar tanto com a restrição
556
. Para os demais, entretanto, a limitação poderá
ser extremamente prejudicial, incitando-os ao célere cumprimento. É claro que
essa restrição não fechará todos os canais de solução de conflitos, subsistindo
outros foros, dependendo do caso concreto. Além do mais, as vias diplomáticas,
como consultas bilaterais também não serão inviabilizadas. No entanto, todos
importantes caminhos jurisdicionalizados da fase do painel e apelação estarão
prejudicados, o que ressalta a força desse instrumento.
A limitação da presença do reclamado nas reuniões dos órgãos
da OMC também auxiliará para lançá-lo no trilho do adimplemento, posto que a
ausência nesses eventos equivale ao ostracismo do membro no que se refere ao
andamento dos assuntos do comércio internacional. Certamente os integrantes da
instituição não desejarão ser excluídos das reuniões do OSC, do Conselho Geral,
dos Conselhos de Agricultura, Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, Comércio e
Meio-Ambiente, dentre outros. A vedação ao direito de encaminhar indicações de
delegados para a composição dos órgãos da OMC, por sua vez, também deverá
se mostrar apta, em menor proporção, a exigir a conformação do recalcitrante. A
participação de representantes do membro na estrutura da OMC é significado de
influência política em seu funcionamento e de prestígio no seio da comunidade de
membros. Como coloca Charnovitz, tal condicionamento repontaria, de certa
maneira, como elemento vexatório e irritante para seus destinatários,
556
MALACRIDA, Reto. Towards sounder and fairer WTO retaliation: suggestions for possible
additional procedural rules governing members' preparation and adoption of retaliatory measures.
Journal of World Trade, cit., p. 18. De qualquer forma, os membros que não são assíduos no
mecanismo, geralmente são países de menor expressão econômica, em relação aos quais
existem inúmeras outras formas de induzir o cumprimento. A intenção aqui é prever alternativas
efetivas para proteção dos PEDs.
197
impulsionando-os ao cumprimento
557
. No que diz respeito à suspensão do direito
de assistência técnica e financeira proporcionada pela OMC, caso ela ocorra em
relação a aspectos para facilitar a implementação (v.g. treinamento e capacitação
para manejar as normas do sistema multilateral de comércio), o efeito será
contrário ao da indução, restringindo a atuação dos beneficiários dessa ajuda (em
regra, PMDs e PEDs) em consonância com os princípios do livre-comércio. Por
fim, os especialistas em OMC assinalam que, devido à ausência do emprego do
voto na OMC, as propostas para delimitar o uso dessa ferramenta não trará
quaisquer reflexos
558
.
c) Reflexos para setores privados
A aplicação dessas medidas não beneficia diretamente os setores
privados do reclamante lesados pela infração às regras do comércio internacional.
Os reflexos positivos somente virão com a adequação do ato violador pelo
reclamado. Por outro lado, mencionados instrumentos também não alcançam
diretamente interesses particulares sem relação com a disputa. De fato, a medida
restringirá atuação governamental do demandado na esfera da OMC. Todavia,
considerando que os setores privados do reclamado perderão proteção na OMC,
como, na hipótese de vedação temporária da utilização do sistema de solução de
controvérsias, é possível verificar graves danos para os segmentos inocentes.
Basta, nesse sentido, idealizar a situação em que o setor automotivo de um
membro é alvo de medidas restritivas em suas exportações, mas não podem levar
adiante a reclamação, pois seu governo está impedido de provocar o OSC. Ou
ainda, a indústria de brinquedos de um país que não poderá, por meio da
representação diplomática de seu governo, levantar questões envolvendo
atentados aos seus interesses no Comitê de Barreiras Técnicas ao Comércio.
d) Aplicabilidade da medida
É possível conceber o mecanismo de suspensão de direitos como
aplicável unilateralmente pelo reclamante, prescindindo de concordância da parte
557
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 629.
558
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 97.
198
adversa. É dizer, bastará a solicitação do reclamante ao OSC, acompanhada da
comprovação de inadimplência pelo reclamado, para que a medida possa ser
efetivada. O controle da suspensão ficará a cargo da própria entidade, que deverá
garantir que o membro atingido não tenha acesso aos direitos que lhe foram
cerceados. Por este viés, as medidas apresentam méritos desde o ponto de vista
dos PEDs. No entanto, é possível antecipar inúmeros óbices práticos para sua
concretização, como a necessidade de observar o postulado da equivalência
entre a medida de indução ao cumprimento e o prejuízo que ela se relaciona.
Como avaliar, em termos financeiros, o afastamento do sistema de solução de
controvérsias durante dado período? Ou a impossibilidade de recomendar
candidatos para ocupar os cargos funcionais da OMC? Essa lacuna, que não
parece ter sido preenchida por aqueles que sugeriram as presentes medidas,
promete dificultar sua viabilidade prática.
e) Conformidade com os princípios do sistema multilateral de
comércio
A discrepância da suspensão de direitos dos membros com os
postulados defendidos pela OMC desponta como a mais grave deficiência da
medida. O impedimento do reclamado em submeter suas reclamações ao OSC
perpetua eventuais violações das normas do comércio internacional. Ao despir o
reclamado de seus mecanismos de defesa contra as infrações sofridas, a medida
acaba estimulando o desrespeito aos deveres enfeixados nos acordos da OMC,
e, em última análise, enfraquecendo a integridade do sistema. Os reflexos
negativos também se percebem na suspensão do direito de acompanhar as
reuniões dos órgãos da entidade. A ausência de qualquer membro dos debates
dos assuntos internacionais é contrária aos interesses da própria organização.
Como legitimar decisões quando certos destinatários não participaram de seu
processo de formação? O prejuízo resta nítido nas negociações para liberalização
do comércio internacional, ou de novas regras da entidade.
No tocante ao direito de cooperação financeira ou técnica, as
principais perdas seriam sentidas pelos PMDs e PEDs, tomadores e dependentes
desses recursos, o que vai de encontro aos valores desenvolvimentistas
insculpidos na OMC. Em caráter geral, a suspensão das prerrogativas dos
199
membros acima discriminadas poderia esvaziar, mesmo que lentamente, o apoio
reunido pelo sistema de solução de controvésias, trazendo sérios riscos para sua
manutenção. Em construção hipotética, basta imaginar casos politicamente
sensíveis como EC-Hormones e EC-Bananas. Fosse a CE, ou outra grande
potência, afastada das atividades essenciais da OMC por tempo prolongado, em
decorrência do descumprimento nesses contenciosos, difícil esperar que as
decisões tomadas no âmbito da organização teriam o mesmo alcance enquanto
peça indispensável do sistema multilateral de comércio.
Diante desse cenário, e em se querendo assegurar o êxito dessas
medidas alternativas, será necessário prever mecanismos que regulamentem a
suspensão de direitos dos membros de forma equilibrada, para gerar a indução
desejada no recalcitrante, porém sem constituir em ônus excessivo, que
macularia a legitimidade do mecanismo.
f) Aceitabilidade pelos membros da OMC
Para Charnovitz, algumas medidas indutoras ilustradas acima
poderiam ser efetivadas sem a necessidade de alteração das regras do ESC,
como seria o caso da restrição ao ao uso do sistema de solução de controvérsias.
Considerando que as sanções se traduzem na suspensão de direitos previstos
nos acordos da OMC, que a faculdade de recorrer ao OSC representa um desses
direitos, e que o acordo que o encerra (ESC) faz parte do conjunto normativo da
organização
559
, seria possível sustentar a viabilidade de privar o reclamado desse
direito por meio das sanções atuais
560
. Insta verificar, no entanto, que a realidade
mostra-se mais complexa, recomendando melhor detalhamento das regras da
OMC para a regulamentação de mencionadas hipóteses. Com efeito, as por ela
repercussões ocasionadas para o membro afetado são bastante sérias,
merecendo atenção especial para suas peculiaridades. Além disso, os membros
559
O próprio Apêndice 1 do ESC esclarece que suas normas integram o escopo normativo
passível de apreciação por seu sistema de solução de controvérsias.
560
Sobre o assunto, expõe que “One key right that could be withdrawn from a scofflaw country is
its right to invoke WTO dispute settlement. This could perhaps be done under the current DSU
rules because the DSU is a ‘covered agreement’ for purposes of authorizing retaliation”
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In: KENNEDY,
Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law: essays in honor
of Robert E. Hudec, cit.,p. 629-630.
200
poderiam não reconhecer a validade da alternativa caso ela não estivesse
expressamente prevista no ESC, bem como a própria entidade poderia se eximir,
com razão, de implementá-la, precavendo-se contra prováveis manifestações de
discordância dos demais membros.
Assim sendo, o uso inequívoco dessa espécie de medida de
indução somente deverá ocorrer a partir de sua inclusão expressa nas normas da
entidade, por meio de emenda ao ESC. Nesse sentido, entretanto, se colhe
escassas propostas na mesa de negociações atual, o que é sintomático da falta
de consenso acerca da idéia, e até mesmo pouca maturidade de seus
contornos
561
. Muito embora algumas dessas medidas contenham um potencial
interessante, sua eventual concretização ainda parece distante
562
.
4.8 RECOMENDAÇÕES PARA A REFORMA DAS MEDIDAS DE INDUÇÃO
A partir da análise deste capítulo é possível confirmar a impressão
inicial de que a resposta para o aperfeiçoamento do índice e da qualidade no
cumprimento das decisões da OMC pode situar-se em um caminho intermediário
entre o fortalecimento de seus mecanismos vigentes e a adoção de novos
institutos. Mais precisamente, a solução pode estar na reforma dos contornos das
medidas diretas e indiretas de indução ao cumprimento, bem como na eventual
inclusão de novos instrumentos para aprimorar seus resultados, notadamente a
partir da perspectiva dos PEDs.
Em primeiro lugar, mencionado objetivo pode ser perseguido por
meio de mudanças estruturais nos procedimentos da etapa de implementação da
decisão da OMC. Escorada na crença de que a força da persuasão é mais
producente do que a persuasão da força, recomenda-se disseminar condutas que
561
Proposta Equador TN/DS/W/9. O’CONNOR, Bernard. Remedies in the World Trade
Organization Dispute Settlement System: the Bananas and Hormones cases. Practical aspects of
monetary compensation: the US – Copyright case. Journal of World Trade, cit., p. 265-266.
562
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 97.
201
estimulem o cumprimento espontâneo pelo demandado
563
. O refinamento das
medidas indiretas de indução, portanto, aparece como importante flanco a ser
guarnecido, principalmente para a defesa dos interesses dos PEDs
564
. Em regra,
contribuem para reduzir custos econômicos e políticos para o reclamante,
aumentar as pressões em prol do adimplemento, inclusive pela comunidade
internacional, além de promover os valores do sistema multilateral de comércio.
Por conseguinte, indica-se a adoção de propostas para: (a)
estimular nos órgãos julgadores da OMC o hábito de sugerir formas viáveis para o
cumprimento; (b) antecipar o início da atividade monitoradora dos atos de
implementação pelo OSC; (c) expandir o dever de informação do reclamado,
desdobrando-o em obrigações acessórias para o detalhamento e comprovação de
seu adimplemento; (d) positivar a exigência de relatórios no término do prazo
razoável (“final status report”), bem como na hipótese de autodeclaração de
cumprimento; (e) assegurar aos PEDs tratamento especial e diferenciado em face
dos deveres de informação; (f) facultar o recurso à compensação ou sanção em
caso de desrespeito a referidas obrigações; (g) explicitar a necessidade de se
atentar para as condições especiais dos PEDs na delimitação do prazo razoável;
(h) delinear os atos procedimentais que ocasionam o aparente conflito de normas
denominado sequencing”; (i) adiantar ao máximo as atividades para determinar
os prejuízos causados pela violação, a fim de estimular a compensação; e (j)
permitir a arbitragem dos danos como ato contíguo ao painel de implementação,
de preferência no âmbito do mesmo procedimento.
De maneira complementar, sugere-se ainda: (a) prever
mecanismos para resolver divergências acerca da manutenção de uma disputa no
escopo de supervisão do OSC; (b) estabelecer o dever de o Diretor-Geral
elaborar relatório periódico sobre o panorama de implementação das decisões da
OMC; (c) abreviar o lapso para o reclamado exteriorizar sua intenção de
563
CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled?: an analysis of WTO sanctions. In:
KENNEDY, Daniel; SOUTHWICK, James. The political economy of international trade law:
essays in honor of Robert E. Hudec, cit.,p. 633.
564
Hudec ressalta o grau de indução desses procedimentos, “as is well understood by smaller and
mid-size countries for whom retaliation is often not a realistic option, and for whom the deadline
and surveillance procedures are in practice the only enforcement tools available”. HUDEC, Robert.
Broadening the Scope of Remedies in WTO Dispute Settlement, cit., p.20.
202
adimplemento; (d) reduzir o interregno para que as partes possam remeter à
arbitragem a tarefa de fixar o prazo razoável; (e) amarrar a contagem do tempo
para estabelecimento do prazo razoável à data em que os respectivos árbitros
foram investidos em sua função, ou outra data semelhante; e (f) corrigir a data
inicial para contagem do prazo para conclusão da análise dos prejuízos, referindo-
a à data de escolha do árbitro, ou outro marco equivalente.
Além desse conjunto de reformas, insta apontar para os
benefícios que podem decorrer do revigoramento das medidas diretas de indução.
No domínio da compensação, é possível referendar diversas mudanças com
potencial para atenuar suas deficiências e reverter sua escassa ocorrência na
prática. Nessa esteira, o presente estudo indica o acolhimento de iniciativas para
facilitar a ocorrência de acordos compensatórios, como o referido adiantamento
da definição do quantum dos danos advindos pela ruptura das normas da OMC. A
manobra permitiria ao reclamante estabelecer um diálogo mais frutífero com a
parte adversa, restringindo a discussão à forma das estipulações compensatórias,
e não mais ao seu montante. Ademais, o reclamado poderia sopesar o custo de
oportunidade em ofertar compensação temporária enquanto promove o
adimplemento
565
. A referência mexicana ao momento de elaboração do relatório
do painel para conduzir tal atividade parece adequada. Em caso de
impossibilidade, o momento de definição do prazo razoável também seria
satisfatório.
A antecipação do momento da compensação também é uma
alternativa relevante, inclusive com razoável probabilidade de acolhida no curto
prazo, como revela sua presença no corrente texto em debate nas negociações. A
proposta do México, que acena com a oportunidade de compensação quando a
execução imediata da decisão mostrar-se inviável, ajusta-se providencialmente
aos anseios dos PEDs, ensejando conforto momentâneo até o integral
adimplemento. Vale recomendar ainda, como ferramenta complementar, a idéia
mexicana para que o cálculo dos danos da infração em caso de eventual sanção
565
DAVEY, William J. Enforcing world trade rules: essays on WTO dispute settlement and GATT
obligations, cit., p. 74.
203
também englobe o próprio prazo razoável para cumprimento sempre que a pronta
compensação não tenha sido oferecida pelo reclamado.
A vertente monetária desse instituto, definida como regra em
disputas envolvendo PEDs, é outra sugestão que merece acolhida, por se
amoldar perfeitamente aos critérios eleitos nesta dissertação. O instrumento, além
de praticamente eliminar os efeitos colaterais para o reclamante, tem potencial
para amenizar as distorções para os interesses privados, assim como aumenta a
propensão do reclamado em ofertar compensação. Além disso, a construção de
consenso ao seu redor mostra sinais de progresso, esmaecendo as marcadas
fronteiras que historicamente separavam PEDs e PDs em relação ao assunto.
Uma advertência quanto à sua utilização encontra-se na ameaça de a
compensação ser tomada como cumprimento propriamente dito, interpretação
dificilmente aceitável e que poderia ser combatida pela criativa imposição de
concessões progressivas.
Por fim, apesar dos vários defeitos da sanção, a pesquisa não se
furtará a concluir pela viabilidade de mudanças para torná-la mais consistente. No
entanto, tomará esse caminho com cautela, deixando de chancelar propostas
como a sanção coletiva, retroativa ou punitiva, que agravariam referidas
imperfeições de maneira substancial, devido às dificuldades em sua aplicação
prática e à intensificação de seus efeitos deletérios, sobretudo para PEDs.
Acrescenta-se, ainda, a baixa receptividade quanto ao seu conteúdo pelos
membros da OMC. Assim, muito embora existam casos pontuais em que seu
emprego é bem sucedido
566
, como ressaltado no transcorrer da pesquisa, sua
adoção indiscriminada não se afigura salutar. A recomendação, em termos de
sanção, alcançará especialmente as iniciativas para incrementar a credibilidade
de sua ameaça, assim como para facilitar o uso da modalidade cruzada de
retaliação. A hipótese de sanção progressiva, apesar de não estar encerrada em
proposta formal na OMC, também pode revelar bons resultados.
566
A título ilustrativo, a proposta do México (TN/DS/W/91) para permitir a inclusão do prazo
razoável no cômputo dos prejuízos da violação, sempre que não houver acordo compensatório,
representa espécie de remédio retroativo. Sem embargo, a sugestão é aqui referendada em
virtude de seus méritos. No mesmo sentido, a retaliação progressiva pode ser associada a
medidas retrospectivas ou mesmo punitivas, dependendo de sua configuração.
204
Entende-se de suma relevância a reforma na estrutura do art.
22.6 do ESC para que o pedido de sanção possa ser formalizado no momento em
que o reclamante julgar mais oportuno. A supressão do limite temporal hoje
previsto para exercitar referido direito ensejaria o aumento do caráter indutor da
ameaça, que seria interpretada com maior seriedade. A manobra colocaria os
setores governamentais e privados do recalcitrante em estado de alerta para o
virtual desgaste provocado pela sanção, bem como canalizaria a atenção da
comunidade internacional para seu estado de inadimplência. Além disso, o fácil
manejo e o plano abstrato em que a medida está circunscrita ressaltam sua
importância para PEDs. O demandante, ao ensaiar a forma como pretende
suspender concessões, debater prováveis listas de alvos e registrar seu pedido
de retaliação na OMC incitaria o governo do reclamado a conformar sua conduta.
Outra alternativa que se mostra aprovada nos critérios de análise
selecionados nesta dissertação consiste no incremento do recurso à retaliação
cruzada, especialmente em PI. Seus custos econômicos para o retaliante são
inferiores aos das sanções em bens ou serviços, prometendo inclusive gerar
vantagens. Seu caráter de indução, mesmo como mera ameaça, revela-se
promissor no que se refere à habilidade de galvanizar apoio para o cumprimento.
Seu acesso será facilitado para PEDs a partir da eliminação das exigências atuais
que a alocam como mecanismo subsidiário à sanção tradicional. Sem embargo,
necessário advertir sobe o cuidado em sua utilização, de maneira a não provocar
conseqüências políticas negativas para o retaliante, e principalmente não
desrespeitar os direitos albergados em sua legislação interna ou em tratados
internacionais.
No tocante à sanção, as iniciativas para sua substituição por
medidas alternativas, como a suspensão de determinados direitos do reclamado,
ainda se mostram incipientes. A idéia em si é interessante, mas sua introdução
nas regras da OMC deve ser precedida por análises mais profundas, e pelo
desenvolvimento de regras detalhadas acerca de sua implementação. A restrição
temporária ao exercício de direitos deve ser conduzida de maneira bastante
cuidadosa, sob pena de causar prejuízos irremediáveis ao demandado e, em
última instância, ao próprio sistema de solução de controvérsias. Em razão da
205
sensibilidade do instituto, sua recepção pela OMC somente deverá ocorrer sob a
égide de normas rigorosas, cujo esboço ainda não existe. A ausência de
propostas patrocinadas pelos membros da entidade nesse sentido é sintomática
de seu estágio inicial, desaconselhando sua adoção no momento. Não obstante,
cumpre estimular os esforços para o desenvolvimento da matéria.
É claro que as medidas defendidas neste trabalho não esgotam a
fonte de alternativas viáveis para garantir a eficácia da atuação dos PEDs no
âmbito das controvérsias na OMC. Inúmeras outras propostas existem que
merecem consideração, como os procedimentos domésticos para escolha dos
alvos da sanção (“notice-and-comment procedures”), a possibilidade de medidas
preventivas
567
e o efeito direto das decisões da OMC. O campo também está
aberto para propostas inovadoras que possam contribuir para mencionado
objetivo. Sem embargo, em razão dos limites da presente pesquisa, e em
consonância com os critérios apreciativos nela delimitados, acredita-se que as
modificações acima identificadas percorrem boa parte do caminho para fomentar
a defesa dos interesses dos PEDs.
Convém advertir ainda que referidas mudanças devem
reconhecer os limites do sistema de solução de controvérsias da OMC. Por mais
que o fenômeno de adensamento de juridicidade reduza a ingerência do poder
em seu funcionamento, esse elemento não pode ser integralmente suprimido. O
sistema está amparado na legitimidade de seus membros, e estes desejam
manter certo espaço de manobra para acomodar seus interesses. As próprias
normas da OMC declaram a preferência por uma “solução mutuamente aceitável
para as partes” (art. 3.7 do ESC). Além disso, em virtude da sensibilidade política
de muitos conflitos, não se deve esperar que uma única decisão, malgrada sua
qualidade técnico-jurídica, possa reverter de maneira instantânea situações
consolidadas na estrutura dos membros ou a posição de grupos de interesses
567
Ver BIGGS, Gonzalo. Reviewing the rule of law in international trade: The WTO dispute
settlement rules and developing countries. In: Comércio Internacional e Desenvolvimento: um
passo além da OMC, 2006, São Paulo. Papers. São Paulo, IDCID. Disponível em:
http://www.idcid.org.br/wtoandbeyond/papers_e_ apresentacao. htm.>. Acesso em: 24 jun.2007.
206
influentes
568
. Nesse ensejo, muito embora as alterações sugeridas acima não
possam eliminar mencionadas restrições, elas contribuem substancialmente para
amenizá-las.
568
Andersen ilustra a constatação a partir da disputa US-Upland Cotton, na qual apesar de
algumas mudanças levadas a efeito, se mostra extremamente difícil vislumbrar a eliminação das
políticas estadunidenses de concessão de subsídios ao algodão, que vêm sendo implementadas
por aproximadamente sessenta anos. ANDERSEN, Scott. The US-upland cotton decision and the
effectiveness of WTO dispute settlement system. In Comércio Internacional e Desenvolvimento:
um passo além da OMC, 2006, São Paulo. Papers. São Paulo, IDCID. Disponível em:
<http://www.idcid.org.br/wtoandbeyond/papers_e_apresentacao.htm.>. Acesso em: 24 jun. 2006,
p.8.
207
CONCLUSÃO
O fio condutor do presente trabalho é a busca por instrumentos
adequados para garantir a implementação das decisões do sistema de solução de
controvérsias da OMC segundo a perspectiva dos PEDs. Nesse sentido, a
pesquisa desdobra-se em duas tarefas fundamentais. Em primeiro lugar,
examinam-se os mecanismos disponibilizados pela normativa vigente da entidade
para desempenhar referida função. Em seguida, concentra-se o enfoque nas
principais propostas para incrementar a eficácia da atuação dos PEDs.
Os passos iniciais nessa jornada são dados em direção ao
reconhecimento do terreno em que se desenrola a pacificação dos conflitos de
interesses no comércio internacional. Apresentam-se, de forma sucinta, as regras
para o deslinde desses litígios, desde sua concepção no GATT, em que
prevalecia o caráter político, até o adensamento de juridicidade experimentado
pela OMC.
Na seqüência, trata-se dos motivos que impelem os membros a
alterar seu comportamento em obediência a uma determinação da OMC. Diante
do cenário descentralizado da sociedade internacional, que prescinde de uma
autoridade com poder suficiente para impor suas manifestações de vontade,
importa entender o que leva os Estados ao adimplemento. A resposta encontra-se
em um conjunto complexo e heterogêneo de fatores que compreende desde
considerações a longo prazo sobre os benefícios da manutenção de um sistema
normativo efetivo até a influência de variados grupos de interesses.
Nesse contexto, ganham destaque as medidas de indução ao
cumprimento, que devem ser entendidas como instrumentos previstos na esfera
de um mecanismo de divergências com a finalidade de estimular a execução de
suas decisões. Sem desprezar a necessidade inafastável do consentimento do
membro, referidos institutos buscam incitá-lo a conformar sua conduta em sintonia
com as normas do sistema multilateral de comércio. Em esforço didático, são
classificados em medidas diretas e indiretas de indução, segundo a forma como
perseguem seus objetivos: atuando de maneira incisiva sobre seus destinatários,
208
no primeiro caso, ou ressaltando valores de cooperação, dever de cumprimento e
boa-fé, no segundo.
Estabelecidas as noções do objeto de pesquisa, a dissertação
ocupa-se em desenvolver critérios uniformes para sua apreciação. Com lastro nos
interesses dos PEDs, são selecionados elementos que permitam comparar
qualitativamente as várias medidas de indução e eleger aquelas que mais se
amoldam às suas necessidades. Efeitos colaterais de natureza econômica e
política para o aplicador do instituto, capacidade para sensibilizar interesses em
apoio ao cumprimento, reflexos da medida para os setores privados dos litigantes,
viabilidade prática de sua utilização, conformidade com os valores do comércio
internacional e receptividade dos membros da OMC em face de propostas de
mudanças são erigidos como as ferramentas para a condução da análise.
As medidas indutoras em vigor são as primeiras a passar pelo
crivo apreciativo, expondo suas várias deficiências. Nota-se que todos os
recursos projetados para facilitar o adimplemento revelam falhas importantes,
sobretudo quando se leva em consideração as restrições inerentes aos PEDs. As
razões remontam à experiência desenvolvida pelo GATT, que contava com a
possibilidade de “suspensão de concessões ou outras obrigações”, mas que não
se preocupava em definir normas específicas para a etapa de implementação.
Em breve apanhado, os diversos procedimentos que compõem
referida etapa reclamam maior substância. A título ilustrativo, cita-se a pouco
aproveitada prerrogativa de sugerir formas para a execução da decisão, os
deveres excessivamente vagos de informação incidentes sobre o reclamado e as
brechas para manobras protelatórias. A compensação se mostra um instrumento
que raramente ocorre na prática, sobretudo devido às dificuldades em se alcançar
mútuo acordo entre as partes, ao seu caráter não-monetário, ao momento
procedimental em que está prevista e à falta de mecanismos para arbitrar seu
valor. As sanções, por seu turno, ocasionam exagerados custos econômicos e
políticos para o retaliante, atentam contra os valores promovidos pelo comércio
internacional e, em distintas ocasiões, demonstra insuficiente caráter indutor. Os
requisitos impostos por sua modalidade cruzada dificultam o acesso aos PEDs.
209
Assim sendo, sem embargo do elevado índice de observância das
decisões da OMC e da relativa satisfação dos membros perante seus resultados,
as constatações supramencionadas apontam para a limitada eficácia das medidas
de indução, exigindo sua reformulação. Corroboram o entendimento os diversos
casos de cumprimento defeituoso, o prolongamento excessivo na trajetória rumo
à correção da conduta infratora e os manifestos exemplos de recalcitrância,
simbolizados notadamente pelos contenciosos EC-Hormones e EC-Bananas III.
O ponto de partida para aludida reforma encontra-se em
mudanças nos procedimentos que permeiam o longo caminho até a
implementação, visando estimular o cumprimento espontâneo. Dentro dessa
moldura, destacam-se as alternativas para reduzir a ambigüidade das
determinações dos órgãos julgadores, intensificar as atividades de monitoramento
pelo OSC, detalhar as obrigações de informação pelo demandado, eliminar
atrasos desnecessários, reduzir espaço para manobras dilatórias, fechar o cerco
à manutenção prolongada de inadimplência e conferir maior clareza para
determinadas regras. A opção é especialmente relevante para PEDs, pois encerra
menor potencial lesivo para seus interesses, instiga o apoio da comunidade
internacional em censura à conduta violadora, não afeta injustamente seus
segmentos privados, prescinde na maioria das vezes de aquiescência do
reclamado e mostra-se em harmonia com os princípios liberalizantes do comércio.
Em outra frente, recomenda-se a promoção de reformas nas
medidas indutoras diretas a fim de revigorar a compensação e atenuar os efeitos
deletérios da sanção. O deslocamento da atividade para determinar o quantum
dos prejuízos para o início da fase de adimplemento, a antecipação do momento
para se negociar acordos compensatórios, a inclusão do prazo razoável no
cálculo de dano, quando do não oferecimento imediato de compensação, e as
prestações de cunho monetário, em conjunto, incrementam a probabilidade de
ocorrência do instituto. O resultado é o alívio temporário para os males
suportados pelo demandante.
Em consonância com o espírito do “do no harm”, a retaliação
também exige revisão. Considerando que a mera possibilidade de seu uso
permite irradiar efeitos favoráveis ao cumprimento, sugerem-se reformas para
210
garantir maior credibilidade à ameaça da sanção. Em complemento, o estímulo e
a automaticidade na aplicação da retaliação cruzada por PEDs surge como
alternativa próspera. Ambas as propostas mitigam os impactos prejudiciais da
medida para o reclamante, além de aumentar seu caráter persuasivo. A sanção
progressiva, dependendo da forma como é adotada, também pode despontar
como solução propícia.
Todas essas mudanças, em conjunto, concorrem para o
aperfeiçoamento das medidas de indução ao cumprimento das decisões da OMC,
incrementando a eficácia da atuação dos PEDs na defesa de seus interesses.
Uma vez incluídas nas normas da entidade, referidas mudanças tendem a
aumentar o índice e a qualidade da implementação e, mesmo diante de casos
politicamente sensíveis, que desafiam os limites do mecanismo de solução de
controvérsias da OMC, contribuem para moldar comportamentos futuros do
reclamado em sintonia com as normas do sistema multilateral de comércio.
211
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Chairman, Ambassador Ronald Saborío Soto, to the Trade Negotiations
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certain softwood lumber from Canada: recourse by Canada to Article 21.5
report of the panel. 1 August 200
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Canada: notification of mutually agreed solution. 16 November 2006.
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Official Journal of the European Union Regulation. Council Regulation (EC), No
171/2005 of 31 January 2005 amending and suspending the application of
Regulation (EC) No 2193/2003 establishing additional customs duties on imports
of certain products originating in the United States of America. L 28/31, 1.2.2005.
Official Journal of the European Union Regulation. Council Regulation (EC), No
728/2006 of 15 May 2006 suspending and conditionally repealing Regulation (EC)
No 2193/2003 establishing additional customs duties on imports of certain
products originating in the United States of America. L 127/1, 15.5.2006
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227
ANEXO I: LISTA DE CONTROVÉRSIAS
NOME SIMPLIFICADO
(ORDEM ALFABÉTICA)
REFERÊNCIA COMPLETA
Argentina-Poultry AD Duties Argentina — Definitive Anti-Dumping Duties on Poultry
from Brazil (Complainant: Brazil)
Australia — Automotive Leather II Australia Subsidies Provided to Producers and
Exporters of Automotive Leather (Complainant: United
States)
Australia — Salmon Australia Measures Affecting Importation of Salmon
(Complainant: Canada)
Brazil — Aircraft Brazil Export Financing Programme for Aircraft
(Complainant: Canada)
Brazil — Desiccated Coconut Brazil Measures Affecting Desiccated Coconut
(Complainant: Philippines)
Brazil — Retreaded Tyres Brazil Measures Affecting Imports of Retreaded
Tyres (Complainant: European Communities)
Canada — Aircraft Canada — Measures Affecting the Export of Civilian
Aircraft (Complainant: Brazil)
Canada — Continued Suspension Canada — Continued Suspension of Obligations in the
EC — Hormones Dispute (Complainant: European
Communities)
Canada — Dairy Canada — Measures Affecting Dairy Exports
(Complainant: New Zealand)
Canada — Dairy Canada — Measures Affecting the Importation of Milk
and the Exportation of Dairy Products (Complainant:
United States)
Canada — Pharmaceutical Patents Canada Patent Protection of Pharmaceutical
Products (Complainant: European Communities)
EC — Approval and Marketing of
Biotech Products
European Communities — Measures Affecting the
Approval and Marketing of Biotech Products
(Complainant: United States)
EC — Bananas III European Communities — Regime for the Importation,
Sale and Distribution of Bananas (Complainant:
Ecuador; Guatemala; Honduras; Mexico; United States)
EC-Certain Information Technology
Products (Japan)
European Communities and its Member States Tariff
Treatment of Certain Information Technology Products
(Complainant Japan)
EC-Certain Information Technology
Products (Taipei)
China Measures Affecting Financial Information
Services and Foreign Financial Information Suppliers
(Canada)
EC-Certain Information Technology
Products (United States)
European Communities and its Member States Tariff
Treatment of Certain Information Technology Products
(Complainant: United States)
EC — Hormones (Canada) European Communities — Measures Concerning Meat
and Meat Products (Hormones) (Complainant: Canada)
EC — Hormones (United States) European Communities — Measures Concerning Meat
and Meat Products (Hormones) (Complainant: United
States)
EC — Salmon (Norway) European Communities — Anti-Dumping Measure on
Farmed Salmon from Norway (Complainant: Norway)
EC — Sardines European Communities Trade Description of
Sardines (Complainant: Peru)
EC — Tube or Pipe Fittings European Communities Anti-Dumping Duties on
Malleable Cast Iron Tube or Pipe Fittings from Brazil
(Complainant: Brazil)
EC — Tariff Preferences European Communities Conditions for the Granting
of Tariff Preferences to Developing Countries
228
(Complainant: India)
EC — Trademarks and Geographical
Indications
European Communities — Protection of Trademarks
and Geographical Indications for Agricultural Products
and Foodstuffs (Complaint: United States)
EC — Trademarks and Geographical
Indications
European Communities — Protection of Trademarks
and Geographical Indications for Agricultural Products
and Foodstuffs (Complaint: Australia)
Guatemala-Cement I Guatemala — Anti-Dumping Investigation Regarding
Portland Cement from Mexico (Complainant: Mexico)
Guatemala-Cement II
Guatemala — Definitive Anti-Dumping Measure on Grey
Portland Cement from Mexico (Complainant: Mexico)
India — Quantitative Restrictions India — Quantitative Restrictions on Imports of
Agricultural, Textile and Industrial Products
(Complainant: United States)
Japan — Alcoholic Beverages II (EC) Japan Taxes on Alcoholic Beverages (Complainant:
European Communities)
Japan — Alcoholic Beverages II
(Canada)
Japan Taxes on Alcoholic Beverages (Complainant:
Canada)
Japan — Alcoholic Beverages II
(United States)
Japan Taxes on Alcoholic Beverages (Complainant:
United States)
Japan — Apples Japan — Measures Affecting the Importation of Apples
(Complainant: United States)
Japan — DRAMS(Korea) Japan — Countervailing Duties on Dynamic Random
Access Memories from Korea (Complainant: Korea)
Korea — Alcoholic Beverages Korea Taxes on Alcoholic Beverages (Complainant:
Unites States)
Korea-Paper AD Duties
(Korea — Certain Paper)
Korea — Anti-Dumping Duties on Imports of Certain
Paper from Indonesia (Complainant: Indonesia)
Mexico — Steel Pipes and Tubes Mexico Anti-Dumping Duties on Steel Pipes and
Tubes from Guatemala (Complainant: Guatemala)
US — Continued Suspension United States Continued Suspension of Obligations
in the EC Hormones Dispute (Complainant:
European Communities)
US — 1916 Act (EC) United States Anti-Dumping Act of 1916
(Complainant: European Communieties)
US — 1916 Act (Japan) United States Anti-Dumping Act of 1916
(Complainant: Japan)
US — Certain EC Products United States Import Measures on Certain Products
from the European Communities (Complainant:
European Communieties)
US — Continued Suspension United States Continued Suspension of Obligations
in the EC Hormones Dispute (Complainant:
European Communities)
US — Copyright Act Section 110(5) United States Section 110(5) of US Copyright Act
(Complainant: European Communities)
US — Cotton Yarn United States — Transitional Safeguard Measure on
Combed Cotton Yarn from Pakistan (Complainant:
Pakistan)
US — DRAMS United States Anti-Dumping Duty on Dynamic
Random Access Memory Semiconductors (DRAMS) of
One Megabit or Above from Korea (Complainant: Korea)
US — Gambling United States — Measures Affecting the Cross-Border
Supply of Gambling and Betting Services (Complainant:
Antigua and Barbuda)
US — Hot-Rolled Steel United States — Anti-Dumping Measures on Certain
Hot-Rolled Steel Products from Japan (Complainant:
Japan)
229
US-Lead and Bismuth II United States — Imposition of Countervailing Duties on
Certain Hot-Rolled Lead and Bismuth Carbon Steel
Products Originating in the United Kingdom
(Complainant: European Communities)
US — Offset Act (Byrd Amendment) United States — Continued Dumping and Subsidy
Offset Act of 2000 (Complainant: Australia; Brazil; Chile;
European Communities; India; Indonesia; Japan; Korea;
Thailand)
US — Offset Act (Byrd Amendment) United States Continued Dumping and Subsidy
Offset Act of 2000 (Complainant: Canada; Mexico)
US — Oil Country Tubular Goods
Sunset Reviews
United States — Sunset Reviews of Anti-Dumping
Measures on Oil Country Tubular Goods from Argentina
(Complainant: Argentina)
India — Patents (US) India Patent Protection for Pharmaceutical and
Agricultural Chemical Products (Complainant: United
States)
US — Section 211 Appropriations Act United States Section 211 Omnibus Appropriations
Act of 1998 (Complainant: European Communities)
US — Shrimp United States Import Prohibition of Certain Shrimp
and Shrimp Products (Complainant: India; Malaysia;
Pakistan; Thailand)
US — Softwood Lumber IV United States — Final Countervailing Duty
Determination with respect to certain Softwood Lumber
from Canada (Complainant: Canada)
US — Softwood Lumber V United States — Final Dumping Determination on
Softwood Lumber from Canada (Complainant: Canada)
US — Softwood Lumber VI
(US-Lumber ITC Investigation)
United States — Investigation of the International Trade
Commission in Softwood Lumber from Canada
(Complainant: Canada)
US — Stainless Steel United States Anti-Dumping measures on Stainless
Steel Plate in Coils and Stainless Steel Sheet and Strip
from Korea (Complainant: Korea)
US — Steel Plate United States — Anti-Dumping and Countervailing
Measures on Steel Plate from India (Complainant: India)
US — Underwear United States — Restrictions on Imports of Cotton and
Man-Made Fibre Underwear (Complainant: Costa Rica)
US — Upland Cotton United States — Subsidies on Upland Cotton
(Complainant: Brazil)
US — Wire Rod and Line Pipe United States — Definitive Safeguard Measures on
Imports of Steel Wire Rod and Circular Welded Quality
Line Pipe (Complainant: European Communities)
US — Zeroing (Japan) United States — Measures Relating to Zeroing and
Sunset Reviews (Complainant: Japan)
US — Zeroing (EC) United States Laws, Regulations and Methodology
for Calculating Dumping Margins (Zeroing)
(Complainant: European Communities)
US — Continued Zeroing United States — Continued Existence and Application of
Zeroing Methodology (Complainant: European
Communities)
230
ANEXO II: PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA APLICAR SANÇÕES
CONTROVÉRSIA NÚM. DOC. RECLAMANTE RECLAMADO
DATA DO
PEDIDO
AUTORIZAÇÃO
1. European Communities - Measures
Affecting the Approval and Marketing of
Biotech Products
291 WT/DS291/39 Estados Unidos CE Jan. 17, 2008
Solicitação suspensa para tentativa de solução entre as
partes.
2. United States - Measures Relating to
Zeroing and Sunset Reviews
322 WT/DS322/24 Japão Estados Unidos Jan. 10, 2008
Solicitação suspensa até decisão final sobre a ocorrência
de implementação (Art. 21.5)
3. United States - Measures Relating to
Zeroing and Sunset Reviews
322 WT/DS322/23 Japão Estados Unidos Jan. 10, 2008
Solicitação suspensa até decisão final sobre a ocorrência
de implementação (Art. 21.5)
4. United States - Measures Affecting the
Cross-Border Supply of Gambling and Betting
Services
285 WT/DS285/22 Antigua Estados Unidos Jun. 21, 2007
21.12.2007
Autorização para retaliar em até USS 21 milhões por
ano.
5. United States - Sunset Reviews of Anti-
Dumping Measures on Oil Country Tubular
Goods from Argentina
268 WT/DS268/24 Argentina Estados Unidos Maio 21, 2007
Solicitação suspensa para tentativa de solução entre as
partes.
6. United States - Subsidies on Upland Cotton
(SCM 7.9)
267 WT/DS267/26 Brasil Estados Unidos Out. 06, 2005
Solicitação suspensa para apreciação da ocorrência de
implementação (Art. 21.5).
Com a decisão do OA de que os EUA estão
inadimplentes o Brasil terá o direito de reativar o
procedimento arbitral.
7. United States - Subsidies on Upland Cotton
(SCM 4.10)
267 WT/DS267/21 Brasil Estados Unidos Jul. 04, 2005
Solicitação suspensa para apreciação da ocorrência de
implementação (Art. 21.5).
Com a decisão do OA de que os EUA estão
inadimplentes o Brasil terá o direito de reativar o
procedimento arbitral.
8. United States - Final Dumping
Determination on Softwood Lumber from
Canada
264 WT/DS264/17 Canadá Estados Unidos Maio 19, 2005
Solicitação não apreciada em razão de notificação de
mútuo acordo entre as partes.
9. United States - Investigation of the
International Trade Commission in Softwood
Lumber from Canada
277 WT/DS277/9 Canadá Estados Unidos Fev. 14, 2005
Solicitação não apreciada em razão de notificação de
mútuo acordo entre as partes.
10. United States - Final Countervailing Duty
Determination with Respect to Certain
Softwood Lumber from Canada
257 WT/DS257/16 Canadá Estados Unidos Dez 30, 2004
Solicitação não apreciada em razão de notificação de
mútuo acordo entre as partes.
11. Japan - Measures Affecting the
Importation of Apples
245 WT/DS245/12 Estados Unidos Japão Jul. 19, 2004
Solicitação não apreciada em razão de notificação de
mútuo acordo entre as partes.
12. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
217 WT/DS217/23 Índia Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
13. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
217 WT/DS217/20 Brasil Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
14. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
217 WT/DS217/22 CE Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
15. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
217 WT/DS217/25 Coréia Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
16. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000 234 WT/DS234/25 Canadá Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
231
17. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
234 WT/DS234/26 México Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
18. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
217 WT/DS217/24 Japão Estados Unidos Jan. 15, 2004 26.11.2004
19. United States - Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
217 WT/DS217/21 Chile Estados Unidos Jan. 15, 2004 17.12.2004
20. Canada - Export Credits and Loan
Guarantees for Regional Aircraft
222 WT/DS222/7 Brasil Canadá Maio 23, 2002 18.3.2003
21. United States - Anti-dumping Act of 1916 136 WT/DS136/15 CE Estados Unidos Jan. 07, 2002
Pedido não prosseguido após o fim da arbitragem do art.
22.6
(Revogação do Anti-Dumping Act of
1916..
22. United States - Section 110(5) of the US
Copyright Act
160 WT/DS160/19 CE Estados Unidos Jan. 07, 2002
Pedido não prosseguido
(acordo compensatório temporário até Dez. de 2004).
23. United States - Anti-dumping Act of 1916 162 WT/DS162/18 Japão Estados Unidos Jan. 07, 2002
Pedido não prosseguido
(Revogação do Anti-Dumping Act of
1916).
24. Canada - Measures Affecting the
Importation of Milk and the Exportation of
Dairy Products
103 WT/DS103/17 Estados Unidos Canadá Fev 16, 2001
Pedido não prosseguido
(notificação de solução mutuamente satisfatória).
25. Canada - Measures Affecting the
Importation of Milk and the Exportation of
Dairy Products
113 WT/DS113/17 Nova Zelândia Canadá Fev 16, 2001
Solicitação não apreciada em razão de notificação de
mútuo acordo entre as partes.
26. United States - Tax Treatment for "Foreign
Sales Corporations"
108 WT/DS108/13 EC Estados Unidos Nov 17, 2000 7.5.2003
27. Brazil - Export Financing Programme for
Aircraft
46 WT/DS46/16 Canadá Brasil Maio 10, 2000 12.12.2000
28. European Communities - Regime for the
Importation, Sale and Distribution of Bananas
27 WT/DS27/52 Equador EC Nov 08, 1999 18.5.2000
29. Australia - Measures Affecting Importation
of Salmon
18 WT/DS18/12 Canadá Austrália Jul 15, 1999
Pedido não prosseguido
(solução mutuamente satisfatória aparentemente
alcançada).
30. European Communities - Measures
Concerning Meat and Meat Products
(Hormones)
48 WT/DS48/17 Canadá
EC
Maio 20, 1999 26.7.1999
31. European Communities - Measures
Concerning Meat and Meat Products
(Hormones)
26 WT/DS26/19 Estados Unidos
EC
Maio 17, 1999 26.7.1999
32. European Communities - Regime for the
Importation, Sale and Distribution of Bananas
27 WT/DS27/43 Estados Unidos
EC
Jan. 14, 1999 19.4.1999
Fonte: WorldTradeLaw.net (26.07.2008) (http://www.worldtradelaw.net/dsc/database/retaliationrequests.asp)
232
ANEXO III: SANÇÕES EFETIVAMENTE IMPOSTAS
CONTROVÉRSIA RECLAMANTE RECLAMADO
DATA DA
SOLICITAÇÃO
DATA DA
AUTORIZAÇÃO
MONTANTE AUTORIZADO
PARA RETALIAÇÃO
UTILIZAÇÃO DA
RETALIAÇÃO
1. EC - Regime for the
Importation, Sale and
Distribution of Bananas (DS27)
EUA CE 14.1.1999 19.4.1999
US$ 191,4 milhões por ano Retaliação aplicada (até julho 2001)
2. EC - Measures Concerning
Meat and Meat Products
(Hormones) (DS26)
EUA CE 17.5.1999 26.7.1999
US$ 116,8 milhões por ano
Retaliação aplicada (em vigor)
3. EC - Measures Concerning
Meat and Meat Products
(Hormones) (DS48)
CANADÁ CE 20.5.1999 26.7.1999
CanD 11.3 milhões por ano
Retaliação aplicada (em vigor)
4. US-Tax Treatment for
``Foreign Sales Corporations''
(DS108)
CE EUA 17.11.2000 7.5.2003 US$ 4,043 bilhões por ano
Retaliação aplicada entre Março de
2004 e Janeiro de 2005.
Reintroduzida e novamente retirada
em 2006
5. US-Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
(Byrd Amendment) (DS217)
CE EUA 15.1.2004 26.11.2004
Cálculo: valor das distribuições
feitas em decorrência do CDSOA,
referente a direitos antidumping ou
medidas compensatórias cobradas
sobre as importações provenientes
da CE no período em questão, em
conformidade com as instruções
publicadas pelas autoridades dos
EUA, multiplicado por 0,72.
total 2005/2006: US$ 27,81 milhões
total 2007/2008: US$ 81,19 milhões
Retaliação aplicada em Maio de
2005
(em vigor)
6. US-Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
(Byrd Amendment)
(DS217)
Japão EUA
total 2005/2006: US$ 52,1 milhões
total 2007/2008: US$ 48,18 milhões
Retaliação aplicada em Setembro
de 2005
(em vigor)
7. US-Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
(Byrd Amendment)
(DS234)
Canadá EUA 15.1.2004 26.11.2004 total 2005/2006: US$ 11,16 milhões
Retaliação aplicada em Maio de
2005
8. US- Continued Dumping and
Subsidy Offset Act of 2000
(Byrd Amendment)
(DS234)
México EUA 15.1.2004 26.11.2004 total 2006/2007: US$ 6,1 milhões
Retaliação aplicada em Setembro
de 2006
233
ANEXO IV
UNDERSTANDING ON RULES AND PROCEDURES
GOVERNING THE SETTLEMENT OF DISPUTES
Members hereby agree as follows:
Article 1
Coverage and Application
1. The rules and procedures of this Understanding shall apply to disputes
brought pursuant to the consultation and dispute settlement provisions of the
agreements listed in Appendix 1 to this Understanding (referred to in this
Understanding as the "covered agreements"). The rules and procedures of this
Understanding shall also apply to consultations and the settlement of disputes
between Members concerning their rights and obligations under the provisions of
the Agreement Establishing the World Trade Organization (referred to in this
Understanding as the "WTO Agreement") and of this Understanding taken in
isolation or in combination with any other covered agreement.
2. The rules and procedures of this Understanding shall apply subject to such
special or additional rules and procedures on dispute settlement contained in the
covered agreements as are identified in Appendix 2 to this Understanding. To the
extent that there is a difference between the rules and procedures of this
Understanding and the special or additional rules and procedures set forth in
Appendix 2, the special or additional rules and procedures in Appendix 2 shall
prevail. In disputes involving rules and procedures under more than one covered
agreement, if there is a conflict between special or additional rules and procedures
of such agreements under review, and where the parties to the dispute cannot
agree on rules and procedures within 20 days of the establishment of the panel,
the Chairman of the Dispute Settlement Body provided for in paragraph 1 of Article
2 (referred to in this Understanding as the "DSB"), in consultation with the parties
234
to the dispute, shall determine the rules and procedures to be followed within 10
days after a request by either Member. The Chairman shall be guided by the
principle that special or additional rules and procedures should be used where
possible, and the rules and procedures set out in this Understanding should be
used to the extent necessary to avoid conflict.
Article 2
Administration
1. The Dispute Settlement Body is hereby established to administer these
rules and procedures and, except as otherwise provided in a covered agreement,
the consultation and dispute settlement provisions of the covered agreements.
Accordingly, the DSB shall have the authority to establish panels, adopt panel and
Appellate Body reports, maintain surveillance of implementation of rulings and
recommendations, and authorize suspension of concessions and other obligations
under the covered agreements. With respect to disputes arising under a covered
agreement which is a Plurilateral Trade Agreement, the term "Member" as used
herein shall refer only to those Members that are parties to the relevant Plurilateral
Trade Agreement. Where the DSB administers the dispute settlement provisions
of a Plurilateral Trade Agreement, only those Members that are parties to that
Agreement may participate in decisions or actions taken by the DSB with respect
to that dispute.
2. The DSB shall inform the relevant WTO Councils and Committees of any
developments in disputes related to provisions of the respective covered
agreements.
3. The DSB shall meet as often as necessary to carry out its functions within
the time-frames provided in this Understanding.
235
4. Where the rules and procedures of this Understanding provide for the DSB
to take a decision, it shall do so by consensus.
1
Article 3
General Provisions
1. Members affirm their adherence to the principles for the management of
disputes heretofore applied under Articles XXII and XXIII of GATT 1947, and the
rules and procedures as further elaborated and modified herein.
2. The dispute settlement system of the WTO is a central element in providing
security and predictability to the multilateral trading system. The Members
recognize that it serves to preserve the rights and obligations of Members under
the covered agreements, and to clarify the existing provisions of those agreements
in accordance with customary rules of interpretation of public international law.
Recommendations and rulings of the DSB cannot add to or diminish the rights and
obligations provided in the covered agreements.
3. The prompt settlement of situations in which a Member considers that any
benefits accruing to it directly or indirectly under the covered agreements are
being impaired by measures taken by another Member is essential to the effective
functioning of the WTO and the maintenance of a proper balance between the
rights and obligations of Members.
4. Recommendations or rulings made by the DSB shall be aimed at achieving
a satisfactory settlement of the matter in accordance with the rights and
obligations under this Understanding and under the covered agreements.
5. All solutions to matters formally raised under the consultation and dispute
settlement provisions of the covered agreements, including arbitration awards,
shall be consistent with those agreements and shall not nullify or impair benefits
1
The DSB shall be deemed to have decided by consensus on a matter submitted for its
consideration, if no Member, present at the meeting of the DSB when the decision is taken,
formally objects to the proposed decision.
236
accruing to any Member under those agreements, nor impede the attainment of
any objective of those agreements.
6. Mutually agreed solutions to matters formally raised under the consultation
and dispute settlement provisions of the covered agreements shall be notified to
the DSB and the relevant Councils and Committees, where any Member may raise
any point relating thereto.
7. Before bringing a case, a Member shall exercise its judgement as to
whether action under these procedures would be fruitful. The aim of the dispute
settlement mechanism is to secure a positive solution to a dispute. A solution
mutually acceptable to the parties to a dispute and consistent with the covered
agreements is clearly to be preferred. In the absence of a mutually agreed
solution, the first objective of the dispute settlement mechanism is usually to
secure the withdrawal of the measures concerned if these are found to be
inconsistent with the provisions of any of the covered agreements. The provision
of compensation should be resorted to only if the immediate withdrawal of the
measure is impracticable and as a temporary measure pending the withdrawal of
the measure which is inconsistent with a covered agreement. The last resort
which this Understanding provides to the Member invoking the dispute settlement
procedures is the possibility of suspending the application of concessions or other
obligations under the covered agreements on a discriminatory basis vis-à-vis the
other Member, subject to authorization by the DSB of such measures.
8. In cases where there is an infringement of the obligations assumed under a
covered agreement, the action is considered prima facie to constitute a case of
nullification or impairment. This means that there is normally a presumption that a
breach of the rules has an adverse impact on other Members parties to that
covered agreement, and in such cases, it shall be up to the Member against whom
the complaint has been brought to rebut the charge.
9. The provisions of this Understanding are without prejudice to the rights of
Members to seek authoritative interpretation of provisions of a covered agreement
through decision-making under the WTO Agreement or a covered agreement
which is a Plurilateral Trade Agreement.
237
10. It is understood that requests for conciliation and the use of the dispute
settlement procedures should not be intended or considered as contentious acts
and that, if a dispute arises, all Members will engage in these procedures in good
faith in an effort to resolve the dispute. It is also understood that complaints and
counter-complaints in regard to distinct matters should not be linked.
11. This Understanding shall be applied only with respect to new requests for
consultations under the consultation provisions of the covered agreements made
on or after the date of entry into force of the WTO Agreement. With respect to
disputes for which the request for consultations was made under GATT 1947 or
under any other predecessor agreement to the covered agreements before the
date of entry into force of the WTO Agreement, the relevant dispute settlement
rules and procedures in effect immediately prior to the date of entry into force of
the WTO Agreement shall continue to apply.
2
12. Notwithstanding paragraph 11, if a complaint based on any of the covered
agreements is brought by a developing country Member against a developed
country Member, the complaining party shall have the right to invoke, as an
alternative to the provisions contained in Articles 4, 5, 6 and 12 of this
Understanding, the corresponding provisions of the Decision of 5 April 1966 (BISD
14S/18), except that where the Panel considers that the time-frame provided for in
paragraph 7 of that Decision is insufficient to provide its report and with the
agreement of the complaining party, that time-frame may be extended. To the
extent that there is a difference between the rules and procedures of Articles 4,
5, 6 and 12 and the corresponding rules and procedures of the Decision, the latter
shall prevail.
Article 4
Consultations
2
This paragraph shall also be applied to disputes on which panel reports have not been adopted or
fully implemented.
238
1. Members affirm their resolve to strengthen and improve the effectiveness of
the consultation procedures employed by Members.
2. Each Member undertakes to accord sympathetic consideration to and afford
adequate opportunity for consultation regarding any representations made by
another Member concerning measures affecting the operation of any covered
agreement taken within the territory of the former.
3
3. If a request for consultations is made pursuant to a covered agreement, the
Member to which the request is made shall, unless otherwise mutually agreed,
reply to the request within 10 days after the date of its receipt and shall enter into
consultations in good faith within a period of no more than 30 days after the date
of receipt of the request, with a view to reaching a mutually satisfactory solution. If
the Member does not respond within 10 days after the date of receipt of the
request, or does not enter into consultations within a period of no more than 30
days, or a period otherwise mutually agreed, after the date of receipt of the
request, then the Member that requested the holding of consultations may proceed
directly to request the establishment of a panel.
4. All such requests for consultations shall be notified to the DSB and the
relevant Councils and Committees by the Member which requests consultations.
Any request for consultations shall be submitted in writing and shall give the
reasons for the request, including identification of the measures at issue and an
indication of the legal basis for the complaint.
5. In the course of consultations in accordance with the provisions of a
covered agreement, before resorting to further action under this Understanding,
Members should attempt to obtain satisfactory adjustment of the matter.
6. Consultations shall be confidential, and without prejudice to the rights of
any Member in any further proceedings.
3
Where the provisions of any other covered agreement concerning measures taken by regional or
local governments or authorities within the territory of a Member contain provisions different from
the provisions of this paragraph, the provisions of such other covered agreement shall prevail.
239
7. If the consultations fail to settle a dispute within 60 days after the date of
receipt of the request for consultations, the complaining party may request the
establishment of a panel. The complaining party may request a panel during the
60-day period if the consulting parties jointly consider that consultations have
failed to settle the dispute.
8. In cases of urgency, including those which concern perishable goods,
Members shall enter into consultations within a period of no more than 10 days
after the date of receipt of the request. If the consultations have failed to settle the
dispute within a period of 20 days after the date of receipt of the request, the
complaining party may request the establishment of a panel.
9. In cases of urgency, including those which concern perishable goods, the
parties to the dispute, panels and the Appellate Body shall make every effort to
accelerate the proceedings to the greatest extent possible.
10. During consultations Members should give special attention to the particular
problems and interests of developing country Members.
11. Whenever a Member other than the consulting Members considers that it
has a substantial trade interest in consultations being held pursuant to paragraph
1 of Article XXII of GATT 1994, paragraph 1 of Article XXII of GATS, or the
corresponding provisions in other covered agreements
4
, such Member may notify
the consulting Members and the DSB, within 10 days after the date of the
circulation of the request for consultations under said Article, of its desire to be
joined in the consultations. Such Member shall be joined in the consultations,
4
The corresponding consultation provisions in the covered agreements are listed hereunder:
Agreement on Agriculture, Article 19; Agreement on the Application of Sanitary and Phytosanitary
Measures, paragraph 1 of Article 11; Agreement on Textiles and Clothing, paragraph 4 of Article 8;
Agreement on Technical Barriers to Trade, paragraph 1 of Article 14; Agreement on Trade-Related
Investment Measures, Article 8; Agreement on Implementation of Article VI of GATT 1994,
paragraph 2 of Article 17; Agreement on Implementation of Article VII of GATT 1994, paragraph 2
of Article 19; Agreement on Preshipment Inspection, Article 7; Agreement on Rules of Origin,
Article 7; Agreement on Import Licensing Procedures, Article 6; Agreement on Subsidies and
Countervailing Measures, Article 30; Agreement on Safeguards, Article 14; Agreement on Trade-
Related Aspects of Intellectual Property Rights, Article 64.1; and any corresponding consultation
provisions in Plurilateral Trade Agreements as determined by the competent bodies of each
Agreement and as notified to the DSB.
240
provided that the Member to which the request for consultations was addressed
agrees that the claim of substantial interest is well-founded. In that event they
shall so inform the DSB. If the request to be joined in the consultations is not
accepted, the applicant Member shall be free to request consultations under
paragraph 1 of Article XXII or paragraph 1 of Article XXIII of GATT 1994,
paragraph 1 of Article XXII or paragraph 1 of Article XXIII of GATS, or the
corresponding provisions in other covered agreements.
Article 5
Good Offices, Conciliation and Mediation
1. Good offices, conciliation and mediation are procedures that are
undertaken voluntarily if the parties to the dispute so agree.
2. Proceedings involving good offices, conciliation and mediation, and in
particular positions taken by the parties to the dispute during these proceedings,
shall be confidential, and without prejudice to the rights of either party in any
further proceedings under these procedures.
3. Good offices, conciliation or mediation may be requested at any time by any
party to a dispute. They may begin at any time and be terminated at any time.
Once procedures for good offices, conciliation or mediation are terminated, a
complaining party may then proceed with a request for the establishment of a
panel.
4. When good offices, conciliation or mediation are entered into within 60 days
after the date of receipt of a request for consultations, the complaining party must
allow a period of 60 days after the date of receipt of the request for consultations
before requesting the establishment of a panel. The complaining party may
request the establishment of a panel during the 60-day period if the parties to the
dispute jointly consider that the good offices, conciliation or mediation process has
failed to settle the dispute.
241
5. If the parties to a dispute agree, procedures for good offices, conciliation or
mediation may continue while the panel process proceeds.
6. The Director-General may, acting in an ex officio capacity, offer good
offices, conciliation or mediation with the view to assisting Members to settle a
dispute.
Article 6
Establishment of Panels
1. If the complaining party so requests, a panel shall be established at the
latest at the DSB meeting following that at which the request first appears as an
item on the DSB's agenda, unless at that meeting the DSB decides by consensus
not to establish a panel.
5
2. The request for the establishment of a panel shall be made in writing. It
shall indicate whether consultations were held, identify the specific measures at
issue and provide a brief summary of the legal basis of the complaint sufficient to
present the problem clearly. In case the applicant requests the establishment of a
panel with other than standard terms of reference, the written request shall include
the proposed text of special terms of reference.
Article 7
Terms of Reference of Panels
1. Panels shall have the following terms of reference unless the parties to the
dispute agree otherwise within 20 days from the establishment of the panel:
"To examine, in the light of the relevant provisions in (name of the covered
agreement(s) cited by the parties to the dispute), the matter referred to the DSB by
(name of party) in document ... and to make such findings as will assist the DSB in
5
If the complaining party so requests, a meeting of the DSB shall be convened for this purpose
within 15 days of the request, provided that at least 10 days' advance notice of the meeting is
given.
242
making the recommendations or in giving the rulings provided for in that/those
agreement(s)."
2. Panels shall address the relevant provisions in any covered agreement or
agreements cited by the parties to the dispute.
3. In establishing a panel, the DSB may authorize its Chairman to draw up the
terms of reference of the panel in consultation with the parties to the dispute,
subject to the provisions of paragraph 1. The terms of reference thus drawn up
shall be circulated to all Members. If other than standard terms of reference are
agreed upon, any Member may raise any point relating thereto in the DSB.
Article 8
Composition of Panels
1. Panels shall be composed of well-qualified governmental and/or non-
governmental individuals, including persons who have served on or presented a
case to a panel, served as a representative of a Member or of a contracting party
to GATT 1947 or as a representative to the Council or Committee of any covered
agreement or its predecessor agreement, or in the Secretariat, taught or published
on international trade law or policy, or served as a senior trade policy official of a
Member.
2. Panel members should be selected with a view to ensuring the
independence of the members, a sufficiently diverse background and a wide
spectrum of experience.
3. Citizens of Members whose governments
6
are parties to the dispute or third
parties as defined in paragraph 2 of Article 10 shall not serve on a panel
concerned with that dispute, unless the parties to the dispute agree otherwise.
6
In the case where customs unions or common markets are parties to a dispute, this provision
applies to citizens of all member countries of the customs unions or common markets.
243
4. To assist in the selection of panelists, the Secretariat shall maintain an
indicative list of governmental and non-governmental individuals possessing the
qualifications outlined in paragraph 1, from which panelists may be drawn as
appropriate. That list shall include the roster of non-governmental panelists
established on 30 November 1984 (BISD 31S/9), and other rosters and indicative
lists established under any of the covered agreements, and shall retain the names
of persons on those rosters and indicative lists at the time of entry into force of the
WTO Agreement. Members may periodically suggest names of governmental and
non-governmental individuals for inclusion on the indicative list, providing relevant
information on their knowledge of international trade and of the sectors or subject
matter of the covered agreements, and those names shall be added to the list
upon approval by the DSB. For each of the individuals on the list, the list shall
indicate specific areas of experience or expertise of the individuals in the sectors
or subject matter of the covered agreements.
5. Panels shall be composed of three panelists unless the parties to the
dispute agree, within 10 days from the establishment of the panel, to a panel
composed of five panelists. Members shall be informed promptly of the
composition of the panel.
6. The Secretariat shall propose nominations for the panel to the parties to the
dispute. The parties to the dispute shall not oppose nominations except for
compelling reasons.
7. If there is no agreement on the panelists within 20 days after the date of the
establishment of a panel, at the request of either party, the Director-General, in
consultation with the Chairman of the DSB and the Chairman of the relevant
Council or Committee, shall determine the composition of the panel by appointing
the panelists whom the Director-General considers most appropriate in
accordance with any relevant special or additional rules or procedures of the
covered agreement or covered agreements which are at issue in the dispute, after
consulting with the parties to the dispute. The Chairman of the DSB shall inform
the Members of the composition of the panel thus formed no later than 10 days
after the date the Chairman receives such a request.
244
8. Members shall undertake, as a general rule, to permit their officials to serve
as panelists.
9. Panelists shall serve in their individual capacities and not as government
representatives, nor as representatives of any organization. Members shall
therefore not give them instructions nor seek to influence them as individuals with
regard to matters before a panel.
10. When a dispute is between a developing country Member and a developed
country Member the panel shall, if the developing country Member so requests,
include at least one panelist from a developing country Member.
11. Panelists' expenses, including travel and subsistence allowance, shall be
met from the WTO budget in accordance with criteria to be adopted by the
General Council, based on recommendations of the Committee on Budget,
Finance and Administration.
Article 9
Procedures for Multiple Complainants
1. Where more than one Member requests the establishment of a panel
related to the same matter, a single panel may be established to examine these
complaints taking into account the rights of all Members concerned. A single
panel should be established to examine such complaints whenever feasible.
2. The single panel shall organize its examination and present its findings to
the DSB in such a manner that the rights which the parties to the dispute would
have enjoyed had separate panels examined the complaints are in no way
impaired. If one of the parties to the dispute so requests, the panel shall submit
separate reports on the dispute concerned. The written submissions by each of
the complainants shall be made available to the other complainants, and each
245
complainant shall have the right to be present when any one of the other
complainants presents its views to the panel.
3. If more than one panel is established to examine the complaints related to
the same matter, to the greatest extent possible the same persons shall serve as
panelists on each of the separate panels and the timetable for the panel process in
such disputes shall be harmonized.
Article 10
Third Parties
1. The interests of the parties to a dispute and those of other Members under
a covered agreement at issue in the dispute shall be fully taken into account
during the panel process.
2. Any Member having a substantial interest in a matter before a panel and
having notified its interest to the DSB (referred to in this Understanding as a "third
party") shall have an opportunity to be heard by the panel and to make written
submissions to the panel. These submissions shall also be given to the parties to
the dispute and shall be reflected in the panel report.
3. Third parties shall receive the submissions of the parties to the dispute to
the first meeting of the panel.
4. If a third party considers that a measure already the subject of a panel
proceeding nullifies or impairs benefits accruing to it under any covered
agreement, that Member may have recourse to normal dispute settlement
procedures under this Understanding. Such a dispute shall be referred to the
original panel wherever possible.
Article 11
246
Function of Panels
The function of panels is to assist the DSB in discharging its responsibilities under
this Understanding and the covered agreements. Accordingly, a panel should
make an objective assessment of the matter before it, including an objective
assessment of the facts of the case and the applicability of and conformity with the
relevant covered agreements, and make such other findings as will assist the DSB
in making the recommendations or in giving the rulings provided for in the covered
agreements. Panels should consult regularly with the parties to the dispute and
give them adequate opportunity to develop a mutually satisfactory solution.
Article 12
Panel Procedures
1. Panels shall follow the Working Procedures in Appendix 3 unless the panel
decides otherwise after consulting the parties to the dispute.
2. Panel procedures should provide sufficient flexibility so as to ensure high-
quality panel reports, while not unduly delaying the panel process.
3. After consulting the parties to the dispute, the panelists shall, as soon as
practicable and whenever possible within one week after the composition and
terms of reference of the panel have been agreed upon, fix the timetable for the
panel process, taking into account the provisions of paragraph 9 of Article 4, if
relevant.
4. In determining the timetable for the panel process, the panel shall provide
sufficient time for the parties to the dispute to prepare their submissions.
5. Panels should set precise deadlines for written submissions by the parties
and the parties should respect those deadlines.
247
6. Each party to the dispute shall deposit its written submissions with the
Secretariat for immediate transmission to the panel and to the other party or
parties to the dispute. The complaining party shall submit its first submission in
advance of the responding party's first submission unless the panel decides, in
fixing the timetable referred to in paragraph 3 and after consultations with the
parties to the dispute, that the parties should submit their first submissions
simultaneously. When there are sequential arrangements for the deposit of first
submissions, the panel shall establish a firm time-period for receipt of the
responding party's submission. Any subsequent written submissions shall be
submitted simultaneously.
7. Where the parties to the dispute have failed to develop a mutually
satisfactory solution, the panel shall submit its findings in the form of a written
report to the DSB. In such cases, the report of a panel shall set out the findings of
fact, the applicability of relevant provisions and the basic rationale behind any
findings and recommendations that it makes. Where a settlement of the matter
among the parties to the dispute has been found, the report of the panel shall be
confined to a brief description of the case and to reporting that a solution has been
reached.
8. In order to make the procedures more efficient, the period in which the
panel shall conduct its examination, from the date that the composition and terms
of reference of the panel have been agreed upon until the date the final report is
issued to the parties to the dispute, shall, as a general rule, not exceed six
months. In cases of urgency, including those relating to perishable goods, the
panel shall aim to issue its report to the parties to the dispute within three months.
9. When the panel considers that it cannot issue its report within six months,
or within three months in cases of urgency, it shall inform the DSB in writing of the
reasons for the delay together with an estimate of the period within which it will
issue its report. In no case should the period from the establishment of the panel
to the circulation of the report to the Members exceed nine months.
248
10. In the context of consultations involving a measure taken by a developing
country Member, the parties may agree to extend the periods established in
paragraphs 7 and 8 of Article 4. If, after the relevant period has elapsed, the
consulting parties cannot agree that the consultations have concluded, the
Chairman of the DSB shall decide, after consultation with the parties, whether to
extend the relevant period and, if so, for how long. In addition, in examining a
complaint against a developing country Member, the panel shall accord sufficient
time for the developing country Member to prepare and present its argumentation.
The provisions of paragraph 1 of Article 20 and paragraph 4 of Article 21 are not
affected by any action pursuant to this paragraph.
11. Where one or more of the parties is a developing country Member, the
panel's report shall explicitly indicate the form in which account has been taken of
relevant provisions on differential and more-favourable treatment for developing
country Members that form part of the covered agreements which have been
raised by the developing country Member in the course of the dispute settlement
procedures.
12. The panel may suspend its work at any time at the request of the
complaining party for a period not to exceed 12 months. In the event of such a
suspension, the time-frames set out in paragraphs 8 and 9 of this Article,
paragraph 1 of Article 20, and paragraph 4 of Article 21 shall be extended by the
amount of time that the work was suspended. If the work of the panel has been
suspended for more than 12 months, the authority for establishment of the panel
shall lapse.
Article 13
Right to Seek Information
1. Each panel shall have the right to seek information and technical advice
from any individual or body which it deems appropriate. However, before a panel
seeks such information or advice from any individual or body within the jurisdiction
of a Member it shall inform the authorities of that Member. A Member should
249
respond promptly and fully to any request by a panel for such information as the
panel considers necessary and appropriate. Confidential information which is
provided shall not be revealed without formal authorization from the individual,
body, or authorities of the Member providing the information.
2. Panels may seek information from any relevant source and may consult
experts to obtain their opinion on certain aspects of the matter. With respect to a
factual issue concerning a scientific or other technical matter raised by a party to a
dispute, a panel may request an advisory report in writing from an expert review
group. Rules for the establishment of such a group and its procedures are set
forth in Appendix 4.
Article 14
Confidentiality
1. Panel deliberations shall be confidential.
2. The reports of panels shall be drafted without the presence of the parties to
the dispute in the light of the information provided and the statements made.
3. Opinions expressed in the panel report by individual panelists shall be
anonymous.
Article 15
Interim Review Stage
1. Following the consideration of rebuttal submissions and oral arguments, the
panel shall issue the descriptive (factual and argument) sections of its draft report
to the parties to the dispute. Within a period of time set by the panel, the parties
shall submit their comments in writing.
250
2. Following the expiration of the set period of time for receipt of comments
from the parties to the dispute, the panel shall issue an interim report to the
parties, including both the descriptive sections and the panel's findings and
conclusions. Within a period of time set by the panel, a party may submit a written
request for the panel to review precise aspects of the interim report prior to
circulation of the final report to the Members. At the request of a party, the panel
shall hold a further meeting with the parties on the issues identified in the written
comments. If no comments are received from any party within the comment
period, the interim report shall be considered the final panel report and circulated
promptly to the Members.
3. The findings of the final panel report shall include a discussion of the
arguments made at the interim review stage. The interim review stage shall be
conducted within the time-period set out in paragraph 8 of Article 12.
Article 16
Adoption of Panel Reports
1. In order to provide sufficient time for the Members to consider panel
reports, the reports shall not be considered for adoption by the DSB until 20 days
after the date they have been circulated to the Members.
2. Members having objections to a panel report shall give written reasons to
explain their objections for circulation at least 10 days prior to the DSB meeting at
which the panel report will be considered.
3. The parties to a dispute shall have the right to participate fully in the
consideration of the panel report by the DSB, and their views shall be fully
recorded.
251
4. Within 60 days after the date of circulation of a panel report to the
Members, the report shall be adopted at a DSB meeting
7
unless a party to the
dispute formally notifies the DSB of its decision to appeal or the DSB decides by
consensus not to adopt the report. If a party has notified its decision to appeal, the
report by the panel shall not be considered for adoption by the DSB until after
completion of the appeal. This adoption procedure is without prejudice to the right
of Members to express their views on a panel report.
Article 17
Appellate Review
Standing Appellate Body
1. A standing Appellate Body shall be established by the DSB. The Appellate
Body shall hear appeals from panel cases. It shall be composed of seven
persons, three of whom shall serve on any one case. Persons serving on the
Appellate Body shall serve in rotation. Such rotation shall be determined in the
working procedures of the Appellate Body.
2. The DSB shall appoint persons to serve on the Appellate Body for a four-
year term, and each person may be reappointed once. However, the terms of
three of the seven persons appointed immediately after the entry into force of the
WTO Agreement shall expire at the end of two years, to be determined by lot.
Vacancies shall be filled as they arise. A person appointed to replace a person
whose term of office has not expired shall hold office for the remainder of the
predecessor's term.
3. The Appellate Body shall comprise persons of recognized authority, with
demonstrated expertise in law, international trade and the subject matter of the
covered agreements generally. They shall be unaffiliated with any government.
The Appellate Body membership shall be broadly representative of membership in
the WTO. All persons serving on the Appellate Body shall be available at all times
and on short notice, and shall stay abreast of dispute settlement activities and
7
If a meeting of the DSB is not scheduled within this period at a time that enables the requirements
of paragraphs 1 and 4 of Article 16 to be met, a meeting of the DSB shall be held for this purpose.
252
other relevant activities of the WTO. They shall not participate in the consideration
of any disputes that would create a direct or indirect conflict of interest.
4. Only parties to the dispute, not third parties, may appeal a panel report.
Third parties which have notified the DSB of a substantial interest in the matter
pursuant to paragraph 2 of Article 10 may make written submissions to, and be
given an opportunity to be heard by, the Appellate Body.
5. As a general rule, the proceedings shall not exceed 60 days from the date a
party to the dispute formally notifies its decision to appeal to the date the Appellate
Body circulates its report. In fixing its timetable the Appellate Body shall take into
account the provisions of paragraph 9 of Article 4, if relevant. When the Appellate
Body considers that it cannot provide its report within 60 days, it shall inform the
DSB in writing of the reasons for the delay together with an estimate of the period
within which it will submit its report. In no case shall the proceedings exceed 90
days.
6. An appeal shall be limited to issues of law covered in the panel report and
legal interpretations developed by the panel.
7. The Appellate Body shall be provided with appropriate administrative and
legal support as it requires.
8. The expenses of persons serving on the Appellate Body, including travel
and subsistence allowance, shall be met from the WTO budget in accordance with
criteria to be adopted by the General Council, based on recommendations of the
Committee on Budget, Finance and Administration.
Procedures for Appellate Review
9. Working procedures shall be drawn up by the Appellate Body in
consultation with the Chairman of the DSB and the Director-General, and
communicated to the Members for their information.
253
10. The proceedings of the Appellate Body shall be confidential. The reports of
the Appellate Body shall be drafted without the presence of the parties to the
dispute and in the light of the information provided and the statements made.
11. Opinions expressed in the Appellate Body report by individuals serving on
the Appellate Body shall be anonymous.
12. The Appellate Body shall address each of the issues raised in accordance
with paragraph 6 during the appellate proceeding.
13. The Appellate Body may uphold, modify or reverse the legal findings and
conclusions of the panel.
Adoption of Appellate Body Reports
14. An Appellate Body report shall be adopted by the DSB and unconditionally
accepted by the parties to the dispute unless the DSB decides by consensus not
to adopt the Appellate Body report within 30 days following its circulation to the
Members.
8
This adoption procedure is without prejudice to the right of Members to
express their views on an Appellate Body report.
Article 18
Communications with the Panel or Appellate Body
1. There shall be no ex parte communications with the panel or Appellate
Body concerning matters under consideration by the panel or Appellate Body.
2. Written submissions to the panel or the Appellate Body shall be treated as
confidential, but shall be made available to the parties to the dispute. Nothing in
this Understanding shall preclude a party to a dispute from disclosing statements
of its own positions to the public. Members shall treat as confidential information
submitted by another Member to the panel or the Appellate Body which that
8
If a meeting of the DSB is not scheduled during this period, such a meeting of the DSB shall be
held for this purpose.
254
Member has designated as confidential. A party to a dispute shall also, upon
request of a Member, provide a non-confidential summary of the information
contained in its written submissions that could be disclosed to the public.
Article 19
Panel and Appellate Body Recommendations
1. Where a panel or the Appellate Body concludes that a measure is
inconsistent with a covered agreement, it shall recommend that the Member
concerned
9
bring the measure into conformity with that agreement.
10
In addition to
its recommendations, the panel or Appellate Body may suggest ways in which the
Member concerned could implement the recommendations.
2. In accordance with paragraph 2 of Article 3, in their findings and
recommendations, the panel and Appellate Body cannot add to or diminish the
rights and obligations provided in the covered agreements.
Article 20
Time-frame for DSB Decisions
Unless otherwise agreed to by the parties to the dispute, the period from the date
of establishment of the panel by the DSB until the date the DSB considers the
panel or appellate report for adoption shall as a general rule not exceed nine
months where the panel report is not appealed or 12 months where the report is
appealed. Where either the panel or the Appellate Body has acted, pursuant to
paragraph 9 of Article 12 or paragraph 5 of Article 17, to extend the time for
providing its report, the additional time taken shall be added to the above periods.
9
The "Member concerned" is the party to the dispute to which the panel or Appellate Body
recommendations are directed.
10
With respect to recommendations in cases not involving a violation of GATT 1994 or any other
covered agreement, see Article 26.
255
Article 21
Surveillance of Implementation of Recommendations and Rulings
1. Prompt compliance with recommendations or rulings of the DSB is essential
in order to ensure effective resolution of disputes to the benefit of all Members.
2. Particular attention should be paid to matters affecting the interests of
developing country Members with respect to measures which have been subject to
dispute settlement.
3. At a DSB meeting held within 30 days
11
after the date of adoption of the
panel or Appellate Body report, the Member concerned shall inform the DSB of its
intentions in respect of implementation of the recommendations and rulings of the
DSB. If it is impracticable to comply immediately with the recommendations and
rulings, the Member concerned shall have a reasonable period of time in which to
do so. The reasonable period of time shall be:
(a) the period of time proposed by the Member concerned, provided that such
period is approved by the DSB; or, in the absence of such approval,
(b) a period of time mutually agreed by the parties to the dispute within 45 days
after the date of adoption of the recommendations and rulings; or, in the absence
of such agreement,
(c) a period of time determined through binding arbitration within 90 days after
the date of adoption of the recommendations and rulings.
12
In such arbitration, a
guideline for the arbitrator
13
should be that the reasonable period of time to
implement panel or Appellate Body recommendations should not exceed 15
months from the date of adoption of a panel or Appellate Body report. However,
that time may be shorter or longer, depending upon the particular circumstances.
4. Except where the panel or the Appellate Body has extended, pursuant to
paragraph 9 of Article 12 or paragraph 5 of Article 17, the time of providing its
report, the period from the date of establishment of the panel by the DSB until the
11
If a meeting of the DSB is not scheduled during this period, such a meeting of the DSB shall be
held for this purpose.
12
If the parties cannot agree on an arbitrator within ten days after referring the matter to arbitration,
the arbitrator shall be appointed by the Director-General within ten days, after consulting the
parties.
13
The expression "arbitrator" shall be interpreted as referring either to an individual or a group.
256
date of determination of the reasonable period of time shall not exceed 15 months
unless the parties to the dispute agree otherwise. Where either the panel or the
Appellate Body has acted to extend the time of providing its report, the additional
time taken shall be added to the 15-month period; provided that unless the parties
to the dispute agree that there are exceptional circumstances, the total time shall
not exceed 18 months.
5. Where there is disagreement as to the existence or consistency with a
covered agreement of measures taken to comply with the recommendations and
rulings such dispute shall be decided through recourse to these dispute settlement
procedures, including wherever possible resort to the original panel. The panel
shall circulate its report within 90 days after the date of referral of the matter to it.
When the panel considers that it cannot provide its report within this time frame, it
shall inform the DSB in writing of the reasons for the delay together with an
estimate of the period within which it will submit its report.
6. The DSB shall keep under surveillance the implementation of adopted
recommendations or rulings. The issue of implementation of the
recommendations or rulings may be raised at the DSB by any Member at any time
following their adoption. Unless the DSB decides otherwise, the issue of
implementation of the recommendations or rulings shall be placed on the agenda
of the DSB meeting after six months following the date of establishment of the
reasonable period of time pursuant to paragraph 3 and shall remain on the DSB's
agenda until the issue is resolved. At least 10 days prior to each such DSB
meeting, the Member concerned shall provide the DSB with a status report in
writing of its progress in the implementation of the recommendations or rulings.
7. If the matter is one which has been raised by a developing country Member,
the DSB shall consider what further action it might take which would be
appropriate to the circumstances.
8. If the case is one brought by a developing country Member, in considering
what appropriate action might be taken, the DSB shall take into account not only
257
the trade coverage of measures complained of, but also their impact on the
economy of developing country Members concerned.
Article 22
Compensation and the Suspension of Concessions
1. Compensation and the suspension of concessions or other obligations are
temporary measures available in the event that the recommendations and rulings
are not implemented within a reasonable period of time. However, neither
compensation nor the suspension of concessions or other obligations is preferred
to full implementation of a recommendation to bring a measure into conformity with
the covered agreements. Compensation is voluntary and, if granted, shall be
consistent with the covered agreements.
2. If the Member concerned fails to bring the measure found to be inconsistent
with a covered agreement into compliance therewith or otherwise comply with the
recommendations and rulings within the reasonable period of time determined
pursuant to paragraph 3 of Article 21, such Member shall, if so requested, and no
later than the expiry of the reasonable period of time, enter into negotiations with
any party having invoked the dispute settlement procedures, with a view to
developing mutually acceptable compensation. If no satisfactory compensation
has been agreed within 20 days after the date of expiry of the reasonable period of
time, any party having invoked the dispute settlement procedures may request
authorization from the DSB to suspend the application to the Member concerned
of concessions or other obligations under the covered agreements.
3. In considering what concessions or other obligations to suspend, the
complaining party shall apply the following principles and procedures:
(a) the general principle is that the complaining party should first seek to
suspend concessions or other obligations with respect to the same sector(s) as
that in which the panel or Appellate Body has found a violation or other nullification
or impairment;
258
(b) if that party considers that it is not practicable or effective to suspend
concessions or other obligations with respect to the same sector(s), it may seek to
suspend concessions or other obligations in other sectors under the same
agreement;
(c) if that party considers that it is not practicable or effective to suspend
concessions or other obligations with respect to other sectors under the same
agreement, and that the circumstances are serious enough, it may seek to
suspend concessions or other obligations under another covered agreement;
(d) in applying the above principles, that party shall take into account:
(i) the trade in the sector or under the agreement under which the panel or
Appellate Body has found a violation or other nullification or impairment, and the
importance of such trade to that party;
(ii) the broader economic elements related to the nullification or impairment
and the broader economic consequences of the suspension of concessions or
other obligations;
(e) if that party decides to request authorization to suspend concessions or
other obligations pursuant to subparagraphs (b) or (c), it shall state the reasons
therefor in its request. At the same time as the request is forwarded to the DSB, it
also shall be forwarded to the relevant Councils and also, in the case of a request
pursuant to subparagraph (b), the relevant sectoral bodies;
(f) for purposes of this paragraph, "sector" means:
(i) with respect to goods, all goods;
259
(ii) with respect to services, a principal sector as identified in the current
"Services Sectoral Classification List" which identifies such sectors;
14
(iii) with respect to trade-related intellectual property rights, each of the
categories of intellectual property rights covered in Section 1, or Section 2, or
Section 3, or Section 4, or Section 5, or Section 6, or Section 7 of Part II, or the
obligations under Part III, or Part IV of the Agreement on TRIPS;
(g) for purposes of this paragraph, "agreement" means:
(i) with respect to goods, the agreements listed in Annex 1A of the WTO
Agreement, taken as a whole as well as the Plurilateral Trade Agreements in so
far as the relevant parties to the dispute are parties to these agreements;
(ii) with respect to services, the GATS;
(iii) with respect to intellectual property rights, the Agreement on TRIPS.
4. The level of the suspension of concessions or other obligations authorized
by the DSB shall be equivalent to the level of the nullification or impairment.
5. The DSB shall not authorize suspension of concessions or other obligations
if a covered agreement prohibits such suspension.
6. When the situation described in paragraph 2 occurs, the DSB, upon
request, shall grant authorization to suspend concessions or other obligations
within 30 days of the expiry of the reasonable period of time unless the DSB
decides by consensus to reject the request. However, if the Member concerned
objects to the level of suspension proposed, or claims that the principles and
procedures set forth in paragraph 3 have not been followed where a complaining
party has requested authorization to suspend concessions or other obligations
pursuant to paragraph 3(b) or (c), the matter shall be referred to arbitration. Such
14
The list in document MTN.GNS/W/120 identifies eleven sectors.
260
arbitration shall be carried out by the original panel, if members are available, or
by an arbitrator
15
appointed by the Director-General and shall be completed within
60 days after the date of expiry of the reasonable period of time. Concessions or
other obligations shall not be suspended during the course of the arbitration.
7. The arbitrator
16
acting pursuant to paragraph 6 shall not examine the nature
of the concessions or other obligations to be suspended but shall determine
whether the level of such suspension is equivalent to the level of nullification or
impairment. The arbitrator may also determine if the proposed suspension of
concessions or other obligations is allowed under the covered agreement.
However, if the matter referred to arbitration includes a claim that the principles
and procedures set forth in paragraph 3 have not been followed, the arbitrator
shall examine that claim. In the event the arbitrator determines that those
principles and procedures have not been followed, the complaining party shall
apply them consistent with paragraph 3. The parties shall accept the arbitrator's
decision as final and the parties concerned shall not seek a second arbitration.
The DSB shall be informed promptly of the decision of the arbitrator and shall
upon request, grant authorization to suspend concessions or other obligations
where the request is consistent with the decision of the arbitrator, unless the DSB
decides by consensus to reject the request.
8. The suspension of concessions or other obligations shall be temporary and
shall only be applied until such time as the measure found to be inconsistent with
a covered agreement has been removed, or the Member that must implement
recommendations or rulings provides a solution to the nullification or impairment of
benefits, or a mutually satisfactory solution is reached. In accordance with
paragraph 6 of Article 21, the DSB shall continue to keep under surveillance the
implementation of adopted recommendations or rulings, including those cases
where compensation has been provided or concessions or other obligations have
been suspended but the recommendations to bring a measure into conformity with
the covered agreements have not been implemented.
15
The expression"arbitrator" shall be interpreted as referring either to an individual or a group.
16
The expression "arbitrator" shall be interpreted as referring either to an individual or a group or to
the members of the original panel when serving in the capacity of arbitrator.
261
9. The dispute settlement provisions of the covered agreements may be
invoked in respect of measures affecting their observance taken by regional or
local governments or authorities within the territory of a Member. When the DSB
has ruled that a provision of a covered agreement has not been observed, the
responsible Member shall take such reasonable measures as may be available to
it to ensure its observance. The provisions of the covered agreements and this
Understanding relating to compensation and suspension of concessions or other
obligations apply in cases where it has not been possible to secure such
observance.
17
Article 23
Strengthening of the Multilateral System
1. When Members seek the redress of a violation of obligations or other
nullification or impairment of benefits under the covered agreements or an
impediment to the attainment of any objective of the covered agreements, they
shall have recourse to, and abide by, the rules and procedures of this
Understanding.
2. In such cases, Members shall:
(a) not make a determination to the effect that a violation has occurred, that
benefits have been nullified or impaired or that the attainment of any objective of
the covered agreements has been impeded, except through recourse to dispute
settlement in accordance with the rules and procedures of this Understanding, and
shall make any such determination consistent with the findings contained in the
panel or Appellate Body report adopted by the DSB or an arbitration award
rendered under this Understanding;
17
Where the provisions of any covered agreement concerning measures taken by regional or local
governments or authorities within the territory of a Member contain provisions different from the
provisions of this paragraph, the provisions of such covered agreement shall prevail.
262
(b) follow the procedures set forth in Article 21 to determine the reasonable
period of time for the Member concerned to implement the recommendations and
rulings; and
(c) follow the procedures set forth in Article 22 to determine the level of
suspension of concessions or other obligations and obtain DSB authorization in
accordance with those procedures before suspending concessions or other
obligations under the covered agreements in response to the failure of the
Member concerned to implement the recommendations and rulings within that
reasonable period of time.
Article 24
Special Procedures Involving Least-Developed Country Members
1. At all stages of the determination of the causes of a dispute and of dispute
settlement procedures involving a least-developed country Member, particular
consideration shall be given to the special situation of least-developed country
Members. In this regard, Members shall exercise due restraint in raising matters
under these procedures involving a least-developed country Member. If
nullification or impairment is found to result from a measure taken by a least-
developed country Member, complaining parties shall exercise due restraint in
asking for compensation or seeking authorization to suspend the application of
concessions or other obligations pursuant to these procedures.
2. In dispute settlement cases involving a least-developed country Member,
where a satisfactory solution has not been found in the course of consultations the
Director-General or the Chairman of the DSB shall, upon request by a least-
developed country Member offer their good offices, conciliation and mediation with
a view to assisting the parties to settle the dispute, before a request for a panel is
made. The Director-General or the Chairman of the DSB, in providing the above
assistance, may consult any source which either deems appropriate.
Article 25
263
Arbitration
1. Expeditious arbitration within the WTO as an alternative means of dispute
settlement can facilitate the solution of certain disputes that concern issues that
are clearly defined by both parties.
2. Except as otherwise provided in this Understanding, resort to arbitration
shall be subject to mutual agreement of the parties which shall agree on the
procedures to be followed. Agreements to resort to arbitration shall be notified to
all Members sufficiently in advance of the actual commencement of the arbitration
process.
3. Other Members may become party to an arbitration proceeding only upon
the agreement of the parties which have agreed to have recourse to arbitration.
The parties to the proceeding shall agree to abide by the arbitration award.
Arbitration awards shall be notified to the DSB and the Council or Committee of
any relevant agreement where any Member may raise any point relating thereto.
4. Articles 21 and 22 of this Understanding shall apply mutatis mutandis to
arbitration awards.
Article 26
1. Non-Violation Complaints of the Type Described in Paragraph 1(b) of
Article XXIII of GATT 1994
Where the provisions of paragraph 1(b) of Article XXIII of GATT 1994 are
applicable to a covered agreement, a panel or the Appellate Body may only make
rulings and recommendations where a party to the dispute considers that any
benefit accruing to it directly or indirectly under the relevant covered agreement is
being nullified or impaired or the attainment of any objective of that Agreement is
being impeded as a result of the application by a Member of any measure,
whether or not it conflicts with the provisions of that Agreement. Where and to the
264
extent that such party considers and a panel or the Appellate Body determines
that a case concerns a measure that does not conflict with the provisions of a
covered agreement to which the provisions of paragraph 1(b) of Article XXIII of
GATT 1994 are applicable, the procedures in this Understanding shall apply,
subject to the following:
(a) the complaining party shall present a detailed justification in support
of any complaint relating to a measure which does not conflict with the relevant
covered agreement;
(b) where a measure has been found to nullify or impair benefits under,
or impede the attainment of objectives, of the relevant covered agreement without
violation thereof, there is no obligation to withdraw the measure. However, in such
cases, the panel or the Appellate Body shall recommend that the Member
concerned make a mutually satisfactory adjustment;
(c) notwithstanding the provisions of Article 21, the arbitration provided
for in paragraph 3 of Article 21, upon request of either party, may include a
determination of the level of benefits which have been nullified or impaired, and
may also suggest ways and means of reaching a mutually satisfactory adjustment;
such suggestions shall not be binding upon the parties to the dispute;
(d) notwithstanding the provisions of paragraph 1 of Article 22,
compensation may be part of a mutually satisfactory adjustment as final settlement
of the dispute.
2. Complaints of the Type Described in Paragraph 1(c) of Article XXIII of
GATT 1994
Where the provisions of paragraph 1(c) of Article XXIII of GATT 1994 are
applicable to a covered agreement, a panel may only make rulings and
recommendations where a party considers that any benefit accruing to it directly or
indirectly under the relevant covered agreement is being nullified or impaired or
the attainment of any objective of that Agreement is being impeded as a result of
the existence of any situation other than those to which the provisions of
265
paragraphs 1(a) and 1(b) of Article XXIII of GATT 1994 are applicable. Where and
to the extent that such party considers and a panel determines that the matter is
covered by this paragraph, the procedures of this Understanding shall apply only
up to and including the point in the proceedings where the panel report has been
circulated to the Members. The dispute settlement rules and procedures
contained in the Decision of 12 April 1989 (BISD 36S/61-67) shall apply to
consideration for adoption, and surveillance and implementation of
recommendations and rulings. The following shall also apply:
(a) the complaining party shall present a detailed justification in support of any
argument made with respect to issues covered under this paragraph;
(b) in cases involving matters covered by this paragraph, if a panel finds that
cases also involve dispute settlement matters other than those covered by this
paragraph, the panel shall circulate a report to the DSB addressing any such
matters and a separate report on matters falling under this paragraph.
Article 27
Responsibilities of the Secretariat
1. The Secretariat shall have the responsibility of assisting panels, especially
on the legal, historical and procedural aspects of the matters dealt with, and of
providing secretarial and technical support.
2. While the Secretariat assists Members in respect of dispute settlement at
their request, there may also be a need to provide additional legal advice and
assistance in respect of dispute settlement to developing country Members. To
this end, the Secretariat shall make available a qualified legal expert from the
WTO technical cooperation services to any developing country Member which so
requests. This expert shall assist the developing country Member in a manner
ensuring the continued impartiality of the Secretariat.
266
3. The Secretariat shall conduct special training courses for interested
Members concerning these dispute settlement procedures and practices so as to
enable Members' experts to be better informed in this regard.
267
ANEXO V
ENTENDIMENTO RELATIVO ÀS NORMAS E PROCEDIMENTOS SOBRE
SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
Os Membros pelo presente acordam o seguinte:
Artigo 1
Âmbito e Aplicação
1. As regras e procedimentos do presente Entendimento se aplicam às
controvérsias pleiteadas conforme as disposições sobre consultas e solução de
controvérsias dos acordos enumerados no Apêndice 1 do presente Entendimento
(denominados no presente Entendimento "acordos abrangidos"). As regras e
procedimentos deste Entendimento se aplicam igualmente às consultas e solução
de controvérsias entre Membros relativas a seus direitos ou obrigações ao
amparo do Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio
(denominada no presente Entendimento "Acordo Constitutivo da OMC") e do
presente Entendimento, considerados isoladamente ou em conjunto com
quaisquer dos outros acordos abrangidos.
2. As regras e procedimentos do presente Entendimento se aplicam sem
prejuízo das regras e procedimentos especiais ou adicionais sobre solução de
controvérsias contidos nos acordos abrangidos, conforme identificadas no
Apêndice 2 do presente Entendimento. Havendo discrepância entre as regras e
procedimentos do presente Entendimento e as regras e procedimentos especiais
ou adicionais constantes do Apêndice 2, prevalecerão as regras e procedimentos
especiais ou adicionais constantes do Apêndice 2. Nas controvérsias relativas a
normas e procedimentos de mais de um acordo abrangido, caso haja conflito
entre as regras e procedimentos especiais ou adicionais dos acordos em questão,
268
e se as partes em controvérsia não chegarem a acordo sobre as normas e
procedimentos dentro dos 20 dias seguintes ao estabelecimento do grupo
especial, o Presidente do Órgão de Solução de Controvérsias previsto no
parágrafo 1 do artigo 2 (denominado no presente Entendimento "OSC"), em
consulta com as partes envolvidas na controvérsia, determinará, no prazo de 10
dias contados da solicitação de um dos Membros, as normas e os procedimentos
a serem aplicados. O Presidente seguirá o princípio de que normas e
procedimentos especiais ou adicionais devem ser aplicados quando possível, e
de que normas e procedimentos definidos neste Entendimento devem ser
aplicados na medida necessária para evitar conflito de normas.
Artigo 2
Administração
1. Pelo presente Entendimento estabelece-se o Órgão de Solução de
Controvérsias para aplicar as presentes normas e procedimentos e as
disposições em matéria de consultas e solução de controvérsias dos acordos
abrangidos, salvo disposição em contrário de um desses acordos.
Conseqüentemente, o OSC tem competência para estabelecer grupos especiais,
acatar relatórios dos grupos especiais e do Órgão de Apelação, supervisionar a
aplicação das decisões e recomendações e autorizar a suspensão de concessões
e de outras obrigações determinadas pelos acordos abrangidos. Com relação às
controvérsias que surjam no âmbito de um acordo dentre os Acordos Comerciais
Plurilaterais, entender-se-á que o termo "Membro" utilizado no presente
Entendimento se refere apenas aos Membros integrantes do Acordo Comercial
Plurilateral em questão. Quando o OSC aplicar as disposições sobre solução de
controvérsias de um Acordo Comercial Plurilateral, somente poderão participar
das decisões ou medidas adotadas pelo OSC aqueles Membros que sejam partes
do Acordo em questão.
269
2. O OSC deverá informar os pertinentes Conselhos e Comitês da OMC do
andamento das controvérsias relacionadas com disposições de seus respectivos
acordos.
3. O OSC se reunirá com a freqüência necessária para o desempenho de
suas funções dentro dos prazos estabelecidos pelo presente Entendimento.
4. Nos casos em que as normas e procedimentos do presente Entendimento
estabeleçam que o OSC deve tomar uma decisão tal procedimento será por
consenso.
1
Artigo 3
Disposições Gerais
1. Os Membros afirmam sua adesão aos princípios de solução de
controvérsias aplicados até o momento com base nos artigos XXII e XXIII do
GATT 1947 e ao procedimento elaborado e modificado pelo presente instrumento.
2. O sistema de solução de controvérsias da OMC é elemento essencial para
trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. Os
Membros reconhecem que esse sistema é útil para preservar direitos e
obrigações dos Membros dentro dos parâmetros dos acordos abrangidos e para
esclarecer as disposições vigentes dos referidos acordos em conformidade com
as normas correntes de interpretação do direito internacional público. As
recomendações e decisões do OSC não poderão promover o aumento ou a
diminuição dos direitos e obrigações definidos nos acordos abrangidos.
3. É essencial para o funcionamento eficaz da OMC e para a manutenção de
equilíbrio adequado entre os direitos e as obrigações dos Membros a pronta
1
. Considerar-se-á que o OSC decidiu por consenso matéria submetida a sua consideração
quando nenhum Membro presente à reunião do OSC na qual a decisão foi adotada a ela se
opuser formalmente.
270
solução das situações em que um Membro considere que quaisquer benefícios
resultantes, direta ou indiretamente, dos acordos abrangidos tenham sofrido
restrições por medidas adotadas por outro Membro.
4. As recomendações ou decisões formuladas pelo OSC terão por objetivo
encontrar solução satisfatória para a matéria em questão, de acordo com os
direitos e obrigações emanados pelo presente Entendimento e pelos acordos
abrangidos.
5. Todas as soluções das questões formalmente pleiteadas ao amparo das
disposições sobre consultas e solução de controvérsias, incluindo os laudos
arbitrais, deverão ser compatíveis com aqueles acordos e não deverão anular ou
prejudicar os benefícios de qualquer Membro em virtude daqueles acordos, nem
impedir a consecução de qualquer objetivo daqueles acordos.
6. As soluções mutuamente acordadas das questões formalmente pleiteadas
ao amparo das disposições sobre consultas e solução de controvérsias dos
acordos abrangidos serão notificadas ao OSC e aos Conselhos e Comitês
correspondentes, onde qualquer Membro poderá levantar tópicos a elas
relacionadas.
7. Antes de apresentar uma reclamação, os Membros avaliarão a utilidade de
atuar com base nos presentes procedimentos. O objetivo do mecanismo de
solução de controvérsias é garantir uma solução positiva para as controvérsias.
Deverá ser sempre dada preferência a solução mutuamente aceitável para as
partes em controvérsia e que esteja em conformidade com os acordos
abrangidos. Na impossibilidade de uma solução mutuamente acordada, o primeiro
objetivo do mecanismo de solução de controvérsias será geralmente o de
conseguir a supressão das medidas de que se trata, caso se verifique que estas
são incompatíveis com as disposições de qualquer dos acordos abrangidos. Não
se deverá recorrer à compensação a não ser nos casos em que não seja factível
a supressão imediata das medidas incompatíveis com o acordo abrangido e como
solução provisória até a supressão dessas medidas. O último recurso previsto no
presente Entendimento para o Membro que invoque os procedimentos de solução
271
de controvérsias é a possibilidade de suspender, de maneira discriminatória
contra o outro Membro, a aplicação de concessões ou o cumprimento de outras
obrigações no âmbito dos acordos abrangidos, caso o OSC autorize a adoção de
tais medidas.
8. Nos casos de não cumprimento de obrigações contraídas em virtude de um
acordo abrangido, presume-se que a medida constitua um caso de anulação ou
de restrição. Isso significa que normalmente existe a presunção de que toda
transgressão das normas produz efeitos desfavoráveis para outros Membros que
sejam partes do acordo abrangido, e em tais casos a prova em contrário caberá
ao Membro contra o qual foi apresentada a reclamação.
9. As disposições do presente Entendimento não prejudicarão o direito dos
Membros de buscar interpretação autorizada das disposições de um acordo
abrangido através das decisões adotadas em conformidade com o Acordo
Constitutivo da OMC ou um acordo abrangido que seja um Acordo Comercial
Plurilateral.
10. Fica entendido que as solicitações de conciliação e a utilização dos
procedimentos de solução de controvérsias não deverão ser intentados nem
considerados como ações contenciosas e que, ao surgir uma controvérsia, todos
os Membros participarão do processo com boa-fé e esforçando-se para resolvê-
la. Fica ainda entendido que não deverá haver vinculação entre reclamações e
contra-reclamações relativas a assuntos diferentes.
11. O presente Entendimento se aplicará unicamente às novas solicitações de
consultas apresentadas conforme as disposições sobre consulta dos acordos
abrangidos na data da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC ou
posteriormente a essa data. Com relação às controvérsias cujas solicitações de
consultas tenham sido feitas baseadas no GATT 1947 ou em qualquer outro
acordo anterior aos acordos abrangidos antes da data de entrada em vigor do
Acordo Constitutivo da OMC, continuarão sendo aplicadas as normas e
272
procedimentos de solução de controvérsias vigentes imediatamente antes da data
de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.
2
12. Sem prejuízo das disposições do parágrafo 11, se um país em
desenvolvimento Membro apresenta contra um país desenvolvido Membro uma
reclamação baseada em qualquer dos acordos abrangidos, a parte reclamante
terá o direito de se valer das disposições correspondentes da Decisão de 5 de
abril de 1966 (BISD 14S/20), como alternativa às disposições contidos nos Artigos
4, 5, 6 e 12 do presente Entendimento, com a exceção de que, quando o Grupo
Especial julgar que o prazo previsto no parágrafo 7 da referida Decisão for
insuficiente para elaboração de seu relatório e com aprovação da parte
reclamante, esse prazo poderá ser prorrogado. Quando houver diferenças entre
normas e procedimentos dos Artigos 4, 5, 6 e 12 e as normas e procedimentos
correspondentes da Decisão, prevalecerão estes últimos.
Artigo 4
Consultas
1. Os Membros afirmam sua determinação de fortalecer e aperfeiçoar a
eficácia dos procedimentos de consulta utilizados pelos Membros.
2. Cada Membro se compromete a examinar com compreensão a
argumentação apresentada por outro Membro e a conceder oportunidade
adequada para consulta com relação a medidas adotadas dentro de seu território
que afetem o funcionamento de qualquer acordo abrangido.
3
3. Quando a solicitação de consultas for formulada com base em um acordo
abrangido, o Membro ao qual a solicitação for dirigida deverá respondê-la, salvo
2
. Este parágrafo será igualmente aplicado às controvérsias cujos relatórios dos grupos especiais
não tenham sido adotados ou aplicados plenamente.
3
. Quando as disposições de qualquer outro acordo abrangido relativos a medidas adotadas por
governos ou autoridades regionais ou locais dentro do território de um Membro forem diferentes
dos previstos neste parágrafo, prevalecerão as disposições do acordo abrangido.
273
se mutuamente acordado de outro modo, dentro de um prazo de 10 dias contados
a partir da data de recebimento da solicitação, e deverá de boa-fé proceder a
consultas dentro de um prazo não superior a 30 dias contados a partir da data de
recebimento da solicitação, com o objetivo de chegar a uma solução mutuamente
satisfatória. Se o Membro não responder dentro do prazo de 10 dias contados a
partir da data de recebimento da solicitação, ou não proceder às consultas dentro
de prazo não superior a 30 dias, ou dentro de outro prazo mutuamente acordado
contado a partir da data de recebimento da solicitação, o Membro que houver
solicitado as consultas poderá proceder diretamente a solicitação de
estabelecimento de um grupo especial.
4. Todas as solicitações de consultas deverão ser notificadas ao OSC e aos
Conselhos e Comitês pertinentes pelo Membro que as solicite. Todas as
solicitações de consultas deverão ser apresentadas por escrito e deverão conter
as razões que as fundamentam, incluindo indicação das medidas controversas e
do embasamento legal em que se fundamenta a reclamação.
5. Durante as consultas realizadas em conformidade com as disposições de
um acordo abrangido, os Membros procurarão obter uma solução satisfatória da
questão antes de recorrer a outras medidas previstas no presente Entendimento.
6. As consultas deverão ser confidenciais e sem prejuízo dos direitos de
qualquer Membro em quaisquer procedimentos posteriores.
7. Se as consultas não produzirem a solução de uma controvérsia no prazo
de 60 dias contados a partir da data de recebimento da solicitação, a parte
reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial. A parte
reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial dentro do
referido prazo de 60 dias se as partes envolvidas na consulta considerarem
conjuntamente que as consultas não produziram solução da controvérsia.
8. Nos casos de urgência, incluindo aqueles que envolvem bens perecíveis,
os Membros iniciarão as consultas dentro de prazo não superior a 10 dias
contados da data de recebimento da solicitação. Se as consultas não produzirem
274
solução da controvérsia dentro de prazo não superior a 20 dias contados da data
de recebimento da solicitação, a parte reclamante poderá requerer o
estabelecimento de um grupo especial.
9. Em casos de urgência, incluindo aqueles que envolvem bens perecíveis, as
partes em controvérsia, os grupos especiais e o Órgão de Apelação deverão
envidar todos os esforços possíveis para acelerar ao máximo os procedimentos.
10. Durante as consultas os Membros deverão dar atenção especial aos
problemas e interesses específicos dos países em desenvolvimento Membros.
11. Quando um Membro não participante das consultas considerar que tem
interesse comercial substancial nas consultas baseadas no parágrafo 1 do Artigo
XXII do GATT 1994, parágrafo 1 do Artigo XXII do GATS, ou nas disposições
pertinentes de outros acordos abrangidos
4
tal Membro poderá notificar os
Membros participantes da consulta e o OSC, dentro de um prazo de 10 dias
contados da data da distribuição da solicitação de consultas baseadas em tal
Artigo, de seu desejo de integrar-se às mesmas. Tal Membro deverá associar-se
às consultas desde que o Membro ao qual a solicitação de consultas foi
encaminhada entenda que a pretensão de interesse substancial tenha
fundamento. Nesse caso, o OSC deverá ser devidamente informado. Se a
requisição para participação das consultas não for aceita, o Membro requerente
poderá solicitar consultas com base no parágrafo 1 do Artigo XXII ou parágrafo 1
do Artigo XXIII do GATT 1994, parágrafo 1 do Artigo XXII ou parágrafo 1 do
Artigo XXIII do GATS, ou nas disposições pertinentes dos acordos abrangidos.
4
. Enumeram-se, a seguir, as disposições pertinentes em matéria de consultas de acordos
abrangidos: Acordo sobre Agricultura, Artigo 19; Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e
Fitossanitárias, parágrafo 1 do Artigo 11; Acordo sobre Têxteis e Vestuário, parágrafo 4 do Artigo
8; Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio, parágrafo 1 do Artigo 14; Acordo sobre Medidas
de Investimento Relacionadas com o Comércio, Artigo 8; Acordo sobre a Implementação do Artigo
VI do GATT 1994, parágrafo 2 do Artigo 17; Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT
1994, parágrafo 2 do Artigo 19; Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque, Artigo 7; Acordo sobre
Regras de Origem, Artigo 7; Acordo sobre Licenças de Importação, Artigo 6; Acordo sobre
Subsídios e Medidas Compensatórias, Artigo 30; Acordo sobre Salvaguardas, Artigo 14; Acordo
sobre Aspectos de Direito de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, parágrafo 1
do Artigo 64; e as disposições pertinentes em matéria de consultas dos Acordos Comerciais
Plurilaterais que os órgãos pertinentes de cada acordo determinem e notifiquem ao OSC.
275
Artigo 5
Bons Ofícios, Conciliação e Mediação
1. Bons ofícios, conciliação e mediação são procedimentos adotados
voluntariamente se as partes na controvérsia assim acordarem.
2. As diligências relativas aos bons ofícios, à conciliação e à mediação, e em
especial as posições adotadas durante as mesmas pelas partes envolvidas nas
controvérsias, deverão ser confidenciais e sem prejuízo dos direitos de quaisquer
das partes em diligências posteriores baseadas nestes procedimentos.
3. Bons ofícios, conciliação ou mediação poderão ser solicitados a qualquer
tempo por qualquer das partes envolvidas na controvérsia. Poderão iniciar-se ou
encerrar-se a qualquer tempo. Uma vez terminados os procedimentos de bons
ofícios, conciliação ou mediação, a parte reclamante poderá requerer o
estabelecimento de um grupo especial.
4. Quando bons ofícios, conciliação ou mediação se iniciarem dentro de 60
dias contados da data de recebimento da solicitação, a parte reclamante não
poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial antes de transcorrido o
prazo de 60 dias a partir da data de recebimento da solicitação de consultas. A
parte reclamante poderá solicitar o estabelecimento de um grupo especial no
correr do prazo de 60 dias se as partes envolvidas na controvérsia considerarem
de comum acordo que os bons ofícios, a conciliação e a mediação não foram
suficientes para solucionar a controvérsia.
5. Se as partes envolvidas na controvérsia concordarem, os procedimentos
para bons ofícios, conciliação e mediação poderão continuar enquanto
prosseguirem os procedimentos do grupo especial.
276
6. O Diretor-Geral, atuando ex officio, poderá oferecer seus bons ofícios,
conciliação ou mediação com o objetivo de auxiliar os Membros a resolver uma
controvérsia.
Artigo 6
Estabelecimento de Grupos Especiais
1. Se a parte reclamante assim o solicitar, um grupo especial será
estabelecido no mais tardar na reunião do OSC seguinte àquela em que a
solicitação aparece pela primeira vez como item da agenda do OSC, a menos que
nessa reunião o OSC decida por consenso não estabelecer o grupo especial.
5
2. Os pedidos de estabelecimento de grupo especial deverão ser formulados
por escrito. Deverão indicar se foram realizadas consultas, identificar as medidas
em controvérsia e fornecer uma breve exposição do embasamento legal da
reclamação, suficiente para apresentar o problema com clareza. Caso a parte
reclamante solicite o estabelecimento do grupo especial com termos de referência
diferentes dos termos padrão, o pedido escrito deverá incluir sugestão de texto
para os termos de referência especiais.
Artigo 7
Termos de referência dos Grupos Especiais
1. Os termos de referência dos grupos especiais serão os seguintes, a menos
que as partes envolvidas na controvérsia acordem diferentemente dentro do prazo
de 20 dias a partir da data de estabelecimento do grupo especial:
5
. Se a parte reclamante assim solicitar, uma reunião do OSC será convocada com tal objetivo
dentro dos quinze dias seguintes ao pedido, sempre que sedê aviso com antecedência mínima de
10 dias.
277
"Examinar, à luz das disposições pertinentes no (indicar o(s) acordo(s)
abrangido(s) citado(s) pelas partes em controvérsia), a questão submetida ao
OSC por (nome da parte) no documento ... e estabelecer conclusões que auxiliem
o OSC a fazer recomendações ou emitir decisões previstas naquele(s) acordo(s)."
2. Os grupos especiais deverão considerar as disposições relevantes de todo
acordo ou acordos abrangidos invocados pelas partes envolvidas na controvérsia.
3. Ao estabelecer um grupo especial, o OSC poderá autorizar seu Presidente
a redigir os termos de referência do grupo especial com a colaboração das partes
envolvidas na controvérsia, de acordo com as disposições do parágrafo 1. Os
termos de referência assim redigidos serão distribuídos a todos os Membros.
Caso os termos de referência sejam diferentes do padrão, qualquer Membro
poderá levantar qualquer ponto a ele relativo no OSC.
Artigo 8
Composição dos Grupos Especiais
1. Os grupos especiais serão compostos por pessoas qualificadas,
funcionários governamentais ou não, incluindo aquelas que tenham integrado um
grupo especial ou a ele apresentado uma argumentação, que tenham atuado
como representantes de um Membro ou de uma parte contratante do GATT 1947
ou como representante no Conselho ou Comitê de qualquer acordo abrangido ou
do respectivo acordo precedente, ou que tenha atuado no Secretariado, exercido
atividade docente ou publicado trabalhos sobre direito ou política comercial
internacional, ou que tenha sido alto funcionário na área de política comercial de
um dos Membros.
2. Os membros dos grupos especiais deverão ser escolhidos de modo a
assegurar a independência dos membros, suficiente diversidade de formações e
largo espectro de experiências.
278
3. Os nacionais de Membros cujos governos
6
sejam parte na controvérsia ou
terceiras partes, conforme definido no parágrafo 2 do Artigo 10, não atuarão no
grupo especial que trate dessa controvérsia, a menos que as partes acordem
diferentemente.
4. Para auxiliar na escolha dos integrantes dos grupos especiais, o
Secretariado manterá uma lista indicativa de pessoas, funcionários
governamentais ou não, que reúnem as condições indicadas no parágrafo 1, da
qual os integrantes dos grupos especiais poderão ser selecionados
adequadamente. Esta lista incluirá a relação de peritos não-governamentais
elaborada em 30 de novembro de 1984 (BISD 31S/9), e outras relações ou listas
indicativas elaboradas em virtude de qualquer acordo abrangido, e manterá os
nomes dos peritos que figurem naquelas relações e listas indicativas na data de
entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC. Os Membros poderão
periodicamente sugerir nomes de pessoas, funcionários governamentais ou não,
a serem incluídos na lista indicativa, fornecendo informação substantiva sobre seu
conhecimento de comércio internacional e dos setores ou temas dos acordos
abrangidos, e tais nomes serão acrescentados à lista após aprovação pelo OSC.
Para cada pessoa que figure na lista, serão indicadas suas áreas específicas de
experiência ou competência técnica nos setores ou temas dos acordos
abrangidos.
5. Os grupos especiais serão compostos por três integrantes a menos que,
dentro do prazo de 10 dias a partir de seu estabelecimento, as partes em
controvérsia concordem em compor um grupo especial com cinco integrantes. Os
Membros deverão ser prontamente informados da composição do grupo especial.
6. O Secretariado proporá às partes em controvérsia candidatos a integrantes
do grupo especial. As partes o deverão se opor a tais candidaturas a não ser
por motivos imperiosos.
6
. Caso uma união aduaneira ou um mercado comum seja parte em uma controvérsia, esta
disposição se aplicará aos nacionais de todos os países membros da união aduaneira ou do
mercado comum.
279
7. Se não houver acordo quanto aos integrantes do grupo especial dentro de
20 dias após seu estabelecimento, o Diretor-Geral, a pedido de qualquer das
partes, em consulta com o Presidente do OSC e o Presidente do Conselho ou
Comitê pertinente, determinará a composição do grupo especial, e nomeará os
integrantes mais apropriados segundo as normas e procedimentos especiais ou
adicionais do acordo abrangido ou dos acordos abrangidos de que trate a
controvérsia, após consulta com as partes em controvérsia.
8. Os Membros deverão comprometer-se, como regra geral, a permitir que
seus funcionários integrem os grupos especiais.
9. Os integrantes dos grupos especiais deverão atuar a título pessoal e o
como representantes de governos ou de uma organização. Assim sendo, os
Membros não lhes fornecerão instruções nem procurarão influenciá-los com
relação aos assuntos submetidos ao grupo especial.
10. Quando a controvérsia envolver um país em desenvolvimento Membro e
um país desenvolvido Membro, o grupo especial deverá, se o país em
desenvolvimento Membro solicitar, incluir ao menos um integrante de um país em
desenvolvimento Membro.
11. As despesas dos integrantes dos grupos especiais, incluindo viagens e
diárias, serão cobertas pelo orçamento da OMC, de acordo com critérios a serem
adotados pelo Conselho Geral, baseados nas recomendações do Comitê de
Orçamento, Finanças e Administração.
Artigo 9
Procedimento para Pluralidade de Partes Reclamantes
1. Quando mais de um Membro solicitar o estabelecimento de um grupo
especial com relação a uma mesma questão, um único grupo especial deveser
estabelecido para examinar as reclamações, levando em conta os direitos de
280
todos os Membros interessados. Sempre que possível, um único grupo especial
deverá ser estabelecido para examinar tais reclamações.
2. O grupo especial único deverá proceder a seus exames da questão e
apresentar suas conclusões ao OSC de maneira a não prejudicar os direitos que
caberiam às partes em controvérsia se as reclamações tivessem sido examinadas
por vários grupos especiais. Se houver solicitação de uma das partes, o grupo
especial deverá apresentar relatórios separados sobre a controvérsia examinada.
As comunicações escritas de cada parte reclamante deverão estar à disposição
das outras partes, e cada parte reclamante deverá ter direito de estar presente
quando qualquer outra parte apresentar sua argumentação ao grupo especial.
3. No caso de ser estabelecido mais de um grupo especial para examinar
reclamações relativas ao mesmo tema, na medida do possível as mesmas
pessoas integrarão cada um dos grupos especiais e os calendários dos trabalhos
dos grupos especiais que tratam dessas controvérsias deverão ser harmonizados.
Artigo 10
Terceiros
1. Os interesses das partes em controvérsia e os dos demais Membros
decorrentes do acordo abrangido ao qual se refira a controvérsia deverão ser
integralmente levados em consideração no correr dos trabalhos dos grupos
especiais.
2. Todo Membro que tenha interesse concreto em um assunto submetido a
um grupo especial e que tenha notificado esse interesse ao OSC (denominado no
presente Entendimento "terceiro") terá oportunidade de ser ouvido pelo grupo
especial e de apresentar-lhe comunicações escritas. Estas comunicações serão
também fornecidas às partes em controvérsia e constarão do relatório do grupo
especial.
281
3. Os terceiros receberão as comunicações das partes em controvérsia
apresentadas ao grupo especial em sua primeira reunião.
4. Se um terceiro considerar que uma medida tratada por um grupo
especial anula ou prejudica benefícios a ele advindos de qualquer acordo
abrangido, o referido Membro poderá recorrer aos procedimentos normais de
solução de controvérsias definidos no presente Entendimento. Tal controvérsia
deverá, onde possível, ser submetida ao grupo especial que tenha inicialmente
tratado do assunto.
Artigo 11
Função dos Grupos Especiais
A função de um grupo especial é auxiliar o OSC a desempenhar as
obrigações que lhe são atribuídas por este Entendimento e pelos acordos
abrangidos. Conseqüentemente, um grupo especial deverá fazer uma avaliação
objetiva do assunto que lhe seja submetido, incluindo uma avaliação objetiva dos
fatos, da aplicabilidade e concordância com os acordos abrangidos pertinentes, e
formular conclusões que auxiliem o OSC a fazer recomendações ou emitir
decisões previstas nos acordos abrangidos. Os grupos especiais deverão
regularmente realizar consultas com as partes envolvidas na controvérsia e
propiciar-lhes oportunidade para encontrar solução mutuamente satisfatória.
Artigo 12
Procedimento dos Grupos Especiais
1. Os grupos especiais seguirão os Procedimentos de Trabalho do Apêndice
3, salvo decisão em contrário do grupo especial após consulta com as partes em
controvérsia.
282
2. Os procedimentos do grupo especial deverão ser suficientemente flexíveis
para assegurar a qualidade de seus relatórios, sem atrasar indevidamente os
trabalhos do grupo especial.
3. Os integrantes do grupo especial deverão, após consultar as partes em
controvérsia, o quanto antes e se possível dentro da semana seguinte em que
sejam acordados a composição e os termos de referência do grupo especial,
estabelecer um calendário para seus trabalhos, considerando as disposições do
parágrafo 9 do Artigo 4, se pertinente.
4. Ao determinar o calendário para seus trabalhos, o grupo especial deverá
estipular prazos suficientes para que as partes em controvérsia preparem suas
argumentações escritas.
5. Os grupos especiais deverão definir prazos exatos para que as partes
apresentem suas argumentações escritas e as partes deverão respeitar tais
prazos.
6. Cada parte em controvérsia deverá consignar suas argumentações escritas
ao Secretariado para transmissão imediata ao grupo especial e à outra parte ou
às outras partes em controvérsia. A parte reclamante deverá apresentar sua
primeira argumentação antes da primeira argumentação da parte demandada,
salvo se o grupo especial decidir, ao estabelecer o calendário previsto no
parágrafo 3 e após consultar as partes em controvérsia, que as partes deverão
apresentar suas argumentações simultaneamente. Quando se houver decidido
pela consignação sucessiva das primeiras argumentações, o grupo especial
deverá fixar um prazo rígido para recebimento das argumentações da parte
demandada. Quaisquer argumentações escritas posteriores deverão ser
apresentadas simultaneamente.
7. Nos casos em que as partes envolvidas na controvérsia não consigam
encontrar uma solução mutuamente satisfatória, o grupo especial deverá
apresentar suas conclusões em forma de relatório escrito ao OSC. Em tais casos,
o relatório do grupo especial deverá expor as verificações de fatos, a
283
aplicabilidade de disposições pertinentes e o arrazoado em que se baseiam suas
decisões e recomendações. Quando se chegar a uma solução da questão
controversa entre as partes, o relatório do grupo especial se limitará a uma breve
descrição do caso, com indicação de que a solução foi encontrada.
8. Com o objetivo de tornar o procedimento mais eficaz, o prazo para o
trabalho do grupo especial, desde a data na qual seu estabelecimento e termos
de referência tenham sido acordados até a data em que seu relatório final tenha
sido divulgado para as partes em controvérsia, não deverá, como regra geral,
exceder a seis meses. Em casos de urgência, incluídos aqueles que tratem de
bens perecíveis, o grupo especial deverá procurar divulgar seu relatório para as
partes em controvérsia dentro de três meses.
9. Quando o grupo especial considerar que não poderá divulgar seu relatório
dentro de seis meses, ou dentro de três meses em casos de urgência, deverá
informar por escrito ao OSC as razões do atraso juntamente com uma estimativa
do prazo em que procederá à divulgação do relatório. O período de tempo entre o
estabelecimento do grupo especial e a divulgação do relatório para os Membros
não poderá, em caso algum, exceder a nove meses.
10. No âmbito de consultas envolvendo medidas tomadas por um país em
desenvolvimento Membro, as partes poderão acordar a extensão dos prazos
definidos nos parágrafos 7 e 8 do Artigo 4. Se, após expiração do prazo
concernente, as partes em consulta não acordarem com a sua conclusão, o
Presidente do OSC deverá decidir, após consultar as partes, se o prazo
concernente será prorrogado e, em caso positivo, por quanto tempo. Ademais, ao
examinar uma reclamação contra um país em desenvolvimento Membro, o grupo
especial deverá proporcionar tempo bastante para que o país em
desenvolvimento Membro prepare e apresente sua argumentação. As disposições
do parágrafo 1 do Artigo 20 e parágrafo 4 do Artigo 21 não serão afetadas por
nenhuma ação decorrente deste parágrafo.
11. Quando uma ou mais das partes for um país em desenvolvimento Membro,
o relatório do grupo especial indicará explicitamente a maneira pela qual foram
284
levadas em conta as disposições pertinentes ao tratamento diferenciado e mais
favorável para países em desenvolvimento Membros que façam parte dos
acordos abrangidos invocados pelo país em desenvolvimento Membros no curso
dos trabalhos de solução de controvérsias.
12. O grupo especial poderá suspender seu trabalho a qualquer tempo a
pedido da parte reclamante por período não superior a doze meses. Ocorrendo tal
suspensão, os prazos fixados nos parágrafos 8 e 9 deste Artigo, parágrafo 1 do
Artigo 20, e parágrafo 4 do Artigo 21 deverão ser prorrogados pela mesma
extensão de tempo em que forem suspensos os trabalhos. Se o trabalho do grupo
especial tiver sido suspenso por mais de 12 meses, a autoridade para estabelecer
o grupo especial caducará.
Artigo 13
Direito à Busca de Informação
1. Todo grupo especial terá direito de recorrer à informação e ao
assessoramento técnico de qualquer pessoa ou entidade que considere
conveniente. Contudo, antes de procurar informação ou assessoramento técnico
de pessoa ou entidade submetida à jurisdição de um Membro o grupo especial
deverá informar as autoridades de tal Membro. O Membro deverá dar resposta
rápida e completa a toda solicitação de informação que um grupo especial
considere necessária e pertinente. A informação confidencial fornecida não será
divulgada sem autorização formal da pessoa, entidade ou autoridade que a
proporcionou.
2. Os grupos especiais poderão buscar informação em qualquer fonte
relevante e poderão consultar peritos para obter sua opinião sobre determinados
aspectos de uma questão. Com relação a um aspecto concreto de uma questão
de caráter científico ou técnico trazido à controvérsia por uma parte, o grupo
especial poderá requerer um relatório escrito a um grupo consultivo de peritos. As
285
normas para estabelecimento de tal grupo e seus procedimentos constam do
Apêndice 4.
Artigo 14
Confidencialidade
1. As deliberações do grupo especial serão confidenciais.
2. Os relatórios dos grupos especiais serão redigidos sem a presença das
partes em controvérsia, à luz das informações fornecidas e das argumentações
apresentadas.
3. As opiniões individuais dos integrantes do grupo especial consignadas em
seu relatório serão anônimas.
Artigo 15
Etapa Intermediária de Exame
1. Após consideração das réplicas e apresentações orais, o grupo especial
distribuirá os capítulos expositivos (fatos e argumentações) de esboço de seu
relatório para as partes em controvérsia. Dentro de um prazo fixado pelo grupo
especial, as partes apresentarão seus comentários por escrito.
2. Expirado o prazo estabelecido para recebimento dos comentários das
partes, o grupo especial distribuirá às partes um relatório provisório, nele incluindo
tanto os capítulos descritivos quanto as determinações e conclusões do grupo
especial. Dentro de um prazo fixado pelo grupo especial, qualquer das partes
poderá apresentar por escrito solicitação para que o grupo especial reveja
aspectos específicos do relatório provisório antes da distribuição do relatório
definitivo aos Membros. A pedido de uma parte, o grupo especial poderá reunir-se
286
novamente com as partes para tratar de itens apontados nos comentários
escritos. No caso de não serem recebidos comentários de nenhuma das partes
dentro do prazo previsto para tal fim, o relatório provisório será considerado
relatório final e será prontamente distribuído aos Membros.
3. As conclusões do relatório final do grupo especial incluirão uma análise dos
argumentos apresentados na etapa intermediária de exame. Esta etapa deverá
ocorrer dentro do prazo estabelecido no parágrafo 8 do Artigo 12.
Artigo 16
Adoção de Relatórios dos Grupos Especiais
1. A fim de que os Membros disponham de tempo suficiente para examinar os
relatórios dos grupos especiais, tais relatórios não serão examinados para efeito
de aceitação pelo OSC até 20 dias após a data de distribuição aos Membros.
2. Os Membros que opuserem alguma objeção ao relatório do grupo especial
deverão apresentar por escrito razões explicativas de suas objeções para serem
distribuídas ao menos 10 dias antes da reunião do OSC na qual o relatório do
grupo especial será examinado.
3. As partes em controvérsia deverão ter direito de participar plenamente do
exame do relatório do grupo especial feito pelo OSC, e suas opiniões serão
integralmente registradas.
4. Dentro dos 60 dias seguintes à data de distribuição de um relatório de um
grupo especial a seus Membros, o relatório será adotado em uma reunião do
OSC
7
a menos que uma das partes na controvérsia notifique formalmente ao
OSC de sua decisão de apelar ou que o OSC decida por consenso não adotar o
7
. Se não houver uma reunião do OSC prevista dentro desse período em data que permita
cumprimento das disposições dos parágrafos 1 e 4 do Artigo 16, será realizada uma reunião do
OSC para tal fim.
287
relatório. Se uma parte notificar sua decisão de apelar, o relatório do grupo
especial não deverá ser considerado para efeito de adoção pelo OSC até que
seja concluído o processo de apelação. O referido procedimento de adoção não
prejudicará o direito dos Membros de expressar suas opiniões sobre o relatório do
grupo especial.
Artigo 17
Apelação
Órgão Permanente de Apelação
1. O OSC constituirá um Órgão Permanente de Apelação, que receberá as
apelações das decisões dos grupos especiais. Será composto por sete pessoas,
três das quais atuarão em cada caso. Os integrantes do Órgão de Apelação
atuarão em alternância. Tal alternância deverá ser determinada pelos
procedimentos do Órgão de Apelação.
2. O OSC nomeará os integrantes do Órgão de Apelação para períodos de
quatro anos, e poderá renovar por uma vez o mandato de cada um dos
integrantes. Contudo, os mandatos de três das sete pessoas nomeadas
imediatamente após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, que
serão escolhidas por sorteio, expirará ao final de dois anos. As vagas serão
preenchidas à medida que forem sendo abertas. A pessoa nomeada para
substituir outra cujo mandato não tenha expirado exercerá o cargo durante o
período que reste até a conclusão do referido mandato.
3. O Órgão de Apelação será composto de pessoas de reconhecida
competência, com experiência comprovada em direito, comércio internacional e
nos assuntos tratados pelos acordos abrangidos em geral. Tais pessoas não
deverão ter vínculos com nenhum governo. A composição do Órgão de Apelação
deverá ser largamente representativa da composição da OMC. Todas as pessoas
288
integrantes do Órgão de Apelação deverão estar disponíveis permanentemente e
em breve espaço de tempo, e deverão manter-se a par das atividades de solução
de controvérsias e das demais atividades pertinentes da OMC. Não deverão
participar do exame de quaisquer controvérsias que possam gerar conflito de
interesses direto ou indireto.
4. Apenas as partes em controvérsia, excluindo-se terceiros interessados,
poderão recorrer do relatório do grupo especial. Terceiros interessados que
tenham notificado o OSC sobre interesse substancial consoante o parágrafo 2 do
Artigo 10 poderão apresentar comunicações escritas ao Órgão de Apelação e
poderão ser por ele ouvidos.
5. Como regra geral, o procedimento não deverá exceder 60 dias contados a
partir da data em que uma parte em controvérsia notifique formalmente sua
decisão de apelar até a data em que o Órgão de Apelação distribua seu relatório.
Ao determinar seu calendário, o Órgão de Apelação deverá levar em conta as
disposições da parágrafo 9 do Artigo 4, se pertinente. Quando o Órgão de
Apelação entender que não poderá apresentar seu relatório em 60 dias, deverá
informar por escrito ao OSC das razões do atraso, juntamente com uma
estimativa do prazo dentro do qual poderá concluir o relatório. Em caso algum o
procedimento poderá exceder a 90 dias.
6. A apelação deverá limitar-se às questões de direito tratadas pelo relatório
do grupo especial e às interpretações jurídicas por ele formuladas.
7. O Órgão de Apelação deverá receber a necessária assistência
administrativa e legal.
8. As despesas dos integrantes do Órgão de Apelação, incluindo gastos de
viagem e diárias, serão cobertas pelo orçamento da OMC de acordo com critérios
a serem adotados pelo Conselho Geral, baseado em recomendações do Comitê
de Orçamento, Finanças e Administração.
Procedimentos do de Apelação
289
9. O Órgão de Apelação, em consulta com o Presidente do OSC e com o
Diretor Geral, fixará seus procedimentos de trabalho e os comunicará aos
Membros para informação.
10. Os trabalhos do Órgão de Apelação serão confidenciais. Os relatórios do
Órgão de Apelação serão redigidos sem a presença das partes em controvérsia e
à luz das informações recebidas e das declarações apresentadas.
11. As opiniões expressas no relatório do Órgão de Apelação por seus
integrantes serão anônimas.
12. O Órgão de Apelação examinará cada uma das questões pleiteadas em
conformidade com o parágrafo 6 durante o procedimento de apelação.
13. O Órgão de Apelação poderá confirmar, modificar ou revogar as
conclusões e decisões jurídicas do grupo especial.
Adoção do Relatório do Órgão de Apelação
14. Os relatórios do Órgão de Apelação serão adotados pelo OSC e aceitos
sem restrições pelas partes em controvérsia a menos que o OSC decida por
consenso não adotar o relatório do Órgão de Apelação dentro do prazo de 30 dias
contados a partir da sua distribuição aos Membros
8
. Este procedimento de
adoção não prejudicará o direito dos Membros de expor suas opiniões sobre o
relatório do Órgão de Apelação.
8
. Caso não esteja prevista reunião do OSC durante esse período, será realizada uma reunião do
OSC para tal fim.
290
Artigo 18
Comunicações com o Grupo Especial ou o Órgão de Apelação
1. Não haverá comunicação ex parte com o grupo especial ou com o Órgão
de Apelação com relação a assuntos submetidos à consideração do grupo
especial ou do Órgão de Apelação.
2. As comunicações escritas com o grupo especial ou com o Órgão de
Apelação deverão ser tratadas com confidencialidade, mas deverão estar à
disposição das partes em controvérsia. Nenhuma das disposições do presente
Entendimento deverá impedir uma das partes em controvérsia de publicar suas
próprias posições. Os Membros deverão considerar confidenciais as informações
fornecidas por outro Membro ao grupo especial ou ao Órgão de Apelação para as
quais o referido Membro tenha dado a classificação de confidencial. Uma parte
em controvérsia deverá, a pedido de um Membro, fornecer um resumo não-
confidencial das informações contidas em sua comunicação escrita que possa ser
tornado público.
Artigo 19
Recomendações dos Grupos Especiais e do Órgão de Apelação
1. Quando um grupo especial ou o Órgão de Apelação concluir que uma
medida é incompatível com um acordo abrangido, deverá recomendar que o
291
Membro interessado
9
torne a medida compatível com o acordo
10
. Além de suas
recomendações, o grupo especial ou o Órgão de Apelação poderá sugerir a
maneira pela qual o Membro interessado poderá implementar as recomendações.
2. De acordo com o parágrafo 2 do Artigo 3, as conclusões e recomendações
do grupo especial e do Órgão de Apelação não poderão ampliar ou diminuir os
direitos e obrigações derivados dos acordos abrangidos.
Artigo 20
Calendário das Decisões do OSC
Salvo acordado diferentemente pelas partes em controvérsia, o período
compreendido entre a data de estabelecimento do grupo especial pelo OSC e a
data em que o OSC examinar a adoção do relatório do grupo especial ou do
órgão de apelação não deverá, como regra geral, exceder nove meses quando o
relatório do grupo especial não sofrer apelação ou 12 meses quando houver
apelação. Se o grupo especial ou o Órgão de Apelação, com base no parágrafo 9
do Artigo 12 ou parágrafo 5 do Artigo 17, decidirem pela prorrogação do prazo de
entrega de seus relatórios, o prazo adicional será acrescentado aos períodos
acima mencionados.
Artigo 21
Supervisão da Aplicação das Recomendações e Decisões
9
. O "Membro interessado" é a parte em controvérsia à qual serão dirigidas as recomendações do
grupo especial ou do Órgão de Apelação.
10
. Com relação às recomendações nos casos em que não haja infração das disposições do GATT
1994 nem de nenhum outro acordo abrangido, vide Artigo 26.
292
1. O pronto cumprimento das recomendações e decisões do OSC é
fundamental para assegurar a efetiva solução das controvérsias, em benefício de
todos os Membros.
2. As questões que envolvam interesses de países em desenvolvimento
Membros deverão receber atenção especial no que tange às medidas que tenham
sido objeto da solução de controvérsias.
3. Em reunião do OSC celebrada dentro de 30 dias
11
após a data de adoção
do relatório do grupo especial ou do Órgão de Apelação, o membro interessado
deverá informar ao OSC suas intenções com relação à implementação das
decisões e recomendações do OSC. Se for impossível a aplicação imediata das
recomendações e decisões, o Membro interessado deverá para tanto dispor de
prazo razoável. O prazo razoável deverá ser:
(a) o prazo proposto pelo Membro interessado, desde que tal prazo seja aprovado
pelo OSC; ou, não havendo tal aprovação,
b) um prazo mutuamente acordado pelas partes em controvérsia dentro de 45
dias a partir da data de adoção das recomendações e decisões; ou, não havendo
tal acordo,
(c) um prazo determinado mediante arbitragem compulsória dentro de 90 dias
após a data de adoção das recomendações e decisões
12
. Em tal arbitragem, uma
diretriz para o árbitro
13
será a de que o prazo razoável para implementar as
recomendações do grupo especial ou do Órgão de Apelação não deverá exceder
11
. Caso não esteja prevista reunião do OSC durante esse período, será realizada uma reunião do
OSC para tal fim.
12
. Caso as partes não cheguem a consenso para indicação de um árbitro nos 10 dias seguintes à
submissão da questão à arbitragem, o árbitro será designado pelo Diretor-Geral em prazo de 10
dias, após consulta com as partes.
13
. Entende-se pela expressão "árbitro" tanto uma pessoa quanto um grupo de pessoas.
293
a 15 meses da data de adoção do relatório do grupo especial ou do Órgão de
Apelação. Contudo, tal prazo poderá ser maior ou menor, dependendo das
circunstâncias particulares.
4. A não ser nos casos em que o grupo especial ou o Órgão de Apelação
tenham prorrogado o prazo de entrega de seu relatório com base no parágrafo 9
do Artigo 12 ou no parágrafo 5 do Artigo 17, o período compreendido entre a data
da estabelecimento do grupo especial pelo OSC e a data de determinação do
prazo razoável não deverá exceder a 15 meses, salvo se as partes acordarem
diferentemente. Quando um grupo especial ou o Órgão de Apelação prorrogarem
o prazo de entrega de seu relatório, o prazo adicional deverá ser acrescentado ao
período de 15 meses; desde que o prazo total não seja superior a 18 meses, a
menos que as partes em controvérsia convenham em considerar as
circunstâncias excepcionais.
5. Em caso de desacordo quanto à existência de medidas destinadas a
cumprir as recomendações e decisões ou quanto à compatibilidade de tais
medidas com um acordo abrangido, tal desacordo se resolverá conforme os
presentes procedimentos de solução de controvérsias, com intervenção, sempre
que possível, do grupo especial que tenha atuado inicialmente na questão. O
grupo especial deverá distribuir seu relatório dentro de 90 dias após a data em
que a questão lhe for submetida. Quando o grupo especial considerar que não
poderá cumprir tal prazo, deverá informar por escrito ao OSC as razões para o
atraso e fornecer uma nova estimativa de prazo para entrega de seu relatório.
6. O OSC deverá manter sob vigilância a aplicação das recomendações e
decisões. A questão da implementação das recomendações e decisões poderá
ser argüida por qualquer Membro junto ao OSC em qualquer momento após sua
adoção. Salvo decisão em contrário do OSC, a questão da implementação das
recomendações e decisões deverá ser incluída na agenda da reunião do OSC
seis meses após a data da definição do prazo razoável conforme o parágrafo 3 e
294
deverá permanecer na agenda do OSC até que seja resolvida. Ao menos 10 dias
antes de cada reunião, o Membro interessado deverá fornecer ao OSC relatório
escrito do andamento da implementação das recomendações e decisões.
7. Se a questão tiver sido levantada por país em desenvolvimento Membro, o
OSC deverá considerar quais as outras providências que seriam adequadas às
circunstâncias.
8. Se o caso tiver sido submetido por país em desenvolvimento Membro, ao
considerar a providência adequada a ser tomada o OSC deverá levar em
consideração não apenas o alcance comercial das medidas em discussão mas
também seu impacto na economia dos países em desenvolvimento Membros
interessados.
Artigo 22
Compensação e Suspensão de Concessões
1. A compensação e a suspensão de concessões ou de outras obrigações
são medidas temporárias disponíveis no caso de as recomendações e decisões
não serem implementadas dentro de prazo razoável. No entanto, nem a
compensação nem a suspensão de concessões ou de outras obrigações é
preferível à total implementação de uma recomendação com o objetivo de adaptar
uma medida a um acordo abrangido. A compensação é voluntária e, se
concedida, deverá ser compatível com os acordos abrangidos.
2. Se o Membro afetado não adaptar a um acordo abrangido a medida
considerada incompatível ou não cumprir de outro modo as recomendações e
decisões adotadas dentro do prazo razoável determinado conforme o parágrafo 3
do Artigo 21, tal Membro deverá, se assim for solicitado, e em período não
295
superior à expiração do prazo razoável, entabular negociações com quaisquer
das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias,
tendo em vista a fixação de compensações mutuamente satisfatórias. Se dentro
dos 20 dias seguintes à data de expiração do prazo razoável não se houver
acordado uma compensação satisfatória, quaisquer das partes que hajam
recorrido ao procedimento de solução de controvérsias poderá solicitar
autorização do OSC para suspender a aplicação de concessões ou de outras
obrigações decorrentes dos acordos abrangidos ao Membro interessado.
3. Ao considerar quais concessões ou outras obrigações serão suspensas, a
parte reclamante aplicará os seguintes princípios e procedimentos:
(a) o princípio geral é o de que a parte reclamante deverá procurar
primeiramente suspender concessões ou outras obrigações relativas ao(s)
mesmo(s) setor(es) em que o grupo especial ou Órgão de Apelação haja
constatado uma infração ou outra anulação ou prejuízo;
(b) se a parte considera impraticável ou ineficaz a suspensão de
concessões ou outras obrigações relativas ao(s) mesmo(s) setor(es), poderá
procurar suspender concessões ou outras obrigações em outros setores
abarcados pelo mesmo acordo abrangido;
(c) se a parte considera que é impraticável ou ineficaz suspender
concessões ou outras obrigações relativas a outros setores abarcados pelo
mesmo acordo abrangido, e que as circunstâncias são suficientemente graves,
poderá procurar suspender concessões ou outras obrigações abarcadas por outro
acordo abrangido;
(d) ao aplicar os princípios acima, a parte deverá levar em
consideração:
296
(i) o comércio no setor ou regido pelo acordo em que o grupo
especial ou Órgão de Apelação tenha constatado uma violação ou outra anulação
ou prejuízo, e a importância que tal comércio tenha para a parte;
(ii) os elementos econômicos mais gerais relacionados com a
anulação ou prejuízo e as conseqüências econômicas mais gerais da suspensão
de concessões ou outras obrigações;
(e) se a parte decidir solicitar autorização para suspender concessões
ou outras obrigações em virtude do disposto nos subparágrafos (b) ou (c), deverá
indicar em seu pedido as razões que a fundamentam. O pedido deverá ser
enviado simultaneamente ao OSC e aos Conselhos correspondentes e também
aos órgãos setoriais correspondentes, em caso de pedido baseado no
subparágrafo (b).
(f) para efeito do presente parágrafo, entende-se por "setor":
(i) no que se refere a bens, todos os bens;
(ii) no que se refere a serviços, um setor principal dentre os que
figuram na versão atual da "Lista de Classificação Setorial dos Serviços" que
identifica tais setores
14
;
(iii) no que concerne a direitos de propriedade intelectual
relacionados com o comércio, quaisquer das categorias de direito de propriedade
intelectual compreendidas nas secções 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7 da Parte II, ou as
obrigações da Parte III ou da Parte IV do Acordo sobre TRIPS;
(g) para efeito do presente parágrafo, entende-se por "acordo":
(i) no que se refere a bens, os acordos enumerados no Anexo
1A do Acordo Constitutivo da OMC, tomados em conjunto, bem como os Acordos
14
. Na lista integrante do documento MTN.GNG/W/120 são identificados onze setores.
297
Comerciais Plurilaterais na medida em que as partes em controvérsia sejam
partes nesses acordos;
(ii) no que concerne a serviços, o GATS;
(iii) no que concerne a direitos de propriedade intelectual, o
Acordo sobre TRIPS.
4. O grau da suspensão de concessões ou outras obrigações autorizado pelo
OSC deverá ser equivalente ao grau de anulação ou prejuízo.
5. O OSC não deverá autorizar a suspensão de concessões ou outras
obrigações se o acordo abrangido proíbe tal suspensão.
6. Quando ocorrer a situação descrita no parágrafo 2, o OSC, a pedido,
poderá conceder autorização para suspender concessões ou outras obrigações
dentro de 30 dias seguintes à expiração do prazo razoável, salvo se o OSC
decidir por consenso rejeitar o pedido. No entanto, se o Membro afetado impugnar
o grau da suspensão proposto, ou sustentar que não foram observados os
princípios e procedimentos estabelecidos no parágrafo 3, no caso de uma parte
reclamante haver solicitado autorização para suspender concessões ou outras
obrigações com base no disposto nos parágrafos 3 (b) ou 3 (c), a questão será
submetida a arbitragem. A arbitragem deverá ser efetuada pelo grupo especial
que inicialmente tratou do assunto, se os membros estiverem disponíveis, ou por
um árbitro
15
designado pelo Diretor-Geral, e deverá ser completada dentro de 60
dias após a data de expiração do prazo razoável. As concessões e outras
obrigações não deverão ser suspensas durante o curso da arbitragem.
15
. Entende-se pela expressão "árbitro" indistintamente uma pessoa ou um grupo de pessoas.
298
7. O árbitro
16
que atuar conforme o parágrafo 6 não deverá examinar a
natureza das concessões ou das outras obrigações a serem suspensas, mas
deverá determinar se o grau de tal suspensão é equivalente ao grau de anulação
ou prejuízo. O árbitro poderá ainda determinar se a proposta de suspensão de
concessões ou outras obrigações é autorizada pelo acordo abrangido. No
entanto, se a questão submetida à arbitragem inclui a reclamação de que não
foram observados os princípios e procedimentos definidos pelo parágrafo 3, o
árbitro deverá examinar a reclamação. No caso de o árbitro determinar que
aqueles princípios e procedimentos não foram observados, a parte reclamante os
aplicará conforme o disposto no parágrafo 3. As partes deverão aceitar a decisão
do árbitro como definitiva e as partes envolvidas não deverão procurar uma
segunda arbitragem. O OSC deverá ser prontamente informado da decisão do
árbitro e deverá, se solicitado, outorgar autorização para a suspensão de
concessões ou outras obrigações quando a solicitação estiver conforme à decisão
do árbitro, salvo se o OSC decidir por consenso rejeitar a solicitação.
8. A suspensão de concessões ou outras obrigações deverá ser temporária e
vigorar até que a medida considerada incompatível com um acordo abrangido
tenha sido suprimida, ou até que o Membro que deva implementar as
recomendações e decisões forneça uma solução para a anulação ou prejuízo dos
benefícios, ou até que uma solução mutuamente satisfatória seja encontrada. De
acordo com o estabelecido no parágrafo 6 do Artigo 21, o OSC deverá manter sob
supervisão a implementação das recomendações e decisões adotadas, incluindo
os casos nos quais compensações foram efetuadas ou concessões ou outras
obrigações tenham sido suspensas mas não tenham sido aplicadas as
recomendações de adaptar uma medida aos acordos abrangidos.
16
. Entende-se pela expressão "árbitro" indistintamente uma pessoa, um grupo de pessoas ou os
membros do grupo especial que inicialmente tratou do assunto, se atuarem na qualidade de
árbitros.
299
9. As disposições de solução de controvérsias dos acordos abrangidos
poderão ser invocadas com respeito às medidas que afetem sua observância,
tomadas por governos locais ou regionais ou por autoridades dentro do território
de um Membro. Quando o OSC tiver decidido que uma disposição de um acordo
abrangido não foi observada, o Membro responsável deverá tomar as medidas
necessárias que estejam a seu alcance para garantir sua observância. Nos casos
em que tal observância não tenha sido assegurada, serão aplicadas as
disposições dos acordos abrangidos e do presente Entendimento relativas à
compensação e à suspensão de concessões e outras obrigações
17
.
Artigo 23
Fortalecimento do Sistema Multilateral
1. Ao procurar reparar o não-cumprimento de obrigações ou outro tipo de
anulação ou prejuízo de benefícios resultantes de acordos abrangidos ou um
impedimento à obtenção de quaisquer dos objetivos de um acordo abrangido, os
Membros deverão recorrer e acatar as normas e procedimentos do presente
Entendimento.
2. Em tais casos, os Membros deverão:
(a) não fazer determinação de que tenha ocorrido infração, de que
benefícios tenham sido anulados ou prejudicados ou de que o cumprimento de
quaisquer dos objetivos de um acordo abrangido tenha sido dificultado, salvo
através do exercício da solução de controvérsias segundo as normas e
procedimentos do presente Entendimento, e deverão fazer tal determinação
consoante as conclusões contidas no relatório do grupo especial ou do Órgão de
17
. Quando as disposições de qualquer acordo abrangido relativas às medidas adotadas pelos
governos ou autoridades regionais ou locais dentro do território de um Membro forem diferentes
das enunciadas no presente parágrafo, prevalecerão as disposições do acordo abrangido.
300
Apelação adotado pelo OSC ou em um laudo arbitral elaborado segundo este
Entendimento;
(b) seguir os procedimentos definidos no Artigo 21 para determinar o
prazo razoável para que o Membro interessado implemente as recomendações e
decisões; e
(c) observar os procedimentos definidos no Artigo 22 para determinar o
grau de suspensão de concessões ou outras obrigações e obter autorização do
OSC, conforme aqueles procedimentos, antes de suspender concessões ou
outras obrigações resultantes dos acordos abrangidos como resposta à não-
implementação, por parte do Membro interessado, das recomendações e
decisões dentro daquele prazo razoável.
Artigo 24
Procedimento Especial para Casos Envolvendo Países de Menor
Desenvolvimento Relativo Membros
1. Em todas as etapas da determinação das causas de uma controvérsia ou
dos procedimentos de uma solução de controvérsias de casos que envolvam um
país de menor desenvolvimento relativo Membro, deverá ser dada atenção
especial à situação particular do país de menor desenvolvimento relativo Membro.
Neste sentido, os Membros exercerão a devida moderação ao submeter a estes
procedimentos matérias envolvendo um país de menor desenvolvimento relativo
Membro. Se for verificada anulação ou prejuízo em conseqüência de medida
adotada por país de menor desenvolvimento relativo Membro, as partes
reclamantes deverão exercer a devida moderação ao pleitear compensações ou
solicitar autorização para suspensão da aplicação de concessões ou outras
obrigações nos termos destes procedimentos.
2. Quando, nos casos de solução de controvérsias que envolvam um país de
menor desenvolvimento relativo Membro, não for encontrada solução satisfatória
no correr das consultas realizadas, o Diretor-Geral ou o Presidente do OSC
301
deverão, a pedido do país de menor desenvolvimento Membro, oferecer seus
bons ofícios, conciliação ou mediação com o objetivo de auxiliar as partes a
solucionar a controvérsia antes do estabelecimento de um grupo especial. Para
prestar a assistência mencionada, o Diretor-Geral ou o Presidente do OSC
poderão consultar qualquer fonte que considerem apropriada.
Artigo 25
Arbitragem
1. Um procedimento rápido de arbitragem na OMC como meio alternativo de
solução de controvérsias pode facilitar a resolução de algumas controvérsias que
tenham por objeto questões claramente definidas por ambas as partes.
2. Salvo disposição em contrário deste Entendimento, o recurso à arbitragem
estará sujeito a acordo mútuo entre as partes, que acordarão quanto ao
procedimento a ser seguido. Os acordos de recurso a arbitragem deverão ser
notificados a todos os Membros com suficiente antecedência ao efetivo início do
processo de arbitragem.
3. Outros Membros poderão ser parte no procedimento de arbitragem
somente com o consentimento das partes que tenham convencionado recorrer à
arbitragem. As partes acordarão submeter-se ao laudo arbitral. Os laudos arbitrais
serão comunicados ao OSC e ao Conselho ou Comitê dos acordos pertinentes,
onde qualquer Membro poderá questionar qualquer assunto a eles relacionados.
4. Os Artigos 21 e 22 do presente Entendimento serão aplicados mutatis
mutantis aos laudos arbitrais.
Artigo 26
302
1. Reclamações de Não-Violação do Tipo Descrito no Parágrafo 1 (b) do
Artigo XXIII do GATT 1994
Quando as disposições do parágrafo 1(b) do Artigo XXIII do GATT 1994
forem aplicáveis a um acordo abrangido, os grupos especiais ou o Órgão de
Apelação somente poderão decidir ou fazer recomendações se uma das partes
em controvérsia considera que um benefício resultante direta ou indiretamente do
acordo abrangido pertinente está sendo anulado ou prejudicado ou que o
cumprimento de um dos objetivos do Acordo está sendo dificultado em
conseqüência da aplicação de alguma medida por um Membro, ocorrendo ou não
conflito com as disposições daquele Acordo. Quando e na medida em que tal
parte considere, e um grupo especial ou Órgão de Apelação determine, que um
caso trate de medida que não seja contraditória com as disposições de um acordo
abrangido ao qual as disposições do parágrafo 1(b) do Artigo XXIII do GATT
1994 sejam aplicáveis, deverão ser aplicados os procedimentos previstos no
presente Entendimento, observando-se o seguinte:
(a) a parte reclamante deverá apresentar justificativa detalhada em
apoio a qualquer reclamação relativa a medida que não seja conflitante com o
acordo abrangido relevante;
(b) quando se considerar que uma medida anula ou restringe benefícios
resultantes do acordo abrangido pertinente, ou que compromete a realização dos
objetivos de tal acordo, sem infração de suas disposições, não haverá obrigação
de revogar essa medida. No entanto, em tais casos, o grupo especial ou Órgão de
Apelação deverá recomendar que o Membro interessado faça um ajuste
mutuamente satisfatório;
(c) não obstante o disposto no Artigo 21, a arbitragem prevista no
parágrafo 3 do Artigo 21 poderá incluir, a pedido de qualquer das partes, a
determinação do grau dos benefícios anulados ou prejudicados e poderá também
sugerir meios e maneiras de se atingir um ajuste mutuamente satisfatório; tais
sugestões não deverão ser compulsórias para as parte em controvérsia;
303
(d) não obstante o disposto no parágrafo 1 do Artigo 22, a compensação
poderá fazer parte de um ajuste mutuamente satisfatório como solução final para
a controvérsia.
2. Reclamações do Tipo Descrito no Parágrafo 1(c) do Artigo XXIII do GATT
1994
Quando as disposições do parágrafo 1(c) do Artigo XXIII do GATT 1994
forem aplicáveis a um acordo abrangido, o grupo especial apenas poderá formular
recomendações e decisões quando uma parte considerar que um benefício
resultante direta ou indiretamente do acordo abrangido pertinente tenha sido
anulado ou prejudicado ou que o cumprimento de um dos objetivos de tal acordo
tenha sido comprometido em conseqüência de uma situação diferente daquelas
às quais são aplicáveis as disposições dos parágrafos 1(a) e 1(b) do Artigo XXIII
do GATT 1994. Quando e na medida em que essa parte considere, e um grupo
especial determine, que a questão inclui-se neste parágrafo, os procedimentos
deste Entendimento serão aplicados unicamente até o momento do processo em
que o relatório do grupo especial seja distribuído aos Membros. Serão aplicáveis
as normas e procedimentos de solução de controvérsias contidos na Decisão de
12 de abril de 1989 (BISD 36S/61-67) quando da consideração para adoção e
supervisão e implementação de recomendações e decisões. Será também
aplicável o seguinte:
(a) a parte reclamante deverá apresentar justificativa detalhada como
base de qualquer argumentação a respeito de questões tratadas no presente
parágrafo;
(b) nos casos que envolvam questões tratadas pelo presente parágrafo,
se um grupo especial decidir que tais casos também se referem a outras questões
relativas à solução de controvérsias além daquelas previstas neste parágrafo, o
grupo especial deverá fornecer ao OSC um relatório encaminhando tais questões
e um relatório separado sobre os assuntos compreendidos no âmbito de
aplicação do presente parágrafo.
304
Artigo 27
Responsabilidades do Secretariado
1. O Secretariado terá a responsabilidade de prestar assistência aos grupos
especiais, em especial nos aspectos jurídicos, históricos e de procedimento dos
assuntos tratados, e de fornecer apoio técnico e de secretaria.
2. Ainda que o Secretariado preste assistência com relação à solução de
controvérsias aos Membros que assim o solicitem, poderá ser também necessário
fornecer assessoria e assistência jurídicas adicionais com relação à solução de
controvérsias aos países em desenvolvimento Membros. Para tal fim, o
Secretariado colocará à disposição de qualquer país em desenvolvimento
Membro que assim o solicitar um perito legal qualificado dos serviços de
cooperação técnica da OMC. Este perito deverá auxiliar o país em
desenvolvimento Membro de maneira a garantir a constante imparcialidade do
Secretariado.
3. O Secretariado deverá organizar, para os Membros interessados, cursos
especiais de treinamento sobre estes procedimentos e práticas de solução de
controvérsias a fim de que os especialistas dos Membros estejam melhor
informados sobre o assunto.
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