Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
André Ricardo Mininel
CREDIBILIDADE, SEGURANÇA E FÉ: O USO DO JORNALISMO NA
PROGRAMAÇÃO RELIGIOSA DA RECORD.
BAURU - SP
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
André Ricardo Mininel
CREDIBILIDADE, SEGURANÇA E FÉ: O USO DO JORNALISMO NA
PROGRAMAÇÃO RELIGIOSA DA RECORD.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação, da Área de
Concentração em Comunicação Midiática, da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” - campus de Bauru, como
requisito à obtenção do título de Mestre em
Comunicação, sob a orientação do Prof. Dr.
Cláudio Bertolli Filho.
Bauru - SP
2008
ads:
3
DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP – BAURU
Mininel, André Ricardo.
Credibilidade, segurança e fé: o uso do
jornalismo na programação religiosa da Record /
André Ricardo Mininel, 2008.
143 f.
Orientador: Cláudio Bertolli Filho.
Dissertação (Mestrado)– Universidade
Estadual Paulista. Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação,
Bauru, 2008.
Ficha catalográfica elaborada por Maricy Fávaro Braga – CRB-8 1.622
4
André Ricardo Mininel
CREDIBILIDADE, SEGURANÇA E FÉ: O USO DO JORNALISMO NA
PROGRAMAÇÃO RELIGIOSA DA RECORD.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” - campus de Bauru, para a obtenção do título de Mestre em
Comunicação.
Banca examinadora:
Presidente: Prof. Dr. Cláudio Bertolli Filho
Instituição: Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Titular: Profª. Drª. Luzia Mitsue Yamashita Deliberador
Instituição: Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Titular: Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente
Instituição: Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Bauru (SP), Agosto de 2008.
5
Agradecimentos
No segundo semestre de 2002, começou uma pesquisa que, ainda não
finalizada, resultou nesta dissertação de mestrado. Eu era um estudante do segundo
ano de Jornalismo que tinha insônia. Dormia pouco, trabalhava o dia todo como técnico
bancário na Caixa Federal e adorava televisão. O ligar a televisão em um programa
iurdiano foi um acaso, mas o interesse pela pesquisa em comunicação era uma certeza.
Encontrava, então, um tema que me fascinava. É verdade que de nada adiantaria ter
um problema na cabeça, ter a vontade de pesquisar e não ter um incentivador. Por isso
agradeço, especialmente, ao Prof. Dr. Cláudio Bertolli Filho, o principal incentivador
deste estudo. Sua paciência, dedicação, experiência e, acima de tudo, sua confiança
em meu projeto de pesquisa foram fundamentais para o desenvolvimento desta
dissertação. Foram anos de orientações certeiras, conselhos verdadeiros e também de
amizade. Nos momentos de dúvidas, de cansaço ou mesmo de desâmino, encontrei, no
bom humor do prof. Cláudio, um incentivo para perseverar nos estudos. Foi muito
gratificante ser um mestrando em Comunicação Midiática da Unesp de Bauru. Ao Prof.
Cláudio Bertolli, serei sempre grato.
A Profª. Drª Salete Alberti da Silva e a Profª Suad Haddad Barrach são
dois personagens importantes em minha vida. A Prof. Saletinha me fez ver a “chincha
chinchística” de tantos aspectos importantes da cultura brasileira. Nunca mais ouvi uma
música ou li uma poesia da mesma forma, depois que conheci essa gatinha que
infelizmente se aposentou. À Prof. Suad devo o gosto pela leitura, dos textos do
Machado de Assis às das páginas de Bundas, que amos juntos, no intervalo das
aulas, na época do segundo grau. Essa D. Suad, que agora virou artista, fez a
gramática ser tão interessante quanto os bons livros de literatura que indicava.
Obrigado a vocês duas.
Agradeço aos professores da Pós-Graduação, especialmente ao Prof. Dr.
Antonio Carlos de Jesus e ao Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente, ambos membros da
banca de qualificação desta dissertação. À Profª. Drª Ana Silvia Lopes Davi Médola, à
Profª. Drª Regina Célia Baptista Belluzzo e ao Prof. Dr. Jorge Pedro Sousa.
6
Também gostaria de agradecer aos meus familiares. Meu pai Roberto e
minha mãe Rosinha sempre acompanharam minha trajetória. Tenho vivas, em minha
memória, a torcida para que uma das 25 vagas fosse minha e também a paciência em
aturar minha ansiedade na espera da lista de aprovados no processo seletivo de
mestrado. A cada etapa vencida, a cada passo dado, estavam vocês dois, ao meu lado,
junto com os meus irmãos Fabinho, Clara e Adriano. Também é nessa época que entra
na história uma certa Amanda Furtado, que iria estar ao meu lado durante todo o
desenvolvimento desta dissertação. O meu muito obrigado pelos papos, pelos
desabafos, pelos sonhos compartilhados, pelos puxões de orelha, pelo amor, pelo
carinho e pela compreensão. Só vocês foram capazes de entender meu mau humor
passageiro, meus estresses e minha ausência. Vocês sabiam que eu estava realizando
um sonho. Mais uma etapa vencida... Muito obrigado.
Alguns amigos não tiveram essa paciência, especialmente nesses últimos
meses. Alguns até ficaram chateados comigo porque eu demorava pra mandar emails,
pra telefonar ou mesmo pra fazer uma visita. Sou grato pelas amizades que tenho e
elas são fundamentais para que eu seja quem eu sou. Como não são tantos nomes
assim, vale a pena citar: Amadeu Von Richtophen, Mônica, Teresa, Nilo, Nereide,
Tchan, Nega, Du Santiago, Nhanha, Netão, Preto, Natália, Layza, William, Melissa,
Brunão, Kika, Bessi, Mayra, Pai, Mãe, Vinicius, Flávio, Fernanda, Sasha, Lídia, Renata,
Ulisses. Devo ter me esquecido de alguém... também alguns amigos da Caixa que
me ajudaram, seja cobrindo minhas faltas ou mesmo permitindo que eu faltasse.
Bassan, Gerson, Bete, Belmiro, Telminha, Venceslau, Tanque, Adriano, Marcelo Coleta,
Karina, Miriam, Mayra, Fabiano, Flavinho, Flavião, Amanda, Aninha, Paula, Ju, Dona
Luzia e João Carlos. Especialmente, a Telminha e o Flavinho, meus chefes diretos,
foram muito bacanas comigo. Obrigado.
Por fim, quero agradecer a Deus, a Olorum, à Natureza, a Alá, a Brama,
enfim, a essa força criadora que nos dá forças para seguirmos na caminhada.
7
Dedicatória
Dedico este trabalho à Mathilde, ao Zé, a meu pai Roberto, a minha
mãe Rosinha, a meu velho amigo Amadeu e a Amanda, minha companheira. Tanto
esforço e tanta dedicação fizeram sentido porque vocês sempre me esperaram
chegar lá de onde eu vim...
8
MININEL, André Ricardo. Credibilidade, segurança e fé: o uso do jornalismo na
programação religiosa da Record. 2008. 143 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação
Midiática). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Unesp, Bauru, 2008.
Resumo
Este estudo aborda o uso de recursos televisivos, em especial do
Jornalismo, na programação religiosa da Rede Record de Televisão, emissora de
transmissão aberta comandada pela pula da Igreja Universal do Reino de Deus,
segmento religioso brasileiro em expansão. Foram observadas a construção da
comunidade iurdiana, a atribuição de credibilidade às mensagens televisivas, a criação
de um ambiente seguro em que se possa propagar a fé, a pregação de uma “fé
inteligente”, bem como a similitude com os programas da grade comercial daquela
emissora de tevê.
Palavras-chave: Comunicação, Telejornalismo, Rede Record, Tevê regional,
Neopentecostalismo brasileiro.
9
MININEL, André Ricardo. Credibility, security and faith: the journalism use on the
religious Record programming. 2008. 143 f. Master Dissertation. (Mediatic
Communication Mastership Program) Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,
UNESP, Bauru, 2008.
Abstract
This study approaches the television resources use, especially in
journalism, on the religious programming of Rede Record de Televisão, a TV station
with open transmission commanded by the Universal Church of Kingdom of God
leadership, a Brazilian religious segment in expansion. Iurdian community construction,
the attribution of credibility to television messages, the creation of a safe atmosphere in
which is possibly to disseminate faith, the preachment of an “intelligent faith”, as well as
the similarity of programs from that commercial grade TV station were observed.
Key words: Communication, Telejournalism, Rede Record, local TV, Brazilian
neopentecostalism
10
Sumário
Introdução, p. 11
1. Problemas, fontes e método
1.1 O contexto religioso brasileiro, p. 14
1.2 A hipótese, p. 18
1.3 O corpus, p. 21
1.4 O método, p. 31
1.5 O referencial teórico, p. 37
1.6 Alguns apontamentos acerca do jornalismo, p. 52
1.6.1 Histórico do telejornalismo, p. 56
2. A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)
2.1 O grupo Universal, p. 62
2.2 Histórico da Iurd, p. 65
2.3 Um deus endividado, p. 71
2.4 Mídia e Igreja Universal, p. 75
2.5 Interesses na política, p. 80
2.6 A expansão iurdiana, p. 82
2.7 A Iurd pelo mundo, p. 88
3. A programação iurdiana
3.1 A descrição do corpus, p. 91
3.2 Alguns aspectos gerais da programação iurdiana, p. 94
3.3 As particularidades de cada programa iurdiano, p. 100
3.4 A questão da credibilidade, p. 109
3.5 A questão da segurança, p.117
3.6 A questão da fé, p. 124
Considerações finais, p. 134
Referencias, p. 137
Anexo, p. 143
11
Introdução
Estudar a relação entre mídia e religião não é apenas um recorte dos
estudos na área de Comunicação, da Teologia ou da Sociologia da Religião. Da mesma
forma que é deficiente a pesquisa em Comunicação que desconsidera o contexto em
que a produção midiática é realizada, tais como implicações econômicas, políticas e
sociais, a religião, no caso específico do contexto brasileiro, é fator indissociável ao
contexto das mídias televisivas de circulação aberta.
Em outras partes do mundo, tal afirmação seria equivocada. Em Portugal,
por exemplo, país cujo governo proíbe a veiculação de programas de conteúdo religioso
nas redes de televisão, a religião tem papel esporádico na mídia televisiva, quando ela
revela algum interesse público. Como resultado deste interesse, têm-se materiais
jornalísticos que abordam essa temática. Como exemplo pode ser citada a cobertura da
imprensa durante a visita do papa a um país asiático, os conflitos no Oriente Médio que
tanto repercutem nos jornalísticos europeus, ou ainda, em denúncias contra padres
acusados de pedofilia, tão presentes nos Estados Unidos. Em outras palavras, a
religião é pauta, está distanciada do processo de produção midiática.
No Brasilonde pelo menos três redes de tevê, Rede Vida, Rede Canção
Nova e Rede Record, pertencem a instituições religiosas é impossível não relacionar
o campo da mídia com o campo religioso. Destacam-se dentre as citadas emissoras,
seja pela abrangência de suas transmissões, seja pelo crescimento constante que
apresentam, a primeira e a última. A Rede Vida, com a ajuda financeira de católicos de
todo o Brasil, anuncia em seu slogan que além de ser o "Canal da Família", também é a
maior televisão católica do mundo. Já a Record, propriedade do bispo Edir Macedo,
principal expoente religioso da Igreja Universal do Reino de Deus, se mostra como uma
potência que ainda tímida busca dentro de alguns anos arranhar a hegemonia televisiva
do Grupo Marinho. Neste estudo, vale ressaltar, serão analisados produtos midiáticos
exclusivamente da Rede Record de Televisão.
A utilização dos meios de comunicação se mostra como uma
potencialidade já explorada por diversas facções religiosas não só como meio de
conquista de fiéis, como forma de doutrinação em massa, mas especialmente como
forma de dar visibilidade a uma determinada religião. É comum acusarem os editoriais,
12
no jornalismo impresso, de serem os porta-vozes desta ou daquela ideologia política.
Quando se fala em dia religiosa, esta voz, apresentada em materiais midiáticos, se
faz presente camuflada, ora por uma similitude com os programas jornalísticos, como
se verá nas páginas seguintes, ora com a aparência de puro entretenimento, com a
utilização de dramatizações que se assemelham ao formato tão popular da telenovela.
Conforme sugere Martino
1
, a utilização da mídia televisiva por parte de segmentos
religiosos cumpre a função de estabelecer, por meio de canais de comunicação
institucionais, uma relação rápida e eficaz entre a religião e o crente
2
.
A mídia religiosa tem o papel de fornecer ao maior número de fiéis
possível a voz institucional capaz de amainar os males que o crente propriamente dito
ou o fiel em potencial possuem em suas vidas. O indivíduo não precisa ir a um templo,
basta ligar a tevê, abrir o jornal ou navegar pela Internet.
A Igreja Universal do Reino de Deus, segmento neopentecostal que
financia e comanda a Rede Record, tem sua história vinculada ao uso dos meios de
comunicação de massa como instrumento de pregação de suas crenças e uma
conseqüente conquista de fiéis. Primeiramente, foram utilizados espaços em emissoras
de rádio, o que causou um impacto positivo nos ouvintes. Como o número de fiéis
aumentava, a cúpula iurdiana passou a desenvolver uma estratégia de adquirir veículos
de comunicação. Em um ínterim de pouco mais de 20 anos, Iurd construiu um império
midiático que conta com nada menos que 62 emissoras de rádio, outras tantas de tevê,
uma gravadora, uma produtora de vídeos, duas editoras, além de jornais e revistas,
com destaque para o jornal Folha Universal, com uma tiragem que supera os dois
milhões de exemplares por semana
3
.
A trajetória bem sucedida da Universal teve seu ápice, em novembro de
1989, com uma transação financeira, da ordem de aproximadamente 45 milhões de
dólares, em que o Bispo Edir Macedo, principal liderança daquele segmento
neopentecostal, adquiriu a Rede Record de Televisão e Rádio do empresário e
apresentador Silvio Santos e da família Machado de Carvalho.
1
Martino, 2003, p. 85.
2
Quando neste estudo for usado o termo "crente", deve-se entendê-lo em seu sentido mais óbvio, ou
seja, aquele que crê. Logo, não se faz uma referência especificamente aos fiéis de segmentos
protestantes, evangélicos pentecostais ou neopentecostais.
3
Tavolaro, 2007, p. 238-239.
13
A Iurd é detentora de um conjunto de meios de comunicação e os utiliza
para propagação de sua doutrina e para a conseqüente conversão de novos fiéis. Os
programas iurdianos
4
exibidos pela Rede Record de Televisão, apresentados às
madrugadas após o término da exibição da programação comercial da emissora, utiliza-
se de técnicas do jornalismo. A principal hipótese proposta, nesta dissertação, é que a
associação dos programas evangélicos ao jornalismo camuflaria o interesse de
pregação doutrinária dos produtores dos referidos programas e, com o uso de técnicas
jornalísticas, tentariam passar aos telespectadores uma idéia de independência editorial
e de credibilidade jornalística. A constituição de uma representação midiática de o que
é ser um fiel iurdiano bem sucedido revela uma adequação da doutrina da Igreja
Universal do Reino de Deus ao cenário da alta modernidade.
4
O termo iurdiano foi usado pela primeira vez pelo pesquisador Leonildo Silveira Campos, em Teatro,
tempo e Mercado (1997). Para Campos, o termo se refere não apenas aos fiéis da Iurd, mas também
àqueles que possuem alguma identificação com a doutrina e que compactuam das mesmas idéias dos
adeptos deste segmento neopentecostal. Neste estudo, seu uso será estendido também para designar
referência àquele e/ou àquilo que possui relação com a Igreja Universal do Reino de Deus.
14
1. Problemas, fontes e método
1. 1 O contexto religioso brasileiro
Se a utilização da mídia televisiva por parte de facções neopentecostais,
em especial da Igreja Universal do Reino de Deus, é um evento de inegável interesse
acadêmico para a pesquisa em Comunicação, torna-se necessária uma atenção às
alterações ocorridas no cenário religioso da atualidade. É importante destacar que da
mesma forma que os estudos acerca de comunicação televisiva de transmissão aberta
no Brasil tem uma relação próxima com a religião, nota-se que a religião também é
influenciada pela mídia em geral.
Ao se observar os números do Censo de 2000, percebe-se uma tendência
clássica, comum a todas as culturas religiosas: a de que as religiões mais tradicionais
percam crentes (ver tabela 1). A exemplo do que acontece com o hinduísmo, na Índia,
que perde fiéis para as doutrinas muçulmanas, no Brasil, o catolicismo é atingido pelo
avanço evangélico, apesar de os católicos ainda serem o maior grupo religioso do
país
5
.
Tabela 1 Distribuição de fiéis entre as principais religiões de 1980 a 2000 no Brasil.
Religião 1980 1991 2000
Católicos 89,2 83,3 73,7
Evangélicos 6,6 9,0 15,4
Espíritas 0,7 1,1 1,4
Afro-brasileiros 0,6
(0,57)
0,4
(0,44)
0,3
(0,34)
Outras religiões 1,3 1,4 1,8
Sem religião 1,6 4,8 7,3
Total (*) 100,0% 100,0% 100,0%
(*) Não inclui religião não declarada e não determinada.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos.
Essa expansão das religiões pentecostais brasileiras, nascidas com forte
influencia estrangeira, especialmente do pentecostalismo norte-americano
6
(aqui se
5
Pierucci, 2004, p. 19.
6
Campos, 2005, p. 108.
15
unificam o pentecostalismo tradicional, com destaque para a Assembléia de Deus e a
Congregação Cris do Brasil, e as jovens ramificações neopentecostais, sendo
destacada a Igreja Universal do Reino de Deus), é um fenômeno que não pode ser
considerado recente ou episódico, uma vez que o aumento do número destes fiéis vem
ocorrendo de forma contínua, nas últimas cinco décadas. Apesar de uma grande
quantidade de denominações, as três vertentes religiosas acima citadas são as mais
representativas, já que concentram 74% dos pentecostais, ou seja, representam a de
aproximadamente 13 milhões de brasileiros
7
.
Uma característica peculiar e ponto chave desta dissertação ao
avanço pentecostal, em especial à Iurd, é a utilização dos meios de comunicação na
divulgação da doutrina e na conseqüente conversão de fiéis. Conforme sinaliza
Leonildo Silveira de Campos docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, pesquisador especialista na
doutrina iurdiana que transita entre o campo da sociologia e da comunicação as
denominações evangélicas, de uma maneira geral, tendem a ter uma postura agressiva
no embate com a concorrência religiosa, principalmente ao catolicismo e aos cultos
afro-brasileiros, além de uma dependência dos meios de comunicação para que
possam buscar legitimidade no espaço religioso
8
.
Seja com a compra de espaços na grade de programação de emissoras
com dificuldades financeiras, estratégia usada pela Igreja Internacional da Graça de
Deus, fundada pelo Missionário Romildo Ribeiro Soares, cunhado de Edir Macedo, que
exibe em horário nobre, na Rede Bandeirantes, o programa Despertar da Fé, ou ainda,
como faz a Iurd, com a utilização de brechas entre atrações televisivas de suas próprias
emissoras de televisão, a Rede Record e a extinta Rede Mulher, com programas como
o Mistério ou o mais conhecido deles, A Sessão do Descarrego, o neopentecostalismo
conquista um local de destaque no cenário religioso brasileiro.
A Renovação Carismática Católica pode ser entendida como a resposta
católica a este avanço neopentecostal. A RCC é vista com cautela pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), porém é inegável o seu sucesso entre os padres
7
Mariano, 2004, p. 121-122.
8
Campos, 2004, p. 148.
16
recém-ordenados e as escolas de formação de sacerdotes
9
. O movimento carismático é
caracterizado pela formação de grupos de orações que pretende dar a seus membros
um aperfeiçoamento do conhecimento das histórias e interpretações bíblicas, tornando-
os aptos a desenvolver uma evangelização baseada no testemunho pessoal e grupal.
Esta não é a única aproximão da RCC com o neopentecostalismo. O gosto pelo uso
da mídia televisiva é outra convergência entre carismáticos e neopentecostais
10
. Os
adeptos desta segmentação da Igreja Católica Apostólica Romana ganham cada vez
mais espaço no mercado televisivo brasileiro. Para tanto, basta relembrar a permanente
presença, que teve seu ápice no final da década de 1990, dos chamados padres-
popstar nas atrações televisivas em rede nacional.
Houve uma inegável conquista de espaço no mercado editorial,
radiofônico, fonográfico e televisivo por parte de religiosos carismáticos, a ponto de uma
declaração de um líder deste movimento ser considerada, aos olhos de um católico
médio, como visão mais representativa e legítima da Igreja Católica como um todo do
que a do presidente da CNBB ou até mesmo do próprio papa
11
. O principal ícone da
RCC brasileira, o Pe. Marcelo Rossi, ex-professor de Educação Física, religioso
habilidoso no uso das mídias, capaz de reunir diversas vezes milhões de fiéis em um
único culto religioso, tem suas celebrações litúrgicas exibidas semanalmente, aos
domingos, pela maior rede de tevê do Brasil, a Rede Globo de Televisão.
Bem menos representativos quanto ao número de fiéis estão os espíritas
de orientação kardecista e os praticantes de religiões afro-brasileiras. O espiritismo, no
Brasil, sempre esteve vinculado à cultura escrita, que fundamental para este
segmento religioso é a leitura de obras psicografadas e doutrinárias que seriam
responsáveis por uma evolução espiritual dos seus praticantes. Não passa
desapercebido o volume de publicações com esta tendência. O mais conhecido autor
de best-sellers espíritas brasileiro é o médium Chico Xavier que vendeu nada menos
que 25 milhões de exemplares. Com uma tiragem inferior a Xavier, aparecem o baiano
Divaldo Franco e a médium Zíbia Gasparetto, ambos com mais de cinco milhões de
livros vendidos.
9
Valle, 2004, p. 101.
10
Valle, 2004, p. 102.
11
Valle, 2004, p. 103.
17
O sucesso deste tipo de literatura é tamanho que Gasparetto possui
editora própria, a editora Vida e Consciência, que publica além dos romances
psicografados da médium, outras obras de cunho kardecista. É importante ressaltar que
o público destas publicações não necessariamente é composto por espíritas
praticantes. Em grande parte, é formado por simpatizantes da doutrina ou ainda pelos
leitores acostumados aos tão populares manuais de auto-ajuda
12
.
Como se pode observar nos dados do Censo de 2000, o número de fiéis
das religiões afro-brasileiras, de maneira geral, vem diminuindo nos últimos 20 anos.
Mas de destacar que dentro deste conjunto de religiões ocorrem dois fenômenos
distintos. Enquanto o número de praticantes do candomblé aumenta, o de umbandistas
decresce. O número de seguidores do candomblé cresceu de cerca de 107 mil, no ano
de 1991, para quase 140 mil, nove anos mais tarde. O caminho inverso aconteceu com
os praticantes da religião afro-brasileira com maior número de fiéis. A umbanda teve
uma retração de aproximadamente 110 mil devotos no mesmo ínterim em que o
candomblé cresceu. Um dos fatores que contribuem para esta perda de número de fiéis
umbandistas é a estratégia agressiva de embate religioso promovido pelas religiões
neopentecostais, em especial na mídia televisiva, com destaque para a desenvolvida
pela Igreja Universal do Reino de Deus, que se caracterizam por ataques à doutrina e
aos adeptos das religiões de origem afro-descendente
13
.
12
Stoll, 2005, p. 178.
13
Prandi, 2004, p. 227.
18
1.2 A hipótese
É importante ressaltar que diversos gêneros e formatos televisivos são
utilizados na programação iurdiana. Neste estudo, se enfocado, especialmente, o
jornalismo. A teledramaturgia, por exemplo, exerce função marcante durante a
programação, mas será apenas abordada ocasionalmente. Assim, a intenção é verificar
a maneira com que os iurdianos se utilizam de práticas peculiares ao jornalismo para
atribuir a seus produtos midiáticos credibilidade, interesse e segurança. A visibilidade
midiática, camuflada por uma espécie de pseudo jornalismo, permite que a audiência
tenha acesso a uma “fé inteligente”, racional, que conduz ao sucesso na vida pessoal e
à prosperidade financeira. Este é um enfoque de importância, porém, anterior a este,
uma vez que o jornalismo em si faz parte das transformações modernas, nota-se a
presença recorrente de reflexos da modernidade nos programas analisados.
Não se pode esquecer que, como os líderes iurdianos possuem sob seu
domínio e a sua disposição uma rede de emissoras de televisão, torna-se eficiente e
desejável a utilização destes meios para a pregação. A Rede Record, enquanto
empresa midiática potente e atualizada que é, possui uma estrutura regionalizada. É
através de emissoras afiliadas que a Record consegue proporcionar a seu público um
noticiário regional, a exemplo do que acontece com a Globo e, com menos intensidade,
com o SBT, Bandeirantes e Rede TV!. Este fenômeno da regionalização também se
deu no tele-evangelismo iurdiano. O pastor ao se tornar apresentador se transforma em
uma celebridade midiática disposta a se aproximar, em nome de Deus, da audiência
que precisa de orientação espiritual. Que outra vertente religiosa possui seus lideres tão
midiatizados? E ainda mais, não são os grandes líderes, distantes da maior parte da
população que comandam a grade iurdiana. São as estrelas da pregação o pastor que
está durante a tarde toda no templo, em cidades próximas ao telespectador, seja Bauru,
Jaú ou Marilia, a espera daqueles que os assistiram. uma relação de intimidade
(não se fala com um pastor que está distante de mim, que não vive na mesma região
que eu, que não conhece a minha realidade social), de cumplicidade entre emissor e
receptor, relação esta que conduz a uma sensação de segurança. Desse
relacionamento confiável emerge uma relação fiduciária e um sentimento de
comunidade.
19
Ainda para reforçar a questão da comunidade, é sempre presente, nos
testemunhos, o depoimento de pessoas que já estiveram na posição de espectadores e
agora se tornaram, por força divina, emissores de mensagens midiáticas de salvação.
Os depoimentos são carregados de histórias que seguem a seguinte seqüência: eu
estava desanimado, viciado, doente, atormentado pelo mal, falido economicamente,
assisti ao programa do pastor, resolvi ir ao templo e minha vida mudou”. Isso busca
criar uma identificação entre emissor e receptor, indispensável para a criação da
comunidade. É importante notar que existe uma variação nesta seqüência da narrativa.
Quando aquele que se converteu não assistiu a um programa, conheceu a igreja por
meio de um amigo ou parente.
Se a comunidade iurdiana torna-se midiaticamente representada, para
que esta se reafirme, é necessário que se estabeleçam limites entre o que é ser
iurdiano e o que é não pertencer à comunidade. Logo, é de relevância para este estudo
qualquer discurso intolerante a outras doutrinas religiosas. Referências a católicos,
umbandistas, adeptos do candomblé ou de outras ramificões neopentecostais
merecem ser analisadas neste estudo.
Um outro ponto importante é a modernização da fé. A iurdiana é uma
“fé inteligente”, que vem acompanhada de dicas práticas de administração de
empresas, que conduz o fiel à prosperidade e independência financeira. Trata-se de
uma crítica e racional em que o crente tem de escolher o lado em que quer atuar.
Caso o lado escolhido seja o do Mal, o individuo vai enfrentar desgraças e tristezas,
como dependência química, vícios, dificuldades na vida amorosa, problemas familiares,
doenças, necessidade financeira. No entanto, se a escolha for seguir o caminho de
Deus, desde que seja um iurdiano dedicado e perseverante que freqüenta o templo
com assiduidade, o que existe entre fiel e o divino é um relação de negócios. Um toma
partido do outro; um freqüenta o templo enquanto o outro manda bênçãos, estabilidade
financeira, familiar, amorosa, libertação de vícios e a conquista da paz. O pastor diz que
apenas oração não enche a barriga de ninguém. É preciso que se tenha uma fé critica e
pragmática, com atitude por parte do crente. O crente precisa ajudar a Deus em sua
manifestação certeira e gloriosa.
20
A questão da família também é destaque. Muito embora o padrão
desejado da família iurdiana seja o de uma família tradicional composta por pais que se
amam e filhos obedientes e agradecidos aos pais, a pregação iurdiana não despreza
aqueles que não seguem a este modelo. As mães solteiras, os filhos rebeldes, os
maridos adúlteros, as prostitutas são bem vindos nos templos iurdianos, muito embora,
a libertação signifique seguir o modelo tradicional de família e ainda mais, com
prosperidade financeira. Isto pode ser encarado como falta de preconceito e
necessidade de mostrar, segundo a perspectiva da Iurd, o caminho traçado por Deus
àqueles que estão perdidos ou então uma estratégia obvia de não desprezar fiéis em
potencial que outras facções religiosas desprezam.
O que os programas iurdianos fazem é, na verdade, a criação de um
espaço próprio, o espaço de uma comunidade regional iurdiana. Tal comunidade seria
formada por pessoas que se identificam com a identidade cultural midiática dos adeptos
da Igreja Universal do Reino de Deus. Contribuem para a institucionalização desta
comunidade, a regionalização da programação, a pregação de uma inteligente e a
apresentação da estrutura da família moderna. Como mecanismos utilizados para a
criação das fronteiras desta comunidade, estão o arremedo de jornalismo e da
telenovela. Em alguns discursos da programação, nota-se que mais importante do que
evidenciar o que faz parte da comunidade é destacar o que é externo a ela. Daí a
relevância de se abordar o preconceito em relação aos adeptos de religiões afro-
brasileiras, ou seja, aqueles que são diferentes dos membros da comunidade iurdiana.
Assim, pode-se até pensar que se há necessidade de confiança, para que
haja o desencaixe, esta confiança é garantida por um ser divino, infalível, onipresente e
justo. Logo, se a Igreja é um sistema perito, não há como o crente não ter confiança
nela, ainda mais com o respaldo de um ser reconhecidamente superior em sabedoria e
com poder de influenciar na vida dos humanos. O objetivo principal desta pesquisa é,
considerando todos os apontamentos acima citados, verificar o processo de construção
de uma comunidade iurdiana, com sua identidade própria, através da utilização de
técnicas do telejornalismo em um veículo de comunicação de massa.
21
1. 3 O corpus
Ao contrário do que se poderia esperar de um segmento religioso em
expansão, a direção da Iurd preferiu não alterar drasticamente a programação da
emissora. Enquanto se esperava que programas religiosos povoassem toda a grade de
atrações, a exemplo do que hoje acontece com a TV Canção Nova e com a Rede Vida,
esta com menos intensidade que a primeira, a Record continuou com uma política de
investimento em entretenimento, programas de auditório, filmes e teledramaturgia. No
entanto, especula-se, pela imprensa, o desejo da cúpula iurdiana de criar uma nova
rede internacional de televisão com programação exclusivamente evangélica. O
“Projeto CNN”, como foi chamado pelos jornais, aponta para a possível sede da futura
emissora ser em Atlanta (EUA), com transmissões em inglês e espanhol, a exemplo do
que acontece com aquela emissora norte-americana. Os dirigentes da Iurd pouco
comentam sobre este ambicioso projeto
14
.
No entanto, o bispo Edir Macedo não escondia, na época da compra da
Rede Record, que sua intenção era fazer da emissora uma tevê moderna, profissional e
com destacado papel no mercado de comunicação
15
. Logo, os programas de cunho
religioso ficaram restritos a horários determinados, ocupando principalmente as
madrugadas. Espaço na grade de programão estratégico este que alia a baixa
lucratividade publicitária do horário à uma audiência solitária que procura algum
conforto na forma de entretenimento mais acessível: a tevê. É curioso que, apesar da
inegável potencialidade da pregação televisiva, existem alas da cúpula iurdiana que
ainda preferem a pregação via radio, devido aos programas radiofônicos soarem como
uma conversa mais íntima e eficaz com a audiência
16
.
É importante esclarecer o recorte, feito aqui neste estudo, da grade de
programação da Rede Record. Tal divisão, um dos principais artifícios que mantiveram
a Record como emissora lucrativa, se entre a programação comercial e a
programação iurdiana. Quando a Record, uma das emissoras de tevê mais tradicionais
14
Castro, 2006.
15
Campos, 1997, p. 287.
16
O bispo Carlos Rodrigues, por exemplo, responsável pela rede de emissoras de rádio da igreja, não
esconde a sua preferência pessoal pela radioevangelização. "O dio é um meio de comunicação sem
igual, não nada como o rádio. A televisão tem o poder da imagem, mas não tem a força do rádio”.
(Mariano, 1999, p. 68)
22
do país, foi comprada pelo Bispo Edir Macedo, especulou-se que esta televisão se
tornaria uma extensão dos altares dos cultos iurdianos. Mas isto não aconteceu. A
proposta da nova direção foi não alterar drasticamente a programação. Pelo contrário,
modernizaram a emissora, agindo com um profissionalismo que manteve a Record num
patamar de destaque no mercado televisivo brasileiro
17
.
A Record possui uma programação semelhante a das suas concorrentes.
Programas de auditórios, sessões de filmes norte-americanos, seriados, telejornais,
programas femininos, de variedades e humorísticos são uma constante. A formula dos
reality-shows, lançada no Brasil pela Rede Globo de Televisão – com o No limite e mais
tarde o sucesso de Big Brother Brasil , fez de O aprendiz (uma espécie de jogo em
que o apresentador, um patrão cruel, demite um participante a cada semana e, ao final
da temporada, o vencedor tem como prêmio um cargo com alto salário na empresa do
apresentador-empresário) um dos líderes de audiência da emissora.
Observe no fragmento a seguir a opinião do bispo Edir Macedo sobre o
carnaval brasileiro:
É a festa da carne. A época em que há mais mortes, brigas, tragédias, desgraças
em geral. Muitos lares são destruídos com a promiscuidade. Eu gostava do
carnaval, mas, depois de minha conversão, mudei de pensamento. Nunca mais
participei desse tipo de festa e não sinto falta. Minha alegria não dura os três dias
de folia, mas os 365 dias do ano. Eu detesto, mas respeito os que gostam.
(TAVOLARO, 2007, p.227)
No entanto, apesar de o bispo Macedo considerar o fato de comemorar tal
festa não ser próprio do fiel iurdiano, no carnaval de 2007, a Rede Record surpreendeu
a audiência e ainda mais suas concorrentes ao fazer, pela primeira vez desde a
aquisição da emissora pelo bispo Macedo, a cobertura dos desfiles das escolas de
samba do Rio de Janeiro, festa popular esta que nos cultos da Iurd é tratada como
“festa do diabo”. A direção da emissora não colocou empecilhos para que repórteres,
direto da Sapucaí, entrevistassem artistas e celebridades que estavam em um camarote
para assistir ao desfile carnavalesco. O programa entrou no ar como Especial Carnaval
17
Campos, 1997, p. 287.
23
2007 Camarote Brahma
18
. Tal ocorrência mostra que a direção iurdiana da emissora
não costuma – ou pelo menos é cuidadosa – ao misturar a programação comercial com
os preceitos religiosos pregados pelo bispo Edir Macedo.
Outra empreitada que a Record tem se envolvido com sucesso é a
produção de telenovelas. No mês de março de 2007, a rede de televisão do Bispo
Macedo tentou contratar uma das mais populares atrizes da televisão e do cinema
brasileiro: Fernanda Montenegro. A artista, estrela da Rede Globo que foi indicada ao
Oscar de melhor atriz por Central do Brasil (Walter Salles, 1998), rejeitou a proposta de
estimados um milhão de reais mensais alegando não desejar fazer novelas naquele
ano. Sem dúvidas, apesar da empreitada mal sucedida, das declarações de que
Montenegro não descarta negociar com a Rede Record no futuro, pode-se perceber
que a ordem na emissora é não poupar investimentos
19
.
Fernanda Montenegro tornou-se exceção ao negar o convite do Bispo
Macedo. Artistas e jornalistas da Rede Globo de Televisão tem cedido às propostas da
Record o que fez com que a emissora ganhasse uma roupagem de semelhança com a
líder de audiência. Celso Freitas, jornalista que apresentou o Jornal Nacional, telejornal
de maior audiência da televisão brasileira, de 1983 a 1989
20
, comanda o Jornal da
Record. A novela Vidas Opostas tem como protagonistas atores e atrizes que já fizeram
parte do casting da Globo. A apresentadora da Record e cantora gospel que freqüenta
a Iurd, Mara Maravilha, em declaração à Folha de S. Paulo, analisa o atual contexto
artístico-televisivo brasileiro. “A Record está quebrando o monopólio na tevê, libertando
a classe artística da escravidão. A Globo é como se fosse uma ditadura. É preciso
acabar com a falsa idéia de que o sucesso existe se o artista aparecer na tela da
Globo”
21
.
Ainda falando em jornalismo, a imprensa tem chamado de guerra
jornalística” a contratação por parte da Record, com propostas vantajosas de salário, de
jornalistas renomados da Rede Globo. Nos últimos dois anos mudaram de emissora
Silvestre Serrano, Rodrigo Vianna, Lúcio Sturm, Arnaldo Duran, dentre outros. Mais
18
Feltrin, 2007(1)
19
Feltrin, 2007 (2)
20
Ribeiro, 2004, p. 398.
21
Feltrin, 2007 (3)
24
recentemente, a correspondente internacional Heloísa Villela assinou contrato com a
emissora do bispo Macedo. A experiência da jornalista que 17 anos é
correspondente nos Estados Unidos, a estrutura de um escritório em Washington, com
vista para a Casa Branca e, a exemplo do que a Globo possuía dentre as televisões
abertas brasileiras, uma credencial que permite aos jornalistas da Record acesso à
sede do governo norte-americano prometem acirrar a disputa entre Globo e Rede
Record nas coberturas internacionais
22
.
Todo este investimento na programação fez com que a Record
ultrapassasse o Sistema Brasileiro de Televisão em índices de audiência, no ano de
2007. Em janeiro deste ano, SBT e Record empataram na vice-liderança, mas nos dois
meses seguintes a última emissora se isolou como segunda rede de maior audiência do
Brasil. Em comparação com o desempenho do primeiro trimestre de 2006, a Record
teve um crescimento de audiência de aproximadamente 18%, enquanto que a emissora
de Silvio Santos teve um decréscimo de 17% nos índices de audiência
23
.
A rede de televisão do bispo Macedo, embora apresente crescimento
tanto em índices de audiência quanto em faturamento
24
, ainda está distante da líder de
audiência, a Rede Globo de Televisão, propriedade da família Marinho. Mas a Record
tem conquistado o seu espaço e começa a incomodar a Globo. Um passo importante
rumo a liderança no Ibope foi dado ao ser definido que o direito de transmissão das
Olimpíadas de 2012, em Londres, será exclusividade da Record. Com uma proposta
muito superior a da concorrente, a rede iurdiana desembolsará aproximadamente 30
milhões de dólares para exibir o evento esportivo. Para se ter uma idéia, de quão
superior foi a proposta vencedora, a Globo pagou 12 milhões de dólares para exibir os
Jogos Olímpicos de Pequim - 2008
25
.
Até mesmo a atual programação comercial da Record incomoda a Globo.
É o caso da disputa travada entre o Hoje em Dia e o Mais Você, da primeira e da
segunda emissora, respectivamente. Ambos os programas são atrações de variedades,
com jogos com o telespectador, culinária, notícias, ambientados em um cenário que faz
22
Feltrin, 2007 (4).
23
Feltrin, 2007. (5)
24
Schneider, 2007.
25
Jardim, 2007.
25
alusão uma casa. O programa de Ana Maria Braga, por anos líder de audiência no
horário, não perdeu telespectadores para o Hoje em Dia, bem como não é mais
novidade ficar atrás no ibope da atração comanda por Britto Jr (um jornalista que fez
carreira na Globo), a modelo Ana Hickmann e o culinarista Edu Guedes. A disputa entre
os dois programas promete se acirrar ainda mais agora que a atração da emissora do
bispo Edir Macedo promete lançar um jogo de perguntas e respostas com os
telespectadores que irá dar prêmios de até um milhão de reais
26
.
Um outro exemplo do crescimento da Record é o programa “Show do
Tom”. Estrelado pelo humorista Tom Cavalcante que fez sucesso na década de 90 na
Globo, a atração tem alcançado índices de audiência que trouxeram um novo rival para
a emissora da família Marinho nas tardes de domingo. Com uma sátira do filme Tropa
de Elite (José Padilha, 2007), Tom e um grupo de atores e humoristas tem deixado o
Domingão do Faustão na vice-liderança
27
. Ou ainda, o lançamento do canal de notícias
Record News acirra a disputa entre as duas emissoras. A Globo, sem dúvidas, ganhou
uma adversária que promete incomodar ainda mais nos próximos anos.
Edir Macedo possui um objetivo claro: conduzir a Record à liderança do
mercado televisivo de transmissão aberta brasileiro. “Avançamos bem, mas ainda é
pouco. Vamos ser líderes na comunicação no Brasil. A Record será a número 1. Iremos
trabalhar o tempo que for necessário, mas vamos chegar lá. (...) Quem viver, verá”
28
,
afirma o bispo Macedo. Com tanto dinheiro a investir, a declaração do bispo não pode
ser considerada apenas um blefe. O superintendente comercial da emissora, Walter
Zagari, em entrevista à Folha de S. Paulo, na festa de lançamento de mais uma
telenovela da emissora, em 12 de Outubro de 2006, disse que a expectativa era estar
dentro de dois anos no mesmo patamar de audiência e faturamento da Rede Globo de
Televisão
29
. Esta declaração de impacto de Zagari poderia ser considerada infundada,
apenas com o objetivo de promover sua empresa. Mas em enquete online, a Folha de
S. Paulo questionou cerca de 17 mil internautas e obteve como resultado que 57%
acreditam que a Record irá ser a líder de audiência um dia. Quando a questão se
26
Reipert, 2007.
27
Dantas, 2007.
28
Tavolaro, 2007, p. 149.
29
Pompeu, 2007.
26
referia ao tempo que a emissora iurdiana levaria para ultrapassar a Rede dos Marinho,
com uma participação de mais de 4 mil leitores, apenas 16% dos que responderam à
enquete não acreditam que a Record será capaz de superar a Globo
30
.
É esta programação lucrativa, de altos índices de audiência, semelhante à
grade das emissoras concorrentes que classificamos de programação comercial da
referida emissora.
No entanto, todas as noites, terminada a programação comercial, sempre
após a meia-noite, ocupando toda a madrugada, tem inicio aquilo que nesta dissertação
será classificada de programação iurdiana
31
. A apresentação destes programas o
tem em seu comando ex-estrelas globais, a exemplo do que acontece com a
programação comercial, mas é sempre feita por pastores daquela facção
neopentecostal. A busca da conversão da audiência aos dogmas da Igreja Universal do
Reino de Deus é uma marca sempre presente. O bispo Edir Macedo não esconde que
exista a separação entre a programação comercial e a programação iurdiana.
A Igreja Universal nada mais é que um dos clientes da Record. Ela aluga
espaços na programação da emissora e, como qualquer outro anunciante, paga
por esses espaços. A igreja paga pelo aluguel da madrugada, horário, aliás, que
a Globo e o SBT não querem alugar. recebemos diversas propostas
negativas, principalmente da Globo, para nossos pedidos em comprar espaço
nesses dois canais durante a madrugada. (TAVOLARO, 2007, p. 214)
Mas o que chama a atenção é que, cada vez menos, são exibidas
pregações gravadas em templos da Iurd. A pregação dos altares, de inegável eficiência
nos templos, reproduzida na tevê não chama tanto a atenção da audiência quanto os
programas iurdianos, deslocados para os estúdios da emissora, que se aproximam dos
formatos de programa de entrevista ou de telejornalísticos. Tapes de curta duração de
exorcismos realizados nos templos, matérias investigativas desenvolvidas por
repórteres, atendimento espiritual em que a audiência toma conselhos com o
30
Feltrin, 2007. (6)
31
Achou-se oportuno não selecionar um programa específico, uma vez que tais programas não possuem
horário fixo para entrar no ar, são substituídos por outros similares sem aviso prévio e são muito
semelhantes entre si. Nota-se que não existem grandes diferenças entre Mistérios e o Nosso Tempo, por
exemplo. São também exemplos de programas iurdianos o Falando da vida, A hora dos empresários,
Saindo do vermelho, O despertar da fé, dentre outros.
27
apresentador-pastor, entrevistas exclusivas com vítimas de forças demoníacas, a
tradicional benção do copo de água, sempre ao final dos programas, compõem a
programação iurdiana que sempre termina, logo ao amanhecer do dia, com o primeiro
programa da grade comercial da Record.
Este fenômeno da utilização dos meios de comunicação por parte da
religião estaria provocando o apenas uma mudança no cenário midiático, mas
também no religioso. Chega-se ao conceito de religião fast food, desenvolvido por
Martino. Para ele, a necessidade de exercer a religiosidade, por parte dos fiéis, é
comparável à fome de um consumidor que, na correria de seu dia, substitui seu almoço
por um sanduíche. Ou seja, encontra uma solução rápida para sua necessidade
32
. A
audiência procura uma resposta eficiente e superficial que consola e ameniza as
situações de conflito que esta retratada na tevê. A busca por palavras de consolo
não está mais condicionada à ida ao templo religioso. Assistir a um programa de tele-
evangelismo surge como opção mais prática e até mesmo agradável
33
.
Com uma roupagem dinâmica em que o apresentador-pastor entrevista
convidados, fala com a câmera, chama matérias externas, a programação iurdiana
propõe uma evangelização com características de entretenimento e de jornalismo.
Nesta dissertação, serão exploradas especialmente as aproximações de tais programas
às técnicas particulares ao jornalismo.
A doutrina está sempre implícita. Correntes divergentes dentro da própria
instituição, líderes com idéias conflitantes ou a exposição de argumentos que possam
causar discussão acerca dos dogmas são evitados. A exemplo do que acontece com
qualquer mídia, os processos de realização de pautas e de edição são artifícios
utilizados para enfocar um determinado tema de maneira tendenciosa, porém com uma
aparente imparcialidade.
Tudo parece representar uma realidade. Mas com um olhar atento,
percebe-se que esta pseudo-realidade é, em geral, conduzida por escolhas temáticas,
seleção de imagens, textos e depoimentos que visam defender um ponto de vista
32
Martino, 2003, p. 53.
33
É importante ressaltar que, no caso da programação iurdiana, o fato de o individuo ser audiência
desses programas o torna dispensável a sua ida a um templo da Iurd. Isso pode ser comprovado com
os repetidos convites feitos pelas lideranças religiosas durante os programas iurdianos.
28
favorável à religião detentora da mensagem
34
. As produções televisivas surgem sem a
necessidade de expor este objetivo à audiência, ou seja, de serem normativos da
conduta a ser seguida pela audiência. A mídia religiosa em geral tem o papel de
fornecer ao maior número de fiéis possível a voz institucional capaz de aliviar os males
que o crente propriamente dito ou o fiel em potencial possuem em suas vidas.
Em outras palavras, a televisão acaba se tornando um veículo eficaz de
transmissão de materiais simbólico-religiosos, uma vitrine midiática do sagrado. Vale
destacar a importância do simbólico para a constituição das religiões. Os símbolos
religiosos representam de maneira visível o que pertence a um mundo incapaz de ser
visto com olhos humanos. É por meio de uma relação simbólica que o indivíduo toma
contato com o divino. Seja por meio das imagens de santos, orações, crucifixos,
ilustrações ou até mesmo um livro produzido com inspiração sagrada, o simbólico se
apresenta. Tamanha é a força que tal relação possui, Cruz chega a afirmar que “os
símbolos são o que há de mais primitivo e duradouro no humano”
35
.
É esta relação simbólica entre produtores midiáticos e audiência, efetivada
durante a programação iurdiana que vai ser explorada nesta pesquisa. Será analisada a
programação iurdiana de 07 a 14 de Maio de 2007. Serão nada menos que,
aproximadamente, 50 horas de programação iurdiana. Achou-se oportuno não
selecionar um programa específico, uma vez que os programas que compõe a grade
iurdiana não possuem horário fixo para entrar no ar, o substituídos por outros sem
aviso prévio e apresentam semelhanças de formato, temática, gênero, cenográficas
entre si.
A escolha desta semana também não de seu de forma aleatória. Durante
este período, Joseph Alois Ratzinger, o papa Bento XVI, participou, em Aparecida (SP),
da Conferência Geral do Celam (Conselho Episcopal Latino-americano). Durante
este evento que reuniu autoridades católicas da América Latina e do Caribe, foi
realizada a cerimônia de canonização do primeiro santo brasileiro: Santo Antônio de
Sant´Anna Galvão, conhecido como Frei Galo. A visita da maior liderança da igreja
católica ao Brasil tem cobertura jornalística garantida por todas as emissoras de
34
Martino, 2003, p. 87.
35
Cruz, 2004, p. 34.
29
televisão aberta do país, em especial, a Rede Globo e Rede Bandeirantes que
anunciam desde o início do ano esta atração. Mas seque a Rede Record, em sua
programação iurdiana, vai comentar a visita do sumo pontífice católico?
Notadamente, a pregação nos templos iurdianos é marcada pelo conflito
religioso, em especial com ataques à umbanda e ao candomblé e, com menos
intensidade, ao catolicismo. Em atrações da programação iurdiana já foi comum a
utilização de discursos preconceituosos em relação à doutrina e às práticas de cultos
afro-brasileiros. Na doutrina iurdiana, a umbanda e o candomblé são religiões
demoníacas e a suas divindades e a seus praticantes são creditadas as
responsabilidades pelo mal que aflige a audiência. Ter contato físico com um
umbandista ou mesmo passar em frente a um terreiro de candomblé já é visto, segundo
a perspectiva iurdiana, como ameaça de ser atormentado por espíritos maus,
causadores do desemprego, das doenças, dos desentendimentos familiares, do
envolvimento com drogas e até mesmo da homossexualidade. Veja o que diz o Bispo
Macedo acerca de tais religiões:
Como pode alguém servir a outrem, se a este não se submete. Assim, também
os demônios não podem servir a Deus. (...) Existem pessoas que freqüentam
terreiros de umbanda, quimbanda, candomblé e similares, e acreditam que estão
servindo a Deus. É impossível considerar tal coisa, pois a feitiçaria e todas as
suas práticas, como consulta aos mortos, mediunidade, intercessão através de
guias, outros deuses, como orixás e caboclos, são pecados contra Deus.
(MACEDO, 2000, p. 30)
O programa Mistérios, exibido durante anos, na programação iurdiana,
tinha a apresentação de um pastor e, para auxiliá-lo no atendimento de pessoas
atormentadas por espíritos que participavam ao vivo, por telefone, um suposto ex
praticante de cultos afro-brasileiros, tratada pelo apresentador-pastor por ex-mãe de
encosto. Tal atração, que trazia às telas um verdadeiro clima de guerra espiritual em
que o se tinha qualquer receio em apontar os adeptos da Iurd como representantes
das forças divinas e a doutrina e os praticantes dos cultos afro-brasileiros como
encarnações diabólicas, não faz mas parte da grade de programação iurdiana. Os
ataques a outras instituições religiosas ainda ocorrem, mas de maneira indireta e
menos agressiva do que acontecia em Misrios, exibido durante o ano de 2004.
30
Mas será que a intensa cobertura jornalística realizada pelas emissoras de
tevê aberta do país fez reviver a característica iurdiana de partir para o ataque às
religiões contrárias a sua doutrina, logo, que não conduzem à “salvação divina”? Foram
capazes de promover alguma crítica direta ao catolicismo, religião predominante no
Brasil? Isto será verificado nas páginas a seguir e se trata de um dos objetivos desta
dissertação.
31
1. 4 O método
O método escolhido é o da análise de conteúdo. Ao optar por este
método, corre-se o risco de se ter a pesquisa taxada, a exemplo do que aconteceu com
a pesquisa norte-americana em comunicação, de meramente descritiva, com muita
sistematização de dados e pouca reflexão
36
. No entanto, esta escolha metodológica se
em virtude da busca por procedimentos técnicos sistemáticos e objetivos de
descrição de conteúdo de mensagens, de indicadores não necessariamente
quantitativos, que tornem possível a inferência de conhecimentos relativos às condições
de produção e de recepção destas mensagens
37
.
A principal virtude de um trabalho que faça uso da análise de conteúdo é
a sua tendência a rejeição de conclusões, quase sempre prematuras e errôneas,
amparadas pela subjetividade e pela intuição do pesquisador. Não se quer de maneira
alguma promover especulações, mas sim, amparado pelo discurso tele-evangélico dos
iurdianos e por referências teóricas apropriadas, atingir a leituras objetivas e
generalizáveis, em que o que o pesquisador desvenda na mensagem realmente esteja
contido nela ou ainda esquematizar os mecanismos utilizados no processo de produção
da mensagem
38
.
Ainda pensando nos mecanismos de produção de mensagem, Bourdieu
propõe alguns questionamentos que, segundo ele, deveriam estar em mente dos
produtores de mensagens televisivas de qualquer espécie:
Com a televisão, estamos diante de um instrumento que, teoricamente,
possibilita atingir todo mundo. Daí certo número de questões prévias: o que
tenho a dizer está destinado a atingir todo mundo? Estou disposto a fazer de
modo que meu discurso, por sua forma, possa ser entendido por todo mundo?
Será que ele merece ser entendido por todo mundo? (...) E desejaria que todos
aqueles que são convidados a ir à televisão as fizessem a si mesmos ou que
fossem pouco a pouco obrigados a fazê-las porque os telespectadores, os
críticos de televisão, as fazem a si próprio e as fazem a propósito de suas
aparições na tevê: ele tem algo a dizer? Está em condições de poder dizê-lo? O
que diz merece ser dito nesse lugar? Em suma, que faz ele ali? (BOURDIEU,
1997, p.18)
36
Porém, considerar a pesquisa norte-americana, como um todo, sistemática, pragmática e de poucas
contribuições reflexivas é ignorar décadas de evolução dos trabalhos daquela escola
37
Bardin, 1988, p. 42.
38
Bardin, 1988, p. 28-29.
32
Assim, o foco principal deste trabalho está na produção da mensagem. A
preocupação está na eficácia comunicativa estabelecida pelos pastores-
apresentadores. Apesar da inegável importância, não se pretende traçar o perfil da
audiência dos programas iurdianos. A questão da conseqüência da recepção das
mensagens não será abordada profundamente. Esta dissertação possui duas fases
distintas de pesquisa. Num primeiro momento, empregando a análise de conteúdo, será
evidenciado, pela análise das produções midiáticas iurdianas em questão, a
constituição da identidade do fiel da Iurd, bem como daqueles que não são adeptos em
potencial e também daqueles que são inimigos desta fé. Oportunas serão as reflexões
acerca da (in)tolerância iurdiana acerca do outro, do não crente, do que optou por viver
sua religiosidade em outra religião.
A atenção também estará voltada para a disseminação de conteúdos que
expressam a teologia
39
iurdiana, como a idealização da vida com Deus, a questão da
moral, da libertação de vícios, a constituição de uma individualista em que o sucesso
no plano espiritual está diretamente ligado ao sucesso do individuo no campo financeiro
(as graças divinas são comumente associadas à aquisição de imóveis, carros e de bons
empregos pelos fiéis).
Feita esta análise, será discutida a utilização de técnicas pertinentes ao
formato telejornalístico na disseminação dos preceitos da iurdiana. A estrutura da
notícia, a postura dos apresentadores-pastores, o texto, o cenário, as entrevistas, a
participação ao vivo de telespectadores por telefone, as matérias externas, a
veiculações de simulações da vida cotidiana do telespectador (aqui se nota uma
aproximação com a telenovela) são pontos a serem explorados.
Uma informação importante acerca da amostragem que será analisada é
que a programação iurdiana, embora apresente características do formato jornalístico,
não é considerada como tal na grade de programação da emissora. É importante
ressaltar que os tais programas iurdianos nem sequer são mencionados no site oficial
39
É interessante observar que, ao contrário de uma tendência de outras organizações evangélicas, os
pastores da Universal não possuem formação em teologia. Para o principal líder da Iurd, o bispo Edir
Macedo, a formação teológica é desnecessária e conduz o religioso a uma pregação voltada para a
teoria, não para a prática. Para ele, todos os ramos da teologia são fúteis.
33
da Record
40
como parte de sua programação. A grade disponível no endereço
eletrônico apenas faz referência àquela programação comercial já citada.
Uma das principais características do jornalismo é o pacto de credibilidade
que deve existir entre a audiência e os jornalistas. Mas esta credibilidade é
complexificada uma vez que os jornalistas de televisão, ou da mídia em geral, não
atuam simplesmente como observadores passivos que apenas reportam os
acontecimentos. Há, é inegável notar, uma participação ativa, por parte dos
profissionais da noticia, no processo de criação de acontecimentos passíveis de serem
selecionados como de interesse jornalístico
41
.
É comum existirem pressões políticas, econômicas e culturais para se
selecionar este ou aquele fato, ser cauteloso nas críticas com esta ou aquela
personalidade, por exemplo. Mas, como as empresas midiáticas precisam lucrar, é
estratégico manter uma postura, mesmo que muitas vezes fictícia, de isenção editorial,
de credibilidade
42
. Isto conduz a formulação de uma hipótese acerca da opção da Iurd,
por esta aproximação, mesmo que sem o aval oficial da Record, enquanto emissora
comercial: a intenção de associar os programas evangélicos ao telejornalismo
proporcionaria aos programas apresentados por pastores iurdianos um status de
credibilidade e independência editorial, ao mesmo tempo em que camuflam o interesse
por parte dos emissores da mensagem de promoverem a pregação da doutrina da
Igreja Universal do Reino de Deus.
Pierre Bourdieu chama atenção às armadilhas que são as conclusões
precipitadas e uma abordagem indevida em estudos acerca da televisão. Bourdieu
aconselha os pesquisadores:
A emergência do meio de massa por excelência que é a televisão não é um
fenômeno sem precedente, senão por sua amplitude. Abro aqui um parêntese:
um dos grandes problemas dos sociólogos é evitar cair em uma ou outra da duas
ilusões simétricas, a ilusão do “nunca visto” (há sociólogos que adoram isso, fica
muito chique, sobretudo na televisão, anunciar fenômenos inauditos, revoluções)
e a do “sempre assim” (que é antes do feitio dos sociólogos conservadores:
“nada de novo sob o sol, haverá sempre dominantes e dominados, ricos e
pobres...”). (BOURDIEU, 1997, p.61)
40
<www.rederecord.com.br>
41
Arbex Jr., 2002, p. 98.
42
Melo, 2002, p. 43.
34
Em meio a tantas outras pesquisas que abordam os recursos lingüísticos,
as estratégias de argumentação dos pastores ou ainda que são responsáveis por
descrever o histórico e o desenvolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus, tantos
enfoques possíveis e de inegável interesse, esta pesquisa quer se situar entre o “nunca
visto” e o “sempre assim”, promovendo uma discussão que contextualize a
programação iurdiana com a estética e os recursos de produção telejornalística atuais,
para que seja verificadas, por meio da análise de conteúdo do corpus selecionado, a
dimensão simbólica do discurso presente nos programas e as aproximações entre tais
atrações televisivas e o campo do jornalismo. Também será observado se a questão do
conflito religioso espresente, dada a visita do papa Bento XVI, bem como a presença
de influências da modernidade no discurso iurdiano.
Neste momento da pesquisa em que se explicita as questões
metodológicas da dissertação, torna-se necessário esclarecer alguns pontos acerca de
posturas e escolhas do pesquisador. Em primeiro lugar, deve-se dizer que este estudo
não tem a intenção, em nenhum momento, de atacar a iurdiana, suas lideranças ou
seus fis. Nota-se, em alguns trabalhos que abordam a mesma temática, uma postura
claramente contrária a Iurd, com ironias acerca da doutrina e conduta da pula
iurdiana. O que se pretende aqui, na análise das aproximações entre os programas
iurdianos e o jornalismo, é desenvolver um trabalho que critique sim os pastores
quando estes fizerem comentários preconceituosos que tendem à intolerância religiosa,
racial ou ainda de opção sexual. Mas em nenhum momento será questionada a dos
iurdianos, seus dogmas, suas obrigações perante a Deus, sua eficiência na vida de
seus crentes. As discussões que pertencem a esta categoria devem ser respondidas
por aqueles que daquela fé já experimentaram e não competem a este estudo.
Não se quer repercutir acerca do caráter do bispo Edir Macedo. Outros
pesquisadores o fazem, muitas vezes se utilizando de “provas” publicadas em jornais
ou emissoras da tevê. Não será dada tanta importância a este tipo de “provas”, uma vez
que estas são comumente veiculadas por veículos concorrentes da Record, logo
potencialmente interessados em conduzir os fatos de uma maneira desagradável aos
interesses do proprietário da Rede Record. Consideram-no um charlatão apenas
35
interessado no dízimo dos crentes. Chamam-no “bispo” Edir Macedo, em tom
pejorativo. Nesta dissertação, o principal expoente da Igreja Universal do Reino de
Deus será tratado, como autoridade religiosa que é, por bispo Edir Macedo, por bispo
Macedo ou ainda, simplesmente, por Edir Macedo.
No entanto, é importante ressaltar a necessidade de se relacionar a
produção televisiva com a figura do bispo Edir Macedo e o segmento religioso
neopentecostal do qual ele é a principal autoridade. Porém, Pierre Bourdieu aconselha
cautela no desenvolvimento desta relação. Para ele, “há uma forma de materialismo
curto, associado à tradição marxista, que não explica nada, que denuncia sem
esclarecer nada”
43
. o se pode, assim, explicar o que faz a Record apenas pelo fato
de que essa emissora seja de propriedade do bispo Macedo. Também é evidente que
uma pesquisa que não levasse em conta esse fato seria insuficiente. Mas a que levasse
em conta apenas isso não seria menos insuficiente, o seria ainda mais porque teria
apenas uma suficiência aparente.
Uma outra questão oportuna de ser comentada é a utilização de dois
termos, no decorrer das páginas lidas e das que estão dispostas a seguir: crente e
iurdiano. Quando neste estudo for usado o termo "crente", deve-se entendê-lo em seu
sentido mais óbvio, ou seja, aquele que crê. Logo, não se faz uma referência ofensiva e
pejorativa, especificamente, aos fiéis de segmentos protestantes, evangélicos
pentecostais ou neopentecostais.
iurdiano é um termo desenvolvido pelo pesquisador Leonildo Silveira
Campos, em Teatro, tempo e Mercado. Para Campos, o termo se refere não apenas
aos fiéis da Iurd, mas também àqueles que possuem alguma identificação com a
doutrina e que compactuam das mesmas idéias dos adeptos deste segmento
neopentecostal. Neste estudo, seu uso será estendido também para designar referência
àquele e/ou àquilo que possui relação com a Igreja Universal do Reino de Deus.
O que se quer nesta dissertação é evidenciar um aspecto ainda pouco
explorado da fenômeno iurdiano: a observação da iurdiana sob o enfoque da
comunicação midiática, da contextualização de um universo que está sofrendo as
conseqüências da modernidade, de um momento histórico em que a concorrência entre
43
Bourdieu, 1997, p. 56.
36
as televisões abertas brasileiras se acirra. Outros estudos precedentes sem dúvidas,
de importância acadêmica inquestionável que exploram os recursos lingüísticos
adotados nos discursos dos pastores ou ainda aqueles que optam por desenvolver os
caminhos históricos daquele segmento neopentecostal terão destaque secundário.
O fato de uma minoria religiosa comandar um emissora de televisão com
a representatividade e audiência da Rede Record é um tema instigante para qualquer
pesquisador da área de comunicação. Como esta minoria marginalizada, num país de
predominância católica, se comporta quando a ela é dada a voz, em rede nacional?
Relembrando as questões propostas por Bourdieu, em uma citação acima mencionada,
é oportuna a reflexão acerca do que é exibido nos programas iurdianos. Ou ainda, os
pastores-apresentadores tem condições e competência para comandarem tais
programas. Ou então, o que é exibido deve ser feito naquele lugar. Em resumo, por que
os programas iurdianos são como são e qual o seu objetivo funcional?
37
1. 5 O referencial teórico
Para Bardin, a descrição é a primeira etapa necessária para se fazer um
trabalho de analise de conteúdo e a interpretação a última fase. O procedimento
intermediário é a inferência, procedimento que vem permitir essa passagem, explícita e
controlada, de uma à outra
44
. Assim, para que se tenha um bom desenvolvimento do
tema é indispensável um suporte teórico apropriado.
A comunicação é um campo de conhecimento ainda em construção
45
.
Muito se tem produzido no Brasil, mas os estudos comunicacionais passam a receber
atenção, com mais intensidade, por parte da academia, nas últimas três décadas. José
Marques de Melo, ícone do pensamento comunicacional brasileiro, é o primeiro doutor
em Comunicação titulado por uma universidade brasileira. E isto aconteceu pouco
mais de 30 anos, em 1973
46
.
Apesar da juventude da pesquisa comunicacional brasileira, não se pode
negar a emergência do seu desenvolvimento. Como afirma Luiz Carlos Lopes,
professor do programa de Pós Graduação da UFF, as mediações sociais da atualidade
se tornaram impensáveis sem a participação dos meios de comunicação
47
. Ou ainda,
como quer Lorenzo Vilches, as novas tecnologias da comunicação transformaram a
humanidade em audiência televisiva
48
.
Neste contexto, que alguns querem chamar de pós-moderno, a pesquisa
comunicacional surge com um caráter ora inter, ora transdisciplinar
49
. A comunicação é
tida como um ponto de encontro de uma cultura científica formada pelas ciências
humanas, em especial, a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia Social, a Semiótica e
a Informática
50
. A necessidade de repensar os conhecimentos estabelecidos e de se
desenvolver novos olhares, novas abordagens possíveis que atendam a demanda atual
de problemas da vida social e cultural revela a emergência dos estudos acerca de
44
Bardin, 1988, p.39
45
Lopes, 2004, p. 24.
46
Brandão, 2004, p. 275.
47
Lopes, 2003, p. 174.
48
Vilches, 2003, p. 209.
49
França, 2002 p. 17-19.
50
Trinta, 2003, p. 157.
38
comunicação. Os problemas de ordem informacional e comunicacional precisam ser
estudados
51
.
Assim temos: uma jovem ciência que surge e uma sociedade com
mediações sociais intimamente relacionadas aos meios de comunicação, meios estes
que complexificam as estruturas sociais em âmbito mundial
52
. Que o estudo dos meios
de comunicação são relevantes não se pode negar. Mas existe muita controvérsia
sobre a legitimidade de uma chamada ciência da comunicação. Para Bourdieu, por
exemplo, os estudos que no Brasil são categorizados como pertencentes à
comunicação são apenas parte de uma das ramificações da sociologia
53
. Mas tem se
desenvolvido no Brasil, uma considerável quantia de trabalhos que abordam a
legitimidade da ciência da comunicação, uma busca pela epistemologia da
comunicação.
Luis Carlos Lopes também acredita que a comunicação seja um campo de
conhecimento ainda em construção e possui uma postura cautelosa em relação à
atribuição de status de ciência:
Está-se em um campo teórico, o da comunicação, fortemente influenciado pela
instrumentalidade de suas práticas, em que a definição de objetos próprios e de
metodologias precisas é bastante complexa, senão impossível, por se tratar de
um lugar e de problemas que podem ser analisados por quaisquer dos outros
saberes e enfoques contemporâneos das áreas de conhecimento das ciências
sociais e mesmo de outras ciências.[...] não se trata de criar uma nova disciplina,
mas sim de criar novos conhecimentos teóricos aplicados a objetos escolhidos
um novo olhar –, deixando o corpo teórico e o acúmulo prático dos outros
saberes em seus devidos lugares. [...] a comunicação midiática invadiu o mundo
social de modo abissal, gerando opiniões, novas crenças e conseguindo o status
da naturalidade. (LOPES, 2004, p.25)
A professora Vera França propõe uma série de reflexões acerca da
pesquisa em Comunicação, seu desenvolvimento e sua legitimidade epistemológica.
Para ela, os objetos deste tipo de pesquisa podem ser claramente identificados: os
meios de comunicação e o processo comunicativo
54
. Na busca por uma epistemologia
da comunicação, França destaca o ponto de vista da inter e da transdisciplinaridade
51
Lopes, 2004, p. 17.
52
Prado, 2003, p. 146
53
Silva, 2001, p. 173
54
França, 2002, p. 15.
39
dos estudos. Os problemas da área da comunicação são ora explicados ora
camuflados pelo debate sobre sua natureza interdisciplinar. “Estudos ou campos
interdisciplinares referem-se à emergência de novas temáticas que começam a ser
estudadas a partir do referencial das áreas constituídas.”
55
, afirma. Um estudioso da
ciência política que leve em consideração a repercussão do programa exibido durante a
propaganda eleitoral obrigatória veiculada pelo rádio e pela televisão faz pesquisa em
comunicação?
56
o caráter interdisciplinar aponta para o fato de uma determinada
questão ou problema suscita(r) a contribuição de diferentes disciplinas, mas essas
contribuições são deslocadas de seu campo de origem e se entrecruzam num outro
lugar em um novo lugar”
57
. Este novo lugar, conduzido pela Sociologia, Antropologia,
Psicologia Social ou pela Semiótica seria o espaço da comunicação. Mas é preciso
deixar claro que este não é um trabalho acerca da epistemologia da comunicação.
Existem pesquisadores que se dedicam a este fim e eles são capazes de refletir, acerca
deste tema, com mais competência do que este pesquisador.
Nesse momento de apresentação do referencial teórico a ser utilizado no
desenvolvimento deste estudo, a atenção do pesquisador se volta para um
pressuposto: o homem é um ser cultural. Para Clifford Geertz, sob a influência de Max
Weber, o ser humano acaba amarrado e conduzido por teias de significados que ele
mesmo produziu. Na visão geertziana, a cultura é representada por essas teias, bem
como a sua análise que visa encontrar nelas algum significado
58
.
Denys Cuche segue a mesma linha de raciocínio, ao acreditar que, no
processo de evolução humana, uma tendência a substituição de atitudes instintivas
por ações culturais, estas imaginadas e regidas pelo próprio homem. Ao se revelar
como um fator de adaptação ao meio em que vive, a cultura pode ser entendida como
uma forma humana de transformação da natureza
59
.
Geertz aponta as definições do termo “cultura” desenvolvidas pelo
antropólogo Clyde Kluckhohn, autor de Mirror for Man. Veja:
55
França, 2002, p. 17.
56
França, 2002, p. 15.
57
França, 2002, p. 17-18.
58
Geertz, 1989, p. 15.
59
Cuche, 2002, p. 10.
40
Kluckhohn conseguiu definir a cultura como: (1) “o modo de vida global de um
povo”; (2) “o legado social que o indivíduo adquire de seu grupo”; (3) “uma forma
de pensar, sentir e acreditar”; (4) “uma abstração do comportamento”; (5) “uma
teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas
se comporta realmente”; (6) “um celeiro de aprendizagem em comum”; (7) “um
conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes”; (8)
“comportamento aprendido”; (9) “um mecanismo de regulamentação normativa
do comportamento”; (10) “um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao
ambiente externo como em relação aos outros homens”; (11) “um precipitado de
história”, (...). (GEERTZ, 1989, p. 14)
Com o desenvolvimento dos estudos na área, chegou-se a conclusão de
que os grupos possuíam formas distintas de manifestações culturais. Logo, não se
poderia falar em cultura, no singular, mas sim em culturas. A obra desenvolvida por
Franz Boas se mostra uma busca constante de reflexão a respeito das diferenças
culturais. A principal inovação proposta por ele é que as particularidades de cada grupo
social possuem sua origem na amplitude de formações de ordem cultural e não racial
60
.
