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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS
RELAÇÕES POLÍTICAS
ELIANE VENTORIM
As idéias políticas e a apologética de Ramon Llull (1232-
1316) sobre a cruzada na Terra Santa
VITÓRIA
2008
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ELIANE VENTORIM
As idéias políticas e a apologética de Ramon Llull (1232-
1316) sobre a cruzada na Terra Santa
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social das Relações Políticas do
Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a
obtenção de grau de Mestre em História, na área de
concentração História e Movimentos Políticos.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Luiz Silveira da Costa
VITÓRIA
2008
2
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Ventorim, Eliane, 1979-
V466i As idéias políticas e a apologética de Ramon Llull (1232-1316)
sobre a cruzada na terra santa / Eliane Ventorim. – 2008.
145 f. : il.
Orientador: Ricardo Luiz Silveira da Costa.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Ramon Llull, m1315. 2. Cruzadas. 3. Apologética. 4. Missão
da igreja. 5. Muçulmanos. 6. Idade Média. I. Costa, Ricardo da. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
3
ELIANE VENTORIM
As idéias políticas e a apologética de Ramon Llull (1232-
1316) sobre a cruzada na Terra Santa
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Relações
Políticas do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em
História, na área de concentração História e Movimentos Políticos.
Aprovada em ______________.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________
Prof. Dr. Ricardo Luiz Silveira da Costa
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
___________________________________
Prof. Dr. Luiz Cláudio Moisés Ribeiro
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________
Prof.ª Dr.ª Adriana Maria de Souza Zierer
Universidade Estadual do Maranhão
4
À minha mãe, Virginia, que sempre me ensinou o caminho
correto e sempre me fez seguir em busca da verdade, do amor
e da fé. Com ela aprendi a lutar para tornar meus sonhos
possíveis.
Ao meu orientador, Ricardo da Costa, que me fez ver que as
flores podem nascer por entre os espinhos. Sou-lhe grata por
tudo que me ensinou e ensina, pois, sempre foi e será uma
bússola a me guiar em busca da Sabedoria.
5
AGRADECIMENTOS
Quando ingressei no curso de graduação em História da Ufes em 1999, não
imaginava as flores e as pedras que encontraria pelo caminho. Mas como tudo
faz parte da aprendizagem de nossa vida, aprendi a ultrapassar as pedras e colhi
belas flores do jardim do conhecimento.
A mais grata surpresa foi conhecer, em 2000, aquele que se tornaria meu mentor
intelectual, Prof. Ricardo da Costa, grande professor e amigo. A pessoa mais
generosa que conheci no mundo acadêmico, grande exemplo a ser seguido.
Depois de uma longa caminhada (mais de oito anos), tenho a agradecer por
sempre ficar ao meu lado e me apoiar com sua mão para atravessar alguns
obstáculos com mais segurança. As flores que colhi ao longo dessa estrada rumo ao
conhecimento foi ele quem me ensinou, além da melhor forma de cultivá-las. Que
possas colher muitas mais, deo volent!
O Prof. Ricardo da Costa também foi o responsável pelo meu contato com a
segunda pessoa que mais me apoiou em todo o meu caminhar acadêmico, o Prof.
Esteve Jaulent, presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo
Lúlio (IBFCRL), de São Paulo, pessoa que sempre me deu suporte material, e tantas
vezes esclareceu minhas dúvidas com tanta amabilidade.
Agradeço e dedico este trabalho aos meus familiares, amigos e alunos; a Virgínia
(minha mãe), Eunice e Edinéia (minhas irmãs) e Felipe (meu sobrinho): muito
6
obrigada pela paciência e compreensão pelas inumeráveis vezes que eu não tive
tempo de estar ao lado de vocês, por estar demasiadamente ocupada com o
trabalho e os estudos.
Às minhas amigas que acompanham toda a minha caminhada acadêmica e sempre
torceram por mim: Ana Paula Covre, Viviane Cláudia, Nayhara Sepulcri, Tatyana
Nunes Lemos e Alessandra Sepulcri.
Ao meu Professor de Latim, Waldemiro Altoé, pelas horas de ensino tão
agradáveis que passamos envolvidos com os clássicos e a Bíblia. E também pela
tradução e revisão das fontes medievais em latim que utilizo neste trabalho.
Aos meus alunos do Centro de Ensino Superior Anísio Teixeira (Cesat) que
acompanharam e me ensinaram muito nessa caminhada. Quando vocês retiravam
suas dúvidas sobre a Idade Média, me ensinavam a enxergar esse período
maravilhoso da História com maior encanto a cada dia. Não vou citar nomes para
não correr o risco de esquecer ninguém. Porém, aqueles que me são mais caros
receberam um convite especial para assistir à minha defesa. Minha sincera gratidão
a todos!
7
RESUMO
Dos séculos XII ao XIV, a Europa cristã ocidental viveu um período de grande fervor
religioso. Nesses anos, houve o nascimento de várias ordens religiosas, como
também das ordens militares. Tudo isso estava relacionado com uma necessidade
de reforma da própria cristandade, como, também, da recuperação de territórios
sagrados ao cristianismo e que haviam caído nas os dos “infiéis”. Foi nesse
contexto de mudanças e reformas que Ramon Llull viveu. Nascido em uma região de
fronteira, a ilha de Maiorca, seu contato com os “infiéis” era diário. Quando Ramon
se converteu, decidiu doar sua vida a Cristo. Por sua paixão, Llull assumiu uma
importante missão: provar de forma racional que o cristianismo era única religião
verdadeira. Para realizar esse projeto, segundo ele, era necessário primeiramente
unificar o cristianismo, então dividido em várias “seitas”, para, em seguida, converter
os “infiéis” ao credo latino. Esse projeto possuía uma divisão interna: a cruzada
espiritual e a cruzada corporal. É através das obras do procurador dos infiéis”,
escritas entre 1289 e 1309, principalmente o Livro do Fim (1305), que pretendemos
ingressar nessa vida do filósofo cheia de trabalhos, escritos, lamentos e esperanças.
Palavras-chave: Ramon Llull – Apologética – Cruzada – Muçulmanos.
8
ABSTRACT
Between the XII and XIV centuries, Occidental Christian Europe lived a period of
large religious fervor. During these years we had the birth of many religious orders,
as well as military orders, and all of this was related to a need of reform of the
Christianity as well as the recovery of sacred territories to the Christianity that had
fallen in hands of unfaithful. It was on this context of changes and reforms that
Ramon Llull lived. Born in the Majorca Island, a border region, he had daily contact
with the unfaithful. When Ramon, by divine will, converted himself, he decided to give
his life to Christ. By his passion to Christ, Lull assumed an important mission: to
prove in a rational form that the Christianity was the only true religion. To go through
this project, it was necessary, first of all, to achieve the unification of the Christianity,
divided in many factions, for after that, to convert the unfaithful to the Latin creed.
This project had an intern division: the spiritual crusade and de corporal crusade. It is
through the work of the “unfaithful solicitor”, written between 1289 and 1309, mainly
the Book of the End (1305) that I intend to enter this life full of works, writings, moans
and hopes.
Word-key: Ramon Llull – Apological – Crusades – Muslims.
9
ÍNDICE DE FIGURAS, MAPAS E QUADROS
Figura 1..........................................................................................................................................32
Figura 2..........................................................................................................................................67
Figura 3 .........................................................................................................................................79
Mapa 1............................................................................................................................................50
Quadro 1.........................................................................................................................................97
Quadro 2.........................................................................................................................................99
10
SIGLAS UTILIZADAS NESSE TRABALHO
ATCA = Arxiu de Textos Catalans Antics (Barcelona).
EL = Estudios Lulianos (Palma, 1957-1990).
GGL = Glossari General Lul.ià, Miquel Colom Mateu, Mallorca, Editorial Moll, 5
vols., 1982-1985.
MOG = Raymundi Lulli Opera omnia, ed. I. Salzinger, 8 Vols. (Maguncia, 1721-
42).
NEORL = Nova Edició de les Obres de Ramon Llull (Palma, 1990 e ss.).
OE = Ramon Llull, Obres Essencials, 2 Vols. (Barcelona, 1957-60).
ORL = Obres de Ramon Llull, edició original, 21 vols (Palma, 1906-50).
OS = Obres selectes de Ramon Llull (1232-1316), ed. A. Bonner, 2 Vols.
(Palma, 1989).
ROL = Raimundi Lulli Opera Latina (Palma y Turnhout, 1959 ss.).
SL = Studia Lulliana (Palma, 1991 ss.).
SW = Selected Works of Ramon Llull (1232-1316), ed. A. Bonner, Princeton
Unversity Press. 2 vols. (1985).
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: Passado e presente e a questão do diálogo religioso........................13
Intolerância e diálogo................................................................................................................................18
A construção da história e os documentos...............................................................................................25
1. RAMON LLULL: seu tempo, sua vida e sua obra......................................................32
1.1. Maiorca e a Coroa de Aragão.....................................................................................................................36
1.2. Do nascimento à conversão (1232-1363)...................................................................................................38
1.3. Os anos de formação (1263-1274).............................................................................................................43
1.4. Das primeiras viagens até a Crise de Gênova (1287-1293).......................................................................50
1.5. Viagens entre a África, a Europa e o Oriente (1293-1301).........................................................................58
1.6. Novas viagens (1300-1309)........................................................................................................................64
1.7. Os anos derradeiros (1310-1316)...............................................................................................................69
2. Apologética e missão no Livro do Fim .........................................................................73
2.1. A Literatura polêmico-apologética..............................................................................................................76
2.2. O conceito de missão.................................................................................................................................80
2.3. A apologética e a missão em Ramon Llull..................................................................................................81
2.4. da divisão do livro do fim............................................................................................................................84
2.5. O Prólogo do Livro do Fim..........................................................................................................................88
2.6. Um projeto de vida em prol da conversão dos infiéis.................................................................................92
2.7. A unificação dos cismáticos........................................................................................................................96
2.8. A unidade e A supremacia do poder espiritual sobre toda a cristandade.................................................102
3. Da cruzada espiritual: formação e diálogo com os infiéis.........................................105
3.1. Dos instrumentos necessários para o diálogo..........................................................................................111
3.2. A coNtemplação como instrumento de apredizagem dos missionários...................................................112
4. O diálogo e a disputa com os sarracenos..................................................................114
4.1. Da conversão dos sarracenos..................................................................................................................118
4.2. Da aceitação do uso das armas para forçar os infiéis ao diálogo, da cruzada corporal...........................121
4.3. A guerra na idade média...........................................................................................................................123
4.4. A guerra no território de fronteira..............................................................................................................127
4.5. A guerra na obra de Ramon Llull..............................................................................................................130
5. Conclusão......................................................................................................................135
6. Referências bibliográficas............................................................................................137
6.1. Fontes Primárias.......................................................................................................................................137
6.2. Fontes Secundárias..................................................................................................................................138
12
INTRODUÇÃO: PASSADO E PRESENTE E A QUESTÃO DO
DIÁLOGO RELIGIOSO
Desde o século XII, as disputas religiosas entre cristãos, judeus e muçulmanos
foram práticas comuns na Península Ibérica.
1
Os dogmas e os livros sagrados do
Judaísmo e do Islamismo eram constantemente refutados pelos cristãos.
2
Uma proposta distinta da forma tradicional de disputa realizada nessa época se
encontra nas obras de Ramon Llull (1232-1316).
3
Para o filósofo, sua religião, o
cristianismo latino, era o único credo verdadeiro, o único caminho para a salvação
1 A disputa (disputatio) foi um dos métodos mais importantes de ensino universitário na Baixa
Idade dia. Esse método foi definido por João de Salisbury (1117-1180), em sua obra
Metalogius (II, 4): “A disputatio se dava em torno das coisas que eram duvidosas, apresentadas
de forma contraditória ou que nos proponhamos demonstrar ou refutar de um modo ou de outro”.
João de Salisbury, apud DISPUTATIO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São
Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 290. A partir do século XII, desenvolveu-se na Península Ibérica
a disputatio publica, realizada nas universidades uma ou duas vezes ao ano. O conteúdo dessa
disputa pública girava em torno de qualquer assunto (Teologia, Filosofia, Moral, etc.). ULLMANN,
Reinholdo Aloysio. A Universidade Medieval. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p. 66-67. Como
exemplo desse tipo de acontecimento, a famosa Disputa de Barcelona (1263), entre um
converso cristão de nome Paulo e o rabino Moisés ben Nahman (1194-1270). O resultado foi a
condenação do credo judaico, e a proibição do uso e leitura de alguns livros religiosos, ou seja, a
censura de vários livros rabínicos, mesmo diante das provas eficientes do judeu quanto à
verdade do judaísmo. CARRERAS I ARTAU, T. História de la Filosofia Espanyola: filosofia
cristiana del segle XIII al XV. Ed. Facsímil, Barcelona: Institut d’Estudis Catalans: Diputació de
Girona, 2001, p. 46-47 e 336-337; COSTA, Ricardo da e PASTOR, Jordi Pardo. Ramon Llull
(1232-1316) e o diálogo inter-religioso: cristãos, judeus e muçulmanos na cultura ibérica
medieval: O Livro do gentio e dos três sábios e a Vikuah de Nahmânides. In: LEMOS, Maria
Teresa Toribio Brittes e LAURIA, Ronaldo Martins (org.). A integração da diversidade racial e
cultural do Novo Mundo. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. Disponível em: www.ricardocosta.com/pub/
dialogo.htm. Acesso em: 17 de jun. de 2006.
2 Sobre a situação dos judeus e dos muçulmanos na Península Ibérica entre os séculos XII e XIV e
as controvérsias dogmáticas com os judeus e polêmicas com os muçulmanos, cf. CARRERAS I
ARTAU, T. op. cit., p. 42-54, nota 1; DOMÍNGUEZ REBOIRAS, F. Introdução: Ramón Llull y la
cruzada. In: RAMON LLULL. Liber de sancta Maria in Monte Pessulano anno MCCXC. Corpus
christianorum. Continuatio Mediaevalia CLXXXII. Turnhout: Brepols Publishers, 2003.
3 Cf. nota 1.
13
eterna. Apesar de manter uma posição inclusivista em seus textos,
4
Ramon “[...]
chorou e implorou várias vezes a Deus para que lhe ajudasse a realizar a conversão
dos infiéis, para que estes não sucumbissem na perdição eterna”.
5
O projeto missionário-apologético luliano seria realizado por meio do diálogo inter-
religioso.
6
A concepção de diálogo inter-religioso em Ramon Llull pode ser
sintetizada com a seguinte citação bíblica: “Falai a verdade uns com os outros”
7
, o
que se demonstra na busca pela verdade cristã a que os erros dos outros credos
fossem refutados.
4 O inclusivismo afirma que uma religião é explicitamente verdadeira, enquanto todas as outras
são implicitamente verdadeiras. Esta doutrina declara que Jesus Cristo pode falar a todo coração
humano por meio do Espírito Santo, e se uma pessoa responde positivamente a este chamado,
será salva. GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã.
São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 701. A visão inclusivista foi adotada pela Igreja Católica a
partir do Concílio Vaticano II (1962-1965). Dessa forma, até mesmo as religiões não-cristãs são
legítimas e vias de salvação, desde que o fiel dessas religiões não tenha entrado em contato
direto com o cristianismo. Mas, mesmo incluindo as outras religiões na obtenção da graça e no
caminho da salvação, a corrente inclusivista não abandona a posição de que o cristianismo é a
única via de salvação, embora aceite que a graça divina também exista fora do cristianismo.
Esse reconhecimento da graça para as outras religiões abre um caminho alternativo para
o diálogo inter-religioso, uma vez que as outras religiões também são vistas como portadoras da
verdade. FIDORA, Alexander. Ramon Llull frente a la crítica actual al diálogo interreligioso: el arte
luliana como propuesta para una ‘filosofia de las religiones’. In: Revista Española de Filosofia
Medieval, 10 (2003), p. 228-229; RATZINGER, Joseph. Fé, verdade, tolerância: o cristianismo e
as grandes religiões do mundo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo
Lúlio” (Ramon Llull), 2007. O ponto de partida para o diálogo inter-religioso em Ramon era as
verdades cristãs também aceitas por judeus e muçulmanos, como os atributos ou dignidades
divinas. RAIMUNDO LÚLIO. O Livro do gentio e dos três sábios. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p.
246-247.
5 RAMON LLULL. Llibre contra anticrist. (A cura de Gret Schib Torra). Palma: Patronat Ramon
Llull, 1996; RAMON LLULL. Fèlix o el Libre de Meravelles. In: Obres Selectes de Ramon Llull
(1232-1316) (ed. introd. i notes de Antoni Bonner). Mallorca: Editorial Moll, 1989, volume 2, p. 19-
393. Trad.: Ricardo da Costa e Grupo de Pesquisas Medievais da UFES I (Bruno Oliveira - Eliane
Ventorim - Priscilla Lauret). Disponível em: http://www.ricardocosta.com. Acesso: 20 março de
2003; RAMON LLULL, “Blanquerna”. Obres Essencials. Barcelona, Editorial Selecta, 1959;
RAMON LLULL. Lo Desconhort. In: OE, vol. I, 1959, p. 1308-1328.
6 O diálogo inter-religioso é uma grande preocupação hoje. Até mesmo os órgãos da UNESCO,
no que se refere ao diálogo entre as culturas, têm um programa com objetivo de fomentar o
diálogo entre as diferentes religiões e tradições espirituais no mundo. Afinal, vive-se um momento
em que os conflitos intra e inter-religiosos se intensificam, principalmente pelo desconhecimento
mútuo entre as distintas culturas e religiões. Ver http://portal.unesco.org/culture/es/ev.php-
RL_ID=11680&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION. Acesso: 27 de julho de 2007.
7 Zc 8, 16.
14
Essa forma de diálogo em busca da verdade está bem demonstrada no Livro do
gentio e dos três sábios (c.1274-1276). Nele, o filósofo afirma que a pregação
garantiria o fim de toda a falsidade humana:
[...] se a falsidade fosse combatida forte e continuamente pela
verdade por muitos homens, necessariamente, a verdade venceria a
falsidade, sobretudo não tendo a falsidade nenhuma ajuda de Deus,
nem pouca nem grande, e sendo a verdade sempre ajudada pela
virtude divina, que é verdade incriada, que criou a verdade criada
para destruir a falsidade.
8
Assim, o projeto do filósofo maiorquino nada mais era do que a busca da verdade,
personificada na defesa da “verdadeira religião”, o cristianismo latino.
9
8 RAIMUNDO LÚLIO. O Livro do gentio e dos três sábios, op. cit., p. 246-247, nota 4.
9 O tema da verdade é fundamental na Teologia medieval, inclusive na Filosofia. Logo em Santo
Agostinho encontramos:
“– Tu, que desejas conhecer-te, sabes que existes?
– Não sei. – És um ser simples ou composto?
– Não sei.
– Sabes que te moves?
– Não sei.
– Sabes que pensas?
– Sei.
– Logo, é verdade que pensas.
– Certamente”. Solilóquios, II, I, 1.
Para Agostinho, “...a filosofia é o amor à sabedoria, e a sabedoria não é outra coisa que
a contemplação e a posse da verdade: ‘O próprio nome da filosofia expressa uma grande coisa
que deve ser amada com todo afeto, pois significa amor e desejo ardente da sabedoria’
(AGOSTINHO, De moribus Ecclesiae catholicae, I, 21, 38). Definir a filosofia como a investigação
ou estudo da verdade visando à posse da sabedoria não significa apenas um estudo
especulativo, mas uma investigação que busca a vida feliz, a felicidade: ‘Por acaso pensas que a
sabedoria é outra coisa que a verdade, na qual se contempla e se possui o sumo bem?’
(AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 9, 26). Sabedoria e verdade, portanto, se identificam.
Alcançá-las implica obter o sumo bem, possuir a felicidade. Por essa razão, a busca da
sabedoria, da verdade, é também a busca da felicidade, que é o fim último a que tende todo
homem, algo reconhecido por todos os filósofos, e no qual todos coincidiram: ‘Comumente todos
os filósofos, com seus estudos, sua investigação, disputas e ações, buscam a vida feliz. Aqui
está a única causa da filosofia. Penso que os filósofos têm isso em comum conosco’
(AGOSTINHO, Sermo, CL, 4).” Id. SANTO AGOSTINHO, apud RAMÓN GUERRERO, Rafael.
Historia de la Filosofía Medieval. Madrid: Akal, 2002, p. 27-28.
Por sua vez, todos os teólogos, ao discutirem e disputarem questões relacionadas à
religião e à Filosofia se deparavam com a busca da prova da existência de Deus. No que se
refere a Ramon Llull, essa busca da verdade, possuía um método particular, a Arte Geral, que
explicarei de forma mais detalhada mais adiante. Mesmo assim, faz-se necessário destacar que
Ramon não utilizava argumentos de em suas argumentações, o que não o afasta de aceitar a
verdade dos dogmas e da hierarquia do cristianismo latino.
15
Ao executar a disputa”, os missionários principiariam com as características comuns
entre as três religiões do Livro
10
(como, por exemplo, as dignidades divinas
11
) para,
em seguida, provar e demonstrar os erros dos infiéis.
Todo o processo de conversão se realizaria com a utilização de argumentos
racionais, as razões necessárias
12
, sem o uso de argumentos de auctoritas.
13
Isso,
segundo nosso autor, confirmaria que os dogmas cristãos eram os únicos
portadores da verdade, principalmente nas questões relativas à Trindade de Deus e
a Encarnação de Cristo.
14
10 Isto é, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
11 As Dignidades divinas são um dos eixos principais de todo pensamento teológico luliano e a sua
relação entre fé e razão, isto é, entre a Filosofia e a Teologia. São a essência de Deus: Bondade,
Grandeza, Eternidade, Poder, Sabedoria, Vontade, Virtude, Verdade e Glória, etc. cf.
CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 494-513, nota 1.
12 As razões necessárias são artifícios lógicos utilizado por Llull para levar os infiéis ao
conhecimento de seus erros e à conversão ao cristianismo. Para Ramon a utilização de
argumentos puramente racionais criaria uma relação perfeita entre e razão durante o diálogo,
ou seja, explicaria a religião racionalmente sem utilizar argumentos teológicos. Dessa forma, o
missionário demonstraria e convenceria os infiéis de que alguns aspectos de sua religião não
eram verdadeiros. Obtendo o entendimento e conhecendo a verdade, portanto, o infiel se
converteria de forma espontânea. CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 341, nota 1; COLOMER
POUS, E. Ramon Llull y su actitud frente al Islam e al Judaísmo: del diálogo a la polémica.
Madrid: Editorial Nacional, 1979, p. 634-635; RAIMUNDO LÚLIO. O livro do gentio e dos três
sábios, op. cit., p. 7-32, nota 4; MATA, Santiago. El hombre que demonstró el cristianismo.
Madrid: Ediciones Rialp, 2006; GAYÀ ESTELRICH, Jordi. Raimondo Lullo: uma teologia per la
missione. Milano: Editoriale Jaca Book Spa, 2002. DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., nota 2.
13 As auctoritas são aquilo que serve de modelo ou que constitui prova de algo. Para o cristianismo
medieval, a auctoritas maior era a Bíblia, a palavra de Deus, assim como os textos dos Pais da
Igreja. O uso de autoridades era uma das características do método tradicional de conversão dos
infiéis, que era fundamentado no método escolástico de ensino. Por esse método, o filósofo se
apoiava na tradição para fazer suas afirmações, por crer na infalibilidade das autoridades.
AUTORIDADE. In: ABBAGNANO, Nicola, op. cit., p. 98-100, nota 1.
14 O ponto de maior discordância entre judeus, cristãos e muçulmanos se referia aos dogmas
cristãos da Trindade e da Encarnação. Sendo assim, era fundamental para Ramon Llull que
esses dogmas fossem explicados racionalmente. Esse aspecto dos escritos lulianos será
analisado quando tratarmos da proposta de missão do maiorquino. Mas faz-se necessário
conceituar como são compreendidos esses dogmas da Trindade e da Encarnação na concepção
latina do credo cristão:
1) A Trindade é o mistério central da e da vida cristã e se revela de duas formas: pela
formulação feita pela Igreja e pelas missões divinas do Filho e do Espírito Santo. Deus
demonstra seu ato de amor para com os homens por meio de cada Pessoa da Trindade. Deus
Pai realizou seu desígnio amoroso na Criação, o Filho na Paixão, Morte e Ressurreição, e o
Espírito Santo na Redenção e Santificação do mundo através da Graça. Contudo, como os seres
humanos possuem um intelecto limitado por sua natureza dual (corpo e espírito) esse mistério de
é parcialmente compreendido. É um mistério intrínseco a Deus, e pode ser totalmente
conhecido quando revelado por Ele. Aos homens foram deixados sinais no Antigo Testamento,
16
Através desse novo método de conversão, os infiéis entenderiam o cristianismo e se
converteriam sem a necessidade do uso da força ou da guerra.
15
que revelam de maneira sensível e acessível ao intelecto humano a obra divina de amor e Sua
Trindade e Encarnação. Essa forma simplificada de Deus se tornar cognoscitivo prosseguiu na
tradição apostólica. O mistério continuou a ser apresentado ao homem pela figura do Filho de
Deus Encarnado. Em 325, no Concílio de Nicéia, a Igreja professou que o Filho era “co-
substancial” ao Pai. O Concílio de Constantinopla (381) conservou a expressão e acrescentou
que o Filho foi engendrado do Pai antes de todos os séculos, é Luz da luz, Deus verdadeiro,
engendrado e não criado e co-substancial ao Pai. No que se refere ao Espírito Santo, foi
professado que Jesus anunciou a vinda de um novo Paráclito (Defensor), o Espírito Santo, que
já havia atuado na Criação e pelos profetas e agora estaria junto aos apóstolos e neles para lhes
ensinar e conduzir ao conhecimento da verdade completa. A terceira pessoa da Trindade foi
revelada como o defensor do credo cristão. Sua origem eterna se revelou em sua missão
temporal, a ação entre os apóstolos (Pentecoste) e na Igreja (comunidade dos cristãos) pelo Pai
e pelo Filho. Como doutrina de , a Santíssima Trindade está desde o início na raiz dogmática
da Igreja e se manifesta no batismo e na liturgia eucarística através da afirmação: “A graça do
Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!”
(2 Co 13, 13; 1 Cor 12, 4-6; Ef 4, 4-6). Mesmo clamada em nome das Três Pessoas, a Trindade é
Una. As pessoas divinas não se dividem em uma única divindade, mas cada uma delas é
inteiramente Deus: “O Pai é o mesmo que o Filho, o Filho o mesmo que o Pai, o Pai e o Filho o
mesmo que o Espírito Santo, isto é, um Deus por natureza” (Concílio de Toledo XI, ano 675:
DS 530). “Cada uma das três pessoas forma uma realidade, isto é, a substância, a essência
ou a natureza divina”. (Concílio de Latrão IV, 1215: DS 804). Catecismo da Igreja Católica.
Disponível em: http://www.vatican.va/archive/ESL0022/_P17.HTM#E7; Acesso em: 23 de junho
de 2007.
2) Na Encarnação o Verbo se encarnou para salvar os homens e reconciliá-los com
Deus: “(...) Deus (...) nos amou e nos enviou seu Filho como vítima de expiação pelos nossos
pecados” (1 Jo 4, 10). “(...) o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo” (1Jo 4, 14). “(...) Ele
se manifestou para tirar os pecados” (1Jo 3, 5). Catecismo da Igreja Católica. Disponível em;
http://www.vatican.va/archive/ESL0022/_P1J.HTM#MJ; Acesso em: 23 de junho de 2007.
É importante esclarecer o uso das citações bíblicas e do Catecismo da Igreja Católica em
minhas notas explicativas. Mesmo sendo leigo e não fazendo constante uso de passagens
bíblicas, Ramon Llull, se insere em um período em que a base da justiça, dos costumes e da
moral tinham grande influências da religião. A Bíblia foi o livro mais estudado e mais traduzido em
toda a Idade Média. Portanto, como Ramon era um ferrenho defensor do cristianismo latino, todas
as suas ações e seu pensamento têm relação direta com cânones católicos. É por esse motivo
que não devemos desvencilhar seu pensamento da questão apologética, a defesa feita por ele em
relação ao credo cristão. Portanto, sempre, durante todo o trabalho, relacionaremos seu
pensamento político-teológico com o pensamento oficial da Igreja. assim poderemos, mesmo
que tênuamente, atingir a plena compreensão de suas idéias a respeito dos poderes instituídos de
seu tempo.
15 CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 338, nota 1; LIBERA, Alain de. Pensar na Idade Média. São
Paulo: Editora 34, 1999, p. 106-134. Sobre a proposta de diálogo em Ramon Llull, cf. FIDORA,
Alexander; HIGUERA, José G. (Eds.), op. cit., nota 12; COSTA e PASTOR, op. cit., nota 1;
COSTA, Ricardo da. Muçulmanos e Cristãos no diálogo luliano. In: Anales del Seminario de
Historia de la Filosofía (UCM), vol. 19 (2002) p. 67-96.
17
INTOLERÂNCIA E DIÁLOGO
O contato entre o Ocidente e o Islã ao longo da História foi caracterizado por certo
estranhamento que, em alguns momentos, contribuiu para uma convivência pacífica;
em outros, gerou e ainda gera muitos conflitos.
16
Desde a origem do Islamismo
até nossos dias, quatro períodos são marcantes:
I) A expansão árabe nos séculos VII e VIII, iniciada com Maomé (c. 570-
632), e que se estendeu até o califado abássida, período em que os
cristãos perderam para os muçulmanos o Oriente Médio e a África do
Norte;
II) Entre os séculos XI e XIV, quando alguns territórios foram retomados
pelos cristãos, como a Península Ibérica e a Sicília;
III) Do século XIV ao XVII, época em que o Império Otomano conquistou os
Bálcãs e chegou bem próximo da Europa Central, e
IV) Do século XVI ao XX, caracterizado pela colonização européia que
recuperou os Bálcãs e a Ucrânia e se apossou do Oriente Médio.
17
As memórias desses momentos ainda ecoam entre ocidentais e muçulmanos como
se fossem acontecimentos recentes. Isso dificulta a realização de uma reflexão
racional sobre os problemas e as necessidades atuais na busca pelo fim dos
conflitos entre os muçulmanos e as outras culturas.
18
16 DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004, p. 346.
17 Ibid.
18 PINTO, Maria do Céu de Pinho Ferreira. Infiéis na terra do Islão”: os Estados Unidos, o Médio
Oriente e o Islão. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian: Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, 2003, p. 37-38. O conceito de choque das civilizações foi desenvolvido na década
de 1990, por Samuel Huntington no livro Choque das Civilizações. O autor divide a humanidade
em sete ou oito grandes civilizações: de um lado, a civilização ocidental, de outro, as demais.
Estas se posicionam contra o modelo de sociedade ocidental como referência para os seus
padrões de conduta (contra a democracia, o individualismo, o liberalismo, etc.), o que gera um
inevitável choque. Cf. HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da
ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p. 227-257; DEMANT, op. cit., p. 245, nota 16;
RATZINGER, op. cit., nota 4.
18
Do lado islâmico, os movimentos fundamentalistas recuperaram o conceito de
jihad.
19
Com base no direito islâmico, ele pode ser definido como “o esforço de todo
muçulmano no caminho para Deus”.
Assim, o mundo se dividiria na “morada da guerra” (d rā al-harb) e na “morada do
Islã” (d rā al- isl mā ). A “morada da guerra” corresponde às regiões do mundo que não
estão sob o poder dos muçulmanos, ou seja, as terras dos não-islâmicos. a
“morada do Islã” representa todos os islâmicos, em estado de guerra até a sujeição
de todo o mundo à sua religião.
A jihad constitui um dos pilares fundamentais do Islamismo. As passagens mais
elucidativas do Corão quanto a essa obrigação de todo islâmico encontram-se na
Sura 61, 4: “Deus ama os que combatem por Ele em fileiras semelhantes a uma
parede bem construída”
20
e na Sura 47, 4:
Quando, no campo da batalha, enfrentardes os que descrêem,
golpeai-os no pescoço. Depois, quando os tiverdes prostrados,
apertai os grilhões. Depois, outorgai-lhes a liberdade ou exigi deles
um resgate até que a guerra descarregue seus fardos. Se Deus
19 A jihad é uma obrigação dos muçulmanos. O termo jihad, que normalmente é traduzido como
“guerra santa”, tem o significado de “esforço no caminho de Deus” (Suras: 2:190-191, 217; 3:157-
158; 4:95; 9:81-82, 91; 22:39; 48:16-17). Foi interpretado pelas autoridades islâmicas com um
sentido militar. Alguns hadiths sobre a jihad nos dão à idéia de como esse dever deve ser
entendido: “O Paraíso fica à sombra de espadas. A jihad é vosso dever sob qualquer soberano,
devoto ou tirânico. A picada de uma formiga fere mais o mártir do que o corte ou a estocada das
armas, pois estes lhe são mais agradáveis do que água doce e fria em dia quente de verão”.
LEWIS, Bernard. O Oriente Médio: Do advento do cristianismo aos dias de hoje. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1996 p. 210-214.
Por sua vez, a Sunna (“caminho por onde se deve transitar”) significava, nos tempos
pré-islâmicos, os usos imemoriáveis que regulavam a vida dos árabes, sunnat al-awwalin, os
costumes dos antepassados. No Islã, é chamada de sunnat al-nabi ou sunna, conjunto dos ditos e
feitos do profeta Maomé que seus contemporâneos e companheiros testemunharam. As Sunnas
são compostas por hadiths, uma tradição, representada conforme um modelo fixo, no qual o relato
do fato precede a lista dos que o ouviram em ordem ascendente, até o primeiro que se referiu ao
caso. PAREJA, Felix M. La Religiosidad musulmana. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
MCMLXXV, p. 38.
20 O Alcorão. Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran, s/d, p. 339.
19
quisesse, Ele mesmo os teria derrotado. Mas Ele assim determinou
para vos provar uns pelos outros. E não deixará perder-se o mérito
dos que morrerem por Sua causa.
21
Para muitos estudiosos do Islamismo, Maomé é considerado um profeta defensor da
expansão do seu credo através da guerra.
22
para as correntes fundamentalistas
islâmicas, lançar-se à jihad é um dever dos muçulmanos. E para esse fim,
considera-se lícito até mesmo a utilização da violência contra os próprios islâmicos,
pois, quando não aceitam agir pela força em nome da religião, são classificados
como ímpios. Eles também devem agir de forma violenta contra os não-islâmicos.
Para medir o grau de intolerância da atualidade, tomarei como exemplo uma notícia
transmitida em 2006 e que causou o estremecimento das relações entre o Vaticano
(na figura do papa Bento XVI) e a comunidade islâmica mundial. O papa foi alvo de
críticas por ter citado em um de seus discursos uma passagem do texto do
imperador bizantino, Manuel II Paleólogo (1391-1425)
23
, em que este criticava
Maomé.
Na verdade, o discurso papal conclamava os acadêmicos alemães a realizarem um
retorno à religião. O desejo pontifício ao proferir aquelas palavras era o de que as
universidades reassumissem um papel desempenhado por elas no passado, isto é,
21 Ibid, p. 308; COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média. Rio de Janeiro: Edições Paratodos,
1998, p. 75.
22 PAREJA, op. cit., p. 90-91, nota 19; GEISLER, op. cit., p. 521-522, nota 4; COSTA, ibid, p. 75-76.
23 Manuel II Paleólogo provinha de uma família bizantina de latifundiários, muito influentes na época
dos Comneno. LOYN, H. R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p.
286-287.
20
o maior ambiente de difusão universal do conhecimento para possibilitar o diálogo
entre culturas.
24
No discurso “Fé, razão e universidade: Recordações e reflexões” é visível o apelo do
sumo pontífice à convivência e compreensão entre os povos. Bento XVI faz um
clamor para que as religiões estabeleçam o diálogo e busquem o caminho da
tolerância e da convivência pacífica. Para isso, ele cita a seguinte passagem do
texto do imperador bizantino:
Deus não se compraz com o sangue; não agir segundo a razão [...] é
contrário à natureza de Deus. A é fruto da alma, não do corpo. Por
conseguinte, quem desejar conduzir alguém à tem necessidade da
capacidade de falar bem e de raciocinar corretamente, e não da
violência nem da ameaça (...) Para convencer uma alma racional não
é necessário dispor do próprio braço, nem de instrumentos para ferir
ou de qualquer outro meio com que se possa ameaçar de morte uma
pessoa [...].
25
Nesse pequeno trecho do imperador bizantino, há características do que poderia ser
uma proposta de diálogo no baixo-medievo que se prolongaram até o início do
século XV. Essas propostas estavam inseridas no espírito escolástico que, por sua
24 O imperador aborda o tema da jihad na sétima controvérsia. De acordo com Bento XVI, o
imperador sabia que, na Sura 2, 256, do Alcorão se lê: “Nenhuma coação nas coisas da fé”. Essa
frase do Corão foi proferida no período inicial das revelações de Maomé, quando este ainda não
tinha poder político entre os árabes e estava ameaçado pelos coraixitas, sua tribo em Meca. Para
o papa, o imperador também conhecia as disposições com relação à guerra santa que se
desenvolveram posteriormente no Alcorão. E bruscamente algo que Bento XVI discorda –,
dirigiu ao seu interlocutor islâmico uma pergunta sobre a relação entre religião e violência no Islã:
“Mostra-me também o que Mao trouxe de novo, e encontrarás apenas coisas más e
desumanas tais como a sua norma de propagar através da espada, a fé que pregava”.
A seguir, Manuel II, passou a explicar detalhadamente os motivos pelos quais não é
correta a difusão da pela violência. Afirmou então que a violência está em contraste com a
natureza de Deus e da alma. A sétima controvérsia foi publicada por KHOURY, Th., com notas e
uma ampla introdução sobre a origem do texto (ao texto grego juntou uma tradução francesa):
Manuel II Paléologue, Entretiens avec un Musulman: 7
e
Controverse, Sources Chrétiennes n.º 115
(Paris 1966). As citações feitas pelo papa Bento XVI seguem o texto de Khoury. Cf. Discurso do
papa Bento XVI, Fé, razão e universidade: Recordações e reflexões. Disponível em:
http://www.zenit.org/portuguese/visualizza.phtml?sid=97502. Acesso: 23 de dezembro de 2006.
25 Ibid.
21
vez, defendia a possibilidade de racionalizar a com a razão, algo inicialmente
difundido pelos escritos de Avicena (980-1037)
26
antes de algumas obras de
Aristóteles (385 a.C.-322 a.C.)
27
serem conhecidas integralmente e traduzidas no
ocidente medieval.
28
Portanto, o pontífice é contrário a qualquer tipo de conversão pela violência. Para
encontrar outro caminho, faz-se necessário a compreensão da por meio da razão.
Esse caminho será alcançado com o resgate dos estudos teológicos nas
universidades, o que reconstruiria uma “consciência” ética do conhecimento e
auxiliaria a inserir os membros das culturas religiosas minoritárias no debate sobre
e razão na atualidade, tendo em vista que, para essas minorias, a exclusão do
divino das ciências racionais e o racionalismo científico são considerados um ataque
às suas crenças.
29
26 Avicena, além de médico, era filósofo, e fez uma livre tradução das obras de Aristóteles, como a
Metafísica e parte da Lógica. Também fez importantes estudos na área da Medicina. Uma das
suas obras, A origem e o retorno, possui uma publicação em português. AVICENA. A origem e o
retorno. São Paulo: Martins Fontes, 2006; LIBERA, Alain de. A filosofia medieval. São Paulo:
Loyola, 1998, p. 117-124; SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval. São Paulo: IBFCRL,
2006, p. 222-233.
27 Muitas vezes denominado o Estagirita, em referência ao seu lugar de nascimento Estagiros, na
Trácia. Perdeu o pai ainda jovem, e ficou aos cuidados de Próxemo, amigo da família, que se
encarregou de sua educação. Aos dezessete anos foi para Atenas para prosseguir nos estudos,
onde se tornou discípulo de Platão. Em 347 a.C. deixou Atenas e se dirigiu para a Macedônia, e
foi uma espécie se embaixador de Felipe. Também foi o responsável pela educação de
Alexandre. Em 335, quando retornou a Atenas, fundou a escola do Liceu, onde a Retórica tinha
uma grande importância. Na Política, analisou os elementos que compõe o Estado por meio de
um ideal reformador que integra a filosofia a política e não separa a política da moral. Por isso,
considera que o homem tem como finalidade última a felicidade que pode ser obtida quando
vive na cidade, pois o homem é feito para a vida social. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. IX-XVII, XXV-XXVII; NAY, Olivier. História das idéias políticas.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, p. 49-56.
28 LIBERA, op. cit., p. 108, nota 26.
29 Com relação ao pensamento de Bento XVI sobre as questões atuais relativas ao diálogo
religioso, cf. RATZINGER, op. cit., nota 4. com relação às discussões e resoluções mundiais
sobre o assunto em questão, cf. TORRADEFLOT, Francesc. (Ed.). Diálogo entre as religiones:
textos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta; Asociación UNESCO para el diálogo interreligioso,
2002.
22
Esse clamor atual pelo diálogo se assemelha com a proposta de diálogo de Ramon
Llull. Apesar da distância no tempo e do ambiente histórico em que foi produzida, há
algo ainda atual na conjuntura político-religiosa do século XXI, o que me influenciou
bastante na escolha desse tema.
30
***
Mas para desenvolver esta questão aos olhos da historiografia, faz-se necessário
uma delimitação teórica. Baseei-me na busca do sentido e do significado das ações
humanas expressas na linguagem das fontes. Busquei o “fundo permanente” entre o
passado e o presente, o que possibilita ao intérprete, nesse caso, o historiador,
alcançar a compreensão daquilo que as fontes históricas expõem a partir delas
mesmas.
31
Para isso, as fontes, que são a base de todo o contexto de uma época, devem ser
traduzidas e interpretadas tendo como referência o mundo do qual o texto fala, não
da nossa realidade atual.
32
Esse caminho teórico em busca da compreensão norteia-se por Hans-Georg
Gadamer.
33
Ele se vale da questão da linguagem como fator determinante para o ato
30 FIDORA, op. cit., p. 239-242, nota 4.
31 O “fundo permanente” do gênero humano onde se descortina a História é uma citação de
BLOCH, Marc. Apologia da história: ou, o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2001.
32 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006, p. 374;
COSTA, Ricardo da. O conhecimento histórico e a compreensão do passado: o historiador
e a arqueologia das palavras. In: ZIERER, Adriana (coord.). Revista Outros Tempos, São Luís,
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), volume 1, 2004. Disponível:
http://www.outrostempos.uema.br/artigoricardo.doc. Acesso: 13 de set. 2007; ECO, Humberto.
Quase a mesma coisa. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 54.
33 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997; GADAMER, Hans-
23
de interpretar, o que deu origem a uma “hermenêutica dialógica”.
34
Essa teoria
possibilita a verificação (ou a confirmação) das pré-concepções e dos preconceitos
do pesquisador.
Por isso, o conhecimento prévio do tema por parte do investigador tem um caráter
provisório e processual, que suas afirmativas e hipóteses iniciais podem ou não
ser confirmadas. Por esse caminho, aquele que questiona as fontes se torna quase
um detetive, pois sempre tem como finalidade última se aproximar o máximo
possível da verdade.
35
Aliado a essa teoria interpretativa, utilizarei como método de análise a história
conceitual e a análise de conteúdo
36
, por compreender que todo texto porta um
discurso, uma finalidade que nunca se coloca totalmente cristalina, principalmente
quando são textos muito recuados no tempo, em que a linguagem e a forma de
expressão do autor são bem distintas das nossas. Portanto, alcançar aquilo que não
foi expresso de forma clara, ou mesmo que tenha ficado nas entrelinhas, é o
trabalho do historiador.
Essa característica é marcante na história das idéias e do pensamento político: o
conteúdo do texto a ser resgatado depende muito da forma como foi escrito, seu
Georg. Verdade e método II. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária
São Francisco, 2002; KOSELLECK, Reinhart; GADAMER, Hans-Georg. Historia y hermenêutica.
Barcelona-Buenos Aires-México: Ediciones Paidós, 1997.
34 ARÓSTEGUI, op. cit., p. 377, nota 32.
35 KOSELLECK, Reinhart; GADAMER, Hans-Georg, op. cit., p. 120, nota 33; LARAUX, Nicole.
Elogio do anacronismo. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia
das Letras: Secretaria Municipal da Cultura, 1992, p. 57-70.
36 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977; SCHUBACK, Márcia
Cavalcante. Para ler os medievais: ensaio de hermenêutica imaginativa. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000; WILSON. John. Pensar com conceitos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
24
vocabulário, seus enunciados, etc., fatores fundamentais para restituir suas
intenções e comungar com o mundo do autor.
37
Deste modo, almejo, por meio das fontes, aproximar-me o máximo do “espírito da
sociedade” do baixo-medievo, e, portanto, dos pensamentos e dos projetos
defendidos por Ramon Llull.
38
A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA E OS DOCUMENTOS
O primeiro contato que tive com esse assunto, ao contrário do que ocorre com
muitos pesquisadores, foi diretamente com a fonte. Paralelo à tradução da mesma,
desenvolvi algumas leituras sobre o assunto escolhido.
Foram fundamentais nesse início as obras de grandes lulistas, pois eles
esclareceram minhas dúvidas sobre a percepção do diálogo-religioso e da
apologética luliana
39
e naquilo que se difere dos demais autores da época.
40
Autores
37 CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. História e Análise de Textos. In: CARDOSO,
Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio
de Janeiro: Campus, 1997, p. 376.
38 LE GOFF, J. e NORA, P. História e Novos Objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1998, p. 76.
39 SUGRANYES DE FRANCH, Ramón. Els projectes de creuada en la doctrina misional de Ramón
Llull. In: EL 4, 1960, p. 275-290; JAULENT, Esteve. Os problemas enfrentados por Lúlio en Paris:
A Cruzada e a luta contra o averroísmo. In: RAIMUNDO LÚLIO. Escritos Antiaverroístas. Porto
Alegre: Edipucrs, 2001, p. 09-28. Disponível em:
http://www.geocities.com/Athens/Forum/5284/estud3.html; HILLGARTH, J. N. Ramón Llull i el
naixement del lul·lisme. Barcelona: Curial Edicions Catalanes, 1998; GAYÀ ESTELRICH, Jordi.
Biografía de Ramón Llull. Disponível em: http://space.virgilio.it/ [email protected]. Acesso: 24 outubro
de 2005; GARCIAS PALOU, S. Sobre a identificação de Libre del Passatge. In: EL, 25, 1972;
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. El proyecto luliano de predicación cristiana. In: Constantes
y fragmentos del pensamiento luliano, 12, 1996, p. 117-131; DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op.
cit., nota 2; COLOMER POUS, op. cit., nota 13.
40 Autores que escreveram sobre o tema da reconquista da Terra Santa, depois de 1291: Fiorenzio
de Pádua (Liber de recuperatione Terrea sanctae), Taddeo di Napoli (Hystoria de desolacione et
25
como Fernando Dominguez Reboiras,
41
Armand Llinarés,
42
Jordi Gayà,
43
Tomás
Carreras i Artau
44
e J. N. Hillgarth
45
iluminaram minha visão quanto à sugestão de
reforma social e conversão propostas por Llull para os homens do século XIII.
As referidas obras trouxeram importantes esclarecimentos sobre a religiosidade dos
medievais que, em busca da própria salvação, abandonavam tudo para lutarem
pelas recompensas da Jerusalém Celeste
46
, o que demarca a importância da religião
no baixo-medievo.
47
Ao mesmo tempo em que lia os textos sobre o pensamento de Ramon Llull, busquei
obras gerais sobre o contexto e a época das cruzadas. Neste caso, foram de
estrema importância as obras de Ricardo da Costa,
48
Ricardo Garcia-Villoslada,
49
conculcatione civitatis acconensis et totius Terre sanctae), Carlos de Anjou (Le conseil du Roi
Charles), Galvano da Levanto (Liber sancti passagii christicolarum contra sarracenos pro
recuperatione Terrea sanctae), entre outros. As obras citadas aqui foram referenciadas por
DOMINGUÉZ REBOIRAS, Fernando, op. cit., p. 284-287, nota 39.
41 Id. El proyecto luliano de predicación cristiana, op. cit., p. 257-322, nota 39.
42 LLINARÈS, Armand. Ramon Llull. Barcelona: Edicions 62, 1987.
43 ESTELRICH GAYÀ, op. cit., nota 12.
44 CARRERAS I ARTAU, Tomás., op. cit., nota 1.
45 HILLGARTH, op. cit., nota 39.
46 São Luís (1214-1270) e São Francisco de Assis (1181-1226) são os grandes exemplos de vida
voltada para a religiosidade e a santidade no período das cruzadas. No que se refere aos leigos,
um importante exemplo de religiosidade dentro da cavalaria foi deixado para a posteridade por
Guilherme Marechal. Para um maior aprofundamento da vida desses santos ver LE GOFF,
Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001. Como exemplo de vida leiga,
DUBY, George. Guilherme Marechal, ou, o melhor cavaleiro do mundo. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1987.
47 Para as questões relativas à religiosidade na Idade Média, cf. VAUCHEZ, André. A
Espiritualidade na Idade Média Ocidental (séculos VIII a XIII). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995;
BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média (século XII). Lisboa: Edições 70, 1983;
FERNANDEZ, Emílio Mitre. História del Cristianismo. II. El mundo Medieval. Madrid: Editorial
Trotta, 2004.
48 COSTA, op. cit., nota 21.
49 VILLOSLADA, Ricardo Garcia. Historia de la Iglesia Católica. Vol. II: Edad Media (800-1303).
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2003; VILLOSLADA, Ricardo Garcia. Historia de la
Iglesia Católica. Vol III: Edad Nueva (La Iglesia en la época del Renacimiento y de la Reforma
católica (1303-1648). Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2005.
26
Steven Runciman,
50
Paul Zumthor,
51
Aron Gurevitch,
52
Pierre Bonnassie
53
dentre
outros, estudiosos que haviam se aventurado em desvendar o fascinante mundo
da guerra e da religião na Idade Média.
Igualmente importante se fez a busca por uma bibliografia que mostrasse as
peculiaridades da Maiorca Medieval, ilha natal de Ramon Llull. Afinal, essa ilha era
como a própria Península Ibérica, um território de fronteira, com características
peculiares, como, por exemplo, o convívio entre os fiéis das três “religiões do
Livro”.
54
Todas essas obras confirmaram o caminho pelo qual decidi dirigir minha pesquisa.
Para explicar as especificidades do pensamento luliano, era preciso levar em
consideração as particularidades do ambiente em que ele viveu e seu contato com
os infiéis. Para isso, foi preciso abandonar as visões centralistas sobre judeus e
muçulmanos.
55
Afinal, para a Europa Central (que forneceu o maior contingente
humano para as cruzadas) os infiéis eram o mal personificado: foram eles que
tomaram e profanaram os lugares sagrados da Terra Santa.
50 RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas, vol. I: a primeira cruzada e a fundação do reino de
Jerusalém. Rio de Janeiro: Imago, 2002; RUNCIMAN, S. História das Cruzadas, vol. II: o reino de
Jerusalém e o Oriente franco, 1100-1187. Rio de Janeiro: Imago, 2002; RUNCIMAN, S. História
das Cruzadas, vol. III: o Reino de Acre e as últimas cruzadas. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
51 ZUMTHOR, Paul. La medida del mundo. Madrid: Cátedra, 1994.
52 GUREVITCH, Aron I. As Categorias da Cultura Medieval. Lisboa: Caminhos, 1972.
53 BONNASSIE, Pierre, GUICHARD, Pierre y GERBET, Marie-Claude. Las Españas Medievales.
Barcelona: Crítica, 2001.
54 LE GOFF, Jacques. CENTRO/PERIFERIA. In: LE GOFF, Jacques & SCHIMTT, Jean-Claude
(coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval I. São Paulo: Imprensa Oficial / EDUSC,
2002, p. 201-217; BONNASSIE, op. cit., p.189-247, nota 53.
55 Refiro-me à visão que a Europa Central (França, Inglaterra e Roma, principalmente) tinha com
relação aos infiéis e mesmo aos territórios de fronteira dentro da própria Europa, como era o
caso da Península Ibérica.
27
para os ibéricos, os não-cristãos eram pessoas com uma crença distinta, mas
com as quais eles conviviam diariamente e, por essa proximidade, compartilhavam
um ambiente de relativa tolerância e um convívio relativamente pacífico.
56
Após percorrer esse prazeroso caminho com o auxílio do meu orientador, consegui
delimitar melhor e aparar as arestas do meu objeto de estudo: a apologética e a
cruzada em Ramon Llull. Porém, devo esclarecer ao leitor que a pesquisa caminhou
baseada em uma hipótese (confirmada a posteriori): Llull acreditava realmente que
sua Arte era o método mais eficiente para alcançar a unificação dos cismáticos ao
credo cristão latino para, depois, partir para o seu principal objetivo: a conversão dos
infiéis, principalmente os muçulmanos. Esses são os temas que conduziram a
análise documental que se segue.
Toda essa dimensão da proposta luliana se unificaria em sua Arte, que também
podia ser considerada como um instrumento de oração e de contemplação, um guia
para a reflexão teológica. Ela era o pináculo de todo o processo missionário luliano.
57
Por crer profundamente em seus projetos (segundo ele, iluminados por Deus), o
maiorquino se lançou confiante em busca de apoio logístico-financeiro.
Percorreu vários reinos e apelou a vários pontífices pedindo auxílio para pôr em
prática seus propósitos. Quando não obtinha resposta, punha seu método à prova
através da pregação e da ação. Por exemplo, foi para Túnis e Bugia (no norte da
56 DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. A Espanha Medieval: Fronteira da Cristandade. Disponível
em: http://www.hottopos.com/mirand10/reboiras.htm. Acesso: 25 de setembro de 2006.
57 GAYÀ ESTELRICH, op. cit., p. 23, nota 12.
28
África) pregar em praça pública.
58
Boa parte das viagens e dos trabalhos
59
desenvolvidos por Ramon podem ser acompanhados por meio de suas obras, pois,
além de um escritor prolífico, ele também tinha o hábito de datá-las.
O corpus documental a ser analisado é constituído pelos documentos redigidos por
Ramon sobre sua proposta missionária, além de recortes de outros documentos que
tratam dessa temática. A principal fonte, portanto, a que mais me detive foi o Livro
do fim (1305), obra dedicada ao papa Clemente V (1305-1314).
60
58 Esse fato é narrado por Ramon Llull na Vida Coetânia e na obra Disputatio Raymundi christiani
et Hamar saraceni (= De fide catholica contra sarracenos), escrito em abril de 1307 na cidade de
Pisa. Para suas viagens ao norte da África, cf. COSTA, op. cit., nota 15. A Vida coetânia possui
dois manuscritos, o texto original é latino. No século XV foi feita uma cópia adaptada em catalão.
Porém as variações são pequenas de um para o outro. As citações feitas ao longo do texto foram
retiradas da tradução para o português a partir do texto catalão, a partir RAMON LLULL. Vida
coetânia. In: OS (ed. introd. i notes de Antoni Bonner). Mallorca: Editorial Moll, 1989, volumen I,
p. 11-50. Disponível em: http://www.ricardocosta.com/univ/vita.htm. Acesso: 23 de novembro de
2006. Por isso, o leitor pode perceber pequenas diferenças entre o texto latino citado nas notas
de rodapé e a tradução para o português ao longo do texto. Optei por essa forma (tradução no
corpo do texto e original na nota) para possibilitar uma leitura mais leve e sem muitas
interrupções.
59 O sentido da palavra trabalho aqui empregada é bem distinto do de hoje em dia. No medievo,
esse conceito significava “fadiga”, “aflição”, “sofrimento” e “perseguição”. Um bom exemplo disso
encontra-se em uma questão do Livro das Maravilhas (1289), em sua sexagésima parte, “Porque
o homem tem prazer em sentir?”: “– Filho, disse o eremita, como Jesus Cristo amava homens
semelhantes que, pelo amor de Deus, sentiam e sofreram pobreza, fome, sede, golpes,
escárnios, trabalhos e morte, quis ser pobre e suportar trabalhos e morte?”. Tradução: Ricardo
da Costa e Grupo I de Pesquisas Medievais da Ufes (Bruno Oliveira Eliane Ventorim Priscilla
Lauret), com base em Obres Selectes de Ramon Llull (1232-1316). Mallorca: Editorial Moll, 1989,
volume 2, p. 19-393.
na Doutrina para crianças (1274-1276), cap. XLIV, Ramon afirma: “Os maiores
trabalhos e as maiores perseguições que existem para honrar a Deus são convenientes com as
maiores recompensas para demonstrar que não trabalhar nem suportar tribulações pelo amor de
Deus não é conveniente com recompensas”. Tradução: Ricardo da Costa e Grupo III de
Pesquisas Medievais da UFES (Felipe Dias de Souza, Revson Ost e Tatyana Nunes), com base
na edição de Gret Schib, Doutrina para crianças. Barcelona: Editorial Barcino, 1957.
60 Clemente V foi o primeiro papa de Avignon. Sua trajetória teve início com estudos de Direito
Canônico em Orléans e Bolonha. Foi nomeado bispo de Commignes em 1295 e arcebispo de
Bordéus em 1299. Sua coroação papal ocorreu em Lyon e mesmo durante seu pontificado nunca
esteve na Itália. Nunca conseguiu exercer influência sobre o rei francês Filipe IV, mais foi muito
influenciado por este. A pedido de Felipe, suprimiu a Ordem dos Templários no Concílio de
Vienne (1311-1312). LOYN, op. cit., p. 95, nota 23.
29
Nela, Llull utiliza um tom de advertência de cunho escatológico para defender a
unidade da e dos territórios cristãos e a conversão dos muçulmanos.
61
A prática
desse método seria possível com a criação de colégios onde se realizassem
estudos das línguas dos infiéis. Além disso, Ramon tratou de como ser organizada a
Ordem da Milícia, nome da nova ordem militar unificada.
Por fim, citou as obras que deveriam ser utilizadas na disputa com os infiéis, para
que fosse possível realizar sua conversão pacífica através das razões necessárias.
62
No Livro do fim, o maiorquino expôs de forma detalhada todo seu pensamento sobre
as cruzadas e como seria possível alcançar a unidade cristã. Assim, a partir do
recorte temático da fonte, desenvolverei o corpo textual da dissertação.
No Capítulo 1, fiz uma breve análise da vida e da obra de Ramon Llull, sempre
interligada ao contexto da época. O Capítulo 2 tratou da apologética luliana no Livro
do fim, tema que está diretamente relacionado com o projeto de reforma político-
social e a unificação da cristandade, o que daria origem a uma comunidade
universal cristã.
Nos Capítulos 3 e 4 analisei o projeto de cruzada luliano. Ele se desenvolveu por
dois caminhos distintos, mas com o mesmo objetivo: a conversão dos infiéis. Assim
tratarei do ideal de cruzada espiritual que prega a conversão por meio da disputa e
do diálogo, projeto que passou à bibliografia posterior com o título de diálogo inter-
religioso. Ele se caracterizava pela abordagem pacífica, que tinha o intuito de provar
61 A palavra escatologia vem do grego éschatos (último) e lógos (tratado), e se refere às coisas
que deverão suceder no fim do mundo.
62 Cf. nota 7.
30
as verdades da fé cristã e levar os islâmicos a se converterem.
Em seguida, o projeto de cruzada corporal, a guerra como forma de estabelecer o
diálogo, isto é, como os missionários deveriam agir para forçar os muçulmanos a
debaterem, mesmo que fosse necessário enfraquecê-los ou dominá-los através da
guerra, pois o objetivo não era matar os inimigos, mas encarcerá-los e, no cárcere,
convertê-los.
31
1. RAMON LLULL (1232-1316) SEU TEMPO, SUA VIDA E
SUA OBRA
FIGURA 1
Representação de Ramon Llull. In: Munich, Bayerische Staatstbibliothek, clm (codex latinus
monacensis), siglo XV, 10498, fol. 29r.
Antes de analisar o tema proposto nesse trabalho a cruzada e a apologética nos
escritos políticos de Ramon Llull −, é necessário fazer uma breve análise da vida e
32
da obra desse autor, pois a despeito da ampliação dos estudos lulianos no Brasil,
ele ainda é relativamente desconhecido em nosso meio acadêmico.
Para a construção da sua biografia, seguirei o principal documento primário sobre
sua vida: a Vida coetânia,
63
obra autobiográfica ditada em 1311 por Ramon a um
monge da cartuxa de Valvert.
64
Porém, não tratarei somente de sua vida, mas
também de sua produção filosófico-literária inserida no contexto sócio-político de sua
época, os séculos XIII e XIV.
A vida de Ramon Llull, a exemplo de tantos outros personagens da Idade Média,
divide-se em duas partes, separadas por um fato extraordinário: as visões do Cristo
crucificado. Sua conversão se deu com características bem próximas às de dois
grandes modelos religiosos da cristandade: São Paulo (c.10-67)
65
e São Francisco
de Assis (c.1181-1226).
66
O primeiro passou pela experiência da visão, isto é, foi cegado pela luz de Cristo e,
depois de alguns dias, voltou a enxergar o mundo através dos olhos da fé.
67
Esse
63 RAMON LLULL. Vida coetânia, op.cit., nota 58.
64 A ordem monástica da Cartuxa foi fundada em 1084 por Bruno de Colônia no vale de La
Chartreuse (Cartuxa é a forma latinizada), ao norte de Grenoble. O modo de vida proporcionava
a oportunidade de viver como eremita no seio de uma comunidade religiosa. Cada monge tinha
sua própria cela onde orava, comia, estudava e dormia. Eles só saiam do claustro para os ofícios
religiosos. LOYN, H. R. op. cit., p. 76-77, nota 23.
65 Saul ou Saulo, futuro São Paulo, nasceu em Tarso da Sicília. Era um judeu com cidadania
romana. Por muito tempo foi um perseguidor implacável dos cristãos, até o momento em que
teve uma visão de Cristo e se converteu. Essa visão o cegou por três dias. Quando voltou a
enxergar iniciou seu trabalho missionário para trazer a luz do cristianismo aos gentios (At. 9, 3-7).
66 Giovanni Bernardone nasceu em Assis de Francesco, mais conhecido como Francisco de Assis.
Era filho de um abastado comerciante daquela região da Itália. Sua criação levou-o a conhecer a
diferença entre a riqueza e a pobreza, a vida cavaleiresca e a vida burguesa. Sua conversão
ocorreu em 1206. Quando renunciou ao conforto material e a herança paterna, se tornou um
pedinte. LE GOFF, op. cit., p.58-69, nota 46 e LOYN, H. R. op. cit., p. 157-158, nota 23.
67 A literatura cristã relativa às visões descreve diferentes categorias: o sonho propriamente dito, a
visão, o oráculo, o devaneio e o espectro. Essa lista que aparece em Macróbio (c. 340-415) foi
33
fato fez com que Paulo sofresse uma profunda transformação interior: deixou de ser
perseguidor dos cristãos para se tornar um servo de Deus. O apóstolo decidiu seguir
a verdadeira luz, Jesus Cristo, caminho que abraçou pelo resto dos seus dias.
Nas sociedades tradicionais ou pré-industriais as visões ou os êxtases místicos
sempre foram um importante meio de comunicação entre este mundo e o Além.
68
A
mística pela via contemplativa fez parte de todo o projeto missionário luliano. O Livro
da Contemplação em Deus (1273-1274) foi sua maior e mais importante obra sobre
esse tema.
69
As preocupações escatológicas da cristandade latina entre os séculos XIV e XVII
deram origem a importantes teorizações de visões e de viagens da alma.
70
Vários
exemplos nas hagiografias medievais demonstram a manifestação de Cristo por
modificada por Santo Agostinho (354-430) em seu De genesis ad litteram [Sobre o genesis
literal]. A partir da visão de São Paulo no caminho de Damasco, Agostinho estabeleceu uma
hierarquia das visões: no nível inferior, a “visão corporal” pela qual nossos olhos podem ver
realidades incorporais; no nível médio, a “visão espiritual” ou “imaginativa” que permite ver, como
em sonho, as formas sem corpo; enfim, no nível superior, a “visão intelectual”, que acesso
direto a realidades sem corpo e a conceitos sem imagens. DELUMEAU, Jean. O que sobrou do
paraíso? São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 68-72.
68 VAUCHEZ, op. cit., p. 161, nota 47; VAZ, H. C. de L. Experiência Mística e Filosofia na Tradição
Ocidental. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
69 COSTA, Ricardo da. A experiência religiosa e mística de Ramon Llull: a infinidade e a eternidade
divinas no Livro da contemplação (c. 1274). In: Scintilla: Revista de Filosofia e Mística Medieval.
Curitiba: Faculdade de Filosofia de São Boaventura (FFSB), vol. 3, n. 1, janeiro/junho 2006, p.
107-133. Disponível em: www.ricardocosta.com/pub/expreligiosa.htm. Acesso: 27 de novembro
de 2007.
70 Ao longo do século XII um forte renascimento da mística medieval. Visões místicas
possibilitavam o conhecimento do Paraíso. Dois importantes exemplos visionários desse século
são Elisabeth von Schönhau († 1165) e Hildegard von Bingen (†1179). Elisabeth, em uma das
suas visões paradisíacas, viu um edifício glorioso, cercado por três muralhas e com vários
habitantes no interior. Além das muralhas, havia uma área cercada por espinhos picantes e
ardentes, que muitos tinham que atravessar antes de ter acesso ao edifício. Já Hildegard, em sua
Primeira Visão, observou a imagem do Criador, sentado sobre uma brilhante montanha cor de
ferro. DELUMEAU, op. cit., p. 85-87, nota 67. Sobre a Visão de Túndalo, a Viagem de São
Brandão, ver ZIERER, Adriana. Modelos de Salvação Medieval: São Brandão e Santo Amaro. In:
COSTA, Ricardo da e PEREIRA, Valter Pires (org.). História. Revista do Departamento de
História da UFES. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas
e Naturais, nº 9, EDUFES, 2001, p. 41-51.
34
visões que modificam de forma definitiva a vida daqueles que passam por elas.
71
A vida de Francisco de Assis, o grande exemplo de santidade do século XIII,
também teve muita influência sobre Llull. O maiorquino ouviu um sermão sobre o
despojamento de Francisco, que abriu mão da vida luxuosa proporcionada por sua
família, para se dedicar ao tratamento dos leprosos e a mendicância, sobrevivendo
apenas de doações recebidas da população citadina, fato que deu início ao ideal de
pobreza e humildade franciscana.
72
Esse exemplo levou Ramon a abandonar sua vida mundana e se dedicar ao serviço
de Cristo. Ramon e Francisco tiveram uma vida semelhante antes da conversão:
eram de uma família abastada, tiveram uma formação cavaleiresca e, após a
conversão, abandonaram todos seus bens materiais, desprezaram os bens
temporais, e passaram a se dedicar a um projeto de reforma social para o bem
comum da cristandade.
A proposta de reforma luliana incluía mudanças na forma de conduta dos cristãos
latinos, assim como a unificação da Igreja latina com os cristãos da Igreja oriental
para acabar com toda a divisão interna do cristianismo. Essa seria uma forma de
resgatar o ideal apostólico cristão de humildade, pobreza e religiosidade. Tal
desígnio se realizaria com o afastamento dos clérigos do luxo e do pecado em
que viviam no século XIII.
73
71 SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade medieval. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999, p. 15, 38-41, 62-63. DELUMEAU, op. cit., p. 85-87, nota 67.
72 LE GOFF, op. cit., nota 46.
73 BOLTON, op. cit., p. 19-36, nota 47.
35
O projeto missionário luliano também propunha a conversão dos infiéis e dos
pagãos. Esse era o seu objetivo maior, tanto que Ramon se auto-proclamou
procurador dos infiéis”.
74
Entretanto, seu plano missionário-reformador, mesmo propondo uma renovação
interna do clero e da cristandade, não tinha os mesmos objetivos que os
movimentos heréticos da época.
75
Os movimentos condenados como heréticos
tinham como uma das suas maiores críticas a organização e da hierarquia da Igreja
latina, como aconteceu entre os cátaros e os albigenses.
76
Na proposta apresentada
por Llull, permaneciam intactos tanto o comando papal da Igreja como a hierarquia
clerical.
77
Ramon acreditava na superioridade do poder pontifício. Ao atribuir ao papa o papel
de cabeça da cristandade e chefe do povo de Deus, Llull defendia que ele deveria
comandar todos os membros da sociedade, inclusive reis e príncipes, chefes do
poder temporal.
78
1.1. MAIORCA E A COROA DE ARAGÃO
No início do século XIII, a maior parte da Península Ibérica havia sido reconquistada
pelos cristãos. Contudo, ainda restavam alguns territórios em poder dos
74 LLINARÈS, op. cit., p. 128, nota 42.
75 FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo: Perspectiva, 2007.
76 BURL, Aubrey. Hereges de Deus: A Cruzada dos Cátaros e Albigenses. São Paulo: Masdras,
2003.
77 SOUZA, José Antônio de C. R. de. O reino de Deus e o Reino dos Homens: as relações entre os
poderes espiritual e temporal na Baixa Idade Média. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
78 Ibid., p. 63-81, 105-147; ULLMANN, Walter. Historia del pensamiento político en la Edad Media.
Barcelona: Editorial Ariel, 1999, p. 106-107.
36
muçulmanos (o sul da Espanha, o Levante
79
e as Ilhas Baleares
80
). O responsável
pela conquista das Baleares, incluindo Maiorca, a terra natal de Ramon Llull, foi
Jaime I, o Conquistador (1213-1276).
81
Jaime assumiu a coroa de Aragão depois da morte de Pedro, o Católico,
82
em Muret,
e formulou planos de reconquistar o Levante e as Ilhas Baleares. Isso tornou a
conquista desses territórios um empreendimento verdadeiramente catalão. Em 1229,
Maiorca foi tomada, porém, o controle total da ilha só foi possível em 1231.
83
Após a conquista de Maiorca, a Catalunha iniciou sua expansão pelo Mediterrâneo.
As cidades italianas de Gênova e Pisa, por temerem a concorrência do comércio
catalão, fizeram acordos com Jaime I, na tentativa de garantir seus privilégios
comerciais. No território peninsular, o monarca continuou seu processo de conquista
em direção à Valência, e estabeleceu vários acordos matrimoniais com outros reinos
79 Nome genérico das comarcas mediterrâneas da Espanha, especialmente das correspondentes
aos antigos reinos de Valência e Múrcia. Definição feita a partir do DICCIONARIO DE LA
LENGUA ESPAÑOLA. Disponível em: http://buscon.rae.es/draeI/html/. Acesso: 23 de dez. de
2006.
80 As atuais ilhas de Maiorca e Menorca. LLINARÈS, A. op. cit., p. 13, nota 42.
81 Jaime I, o Conquistador nasceu em 1208 em Montpellier, era filho de Pedro, o Católico (1174-
1213) e Maria de Montpellier (c.1182-1213) falecidos quando ele tinha apenas cinco anos. Foi
educado no castelo de Montró sob a proteção do mestre dos Templários. Casou-se aos treze
anos com Eleonor de Castela com quem teve um filho, Afonso, casamento anulado por razões de
parentesco. Seu segundo matrimônio foi em 1235 com dona Violante (filha de Andrés II, da
Hungria), com quem teve dois filhos, Pedro e Jaime. Disponível em:
http://www.cervantesvirtual.com/historia/monarquia/jaime_i.shtml. Acesso: 26 de nov. de 2006.
Jaime também foi responsável por uma das autobiografias mais importantes de toda a Idade
Média, o Livro dos Feitos (c. 1252-1274), obra inédita que está sendo traduzida para o português
pelos Professores Ricardo da Costa e Luciano Vianna, e encontra-se disponível em
http://www.ricardocosta.com/textos/cronicafeitos.htm. Essa tradução tem como base o Llibre dels
Fets del Rei en Jaume (a cura de Jordi Bruguera), Barcelona, Editorial Barcino, 1991,
confrontada com JAIME I. Libro de los hechos (introd., trad. y notas de Julia Butiñá Jiménez),
Madrid, Gredos, 2003.
82 Pedro de Aragão nasceu em 1174 e foi rei a partir de 1196. Morreu em 1213 na Batalha de
Muret.
83 LLINARÈS, op. cit., p. 14, nota 42; LOYN, op. cit., p. 220, nota 23.
37
cristãos com o objetivo de garantir alianças e territórios.
84
Entre 1232 e 1260, Maiorca foi colocada sob o comando de um governador. Em
seguida, Jaime I passou o direito de reinar sobre a ilha para seu filho, o infante
Jaime, futuro Jaime II, de Maiorca (1243-1311).
85
Foi em meio a esse ambiente da
nobreza maiorquina que viveu Ramon Llull até a sua conversão.
1.2. DO NASCIMENTO À CONVERSÃO (1232-1363)
Nesse ambiente peculiar que era a Ilha de Maiorca a família de Ramon Llull se
estabeleceu em 1231. O pai de Llull fez parte do exército do rei de Aragão na
conquista dessa ilha, e recebeu como recompensa algumas terras naquele local. No
ano seguinte à chegada de seus pais na ilha, Llull nasceu. Viveu, portanto, em uma
região de multiplicidade econômica, cultural e religiosa, na qual conviviam cristãos,
judeus e muçulmanos de forma razoavelmente tolerante se comparada ao restante
da Europa.
86
A Vida coetânia não nos informa o estamento social
87
da família de Ramon.
88
As
84 LLINARÈS, op. cit., p. 15, nota 42; CARR, Raymond. Historia de España. (Ed.) Barcelona:
Ediciones Península, 2006, p. 109-111, 130-131.
85 Nasceu em 1243, em Montpellier e morreu em 1311. LLINARÈS, op. cit., p. 17-18, nota 42.
86 DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., nota 56.
87 A sociedade medieval pode ser caracterizada como uma sociedade de ordens baseada num
princípio de desigualdade, próprio da estrutura do Cosmo. Estava organizada de forma
hierárquica, estruturada conforme a doutrina do corpo místico social: o rei como cabeça e as
ordens, os membros. COSTA, Ricardo da. Revoltas camponesas na Idade Média. 1358: a
violência da Jacquerie na visão de Jean Froissart. In: CHEVITARESE, André (org.). O
campesinato na História. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ FAPERJ, 2002, p. 97-115. Disponível
em www.ricardocosta.com/univ/jacquerie.htm; Acesso: 24 de março de 2005.
88 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., nota 58.
38
informações sobre seu pai e suas posses são enumeradas nos documentos
publicados no Diplomatari lul·lià.
89
A documentação barcelonesa referente aos parentes mais próximos de Ramon não
reconhecem os membros maiorquinos que passaram a ser denominados cavaleiros,
pois, nessa linhagem, há preponderantemente uma maioria burguesa. O próprio
Ramon demonstraria certo apreço pela classe dos comerciantes, o que pode ser um
indício que seus antepassados pertenciam a esse estamento.
90
Assim, o fato de Llull ter sido proveniente de uma família da alta burguesia,
enobrecida pelo direito de conquista, explica por que ele recebeu um cargo
importante na nobreza, o de senescal do futuro rei Jaime II de Maiorca, conde de
Rosselló e Cerdanha, senhor de Montpellier.
91
Ramon passou sua infância e juventude na corte real. Recebeu uma educação
característica da nobreza do século XIII: aprendeu a utilizar as armas e a arte de
trovar e compor canções, conhecimentos que faziam parte de uma educação
comum a toda ordem cavaleiresca.
92
Essa educação não priorizava o estudo das letras, fato que o levou posteriormente a
lamentar o pouco conhecimento do latim. No entanto, após a conversão, nada lhe
89 HILLGARTH, J. N. Diplomatari Lul.lià. Edicions de la Universitat de Barcelona, 2001, p. 21-23, 25;
BATLLORI, Miquel. Ramon Llull i el Lul·lisme. Obra completa. Vol. II. València: Biblioteca
d’estudis i investigacions, 1993, p. 7.
90 Ibid.
91 Senescal era o nome dado aos mordomos em certas casas reais. Ibid.
92 CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 264, nota 1.
39
traria mais desgosto do que sua habilidade como trovador,
93
o que foi motivo de
lamentos e tristeza pelo resto de vida. Ao aceitar a conversão e iniciar uma nova
vida totalmente dedicada a Cristo, o pobre pecador, religioso e leigo, não escondia o
fato de um dia ter sido “consumido pelo pecado da luxúria”.
94
Contudo, não podemos mensurar o grau de lascívia presente em suas canções
profanas e cantigas amorosas. Tudo o que escreveu para suas amantes,
provavelmente belos lais, não chegou até nós (isso poderia ser motivo de perdição
para sua própria alma).
95
Mesmo abandonando e escarnecendo sua arte de trovar, essa característica lírica
continuou a se manifestar por toda a sua obra religioso-filosófica. Mas a partir de sua
conversão, seus textos não tiveram mais um caráter profano: ele se tornou um jogral
de Cristo.
96
Quase aos trinta anos, por volta de 1263, ocorreu um fato que modificaria toda a sua
93 Os trovadores medievais eram músicos-poetas considerados como portadores de um novo tipo
de ciência: uma “Gaia Ciência”, ou seja, uma “ciência alegre” ou “ciência gaiata”. O amor cortês
foi a mais original criação dos trovadores, traduzida nas cantigas de amor e nos romances
corteses. Para o tema ver COUTINHO, Priscilla Lauret e COSTA, Ricardo da. Entre a Pintura e a
Poesia: o nascimento do Amor e a elevação da condição feminina na Idade Média. In:
GUGLIELMI, Nilda (dir.). Apuntes sobre familia, matrimonio y sexualidad em la Edad Media.
Colección Fuentes y Estudios Medievales 12. Mar del Plata: GIEM (Grupo de Investigaciones y
Estudios Medievales), Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP), diciembre de 2003, p. 4-
28.
94 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., I, 3, nota 58.
95 Os Lais eram pequenos poemas em versos de oito sílabas, cantado pelos jograis com
acompanhamento de harpa. Um bom exemplo desse tipo de poema é MARIE DE FRANCE. Lais
de Maria de França. Tradução e introdução de Antonio L. Furtado; refácio de Marina Colasanti.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
96 BATLLORI, op. cit., p. 4, nota 89. A maior canção desse jogral de Cristo foi o Livro do Amigo e do
amado (1276-1283), obra escrita à maneira “sufi”. Possui belas palavras de amor e exemplos
breves que inspiram aos homens uma grande devoção. É uma formula para elevar o
entendimento e aumentar o amor a Deus. RAIMUNDO LÚLIO. O Livro do Amigo e do Amado.
São Paulo: Editora Escala, 2006, p.17-18.
40
vida. O trovador dedicado aos poemas profanos e aos amores mundanos se
transformou em um servidor do seu Amado Deus e um defensor do cristianismo
latino.
97
A conversão de Ramon foi motivada por cinco visões de Cristo crucificado.
98
Esse acontecimento de grande sentido espiritual marcou o início de sua ruptura com
seu antigo modo de vida cortês. Ramon passou a viver em prol de um projeto
religioso que seria sua bússola, o que nortearia seus atos pelo resto da vida: fazer
com que a cada dia Deus fosse mais e mais “conhecido, amado e honrado”.
99
Para que esse desejo se realizasse era necessário ordenar seus propósitos,
conceber uma missão, que se desenvolveu com três objetivos: a contemplação, a
ação e o martírio.
100
Esses três modos de viver, por sua vez, se concretizariam por
meio de três atos:
1. Converter os infiéis para Cristo e, se necessário, chegar ao martírio;
2. Escrever o melhor livro do mundo contra os erros dos infiéis;
3. Promover a fundação de colégios com o auxílio do papa e dos príncipes,
101
onde
homens letrados aprendessem a língua dos infiéis e fossem enviados para o
97 O nascimento do amor cortês no século XII foi uma das maiores heranças que a Idade Média
nos legou, pois propiciou à mulher um novo e destacado papel nas relações sociais. Assim, a
necessidade de receber o consentimento da mulher para seguir seus anseios e desejos, tornou
necessário o controle do impulso sexual violento masculino. Essa nova forma de comportamento
social assumiu um caráter educativo nos círculos cavalheirescos, o que possibilitou a melhora da
condição feminina. COSTA, e COUTINHO, op. cit., p. 4-28, nota 93.
98 É interessante observarmos a idade de sua iluminação, provavelmente aos quarenta anos. O
número quarenta simboliza a intervenção de Deus, marca o fim de um ciclo que se encera com
uma mudança radical de ação e de vida. Após a iluminação, ele começa uma nova fase de sua
vida, assim como aconteceu com Moisés, Buda e Maomé que iniciaram seus projetos religiosos
aos quarenta anos. CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes,
gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001, p. 757.
99 COSTA, Ricardo da. “O homem é mau quando age contra Deus e contra a semelhança de
Deus”: a maldade humana no Livro das Maravilhas (1288-1289) de Ramon Llull. In: Anais do II
Simpósio Internacional de Teologia e Ciências da Religião, Belo Horizonte, ISTA/PUC Minas,
2007.
100 VEGA, Amador. Ramon Llull y el secreto de la vida. Madrid: Ediciones Siruela, 2002, p. 20.
41
meio deles para pregar as verdades da fé católica.
102
Quando o filósofo utiliza os termos “infiel ou infiéis”, refere-se principalmente aos
muçulmanos. Porém, como também pretendia concretizar o projeto de unificação e a
universalização da cristandade, seu ideal de conversão também se estendia aos
cismáticos, aos judeus, e aos tártaros (ou pagãos).
103
O fato de viver em uma região de fronteira e, por conseqüência, de contato diário
com os muçulmanos, tornou natural para Llull ver o problema da conversão como
um dos maiores problemas de sua época.
Esse convívio constante modelou a forma de convivência entre esses povos, não
impedindo é claro, que ocorressem momentos de intolerância e um controle rigoroso
da população muçulmana naquela região.
104
101 Os colégios (collegia) medievais eram locais de estudo sem fundação papal. Podiam ser
instituídos por dois motivos: ordem religiosa ou caráter social. A primeira forma se dava pela
preocupação do fundador com sua alma e a da sua família (donatio pro anima), e os membros e
beneficiários do colégio deviam prestar orações perpétuas pela alma do fundador. O segundo,
por motivação social, privilegiava os membros da família a freqüentarem aquele colégio.
ULLMANN, op. cit., p. 116-119, nota 1.
102 BATLLORI, op. cit., p. 9, nota 89; CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 241, nota 1; VEGA, op. cit.,
p. 20, nota 100.
103 BONNER, Anthony i BADIA, Lola. Ramon Llull: Vida, pensamento i obra literária. Barcelona:
Editorial Empúries, 1991, p. 13.
104 GUICHARD, Pierre. ISLÃ. In: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático
do Ocidente Medieval. Vol. I, Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado,
2002, p. 640-641.
42
1.3. OS ANOS DE FORMAÇÃO (1263-1274)
Depois de sua conversão, Ramon ainda permaneceu três meses em sua casa, com
sua mulher e filhos, a cuidar de seus negócios.
105
No dia da festa de São Francisco,
Llull ouviu na Igreja o sermão do bispo sobre a história da conversão do poverello de
Assis.
106
Aquela história o tocou profundamente e o fez seguir aquele exemplo.
107
Vendeu
seus bens, deixando apenas o necessário para prover a sobrevivência dos seus.
Colocou vestes simples e iniciou um período de peregrinação por santuários
importantes da cristandade, entre eles, Santa Maria de Rocamador e Santiago de
Compostela. Suas despesas a partir de agora seriam financiadas por doações.
108
Ao regressar para Barcelona, Ramon estava disposto a realizar seu segundo
propósito escrever o melhor livro do mundo. Para isso, decidiu ir para a
Universidade de Paris.
109
Porém, seus amigos em especial Ramon de Penyafort
(1180-1275) desaconselharam-no, e pediram que voltasse para Maiorca.
110
Llull
era considerado um homem velho para iniciar seus estudos naquela Universidade.
105 CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 241, nota 1.
106 Como Francisco de Assis também foi chamado.
107 CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 241, nota 1; BONNER i BADIA, op. cit., p. 87-93, nota 103;
VEGA, op. cit., p. 23, nota 100; BATLLORI, op. cit., p. 9-10, nota 89.
108 CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 242, nota 1; BONNER i BADIA, op. cit., p. 87-93, nota 103;
VEGA, op. cit., p. 23, nota 100; BATLLORI, op. cit., p. 10, nota 89; HILLGARTH, op. cit., p. 176,
nota 39.
109 A Universidade de Paris surgiu como ex consuetudine, isto é, nasceu espontaneamente de
escolas preexistentes. Ela substituiu as escolas monásticas de São Vitor e Santa Genoveva e as
escolas episcopais de São Germano e Notre Dame. Foi o principal centro de estudo de Filosofia
e Teologia da Baixa Idade Média. ULLMANN, R. A. op. cit., p. 106, 120, nota 1.
110 RAMON LLULL. Vida coetânia, II, 10, nota 58; CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 42, nota 1;
BATLLORI, op. cit., p. 10, nota 89.
43
Além disso, como ele pretendia estudar um problema local (a missão entre os
infiéis), seria melhor que ficasse em Maiorca, onde essa era uma realidade
cotidiana. Para os mestres de Paris, o infiel era uma realidade distante, além do que,
os estudos realizados nessa Universidade terem na época como principal
característica formar intelectuais profissionais, isto é, administradores e mestres
para o ensino, não missionários.
111
Convencido, Ramon retornou para Maiorca e iniciou seu período de estudos, que
durou aproximadamente nove anos (entre 1265 e 1274). Esse período é omitido pela
Vida coetânia. O que se sabe é que ele se dedicou ao estudo da língua árabe
auxiliado por um escravo mouro, além de estudar Teologia e Gramática.
112
O silêncio sobre esses anos na Vida decorre da certeza, ao final de sua vida, de que
seu projeto missionário-apologético era resultado da sua iluminação divina.
113
Por
isso, Ramon não sentiu necessidade de demonstrar claramente o que aprendeu.
Por esse motivo, não é possível precisar quais foram as obras lidas por ele, ou quais
leu por completo. Pode-se, contudo, rastrear traços de alguns textos que ele teve
111 LE GOFF, J. Os Intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003, p. 88-90, 128-
135; CARRERAS I ARTAU, T. op. cit., p. 242, nota 1; LLINARÈS, A. op. cit., p. 15, nota 42.
112 Isto é, o latim. VEGA, op. cit., p. 24, nota 100; LLINARÈS, A. op. cit., p. 67-68, nota 42; BONNER
i BADIA, op. cit., p. 16, nota 103.
113 A doutrina da iluminação divina foi concebida por Santo Agostinho e, no baixo-medievo, foi
retomada São Boaventura (1221-1274). A teoria agostiniana estabelecia que todo conhecimento
verdadeiro era resultado de uma iluminação divina; as verdades espirituais, especialmente, as
coisas referentes ao conhecimento de Deus, poderiam ser alcançadas pelos olhos do nosso
espírito quando iluminadas pela luz divina para assim, se tornarem inteligíveis. SANTO
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 16-17. Essa doutrina foi
influenciada por São João quando anunciava a vinda de Cristo: “O Verbo era a luz verdadeira
que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio
dele, mas o mundo não o reconheceu”. (Jo 1, 9-10). Portanto, a Luz é Cristo, que é o Sumo Bem.
Os iluminados por Deus seriam pessoas especiais escolhidas para transmitir Sua mensagem e
tornar Sua obra inteligível para quem não conseguia enxergar essa luz.
44
contato. Quem foram seus mestres? Infelizmente, essa pergunta pode ser
respondida de forma indireta, pois, Ramon não tinha o hábito de citar suas fontes.
114
Dentre as obras e os mestres de sua educação autodidata, estão a Bíblia, o Alcorão,
o Talmude,
115
Calila e Dimna,
116
e textos de mística árabe, o sufismo;
117
entre os
114 Llull era um autodidata em grande parte de sua formação. Percebe-se em seu conhecimento
influências do espírito cisterciense, o que explicaria sua oposição ao averroísmo. Há em sua obra
uma predileção pelo agostianismo e pela exaltação mística. Assim, seu pensamento estaria mais
próximo às correntes de pensamento e à mística do século XII, sendo considerado por isso, um
homem fora do seu tempo. LLINARÈS, A. op. cit., p. 67, 68-69, nota 42.
115 CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 262-263, nota 1. O Talmude é o livro do Judaísmo. Enquanto o
Chumash (Pentateuco ou os cinco livros de Moisés) fazem referência aos Mandamentos, o
Talmude os explica, discute e esclarece. É considerado pelos judeus uma forma de compilação
da Lei Oral, transmitida por Deus a Moisés, no Monte Sinai. Tem dois componentes principais: a
Mishná, livro sobre a lei judaica, escrito em hebraico, e a Guemará, comentário e elucidação do
primeiro, escrito em hebraico-aramaico. O Talmude cobre uma ampla variedade de assuntos,
seguindo, no entanto, um plano coerente e muito bem estruturado, a Mishná, pilar central da Lei
Oral. Comparada à Guemará, é concisa e objetiva. Compõe-se de uma rie de declarações,
organizadas por assunto e tópico, que ensinam as leis, a tradição e a história judaica. Em
hebraico, a palavra Talmud significa “estudo” ou “aprendizado”. O objetivo primordial do Talmude
é a busca da verdade. A obra está praticamente toda estruturada em perguntas e respostas.
DJMAL, Tev. O que é o Talmud? (trad. Lilia Wachsmann). In: Revista Marashá, Edição 43,
dezembro de 2003. Disponível em: www.morasha.com.br/edicoes/ed43/talmud.asp. Acesso: 27
de julho de 2007.
116 Calila e Dimna foi a versão de Afonso X, o Sábio (1252-1284) do clássico Kalila wa Dimna. Trata-
se de uma coletânea de contos e fábulas de caráter político e moral. A origem do Calila remonta,
em parte, ao livro indiano, redigido em sânscrito, chamado Panchatantra. Abdallah Ibn Al-
Muqaffa’, por volta de 750, foi o responsável pela versão ao árabe do antigo manuscrito em
pehlavi, intitulando-a Kalila wa Dimna, versão que originou traduções em várias outras línguas,
como o castelhano El Libro de Calila e Digna, traduzido em 1251 diretamente do original árabe
de Ibn Al-Muqaffa’. O Panchatantra pertence ao gênero de livros chamado niti-shastra (“ciência
ou trabalho sobre ética política ou moral”), ou seja, é um “livro de niti: uma maneira prudente e
sábia de se viver (...)”. Niti é um modo prático que conduz a um modo de se viver seguro e
proveitoso. FUJIKURA, Ana Lúcia Carvalho. Os Provérbios no Livro de Calila e Digna. In:
Collatio. Ano II 4 julio-deciembre 1999. Disponível em:
http://www.hottopos.com/collat4/os_proverbios_no_libro_de_calila.htm. Acesso: 25 de julho 2007.
Ramon Llull provavelmente conheceu várias obras de influências arábicas, dentre elas estaria
o conto Kalila e Dimna. COSTA, Ricardo da. A novela na Idade Média: o Livro das Maravilhas
(1288-1289) de Ramon Llull. Artigo publicado no MiniWeb Educação. Disponível em:
www.ricardocosta.com/univ/novela.htm. Acesso: 25 de julho de 2006. Cf. também IBN AL-
MUKAFA. Calila e Dimna (trad. e apres. de Mansour Challita). Rio de Janeiro: Associação
Cultural Internacional Gibran, s/d.
117 O sufismo (ou tasawwuf) é um campo da mística muçulmana. No século XIII era a principal
forma de mística islâmica na Península Ibérica. Seu maior difusor nessa região foi Abenarabi (Ibn
al-Arabí, 1165-1240). O sufismo conceitua a concepção islâmica para as perfeições divinas
(hadras), que podem ter inspirado o conceito de dignidades divinas em Ramon Llull. MATA, op.
cit., p. 67-68, nota 12. Para ter uma visão mais aprofundada do sufismo consultar PAREJA, op.
cit., p. 289-345, nota 19.
45
autores, Platão (428/427-347 a.C.),
118
Aristóteles (384/383-322 a.C.),
119
Anselmo de
Cantuária (1033/1034-1109)
120
e São Boaventura (1221-1274).
121
Foi nesse período de estudo que Ramon redigiu suas primeiras obras: o Compêndio
da Lógica de Algazel (1271-1272),
122
e o Livro da Contemplação em Deus (1274).
123
A Lógica apresentava ao leitor uma síntese da lógica de Algazel e sua aplicação na
polêmica teológica, o que pode ter sido utilizado como meio de familiarização com
os métodos de discussão racional e a teologia islâmica.
124
118 Platão nasceu em Atenas. Seu verdadeiro nome era Aristócles. O apelido derivou de seu vigor
físico (em grego, platos significa amplitude, largueza). Inicialmente foi discípulo de Sócrates
(470/469-399 a. C.), e com a morte deste, saiu de Atenas. Quando retornou, fundou a Academia.
Entre todas as suas obras, a que pode ter influenciado mais o pensamento luliano foi A
República, onde Platão desenvolve a Idéia do Bem. REALE, Geovanni. História da filosofia:
Antigüidade e Idade Média. São Paulo: PAULUS,1990, p.125-151.
119 Cf. nota 29.
120 Anselmo de Cantuária nasceu em Aosta na Itália. Ingressou para a ordem cluniasense em Bec e,
após a morte de sua mãe e a aversão que seu pai tomou dele, se tornou abade em 1078. A partir
de 1093, tornou-se arcebispo de Canterbury. Em meio ao ambiente de disputas filosóficas do
século XI, Anselmo se manteve neutro e equilibrado. Atribuiu ao homem duas fontes de
conhecimento, a fé e a razão. Manteve-se sempre otimista quanto à possibilidade da razão
aprofundar-se nos mistérios revelados. Contudo, era cuidadoso quanto ao uso das “razões
necessárias” para provar os mistérios divinos, matizando sua discussão racional sempre com
questões filosóficas. SARANYANA, op. cit., p. 157-163, nota 26.
121 CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 262-263, nota 1. Giovanni de Fidanza, denominado Boaventura
e Doutor Seraficus, foi um dos maiores representantes da Teologia e da mística do século XIII.
Suas obras podem ser inseridas no campo da “metafísica da mística cristã”, com a qual ele
pretende demonstrar a existência de Deus. SARANYANA, op. cit., p. 294-304, nota 26;
CARPENTER, Charles. San Buenaventura: La teologia como camino de santidad. Barcelona:
Editorial Herder, 2002, p. 153-192. Já quanto à questão da elevação da alma a Deus, três etapas
auxiliam no caminho da iluminação: encontrar os sinais de Deus nas coisas sensíveis e se elevar
às alegrias das coisas divinas para a contemplação divina. ETIENNE, Gilson. A Filosofia na
Idade dia. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 544-553. Para um conhecimento mais
aprofundado de Boaventura, SAN BUENAVENTURA. Experiencia y Teología del mistério:
Itinerário del alma a Dios, Incendio de amor, Soliloquio, El Árbor de vida, De la vida perfecta.
Madrid: BIBLIOTECA DE AUTORES CRISTIANOS, MM.
122 ORL XIX (1936), 1-62.
123 OE II (1960), p. 85-1269. Cf. CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 548-576, nota 1; VEGA, op. cit., p.
24, nota 100; HILLGARTH, op. cit., p. 33, nota 39.
124 VEGA, op. cit., p. 26-27, nota 100; CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 348-349, nota 1.
46
O Livro da Contemplação é considerado uma summa mística medieval, uma
enciclopédia sistemática sobre Deus e a natureza, que prepara e eleva o leitor
espiritualmente para compreender e contemplar a Deus.
125
As duas obras teriam sido escritas originalmente em árabe e traduzidas para latim e
catalão, mas infelizmente, nenhum texto em árabe chegou anós. O que sabemos
é que Ramon estudou árabe, de acordo com sua própria declaração: “Senhor, visto
que vós haveis me dado a graça é que eu entendo a língua arábica”.
126
Todavia, a convivência com seu escravo terminou de forma trágica. Um dia, Ramon
ouviu seu servo blasfemar contra Cristo, o que lhe deixou irado e fez com que ele
lhe castigasse. Por isso, na primeira oportunidade que teve, o escravo investiu
contra Ramon e tentou matá-lo.
127
Esse fato é narrado na Vida Coetânia. Llull nos conta que uma manhã, ao ver que
estava só, o escravo pegou um “faca muito cortante” e foi em direção a ele gritando:
“Agora morrerás! Llull conseguiu se desviar do golpe mortal mas, mesmo assim, foi
ferido no ventre. O escravo foi encarcerado até Llull decidir que punição seria
aplicada a ele.
Ramon estava confuso; o escravo tinha sido de grande valia ao lhe ensinar a língua
e a lei árabe, o que lhe auxiliaria no projeto de conversão dos infiéis. Também sabia
125 CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 348, 357-358, nota 1; VEGA, op. cit., p. 29, nota 100. COSTA,
op. cit., nota 69.
126 RAMON LLULL. Livro da Contemplação. OE II, p. 376. Apud., LLINARÈS, op. cit., p. 67, nota 42.
127 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., II. 12, p. 279, nota 58.
47
que, se fosse posto em liberdade, ele continuaria no propósito de matá-lo.
128
Para refletir, Ramon retirou-se para o mosteiro cisterciense de Santa Maria de Real,
para meditar e decidir se o libertaria ou o deixaria ser condenado à morte.
129
As leis
da época condenavam à morte qualquer muçulmano que tentasse matar um
cristão.
130
Quando retornava para casa, ainda indeciso, Ramon passou pela prisão
onde o escravo estava, e soube que ele havia se suicidado.
131
Somente depois desse episódio, mais ou menos dez anos após sua conversão, é
que Ramon realmente se afastou da vida mundana e se dedicou à vida
contemplativa. Ele saiu de casa e foi para o Monte Randa meditar. Neste lugar,
passou vários dias; no oitavo, quando estava contemplando o céu, veio à sua mente
uma “ilustração divina” de como ordenar e fazer o livro contra os erros dos infiéis.
132
Llull deu graças a Nosso Senhor por aquela maravilha e desceu de lá, dirigindo-se
para o mosteiro de Real; ali faria o livro mais rapidamente. A essa obra denominou
Arte Maior e depois Arte Geral.
133
Depois de escrevê-la, ele voltou ao Monte Randa,
e mandou edificar um eremitério no mesmo lugar onde recebeu a iluminação divina.
128 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., II. 12, p. 279, nota 58.
129 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., II. 12, p. 279, nota 58.
130 Para a questão relativa às condições de vida e aos direitos dos mudejáres, ou seja, muçulmanos
que permaneceram na Península Ibérica após a Reconquista, cf. BONNASSIE, op. cit., p. 154-
161, nota 53.
131 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., II. 13, p. 279, nota 58.
132 Ibid.
133 In quo, cum iam stetisset non plene per octo dies, accidit quadam die, dum ipse staret ibi caelos
attente respiciens, quod súbito Dominus illustravit mentem suam, dans eidem formam et modum
faciendi librum, de quo supra dicitur, contra errores infidelium. De quo Raimundus immensas
gratias reddens Altíssimo, descendit de monte illo. Reversusque mox ad abbatiam supra dictam,
coepit ibidem ordinare et facere librum illum, vocans ipsum primo: Artem maiorem, sed postea:
Artem generalem. RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., III, 14, p. 280, nota 58.
48
Depois do agradecimento naquele lugar santificado, Ramon recebeu um convite de
Jaime II para ir a Montpellier levar suas primeiras obras. A pedido de Jaime, elas
foram examinadas por um frade franciscano, conhecedor de Teologia, que as
aprovou.
134
Ramon se dirigiu então para Montpellier para conseguir a aprovação do rei para a
construção de colégios onde fossem realizados os estudos das línguas dos infiéis.
Jaime II autorizou a construção do colégio de Miramar em 1276,
135
que recebeu a
aprovação do papa João XXI (1215-1277) no mesmo ano.
134 A primeira dessas três obras foi também a primeira versão do seu método, a Ars compendiosa
inveniendi veritatem. A segunda é a Ars inveniendi particularia in universalibus (c. 1283-1287)
obra que depende da Art demonstrativa. A terceira é a Ars inventiva veritatis, na qual Lúlio leva
adiante uma profunda revisão da Arte no tocante aos procedimentos próprios das duas principais
versões anteriores: a Ars compendiosa inveniendi veritatem e a Art demonstrativa. Sobre essa
revisão da Arte, consultar RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., IV, 17, nota 58. O feito de
reformular a Arte não significa que ela tenha perdido seu caráter inventivo. Tampouco o autor
deixou de se considerar o criador desse método por intermédio da ilustração divina. A Arte
manteve sua característica de meio pelo qual é possível “encontrar” ou “descobrir” as coisas,
contudo, uniu-se a esse modelo sua finalidade, a busca da verdade. Porém, sua forma de buscar
a verdade é que difere do método tradicional da escolástica, que utiliza a dialética. Llull pretende
“demonstrar”. Essa demonstração pode ser classificada da seguinte forma: 1) por comparação,
ou seja, demonstrar por coisas iguais; 2) como o homem prova o efeito pela causa, e 3) como o
homem pelo efeito demonstra a causa. RUIZ SIMON, Josep Maria. A Arte de Raimundo Lúlio e a
teoria escolástica da ciência. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo
Lúlio” (Ramon Llull), 2004, p. 31 e 32.
135 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., III, 17, nota 58. Miramar era um colégio, não um
monastério, pois os conventos franciscanos não podiam ter nenhuma fonte de renda. BATLLORI,
op. cit., p. 13, nota 89.
49
1.4. DAS PRIMEIRAS VIAGENS ATÉ A CRISE DE GÊNOVA (1287-
1293)
MAPA 1
Mapa da expansão catalã-aragonesa (c. 1300).
In: BONNER, 1989, vol. i, p. xxviii-xxix. No mapa, se vê o Reino de Aragão (com as regiões da catalunha e
valência, bem como suas principais cidades – urgell, barcelona, tarragona e valência). Já o Reino de Maiorca
era constituído por territórios desconectados: Rossilhão (rosselló, com sua importante cidade de Perpignan),
região fronteiriça com a França, Montpellier (com sua escola e universidade de medicina), principal saída do
comércio francês para o Mediterrâneo, e as Ilhas Baleares (Maiorca, Minorca e Ibiza). Em um tom mais escuro,
as áreas com populações que falavam o catalão – COSTA, Ricardo da, e PASTOR, Jordi Pardo. “Ramon Llull e
o diálogo inter-religioso: cristãos, judeus e muçulmanos na cultura ibérica medieval: o Livro do gentio e dos três
sábios (c. 1274) e a Vikuah (c. 1264) de Nahmânides sobre a Disputa de Barcelona de 1263”. In: LEMOS, Maria
Teresa Toribio Brittes e LAURIA, Ronaldo Martins (org.). A integração da diversidade racial e cultural do Novo
Mundo. Rio de janeiro: Uerj, 2004. Disponível em www.ricardocosta.com. Acesso: 07 de maio de 2008.
No período posterior à sua formação, Ramon fez uma série de viagens para
conseguir ajuda para seus propósitos missionários. Em 1287 foi a Roma, com o
intuito de falar com o papa e os cardeais sobre a construção de colégios onde
fossem realizados estudos das línguas orientais e da Arte, o que possibilitaria o
envio de missionários para pregar nas terras dos infiéis.
136
Entretanto, ao chegar à
136 LLINARÈS, A, op. cit., p. 74, nota 42.
50
cidade, soube que o papa acabara de falecer.
137
Ramon então se dirigiu a Paris. Esse foi o primeiro contato com os intelectuais da
universidade parisiense. Ao expor sua Arte, não foi compreendido. Sua palestra foi
um fracasso, muitos caçoaram de sua aula e da sua “maneira arábica de falar”.
138
Decepcionado, Ramon partiu da Universidade ao encontro do rei da França, Felipe,
o Belo (1268-1314)
139
, para quem escreveu e dedicou o Livro das Bestas (1285-
1286).
140
Essa obra foi inserida mais tarde no Livro das Maravilhas (1289).
141
Neste
último livro, Ramon explicou os motivos de sua tentativa de aproximação com o rei
da França:
142
(...) um homem que durante um longo tempo trabalhou para a
utilidade da Igreja Romana veio a Paris e disse ao rei da França e à
Universidade de Paris que fizessem mosteiros onde fossem
ensinadas as línguas daqueles que são infiéis, e que se traduzissem
para essas línguas a Arte Demonstrativa e com ela fosse aos tártaros
e pregassem e lhes ensinasse a Arte; e que levassem alguns deles
para Paris e lhes ensinasse a nossa língua e a nossa escrita antes
que retornassem à sua terra.
Todas estas coisas e muitas outras solicitou este homem ao rei e à
Universidade de Paris, e que fosse confirmada pelo santo apóstolo e
fosse uma obra perdurável.
143
137 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., IV, 18,19, nota 58.
138 Ibid.
139 Filipe IV, Belo, foi rei da França de 1285 a 1314. Pertencia à dinastia dos Capetos e era casado
com Joana I de Navarra. Por isso também era rei de Navarra e conde de Champagne (1284-
1305). Seu codinome deve-se à sua beleza. Felipe se envolveu em diversos conflitos durante seu
governo, por desejar o fortalecimento da monarquia. Entre seus opositores estiveram o papa
Bonifácio VIII e a Ordem do Templo, extinta no Concílio de Vienne. NICHOLAS, David. A
Evolução do Mundo Medieval: Sociedade, Governo e Pensamento na Europa (312-1500). Lisboa:
Publicações Europe-América, 1999, p. 508, 515-517; RUNCIMAN, III, op. cit., p. 349-351, 374-
377, nota 50.
140 RAMON LLULL. Livro das Bestas. São Paulo: Escala, 2006.
141 RAMON LLULL. Fèlix o el Libre de meravelles, op. cit., p. 07-393, nota 59.
142 LLINARÈS, A., op. cit., p. 75, nota 42.
143 “(...) un hom qui long temps havia treballat en la utilitat de l’Esgleia romana, venc a Paris, e dix al
rei de França e a la Universitat de Paris que en Paris fossen fets monestirs on fossen apreses los
lenguatges de aquells qui són infeels, e que hom en aquells lengatges trelladàs la Art
51
Pelas obras escritas nessa época (entre 1287 e 1289), fica claro que Llull tinha como
propósito principal convencer Felipe, o Belo, da necessidade de edificar colégios
onde se desenvolvesse o estudo das línguas orientais em Paris, semelhantes à
Miramar.
144
Não é fácil avaliar as relações de Llull com Felipe IV e seus conselheiros. Por um
lado, Llull dedicou ao rei ummero considerável de obras, algumas das quais com
um elaborado panegírico.
145
Por outro, não nada na propaganda nacionalista
francesa da época que possa ter atraído o filósofo.
Tal como foi demonstrado na Vida, e em outros escritos em geral, ele era pouco
simpático aos juristas que auxiliavam Felipe em seus objetivos monárquicos. Llull
não apoiava a supremacia do poder régio, e sim a soberania papal.
146
Em sua teoria política, Llull enfatizava a posição do papa na cristandade, e colocava
seu cargo como o mais importante. Essa posição a favor do poder pontifício
estava presente nas obras de Hugo de São Vitor (1096-1141)
147
e São Bernardo de
demostrativa; e que ab aquella Art demostrativa hom anar als tartres, e que a aquells preïcàs a la
Art mostras; e que de aquells hom a Paris hagués, e que la nostra letra e lenguatge los mostras,
e que puixes a lur terra lurs trametès. Totes aquestes coses e moltes de altres demanà aquest
hom al rei e la Universitat de Paris, e que fos confermat per lo sant apostoli e fos obra perdurable.
RAMON LLULL. Fèlix o el Libre de meravelles, op. cit., p. 291, nota 59.
144 HILLGARTH, op. cit., p. 77, nota 39.
145 O panegírico é um discurso ou escrito para louvar alguém, neste caso, a pessoa de Felipe, o
Belo.
146 HILLGARTH, op. cit., p. 79, nota 39.
147 Filósofo e teólogo agostiniano, provavelmente nasceu em Hartingam, na Saxônia. É o ilustre
representante da escola da abadia de São Vitor, em Paris. Sua obra foi de grande importância
para a valorização dos novos ensinos, tais como a história, as artes mecânicas, têxteis, a
fabricação de armas, a agricultura, a caça, etc. Suas obras mais conhecidas são: De sacramentis
christianae fidei, Epitome in philosophiam, Commentum (à hierarquia celeste) e Didascalicon, que
é a obra mais completa sobre o saber da época. HUGO DE SÃO VITOR. Didascálicon: da Arte
de Ler. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2001.
52
Claraval (1090-1153)
148
que viveram em uma época de grande prestígio papal.
149
No
entanto, para alguém que teve conhecimento dos fatos ocorridos em Agnani
150
e o
triunfo de Felipe, o Belo contra os templários,
151
é estranho que Llull buscasse o
apoio desse rei e, ao mesmo tempo, defendesse a soberania papal.
Talvez por esse aparente paradoxo Ramon seja visto por alguns como um homem
fora do seu tempo, pois, no final do século XIII, quando o poder papal estava se
enfraquecendo e a monarquia se fortalecia, Llull ainda defendia a supremacia papal
no comando da cristandade.
152
Contudo, nem o rei nem o papa contribuíram para a realização dos seus projetos.
Desiludido, como ele mesmo afirma no Livro das Maravilhas (“Em tristeza e
languidez estava um homem em terra estranha”
153
), fracassado e decepcionado, Llull
retornou para Montpellier ainda no ano de 1289, e decidiu modificar sua Arte para
148 São Bernardo de Claraval nasceu em 1090, e ingressou na ordem Cisterciense em 1113. Teve
grande importância na consolidação da ordem. Em 1130, passou a agir de modo ativo também
na vida da Igreja, auxiliando a resolver situações de crise, como a dúplice eleição papal de
Inocêncio II e Anacleto II, que provocou um cisma que durou oito anos. Em 1140, interveio contra
os erros de Abelardo. Foi também o redator da regra da Ordem do Templo. SAN BERNARDO.
En la Escuela del amor. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, MCMXCIX; BERNARDO DE
CLARAVAL. Elogio de la nueva milicia templaria. Madrid: Ediciones Siruela, 2005.
149 Para a questão da Hierocracia e a Teocracia Régia no século XII, como também a Teoria dos
dois gládios, veja SOUZA, José Antônio de C. R. de (Org.). O reino de Deus e o reino dos
Homens: as relações entre os poderes espiritual e temporal na Baixa Idade Média (da Reforma
Gregoriana a João Quidort). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997, p. 63-71; ULLMANN, op. cit., p. 97-
151, nota 78; COSTA, op. cit., nota 15.
150 A Humilhação de Agnani ocorreu em conseqüência dos conflitos que envolveram o papa
Bonifácio VIII e o rei Felipe, o Belo. Bonifácio, com a bula Clericis laicos (1296), decretou a
excomunhão dos laicos que tributassem os bens da igreja sem o seu consentimento. Em
represália, Filipe proibiu a saída de dinheiro para os estados pontifícios e forçou o clero francês a
apoiá-lo. O papa então publicou a bula Unam sanctam (1302) e, pouco depois, excomungou o rei
francês. Em represália ao papa, o monarca mandou que este fosse aprisionado em Anagni
(1303), sofrendo com essa prisão grande humilhação. Bonifácio só foi liberto por interferência da
população, o que garantiu o seu retorno a Roma, onde morreu pouco depois. GARCIA
VILLOSLADA, op. cit., p. 613-623, nota 49.
151 OLIVIER. O poder temporal do papa, EL 5; CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 621-623, nota 1.
152 HILLGARTH, op. cit., p. 79, nota 39.
153 RAMON LLULL. Fèlix o el Libre de meravelles, op.cit., p. 19, nota 5.
53
simplificá-la e torná-la mais compreensível. Para isso, escreveu outro livro que
chamou de Art de trobar veritat,
154
porque, segundo ele, o intelecto humano não
alcançava a compreensão da forma original da Arte.
155
Ramon ficou em Montpellier até 1290, quando foi para Gênova. entrou em
contato com Ramon de Gaufredi (†1310), mestre geral da ordem franciscana, que
lhe autorizou pregar nos conventos franciscanos da Itália. Nesse momento, Llull teve
seu primeiro contato com os espirituais franciscanos.
156
De Gênova, se dirigiu a Roma para rogar ao papa Nicolau IV (1288-1292)
157
que
criasse colégios para o estudo das línguas orientais e que proclamasse uma nova
cruzada para reconquistar a Terra Santa.
158
Estamos em 1292, um ano após a queda de São João de Acre, o último reino cristão
latino em Ultramar tomado pelos muçulmanos. Movido pela comoção e pela
indignação da cristandade,
159
Ramon escreveu sua primeira obra sobre as cruzadas,
o Livro da Passagem,
160
dedicado ao papa Nicolau IV, que ainda se encontrava
154 Ars compendiosa inveniendo veritatem (c. 1274). MOG I (1721), vii, 1-41 (433-473); Anthony
Bonner i Albert Soler, “La mise em Anthony Bonner i Albert Soler, "La mise en texte de la primera
versió de l'Art: noves formes per a nous continguts", SL 47 (2007), 29-50.
155 O tradutor se equivocou: o título exato desta obra é Ars inventativa veritatis (escrita em 1290 em
Montpellier). Llull se encontrava em Montpellier quando recebeu no dia 26 de outubro de 1289
uma carta de recomendação de Ramon Gaufredi, geral dos franciscanos, que o autorizava a
ensinar a sua Arte nos conventos franciscanos da Itália.
156 BATLLORI, op. cit., p. 19, nota 89; GARDIA-VILLOSLADA, II, op. cit., p. 804-808, nota 49;
BOLTON, B., op. cit, nota 46; FALBEL, Nachmann. Os Espirituais Franciscanos. São Paulo:
Editora Perspectiva, 1995. Para ligação de Llull com os espirituais, ver GAYÀ, op. cit., nota 29.
157 Nicolau IV, (1220-1292), foi o primeiro papa franciscano da Igreja. Sua eleição se deu após um
ano de sede vacante. Uma importante característica de seu pontificado foi a promoção de
missões entre os tártaros e os mongóis. VILLOSLADA, op. cit., p. 545-551, nota 49.
158 BATLLORI, op. cit., p. 17, nota 89.
159 RUNCIMAN,III, op. cit., p. 372, nota 50.
160 Liber de passagio; Llibre de passatge. (1292), Roma. ROL, Tomus XXVIII, 49-52; SL 43 (2003),
127, 147; ATCA 23/24 (2004-5), 546-551; Speculum 80 (2005), 266-8. RAMON LLULL. Liber de
54
abatido e chocado com o fato ocorrido em 1291.
161
Pelas obras escritas entre 1287 e 1289 é possível perceber que Llull ainda não tinha
nenhum interesse em promover uma cruzada. Provavelmente, ele escreveu a
primeira obra de cunho político por causa da perplexidade diante dos fatos de 1291.
Nesse texto e em petições posteriores encaminhadas a Celestino V (1215-1296),
162
Bonifácio VIII (1235-1304) e ao Concílio de Vienne (1311),
163
como também, no Livro
da Passagem (1292), no Livro do Fim (1305) e no Livro da Aquisição da Terra Santa
(1309),
164
Llull sempre harmoniza duas propostas: a missão (espada espiritual) e a
luta armada (espada corporal) para recuperar a Terra Santa.
165
Não obstante, ao menos no início, a cruzada somente era um meio para conseguir o
objetivo que guiava toda a atividade infatigável do projeto de conversão luliano: a
missão entre os infiéis e o diálogo inter-religioso.
A partir de 1292, teve início uma nova fase na vida de Ramon: ele afastou-se da vida
contemplativa e passou para uma vida de ação ligada aos seus projetos
Passagio. In: Liber de sancta Maria in Monte Pessulano anno MCCXC. Corpus christianorum.
Continuatio Mediaevalia CLXXXII. Turnhout: Brepols Publishers, 2003, p. 323-353.
161 VILLOSLADA, II, op. cit., p. 545-547, nota 49; BATLLORI, op. cit., p. 18, nota 89.
162 Celestino V (1215-1296) era um monge beneditino. permaneceu no cargo pontifício durante
alguns meses de 1294.
163 O Concílio de Vienne foi realizado na Catedral de Vienne na França, entre 1311 e 1312. Foi
convocado pelo papa Clemente V para, dentre outras coisas, resolver a questão da supressão da
Ordem dos Templários, e a condenação póstuma do papa Bonifácio VIII por ter excomungado
Felipe, o Belo, rei da França. VILLOSLADA, III, op. cit., p. 26-61, nota 49.
164 RAMON LLULL. Liber de acquisitione Terrae Sanctae. In: Studia Orientalia Christiana. Collectaea
6 (P. Eugene Kamar, OFM). Edizioni del Centro Francescano di Studi Orientali Christiani. Cairo,
1961, p. 103-131. Tradução de Waldemiro Altoé (Ufes), Revisão do Prof. Dr. Josep Serrano i
Daura (Universitat Internacional de Catalunya, Espanha). Notas de Ricardo da Costa (Ufes).
Disponível em: http://www.ricardocosta.com. Acesso: 20 jun. 2006.
165 Ibid.; VILLOSLADA, II, op. cit., p. 545-547, nota 49; BATLLORI, op. cit., p. 18, nota 89.
CARRERA i ARTAU, op. cit., p. 324-326, nota 12.
55
missionários. Suas preocupações agora estavam relacionadas com a situação
política da cristandade. Voltou-se então para a pregação e a missão.
166
Porém, suas
esperanças em relação a Nicolau IV se desfizeram com sua morte precoce.
Em Gênova, Llull decidiu partir para o norte da África para colocar em prática seus
projetos missionários e, se necessário, sofrer o martírio.
167
Nessa mesma cidade
encontrou homens e mulheres leigos dispostos a auxiliarem sua expedição espiritual
e apostólica.
168
Por ser um espírito livre, o maiorquino não estava ligado a nenhuma
ordem religiosa, embora tenha se aproximado dos dominicanos (por sua
racionalidade) e dos franciscanos (por seu misticismo).
Esse contraste interior, a indecisão sobre em qual dessas ordens ingressaria, ligado
ao temor de morte por um possível martírio, causou-lhe a famosa “Crise de Gênova”:
E quando chegou a Gênova, prontamente divulgaram que ele
desejava passar à Beberia; e, de fato, o povo tinha confiança que
Nosso Senhor Deus faria grandes maravilhas pelas mãos dele, como
tinham ouvido que Nosso Senhor lhe inspirara em certa montanha.
E de fato, estando ele neste santo propósito, como houvesse
certa passagem pela Beberia, e o dito reverendo mestre havia
recolhido os seus livros, sobreveio-lhe uma grande tentação, porque
O seu entendimento lhe ditava, assim realmente como se ele o visse,
que incontinenti que ele estivesse na Beberia, sem deixá-lo disputar
nem predicar, os mouros o apedrejariam, ou ao menos meter-lhe-iam
no cárcere perpétuo; de tal coisa teve grande temor o dito reverendo
mestre, assim como, lembrou-se do monsenhor São Pedro; e, de fato,
o dito reverendo mestre, por este temor não se moveu àquela vez,
obrigado por Nosso Senhor, ao qual nesse momento não suportaria.
E como o barco havia partido, tentação contrária reteve o dito
reverendo mestre, considerando que por aquele grande pecado
Nosso Senhor o danaria; e não duvidando que houvesse feito
escândalo ao povo contra a fé, quase se viu em ponto de desespero,
e tinha tanta dor dentro de sua alma, que exalou uma parte para fora
e caiu em uma grande doença, na qual esteve por um grande tempo,
166 BATLLORI, op. cit., p. 18-19, nota 89.
167 Ibid.
168 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., nota 58.
56
e ninguém jamais conseguiu descobrir a causa.
169
Em conseqüência desse dilema espiritual, a Vida descreve a dúvida existencial de
Ramon: em que ordem ele deveria ingressar, a dos dominicanos ou a dos
franciscanos? Doente, permaneceu no convento dos dominicanos, onde teve uma
visão que lhe disse que só se salvaria se ingressasse nessa ordem.
Porém, o maiorquino recordou que seus escritos sempre foram acolhidos pelos
franciscanos. Isso gerou uma grande dúvida em sua mente. Decidiu não ingressar
em ordem alguma, e divulgar a sua Arte. Optou por seu projeto missionário.
170
169 Cumque apud Ianuenses cito divulgatum esset, quod Raimundus iam venerat ad transfretandum
in terram Saracenorum causa convertendi eos ad fidem Christi, si posset, multum aedificatus est
inde populus, sperantes, quod Deus per ipsum aliquod bonum notabile faceret apud ipsos supra
Saracenos. Audiverant enim Ianuenses, ipsum Raimundum post conversionem ipsius ad
poenitentiam recepisse in quodam mente divinitus scienttiam quandam sanctam pro conversione
infidelium. Sed cum Dominus sic Raimundum tanto gáudio populi, quase quodam dilúculo
visitasset, eundem tentatione gravíssima súbito coepit probare. Nam cum ad trasfretandum, sicut
praetangitur, navigium et alia parata fuissent omnia, librique sui in navim cum necessariis aliis
introducti, venit ex quibusdam occasionibus sibi tanquam fixum quid in mente, scilicet quo si ipse
transiret ad Saracenos, illi mox eum in adventu suo trucidarent, vel ad minus carceri perpetuo
maciparent. Quare Raimundus, timens pelli suae, sicut in passione quondam Domini santus
Petrus apostolus, oblitusque sui propositi supra dicti, quo scilicet mori pro Christo statuerat in
convertendo ad cultum eius infideles, Ianuae, quodam detentus inerti timore, remansit; sibi ipsi,
forsitan ne inaniter de se praesumeret, permttente vel dispensante Domino, ínterim derelictus.
Verum recedente iam de Ianua praedicto navigio, Raimundus mox super hoc, quod ipse sic
enormiter remanendo dedisset populo scandalum contra fidem, tantum remorsum passus est
conscientiae, quod ipse in desperationem penitus incidit, aestimando certissime se propter hoc a
Deo fore damnandum. Propter quod tactus est tanto dolore cordis intrinsecus, quod ipse
extrinsecus, id est in corpore febricitando gravissime aegrotaviit. Sicque apud Ianuam languens
diutius, nec alicui causam sui dolores aperiens, fere ad nihilum redatus est. RAMON LLULL. Vida
coetânia, op. cit., IV, 20, p. 284, nota 58.
170 VEGA, op. cit., p. 43, nota 100.
57
1.5. VIAGENS ENTRE A ÁFRICA, A EUROPA E O ORIENTE (1293-
1301)
Superada a crise, Ramon decidiu experimentar na prática seu método de conversão
e partiu para Túnis (1293). Ao desembarcar, Ramon foi procurar os líderes letrados
da religião muçulmana.
171
Iniciou o debate com eles dizendo que se converteria ao
Islamismo caso provassem que a fé cristã era falsa.
172
Os debates promovidos por Ramon chegaram ao conhecimento das autoridades
islâmicas que determinaram sua morte. Porém, um dos membros do conselho
ponderou nas possíveis conseqüências desse ato.
173
Não convinha matar Ramon simplesmente porque ele estava defendendo sua
crença, conforme nos atesta o texto da Vida.
174
Isso possibilitaria que os sarracenos
também fossem mortos ao pregarem em território cristão. Então Ramon foi expulso
de Túnis e regressou para Nápoles.
175
Em 1294, nessa mesma cidade, ele leu sua Arte e assistiu a eleição do papa
Celestino V (1209-1296).
176
Apresentou-se à nova corte pontifícia e novamente pediu
auxílio para a realização dos seus planos de evangelização. Dedicou ao sumo
pontífice o tratado denominado Petitio Raymundi pro conversione infidelium ad
171 RAMON LLULL. Darrer Llibre sobre la conquesta de Terra Santa (Liber de fine) (introd. de Jordi
Gayà y trad. de Pere Llabrés). Barcelona: Facultat de Teologia de Catalunya, 2002, p. 81-82.
Tradução de Ricardo da Costa e Eliane Ventorim. Disponível em:
http://www.ricardocosta.com/textos/livrodofim.htm. Acesso: 20 jan. 2005. Citado a partir de agora
como RAMON LLULL. Livro do fim.
172 RAMON LLULL. Vida coetânia, VI, 26, p. 289-291, op. cit., nota 58.
173 Ibid.
174 RAMON LLULL. Vida coetânia, VII, 28, p. 291-293, op. cit., nota 58.
175 RAMON LLULL. Vida coetânia, VII, 28, p. 291-293, op. cit., nota 58; VEGA, op. cit., p. 44-45, nota
100; BATLLORI, op. cit., p. 21-23, nota 89; COSTA, op. cit., nota 15.
176 Cf. nota 162.
58
Coelestinum V papam,
177
em que expôs basicamente três propósitos:
178
1) a
fundação de colégios para o ensino das línguas orientais, 2) a conquista da Terra
Santa e 3) a unificação das ordens militares sob o comando de um único mestre.
179
Porém, com a abdicação daquele papa, em dezembro de 1294, mais uma vez seus
planos foram frustrados. Todos os cristãos esperavam que Celestino fosse realizar
uma reforma moral na Igreja.
180
Contudo, ao contrário de sua força espiritual, o
pontífice não possuía grande capacidade administrativa para lidar com os monarcas
da época e com os negócios da corte pontifícia.
181
Um novo papa foi eleito em 1294, Bonifácio VIII (1294-1303).
182
Ramon teve novo
ânimo com essa eleição, e acompanhou a corte papal de Nápoles até Roma,
quando apresentou uma nova petição, a Petitio pro conversione infidelium,
183
onde
se encontram propostas semelhantes ao tratado anterior.
Bonifácio era um homem experiente nos negócios da cúria papal, conhecedor do
direito romano e do direito canônico.
184
Era inimigo dos espirituais franciscanos (por
177 RAMON LLULL. Petició a Celestí V; Petitio Raymundi pro con versione in fidelium ad
Coelestinum V papam. (1294), Nápoles. ROL 57. Ed. Perarnau em ATCA 1 (1982), 9-46. Latim.
Trad. Salzinger, 3 eds.: (1) MOG II (1722), 174-5 = Int. iv, 50-1; (2) Pasqual, Vindiciae I (1778),
207-8; (3) Go 3 (1906).
178 RUBIÓ I BALAGUER, Jordi. Ramon Llull i el lul.lisme. Barcelona: Publicacions de l’abadia de
Montserrat, 1985, p. 39.
179 COSTA, Ricardo da. Ramón Llull y la Orden del Templo (Siglos XIII-XIV). Universitat
Internacional de Catalunya, 2003-2004. Tese de pós-doutorado gentilmente cedida pelo autor.
180 DUFFY, Eamon. Santos & Pecadores. História dos papas. São Paulo: Cosac & Naif, 1998, p.
119.
181 VILLOSLADA, II, op. cit., p. 552-556, nota 49.
182 Cf. nota 150.
183 Petitio Raymundi pro conversione infidelium ad Bonifacium VIIl papam. (1295), Roma/Anagni.
ROL 63. Ed. Longpré in La France Franciscaine 18 (1935), 145-9; (2) ed Wieruszowski in ML
(1935), pp. 410-19 ( = EF 47, 1935, 100-3); (3) em A. S. Atiya, The Crusade in the Later Middle
Ages (Londres, 1938), pp. 487-9.
184 “O direito canônico é o da Igreja Católica, da comunidade de crentes. A sua influência sobre o
59
suas propostas reformistas e anti-hierárquicas). Essa antipatia com os espirituais
pode ter auxiliado a recusa de Bonifácio aos pedidos de Llull.
185
Quando percebeu que o papa não o atenderia, partiu para Gênova. Tudo isso
causou um estado de profundo desapontamento e depressão. Diante do fracasso de
todo seu trabalho pela honra de Cristo, ele caiu em profundo estado de
melancolia.
186
Dar-se-ia nesse momento sua segunda crise. O filósofo escreveu o Desconsolo
(1295)
187
para manifestar toda a sua desolação. Nessa obra, ele lamenta por seu
fracasso:
III
Quando me pus a considerar do mundo o seu estado, 25
quão poucos são os cristãos e como muitos Lhe descrêem,
então, em meu coração tive tal concepção
que fosse a prelados e a reis, igualmente,
e a religiosos, com tal ordenamento,
para que ocorresse a Passagem
188
, e com tal pregação 30
que com ferro e fogo, e verdadeira argumentação,
direito laico da Europa ocidental é considerável, por diversas razões: universalismo cristão da
Idade Média; o mundo medieval no Ocidente é um mundo cristão; o carácter escrito do direito
canônico; este é, na Europa ocidental, o único direito escrito entre o fim do séc. IX e o séc. XIII;
a atribuição aos tribunais eclesiásticos da competência exclusiva em numerosos domínios da
área do direito privado, tais como o casamento e o divórcio”. GILISSEN, John. Introdução
Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Culbenkian, 2003, p. 17.
185 Os espirituais (ou rigoristas) franciscanos formavam uma corrente de hábitos estritos dentro da
ordem franciscana. Afirmavam que a Regra e o Testamento de São Francisco deveriam ser
seguidos em todo o seu rigor, sem interpretações, mesmo que essas fossem feitas pelo papa.
Tinham que levar uma vida de autêntica pobreza, mendigando o sustento a cada dia, vestindo os
hábitos mais pobres, até mesmo se, para isso, tivessem que desobedecer aos superiores da sua
comunidade. VILLOSLADA, vol. III, op. cit., p. 71-75, nota 49.
186 LAUAND, Jean. O pecado capital da acídia na análise de Tomás de Aquino. Conferência
proferida no Seminário Internacional Ao Pecados Capitais na Idade Média”,
http://www.pecapi.com.br/ - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, setembro de 2004.
Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur28/ljacidia.htm; Acesso: 25 de março de 2005.
187 RAMON LLULL. Desconhort. (1295), Roma. ROL 64; ORL XIX (1936), 217-54; OE, vol. I, 1959,
p. 1308-1328.
188 Na Idade Média não existia o termo “Cruzada”; os textos citam “Passagem” (com o sentido de
peregrinação, caminho com ascensão espiritual, elevação). Trataremos desse ponto mais
adiante.
60
se desse à nossa fé tão grande exaltação
que os infiéis viessem à conversão.
E isso tenho tratado, verdadeiramente, há trinta anos,
mas não obtive nada, pelo que estou doente
189
, 35
tanto, que choro freqüentemente, e estou em languidez.
IV
Enquanto estava assim, em tristeza,
considerando freqüentemente a grande desonra
que Deus recebe do mundo por falta de amor.
como um homem irado, que foge do mal senhor, 40
fui a um bosque, onde estive em pranto,
tão fortemente desconsolado, que o coração estava em dor.
Mas como chorava, então sentia doçura,
e a Deus falava fazendo-Lhe clamor,
como tão pouco escuta o justo e o pecador 45
quando Lhe adoram e crêem tratar Sua honra,
pois se lhes desse mais ajuda e fervor,
todos converteriam o mundo ao Seu valor.
190
Recuperado da crise, Ramon esteve novamente em Paris, entre 1297 e 1299, onde
realizou uma segunda leitura pública de sua Arte. Durante esses anos, ele também
189 “Estou doente” – Doente de paixão, de sofrimento.
190
III. Can pris a consirar del mon son estament, (25)
com paucs son cristians e molt li desereent,
adoncs en mon coratge ac tal concebiment:
que anas a prelats e a reys, exament,
e a religioses, per tal ordenament,
que se·n seguis passatge e tal preicament, (30)
que ab ferre e fust e ab ver argument
se donas de nostra fe tan gran exalsament,
que·ls infeels venguessen a convertiment.
Es eu ayso tractan, .xxx. ans ha verament,
no u ay pogut obtenir; per que n’estay dolent
tant, que·n plore soven e·n son en languiment. (35)
IV. Dementre que en axi estava en tristor,
e consirava soven la gran desonor
que Deus pren en lo mon per sofraxa d’amor,
con a home irat que fuyg a mal seynor, (40)
me n’ane en un boscatge, on estava en plor,
tant fort desconortat, que·l cor n’era ’n dolor;
mas per so car plorava, hi sentia dolsor,
e car a Deu parlava, feent a el clamor
car tant pauc exoex li iust e·l peccador, (45)
adoncs [c]om lo requiren en tractar sa honor;
car si mays los donava d’aiuda e favor,
pus tost convertirien lo mon a sa valor.
Texto catalão disponível em: http://www.rialc.unina.it/89.6.htm. Acesso: 25 de fevereiro de 2008.
Trad.: Profa. Tatyana Nunes Lemos e Prof. Dr. Ricardo da Costa (Ufes), com base em duas
edições: a de Josep Batalla (RAMON LLULL. Lo Desconhort. Cant de Ramon. Barcelona:
Obrador Edèndum, 2004), e RAMON LLULL. Obres Selectes I [OE]. Barcelona: Editorial
Selecta, 1957, p. 1308-1328.
61
concluiu obras de grande importância, como a Árvore da Ciência (1295-1296)
191
obra enciclopédica dedicada a Felipe, o Belo e a Árvore da Filosofia do Amor
(1298),
192
dedicada à rainha Joana I de Navarra (†1305).
193
Em outubro de 1299, Ramon havia saído da França. Estava então em Barcelona,
onde recebeu do rei Jaime II de Aragão permissão para pregar nas sinagogas e nas
mesquitas dos seus domínios.
194
Entre 1300 e 1301, depois de anos longe de sua terra natal, Ramon voltou para
Maiorca. Ao ver o colégio de Miramar abandonado, escreveu um dos seus poemas
mais comoventes, o Canto de Ramon (1300):
195
Sou um homem velho, pobre, menosprezado,
não tenho ajuda de nenhum homem nascido,
mas comecei um grande feito. 45
Grande coisa do mundo tenho buscado,
191 Arbre de ciència; Arbor scientiae. (29 set. 1295 a 1 abr. 1296), Roma. Raimundi Lulli Opera
latina, Tomi XXIV-XXVI, 65, Arbor scientiae. Romae in festo sancti Michaelis archangeli anno
MCCXCV incepta, in ipsa urbe Kalendis Aprilibus anni MCCXCVI ad finem perducta, ed. Pere
Villalba Varneda, "Corpus Christianorum, Continuatio Mediaevalis" CLXXX A-C (Turnhout:
Brepols, 2000), 188* + 1434 p.; SL 41 (2001), 119, 131-2; Speculum 77 (2002), 1342-6; ATCA 21
(2002), 765-6; Pere Villalba i Varneda "Ramon Llull: Arbor scientiae [1295-1296]" Boletín de la
Real Academia de Buenas Letras de Barcelona 48 (2002), pp. 607-625.
192 Arbre de filosofía d'amor; Arbor philosophiae amoris. (Out. 1298), París. ROL 77; ORL XVIII
(1935), 67-227; (3) OE II (1960), 9-84; (4) ed. G. Schib, ENC (1980).
193 Joana I de Navarra (1271-1305) foi rainha da Navarra, condessa de Champagne desde 1274, e
rainha consorte de Filipe IV de França de 1284 até sua morte. Era filha do rei Henrique I de
Navarra e de Branca de Artois. Aos 13 anos de idade, casou-se com o príncipe herdeiro da
França, Filipe o Belo. No ano seguinte Filipe III de França morreu, Filipe IV subiu ao trono, e
Joana foi coroada rainha consorte de França. Joana era uma mulher de grande inteligência e
vivacidade, amante das artes e letras, tendo fundado a Universidade de Navarra. Em 1304,
adoeceu e transferiu seu título ao primogênito, Luís I de Navarra, de quinze anos. Este casou no
mesmo ano com Margarida, filha de Roberto II, duque da Borgonha. Segundo outras versões, foi
seu esposo quem continuou como rei de Navarra. Luís governou depois da morte do pai em
1314, quando subiu também ao trono da França como Luís X de França. Disponível em:
http://www.genealogics.org/getperson.php?personID=I00001691&tree=LEO. Acesso: 20 de maio
de 2008
194 HILLGARTH, op. cit., p. 76, nota 39; CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 249, nota 1; COSTA, op.
cit., nota 179.
195 RAMON LLULL. Cant de Ramon. (1300) Maiorca: ROL 79; ORL XIX (1936), 255-60; OE I (1957),
1301-1302.
62
ótimo exemplo tenho dado,
mas sou pouco conhecido e amado.
Desejo morrer em um pélago de amor
Por ser grande não tenho pavor 50
nem de mau príncipe, nem de mau pastor.
Todos os dias considero a desonra
que faz a Deus o grande senhor,
ao colocar o mundo em error.
Peço a Deus que envie mensageiros 55
devotos, cientes e verdadeiros
para conhecer que Deus se fez homem.
A Virgem, onde Deus se fez homem
e todos os santos a Ela submetidos.
Peço que no Inferno não seja colocado. 60
196
196 Son hom veyl, paubre, meyspreat,
no ay ajuda d’home nat
e ay trop gran fait emparat. (45)
Grans res ai de lo mon cercat,
mant bon exempli hai donat:
poc son conegut e amat.
Vuyl morir en pelec d’amor.
Per esser gran non ay paor (50)
de mal princep ne mal pastor.
Tots jorns consir la desonor
que fan a Deu li gran senyor
qui meten lo mon en error.
Prec Deus trameta missatgers (55)
devots, sciens e vertaders
a conexer que Deus hom es.
La Verge on Deus hom se fes
e tots los sants d’ela sotsmes
prec qu’en infern no sia mes. (60)
Texto catalão disponível em: http://www.rialc.unina.it/89.6.htm. Acesso: 25 de fevereiro de 2008.
RAMÓN LLULL. Cant de Ramon. In: OE, vol. I, vv. 43-60, p. 1302. Trad.: Profa. Tatyana Nunes
Lemos e Prof. Dr. Ricardo da Costa (Ufes).
63
1.6. NOVAS VIAGENS (1300-1309)
Um novo ardor missionário tomou conta do “procurador dos infiéis”, e fez com que
ele escrevesse muito durante esses anos, mesmo que estivesse sempre viajando.
Quando recebeu a notícia que o Ghazan (ou Kassan) da Pérsia (1271-1304)
197
havia
tomado o território da Síria das mãos dos muçulmanos, Ramon embarcou
imediatamente para Chipre, ao chegar ao seu destino, constatou que a boa nova era
falsa.
198
Para não perder a viagem, pediu ao rei do Chipre permissão para pregar entre os
infiéis e entre os cismáticos da ilha, e que o rei os obrigasse a disputar com ele. De
sua parte, Ramon se comprometia a continuar o processo de evangelização e
converter o sultão da Babilônia e os reis da Síria e do Egito. A negativa real não
impediu o maiorquino de realizar sua pregação na ilha. Afinal, essa era uma
excelente oportunidade para colocar em prática o seu método de conversão, a
Arte.
199
Em ação, Ramon caiu gravemente enfermo. Ao descobrir que fora envenenado pelo
clérigo e pelo camareiro que o acompanhavam, fugiu ainda convalescente para
Famagusta.
200
Ali foi hospedado e muito bem assistido pelo mestre dos templários,
197 O da Pérsia era um aliado em potencial para os cristãos, que as embaixadas enviadas ao
Ocidente por Ilcã Arghun não obtiveram resposta. Assim, em 1295, logo após a morte Arghun, o
Ilcã Ghazan adotou o Islamismo como religião do ilcanato, mesmo mantendo-se amigo dos
cristãos e tendo ódio dos egípcios e turcos. RUNCIMAN, III, op. cit., p. 372, nota 50.
VILLOSLADA, II, op. cit., p. 549, nota 49.
198 VEGA, op. cit., p. 47, nota 100; VILLOSLADA, II, op. cit., p. 549, nota 49; BONNER, Antoni.
Ambient Històric i Vida, OS, vol. I, p. 39.
199 RAMON LLULL. Vida coetânia, VIII, 34, op. cit., p. 295-296, nota 58.
200 RAMON LLULL. Vida coetânia, VIII, 34, op. cit., p. 295-296, nota 58.
64
Jacques de Molay (c. 1243/ 1250-1314).
201
Uma vez restabelecido, viajou para a Armênia, e de foi para Chipre, depois para
Malta e, em 1302, regressou a Maiorca. No ano seguinte, foi para Montpellier,
passou por Gênova, e voltou para Montpellier, sem nunca deixar de escrever. Sua
produção nesse período é frenética. Nessa última cidade, publicou o Livro do Fim
(1305),
202
no qual expressou de forma detalhada seus planos político-missionários
de unificação da cristandade e conversão dos infiéis.
203
Naquela mesma cidade, assistiu a uma conferência do papa Clemente V (1264-
1314), que acabava de ser eleito, para quem dedicou a obra supracitada. Mais uma
vez, Ramon acreditou que o novo papa realizaria seus projetos. Depois de uma
breve estada em Barcelona, Llull foi para Lion, para onde se dirigia a corte papal.
Novamente, nem o papa, nem os cardeais deram atenção às suas idéias.
204
Por causa do pouco caso feito aos seus pedidos, Ramon deixou a corte pontifícia
em direção a Paris. Ali permaneceu por pouco tempo, pois logo depois foi para Pisa
com o objetivo de passar à Beberia. Sem encontrar nenhuma embarcação para esse
destino, Ramon voltou para Maiorca em 1307.
201 RAMON LLULL. Vida coetânea, VIII, 35, op. cit., p. 530, nota 58; CARRERAS I AUTAU, op. cit, p.
249, nota 1.
202 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.111, nota 171.
203 CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 205, nota 1.
204 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 58; CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 250,
nota 1.
65
Dali partiu então para Bugia, e assim que pisou em terra firme, começou a pregar
em praça pública a católica e apontar os erros dos infiéis.
205
Provocou a ira dos
muçulmanos e, ao falar mal do profeta Maomé,
206
foi preso. Ao longo do caminho até
a prisão foi atacado, apedrejado e teve parte da sua barba arrancada, quando a
população quase o matou.
207
O caide da cidade conseguiu livrá-lo da morte. No entanto, o condenaram a uma
punição tão severa que praticamente o mataria.
208
Por intervenção de alguns catalães e genoveses, foi conseguido o abrandamento do
rigor do cárcere. Os muçulmanos modificaram o tratamento cruel pelo desejo de
convertê-lo. Ofereceram-lhe mulheres, honras e riquezas, mas nada conseguiu
desviá-lo de sua crença.
209
205 RAMON LLULL, Vida Coetânea, IX, 41, op. cit., p. 300-301, nota 58.
206 CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 250, nota 1.
207 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 39, nota 58; COSTA, op. cit., nota 15.
208 Caide – do árabe kaid, chefe entre os mouros. COSTA, op. cit., nota 15.
209 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 40, nota 58.
66
FIGURA 2
A imagem acima ilustra a segunda viagem de Ramon Llull para uma região da África, nesse caso, Bugia.
Iluminura V do Breviculum. Badische Landesbibliothek de Karlsruhe, St. Peter, pergaminho (detalhe).
Raimundus Lullus Ikonographie. Disponível em: http://www.ub.uni-freiburg.de/referate/04/lullus-
ikonographie.htm, Acesso: 23 de jan. 2007.
Então, Ramon conseguiu convencer os sarracenos a disputarem com ele. Propôs
que cada um compusesse um livro dos seus diálogos e da defesa da sua própria
fé.
210
Na prisão, começou a escrever a Disputa de Ramon, o cristão e Homar, o
Sarraceno,
211
livro que só foi publicado na versão latina anos depois.
212
Como os sábios do Islã, segundo Llull, não conseguiam provar os erros da fé cristã e
a verdade do Islamismo, o rei de Bugia decretou a expulsão de Ramon, sob pena de
210 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 58.
211 Cf. nota 58.
212 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 40-41, nota 58.
67
morte caso ele tentasse permanecer ou regressar. Por isso, Ramon teve que deixar
a cidade com sua obra inacabada.
213
O filósofo embarcou para Gênova, mas o barco em que estava foi tomado por uma
enorme tempestade. A embarcação foi lançada contra o litoral de Pisa. Somente
sobreviveram Ramon e um marujo. Com esse trágico acontecimento, todos os livros
que ele transportava se perderam.
214
Em Pisa, foi recebido com grandes honras, e um rico cidadão lhe hospedou em sua
casa.
215
Nessa cidade viveu retirado no convento de São Domingo de 1307 a
1308.
216
Compôs novas obras e tentou organizar uma cruzada para conquistar a
Terra Santa. Com esses propósitos, conseguiu obter do governo daquela república
recomendações para o papa e os cardeais.
217
Saiu muito animado de Pisa para a
corte pontifícia.
Ao passar por Gênova, Llull recebeu também uma oferenda de trinta mil florins de
algumas damas da cidade para financiar sua viagem.
218
De foi para Montpellier,
sem nunca parar de escrever.
213 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 58; CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 251,
nota 1.
214 Ibid.
215 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 58.
216 Ibid.
217 CARRERAS i AUTAU, op. cit, p. 251, nota 1.
218 Gênova foi um lugar de destaque no que se refere à produção de textos de propaganda em favor
das cruzadas. Em 1295, o genovês Galvano de Levanto redigiu uma obra sobre o tema que ficou
bastante conhecida, pois influenciou a pregação de Felipe Busseri que, por sua vez, despertou
em algumas nobres genovesas o desejo de financiar uma cruzada. Para Fernando Dominguez
Reboiras, grande possibilidade de que sejam as mesmas “senhoras devotas” que doaram
dinheiro para auxiliar Llull em seus projetos missionários. COSTA, op. cit, nota 172;
DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., p. 286-287, nota 41.
68
Nesta cidade, publicou em 1309 o Livro da Aquisição da Terra Santa, que
apresentou ao papa Clemente V.
219
No entanto, mais uma vez, seus desejos foram
frustrados. Como último fôlego de esperança, seguiu para Paris.
220
1.7. OS ANOS DERRADEIROS (1310-1316)
Essa derradeira viagem para a França (1310-1311) foi a que teve os melhores
resultados. De Avignon, Ramon se dirigiu para Paris, onde expôs publicamente sua
Arte. Dessa vez Llull teve um público maior e muitos aprovaram aquela “santa
ciência e doutrina”,
221
como autêntica para os argumentos filosóficos e os princípios
da Teologia.
Mesmo que alguns mestres de Paris sustentassem que a católica não podia ser
provada, para opor-se e demonstrar que essa opinião era errada, ele compôs várias
obras, seus escritos anti-averroístas.
222
O averroísmo deixou marcas profundas em Paris. Influenciou sobremaneira os
membros da Universidade. Llull, com sua pena em ação, provocou uma verdadeira
cruzada contra o averroísmo.
223
Nesse aspecto de sua doutrina, ele obteve
sucesso.
224
219 RAMON LLULL. Liber de acquisitione Terrae Sanctae, op. cit., nota 161.
220 COSTA, op. cit, nota 172; DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., p. 286-287, nota 43; DOMÍNGUEZ
REBOIRAS, op. cit., nota 2.
221 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 58.
222 RAMON LLULL. Vida coetânia, op. cit., VIII, 35, nota 58; CARRERAS I ARTAU, op. cit, p. 251,
nota 1.
69
No final do livro De natali Parvuli Pueri Jesu,
225
Ramon pede a Felipe IV, a quem
dedicou à obra que:
1) Fosse o guardião da cristã e banisse da Universidade de Paris as idéias
averroístas;
226
2) Fundasse em Paris e em outros lugares do mundo colégios onde se
aprendessem os idiomas dos infiéis;
3) Que, de todas as ordens militares, fosse feita uma só, para que houvesse um
só rebanho e um só Pastor, e que esta recuperasse a Terra Santa do domínio
dos infiéis, tudo isso pela honra do Divino Menino Jesus.
227
De acordo com um documento datado de 1310, quarenta mestres e bacharéis da
Universidade de Paris aprovaram a doutrina de Ramon Llull. Por outro documento,
de dois de agosto de 1310, Ramon conseguiu do rei da França cartas de
recomendação para pregar em todos os territórios da cristandade, especialmente,
para os seus súditos.
Segundo um terceiro documento, de nove de setembro de 1311, Francisco de
Nápoles, chanceler da Universidade, por ordem do rei examinou várias obras de Llull
223 O Averroísmo era uma tendência filosófica da escolástica do final do século XIII: a interpretação
de Aristóteles feita pelo filósofo árabe Averróis (1126-1198) e a tentativa de conciliar essa
interpretação com o Islã. As principais idéias do averroísmo eram: existe somente uma verdade,
porém, ao menos duas maneiras de alcançá-las, através da filosofia e da religião; o mundo é
eterno; a alma se divide em duas partes (individual e divina); a alma individual não é eterna e
todos os homens participam da essência divina. SARANYANA, op. cit., p. 235-245, nota 26;
AVERRÓIS. Discurso decisivo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
224 HILLGARTH, op. cit., p. 80-82, nota 89.
225 Liber natalis pueri parvuli Christi Jesu. (Janeiro 1311), Paris. ROL, Tomus VII, 168-177, Parisiis
anno MCCCXI composita, ed. Hermogenes Harada, "Corpus Christianorum, Continuatio
Mediaevalis" XXXII (Turnholt (Bèlgica), 1975).
226 Neste momento de sua vida, Llull debatia com os doutores de Paris envolvidos pelas opiniões e
obras de Averróis. Seu desejo nessa cruzada contra o averroísmo era que este pensamento
fosse eliminado da Universidade de Paris, e que ninguém mais lesse, citasse ou o comentasse.
Llull considerava vergonhoso para os cristãos, principalmente os mestres de Paris, a afirmação
de que a cristã não pode ser explicada racionalmente. Sobre o anti-averroísmo luliano
consultar, COSTA, op. cit., p. 107-133, nota 69.
227 RAIMUNDO LÚLIO, op. cit., p. 115-117, nota 38.
70
e considerou-as corretas com relação à católica, cheias de zelo e retidão, bem
escritas com o propósito de promover a fé cristã.
228
Convocado pelo papa Clemente V para participar do Concílio do Vienne (1311), Llull
viu reacender em seu espírito um jovial fervor, e pôs-se a caminho daquela
cidade.
229
O resultado não foi totalmente o esperado.
Ao final do Concílio, em 1312, Llull partiu para Montpellier, de onde regressou para
Maiorca. Em sua terra natal, mesmo sendo um homem de idade avançada, estava
sempre a escrever novas obras para a conversão dos infiéis e a difusão de suas
idéias.
230
Em 16 de abril de 1313, fez seu Testamentum Raymundi Lulli, onde
manifestou o desejo de que fossem feitas cópias das suas obras e indicou o lugar
onde deveriam ser depositadas.
231
De Maiorca embarcou rumo a Messina. Sem descanso, continuou escrevendo, em
plena navegação. Permaneceu em Messina um ano e se entregou ao projeto de
conversão de judeus e sarracenos, uma vez que, contava com apoio e proteção do
rei daquela região.
232
Ali escreveu vários opúsculos. Depois, regressou para Maiorca,
onde ficou até 1314, com o propósito de ir novamente para a terra dos sarracenos.
Ramon aproveitou a circunstância favorável do recente tratado de paz e concórdia
entre os reis de Maiorca e Bugia e embarcou para Túnis em 1314.
233
228 CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 252, nota 1.
229 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 58.
230 CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 254, nota 1.
231 Testamentum Raymundi. (26 Abril 1313), Maiorca. Raimundi Lulli Opera Latina, Tomus XVIII,
208-212, in Civitate Maioricensi anno MCCCXIII composita, ed. Abraham Soria Flores, Fernando
Domínguez i Michel Senellart, "Corpus Christianorum, Continuatio Mediaevalis" LXXX (Turnholt:
Brepols, 1991), xxxii + 274 pp.
232 RAMON LLULL, Vida Coetânea, op. cit., IX, 41, nota 62.
233 CARRERAS I ARTAU, op. cit, p. 254, nota 1.
71
Essa foi sua última viagem e teve circunstâncias distintas das de 1292. O sultão
necessitava de aliados para defender seu território, e expressou o desejo de se
converter ao cristianismo. Para isso, iniciou contatos com os reis da Sicília e de
Aragão. Os catalães mantinham relações comerciais e diplomáticas com Túnis e,
provavelmente, auxiliaram o sultão a usurpar o trono dos abássidas.
234
Em Túnis, Ramon passou a exercer um tipo de função de embaixada. Isso lhe deu
tranqüilidade durante a permanência na região. Naquela cidade, Ramon redigiu
várias obras. Em 1315, ainda possuía fôlego para escrever. Nesse ano, ele enviou
uma carta para Jaime II de Aragão, na qual pedia ao rei que mandasse para Túnis
um discípulo seu para traduzir algumas obras do catalão para o latim, em especial a
Ars consili.
235
Essa informação nos mostra que, mesmo em seus derradeiros dias de vida, ele
continuou fiel aos seus propósitos. Suas últimas obras datam de 1315, todas
redigidas em Túnis. Depois desse ano, o temos mais notícias suas. Ramon Llull,
provavelmente morreu em 1316, durante a viagem em que retornava para Maiorca.
Depois de sua morte, restaram as lendas, as obras, e os projetos missionários. Para
difundir esse aspecto peculiar dos escritos político-apologéticos lulianos,
analisaremos a partir de agora o Livro do Fim.
234 BONNER, op. cit., p. 52, nota 198.
235 Ars consilii. (Jul. 1315), Tunes; ROL, Tomus II, 240-250, Opera Messanensia; 251-280, Opera
Tuniciana, ed. Johannes Stöhr, (Palma de Mallorca, 1960).
72
2. APOLOGÉTICA E MISSÃO NO LIVRO DO FIM (1305)
No Livro do Fim, o filósofo desenvolveu seus propósitos apologético-missionários e
descreveu de forma detalhada seus planos estratégico-militares para que o exército
do rei guerreiro (bellator rex) pudesse recuperar os territórios cristãos ocupados
pelos muçulmanos.
236
Além disso, Ramon descreveu como deveria ser realizada a reforma da cristandade
que, ao longo dos séculos, havia se corrompido, afastando-se dos ideais de
pregação e conversão do cristianismo primitivo, atividade iniciada pelo próprio Cristo
e abraçada após a sua morte pelos apóstolos.
237
Essa corrupção dos atos e costumes e esse relaxamento com os princípios de
conduta cristã causaram o afastamento de muitos cristãos da primeira intenção,
conceituada por Llull como o dever máximo de todo cristão: conhecer, amar e honrar
Deus.
238
236 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 93-97, nota 117.
237 COSTA, op. cit., nota 179.
238 A teoria luliana da primeira e segunda intenção é utilizada com uma finalidade moral. Primeiro, ou
seja, pela primeira intenção, o homem deve buscar compreender, lembrar e amar a Deus.
Todos os outros prazeres corporais e mundanos deviam ser uma conseqüência da primeira
intenção. Então, em segundo lugar, pela segunda intenção, os homens poderiam desfrutar dos
bens materiais, que devem ser amados pela primeira intenção. Logo no início do Livro da
Intenção, Llull faz uma analogia com o escrivão que faz o livro:
2. Filho, essa intenção da qual tens necessidade é dividida em duas maneiras, isto é, a
primeira intenção e a segunda. A primeira é melhor e mais nobre que a segunda porque é mais
útil e mais necessária; a primeira é o princípio da segunda, e a segunda é movida pela primeira
de tal maneira que a segunda é instrumento e aparelho para que a primeira intenção tenha o que
lhe convém de acordo com seu cumprimento. 3. Filho, convém exemplificar ambas as intenções
para que possas ter conhecimento. E como eu trabalho para tua utilidade, trabalha tu para
entenderes isto que te mostro a respeito da intenção, e lembra e relembra estas palavras para
que muitas vezes lembres, ames e tenhas a intenção em teu conhecimento. 4. Filho, se tu
desejas fazer um livro com algum escrivão, deves ter a primeira intenção para fazeres o livro e a
segunda para dares dinheiro àquele homem que faz o livro. E como amas mais o livro que o
73
O Livro do Fim era, portanto, uma espécie de manual de apologética cristã, porém
com características particulares: serviria para que os cristãos reconquistassem não
sua pureza religiosa e espiritual, mas também disseminar o credo latino entre
cismáticos, infiéis e pagãos. Dessa forma, a obra se insere na literatura político-
apologética, estilo desenvolvido entre os culos XI ao XIII e que visava provar a
verdade do credo cristão latino.
Antes de iniciar a análise do Livro do Fim, faz-se necessário definir os conceitos de
passagem, cruzada e missão, de acordo com nossa intenção de trabalhar com uma
história conceitual, conforme dissemos anteriormente. Durante os séculos XII e XIV,
período em que ocorreu o movimento de expansão da cristandade para Ultramar, as
expressões utilizadas na época para designar aquilo que hoje denominamos
“cruzado” e “cruzada” eram peregrinus (para cruzado) e peregrinatio, iter (percurso),
via (rota), passagium (caminho por mar), “santa passagem”, “santa viagem”, todas
palavras para definir a cruzada.
dinheiro que dás, o livro é a primeira intenção e o dinheiro a segunda. E o escrivão faz o contrário
disso, pois ama mais o dinheiro que recebe pelo trabalho que o livro que faz, pois se amasse
mais o livro que o dinheiro não daria o livro pelo dinheiro.” RAMON LLULL. O Livro da Intenção
(c. 1283), I, 2-4. ORL, Palma de Mallorca, 1935, vol. XVIII, p. 03-66 (Trad: Ricardo da Costa e
Grupo de Estudos Medievais da UFES III. Rev. Final: Alexander Fidora [Goethe-Universität
Frankfurt]. Disponível em: www.ricardocosta.com/grupos/intencao.htm. Acesso: 27 mar. 2005.
Ao utilizar como metodologia de análise ahistória dos conceitos como afirma Marc Bloch,
“o historiador, se não tem o fetichismo da etimologia (...), se dedicará ao estudo dos sentidos, à
“semântica histórica”, cujo renascimento hoje é preciso buscar”. BLOCH, op.cit., p. 30-31, nota
31. Para uma maior compreensão desse campo metodológico ligado à filosofia política, cf.
JASMIN, Marcelo Gantus e JÚNIOR, João Feres. História dos conceitos: debates e perspectivas.
Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio: Edições Loyola: IUPERJ, 2006.
74
Ou seja, a “cruzada” era entendida como uma peregrinação,
239
uma peregrinação
armada, algo bem distinto e muito mais complexo e transcendental que o de um
simples exército organizado para uma guerra.
No século XIII, passou também a significar auxilium e succursum, com a noção de
defender e manter o Reino de Jerusalém sob a posse dos cristãos.
O conceito de passagem (passagio) evoluiu ao longo dos dois séculos em que os
cristãos tentaram reconquistar a Terra Santa. Quando foi utilizado por Llull, tinha o
significado de expedição armada que se dirigia ao Oriente Próximo. O filósofo se
vale da palavra passagem (como se verá, por exemplo, no poema Desconsolo)
como sinônimo gládio corporal em oposição ao gládio espiritual mas sem nunca
deixar de lado a amplitude da transcendência da peregrinação espiritual, sempre
com vistas à elevação da alma em direção à Jerusalém Celeste.
A idéia de missão pregada por Llull também é fundamental para entender suas
relações políticas com reis e papas, seus projetos de cristianização dos cismáticos e
a conversão dos infiéis. A missão tem o significado de pregação ou diálogo pacífico
com os infiéis, no intuito de convertê-los ao cristianismo, conceito que tem como
sinônimo a cruzada ou o gládio espiritual.
240
239 Originalmente, a palavra peregrinação tinha o sentido de visitare loca sacra ou peregrinatio
sacra, que era a visita aos lugares sagrados, principalmente Roma, Santiago de Compostela e
Jerusalém, uma idéia que vem do período romano com um sentido profano de “estrangeiro”,
“aquele que está fora da sua pátria”. O cristianismo deu uma dimensão espiritual ao termo, de
que todo fiel era um peregrino, um exilado (um homo viator) que está provisoriamente em terra
estrangeira, em sua vida terrena, e que encontrará a sua verdadeira pátria na outra vida,
como cidadão do céu. FERNANDEZ, op.cit., p. 317-324, nota 47. Cf. ZUMTHOR, op.cit., p. 179-
193, nota 51.
240 DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., p. 258, nota 2. Sobre o tema da passagem, destaco algumas
obras de grande valor para uma visão geral sobre o assunto: a introdução do Liber de passagio
75
Portanto, nos valeremos da palavra “cruzada” ao invés de “passagem” por pura
convenção histórica da mesma forma como quando utilizamos a pejorativa
expressão renascentista “Idade Média” que na época o termo inexistia, além de
não possuir etimologicamente a pluralidade dos sentidos transcendentes medievais
como “passagem, isto é, “uma viagem de peregrinação santa e armada para o
cumprimento de uma obrigação religiosa (salvar o Santo Sepulcro das mãos dos
infiéis e proteger os peregrinos indefesos) e uma purgação espiritual com fins
salvíficos”!
2.1. A LITERATURA POLÊMICO-APOLOGÉTICA
Na verdade, as armas com que combatemos não são carnais, mas
têm ao serviço de Deus, o poder de destruir fortalezas. Destruímos os
raciocínios presunçosos e todo o poder altivo que se levanta contra o
conhecimento de Deus. Tornamos cativo todo pensamento para levá-
lo a obedecer a Cristo.
241
Na Apologética de Paulo, da Segunda Epístola aos Coríntios, encontramos a gênese
do proselitismo cristão.
242
Essa forma de defesa e pregação apostólica surgiu no
período da ecclesia primitiva, e tinha como principal objetivo a defesa da fé,
feita por Fernando Domínguez Reboiras e a obra Ramon Llull i el naixement del lulisme, escrita
por J. N. Hillgarth. Na introdução do Liber de passagio, Domínguez Reboiras faz uma ampla e
completa análise sobre o assunto, e abordando a diferença entre os conceitos de passagio e
missão. Além disso, faz uma descrição geral do período histórico e das obras de Ramon Llull
sobre o assunto, seu conteúdo e seus objetivos, e discorre sobre alguns autores
contemporâneos a Llull que também fizeram projetos de expedição para as terras de Ultramar. Já
a obra Ramon Llull i el naixement del lulisme, escrita por J. N. Hillgarth, contém uma interessante
discussão sobre Ramon Llull e a política em seu tempo. O autor analisa as viagens feitas por Llull
a reinos cristãos com o desejo de convencer reis e príncipes cristãos da necessidade de se
realizar a conversão dos infiéis. Trata também dos projetos de passagem ou de missão, e tudo o
que era necessário para a sua realização. Cf. DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., p. 258-259, nota
2; HILLGARTH, op. cit., nota 39. O tema da missão será detalhada no capítulo 2.
241 2 Cor. 10, 4-5.
242 GEISLER, op. cit., p. 57, nota 4.
76
disciplina que hoje denominamos apologética cristã.
243
A palavra grega apologia tem como significado “apresentar uma razão” ou a “defesa”
de algo, que pode ser, uma religião, ou uma idéia.
244
Assim, os primeiros apologistas
acreditavam que a defesa do cristianismo era uma ordem do próprio Deus e, com
base no texto bíblico, afirmavam: “Santificai a Cristo, o Senhor em vossos corações,
estando sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la
pede; fazei-o, porém, com mansidão e respeito”.
245
Esses versículos justificam o projeto missionário luliano, que pregava o retorno ao
discurso apostólico. Isso explicava a posição de Llull a respeito para com aqueles
que deveriam ser convertidos. Por isso, a conversão deveria ser feita com a
aceitação do infiel, caso contrário, o converso não acolheria de coração a sua nova
religião, e poderia tornar-se um apóstata e retornar à sua antiga crença.
Essa abertura ao contato cordial com o outro era um importante sinal da aceitação
do cristão da missão a ele delegada por Cristo. A partir desse desprendimento
pessoal, o fiel se tornava submisso à sua e a Cristo, que se tornava Senhor de
seu coração.
Em sua ação, o crente passava a “(...) destruir fortalezas, (…) raciocínios
presunçosos, e todo poder altivo que se levanta contra o conhecimento de Deus,
243 BOLTON, op. cit., p.21, nota 47.
244 APOLOGÉTICA e APOLOGISTAS, In: ABBAGNANO, op. cit., p. 74, nota 1.; GEISLER, op. cit., p.
56, nota 4.
245 1 Pe, 3, 15-16.
77
tornando cativo todo pensamento para levá-lo a obediência de Cristo (…)”.
246
Isso significava confrontar questões em suas próprias mentes e nos pensamentos
expressos por outros que, porventura, quisessem impedi-lo de conhecer a Deus.
247
Esse novo ardor missionário que ressurgiu entre os séculos XIII e XIV originou um
estilo de literatura típico da Baixa Idade Média, a literatura polêmico-apologética que
era um novo processo de conversão para os cismáticos e os infiéis. Existiram três
tipos de escritos polêmico-apologéticos, que classificamos da seguinte forma:
1. A controvérsia “exegético-crítica disputa que tinha por objetivo comprovar a
“autenticidade dos textos sagrados” com relação aos temas da Trindade e da
Encarnação, além, dentre outros, os artigos da católica. Esses temas seriam
provados como verdadeiros em disputas orais e públicas. Como principal exemplo
dessa primeira forma, temos a Disputa de Barcelona de 1263, entre um cristão e um
judeu;
248
2. Os tratados textos que tinham o intuito de demonstrar o conhecimento completo de
determinado assunto. Neles, o autor provava os artigos de por meio das
autoridades. Em seguida, eram apresentados argumentos de razão natural”, isto é,
raciocínios para demonstrar os erros do infiel. Esses textos tinha como principal
intuito provar que a fé católica era a verdadeira. Um exemplo desse tipo de tratado é
a obra Explanatio symboli apostolorum, de Ramon Martí (c. 1230-1284);
249
3. A disputa pelas razões necessárias debates públicos (ou nas sedes das igrejas)
com o uso exclusivo de argumentos lógicos. Tinham como objetivo explicar de forma
racional os atributos ou virtudes divinas (Bondade, Grandeza, Sabedoria etc.)
comumente aceitas pelas três religiões do Livro, em oposição à utilização das
“razões naturais”.
250
Essa forma de argumentação introduziu a lógica no discurso
polêmico-apologético e criou uma nova “arte de filosofar”.
251
O maior expoente desse
modelo apologético foi o filosofo maiorquino, Ramon Llull (1232-1316).
246 2 Co 10, 4-5.
247 GEISLER, op. cit., p. 57, nota 4.
248 COSTA e PASTOR, 2004, nota 1; CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 46-50, 336-337, nota 1.
249 CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 34-41, p. 147-170 e p. 337-338, nota 1.
250 Ibid.
251 Cf. nota 12.
78
Por defender a disputa pelas razões necessárias, o filósofo tinha como ponto de
partida sempre os atributos divinos, em sua filosofia (Arte), Representado pela
Figura A: “Esta parte se divide em quatro partes, ou seja, em quatro figuras. A
primeira figura é a A.
252
Esta figura contém em si nove princípios, a saber, Bondade,
Magnitude, etc., e nove letras, ou seja, B, C, D, E, etc.
253
FIGURA 3 – AS DIGNIDADES DIVINAS
252 Letras B (Bondade/Bem), C (Grandeza/Grande), D (Duração/Durabilidade), E (Poder/Potência), F
(Sabedoria/Sapiência), G (Vontade/Desejo), H (Virtude/Virtuosidade), I (Verdade/Verdadeiro) e K
(Glória/Glorioso). “Deus, naquilo que pode ser conhecido aos homens, se caracteriza por uma
série de atributos essenciais, e estes são os princípios substanciais de todas as coisas (...) estas
Dignidades se refletem em todos os aspectos da Criação (...). Todo o método indutivo,
comparativo e demonstrativo da Arte consiste na redução das coisas particulares aos aspectos
transcendentais da realidade que são estas Dignidades e, conseqüentemente, a comparação das
coisas particulares entre si à luz das dignidades divinas.” Cf. PRING-MILL, Robert D. F. Estudis
sobre Ramon Llull. Barcelona: Publicacions de l’Abadia de Montserrat, 1991, p. 42-43.
253 “Os princípios básicos da Arte foram extraídos do substrato coletivo dos lugares comuns da
cultura medieval e compartilhado por cristãos, judeus e muçulmanos, e que, em boa parte,
deriva da síntese neoplatônica que, durante os séculos anteriores ao XIII, foi adaptada às três
crenças monoteístas. No caso, a atribuição de determinadas qualidades a Deus, identificadas
com sua própria essência, não era um dado estranho à teologia muçulmana ou judaica, pois
remete às hadras ou nomes divinos dos teólogos do Islã, e às sephiroth da cabala hebraica (...)
Convém ainda destacar a ausência de referências especificamente cristãs nas dignidades
divinas: conceitos como a Trindade (ou Paternidade, Filiação, etc.) não entram na figura A.” cf.
RUBIO, Josep E. Introducción. In: RAMON LLULL. Arte breve (introd. y trad. de Josep E. Rubio).
Pamplona: EUNSA, 2004, p. 26.
79
2.2. O CONCEITO DE MISSÃO
Para os medievais, o conceito de missão era algo muito próximo aos propósitos
formulados por Llull.
254
Essa forma de teoria, que define uma nova estratégia para
realizar a recuperação dos Lugares Santos do cristianismo latino e afastar o perigo
muçulmano, começou a ser sistematizada após 1291, quando a cristandade
constatou o fracasso das cruzadas.
255
Esses projetos, formulados por juristas e religiosos, tinham conteúdos estratégicos e
missiológicos. Um fator comum a quase todos eles era a referência à necessidade
de realizar um bloqueio econômico ao Egito.
256
Outros, contudo, davam preferência à
evangelização dos muçulmanos.
257
Para definir melhor o que o filósofo maiorquino compreendia como missão, vou
apresentar as exigências colocadas por ele para a realização da mesma. Em
seguida, identificarei os elementos específicos desse molde missionário e,
finalmente, demonstrarei as bases desse modelo de vida.
A missão luliana estava fundamentada na contemplação e na vida virtuosa,
condições que possibilitavam a realização do diálogo do cristão com o outro, fosse
ele infiel, cismático ou pagão.
258
254 GAYÁ, Jordi. Ramon Llull i l’Islam: Infideles sunt hominis, sicut et nos, p. 2. Diponível em:
http://www.jordigaya.com/lull/articulos/infideles.pdf. Acesso: 10 de junho de 2007.
255 VILLOSLADA, vol. II, p. 547, nota 49;
256 Comungam dessa idéia Fidencio de Pádua, Marino Sanudo, o Velho, e Pedro de Dubois.
257 Essas forma de ação foi formulada em sua maior parte por teólogos, como Raimundo de
Penyafort e Ramon Martí.
258 Para a questão da contemplação, cf. RUBIO, Josep E. Les bases del pensament de Ramon Llull:
80
A contemplação, a vida dedicada exclusivamente ao conhecimento do
divino, para as culturas antigas, era um estado mental sumamente bom
(summum bonum), pois olhava a forma do bem: ao buscar Deus com sua
mente, o místico deveria refletir sobre as virtudes e, assim, se afastar dos
vícios.
Por exemplo, Aristóteles disse que a atividade da vida contemplativa a
vida que olha a verdade era o que melhor existia em nós, pois era a
atividade virtuosa, a única estimada por si mesma, isto é, a própria
felicidade. O cristianismo nada mais fez que incorporar esse modo supremo
de vida e integrá-lo em sua concepção, em seu conceito de beatitude.
259
Missionários imbuídos desse espírito de comunhão fraterna, conhecedores da língua
e do credo de seu destinatário se colocariam em posição de diálogo, não de disputa.
Iniciariam seu trabalho utilizando os argumentos concordantes entre os credos
como, por exemplo, as dignidades divinas como pressuposto apriorístico de toda a
realidade.
Após o missionário e seus ouvintes concordarem com a igualdade da base de seus
credos, passar-se-ia para a demonstração dos pontos discordantes e comprovação
dos erros aos quais o infiel estaria submisso. A conclusão seria a demonstração dos
males que lhe adviriam, e, assim, a posterior conversão voluntária, sincera, e de
forma pacífica.
260
2.3. A APOLOGÉTICA E A MISSÃO EM RAMON LLULL
A apologética luliana era distinta da defesa da praticada pelos pregadores e
clérigos de sua época, como vimos na classificação anterior. Ao analisar o todo
els orígens de l’art lul.liana. València/Barcelona; Institut Universitari de Filologia
Valenciana/Publicacions de l’Abadia de Montserrat, 1997.
259 COSTA, op.cit., p. 107-133, nota 69.
260 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.80, nota 171.
81
tradicional de conversão, o maiorquino teceu-lhe algumas críticas.
261
O exemplo
mais marcante se relaciona aos seus comentários sobre a missão do dominicano
Ramón Martí (c. 1230-1281)
262
entre os tártaros. Este missionário tinha como base
de seu método de conversão o uso de auctoritates de
263
, mas, por esse método
apologético, não era possível provar logicamente o credo cristão.
264
Afinal, para os pregadores tradicionalistas, a Teologia era superior à Filosofia. Por
isso, era necessário crer antes de entender os dogmas da cristã, pois estes,
segundo eles, não podiam ser comprovados racionalmente.
265
O método tradicional
consistia em atacar a dos judeus e dos sarracenos com as verdades da cristã,
considerada a única via salvífica existente.
266
Em contrapartida, para Ramon Llull, que opunha as autoridades à filosofia (a razão),
o debate com o infiel deveria ser realizado com o uso das razões necessárias
267
261 Cf. nota 1.
262 O dominicano e catalão Ramón Martí foi o grande difusor do tomismo na Península Ibérica.
Rámón “consciente do perigo que ameaçava destruir a integridade da no coração do povo,
apresentava-se como seu defensor, e se fixou na intenção de sua ação por objetivos
convergentes: atacar as confissões inimigas e atrair para a religião cristã as populações árabes e
judaicas.” CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 147-170, nota 1.
263 Cf. nota 13.
264 Cf. nota 1.
265 As regras das ordens mendicantes incluíam a missão como uma das obrigações dos frades. A
regra dos franciscanos se refere expressamente ao frades que irão se dedicar à evangelização
dos sarracenos e demais infiéis. Até mesmo São Francisco (c.1181-1226) se dirigiu três vezes ao
norte da África, porém, conseguiu completar a última viagem (1219), quando pregou para o
sultão do Egito, porém, sem sucesso. Entre os dominicanos, a ação missionária estava inserida
em sua regra desde os primórdios da ordem. São Domingo de Guzman (c. 1170-1221) em
viagem a Dinamarca, entre 1203 e 1205, conheceu o trabalho missionário nas fronteiras do
noroeste europeu. Quando fundou a ordem dominicana, estabeleceu como objetivo fundamental
a pregação entre os batizados, para evitar o surgimento de heresias, e entre pagãos e cristãos.
CANTERA MONTENEGRO, Las Ordenes religiosas en la Iglesia medieval siglos XIII a XV.
Madrid: Arco/Libros, S.L., 1998, p. 71; PARDO PASTOR, Jordi. Las auctoritates bíblicas en
Ramon Llull: etapa 1304-1311. In: Revista Española de Filosofía Medieval, 11, 2005, p. 167-180.
266 CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 339-342, nota 1.
267 Cf. nota 12.
82
argumentos lógicos utilizados para explicar de forma racional as virtudes divinas
268
dogmas que eram semelhantes, portanto, e aceitos pelas três religiões do Livro.
Segundo Llull, com essa forma de debate, os infiéis chegariam ao conhecimento de
seus erros e voluntariamente aceitariam o cristianismo, pois compreenderiam “a
cristã para depois crer”.
269
Tais razões necessárias seriam explicadas com o uso da
Arte, sistema lógico que poderia se aplicar a qualquer tema. A Arte era um método
racional para se chegar à verdade
270
e possuía cinco usos:
1) Conhecer e amar a Deus,
2) Praticar as virtudes e afastar os vícios,
3) Disputar racionalmente com os infiéis,
4) Ordenar e resolver questões e
5) Adquirir rapidamente o conhecimento de outras ciências, o que fazia de sua
Arte a “ciência das ciências”.
271
Tudo isso se adaptava ao contexto político-religioso do final do século XIII. Esse foi
um período bastante significativo, no que se refere ao contato entre cristãos e
muçulmanos, assim como pela busca por meios para reconquistar os territórios que
pertenceram aos cristãos, agora ocupados pelos muçulmanos. Essas tentativas
tiveram início com as cruzadas e a Reconquista ibérica.
272
268 Virtude divina ou atributo divino era o termo utilizado no período escolástico para indicar os
nomes de Deus. ATRIBUTO. In: ABBAGNANO, op. cit., p. 94, nota 1.
269 GAYÀ, op. cit., nota 38.
270 Terceira distinção do Livro do Fim, cf. RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 107-110, nota 171.
271 COSTA, Ricardo da. A Árvore Imperial. In: COSTA, Ricardo da (Org.). Testemunhos da História.
Documentos de História Antiga e Medieval. Vitória: EDUFES, 2002, p. 308-309.
272 FLORI, Jean. La Guerra Santa: la formación de la idea de cruzada em el Ocidente cristiano.
Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 293-313; Sobre as cruzadas cf. nota 76; NICHOLAS, nota 139;
RUNCIMAN, nota 50; DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: as ordens militares na Idade
Média (sécs. XI-XVI). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002; NAVARRO, Francesc. História
Universal. La expansión musulmana. Madrid: Editorial Salvat, 2004; PERNOUD, Régine. A
mulher nos tempos das cruzadas. Campinas, Sp: Papirus, 1993; READ, Piers Paul. Os
templários. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001.
“A Reconquista foi o nome dado ao processo pelo qual a partir do século XI, as comunidades
cristãs da Espanha reconquistaram os territórios perdidos para os muçulmanos nas decadas
83
2.4. DA DIVISÃO DO LIVRO DO FIM
O Livro do Fim foi dividido em três distinções. A primeira distinção trata da maneira
como os missionários cristãos devem dialogar com os infiéis.
273
Essa distinção, por
sua vez, está subdividida em cinco partes: a primeira esclarece a ordem a ser
seguida para que o projeto missionário luliano tivesse sucesso.
Inicialmente deveria ser eleito um cardeal que se responsabilizaria pela construção
dos monastérios onde seriam ensinadas as línguas dos infiéis àqueles que
desejassem participar das missões.
274
Contudo, também era necessário determinar
como seriam obtidos os recursos para financiar esses estudos e as viagens dos
missionários até as terras de Ultramar.
275
Nas quatro partes seguintes, o autor demonstra a forma de diálogo e os argumentos
necessários para converter, respectivamente, sarracenos, judeus, cristãos
cismáticos (gregos, jacobitas e nestorianos) e tártaros.
276
Essa parte da obra é a
que mais nos interessa por sua relação direta com nosso tema.
277
Ao diálogo como
forma de alcançar a conversão, dedicamos o capítulo seguinte. Nele discutiremos as
imediatamente seguintes a 711. As principais datas decisivas o: recuperação de Toledo
(1085); a formação do reino de Portugal e a conquista de Lisboa (1148); a batalha de Navas de
Tolosa (1212) e a subseqüente extensão da autoridade cristã a Sevilha e Córdova. No final do
século XV, a conquista de Granada (1492)”. LOYN, op. cit., p. 314, nota 23; cf. BONNASSIE,
nota 53; Cf. CARR, nota 84; Cf. COSTA, nota 21; BUADES, Josep M. Os Espanhóis. São Paulo:
Contexto, 2006; FLETCHER, Richard. Em busca de El Cid. São Paulo: Editora UNESP, 2002;
MENOCAL, op. cit., nota 457; RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica.
Lisboa: Editorial Estampa, 1995; SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Madrid: Alianza
Editorial, 1989.
273 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 78-80, nota 171
274 Ibid.
275 Ibid.
276 Nesse trabalho não analisaremos o projeto de conversão de judeus nem de tártaros.
277 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 93-107, nota 171
84
questões referentes à apologética e à missão.
278
Na segunda distinção, o filósofo desenvolve a melhor maneira de se fazer a guerra
caso a conversão pelo diálogo não fosse concretizada. Esta distinção foi
subdividida em sete partes: a primeira, sobre a eleição do “rei guerreiro”. Esse líder
cristão comandaria uma nova ordem militar-religiosa, a Ordem da Milícia,
279
criada a
partir da junção de todas as outras ordens existentes, e todas as atribuições e
obrigações delegadas ao bellator rex, rei mais importante entre todos por ser rei de
Jerusalém, que, com seu trabalho, ele honraria toda a corte celeste e toda a
cristandade.
280
A segunda parte trata da regra a ser seguida pelos membros da Ordem da Milícia.
Essa regra seria formulada utilizando o que havia de melhor nas regras das ordens
militares existentes. Por essa nova regra seriam definidas suas vestes, suas
278 O pensamento unicionista de Ramon surgiu tarde em seus escritos. A primeira obra em que
trata do cisma oriental é a Doutrina Pueril (c. 1282). Talvez isso se deva ao fato de ele não
compreender o grego. Mesmo assim, incluiu nessa época a necessidade do ensino dessa
língua para que o diálogo com os bizantinos fosse possível, pois era necessário provar que a
forma como criam na procedência do Espírito Santo era um erro. Essa ampliação em seu ideal
de ação tornou o projeto luliano uma “empresa científica-apologética-missiológica-missionária”.
GARCÍAS PALOU, Sebastián. Ramon Llull en la historia del ecumenismo. Barcelona: Herder,
1986, p. 35.
279 O nome escolhido por Ramon para a nova ordem de cavaleiros de Cristo (Militia Christi), Ordem
da Milícia, provavelmente, foi inspirado em São Paulo. O termo militia é antigo, “São Paulo
havia invocado o combate espiritual do soldado de Cristo. Nos séculos V e VI, a militia
representava o clero secular que lutava pela na vida secular; um pouco maia tarde sob os
caralíngios, o verdadeiro miles Christi, o atleta da , é o monge que luta sem cessar na solidão
do monastério contra o demônio, contra o mal. Por volta de 1095, o bispo Yves de Chartres, ao
escrever a certo Roberto, que, ao preço de uma verdadeira mutatio, decidiu entrar para o
convento, diz-lhe: Deves combater o espírito do mal: portanto, se queres lutar com segurança,
entra para o campo dos soldados de Cristo, habituados à táticas das batalhas [castris Christi
militum ordinate pugnatium te insere]. Vocabulário marcial para evocar um combate ainda
totalmente espiritual! Gregório VII inova, conferindo à expressão seu sentido militar. A militia
Christi deixa o campo espiritual pelo campo de batalha. Torna-se uma confraria de cavaleiros,
prontos ao combate contra os adversários da cristandade, o instrumento da guerra santa”.
DEMURGER, Alain. Os Templários: uma cavalaria cristã na Idade Média. Rio de Janeiro: DIFEL,
2007, p. 48.
280 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 77-78, nota 171.
85
armas e sua norma de conduta.
281
Na terceira parte dessa distinção foi definido o lugar por onde deveria se iniciar a
ação militar cristã, as melhores rotas e as táticas militares para derrotar o exército
sarraceno e reconquistar os territórios cristãos invadidos e habitados pelos inimigos
da verdadeira fé. Tudo isso até a recuperação completa da Terra Santa.
282
Na quarta parte, Sobre a forma de se fazer a guerra, foram descritas as vantagens
e as desvantagens dos cristãos e seus métodos de batalha em relação aos
sarracenos nos seguintes aspectos: armas, estratégia e recursos militares.
283
Esses
fatores são discutidos também na quinta parte, sobre a armada, contudo,
relacionando-se à marinha e como seria feito o ataque e a destruição das terras dos
sarracenos.
284
Na sexta parte, sobre a pregação, foi detalha a forma como os missionários cristãos
deveriam pregar entre os infiéis que fossem encarcerados durante a guerra. Pois
estes, depois de convertidos seriam enviados como espiões do rei guerreiro às
terras ainda ocupadas pelos sarracenos. Também era necessário manter alguns
religiosos em territórios cristãos, pregando e captando recursos para a guerra.
285
Por fim, na sétima parte, o descritos quais mestres mecânicos que deveriam
fazer parte da Ordem da Milícia e auxiliarem o rei guerreiro na organização e
281 Ibid, p. 100-103.
282 Ibid.
283 Ibid.
284 Ibid., p. 104.
285 Ibid., p. 105-107.
86
utilização dos recursos mecânicos.
A terceira distinção, sobre a exaltação do entendimento, foi subdividida em duas
partes: uma que trata da arte geral e que ensina e demonstra muitas coisas; outra,
em que Ramon trata das vinte artes especiais, derivadas da Arte Geral, que
facilitam a obtenção do conhecimento de forma mais simples.
Ramon conclui a obra dedicando-a ao Espírito Santo, e afirma que ela tem como
finalidade maior o bem comum
286
da cristandade: se tudo o que foi descrito não for
realizado, aqueles que poderiam contribuir para a exaltação da cristã e não o
fizeram pecaram contra o Espírito Santo (que personifica o amor de Deus), e contra
essa Pessoa da Trindade os pecados não são perdoados.
287
286 De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, o bem-comum entende-se como o conjunto das
condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de
maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição. O bem-comum interessa à
vida de todos. Exige a prudência da parte de cada um e, mais ainda, da parte dos que exercem a
autoridade. Comporta-o três elementos essenciais: 1) O respeito pela pessoa como tal. Em nome
do bem-comum, os poderes públicos o obrigados a respeitar os direitos fundamentais e
inalienáveis da pessoa humana. A sociedade é obrigada a permitir que cada um de seus
membros realize sua vocação. Em particular, o bem-comum consiste nas condições para se
exercerem as liberdades naturais, indispensáveis ao desabrochar da vocação humana: "Tais são
o direito de agir segundo a norma reta de sua consciência, o direito à proteção da vida particular
e à justa liberdade, também em matéria religiosa"; 2) O bem-comum exige o bem-estar social e o
desenvolvimento do próprio grupo. É claro, cabe à autoridade servir de árbitro, em nome do bem-
comum, entre os diversos interesses particulares. Mas ela deve tornar acessível a cada um
aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde,
trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de fundar um lar etc., 3) O bem-
comum envolve a paz, isto é, uma ordem justa duradoura e segura. Supõe, portanto, que a
autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a de seus membros,
fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva.
O bem-comum está sempre orientado ao progresso das pessoas: "A organização das
coisas deve se subordinar à ordem das pessoas, não ao contrário". Esta ordem tem por base a
verdade, edifica-se na justiça, é vivificada pelo amor. Catecismo da Igreja Católica. Disponível em:
http://intervox.nce.ufrj.br/~gleibson/catecismo.rar, Acesso: 27 de junho de 2007.
287 A Doutrina do Espírito Santo como fonte de amor foi iniciada por Santo Agostinho.
87
2.5. O PRÓLOGO DO LIVRO DO FIM
A redação do Livro do Fim se insere em um momento posterior a várias tentativas
feitas por Llull de apresentar seu projeto político-religioso para vários reis e
religiosos cristãos.
O prólogo da obra transparece um tom dramático, que quase beira o desespero.
Afinal, para Ramon o mundo se encontrava em “mal estado” e as coisas tendiam
a piorar. Por isso, era necessária uma ação rápida por parte dos cristãos.
288
Se estes
não se esforçassem para impedir o avanço muçulmano pelo Oriente, em breve
estariam adentrando os territórios do Ocidente latino, pois estavam batendo às
portas da cristandade.
Ramon também lamentava de forma dolorosa o número de cristãos existentes no
mundo, pois eram tão poucos, e aqueles que defendiam e desejavam expandir essa
eram em menor número ainda. A ociosidade aliada à indolência na defesa da
tornava cada dia mais difícil a reconquista das terras ocupadas pelos árabes.
289
Essa
situação político-religiosa causava grande temor em Llull e em todos aqueles que
tinham consciência de que a cristandade corria um grande perigo.
290
No final do século XIII, os cristãos latinos tinham consciência de que não eram
maioria no mundo. Isso tornava urgente a organização de uma ação em prol da
288 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 111, nota 171.
289 Ibid., p. 77-78, 81-82.
290 Ibid., p. 77-78, 81-82.
88
evangelização dos infiéis e dos tártaros.
291
A cristandade corria grande perigo,
principalmente porque os sarracenos continuavam sua expansão e em breve
poderiam converter até mesmo os povos pagãos ao Islã.
292
Para Llull, essa falta de ação com a evangelização por parte dos cristãos teria
conseqüências trágicas. No Dia do Juízo Final, quando fossem prestar contas de
suas ações no mundo ao Juiz Supremo, Jesus Cristo, eles teriam que pagar por
terem contribuído para a condenação de milhares de almas de muçulmanos, judeus
e pagãos ao Inferno.
293
Sobre aqueles que conhecem a verdadeira e não a
difundem, recaía uma culpa maior ainda, a de omissão.
294
Como os cristãos podiam ignorar esse mal tão grande que causavam? Como
podiam evitar, por relaxamento e/ou indiferença ao próximo, que tantos seres
humanos conhecessem as verdades do cristianismo? Por que não agiam para que
todo esse mal fosse evitado e o cristianismo fosse propagado pelo mundo?
295
Como
poderiam aceitar com tanta passividade o desaparecimento do cristianismo?
296
Ramon Llull se questionava, no auge de seu desespero, sobre tudo isso quando
compôs o Livro do Fim, pois, para ele, não poderia existir mal maior para a
Humanidade.
297
Na visão cosmológica medieval,
298
a cristandade
299
era o espelho, ou seja, o reflexo
291 Ibid., p. 91-93.
292 Ibid.
293 Ibid., p. 111.
294 Cf. nota 184.
295 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 77-78, nota 171.
296 DOMÍNGUEZ REBOIRAS, op. cit., p. 284, nota 2.
297 RAMON LLULL, Livro do fim, op. cit., p.111, nota 171.
89
imperfeito da corte celestial. Durante o medievo havia uma crença muito forte na
existência de uma estreita ligação entre o céu e a terra.
300
Assim, o fato de os
Lugares Santos estarem sob o domínio dos infiéis era uma enorme afronta a Deus, à
Sua Corte Celeste e, por fim, aos próprios cristãos.
301
Porém, como os cristãos estavam descrentes e permitiam que o mundo
prosseguisse nesse mau estado, desonravam a primeira intenção, ofendendo de
forma violenta a Deus.
302
A Justiça Divina que nunca falha, agia, e os cristãos latinos
eram castigados, impedidos de possuir a Terra Santa, e derrotados nas batalhas
para retomar seu solo sagrado.
298 “A cosmologia medieval foi influenciada diretamente pelos escritos de Aristóteles e, sobretudo,
Ptolomeu (c.100-170) e seu Tetrabilos. Era considerada a parte mais elevada da Astronomia, que
por sua vez era a sétima das Artes Liberais, portanto, a ciência mais nobre antes da Teologia,
nobre porque pretendia estudar as coisas próximas de Deus. Devo ressaltar logo de início,
porém, que os conceitos de Astrologia e Astronomia estavam intrincados e queriam dizer na
maior parte das vezes a mesma coisa. Poucos eram os que percebiam a diferença. (...) De
qualquer modo, a cosmologia medieval distinguia duas regiões em todo o universo com
características bastante distintas. A primeira era a esfera sublunar, que continha todas as
substâncias sujeitas à corrupção devido à contrariedade natural existente entre os quatro
elementos constitutivos dos corpos (fogo, ar, terra e água) e suas qualidades (quente, seco, frio e
úmido). (...) A segunda, a esfera supralunar (ou celeste), era povoada pelos astros, pelos santos
que estão na Glória Eterna, os anjos e Deus. Acreditava-se que o mundo supralunar emitia
fluidos, influxos invisíveis que influenciavam as coisas do mundo sublunar, idéia de base
neoplatônica que influenciou decisivamente a astrologia. Eram os segredos naturais. A origem
dessa concepção encontra-se em Dionísio, o Areopagita (séc. V): ‘Todo bom dom e toda dádiva
descende do Pai das luzes. Mais: a Luz procede do Pai, se difunde copiosamente sobre s e
com seu poder unificador nos atrai e leva ao alto’ (DIONISO AREOPAGITA. La jerarquia celeste,
I, 1)”. COSTA, Ricardo da, Olhando para as estrelas, a fronteira imaginária final: astronomia e
astrologia na Idade Média e a visão medieval do cosmo. In: Dimensões - Revista de História da
UFES 14. Dossiê Territórios, espaços e fronteiras. Vitória: Ufes, Centro de Ciências Humanas e
Naturais, EDUFES, 2002, p. 481-501; cf. GUREVITCH, op.cit., nota 52.
299 A Cristandade era considerada uma formação unitária, isto é, possuía uma comum, uma
linguagem comum (o latim) e formava era uma espécie de supra-Estado. FEBVRE, Lucien. A
Europa: Gênese de uma Civilização. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p. 126-127. Inicialmente, foi
sinônimo de cristianismo, depois, com o papa João VIII (872-882), passou a designar o conjunto
dos cristãos do Ocidente. No fim do século XI, o termo se difundiu, sendo pronunciado como
Christianitas ou Respublica Christiana, identidade coletiva que se construiu a partir do momento
em que os cristãos ocidentais passaram a ter um contato maior com muçulmanos e bizantinos.
FRANCO JR, Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001, p.
182.
300 IOGNA-PRAT, Dominique. ORDEM(NS). In: LE GOFF, Jacques & SCHIMTT, Jean-Claude
(coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval II. São Paulo: Imprensa Oficial / EDUSC,
2002, p. 306, 314.
301 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 77-78, nota 171.
302 Ibid.
90
Muitos cruzados, quando se dirigiam para os reinos latinos no Oriente, seguiam
cheios de fervor e devoção. Agora, os que viviam na região abandonavam os
propósitos santos e deixavam-se impregnar pela cobiça e o desejo de bens
materiais.
303
Essa desordem do mundo cristão era conseqüência da corrupção do clero latino e
rivalidades entre as ordens de militares que se desviaram de seus objetivos,
conquistar territórios e proteger os peregrinos cristãos a caminho de Jerusalém.
304
Outro fator que se desviava da primeira intenção luliana dizia respeito à cobiça de
alguns príncipes cristãos, que utilizavam o dízimo da Igreja para realizar seus
negócios mundanos.
305
Não bastasse a usurpação dessas rendas, os governantes
também as utilizavam para financiar conflitos fratricidas em solo cristão. Essa falta
agravava ainda mais o pecado cometido pelos chefes do poder temporal, que eram
os guardiões do povo cristão e tinham por obrigação de zelar pela paz no mundo.
306
Como as autoridades laicas estavam subordinadas ao poder espiritual, isto é,
deviam obediência à Igreja e a seu chefe maior, o Papa, os reis e príncipes
poderiam utilizar os bens materiais que lhes eram cedidos por Deus para o benefício
e a promoção da cristã apostólica, nunca para a realização da segunda
intenção.
307
303 Ibid, p. 95.
304 DEMURGER, op. cit., p. 185-187, nota 279.
305
Cf. nota 179; Livro do fim, op. cit., p. 95, nota 171.
306 VILLOSLADA, op. cit., p. 575, 599, nota 49.
307 Ibid., p. 277.
91
2.6. UM PROJETO DE VIDA EM PROL DA CONVERSÃO DOS INFIÉIS
Desde o século XI, quando foi realizada a chamada Reforma gregoriana
308
, o
ocidente cristão europeu viu nascer entre alguns grupos religiosos o desejo de
alcançar uma vida cristã pura e inspirada na Igreja primitiva, a chamada vida
apostólica”.
309
Esse modelo de vida religioso era caracterizado pela renúncia dos bens materiais,
uma vida ascética, e o compromisso de assumir um trabalho de evangelização entre
os não-cristãos.
310
Esse ardor religioso inspirado na vida apostólica fez a Europa
308 Ibid., p.305-306.
309 Quanto à maneira de conversão apostólica dos infiéis, a obra Comentário al símbolo
apostólico (entre 401 e 409), de Rufino de Aquileya (345-410), escrita quando o credo cristão
ainda estava em fase de constituição, nos traz uma importante referência à missão apostólica no
cristianismo primitivo. Este homem de boa formação, cultura sólida e grande amigo de São
Jerônimo (347-419), descreve-a da seguinte forma: “2. Nuestros antepasados nos han referido
que, trás la ascensión del Senhor, al venir al Espírito Santo, se posaron sobre cada uno de los
apóstoles lenguas de fuego para que hablaran con diversos y variados lenguajes de modo que
ninguna gente extranjera ni lengua bárbara les pareciera inaccesible o cerrado. El Señor les
mandó ir a cada una de las naciones para predicar la palabra de Dios. Antes de partir y
separarse estabelecieron una norma común de su predicación para que no sucediera que, al
alejarse uno de outro, expusieran algo diverso a los que invitaban a abrazar la fe de Cristo.
Congregados, pues, todos ellos y llenos del Espíritu Santo, poniendo en común lo que cada uno
sentía, compusieron (...) esta regla a los creyentes. Por muchos y justificados motivos quisieron
denominarla «Símbolo». En griego, el vocablo «símbolo» significa indicio y contribuición, es decir,
lo que varias personas ponen en común. Esto hicieron precisamente los apóstoles en aquellos
discursos, poniendo en común cada uno lo que sentia. Se llama indicio o signo porque, em aquel
tiempo como dice Pablo y se relata en los Hechos de los Apóstoles , muchos de los judíos
circuncisos fingían ser apóstoles de Cristo y, por interés de lucro o alimento, se dedicaban a
predicar nombrando ciertamente a Cristo, pero sin anunciarlo conforme a las líneas de la
tradición. (...) No obraron como los hijos de Noé, que, al seperarse unos de otros, construyeron
com ladrillos cocidos y alquitrán uma torre cuya punta tocara el cielo. Por lo contrario, edificaron
las fortificaciones de la fé, capaces de resistir el ataque enemigo, con las piedras vivas y las
perlas del Señor, a las que ni los ríos pueden arrancar ni el ímpetu de tempestades y borrascas
remover. (...) A los apóstoles, que construyeron la torre de la fe, se les dio el conocimiento de
todas las lenguas.”, RUFINO DE AQUILEYA. Comentário ao símbolo apostólico. Editorial Ciudad
Nueva: Madrid, 2001, p. 34-35, 37.
310 As principais ordens religiosas desse novo movimento foram as ordens mendicantes, que
recebem essa denominação por subsistirem de esmolas, não pela cobrança do dízimo como
ocorria com a maior parte das ordens religiosas até então. LE GOFF, J. Uma longa Idade Média.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 175. CANTERA MONTENEGRO, op. cit., p. 71,
nota 265.
92
ocidental viver um novo impulso missionário.
311
Todo esse abrasamento religioso fez
também com que os missionários se dirigissem para os territórios mais distantes e
recém descobertos pelos cristãos com a intenção de “pregar a verdadeira fé”.
312
O contato com povos de origem asiática e africana e a fundação das ordens
mendicantes
313
eram dados conhecidos por Ramon Llull. Esses fatos serviram para
aguçar o interesse deste “apóstolo dos infiéis” pela vida ativa.
314
Os acontecimentos citados acima foram de importância determinante na formulação
da proposta missionária luliana, norteando todo seu projeto missionário-apologético,
que pode ser resumido em três propósitos: 1) formação, fundar colégios para o
311 CANTERA MONTENEGRO, op. cit., p. 12-13, nota 265.
312 Ibid., p. 71, nota 265. A presença dos cristãos durante a Primeira Cruzada deu asas à
imaginação desses homens deslumbrados com os encantos e as riquezas do Oriente. Assim, as
lutas, vitórias e derrotas deram margem à construção de lendas no Ocidente Medieval. Uma
delas, sobreviveu até os nossos dias, foi registrada por Oto Babenberger, bispo de Freising e tio
de Frederico I Barba-Ruiva que, na época, era o imperador do Sacro Império Romano-
Germânico (1152-1190). Oto registrou a notícia da existência de um potentado cristão na Ásia,
na fronteira com a Pérsia, que fazia então uma guerra vitoriosa contra o mundo árabe.
RUNCIMAN, III, op. cit., p. 229, nota 50.
Conta a lenda que o rei desse reino maravilhoso tinha triunfado em uma segunda frente
de batalha contra o Islã. Seu nome era Preste João, nestoriano, uma das correntes heréticas dos
cismas cristológicos, originária da escola Antioquia de Nestor (c. 381-451), patriarca de
Constantinopla em 428-31. Os nestorianos acreditavam que Cristo tinha duas naturezas (duo
physeis) conjugadas em uma unidade voluntária. LOYN, op. cit., p. 272, nota 23.
Mas essa diferença de credo não tinha importância neste momento em que Preste João
vencia o inimigo comum aos cristãos, pois isso tornava possível aos cristãos terem esperanças na
vitória da verdadeira fé. Carta do Preste João das Índias. Versões Medievais Latinas (trad. Leonor
Buescu). Lisboa: Assírio & Alvim, 1998, p. 82. Através do Sacro Império Romano-Germânico o
mito de Preste João começou a se difundir no Ocidente. O bispo Oto teria inclusive falsificado uma
carta, que ele afirmava ter sido enviada por Prestes João (em 1150) ao imperador bizantino
Manuel I Comneno (1143-1180), ao papa e ao rei Frederico I Barba-Ruiva. O conteúdo da suposta
carta descrevia as maravilhas do reino de Preste João – jóias corriam nos rios, o palácio abrigava
30.000 pessoas à mesa, diariamente, além de vários visitantes. O palácio era ricamente decorado
teto de cedro, cobertura de ébano e no cume dois pomos de ouro (...) Carta do Preste João das
Índias. Versões Medievais Latinas (trad. Leonor Buescu). Lisboa: Assírio & Alvim, 1998, p. 56.
Sobre o Preste João, ver COSTA, Ricardo da. Por uma geografia mitológica: a lenda medieval do
Preste João, sua permanência, transferência e “morte”. In: História 9. Revista do Departamento de
História da UFES. Vitória: Ufes, Centro de Ciências Humanas e Naturais, EDUFES, 2001, p. 53-
64; para o contato entre cristãos e mongóis, cf. NICHOLAS, op. cit., p. 237-238, 483-485, nota
139.
313 Principalmente franciscanos e dominicanos.
314 LLINARÈS, op. cit., p. 74-94, nota 42.
93
ensino da língua dos infiéis; 2) pregação, conversão através da Arte, um método
conhecido pela ilustração divina; 3) consciência religiosa, pregar a cristã latina
entre os infiéis, e até mesmo aceitar o martírio caso fosse necessário. Sobre a
consciência religiosa, encontramos uma interessantíssima narrativa (exempla) no
Livro das Maravilhas:
Em uma abadia aconteceu do abade, do prior, do monge-adegueiro e
dos outros oficiais daquele monastério irem ao capítulo. Cada um
daqueles oficiais se gabou de que havia melhorado a renda do
monastério. Um monge claustral estava diante deles e disse estas
palavras:
“– Senhores, é uma maravilha como vós não tendes consciência
como tantas vezes ao dia e tantos dias haveis deixado de considerar
e contemplar a Deus em Sua unidade, trindade, encarnação e nos
outros artigos para considerar e desejar ter vanglória em multiplicar
as rendas do monastério, pois as orações, as contemplações, as
lágrimas e os choros são multiplicações maiores e mais nobres que
os dinheiros, os castelos, as vilas e cidades. E melhor convém ao
monge contemplar e chorar que comprar e vender.”
315
Llull estava convencido de que os infiéis viviam no erro pelo descaso dos cristãos.
Isso lhe entristecia muito. Além disso, como na passagem do Livro das Maravilhas
citada acima, ele não notava nenhum empenho por parte dos cristãos, nem mesmo
dos clérigos, com a prática missionária ou a evangelização dos outros povos,
mesmo conhecendo seu dever.
Essa obrigação, confirmada de forma imperativa nas Sagradas Escrituras, fora
determinada por Cristo aos apóstolos: “Ide pelo mundo e pregai o Evangelho”.
316
Portanto, esse era o ponto de partida de toda a obra luliana.
317
315 Cf. nota 2.
316 Mt 28, 19.
317 DOMÍNGUEZ REBOIRAS, Fernando. Ramon Llull: El hombre y su obra, 2005, p. 16.
94
Llull acreditava que o contato com os não-cristãos deveria ser pacífico. A conversão
se realizaria por meio do diálogo inter-religioso.
318
Os missionários preparados por
meio do estudo da Arte realizariam a disputa com seu interlocutor utilizando armas
espirituais o diálogo
319
e a controvérsia
320
ao que se denominou cruzada
espiritual.
321
Contudo, se a conversão por via pacífica não fosse aceita pelos infiéis e estes se
recusarem a dialogar, Llull sugeria que fossem presos e então convertidos ao
cárcere
322
, no que foi denominado cruzada corporal.
323
Tudo isso demonstra o modo atípico como o filósofo elaborou seu programa
missionário. Para Ramon, a razão era superior à fé.
324
Ao longo das obras sobre a
missão, o maiorquino quase não utiliza argumentos de caráter teológico ou citações
bíblicas, o que não nos impede de detectar influências dogmáticas e bíblicas nos
seus escritos.
325
Ramon acreditava que seutodo fazia parte dos planos divinos, o que o insere no
campo da revelada. Sua Arte era uma ciência superior, o melhor método para
realizar a unificação dos cristãos reunindo cismáticos e latinos, o mais adequado
318 FIDORA, op. cit., p. 227-244, nota 4.
319 Cf. nota 6.
320 Do latim, controversia, discussão regular sobre assunto literário, científico ou religioso;
contestação.
321 VEGA, op. cit., p. 20, nota 100.
322 “Sobre a Pregação”. In: RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.104-105, nota 171.
323 Esse aspecto do projeto de conversão luliano, os melhores caminhos e todos os meios
necessários para alcançar a vitória serão analisados no próximo capítulo.
324 Para uma visão geral sobre essa questão, cf. MELENDO, Tomás. Iniciação à filosofia: razão, fé e
verdade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull),
2005.
325 CARRERAS I ARTAU, op. cit., p. 341, nota 1; COLOMER POUS, op. cit., p. 634-635, nota 13;
FIDORA, op. cit., p. 239-242, nota 4.
95
para converter judeus e sarracenos na verdadeira da fé, a cristã e ensinar aos
tártaros que eram pagãos, o que é a religião.
326
2.7. A UNIFICAÇÃO DOS CISMÁTICOS
Mas, qual é a relação da apologética com as cruzadas,
327
ou melhor, com a
missão?
328
Ao propor a realização de uma missão, a apologética luliana fazia
reaparecer e, ao mesmo tempo, recolhia em si uma tentativa de resgatar das
práticas do cristianismo primitivo.
329
A característica fundamental dessa reformulação se dava na necessidade de
recuperar a unidade do cristianismo. Afinal, uma das causas da desconfiança e da
descrença no credo cristão por parte dos infiéis era o fato de existirem várias
correntes por conta de suas divergências doutrinárias.
330
Três correntes de cismáticos são apresentadas por Ramon Llull: gregos, nestorianos
e jacobitas no Livro do Fim.
331
326 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 104-105, nota 171.
327 FLORI, op. cit., p. 293-313, nota 272.
328 O ideal de missão pregado por Llull também é fundamental para entender seus projetos. Sua
busca constante para manter relações políticas com reis e papas, fazia parte da necessidade de
conseguir recursos para que seus projetos pudessem ser postos em prática. A unificação da
cristandade e conversão dos infiéis eram seus principais objetivos. Em Llull, a missão tem o
significado de “pregação” ou “diálogo pacífico” com os infiéis, no intuito de convertê-los ao
cristianismo, conceito que tem como sinônimo a cruzada ou o gládio espiritual. SUGRANYES DE
FRANCH, op. cit., p. 275-290, nota 39.
329 GAYÀ ESTELRICH, op. cit., p. 31-32, nota 12.
330 Para uma visão aprofundada da visão luliana sobre os cismáticos, cf. GARCÍAS PALOU, op. cit.,
nota 278. Em especial o capítulo VI (El cisma oriental y sus derivaciones visto por Ramon Llull:
grave problema oriental, p. 98-302).
331 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 84, nota 171.
96
QUADRO 1:
SÍNTESE DAS DIFERENÇAS DE CREDO ENTRE LATINOS,
GREGOS, NESTORIANOS E JACOBITAS
Latinos Gregos Nestorianos Jacobitas
Espírito
Santo
O Pai gera o Filho e
espira o Espírito
Santo.
332
Não crêem que o Espírito
Santo foi espirado pelo
Filho, questão do
Filioque.
333
Jesus
Cristo
Em Cristo há uma só
pessoa e duas
naturezas:
uma divina, infinita e
eterna e outra finita e
nova.
Crêem que
em Cristo
existe uma
natureza.
334
Jesus
Cristo
Crêem que há
duas pessoas em
Cristo
Para que se realizasse essa unificação pela ação missionária, alguns pontos
deveriam ser demonstrados e provados como erros dos dogmas cismáticos. Os
gregos não criam que o Filho pudesse engendrar o Espírito Santo. Caberia aos
missionários destruírem esse erro com a seguinte argumentação:
Deus é um princípio simplesmente perfeito. Um princípio perfeito não
pode ser tal sem três elementos: que em tal princípio haja um
princípio principiante e não principiado, que nele outro seja princípio
principiante e principiado, e outro seja principiado e não principiante,
e que todos os três sejam um só princípio simplesmente perfeito.
(...) Pois Deus Pai é o princípio principiante e não principiado; Deus
Filho é o princípio principiante e principiado: principiante por que com
o Pai espira o Espírito Santo, principiado por que é engendrado do
Pai; e o Espírito Santo é principiado e não principiante: principiado,
por que é espirado do Pai e do Filho, não principiante, por que na
essência
335
de Deus não engendra nem espira qualquer pessoa.
336
Para o credo latino, Deus é um princípio perfeito, ou seja, uma Unidade de
Substância Divina na Trindade de Pessoas.
337
Para a filosofia luliana, inspirada no
332 Ibid., p. 84-91.
333 A questão do Filioque é a principal discordância doutrinária entre latinos e gregos, pois, para
estes, o Espírito Santo procedeu do Pai. Llull, contudo defendia a visão ocidental católica. Ibid.,
p. 84-87.
334 Ibid., 87-88.
335 Na filosofia luliana: “I) A essência é isso pelo qual existe o ser, e o ser é isso pelo qual existe a
natureza; II) O Ser é ente co-essencial da essência e da natureza do ser”. RAMON LLULL.
Començaments de Filosofia. NEORL, vol. VI, Palma: Patronat Ramon Llull, 2003, p. 171.
336 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.84-87, nota 171.
337 TRINDADE. In: ABBAGNANO, op. cit., p. 975-976, nota 1.
97
credo latino, as Pessoas Divinas são Unas em Essência e distintas em Sua relação.
Ou seja, o Pai se relaciona com o Filho pela Paternidade, o Filho se relaciona com o
Pai pela Filiação, e o Espírito Santo se relaciona com o Pai e o Filho pelo Amor
divino, que é o que procede da relação amorosa entre Pai e Filho.
Essas relações o movimentos reais e intrínsecos (ad intra) à Substância Divina,
pois sem esse movimento Deus seria inativo, e isso, para Llull, é algo impossível
naquele que origina todo o Universo e lhe movimento a tudo o que pode ser
demonstrado através da doutrina dos correlativos.
338
338 A doutrina dos correlativos pode ser caracterizada como uma articulação original da Ontologia,
um estudo do ser, feito por Llull ao utilizar sua Arte. Os correlativos têm sua origem em um
desdobramento do modo nominal dos verbos transitivos: o particípio presente como forma
ativa, o último particípio como passiva e o infinitivo como ligação entre ambos. Deste
modo, Llull faz uso da doutrina que Santo Agostinho utilizou para explicar o mistério da Trindade,
aplicada aos verbos que expressavam as atividades da alma ('conhecendo', 'conhecido' e
'conhecer', 'amando', 'amado' e 'amar', etc.). REALE, op.cit., p. 447-449, nota 118.
Então, cada um dos princípios de Llull, uma vez transformados essencialmente em uma
força ativa, ampliaram-se, formando a tríade de seus correlativos (Bondade = bonificativo,
bonificável e bonificar; Grandeza = magnificativo, magnificável e magnificar, etc.). O que
Llull queria explicar por meio dessa terminologia estranha era uma mensagem de grande
alcance. Considerando que Deus era infinitamente ativo e fértil, suas Dignidades não poderiam
permanecer eternamente ociosas. A partir desta teoria nova se transforma o princípio
fundamental da teologia de Llull, a Trindade e a Encarnação poderiam ser demonstradas
racionalmente. Essa teoria, do ponto de vista filosófico, era a expressão da concepção
dinâmica dos seres. Por meio dos correlativos, que constituem as propriedades divinas, o
mundo se iguala analogicamente a Deus, participando do ritmo vital e trinitário existente em toda
a criação divina. A definição dos correlativos lulianos encontra-se disponível em:
http://quisestlullus.narpan.net/esp/62_prpis_esp.html#corrA. Acesso: 27 de agosto de 2007.
“Como Deus é bondade e a bondade se difunde da eternidade por toda a eternidade
(conhecida doutrina neoplatônica aceita pelas três religiões do Livro) a Trindade era, para Llull, o
resultado da atividade intrínseca das dignidades de Deus (Bondade [B], Grandeza [C], Eternidade
[D], Poder [E], Sabedoria [F], Vontade [G], Virtude [H], Verdade [I] e Glória [K]). Essa eterna e
generosa atividade intrínseca das dignidades de Deus obrava em cada coisa criada, agia no
mundo, criando assim uma permanente situação real e ternária: aquele que agia (sujeito), aquele
que recebia a ação (objeto) e o próprio ato em si. Llull designou nominalmente essas ações,
criando uma terminologia própria e diferenciando os sufixos em cada palavra. Assim, os atos da
bondade de Deus foram chamados de bonificativo (capacidade que a bondade tem de bonificar),
bonificável (aquele que pode receber a bondade) e bonificar (o ato da bondade); os atos da
grandeza de Deus (magnitude) de magnificativo, magnificável e magnificar, e assim por diante.”
COSTA, Ricardo da. O que é, de que é feita e porque existe? Definições lulianas no Livro da Alma
Racional (1296). In: COSTA, Ricardo da, TÔRRES, Moisés Romanazzi e ZIERER, Adriana (dirs.).
Mirabilia 5 - Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval, dezembro de 2005.
98
P a i
S ujeito
P r oprieda de a tiva
V erbo
F ilho
E sp?r ito S a nto
P r oprieda de passiva
Objeto
P r oprieda de conectiva
Essa doutrina intenta explicar o movimento, a relação e a igualdade entre as
Pessoas da Trindade: o Pai é princípio passivo e ativo, não é gerado e gera, o
Filho é o princípio ativo por ser gerado e gerar, e o Espírito Santo é princípio
passivo por ser gerado e não gerar, como mostra o quadro abaixo:
QUADRO 2: A AÇÃO AD INTRA DE DEUS
339
Os jacobitas “diziam que se da natureza divina e humana não derivasse de uma
natureza, a pessoa de Cristo não poderia ser una”.
340
Caberia aos missionários
latinos destruírem esse erro, e, para isso, deveriam seguir a seguinte argumentação:
Como qualquer indivíduo é uma pessoa e a natureza da sua alma
e do seu corpo não são convertíveis,
341
tal como a alma tem uma
natureza incorruptível e espiritual e o corpo a tem corruptível e
corporal, em Cristo uma é a pessoa e duas são as naturezas: uma
divina, infinita e eterna, e outra finita e nova, as quais, como tais
naturezas não são convertíveis.
342
339 Quadro retirado de COSTA, Ricardo da. A Árvore Imperial : Um Espelho de Príncipes na obra de
Ramon Llull (1232-1316). Niterói: Tese de doutorado. Universidade Federal Fluminense, 2000, p.
185.
340 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 87-88, nota 171.
341 Transformação de uma coisa em outra; transmudar.
342 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 87-88, nota 171.
99
Esse argumento seria comprovado com a aplicação da relação de semelhança.
Como o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, e o intelecto
humano tem capacidade limitada para compreender as relações intrínsecas a
natureza divina, cabe aos cristãos, por meio do entendimento de sua própria
natureza corporal e espiritual, compreender que em Cristo existiu uma pessoa e
duas naturezas.
Por sua vez, os nestorianos criam que haviam duas pessoas em Cristo, e afirmavam
que
Deus não teria podido fazer-se homem se não houvesse sido
homem em ato,
343
não em potência.
344
Se fosse homem, seria
pessoa humana, um ser humano e uma essência humana.
345
Chamam pessoa humana este homem existente por si e nomeiam a
pessoa do Filho de Deus pessoa por si existente.
346
Para convencê-los que essa concepção de Cristo era errônea, Ramon utiliza o
seguinte exemplo:
Este indivíduo,
347
quando era um embrião no útero, não era pessoa
humana, pois lhe faltava a alma racional. (...) Ao sobrevir a alma
racional, arrebatou-o totalmente com o que tinha no princípio, a
espécie humana (...) a alma e com ela tudo o que tinha por natureza,
o fez e o compôs homem, e o fez em um instante, em um momento
indivisível.
(...) o Filho de Deus, em um instante produziu um embrião, (...) e
naquele instante criou a alma racional; nesse mesmo momento,
transportou a natureza humana para a natureza divina e eterna, na
qual Deus se fez homem, e o homem Deus.
348
343 Na filosofia luliana, o conceito de ato representa uma realidade que se realizou ou está se
realizando do ser que irá alcançar, ou já alcançou sua forma final.
344 A potência é o príncípio ou a possibilidade de mudança.
345 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.88-91, nota 171
346 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.88-91, nota 171
347 O ente que foi concebido sem pecado, no ventre de Maria, no ato da Anunciação.
348 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 88-89, nota 171
100
Com essa argumentação seria possível aos missionários provarem que Cristo
possuía uma única pessoa e uma única natureza, indivisível e constituída de corpo e
espírito, o que torna Cristo Deus e homem, homem e Deus.
Somente quando as diferença dogmáticas fossem extintas entre latinos e cismáticos
é que os cristãos poderiam reunificar seu credo e todos reconheceriam o sucessor
de Pedro como único chefe espiritual da cristandade.
O próximo passo seria a expansão do credo entre todas as outras culturas, para que
o cristianismo se tornasse universal. Somente nesse momento a cristandade
conheceria uma imagem, ou seja, um reflexo da Jerusalém celeste na Terra.
101
2.8. A UNIDADE E A SUPREMACIA DO PODER ESPIRITUAL SOBRE
TODA A CRISTANDADE
Ramon Llull defendia a unidade do mundo cristão e a unificação de todos os homens
em um credo. Esse ideal demonstra seu desejo de exemplificar a unidade divina
por meio da unidade da criação e das criaturas:
Deus ordenou que neste mundo existam reis para ter justiça e
prelados para conservar a nossa fé. Abaixo dos reis existem condes,
duques e marqueses, cavaleiros e burgueses, mercadores e
camponeses, e o mesmo dos outros ofícios.
Deus ordenou o mesmo aos prelados, onde existem diversos ofícios
de clérigos, que, por ordem, devem manter a santidade e a verdade
no mundo para louvar, conhecer e amar a Deus.
349
A realização desse desejo possibilitaria que todo o Universo permanecesse em
ordem
350
, pois, como a criação foi ordenada através da unidade, nada poderia
concordar mais com a vontade de Deus do que a comunhão (comum união) de
todas as criaturas, legitimando a essa unidade.
351
Assim, até mesmo as autoridades espirituais e temporais deveriam ter uma cabeça,
o sucessor de Cristo responsável pelo pontificado romano, o papa, que representava
o poder e a unidade de Deus na terra.
352
349 (...) Déus ordonà que em aquest món sien reis per tenir dretura, e sien prelats per conservar
nostra fé; e sots rei són comtes, ducs e marqueses, cavallers e burgueses, mercaders e pageses,
e així de los altres oficis; e aixó mateix há ordonat sots prelats, on ha diverses oficis de clergues,
qui per orde deuen mantenir santedat, veritat, em lo món, a lausar, conèixer e amar Deu.
RAMON LLULL. Fèlix o el Libre de meravelles, op.cit., p. 270, nota 5.
350 Esta é uma interessante passagem do Livro das Maravilhas em que demonstra que Llull aceitava
e até mesmo desejava a permanência da ordem social existente. Assim, suas críticas e suas
propostas de reforma social não incluiam a mudança da estrutura social. Assim, Llull exprime a
típica visão medieval da ordenação deste mundo como um reflexo (imago) do além. OLIVER, A.,
EL XI, 1967.
351 CAVALCANTE, Ronaldo. Espiritualidade cristã na história: das origens até Santo Agostinho. São
Paulo: Paulinas, 2007, p. 345-346.
352 ULLMANN, op. cit., p. 97-124, nota 78.
102
Como o papa era o líder e defensor da cristandade, todos os cristãos, até mesmo o
imperador e os príncipes que estavam à frente do poder temporal, deveriam se
submeter ao comandante do poder espiritual.
353
O poder papal era transmitido pela
outorga dos poderes espirituais dados por Cristo a São Pedro. Assim, seus
sucessores eram sucessores diretos de Cristo quando adquiriam na sagração os
poderes espirituais recebidos por meio do próprio corpo místico de Cristo.
354
Essa sucessão direta de Cristo acoplava o papa aos supremos poderes espirituais,
que poderiam ser recebidos por alguém em sua condição humana. O papa era o
interlocutor direto da vontade divina na terra. Ramon sempre respeitou essa
faculdade pontifícia, por isso, sempre defendeu a tripla hierarquia social que era a
imago da Trindade.
355
Nos escritos lulianos também podemos perceber que a capacidade espiritual do
papa fazia dele o pastor, a ssola que conduzia toda a cristandade nos caminhos
retos da fé. Portanto, era uma das suas obrigações, liderar o movimento de
recuperação dos territórios cristãos em Ultramar, mesmo que para isso fosse
necessário se colocar diante do exército cristão, como estandarte e flâmula do
cristianismo.
356
Além das questões de liderança para os missionários, também eram necessários
recursos econômicos: “As despesas seriam relativamente pequenas se comparadas
353 Cf. nota 249.
354 ULLMANN, Walter. Escritos sobre teoría política medieval. Buenos Aires: Eudeba, 2003, p. 107-
146.
355 Sobre a questão da hierarquia, cf. DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do
Feudalismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 85-88.
356 ANTONIO OLIVER, C. R. El poder temporal del papa según Ramón Llull y postura de éste
relativa a las controvérsias de su tiempo. In: EL, vol. V, 1961, p. 99-131.
103
com os bens da Igreja, pois muitos bispos e prelados que, pessoalmente,
poderiam cobrir essas despesas com a quinta parte de suas rendas”.
357
Para Llull, todos os recursos e bens terrenos foram cedidos por Deus para a fruição
daqueles que O seguem com a primeira intenção: conhecer, honrar e amar a Deus,
o que pode ser traduzido com o Primeiro Mandamento, “Amar a Deus sobre todas as
coisas”.
358
Os recursos da Igreja que viessem da cobrança do dízimo, assim como parte dos
bens dos reinos cristãos, deveriam ser convertidos para a realização desse
propósito glorioso.
359
Afinal, esse projeto missionário era algo muito necessário e
urgente, pois a “seita de Maomé”, que era “cheia de contradições e lasciva”, já
levara centenas de almas para o Inferno, e levaria outras milhares à medida que
avançava “como uma sombra sobre a Terra”.
360
357 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 79, nota 171
358 Cf. nota 235.
359 Bens da igreja terrestre utilizados para financiar a cruzada.
360 CARRERAS i AUTAU, op. cit, p. 250, nota 1.
104
3. DA CRUZADA ESPIRITUAL: FORMAÇÃO E DIÁLOGO
COM OS INFIÉIS
Depois de resolvidas as questões relativas às finanças e à unidade do credo cristão,
seria o momento, para Ramon Llull, de iniciar a cruzada espiritual. A forma de ação
cristã seria pacífica. Os missionários buscariam, acima de tudo, dialogar com os
infiéis.
Contudo, para que esse diálogo se tornasse profícuo, era necessário preparar os
missionários no que se referia ao conhecimento do credo, da cultura e da língua de
seus destinatários, como também o método de abordagem e diálogo necessários:
Para converter os infiéis se seguirá esta ordem: o senhor papa e os
senhores cardeais elegerão um cardeal de vida santíssima, fervoroso
e instruído nas Sagradas Escrituras,
(…) esse cardeal fará construir quatro monastérios fora das cidades,
em lugares apropriados e agradáveis, com os bens da Igreja,
dotando-os perpetuamente com rendas suficientes, de tal maneira,
que possam viver os aprendizes de línguas como disse, e
disponham de livros suficientes e de mestres que os ensinem.
361
O passo seguinte para a boa realização desse “negócio santo” seria a seleção dos
futuros missionários:
Nesse Livro se e se demonstra que o senhor cardeal, delegado do
sumo pontífice para esse negócio, teria mensageiros e homens de
leis que enviaria para investigar fielmente entre todo o clericato quais
homens instruídos e devotos desejariam se aplicar em aprender
aquelas línguas, com vontade de suportar com grande amor e
paciência esse esforço e desgosto, e, finalmente, morrer pelo Filho de
Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo, que não temeu sofrer a morte por
eles.
362
361 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 79-80, nota 171.
362 Ibid.
105
Aqui vemos transparecer a doutrina paulina da União Mística com Cristo que
culmina com o martírio,
363
quando, mediante a ação do Espírito Santo pelo batismo,
os cristãos passam a viver a mesma vida do Cristo morto e ressuscitado, relembrada
por meio da celebração eucarística, ou seja, o Mistério Pascal.
364
A teoria luliana que subjaz a todo esse procedimento político-teológico tem como
pilar Paulo. Em sua Carta aos Gálatas, ele afirma: “(…) Fui crucificado junto com
Cristo. não sou eu quem vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida,
presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus”.
365
Dessa forma havia uma permutação entre Cristo e aqueles que escolheram viver
Nele, estes estavam destinados à salvação e a glória eterna. Quanto à garantia da
salvação, Paulo afirmava:
Vós não estais na carne, mas no espírito, se é verdade que o Espírito
de Deus habita em vós, pois quem não tem o Espírito de Cristo não
pertence a ele. Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto
pelo pecado, mas o Espírito é vida pela justiça.
E o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos dará
vida também a vossos corpos mortais, por meio do Espírito, que
habita em vós.
366
Essa relação de identidade do crente com Cristo é tão grande que os textos paulinos
nos fornecem um riquíssimo vocabulário: compadecer,
367
co-crucificados,
368
co-
363 CAVALCANTE, op. cit., p. 85, nota 351.
364 Ibid, p. 80-81.
365 Gl 2, 19-20.
366 Rm 8, 9-11.
367 Rm 8, 17.
368 Rm 6, 6; Gl 2, 9.
106
mortos,
369
co-sepultados,
370
co-glorificar,
371
co-sentar na Glória,
372
co-reinar,
373
co-
corporais,
374
co-herdeiros,
375
co-participação no Evangelho
376
e na Graça,
377
co-
alegrar-se,
378
co-imitadores,
379
con-formes ao Filho
380
e ao seu corpo de Glória,
381
co-
beneficiados com ele,
382
ocultos e manifestados com Cristo.
383
Todas essas metáforas utilizadas para denominar a relação humana com o divino
dão testemunho da participação da essência divina no homem, daqueles que são de
Cristo a partir do momento que se unem à ecclesia cristã.
É pela garantia da glória demonstrada através do sacrifício de Cristo que os
missionários da conversão luliana que fossem pregar entre os infiéis não deveriam
temer nem mesmo a morte, pois seus corpos ressuscitariam como “corpos
espirituais” pela ação do Espírito Santo
384
, pois aqueles que são testemunhas da
Verdade de Cristo serão desprezados, perseguidos, humilhados, rejeitados e, para
coroarem sua missão, terão um destino próximo ao de Cristo, seguindo assim a
conformitas crucis que Ramon Llull descreve em suas obras e que também está
presente nos textos paulinos:
369 2Cor 7, 3.
370 Rm 6, 5.
371 Rm 8, 17.
372 Ef 2, 6.
373 1Cor 4, 8.
374 Ef 3, 6.
375 Rm 8, 17.
376 1Cor 9, 23.
377 Fl 1,7.
378 1Cor 12, 26.
379 Fl 3,17.
380 Rm 8, 28.
381 Fl 3,21.
382 Rm 8, 32.
383 Cl 3,5s. A relação citada acima foi retirada de CAVALCANTE, op. cit., p. 81-82, nota 351.
384 Rm 8,11.23; 1Cor 15, 44-49; 2Cor 5,1-5; Ef 1,14.
107
Quanto a mim, não aconteça gloriar-me a não ser na cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e
eu para o mundo.
De resto, nem circuncisão é alguma coisa, nem a incircunsição, mas
a nova criatura […]. Doravante, ninguém mais me moleste. Pois eu
trago em meu corpo as marcas de Jesus.
385
Assim, aqueles que desejassem seguir por esse caminho dedicado à missão
deveriam estar dispostos a qualquer sacrifício para a sua realização, mesmo que
tivessem que oferecer-se como objeto de imolação, e doarem a própria vida. “Uma
vez encontrados esses homens, sendo ou não religiosos, eles receberiam
imediatamente uma licença do papa para irem aos ditos monastérios e habitá-los”.
386
Nos mosteiros, por sua vez, receberiam a formação necessária.
É interessante destacarmos também toda a simbologia que envolve essa
comunidade missionária, assim explicada por Llull.
Parece-me suficiente que nesses monastérios viva uma comunidade
de doze e um superior que complete o décimo terceiro. Restaria
estabelecer que, quando dois houvessem aprendido as línguas,
fossem enviados a pregar e entrassem dois novamente.
387
A simbologia do número treze foi muito importante para a Idade Média. Ele
representa a Última Ceia, momento em que Cristo estava reunido entre os seus
apóstolos e sabia quem iria lhe trair.
388
Os missionários nunca deveriam se esquecer
do sacrifício feito por Cristo pela Humanidade em pecado, que, mesmo com esse ato
385 Gl 6,14-15.17.
386 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 79, nota 171. No início da sua atividade, ele recebeu a
autorização de Jaime II de Maiorca, após suas obras terem sido aprovadas, para fundar o
mosteiro de Miramar. Contudo, a sorte de Miramar nos é conhecida, e não foi boa: sete anos
após sua fundação, Llull ainda o descreve como o modelo para todos os outros monastérios que
deveriam ser fundados; mas, dez anos depois, era visto como uma causa perdida. O território
de Maiorca foi perdido por Jaime II e, por fidelidade a esse rei, Ramon se afastou de Maiorca por
vários anos. GAYÁ, op. cit., p. 18, nota 12. Para o conceito de colégio, cf. nota 101.
387 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 79-80, nota 171.
388 TREZE. In: CHEVALIER, op. cit., p. 902-903, nota 98.
108
de amor, não O reconhecia como seu verdadeiro mestre.
389
O número treze é um número que representa uma “evolução fatal em direção à
morte”.
390
Os missionários que fossem para esses monastérios também sabiam que
o martírio poderia ser necessário.
Aqueles que abraçassem a causa da recuperação dos Lugares Santos e da
conversão dos infiéis seriam destinados a quatro monastérios, e ordenados quanto
ao estudo de línguas da seguinte forma: “no primeiro se ensinaria a língua dos
sarracenos, no segundo o hebraico, no terceiro, a língua dos cismáticos, e no
quarto, a dos tártaros ou pagãos”.
391
Mas se os cristãos não conheciam essas línguas, quem iria ensiná-las aos
missionários? Os mestres seriam recrutados nos lugares onde houvesse o uso e o
conhecimento do idioma.
Para contratar mestres dessas línguas, o indicado senhor cardeal
enviaria mensageiros aos respectivos países, onde encontrariam
homens pobres que, de bom grado e atraídos pelo lucro, viriam
ensinar os sobreditos homens valentes.
392
Essa forma de ordenação do ensino das línguas era necessária para evitar a
incompreensão e a zombaria que os infiéis poderiam fazer com os missionários
lulianos, caso não conhecessem sua língua, filosofia e costumes.
389 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 79-80, nota 171.
390 TREZE. In: CHEVALIER, op. cit., p. 902-903, nota 98.
391 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 91-93, nota 171.
392 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.80, nota 171.
109
Esses monastérios seriam construídos em terras de cristãos,
próximos do mar, que alguns fervorosos religiosos, movidos por
devoção, vão algumas vezes aos países bárbaros para converter os
infiéis, mas como não aprenderam à língua deles conosco, bem
pouca coisa podem fazer lá.
Não temos aqui efetivamente quem os instrua bem em línguas
estrangeiras e disso tenho experiência, pois fui um desses; assim,
os infiéis riem e menosprezam o que eles pregam ou dizem por que
se expressam de forma muito confusa pela deficiência de sua fala.
De maneira semelhante, quando disputam com os infiéis mediante
intérpretes, tampouco esclarecem as coisas, por que os intérpretes
não captam o sentido da cristã nem sabem palavras suficientes
para expressar nossa fé.
393
Ao final dessa explicação da ordem a ser seguida, Ramon faz uma apelo
emocionado e pede urgência para que seus propósitos sejam postos em prática.
Destaca os frutos espirituais que colheriam aqueles que assim agissem:
Ah, senhor papa, como serás bendito! Oh, senhores cardeais, que
recompensa recebereis (sobretudo o cardeal que reger esse
negócio)!
Começais, por Deus, começais! Vem a morte e serão passados e
estudados mil anos em que esse negócio não foi iniciado. As palavras
não foram lamentadas nem os dinheiros escamoteados, os mesmos
dinheiros que, talvez, bispos ou prelados não gastam ao serviço de
Deus. E, no entanto, não custaria mais do que disse. Não sabeis que
os sarracenos educam “assassinos” para objetivos temporais do
mundo presente?
394
Não seria algo de se admirar se educássemos santos para multiplicar
a honra de Jesus Cristo e a salvação dos gentios? disseram os
apóstolos a Jesus Cristo: “Aqui temos duas espadas”.
395
Ele
respondeu: “É suficiente”. Com isso, fez entender que tínhamos de
guerrear com a pregação e com as armas contra os homens infiéis.
Não sabeis o que Cristo disse: “Quem não está comigo, está contra
mim?”
396
, e que ele significou o comando desse negócio quando
disse: “Estima o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração”, etc.?
397
393 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.80, nota 171
394 Para a Seita dos Assassinos, cf. LEWIS, Bernard. Os Assassinos. Os primórdios do terrorismo
no Islã. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
395 Lc 22, 38.
396 Mt 12, 30.
397 Mt 22, 37.
110
3.1. DOS INSTRUMENTOS NECESSÁRIOS PARA O DIÁLOGO
Os primeiros missionários versados na Arte e conhecedores dos idiomas dos infiéis
seriam enviados para pregar entre os círculos de sábios muçulmanos.
398
Mas como
esse era o principal propósito do projeto luliano, deixaremos para analisá-lo mais à
frente.
Quando estivessem entre os infiéis, os missionários deveriam dialogar com eles.
Para que esse diálogo tivesse resultados positivos, fazia-se necessário cumprir duas
condições: restaurar o estilo dos apóstolos e dispor-se a um diálogo respeitoso,
utilizando as razões necessárias”, caminho pelo qual aquele que crê era convidado
a compreender e aquele que não crê obteria as respostas necessárias de forma
abrangente para entender racionalmente os argumentos da fé.
399
Llull tinha uma profunda convicção de que essa era chave para a interpretação do
credo latino. Era a partir dessa nova forma de diálogo, que possibilitava a
“demonstrabilidade” das verdades da fé, que a Arte luliana se inseriu no campo dos
debates filosófico-teológicos da época.
400
Para Ramon, esses eram os verdadeiros
instrumentos necessários para o sucesso de todos os seus planos, ou seja, para a
salvação da cristandade.
401
398 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.81-82, nota 171.
399 GAYÁ, op. cit., p. 19, nota 12.
400 Cf. nota 1.
401 GAYÁ, op. cit., p. 20, nota 12.
111
3.2. A CONTEMPLAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE APREDIZAGEM
DOS MISSIONÁRIOS
A contemplação também faria parte do aprendizado dos futuros missionários que
pretendiam participar desse projeto missionário.
402
Por meio da contemplação, o
cristão elevaria seu intelecto ao mundo espiritual e alcançaria compreensão dos
preceitos relativos à sua própria fé.
Assim como cria na possibilidade de vislumbrar as luzes das estrelas distantes da
terra, o crente também teria confiança que vislumbraria o mundo supralunar através
do êxtase stico.
403
Isso contribuiria para que o missionário tivesse a coragem
necessária e o ato supremo da virtude: entregar-se ao martírio.
404
A partir de então, seria possível iniciar a análise das especificidades do diálogo
com os cismáticos, os infiéis e os pagãos. Pois após percorrer esta fase de
aprendizado, o missionário estaria preparado para realizar sua missão.
Após todo esse itinerário pela mente luliana, espero que você, leitor, também esteja
mentalmente ambientado e concentrado para continuar nossa viagem. Pois, para
compreender Ramon Llull e seu grande projeto missionário, torna-se necessário
uma boa ambientação histórico-intelectual para alcançar o conhecimento do que ele
402 Tal como expõe Llull, o processo de contemplação respeita a estrutura do conhecimento e
segue os mesmos passos. Assim, por exemplo, quando diz que parte do “dizer”, assume o papel
da palavra (através do sentido do affatus), que se completa no conhecimento da realidade.
Seguimos, depois, um processo de ascensão do entendimento que contempla e reflete as
verdades criadas, seguindo o esquema ascensional do conhecimento, que vai do sensível até o
intelectual e o espiritual. GAYÁ, op. cit., p. 22, nota 12.
403 Para o conceito de teoria da iluminação, cf. 113. “A mística se define basicamente pela crença
da possibilidade de uma comunicação direta entre o homem e Deus, o êxtase. Os místicos
medievais tinham como base filosófica os tratados neoplatônicos, especialmente a obra de
Proclo e do Pseudo-Dionísio.” COSTA, op. cit., nota 69.
404 GAYÁ, op. cit., p. 21, nota 12.
112
entendia como a verdade. Também era necessário ter um grande respeito pelo
credo do outro, pois, inspirados pelo amor a Deus, somos impulsionados a amar o
próximo.
405
405 GAYÀ, op. cit., p. 111-117, nota 12.
113
4. O DIÁLOGO E A DISPUTA COM OS SARRACENOS
A visão luliana quanto à doutrina islâmica, o Alcorão e Maomé, foi demonstrada pelo
maiorquino em uma das suas obras pedagógicas, a Doutrina para Crianças (1274),
que Ramon escreveu para seu filho Domingos. Nela, ele emitiu a seguinte opinião:
Quando Maomé (...) foi à Vila de Triple e se fez profeta, disse que
Deus o enviara ao povo daquela cidade para prometer que eles
teriam, no Paraíso, a companhia de fêmeas, que comeriam manteiga
e mel, beberiam vinho, água e leite, teriam belos palácios de ouro,
prata e pedras preciosas, e teriam as vestimentas que desejassem.
Ele prometeu muitas dessas bem-aventuranças para que
acreditassem. Jogou-se na terra retorcendo as mãos e os olhos
quase como um endemoniado, dizendo depois que São Gabriel veio a
ele e mostrou palavras de Deus que estão em seu livro chamado
Alcorão. E que pela grande santidade de São Gabriel e de suas
palavras, ele não podia se conter e, por isso, se jogava na terra.
406
Por seus erros, Maomé é considerado na Doutrina para Crianças um homem
enganador e pecador.
407
Nessa obra, Llull desenvolve um discurso degradante sobre
o Islamismo: “Maomé foi um homem enganador que fez um livro chamado Alcorão, e
disse ao povo dos sarracenos que lhe foi dado por Deus, dos quais sarracenos
Maomé foi o iniciador”.
408
Ao descer do monte onde estivera em meditação por quarenta dias, Maomé foi até a
cidade de Triple, também chamada de Medina, e prometeu a recompensa
celestial àqueles que seguissem sua doutrina.
409
Para juntar fiéis para esse novo
406 RAMON LLULL. Doutrina para crianças. op. cit., nota 59.
407 CRUZ PALMA, Óscar de la. La información sobre Mahoma en la Doctrina Pueril de
Ramón Llull. Taula: Quaderns de pensament, n.º 37, 2002, pags. 37-49.
408 RAMON LLULL. Doctrina pueril., op. cit., nota 404.
409 Cf. nota 4.
114
credo, ele fez muitas promessas de glórias no Paraíso. É importante observarmos
que o Paraíso islâmico estava, segundo Llull e, conseqüentemente, a visão dos
cristãos medievais dividido em glórias corporais e espirituais, o que o diferenciava
muito do ideal cristão de Paraíso.
410
Para Ramon, as promessas desse profeta são falsas e suas “iluminações divinas”
411
também. O próprio Maomé, segundo o maiorquino, logo após a primeira recitação,
se apavorou pensando estar louco ou dominado por um demônio, pois, na própria
cultura árabe pré-islâmica existia a crença em gênios, os jinnis.
412
Estes eram
espíritos que zombavam dos humanos, muitas vezes os dominavam pelo resto da
vida. Quem fosse tomado por um desses espíritos, muitas vezes considerados
demônios, se tornavam charlatões, adivinhos, poetas ou cantores.
413
Como Ramon conhecia a cultura árabe e o Alcorão, ele considerou que as visões,
iluminações e sonhos de Maomé,
414
através dos quais ele tomava conhecimento das
sunnas corânicas, não passavam de possessões demoníacas.
410 Cf. nota 58.
411 Cf. nota 113.
412 GEISLER, op. cit., p. 25-32, nota 4.
413 Sobre a iluminação de Maomé, conta-se entre os islâmicos que, quando ele voltou a si, e
depois da primeira aparição do anjo Gabriel, ficou em estado de terror e repulsa. Maomé estava
horrorizado por pensar que poderia ter se tornado kahin (supostamente pessoa possuída por um
jinni, um dos espíritos que pensavam que habitassem a paisagem e eram enganadores). Os
árabes acreditavam que os poetas também eram possuídos pelos jinnis. Um bom exemplo disso
é a narrativa de Hassan ibn Tabit, poeta de Yathrib, que se tornou muçulmano. Ele dizia que,
quando recebeu a vocação poética, seu jinni lhe aparecera, jogara-o no chão e forçara os
peomas a saírem de sua boca. Essa era a única forma de inspiração conhecida na Arábia.
Maomé se apavorou com a idéia de que podia ter se tornado majnun, isto é, possuído por um
jinni. Então correu para fora da gruta onde estava, e decidiu se jogar do seu cume em busca da
morte. Mas na encosta da montanha teve outra visão, que o impediu e que, mais tarde,
identificou com o anjo Gabriel. ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de
busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 145-
146. Para mais informações sobre a poesia árabe, ver PEREIRA, Rosalie Helena de Souza (org.)
O Islã clássico: itinerários de uma cultura. São Paulo: Perspectiva, 2007.
414 Cf. nota 113; nota 66.
115
O maiorquino também acusa Maomé de ser um homem pecador, e afirma que suas
leis tem muitos enganos.
415
Segundo ele, alguns versículos do livro sagrado dos
islâmicos o compostos por uma linguagem confusa e misturam o credo, as
normas sociais e os costumes, com canções luxuriosas, então o Alcorão jamais
pode ser um milagre, como afirmou Maomé.
416
Quando lemos trechos referentes às mulheres e ao matrimônio entre os
muçulmanos, encontramos os seguintes dizeres no Alcorão: “desposai tantas
mulheres quanto quiserdes; duas ou três ou quatro. Contudo, se não puderes
manter igualdade entre elas, então desposai uma só”.
417
O texto corânico diverge da monogamia cristã e da fidelidade conjugal defendida
pela Igreja, e prega, segundo o olhar ocidental medieval, a prática constante da
luxúria, da concupiscência, da devassidão e da volúpia, comportamentos
considerados graves pecados pelos cristãos, pois satisfazem a carne e afastam o
espírito das glórias celestes.
418
Para Llull, Maomé foi um grande embusteiro, impostor e pecador, nunca um profeta.
Seu pecado ao instituir uma falsa religião se agravava um pouco mais a cada dia,
pois seu credo “impregnado de mentiras” havia levado para a danação eterna
várias almas, antes mesmo de sua própria condenação espiritual ao morrer, e, a
cada dia, mais e mais pessoas eram condenadas através de sua “seita perversa”.
419
415 GEISLER, op. cit., p. 32, nota 4.
416 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.81-82, nota 171.
417 Alcorão, IV, 03.
418 CRUZ PALMA, op. cit, p.46, ver nota 407.
419 Ibid.
116
As penas recebidas por Maomé no Inferno também deviam se agravar a cada dia,
pois além de professar uma falsa crença, denominou-se o último dos profetas e
portador da mensagem divina. Mas sendo ele conhecedor do credo cristão com o
qual teve contato enquanto era mercador, quando ainda vivia em Meca, tinha a
consciência da verdade que é Cristo, e não agiu em prol da sua propagação. Pelo
contrário, preferiu adquirir riquezas, poder e se tornar o chefe dos árabes e levar
centenas de milhares de pessoas a agirem até mesmo pela força das armas para
expandir a fé islâmica.
Os cristãos medievais entendiam que isso era um grande mal que se alastrou pelo
mundo por meio da jihad islâmica, pois a religião muçulmana tem características
universalistas e sua pretensão era – e é ainda hoje a de chegar a todos os confins
da Terra e assim converter toda Humanidade.
420
Ramon advertia aos cristãos sobre os graves erros dos muçulmanos e demonstrava
a necessidade de convertê-los ao cristianismo. Pois, aqueles que conhecessem as
provas contra os erros dos muçulmanos em suas obras, pela caridade cristã e por
interseção da misericórdia divina, não conseguiriam acomodar-se diante da
condenação de tantas almas e a mesmo do possível desaparecimento do
cristianismo sobre as trevas dessa “crença repleta de enganos e falsidades”.
421
Afinal, as promessas do paraíso islâmico eram muito sedutoras, e possibilitavam um
eterno deleite corporal. Enquanto isso, a “verdadeira glória eterna”, o Paraíso
420 Cf. nota 19.
421 CRUZ PALMA, op. cit, p.46, ver nota 407.
117
cristão, por ser quase inacessível à compreensão do intelecto humano obscurecido
pelo pecado, dificultava a compreensão e a busca pelos homens em seu caminho de
lágrimas, sofrimentos e retidão.
Pois, se o próprio Filho de Deus não foi reconhecido como o Messias e sofreu morte
de cruz, quão mais difícil seria ao intelecto humano racionalizar e compreender a
Deus, compreender a Trindade e conceber a possibilidade da Encarnação. Contudo,
Ramon conhecia o método que tornaria possível demonstrar todas as verdades do
cristianismo latino.
4.1. DA CONVERSÃO DOS SARRACENOS
A conversão dos muçulmanos era o principal objetivo do projeto missionário-
apologético de Ramon Llull. Mas esse plano era, acima de tudo, um projeto de amor
do “Procurador dos infiéis”, o que significava converter pelo diálogo, não pela
força.
422
A conversão deveria ser um ato voluntário, um ato de liberdade. Por isso, a
conquista das almas seria feita com armas espirituais, as mesmas armas que
centenas de anos foram utilizadas por Cristo e pelos apóstolos, e que converteram
milhares de pessoas pela persuasão.
423
422 SUGRANYES DE FRANCH, 1960, p. 275-276, nota 39; HILLGART, 1998, p.51.
423 Ibid.
118
As armas corporais, como a guerra e o cárcere, seriam utilizadas para forçar os
infiéis a ouvirem os missionários, caso oferecessem resistência à pregação. Para
isso, eles receberiam no cárcere a visita de um missionário que estabeleceria uma
disputa, e de certamente sairiam convertidos e, quando voltassem às suas terras
de origem, converteriam todo seu povo ao cristianismo.
424
E como os sarracenos “concordam com os cristãos em muitas coisas”, poderíamos
“tentar nos aproximar deles com nossa fé”, pois, convencê-los dos seus erros não
seria uma tarefa muito difícil se um missionário disputasse com eles utilizando as
“razões necessárias”.
425
O trabalho missionário luliano deveria se iniciar com os sábios do Islã, homens
versados em Filosofia. Assim, a argumentação racional seria mais bem aceita por
eles. Uma vez convencidos das verdades da cristã através dos argumentos
racionais, eles continuariam o trabalho dos missionários e converteriam os
maometanos iletrados.
426
Na obra de Llull, os principais temas da disputa com os muçulmanos são a Trindade
e a Encarnação. Sobre a Encarnação, Llull, afirma, no Livro do Fim:
Os sarracenos crêem que Nosso Senhor Jesus Cristo é Filho de Deus
e Espírito. Porém não crêem que seja Deus. Crêem também que foi o
melhor homem que jamais existiu, existe e existirá, que foi concebido
por obra do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria.
427
424 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 79-80, nota 171; SUGRANYES DE FRANCH, 1960, p.
275-276, nota 39; LLINARÈS, op. cit., p. 16, 128, nota 42.
425 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.81, nota 171.
426 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.81, nota 171; SUGRANYES DE FRANCH, 1960, p. 275-
276, nota 39; HILLGART, 1998, p. 51.
427 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.81, nota 171.
119
Como os sarracenos crêem que Cristo foi apenas um homem, far-se-ia necessário
provar Sua Encarnação, prova do Amor, da Bondade, da Sabedoria, e do Poder de
Deus para com a Humanidade.
428
Poder-se-iam prová-las pelo movimento extrínseco
(ad extra) das dignidades divinas, pelas quais Deus doa a cada ser Seus atributos
na medida exata. Porém, a maior prova do Seu amor foi descer do céu empíreo e se
fazer homem para morrer na cruz e redimir a humanidade do pecado original.
429
Os sarracenos também discordam da Trindade:
Os sarracenos crêem que um Deus. Porém, crêem que nós
cremos em um Deus dividido em três partes, e que cada uma delas é
Deus separada das outras duas. Crêem assim que nós cremos em
três deuses distintos, e em um Deus composto deles em comum.
430
Por sua vez, a Trindade pode ser provada através da teoria dos princípios
correlativos. Cada dignidade divina se divide em Potência, Objeto e Ato (Bondade, o
Bonificante e o ato de Bonificar), que resultam da atividade intrínseca (ad intra) das
dignidades, pois se as dignidades de Deus fossem ociosas, Ele também seria
ocioso, e isso é impossível.
431
O movimento das dignidades corresponde ao
movimento intrínseco a Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo e corresponde ao
agente, ao paciente e ao ato.
432
428 CARRERAS I ARTAU, 2001, p. 495, nota 1; LLINARÈS, op. cit., p. 43, nota 42.
429 CARRERAS I ARTAU, 2001, p. 505-506, nota 1; BONNER i BADIA, op. cit., p. 35, nota 103.
430 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p.81, nota 171.
431 BONNER I BADIA, op. cit, p. 34-35, nota 103.
432 Ibid. p. 51.
120
4.2. DA ACEITAÇÃO DO USO DAS ARMAS PARA FORÇAR OS
INFIÉIS AO DIÁLOGO, DA CRUZADA CORPORAL
Ao analisarmos a história da guerra, percebemos quatro possíveis formas
causadoras dos combates: defensiva, para se proteger do inimigo; social, para
vingar uma injúria sofrida; econômica-política, para adquirir bens e escravos, e
aristocrático-conquistadora, para a manutenção do poder conquistado por um
grupo social.
433
Duas formas se destacam ao analisarmos o combate entre cristãos e muçulmanos:
a guerra defensiva e a aristocrático-conquistadora, que geraram na Idade Média
uma grande valorização da casta militar cristã, os milites.
434
Nos séculos XIII e XIV, a fronteira territorial mais marcante de toda a Europa
medieval era aquela que separava cristãos e muçulmanos. A guerra entre eles, por
quase toda a Idade Média, foi uma tentativa de delimitar e cristalizar essa fronteira.
No presente capítulo, tratamos do caso da Península Ibérica, o que torna necessário
destacar as peculiaridades sociais dessa região. Pois, apesar de toda a mudança na
sociedade do século XIII e o surgimento da burguesia nas áreas centrais da Europa
(França, Inglaterra, Itália etc.) e na própria região de Aragão e Maiorca, o que
prevaleceu como modelo ideal da sociedade hispânica foi a forma tripartida.
433 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1986, p. 450-454.
434 COSTA, Ricardo da. A cavalaria perfeita e as virtudes do bom cavaleiro no Livro da Ordem de
Cavalaria (1275), de Ramon Llull (2001). In: FIDORA, A. e HIGUERA, J. G. (eds.), op. cit., p. 13-
40. Disponível em: http://www.unav.es/pensamientoclasico/publicaciones/CAF17.html. Acesso:
10 de julho de 2006.
121
Como as sociedades centrais não se enquadravam mais nesse modelo tripartido
(clérigos, cavaleiros e camponeses) predominante nos séculos X e XII, a ordem dos
comerciantes foi vista com grande preconceito por clérigos e leigos. O próprio
Ramon Llull, não via com bons olhos esse novo tipo de atividade.
435
Nessa construção do imaginário social medieval, (que não correspondia exatamente
à realidade, visto que o próprio Llull percebia vários grupos sociais) os oratores
vinham em primeiro lugar e possuíam uma missão fundamental: orar pela salvação
das almas.
436
Abaixo deles estavam os milites indivíduos pertencentes à cavalaria
que, entre os séculos XI e XIII, transformaram-se lentamente em uma nobreza
hereditária detentora de terras.
437
Abaixo dessas duas estavam os camponeses, pés que sustentavam todo o corpo
social
438
, indivíduos vinculados aos senhores pelo usufruto da terra e, em troca, o
435 El pensament pedagògic de Ramon Llull. In: BATLLORI, op. cit., p. 117, nota 89.
436 ”Después de hablar con Dios a respecto de dos oficios liberales – el Derecho y la Medicina (y con
un tono muy crítico y lamentoso) Llull inicia sus meditaciones divinas sobre las artes
mecánicas. Son esos los profesionales citados: 1) Mercaderes, 2) Marineros, 3) Juglares y
trovadores, 4) Pastores, 5) Pintores, 6) Labradores, 7) Maestros de oficios y otros (son 35!:
herreros, carpinteros, albañiles y tapiceros, orfebres y acuñadores, escribanos, zapateros,
sastres, peleteros, tejedores, barberos, carniceros, cazadores con trampas y lazos, tenderos,
molineros, cristaleros, alfareros y aceiteros, horneros, hortelanos, taberneros, alcaldes, vicarios,
procuradores, alguaciles, carteros, pregoneros, cambistas, trajineros, jugadores, ballesteros,
corredores, calafates y transportadores). ¡En el total de esta riquísima visión de la sociedad de su
tiempo, Llull nos muestra dos oficios liberales (abogados y médicos), dos musicales (juglares y
trovadores) y treinta y nueve oficios mecánicos! Su mirada hacia el mundo urbano se explica por
la lenta y tenaz valorización del trabajo ocurrida en el siglo XIII. Oficios hasta entonces
considerados viles o ilícitos fueron rehabilitados, como el de carnicero y el de hostelero.”
COSTA, Ricardo da. Las definiciones de las siete artes liberales y mecánicas en la obra de
Ramón Llull. In: Revista Anales del Seminario de Historia de la Filosofía. Madrid: Publicaciones
Universidad Complutense de Madrid (UCM), vol. 23 (2006), p. 135-136. Disponível em
http://www.ucm.es/BUCM/revistas/fsl/02112337/articulos/ASHF0606110131A.PDF. Acesso: 10
de janeiro de 2008.
437 COSTA, op. cit., nota 2.
438 LE GOFF, Jacques e TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro:
Brasileira, 2006, p.161-172.
122
pagamento de impostos.
439
Nessa divisão social funcional, a violência e a guerra eram questões cotidianas tanto
para os detentores das armas quanto para aqueles que sofriam seus ataques ou
tinham sua proteção. Pois a principal função dos cavaleiros, conforme o espírito
cristão e os manuais de cavalaria, era lutar para proteger os mais humildes. Na
prática, no entanto, nem sempre era isso que ocorria, devido à baixa penetração do
cristianismo nas consciências de então.
Muitos cavaleiros transgrediam o estatuto de honra do bom cavaleiro, e atacavam
pessoas que não tinham como se defender, como padres, viúvas, e camponeses.
440
4.3. A GUERRA NA IDADE MÉDIA
Muito me agrada o alegre tempo da Páscoa que faz chegar as folhas
e as flores (...) e o meu coração alegra-se quando vejo fortes castelos
cercados (...) clavas, espadas, elmos de cores, escudos, vê-lo-emos
feitos em pedaços desde o começo do combate (...) quando vejo,
enfim, os mortos que, nas entranhas, tem ainda cravados os restos
das lanças, com as suas flâmulas.
Bertrand de Born (1159-1197)
441
439 Ramon Llull oferece uma visão bem generosa dos camponeses: “1. Oh, Deus amoroso! De Vós
seja conhecida toda a altura, toda a grandeza e toda a honra como livre Senhor. Bendito sejais
Vós, pois vemos que os lavradores lavram a terra e a maduram para que fruto; e vemos,
Senhor, que a terra que é mais bem lavrada e pensada é aquela que melhor dá fruto. Assim, se a
terra, que é coisa morta, sem entendimento e sem razão, fruto onde é mais bem pensada e
lavrada, da mesma forma a alma humana deixa dar fruto se o corpo é obediente e submetido às
Suas virtudes. 2. Glorioso Rei da glória, assim como os lavradores restituem a saúde à terra e a
maduram para semear nela a semente, da mesma forma vemos que Vós, Senhor, tendes
semelhantes homens pobres diante da presença de homens ricos para que os ricos dividam suas
riquezas com os pobres, pois aquelas riquezas dão frutos e se duplicam para os homens ricos. 3.
Portanto, bendito sejais Vós, Senhor Deus, pois assim como haveis dado muitas e diferentes
sementes aos lavradores para que semeiem a terra, da mesma forma haveis dado aos homens
ricos muitas e diferentes riquezas para que eles possam dar e dividi-las com os homens pobres
que, pelo Vosso amor, desejam ser pobres e adquiri-las dos homens ricos.”, RAMON LLULL, O
Livro da Contemplação, Cap. CXXI (tradução: Ricardo da Costa).
440 COSTA, op. cit., nota 2.
441 BERTRAND DE BORN, apud. BLOCH. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, s/d, p. 307.
123
Na passagem acima do poema do trovador Bertrand de Born podemos sentir a
alegria do homem medieval ao participar de uma batalha. A guerra era uma festa,
uma celebração social.
442
Eles iam para as batalha contentes, pois, pelo seu código
de conduta, o guerreiro era digno de ser lembrado e ter seus feitos rememorados
quando morriam bravamente em combate. Diversas canções de gesta descrevem os
feitos gloriosos dos reis e de seus guerreiros.
Mas do outro lado da moeda, distante dos feitos gloriosos, existiam cavaleiros que
dependiam da guerra para sobreviver. Estes eram denominados mercenários, pois
vendiam sua bravura e força para o exército que mais lhe pagasse, como também,
por sua participação em torneios. Formava uma casta interna a cavalaria que era
denominada de cavaleiros andantes.
443
Hoje é paradoxal pensarmos a guerra como fonte de vida, mas na Idade Média isso
era natural, pois muitos mercenários necessitavam da continuidade das batalhas
para garantir sua sobrevivência.
442 COSTA, Ricardo da. A Morte e as Representações do Além na Idade Média - Inferno e Paraíso
na obra Doutrina para crianças (c. 1275) de Ramon Llull. In: Anais Eletrônicos do IV Encontro da
ANPUH-ES - História, Representações e Narrativas. Vitória, 2003.
443 BLOCH, op. cit, p. 307-312, nota 31; ZUMTHOR, op. cit., p. 178-208, nota 51.
124
A guerra era uma atividade coletiva levada a cabo pela nobreza. No caso da
Península Ibérica, a guerra foi durante o período da reconquista das terras
dominadas pelos muçulmanos um fator de coesão interna entre os cristãos para
expulsar os infiéis. Contudo, assim que a maior parte do território era conquistado
pelos reis e senhores cristãos, surgiram as disputas internas, e as diferenças entre
esses reinos nascentes transpareceram, o que suscitou divisões da Península
Ibérica.
Essas querelas eram tão grandes que, até o final da Idade Média, como afirma o
arcebispo de Toledo, Rodrigo Jiménez de Rada (1170-1247), a Ibéria era “o país dos
cinco reinos”: Portugal, Castela, Leão, Navarra e Aragão.
444
Contudo, apesar das particularidades locais, existem duas premissas sobre a guerra
durante a Idade Média que merecem destaque. Esse período se caracterizou por
uma grande insegurança endêmica, uma vez que, as práticas militares eram
legitimadas e necessárias por causa das ameaças internas e externas aos territórios
cristãos.
445
Por outro lado, com o passar do tempo, para conter esse instinto belicoso, os
conflitos passaram a ser resolvidos por instituições judiciais, representadas pela
figura de um árbitro que podia ser um senhor feudal, um clérigo ou um monarca,
cujo objetivo era regulamentar e limitar a guerra justa.
446
444 RUCQUOI, op. cit., nota 272; COSTA, Ricardo da, op. cit., p. 30, nota 6 e BONNASSIE, op. cit.,
p. 189, nota 53.
445 CARDINI, Franco. GUERRA E CRUZADA. In: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean Claude
(coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval I. São Paulo: Imprensa Oficial / EDUSC,
2002, p. 473.
446 Ibid.
125
Entretanto, essa arbitragem nem sempre foi eficaz. Muito antes, desde o séculos X,
essas instituições judiciais serviram para fortalecer ainda mais a nascente ordem da
cavalaria, única ordem social que possuía o direito de portar armas, o que lhes
conferia um enorme poder. Na prática, esse poder se converteu em violência contra
homens e bens. A guerra era feita para se alcançar ou manter o poder e para
aumentar os bens privados com espólio de guerra.
447
Outras formas dos cavaleiros aumentarem suas posses era a participação em
torneios
448
e os resgates pagos em troca da vida dos prisioneiros de guerra. Essas
práticas eram muito comuns entre todos os guerreiros, porém, os mercenários
faziam dela algo habitual.
449
Toda essa violência fez surgir uma teoria da guerra, tentativa de institucionalizar o
combate e aliviar o peso da destruição sempre paga pelos mais humildes. A partir do
século XI, ressurgiu o ideal de guerra justa, teorizado no culo IV por Santo
Agostinho –, na tentativa de diminuir os conflitos. A guerra justa possuía três
características:
1. Teria que ser autorizada pelo príncipe;
2. Sua causa deveria ser uma injustiça cometida pelo atacado, em autodefesa;
3. Seu objetivo era restabelecer a paz entre os dois lados beligerantes, isto é,
fazer o bem e evitar o mal.
450
447 BLOCH, M. op. cit, p. 311, nota 31.
448 COSTA, Ricardo da. Os torneios medievais. In: Boletín Electrónico de la Sociedad Argentina de
Estudios Medievales (SAEMED), año II, n. 3, Abril/Julio de 2008. Disponível em
http://webs.uolsinectis.com.ar/jorgerg/boletin. Acesso: 15 de maio de 2008.
449 Ibid, p. 309-312.
450 CARDINI, F. op. cit., p. 475, nota 20.
126
Surgiram também nessa época os códigos das ordens de cavalaria,
451
que pregavam
a honra do cavaleiro, e expressavam a obrigação dos cavaleiros de defender os
indefesos e combater por Cristo, a guerra santa.
452
Isso contribuiu para a criação das
ordens militares.
O principal objetivo dessas ordens era acabar proteger os peregrinos à Terra Santa
e com os conflitos entre os cristãos, direcionando todo potencial belicoso do
Ocidente para além de suas fronteiras. Desse cenário descrito acima surgiu o
movimento das cruzadas.
453
4.4. A GUERRA NO TERRITÓRIO DE FRONTEIRA
No início do século XIII, a maior parte das terras da Península Ibérica que estiveram
por alguns séculos sob a posse dos muçulmanos havia sido recuperada pelos
cristãos. Contudo, restavam ainda algumas áreas, como o Levante e as Ilhas
Baleares.
454
A conquista desses territórios foi comandada por Jaime I, o Conquistador, rei de
Aragão (1213-1276), que aproveitou a fraqueza dos territórios mouros após a
Batalha de Las Navas de Tolosa (1212) para reconquistar Maiorca e as Ilhas
451 Um importante código desse tipo é o Livro da Ordem de Cavalaria escrito entre 1279 e 1283, que
se insere nessa tradição ideológica de construção de um ideal de ética da cavalaria
fundamentada nos valores de moralidade cristã. RAMON LLULL. O Livro da Ordem de Cavalaria
(1279-1283) (trad., apres. e notas de Ricardo da Costa). São Paulo: Editora Giordano, 2000.
452 Cf. nota 19.
453 CARDINI, F. op. cit., p. 476, 478-479, nota 20.
454 LLINARÈS, op.cit., p. 13-14, nota 42; BONNASSIE, op. cit., p. 210-212, nota 53.
127
Baleares (1229-1235).
455
Em quase todos os territórios reconquistados, Jaime impôs
aos muçulmanos o pagamento de impostos, mas respeitando suas leis e seus
costumes, com a condição de dividirem a cidade com os cristãos, fator importante
para a formação de uma corporação militar fiel ao rei. Após as conquistas, todos os
participantes cristãos tinham que jurar fidelidade ao rei, que, em troca, lhes concedia
terras.
456
Maiorca, após a reconquista (1231), tornou-se uma região singular, dando origem a
um espaço econômico plural que favorecia as relações comerciais e políticas. Os
mudéjares maiorquinos,
457
maometanos que ficaram na ilha por não ter para onde ir,
foram inseridos na nova sociedade como cativos, casatos
458
ou livres que pagavam
impostos aos cristãos.
459
Os judeus também estavam presentes nessa sociedade de
fronteira. Alguns inclusive receberam terras nas repartições,
460
outros ocupavam
importantes cargos administrativos.
Por ter convivido intimamente com a corte maiorquina, Ramon conhecia muito bem a
política e a diplomacia da região. Estava acostumado a se relacionar com príncipes,
reis e senhores de diversos lugares.
461
Isso facilitou posteriormente seus contatos
para divulgar seus projetos de conversão dos infiéis e unificação da Christianitas,
455 LLINARÈS, A. loc. cit., p. 220. Para a batalha de Las Navas de Tolosa, ver COSTA, Ricardo da.
Amor e Crime, Castigo e Redenção na Glória da Cruzada de Reconquista: Afonso VIII de Castela
nas batalhas de Alarcos (1195) e Las Navas de Tolosa (1212). In: OLIVEIRA, Marco A. M. de
(org.). Guerras e Imigrações. Campo Grande: Editora da UFMS, 2004, p. 73-94.
456 Cf. nota 81.
457 Árabes, seguidores do islamismo na Espanha Cristã. MENOCAL, Maria Rosa. O ornamento do
mundo. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 51.
458 Com liberdade parcial
459 IRADIEL, Paulino; MORETA, Salustiano; SARASA, Esteban. Historia medieval de la Espana
cristiana. Madrid: Cátedra, 1989, p. 354.
460 RUCQUOI, A. op. cit., p. 179, nota 472.
461 CARRERAS I AUTAU, op. cit, p. 239, nota 1.
128
objetivos que seriam viáveis com a realização de uma passagem, isto é, uma
expedição de conquista dos territórios dominados pelos infiéis, localizados dentro e
fora da Europa.
129
4.5. A GUERRA NA OBRA DE RAMON LLULL
Para analisar esse contexto, apresentamos as estratégias de guerra que o filósofo
Ramon Llull formulou para reconquistar a Terra Santa dos muçulmanos. Para isso,
analisaremos suas obras intituladas Livro da Passagem (1292),
462
Livro do Fim
(1305)
463
e Livro da Aquisição da Terra Santa (1309).
464
No Livro da Passagem, primeira obra escrita por Llull logo após a queda do último
reino latino no oriente, São João de Acre (1291), foi dedicada ao papa Nicolau IV
(1288-1292).
465
A primeira parte da obra Llull denominou Como a Terra Santa pode
ser recuperada. Nela, o maiorquino descreve qual a melhor forma para os cristãos
derrotarem os sarracenos, e demonstra as vantagens do exército sarraceno sobre
os cristãos (e vice-versa).
466
A primeira vantagem dos exércitos muçulmanos sobre os cristãos era a liberdade de
locomoção e movimento, pois os sarracenos não usavam armaduras pesadas que
os cristãos portavam, e que limitavam muito a mobilidade destes. Outra vantagem
dos sarracenos ao lutarem com os cristãos era, para o filósofo agora estrategista, a
formação e divisão do exército.
Os sarracenos tinham “um chefe para cada dez, outro para cem, outro para mil e
assim por diante. E quando algum deles era desobediente, o chefe era quem sofria o
462 Cf. nota 160.
463 Cf. nota 171.
464 Cf. nota 164.
465 Cf. nota 157.
466 Cf. nota 164.
130
castigo”.
467
Se os cristãos utilizassem essa forma de ordenação, poderiam inibir no
exército as lutas pelo comando das tropas.
Na segunda parte do Livro da Passagem, Ramon descreve a forma de guerrear por
mar e por terra contra os sarracenos. Quando os cristãos fossem atacar os
sarracenos pelo mar, era necessário uma providência prévia, qual seja, a destruição
dos mercadores sarracenos, pois isso aumentaria o número de mercadores cristãos
pelos mares.
Esse gesto bélico também possibilitaria aos cristãos dominarem as terras costeiras
dos territórios sarracenos. Essa diminuição de seus recursos impossibilitaria a
guerra e a sua defesa contra os ataques cristãos.
468
Tomadas essas providências no combate pelo mar, a guerra por terra seria muito
mais fácil. Inicialmente os cristãos deveriam aprender o modo de guerrear dos
sarracenos. Esse era um importante estratagema para os cristãos alcançarem a
vitória.
469
No Livro do Fim (1305), a segunda distinção trata sobre a Maneira de se fazer a
guerra. Analisaremos sua quarta parte, que é sobre o Lugar. Nela, são descritos os
cinco caminhos que os cristãos poderiam seguir para conseguir tomar posse da
Terra Santa, que são:
467 Ibid.
468 Ibid.
469 Ibid.
131
1. A rota através da terra do imperador de Constantinopla e dos turcos, seguindo
depois pelas terras da Armênia e da Síria”;
2. A passagem “pela ilha chamada Roseta, situada à margem de Alexandria”;
3. A conquista “pelo mar em direção a Chipre, pela Armênia”;
4. Pela “Tunísia” e
5. Pela “Espanha, isto é, a Andaluza, onde há Almeria, Málaga e Granada”.
470
De todos esses caminhos, Ramon aconselhava o último, pois, considerava-o o mais
agradável. A rota a ser seguida passava pelo “mar e pelos reinos de Aragão e de
Castela”. Além disso, a Espanha abasteceria o exército com cavalos e alimentos,
por ser uma região fértil.
471
A guerra teria início com um pequeno exército que conquistaria, uma a uma, as
fortalezas e vilas, multiplicando as forças cristãs. Depois de conquistada a Andaluza,
o exército cristão passaria para Barbária Maior, Ceuta, Túnis, até chegar à Terra
Santa de Jerusalém, para, em seguida, conquistar todo o Egito.
472
A outra obra em que Ramon abordou esse tema foi o Livro da Aquisição da Terra
Santa (1309), entregue pelo próprio autor ao papa Clemente V, que, nessa data,
residia em Avignon. Na Primeira Parte da Primeira Distinção, o maiorquino trata da
organização do exército cristão para conseguir a vitória com as armas. Esta parte se
subdivide em seis temáticas, das quais expomos apenas aquelas que se relaciona
diretamente com nosso trabalho.
Primeiramente, sobre as galeras. Os cristãos têm em maior número que os
sarracenos, o que proporciona àqueles um controle dos mares, estratégia
470 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 99-100, nota 171.
471 Ibid.
472 Ibid.
132
fundamental para impedir que o comércio marítimo dos sarracenos se desenvolva
ainda mais e enriqueça comerciando com pérfidos cristãos que pensam em seu
lucro e não vislumbram o fato de estarem abastecendo o exército inimigo de
recursos financeiros. Os cristãos também deveriam atacar o litoral das terras dos
sarracenos, causando-lhes muitos danos.
A segunda arma superior do exército cristão era o uso da balistas e dos
balisteiros,
473
homens que iriam combater contra os arqueiros sarracenos, “pois os
cristãos possuem a máxima abundância de lanças e dardos. E de perto, com lanças
e dardos, os balisteiros vencem os arqueiros, e de longe, também a espada e as
próprias máquinas”.
474
Ramon encerra essa parte da obra louvando a superioridade cristã com as seguintes
palavras: “Esta vantagem a Sabedoria dispõe, organiza, delibera e indica no sujeito
que está habituado, gera a Justiça e a Prudência e o mesmo do Poder e também da
Caridade (...)”.
475
Ramon também repreende aqueles que não seguem seu preceitos: “(...) se o sujeito
é rebelde, não age conforme as supracitadas disposições (...) aguarda
perpetuamente as penas infernais, pois Deus, que é Justo, Poderoso e Sábio, não
pode ser coagido nem enganado”.
476
473 Catapulta, máquina romana de guerra com a qual se arremessavam flechas ou pedras. A besta,
ou balestra, era uma arma portátil de arremesso de dardos extremamente eficiente na
penetração das cotas de malhas, escudos e armaduras. Seu uso foi restringido, a partir do século
XI, pela Igreja, sendo ameaçado de excomunhão quem fizesse uso dela contra cristãos. Dessa
forma, ela foi implicitamente permitida apenas na guerra contra os muçulmanos. COSTA, op. cit.,
p. 113, nota 21.
474 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 100-101, nota 171.
475 Cf. nota 164, p. 108.
476 Ibid.
133
***
O Livro do Fim foi uma das últimas obras lulianas em que o tema das cruzadas foi
abordado. Nele, temos a melhor coletânea de tudo aquilo que Ramon considerava
belicamente necessário para realizar seu projeto missionário. A obra foi um dos
últimos suspiros de esperança do Procurador dos infiéis”, uma tentativa de
convencer os líderes da cristandade a realizarem tal empresa, sempre imbuídos do
ideal apostólico de conversão e expansão do cristianismo latino.
Após o Concílio de Vienne (1311), quando mais uma vez apresentou suas propostas
à corte clerical, Llull decidiu partir para o Norte da África, para pôr em prática
pessoalmente seu método: pregar entre os infiéis e se preciso fosse, sofrer o
martírio.
Ele conclui a obra demonstrando sua paixão por seu Amado e dor por se considerar
uma voz silenciosa que clamava no deserto. Llull dedicou o Livro do Fim ao Espírito
Santo, a Terceira Pessoa da Trindade que é Amor, pois somente o amor divino seria
capaz de “aperfeiçoar e completar tudo o que nela fora descrito”.
477
Seus projetos deveriam ser levados adiante para que os cismas cristãos
acabassem, os credos judaico e islâmico impregnados pelos erros fossem
reformados, e os pagãos tivessem o direito de conhecer a verdade da católica
romana. Quando tudo isso tivesse se realizado, a paz e a concórdia reinariam na
Terra. Essa era a doce utopia de Ramon Llull.
477 RAMON LLULL. Livro do fim, op. cit., p. 111, nota 171.
134
5. CONCLUSÃO
Mesmo admitindo o uso da força para alcançar a conversão dos infiéis, Ramon Llull
continuou sendo um pacifista ao longo dos anos em que andou, viajou, pediu,
implorou, chorou, lamentou e, por fim, enfrentou e tentou realizar a conversão dos
muçulmanos. Um gesto de amor, um gesto que colocava todo cristão diante de seu
maior dever – viver a fé de forma plena.
Essa proposta luliana permaneceu sempre centrada e atrelada ao preceito bíblico de
“amar e servir a Deus com toda a mente e todo o coração”. Esse era o seu modo de
convoca a todos, laicos e religiosos, a abraçar seu programa missionário.
Antes de tudo, no entanto, o próprio cristão deveria compreender a sua . Detentor
do intelecto, da alma racional, o homem deveria ir além do simples ato de crer. Era
quase uma obrigação da criatura portadora de alma e corpo amar Deus de forma
igual com seu intelecto esforçando-se para alcançar a compreensão racional com
sua vontade e sentindo todo o amor divino destinado aos homens em cada
elemento da criação.
Ao refletir de forma plena, de corpo e alma, sobre Deus, o filósofo pensava que o
homem compreenderia os propósitos divinos e seguiria a vida virtuosa aristotélica,
sendo exemplo para todos aqueles com quem ele realizaria o diálogo, quando
iniciasse sua missão.
135
Assim, todo cristão cumpriria a vontade de Deus ao converter os infiéis e se
completaria o círculo da vida cristã, nascimento ou morte. O cristão escolheria a vida
através de sua preocupação espiritual e intelectual. Pois a missão também
necessitava do debate teológico-científico que possibilitaria uma tomada de
consciência do outro, da “outra” cultura. Algo muito próximo àquilo que nos é
conclamado por Bento XVI em seu discurso “‹Fé, razão e universidade:
Recordações e reflexões”›, proferido em 2006.
Hoje podemos conhecer e refletir sobre as idéias de Ramon, mas nunca saberemos
como seria nosso mundo, envolvido em tantos conflitos político-religiosos, se esse
sonho tivesse se realizado. Resta-nos apenas meditar suas propostas e retirar delas
o melhor, aquilo que ainda hoje é possível para auxiliar a criação de um diálogo
franco, genuíno e límpido entre as culturas. Somente então poderemos sonhar,
como fez Ramon Llull, com o dia em que todas as religiões sejam aceitas e ajam em
comunhão, o objetivo de todos os credos em sua origem: a busca do bem, da
sabedoria e do amor ao próximo.
136
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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