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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Marcos Holanda Almeida
A poética da visualidade em Memórias Sentimentais de João Miramar,
de Oswald de Andrade.
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Marcos Holanda Almeida
A poética da visualidade em Memórias Sentimentais de João Miramar,
de Oswald de Andrade.
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
SÃO PAULO
2008
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Marcos Holanda Almeida
Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como
exigência parcial para
obtenção do título de Mestre
em Literatura e Crítica
Literária sob a orientação da
Profa. Dra. Olga de Sá.
São Paulo
2008
4
BANCA EXAMINADORA
__________________________
__________________________
__________________________
__________________________
__________________________
5
DEDICATÓRIA
À minha mãe, pelo apoio incansável e por acreditar em mim.
6
AGRADECIMENTOS
Aos professores do curso Literatura e Crítica Literária, por tudo o
que me ensinaram e pela generosidade.
À Profa. Dra. Olga de Sá, que aceitou a orientação deste trabalho,
garantindo sua realização. Por seu incentivo e paciência criteriosa.
À minha filha Evelyn, verdadeira luz para os meus olhos.
7
a massa ainda comerá do biscoito fino que eu fabrico
(Oswald de Andrade)
8
9
RESUMO
ALMEIDA, Marcos Holanda. A poética da visualidade em
Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de
Andrade. 2008. 90 f. Dissertação (Mestrado) Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008.
Esta dissertação tem por objetivo alcançar uma possível
leitura do romance, Memórias Sentimentais de João Miramar, a
partir das concepções teóricas do cinema Eisensteiniano, uma vez
que constatamos a necessidade de uma técnica de montagem na
leitura dos capítulos-fragmentos presentes na obra oswaldiana.
Além da teoria da montagem do cinema eisensteiniano, esta
pesquisa também fará uso do conceito de imagismo poundiano, a
fim de compreender o processo de condensação da imagem
utilizado na prosa miramariana. Analisaremos também o processo
de construção metonímico, provocado pela linguagem telegráfica
utilizada no romance, e a possível presença do cubismo na
concatenação e justaposição dos seus capítulos-fragmentos, a fim
de corroborar a tese de que Oswald antecipa diversos conceitos da
moderna teoria literária, criando, portanto, uma verdadeira poética
da visualidade em sua obra.
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Palavras-chave: Oswald de Andrade, Memórias Sentimentais de
João Miramar, Poética da Visualidade.
11
ABSTRACT
ALMEIDA, Marcos Holanda. The poetry of visuality in Memórias
Sentimentais de João Miramar, of Oswald de Andrade. 2008. 90 f.
Essay (Master’s degree) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2008.
This essay aims to achieve a possible reading of the novel,
Memórias Sentimentais de João Miramar, from the theoretical
concepts of film, from Eisenstein's theory of montage, once we see
the need for a technique of montage in reading the chapters-
fragments in this novel. In addition to the theory of montage of
Eisenstein’s movie, this research will also use the concept of image
from Ezra Pound theory of imagism in order to understand the
process of condensing the image used in Oswald de Andrade novel.
We also analyze the process of metonymy, caused by telegraphic
language used in the novel, and the possible presence of cubism in
the concatenation of its chapters and juxtaposition-pieces in order to
corroborate the theory that Oswald de Andrade anticipates several
concepts of modern literary theory, creating, therefore, a real poetry
of visuality in his work.
12
Key words: Oswald de Andrade, Memórias Sentimentais de João
Miramar, Poetry of visuality.
13
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................14
1. Da linguagem do cinema à linguagem literária............................18
1.1 . A justaposição dos capítulos- fragmentos e a reconstrução da
memória...........................................................................................33
2. Experiências vanguardistas: o cubismo e o futurismo no romance
moderno...........................................................................................38
2.1. A formação do pólo metonímico..............................................44
3. O texto sincrético na escrita de MSJM.......................................52
3.1 A poética da visualidade............................................................60
4. Considerações finais...................................................................75
Referências......................................................................................80
14
Introdução
A obra Memórias Sentimentais de João Miramar (1990),
juntamente com Serafim Ponte Grande (1980) marca, segundo os
críticos, o momento de maior inovação e, por conseguinte, o ápice
da prosa inventiva de Oswald de Andrade.
Esta inventividade está presente, como o indica o próprio
prefácio do livro, no uso da linguagem condensada e da metáfora
lancinante. Esta mesma linguagem fragmentada e telegráfica
aproxima-se da estética do cinema, formando assim uma prosa
cinematográfica. Esta prosa cinematográfica, empreendida da teoria
da montagem de Eisenstein, caracteriza-se pela sucessão de
imagens fragmentárias ordenadas, de cuja seqüencia ou colisão
emergiria uma nova imagem maior do que as imagens separadas
ou diferente delas. Como observa Haroldo de Campos (1990, p. 29)
o tempo requeria uma nova poesia e uma nova prosa,
comensuradas ao cinema.
A inventividade a que empreendeu Oswald de Andrade
também pode ser notada pela constante ruptura dos gêneros em
15
suas obras. Estas rupturas, que abolem os limites entre a poesia e
a prosa, denotam a radicalidade de sua engenhosidade criativa.
A radicalidade desta nova poética oswaldiana é ainda maior
se levarmos em consideração a técnica empregada por Oswald na
composição das Memórias Sentimentais de João Miramar, uma vez
que o enredo tradicional não existe, pois a sucessão de seus
capítulos-instantes, de seus fragmentos, se faz como se fosse uma
prosa cinematográfica, isto é, desenvolvida com descontinuidade
cênica, criando assim uma espécie de simultaneidade dos
acontecimentos. Esta tentativa de simultaneidade está aliada à
justaposição de textos de várias naturezas: cartas, diário, discursos,
poemas, teatro etc..
Oswald utiliza-se, portanto, de diversos recursos para inovar
na sua prosa, dentre eles podemos destacar ainda a forte presença
de aspectos cubistas, que se apresentam no momento mesmo da
concatenação dos capítulos-fragmentos presentes ao longo de todo
o romance, findando em um processo que se poderia chamar
metonímico, segundo a definição de pólo metonímico apresentada
por Roman Jakobson (1973). Nesta definição encontra-se,
conforme anuncia Haroldo de Campos (1992, p. 98), uma possível
chave para a prosa oswaldiana, uma vez que é justamente nesta
16
construção metonímica que podemos encontrar o que de mais
surpreendente em Memórias Sentimentais de João Miramar.
O primeiro contato do leitor com esta obra permite
reconhecer que estamos diante de uma obra que transgride todas
as normas do romance convencional, que mistura continuamente
a prosa com a poesia, abolindo os limites entre uma e outra. Estas
rupturas se dão como acentua Antonio Candido (1970, p. 44),
graças à linguagem viva e expressiva, apoiada em elipses e
subentendidos.
Ainda sobre os recursos inovadores da prosa-poética
oswaldiana, Kenneth Jackson (1978, p. 14) observa que a
imagística sonora e visual dos romances de Oswald tem sido
comparada à de La Bataille de Trípoli (1911/1912) de Marinetti, pelo
emprego de recursos poéticos na prosa.
Esta indefinição inicial é o primeiro indício das inovações e do
radicalismo que Oswald de Andrade empreendeu em seu projeto
estético. Radicalismo este que se aproxima também do conceito de
Poética da Radicalidade (1966, p.35), que Haroldo de Campos bem
observa acerca da poesia de Oswald de Andrade.
17
O caráter expressivo causado pela exploração de uma
linguagem telegráfica e condensada, aliado à deglutição das formas
e estruturas européias pretendida por Oswald acentua as suas
pretensões por uma nova estrutura do romance brasileiro.
Levando em consideração estes aspectos abordados, esta
pesquisa tem por objetivo alcançar uma possível leitura do romance
a partir das concepções teóricas do cinema Eisensteiniano (cf,
EISENSTEIN, 2002), do imagismo poundiano (cf, POUND, 1970),
do processo de construção metonímico (cf, JAKOBSON, 1973) e da
possível presença do cubismo na concatenação e justaposição dos
capítulos-fragmentos do romance, a fim de corroborar a tese de que
Oswald antecipa diversos conceitos da moderna teoria literária,
criando, portanto, uma verdadeira poética da visualidade em sua
obra.
18
1. DA LINGUAGEM DO CINEMA À LINGUAGEM LITERÁRIA.
Oswald de Andrade, em seu processo de criação literária,
utiliza uma linguagem tão sintética e telegráfica, que seus capítulos-
fragmentos se aproximam muito da linguagem então utilizada pelo
cinema de sua época. São 163 capítulos-instantes, que ganham
significação e coerência na medida em que são encarados sob esta
ótica, a ótica da descontinuidade narrativa linear, e a montagem,
que é operada pelos olhos e pela mente do leitor. O processo de
construção em Memórias Sentimentais de João Miramar parece,
portanto, se enquadrar perfeitamente com o que Sergei Eisenstein
teoriza sobre o processo de montagem. Por montagem,
entendemos a “sucessão de imagens fragmentárias ordenadas, de
cuja seqüencia ou colisão emergiria uma nova imagem maior do
que as imagens separadas ou diferente delas”.(cf, CAMPOS, 1990,
p.30) Em seu ensaio Miramar na Mira, Haroldo de Campos nos
chama a atenção para estes aspectos que aproximam a prosa do
Miramar do cinema entendido à maneira eisensteiniana:
Uma vez que a idéia de uma técnica
cinematográfica envolve necessariamente a
19
de montagem de fragmentos, a prosa
experimental de Oswald dos anos 20, com
sua sistemática ruptura do discurso, com sua
estrutura fraseológica sincopada e facetada
em planos díspares, que se cortam e se
confrontam, se interpenetram e se
desdobram, não numa seqüência linear, mas
como partes móveis de um grande
ideograma crítico-satírico do estado social e
mental de São Paulo nas primeiras décadas
do século, esta prosa participa intimamente
da sintaxe analógica do cinema, pelo menos
de um cinema entendido a maneira
eisensteiniana.
(CAMPOS, 1990, p.29-30)
Ao transpor a linguagem do cinema à linguagem literária,
Oswald cria uma obra que desafia a capacidade imaginativa (visual
e sinestésica) de seus leitores, uma vez que a montagem
pressuposta por seus capítulos cria, freqüentemente, imagens
20
absurdas, com a finalidade de atualizar sua mordaz sátira aos
valores sociais e institucionais de sua época.
Vejamos o Capítulo 8 - Fraque de Ateu:
8 Fraque de Ateu
Sai de D. Matilde porque marmanjo não
podia continuar na classe com meninas.
Matricularam-me na escola modelo das tiras
de quadros nas paredes alvas escadarias e
um cheiro de limpeza.
Professora magrinha e recreio alegre
começou a aula da tarde um bigode de
arame espetado no grande professor Seu
Carvalho.
No silêncio tique-taque da sala de jantar
informei mamãe que não havia Deus porque
Deus era a natureza.
Nunca mais vi o Seu Carvalho que foi para o
inferno.
21
Analisemos inicialmente a justaposição de imagens presentes
no título que abre este capítulo, Fraque de Ateu, onde temos a
palavra Fraque, que nos evoca a imagem de uma vestimenta de
padre, o que nos leva diretamente a associá-la com a idéia de
religiosidade e devoção. Por outro lado, a palavra, Ateu, traz em si a
imagem controversa da proposição anterior. É justamente neste
ponto onde vemos a mordacidade da sátira poética de Oswald de
Andrade, pois consegue, pela simples justaposição das imagens
evocadas pelo título que abre o capítulo, não preparar o leitor
para o que virá em seguida, no sentido de antecipar-lhe ou mesmo
apresentar dicas sobre o seu conteúdo, como também lhe atiça a
curiosidade por meio desta justaposição de imagens tão
conflitantes, e portanto, tão dialéticas, fazendo-o repassar os
mesmos quadros de sua experiência. Sobre este aspecto da
montagem, em que o leitor (expectador) participa ativamente do
processo de justaposição das imagens, Eisenstein, teórico e
cineasta russo, nos diz que:
(...)a força da montagem reside nisto, no fato
de incluir no processo criativo a razão e o
sentimento do espectador. O espectador é
22
compelido a passar pela mesma estrada
criativa trilhada pelo autor para criar a
imagem. O espectador não apenas os
elementos representados na obra terminada,
mas também experimenta o processo
dinâmico do surgimento e reunião da
imagem, exatamente como foi
experimentado pelo autor. E este é,
obviamente, o maior grau possível de
aproximação do objetivo de transmitir
visualmente as percepções e intenções do
autor em toda a sua plenitude, de transmiti-
las com “a força da tangibilidade física”, com
a qual elas surgiram diante do autor em sua
obra e em sua visão criativas. (EISENSTEIN,
2002, p.29).
O processo de justaposição de imagens nos põe no centro da
criação literária, fazendo-nos participar de um processo paralelo ao
processo pelo qual o autor passou ao criar a sua obra.
23
Seguindo a análise, temos o capítulo em si, 8- Fraque de
Ateu, em que as palavras postas em liberdade vão se combinando
e criando contextos ainda mais inusitados, até chegar à síntese
dedutiva que o explica como um todo.
De início temos uma transposição de imagens, em que somos
informados da transferência do jovem aluno João Miramar, que
estudava em uma escola mista, para outra escola, em que
estudavam somente meninos. A descrição da imagem que compõe
esta nova escola nos envolve sinestesicamente. Mais adiante, o
recurso da onomatopéia é utilizado para gerar outras combinações,
em que o tique-taque do relógio nos informa sobre o silêncio que
havia na sala de jantar. A justaposição destas imagens cria também
a seguinte combinação: relógio + passagem do tempo + silêncio =
ansiedade. Desta forma, vemos o jovem Miramar romper o silêncio
da sala de jantar com a informação de que não havia Deus, porque
Deus era a natureza, conforme lhe havia ensinado na escola o Seu
Carvalho. A última frase deste capítulo, não conclui a imagem
como também explica todo o processo de construção da mesma,
em que temos o Seu Carvalho, com suas idéias panteístas e a mãe
de Miramar, uma mulher católica, cristã. Findando com a ida de Seu
Carvalho para o inferno, por ser, supostamente, um ateu.
24
João Miramar percorre assim todas as lembranças de sua
infância aliadas à fragmentação e a enumeração caótica com que
uma criança descobre e questiona o mundo. Esta visão infantil
aproxima-se de certo primitivismo, que ambas partem de certa
ingenuidade na visão de mundo lógico, mecanizado e racional.
No processo de construção da imagem da prosa oswaldiana,
a montagem não é uma simples correlação de fatos ou coisas, mas
um produto. Quando um produto de uma justaposição de
imagens, o resultado é diferente de cada elemento separado. No
caso da justaposição de imagens oswaldiana, o que temos sempre,
é uma combinação imprevista. A radicalidade deste processo
possibilita-nos, portanto, uma nova interpretação da cultura
brasileira por meio de sua assimilação destruidora e recriadora da
cultura Européia, que visava a uma civilização desrecalcada e anti-
autoritária
No ensaio Digressão Sentimental sobre Oswald de Andrade
(1970), Antonio Candido analisa os processos que aproximam a
prosa oswaldiana da linguagem do cinema, enfatizando, justamente
este caráter inusitado de decompor a imagem através de
associações muitas vezes absurdas até pulverizá-la e recompor
25
uma imagem diferente, o que segundo a terminologia de Eisenstein
seria o produto da justaposição das imagens.
Vejamos, portanto, como Antonio Candido avalia este
processo:
(...) a sua composição é muitas vezes uma
busca de estruturas móveis, pela
desarticulação rápida e inesperada dos
segmentos, apoiados numa mobilização
extraordinária do estilo. É o que explica a sua
escrita fragmentária, tendendo a certas
formas de obra aberta, na medida em que
usa a elipse, a alusão, o corte, o espaço
branco, o choque do absurdo, pressupondo
tanto o implícito quanto o explicito, obrigando
a nossa leitura a uma espécie de
cinematismo descontínuo, que se opõe ao
fluxo da composição tradicional.
Freqüentemente a sua escrita é feita de
frases que se projetam como antenas
móveis, envolvendo, decompondo o objeto
26
até pulverizá-lo e recompor uma visão
diferente. (CANDIDO,1970, p.78)
Como observa Antonio Candido, é justamente deste
cinematismo descontinuo que surge a principal marca desta nova
forma de narrar proposta por Oswald de Andrade, uma vez que
inverte justamente a posição do leitor, que agora também é
responsável por dar plasticidade à obra, realizando em sua mente a
síntese que dará significado ao romance.
Vejamos os capítulos 3. Gare do infinito e 56. Órfão para em
seguida analisarmos como Oswald, ao tratar do mesmo tema, a
morte, em dois momentos distintos da vida de João Miramar,
Infância e Juventude, cria conexões e justaposições inesperadas,
dando ao assunto sentido e caráter estético diferente por meio da
montagem.
3.Gare do Infinito
Papai estava doente na cama e vinha um
carro e um homem e o carro ficava no jardim.
27
Levaram-me para uma casa velha que fazia
doces e nos mudamos para a sala do quintal
onde tinha uma figueira na janela.
No desabar do jantar noturno a voz toda
preta de mamãe ia me buscar para a reza do
Anjo que carregou meu pai.
56. Órfão
O céu jogava tinas de água sobre o noturno
que me devolvia a São Paulo.
O comboio brecou lento para as ruas
molhadas, furou a gare suntuosa e me jogou
nos óculos menineiros de um grupo negro.
Sentaram-me num automóvel de pêsames.
Longo soluço empurrou o corredor conhecido
contra o peito magro de tia Gabriela no ritmo
de luto que vestia a casa.
28
No capitulo 3. Gare do infinito temos uma situação enigmática
a partir do título, afinal, como pode a Gare (estação) levar ao
Infinito? Após a leitura do capítulo os porquês vão se esclarecendo
para o leitor, uma vez que o assunto do mesmo é o anuncio da
morte do pai do jovem Miramar. O capítulo se desenvolve em três
momentos distintos, no primeiro somos informados do estado de
saúde do pai de Miramar, “Papai estava doente na cama e vinha um
carro e um homem e o carro ficava no jardim.” Já no segundo
momento, temos a saída de Miramar para uma casa de doces, a fim
de distraí-lo até que o velório fosse organizado. “Levaram-me para
uma casa velha que fazia doces e nos mudamos para a sala do
quintal onde tinha uma figueira na janela.” O terceiro momento é
uma síntese das imagens anteriores, pois vem marcado pela notícia
do falecimento do pai de Miramar. “No desabar do jantar noturno a
voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do Anjo que
carregou meu pai.” O clima de luto é criado a partir da justaposição
das imagens: jantar noturno / voz toda preta de mamãe.
Miramar, neste capítulo, apresenta-nos sua visão ainda
infantil e ingênua quanto aos fenômenos que ocorrem a sua volta,
denotando também a influência religiosa e conservadora de sua
mãe, uma vez que as imagens Gare e Anjo, segundo sua descrição,
29
resultam na imagem do Infinito, daí o título Gare do infinito, lugar
para onde os anjos possivelmente levam os homens bons.
O capítulo 56. Órfão, apresenta um Miramar mudado, no
entanto, surpreendido novamente pela notícia de falecimento que o
aguardava. Desta vez, Miramar maduro, recém chegado da
Europa, descreve-nos, por meio de imagens que pressupõe todo o
ambiente de luto que o aguardava, a tristeza que se instaurava ao
seu redor. “Longo soluço empurrou o corredor conhecido contra o
peito magro de tia Gabriela no ritmo de luto que vestia a casa.”
Ambos os capítulos são desenvolvidos a partir de cortes e rupturas
aliados à justaposições e sínteses dando aos mesmos um certo
caráter de antologia.
Em seu ensaio Serafim: Um grande Não-Livro(1980), Haroldo
de Campos, ao se referir à linguagem utilizada por Oswald na
composição das Memórias Sentimentais de João Miramar, enfatiza
justamente esse seu caráter de antologia, uma vez que as
Memórias criam uma imagem do próprio Miramar, em diversos
momentos de sua vida, como num álbum de fotografias.
(...) no Miramar Oswald desenvolvera o
projeto de um livro estilhaçado, fragmentário,
30
feito de elementos que se deveriam articular
no espírito do leitor, num livro que era como
que a antologia de si mesmo. (1980, p. 104)
Sobre esse papel de reorganizador da imagem, em que o
leitor é colocado como o responsável pelo processo que trará luz ao
produto da montagem, assim se manifesta Kenneth D. Jackson:
Nos episódios das Memórias, a construção
poética de imagens relembradas na verdade
encobre os acontecimentos de tal forma que
o leitor deve, continuamente, descobrir e
elaborar um significado e uma continuidade
mais profundos, inerentes aos fragmentos,
mas nunca formulados explicitamente.
(1978, p.26)
Este processo de leitura-montagem é inerente à prosa de
Oswald de Andrade sem a qual a estrutura romanesca perde
grande parte de seu significado uma vez que é justamente desta
31
justaposição de imagens que surge a sensação de novidade e
descoberta constantes.
Valter Jens, (apud CAMPOS, 1971, P. 21) ao analisar a
radicalidade da poética Oswaldiana, observa também a importância
deste mesmo processo em que o leitor participa ativamente da
construção de sentido do texto literário em que o poeta trabalha
preferentemente com reduções, com rarefações e abreviaturas
estilísticas, de uma tal audácia que o texto omitido compensa a
dimensão escrita do texto; seu conteúdo consistiria em enfileirar
frases justapostas, entre as quais o leitor, para compreender o
texto, deve inserir articulações.
O leitor enfrenta, neste sentido, um objeto de arte estranho, o
que segundo Anatol Rosenfeld (apud in CAMPOS, 1971, p.22)
provoca um choque alienador, que é suscitado justamente pela
omissão sarcástica de toda uma série de elos lógicos, fato que leva
à confrontação de situações aparentemente desconexas e mesmo
absurdas. Ao leitor assim provocado cabe a tarefa de restabelecer o
nexo do texto.
Kenneth Jackson observa, sobre a estrutura do romance
oswaldiano, que, “embora a estrutura crítica do romance possa ser
32
organizada pelo leitor, os fragmentos independentes dominam a
obra com sua sátira e ironia constantes” (1978, p.62).
Temos, portanto, um processo de leitura crítica que domina
tanto nos planos isolados de cada capítulo quanto no conjunto dos
capítulos que compõem a obra como um todo. Oswald de Andrade,
como ainda nos lembra Jackson (idem, p.62), através dos
fragmentos, realiza a arte de crítica, que é inflexivelmente aplicada
a cada parte da obra.
33
1.1- A JUSTAPOSIÇÃO DOS CAPÍTULOS FRAGMENTOS E A
RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA.
Os 163 capítulos fragmentos presentes nas Memórias
Sentimentais, podem ser lidos, se encarados como um grande
quebra cabeças a ser montado, de acordo com um fio condutor que
une ora os acontecimentos isolados, ora passagens que nos dão
uma verdadeira noção de que o tempo age sobre a forma de se
constituírem. Haroldo de Campos, ao observar este aspecto, cria
um verdadeiro roteiro para nossa compreensão das Memórias,
vejamos:
(...) no Miramar, embora a pulverização dos
capítulos habituais produza um efeito
desagregador sobre a norma da leitura
linear, não deixa de existir um rarefeito fio
condutor cronológico, calcado no molde
residual de um “Bildungs-roman” que nos
oferece –em termos paródicos, é verdade –a
infância, a adolescência, a viagem de
formação, os amores conjugais e
34
extraconjugais, o desquite, a viuvez e o
desencanto meditativo do herói, “o literato”
memorialista cujo nome lhe dá titulo.
(CAMPOS, 1980, p.104)
Apesar da aparente desagregação da leitura linear, temos um
fio condutor que nos permite analisar as Memórias em momentos
distintos, o que enfatiza ainda mais a necessidade de utilizarmos a
montagem como processo rearticulador dos capítulos fragmentos. A
rearticulação do produto das justaposições realizadas pelo leitor
formaria uma espécie de álbum de fotografias. Duas formas,
portanto, se apresentam para ordenar a nossa leitura dos
fragmentos, como observa Kenneth Jackson:
(...)cada fragmento pode ser visto como uma
descrição pessoal ou “vertical” de uma
experiência selecionada. Ao mesmo tempo, a
série de fragmentos numerados pode ser lida
como um relato cronológico ou histórico do
desenvolvimento da vida e do mundo de
35
Miramar. Ambos os sentidos, o pessoal
(vertical) e o histórico (horizontal), abrem
perspectivas complementares sobre o
conteúdo por meio da estrutura, sempre
dentro da sátira e da paródia estilísticas.
(1978, p.24)
Como podemos notar, ambas as leituras, pessoal (vertical) ou
histórico (horizontal) nos conduzem a momentos distintos de
percepção estética. Ora analisamos um quadro sincrônico, pelo
recorte de um dado momento histórico, ora temos um panorama da
vida de Miramar num quadro mais complexo, em que o personagem
autor, memorialista, analisa a sociedade e também faz a sua auto-
análise em uma espécie de autopsicografia.
Kenneth Jackson apresenta-nos um perfeito quadro didático
onde podemos perceber claramente a separação dos fragmentos
em três blocos distintos, afim de que a análise dos fragmentos
possa seguir a seqüência cronológica proposta inicialmente.
36
Fragmentos 1-27 parte I, 28-55 parte II, 56-
163 parte III. Os fragmentos de 1 a 27
evocam o mundo da infância e a educação
de Miramar, enquanto que os episódios de
28 a 55 relatam suas aventuras na Europa.
Em ambas as seqüências, os fragmentos são
narrados diretamente através do estilo
poético de João. O fragmento “56. Órfão
encontra Miramar novamente em São Paulo,
sozinho, depois da morte de sua mãe, diante
de uma vida por reconstruir. A seqüência 57 -
163 reproduz a reintegração na sociedade
empreendida por Miramar: seus amores
conjugais e extra-conjugais, seus contratos e
seus fracassos nos negócios e suas relações
sociais. Os episódios finais desvendam o
profundo descontentamento do viúvo
Miramar e seu progressivo afastamento
meditativo do mundo.
( JACKSON, 1978, p. 51)
37
Os 163 capítulos-fragmentos das Memórias Sentimentais, se
encarados na sua radicalidade construtiva, levando em
consideração seu aspecto visual e sinestésico, podem ser
analisados, ora como um álbum de fotografias, ora como um
completo e complexo quebra cabeças, aproximando-se muito de um
quadro cubista, pois, nos apresenta, de forma simultânea e
concatenados por meio da justaposição, não momentos distintos
da formação de João Miramar como também sua preparação para a
carreira das letras.
O cinematismo nas Memórias Sentimentais conforme
observamos, é de caráter essencial para chegarmos à
compreensão da poética da visualidade na obra oswaldiana.
38
2. EXPERIÊNCIAS VANGUARDISTAS: O CUBISMO E O
FUTURISMO NO ROMANCE MODERNO.
Oswald de Andrade, em seus momentos de maior
inventividade, produziu uma obra que se destaca pela inventividade,
pela inovação e experimentação estilística. Esta experimentação
estilística tem influência, conforme observaremos, na vanguarda
européia, de onde, Oswald de Andrade, com sua vertente
antropofágica retira a essência para a criação de sua radicalidade
poética.
Annateresa Fabris, em seu texto Futurismo: uma poética da
modernidade (1987) ressalta justamente os elementos mais
constitutivos do Futurismo italiano, colocando-o a par com a
dimensão antropológica e estética do homem, uma vez que traduz o
sentido da novidade e da descoberta, num mundo onde as
fronteiras são encurtadas e a comunicação precisa ser ágil.
“A velocidade é a nova dimensão
antropológica e estética da sociedade
industrial: graças a ela se modificou o sentido
39
de distância, tomou um novo vulto a
significação de comunicação, levando o
homem a sair de seus estreitos limites
pessoais e/ou interpessoais, a fim de abarcar
o universo num olhar múltiplo e sintético ao
mesmo tempo. Essas idéias, verdadeiras
precursoras das teorias mcluhanianas de ‘o
meio é a mensagem’ (as grandes
descobertas científicas exerceram uma
influência decisiva na psique humana,
renovaram completamente a sensibilidade) e
da ‘aldeia global’ (a terra apequenada pela
velocidade, o conhecimento agilizado pela
simultaneidade) implica, no âmbito estético, a
hipóstase do dinamismo, do simultaneismo,
da interpretação dos planos, a fim de traduzir
pela palavra e pela imagem ‘um novo modo
de ver o universo’ (Marinetti)”.
(1987, p.89-90)
40
Oswald cria, assim, um verdadeiro estilo vanguardista na
prosa modernista brasileira, uma vez que sua poética apropria-se
antropofagicamente da linguagem do Futurismo, como resultado
desta fusão, Oswald utiliza-se de uma linguagem e de uma forma
inovadora, conforme observa Kenneth Jackson:
Na prosa modernista brasileira, Oswald de
Andrade foi o principal autor cujas obras
levaram adiante, de modo consistente as
duas principais preocupações do movimento:
a criação de um novo estilo poético baseado
na realidade brasileira e a redefinição do
caráter e dos objetivos nacionais. Em dois
dos romances da década de 20, As
Memórias Sentimentais de João Miramar e
Serafim Ponte Grande, Oswald de Andrade,
por suas experiências intrínsecas com a
linguagem e a forma, desenvolveu uma
expressão original do estilo vanguardista.
(JACKSON, 1978, p. 17)
41
A partir de sua antropofagia, portanto, Oswald deglutiu o
futurismo italiano, incorporando em sua prosa seus elementos
essenciais, a linguagem fragmentária, a liberdade tipográfica e a
metáfora lancinante como formas de expressar a sua contrariedade
ao marasmo provinciano que habitava São Paulo do início do
século XX. Como ainda observa Jairo Luna:
Oswald (...) logo se apercebeu da
importância que o Futurismo poderia
representar como instrumento de
contestação ao marasmo provinciano, por
isso incorporou em sua obra elementos
futuristas, como a prosa fragmentária e a
liberdade tipográfica, mas não louvou a
guerra ou o progresso pelo progresso, antes
criou a antropofagia, que deglutiria o
Futurismo com olhar crítico.
(1999, p.10)
42
A presença de Oswald na Europa no início do século XX e o
seu contato com as expressões artísticas da vanguarda denotam o
seu principal interesse por renovar a produção poética da
modernidade.
Dentre estas influências destaca-se também o Cubismo, que
com suas marcas distintas perpassa a obra oswaldiana.
O Cubismo, como define Lígia Cademartori:
É um movimento de vanguarda, de
incidência facilmente identificável nas artes
plásticas, a partir do quadro de Pablo
Picasso, As senhoritas de Avignon”, de
1917. O cubismo decompõe os objetos para
recompô-los segundo uma lógica própria,
que não obedece às leis naturais. A
deformação do objeto se por via de
geometrização. A transposição desse estilo à
literatura, conforme se pode observar na
obra de Apollinaire (1880-1918), assim como
na de Jean Cocteau (1889-1963), apresenta
as seguintes características: supressão da
43
discursividade lógica e do nexo causal;
estética fragmentária que, decompondo o
objeto, seleciona e enfatiza os detalhes,
recarregando-os de expressividade.
(1993, p.63-64)
Compreender o sentido da prosa miramariana implica em
analisar a presença de aspectos Futuristas, presentes na linguagem
concisa e sintética, na liberdade tipográfica, liberdade esta que
ao texto oswaldiano um aspecto físico mais concreto, prenunciando
certas formas poéticas da contemporaneidade, bem como os
aspectos cubistas que se apresentam no momento mesmo da
concatenação dos capítulos-fragmentos presentes ao longo de todo
o romance, findando em um processo que se poderia chamar
metonímico, segundo a definição de pólo metonímico apresentado
por Roman Jakobson (1973).
Nesta definição encontra-se, conforme anuncia Haroldo de
Campos (1992, p. 98), uma possível chave para a prosa
oswaldiana, uma vez que é justamente nesta construção
metonímica que podemos encontrar o que de mais
surpreendente em Memórias Sentimentais de João Miramar.
44
2.1 CUBISMO LITERÁRIO: A FORMAÇÃO DO PÓLO
METONÍMICO.
A partir das formulações de Max Bense, contidas em sua
Teoria do Texto Cubista, Haroldo de Campos (1992, p. 101) tenta
entender o sentido da prosa miramariana e como esta pode se
aproximar do Cubismo. Haroldo aponta assim, que segundo Max
Bense o texto cubista é aquele cuja realização não se refere
imediatamente à representação de um objeto do mundo exterior ao
texto, mas sim ao texto em si mesmo, como seu próprio objeto
estético, no sentido da realidade do mundo que lhe é privativo.
Bense define o estilo cubista como um estilo digital, pois o
objeto estético, em tal caso, é um objeto variável, cujos elementos
se prestariam sempre a uma outra apresentação, a um outro
arranjo.
A partir das formulações de Max Bense sobre o cubismo
literário e do processo metonímico descrito por Jakobson, Haroldo
de Campos assim apresenta a prosa miramariana:
45
No caso da prosa miramariana de Oswald de
Andrade, o estilo cubista, a operação
combinatória ou metonímica nele realizada,
está do lado do cubismo histórico, é ainda
residualmente icônica em relação ao mundo
exterior. Propõe, no fundo, através da crítica
à figura e à maneira habitual de representar
o mundo das coisas, e mediante uma livre
manipulação de pretextos sígnicos daquela e
destas, um novo realismo comensurado à
civilização da velocidade e da máquina, à
civilização que incluiu o cinema como seu
aporte mais característico no elenco das
artes.
É justamente a partir deste processo de combinação
metonímica, icônica e residual, como aponta Haroldo de Campos,
que Oswald consegue criar, por meio da manipulação das imagens,
a sua crítica aos valores de sua época, atingindo o ápice de sua
criatividade literária, pois seleciona muitas vezes cenas e
46
informações triviais em informação estética. Campos aponta como
exemplo desta operação metonímica a seguinte passagem:
“um cão ladrou à porta barbuda em mangas
de camisa”
Oswald estaria assim, como observa Campos (1992, p.102),
emprestando à porta as qualidades do porteiro que a foi abrir e
definindo o todo pela parte (isto é, o porteiro por suas barbas e por
suas mangas de camisa). Este é um dos exemplos mais nítidos de
como Oswald seleciona os elementos da realidade exterior e os
rearticula livremente segundo sua sensibilidade crítica a fim de dar-
lhes um caráter estético.
Apesar de apresentar uma prosa residual e icônica, como
aponta Haroldo de Campos, Oswald consegue radicalizar o
processo combinatório a partir de uma nova estrutura. Como ainda
afirma Campos, isolando e destacando faces da realidade
reordenadas à discrição do autor, parece sair de uma tela cubista.
(idem, p, 103)
47
Vejamos a seguir a capítulo 11. Colégio.
Malta escabriavam salas brancas e
corredores perfeitos com barulhento fumoir
na aula de desenho de seu Peixotinho.
O diretor vermelho saía do solo atrás da
barriga e da batina.
E com modos autoritários simpatizou cínico
comigo o ruivo José Chelinini.
O capítulo inicia-se com uma descrição sinestésica das salas
de aula, que eram brancas, juntamente com o comentário sobre a
perfeição de seus corredores, tudo isso misturado ao inquietante
barulho que provinha da sala de aula de seu Peixotinho. Em
seguida temos a descrição de uma das cenas mais chocantes deste
capítulo, pois o diretor da escola é definido pela cor vermelho e
aparenta sair do solo atrás da barriga e da batina. É claro que o
diretor não era vermelho, mas Oswald assim o descreve,
metonimicamente, a fim de enfatizar a raiva que o mesmo estava
sentindo ao deparar-se com a bagunça que estava se passando ali.
48
Sobre este processo de descrição metonímica Campos esclarece
que:
Na prosa miramariana a atitude metonímica
é assumida em si mesma: o que interessa,
em última instância, nessa prosa, é o
processo metonímico pelo qual os dados de
uma realidade trivial (irrelevante na sua
versão estilística originária, convencional)
são reelaborados, rearticulados, reordenados
para adquirir condição estética. (1992, p.
105)
Sobre esta linguagem cubista, em que os fragmentos se
justapõem e criam novos contextos através de relações de
vizinhança e hierarquia, reorganizando o mundo exterior, em seu
ensaio Estilística Miramariana, Haroldo de Campos assim se
manifesta:
A técnica de montagem que é sobretudo
uma técnica de criação de contexto através
da manipulação de relações de contigüidade
49
(embora dela possa resultar muitas vezes a
metáfora no plano semântico) - , implicando
elipses (suspensões ou cortes bruscos),
traduz freqüentemente a atitude de
metonímia com que o pintor cubista (um
Picasso, um Braque, um Juan Gris) reordena
o mundo exterior no cor-real estético que é o
quadro, selecionando este ou aquele detalhe,
estabelecendo novos sistemas de
vizinhança, fazendo um olho, por exemplo,
ganhar proporções e sobrepujar todo um
rosto, uma perna justapor-se sem transição a
uma cabeça, reorganizando livremente a
anatomia da figura humana e as relações
entre as coisas. (CAMPOS ,1992, p.100)
Como podemos notar, a prosa Miramariana se constitui como
prosa Cubista no momento mesmo em que Oswald de Andrade
apropria-se de uma estética fragmentária que, decompõe o objeto,
seleciona e enfatiza os detalhes, recarregando-os de
expressividade.
A fim de entendermos o sentido desta prosa telegráfica,
recorremos mais uma vez à definição de Jakobson sobre o distúrbio
da contigüidade, em que o teórico assim se manifesta:
50
A ordem das palavras se torna caótica; os
vínculos de coordenação e subordinação
gramatical, quer de concordância, quer de
regência, dissolvem-se. Como seria de
esperar, as palavras dotadas de funções
puramente gramaticais, como por exemplo
as conjunções, preposições, pronomes e
artigos, desaparecem em primeiro lugar para
serem substituídas pelo estilo chamado
“telegráfico”.
(1973, p. 51)
É este telegrafismo que constituirá o que é mais característico
na prosa oswaldiana, pois é do mesmo que surgirá a necessidade
do leitor de inserir articulações, dando ao texto um caráter dinâmico
de participação e interação, criando verdadeiros desafios para a sua
interpretação.
51
O romance realista, conforme observa Jakobson, fazia uso
de descrições metonímicas a fim de enfatizar certos traços que
caracterizavam as personagens:
(...) o autor realista realiza digressões
metonímicas, indo da intriga à atmosfera e
das personagens ao quadro espacio-
temporal. Mostra-se ávido de pormenores
sinedóquicos.
(1973, p. 57)
Como podemos observar, a partir de seu telegrafismo, sua
estética da contigüidade, Oswald inova, pois ao trabalhar a partir de
recortes da realidade, cria uma obra tão imagística que é capaz de
condensar toda a poética da visualidade que ora marca a literatura
contemporânea.
52
3. O TEXTO SINCRÉTICO NA ESCRITA DE MSJM
Oswald de Andrade sempre procurou, com seu estilo
paródico, satírico e arrojado, não romper com os cânones do
passado, mas também a partir de sua devoração crítica
(antropofagia) criar as bases de uma nova literatura,
verdadeiramente afinada com a modernidade. Seu romance
invenção, Memórias Sentimentais de João Miramar, é a primeira
experiência com verdadeiro êxito deste seu propósito, uma vez que
intercala ou mesmo enquadra diversos gêneros literários em um
nova forma poética, paródica e satírica. Este sincretismo poético
será analisado sob a ótica do plurilingüísmo.
Por plurilingüísmo, entendemos aqui, uma forma de criar em
que os gêneros intercalados ou enquadrados produzem um efeito
estético específico, crítico e paródico, de acordo com o que teoriza
Mikhail Bakhtin em seu ensaio O Plurilinguismo no Romance.
O plurilingüísmo descrito por Oswald de Andrade em seu
romance-invenção, Memórias Sentimentais de João Miramar,
possibilita-nos, portanto, uma nova interpretação da cultura
brasileira por meio de sua assimilação destruidora e recriadora da
53
cultura Européia, que visava a uma civilização desrecalcada e anti-
autoritária.
Dessa forma, vemos aqui uma possível aproximação da
antropofagia oswaldiana com o plurilingüísmo de Bakhtin, uma vez
que ambos pressupõem a presença marcante do discurso de
outrem na linguagem de outrem. Bakhtin (2002) chega a enfatizar
que este recurso serviria justamente para refratar a expressão das
intenções do autor. A paródia literária serviria ainda, segundo
Bakhtin, para demarcar um momento de ruptura e transformação de
um novo momento literário, serviria, portanto como uma espécie de
releitura crítica e criativa de discursos anteriores. Chegando
justamente no ponto em que um possível encontro com o ideal
oswaldiano é possível: A releitura crítica e criativa de discursos
anteriores por meio de sua antropofagia. A sátira de uma linguagem
artificial, a paródia de uma linguagem oca e pretensiosa, como
podemos observar no prefácio das Memórias Sentimentais de João
Miramar na linguagem apresentada por Machado Penumbra.
(...)Memórias Sentimentais por que negá-
lo? — é o quadro vivo de nossa máquina
social que um novel romancista tenta
54
escalpelar com a arrojada segurança dum
profissional do subconsciente das camadas
humanas.
Há, além disso, nesse livro novo, um sério
trabalho em torno da "volta ao material"
tendência muito de nossa época como se
pode ver no Salão d'Outono, em Paris.
Pena é que os espíritos curtos e provincianos
se vejam embaraçados no decifrar do estilo
em que esescrito tão atuado quão mordaz
ensaio satírico.
M
ACHADO
P
ENUMBRA
.
Apesar de sua linguagem artificiosa, Machado Penumbra
acaba nos introduzindo num universo completamente contrário ao
status quo paulista do inicio do século XX, percebe em Memórias
Sentimentais o que de mais inovador, o seu apurado trabalho
formal, a fim de preparar o leitor para o que de encontrar nas
páginas que se seguem. Verdadeira revolução copernicana em
matéria de criação poética. Esperemos com calma os frutos dessa
55
nova revolução que nos apresenta pela primeira vez o estilo
telegráfico e a metáfora lancinante.
Vejamos alguns destes momentos em que o discurso
plurilíngüe se apresenta, atualizando a sátira poética oswaldiana:
130. RESERVA
"21 de Abril
Seu Dr.
Peguei hoje na pena para vos Felicitar os
nossos antes Passado sendo um dia de
grande gala, para nós no nosso Grande
Brasil sendo o dia do nobre Brasileiro
Tiradentes que foi ezecutado na forca, mais
tudo passa vamos tratar do nosso futuro que
é melhor os passado eram bobos, por aqui
todos Bom grassas a Deus o mesmo a todos
que estão. Candoca, Rufina, Delina, Maria
José, Bermira e a filha estão todos na
mesma. eu saí sorteado para o
Regemento Suprimentar de Paracatu no
Goiás e queria que V. S. desse as
56
providências para mim ficar em Caçapava no
Regemento de Infantaria Montada fica mais
perto aqui eu estudarei para ser a Luz de
minha família. Representar talento com meu
falecido avô Capitão Benedito da Força
Pública, não estudando agora, quando mais
o tempo passa e a Velhice chega conduz a
Tristeza, porque este mundo é um
passatempo que nós temos essa é a
Verdade! temos que tratar do Futuro
neste mundo não valhe nada a Beleza as
Festas as Inlusão do mundo só o talento com
o grande Rio Branco o Ouro Preto, O Padre
feijó, José Bonifácio, Rui Barbosa e outros
que nem se sabe.
Seu criado às ordens
Minão da Silva".
Aqui, Oswald retrata o personagem Minão da Silva, um
agregado da fazenda, sem estudos, mas atraído pela literatura, que
gosta de se expressar literariamente, escrevia cartas cheias de
57
erros gramaticais. Este capítulo, contraposto aos que apresentam a
linguagem beletrista de Machado Penumbra, o verdadeiro
sentido das intenções da poética oswaldiana, pois apresenta uma
verdadeira sátira dentro da sátira. Um discurso, portanto, plurilíngüe
por excelência.
Vejamos a seguir como se manifesta Machado Penumbra
num de seus discursos:
69. ETNOLOGIA
(...)
Mil outros trechos de mil outros
escritores convencer-vos-ão, senhores, que o
mundo de hoje anda não pior que o
mundo debochado de Péricles e Aspásia,
mas pior que o mundo ignaro do Medioevo
trevoso e pior até que o mundo das utopias
científicas e revolucionárias da Revolução
Francesa! Nessas intermitências de
progresso e regresso, círculos de princípios
que formam a base de novas babéis, novas
58
confusões de nguas e novos rebanhos
voltando a velhos apriscos, uma lição nos
assoberba, a lição severa da História!
Observemos neste capítulo de repreensão ao mundo
moderno, ainda acanhado e preso a velhas tradições passadistas.
Machado Penumbra nos incita a rever “Mil outros trechos de mil
outros escritores”, como se estivesse aludindo a uma espécie
fragmentação histórica de discursos diversos, gerando inter-
relações de progresso e regresso na história, que conforme conclui,
resultaram em novas babéis, em novas confusões de línguas,
novos rebanhos (escritores) que voltam sempre a velhos apriscos,
velhas tradições do passado. Vemos aqui uma verdadeira
advertência aos novos escritores e também aos leitores a fim de
que aprendam com a história.
Enfim, a produção romanesca de Oswald parece se
enquadrar perfeitamente numa das principais formulações de
Bakhtin; a de que os gêneros intercalados ou enquadrados são as
formas fundamentais para introduzir e organizar o plurilingüísmo no
romance, criando assim, uma verdadeira poética da modernidade.
59
O plurilingüísmo é entendido aqui, portanto, como uma
ferramenta importantíssima para a compreensão da tessitura
poética oswaldiana uma vez que abre caminhos para múltiplas
leituras discursivas, atualizando portanto, a sátira-poética
oswaldiana. O sincretismo proveniente deste tipo de linguagem,
aliado a gêneros e modos específicos de apresentação de sua
poética tais como cartas, discursos, poemas, etc., poderá ser
melhor entendido se encarado sob o olhar de uma poética da
visualidade, uma vez que a mesma apresenta o verdadeiro sentido
da modernidade da poética oswaldiana. Por poética da visualidade,
entendemos a possibilidade de perscrutar a obra oswaldiana a partir
de diversos vieses e metodologias que exploram a visualidade
artística, desde suas manifestações visuais e sonoras até suas
manifestações físicas e concretas, um verdadeiro trabalho de
exploração entre forma e fundo, tudo entendido a luz de um
plurilingüísmo capaz de sintetizar a modernidade de seu discurso
poético, corroborando a tese da antropofagia oswaldiana, que
deglute a história e tira-lhe somente o que é essencial para a
construção do novo.
60
3.1 A POÉTICA DA VISUALIDADE
Levando em consideração os aspectos visuais da poética
oswaldiana, podemos aproximá-la do conceito de fanopéia do poeta
e crítico norte americano Ezra Pound. Por fanopéia, entendia o
crítico a situação em texto na qual o predomínio da imagem
visual, uma imagem condensada capaz de materializar os mais
diferentes extratos da realidade, projeto este muito similar à
linguagem telegráfica e a metáfora lancinante oswaldiana.
Segundo Pound (cf. 1970, p.63), esta condensação da
linguagem (expressão verbal) se por três modos: Fanopéia, em
que o predomínio da imagem, usa-se a palavra para lançar na
imaginação do leitor uma imagem visual; Melopéia, visa produzir
correlações emocionais por intermédio do som e do ritmo da fala;
Logopéia, visa produzir ambos os efeitos, estimulando as
associações (intelectuais ou emocionais) que permanecem na
consciência do receptor em relação as palavras ou grupos de
palavras efetivamente empregados. Grande literatura seria,
portanto, a linguagem carregada de significado até o máximo grau
possível, ou seja, uma linguagem capaz de materializar e de
condensar o máximo de visualidade e musicalidade possível. Neste
61
sentido, a compreensão do imagismo poundiano é de caráter
essencial para a leitura da poética oswaldiana, pois Oswald cria
uma obra que constantemente desafia nossa imaginação visual,
pois cria uma linguagem verdadeiramente condensada, passando
por todos os extratos da teoria poundiana, criando um imagismo
que muitas vezes ainda a supera, pois cria simultaneidades e
correlações próprias da linguagem das outras artes, tais como o
cinema e o cubismo.
Jairo Luna, em seu ensaio, “A poética da visualidade em
Almada Negreiros e Oswald de Andrade”, nos chamava a
atenção sobre a possibilidade de haver na poesia oswaldiana
elementos que superavam o imagismo da teoria poundiana,
culminando numa espécie de exploração do espaço em branco da
página. (cf. 1999, p. 7).
Oswald, portanto, com seu projeto formal de invenção poética,
passa pelos mais diversos extratos da visualidade, desde a
justaposição cinematográfica até a simultaneidade da linguagem
cubista. Seus capítulos-instantes e sua linguagem metonímica
geram minutos de poesia, flashes instantâneos que condensam a
linguagem criando, assim, uma verdadeira poética da visualidade
em sua obra.
62
Como resultado deste constante trabalho formal com a
imagem e suas múltiplas correspondências, Oswald apresenta
trechos sonoro-visuais que impressionam a imaginação dos seus
leitores, criando um efeito de estranhamento que atualiza a sua
metáfora poética constantemente.
Vejamos a seguir alguns destes momentos em que a
fanopéia, (metáfora visual), funde-se à melopéia:
42. SORRENTO
Velhas velas cigarras
Brumais no mar vesuviano
Com jardins lagartixos e douradas mulheres
Entre muros de uvas aléias
De fartos pomares
Insetos piedigrottas
Roendo caixas de fósforo
Trigonometrias brancas
No crepe azul de água napolitana
63
Longe cidade sesta quieta
Entre echarpes tiradas de costas
Ponteando cinzas índigos de montes
Um inglês velho dormia de boca aberta
como uma boca enegrecida de túnel sob
óculos civilizados.
O Vesúvio esperava ordens eruptivas de
Thomas Cook & Son.
E uma mulher de amarelo informava a um
esportivo em camisa que o casamento é
um contrato indissolúvel.
As aliterações dão ao capítulo uma perfeita correlação entre o
visual e o sonoro, até findar em uma imagem metonímica que
apresenta paisagens do sul de Nápoles associadas a fatos
históricos evocados indiretamente, pois o Vesúvio é o vulcão que
sepultou com lavas a cidade de Pompéia no ano de 79, e aqui é
apresentado como se estivesse apenas aguardando ordens de
Thomas Cook e Son (uma companhia de turismo) para voltar a ser
atração turística.
64
Podemos observar esta preocupação com a metáfora visual, e
até mesmo este processo de condensação da imagem que sugere
múltiplas correlações em quase toda a obra uma vez que a mesma
se compõe de capítulos-instantes, fundindo quase sempre poesia e
prosa. Vejamos:
61. CASA DA PATARROXA
A noite
O sapo o cachorro o galo e o grilo
Triste tris-tris-tris-te
Uberaba aba-aba
Ataque e o relógio taque-taque
Saias gordas e cigarros.
Esta cena prenuncia o momento de reflexão e ansiedade que
se segue no capítulo seguinte; 62. COMPROMETIMENTO. Seu
lirismo onomatopaico à noite um caráter ambíguo de silencio e
agitação, seguido do ataque do relógio que insiste em bater as
horas. O corte dos versos e a tentativa de similaridade fonética ou
variação fônica deixam claro também a preocupação de Oswald
65
com os elementos visuais mais físicos, com a visualidade mais
concreta de sua obra, intercalando os mais diversos ritmos e modos
de exploração do espaço visual da página em branco, fundindo
assim forma e espaço de representação num mesmo e único objeto
na construção formal de sua poética.
62. COMPROMETIMENTO
O Forde levou-nos para igreja e notário
entre matos derrubados e a vasta
promessa das primeiras culturas.
Jogaram-nos flores como bênçãos e sinos
tilintintaram.
A lua substituiu o sol na guarita do mundo
mas o dia continuou tendo havido entre
nós apenas uma separação precavida de
bens.
Aqui a cena de casamento, um verdadeiro flash
cinematográfico, vem acompanhada por outra, uma verdadeira
66
promessa de prosperidade, tudo num lance de simultaneidade e
justaposição.
A seguir temos mais um capítulo-instante que abole qualquer
tentativa de delimitação normativa entre poesia e prosa,
condensado a metáfora poética por meio de aliterações e
justaposições muitas vezes seguidas pelo recorte metonímico.
74. SAL O MAY
Os cabarés de São Paulo são longínquos
Como virtudes
Automóveis
E o pisca-pisca inteligente das estradas
Um soldado só para policiar minha pátria inteira
E o gru-gru dos grilos grelam gaitas
E os sapos sapeiam sapas sopas
No alfabeto escuro dos brejos
Vogais
Lampiões lamparinas
E tu surges através de um fox-trot errado e da
lenda
67
Delenda linda Salo
Ó dançarina cafajeste
Cheia de moscas ignorantes e de boas
intenções
A javá é uma polca porca com poeira azul
Mas o roxo arroxa a procissão de cortinas
cor-de-rosa
— Eu não ligo
Eu quero saber que negócio é esse de
esperar com o revólver na estrada
— Aquele capanga preto mandou o braço e a
mulher levou um pontapé
— Na barriga
O saxofone obstina uma dor de dentes delirantes
Que o maxixe espasma
Entre tiros e gorjetas
Mas o escapamento aberto escapa
Na noite penitenciária
Senhor dai-nos o pão-de-ló iluminado da redenção
O Tietê rola rumas de tijolos
Côr-de-água côr-de-rosa
68
neste capítulo uma concisa ironia na associação entre a
distância dos cabarés de São Paulo e a virtude, pois Miramar, agora
casado, sai da monotonia das noites na fazenda em busca de
aventuras. A cena é composta por constantes aliterações que
indicam a presença de grilos e sapos compondo uma espécie de
alfabeto da noite nos brejos. A partir daí começam as aventuras
extraconjugais de Miramar, mescladas muitas vezes às mais
diversas aventuras. O capítulo é formado por sínteses imagísticas
que compõem o universo conturbado da noite num cabaré, findando
em brigas, tiros, emboscadas e fugas incríveis. Miramar nos
apresenta a cena com uma concisão lapidar, deixando a seus
leitores a necessidade de uma leitura crítica a partir de uma técnica
de montagem, deixa portanto implícito a necessidade de uma
síntese visual construída a partir de múltiplas correlações,
procedimento próprio das artes plásticas e até do cinema, como
vimos apresentando. A condensação desta imagem, construída
pelas correlações sonoro-visuais e reconstruída no espírito do leitor
é que dão à poética miramariana o sentido de sua radicalidade
modernista.
69
O ximo de condensação imagística é conseguido em
capítulos como este, que nos informa implicitamente sobre o
nascimento do filho do Miramar com Célia.
75. NATAL
Minha sogra ficou avó.
Rolah, amante de Miramar, que pretendia ser estrela de
cinema, e cujo projeto também faria Miramar muito rico, pois seria o
deslanche de sua empresa cinematográfica para o sucesso
reconhecido, aparece aqui dando brilho ao Hotel Suíço, o mesmo
brilho antevisto na condensação imagística do título, que
prenuncia a dualidade entre brilho das estrelas e da estrela Rolah.
92. ESTELÁRIO
Coração esperançava esperançoso
Começo claro da noite cidadina
Retalhos grandes de nuvens
70
E duas estrelas vivas
Trem rolava com minha estrela
Bordando a vida fabricadora
Do Brás à Luz
Rolah estrelava o Hotel Suíço
A imponente figura de Rolah é apresentada por Machado
Penumbra, pseudo prefaciador do livro e também personagem das
Memórias, no seguinte capítulo:
137. BAILE
"A sua loira e estranha divindade
dominou a sala fantástica até extinguir-
se a última nota da mágica orquestra".
Para o álbum de Mlle, Rolah. Machado
Penumbra.
71
Célia descobre o romance de Miramar com Rolah e como
conseqüência, Miramar tem que enfrentar o divórcio e em seguida
encarar também a falência financeira devido à má aplicação de
seus bens na indústria cinematográfica.
142. LENGA-LENGA
Sou consultor de sua tia, fui amigo
de seu falecido pai conheci seus avós. Fiz
o casamento de seus tios. Sou mais um
conselheiro íntimo que um advogado
banal.
Porém, a situação é insustentável. Sua
senhora, coitada, reuniu provas
esmagadoras contra o seu leviano
proceder. O Sr. tem sido avistado em
excessos com cômicas. À margem disso o
caso financeiro negreja no horizonte. O Sr.
adquiriu rapidamente uma reputação de
dilapidador. O seu nome figura no
Boletim das Falências e Protestos, no
72
pasquim secreto e implacável, a destilar
condenação, a destingir desonra!
— Ao lado do Conde Chelinini.
Perfeitamente. Mas o conde acusa-o
de se ter locupletado. Perfeitamente, o
conde acusa-o.
146. VERBO CRACKAR
Eu empobreço de repente
Tu enriqueces por minha causa
Ele azula para o sertão
Nós entramos em concordata
Vós protestais por preferência
Eles escafedem a massa
Sê pirata
Sede trouxas
Abrindo o pala
Pessoal sarado.
Oxalá que eu tivesse sabido que esse
verbo era irregular.
73
Este é sem duvida um dos capítulos de maior radicalidade
dentro da composição das memórias, pois nele estão expressas as
bases de toda a poética da modernidade, a começar pelo
neologismo do verbo Crackar, que faz referência à quebra da bolsa
de Nova York em 1929, até findar na espacialização dos versos,
abrindo novos campos para a visualidade concreta do signo,
imprimindo um novo ritmo à leitura.
Conforme observa Haroldo de Campos:
A visualidade propôs o equilíbrio geômetra e
a síntese, o discursivo ecoou pelo branco da
página como por um vazado de arquitetura.
(1971, p 46)
Esta exploração visual da espacialidade será ampliada anos
mais tarde pelos poetas concretistas, mas já é prenunciada aqui por
Oswald devido à sua constante preocupação com a construção da
forma, pelo uso da síntese nas Memórias Sentimentais.
Oswald, portanto, se analisado por sua poética da
radicalidade, e por sua constante inventividade, se encaixaria
74
perfeitamente na categoria dos inventores, que segundo a
classificação poundiana é composta por homens que descobriram
um novo processo ou cuja obra nos o primeiro exemplo
conhecido de um processo. Oswald cria, com a sua radicalidade, as
bases da nova poética da modernidade.
A poética Oswaldiana parece assim ultrapassar o imagismo
da teoria poundiana, pois cria uma obra que consegue condensar e
criar ao mesmo tempo um universo próprio dentro da estética do
fragmento e das correlações metonímicas, atualizando quase
sempre uma espécie de sátira poético-imagística, um discurso
moderno e uma forma moderna, fundindo o visual e o concreto, na
física de suas representações formais.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Encaixo tudo, somo, incorporo”
( Oswald de Andrade )
Obra verdadeiramente inovadora, conforme analisamos,
Memórias Sentimentais de João Miramar é o romance que inaugura
a prosa vanguardista em nossas letras.
Oswald de Andrade, com a sua antropofagia, parece deglutir
as suas próprias experiências em uma forma lapidar. Sua
antropofagia está baseada, vale dizer, na aceitação não passiva,
mas sob a forma de uma devoração crítica, da contribuição
européia e a sua transformação em um produto novo, dotado de
características próprias, que, por sua vez, passava a ter uma nova
universalidade, uma nova capacidade de ser exportado para o
mundo. (cf. CAMPOS, 1977, p 30).
Oswald consegue, por fim, plasmar uma perfeita incorporação
dos mais diversos gêneros e tendências literárias e vanguardistas
em uma nova forma, prenunciando certas tendências da
modernidade.
76
É o próprio Oswald quem diz em seu manifesto
antropofágico: Somos concretistas. Oswald tinha consciência de
seu trabalho de plasma da língua, era um perfeito engenheiro da
linguagem, herança tão cara aos escritores contemporâneos. Sua
obra propõe uma verdadeira integração com o leitor, que deixa de
ser expectador de uma história, para ser verdadeiramente, ativo
participante de sua trama. Memórias Sentimentais põe o leitor em
uma posição privilegiada, como co-autor da obra, uma vez que é do
mesmo que surgirão as inferências que trarão o sentido mais
remoto do texto, conforme analisamos.
Por ser toda constituída por capítulos-fragmentos, Memórias
Sentimentais desafia o leitor constantemente a criar novos
significados para a sua textura poética. Ora o leitor a encara como
um recorte sincrônico, ora como uma tomada diacrônica, ambas as
leituras findam em uma mesma imagem, um complexo imagístico
que decompõe a vida de Miramar, e depois a recompõe num
quadro de simultaneidades e correlações dispares que vão desde a
sua infância até a sua fase de maturidade intelectual.
Como tivemos a oportunidade de analisar, a presença do
processo de montagem depreendido da teoria eisensteiniana, à
prosa oswaldiana o que ela tem de mais característico, uma vez
77
que enfatiza a necessidade de um processo de leitura que
compreenda as correlações e justaposições presentes na tessitura
do mesmo. As montagens dão ao texto miramariano o seu sentido
de novidade e descoberta constantes, sentido este, que é
reconstituído na imaginação visual do leitor, no momento mesmo
em que este recria o universo de relações presentes no texto.
Aliado a estas descobertas, e ao processo de justaposição de
imagens, tivemos também a oportunidade de analisar o sentido de
sua prosa telegráfica, fragmentária e sintética, conforme anunciada
no pseudo-prefácio apresentado por Machado Penumbra, bem
como o processo de construção metonímico, que prefigurará a
justificativa de se tratar de uma prosa cubista. Conforme
analisamos, este caráter telegráfico depreendeu-se justamente por
causa das constantes omissões de ordem gramatical, fato que
ocasionou uma linguagem, que conforme observou Jakobson,
participa de um modo de criação próximo da afasia, em que o
falante se comunica por contigüidade, assim, na obra oswaldiana, o
processo metonímico ganha espaço, caracterizando o texto,
justamente por relações parte-todo, caricaturizando, muitas vezes,
suas personagens. Esta linguagem caricatural e geométrica, aliada
a um quadro de justaposições e simultaneidades é que darão o
78
sentido da prosa cubista nas Memórias Sentimentais. Oswald
encontra nesta forma, a sua maneira mais precisa de fazer a sua
sátira aos valores sociais de sua época.
Por fim, chegamos à poética da visualidade, que conforme
analisamos, se configura no momento de maior radicalidade da
obra oswaldiana.
A poética da visualidade surge quando a obra rompe com as
barreiras que estabelecem os limites entre a poesia e a prosa,
explorando os espaços físicos da página em branco, a concretude
da palavra escrita num ritmo específico, abrindo caminhos para um
texto sincrético, que reúne, muitas vezes, os mais diversos gêneros,
quando não os funde num só, impossibilitando qualquer tentativa de
definição, coincidindo a poética da visualidade, com a poética da
radicalidade, ampliando o sentido de imagismo depreendido da
teoria de Pound, ultrapassando-o muitas vezes, conforme
analisamos, uma vez que explora um universo muito maior de
relações imagéticas, que se renovam conforme o leitor atualiza o
texto em obra.
Com uma gama de textos de diversos gêneros, tais como
Cartas, poemas, discursos, atos, etc., todos incorporados em uma
obra, Oswald parece estar realizando, o que anos mais tarde
79
diria: Encaixo tudo, somo, incorporo. Oswald resume assim, o
sentido de sua radicalidade antropofágica e cria uma verdadeira
poética da visualidade em Memórias Sentimentais de João Miramar.
80
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