Um outro expoente da antropologia, Claude Lévi-Strauss, também se
destaca no pensamento do conceito de cultura e na suas diversas aplicações em
comunidades distintas. Para ele, o homem possui uma resistência em aceitar a
diversidade cultural como um fenômeno da natureza, fruto de relações sociais. Daí
surgirem termos como “bárbaros”, denominação que agrupava todas as culturas não
pertencentes ao mundo greco-romano antigo, e “selvagens”, em referência às
formações culturais exógenas ao padrão europeu ocidental, utilizados para denominar a
cultura do outro. Lévi-Strauss, afirma que bárbaro é aquele que crê na existência da
barbárie
61
.
Logo, como se pode perceber, a relação entre culturas distintas nem
sempre é harmoniosa. Porém, tal relação é frutífera para o desenvolvimento e a
legitimação de uma cultura. Para uma vertente da Antropologia que faz uma
aproximação com os estudos em Comunicação, a cultura existe necessariamente
60
Cuche, 2002, p. 40.
61
Cuche, 2002, p. 47.
41
quando há ação interativa entre indivíduos que compartilham ou não das mesmas
ações culturais
62
.
Assim, chega-se ao conceito de “auto-identidade”, esta definida pelo
próprio indivíduo, e de “hetero-identidade”, também chamada de exo-identidade”, uma
definição de uma cultura formulada por indivíduos que não compartilham desta. A
relação conflituosa se quando a idéia que se faz do outro predomina e influencia o
que o próprio indivíduo pensa sobre si mesmo.
A auto-identidade terá maior ou menor legitimidade que a hetero-identidade,
dependendo da situação relacional, isto é, em particular da relação de força entre
os grupos de contato – que pode ser uma relação de forças simlicas. Em uma
situação de dominação caracterizada, a hetero-identidade se traduz pela
estigmatização de grupos minoritários. Ela leva freqüentemente neste caso ao
que chamamos uma “identidade negativa”. Definidos como diferentes em relação
à referência que os majoritários constituem, os minoritários reconhecem para si
apenas uma diferença negativa. (...) A identidade negativa aparece então como
uma identidade vergonhosa, rejeitada em maior ou menor grau, o que se
traduzirá muitas vezes como uma tentativa para eliminar, na medida do possível,
os sinais exteriores da diferença negativa. (CUCHE, 2002, p. 184-5)
Apesar da citação acima, seria um engano imaginar que a interação entre
culturas é, necessariamente, negativa. Essa interação, em determinadas ocasiões,
pode ser considerada salutar, ou ainda inevitável. É o que se chama de aculturação, ou
seja, fenômeno que se na interação entre duas culturas, em que ao menos uma
delas sofre alterações em seus moldes iniciais
63
. Tamanha é a influência que este
fenômeno possui na formação cultural que as pesquisas acerca do tema tiveram uma
inversão de enfoque, conforme o esquema abaixo:
Mudança de enfoque nos estudos acerca de cultura
(I) Cultura Aculturação
(II)
Aculturação Cultura
Em (I), mostra-se o enfoque dos primeiros estudos que abordaram o tema
da aculturação. Os pesquisadores partiam da representação cultural para uma posterior
62
Cuche, 2002, p. 106.
63
Cuche, 2002, p. 115.
42
análise de uma possível existência do fenômeno de influência de culturas externas. Já
em (II), a perspectiva é a inversa. Parte-se de um pressuposto que não existem culturas
puras, livres da influência de contatos com grupos culturalmente distintos. Ou seja, é
através do processo de aculturação, presente em diferentes graus, que se chega a
formação de particularidades culturais de um grupo. Assim, pode-se imaginar que toda
cultura está em constante mutação, que ela está em processo de construção,
desconstrução e reconstrução de si própria
64
.
Uma outra consideração que se deve fazer a respeito do termo cultura é o
seu caráter simbólico. Observe as conclusões de Lévi-Strauss, citado por Cuche:
Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos.
No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as regras
matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes
sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade
social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem
entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros.
(CUCHE, 2002, p. 95)
Após esta breve discussão acerca da perspectiva cultural humana, tão
necessária nos estudos que envolvam o homem enquanto indivíduo e coletividade, não
é equivocado concluir que uma das principais características peculiares aos humanos é
a diversidade de formações culturais e interpretações sobre a natureza em que vive,
propostas por eles próprios.
Não se pretende assumir, nesta dissertação, uma postura de defender
esta ou aquela linha de pensamento. O que pode e deve acontecer é uma influência por
parte de pesquisadores consagrados ou simplesmente mais experientes do universo
acadêmico. Logo, não se pretende, nesta dissertação, assumir como definitiva e
conclusiva uma corrente teórica em especial. Também não se considera ideal a adoção
de um único teórico. Buscou-se agrupar teóricos que, embora sejam pertencentes a
linhas de pesquisa distintas, podem contribuir para a elucidação do cenário midiático-
religioso brasileiro.
64
Cuche, 2002, p. 137.
43
Pierre Bourdieu (associado à Teoria Crítica, especialmente pelo enfoque
voltado para os produtores da comunicação ou ainda a uma suposta linha francesa de
pesquisa comunicacional), Jorge Pedro Sousa (declarado admirador da escola norte-
americana), Stuart Hall e Anthony Giddens formam o conjunto dos principais teóricos da
comunicação adotados pelo pesquisador. A intenção da pesquisa, vale reforçar este
compromisso, não é confirmar ou não a veracidade das proposições dos teóricos. A
busca é pela organização de apontamentos pertinentes e coerentes entre si,
independentes de quem os tenha formulado, que sejam relevantes para a compreensão
do tema. É o caso, por exemplo, de se aproximar o pensamento de Bourdieu com as
reflexões de Sousa quando ambos falam da atuação dos jornalistas. Em outras
palavras, os teóricos estão a serviço do pesquisador e não o contrário.
Para a demanda de referencial teórico específico para a Religião, optou-
se por seguir os apontamentos de Clifford Geertz, Roger Bastide e Pierre Bourdieu,
este especialmente influenciado pelo pensamento weberiano. Na leitura desses
autores, percebe-se uma constante preocupação com a dinâmica dos preceitos
religiosos. Do constante atrito entre a esfera mundana e a sobrenatural ou sagrada
surgem tensões propulsoras de um dinamismo.
Para Bastide, estudioso francês que dedicou grande parte de suas
pesquisas às peculiaridades da dos brasileiros, “as mudanças que podem afetar os
sistemas religiosos não passam de fenômenos de adaptação e reequilibração em
relação a uma realidade que não é de natureza religiosa”
65
. Ou ainda, dito de outra
maneira, a religião praticada é uma espécie de ajuste entre as ações humanas e uma
ordem cósmica imaginada, como quer Geertz
66
. Bourdieu é direto ao dizer que
teodicéias são sempre sociodicéias
67
. As instituições religiosas tornam absoluto aquilo
que pode ser visto como relativo e legitimam o que é arbitrário. A religião, enquanto
sistema simbólico estruturado,
constrói a experiência (ao mesmo tempo que a expressa) em termo de lógica em
estado prático, condição impensada de qualquer pensamento, e em termo de
65
Bastide, 2006, p. 117.
66
Geertz, 1989, p.67.
67
Bourdieu, 49, p.1992
44
problemática implícita, ou seja, de um sistema de questões indiscutíveis
delimitando o campo do que merece ser discutido em oposição ao que está fora
de discussão (logo admitido sem discussão) e que, graças ao efeito de
consagração (ou de legitimação) realizado pelo simples fato da explicitação,
consegue submeter o sistema de disposições em relação ao mundo natural e ao
mundo social (disposições inculcadas pelas condições de existência) a uma
mudança de natureza (...). Por todas essas razões, a religião está predisposta a
assumir uma função ideológica, função prática e política de absolutização do
relativo e de legitimação do arbitrário. (BOURDIEU, 1992, p.46)
A constituição de instituições religiosas se revela como um artifício
eficiente de organização e de propagação de mensagens acerca do sagrado. Bastide
considera admirável a força das igrejas cristãs em convergir para um único deus, Jeová,
a disposição humana de depositar fé sobre entidades sobrenaturais poderosas
68
. A
eficiência dessa constituição, seja da igreja católica ou de segmentos neopentecostais,
promove o surgimento da autoridade de função, exercida por religiosos. Essa
autoridade credita àquele que a possui a credibilidade de ser, legitimamente, elo entre o
sagrado e o profano. Por exemplo, o padre católico, o pastor protestante ou o bispo da
Igreja Universal do Reino de Deus são todos portadores de bens de salvação, uma vez
que possuem uma função dentro da estrutura religiosa a que pertencem. Logo, se seus
conselhos não são eficientes ou se os milagres não acontecem, a responsabilidade do
fracasso recai sobre o próprio Deus ou ao comportamento de pouca dos fiéis. A
culpa nunca é do religioso que convive com a comunidade crente
69
.
Mas a quem interessa a religião? Quem dela faz uso e quem dela precisa?
Veja o relato jornalístico a seguir, publicado em 02 de julho de 1943, no jornal Diário de
S. Paulo, em que Bastide reflete sobre essas questões:
E no entanto, quando vejo passar esses homens, voltando do trabalho, com esse
balancear de ombros, esses braços pendendo ao longo do corpo, essa ruga de
cansaço na testa, reflito que essas máquinas estão demasiado enferrujadas,
demasiado fatigadas para conseguirem fabricar deuses. Passaram o dia
realizando gestos automáticos, tornando-se elas próprias ferramentas, e
aspiram ao repouso, ao silêncio orgânico, e não a fazer sagrado.
Quando vejo passar esses burgueses, voltando de um chá, de uma recepção,
com a cabeça pesada de números, de preocupações utilitárias, ou então de
68
Bastide, 2006, p. 94.
69
Bourdieu, 1992, p. 90-91.
45
preconceitos mundanos, de preços de vestidos e trajes, pergunto-me como é
possível que esses advogados, pensando em seus processos, esses médicos,
pensando em seus doentes, essas jovens senhoras, carregando embrulhos
minúsculos, ainda possam ter lazer suficiente para inventar mitos e dar à luz
divindades. (...)
Passa uma velha levando na cabeça uma trouxa de roupa, alquebrada pelos
anos e pelo fardo, quase um animal. Uma criança chora a um canto. Uma
empregada limpa os vidros de uma janela. Passa um bonde, com cachos
humanos pendurados nos estribos, rodando pesadamente rumo aos subúrbios.
E todos, no entanto, fabricam deuses. (BASTIDE, 2006, p. 90-91)
Se fabricam deuses, se cultuam seus ancestrais ou se se converteram aos
preceitos das religiões institucionalizadas, é pertinente notar que há, em geral, um
interesse religioso por parte dos indivíduos, independente de sua classe social. A
resposta para as aflições mundanas, como a doença, o desemprego, o sofrimento, a
morte de um ente querido ou mesmo as angústias existenciais podem ser apontadas
para servirem de motivo pela busca da religião. No entanto, Weber acredita que os
interesses religiosos diferem conforme a classe social em que o crente está inserido. As
demandas religiosas são de duas naturezas: de legitimação (comum aos membros de
classes privilegiadas, em que a riqueza é encarada como bênçãos divinas oriundas da
conduta exemplar dos crentes) e de compensação (própria daqueles que vivem
privados das possibilidades de consumo e que, amparados pelos dogmas e esperanças
no sobrenatural, esperam uma redenção do sofrimento, “capaz de dar sentido ao que
são a partir do que virão a ser”)
70
.
Se a sociedade muda, logo a demanda também sofre mudanças. A
religião tem que, constantemente, se adaptar ao contexto em que está inserida. Essa
adequação aos interesses dos fis é, segundo Bastide, argumentada pelas autoridades
de função sempre como uma forma de resgate à pureza inicial dos preceitos
fundadores
71
. Por exemplo, a reforma protestante pode ser encarada, por seus adeptos,
não como a principal ruptura do cristianismo, mas sim como um resgate de uma
religiosidade pura que o clero católico teria abandonado. Assim, a religião, desenvolvida
por instituições organizadas hierarquicamente com normas e rituais, tende a ser
associada ao tradicional, a práticas seculares. No entanto, para que ela se mantenha
70
Bourdieu, 1992, p. 87.
71
Bastide, 2006, p. 112-113.
46
na lista de interesses dos crentes, ela se modifica, se readequa e, conseqüentemente,
faz aproximações com a modernidade, como condição para que ela não se torne
extinta. São essas aproximações os principais pilares para que essa pesquisa tivesse
razão de existir.
Por modernidade, entende-se o estilo de vida, os costumes e as
organizações sociais surgidas na Europa, no século XVII, cuja inflncia ganhou
proporções mundiais
72
. Enquanto alguns autores consideram que, atualmente, estaria
em vigor o pós-moderno, Giddens afirma que se chegou ao período em que as
conseqüências da modernidade tiveram suas dimensões radicalizadas e
universalizadas, com intensidade jamais vista
73
. O desenvolvimento dos sistemas de
transmissão de informações – e a conseqüente globalização das práticas de consumo
fez com que ondas de transformação atingissem todo o planeta. Tais transformações
não provocaram conseqüências apenas em questões de ordem econômica e política,
mas também cultural, atingido até mesmo as relações da intimidade individual, como a
família, a comunidade em que o indivíduo pertence ou ainda a sua religiosidade.
A força transformadora da modernidade força dinâmica e de alcance
global – está relacionada com a percepção de espaço e de tempo:
O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espo e de
sua recombinação em formas que permitem o “zoneamento” espaço-temporal
preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno
intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação espaço-tempo); e da
ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas
entradas (inputs) de conhecimento afetando as ações dos indivíduos e grupos.
(GIDDENS, 1991, p.25)
A questão do desencaixe merece especial atenção. Trata-se do
deslocamento das relações sociais locais de interação e a sua possibilidade de
estruturação, ou reestruturação, através de grandes distâncias espaço-temporais
74
. Os
mecanismos de desencaixe atuam de duas formas: na criação de fichas simbólicas e no
estabelecimento de sistemas peritos. As fichas simbólicas devem ser entendidas como
72
Giddens, 1991, p. 11.
73
Giddens, 1991, p. 13.
74
Giddens, 1991, p. 58.
47
meios de intercâmbios confiáveis que podem ser circulados sem levar em consideração
as características dos indivíduos ou grupos que delas fazem uso. O exemplo mais
comum é o dinheiro, que embora possa ser cotado segundo o dólar ou o euro, é meio
de troca de mercadorias e serviços entre indivíduos que nada tem em comum, exceto a
confiança nesta ficha simbólica
75
.
Os sistemas peritos são organizações de excelência técnica que regem
áreas diversas dos ambientes material e social em que o individuo está inserido.
Quando se deposita a economia de uma vida inteira em uma conta bancária, por
exemplo, na verdade, o individuo está penetrando num cenário completamente
permeado por conhecimento perito. Embora possivelmente este individuo tenha pouco
ou nenhum conhecimento acerca do mercado financeiro mundial, não tenha
conhecimento de para onde vai aquele montante de cédulas e moedas que passam a
ser tratados, a partir do dia do depósito, apenas virtualmente, ele aplica seu dinheiro, no
banco de sua preferência, porque confia nesse sistema perito
76
. É preciso ressaltar,
como se pode observar nos dois exemplos de mecanismos de desencaixe, que é
condição para que, tanto fichas simbólicas quanto sistemas peritos, sejam legítimos, a
existência de confiança por parte do indivíduo.
Se esses mecanismos de desencaixe, dependentes da confiança
individual de seus usuários, têm alcance mundial e alteram a percepção humana de
espaço e tempo, certamente influem na constituição da identidade do indivíduo. A
formação da identidade, segundo Hall, ganhou uma perspectiva inacabada, em
constante construção, híbrida e até mesmo contraditória
77
. As conseqüências da
modernidade que promoveram essa mudança de enfoque conceitual (que fez ruírem as
identidades nacionais) da constituição da identidade possuem relação com o imaginário
coletivo. As diferenças identitárias entre povos, por exemplo, a malandragem brasileira,
o saudosismo português ou a paciência oriental, são reflexos, apenas, das diferenças
na forma em que as identidades nacionais foram imaginadas
78
.
75
Giddens, 1991, p. 30.
76
Giddens, 1991, p. 35.
77
Hall, 2005, p. 46.
78
Hall, 2005, p. 51.
48
Também no âmbito do imaginário estão as comunidades, formação de
identidades coletivas. A comunidade perdeu, com a alta modernidade, a sua
obrigatoriedade de ligação com o local. Com o surgimento de meios de comunicação de
massa, a televisão e o cinema, em especial, e mais tarde com as novas tecnologias da
informação, como a internet, a comunidade transcendeu à concepção tradicional de
espaço e de tempo. Exemplo disso é a comunidade denominada “emo”. Tem adeptos
em todo o mundo, especialmente em razão da distribuição universal da indústria
fonográfica e das informações que membros dela podem compartilhar por meio da
internet, e ainda invocam ideais próximos ao romantismo inglês de séculos atrás.
Tempo e espaço foram transformados para que adolescentes se vistam de roupas
pretas, caminhem com olhares chorosos em rostos maquiados e se declarem
desiludidos em relação à mesmice da existência humana, em grandes centros
metropolitanos ou mesmo em cidades interioranas. A função deste conceito imaginado
que é a comunidade é proporcionar a seus membros uma noção de pertencimento, a
identificação e especialmente a segurança
79
.
Quando se tem um corpus composto por programas televisivos de caráter
religioso, torna-se oportuna a reflexão acerca da constituição de uma comunidade
religiosa. O que é ser um iurdiano segundo a suas próprias autoridades religiosas?
Como é representado o fiel ideal, o modelo a ser seguido? Hall, ao teorizar acerca da
comunidade nacional britânica, importantes indícios para que se possa, na análise
do corpus escolhido, responder essas questões:
As fundações racionais e constitucionais da Grã-Bretanha ganham significado e
textura de vida através de um sistema de representação cultural. Elas se
sustentam nos costumes, hábitos e rituais do dia-a-dia, nos códigos e
convenções sociais, nas versões dominantes de masculino e feminino, na
memória socialmente construída dos triunfos e desastres nacionais, nas
imagens, nas paisagens imaginadas e distintas características nacionais que
produzem a idéia de “Grã-Bretanha”. Esses aspectos não são de menor
importância por terem sido inventados. Embora a nação constantemente se
reinvente, ela é representada como algo que existe desde as origens dos
tempos. (HALL, 2003, p. 75).
79
Hall, 2003, p. 74.
49
A mídia televisiva atua como meio de transmissão da representação
cultural do fiel iurdiano bem sucedido. Uma representação em que opera o princípio da
heterogeneidade, resguardada pela característica comum de devoção a uma força
superior divina e de repulsa às influências e tentações das entidades diabólicas que
assolam os membros da comunidade iurdiana. Sejam retratados os fiéis com riquezas
materiais, os que conseguiram superar os vícios e as doenças ou mesmo aqueles que
conseguiram superar crises matrimoniais, tem-se, midiaticamente veiculadas, formas
distintas, ou como quer Stuart Hall, hibridizadas do que é ser iurdiano
80
. Vale a pena
reforçar que, a exemplo das identidades nacionais e das comunidades, a realidade
midiática é fruto da percepção humana. “Em suma, nas condições da modernidade, os
meios de comunicação não espelham a realidade, mas em parte as formam”
81
.
É questão fundamental, como mostrou Giddens, a confiança nas
relações entre indivíduos ou entre indivíduo e mecanismos de desencaixe. É evidente
que, quando o cenário abordado envolve fé, a confiança dos membros da comunidade
iurdiana é depositada em uma instância divina. Neste trabalho, serão analisadas as
estratégias utilizadas pelos produtores da mensagem para que passem ao
telespectador a noção de segurança. Nota-se um recorrente uso de técnicas
particulares ao jornalismo na grade de programação iurdiana. Como o corpus
representa um meio de propagação da doutrina da Igreja Universal do Reino de Deus,
ele é assistido por não crentes. Assim, por meio da similitude com o formato jornalístico,
pode-se imaginar que a programação iurdiana faz uso da credibilidade do jornalismo
o que torna a mensagem segura, logo legítima e confiável para apresentar ao
telespectador a segurança de ser um membro da comunidade dos adeptos da Iurd.
A segurança, que tende a ser vista unicamente como benéfica ao
indivíduo, possui também uma outra face:
A promoção da segurança sempre requer o sacrifício da liberdade, enquanto esta
pode ser ampliada à custa da segurança. Mas segurança sem liberdade
equivale a escravidão (e, am disso, sem uma injeção de liberdade, acaba por
ser afinal um tipo muito inseguro de segurança); e a liberdade sem segurança
equivale a estar perdido e abandonado (e, no limite, sem uma injeção de
80
Hall, 2003, p. 73.
81
Giddens, 2002, p. 32.
50
segurança, acaba por ser uma liberdade muito pouco livre). Essa circunstância
provoca nos filósofos uma dor de cabeça sem cura conhecida. (BAUMAN, 2003,
p. 24)
Como se pretende analisar a utilização das técnicas jornalísticas na
programação iurdiana, o problema desta pesquisa exige também um repertório crítico
acerca do papel desempenhado pela te e do desempenho profissional dos
produtores de mensagens televisiva. A que papel a Rede Record se presta frente a
seus proprietários iurdianos? Como, e com que intenção, agem os pastores-
apresentadores? O que eles dizem à audiência? Pierre Bourdieu possui reflexões
teóricas pertinentes para que se desenvolva tais questões. Taxado de pessimista em
relação ao meio televisivo, de culpar os profissionais de televisão, em especial os
jornalistas, pelo mau uso do meio, Bourdieu, na verdade, ao perceber o alcance e a
potencia que uma mensagem televisiva veiculada possui, propõe uma reflexão acerca
das rotinas de produção, uma vez que é considerável a parcela da população que tem a
televisão como única fonte de informações
82
.
A televisão, analisados seus mecanismos de produção, acabou por servir
de instrumento de promoção de violência simbólica. Violência esta que é exercida com
a cumplicidade inconsciente, freqüentemente, tanto de seus promotores quanto
daqueles que são dela vítima
83
. E tal violência ocorre também devido a potencialidade
que a imagem televisiva, ainda mais quando estão presentes em programas
jornalísticos, possui “de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito de
real, ela pode fazer ver e fazer crer no que se faz ver”
84
. A televisão, produtora de
efeitos na audiência no mínimo iditos
85
, tem conquistado mais e mais audiência
enquanto os jornais tem o seu número de leitores diminuído, o que faz com que a
primeira ganhe o status de dominância econômico-simbólica no campo jornalístico
86
.
Finalmente, compondo o grupo de pesquisadores cujas obras serão o
referencial teórico base desta dissertação, tem-se alguns pesquisadores brasileiros
especialistas no caso da Igreja Universal do Reino de Deus. Destacam-se Leonildo
82
Bourdieu, 1997, p. 23.
83
Bourdieu, 1997, p. 22.
84
Bourdieu, 1997, p. 28 (grifos do autor)
85
Bourdieu, 1997, p. 62.
86
Bourdieu, 1997, p. 59.
51
Silveira de Campos, de quem foi emprestado o termo iurdiano, e Ricardo Mariano,
coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-RS.
Também foi utilizada a biografia autorizada do bispo Edir Macedo.
A opção de utilizar a biografia autorizada do bispo Edir Macedo como
fonte recorrente durante este trabalho, em especial, na unidade que fala da doutrina e
da história da Universal, tem o objetivo de apresentar uma postura oficial da Iurd. É
evidente que se deve ter em mente que, embora a publicação seja um livro-reportagem
e que, em sua divulgação, prometia-se uma abordagem imparcial acerca de temas
polêmicos como a coleta de dízimo, os problemas com a justiça ou ainda os atritos com
a Igreja Católica, a publicação foi escrita por um jornalista, Douglas Tavolaro, que
trabalha na Rede Record. Não se pode esperar dele outra postura: não
necessariamente de exaltação, mas, sem dúvidas, moderada em relação a seu patrão.
Renegar o valor desta obra apenas pelo fato de ela, em certos momentos, ser
claramente parcial seria um erro, uma vez que o livro apresenta informações
atualizadas sobre a Iurd e ainda traz declarações, quase sempre polêmicas, do bispo
Macedo, que são de fundamental importância para a aproximação da compreensão do
fenômeno iurdiano. Para que esta desejada compreensão não se torne tendenciosa, o
pesquisador conta com o apoio de outros autores, dentre eles, Leonildo Silveira de
Campos e Ricardo Mariano.
52
1. 6 Alguns apontamentos acerca do Jornalismo
Faz-se necessário, uma vez que esta dissertação tem o objetivo de
analisar o uso do gênero telejornalístico, alguns apontamentos acerca do que se
entende por jornalismo. Para Sousa, pode-se definir o jornalismo como a atividade de
divulgação mediada, periódica, organizada e hierarquizada de informações com
interesse para o público
87
. Ou ainda, pode-se dizer que jornalismo é um processo de
transformação de acontecimentos, idéias ou problemáticas em notícias que
necessariamente possuem difusão pública
88
. Vale ressaltar que o termo utilizado foi
transformação, logo, a noticia, fruto do trabalho dos jornalistas, é uma representação de
acontecimentos e idéias.
É ilusória a impressão de que a notícia seja um espelho da realidade por
ela relatada, muito embora seja comum o desejo de veículos de comunicação, seja no
meio impresso, radiofônico, televisivo ou na internet, de estarem associados à
imparcialidade. O fato de a notícia não ser um produto imparcial em nada diminui a sua
importância, tanto para leitores ou mesmo para os estudos acadêmicos. Pelo contrário,
chama a atenção para a sua eficácia na construção de novas realidades e novos
referentes indispensáveis para a construção cultural. Sousa assim define as notícias:
As notícias são um artefato construído pela intervenção de várias forças, que
podemos situar ao nível das pessoas, do sistema social, da ideologia, da cultura,
do meio físico e tecnológico e da história. A minha assunção primordial é a
seguinte: os meios noticiosos conferem notoriedade pública a determinadas
ocorrências, idéias e temáticas, que representam discursivamente,
democratizando o acesso às (representações das) mesmas e tornando habitual
(ritual?) o seu consumo. Os meios jornalísticos contribuem ainda para dotar
essas ocorrências, idéias e temáticas de significação, isto é, contribuem para que
a essas ocorrências, idéias e temáticas seja atribuído um determinado sentido,
embora a outorgação última de sentido dependa do consumidor das mensagens
mediáticas e das várias mediações sociais (escola, família, grupos sociais em
que o indivíduo se integra, etc). (...) Os discursos mediáticos organizariam
racionalmente a experiência do aleatório, integrariam representações
fragmentadas da realidade num discurso organizado e ofereceriam um quadro
explicativo do mundo. (SOUSA, 2002, p. 17-18)
87
Sousa, 2004, p. 75.
88
Sousa, 2004, p. 101.
53
Se a produção jornalística é influenciada por forças sociais, ideológicas,
mercadológicas e culturais, como deve ser o exercício do jornalismo que atenda a essa
demanda de informar e explicar o contexto em que o leitor está inserido? A primeira
condição é a independência do Estado e dos poderes, o que possibilita a liberdade de
reportar, interpretar, comentar e criticar as atividades dos agentes detentores de poder.
A repressão ou mesmo a ameaça de repressão são incompatíveis com uma produção
jornalística de qualidade. bom jornalismo em jornais, revistas, programas
jornalísticos de rádio, blogs, sites de notícias ou telejornais quando estes se tornam um
espaço público de reflexão livre de diferentes correntes de opinião
89
.
A questão da liberdade de imprensa é fundamental, mas é necessário
também que o jornalista conheça os limites de sua atuação. Como exemplo, pode-se
citar a atuação dos profissionais da imprensa em coberturas policiais. A função do
jornalista é relatar e quem sabe denunciar fatos de interesse público. A
responsabilidade de apuração e punição compete ao Estado. Qualquer pessoa acusada
de contravenção penal é inocente, até que as autoridades competentes do judiciário a
condene
90
.
Embora livre de censura, o jornalista não pode fazer de sua produção uma
fonte de promoção de preconceitos, sejam de origem étnica, de classe social, de
exercício de religião, de opção sexual. Também deve ser cauteloso com relação a fatos
e rumores. Conforme aconselham Barbeiro e Lima, “o jornalista tem o dever ético de
duvidar sempre, não pode ser ingênuo a ponto de não perceber que a maioria das
notícias afeta interesses”
91
. Deve-se sempre divulgar notícias devidamente
confirmadas, especialmente em um meio que possibilita a veiculação quase que
imediata de noticias. O profissional que trabalha em tevê deve ser cauteloso com a
tentação de noticiar o furo jornalístico sem a devida confirmação. O jornalista deve ser
consciente de que sua produção é, embora possam existir pressões oriundas do
departamento comercial dos meios de comunicação, jornalística e não publicitária. A
89
Sousa, 2002, p. 33.
90
Barbeiro, 2002, p. 23.
91
Barbeiro, 2002, p. 21
54
diferença entre uma e outra está no fato de a publicidade querer vender algum produto
enquanto o jornalismo tem como único produto a ser vendido a própria notícia
92
.
Uma vez definidos, tanto jornalismo quanto a notícia, o necessárias
algumas considerações acerca do jornalismo praticado na televisão. Por ser um veiculo
de alcance popular, a televisão exige mensagens acessíveis ao maior número de
espectadores possível. Segundo Rezende, a aparente superficialidade do telejornal é
justificada “por uma diretriz editorial baseada na agilidade do estilo “manchetado”, que
se ajusta ao perfil da audiência do programa”
93
.
O tom dos discursos deve ser coloquial, claro e que, preferencialmente,
simule um contato interpessoal entre o apresentador e o telespectador
94
. Ao contrário
do que acontece no jornalismo impresso, a repetição de palavras não empobrece o
texto, pelo contrário, torna-o mais atrativo e compreensível. Essa opção pelas frases
curtas e diretas é explicada por Yorke:
É sempre possível para o leitor de jornal reler a frase impressa. Se necessário,
ele pode recorrer a um dicionário. No entanto, uma vez proferidas em rádio ou
televisão, as palavras não podem ser recuperadas. Um telespectador que não
consegue apreender o que essendo dito no início de uma frase provavelmente
não conseguirá prestar atenção nem compreender o assunto até o final do
comentário. Isso se aplica, sem exceção, a toda e qualquer matéria de telejornal.
O maior crime que qualquer jornalista pode cometer é deixar parte da audiência
confusa em relação ao significado do que foi dito. O ônus de transmitir a palavra
falada de forma clara, simples e direta, de forma que possa ser utilizada com
precisão, cabe sempre ao redator. (YORKE, 2006, p. 58-59.)
O apresentador Heródoto Barbeiro acredita que o texto do telejornalismo é
aquele que passa pelo teste da leitura em voz alta. Segundo o apresentador da TV
Cultura, este exercício permite localizar os principais problemas de redação: frases
longas, cacofonia e erros de concordância
95
. Além desta questão da necessidade de
fazer a audiência compreender instantaneamente o que foi dito, é indispensável a
sincronia entre o texto e a imagem. Quando o repórter descreve exatamente aquilo que
92
Barbeiro, 2002, p. 27.
93
Rezende, 2000, p. 116.
94
Rezende, 2000, p. 97.
95
Barbeiro, 2002, p. 99.
55
a câmera capta quase sempre tem como resultado uma relação de redundância entre o
verbal e o visual
96
.
O componente visual do telejornalismo é responsável por dar o “efeito de
real” a que Bourdieu faz referência, ou ainda, à impressão de que as notícias seriam um
espelho da realidade. A imagem também tem a função de informar, atuando como
complemento do texto verbal. Também é papel da imagem tornar-se um atrativo para a
audiência. Segundo Rezende, a imagem veiculada pela tevê tende “a atuar com mais
intensidade sobre o receptor, repercutindo quase diretamente em sua afetividade, sem
passar pela mediação do intelecto. Na comunicação audiovisual, portanto, registra-se o
predomínio da sensação sobre a consciência, dos valores emocionais sobre os
racionais”
97
.
Ainda na mesma linha de pensamento de Bourdieu, Sartori acredita que
as imagens carregam em si a força da veracidade. Transportam o telespectador ao
campo de batalhas, ao gabinete do secretário de segurança pública, à cidade chinesa
que vai sediar os Jogos Olímpicos. Mas as imagens exibidas em telejornais o sempre
resultado de um processo de edição que pode descontextualizar aquilo que se vê na
tela e, a exemplo do que pode acontecer com o texto impresso, conduzir a um enfoque
propositadamente tendencioso. A imagem exibida é sempre um recorte da realidade:
Em geral, e genericamente, a visão no deo é sempre um pouco falseante pelo
fato de descontextualizar, baseando-se em tomadas de primeiros planos fora de
contexto. Quem se lembra da primeira guerra vista (e perdida) na televisão, a
guerra do Vietnã, poderá lembrar a imagem de um coronel sul-vietnamita que
disparava na têmpora de um prisioneiro vietcong. O mundo civilizado ficou
estarrecido vendo aquela cena. Mas aquela imagem o mostrava os mortos
espalhados pelos arredores, que afinal eram corpos horrendamente mutilados
não de soldados americanos, mas também de mulheres e crianças. Portanto,
a imagem da execução com um tiro na têmpora era verdadeira, mas a
mensagem que lançava era enganosa. (SARTORI, 2001, p. 86)
Sartori também é crítico em relação aos limites que a imagem possui.
Segundo ele, a imagem não necessariamente é auto-suficiente na função de informar.
Por vezes, é necessário que o texto verbal complemente a informação visual
96
Barbeiro, 2002, p. 96
97
Rezende, 2000, p. 40.
56
apresentada. “Não é verdade de modo algum que a imagem fala por si mesma. Por
exemplo, é-nos mostrado um indivíduo assassinado. Quem o matou? A imagem não diz
isso; a dar tal informação é a voz de quem segura na mão o microfone”
98
, exemplifica.
Enfim, é dessa constante adequação e experimentação de uso de textos verbais e de
imagens que se tem o jornalismo de televisão.
1.6.1 A história do telejornalismo
A primeira exibição de um telejornal aconteceu nos Estados Unidos, no
final da década de quarenta. Era uma produção bem diferente daquela que se está
acostumado a ver atualmente na tevê. Devido a limitações técnicas que dificultavam o
uso de imagens, os programas telejornalísticos eram uma espécie de rádio com a
imagem dos locutores. O filme, a exemplo do que acontece no cinema, era o recurso
utilizado para a transmissão de imagens. Essa tecnologia que complicava o trabalho de
edição de imagens explica o fato de que nessas primeiras produções telejornalísticas
as imagens exibidas faziam referência a eventos ocorridos no dia anterior quando não
mais antigos ainda
99
.
Alguns anos mais tarde, com as mesmas deficiências técnicas, dias após
a fundação da televisão brasileira, em Setembro de 1950, a TV Tupi exibia o Imagens
do Dia, o primeiro telejornal feito no Brasil. O telejornal, em sua primeira exibição, teve
como atração uma reportagem que mostrava imagens do desfile cívico-militar, em razão
do dia da Independência, na cidade de São Paulo, evento este que havia acontecido
duas semanas antes do dia que o programa foi ao ar
100
.
Em 52, estreou o telejornal mais importante dos primórdios da televisão
brasileira: o Repórter Esso, da TV Tupi, apresentado por Gontijo Teodoro. Pode-se
dizer que os primeiros telejornais brasileiros eram produzidos precariamente, baseado
na fala com limitado uso de recursos visuais. Não somente as limitações técnicas
contribuíam para essa precariedade. Os profissionais eram quase que exclusivamente
oriundos do rádio, inexperientes naquele novo veículo que surgia
101
. Todos os
98
Sartori, 2001, p. 87
99
Sousa, 2004, p. 94.
100
Rezende, 2000, p. 105.
101
Rezende, 2000, p. 106.
57
telejornais eram parecidos. O cenário era composto por uma cortina que fazia o fundo,
uma mesa de onde o apresentador lia o texto e ao lado do apresentador uma peça
publicitária com a logomarca do patrocinador da atração
102
.
O ano de 1962 marca a estréia, na TV Excelsior, do Jornal de Vanguarda,
apresentado por Luís Jatobá e por Cid Moreira. com a tecnologia do videoteipe que
aumentava consideravelmente as potencialidades do uso de imagens, esse telejornal
foi o mais importante da época, com reconhecimento inclusive fora do Brasil
103
. Outra
novidade que difere essa produção daquela realizada na primeira década da televisão,
é a participação de cronistas especializados, todos originários do jornalismo impresso,
tais como Stanislaw Ponte Preta, Millor Fernandes e João Saldanha, que opinavam
sobre os fatos.
No final desta década, estreou o telejornal mais popular da televio
brasileira: o Jornal Nacional. Marcado pelo aperfeiçoamento técnico, pelos
investimentos em equipamentos e também pela presença da censura militar, o JN foi o
primeiro telejornal transmitido em rede nacional (na verdade, para o Rio de Janeiro, São
Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Brasília). O telejornalismo brasileiro
ganhava uma atração que de certa forma se tornou modelo para todas as outras
produções que vieram nos anos seguinte. Observe no depoimento de Décio Pignatari, a
mudança que o Jornal Nacional trouxe para o tevê brasileira:
Claro que não foi a Globo que criou o telejornalismo, mas foi ela que eliminou o
improviso, impôs uma duração rígida no noticiário, copidescou não o texto
como a entonação e o visual dos locutores, montou um cenário adequado, deu
ritmo à notícia, articulando com excelente timingtexto e imagem (pode ser que
você não se lembre, mas com a Globo começamos a assistir a esta coisa quase
impossível: os programas entrarem no ar na hora certa). (PIGNATARI, 1984,
p.14)
Com a intenção de desbancar o Repórter Esso da posição de jornal
televisivo de maior audiência, em de setembro de 1969, os apresentadores Cid
102
Barbosa Lima, 1985, p. 09.
103
Conforme Rezende conta, o teórico da Comunicação Marshall McLuhan chegou a utilizar essa
produção brasileira em suas aulas. O Jornal Vanguarda também ganhou o Prêmio Ondas, na Espanha,
como o melhor jornal do mundo do ano de 1963. (Rezende, 2000, p. 107.)
58
Moreira e Hilton Gomes anunciavam as principais notícias do dia: a doença do
presidente Costa e Silva e a transmissão do governo brasileiro a uma junta de militares;
um depoimento otimista do então ministro da Fazenda, Delfim Neto, sobre os rumos da
economia brasileira; a morte do campeão mundial de boxe Rocky Marciano; a previsão
do tempo; e a classificação da seleção brasileira de futebol para a Copa de 70. Em
poucos meses, a audiência do Repórter Esso foi diminuindo e trocando de canal. O
Jornal Nacional transformou-se em líder de audiência e acabou por decretar o fim das
transmissões do telejornal da Tupi
104
. O sucesso do telejornal da Globo também se deu
em razão do horário que ocupava na grade de programação. Entre duas novelas, a
atração ganhava o reforço da audiência da novela das sete que cuja exibição terminava
e da audiência que aguardava o início da novela das oito. A audiência do JN, que
chegava em 1979 a impressionantes 79,9% dos televisores ligados, atraía anunciantes.
Desse interesse publicitário em patrocinar programas jornalísticos, tornou-se possível
investir em novas atrações que estão na grade de programação da Globo até hoje,
como o Jornal Hoje, o Globo Repórter, o Globo Rural e o Fantástico
105
.
Embora a Globo evitasse entrar em conflito com os militares, a emissora
não deixou de ter problemas com a censura. Sergio Chapelin, foi advertido por agentes
do Serviço Nacional de Informação (SNI). O motivo foi o fato de os censores terem
achado que o apresentador do Jornal Nacional teria mudado o tom de sua voz e se
emocionado com a notícia de que guerrilheiros latino-americanos haviam sido mortos.
Armando Nogueira, então diretor de jornalismo da emissora, explicou aos censores,
agentes do SNI, que o apresentador estava gripado naquele dia da transmissão, daí
sua voz ter saído embargada enquanto anunciava a matéria
106
.
A hora da notícia, embora fosse líder de audiência na TV Cultura, não
fazia concorrência ao JN. O telejornal que teve sua primeira exibição em 1970 focava
suas notícias em assuntos que eram de interesse social, com problemas da
comunidade. Para compor as matérias era comum o uso de depoimentos de populares.
Esse enfoque diferenciado acabou por provocar uma tragédia que iria marcar a história
brasileira. Em um período de repressão em que a “liberdade” de imprensa era
104
Ribeiro, 2004, p. 24-25.
105
Rezende, 2000, p. 117.
106
Ribeiro, 2004, p. 36.
59
administrada pelo Estado, este telejornal da TV Cultura não era bem visto pela cúpula
militar. O diretor de jornalismo da emissora paulistana, Vladimir Herzog acabou morto
em circunstâncias suspeitas que apontavam para a intolerância política e a censura
como as responsáveis pela morte do jornalista. A morte de Herzog mobilizou a opinião
pública e, apesar do Regime, houve indignação popular em relão à postura dos
militares em relação aos meios de comunicação
107
.
A viúva do jornalista croata naturalizado brasileiro, Clarice Herzog, moveu
um processo contra a União, responsabilizando o Regime Militar pela morte de seu
marido. A versão oficial dos militares afirmava que o jornalista teria se enforcado, mas
investigações posteriores que deram ganho de causa a Clarice apontavam para o fato
de Herzog ter sido torturado e morto
108
.
Na década de 80, com a amenização da censura midiática por parte do
Estado, surgiram novos programas que uniam o jornalismo ao entretenimento.
Exemplos são o Canal Livre, da Bandeirantes, comandado por Roberto D´Ávila e Silvia
Poppovic, e o TV Mulher. Este último programa, apresentado por Ney Gonçalves Dias e
Marilia Gabriela era composto por quadros e entrevistas especialmente voltados para o
público feminino. Destacavam-se o quadro sobre sexualidade em que a sexóloga Marta
Suplicy esclarecia dúvidas sobre sexo das telespectadoras e o quadro de moda
conduzido pelo estilista Clodovil Hernandez em que eram apontadas as principais
tendências da moda de então.
A principal mudança que ocorre neste período não aconteceu na Globo e
sim na TV Manchete. Em uma proposta ousada de grade de programação, a direção da
emissora optou por investir em uma opção de programa justamente no horário mais
crítico da televisão brasileira: o horário nobre em que a Rede Globo exibe as suas
telenovelas de tanto sucesso popular. Com aproximadamente duas horas de
transmissões jornalísticas, voltadas para os públicos de classe A e B, a Manchete
incomodou a emissora der de audiência. A empreitada ousada e bem sucedida da
televisão da família Bloch conquistou nada menos que oito pontos do Ibope, um
resultado espetacular para quem concorria com um dos maiores fenômenos de
107
Rezende, 2000, p. 112.
108
<http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI407607-EI306,00.html >, acesso em 12/07/2008
60
audiência da televisão brasileira, a novela Roque Santeiro, de Dias Gomes e Aguinaldo
Silva, protagonizada por Lima Duarte, José Wilker e Regina Duarte
109
. A Globo
ganharia, enfim, uma concorrente à altura? Não. A administração da emissora de
Bloch fez com que a Manchete decretasse falência alguns anos mais tarde.
No final da década de 80 e início da década seguinte, foi o papel do
âncora que ganhou espaço no telejornalismo brasileiro. Marília Gabriela no Jornal da
Bandeirantes, Carlos Nascimento no Jornal da Cultura e Boris Casoy, do Telejornal
Brasil do SBT foram os grandes destaques. Casoy, jornalista de sucesso no meio
impresso, foi o mais importante deles, ao trazer para uma emissora com programação
tradicionalmente voltada para classes populares (com entretenimento apresentado pelo
dono da emissora Silvio Santos) um jornal com entrevistas em que ele dava sua opinião
pessoal sobre as notícias que apresentava. Ele que popularizou o bordão “isso é uma
vergonha”, naquela mesma emissora tão acostumada a ser passiva em relação à
censura e que exibia semanalmente o Semana do Presidente (programete em que era
veiculada, de maneira elogiosa, a agenda do presidente da República durante a
semana)
110
. O TJ Brasil, como era chamado, tornou-se o segundo programa que mais
atraia faturamento publicitário da emissora, perdendo apenas para os programas
apresentados por Silvio Santos.
O Sistema Brasileiro de Televisão continuou a investir em jornalismo.
Adquiriu novos equipamentos e contratou profissionais renomados da Globo.
Destacam-se o correspondente global na Alemanha Hermano Henning que ficou
responsável pelo noticiário internacional e pela jornalista Lílian Witte Fibe,
apresentadora da segunda edição do Telejornal Brasil.
Com um apelo sensacionalista, matérias policiais e imagens em plano-
sequênica, o Aqui Agora, apresentado por Ivo Morganti e Cristina Rocha tornou-se um
fenômeno de audiência, no SBT. No entanto, não se manteve na grade de
programação por muito tempo. Isso aconteceu por dois motivos: a audiência do
programa era concentrada apenas a São Paulo e, apesar da audiência, o
telejornalístico não atraía o número de anunciantes necessário para mantê-lo no ar
111
.
109
Rezende, 2000, p. 122.
110
Rezende, 2000, p. 127.
111
Rezende, 2000, p. 131.
61
Não somente o SBT, em uma estratégia de atrair credibilidade a seus
jornalísticos, mas também a Bandeirantes e mais tarde a Record contratavam
jornalistas conhecidos da Globo para comandar seus telejornais. Foi o que aconteceu
em 1996, quando o correspondente internacional da Globo, Paulo Henrique Amorim
transferiu-se para a Band onde foi apresentar o Jornal da Bandeirantes. Alguns anos
mais tarde, a exemplo do que também aconteceu com Casoy, Amorim foi contratado
pela Record, do bispo Edir Macedo
112
.
Apesar das menções a programas telejornalísticos de outras emissoras,
os telejornais da Globo, especialmente, o Jornal Nacional, são os de maior
repercussão
113
. A Record tenta alcançar a hegemonia jornalística da Globo nas
transmissões de tevê aberta. Modificou seus cenários e quem diga os copiou do
Jornal Nacional, ao lançar o Jornal da Record, com apresentação do ex-global Celso
Freitas. Em seguida, com menor participação no ranking de audiência, estão os
telejornais da Bandeirantes, Cultura, Gazeta e Rede TV.
112
Rezende, 2000, p. 134.
113
Rezende, 2000, p. 143
62
2. A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)
2. 1 O grupo Universal
As produções midiáticas analisadas nesta dissertação são,
exclusivamente, veiculadas por um conglomerado midiático que pertencem a um grupo
encabeçado pelo líder espiritual Edir Macedo. O bispo da Igreja Universal do Reino de
Deus desenvolveu uma trajetória de vida capaz de no mínimo intrigar os interessados
em biografias. De engraxate, filho de migrantes pobres, tornou-se agente administrativo
de uma instituição pública
114
. Dentro de alguns anos, transformou-se no guru de uma
legião de fiéis que viu o número de templos de sua crença crescer impressionantes
2.600% em menos de dez anos, na década de 80. Comunicador habilidoso, carismático
e com uma visão empresarial de inegável eficácia, o bispo Macedo hoje se tornou um
magnata da área de comunicações.
A direção da Iurd mostra seu poder ao ter em seu comando, mesmo que
parcialmente, nada menos que 62 emissoras de rádio, atingindo 75% do território
nacional, uma gravadora, uma produtora de vídeos, duas editoras, além de jornais e
revistas, com destaque para o jornal Folha Universal, com uma tiragem que supera os
dois miles de exemplares por semana, para a Revista Plenitude, com 250 mil revistas
editadas mensalmente e também para o jornal Correio do Povo, com circulação na
cidade de Porto Alegre. Mas a empresa mais expressiva da organização liderada pelo
bispo Edir Macedo pertence ao mercado televisivo brasileiro de transmissão aberta. A
Rede Record de Televisão atinge praticamente todo o território nacional e desponta
como a segunda maior rede de te do país, ficando atrás da Rede Globo de
Televisão, que ocupa da liderança de mercado nas últimas duas décadas, de
propriedade da família Marinho
115
.
O patrimônio que teve início com a fundação da Universal também se
estende até a África e a Europa. Na África do Sul, existe a distribuição centrada na
capital Joanesburgo do jornal Stop Suffering: A new life awaits you!. Na França, são
duas rádios, uma construtora e duas agências de viagem. Mas nada se compara ao
crescimento iurdiano em Portugal. A igreja, instalada no país desde o ano de 1989,
114
Mariano, 1999, p. 54
115
Tavolaro, 2007, p. 238-239.
63
possui seis emissoras de rádio e um jornal o Tribuna Universal. Além disso, a Iurd
comprava horários em 23 rádios e na televisão para a veiculação de programas de
conteúdo doutrinário. A estratégia de expansão de Macedo em solo português foi
dificultada quando, em 1997, o governo daquele país tornou ilegal a pregação religiosa
em canais de televisão.
Na Argentina, país que ocupa a vice-liderança em números de fiéis na
América Latina, somente com um número de iurdianos inferior ao Brasil, a Iurd está
presente nos veículos midiáticos através do aluguel de horários em emissoras de tevê e
de rádio. Também faz parte da atuação midiática da Universal, a distribuição gratuita do
jornal El Universal, com a tiragem de 170 mil exemplares. Toda essa visibilidade, não
coincidentemente, é aliada na promoção de mega-eventos, a exemplo do que acontece
aqui no Brasil, em estádios de futebol. O estádio Monumental de Nuñes, casa de um
dos maiores rivais dos clubes de futebol do Brasil, o River Plate, foi palco de um culto,
com a presença do bispo Macedo, em abril 2006, além de outros 70 mil fiéis
iurdianos
116
. Embora com menos expressividade, a estratégia de alugar horários em
veículos de comunicação populares também acontece no Equador. A rádio Ecuatena
apresenta, além da programação tradicional, com entretenimento, músicas e notícias
jornalísticas, chamadas em que o ouvinte é convidado a conhecer o templo da Igreja
Universal do Reino de Deus mais próximo de sua residência. Na televisão, da meia
noite até a uma da manhã, o programa Pare de sufrir é a atração de uma das principais
emissoras de televisão equatoriana
117
.
A América Latina não é o único foco da pregação iurdiana. Segundo o
bispo Edir Macedo, a Igreja Universal olha com atenção para o continente mais pobre
do mundo: a África. Em Moçambique, por exemplo, a Rede Record controla parte das
ações da principal emissora de televisão do país, a TV Miramar. Além de atrações
televisivas da programação comercial da emissora brasileira, a tevê africana exibe
programas com conteúdo doutrinário da Iurd nas madrugadas
118
.
Mas os investimentos do grupo Universal não são apenas em empresas
de comunicação. Como qualquer outro grupo empreendedor de sucesso financeiro, a
116
Tavolaro, 2007, p. 249.
117
Tavolaro, 2007, p. 251.
118
Tavolaro, 2007, p. 241.
64
Universal também expande seus negócios para outras áreas. Agências de viagens,
construtoras, seguradoras, empresas no setor de tecnologia, uma fábrica de móveis
(responsável pela fabricação dos bancos dos templos) além do Banco de Crédito
Metropolitano compõem o grupo Universal
119
. Este número significativo de empresas
gera a quantia estimada de 22 mil empregos diretos, sem contar os pastores e bispos, e
outros 60 mil indiretos em todo o território nacional
120
.
119
Mariano, 1999, p. 67.
120
Tavolaro, 2007, p. 244.
65
2. 2 Histórico da Iurd
É importante ressaltar que todo este império teve como início a
inauguração da Igreja Universal do Reino de Deus em 9 de Julho de 1977. Formada por
um grupo dissidente da Igreja Nova Vida, do missionário canadense Walter Robert
McAlister e pioneira na pregação pela tevê, o movimento iurdiano tem se mostrado
como fenômeno mais importante do neopentecostalismo brasileiro. Edir Macedo,
Romildo Ribeiro Soares
121
, Roberto Lopes e Carlos Rodrigues não concordavam com a
pregação elitista do missionário McAlister, assim fundaram um segmento evangélico
que tinha como maior preocupação o enquadramento da doutrina às classes de nível
social mais baixo. Segundo dados da própria Universal, 63% dos fiéis iurdianos ganham
menos de dois salários mínimos e 85% deles não tem o ensino básico completo
122
.
É importante ressaltar que é enganosa, apesar da estatística citada, a
impressão de que a Iurd atinge apenas a parcela mais carente, tanto educacional
quanto financeiramente, da população. A desembargadora da justiça do Trabalho de
Belém, no Pará, Sulimar Monassa foge do perfil da maioria dos fiéis e é exemplo de
crente com alto grau de instrução acadêmica e de sucesso financeiro e profissional.
“Fiquei surpresa com a abnegação do bispo Macedo e dos demais pastores. Eles ficam
24 horas no templo. Além disso, eu me identifiquei com as doutrinas”, explica a
desembargadora sobre o porquê de sua conversão. O juiz aposentado Jairo Santana,
do Rio de Janeiro, compartilha a mesma impressão. “Agora sei o que quero. O bispo
me ajudou a compreender a bíblica com o uso da minha inteligência”, confirma o
magistrado
123
.
Fora do país também existem exemplos do fiel bem-sucedido que na
Universal a melhor forma de exercitar sua religiosidade. A embaixadora do Congo no
Reino Unido, Eugenie Compton, conta em depoimento os benefícios imediatos que sua
121
Este é mais conhecido como missionário R. R. Soares. Abandonou a Iurd três anos mais tarde em
razão de divergências com seu cunhado Edir Macedo. Fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus
que segue os mesmos moldes da Universal, embora com um número menos expressivo de templos e de
fiéis. A exemplo do que acontece com a Universal, a Internacional da Graça de Deus faz uso dos meios
de comunicação para a pregação. Embora não seja proprietário de emissora de tevê, R. R. Soares
compra horários em canais abertos onde apresenta o Show da . Possui uma gráfica e a Editora Graça
Editorial.
122
Mariano, 1999, p. 59.
123
Tavolaro, 2007, p. 244.
66
conversão à doutrina iurdiana proporcionou. Convertidacinco anos, Compton fala de
fé:
Ninguém acreditava que eu conseguiria me tornar embaixadora. Muitos me
aconselharam a esquecer, pois havia candidatos mais bem qualificados do que
eu. Foi ai que minha entrou em ação. Na Igreja Universal, aprendi a pensar
grande. (TAVOLARO, 2007, p. 244)
São realizadas reuniões restritas para esses fiéis “especiais”. O diretor de
jornalismo da Rede Record, Douglas Tavolaro, relatou que ele participou, durante o
trabalho de reportagem que resultou na única biografia autorizada do bispo Macedo, de
uma reunião no sétimo andar da catedral de Santo Amaro, em São Paulo, presidida
pelo próprio Edir Macedo. Na platéia, estavam industriais, grandes comerciantes, altos
executivos de empresas bem sucedidas, médicos famosos, dentre outros profissionais
liberais renomados no mercado, em um número que superava os 200 crentes. O
principal assunto do culto: a importância e a necessidade do zimo
124
. Veja a postura
do bispo Macedo, com suas costumeiras declarações polêmicas, sobre o tema:
O Deus deste mundo é o dinheiro. Os banqueiros não me deixam mentir. Oferta
é investimento. Isso mesmo: oferta é investimento. (...) As pessoas não devem
dar oferta para ajudar a igreja, mas para ajudar a si próprias. Quem está
fazendo um investimento em si, na sua vida. É o que mostra a Bíblia. Quem
tudo recebe tudo de Deus. É inevitável. É toma lá, dá cá.” (TAVOLARO, 2007, p.
207)
A pregação, em geral, é focada principalmente no poder da oração, na
necessidade de doação do zimo, na possibilidade da cura de fiéis dedicados
125
, na
luta contra as forças malignas presentes no dia-a-dia do homem e no exorcismo. Da
pregação na Iurd há de se destacar dois aspectos. Primeiramente a luta constante entre
o Divino e o Inimigo que é personificado ora pela figura do Diabo ora por práticas
peculiares a cultos afro-brasileiros, dentre eles a umbanda, o candomblé e a
quimbanda. O que chamam de “encostos”, “feitiçarias” e “macumbarias” são uma
124
Tavolaro, 2007, p. 207.
125
Conforme afirma Mariano, relatos de fiéis que se viram curados de doenças como aids e câncer são
reportados pelo jornal Folha Universal.
67
espécie de manifestação demoníaca que pretende afastar o crente dos caminhos de
Deus, ou seja, da Universal.
Doenças, desemprego, infelicidade no amor, dependência química e
dificuldades financeiras são vistas como atuações dos encostos enviados por Satanás à
Terra para azucrinar não apenas aqueles que desconhecem a força da Universal, como
aqueles que já estão educados na fé. As tentações são muitas e são vários os artifícios
demoníacos. Ninguém deles está livre, nem mesmo os pastores que comumente
relatam sua luta diária contra o Maligno. Veja o que diz Mariano a respeito do poder,
legitimado pelos fiéis da Universal, que capacita esta instituição religiosa a se
apresentar como mediadora da intenção divina. Desta forma, a Igreja se torna capaz de
solucionar todas as aflições dos fiéis:
Mais e melhor que qualquer igreja pentecostal, ela [Iurd] institucionalizou
denominacionalmente práticas e crenças mágico-religiosas de inspiração cristã.
(...) Às segundas-feiras, oferece soluções sobrenaturais para quem deseja
prosperidade, às terças, para cura física, às quintas, para problemas familiares e
afetivos, às sextas, faz libertação (exorcismo) de demônios, aos sábados, repete
o ritual da prosperidade. Os cultos de quarta-feira e domingo, dedicados à
adoração do Espírito Santo, portanto sem caráter utilitarista, na realidade são
anunciados como capazes de estabelecer maior intimidade entre o fiel e Deus,
modalidade de relacionamento que, na cosmovisão difundida pela igreja, tornaria
este ainda mais generoso e atento às necessidades dos devotos. (MARIANO,
1999, p. 58)
Um outro fator relevante acerca da pregação dos pastores e bispos da
Igreja Universal do Reino de Deus é a preocupação com a vida terrena dos fiéis. As
promessas de uma vida após a morte cheia de regalias ao lado do Senhor não são tão
recorrentes quanto o slogan "Pare de sofrer". Na pregação, a vida terrena é
freqüentemente o centro das atenções, a exemplo do que acontece com algumas
vertentes do protestantismo histórico como o Calvinismo, por exemplo. A prosperidade
financeira é vista como graça de Deus e o sofrimento como atuação diabólica. Ou seja,
a idéia difundida por outras crenças cristãs de que o sofrimento é também caminho
para a obtenção da salvação eterna é abandonada pela crença iurdiana.
68
Para ilustrar esta atenção à vida terrena próspera por parte dos iurdianos,
nada melhor do que a opinião do principal líder iurdiano. No fragmento a seguir o bispo
Macedo compara sua igreja com a Igreja Católica Apostólica Romana. Veja:
Por séculos o clero católico ensinou os brasileiros a aceitarem a miséria, a se
conformarem com a pobreza, enquanto o Vaticano sempre desfrutou de riqueza.
A história mostra isso. (...) A Igreja Calica sempre impregnou na cabeça das
pessoas de que riqueza é coisa do mal e que a pobreza é boa. Eles querem que
eu pregue a “teologia da miséria”? Querem que eu pregue a pobreza? Querem
que as pessoas sejam pobres e a igreja rica? Eu prego o que Jesus falou. Ele
veio trazer a vida, e vida com abundância. Está escrito na Bíblia católica
também. Eu acredito que Deus deseja o melhor para cada um de nós. Qual é o
pai ou a mãe que deseja o pior para o seu filho? O pai é rico e os filhos
miseráveis. Qual o sentido disso? (TAVOLARO, 2007, p. 208)
No discurso dos pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, fica
evidente a teologia da prosperidade, ou seja, a abundância financeira é uma graça
divina concedida àqueles que são crentes e sabem reconhecer o valor da doação do
dízimo. “Muita gente até acha que pode chamar a atenção de Deus ao praticar caridade
ou ser bondosa. A única moeda de troca’ com Deus é a nossa fé. Quem crê recebe,
quem não crê não recebe”
126
, assim, Edir Macedo resume a relação entre as forças
divinas e o fiel.
Logo, quando o fiel cumpre com sua parte no acordo com a divindade e
não recebe as graças prometidas, a culpa acaba recaindo sobre o adepto da Universal.
Como Deus é um cumpridor de sua promessa, o fiel possivelmente tenha falhado por
meio da falta de e foi, conseqüentemente, punido pela força divina que ainda não o
reconhece como um crente propriamente dito
127
. Perceba que:
O acesso às bênçãos materiais pela fé exige que a pessoa esteja convencida de
que a prosperidade é vontade de Deus, e assim se disponha a aceitar a
responsabilidade de ser um dos sócios e administradores [leia-se dizimistas] da
obra de Deus. A prosperidade completa engloba o aspecto financeiro, físico e
espiritual. (CAMPOS, 1997, p. 368)
126
Tavolaro, 2007, p. 133.
127
Campos, 1997, p. 369.
69
Apesar de, como já foi informado acima, os crentes serem, em sua
maioria, de baixa renda e com baixa escolaridade, o exemplo de fiel bem sucedido
exibido com freqüência, em seus programas de televangelização veiculados na Rede
Record, é o que exerce a profissão de empresário, possui casa, carro e família bem
constituída. É tão forte o apelo para que os fiéis se tornem empresários
128
que é comum
estes serem aconselhados pelos pastores e bispos a abandonarem seus empregos e
se tornarem profissionais liberais.
A razão de tal aconselhamento se dá por motivos bastante claros. Não
possuindo patrão, o crente pode ter maior possibilidade de se dedicar, gratuitamente,
às atividades da Igreja
129
. Assim, tem-se os obreiros, ou seja, fis que dedicam uma
parte de seus dias para realizar trabalhos no templo. Exercem diversas funções. Desde
a entrega de panfletos, coleta de doações, além dar plantões no "pronto-socorro
espiritual", no qual, ao lado de pastores, aconselham os irmãos que ainda não
conheceram a salvação e que ainda são orientados pelas tentações diabólicas. O
serviço de aconselhamento àqueles que ainda não participam do Reino de Deus se
em todos os templos e se estende da manhã até a noite, todos os dias.
São necessários muitos obreiros. Em alguns templos o número atinge a
marca de duas centenas de fiéis que trabalham para a Iurd. Deles é exigida apenas a
dedicação ao trabalho de evangelização. Aos fiéis que não possuem o tempo disponível
para doar à Igreja, tal falta é compensada através do pagamento do zimo e da
obrigação de convidar parentes e amigos a se juntarem ao grupo dos escolhidos por
Deus. O trabalho dos obreiros pode ser condensado em apenas uma atribuição: fazer
crescer o número daqueles que compõe o Reino de Deus.
Para estar sempre de portas abertas e prestando auxílio aos eventuais
necessitados da palavra divina, além do trabalho dos obreiros, é intensa a participação
dos pastores, autoridades espirituais máximas em um templo. Deles é exigida a máxima
dedicação. Aos pastores consagrados, ou seja, necessariamente casados, que ainda
não tem filhos é estimulada a realização de vasectomia. Desta forma, o casal, sem
128
Vale lembrar que existem cultos especiais para este tipo de trabalhador, trata-se da Noite dos
Empresários
129
Mariano, 1999, p. 60.
70
filhos, pode ter uma dedicação exclusiva aos interesses da Igreja Universal do Reino de
Deus.
71
2. 3 Um deus endividado
Ao contrário de uma tendência de outras organizações evangélicas, os
pastores da Universal não possuem formação em teologia. Para o principal der da
Iurd, o bispo Edir Macedo, a formação teológica é desnecessária. Em A libertação da
teologia, o papa da Universal afirma que "todas as formas e todos os ramos da teologia
são fúteis". Macedo é ainda mais incisivo ao condenar "o cristianismo de muita teoria e
pouca prática; muita teologia, pouco poder; muitos argumentos, pouca manifestação;
muitas palavras, pouca fé"
130
.
Logo, tem-se um conjunto de pastores e bispos doutrinados de uma forma
bastante peculiar, desprezando os preceitos da teologia. Qual seria então os critérios
de promoção entre os próprios pastores? Quem teria as condições de ocupar os cargos
de destaque da Iurd? Um dos principais requisitos, sem dúvida, é a habilidade em se
comunicar. Ser jovem também é fator positivo, que é comum se ver pastores
nomeados
131
ainda adolescentes. Ricardo Mariano, sociólogo especialista no
movimento iurdiano, sugere também uma resposta:
Quanto à mobilidade na hierarquia eclesiástica, forte correlação entre
capacidade de arrecadação de recursos e promoção. Os mais bem-sucedidos na
coleta financeira e no crescimento da membresia dos templos sob sua direção
tendem a obter acesso a programas de rádio, espaço na tevê e ter suas
reivindicações atendidas. Logo são removidos para dirigir templos maiores
(MARIANO, 1999, p. 63)
Embora a direção da Iurd não negue que existe muita rotatividade entre as
lideranças religiosas, o bispo Macedo confirma que é direito do pastor uma moradia,
assistência médica, plano odontológico, lazer (geralmente em sítios da igreja), além de
uma ajuda de custo mensal. Esse pagamento não é normatizado e semelhante entre
cada liderança. Para o bispo, “Há pastores e pastores, bispos e bispos. A maior
injustiça é a igualdade. Os que mais se esforçam, jejuam, lutam pelo povo, crescem”
132
.
130
Mariano, 1999, p. 65
131
Os pastores nomeados são uma espécie de pastores auxiliares. Ao contrário dos pastores
consagrados, eles não precisam ser casados e não podem realizar batismos nem casamentos.
(MARIANO, 1999, p. 63)
132
Tavolaro, 2007, p. 106.
72
Os comandantes da Universal não negam que são rigorosos com a conduta de seus
pastores. Deslizes, seja na administração do templo, seja na vida pública, são alvos de
punição. “O povo, os obreiros e os demais pastores fiscalizam. Recebemos denúncias
por e-mails, cartas, telefonemas. E quando comprovadas, somos radicais, o pastor é
imediatamente desligado”
133
, conta o bispo Edir Macedo. Assim, para ele, a
arrecadação de dízimo não é fator principal em uma trajetória bem sucedida de sucesso
profissional de um líder iurdiano.
Mas a atitude de fornecer uma contribuição mensal destinada à instituição
religiosa não é facultativa. Embora uma pesquisa de opinião apresentada por
Campos
134
mostre que 12.5% dos fiéis iurdianos não contribuem com o zimo, os
pastores demonstram em seus discursos a obrigatoriedade de se “ofertar à Deus”,
como uma necessidade para obtenção de graças divinas. Perceba como o discurso
iurdiano coloca a figura do divino como uma entidade endividada com o fiel devoto e
dizimista:
Segundo os pressupostos de Macedo (O Globo, 29.04.90), é inadmissível Deus
deixar de cumprir o que Ele um dia teria prometido. “A Bíblia tem mais de 640
vezes escrita a palavra oferta. Oferta é uma expressão de fé. Se Deus não
honrar o que falou três ou quatro mil anos atrás, eu é que vou ficar mal”.
Temos aqui, não mais um ser humano endividado, mais sim um “deus
endividado”. Essa dívida com Deus começa quando o filho de um iurdiano ainda
é um rem-nascido. Para as crianças não o batismo, mas sim o “dízimo
mirim”, uma oferta dada pelos pais para garantir o crescimento da criança com
saúde e prosperidade. (CAMPOS, 1997, p. 371)
É também dada como justificativa recorrente da constante exigência do
pagamento do dízimo a repetição de um pensamento atribuído ao santo de devoção
católica São Francisco de Assis. Diz a tradição cristã que São Francisco negou a
condição social privilegiada que possuía e distribuiu os bens que herdara de seu pai
aos menos favorecidos economicamente. Porém, na ótica iurdiana, a doação não é
voltada para o próximo, mas sim direcionada diretamente aos interesses divinos, ou
133
Tavolaro, 2007, p. 213.
134
Campos, 1999, p. 194.
73
seja, ao pagamento do zimo às lideranças religiosas. Com o lema, “É dando que se
recebe”, arrecada-se muito dinheiro e se promete inúmeras graças.
Além de pastores que não possuem habilidades suficientes para comover
a multidão de fiéis e consequentemente obter sucesso financeiro em prol do templo, as
mulheres também não são bem vistas à frente dos templos. Embora existam, as
pastoras não recebem o mesmo prestígio dedicado aos seus colegas de profissão do
sexo masculino. A Iurd possui uma postura machista e acaba por conduzir suas
pastoras a seguirem seu caminho de pregação em outras denominações evangélicas.
Em entrevista à revista Veja datada de 06 de dezembro de 1995, a esposa do bispo
Edir Macedo declara que para seu marido a mulher o pode atrapalhar o homem. "O
Edir acha que mulher não pode mandar em casa, que deve ser discreta na hora de se
vestir, que deve falar pouco, que deve ser boa e e boa dona-de-casa". A orientação
que se faz às mulheres da Universal é que elas sejam submissas e obedientes a seus
maridos
135
. Para o bispo Macedo a submissão feminina deve ser encarada como algo
natural, amparado por preceitos bíblicos. Os pastores e bispos, bem como os fiéis, são
orientados a se colocaram como “os lideres” no relacionamento conjugal. “Quando a
mulher manda no marido, o pastor o cresce. Ela domina e o certo. (...) O mais
bonito na mulher é a sua simplicidade, a elegância de sua discrição”
136
, assim
aconselha Edir Macedo.
É importante notar que existe uma rotatividade entre os líderes do templo.
A estadia de um pastor em uma comunidade não excede os dois anos. Esta é uma
estratégia da direção da Iurd, uma tentativa de evitar uma maior proximidade entre
pastor e fiéis para que o primeiro não tenha tempo para formar um grupo dissidente da
Universal.
A vida dos pastores não é fácil. Em média, um pastor participa de quatro a
cinco cultos por dia, além de prestar atendimento aos fiéis antes e depois dos
encontros. A dedicação tem de ser intensa e as pressões dos superiores fazem parte
do dia-a-dia. É comum notar a existência de ex-pastores, ou seja, fiéis que
135
Mariano, 1999, p. 61.
136
Tavolaro, 2007, p. 226-227.
74
abandonaram o ministério eclesiástico e voltam a participar dos cultos como fiéis
obreiros.
Também é comum acontecer a expulsão de uma liderança religiosa por
conduta. O regimento dos pastores e bispos é rígido e erros considerados graves
não são perdoados. Veja o relato a seguir, de Douglas Tavolaro. O biógrafo de Edir
Macedo conta o episódio do desligamento de um bispo, convertido há quase vinte anos,
que cometeu adultério. Em uma sala fechada, no Rio de Janeiro, em que a platéia era
formada exclusivamente por lideranças iurdianas e suas esposas, o bispo Romualdo
Panceiro, a maior autoridade da Iurd no Brasil quando o bispo Macedo não está no
país, comanda uma reunião. No altar estão o bispo Panceiro e o bispo adúltero.
Enquanto reina um clima de tensão tanto na platéia quanto no altar, Panceiro diz, se
referindo ao seu colega que havia traído sua esposa:
Eu trouxe você aqui para olhar na cara desses pastores. Durante esse tempo
todo você pregou a fidelidade para eles, não foi? Dizia que era importante ser fiel
a Deus e à sua mulher. Dizia que a salvação de sua alma dependia dessa
fidelidade, não foi? Porque é o que a Bíblia diz, é o que nós acreditamos, é o que
nós vivemos. Você cobrou isso deles. E agora? (...) Por favor, nos licença.
Essa reunião é somente para homens e mulheres de Deus, pastores da Igreja
Universal. A partir de hoje, você não é mais nada na igreja. (TAVOLARO, 2007,
p. 105-106)
Assim, é diminuído em uma unidade o número de 9.660 pastores e bispos
que comandam a Igreja Universal do Reino de Deus, em 4.748 templos espalhados por
todos os estados brasileiros e pelo mundo
137
.
137
Tavolaro, 2007, p. 243.
75
2. 4 Mídia e Igreja Universal
se falou da estrutura e da criação da Igreja Universal do Reino de
Deus. Não se poderia esquecer do trabalho de assistência aos mais necessitados e
carentes de apoio financeiro e espiritual. A caridade também é uma das características
da Universal. Veja o fragmento a seguir:
No Rio de Janeiro, a Universal mantém dois orfanatos e dois asilos e oferece o
curso de alfabetização Ler e Escrever, reconhecido pelo MEC, que alfabetiza
adultos até a série, em mais de duzentas comunidades. Em São Paulo, em
1992, assumiu a direção da Sociedade Pestalozzi, que possui escolas e sustenta
projetos assistenciais para crianças excepcionais. Delegacias e presídios formam
outra área de atuação proselitista e assistencial da igreja, que tem por hábito
doar bíblias e às vezes até dios (para que o novo crente acompanhe o
radioevangelismo da igreja) aos presos que aceitam a Cristo." (MARIANO, 1999,
p. 60)
Tal citação revela sua importância não apenas pelo fato de demonstrar
que, a exemplo do que acontece com o catolicismo, o kardecismo, a umbanda, o
candomblé e as denominações protestantes e evangélicas, a caridade tem um papel
marcante na doutrina iurdiana. É interessante perceber que, como complemento da
ação caridosa, é, por vezes, ofertado um aparelho radiofônico. Desta forma, pode-se
perceber a valorização dos meios de comunicação de massa, por parte da Igreja
Universal, como alternativa de pregação de sua doutrina e suas posturas frente ao
cotidiano da população.
Perceba, no fragmento de uma entrevista que o ex-líder iurdiano Carlos
Magno concedeu ao Jornal da Tarde de 02 de abril de 1991, a estratégia da Igreja
Universal de utilização dos meios de comunicação na implantação e expansão no
número de templos:
A implantação da igreja é praticamente igual em todo lugar. Em João Pessoa,
por exemplo, consegui um horário na rádio e comecei a pregar o evangelho.
Arranjei um clube e marquei para fazer reuniões aos domingos. Muita gente ia
porque ouvia o rádio. Começa assim: um núcleo a partir de um programa de
rádio ou televisão e dali nasce a igreja. Só então você aluga um lugar para reunir
as pessoas. Foi assim que começou a Universal no Rio, com horário alugado na
Radio Metropolitana, na época um programa de 15 minutos. Em Natal, eu
76
implantei a igreja e consegui um horário na televisão, coloquei na TV Ponta
Negra, do senador Carlos Alberto, e depois de 15 dias fui fazer a reunião. É
assim que implantei a Universal em todos os estados do Nordeste, exceto no
Ceará. (MARIANO, 1999, p. 72)
O controle de meios de comunicação se mostra não só como eficaz
promotor de evangelização e de preconceito com as religiões afro-brasileiras, dentre
elas a umbanda, o candomblé e a quimbanda, mas também como instrumento de
dominação cultural, de barganha política e de expansão de número de fiéis, por meio
da visibilidade midiática, e de patrimônio. Não é por acaso que é comum, as catedrais
iurdianas possuírem em sua estrutura estúdios equipados de rádio e tevê
138
.
Tudo começou com o aluguel de horários em rádios. É importante
ressaltar que os horários preferidos eram aqueles que sucediam a programas de pais e
mães-de-santo
139
. Assim, buscavam conquistar aquela audiência cativa e que,
segundo o ponto de vista dos pastores, precisava ser exorcizada das forças maléficas
que se faziam presentes através das práticas da umbanda e do candomblé,
principalmente. No início, bispo Macedo apresentava um programa de 15 minutos, na
rádio Metropolitana, do Rio de Janeiro, com o nome de O Despertar da Fé, com o
tradicional conteúdo com conselhos espirituais e relatos de graças impossíveis
alcançadas. Dada a habilidade de comunicador, o bispo não demorou em expandir
suas pregações para outras emissoras. Em pouco tempo já apresentava seus
programas na Radio Record e na FM 105.
O crescimento da audiência e o aumento no número de fiéis no templo fez
com que Edir Macedo tivesse a certeza de que a mídia tinha participação direta em seu
sucesso como guia espiritual. Ele então, no inicio da década de 80, compraria seu
primeiro veículo de comunicação: adio Copacabana. “Para adquirir a rádio, Edir teve
de vender nossa casa em Petrópolis. Um lugar que gostávamos muito. Mas ele ficou
todo feliz, porque teria 24 horas para fazer anúncios da igreja, para convidar os fiéis
para os outros templo”
140
, lembra Ester Macedo, esposa de Edir. O bispo Manoel
Francisco da Silva, religioso iurdiano pioneiro, hoje executivo da Record Internacional
138
Tavolaro, 2007, p. 251.
139
Mariano, 1999, p. 66.
140
Tavolaro, 2007, p.144.
77
nos Estados Unidos, não se esquece da determinação de seu superior máximo na
hierarquia iurdiana. Ele sempre dizia que era preciso usar a com inteligência. E
quando não havia sequer cinco minutos de rádio alugado, ele repetia que seria dono de
uma emissora de televisão”
141
, conta ele, acerca da fé de Edir Macedo.
Segundo o censo nacional de 1980, 55% das residências brasileiras
possuíam televisores. Com o declínio do número de ouvintes, as transmissões
radiofônicas não eram mais suficientes e a Iurd passou a investir e buscar mercado na
imprensa escrita e também na televisão. Os jornais de início eram apenas panfletos
doutrinários. Passaram no decorrer dos anos a publicações com roupagem jornalística,
embora ainda com teor doutrinário marcante, mesmo que por vezes implícito.
Na tevê acontece algo mais impressionante ainda. A primeira empreitada
televisiva aconteceu na extinta TV Tupi. Durante a madrugada, com alcance ainda
restrito, o então conhecido pastor Macedo fazia sua estréia na televisão brasileira
142
. Na
década de 80, o programa Despertar da Fé ocupava apenas alguns minutos alugados
na Rede Bandeirantes, em âmbito nacional. Tal empreitada culminou, em novembro de
1989, em uma transação milionária, na faixa de 45 milhões de dólares, em que a
Universal do Reino de Deus, através do bispo Edir Macedo, adquiriu a Rede Record de
Televisão e Rádio, uma das emissoras mais tradicionais do Brasil, muito embora em
estado de falência.
A Record seguia o caminho trilhado por outras emissoras de televisão
pioneiras, como a TV Excelsior, Continental e Tupi que acabaram falidas. A emissora
era de propriedade da família Machado de Carvalho e do empresário e apresentador
Silvio Santos. Para o empresário Paulo Machado de Carvalho, a Record deixou de ser
lucrativa em virtude das interferências constantes que Silvio Santos fazia na
programação, atitudes estas que Carvalho classificou de “loucuras”. “Ele queria passar
três vezes o mesmo filme em um dia. Silvio Santos é um extraordinário vendedor, um
homem de grande intuição comercial e um péssimo diretor de programação”
143
,
confessa. Dada a crise financeira e os desentendimentos entre os sócios, os rumores
que de a Record estaria à venda interessaram o bispo Macedo.
141
Tavolaro, 2007, p. 143.
142
Tavolaro, 2007, p. 145.
143
Tavolaro, 2007, p. 152.
78
Por meio de intermediários, fechou o negócio e isso significou o
surgimento de uma série de preocupações, conforme relembra o bispo Macedo.
Quando os intermediários informaram que o real comprador da emissora seria o bispo
Edir Macedo, Silvio Santos chegou a cogitar não finalizar o negócio
144
. Mas, em virtude
da urgência em se desfazer da Record, a transação foi concretizada com o pagamento
de uma entrada de 14 milhões de dólares e mais um pagamento parcelado em 36
meses de um montante de 31 milhões de dólares
145
.
Edir Macedo acabou sendo beneficiado pelo Plano Collor, estratégia do
governo que confiscou o dinheiro depositado em contas bancárias e fez a cotação do
dólar despencar. Como as parcelas eram reajustadas segundo o valor da moeda norte-
americana, as parcelas acabaram pagas com facilidade, antes mesmo do prazo
previsto em contrato. O bispo Macedo não tem dúvidas de que esse foi um milagre em
sua vida. “O Plano Collor ajudou a mim no Brasil inteiro, mais ninguém. Sorte?
Acaso? Coincidência? Cada um acredite no que quiser. Eu tenho certeza de que foi
Deus”
146
.
Mas o milagre acabou ai. O bispo Macedo passou a ser alvo de
investigação acerca da origem do capital que possibilitava tal aquisição. Edir Macedo
conta que não imaginou que incomodaria tanta gente:
Passei por períodos apertados, sem dinheiro para pagar meus compromissos.
Tentaram me asfixiar com processos, era intimação atrás de intimação. Polícia
Federal, polícias estaduais, Receita Federal, Ministério Público, juízes. Quando o
telefone tocava, meu coração disparava. (...) Vasculharam minha vida, minha
família, a igreja. Não imaginava o que viveria a partir do dia em que decidi
comprar a Record. (TAVOLARO, 2007, p. 150)
O ministro de Infra-Estrutura do governo Collor, João Eduardo Cerdeira de
Santana, o representante do governo responsável por conceder a concessão pública de
televisão ao bispo Edir Macedo, revela que existiam pressões de diversos setores da
imprensa para que a venda da Record fosse vetada. “Não era do gosto do Grupo O
Estado, da família Mesquita, e do Grupo Abril. Nunca houve uma ação direta, mas eles
144
Tavolaro, 2007, p. 155.
145
Tavolaro, 2007, p. 154.
146
Tavolaro, 2007, p. 159.
79
queriam muito entrar no mercado da televisão. Havia uma pressão velada”
147
. Somente
em 1992, o presidente Fernando Collor de Mello assinou o processo que dava a
concessão da Record a Edir Macedo
148
.
Passado este período de turbulência, ao contrário do que se poderia
esperar de um segmento religioso em expansão, a direção da Igreja preferiu não alterar
drasticamente a programação da emissora. Enquanto se esperava que programas
religiosos povoassem toda a grade de atrões, a exemplo do que hoje acontece com a
TV Canção Nova e com a Rede Vida, esta com menos intensidade que a primeira, a
Record continuou com uma política de investimento em entretenimento, programas de
auditório, filmes e teledramaturgia. Silvio Santos não titubeou em prever, de maneira
equivocada, o que aconteceria com a Record comandada pelo principal guia da
Universal. “Esses caras vão transformar a Record em uma igreja eletrônica e vão tomar
dois pontos da minha audiência lá na frente”, afirma o “Homem do Baú”
149
.
O bispo Edir Macedo afirmava, na época da compra da emissora, que sua
intenção era fazer da Record uma tevê moderna, profissional e com destacado papel no
mercado de comunicação
150
. É importante ressaltar que Edir Macedo não conseguiu
manter por muito tempo a função de principal liderança da Iurd e executivo da Rede
Record. Como a prioridade era a pregação religiosa, Edir Macedo colocou a Record nas
mãos de “pessoas de confiança”
151
. Atualmente a Record é uma empresa com um
patrimônio estimado em 2 bilhões de dólares. Tem seis mil empregados e atinge, por
meio de suas 99 emissoras próprias e afiliadas, 98% do território nacional. A Record
Internacional está em plena expansão e seu sinal é captado por 125 países pelo
mundo
152
.
147
Tavolaro, 2007, p. 170.
148
Tavolaro, 2007, p. 176.
149
Tavolaro, 2007, p. 155-157.
150
Campos, 1997, p. 287.
151
Tavolaro, 2007, p. 166.
152
Tavolaro, 2007, p. 161.
80
2. 5 Interesses na política
A Igreja Universal do Reino de Deus possui, dentre os ramos de atividade
que atua, participação no cenário político brasileiro
153
. Essa participação não é recente
e aconteceu antes mesmo da compra da Rede Record. A Universal do Reino de Deus
lança candidatos próprios desde 1982
154
. Atualmente, sete deputados federais, 19
deputados estaduais, 91 vereadores e um senador foram eleitos com votos dos fis e
compõem a bancada iurdiana nas principais esferas da política nacional
155
.
Mas a Iurd o restringe sua atuação política no lançamento de
candidaturas próprias. A direção da igreja possui relacionamentos com políticos que
além de possuírem influência nas decisões políticas do país, também carregam consigo
expressivo número de eleitores. É o caso, por exemplo, do ex-governador de o
Paulo, Orestes Quércia, do também ex-governador paulista Paulo Maluf, ou ainda, do
senador Cristovam Buarque
156
. Quando se fala em presidentes, a Universal esteve do
lado de todos aqueles que foram eleitos diretamente. Em 1989, apoiou Fernando Collor
de Mello. Numa empreitada anti-Lula, o voto iurdiano foi para Fernando Henrique
Cardoso, em especial no primeiro mandato
157
.
Mas o apoio nas eleições não significou satisfação durante o governo. Edir
Macedo se decepcionou especialmente com FHC, uma vez que o ex-presidente pouco
se relacionou com apula iurdiana. Mas com Fernando Collor o ressentimento é
maior. O motivo: um acordo verbal entre o líder religioso e o então candidato à
presidência. Durante a campanha eleitoral em que os brasileiros iriam escolher
diretamente o presidente, depois de um longo período ditatorial, o bispo Macedo
declarou publicamente seu voto ao jovem candidato do PRN. Em um dos encontros
com Collor, ainda em inicio de campanha, Edir fez um pedido. “Quero fazer a oração no
dia de sua diplomação a presidente. Vai ser a primeira vez que um pastor irá orar por
153
Não se atreve precisar de que partidos tais políticos são membros, uma vez que a troca de legenda
partidária é uma das práticas mais corriqueiras entre os homens da política brasileira. Mas se pode dizer
que é expressivo o mero de filiados ao PRB, Partido Republicano Brasileiro.
154
Campos, 1997, p. 91.
155
Tavolaro, 2007, p. 217.
156
Tavolaro, 2007, p. 220.
157
Mariano, 1999, p. 92.
81
um líder da nossa nação”
158
. Passados alguns meses, o candidato azarão venceu Lula
no segundo turno e Edir teve seu pedido ignorado em 1º de janeiro de 1990.
Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o bispo Macedo possui
relacionamento amistoso. Embora tenha sido oposição a Lula no passado, Edir afirma
que foi Cristovam Buarque que desfez a imagem negativa que tinha da liderança
petista. Lula já foi comparado ao Demônio em reportagens publicadas pela Folha
Universal. Edir Macedo conta que se desculpou com o presidente pelo ocorrido.
“Presidente, antes de começar nossa conversa, gostaria de esclarecer que o motivo
que levou nosso jornal (...) a afirmar que o senhor era o diabo. Nós tínhamos um
conceito errado. O Cristovam me ajudou a mudar de opinião”
159
.
Foi durante o governo Lula que a bancada iurdiana foi acusada de
envolvimento com esquemas de corrupção. Mais de 10 deputados foram afastados por,
supostamente, fazerem parte do esquema de recebimento ilícito de recursos
financeiros, o chamado “mensalão”. A principal perda, com o escândalo, foi a do ex-
deputado federal Carlos Rodrigues que renunciou em setembro de 2005. Em razão das
denúncias, Rodrigues, um dos pioneiros da Iurd, foi desligado da função de bispo. “É o
que expliquei sobre a disciplina da Igreja Universal. As leis devem valer para todos,
sejam quem for, não importa o título que ocupar. (...) Não abrimos mão da decência
moral”, afirma o bispo Macedo, amigo pessoal de Rodrigues
160
. Atualmente, a maior
liderança iurdiana na política é o senador, bispo e cantor Marcelo Crivella. Senador pelo
Rio de Janeiro, foi candidato a governador daquele estado e também à prefeito da
capital fluminense.
158
Tavolaro, 2007, p. 218.
159
Tavolaro, 2007, p. 220.
160
Tavolaro, 2007, p. 221.
82
2. 6 A expansão iurdiana
Fica ainda a questão: como uma instituição religiosa de pouco mais de
vinte anos conseguiu conquistar um verdadeiro império financeiro, principalmente na
área de comunicações? Não seria incorreto dizer que a formação deste conglomerado
de empresas se deu em virtude da expansão do número de fiéis e da arrecadação dos
templos iurdianos. Também não se poderia esquecer que, não fossem a dedicação
voluntária de obreiros, o sacrifício de pastores em busca de aumentar o Reino de Deus
e a valorização dos meios de comunicação por parte dos dirigentes da Igreja tal
sucesso nunca teria sido atingido.
Pode-se dizer que tanto os meios de comunicão ajudaram no processo
de ampliação de fiéis e de templos como tamm que o impressionante crescimento da
Universal em vinte anos foi imprescindível para que Macedo se tornasse um dos
empresários mais bem sucedidos do país.
A Iurd teve um crescimento no número de adeptos incomum no contexto
nacional. Nenhum outro segmento evangélico, ala renovadora católica ou qualquer
outra denominação religiosa foi tão eficiente na conquista de fiéis quanto a Universal.
Em 1980, apenas três anos após a sua fundação, a igreja do bispo Edir Macedo
contava apenas 21 templos espalhados por cinco estados brasileiros. Um ano antes da
compra da Rede Record de Televisão e Radio, em 1988, o número de templos era de
437 distribuídos em 21 estados brasileiros, além de outros três nos Estados Unidos e
mais um no Uruguai. É importante notar que os estados que apresentam maior
concentração de fis são o Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, o coincidentemente,
os estados que concentram um maior número de adeptos do kardecismo e de religiões
afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda. Como a luta entre o bem e o mal é
foco de destaque na doutrina iurdiana, tais estados se mostram como lugares que
possuem potencial para aumentar o número daqueles que fazem parte do Reino de
Deus.
Apesar de uma expansão constante, a Igreja Universal do Reino de Deus
não possui uma imagem positiva junto aos brasileiros não iurdianos. É possível que
isso ocorra em virtude de constantes denúncias e ataques tanto à doutrina da Iurd
quanto às lideranças religiosas dessa religião, que pautaram a imprensa nacional,
83
durante anos. Acusavam principalmente o bispo Edir Macedo de estelionato,
charlatanismo, curandeirismo, extorsão e exploração da credibilidade pública. A Iurd se
defende apontando tais acusações, contra o bispo e contra a Igreja, como estratégia da
Rede Globo, da família Marinho, que visa arranhar a credibilidade de sua concorrente, a
Record, de propriedade do grupo Universal. O bispo Edir Macedo não esconde que
possui inimigos. Mas duas instituições, em especial, são seus principais antagonistas: a
Igreja Católica e a Rede Globo. “Eu até entendo tantos ataques, realmente motivos
para isso. A Igreja Universal incomoda, a Record incomoda. Nós assustamos. Nosso
crescimento assustou muita gente na época da minha prisão e continua assustando até
hoje”
161
.
Macedo ficou preso por alguns dias, em maio de 1992 e causou comoção
de fiéis que não hesitaram em protestar pedindo justiça enquanto o líder espiritual
posava para fotógrafos com a Bíblia em punho e concedia entrevistas com ar de
serenidade. Passados mais de 15 anos do acontecimento, o bispo Edir Macedo explica
o porquê de sua postura serena no cárcere e compara o seu martírio com o vivido por
Jesus Cristo:
Eu sabia que a prisão me traria enormes benefícios. Sabe por quê? Porque eu
era a vítima, e a vítima sempre ganha. Nunca o algoz. Eu tinha certeza de que o
trabalho se desenvolveria ainda mais, não apenas no Brasil, mas em todo o
mundo. É a recompensa do sacrifício. (...) A minha prisão ajudou o povo a
entender as suas lutas. Jesus sofreu injustiça, foi preso também. Os membros da
Igreja compreenderam que as injustiças fazem bem para a fé. É a garantia de
vencer na frente. (...) Fui preso por qual motivo? O que eu tinha feito? Eu
roubei? Eu matei? O que eu fiz? Eu acusei, machuquei, agredi alguém? Ofendia
alguém? Não, eu não fiz nada disso. (TAVOLARO, 2007, p. 24-25)
A Iurd então adotou o discurso de ser a vítima de uma perseguição
realizada principalmente pela Rede Globo. E as matérias jornalísticas que atacavam a
Universal tiveram um reflexo considerável na opinião pública. É evidente que tais
ataques, que rebaixavam seu principal guia espiritual num criminoso, capaz de enganar
e de explorar a simplicidade de seus fiéis por meio de argumentos de e de salvação,
não são recebidos sem indignação pelos crentes iurdianos. Lucidalva Bernardo de
161
Tavolaro, 2007, p. 27.
84
Figueiredo, 71, convertida há 30 anos, afirma que, com a ajuda da fé inteligente, não se
aborrece mais quando escuta críticas a Edir Macedo. “Eu ficava com ódio quando
chamavam o bispo Macedo de ladrão, quando diziam que ele fez lavagem na cabeça
da gente. Antigamente eu xingava, agora digo: Jesus, tenha misericórdia desse
pessoal’”
162
, conta a idosa que diz que já recebeu um milagre: a cura de um câncer na
garganta.
Em pesquisa encomendada pelo jornal Folha de S. Paulo, o Datafolha
entrevistou 1.079 pessoas residentes na capital paulista. Foram questionados a
respeito da imagem que tinham da igreja. Os resultados apontaram que 70% dos
entrevistados ligaram a Iurd a aspectos negativos; 19% acusaram-na de charlatanismo;
16% de exploração; 11% de desonestidade. Mais da metade da amostra de pesquisa,
54%, disseram que crêem que a igreja usava dízimos e ofertas em benefício de seus
líderes
163
.
Durante a década de 90, em especial no ano de 1995, a relação entre
Rede Globo e Rede Record foi marcada por conflitos e acusações. Destacam-se dois
episódios, pela repercussão que tiveram na mídia nacional: a exibição da minissérie
Decadência, na emissora líder de audiência no Brasil, e o “chute na santa” na tevê
iurdiana.
Em Setembro de 1995, ia ao ar, a produção de teledramaturgia
Decadência, de Dias Gomes. Seria mais uma das inúmeras produções globais,
recheadas de paixões impossíveis, de protagonistas honrados e de vilões
inescrupulosos, que mais tarde seria exportada para o mercado latino e europeu, se
não fosse pela particularidade do tema que abordava. Gomes conta a história de dom
Mariel, personagem interpretado por Edson Celulari, que era um pastor da fictícia Igreja
Divina Chama. Na trama, o pastor engana o povo, é corrupto, mulherengo e faz uso da
instituição religiosa que comanda para explorar a massa de fiéis, representada por
indivíduos acríticos.
164
A Globo se manifestou oficialmente, por meio de editorial na data de
estréia da minissérie, que Decadência não tinha a intenção de atacar a Iurd. Dias
162
Tavolaro, 2007, p. 142.
163
A veiculação desta pesquisa data de 14 de janeiro de 1996.
164
Mariano, 1999, p. 81.
85
Gomes se defendia dizendo que apenas contava a história de um pastor corrupto que
liderava uma denominação evangélica que existia na ficção. Porém, no decorrer da
trama, foram localizados, nas falas de dom Mariel, exatas 14 frases que foram
pronunciadas pelo Bispo Macedo em uma entrevista à Revista Veja, no ano de 1990
165
.
A Igreja Universal, obviamente, se sentiu agredida pela Globo e passou a
usar seus meios de comunicação para o contra ataque nas acusações. Por meio do
jornal Folha Universal e do programa televisivo 25ª Hora, a Iurd atacava o fundador das
Organizações Globo, o jornalista Roberto Marinho e acusava a Globo de promover a
perseguição aos fiéis evangélicos.
O fato de ser acusado de charlatanismo, de curandeirismo, de estelionato
e de explorar a credibilidade alheia ainda incomoda o bispo Edir Macedo. Para ele, a
doutrina iurdiana sofre uma perseguição incomum no território brasileiro:
Charlatão? Curandeiro? Por quê? Porque prego o poder da oração pela fé?
Porque prego o que a Bíblia ensina? (...) A quem eu enganei? A quem eu
ultrajei? A quem eu roubei? A quem eu fiz mal? A pergunta é essa: a quem eu fiz
mal? Quem foi prejudicado pelo meu trabalho? (...) A Igreja Universal tem a
mesma doutrina trinta anos, e ela cresce em todo o mundo. E por que
cresce? Porque as pessoas estão sendo enganadas? Estão sendo vítima de
estelionato? A Igreja cresce em países desenvolvidos e não sofre preconceitos
como em nosso país. (...) Por que só no Brasil somos vítimas de tantos ataques?
(TAVOLARO, 2007, p. 26)
O outro episódio citado foi o “chute na santa”. No mês seguinte a exibição
da minissérie pela Globo, a Record iria exibir, no feriado nacional de 12 de Outubro, o
programa de pregação religiosa de maior repercussão na mídia brasileira. No dia da
padroeira católica do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, o bispo iurdiano Sérgio von
Helde, então um religioso com um futuro promissor na igreja já que na época do
incidente ele era responsável pela Iurd no Estado de São Paulo, chamou, enquanto
apresentava O Despertar da Fé, a imagem da santa de “boneco feio, horrível e
desgraçado”. Enquanto o bispo fazia tais declarações, arrastava e tocava com o e
165
Mariano, 1999, p. 82.
86
com as mãos a imagem de Nossa Senhora
166
. Veja a transcrição de um trecho do
programa, apresentado por Von Helde:
Nós estamos mostrando que isso aqui não funciona. Olha só, olha (socos e
chutes na imagem). Não é santo coisa nenhuma. Isso aqui não é Deus coisa
nenhuma. Quinhentos reais, meu amigo. Isso, cinco salários mínimos, é quanto
custa no supermercado essa imagem. E tem gente que compra. Agora, se vo
quiser um santo, uma santa mais barata, você encontra até por 100. Será que
Deus, o criador do Universo, pode ser comparado a um boneco desse tão feio,
tão horrível, tão desgraçado? (TAVOLARO, 2007, p. 196)
Esta ocorrência foi pauta, primeiramente, dos principais telejornais e
jornais do conjunto de meios de comunicação da família Marinho. No dia seguinte, toda
a mídia comentava, exibia as cenas da pregação televisiva e conseqüentemente
colocava a opinião pública contra a Record e a Universal. O que foi tratado como um
ataque aos valores da tradição católica no país pode também ser visto, segundo a
impressão da cúpula iurdiana, como uma estratégia de deteriorar a imagem e a
credibilidade de uma emissora que mostrava ascensão no mercado midiático. É
possível que os interesses não sejam de ordem religiosa, ou cultural, mas sim
meramente econômicos.
Mas independente da maneira com que os veículos de comunicação se
utilizaram do programa para atacar a Record e a Iurd, o bispo Macedo reconhece o
equívoco do pastor Sergio von Helde e qualifica a atitude de seu então subordinado de
infantil
167
. Edir Macedo se refere ao caso como o “maior erro” da Iurd:
Na hora soube que foi um erro... Nosso maior erro. (...) O Sérgio criou um
problema na igreja. Atrasou nosso trabalho em dez anos. Ficamos parados no
tempo por causa daquele chute. Atrapalhou a igreja, atrapalhou todos os nossos
projetos. Nós estaríamos na frente, poderíamos ter ajudado muito mais gente
se não fosse aquele ato imprensado – reflete Edir. (TAVOLARO, 2007, p.196)
166
Mariano, 1999, p. 83.
167
Embora Sergio von Helde tenha permanecido com cargo religioso na Iurd por mais 11 anos, ele foi
vítima do rigoroso colegiado de bispos iurdianos. Acusado de maltratar outros pastores na Universal de
Nova Iorque, foi desligado da Igreja Universal em 2006. (Tavolaro, 2007, p. 197)
87
Mas os reflexos do “chute na santa” não se restringiram apenas no âmbito
religioso. Apesar dos protestos, por todo o país, de repúdio não apenas aos iurdianos,
mas também aos evangélicos em geral, por meio de passeatas e até mesmo de
ataques a templos realizados por fiéis católicos indignados, o evento midiático afetou o
setor comercial do grupo Universal. Grandes contratos publicitários foram rescindidos,
uma vez que os anunciantes não queriam associar seus produtos à uma emissora que
desrespeitava a santa padroeira de maior parte dos religiosos do país. A Record estava
em crise. “Foi uma fase turbulenta. Os negócios deixaram de andar. Nosso
departamento comercial foi atingido em cheio”
168
, lembra Demerval Gonçalves, um dos
executivos da Record naquele ano.
Veremos no desenrolar deste trabalho que os gêneros e formatos da
programação comercial da Record influenciam diretamente a maneira como é produzida
a programação iurdiana. Mas neste caso do “chute na santa”, o caminho da influência
se inverte, uma vez que um programa iurdiano é que causou impacto, neste caso
negativo, na lucrativa programação comercial da Record.
168
Tavolaro, 2007, p.197.
88
2. 7 A Iurd pelo mundo
A Igreja Universal não abalou seus ânimos e a preocupação em expandir
não se restringiu ao Brasil. Em 1998, a Igreja Universal do Reino de Deus encontrava-
se instalada em 52 países
169
. Passados menos de dez anos, com dados atualizados até
outubro de 2007, a Iurd está presente em 172 países. Isso representa uma presença
em âmbito mundial superior, para se ter uma idéia, a empresas gigantes como a marca
de cigarros Marlboro, presente em 160 países, ou ainda, a rede de fast food Mc
Donald´s, com lanchonetes em 118 países. Para atender a essa demanda crescente de
fiéis, a direção da Universal confirma que, a cada 15 dias, um pastor brasileiro é
transferido para fora do país
170
.
Dada tamanha expansão de templos pelo mundo afora, a Iurd deixa de
ser apenas o expoente mais expressivo do neopentecostalismo brasileiro. A igreja do
bispo Edir Macedo ganhou o status de religião global. Veja o que diz Paul Freston,
especialista em fenômenos religiosos, citado por Tavolaro:
O processo pelo qual a Igreja Universal tem se expandido por várias dezenas de
países é um capítulo importante de uma das principais transformações religiosas
do final do século 20: a transformação do pentecostalismo em religião global e a
mudança do centro, não numérico mas também do impulso expansionista
internacional, para regiões distantes dos centros históricos do protestantismo.
(TAVOLARO, 2007, p. 245)
Uma marca importante dessa empreitada pelo exterior é a construção, a
exemplo do que acontece no Brasil, de templos luxuosos e com capacidade de abrigar
milhares de fiéis. A esses templos presentes em locais e cidades estrategicamente
escolhidos é conferido a denominação de catedrais. Na Argentina, país em que a
pregação iurdiana já está presente em todas as 36 províncias do país, a Iglesia
Universal Del Reino de Dios possui cinco catedrais, construídas nos últimos 15 anos,
além de outros 160 templos, aproximadamente. Trata-se da sede estrangeira mais forte
da Iurd. Segundo o bispo Marcus Vinícius Vieira, a principal liderança naquele país, não
empecilhos na pregação, apesar da tradicional rixa entre argentinos e brasileiros.
169
Mariano, 1999, p. 65.
170
Tavolaro, 2007, p. 245.
89
“Eles nos tratam como vizinhos. São sempre muito educados e atenciosos. Os pastores
exercem sua vocação à vontade”
171
.
A catedral em território canadense é um prédio de três andares localizado
em Toronto. O templo-maior da Universal no Equador, um prédio avaliado em oito
milhões de dólares, tem 7.500 metros de área construída. Nos Estados Unidos existem
mais de 130 templos, sendo que o principal deles tem a capacidade de acolher 2.300
fiéis. O crescimento é constante em terras portuguesas. Embora, em Lisboa, exista
uma catedral com 3.500 poltronas estofadas, um projeto que deve estar realizado
até o final de 2008, de uma outra catedral, no Porto, com acomodações para 3 mil
iurdianos. No Reino Unido, em um prédio que foi palco dos Beatles, em inicio de
carreira, hoje tem como atração os cultos da Iurd. Existem projetos de catedrais em
andamento na Itália, na Romênia, na França, na Costa do Marfim, na Nigéria, na
Jamaica, dentre outros países
172
.
Um destaque especial deve ser dado à pregação no continente africano.
Na África do Sul, existe uma das catedrais mais exuberantes da Universal fora do
Brasil. Com um investimento no empreendimento de cerca de 20 milhões de dólares, a
Universal ganha espaço naquele país em que a primeira igreja iurdiana foi fundada em
1992. “Vamos construir uma catedral como esta (a catedral de Johannesburgo) em
cada capital da África. O lugar que o mundo rejeita é o foco da Igreja Universal. Os
excluídos eram o foco de Jesus”, informa o bispo Edir Macedo
173
. O bispo Macedo faz
questão que todas as catedrais sejam luxuosas e exuberantes. Para ele, gastar na
construção dessas catedrais, em especial em lugares pobres, tem um objetivo:
O objetivo é abrir a cabeça do pobre que oferta. Na sua casa, ele senta em
sofá rasgado ou até no chão. Na igreja, ele é honrado. Tem o direito de sentar
em uma cadeira estofada, com ar-condicionado, usar um banheiro limpo. Recebe
um atendimento exemplar. Eu quero mostrar que ele é capaz de conquistar
coisas grandes, uma vida melhor. Algo como dizer: “Veja a grandeza de Deus.
Sua casa é um barraco? Olha o que Deus pode fazer. A Igreja Universal também
começou em um barraco, mas olha como está hoje. Você precisa investir nesse
Deus”. (TAVOLARO, 2007, p. 211-212)
171
Tavolaro, 2007, p. 246-248.
172
Tavolaro, 2007, p. 251-254
173
Tavolaro, 2007. p. 262.
90
Questionado acerca da aceitação da doutrina iurdiana pelos estrangeiros,
o bispo Edir Macedo acredita que os preceitos da Universal são facilmente assimilados
por crentes de outros países. “O segredo é a fé. A universalização de nossa mensagem
está na natureza da própria mensagem: o conteúdo da Bíblia é universal e fala a todos
os povos, porque o espírito é um só”, analisa
174
.
Mas não se pode negar que, a exemplo do que aconteceu no Brasil, a
Igreja Universal do Reino de Deus enfrentou dificuldades em seu projeto de expansão
em âmbito mundial. A igreja enfrenta resistências em sua consolidação como segmento
expressivo quanto a número de fiéis principalmente na Europa. Além de ser um
continente tradicionalmente católico e protestante, os europeus impuseram barreiras
legais ao desenvolvimento do segmento neopentecostal.
Como foi dito anteriormente, o governo português conteve o avanço
iurdiano em seu país ao proibir a exibição televisiva de programas com conteúdo
religioso. Na Espanha, uma associação de defesa das "vítimas" da igreja foi criada.
Líderes da Iurd são investigados pela polícia francesa desde o ano de 1995. Na Bélgica
a reação contrária à expansão da Universal foi ainda maior. A câmara dos deputados
daquele país, através de uma comiso de inquérito, considerou a organização
religiosa como uma "instituição criminosa, cujo único objetivo é o enriquecimento"
175
.
Vítima de preconceito, de perseguição política ou não, a Iurd é um
sucesso não no campo religioso mas também no empresarial. As condições para tal
sucesso podem se resumir à habilidade comunicativa do bispo Macedo e dos pastores
em geral, à dedicação dos obreiros
176
, à utilização dos meios de comunicação e ao
respaldo de uma estrutura empresarial que garante a estabilidade financeira da
instituição.
174
Tavolaro, 2007, p. 253.
175
Mariano, 1999, p. 88.
176
O sucesso não se deve apenas a atuação dos obreiros, mas também ao dízimo que pagam à igreja.
Há registros de pastores, na época da compra da Rede Record, que exigiam contribuições de até 20% da
renda dos fiéis. (MARIANO, 1999, p. 77)
91
3. A programação iurdiana
3. 1 A descrição do corpus
A necessidade de descrição do corpus é evidente. Afinal, sem ela, como
poderia o leitor que nunca acompanhou, pelas madrugadas, a programação iurdiana
compreender o desenvolvimento das hipóteses propostas por este estudo? Uma
descrição bem feita é necessária mesmo ao leitor que sabe da existência daquela
programação, que tenha visto algum fragmento de um programa apresentado por uma
liderança da Iurd, enquanto zapeava com seu controle remoto. Mas saber da existência
não obrigatoriamente permite o acompanhamento das reflexões que serão propostas a
seguir. É preciso ir mais a fundo.
Àqueles que, como o pesquisador, acompanham freqüentemente esta
programação será apresentada uma visão que, mesmo passível de contestação,
contribuirá para a compreensão do tele-evangelismo. Serão, a seguir, levantados
apontamentos pertinentes a este estudo. É evidente que outros tantos apontamentos
poderiam ser feitos. Poder-se-ia, como exemplo, obter, com a utilização de ferramentas
semióticas, uma descrição de inegável interesse. Mas esta descrição evidenciará
elementos que permitam a posterior análise segundo os teóricos apresentados na
unidade “Problemas, fontes e métodos”. Outros enfoques, é preciso mais uma vez
ressaltar, desenvolvidos por outros pesquisadores, certamente serão fundamentais
para dar consistência ao fenômeno do tele-evangelismo brasileiro.
Por outro lado, a dificuldade em se descrever, em tornar conhecido o
material a ser abordado, encontra-se na tentação de se transcrever, unicamente, a
mensagem verbal dos produtos midiáticos, no caso de um trabalho que aborde a
comunicação via mídia. Não seria mentiroso afirmar que essa seria uma descrição de
corpus incompleta, uma vez que deixaria à parte do enfoque os componentes não
verbais, tais como disposição dos cenários, postura dos apresentadores, o formato em
que a produção midiática se enquadra, ou ainda, o alcance da transmissão.
Seria ao mesmo tempo fácil para o pesquisador e extremamente
cansativo e repetitivo para o leitor, ter-se a seguir páginas e páginas de transcrições
das falas de pastores-apresentadores e de telespectadores experimentando os limites
da interatividade televisiva. A opção foi por se adotar por uma descrição que privilegie a
92
apresentação dos elementos mais importantes do discurso dos programas
selecionados, tais como as temáticas abordadas, os formatos de discursos, bem como
os componentes não verbais citados. Transcrições de textos verbais serão utilizadas
esporadicamente. Esta dissertação acompanha um DVD (ver anexo), com uma amostra
da programação iurdiana que compõe o corpus. Trata-se do programa Terapia da
Família, de 10 de Maio de 2007, apresentado pelo Bispo Ronaldo de Castro.
No entanto, a programação que efetivamente compõe o corpus de
pesquisa é a chamada programação iurdiana dos dias 07 de Maio de 2007 ao dia 14 de
Maio do mesmo ano. Foram selecionados 42 programas apresentados por lideranças
religiosas da Igreja Universal do Reino de Deus. O prazo de uma semana é uma
amostra que representa o ciclo semanal de pregação nos tempos.
Os cultos nos templos, às segundas feiras, são destinados especialmente
aos que anseiam por sucesso financeiro. É realizada neste dia a “Reunião dos
empresários”. Na terça-feira, a atenção está voltada para os crentes que sofrem com
atuações de forças malignas. É o dia da “Sessão do Descarrego”. O crescimento
espiritual e a busca pelo fortalecimento da fé são os objetivos dos fiéis que forem aos
cultos da quarta-feira. Neste dia, é realizada a “Reunião dos Filhos de Deus”. A
“Reunião da Sagrada Família” é realizada toda quinta-feira. Nela são abordados os
principais problemas familiares enfrentados tanto por iurdianos como por aqueles que
ainda não se converteram. A valorização da importância da família é uma constante. A
sexta-feira é dedicada aos que são vítimas de sofrimentos e que se sentem
fracassados. Na “Corrente de Libertação”, os pastores, bispos e obreiros prometem
mostrar um caminho a ser seguido. Sábado é dia de pensar na vida sentimental. Tanto
aqueles que já possuem parceiro tanto aqueles que não encontram paz na vida a dois
são orientados, na “Terapia do Amor”, para o sucesso no amor. E finalmente, o
domingo é o dia do culto mais festivo, dedicado exclusivamente à adoração do Espírito
Santo. Trata-se da “Reunião de Louvor e Adoração”
177
.
Assim, achou-se oportuna a seleção deste intervalo de tempo, a fim de
evitar que, em suposição a ser verificada na análise do corpus, seja selecionada uma
177
<http://www3.arcauniversal.com.br> , acesso em 22/10/2007.
93
amostra que aborde as impressões iurdianas acerca, unicamente, por exemplo, da vida
sentimental de seus fiéis. A amostra deve englobar o maior número de temas possíveis.
O material que compõe o corpus desta dissertação de mestrado foi
veiculado pela TV Record Regional Bauru, cidade do interior de São Paulo, localizada
na região central do estado, a aproximadamente 350 km da capital. Esta afiliada da
Rede Record transmite a 117 municípios, com um público estimado superior a 2,4
milhões de telespectadores, além da programação nacional da Record, produções
televisivas regionais. A programação regional da Record Bauru é composta por dois
programas jornalísticos, o Balanço Geral, exibido de segunda à sexta-feira, das 12 às
13 horas, e o SP Record, sempre às 19h15, com duração de 30 minutos, veiculado
diariamente, exceto aos domingos. também o Programa Intruso, atração de
entretenimento, nas tardes de sábado e a programação iurdiana regional que vai ao ar,
a exemplo de todas as outras afiliadas, após o término da programação comercial da
Rede Record de Televisão
178
.
Como se pode perceber, é importante ressaltar, a descrição do corpus já é
em si uma primeira análise do material coletado. Trata-se de uma análise mascarada
pela objetividade da descrição, ou ainda, tem-se uma pré-análise. Ficam evidentes, e
isso em nada desqualifica este estudo, os recortes, as opções de destacar este ou
aquele aspecto dos programas iurdianos, a perspectiva metodológica do pesquisador
sobre o tema abordado. Tais diretrizes nortearam a etapa posterior desta dissertação
cujo objetivo central será o de, efetivamente, analisar o corpus.
178
<http://www.recordbauru.com.br/portal/portal.php>, acesso em 27/10/2007.
94
3. 2 Alguns aspectos gerais da programação iurdiana
Acredita-se que o conjunto de programas iurdianos selecionados possui
esta pluralidade de temas. No entanto, é possível observar características comuns a
todos os programas selecionados. A mais marcante de todas é o cenário. Esse é, com
pequenas variações de programa a programa, composto por uma bancada em que o
pastor-apresentador se coloca frente à câmera sentado e por um espaço em cujo fundo
se um monitor televisivo exibindo a logo-marca do programa em exibição. Nesse
último espaço, o pastor-apresentador se coloca em pé, enquanto “conversa” com a
câmera. O figurino dos pastores-apresentadores é semelhante ao usado nos cultos nos
templos, ou seja, sapatos, calças e camisa (ora de manga longa, ora de manga curta)
sociais. Ao contrário da gravata que está quase sempre presente, o paletó não é uma
obrigatoriedade.
O clima dos programas é de descontração. Um espaço em que se busca a
proximidade entre o emissor e o receptor das mensagens. O tom coloquial dos
discursos, o recorrente “oferecer ajuda” à audiência em crise, a preocupação com a
intimidade dos telespectadores, a apresentação de testemunhos que visam promover
uma identificação entre a realidade midiaticamente apresentada, seja por “simulações
baseadas em fatos reais” ou por meio de matérias jornalísticas, e a realidade vivida
pelos receptores, tudo isso conduz a uma sensação de intimidade entre aquele que
apresenta e aquele que assiste. Tal intimidade pode ser constatada no fato de os
pastores-apresentadores se referirem aos telespectadores que com ele interagem por
telefone como amigos. “Boa noite amiga de Bauru, qual é o seu nome?”, seria um
começo de diálogo padrão num programa iurdiano.
A interação estabelecida entre os produtores da mensagem midiática e os
telespectadores é a principal atração dos programas iurdianos. Telespectadores que se
identificam com as palavras do pastor-apresentador ligam para o “SOS Espiritual”
(número de telefone colocado constantemente no gerador de caracteres na parte
inferior do vídeo). Contam seus problemas particulares, falam de seus
desentendimentos familiares, adversidades no trabalho, desemprego, vícios, solidão,
enfermidades, enfim, expõem suas vidas privadas ao pastor-apresentador e à toda a
95
audiência. Pedem oração por si mesmos e por seus familiares e amigos, confessam
seus erros e admitem suas fraquezas.
No outro extremo da interação está a figura do pastor-apresentador.
Protegido por sua força espiritual e conhecedor dos caminhos de salvação, ouve os
telespectadores aflitos. Esta liderança religiosa se mostra preocupada com as aflições
daquele “amigo” que está em casa assistindo a seu programa. Demonstrando
experiência em lidar com estas situações de crise, o pastor-apresentador, no momento
em que já tem o problema daquele que liga compartilhado, assume a posição de
conselheiro obcecado por ver o bem do próximo, em conquistar a libertação espiritual
do outro.
É interessante notar que enquanto o pastor-apresentador se refere a
audiência pelo pronome de tratamento “você”, ou simplesmente pelo nome do
espectador, o telespectador que interage e passa a ter voz durante a exibição do
programa chama o pastor-apresentador de senhor”. Segunda a Grande Enciclopédia
Larousse, a primeira palavra é uma “forma de tratamento não cerimoniosa ou familiar
entre duas pessoas”. a definição de senhor, em meio a tantas que fazem referência
àquele que tem alguma autoridade, que exerce poder e dominação, neste contexto, é
“tratamento de cerimônia entre pessoas que não tem intimidade e não se tratam por tu
ou você”. No entanto, o uso de “senhor” não quer afastar a proximidade de relações,
mas sim faz lembrar que o pastor-apresentador exerce, neste diálogo que aborda
intimidades, o papel de autoridade espiritual. Segundo Tavolaro, esse uso de pronomes
de tratamento é uma das normas da Iurd. Obreiros e pastores auxiliares chamam
pastores titulares e bispos de senhor. Os pastores titulares se dirigem aos bispos por
senhor. Mas os bispos chamam pastores, sejam titulares ou auxiliares, e obreiros pelo
nome. Todos devem chamar Edir Macedo de senhor ou simplesmente de bispo
179
. Veja
o que Bourdieu pensou sobre a relação entre autoridades religiosas e os leigos:
Sendo o poder religioso o produto de uma transação entre os agentes religiosos
e os leigos, na qual os sistemas de interesses particulares a cada categoria de
agentes e a cada categoria de leigos devem encontrar satisfação, todo o poder
que os diferentes agentes religiosos detêm sobre os leigos e toda a autoridade
que detêm nas relações de concorrência objetiva que se estabelecem entre eles,
179
Tavolaro, 2007, p. 106.
96
derivam seu princípio da estrutura das relações de força simbólica entre os
agentes religiosos e as diferentes categorias de leigos sobre as quais exercem
seu poder. (BOURDIEU, 1992, p. 92)
Como uma relação de poder, entre emissores e receptores, esta
diferenciação no uso do pronome de tratamento. A questão das relações de poder, em
nada, atrapalha no sentimento de intimidade. Neste diálogo íntimo apesar de seu
alcance, evidentemente, ir muito mais além dos interlocutores nele envolvidos,
atingindo todos os televisores sintonizados na Rede Record de Televisão observa-se
os preceitos fundamentais da crença daqueles que são adeptos da Igreja Universal do
Reino de Deus.
O aconselhamento realizado pelas lideranças religiosas frente às câmeras
é amparado por dois pontos-chave que sempre se repetem. O primeiro é a urgência de
solução imediata dos problemas dos fiéis. As adversidades, as enfermidades, os
problemas financeiros não são vistos como karmas que devem ser sofridos
passivamente, como males inatos e irreversíveis da vida humana. Também não é
recomendada a paciência em relação a uma vida de poucas posses materiais e aos
desentendimentos amorosos em geral. Tampouco se reserva à vida após a morte, num
paraíso ou no Céu, a plena felicidade, com luxos e fartura. O fiel deve exigir, em vida,
de Deus (um Deus que é fiel e, logo, se sente obrigado a atender aos pedidos dos
crentes fervorosos que seguem as doutrinas de salvação iurdiana) esta felicidade
financeira, amorosa e familiar.
É recorrente o uso do conceito de inteligente por parte dos pastores
apresentadores. Segundo o bispo Edir Macedo, a fé iurdiana difere das de outras
religiões pelo fato de não explorar a emoção do crente, mas sim a razão. Observe este
fragmento de um discurso do bispo Macedo:
Se você estiver buscando sentir emoção, sinto muito. Seu lugar não é aqui. Você
deve ir ao cinema, ao teatro, a um estádio para assistir a uma partida de futebol
ou mesmo a um circo. Não à Igreja Universal! é certeza, convicção. (...) A
inteligente busca a razão da fé. Você não deve aceitar as mazelas da vida como
uma punição de Deus, um karma, um castigo ou simplesmente porque não
merece. Anão é emoção, mas uma prática de comunhão com Deus. Não tem
a ver com tradição religiosa. Eu não sou estúpido de acreditar em um Deus que
não funciona. (TAVOLARO, 2007, p. 132)
97
A fé inteligente é, ao mesmo tempo, a fonte de bens materiais, de paz
familiar, de estabilidade sentimental e o amuleto contra as doenças sicas e espirituais,
os vícios, as tentações de forças malignas, o desemprego, a depressão, o desejo de
suicídio e todas as influências que atrapalham o crente em sua vida de bênçãos
divinas.
O outro ponto recorrente na pregação, em toda a programação iurdiana, é
a necessidade, por parte do telespectador que sofre e se identifica com os testemunhos
ou com as palavras do pastor-apresentador, de freqüentar os cultos, realizar
“campanhas” de oração e entrar em contato com objetos sagrados, tais como a “Rosa
Ungida” ou o “Mural da fé e da libertação”. Enfim, o pastor-apresentador deixa claro que
a eficácia espiritual do programa por ele apresentado é limitada, não substitui à
experiência da em comunidade realizada diariamente nas casas de oração da Igreja
Universal do Reino de Deus. O telespectador interessado deve, obrigatoriamente,
comparecer a um templo mais próximo de sua casa.
Como uma espécie de reforço às palavras do pastor-apresentador que.
por várias vezes, convida a audiência a comparecer a uma sede da Iurd está o
conteúdo das mensagens apresentadas no “GC” no canto inferior do vídeo. Os
endereços dos templos nas cidades próximas ao telespectador são disponibilizados.
Também são informados o tema principal do culto e os horários em que esses serão
realizados. É também função das mensagens exibidas no gerador de caracteres
estimular a interatividade entre o pastor-apresentador e o telespectador. Alternando,
entre o endereço de um templo e outro, conforme o interesse da produção do
programa, é exibida a mensagem “SOS Espiritual” e logo abaixo um contato telefônico
em que a audiência pode entrar em contato com a produção do programa e, quem
sabe, até ser selecionado para fazer uma participação ao vivo, no programa assistido. É
por meio deste número de telefone que o espectador pode ter seu primeiro contato com
uma doutrina que promete a salvação espiritual e a libertação de todos os males
profanos.
Esta identificação entre o conteúdo do programa e a vida do telespectador
não se apenas pelo discurso dos pastores-apresentadores. Em parte, os créditos a
esta identificação que estimula a interatividade devem ser dados às matérias, às
98
simulações e aos depoimentos. O formato de toda a programação iurdiana é
compreendido pelas orientações prestadas pelos pastores-apresentadores, pela
interatividade entre estes últimos e o público via telefone e pela exibição de materiais
editados. Dentre os materiais editados, tem-se as matérias. A matéria obedece à
temática do programa. Nela, o jornalista repercute a pauta com pessoas nas ruas, com
especialistas e com fiéis. As matérias exibidas são semelhantes às de qualquer
programa jornalístico da programação comercial da emissora. Tanto isso é verdade
que, por vezes, as matérias exibidas não são exclusivas dos programas iurdianos, mas
material reaproveitado de telejornais da grade comercial da Rede Record.
As simulações também fazem parte da programação iurdiana. Enquanto
as matérias são uma aproximação com o gênero jornalístico, as simulações trazem
marcas da teledramaturgia e das novelas do rádio. Enquanto o locutor em off narra a
história, que é baseada em fatos reais segundo os apresentadores-pastores, atores
encenam casos de conflitos interpessoais, de apego a vida profana, mas também de
conversão e de libertação.
Seguindo a idéia de trazer à audiência histórias verídicas ocorridas com
fiéis praticantes da Igreja Universal do Reino de Deus, estão os depoimentos. Mais do
que uma simulação baseada em fatos reais, neste material editado, é o próprio
personagem real do testemunho de conversão que fala em frente às câmeras. Falam
de suas vidas antes de conhecerem a Iurd, bem como da transformação que ocorreu
depois que se tornaram fiéis praticantes. Falam de vitória, de paz, de conquistas
materiais, de prosperidade financeira, de relacionamentos amorosos abençoados e de
famílias estruturadas e felizes.
Chama atenção, nos programas iurdianos, a exibição de mensagens
gravadas em que o palestrante é a principal liderança religiosa iurdiana: o bispo Edir
Macedo. Com sua reconhecida habilidade de oratória, o bispo Macedo é a voz
institucional máxima da programação. Fala com a autoridade de quem fundou a Iurd. “A
palavra amiga do bispo Macedo” é uma atração que é apresentada, quando
conveniente, em toda a programação. O bispo Edir Macedo fala sobre a convivência
familiar, a necessidade do perdão e a importância da oração. A programação iurdiana
analisada, ao contrário do que era exibido anos atrás, privilegia imagens feitas em
99
estúdios, deixando em segundo plano as externas filmadas nos templos. No entanto, as
participações do bispo Macedo na programação iurdiana sempre são compostas por
imagens gravadas durante a realização de cultos presididos pelo bispo.
Um outro ponto que chama a atenção na estrutura do programa iurdiano é
a maneira que ele é encerrado. Alguns minutos antes do término do tempo reservado à
produção televisiva que apresenta, o pastor-apresentador convida a audiência a
providenciar um copo com água. O convite é feito mais de uma vez. Como última
apresentação, o religioso, a exemplo do que tradicionalmente padres católicos fazem
em seus programas na tevê e no rádio, faz uma oração espontânea pedindo bênçãos e
proteção à Deus. Muitas vezes de olhos fechados, mas sempre com as mais impostas
sobre a água, transforma, midiaticamente, aquela água comum que o telespectador
acabara de pegar em objeto de manifestação do sagrado. “Vamos beber da água com
toda a fé”, diz o bispo Ronaldo de Castro.
Por fim, uma outra característica comum dos programas iurdianos que
compõem o corpus da pesquisa é o seu caráter de exibição regional. Os programas
veiculados às cidades atingidas pela cobertura da Record Regional Bauru são
apresentados por lideranças regionais da Igreja Universal do Reino de Deus.
Apresentam-se com destaque: o bispo Ronaldo de Castro, do Templo Maior de Bauru,
apresentador de vários programas, dentre eles, a “Terapia da Família”, a “Manhã do
Trabalhador”, “A hora do Congresso Empresarial”; o pastor Leonardo, também de
Bauru, que atua como co-apresentador com o bispo Ronaldo; o pastor Admilson,
liderança iurdiana da cidade de Marília, que comanda o Palavra de Vida; o pastor
Marcos Antonio, religioso de que atua em templos de Jaú e é a estrela do “Falando de
Fé”; o pastor Claudinei, também das sedes jauenses, que substitui o pastor Marcos
Antonio na apresentação do mesmo programa.
É importante ressaltar que existe rotatividade entre os pastores-
apresentadores. Quando se fala que tal pastor apresenta um determinado programa,
faz se referência aos programas por ele apresentados no corpus. Em especial o bispo
Ronaldo de Castro, religioso de inegável habilidade de oratória, com bastante
desenvoltura em frente às câmeras, transita entre quase todas as atrações da
programação.
100
3. 3 As particularidades de cada programa iurdiano
Terminadas as generalizações que se aplicam a todos os programas
iurdianos, exceto ao programa Fala que eu te escuto, faz-se necessária a apresentação
individual de cada atração iurdiana individualmente. É importante ressaltar que não
existe uma grade de programação iurdiana, com horários determinados para cada
programa, o que possibilitaria um planejamento por parte da audiência sobre qual
programa assistir. Os programas não têm horário fixo para começar, são substituídos
por outros similares sem aviso prévio e apresentam semelhanças, como já foi
mencionado acima, entre si.
O primeiro programa da programação iurdiana é o “Fala que eu te escuto”.
Como já foi dito anteriormente, é a única atração que não obedece às generalizações já
propostas, uma vez que este programa é uma espécie de programa de transição entre
a programação comercial e iurdiana da Record. A primeira característica destoante é o
fato de o programa não ser regional. O programa apresentado pelo bispo Clodomir dos
Santos
180
faz uso, especialmente, de materiais jornalísticos da emissora comercial e a
pregação da doutrina iurdiana não é explícita.
A pauta do programa é sempre relacionada a um evento jornalístico em
evidência. Os temas são variados, abordando política, comportamento, problemas
sociais, sde, dentre outros, sempre apimentados com uma dose de polêmica.
Quando o então pré-candidato à Presidência da República pelo PMDB, Anthony
Garotinho fez greve de fome em represália à imprensa, o tema do programa foi:
“Garotinho e a greve de fome: isto mostra despreparo?”. “Cirurgia de hímen: nove vezes
virgem. Por que elas são preferidas por eles? Machismo ou tradição social?”, “Bailes
funk podem induzir a sexo desenfreado?”
181
, “Imagens expostas: de quem é a
irresponsabilidade? Da mídia ou das pessoas?”
182
, são temas repercutidos. O bispo
180
O bispo Clodomir dos Santos é uma liderança nacional da Iurd. O bispo foi vice-presidente da Record
e durante o ano de 2004 foi parte do grupo de pastores que presidiam cultos na Catedral Mundial da Fé,
o templo principal da Igreja Universal do Reino de Deus, localizado na zona norte do Rio de Janeiro, local
onde a Igreja foi fundada. O bispo Clodomir ganhou destaque no noticiário nacional quando, durante a
campanha eleitoral à prefeitura da capital Fluminense do bispo Marcelo Crivella, afirmou que a Universal
colocou bens da Igreja em nome do bispo Crivella. Fonte:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u62498.shtml>, acesso em 29/10/2007.
181
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u60166.shtml>, acesso em 29/10/2007.
182
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u64659.shtml>, acesso em 29/10/2007.
101
Clodomir apresenta o tema, sua opinião e entrevista, por telefone, os
telespectadores.
Não fosse o fato de o pastor-apresentador não esconder o fato de ser um
líder religioso e que, por vezes, este termine uma entrevista via telefone, com a frase:
“Deus te abençoe”, ou ainda, “Fique com Deus”, o “Fala que eu te escuto” poderia, sem
dúvidas, ser confundido com um programa jornalístico qualquer da grade de
programação comercial da Record ou de qualquer outra emissora.
É o programa iurdiano que mais repercute na imprensa. Seja por abordar
assuntos polêmicos, seja por explorar o mundo das celebridades, muitas delas artistas
da concorrente Rede Globo, não é raro o programa se tornar pauta de outros veículos
de comunicação. Foi o que aconteceu, por exemplo, em janeiro de 2007. O tema
central do programa era a macumba. Os telespectadores eram questionados se eles
acreditavam na eficia das macumbas. Para apimentar a discussão, o bispo Clodomir
trouxe ao debate uma matéria veiculada pela Internet, em que a sogra da atriz global
Suzana Vieira revela que seu filho, casado com a protagonista de diversas telenovelas,
era vítima de feitiçaria. Entre depoimentos que desconfiavam e outros que temiam o
poder das oferendas realizadas por adeptos do Candomblé, Umbanda, Quimbanda e
cultos afro-brasileiros em geral, uma telespectadora travou uma discussão com o
pastor-apresentador.
Indignada com a produção do programa, que segundo a telespectadora,
era tendenciosa, Viviane Oliveira Santos acusou o bispo Clodomir de promover a
discriminação religiosa na televisão. Para a professora de 29 anos, a maneira com que
o programa se referia aos cultos de origem afro-brasileira era ofensiva, com o intuito de
satanizar e de perseguir os adeptos de tais religiões. O bispo Clodomir, que também é
o diretor do programa, discutiu com a telespectadora no ar. Em alguns momentos,
ambos chegaram a elevar o tom de voz. Segundo o pastor-apresentador, o programa
não censura temas e que esse programa em especial era o exercício de um direito
constitucional de discutir assuntos relacionados à religião
183
. O que chama a atenção
nesse episódio é que, embora a telespectadora não compactue com a aparente visão
183
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u67951.shtml>, acesso em 17/09/2007. Veja
também o vídeo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ibGx3ApRtjU&mode=related&sear
ch= >, acesso em 17/09/2007.
102
da emissora sobre o assunto abordado, ela participou do programa e pôde emitir sua
opinião crítica em relação às posturas da Record, do programa, da Iurd e do bispo
Clodomir. “Agi no impulso. Ouvi o que programa estava falando sobre o candomblé,
liguei para o programa para reclamar. Não achava que eu iria entrar no ar. Não quis ser
desrespeitosa com os evangélicos”, afirmou a telespectadora à reportagem da Folha de
S. Paulo
184
.
O programa “Fala que eu te escutoque foi selecionado para ser corpus
deste estudo tinha, em 09 de Maio de 2007, como tema a seguinte questão: “Corrupção
no Brasil: o que contribui para isso? A passividade do povo ou a certeza da
impunidade?”. Os telespectadores são orientados a participar do programa, através de
mensagens exibidas no gerador de caracteres, tanto por telefone quanto por email.
Foram exibidas matérias jornalísticas dos programas comerciais da Record. A primeira
delas, cuja reportagem foi de Paulo Henrique Amorim, aborda a máfia dos caça-níqueis
e a Operação Furacão da Polícia Federal. Na seqüência, vieram outras matérias com
os seguintes temas: o caso da morte misteriosa do prefeito de Santo André, Celso
Daniel; a morte de um jornalista que denunciou um esquema de corrupção na cidade de
Porto Ferreira, interior de São Paulo; a colocação do Brasil no ranking da corrupção; o
mensalão, denunciado pelo deputado Roberto Jefferson.
O bispo Clodomir chama a atenção para o fato de que as pessoas podem
e devem participar da discussão. Ressalta que não apenas telespectadores do Brasil
interagem, mas de todo o mundo (durante o programa são lidos correios eletrônicos
enviados, da Suíça e de Moçambique, pela audiência da Record Internacional).
Conforme o programa vai caminhando para o seu final, a discussão toma
o rumo do campo religioso. O discurso do pastor-apresentador já começa a abandonar
a “imparcialidade” jornalística e ganha o caráter de discurso religioso. Após a
intervenção pessimista de uma telespectadora acerca do tema abordado, o bispo
Clodomir confirma as palavras da “amiga” que participara da discussão por telefone: “É
isso ai, minha amiga, só Deus. Com respeito a isso, Deus”. Na seqüência são
184
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68166.shtml>, acesso em 17/09/2007
103
exibidos testemunhos de pessoas que enfrentavam problemas pessoais e mudaram de
vida quando se converteram às crenças iurdianas.
Para finalizar o programa, o pastor-apresentador reflete acerca do “poder
transformador da fé” e faz a oração com o copo de água. Pede pelos pais de filhos
drogados, pelos doentes, pelos atormentados pelo mal, mas também, como
complemento final acerca do tema discutido, pede pelos políticos e pelo fim da
corrupção no Brasil.
A seguir, será feita a descrição dos outros programas da programação
iurdiana que seguem o padrão já apresentado no item anterior desta unidade. Os
programas abaixo descritos embora sigam a esse padrão podem ser agrupados
segundo a sua linha temática: a familiar, a de libertação, a financeira e a sentimental.
Seguindo a linha familiar estão o “Terapia da Família”, “Falando de Fé” e o “Palavra de
Vida”. Compõe a linha de libertação, o “Casos Impossíveis” e “Despertar da Fé”.
Quando o assunto é a busca por sucesso financeiro, tem-se “A hora do Congresso
Empresarial”, “Mando Trabalhador”. “Em busca do amor” é o representante da linha
sentimental.
A “Terapia da Família”, apresentada pela principal estrela iurdiana local, o
bispo Ronaldo de Castro, possui o enfoque principal nas relações familiares. A luta
contra um mal espiritual que causa desestrutura familiar, agressões físicas e verbais
entre cônjuges, filhos envolvidos com drogas, alcoolismo, depressão, traições, adultério,
frieza no relacionamento íntimo do casal, prostituição, filhos rebeldes, dentre outros
problemas que podem acontecer dentro da casa do telespectador, são a tônica do
programa.
O telespectador é convidado a participar do “Memorial da Salvação”, ou
em alguns momentos chamado, “Mural da Fé e da Salvação”, no templo mais próximo
de sua casa. Para isso, a audiência interessada deve levar uma foto ou mesmo uma
peça de roupa do ente familiar que é azucrinado pelo mal espiritual causador da
desgraça na família. Um outro convite também é feito: ao fiel que deseja vencer o mal
que aflige sua família, a presença no culto chamado de “O clamor da concordância”, no
domingo, às 10 horas da manhã, é obrigatória.
104
Na mesma linha de temática está o “Falando de Fé”. A transformação da
vida familiar do telespectador é o principal assunto abordado no programa, com
destaque para a relação entre os pais e seus filhos. Fala-se da existência do mal
espiritual hereditário. Esse mal, que causa separação, adultério, brigas e,
conseqüentemente, revolta nos filhos, acontece por gerações na mesma família.
Somente com o apoio de lideranças iurdianas essa maldição familiar pode ser
quebrada. também neste programa um apelo àqueles que se converteram à
doutrina da Igreja Universal do Reino de Deus, mas se afastaram dos cultos. O convite
para retornar aos caminhos de libertação espiritual são feitos pelo apresentador e por
locuções em off. Quem te contou que minha vida acabou depois que sai da Igreja?”,
questiona à audiência o locutor em off.
O “Palavra de vida” também é um programa iurdiano da linha familiar.
Aborda os casos em que a família era estruturada, harmoniosa e feliz. No entanto, após
a intervenção de forças malignas ou mesmo de inveja alheia, o relacionamento familiar
transforma-se negativamente. O telespectador é convocado a participar da tradicional
“Sessão do Descarrego”, às terças-feiras. Nesta reunião, serão entregues aos crentes a
rosa ungida, objeto sagrado capaz de pulverizar as inflncias negativas que fazem
sofrer. O pastor Admilson é direto e exige uma postura de fé dos telespectadores.
“Deus tem se manifestado por quem pede. (...) A transformação não depende de Deus,
depende da sua atitude. Cabe a você tomar a atitude. Aguardamos vocês no templo!.
em “Casos impossíveis”, a família não é o principal tema abordado,
mas sim, como o próprio nome diz, situações difíceis que aquele que não possui a fé
inteligente iurdiana considera sem solução. À audiência com doenças que os médicos
não conseguem diagnosticar, doenças incuráveis, enfermidades em geral, dívidas,
depressão, pendências com a justiça, enfim, àqueles que são vítimas de pragas
espirituais, esse programa promete o fim do sofrimento. Através de uma matéria
iurdiana, é apresentado ao espectador o potencial espiritual que existe na praga, ou
seja, o ato de invocar forças malignas para prejudicar um terceiro. Não se questiona em
nenhum momento a capacidade daquele que pragueja de promover o mal. Pelo
contrário, esta força negativa do praguejador é temida e deve ser combatida com a
freqüência nos cultos de sábado, o dia de milagres acontecerem.
105
No “Jejum das causas impossíveis”, a libertação das pragas, anunciada
pelo pastor-apresentador, praga esta rogada por um parente, um vizinho, um colega de
trabalho, um conhecido invejoso ou por alguém influenciado por forças negativas, é
realizada efetivamente. “Esse Deus tem trazido resultados, desde que a pessoa tome a
atitude. (...) Se a vida deles (fiéis convertidos que falam em depoimentos) mudou, a sua
vida vai mudar. Venha para cá, onde tudo acontece”, é o convite do pastor Emerson a
todos, inclusive aos adeptos de outras religiões.
Desta mesma linha temática, “O Despertar da fé” é o programa mais
tradicional. Em 12 de Outubro de 2005, imagens deste programa, então exibido
nacionalmente e apresentado pelo hoje ex-bispo Sérgio von Helde, eram manchetes,
primeiro no Jornal Nacional, da Rede Globo, e depois em todos os telejornais e veículos
impressos e radiofônicos. Trata-se do episódio do chute na imagem de Nossa Senhora
Aparecida. Esse programa procura atender uma audncia desesperada, que precisa de
ajuda e de oração, pessoas que estão com as vidas destruídas”. O pastor-
apresentador chama a atenção dos telespectadores acerca das influências malignas
que podem atuar na vida de qualquer um. Audição de vozes, visão de vultos, insônia,
doenças que os médicos não conseguem diagnosticar, depressão, falta de dinheiro,
vícios, dores de cabeça constantes, medo, desmaio e nervosismo são algumas das
marcas da presença de forças malignas na vida do individuo. A essas pessoas
atormentadas, o pastor Leonardo acredita que “falta aprender a usar a fé”.
Com um outro conteúdo temático, a “Manhã do Trabalhador” foca a
questão financeira do telespectador. O pastor-apresentador conduz o programa em
meio a orações pelos trabalhadores com carteira de trabalho registrada (a imagem da
CTPS é uma constante nesta atração), pelos desempregados (vítimas de um mal
espiritual que causa desemprego), pelos que enviam currículos em busca de uma
melhor colocação profissional e pede também proteção a Deus para que não ocorram
acidentes de trabalho. Com o lema, “oração não enche barriga”, a audiência também é
orientada a investir em atividades profissionais autônomas. As matérias iurdianas
mostram exemplos de empresários, adeptos da Iurd ou não, que conseguiram sucesso
financeiro.
106
Ser empreendedor: esse é o caminho que pode levar o crente de uma
vida de desemprego, necessidades financeiras e de humilhação para vida de sucesso
financeiro, com muitos bens materiais, luxo e conforto, além do conseqüente, para a
doutrina da Igreja Universal do Reino de Deus, sucesso na vida sentimental e familiar.
Para essa mudança de vida, o telespectador é convidado a participar do “Congresso
Empresarial”, sempre às segundas-feiras, às 19h30, em qualquer templo da Universal.
Lá, os crentes encontrarão orientações sobre negócios, estratégias de
empreendedorismo e, mais importante que qualquer coisa, a busca pela fé inteligente.
A inteligente é uma força sobrenatural que faz o individuo tomar a
decisão de participar do Congresso com freqüência e conquistar prosperidade,
estabilidade financeira, bens, crédito, saldo positivo e paz. Essa inteligente foge do
modelo de fé tradicional que Nietzche tanto criticou. o é agradável a Deus nem
interesse do crente ser pobre, sem posses, ter um trabalho mal remunerado mesmo
que honesto. Isso não basta. A fé inteligente vai trazer àqueles que a compreendem
resultados imediatos, ao menos é isso que os depoimentos mostram, no campo
financeiro. Vo quer pagar dívidas, sair do aluguel, virar empresário? Você acha
difícil? Isso porque você não vai ao Congresso. Você precisa de orientações para
prosperar, estratégias de fé para crescer”, diz a voz em off, em uma chamada, durante
o programa.
É tamanha a importância dessa reunião que existe um programa
especialmente dedicado a ela: “A hora do Congresso Empresarial”. O pastor Leonardo
fala ao telespectador sobre “pessoas que não tinham nada, assistiram ao programa e
mudaram de vida”. O pastor-apresentador procura convencer a audiência de que ela é
capaz de encontrar uma vida mais luxuosa, confortável e recheada de bens materiais.
Esse desejo por dádivas financeiras não seriam pecado, mas sim o desejo divino.
O bispo Ronaldo de Castro afirma que é necessário que crente permita
que Deus realize sua vontade, ou seja, derramar bênçãos que podem ser carros,
empresas prósperas, imóveis em regiões litorâneas, dentre outros bens materiais, sobre
os iurdianos. “Não acontece mágica, mas aos poucos as pessoas vão entendendo. O
Congresso é para aqueles que tem a certeza que Deus não quer a miria, o fracasso.
A pessoa passa a não ter limites para crescer”, explica o bispo Ronaldo. Ou ainda, o
107
mesmo pastor-apresentador compara a fé tradicional cristão com a fé moderna iurdiana.
“Não é justo ter fé e não ter o dinheiro para o aluguel. A fé religiosa crê na imposição da
igreja e nada acontece. Agora a fé sobrenatural transforma resultados em benefícios”.
O pastor Leonardo chama atenção ao fato de que, para ele, pouco adianta
ter fé, assistir ao programa, pedir oração e não ter atitude. O bispo Ronaldo reforça o
que diz seu co-apresentador e transfere a responsabilidade de obtenção de graças à
justiça divina: “Deus quer justiça. Não é justo crer em Deus e ter uma vida miserável. A
pessoa tem que crer na palavra de Deus e logo Deus se sente obrigado em atender”. A
tradicional oração com o copo d´água fecha o programa com uma oração especial para
aqueles que estão “no fundo do poço”, endividados e se sentindo desamparados. “Vo
não pode ser fraco na fé”, intimida o bispo Ronaldo.
Em uma linha temática divergente, está o programa “Em busca do amor”.
Com o objetivo de atender aqueles que não acreditam mais em felicidade conjugal ou
sentimental, essa atração quer mostrar que é vontade divina uma relação amorosa a
dois. Restaurar casamentos destruídos, conservar as uniões bem-sucedidas, apagar
dores e ressentimentos daqueles que foram traídos, encontrar parceiros “de Deus”
185
para os solteiros, acabar com a infelicidade sentimental, enfim, como o próprio pastor
Leonardo diz, “tratar do coração” é o objetivo. A “Terapia da Família”, sábado às 19
horas, é o culto que é destacado nessa atração. “Eu não encontrava ninguém. Quando
conheci a Terapia, aprendi a me comportar no relacionamento e a encontrar uma
pessoa de Deus”, afirma uma freqüentadora do culto iurdiano que não desconfia de sua
eficácia. “É uma reunião para solteiros, namorados, noivos e casados. o feitas
orações de libertação do mal”, confirma o pastor-apresentador Leonardo. Mais uma vez,
a presença de forças malignas, da bruxaria, feitiçaria e da inveja é a grande vilã dos
relacionamentos amorosos bem-sucedidos.
Como forma de afastar essas forças negativas que atrapalham a vida a
dois, o pastor-apresentador convoca a audiência a freqüentar a Terapia da Família,
mas também convida a colocar o nome do telespectador, o nome de alguém que ele
saiba que enfrenta dificuldades sentimentais, ou ainda alguém por quem o espectador
185
É comum, nos depoimentos, as testemunhas dizerem que se casaram homens e mulheres “de Deus”.
Esse qualificativo não faz referência a uma natureza sobrenatural e sagrada do cônjuge, mas sim que
esse também é freqüentador da Igreja Universal do Reino de Deus, ou seja, também é iurdiano.
108
está apaixonado, no perfume abençoado. Esta unção com perfume ocorre quando o
pastor-apresentador coloca o um pedaço de papel com o nome daquele que sofre de
problemas sentimentais num recipiente com perfume. Os crentes informam os nomes,
seja nos templos ou mesmo por telefone durante o programa. Quando o recipiente
está repleto de nomes, o pastor-apresentador invoca as forças divinas para que
abençoem aquelas pessoas. Mas durante a oração, diz à Deus que todos que tem o
nome no perfume irão ao templo iurdiano para intensificar o seu propósito de vitória na
vida sentimental. “Tome uma atitude de fé. Lute por sua vida sentimental. Deus vai
mudar a sua vida”, propõe o pastor Leonardo.
109
3. 4 A questão credibilidade
O que chama a atenção, à primeira vista, nos programas iurdianos é o fato
de, apesar de serem apresentados por lideranças religiosas e de abordarem a
necessidade de a audiência participarem dos cultos da Universal, tais atrações
poderem ser classificadas como programas televisivos, o que não acontece
necessariamente com alguns produtos religiosos veiculados pela televisão.
Um exemplo apropriado é o Show da Fé, programa que não faz parte do
corpus do trabalho e é exibido em rede nacional pela Bandeirantes em horário nobre. A
atração é apresentada pelo missionário R R Soares, cunhado do bispo Edir Macedo,
um dos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus. O missionário é também o
fundador da Igreja Internacional da Graça que, a exemplo do segmento neopentecostal
de que fez parte nos anos 70, faz uso da mídia para pregação doutrinária. O programa
do missionário R R Soares é composto basicamente por imagens produzidas nos
templos de sua igreja que são transmitidas pela tevê. Os recursos de gêneros e
formatos televisivos são precariamente explorados quando o são. Tem-se um religioso
com habilidade de oratória palestrando para uma assembléia de fiéis. Não há um
dialogo entre o missionário e a câmera – leia-se telespectador. Os programas tem como
atrativo apenas a mensagem religiosa propagada com maestria pelo religioso. Não há a
sensação (e possivelmente nem a intenção dos produtores) de se assistir um programa
televisivo de entretenimento ou de jornalismo. O Show da fé pode ser entendido como
uma extensão dos altares da Igreja Internacional da Graça.
No caso do corpus analisado, pode-se perceber que a programação
iurdiana caminha em direção radicalmente oposta a do exemplo acima descrito. A
programação da madrugada da Record pode ser enquadrada como programação
televisiva, uma vez que estão presentes elementos e técnicas de gêneros e formatos
televisivos pertinentes a qualquer outro programa da grade comercial da Record ou de
qualquer outra emissora de tevê aberta do Brasil. A telenovela e o telejornalismo são
uma presença constante. Nas páginas a seguir será abordado especialmente a
utilização do gênero telejornalístico nos programas iurdianos.
Embora esta unidade em que são analisados os programas iurdianos seja
dividida, por razões metodológicas, em três subunidades (Credibilidade, Segurança e
110
Fé) igualmente relevantes, pode-se dizer que a questão da credibilidade é
fundamentalmente importante uma vez que é o fato de aos programas ser atribuída a
qualidade de confiável que faz com que surja um ambiente propício para a divulgação
da e que, em razão deste ambiente, a sensação de segurança esteja presente. A
confiança, enquanto crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, é uma
característica essencial nas relações humanas e sociais na pós-modernidade. Observe
o fragmento de Giddens:
A confiança está relacionada à ausência no tempo e no espaço. Não haveria
necessidade de se confiar em alguém cujas atividades fossem continuamente
visíveis e cujos processos de pensamento fossem transparentes, ou de se
confiar em algum sistema cujos procedimentos fossem inteiramente conhecidos
e compreendidos. Diz-se que a confiança é um dispositivo para se lidar com a
liberdade dos outros, mas a condição principal de requisitos para a confiança não
é a falta de poder, mas a falta de informação plena. (GIDDENS, 1991, p. 40)
Não se pode esperar que um telespectador de televisão tenha total
compreensão das rotinas de produção de uma atração televisiva. No entanto, resta a
ele confiar ou não que, no caso de um programa jornalístico, o profissional de
jornalismo tenha tido condutas éticas, que todas as fontes possíveis foram consultadas,
que o único interesse do jornalista é com a notícia em si (não com anunciantes ou
influências políticas). também a questão de o pastor-apresentador ser um religioso,
logo detentor de conhecimentos que, para o crente, conduzem à salvação. A opção
pela confiança é fundamental para que as mensagens dos programas iurdianos sejam
eficazes e transformem o telespectador de fiel em potencial à iurdiano que freqüenta os
templos, participa de campanhas de oração, que paga o dízimo e que,
consequentemente, é abençoado com graças, sejam elas sentimentais, espirituais ou
mesmo materiais.
É importante ressaltar que, nas produções iurdianas analisadas, a
credibilidade, a segurança e a fé nos preceitos iurdianos estão condicionadas à opção
pela confiança, mesmo que parcial, nos pastores-apresentadores, nos produtores de
entrevistas com fiéis convertidos e nos depoimentos daqueles que alcançaram
bênçãos. A desconfiança em relação aos preceitos da Igreja Universal do Reino de
111
Deus ou ainda da conduta dos produtores da mensagem iurdiana tornam impossível a
sensação de ser credível e seguro.
Logo, a credibilidade, como se pode perceber, é uma conquista
conseqüente de dois aspectos: o fato de se ter o respaldo de Deus e o uso do gênero
telejornalístico. O fato de os pastores-apresentadores serem conhecedores de uma
doutrina eficaz (ao menos consideradas por eles como tal) de condução dos crentes a
um caminho de felicidade e salvação dos males humanos e diabólicos, com um
respaldo divino, faz com que os programas se tornem, aos olhos do crente em
potencial, dignos de credibilidade. A condição de ser o concessor de graças divinas
ao pastor-apresentador uma posição privilegiada no momento de exprimir a sua
mensagem. Observe, no fragmento de Bourdieu, a questão do poder sagrado que a
sistematização da religiosidade proporciona:
A prática sacerdotal e também a mensagem que ela impõe e inculca, devem
sempre as suas características mais importantes às transações incessantes
entre a Igreja que, em sua condição de concessionária permanente da graça
(sacramentos), dispõe do poder de coerção correlato à possibilidade de conceder
ou de recusar os bens sagrados, e as demandas de leigos que pretende liderar
religiosamente e dos quais provém o seu poder (temporal e espiritual). Quanto
mais o clero se esforça para regulamentar a conduta de vida dos leigos de
acordo com a vontade divina (e, em primeiro lugar, de aumentar com isso sua
força e seus rendimentos), tanto mais vê-se obrigado a fazer concessões em
suas teorias e ações, ao estilo de vida e à visão de mundo da fração dos leigos
dos quais extrai, primordialmente rendimentos e poder. (BOURDIEU, 1992, p.
96)
Esse poder, possibilitado pelo respaldo da força divina, atribuído pelos
crentes à liderança religiosa torna possível a credibilidade dos discursos proferidos
durante a programação iurdiana. Os pastores-apresentadores são portadores de
mensagens influenciadas por Deus e são capazes de transformar uma vida de vícios,
doenças, de pobreza e de sofrimento em uma vincia de paz, prosperidade e
harmonia. Se esses pastores-apresentadores representam a figura sobrenatural da
divindade e são os promotores dos bens de salvação, como pode, para um crente, esse
discurso ser ignorado? O programa, sejam os discursos dos deres iurdianos, as
entrevistas, as matérias ou os depoimentos, são todos apresentados com o aval dos
112
pastores-apresentadores que afinal comandam a atração. O fato de o pastor-
apresentador ser, sob a ótica do crente, a voz iurdiana que se personifica atribui
credibilidade àquele produto midiático.
Não se deve esperar, no entanto, que um produto midiático, veiculado por
um meio que atinge a um pluralidade de públicos imensa que é a televisão, seja
credível apenas para uma pequena parcela da audiência, ou seja, os adeptos da Igreja
Universal do Reino de Deus. Para os que não são adeptos pouco significa o fato de o
apresentador do programa que é assistido ser o líder de uma denominação religiosa. A
estratégia utilizada para atribuição de credibilidade para a audiência, em geral, é o uso
de técnicas pertinentes ao telejornalismo.
O uso do telejornalismo nas produções iurdianas também cumpre o seu
papel de se tornar um atrativo para a audiência. As imagens captadas das pregações
nos templos, quando utilizadas em demasia, tornam o programa iurdiano
desinteressante para a audiência. A pregação do templo quando veiculada pela tevê
torna o assistir televisão uma atitude um tanto quanto cansativa.
Por sua ineficácia televisiva, essas imagens são utilizadas eventualmente
nas seguintes situações: para ilustrar, como manda o jornalismo televisivo, as matérias
ou os comentários do pastor-apresentador quando o assunto é um culto em especial;
ou então para dar voz ao principal líder da Igreja Universal do Reino de Deus. A Palavra
amiga do Bispo Macedo é o único quadro do programa que é composto,
exclusivamente, por imagens extraídas dos templos. Essa exceção se justifica pela
importância doutrinária da pregação do bispo Macedo tanto para os fiéis como para os
próprios pastores-apresentadores.
O gênero telejornalístico faz o programa iurdiano se tornar semelhante
aos programas da grade comercial da Record. Isso se converte em um atrativo, uma
vez que no horário em que a programação iurdiana é exibida a programação das
emissoras concorrentes é composta principalmente por filmes e seriados norte-
americanos, em geral, de décadas atrás. O fato de se ter a disposição uma
programação jornalística e, por vezes, com transmissão ao vivo é um fator que contribui
para que a atenção do telespectador seja atraída.
113
É importante ressaltar que não apenas o gênero telejornalístico contribui
para tornar o programa iurdiano semelhante à programação comercial da Record ou de
outra emissora de televisão brasileira. Como foi citado anteriormente, as simulações
baseadas em fatos reais, que são uma adaptação do formato da telenovela, ou ainda a
exibição de trechos de filmes famosos ou de videoclipes, com músicas não
necessariamente de cunho religioso, também contribuem na aproximação entre os
programas de uma grade e de outra da Rede Record.
A credibilidade é uma característica essencial de qualquer produção
jornalística. A audiência que tem acesso a produções telejornalísticas quer ter a certeza
de que os fatos são o mais próximo possível da realidade, de que várias fontes foram
consultadas, que o jornalista agiu de maneira ética no processo de reportagem, que o
jornalista não atende a interesses que não sejam outros senão o de trazer informações
relevantes aos consumidores. Estes fatores contribuem para que o produto final do
jornalismo seja digno de ser credível.
A divisão em quadros, o uso da entrevista, tanto em estúdio como
realizada por um repórter, do depoimento, do fala povo, das matérias aproveitadas do
jornalismo da Record, das matérias iurdianas e do comentário do pastor-apresentador,
são os principais recursos telejornalísticos presentes nas produções iurdianas.
Giddens é cauteloso ao categorizar a religião como um sistema abstrato.
Então, seja imaginada a empresa midiática que faz uso da televisão enquanto sistema
abstrato. Ele é categórico ao dizer que os pontos de acesso daqueles sistemas devem
transmitir, por serem a representação humana de uma estrutura invisível,
necessariamente confiabilidade e integridade. “Por exemplo, o ar casual e a calma da
tripulação de um avião são tão importantes para a renovação de confiança dos
passageiros quanto qualquer quantidade de anúncios demonstrada com estatísticas
sobre o quão seguro é voar”
186
, exemplifica Giddens.
Os jornalistas que fazem as matérias iurdianas e as entrevistas e também
os pastores-apresentadores que fazem os comentários e também entrevistam
apresentam posturas, frente às câmeras, condizentes com as observações de Giddens.
186
Giddens, 1991, p. 88-89.
114
O Manual de Telejornalismo, de Barbeiro e Lima, também aconselha os profissionais do
jornalismo a serem obcecados pela credibilidade e pelo respeito ao seu telespectador.
A independência do jornalismo exige que se evitem os conflitos de interesse e
mesmo a aparência de conflitos de interesse, principalmente aqueles que
envolvam favorecimentos econômicos para si ou para a empresa que trabalha.
Aceitar a cortesia do test drive por um mês é um conflito de interesse. Não basta
ter credibilidade, é preciso também aparentá-la. A aparência de conflito de
interesses deve ser evitada uma vez que nela está a confiança do telespectador.
(BARBEIRO, 2002, p. 28)
A questão da credibilidade, além do uso de repórteres, dos gêneros
jornalísticos e do papel do pastor-apresentador como apresentador, comentarista e
entrevistador, é reforçada pela exibição de matérias completas produzidas pelo
departamento de jornalismo da Record. Essas matérias, que já foram exibidas em
programas da grade comercial da emissora e que são reaproveitadas na programação
iurdiana, são exibidas especialmente no programa Fala que eu te escuto. Por exemplo,
no programa iurdiano que discutia a corrupção dos políticos brasileiros, em 09 de Maio
de 2007, foi exibida uma matéria produzida por Paulo Henrique Amorim, um referencial
de credibilidade do telejornalismo brasileiro, originalmente exibida pelo Domingo
Espetacular.
Pode-se dizer, sem excessos, que houve mais espaço para o comentário
do tema no programa iurdiano, além das participações dos telespectadores por telefone
opinando sobre a postura pouco confiável de uma parcela de políticos brasileiros, do
que no jornalístico Domingo Espetacular. O telespectador teve a oportunidade de
complementar, com sua opinião, a matéria exibida. Também o pastor-apresentador,
bispo Clodomir dos Santos, teve a possibilidade de fazer o seu comentário. Tanto a
Celso Freitas quanto à audiência do Domingo Espetacular não foi dada esta
oportunidade.
É importante ressaltar que esse reaproveitamento de matérias do
departamento de jornalismo da Record nos programas iurdianos não é bem vista pelos
jornalistas da grade comercial da emissora. Ricardo Feltrin, editor-chefe do site Folha
Online, informa que os jornalistas da Record estão insatisfeitos com a emissora em
115
razão da constante cobrança por índices de audiência e também com o uso, na
programação iurdiana, de matérias produzidas para a programação comercial da
emissora. O departamento jurídico da Record informou à reportagem por meio de sua
assessoria de Comunicação, que os direitos de todo o material produzido pela equipe
de Jornalismo “pertencem à empresa Record, e não aos funcionários. Informa ainda
que o programa "Fala que Eu Te Escuto", embora produzido por uma equipe da Igreja
Universal, também pertence à grade de programação da Record e que pode exibir
qualquer reportagem”
187
.
Na mesma matéria, Feltrin informa que a direção artística da Bandeirantes
quer tirar o missionário R R Soares do horário nobre na programação da emissora.
Segundo o jornalista, a presença do programa religioso afeta negativamente a imagem
editorial da emissora que, nos últimos anos, vem investindo em jornalismo. “O fato é
que a Band tem um jornalismo de qualidade, vem investindo de forma constante e
racional em dramaturgia (ainda sem grande repercussão), acaba de lançar um
programa de razoável sucesso comercial e de ibope, o "CQC", e o programa de Soares
se tornou um fardo nesse conjunto”, analisa ele. Se a utilização das produções
telejornalísticas da grade comercial da Record afeta a imagem editorial da emissora,
não se pode afirmar. No entanto, não se pode negar que para a programação iurdiana
esse fato contribui para a aquisição de credibilidade.
Relevante nesse processo de tornar credível a mensagem iurdiana, tem
papel destacado o pastor-apresentador. Ele, ao comandar a atração, exerce também a
função de comentarista. Rezende define o comentário, em telejornais, como
matéria jornalística em que um jornalista especializado em um determinado
assunto (economia, esporte, política nacional, etc) faz uma análise, uma
interpretação de fatos do cotidiano. Em sua apreciação, o comentarista, muitas
vezes, além de explicar os acontecimentos e problemas, orienta o público, que
pode conferir ao seu trabalho uma conotação de jornalismo de serviço.
(REZENDE, 2000, p.158)
A principal função do pastor-apresentador, segundo o corpus analisado, é
estar a serviço dos fiéis. O estar a serviço dos fiéis se traduz em uma preocupação com
187
Feltrin, 2008.
116
o bem estar do telespectador. Sendo o pastor-apresentador um conhecedor e uma
testemunha das ações divinas naqueles que reconhecem a potência de Deus, ele se
apresenta como um bom conselheiro. Esse bom conselheiro, atuando como jornalista
de televisão, quer dar ao telespectador que vive em situação de privações financeiras e
dificuldades sentimentais ou com a saúde a possibilidade de mudança de vida. O
comentarista dos programas iurdianos mostra à audiência que ela não deve ser passiva
frente às adversidades da vida. É necessário sonhar alto, ter uma inteligente que
resultados. Ao mesmo tempo, o pastor-apresentador está sempre atento para alertar o
crente sobre a astúcia do diabo. As forças diabólicas atrapalham o plano de fortuna,
segundo os iurdianos, sentimental e financeira.
O pastor-apresentador, com sua postura compreensiva, procura mostrar o
caminho para o telespectador. A credibilidade de seu discurso se revela, em parte, em
razão dos depoimentos e das entrevistas com fiéis iurdianos que conseguiram todas as
graças que desejaram. Os carros, as casas de veraneio, o sucesso profissional, o
relacionamento conjugal estável, a libertação de vícios e a cura de doenças relatadas
por fiéis tornam credível o comentário do pastor-apresentador.
117
3. 5 A questão da segurança
A formação de uma comunidade iurdiana é uma estratégia atrativa aos
fiéis de atribuição de segurança, num contexto em que predomina a impessoalidade e o
individualismo. Fazer parte de um grupo que, unido por semelhança na forma de crer
em Deus, é orientado por enviados divinos que prometem a cura para enfermidades,
libertação de vícios, além de sucesso financeiro e sentimental é tentador. Fazem parte
dessa comunidade, indivíduos que eram infelizes quando não eram dela membros.
Eram viciados, adúlteros, endividados. Uma vez que viram as portas da comunidade
iurdiana abertas, hesitantes pelo medo do desconhecido, encontraram a felicidade e a
prosperidade.
É importante ressaltar que quando se faz referência à uma comunidade
iurdiana, deve-se levar em consideração que as comunidades o conceitos
imaginados, que não necessariamente possuem verificação na realidade. Mas de que
adianta então fazer parte de uma comunidade imaginária iurdiana? É essa sensação
comunitária de segurança, mesmo que seja somente uma sensação e não a segurança
propriamente dita, que faz valer a pena tornar-se membro da Igreja Universal do Reino
de Deus. Bauman reforça a discrepância entre o real e o imaginado e chama a atenção
para o aconchego que os indivíduos desejam:
Em suma, “comunidade” é o tipo de mundo que não está, lamentavelmente, a
nosso alcance mas no qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir.
(...) Paraíso perdido ou paraíso ainda esperado; de uma maneira ou de outra,
não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um paraíso que
conheçamos a partir de nossa própria experiência (...) Não é a “dura
realidade”, a realidade declaradamente “não comunitária” ou até mesmo hostil à
comunidade, que difere daquela comunidade imaginada que produz uma
“sensação de aconchego”. Essa diferença apenas estimula a nossa imaginação
a andar mais rápido e torna a comunidade imaginada ainda mais atraente. A
comunidade imaginada (postulada e sonhada) se alimenta dessa diferença e
nela viceja. (BAUMAN, 2003, p. 09)
Fazer parte da comunidade iurdiana significa, segundo as representações
midiáticas desta comunidade, ser bem sucedido profissionalmente. O sucesso
financeiro, geralmente associado à prática do empreendedorismo, é sempre
acompanhado com felicidades no campo sentimental e da saúde. A libertação de vícios
118
também é comum. O fiel iurdiano modelo é aquele que possui casa própria, mais de um
automóvel, tira férias em família, é empregador de pessoas menos favorecidas, possui
esposa e filhos, não fuma, não bebe bebida alcoólica, não usa drogas, é temente à
Deus, pratica a fé inteligente e freqüenta os cultos nos templos da Igreja Universal do
Reino de Deus.
É importante ressaltar que este fiel modelo não nasceu membro da
comunidade iurdiana. Em nenhum testemunho apresentado no corpus desta pesquisa
um fiel afirmou ser membro da Iurd desde que nasceu. A conversão motivada por
uma vida de miria, de fracassos profissionais e amorosos, de doenças e vícios, de
infelicidade – é um momento decisivo na vida do fiel que opta por fazer parte da
comunidade iurdiana. É comum, nos depoimentos, o fiel iurdiano modelo afirmar que
um dia esteve do outro lado do processo comunicativo. Um tempo atrás, antes da
conversão, aquele fiel que hoje conta as maravilhas de ser iurdiano esteve em frente
à tevê, desesperado ou desanimado frente à vida, e conseguiu dar a volta por cima.
Este fiel iurdiano mostra que é possível fazer parte da comunidade, basta confiar nos
depoimentos apresentados e crer na eficácia do convite dos pastores-apresentadores
de visitar um templo da Igreja Universal.
Como fazer parte dessa comunidade imaginada? Quem abre as portas
para que se possa desfrutar da experiência de pertencimento que propicia a sensação
de segurança? Quem agirá como intermediário entre o ambiente não comunitário e o
comunitário? No caso deste estudo, esse processo de mudança de um ambiente ao
outro é realizado por meio da conversão a doutrina iurdiana. As formas de conversão
apresentadas na produções midiáticas iurdianas são duas: o convite de uma pessoa
próxima ou ainda por meio da televisão. O que em comum, entre a presença de um
ente já convertido e à produção televisiva, é a intimidade que torna o discurso digno de
ser credível e seguro. A segurança está diretamente relacionada à intimidade. Nos
depoimentos, tem-se os casos em que algum conhecido, seja parente ou amigo, indica
a Iurd. É preciso que alguém próximo ao fiel em potencial que está desesperado o
testemunho de que a Iurd pode mudar a vida de desgraças. Como foi dito
anteriormente, os não fiéis tendem a ter uma postura de rejeição à Iurd, mesmo sem
conhecer, mesmo que minimamente, sua doutrina.
119
Não basta um desconhecido dizer que conseguiu milagres após
freqüentar as correntes da Iurd. A pregação de boca a boca, exemplo do que
tradicionalmente fazem os Testemunhas de Jeová, ou ainda os mórmons, que batem
de porta em porta anunciando sua doutrina, parece ser desprezada pela Universal. Isso
possivelmente porque, em tempos de pós-modernidade, o discurso de alguém
estranho, desconhecido, pode ser taxado de não-seguro, não passível de credibilidade.
É preciso mais, é necessária a intimidade entre duas pessoas para que um convite para
ir ao templo seja eficiente. Logo são recorrentes, depoimentos apresentados no corpus
de pessoas convertidas que afirmam que foram pela primeira vez a Iurd, depois do
convite de um amigo. Também estão presentes os casos em que um membro da família
se converte e, após dar o exemplo de que sua vida realmente mudou, acaba por
converter todos os seus parentes próximos.
O que ocorre, então, quando o crente não tem nenhum conhecido que
freqüentava a Iurd? Giddens sugere que a relação confiável não necessariamente exige
uma relação de parentesco ou proximidade física:
Num dos pólos da interação entre o local e o global está o que chamo de
“transformação da intimidade”. A intimidade tem sua própria reflexividade e suas
formas próprias de ordem internamente referidas. De importância chave aqui é o
surgimento da relação pura como protótipo das novas esferas da vida pessoal.
Uma relação pura é uma relação em que os critérios externos se dissolveram:
ela existe somente pela retribuição que a ela própria pode dar. No contexto da
relação pura, a confiança só pode ser mobilizada por um processo de mútua
revelação. A confiança, em outras palavras, não pode mais ancorar-se por
definição a critérios externos à própria relação – como os critérios de parentesco,
dever social ou obrigação tradicional. (GIDDENS, 2002, p. 13-14)
Em tempos de pós-modernidade, a segurança proporcionada pela
intimidade não depende necessariamente de um relacionamento físico interpessoal.
Como quer Giddens, a intimidade sofreu uma transformação e, neste estudo em
específico, a intimidade é conquistada, em parte, em virtude de uma relação
midiaticamente intermediada. Assim, o pastor-apresentador assume a posição de ser o
elo entre àqueles que pertencem ao mundo iurdiano e ao mundo pagão. O emissor e o
120
telespectador acabam criando uma intimidade entre si, falam de problemas comuns e
acima de tudo, íntimos.
Vale lembrar que o pastor apresentador é uma espécie particular de
celebridade midiática
188
. Enquanto atores de telenovelas, apresentadores de talk-
shows, cantores, modelos ou participantes de reality shows são glamurizados, criando
uma situação em que um simples olhar em um aeroporto ou uma fotografia ao lado do
ídolo midiático é tratada como troféu pelos fãs, símbolo da aventura de uma audiência
que conseguiu superar as barreiras que separam telespectadores e participantes do
meio midiático, o pastor apresentador opta por outro caminho. Ele possui sua imagem
midiaticamente representada, em alguns casos com mais horas de exposição televisiva,
tanto quanto a imagem do cantor Roberto Carlos, da atriz Juliana Paes ou ainda da ex-
BBB Grazi Massafera. Porém não quer a distância de sua audiência, pelo contrário, é
seu dever estar ao lado dela. O pastor apresentador é uma espécie de figura
midiatizada que espera a audiência, não é apenas uma figura midiática inalcançável.
Essa diferença entre eles pode ser atribuída especialmente ao objetivo da
exposição midiática de cada personagem televisivo. Enquanto a Juliana Paes coloca
em prática, frente às câmeras, seus talentos sejam eles, dramáticos, cômicos ou
mesmo físicos, para desempenhar um papel na ficção, para ser um instrumento da
realização de uma obra artística ou mesmo publicitária, o pastor apresentador se
apresenta na tela da televisão da audiência com um propósito principal: mudar a vida
de uma audiência que ainda não conhece as maravilhas de pertencer à comunidade
iurdiana.
Pode-se dizer que tanto o cantor da Jovem Guarda, a atriz que estrela
comerciais de cerveja, a ex-telespectadora que virou artista e o pastor-apresentador
possuem em comum o fato de estabelecerem com a audiência uma relação, mesmo
que não declarada, de confidencialidade. Essas confidências que aproximam
telespectador de emissores da notícia se o por meios exclusivamente midiáticos. As
três primeiras celebridades televisivas tem sua intimidade publicada em revistas de
188
Considera-se celebridade midiática aquela pessoa que participa de eventos midiaticamente veiculados
o que faz com que elas se tornem conhecidas pela audiência dos produtos midiáticos em que estão
inseridas.
121
fofocas, em entrevistas que contam detalhes de sua vida pessoal, enfim, em produções
midiáticas que vendem justamente por explorarem a esfera íntima e pessoal do astro.
É importante ressaltar que o necessariamente essas celebridades
concordam ou aceitam ter suas vidas pessoais expostas. Mas não há dúvidas de que
esta exposição midiática as aproxima da audiência. Senhoras que anos atrás
suspiravam pelo cabeludo que cantava iê-iê-iê, hoje choram e se compadecem da dor
de Roberto Carlos que perdeu sua esposa amada vítima de câncer. Jovens esperam
ansiosamente a aparição da atriz na novela das oito. Querem conferir os resultados da
última cirurgia plástica de Juliana Paes, a cada capítulo com trajes mais sensuais. Ou
ainda, a jovem que quer ser modelo e atriz sonha acordada ao ver a moça do interior
que teve o sonho de pertencer ao mundo da televisão e chegou lá. Grazi, até pelo
diminutivo é permitido chamá-la, conquistou o sucesso, o que alimenta as esperanças
de que o sonho não é utópico.
O pastor-apresentador, no entanto, não é personagem da Revista Caras,
nem é flagrado por paparazzis em momentos de intimidade com sua esposa, muito
menos é sondado para posar nu e ser entrevistado por uma revista voltada para o
publico gay. No entanto, garante essa confidencialidade íntima que conduz ao clima de
segurança devido a sua postura na condução dos programas da grade iurdiana. O
pastor-apresentador se coloca disponível e compreensível às aflições da audiência. Os
problemas sentimentais, financeiros, espirituais ou de saúde daqueles que assistem
não são tratados como insignificantes. Tais problemas interessam ao pastor-
apresentador. Não apenas interessam, mas também incomodam aquele que comanda
o programa, frente às câmeras.
O pastor-apresentador estreita os laços com aqueles que o assistem ao
se colocar como uma autoridade competente e compreensiva para com as dificuldades
do telespectador. O problema pessoal da audiência ganha visibilidade midiática e o
pastor-apresentador se coloca na obrigação de ajudar o telespectador a melhorar a sua
vida. Para isso, o pastor-apresentador convida o telespectador a estreitar esse
relacionamento que, embora midiatizado, já é regido pela credibilidade e pela
segurança, numa esfera interpessoal.
122
O pastor-apresentador, frente às câmeras, declara que esta relação entre
emissor e receptor pode e deve abandonar a dimensão midiática e ser realmente
concretizada nos cultos ou mesmo em uma conversa particular em um templo próximo
da Igreja Universal do Reino de Deus. “Eu estarei às 9 da manha do domingo!!”,
afirma o pastor-apresentador.
Antes que esse relacionamento entre o crente e o pastor-apresentador
deixe o âmbito midiático e se transforme numa relação interpessoal, o telespectador
tem a oportunidade de se aproximar daquela celebridade midiática por meio de contato
telefônico. O SOS espiritual é constantemente exibido no gerador de caracteres do
vídeo. O telespectador tem a possibilidade de entrar em contato com o pastor-
apresentador ou então de obter informações sobre os horários de cultos ou ainda
agendar um horário para ter uma conversa particular em um templo com aquele que
apresenta o programa.
Como foi abordado na unidade em que o corpus foi descrito, os pastores-
apresentadores costumam tratar aqueles com quem conversam por telefone como
amigos. Esse processo de construção de intimidade entre o pastor-apresentador e a
audiência é facilitado pela receptividade com que o iurdiano aborda o telespectador. O
pastor-apresentador quer saber como anda a vida de quem esdo outro lado da linha.
Em poucos segundos, já estão conversando acerca de assuntos íntimos, como vida
conjugal, situação financeira e problemas de saúde. a fabricação de um ambiente
que possibilite essas trocas de informações, uma vez que o iurdiano se coloca como
indivíduo capacitado e interessado em resolver os problemas daquele “novo amigo”
aflito, acordado durante a madrugada.
Caso o fiel seja convencido e tenha a atitude de ir ao templo em que o
pastor-apresentador preside cultos, ele tea oportunidade de estreitar esse laço de
intimidade que começou pela televisão. A medida que o crente passa a freqüentar as
reuniões, logo, adentra à comunidade, essa intimidade tende a crescer, fazendo com
que a sensação de segurança torne-se ainda maior.
A relação entre os membros da comunidade iurdiana que esperam os
crentes é duradoura tem inicio, embora como foi dito anteriormente é comum a
conversão acontecer em virtude de um primeiro contato midiático com a Igreja
123
Universal, e é mantida em razão de relacionamentos interpessoais. Tais
relacionamentos que podem começar com o contato telefônico com o pastor-
apresentador e que será explorado com mais afinco durante os cultos é que conduzem
àquela sensação de segurança. Observe no fragmento de Giddens, a importância do
contato interpessoal:
No desenvolvimento inicial do indivíduo, a confiança básica em circunstâncias
estáveis de auto-identidade e ambiente circundante e segurança ontológica
não se baseia, numa primeira instância, sobre um censo de continuidade de
coisas ou eventos. Ao contrário, como vimos notando, ela devirá da confiança
pessoal e estabelece uma necessidade de confiança nos outros que resiste, sem
duvida, de uma maneira ou de outra, através da vida toda. A confiança nas
pessoas, como enfatiza Erikson, é eregida sobre a mutualidade de resposta e
envolvimento: a fé na integridade de um outro é uma fonte primordial de um
sentimento de integridade e autenticidade do eu. (GIDDENS, 1991, p. 117)
Essa mutualidade é garantida pelo interesse do crente em se tornar mais
feliz, com relacionamento conjugal saudável, sem vícios e com condições de ter uma
vida luxuosa. Mas por outro lado, é garantida também por uma celebridade midiática
que deseja o contato com sua audiência e que é portadora de bens de salvação que
conduzem àquela felicidade desejada pelo crente.
124
3. 6 A questão da fé
A escolha do corpus desta dissertação não foi feita de maneira aleatória.
Procurou-se escolher uma amostra de material midiático que fosse suficientemente
representativa para a análise. Para tanto, a escolha do período de 07 a 14 de maio de
2007 corresponde à viagem que o papa Bento XVI fez ao Brasil. Para Campos, é
marcante a questão do embate religioso nas religiões evangélicas brasileiras:
Surgindo como uma força minoritária dentro do campo religioso católico romano,
e aliados à modernidade, os evangélicos precisaram criar, desde cedo,
estratégias para ganhar adeptos e aumentar o seu rebanho na guerra contra
outras modalidades de cristianismo, particularmente a católica. O resultado foi a
criação de uma cultura peculiar, agressiva nas relações com quaisquer outros
tipos de concorrência religiosa, portanto, mais dependente que as demais formas
de religiosidade dos meios de comunicação para se legitimar no espaço
religioso. (CAMPOS, 2004, p. 148)
Na unidade anterior, falou-se sobre a constituição da comunidade
iurdiana. Os limites entre o que é ser iurdiano e o que significa não ser iurdiano, na
pregação ou nos produtos midiáticos produzidos pela Universal, deve ser bem definido.
Enquanto são comuns as referências aos benefícios de ser iurdiano, é também
necessário mostrar as dificuldades de não pertencer, seja por ignorância ou por opção,
à comunidade iurdiana. Em alguns momentos, essa diferenciação entre o iurdiano e o
não praticante tende a discursos de intolerância.
Marilena Chauí
189
, apresenta reflexões acerca dos mitos que estão
incrustados no ideário brasileiro. Dentre eles, não se poderia deixar de citar o da cultura
formada pelas diferenças, da miscigenação das raças, em que negros, índios e brancos
contribuem com o seu melhor para a formação do povo do Brasil. A situação de conflito
religioso contesta, a exemplo do que fez Chauí, a real existência desta mistura pacífica
e harmoniosa, livre de racismos e preconceitos.
A questão da intolerância entre os indivíduos ganha em complexidade
quando estes passam a compartilhar o mesmo espaço. A convincia com o diferente
se torna uma constante irreversível nas cidades. Seja no ambiente de trabalho, nos
189
Chaui, 2000.
125
momentos de lazer ou na prática da religiosidade, o indivíduo é tentado desqualificar a
visão de mundo do outro. A este respeito, Mohammed Talbi, expõe um panorama sobre
a intolerância.
De fato, o homem é intolerante por natureza. Para Ibn Khaldoun, é um animal
profundamente agressivo, 'um lobo do homem', segundo Hobes, e Kant destaca
sua 'insociável sociabilidade'. O 'bom selvagem', tão raro a Rousseau, é um mito.
O homem, intolerante por natureza, torna-se tolerante, a princípio por
necessidade, em seguida, por inteligência, graças ao que Paul Ricoeur chama de
'o pacto do consenso conflitual do viver-junto'. (TALBI, 2000, p. 55)
Logo, não se imagina, no campo religioso, que a aceitação da crença do
outro seja um processo simples. O que um considera sagrado, o outro pode rejeitar
como maléfico. Veja por exemplo a questão da possessão. Enquanto nos terreiros de
origem africana a possessão é fenômeno indispensável para a realização dos cultos, os
adeptos de segmentos neopentecostais abominam tal prática e a consideram a
manifestação física do mal. Já os católicos, que na Idade Média exterminaram os
possuídos através da “Santa Inquisição”, desde o início do século passado não
consideram legítima a prática de exorcismos, ou seja, a expulsão de entidades que
atormentam a vida dos fiéis.
Não seria novidade destacar que as divergências de credos culminaram
em batalhas e guerras no decorrer da história. Não fosse assim, a figura do mártir,
crente que morre em defesa de sua fé, não seria tão reverenciada pelas religiões. Basta
ter acesso a produções jornalísticas para se constatar que conflitos religiosos
continuam freqüentes. Seja entre católicos e protestantes no Reino Unido, seja entre
israelenses e palestinos no Oriente Médio, a intolerância religiosa se faz presente.
No Brasil, mascarado pelo mito de o povo aceitar pacificamente a sua
diversidade, o conflito entre crentes não é evidenciado através de atentados ou de
intervenções bélicas, a exemplo do que acontece com os dois exemplos acima citados.
A intolerância se localiza na formação e consolidação de idéias preconceituosas.
Em estudos anteriores
190
, pode-se constatar essa questão do embate
religioso. Em pesquisa que resultou em meu trabalho de conclusão de curso, foi
190
Mininel, 2005.
126
realizada uma análise do programa Mistérios dos dias 08, 09 e 10 de dezembro de
2004. Tratava-se de um programa, hoje extinto, com uma roupagem jornalística em
que um pastor e uma “ex-mãe-de-encosto
191
prestam assistência aos telespectadores
que admitiam sofrer influências de espíritos malignos. O programa era exibido, a
exemplo do corpus desta pesquisa, pela Record Regional Bauru.
Naquela monografia foi analisado o “Caso do saco preto”. O pastor-
apresentador chamava a audiência para assistir a imagens que foram gravadas,
durante uma Sessão do Descarrego, no tempo maior da Universal no dia 07 de
Dezembro. Nas imagens era mostrada a seguinte cena: o pastor conduzia seu culto
como sempre fazia, mas em um dado momento, uma obreira sobe no altar e cochicha
algo com o pastor. Leva consigo um saco preto com alguns objetos em seu interior. O
pastor logo explica para a assembléia o que está acontecendo. O pastor que preside o
culto diz que naquele saco preto existe um trabalho de macumba contra ele. Há
também um bilhete em que o pastor é ameaçado de morte. “Pastor Cristian, preste
atenção, isso é para destruir você e tudo esse povinho (sic). Eu não pude ir + mandei
meus guias de frente para você ver com quem vocês estão mechendo (sic)”, assim
estava escrito no bilhete cuja autoria era atribuída a encostos
192
.
O pastor-apresentador no estúdio explicava à audiência, em meio a
ataques ao que ele denominava feitiçaria, macumbaria e atuação de entidade
diabólicas, que era necessária a libertação das práticas de religiões afro-brasileiras. Em
consultas por telefone, ouvia e aconselhava pessoas que ouviam vozes, sentiam
presença de espíritos em sua vida, tinham problemas conjugais, dentre as outras
temáticas particulares aos programas iurdianos. Mas o grande embate se deu no dia 10
de dezembro de 2004. A mãe-de-santo que havia ameaçado o pastor Cristian com o
bilhete liga no SOS Espiritual e ameaça mais uma vez o pastor iurdiano. Veja a
transcrição da conversa:
191
Era atribuído o codinome “ex-mãe-de-encosto” a mulheres que conheciam as práticas de religiões
afro-brasileiras, como o Candomblé, a Umbanda e a Quimbanda, e delas eram adeptas. A identidade
dessas mulheres nunca era revelada, uma vez que no vídeo só era mostrada, na maioria das vezes, a
sua silhueta e seu nome era sempre uma incógnita.
192
Assim eram chamadas as entidades das religiões afro-brasileiras, tais como exus, caboclos, pretos-
velhos.
127
Pastor Cristian: Nós estamos com mais uma pessoa na linha, amiga de Bauru,
não é isso? Com quem eu falo?
“Mãe-de-encosto”: Com a mulher que vai dar o fim na sua vida.
PC: Por quê? O que é que eu fiz?
“ME”: Eu sou a mãe-de-santo que fez o trabalho pra você, seu baixinho.
PC: E ai? O trabalho está ai pronto e eu estou aqui. Qual é o problema?
“ME”: O teu povo é fracassado, é um povinho. Esse povo aí é medroso.
PC: Por que você não vem aqui terça-feira?
“ME”: Os meus guias não deixam eu ir ai não. Os meus guias são muito fortes.
PC: Então traz os seus guias. Eles não são fortes?
“ME”: Eu sei o que vou fazer com vocês. Eu vou colocar terra de cemitério no
carro destes derrotados. Esse aí é um povo derrotado, um povo fracassado.
PC: Com o seu trabalho ainda não aconteceu nada, eu estou imune. Não
aconteceu nada.
“ME”: Mas vai acontecer.
PC: E eu vou desfazer o seu trabalho na terça-feira.
“ME”: Vai nada, você está com medo, seu baixinho. Os meus guias me falaram.
Você está com medo.
PC: Então está. Terça-feira. Você me ligou pra me ameaçar?
“ME”: Eu vou te matar com acidente antes de terça-feira. Cuida do seu carro,
hein? Manda ele pra uma vistoria. Os meus guias vão te matar na estrada.
PC: Vamos ver, eu estou aguardando os seus guias.
Cai a ligação. (Mistérios, 10/12/2004)
O pastor Cristian não se dizia amedrontado, pelo contrário, convocava os
telespectadores a irem ao templo para assistirem sua vitória neste embate entre o
representante do Pai das Luzes contra a enviada do Pai das trevas. Esse embate foi
explorado por três dias e no quarto dia, sem qualquer explicação ao telespectador, foi
abandonado pela pauta do programa Mistérios.
Essa pesquisa conduziu a algumas conclusões. Na pregação midiática
iurdiana, ocorre um processo de legitimação para um posterior combate às práticas dos
cultos afro-brasileiros. Para atacarem os "encostos", o pastor Cristian, a "ex-mãe-de-
encosto" e o crente iurdiano não desconfiam da eficia das práticas umbandistas, do
Candomblé e da Quimbanda. Para eles, é inegável a legitimidade espiritual destas
crenças. Assim, pode-se dizer que os iurdianos crêem, mesmo que de uma forma
preconceituosa e tendenciosa, na doutrina das religiões afro-brasileiras. Daí ser
caracterizado o processo de legitimação da crença alheia.
Entretanto, tal legitimação tem o intuito de combater a "religião dos
encostos". Não é negada a força dos cultos, mas, é questionada, pelos iurdianos, a
conduta tanto das entidades cultuadas, como dos adeptos da umbanda. Atacam-nos de
128
serem guiados pelas forças do Mal. Logo teriam de ser combatidos. Trava-se assim,
uma disputa entre o divino - representado pelos crentes da Iurd - e o maligno -
personificado na figura das "mães-de-encosto" e seus seguidores.
A legitimação e os ataques à crença do outro ganham em relevância por
terem abandonado os limites dos templos da Universal. Com a obtenção de meios de
comunicação, a potencialidade de expansão da teologia iurdiana atinge seu ápice. Seja
por meio impresso, radiofônico, televisivo ou on line, a Iurd reafirma e amplia o número
receptores de sua mensagem de ataque aos encostos. Ao fazerem os ataques aos
"servidores dos encostos", a Iurd assimila, mesmo que com uma visão preconceituosa,
os conceitos umbandistas a sua Teologia. Os fiéis que são fortes para o combate com
os encostos conhecem os exus, os caboclos e os pretos-velhos tão bem quanto crêem
na força onipotente do "Pai das Luzes".
É importante ressaltar que a programação com ataques aos cultos afro-
brasileiros, se não deixaram de acontecer, perderam o destaque que tiveram anos
atrás. Os pastores-apresentadores continuam a falar de atuações de forças malignas,
mas não mais as associam a orixás ou a entidades umbandistas. Falam de trabalhos
realizados com a intenção de maltratar alguém ou destruir a carreira ou a felicidade
amorosa. Não se exibem mais cenas de terreiros ou depoimentos de ex-praticantes dos
cultos afro-brasileiros.
No programa Casos Impossíveis, de 09 de Maio de 2007, em uma
entrevista no estúdio, o pastor-apresentador conversa com um homem que diz que sua
vida familiar foi arruinada. É interessante notar que, não somente neste caso em
específico mas em toda a programação analisada, os pastores-apresentadores evitam
citar o termo “macumba”, termo este muito explorado nos discursos iurdianos de anos
atrás. O entrevistado do pastor Emerson diz que acredita que a única explicação para
tamanha desgraça enfrentada por ele, drogas, adultério, doenças, acidentes de trânsito,
seja o fato de terem feito “macumba” para prejudicá-lo. O pastor Emerson
imediatamente corrige o entrevistado dizendo que possivelmente ele está sofrendo as
conseqüências de um “trabalho do mal”.
Nas chamadas em que o locutor em off convida os telespectadores a irem
a um templo da Universal é feita referência às forças diabólicas. “Há espíritos malignos
129
que causam problemas impossíveis. Só saem com jejum e oração. Venha participar (de
um culto na Iurd)!”, chama o locutor. É evidente a amenização, comparando o corpus à
pesquisa realizada em 2005, dos ataques diretos à doutrina e aos adeptos de religiões
afro-brasileiras.
No entanto, não se esperava encontrar, no corpus desta dissertação,
ataques ao catolicismo tão intensos quanto os observados naquela pesquisa de 2005
por razões bastante claras. No programa Mistérios o alvo dos ataques eram religiões
minoritárias quanto ao número de fiéis no cenário religioso brasileiro. Atacar a Igreja
Católica Apostólica Romana é uma atitude muito mais arriscada, especialmente em um
país de maioria católica.
Analisado o corpus, pode-se dizer que esta expectativa se confirmou.
Possivelmente, a experiência adquirida com o caso do “chute na santa”, episódio já
relatado nesta dissertação, fez com que a cúpula iurdiana tivesse uma postura
cautelosa em relação à visita do sumo pontífice católico. Aproveitando o assunto da
visita de Bento XVI, embora os programas da grade comercial da Record não façam
parte do corpus, pode-se qualificar a cobertura jornalística da emissora como
adequada. Exibiu flashes ao-vivo durante a programação e destacou a vinda do
religioso, em seus telejornais, como a chegada de um chefe de Estado ao país, sem se
aprofundar em questões de ordem religiosa.
Voltando aos programas analisados, pode-se localizar uma única menção
direta ao papa Bento XVI na programação iurdiana analisada. Aconteceu no programa
Fala que eu te escuto, do dia 09 de Maio de 2007. O tema daquele dia era corrupção. O
Bispo Clodomir Santos, em meio a um telefonema e a exibição de uma matéria
aproveitada dos jornalísticos da Record, falou sobre a vinda do papa ao Brasil para
conter um possível avanço evangélico.
Culpando a imprensa que, segundo ele, procura promover uma guerra
religiosa entre católicos e evangélicos, Clodomir não promoveu nenhum ataque a Bento
XVI, apenas criticou parte da imprensa que mandou jornalistas aos templos para
conseguirem declarações polêmicas de lideranças iurdianas contrárias à liderança
católica. Observe a transcrição do discurso do pastor-apresentador:
130
O problema da mídia é esse: ela forma opinião atendendo a interesses. Com a
vinda do papa ao Brasil, olha só, o interesse deles: falar que o papa está vindo
para poder impedir que a Igreja Católica perca mais fiéis. Aí fica jogando a Igreja
Católica contra a igreja evangélica ou querendo jogar a igreja evangélica contra a
católica. Fica nessa guerrinha. Neste final de semana, as redações, os jornais,
todos os meios (de comunicação) estão mandando gente nas igrejas pra poder
ouvir alguma coisa, pra poder comentar... Essa é a nossa imprensa, uma das
desgraças deste país é a imprensa, a mídia. (Fala que eu te escuto, 09/05/2008)
Em nenhum outro momento foi citado o nome de Bento XVI, nem mesmo
indiretamente. A religião católica é citada algumas vezes ao longo da programação
analisada. Mas em nenhum momento há qualquer indício de preconceito, ataque ou
desqualificação ao catolicismo. Além das referências indiretas aos cultos afro-brasileiros
e a da menção do nome do principal líder católico que viajava pelo Brasil, a religião dos
não iurdianos é citada, várias vezes, mas sempre com a mesma intenção: uma tentativa
de conversão. Da mesma forma que os pastores-apresentadores convocam para as
reuniões na Iurd os fiéis que um dia já freqüentaram os cultos iurdianos e que
abandonaram a fé, assim também o fazem, ao convidar católicos, evangélicos de outras
denominações e kardecistas que se identifiquem com os relatos, testemunhos e com as
explicações apresentadas na programação iurdiana.
É importante ressaltar que, em nenhum momento, pode-se verificar
qualquer tipo de desqualificação ou intolerância em relação à religião dos não iurdianos.
Essa constatação é surpreendente – em razão dos já referidos ataques à doutrina e aos
adeptos do Candomblé, Umbanda e Quimbanda ou ainda ao “chute na santa” e
demonstra que houve uma mudança significativa na postura da Igreja Universal do
Reino de Deus em relação à intolerância religiosa, pelo menos em suas produções
midiáticas, uma vez que por este estudo o se pode dizer se esta postura é espelho
da pregação que ocorre nos templos.
Por falar em pregação nos templos, durante toda a programação iurdiana
analisada constatou-se que os pastores-apresentadores acreditam ser indispensável a
ida do telespectador ao templo. Os programas iurdianos apenas divulgam uma
possibilidade de salvação que necessariamente está condicionada a uma ida ao
131
templo. Para que ocorra transformação na vida do fiel é obrigatório que este assuma o
compromisso de freqüentar um determinado culto.
O pastor Leonardo, no dia 11 de Maio de 2007, durante o Em busca do
amor, em sua oração no final do programa, as quase 30 minutos em que ouviu
reclamações acerca da vida sentimental dos telespectadores, pede que a atenção
divina esteja voltada não apenas para todos aqueles que participaram do programa por
telefone, mas também por aqueles que se identificaram e não tiveram coragem
suficiente para entrar em contato por meio do SOS Espiritual. O pastor Leonardo pede
a Deus que incentive os telespectadores a irem a um templo. Para ele, a ida de um
telespectador a uma Igreja Universal mais próxima é a manifestação da vontade divina
e uma demonstração de que o crente deseja lutar para conquistar o sucesso em sua
vida sentimental.
De uma maneira geral, dos telespectadores, é exigida uma postura ativa
frente aos problemas. Os vícios, o adultério, o desemprego e a sensação de impotência
frente aos problemas sentimentais, físicos ou financeiros podem ser superados através
da ida aos templos iurdianos. “De nada adianta assistir aos programas, você tem que
ter atitude”, afirma constantemente, em vários programas, o bispo Ronaldo de Castro.
Esta atitude agrada a Deus que se sente na obrigação de atender aos anseios de seus
fiéis.
Ousadia, obstinação e impaciência com as adversidades da vida são
características do fiel iurdiano modelo. O líder máximo da Iurd ensina que todos devem
sonhar alto, com bens materiais em abundância. Observe, no fragmento transcrito
abaixo, que o bispo Edir Macedo, em um VT de uma palestra proferida por ele no
Templo Maior da Universal, no Rio de Janeiro, explica aos seus fiéis a maneira que o
crente deve orar. A fé inteligente é uma exigência de iurdianos inteligentes que desejam
o que há de melhor:
A é como um músculo. Se você não usa a sua fé, ela fica fraca, débil. Com
certeza, você vai cair nas armadilhas do diabo. É preciso exercitar a fé, tomar
atitudes de fé. As pessoas impedem Deus de agir. você tem que ter para
coisas grandes, venha na segunda (feira) a noite. Se você tem fé para ser
empregado, Deus te abençoe! Eu tenho fé para ser patrão. Não se deve amarrar
a emprego, deve-se orar para ser patrão. Deus quer fazer de você um patrão. Se
132
você quer ser empregado, não atrapalhe quem quer ser patrão. quem tem
para comer carne, outros para comer legumes. Respeite a fé do débil. Segunda é
para quem quer dinheiro. A Bíblia promete dinheiro. Deus quer que você seja
rico, se você não quer ser, o problema é seu, meu amigo. (A hora do congresso
empresarial, 10/05/2007)
O fragmento citado acima é uma amostra representativa daquilo que os
pastores-apresentadores consideram fé inteligente. Ser inteligente na fé é ter a
convicção de que bens materiais luxuosos, felicidade conjugal e ser bem-sucedido
profissionalmente é não apenas uma vontade humana, mas um desejo divino. Mas para
que essas vontades se tornem realidade, dos crentes é exigida a freqüência nos
templos e a perseverança na esperança de dias melhores.
Também é importante ressaltar que é no templo, não por meio midiático,
que o fiel tem acesso aos objetos sagrados de libertação e cura. Seja no tocar nas
pétalas da rosa ungida, seja por colocar as fotos de parentes necessitados de oração
no mural ou ainda ter seu nome colocado no vidro de perfume, tudo isso é apresentado
pela tevê, mas a eficia dos poderes sagrados desses objetos é manifestada nos
templos sob a oração dos pastores e da comunidade iurdiana reunida. “Não fique
adiando a sua vinda à igreja. Venha a um templo da Igreja Universal”, aconselha o
pastor Marcos.
A inteligente é, segundo os programas iurdianos, uma atitude lúcida de
pessoas esclarecidas, sábias na fé. Por exemplo, a bancária Deise
193
, em depoimento,
no programa Em busca do amor de 10 de Maio de 2007, fala de sua trajetória de vida
até se tornar uma crente na doutrina iurdiana. Casada com um músico, tinham uma vida
de classe média, com alguns confortos. Não acreditava na existência de Deus.
Segundo ela, sua preferência era por aprofundar seus conhecimentos na área da
filosofia e das ciências. O casamento de Deise passou por um momento de crise. Essas
crises acabaram afetando o seu desempenho profissional. O marido passou a ter
insônia enquanto ela tinha um sono incontrolável. Convidada por um amigo, visitou um
culto da Universal. “Eu conheci um Deus vivo que eu não sabia que existia. Tudo em
minha vida mudou. Minha família freqüenta a igreja e somos todos abençoados”, conta
193
Não se faz referência ao sobrenome da bancária que faz o depoimento.
133
Deise acerca da “reconstrução” de sua vida sentimental. “A pessoa vai ser feliz
quando vier à Terapia (da Família)”, recomenda o pastor Alex neste mesmo programa.
134
Considerações finais
A primeira conclusão a que se chegou nesta dissertação é de os
programas iurdianos possuem semelhança com as atrações da grade comercial da
Rede Record. O uso de técnicas telejornalísticas, como a reportagem, a entrevista, o
comentário, o depoimento, ou ainda as aproximações com a telenovela fazem da
programação iurdiana uma atração televisiva não, simplesmente, por ser veiculada pela
televisão e sim por explorar os recursos técnicos de gêneros e formatos televisivos. Isso
faz com que o programa iurdiano seja atrativo para a audiência que possui alguma
identificação com a doutrina da Igreja Universal do Reino de Deus ou então com as
representações midiáticas apresentadas, seja em entrevistas, em comentários do
pastor-apresentador ou em depoimentos.
O uso do gênero jornalístico atribui credibilidade às atrações. Seja com
matérias produzidas especialmente para o programa iurdiano ou com o
reaproveitamento de material produzido pelo departamento de Jornalismo da Record, o
telejornalismo está presente na madrugada da Record. Giddens alerta para, no
contexto de modernidade tardia, a obrigatoriedade de confiança nas relações
institucionais ou interpessoais. Esse processo de aquisição de credibilidade, por parte
das mensagens midiáticas iurdianas, é conquistado pela participação de uma
autoridade religiosa competente que orienta a audiência por meio de seus comentários
e também pela prática do telejornalismo, gênero televisivo de que se espera ética e
credibilidade. Mas para que este processo ocorra é necessária, mesmo que em parte, a
confiança, por parte da audiência, tanto na idoneidade do pastor-apresentador, nos
preceitos da Igreja Universal apresentados na tevê quanto também de que os
profissionais de televisão que produziram aquele programa quando o fizeram agiram de
maneira ética, logo digna de credibilidade.
Uma vez que as mensagens são consideradas credíveis a
possibilidade de se estabelecer uma relação segura, entre os promotores da
mensagem e a audiência. A apresentação da comunidade iurdiana como um ambiente
seguro e aberto a novos membros também é uma característica dos programas
iurdianos. A abertura do acesso à comunidade iurdiana é garantida, especialmente,
pela postura do pastor-apresentador. Preocupado com as aflições dos telespectadores,
135
experiente nas práticas que conduzem à felicidade e disposto a transformar a relação
midiática entre produtor e receptor da mensagem em interpessoal, o pastor-
apresentador quer estabelecer uma relação de intimidade e cumplicidade com a
audiência. Dessa intimidade compartilhada frente as câmeras, surge a sensação de
segurança que, segundo as lideranças iurdianas, deve ser verificada na visita a um
templo da Igreja Universal do Reino de Deus.
Nesta atração em que se busca a credibilidade e que se mostra como um
ambiente seguro para o telespectador que aceita fazer parte da comunidade (isso
implica freqüentar o templo, fazer orações, convidar amigos e parentes para visitar a
Iurd, abandonar vícios, ser fiel no relacionamento amoroso e tem como conseqüência a
conquista de sucesso financeiro, estabilidade no relacionamento conjugal, libertação de
vícios e proteção contra forças diabólicas), a pregação da fé iurdiana encontra espaço
adequado. Na análise do corpus, foi verificada uma mudança significativa na forma de
pregação via mídia. Anos atrás, os programas iurdianos eram repletos de ofensas a
outras religiões, especialmente àquelas que são de origem afro-brasileira. Não foi
verificado qualquer ataque direto a outras religiões. Os pastores-apresentadores
apenas convidavam católicos, evangélicos de outras denominações e kardecistas para
experimentarem a iurdiana. A inteligente obriga os fiéis a não serem passivos
frente aos problemas de sua vida. O fiel iurdiano bem sucedido é aquele que
conquistou muitos bens materiais, é estável financeiramente e leva uma vida luxuosa,
com sua família. O crente não deve se contentar com pouco, deve sonhar com
abundância material que é conseqüência de abundância de bênçãos divinas.
Esta dissertação proporciona algumas reflexões que devem incentivar o
estudo da programação iurdiana. Este estudo esteve limitado à análise das produções
midiáticas veiculadas pela Record Regional Bauru. Interessante seria a comparação
entre a programação iurdiana, por exemplo, de uma afiliada da emissora do interior de
São Paulo, com a programação exibida na cidade de Salvador, onde a cultura afro-
brasileira é tão presente. O programa iurdiano segue diretrizes nacionais ou o enfoque
do programa é regionalmente escolhido? Será que naquela região ainda perduram os
ataques aos adeptos da Umbanda e do Candomblé? Também seria interessante a
comparação entre a pregação televisiva e a pregação nos templos. Uma hipótese, que
136
pode ser confirmada com um estudo científico, é a de que os ataques aos adeptos de
religiões afro-brasileiras deixaram de acontecer na televisão em razão das pressões
de movimentos organizados por aquelas religiões e também por repercussões que
afetavam negativamente a imagem institucional da Rede Record de Televisão.
Esta dissertação teve como enfoque o uso do telejornalismo na
madrugada da Record. Tão pertinente quanto, seria a análise das técnicas de
teledramaturgia no programa iurdiano. Também seria pertinente o aprofundamento nas
rotinas de produção dos programas iurdianos. Entrevistas com os pastores-
apresentadores, com os produtores e jornalistas que participam destes programas, o
acompanhamento do processo de produção de pautas, a seleção de depoimentos,
seriam importantes para a compreensão do que está por trás das câmeras destas
produções televisivas tão peculiares. É verdade que as lideranças iurdianas são um
tanto avessas a entrevistas e isso poderia dificultar o desenvolvimento do estudo.
Finaliza-se este estudo afirmando que ainda existem muitos enfoques
possíveis acerca da programação iurdiana a serem analisados. Procurou-se analisar,
nessas páginas, o uso da mídia por uma instituição religiosa que utiliza o gênero
telejornalístico para a divulgação de sua doutrina. Também foi verificado um
alinhamento do discurso iurdiano com conceitos particularmente importantes no
contexto pós-moderno, tais como a credibilidade, a confiança e a segurança, bem como
a formação de uma comunidade iurdiana. Outros estudos que complementem ou
mesmo que discordem dos apontamentos propostos nesta dissertação, certamente,
serão salutares para a compreensão do fenômeno midiático-religioso que é a Igreja
Universal do Reino de Deus.
137
Referências
ARBEX JR. José. Showrnalismo: a noticia como espetáculo. 2 ed. São Paulo: Casa
Amarela, 2002.
BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de telejornalismo: os
segredos da notícia na TV. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
BARBOSA LIMA, Fernando. Nossas câmeras são os seus olhos. In: BARBOSA LIMA,
Fernando; PRIOLLI, Gabriel; MACHADO, Arlindo. Televisão & vídeo. Rio de Janeiro:
Jahar, 1985.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro (trad)..
Lisboa: Edições 70, 1988.
BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem e outros ensaios. Dorothée de Bruchard
(trad). São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Plínio
Dentzien (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Sergio Miceli, Silvia de
Almeida Prado, Sonia Miceli, Wilson Campos Vieira (trad). 3 ed. São Paulo:
Perspectiva, 1992.
_____. Sobre a televisão. Maria Lucia Machado (trad). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.
BRANDAO, Tâmara. José Marques de Melo: 30 anos de doutorado em jornalismo. In:
Revista Comunicação Midiática, Bauru, n. 1 e 2, dez. 2004.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de
um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.
_____. Evangélicos, pentecostais e carismáticos na mídia radiofônica e televisiva.
Revista USP. São Paulo, n. 61, p. 146-163, mar./mai. 2004.
138
_____. As origens norte americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre
uma relação ainda pouco avaliada. Revista USP. São Paulo, n. 67, p. 100-115,
set./nov. 2005.
CASTRO. Daniel. Igreja Universal quer montar “CNN Gospel” com TV Record.
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u61068.shtml >.
Acesso em: 06 jun. 2006.
CHAUI, Marilena, Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu
Abramo, 2000.
CRUZ, Eduardo Rodrigues da. A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza.
São Paulo: Unesp, 2004.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução: Viviane Ribeiro,
2. ed. Bauru: EDUSC, 2002.
DANTAS, Patrícia. Após superar Globo, “Bofe de Eliteterá caveirão e novos atores.
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u34 8053.shtml >.
Acesso em: 12 dez. 2007.
FELTRIN, Ricardo. Record quebra jejum e cobre “festa do diabo” pela primeira vez.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68634.shtml>.
Acesso em 19 fev. 2007. (1)
_____. Fernanda Montenegro rejeita proposta da Record; ao menos para 2007.
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69722.shtml >.
Acesso em 26 mar. 2007. (2)
_____. Pela primeira vez, Record se torna vice-líder na TV aberta no país. Disponível
em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68929.shtml >. Acesso em: 01
mar. 2007. (3)
_____. Record toma correspondente da Globo em “guerra jornalística”. Disponível em:
< http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u70337.shtml >. Acesso em: 17 abr.
2007. (4)
139
_____. Pelo 2º mês consecutivo, Record é vice-líder de audiência na Grande SP.
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69949.shtml >.
Acesso em: 02 abr. 2007. (5)
_____. Para 57%, Record tem chance de superar a Globo no ibope. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69200.shtml >. Acesso em: 08 mar.
2007. (6)
_____. SBT prepara TV Fama côver; Band tira pastor do horário nobre. Disponível em:
< http://noticias.uol.com.br/ooops/ultnot/2008/07/14/ult2548u556.jhtm >. Acesso em: 14
jul. 2008
FRANÇA. Vera Veiga. Paradigmas da comunicação: conhecer o quê?. In: MOTTA, Luiz
Gozaga et al (orgs). Estratégias e culturas da comunicação. Brasília: UdUNB, 2002.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1989.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Raul Fiker (trad.). São
Paulo: Unesp, 1991.
_____. Modernidade e identidade. Plínio Dentzien (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Adelaide la Gardia
Resende, et al. (trad.) Belo Horizonte: UFMG, 2003.
_____. A identidade cultural na pós-modernidade. Tomaz Tadeu da Silva, Guacira
Lopes Louro (trad). 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
JARDIM, Lauro. Record toma as Olimpíadas da Globo. Disponível em: <
http://vejaonline.abril.uol.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServ
let?publicationCode=1&pageCode=1286 >. Acesso em: 08 mar. 2007.
140
LOPES, Luís Carlos. Hermenêutica, teorias da representação e da argumentação no
campo da Comunicação. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Epistemologia da
comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p. 163-185.
_____. O culto às mídias: interpretação, cultura e contratos. São Carlos: Ed. UFSCAR,
2004.
MACEDO, Edir. Orixás, caboclos & Guias: deuses ou demônios?.Rio de Janeiro:
Universal, 2000.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.
São Paulo: Loyola, 1999.
_____. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. Estudos
Avançados. São Paulo, v. 18, n. 52, p.121-138, set./dez. 2004.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e
campo religioso. São Paulo: Paulus, 2003.
MELO, Geraldo Lúcio de. Imprensa e poder, impressões éticas. In: PAIVA, Raquel.
(org). Ética, cidadania e imprensa. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. p. 41-48.
MININEL, André Ricardo. Chuta que é macumba: considerações iurdianas acerca de
legitimação e conflito no campo religioso. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação. Unesp, 2005.
PIERUCCI, Antonio Flávio. “Bye bye, Brasil” O declínio das religiões tradicionais no
Censo 2000. Estudos Avançados. São Paulo, v. 18, n. 52, p. 17-28, set./dez. 2004.
PIGNATARI, Décio. Signagem da televisão. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
POMPEU, Carmen. Vamos bater a Globo até 2009, diz vice-presidente da Record.
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69434.shtml >.
Acesso em: 17 mar. 2007.
141
PRADO, José Luiz Aidar. O campo da comunicação e a comunicação entre os campos
na era da globalização. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Epistemologia da
comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p.135 – 154.
PRANDI, Reginaldo. O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso.
Estudos Avançados. São Paulo, v. 18, n. 52, p. 223-238, set./dez. 2004.
REIPERT. Fabíola. Para ganhar da Globo, Record dará prêmio de até R$ 1 milhão.
Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/zapping/ult3954u241.shtml
>. Acesso em: 11 abr. 2007.
REZENDE, Guilherme Jorge. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo:
Summus, 2000.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Jornal Nacional: a notícia faz história. Memorial Globo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
SARTORI, Giovanni. Homo videns: televisão e pós-pensamento. Antonio Angonese
(trad). Bauru: Edusc, 2001.
SCHNEIDER, Ari. Faixa nobre da Record fatura 38% a mais. Disponível em: <
http://www.estadao.com.br/arteelazer/tv/noticias/2006/mai/12/57.htm >. Acesso em 27
fev. 2007
SILVA, Juremir Machado da. O pensamento contemporâneo francês sobre a
comunicação. In: HOHLFELDT, Antonio et al. (orgs). Teorias da Comunicação:
conceitos, escolas e tendências. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
SOUSA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó: Argos, 2002.
_____. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e da mídia. Florianópolis:
Letras Contemporâneas, 2004.
STOLL, Sandra Jacqueline. O espiritismo na encruzilhada: mediunidade com fins
lucrativos?. Revista USP. São Paulo, n. 67, p. 176-185, set./nov. 2005.
142
TALBI, Mohammed. Tolerância e intolerância na tradição muçulmana. In: DUCROCQ,
Françoise. A intolerância. Eloá Jacobina (trad). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 55-
59, 2000.
TAVOLARO, Douglas. O bispo: a história revelada de Edir Macedo. São Paulo:
Larousse do Brasil, 2007.
TRINTA, Aluízio R. A comunicação e(m) seus limiares. In: LOPES, Maria Immacolata
Vassalo de. Epistemologia da comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p. 155-160.
VALLE, Edênio. A Renovação Carismática Católica. Algumas observações. Estudos
Avançados. São Paulo, v. 18, n. 52, p. 97-107, set./dez. 2004.
VILCHES, Lorenzo. A migração digital. Maria Immacolata Vassalo Lopes (trad.). São
Paulo: Loyola, 2003
YORKE, Ivor. Telejornalismo. Luiza Lusvarghi (trad). 4 ed. São Paulo: Roca, 2006.
143
Anexo
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo