Download PDF
ads:
FEAD
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
MODALIDADE: PROFISSIONALIZANTE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE
ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO
ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO
ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO
ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA
ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA
ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA
EMPRESA PRIVADA
EMPRESA PRIVADAEMPRESA PRIVADA
EMPRESA PRIVADA
Fernando Eustáquio Campos Utsch Moreira
Belo Horizonte
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Fernando Eustáquio Campos Utsch Moreira
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO E DE
ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO
ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO
ORGANIZAÇÃO: UM ESTUDO COMPARATIVO
ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA
ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA
ENTRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA E UMA
EMPRESA PRIVADA
EMPRESA PRIVADAEMPRESA PRIVADA
EMPRESA PRIVADA
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Administração: Modalidade
Profissionalizante da FEAD, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Administração.
Belo Horizonte
FEAD
2007
ads:
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela sua presença sempre iluminando o meu caminho.
À minha esposa Carla e à minha filha Ana Luísa, meus grandes amores, pelo
companheirismo, carinho, amor e compreensão.
À Professora Drª. Solange Maria Pimenta, por ter confiado em meu trabalho, pela brilhante
orientação e pela amizade construída durante esta empreitada.
Aos meus pais, Antônio e Eleonora, que me ensinaram como chegar até aqui.
Aos meus sogros Lúcia e Antonino, pelo incentivo.
À Professora Drª. Maria Laetitia Corrêa, pelas importantes contribuições e pela amizade.
Aos professores e funcionários da FEAD que, à maneira de cada um, também contribuíram
para a conclusão desta dissertação.
Aos colegas do mestrado, em especial ao Cláudio, Graziele, Marcelo, Eduardo e Jorge.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a conclusão deste trabalho,
Muito obrigado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1 O FIO CONDUTOR 18
1.1 A ESPECIFICIDADE DA ANÁLISE 18
1.2 ORGANIZAÇÕES PESQUISADAS 20
1.2.1 A Empresa TI 20
1.2.2 A Organização OP 26
1.3 PERCURSO METODOLÓGICO 31
1.3.1 Tipo de pesquisa 31
1.3.2 Coleta de dados 32
1.3.3 Análise dos dados 37
2 CONTEXTO 39
2.1 GLOBALIZAÇÃO 40
2.2 NEOLIBERALISMO 44
2.3 ESTADO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 49
2.4 TECNOLOGIA 59
2.5 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES 64
3 A ARTICULAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA 71
3.1 AS CONFIGURAÇÕES ORGANIZACIONAIS 73
3.1.1 A Empresa TI 79
3.1.2 A Organização OP 91
3.2 CULTURA E CULTURA ORGANIZACIONAL 101
3.2.1 As organizações e as raízes culturais brasileiras 104
3.2.2 As organizações e os traços culturais brasileiros 112
3.2.3 Compreendendo a cultura nas organizações 130
3.3 RELAÇÕES DE PODER 160
3.3.1 A Empresa TI 161
3.3.2 A Organização OP 180
4 ORGANIZAÇÃO E TRABALHO: O UNIVERSO DAS REPRESENTAÇÕES 191
4.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NAS ORGANIZAÇÕES 209
4.1.1 Representações sociais na Organização OP 209
4.1.2 Representações sociais na Empresa TI 219
4.2 CULTURA, PODER, CONFIGURAÇÕES ORGANIZACIONAIS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 229
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 234
REFERÊNCIAS 240
ANEXO – ROTEIRO DE ENTREVISTAS 247
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras
Figura 2.1 Contexto no qual estão inseridas as organizações 38
Figura 3.1 Quadro de articulação teórica das representações sociais 70
Figura 3.2 Cinco partes básicas de uma organização 76
Figura 3.3 Posição da Empresa TI no grupo 78
Figura 3.4 Organograma da Empresa TI 81
Figura 3.5 Cinco partes básicas da Empresa TI 90
Figura 3.6 Organograma da Organização OP 91
Figura 3.7 Cinco partes básicas da Organização OP 98
Figura 3.8 “Sistema de ação cultural brasileiro” 112
Quadros
Quadro 1.1 Missão e objetivos da Empresa TI 25
Quadro 1.2 Entrevistados da Organização OP 34
Quadro 1.3 Entrevistados da Empresa TI 35
Quadro 2.1 Medidas do Consenso de Washington 45
Quadro 2.2 LIMITES À AUTOMAÇÃO base eletromecânica 61
Quadro 2.3 LIMITES SUPERADOS base microeletrônica 61
Quadro 2.4 REVOLUÇÕES COMPARADAS 62
Quadro 2.5 As transformações no mundo do trabalho 63
Quadro 3.1 Principais características das cinco configurações 77
Quadro 3.2 “Comportamentos essenciais” definidos pela Empresa TI 148
Quadro 4.1 Universos consensual e reificado 195
Quadro 4.2 O espaço de estudo das representações sociais 201
Quadro 4.3 Representações sociais nas organizações 228
Gráficos
Gráfico 1.1 Evolução do número de servidores de 1988-2006 29
Gráfico 3.1 Distribuição de funcionários por sexo na Empresa TI 82
Gráfico 3.2 Escolaridade dos funcionários da Empresa TI 83
Gráfico 3.3 Distribuição de servidores por sexo 92
Gráfico 3.4 Distribuição de membros por sexo 92
Gráfico 3.5 Escolaridade dos servidores da Organização OP 93
Gráfico 3.6 Distribuição de servidores por cargo 94
A autonomização da economia capitalista levada a nível global tende a realizar a profecia de
Marx: destruir as duas fontes de sua riqueza que é a natureza e os seres humanos. Para
universalizar seu projeto, ela precisaria de outras três Terras iguais a essa. Como isso é
impossível, ela continua a acumular só para si, a criar crescentes desigualdades e a devastar
a natureza. Que alternativas se apresentam? Na reflexão mundial circulam algumas visões
(... )
Por todas as partes do mundo há grupos, iniciativas e formas de produção que
conscientemente colocam a vida e a Terra no centro das preocupações. Se vier o desastre que
prevemos, serão estes que terão a ciência necessária e as experiências acumuladas para
continuar o projeto civilizatório humano sobre outras bases mais esperançadoras para a vida
e a humanidade. Daí a importância que o número deles cresça.
A vida humana no processo de evolução passou por terríveis crises que quase exterminaram
a espécie, especialmente nas grandes glaciações. Mas sempre sobreviveu. Oxalá desta vez
não seja diferente.
(Leonardo Boff)
RESUMO
O presente trabalho aborda as representações sociais de trabalho e de organização construídas
pelos atores de duas organizações: uma instituição pública jurídica do Estado de Minas Gerais
e uma empresa de tecnologia de informação, com sede em Belo Horizonte, pertencente a um
grupo industrial internacional. Foi realizado um estudo comparativo de casos, por meio de
uma pesquisa qualitativa que buscou descrever e analisar as diferenças e semelhanças entre as
representações sociais produzidas nas duas organizações. A análise das condições de
produção dessas representações foi feita com base em três matrizes teóricas principais:
configurações organizacionais, que descreveu a estrutura burocrática das organizações e a
localização dos atores nessa estrutura; a cultura, identificando os traços culturais brasileiros e
os valores, crenças, ritos e mitos compartilhados pelos grupos nas organizações; as relações
de poder estabelecidas entre os atores organizacionais. Como pano de fundo da pesquisa,
foram levados em consideração temas como globalização, neoliberalismo, tecnologia, Estado
e administração pública, e as transformações nos mundos do trabalho e das organizações, por
exercerem influências sobre as condições de produção das representações sociais de trabalho
e de organização. Foram identificados diferentes grupos nas organizações, de acordo com a
posição na estrutura organizacional e o tempo de casa, que determinam diferentes valores,
crenças, mitos e rituais, assim como a estruturação das relações de poder entre estes grupos. A
estrutura burocrática da empresa privada, aparentemente mais horizontalizada, tem
implicações na forma como os trabalhadores apreendem as diferenças hierárquicas na
organização. As práticas de gestão, que combinam uma comunicação influente a programas
de gestão de clima organizacional e de qualidade de vida dos trabalhadores, difundem a
cultura corporativa. Entretanto, os empregados estão constantemente sujeitos à pressão
exercida pela insegurança das novas condições de trabalho na contemporaneidade. O poder é
exercido pela sedução e pela insegurança, de forma a manter os trabalhadores engajados nos
objetivos da empresa, até mesmo em detrimento dos seus interesses individuais. A
organização pública é configurada como uma Burocracia Profissional, possuindo duas áreas
distintas: a área jurídica e a área técnico-administrativa. Esta possui uma estrutura burocrática
rígida, que limita e mantém os funcionários disciplinados e metódicos. O poder é exercido
pela rigidez dessa estrutura. As representações sociais de trabalho e de organização
produzidas nas duas organizações evidenciaram as diferenças que existem entre elas, não
apenas pela natureza e pela inserção no todo social, mas sobretudo pelas configurações
organizacionais distintas, pelos traços culturais, valores, crenças, mitos e rituais, e pelas
diferentes formas de exercício do poder.
Palavras-chave: representações sociais; configurações organizacionais; cultura; relações de
poder.
ABSTRACT
The present work approaches the social representations of work and organization constructed
by the actors of two organizations: a legal public institution of the state of Minas Gerais and a
company of information technology, with headquarters in Belo Horizonte, pertaining to
industrial holding. A comparative study of cases was carried out, by means of a qualitative
research that sought to describe and to analyze the differences and similarities between the
produced social representations in the two organizations. The analysis of the production
conditions of these representations was made on the basis of three main theoretical matrices:
The structuring of organizations, that described the bureaucratic structure of the organizations
and the localization of the actors in this structure; the culture, identifying the Brazilian
cultural traces and the values, beliefs, rites and myths shared for the groups in the
organizations; the power’s relations established between the organizations actors. As
background of the research, were taken in consideration themes like globalization,
neoliberalism, technology, State and public administration, and the transformations in the
worlds of the work and the organizations, for influencing the production conditions of the
social representations of work and organization. Different groups in the organizations were
identified, in accordance with the position in the structure of the organization and the time
that actors work in the organizations, that determine different values, beliefs, myths and rites
in each group, as well as the structure of the power’s relations between these groups. The
bureaucratic structure of the private company, apparently less hierarchic, has implications in
the form as the workers apprehend the hierarchic differences in the organization. The practics
of management, that combine an influential communication with programs of management of
the organization athmosphere and the workers quality of life, spread out the corporative
culture. However, the employees are constantly subject to the pressure exerted by the
unsecurity of the new conditions of work in the contemporary time. The power is exerted by
the seduction and the unreliability, so that it keeps the workers engaged in the objectives of
the company, even though in detriment of their individual interests. The public organization is
configured as a Professional Bureaucracy, having two distinct areas: the legal area and the
technician-administrative area. This has a rigid bureaucratic structure, that limits and keeps
the employees disciplined and methodical. The power is exerted by the rigidity of this
structure. The social representations of work and organization produced in the two
organizations showed the differences that exist between them, not only by the nature and by
the insertion in the whole social, but mainly the distinct structures of organizations, by the
cultural traces, values, beliefs, myths and rites, and by the different forms of exercise of the
power.
Key-words: Social representations. Structure of organizations. Culture. Power’s relations.
10
INTRODUÇÃO
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (2006), em 2005 ocorreram denúncias de que
7.707 trabalhadores no Brasil se encontravam em regime de escravidão no campo. Conforme
o Ministério do Trabalho e Emprego (2005), o mero de trabalhadores entre 5 e 15 anos em
2002 era de 2.988.294, o que representava 8,22% da população nessa faixa etária. Essa
realidade contrasta com o avanço tecnológico do mundo globalizado. Se as condições e
relações de trabalho nas modernas empresas globais se transformaram, exigindo maior
qualificação dos trabalhadores, assim como restringindo as oportunidades de emprego, a
utilização de mão-de-obra escrava e infantil representa uma contradição a essas
transformações.
É no bojo dessas transformações que se desenham novos cenários. A Sociedade da
Informação, desenvolvida por meio de infra-estruturas modernas de comunicação de voz,
dados, textos, imagens e vídeos, além do desenvolvimento da computação, provocou
mudanças significativas na sociedade, nas organizações e no trabalho. A tradicional relação
entre capital e trabalho passou a ser redefinida pelo uso das tecnologias de informação, que
facilitaram novas formas organizacionais, como empresas virtuais (CASTELLS, 2001).
A globalização, entendida como um processo de mudanças econômicas, políticas e sociais,
passou a fazer parte do cotidiano das pessoas. Apesar das diferentes interpretações acerca do
fenômeno, é fato que a globalização provocou mudanças significativas na sociedade,
juntamente com a sociedade da informação, refletidas nas organizações e no trabalho.
11
O neoliberalismo, entendido como a dimensão política da globalização, instaurou um novo
padrão de relações de poder entre os países, em escala mundial, e internamente em cada nação
inserida no processo de globalização e, portanto, submetida à reestruturação. O
neoliberalismo encontrou na globalização um campo fértil para suas idéias. O rompimento das
fronteiras, sobretudo políticas e econômicas, fortalece o discurso de defesa das leis de
mercado controlando e regulamentando as relações econômicas. A mudança do papel do
Estado é um dos ajustes da reestruturação pela qual as nações são submetidas. O Welfare
State
1
passou a ser criticado, provocando mudanças significativas no âmbito estatal. A
proposta neoliberal não se restringe à diminuição do papel do Estado na economia,
impossibilitando a capacidade de coordenação e intervenção estatal. Mais ainda, os
neoliberais defendem a diminuição do Estado também na área social (PEREIRA, 1996). Na
década de 1990, as diversas privatizações de empresas estatais consolidaram mudanças
significativas no papel do Estado, que passa a assumir funções de regulação, definindo preços
pelos serviços que antes eram prestados diretamente por ele, e cobrando das empresas a
continuidade e qualidade destes serviços (VELASCOS JÚNIOR, 1997 apud CARRIERI,
2001).
No caso específico do Brasil, um fator determinante da sua crise fiscal, que limita a
capacidade do Estado para resolver os problemas econômicos e sociais, é a enorme dívida,
tanto interna quanto externa. Em 1988, a partir do Consenso de Washington
2
, o pagamento
dessa dívida, ou melhor, dos juros dessa dívida, tornou-se a prioridade do Estado e do
governo brasileiro, para que o Brasil não fosse excluído do processo de globalização. O setor
1
Estado de bem-estar social, no qual o Estado regulamenta o mercado, participa da produção por meio de
empresas estatais e estabelece uma série de benefícios e garantias sociais. (VÁN-DUNEM, 2005).
2
Esse consenso consistia de princípios que deveriam ser seguidos por meio de medidas como ajuste fiscal,
redução da inflação, redução do tamanho do Estado, liberalização comercial e financeira, desregulamentação do
setor privado e privatizações, a fim de que os países emergentes pudessem ser incluídos no processo de
globalização. Tornou-se um símbolo do neoliberalismo, possuindo um viés pró-mercado. (PEREIRA, 2002).
12
financeiro se tornou fundamental na nova fase do capitalismo representada pela globalização,
e os recursos foram canalizados para o pagamento dos juros. Nesse sentido, a falência e
incapacidade do Estado para resolver os problemas econômicos e sociais serviram como
campo fértil para a propagação das idéias neoliberais, assim como a justificativa de toda uma
política econômica que vigora no país desde então.
As transformações ancoradas na globalização se refletem tanto nas organizações privadas,
quanto nas públicas e não-governamentais. A privatização de grandes companhias estatais,
como Telemig, Vale do Rio Doce e Usiminas, gera instabilidade nos atores organizacionais
dessas empresas e mudanças culturais significativas, com impactos importantes na sociedade.
Por outro lado, as organizações públicas são pressionadas a se reestruturarem e se tornarem
adequadas à nova realidade global, em uma perspectiva de enxugamento” e redução de
custos e de redirecionamento dos investimentos numa ótica da “eficácia” econômica que não
prioriza as demandas sociais. Aquisições, alianças estratégicas e incorporações são outros
elementos que compõem este cenário.
A tecnologia de informação modificou os processos produtivos das grandes indústrias,
automatizando diversas tarefas até então manuais, agravando a crise do emprego. Na década
de 1990, o desemprego tornou-se um dos problemas sociais mais graves no Brasil. O
indivíduo nas organizações se torna cada vez mais vulnerável, sendo obrigado a se adequar a
um papel que lhe garanta empregabilidade no setor privado.
Por outro lado, aos servidores públicos brasileiros é garantida constitucionalmente a
estabilidade no emprego. Pereira (1996) considera que a Constituição de 1988 ignorou as
novas orientações da administração pública, criando uma legislação que privilegiava a
13
centralização rígida e hierárquica. Segundo esse autor, a estabilidade, da forma como foi
estabelecida, retiraria a possibilidade de cobrança de trabalho dos servidores. Entretanto, a
discussão em torno da estabilidade geralmente ocorre no sentido de questioná-la,
responsabilizando-a pelas mazelas do serviço público, e desconsiderando diversos outros
aspectos da administração pública. Uma discussão que busque mecanismos de proteção do
emprego também no setor privado é geralmente considerada um despropósito e duramente
criticada num tempo em que se defendem as leis de mercado. Enquanto isso, milhares de
trabalhadores continuam sujeitos à demissão, grande parte sem tempo suficiente para uma
aposentadoria e praticamente sem chance de disputar uma vaga no mercado de trabalho cada
vez mais restrito e competitivo, sobretudo em países em desenvolvimento.
A garantia do emprego dos servidores públicos em relação ao temor pelo desemprego dos
empregados privados é apenas uma das dicotomias que caracterizam as realidades
organizacionais dos dois setores. Motivação para o trabalho, produtividade, modelos de
gestão, eficiência, honestidade são alguns dos parâmetros utilizados para comparar as
organizações públicas e privadas. Entretanto, elas se diferenciam primeiramente quanto aos
fins: enquanto estas possuem como principal objetivo o lucro, aquelas existem para servir ao
cidadão.
Em meio às mudanças nas organizações e no trabalho, cada indivíduo e cada organização
estão inseridos em uma sociedade e sujeitos às influências culturais e contradições existentes
nesta sociedade. A cultura faz parte do cotidiano das organizações e de seus atores. Essa
cultura é reconstruída diariamente pelas interações entre estes atores, que possuem suas
crenças, seus valores, seus ritos e mitos. Não há como criar uma linha divisória entre a
sociedade e as organizações, eliminando as influências culturais que uma exerce sobre a outra.
14
A cultura brasileira possui traços decorrentes da sua história e da construção econômica,
social e política do país. Embora as organizações públicas e privadas possuam diferenças
culturais em razão das características de cada uma, os traços da cultura brasileira são
reproduzidos nas organizações.
Em cada contexto organizacional, os atores constroem quadros representativos de significação
de trabalho e organização, articulados ao sistema de pensamento ao qual estão submetidos
(JODELET, 2001). Dessa forma, as representações sociais são construídas conforme um
sistema social mais amplo, que envolve elementos subjetivos, ideológicos, discursos
dominantes, entre outros.
Trabalho escravo e infantil, analfabetismo, morte por desnutrição e falta de saneamento
básico para significativa parcela da sociedade se contrapõem ao alto vel tecnológico de
grandes empresas nacionais e internacionais instaladas no Brasil. Por outro lado,
características diferentes de organizações públicas e privadas criaram a imagem de um
enorme abismo entre elas.
Nesse contexto carregado de ambigüidades, os indivíduos nas organizações se comportam
conforme sua cultura, construindo representações sociais compartilhadas de trabalho e de
organização que são influenciadas pelos seus valores, crenças, mitos e rituais. Nesse sentido,
o presente estudo procurou responder ao seguinte problema de pesquisa:
15
Quais as diferenças e semelhanças entre as representações sociais de trabalho e de
organização construídas por atores organizacionais de uma instituição pública e de uma
empresa privada?
Foi realizada uma abordagem empírica do problema acima, por meio de um estudo
comparativo de casos de duas organizações: uma empresa privada de tecnologia de
informação que atende a um grande grupo industrial internacional, com sede em Belo
Horizonte, e uma organização pública do estado de Minas Gerais.
A escolha da teoria das representações sociais como um dos suportes da pesquisa se deve ao
interesse de conhecer as condições em que são produzidas as representações de trabalho e de
organização. Para além do significado, o que se pretendeu analisar foram as condições desta
produção, fundamentada nos valores e crenças compartilhados pelos atores sociais em
presença, suas posições, as relações de poder entre eles formatadas pelas estruturas que
condicionam esses elementos, nos planos da organização e do trabalho. Esses aspectos
conotam as novas configurações do mundo do trabalho e os novos arranjos organizacionais na
sociedade contemporânea e, evidentemente, são fatores que influenciaram a escolha do
trabalho e das organizações como objetos de estudo desta pesquisa.
O estudo comparativo de casos de duas organizações que, embora inseridas em um mesmo
todo social, apresentam diferenças quanto à sua natureza e às condições de trabalho e de
emprego em seus ambientes, permite fornecer importantes elementos para as pesquisas em
representações sociais.
16
Esta dissertação está estruturada da seguinte maneira. Esta introdução apresenta o problema
de pesquisa com base no contexto que o justificou e as vertentes analíticas que foram
utilizadas
No capítulo 1, é apresentado o fio condutor da pesquisa. É feito um mapeamento das
pesquisas em representações sociais em algumas áreas do conhecimento. Em seguida, é feita
uma descrição das empresas pesquisadas e, depois, é descrito o percurso metodológico
utilizado e sua justificativa, para se chegar à resposta ao problema de pesquisa proposto. São
descritos os instrumentos utilizados, as amostras e o universo pesquisado.
O capítulo 2 apresenta o contexto atual da sociedade contemporânea, contexto este que afeta
as representações sociais de trabalho e de organização. São abordados temas como a
globalização, neoliberalismo, tecnologia, o Estado e a administração pública, as
transformações no trabalho e nas organizações, de forma a articular esses temas às vertentes
teóricas utilizadas.
No capítulo 3, é feita a análise das organizações de acordo com os elementos teóricos que dão
suporte à pesquisa. São caracterizadas as configurações organizacionais da empresa privada e
da organização pública pesquisadas. A cultura brasileira e organizacional é explorada com
base no histórico das organizações e nas interações que ocorrem nelas. São analisadas as
formas de exercício do poder nas duas organizações, e suas articulações com as configurações
e com a cultura.
No capítulo 4, é abordado o conceito das representações sociais nas ciências sociais. Em
seguida, são analisados os elementos que compõem as representações sociais de trabalho e de
17
organização produzidas nas duas organizações, considerando as configurações
organizacionais, a cultura e as relações de poder.
Em seguida, são apresentadas as considerações finais da pesquisa, comparando e analisando
as diferenças e similaridades entre as representações sociais produzidas nas duas
organizações. Ao final, são relacionadas as referências utilizadas e o anexo.
18
1 O FIO CONDUTOR
Neste capítulo, será apresentado o panorama geral da presente pesquisa, a fim de compreender
a articulação teórica utilizada, os objetos e sujeitos desta pesquisa e o percurso metodológico
utilizado.
1.1 A ESPECIFICIDADE DA ANÁLISE
Os estudos sobre representações sociais têm sido desenvolvidos em diversas áreas do
conhecimento, analisando temas como saúde, educação, infância, identidade em
comunidades, relações de gênero, dentre outros. Segundo mapeamento realizado por Sá
(1998) sobre pesquisas acerca de representações sociais no mundo do trabalho, Palmonari e
Zani (2001) estudaram as representações sociais da profissão de psicólogo, na Itália, Abric
(1993) analisou a representação social do artesão e do artesanato e Moliner (1993), a
representação social da empresa. No Brasil, Sato (1993) estudou o trabalho penoso sob a
perspectiva das representações sociais, Moura e Moura (1998), a função de digitador e Möller
(1996), a administração participativa. Além desses trabalhos, Cavedon e Pires (2004)
abordaram as representações sociais dos trabalhadores da indústria de panificação, que
associavam o alimento que produziam à imagem do pão de cada dia. Yamamoto e Ichikawa
(2005) abordaram as representações sociais da Ciência, sob a ótica das mulheres
pesquisadoras da Universidade Estadual de Maringá. Ivo e Oliveira (2005) analisaram as
representações sociais construídas em uma empresa familiar. Campos (2002) desenvolveu um
estudo sobre as representações sociais da atividade do funcionário público da Secretaria de
Estado e Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo. Guareschi (1995) analisou as
representações sociais do dinheiro, em sua pesquisa sobre as igrejas neopentencostais.
19
Jodelet (2001) aponta o Brasil como um dos países que integram a Rede Internacional de
Comunicação sobre Representações Sociais, organizada desde 1990 com o intuito de facilitar
a difusão de trabalhos sobre o tema. De forma geral, os representantes brasileiros demonstram
contato com a obra de Jodelet, sobretudo em suas concepções de representações sociais.
A teoria das representações sociais foi o fio condutor desta dissertação, articulado à cultura
nacional e corporativa nas organizações, às suas configurações organizacionais e às suas
relações de poder. No capítulo sobre a teoria das representações sociais, será feita uma revisão
que abordará a multiplicidade de relações com outras disciplinas, reforçando as
representações sociais como o fio condutor desta pesquisa. A seguir, serão descritas as
organizações escolhidas como objetos de pesquisa.
20
1.2 ORGANIZAÇÕES PESQUISADAS
As organizações que são objeto desta pesquisa, como mencionado, estão inseridas em uma
mesma sociedade. Entretanto, elas possuem natureza distinta, assim como são distintas suas
inserções no todo social. O estudo comparativo desses dois universos permite analisar em
profundidade as condições de produção das representações sociais e as diferenças entre eles.
Essas diferenças envolvem a estrutura, as relações de poder e a cultura de cada uma das
organizações.
1.2.1 A Empresa TI
3
A organização privada estudada, que será chamada Empresa TI, é uma prestadora de serviços
de tecnologia de informação a um grande grupo siderúrgico internacional. Essa organização
foi criada em 1984, a partir do setor de informática de uma representativa empresa industrial
de Minas Gerais, aqui chamada Industrial I. A Empresa TI ficou responsável por toda a
estrutura de informática da Industrial I, com a garantia de exclusividade na prestação do
serviço.
No final de 2006, a Empresa TI, assim como a Industrial I, passaram a pertencer a um grande
grupo industrial internacional, resultante da fusão dos dois maiores líderes do mercado
mundial de atuação da Industrial I. Esse grupo internacional será chamado Grupo GIM
4
.
Nesse novo contexto, a Empresa TI passou a ser uma das prestadoras de serviço de tecnologia
de informação para o Grupo GIM no Brasil e na América Latina, porém sem a exclusividade
3
A sigla TI foi escolhida como abreviatura de Tecnologia de Informação.
4
A sigla GIM foi escolhida como abreviatura de Grupo Industrial Internacional.
21
que lhe era assegurada nos anos iniciais de seu funcionamento. As implicações desse novo
contexto de atuação da organização privada serão abordadas nos próximos capítulos.
A escolha da Empresa TI como objeto de pesquisa se deve à importância da tecnologia de
informação no contexto da globalização e das novas representações sociais de trabalho e de
organização, agregando a informação como novo elemento na relação capital-trabalho. Além
disso, é uma empresa de serviços, que se diferencia dos tradicionais modelos de empresa
industrial, possuindo uma estrutura organizacional aparentemente mais democrática e flexível.
A seguir, serão descritas as principais transformações que ocorreram na Empresa TI, desde a
sua criação em 1984.
1.2.1.1 Empresa TI: de setor de informática a empresa global
Na década de 1970, a Industrial I intensificou a utilização dos recursos de informática em suas
atividades. O controle da produção e dos estoques começava a ser realizado por sistemas
computadorizados. Profissionais começavam a formar uma equipe de informática dentro da
Industrial I, sendo que a maior parte deles era formada por engenheiros. Com a ampliação da
utilização dos sistemas e interligação das unidades industriais de Minas Gerais e do escritório
de vendas em São Paulo, a Industrial I resolveu criar a Empresa TI, com sede no mesmo
prédio onde funcionava (e ainda funciona) o escritório central da empresa industrial.
A Empresa TI, então, começou a funcionar em janeiro de 1984, com trabalhadores
transferidos da Industrial I. Ela permanecia como uma controlada da empresa que lhe deu
22
origem e o relacionamento com este cliente se mantinha como entre colegas. A Empresa TI
passava também a prestar serviços a outras empresas do grupo da Industrial I.
Em 1986, a Empresa TI transferiu a sua sede para um prédio a poucos quarteirões do
escritório da Industrial I. Também foi transferido o centro de processamento de dados (CPD)
que atendia a Industrial I e outros clientes. Essa transferência significou o primeiro
rompimento com o departamento de informática da empresa de origem, e a Empresa TI
começava a se afirmar como uma organização externa à Industrial I. Na década de 1990, a
Empresa TI buscou aumentar seu portfólio de clientes, chegando a atender o setor bancário,
prefeituras e instituições de ensino. Entre os serviços prestados havia o desenvolvimento de
sistemas para esses clientes, a emissão de relatórios e ainda um setor de venda e manutenção
de equipamentos. A linha de atuação era bastante diversificada e o corpo de trabalhadores
também se expandiu. Entretanto, os empregados advindos da Industrial I permaneciam na
empresa, dividindo o cotidiano com profissionais formados na área da Computação.
Os anos de 1995 e 1996 na Empresa TI representaram a transição de uma tecnologia de
informática mais centralizada, com equipamentos e sistemas proprietários da IBM, para a
tecnologia de redes, que depois foi incrementada pela Internet e impulsionou os avanços em
tecnologia de informação. Foi nesse biênio que a Empresa TI também demitiu cerca de 10%
de seus trabalhadores, a maior parte operadores de terminais de computador IBM, que não
estariam “preparados” para trabalhar com as novas tecnologias. Essa falta de preparo se devia
às novas tecnologias que estavam sendo implantadas na época, e que se diferenciam da
anterior. A nova tecnologia exigiria profissionais com novas capacitações.
23
No final da década de 1990, dois fatos foram fundamentais nas transformações que ocorreram
na Empresa TI desde então. O primeiro foi a decisão de implantação do SAP
5
, um sistema
integrado ERP
6
, na Industrial I. O perfil dos trabalhadores para implantar o SAP é diferente do
perfil dos analistas de sistemas tradicional. O novo profissional deve conhecer, além das
tecnologias de informação, as necessidades do negócio de cliente, no caso, o mercado de
atuação e os processos de produção das empresas do grupo da Industrial I.
O outro fato foi a compra do grupo da Industrial I por uma holding internacional que, na
época, era a líder mundial no mercado em que ela atuava. Essa holding, que será referenciada
como Grupo GI
7
, foi constituída como resultado de uma fusão de três grandes grupos
industriais. Nesse sentido, a Industrial I estava envolvida em reestruturações decorrentes desse
processo de fusão. A consolidação do controle acionário de uma empresa brasileira e de uma
argentina foram algumas das atividades em que ela estava envolvida.
As mudanças na plataforma de sistemas da Industrial I, além das exigências que esta impunha
à Empresa TI, em virtude das mudanças no cenário mundial, levaram a um impasse sobre qual
caminho esta deveria seguir. Em meados de 2000, houve a demissão de cerca de 5% dos
trabalhadores, e a própria continuidade da Empresa TI esteve ameaçada. Os novos clientes, do
setor bancário e também de transportes, não eram suficientes para a melhoria financeira da
empresa. Entretanto, uma reestruturação ocorrida no início da década de 2000 transformou a
organização.
5
SAP – Systeme, Anweedungen, und Produke in Datanverasbectung (Sistemas, Aplicações e Produtos em
Processamento de dados).
6
ERP – Enterprise Resource Planning (Planejamento dos recursos da empresa).
7
O nome Grupo GI foi escolhido como abreviatura de grupo industrial. Em 2006, esse grupo se fundiu a outra
holding internacional, formando o Grupo GIM, como será visto mais adiante.
24
Um novo diretor-superintendente assumiu o cargo e, junto com o Conselho do grupo da
Industrial I, decidiram que a Empresa TI concentraria o foco de sua atuação nas empresas do
Grupo GI. Dessa forma, a Empresa TI restringiu o seu portfólio de clientes, extinguiu a área
de venda e manutenção de equipamentos, que deu origem a uma nova empresa, e passou a
atuar como parceiro de negócios para as empresas do Grupo GI que eram seus clientes.
Assim, a partir de 2002, a Empresa TI teve seu faturamento aumentado a cada ano e contratou
novos trabalhadores.
Em 2005, o Grupo GI resolveu reunir as empresas brasileiras que ele controlava em um grupo
unificado no Brasil, sendo criado o Grupo GI Brasil. Esse grupo passou a comportar outras
empresas que não eram clientes da Empresa TI. Algumas dessas empresas possuem seus
fornecedores de serviços de tecnologia de informação. A Empresa TI passou a concorrer
diretamente com esses fornecedores, gerando insegurança entre seus trabalhadores. “Às vezes,
o que incomoda um pouco é a falta de segurança. Você não sabe o que pode acontecer
amanhã. Você pode perder o seu espaço dentro da Empresa TI, sei lá, a Empresa TI diminuir
o quadro dela, você não estar nos planos” (Entrevistado 16, Empresa TI, analista).
O ano de 2006 começou com uma proposta de compra do Grupo GI. Uma holding
internacional, após a aquisição de outras unidades industriais em todo o mundo, era o líder
mundial do mercado. Essa holding fez uma proposta de aquisição do Grupo GI internacional,
representando a maior fusão mundial no setor. Essa fusão se concretizou em junho de 2006,
dando origem ao Grupo GIM, que passou a deter a maior participação do mercado mundial,
mesmo somando a participação de todas as outras empresas. A Empresa TI redefiniu sua
missão e seus objetivos, conforme o quadro a seguir:
25
Missão da Empresa TI
Contribuir para o sucesso das empresas do Grupo GIM na América Latina, melhorando seus
processos por meio de uma Tecnologia da Informação confiável e atualizada, com
transparência e fidelidade nas relações.
Objetivos da Empresa TI
Estar cada vez mais próximo do cliente, atendendo às demandas com soluções personalizadas
e criativas, que tragam resultados efetivos;
Manter uma postura pró-ativa perante o mercado e os clientes;
Buscar excelência operacional, melhorando sempre a performance da empresa para poder
satisfazer cada vez mais os clientes e colaboradores;
Trabalhar com a visão de futuro, em busca do desenvolvimento do setor da Tecnologia da
Informação;
Manter uma equipe motivada e capacitada;
Buscar novos negócios;
Contribuir para uma sociedade mais justa, atuando com responsabilidade social e ética.
Quadro 1.1 – Missão e objetivos da Empresa TI
Fonte: site da Empresa TI na Internet
Esse novo contexto voltou a ameaçar a Empresa TI, que depende de decisões a serem tomadas
do outro lado do continente acerca de suas atividades.
Ultimamente ela tem sofrido grandes pressões, pois o meio em que ela atuava sofreu
alterações. E por uma questão de sobrevivência, ela está tendo que rever os seus
conceitos internos, a sua organização, para conquistar novos clientes e manter a
condição dos atuais [...] Aumentou o número de clientes, mas também aumentou a
concorrência da Empresa TI. São empresas internacionais, e devido a esta fusão, se
tornaram, entre aspas, concorrentes da Empresa TI, e a Empresa TI tem que
desenvolver o melhor trabalho pra que seu modelo seja o modelo adotado pelo
grupo, e consiga manter o seu trabalho no grupo, e conseguir manter a posição sem
que seja preciso sofrer grandes reestruturações de pessoas e poder ampliar e crescer
mais (Entrevistado 15, Empresa TI, técnico).
Na medida em que a Empresa TI perde a exclusividade em relação à Industrial I, ela passa a
atuar em um mercado com maior número de clientes, porém sofrendo a concorrência de
empresas nacionais e internacionais. O modelo de tecnologia de informação na Industrial I era
26
composto por uma empresa responsável pela informática, trabalhando juntamente com um
executivo de tecnologia de informação do quadro da empresa industrial. No novo contexto, as
outras empresas que compõem a holding possuem modelos distintos. Dessa forma, uma
disputa no vel do Grupo GIM para definir qual o modelo mais adequado. Em conseqüência
disso, os trabalhadores da Empresa TI temem pela manutenção de seus empregos, em virtude
da definição do modelo.
Para nós paira uma certa insegurança novamente, porque o Grupo GIM tem outro
modelo de TI, que é interno. Eles possuem a TI interna, e não como empresa. Mas
essas ameaças externas vindas da questão da globalização e de cada vez mais você
ter empresas globais competindo pelos seus mercados locais tem se mostrado
positiva para a Empresa TI, no sentido de que as resoluções que o Grupo GIM tem
tomado são no sentido de enxergar a TI como um supply, ou como um fornecedor
externo (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
Então as pessoas ficaram muito apreensivas e isso acho que foi geral... até fechar foi
uma incógnita que todo mundo ficou sem saber. Apesar de que a gente sabia que o
Grupo GIM... ele não ia comprar e falar: vamos fechar a empresa no Brasil. Então
as pessoas sabiam disso, mas ficaram naquela ansiedade, expectativa, porque isso
não foi divulgado. quando fechou o negócio, oficializou, e todo mundo viu que
não era aquele bicho de sete cabeças que todo mundo estava pensando, é que
apagou o incêndio. Hoje acho que mais ninguém pensa nisso (Entrevistada 13,
Empresa TI, técnica).
Entretanto, em dezembro de 2006, cerca de 10% dos trabalhadores da Empresa TI foram
demitidos por exigência do Grupo GIM, como medida de redução nos custos da empresa.
1.2.2 A Organização OP
8
A organização pública estudada, que será referenciada como Organização OP, é uma
instituição pública do Estado de Minas Gerais, cujas atividades estão relacionadas à área
jurídica. Essa instituição teve seu papel e relevância na sociedade brasileira redefinidos pela
Constituição de 1988, que lhe concedeu garantias de autonomia tanto funcional quanto
8
A sigla OP foi escolhida como abreviatura de Organização Pública.
27
financeira. Ela é responsável, no âmbito estadual, por garantir que a atuação do Estado, de
organizações não-governamentais e de empresas privadas salvaguarde os direitos sociais, o
meio-ambiente, o patrimônio histórico e artístico, além da defesa da vida, dos direitos da
infância e juventude, dos idosos e deficientes, do consumidor, dentre outros.
Por se tratar de uma organização com atividade-fim no âmbito jurídico, ela possui
funcionários com formação em Direito, que são denominados membros da instituição, e
funcionários na área técnico-administrativa, que são denominados servidores da instituição.
Existe de fato uma diferença entre servidores e membros na Organização OP, tanto pela
atividade-fim, como pela legislação que regulamenta suas atividades, seus direitos e deveres.
Essa separação entre membros e servidores, e suas implicações, serão analisadas
detalhadamente mais adiante nesta dissertação.
O estudo da Organização OP permite compreender as representações sociais construídas no
ambiente público, além de evidenciar as contradições internas à organização. Ela fornece
elementos para algum entendimento dos novos papéis desempenhados pelo Estado numa
economia globalizada, e como esses papéis são internalizados pelos atores organizacionais. A
seguir, serão descritas as principais transformações que ocorreram na Organização OP, desde
a Constituição de 1988.
1.2.2.1 Organização OP: de órgão do executivo estadual a instituição autônoma
A Constituição de 1988 foi um grande marco para a Organização OP e para a compreensão do
seu significado no cenário nacional. A autonomia funcional e administrativa concedida aos
28
membros da organização abriu o leque de atuação. A admissão desses membros passou a ser
feita mediante aprovação em concurso público, sendo exigida a graduação em curso de
Direito reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura (BRASIL, 2004). Atualmente, a
Organização OP conta com 877 membros. “[...] a Organização OP antigamente, era um
negócio engraçado. O membro era nomeado pelo executivo. Algumas vezes ele não era nem
advogado” (Entrevistado 10, Organização OP, membro).
Logo após a promulgação da Constituição, em 1988, a Organização OP possuía cerca de 200
membros e apenas 28 servidores do quadro auxiliar. Desses servidores, apenas 2 eram
profissionais de nível superior. O número de servidores cresceu gradativamente até 1994.
Nesse ano, foram contratados servidores advindos de órgãos estaduais de Minas Gerais e da
extinta Minas Caixa, por meio de um dispositivo legal. “Eles pegaram e fizeram um concurso
interno, eu vou chamar assim: concurso para inglês ver, e arrecadou servidores de todo o
estado, mas não foi Minas Caixa não, a sua maioria foi da Minas Caixa, que veio pra cá,
mas veio da secretaria da saúde, de outras secretarias aí” (Entrevistado 3, Organização OP,
técnico).
A instituição passou a contar com 442 servidores. Após essa admissão, as equipes começaram
a ser distribuídas para dar suporte à atuação dos membros. Alguns dos servidores admitidos
em 1994 ocupam cargos de diretoria e superintendência em 2006.
Em 1999, foi realizado o primeiro concurso para servidores na Organização OP. Nessa
ocasião, o quadro de servidores aumentou para 781. Em 2002, um novo concurso aumentou o
número de servidores para 1163, sendo que os técnicos, com exigência de possuírem curso
29
superior, somavam 242. No final de 2006, a Organização OP contava com 1534 servidores. O
gráfico abaixo representa a evolução no número de servidores desde 1988:
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1100
1200
1300
1400
1500
1600
28
39
84 91 84
200
350
442
434
424
405
681
715
790
905
1163
1361
1490
1534
Evolução do nº de servidores
Ano
Gráfico 1.1 – Evolução do número de servidores de 1988-2006
Fonte: Organização OP
Esse aumento do número de servidores representou a entrada de servidores com histórias de
vida diferentes, sobretudo daqueles que entraram antes de 1999. Dessa forma, pessoas com
valores e crenças diversas vieram a influenciar as subculturas na Organização OP.
A instituição não é vinculada ao executivo e expandiu sua área de atuação. Foram criadas
diversas especialidades jurídicas dentro da organização e muitos membros, que à época da
Constituição atuavam em diversas áreas, trabalham em suas especialidades.
A administração superior da Organização OP, que antes de 1988 era nomeada pelo
governador do estado, passou a ser ocupada por membro da instituição. A cada dois anos, é
realizada uma eleição para escolha de lista tríplice dos membros mais votados pelos colegas.
Essa lista tríplice é submetida ao governador estadual, que escolhe um dentre os membros que
compõem a lista para ser o administrador da instituição no biênio seguinte à nomeação. É
30
admitida a reeleição do administrador uma única vez. Dessa forma, uma mudança na
administração superior a cada dois ou quatro anos, e esse é um fator que também influencia as
culturas na organização.
31
1.3 PERCURSO METODOLÓGICO
Neste capítulo, descreve-se a metodologia utilizada na pesquisa quanto aos fins e quanto aos
meios, explicitando as formas de coleta e análise dos dados.
A abordagem de pesquisa, tanto para coleta quanto para análise dos dados, foi a abordagem
qualitativa, porque se preocupa com os fenômenos sociais associados ao objeto de pesquisa e
suas particularidades. A pesquisa sobre as representações sociais, estando comprometida
com situações sociais naturais e complexas requisito imprescindível para que sejam
acessadas as condições de produção -, é necessariamente uma pesquisa qualitativa” (SPINK,
2004, p. 103).
No presente estudo, a pesquisa qualitativa possibilitou a abordagem dos fenômenos sociais
que influenciaram as representações sociais de trabalho e de organização construídas nas duas
organizações, ou seja, cultura, relações de poder e configuração organizacional.
1.3.1 Tipo de pesquisa
A pesquisa é descritiva e analítica quanto aos fins, porque buscou descrever as diferenças e
similaridades entre as representações sociais construídas pelos indivíduos. (Collis e Hussey,
2005). Além disso, foi procedida a análise dos elementos que evidenciaram a construção
dessas representações.
32
Quanto aos meios, a pesquisa realizada foi um “estudo comparativo de casos”, pois fez o
estudo de caso de duas organizações, uma pública e outra privada, a fim de identificar as
representações sociais construídas pelos seus atores. Em seguida, essas representações foram
analisadas comparativamente, com o objetivo de identificar suas diferenças e similaridades,
evidenciando os elementos que explicaram essas representações nos dois contextos
organizacionais estudados.
1.3.2 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas, análise de documentos e observação.
As entrevistas foram semi-estruturadas, onde, a partir de um roteiro
9
em blocos de conteúdos,
o entrevistado foi estimulado a falar sobre os aspectos que tinham relação com os elementos
distinguidos pela pesquisa e a construção de sua representação social de trabalho e de
organização. Conforme Abric (1994d, apud SÁ, 2002), o sujeito é levado a categorizar ele
mesmo as suas representações. Nesse sentido, o roteiro de entrevistas foi elaborado “[...]
considerando o sujeito como o único perito de sua própria produção” (GUIMELLI, 1994b,
apud SÁ, 2002, p. 142).
Foram analisados diversos documentos que evidenciaram o histórico das organizações, os
valores defendidos, os meios de comunicação utilizados, as políticas de Recursos Humanos,
entre outros. Nesse sentido, foram analisados os documentos de comunicação interno e
externo das duas organizações, as notícias e informações veiculadas na Intranet, os
9
Vide Anexo.
33
documentos utilizados nos treinamentos de formação e integração, documentos que
descrevem a história das organizações, entre outros.
A observação foi um instrumento complementar de coleta de dados, possibilitando obter
informações que não eram reveladas nas entrevistas e que não constavam nos documentos
oficiais das empresas. Esse instrumento permitiu conhecer os meios informais de
comunicação, os grupos informais, etc. Foram observadas algumas atitudes dos atores
organizacionais perante as situações do dia-a-dia, as comunicações informais, entre outras. As
observações foram anotadas em um diário de campo, tendo sido registradas no momento em
que foram observadas.
As entrevistas e a análise de documentos contemplaram, para as duas organizações estudadas,
informações dos últimos cinco anos, a fim de evidenciar os elementos que influenciaram a
construção das representações sociais no período em que foi realizada a pesquisa. Alguns
documentos mais antigos foram utilizados eventualmente, sobretudo aqueles que descreviam
fatos marcantes nas duas organizações.
O universo pesquisado compreendeu duas organizações. Como mencionado, uma delas é
uma empresa privada de tecnologia de informação, que presta serviços a empresas de um
grande grupo industrial internacional. A outra organização é uma instituição pública do
Estado de Minas Gerais, que possui preceitos constitucionais de autonomia funcional e
orçamentária, conforme a Constituição Federal promulgada em 1988 (BRASIL, 2004).
A amostra para as entrevistas compreendeu os atores das duas organizações em diferentes
estratos, conforme os quadros a seguir:
34
35
Organização OP
Entrevistado Cargo/ função Sexo Idade Tempo
de casa
Estado
civil
Filhos Formação
1 Superintendente/
diretora
F 37 12 Casada 2 Superior
Pós-graduação
2 Superintendente/
diretora
F 47 16 Casada 2 Superior
3 Técnico M 47 7 Casado 0 Superior (2
cursos)
2 pós-
graduações
4 Técnico M 37 7 Casado 1 Superior
2 pós-
graduações
1 pós-graduação
em curso
5 Técnico M 39 5 Casado 0 Superior
1 pós-graduação
1 pós-graduação
em curso
6 Oficiala F 44 7 Casada 0 Superior
7 Oficial M 50 12 Casado 2 Superior em
curso
8 Oficial M 41 5 Casado 0 Superior
2 pós-
graduações
9 Membro M 47 15 Casado 2 Superior
Pós-graduação
(Mestrado)
10 Membro M 64 27 Casado 2 Superior
Quadro 1.2 – Entrevistados da Organização OP
36
Empresa TI
Entrevistado
Cargo Sexo
Idade
Tempo
de casa
Estado
civil
Filhos
Formação
11 Gerente/diretor F 40 4 Casada 1 Administração
1 pós-graduação
12 Operador
10
M 26 5 2 Gerenciamento de
rede
13 Atendente de help
desk
11
F 28 6 Casada 1 Ciência da
Computação
14 Analista de
produção
12
M 29 7 Casado 0 Ciência da
computação
15 Técnico de
produção
M 25 6 Solteiro 0 Sistemas de
Informação
16 Analista funcional M 27 5 Solteiro 0 Processamento de
dados
1 pós-graduação
17 Analista de TI
13
M 29 11 Solteiro 0 Engenharia
elétrica
18 Consultor funcional
M 31 9 Solteiro 0 Administração
1 pós-graduação
(MBA)
19 Analista funcional
14
F 44 15 Divorciada
1 Contabilidade
20 Coordenador M 35 7 União
estável
2 Ciência da
computação
21 Supervisor de site
15
M 54 22 Divorciado
2 Engenharia
mecânica
1 pós-graduação
(MBA)
22 Gerente/diretor M Casado 4 Engenharia
mecânica
Quadro 1.3 – Entrevistados da Empresa TI
10
Os operadores são responsáveis pelas atividades de troca de fitas de pias de segurança, execução de rotinas
diárias de computador e monitoramento do funcionamento dos recursos de tecnologia de informação dos
clientes, além da resolução de problemas básicos de informática e atendimento a solicitações de serviços a
clientes.
11
Os atendentes de help desk recebem as ligações telefônicas dos clientes que possuam algum problema de
informática ou necessitam de algum serviço. Eles registram e encaminham a solicitação, utilizando o sistema de
help desk da empresa.
12
Os analistas de produção (e/ou suporte) são responsáveis por atender as solicitações dos clientes que os
operadores não conseguem resolver, além de fazer correções no ambiente de tecnologia de informação.
13
Os analistas de TI são responsáveis por propor melhorias no ambiente de tecnologia de informação dos
clientes, coordenar e executar projetos.
14
Os analistas funcionais são responsáveis por levantar necessidades de negócio dos clientes, especificar a
solução de sistemas correspondente, coordenar projetos de desenvolvimento de sistemas.
15
Os supervisores de site são trabalhadores da carreira Y, geralmente com grande conhecimento técnico e
experiência, e não possuem perfil gerencial. Eles são remunerados como os gerentes, porém não exercem função
de chefia. Geralmente são subordinados diretamente ao diretor-superintendente da organização e atuam em
projetos estratégicos para a empresa.
37
Os membros, como já visto, são os profissionais em direito da Organização OP e que exercem
a atividade-fim da instituição. O termo “membro” é a forma como eles são designados dentro
da organização. As citações de trechos das entrevistas serão feitas de acordo com estes
quadros. Serão identificados o número do entrevistado, a organização e a função. As funções
na Empresa TI serão agrupadas conforme a seguir:
Técnico: Operador, atendente de help desk e técnico de produção.
Analista: Analista de produção, analista funcional e analista de TI.
Consultor: Consultor funcional e supervisor de site
Gestor: Gerente/diretor e coordenador
Esses atores da organização pública e da organização privada, distintos em seu trabalho e
posicionamento, possibilitaram visões múltiplas, influenciadas pelas subculturas existentes
em cada estrato, e demonstraram a forma como os indivíduos internalizam os discursos,
valores, crenças, mitos e ritos da organização, de acordo com seu próprio referencial e a
realidade vivenciada por cada grupo no ambiente organizacional e na sociedade. Essa amostra
também possibilitou identificar as diferentes representações sociais nos diversos estratos,
identificando elementos relativos à realidade social desses grupos e a influência que essa
realidade exerce na construção das representações.
1.3.3 Análise dos dados
A análise dos dados coletados foi feita com base nos princípios da análise de conteúdo, em
suas distintas fases. Na fase de pré-análise, os dados coletados por meio das entrevistas,
38
documentos e observação foram organizados e selecionados conforme os objetivos
especificados. Foi necessário identificar e separar os elementos que influenciam as
representações sociais construídas nas organizações. Dessa forma, na fase de exploração do
material, foram executadas operações de codificação, desconto e enumeração, categorizando
os elementos referentes a essas influências. Após a categorização, os dados foram tratados de
forma que eram significativos e válidos para a pesquisa em questão, partindo para a
interpretação e verificação dos pressupostos (BARDIN, 2004).
Alguns fatores limitam o alcance da pesquisa. Em relação aos objetos de pesquisa, a
Organização OP, por possuir duas estruturas internas à instituição, ou seja, a dos membros e a
dos servidores, também limita o presente estudo. O estudo mais aprofundado das duas
estruturas demanda um prazo maior que o da conclusão deste trabalho. Além disso, a
fragmentação da instituição e as diversas unidades no interior de Minas Gerais também são
um fator dificultador para a coleta de dados. A Empresa TI, por outro lado, também possui
trabalhadores em diversas unidades, e a amostra compreendeu somente aqueles que são
lotados em Belo Horizonte.
Os gestores das duas organizações solicitaram que elas não fossem identificadas. Essa
exigência representa um dificultador na descrição das organizações, sendo necessário o uso de
nomes fictícios e a omissão de informações que possam identificá-las. Por outro lado, os
entrevistados demonstraram que estavam mais à vontade para responder às perguntas, pelo
fato de terem suas identidades preservadas.
39
2 CONTEXTO
As organizações estudadas estão inseridas em um contexto mais amplo, sendo influenciadas
pela sociedade na contemporaneidade. Evidências disso estão na redefinição da Organização
OP após a Constituição de 1988, assim como as transformações da Empresa TI, que deixou de
ser fornecedor exclusivo de serviços de informática à Industrial I e passou a ser uma das
concorrentes a parceiro de tecnologia de informação do Grupo GIM na América Latina. Nesse
sentido, o estudo das representações sociais de trabalho e organização deve ser
contextualizado, de forma a compreender as condições e o processo de construção dessas
representações.
Nas seções seguintes, serão abordados temas como a globalização, o neoliberalismo, o Estado
e a estrutura da administração pública brasileira, a tecnologia e as transformações no mundo
do trabalho e das organizações. Esses temas serão, assim, articulados à sua apreensão na
Organização OP e na Empresa TI.
Figura 2.1 – Contexto no qual estão inseridas as organizações
GLOBALIZAÇÃO
ESTADO E
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
NEOLIBERALISMO
TECNOLOGIA
TRANSFORMAÇÕES
NO MUNDO DO
TRABALHO E DAS
ORGANIZAÇÕES
40
2.1 GLOBALIZAÇÃO
As novas tecnologias forneceram a possibilidade de o capital transpor as fronteiras das
nações, interligando economias em todo o planeta (CASTELLS, 2001). Nesse sentido, a
economia mundial no fim do século XX se tornou global. Os mercados de qualquer parte do
mundo passaram a ser alvo das grandes organizações com atuação global.
Carrieri (2001) abordou diferentes interpretações sobre o processo de globalização, que vão
desde a possibilidade de um desenvolvimento equilibrado à interpretação como um estágio
avançado de internacionalização. Entretanto, a globalização tem sido também abordada como
o desaparecimento de fronteiras econômicas, políticas, culturais e tecnológicas, caminhando
para a uniformidade e deixando a administração dos negócios a cargo das organizações
privadas e não-governamentais.
Freitas (2000) identifica os primeiros movimentos de globalização da economia no início dos
anos 70, quando a “falência” do Estado e a eficiência das empresas privadas impulsionaram o
avanço das organizações capitalistas em direção a outros países. As multinacionais
constituíram, segundo a autora, as primeiras formas de globalização. Além disso, um fator
importante para a disseminação da economia de mercado foi a derrocada de um outro modelo
de economia, estatal e planejada, que vigorou no chamado “bloco comunista” até fins da
década de 1980. A queda do muro de Berlim, em 1989, é o símbolo dessa derrocada.
Aliado a outros fatores, como a automação, o avanço da globalização e o conseqüente
domínio dos oligopólios mundiais contribuíram para que o emprego se tornasse cada vez mais
restrito, em virtude de novas relações entre as empresas e seus trabalhadores e da
41
desregulamentação de mecanismos que antes protegiam salários e empregos, exigindo um
maior esforço do indivíduo para manter sua empregabilidade (ALVES e GALEÃO-SILVA,
2000). Para se manter no setor privado, o indivíduo é o responsável por se manter atualizado,
motivado, flexível, criativo e produtivo. O discurso dominante é o da competição no mercado,
que chega no nível do indivíduo (CARRIERI, 2001). Yúdice (2004) também aponta, dentre
outras tendências globais, a nova divisão global do trabalho como resultado da reestruturação
econômica na lógica que prioriza o mercado. Castells (2001) ressalta que os mercados de
trabalho não são globais, pois apenas uma pequena parcela da mão-de-obra é especializada,
em condições de atuar globalmente. Contudo, as organizações, atuando globalmente, podem
utilizar mão-de-obra de qualquer lugar do mundo.
O impacto da globalização nas relações e nas condições de trabalho gera apreensões nos
trabalhadores da Empresa TI, em virtude de ela estar inserida em um mercado global
competitivo e da fusão que ocorreu no grupo ao qual ela pertence:
Às vezes você sente uma certa insegurança, porque muitas vezes você não sabe o
que está acontecendo. Será que realmente a Empresa TI é a melhor de todas? Se não
for, outra vai tomar espaço? E aí, se tomar o espaço, será que eu vou estar aqui
amanhã? Não sei... Acho que também muita gente que tem a insegurança do grupo,
do quadro de funcionários ser cortado. Acho que não eu. Isso deve ser uma
preocupação não da maioria, mas de muitas pessoas aqui”(Entrevistado 16, Empresa
TI, analista).
Existem ameaças como em todo processo de globalização que é a questão de se
modificar o modelo, ou ter algum corte de custos, ou alguma coisa desse nível
(Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
A Empresa TI, ela está passando por um período, vamos dizer assim, de muita
especulação... Especulação mesmo. Essa fusão aí... a gente não sabe o que está
vindo e não tem como prever. Isso é coisa que está muito distante da gente, isso é
coisa que está sendo decidido na Europa, e a gente não sabe até que ponto vai
afetar... extrapolou, já virou uma coisa tão global hoje que não tem como a gente
prever (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
[...] o presidente da sua empresa, você sente que ele não está tão bem informado
como você gostaria que ele estivesse. Gera uma insegurança. Pelo menos para mim
gera uma insegurança (Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
42
O conhecimento e a tecnologia também passam a ser organizados em fluxos globais. A
proteção de conhecimento pode ser um obstáculo ao progresso das tecnologias, sendo,
portanto, favorecidos canais de comunicação que compartilham esses conhecimentos. Castells
(2001) acrescenta ainda que as organizações têm a possibilidade de comercializar seus
produtos e serviços em todo o mundo, por meio das redes existentes no mercado global.
Um outro efeito da globalização é abordado por Freitas (2000) em relação à cultura. Cada vez
mais, as organizações estariam atuando além das fronteiras geográficas, surgindo uma cultura
universal, e exigindo de seus executivos uma postura de cidadãos globais. Entretanto, essa
cultura universal seria associada a uma cultura dominante:
O pensamento torna-se global e o planeta é o limite. A facilidade de acesso à
informação, a velocidade com que esta é produzida e transmitida caracterizam esse
modelo que consagra a competição como a forma de vida certa e saudável. Contudo,
a competição capitalista cultiva um tabu: a competição é boa quando é monopólio de
um tipo de sociedade, ou seja, ela não comporta a existência de outro tipo, embora
aquele não esteja isento de desigualdades (FREITAS, 2000, p. 25).
Yúdice (2004), por outro lado, afirma que a globalização levou a uma ressignificação da
cultura como uma luta pelo significado. A cultura não seria vista como pertencente a um
grupo, uma ideologia, mas como um “processo estratificado de embates”:
[...] [a cultura seria vista] como estratégias e meios pelos quais a língua e valores de
diferentes classes sociais refletem um senso particular de comunidade, ainda que
acomodada ao lugar que foi disponibilizado para aquela comunidade, dentro da
disputa de culturas que faz uma nação (YÚDICE, 2004, p. 126).
Nesse sentido, ele defende que, mesmo a mídia estando a serviço do imperialismo da cultura
dominante, o enfoque das análises culturais não deve se ater somente às instituições que
produzem e difundem os valores capitalistas e colonialistas, mas também à maneira como o
público-alvo apreende esses valores e cria mecanismos de resistência a eles.
43
Freitas (2000) também afirma que a globalização valoriza o papel das organizações privadas
como o centro da sociedade. Com a queda do chamado “socialismo real”, o capitalismo se
apresenta como a única via de desenvolvimento econômico, num tempo em que o econômico
possui um papel preponderante na sociedade. Essa concepção de sociedade baseada no
econômico fortalece ainda mais a ideologia neoliberal. As grandes empresas passam a ser o
modelo de eficácia, estabelecendo padrões de resultados, qualidade e gestão para as demais
instituições da sociedade. Segundo Yúdice (2004), as corporações globais são os
protagonistas da globalização:
[...] não são as novas tecnologias per se, mas as corporações globais que realizaram
uma integração simultânea de economias, a desintegração da política, a diminuição e
degradação do emprego ou seu deslocamento para o Terceiro Mundo, levando, assim,
à proletarização dos setores médios e a um profundo empobrecimento dos pobres,
enquanto que as corporações continuam enriquecendo (YÚDICE, 2004, p. 128).
Essa valorização das organizações privadas é reforçada por trabalhadores nas duas
organizações estudadas:
[...] o meio empresarial no Brasil [...] é bem visto até por conseguir se dar bem dentro
desse caos macropolítico, econômico e social que a gente vive (Entrevistado 18,
Empresa TI, consultor).
Um dia aqui vai chegar nesse ponto também [...] Essa cultura da empresa privada nós
vamos ter (Entrevistada 1, Organização OP, Superintendente/diretora).
A globalização, defendida como a responsável pelo rompimento de fronteiras e pelas
transformações do mercado e do papel do Estado, tem representado, como assinalado, a
reafirmação da ideologia liberal. Os neoliberais defendem o afastamento do Estado da
economia, deixando para o mercado a função de regulamentar as relações econômicas entre
organizações, sociedade e países. Pereira (1996) contrapõe a proposta neoliberal de reforma
do Estado à proposta social-democrata. Esta sugere que o Estado deva controlar e intervir
44
quando necessário, defendendo o consumidor e promovendo a sustentabilidade das empresas.
Entretanto, os neoliberais defendem que o mercado reúne as condições para regulamentar
todas as transações econômicas e sociais. A proposta neoliberal tira do Estado o poder de
garantir a eqüidade e, com isso, da sociedade se proteger contra as iniciativas de grandes
oligopólios mundiais, que passam a controlar os mercados, os recursos naturais e o emprego
(PARKER, 1997). No próximo item, o neoliberalismo será abordado em sua dimensão
política no contexto da globalização.
2.2 NEOLIBERALISMO
O fenômeno da globalização, o rompimento de fronteiras e a atuação de organizações
transnacionais são temas intimamente relacionados às idéias neoliberais e à defesa do livre
mercado.
O livre mercado tem como pressupostos fundadores a defesa da individualidade, na qual as
pessoas são livres e não devem estar sujeitas a regulamentações, eliminando estruturas
externas ao indivíduo que o compelem a agir conforme preceitos que não sejam os dele
próprio (LUZ, 2001). Sendo assim, o mercado deve ser regulado pelos desejos e vontades
individuais, pela oferta e procura, sem a necessidade de intervenção estatal ou de qualquer
instituição. Dessa forma, o livre mercado repudia a atuação de sindicatos, a tarifação de
produtos, a formação de cartéis, ou o subsídio governamental, quando necessário, assim como
as legislações de proteção do trabalhador. Tudo seria regulado pela liberdade de escolha, pela
competição e pela eficiência. Yúdice (2004) afirma que, para o neoliberalismo, o socialismo é
uma alternativa política inviável e a sociedade civil, representada pelas ONGs (organizações
45
não-governamentais) e pelos movimentos sociais, atua de forma determinante na definição de
estratégias para as políticas econômicas e sociais. Dessa forma, o neoliberalismo é entendido
como
[...] o conjunto de políticas que inclui a liberalização do comércio, privatização, a
redução (e, em alguns casos, quase eliminação) dos serviços sociais subsidiados pelo
Estado, tais como a saúde e a educação, a diminuição dos salários e o
enfraquecimento dos direitos trabalhistas (YÚDICE, 2004, p. 121).
O neoliberalismo apóia-se em valores como a defesa da liberdade individual, rejeitando as
limitações aos direitos naturais do homem. Entretanto, essa visão rejeita a existência do
social, que necessita de regulamentos e leis para garantia desses direitos naturais, os quais não
podem depender do consentimento comum (LUZ, 2001). Thomas Hobbes
16
já afirmava que o
homem abre mão de seus direitos naturais para sobreviver, aceitando ser regulado pelas leis
sociais (RIBEIRO, 1988). Conforme Luz (2001), a lei surge exatamente no contexto social
para que os indivíduos possam cooperar entre si e resolver os seus conflitos.
A partir da consolidação do capitalismo nos anos oitenta, o papel tradicional do Estado - de
regulação econômica, suprimento de condições de geração de empregos e garantia das
conquistas sociais - é criticado mais veementemente pelos neoliberais. Além disso, países em
desenvolvimento como o Brasil são pressionados pelo Fundo Monetário Internacional a
adotar políticas de controle inflacionário e de desenvolvimento tecnológico, em detrimento do
papel social do Estado. O argumento contra o bem-estar social defende a idéia de que as
pessoas não podem ficar protegidas pelas instituições sociais, pois isso gera conformismo e
acomodação (LUZ, 2001).
16
Thomas Hobbes é autor de Leviatã, publicado originalmente em 1651.
46
A crise fiscal econômica dos países periféricos e a defesa dos argumentos neoliberais levaram
estes países a adotarem as recomendações do Consenso de Washington, termo definido por
John Williamson, em 1989, que defendia medidas, discriminadas no quadro 2.1, a serem
implantadas pelos países que detinham dívidas externas consideráveis, no sentido de ajustar
suas economias de modo a arcar com os compromissos assumidos mantendo, desta forma, a
sua inserção na economia global:
Medidas do Consenso de Washington
Déficits fiscais financiáveis sem a “ajuda” da inflação.
Redirecionamento de gastos públicos de áreas onde eles não se justificam economicamente
para setores de alto retorno e com potencial para distribuir renda.
Reforma fiscal.
Liberalização financeira.
Taxa de câmbio em nível competitivo para induzir um rápido crescimento das exportações.
Substituição de cotas comerciais por uma política de tarifas reduzidas (entre 10% e 20%).
Fim das barreiras contra investimentos estrangeiros diretos.
Privatização de empresas estatais.
Fim das restrições à competitividade e à constituição de novas empresas.
Estabelecimento de direitos de propriedade
Quadro 2.1 – Medidas do Consenso de Washington
Fonte: Adaptado de WILLIAMSON (1989 apud CANZIAN, 2003).
Contudo, essas medidas levaram ao desmantelamento de políticas sociais em diversos países,
redução de investimentos em áreas como a educação, a saúde e a previdência pública
(atendendo aos interesses de grandes empresas transnacionais) na medida em que abriu
espaços para as organizações privadas em setores que, tradicionalmente, eram ocupados pelo
Estado (LUZ, 2001). Por outro lado, reduziriam drasticamente o investimento estatal em
infra-estrutura (energia, transportes e outros), com repercussões significativas nos índices de
desenvolvimento. A redução do papel do Estado e a sua incompetência gestora é um dos
discursos neoliberais reproduzidos na Empresa TI:
Então é onde eu espero que a gente consiga chegar num ponto onde o negócio
público seja o menor possível, com menos autonomia, menos autoridade. Porque, à
47
medida que tem dono, que tem olho, que tem gestão, as coisas caminham melhor.
Sabe, eu tenho que ter flexibilidade, mas eu tenho que ter disciplina [...] Essa coisa
tem uma autonomia, uma autoridade muito grande (Entrevistada 11, Empresa TI,
gestora).
Se as pessoas pudessem escolher uma prestação de serviço que fosse feita por uma
empresa privada ou por uma empresa pública, vamos dizer assim, sem contar custo
nem nada, a maioria das pessoas com certeza iria procurar as empresas privadas
porque, no meu ponto de vista, é uma prestação de serviço melhor de uma forma
geral (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
Na medida em que fala, então, da privatização das empresas, eu acho que é bastante
interessante [...] Eu acho que na empresa privada [...] os desafios são outros, de
busca de novos desenvolvimentos mesmo. Não pode ter a estabilização, a
passividade (Entrevistado 21, Empresa TI, consultor).
No início dos anos 1990, surgiu o que Pereira (2002) chamou de segundo Consenso de
Washington, que implicaria mais riscos aos países em desenvolvimento. A orientação era
utilizar uma poupança externa para promover o desenvolvimento, aumentando ainda mais a
dívida externa:
O Segundo Consenso de Washington é a dimensão verdadeiramente internacional
do primeiro. Ao invés de dizer o que os países em desenvolvimento deveriam fazer
para ajustar ou estabilizar suas economias, veio dizer o que devem fazer para
crescer, para se desenvolver. A receita era simples: bastaria completar o ajuste fiscal
e empreender as reformas neoliberais, e, em função deste bom comportamento, usar
a poupança externa em um quadro de total abertura financeira. Ao invés do
‘desenvolvimento com dívida’ dos anos 70, teríamos agora o ‘desenvolvimento com
poupança externa’. Para obter esta poupança era necessário completar as reformas
orientadas para o mercado com a abertura financeira (PEREIRA, 2002, p. 374-375).
Pereira (2002) considera que o Brasil não precisa recorrer a uma poupança externa, por
dispor de um Estado e de uma classe de empresários capaz de canalizar os investimentos por
meio do sistema financeiro. Nesse sentido, ele define o “segundo Consenso de Washington”
como “o financiamento para o subdesenvolvimento”, agravando ainda mais o problema do
endividamento brasileiro.
Entretanto, segundo Canzian (2003), Williamson reviu as recomendações do Consenso de
Washington em 2001, sustentando as recomendações iniciais:
48
Prevenção contra crises: políticas fiscais anticíclicas (gastar mais em momentos de
crise e economizar na bonança); contenção de gastos em governos regionais;
formação de fundos de estabilização; taxas de mbio flexíveis; metas para a
inflação; finalização da reforma fiscal com o objetivo de diminuir a dependência da
poupança externa.
Completar a primeira geração de reformas: liberalização do mercado de trabalho e
adoção de programas de atualização e treinamento; reformas na área comercial e
busca de acesso aos mercados de países desenvolvidos; privatizar estatais que
sobraram.
Realizar reformas institucionais: inclui principalmente o sistema político, o
Judiciário e o setor financeiro.
Distribuição de renda e agenda social: sistema tributário mais progressivo com
impostos sobre propriedade e focalização dos gastos em programas básicos de
educação e saúde. Aos mais pobres devem ser dados títulos de terra e de moradias
para poderem ter acesso a créditos. Objetivo é inseri-los em uma economia de
mercado (WILLIAMSON, 2001 apud CANZIAN, 2003).
O discurso dominante do neoliberalismo também leva a uma mudança de papéis dos
indivíduos na sociedade. Como o mercado torna-se o centro da sociedade, pessoas e
organizações passam a representar vendedores e compradores. Marquina (2002) aponta a
predominância do individualismo metodológico. As escolhas, mesmo que sejam de um grupo,
na verdade representam a soma das escolhas individuais de cada um dos integrantes desse
grupo, de acordo com os interesses também individuais. A corrente de pensamento econômico
neoliberal considera essa situação social a ideal, pois os indivíduos devem ter liberdade para
fazer suas escolhas. Luz (2001) afirma que o cidadão passa ser o cliente do serviço público, e
a linguagem do mercado é incorporada a todas as relações na sociedade, sejam elas mercantis
ou não. Eliminam-se os papéis de trabalhadores e cidadãos, negando-lhes os direitos inerentes
a esses papéis. A competição e a inovação passam a ser as palavras de ordem (LUZ, 2001). A
supremacia do mercado marca o discurso predominante (LEIS, 1995 apud CARRIERI, 2001),
levando à diminuição do poder dos Estados e da sociedade em relação às organizações
(PARKER, 1997).
A incorporação da linguagem do mercado é observada na Organização OP, onde cidadãos são
considerados clientes, conforme os trechos a seguir extraídos do Manual do curso de
formação de servidores da Organização OP:
49
Cliente externo Pessoas de fora da organização, que usam os produtos ou serviços
no dia-a-dia para resolução de problemas.
O Cliente só lhe ensinará algo se você estiver realmente preparado para ouvir coisas
de que não gosta.
(Trechos extraídos do Manual do curso de formação de servidores da Organização
OP, em 2006).
Enfim, o discurso neoliberal defende que a competitividade e a conquista de mercados
somente são possíveis por meio do livre mercado, com suas leis naturais regulando as relações
entre as organizações e as nações, além do afastamento de instituições como o Estado, os
sindicatos e outras que signifiquem restrição a essas leis naturais (LUZ, 2001).
2.3 ESTADO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Ribeiro (1988) aborda a concepção contratualista de Estado de Thomas Hobbes, segundo o
qual o Estado surge para impedir que os indivíduos vivam em constante guerra, competindo
pelos recursos naturais e pela sobrevivência, a fim de dar segurança a esses indivíduos que
vivem com medo. Além disso, Hobbes mostra o Estado, comandado por um soberano ou
assembléia, como uma esperança de garantia da segurança, do conforto e do bem-estar.
Segundo Chauí (2000), Locke
17
afirma que a propriedade privada é um direito natural, e a
finalidade do Estado é também a de garantir o direito natural de propriedade.
Deus, escreve Locke, é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma
obra: o mundo. [...] Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem,
o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem
divina, ela é um direito natural (CHAUÍ, 2000, p. 401).
17
Locke era filósofo inglês e formulou, no final do século XVII e início do XVIII, a primeira teoria coerente
sobre a propriedade privada que fundamentou a teoria liberal.
50
O papel do Estado no final do século XX e no início do século XXI tem sido alvo de críticas e
pressões de reformulação, sobretudo pelos neoliberais, a fim de adequar o Estado à sociedade
globalizada.
Como já visto, a prevalência do capitalismo e das leis de mercado colocou as grandes
empresas no centro da sociedade global (FREITAS, 2000). Os anos oitenta marcaram a
decadência do Estado de bem-estar social (Welfare State), que não mais conseguia atender às
demandas sociais da população, diante da crise fiscal e da transição do capitalismo
monopolista para o capitalismo globalizado. Em contrapartida, as grandes empresas se
mostravam como símbolos de eficiência, sabendo aproveitar as oportunidades e responder
com rapidez aos novos contextos que surgiam. O Estado e as outras instituições sociais
passaram a ser pressionados a se adequarem ao mundo globalizado.
A mudança no vocabulário e na prática das relações sociais, que passaram a tratar o cidadão
como consumidor, fortaleceu a idéia de que o bem-estar público deveria ser gerido pela lógica
capitalista. A mobilização das ONGs nacionais e internacionais reforça o afastamento do
Estado das políticas sociais e econômicas (YÚDICE, 2004). Pimenta e outros (2006) abordam
a ênfase no chamado Terceiro Setor
18
como uma resposta da sociedade civil no sentido de
estabelecer o “Estado Mínimo”, de forma a reduzir a intervenção do Estado na esfera
econômica e também social. Essa redução é tanto nos investimentos em estatais e infra-
estrutura, quanto no suprimento de demandas sociais que são resultado das desigualdades
sociais. O Terceiro Setor surge como um espaço social que seria privilegiado para que a
sociedade civil exerça a cidadania, definindo um novo modelo de articulação sociopolítica.
Nesse sentido, o Terceiro Setor pode ser apontado como expressão contemporânea da
18
“O Terceiro Setor abrange o conjunto dos diversos tipos de arranjos entre o Estado e a sociedade civil no
sentido da implementação e co-gestão de políticas públicas, em especial as de caráter social, instituindo atores
não-governamentais na execução dessas políticas” (PIMENTA et al., 2006, p. VII).
51
privatização das funções públicas, havendo um deslocamento das responsabilidades do Estado
para uma sociedade civil que age de forma pulverizada, e não representa, como aquele, a
instância legítima de intervenção no coletivo. Conforme Freitas (2000), essas mudanças,
somadas à crise das instituições que eram fontes tradicionais de significações para os
indivíduos, como família, igreja, Estado, contribuem para que as grandes empresas privadas
passem a dominar também o mundo simbólico. Estas se transformam em modelos de
referência para a sociedade. Entretanto, as leis de mercado que impulsionam as ações das
empresas são alheias ao social e à cultura.
Em uma outra vertente, Poulantzas (1985) aponta o Estado atendendo aos interesses dos
grupos dominantes. Segundo ele, o Estado burguês é materializado e definido como um
aparelho da burguesia:
Aparelho especializado, centralizado, de natureza especificamente política,
consistindo num agrupamento de funções anônimas, impessoais e formalmente
distintas do poder econômico, cujo agenciamento apóia-se numa axiomização de leis-
regras que distribuem os domínios da atividade, de competência, e numa legitimidade
baseada nesse corpo que é esse povo-nação (POULANTZAS, 1985, p.60).
Bernardo (1998) afirma que as empresas se constituíram como o principal lugar de exercício
do poder dos capitalistas sobre os trabalhadores. Ele define as empresas como elementos
constitutivos do Estado Amplo, ou seja, elas são o próprio Estado Amplo. Por outro lado, ele
define o Estado Nacional como Estado Restrito. Nesse sentido, foi o Estado Restrito que criou
as condições para que o Estado Amplo se desenvolvesse, nas estruturas sociais e materiais
necessárias.
Entretanto, a concentração de capital do Estado Amplo reduziu a necessidade de intervenção
do Estado Restrito. A transnacionalização não vai de encontro ao Estado Restrito (Nacional).
52
Nesse sentido, a articulação entre esses dois aparelhos políticos, até então do Estado Restrito
para o Amplo, teve o fluxo invertido, pressionado pelas instituições controladas pelas
companhias transnacionais.
Bernardo (1998) acrescenta ainda que as companhias transnacionais passaram a atuar como
agentes do comércio mundial, ao invés dos países. Em virtude disso, facilitou-se a
transposição de barreiras protecionistas. As transferências financeiras internacionais
superaram as reservas dos bancos centrais dos estados-nação. A supremacia econômica e
social das companhias transnacionais se tornou evidente: “Fortes ao mesmo tempo na
atividade comercial, na condução dos investimentos e na política financeira, as companhias
transnacionais podem por isso controlar, enquanto credoras, os governos de países onde não
penetrem enquanto investidoras” (BERNARDO, 1998, p. 46).
Nesse sentido, enfatiza Bernardo (1998), elas se tornaram o elemento primordial do Estado
Amplo e de desagregação do Estado Restrito. As privatizações se resumem, dessa forma, à
transferência do acesso às tecnologias mais modernas do Estado Restrito ao Estado Amplo.
O papel do Estado no Brasil é também pressionado pela globalização, pelos ideais neoliberais
e pela crise econômica que se agravou no país, sobretudo na década de oitenta, e acentuou
uma característica fundamental: o patrimonialismo, entendido como a apropriação do público
pelo privado. Porém, antes de contextualizar o Estado brasileiro na contemporaneidade, faz-se
necessária uma análise dos aspectos mais marcantes da administração pública brasileira,
assim como as reestruturações por que ela vem passando desde a proclamação da República.
53
Um aspecto apontado como recorrente na administração pública brasileira é o
patrimonialismo. Segundo Martins (1997), existe de fato a apropriação do público pelo
privado que impede que as tentativas de modernização da administração pública brasileira
obtenham êxito. Esse autor apresenta três proposições: a fundação da administração pública e
do Estado brasileiro sob a influência do patrimonialismo herdado de Portugal; a busca por
formas institucionais antipatrimonialistas na modernização administrativa brasileira; e a
dissociação entre política e administração como conseqüência do patrimonialismo.
Martins (1997) aponta que o expansionismo português e a administração da colônia brasileira
foram baseados nos vícios de centralização, regulações mal definidas e influência da Igreja. A
administração pública implantada pela chegada da corte manteve essas mesmas
características. A política do império de D. Pedro II possuía o paradoxo de um imperador
burocrata-diletante e poderes paralelos fortalecidos pela intranqüilidade política. O
paternalismo e o nepotismo prevaleciam na administração.
A República brasileira e os Estados nasceram com fortes traços nacionalistas decorrentes de
um federalismo desconcentrado na República Velha. O coronelismo sustentava os
governadores e definia as diretrizes em uma sociedade pautada pelo clientelismo, entendido
como um tipo de relação na qual entes políticos trocam benefícios, como empregos e isenções
fiscais, por apoio político (CARVALHO, 1997).
A primeira tentativa relevante de modernização da administração pública brasileira apontada
por Martins (1997) foi na era Vargas, com a reestruturação do DASP
19
. A chamada
19
“Departamento Administrativo do Serviço Público, criado em 1938 com base no Conselho Federal do Serviço
público para ser o principal agente modernizador, promoveu uma verdadeira revolução na administração pública,
empregando tecnologia administrativa de ponta e profissionalizando o serviço público segundo o mérito.”
(MARTINS, 1997, p. 176).
54
modernização “daspeanaé apontada como uma tentativa dissociativa da política, utilizando
conceitos da burocracia weberiana. O autor avalia essa tentativa como um avanço parcial,
porém prejudicada pelas forças tradicionalmente patrimonialistas.
Após a era Vargas, começou um movimento de reestruturação da administração pública,
procurando redemocratizá-la. Entretanto, apesar de procurar desmontar a forte estrutura
burocrática herdada de Vargas, a administração estava muito vinculada a conveniências
políticas, prevalecendo a “racionalidade de barganha política clientelista” (LAMBERT, 1970
apud MARTINS, 1997).
No governo de JK, segundo Martins (1997), planos como 50 anos em 5 levaram a estruturas
paralelas de administração, justificadas pela necessidade de rapidez para atender as demandas
desenvolvimentistas. Havia uma distância entre a burocracia e as estruturas ad hoc,
favorecendo a política clientelista. Goulart (1961-1964), por sua vez, não conseguiu dar
andamento a nenhuma de suas propostas de reforma.
A partir de 1967, o governo militar deu início a uma nova reestruturação da administração
pública brasileira, buscando a descentralização funcional, por meio da administração indireta,
e uma centralização decisória e normativa. Foi um período marcado pela racionalização
funcional equivocada da administração pública, na qual houve uma ruptura entre política e
administração pela tecnoburocracia. Pereira (1996) aponta que essa ruptura representaria um
esvaziamento da elite política brasileira. Entretanto, a possibilidade de contratação sem
concurso e a ocupação dos escalões administrativos por meio das empresas estatais favoreceu
55
práticas como o patrimonialismo e o clientelismo. O afastamento da influência patrimonialista
política não manteve distante a influência patrimonialista tecnocrática (MARTINS, 1997).
Ainda segundo Martins (1997), a Nova República é apontada como a “era da
desmodernização”, pois herda um modelo tecnoburocrático em decadência. A fase de
transição entre o regime ditatorial e a democracia colocou a administração pública como
instrumento de governabilidade, possibilitando acordos e alianças, reforçando ainda mais o
patrimonialismo. Ajustes na economia devido à grave crise econômica e tentativa mal-
sucedida de implantação de um Estado Social caracterizaram a era Sarney (1985 a 1990).
A Constituição de 1988 foi um marco para a administração pública brasileira, por meio do
fortalecimento da administração direta, sujeitando a administração indireta às mesmas regras
legais da direta. Institutos como o concurso público e a licitação geraram impactos
significativos na gestão de pessoas e nos procedimentos de compras públicas (TORRES,
2004).
Torres (2004) ressalta que o concurso público, considerado um dos maiores avanços da
Constituição de 1988
20
, propiciou a profissionalização e moralização do setor estatal, indo
contra o clientelismo e empreguismo até então dominantes. Permitiu ainda uma maior
qualificação do quadro de servidores, garantindo igualdade de acesso aos cargos públicos. As
limitações às compras, por meio de licitações, exigem um maior controle das aquisições, não
chegando a comprometer a agilidade.
20
É interessante ressaltar que, enquanto critério, existia o concurso público. Em 1988, ele é
“institucionalizado” como peça chave da modernização do Estado.
56
Pereira (1996), por sua vez, critica a Constituição de 1988 em relação à administração
pública, por considerá-la favorecedora de uma estrutura hierárquica e centralizada, que
prioriza a administração direta e recrudesce as práticas burocráticas. Torres (2004) discorda,
salientando que houve tratamento especial à administração indireta e às sociedades de
economia mista, de forma a flexibilizar os processos de licitação, sem perder o controle
necessário sobre as compras.
Entretanto, Torres (2004) considera que as atribuições sociais assumidas pelo Estado a partir
da Constituição de 1988 exigiam uma administração pública moderna e eficiente, esbarrando
na morosidade e ineficiência da burocracia estatal, prejudicando os serviços públicos
prestados sobretudo às classes mais baixas, dependentes exclusivamente desses serviços.
Reformas administrativas eram necessárias para adequar a máquina estatal.
Entretanto, no governo Collor, as reformas administrativas foram totalmente dissociadas da
política (MARTINS, 1997). Torres (2004) acrescenta que, em 1990, o governo demitiu
servidores sem estabilidade e colocou em disponibilidade, com remuneração integral,
servidores estáveis. Essas demissões, feitas sem planejamento, geraram inúmeras ações por
suas aberrações jurídicas. Os servidores acabaram sendo reintegrados à administração pública
e, em 1992, Itamar assumiu o governo com o impeachment de Collor e readmitiu quase todos
os servidores em disponibilidade. O período de Collor na presidência significou desagregação
na administração pública, com redução salarial, desmotivação e humilhação do servidor
público perante a sociedade.
Torres (2004) considera que, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), a
criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) representou
57
importante iniciativa para a reforma da administração pública brasileira. O modelo da reforma
era o gerencial, voltado para o cliente cidadão, controlado por resultados e dirigido à
flexibilização da gestão estatal. Tendo sido planejado durante um governo democrático, ao
contrário das reformas de 1936 (DASP) e de 1967 (reforma militar), possibilitou amplo
debate em relação à reestruturação do Estado.
A emenda constitucional nº. 19, de junho de 1998, representou, segundo Torres (2004), maior
liberdade e agilidade para a administração pública, moralização do Estado pela fixação do teto
salarial, melhorias na formação profissional, flexibilização da estabilidade e facilitação do
controle social. Na área de gestão, houve a criação das agências reguladoras, seguindo o
modelo inglês de haver uma estrutura administrativa fora do núcleo do Estado. Dessa forma, o
governo diminuía a atuação em setores técnicos, efetivando as privatizações desses setores.
Entretanto, houve lentidão no processo de criação e implementação das agências reguladoras.
Torres (2004) ressalta que a reforma da administração pública o recebeu a devida
prioridade por parte do governo de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo com a extinção do
MARE em 1999. A prioridade ao ajuste fiscal prejudicou a continuidade das reformas, não
efetivando as mudanças que se faziam necessárias.
O governo de Lula, a partir de 2002, tinha no centro da agenda governamental o rompimento
com o modelo de desenvolvimento então vigente. O projeto seria a universalização e
ampliação de direitos sociais (ALMEIDA, 2006). Entretanto, manteve as mesmas orientações
neoliberais, priorizando o ajuste fiscal em detrimento de investimentos nas áreas sociais e no
crescimento da economia (BOITO, 2003).
58
Almeida (2006) aponta o Fome Zero como um programa anunciado de combate à fome e às
desigualdades sociais, que inauguraria o debate em torno da segurança alimentar. Esta
significava não ações emergenciais e assistenciais, mas uma política mais ampla de
geração de empregos e diminuição de desigualdades. Entretanto, o Fome Zero não teve o
alcance esperado e vem apresentando ambigüidades e contradições.
A prerrogativa da mudança do modelo de desenvolvimento e ampliação de direitos sociais na
agenda central do governo não foi atingida. O que o Fome Zero representou, na verdade, foi
uma conciliação do modelo vigente no governo de Fernando Henrique Cardoso com os
objetivos de natureza social. Houve uma maior aproximação do governo com empresários
representantes do Terceiro Setor, e o Fome Zero foi articulado em conjunto com a sociedade
civil, porém mantendo a mesma política econômica de ajuste fiscal. O Conselho de
Desenvolvimento Econômico, criado com o objetivo de ser o espaço de negociação entre os
setores sociais dos problemas e desafios do país, contou com a participação do empresariado
em detrimento de outros segmentos sociais representativos dos interesses da sociedade. O
Fome Zero representou, dessa forma, o objetivo do governo em construir uma base de apoio
no empresariado, uma vez que o apoio dos setores de esquerda havia sido conquistado. De
fato, tanto o empresariado quanto os organismos internacionais, como o FMI (Fundo
Monetário Internacional) e o BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento), apoiavam a política econômica do governo Lula, pois não rompia com o
modelo do governo anterior de ajuste fiscal. O presidente do BIRD, em 2003, chegou a citar
um “Consenso de Brasília”, que havia conseguido combinar a estabilização macroeconômica
com o progresso social. Entretanto, segundo Almeida (2006), o que se percebeu foram
medidas de pouco alcance da transformação social e que conseguiram apenas minimizar as
59
desigualdades, como o aumento da renda média mensal do trabalhador
21
, conforme dados do
IBGE (2006).
Em relação à administração pública no governo Lula, Martins (2006) afirma que persistiu a
fragmentação do governo anterior. Segundo esse autor, a fragmentação é caracterizada pela
falta de integração de políticas do governo. Nesta, os diversos sistemas institucionais e
gerenciais deveriam trabalhar de forma congruente, buscando atingir objetivos estratégicos
definidos como um todo. Entretanto, assim como no governo de Fernando Henrique Cardoso,
não integração também no governo Lula. As trajetórias continuam seguindo
direcionamentos autônomos e a falta de um propósito comum caracteriza a fragmentação.
Martins (2006) ressalta a ausência de linhas de política de gestão ou de fortalecimento
institucional na agenda do governo. Nesse sentido, foi mantido o arranjo do governo anterior,
com a diferença de haver uma supervisão intensa pela Casa Civil, que era o órgão
governamental mais influente. Em conseqüência da manutenção desse arranjo, o que
permaneceu foi uma realidade fragmentária em detrimento de uma integração de políticas na
administração pública. É neste cenário que se inaugura o segundo governo Lula.
2.4 TECNOLOGIA
A importância da tecnologia no presente estudo compreende as significativas transformações
que ocorreram no mundo do trabalho e das organizações. Se a Revolução Industrial
representou um divisor de águas nas relações capitalistas, a Sociedade da Informação foi
além, redefinindo as relações capital-trabalho por meio do uso das tecnologias de informação:
21
Segundo dados da pesquisa mensal de emprego, de janeiro a outubro de 2006, a renda média mensal do
trabalhador alcançou R$ 1.029,10, o maior índice desde 2002.
60
O que possibilitou essa redefinição histórica das relações capital-trabalho foi o uso
das poderosas tecnologias da informação e das formas organizacionais facilitadas
pelo novo meio tecnológico de comunicação. A capacidade de reunir mão-de-obra
para projetos e tarefas específicas em qualquer lugar, a qualquer momento, e de
dispersá-la com a mesma facilidade criou a possibilidade de formação da empresa
virtual como entidade funcional. Daí para frente, foi uma questão de superação da
resistência institucional para o desenvolvimento dessa gica e/ou de obtenção de
concessões dos trabalhadores e dos sindicatos sob a ameaça potencial de
virtualização. O aumento extraordinário de flexibilidade e adaptabilidade
possibilitadas pelas novas tecnologias contrapôs a rigidez do trabalho à mobilidade
do capital. Seguiu-se uma pressão contínua para tornar a contribuição do trabalho a
mais flexível possível. A produtividade e a lucratividade foram aumentadas, mas os
trabalhadores perderam proteção institucional e ficaram cada vez mais dependentes
das condições individuais de negociação e de um mercado de trabalho em mudança
constante (CASTELLS, 2001, p. 298).
Esta é considerada a Terceira Revolução Industrial, na qual a base técnica da produção passou
a ser a microeletrônica (SROUR, 1998). A Informática integrada à tecnologia de
telecomunicações possibilita a ligação de todo o mundo (LUZ, 2001). A tecnologia passou a
fazer parte do cotidiano, sobretudo a tecnologia de informação. O computador passou a ser o
símbolo da tecnociência e do desenvolvimento. Pode-se falar em sociabilidade virtual, na qual
as relações são estabelecidas independentes da distância geográfica, e as pessoas podem ser
encontradas em qualquer lugar, a qualquer momento. A possibilidade de estar só,
indisponível, ou usufruir um instante de recolhimento se tornou situação do passado
(FREITAS, 2000).
Nesse contexto, a informação e o conhecimento, que deixaram de possuir fronteiras, tornam-
se elementos centrais na sociedade globalizada. “A informação penetra e viola as fronteiras
entre as nações, integrando os espaços e criando interdependência entre as pessoas, as
organizações e os países” (LUZ, 2001, p. 18). O espaço das organizações também é
modificado. Com a tecnologia do teleprocessamento e da computação, as organizações
deixam de estar “localizadas” e se tornam virtuais. As redes de computadores e satélites
possibilitam a substituição das agências bancárias pelos bancos em casa (home bankings). A
61
caixa registradora passa a ter múltiplas funções, como baixa do estoque, registro da venda,
débito em conta corrente. Leitores de códigos de barras substituem a atividade de digitação, e
previnem erros. As tele e videoconferências possibilitam a execução de tarefas em conjunto,
mesmo que as equipes estejam em locais distintos. Surgem as “coletividades sem um lugar”
(SROUR, 1998). Carrieri (2001) aponta o crescimento mundial dos serviços de
telecomunicações em taxas superiores ao do PIB, demonstrando que a expansão da infra-
estrutura mundial de redes de comunicação e o crescimento da Internet corroboram com a
consolidação da Sociedade da Informação.
Srour (1998) aponta uma nova configuração do trabalho. Os processos de produção na
Revolução digital são dominados pela necessidade de maior qualificação técnica dos
trabalhadores, pois o tipo dominante de trabalho é mental e polivalente. Nesse sentido, a
Revolução digital representaria uma Revolução Industrial ao reverso, pois o trabalhador passa
novamente a deter os meios de produção. Porém, não chega a significar uma detenção desses
meios por inteiro, como o artesão antes da Revolução Industrial, e o novo trabalhador
geralmente depende do trabalho em equipe. O teletrabalho torna-se uma realidade, pois nele
não a necessidade da presença física do trabalhador, que pode exercer suas tarefas mesmo
de casa, interligado às organizações pelas redes de comunicação. A remuneração passa a ser
pelos resultados obtidos em substituição àquela pelo tempo de permanência no trabalho.
O proletariado entendido na sua acepção clássica de operariado ou de ‘classe
operária’ -, formado por trabalhadores manuais assalariados, vai sendo substituído
por uma espécie de ‘tecnosinato’. Este é formado por profissionais polivalentes e
qualificados, igualmente assalariados, embora com algum acesso aos lucros. As
relações de trabalho que os articulam são flexíveis e dependem da capacitação
técnica, do nível de produtividade e da capacidade de agregar valor (SROUR, 1998,
p. 23).
62
A automatização por meio da microeletrônica, em substituição à eletromecânica, permite a
integração da produção à administração e aos escritórios de projeto. Os limites físicos e
mentais dos trabalhadores na Revolução Industrial representavam uma restrição à produção.
Os quadros a seguir representam a superação desses limites na Revolução digital:
TRABALHO
CONTEÚDO
LIMITES
Manual
(A) Desqualificado
(B) Qualificado
Resistência física da força de trabalho
Habilidade técnica da força de trabalho
Intelectual
(C) Rotinas padronizadas
(D) Concepção criativa
Sistemas de controle e processamento de
dados
Saber profissional
Quadro 2.2 – LIMITES À AUTOMAÇÃO base eletromecânica
Fonte: Srour (1998, p. 19)
TRABALHO CONTEÚDO LIMITES
Manual (A) Repetitivo ou
insalubre
(B) Profissional
Robôs e autômatos garantem
flexibilidade e regularidade
Máquinas-ferramenta embutem softwares
Intelectual (C) Rotinas padronizadas
(D) Concepção criativa
Computadores simplificam
processamento de dados
Aplicativos permitem conceber produtos
e processos
Quadro 2.3 – LIMITES SUPERADOS base microeletrônica
Fonte: Srour (1998, p. 20)
No quadro 2.4 a seguir, SROUR (1998) faz uma síntese comparativa do trabalho, da forma de
produção e das configurações organizacionais na Revolução Industrial e na Revolução digital.
Apesar da não-universalização do trabalho e da produção típicos da revolução digital, o
63
quadro é interessante porque reproduz o discurso dominante de uma mudança completa e
profunda no contexto organizacional. Evidentemente, as desigualdades e assimetrias ainda
persistem:
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL REVOLUÇÃO DIGITAL
Trabalho desqualificado ou
semiqualificado, parcelado por tarefas e em
postos de trabalho (trabalhador descartável
pago por tempo)
Trabalho qualificado, polivalente, segmentado
por processos e em equipes multifuncionais
(trabalhador profissional pago por resultados)
Produção em massa, produtos
padronizados, mercado de massas, setor
secundário absorve mão-de-obra
Produção flexível, produtos personalizados,
mercado de nichos, setor terciário e
quaternário
22
absorvem mão-de-obra
Tendência à verticalização das
organizações (pirâmides), voltadas para
dentro: controle central em mãos dos
gestores; prevalência do poder
Tendência à horizontalização das organizações
(trapézios), voltados para fora; controle
partilhado por gestores e trabalhadores;
prevalência do saber.
Quadro 2.4 – REVOLUÇÕES COMPARADAS
Fonte: Srour (1998, p. 22)
Entretanto, esses significativos avanços das tecnologias representaram uma não menos
significativa diminuição no número de postos de trabalho nas grandes organizações,
sobretudo as que atuam de forma global (ALVES e GALEÃO-SILVA, 2000). Além disso,
Bernardo (1998) aborda um outro aspecto da tecnologia, relacionado aos mecanismos de
controle e vigilância nas organizações contemporâneas: “A tecnologia eletrônica permite, pela
primeira vez na história, fundir as operações de vigilância com os gestos de trabalho e com os
percursos do lazer(BERNARDO, 1998, p. 48). Esses impactos são apenas alguns dentre as
transformações ocorridas no mundo do trabalho e das organizações, em virtude do contexto
até aqui descrito, as quais serão detalhadas em seguida.
22
O setor quaternário ou de informações é constituído pelas atividades da informação, que inclui os recursos na
produção, processamento e distribuição dos serviços de informação (SROUR, 1998).
64
2.5 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES
A globalização e as inovações tecnológicas, assim como a afirmação do capitalismo como
único modelo econômico, excluindo-se a discussão acerca de outras alternativas externas ao
capitalismo, provocaram significativas mudanças no mundo do trabalho e nas organizações,
como assinalado. Além disso, todos os temas tratados até aqui estão imbricados de tal
maneira que é impossível analisar essas transformações sem associá-las às mudanças que têm
ocorrido na sociedade contemporânea.
Pimenta e Corrêa (2003) apontam as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, com a
reformatação das suas relações e suas condições, conforme sintetizado no quadro a seguir:
Paradigma taylorista-fordista Contexto atual
Trabalhador coletivo: sujeito Trabalhador individualizado: objeto
Incremento/ampliação do espaço público
demandado pelo trabalho
Fragilização do espaço público: perda e privação
do trabalho
Formação de laços de sociabilidade Dissolução/fragilização desses laços
Condições necessárias dadas para a formação de
identidades coletivas
Diminuição das condições fundamentais para
formação de identidade coletiva
Criação/desenvolvimento de laços de
solidariedade
Fragilização desses laços predomínio da
competição e individualismo
Presença marcante do Estado (Welfare State) e
dos demais atores sociais (empresários e
trabalhadores)
Estado mínimo (neoliberalismo) e tendência à
negociação bi-partite (Estado e empresários)
Reconhecimento dos sindicatos como
interlocutores no espaço institucional e público
Tendência à exclusão dos sindicatos de
trabalhadores (caráter anti-sindical da
Reestruturação Produtiva)
Acumulação originária do setor industrial
predomínio do capital produtivo
Acumulação flexível predomínio do capital
financeiro
“Pleno emprego”. Inclusão pelo trabalho e pelo
consumo
Desemprego estrutural: exclusão, marginalização
de grande massa
Formação e afirmação da classe trabalhadora Fragmentação da classe trabalhadora, diferenciação
e precarização do trabalho
Instituição do contrato formal de trabalho
Relação de emprego padrão
Desregulamentação das “normas” de trabalho
destruição da relação padrão de emprego
Presença de um outro modelo” (mundo
socialista) como referência
Ausência de outro referencial (símbolo: queda do
muro de Berlim)
Quadro 2.5 – As transformações no mundo do trabalho
Fonte: PIMENTA e CORRÊA, 2003, p. 7.
65
Alves e Galeão-Silva (2000) afirmam que as empresas, atuando globalmente, passaram a
dominar as relações na sociedade, dependendo cada vez menos dos Estados-Nação. Nesse
sentido, ocorreu a desregulamentação que mantinha salários e empregos protegidos, levando à
precarização das condições de trabalho. A relação trabalhador-empresa não comporta mais
nenhum tipo de fidelidade, e este trabalhador deve se capacitar, a fim de enfrentar os desafios
e manter sua empregabilidade. Abaixo, seguem visões contraditórias das condições atuais de
trabalho nas organizações contemporâneas:
algum tempo atrás, você falava muito em estabilidade no emprego, em
segurança no emprego. E isso mudou muito. Na verdade, o que se espera hoje é, eu
acho que tanto o profissional tem que esperar da empresa quanto a empresa tem que
esperar do profissional, é uma lealdade, uma fidelidade. Então voser fiel, você
acreditar naquilo que você está fazendo, naquela empresa que você está nela, no
colega de trabalho, você ter confiança que... o que o outro está fazendo? Eu estou
entregando aquilo, o meu, e o outro está entregando, trabalhando o todo junto. Então
eu acho que são pontos interessantes que vale a pena a gente estar tentando pensar
neles (Entrevistada 11, Empresa TI, Gestora).
[...] a empresa não é leal na hora com você, você também não é com ela (...) No
sentido de que eu estou aqui hoje, amanhã pode aparecer uma outra oportunidade e
me pagar mais. Se for um lugar que for me satisfazer, por que não? Então em
relação à lealdade é nesse sentido que eu penso. Porque também, você está no
emprego. Na hora que tiver que mandar embora, você pode ser branco, preto e tal,
se você estiver ali, na hora, você é que vai (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
Naquela época era bom, não é, o pessoal procurava pela gente
[...] porque hoje é engraçado, as pessoas não ficam muito tempo no emprego [...] Eu
sou da velha guarda [...] eu fui pra Industrial I, e saí da Industrial I para a Empresa
TI, então não foi uma saída, foi uma primeira rescisão contratual que eu tive, me
deu uma dor no coração [...] Então, a questão simplesmente de emprego, o fato de
você estar empregado, os tempos estão mudando. Hoje não é assim mesmo. [...]
Você tem que conseguir um trabalho. E aquele trabalho tem que render pra você,
com certeza. Mas não necessariamente você estar empregado. Você ter o seu
salário no final do mês, isso é bastante importante, mas hoje as características
mudam, a pessoa não tem aquela perspectiva daquela parte fixa” (Entrevistado 21,
Empresa TI, consultor).
Observa-se, nos depoimentos acima, que permanece e se estabelece um clima de insegurança
e certa desorientação. A empresa é referência, mas não apresenta mais os elementos para uma
ancoragem tradicional. Com base em Benjamim (1972), Pimenta (1996, p.11) acentua que
66
[...] a ausência destes laços que, antes articulados à tradição, criavam as
condições de inscrição de cada um num universo de práticas coletivas, tem
se transformado em uma simples repetição da vida cotidiana, de uma
‘pequena moeda’ destinada a preencher uma temporalidade amorfa,
homogênea e sem vida. O homem contemporâneo se vê privado da
possibilidade de trocar experiências sobressaltado pela insegurança e
desorientação – e se consome em uma existência solitária.
É neste sentido que as organizações vêm se tornando uma outra possibilidade de ancoragem,
de novos portos, embora de características distintas das anteriores. Além disso, os postos de
trabalho vão se tornando cada vez mais restritos, sobretudo em virtude dos avanços
tecnológicos, que possibilitam incorporar o “trabalho morto” à produção, com uma
capacidade maior que no taylorismo-fordismo. Pimenta e Corrêa (2003) apontam queda na
participação da mão-de-obra industrial no Brasil, registrando uma queda de 20% de
participação na década de 1970 para 13% nos anos 1990.
Alves e Galeão-Silva (2000) também apontam a mudança no perfil do trabalhador. O operário
fordista não se encontra adaptado às novas tecnologias e, mais ainda, sua maneira de
articulação coletiva se torna inadequada a tempos em que tudo é individualizado nas
organizações. Os sindicatos deixam de ter representatividade e a máxima é a flexibilidade.
Além da diminuição de postos de trabalho e da precarização das relações trabalhistas, a
sociedade da informação também provocou mudanças significativas nos processos de trabalho
nas organizações (LUZ, 2001). Se antes havia uma supremacia da indústria, na atualidade
predomina o setor de serviços (FREITAS, 2000). Essas transformações exigem novas
habilidades e qualificações dos trabalhadores e das organizações. Estas, ao mesmo tempo em
que são agentes das mudanças, também precisam se adequar às transformações para se
manterem (LUZ, 2001). Os trabalhadores, por sua vez, precisam estar preparados e manter
sua empregabilidade, em um mundo onde o emprego se tornou escasso:
67
As sociedades em geral, e os indivíduos, as famílias e as organizações em particular,
têm sofrido os impactos desse vendaval que está sendo chamado de idade da
informação, terceira onda, sociedade pós-industrial, era da comunicação, sociedade
de serviços ou ainda sociedade do conhecimento. Nem mais nem menos: o fenômeno
parece ser global, exigindo diagnóstico, tratamento e “remédio” globais, uma vez que
está disseminando indiscriminadamente, variando apenas em grau de uma sociedade
para outra (FREITAS, 2000, p. 30).
As organizações passam a buscar profissionais com maior capacitação técnica, uma vez que
os trabalhos repetitivos e fragmentados específicos do modelo anterior são reformulados,
e isso exige que os trabalhadores saibam lidar com as novas funções (LUZ, 2001). A
competência das pessoas passa a ser premissa para a competitividade das organizações.
Porém, manter a competência e, por conseguinte, a empregabilidade, tem sido uma
preocupação apenas do trabalhador. Este deve investir em sua qualificação e estar
comprometido com a organização na qual trabalhe. A organização, por sua vez, não fornece
garantias ao trabalhador (FREITAS, 2000).
A crise do Estado e sua conseqüente reformulação que, assim como outras instituições sociais,
passaram a ser desacreditadas, gera ruptura nas significações dos indivíduos, fortalecendo o
papel central das grandes empresas na sociedade pós-moderna: “A quebra de valores
tradicionais e de referências sociais até então aceitas como norteadores da vida legitima o
papel das empresas modernas como ator social central” (FREITAS, 2000, p. 39).
O ator social na sociedade contemporânea se sente descentrado de seus referenciais sociais.
As instituições tradicionais, como religião, família, os grupos aos quais pertence, deixam de
ser as referências do ser humano. A coletividade cede espaço para o individualismo, o
narcisismo, a excelência, a competitividade. Segundo Freitas (2000, p. 64), “[...] quando
superar é tudo que importa, o modo como se obteve a medalha pode não fazer diferença no
68
curto prazo ou enquanto se está no pódio”. Entretanto, esse pódio é para uma pequena
minoria, e a ameaça de demissão em tempos de escassez de empregos é uma constante para os
indivíduos.
A insegurança e vulnerabilidade dos indivíduos às transformações que ocorrem no mundo o
levam a perder seus referenciais identitários. Hall (1999) afirma que um descentramento
desses referenciais identitários. Dessa forma, o indivíduo vai buscar as suas identificações no
ente central do mundo globalizado: as grandes organizações privadas. Freitas (2000) também
corrobora com a idéia de perda de referências sociais para os indivíduos, que acabam
buscando nas organizações privadas o elo perdido com as demais instituições sociais. O que
importa é se sentir membro da organização, e para garantir esse sentimento de pertencimento,
o indivíduo se torna flexível e entregue à organização, a fim de garantir sua sobrevivência.
As organizações, de sua parte, substituem as relações hierárquicas por relações mais estreitas,
defendem o trabalho em grupo, e invadem a vida particular de seus empregados via atividades
extraprofissionais, chegando a criar alianças entre a organização e suas famílias (FREITAS,
2000). Por outro lado, as organizações deixam a cargo dos empregados a manutenção da
empregabilidade de cada um, se eximindo de qualquer responsabilidade social que o
desemprego possa acarretar.
O paradoxo da redução de pessoal a fim de reduzir custos ao mesmo tempo em que se postula
o envolvimento e comprometimento dos trabalhadores é encarado com naturalidade, fazendo
parte das regras do livre mercado. O trabalhador fica, dessa forma, sujeito às intempéries do
mercado, podendo ser demitido e perder o seu principal fornecedor de significações,
69
tornando-se o que Freitas (2000) chama de um morto-vivo, um inútil em uma sociedade onde
prevalece a valorização da excelência.
As transformações que ocorreram nas relações trabalhistas também foram outro fator
significativo na contemporaneidade. O processo de terceirização nas empresas expandiu a
informalidade em dimensões preocupantes, em detrimento das conquistas sociais dos
trabalhadores com carteira assinada (LUZ, 2001). Essa tendência observa-se não apenas em
relação à mão-de-obra não qualificada, mas também em relação à mão-de-obra qualificada.
Os sindicatos, por sua vez, estão cada vez mais enfraquecidos, sobretudo em virtude da
característica anti-sindical dos novos modelos, acrescida da informalidade do trabalho. As
relações entre trabalhadores e organizações deixaram de ser duradouras. A garantia de
emprego e o acesso a uma carreira deram lugar a relações de mercado. O trabalhador é
remunerado conforme seu desempenho e a consecução dos objetivos da organização.
Um retrato dessas transformações que modificaram a maneira como as organizações
funcionam e as relações de trabalho e produção na sociedade globalizada poderia ser descrito
pelo trecho a seguir:
Uma espécie de histeria coletiva toma conta de todos, em especial nos altos escalões
das empresas, onde há sempre o risco de ser superado em curto espaço de tempo. Os
conteúdos devem ser sempre atualizáveis, os indivíduos e os grupos devem buscar
sempre mais, os saberes se tornam imprestáveis com extraordinária velocidade, os
heróis de hoje não servem mais como referência para amanhã, os valores de hoje
não servem mais como referência para amanhã, os valores atuais já são obsoletos. É
o pânico da exaustão próxima e inevitável. A excelência torna-se a palavra-chave e
a condição imprescindível de sobrevivência de pessoas e empresas. Enquanto valor
em si, a excelência do Guines Book existe como referência do histórico que não
serve mais, que já foi ou ainda será superado (FREITAS, 2000, p. 63).
Evidentemente este cenário influencia e conforma todas as organizações, sejam elas de
natureza pública ou privada. Não só as coletividades, mas instituições, indivíduos e nações
70
são impactados por essas transformações, configurando novas condições e relações entre
trabalhadores e organizações. Em complemento, Torres (2004) aponta especialmente alguns
impactos das transformações sobre as organizações públicas e seus empregados. A emenda
constitucional nº. 19, de 1998, introduziu alguns dispositivos, como a flexibilização da
estabilidade, incluindo a avaliação de desempenho como critério de remuneração e mesmo de
possibilidade de perda do cargo, em caso de desempenho insuficiente. Diferentes emendas
constitucionais em anos posteriores conotam novas inserções e outras relações do
funcionalismo em suas instituições. A criação das agências reguladoras, juntamente com a
privatização de empresas estatais, sinalizaram as adequações da administração pública à nova
ordem vigente no cenário global.
71
3 A ARTICULAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA
Neste capítulo, são abordados os elementos de análise utilizados na presente pesquisa:
configurações organizacionais, cultura e poder. A figura 3.1 a seguir representa o quadro da
articulação teórica das representações sociais de trabalho e de organização:
REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
TRABALHO
ORGANIZAÇÃO
GLOBALIZAÇÃO
TECNOLOGIA
NEOLIBERALISMO
ESTADO E
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
TRANSFORMAÇÕES
NO MUNDO DO
TRABALHO E DAS
ORGANIZAÇÕES
CULTURA
E
CULTURA
ORGANIZACIONAL
RELAÇÕES
DE PODER
CONFIGURAÇÃO
ORGANIZACIONAL
Figura 3.1 – Quadro de articulação teórica das representações sociais
Como já mencionado, as pesquisas sobre representações sociais se preocupam com as suas
condições de produção (SPINK, 2004). Lewin (1948 apud MOSCOVICI, 2003, p. 36) afirma
que “[...] a realidade é, para a pessoa, em grande parte determinada por aquilo que é
socialmente aceito como realidade”. Em virtude disso, as “[...] representações são prescritivas,
isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de
uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição
que decreta o que deve ser pensado” (MOSCOVICI, 2003, p. 36).
72
Nesse sentido, as estruturas das organizações foram escolhidas como elemento de análise que
configura as representações sociais de trabalho e de organização. O poder é o elemento que
pressupõe a estruturação e a permanência das representações. A cultura é o elemento de
análise que contempla o partilhamento de crenças, valores, ritos e mitos que levam à
construção de representações sociais que têm significado para os grupos que as compartilham.
“[...] Representações [...] são partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada
um, elas não são pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas são re-pensadas,
re-citadas e re-apresentadas” (MOSCOVICI, 2003, p. 37).
Arruda (2002) aponta as três grandes ordens de fatores que Jodelet (2002, apud ARRUDA,
2002) afirma que devem ser levados em conta como condição de produção das representações
sociais: a cultura, a comunicação e a linguagem, e a inserção socioeconômica, institucional,
educacional e ideológica. (1998) também afirma que cultura, linguagem, comunicação e
sociedade fornecem as condições de produção das representações sociais, que são construídas
pelos indivíduos através desses meios de socialização. Daí nascem os conceitos advindos do
senso comum desses indivíduos.
Os estudos das representações sociais apontam inter-relacionamentos com elementos culturais
(SÁ, 1998), pois é por meio das práticas socioculturais que as representações sociais mantêm
suas relações mais significativas. Jodelet (2001, p. 21) também afirma que as representações
“[...] apóiam-se em valores variáveis segundo os grupos sociais de onde tiram suas
significações”. Além disso, as representações sociais trazem a marca do sujeito e de sua
atividade, sendo influenciadas também pelo trabalho e pela organização na qual são
construídas.
73
A cultura também carrega o passado, a memória da sociedade e do grupo, levando a
representações que “[...] são impostas sobre nós, transmitidas e são o produto de uma
seqüência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no decurso do tempo e são o
resultado de sucessivas gerações” (MOSCOVICI, 2003, p. 37).
3.1
AS CONFIGURAÇÕES ORGANIZACIONAIS
As organizações são estruturadas conforme suas características, havendo uma divisão de
trabalho específica a cada uma delas. Nesse campo, conforme o estágio de institucionalização
em que elas se encontrem, identificam-se as relações de poder, a cultura organizacional e o
contexto social no qual estão inseridas. É esta multiplicidade relacional que permite
aprofundar a análise das organizações, como terreno que possibilita a articulação das
representações sociais de trabalho e de organização, em suas condições materiais.
Administração pública e burocracia são dois temas que são freqüentemente relacionados,
atribuindo à suposta ineficiência do serviço público o excesso de burocracia e formalismo.
Contudo, faz-se necessário um esclarecimento do termo burocracia, aplicável às
configurações organizacionais tanto públicas quanto privadas, e suas disfunções, comumente
confundidas com o próprio conceito de burocracia.
A burocracia passou a ser uma instituição dominante na medida em que as organizações nos
séculos XIX e XX se tornaram maiores e mais complexas nos diversos setores de atividades
(CAMPOS, 1978). Os indivíduos, destituídos dos meios de produção, passaram a depender
das burocracias para sobreviverem. A mão-de-obra assalariada não-manual surgiu como uma
74
“nova classe média”, formada por funcionários públicos, empregados de escritórios, comércio
e serviços.
Weber (1978) estudou e analisou a forma de organização burocrática, identificando suagica
de funcionamento e suas características, pautada na racionalidade legal. Ele ressaltou que a
autoridade legal depende da aceitação de que as normas legais são estabelecidas por acordo
ou imposição, a fim de atingir objetivos racionais. Além disso, o Direito é constituído por um
conjunto de normas abstratas. Como a autoridade legal é decorrente dessas normas, os cargos
são ocupados de acordo com elas. A obediência às pessoas que ocupam determinado cargo na
verdade é uma obediência à lei, e não ao indivíduo que ocupa o cargo.
A autoridade racional-legal compreende como categorias fundamentais: a organização de
cargos pelas normas; uma sistemática divisão do trabalho, com a definição de atribuições de
funções, autoridade e instrumentos necessários de coerção e limitação para exercê-las; o
princípio da hierarquia na ocupação dos cargos, no qual cada cargo inferior está sujeito ao
cargo superior; a especialização, na qual o exercício de um cargo é normalizado por regras
técnicas; separação entre propriedade e administração, ou seja, o quadro administrativo não
deve possuir os meios de produção; os cargos devem atender ao caráter objetivo a que se
destinam, não podendo ser apropriados por quem os ocupa; as decisões, atos e normas devem
ser formalizados em documentos.
Ainda segundo Weber (1978), o quadro administrativo em uma burocracia pura é formado por
funcionários nomeados individualmente de acordo com sua esfera de competência, sendo
sujeitos à autoridade em relação às suas obrigações e a uma hierarquia de cargos. Os critérios
de escolha dos funcionários são técnicos e a ocupação do cargo dá direito a salários e
75
benefícios. O funcionário pode demitir-se de seu cargo, enquanto a organização depende de
algumas circunstâncias para rescindir o contrato de trabalho. As promoções são definidas pela
carreira, podendo ocorrer por merecimento, antigüidade, ou ambas. O cargo é desempenhado
pelo funcionário em obediência a rigoroso controle e disciplina.
Weber (1978) ressalta que a burocracia é o tipo mais racional de administração, e sua
superioridade reside no conhecimento técnico. Dessa forma, independente do sistema
econômico ser socialista ou capitalista, a burocracia é adequada a ambos. “A administração
burocrática significa, fundamentalmente, o exercício da dominação baseada no saber
(WEBER, 1978, p. 27). Merton (1978) acrescenta que a eficiência técnica é o principal mérito
da burocracia.
A burocracia, portanto, possui características e fundamentos que valorizam a racionalidade
legal e a eficiência técnica. Entretanto, o emprego do termo burocracia, muitas vezes
associado a papelório e ineficiência, geralmente descreve as suas disfunções.
Merton (1978) aponta algumas disfunções da burocracia. Uma delas se refere à estrutura
burocrática que, buscando moldar o indivíduo de forma a torná-lo metódico, prudente e
disciplinado, pode levá-lo a ser tão submisso às normas que ele se torna inflexível. A norma
deixa de ser um meio e se transforma em um fim em si mesmo. Daí, surgem o formalismo e o
ritualismo decorrentes do excessivo apego às normas.
As carreiras burocráticas, que valorizam a antigüidade e uma postura disciplinada de seus
funcionários, podem levar ao conformismo e ao exagero na obediência às normas. Os
76
funcionários tendem a defender os próprios interesses, além de haver grande resistência às
mudanças que possam gerar incertezas.
O caráter impessoal das relações leva os burocratas a ignorarem os casos individuais, que são
tratados de forma categorizada. Eles agem como representantes do poder e prestígio da
estrutura burocrática, não atendendo às necessidades individuais do público. Nas organizações
privadas, essa disfunção é minimizada pela possibilidade do cliente escolher outra
organização que o atenda da maneira individualizada que ele deseja. Entretanto, uma atitude
mais pessoal e individualizada é geralmente desaprovada, sendo considerada como
favorecimento.
Mintzberg (1995) sintetizou as diversas estruturas organizacionais existentes na sociedade em
cinco configurações. Essas configurações foram descritas segundo alguns parâmetros de
análise: mecanismos de coordenação, formas básicas de descentralização e os fatores
situacionais.
Os mecanismos de coordenação de trabalho apontados por Mintzberg (1995) são cinco: o
ajustamento mútuo, no qual a coordenação do trabalho se dá pela simples comunicação
informal; a supervisão direta, na qual uma pessoa coordena as demais; processos de trabalho
padronizados, que especificam as atividades a serem executadas; saídas padronizadas, sendo
definido o resultado esperado; habilidades, que não podem ser padronizadas nem por
resultado nem por processos, pois dependem de treinamento específico para a execução do
trabalho.
77
Mintzberg (1995) dividiu as organizações em cinco partes básicas, conforme a figura 3.2. a
seguir:
Figura 3.2 – Cinco partes básicas de uma organização
Fonte: Mintzberg (1995, p.19)
O núcleo operacional é formado pelos responsáveis pela execução do trabalho básico da
organização. A cúpula estratégica é responsável pelo cumprimento eficaz da missão da
organização e pelo relacionamento com os entes externos à organização, que com ela
interagem. A linha intermediária é responsável pela ligação entre o cleo operacional e a
cúpula estratégica, sendo formada por gerentes de diferentes níveis. A tecnoestrutura é
formada pelos analistas, que têm a função de padronizar os processos, delineando-os,
planejando-os e alterando-os, estando fora do fluxo operacional de trabalho. As assessorias de
apoio são unidades que provêm apoio operacional às demais áreas da organização, e suas
atividades geralmente estão fora do fluxo operacional de trabalho da organização.
78
O quadro 3.1 a seguir é um resumo das cinco configurações descritas por Mintzberg (1995).
Ressalta-se que são configurações representativas, podendo ser encontradas formas híbridas
com características de mais de uma configuração.
Estrutura Simples
Principal mecanismo de
coordenação
Supervisão direta
Parte chave da organização Cúpula estratégica
Principais parâmetros para delinear Centralização;
Estrutura orgânica
Burocracia Mecanizada
Principal mecanismo de
coordenação
Padronização dos processos de trabalho
Parte chave da organização Tecnoestrutura
Principais parâmetros para delinear Formalização do comportamento, especialização do
trabalho vertical e horizontal, comumente agrupamento
por função, unidade operacional com grande dimensão,
centralização vertical e descentralização horizontal
limitada, planejamento para a ação.
Burocracia Profissional
Principal mecanismo de
coordenação
Padronização de habilidades
Parte chave da organização Núcleo operacional
Principais parâmetros para delinear Treinamento; especialização do trabalho horizontal;
descentralização vertical e horizontal
Forma Divisionalizada
Principal mecanismo de
coordenação
Padronização de resultados
Parte chave da organização Linha intermediária
Principais parâmetros para delinear Agrupamento por mercado; sistema de controle do
desempenho; descentralização vertical limitada
Adhocracia
Principal mecanismo de
coordenação
Ajustamento mútuo
Parte chave da organização Assessoria de apoio (na Adhocracia Administrativa,
juntamente com o núcleo operacional na Adhocracia
operacional)
Principais parâmetros para delinear Instrumentos de interligação, estrutura orgânica,
descentralização seletiva horizontal, especialização do
trabalho, treinamento, agrupamento concorrentemente
funcional e por produto
Quadro 3.1 – Principais características das cinco configurações
Fonte: Adaptado de Mintzberg (1995)
79
Nas seções a seguir, serão descritas as estruturas das organizações estudadas com base nas
cinco configurações de Mintzberg (1995). Essas configurações fornecem elementos para a
compreensão das relações internas e externas às organizações, os setores mais valorizados e
como ocorre a tomada de decisão. Elas também se articulam com as culturas existentes nas
organizações, em cada estrato da estrutura organizacional. Serão consideradas as
características mais significativas dessas estruturas, levando-se em conta que não existem
configurações puras, mas aproximações com os modelos e, em alguns casos, formas híbridas.
3.1.1
A Empresa TI
A Empresa TI, desde a sua fundação em 1984, passou por diversas reestruturações, tanto em
relação ao organograma, quanto em relação ao mercado onde ela atua. Em 2006, ela passou a
fazer parte de um grande grupo industrial internacional. Na figura abaixo, temos a Empresa TI
em relação ao Grupo GIM:
Figura 3.3 – Posição da Empresa TI no grupo
GRUPO
GIM
GRUPO GI
BRASIL
GRUPO GI
BRASIL
Empresa
TI
Industrial I
80
O negócio do Grupo GIM é industrial, no qual ele é líder no mercado mundial. Dessa forma, a
Empresa TI pertence ao grupo, mas é um dos fornecedores de serviços de tecnologia de
informação para o grupo na América Latina, e concorre pela prestação desses serviços com
outras empresas também pertencentes ao Grupo GIM. Essas empresas concorrentes não estão
necessariamente no Brasil e a continuidade da atuação da Empresa TI depende das diretrizes
do Grupo GIM internacional em relação à tecnologia de informação, como já assinalado.
Entretanto, independente das possíveis transformações no contexto de atuação da Empresa TI,
ela possui uma estrutura organizacional de forma a atender seus clientes e conduzir suas
atividades. Nesse sentido, abaixo serão descritos os principais serviços fornecidos pela
organização a seus clientes, de forma a compreender sua estruturação:
- Atendimento ao usuário final: esse serviço se refere ao atendimento a todos os usuários dos
recursos de tecnologia de informação disponíveis para os clientes da Empresa TI. Os usuários
que necessitam fazer qualquer solicitação referente à tecnologia de informação telefonam para
uma central de atendimento, que registra a ocorrência a ser atendida pelos trabalhadores da
Empresa TI em um
software
de atendimento. As ligações são atendidas por empregados cuja
função é de atendente de
help
desk. Existem equipes específicas para cada tipo de
atendimento, sendo que a maioria das solicitações é atendida por meio da rede de
comunicações instalada nos clientes, não havendo a necessidade de deslocamento de um
profissional até o local onde o usuário se encontra. Nos casos em que esse deslocamento é
necessário, há também profissionais alocados nas unidades mais importantes dos clientes.
- Gestão do ambiente de tecnologia de informação dos clientes: a Empresa TI é responsável
por manter o ambiente das empresas do Grupo GIM em funcionamento, com alta
81
disponibilidade e desempenho, atualizado tecnologicamente e protegido. Equipes de
operadores, que monitoram o funcionamento dos equipamentos e realizam cópias de
segurança dos dados de cada cliente, trabalham em regime 24 X 7. Equipes de suporte, com
especialistas em diversas tecnologias, trabalham na retaguarda desse serviço. Além disso,
outros especialistas pesquisam e desenvolvem soluções para evoluir tecnologicamente o
hardware
e o
software
dos clientes. Os profissionais especialistas também trabalham em
regime de sobreaviso, sendo acionados por telefone celular nos casos de urgência.
- Soluções de negócios: a Empresa TI atua como parceiro de negócios dos clientes, buscando
e implantando soluções que atendam às necessidades em termos de negócios no setor
industrial onde o Grupo GIM atua. Implantações são realizadas por analistas funcionais e
consultores de negócios juntamente com representantes dos clientes. Esses profissionais, além
de formação em informática, precisam conhecer o setor de atuação do Grupo GIM.
- Portal de compras na
Internet
: a Empresa TI possui um portal de compras para realização de
leilões eletrônicos, que é utilizado pelos clientes e seus fornecedores. Possui uma equipe de
desenvolvimento e suporte para o sítio da
Internet
.
A maior parte dos clientes da Empresa TI é formada por empresas que compõem o grupo no
Brasil. Ela também possui clientes na Argentina e na Costa Rica. Existe uma área de negócios
que ênfase ao relacionamento com o cliente. Para cada cliente significativo dentro do
Grupo GIM, existe uma gerência de atendimento específica para esse cliente.
Os serviços de infra-estrutura da tecnologia de informação das empresas do grupo são
fornecidos de forma compartilhada. Nesse sentido, as gerências responsáveis por esses
82
serviços compõem uma estrutura mais centralizada em relação à gerência de relacionamento
com os clientes. O organograma da Empresa TI é representado pela figura 3.4 a seguir:
Figura 3.4 – Organograma da Empresa TI
A Empresa TI possui 311 trabalhadores com carteira assinada, além de cerca de 200 terceiros
e estagiários. A idade média dos trabalhadores é de 34 anos, e o tempo médio de casa é de 5
anos. A seguir, alguns dados que complementam o perfil dos trabalhadores:
Diretor
superintendente
Suporte ao
Negócio
Infra-estrutura Aplicações Portal de compras
Gerência Finanças e
controladoria
Gerência RH
Comunicação e
Quali
dade
Gerência ITIL e
EDP
Gerências Infra-
estrutura, Suporte e
Monitoramento
Gestão Segurança
TI
Gestão Telecom
Gerências
Relacionamento
com clientes
Gerência Suporte
Aplicativos
Gerência Recursos e
Projetos SI
Gerência
Consultoria Projeto
Conexão
83
Homens Mulheres
0
25
50
75
100
125
150
175
200
225
250
242
69
Funcionários por sexo
Gráfico 3.1 – Distribuição de trabalhadores por sexo na Empresa TI
Constata-se que mais de 3/4 dos trabalhadores da Empresa TI são homens. O gênero é um
importante aspecto a ser considerado na construção das representações sociais de trabalho e
de organização. Como visto, a pesquisa de Yamamoto e Ichikawa (2005) abordou esse
aspecto quando tratou das representações sociais da Ciência sob a ótica das mulheres
pesquisadoras da Universidade Estadual de Maringá. Outros estudos que privilegiam o mundo
feminino na elaboração de representações sociais podem ser vistos em Girão (2002), que
trabalha os elementos pertinentes a esta elaboração em uma empresa pública de eletricidade, e
Girão (2006), que se detém nas organizações do Terceiro Setor. Neste, a autora aponta o
Terceiro Setor como o espaço no qual a mulher constrói uma identidade profissional
feminina, reforçada por qualidades como atenção, afeto, cuidado, afetividade. Arruda (2002)
mostra a teoria das representações e as teorias de gênero como novas abordagens, que
significaram o que Santos (1989, apud ARRUDA, 2002) chamou de transição paradigmática
nas pesquisas em ciências sociais.
84
Alfabetizado Fundamental Médio Superior Pós-graduação
0
25
50
75
100
125
150
175
200
225
1
5
75
225
5
Escolaridade
Gráfico 3.2 – Escolaridade dos trabalhadores da Empresa TI
O nível de escolaridade superior é uma exigência da Empresa TI para a maioria dos cargos
existentes na organização. Por outro lado, o nível de pós-graduação não é exigido e não há
incentivos para os trabalhadores que o possuam. A Empresa TI opta pelo incentivo às
certificações em produtos de
hardware
e
software
obtidas pelos trabalhadores, pois estes
implicam maior valorização da organização no mercado.
A Empresa TI possui duas divisões principais de acordo com os serviços e produtos que ela
oferece a seus clientes. Uma delas está relacionada à manutenção da estrutura de tecnologia
de informação dos clientes. Essa divisão possui normas e procedimentos formalizados para
garantir a continuidade do ambiente de informática e é formada pela Infra-estrutura, conforme
apresentado no organograma da figura 3.4, à página 81. A divisão de aplicações é formada
por profissionais que possuem maior autonomia em relação às suas atividades. Equipes de
projeto geralmente são formadas e desfeitas nessa divisão para atender a necessidades
específicas e temporárias.
85
A Empresa TI, dessa forma, possui características de uma Burocracia Mecanizada em relação
à Infra-estrutura, e também de uma Adhocracia em relação à divisão de Aplicações. A
organização, face às transformações que lhe foram impostas pela inserção no mercado
globalizado, também implanta mudanças no sentido de buscar uma maior organização de seus
processos, por meio de normas e procedimentos que possibilitem um maior controle de suas
atividades em ambas as divisões
23
. Dessa forma, ela busca padronizar também sua divisão que
possui características de uma Adhocracia, com o intuito de um maior controle e de redução de
incertezas.
A Adhocracia é a configuração mais flexível e mais distante do modelo de burocracia
estudado por Weber. O ajustamento mútuo é o principal mecanismo de coordenação, pois a
estrutura dispensa canais formais de comunicação e procedimentos padronizados. O papel da
supervisão direta deixa de ser controlador e os gerentes passam a ser integradores, gerentes de
projetos e funcionais.
O que a gente tem tentado fazer é apoiar e ajudar os gerentes na compreensão e
entendimento do seu papel enquanto gestor de pessoas. Que não é fácil. Até pouco
tempo atrás você precisava de ser um excelente técnico, mesmo pra ser um
executivo. pouco tempo não existia nenhum dano, a pessoa precisa de ter muito
mais competências comportamentais, gerenciais pra estar numa função executiva do
que competência técnica Então a competência precisa ser valorizada e é valorizada,
porque você pode começar como técnico, operador e chegar como especialista, e
cada um desses degraus que você vai passando tem um resultado pra empresa,
necessário. Mas também é necessário ter algumas pessoas que exerçam funções de
gestão. E então algumas pessoas que m função de gestão sempre foram
capacitadas e desenvolvidas pra funções técnicas. Então a gente vem há alguns anos
tentando apoiar e ajudar esses gerentes a entenderem, a compreenderem mais aquilo
que passa a fazer parte do seu papel de gestor. Não a capacidade técnica, mas a
capacidade de lidar com pessoas, eles têm que estar conscientes disso. De ser um
educador, de ser um treinador, então é isso que a gente vem buscando (Entrevistada
11, Empresa TI, gestora).
23
Essas mudanças estão relacionadas a um maior controle interno das atividades de rotina e também de
gerenciamento de projetos. A implantação dessas mudanças será novamente abordada nesta dissertação.
86
A estrutura na Adhocracia é matricial, sendo formadas unidades funcionais que reúnem as
diversas habilidades e especializações existentes. Essas unidades têm por objetivo a
consecução de projetos, podendo deixar de existir assim que o objetivo é alcançado
(MINTZBERG, 1985). Morgan (1996) afirma que a combinação de estruturas típicas de uma
burocracia, como departamentos e suas funções, a estruturas por projeto caracterizam as
“organizações matriciais”. Entretanto, divisões funcionais dentro de uma estrutura matricial
costumam dificultar o rompimento com a estrutura burocrática da organização. A Empresa TI
vivencia o paradoxo de estar entre uma Adhocracia e uma Burocracia Mecanizada. Um
importante fator que ajuda a entender a persistência de uma estrutura burocrática está
relacionado à origem da Empresa TI, que era parte de uma burocracia industrial, o seu setor
de informática. E como afirma Weber (2004), os elementos burocráticos são extremamente
difíceis de superar. Invadem a cultura e enrijecem elos e relações.
Segundo Mintzberg (1985), a unidade de comando da organização na Adhocracia deixa de ter
papel essencial e os profissionais possuem autonomia e poder de decisão. Entretanto,
diferente da Burocracia Profissional, esses profissionais não devem padronizar suas
habilidades, mas inovar por meio delas. Não existem ilhas de profissionais, mas equipes
multidisciplinares que se unem para determinado projeto.
[...] o relacionamento é muito tranqüilo. Com meus subordinados é relativo demais,
porque trabalho em projeto, normalmente não questão de subordinação, as
equipes se montam. Em geral é um relacionamento bastante tranqüilo, de orientação
[...] A gente trabalha com pessoas muito bem qualificadas, normalmente conhecidas
(Entrevistado 18, Empresa TI, consultor).
Como já visto, ao final dos projetos, as equipes geralmente são desfeitas. Entretanto, a
manutenção do serviço que passa a ser provido em razão do projeto faz parte da estrutura da
Burocracia Mecanizada: “[...] foi entregue uma parte do projeto e muita gente saiu. É um
87
projeto temporário, é um desenvolvimento que deve ser entregue, e depois vai ficar uma
equipe bem pequena fazendo a manutenção” (Entrevistada 19, Empresa TI, analista).
A descentralização na Adhocracia é tanto horizontal quanto vertical, distribuindo o poder nos
diversos níveis hierárquicos. Os projetos na Empresa TI são gerenciados por profissionais que
não necessariamente ocupam cargos de gerência ou coordenação. Gerentes de determinado
projeto podem exercer a função apenas técnica em outros projetos.
Mintzberg (1985) aponta duas categorias de Adhocracias nas organizações: Operacional e
Administrativa. A Adhocracia Operacional é voltada para a resolução de problemas e a
inovação, atendendo aos interesses do cliente. A Adhocracia Administrativa, por sua vez,
inova e executa projetos que atendem internamente a organização. O núcleo operacional fica
isolado e, muitas vezes, é automatizado. A Empresa TI apresenta mais fortemente a categoria
operacional. Como mencionado, essa categoria apresenta uma estrutura mais próxima à
Burocracia Mecanizada.
A formulação da estratégia na Adhocracia não é localizada na cúpula estratégica, o que
inibiria o componente inovador da estrutura. Ela é mais conseqüência dos projetos em
andamento que um delineamento desses projetos. Dessa forma, a cúpula estratégica se ocupa
do monitoramento dos projetos, do tratamento dos conflitos (diferente de evitá-los) e,
principalmente, de interligar a Adhocracia com o ambiente externo. A formulação da
estratégia na Empresa TI, segundo a visão da direção e da gerência, acontece em nível de
diretoria com a participação do nível gerencial: “[...] a empresa tem uma estrutura
descentralizada, mas as decisões são colegiadas. Não existe a decisão única e exclusivamente
88
do presidente e o que ele tenta fazer, desde que ele assumiu, é transferir e compartilhar com
todo o corpo gerencial as decisões da empresa” (Entrevistada 11. Empresa TI, gestora).
Entretanto, na visão dos trabalhadores do nível operacional e também da coordenação, as
decisões são centralizadas:
[...] as coisas são mais impostas, tanto de gerências, supervisões maiores e
presidência. São mais impostas do que uma reunião de opiniões ali (Entrevistada 13,
Empresa TI, técnica).
Internamente eu acredito que as decisões são ainda muito centralizadas. As
diretorias e a superintendências tomam a maioria das decisões (Entrevistado 20,
Empresa TI, gestor).
A Adhocracia é encontrada em ambientes que são, ao mesmo tempo, dinâmicos e complexos,
como organizações baseadas em pesquisas. Incluem-se também as organizações cujos
produtos são constantemente alterados, exigindo um projeto para cada novo produto.
Os problemas encontrados na Adhocracia são muito relacionados à sua estrutura flexível. Não
são todas as pessoas que se adaptam bem às ambigüidades e aos conflitos resultantes da
“indefinição” na Adhocracia. Além disso, o ambiente de estímulo aos conflitos como forma
de inovação também acirra a competitividade entre os membros das equipes. Problemas de
eficiência também são apontados, pois as Adhocracias teriam dificuldade em realizar as
atividades comuns. Buscando solucionar os problemas de ambigüidades e de eficiência, as
Adhocracias podem optar por uma transição para outras configurações, que não são
necessariamente apropriadas à organização. É nesse sentido que a Empresa TI possui
características de uma Burocracia Mecanizada, além de ter se originado a partir de uma
organização burocrática industrial, como já assinalado.
89
A Burocracia Mecanizada é a configuração que mais se aproxima do modelo burocrático
descrito por Weber. A tecnoestrutura é sua característica mais marcante, com procedimentos
altamente padronizados no núcleo operacional. muitas normas, regulamentos e
comunicações formais em toda a estrutura. O poder é relativamente centralizado, sendo que a
tomada de decisão obedece à hierarquia. Os trabalhadores do nível operacional entendem que
as decisões são de acordo com a estrutura da organização que, para eles, está dividida em
níveis hierárquicos típicos da Burocracia Mecanizada:
As decisões da minha área, da Empresa TI de forma geral, são de cima para baixo,
igual à estrutura organizacional da empresa mesmo. Eu acho que os funcionários
não m muita participação em relação às decisões não. Algumas vezes a gente
palpita e tal, e pode ser que seja realmente ouvido, mas na maioria das vezes a
decisão é tomada lá na reunião dos gerentes, cada um fala o que quer e o que espera
da área do outro e a gente simplesmente aceita. o tem nem muito o que
questionar não (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
É decidido e não tem muito que fazer drama não (Entrevistado 12, Empresa TI,
técnico).
A obsessão com o controle é uma característica marcante da Burocracia Mecanizada, com o
objetivo de eliminar a incerteza pela previsibilidade. O conflito é evitado pelos sistemas de
controle. A necessidade de criar procedimento e normas para grande parte dos processos do
núcleo operacional da Empresa TI tem como pressupostos a redução da incerteza e das
surpresas. Essa necessidade de controle, como em uma linha de produção industrial, reforça a
influência da origem da organização sobre a configuração organizacional. O trecho de
entrevista abaixo, de um dos gestores que era funcionário da Industrial I à época da criação da
Empresa TI, corrobora essa influência:
O incômodo são as surpresas. Realmente acho que enfartei porque tinha surpresas o
dia inteiro, mexia com produção. Acho que foi isso mesmo. Porque foi uma época
dura, porque o negócio foi assim, porque você corrigia aqui, explodia ali, corrigia
ali, emendava aqui, corrigia aqui [...] era um negócio meio pesado (Entrevistado 22,
Empresa TI, gestor).
90
A cúpula estratégica é voltada para manter a estrutura, aprimorando a máquina burocrática.
As estratégias são elaboradas de cima para baixo, sendo que a cúpula estratégica e a
tecnoestrutura detêm o poder na organização.
A Burocracia Mecanizada é encontrada em grandes organizações, geralmente maduras e com
padrões bem definidos. Organizações que sofrem considerável controle externo e que
necessitam ter procedimentos claros também são exemplo desta configuração.
Alguns problemas encontrados na Burocracia Mecanizada estão relacionados à não
correspondência entre o social e o técnico, uma vez que considera o ser humano como mais
uma peça no processo. O excessivo controle, inclusive do que não diz respeito às atividades-
fins da organização, é outra disfunção encontrada nesta configuração. Os conflitos, sendo
evitados, não são resolvidos. O foco no desempenho também prejudica a solução de
problemas, pois a obediência às normas e padrões se torna mais importante. Além disso, se a
estrutura favorece a eficiência, por outro lado a inovação não é incentivada, pois implica
riscos e incerteza. A estrutura é, dessa forma, avessa às mudanças e inflexível.
A seguir, segue a figura das cinco partes básicas de uma organização para a Empresa TI.
Apesar de Mintzberg (1995) sugerir figuras que evidenciem as diferenças entre essas partes
nas organizações, optou-se por utilizar a figura básica:
91
Figura 3.5 – Cinco partes básicas da Empresa TI
Fonte: Adaptado de Mintzberg(1995, p.19)
3.1.2
A Organização OP
A Constituição de 1988 foi um importante marco para a Organização OP, quando concedeu
autonomia administrativa e financeira à instituição e redefiniu sua função no cenário jurídico
nacional. Desde então, a Organização OP vem crescendo, tanto em número de funcionários
quanto em termos de atuação. Em razão da limitação de manter resguardada a identificação
das duas organizações estudadas, não será possível descrever as funções da Organização OP,
pois elas a identificam. O que é necessário saber é que essas funções estão relacionadas a
92
aspectos jurídicos da sociedade, no âmbito do Estado de Minas Gerais. Dessa forma, a
Organização OP possui uma estrutura funcional para atender seus objetivos jurídicos, formada
por profissionais em Direito e considerados “membros” da organização. Ela também possui
uma estrutura administrativa para dar apoio à atividade finalística, formada por funcionários
públicos, que são os servidores da instituição. A seguir, segue o organograma da Organização:
Figura 3.6 – Organograma da Organização OP
Organização OP
Conselho
Superior
Câmara
Administrador
Superior
Corregedoria
Órgão de
assessoramento
Órgãos de
execução
Órgãos auxiliares
Centros de apoio
operacional
Centro de estudos e
aperfeiçoamento
funcional
Diretoria-Geral
Assessoria Jurídico-
Administrativa
Comissão
permanente de
licitação
Superintendências
Diretorias
Coordenações
membros
servidores
93
A organização OP possui 877 membros e 1534 servidores. A idade média dos servidores é de
36 anos, e dos membros é de 38 anos. Os membros têm, em média, 10 anos de casa, enquanto
os servidores têm, em média, 5 anos. A seguir, alguns dados sobre o perfil dos servidores e
membros da organização:
Homens Mulheres
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
595
939
Servidores por sexo
Gráfico 3.3 – Distribuição de servidores por sexo
Homens Mulheres
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
600
306
571
Membros por sexo
Gráfico 3.4 – Distribuição de membros por sexo
94
A importância em considerar o gênero na construção das representações sociais é reforçada
pela diferença que a Organização OP apresenta no que se refere à relação entre homens e
mulheres observada na Empresa TI. Na Organização OP, as mulheres representam mais de
60% dos servidores e membros da instituição.
Analfabeto Elementar Fundamen-
tal
Médio Superior
Incompleto
Superior
Completo
s-gra-
duação
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
600
650
700
750
800
2
13
33
697
23
766
384
Escolaridade dos servidores
Gráfico 3.5 – Escolaridade dos servidores da Organização OP
O número de servidores com pós-graduação é influenciado pela movimentação que esse vel
de escolaridade proporciona na carreira. Também o número de servidores com formação
superior está relacionado à movimentação na carreira para profissionais que ocupam cargos
que exigem até o ensino médio de escolaridade.
95
Agentes Oficiais Técnicos Supervisores Diretores
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1100
70
1034
361
57
12
Servidores por cargo
Gráfico 3.6 – Distribuição de servidores por cargo
A escolaridade exigida para os técnicos é de curso superior completo. Cada técnico trabalha
na sua área de formação, em atividades de apoio e também na emissão de pareceres sobre os
processos em tramitação pelos membros. Além de técnicos em direito, que são a maioria, há
também técnicos em administração, ciência da computação, contabilidade, economia,
psicologia, pedagogia, engenharia, biblioteconomia, entre outras que compreendam atividades
auxiliares das funções dos membros. Para os oficiais, é exigido o ensino médio completo. Os
oficiais executam atividades administrativas de rotina, tais como digitação, telefonia,
secretariado, assessoria e outras especialidades de nível médio. Os agentes, que devem possuir
pelo menos o ensino fundamental, executam atividades semelhantes às atividades dos oficiais.
Não exigência de escolaridade para os cargos de supervisores e diretores. Não são
admitidos profissionais para o cargo de agente, que será extinto com a vacância. Os membros
possuem, obrigatoriamente, curso superior em Direito. A Organização OP não dispunha de
informações sobre quantos deles possuem pós-graduação.
De acordo com as configurações descritas por Mintzberg (1995), a Organização OP é
configurada conforme uma Burocracia Profissional. A área cnica administrativa, composta
96
pelos servidores, representa a estrutura de apoio à Burocracia Profissional, e é organizada
como uma Burocracia Mecanizada. Essa divisão leva as pessoas na Organização OP a
perceberem a instituição como se fosse formada por duas organizações.
A Burocracia Profissional é uma configuração que tem no núcleo operacional sua estrutura
básica. Ela é formada por profissionais treinados, que possuem habilidades desenvolvidas por
meio de formação especializada. Não é na organização que são definidas as rotinas e
procedimentos a seguir, mas em um conjunto de conhecimentos e habilidades que os
profissionais já possuem. Na Organização OP, esse conhecimento está relacionado à formação
em Direito. Geralmente, esses profissionais se relacionam diretamente com o público e
possuem autonomia para escolher a melhor forma de executar seu trabalho. A classificação
das atividades na organização ocorre de acordo com as especialidades dos grupos de
profissionais.
[...] até mesmo quando se pensa no [Fulano administrador da Organização OP],
não uma ascensão, uma chefia, uma relação de hierarquia, de chefia. Nós temos
uma independência funcional absoluta [...] Olha, a gente trabalha muito
isoladamente. Cada membro tem mesmo a chamada autonomia funcional, de
maneira que a gente não depende muito da opinião de outro. Você sabe muito bem
que a chefia nossa não impõe uma regra sobre o que fazer, no caso tal aja assim,
assim. A gente tem absoluta independência para adotar a posição que parecer mais
coerente com a nossa consciência. Baseado nisso, a gente tem uma liberdade muito
grande para agir e fazer o serviço da maneira que a gente pensa ser melhor
(Entrevistado 9, Organização OP, membro).
A descentralização é alta tanto vertical quanto horizontalmente, em virtude do poder e
autonomia da atividade operacional. A estrutura da Organização OP permite que os
profissionais em Direito controlem suas atividades, assim como as decisões que os afetam. O
administrador profissional atua entre os profissionais e os interessados externos da
organização, de forma a proteger a autonomia dos profissionais, que dependem do
administrador que consiga exercer essa função de forma eficaz. Entretanto, o poder do
97
administrador profissional é restrito à defesa dos interesses dos profissionais, pois estes
limitam sua atuação. Além do núcleo operacional, a assessoria de apoio também possui papel
relevante na Burocracia Profissional, porém elaborada de forma a dar suporte a este núcleo. A
formulação de estratégias nas Burocracias Profissionais se restringe às estratégias das
associações profissionais.
O ambiente da Burocracia Profissional é estável e complexo, pois depende das habilidades e
procedimentos que demandam tempo para serem apreendidos, apesar de serem bem definidos
e padronizados. Burocracias Profissionais são encontradas em universidades, hospitais, firmas
de consultoria e escritórios de advocacia, dentre outros.
Os problemas encontrados nas Burocracias Profissionais estão, muitas vezes, relacionados à
autonomia dos profissionais. O controle das atividades ocorre por meio da regulamentação da
profissão. A autonomia também pressupõe que o profissional seja competente e escrupuloso
em suas atividades, o que pode não ocorrer sempre: “Há pouco tempo teve um que pensou
que podia andar de carro sem pagar o IPVA e a policia parou e ele pensou que a policia estava
errada e queria prender o PM” (Entrevistado 9, Organização OP, membro).
Além disso, os profissionais podem atuar de acordo com suas especialidades e objetivos,
ignorando os fins da organização. Sendo uma estrutura dividida funcionalmente, a
coordenação e integração da organização se tornam complexas. Também não são favorecidas
iniciativas inovadoras e o ambiente é de pouca cooperação, restrita aos grupos profissionais:
Não como a gente esconder que dentro da nossa instituição uma tendência ao
isolamento. A independência e quase um egoísmo de cada um cuidar de sua área e
quem estiver por faça o melhor que puder, da sua maneira, como diria
vulgarmente, cada um se vira (Entrevistado 9, Organização OP, membro).
98
[...] eles [membros] não aceitam em dar palpite, interferir no trabalho do outro. São
independentes [...] É por questão de vaidade, às vezes, eles não admitem, a maioria
deles não admite um interferir no trabalho do outro. Eles se criticam (Entrevistado
4, Organização OP, técnico).
A estrutura administrativa da Organização OP possui características da Burocracia
Mecanizada, reforçada pelo modelo de burocracia descrito por Weber. As atribuições das
diversas áreas são ditadas por normas regulamentadas por lei, assim como os deveres e
direitos dos servidores. Os servidores são admitidos na instituição por meio de concurso
público, mantendo os critérios técnicos de escolha dos funcionários, que fazem jus a um
salário e benefícios. O plano de carreira define os critérios de promoção, pautados pela
antigüidade e merecimento, exceção aos cargos em comissão, com nomeação pelos
administradores da instituição.
O controle do funcionário é feito mediante o cartão de ponto e suas atribuições são também
definidas por lei. Dessa forma, não incentivo a iniciativas por parte dos servidores,
reforçando o conformismo
24
e a restrita obediência às normas:
[...] você, enquanto servidor, vai tomar uma iniciativa, resolver um problema que
está te afetando diretamente, vem uma espécie de contra-ordem, tipo assim um
‘pito’, que você não deveria extrapolar aquilo ali, que a obrigação sua é fazer aquilo
ali. Ou seja, você toma um puxão de orelha, às vezes por tomar iniciativa [...]
Eles ensinam o tempo todo a não tomar iniciativa. Aí, de repente, no dia que você
vai pegar um cargo de chefia, alguma coisa, você foi doutrinado a vida inteira a
só executar ordens (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
A estrutura administrativa da Organização OP, além de ser definida em lei, carrega a
prerrogativa das instituições públicas de somente poderem fazer o que a lei determina,
diferentemente das organizações privadas, que podem fazer o que a lei não proíbe. Isso
significa que a estrutura organizacional e as atividades dos servidores já estão definidas em lei
24
O conformismo está relacionado à “[...] aceitação passiva das idéias, das normas, dos valores ou dos
comportamentos da maioria do grupo a que pertencem e/ou o alinhamento passivo às opiniões e às diretrizes da
autoridade oficial quer política quer religiosa quer de outra natureza, à qual se está submetido(BOBBIO, 1997,
p. 230).
99
antes mesmo que eles sejam admitidos. Os membros, por outro lado, por gozarem de
autonomia funcional e administrativa, têm a possibilidade de maior flexibilidade em sua
atuação. De qualquer forma, essa restrição legal contribui para a resistência a mudanças na
Organização OP, seja em sua estrutura, seja na execução das atividades rotineiras: “Igual eu te
falei, aqui tem um negócio de manter a situação, se tiver que desviar um pouquinho tem que
pensar mil vezes. Aqui tem uma resistência muito grande em relação a isso” (Entrevistado 8,
Organização OP, oficial).
A seguir, apresenta-se a figura das cinco partes básicas de uma organização para a
Organização OP:
Figura 3.7 – Cinco partes básicas da Organização OP
Fonte: Adaptado de Mintzberg(1995, p.19)
100
Um outro aspecto a ser considerado em relação às configurações organizacionais diz respeito
à institucionalização dessas configurações. Segundo Tolbert e Zucker (1999), de acordo com
a teoria institucional, a estrutura formal de uma organização não está necessariamente ligada a
problemas a serem resolvidos, mas a influências externas. As estruturas não são organizadas
dependendo dos resultados, mas do significado social que representam. Dessa forma, a
avaliação do sucesso organizacional se encontra mais ligado à sua representação social e às
suas estruturas formais que à sua eficiência. A implantação dessas estruturas ocorre de acordo
com diferentes estágios. E, de fato, as organizações pesquisadas encontram-se em processos
de sedimentação, que é definida como a institucionalização total, na qual estruturas se
mantêm por longos períodos e são propagadas por toda a organização.
Essas configurações organizacionais são extremamente importantes para a análise de aspectos
da cultura das organizações, das relações de poder que são estabelecidas dentro delas, de
forma a compreender o contexto no qual as representações sociais são construídas. Nas seções
a seguir, serão abordados os aspectos da cultura nas organizações, levando em consideração
as principais transformações que ocorreram nelas.
Jodelet (2001, p. 23) afirma que “[...] a representação mental traz a marca do sujeito e de sua
atividade”, e é na ação do indivíduo, no ambiente organizacional em que está inserido, que
são configuradas essas representações mentais. Plon (1972, apud JODELET, 2001) acrescenta
que os conteúdos representacionais são determinados pelo lugar, posição social e função que
assumem os indivíduos, de acordo com sua interação com o mundo social.
101
3.2
CULTURA E CULTURA ORGANIZACIONAL
O conceito de cultura não se restringe a uma única definição, mas é entendido sob diversos
enfoques. Sendo um conceito da antropologia e da sociologia, contempla raças, etnias, classes
sociais, instituições e organizações, combinando diversos elementos, como mitos, ritos,
rituais, símbolos, artefatos, inter-relacionados e em constante construção. Recebe a influência
dos fenômenos globais e locais, havendo uma relação dupla entre culturas nacionais e
organizacionais (MOTTA e CALDAS, 1997). Nesse sentido, serão abordados os aspectos da
cultura brasileira, de forma a articulá-los à cultura organizacional.
A ascensão do Japão no cenário econômico mundial chamou a atenção dos acadêmicos e
gestores para o tema Cultura. O desempenho da indústria japonesa foi atribuído à sua cultura,
que teria levado para dentro do ambiente industrial os elementos “[...]que regem a sociedade e
a cultura ancestral japonesa” (AKTOUF, 1993, p.43).
Os estudos sobre cultura nas organizações possuem diferentes abordagens. A primeira grande
discussão acerca do conceito de cultura nas organizações é quanto a considerá-la como uma
variável ou utilizar-se de uma metáfora. Na primeira abordagem, a cultura é algo que a
organização possui, sendo possível modificá-la conforme a vontade do gestor. Caberia a ele a
definição da cultura da organização. Termos como “criar uma cultura de” ou “mudar a
cultura” são comuns nessa concepção de cultura. Na outra abordagem, a metafórica, a cultura
é algo que a organização é, ou seja, a cultura é, construída em conjunto pelos atores
organizacionais (AKTOUF, 1993).
102
Uma outra abordagem acerca de cultura organizacional é aquela que entende não haver
apenas uma cultura da organização, mas culturas na organização. Alvesson (1993) defende
que a compreensão da cultura como metáfora da organização permite contemplar os
elementos externos a ela, de forma que não se pode pensar em uma única cultura da
organização, pois ela é formada por diversos grupos, com diferentes referenciais de valores,
crenças, ritos e mitos. De fato, as organizações pesquisadas possuem seus grupos, com
diferentes concepções acerca da organização, do trabalho que desenvolvem, da sociedade na
qual estão inseridos.
As organizações são compostas por diferentes atores, em diferentes atividades. As interações
entre esses atores não ocorrem de forma homogênea em todo o ambiente da organização,
assim como cada ator carrega os valores, crenças, ritos e mitos da sua realidade social.
Operadores, atendentes de
help desk
e oficiais possuem realidades sociais distintas de gerentes
financeiros, consultores e diretores. O espaço social que eles compartilham fora da
organização dificilmente é o mesmo. Yúdice (2004) relata as diferenças culturais dos jovens
cariocas adeptos do
funk
, e como a cultura desses jovens representa um choque para a “alta”
cultura
25
da classe dominante. Entretanto, muitos jovens adeptos do
funk
são trabalhadores de
grandes organizações. Essas diferenças sugerem que a organização não possui uma única
cultura, geralmente associada à cultura defendida e difundida pelos gestores, mas diversas
subculturas, nos diferentes estratos existentes dentro da organização.
Nesse sentido, de se considerar três perspectivas no estudo da cultura: integração,
diferenciação e fragmentação. Assim, a perspectiva de integração, que parte do consenso
defendido pela administração e a inexistência de ambigüidades, explora o discurso que essa
25
A “alta” cultura é associada à cultura da elite, como a dos freqüentadores do Museu Guggenheim em Bilbao,
Espanha.
103
procura difundir e as influências desse discurso na organização. A perspectiva da
diferenciação explora as diferentes subculturas existentes na organização, numa abordagem de
culturas nas organizações. Na diferenciação, o consenso somente existe interno aos grupos e
as ambigüidades são canalizadas para fora deles. Enfim, a perspectiva da fragmentação
permite analisar a multiplicidade de visões, focando a visão individual de cada ator
organizacional (MARTIN, 1992 apud CARRIERI, 2001).
Rodrigues (1991 e 1997) sugere três diferentes tipos de cultura nas organizações. A primeira
delas é a cultura ascendente, influenciada pelos líderes mais antigos da organização, e pelos
mitos relacionados à história desses líderes e da própria trajetória da organização. Essa cultura
é a que fornece os referenciais de identificação para os atores organizacionais. O outro tipo é a
cultura corporativa (ou convergente), que absorve a cultura ascendente e busca ditar seus
valores e crenças em toda a organização, de forma a prevalecer sobre as demais subculturas.
A cultura corporativa busca a homogeneização das culturas na organização, sendo ditada pela
alta administração por meio da comunicação, dos rituais de socialização e integração, como
festas, treinamentos introdutórios, prêmios por desempenho, etc. O terceiro tipo de cultura
seria a contracultura, que representa a resistência à cultura corporativa, por meio da negação
dos valores e crenças ditados por esta. A contracultura costuma estar relacionada ao sindicato,
e se contrapõe à cultura corporativa por meio de críticas, muitas vezes depreciativas, aos
atores que representam esta cultura. Os adeptos da contracultura difundem seus próprios
valores e crenças, em contraposição à tentativa de dominação da cultura convergente.
Os estudos sobre cultura organizacional receberam algumas críticas, sobretudo quando
utilizados no sentido de manipular os valores e crenças dentro das organizações. Aktouf
(1993) considera que houve um abuso do conceito de cultura por dirigentes que pretendiam
104
impor valores e crenças nas organizações, sem considerar os elementos que realmente
evidenciam a cultura. A tentativa de criar mitos e valores que não eram compartilhados no
ambiente organizacional prejudicou as abordagens teóricas sobre o conceito de cultura.
Freitas (2000), por outro lado, destaca a cultura como instrumento de poder, sobretudo em
uma sociedade onde o indivíduo perdeu seu referencial de significações, e busca essas
significações perdidas dentro das organizações. Dessa forma, as organizações direcionariam
os significados, os símbolos e valores dos indivíduos, de forma a torná-los comprometidos
com os objetivos da organização, em detrimento de seus próprios objetivos. As áreas de
Recursos Humanos seriam propagadores dos valores da organização, em rituais de integração,
renovação e passagem, conseguindo o consentimento dos indivíduos em internalizar os
valores e objetivos das organizações como se fossem os deles. Conforme a autora, as grandes
empresas captam as mudanças sociais mais facilmente, e as capitalizam. Essa agilidade lhes
dá maior poder de influência sobre a sociedade e elas respondem simbolicamente por meio de
sua cultura organizacional.
A cultura nas organizações é construída na interação das organizações e de seus atores com a
sociedade na qual estejam inseridos. Nesse sentido, as características e raízes culturais do
Brasil são elementos da cultura na Empresa TI e na Organização OP, o que será analisado no
item a seguir.
3.2.1
As organizações e as raízes culturais brasileiras
A Organização OP e a Empresa TI são formadas por atores organizacionais que dividem tanto
o cotidiano do trabalho quanto o da realidade brasileira, com seus traços, valores, classes,
105
raças, etnias, dentre outros. Entretanto, os traços da cultura brasileira evidenciados nas
organizações são decorrentes das raízes culturais brasileiras, da sua história e das lutas do seu
povo.
O Brasil, como os outros países, possui traços culturais marcantes e específicos, influenciados
por seu passado colonial e pela construção histórica da sociedade. Conforme afirma Freitas
(2000), organizações estão inseridas em um espaço social e uma época específica, não sendo
possível separar o social e o histórico, que são intrinsecamente ligados. Além disso, a
sociedade está sempre se refazendo, em construção, influenciada pela história que a antecede.
“[...] enquanto membros de uma sociedade, os indivíduos nascem herdeiros de uma
história, de uma cultura, de uma linguagem” (FREITAS, 2000, p. 54).
Conforme mencionado, predominou na administração da colônia brasileira a centralização
e as práticas patrimonialistas e clientelistas. Essas práticas perduraram na República e ainda
são recorrentes na administração pública brasileira. Sales (1994) fez uma abordagem sobre as
raízes da desigualdade social na cultura política brasileira. Nos primeiros séculos de
colonização por Portugal, a sociedade brasileira foi configurada com base no domínio
territorial. O latifúndio escravocrata representava todo o poder do senhor de terras. Por este
domínio, todos a ele se submetiam. Os aparelhos do Estado eram controlados por ele, e não
estavam a serviço do homem comum desprotegido. Nesse sentido, era o senhor que protegeria
esse homem comum, que ficava em situação de subserviência em relação ao mando do senhor
rural. Os direitos civis eram outorgados ao homem livre pelo senhor de terras, caracterizando
o termo contraditório que Sales (1994) define como “cidadania concedida”. Contraditório
porque cidadania implica na conquista dos direitos por meio das lutas do homem livre. Porém,
essa cidadania chega a este homem como uma “dádiva” concedida pelo senhor rural. O que é
106
concedido supostamente pode ser confiscado e, dessa forma, o homem livre se encontrava em
condição de subserviência em relação ao mando do senhor de terras. Mais que a obediência, a
subserviência significa “pedir”, e não conquistar os direitos civis. “[...] os direitos básicos à
vida, à liberdade individual, à justiça, à propriedade, ao trabalho, todos os direitos civis,
enfim, para o nosso homem livre que vivia na órbita do domínio territorial, eram direitos que
lhes chegavam como uma dádiva do senhor de terras” (SALES, 1994, p.31).
Essas relações de mando e subserviência, que configuravam a “cultura da dádiva”, e o grande
domínio territorial, caracterizavam a cultura política brasileira. Yúdice (2004) também aponta
a prática do favor no Brasil e em outras sociedades latino-americanas. O homem livre
sobrevivia por meio da dependência aos ricos, que eram os grandes latifundiários. E foi dessa
forma que o capitalismo se expandiu nas sociedades coloniais. Em virtude desse cenário,
Yúdice (2004) aponta também, por um lado, o fracasso das leis nessas sociedades, enquanto,
“[...] por outro lado, o favor e outros pactos entre o ter e o não ter prepararam a aceitação,
crônica, de um mundo permeado de dependência” (YÚDICE, 2004, p. 96).
Segundo Sales (1994), essa cultura perdurou após a abolição da escravidão. Os mecanismos
de patronagem e clientelismo representaram uma política que serviu como o “[...] cimento das
relações de mando e subserviência(SALES, 1994, p. 27). Nesse sentido, a pobreza do povo
brasileiro não é apenas decorrente da situação econômica, mas também da submissão política
e social. A autora aponta ainda um “fetiche da igualdade” presente na cultura brasileira, que
cria um aparente encurtamento das diferenças sociais e possibilita que situações de conflito
sejam conciliadas. Esse fetiche se configura em um mediador nas relações de classe,
mantendo a cultura da dádiva e da cidadania concedida, corroborando para a continuidade da
cultura política nacional.
107
Esses aspectos estão enraizados na cultura da sociedade brasileira. Dessa forma, a
Organização OP e a Empresa TI, estando inseridas nessa sociedade, apresentam traços
culturais brasileiros internamente em seus ambientes organizacionais. Esses traços, por sua
vez, são incorporados às culturas presentes em cada uma das organizações pesquisadas.
A Organização OP possui uma marcante divisão entre servidores e membros. Essa separação
cria um distanciamento, tanto em termos de relacionamento, quanto em relação ao trabalho e
à instituição. Entretanto, as decisões acerca dos direitos e deveres dos servidores são tomadas
pelos membros que compõem a administração superior da organização. A maioria das
conquistas no plano de carreira dos servidores foi concedida pelos membros. “Mas em termos
de servidor, todos [os administradores] foram bons, todos deixaram a sua marca. Você pode
pegar todas as leis, em todas as administrações, eles fizeram alguma coisa pela gente”
(Entrevistada 2, Organização OP, superintendente/diretora).
Por outro lado, em razão da estabilidade no emprego público, os servidores demonstram
posturas mais seguras quanto a eventuais ameaças por parte dos administradores, ou mesmo
das chefias imediatas:
[...] você tem mais segurança para atuar. Não é qualquer coisa, se você tiver um
desentendimento com o seu chefe, com o coordenador, que você vai ser chutado, vai
ser jogado fora (Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
[...] eu fui bancário muito tempo. O tanto que falavam em facão, corte, demissão, a
gente passava meses inteiros naquele estresse, naquela angústia. Fora a cobrança
exagerada (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
Essa segurança abre “brechas” também para uma participação mais ativa dos servidores em
relação aos seus direitos, ainda que, no caso específico, esta participação tenha se dado
108
principalmente extra-muros. Em junho de 2006, por exemplo, foi criado o sindicato dos
servidores. Também no final de 2006, foi criada uma comissão de reavaliação do plano de
carreira, a partir de reivindicações entregues formalmente à administração pelo sindicato.
Ainda que de forma tímida, percebe-se uma mobilização dos servidores:
A gente tenta minimizar ou interferir de uma maneira, através da nossa associação,
do sindicato, que a gente tenta intervir nisso aí. Tanto é que essa comissão que foi
criada agora, para estudar, para melhorar o plano de carreira, ela tem participação
do sindicato, da associação, de alguns servidores, quer dizer, ela é representativa
(Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
[...] nós criamos agora o sindicato, e ele tem que ser mais forte [...] tem muitos
pleitos dos servidores, da classe propriamente dita (Entrevistada 6, Organização OP,
oficiala).
Assis (2006) aborda a politização do servidor público e sua organização em sindicatos. A
atuação dos servidores públicos e de suas associações, na cada de 80, garantiram-lhe o
direito legal de se organizarem em sindicatos. Entretanto, uma estratégia de desmobilização
dos servidores utilizada na gestão de Fernando Henrique Cardoso foi o ataque a eles, alegando
que, além de usufruírem privilégios, são ineficientes. Um outro fator que dificulta a
mobilização dos servidores públicos e também a sua unidade é a meritocracia
26
. A luta por
salários que os diferencie de outros trabalhadores provoca divisão entre as categorias de
servidores, e o governo reforça essa divisão. Assis (2006) ressalta que a atuação sindical do
servidor blico depende dos elos de solidariedade que unem as diferentes categorias, a fim
de haver maior coesão entre eles.
Os trabalhadores da Empresa TI atuam em um mercado de trabalho extremamente
competitivo, com cada vez mais exigências em termos de qualificação e conhecimento.
26
A meritocracia reforça a disposição ideológica dos servidores públicos de que eles ocupam seus cargos devido
à competência individual que possuem (ASSIS, 2006).
109
Entretanto, a gestão de Recursos Humanos atua de forma que o funcionário se sinta acolhido
pela empresa e tenha um relacionamento quase afetivo com ela:
Empresa TI. Uma empresa que se preocupa em criar um ambiente onde as pessoas
se sintam motivadas, com prazer e segurança para trabalhar. Afinal de contas,
confiança não é a base de qualquer relacionamento? A gente trabalha pra colocar
essa marca no seu coração (Cartaz informativo afixado nos quadros de aviso da
Empresa TI no final de 2005, ocasião em que a organização foi escolhida como uma
das melhores em “Gestão de Pessoas” pela Revista “Valor Carreira”).
A comunicação na Empresa TI valoriza os benefícios, os treinamentos oferecidos aos
trabalhadores, assim como os certificados que eles conquistam: “Em 17 de setembro,
[Fulano], da Gerência de Tecnologia, conquistou a certificação
Orange Belt
, concedida pelo
International Institute for Learning
(
IIL
), que atesta os conhecimentos no
software
MS
Project
” (Notícia veiculada no informativo interno semanal da Empresa TI, em 25/09/2006).
Parte dos trabalhadores valoriza esses benefícios e percebe uma preocupação da Empresa TI
com eles: “[...] eu acho que a Empresa TI é uma empresa excelente pra se trabalhar. Acho que
eles têm uma preocupação toda especial com a pessoa. Isso está, assim, um pouco fora de
moda no mercado. O mercado enxerga isso como paternalismo, ou, como eu diria,
superproteção” (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
A empresa é identificada como o lugar de refúgio ao ambiente hostil que existe fora dela. O
funcionário se identifica com ela, que preserva as tradições e o protege da fragmentação social
do mundo atual (PIMENTA e CORRÊA, 2007). As autoras apontam ainda a “teia afetiva e
sentimental” que conquista o engajamento do trabalhador por meio da sedução. A organização
se torna auto-referência para o funcionário, conforme podemos perceber neste trecho de
entrevista:
110
Tudo que eu sei hoje, eu aprendi aqui dentro. Eu não tenho muita coisa de bens, mas
se hoje eu estou podendo comprar um apartamento é devido ao que eu aprendi aqui
dentro, à situação que eu estou aqui dentro. Eu não me vejo fora daqui. Igual eu te
falei, eu gostaria de trabalhar, seguir a minha carreira aqui (Entrevistado 17,
Empresa TI, analista).
De certa forma, a Empresa TI possui sobre seus trabalhadores papel semelhante ao que
possuía o senhor rural. É ela quem o acolhe, o protege e lhe “dá” seu salário e outros
benefícios. O trabalhador, de sua parte, lhe dedica seu suor e sua lealdade: “[...] como eu
tenho uma certa estabilidade, entre aspas, aqui, todo mundo aqui me conhece, como é o
meu trabalho, como eu gosto de trabalhar aqui, eu fico um pouco receoso de estar procurando
novas oportunidades no mercado aí fora” (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
Ao mesmo tempo em que a Empresa TI reforça o “cuidado” dispensado ao trabalhador, ela
também lhe recorda do mercado de trabalho e de que seu emprego também foi “dado” for ela
sendo, portanto, passível de lhe ser retirado:
mexeu com a vaidade.
Empresa TI. Considerada pelos empregados como um dos ambientes de trabalho
mais desejáveis do mercado. Não é razão para ciúmes, mas uma empresa boa desse
jeito deve ficar assim, oh!, de pretendentes (Cartaz informativo afixado nos quadros
de aviso da Empresa TI no final de 2005, ocasião em que a organização foi
escolhida como uma das melhores em Gestão de Pessoas pela Revista Valor
Carreira).
Ou seja, afirma-se a contradição entre uma administração que está preocupada com a
qualidade de vida do trabalhador e com o ambiente de trabalho, mas que também reforça a
insegurança pela instabilidade do emprego, ameaçada pelos “pretendentes” concorrentes.
O sensualismo é um traço apontado por Freitas (1997a), que é associado às raízes históricas,
advindas do catolicismo português e das relações dos colonizadores com as índias e as
escravas. Essas raízes explicariam porque os brasileiros levam para suas relações, mesmo nas
111
organizações, o afeto, o contato, a malícia. Esse traço foi sobretudo associado ao “calor
humano” do brasileiro.
Essa aproximação de pessoas, isso que a gente que em outros países a relação
pode ser mais fria, aqui a gente tem mais esse calor humano. Então, se a gente usar
essa característica do brasileiro, eu acho que vem para o benefício (Entrevistado 21,
Empresa TI, consultor).
Aqui é uma festa constante. O pessoal de bem com a vida (Entrevistada 2,
Organização OP, diretora/superintendente).
Pimenta e Corrêa (2007, p. 8), em um estudo sobre a mineiridade enquanto identidade,
destacam um discurso sobre o mineiro como “[...] um ser austero, responsável, conciliador,
sério, determinado, mas profundamente dedicado às suas “coisas”- sua família, seu trabalho,
sua cidade e, nessa medida, ancorado num afeto que não se alardeia, mas que o direciona,
mais do que a razão”.
A cordialidade do mineiro é destacada no trecho de entrevista abaixo:
Em relação ao atendimento ao cliente, eu acho que a gente tem uma boa
flexibilidade. A gente se desdobra. Mas eu acho que é muito em função do mineiro,
do brasileiro. Ele sempre quer agradar, ele sempre tem aquele bom trato, aquela
política da boa vizinhança (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
A mineiridade é abordada por Pimenta e Corrêa (2007) enquanto discurso ideológico que
enfatiza o regional, porém como forma de articulação com o todo. O mineiro se constitui,
portanto, em um símbolo que “[...] não é completamente dominado pelo conteúdo que se
supõe que ele veicula, mas ele comporta possibilidades virtualmente infinitas de
significações” (PIMENTA e CORRÊA, 2007, p.8).
112
3.2.2
As organizações e os traços culturais brasileiros
Os traços culturais brasileiros estão presentes no cotidiano das pessoas e nas suas relações. As
organizações não estão livres da influência desses traços, pois as relações não são pautadas
somente pelo racional.
[...] a humanidade teve e tem fome de alimento, mas ela também teve fome de
vestimentas e em seguida de outras vestimentas que não as do ano anterior, ela teve
fome de automóveis e de televisão, fome de poder e de santidade, ela teve fome de
ascetismo e de libertinagem, ela teve fome de místico e fome de saber racional, teve
fome de amor e de fraternidade, mas também de seus próprios cadáveres, fome de
festas e fome de tragédias, e agora parece começar a ter fome de Lua e de planetas.
É preciso uma boa dose de cretinismo para pretender que ela inventou todas essas
fomes porque não conseguia comer e fazer amor suficiente (CASTORIADIS, 1975,
apud FREITAS, 2000, p. 55).
Prates e Barros (1996; 1997) elaboraram o que eles chamaram de “Sistema de ação cultural
brasileiro”. Com base em pesquisa realizada durante cinco anos em organizações do Sul e
Sudeste do Brasil, afirmaram que existe um modelo ou estilo brasileiro de gerenciar que está
enraizado na cultura brasileira. Este modelo de ação gerencial é composto por quatro grandes
subsistemas: o institucional, o pessoal, o dos líderes e o dos liderados. Os subsistemas
institucional e pessoal estão relacionados aos espaços da “rua” e da “casa” (DAMATTTA,
1997), respectivamente. Os subsistemas dos líderes e dos liderados se referem àqueles que
detêm o poder e àqueles que estão subordinados ao poder (PRATES e BARROS, 1996;
1997). Na interseção desses quatro subsistemas, estão presentes os traços culturais comuns
brasileiros, que se integram e se articulam: concentração de poder, personalismo, postura de
espectador e evitar conflito. Os subsistemas possuem também traços culturais especiais que
mantêm a não-ruptura do sistema: paternalismo, formalismo, lealdade às pessoas e
flexibilidade. A figura 3.8 representa o modelo do “sistema de ação cultural brasileiro
proposto por Prates e Barros (1996; 1997).
113
Figura 3.8 – “Sistema de ação cultural brasileiro”
Fonte: Prates e Barros (1996, p. 31)
A seguir, serão abordados esses subsistemas e suas evidências nas organizações pesquisadas.
a)
O subsistema dos líderes
O subsistema dos líderes possui os traços culturais comuns de concentração de poder e
personalismo. A concentração de poder está associada à hierarquia do tipo subordinação. O
personalismo se refere a não considerar o cidadão como cleo de poder. As decisões são
tomadas com base na importância das pessoas, e não do contexto da questão a ser decidida. O
paternalismo é a combinação entre a concentração de poder e o personalismo. Por sua vez, o
paternalismo tem uma faceta patriarcalista, referente à característica mais afetiva do pai, e
Líderes
Líderados
Institucional
Pessoal
114
uma faceta patrimonialista, referente à hierarquia absoluta. Nesse contexto, o que permanece é
a dependência dos liderados em relação aos líderes. Os autores ressaltam que o paternalismo é
um traço presente não nos líderes, mas também nos liderados, pois se trata de uma relação
autoritária: em troca de benefícios concedidos pelos líderes, os liderados são devedores de
dedicação a mais completa possível. O paternalismo tem suas raízes na cultura da dádiva
abordada por Sales (1994).
Em relação à hierarquia, DaMatta (1997) apontou o traço “sabe com quem está falando” como
demonstração de autoridade em virtude de eventual superioridade social. Pelo uso da
expressão, o indivíduo chama a atenção para o nível social da pessoa, em contraste com o
nível impessoal regulamentado por leis e normas despersonalizadas. Dessa forma, o uso do
termo lhe confere uma pessoalidade, resultando em diferença no tratamento por suas
superioridades evocadas. DaMatta (1997) aponta algumas variantes do termo, como “Quem
você pensa que é”, se te enxerga”, realizando o mesmo ato que expressa o
estabelecimento da hierarquia e da ordem.
A dificuldade da Empresa TI em romper com a estrutura burocrática original e se transformar
em uma Adhocracia denota a concentração de poder reforçada por aquela estrutura. A
disposição das áreas da organização na sede da Empresa TI representa as diferenças
hierárquicas que existem internamente. Os empregados que trabalham no
help desk
e os
operadores estão localizados fisicamente no primeiro andar do prédio. A diretoria ocupa o
último andar. Porém, as evidências dessas diferenças são minimizadas na Empresa TI. Um
exemplo é a festa de final de ano da organização. Realizada geralmente em uma casa de festas
prestigiada em Belo Horizonte, todos os trabalhadores recebem previamente a camiseta que é
o uniforme de todos para entrar na festa. Como no baile de Carnaval citado por DaMatta
115
(1997), do presidente ao estagiário, todos são iguais. Essa igualdade aparente e simbólica
mantém sob controle eventuais conflitos decorrentes das diferenças reais. Além disso, sendo
visto como “colaborador”, o trabalhador persegue os interesses da organização em detrimento
dos seus próprios interesses. Ele deixa de ter um projeto próprio que o diferencie enquanto
sujeito (PIMENTA e CORRÊA, 2007): “A Empresa TI com muito orgulho parabeniza a todos
os seus colaboradores pela dedicação, empenho e profissionalismo” (Cartaz afixado nos
quadros de avisos da Empresa TI, em comemoração ao dia do trabalho, em 2006).
A separação entre membros e servidores na Organização OP extrapola o aspecto legal. Se, por
um lado, existem diferenças legais com o objetivo de conferir maior autonomia aos membros
e facilitar a sua atuação, algumas situações comentadas pelos entrevistados evidenciam o
traço “Sabe com quem está falando” e sua variante “Vê se te enxerga”. O trecho de entrevista
em que um membro comenta sobre o colega que queria prender o policial que lhe exigiu
apresentar a comprovação de pagamento do IPVA é um exemplo desse traço.
Além disso, dentro da Organização OP, a divisão entre membros e servidores é reforçada,
conforme a visão dos entrevistados a seguir.
Como dizem aí, muitos membros acham que são superiores. Isso não deveria
ocorrer, eles são fiscais da lei, deveriam ser exemplo até nisso aí, na humildade até.
Acho que a humildade nunca é demérito pra ninguém (Entrevistado 4, Organização
OP, técnico).
Para você ter uma idéia, eu cheguei a ser colocado naquele elevador pra fora.
Na primeira semana de Organização OP. Não tinha uma placa que era privativo nem
nada, eu entrei, um membro me pôs pra fora (Entrevistado 8, Organização OP,
oficial).
O personalismo foi um traço evidenciado por alguns dos entrevistados da Organização OP.
Eles afirmam existirem grupos de servidores que detêm as informações e fazem uso delas em
116
benefício das pessoas do grupo. Além disso, as situações seriam tratadas de acordo com
critérios pessoais:
[...] eu acho que falta muito profissionalismo aqui, por parte de muitos servidores.
Eu acho que, pelo que eu vejo na instituição, você aqui procura arrumar um
benefício, arrumar um jeito de melhorar as coisas, dependendo da pessoa que está
em determinadas situações [...] Recursos Humanos, diretoria de pessoal, a direção
mesmo, ela provoca, corre atrás de uma situação favorável, se for favorável para
esse grupo. Se o grupo não estiver, deixa pra lá(Entrevistado 4, Organização OP,
técnico).
fica um grupinho detendo a informação, que não sei porque cargas d’água, não
repassa isso e fica a coisa tramitando em certos grupos (Entrevistado 8,
Organização OP, oficial).
Alguns dos entrevistados da Empresa TI entendem que as decisões que signifiquem
oportunidade de crescimento na carreira são tomadas com base nas relações pessoais, e não
em critérios técnicos. Além do personalismo, é evidenciada a lealdade às pessoas, um dos
traços do subsistema pessoal. Essa percepção é mais forte entre os trabalhadores que têm
funções mais operacionais:
Em casa sempre me ensinaram que você vai crescer diante de seu trabalho [...]
No começo eu acreditava que apenas o trabalho técnico garantiria uma boa vitrine
pra você como funcionário. Mas hoje em dia eu vejo que não é o técnico, mas
também as negociações políticas fazem parte do ambiente de trabalho e influenciam
diretamente as expectativas (Entrevistado 15, Empresa TI, técnico).
[...] tem a questão familiar da empresa, que as pessoas caem aqui de pára-quedas,
então acho que elas de certa forma são favorecidas por isso. Muitas vezes, elas
entram ganhando mais do que os funcionários que estão aqui. Então, com relação a
isso, acho que uma dependência, acho que existem dois pesos e duas medidas
aqui (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
A evidência do nepotismo revela uma contradição com a estrutura organizacional da Empresa
TI. Embora essa seja uma prática atribuída geralmente à administração pública, alguns
entrevistados comentaram sobre sua evidência na organização.
[...] as coisas acontecem muito na base do interesse, da quantidade de QI que você
tem [...] A questão do [Fulano]. O cara pediu demissão porquê? O cara estava
117
enterrado no help desk cinco, seis anos. Desde quando eu entrei na Empresa TI ele
estava no help desk e ninguém moveu uma palha para poder ajudá-lo, mu-lo de
área. Nunca deram oportunidade para ele, um cara excelente, muito bom de serviço
(Entrevistado 12, Empresa TI, técnico).
b)
O subsistema institucional
O subsistema institucional está baseado na liberdade individual e no grau de autonomia. Os
traços culturais comuns deste subsistema são a concentração de poder e a postura de
espectador. Este é influenciado pelo mandonismo, pelo protecionismo e pela dependência,
sendo observado um “mutismo brasileiro” (PRATES e BARROS, 1996). Ele também é
decorrente da nossa dependência de um poder central externo ao Brasil. Por conseguinte,
possuímos baixa consciência crítica, pouca iniciativa e transferimos as nossas
responsabilidades para os líderes. Essas características estão relacionadas também à grande
distância de poder. A capacidade de autodeterminar o que fazer também é reduzida e observa-
se uma “cultura do estar fazendo” em nosso país.
O conformismo reforça a postura de espectador na Organização OP. O servidor se restringe a
cumprir as determinações da sua função ou da sua chefia. Na medida em que o servidor é
limitado na sua atuação, possui pouca autonomia e percebe que seu crescimento na
organização independe de sua dedicação ao trabalho e de sua capacidade de iniciativa, ele não
se sente motivado a mudar a situação.
[...] ela [a Organização OP] não abre todo o leque que deveria abrir para o setor. O
setor deveria ter acesso a todos os documentos, e isso não é feito. Acho que o valor
vem é daí, e não deixa o setor, não sei se o termo seria esse, deixar, não sei se é
culpa nossa mesmo, ou dos próprios gestores, dos ordenadores de despesas, que
impedem que o setor tenha acesso a todo tipo de informação (Entrevistado 4,
Organização OP, técnico, grifo nosso).
118
Nesse trecho de entrevista, o servidor aponta a questão do segredo da burocracia. Segundo
Weber (1978), ele está relacionado à não divulgação das informações referentes ao trabalho
como forma de manter a situação. O segredo da burocracia é também um dos fatores que
dificultam as mudanças na Organização OP, pelo receio que as pessoas têm de perder os
cargos em comissão.
Isso também é reforçado pela divisão entre membros e servidores, uma vez que estes são
vistos como auxiliares apenas. A desvalorização do servidor enquanto ator organizacional faz
com que ele também se sinta alheio às questões da instituição que saiam do seu campo de
atuação. No trecho de entrevista abaixo, o servidor reitera que determinados assuntos não lhe
competem: “[...] eles não abrem isso para os servidores. E também não diz respeito a
servidores [...]” (Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
Como em outros trechos de entrevistas já vistos, as iniciativas tomadas pelos servidores
chegam a ser recriminadas: “[...] você toma um puxão de orelha, às vezes por tomar iniciativa
[...]” (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
Não participação dos servidores nas decisões da organização: “Olha, com relação à
participação dos funcionários nas decisões, é praticamente zero. A gente recebe as coisas pré-
fabricadas, já chega tudo pronto” (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
Os trabalhadores da Empresa TI, na visão dos gestores, são incentivados a serem pró-ativos,
buscar soluções inovadoras, superar desafios e assumir riscos. Os erros são considerados
como conseqüência das iniciativas tomadas e dos riscos assumidos: “Se eu fizer, se eu tentar,
se houve a tentativa, pode ser que haja o erro” (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
119
Entretanto, mais que isso, o erro é tido pela gerência como uma evidência de que o
trabalhador está exercendo suas funções: “Eu sou muito a favor do erro. Se não houver o erro
é porque eu não fiz (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora). Nesse sentido, o discurso de
tolerância denota a existência do controle da atividade do funcionário pelo erro. Isso reforça a
visão que os trabalhadores do nível operacional têm sobre a forma como os erros são tratados
na Empresa TI. Essa visão contradiz a visão gerencial: “[...] muitas vezes a autonomia é
velada pelo erro. Muitas vezes as pessoas não tomam as atitudes, as decisões corretas pelo
medo do erro. Eu acho que acaba limitando a autonomia das pessoas (Entrevistado 15,
Empresa TI, técnico).
A autonomia incentivada pela gerência é, dessa forma, limitada pelo receio em errar e
incorporar o erro à imagem do funcionário dentro da organização.
Não que o erro seja tratado aqui de uma forma severa, mas o erro marca as pessoas.
Apesar dele não ser tratado de uma forma radical, ele acaba marcando as pessoas na
empresa. Marcar é você ser rotulado por um erro que você cometeu. Voter que
carregar aquele erro [...] aquele erro desfavorece a sua visão, degrada a imagem do
funcionário por um tempo, até que ele prove o contrário (Entrevistado 15, Empresa
TI, técnico).
Na medida em que o erro “marca” o trabalhador, ele é contrário à impessoalidade que
caracteriza as organizações burocráticas. Outros entrevistados do vel operacional
corroboram essa visão do erro que limita a autonomia e a iniciativa. O erro é temido e é
evitado:
[...] mas quando sai alguma coisa errada, aí vem e chama a atenção: poxa, vocês não
fizeram o monitoramento direito, porque você não olhou o evento no dia tal, a tal
hora (Entrevistado 12, Empresa TI, técnico).
Em relação aos erros, erros todo mundo comente, com certeza, mas a gente tem que
evitar que eles aconteçam, ao máximo (Entrevistado 16, Empresa TI, analista, grifo
nosso).
120
A atitude pró-ativa e autônoma defendida pela gerência da Empresa TI é relacionada à
aceitação dos riscos pelos trabalhadores. Entretanto, pelo trecho de entrevista a seguir,
percebe-se que assumir riscos está também associado a ser responsável pelos erros que
porventura ocorram em conseqüência da ação tomada:
E a gente sabe que existe, já existiu mais ainda até essa subordinação, essa falta de
autonomia, essa falta de responsabilidade com o que eu estava fazendo. Era muito
mais fácil talvez [...] passo aquela responsabilidade pra alguém, e alguém passa pra
alguém, e no final ninguém é responsável (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
O formalismo é o traço no qual o brasileiro cria normas e leis para se proteger das incertezas
ao qual é submetido. Em razão disso, o país possui inúmeras leis, decretos, resoluções, etc. O
cumprimento ou não desse aparato legal ocorre de acordo com a situação e com as pessoas
envolvidas. Nesse sentido, em razão de ameaças a situações que possam significar mudanças
indesejadas, as pessoas utilizam o argumento da restrição legal. Por outro lado, em outras
situações, mesmo possuindo normas e regras elaboradas para regulamentar as ações, tendem a
criar um “hiato entre o direito e o fato”, a fim de possibilitar uma maior mobilidade social em
detrimento de alguma norma mais gida (PRATES e BARROS, 1996). Porém, isso se torna
preocupante quando atinge níveis que levam ao nepotismo, favoritismo e subornos. De
qualquer forma, Prates e Barros (1996) avaliam o formalismo também como uma estratégia
para facilitar a articulação com o mundo, possibilitando que estejamos incluídos nas
sociedades desenvolvidas.
A Organização OP, como outras instituições públicas, foi criada e é regida por lei. A mesma
lei que dá autonomia à organização também limita a sua atuação e os recursos disponíveis a
ela. “[...] no privado você pode fazer tudo que a lei não proíbe e aqui você [somente] pode
fazer o que a lei permite” (Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
121
Oito dos dez entrevistados da Organização OP comentaram sobre essa limitação legal. O
administrador público, dessa forma, seria apenas o instrumento que realiza a vontade do
legislador que criou a lei, não cabendo àquele nenhuma liberdade em sua função. A
obediência à legalidade se funda no modelo burocrático descrito por Weber em sua essência
(OSÓRIO, 2005). O autor aponta, entretanto, a necessidade da emergência de um novo perfil
do administrador público, que passe a ser um gestor, com maior flexibilidade e autonomia.
Administrador ou gestor público, o fato é que essa limitação legal foi reiterada pela maior
parte dos entrevistados, independente da sua posição na Organização OP. Daí que o
formalismo na instituição é articulado de duas formas: uma está relacionada à obediência às
normas. Essa obediência preserva as posições na Organização OP, e as pessoas usam essas
normas para se proteger de mudanças nas funções exercidas dentro da instituição.
Argumentos como “isso não é minha função” ou “não é da minha competência” são utilizados
em algumas situações. A outra forma está relacionada à flexibilidade, com o objetivo de
conseguir uma maior mobilidade nas ações dos atores organizacionais.
Agora, o jeitinho brasileiro, eu vejo. Até pra realização das despesas, quando é uma
despesa, a princípio parece que a forma de executar a despesa é ilegal, sempre eles
dão um jeitinho, o jeitinho brasileiro. Não creio que aqui na Organização OP, em
toda a administração pública, acho que isso ocorre. Na administração pública você
pode realizar o que a lei te permite fazer, o que a lei te permite. É diferente da
iniciativa privada. Se a lei não veda, você pode fazer o que quiser, mas na
administração pública você tem que fazer o que a lei te permite. Então algumas
situações em que você se depara com alguma restrição, com algum obstáculo legal,
sempre tem essa forma de tentar, não é burlar a lei, é tentar motivar ou fundamentar
uma forma de execução que, a princípio, parece ilegal, ou parece irregular, mas, que
através dessa fundamentação ela entre, encaixe na legalidade (Entrevistado 4,
Organização OP, técnico).
[...] somos todos mandrakes, a gente tem que estar criando e fazendo mágica
também...o tal do jeitinho brasileiro, que aqui dentro a gente vive dando um
jeitinho” (Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
O jeitinho brasileiro é referido como uma faceta da flexibilidade. DaMatta (1997) define o
jeitinho brasileiro como o modo no qual a pessoa busca soluções para situações complexas ou
122
proibidas por uma lei ou autoridade. Mesmo sem passar por cima da lei ou da autoridade, a
pessoa consegue aquilo que deseja por meio do “jeitinho”, conseguindo se tornar “mais igual”
do que os outros. Barbosa (1992) ressalta que o jeitinho difere do “Olha com quem está
falando”, pois não é ressaltando a autoridade que a pessoa consegue o que deseja, mas
fazendo uso das características afetivas.
O jeitinho é sempre uma forma ‘especial’ de se resolver algum problema ou
situação difícil ou proibida; ou uma solução criativa para alguma emergência, seja
sob a forma de burla a alguma regra ou norma preestabelecida, seja sob a forma de
conciliação, esperteza ou habilidade (BARBOSA, 1992, p.32)
Barbosa (1992) também afirma que a Burocracia é o domínio do jeitinho, por excelência, pois
a racionalidade e a impessoalidade da máquina burocrática, baseadas em categorias
intelectuais, fazem com que o indivíduo lance mão de categorias emocionais, pelo jeitinho.
Portanto, ao mesmo tempo em que o “jeitinho” pode servir para improvisar em situações
complexas, ele também pode ser usado para se desviar do caminho legal e racional, e até
mesmo ético. A conseqüência disso pode ser uma burocracia “cheia de buracos”.
O formalismo, por sua vez, associado ao personalismo, leva a favorecimentos na visão de
alguns entrevistados, como no trecho de entrevista no qual um técnico afirma que “[...] você
aqui procura um benefício [...] dependendo da pessoa que está em determinadas situações”
(Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
A Empresa TI não possui amarras legais semelhantes à Organização OP. Entretanto, ela cria
normas em relação aos processos internos e também às exigências de qualidade, sobretudo
sujeitas a auditorias para manter as certificações
ISO
27
, e também às exigências dos clientes.
27
ISO International Organization for Standardization: Organização Internacional para Padronização, que
define normas internacionais de qualidade em diversos setores de atividade.
123
Além disso, como visto, ela possui características de uma Adhocracia e também de uma
Burocracia Mecanizada. As contradições dessa estrutura híbrida revelam a existência de
traços de flexibilidade e, ao mesmo tempo, a preocupação dos gestores com a falta de
planejamento e a não obediência às normas:
Uma delas que a gente cultua, que a gente acha que é interessante, é a questão das
formalidades ou informalidade, que o brasileiro é menos formal, menos hierárquico
e a Empresa TI tem um pouco disso, ela consegue fazer as coisas quase
ultrapassando… não, ultrapassando fronteiras. Isso é bom porque você não engessa
emprego e isso é ruim porque às vezes você ultrapassa o próprio processo e você
fica na dificuldade (Entrevistado 22, Empresa TI, gestor).
Tem o lado positivo de ter bastante flexibilidade ou agilidade nas soluções, mas tem
um pouco do lado brasileiro de não gostar muito de planejar, de ser metódico, de
criar procedimento e regras e de cumpri-las (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
O formalismo na Empresa TI se apresenta sob duas formas: a flexibilização das normas, que
somente existem no papel, e não de fato; e como estratégia para se articular ao mundo, o que é
corroborado pelo trecho de entrevista a seguir:
Essa resistência [em cumprir normas], eu enxergo isso como sendo uma
característica do brasileiro e, em contrapartida, ela ganha em flexibilidade, em
agilidade, em inovação e criatividade pra responder a tempo cada vez com menos
gente e com mais eficiência (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
Prates e Barros (1996; 1997) também abordam a impunidade como um traço cultural que
reforça e é reforçado por outros traços, como a postura de espectador. A impunidade também
reforça o individualismo e o descrédito institucional.
c)
O subsistema pessoal
Este subsistema apresenta os traços culturais comuns “personalismo” e “evitar conflito”, e é
tido como baseado na segurança e na harmonia. A lealdade pessoal é o traço no qual uma
valorização do líder pelo grupo em detrimento da valorização das necessidades do sistema. Os
124
autores associam também o aumento da lealdade pessoal ao fortalecimento do formalismo. O
traço cultural “evitar conflito” se refere às soluções indiretas que os brasileiros utilizam para
resolver situações divergentes. Os brasileiros tendem a manter a harmonia entre as relações.
Segundo Dahrendof (1980), as sociedades não são conjuntos harmônicos e equilibrados, pois
existem diferenças entre grupos, como diferentes expectativas e valores. O conflito deve ser
entendido como um fato social universal, pois é um elemento essencial para a vida social.
Esse autor se opõe à idéia funcionalista do conflito como uma disfunção da estrutura social, e
ressalta que os conflitos fazem parte dessa estrutura e imprimem as mudanças e o
desenvolvimento das sociedades. Bobbio (1997a) aponta os conflitos como uma das formas
de interação humana. Os objetivos dos conflitos são relacionados ao controle sobre recursos
escassos, que podem ser cargos, relações de autoridade, de comando, dentre outros. Em
virtude de interesses, crenças e valores incompatíveis, os conflitos surgem como elemento
vital da sociedade (DAHRENDORF, 1980).
A capacidade explosiva de funções sociais dotadas de expectativas contraditórias,
incompatibilidade de normas vigentes, as diferenças regionais e confessionais, o
sistema de desigualdade social a que chamamos de estratificação, e a universal
barreira entre dominadores e dominados constituem elementos da estrutura social
que necessariamente provocam conflitos. E destes conflitos provêm sempre fortes
descargas sobre a velocidade, radicalidade e direção da mudança social
(DAHRENDORF, 1980, p. 34).
A existência de conflitos é geralmente negada nas duas organizações pesquisadas. A visão
funcionalista de que os conflitos são uma disfunção maléfica da estrutura social é reforçada
por essa negação dos conflitos. Porém, percebe-se que os conflitos existem, mas sem que
sejam externalizados. Dessa forma, eles não são também tratados, mas ignorados: “Não acho
que tenha tanto conflito” (Entrevistada 2, Organização OP, superintendente/diretora ). “Em
125
termos de conflito eu não acho que a Empresa TI seja uma empresa que tenha muito conflito
interno” (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
Os conflitos que são citados, relacionados à discordância de idéias sobre determinado assunto,
revelam que o confronto em conseqüência dos conflitos não ocorre:
Eu te digo que é um ambiente que não tem muito conflito. Tem alguns conflitos de
idéias, assim, de técnica, mas são poucos e de fácil resolução. Não chega a ser um
embate, não chega a ser uma coisa que desestabiliza o ambiente. Isso não tem
(Entrevistado 5, Organização OP, técnico).
Eu vou falar como se fosse, como se estivesse partindo do pressuposto de uma
família. Você vai tolerando. Eu acho que é a política da boa vizinhança
(Entrevistada 6, Organização OP, oficiala).
A estrutura burocrática da Organização OP, regida por lei, pressupõe que não haja espaço
para conflitos. Preconiza-se que os interesses individuais sejam deixados de lado e os
objetivos sejam somente os da instituição. Nesse sentido, não haveria a necessidade de que os
conflitos sejam tratados pela administração da organização, pois eles não seriam conflitos
entre os interesses da instituição e dos servidores e membros. Os conflitos seriam, portanto,
reduzidos àqueles que ocorrem no âmbito interpessoal, e que não dizem respeito à
Organização OP.
Os conflitos na Empresa TI que envolvem interesses inconciliáveis são tratados de forma que
eles não se tornem evidentes. Dahrendorf (1980) afirma que o modelo funcionalista estrutural,
equilibrado e sem disfunções, ou seja, sem conflitos, serve como sistema ideológico liberal.
De fato, os conflitos são ignorados como forma de manter o consenso na organização:
Conflito [...] eu acho que na gerência passam totalmente despercebidos [...] mas os
conflitos e erros, acho que nem tratados são (Entrevistada 13, Empresa TI, técnica).
A Empresa TI trata isso às vezes, vamos dizer assim, ignorando alguns problemas.
Acho que, em relação aos conflitos, ela não sabe tratar muito bem os poucos que
têm aqui hoje (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
126
Eu sinto que os conflitos aqui [...] são muito velados. Existem conflitos, mas os
conflitantes não deixam esses conflitos muito explícitos (Entrevistado 15, Empresa
TI, técnico).
Os conflitos, por não serem assumidos e tratados abertamente, dão origem às chamadas
“fofocas institucionais”, a “rádio peão” (PRATES e BARROS, 1996). Por meio delas, as
pessoas que não assumem abertamente seus conflitos utilizam a comunicação informal como
meio de externalizar sua incompatibilidade com o conflitante, mas sempre evitando o
confronto: “[...] acontece umas coisas de muita fofoquinha, muito disse me disse”
(Entrevistado 17, Empresa TI, analista). Na visão da gerência, a negação do conflito ocorre
por meio da transferência dos problemas para outra pessoa. E ainda, esse tipo de conflito está
mais relacionado a problemas que ocorram no âmbito da atividade de cada um, e não em
relação a conflitos decorrentes de interesses divergentes. “E a gente está trabalhando, está
aprendendo a lidar com o conflito. Mas ainda existe um pouco a dificuldade ou a facilidade de
levar para o outro. De transferir um pouco o problema, ou de querer achar que aquilo não é
meu” (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
Como será abordado mais adiante, o tratamento dos conflitos por meio das políticas de
gestão de Recursos Humanos na Empresa TI busca atender aos interesses de forma
individualizada. Dessa forma, não espaço para que esses interesses se configurem em
conflitos que levem ao questionamento da estrutura da organização. Segundo Dahrendorf
(1980, p. 34), “[...] quem quiser conseguir uma sociedade sem conflitos tem de fazê-lo pelo
terror e pela força policial; pois já apenas a representação ideal de uma sociedade sem
conflitos é um ato de violência contra a natureza humana”.
d)
O subsistema dos liderados
127
O subsistema dos “liderados” também possui os traços culturais comuns “postura de
espectador” e “evitar conflito”. A flexibilidade é o traço especial que está relacionado à
criatividade e ao pragmatismo. A flexibilidade possui duas faces: adaptabilidade e
criatividade. A adaptabilidade estaria relacionada à capacidade do brasileiro de se adequar
com agilidade a turbulências econômicas e também à implantação de processos importados.
Essa característica é relacionada ao formalismo diante da lealdade pessoal (PRATES e
BARROS, 1996). A criatividade é relacionada às construções originais existentes no Brasil,
num sentido de inovação. Em diversas situações, a hierarquia convive em harmonia com a
igualdade de fato, “como num desfile de carnaval” (DAMATTA, 1997).
A flexibilidade na Organização OP, no sentido de adaptabilidade, está tanto relacionada ao
formalismo em relação à rigidez das leis, como também em relação às mudanças que ocorrem
a cada dois anos, em virtude da troca da administração superior.
A limitação legal, conforme mencionado, representa um entrave às atividades. A estrutura dos
servidores é regulamentada por um estatuto de 1952, que não foi adequado ao crescimento da
instituição após a Constituição de 1988:
[...] somos regidos por leis totalmente ultrapassadas. O nosso manual, o nosso
estatuto, ele é de cinqüenta e dois. Nós somos regidos pelo estatuto de cinqüenta e
dois. Olha para você ver [...] a gente tem tarefas a serem cumpridas e você não sai
delas. Vo cria alguma coisa, mas é pré-determinado, tem atribuições pré-
determinadas (Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
Apesar dos servidores serem regidos por um estatuto da cada de 1950, a eleição para a
administração superior da Organização OP a cada dois anos representa mudanças no comando
da instituição. Em relação às atividades dos servidores, não ocorrem mudanças. Entretanto,
cada nova direção pode dar ênfase a uma forma de atuação diferente. A combinação entre a
128
rigidez legal a que estão submetidos os servidores e a mudança na administração superior
reforça a necessidade de adaptabilidade daqueles na instituição:
[incomoda] ficar trocando toda hora. Vo custa a fazer um trabalho, as pessoas
estão conscientizadas, o negócio está legal, muda a administração, você custa de
novo [...] Na mesma hora que eu falei que isso incomoda um pouco, de ter que ficar
toda hora começando do começo, faz parte. Porque, como cada um tem um perfil,
você é obrigado a ser elástico também. Esse aqui é mais lento, então eu preciso
ajudar a fazer isso. Do outro é aqui, então vou para cá. Cada um de um jeito. Isso
deixa a gente meio multiuso também, meio polivalente (Entrevistada 1, Organização
OP, diretora/superintendente).
A adaptabilidade, nesse caso, revela também o conformismo no sentido de obediência à
autoridade (BOBBIO, 1997a). Weber (1978) aponta que a obediência à autoridade é uma
obediência restrita ao cargo. Quando essa autoridade é um eleito, a hierarquia entre os
funcionários é menos rígida do que na situação em que os funcionários são nomeados, pois o
subordinado hoje pode concorrer com a autoridade no futuro. O líder eleito, de sua parte, deve
obediência a uma ordem impessoal para a qual suas ões devem ser orientadas. A
adaptabilidade apontada pela entrevistada é não somente em relação ao cargo, mas também
em relação ao estilo gerencial de cada novo administrador. A adaptabilidade também estaria
relacionada à “maleabilidade”, ou seja, o trabalhador é moldado de acordo com a situação ou
com o estilo do líder.
A falta de estímulos à iniciativa e a postura de espectador não favorecem a flexibilidade como
criatividade. A mudança da administração superior não chega a representar mudanças nas
atividades de rotina dos setores da área técnica administrativa, e nem mesmo da sua estrutura.
“Mudanças não tem muita não. É o mesmo que fazia vinte anos atrás. Igualzinho. Não
mudou nada” (Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
129
A Empresa TI, em virtude das reestruturações que lhe foram impostas pela mudança de
contexto de atuação, conta com a adaptabilidade como estratégia para se adequar a essas
mudanças. Nesse sentido, é esperada de seus trabalhadores essa flexibilidade:
Flexibilidade é interessante, porque flexibilidade no todo, no geral, eu acho que a
pessoa não pode ser rígida em nada e a não rigidez e a flexibilidade geram menos
stress. Eu acho que até mais do que flexibilidade, a gente tem notado muito isso, a
adaptabilidade. Eu acho que a adaptabilidade é mais que a flexibilidade. É eu ser
flexível a ponto de mudar e eu me adaptar àquela mudança. Que às vezes eu posso
até ser flexível a ponto de mudar, mas eu não consigo me adaptar àquela mudança.
Eu ajo contra, [...] até inconscientemente, aquilo me corrói. Então, a adaptabilidade
pra mim hoje é um ponto muito importante (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
A entrevistada diferencia a flexibilidade da adaptabilidade, e define esta como a adaptação e
internalização das mudanças. Como foi visto, para Prates e Barros (1996), a adaptabilidade é
uma faceta da flexibilidade. Por meio da adaptabilidade definida pela entrevistada, os
trabalhadores não contestariam as mudanças que lhes são impostas, e também não criariam
mecanismos contra essas mudanças. A flexibilidade é também citada como uma forma de
articulação com o mercado: “Então tem que ter a flexibilidade e estar pronto para assumir de
acordo com a perspectiva de mercado. O mercado é muito maleável com a globalização. Hoje
exige que a pessoa tenha uma flexibilidade bastante grande para se adaptar às novas
necessidades” (Entrevistado 21, Empresa TI, consultor).
No trecho de entrevista a seguir, a flexibilidade está relacionada ao conformismo, conforme a
definição de Bobbio (1997a). Neste caso, o conformismo se refere ao alinhamento da opinião
ao juízo da maioria:
Às vezes você é obrigado a mudar o seu trabalho ou os seus objetivos, ou as coisas
que você gosta, as suas tarefas, em função do emprego e ser um pouco mais flexível
em função disso. Mas eu acho que é importante ser flexível também não só por isso,
mas pra poder mudar de opinião numa determinada situação que sua opinião não era
mais coerente (Entrevistado 15, Empresa TI, técnico).
130
A hierarquia na Empresa TI não é considerada como um obstáculo às relações, sobretudo no
que se refere a encontrar soluções para problemas do dia-a-dia.
A gente não tem muita dificuldade com hierarquia, isso é coisa de brasileiro. Se
você compara com Argentina, Argentina é mais hierárquica. Então isso realmente
uma velocidade, porque você é capaz de conversar com qualquer um sem
precisar esperar aquela escada toda, conversar com o de cima, para o de cima
conversar com o de cima, você vai e conversa com o cara e pronto. Então o
brasileiro consegue fazer isso. Acho que isso é positivo. Desde que você respeite o
processo você pode ir lá e resolver o que você precisa fazer (Entrevistado 22,
Empresa TI, gestor).
Entretanto, “respeitar o processo” significa o respeito às estruturas burocráticas da
organização. Mais uma vez percebe-se a influência da origem industrial da empresa na
configuração do modelo de Burocracia Mecanizada.
A presença desses traços nas organizações influencia e é influenciada pela estrutura
organizacional e pelas relações de poder. Estes também são elementos fundamentais para a
compreensão da cultura organizacional na Empresa TI e na Organização OP, pois evidenciam
os valores, as crenças, os ritos e os mitos compartilhados no ambiente organizacional pelos
diferentes grupos.
3.2.3
Compreendendo a cultura nas organizações
Nas primeiras seções desta dissertação, foram apontadas as transformações que ocorreram nas
organizações. Neste capítulo, foram também apontados os traços da cultura brasileira que
estão presentes nelas, com o intuito de compreender suas características, os grupos que se
formam e os valores e crenças que permeiam esses grupos. A seguir, serão descritos os grupos
identificados por esta pesquisa, os critérios para a seleção desses grupos e os valores, crenças,
131
ritos e mitos que caracterizam a cultura em cada um deles. Também serão analisadas as
diferenças entre essas subculturas e como elas se influenciam.
Organização OP
A Organização OP possui pouca interação entre as diferentes áreas. Cada setor trabalha como
se fosse uma unidade separada do restante da organização. Os membros atuam de forma
isolada, cada um em sua especialidade, não havendo uma diretriz institucional de como
proceder. Os servidores, por outro lado, geralmente possuem uma definição específica de
como agir, e não há muita variação. Dessa forma, as áreas se comunicam pouco e cada um faz
o seu trabalho conforme a sua função.
Como assinalado, uma característica marcante na Organização OP é a separação entre
membros e servidores, como se existissem duas organizações. Além disso, os servidores
fazem parte da área auxiliar da instituição e não estão envolvidos na atividade-fim. Nesse
sentido, não há uma preocupação da administração superior, formada por membros, em
propagar discursos que exaltassem valores a serem compartilhados. Entretanto, existe uma
série de imposições definida pela estrutura rígida e pela expectativa jurídica da instituição.
Essas imposições representariam a cultura corporativa da Organização OP, que procura impor
valores, crenças, ritos e mitos, de forma a dominar o restante da organização (RODRIGUES,
1997).
A separação entre servidores e membros reforça a existência de diferentes culturas na
Organização OP. A estrutura organizacional comporta uma diretoria geral, ocupada por um
132
servidor, e superintendências e diretorias também ocupadas por outros servidores, conforme
visto no organograma, página 91. A maior parte dos membros é alheia inclusive a essa
estrutura:
Essa estrutura administrativa que hoje é um pouco maior e acho que deve ser
assim mesmo e deve crescer, sem dúvida nenhuma, mas para muita gente ela é
dispensável. Se você chegar para a metade dos membros que estão espalhados no
interior, eles vão dizer: tem o pessoal da informática, por exemplo, que faz
alguns programas, mas nós não usamos nenhum. Metade deles falam isso para você.
Você diz: olha, mas o que você acha do departamento de planejamento? Eu planejo
o meu serviço aqui, aonde eu vou colocar o processo, o que eu faço e tal, se eu vou
fazer uma campanha aqui na cidade para a redução do crime, se vou fazer reunião
com o prefeito, com o comandante da PM. o precisa daquele povo não. Se
acabar com aquela turma não faz muita diferença (Entrevistado 9, Organização OP,
membro).
A administração dos servidores também não possui estratégias para difundir valores e
condutas para a organização. A hierarquia rígida e a estrutura que reforça a importância
apenas auxiliar da área técnico-administrativa seria um dos motivos dessa ausência de
estratégias. Isso também seria corroborado pela postura de espectador dos servidores na
instituição. A primeira iniciativa de influenciar valores e condutas, porém de forma muito
tímida, foi a realização do primeiro “Curso de formação inicial do servidor da Organização
OP” em março de 2006, para os novos cnicos e oficiais que foram admitidos na instituição.
Esse treinamento introdutório tem como objetivo prover o servidor de informações acerca de
seus direitos, deveres e algumas rotinas burocráticas. Além disso, são reforçadas algumas
posturas e atitudes “desejáveis” aos servidores, como o tratamento formal dispensado aos
profissionais da área jurídica da instituição, e até mesmo a maneira de se vestir.
Somada à falta de estratégia da administração em tentar difundir uma “cultura da
organização”, uma fragmentação muito grande em relação aos diversos setores da
instituição. Nesse sentido, as interações entre as pessoas acontecem muito internamente às
133
áreas, que funcionam como unidades isoladas. Essa fragmentação é mais evidente em relação
aos servidores que trabalham no interior do Estado:
Olha, eu não sei como é a situação no interior. Eu acho que é importante a
Organização OP fazer isso, criar normas e procedimentos, e de gerenciamento
também. Para que funcione melhor, para que não fique aquela coisa desmembrada,
desordenada, descoordenada [...] por ter essa fragmentação também de setores, de
funções muito voltadas para o que a gente faz (Entrevistado 5, Organização OP,
técnico).
Harvey (1989) aponta a fragmentação como uma das características do pós-modernismo
28
. Na
sociedade pós-moderna, as transformações são mais profundas que nos períodos anteriores,
tanto em extensão quanto em intensidade (GIDDENS, 2002). Isso ocorre na medida em que o
mundo é colocado em conexão, levando a estruturas deslocadas de tempo e de espaço. Harvey
(1989) aponta a pós-modernidade como um período caracterizado por rupturas e
fragmentações, levando ao que Lacau (1990, apud HALL, 1999) define como estrutura
deslocada. Nesta, não há um núcleo estruturante, mas diversos núcleos. A diferença, as
divisões e o antagonismo são características na pós-modernidade (ou modernidade tardia).
[...] quanto menos importantes as barreiras espaciais, tanto maior a sensibilidade do
capital às variações do lugar dentro do espaço e tanto maior o incentivo para que os
lugares se diferenciem de maneiras atrativas ao capital. O resultado tem sido a
produção da fragmentação, da insegurança e do desenvolvimento desigual efêmero
no interior de uma economia de fluxos de capital de espaço global altamente
unificado (HARVEY, 1989, p. 267).
Fazendo uma analogia com a fragmentação apontada por Harvey (1989), a dispersão
geográfica na Organização OP, sobretudo no interior do estado de Minas Gerais, torna difícil
a identificação de um núcleo que estruture as significações e fontes identitárias na instituição
como um todo. As limitações de prazo desta pesquisa não possibilitaram identificar se existe
uma coesão que una os servidores, ou grupos deles, em torno de valores, crenças, ritos e mitos
28
O termo pós-modernismo se refere à compressão do tempo e do espaço na sociedade contemporânea, no qual
vem ocorrendo a fragmentação de conceitos e identidades. Tempo e espaço passam a se tornar fontes de poder
social. (HARVEY, 1989).
134
compartilhados na Organização OP como um todo. Dessa forma, além do grupo dos
membros, entre os servidores tem-se o grupo dos servidores que entraram na instituição antes
de 1999, sendo que a maior parte foi admitida em 1994. Esse grupo foi denominado Grupo de
94. O outro grupo é formado pelos servidores que foram admitidos a partir de 1999, e foi
denominado Grupo pós 99. Os critérios utilizados foram os que, pelas informações coletadas
durante o período da pesquisa, se mostraram mais relevantes. Entretanto, deve-se levar em
consideração que a definição desses critérios teve as mesmas limitações da pesquisa, como o
prazo e a dispersão geográfica.
O primeiro grupo a ser abordado é o dos membros. Dentro da estrutura organizacional, este é
o grupo que exerce a atividade-fim da instituição. Toda a definição dessa estrutura tem como
objetivo principal possibilitar aos membros que eles exerçam suas atividades conforme lhes
foi designado pela Constituição federal. Pode-se afirmar que a Organização OP são os
membros, e todo o resto é acessório. O grupo dos membros, portanto, é aquele que associa
diretamente a sua imagem à imagem da instituição, pois são eles que constroem essa imagem.
Em virtude disso, eles representam a Organização OP como uma instituição de credibilidade e
de respeito. “A Organização OP é uma entidade independente, que faz um trabalho muito
bom. Talvez em relação a demais entidades públicas, seja o órgão que a gente tenha mais
prazer em trabalhar, que nos traga assim maior sensação de realização de justiça”
(Entrevistado 9, Organização OP, membro).
De fato, a imagem representada da instituição é a própria imagem dos membros. Todas as
referências à Organização OP são, para esse grupo, referências aos seus integrantes: “O povo
vem à Organização OP atrás de uma ajuda porque entende que a Organização OP é aquela
instituição que realmente ajuda a quem precisa, que faz com que muita coisa seja realizada ou
135
impede que outras sejam feitas, porque virão em prejuízo da comunidade” (Entrevistado 10,
Organização OP, membro).
Segundo Hall (1999), as identidades na pós-modernidade estão cada vez mais deslocadas
pelos efeitos da globalização. As identidades locais ou nacionais foram dissociadas de tempo,
lugar e espaço. As novas identidades são mais fragmentadas e independem dessas variáveis.
Essas novas identidades representam a ruptura com culturas fortes, o que estaria levando a um
colapso de identidades. Os membros, contudo, reforçam a sua identificação com a
Organização OP, e incorporam às suas identidades a função que exercem.
[...] e começa a fazer um modo de vida dele, construído em cima dessas convicções
pessoais, ele pensa que deve ser honesto nos mínimos detalhes, deve dar o exemplo
para a sociedade. E tem sido essa a convicção da maioria dos membros, graças a
Deus. Até mesmo, como eu disse, em razão da natureza da função que desempenha
(Entrevistado 9, Organização OP, membro).
A identidade “membro da Organização OP” fornece aos membros a possibilidade de se
proteger do descentramento e dos deslocamentos identitários apontados por Hall (1999), nos
quais há uma mudança nos núcleos de identificação da sociedade contemporânea.
A autonomia funcional e administrativa é uma prerrogativa constitucional que reforça a
identificação do membro com a Organização OP. Uma vez que ele goza dessa autonomia, a
imagem da instituição é mais incorporada à dele próprio, pois ele é senhor de suas ações e por
elas o responsável. “O trabalho da gente visa à paz social e a gente faz isso algo muito natural,
integrado na nossa maneira de ser, nas nossas convicções” (Entrevistado 9, Organização OP,
membro).
136
Por outro lado, a autonomia desfavorece a integração dos membros. Como cada membro
trabalha de acordo com sua especialidade e de forma independente, o trabalho é isolado e a
instituição apresenta uma fragmentação pela própria característica da forma de atuação dos
membros. Isso é ressaltado pelo trecho de entrevista a seguir, citado: “[...] a gente trabalha
muito isoladamente. Cada membro tem mesmo a chamada autonomia funcional, de maneira
que a gente não depende muito da opinião de outro” (Entrevistado 9, Organização OP,
membro).
Além disso, como assinalado, os membros trabalham conforme a sua especialidade. Cada
um fica responsável somente pelas suas ações, não havendo interferência ou cooperação entre
eles:
Quando ele [o membro] chegava na capital, então, ele já escolhia aquela área de
atuação dele, dentro da especialização que é muito melhor, tanto para o colega,
como para as pessoas que vão ser atendidas por ele. Você mexer com especialista é
melhor do que você mexer com atacadista (Entrevistado 10, Organização OP,
membro).
Para alguns membros, a área técnico-administrativa não é imprescindível para a Organização
OP. Essa visão resguarda apenas a identidade dos membros associadas à instituição, e não
incorpora à imagem da instituição as identidades dos servidores. Este aspecto é reforçado por
um dos membros entrevistados, ao afirmar que a maioria dos membros do interior considera
que “aquela turma não faz muita diferença”.
Dentre os servidores, o primeiro grupo que será analisado é o Grupo de 94. Ele é formado por
servidores que foram admitidos na Organização OP até 1994, sendo que grande parte foi por
meio do dispositivo legal, no qual os servidores da extinta Minas Caixa e de outros órgãos de
Minas Gerais formaram o primeiro contingente significativo de servidores após a Constituição
137
de 1988. Alguns servidores, mesmo admitidos em 1999, também compartilham os mesmos
valores e crenças desse grupo, e são considerados como pertencentes a ele.
Esse grupo presenciou o nepotismo nos primeiros anos, quando o quadro da Organização OP
era formado por parentes dos membros, em cargos ocupados por livre nomeação. Essa
situação foi praticamente extinta em 1999, quando a organização foi obrigada a demitir esses
funcionários e realizar concurso público. Para o Grupo de 94, a Organização OP é uma
instituição que deu o exemplo moralizando seu próprio quadro, e se manteve dentro dos
princípios da legalidade e da isonomia.
[...] [como valor] o tratamento isonômico, tudo com o fulcro nos princípios da
legalidade (Entrevistada 6, Organização OP, oficiala).
Probidade é o maior deles. Respeito, Competência. São valores bem sérios. Eu acho
que é uma instituição bem séria (Entrevistado 3, Organização OP, técnico).
Você viver numa instituição que prega a justiça, que prega o correto, o cumprimento
de leis, sem querer você fica assim. Eu fiquei chata, cobro nota fiscal, você fica
envolvida pelo meio (Entrevistada 1, Organização OP, diretora/superintendente).
Nesse último trecho, a entrevistada denota certo conformismo, não em um sentido de
acomodação, mas sim de adesão aos valores do meio onde ela está inserida, ainda que estejam
presentes elementos do senso comum e de certa visão externa sobre a Organização OP. Dessa
maneira, o indivíduo incorpora em si estes valores e os concretiza em seu comportamento.
O Grupo de 94 também entende que a Organização OP, por obedecer a esses princípios
internamente, é considerada uma das instituições públicas mais respeitadas na sociedade.
[...] este trabalho que ela faz, um trabalho muito digno, muito bonito. Então, as
pessoas valorizam isso [...] s não teremos este problema de manchar o nome da
instituição, eu acho que sempre vai ser uma instituição boa, respeitada (Entrevistado
7, Organização OP, oficial).
138
[...] é a instituição de ponta hoje no país. É a instituição que tem credibilidade
(Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
A imagem da Organização OP para esses entrevistados é representada por meio de adjetivos
como “boa”, “respeitada”, “benquista”, “de credibilidade”. Hall (1999) aponta que as pessoas
buscam identificações, e que estas não são acabadas, mas construídas por um processo em
andamento. As qualidades positivas revelam a identificação dos entrevistados com a
Organização OP, de forma que essas qualidades estão relacionadas à própria pessoa. A
imagem do trabalho realizado pela instituição, como “digno”, “bonito”, é a representação do
próprio trabalho como parte do que é realizado pela instituição. “[...] lá fora, cada dia que
passa, mais a Organização OP é bem quista [...] e eu aprendi a ver isso, a sentir orgulho do
que eu estou vendo no jornal também. Saber que eu participei disso [...]” (Entrevistada 1,
Organização OP, diretora/superintendente).
Essa imagem de respeito e legalidade construída pela Organização OP faz com que os
servidores tenham um envolvimento cada vez maior com a instituição, na visão do Grupo de
94.
Então é assim. Tem falhas? Sim. Mas eu acho que é tudo perfeito porque as pessoas
se dão muito [no sentido de doação] aqui na instituição. Nem todo mundo, nós
somos muitos, cada um tem o seu perfil, mas a maioria das pessoas, elas m amor
pela instituição. Então tudo que elas fazem elas colocam carinho, zelo (Entrevistada
2, Organização OP, diretora/superintendente).
Nesses depoimentos, o trabalho é aquele efetuado pelas pessoas na organização. Apesar de
serem apontadas falhas na instituição, geralmente atribuídas à estrutura burocrática e suas
disfunções, o trabalho individual é representado como feito com “zelo”, “carinho”,
“envolvimento”. Enriquez (1997) afirma que os indivíduos estão cada vez mais imersos nas
organizações, havendo uma quase “fusão” da sua vida pessoal com a organização. De fato, os
139
servidores do Grupo de 94 apontam que uma retribuição dos servidores à instituição, que
passa a integrar a vida pessoal.
Então hoje a cultura mudou, se a instituição investe em você, você investe três vezes
mais na instituição (Entrevistada 1, Organização OP, diretora/superintendente).
A gente vive o trabalho. Se você falar assim: a minha vida particular, não tenho
(Entrevistado 7, Organização OP, oficial).
Em relação ao trabalho, esse grupo defende a integração cada vez maior das pessoas. A
instituição é representada como um grupo de pessoas com os mesmos objetivos: “Uma
organização é necessariamente um grupo de pessoas, todas trabalhando com o mesmo
fim...todo trabalho, seja ele de quem for, desde a portaria até o [andar] doze, lá dentro da sala
do Doutor [Fulano administrador da Organização OP], ele está integrado” (Entrevistada 1,
Organização OP, diretora/superintendente).
No depoimento a seguir, o entrevistado ressalta a imagem negativa da administração blica
perante a sociedade. Entretanto, ele aponta a Organização OP como uma exceção, um
exemplo de “insulamento burocrático
29
(NUNES, 1997). A Organização OP é representada
como uma instituição atuante, eficiente e que possibilita aos seus servidores a participação, o
crescimento profissional e a valorização. “Aqui tem hora que parece que não é administração
pública, pelo menos as que eu passei. Isso aqui prazer, porque você se valorizado,
você sabe que pode pensar. Não é sempre que a sua idéia prevalecer não, mas é sempre
aberto para você discutir” (Entrevistado 3, Organização OP, técnico).
29
Insulamento burocrático é o termo que se refere a organizações públicas burocráticas que se destacam na
administração pública brasileira. Essas organizações são consideradas “ilhas” de eficiência em meio aos
problemas do setor público. Entretanto, o insulamento burocrático é também associado a trocas personalistas e
ao clientelismo (NUNES, 1997).
140
O Grupo de 94 é o que mais se identifica com a instituição e considera a Organização OP
como o lugar onde realizam seus objetivos profissionais e se sentem plenamente realizados no
que se refere ao trabalho. “Eu nunca fui tão ouvida, e isso tudo está acontecendo aqui na
Organização OP” (Entrevistada 1, Organização OP, diretora/superintendente).
Entretanto, eles receiam pelo crescimento da Organização OP, o que levaria a uma perda de
significações importantes para esse grupo. Eles consideram o crescimento como uma ameaça
à integração que vivenciam dentro da instituição. Por outro lado, entendem que esse
crescimento é inevitável.
Internamente ela me preocupa, ela está crescendo demais em número de pessoas.
Isso me preocupa. Acho que assim vai abrindo, eu andei lendo alguma coisa da
Organização OP, ela cresceu demais e agora perdeu o controle (Entrevistado 3,
Organização OP, técnico).
[...] está crescendo demais, o corpo de uma pessoa que cresce demais, ele estica
tanto que estria, celulite, um tanto de coisa. Aqui é assim, aqui está crescendo
tanto, desordenadamente e tão rápido que ficou um pouco assim... Todo mundo
demora um pouco a acordar e ver o que está acontecendo e é difícil acompanhar
isso, mas também não pode parar (Entrevistada 1, Organização OP,
diretora/superintendente).
O receio pelo crescimento da instituição pode estar relacionado à perda de controle que o
Grupo de 94 detém na Organização OP. Ao mesmo tempo em que o controle pela estrutura
burocrática se torna mais complexo, o maior número de servidores acirra a disputa por cargos
que representam a detenção de poder dentro da instituição e ameaça o grupo: “Quando eu
entrei aqui, o universo de servidores era menor. Então eu acho que tinha mais perspectivas.
Perspectivas em qual sentido? Como na maioria da administração pública, cargo de
confiança” (Entrevistado 3, Organização OP, técnico).
O outro aspecto relacionado ao crescimento é a metáfora utilizada pela entrevistada do
“esticamento que celulite”. Ela poderia representar uma modificação nos valores e crenças
141
que vêm mantendo a coesão tanto individual quanto institucional dos integrantes deste grupo.
Dessa forma, haveria um temor pela imagem da Organização OP se modificar e deixar de ser
aquela com a qual o Grupo de 94 se identifica.
O outro grupo, que será identificado por Grupo pós 99, é formado por servidores que
ingressaram na Organização OP por meio dos concursos públicos de 1999, 2002 e 2005.
Esses servidores não presenciaram a demissão dos parentes dos membros, e foram apenas
informados desse fato. Dessa forma, não o valorizam tanto quanto o Grupo de 94. Mais ainda,
alguns deles consideram que existem determinados grupos dentro da instituição que detêm
informações que estariam restritas a esses grupos. Identificam neles também um maior
empenho em relação aos benefícios que favoreçam seus integrantes. Ou seja, de fato
assinalam a presença de um outro grupo, e que detém posições, informações e se diferencia
quanto a posturas, atitudes e comportamentos:
fica um grupinho detendo a informação, que não sei porque cargas d’água, não
repassa isso e fica a coisa tramitando em certos grupos (Entrevistado 8,
Organização OP, oficial).
Existe ainda, dentro do próprio corpo de servidores mesmo na instituição, existe um
certo, um grupo, talvez, que se protege (Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
Ao contrário do Grupo de 94, a maior parte dos servidores que foram admitidos por meio dos
concursos públicos não detém os cargos em comissão, que são os mais bem remunerados na
instituição. Além disso, a admissão de servidores por meio de dispositivo legal, em 1994,
reforça para o Grupo pós 99 que há um favorecimento daqueles servidores. Entretanto, no que
se refere à credibilidade da Organização OP perante a sociedade, o Grupo pós 99 tem visão
semelhante ao do outro grupo. Isso pode ser explicado pela associação que existe entre a
imagem da organização e a imagem do próprio trabalho, o que leva à bipolaridade de
imagens, ou seja, constroem-se duas imagens: uma interna e outra externa. Enquanto são
142
apontadas falhas e disfunções internas à organização, a imagem enquanto globalidade fica
preservada. No deslocamento simbólico do processo identitário, a atribuição de qualidades
negativas ao ambiente social ao qual o indivíduo pertence e participa da sua construção,
significaria a atribuição daquelas qualidades a si mesmos. Portanto, a imagem da organização
para esse grupo é de uma instituição cada vez mais atuante, respeitada externamente e essa
atuação cresce a cada dia.
A Organização OP foi tomando importância, foi crescendo muito, foi abrindo
espaço e hoje está essa potência que a gente está vendo (Entrevistado 8,
Organização OP, oficial).
A importância que a sociedade está dando para a Organização OP, eu acho que tem
crescido muito [...] Aos pouquinhos ela está mostrando a cara, está mostrando que
está aí, que está aberta para a sociedade, para a sociedade denunciar, criticar,
procurar seus direitos (Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
Então a gente que alguns valores são ressarcidos para os cofres públicos, a gente
apura um trabalho bom e que a gente aquela pessoa que fez uso indevido de
recurso público ter que devolver aquilo. Então essa sensação de impunidade que
existe e de que tudo neste país é jogado, diminui com a presença dessas
instituições: Organização OP, Polícia Federal (Entrevistado 5, Organização OP,
técnico).
Em relação à imagem da Organização OP perante a sociedade, o Grupo pós 99 evidencia que
essa imagem está sendo formada e em expansão. O Grupo de 94, por outro lado, se refere a
uma imagem consolidada. Apesar de ambos os grupos afirmarem o caráter positivo dessas
imagens, a sua representação está relacionada às suas posições dentro da instituição. Os
integrantes do Grupo de 94 possuem uma maior visibilidade na Organização OP, sobretudo
em relação aos membros. As suas carreiras estão, de alguma forma, mais consolidadas dentro
da instituição, levando-os a representações de uma imagem também consolidada da
Organização OP na sociedade. Os servidores do Grupo pós 99, por outro lado, estão
percorrendo seus caminhos na instituição, buscando conquistar o seu espaço. Nesse sentido,
na medida em que eles mostram a importância de seus trabalhos para a organização, esta
também reforça a construção de sua imagem na sociedade. O Grupo pós 99 se identifica,
portanto, com a imagem em expansão da Organização OP. Ela é tida como o local onde
143
condições de trabalho na especialidade que cada um possui. Nesse sentido, o exercício da
profissão é valorizado, uma vez que faz parte das escolhas individuais do sujeito.
A Organização OP, pra mim, eu vou te confessar, eu te confesso que foi uma das
maiores realizações da minha vida. Estou feliz, trabalho feliz na Organização OP,
gosto da instituição [...] tenho prazer de trabalhar aqui (Entrevistado 4, Organização
OP, técnico).
A tarefa que eu faço aqui na Organização OP, em termos técnicos, é a que mais me
agrada. O que a instituição oferece é o que mais me agrada (Entrevistado 5,
Organização OP, técnico).
Os trechos acima reforçam a identificação com a Organização OP separada da identificação
com a função que a pessoa exerce. Como as funções desempenhadas pelos servidores são
consideradas auxiliares e, portanto, desvalorizadas dentro da instituição, a identificação dos
servidores é mais forte com a Organização OP.
Por outro lado, as pessoas desse grupo, mesmo considerando que as condições para executar
as atividades são apropriadas, se sentem limitadas em suas atuações. As iniciativas não o
estimuladas, as oportunidades de expansão das atividades das áreas são restritas, e ainda
um desconhecimento do trabalho que elas realizam, sobretudo pelos membros. Como citado
por alguns entrevistados, “extrapolara função para a qual o servidor foi designado é motivo
para receber um “pito”, não havendo estímulos a iniciativas. Além disso, a falta de abertura a
opiniões quanto à forma de trabalhar são apontadas como uma invasão do espaço do outro:
“Às vezes, quando você emite uma opinião técnica, entrando numa área de outra pessoa, as
pessoas levam a situação para o lado pessoal” (Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
Quando a pessoa entra no campo de atuação do outro, este se sente ameaçado pela
possibilidade de ser revelado o “segredo profissional” (WEBER, 1978) que ele detém sobre
sua atividade. Essa ameaça pode ser em relação ao cargo ocupado, ou simplesmente por
mudanças no próprio trabalho.
144
A falta de conhecimento das atividades que cada servidor realiza, além de implicações na
execução do trabalho, também pode afetar sua identidade na instituição. Segundo Chauí
(1980b, p.50), “[...] a identidade de cada sujeito lhe é dada a partir do lugar que ocupa na
Organização e do saber que a Organização julga possuir sobre ele”. “[...] essa falta de
conhecimento que a instituição tem, no caso, os membros, têm do nosso setor, às vezes isso
dá um certo transtorno” (Entrevistado 5, Organização OP, técnico).
Essa falta de conhecimento seria decorrente também da fragmentação da estrutura
organizacional, dividida em diversas áreas e dispersas geograficamente. No interior do estado
de Minas Gerais, cada unidade da Organização OP funciona como configurações atomizadas
que orbitam em torno do membro e são, dessa forma, dissociadas do restante da instituição.
Há, dessa forma, pouca interação entre as áreas, voltadas para a atividade específica de cada
uma: “[...] por ter essa fragmentação também, de setores, de funções muito voltadas para o
que a gente faz, existe este desconhecimento” (Entrevistado 5, Organização OP, técnico).
Quanto ao envolvimento das pessoas, esse grupo aponta que existem aquelas pessoas que não
são responsáveis com suas atividades e com a instituição. Eles sinalizam para a falta de
profissionalismo e a evidência do comodismo entre os servidores. Entretanto, eles consideram
que esse não é um problema exclusivo da Organização OP, mas da administração pública de
forma geral:
Quando, isso existe aí, é do próprio conceito que a sociedade tem do servidor
público, de quem trabalha na área pública é menos envolvida, é usar aquela
expressão, mas é verdade, coça-saco. Na verdade, existe isso muito (Entrevistado 4,
Organização OP, técnico).
O cara é servidor público, ele não está aposentado e tem gente que tem mania de
confundir (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
145
Essa imagem das organizações públicas tem sido construída a partir de estereótipos.
Estereótipo, segundo Sperber (1985, apud GUARESCHI, 1995), é uma representação
coletiva, da qual existem muitas cópias, cópias idênticas da representação. Ou seja, trata-se de
uma imagem mental padronizada, refletindo opiniões simplificadas e pré-formadas que se
impõem como clichês na sociedade com base em estereótipos. O ideário neoliberal facilita as
privatizações, construindo todo um discurso desmobilizador do Estado. A percepção dos
entrevistados está também relacionada à estrutura organizacional. A área técnica
administrativa, auxiliar dentro da instituição, está configurada conforme uma Burocracia
Mecanizada, como assinalado. As funções e a carreira já estão pré-estabelecidas, de forma
que não diferença entre o servidor que extrapola suas funções e aquele que se restringe a
elas. Essa estrutura favorece o comodismo, entendido como o conformismo no sentido de
obediência restrita às normas e à autoridade (BOBBIO, 1997a).
Um outro aspecto importante é que os servidores pertencentes tanto ao Grupo de 94 quanto ao
Grupo pós 99 valorizam o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. As servidoras
exaltam a importância de poder conciliar a vida profissional com a maternidade. A
estabilidade é entendida como uma maneira de exercerem seu trabalho sem a pressão da
possível perda do emprego. Os entrevistados não cogitam a mudança para uma organização
privada, sobretudo porque não gostariam de trabalhar sob uma suposta maior pressão, e ainda
entendem que isso poderia limitar a autonomia na execução do trabalho.
O dia que eu tomei posse, ele me perguntou porque eu vim trabalhar aqui. Falei que
eu tinha que optar entre ser mãe e profissional. Optei por ser mãe. (Comentário de
técnica da Organização OP a um colega, em abril de 2006, quando questionada pelo
gerente porque abandonou um emprego onde recebia o dobro).
Vou te falar assim. Como empresa pública, desvantagem: vonão fica rico. É uma
desvantagem. Você quando entra num concurso público você sabe que não vai ficar
rico. Você vai ter aquele salário, vai viver com aquele salário e vantagem, que até
então a gente ainda tem estabilidade. A gente pode fazer compromissos.
(Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
146
Dessa forma, apesar de problemas apontados na Organização OP, o todo compensa as partes,
e a instituição é reforçada como o
lócus
da identificação. A instituição é valorizada, pois ela
garante a estabilidade e a segurança, sendo vantajoso fazer parte dela.
A Empresa TI
Como na Organização OP, foram identificados também três grupos entre os empregados da
Empresa TI. O critério utilizado para a divisão dos grupos foi pelo cargo e função, de acordo
com a posição na estrutura organizacional. Jodelet (2001) afirma que a posição do indivíduo
na estrutura social em que ele esteja inserido é um dos elementos que determinam as
condições de construção das representações sociais. O primeiro grupo, que é formado pela
administração superior da organização, é o grupo dos líderes. Esse grupo é o que “representa”
a cultura corporativa, e dita as normas e condutas para o restante da organização. O segundo
grupo, que será chamado intermediário, é formado pelos coordenadores de equipes,
consultores de TI, consultores funcionais, supervisores de site e parte dos analistas de TI e de
negócios. Esses profissionais são os que se encontram na estrutura mais próxima à
Adhocracia da Empresa TI. Eles se consideram valorizados pela organização, recebem bons
salários ou têm boas expectativas em relação à carreira na empresa. O último grupo, que será
denominado operacional, é formado por operadores, atendentes de
help desk
, analistas de
suporte e de desenvolvimento. A maior parte desses profissionais permanece em seus cargos
durante muito tempo, recebe os menores salários na organização e não tem muitas
perspectivas de crescimento na Empresa TI.
Diferentemente da Organização OP, a Empresa TI possui uma gestão de Recursos Humanos
estratégica, com uma comunicação bastante atuante, desenvolvendo programas
147
comportamentais, de forma a influenciar a cultura no restante da organização. Nesse sentido,
a direção investe na disseminação da cultura corporativa, buscando orientar valores e
condutas desejáveis para seus trabalhadores (RODRIGUES, 1997). Essa é a cultura difundida
pelo Grupo dos líderes.
A cultura ascendente na Empresa TI é representada pelos valores e mitos relacionados à época
da criação da organização, surgida a partir do setor de informática da Industrial I. Os
profissionais que começaram os primeiros sistemas valorizam as mudanças que eles
implantaram na forma de trabalho dos empregados da Industrial I:
Era uma coisa bastante interessante, porque o depósito de materiais tinha
quilômetros, devia ser uns seis, sete quilômetros de extensão. E, quando a pessoa
precisava saber o estoque de determinado material, então você perguntava: tem tubo
de meia polegada? Ah, espera que eu te telefono. Desligava o telefone, e ia a lá,
quase oito quilômetros, pra poder ir lá, verificava e respondia: tem [...] E a gente
começou a controlar os estoques, dando baixa no próprio livro [...] Até que vieram,
então, os minicomputadores, e quando foi colocado o primeiro minicomputador
(Entrevistado 21, Empresa TI, consultor).
O desenvolvimento de sistemas nos primeiros anos da Empresa TI, com os recursos ainda
restritos da época, valoriza os feitos dos funcionários, que superavam as dificuldades e
produziam sistemas considerados de boa qualidade
: “O primeiro sistema de produção e vendas
que nós fizemos. Tinha produção e vendas que rodou até dois mil. Foi em mil novecentos e oitenta que
nós fizemos aquele sistema” (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
A elaboração de um primeiro sistema informatizado, que passou a controlar as vendas e a
produção da Industrial I, é exaltada como uma superação das dificuldades da época, e narrado
como um dos mitos que deram origem à Empresa TI. Mito, segundo Chauí (2000, p.28), é
“uma narrativa sobre a origem de alguma coisa”. Essa narrativa é aceita por seus receptores
pela confiança na autoridade de quem a narra. O grupo dos líderes remonta à época em que os
148
controles da Industrial I eram realizados manualmente e foram transformados por meio da
iniciativa dos primeiros analistas de sistemas. Estes foram os idealizadores e fundadores da
Empresa TI.
A cultura corporativa na organização de fato absorve os mitos e valores da cultura ascendente.
A história da organização e mitos como os citados acima são valorizados pela direção. Um
exemplo disso foi a publicação de um livro comemorativo dos vinte anos da empresa, em
2004. Essa publicação exalta os “heróis”, as histórias das conquistas dos profissionais da
organização, e sua importância para o crescimento dos clientes: “O forte da Empresa TI era o
desenvolvimento de aplicativos e o processamento de dados. Todos os sistemas que existiam
na Industrial I até então haviam sido criados pelos profissionais da Empresa TI, usando a
linguagem PL1” (Extraído do livro publicado em comemoração aos vinte anos da Empresa
TI).
Um dos prêmios que a Empresa TI oferece anualmente aos funcionários que se destacam tem
o nome de um dos idealizadores
30
da criação da organização. A cultura corporativa, conforme
assinalado por Rodrigues (1991 e 1997), faz a ligação entre os valores do passado e os novos
valores que a direção da empresa pretende difundir no todo organizacional. Assim, na
publicação comemorativa dos vinte anos da empresa são feitas referências a valores e
comportamentos que são considerados desejados para os atuais funcionários:
O conceito de equipe esteve presente desde o início, estimulado e praticado por seus
dirigentes, sendo um fator que agrega valor aos relacionamentos, criando laços de
amizade entre muitos dos que passaram pela empresa, dos que ainda estão e dos
novos que chegam (Extraído do livro publicado em comemoração aos vinte anos da
Empresa TI).
30
O idealizador aqui foi um dos presidentes da Industrial I, não chegando a fazer parte do quadro de funcionários
da Empresa TI.
149
A cultura corporativa da Empresa TI, portanto, edifica na cultura ascendente a base para
reforçar uma nova cultura, surgida daquela, mas que valoriza a inserção da organização no
contexto da globalização, na contemporaneidade. A direção da empresa reuniu em quatro
conceitos os comportamentos esperados dos funcionários. No quadro a seguir, estão
representados esses comportamentos, definidos pela empresa como “comportamentos
essenciais”:
Visão de conjunto
Ver de forma abrangente
Avaliar todas as relações de causa e
conseqüência e os impactos globais na
Empresa TI e no cliente
Ter uma visão de conjunto significa
enxergar além das fronteiras da sua
atuação, avaliar os impactos de uma ação
não só na nossa área, mas nas demais.
Ter uma visão de conjunto é preocupar-se
também com a rentabilidade do serviço
para a Empresa e o cliente
Proatividade
Ser proativo significa buscar inovações
que agreguem valor para os clientes e
para a Empresa TI.
Estar sempre trazendo novidades.
Antecipar e compartilhar problemas e
soluções.
Identificar e aproveitar as oportunidades.
Servir ao cliente
É um estado de espírito em querer
atender o cliente agregando valor ao seu
negócio.
Colocar-se na posição do cliente,
perceber suas necessidades, dificuldades
e ansiedades.
Promover inovações ao invés de evitá-
las.
Manter uma postura crítica positiva, nas
relações com o cliente. Servir não é se
submeter.
Fazer acontecer
É começar, desenvolver e terminar um
trabalho, obtendo seus resultados.
Gerar e responder pelos resultados.
Realizar / Assumir responsabilidades.
Ter sentido de urgência.
Quadro 3.2 – “Comportamentos essenciais” definidos pela Empresa TI
Fonte: Adaptado do
site
da
Intranet
da Empresa TI
Esses comportamentos se sustentariam nos pilares que são considerados os principais valores
na Empresa TI: ética nas relações, valorização das pessoas e atitudes:
Os três pilares hoje de valores da Empresa TI são: ética nas relações, valorização
das pessoas, e as atitudes. As atitudes a gente divide em 4 comportamentos
essenciais: fazer acontecer, a proatividade, é servir ao cliente, e a visão de conjunto.
Então a gente entende e vem trabalhando alguns anos com esses 4
comportamentos essenciais que são os comportamentos necessários para que a gente
possa gerar o resultado necessário. Eu preciso ter proatividade, eu preciso começar,
150
ter meio e fim, que é o fazer acontecer, e eu preciso ter visão de conjunto. Para eu
ter proatividade e fazer acontecer, eu preciso saber o todo, eu tenho que sair do meu
mundinho, começar a abrir. E eu preciso surpreender o cliente, eu preciso entregar
além do que o cliente está pedindo (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
A cultura corporativa na Empresa TI reforça que a organização saiu da posição protegida da
qual se beneficiava no início de suas atividades, e passou a atuar em um mercado
extremamente competitivo e que depende do envolvimento dos funcionários para consolidar a
inserção global. Esse envolvimento é buscado por meio da identificação do funcionário com a
organização. Conforme assinalado por Freitas (2000) e Yúdice (2004), as organizações
privadas globais tornaram-se o centro de referência na contemporaneidade. Os integrantes do
grupo dos líderes reforçam que ela se tornou uma empresa global de sucesso, porém sem
romper com o passado da organização, pois este fornece importantes fontes identificatórias
para os funcionários:
[...] pra que ela se profissionalize e tenha condições de manter, nesse quadro
diferente. De uma empresa realmente regional para uma empresa talvez até mundial.
Empresa de prestação de serviço de TI com qualidade, também com
relacionamento, com parceira com estes clientes do grupo (Entrevistada 11,
Empresa TI, gestora).
Eu não acredito em pioras não, eu acredito realmente em melhoras, mas tem que ter
muito esforço, não pode sentar na poltrona e ficar esperando não (Entrevistado 22,
Empresa TI, gestor).
Uma das características da cultura corporativa apontada por Rodrigues (1991; 1997) é a busca
pela homogeneização das culturas na organização, de forma a manter o consenso. A
comunicação é um importante elemento utilizado pela direção para propagar o seu discurso
para o restante da organização:
A proposta era essa, que eu viesse pra realmente estruturar um RH que fosse
voltado para os colaboradores da Empresa TI. Com pouco tempo, o [Fulano –
diretor-superintendente da Empresa TI] também me pediu que também desse ênfase
à comunicação, porque ele achava que a comunicação tinha grande importância, e a
gente tinha que estar trabalhando muito junto, o RH com a comunicação
(Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
151
Em relação à ética nas relações, a Empresa TI reforça que existe transparência, tanto em
relação aos funcionários, como em relação aos clientes. O comportamento “servir ao cliente”
seria um dos mais fortes, em torno do qual se fundamentam os outros:
Acho que as pessoas estão realmente interessadas no cliente, eu vejo muitas pessoas
interessadas, o que é um valor da Empresa TI, querer trazer solução para o cliente,
dar palpite, ser um pouco pró-ativo nesse sentido de buscar essa solução. O valor é
o entusiasmo da equipe. Tinha o clima que a gente conseguiu e esse entusiasmo e
essa iniciativa as pessoas que desenvolveram. A gente cultua o valor de ser
transparente também, ser transparente com o cliente, até porque o cliente é o grupo,
mas a gente busca isso, busca ser bastante transparente. A gente busca ter ética
também, a gente nunca quer dar o golpe nos caras. Acho que respeitar as pessoas
também é um valor da gente. Isso reflete nas remunerações, na pesquisa de clima,
num total de coisas (Entrevistado 22, Empresa TI, gestor).
Em relação à responsabilidade social, a direção da Empresa TI entende que ainda não existem
ações significativas, e que iniciativas serão desenvolvidas nesse sentido. “A sociedade externa
a gente tem uma parcela muito pequena. Pra 2007, a gente quer incrementar mais coisa, mais
projetos de responsabilidade social. A Empresa TI hoje tem poucos projetos de
responsabilidade social” (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
Entretanto, toda uma divulgação das ações de pró-voluntariado, Natal Solidário e outras
campanhas que a Empresa TI promove. Cartazes sobre as campanhas são afixados nos
quadros de aviso da organização, e também ampla divulgação pela
Intranet
, tanto
convocando os funcionários para participar, quanto apresentando os resultados alcançados.
O grupo intermediário é o que recebe maior influência da cultura corporativa da Empresa TI.
Ele valoriza a evolução da organização, desde a sua criação à sua inserção no mercado global.
Mesmo que a globalização represente riscos, é considerada pelos seus integrantes como uma
oportunidade de evolução. Ainda que correndo o risco de repetição, alguns elementos da
afirmativa a seguir são importantes como registros dessa visão:
152
Mas essas ameaças externas vindas da questão da globalização e de cada vez mais
você ter empresas globais competindo pelos seus mercados locais tem se mostrado
positiva para a Empresa TI, no sentido de que as resoluções que o Grupo GIM tem
tomado são no sentido de enxergar a TI como um supply, ou como um fornecedor
externo (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
A Empresa TI, dessa forma, garantiria sua entrada no “todo impessoal” representado pelo
Grupo GIM, que está inserido no contexto da globalização. Entretanto, enquanto
supply
”, ela
preservaria um lugar especial nesse “todo”.
Então, as pessoas ou se adaptam ou se vão. Porque não tem como a gente ficar
apegado a coisas do passado, a própria tecnologia da informação, ela exige essa
rapidez de mercado (Entrevistado 21, Empresa TI, consultor).
[...] agora é parte de equipe, não é mais uma empresa de tecnologia, de uma
grande empresa brasileira. É uma das grandes empresas de tecnologia numa
empresa mundial (Entrevistado 18, Empresa TI, consultor).
Esse último trecho de entrevista evidencia a mudança no contexto de atuação da Empresa TI.
Além disso, ela pode representar um certo desenraizamento em relação às origens tradicionais
da organização, que abandona a tradição para se tornar contemporânea. Não lugar para
saudosismo e a organização passa a ser representada como uma empresa “grandecomo as
grandes. Quando ela deixou de ser “uma” empresa de tecnologia de “uma” grande empresa
brasileira, ela deixou de ser uma organização local, atuando em um mercado relativamente
estável. A partir daí, ela, apesar de se tornar global, passou a competir com as outras empresas
globais que fazem parte da “empresa mundial”.
O grupo intermediário acredita que o relacionamento ético com o cliente é um dos valores
evidentes em toda a organização. Isso se tornou mais forte com a mudança de foco da TI para
o Grupo GIM:
Eu acho que [o principal valor] é relacionamento com o cliente. Se eu fosse resumir
os demais, é esse o predominante (Entrevistado 20, Empresa TI, consultor).
153
Valores relacionados à ética, relacionamento tanto com o cliente como entre as
pessoas (Entrevistado 18, Empresa TI, consultor).
A mudança de foco para os clientes do Grupo GIM reforçou esse discurso de ter um bom
relacionamento em virtude da melhoria da situação financeira da Empresa TI após esse
redirecionamento, que acabou incorporando benefícios financeiros também para os
funcionários, como a participação nos lucros. Além disso, esses benefícios são amplamente
divulgados nos veículos de comunicação interna da organização. Pimenta e Corrêa (2007)
apontam o significado simbólico do cliente, sobretudo quando a Empresa TI é vista como
parceira do cliente. Os trabalhadores seriam, dessa forma, “parceiros-colaboradores e,
novamente, os interesses da organização, e do cliente, são os que devem ser perseguidos por
todos. Existe, de fato, todo um discurso ideológico em relação à questão de “servir o cliente”.
Segundo Chauí (1980b, p.3),
O discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a
diferença entre o pensar, o dizer e o ser, distarte, engendrar uma lógica da
identificação que unifique pensamento, linguagem e realidade para, através dessa
lógica, obter a identificação de todos os sujeitos com uma imagem particular
universalizada, isto é, a imagem da classe dominante.
O grupo intermediário também considera que a Empresa TI é uma organização transparente,
que está aberta ao diálogo, assim como busca comunicar tudo o que está acontecendo aos
funcionários.
Hoje, nós temos a ferramenta assim, muito interessante, a comunicação através da
Internet, e-mails, mas o que a gente percebe é que a Empresa TI vai além disso [...]
ela não dispensa a comunicação real, pessoal [...] Isso mostra a preocupação que a
Empresa TI tem de que a comunicação atinja a todos, de uma forma transparente e
muito bem colocada (Entrevistado 21, Empresa TI, consultor).
A comunicação aqui se refere a manter os funcionários informados sobre as diretrizes da
organização, os valores e condutas esperados de cada um. Como será visto nas próximas
154
seções, a Empresa TI também promove encontros para reforçar esses valores, apresentando
informações sobre a organização e as estratégias traçadas.
O respeito às pessoas e a igualdade de oportunidades é outra visão do grupo intermediário em
relação à Empresa TI. Para esse grupo, desde que as pessoas se envolvam e se esforcem, as
oportunidades são dadas:
[...] cada vez mais as pessoas vão ser desafiadas a assumirem novas funções, e não
[apenas] assumirem novos cargos (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
Eu acho que a empresa, que ela cria grandes oportunidades interessantes na
Empresa TI, até fora dela mesmo, em empresas que estão inseridas no grupo
(Entrevistado 18, Empresa TI, consultor).
Dessa forma, os trabalhadores devem superar desafios individuais para estar à “altura” de uma
organização global.
Como mencionado, o grupo intermediário é o que mais se identifica com a Empresa TI,
tomando os objetivos da organização como se fossem os seus próprios. A cultura desse grupo
é a mais integrada à cultura corporativa.
O outro grupo identificado na Empresa TI, o grupo operacional, não chega a representar uma
contracultura dentro da Empresa TI. Apesar de não compartilhar todos os valores e crenças
dos outros grupos, não chega a se caracterizar como uma cultura forte de resistência.
Entretanto, é onde as contradições com a cultura corporativa são mais evidenciadas.
Este grupo também possui alguns analistas que recebem bons salários e acham que evoluíram
na carreira, porém de forma lenta. Esse grupo entende que as oportunidades dentro da
155
Empresa TI não são iguais para todos, obedecendo a critérios que não são somente os técnicos
e formais.
Tem gente que fica a vida inteira fazendo a mesma coisa e não tem uma outra
oportunidade (Entrevistada 19, Empresa TI, analista).
[...] a Empresa TI não tem uma política de cargos e salários, então você fica meio
perdido sem saber como que é. Tudo vem na base do QI, você nunca sabe se você
está qualificado para ocupar determinado cargo (Entrevistado 12, Empresa TI,
técnico).
Duas são as hipóteses para a diferenciação destes analistas em comparação aos demais. Uma
seria relacionada a um problema da estrutura da Empresa TI, em que os cargos não estariam
de acordo com as funções desempenhadas. A outra hipótese estaria relacionada a problemas
pessoais desses profissionais, o que se constituiria em obstáculos para o seu desenvolvimento
na carreira.
O grupo operacional valoriza também o “servir ao cliente”. A evolução da empresa a partir de
2002, quando houve a mudança de foco para atender prioritariamente os clientes do Grupo
GIM, reforçou essa valorização, sobretudo devido aos benefícios financeiros que os
funcionários passaram a receber, como já assinalado: “Discurso dominante aqui dentro é: ser
excelência para o Grupo GIM. Ser um atendimento de excelência para o Grupo GIM”
(Entrevistado 12, Empresa TI, técnico). “Atender bem o cliente” (Entrevistado 16, Empresa
TI, analista).
Nesse último trecho, o entrevistado aponta o “servir o cliente” de forma irônica, insinuando
de certa forma uma dissociação entre o discurso e a prática. Por outro lado, entrar para um
grupo global” tem seu preço. Nesse sentido, o atendimento ao cliente passa do “favor” ao
“profissionalismo”: “Alguns gerentes tinham aquela visão que estava fazendo um favor para
156
os clientes. Acho que isso mudou um pouco, caiu um pouco na realidade” (Entrevistado 17,
Empresa TI, analista).
Além disso, esse “servir ao cliente” denota uma pressão exercida pela gerência por resultados.
O discurso dentro da Empresa TI reforça que, para se manter no mercado, a organização deve
estar alinhada com os objetivos da
holding
. Em virtude disso, alguns entrevistados apontaram
algumas implicações desse discurso: “O discurso dominante é servir o cliente. A Empresa TI,
por participar do grupo e atender muito bem, ela deve servir ao cliente, apesar de muitas vezes
a gente ver que o servir ao cliente acaba se tornando uma disputa internamente” (Entrevistado
15, Empresa TI, técnico).
O cliente faz parte do discurso ideológico da Empresa TI. Os funcionários não devem apenas
exercer suas funções, mas eles também devem agradar o cliente. Na medida em que os
objetivos do trabalhador passam a ser os objetivos da organização, em detrimento de seus
objetivos individuais (FREITAS, 2000; PIMENTA e CORRÊA, 2007), o atendimento ao
cliente passa a ser uma das metas dos funcionários. Internamente, a pressão em relação a esse
“atender o cliente” passa a fazer parte das relações e disputas internas que ocorrem na
organização. Um outro aspecto a ressaltar é que aqui se processaria um deslocamento dos
conflitos. Ao invés de serem entre a empresa e os trabalhadores, eles ocorrem no nível dos
indivíduos, isentando a organização de envolvimento neles.
Essa competitividade e pressão sobre os trabalhadores levam o grupo operacional a
representar o ambiente da Empresa TI como um local onde existe muito individualismo e
competitividade entre as áreas, não havendo um ambiente de cooperação. Mas, de fato, o
grupo operacional é um dos que mais interage com as demais áreas da Empresa TI. Seus
157
integrantes conhecem os problemas dessas áreas e também da organização. Eles têm uma
visão da empresa menos influenciada pela cultura corporativa.
A integração com as outras áreas é boa, de conversar e tal, de passar o problema,
beleza. Agora, comprometimento de cada um é complicado (Entrevistado 12,
Empresa TI, técnico).
Eu sinto que hoje as pessoas estão cada vez mais individualistas. As organizações se
sustentam pelo valor econômico. Eu acho que o valor moral, ético, que são
importantes, existem, mas devido à pressão econômica e financeira, as empresas se
sustentam por isso. Eu sinto que as pessoas são sempre muito individualistas, as
pessoas estão interessadas no crescimento próprio (Entrevistado 15, Empresa TI,
técnico).
Como foi visto, apesar da divulgação e de considerar que adesão dos funcionários às ações
de responsabilidade social, a direção da Empresa TI considera ainda muito incipiente a
participação da organização em ações desse tipo na sociedade. Entretanto, a visão do grupo
operacional é contrária à visão da gerência. A responsabilidade social é uma característica
considerada relevante para aquele grupo. O papel da comunicação, que informa sobre todos os
programas sociais, foi fator fundamental para essa importância atribuída pelo grupo a essa
característica, assim como para a participação dos empregados nos programas, que é
considerada muito representativa:
Eu vejo que a Empresa TI faz esse papel também, mesmo que não seja assim: nossa,
a Empresa TI faz e acontece, mas ela procura desempenhar esse papel dentro da
sociedade também (Entrevistado 12, Empresa TI, técnico).
Na parte de trabalho na sociedade, eu acho que até é legal, tem muitas campanhas
de voluntariado, doações, essas coisas, não sei como isso é visto lá fora, mas eu vejo
daqui de dentro que isso é legal. Envolve a sociedade. Envolve tanto os funcionários
que acabam participando dessas coisas (Entrevistada 13, Empresa TI, técnica).
Quanto à responsabilidade social, ela tem feito bons trabalhos. Vira e mexe faz
campanha para doar agasalho, doar alimentos, num gesto de carinho pessoal nas
creches, nas comunidades mais pobres (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
As ações de responsabilidade social desenvolvidas pela Empresa TI estão restritas àquelas em
que há a participação do funcionário. A empresa age como divulgadora dos programas,
buscando a adesão das pessoas. Como visto, a sociedade civil tem sido mobilizada para
158
atender a demandas decorrentes das desigualdades sociais. Os entrevistados demonstraram
que valorizam essa mobilização, evidenciando um discurso que é reproduzido na sociedade
contemporânea. A valorização dessas atividades está relacionada também à identificação dos
trabalhadores com as ações “fora” da organização. Essa identificação ocorre de forma
complementar àquela que existe dentro do ambiente da empresa, que expande o âmbito de
fornecimento de fontes identitárias também para o pessoal. Para o grupo operacional,
principalmente, essas ações podem ser fontes de identificação que substituem as internas ao
ambiente organizacional, uma vez que suas funções são menos valorizadas na Empresa TI. De
fato, o grupo operacional foi o que mais se distanciou da cultura corporativa. A situação em
que seus integrantes se encontram na estrutura organizacional, somada à falta de perspectivas,
leva a uma menor identificação com os objetivos da organização. Entretanto, esse grupo
ressaltou principalmente o ambiente de trabalho. Os entrevistados afirmam que o
relacionamento entre os colegas é de amizade. Essa amizade é reforçada pelos eventos que a
organização promove, como a festa de final de ano, churrascos de integração de equipes, entre
outros. A pessoa recorre, dessa forma, à busca de identificação fora dos objetivos
organizacionais. Segundo assinalado por Freitas (2000), a organização invade a vida privada
do trabalhador, e este se identifica com aquela cada vez mais.
O clima aqui na Empresa TI para você trabalhar é um clima assim, sensacional. Pelo
menos o contato que eu tenho com as pessoas do meu meio de serviço, é excelente
(Entrevistado 12, Empresa TI, técnico).
O ambiente de trabalho em si é ótimo. Eu acho que o que faz a Empresa TI uma
empresa legal para se trabalhar é realmente as pessoas que têm aqui (Entrevistado
14, Empresa TI, analista).
A relação entre as pessoas é muito boa. Isso você igual na equipe de trekking,
tem de kart, tem time de futebol, quer dizer, você vê muitas pessoas que são amigas,
que saem juntas, que viajam juntas de férias (...) É um sentimento parecido com o
que eu sinto hoje, você fica meio sem saber se você fica ou não fica, apesar de não
ter nenhum motivo para você não ficar, mas você nunca sabe, você é empregado,
você é mais um número (Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
159
O trabalhador, porém, por encontrar a sua identificação na organização, receia não fazer mais
parte da empresa. A possibilidade sempre presente de perda do emprego é uma ameaça
constante. A perda dessa fonte identitária, como afirma Freitas (2000), pode fazer com que o
trabalhador se sinta um “morto-vivo”.
160
3.3
RELAÇÕES DE PODER
As relações de poder permeiam os ambientes organizacionais, quaisquer que sejam suas
configurações. A Empresa TI e a Organização OP possuem estruturas diferentes, em virtude
da natureza e dos fins de cada uma. Somado a isso, diferenças legais entre as organizações
públicas e privadas, e as relações de trabalho são estabelecidas de forma diferente. Nesse
sentido, as relações de poder também apresentam as suas diferenças nos dois contextos
organizacionais pesquisados.
Bobbio (1997b) define poder como a capacidade do homem fazer com que outro homem se
comporte conforme a vontade daquele. Dessa forma, o poder pressupõe uma relação entre
pessoas. Ele também aborda as relações de poder como relações tríades porque, além de
incluir pessoas ou grupos sujeitos ao poder, depende da esfera na qual esse poder é válido.
Uma distinção apontada por Bobbio (1997b) diz respeito ao poder potencial e ao poder
efetivamente exercido. Enquanto aquele está relacionado à possibilidade de exercício de
poder de um sujeito sobre o outro, este é o poder colocado em prática.
O poder disciplinar é abordado por Foucault (1986). Nele, o corpo humano é o alvo do poder,
sendo aprimorado e adestrado. O poder não possui uma concepção negativa, que pune,
reprime, mutila, mas uma concepção positiva pela qual controla a vida dos homens, obtendo
deles o máximo que eles podem oferecer. O poder não está localizado em um indivíduo. Ele
pode ser exercido por várias pessoas, mesmo aquelas que não optem por exercê-lo. Dessa
forma, existe uma teia do poder:
161
Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada a alguém e que este
alguém exerceria isoladamente, totalmente sobre os outros; é uma máquina que
circunscreve todo mundo, tanto aqueles que exercem o poder quanto aqueles sobre
os quais o poder se exerce. Isto me parece ser a característica das sociedades que se
instauraram no século XIX. O poder não é substancialmente identificado com um
indivíduo que o possuiria ou que o exerceria devido ao seu nascimento; ele torna-se
uma maquinaria de que ningm é titular (FOUCAULT, 1986, p. 219).
Weber (1978) aponta três fundamentos de legitimação de autoridade que constituem fontes de
poder. A autoridade tradicional é legitimada pelos costumes enraizados em determinada
sociedade, tomados como válidos e, por isso, aceitos. A autoridade do patriarca, ou do senhor
de terras são exemplos desse poder, assim com a dos reis, muitas vezes considerados
portadores de dons divinos que legitimam sua autoridade. A autoridade legal é legitimada pela
racionalidade das leis e normas, aceitas pela crença na sua validade. Esse tipo de autoridade
pressupõe obediência ao estabelecido legalmente e é o tipo predominante na Organização OP,
que é regida por leis que definem o que é permitido fazer dentro dela. A autoridade
carismática corresponde àquela que é legitimada pelas qualidades do líder carismático,
conquistando a confiança e devoção das pessoas, que depositam nesse líder as suas
esperanças.
Nas seções seguintes, serão analisadas as relações de poder presentes nas duas organizações
pesquisadas, de forma a compreender também como essas relações estruturam as
representações sociais de trabalho e de organização construídas por seus atores.
3.3.1
A Empresa TI
A Empresa TI, por possuir características de uma Adhocracia e de uma Burocracia
Mecanizada, apresenta formas de exercício do poder que variam de acordo com essas
estruturas. Faria (1985) afirma que as estruturas administrativas são, na verdade, estruturas
162
autoritárias, nas quais os dirigentes buscam a subordinação dos dirigidos. Entretanto, o
autoritarismo não ocorre somente por meio da força e do arbítrio, mas também por meio de
outras formas mais sutis e mais sofisticadas. A seguir, serão analisados os elementos
considerados constituintes da forma de exercício do poder na Empresa TI: modelos de gestão,
comunicação, processo de decisão e a política de cargos e salários. Jodelet (2001) aponta a
comunicação como meio de produção e circulação das representações sociais. Os cargos e
salários definem a posição de cada trabalhador na organização, sendo a posição um dos
elementos também apontado por Jodelet (2001), configurando as relações entre os atores
sociais.
Modelos de gestão
Como já foi apontado, a gestão de Recursos Humanos da Empresa TI está alinhada com a
estratégia da direção da organização. A partir de 2002, quando a empresa reviu seu foco de
atuação e promoveu reestruturações para atender essa mudança, a gerência de Recursos
Humanos também foi reestruturada. O objetivo era aumentar o foco nos trabalhadores,
implantando programas comportamentais e reforçando a comunicação da empresa. A
organização adota as práticas consideradas modernas em gestão de pessoas.
[...] as práticas mais modernas que eu pude conceber, verificar com relação a isso na
Fundação Getúlio Vargas, onde eu fiz o curso, a gente a aplicabilidade disso na
Empresa TI, é fantástica. A gente fica feliz por estar trabalhando em uma empresa
que é um destaque em todas as técnicas, das coisas modernas que a gente vê, das
tendências de mercado, a Empresa TI está seguindo (Entrevistado 21, Empresa TI,
consultor).
A seguir, estão relacionadas as principais práticas do modelo de gestão adotadas pela Empresa
TI.
163
a)
Gestão de comportamentos essenciais
Foram definidos, como já apontados, quatro comportamentos considerados fundamentais
dentro da empresa: visão de conjunto, proatividade, servir ao cliente e fazer acontecer.
Quando foi lançado o programa, turmas de funcionários que trabalhavam em setores
diferentes participaram de encontros em um hotel fazenda, durante um final de semana. No
decorrer desses encontros, uma consultoria trabalhou cada um dos comportamentos definidos
pelo programa, reforçando seus objetivos e suas características. Em meio às atividades, os
trabalhadores tinham momentos de descontração, entre os quais um jantar de
confraternização. Esse foi um importante “rito de integração” (FREITAS, 2000) para que os
trabalhadores internalizassem os “comportamentos essenciais” da Empresa TI.
Em complementação à gestão de comportamentos, a organização também implantou uma
avaliação anual de desempenho, na qual cada trabalhador realiza uma auto-avaliação e
também é avaliado pela chefia imediata. Os critérios utilizados são baseados nos quatro
comportamentos definidos pela Empresa TI. Entretanto, essa avaliação não é valorizada por
alguns trabalhadores e, em muitos casos, nem mesmo pela chefia imediata, na visão dos
primeiros.
Existe uma avaliação formal da Empresa TI que eu nunca vi alguém utilizando. É
uma avaliação que o método eu acredito que é muito bom, mas eu acho que ela não
é utilizada (Entrevistado 15, Empresa TI, técnico).
É um ano inteiro que você trabalha, ele não vai lembrar o ano inteiro do seu
trabalho, então eu acho muito falha essa questão de análise de desempenho, questão
de feedback...Ele me deu cem num tanto de coisa, mas ele nem sabia porque estava
me dando cem, porque não sabia (Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
164
Um dos objetivos da avaliação anual de desempenho é o retorno que cada trabalhador deveria
receber de sua chefia imediata em relação ao seu trabalho. Em um dos treinamentos realizados
durante a implantação do programa, a consultora afirmou que “[...] se você acha que está
fazendo tudo certo, mas seu chefe não lhe
feedback
, você pode ser surpreendido pela
demissão, sem ter tido a oportunidade de acertar”. Entretanto, é mantida a ausência desse
feedback
, e o trabalhador é cada vez mais pressionado a produzir o máximo para a
organização. Dessa forma, os mecanismos informais de avaliação e controle são mais efetivos
que os formais.
b)
Comunicação
A comunicação é um dos espaços de estudo das representações sociais (JODELET, 2001),
sendo uma das suas condições de produção e circulação. Chauí (1980b) aponta a comunicação
como precursora da ideologia da classe dominante: “[...] a indústria cultural, a cultura de
massa, os meios de comunicação e o desvario da informação não são as formas-limite de um
mundo alucinado e nutritivo, mas a realização cabal da cultura dominante” (CHAUÍ, 1980b,
p. 51).
A comunicação é uma das áreas mais atuantes da gerência de Recursos Humanos. As
informações são divulgadas na
Intranet
da empresa, são comunicadas por
e-mail
, um
informativo semanal e ainda a revista “Empresa TI Notícias”. O informativo semanal divulga
informações relativas às mudanças na organização, à implantação de novas tecnologias,
conquista de novos clientes, certificações obtidas pelos trabalhadores, ações de
responsabilidade social, etc. A revista Empresa TI Notícias é também divulgada na
Intranet
e
enviada para os trabalhadores em suas residências. As informações dessa revista dão ênfase
165
aos projetos implantados pela Empresa TI e aos clientes. Abaixo seguem alguns exemplos de
notícias veiculadas nesses meios de comunicação.
Nova avaliação de desempenho terá início em 2007 (título de notícia veiculada no
informativo semanal da Empresa TI em 20/11/2006).
Projeto de TI consolida processos financeiros e contábeis e suporta a operação do
Grupo GI Brasil (notícia veiculada na revista Empresa TI Notícias, em nov/dez de
2005).
A Empresa TI também promove dois eventos durante o ano, um a cada final de semestre,
chamado “Fique por dentro”. Todos os empregados, terceiros e estagiários da organização
participam desse evento, que acontece geralmente em um auditório fora da empresa, no qual o
diretor superintendente apresenta diversas informações acerca da empresa, entre elas o
balanço de atividades do semestre anterior e o planejamento para o ano seguinte. Nessa
oportunidade, ele também reforça o que se espera dos trabalhadores e a necessidade de
empenho de todos para que a empresa atinja seus objetivos. Ao final da apresentação, é
realizado um coquetel para os trabalhadores. O “Fique por dentro” do segundo semestre
acontece juntamente com a festa de final de ano da empresa. Nessa festa, são anunciadas as
premiações do ano, que são:
Prêmio mérito administrativo: recebe o prêmio a pessoa ou equipe que tenha se destacado
em algum projeto relevante para o Grupo GIM durante o ano.
Prêmio pelos comportamentos: são premiadas as pessoas que tenham se destacado nos
“comportamentos essenciais” em suas áreas.
Além dos prêmios, os trabalhadores que tenham completado vinte anos como empregado da
Empresa TI recebem um relógio de presente. O Fique por dentro” é também um importante
rito de integração da organização. Nesse evento é reforçada a cultura corporativa, por meio
166
dos símbolos representados pelos prêmios. Como apontado, o prêmio pelos
comportamentos remonta aos mitos da época da fundação da Empresa TI, pois homenageia
um de seus idealizadores. A simbologia é outro importante elemento que compõe as
representações sociais de trabalho e de organização, na medida em que eles se articulam à
cultura.
O setor de comunicação é ressaltado como um ponto forte pela maior parte dos trabalhadores
da Empresa TI, o que reforça a “transparência” que muitos deles consideram existir na
organização:
[...] o RH trabalha muito em cima de um plano de comunicação, então tem um
plano forte de comunicação, de comunicar todas as coisas. Comunica que você tem
que melhorar o comportamento, comunica tudo, para formar essa equipe
(Entrevistado 22, Empresa TI, gestor).
De comunicação assim, acho que a Empresa TI é uma empresa que ela fala e faz.
Ela tem se mostrado aí, os canais de comunicação m sido muito abertos
(Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
[...] a comunicação através da Internet, e-mail, mas o que a gente percebe é que a
Empresa TI vai além disso. Porque não pode ser essa comunicação puramente fria
(Entrevistado 21, Empresa TI, consultor).
Chauí (1980a) conceitua ideologia como “um ‘corpus’de representações e normas que fixam e
prescrevem de antemão
o que
se deve e
como
se deve pensar, agir e sentir” (CHAUÍ, 1980a,
p. 24). A comunicação na Empresa TI consegue criar esse “corpus”, funcionando como
cimento ideológico que determina as representações na organização. Chauí (1980a) também
aborda a ideologia como forma de dominação de uma classe dominante, que é a que propaga
o discurso, sobre as demais. A eficácia desse discurso está fundado tanto na representação
coerente que ele propaga sobre a realidade, quando no silenciamento das lacunas que
poderiam ir contra a ideologia dominante. De fato, a “transparência” apontada até mesmo pelo
grupo operacional corrobora a comunicação coerente e lacunar na Empresa TI. A
167
comunicação exerce, portanto, o papel de trocas e interações no universo consensual de
construção das representações sociais (JODELET, 2001), pois, com base nela, os atores
organizacionais internalizam uma percepção comum acerca da Empresa TI.
Por outro lado, alguns trabalhadores do grupo operacional consideram que a comunicação nas
gerências é falha e depende da capacidade de comunicação de cada gerente.
[...] existe muita comunicação informal ainda, apesar de a gente ter um veículo de
comunicação semanal, que traz os destaques da empresa. A comunicação dos
setores ainda é muito informal e de responsabilidade dos gerentes, que acabam às
vezes não tratando a comunicação de uma forma devida (Entrevistado 15, Empresa
TI, técnico).
A comunicação formal é aquela veiculada nos meios de comunicação da Empresa TI, como
Intranet
, informativos mensal e semanal, quadros de aviso, etc. Também toda informação
advinda da direção da empresa é considerada formal, oficial. A comunicação informal é
associada àquela na qual os gerentes, por meio de reuniões, transmitem aos seus
subordinados. Essa contradição da visão entre a comunicação da organização e a comunicação
da gerência aponta uma diferença entre a representação da organização e da gerência. As duas
instâncias estariam dissociadas uma da outra, como se a gerência não seguisse,
necessariamente, as diretrizes da empresa. Por outro lado, contribui para uma solidificação da
análise efetuada anteriormente, onde se postulava a diferença de ancoragem destas
representações para o grupo operacional.
c)
Gestão do clima e bem-estar
A Empresa TI possui também uma política de gestão do clima organizacional. A cada dois
anos, são realizadas pesquisas de clima entre os empregados, terceiros e estagiários, com o
168
objetivo de identificar aquilo que precisa ser melhorado no ambiente de trabalho, para que o
clima se torne mais agradável. Após a apuração do resultado da pesquisa, são definidas ações
para atuar nos pontos de insatisfação dos trabalhadores. Cada gerente define um representante
de clima, que faz parte do comitê de clima da empresa, juntamente com o gestor de clima da
gerência de Recursos Humanos. Esse representante fica responsável por desenvolver as ações
definidas pelo comi dentro do setor, além de identificar possíveis problemas que possam
prejudicar o clima.
O resultado da gestão de clima é verificado também pela participação em pesquisas como
“Melhores empresas para trabalhar”, da revista Você S/A, e “As melhores na gestão de
pessoas”, da revista Valor Carreira. Em 2005, a Empresa TI foi considerada pelo segundo ano
consecutivo como uma das melhores pela Valor Carreira, e esse resultado foi amplamente
divulgado e valorizado dentro da organização:
Temos uma boa notícia para dar:
Pelo 2º ano consecutivo, a Empresa TI é classificada entre as Melhores Empresas do
país em Gestão de Pessoas. Resultado da pesquisa feita pelo Anuário Valor
Carreira, em conjunto com a Hay do Brasil, na avaliação dos próprios empregados
de cada empresa.
Agora temos uma declaração a fazer.
A gente está sempre pensando em você [...] (Trecho extraído de um dos cartazes
afixados nos quadros de aviso da Empresa TI no final de 2005).
Uma das ações criadas pelo comitê de clima foi a criação do chamado “Viva voz”, que é um
formulário a ser preenchido pelos trabalhadores, no qual eles podem fazer reclamações,
solicitações ou mesmo elogios à Empresa TI. Os assuntos considerados de interesse geral são
publicados a cada duas semanas no informativo semanal. Os específicos são tratados
internamente nas gerências. A Empresa TI se dá o direito de não responder, quando o
trabalhador não se identifica. O nome “Viva vozbusca o reforço de que a organização está
aberta ao trabalhador para que ele se expresse livremente. Entretanto, além de limitar as
169
respostas ao critério da identificação, fica implícito um mecanismo de controle que visa evitar
os conflitos e também desarticular a possibilidade de mobilizações coletivas. Na medida em
que as reclamações e solicitações são tratadas de forma individualizada, busca-se a eliminação
de interesses coletivos que possam ir contra os objetivos da organização. Um outro aspecto é
o controle exercido por meio da vigilância, como no panóptico descrito por Foucault (1986).
Nele, o indivíduo é vigiado sem perceber e sem enxergar quem o está vigiando. O acesso ao
conteúdo dos formulários do “Viva voz” é irrestrito para a direção da Empresa TI, somente.
Em conjunto com a gestão do clima, a organização possui também um programa denominado
“Bem-estar Empresa TI”. Esse programa consiste em desenvolver ações relativas à melhoria
na qualidade de vida, ressaltando a importância de manter hábitos saudáveis e equilibrar a
vida pessoal e profissional. Também são realizados programas de caminhada entre os
trabalhadores, estímulo à prática de esportes, sobretudo no clube da empresa, entre outros. A
maioria desses programas valoriza as atividades feitas pelo conjunto de trabalhadores, de
forma a fortalecer os laços que os unem. Um resultado disso é o envolvimento e a amizade
ressaltada pelos entrevistados no ambiente organizacional, “[...] o que faz da Empresa TI um
excelente lugar para se trabalhar (Entrevistado 14, Empresa TI, analista). A organização
oferece fontes de identificação para o trabalhador além do ambiente organizacional
(ENRIQUEZ, 1992 apud FREITAS, 2000). Freitas (2000) também aponta as empresas
privadas globais invadindo a vida particular e até mesmo as famílias de seus trabalhadores,
passando a se incorporarem cada vez mais à identidade deles. Essas ações, e a gestão de clima
de forma geral, são valorizadas por parte dos profissionais da Empresa TI:
[...] eles estão escutando os funcionários, estão vendo que cada um ali na sua área
pode dar sugestões para melhorar o ambiente e tal. Então isso eu acho que está
tendo um lado positivo para a Empresa TI (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
170
A Empresa TI tem a preocupação na questão de clima, nas pesquisas, tem a questão
aí das sextas-feiras, tem as massagens [...] acho que ela até tenta proporcionar
alguns benefícios que não o obrigatórios para os funcionários (Entrevistada 13,
Empresa TI, técnica).
Entretanto, parte deles se mostra alheia a essas ações. Outros consideram que a gestão de
clima é uma transferência de responsabilidade para o representante de clima de cada gerência.
De fato, esse representante é uma pessoa que possui bom relacionamento com os colegas, e
ele fica atento à possibilidade de conflitos na área:
A Empresa TI definiu alguns gestores de clima que não estão nos níveis gerenciais
nem de supervisão, e eu acho que, de certa forma, transfere a responsabilidade pra
essa pessoa pra ela desenvolver ações para melhorar o clima da empresa, que eu
acho que muitas vezes não é o foco desta pessoa e sim do RH (Entrevistado 15,
Empresa TI, técnico).
[...] eu acho que a maioria o toma conhecimento desse trem não (Entrevistada 19,
Empresa TI, analista).
Os representantes de clima, sendo indivíduos fora do papel formal de exercício do poder,
passaram a fazer parte dos mecanismos de vigilância da organização. O poder é exercido em
rede e pelos pares (FOUCAULT, 1986; LIMA, 1995). Estes, sendo iguais aos demais colegas,
facilitam a inculcação dos valores da cultura corporativa da empresa. Eles passam a fazer
parte da teia do poder e têm sido utilizados pelas modernas tecnologias de gestão de Recursos
Humanos (LIMA, 1995).
Política de cargos e salários
A maior parte dos trabalhadores da Empresa TI afirmou que ela não possui um plano de
cargos e salários. Os critérios para promoção seriam totalmente subjetivos e dependem do
relacionamento do empregado com seus superiores. Além disso, não haveria uma divulgação
de quais cargos existem na organização e quais os requisitos para ocupá-los.
171
O que eu precisava ter que eu não tinha para poder estar ocupando esse cargo? Isso
falta bastante. Acho que as coisas aqui funcionam muito no gogó. Muito no QI
(Entrevistado 12, Empresa TI, técnico).
[...] mas eu acho que o que mais pega nem são quais cargos que existem na Empresa
TI, que a pessoa quer saber, mas sim, o que a gente precisa fazer para chegar a tal
cargo, a tal nível (Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
Para alguns trabalhadores, sobretudo aqueles pertencentes ao grupo intermediário, o que
existe é uma diferença cada vez menor entre os níveis hierárquicos e uma menor formalização
dos cargos.
Também dentro da Empresa TI você consegue perceber claramente qual seria o
caminho. Não é tão formalmente colocado, mas você tem claramente qual seria o
caminho (Entrevistado 18, Empresa TI, consultor).
As empresas estão mudando um pouco o formato desse plano de cargos e salários,
sabe, e isso para as pessoas não é uma coisa fácil de se compreender. Mas porque?
A gente está saindo de uma estrutura hierárquica, onde tinha cargo A, que manda no
cargo B, que manda no cargo C, que manda no D e assim por diante, para uma
estrutura mais voltada pra processo, em que as pessoas têm funções específicas e
não cargos específicos. É mais ou menos como se a gente horizontalizasse a
organização (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
Esses entrevistados ressaltam a inadequação de um plano de cargos e salários típico de uma
Burocracia Mecanizada para uma organização que é estruturada conforme uma Adhocracia.
Entretanto, como a Empresa TI possui, na verdade, uma estrutura híbrida, a inexistência da
formalização de um plano de cargos e salários é apreendida por muitos trabalhadores como a
inexistência de critérios para promoções e crescimento na carreira. Além disso, como
assinalado, a origem da Empresa TI é uma Burocracia Mecanizada, na qual as promoções
deveriam ocorrer por critérios racionais-legais. Por outro lado, como apontado por alguns
entrevistados, prevaleceriam critérios não somente técnicos para as promoções, e uma
formalização de um plano de cargos e salários poderia transparecer esses outros critérios,
levando a conflitos de interesses na organização. A horizontalização das funções
desempenhadas na organização não representa a horizontalização dos cargos e salários, e suas
172
diferenças permanecem. Portanto, essa minimização da diferença seria mais associada ao
“fetiche da igualdade” na Empresa TI, pois os trabalhadores, sobretudo do grupo operacional,
não vislumbram grandes expectativas na carreira dentro da organização.
O plano de carreira cai naquele negócio da perspectiva. Acho que um está
relacionado com o outro. Se eu tenho perspectiva eu sei que eu vou seguir um plano
de carreira. Aqui a gente não isso. Uma pessoa sair de um setor e ir degrau a
degrau até chegar num setor diferente, cargo diferente, funções diferentes. Acho que
isso aqui é muito falho (Entrevistada 13, Empresa TI, técnica).
[...] você não sabe até onde você pode chegar, nem como chegar. Você fica como se
fosse nadar no escuro. Ou você pega uma pessoa, ou tenta fazer as mesmas coisas.
Ou então fica nadando à deriva, fica à deriva (Entrevistado 15, Empresa TI,
técnico).
Você fica esperando acontecer uma coisa mirabolante para você também crescer.
(Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
A pesquisa de clima realizada em 2005 evidenciou a insatisfação dos trabalhadores em
relação à falta de uma política de cargos e salários na empresa. Diante disso, a Empresa TI
promoveu palestras no segundo semestre de 2006 com o objetivo de esclarecer como funciona
essa política. Porém, alguns trabalhadores comentaram que não havia ficado muito claro
como as coisas funcionariam e se mostraram descrentes em relação ao que foi informado.
Foram realizados workshops com os empregados para tentar desmitificar um pouco
essa questão de ausência de uma política de cargos e salários, ou desconhecimento
da política de cargos e salários (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
O ruim é porque eu estou ouvindo as coisas, estou vendo essas transformações e não
sei se realmente elas vão acontecer (Entrevistado 16, Empresa TI, analista).
Na verdade, esses
workshops
foram realizados com o intuito de mostrar aos trabalhadores que
a Empresa TI realmente se preocupa com eles, e atende as suas reivindicações. A pesquisa de
clima organizacional realizada em 2005 havia apontado que a inexistência de um plano formal
de cargos e salários era o item que mais incomodava os trabalhadores. A direção da
organização promoveu esses
workshops
, que foram amplamente divulgados nos veículos de
173
comunicação da empresa. Dessa forma, ela manteve sob controle uma situação que poderia se
configurar em conflitos de interesses. Além disso, a Empresa TI reforçou mais uma vez o
“fetiche da igualdade”, pois, a suposta existência de um plano formal de cargos e salários
oferece oportunidades iguais a todos os “colaboradores”.
Gestão por resultados
A gestão na Empresa TI valoriza os resultados financeiros da organização. Pelo fato de ser
uma empresa capitalista inserida no mercado global, os trabalhadores são motivados a
trabalhar em prol de um maior resultado para a organização.
A Empresa TI define metas a serem atingidas, como aumento na participação da tecnologia de
informação das empresas do Grupo GIM e implantação de processos para melhorar o
atendimento aos clientes. metas para as gerências e metas para a organização, como um
todo. Em ambos os casos, elas são vinculadas ao recebimento da participação nos lucros e
resultados da Empresa TI.
Em 2005, foram desenvolvidos alguns projetos de gestão com enfoque nos resultados, entre
eles o gerenciamento de projetos utilizando a metodologia do
PMBOK
31
, as chamadas
“melhores práticas em tecnologia de informação do
ITIL
32
, e o gerenciamento diário da
rotina. Esse último se refere a manter o ambiente de informática dos clientes funcionando sem
falhas, e é baseado no ciclo
PDCA
, ou seja, planejar -
plan
, executar -
do
, verificar -
check
e
agir –
act
(CAMPOS, 2002).
31
PMBOK (Project Management Body of Knowledge) são conjuntos de conhecimentos para gerenciamento de
projetos. (VARGAS, 2006).
32
O ITIL (Information Technology Infrastructure Library) é um conjunto de livros que busca a promoção da
gestão de tecnologia de informação com foco em qualidade dos serviços e nos processos do cliente (PINHEIRO
e MAGALHÃES, 2007).
174
Processo de decisão
A Empresa TI, por fazer parte de uma
holding
internacional, é cada vez mais dependente das
decisões que são tomadas no vel do grupo industrial ao qual pertence. As turbulências
decorrentes das fusões, sobretudo a de 2006, provocaram mudanças na empresa. Uma delas é
a disputa de espaço na concorrência pela administração da tecnologia de informação do Grupo
GIM na América latina.
[...] ainda não se sabe como vai ficar esta estrutura realmente. Sabe-se que a TI está
trabalhando integrada, existe um projeto de sinergia. A definição é que todas as
empresas do grupo trabalhem com SAP. Então a Empresa TI sabe que ela tem que
estar ajudando, com a expertise que ela tem, com a experiência que ela tem,
disseminar isso para o grupo todo (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
O grupo GIM tem todo o poder hoje. Ele é quem as cartas hoje para a Empresa
TI. A Empresa TI tem que dançar conforme a música (Entrevistado 12, Empresa TI,
técnico).
A estrutura organizacional da Empresa TI também depende do mercado onde ela atua, e da
estrutura do Grupo GIM no Brasil e na América latina. De fato, quando o Grupo GI resolveu
criar o Grupo GI Brasil, a Empresa TI criou uma gerência de negócios específica para esse
grupo. Em 2006, as novas mudanças no Grupo GIM internacional provocaram reestruturações
internas na Empresa TI, no sentido de organizar seus processos por meio do
ITIL
,
PMBOK
e
do gerenciamento diário da rotina. No final de 2006, o impacto da fusão na empresa se
mostrou mais evidente com a reestruturação na qual cerca de dez por cento dos trabalhadores
foram demitidos.
Redução no orçamento de TI exigiu reestruturação
Com uma redução de US$ 100 milhões no orçamento destinado à tecnologia da
informação do Grupo, foi necessário fazer ajustes na composição da Empresa TI.
Segundo [Fulano diretor-superintendente], ao antecipar-se às necessidades de
redução de custos, a Empresa TI oferece uma contrapartida para negociações
175
futuras. Além da redução de profissionais no quadro, uma nova estrutura
organizacional está sendo desenhada para buscar mais eficiência [...]
Após conquistar e consolidar a proximidade com o cliente o foco da Empresa TI,
em 2007, é a redução de custos, seguindo o princípio de "fazer mais com menos"
em adequação às exigências do Grupo GIM (Notícias veiculadas no informativo
semanal da Empresa TI em 18/12/2006, uma semana após as demissões).
Em relação à tomada de decisões na organização, os entrevistados se referiram a decisões
estratégicas e táticas. Faz-se necessária uma distinção entre os tipos de decisão, a fim de uma
melhor análise das respostas dos trabalhadores. Oliveira (1998) identifica três níveis de
decisão: estratégico, tático e operacional. As decisões no nível estratégico são as que definem
os caminhos que a organização deverá seguir, levando-se em consideração os ambientes
interno e externo. Geralmente são decisões de longo prazo e tomadas pela alta administração.
As decisões no nível tático são aquelas com o objetivo de administrar os recursos disponíveis
a fim de atingir as metas e objetivos já definidos por um planejamento estratégico. São
tomadas geralmente em nível de áreas ou gerências. As decisões operacionais são aquelas
relacionadas à execução das tarefas já definidas. Elas podem ser tomadas pela formalização
de procedimentos ou normas relativos a essas tarefas. Oliveira (1998) usa o termo
planejamento para se referir a esses três níveis de tomada de decisão.
Parte das decisões estratégicas relativas à Empresa TI são tomadas no âmbito da
holding
internacional. Conforme relatado por um dos gestores de que “as decisões são ainda muito
centralizadas”, a tomada de decisões estratégicas internas à Empresa TI é realizada pela
diretoria em conjunto com as gerências, mas sempre obedecendo ao Grupo GIM.
O grupo intermediário da organização entende que as decisões táticas, internas a cada
gerência, são tomadas com a participação dos trabalhadores. Entretanto, quando eles se
referem a decisões táticas, estão se referindo, na verdade, às decisões operacionais. Também
176
quando se referem a decisões estratégicas, estão se referindo a decisões táticas. Essa visão é
compartilhada por representativa parcela dos trabalhadores do grupo operacional:
A Empresa TI está passando por um processo de formalização dos processos, ela
está dando muito mais liberdade para o funcionário tomar as decisões sobre as
atividades operacionais. Mas nas decisões táticas. As decisões estratégicas,
investimentos e alocação são definidas pelo diretor, gerentes e supervisores
(Entrevistado 15, Empresa TI, técnico).
[...] nas atividades do dia-a-dia, nós podemos resolver aqui mesmo na área que não
tem problema não. Mas agora, nas decisões de cima, nós somos no máximo
informados, quando somos (Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
O poder na Empresa TI
De acordo com as próprias palavras de um dos entrevistados, a Empresa TI adota as práticas
mais modernas de gestão de pessoas em alta no mercado. É uma “[...] organização que
respeita, que está preocupada, que o é da boca pra fora, a gente percebe as coisas
acontecendo” (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
A representação da Empresa TI para a direção é de uma organização aberta ao diálogo, com
poucos níveis hierárquicos e um excelente ambiente de trabalho. Nesse sentido, não haveria
espaço para o autoritarismo na organização.
O autoritarismo, segundo Faria (1985), é visto como forma extrema de dominação de uma
classe por outra, presente nas sociedades desde o Estado primitivo. Ele identifica as relações
de poder como relações de classe. Faria (1985) também aborda as relações de trabalho,
ressaltando que elas somente se configuram como relações de poder quando as relações de
trabalho são capitalistas. Outro elemento conceituado por esse autor são as classes sociais,
tidas como agrupamentos de agentes sociais de acordo com o seu lugar nas práticas sociais.
Nesse sentido, o Estado, com seus aparelhos, aparece “[...] como intérprete dos interesses da
177
classe dominante” (FARIA, 1985, p. 23). É desta forma que está fundada a estrutura
autoritária da sociedade. O autoritarismo, portanto, perdura mesmo que não se mostre
abertamente à sociedade, pois é assim que a sociedade está estruturada.
O autoritarismo traz, em si mesmo, sua negação, que é a alienação. Neste sentido, o
autoritarismo, na sociedade atual, aparece como sintoma da civilização industrial,
como dominação de uma classe, que pode ou não estabelecer pactos com outras
classes ou categorias sociais (FARIA, 1985, p. 26).
Faria (1985) ressalta que a idéia de autoritarismo está geralmente associada à força bruta.
Entretanto, existem formas sutis, sofisticadas e indiretas de exercício do autoritarismo, por
meio de ferramentas de manipulação. A chibata dos escravos foi substituída pela ameaça de
demissão ou controle efetivo da linha de produção. Isso acontece porque o autoritarismo é um
fenômeno mais estrutural, permitindo à classe dominante exercer seu poder repressivo e
controlar por meios diversos. Segundo Lima (1995), as novas políticas de Recursos Humanos
permanecem embasadas na racionalidade econômica. O que essas políticas possuem de
avançado são as formas de enfraquecer a capacidade crítica dos empregados, que se sentem
protegidos pela organização. Isso reduziria os focos de resistência, assim como a atuação do
sindicato, uma vez que os empregados se mantêm mais isolados e apegados aos benefícios
que lhes são concedidos.
A gestão de Recursos Humanos na Empresa TI é assentada nessa racionalidade econômica. O
trabalhador, na realidade, tem consciência das ameaças que o mercado de trabalho
competitivo lhe impõe e procura estar adequado às exigências da organização. O “favor” e a
“cultura da dádiva reforçam a adesão do trabalhador aos propósitos da empresa. A
organização, de sua parte, cria canais para que o trabalhador externalize suas reclamações,
solicitações, e tudo é tratado de forma individualizada. Isto consiste em um importante
mecanismo de controle da empresa sobre seus empregados, e enfraquece o poder de
178
articulação destes. Uma evidência disso foi a não alusão, em nenhuma das entrevistas, sobre a
importância ou participação do sindicato. Nenhuma entidade que represente o conjunto ou
categoria de trabalhadores da Empresa TI foi citada. Nas entrevistas em que foi perguntado
explicitamente sobre o sindicato, a pergunta foi ignorada ou os entrevistados demonstraram,
por meio de gestos, que esse tema poderia ser “deixado pra lá”. Um fato que ocorreu em
2004, 2005 e 2006 (nos anos anteriores não foi possível confirmar) foi a discordância dos
empregados em relação à taxa de fortalecimento sindical
33
, após os acordos coletivos anuais.
Mais de cinqüenta por cento dos empregados preencheram uma carta de oposição à cobrança
da taxa, que seria descontada em folha de pagamento para aqueles que não se manifestassem.
Como essa carta deveria ser entregue pessoalmente na sede do sindicato, a Empresa TI
permitiu que a Kombi, que prestava serviços de transporte à organização, levasse os
trabalhadores à sede do sindicato. Alguns empregados comentavam que “[...] eu não vou dar
um dia de serviço pra esse sindicato, que não faz nada por nós”.
As formas de controle na Empresa TI dispensam o relógio de ponto e oferecem flexibilidade
de horários. Entretanto, essa flexibilidade também consiste em contar com o trabalhador
conectado à organização vinte e quatro horas por dia, todos os dias da semana. Ele é
encontrado por meio do telefone celular, ou se envolvido em projetos que exigem
dedicação exclusiva.
As metas cada vez mais ousadas, os recursos cada vez mais escassos, jornadas de
trabalho extenuantes, e eu acredito que isso não seja um problema exclusivo da
Empresa TI, mas um problema brasileiro e de um mercado de trabalho que está hoje
com uma taxa de 10% de desemprego (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
Isso é o preço que eu estou pagando pelo posto que eu cheguei na minha carreira,
pelos incentivos que a empresa me dá, a empresa tem remuneração e benefícios de
acordo com o mercado (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
33
A taxa de fortalecimento sindical corresponde a um dia de trabalho do salário do trabalhador, que é cobrada
após o acordo coletivo anual que define o índice de reajuste da categoria.
179
Os canais de comunicação, como o “Viva voz”, também são mecanismos de controle das
eventuais insatisfações que possam ocorrer na organização, sendo resolvidas pontualmente e
mantendo a premissa de desarticular resistências.
Lima (1995) também aponta a “[...] pressão exercida pelos pares definida como o mais
rigoroso dispositivo de controle” (LIMA, 1995, p. 39). De fato, a redução dos níveis
hierárquicos na Empresa TI, o papel desempenhado pelos representantes de clima em cada
gerência envolvem as pessoas nesse controle pelos pares. O discurso dominante de “servir ao
cliente” também exerce pressão sobre os trabalhadores. Na medida em que o cliente é aquele
que garante os resultados financeiros da Empresa TI, é ele também que garante o emprego e o
salário dos trabalhadores. Dentre os índices definidos para as metas anuais da organização e
das gerências, a maior parte se refere aos serviços prestados aos clientes. Como mencionado,
a participação nos lucros e resultados, que é paga anualmente, podendo chegar a dois salários
do trabalhador, está condicionada às metas. Como não existem metas individuais, a vigilância
pelos pares é reforçada, pois cada um depende do empenho da equipe como um todo. O “olho
do poder” está por toda parte, formando o panóptico invisível que constitui a teia do poder em
toda a Empresa TI (FOUCAULT, 1986).
Resumindo,
[...] o RH que tem um papel muito importante de garantir que as pessoas estejam
trabalhando o máximo que elas podem, quer dizer, tem que ter remuneração, tem
que ter clima, estarem satisfeitas, essas coisas todas. Igual manutenção de máquina
tem a manutenção das pessoas. Então, essas coisas têm que funcionar com pessoas
(Entrevistado 22, Empresa TI, gestor).
Ou seja, as pessoas devem gerar o resultado que a empresa espera delas.
180
Como visto, os aspectos abordados sobre as relações de poder na Empresa TI fornecem
importantes subsídios para a compreensão das representações sociais de trabalho e de
organização produzidas pelos grupos da organização.
3.3.2
A Organização OP
A estrutura da Organização OP é regulamentada pela legislação estadual e pela Constituição
Federal. Qualquer modificação nessa estrutura depende de projeto de lei, que é enviado à
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, sendo por ela aprovada ou o. Nesse sentido, a
instituição possui autonomia funcional e administrativa, porém dentro das limitações que a lei
lhe impõe.
A Organização OP, a gente sabe, ela realmente é autônoma, a gente sabe disso, é
constitucional, aquela coisa toda e tal. que, em termos políticos, de articulação,
ela tem que ter uma articulação com a Assembléia, ela tem que ter uma articulação
com Tribunal de Contas, ela tem que ter uma articulação com Tribunal de Justiça
(Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
Por ser regida por lei, a autoridade na Organização OP é a que mais se aproxima da
autoridade legal descrita por Weber (1978). A legislação que estabelece as diferenças
funcionais, administrativas e financeiras entre membros e servidores também determinam,
dessa forma, a marcante divisão entre eles internamente na organização. “Separação servidor
e membros é fato. Servidor é servidor, é quase auxiliar. E membro é membro, não tem nem
que se discutir” (Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente).
À parte a divisão entre membros e servidores, estes são organizados conforme as áreas
definidas em lei. A definição dessa estrutura é feita pela administração superior da instituição,
181
que é formada pelos membros. Qualquer mudança também é definida por eles, que enviam o
projeto de lei para a Assembléia Legislativa estadual aprovar. Essa estrutura administrativa
funciona, portanto, conforme a racionalidade legal que a definiu.
Em seguida, serão abordados aspectos que influenciam as relações de poder na Organização
OP. Tendo em vista a estrutura da instituição, que tem na Burocracia Profissional sua
fundamentação, e possui uma área técnica administrativa organizada conforme uma
Burocracia Mecanizada, serão analisados mecanismos de controle e de exercício de poder
característicos dessas estruturas. Weber (1978), ao descrever o modelo burocrático, ressalta o
tipo de autoridade exercida nesse modelo, a divisão racional-legal do trabalho, a formalidade
nas relações e na comunicação, e também as formas de ascensão na carreira. A seguir, serão
analisados os elementos dessa estrutura burocrática, como a divisão do trabalho na
Organização OP e seus mecanismos de controle, o processo de tomada de decisão, a
comunicação e o plano de carreira. Serão analisados elementos introduzidos na administração
pública brasileira, sobretudo pela Emenda Constitucional 19 de 1998, como a avaliação de
desempenho, e também a criação de uma área de Recursos Humanos, que teria a função de
“cuidar” dos servidores, buscando ir além do departamento de pessoal tradicional.
Gestão de Recursos Humanos
Os membros trabalham isoladamente, cada um na sua especialidade, ou atuando na cidade
onde esteja alocado. Não existe para os membros um setor de Recursos Humanos. As rotinas
referentes a folha de pagamento, movimentação na carreira, admissão, demissão, férias, entre
outras, são realizadas por um departamento de pessoal específico para os membros. São eles
que administram os servidores a eles subordinados, sem uma diretriz institucional.
182
A estrutura administrativa da Organização OP, conforme representada no organograma à
página 91, é composta por uma diretoria geral subordinada a um membro adjunto
administrativo. Abaixo da diretoria geral estão as superintendências e as diretorias. A gestão
de Recursos Humanos é dividida em duas diretorias: diretoria de pessoal administrativo e
diretoria de pagamento. A diretoria de pessoal administrativo é responsável pelo cadastro das
informações dos servidores, como registros, averbações, controle de ponto, controle da vida
funcional. A diretoria de pagamento é responsável pela folha de pagamento dos servidores da
organização OP. Foi criado um núcleo de Recursos Humanos, que é responsável por prestar
assistência ao servidor, planejar programas de capacitação, etc. Mesmo hoje, em 2007, a
atuação dessa área ainda tem sido incipiente, podendo-se afirmar que a gestão de Recursos
Humanos na Organização OP se restringe a um departamento de pessoal burocrático, no qual
só funciona a parte legalista.
Avaliação de desempenho
A emenda à Constituição Federal 19, de 1998, instituiu a chamada avaliação de
desempenho na administração pública. A emenda à Constituição Estadual 57, de 2003,
ratificou a avaliação no âmbito estadual, o que foi regulamentado em 2004 e 2005 na
Organização OP. Nesse sentido, a avaliação de desempenho foi introduzida na instituição por
uma imposição legal. A Organização OP precisou se adaptar internamente para implantar esse
processo sem, contudo, avaliar qual a efetividade desse processo para o funcionamento da
instituição: “A avaliação de desempenho foi um instrumento legal imposto. Está na lei que
tem que existir e mostrar pra que ela serve. Pra que ela serve formalmente é justificável e
183
aceitável, mas pra que ela serve como instrumento, por exemplo, tem alguns defeitinhos”
(Entrevistada 1, Organização OP, diretora/superintendente).
Porém, um descrédito das pessoas em relação ao processo de avaliação, seja pela
subjetividade inerente a ele, seja pelo traço cultural “evitar conflito”:
Eu acho que é muito furado. Eu não acredito nisso. E olha que eu sou dessa área e
não acredito. Um tipo de avaliação de desempenho no papel, você tendo que
conviver com a pessoa o tempo todo, não acredito não (Entrevistada 2, Organização
OP, diretora/superintendente).
Avaliação de desempenho, isso não é serviço público não, para mim avaliação de
desempenho para mim é uma furada em qualquer tipo de setor, privado, público.
Tudo é furado. Para mim isso é a maior balela (Entrevistado 8, Organização OP,
oficial).
E quando chega naquele momento de se fazer avaliação de desempenho, se não der
nota máxima em todos os itens, o seu funcionário briga, diz: eu tenho dez anos de
auxiliar aqui e ninguém me deu nota aquém do máximo, que injustiça é essa? Eu
vou recorrer. chora, emburra, briga e apronta um a (Entrevistado 9,
Organização OP, membro).
A subjetividade inerente ao processo de avaliação de desempenho é o principal fator para a
sua não efetividade na Organização OP. Por ser uma instituição onde predomina a
racionalidade das leis, normas e resoluções, a introdução de um processo que depende da
subjetividade das pessoas vai contra a estrutura racional-legal da organização. Somado a isso,
como a avaliação de desempenho está vinculada à movimentação do servidor na carreira, este
tem a possibilidade de recorrer do resultado caso seja prejudicado. Essa situação é evitada,
pois é uma situação de conflito entre pessoas que convivem diariamente. Portanto, este é um
processo criado apenas para atender uma determinação legal, sem implicações mais
significativas.
Plano de carreira
184
A Organização OP possui um plano de carreira que caracteriza a burocracia plena descrita por
Weber (1978). Os servidores ocupam os cargos conforme a sua especialidade por meio de
concurso público de provas ou provas e títulos. O quadro funcional é composto por técnicos,
que devem possuir escolaridade de nível superior, por oficiais, com exigência de ensino
médio, e por agentes, com exigência de ensino fundamental.
Os critérios para progressão na carreira são definidos por merecimento e antiguidade. A
formação em nível de pós-graduação dá direito à progressão para os servidores que possuem
uma ou mais especializações. Esses critérios independem da chefia ou de favorecimentos
dentro da instituição. Embora haja um vínculo da carreira com a avaliação de desempenho, as
chefias não avaliam de forma a prejudicar a carreira do funcionário. Entretanto, os cargos
comissionados de livre nomeação dentro da Organização OP. A remuneração em alguns
destes cargos supera a dos cargos da carreira. Como o critério de nomeação, nesse caso, é
subjetivo, uma disputa por esses cargos: “Uma coisa que existe no serviço público que eu
condeno veementemente é o tal cargo por comissão, porque ele gera uma disputa interna
muito grande” (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
Os cargos de confiança evidenciam relações de poder que não são relativas à autoridade
racional-legal. As pessoas passam a disputar os cargos por meio de suas relações dentro da
organização. Um outro efeito é o apego aos cargos pelo conhecimento que se tem das funções
inerentes a ele. Weber (1978) aponta o poder pelo saber, que é concedido ao indivíduo por
meio do conhecimento adquirido na prática do serviço. Esse conhecimento não é divulgado,
se configurando em “segredo profissional”, e garante à pessoa detentora desse saber a
permanência no cargo e a manutenção da situação, sem mudanças:
185
Ainda tem aquela história de posse. Não, aqui é meu, é meu território e você não
pode mudar (Entrevistada 1, Organização OP, diretora/superintendente).
Uma vez que no status ao qual a gente se encontra, é uma zona de conforto,
qualquer mudança vai te tirar dali (Entrevistado 3, Organização OP, técnico).
[...] a pessoa vai entrar de férias, se ele tem um cargo, ele não vai passar as
informações para determinadas pessoas, porque ele acha que a informação para ele é
vital para ele manter o espaço dele, manter o cargo (Entrevistado 8, Organização
OP, oficial).
Em 2006, a Organização OP criou uma comissão para avaliar o plano de carreira da
instituição. Essa comissão foi composta por representantes dos servidores, do sindicato e dos
membros. Porém, até a conclusão dessa pesquisa, somente aconteceram duas reuniões dessa
comissão e pouco havia sido divulgado.
Mecanismos de controle
O instituto da estabilidade “[...] justifica-se pela indispensável neutralidade e imparcialidade
no exercício das funções públicas” (COUTINHO, 1999, p. 104). Entretanto, foi apontada por
alguns entrevistados uma posição de comodismo de alguns servidores. Como a possibilidade
de demissão seria remota, esses servidores não estariam trabalhando o suficiente para aquilo
que foram admitidos. Praticamente, o único mecanismo de controle dos servidores seria o
relógio de ponto: “[...] não se preocupe. Você batendo o ponto no horário, ninguém vai te
incomodar” (comentário de um servidor a um colega).
Entretanto, a área cnica administrativa da Organização OP possui a estrutura da Burocracia
Mecanizada. Nesse sentido, ela está sujeita às formas de controle típicas dessa estrutura. A
divisão do trabalho, definida em lei, é especializada por tarefas (MOTTA, 1986). Cada um
sabe exatamente qual a sua função na instituição e sabe que não pode ir além daquilo.
Conforme foi visto em algumas entrevistas, as pessoas são repreendidas por tomar iniciativa,
186
e o sujeito se torna cada vez mais limitado e dócil. “O modo burocrático de pensar leva o
homem ao vazio e à luta por pequenas posições na hierarquia social de prestígio ou de
consumo” (MOTTA, 1986, p. 13).
A hierarquia na Organização OP é baseada no controle e na vigilância. Os horários são
rígidos, controlados por cartão magnético para os servidores da capital, e a obediência aos
níveis superiores é reforçada, inclusive nos treinamentos de formação do servidor. Nessa
ocasião, até mesmo o tratamento “Doutor” dispensado aos membros é reforçado como uma
atitude esperada dos servidores.
Como as funções são preestabelecidas, elas foram criadas a partir de um saber que não é
domínio do trabalhador. Dessa forma, as organizações burocráticas exercem a dominação
baseadas fundamentalmente no saber (WEBER, 1978). Como apontado em uma das
entrevistas, “a Organização OP não abre todo o leque” representa esse domínio do saber pela
instituição, que mantém o sigilo burocrático (MOTTA, 1986) e, conseqüentemente, o poder e
o controle social sobre os servidores, definindo inclusive até onde eles podem chegar. “O
papel social das organizações burocráticas se manifesta concretamente no exercício do
controle social que se torna possível pelas relações de poder, que são sempre relações entre
desiguais” (MOTTA, 1986, P. 44).
Tomada de decisão
O processo de tomada de decisão na Organização OP segue a estrutura hierárquica da
instituição. Ela também é baseada na racionalidade legal ditada pela legislação que rege a
organização. Essas decisões, na verdade, foram tomadas quando a Organização OP foi
187
criada pela Constituição de 1988. Seus objetivos e toda sua estrutura formal foram definidos
pela lei maior, e poucas mudanças estratégicas ocorreram desde então. As decisões táticas,
que envolvem a administração dos recursos e da estrutura da Organização OP, são tomadas
pela alta administração, e a participação dos servidores é praticamente nula. No interior do
estado de Minas Gerais, essas decisões, que envolvem o planejamento das atividades do
membro e de seus auxiliares de acordo com os recursos que são disponibilizados para aquele,
são geralmente tomadas pelo próprio membro:
Na gestão pública, muitas coisas são decididas em cima sem consultar o corpo
técnico (Entrevistado 4, Organização OP, técnico).
Olha, com relação à participação dos funcionários nas decisões, é praticamente zero
(Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
A participação dos servidores nas decisões operacionais, que se referem à forma de execução
das atividades, depende da pessoa que coordena o setor: “[...] os setores são a cara das pessoas
que coordenam” (Entrevistada 2, Organização OP, diretora/superintendente). Essa ausência
dos servidores nas decisões remete ao personalismo como um traço cultural que reforça as
decisões tomadas com base nas pessoas que estão envolvidas em determinada situação.
Comunicação
A comunicação na Organização OP ocorre praticamente por meio do Diário Oficial. No
modelo burocrático, segundo Weber (1978, p. 19), “[...] os atos administrativos, decisões,
normas, são formulados e registrados em documentos, mesmo nos casos em que a discussão
oral é regra ou mesmo prescrita”. Apesar de serem divulgadas algumas informações
institucionais na
Intranet
da instituição, o servidor não fica a par dos assuntos e novidades da
instituição. O conteúdo dos
e-mails
institucionais mantém o mesmo formato do Diário
188
Oficial. Os comunicados entre áreas são feitos por meio de ofícios, registrados em sistema
informatizado de controle de documentos, e são assinados por quem os recebe. O conteúdo
desses documentos se restringe ao caráter técnico do trabalho.
A divulgação de informações institucionais é restrita a notícias relativas à atuação da
instituição na sociedade. Internamente, predomina a formalidade na comunicação. As
informações que sejam de interesse do coletivo de servidores e membros praticamente não são
divulgadas nos canais institucionais, o que contribui para a proliferação da comunicação
informal. Não é sem motivo que o tema mais divulgado pela “rádio peão” se referia à carreira
e à remuneração.
O poder na Organização OP
O poder na Organização OP é pautado pela estrutura burocrática da instituição. O poder pelo
saber é uma das características inerentes à Burocracia Profissional, no qual os membros detêm
o conhecimento acerca de suas atividades, e utilizam esse conhecimento, configurado como
segredo profissional, como forma de manter a sua autonomia e sua posição na instituição.
Além disso, a própria Constituição Federal reforça essa autonomia dos membros.
A divisão do trabalho por funções e especialidades determina que os servidores devem
cumprir somente o que é estabelecido para o cargo que ocupam. Por meio disso, o servidor é
controlado socialmente, não sendo a ele dada a alternativa de crescer, desenvolver: “Você leu
o edital que era aquilo” (Entrevistada 1, Organização OP, diretora/superintendente). Segundo
189
MERTON (1978, p. 113), “[...] a estrutura burocrática exerce sobre o funcionário uma
constante pressão para torná-lo metódico, prudente e disciplinado”.
Os interesses individuais do servidor não são levados em consideração. Ele é controlado pela
divisão do trabalho e prevalece a sua impessoalidade perante a organização. “A estrutura está
concebida para eliminar por completo as relações do tipo pessoal e as considerações
emocionais (hostilidade, ansiedade, vínculo efetivos etc.)” (MERTON, 1978, p. 110). O
servidor, cada vez mais, é restrito ao seu âmbito de atuação, e tende a se situar na instituição
de acordo com essa restrição: “As pessoas se identificam com seu lugar dentro de um
quadradinho do organograma” (MOTTA, 1986, p. 45).
A limitação do servidor o leva a valorizar o trabalho por ele desenvolvido e o conhecimento
que ele adquiriu pela atividade desenvolvida. O segredo profissional torna-se o seu trunfo, de
forma a garantir-lhe a manutenção do
status quo
. O servidor valoriza ainda mais as normas,
implicando em uma rigidez ainda maior em relação ao cumprimento delas.
A carreira definida por critérios fixos possui um objetivo tácito de disciplinar o servidor para
aquilo que a organização traçou para ele. “Tacitamente se espera do funcionário que adapte
seus pensamentos, sentimentos e atuações à perspectiva dessa carreira” (MERTON, 1978).
Entretanto, essa carreira pauta as ações do servidor em torno dela. Ele busca estritamente
atender os requisitos que o plano de carreira exige. Um exemplo disso é o grande número de
servidores com nível de escolaridade em pós-graduação.
Entre os membros, a eleição para a administração superior da Organização OP a cada dois
anos inaugura novas relações de poder em torno da eleição dessa diretoria. Essa eleição insere
190
a autoridade carismática no ambiente burocrático da instituição. MERTON (1978) aponta a
eleição dos superiores hierárquicos como uma medida de flexibilidade dentro do modelo
burocrático. Essa eleição, na Organização OP, ocorre por meio dos votos dos membros. Um
aspecto apontado pelos entrevistados é a não-sujeição gida dos membros à administração
superior. Como a eleição pressupõe um tipo de liderança carismática, essa não-sujeição está
relacionada a um relacionamento mais aberto entre os membros. Contribui para isso a
estrutura de uma Burocracia Profissional, pois a capacidade técnica seria uma característica
que os torna iguais.
Por outro lado, os servidores não possuem poder de voto. Os cargos diretivos ocupados pelos
servidores dependem da nomeação da administração superior da Organização OP. O
relacionamento entre servidores e membros, portanto, obedece à hierarquia gida ao qual
estão submetidos. Os critérios de obediência o racionais-legais e a distância de poder é
evidente nessa relação membros-servidores. Um exemplo disso é o relato do entrevistado que
afirmou ter sido expulso do elevador privativo dos membros. O servidor foi, dessa forma,
lembrado que seu lugar na instituição é o “quadradinho” dentro do organograma da
Organização OP.
191
4
ORGANIZAÇÃO E TRABALHO: O UNIVERSO DAS REPRESENTAÇÕES
O termo representação social, com o significado que hoje possui na Psicologia Social, foi
inaugurado por Moscovici em 1961, que retomou os trabalhos de Durkheim sobre as
representações coletivas. Moscovici (2003) argumenta a favor de uma psicologia social que
seja uma ciência social e política verdadeira. Nesse sentido, ele faz críticas à psicologia social
americana, por desconsiderar os processos sociais e se restringir a uma “ciência do
comportamento”. A dimensão simbólica também não era privilegiada, restringindo o campo
de pesquisas da psicologia social. Moscovici (2003, p. 159) afirma que
[...] o campo da psicologia social consiste de objetos sociais, isto é, de grupos e
indivíduos que criam sua realidade social (que é, na realidade, sua única realidade),
controlam-se mutuamente e criam tanto seus laços de solidariedade, como suas
diferenças. Ideologias são seus produtos, a comunicação é seu meio de intercâmbio
e consumo e a linguagem é a sua moeda.
O enfoque da psicologia social européia, portanto, está nas condições de produção das
representações sociais, de forma a entender como elas instituem uma realidade consensual,
integram a novidade e orientam a comunicação (SPINK, 2004). Segundo (2002), a teoria
das representações sociais busca o caráter mais social da psicologia social. Esse caráter
diferencia a psicologia social européia da americana. Esta é mais individualista e a-histórica,
enquanto aquela se preocupa com os fenômenos sociais e históricos adjacentes à construção
das representações sociais. Leme (2004) salienta que a teoria dos esquemas, associada à
cognição social da psicologia social americana, considera os processos de classificação e
categorização das informações no âmbito do indivíduo, ao passo que nas representações
sociais o processo é social.
192
Moscovici (2003) não definiu um conceito de representação social. Dessa forma, a teoria
recebeu críticas por não ter uma formulação conceitual bem delimitada e pela diversidade de
abordagens metodológicas, sobretudo em estudos empíricos intradisciplinares (SPINK, 2004).
Moscovici (1995) ressalta quatro grandes pontos que devem ser considerados em relação à
teoria das representações sociais:
1-
A racionalidade do conteúdo das crenças e das concepções coletivas, devido a ideologias,
saberes populares e senso comum: “[...] as representações sociais são racionais, não por serem
sociais, mas por serem coletivas” (MOSCOVICI, 1995, p. 11);
2-
O não dualismo dos mundos individual e social, pois “[...] não existe sujeito sem sistema
nem sistema sem sujeito” (MOSCOVICI, 1995, p. 12). Ele aponta que o papel do conflito é o
dissenso, que proporciona dinamismo à sociedade, e possibilita as mudanças nas partes que a
compõem;
3-
A elasticidade e complexidade da teoria, devido à sua generalidade, que abarca uma
diversidade de problemas ou fenômenos que ela deve descrever ou explicar;
4-
A diversidade metodológica das pesquisas em representações sociais, que fica a cargo da
criatividade dos pesquisadores.
Apesar de optar pelo o enquadramento conceitual das representações sociais, Moscovici
(2001) afirma que elas estariam relacionadas a universos consensuais de pensamento, ou seja,
as representações sociais seriam as teorias do senso comum, independente da cientificidade
dessas teorias. Ele ainda aponta Durkheim (1968 apud MOSCOVICI, 2001) como o criador e
193
precursor no uso do conceito de representação, distinguindo as representações coletivas das
individuais. Enquanto estas são decorrentes da consciência individual, aquelas são decorrentes
da sociedade, sendo a origem das representações individuais. As representações coletivas são
homogêneas na sociedade e mantém os vínculos sociais, perdurando pelas gerações. Além
disso, possuem um caráter coercitivo sobre os indivíduos, por classe de formas mentais
(ciências, religiões, mitos, espaço, tempo). Por serem partilhadas e reproduzidas de modo
coletivo, dão poder de penetração em cada indivíduo, se impondo sobre eles, e mantendo sua
estabilidade:
Se é comum a todos é porque é obra da comunidade. que não traz a marca de
nenhuma inteligência particular, é porque é elaborado por uma inteligência única,
onde todas as outras se reúnem e vêm, de certa forma, alimentar-se. Se ele tem mais
estabilidade que as sensações ou as imagens é porque as representações coletivas
são mais estáveis que as individuais, pois, enquanto o indivíduo é sensível até
mesmo a pequenas mudanças que se produzem em seu meio interno ou externo,
eventos suficientemente graves conseguem afetar o equilíbrio mental da sociedade
(DURKHEIM, 1968, apud MOSCOVICI, 2001, p. 48).
Entretanto, Moscovici (2001) afirma que os fatos sociais estão presentes no âmbito social
mais amplo, possuindo autonomia e maior homogeneidade. Diante disso, ele questiona a
inteligência única das representações coletivas apontadas por Durkheim, como se essa
inteligência estivesse acima das particulares.
Outro problema das representações coletivas estaria relacionado a querer abranger uma cadeia
completa de formas intelectuais (ciência, religião, mito, modalidade de tempo e espaço, etc.).
Porém, cobrir conhecimento e crença é muito amplo, e Moscovici (2003) afirma ser
necessário se restringir a conhecimento.
O indivíduo, estando inserido em uma sociedade, sofre a pressão das representações
dominantes nessa sociedade, e suas representações individuais são moldadas por valores,
194
crenças, mitos e formas simbólicas que apropria em suas práticas. O conhecimento que
apreende, mesmo de origem científica, ocorre dessa forma, por quadros mentais que ele
constrói de acordo com sua realidade social.
Sendo o símbolo também a representação do outro, diferente de si mesmo, compartilhada por
indivíduos, o simbolismo permite que a sociedade se torne consciente de si mesma,
demarcando os elementos que vinculam o individual ao coletivo. Segundo Jodelet (2001),
existe uma relação de simbolismo entre a representação e seu objeto. Por meio do símbolo, o
sujeito substitui e interpreta o objeto, dando-lhe significações de acordo com suas crenças,
seus mitos, e também de acordo com a sua participação em processos sociais e o seu
pertencimento a grupos sociais. A representação é, dessa forma, construção e expressão do
sujeito que a representa. Moscovici (2001), entretanto, aponta uma incerteza do fundador da
sociologia em relação à oposição entre o individual e o coletivo:
[...] pode-se perguntar se as representações individuais e as coletivas não deixam,
entretanto, de se juntar, pelo fato de umas e outras serem igualmente representações,
e se, na seqüência dessas semelhanças, algumas leis abstratas não seriam comuns
aos dois reinos. Os mitos, as lendas populares, as concepções religiosas de toda
sorte, as concepções morais etc. exprimem uma outra realidade que não a
individual; mas pode ser que o modo pelo qual elas se atraem e se repelem, se
agregam ou se desagregam, seja independente de seu conteúdo e se prenda
unicamente à sua qualidade geral de representações (DURKHEIM, 1963 apud
MOSCOVICI, 2001, p. 59).
Moscovici (2001), então, demonstra como as representações coletivas passam a
representações sociais, uma vez que sejam elaboradas em meio a processos de trocas e
interações. As representações sociais são o meio entre o individual e o social. Além disso,
possuem a característica de estarem em construção, diferente da noção de acabado e pronto
das representações coletivas. As representações são sociais devido a um objeto comum e por
serem compartilhadas, sendo produto de uma divisão do trabalho que confere autonomia ao
sujeito.
195
[...] se, no sentido clássico, as representações coletivas se constituem em um
instrumento explanatório e se referem a uma classe geral de idéias e crenças
(ciência, mito, religião, etc.), para nós, são fenômenos que necessitam ser descritos
e explicados. São fenômenos específicos que estão relacionados com um modo
particular de compreender e de se comunicar um modo que cria tanto a realidade
como o senso comum. É para enfatizar essa distinção que eu uso o termo ‘social’
em vez de ‘coletivo’ (MOSCOVICI, 2003, p. 49).
Moscovici (2003) afirma que a teoria das representações sociais se preocupa com a maneira
pela qual as pessoas apreendem o mundo. As representações sociais estão presentes nas
interações entre as pessoas e coisas. É por meio delas que as pessoas tentam dar sentido às
coisas e, dessa forma, mantê-las sob seu controle. O estudo das representações sociais
[...] o ser humano enquanto ele tenta conhecer e compreender as coisas que o
circundam e tenta resolver os enigmas centrais de seu próprio nascimento, de sua
existência corporal, suas humilhações, do céu que está acima dele, dos estados da
mente de seus vizinhos e dos poderes que o dominam: enigmas que o ocupam e
preocupam desde o berço e dos quais ele nunca pára de falar. Para ele, pensamentos
e palavras são reais eles não são apenas epifenômenos do comportamento
(MOSCOVICI, 2003, p. 42).
As representações sociais estão presentes no universo consensual, que se diferencia do
universo reificado. Este é o universo das ciências, restrito aos especialistas, enquanto aquele é
o universo do senso comum, acessível a todos os indivíduos:
[...] as ciências são os meios pelos quais nós compreendemos o universo reificado,
enquanto as representações sociais tratam o universo consensual. A finalidade do
primeiro é estabelecer um mapa das forças, dos objetos e acontecimentos que são
independentes de nossos desejos e fora de nossa consciência e aos quais nós
devemos reagir de modo imparcial e submisso. Pelo fato de ocultar valores e
vantagens, eles procuram encorajar precisão intelectual e evidência empírica. As
representações, por outro lado, restauram a consciência coletiva e lhe dão forma,
explicando os objetos e acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a
qualquer um e coincidem com nossos interesses imediatos (MOSCOVICI, 2003, p.
52).
No quadro a seguir, Arruda (2002) aponta as diferenças entre o universo consensual e o
universo reificado:
196
Universos consensuais
Indivíduo, coletividade:
opus proprium
NÓS
Sociedade = grupo de iguais, todos
podem falar com a mesma
competência
Universos reificados
opus alienum
ELES
Sociedade = sistema de papéis e classes
diferentes -> direito à palavra é desigual:
experts
Universos consensuais
Sociedade de “amadores”, curiosos
conversação, cumplicidade,
impressão de igualdade, de opção
e afiliação aos grupos
Conhecimento parece exigência de
comunicação -> alimentar e
consolidar o grupo
- resistência à intrusão .
Universos reificados
Sociedade de especialistas:
especialidade -> grau de participação
normas dos grupos -> propriedade
do discurso e comportamento
Unidade do grupo por prescrições
globais, não por entendimentos
recíprocos
divisão por áreas de competência
Representações sociais
- senso comum, consciência
coletiva
- acessível a todos; variável
Ciência
- retratar a realidade independente
de nossa consciência
- estilo e estrutura frios e abstratos
Quadro 4.1 – Universos consensual e reificado
Fonte: Arruda (2002, p. 130)
A finalidade das representações sociais é, portanto, tornar familiar aquilo que é não-familiar,
passando a pertencer ao universo consensual. Dessa forma, evita-se o risco, o atrito ou
conflito. É por isso que as representações sociais emergem pelo seu compartilhamento e são
reforçadas pela tradição.
Moscovici (2003) aponta dois mecanismos das representações sociais pelas quais o não-
familiar se torna familiar: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem é o mecanismo para
“[...] reduzir idéias estranhas a categorias e imagens comuns, colocá-las em um contexto
familiar” (MOSCOVICI, 2003, p. 61). Por meio dela, as coisas são classificadas e nomeadas.
Jodelet (2001) aponta como a ancoragem é utilizada como forma de se manter a estabilidade
de esquemas mentais, nos casos em que haja o risco de perturbações desses esquemas por
mudanças ou novidades às quais não se pode evitar. A ancoragem serve como forma de
adaptação à novidade, buscando torná-la familiar, integrando-a ao universo de pensamento. A
197
ancoragem, dessa forma, possui uma função cognitiva essencial quando o indivíduo precisa
lidar com o estranho e integrá-lo ao ambiente social.
A objetivação é o mecanismo para “[...] transformar algo abstrato em algo quase concreto,
transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico” (MOSCOVICI, 2003, p.
61). Por meio da ancoragem e da objetivação, o não-familiar se torna familiar, “[...]
primeiramente transferindo-o a nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de
compará-lo e interpretá-lo; e depois, reproduzindo-o entre as coisas que nós podemos ver e
tocar, e, conseqüentemente, controlar” (MOSCOVICI, 2003, p. 61).
No que consistiria a não-familiaridade do trabalho e das organizações que justifique esse
aspecto das representações sociais? É por meio do trabalho que o indivíduo se insere na
sociedade, seja pela atividade profissional, seja pela inserção econômica que o trabalho
proporciona. Se na Revolução Industrial, o trabalho foi transformado pela expropriação dos
meios de produção do trabalhador, na contemporaneidade o trabalho teve suas condições
modificadas, assim como as relações entre as organizações e os trabalhadores. As
transformações no mundo do trabalho representam para as pessoas o confronto com um
contexto instável e inseguro, no que consistiria a não-familiaridade do trabalho na
contemporaneidade.
As organizações, por sua vez, possuem novas configurações. Grandes empresas privadas
atuam globalmente, num mercado cada vez mais competitivo. As organizações públicas, por
sua vez, são pressionadas a se adequarem a um novo papel do Estado, numa época em que as
leis de mercado são as consideradas válidas, negligenciando as demandas sociais. A não-
familiaridade das organizações consiste nesses novos arranjos organizacionais. Moscovici
198
(2003) aponta também as funções das representações sociais como o meio de articulação dos
indivíduos com o mundo. Tornar o não-familiar familiar vai além da representação de um
conceito, mas também é a maneira pela qual as pessoas se inserem na sociedade, criam elos
com seus grupos e partilham versões da realidade que possibilitam conectá-las ao mundo.
Contudo, não apenas o trabalho e as organizações deixaram de ser familiares. A própria
identidade dos indivíduos e suas fontes identitárias também se transformaram. A busca por
essas fontes, a fim de que os indivíduos encontrem ancoragem para a sua própria existência,
leva esses indivíduos a procurá-las no trabalho e nas organizações às quais pertencem. Nesse
sentido, as representações sociais produzidas de trabalho e de organização buscam o
centramento perdido na contemporaneidade.
Jodelet (2001) justifica o estudo das representações sociais de forma a desvendar como as
pessoas compreendem, administram e enfrentam o mundo que está à sua volta. Segundo ela,
elas o fazem por meio das representações sociais, observadas como algo natural, presente nos
discursos e nas condutas dos indivíduos, inseridos em seu grupo.
Jodelet (2001) também ressalta o papel das redes de comunicação informais ou da mídia, que
muitas vezes influenciam e até manipulam as representações sociais, pois são fatores
determinantes na construção representativa.
Sendo fenômenos complexos e ativados na ação da vida social, as representações sociais
possuem diversos elementos, como informativos, cognitivos, ideológicos, normativos,
crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, etc. Moscovici (2003) ressalta a importância que
se deve atribuir às crenças, valores, culturas de uma sociedade, e não reduzi-las a ilusões e
ideologias. Segundo ele, “[...] as pessoas aceitam acima de tudo aqueles fatos ou percebem
199
aqueles comportamentos que confirmam suas crenças habituais” (MOSCOVICI, 2003, p.
168). Assim como Durkheim, ele defende que “essas coisas” possuem um caráter social sobre
as quais o conhecimento está debruçado. Por trás dessas coisas, representações coletivas são
partilhadas e transmitidas por gerações, sem mudanças. Nesse sentido, representação social é
definida como:
Uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo
prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto
social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo,
natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento
científico (JODELET, 2001, p. 22).
Entretanto, Jodelet (2001) ressalta que, apesar de diferente do conhecimento científico, não é
menos importante como sistema de representações para gerir as relações do indivíduo com o
mundo e com o outro. Nesse sentido, as representações sociais são fenômenos cognitivos,
relacionados ao sentimento de pertencimento social, mediados pelas normas e afetos presentes
nas experiências práticas, ditados pelas normas sociais que são transmitidas aos indivíduos
pela comunicação social de seu meio. O estudo das representações sociais se interessa tanto
pelo processo de construção quanto pelo produto dessa construção, pois os dois revelam seu
caráter social.
Um questionamento acerca dos estudos sobre representações sociais está relacionado a se
passar a considerar tudo como representação social (SÁ, 1998). Entretanto, Jodelet (1986
apud SÁ, 1998) ressalta que os trabalhos devem estar assentados sobre referência e prática,
evitando tratar discursos sociais flutuantes. Estes podem se limitar a emissões de opiniões
fortuitas, sem que haja correlação com práticas sociais partilhadas pelos sujeitos que as
emitem. Além disso, é necessário que haja um pensamento social que mantenha a coesão
dessas representações para que elas possam ser consideradas sociais.
200
As representações sociais comportam, necessariamente, um sujeito e um objeto.
Representações são sempre de alguma coisa, ou pessoa, por alguém (JODELET, 2001). E o
alguém que as formula é um sujeito social, imerso em condições específicas de seu espaço e
tempo. No presente estudo, os sujeitos são os atores das duas organizações estudadas, que
constroem suas representações de trabalho e de organização, os objetos.
Jodelet (2001) ressalta três particularidades marcantes das representações sociais: vitalidade,
transversalidade e complexidade. A vitalidade se refere à capacidade de articulação das
representações sociais, um conceito da Psicologia social, com outras disciplinas. Ressalta-se o
papel reunificador nas ciências sociais, onde aparecem estudos antropológicos, de
organização social, e sociológicos (comportamentos políticos e religiosos), dentre outros. Essa
vitalidade se torna mais relevante quando se considera a longa prevalência do modelo
behaviorista na Psicologia como obstáculo epistemológico às representações sociais. Contudo,
o declínio do behaviorismo nos anos 1970, assim como as revoluções do Cognitivismo nos
anos 1980 ajudaram a emergir o conceito de representações sociais, demonstrando não haver
“ruptura entre o universo externo e o universo interno do indivíduo (ou do grupo)”
(MOSCOVICI, 1969 apud JODELET, 2001, p.24).
A transversalidade é a particularidade na qual o conceito de representações sociais é
encontrado em todas as Ciências Humanas, havendo uma multiplicidade de relações entre as
diversas disciplinas, pela coordenação de diversos pontos de vista, residindo nessa pluralidade
uma das potencialidades de estudo que as representações sociais oferecem (JODELET, 2001).
201
A complexidade das representações sociais está relacionada à multiplicidade de fenômenos
que ela permite abordar, além da sua própria definição e ao tratamento que lhe é dado. Além
disso, é um conceito que se encontra “[...] na encruzilhada de uma série de conceitos
sociológicos e de conceitos psicológicos” (MOSCOVICI, 1976 apud JODELET, 2001, p. 26).
Jodelet (2001) acrescenta ainda que o conceito articula elementos afetivos, mentais e sociais,
integrando as relações sociais, juntamente à cognição, à linguagem e à comunicação, que
afetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de
intervir. As representações sociais contemplam dois pólos, psicológico e social, mas uma
pluralidade de abordagens que impede o reducionismo a essas duas disciplinas,
proporcionando riqueza e variedade dos trabalhos (DOISE, 1986 apud JODELET, 2001).
O quadro 4.2 esboça o espaço de estudo das representações sociais. No centro, está o eixo,
que são as representações sociais de alguma coisa e de alguém, caracterizando o sujeito e o
objeto. Elas são também uma relação do sujeito com o objeto de simbolização e interpretação
sendo, portanto, expressão do sujeito, com base em processos cognitivos e mecanismos
intrapsíquicos, elaborados segundo seus pontos de vista epistêmico e psicológicos. As
representações sociais também são uma forma de saber, de conhecimento, produzido em um
contexto e condições específicas. Em suma, o quadro mostra que as representações sociais
pressupõem quem sabe, sobre o que sabe, o que sabe, onde e como sabe.
202
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO
DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
PROCESSOS E ESTADOS DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
ESTATUTO EPISTEMOLÓGICO DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Cultura (coletiva / de grupo)
valores
modelos
invariantes
suportes
conteúdos
estrutura
processos
lógica
Valor de verdade
relações entre pensamentos natural e
científico
difusão dos conhecimentos
transformação de um saber em outro
epistemologia do senso comum
Representação e Ciência
Linguagem e Comunicação
interpessoal
institucional
midiática
Representação e Real
Defasagem
distorção
subtração
suplementação
Sociedade
partilha e vínculo social
contexto ideológico, histórico
inscrição social
posição
lugar e função sociais
pertença grupal
organização social
instituições
vida dos grupos
compromisso psicossocial
PRÁTICA
Experiência Ação
Função das representações sociais
Eficácia das representações sociais
Valor de realidade
Quem sabe e de onde sabe? O que e como sabe? Sobre o que sabe e com que efeitos?
Quadro 4.2 – O espaço de estudo das representações sociais
Fonte: Jodelet, 2001, p. 33.
Os estudos das representações sociais possuem dois eixos de preocupação, quando se
considera o conhecimento científico: um eixo considera que as representações sociais são um
obstáculo à assimilação do conhecimento científico, enquanto o outro eixo considera que a
fabricação do conhecimento popular permite a apropriação social da ciência, havendo uma
distinção do pensamento natural em relação ao científico. Grize (2001) aborda a lógica
natural, buscando compreender como aquilo dito ou escrito por alguém diz as suas
representações sobre determinado objeto ao destinatário. Nesse sentido, a lógica natural é
aquela expressa por meio das línguas naturais, que considera tanto conteúdos como formas do
epistêmico
psicológico
social
coletivo
construção
REPRESENTAÇÃO
FORMA DE SABER
OBJETO SUJEITO
expressão
humano
social
ideal
material
interpretação
simbolização
203
pensamento (natural), da mesma maneira que forma e conteúdo são indissociáveis nas
representações sociais. O conhecimento científico, por outro lado, é transmitido por
esquematizações hipotético-dedutivas, sem possuir a vocação prática das representações
sociais e da lógica natural. A representação social é definida, então, como
[...] uma forma de conhecimento bem particular, não redutível a um conhecimento
científico degradado ou falso. Extrai seus conteúdos de vários campos; funciona por
tradução, articulação, empréstimo, semelhança; produz um verossímil para
convencer; é paradoxalmente conhecimento/desconhecimento em relação recíproca
com a prática (GRIZE et al., 1986 apud GRIZE, 2001, p. 131).
As representações sociais não podem, portanto, serem consideradas como conhecimento
inválido ou enviesado, mas sim adaptado à ação e corroborado por ela, permitindo a
compreensão dos mecanismos do pensamento (JODELET, 2001). Daí, tem-se
[...] um postulado fundamental no estudo das representações sociais: o da inter-
relação, da correspondência, entre as formas de organização e de comunicação
sociais e as modalidades do pensamento social, considerado sob o ângulo de suas
categorias, de suas operações e de sua lógica (JODELET, 2001, p. 29).
A comunicação exerce o papel de trocas e interações no universo consensual de construção
das representações sociais, como apontado. É por meio da comunicação que o indivíduo
recebe as influências e apreende o sentimento de pertencimento social. Moscovici (1978 apud
JODELET, 2001) identifica três níveis de incidência da comunicação: as condições nas quais
emergem, afetando aspectos cognitivos; processos de formação das representações sociais,
nas quais a objetivação e a ancoragem explicam a interdependência entre a atividade cognitiva
e suas condições sociais de exercício; dimensões das representações sociais relacionadas à
edificação das condutas sociais. Jodelet (2001) ressalta, portanto, que a comunicação, sendo o
vetor de transmissão da linguagem, é portadora em si mesma de representações, incidindo
sobre aspectos estruturais e formais do pensamento social, engajando processos de interação
204
social, influência, consenso ou discenso e polêmica. Ela forja representações, versões da
realidade, comuns e compartilhadas.
Como assinalado, a comunicação na Empresa TI e na Organização OP ocorrem por
diferentes veículos. Na Empresa TI, ela é um importante instrumento utilizado pela gestão de
Recursos Humanos para difundir a cultura corporativa da organização. Chauí (1980b) já havia
apontado que a comunicação propaga o discurso ideológico, silencia as contradições desse
discurso pelo não preenchimento de suas lacunas, e procura dominar a todos no ambiente
social. É por meio da comunicação institucional que o Grupo dos líderes divulga as
representações sociais de trabalho e de organização. Essas representações são construídas de
forma a manter sob controle os interesses que sejam inconciliáveis com os interesses da
organização. Este aspecto da comunicação será abordado nas próximas seções, assim como
sua implicação na construção das representações sociais.
As representações sociais estão também ligadas à estrutura e às relações sociais. Nesse
sentido, a adesão às representações sociais se dá como forma de interação e adesão social e de
pertencimento ao grupo. Destaca-se que os grupos influenciam os pensamentos dos seus
membros, definindo os contornos e identidades pelas representações sociais. Segundo
Durkheim (1895, apud JODELET, 2001, p. 34), “[...] o que as representações coletivas
traduzem é o modo como o grupo se pensa em suas relações com os objetos que o afetam”.
Piaget (1976, apud JODELET, 2001) aborda as representações sociais como um modo de
conhecimento sociocêntrico, que serve aos interesses, desejos e necessidades do grupo. Nesse
sentido, o conteúdo das representações sociais sofre três efeitos: distorções, quando se
acentuam ou se atenuam alguns aspectos do objeto; suplementação, quando são conferidos
205
atributos adicionais ao objeto; e subtração, quando são suprimidos alguns atributos,
geralmente em razão de normas sociais.
As representações da cultura são concebidas conforme as relações com o mundo, por meio de
valores, modelos de vida, imposições ou desejos específicos, peculiares a determinada
condição social (JODELET, 2001). Sperber (2001) afirma que o conteúdo de uma
representação não é uma descrição, mas uma interpretação, ou seja, uma representação da
representação.
Sperber (2001) ainda acrescenta que as tradições são representações culturais que são
transmitidas de uma geração a outra, sendo mais estáveis, enquanto representações
culturais típicas das culturas modernas que se difundem e terminam rapidamente. Também
existe uma tendência de que as representações sejam transformadas, mais que reproduzidas,
quando são transmitidas.
Harré (2001) defende o desenvolvimento do conceito de social de forma mais consistente.
Nas representações coletivas de Durkheim, ele está restrito à reunião de pessoas que possuem
crenças semelhantes. Entretanto, Harré (2001) ressalta que os estudos sobre representações
sociais devem considerar os grupos reais como conjunto de pessoas que formam o coletivo
pelas relações internas que compartilham. Nesse sentido, as práticas lingüísticas dão suporte
às representações sociais, por meio das palavras. Esse autor conceitua representação social
como a versão de uma teoria, podendo ser expressa por ações, mas, na maioria das vezes, por
atividades simbólicas, enfatizando o vínculo com a lingüística: “As representações sociais
existem nas estruturas formais, sintáticas, das línguas faladas e escritas, tanto quanto na
organização semântica de seus léxicos” (HARRÉ, 2001, p. 107).
206
Harré (2001) aponta ainda que a Psicologia foi dominada pelo pensamento cartesiano, tanto
no Behaviorismo quanto na Fenomenologia. Ele defende o que ele denomina
Construcionismo como uma alternativa, que considera que a cognição se localiza, antes de
tudo, na conversação situada entre o público e o coletivo. Acrescenta ainda que a linguagem
expressa valores, crenças e atitudes próprias do grupo e da sociedade na qual é utilizada.
Windisch (2001) aborda a Sociolingüística, que se preocupa com as variações sociais que o
comportamento lingüístico pode adotar. O funcionamento da linguagem no dia-a-dia, assim
como o pensamento social, pode contemplar convergências e divergências, sendo de difícil
sistematização. Moscovici (2003) também ressalta o papel da linguagem, pois é por meio dela
que expressamos nossos pensamentos. Nesse sentido, o pensar “[...] se torna atividade
ruidosa, pública, que satisfaz a necessidade de comunicação e com isso mantém e consolida o
grupo, enquanto comunica a característica que cada membro exige dele” (MOSCOVICI,
2003, p. 51). É por meio da conversação que a cumplicidade e as convenções lingüísticas
reforçam os nós de estabilidade e recorrência que formam a “[...] base comum de significância
entre seus participantes” (MOSCOVICI, 2003, p. 51).
Windisch (2001) também ressalta o caráter dinâmico das representações sociais, que estão o
tempo todo reconstruindo socialmente a realidade. Entretanto, a flexibilidade das
representações sociais depende da rigidez cognitiva dos seus processos de construção, de
acordo com o pensamento social específico do grupo onde as representações sociais são
construídas.
207
O processo cognitivo de construção das representações sociais, assim como o funcionamento
do pensamento social, contemplam não somente as dimensões lógicas e intelectuais, mas
também afetiva e emotiva. Windisch (2001) aponta também como as redes de relacionamento,
numa sociedade complexa, contribuem para a construção de múltiplas representações sociais,
provocadas pela alteridade na contemporaneidade.
Abric (2001), por meio de experimentações no estudo das representações sociais, desenvolveu
a chamada teoria do núcleo central das representações sociais. (2003) ressalta, entretanto,
que ela deve ser considerada como uma abordagem complementar à teoria das representações
sociais. Embora a teoria do núcleo central tenha sido desenvolvida a partir de uma tradição
metodológica experimental, os pesquisadores do Grupo do Midi
34
, ao qual pertence Abric,
reforçam a necessidade de uma abordagem plurimetodológica das representações.
Segundo a teoria do núcleo central, as representações sociais possuem elementos periféricos,
que são os primeiros a serem modificados quando a representação é exposta a situações de
mudança, enquanto o elemento central (núcleo) permanece estável, a menos que a situação de
mudança seja extrema. Nesse sentido, mudanças no núcleo central representariam mudanças
na própria representação, enquanto em seus elementos periféricos não implicariam o mesmo
efeito (ABRIC, 2001). Flament (2001) acrescenta que o cleo central é o subconjunto da
representação e, estando ausente, significa a desestruturação da própria representação.
Abric (1994d apud SÁ, 2002) aponta duas dimensões que podem ser assumidas pelo núcleo
central, de acordo com a natureza do objeto representado e da relação do sujeito com esse
34
Grupo de pesquisadores do sul da França, de uma região próxima ao Mediterrâneo.
208
objeto: a dimensão funcional, com finalidade operatória; a dimensão normativa, relativa às
dimensões socioafetivas, sociais ou ideológicas.
A articulação entre os elementos centrais das representações sociais e dos elementos
periféricos constitui a hipótese da condicionalidade, segundo a qual o sistema periférico é
condicionado pelo sistema central, assim como suas relações com ele. Nesse sentido, não cabe
determinar se os elementos periféricos são menos ou mais importantes que os centrais, mas
sim suas diferentes funções em relação às representações sociais (SÁ, 2002).
Nas seções seguintes, serão analisadas as representações sociais de trabalho e de organização
construídas na Organização OP e na Empresa TI, articuladas às condições de produção que
determinam essas representações.
209
4.1
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NAS ORGANIZAÇÕES
Conforme assinalado, a teoria das representações sociais se preocupa não apenas com o
conteúdo, mas sobretudo com as condições em que as representações foram produzidas
(JODELET, 2001; MOSCOVICI, 2001; 2003). Esta pesquisa pretendeu abordar três
elementos que constituem condições de produção das representações sociais de trabalho e de
organização: configurações organizacionais, cultura e poder. De fato, esses três elementos se
engendram, se recombinam e se completam na construção das representações nas duas
organizações pesquisadas.
Na abordagem sobre cultura nas organizações, foram identificados grupos nas organizações.
Jodelet (2001) aponta a cultura do grupo como condição de produção e circulação das
representações sociais pelo compartilhamento de valores nos grupos. A inscrição social, dada
pelo lugar e função sociais, também compõe as condições de produção das representações.
Com base nisso, foi possível verificar como os grupos e a posição na estrutura organizacional
levaram a diferentes valores e crenças compartilhados em cada grupo. Nesse sentido, as
representações sociais de trabalho e de organização serão abordadas de acordo com os grupos
identificados nas organizações pesquisadas.
4.1.1
Representações sociais na Organização OP
4.1.1.1
Grupo dos membros
Os membros formam o grupo que mais se identifica com a Organização OP, pela natureza de
sua atividade e pela finalidade da instituição. De fato, eles são a própria Organização OP. A
210
representação da organização, para eles, é associada à própria identidade. Nesse sentido, as
representações sociais da organização para este grupo são a tradução da própria imagem, por
serem eles a própria instituição, como já assinalado.
Segundo Jodelet (2001), as representações dão lugar a versões da realidade, traduzidas em
imagens que possuem significações sobre os objetos representados. A imagem, dessa forma,
traduz o senso comum, fazendo parte do quadro das representações sociais de trabalho e de
organização. As imagens representadas da Organização OP pelos diferentes grupos, mesmo
semelhantes, denotam características distintas de acordo com o grupo que as produziu. Nas
próximas seções, também serão apontadas as imagens da instituição produzidas pelos grupos
de servidores.
A Organização OP é representada, pelos membros, como “instrumental de justiça” na
sociedade, representação esta que está relacionada ao profissional de Direito. Expressões
como “maior sensação de realização de justiça” denotam essa representação. A “eterna
vigilância” é outra representação social que corrobora a primeira, também relacionada à
profissão jurídica: “[...] impede que outras [coisas] sejam feitas, porque virão em prejuízo da
comunidade” (Entrevistado 10, Organização OP, membro).
Essas imagens da Organização OP representadas pelos membros se sobrepõem às
representações sociais do trabalho que eles executam, pela natureza jurídica da instituição.
Não é a Organização OP que proporciona a “realização de justiça” ou “impede” que sejam
cometidos atos que prejudiquem a sociedade, mas o próprio trabalho que os membros
desenvolvem. Essas representações de trabalho também são corroboradas pela autonomia
funcional e pela independência que os membros possuem, pois, independentemente da
211
Organização OP, o resultado esperado do trabalho deles é de “instrumental de justiça” e
“eterna vigilância”.
As representações sociais de trabalho e de organização estão também associadas à estrutura da
instituição, enquanto uma Burocracia Profissional. Os profissionais executam seu trabalho de
forma independente e autônoma. Isso leva a um isolamento dos profissionais, não sendo um
ambiente de trabalho cooperativo, com interação entre os membros. Em alguns trechos de
entrevistas, os membros apontaram esse aspecto como motivo da fragmentação das
atividades, cada um trabalhando em sua especialidade. Entretanto, pela expectativa jurídica da
instituição, ela é representada como uma reunião de profissionais que trabalham em prol do
bem comum. Ou seja, denotam uma coesão em termos de objetivos e condutas, que é
associado à profissão. O trabalho, portanto, é representado como exemplo para a sociedade,
pois busca a legalidade, a isonomia e o bem da sociedade:
Até mesmo para servir de exemplo para os demais que estão aí errando. E depois,
estamos cumprindo o mandamento da lei [...]. Tem uma lei aí, se a gente estiver
com conflito de consciência e não quiser mais exercer essa profissão, é melhor ir
trabalhar em outra área (Entrevistado 9, Organização OP, membro).
As finalidades do trabalho e da organização se confundem, levando a representações
semelhantes. Além disso, o trabalho é representado como parte da identidade do membro. A
imagem do trabalho representada como “proporcionar justiça”, “defender a legalidade e o
bem comum” (Entrevistado 9, Organização OP, membro) é incorporada à própria identidade
do membro. Evidências disso são expressões como “integrado na nossa maneira de ser” e
“começa a fazer um modo de vida dele”, citadas por um dos membros entrevistados.
A história de uma vida digna e honrada entre a maioria dos membros da instituição,
eu creio que deva também à própria essência. Quem escolhe essa profissão sabe o
que vai fazer, tem em mente que vai trabalhar como fiscal da lei (Entrevistado 9,
Organização OP, membro).
212
A representação da Organização OP pelos membros reforça a separação entre eles e os
servidores. A estrutura administrativa destes é auxiliar, chegando a ser considerada
dispensável à instituição. É como se não existisse essa estrutura dentro da instituição:
Nosso organograma é muito simples, nós temos membros e membros superiores,
são as duas grandes alas na qual se divide a nossa instituição. Isso realmente faz
diferença. As demais diferenças que você puder encontrar por aí, elas são
absolutamente imperceptíveis aos olhos da população e a mesmo para nós que
estamos na classe (Entrevistado 9, Organização OP, membro).
Ou seja, a área técnico-administrativa nem é citada como integrante da instituição. Essa visão
dos servidores pelos membros implica em representações sociais da organização e do trabalho
por parte dos servidores associadas à posição auxiliar destes na Organização OP, como será
visto adiante.
Dejours (1999) aborda os significados atribuídos ao trabalho. Dentre eles, o trabalho pode
significar forma de poder, crescimento moral, meio de aquisição material, sustento da família.
O significado do trabalho é também uma das formas de representá-lo, e não está dissociado da
cultura, da posição e das relações entre os atores sociais. As representações sociais
[...] apóiam-se em valores variáveis segundo os grupos sociais de onde tiram suas
significações e em saberes anteriores, reavivados por uma situação social
particular [...] Estão ligadas tanto a sistemas de pensamento mais amplos,
ideológicos ou culturais, a um estado de conhecimentos científicos, quanto à
condição social e à esfera da experiência privada e afetiva dos indivíduos
(JODELET, 2001, p.21).
Os significados atribuídos ao trabalho variaram em cada grupo nas organizações pesquisadas.
Os significados apontados pelos membros estão associados à importância social do trabalho
na sociedade e à identidade que eles constroem a partir da profissão. O significado econômico
do trabalho foi apontado superficialmente, sendo-lhe imputada importância secundária: “[...]
213
hoje nós temos uma situação financeira razoável, que faz com que a gente tenha uma certa
estabilidade para levar a vida do jeito que a gente está levando” (Entrevistado 10,
Organização OP, membro).
Paradoxalmente, este é o grupo mais bem remunerado dentre os grupos da instituição. Uma
hipótese disso pode ser a estabilidade proporcionada pelo salário, o que significaria uma
preocupação a menos. O trabalho, portanto, passaria a estar desvinculado do aspecto
financeiro, por este ser um problema resolvido. O foco, então, seria no trabalho e na
satisfação enquanto meio de crescimento pessoal e profissional dos membros.
4.1.1.2
Grupo de 94
As imagens da Organização OP representadas pelo Grupo de 94 estão associadas à posição
deste grupo na instituição. Os integrantes desse grupo não associam a imagem da organização
à própria imagem, pois têm consciência da função auxiliar que exercem na instituição. Porém,
sentem-se parte da Organização OP e consideram que, mesmo indiretamente, participam do
trabalho que a instituição realiza na sociedade. Nesse sentido, a imagem representada da
Organização OP é também de “instrumental de justiça”. Essa imagem, como já visto, é
considerada para este grupo como uma imagem consolidada, correspondente à posição em
que os integrantes do Grupo de 94 se encontram na Organização OP. Essa representação da
instituição também está associada à representação do próprio trabalho. Na medida em que este
é representado como reconhecido, importante para a instituição, a imagem da Organização OP
é representada também positivamente, tanto interna quanto externa. A imagem interna
também é representada como de uma instituição que prega a legalidade e a pratica
214
internamente. Alguns entrevistados deste grupo usaram expressões como “proba”, “boa”,
“respeitada”, “benquista”, “de credibilidade”, que corroboram essa representação.
Mais além de considerar a Organização OP como uma instituição de credibilidade, ela é
referenciada como “ilha de eficiência”, como já assinalado. Essa representação a diferencia na
administração pública. Não se rompe com o estereótipo de organizações públicas que faz
parte do ideário neoliberal, no qual prevalecem a ineficiência do Estado e a centralidade das
empresas privadas globais como modelos de eficiência na sociedade. As representações
sociais da Organização OP e do próprio trabalho, enquanto forma de articulação do indivíduo
com o mundo, são produzidas de forma a dedicar um lugar especial aos integrantes do grupo
na sociedade. Fazer parte da instituição não é ser aquele servidor público que todos criticam,
mas é ser um profissional que desenvolve um trabalho importante socialmente e participa de
uma organização que tem “credibilidade”, é boa” e “respeitada”, diferente das demais
instituições públicas:
O que você em outros órgãos públicos aí, você não aqui na Organização OP
(Entrevistado 7, Organização OP, oficial).
A gente sabe, por ouvir falar, e a mesmo quando a gente precisa, que m uns
órgãos que ninguém quer saber de trabalhar, atender as pessoas. Mas aqui a gente
trabalha mesmo, de verdade (Entrevistada 6, Organização OP, oficiala).
Apesar dos servidores serem auxiliares na Organização OP, os integrantes do Grupo de 94
ressaltam a importância do trabalho que eles desenvolvem para que a instituição consiga
alcançar os seus objetivos. Ao invés de auxiliar, preferem representar o trabalho como “parte
de”, pois auxiliar pode ser assessório, descartável, mas enquanto “parte de”, o próprio
trabalho passa a ser essencial. Isso ajuda a manter o lugar especial que eles buscam na
organização e na sociedade. Por ocuparem posições privilegiadas em relação aos demais
servidores, reafirmam a valorização do seu trabalho na instituição, inclusive pelos membros.
215
Em virtude disso, eles representam o trabalho como meio pelo qual se inserem socialmente
pela atividade que desenvolvem.
Isso aqui dá prazer, porque você se vê valorizado, você sabe que pode pensar
(Entrevistado 3, Organização OP, técnico).
Se as suas idéias são desenvolvidas, se você é ouvido [...] isso tudo acho que é
obrigação da gente desenvolver (Entrevistada 1, Organização OP,
diretora/superintendente).
A relevância social do trabalho da instituição é também associada à parcela de contribuição
dos servidores neste trabalho. Adjetivos como “digno”, “bonito”, atribuídos ao trabalho por
alguns entrevistados, o motivos para que as pessoas trabalhem com “zelo”, “carinho” e
“doação”.
Por outro lado, o trabalho como meio de inserção no mercado de consumo é também
apontado pelo Grupo de 94. “Eu acho que o ideal é quando vo trabalha, é reconhecido,
claro, é remunerado adequadamente, mas vose sente bem” (Entrevistado 7, Organização
OP, oficial).
O significado financeiro do trabalho não é descartado pelo Grupo de 94, mas é associado à
inserção social (profissional e financeira) que o trabalho proporciona:
[...] é daqui que você tira seu sustento, sua formação, suas aquisições (Entrevistada
6, Organização OP, oficiala).
O trabalho é tudo. É graças a ele que o meu filho pode fazer odonto na PUC. A
minha filha pode estudar num colégio particular bom, ter bons cursos. Eu cresci
como ser humano. Aprendi muito. Me ensinou muito (Entrevistada 2, Organização
OP, diretora/superintendente).
216
4.1.1.3
Grupo pós 99
O Grupo pós 99 é aquele que mais internaliza a posição auxiliar dos servidores em relação aos
membros. A distância entre eles é marcante para este grupo. Além disso, conforme foi
apontado, eles entendem que existe um grupo de servidores que goza de benefícios, pelo traço
personalista que existe na instituição. Porém, o Grupo pós 99 é formado por indivíduos que
buscam a identificação com a Organização OP, apesar dos problemas que eles consideram
que existem internamente. A implicação disso na produção de representações sociais da
instituição é a bipolaridade das imagens que eles representam da Organização OP: uma
imagem interna e uma imagem externa. Como já visto, a imagem externa é de uma instituição
que está mostrando o seu valor para a sociedade, e que tem condições de aumentar ainda mais
sua relevância social. Essa imagem é associada à representação do próprio trabalho na
Organização OP. Os integrantes deste grupo consideram o trabalho que desenvolvem
importante para os objetivos da instituição. Porém, esse trabalho precisa ser melhor
reconhecido internamente na Organização OP, fazendo crescer a sua participação nas ações da
instituição também na sociedade. Ou seja, o trabalho tem potencial, mas este é podado pela
estrutura da organização. Se, no concreto, o trabalho apresenta fragilidades em sua referência,
a organização torna-se a âncora.
Por outro lado, a imagem interna da Organização OP representada pelo Grupo pós 99 revela
as disfunções que seus integrantes entendem existir na instituição. Essa imagem interna, como
assinalado, preserva a própria imagem do grupo, pois aponta problemas que não afetam a
imagem da Organização OP perante a sociedade, imagem esta da organização da qual o
Grupo pós 99 faz parte. A expressão “não basta parecer ser, tem que ser” utilizada por um dos
entrevistados traduz essa imagem bipolarizada que é representada pelo grupo.
217
A posição do grupo na organização também leva à produção das representações acima. Sendo
servidores que foram admitidos na instituição por meio de concurso público, eles gozam de
estabilidade e entendem ter autonomia para expressar suas opiniões, independente de ir contra
ou não os interesses das chefias, ou da administração superior. Desde que não haja desacato,
agressão ou qualquer atitude que resulte em ação administrativa passível de demissão, os
servidores deste grupo afirmam que podem trabalhar com maior autonomia e liberdade de
opinião. Isso é registrado em depoimentos como “[...] não é qualquer coisa que você vai ser
chutado pra fora” (Entrevistado 5, Organização OP, técnico), e “[...] você tem todo o processo
administrativo, em que lhe é garantida ampla defesa” (Entrevistada 6, Organização OP,
oficiala). Porém, os integrantes deste grupo entendem que a estrutura organizacional torna os
servidores metódicos e disciplinados (MERTON, 1978), de forma que eles se tornam
acomodados e limitados em sua atuação. Um aspecto a ser ressaltado é a atribuição dessa
acomodação, no sentido de falta de motivação e até mesmo de comprometimento com o
trabalho e com a coisa pública, representada na terceira pessoa: existem pessoas na
instituição”, “tem gente que acha que serviço blico é aposentadoria” são exemplos disso.
Mais uma vez percebe-se a imagem bipolarizada, dessa vez em relação ao trabalho. Enquanto
“sou eu”, o trabalho é realizado com comprometimento, dedicação, independentemente de ser
uma organização pública ou privada. Porém, quanto “aos outros”, não posso dizer a mesma
coisa.
A bipolarização da representação da organização e do trabalho cumpre a função das
representações sociais de possibilitar ao indivíduo se articular com o meio social onde está
inserido. O trabalho, fazendo parte da identidade do indivíduo, é o que sentido à sua
existência social (GOLDFINGER, 2002). O servidor, sendo reduzido a uma célula do
218
organograma (MOTTA, 1986), perderia sua identidade profissional, seu sentido da vida.
Diante disso, ele constrói representações que lhe forneçam referências no trabalho que lhe
possibilitem a inserção social. Daí, mesmo existindo servidores que não valorizam o trabalho
na Organização OP, o indivíduo se diferencia desses servidores, independente do meio social
ao qual pertence. No trecho a seguir, apesar da estabilidade na administração pública, o
servidor ressalta que a postura diante dela depende de cada um.
Estabilidade é um conforto que você tem. Mas, eu não confundo isso com
comodismo. Eu não paro de estudar, e não fico deitado em berço esplêndido
também não. Estou sempre buscando melhorar e me aprimorar. Agora, essas
diferenças, eu acho que depende da postura. Se você tem a postura séria, o seu
desempenho é igual tanto aqui como lá (Entrevistado 6, Organização OP, técnico).
A Organização OP é representada também como uma organização fragmentada, na qual cada
área trabalha de forma independente e desintegrada. Essa fragmentação é também reforçada
pela dispersão geográfica, conforme apontado. O desconhecimento do trabalho que cada
um faz, e a conseqüente desvalorização em virtude desse desconhecimento implica
representações do próprio trabalho como aquém do que poderia ser feito. Novamente, essa
representação está engendrada à representação da imagem externa da organização. A
“abertura do leque” de atuação da própria área apontada por um dos entrevistados está
associada à sua mesma afirmação de que a “Organização OP tem muito o que mostrar ainda
na sociedade” e que precisa “mostrar a cara” (Entrevistado 5, Organização OP, técnico).
O significado atribuído ao trabalho pelo Grupo s 99 está relacionado à inserção econômica
proporcionada por ele. A estabilidade do servidor público corrobora esse significado, uma vez
que ela proporciona tranqüilidade financeira para o indivíduo. Esse significado financeiro não
implica almejar altos salários, mas ter uma regularidade financeira, de forma a poder planejar
o futuro, sem a ameaça de não poder cumprir os compromissos:
219
O trabalho, na verdade, é o que me o sustento (Entrevistado 6, Organização OP,
membro).
Agora, com relação a minha perspectiva para fora, iniciativa privada, jamais, porque
a cobrança é muito grande, o desgaste muito grande [...] você é ameaçado de
demissão o tempo todo [...]. Às vezes o salário é até maior, como muitas vezes é,
mas não compensa (Entrevistado 8, Organização OP, oficial).
Nesse sentido, utiliza-se um “sistema de compensação” onde características de realização
pessoal, as sociabilidades e autonomia construtivas são substituídas pelo “sustento”,
tranqüilidade no posto de trabalho, ausência de ameaças de perda do emprego, dentre outros.
O trabalho enquanto identidade profissional, que proporciona uma função social ao servidor, é
um significado em construção. Desde que a Organização OP passe a valorizar o trabalho
realizado pelos integrantes do Grupo pós 99, então o significado para esses servidores pode ir
além da estabilidade financeira.
4.1.2
Representações sociais na Empresa TI
4.1.2.1
Grupo dos líderes
O grupo dos líderes, como assinalado, representa a cultura corporativa na Empresa TI. Este é
o grupo que busca a homogeneização cultural, influenciando valores, condutas, ritos e mitos
para todos os grupos na organização. Também foi ressaltado como a gestão de Recursos
Humanos busca propagar essa cultura corporativa, com práticas modernas de gestão e uma
comunicação que procura atingir a todos. Essa comunicação é, paradoxalmente, abrangente e
lacunar. Entretanto, conforme Chauí (1980b), existe de fato a intencionalidade desse
220
paradoxo, de forma a representar transparência, mas sem preencher as lacunas que possam vir
a derrubar o discurso ideológico.
Guareschi (1995) aborda a relação entre a ideologia e as representações sociais. Segundo ele,
o conceito de ideologia permite compreender que as dimensões éticas, valorativa e crítica
estão presentes nas ações e, portanto, também fazem parte das representações sociais.
Desconsiderá-lo seria reduzir o estudo das representações sociais, perdendo sua importante
dimensão política. De fato, esta pesquisa optou por compreender a ideologia como um dos
elementos do poder, e sua implicação na construção das representações sociais.
A Empresa TI, para o grupo dos líderes, é representada como uma organização global,
inserida em um contexto também global, sofrendo a pressão desse ambiente. É, portanto, uma
empresa que atua em um mercado competitivo e que precisa estar à frente dos concorrentes.
Essa representação vai ao encontro do ideário neoliberal e ao contexto da globalização,
segundo os quais o mercado é quem dita as normas para as empresas, e também para a
sociedade que precisam estar adequadas a essas normas. Para manter a competitividade, ela
precisa contar com o envolvimento dos trabalhadores para alcançar os objetivos da
organização, mesmo que sejam diferentes ou contraditórios no que se refere aos objetivos
individuais desses trabalhadores. Por outro lado, a Empresa TI é também representada pelo
Grupo dos líderes como uma organização que se preocupa com seus empregados, que cuida
deles. A despeito da hostilidade do ambiente externo à Empresa TI, em que faltam postos de
trabalho, ou os poucos que existem são desvalorizados, ela é representada como “aquela”
organização que valoriza seus trabalhadores, remunerando-os pelo menos como o mercado e
contribuindo para o seu crescimento profissional e pessoal.
221
O Grupo dos líderes, portanto, combina duas representações da Empresa TI de forma a manter
o posicionamento no Grupo GIM: a de uma organização global que atua em um mercado
instável e competitivo à de uma empresa que cuida dos seus empregados, apesar das ameaças
e instabilidades externas. Essa representação é reforçada não apenas pelo cuidado, mas
também pela instabilidade do ambiente externo, de forma a lembrar aos trabalhadores da
Empresa TI que seus postos de trabalho estão sempre ameaçados pelo mercado. Além de
manter a insegurança dos empregados, a direção da Empresa TI debita ao mercado a “culpa”
pelas vezes em que ela é obrigada a adotar medidas que desconsiderem os objetivos
individuais de seus trabalhadores. Exemplo disso foi a demissão no final de 2006.
A Empresa TI é também representada como uma Adhocracia, e não como uma Burocracia
mecanizada. Naquela representação, não haveria espaço para a concentração de poder, o que
favorece o discurso ideológico da quase inexistência de hierarquia, corroborada pelo “fetiche
da igualdade” (SALES, 1994) e pelo termo colaborador”. Sendo assim, os interesses da
Empresa TI são os que devem ser alcançados, em detrimento dos interesses individuais, e as
eventuais resistências e conflitos são mantidos sob controle (PIMENTA e CORRÊA; 2007).
As representações sociais do trabalho, para os deres, também são pautados com base nos
resultados que se espera da organização e, portanto, de seus trabalhadores. A definição de
“comportamentos essenciais” a serem seguidos pelos trabalhadores é articulada aos objetivos
da empresa, que devem guiar os objetivos do trabalho dos empregados. Dessa forma, o
trabalho é representado como “gerador de resultados”. O significado atribuído ao trabalho está
relacionado a essa geração de resultados, de forma que o indivíduo cresça profissionalmente
para fazer parte do contexto contemporâneo.
222
Você tem que gerar algum resultado, você tem que se sentir útil, eu acho que é isso
que é o resultado do trabalho. A satisfação com o trabalho é muito importante por
isso, para que você se sinta útil, que a gente sinta que está surtindo algum efeito,
gerando algum resultado pra alguém (Entrevistada 11, Empresa TI, gestora).
As representações sociais cumprem, portanto, seu papel de articulação com o mundo para o
grupo dos líderes.
4.1.2.2
Grupo intermediário
O grupo intermediário, sendo o que mais absorve a cultura corporativa da Empresa TI, produz
representações sociais semelhantes às do grupo dos deres. Entretanto, elas diferem pelas
condições de construção. A representação da Empresa TI como uma empresa global, inserida
em um contexto competitivo, reforça a valorização técnica e de capacidade de inserção da
organização em contextos complexos.
A comunicação exerce sobre este grupo a maior influência dentro da Empresa TI. Para seus
integrantes, a organização comunica “tudo”, e não deixa seus colaboradores” sem
conhecimento de nada do que esteja acontecendo com a empresa, seja internamente, seja em
seu contexto de atuação. Um exemplo disso é a transparência apontada em relação à
divulgação do plano de cargos e salários, nos
workshops
realizados com esta finalidade. O
eventual não esclarecimento do funcionamento do plano, mesmo após as apresentações, foi
atribuído à dificuldade em compreender a estrutura organizacional matricial da empresa: “(...)
saindo de uma estrutura hierárquica, onde tinha cargo A, que manda no cargo B (...)
(Entrevistado 20, Empresa TI, gestor). Nesse sentido, a representação da estrutura
organizacional, para o grupo intermediário, também corresponde à representação dos líderes,
ou seja, de uma Adhocracia.
223
Outra representação da Empresa TI é a de organização que se preocupa e valoriza os seus
trabalhadores. Essa representação é produzida a partir das ações da gestão de Recursos
Humanos, sobretudo a comunicação. O reforço dos benefícios e das qualidades associadas ao
“cuidar do colaborador” contribui para a construção dessa representação. Pimenta e Corrêa
(2007) apontam a sedução como um dos elementos da “arte da gestão contemporânea”. Por
meio dela, a organização consegue que o empregado trabalhe em prol dos objetivos da
empresa, e ainda a tenha como a instituição que lhe fornece fontes de identificação. Lima
(1995) e Enriquez (1997) também abordam esses aspectos das modernas tecnologias de
gestão de Recursos Humanos. De fato, o grupo intermediário absorve os valores e condutas
ditadas pela organização, e a representam como a segunda casa, que lhe fornece essas fontes
identitárias: “Então a Empresa TI, pra mim, é uma segunda casa. É um lugar onde eu tenho
amigos, tenho bons relacionamentos, que me oportunidade de crescer, que me valoriza e
que, pra mim, tem sido ótimo trabalhar” (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
A representação de uma empresa global associada à representação de uma empresa que
valoriza e se preocupa com as pessoas, compartilhada por este grupo e o grupo dos líderes, é
evidenciada no trecho a seguir:
O mercado enxerga isso como paternalismo, ou como, como eu diria,
superproteção. E eu acho que isso não é bem verdade. Nós temos metas, temos
desafios, temos indicadores, precisamos estar cada vez mais conectados com o
mercado, o mercado exige. E por outro lado, a valorização da pessoa é intensa
(Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
Mesmo sendo apontada como paternalista, ou como a protetora do trabalhador frente às
instabilidades do mercado, a Empresa TI não deixa de ser representada como uma empresa
global, grande como as grandes”. Diante disso, o trabalhador lhe dedica a sua lealdade, e
224
abre mão de seus interesses particulares em prol dos objetivos maiores, ou seja, os da
organização.
O trabalho, por sua vez, é representado conforme as novas condições e relações de trabalho na
contemporaneidade. “Cada vez mais as pessoas vão ser desafiadas a assumirem novas
funções” (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor). Além disso, o trabalho é um constante
desafio para que a empresa atinja suas metas e objetivos:
[...] empresa privada, com certeza, é, como diz um gerente geral nosso, no barco,
tem que suar a camisa. E isso é um ponto crucial. Eu acho que a gente faz e
empenha, a gente quer ver o crescimento, quando a empresa prospera a gente
percebe que a parte da gente foi feita, isso é fundamental (Entrevistado 21, Empresa
TI, consultor).
O fato da Empresa TI ser uma empresa global que consegue se sobressair, mesmo tendo que
enfrentar as instabilidades do ambiente, leva a representações do trabalho associados aos
parâmetros de eficiência e de resultado do mercado globalizado. Citações como “nível de
conhecimento mundial”, “metas e resultados”, “geração de resultados” são alguns termos
relacionados ao trabalho. Diante disso, a empresa reserva um lugar para aqueles que estão
engajados com os objetivos da empresa. As ameaças do contexto global, sobretudo a de perda
do emprego, são consideradas como um problema individual. Ou seja, o trabalhador que
estiver alinhado com os objetivos da organização garante o seu posicionamento na Empresa
TI. A responsabilidade social pelo desemprego é atribuída ao indivíduo, com base naquilo que
Guareschi (1995) aponta como representação coletiva de indivíduos responsabilizados por
aquilo que é social.
O significado que é atribuído ao trabalho diz respeito ao crescimento como pessoa e como
profissional, sendo dada uma importância secundária à questão econômica:
225
É um lugar de oportunidade e de realização. É aqui que eu quero trabalhar. Não que
isso seja eterno, mas eu tenho uma característica pessoal, se eu não estiver realizado
enquanto profissional, seja na Empresa TI ou em qualquer outra empresa, eu não
permaneço lá (Entrevistado 20, Empresa TI, gestor).
4.1.2.3
Grupo operacional
O grupo operacional, conforme apontado, também absorve valores e crenças da cultura
corporativa. Porém, sobretudo pela posição que seus integrantes se encontram no ambiente da
Empresa TI, a forma de apreensão dessa cultura leva a representações sociais de trabalho e de
organização diferenciadas, e algumas vezes contrárias às representações dos outros dois
grupos.
A comunicação exerce um papel de forte influência também para este grupo. A Empresa TI é
representada como uma organização transparente, que busca informar tudo a todos. As
lacunas não preenchidas, no entanto, são atribuídas à falha de comunicação dos gerentes e
coordenadores. A empresa, dessa forma, fica preservada, e problemas de comunicação são
transferidos para as relações interpessoais entre superiores e subordinados. “[...] os gerentes
acabam, às vezes, não tratando de uma forma devida a comunicação” (Entrevistado 15,
Empresa TI, técnico).
A representação da Empresa TI como uma empresa global, que faz parte de um grande grupo
industrial, também é compartilhada por este grupo. Porém, diferente do grupo intermediário,
que ressalta a capacidade técnica da organização e a solidez de sua posição no contexto
competitivo do mercado global, o grupo operacional entende haver uma grande insegurança
em relação aos seus postos de trabalho. Nesse sentido, o trabalho precisa ser aquele que
represente sempre uma superação das dificuldades diárias e, muitas vezes, do próprio limite
226
do indivíduo. Do contrário, o trabalhador pode ser descartável em uma empresa que precisa
superar seus concorrentes: “[...] me sentia confortável, por um lado, porque eu estava morto
de cansado, fisicamente. Eu não sei se isso tem muito a ver com a empresa em si ou se isso é
uma coisa particular minha” (Entrevistado 17, Empresa TI, Analista de TI).
No trecho de entrevista acima, ressalta-se o paradoxo entre estar “morto de cansado” e se
sentir “confortável”. É a evidência da pressão devido à insegurança a qual o trabalhador está
sujeito. Essa insegurança é reforçada pela Empresa TI, ao mesmo tempo em que ela atribui
essa situação ao contexto contemporâneo. Na última frase, um outro aspecto é a dúvida
levantada em relação ao problema, se está associado à própria pessoa, ou à empresa. O
entrevistado transfere para o individual um atributo social.
O grupo operacional, por outro lado, constrói representações sociais que são contrárias às
produzidas pelos outros dois grupos. Uma delas se refere à estrutura organizacional. Essa é
representada como uma Burocracia Mecanizada, nos mesmos moldes da estrutura descrita por
Weber (1978). “As decisões da Empresa TI, de forma geral, elas são de cima para baixo, igual
à estrutura organizacional da empresa mesmo” (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
A representação dessa estrutura está associada à concentração de poder, à definição de
funções que os mantêm executando as mesmas atividades durante muito tempo, e também à
postura de espectador dentro da organização.
Além disso, o grupo operacional não partilha da representação de empresa que cuida dos seus
empregados. Pelo contrário, os integrantes deste grupo consideram que as pessoas são
valorizadas dependendo de quem está na situação, reforçando o personalismo na organização.
227
Referências a pessoas com mais “QI”, ou mesmo a evidência do nepotismo, pela referência
aos “sobrenomes de alguns funcionários”, reforçam a contradição. Existe neste grupo uma
visão mais crítica em relação à valorização das pessoas, no sentido de afirmarem que a
“empresa visa o lucro” e, se precisar, “mandam embora o primeiro que estiver na frente”
(Entrevistado 15, Empresa TI, técnico).
Essa representação de empresa que visa ao lucro, acima dos interesses individuais, associada à
representação de empresa global, portanto que atua em um mercado que gera instabilidade aos
trabalhadores, leva a representações sociais do trabalho como mercadoria. Se as leis de
mercado são as que prevalecem e normalizam as relações entre trabalhadores e organizações,
ela é quem dita as normas de venda da força de trabalho. Nesse sentido, o trabalho é a
mercadoria que o trabalhador possui para vender à organização que lhe oferecer mais. A
referência de um dos entrevistados à inexistência de lealdade entre organizações e
trabalhadores ressalta o valor financeiro do trabalho na sociedade. Entretanto, essa
representação vai além do aspecto financeiro. Uma vez que o trabalhador se inseguro em
relação ao seu emprego, ameaçado pelo mercado de trabalho que exige cada vez mais
qualificação, ele pode optar por não criar identificações com a organização a qual pertence.
Nesse sentido, representar o trabalho enquanto mercadoria mantém o trabalhador protegido do
receio de ser excluído da organização à qual pertence. O significado atribuído ao trabalho,
portanto, é relacionado à inserção social pela capacidade econômica do trabalhador:
Todo mundo fala que dinheiro não traz felicidade, mas vai ficar sem para você ver
se a infelicidade não vai ficar ali rodando muito ali à sua porta. Então trabalho hoje
para mim é realmente o dinheiro. Para falar a verdade, se eu ganhasse na loteria eu
não ia trabalhar mais não (Entrevistado 14, Empresa TI, analista).
Através do meu trabalho que eu consigo ganhar dinheiro para poder sair, para poder
dar um presente para a minha mãe, dar um presente para a namorada (Entrevistado
16, Empresa TI, analista).
228
[...] eu posso almejar comprar o meu apartamento, já estou pensando em casar
[...]” (Entrevistado 17, Empresa TI, analista).
Entretanto, a maior parte dos entrevistados do grupo operacional também representa a
Empresa TI como a segunda casa, pois é o lugar que lhes proporciona amigos, trabalho,
crescimento pessoal e profissional. Este, apesar de não ser associado ao crescimento também
na carreira, é relacionado ao aprendizado técnico que eles adquirem na organização, por ser
uma empresa que utiliza as tecnologias mais modernas de informática. Um outro fator que
corrobora essa representação de segunda casa é o desenvolvimento de programas de Recursos
Humanos além do ambiente organizacional. Como visto, os programas de gestão de clima,
bem-estar, estímulos a prática de esportes, e também as ações de responsabilidade social
proporcionam referenciais identitários para esses trabalhadores. Eles se identificam com a
Empresa TI mesmo fora do âmbito profissional, o que os leva a ter a organização como um
local agradável para trabalhar, e também para se divertir, fazer amizades, ajudar o próximo.
229
4.2
CULTURA, PODER, CONFIGURAÇÕES ORGANIZACIONAIS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
O quadro a seguir apresenta uma síntese dos elementos das representações sociais de trabalho
e de organização na Empresa TI e na Organização OP.
Trabalho Organização
Organização OP
Membros
Realização de justiça / Fiscalização
da lei
Exercício da profissão jurídica
Integrado à identidade
Individual, isolado, autônomo
Significado: importância social
Instrumental de justiça / Eterna
vigilância
Especialização / fragmentação
Grupo de
94
“parte do” trabalho da organização
Relevante, reconhecido, valorizado
Significado: inserção social e
estabilidade financeira
Instrumental de justiça
Imagem consolidada na sociedade: ilha
de eficiência
Grupo
pós 99
“auxiliar” em relação à organização
Não reconhecido, desvalorizado,
limitado
Potencialidade podada
Significado: estabilidade financeira
Imagem bipolarizada: externa:
instrumental de justiça / em ascensão
Interna: Personalismo, favorecimentos,
acomodação, fragmentação
Empresa TI
Grupo
dos
líderes
Gerador de resultados
Qualificado, engajado, técnico
Ameaçado pelo contexto global
Significado: inserção na sociedade
contemporânea
Global, competitiva, de grande
capacidade técnica
Aquela que cuida de seus trabalhadores
Transparente, ética
Estrutura: matricial
Grupo
interme-
diário
Direcionado a resultados
Qualificado, engajado, técnico
Ameaçado pelo contexto global e
pelo não engajamento do trabalhador
Significado: crescimento pessoal e
profissional
Global, competitiva, de grande
capacidade técnica
Paternalista / protetora
Transparente, ética
Estrutura: matricial / horizontalizada
Segunda casa
Grupo
opera-
cional
Aquém do que a empresa espera
Instável, ameaçado
Mercadoria
Significado: inserção social pela
capacidade econômica
Global, competitiva, de grande
capacidade técnica
Personalismo / nepotismo /
favorecimentos
Transparência da empresa em
contradição com os gerentes
Estrutura: burocracia mecanizada
Segunda casa (amigos, esporte, festas,
ações sociais)
Quadro 4.3 – Representações sociais nas organizações
230
Embora a Organização OP e a Empresa TI estejam localizadas na mesma cidade e inseridas
em uma mesma sociedade, a realidade compartilhada por seus atores apresenta diferenças
significativas. O presente estudo se baseou nas configurações organizacionais de cada uma
delas, na sua cultura e na forma como se estabelecem as relações de poder, a fim de
compreender as representações sociais de trabalho e de organização produzidas por seus
trabalhadores. Entretanto, esses três elementos de análise são influenciados pelo contexto da
contemporaneidade.
A gestão de Recursos Humanos na Empresa TI possui uma política muito bem definida. Ela é
a maior difusora da cultura ascendente. A comunicação oficial se antecipa à comunicação
informal, mantendo sob controle grande parte das informações que atravessam a organização.
Os programas de gestão do clima organizacional, o “Viva voz”, o bem-estar Empresa TI
mantêm para os funcionários um ambiente de trabalho saudável, demonstrando a preocupação
com as pessoas. Os mecanismos de controle tradicionais foram modificados e o “fetiche da
igualdade” é moeda corrente na organização.
Nesse sentido, a cultura corporativa da Empresa TI leva a representações sociais de trabalho e
de organização mais adequadas a essa cultura, produzidas pelo grupo dos líderes. A gestão de
Recursos Humanos é baseada nos objetivos deste grupo.
O grupo intermediário absorve a cultura corporativa e compartilha os valores e crenças dos
líderes. Não é sem razão que as representações sociais de trabalho e de organização deste
grupo reproduzem elementos das representações dos líderes:
As idéias e crenças que possibilitam às pessoas viver estão encarnadas em estruturas
específicas (clãs, igrejas, movimentos sociais, famílias, clubes, etc.) e são adotadas
pelos indivíduos que são parte delas. O sentido que comunicam e as obrigações que
231
recebem estão profundamente incorporadas em suas ações e exercem uma coação
que se estende a todos os membros de uma comunidade (MOSCOVICI, 2003, p.
176).
A cultura do grupo operacional demonstra que os mecanismos de defesa e resistência (LIMA,
1995) ao poder da Empresa TI se traduzem em uma aparente desvinculação entre o pessoal e
o profissional. Entretanto, este grupo também evidencia que o vínculo existe, e que receiam
pela sua ruptura, para não se sentirem excluídos do “clube dos raros” (FREITAS, 1997). A
identificação com a empresa vai além do ambiente organizacional, pela participação em ações
fora da organização. Porém, o contexto das relações de trabalho leva este grupo a tentar
representar o relacionamento entre a organização e o funcionário como uma relação
meramente contratual.
[...] pessoas e grupos, longe de serem receptores passivos, pensam por si mesmos,
produzem e comunicam incessantemente suas próprias e específicas representações
e soluções às questões que eles mesmos colocam. Nas ruas, bares, escritórios,
hospitais, laboratórios, etc. as pessoas analisam, comentam, formulam “filosofias”
espontâneas, não oficiais, que m um impacto decisivo em suas relações sociais,
como planejam seu futuro, etc (MOSCOVICI, 2003, p. 45).
A ausência de uma gestão de Recursos Humanos na Organização OP aliada à separação entre
membros e servidores são os principais fatores que conduzem à fragmentação e à falta de
coesão na organização. A política de Recursos Humanos se resume a um departamento de
pessoal legalista (WEBER, 1978). A estabilidade, que seria tanto para o servidor quanto para
a instituição, no sentido de continuidade do serviço público, é também fator de acomodação
do servidor. Como o crescimento na carreira ocorre praticamente conforme a antiguidade e a
formação acadêmica, o é incentivada a iniciativa. Somado a isso, os servidores são tidos
como auxiliares na instituição, e por vezes considerados dispensáveis para a atividade-fim da
organização. A estrutura organizacional limita o servidor à sua função.
232
Por outro lado, apesar da especialização dos membros, que trabalham isolados e de forma
autônoma, a expectativa jurídica da instituição conduz a uma coesão entre os membros. Estes
partilham valores e crenças associadas à profissão.
Como foi visto, o Grupo de 94 se diferencia dos demais servidores por ter participado da
estruturação da área técnico-administrativa da instituição. Este grupo se sente um pouco
“fundador” dessa área, e muitos de seus integrantes ocupam cargos diretivos. Os servidores do
Grupo de 94 exaltam o fim do nepotismo em 1999 como o reconhecimento da importância
dos princípios da isonomia e da legalidade. A cultura deste grupo, que representaria uma
cultura corporativa na Organização OP, não é difundida para os demais servidores. A
fragmentação existente e a falta de iniciativas da administração nesse sentido mantêm essa
cultura restrita ao grupo.
O Grupo pós 99 entrou na Organização OP pela forma considerada mais correta e
democrática na administração pública: o concurso público. Alguns dos entrevistados
pertencentes a este grupo consideram trabalhar como funcionário público uma opção mais
segura que se manter na iniciativa privada, pela estabilidade. O Grupo pós 99, no entanto,
entende que não reconhecimento dos servidores da Organização OP. Além disso, traços
percebidos por eles no ambiente de trabalho, como o formalismo e o personalismo,
prejudicam a imagem interna da instituição. Entretanto, se identificam com a organização e
com o trabalho que ela desenvolve na sociedade. Enquanto parte da instituição, a imagem
externa é positiva, associada à auto-imagem.
233
O Grupo dos membros é a própria instituição. Qualquer alusão à Organização OP, seja no
sentido positivo ou negativo, necessariamente afeta os membros. Dessa forma, a importância
social atribuída à instituição é, na verdade, atribuída a eles próprios.
As representações sociais de trabalho e de organização estão articuladas às estruturas de cada
organização. Dessas estruturas se estabelecem as relações de poder, que podem ser entre a
organização e o corpo de funcionários, entre os diferentes grupos, etc. As pessoas, portanto,
partilham valores, crenças, ritos e mitos conforme essas estruturas e essas relações de poder.
O grupo é onde os indivíduos se identificam e influencia como cada um produz e “re-produz”
as representações do mundo, de si próprio e, também, do seu trabalho e da organização à qual
pertencem.
234
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Moscovici (2003) ressalta a função adaptativa das representações sociais. A ancoragem e a
objetivação, como foi abordado, têm como objetivo tornar o não-familiar familiar. O
indivíduo busca no mundo que ele conhece uma forma de representar o desconhecido.
O significado do trabalho é re-representado pelos atores das duas organizações. Entretanto, o
trabalho na contemporaneidade passou a comportar novos elementos. O mercado restrito
torna os trabalhadores cada vez mais vulneráveis perante as grandes organizações privadas
globais. Como salienta Castells (2001), essas organizações podem recrutar mão-de-obra em
qualquer parte do mundo. As qualificações exigidas são cada vez mais rigorosas e, em
contrapartida, poucas são as garantias que o trabalhador recebe. A empregabilidade é uma
responsabilidade transferida do social para o individual (GUARESCHI, 1995).
Por outro lado, as empresas capitalistas dependem, hoje, que seus trabalhadores estejam
envolvidos com os objetivos da organização. Por maior que seja a oferta de mão-de-obra, as
empresas esperam de seus trabalhadores a maior dedicação possível. Para obter isso, elas não
utilizam a chibata, mas a sedução (LIMA, 1995; PIMENTA e CORRÊA, 2007; ENRIQUEZ,
1997). A gestão estratégica de Recursos Humanos está sempre atenta para que os
trabalhadores estejam satisfeitos e se sintam felizes.
As representações sociais de trabalho e de organização produzidas pelos trabalhadores são
adaptadas ao novo contexto no qual estão assentadas as relações e as condições de trabalho
contemporâneas. Para a maior parte dos trabalhadores, a contemporaneidade representa o
confronto com a incerteza. O indivíduo não se sente mais senhor de si, naquilo que Hall
(1999) define como descentramento do homem pós-moderno. Nesse sentido, ele não sabe
235
qual (ou quais) instituições lhe fornecem fontes identitárias, e ele vive em busca da identidade
perdida. Somado a isso, o desemprego estrutural é uma ameaça constante, e o homem pós-
moderno se sente vulnerável às instabilidades do ambiente social.
Entretanto, os indivíduos se relacionam com o ambiente de acordo com sua visão de mundo,
com a história que ele carrega dentro de si, com o grupo social ao qual pertence. Dessa forma,
as representações sociais de trabalho são partilhadas dentro dos grupos, influenciadas pela
cultura de cada um deles.
O grupo operacional da Empresa TI produziu representações sociais que evidenciam o
impasse entre eleger a organização como fonte de identificação ou manter com ela uma
relação meramente contratual. A primeira opção proporcionaria um conforto, no sentido de
acreditar que a empresa vai protegê-lo da instabilidade que existe do lado de fora. Porém,
entendem que a Empresa TI é uma organização que visa o lucro, e essa estabilidade ela não
pode oferecer porque o mercado não permite o que é reforçado pelos líderes –, os
integrantes deste grupo acabam criando identificações com a organização fora do ambiente do
trabalho. A Empresa TI consegue criar um vínculo dos trabalhadores no âmbito pessoal,
dando a eles seus amigos, seu lazer e até mesmo condições para que eles possam ajudar o
próximo. A organização busca preencher os espaços individuais e sociais do trabalhador,
criando um elo entre eles que é rompido pela organização, quando este elo deixar de
atender aos interesses dela.
O grupo intermediário não vivencia o impasse do grupo operacional. Seus integrantes
escolheram a Empresa TI como uma das suas principais fontes de identificação. Ela
proporciona a realização completa, tanto pessoal quanto profissional. Nesse sentido, as
236
representações sociais de trabalho e de organização produzidas por este grupo protegem seus
integrantes do que está acontecendo fora da empresa. Mais que a sobrevivência, o êxito da
Empresa TI e deles próprios em meio às turbulências que ocorreram no Grupo GIM reforçou
a identificação com a organização. A Empresa TI é, portanto, a casa que os mantém felizes e
protegidos dos perigos da rua. (DAMATTA, 1997).
As representações sociais do grupo dos líderes têm como objetivo prático manter o êxito da
Empresa TI. Eles necessitam que a organização mantenha a competitividade no mercado
global e possa se expandir ainda mais, gerando os resultados que o Grupo GIM espera dela.
Nesse sentido, as representações sociais produzidas por eles têm a pretensão de ser o discurso
dominante em toda a organização, de forma que os funcionários dêem o máximo de si,
trabalhem coesos e mantenham as eventuais resistências sob controle.
O papel do Estado e de suas instituições é criticado veementemente pelos neoliberais. Somado
a isso, a administração pública no Brasil possui um histórico marcado pelo patrimonialismo,
aliado ao clientelismo e outros vícios. O concurso público e a estabilidade foram instituídos
pela Constituição de 1988 como forma de manter a continuidade do serviço público,
independente das mudanças políticas nos governos estaduais, municipais e federal. Porém, o
desemprego no setor privado levou um grande contingente de trabalhadores a concorrer aos
postos de trabalho na administração pública, sobretudo em busca da estabilidade.
A imagem das instituições públicas, contudo, é associada à ineficiência, à rigidez burocrática,
ao favoritismo e ao comodismo. A caça aos marajás como plataforma da campanha de Collor
à presidência, em 1989, degradou ainda mais a imagem da administração pública (TORRES,
2004), e todos os servidores públicos brasileiros foram equiparados aos marajás de Alagoas
237
perante a sociedade. Essa degradação da imagem dos servidores perdurou nos dois governos
de Fernando Henrique Cardoso, tendo sido uma das estratégias de desarticulação das lutas da
categoria (ALMEIDA, 2006).
Os servidores da Organização OP se sentem protegidos do desemprego e da precarização das
relações de trabalho. Entretanto, além da imagem degradada, eles são integrantes do quadro
auxiliar da Organização OP, sendo considerados dispensáveis até mesmo por alguns membros
da instituição. As representações sociais bipolarizadas produzidas pelo Grupo pós 99 são
influenciadas por essa desvalorização, que tanto a sociedade quanto a própria organização
lhes imputam. A posição deste grupo na instituição leva a representações negativas em
relação ao trabalho que desenvolvem (desvalorizado, não reconhecido, limitado pela
estrutura) e em relação à organização (personalismo, distância de poder, “Sabe com quem está
falando”). A importância social da instituição, por outro lado, vai contra a imagem pública do
serviço público, ressaltando que a Organização OP está mostrando que tem papel relevante na
sociedade.
A Organização OP proporcionou oportunidade de crescimento profissional e pessoal para o
Grupo de 94, uma vez que seus integrantes iniciaram a área administrativa da instituição. A
satisfação profissional alcançada os diferencia dos demais servidores. Em uma sociedade que
valoriza as leis de mercado e, a despeito da centralidade das grandes corporações globais, eles
encontraram uma organização pública que lhes deu oportunidade de atuar com a mesma
eficiência atribuída supostamente a aquelas. Nesse sentido, as representações sociais do
Grupo de 94 são produzidas no sentido de manter essa posição privilegiada em que eles se
encontram.
238
O Grupo dos membros é o mais “protegido” das influências do contexto contemporâneo. A
instituição não sofre as instabilidades do mercado e a atuação dos membros é independente. A
autonomia funcional e administrativa que a própria Constituição de 1988 concedeu a eles
reforça a posição dos membros perante a sociedade. Esta, por sua vez, cobra mais a atuação
da Organização OP. As representações sociais produzidas por eles, portanto, reforçam a
relevância e auto-imagem dos membros na sociedade brasileira.
Os três elementos de análise (cultura, poder e configurações organizacionais) das
representações sociais de trabalho e de organização utilizados no presente estudo foram
elencados com o intuito de compreendê-los enquanto fenômenos sociais. Moscovici (2003)
ressalta a importância de considerar as condições de produção das representações sociais, e
entende-se que esses três elementos, em conjunto, forneceram a compreensão dessas
condições: “As sociedades se despedaçam se houver apenas poder e interesses divergentes
que unam as pessoas, se não houver uma soma de idéias e valores em que elas acreditam, que
possa uni-las através de uma paixão comum que é transmitida de uma geração a outra”
(MOSCOVICI, 2003, p. 173).
A Empresa TI e a Organização OP representaram dois contextos de pesquisa em
representações sociais. Entretanto, em uma época em que o ser humano procura sua
identidade em meio a transformações no mundo do trabalho, das organizações e das
instituições de forma geral, o campo de estudo das representações sociais tem ainda muito a
ser explorado. Na busca pelo centramento perdido na pós-modernidade (HALL, 1999), o
homem contemporâneo se encontra imerso em um meio social que prioriza as leis de mercado
em nome de um individualismo que não privilegia o social. As desigualdades entre classes e
nações estão cada vez mais acentuadas, não havendo limite para a expansão capitalista. O ser
239
humano busca ancorar a própria identidade, da qual ele mesmo não reconhece como familiar.
“O barco está à deriva, pronto a deslizar, impulsionado por essa correnteza ‘motivadora e
mobilizadora’ da não-familiaridade. É preciso encontrar agora faróis que o orientem e
margens seguras que o ancorem, nos ‘jordões’ da existência” (GUARESCHI, 1995, p. 213).
A expansão de pesquisas sobre representações sociais permite aprofundar no complexo social
que ditam as relações entre diferentes atores, em diferentes contextos, porém todos sujeitos ao
fenômeno mais abrangente denominado globalização. Nesse sentido, pesquisas em
representações sociais de trabalho e de organização em outros modelos organizacionais, como
o terceiro setor, os
clusters
, as cooperativas, dentre outras, podem significar importantes
contribuições para a pesquisa em administração articulada às ciências sociais.
O gênero é também um interessante elemento a ser utilizado em pesquisas futuras sobre
representações sociais de trabalho e de organização. Esse elemento pode fornecer subsídios
para compreender os grupos que se formam entre homens e mulheres e os diferentes
significados e sentidos atribuídos ao trabalho. Enfim, como ressaltado por Moscovici (2003),
as pesquisas em ciências sociais devem buscar o aspecto realmente mais social, sobretudo em
um tempo em que
o indivíduo começa a perceber que não é apenas à base de estimulantes que ele pode
encontrar saídas, que não é somente adotando todas as próteses possíveis que ele
pode se adaptar, mas que é principalmente se interrogando sobre as suas capacidades,
seus limites, sua mortalidade, individualmente e com os demais. O indivíduo então
se confessa capaz de um trabalho de luto, de um trabalho de interrogação, que pode
levá-lo a analisar-se, a trabalhar o seu ‘fórum interior’, não para fazer análise pela
análise, mas para tentar saber por que faz tal coisa e que sentido lhe atribui. É dizer
que retorna de maneira fundamental a algo que estava em vias de desaparecer: a
questão do sentido. Os seres humanos são seres em busca de sentido. É a definição
fundamental de ser humano e ser social. De outro modo, seríamos apenas animais
totalmente programados (ENRIQUEZ, 2006, p. 11, grifo nosso).
240
REFERÊNCIAS
ABRIC, Jean-Claude. O estudo experimental das representações sociais. In: JODELET, D.
(Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p.17-44.
AKTOUF, O. O Simbolismo e a Cultura de empresas: dos abusos conceituais às lições
empíricas. In: CHANLAT, J. F. (Org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas.
v. 2. São Paulo: Atlas, 1993.
ALMEIDA, C. C. R. O marco discursivo da participação solidária e a redefinição da
questão social: construção democrática e lutas políticas no Brasil pós 90. 2006. Tese
(Doutorado)– Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2006.
ALVES, M. A.; GALEÃO-SILVA, L. G. Vire-se, Zé Ninguém. A difícil construção da
identidade em organizações pós-fordistas. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 24,
Florianópolis: ANPAD, 2000.
ALVESSON, M. Cultural perspectives on organizations. Cambridge: Cambridge
University Press, 1993.
ARRUDA, Ângela. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de
Pesquisa, n. 117, p.127-147. nov. 2002.
ASSIS, Silvana Soares de. O sindicalismo dos trabalhadores do setor público e as
reformas neoliberais de Fernando Henrique Cardoso. 2006. Tese (Doutorado)– Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.
BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro. Rio de janeiro: Campus, 1992. 153 p.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.
BERNARDO, João. Estado: a silenciosa multiplicação do poder. São Paulo: Escrituras, 1998.
BOBBIO, N. Dicionário de política. 10. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
1997a. v. 1. 666 p.
______. Dicionário de política. 10. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997b.
v. 2.
BOITO, A. A hegemonia neoliberal no governo Lula. Revista Crítica Marxista, São Paulo,
n. 17, p. 10-36, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Barueri:
Manole, 2004.
CAMPOS, Edmundo. Sociologia da burocracia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
241
CAMPOS, R. L. M. A representação social da atividade profissional do funcionário
público em um contexto de mudança. 2002. Dissertação (Mestrado)– UNITAU,
Departamento de Economia, Contabilidade e Administração, Taubaté, 2002.
CAMPOS, Vicente Falconi. Gerenciamento da rotina do trabalho do dia-a-dia. 8. ed. Belo
Horizonte: Desenvolvimento Gerencial, 2002. 266 p.
CANZIAN, F. ‘Pai’ do Consenso de Washington volta a recomendar reformas à AL. Folha
de São Paulo, São Paulo, 4 maio 2003.
CARRIERI, A. P. O fim do mundo Telemig: a transformação das significações culturais em
uma empresa de telecomunicações. 2001. Tese (Doutorado)– CEPEAD/FACE-UFMG, Belo
Horizonte, 2001.
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão
conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001
CAVEDON, N. R.; PIRES, R. P. O pão nosso de cada dia: as representações sociais sobre a
vida familiar e profissional dos trabalhadores na indústria da panificação. In: ENCONTRO
ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO, 28, Curitiba: ANPAD, 2004.
CHAUÍ, Marilena. Ideologia e educação. Revista Quadrimestral de Ciências da Educação,
São Paulo, n. 5, p. 24-40. jan. 1980a.
______. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moderna,
1980b. 220 p.
______. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000. 440 p.
COLLIS, Jill, HUSSEY, Roger. Pesquisa em administração. Tradução Lúcia Simonini.
Porto Alegre, Bookman, 2005.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Tabela 8 Trabalho escravo. Goiânia. Disponível
em: <http://www.cptnac.com.br/pub/publicacoes/210204e94c2cf7f22bc3b72105712f89.pdf>.
Acesso em: 22 jan. 2007.
COUTINHO, Ana Luísa Cellino. A estabilidade do servidor público na reforma
administrativa. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco,
Recife, v. 4, n. 9, jan./jun. 1999.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema
brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco,1997.
DAHRENDORF, Ralph. As funções dos conflitos sociais. Documentação e atualidade
política, Brasília, n. 10. p. 29-36, maio 1980.
242
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1999.
ENRIQUEZ, Eugene. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Revista de
Administração de Empresas, São Paulo: FGV, v. 37. n. 1. p. 18-29. jan./mar. 1997.
______. O homem do século XXI: sujeito autônomo ou indivíduo descartável. Revista de
Administração de Empresas, São Paulo: FGV, v. 5. n. 1. jan./jun. 2006.
FARIA, José Henrique de. O autoritarismo nas organizações. Curitiba: Criar Edições/FAE,
1985. 196 p.
FLAMENT, Claude. Estrutura e dinâmica das representações sociais. In: JODELET, D.
(Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 17-44.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro. Graal, 1986.
FREITAS, A. B. Traços brasileiros para uma análise organizacional. In: MOTTA, F. C. P.,
CALDAS, M. P. Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo, Atlas, 1997a. cap.
2. p. 38-54.
FREITAS, M. E. Cultura organizacional: o doce controle no clube dos raros. In: MOTTA, F.
C.; CALDAS, M. Cultura organizacional e cultura brasileira
.
São Paulo: Atlas, 1997.
______. Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma? Petrópolis: FGV, 2000.
GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
GIRÃO, I. C. C. Representações sociais do feminino: suporte às novas formas de
organização do trabalho. 2002. Dissertação (Mestrado)– CEPEAD/FACE-UFMG, Belo
Horizonte, 2002.
______. A representação social do feminino no terceiro setor. In: PIMENTA, S. M.;
SARAIVA, L. A. S.; CORRÊA, M. L. (Org). Terceiro setor: dilemas e polêmicas. São
Paulo: Saraiva, 2006. cap. 8. p. 163-184.
GOLDFINGER, Charles. Trabalho e extratrabalho: em direção a uma cidade fluida.
Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
GRIZE, Jean-Blaize. Lógica natural e representações sociais. In: JODELET, D. (Org.). As
representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 123-138.
GUARESCHI, Pedrinho A. Sem dinheiro não salvação: ancorando o bem e o mal entre os
neopentecostais. In: GUARESCHI, Pedrinho A.; JOVCHELOVITCH, Sandra. (Org.). Textos
em representações sociais. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. cap. 6. p. 191-225.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
HARRÉ, Rom. Gramática e léxicos, vetores das representações sociais. In: JODELET, D.
(Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 105-122.
243
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1989. 349 p.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa mensal de
Emprego. IBGE: 2006. Disponível em: <
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/default.s
htm>. Acesso em: 8 fev. 2007.
IVO, F. B.; OLIVEIRA, T.B. Representações sociais em uma organização familiar: o caso
Formato/Policrom. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Administração – ANPAD, 29. Brasília: ANPAD, 2005.
JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.).
As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p.17-44.
LEME, M. A. V. S. O impacto da Teoria das Representações Sociais. In: SPINK, Mary Jane
P. (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da
psicologia social. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 46-57.
LIMA, M. E. A. Os equívocos da excelência: as novas formas de sedução na empresa.
Petrópolis: Vozes, 1995.
LUZ, Talita Ribeiro. TELEMAR-MINAS: competências que marcam a diferença. Tese
(Doutorado) – CEPEAD/FACE-UFMG, Belo Horizonte, 2001.
MARQUINA, I. C. Enfoque sistémico e individualismo metodológico: una aproximación.
Contribuciones a la Economía. Barquisimeto, Venezuela: Universidad Centro Occidental
Lisandro Alvarado. out. 2002. Disponível em:
<http://www.eumed.net/cursecon/colaboraciones/ICM-ESIM.htm>. Acesso em: 08. fev. 2007.
MARTINS, H. F. A ética do patrimonialismo e a modernização da administração pública
brasileira. In: MOTTA, F.C.P., CALDAS, M. (Org.). Cultura organizacional e cultura
brasileira. São Paulo. Atlas, 1997. p. 171-183.
______. Políticas de gestão pública no governo Lula: um campo ainda fragmentado. Revista
eletrônica sobre a Reforma do Estado RERE. Salvador: Instituto de Direito Público da
Bahia. n. 5. mar/maio 2006. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso
em: 29 nov. 2006.
MERTON, R. K. Estrutura burocrática e personalidade. In: CAMPOS, Edmundo. Sociologia
da burocracia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 107-123.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Mapa de indicativos do trabalho da
criança e do adolescente. 3. ed. Brasília: MTE, SIT, 2005. 309 p.
MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes : estruturas em cinco configurações.
São Paulo: Atlas, 1995.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
244
MOSCOVICI, Serge. Prefácio. In: GUARESCHI, Pedrinho A.; JOVCHELOVITCH, Sandra.
(Orgs.). Textos em representações sociais. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 7-16.
______. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.
404 p.
______. Das representações coletivas às representações sociais: elementos para uma história.
In: JODELET, D. (Org.). As Representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 45-66.
MOTTA, F. C. P. O que é burocracia. São Paulo: Brasiliense, 1986. 116 p.
MOTTA, F. C. P.; CALDAS, M. P. Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo:
Atlas, 1997.
NUNES, E. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. 2. ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
OLIVEIRA, D. P. R. de. Planejamento estratégico: conceitos, metodologia e práticas. 12.
ed. São Paulo: Atlas, 1998.
OSÓRIO, Fábio Medina. Novos rumos da gestão pública brasileira: dificuldades teóricas ou
operacionais? Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, n. 1. mar./maio
2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 29 nov. 2006.
PALMONARI, A.; ZANI, B. As representações sociais no campo dos psicólogos. In:
JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 261-279.
PARKER, B. Evolução e revolução: da internacionalização à globalização. In: CLEGG, S. R.;
HARDY, C.; NORD, W. (Ed.). Hand-book de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas,
1997.
PEREIRA, L. C. BRESSER. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil: para uma
nova interpretação da América Latina. São Paulo: ed. 34, 1996.
______. Financiamento para o subdesenvolvimento: o Brasil e o Segundo Consenso de
Washington. In: CASTRO, A. C. (Org). Desenvolvimento em debate: painéis do
desenvolvimento brasileiro I, v. 2. Rio de Janeiro: MAUAD/BNDES, 2002.
PIMENTA, S. M. Le tournant de la FIAT Mineira: travail, imaginaire et citoyenneté dans
l'expérience des travailleurs. Paris: Septentrion Presses Universitaires, 1996.
______.; CORRÊA, M. L. O paradoxo do trabalho no mundo contemporâneo: múltiplos
enfoques. Belo Horizonte: GTEC/UFMG, 2003.
______.; SARAIVA, L. A. S.; CORRÊA, M. L. (Org). Terceiro setor: dilemas e polêmicas.
São Paulo: Saraiva, 2006. 262 p.
______.; CORRÊA, M. L. A arte da gestão contemporânea: a sedução, a identidade e a
dádiva. 2007. No prelo.
245
PINHEIRO, W. B.; MAGALHÃES, I. L. Gerenciamento de serviços de TI na prática: uma
abordagem com base na
ITIL
. São Paulo: Novatec, 2007. 668 p.
POULANTZAS, Nicos. Estado, poder e socialismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
PRATES, M.A.S., BARROS, B. T. O estilo brasileiro de administrar. São Paulo. Atlas,
1996.
PRATES, M. A. S., BARROS, B. T. O estilo brasileiro de administrar. In: MOTTA, F. C. P.,
CALDAS, M. P. Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas, 1997. cap.
3. p. 54-69.
RIBEIRO, R. J. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, F.C. Os clássicos da política.
São Paulo. Atlas, 1988. p.52-77.
RODRIGUES, S. B. O chefinho, o telefone e o bode. 1991. Tese (Livre-docência)–
CEPEAD/FACE-UFMG, Belo Horizonte, 1991.
______. Cultura corporativa e identidade: desinstitucionalização em Empresa de
Telecomunicações Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 1, n. 2, p. 45-
72, maio/ago. 1997.
SÁ, Celso Pereira. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de
Janeiro: Eduerj, 1998.
______. Núcleo central das representações sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 189 p.
SALES, Maria Teresa. Raízes da desigualdade social na cultura política brasileira.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 25, a. 9, jun. 1994, p. 26-37.
SPERBER, Dan. O estudo antropológico das representações: problemas e perspectivas. In:
JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2001, p. 91-104.
SPINK, Mary Jane P. O estudo empírico das representações sociais. In: SPINK, Mary Jane P.
(Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia
social. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 46-57.
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. 5. ed. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1998. 339 p.
TOLBERT, P. S.; ZUCKER, L. G. A Institucionalização da Teoria Institucional. In: CLEGG,
S.; HARDYC. NORD, W. Handbook de estudos organizacionais, modelos de análise e
novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 6, p. 196-214.
TORRES, M. D. de F. Estado, democracia e administração pública no Brasil. Rio de
Janeiro: FGV, 2004. cap. 6. p. 139-224.
VÁN-DUNEM, Belarmino. A globalização e a condição humana. CENTRO ANGOLANO
DE ALTOS ESTUDOS INTERNACIONAIS, 2005. Disponível em:
<http://www.caaei.org/anexos/66.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2006.
246
VARGAS, Ricardo Viana. Manual prático do plano de projeto utilizando o
PMBOK
2000.
Rio de Janeiro: Brasport, 2003. 210 p.
WEBER, Max. IN: CAMPOS, Edmundo. Sociologia da burocracia. 4. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978. p15-28.
______.Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2004. v. 2.
WINDISCH, Uli. Representações sociais, Sociologia e Sociolingüística. O exemplo do
raciocínio e da fala cotidianos. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de
Janeiro: Eduerj, 2001, p.139-154.
YAMAMOTO, J. M.; ICHIKAWA, E.Y. Representações sociais da ciência: o que dizem as
mulheres pesquisadoras da Universidade Estadual de Maringá. In: ENCONTRO ANUAL DA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO – ANPAD, 29, Brasília: ANPAD, 2005.
YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte:
UFMG, 2004.
247
ANEXO – ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Trajetória pessoal
Nome.
Onde nasceu.
Estado civil.
Filhos.
Família (atual).
Formação.
Experiência profissional.
Trajetória na organização: entrada, cargos ocupados, expectativas, perspectivas hoje.
Vida fora da organização (lazer, família, religião, participação em movimentos sociais,
políticos, etc.)
Trabalho
Descrição do seu trabalho e da sua profissão (o que faz, como faz, porque faz).
Perspectivas em relação ao trabalho.
Perspectivas na organização/expectativas.
Carreira.
Compatibilidade entre seus interesses e seu trabalho.
Integração do trabalho com o plano de vida pessoal.
Objetivos do seu trabalho.
Significado e importância do seu trabalho na empresa para você, na sua vida.
Importância para a organização e para a sociedade.
Visão do seu trabalho pela chefia.
Conseqüência de erros cometidos no trabalho.
Impacto e/ou relações do seu trabalho com os outros.
Trabalho isolado / trabalho em equipe.
Relacionamento com clientes, usuários, público em geral que dependa de seu trabalho.
Treinamento no trabalho.
Competências e condições requeridas para exercer seu trabalho.
Condições de trabalho.
Carga horária.
Distinção entre trabalho e emprego.
Autonomia, estabilidade, lealdade, flexibilidade.
Adjetivos/substantivos que melhor definem seu trabalho.
Coletivo de trabalhadores interno e externo – visão externa e da organização.
Definição de trabalho.
Organização
Características da organização.
Relacionamento com clientes, usuários, público em geral.
Relacionamento com a sociedade.
Importância da organização na sociedade.
Pressões externas à organização.
Influência da globalização.
Influência da tecnologia.
248
Pressões da sociedade em relação à atuação da organização.
Impacto do processo de fusão na organização.
Perspectivas da organização.
Pontos fortes e fracos da organização.
Relação organização-empregado. Como voacha que a sua organização vê o conjunto dos
funcionários.
Discurso x prática.
Treinamento.
Carreira.
Como a organização trata os erros cometidos.
Vantagens pessoais e profissionais em trabalhar nesta organização, benefícios oferecidos.
Desvantagens pessoais e profissionais em trabalhar nesta organização.
Gosta/não gosta de trabalhar nesta organização.
O que favorece/incomoda por trabalhar nesta organização.
O que esta empresa significa para você? Que importância você lhe atribui em termos da sua
vida?
Definição de organização.
Cultura e cultura organizacional
História da organização.
Fatos marcantes.
Principais líderes e suas características.
Características da cultura brasileira presentes na organização/elementos culturais que
evidenciam estas características (patrimonialismo, paternalismo, personalismo, clientelismo,
postura de espectador, distância de poder, autoritarismo).
Impacto da globalização na organização.
Valores presentes na organização. Evidências.
Discurso dominante.
Resistência/acomodação (diante de mudanças, do próprio trabalho, da carreira).
Imagem da organização para trabalhadores internos e público externo. Impactos desta imagem
para você como profissional e como pessoa.
Configuração organizacional
Descrição do organograma da organização.
Este tipo de estrutura afeta a eficácia/efetividade da organização/ sua imagem e seu trabalho?
Porque esta configuração. Quais as vantagens e desvantagens.
Principais problemas. Pontos fortes e fracos.
Funções dos níveis e setores.
Posição da sua área na estrutura da organização.
Setores mais valorizados na organização.
Participação da sua área nas decisões estratégicas da organização.
Mudanças na estrutura (como ocorrem, quem define, quando ocorrem, principais mudanças,
quando, como e porque ocorreram).
Relações de poder
Estado e os três poderes.
Holding em relação à organização.
249
Impactos e autonomia da organização.
Processo de decisão na holding, na organização e na sua área.
Tipos de decisão e quem, como e quando as toma.
Participação do trabalhador nas decisões.
Separação entre servidores e promotores.
Relacionamento entre colegas, com subordinados e superiores.
Relacionamento entre servidores e promotores.
Perfil dos líderes na organização.
Modelo de gestão
Gestão de Recursos Humanos
Plano de cargos e salários/carreira
Avaliação de desempenho
Gestão do clima organizacional
Comunicação na organização
Administração de conflitos/ resolução de problemas.
Diferença entre trabalho e organização nos diferentes tipos de organização
Descreva a diferença entre trabalho e organização em uma organização pública e uma
organização privada na sua visão. Porquê.
Como o fato de ser pública ou privada afeta o trabalho e a imagem da organização, tanto pelos
trabalhadores internos como pelo público externo à organização.
Você gostaria de acrescentar algo que não tenha sido mencionado ou reforçar alguma coisa
em relação a nossa conversa?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo