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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
HISTÓRIA
A vigilância da DOPS-SP às Forças Armadas
(Brasil - década de 1950)
sistema repressivo num Estado de natureza autocrática
Mestrando
NILO DIAS DE OLIVEIRA
Orientadora
Profª Drª Vera Lúcia Vieira
Banca examinadora
Prof Dr Antonio Rago Filho
(PUC-SP/ Departamento de
História)
Prof Dr Francisco César Alves Ferraz
(UEL-PR /Departamento de História)
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“E quem garante que a história
É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória,
A história é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue,
E um trem riscando trilhos
Abrindo novos espaços
Acenando muitos braços
Balançando nossos filhos.
Lo que brilla con luz propia
Nadie lo puede apagar
Su brillo puede alcanzar
La oscuridad de otras costas,
Quem vai impedir que a chama
Saia iluminando o cenário
Saia incendiando o plenário
Saia inventando outra trama,
Quem vai evitar que os ventos
Batam portas mal fechadas
Revirem terras mal socadas
E espalhem nossos lamentos,
E enfim que paga o pesar
Do tempo que se gastou
De las vidas que costó
De las que puede costar,
Já foi lançada uma estrela
Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela.
(Chico Buarque e Pablo Milanes)
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AGRADECIMENTOS
Todos sabemos como é difícil sermos justos com todos aqueles que
colaboraram, direta ou indiretamente, na confecção de uma dissertação. Talvez
seja na produção do conhecimento que o caráter cumulativo e coletivo vale
dizer, histórico e social do ser humano revela-se mais plenamente. Assim,
creio que o melhor é indicar apenas algumas pessoas que por seu auxílio
moral, intelectual e afetivo permitiram mais diretamente que eu realizasse esta
pesquisa.
Inicialmente, como não poderia deixar de ser, à minha família: minha
esposa Bete e meus filhos Caetano e Caio, pelo incentivo, paciência e
tolerância à minha ausência nesses dois anos de trabalho dissertativo. Um
agradecimento especial a minha fonte inicial, meus pais, que tudo me deram e
ensinaram na perspectiva de me tornarem uma pessoa do bem e feliz.
Aos meus colegas do programa de pós-graduação em História Social da
Pontifícia Universidade Católica São Paulo, em especial pela maior
aproximação, Beto, Dani, Dimi, João, Silvia, Edson, Salvador, os Tiagos,
Adriano, Simone, Mônica, Ada, Edu e todos outros não mencionados aqui, mas
de igual valor.
Aos professores pelo auxílio no amadurecimento intelectual e pessoal.
Em especial a minha orientadora Drª Vera Lucia Vieira que me trouxe
novamente à profissão de historiador, pela sua, competência, paciência e
grande amizade. Agradeço também aos professores Dr. Rago e Dr. Francisco
Ferraz, pelo apoio, pela competência intelectual, pelo privilégio da crítica
pontual na composição da banca de mestrado. A professora Drª Lívia Cotrim
pela orientação primorosa no exame de qualificação e pela leitura prazerosa de
suas dissertações de mestrado e doutorado.
Ao programa de Pós Graduação em História da Pontifícia Universidade
Católica pela credibilidade depositada e a todos os professores do
departamento pela sua orientação e saber acadêmico.
Ao Arquivo do Estado de São Paulo pelo alto grau de competência dos
seus funcionários tanto na preservação do acervo como no atendimento ao
pesquisador.
4
Ao CPDOC da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, pelo
atendimento e pelas facilidades de pesquisa colocadas através do site da
instituição.
Ao Clube Militar do Rio de Janeiro pela farta documentação e
atendimento prazeroso.
Á CAPES, o sincero sentimento de gratidão pelo auxílio concedido para
a realização desta pesquisa.
5
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo analisar a prática de vigilância e
repressão do Serviço Secreto da DOPS-SP através da análise imanente dos
seus relatórios durante o período de 1950 -1961, dando ênfase à ação deste
órgão sob as Forças Armadas. A infiltração de seus agentes na cúpula dos
militares que, reunidos no Clube Militar, debatiam as alternativas para o
desenvolvimento nacional e a vinculação deste sistema repressivo com os
segmentos políticos subordinados aos setores das burguesias dependentes,
cujo monopólio de dominação se via ameaçado pela ampliação dos direitos
civis, desencadeia uma perseguição e expurgos de militares como também das
organizações consideradas perniciosas à continuidade do capitalismo
monopolista dependente, sob a égide desta autocracia burguesa
institucionalizada. Este processo tem a função política de “sanear” este setor
do Estado cuja divisão impedia, naquele momento, a centralização
bonapartista, pleiteada por tais segmentos burgueses desde a derrubada da
ditadura varguista.
Palavras chaves: Autocracia Burguesa Forças Armadas - Capitalismo
Monopolista Dependente – Serviço Secreto
6
ABSTRACT
The present dissertation has as objective to analyze practical of monitoring and
the repression of the Private Service of the DOPS-SP through the analysis
immanent of its reports during the period of 1950 -1961, giving emphasis to the
action of this agency under the Armed Forces. The infiltration of its agents in the
cupola of the military who, congregated the Military Club, debated the
alternatives for the national development and the entailing of this repressive
system with the segments politicians subordinated to the sectors of the
dependent bourgeoisies, whose monopoly of domination if saw threatened by
the magnifying of the civil laws, as well as unchains a persecution and
expurgations of military of the organizations considered pernicious to the
continuity of the monopolista capitalism dependent, under égide of this
institutionalized bourgeois autocracy. This process has the political role of
"sanitation" this sector of the State whose division prevented, at that moment,
the bonapartist centralization, already pushed through by such segments
bourgeois since the overthrowal dictatorship varguista.
Keywords: Autocracy – Armed Forces Capitalism Monopolist – Secret
Service
7
SUMÁRIO
Introdução.......................................................................................................................8
Capítulo I – O aparato repressivo na particularidade do Estado republicano.......25
1.1 A configuração “pelo alto” na 1ª República .......................................................25
1.2 A institucionalização do aparato repressivo no período da redemocratização pós
Getúlio Vargas.................................................................................................................43
1.3 A vigilância total:o serviço secreto do DOPS (entre a lei e a ordem) ......................49
Capítulo II - Os Primórdios da Doutrina de Segurança Nacional: A Escola
Superior de Guerra.
2.1Escola Superior de Guerra: “O mundo é das elites”...................................................56
2.2 Entre os nacionalistas e os internacionalistas............................................................70
2.3 A sintonia da autocracia burguesa e os militares internacionalistas..........................80
Capítulo III - Vigia-se tudo e todos .............................................................................98
3.1Vigilância aos homens públicos ................................................................................98
Capítulo IV - A animosidade dentro das forças armadas: vigilância e expurgo na
caserna..........................................................................................................................126
4.1 O censor no Clube Militar e a preparação para os expurgos...................................127
Capítulo V A movimentação das facções dentro das forças armadas:golpe e
contragolpe ..................................................................................................................180
5.1 Os ensaios da passagem da autocracia institucional para a autocracia bonapartista:
agentes do Dops, militares, políticos, empresários e o FBI...........................................192
5.2 O ideário de Segurança Nacional: legalidade X golpismo, “farinha do mesmo
saco”..............................................................................................................................219
Capítulo VI - O governo JK: os limites da democracia sob a ótica do estado
autocrático burguês .......................................................................................................235
6.1 Partidos, nacionalismos e interesses de classe.........................................................235
6.2 Entre a crença e a descrença: os limites da participação política das agremiações
democráticas..................................................................................................................252
Considerações finais....................................................................................................295
Referências bibliográficas ..........................................................................................302
8
A vigilância da DOPS-SP às Forças Armadas (Brasil - década
de 1950): Sistema repressivo num Estado de natureza
autocrática
Introdução
“Se os anos 20 trazem para o Brasil a modernidade da
dissidência, da crítica ao Estado, das esperanças e
ilusões da revolução, ganhamos depois de 30 a
modernidade da manipulação, da tutela e da
ampliação do controle do Estado sobre a sociedade”.
(Pinheiro,1991:331)
O Serviço Secreto da Delegacia de Organização e Política Social
(DOPS-SP) é, na década de 50, um aparato repressivo do Estado, responsável
pela contenção política através de estratégias de vigilância intermitentes e
dissimuladas para auxiliar no controle social necessário à consolidação do
projeto político dos segmentos da burguesia dominante, respaldado na
ideologia de Segurança Nacional em gestação desde a década 30. A sua
prática de vigilância e de cerceamento a todo e qualquer indivíduo ou
organização que fosse considerado um risco à segurança e à permanência do
desenvolvimento capitalista na forma monopolista que assume no Brasil, na
particularidade que se configura após a segunda guerra mundial, mapeia
também, conforme se observa ao término desta dissertação, os embates no
interior das Forças Armadas, às voltas com a frágil distensão institucional dos
anos 50.
A repressão do Estado era contumaz desde a década de 20,
particularmente contra a grande movimentação dos operários e suas
organizações anarco-sindicalistas que aterrorizava os segmentos da burguesia
agrária, fabril e de serviços que dominavam o Estado republicano recém
inaugurado, com a participação ativa dos militares.
Com a criação da Delegacia de Organização Política e Social
(DOPS/SP) em 1924 em São Paulo e da primeira delegacia efetivamente de
polícia política no país inaugurou-se um sistema específico para esta repressão
9
e para a vigilância a estas mobilizações operárias e também a outros
movimentos sociais, estendendo-se ao controle e à repressão de inúmeras
práticas culturais de cunho popular.
Embora a bibliografia aponte que a criação dessa Delegacia serviu de
modelo ao sistema nacional, recentemente novas indicações surgiram sobre os
primórdios da criação das polícias políticas no país, particularmente divulgadas
pelo
artigo de Eliana Mendonça, “Documentação da polícia política do Rio de
Janeiro”. Calcada em uma documentação do Arquivo blico do Estado do Rio
de Janeiro seu artigo esclarece que:
“Desde 1907, o Distrito Federal contou com órgãos que
exerceram a função de polícia política. O Corpo de
Investigações e Segurança Pública da Polícia Civil foi a primeira
instituição policial com a competência para reprimir crimes
políticos, ainda que sob essa designação estivesse qualquer
tipo de desordem pública. Em 1920, foi criada a Inspetoria de
Investigações e Segurança blica, à qual cabia manter a
existência política e a segurança interna da República. Essa
inspetoria foi extinta a 20 de novembro de 1922, quando foi
criada a Delegacia Auxiliar com uma Seção de Ordem
Política e Social, que investigava e controlava associações
operárias, anarquistas e comunistas, além de brasileiros e
estrangeiros que atuavam no movimento operário. Essa seção
configurava-se como uma das respostas do Estado para
enfrentar o clima de grande agitação que dominava o campo do
trabalho, e de intensa participação política da população das
grandes cidades ao final dos anos 10 e início dos 20. Cabe
recordar que Artur Bernardes assumiu o governo em janeiro de
1923 sob a vigência do estado de sítio, decretado no ano
anterior após o levante tenentista, e com o Partido Comunista
posto na ilegalidade, apenas quatro meses depois de sua
criação”. (MENDONÇA, 1998:2 )
Mas os órgãos que comporão este sistema repressivo serão
formalmente instituídos na década de 30, vinculados às Secretárias de
Segurança Pública Estaduais, durante a vigência do Estado Novo, estendendo-
se assim esta rede de vigilância e repressão aos vários estados da união. Tal
estrutura se amplia nos anos cinqüenta e atinge sua forma mais complexa (e
estudada) no período ditatorial que advém com o Golpe de 1964. Conforme a
historiadora Maria Aparecida Aquino,
10
“o DEOPS
1
desempenhou, por quase seis décadas, as funções
de uma polícia política, estando sempre devotado à vigilância,
controle e repressão dos setores e cidadãos engajados em
projetos políticos alternativos aos implementados pelos donos
do poder.” (AQUINO, 2001:24)
A pesquisa historiográfica a respeito dos “sistemas de repressão” no
período de JK revela uma preocupação em recuperar a trajetória histórica
desse sistema na perspectiva da sua longevidade, sem efetivamente adentrar
nas contradições internas da repressão naquele período, simbolizado como “a
efetivação da democracia no país”. Assim as pesquisas se voltavam apenas
para os aparatos repressivos após o golpe militar de 1964, corroborando com
àquela visão de “estabilidade democrática”.
Nesse sentido, tanto as divergências dos vários grupos políticos,
representadas pelos embates partidários como sua estreita ligação com as
propostas de “fechamento do regime” a partir da segunda metade da década
de cinqüenta, diante do grande aumento das mobilizações das classes
subalternas em repudio àquele “status quo” de miséria e opressão, como a
vigilância e a repressão dos atores sociais envolvidos em tais demandas, eram
relegados a favor de paradigmas da historiografia que enfatizaram a
democracia, o desenvolvimentismo e o nacionalismo, como aspectos
fundamentais da construção da democracia no Brasil. Mas os estudos sobre o
sistema repressivo ainda não mereceram a devida atenção da historiografia,
apesar dos recentes trabalhos que revelam uma nova postura de pesquisa
frente ao período da década de 50 levando em conta os aspectos contraditórios
da “democracia” daquele período em particular ao governo de JK
2
.
1
A historiadora refere-se a DOPS-SP, que convencionou a chamá-lo de DEOPS (Departamento Estadual
de Ordem Política e Social) denominação do órgão a partir de 1975.
2
Destacam-se neste sentido, apesar de serem de matizes metodológicas distintas, os trabalhos de Luís
Reznik Democracia e Segurança Nacional: a polícia política no pós II guerra mundial., Lúcio Flávio de
Almeida Uma ilusão de desenvolvimento: nacionalismo e dominação burguesa nos anos JK, Marcelo
Badaró Mattos, Greves e a repressão aos sindicatos do Rio de Janeiro entre 1954-1964”, Maria
Aparecida de Aquino “O DEOPS/SP em busca do crime político: família 50”, Marcio de Paiva Delgado
O golpismo democrático Carlos Lacerda e o jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade
(1949-1964), Francisco César Ferraz A sombra dos carvalhos:militares e civis na formação e
consolidação da Escola Superior de Guerra, Jorge Ferreira “A estratégia do confronto:a frente de
mobilização popular”, Ronaldo Queiroz de Morais “Newton Estilac Leal: o militar de esquerda e o
exército na frágil democracia brasileira do pós-guerra”, Vânia Maria Losada “Nacionalismos e reforma
agrária nos anos 50”, Joana D’Arc Moreira Nolli e Ana Cleide Chiarotti Cesário “Elementos de
autoritarismo na proposta de segurança e desenvolvimento no governo JK”, Luís Carlos Rocha
11
as Forças Armadas têm sido objeto de análise na historiografia
brasileira devido à importância que adquirem no cenário nacional, dadas as
sucessivas intervenções que exerceram ao longo do período republicano. São
vários os estudos dedicados ao entendimento da participação dessa instituição
na formação e consolidação do Estado brasileiro, particularmente a partir de
sua atuação na ditadura do s 64 e da influência da Escola Superior de
Guerra (ESG). Tais estudos, em geral, buscam também analisar a Doutrina de
Segurança Nacional implantada no país pós-revolução de 64.
As referências à década de cinqüenta se encontram em trabalhos cujo
objetivo é entender essa última ditadura militar, apontando a dinâmica dos
partidos políticos e a sociedade civil em relação às Forças Armadas na
preparação do cenário do golpe de 64. Nesse caso as Forças Armadas são os
atores coadjuvantes defensores dos interesses da burguesia nacional na
preparação do golpe militar. Referimo-nos, por exemplo, a um Nelson Werneck
Sodré: História Militar do Brasil, publicado em 1965, ou Hélio Jaguaribe:
Economic and Political Development. A Theoretical Approach and a Brazilian
Case Study, publicado pela Universidade de Harvard em 1968, e ainda a Alfred
Stepan: Os Militares na Política publicado em 1976.
No período em estudo, uma das agremiações militares mais vigiadas é o
Clube Militar, lugar em que o alto oficialato das Forças Armadas se reuniam
para debater particularmente sobre os rumos políticos e econômicos do país, e
também onde expressavam suas divergências internas e onde
mancomunavam suas alianças, desavenças e necessidades de expurgos ou
isolamentos. No entanto, dentre os estudos sobre as agremiações militares,
são pouquíssimos os que adentram ao estudo sobre o Clube Militar e estes
tendem a considerar os embates vigentes como disputas ideológicas dentro
da corporação militar, havendo poucos que se dedicam a resgatar a lógica
interna dessas facções, ou considerar aquele período de atuação do Clube
como uma configuração de crise de hegemonia, pelo fato de não haver
consenso entre as classes dominantes, colocando a sociedade civil a mercê da
“Organização policial brasileira”, Angelina Peralva “Violência e o paradoxo brasileiro da democracia” e
Regina Célio Pedroso “Estado autoritário e Ideologia policial”.
12
tutela do Estado e do seu aparelho repressivo
3
. Neste sentido o entendimento
de instituições dessa natureza enfatiza a rigidez do digo de conduta que
reprime e desconsidera a atuação dos indivíduos nos processos políticos e
sociais da realidade nacional.
Dentro desse universo de pesquisas sobre as Forças Armadas o eixo
em torno do qual se desenvolveu a reflexão reside no esforço de entender a
dependência das Forças Armadas em relação à sociedade e ou ao Estado.
Segundo Antonio Carlos Peixoto, articula-se em duas as concepções
fundamentais que orientam a pesquisa sobre os militares do Brasil: a
concepção instrumental (criada por Nelson Werneck Sodré) e a abordagem
institucional-organizacional:
“A concepção instrumental busca nos interesses das classes,
dos grupos, das forças políticas e das correntes de opinião os
motivos condutores das manifestações militares. As forças
militares agem a partir de estímulos encontrados fora das
fronteiras da corporação. Elas são acionadas por grupos de
interesses ou de pressões e, em última análise, o sentido final
da intervenção militar favorece sempre um ou outro dos grupos
que disputam o poder e o controle do aparelho do Estado”.
(PEIXOTO, 1980:29).
A primeira aparece, segundo ele, na maioria dos trabalhos sobre os
militares, considerando as Forças Armadas como um poder moderador dos
interesses de classe na disputa pelo processo político social. Nesse caso a
intervenção militar é movida por grupos de interesses ou de pressão que
favorecem um determinado grupo na disputa do poder do estado. Assim os
confrontos que existem e se desenvolvem no âmbito da corporação são meros
reflexos dos conflitos globais que marcam o processo político. Enquanto que a
segunda concepção:
“A concepção institucional-organizacional, por sua vez, enfatiza
a autonomia da instituição militar face à sociedade global.
Segundo essa abordagem, as Forças Armadas se convertem na
matriz dos inputs e dos outputs militares; o fenômeno militar é,
3
Ver: artigo de Hermes de ANDRADE JUNIOR. Matrizes ideológicas presentes no segmento militar
brasileiro: o caso do Clube Militar (1950-1964).Revista Eletrônica de Ciências Sociais. Ano I 1
Julho/Dezembro de 2001; a Tese de Mestrado de Kátia Marly Mendonça BARRETO. O Clube Militar:
Atuação política (1950-1956). PUC-SP,1988. O ensaio de Antonio Carlos PEIXOTO. O Clube Militar e
os confrontos no seio das Forças Armadas (1945-1964).Rio de Janeiro:Record,1980, e Robert A.
HAYES. The military club and national politics in Brazil. In: Henry H. KEITH, et alii. Perspectives on
armed politics in Brazil. Temple, Arizona, Center for Latin Studies, Arizona State University, 1976.
13
em última análise, auto-explicável”. (PEIXOTO, apud ROUQUIÉ
1980:30)
Nesse caso o aparelho militar é visto como uma estrutura monolítica e
seu produto político é o resultado da percepção e da lógica dos preceitos
institucionais que regem as Forças Armadas
4
. A hierarquia e a disciplina que
são os pilares da coesão militar seriam aqui os “manipuladores” da percepção
político social na instituição.
Nessas duas linhas de raciocínio sobre a interação das Forças Armadas
com a sociedade civil, Antonio Carlos Peixoto considera que são dois extremos
dicotômicos, se vistos separadamente, pois é muito difícil reduzir as Forças
Armadas a meros agentes de interesses de classes dominantes e ainda mais
difícil aceitá-las como uma instituição separada da sociedade civil, daí ser o
fenômeno militar percebido somente no interior das fronteiras da instituição.
Dentro dessa perspectiva, o autor que pertence a um grupo de trabalho
interdisciplinar do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais de Paris,
coordenado pelo pesquisador Alain Rouquié
5
, considera as instituições
armadas:
“O fenômeno militar é, na quase totalidade dos casos, o
resultado da articulação das pressões exercidas pela sociedade
global (e às vezes por outros ramos do aparelho do Estado)
com um certo mero de traços e características institucionais:
valores, percepção do sentido e do conteúdo das missões
atribuídas às Forças Armadas, tipo de formação profissional e
natureza do relacionamento com os outros agentes
(institucionais e partidários) do cenário político. O conjunto
dessas características permanece recoberto por sua
historicidade, isto é, pela forma como esses traços se formaram
historicamente, o que pressupõe, para cada uma dessas
variáveis, um quadro permanente de relações com a sociedade
civil. Parece, pois, que é na interação das Forças Armadas com
os agentes sociais e políticos que se encontram os
fundamentos do comportamento militar e os pontos-chave que
possibilitam sua compreensão”. (Peixoto, apud Rouquié,
1980:31).
4
Exemplo dessa visão temos Edmundo Campos Coelho: Em Busca da Identidade: O Exército e a
Política na Sociedade Brasileira, publicado em 1976.
5
Compõe esse grupo de estudos: Antonio Carlos Peixoto, Eliezer Rizzo de Oliveira, Manuel Domingos
Neto entre outros.
14
Assim as Forças Armadas mais do que um aparato ideológico enquanto
discurso político e social da “legalidade do Estado de direito” entre as elites e
as classes subalternas, cumprem o papel de guardiães dos interesses da
autocracia burguesa que confere tal caráter ao Estado.
Na década de 20, se apresentava o prelúdio da movimentação do
capital em esfera monopolista e os países agro-exportadores considerados
engrenagem fundamental para acumulação de capital, no fornecimento de
matéria-prima e mercados consumidores potencialmente estimulantes, se viam
na perspectiva da industrialização como saída e inserção de suas classes
dominantes nessa nova dinâmica do capital. A modernidade, a tecnologia, o
desenvolvimento industrial, eram paradigmas a serem implantados, para a
própria perpetuação dessas classes na engrenagem do sistema.
Em 1926, nos estudos sobre os problemas concretos da sociedade, do
Curso do Estado Maior do Exército tratados minuciosamente nos diferentes
artigos da revista “Defesa Nacional”
6
, se notava o germe daquilo que os
teóricos da Escola Superior de Guerra definiriam, após a Segunda Guerra
Mundial, como os “objetivos permanentes da Nação”, conforme observa
Manuel Domingos Neto no seu artigo: Influência Estrangeira e Luta Interna no
Exército. Vejamos alguns desses problemas:
“Para assegurar efetivos regulares e permanentes e
submetê-los a um treinamento militar sério, formar grandes
unidades operacionais e constituir reservas seria necessário
cuidar permanentemente do recrutamento seletivo;
Para acolher esses efetivos e treiná-los era urgente criar
casernas, centros de instrução e também adquirir grandes
quantidades de armamentos. Tudo isso implicava despesas
consideráveis. Os militares deveriam fazer com que os políticos
civis aceitassem essas despesas;
Era necessário também assegurar o desenvolvimento
econômico do país; criar indústrias capazes de fornecer pelo
menos parte do material de que o exército precisasse
(praticamente todo o material era comprado no exterior);
6
A simples menção de alguns nomes dos membros do grupo de oficiais reformuladores, que se
organizaram em torno da revista A Defesa Nacional órgão que durante toda a Primeira República foi
sempre a principal tribuna dos modernizadores -, por si sugere as estreitas relações entre a
transformação do Exército e a formação de uma corrente política que iria predominar na corporação de
1930 até nossos dias. Bertoldo Klinger, Estevão Leitão de Carvalho, Tasso Fragoso, Mascarenhas de
Morais, Góes Monteiro, Borges Fortes, Humberto de Alencar de Castello Branco, Olympio Mourão,
Orlando Geisel, Pery Bevilacqua, Garrastazu Médici, foram diretores ou colaboradores da revista.
15
desenvolver redes de transportes rodoviários e ferroviários para
que as tropas se deslocassem rápida e facilmente etc.;
Enfim, era indispensável criar um organismo que tivesse
autoridade suficiente para coordenar todos esses esforços e
impor suas decisões. O governo não poderia assumir esse
papel. O rodízio de presidentes da república implicava repetidas
mudanças de orientação política. A “coordenação da ‘Defesa
Nacional’ deveria estar nas mãos de um órgão permanente”
(NETO, 1980:67).
Nesta lógica a consolidação do Estado Nacional está diretamente ligada
à consolidação das Forças Armadas, como defensora de uma “nova ordem”
que a partir da segunda metade do culo XIX, com o desenvolvimento do
sistema capitalista, trouxe o discurso da modernidade e do desenvolvimento
tecnológico para dentro da caserna. A modernização da sociedade capitalista
era também a modernização das Forças Armadas. A defesa do Estado
constituído, era a defesa dos interesses do capital, que na medida em que o
capitalismo se desenvolvia, a noção de poderio lico estava diretamente
ligada à noção de poder econômico e político da nação.
No entanto apesar da aparente autonomia das Forças Armadas naquela
conjuntura como detentora e guardiã dos interesses nacionais, no seu interior,
as facções militares se digladiavam em torno de um projeto nacional, refletindo
os paradoxos das relações sociais produzidas pelo capitalismo que
estabeleciam um abismo entre os detentores do capital e os “fazedores” do
capital, a classe trabalhadora.
Revela-se na documentação levantada um amplo debate sobre os
caminhos a serem adotados para promover tal desenvolvimento e sobre os
rumos da democracia, que envolve diferentes representantes de segmentos da
burguesia e do oficialato das Forças Armadas, cuja opinião se expressa nos
jornais da época e nos pronunciamentos públicos das autoridades.
O estudo dos sistemas repressivos em períodos não ditatoriais é um
tema recente na historiografia e os pesquisadores têm se deparado com
algumas dificuldades com as quais também nos deparamos, particularmente
em relação ao tema específico desta dissertação. Isto porque, por um lado, a
documentação nos mostra claramente a lógica do Estado que censura, coíbe e
16
prepara os dossiês para futuras intervenções oficiais de afastamentos,
expurgos, “congelamentos” de pessoas, instituições e organizações. Neste
sentido, particularmente se atentamos para o fato de se trata de um período
considerado democrático, aliás, ressaltado pela historiografia como o único
democrático na história do país, revela-se nesta documentação, não apenas os
limites à esta democracia, mas também uma aparente autonomia deste
sistema, pois seus tentáculos se estendem a praticamente toda a população,
incluindo-se aí, seus próprios mentores e integrantes, e no caso específico a
que nos detivemos, aos militares que freqüentavam o Clube Militar que
representavam as principais tendências “políticas” das Forças Armadas , o
ministro da guerra General Lott e tantos outros dos mais variados escalões e
patentes e às conexões com integrantes da sociedade civil conforme
estabelecidas pelos censores.
Mas, por outro lado, tendemos a nos envolver com os temas que tais
censores auscultam, pois são inúmeros os documentos produzidos pelos
vigiados que estão anexados a estes dossiês e que servem de comprovação
da subversão, do crime contra o Estado, das posturas suspeitas, etc.. Ora, tal
documentação também é inédita para o pesquisador e evidencia, para além
das preocupações dos censores, o que ocorre nos meandros da política
brasileira no período, entre outras coisas. Assim, além da surpresa de perceber
como este sistema policia o alto oficialato das forças armadas em uma postura
que poderia ser entendida como antropofágica, não fosse a possibilidade de
entender sua lógica no interior da particular configuração do Estado no Brasil,
na dinâmica do capitalismo, esta documentação revela os bastidores de uma
trama entre os integrantes do Clube Militar, no sentido de “sanear” a cúpula do
exército de forma a que não houvesse divisões em seu interior, na
eventualidade das forças armadas militares terem que dar um golpe na
institucionalidade vigente. Ora, conforme é de conhecimento, isto nos remete,
por um lado, a caráter golpista das forças armadas no Brasil e a tudo que
respalda esta postura, ou seja, à analise da posição relativa da pula dos
militares no interior do Estado brasileiro e à própria natureza deste Estado
neste país. Nos remete também ao fato de que, alguns anos depois, ocorre o
golpe de 1964 que consolida tais expectativas. Evidencia-se ainda que, desde
17
este momento, tais militares não atuam isolados e contam com o respaldo de
determinados representantes de segmentos da burocracia estatal e da
burguesia nacional, além do respaldo internacional. Visto desta forma, a
aparente autonomia do sistema repressivo é um fetiche, conforme afirmava
Marx em relação à mercadoria e ao lucro do capitalismo, pois se revela sua
vinculação direta com os segmentos que detém o poder político e econômico e
que vêem o permanente modelo de desenvolvimento do país correr riscos se
se ampliam os espaços rumo à uma democratização efetiva, mesmo a de teor
liberal.
Por estas evidências, optamos, para o desenvolvimento desta
dissertação em analisar os documentos visando configurar a estreita
vinculação deste sistema repressivo com tais forças dominantes e sua
infiltração na cúpula dos militares que debatia as alternativas para o
desenvolvimento nacional no contexto internacional.
O que se observa é que a vigência de um sistema que possibilitava a
discussão mais ampla sobre os rumos do país colocou em pânico a ordem
dominante e esta se mobiliza para garantir sua continuidade nesta dominação.
É como se a democracia liberal em si, fosse um risco à tal dominação que não
pode conviver com a possibilidade de que propostas alternativas, mesmo no
interior do capitalismo, venham a encontrar respaldo de segmentos que tenham
força para ampliar o estreito grupo que domina o Estado e que dita as regras
para o desenvolvimento do país conforme seus interesses. Se no interior das
Forças Armadas vinham se manifestando divergências que punham em risco
tal configuração do poder, era necessário vigiar, selecionar, construir dossiês
condenatórios e expurgar.
Como guardiãs deste poder, tal divisão representava uma fragilidade,
pois se os riscos da ampliação de direitos tornasse imperativa a atuação destas
Forças Armadas, estas precisavam estar saneadas, sem divergências, unidas
por um ideal comum. Algumas diferenças de estratégias até poderiam ser
suportadas, mas jamais divergências que abrissem espaço para outros
segmentos da sociedade partilhassem deste poder. E a conjuntura dos anos
1950 comprovava este risco, conforme procuramos demonstrar ao longo desta
dissertação.
18
A necessidade de garantir e defender os interesses da burguesia
associada ao capital internacional, na salvaguarda do próprio sistema, expurga
do seu caminho os entraves e absorve da concretude social as especificidades
que lhe dão racionalidade: a impossibilidade de um regime democrático
burguês consolidado devido às limitações históricas, o que, conforme Chasin,
expressa a particularidade do desenvolvimento do capitalismo no país.
Pelo caráter, dinâmica e perspectiva do capital atrófico e de sua
(dês) ordem social e política, a reiteração da excludência entre
evolução nacional e progresso social é sua única lógica, bem
como, em verdade, muito de eufemismo no que concerne à
assim chamada evolução nacional”. (CHASIN apud RAGO,
1998:17).
Diante do paradoxo entre o discurso em prol da democracia dos vários
agentes da repressão e dos oficiais de caserna, como manifestação ideológica
dos gestores do capital atrófico, e sua prática política de exclusão, garante-se o
cumprimento da “ordem estabelecida” em prol do funcionamento e perpetuação
do sistema. Portanto, uma ideologia expressa, conforme Vaisman, a bagagem
cultural humana que exerce, historicamente, uma função social que, em sua
radicalidade serve para transformar ou conservar o real
7
.
A repressão, a vigilância e os expurgos de indivíduos e das
organizações consideradas perniciosas à continuidade da ordem político-social
em curso, mesmo no interior das Forças Armadas, revelam a dinâmica do
capitalismo monopolista dependente no cumprimento das demandas mundiais.
Por isto,
“O projeto do “Partido Militar” o poderia ignorar os interesses
da potência economicamente hegemônica. Isso, porque a
corporação modernizada não poderia assegurar sua existência
sem o concurso da indústria de guerra moderna, obviamente
estrangeira. Os interesses do capitalismo internacional, a partir
de então, estariam irremediavelmente confundidos com os
interesses da corporação, ou melhor, com os “elevados
interesses da nacionalidade”. (NETO, 1980:69).
7 VAISMAN, Ester. A Determinação Marxiana da Ideologia, Tese de Doutoramento, UFMG:1996.
Vale mencionar que tal perspectiva de análise, além de se configurar num esforço de resgatar a ontologia
marxiana, se configura também em um combate as análises marxistas marcadas pela perspectiva
stalinista, que muito contribuíram para a divulgação de incorreções sobre o pensamento de Marx.
19
Expressa-se assim o papel de guardiãs desta ordem autocrática, e a
postura das Forças Armadas neste período, revelam o quanto são
instrumentos deste Estado autocrático e cumprem uma função primordial na
sua continuidade e consolidação em bases reformistas, conforme ocorrerá nos
períodos subseqüentes ao que estudamos nesta pesquisa, tudo em nome da
democracia.
Eric Hobsbawn analisa como o poder estatal procura impingir o ideário
da coesão visando a aceitação, por parte dos oprimidos, das tarefas mais
penosas e com pouca recompensa, assim como sua ausência de críticas. É a
pregação ideológica do estoicismo (aceitação do destino) para que a estrutura
social vigente pareça imutável, ou seja, a afirmação da impossibilidade de
mudanças bruscas e significativas. Recupera o autor, as premissas marxianas
contidas na A Ideologia Alemã:
“As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias
dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da
sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante.
A classe que tem à sua disposição os meios da produção
material dispõe também dos meios da produção espiritual, de
modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo
tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da
produção espiritual. As idéias dominantes não são nada mais do
que a expressão ideal das relações materiais dominantes, o
as relações materiais dominantes apreendidas como idéias;
portanto, são a expressão das relações que fazem de uma
classe a classe dominante, são as idéias de sua dominação.”
(MARX. 2008:47)
Este estudo começou com as visitas ao Arquivo do Estado de São Paulo
pesquisando a documentação que se encontra sob a denominação de “família
documental 50-Z-9 229 pastas Documentação do II Exército e do DOI-
CODI”
8
. Os documentos contidos nessas pastas revelam a correspondência
entre o Serviço Secreto da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS),
8
“A série Dossiês embora se caracterize, como já afirmamos, pela imensa variedade documental,
constitui-se da documentação produzida pelo Serviço Secreto/Serviço de Informações/Divisão de
Informações. Ou seja, é o coraçãodo DEOPS/SP, um órgão estritamente voltado para exercer a
vigilância sobre o cidadão considerado “suspeito”. Portanto, a documentação produzida por esse setor é
o que mais caracteriza essa atividade repressiva.” (AQUINO. 2002:42)
20
criado em 1940
9
, o Ministério da Guerra e os comandos militares das várias
zonas espalhadas pelo território nacional.
Consultamos a documentação correspondente aos anos de 1941 a 1961
que está acondicionada em quatro pastas com cerca de 780 documentos,
dentre os quais foram selecionados 193, pois os 587 restantes são na maioria,
atestados de antecedentes e dossiês solicitados pelo Ministério do Exército à
Secretaria de Segurança Pública ou de alguma autoridade, de caráter
puramente administrativo.
Além da correspondência entre membros das forças armadas, foram
apreendidos pelos censores os discursos dos oficias para os aspirantes da
ESG, nos quais ficam claros os objetivos desta instituição e a leitura esguiniana
sobre a realidade nacional.
Há dossiês que descrevem a situação interna das Forças Armadas,
boletins internos da caserna que demonstram as várias posições “ideológicas”
dos grupos de médio escalão e os documentos do grupo denominado “Cruzada
Democrática”. Essa facção militar foi um movimento articulado para concorrer
às eleições do Clube Militar em 1952, reunia em sua composição militares
conservadores ligados a Escola Superior de Guerra (ESG), que objetivavam
assumir o controle da referida instituição. Surgiu tendo como principal intenção
combater o grupo de militares nacionalistas comandados pelo General Estilac
Leal, como veremos detalhadamente no capítulo IV dessa dissertação.
Destaca-se ainda desta documentação um intitulado Esquema de Ação
para tentar dirimir a atual crise político-militar, no qual é analisada a situação
interna e externa das Forças Armadas na conjuntura das eleições de 1955 que
elegeu o Presidente Juscelino Kubitschek, além de um manual de
procedimentos que era distribuído aos comandos militares visando instruir as
tropas em caso de um golpe militar e que também os orientava sobre
procedimentos de inspeção às tropas para identificar se havia elementos com
idéias estranhas à corporação militar.
As referências sobre os militares, encontradas neste acervo me
impeliram à busca de documentação complementar para melhor entender os
9 A DOPS será transformado no Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) em 1975.
21
embates que constam nestes documentos apreendidos e comentados pelos
censores da DOPS. No CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de
Janeiro, analisei particularmente os arquivos pessoais do General Juarez
Távora que foi um de seus mais proeminentes integrantes das forças armadas
no país
10
. A escolha dos arquivos pessoais desse representante das Forças
Armadas se pelo seu vasto currículo dentro da corporação militar. Figura
emblemática, teórico dos preceitos da Escola Superior de Guerra (ESG),
pertencente à ala denominada “sorbonista”, desempenhou um papel relevante
na unificação do pensamento militar no período em estudo, destacando-se
também como consultor no desfecho das eleições presidenciais de 1955. Sua
participação política no Clube Militar juntamente com o General Humberto de
Alencar de Castelo Branco, ambos pertencentes ao movimento intitulado
“Cruzada Democrática”, gesta uma das mais ardentes polêmicas dentro das
Forças Armadas que vai desencadear a perseguição à ala que se denominava
“nacionalista”, sob a acusação de infiltração comunista em suas hostes.
Também do CPDOC consultamos os arquivos pessoais do deputado
Augusto do Amaral Peixoto, cuja trajetória se estende da participação no
Movimento Tenentista de 1922, perpassando pelas mobilizações dos anos
1930, e atuando como deputado constituinte pelo Partido Autonomista de 1933
até 1937. Após 1945 se elege deputado pelo Partido Social Democrata (PSD)
de Juscelino, passando para o MDB após o golpe de 1964. Desse acervo extraí
também parte da documentação sobre o Movimento Militar Constitucionalista
(MMC) fundando em 1955, em prol a eleição e posse de Juscelino Kubitschek.
Os acervos de Juarez vora e Antonio do Amaral Peixoto são
documentos auxiliares na medida em que na documentação da DOPS há
várias referências ao conteúdo de documentos que compõe esses arquivos.
Sendo assim eles são uma fonte para a elucidação do pensamento da ESG e
dos ensaios de golpes levados a cabo pelos militares na década de 1950.
10
Figura importante na história militar do exército participou do movimento Tenentista, tomou parte da
organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), foi membro da UDN da ala antigetulista. Indicado
diretor da Escola Superior de Guerra em 1952 foi eleito em 1954 para o cargo de Vice-presidente do
Clube Militar, assumiu a Chefia do Gabinete Militar no governo do Presidente Café Filho, foi candidato a
Presidente da República pela UDN em 1955, elegeu-se Deputado Federal pelo Partido Democrático
Cristão em 1962, foi ferrenho adversário do governo João Goulart e apoiou o golpe militar de 1964. Com
o inicio da ditadura militar, dirigiu o Ministério de Viação e Obras Públicas, até março de 1967.
22
Inicialmente consideramos que tal documentação nos remetia apenas ao
Clube Militar, e elucidava os conflitos entre dois grupos ideológicos
11
na
formulação de um projeto nacional na década de cinqüenta, que se
digladiavam no interior das Forças Armadas brasileira, cujos desdobramentos
seriam sentidos pelo país nos anos seguintes com o golpe militar de 64.
Na medida em que me aprofundei na documentação do Serviço Secreto,
o acervo documental apresentava o diálogo daquela instituição militar com as
demais instituições sociais e políticas naquele contexto da década de 50,
revelando tendências que se expressavam e buscavam prevalecer como corpo
direcional das Forças Armadas e da sociedade civil. A alternância desses
grupos no referido Clube trazia à tona o imenso debate que se aglutinava na
Escola Superior de Guerra (ESG) e que repercutia na sociedade civil, através
das plataformas e dos debates políticos dos “nacionalistas” e “sorbonistas” que
compunham o Clube Militar, sobre os caminhos para o desenvolvimento
capitalista nacional.
Assim a análise da atuação do sistema de repressão no interior das
forças armadas nos possibilitou identificar a configuração e a consolidação do
Estado autocrático burguês naquela conjuntura considerada democrática.
Encontra-se refletida a correlação de forças
12
do Estado autocrático neste
momento de expansão do capitalismo internacional. O conflito do referido
Clube era o conflito da sociedade brasileira onde os vários segmentos sociais
viviam a imensa contradição de uma sociedade divida em classes: o
desenvolvimento do Estado de direito, com as necessidades de expansão e
reprodução do capital, gerando sempre no bojo das relações sociais de
produção, a desigualdade, a super exploração do trabalho, e a concentração
da renda na mão de um pequeno segmento social da burguesia.
Dessa maneira a escolha por essa documentação, reflete o interesse de
entender a consolidação do Estado autocrático burguês através de um dos
seus aparatos mais significativos, o Serviço Secreto. É diante da sua prática de
vigilância e repressão corroborando com a criminalização das lutas sociais,
garantindo ao Estado autocrático os mecanismos de controle social inclusive
11
Os “sorbonistas” ligados a ESG e o nacionalistas ligados ao “getulismo”.
12
No caso os interesses das facções do Clube Militar juntamente com os da burguesia industrial.
23
entre os próprios militares que são seus guardiões de plantão, que entendemos
o caráter “saneador” do “serviço”, vigiando e expurgando do caminho os
entraves do desenvolvimento do Estado autocrático burguês.
Trata-se da análise cuja documentação passava pelo crivo do Serviço
Secreto e que está permeada de “juízos de valor”. Na leitura que o historiador
possa fazer da “realidade histórica” existe uma limitação entre o particular e o
geral, de um lado o seu universo cognitivo e representativo do real, e de outro,
o real como manifestação coletiva de uma época. Dentro dessa perspectiva o
crivo analítico das fontes documentais sempre se dará através de uma
abordagem que pode levar a interpretação sobre a realidade histórica a
caminhos com várias possibilidades, dependendo das categorias escolhidas e
das experiências cognitivas do pesquisador. Nesta perspectiva consideramos
que nossa contribuição à historiografia será o resgate de alguns dos nexos de
que se constitui a realidade que a documentação expressa, da qual
procuramos respeitar sua integralidade.
O historiador se depara com o fato de que os vestígios da história de
que dispõe são sempre fragmentados, cabendo-lhe a função, na construção
historiográfica, de resgatar a articulação que corresponda, pelo menos
parcialmente, à realidade a que se referem e da qual constituem as evidências,
seja esta escrita ou verbalizada. Dentro dessa preocupação em situar o objeto
e o objetivo, a escolha das fontes deteve-se em buscar documentos que
pudessem revelar a visão dos envolvidos no debate que ocorria na sociedade
civil em consonância com o pensamento das Forças Armadas, a respeito das
questões nacionais naquele momento em que eles são seus protagonistas e
expressam as tendências que se delineiam, ao mesmo tempo em se integram
enquanto membro de um grupo social.
Sendo assim, a interpretação que possamos fazer da presença das
Forças Armadas na condução do processo econômico-político-social, será de
fundamental importância na compreensão da autonomia e da consolidação do
Estado autocrático burguês num período considerado democrático, onde as
contradições sociais revelam as limitações daquele Estado em estabelecer
“liberdades democráticas”, no interior da racionalidade excludente decorrente
24
do processo de acomodação das forças produtivas e das relações sociais de
produção na inserção do Brasil no capitalismo monopolista mundial.
25
CAPÍTULO 0I
O aparato repressivo na particularidade do Estado republicano
1.1 – A configuração “pelo alto” na 1ª República
O advento da República, em que pesem os discursos oficiais, não
consolida os preceitos da democracia, conforme já analisado por inúmeros
autores
13
, o que mantém o governo centralizado nas mãos de uns poucos
representantes de segmentos da tradicional burguesia agrária e do incipiente
empresariado, cuja fragilidade demanda a presença e, porque o dizer, a
tutela das forças armadas. Nesta lógica, sobre a qual nos determos mais
adiante, não se vislumbrava a participação popular em nenhuma instância no
centro decisório republicano e mais, qualquer tentativa destes segmentos
sociais de reação à situação de miséria e opressão é considerada como um
atentado à “ordem e ao progresso”. Segundo os preceitos positivistas
veiculados por intelectuais vinculados a estes grupos dirigentes, incluindo-se aí
13
A República foi, acima de tudo, resultado de uma cisão da classe dominante que se configurou ao
longo do Segundo Reinado. As tensões que movimentaram o país em direção à República tiveram
origem, segundo Viotti da Costa, na quebra de unidade da classe dominante brasileira em função de
mudanças econômicas que ocorreram a partir de 1850 e resultaram no exercício cindido do poder
econômico e do poder político. O conflito básico que traz o fim do período monárquico não se entre
um Brasil moderno, progressista, desejoso de democracia, representado pelas classes médias urbanas, e
um Brasil conservador, regressista, afeito a concepções políticas totalitárias, representado pelas classes
oligárquicas do Império; os grupos em confronto são dois setores da classe que garantira a sobrevivência
do regime imperial: de um lado, as chamadas oligarquias tradicionais dos senhores de engenho do
Nordeste e dos barões do café do Vale do Paraíba (monarquistas, escravistas, decadentes), apegadas a
relações de trabalho e a formas de produção caducas, mas detentoras de poder político; de outro, as novas
oligarquias dos fazendeiros do café do Oeste paulista que, embora ocupando lugar central na economia do
país, não dispunham de poder político. Foi em busca desse poder que, em 1873, organizaram o Partido
Republicano Paulista, que teve entre os fundadores uma maioria de cafeicultores de Itu e Campinas.
em 1894, os militares foram afastados do comando e a eleição do civil paulista Prudente de Morais pôs à
frente do processo político cafeicultores paulistas e a elite econômica e política mineira, os quais
instalaram um "situacionismo permanente", rompido com a revolução de 30, quando houve nova
composição política no interior das elites. A ameaça de instabilidade política trazida pelos primeiros anos
republicanos, em especial nos centros urbanos maiores, entre os quais se destacava a capital do país,
levou os donos do dinheiro não a tirar os militares do governo, mas a reduzir o nível de participação
popular, neutralizar a capital e fortalecer o poder dos estados. E o veto à participação política do povo
vinha não da repressão policial às manifestações em praça pública, mas de outras restrições impostas à
cidadania, entre as quais uma legislação eleitoral que reduzia ao mínimo os votantes: no Rio de Janeiro,
subtraídos da população total os menores de 21 anos, as mulheres, os analfabetos, os praças, os religiosos
e os estrangeiros, excluíam-se do direito ao voto 80% da população. Assim, "a República conseguiu quase
literalmente eliminar o eleitor", motivo pelo qual "os representantes do povo não representavam ninguém,
os representados não existiam, o ato de votar era uma operação de capangagem". A maioria dos votos era
falsa: "votavam defuntos e ausentes, e as atas eram forjadas". (PATTO, Maria Helena Souza. Estado,
ciência e política na Primeira República: a desqualificação dos pobres. Estudos Avançados, vol. 13, no.
35. 1999, pp.167- 198. Disponível em: http://www.scielo.br .
26
os militares, o Estado, enquanto poder constituído era o regulador dos conflitos
sociais e qualquer tentativa de questionamento ou manifestação popular ao
“status quo” era visto como desordem e neste sentido, justifica-se sua
repressão.
As repressões aos movimentos populares desde este início da
República são exemplares da postura extremamente violenta que o novo
governo adota como resposta aos protestos e denúncias das difíceis condições
de existência da maioria marginalizada na primeira república.
Movimentos como: Canudos
14
(1896-1897) no sertão da Bahia que
revelava a condição de extrema miséria do povo nordestino em razão da
concentração de terras na mão dos latifundiários e as duras condições
climáticas do agreste brasileiro; a Revolta da Vacina
15
(1904) no Rio de
14
No início da Primeira República, no governo de Prudente de Morais, o interior do Nordeste brasileiro
foi palco de um dos maiores conflitos sociais envolvendo a luta das populações pobres pela posse da
terra. As principais causas deste conflito, que desencadeou a Guerra de Canudos, estão relacionadas com
as condições sociais e geográficas da região. As características geográficas e as condições sociais do
Nordeste brasileiro, formavam um conjunto de fatores geradores de um estado de permanente conflito e
revolta social. A história de Canudos começa por volta de 1893. Nesta época, no arraial de Canudos, no
vale do rio Vaza-Barris, no interior da Bahia, reuniu-se um grupo de fiéis seguidores do beato Antônio
Conselheiro, que pregava a salvação e dias melhores para quem o seguisse. Em 1896 o arraial possuía
cerca de 20 mil sertanejos que viviam de modo comunitário. Sobreviviam com a criação de animais e
plantações. Tudo era dividido entre os habitantes e o que sobrava era comercializado nas cidades
vizinhas, desse modo conseguiam obter os bens e produtos que não eram produzidos no local. Para se
protegerem os habitantes de Canudos organizaram grupos armados. Foi assim que, em poucos anos o
arraial de Canudos se firmou na região como um contestado, passando a reunir cada vez mais sertanejos
que lutavam para mudar suas condições de vida fugindo da miséria e dominação dos grandes
latifundiários. Depois de várias tentativas do governo federal de acabar com o arraial de Canudos,foi
preparada uma expedição que foi composta por 10 mil homens. Fortemente armados, os soldados
cercaram por três meses o arraial de Canudos, que sofreu forte bombardeio e depois foi invadido. O
arraial foi completamente destruído. Os sertanejos de Canudos, homens, mulheres e crianças, foram
massacrados pelos soldados, que tinham ordens para não fazer nenhum prisioneiro.
15
Na época, o Rio de Janeiro era uma área urbana decadente. O acúmulo de lixo e a sujeira nas ruas nas
zonas periféricas e centrais atraíam insetos e ratos que transmitiam doenças fatais como a febre-amarela, a
varíola e a peste bubônica, resultando na morte de milhares de pessoas anualmente. As vielas, os becos e
as ruas mal iluminadas tornavam a cidade desolada e bastante perigosa durante toda à noite. Foi preciso,
então, sanear a cidade a partir da realização de obras públicas, limpeza e combate às doenças. O objetivo
almejado pelo governo de modernização urbana da capital federal recebeu amplo apoio e respaldo do
prefeito da cidade, Pereira Passos. Mas a forma como foi realizada gerou revolta e protestos populares,
abrindo a primeira crise política do governo de Rodrigues Alves. A reconstrução, limpeza e o
embelezamento da cidade foram feitos às custas das camadas pobres da população. Efetuando
desapropriações desordenadas, as habitações populares (casebres e cortiços) foram postas abaixo para o
alargamento das ruas, avenidas e construções de praças públicas. Os pobres foram expulsos para os
morros e áreas periféricas da cidade, dando origem às favelas que existem até hoje. Mas foi o problema
da saúde pública que desencadeou revoltas populares que, por sua vez, geraram uma grave crise política.
O combate às doenças foi liderado pelo médico sanitarista Osvaldo Cruz. Estudioso das doenças tropicais,
Osvaldo Cruz conseguiu que o governo decretasse a Lei da Vacina Obrigatória, que forçava toda a
população a se vacinar para proteger-se das doenças epidêmicas. Os agentes de saúde efetuavam despejos
e agressões para obrigar os populares a tomarem a vacina. O povo revoltado foi para as ruas e enfrentou a
força policial, configurando a Revolta da Vacina.
27
Janeiro, que é exemplar da violência institucional e do distanciamento deste
poder político em relação às características sociais, pois este movimento,
conforme apontado pela historiografia, não se deu contra a vacinação, mas
sim pela falta de informações sobre a vacinação em massa que deveria
eliminar o surto endêmico que assolava a cidade. Denotando a total
irresponsabilidade do Estado quanto à informar a população, a reação contra a
vacina corrobora com o receio da população: os massacres promovidos pela
truculência policial.
Também temos como exemplo a Revolta da Chibata
16
em 1910 onde
marinheiros tomaram alguns navios de guerra brasileiros em represália aos
maus tratos da alta oficialidade; a “Guerra Santa do Contestado
17
(1912-1916)
na zona fronteiriça entre Santa Catarina e Paraná, também composta por
sertanejos em busca de terra e trabalho, bem como as greves operárias
18
deflagradas em 1916/1917 que abalaram a sociedade e o regime republicano.
16
Entre as principais causas da Revolta da Chibata estão as péssimas condições de trabalho nas
embarcações e o código disciplinar em vigor, que previa a aplicação de castigos corporais, as chibatadas,
para disciplinar os marinheiros. Indignados com a situação, os marinheiros reivindicaram tratamento mais
digno por parte dos comandantes e melhores condições de trabalho. Como não foram atendidos, os
marinheiros se revoltaram. Liderados pelo cabo negro João Cândido, os marinheiros se amotinaram
assumindo o comando do navio Minas Gerais. Em seguida, receberam apoio dos marinheiros dos navios
São Paulo e Bahia. Os revoltosos manobraram as embarcações e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro
caso o governo não atendesse suas reivindicações. Exigiram também uma anistia a todos os envolvidos na
revolta. Incapaz de reprimir os revoltosos, o governo federal solicitou ao Congresso a votação de uma lei
abolindo a chibata e concedendo anistia. Os marinheiros encerram a revolta acreditando que seus
objetivos foram alcançados. Porém, o governo e as autoridades militares não cumpriram com suas
promessas, e na primeira oportunidade prendeu e castigou os revoltosos. Diante da atitude do governo, os
marinheiros se rebelaram novamente. Mas desta vez, o governo reagiu militarmente e massacrou os
revoltosos na Ilha das Cobras. Muitos marinheiros morreram e os que sobreviveram foram presos e
enviados para prisões na Amazônia. O líder da Revolta da Chibata, o marinheiro negro João Cândido,
sobreviveu e foi internado num hospital para loucos. A revolta fracassou, mas gerou muitas pressões
sobre as autoridades políticas e militares que modificariam o código disciplinar de modo a abolir os
açoites.
17
Em muitos aspectos, esse grande movimento de revolta social assemelhou-se à Guerra de Canudos,
porque envolveu beatos e sertanejos que pegaram em armas para lutar pela posse da terra. O conflito
ocorreu nas fronteiras dos estados do Paraná e Santa Catarina. A revolta foi um movimento
eminentemente popular organizado por sertanejos miseráveis, que foram expulsos das grandes
propriedades agrárias pelos coronéis locais. Mobilizados e liderados primeiro pelo religioso João Maria, e
depois por José Maria, os sertanejos enfrentaram diversas expedições militares enviadas pelo governo
federal. A Guerra Santa do Contestado foi só foi debelada 1916, no governo de Venceslau Brás.
18
A expansão do setor industrial levou inevitavelmente ao crescimento da classe operária. Esse
crescimento pode ser constatado ao observarmos que em 1880, o país contava com 54 mil operários; em
1920 esse número salta para 200 mil. No decorrer do processo de formação da classe operária no Brasil,
surgem também as primeiras organizações trabalhistas e os líderes sindicais que começaram a atuar de
forma mais combativa em defesa de reivindicações e interesses dos trabalhadores da indústria. O surto
industrial contribuía para o crescimento das vagas de emprego, mas as condições de trabalho nas fábricas
eram absolutamente degradantes. As fábricas empregavam crianças, mulheres e homens que enfrentavam
turnos de 14 a 16 horas por dia, não tinham salário mínimo nem remuneração no período de férias, e
28
Com a manutenção da cultura da violência que era vigente desde o
período anterior no qual, na ordem escravocrata, seus trabalhadores, os
escravos, eram reconhecidos apenas enquanto propriedade privada e
mercadoria, ainda que as leis tenham mudado, o trabalhador, no caso, os
operários, não tinham direitos e deveriam se considerar felizes por terem sido
aceitos enquanto empregados, o que é corroborado pelo sistema judiciário.
Assim é que a lei da chibata e a atuação do capataz são substituídas
pela atuação da polícia civil, particularmente no período em que o havia
ainda uma possibilidade jurídica de coerção, o que ocorre com a lei firmada no
início da década de 1910. A prática da violência policial aumentou no decorrer
dos anos que constituem as cadas de 1920 e 30 ante a mobilização do
operariado que adensava a população nos principais centros urbanos do país,
mantendo-se corriqueira nos casos em que reivindicavam maior acesso aos
benefícios públicos, como saneamento, água, luz, gaz, transporte, etc.. Assim
do enquadramento oficial como contraventores porque fugiam da escravidão,
estes passam a serem tachados de agitadores da “ordem blica” e
desrespeitadores das leis constituídas. Conforme observa Florestan
Fernandes:
“A burguesia mostrou as verdadeiras entranhas, reagindo de
maneira predominantemente reacionária e ultra conservadora,
dentro da melhor tradição do mandonismo oligárquico (que nos
sirva de exemplo o tratamento das graves operarias na década
de 1910), em São Paulo, como puras “questões de polícia”, ou
quase meio século depois, a repressão às aspirações
democráticas das massas.” (FERNANDES, 2006:242)
muito menos indenização por qualquer acidente de trabalho. Em tais condições, a nascente classe operária
começa a se organizar em movimentos grevistas como forma de contestação à suas condições de trabalho
e exploração e também como movimento reivindicatório exigindo melhores condições de trabalho A
maior delas foi iniciada numa fábrica de tecidos em São Paulo, em 1917. Os trabalhadores do setor têxtil
aderiram rapidamente ao movimento transformando-o em uma greve geral. A greve geral atingiu até
indústrias do interior do Estado, paralisando cerca de 40 mil operários. Como fiel representante dos
interesses das elites dominantes, a reação do governo foi imediata. As greves incomodavam a nascente
burguesia industrial, ou seja, os patrões, por isso, os movimentos grevistas foram reprimidos com
violência pelas forças policiais. O governo mobilizou tropas federais e chegou a enviar dois navios de
guerra ao porto de Santos, para intimidar os grevistas.Neste episódio, muitos operários foram presos e
alguns líderes grevistas foram mortos. Embora tenham sofrido uma brutal repressão policial, e muitas de
suas principais reivindicações não tenham sido atendidas, os movimentos grevistas deste período
incentivaram uma maior organização da classe trabalhadora, de modo que nos anos seguintes surgiriam
inúmeros sindicatos trabalhistas.
29
A lei, enquanto instrumento defensor das normas, nesta ordem de
coisas, teria que garantir os direitos liberais fundamentais apenas para as
classes dominantes, como liberdade de ir e vir, liberdade de opinião, liberdade
de imprensa e como neste mesmo diapasão, eram “cidadãos” apenas os
representantes da oligarquia agrária e da burguesia industriária em ascensão,
qualquer manifestação advinda dos outros segmentos da população que
constituíam sua maioria são caracterizadas como atos criminosos, porque um
atentado a Republica e à democracia.
Neste sentido, a contradição entre o princípio republicano da
democracia, mesmo em seus limites liberais, particularmente a partir das
regrais legais que se vai instituindo e a prática das forças armadas, no caso, a
polícia civil, caracterizava-se pela efetivação de arbitrariedades e extra -
legalidades, como afirma Marcos Tarcísio:
“No campo da atuação cotidiana nas ruas e nos distritos, muitas
vezes os policiais aplicavam castigos atinentes á sua visão de
punição nos indivíduos sobre sua custodia, exercendo as
práticas informais da justiça, que não obedecia a ás regras
formais do direito. A violência corriqueira durante as diligências
efetivadas pela agência, implementava uma política de terror,
provocando o terror nos segmentos subalternos do corpo
social”. (FLORINDO, 2000:7).
O Estado assumido por esta oligarquia tendo como guardiões os
militares republicanos contradita assim, em seus primórdios, o preceito da
garantia dos direitos humanos e sua condição de árbitro social em políticas que
favoreçam a “maioria da população”, prevalecendo, enquanto prática social, a
norma da exclusão decorrente esta da dinâmica estrutural do desenvolvimento
do capitalismo no Brasil, no interior da lógica imperialista vigente desde o início
do século XX.
No estágio imperialista
19
de desenvolvimento do capitalismo, as
economias do terceiro mundo ficaram relegadas a uma posição de extensão de
interesses do “capital estrangeiro”. É neste contexto que se fixam, nos países
19 Conforme afirma nin, no início do século XX o capitalismo transformou-se em imperialismo”.
Suas cinco principais características constituem transformações do modo capitalista de produção
chegando à maturidade em escala internacional: (1) concentração do processo produtivo, gerando os
monopólios; (2) predomínio do capital bancário sobre o industrial, formando a oligarquia financeira; (3)
predomínio da exportação de capitais sobre a de mercadorias; (4) divisão econômica do planeta entre os
trustes; (5) conclusão da divisão territorial do planeta entre as grandes potências imperialistas.
30
subordinados e dependentes, as tendências da dita modernidade de alcançar o
desenvolvimento industrial para fazer frente ao “mundo moderno”, desfrutando
das benesses como nações integradas ao desenvolvimento do capitalismo
mundial.
No caso brasileiro a balança de pagamentos, numa economia
predominantemente agrária exportadora, vivia em descompasso entre as
prioridades da exportação para gerar um lastro de divisas e garantir mobilidade
de financiamentos e a necessidade de importar os produtos necessários para
suprir as necessidades da nascente classe consumidora brasileira. Além disso,
a economia flutuava nas condições das mudanças de câmbio e da demanda
dos estoques mundiais de matérias primas revelando à incipiente burguesia
agrária, os exportadores de café, que eles sempre estariam alijados de
crescimento econômico e tecnológico enquanto durassem os interesses de
desenvolvimento nacional fincado numa perspectiva de fornecedores de
matéria prima. As possibilidades de suprir a economia de uma acumulação de
capital só era possível através de uma industrialização que desenvolvesse
rapidamente um parque industrial, criando possibilidades de movimentação de
capital e de uma sociedade consumidora.
Assim nascente, subordinada e dependente, a incipiente burguesia que
transita do agrarismo à industrialização vai se respaldar em um Estado que
regula de forma coesa a implantação das novas condições de trabalho contidos
neste processo de industrialização brasileira, inclusive porque esta condição
determina também a correlação de forças entre os segmentos desta mesma
burguesia. As divergências entre seus interesses, por não encontrarem no
interior da dinâmica econômica e nem na dimensão da política sua resolução, a
fragiliza ainda mais, daí a configuração de um Estado que, por sua natureza
autocrática
20
, em face às demandas sociais, atue de forma coercitiva.
As contradições inerentes a esta condição já se manifestam durante a
presidência de Artur Bernardes (1922-1926) e em São Paulo no governo de
Carlos de Campos (1924-1927), período que é exemplo de uma conjuntura de
revolta social, expressão das profundas crises que colocavam em risco a
própria governabilidade. Tanto o movimento grevista anarcosindicalista e o
20
Sobre o que falaremos adiante.
31
fortalecimento do movimento comunista com a criação do Partido Comunista
do Brasil (1922), quanto a revolta da baixa oficialidade do exército (capitães e
tenentes
21
), ameaçavam os poderes constituídos e assustavam as oligarquias
estaduais com seu crescimento cindido.
No âmbito do poder federal, governando sob estado de sítio, o
presidente Artur Bernardes usou os poderes excepcionais de que dispunha
pela Constituição para neutralizar seus opositores políticos. Por meio de leis
repressivas que restringiram a liberdade de imprensa e os direitos individuais, o
presidente pôs em prática uma política de desmonte das máquinas
administrativas dos governos estaduais que eram considerados seus
adversários políticos
22
,o que gerou mais descontentamento entre as elites
agrárias regionais menos influentes que se encontravam fora do pacto de
dominação firmado entre as oligarquias cafeicultoras dos estados de São Paulo
e Minas Gerais, as chamadas políticas do “café-com-leite”.
O resultado desse processo foi o crescimento dos antagonismos que
levariam a uma progressiva e profunda divisão política no interior da classe
dominante do país. As oligarquias agrárias regionais, principalmente as do
Estado do Rio Grande do Sul, começaram a se afastar dos grupos ligados ao
núcleo cafeicultor, se reorganizando politicamente e opondo-se cada vez mais
ao governo federal.
No entanto, muito mais do que um problema restrito ao âmbito das
disputas políticas, aquela conjuntura denota a conformação de uma dinâmica
histórica, na qual, conforme Chasin um desenvolvimento hiper tardio do
capitalismo configura uma burguesia cuja fragilidade a torna incapaz de cumprir
21
A "Grande Marcha" de 1925 a 1927 foi o ponto culminante de um movimento militar, denominado de
Tenentismo. Parte de seus contingentes passaram por São Paulo a partir de Julho de 1924, tomando de
assalto o Governador Carlos de Campos que foi obrigado a fugir do Palácio dos Campos Elíseos para os
arredores da cidade em Guaiaúna (zona leste de São Paulo). As lutas dos revoltosos com as tropas
legalistas do governo forçam a Coluna Paulista a adentrar pelo interior do estado chegando ao Paraná e
encontrando-se com a Coluna Prestes.
22
A consolidação do modelo republicano federalista e a ascendência das oligarquias agrárias ao poder
fizeram surgir um dos mais característicos fenômenos sociais e políticos do período: o coronelismo. Esse
fenômeno expressou as particularidades do desenvolvimento social e político do Brasil. Ele foi resultado
da coexistência das formas modernas de representação política (o sufrágio universal) e de uma estrutura
fundiária arcaica baseada na grande propriedade rural. Para esse assunto a clássica obra de Victor Nunes
Leal: Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-
Ômega, 1975.
32
proceder à necessária revolução burguesa que liberaria as forças produtivas
necessárias ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Fragmentada e
isolada, nada mais lhe resta senão respaldar-se, por um lado, nas formações
de classe agrárias que necessitaria ultrapassar e por outro, no aparato militar
que cumprem a função de controlar a emergência das lutas sociais dos novos
segmentos de trabalhadores advindos desta mesma ordem capitalista. Tal
impossibilidade histórica permite detectar, conforme observa Florestan
Fernandes
“um drama crônico, que não é da essência do capitalismo em
geral, mas é típico do capitalismo dependente. As
impossibilidades históricas formam uma cadeia, uma espécie de
circulo vicioso, que tendem a repetir-se em quadros estruturais
subseqüentes. Como não há ruptura definitiva com o passado, a
cada passo este se reapresenta na cena histórica e cobra o seu
preço, embora sejam muito variáveis os artifícios da
‘conciliação’ (em regra uma autêntica negação ou neutralização
da ‘reforma’).” (FERNANDES, 2006:238)
Nesse sentido as tensões de ordem política e as contradições de classe
devem ser analisas relativamente à particularidade do desenvolvimento desse
capitalismo de conformação hiper tardia. Conforme Chasin:
“Enquanto a industrialização tardia se efetiva num quadro
histórico em que o proletariado travou suas primeiras
batalhas teóricas e práticas, e a estruturação dos impérios
coloniais se configurou, a industrialização hiper-tardia se
realiza no quadro da acumulação monopolista avançada, no
tempo em que guerras imperialistas foram travadas, e numa
configuração mundial em que a perspectiva do trabalho se
materializou na ocupação do poder de estado em parcela das
unidades nacionais que compõem o conjunto internacional.
Ainda mais, a industrialização tardia, apesar de retardatária, é
autônoma, enquanto a hiper-tardia, além de seu atraso no
tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada
sem que estes tenham deixado de ser subordinados das
economias centrais.” (CHASIN, 2000:34)
Nesse formato de instalação do modo de produção capitalista, o capital
age como um poder “despótico moderno”, cuja contradição principal situa-se no
interior da própria concepção burguesa do público e do privado. Devido à
fragilidade do projeto econômico nacional a garantia de sua realização é a via
despótica onde toda a sociedade se submete a uma visão desenvolvimentista
33
que garante o reconhecimento burguês de “colher os frutos” do progresso.
Nessa concepção de uma política de realização econômica nacional o
interesse “privado” é a garantia para a realização do todo, confundindo o
interesse de classe ao interesse geral da nação.
As alianças internas entre os setores arcaicos e “modernos” da
economia durante todo o período republicano terão um custo alto para a
burguesia na medida em que, obrigada a estas concessões, esta abre mão de
algumas reformas importantes para o destravamento das forças produtivas que
seriam fundamentais para a aceleração do desenvolvimento industrial. Talvez o
efeito mais devastador nessa correlação de forças seja sua subordinação às
Forças Armadas que assumem um caráter golpista manifesto no
desenvolvimento de um ideário que ficará conhecido como a Doutrina da
Segurança Nacional, sobre a qual falaremos mais à frente.
Cabe ressaltar que essa subordinação da burguesia às Forças Armadas
expressa esse caráter autocrático do Estado, pois enquanto os diversos
segmentos do capital se digladiam no interior do processo de acumulação e
reprodução do capital para conseguir garantir sua hegemonia, as Forças
Armadas garantem a coesão do Estado e os princípios autocráticos de
dominação, expurgando do caminho os que representam ameaça ao segmento
hegemônico.
Neste sentido o regime republicano brasileiro sempre viveu sobre o
espectro do militarismo na trajetória política e econômica nacional. A base de
sustentação do governo era, em última instância, o apoio das Forças Armadas
na garantia do “estado de direito” através das várias constituições adotadas no
Brasil. Segundo Alfred Stepan,
As constituições adotadas em 1891, 1934 e 1946 eram
praticamente idênticas nas duas principais conclusões sobre o
papel do militar na política brasileira. Este papel foi estabelecido
em duas cláusulas básicas: A primeira afirmava que os militares
constituíam uma instituição nacional, permanente, encarregada
especificamente da tarefa de manter a lei e a ordem no país e
garantir a continuidade do funcionamento normal dos três
poderes constitucionais: o executivo, o legislativo e o judiciário.
Na segunda cláusula estipulava a obediência dos militares ao
executivo, mas afirmando, significativamente, que deveriam
obedecer “somente dentro dos limites da lei”. Com efeito, isto os
34
autoriza a prestar uma obediência apenas discricionária ao
presidente, uma vez que ela dependia de sua decisão sobre a
legalidade da ordem presidencial”. (STEPAN, 1976:53)
Dentro desse aspecto sustenta ainda o autor,
“A própria ausência de instituições políticas sólidas num país
como o Brasil teve como resultado a tentativa dos principais
políticos de cooptar os militares como força sustentadora
adicional na busca de objetivos políticos”. (STEPAN, 1976:49).
Esta função social que é atribuída pela burguesia aos militares, na visão
de Stepan, extrapola até mesmo o papel que cumprem no modelo moderador,
onde sua tarefa é a de manter o sistema e neste conservadorismo, o papel dos
militares, de modo geral se restringe à deposição do chefe do executivo e a
transferência do poder político para os grupos civis alternativos”. (STEPAN,
1976:50). Os principais componentes deste padrão de relacionamento civil-
militar podem ser resumidos em alguns pontos básicos conforme afirma
Stepan:
1. Todos os principais protagonistas políticos procuram
cooptar os militares. A norma é um militar politizado. 2 - Os
militares o politicamente heterogêneos, mas também
procuram manter um grau de unidade institucional. 3 - Os
políticos importantes garantem legitimidade aos militares, sob
certas circunstâncias, para agirem como moderadores do
processo político, controlando ou depondo o executivo, ou até
mesmo evitando a ruptura do próprio sistema, especialmente
quando isto envolve uma mobilização maciça de novos grupos
anteriormente excluídos da participação no processo político. 4 -
A aprovação dada pelas elites civis aos militares politicamente
heterogêneos para depor o executivo facilita bastante a
formação de uma coalização golpista vencedora. A negação,
pelos civis, de que a deposição do executivo pelos militares seja
um ato legitimo, inversamente, impede a formação de uma
coalização golpista vitoriosa. 5 - Existe uma crença firme entre
as elites civis e as oficiais militares de que, embora seja legitima
para os militares a intervenção no processo político e no
exercício temporário do poder, é ilegítimo para eles assumir a
direção do sistema político por um longo período de tempo. 6 -
Tomado genericamente, este valor-congruência é o resultado
da socialização civil e militar através da educação e da
literatura. A doutrina militar do desenvolvimento também é, de
35
modo geral, congruente com a de grupos parlamentares. A
condescendência social e intelectual dos oficiais militares em
relação aos civis facilita a cooptação e a contínua liderança
civil”. (STEPAN, 1976:50)
Além desse aspecto de “carta branca” dada aos militares via preceitos
constitucionais, havia ainda o caráter particular, na verdade, de classe, do
chefe do governo nas disposições de contar com o apoio das forças Armadas.
Nesse caso os poderes do presidente representam uma correlação de forças
que efetivamente é posta à prova nos tramites do Congresso Nacional, onde o
apoio das Forças Armadas tem um efeito de “lobby” para a articulação dos
projetos encaminhados pelo executivo. Stepan afirma:
“Por vários motivos, os presidentes do Brasil sempre tentaram
usar os oficiais militares como instrumento pessoal de seu
governo. No Brasil como em muitos outros países em
desenvolvimento, a capacidade relativamente pequena do
governo para mobilizar recursos econômicos tem sua
contrapartida na também pequena capacidade de regular,
extrair e distribuir esses recursos. O presidente constantemente
seus propósitos de reforma barrados pelo congresso, por
elites poderosas fortemente entrincheiradas, ou por
reivindicações conflitantes de seu eleitorado. Nestas
circunstâncias, uma manobra clássica do chefe do governo tem
sido tentar ganhar o apoio dos militares, direta ou indiretamente,
para suas proposições, como um clube contra seus oponentes”.
(STEPAN, 1976:53)
Mas o marco inicial para que as Forças Armadas vissem os outros
segmentos sociais e as mobilizações sociais como ameaça perene ao poder do
Estado se dará após o levante comunista de 1935, colocando o Estado em
clima de “guerra interna”, para defender e consolidar o “status quo”. A partir daí
não haverá mais trégua até que a burguesia autocrática se sinta segura para
exercer o seu poderio, a partir de 1964. Conforme afirma Luiz Reznik sobre a
década de 50:
“Os formuladores de uma política de segurança nacional
almejavam demarcar rigorosamente as fronteiras da tolerância
política, definindo os limites da participação e da liberdade.
Estavam preocupados com a segurança do Estado e das
instituições constituídas. Uma lei de segurança estabelecia um
36
“status quo”, traçando limites do regime democrático. Nesses
termos o uso do conceito de segurança, remetido á manutenção
da ordem publica, entendida como integridade do Estado,
suscitou uma requalificação do regime”. (REZNIK, 2000:5).
Nessa tentativa desse Estado controlar os limites do regime
democrático, a contradição se manifesta na sua interpretação da lei. A sua
ação repressora é formulada através de um discurso jurídico e social e sua
linha de argumentação apela para os valores nacionais, patrióticos, sendo a
população chamada e cobrada para fazer parte desse ideal nacional, o que nos
remete ao texto de Hobsbawn, no qual este reflete sobre os apelos à lealdade
cívica como fator de fortalecimento do Estado liberal:
“Mesmo que o Estado ainda o enfrentasse ameaças sérias à
sua legitimidade e coesão, nem forças poderosas reais de
subversão, o mero declínio dos liames sócio-políticos tornava
imperativo formular e inculcar novas formas de lealdade cívica
(“uma religião cívica” nas palavras de Rousseau), visto que
outras lealdades potenciais eram agora capazes de expressão
política. Pois, que o Estado poderia sentir-se absolutamente
seguro na era das revoluções, do liberalismo, do nacionalismo,
da democratização e da ascensão dos movimentos operários?
(...) E se, por um acaso, o Estado não fosse bem sucedido em
converter seus cidadãos à nova religião antes que eles
ouvissem outros pregadores rivais, podia estar perdido.”
(HOBSBAWN, 1984:106)
A subordinação do regime democrático ocidental em prol dos interesses
privados vem sendo sistematicamente analisada por inúmeros autores que,
inclusive denunciam a escalada totalitária que d resultou, de que é um
exemplo a análise de Domenico Losurdo sobre o impacto desta trajetória do
estado liberal, sob o jugo do imperialismo, em fins da década de 1930:
“Há um outro elemento das democracias ocidentais que suscita
uma espécie de invejosa admiração na cultura alemã do
primeiro pós-guerra. Apelando às palavras de ordem da
“democracia”, do “progresso”, da “autodeterminação dos povos”
observa Ernst Jünger em 1930 -, os inimigos da Alemanha
desenvolveram uma capacidade de mobilização bem superior
àquela dos Impérios Centrais; deste modo, conseguiram
dominar “o componente decisivo, fideísta, da mobilização total”,
conseguiram fazer passar sua guerra como uma “cruzada da
razão” e transformar seus soldados em “guerreiros da
humanidade”. (LOSURDO, 2004:175)
37
Sob pena de nos desviarmos momentaneamente de nosso objeto, cabe
aqui uma pequena digressão a título de demonstrar, a partir de alguns autores,
como se manifesta o distanciamento entre os preceitos democráticos e as
práticas liberais. De fato, observa-se que, ao longo do século XX tal
distanciamento entre a teoria e prática se acentua e mesmo o preceito que
sustenta a vigência da democracia pelo estrito direito do voto, se mostra uma
falácia, conforme se observa, por exemplo, na análise de Nicolau sobre a
vigência destes direitos que estariam garantidos, em princípio, pela
Constituição norte americana de 1870. Conforme ele demonstra analisando a
instauração do Estado liberal norte-americano em fins do século XIX:
“Os Estados Unidos têm uma história singular de ampliação do
sufrágio, marcada por uma série de limitações legais com
vigência em alguns estados, que afastaram a população de
baixa renda, sobretudo os negros, das urnas até os anos 1960.
Segundo a Emenda constitucional nº 15 (1870), o direito de voto
não podia ser negado por razão de raça, cor e ou prévia
condição de escravidão. Até a década de 1890, a população
negra usou esse direito em larga escala. Mas a partir daí, um
movimento conservador em muitos estados do Sul criou
mecanismos - taxas, testes educacionais, primárias brancas
(excluíam os não brancos de participar) - que afastou um
grande contingente de negros das urnas. Em muitos estados do
Sul, os negros praticamente não votavam. No Mississipi, por
exemplo, em 1960, somente 5% dos negros em idade de votar
eram registrados. Somente com a promulgação da Emenda
24 de 1964 (que proibiu a cobrança de taxas para registro de
eleitores) e do Voting Act Rights de 1965 (que proibiu a
realização de testes educacionais ), e devido aos efeitos do o
movimento civil dos anos 1960, o contingente de negros
registrados para votar se expandiu, passando nos estados do
Sul de uma média de 30% (1960) para 64% (1969). (NICOLAU,
2001:7).
Os limites desta democracia também são expostos na análise de Carroll
e Noble que se detém no período do governo de Woodrow Wilson (1912-1921),
o qual determinou a perseguição e a repressão aos movimentos operários,
revelando-se assim os limites da legalidade e legitimidade jurídica frente aos
interesses de classe:
38
“Mitchell Palmer, ministro da justiça da administração Wilson,
que organizou uma série de incursões policiais em residências
particulares e salas de reunião sindicais sem estar de posse de
nenhum mandato, graças às quais foram detidas milhares de
pessoas suspeitas de pertencer à área da esquerda. Aqueles
que foram detidos sob esta acusação, sem poder obter a
liberdade provisória mediante fiança, foram muitas vezes
espancados pela polícia, depois de ter sido obrigados a desfilar
algemados em público (...). Palmer, por sua parte, contribuiu
para a deportação dos radicais, afirmando que “é nosso dever
purificar as raízes da população americana e mantê-las puras”.
“Eu mesmo sou um americano” ele declarou “e gosto de
apregoar minha crença diante de gente 100% americana,
porque minha mensagem é americanismo concentrado”. No
ministério da justiça, ele criou uma antiradical division especial,
à frente da qual colocou o jovem J. Edgar Hoover. A Assembléia
Legislativa do estado de Nova York expulsou os cinco
representantes socialistas eleitos, apesar de o partido socialista
ser uma organização perfeitamente legal.(CARROLL e NOBLE,
apud LOSURDO, 2004:181).
No caso brasileiro esta condição liberal se torna ainda mais restritiva e
nos atendo apenas na questão da legitimidade representada pelo direito de
voto, observa-se que, tardiamente em relação aos Estados Unidos e mais
ainda em relação aos países europeus, a Constituição de 1891 embora tenha
acabado com o voto censitário, ampliando o número de votantes, ainda
preservou a proibição, entre outros, ao voto feminino e aos analfabetos. Ora,
somente esta a última proibição representava mais de 80% da população total,
conforme observa Jairo Nicolau:
“Por mais de cem anos (1882-1985) as leis eleitorais (Império)
e as Constituições (República) negaram o direito de voto aos
que não soubessem ler e escrever. Apesar de declinante, voto
contingente de analfabetos na população adulta brasileira
sempre foi muito elevado. Os censos realizados no século XIX
(1872 e 1890) não calcularam o percentual de analfabetos
sobre a população adulta, mas somente para a população total.
Mas os números o impressionantes: 84,2% de analfabetos
em 1872 e 85,2% em 1890. A partir de 1900, os censos
passaram a apurar o contingente de adultos analfabetos. Nas
quatro primeiras cadas do culo XX mais da metade dos
adultos era analfabeta, com a taxa caindo muito pouco ao longo
dos anos: 65% (1900), 65% (1920), 60% (1930), 56% (1940).
Somente a partir da década de 1950, o contingente de
39
analfabetos passa a ser inferior a 50% da população adulta:
48% (1950), 39% (1960), 33% (1970), 26% (1980), 20% (1991)
e 13% (2000). Os efeitos desses números são claros: como o
contingente de analfabetos na população adulta sempre foi
muito acentuado, provavelmente esse tenha sido o principal
obstáculo para ampliação do eleitorado brasileiro. A Emenda
Constitucional nº 25, de maio de 1985 concedeu, enfim, o direito
de voto aos analfabetos, embora os considera-se inelegíveis
para os cargos públicos.” (NICOLAU, 2001:11)
Tais características excludentes não se resumem à questão do direito ao
voto e sequer à exclusão dos direitos de cidadania, ou mesmo á coerção
perpetrada nos períodos ditatoriais, conforme aponta a historiadora Maria
Aparecida de Aquino, analisando o período da última ditadura militar do Brasil:
“A extrema preocupação com o formalismo legal e com a
aparência democrática, escondendo uma brutal realidade de
torturas, mortes e desaparecimentos, em pleno reino da
ilegalidade e da ausência de legitimidade”. (AQUINO, 2002:52)
O problema é que a ausência de legitimidade a que se refere a autora
também se manifesta em um período em que os preceitos da institucionalidade
democrática liberal estavam em vigência. Portanto, conforme recupera Cardoso
das proposituras de Florestan Fernandes, observa-se que é uma ordem
incompatível com
a universalidade dos direitos humanos: ela desemboca em uma
democracia restrita e em um Estado autocrático burguês, pelos
quais a transformação capitalista se completa apenas em
beneficio de uma reduzida minoria privilegiada e dos interesses
estrangeiros com os quais ela se articula institucionalmente (...).
Neste sentido, no capitalismo dependente a autocracia é
decorrência da própria estrutura compósita da sua burguesia.
De acordo com Florestan, para as burguesias latino-americanas
o essencial continua a ser as ‘vantagens relativas’ da
associação com as nações capitalistas centrais e sua
superpotência (isto é, as migalhas da submissão ao
imperialismo) e o ‘equilíbrio de poder’ a qualquer preço, pelo
qual a nação tem de crescer fatalmente contra a sociedade
politicamente organizada(CARDOSO, 1994:8)
Características estas que se revelam claramente no período JK, porque
conforme salienta Dreiffus,
40
“Os interesses multinacionais e associados cresceram rápida e
estavelmente estimulados pela política de desenvolvimento de
Juscelino Kubitschek. Por volta de 1960 tais interesses haviam
se tornado a força socioeconômica dominante”. (DREIFUSS,
2006:78)
Naquele período, pelas características históricas de nosso
desenvolvimento: atrasado, dependente de grupos extremamente
conservadores e reacionários, advindos de uma aristocracia latifundiária, as
relações sociais de produção caminhavam num paradoxo. De um lado o capital
associado e multinacional que investe na modernização das forças produtivas
como condição básica para a reprodução de um novo modelo de capitalismo
mundial, onde o capital circula na medida em que exista uma infra-estrutura
básica que possa garantir ao capital aqui investido o retorno garantido. De
outro, a impossibilidade de uma classe que pudesse tomar as rédeas desse
processo de desenvolvimento. A heterogeneidade social dos grupos
dominantes, nesta configuração dependente, se transforma em divergência de
interesses, fragilizando ainda mais a burguesia. Se o Estado autocrático
burguês se dá na relação de poder entre a burguesia nacional e a associada ao
capitalismo em prol de implantação de políticas de desenvolvimento que
favorecessem a própria acumulação de capital, é da consolidação de um
sistema de vigilância, inclusive às Forças Armadas que promove este a
coerção social.
No caso brasileiro essa preeminência dos militares na história do país,
levou o Estado a ser representado por uma ideologia totalmente militarizada,
onde as Forças Armadas se apresentam como uma classe autônoma, devido
às contradições que esse modelo “arcaico-moderno” provocava, onde os
interesses de classes tinham que ser conciliados entre a oligarquia latifundiária
e a burguesia industrial.
Dessa maneira as Forças Armadas é a viabilização do Estado, na
“transferência” de poder que lhe é concedido pela burguesia dominante. Essa
“transferência” na condução do processo não faz das Forças Armadas ser o
Estado; o Estado autocrático é real composto por indivíduos que representam
uma classe, essa classe dominante que é dona dos processos e dos meios de
produção da sociedade, através das Forças Armadas sustenta o processo de
41
acumulação de capital monopolista dependente através do controle rígido da
sociedade civil.
Nessa dinâmica dialética a contradição é o motor do processo revelando
uma das faces da sua atrofia: ao mesmo tempo em que o Estado autocrático
na década de 50 garante os interesses da burguesia dominante, ele cria
obstáculos para sua própria movimentação. Mas como isso se procede?
As divergências no interior destes segmentos da burguesia e suas
demandas às Forças Armadas para o controle social dão às Forças Armadas a
ilusão de se constituírem enquanto uma força social autônoma. As
características da presença das forças Armadas no Brasil se revelam na co-
dependência da burguesia enquanto classe em si nas prerrogativas de
gestores de capital e das relações sociais que são fruto dessa dinâmica
capitalista. Os efeitos colaterais da sobre-exploração são administrados pelo
Estado que reprime as movimentações sociais das classes não participantes
da concentração de renda, mantendo as condições máximas de
governabilidade com o apoio das Forças Armadas.
A autocracia se manifesta assim como condição máxima de exploração
em prol de uma burguesia que depende dos benefícios do Estado para manter
os mecanismos necessários de inserção do capitalismo monopolista na esfera
mundial. Reproduzem-se assim no Brasil as contradições inerentes do Estado
liberal, mas com a limitação do desenvolvimento do modo de produção
capitalista como um sistema de reprodução e acumulação de capital, dadas as
especificidades históricas desse país.
Com essa atitude a burguesia associada vislumbra somente para si as
benesses do sistema, como aponta o historiador Antonio Rago no artigo O ardil
do politicismo: do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa:
“No plano da idealidade, que ter claro que até em sua razão
manipulatória, a nossa burguesia expressa o seu caráter
particular limitado, em conformidade com sua gênese histórica,
despossuída de elementos revolucionários ingênitos dada a sua
incompletude de classe, ela antevê as benesses da acumulação
ampliada de modo associado e subordinado sem a participação
42
das massas nos processos políticos decisórios.” (RAGO,
2005:10).
Diante disso, o processo de inserção fica por conta de um discurso
sobre o jogo democrático, que se torna formal, pois apregoa a participação de
todos na divisão social da riqueza e na participação política dos vários grupos
sociais existentes naquela realidade, embora na prática a realidade seja outra.
É na restrição à participação política a poucos grupos e a poucas
decisões que o Estado se configura autocraticamente, em prol do próprio
desenvolvimento do capital e de sua modernização:
“se a expropriação do trabalho é o fundamento do capitalismo
enquanto modo de produção, a democracia burguesa também é
essencial para o funcionamento do modo de produção
capitalista e o controle das suas crises. Na especificidade
dependente do capitalismo, porém, o seu fundamento é
drasticamente exagerado, convertendo-se em sobre
expropriação, ao que corresponde a também drástica redução
da democracia que o acompanha, que se restringe ao ponto de
uma democracia de iguais.” (CARDOSO, 1994:6)
Para o capitalismo selvagem ou atrófico, segundo Florestan e Chasin, a
debilidade da burguesia em administrar os conflitos de classe, fruto da sua
dinâmica de instauração de concentração do capital, é transferida para os
militares, que através dos seus aparatos coercitivos garantem a repressão às
classes subalternas. Nessa dinâmica, geram-se cada vez mais contradições no
sistema, onde a violência institucional se mantém como recurso máximo à
sobrevivência do próprio Estado.
Representando os interesses desta burguesia dominante, os militares
são chamados para cumprir o seu papel sob a ótica da Lei de Segurança
Nacional. Propiciaram-se os fundamentos necessários para a “modernização
pelo alto” do sistema capitalista enquanto engrenagem de reprodução mundial,
de inserção de capital associado e multinacional, onde os mercados precisam
ter uma dinâmica própria, inseridos em parâmetros de interação com o capital
monopolista dependente transnacional.
43
1.2 A institucionalização do Serviço de Segurança Nacional
e seu respaldo ideológico.
A conjuntura de crise que se estabeleceu desde os primeiros anos da
República se reproduzia de formas distintas em cada Estado do Brasil.
Em São Paulo as contradições de classe se radicalizavam em
decorrência do pido crescimento urbano, da diversidade que adquiria o
parque industrial que se destacava no país por ser um dos poucos a
produzirem para o consumo interno, o que, conforme aponta Caio Prado
23
,
evidenciava a existência de uma emergente classe média visível na ampliação
de artesãos e manufatureiros, prestadores dos mais diversos serviços que
atendessem as demandas desta urbanidade. Em tal conjuntura, o movimento
operário emerge com a força da contradição entre as extorsivas exigências do
trabalho e a ausência de legislação sobre seus direitos.
As autoridades constituídas de São Paulo, reproduzindo o que ocorria no
cenário nacional, voltadas para o atendimento às demandas das oligarquias
regionais e seus conflitos com os segmentos industriários, também divididos
entre os que consideravam necessários garantir maior abertura ao capital
internacional e os que eram contrários a estas teses; incapazes de fazer frente
aos conflitos trabalhistas e às demandas da população por benefícios urbanos;
adotam a postura que lhes parecia a mais coerente para garantir a sustentação
dos poderes desta autocracia: criam a Delegacia de Ordem Política e Social
(DOPS/SP) que passou a ser o principal órgão do aparato repressivo do
Estado, voltado essencialmente para a vigilância sobre os considerados
“suspeitos” de desordem política e ou social.
A DOPS/SP foi criada através da lei número 2.034, de 30 de dezembro
de 1924, no interior do Gabinete de Investigações e Capturas do Estado,
regulamentada pelos decretos 4.405 - A, de 17 de abril de 1928, e o de
4.715, de 23 de abril de 1930. Seu objetivo era o de manter sob controle as
ações das classes subalternas, especialmente os chamados "agitadores
operários”. Ora como "delegacia", ora como "superintendência", o órgão sofreu
numerosas mutações, e em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a
23
PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. Brasiliense. São Paulo:2006
44
delegacia de Ordem Política e Social, então subordinada à Chefia de Polícia,
intensificou as suas ações.
24
Concomitante a criação da DOPS-SP, “os estados da Federação
também criaram as suas Delegacias de Ordem Política e Social durante os
anos 20 e 30
25
. Acompanhando a institucionalização destas delegacias que
acabarão por formar uma grande rede, compondo um sistema altamente
articulado e ante a grande mobilização operária tanto no Rio de Janeiro
(Distrito Federal) como em São Paulo
26
, o governo federal, através da
presidência de Washington Luís, criou a primeira repartição pública federal
dedicada exclusivamente a levantar e processar informações em proveito da
Presidência da República, o Conselho de Defesa Nacional.
27
Este foi legalmente instituído em 1946, na gestão de Eurico Gaspar
Dutra e permaneceria dez anos somente no papel e seria implementado de fato
apenas em 1956
28
, por Juscelino Kubitschek.
29
Apesar dessa tentativa de criação federal de uma agência de
informações ligada ao Presidente da República naquela conjuntura (1927 e
1946) as condições efetivas infra-estruturais para o funcionamento de um
órgão dessa natureza, não tinham como se efetivar devido à falta de
24
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/acervo/vermais_deops.htm. Em 1940, a DOPS-SP contava com
três delegacias especializadas: Delegacia de Estrangeiros, Delegacia de Explosivos, Armas e Munições e,
Delegacia de Ordem Política e social. Dentro dessa última funcionava o Setor de Ordem Econômica
(Decreto Lei nº11782 de 30/12/1940). Cinco anos mais tarde, a Delegacia Especializada de Ordem
Política e social foi desdobrada em duas: a de Ordem política e a de Ordem Social. Igualmente, o Setor de
Ordem Econômica foi transformado em delegacia especializada (Decreto Lei 14854 de 09/07/1945).
Dessa maneira estavam criadas as cinco delegacias especializadas que funcionaram dentro da DOPS até
sua extinção em 1983. Em 1975 a DOPS passou a ser chamado de Departamento Estadual de Ordem
Política e Social (DEOPS).
25
(BRETAS apud REZNIK, 2000:90)
26
A partir da década de 80 inúmeros trabalhos acadêmicos tem demonstrado o movimento operário fora
do eixo Rio-São Paulo, revelando a dificuldade de generalização da mobilização operária centrada nesse
“modelo”, no mesmo sentido que a mobilização da classe trabalhadora era muito mais intensa do que a
historiografia nos fazia acreditar.
27
Conforme observa Lucas Figueiredo: “Instituído em novembro de 1927, (Decreto 17999, de 29 de
novembro de 1927) o Conselho de Defesa Nacional tinha como missão reunir “informações sobre todas
as questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da tria.”
FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio A história do serviço secreto brasileiro de Washington
Luís a Lula (1927-2005). Rio de Janeiro: Record, 2005. Página 37.
28
Ao longo do tempo, este “serviço de inteligência” do governo federal a partir de 1956 foi identificado
por cinco siglas diferentes: Sfici Serviço Federal de Informações e Contra-Informação (1956-1964);
SNI- Serviço Nacional de Informações (1964-1990); DI Departamento de Inteligência (1990-1992);
SSI - Subsecretaria de Inteligência (1992-1999) e ABIN Agência Brasileira de Inteligência (desde
1999). (FIGUEIREDO. 2005:19)
29
A insistência dos EUA na montagem de uma agência de inteligência federal sobre o crivo das Forças
Armadas para manter e obter informações do “movimento comunista” nas Américas era crucial na
estratégia de repressão, onde o Brasil era o maior aliado norte americano naquele período.
45
experiência das autoridades nacionais, a carência de instalações e
principalmente a falta de pessoal. Conforme afirma Lucas Figueiredo somente
após a efetiva pressão norte americana, na figura do então Secretário de
Estado John Foster Dulles em 1956, o Serviço Secreto (federal) saiu do papel e
recebeu apoio financeiro e logístico através da CIA e do FBI.
30
Mas esta situação de debilidade estrutural no âmbito do poder executivo
não foi empecilho para que o Estado através de suas polícias estaduais
(DOPSs estaduais) se mantivesse informado sobre toda a movimentação de
classe durante todo esse período republicano. Como exemplo disso, a partir
dos anos 30, com a criação da Delegacia Especial de Segurança Política e
Social (DESPS), em 1933, consolida-se a autonomia da polícia política no
âmbito federal”. (REZNIK, 2000:92)
Na proposição da Lei de Segurança de 1935 que respaldou a ação
dessa Delegacia e do aparato repressivo em geral e na sua gestão, os militares
tiveram papel proeminente, quer na qualidade de chefes de polícia, quer como
magistrados do Tribunal de Segurança Nacional. Assim esses aparatos
governamentais supriam o poder executivo de mecanismos tanto repressivos
quanto informativos, as quais seguiam à risca as orientações para o
fechamento das instituições democráticas e a perseguição ao “inimigo interno”.
Tais esforços garantiram que em um curto espaço de tempo essas instituições
policiais se tornariam o “braço forteda repressão na instauração do Estado
Novo em 1937, juntamente com as forças armadas.
Conforme apontam os especialistas que vêm reconstituindo a história
deste sistema, os princípios que norteiam sua atuação se mantêm
praticamente os mesmos ao longo de toda a sua história, apesar dos
redimensionamentos pelos quais passa em cada momento. Conforme explica
Marcos Tarcisio Florindo desde a década de 30:
“O conceito de poder de polícia foi redimensionado de acordo
com princípios claramente embasados no determinismo da
escola positiva, como a noção de que ”a polícia luta contra o
crime e o criminoso para defender a moralidade e a ordem
publica (....) Isso ajudou a consolidar uma visão orgânica
determinista e preconceituosa da sociedade nos meios
responsáveis pela vigilância e repressão. Essa noção fazia-se
30
Ver páginas 61 e 64 da referida obra já citada.
46
sentir em relação aos indivíduos e grupos provenientes da
classe trabalhadora, em especial aos estrangeiros e aos
partidários da revolução social.” (FLORINDO, 2000:9)
Essa (re) institucionalização do Estado Brasileiro se mantinha, portanto,
centrada na articulação das Forças Armadas e apesar do poder executivo estar
nas mãos dos civis, a presença dos militares assumindo este sistema era
justificado pela necessidade de se manter a segurança e a ordem, preceitos
estes que embasavam os debates no interior das instituições militares,
constituindo-se assim os primórdios da Lei de Segurança Nacional.
Foi no ano de 1944 que a Delegacia Especial de Segurança Política e
Social (DESPS) ganhou status de divisão: a Divisão de Polícia Política e Social
(DPS), que será regulamentada em 1946. A DPS ficou subordinada ao
Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP)
31
que, por sua vez, era
subordinado ao Ministério da Justiça, e, portanto, a função de polícia política
ficou, neste período, sob o crivo da hierarquia civil estatal, cuja direção estava
nas mãos de um militar designado pelo presidente. Segundo Reznik,
“Supõe uma relativa autonomia e o não isolamento perante a
agenda do poder Executivo. Diferenciou-se, assim, de outras
reconhecidas agências de informações, como por exemplo,
para citar os mais notórios, o Serviço Nacional de Informações
(SNI), criado em 1964, e o Federal Bureau of Investigations
(FBI), norte-americano. Este último, ainda que subordinado ao
ministério da Justiça, e com funções federais, notabilizou-se,
quando dirigido por John Edgar Hoover, entre 1924 e 1972, pelo
alto grau de autonomia e isolamento perante os poderes do
Estado. Da mesma forma, o SNI, subordinado diretamente à
Presidência da República, se tornou o serviço de inteligência
‘mais autônomo do que em qualquer outro regime autoritário
moderno na América Latina.” (REZNIK.2000:10)
Durante os anos da década de 30 como DESPS e nos anos 40 como
DPS,
“em que funcionou como agência federal de polícia política, a
DPS, não apenas rotinizou procedimentos de investigação,
como estabeleceu vínculos formais com os DOPS’s e as
Secretárias de Segurança estaduais, com as Seções de
31
“Em março de 1944, a Polícia Civil do Distrito Federal foi transformada em Departamento Federal de
Segurança Pública (DFSP)”. (REZNIK, 2000:94)
47
Segurança Nacional existentes em todos os Ministérios Civis da
República, com os Serviços de Informações e com a polícia
política de vários países europeus, norte-americanos e latinos
americanos. Desta maneira estruturou, para viabilizar as suas
funções, uma rede nacional e internacional”.
32
(REZNIK,
2000:11)
Vejamos o organograma da DPS, elaborado por seu setor técnico, em
fevereiro de 1946
33
e cuja estrutura permaneceu até 1955:
ORGANOGRAMA DPS
DIRETOR
Gabinete
Delegacia de Segurança Política
Delegacia de Segurança Social
Cartório
Serviço de Investigações
Serviço de Informações
SETORES
Fiscalização Trabalhista st1 Expediente st1
Ordem Pública st2 Arquivo st2
Investigações st3 Técnico st3
Serviços Especiais st4 Controle de Armas st4
Vigilância st5
Secreto st5 (Serviço secreto)
Controle st6
A institucionalização desse aparato de informações ocorre concomitante
à discussão da Lei de Segurança Nacional que o “caráter democrático” à
vigilância e à repressão ao livre pensar e organizar, sob a contraditória
justificativa de que era necessário garantir os direitos constitucionais. Embora
referindo-se ao período ditatorial pós 1964, Maria Helena Moreira Alves
explicita bem a função social que esta Doutrina cumpre e que consideramos
que a década de cinqüenta foi o processo de consolidação e sistematização da
ideologia de segurança nacional transformada em doutrina no pós-64:
32
Apesar das diferenças o SNI foi herdeiro da DPS.
33
Cf. Regulamento expedido pela Portaria nº 4333, de 25.01.1946. O documento encontra-se em Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundo Polícias políticas do Rio de Janeiro. Setor Administração 1B.
(REZNIK. 2000:82)
48
“A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento tem sido
utilizada para justificar a imposição de um sistema de controle e
dominação. Ela não pressupõe o apoio das massas para a
legitimação do poder do Estado, nem tenta obter este apoio;
também não contém, como a ideologia fascista, uma teoria de
supremacia racial ou numa aspiração imperial. Todavia, a
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento
efetivamente prevê que o Estado conquistará certo grau de
legitimidade graças a um constante desenvolvimento capitalista
e a seu desempenho como defensor da nação contra a ameaça
dos “inimigos internos” e da “guerra psicológica”. A legitimação
é vinculada aos conceitos de desenvolvimento econômico e
segurança interna. O slogan governamental “segurança com
desenvolvimento” associa o desenvolvimento capitalista
associado-dependente à defesa da segurança interna contra o
“inimigo interno”. Por sua vez, esta ênfase na constante ameaça
à nação por parte de “inimigos internos” ocultos e
desconhecidos produz, no seio da população, um clima de
suspeita, medo e divisão que permite ao regime levar a cabo
campanhas repressivas que de outro modo não seriam
toleradas. Dessa maneira, a dissensão e os antagonismos de
classe podem ser controlados pelo terror. Trata-se por isso de
uma ideologia de dominação de classe que tem servido para
justificar as mais violentas formas de opressão classista.”
(ALVES, 2005:31).
Em face às mobilizações de classe, particularmente a trabalhadora, o
Estado via-se agora diante de um dilema: a definição de métodos próprios para
a prevenção e repressão de ações que considerava crimes contra a ordem
política e social e o ideário das liberdades civis e políticas.
Assim é que em 1947 foi criada a Seção de Segurança Nacional,
vinculada ao Ministério da Justiça e dos Negócios do Interior (SSN/MJNI). Esse
órgão era uma espécie de coordenador de estudos sobre a Segurança
Nacional no país e foi o responsável pela elaboração do anteprojeto da nova
Lei de Segurança Nacional.
Esta intrincada rede de informações e de controle institucionaliza a
polícia política no Brasil, e se intensifica largamente após o término da
Segunda Grande Guerra, com a política da “Guerra Fria" instigando
internacionalmente a consolidação da espionagem em todo o mundo.
49
1.3 A vigilância total: o Serviço Secreto da DOPS (entre a lei e a
ordem)
“Presos, nada adiantam à polícia, seguros que estão da
dificuldade, senão da impossibilidade de serem coligidas
provas contra eles. Diante dessa nova modalidade
criminosa, falham as velhas normas jurídico-profissionais.
Dentro do arcabouço jurídico vigente nenhum remédio
pode ser encontrado para salvar o país da fatalidade que o
ameaça. A ação policial-repressiva ou preventiva tropeça,
esbarra e pára a cada momento de encontro às sutilezas
judiciárias, inutilizando todos os esforços para a defesa da
ordem e do regime.” (Relatório apresentado ao governo
sobre as atividades comunistas em São Paulo, julho a
setembro de 1937. Prontuário DEOPS/SP nº2431 do PCB
Vol.6)
Parece que este reclamo ressoa tardio, pois no ano anterior (1936)
havia sido criado o Tribunal de Segurança Nacional (TSN) que
“representou a institucionalização jurídica da repressão.
Formado com apoio dos setores das classes dominantes que
reclamavam da possível morosidade da justiça comum em punir
os presos envolvidos com o levante de 1935, sobretudo das
Forças Armadas, sua constituição formalizou a interferência do
regime político no sistema judiciário.” (FLORINDO, 2000:35)
Além da interferência do Executivo no Judiciário, o TSN apresentava
características dos regimes ditatoriais, conforme afirma Marcos Florindo,
defensor da tese do autoritarismo como característica do período que
denominamos a ditadura varguista:
“O tribunal de exceção apresentava as características dos
regimes autoritários. Seus juízes foram escolhidos entre os
elementos mais reacionários do poder judiciário e das forças
Armadas. Seu modelo de operação não tinha nenhuma
vinculação com os tribunais da república, os julgamentos eram
baseados na Lei de Segurança Nacional e não era permitido ao
acusado recorrer às leis ordinárias do país. Dessa maneira,
percebemos que o TSN foi um tribunal criado para conferir
legalidade a pratica de culpabilização presumida na conclusão
dos inquéritos policiais, de acordo, com as necessidades da
expansão do clima de terror”. (FLORINDO, 2000:36)
O terror das autoridades constituídas ante a possibilidade de infiltração
comunista nas mais diferentes instituições nacionais, particularmente nos
50
movimentos da classe trabalhadora e da sociedade civil, colocou a urgência,
também para as Delegacias Especiais de Polícia Política e Social, da criação
de um macro Serviço Secreto, com a instalação destas repartições em todo o
território nacional, capaz de exercer a vigilância em todos os focos possíveis,
particularmente no interior dos núcleos de movimentação popular, sempre
considerado subversivos.
Soma-se a estas medidas a incorporação dos delegados como agentes
do Serviço Secreto e a autonomia que tinham para trocar informações a nível
nacional. Na documentação pesquisada existe correspondência entre os
delegados de vários Estados relatando os resultados de suas respectivas
vigilâncias e, muitas vezes, comentando suas impressões particulares. Neste
sentido, por exemplo, eram classificados como comunistas, desde um Centro
de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, ou uma Comissão
Contra o Acordo Militar Brasil Estados Unidos, como a Associação dos
aposentados e o Movimento Contra a Carestia.
Observa-se também a estreita relação entre estes delegados e os
militares. Esta articulação se manifesta de diversas formas, particularmente
quando se tratava de prisão em flagrante”, de pessoas em reuniões que eram
proibidas pela ordem de segurança e dentre as quais se e encontrava algum
militar. Por exemplo, em radiotelegrama de 08/12/1952 entre o Delegado Dr.
Manuel Ribeiro da Cruz de São Paulo e o Delegado Especial de Ordem Pública
Dr. José Henrique Soares de Belo Horizonte, observa-se esta integração no
encaminhamento de um dos presos que era militar:
“Foram ontem presos e atuados em flagrante como incursos
nos art. 9 da lei nr 1802 de 5 de janeiro 1935, os comunistas
Armando Ziller, Roberto Canavarro Costa, José Adjuto Filho,
Hermínio José de Barros, Raimundo Siqueira Santos e também
o coronel do 10 R.I. Olimpio Ferraz de Carvalho, que estavam
reunidos na sala 106 da Rua Carijós 141 nesta capital, sede da
Associação Mineira pela Paz Mundial
34
, entidade clandestina e
34
Impedido de manifestar-se publicamente, o Partido Comunista do Brasil encontrou formas de burlar as
regras e participar efetivamente da cena política, mesmo que isso resultasse em confrontos com as forças
repressivas. A atuação do Partido não mais mobilizava multidões, até porque se realizava sob disfarces
para ludibriar a ação policial. Mas continuava a exercer forte influência sobre os movimentos sociais. A
Associação Mineira pela Paz Mundial esclarecia à população belo-horizontina sobre sua legalidade em
nota publicada no jornal Estado de Minas: Atuando dentro das leis e, especialmente escudada pela
Constituição Federal, a diretoria da Associação vem tomando todas as medidas para a livre realização da
51
auxiliar do extinto PCB. O coronel Ferraz foi entregue às
autoridades militares, cumprindo assim mandato de prisão
expedido contra o mesmo pelo general comandante da
Região militar.”
35
Assim é que as informações sobre os militares eram enviadas
diretamente aos comandantes supremos das forças armadas para que estes
tomassem as devidas providências, como a apontada acima.
A integração deste serviço entre os Estados da federação, o que
possibilitava que seus delegados se mantivessem mutuamente informados
sobre as atividades censuradas e seus mentores, conforme atesta a
correspondência entre o Delegado auxiliar da DOPS de São Paulo Manuel
Ribeiro da Cruz com o Delegado de Ordem Política e Social de Goiânia, Dr.
Lincoln Gomes de Almeida datada em 30/06/1952 relativa a um dos centros
indicados acima:
”A propósito do “Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da
Economia Nacional, com sede central no Rio de Janeiro e, sub-
sedes em quase todos os estados da União, este departamento
pode informar o seguinte: O PCB, havendo sido colocado na
ilegalidade no ano de 1947 tratou de organizar ou imiscuir-se
em associações, aparentemente legais, com o fim de não
perder seu contato com a massa. É claro que o Partido
necessitava explorar o sentimentalismo do povo brasileiro com
campanhas que a primeira vista, davam a impressão de serem
realmente de função patriótica. A massa luta por aquilo que,
com maior premência sente. A campanha do Petróleo,
evidentemente impressionaria o povo a exploração desse
promíscuo por brasileiros, seria motivo para organizar uns
tantos “centros” pelo país, que, sorrateiramente, viriam substituir
as sedes comunistas fechadas pelas policias. E o partido,
lançou-se a luta. Conseguiu colocar a testa do movimento
elementos de destaque da política brasileira e que,
luta pela paz em Minas Gerais. Ao estabelecer alianças com outros movimentos políticos, o PCB não
deixou de manifestar seus princípios e crenças na mudança estrutural da sociedade. Nota do Comitê
Central do Partido publicada em 1956 dizia: Lutemos pelas liberdades, em defesa da Constituição, pela
anistia ampla, contra as brutalidades policiais, contra a carestia da vida, contra a arbitrária e abusiva
elevação dos preços das passagens dos transportes urbanos, mas de forma organizada e sempre fazendo
esforços para esclarecer as massas populares e a juventude estudantil a fim de que não se deixem enganar
pelos seus piores inimigos nem se prestem a servir de instrumento para as manobras golpistas dos agentes
do imperialismo norte-americano em nosso país. [...] O povo unido é muito mais poderoso que seus
opressores e na atual situação do mundo tem todas as condições para libertar o Brasil do jugo imperialista
norte-americano e conquistar um governo efetivamente democrático e popular que assegure a
independência e o progresso do Brasil, a felicidade e o bem-estar para todos os seus filhos.
http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/ArquivoPublico/File/rapm_dops.pdf
35
Radiotelegrama de Belo Horizonte n°137,pls 130 dt 08/02/1953. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 198.
52
sinceramente era e são fervorosos adeptos da nacionalidade do
petróleo.
36
Assim, segundo a opinião destes delegados, o apoio de várias
personalidades políticas e de integrantes das forças militares a estas entidades
revelava o grau de persuasão dos comunistas para transformá-los em “massa
de manobra”, infiltrando-se nas camadas populares para ganhar apoio para
suas idéias subversivas.
O Deputado Fernando Luiz Lobo, bem como outro, inclusive
generais reformados do exército, deram seu apoio a campanha.
Não existem elementos, contudo, que possam permitir a
afirmação de que sejam eles comunistas do PCB, servem,
entretanto, na qualidade de “inocentes úteis aos interesses do
partido. Outras campanhas o partido lidera no país, como V. S.
não ignora e, entre elas a “Campanha da Paz”, da “Bomba
Atômica”, da “Luta Contra a Carestia” etc. Tudo no sentido de
manter aceso o espírito da luta do povo, comunista ou não,
contra o atual estado de coisas que, atualmente, se registra no
mundo.”
37
Para o Delegado Manuel Ribeiro da Cruz a “frustração” era não ter
respaldo jurídico para incriminar e reprimir os participantes, no caso o apoio de
vários políticos e membros das Forças Armadas, restando apenas a vigilância
e a espera do momento certo para o expurgo de tais elementos:
“Isto posto, chega-se a esta conclusão: sabemos que essas
campanhas são nitidamente comunistas, mas faltam os
elementos jurídicos de prova para uma ação mais decisiva e
firme. De acordo com as épocas, entretanto, nossa ação, ora se
limita a pura observação, ora reveste-se de caráter repressivo,
isto é quando se nota, claramente, a orientação comunista.”
38
O Estado de vigilância total e o cerceamento às movimentações de
classe, no decorrer dos anos quarenta e cinqüenta, não era uma
particularidade brasileira, mas sim uma peça da engrenagem mundial na
36
Correspondência “SS-30-384 de 30/06/1952. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento
nº 179
37
Correspondência “SS-30-384 de 30/06/1952. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento
nº 179
38
idem
53
nova configuração do capitalismo, que no enfrentamento das contradições que
ele mesmo gerava, propiciava a formação de governos ditatoriais, com o
cerceamento e a vigilância das classes subalternas e das organizações
partidárias progressivas, somadas ao crescimento dos partidos de esquerda.
Tal condição de vigilância advinha da conjuntura mundial às vésperas da
Segunda Grande Guerra, que exigiu dos países a articulação em torno de
informações conseguidas através de organismos criados para tanto, visando
suprir as suas necessidades estratégicas, tanto políticas como econômicas. O
que num momento se revelara como caminho único para o enfrentamento da
guerra, ou seja, a montagem de um serviço secreto capaz de deter o avanço
das nações inimigas e incrementar a ação militar através de informações que
detonassem pretensões contrárias de cada um dos lados, após a guerra se
manteve como um organismo de tentáculos diluídos nas instâncias sociais,
particularmente naqueles países onde os interesses internacionais pudessem
ser ameaçados pela ação de grupos organizados que reivindicavam alterações
nesta ordem dependente, subordinada e excludente.
É nesta dimensão de manutenção de um controle social rígido como
método de coação do indivíduo e de sua movimentação de grupo, que foi
criado o Serviço Secreto dentro da Delegacia de Ordem Social com
responsabilidade de descobrir e reprimir qualquer tentativa que lhes parecesse
ameaçadora da quebra do status quo. Conforme aponta Aquino,
“O Serviço Secreto foi criado em 1940, sendo mais tarde
denominado Serviço de Informações e, posteriormente, em
1975, Divisão de Informações. A vasta quantidade de
documentos produzidos pelo Serviço Secreto demonstra que
ele era o coração do DEOPS/SP, um órgão estritamente
voltado para exercer a vigilância sobre o cidadão considerado
“suspeito”. Portanto, a documentação produzida por esse
setor é o que mais caracteriza essa atividade repressiva”.
(AQUINO, 2002: 42)
39
A partir deste momento, o órgão sofisticou-se e cresceu em importância,
em razão dos novos rumos tomados pela polícia política e social do país. Prova
disso é a enorme quantidade de documentos produzidos pelo órgão até o final
39
Aquino, Maria Aparecida de. O DEOPS/SP em busca do crime político. Família 50. Arquivo do Estado
Imprensa Oficial do Estado. São Paulo, 2002. Pagina 42.
54
da Segunda Guerra Mundial (1945), resultado da rigorosa vigilância sobre os
estrangeiros residentes ou em trânsito no país.
40
Apesar de sua criação ter sido
formalizada na década de 40, Florindo aponta que
“Os primeiros documentos que se reportam ao setor de
Serviço Secreto (SS) estão datados de 1937. A importância
desse setor pode ser avaliada pela tentativa de transformá-lo
em um órgão autônomo, separado da DOPS, como requer o
decreto estadual 10.910 de 23/01/40. O Serviço Secreto
voltaria a ser uma sessão da delegacia 10 meses depois
(decreto 11782 de 31/12/1940). Nessa época contava com
um delegado responsável e respondia, entre outras
atribuições pela organização dos arquivos da agência policial.
(FLORINDO, 2000:79)
Apesar da Constituição de 1946 não se referir à “vigilância social” ou
qualquer aparato burocrático que realizasse tal ação,
“Através da DOPS e seus tentáculos de informações, como
secretarias, departamentos, chefias, ministérios e várias
agremiações sociais esses órgãos utilizavam também, com o
intuito de compor pequenas informações, o artifício de percorrer
instituições variadas e de observar manifestações de origens
distintas”. (AQUINO, 2002: 59)
41
No início da chamada “Guerra Fria” (pós Segunda Guerra Mundial) a
vigilância aos operários ou qualquer movimentação de grupos que tivesse em
seu discurso alusões sobre o respeito aos direitos das classes subalternas e/ou
a propostas de mudança social, e principalmente aos que eram suspeitos de
integrarem atividades de cunho comunista, fosse através de agremiações,
participação em atos públicos e/ou individualmente, passaram a ser alvo deste
Serviço Secreto cujos tentáculos vão se estendendo tanto quanto se amplia o
discurso sobre a democracia.
O que se observa da documentação é quanto mais ampliam os direitos
de organização, de ir e vir e de manifestação de opinião, com o aumento das
agremiações, dos partidos políticos, da liberdade de expressão da sociedade
civil, mais fácil ficava exercer a vigilância, garantir as informações necessárias
40
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/acervo/vermais_deops.htm
41 AQUINO, Maria Aparecida de. O DEOPS/SP em busca do crime político. Família 50. Arquivo do
Estado Imprensa Oficial do Estado. São Paulo, 2002. Pagina 59.
55
para que, em momento oportuno, pudessem ser novamente cerceadas e
extirpadas.
Assim, paralelamente à esta, poderíamos dizer, “autorização” que este
Estado de cunho autocrático garante à população para se manifestar, mantém-
se o movimento dos bastidores, no interior deste enorme e enraizado aparato
de vigilância e intervenção, como um espectro que a qualquer momento pode
ser acionado. Conforme observa Luís Reznik sobre esta expansão da Divisão
de Polícia Política,
“A democracia brasileira do pós-guerra oferecia, bem
aproveitadas, boas condições para a expansão da Divisão.
Oferecendo uma liberdade de associação e de expressão,
próprias de um “regime democrático”, garantia a multiplicação
de associações e a difusão das idéias. Em contrapartida
grassando no contexto autoritário da Guerra Fria, impunha limite
àquelas liberdades, estabelecendo a delimitação dos seus
espaços, por meio do exercício da autoridade do Estado. Coube
a DPS tornar-se instrumento crucial de execução e zelo dessa
autoridade”. (REZNIK, 2000:116)
Mas tal aparato, embora aparentemente uma sombra, era concreto,
posto em funcionamento por pessoas, dirigido por autoridades, articulado com
os governantes eleitos pelo voto direto e que, além disto, suas ações eram
justificadas pela necessidade da manutenção da ordem e da segurança
internas. É neste sentido que as ões destas delegacias se coadunam com a
repressão perpetrada pelo aparato militar, assumindo ambos, o ideário do que
virá a ser conhecido como a Doutrina de Segurança Nacional.
56
CAPÍTULO 2
Os primórdios da Doutrina de Segurança Nacional: A Escola
Superior de Guerra (ESG)
2.1 Escola Superior de Guerra: “o mundo é das elites.”
Segundo José Murilo de Carvalho, desde a década de 30, havia dois
tipos distintos de conflito no interior dos círculos militares: um entre praças e
oficiais, outro entre oficiais. O primeiro seguia o modelo do exército ocidental
que separava nitidamente o oficialato dos praças, ou seja, havia sempre uma
desvantagem dos praças em relação aos oficiais, o que propiciava facilmente
um clima de movimentos reivindicatórios. O segundo conflito era de natureza
ideológica e política sendo possível detectar três modelos:
O primeiro refletia a influência do profissionalismo alemão e francês
42
advindo entre 1906 e 1912 através dos jovens oficiais que estagiaram
respectivamente na Alemanha e na França. Estes seguiam o modelo das
democracias liberais, onde o exército podia e devia dedicar-se primordialmente
à defesa externa. Eram contrários à interferência do exército nos assuntos
políticos nacionais.
A segunda concepção, chamada de intervencionismo reformista, era
defendida por um oficialato que não se ligava às classes dominantes e
considerava que havia momentos em que a instabilidade política permitia e
quase exigia, a intervenção dos militares na política interna (essa concepção
surgiu com os positivistas no fim do século XIX e ampliou-se com o tenentismo
na década de 20). Esse grupo propunha um extenso programa de reformas
econômicas, políticas e sociais, além de defenderem um papel de liderança
para a elite militar considerada a mais bem organizada, a mais autorizada, a
mais capaz. Esse posicionamento é o embrião da ideologia que norteará a
ESG.
42
“Os estudos teóricos, desenvolvidos pela Escola Superior de Guerra, contaram com a significativa
contribuição de vários oficiais franceses , que transmitiram a experiência do Vietnã e da Argélia, entre
os quais se destacaram os tenentes-coronéis: Patrice de Naurois e Jean Nougués.” (RAGO, 1998:152)
Com os estudos desses oficiais se estabelece uma doutrina especifica sobre as técnicas e operações
repressivas.
57
A terceira concepção era a dos militares mais radicais, tanto praças
como oficiais. Em sua forma extremada refletia a influência do PCB, cujo
prestígio entre as Forças Armadas crescera muito após este partido ter
conseguido a adesão o ex-capitão Luís Carlos Prestes em 1931. Esse quadro
defendia a idéia de um exército popular que deveria ser um instrumento da luta
de classes.
Apesar destas divergências, os militares garantem a sustentação da
ditadura de cunho bonapartista
43
de Getúlio. No entanto, nos anos seguintes
em que se passa para Já no início da 2ª Guerra Mundial, uma parte da
oficialidade revelava uma postura militar intervencionista no controle do Estado
a favor do desenvolvimento e da segurança nacional. Como no golpe de 1945,
“as grandes mobilizações de massas promovidas no bojo do
queremismo, os discursos populistas do Presidente Vargas, o
exemplo do peronismo, constituíam uma ameaça mais concreta
à ordem social e política do que a percebida em 1937.
(CARVALHO, 2005:100).
Nos anos seguintes, com a crise do governo de Getúlio, em 1945, ,ao
golpe de 1964, ocorre a fragilização da fração das Forças Armadas que davam
sustentação à ditadura, conforme afirma ainda José Murilo de Carvalho,
“A organização militar que se alterava profundamente na
estrutura, na ideologia e no poder político por força do próprio
acordo com Vargas, mostrou-se incompatível com a
reorientação ideológica e política do presidente. Incompatível,
sobretudo, com a tentativa de mobilizar novo ator político, o
operariado. A partir daí, a luta foi sem trégua. A morte de
Vargas em 1954 não pôs fim ao conflito, pois se passou então a
combater sua herança política, ou seu fantasma que se diziam
encarnados em Juscelino Kubitscheck e João Goulart. Em
1964, travou-se a batalha final que deu a vitória à facção militar
anti Vargas e a seus aliados civis, abrindo-se novo ciclo político
na história do país.” (CARVALHO, 2005:102)
Nessa perspectiva a reordenação das forças políticas em torno do
governo Vargas, não afastava os militares das posturas do presidente, mas
também a burguesia industrial, que via na aproximação do governo com a
43
Conforme Rago “a forma da dominação autocrático-burguesa constitui-se num domínio
exercido de modo indireto pelo conjunto da burguesia, pelas armas, subjugando, castrando ou
atrelando os poderes legislativo e judiciário” (Rago, 1998:15)
58
classe trabalhadora, além do perigo de instabilidade social, o ônus que o
empresariado teria que arcar com a tolerância sindical.
De qualquer forma, segundo os militares, o avanço comunista era
iminente, o que exigia sua presença constante no cenário político, reforçada
pela percepção da sociedade civil, que de fato, as Forças Armadas eram os
únicos defensores da ordem e da segurança nacional.
Neste sentido, a criação da Escola Superior de Guerra (ESG) em 1948,
coaduna estas duas circunstâncias que, conforme Oliveira se caracterizou
como um
instrumento de relação orgânica entre setores militares e grupos
das classes dominantes, entre grupos militares e outros setores
do aparelho de Estado (magistrados, políticos, educadores,
embaixadores - numa dimensão política e burocrático-
administrativa), com o objetivo de promover determinado tipo de
desenvolvimento econômico (de tipo capitalista), dirigido por um
grupo específico (as elites) e dotado de uma ideologia (a
ideologia da SN) e uma opção estratégica (o Mundo Ocidental),
sob a hegemonia dos Estados Unidos (OLIVEIRA, apud
ASSUNÇÃO, 1999:38).
A ESG tornou-se uma instituição que mesclou as orientações americana,
francesa e alemã no desenvolvimento do quadro conceitual a seu próprio
respeito e sobre a sua função na sociedade
44
, seguindo a tendência
internacional no período da guerra fria que levou a Inglaterra, França e Estados
Unidos
45
a criarem estabelecimentos destinados ao preparo de suas nações
para uma política de guerra integrada contra o comunismo liderado pela
Rússia.
44 Conforme defende Selma Rocha em seu estudo sobre esta instituição, observa-se diferenças e
divergências “entre os oficiais brasileiros e os integrantes da missão militar norte-americana no que se
refere ao papel da nova instituição”, já que o “o oficialato brasileiro considerava necessário preparar o
conjunto da elite brasileira, militar e civil, para dirigir o Estado nessa nova conjuntura internacional, que
demandava, aos olhos da cúpula militar, novos padrões de eficácia e eficiência no planejamento das ações
estatais, pois o imperativo da segurança tornava mais complexas e dinâmicas as relações políticas
endógenas e exógenas ao País. (Rocha, 1996:31)
45 A participação da FEB, dentro do Exército, naturalmente ensejou a aceitação das normas adotadas
pelo National War College. A Força Expedicionária Brasileira, o grupo da Força Aérea e o emprego da
nossa Marinha na defesa do Atlântico Sul haviam aproximado brasileiros e americanos no trato da guerra
e na aprendizagem de suas lições.
59
Segundo o General Antônio Jorge Corrêa
46
, um dos integrantes da ESG
desde seus primórdios, explica anos mais tarde, as razões da criação desta
instituição, e seu discurso esclarece a função social que se atribuem as Forças
Armadas no país. Segundo ele:
“A consciência de que era mister criar uma elite preparada para
a missão de interpretar as legitimas aspirações e autênticos
interesses nacionais, de formular através de um método
científico a política e estratégia nacionais, com um critério que
transbordasse dos limites da defesa nacional, cujo sentido era
restritivo, levou o nosso Governo a pensar, inicialmente, na
criação de um curso de altos estudos, freqüentado apenas por
oficiais da Marinha, Exército e Aeronáutica (decreto de outubro
de 1948 do Governo do Presidente Dutra). Tal critério logo
evoluiu para o da criação de “um instituto de altos estudos,
voltado para o planejamento e a direção da segurança nacional”
(lei de 20 de agosto de 1949). Em vez de escola puramente
militar, destinada apenas ao estudo das questões referentes ao
emprego das grandes unidades estratégicas e à direção de
guerra, como queria o decreto de 1948, surgia, em 1949, este
instituto como centro permanente de pesquisas, destinado a
preparar, para o exercício de funções de direção e de
planejamento da segurança nacional, oficiais das Forças
Armadas e civis que se houvessem destacado em seus
campos”.· (CORRÊA Apud SILVA, 1976: 465)
Mas quem eram os líderes militares que faziam parte daquela
agremiação que compunha a Escola Superior de Guerra? Nesse mesmo ano
de 1948, o general Osvaldo Cordeiro e Farias que era comandante da Região
Militar do Paraná e Santa Catarina com a patente de general-de-divisão,
recebeu a visita inesperada do tenente-coronel Idálio Sardenberg, emissário do
chefe do Estado-Maior Geral, general Salvador César Obino, que lhe passou a
missão de organizar uma escola militar nos moldes da National War Colege. A
instituição possuía nome e existência legal através do Decreto 25.705 de
22 de outubro de 1948. Pelo artigo do Decreto, a Escola deveria ser
responsável pelo Curso de Alto Comando das Forças Armadas, reunindo o alto
oficialato do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Assim se criava a Escola Superior de Guerra, sob a batuta de três
militares que tinham muito em comum no seu passado de lutas no exército. O
46 O General Antonio Jorge Correia foi comandado do General Médici por várias vezes e, inclusive, foi o
seu sub-comandante na Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), em 31 de março de 1964.
60
primeiro deles, o General Cordeiro e Farias, era o mais conhecido: rebelde
tenentista, um dos lideres da Coluna Prestes, membro do poder estabelecido
nos anos 30 (inclusive como interventor no Rio Grande do Sul), comandante da
Artilharia Divisionária da FEB, participara da queda de Vargas, em 1945. O
segundo general Obino, Chefe do Estado Maior do Exército, não participara
diretamente do movimento tenentista, mas ocupava altos cargos militares
(principalmente no ensino) e era integrante, desde 1947, de uma comissão
sobre concessões de refinarias de petróleo. Tornara-se, em 1948, membro do
Conselho de Segurança Nacional e presidente do Clube Militar para o mandato
entre 1948-1950, no momento em que o Clube começava a desempenhar
atuação decisiva na Campanha do Petróleo. O terceiro o tenente-coronel Idálio
Sardenberg, fora deputado constituinte em 1934, sendo o representante do
Paraná na “Comissão dos 26”, que deveria apresentar propostas à nova
constituição em preparação.
47
O grupo que influíra na elaboração da ESG e na indicação de Cordeiro
de Farias se completava com os nomes dos oficiais Golbery do Couto e Silva,
os irmãos Orlando e Ernesto Geisel e Jurandir de Bizarria Mamede. Golbery do
Couto e Silva, da mesma forma que Cordeiro de Farias e outros oficiais da
FEB, viajara em 1944 para um estágio em Fort Leavenworth, nos Estados
Unidos. Após a guerra, servira no Estado Maior do Exército e no Estado Maior
Geral. A trajetória dos irmãos Geisel apresenta pontos em comum em relação
aos oficiais citados. Ernesto foi Secretário de Obras blicas do Estado da
Paraíba entre 1934 e 1935. Estagiou em Fort Leavenworth em 1945. Fez parte
da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional entre 1946 e 1947.
Assim como Golbery acabou por se tornar membro do Corpo Permanente da
ESG em 1952. Orlando Geisel havia sido instrutor da Escola de Estado-Maior,
participou do curso de formação da ESG, em 1949 e na época de inauguração
da Escola fora nomeado adjunto do adido militar em Washington (1950).
48
A carreira mais paradigmática do grupo de oficiais do Estado-Maior, que
trabalhou para a criação e consolidação da ESG foi a de Jurandir de Bizarria
47
FERRAZ, Francisco César Alves. A sombra dos Carvalhos: Militares e civis na formação e
consolidação da Escola Superior de Guerra. Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade
Paulista. 1994.
48
idem
61
Mamede. Desde sua formatura, na Escola Militar de Realengo, nunca deixou
de participar da vida política nacional. À semelhança do General Cordeiro e
Farias, apoiou o movimento tenentista e participou da Revolução de 1930.
Ocupou interinamente a interventoria em Pernambuco em 1931 e 1934. Foi
combatente da FEB e após o fim do conflito, participou ativamente do grupo
que articulou a candidatura de Eduardo Gomes à presidência da república pela
União Democrática Nacional (UDN). Quando era adido militar no Estado-Maior
do Exército, integrou o grupo criador da ESG, tornando-se desde 1950,
membro do Corpo de Instrutores. No mesmo ano, participou da chapa de
Cordeiro de Farias que concorreu ao Clube Militar, contra a ala que se
denominava nacionalista.”
49
Assim a trajetória destes gestores da Escola apresenta vários
denominadores comuns: os mais renomados generais são fruto do
“Movimento Tenentista” que exerceu um papel fundamental na montagem do
“pensamento militar” naqueles anos; as suas concepções de Estado e os
caminhos que propunham para o desenvolvimento econômico e político da
nação eram os pontos principais de sua leitura da realidade brasileira.
Também tinham participado com outros generais da FEB das influências
recebidas dos americanos no trato de guerra na Segunda Guerra Mundial.
Acreditavam que o poder civil estava falido e que somente uma elite preparada
militarmente poderia traçar os novos caminhos em uma nova conjuntura
mundial que se estabelecia. Para completar comungavam com a opinião de
que o exército era o guardião da democracia contra o crescente perigo
comunista e que deveria, inclusive, manter-se alerta naquele momento de
abertura institucional que se convencionou denominar democracia dos anos 50.
Segundo Ferraz dois documentos básicos para entender a Escola
superior de Guerra, um do general Osvaldo Cordeiro de Farias intitulado
“Razões que levaram o governo a pensar na organização da Escola Superior
de Guerra” e o outro do tenente-coronel Idálio Sardenberg, intitulado “Princípios
fundamentais da Escola Superior de Guerra”, ambos foram transcritos na
Revista da Escola Superior de Guerra. Nos valeremos dessa documentação
49
FERRAZ, Francisco César Alves. A sombra dos Carvalhos: Militares e civis na formação e
consolidação da Escola Superior de Guerra. Faculdade de Ciências e Letras de Assis,Universidade
Paulista. 1994.
62
para demonstrar a preocupação das Forças Armadas em conduzir o processo
político “pelo alto”, endossando a crença que as elites são responsáveis pelos
destinos da nação.
A movimentação popular através dos sindicatos, das associações
democráticas em defesa de uma maior participação política e econômica dos
vários segmentos excluídos iria endossar cada vez mais aquela tese,
reforçando tanto a necessidade da intervenção militar nos destinos da nação,
como a formulação de uma doutrina de Estado militar. Dentro desta visão,
somente os militares seriam capazes de alterar o caráter, a cultura e a índole
do povo brasileiro. Compunham, conforme afirmava o General Juarez Távora,
a elite nacional capaz de garantir a consolidação da nação:
“Objetivos nacionais são realidades ou aspirações relacionados
com a integração física, política, econômica ou social de uma
nação, e que, consubstanciados no espírito da elite, se
transmitem á sensibilidade do povo-massa com hábitos ou
necessidades unânimes ou generalizadas da coletividade
nacional.”
50
Observa-se nos discursos de alguns dos generais esguianos que estes
não viam as forças armadas atuando de forma autônoma ou assumindo o
controle total das decisões sobre o desenvolvimento nacional. Pelo contrário,
uma organização adequada do governo, conforme afirmava o General Cordeiro
de Farias fortaleceria as classes armadas:
“a segurança nacional repousa, antes de tudo, em uma
organização adequada de governo, em que o planejamento seja
a preocupação maior. Desse planejamento geral surgirá um
incremento da economia, tomada ela no sentido mais amplo e
de onde emergirá, final e naturalmente, uma organização sólida
para as classes armadas”.
51
A opinião pública seria fundamental para o endosso das medidas
tomadas pelo executivo, no caso as Forças Armadas. O consenso era o motor
50
A segurança nacional: sua conceituação seu estudo na ESG. Rio de janeiro, ESG,
documento C-01-59, pp.4-5 Apud FERRAZ, 1994:39.
51
Revista da Escola Superior de Guerra v.3,nº8, pp.9-15 Apud FERRAZ,1994:26.
63
primordial para a repressão, na medida em que essas ações reacionárias iriam
ferir a Constituição e o Estado de Direito,
“Conseqüência deste fato é a necessidade de um
esclarecimento continuado, permanente da opinião pública que
deve ser alertada para a hora difícil em que vive o mundo (...)
Esta obra deverá ser das elites esclarecidas e, antes de tudo,
das que tem por missão plasmar o caráter e formar a cultura da
nossa mocidade, (...) todos instrumentos que tanta e tamanha
força representam nos dias que ocorrem.”
52
Conforme indicam os analistas, tais idéias não são exclusivas das
casernas, expressando, antes de tudo, um arcabouço conceitual vigente desde
as primeiras décadas do século XX desenvolvido no interior dos segmentos
dominantes. Segundo Lamounier,
“caracterizavam-se por uma visão orgânico-corporativa da
sociedade, sendo os conflitos sociais administrados pelo
Estado, o que deslegitimaria a organização autônoma da
sociedade civil, tornando desnecessária sua organização em
partidos e ou associações. Mas o mais notável, porém, é que
nestas ideologias que povoaram as mentes dos ideólogos dos
anos 20 e 30, transitava-se facilmente de um elitismo altruísta
para o voluntarismo golpista, tornando legítima, para as elites, o
emprego temporário da força, sendo a corporação armada
geralmente a fiel da balança, seja como parceira, seja como
adversária.” (LAMOUNIER, apud FERRAZ,1994:35)
Esse pendular do elitismo altruísta para o voluntarismo golpista que,
conforme os autores acima, legitimava para as elites, o emprego temporário da
força, ou seja, a corporação armada, também é reconhecido por Chasin, mas
em posição antagônica, pois conforme este, analisar a dinâmica histórica
restringindo-se à análise da ideologia, acaba por reproduzir a conduta
politicista que os segmentos da burguesia têem, pois
“Politicizar é tomar e compreender a totalidade do real
exclusivamente pela sua dimensão política e, ao limite mais
pobre, apenas de seu lado político-institucional. Enquanto
falsificação teórica e prática, o politicismo é um fenômeno
simétrico ao economicismo. (...) O politicismo arma uma política
avessa, ou incapaz de levar em consideração os imperativos
52
FARIAS, Osvaldo Cordeiro de. “Razões que levaram o governo a pensar na organização da
Escola superior de Guerra”, Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, ESG,
Divisão de documentação, v.3,nº7, 1986 pp. 09-23 Apud FERRAZ,1994:26.
64
sociais e as determinantes econômicas. Expulsa a economia da
política (...) jamais admitindo o caráter ontologicamente
fundante e matrizador do econômico em relação ao político”
(CHASIN, 2000: 123 / 124).
Ao analisar o movimento fundante da particular dinâmica histórica do
Brasil, este autor demonstra como a instauração do capitalismo neste país
configura uma dada burguesia que, frágil enquanto classe, débil nos liames do
capitalismo e incapaz de cumprir a função social de promover a revolução que,
rompendo com os segmentos conservadores, concretude plena às forças
produtivas liberadas pela industrialização, mesmo que de forma hiper tardia.
Conforme o autor,
“a particularidade da via colonial (...) engendra uma burguesia
que não é capaz de perspectivar, efetivamente, sua autonomia
econômica, ou o faz de um modo demasiado débil,
conformando-se, assim, em permanecer nas condições de
independência neo-colonial ou de subordinação estrutural ao
imperialismo. /.../ De modo que, se para a perspectiva de ambas
[as burguesias que se objetivaram pela via colonial e prussiana],
de fato, é completamente estranha a efetivação de um regime
político democrático-liberal, /.../ a burguesia produzida pela via
colonial tende a não romper sua subordinação, permanecendo
atrelada aos pólos hegemônicos das economias centrais”
(CHASIN, 2000: 128-129)
53
.
Tal subordinação manifesta-se também, na sua incapacidade de romper
com os segmentos da burguesia agrária com os quais disputa a hegemonia do
poder político e na impossibilidade de fortalecer-se via articulação com outros
segmentos sociais subalternos, tais como os trabalhadores. Comprimida entre
as demandas de modernização exigidas pelo desenvolvimento do capital
internacional e ante a reação social inerente às contradições de classes
vigentes nestas formações, seus projetos de desenvolvimento transitam entre a
“forma da autocracia burguesa bonapartista para a autocracia burguesa
53
Ainda conforme Chasin, “objetivação pela via colonial do capitalismo, que particulariza formações
sociais economicamente subordinadas, socialmente inconsistentes e desastrosas, politicamente instáveis
em sua natureza autocrática e culturalmente incapacitadas de olhar para si com os próprios olhos e traçar
um horizonte para seus dilemas específicos, na universalidade dos impasses mundiais. Sob os influxos e
refluxos do capital metropolitano, produzem e reproduzem a miséria de sua incontemporaneidade, armada
sobre a incompletude de seu capital incompletável e, por isso, sobre a natureza invertebrada de suas
categorias sociais dominantes e, por decorrência, sobre a incapacidade de suas categorias sociais
subalternas” (CHASIN, 2000:212).
65
institucionalizada”
54
.
O debate em torno das alternativas de desenvolvimento
entre os segmentos da burguesia e no interior do alto oficialato que compunha
a ESG e que se reunia no Clube Militar com seus pares, demonstra bem esta
condição.
Por um lado, indica que na forma estatal em que se manifesta a
autocracia burguesa institucionalizada, segmentos sociais que no período
ditatorial não tinham espaço para fazer valer seus interesses, agora o têm,
embora ainda de forma restrita. Por outro, indica o receio que todos têm da
abertura institucional, pois esta põe em risco a ordem vigente. Ainda mais
quando as propostas começam a esboçar formas alternativas ao modelo de
capitalismo em curso e que garante as benesses ao segmento da burguesia
atrelado ao capital internacional, para prejuízo, inclusive de outros segmentos
da burguesia que não conseguem o mesmo espaço e benefícios. Tal
articulação pelo alto toma assim, a forma e apenas a forma de um debate de
natureza antagônica entre internacionalistas e nacionalistas. Reforçando essa
tese, a crítica do historiador Rago sobre o mito da burguesia nacionalista:
“Desmanchava-se, assim, todas ilusões de uma burguesia
nacionalista que tendo em mira à sua emancipação particular,
se colocava como a representante dos interesses gerais, aqui,
ao contrário, apoiando-se em formas autocráticas, atuou mais
como uma burguesia com interesses cada vez mais
mesquinhos e particularistas, acelerando o processo de
concentração e centralização do capital, por meio da
superexploração da força de trabalho e com a exclusão das
maiorias do próprio mercado interno.” (RAGO,1998:324).
Assim, ante a impossibilidade da construção de um Estado com
participação das classes subalternas, os primórdios da industrialização
54
Refere-se o historiador Antônio Rago, neste trecho, à transição pós ditadura bonapartista instaurada em
1964 e tomamos a liberdade de inverter, referindo-nos à passagem da ditadura Varquista para a
institucionalidade juscelinista. RAGO, Antonio Filho. O ardil do politicismo: do bonapartismo à
institucionalização da autocracia burguesa. In Revista Projeto História, n. 29, T 1. São Paulo, Educ, 2004.
Neste sentido, observa Chasin “a autocracia burguesa institucionalizada é a forma de dominação burguesa
em ‘tempos de paz’, o bonapartismo é a forma da dominação burguesa em ‘tempos de guerra’. E na
proporção em que, na guerra de classes, a paz e a guerra sucedem-se continuamente, no caso brasileiro,
no caso da objetivação do capitalismo pela via colonial, as formas burguesas de dominação política
oscilam e se alternam entre diversos graus do bonapartismo e da autocracia burguesa institucionalizada,
como toda a nossa história republicana evidencia” (Chasin, 2000: 128)
66
capitalista no Brasil e seu posterior desenvolvimento terão na violência a única
forma de garantir o Estado atrófico que se desenvolvia no Brasil naquela
conjuntura, conforme afirma Lívia Cotrim:
“A industrialização subordinada ao capital externo, capitaneada
pela produção de bens de consumo duráveis, conciliada com a
estrutura agrária herdada da colônia e assentada na
superexploração do trabalho, portanto na exclusão econômica
dos trabalhadores, é a marca da estreiteza política: incapaz de
dominar sob forma efetivamente democrática porque
impossibilitada de lutar ou sequer perspectivar sua autonomia
econômica, e, assim, de se pôr à frente de um projeto de cunho
nacional, apto a incluir, embora nos limites do capitalismo, as
classes a ela subordinadas -, a burguesia brasileira pode
exercer seu poder político sob forma autocrática.”
(COTRIM.2000:VI)
Nessa perspectiva o final da Guerra Fria somente intensificou essa
prática inerente ao capitalismo brasileiro, na medida em que o crescimento das
agremiações de esquerda e a mobilização da classe trabalhadora
representavam um perigo iminente para os interesses da burguesia
engendrada nos interesses do capital mundializado. Assim o estabelecimento
da ESG naquele período e o debate sobre os riscos da democracia que aí se
configura caracterizam a ação das Forças Armadas em prol a manutenção do
“status quo”, seja defendendo um desenvolvimento com maior ou menor
participação do capital internacional. É neste contexto que se gesta o ideário
sobre a segurança nacional que, posteriormente, engendra a Doutrina de
Segurança Nacional
55
. Neste sentido, retomando Francisco Ferraz:
“Esta confluência de aspirações entre elites militares e civis
pôde fazer da recém implantada Escola Superior de Guerra um
espaço privilegiado para a moldagem de um projeto político
comum. Estavam assim cada vez mais distantes as reservas
existentes entre os membros das Forças Armadas e algumas
frações burguesas em ascensão, o que acabaria permitindo um
relacionamento mais equilibrado. A doutrina da Segurança
Nacional, ideologia aglutinadora desses interesses, contribuía
para a ação política de classe, gestando estrategicamente um
planejamento com fins específicos, voltado para a construção
55
Na verdade, as idéias que permeiam a Doutrina de Segurança Nacional, no Brasil, se constituíram na
adaptação de idéias desenvolvidas no exterior para a realidade brasileira. Pode-se dizer que, no processo
social e político iniciado a partir de 1930, estavam sendo cultivadas algumas das sementes para as
idéias desenvolvidas na Escola superior de guerra. (FERRAZ, 1994:34)
67
de uma sociedade industrial plenamente articulada ao
capitalismo mundial.” (FERRAZ, 1994:44)
Autores que vêm se dedicando ao estudo das forças armadas no Brasil
contemporâneo consideram as evidências de seu alinhamento com os
ditames dos Estados Unidos para a América Latina e o Caribe, particularmente
após a segunda guerra mundial.
56
Tais autores enfatizam também a estreita
vinculação deste alinhamento com os segmentos das burguesias nacionais
atreladas ao interesses das multinacionais. Assim por exemplo, conforme
Dreifuss, a ESG se pautava por uma
“Ideologia que defendia um alinhamento político e ideológico
com os Estados Unidos. Incentivava, dentro das próprias Forças
“Armadas, um desenvolvimento que deveria ser norteado por
valores empresariais e multinacionais e que resultaria em um
Estado que manteria a estabilidade através do autoritarismo
político da doutrina de segurança nacional, e de um governo
forte e centralizador”. (DREIFUSS, 1981:79)
Tal doutrina é tanto mais acentuada em seus aspectos coercitivos e
persecutórios quanto o é a dependência e a subordinação de cada um destes
países aos centros de desenvolvimento do capitalismo. Se estas sociedades
construídas depois da segunda guerra mundial na Europa e nos Estados
Unidos da América possibilitam que Hosbsbawum caracterize este período
como A Idade de Ouro, o mesmo não ocorre na América Latina.
A retomada da capacidade produtiva européia e norte-americana se
relativamente contrária à crise que se abate no continente latino americano, a
que se acrescem as políticas de retomada do crescimento com crescente
endividamento, inflação, aumento da concentração de renda e da exclusão
social - que se manifesta com a formação de cordões de marginalidades nas
zonas urbanas das principais cidades do continente.
Tal condição deu ensejo, por um lado, ao fortalecimento de idéias que
buscavam alternativas de solução para esta situação, encontrando, as
organizações ditas de esquerda, um campo fértil para o debate e seu
56
Ver: CASANOVA, Pablo González (org.). América Latina: história de meio século. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília, 2 vols. 1988. SADER, Eder. A militarização do Estado na América Latina.o
Paulo: Ed. Polis, 1982.
68
fortalecimento, de que foram auxiliadas pela condição “democrática” que
vicejava. Neste contexto, os debates sobre as alternativas ao desenvolvimento
se ampliam nos diferentes grupos que compunham a sociedade.
Por outro lado, tais condições fazem crescer o receio da burguesia
dominante, ampliado pelo medo de uma “cubanização” do continente levando-
os a posturas mais reacionárias e à elaboração de alternativas de contenção
social a serem viabilizadas a nível nacional.
Tal receituário encontra nas discussões promovidas pelos intelectuais da
ESG o espaço adequado para sua formulação. Conforme aponta a
historiadora:
“O desenvolvimento de teorias da guerra fria resultou em
ênfase para interpenetração de fatores políticos, econômicos,
filosóficos e militares na formulação da política de segurança
nacional, passando-se a dar crescente prioridade ao
adestramento em teoria do desenvolvimento. Pelo alto nível de
seu ensino, a ESG tornou-se conhecida como a “Sorbonne” do
establishment militar”. (ALVES, 2005:28)
A ESG valia-se também de outras ideologias conservadoras presentes
na sociedade brasileira e nas Forças Armadas como a visão republicana
positivista
57
. Dentro desse universo “ideológico brasileiro” o início do século XX
é marcante para o desenvolvimento do pensamento autoritário, conforme bem
observa a historiadora Lívia Cotrim:
O caráter autoritário do ideário getuliano o seria um caso
excepcional; ao contrário, existiriam traços comuns entre seu
pensamento e o de diversos outros ideólogos brasileiros, como
Plínio Salgado, Azevedo Amaral, Francisco Campos e Oliveira
57
Segundo os positivistas, cabia ao Estado, por meio da administração científica, racional, de seus lideres,
zelar pela ordem, proteger os cidadãos e garantir os seus direitos, de uma forma quase tutelar. O
estabelecimento desses direitos não deveria advir da livre manifestação dos indivíduos, fosse num
contexto legal (parlamentar), fosse num contexto revolucionário, de modo que o Estado pudesse
promover o progresso. A idéia de um governo forte, inteiramente centralizado, uma verdadeira ditadura
republicana”, portanto, sustentava o ideário positivista. Segundo o filósofo Augusto Paim “O grupo
castilhista predominou durante toda a Republica Velha, tornando-se núcleo disseminador do
antidemocratismo, servindo de apoio às teses do Apostolado Positivista no Brasil da época. Tratava-se
de uma rigorosa adaptação da doutrina comteana, isto é, do Republicanismo autoritário, às condições
locais. lio de Castilho transferiu o poder em 1898 a Borges de Medeiros (1864-1961), passando-o
finalmente, em 1928, depois de três décadas no poder a um outro não menos castilhista, Getúlio
Vargas”. PAIM, Augusto. In Instituições políticas brasileiras / Oliveira Viana. Brasília: Conselho
Editorial do Senado Federal, 1999. Coleção biblioteca básica brasileira. Página 12
69
Vianna, quais sejam: afirmação de um hiato entre o Brasil “real”
e o “legal”, oposição ao liberalismo e às oligarquias, isto é, ao
status quo; defesa, contra o poder oligárquico, do fortalecimento
do estado nacional e da supremacia do executivo; a
necessidade de substituir as decisões de cunho político por
soluções técnicas, para as quais o executivo federal deveria se
apoiar em órgãos técnicos; defesa da perspectiva nacionalista,
entendida não como restrição à entrada de capital externo, mas
sim como a necessidade de não copiar modelos de outros
países; crença na existência de um destino histórico” do Brasil,
para cujo alcance seria necessário o intervencionismo
centralizador e modernizante, para incentivar a industrialização.
De sorte que o pensamento autoritário convergiria com os
interesses da burguesia industrial, isto é, com a constituição da
nova ordem capitalista”.
58
(COTRIM. 1999:37)
Assim é que, quando da fundação da Escola, observava-se um
crescente processo de mobilização de amplos segmentos da sociedade e um
conflito latente entre posições nacionalistas e internacionalistas que expressam
o desenrolar dos acontecimentos nos anos anteriores, encetados no período
Vargas.
Ao rmino do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), o Brasil
se apresentava como um país que havia passado por uma série de mudanças
estruturais que haviam ganhado velocidade a partir da década de 1930, sob a
égide do bonapartismo getulista que transita, conforme dissemos, para a
institucionalidade autocrática. Essas mudanças diziam respeito principalmente
às bases do desenvolvimento, ao modelo econômico adotado, à ênfase na
industrialização orientada pelo Estado, à liberalização política e ao controle
social e sindical.
Do ponto de vista econômico e de planejamento, Getúlio Vargas, em
seus 19 anos de governo e especialmente no último mandato, promovera a
criação de uma série de agências para estudar, formular e implementar
políticas de desenvolvimento, sempre dentro de uma ótica que valorizava a
ação do Estado, a iniciativa local e o nacionalismo. Entre esses
58
Será necessário adentrar aos estudos sobre o pensamento autoritário no Brasil. No entanto, estas
questões apenas serão incorporadas na medida da necessidade para atingirmos os objetivos desta
dissertação. A mesma coisa para o termo conservadorismo.
70
empreendimentos figuravam o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE, hoje BNDES) e a Petrobrás e ainda vários outros, de caráter setorial ou
regional, como o Plano Nacional do Carvão, a Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia, o Banco do Nordeste, que tinham o
objetivo comum de promover o desenvolvimento econômico a partir do
dirigismo estatal.
2.2 Entre os nacionalistas e os internacionalistas
Nesse contexto de desenvolvimento o projeto de cunho mais
nacionalista, inspirado em alguns dos princípios da Comissão Econômica para
a América Latina (Cepal)
59
, rejeitava a abertura da economia ao capital
estrangeiro sem limites, considerando que era necessário sujeitar estas
parcerias a algumas limitações. Consideravam seus defensores que jamais um
país do centro da economia mundial capitalista aceitaria transferir recursos
para um país periférico, como o Brasil, a ponto de transformá-lo em um
concorrente. Consideravam que, do ponto de vista do capital internacional, era
necessário estabelecer sérias restrições aos investimentos. Além disso, o
endividamento externo era desaconselhável, e acreditar que as multinacionais
transfeririam tecnologia de ponta para o país se manifestava uma tremenda
ingenuidade.
Tal perspectiva nacionalista corroborava com os preceitos das
organizações de esquerda que entendiam ser o momento propício para o
combate histórico entre a nação (representada pela “burguesia nacional
progressista” e as “massas conscientes”) e a anti-nação (representada pelos
setores “atrasados” da classe dominante, pelas “massas alienadas” e pelo
capital estrangeiro ou as “forças do imperialismo)”
60
. Acreditavam que, através
59
A Cepal, criada em 1948 sob os auspícios das Nações Unidas, tinha o propósito de analisar os
problemas de desenvolvimento latino americano e propor políticas públicas para enfrentá-los. Abriga,
principalmente até a década de 60, inúmeros intelectuais do continente latino-americano que gestaram
propostas de implementar reformas econômicas e sociais de caráter estrutural que acompanhassem as
políticas de industrialização, como única forma de conseguir o desenvolvimento. (TERÁN, 2004;276)
60
Segundo Dreifuss,”De acordo com a crença intelectual popularizada, assumida pelo Partido Comunista
e abraçada mais tarde por intelectuais nacionalistas, principalmente os do Instituto Superior de Estudos
Avançados (ISEB), havia “duas burguesias”, uma era considerada entreguista, diretamente ligada a
capital transnacional, e a outra nacionalista, oposta à ação de interesses estrangeiros. A burguesia
71
de uma aliança estratégica com a burguesia industrial, haveria conquistas
significativas para a classe operária e a sociedade civil.
61
Por outro lado havia também um projeto liberal ou internacionalista,
cujos formuladores acreditavam que países como o Brasil, de recente
desenvolvimento industrial e com escassas reservas de capital, não teriam
condições de promover o desenvolvimento por conta própria, sendo necessário
recorrer ao capital internacional. Como este estava disponível em grande
volume, sobretudo nos Estados Unidos, garantir-se-ia um desenvolvimento
acelerado. A penetração do capital estrangeiro seria feita por empréstimos ou
aplicação direta de empresas multinacionais, com a correspondente
transferência de tecnologia. O aumento da dívida externa era considerado um
problema secundário, uma vez que a manutenção de elevados índices de
crescimento econômico acabaria por torná-la insignificante.
Tal debate que ocorria no interior destes segmentos da sociedade civil
praticamente se reproduzia no interior das Forças Armadas, principalmente no
exército. De um lado se punham os intelectuais da ESG denominados de
“sorbonistas” cujo posicionamento político os aproximava do projeto liberal ou
internacionalista e de outro os nacionalistas que era a facção do exército
simpatizante com as idéias getulistas, contrários à intervenção militar na
política (a não ser para garantir o estado de direito na defesa da Constituição
62
)
e que consideravam necessário garantir o desenvolvimento da nação um
pouco mais distante do poderio do capital internacional.
“nacionalista” era procurada politicamente e considerada, teoricamente, pelos intelectuais nacionalistas
como aliada em potencial, se não de fato, das classes trabalhadoras e dos setores das classes médias que
se opunham ao imperialismo, em razão do que se esperava fossem as diretrizes políticas dos industriais de
reforçar os centros locais de tomada de decisão, e de sua alegada visão do Estado como instrumento de
oposição à penetração estrangeira.” (DREIFUSS.2006:34)
61
Os intelectuais nacionalistas atribuíam também a esses setores “nacionais” industriais e financeiros
“objetivos progressistas”. Em particular, acreditava-se que os setores industriais estivessem interessados
em alguma forma de desenvolvimento nacional redistributivo e em apoiar uma atitude reformista contra
estruturas agrárias arcaicas. Porém, a esperada confrontação nacionalista-entreguista baseava-se em
avaliação errada, falando-se em antagonismos estruturais onde somente existiam conflitos conjunturais. A
burguesia industrial brasileira poderia ter mostrado uma dualidade de tendências em seu crescimento,
sendo uma de associação direta a interesses multinacionais e a outra de ligações indiretas para obter o
Know-how estrangeiro. Mas a motivação da burguesia era uma só, o capital.” (DREIFUSS.2006:34)
62
Após 1964, conforme apontam os autores, os sorbonistas” se assumem a defesa da transitoriedade das
Forças Armadas na condução do Estado, em oposição aos duristas que consideravam imprescindível que
os militares continuassem no poder. Neste sentido ver FICO, Carlos. Como Eles Agiam. Rio de Janeiro:
Record, 2000 e RAGO, Antonio Filho, tese de doutoramento. São Paulo, PUC:1998.
72
Cabe ressaltar a dificuldade de estabelecer “rótulos” para essas facções
militares, como observa Lúcio Flavio de Almeida,
ao longo do processo, os próprios atores sofreram profundas
alterações e, com eles, as configurações concretas adquiridas
pelo nacionalismo e pelo antinacionalismo (...) as forças
antiindustrialistas possuíam um peso político ideológico
significativo até o início do período JK. Muitos de seus
membros, sempre esgrimindo um discurso crítico em relação ao
nacionalismo, transitariam de uma posição antiindustrialista
para uma clara defesa do grande capital monopolista
dependente no contexto de um capitalismo industrial que, ao
longo da segunda metade dos anos 1950, sofreria cada vez
menos questionamentos de caráter agrarista. Este
deslizamento, bem como a escassa margem de manobra
mencionada acima, foi importante para explicar o fraco teor
nacionalista das posições concretamente adotadas pela Escola
Superior de guerra ao longo dos anos 1950 (e inicio dos 60),
bem como, inclusive, a adoção de posições antinacionalistas
por militares vinculados a esta instituição.” (ALMEIDA, 2006:82)
O paradoxo se evidencia: quanto mais o discurso nacionalista se
aproximava do das classes subalternas e perspectivava reformas sociais
(melhores condições de trabalho, diminuição de jornada, aumento salarial, o
direito a greve, reforma agrária, participação política) que poderiam aproximar o
país de uma democracia de cunho liberal burguês; mais as classes dominantes
não os reconheciam como forças políticas legítimas, cabendo ao Estado
criminalizar de toda a sorte os movimentos sociais progressistas.
É nessa perspectiva que os integrantes da ESG se colocam como os
“verdadeiros nacionalistas”, em detrimento dos “nacionalistas comunistas”,
liderados pelo PCB (que segundo os “sorbonistas”, estavam infiltrados nas
Forças Armadas pelos militares “getulistas”, nos sindicatos, nas associações
partidárias), pois através da criminalização dos movimentos reivindicatórios e
da banalização das necessidades das classes subalternas traduzidas como
“plataformas de cunho comunista”, o ideário autocrático se dinamiza no
conceito de que a nação decorre da organização e consolidação de uma
doutrina da sociedade civil, cabendo a cada membro o seu devido papel,
reforçando a falácia que através de um pacto social entre trabalhadores e a
burguesia industrial/agrária, se alcançaria a “paz social”. Diante disso, a
sociedade civil outorgaria às Forças Armadas, o papel de dirigentes e
73
restauradores dos “valores nacionais”, propiciando assim o desenvolvimento
econômico e social do país traduzidos no binômio: segurança e
desenvolvimento. Conforme observa a historiadora,
“às elites cabe um poder hegemônico de interpretação dos
objetivos nacionais. Ao mesmo tempo, as elites devem incutir
no povo, objetivos por ela definidos, a fim de garantir o
aperfeiçoamento material ou espiritual da nação”. (ASSUNÇÃO,
1999:48)
No interior da ESG os “sorbonistas” acreditavam que as razões do nosso
subdesenvolvimento eram intrínsecas às características do povo brasileiro,
cujas massas eram despreparadas, subdesenvolvidas, analfabetas e sem
condições de manifestação próprias em defesa de seus interesses. Em
conformidade com o que pregavam os segmentos dominantes da burguesia,
consideravam que caberia à elite nacional imbuí-las de valores nacionais e
projetar o caminho a ser seguido pela nação, ou seja, na condição de massas
às quais caberia, conforme denuncia o historiador Rago,
“um papel intrinsecamente menor e subordinado, são sempre
manipulados e orientados para o bem ou para o mal, nas
escolhas políticas articuladas pelas “elites dirigentes”. (...) as
massas populares (...) somente poderiam vir a ser
instrumentalizadas, seja ao “comunismo”, seja ao “populismo”,
pelos líderes e tendências ideológicas, com seus projetos
políticos “próprios”, sempre em oposição à índole nacional”.
(RAGO, 1998,69
)
A estas noções de elite e massa, agregam estes intelectuais da caserna
os conceitos geneticistas apregoados pelos ideólogos conservadores da
década de 20 e 30, isto é, que o fracasso político do país era devido à
“mulatização” e “sifilização” do povo brasileiro que como herança genética
impregnava o país de um derrotismo estrutural. Conforme o General Góes
Monteiro, der da Revolução de 1930 e integrante da ESG, em entrevista no
jornal Diário da Noite, em 31/03/1951 anexado no relatório da DOPS:
“O Brasil é de uma infelicidade no terreno político, que não
conserta mais” Declarou o general Góes Monteiro, quando
interpelado pelo repórter, relembrando entrementes a nossa
74
mulatização a par da “sifilitização” atávica, que nos marca
tremendamente. E prosseguiu: - Não podemos esperar nem
uma grande revolução saneadora nem da evolução natural,
modificações salutares para o nosso grande país, tantas vezes
denominado com freqüência, “país do futuro”. Refletindo um
pouco sobre suas palavras, o chefe da revolução de 30, que
avisara ao repórter não ter mais peias políticas que lhe
travassem a língua, raciocinou: - O território é muito grande e
talvez o homem seja pequenino demais.”
63
Nesse mesmo diapasão é a fala de um coronel sobre as qualidades do
seu candidato, o general Etchegoyen apoiado pela Cruzada Democrática
64
composta pelos militares da ESG no pleito do Clube Militar
65
em 22/05/1952,
onde concorriam às eleições, de um lado, o Genereal Estilac Leal apoiado
pelos nacionalistas e de outro o referido general,
“era um homem capaz de limpar o Clube Militar, eliminando
sumariamente muitos sargentos, negros retintos e mulatos
pernósticos, que passaram para a reserva no posto de tenente,
sendo admitidos como sócios pelo general Estilac e seus
adeptos, o que não contrariou grande numero de sócios do
Clube Militar, como tamm afastou das reuniões dançantes e
festas sociais, famílias das mais distintas e freqüentadores
tradicionais do Clube Militar.”
66
Outro aspecto intrigante na fala destes generais além do preconceito
racial e de classe é culpabilizar o povo pelas mazelas nacionais, apontando a
corrupção como um traço cultural do povo brasileiro, o que tornava a sociedade
como um todo incapaz de se organizar. Esta manifestação de um viés
politicista na interpretação deste General aparece claramente na seqüência do
63
Recorte de jornal não identificado datado de 31/03/1953. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 201b
64
Conforme já foi explicado na introdução, veremos com mais detalhes este movimento militar no
capítulo IV.
65
“A criação do Clube Militar ocorre dois anos antes de proclamação da República e Deodoro da
Fonseca, além de Presidente da República, também foi seu primeiro diretor-presidente. O estreitamento
do governo militar com as elites brasileiras acontece de forma bastante linear nos anos seguintes. Os
salões do Clube Militar eram intensamente freqüentados por ilustres visitantes não militares e a cobertura
da imprensa sugere que os assuntos tratados tivessem uma credibilidade pelo fato sumário de ali
merecerem espaço.” (ANDRADE JUNIOR. 2001:2). Retomaremos com mais detalhes sobre o referido
clube no capítulo IV.
66
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 172 página 4, de 22.05.1952
75
discurso do general Góes Monteiro no referido jornal, cuja lógica é, no mínimo,
intrigante.
“O nosso regime é um misto de democrático, autocrático e
cleptocrático, uma combinação espúria e retrógrada, que serve
para um pequeno número de privilegiados e que faz a ruína e
aumenta a miséria da grande massa popular, quase sem
resistência.”
67
A percepção que passam a desenvolver sobre sua missão social os faz
ter a ilusão de que estão acima das contradições de classe e acima das
manifestações da autocracia burguesa. Tal perspectiva permite a este General,
um dos expoentes do pensamento ESGuiano no período, considerar que a
falência dos poderes constituídos se manifestava na evidência de que o poder
do Estado, por estar nas os dos civis, corrompia a coisa pública e
subordinava os interesses da nação aos interesses de classe “que serve(m)
para um pequeno número de privilegiados e que faz(em) a ruína e aumenta(m)
a miséria da grande massa popular, quase sem resistência
68
.
Cabe aqui um adendo quanto a este documento, que diz respeito
diretamente a nosso objeto de estudos, ou seja, a extensão da vigilância
entranhada no Estado brasileiro.
O autor deste documento é um censor que pertence ao Serviço Secreto,
infiltrado no Clube Militar para acompanhar este pleito e que, em seu relatório
indicado como “reservado” relata, como vimos acima, as impressões dos seus
componentes. Portanto, tal censor pertencia ao Clube Militar e uma de suas
funções secretas era vigiar seus próprios companheiros, ou seja, pode-se
considerar que muitos se vigiavam mutuamente e os relatos sobre suas
convicções transparecem na documentação produzida por eles mesmos na
qualidade de censores secretos. Toda a documentação utilizada para a
caracterização deste ideário da ESG na década de 50 são relatórios do mesmo
teor e autorias.
Este documento, por conseguinte, nos revela dois aspetos
profundamente arraigados no cenário nacional: o enraizamento dos serviços de
67
idem
68
Idem
76
vigilância que mapeavam opiniões, expressões, tendências políticas e
posicionamentos pessoais, inclusive no interior do aparato militar e a sua visão
excludente das classes subalternas que subjaz no ideário da segurança
nacional.
Nessa mesma linha de raciocínio, em outro documento produzido da
mesma forma, o general Inácio José Veríssimo numa reunião de oficiais
superiores na capital do Pará em 28/04/1954, criticou a lei eleitoral chamando-a
de obsoleta, arcaica e improfícua, pois o voto de uma lavadeira tem o mesmo
valor de um general”, e os problemas do país o devido à sua população ser
semi-analfabeta”, propondo que o voto fosse qualificado:
Em uma reunião de oficiais superiores na capital do Pará, o
general Inácio José Veríssimo, criticou as nossas Leis
Eleitorais, chamando-a de obsoleta, arcaica e improficua. Disse
que o voto de uma lavadeira vale tanto como o de um general.
Isto demonstra por si a improficuidade de nosso regime. E o
povo critica o governo. Mas é esse povo semi analfabetizado
que elege, logo não tem direito a crítica. O voto deveria ser
qualificado de acordo com a qualidade do eleitor, o voto de
general deveria valer 100.”
69
Tal documento, assim como o anterior, é produto da atividade de um
censor integrante do serviço secreto e foi produzido a partir de sua vigilância a
uma palestra do general acima citado para estudantes de Direito de Belém do
Pará. O documento é encabeçado pela seguinte informação:
“Observações junto aos estudantes de direito, referente ao
acontecido em Belém do Pará: Em conseqüência dos
acontecimentos que são de conhecimento desta chefia, que
se desenrolou em Belém do Pará, temos a informar com alguns
pormenores o inicio da questão que viemos a conhecer em
virtude do telegrama chegado ao Centro Acadêmico “XI de
Agosto”. (idem)
Ainda conforme se lê no documento, o desenrolar da declaração do
General Inácio Veríssimo acabou em confusão. Os estudantes de direito, na
aplicação do trote aos calouros da universidade, expuseram, em frente ao
69
“Relatório 55 de 28/04/1954. “S.V.I.” “SS” Relatório Reservado”. Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 240
77
Palácio do Governo, cartazes criticando as suas declarações, sendo
severamente reprimidos pela tropa do exército daquela região militar. O
comandante alertou o Ministro da Guerra através de telegrama que o trote dos
estudantes tinha cunho comunista, o que justificou uma ação mais severa
àquela manifestação.
Além de ficar evidente a visão excludente do oficial das classes
subalternas em relação ao direito ao sufrágio, a ação violenta dirigida aos
estudantes, o governador do Estado do Pará Sr. Zacarias Assunção solicitou a
abertura de inquérito considerando a ação como intromissão e intervenção no
Estado.
A descrição desse acontecimento é feita pelo censor do Serviço Secreto,
que tinha informações completas do acontecido, como o documento
demonstra, das correspondências entre os centros acadêmicos e a UNE,
revelando o alto grau de infiltração das forças policiais em torno do movimento
estudantil. Na troca de telegramas a reação dos estudantes foi a de denunciar
as atrocidades cometidas pela tropa do exército e o desrespeito aos direitos
constitucionais:
“O telegrama enviado pela “União Acadêmica Paraense” ao
Centro XI de Agosto tinha esta redação: “Fazemos chegar aos
estudantes e colegas de São Paulo (cópia para os estudantes
do Brasil) que fomos degradantemente espancados na via
pública pela policia do Exército da VIII Região Militar, por
ocasião da realização do trote dos calouros das nossas
faculdades. Estávamos à frente do Palácio do Governo, o Sr.
Duarte, representante do governador, somos 18 feridos,
estaremos em greve enquanto Belém do Pará estiver
enlameado com o insólito e insuficiente General Inácio José
Veríssimo. Todas as forças o Estado levantam-se contra a
ignomínia praticada.
Em resposta o Centro Acadêmico “XI de Agosto e a U.E.E.
enviaram o seguinte telegrama: Liberdade monstruosa cometeu
o Exército. A liberdade no Brasil é preceito constitucional e, se
os donos do Exército paraense se melindram, que tomem
providência para acabar com essa fancaria nacional. O C.A. XI
de Agosto” e a U.E.E. estão solidários com os colegas de Belém
do Pará. Formam os estudantes a força da Nação e saiba
General Veríssimo que podem os estudantes inclusive mudar a
feição administrativa do Estado. O pior dos males é a perda do
nosso direito. A diferença entre o comunismo e a nossa
democracia é que, o homem não tem direito e aqui, alguns
78
senhores do Exercito querem acabar com esse direito. Contem
com os estudantes de São Paulo. Pelo Centro Acadêmico e
pela U.E.E. Pedro Ernesto Boarim e Almiro Afonso”.
70
Conforme se observa, apesar dessa visão da supremacia das elites na
condução do processo político e econômico do Brasil, as Forças Armadas,
especialmente os “sorbonistas” tinham grandes ressalvas às elites brasileiras e
aos partidos políticos. Eles creditavam à incompetência das classes dirigentes
em governar o país, ao crescimento dos movimentos populares e a falta de
recursos cnicos e de capital disponível que permitisse ao país sair do
subdesenvolvimento. É sobre esta tecla que a elite da ESG baterá durante todo
o período de 50 até o golpe de 64.
Esse ponto de vista da ESG entra em conflito com a ala das Forças
Armadas nacionalistas que assumira a supremacia com a emergência do
período democratizante, considerando aqui o que os nacionalistas acreditavam
no “papel moderador” do exército em relação ao poder do Estado para reforçar
as instituições democráticas e legitimar a autoridade constituída, além do
controle da “ordem” entre as classes sociais. Dessa maneira propiciando ao
Estado, condições de intervir no desenvolvimento nacional sob a égide da
união capital-trabalho, onde o desenvolvimento capitalista propiciaria a defesa
e a consolidação dos interesses das classes trabalhadoras.
Para entender a doutrina de segurança nacional através da ESG, nada
melhor do que um dos seus idealizadores: o general Cordeiro e Farias no seu
discurso de despedida daquela instituição no começo de dezembro de 1952. O
discurso foi publicado em três dias consecutivos pelo jornal Tribuna da
Imprensa de propriedade do Sr. Carlos Lacerda e é detalhadamente analisado
pelo articulista:
“o discurso do general Cordeiro pode ser condensado em 10
pontos, sem prejuízo do seu desenvolvimento: 1-Segurança
Nacional não abrange apenas as Forças Armadas. A
interdependência das nações é hoje essencial à segurança.
Dentro de cada nação, todo o seu potencial constitui alicerce da
70
Relatório 55 de 28/04/1954. “S.V.I.” “SS” - Relatório Reservado. Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 240.
79
segurança. Este é um ponto que todos reconhecem, menos os
que são contra ela. 2- Ela é sólida quando os cidadãos
possuem: a.liberdade para viver e trabalhar; b. economia livre,
limitada apenas quando se torna nociva ao interesse público.c.
garantias individuais; d. governo e partidos a serviço da
coletividade (e não o contrário); e. política exterior firme e
decidida, mesmo com sacrifícios, tendo em vista o interesse
permanente do Estado. (Por outras palavras:participação militar
do Brasil na Coréia)
71
.
3- O estado de segurança de um país é a
resultante de sua política nacional interna ou externa. Neste
ponto convém acentuar que nos faltam, no Brasil, os itens (a),
(b), (d) e (e). Quanto ao (b) funciona mais ou menos, com
breves exceções.
72
A ênfase do discurso do general é o conceito de segurança, colocando a
sua instauração como processo fundamental da inserção do país no rol da
comunidade capitalista mundial. Nesse caso a segurança vai além das
territorialidades nacionais, ela se compromete com a segurança do capital,
corroborando com o que, mais de um século anotava Marx, em seu texto
intitulado A Questão Judaica:
“A segurança é o conceito social supremo da sociedade
burguesa, o conceito de polícia, segundo o qual toda a
sociedade somente existe para garantir a cada um de seus
membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de
sua propriedade.(...) o conceito de segurança não faz com a
sociedade burguesa se sobreponha a seu egoísmo. A
segurança, pelo contrário, é a preservação deste.
(MARX.2007:35)
71
A insistência dessa ala das Forças Armadas em participar da Guerra da Coréia estava inserido, na luta
entre o capitalismo e o comunismo, entre o ocidente e o oriente, e o bloco ocidental representa o escudo
contra a infiltração comunista no continente.
72
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 08/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
80
2.3 A Sintonia da autocracia burguesa e os militares
internacionalistas
Observa-se uma verdadeira sintonia entre as posturas do general e a de
Lacerda, ambos se esforçam para apontar a dicotomia entre a Segurança
Nacional e sua plena realização na conjuntura que se estabelecia, na qual
ficava clara a falência do poder público por não ter uma política de Estado. Este
fator, segundo eles, se agravava por não estarem estes poderes civis,
embasado em preceitos de desenvolvimento econômico e de segurança
nacional que pudessem levar o país “à verdadeira democracia”, onde os
“interesses do Estado o os interesses de seus cidadãos”. Neste sentido, a
sintonia entre os princípios da ideologia de Segurança Nacional e o Estado era
condição primordial para o desenvolvimento da nação. Sem ela o Estado se
tornava acéfalo, refém de interesses e grupos estranhos aos objetivos
nacionais.
Lacerda se apropria do discurso e faz das palavras do general as suas,
numa crítica contumaz àquela conjuntura de conflitos, além de revelar como a
imprensa e alguns setores da UDN que ele representava, encaravam e
endossavam a posição do referido general. Cordeiro e Farias começa
apontando o principal problema nacional: “a minoria comunista controla grande
parte das atividades nacionais”,
“Por sua “atividade, técnica, disciplina, coesão, seu poder de
penetração e de exploração, de todos os fatos e circunstâncias,
sua luta por alcançar lugares chaves, apesar muitas vezes de
seu pouco valor”, agindo “de baixo para cima, deturpando,
mentindo, examinando unilateralmente todos os problemas do
país (...) dirigindo-se aos interesses materiais das diferentes
camadas sociais, criando e fomentando a luta de classes,
quando em lugares especiais, propícios, não dão origem a
questões tendentes à desmoralização do regime e do
governo”.
73
Carlos Lacerda endossa a fala do general, fazendo uma série de
acusações da infiltração comunista nas instituições do país. Ataca primeiro seu
concorrente na imprensa, o jornal Ultima Hora, que segundo o próprio
73
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa datado de 08/12/1952 anexo ao “Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
81
proprietário do jornal, Samuel Wainer, tinha como objetivo romper com "a
formação oligárquica da imprensa brasileira e dar início a um tipo de imprensa
popular e independente".
74
Segundo Lacerda,
“O jornal “Ultima Hora”, financiado pelo Banco do Brasil e
que explora o comércio em nome do sr. Getulio Vargas, é
controlado por elementos comunistas. Samuel Wainer, seu
diretor, é um velho servidor da penetração russa no Brasil,
inclusive quando recebeu dinheiro da embaixada alemã, por
ocasião do pacto teuto-soviético. Os principais postos de
controle da redação estão em mãos comunistas”.
75
A denúncia sensacionalista de Lacerda objetivava sempre a
desmoralização do governo Vargas,
“No Palácio do Catete há comunistas, como Roberto Alves,
que podem manter o Partido informado e,
conseqüentemente, a Rússia de cada providência do
governo brasileiro, na sua qualidade de secretário particular
do presidente”.
76
Atacam-se também as ações das empresas estatais, tais como a
Comissão Federal de Abastecimento e Preços (COFAP), instrumento
importante de controle de preços do governo Vargas, acusada de estar
atrelada a um comunista simpatizante do governo Perón, o que instigava ainda
mais os militares que temiam uma República Sindicalista no Brasil
77
,
74
O jornal “Última Hora” revolucionou a imprensa brasileira de sua época, introduzindo uma série de
técnicas de comunicação de massa até então desconhecidas no Brasil. A importância desse aspecto
técnico do jornal é ressaltada nos depoimentos de sua antiga equipe, segundo a qual Última Hora foi
fundada para ser "a Volta Redonda da imprensa brasileira". Samuel Wainer apresentava Getúlio Vargas
como "o poder contra o poder", a contraditória figura política que, embora na presidência da República,
empenhava-se em lutar contra "a classe dirigente brasileira" na qual estariam congregados os "verdadeiros
elementos do poder". Última Hora pretendia ser, portanto, "um jornal de oposição à classe dirigente e a
favor de um governo", um governo que em última análise representava a tendência popular. Entretanto,
ainda que tivesse procurado enfatizar as preocupações do povo - identificando-se assim com a própria
política de Getúlio -, Wainer reconheceria mais tarde que seu jornal foi incapaz de atingir as camadas
populares. http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6400_1.asp
75
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 08/12/1952 anexo ao “Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
76
idem
77
em julho de 1953, o jornal O Estado de S. Paulo denunciava a ameaça de implantação de uma
ditadura do tipo peronista no Brasil: "Acha-se à frente dessa campanha o atual ministro do Trabalho, Sr.
João Goulart. Mas o que de mais perigoso nisso tudo é a deliberação assentada pelos que detêm as
posições de mando no setor trabalhista do país, de apelar franca e desabusadamente para a colaboração
das forças comunistas." Depois de uma série de considerações, o jornal concluía: "Medimos
perfeitamente a gravidade da denúncia que aqui fazemos à nação. Não hesitamos, entretanto, em assumir
essa atitude por conhecermos perfeitamente bem de que são capazes os homens que se põem às ordens do
82
“O secretário da COFAP
78
é o sr. Raul Ryff, comunista
militante, atualmente em Santiago do Chile, onde foi com um
grupo comunista participar de um congresso de jornalistas
comuno-peronistas”.
79
As suas críticas em relação à economia nacional atacam a COFAP e a
Petrobrás, instituições de defesa da economia popular e nacional, o que revela
a profunda convicção no modelo do livre mercado assumido por este jornalista:
“Não temos economia livre. Temos a Comissão Federal de
Abastecimento e Preços (COFAP), a Petrobrás, que antes de
começar aumenta o preço da gasolina e a mistura com álcool
de modo a desgastar rapidamente os motores de explosão, sem
contar a CEXIM
80
e o resto”.
81
Dando ênfase à questão do nosso desenvolvimento estar atrelado ao
exterior, critica a nossa balança de pagamentos, a falta de divisas em dólares e
o monopólio do petróleo que em outras palavras considerava a plataforma
política primordial dos nacionalistas, ou seja, dos comunistas:
Sr. presidente da República." http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_49.asp. A maioria dos
jornais fazia uma perseguição política escancarada do governo de Getulio Vargas, representando as
facções da burguesia que se afinava com o pensamento militar.
78
Assim que assumiu a pasta da Fazenda, Horácio Lafer tomou algumas medidas para controlar o surto
inflacionário. O governo obteve do Congresso autorização para congelar preços e punir especuladores de
gêneros alimentícios, e Lafer chegou, inclusive, a instruir os bancos para que recusassem financiamento
aos comerciantes que especulassem com a inflação. O governo decidiu, ainda em 1951, criar um órgão
executivo para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo popular. Foi assim
instituída em dezembro a Comissão Federal de Abastecimento e Preços (Cofap), com autonomia
administrativa no Ministério do Trabalho. http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_42.asp
79
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 08/12/1952 anexo ao “Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
80
A partir de outubro de 1953, o governo colocou em prática um plano de estabilização econômico-
financeira, concebido pelo ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, com a colaboração do novo presidente
do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas. O chamado "Plano Aranha", instituiu uma profunda
reforma no sistema cambial como primeira etapa de um conjunto de medidas no setor das finanças
públicas e, posteriormente, no de moeda e crédito. O sistema de licenciamento das exportações foi extinto
pela Instrução 70 da Sumoc, de 9 de outubro. Pelo novo sistema qualquer pessoa poderia adquirir divisas
em leilões de mbio, no qual se classificavam as importações em cinco categorias, de acordo com seu
grau de essencialidade e a possibilidade de produção interna. O sistema de licenciamento tinha-se tornado
um grave problema administrativo para Vargas, devido à prática de corrupção e suborno, levada ao
conhecimento público pela UDN. As denúncias de corrupção envolveram altos funcionários da Cexim,
inclusive Coriolano de Góis, afastado da presidência do órgão no início de 1953. A própria Cexim foi
extinta em dezembro de 1953 e substituída pela Carteira de Exportação e Importação (Cacex) do Banco
do Brasil. http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_49.asp
81
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 08/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
83
“Nosso desenvolvimento ainda depende do exterior. A
importação hoje se apresenta com o índice mais desfavorável
dos últimos 40 anos, enquanto a exportação praticamente se
limita ao café. Se considerarmos o desenvolvimento em divisas
(dólares), estaremos retardando gravemente, senão impedindo
o progresso do Brasil.(...) vemos, no entanto, que o general
Juarez Távora, principal elemento militar da elaboração do
Estatuto do Petróleo, é contrário ao monopólio de Estado”
82
Deste conjunto de críticas ressaltam-se as efetuadas contra o Instituto
de Previdência que atuava em defesa das classes trabalhadoras,
argumentando sobre sua inutilidade, que a idade média do brasileiro não
permitia que chegasse a usufruir deste benefício:
“Não temos economia livre, condicionada apenas ao interesse
público. Ao contrario. A produção brasileira está onerada em
mais de 50% do seu custo por contribuições sociais que a
encarecem, especialmente as de chamada “previdência”, pelas
quais se pretende garantir a velhice de quem, em média, como
acontece ao brasileiro, morre aos 38 anos de idade.”
83
O Banco do Brasil considerado um grande patrimônio nacional destinado
a incrementar recursos para o desenvolvimento brasileiro, também estaria sob
a influência de comunistas aos quais estariam sendo facilitados financiamentos
para seus projetos obtusos,
“No Banco do Brasil várias posições decisivas m sido
entregues, desde longa data, a comunistas que funcionam
nos gabinetes de diretores”.
84
Dentre as organizações sindicais Lacerda acusa a Associação Médica
do Distrito Federal e o Sindicato dos Tecelões de serem controladas por
comunistas que se recusavam a atender a qualquer negociação. Analisando
sentenças proferidas para o Sindicato dos Tecelões afirmava que o procurador
da Justiça do Trabalho era comunista e que “a polícia faz o jogo dos
82
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 09/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197B
83
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Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
84
idem
84
comunistas, atirando para matar operários.”
85
Ou seja, naqueles tempos
democráticos a polícia atirava para matar, revelando que contra a execução
dos objetivos nacionais previstos pela Política de Segurança Nacional existem
os antagonismos internos e externos, que são definidos assim:
“Os antagonismos externos são gerados pelos atritos
produzidos pelos interesses em choque de dois ou mais
estados. Antagonismos internos são os que provem do
interior, podem ser produzidos por correntes subversivas de
opinião ou por dificuldades de ordem natural - fisiográficas
ou demográficas.(...) O antagonismo, assim, é o que
distingue de um modo geral a estratégia da política, embora
possamos considerar a estratégia em sua acepção mais
ampla, como sinônimo de política de Segurança Nacional.
(SECCO apud FERRAZ:1994:40)
O jornalista continuava a flagelação do governo Vargas, mas agora as
denúncias se voltavam contra o Itamarati por esta casa ter punido um
diplomata que delatara diplomatas comunistas.
86
Em 08/12/1952 Carlos
Lacerda o ataca denunciando que,
“os códigos do Itamarati, pelos quais as representações no
exterior se comunicam com o governo e transmitem as
negociações de acordos e tratados, as informações sobre o
andamento político, econômico e militar dos nossos aliados,
estão nas mãos da Rússia, através do Partido Comunista, que
tem no Itamarati agentes seguros, publicamente reconhecido
como tais, e protegidos por altos funcionários.”
87
Além disso, considerava descaso do governo o acordo militar Brasil-
Estados Unidos ter sido enviado à Câmara sem a devida preparação que
permitisse sua rápida aprovação.
88
Segundo Lacerda a solução para a nossa
falta de recursos que era um impedimento ao nosso desenvolvimento, seria a
entrada de capital estrangeiro; solução para o atraso de nosso parque
industrial. Mas para o sucesso dessas políticas, precisávamos banir o perigo
85
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 08/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197A
86
idem
87
idem
88
idem
85
ideológico, que era a defesa da economia nacional através do discurso
getulista e dos setores nacionais a favor de um crescimento endógeno:
“Precisamos “ligar-nos a uma política hábil, precisa, com
objetivos determinados”, transigindo sem prejuízo do futuro,
para acelerar o progresso. É o que a Comissão Mista Brasil
Estados Unidos
89
começa. Mas não basta, pois tudo isto anda
“vinculado à atitude brasileira na luta ideológica que divide o
mundo.”
90
Critica assim o antiamericanismo como expressão do conluio comunista
que fazem o jogo de Stalin, acusando-o de tipicamente totalitário.
91
O discurso faz alusão também ao pertencimento do brasileiro ao “grupo
democrático”, ou em outras palavras às nações capitalistas do ocidente, tendo
como carro-chefe a nação americana, e por essa condição era necessário
defender os “interesses democráticos” do grupo para conseguir amanhã, sem
favores, por direito, ajuda financeira para construir o amanhã.
92
Neste rol de críticas não se salva sequer o chefe de polícia acusado de
não ter noção de suas responsabilidades e ficar refém dos comunistas na
Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS)
89
Em março de 1951, Roberto Campos foi promovido a primeiro-secretário, participou da IV Reunião de
Consulta dos Ministros do Exterior dos Estados Americanos, em Washington, na qualidade de assessor
econômico da delegação brasileira, presidida pelo chanceler João Neves da Fontoura. Paralelamente aos
trabalhos da reunião, tomou parte nas negociações com o Export-Import Bank (Eximbank) e o BIRD
sobre as possibilidades de investimentos americanos no Brasil. Como resultado dessas conversações
entrou em pronto funcionamento a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento
Econômico, criada desde dezembro de 1950. Constituída por técnicos dos dois países, a comissão tinha
por finalidade estudar os problemas básicos da economia brasileira e sugerir projetos para o
desenvolvimento do país nos diversos setores. Obteve-se ainda o compromisso americano de assegurar
até trezentos milhões de dólares para o financiamento desses projetos. Instalada em julho de 1951, a
Comissão Mista contava, no seu grupo de conselheiros técnicos, com Roberto Campos, Glycon de Paiva,
Lucas Lopes e Valentim Bouças. Em setembro o governo brasileiro concluiu em Washington um acordo
de cooperação financeira com o Eximbank e o BIRD para o financiamento do Plano Nacional de
Reaparelhamento Econômico, também conhecido como Plano Lafer, do nome do ministro da Fazenda,
Horácio Lafer. Os bancos concordaram com o programa de obras apresentado, mas condicionaram a
liberação de fundos à aprovação dos projetos pela Comissão Mista. Em novembro entrou em vigor o
Plano Lafer. Os financiamentos internos seriam obtidos com a instituição de um empréstimo compulsório
cuja subscrição se efetivaria através do pagamento de adicional ao imposto de renda. Os objetivos do
programa eram o reaparelhamento de portos e ferrovias, o aumento da capacidade de armazenamento,
assim como de frigoríficos e matadouros, o aumento da produção de energia elétrica e o desenvolvimento
das indústrias básicas e da agricultura.
90
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 0912/1952 anexo ao“Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 197B
91
idem
92
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Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197B
86
“A Ordem Política e Social é entregue a um delegado de
carreira, pervertido nas manhas de uma profissão que seguiu
sem entusiasmo e inteiramente fora da especialidade, que
envolve técnica de contra-espionagem e de ação preventiva.
Lida com a penetração comunista como com os “caítens”, que
aliás protege. Os fichários da Ordem política e social são
velhos, não tem a necessária atualização. A penetração
comunista na máquina administrativa, feita em nome do Catete,
deixa intimidados os próprios policiais, que nada podem fazer à
vista dos “pistolões” com que se impõe, no país, o
quintacolunismo oficioso.
93
Esses exemplos mostram o “rolo compressor” que era o jornal Tribuna
da Imprensa cujo principal editor alardeava o pensamento anticomunista e
antigetulista extremado que tomava conta dos segmentos da burguesia
naqueles idos anos. Quanto mais lemos as críticas de Carlos Lacerda, mais
fica clara a aproximação desse órgão da imprensa a favor da ideologia militar
“sorbonista”, em detrimento dos nacionalistas e tudo que pudesse remeter ao
governo de Getúlio Vargas. Trata-se, conforme ambos consideravam de um
eminente estado de guerra, e conforme as palavras do próprio General
Cordeiro e Farias, sobre “a participação nas frentes do mundo” da luta durante
a guerra fria:
a. Que a guerra geral esta desencadeada por meio de atos
bélicos preparatórios”. b. Que não podemos nos furtar a essa
evidência e temos de tirar dela as nossas conclusões.
c. Que devemos participar da luta, se queremos participar das
vantagens do mundo livre. d. Que assim obteremos recursos
para desenvolver o país, libertando-nos da escravidão pela
miséria. e. O outro sintoma da doença que afeta a segurança
nacional, diz o general Cordeiro, é o conflito ideológico.
94
A sintonia do discurso “nacional” com aquele da “Guerra Fria” é a
dimensão da ideologia capitalista mais abrangente, onde os interesses do
“capital” não dependem de nacionalidade, mas sim da harmonização dos
interesses de classe com sua prática política. No caso da fala do general é
presente que se esperava que o Estado brasileiro pudesse tirar proveito das
93
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 08/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197ª.
94
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87
benesses do “mundo livre”. Com tal lógica o discurso navega sobre as
condições necessárias ao Brasil entrar na lista das nações capitalistas,
mostrando os caminhos para o desenvolvimento econômico através de uma
Política de Segurança Nacional, que neutralizasse o “inimigo interno” a
qualquer custo, “sob pena de dias incrivelmente difíceis e talvez trágicos”:
“A sexta tese do general Cordeiro de Farias, no discurso que
pronunciou na Escola Superior de Guerra, como uma
advertência à nação, mas especialmente ao seu governo, assim
se resume: - Ameaça reconhecível à soberania nacional, pela
penetração comunista nas associações e entidades, nas forças
armadas, etc. Essa penetração precisa ser combatida logo sob
pena de dias incrivelmente difíceis e talvez trágicos”.
É com a autoridade de veterano militante das lutas pela
liberdade, de comandante da artilharia da FEB e de homem
público de comprovadas convicções democráticas, que o
general Cordeiro adverte os derradeiros inocentes úteis pois
que a maioria desses que se prestam a servir de veículos à
penetração comunista são úteis, mas não, necessariamente,
inocentes.
95
Para o General Cordeiro e Farias a proliferação do comunismo no Brasil
se manifestava não apenas no próprio comunismo que, naquelas alturas, ele
considerava o menos grave, mas na cultura de conivência com este problema
manifestado pelas elites, além da ausência de uma verdadeira democracia que
poderia se viabilizar com as massas conscientes de seu papel. Ou seja,
dentre as manifestações que propiciavam esta proliferação,
“1. A do comunismo propriamente dito. É a menos grave. Trata-
se de problema ideológico, a ser enfrentado por uma
combinação de meios econômicos (elevação do nível de vida),
culturais, (melhor escola) policiais (prevenção e repressão),
militares (defesa nacional organizada em vista da preservação
das Forças Armadas contra a infiltração) e, principalmente,
morais (consolidação da família, espírito cristão autêntico, sem
subordinação a interesses criados).
2. O caldo de cultura. É a irresponsabilidade das elites, a
filosofia do “vai levando”, o arrivismo delirante de Jangos e
Luteros, os ricos que financiam jornais para a quinta coluna
comunista, para agradar os íntimos do Catete; e a displicência
do governo.
95
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 10/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197C
88
3. O terceiro aspecto do comunismo é o da ausência de
democracia. A cada vez maior participação da massa na vida
cívica, política e cultural do país, não corresponde um esforço
equivalente dos partidos e das escolas para se colocar ao
alcance do seu desejo de entendimento e de melhoria.
Resultado: os partidos são pseudônimos do caudilhismo, do
personalismo e da demagogia por covardia, e a escola se
transforma nessas usinas de imbecilização coletiva que todos
vêem e às quais ninguém dá jeito.”
96
Esses aspectos reforçam a necessidade de “instrução” não das
massas trabalhadoras, mas também das elites, dos partidos políticos, para que
toda sociedade civil recupere o “espírito cívico” e o comprometimento com as
doutrinas do Estado. Essa concepção acredita que o Estado forte determina os
caminhos para o desenvolvimento econômico e político da nação e
conseqüentemente a “paz social” e o fim dos antagonismos de classe, na
medida em que toda a sociedade estivesse engajada nos princípios de uma
política de segurança nacional,
“Convém, no entanto, acentuar que a penetração a que alude o
general Cordeiro não se deu apenas pelas condições peculiares
dos comunistas. Ela resulta menos da ação dos comunistas do
que do fato de estar o país dominado pela demagogia e pelo
imediatismo, pelo materialismo mais grosseiro, que nem é
resultante de uma concepção da vida e sim de uma
acomodação da vida. Um materialismo que fica no plano do
“pistolão”, do “golpe” e a “mamata”. A penetração comunista é
possível principalmente porque a demagogia é a norma da vida
pública nacional. Os comunistas podem manter os seus agentes
dentro da máquina administrativa porque esta funciona para
fora, tirando efeitos sonoros.
97
Finalizando o general Cordeiro propõe uma “união nacional”, não para
aderir aos planos do governo, mas sim, para “a conjunção de propósitos, a
convergência de esforços”,
“É por isto que ele propõe uma união nacional na qual os
partidos e os homens não devem arriar “as suas bandeiras
partidárias”. Não é a adesão ao governo o que ele propõe, note-
96
Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 10/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197C
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Recorte do Jornal “Tribuna da Imprensa” datado de 10/12/1952 anexo ao“Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 197C
89
se bem. É a conjunção de propósitos, a convergência de
esforços, cada qual no plano que lhe é próprio. Segundo essa
tese, é indispensável que o governo governe e a oposição o
fiscalize, em vez de o governo fazer demagogia e a oposição
fazer as vezes de governo.
98
Se a fala do general Cordeiro e Farias na imprensa revela a gica
imediata da ESG, frente àquela conjuntura, o discurso do general Juarez
Távora
99
na solenidade de diplomação de estagiários da ESG em 1953, dá uma
dimensão intelectualizada dos princípios da Escola, numa exposição
esmiuçada dos problemas nacionais, dos seus desdobramentos que interferem
no longo caminho do desenvolvimento econômico, político e social do país, e
aponta alternativas para a sua resolução. A sofisticação do discurso revela o
alto grau de conhecimento sobre a filosofia da ESG e a que se destina. O
discurso é composto de 21 páginas e fornece um panorama geral da
conjuntura nacional e dos possíveis caminhos para aqueles diplomados de
1953, que a partir daquele momento seriam responsáveis pela disseminação e
aplicação dos conhecimentos recebidos naquela instituição. O General começa
sua fala definindo a ESG:
“o mais alto instituto de estudos referentes ao problema da
Segurança Nacional, existente no país e a cujos cursos
concorrem, em igualdade de condições, militares de terra, mar e
ar, e civis oriundos de todos os segmentos de nossa elite
social”.
100
O que visa o curso superior de guerra:
“o fim último visado pela Escola Superior de Guerra é
processar, por sedimentações sucessivas, uma Doutrina de
Segurança Nacional, capaz de garantir, através da
transitoriedade normal dos governos democráticos, a
continuidade indispensável de pensamento e de ação, nesse
setor fundamental de nossas responsabilidades públicas (...)
objetiva preparar civis e militares de nossa elite, para a
formulação e aplicação objetivas de uma Política de Segurança
Nacional, que se impõe para a salvaguarda perene dos ideais,
aspirações e interesses do povo brasileiro”
101
98
idem
99
Em setembro de 1952, o general Juarez Távora assumiu a direção da Escola, e se consagrou como um
dos grandes teóricos do pensamento militar.
100
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
101
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
90
Como se vê, o caráter tutelar das Forças Armadas frente à realidade
nacional é o prisma fundamental dos princípios da instituição. O general
salienta que a Escola não tem por missão inculcar uma nova cultura aos seus
alunos, mas complementar e adequar a cultura de que já são portadores,
visando, mediante um processo peculiar de nivelamento cultural, abranger
todos os aspectos de nossa vida nacional e de relações – os políticos (internos
e externos), os econômicos, os psico-sociais e os militares.”
102
Nesse sentido
define o general:
“Considera-se hoje a segurança nacional como sendo- “o grau
relativo de garantia que, por meio de ações políticas,
econômicas, psico-sociais e militares, um Estado proporciona
ao grupo humano que o integra, para a consecução e
salvaguarda de seus objetivos nacionais”
103
Segundo Francisco Ferraz:
“A conceituação dos “Objetivos Nacionais” exigiu o
desenvolvimento da idéia de Interesses e aspirações Nacionais,
obviamente definidas pelas mesmas frações da burguesia
brasileira que necessitavam conquistar uma posição
hegemônica em meio às outras e perante a toda a sociedade.”
(FERRAZ, 1994:39)
O instrumento dessa garantia é o Poder Nacional,
a expressão integrada dos meios de toda ordem de que a
nação efetivamente dispõe, no momento considerado, para
promover, a despeito de quaisquer antagonismos internos ou
externos, a consecução e preservação dos objetivos
nacionais”
104
Concebe-se assim o Estado como uma entidade que se coloca acima
dos antagonismos de classe para promover a união dos objetivos nacionais
garantindo que a elite nacional estabeleça os rumos do desenvolvimento e o
bem comum. Tal Política de Segurança Nacional é, portanto, sinônima de
estratégia geral garantidora da hegemonia da própria política nacional.
102
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
103
idem
104
idem
91
Assim os estudos da Escola são orientados no sentido de habilitar os
estagiários do curso para a formulação de um conceito estratégico nacional,
isto é,
“à determinação dos objetivos nacionais cujo alcance e
salvaguarda podemos e devemos assegurar imediatamente, e à
definição das linhas políticas mais adequadas para alcançar e
manter tais objetivos;e, em seguida, à dedução das diretrizes
para o planejamento da Segurança Nacional, e a pratica de tal
planejamento.”
105
Munidos desse conceito de Política de Segurança Nacional o Curso de
Estado-Maior e Comando das Forças Armadas tinha o objetivo de habilitar os
oficiais das três armas para o exercício das funções de comando e de chefia
para o desenvolvimento de uma doutrina brasileira de comando.
O general Távora propõe ainda algumas medidas que contribuiriam para
a resolução dos problemas nacionais. Em primeiro lugar, diz ele, deveria ser
implantada uma burocracia estatal para o controle, planejamento e
responsabilidade funcional, através da redução dos grandes órgãos ligados aos
altos escalões, propiciando assim uma coordenação efetiva político,
econômico-financeira, bem-estar-social e a defesa nacional, em outras
palavras à centralização dos “negócios do Estado”:
“A criação de órgãos permanentes e especializados de
planejamento, coordenação e controle administrativos, na
presidência da república e nos grandes órgãos a ela
diretamente subordinados, para que possam os mais elevados
agentes da administração delinear, coerentemente, num quadro
de conjunto, os objetivos globais de sua ação”
106
Em segundo, deveria existir uma segurança coletiva no campo
internacional, através da cooperação dos organismos internacionais como a
ONU e OEA, pelos quais houvesse o comprometimento de ajuda mútua, em
relação ao continente americano. Em terceiro, seria necessário adotar uma
enérgica política de discriminação dos financiamentos controláveis pelo poder
público, dentro de um critério razoável de importância e urgência dos
105
idem
106
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
92
empreendimentos a expandir, evitando o descompasso no ritmo do
desenvolvimento nacional. Em quarto, era imprescindível adotar uma política
de preservação do solo, da fauna e das florestas, garantindo a recuperação e a
conservação desse “imenso e inestimável patrimônio que nos legaram os
nossos antepassados”.
107
Considerava ainda necessário estabelecer uma
política educacional focada no desenvolvimento da força de trabalho
qualificada em detrimento do ensino com excessiva preocupação teórica.
“O aspecto mais discutível do sistema educacional brasileiro é a
sua pouca objetividade. Num país com índice de analfabetismo
ainda superior a 50% e onde apenas 6 em cada 10.000
habitantes conseguem ingressar na universidade, o sistema
educacional parece estar paradoxalmente orientado no sentido
de conduzir todos os educados aos bancos universitários.(...)
Não seria mais útil e adequado às condições gerais de nossa
vida, se, pelo menos nos estabelecimentos oficiais, fosse ele
orientado dentro de uma finalidade profissional, qual a dos
cursos destinados à formação de técnicos de grau médio,
facultando-se aos seus diplomados, se o quisessem, o ingresso,
posterior, na universidade?”
108
Naquela conjuntura de desenvolvimento industrial e econômico, onde se
manifestava carência de mão-de-obra qualificada, considerava o general que o
sistema educacional poderia incrementar tal demanda, mas esse discurso
revela também, “que uns nascem para trabalhar e outros para pensar”, pois
apesar de tal realidade que afasta a maioria da população do ensino
educacional, o general não sugeriu que houvesse maior investimento do
Estado no aperfeiçoamento das escolas e na absorção dessa população para
que tivessem acesso a um ensino superior e de qualidade.
A saída proposta por ele reforça a descriminação do trabalho manual
versus o intelectual, na medida em que o pensamento militar acredita que a
elite é responsável pelo planejamento e supervisão das políticas incrementadas
pelo Estado, enquanto que “o povo” é o que as executa através do seu
trabalho.
107
idem
108
idem
93
O general aponta outro aspecto da realidade educacional que segundo
ele seria deveras importante: o moral, “Que deve ser aprimorado pela elevação
dos sentimentos e pela formação do caráter, incluída a disciplina da
vontade”
109
. Deduz-se que a falta de moral e de caráter é que coloca esse
individuo como contestador no universo fabril ou rural no seu ingresso no
mundo do trabalho.
Finalmente, como última propositura, defendia a instituição de uma
legislação social que garantisse maior amparo aos assalariados rurais, e
também se deveria estimular um amplo diploma de reforma agrária para evitar
a migração do campo para a cidade.
Em relação à remuneração e os direitos e deveres do trabalhador
naquela conjuntura inflacionária e de arrocho salarial, a proposta do general
era inovadora, propondo o valor do salário conforme o desempenho, ou seja, o
salário produtividade tão em voga nos dias atuais:
“O caráter unilateral da legislação social brasileira deriva do
estabelecimento expresso de direitos, merecidamente
assegurados aos trabalhadores, sem se enumerarem,
entretanto, em contrapartida, as obrigações sociais
correspondentes. Temos a impressão de que tal omissão está
criando em nosso proletariado uma lamentável deformação de
mentalidade, tendente a eximi-lo de um nimo desejável de
solidariedade com a empresa em que trabalha e de eficiência
no desempenho da tarefa econômica a que nela desempenha.
Uma escala de salários, incluído o salário mínimo, fixada em
função dessa eficiência e uma participação nos lucros de
empresa, proporcional aos salários assim fixados, talvez
resolvesse os aspectos fundamentais da questão”.
110
Na descrição dessa medida a fala do general diz tudo:
Parece, assim, urgente, que firmemos um rumo e atuemos,
com decisão no sentido de preparar a elite e o povo brasileiro
para a desobriga de seus compromissos internacionais; de
trabalhar com eficiência, dentro da liberdade democrática; e de
acolher inteligentemente a colaboração alienígena que nos
ajude no esforço de forjar, quanto antes, o verdadeiro e melhor
109
idem
110
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
94
escudo contra a infiltração comunista a elevação razoável, em
tempo útil, do padrão de vida do nosso povo”.
111
Em relação a essa questão o general acusa a propaganda sorrateira,
desleal e sistemática de instigar e desunir as nações democráticas do bloco
ocidental, a incompatibilizar, em cada uma delas, a massa com a elite, e a
entravar,
”através de engodos dialéticos, o processo de seu
desenvolvimento econômico-social, a fim de manter em boas
condições o caldo de cultura, de atraso e de miséria, de que
necessita para o fermento de cizânia e de ódio, com que anda a
envenenar o espírito das massas e da própria elite”.
112
O general critica a reação a essa propaganda, que oscila,
inexplicavelmente entre o emprego esporádico da violência,
contra adeptos e simpatizantes do comunismo, e uma
complacência sem limites, que tem chegado, em alguns casos,
à adesão, inconsiderada, por vezes, de importantes setores de
nossa elite às campanhas, através os quais ministram os
comunistas o veneno de seus ódios e intrigas.”
113
O centro desse pensamento é que o desenvolvimento econômico,
através do capital internacional, possibilitaria a superação das mazelas sociais,
propiciando melhor condição de vida para o povo brasileiro. E o empecilho para
essa realização, era a infiltração comunista veiculada através dos discursos
nacionalistas de vários grupos sociais como foi demonstrado nos capítulos
anteriores.
Além de todas estas propostas, considerava ainda que seria necessário
investir na melhoria da infra-estrutura nas Forças Armadas através da unidade
de supervisão administrativa das três armas, no preparo sistemático dos
quadros dessas forças para o planejamento e comando de operações
combinadas e por último o reaparelhamento material equilibrado das forças de
terra, mar e ar.
111
idem
112
idem
113
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
95
Percebe-se a proposta de institucionalização da ESG nos aparelhos
burocráticos do Estado, em todos os níveis da administração pública e militar,
garantindo que o binômio Desenvolvimento e Segurança fossem garantidos em
todas as instâncias. Por isso o general enaltece a Associação dos Diplomados
da Escola Superior de Guerra (ADESG) que tinha como missão, projetar,
ampla e decididamente, no seio de nossa elite, as idéias e métodos de trabalho
definidos pela ESG.
Finalizando o seu discurso para os futuros “ideólogos do sistema” o
general afirma que esse conjunto de medidas seria um meio de resolução dos
problemas nacionais, atacando-os de frente sem subterfúgios,
“sob pena de desacreditar-nos, como elite, perante o povo por
cujos destinos somos responsáveis, e perante o mundo exterior,
contra cujas ambições e concorrências, devemos defendê-lo”.
114
Se os generais Cordeiro e Farias e Juarez Távora eram os fiéis
representantes da ESG destrinchando nesses discursos as suas visões de
Estado e os seus diagnósticos sobre os problemas nacionais, outro famoso
general em palestra no Rio Grande do Sul em dezembro de 1954, Estilac Leal
apesar de estar na outra ponta do embate nas Forças Armadas (como
nacionalista), demonstra como, de fato, o limiar entre os nacionalistas e
“sorbonistas” era “apenas um ponto de vista”, um conflito entre facções para
consolidar seu espaço político junto ao governo e nas Forças Armadas, mas
não antagônicas como os “sorbonistas” queriam tanto demonstrar para a
sociedade civil:
“O General Estilac Leal, palestrando nessa capital, num dos
últimos dias deste mês, numa roda que discutia problemas
relacionados com o panorama nacional, afirmou
categoricamente, após haver sido considerado, por um dos
presentes, como um elemento possuidor de idéias muito
avançadas: ‘Eu sei onde quer o senhor chegar: O senhor,
como outros, pensa que eu seja um comunista. Enganam-se
todos. Eu sou daqueles que querem ver tantos os fascistas
como os comunistas esmagados de baixo dos pés. Nenhum
deles presta. A verdadeira democracia é aquela que se alicerça
nos princípios básicos da maçonaria, que cultivam a
114
JT dpf 1952.09.06 Arquivo pessoal do general Juarez Távora
96
solidariedade humana, o respeito do forte pelo fraco. Esta é a
minha doutrina. Fora dela tudo irá por água abaixo. Aliás,
inevitável degringolada é que esta reservada a Getulio e seus
acompanhantes, se continuarem com a demagogia barata a que
estão entregues.’”
115
Os militares sabiam que um apoio direto do PCB às suas plataformas
nacionalistas, juntamente com a mobilização das classes trabalhadoras, seria
em médio prazo fator preponderante para tentativas de golpe, naqueles tempos
de pressão “ideológica”, onde não havia possibilidade da neutralidade política:
ou se era comunista ou não era. O General Estilac advertira o presidente
Vargas do perigo de ter “Jango” nas suas fileiras, pois certamente, “mais tarde
muitos aborrecimentos terá”.
116
Muito mais duro do que os discursos dos Generais Cordeiro e Farias e
Juarez Távora, o general Estilac Leal acusado sempre de ser um militar
comunista, surpreende com a sua proposta de “medidas drásticas”:
“Sou da opinião que a adoção de medidas drásticas,
inclusive o fuzilamento de uma meia zia de maus brasileiros,
terá o condão de resolver a crise que atualmente afeta a ordem
política e social do Brasil.(...) Foi por expor esse ponto de vista
a até mesmo aconselhar a Getúlio a fazer a revolução antes
que o povo a faça sob a orientação dos comunistas, é que me vi
obrigado a pedir demissão, pois julguei haver recebido o “bilhete
azul”, quando Getúlio me disse, depois de ouvir atentamente as
minhas palavras: “tu és muito precipitado e tens instinto muito
sanguinário”.
117
O General Estilac Leal também vislumbrava tempos sombrios para um
futuro não muito distante, pois assim como os “sorbonistas”, acreditava na
incapacidade do poder civil para resolver os problemas nacionais:
“A realidade, porém, é esta; estamos atravessando uma época
muito perigosa, hoje em dia, os que estão bem não se lembram
dos que estão mal e os políticos que desfrutam das regalias
outorgadas pelo povo, o tomam conhecimento da existência
deste. O nosso grande presidente, por ser um homem bem
intencionado, é que se debate sozinho diante da gravidade do
115
Tópico do relatório do Estado do Rio Grande do Sul – Boletim nº 2 de 31/01/1954 “Relatório
Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 234
116
idem
117
idem
97
momento, ludibriado a cada instante pelos aproveitadores e
atacado desordenadamente pelos mal intencionados.”
118
Finaliza preconizando que os responsáveis pela ordem pública, as
polícias de ordem política e social, é que sofreriam as conseqüências desses
erros provocados pelas autoridades constituídas, pois teriam que, praticamente
sozinhos, aplicar com rigor a repressão para salvaguardar a pátria de seus
inimigos:
“os bons soldados de todos os setores responsáveis pela ordem
pública é que sofrerão as conseqüências desses erros. Caber-
lhes-a a missão mais ingrata, embora gloriosa: deverão
enfrentar e derrotar os inimigos da Pátria, assegurando a esta o
seu destino de nação livre e independente.”
119
O resultado é que os militares m desempenhado um papel decisivo na
política brasileira, considerando que os grupos dominantes os cooptam em
épocas de conflito político, e os golpes concretos contra o executivo
representam os esforços combinados entre civis e militares. O pêndulo da
balança garante assim, ao segmento da burguesia atrelado ao capital
internacional, o domínio da condução política que se coadune com seus
interesses econômicos, apesar de sua fragilidade e pouca base social.
118
Tópico do relatório do Estado do Rio Grande do Sul – Boletim nº 2 de 31/01/1954 “Relatório
Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 234
119
idem
98
CAPÍTULO III
VIGIA- SE TUDO E TODOS
3.1 Vigilância aos homens públicos
A experiência ditatorial do Estado Novo (1937-1945) de cerceamento a
qualquer atividade que não fosse endossada pelas autoridades do Estado
continua a habilitar as práticas policiais mesmo depois da implantação do
“governo democrático” instaurado em 1945 com o golpe militar que derrubou o
Presidente Getulio Vargas. Apesar do aparente paradoxo presente no fato das
mesmas forças militares que apoiaram a ditadura terem liderado a sua queda,
em nosso entendimento, esta contradição explicita mais uma vez, a identidade
de interesses entre as forças armadas e os segmentos burgueses no comando
da dinâmica do desenvolvimento nacional.
As divisões tanto na sociedade civil representada pelos diversos
interesses das classes sociais, como nas facções das Forças Armadas nesse
período, representam uma conjuntura de reordenação da correlação de forças
sociais, em decorrência da necessidade das forças produtivas nacionais
responderem satisfatoriamente às novas necessidades da expansão do
capitalismo num cenário de “mundialização do capital”. Nesse aspecto afirma
Décio Azevedo Marques de Saes no seu artigo “A Questão da evolução da
cidadania política no Brasil”, elaborado no Instituto de Estudos Avançados da
USP:
“Desnecessário dizer que o desenvolvimento das forças
produtivas numa formação social capitalista acirra os conflitos
políticos no seio das classes dominantes (por exemplo, o
conflito entre capital monopolista dependente e médio capital,
ou entre capital bancário e propriedade fundiária); e que tais
conflitos abrirão espaço para a luta popular pela instauração e
ampliação da cidadania política. Inversamente, a trajetória das
lutas populares pela conquista de direitos políticos e o percurso
dos conflitos políticos no seio das classes dominantes exercerá
uma influência decisiva sobre o curso do desenvolvimento
capitalista (política intervencionista e keynesiana ou política
neoliberal? Ação estatal de ampliação prioritária do mercado
interno ou de incentivo prioritário às exportações?) na formação
social em questão. Também neste caso atua como elemento
mediador entre os dois processos a configuração da hegemonia
99
política no seio do bloco no poder, que, por um lado, ela é o
efeito do entrecruzamento de lutas populares e de conflitos
intraburgueses e, por outro, contribui para acelerar, retardar ou
desviar o curso do desenvolvimento capitalista numa formação
social”. (SAES.2001:389)
Na década de 50, tal dialética é representada por vários fatores, dentre
os quais se destacam, por um lado, o crescimento do proletariado e o
esvaziamento de sua mobilização, para o que contribui tanto a expansão da
industrialização, quanto a manutenção do cerceamento à suas organizações e
manifestações. Acresce-se a isto a melhoria, ainda que momentânea, de seu
poder aquisitivo, o que, juntamente com o crescimento das classes médias,
amplia o poder de consumo desta parcela da população. Distendem-se as
rédeas da autocracia burguesa e se ampliam os direitos políticos, ainda que
nos limites que não ameacem a ordem instituída. É nesta conjuntura que o
discurso desenvolvimentista ganha espaço e endosso. Ainda conforme
Marques,
“tal evolução relaciona-se com o padrão de desenvolvimento do
capitalismo, no sentido amplo da expressão (abrangendo tanto
o processo de transição para o capitalismo quanto o processo
de reprodução ampliada do capitalismo), que se concretiza
numa formação social determinada. Mais precisamente, a
evolução da cidadania política é parte do processo de
desenvolvimento do capitalismo numa formação social, e isso
num duplo sentido: ela é influenciada pela dimensão
especificamente econômica desse processo, mas, por sua vez,
também exerce influência sobre a mesma.” (SAES.2001:388)
O crescimento do pólo industrial e conseqüentemente uma gama de
novas modalidades de funções obedecendo às demandas que a
industrialização trazia, como, gerentes, engenheiros, comerciários,
profissionais liberais, bancários, etc. absorvem grande parte do imenso
contingente rural que vem para os centros urbanos em busca de melhores
condições de vida e oportunidade de trabalho, que as leis trabalhistas
permanecem excluindo-os de qualquer benefício. Um crescimento urbano que
se destaca, inclusive no universo latino-americano.
“A grande novidade, quando se analisa o caso brasileiro, foi a
velocidade do processo de urbanização, muito superior à dos
países capitalistas mais avançados. Apenas na segunda
metade do século XX, a população urbana passou de 19
100
milhões para 138 milhões, multiplicando-se 7,3 vezes, com uma
taxa média anual de crescimento de 4,1%. Ou seja, a cada ano,
em média, mais de 2,3 milhões de habitantes foram acrescidos
à população urbana.” (BRITO, 2006:223)
Observa-se ainda que este aumento expressivo das classes médias de
inserção assalariada, apesar da rápida deterioração de seu salário no cenário
inflacionário que se acentua com rapidez, não se traduz em força social capaz
de articular-se com o operariado cuja deterioração é semelhante, embora mais
acentuada. A pesquisa de Patrícia Vieira Trópia demonstra o conservadorismo
da classe média em relação ao movimento operário, que naquela conjuntura
era o principal articulador dos questionamentos da exploração e da violência
nas relações capitalista de produção que continuam neste cenário contraditório
de desenvolvimento e inflação, com a concomitante concentração de renda e
retomada do crescimento da desigualdade social. Segundo ela,
“Se comparado ao movimento operário, o sindicalismo de
classe média é um fenômeno tardio e recente, tanto no Brasil
quanto na Europa e Estados Unidos. De um modo geral, os
assalariados médios mostraram-se bastante refratários à
participação sindical até as primeiras décadas do século XX.
(...) Os bancários de São Paulo resistiriam, aa década de 30,
a chamar a Associação dos Bancários de sindicato. Vale
ressaltar que não se tratava simplesmente de um recurso
simbólico, mas fundamentalmente da aceitação destas
organizações como uma espécie de clube recreativo ou
assistencial e não uma organização de luta (...) Assim nos seus
primórdios, o sindicalismo de classe média caracterizou-se pela
segregação não das organizações operárias, mas das
formas de luta política tradicionalmente desenvolvidas por elas.
Baixo índice de sindicalização, rejeição à organização em
centrais sindicais e partidos operários e a recusa da greve como
forma de luta são práticas que caracterizaram a gênese do
sindicalismo de classe média, em contraste com a organização
operária.” (TRÓPIA. 2000:76)
A autora conclui,
“Boito
120
interpreta a reincidência desta rejeição, em função dos
trabalhadores não-manuais conceberem o sindicalismo como
um recurso dos incapazes, isto é, daqueles trabalhadores que
tinham de compensar, com o uso da força, a ausência de dons
120
BOITO JUNIOR, Armando. “Classe média e sindicalismo: uma nota teórica”. In: Revista do
Congresso Nacional dos Sociólogos, nº 9., 1992, São Paulo.
101
e de méritos, e o trabalho simples e degradado que
executavam. Até a segunda metade do século XX, a ideologia
da meritocracia teria produzido um efeito de isolamento
particular: Conservar isolados, fragmentados e atomizados os
trabalhadores não-manuais, pois a adesão ao sindicalismo
significaria reconhecer o rebaixamento salarial e social.
121
Segundo nossa análise, tal comportamento constituiria uma
manifestação aberta da ideologia da meritocracia. Ela impediria
que os trabalhadores não-manuais se organizassem
coletivamente”. (TRÓPIA, 2000:77)
Conforme se observa, nesta passagem, os autores enfatizam a
mentalidade enquanto fator determinante para a manifestação do
conservadorismo das classes médias, quando apontam a dicotomia provocada
pela distinção que seus protagonistas faziam entre trabalho manual e trabalho
intelectual, o que mereceria algumas considerações sobre a função social que
cumprem as classes médias em formações como a que caracteriza a dinâmica
do capitalismo no Brasil.
Será que tal postura conservadora não se coaduna com a condição das
classes sociais dominantes, cuja capacidade mobilizadora e de articulação com
segmentos mais progressivos não se efetiva por uma condição inerente à
própria condição fragilizada e tardia em que ocorre sua formação? E ainda que,
em uma sociedade de classes, conforme indica Marx, a função social das
classes médias é fazer a mediação entre o capital e o trabalho, camuflando as
radicalidades contraditórias dos dois pólos que a sustentam?
O que nos interessa identificar é a posição de classe dos policiais civis e
militares que integram o aparato repressivo e que têm como função a vigilância
às expressões e organizações que indicam a mobilização da sociedade em
torno de demandas sociais.
indícios de que os quadros da polícia política social compunham
essa camada média e, mais do que isto, contavam com a colaboração de
inúmeros civis, também de classe média, o que conferia a este serviço uma
121
Dentro dessa perspectiva os limites da representação que o indivíduo faz de si mesmo, ou melhor do
grupo ao qual pertence os remete a uma alienação do ser em si, onde não o reconhecimento de sua
força de trabalho enquanto composição da acumulação capitalista vitimada também pelo arrocho salarial
e exploração do trabalho. Ao considerar que o trabalho manual é uma condição de inferioridade do ser
social revela seu preconceito social, onde o trabalho manual versus o trabalho intelectual reproduz a
racionalidade instituída como herança das relações autoritárias e aristocráticas da sociedade brasileira.
102
abrangência muito maior do que a consolidada institucionalmente. Um dos
autores que se dedicou a este estudo, Marcos Florindo explicita a este respeito:
“a polícia dispunha realmente de alguns homens muito
inteligentes, de técnicos com grande capacidade profissional;
mas toda máquina se baseava no trabalho de núcleo de
funcionários desconhecidos”, ou ainda, “É claro que escolher
um bom espião é um problema difícil. É impossível aceitar a
oferta de qualquer pessoa. Para escolher um espião é preciso
conhecer com certeza a sua vida particular, as pessoas com
quem ele tem relações permanentes e etc. Em todas as classes
da sociedade pessoas convenientes, é preciso procurá-
las e convidá-las. Em tempo de paz, as mais convenientes são
as pessoas que, por seus serviços pacíficos, sem despertar
suspeitas, podem organizar serviços de informação. Eles são
negociantes, corretores, comerciantes, empregados,
condutores, operários, artistas, viajantes, fotógrafos e etc.”
122
A rede que se estende à sociedade corrobora a perspectiva do
conservadorismo inerente à nossa formação e isto se traduz, neste caso, na
colaboração espontânea destas pessoas com o sistema de vigilância política
em tempos de democratização. Tais pessoas, assim como o segmento
dominante e o oficialato militar, entendiam que as reivindicações por melhorias
nas condições de vida, mesmo que fosse por investimentos urbanos, como
moradia, eletrificação, pavimentação, instalação de sistema de esgotos, por
exemplo, era um apelo ao “caos” social, associando quaisquer mobilizações
com a intencionalidade da implantação do comunismo no país. Para tais
segmentos o recrudescimento das mobilizações não possui legalidade e
pode indicar a falência do Estado democrático em controlar os conflitos e em
dinamizar a economia.
Engrossam, assim, as fileiras dos que reivindicam a tutela da sociedade
por forças mais enérgicas, capazes de coibir quaisquer manifestações, isto é,
os militares e esta seria a via fundamental capaz de suprir as deficiências que o
sistema capitalista nacional apresentava. Nesta percepção dada pelo senso
comum, os problemas do desenvolvimento do capitalismo não passavam pela
122
Anotações sobre a espionagem” manuscrito Prontuário DEOPS-SP n°2431 PCB vol.3 . Citado
por FLORINDO, Marcos Tarcísio . o Serviço reservado da Delegacia de Ordem Política e Social de São
Paulo na era Vargas. Franca:UNESP,2000.
103
análise de sua condição atrófica inerente à forma como este capitalismo se põe
nos países como o Brasil ou ao caráter autocrático do Estado e a solução
apontada não poderia deixar de ser a intervenção dos militares na política com
a culpabilizaçao, em última instância, daqueles que mais sofrem com tal atrofia.
Além deste conservadorismo que endossa as forças repressivas e
legitima a vigilância, outro padrão de comportamento se instaura no interior
deste Estado vigilante e censor. Por estar voltado apenas para o atendimento
dos interesses de poucos que, impunemente monopolizam o poder, a
finalidade de suprir as necessidades da população nem se coloca e isto se
evidencia claramente, entre outros aspectos, no distanciamento entre as
demandas sociais e a capacidade de seu atendimento pela burocracia
instalada. No caso que nos interessa ressaltar, dada a relação do Serviço de
Informações com a polícia política, civil e militar, cujas ações não tinham que
prestar contas ao serviço judiciário o que não deixaria também de ser uma
distorção -, garante-se aos indivíduos que exercem tais funções o arbítrio da
justiça. E o Estado fomentava essa prática arbitrária desde os anos 30,
conforme observa Marcos Florindo,
“ao permitir o exercício da arbitrariedade pelo aparelho
policial, o Estado confirma sua intenção de legar à polícia a
administração da justiça nos recantos sociais menos
abarcados pela ordem burguesa(FLORINDO, 2000:61).
Assim, ao não acesso à justiça legalmente constituída, mesmo que na
qualidade de possível acusado, leva a que o aparato do Serviço de Segurança
Nacional cumpra também a função de juízes e executores das penas, mas
sobre esta questão falaremos mais à frente. No momento vamos nos ater ao
aparato institucional, propriamente dito.
A vigilância do Serviço Secreto recai sobre os mais variados
personagens da esfera civil e militar
123
. Qualquer tentativa de engajamento
político partidário, movimentos reivindicatórios de massa que tivesse alguma
123
Dos comandos militares à Secretaria de Segurança Pública a solicitação de dossiê sobre militares
suspeitos de atividade subversiva também era corriqueira, grande parte do acervo documental é o
levantamento desse tipo de informações. Em 29/12/1952 em oficio secreto o Major Helio Paulo de
Oliveira Brandão , chefe de policia da Região Militar solicita ao Secretário de Segurança Pública do
Estado de São Paulo, informações sobre sargento considerado comunista.” Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 192
104
posição considerada contrária ao estabelecido pelas autoridades
governamentais colocava seus participantes ou agremiações sob suspeita total.
Nesse sentido a vida desses indivíduos era monitorada com relatórios
periódicos dos agentes aos chefes do Serviço, ou às autoridades que
requisitavam a vigilância sobre alguém em particular. Dependendo da
importância do vigiado, era criado um verdadeiro dossiê onde constava, além
das informações pessoais de praxe, a sua agenda social, relatando-se com
quem conversava, onde se encontrava, qual o assunto abordado, enfim uma
“verdadeira devassa” sobre o individuo. Uma das características desses
relatórios é o anonimato que prevalece entre o censor (que sempre é
denominado de “Um reservado
124
”) e o receptor. Em alguns documentos a
identificação do receptor, que geralmente é o chefe do Serviço Secreto ou
então alguma autoridade do alto escalão do exército ou da Secretária de
Segurança Pública. É uma verdadeira incógnita descobrir para quem estão
sendo dirigidos os relatórios, como também o posicionamento político do
censor em relação ao receptor, deduzindo-se que os dois têm uma mesma
opinião. Neste universo documental é raro que os censores dêem opiniões nos
seus relatos, a não ser aquelas de praxe relativas ao comunismo. Muitos dos
documentos do acervo do Serviço Secreto foram copiados do original, mas os
nomes dos interlocutores foram retirados.
A comprovação de que tudo se vigia e que todos o em princípio
suspeitos se encontra em inúmeros documentos, através dos quais é possível
também ressaltar o que esse serviço de vigilância considerava significativo na
conjuntura daquele período. Assim por exemplo, como não poderia deixar de
ser, vigia-se o processo sucessório para o pleito de 1950.
Em um dos processos em que consta a documentação sobre esta
vigilância, datado de 28 de julho de 1949, um relatório reservado do Serviço
Secreto, que tramitou no setor do Serviço Secreto do Rio de Janeiro, é possível
resgatar todo o embate que ocorreu entre os grandes partidos para indicar um
nome de consenso nacional, ou seja, o Partido Social Democrático (PSD)
125
, a
124
Denominação utilizada pelo Serviço Secreto da DOPS-SP para o agente/ censor.
125
O Partido Social Democrático (PSD) foi fundado no dia 17 de julho de 1945 sob o comando dos
interventores estaduais nomeados por Vargas durante o Estado Novo. Em seu programa o PSD defendia a
105
União Democrática Nacional (UDN)
126
e o Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB)
127
. O censor assim descreve a conjuntura da capital federal:
1. “Consta que é mais do que certo o apoio do Senador
Getulio Vargas à candidatura Nereu Ramos, visto o Presidente
Dutra não o querer na presidência, e, sendo assim, terá como já
informei uma grande parcela de êxito. 2. O candidato do
Presidente Dutra continua sendo o General Canrobert Pereira
da Costa, não se acreditando, porém, que possa ser aceito
pelos partidos, por se tratar de um militar. 3. Nos meios
A.B.I.
128
- tem-se como certa a candidatura do Governador
Adhemar de Barros, sendo crença geral de que ele não pode
desistir da mesma, pelo grande número de adeptos. 4. Não
acredito assim como os demais colegas, que o candidato possa
sair do PSD - PR - UDN. Assim sendo, teremos muita luta até
eles chegarem a outro acordo. São Paulo, 28 de Julho de
1949.”
129
Aparentemente o censor apenas “relata os acontecimentos”, mas nas
entrelinhas ele faz uma leitura do provável desfecho do processo eleitoral, o
que é reforçado em outro documento datado de 06/08/1949, nos quais se
percebe que ambos, censor e receptor, m um mesmo posicionamento
político, ou seja, apóiam a coligação do PSP de Adhemar de Barros
130
e o PTB
de Getulio Vargas. Conforme informa um Reservado do Rio de Janeiro,
“A situação parece ter melhorado, tendo em vista os rumores
de que foi encontrado o meio que nos levará á vitória, com a
unificação da Frente Popular Adhemar-Getulio”.
131
legislação trabalhista e a intervenção do Estado na economia. Durante sua existência, o aliado
preferencial do PSD foi o PTB, enquanto seu grande rival foi a UDN.
126
A UDN foi fundada no dia 7 de abril de 1945, reunindo diversas correntes que nos anos anteriores
haviam-se colocado em oposição à ditadura do Estado Novo. Até a sua extinção em 1965, o partido
esteve no centro dos principais acontecimentos da vida política do país. Caracterizou-se pela defesa da
democracia liberal e pelo combate aguerrido às correntes getulistas.
127
O PTB Partido político criado em março de 1945, portanto ainda antes da queda de Vargas e do fim do
Estado Novo, dentro do movimento de organização de partidos nacionais. Sua principal base política
eram os trabalhadores urbanos cujas entidades sindicais eram controladas pelo Ministério do Trabalho.
128
Não encontrei referências que pudessem esclarecer a que esta sigla se refere.
129
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 110 de 28.07.1949
130
Adhemar Pereira de Barros, durante a década de quarenta e cinqüenta se projetou como um importante
líder político no estado de São Paulo, devido ao seu carisma de “homem do povo” junto à classe
trabalhadora.
131
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 111 de 06.08.1949
106
O censor ainda informa que o jornal A Folha Carioca considera
consumada a aliança Adhemar-Getulio e que a vitória daquela chapa é
inevitável. Mas alerta o interlocutor que,
“Afirma-se que o General Scarcela Portela (Secretário de
Segurança Pública de São Paulo), teria vindo ao Rio de Janeiro
a chamado do Ministro da Guerra, tendo em vista os rumores de
que os comunistas apoiariam a candidatura do governador
Adhemar de Barros e a proteção deste aos elementos
sabidamente comunistas que tem sido nomeado para cargos de
importância.”
132
Como se vê, o relatório do censor revela que as Forças Armadas se
mantêm de prontidão para qualquer eventualidade, no caso, qualquer deslize
do candidato, mesmo que apoiado pelos guardiões da ordem. Apesar da
vigilância nos bastidores ao referido pleito, as autoridades militares tentam
tranqüilizar os boatos de golpe, exemplo disto é a matéria do jornal, o Diário da
Noite, datada de 02/01/1950 e anotada pelo censor, na qual o ministro da
guerra, general Canrobert Pereira da Costa, avisa os comandantes de Regiões
Militares e de grandes unidades:
“Nestes últimos dias, em conseqüência da agitação político
partidária que cerca a campanha da sucessão presidencial,
tomou vulto o boato, engendrado por contumazes exploradores
da situação, de que se prepara um “golpe” com o intuito de
desviar o problema sucessório de sua natural solução
democrática. Quero, com a franqueza que caracteriza minhas
atitudes,afirmar ao distinto general, para que transmita a seus
subordinados, se julgar conveniente, que tal tentativa
encontrará de minha parte a mais formal repulsa, como
encontra, aliás, do próprio senhor presidente da república, como
me afirmou recentemente sua excelência.”
133
Na visão do censor, a indicação do Presidente Dutra para que seu
ministro da guerra fosse candidato demonstrava o descontentamento com a
possível volta de Getulio Vargas ao Palácio do Catete. Além de temerem o
centralismo político de Getúlio numa perspectiva de aproximação com as
132
idem
133
Recorte do jornal “Diário da Noite” de 02/01/1950 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 120 e 120-A
107
classes trabalhadoras, a sua rede de apoio estaria engendrada por notórios
comunistas, que se aproveitariam dessa aproximação para aumentar ainda
mais a infiltração do “ideário bolchevista” em todas as instâncias sociais.
Além da repulsa sobre a volta de Getulio, o governador Adhemar de
Barros também não desfrutava de simpatia entre os militares, pois recebera
apoio do PCB em dois pleitos estaduais em 1947 e 1958 saindo inclusive
vitorioso.
Apesar desta desconfiança do censor para com Adhemar, dada a sua
aproximação com os comunistas, esse na sua candidatura alguma
vantagem e neste sentido afirma:
“o governador Adhemar de Barros, não tenha duvida,obteve no
meio de seus inimigos, pelo menos 10% de simpatia, ante as
atitudes do governo federal que os está hostilizando
abertamente e prejudicando o Estado, dando-lhe um tratamento
iníquo, estando a opinião pública indignada. coisa de dois
meses mandei dizer que os nossos inimigos iriam usar de todos
os meios para prejudicá-lo, e , afirmo que não ficarão satisfeitos
ainda com o que tem feito, indo mais além, afim de intimidá-lo e
verem se lhe quebrar a fibra (...) Fala-se na viagem de Adhemar
de Barros ao Rio de Janeiro afim de tratar da sucessão. Sou da
opinião que s.s. não deverá vir, e sim eles é que devem
procurá-lo, pois são os interessados, não devendo portanto lhe
dar confiança, logo agora que a situação melhorou bastante
para ele”.
134
Em geral estes relatórios dos censores não são tão explícitos quanto às
suas tendências político partidárias, concentrando-se na descrição dos fatos
relativos aos movimentos políticos das personalidades em evidência, tanto civis
como militares e na introdução de comentários que serviam para construir a
culpabilidade do vigiado.
Assim é que, a partir desta documentação é possível reconstituir em
detalhes os bastidores das articulações políticas para o pleito de 1950. Por
exemplo, carta endereçada ao General Scarcela Portela, então Secretário de
Segurança Pública do Estado de São Paulo, datada de 22/08/1949, vinda do
Rio de Janeiro, traça um quadro completo dos acontecimentos políticos na
134
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 111 de 06.08.1949
108
capital federal. ênfase à insistência do Presidente Dutra em indicar um
elemento militar de sua confiança para o pleito a presidente, o que estava
criando uma situação de conflito com o PSD.
135
De fato, conforme a historiografia, o PSD, dividido entre as dissensões
internas e a ingerência de Dutra, que, segundo depoimento de vários
pessedistas, queria impor a candidatura de Bias Fortes, retardava-se na
escolha de seu candidato. Isto fortalecia a candidatura de Getúlio Vargas,
bastante robustecida em decorrência da aliança firmada entre o ex-ditador e o
governador de São Paulo Ademar de Barros, do Partido Social Progressista
(PSP).
O documento relata ainda a movimentação do General Góes Monteiro
para sair fortalecido neste pleito. Embora tivesse sido eleito desde 1947, como
senador por Alagoas na legenda do PSD, ele procura um nome de consenso
nacional em detrimento ao candidato natural do seu partido, o vice-presidente
Nereu Ramos. Conforme interpreta o censor, a preocupação do General, na
verdade, era a possibilidade do retorno de Getulio Vargas à presidência. Além
disto, es Monteiro se manifesta simpático ao Partido Orientador Trabalhista
(POT)
136
, pois tendo consultado as bases de vários partidos sobre a questão
sucessória, este partido, segundo reprodução e grifo de suas palavras pelo
censor,
“revela animo sincero e a nobre preocupação pelo encontro das
bases comuns- prestem atenção a esta palavra e capazes de
ensejar um programa de governo para uma candidatura
afiançadora dos destinos e responsabilidades da Revolução de
29 de Outubro.”
137
O censor conclui, revelando o verdadeiro medo dos generais com a
candidatura Vargas: a infiltração comunista nas instituições:
135
Iniciado o debate sucessório, PSD, UDN e PR tentaram encontrar um consenso em torno de uma
candidatura de união nacional. O PSD entendia que, por ser o partido majoritário, cabia-lhe indicar o
candidato mas Dutra decidiu interferir diretamente na escolha, vetando inicialmente o nome de Nereu
Ramos, vice-presidente da República e presidente nacional do PSD, portanto o candidato natural do
partido.
136
O POT existiu de 16/06/1945 a 12/10/1951. Foi extinto pelo Tribunal Superior Eleitoral porque não
teria preenchido exigências do digo eleitoral na medida em que não conseguiu eleger um número
obrigatório de cadeiras no Congresso Nacional e no Senado Federal.
137
29/10/1945 O Alto Comando do Exército, tendo a frente o Ministro da Guerra es Monteiro depôs
Getulio Vargas da presidência.
109
“Enquanto a impugnação da formula Jobim
138
vai criando um
estado de sombrias perspectivas, o presidente e seu ministro
trabalham aceleradamente esperando o momento oportuno,
para, com a desagregação dos partidos, impor o seu candidato
como elemento de união nacional, no sentido de salvar as
instituições democráticas e a família brasileira ameaçada pelo
bolchevismo.”
139
Nas eleições gerais realizadas em 3 de outubro de 1950 Getúlio Vargas
foi eleito presidente da república com 48% da votação; Eduardo Gomes obteve
29% e Cristiano Machado 21%. No Congresso Nacional o PSD elegeu 112
deputados federais mantendo a maioria na Câmara e nove senadores num
total de 21.”
140
Esse episódio das eleições de 1950 revelava que o anti-getulismo não
visava exatamente Getúlio, mas o que ele poderia significar em termos de
reformas sociais e econômicas a favor de uma ampliação da participação
política, conforme vislumbrava a classe trabalhadora. Vargas não se preocupou
em auscultar apenas os meios políticos. As sondagens feitas por emissários
seus junto a membros influentes da hierarquia militar, nessa época, revelaram
não a possibilidade de adesão de alguns deles como a inexistência de
qualquer plano golpista articulado pelas altas patentes. Em janeiro de 1949,
138
Em julho de 1949, o governador gaúcho e também pessedista Válter Jobim lançou na imprensa a
"fórmula Jobim": o candidato deveria ser escolhido após ampla consulta a todos os partidos políticos.
Inicialmente aceita por todos, a "fórmula Jobim" foi substituída em novembro pela "fórmula mineira",
proposta ao diretório nacional do PSD por Benedito Valadares, que se reaproximara de Dutra após as
eleições de 1947. Essa fórmula tinha como outros inspiradores o próprio Dutra e o ministro da Justiça
Adroaldo Mesquita da Costa, do PSD do Rio Grande, do Sul: propunha um candidato de união nacional,
porém pessedista e mineiro. Com a aprovação da "fórmula mineira" pelo PSD, Nereu Ramos renunciou à
presidência do partido, em função da excessiva interferência de Dutra na sucessão presidencial, pois a
"fórmula mineira" excluía Nereu da disputa.
139
Correspondência ao General Scarcela Portela datada em 22/08/1949. Relatório Reservado. Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 112
140
Os entendimentos entre PSD e PTB para a escolha de um candidato único não chegaram a bom termo.
Uma candidatura suprapartidária, a do mineiro Afonso Pena Júnior, foi ainda tentada por Dutra.
Finalmente, o PSD optou pela candidatura do mineiro Cristiano Machado, vetada inicialmente por Dutra,
sob a alegação de que Cristiano tinha um irmão comunista, o escritor Aníbal Machado, e tinha votado
contra a cassação do mandato dos comunistas em 1948. Mas o nome de Cristiano Machado foi
homologado pela convenção nacional do PSD, realizada no Rio de Janeiro em 9 de junho. O lançamento
oficial da candidatura de Getúlio Vargas pelo PTB em 17 de junho aprofundou ainda mais a crise do PSD,
pois seus líderes se dividiram entre o apoio a Cristiano Machado e a lealdade ao ex-presidente.
Aproveitando-se da crise pessedista, Getúlio fez alianças com o PSD em vários estados: Espírito Santo,
Rio de Janeiro, Santa Catarina, Bahia, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Paraíba, onde as
lideranças lhe eram mais fiéis. Dessa forma, o candidato do PSD foi "cristianizado", expressão cunhada
na época e que entrou para o vocabulário político nacional: ou seja, Cristiano Machado foi abandonado à
própria sorte e sua candidatura ficou inteiramente esvaziada, uma vez que as lideranças pessedistas mais
expressivas aderiram à candidatura Vargas. http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6231_3.asp
110
João Neves da Fontoura podia escrever ao ex-presidente: "Já se admite
francamente que, se fores eleito, deverás ser empossado", por não haver, no
momento, clima para se "sair da legalidade".
141
Getúlio Vargas sabia que uma
oposição concentrada das Forças Armadas contra a sua candidatura, poderia
colocar em risco a sua eleição à presidência e por isso,
no final de 1949, Getúlio chegaria a pensar em atrair Góes
Monteiro para a campanha, fazendo-o seu candidato à vice-
presidência. João Neves da Fontoura seria contrário a essa
tática, pois, na sua avaliação, ela desgostaria tanto a opinião
pública como os adversários de Vargas dentro do Exército.
Góes Monteiro, entretanto, chegaria a ser sondado por
emissários de Getúlio e de Ademar, declinando do convite e
oferecendo uma lista de militares aptos a ocupar o cargo.
Declararia ainda que os militares não impediriam a posse do ex-
presidente, caso ele fosse eleito, desde que respeitasse a
Constituição e os "direitos impostergáveis" da corporação.”
142
A falência das movimentações partidárias em torno de um consenso
nacional, a euforia da imprensa na coligação do PSP-PTB vislumbrando a
vitória de Getulio Vargas, na verdade, como escreveu Francisco Weffort,
demonstrava a "incapacidade dos partidos dominantes (um dos quais ele
próprio havia fundado) para substituí-lo na direção do Estado e, ao mesmo
tempo, o reafirmava como o principal chefe político da Revolução de 1930".
143
Sua volta ao poder ocorreu, porém, em circunstâncias mais complexas.
Como resumiu Thomas Skidmore, "agora Vargas enfrentava um centro
desconfiado, implacável oposição da direita, e um Exército neutro, na melhor
das hipóteses".
144
Na verdade a neutralidade no exército não se deu. Dos embates
acirrados do Clube Militar
145
sobre os destinos do desenvolvimento econômico
e social do país, aos expurgos generalizados da tropa, as Forças Armadas
representavam o jogo de interesses da burguesia dominante em pavimentar a
141
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6231_3.asp
142
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_38.asp
143
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_41.asp
144
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_41.asp
145
Sobre o Clube Militar falaremos em detalhes no próximo capítulo.
111
sua condução no processo de hiper exploração que as classes subalternas
estavam submetidas.
Nessa perspectiva, o apelo nacionalista de Getúlio era um tema
controvertido para os segmentos da burguesia que detinham o poder e que o
tinham apoiado no período ditatorial, o que se estendia aos militares. E,
conforme os analistas do CPDOC, o temor ao nacionalismo refletia claramente
a redefinição do quadro internacional, a intensificação da guerra fria entre os
Estados Unidos e a União Soviética, os dois centros do poder mundial após
1945.
146
Na verdade o nacionalismo de Getúlio com propostas de crescimento
endógeno, monopolização e defesa das reservas naturais, controle das
remessas de capital e uma política de aproximação com a classe operária,
demonstrava priorizar políticas que segundo seus adversários eram um entrave
ao desenvolvimento capitalista e uma “porta aberta” ao comunismo
internacional, pois o medo de uma república sindicalista no país assustava a
burguesia.
Cabe mencionar a socióloga Selma Rocha afirmando que o
nacionalismo da ESG o era uma mera continuidade do elitismo de Alberto
Torres, Oliveira Vianna ou mesmo Góes Monteiro:
“o nacionalismo da ESG não se reduzia a mera continuidade do
elitismo conservador dessas concepções. A experiência da
Segunda Guerra Mundial, o quadro da Guerra Fria e o
alinhamento do Brasil com o chamado ocidente democrático,
liderado pelos Estados Unidos, inspiraram o desenvolvimento
de algumas idéias que conferiram especificidades ao
pensamento dos militares brasileiros. Por isso, podemos dizer
que tal nacionalismo combinava de forma peculiar a idéia de
“colaboração” externa em todos os planos da vida nacional com
a de soberania e autonomia da nação. Em outras palavras, o
apoio econômico, político, militar e cultural dos países do
chamado Primeiro Mundo deveria constituir-se no suporte
fundamental para que a Nação lograsse atingir um
desenvolvimento autônomo e auto-sustentado.” (ROCHA, apud
RAGO, 1998:155)
Mas as tentativas dos militares de assumirem o poder pelas vias
eleitorais continuam, que passados cinco anos do pleito de 1950, em
146
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_41.asp
112
14/05/1955, concorre contra Adhemar de Barros o General Canrobert Pereira
da Costa
147
.
A conjuntura política que se forma preocupa mais uma vez os censores
da DOPS. A candidatura majoritária para a presidência da república estava se
formando através de uma aliança entre vários partidos políticos que incluía, por
um lado, o PCB, e de outro as tentativas de articulação entre os candidatos
oponentes, ou seja, Adhemar de Barros lançado como presidente e o General
Canrobert como vice. O que se observa é a preocupação dos censores com
uma aliança que articulava não só o partido comunista, mas que também
tentaria neutralizar a ação das forças armadas. Neste sentido, afirma o censor:
“Levamos ao conhecimento de V.S. que os nossos
observadores no PSP, apuraram estar se formando uma aliança
entre vários partidos políticos inclusive com o PCB a fim de
lançarem a candidatura do Sr. Adhemar de Barros à presidência
da república. A chave dessa aliança consiste em conseguir um
oficial do exército, moldável aos ideais esquerdistas e
compatível com o Sr. Adhemar de Barros que figurará como
vice na mesma chapa. Assim sendo, uma vez eleito o Sr.
Adhemar de Barros, os demais militares não poderiam impedir a
sua posse, receando uma revolta e conseqüentemente a divisão
das Forças Armadas. O militar mais indicado a figurar na chapa
do Sr. Adhemar é o General Carobert Pereira da Costa, com o
qual, tão logo chegue ao Rio de Janeiro, o chefe populista era
avistar-se.”
148
A preocupação do censor com a indicação do General Canrobert à vice-
presidência provavelmente era que este fosse moldável aos ideais
esquerdistas e se observa o quanto esta vigilância, conforme se observa em
outros momentos, era impulsionada por um preceito: apontar qualquer indício
de que o comunismo estivesse se fortalecendo ou infiltrando. No caso em
questão, este non sensu do censor se revela porque o general era um notório
antigetulista e simpatizante da Cruzada Democrática, o que o levara à
147
Foi comandante do Regimento de Artilharia Montada de Curitiba, chefe de Gabinete do Estado-
Maior do Exército; comandante da 3a Divisão de Cavalaria de Bagé e secretário-geral do Ministério da
Guerra. Assumiu o comando do referido ministério no governo de Eurico Gaspar Dutra. Em 1954, foi
eleito presidente do Clube Militar.Canrobert era um dos expoentes do anti-getulismo dentro das Forças
Armadas. Nas eleições de 1955 foi um dos militares que se opuseram a candidatura presidencial de
Juscelino Kubitschek que trazia como companheiro de chapa João Goulart, ministro do Trabalho do
segundo Governo Vargas.
148
“Relatório de 14.05.1955 303 “S.O.G.”. Relatório Reservado”. Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento
nº283
113
presidência do Clube Militar em 1954 e era também e declaradamente um
notório anticomunista.
Se o processo sucessório despertava a atenção do Serviço Secreto em
relação aos grupos que disputavam o poder constituído, não menos a agenda
social de notórios homens públicos, como é o caso desse relatório de 22 de
dezembro de 1952, que acompanha os passos do então governador do Estado
de Minas Gerais: Dr. Juscelino Kubistchek na cidade de Belo Horizonte. Nessa
ocasião acontecia um debate que discutia o movimento sindical e custo de
vida. Além do governador participava também o seu secretário de finanças, Dr.
José Maria de Alquimin.
O censor infiltrado no evento informa que seu organizador, o Dr. Saulo
Diniz era “conhecido comunista de Belo Horizonte” e amigo pessoal do
Governador Juscelino. Nota-se que o documento não acusa diretamente o
governador de ser comunista, mas de ter conhecidos com “ideologia
comunista”, e a sutileza da insinuação é um alerta para mapear os contatos
que as autoridades têm e com que grupos e assuntos o “espionado se
relaciona. O documento traz ainda relação de outros participantes do debate
considerados comunistas, como o deputado Armando Ziller, José Adjunto Filho,
Evelino Araújo e mulher para citar alguns nomes.
149
Esse mesmo relatório demonstra ainda o quanto à vigilância se estende
pela sociedade civil, pois o assunto seguinte é relativo a diligências feitas no
Centro de Estudos da Escola Superior de Veterinária de Belo Horizonte, onde o
professor “comunista” José Israel Vargas patrocinara uma conferência
intitulada A ciência e a Sociologia. O conferencista Morse Belém Teixeira,
conforme relata o censor,
“conhecido comunista, fez uma exposição nitidamente
comunista, sendo citados os sociólogos: Bacon, Max Sheller,
Karl Manheim, P.A. Sorakin e Karl Marx (o mais citado)”.
Informa ainda que o referido professor “é membro do Conselho
Nacional de Pesquisas, sediado no Instituto Tecnológico de
Belo Horizonte, e encarregado de estudar a localização das
cidades atômicas do Brasil”.
150
149
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento 190 datado pelo Serviço Secreto em
22.12.1952
150
idem
114
O que se pode deduzir sobre a lógica destes censores é que, qualquer
manifestação que tratasse de assuntos que pudessem ser associados às
plataformas do partido comunista, era considerada enquanto tal, mesmo que
de tendências opostas.
Assim este Serviço Secreto, com o seu monitoramento nesses eventos e
com a infiltração nas agremiações civis e militares traçava a movimentação da
opinião pública em relação a esses temas e podia medir o real perigo da
“infiltração comunista” na sociedade.
Temas como nacionalismo, preservação das divisas ou dos interesses
econômicos nacionais, opiniões sobre a preservação das garantias
democráticas, propostas de desenvolvimento endógeno industrial ou para
melhoria do padrão de vida da população, ainda que adviesse de intelectuais
de direita, ou de militares, jornalistas e políticos, preocupados apenas em
defender os interesses nacionais, mesmo que antagônicas às defendidas pelo
partido comunista representavam, para este sistema, uma ameaça ao “status
quo” e mais do que isto, em muitos aspectos, representavam também a íntima
relação deste serviço com os interesses norte-americanos, ante a conjuntura
que se colocara após a segunda guerra mundial. Vejamos como esta questão
se evidencia a partir da documentação. Por exemplo, um boletim reservado de
informações da polícia federal de 06/01/1953 alertava que:
“elementos comunistas estão apoiando a reação dos militares,
inclusive militares reformados. Os generais, Felicíssimo
Cardoso e Edgard Buxbaum, são presidentes respectivamente
do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia
Nacional e da Comissão Contra o Acordo Militar Brasil - Estados
Unidos”.
151
Como a plataforma política das duas instituições estava direcionada para
a defesa dos interesses nacionais e o respeito à soberania territorial, o crivo do
Serviço já os colocava na mira do expurgo e da repressão.
A questão é que tais generais estavam no controle do Centro de Estudos
e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (movimento pelo monopólio
151
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 211 de junho de 1953.
115
estatal do petróleo), criado em 4 de fevereiro de 1948
152
e demonstravam
disposição para a defesa dos interesses nacionais em detrimento dos norte-
americanos, que faziam pressão desde a Segunda Guerra Mundial em realizar
acordos comerciais e estratégicos que garantissem o apoio do Brasil aos
Estados Unidos no seu papel de potência mundial, em troca da supremacia
brasileira na América do Sul.
153
Embora a conjuntura internacional sofresse alterações, o governo JK
não assinalava nenhuma alteração substancial em matéria de política
externa
154
e a orientação básica da diplomacia brasileira, herdada em maior ou
152
Na verdade meses antes da deposição de Vargas, em 1945, o presidente do Conselho Nacional do
Petróleo (CNP), coronel João Carlos Barreto, assinou uma exposição de motivos que, contrariando a
Constituição outorgada em 1937, admitia a participação de capitais privados estrangeiros na indústria do
petróleo, desde que integrados em empresas constituídas no Brasil. Tal medida não teve conseqüências
práticas, mas na elaboração da Constituição de 1946 foi esse o critério adotado ao se tratar da matéria.
Mas se isso preocupava as forças nacionalistas - das mais diversas colorações, indo de um extremo a
outro do espectro, de Bernardes aos comunistas -, não atendia à expectativa das empresas estrangeiras,
porque a legislação ordinária tornava desinteressante o ingresso delas na pesquisa e na lavra do petróleo.
Em 1947 o presidente Dutra nomeou uma comissão para elaborar o Estatuto do Petróleo, de modo a
definir a maneira como o país, cujo consumo do produto crescia rapidamente, iria equacionar o problema.
Antes mesmo de chegar ao Congresso o anteprojeto do estatuto, houve uma vigorosa reação nacionalista,
que se transformou na Campanha do Petróleo. Um dos centros aglutinadores da campanha foi o Clube
Militar, onde atuavam muitos militares nacionalistas.
153
Em ocasiões diversas Osvaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores de 1938 a 1944, repetiu que a
política externa brasileira se resumia na seguinte orientação: apoiar os Estados Unidos em seu papel de
potência mundial, em troca do apoio destes a supremacia do Brasil na América do Sul. Conforme a
prática na condução da política externa brasileira, essa orientação era descrita por Aranha como uma
tradição, legada principalmente pela chancelaria do Barão do Rio Branco. Inserida no governo Vargas, tal
política devia auxiliar os projetos do governo que buscavam centralizar e modernizar o Estado e
industrializar o país. Supunha-se, portanto, que uma aliança com os norte-americanos renderia frutos
neste sentido. Rev. Bras. Polít. Int. 48 (1): 151-177 [2005]
154
Na segunda metade da década de 1950, o cenário internacional, marcado pela “Guerra Fria” desde o
fim da Segunda Guerra Mundial, começou a passar por importantes transformações. A competição entre
EUA e URSS pelo controle de áreas de influência em todo o planeta permanecia, mas começou a adquirir
nova feição, entrando numa fase que ficou conhecida como de "coexistência pacífica". A "coexistência
pacífica" se originou, principalmente, de mudanças internas na própria URSS, com a morte do autocrático
Joseph Stalin, em 1953, e a ascensão de Nikita Kruschev. Além de promover um início de liberalização
interna a chamada "desestalinização" –, Kruschev procurou deslocar o conflito entre as superpotências
do plano puramente militar para as áreas econômica e tecnológica. O lançamento do satélite soviético
Sputnik, em 1958 que maravilhou o mundo e demonstrou a superioridade inicial da URSS em matéria
de tecnologia espacial – foi o ápice dessa nova política.
Mas a idéia de uma "coexistência pacífica" se originou também do reconhecimento, por ambas as
superpotências, de que o conflito aparentemente irreconciliável que as separava dificilmente poderia ser
resolvido apenas pela via militar, tendo em vista o potencial letal, para toda a humanidade, do arsenal
nuclear detido por ambas. Uma outra alteração no sistema internacional que contribuiu para a
flexibilização da Guerra Fria foi o aprofundamento da descolonização afro-asiática. O nascimento de
dezenas de novos Estados independentes na Ásia e na África implicou o surgimento de uma nova
categoria de nações. Daí a expressão "Terceiro Mundo", que passou, então, a designar esse grupo distinto
de "países em desenvolvimento", em sua esmagadora maioria composto de ex-colônias e que, por sua
evolução histórica e patamar de desenvolvimento econômico, social e político específico se sentia
distante tanto dos países capitalistas desenvolvidos o "Primeiro Mundo" –, quanto dos países socialistas
o "Segundo Mundo". É importante notar que a América Latina incluído o Brasil, naturalmente
116
menor medida de governos anteriores, continuava incorporando plenamente os
pressupostos da Guerra Fria. Na medida em que o país se definia como parte
integrante do mundo ocidental e capitalista, o alinhamento político-ideológico e
militar aos EUA, percebido como o "guardião do mundo livre" no combate ao
"totalitarismo" soviético, era visto como natural e se constituía na principal
pedra de toque da política externa brasileira. Tal orientação esteve clara na
anuência brasileira em ceder a ilha de Fernando de Noronha para a instalação
de uma base americana de rastreamento de foguetes, ou na decisão de enviar
tropas para integrar a Força de Paz da ONU formada para administrar a crise
do Canal de Suez, ambas medidas tomadas em 1956 e 1957; ou ainda na
tímida postura assumida pelo Brasil frente aos desdobramentos internacionais
da descolononização afro-asiática.
Nessa conjuntura de alinhamento internacional, a plataforma
reivindicatória da Comissão Contra o Acordo Militar Brasil Estados Unidos,
vislumbrava a preservação de nossos interesses econômicos e políticos e
principalmente o direito à soberania, obedecendo aos princípios da igualdade
de direitos e da autodeterminação dos povos, incentivando a cooperação
internacional na resolução de problemas econômicos, sociais, culturais e
humanitários. Por isso essa tentativa de instalação de bases norte americanas
no Brasil iniciada desde a Segunda Guerra Mundial (na ocasião os Estados
Unidos pleiteavam a construção de bases de apoio logístico na Cidade de
Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte) era vista como a perda da
nossa soberania e a intromissão americana na realidade nacional.
O monitoramento aos passos do presidente da Comissão Contra o
Acordo Militar Brasil - Estados Unidos (General Edgard Bubaum) era contínuo
e eivado de interpretações sobre o possível risco de sua articulação com
preceitos comunistas, ao que se associava qualquer defesa dos interesses
nacionais. Relatório do Serviço Secreto sobre conferência realizada na
Faculdade de Direito da USP pelo citado General em 05/01/1952, evidenciaria,
mais uma vez, esta tendência, conforme observava o censor, por suas críticas
ao acordo militar entre o Brasil e os Estados Unidos:
também era parte desse Terceiro Mundo emergente, que cada vez mais se faria ouvir no plano das
relações internacionais.
117
“A conferência teve inicio as 20:30 horas, e contou com a
presença de 500 pessoas aproximadamente. Iniciando a
palestra o conferencista classificou esse acordo como um
monstrengo á civilização atual, pois nos coloca numa situação
de simples colônia dos Estados Unidos e não, é admissível que
nós, brasileiros, tenhamos que concordar com tal acordo. Acha,
todavia, que devemos manter acordos com nações amigas, mas
não permitir que nos venham escravizar. Segundo os textos
desse acordo, virão dos Estados Unidos técnicos e militares
com imunidades diplomáticas os quais são destituídos de todo o
compromisso moral para com o nosso povo. Ora, segundo o
seu ponto de vista, esses elementos virão controlar nosso
comércio interno e externo, pois, só poderemos exportar nossas
riquezas para os U.S.A., e ainda terão o direito de fazerem o
que bem entenderem em nossa terra, sem que possamos fazer
a mínima queixa. Seremos uns pobres “alimentadores de
leãozinhos”, que mais tarde cresceram e nos engoliram. (suas
palavras são fortes e ditas com bastante entusiasmo). Finaliza
solicitando aos presentes que repelissem o acordo”.
155
O censor também comenta sobre os apartes da platéia, monitorando em
detalhes o que se falou:
Entremeando os apartes, é citado por um presente a cláusula
em que o Brasil se abriga a transportar em navios americanos,
50% de sua carga para o exterior. Outro aparteante cita o envio
de matérias primas de nossa produção aos U.S.A., como
garantia nacional. Ora, no seu ponto de vista, nós é que
estamos garantindo a segurança nacional dos U.S.A. A seguir,
outro aparteante cita o envio de tropas para a Coréia e também
segundo o acordo, teremos que combater no Irã, defendendo o
seu petróleo para os U.S.A..
156
A conferência, relata ainda o espião, acabara em confusão, pois alguns
elementos da platéia revoltam-se contra as posições do General a respeito da
nação norte americana, defendendo que os Estados Unidos são uma nação
amiga
157
,
155
“Cópia de Relatório do “S.O.G.”datado de 05.11.1952, sob o número 358. Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº186 página 1
156
“Cópia de Relatório do “S.O.G.”datado de 05.11.1952, sob o número 358. Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº186 página 2.
157
Percebe-se que a paranóia sobre a infiltração comunista na defesa dos interesses nacionais e patrióticos
dominava não os censores do Serviço Secreto , mas grande parte da sociedade civil, que
influenciados pelas benesses do “American way of life”, viam nos Estados Unidos o exemplo da
democracia mundial e a conquista do desenvolvimento econômico.
118
e que esses ataques eram feitos por elementos comunistas, e
aquela casa, principalmente à sala dos estudantes criada para
debates jurídicos e não debates políticos”
158
Finalizando o relatório o censor descreve o final da conferência taxando,
tanto o conferencista, como parte da platéia, como “elementos do credo
vermelho”,
“Como não havia uma formula apaziguadora, o presidente do
Centro de Debates deu por encerrado a sessão e convidou a
todos a se retirarem. Os estudantes o conformados,
brandaram “hurras” à democracia e gritos de “fora” aos
comunistas. Notamos, porém, que elementos do credo
vermelho, procuraram sair mais rapidamente da faculdade.”
159
Além dos generais acima citados, também o então Ministro da Guerra,
General Teixeira Lott, passa a ser visto com reservas por suas articulações
com organizações que atuavam em defesa do nacionalismo e prova disto,
anotado pelos censores, era um telegrama que lhe haviam enviado líderes
sindicais e operários de Osasco em 06/01/1957, solidificando seu apoio contra
a implantação das referidas bases
160
.
Se os homens públicos e os próprios militares integrantes ou não do
governo eram vigiados, que dizer, então das atividades do Partido Comunista,
considerado o mentor desta “trama” nacionalista.
São inúmeros os documentos produzidos a este respeito pelos censores
e, embora a historiografia pouco se refira a esta vigilância neste período do
governo juscelinista, vamos nos ater aos relatórios que mapeiam as ações
deste partido no que concerne à questão da instalação das bases norte-
americanas e a relação que os censores estabelecem entre esta mobilização e
os militares suspeitos, inclusive o então ministro da guerra.
Neste sentido, um relatório reservado do Serviço Secreto comunica que
os comunistas do PCB estariam organizando um movimento contra a
158
“Cópia de Relatório do “S.O.G.”datado de 05.11.1952, sob o número 358. Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº186 página 2.
159
“Cópia de Relatório do “S.O.G.”datado de 05.11.1952, sob o número 358. Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº186 página 3.
160
“Cópia do original do telegrama enviado ao General Lott datado de 06.01.1957. Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 363”
119
instalação destas bases. A estratégia adotada seria a promover comícios
relâmpagos em portas de brica e locais de movimento, nos quais atacariam
os Estados Unidos, incitando o povo a se manifestar contra a instalação das
referidas bases
161
.
Segundo este mesmo relatório, o Ministro da Guerra General Teixeira
Lott e o Ministro do Estado Maior do Exército também eram contrários às
instalações, e por esse motivo o presidente da república, assediado pelo
embaixador americano, pressionaria o General Lott para que este
apresentasse o seu pedido de demissão do cargo. A posição do General, ainda
conforme o relatório do censor, foi de consulta às bases do exército antes de
dar uma resposta definitiva e, atendendo seus pares que foram contra a sua
saída frente ao Ministério da Guerra, ele decide permanecer no cargo. As
bases consultadas alegaram que a saída do ministro acarretaria numa guerra
civil e a situação do povo se agravaria.
162
Apesar do apoio dos seus pares representados pelos vários comandos
militares à sua permanência no Ministério da Guerra, esse endosso
representava mais o respeito à hierarquia e a disciplina militares do que
propriamente um apoio das posições do General Lott. Tanto os nacionalistas
quanto os “sorbonistas” sabiam que as tentativas de golpe para tornar
inelegível a posse de Juscelino em novembro de 1955, (esse assunto será
tratado no próximo capítulo) continuavam ainda na memória e nos desejos dos
militares mais extremados, eivados do ideário de impedir o crescimento do
comunismo e de impedir a ampliação de sua influência nos vários setores da
sociedade civil e no próprio governo.
Tais censores, através das Delegacias de Ordem Política e Social
reproduzem um clima de perseguição e preparação para a guerra, pois
acreditam na iminência de uma revolução comunista através dos diversos
161
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 362 verso de 21.12.1956
162
A preocupação das Forças Armadas em manter naquele momento o Ministro Lott, é que ele
representava a coesão das facções que se digladiavam no interior da caserna. Por ser considerado um
militar de carreira brilhante e um defensor do Estado de Direito e principalmente pela sua neutralidade
por essas facções , sustentava temporariamente a “paz” entre os grupos militares. Apesar disso os
“sorbonistas” consideram-no uma ameaça devido à rede de apoio que os partidos de esquerda e as
agremiações sindicais davam para suas posições nacionalistas.
120
movimentos reivindicatórios, seja ele do combate à fome, contra a carestia,
contra a bomba atômica.
No relatório do censor em 29/10/1956 referente a um ato público
realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro organizado pela “União
Cultural Brasil-Polônia” e a “Cruzada Humanitária Pela Proibição das Armas
Atômicas” este clima fica explícito. Embora o ato versasse sobre os
acontecimentos que se desenrolaram na Hungria e Polônia
163
, com reflexos
na Alemanha Oriental e o resto do mundo, a preocupação do censor da ordem
pública foi com as conversas que se desenrolaram paralelamente a este
assunto e que nos remetem às divisões internas que ocorriam naquele
momento no PCB. Ele afirma que, correlato ao ato público, “estão os
acontecimentos nos meios comunistas sinceros, onde a campanha
desordenada contra o “culto a personalidade” vem causando espécie”.
164
Refere-se o censor à conversa paralela do Maestro Eduardo Guarnieri
(Presidente do “Movimento dos Partidários da Paz” em São Paulo) com alguns
participantes do evento:
“Assim, o Maestro Eduardo Guarnieri, (que é presidente do
“Movimento dos Partidários da Paz” em São Paulo) manifestou-
se junto a um grupo de “camaradas”, dizendo “achar-se muito
aborrecido, pois que nunca imaginara pudessem o “sectarismo”,
“dogmaticismo” e “burocratismo” de certos elementos stalinistas
vir a manchar a bandeira comunista com o execrandos erros
como vêm cometendo”.
165
E, segundo o relatório do censor, este maestro teria acrescentado:
163
O Pacto de Varsóvia foi uma aliança militar formada em 14 de Maio de 1955 pelos países socialistas
do Leste Europeu e pela União Soviética. O tratado correspondente foi firmado na capital da Polônia,
Varsóvia, e estabeleceu o alinhamento dos países membros com Moscou, mas não estabelece nenhum
compromisso de ajuda mutua em caso de agressões militares. O organismo militar foi instituído, em
contraponto à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), organização internacional que uniu as
nações capitalistas da Europa Ocidental e os Estados Unidos para a prevenção e defesa dos países
membros contra eventuais ataques vindos do Leste Europeu. Os países que fizeram parte do Pacto de
Varsóvia eram alguns nos quais foram instituídos governos socialistas pela URSS, após a Segunda Guerra
Mundial. União Soviética, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Tchecoslováquia e Romênia
foram os países membros, sendo que a estrutura militar segue as diretrizes soviéticas. A Iugoslávia, por
oposição do Marechal Tito, se recusou a ingressar no bloco. Porém, as principais ações do Pacto foram
dentro dos países-membros para a repressão de revoltas internas. Em 1956, tropas reprimiram
manifestações populares na Hungria e Polônia, e em 1968, na Tchecoslováquia, na chamada Primavera de
Praga.
164
“Cópia de Relatório do “S.O.G.”, setor número 652 datado de 29.10.1956. Relatório Reservado
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 344 página 2
165
idem
121
“A revolta na Hungria e os acontecimentos na Polônia bem
evidenciam a falência da economia socialista naqueles países,
máxime quando o próprio “partido dos trabalhadores Húngaros”
achava-se divorciado do povo e do proletariado daquele país,
como está bem palpável no fato de a URSS ter-se visto forçada
a fazer uso de seus próprios exércitos numa tentativa de
reprimenda da rebelião”.
166
O interlocutor da conversa, Ana de Andrade o encorajou para que não
desanimasse, frisando que o PCB, apesar dos erros advindos do culto ao
“personalismo”, sempre vanguardeara as causas do proletariado e dos
nacionalistas. Ressalta o censor as afirmações da interlocutora de que Prestes
era um admirador do General Lott, por sua defesa pública da justiça social, da
reforma agrária e de uma legislação mais humana para o homem do campo; e
que o prefeito Toledo Pizza, pelo grande reajuste salarial que dera aos
funcionários públicos e pela ajuda financeira que dera aos jornalistas quando
participaram da Conferencia nacional de jornalistas em Goiânia, também era
admirado pelo Partido.
167
O relatório faz uma descrição detalhada do evento e
das conversas havidas entre os participantes. Conforme observa Marcos
Florindo:
“Os espiões eram recrutados em todos os ambientes sociais e
atuantes na maioria dos locais privilegiados pela lógica de
vigilância da agência. (...) A infiltração possibilitou à repressão
construir saberes a respeito das entidades vigiadas; nada devia
escapar aos seus olhos: os locais de reunião, os nomes e
atividades dos principais militantes, as diferenças entre as
tendências, as possibilidades de aliança, os ânimos do
momento, os indivíduos em evidência ou decadência na
estrutura partidária”. (FLORINDO, 2000:73/74).
Desde os primórdios da institucionalização do Serviço Secreto, em
outubro de 1941, o Ministro da Guerra General Eurico Gaspar Dutra, em
circular secreta endereçada ao Major Superintendente de Segurança Política e
Social demonstrava a sua preocupação e a do alto oficialato com o
crescimento da propaganda comunista na sociedade:
166
idem
167
“Cópia de Relatório do “S.O.G.”, setor número 652 datado de 29.10.1956. Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 344 página 2
122
“Nestes últimos tempos vem sendo observados, pelos órgãos
encarregados da segurança do país, novos alentos na
propaganda comunista, cujos sequazes, sob hábeis disfarces,
de tudo procuram tirar partido contra a estabilidade do regime,
na preparação talvez de golpes que repitam, com melhor êxito,
a tentativa de 1935. Assim é que, ultimamente, têm sido
remetidos de além fronteiras, entre folhas de publicações,
periódicos platinos, boletins, panfletos, e impressos de caráter
extremista, endereçados sempre a militares, nos quais, no estilo
costumeiro, são enxovalhadas nossas instituições, caluniados
os homens blicos e endeusados os prosélitos de seu credo,
que a justiça das sentenças recolheu as penitenciarias, por
delitos confessos de inconfidência traição e morte. Além destes
aspectos de propaganda direta, cujos efeitos são de alcance
relativo, existe tenaz a indireta e disfarçada, cujos males são
grandes e de difícil extirpação, pois a procura infiltra-se por toda
parte a corromper a consciência das elites e a explorar os
anseios das massas, na lenta campanha de descrédito e
revulsão dos mais sadios postulados de nossa organização
estatal e social.”
168
Tal leitura sobre a conjuntura no início dos anos 40 estará intricada tanto
na movimentação das Forças Armadas durante toda a década de quarenta e
cinqüenta, principalmente nos bastidores da ESG que debate sobre os destinos
do desenvolvimento e da segurança nacional; quanto na montagem dos órgãos
repressivos que terão a missão de expurgar destas Forças Armadas e das
agremiações políticas e civis “o espectro comunista”.
Por exemplo, em artigo do jornal “Correio” de 22/05/1951 que consta nos
arquivos da DOPS, o já citado General Góes Monteiro demonstra esta paranóia
contra os comunistas e a vigência da vigilância institucionalizada pelas forças
armadas em pleno regime que se dizia democrático:
“O general Góis Monteiro reedita a sua predestinação histórica
de denunciar o perigo comunista em nosso país, e advoga a
necessidade de um vasto expurgo de seus adeptos infiltrados
na administração, nas Forças Armadas e nos demais setores de
atividade oficial da nação”. Afirma ele: ‘Nos países que estão
conscientes dos perigos da tática e da técnica infernais dos
comunistas, as medidas de defesa das instituições e da ordem
são constantemente aplicadas de maneira a expurgar esses
elementos perniciosos que conspiram contra a própria pátria
168
“Circular Secreta número 286-46 do Ministério da Guerra. Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 70
123
disse a imprensa o chefe do Estado Maior Geral das Forças
Armadas e assim justificou as suas advertências: - ‘Em todos os
países de desenvolvimento retardado ou não, os partidos
comunistas são a vanguarda real da ocupação soviética. São a
quinta-coluna atuando com maior desembaraço e extensão,
para minar as instituições do Estado e a sociedade em geral.
Por meio de seus agentes, ostensivos ou camuflados, através
dos “inocentes úteis” ou dos não inocentes úteis, fazem o
trabalho de subversão da ordem e desintegração nacional,
doirando a sua propaganda com os pretextos aparentemente
mais legítimos e atraentes, como sejam a paz, a liberdade, o
exercício do direito de conquistas e democráticas, a defesa dos
interesses fundamentais do povo, etc., mas na verdade o
propósito é um só: provocar a confusão, a desordem, à
subversão. A ação é multiforme e a infiltração generalizada,
através de mil tentáculos. É a figura de Proteu gigantesco e
anfíbio”.
169
Assim o Serviço Secreto desempenhará uma vigilância crucial com a
montagem de dossiês que fomentarão os argumentos principais para a criação
de aparatos de repressão policial, cujo arcabouço teórico se dará pela Lei de
Segurança Nacional, justificada pela necessidade de apoiar o binômio:
Desenvolvimento e Segurança Nacional.
Como foi comentado anteriormente, os Estados Unidos da América
liderou uma forte política de combate ao comunismo em seu território e no
mundo. Usando o cinema, a televisão, os jornais, as propagandas e até mesmo
as histórias em quadrinhos, divulgou uma campanha valorizando o "american
way of life".
170
rias pessoas foram presas ou marginalizadas por defenderem
idéias próximas ao socialismo. O Macartismo, comandado pelo senador
republicano Joseph McCarthy, perseguiu muitas pessoas nos EUA. Essa
ideologia também chegava aos países aliados dos EUA, como uma forma de
identificar os movimentos nacionalistas e populares com o socialismo,
creditando com tudo o que havia de ruim no planeta.
169
“Artigo do jornal “Correio” do Rio de Janeiro anexo no Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 142 de 13/06/1951
170
Diz-se American Way Of Life como designação de um modo de vida norte-americano (nos Estados
Unidos da América) notadamente vigente a partir de meados do século XX após a explosão da economia
americana durante o crack da bolsa de 1929, a lenta recuperação das finanças durante a década de 30 e
a Segunda Guerra Mundial e o crescente aumento do comércio internacional, da globalização e
do consumismo. O American Way Of Life é em certo modo também considerado como uma visão
pejorativa do estilo de vida norte-americano. Esse estilo de vida entrou em crise na década de 1960,
através dos movimentos anti-racistas, feministas e pacifistas.
124
A paranóia já era bem conhecida no Brasil desde o levante comunista de
1935 e com essa conjuntura de disputa mundial que colocava em risco a
supremacia americana nos continentes, principalmente na América Latina, o
cerco, a perseguição e a vigilância foram implacáveis, principalmente dentro
das Forças Armadas.
Pois, além das solicitações feitas pelos comandantes do exército para
investigarem determinadas pessoas e agremiações, os censores da DOPS
investigam os próprios comandantes e agremiações militares, autoridades
governamentais e ministeriais, a imprensa através do monitoramento dos
editoriais e notícias, discursos, atas de reuniões, relatórios sobre os atos
públicos, acompanhados de comentários para os Delegados Gerais dos
DOPS.
171
Essa postura de vigilância e denúncia também era encontrada no
discurso de outros agentes históricos, revelando que aquela visão
impregnava outros setores da sociedade civil. Aqui no caso, a Assembléia
Legislativa Estadual do Rio de Janeiro, onde a fala da deputada Conceição
Santamaría, parece ser a de um agente do Serviço Secreto, pela “riqueza” de
detalhes e pelas informações confidenciais que conhece das altas autoridades
da capital federal. Esse relatório foi encaminhado ao Chefe do Serviço Secreto
em 16/03/1951, o censor relata o seguinte:
“Observações Políticas na Capital da República. Apesar de fugir
a alçada desse departamento às notas abaixo, sendo no
entanto de interesse geral, passamos a relatar a V.S., o que
soubemos por intermédio da deputada Conceição Santamaría,
trata-se do seguinte, segundo suas próprias declarações: Diz
essa representante na assembléia Legislativa Estadual que o
Rio de Janeiro está invadido e dominado por elementos
comunistas ou pelo menos simpatizantes do credo marxista.
Que o Sr. J. Cabanas, famoso pelas suas idéias vermelhas
defendidas até de armas na mão, foi convocado para prestar
serviço na chefatura de policia do Rio, estando dentro do
gabinete do ministro da guerra.- Que outro oficial, também
comunista fichado, conhecidíssimo por suas tropelias no Cine
Odeon, que vivia sempre em companhia dos piores elementos
nas proximidades do Restaurante Spadoni, até a Av.São João,
171
Nesse período o DOPS está subordinado aos governos estaduais e não respondem a nenhum ministério
ou ao governo federal.
125
de nome Henrique Oeste, também está dando cartas no referido
ministério. –Que o General Estilac Leal, atual ministro da guerra
não aceitou o convite dos EE.UU. para uma visita a esse país
por conselhos dos dirigentes comunistas do Distrito Federal,
que receavam fosse conhecidas às idéias desse militar... Que
na Comissão Central de Preços está como chefe o Sr.
Benjamim Cabello(Cabejo) que é comunista cem por cento,
tendo sido preso rias vezes, por suas atividades subversivas.
- Acrescenta ainda que reina grande contentamento entre os
membros do P.C.B., pelas altas posições que seus
representantes estão conquistando na administração pública”.
172
O anticomunismo do Estado ganha força através dos meios de
comunicação: a imprensa nesse momento fomenta o caráter de denúncia da
infiltração comunista no país, com o mesmo tom alarmante da alta patente do
exército, anunciando a necessidade do expurgo não das forças Armadas,
mas também das administrações públicas e os demais setores da sociedade
civil.
173
172
“Cópia do comunicado do S.V.I., número do setor 63 de 15.03.1951. Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 140”
173
Por exemplo, ver documento do acervo do Serviço Secreto da DOPS que notifica o artigo do jornal
carioca Correio” de 22/05/1951, com a seguinte manchete: “Vasto Expurgo Dos Comunistas Infiltrados
na Administração”, Advoga O General Góis Monteiro. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 142
126
CAPÍTULO IV
A animosidade dentro das Forças Armadas: Vigilância e
expurgo na caserna.
Entre 1945 e 1964, o Brasil conheceu um período de intensa
participação militar na vida política, que culminou, em março de 1964, com a
tomada do poder pelas Forças Armadas. Durante esse período as posições
dentro da corporação estavam divididas, refletindo uma pluralidade de
tendências e abordagens sobre os mais variados temas em consonância com o
debate político nacional como já foi demonstrado nos capítulos anteriores.
Quem orquestrava esse processo era fundamentalmente a ESG que
representava, neste período, a ala conservadora das Forças Armadas.
Conforme vimos, eram seus integrantes que vislumbravam a construção de um
projeto hegemônico na medida em que os preceitos ideológicos pregados por
eles se reforçam com os conflitos gerados na sociedade civil: o crescimento
dos movimentos populares em busca de uma participação política, o
acirramento dos embates na vigência da autocracia institucional, permitindo
uma correlação de forças instáveis para a consolidação de um modelo
econômico que exigia atitudes drásticas para o controle da inflação, o arrocho
salarial e o impedimento dos movimentos reivindicatórios, o fisiologismo e o
clientelismo dos partidos políticos, a impossibilidade da burguesia dominante
de propor um modelo de desenvolvimento sustentado, seu medo que os
movimentos sociais levassem a um Estado socialista e principalmente a
infiltração comunista no seio da corporação. Conjunto de fatores que acabaram
por dar o embasamento e a justificativa para a consolidação da ditadura
bonapartista em 1964.
Nesse clima de rivalidade institucional militar, o respeito à Constituição
era o entrave jurídico para a criminalização de tais ações. Quanto mais a
pressão aumentava, urgia que as facções fossem apoiadas em mobilizações
“partidárias” ou agremiações de classe que se identificassem com aquelas
posições e também que houvesse a criação de entidades que agregassem os
próprios membros da caserna, propiciando assim a divulgação de suas idéias e
a mobilização necessária para desarticular os contra golpistas.
127
4.1 O censor no Clube Militar e a preparação para os expurgos
O termômetro dessa ebulição militar no exército era o Clube Militar que
desde sua criação em 1887, fora um local de debates e de confronto entre
tendências militares opostas, conforme afirma Alain Rouquié:
“suas eleições permitiram não tomar o pulso à sociedade
militar, mas também apreender o que se achava em jogo em
suas lutas internas e, sobretudo analisar in vivo o
funcionamento dos “partidos militares”. (ROUQUIÉ, 1980:23)
Apesar de possuir status de associação recreativa, o Clube Militar não
se resumia apenas a isso, adquirindo uma expressão nacional desde a sua
fundação, dada a inserção dos militares na vida política do país, desde longa
data. Citando, Antonio Carlos Peixoto:
“em um sistema civil com forte componente militar, como o
Brasil de 1930 a 1964, as eleições do clube Militar eram quase
tão importantes para a sobrevivência dos governos quanto as
eleições nacionais. A partir de 1945, a imprensa fez
abertamente a campanha por uma ou outra tendência, que se
organizavam como verdadeiros partidos políticos”. (PEIXOTO.
1980:71)
Além disso, o Clube Militar era um território legalmente livre, onde os
oficiais podiam colocar suas opiniões sobre os principais temas políticos e
econômicos do Brasil e na qualidade de associação legal, reconhecida pelo
Ministério da Guerra, tinha o direito e a possibilidade de organizar o debate,
respeitada a disciplina e a hierarquia. Fosse pela representatividade que
tinham no interior da “caserna”, fosse em decorrência da importância que os
militares tinham no cenário nacional, a questão é que os posicionamentos que
derivavam dos debates encetados neste Clube, adquiriam grande repercussão.
Na década de cinqüenta, seus principais temas acompanhavam os que
eram discutidos no cenário nacional, ou seja, os caminhos para o
desenvolvimento econômico, a participação do capital estrangeiro, as relações
internacionais, a organização política interna e, claro nacionalismo, ou que tipo
128
de nacionalismo. Ocorriam estes longos debates no interior de um Clube, que
abrigava personalidades de um exército que, desde a época de Vargas se
encontrava dividido quanto ao papel do exército e os destinos a se dar à nação.
As metas finais que eles consideravam, era quase um consenso, mas os
caminhos para atingi-las deixavam cisões insuperáveis.
Nesta perspectiva o Clube Militar não era somente uma arena aberta de
discussões militares cujos posicionamentos políticos repercutiam as tendências
da sociedade civil. Ele exercia o papel de um pêndulo a revelar a
predominância de determinadas idéias das elites dirigentes, na medida em que
a relação dialética entre a percepção social e a práxis da instauração de um
sistema econômico não podia prescindir da aceitação institucional das Forças
Armadas.
“Baseamo-nos na hipótese de que é possível examinar o
poder militar a partir de outro ângulo que não o de sua
vizinhança ou distanciamento do poder e de que não seria
destituído de interesse considerar os exércitos como forças
políticas”. (ROUQUIÉ, 1980:12).
Portanto, a liberdade do sufrágio colocava o Clube como uma
associação corporativa que representava os interesse e tendências das Forças
Armadas no contexto social, resultando daí, por vezes, um conflito entre a
direção do Clube e o Ministério da Guerra, pois nem sempre a posição da
diretoria do clube refletia os interesses da política empreendida pelo ministério.
Dependendo da facção representada pelo ministro, e a do grupo que liderava a
diretoria, os conflitos eram inevitáveis.
Em vários momentos esses conflitos do Clube com a hierarquia militar
justapunham uma facção contra a outra, particularmente quando alguma das
alas entendia que os debates e as declarações blicas a respeito de temas
nacionais haviam ferido o digo militar que, por sua vez, proibia qualquer
militar de se pronunciar publicamente a respeito de problemas nacionais.
Exemplo disso, no começo da década de cinqüenta, uma questão
central do período foi o debate em torno da participação do Brasil na Guerra da
129
Coréia
174
. Ao contrário do que aconteceu na Segunda Guerra Mundial, quando
havia setores francamente favoráveis à participação militar direta do Brasil, a
solicitação do governo de Washington para que o país enviasse tropas à
Coréia não foi bem recebida. A ala nacionalista do exército (os getulistas) era
contrária não ao envio de tropas a Coréia, mas também à própria invasão
norte americana, que segundo eles, feria os princípios da autodeterminação
dos povos e da soberania.
175
Através da revista do Clube Militar os nacionalistas que presidiam o
clube naquela ocasião, fizeram severas críticas à invasão da Coréia pelos
Estados Unidos, ressaltando a questão da soberania nacional como preceito
fundamental da Declaração dos Direitos da ONU. Além dessa ferrenha crítica
colocavam os malefícios da participação do capital estrangeiro na economia
nacional que, segundo eles, seria um atraso e total dependência de nossa
economia aos interesses estrangeiros.
174
Em 1950, cinco anos depois de derrotar a Alemanha nazista, os Estados Unidos e a União Soviética,
ex-aliados, entram em conflito pelo controle da Coréia, uma nova zona de influência, arriscando provocar
uma terceira guerra mundial. A península da Coréia é cortada pelo paralelo 38, uma linha demarcatória
que divide dois exércitos, dois Estados: a República da Coréia, no sul, e a República Popular Democrática
da Coréia, no norte. Essa demarcação, existente desde 1945 por um acordo entre Moscou e Washington,
dividiu o povo coreano em dois sistemas políticos opostos: no norte o comunismo apoiado pela União
Soviética, e, no sul, o capitalismo apoiado pelos Estados Unidos. Em 3 de julho de 1950, depois de várias
tentativas para derrubar o governo do sul, a Coréia do Norte ataca de surpresa e toma Seul, a capital.
As Nações Unidas condenam o ataque e enviam forças, comandadas pelo general americano Douglas
MacArthur, para ajudar a Coréia do Sul a repelir os invasores. Em setembro, as forças das Nações Unidas
começam uma ambiciosa ofensiva para retomar a costa oeste, ocupada pelo exército norte-coreano. Em
15 de setembro, chegam inesperadamente em Inchon, perto de Seul, e algumas horas depois entram na
cidade ocupada. Os setenta mil soldados norte-coreanos são vencidos pelos cento e quarenta mil soldados
das Nações Unidas. Cinco dias depois, exatamente três meses após o início das hostilidades, Seul é
libertada. Com essa vitória, os Estados Unidos mantêm sua supremacia no sul. Mas, para eles isso não
basta. Em primeiro de outubro, as forças internacionais violam a fronteira do paralelo 38, como os
coreanos haviam feito, e avançam para a Coréia do Norte. A capital, Piongiang, é invadida pelo exército
sul-coreano e pelas tropas das Nações Unidas, que, em novembro, aproximam-se da fronteira com a
China. Ameaçada, a China envia trezentos mil homens para ajudar a Coréia do Norte. A Coréia do Norte
é devastada. Os suprimentos enviados pela União Soviética são interceptados pelas forças das Nações
Unidas. Durante quase três anos, o povo coreano, uma das mais notáveis culturas da Ásia, é envolvido em
uma brutal guerra fratricida. Milhares de prisioneiros amontoados em campos de concentração esperam
ansiosamente por um armistício. Com a ajuda da China, as forças das Nações Unidas são rechaçadas para
a Coréia do Sul. A luta pelo paralelo 38 continua. Em Seul, as tropas são visitadas por artistas que tentam
elevar seu moral. O General MacArthur, insistindo em um ataque direto à China, é substituído, em abril
de 51, pelo General Ridway. Em 23 de junho começam as negociações de paz, que duram dois anos e
resultam num acordo assinado em Pamunjon, em 27 de julho de 53. Mas, o único resultado é o cessar
fogo. Na guerra coreana morreram cerca de três milhões e meio de pessoas. O tratado de paz ainda não foi
assinado, e a Coréia continua dividida em Norte e Sul.
175
Tanto a ala conservadora (os sobornistas/internacionalistas) como os órgãos da policia política, viam
nessa facção nacionalista, das Forças Armadas um antro de comunistas infiltrados na corporação.
130
A polêmica em torno desse fato foi grandiosa e acabou afastando a
direção do Clube Militar e a interrupção da revista durante quatro meses. Na
imprensa, alguns partidos políticos mais afinados com os internacionalistas e
os “sorbonistas” da ESG se aproveitaram desse acontecimento para
desestabilizar os “nacionalistas” tanto no Clube Militar, através de seus cios
que reagiram prontamente repudiando o acontecimento, como na opinião
pública, associando nacionalismo com comunismo e colocando os perigos dos
ideais comunistas terem chegado às Forças Armadas e estarem se infiltrando
em toda a sociedade civil, como ficou demonstrado no capítulo anterior.
Esse posicionamento dos “sorbonistas” em relação aos nacionalistas,
acusando-os de comunistas, revela a estreiteza da burguesia autocrática em
não reconhecer as mínimas conquistas de um Estado de direito, começando
pela autodeterminação dos povos até a garantia do cumprimento dos direitos
constitucionais as classes subalternas. Nesse sentido o discurso democrático
das autoridades é a sua própria negação, pois a truculência policial, o
desrespeito às conquistas e avanços da classe trabalhadora, a não
observância da lei, já caracterizava a sua atrofia, conforme salienta o autor:
“No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou
dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por
uma época de ilusões humanitárias e de tentativas mesmo
utópicas de realizar na prática o “cidadão” e a comunidade
democrática. Os movimentos neste sentido ocorridos no século
passado e no início deste século foram sempre agitações
superficiais, sem nenhum caráter verdadeiramente nacional e
popular. Aqui, a burguesia se ligou às antigas classes
dominantes, operou no interior da economia retrógrada e
fragmentada. Quando as transformações políticas se tornavam
necessárias, elas eram feitas “pelo alto”, através de conciliações
e concessões mútuas, sem que o povo participasse das
decisões e impusesse organicamente a sua vontade coletiva.
Em suma, o capitalismo brasileiro, ao invés de promover uma
transformação social revolucionária o que implicaria, pelo
menos momentaneamente, a criação de um “grande mundo
democrático – contribuiu, em muitos casos, para acentuar o
isolamento e a solidão, a restrição dos homens ao pequeno
mundo de uma mesquinha vida privada.”(COUTINHO apud
CHASIN, 2000:54)
131
Diante desse determinante estrutural é que se revela a atrofia do Estado
autocrático: um governo de minoria burguesa que desarticula e reprime a
sociedade civil, mas que tem no discurso político a explicação racional de seus
atos, invertendo a realidade concreta, em cima de um tipo ideal. Assim explica
Lívia Cotrim sobre autocracia e politicismo:
“Autocracia e politicismo, longe de serem contingentes ou
restritos a um momento histórico singular, são determinados
pela atrofia histórica e estrutural do capital e da burguesia de via
colonial, retardatária, conciliadora e subordinada,
economicamente liberal, mas sem aspirações democráticas.
Estreiteza econômica e conseqüentemente política que lhe
inviabilizam o exercício da hegemonia sob forma democrática
que exigiria a integração e participação de todas as categorias
sociais e deixam-lhe apenas duas alternativas para sua
dominação: a “truculência de classe manifesta” o
bonapartismo, expressão armada do politicismo ou a
“imposição de classe velada ou semivelada” a autocracia
institucionalizada, expressão jurídica do politicismo. A
alternância entre estes dois pólos pode ser observada tanto na
ultima ditadura militar e sua posterior “abertura”, quanto na
sucessão do Estado Novo pela assim chamada
“redemocratização” de 1945/46.” (COTRIM, 2000:VIII)
Nessa perspectiva, as contradições sociais que tanto as Forças
Armadas tentavam reprimir, estavam também no interior das suas tropas, se
apoderando das guarnições militares, e ecoando dentro de uma instituição
militar que em ultima instância era considerada recreativa. Diante de debates
acirrados sobre a conjuntura nacional colocando em evidência que não havia
unidade no pensamento militar, a alta patente do exército reprimia. Na maioria
dos casos aplicava punições, que eram sempre exemplares, afastando-se
qualquer oficial que desrespeitasse as normas, independentemente de sua
patente na corporação. Acontecimentos dessa natureza minavam a autoridade
perante a tropa, resultando daí novos e acirrados debates entre as facções.
Tais divergências no interior do Clube Militar eram “apimentadas” pela
imprensa e com repercussões em várias agremiações civis e partidárias o que,
por sua vez, obrigava o Executivo a se posicionar e solicitar a destituição de
alguma alta patente do exército para garantir a volta da normalidade
democrática”:
132
“A politização do clube e as relações entre as facções militares
e a hierarquia provocaram, em certas situações, tensões
bastante violentas que repercutiram nas Forças Armadas.
Inversamente, a ação de grupos e tendências que agiam no
âmbito das Forças Armadas, relacionados com outros grupos e
partidos civis, sempre repercutiu no Clube, e as mudanças
ocorridas na vida política, provocando modificações na
composição da hierarquia militar, foram responsáveis por
mudanças e orientação política e ideológica”. (PEIXOTO.
1980:75).
Tais divergências se misturavam, portanto, com as denúncias de
infiltração comunista acirrando o discurso dos “sorbonistas” e dos nacionalistas,
como demonstra esse relatório do Serviço Secreto do dia 11/03/1951 alertando
para o ambiente de tensão no Ministério da Guerra, devido ao ministro General
Estilac Leal estar seriamente comprometido com a “ala vermelha” e que nos
meios militares as opiniões convergiam para o seu afastamento do
ministério.
176
Percebe-se que o clima de tensão na corporação tende a piorar, na
medida da radicalização dos oficiais que se referem a um “clima de guerra”
atribuído a uma movimentação dos comunistas infiltrados nas Forças Armadas.
Em 10/03/1952 o censor informa que “Círculo de Oficiais Comunistas
(C.O.C.)
177
estão em todo lugar, e o que é pior, fazem parte de alguns
comandos militares”:
“COMUNISMO São Paulo, 10 de Março de 1952. SETOR
MILITAR Andam acima e abaixo os elementos do “C.O.C.”
(Círculo de Oficiais Comunistas) e a 4 do corrente estava no
Rio, no afã de sempre, o ex-capitão Alexandre da Cunha
Ribeiro, agente de ligação entre outros desse grupo. Preparam
os quadros para as eleições do Clube Militar, ou - Mas se por
medida de precaução tomam o comando da infantaria da Vila
Militar ao General Cunha Cruz, mas intranqüilos ficamos ao
saber ele vem para Caçapava, em nosso Estado, como
comandante de grande unidade sediada ali; Assim sendo em
nada melhorou a situação pela troca noticiada. É uma grande
unidade em nosso Estado, em mãos de um General comunista.
176
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 138 de 11/03/1951
177
Os censores da DOPS e os “sorbonistas” chamavam pejorativamente os oficiais que eram nacionalistas
de pertencerem ao Circulo de Oficiais Comunistas.
133
tempos falando em Paz do Iguassú
178
, denunciamos a
passagem por ali de armas, munições e correios que servem
aos comunistas. Pois com surpresa estamos sabendo que o
comandante do Porto, ali agora, é nada mais e nada menos que
o comandante ALDABERTO PIMENTEL, militante comunista.
Afinal, com isso o que pretende o Governo. É ou não é esse
oficial da Marinha de Guerra um autentico comunista, e como tal
conhecido.”
179
Nesse outro relatório do dia 14/03/1951 o censor informa, no mesmo
diapasão:
“Em boa fonte um coronel do Estado Maior da 1ªR.M se
colheu a informação de que está em curso um movimento
objetivando a demissão do General Estilac Leal. O titular da
Pasta da Guerra ainda não se animou a revogar os atos de seu
antecessor que puniram, com transferência para regiões
distantes, os oficiais que se envolveram nos acontecimentos
que tiveram por palco o Clube Militar.(...) Esses fatos vem
constituindo o divisor de águas entre as duas correntes dentro
do exército:uma de tendências esquerdistas liderada pelo
próprio ministro e outra pelos Generais Canrobert e Góes.”
180
A partir daí o crivo do Serviço Secreto estará acompanhando toda a
movimentação do Clube Militar, suas reuniões, seus debates e claro seu
processo eleitoral, monitorando também junto à imprensa o que era publicado a
respeito das polêmicas oriundas da agremiação. Como nesse relatório datado
de 17/03/1952, onde o censor relata a situação político partidária no distrito
federal (Rio de Janeiro) e os movimentos populares contra a carestia, culpando
os comunistas de incitarem a população ao “quebra-quebra”.
181
Ainda nesse relatório encontra-se uma detalhada descrição de uma
possível infiltração comunista na administração do Clube, conforme afirmação
do Coronel Nilton Dias dos Santos, que segundo ele eram os de maior número.
Ele acredita que o atual Ministro da Guerra General Estilac seja comunista.
178
Provavelmente o censor se refere ao Conflito do Contestado em 1912. Os conflitos prolongaram-se até
1916, quando foi estabelecido um acordo entre o Paraná e Santa Catarina, dando fim a questão de limites
e ao mesmo tempo, encerrando-se com a intervenção das forças oficiais, a questão do homem da terra.
Em 1917, Santa Catarina entra de posse das suas terras conforme o acordo firmado. Surge Porto União
como terra catarinense.
179
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 155 de 10/03/1952
180
Relatório de 14/03/1951 do Setor “S.V.I.”. “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento
nº 139
181
Comunicado do S.S. de 17/03/1952 nº do setor 644 “S.V.I.”. “Relatório ReservadoDossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 153 página 1.
134
A preocupação do Coronel é com as próximas eleições que decidirão os
destinos do Brasil, pois o espectro comunista seria uma ameaça às instituições.
Também critica o governo de Getulio Vargas em ter um ministro da guerra
comunista. Coloca também a formação da “Cruzada Democrática” composta
por generais a favor de expurgar os comunistas das instituições:
“Entretanto, com a publicação, dia 11 do corrente, pela
imprensa, de uma nota manifesto oficial da “Cruzada
Democrática” os militares tomaram posição definida. A referida
publicação assinala terem aceito a presidência de honra da
Cruzada Democrática pró candidatura Alcides Etechgoyen-
Nelson de Melo, os marechais Mascarenhas de Morais e
Speridião Rosas bem como os generais Canrobert Pereira da
Costa, JoPessoa e o brigadeiro Alves Seco. Esses militares
vinham se abstendo de manifestações políticas, e eis que agora
se definiram pela Cruzada Democrática, em face da forte
penetração soviética nas nossas Forças Armadas. Tamanha
manifestação de repudio à doutrina materialista impressionou
fortemente a opinião pública, esperando que assumam igual
atitude outros elementos de real prestigio, chefes militares do
exército, marinha e aeronáutica. Todos quanto ainda não
perderam a fibra do amor do amor pátrio, são unânimes em
externar publicamente suas manifestações pela vitória de
Etchgoyen - Nelson de Melo, que será barreira a impedir o
extravasamento da lama stalinista que agora ameaça a
derrocada total do Clube Militar e das nossas instituições
políticas e religiosas.”
182
Diante dessas acusações o Ministro da Guerra Estilac Leal
declaração no Jornal “Folha da Tarde” em 17/03/1952, afirmando que a crise
que ronda o Clube Militar o tem o caráter que se lhe procura atribuir,
manifestando-se favorável a um entendimento entre as duas correntes,
mediante a fusão dos programas.
183
Mas a situação do ministro se agrava cada
vez mais, como descreve esse relatório do Serviço Secreto sobre a situação
militar na capital federal em 19/05/1952, onde percebemos a preocupação do
agente com a situação de confronto no exército:
“De um nosso reservado do Rio de Janeiro, recebemos uma
noticia, telefonicamente, de que a situação militar na Capital
Federal está tomando um aspecto serio, em virtude da luta
existente entre as correntes anticomunista e comunista
182
Comunicado do S.S. de 17/03/1952 nº do setor 644 “S.V.I.”. “Relatório ReservadoDossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 153 páginas 3 e 4.
183
Recorte do jornal “Folha da Tarde” de 17/03/1952. Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 152
135
propriamente ditas, originária dos acontecimentos do Clube
Militar.
184
A corrente anticomunista exige uma serie de medidas,
tendentes a expurgar o exército dos maus elementos e, de certo
modo, fala-se em medidas mais extremas por parte da referida
corrente, se as medidas pleiteadas não forem efetivadas. (...) É
voz corrente que, se não houver solução, será decretado o
Estado de Sitio, porquanto é certo que a situação tende a
agravar-se de forma alarmante. São Paulo, 19 de Março de
1952.”
185
A pressão da corporação acabou provocando a sua saída do ministério,
em 28.03.1952 o jornal “Correio Popular” anunciava o novo Ministro da Guerra,
General Ciro do Espírito Santo Cardoso
186
. O jornal “Correio Paulistano”
também publicava no mesmo dia a saída do General Estilac com a seguinte
chamada: “Ultimatum de Vargas a Estilac” relatando o pedido de demissão do
General Zenobio da Costa entregue pelo General Estilac, que ao mesmo
colocava também seu cargo à disposição ao presidente Vargas.
187
Esse pedido de demissão teve uma repercussão extremamente negativa
revelando um racha nas forças armadas, pois denunciava a cumplicidade do
governo Vargas com a infiltração comunista no exército, através dos
nacionalistas:
Adianta-se que o general Zenobio da Costa encaminhou ao
presidente da república a sua prometida carta, relatando-lhe
detalhadamente a extensão da infiltração comunista nos corpos
da Região Militar. Nessa carta, o comandante desse
importante setor do exército teria justificado o seu pedido de
demissão do posto com o fato de não lhe terem sido propiciados
os elementos necessários para a repressão do perigo vermelho
na tropa, pois segundo ainda o que se disse em relação aos
termos da carta – o próprio chefe do serviço secreto do gabinete
do ministro da guerra estaria contemporizando com os
184
O censor se refere aos nacionalistas (getulistas) e os ““sorbonistas”” da Escola Superior de Guerra, que
se digladiavam no Clube Militar pelas suas posições e debates através da Revista do clube e seus
pronunciamentos na imprensa civil. Os nacionalistas lideravam um apoio maciço ao desenvolvimento
endógeno brasileiro enquanto que os ““sorbonistas”” além de serem a favor da entrada de capitais
estrangeiros no país e sobretudo norte americano, eram ferrenhos anticomunistas, pois viam nesse debate
provocado pelo clube Militar como também as posições nacionalistas que predominava no clube, um
terreno fértil a infiltração comunista nas Forças Armadas.
185
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 154 de 19/03/1952
186
Recorte do Jornal “Correio Paulistano” de 28/03/1953 anexo ao“Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 162
187
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 28/03/1952 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 164
136
bolchevistas e com seus simpatizantes. (...) A única coisa que
posso declarar é que há muito comunismo no exército”
188
Em 25/03/1952, o Chefe do Estado Maior do Exército, General Góes
Monteiro declara no jornal “Correio Paulistano”, “ser incontestável a infiltração
comunista nas hostes militares do país”. Esse pronunciamento se deu pelo
pedido de demissão do general Zenobio da Costa, que alega não ter condições
de comandar suas tropas, sabendo da existência de comunistas na sua
corporação. Conforme avaliação do censor em seu relatório, esta circulação de
idéias sobre um possível golpe decorre do fato da ala direitista não aceitar os
comunistas no governo e no exército.
189
O desfecho da crise atingiu, portanto, os dois chefes militares que em
novembro de 1950 se pronunciaram abertamente em favor da posse de Getúlio
na presidência. O general Ciro do Espírito Santo Cardoso assumiu o lugar de
Estillac no Ministério da Guerra, transmitindo a chefia do Gabinete Militar ao
general Aguinaldo Caiado de Castro.
Naquela semana um destacado opositor do nacionalismo, o general
Canrobert Pereira da Costa, tinha declarado enfaticamente: "A mão comunista
está em todos os cantos e é preciso cortá-la. Sou favorável a que o governo
tome drásticas medidas contra a infiltração comunista para que possamos
voltar a trabalhar em paz."
190
Mas a saída do general Estilac Leal do ministério
da guerra não diminuiu a tensão provocada pelas suas posições nacionalistas
consideradas subversivas.
O embate agora seria na eleição do Clube Militar onde o general Estilac
Leal era o candidato pela chapa nacionalista juntamente com o General Julio
Caetano Horta Barbosa, enquanto do outro lado, representando a chapa da
Cruzada Democrática, estavam os generais Alcides Gonçalves Etchegoyen e
Nelson de Melo. O Serviço Secreto acompanhou de perto o pleito, colocando
188
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 25/03/1952 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 159
189
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 20/03/1952 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 156
190
Recorte do jornal “Diário de São Paulo” de 26/03/1952 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 160A
137
na espia dos acontecimentos dois agentes que produziram dois relatórios
distintos
191
sobre estas eleições.
É por meio destes relatórios que recuperamos que a vitória coube à
chapa da Cruzada Democrática com 8288 votos contra 4489 da chapa
nacionalista.
192
O censor assim define a vitória da Cruzada Democrática:
“A vitória da Cruzada Democrática veio demonstrar, de modo
iniludível, que a luta não se travou apenas em torno de dois
nomes, mas em torno de duas idéias: uma, de finalidade
francamente subversiva que pretendia fazer do Clube Militar um
trampolim para a conquista de objetivos inconfessáveis e
vergonhosos e outra que quer e vai colocar essa agremiação de
classe em seu verdadeiro lugar de entidade de propósitos
sociais, e cujos membros compete inteira fidelidade às
instituições, cuja sobrevivência está na razão direta de sua
própria vida.”
193
Com a vitória do pleito a chapa da Cruzada Democrática não demorou
muito a propor o expurgo do Clube Militar dos sócios considerados comunistas,
o que foi noticiado pelo o jornal Diário de São Paulo em 03/06/1952:
“Afastamento dos associados com tendências comunistas. Rio –
Estiveram hoje à noite, na residência do general Alcides
Etchegoyen, os dirigentes da “Cruzada Democrática”, a fim de
examinar problemas relacionados à execução do programa
eleitoral vitorioso, no ultimo pleito do Clube Militar. Embora a
reunião tenha decorrido a portas cerradas, consta que um dos
assuntos tratados diz respeito ao afastamento do grêmio de
associados com tendências subversivas. Nesse capítulo, estaria
a nova diretoria decidida a agir com todo o rigor, dentro dos
regulamentos militares e da legislação gera dentro da
matéria.”
194
Percebe-se que tanto o alto comando militar como a imprensa divulgava
a infiltração comunista nas Forças Armadas a partir do Clube Militar,
responsabilizando-o como o antro dos “nacionalistas comunistas”. A proposta
191
“Relatório ReservadoDossiê DEOPS 50.Z.09 documento 172 e 173, datados de 22/05/1952 e
26/06/1952 respectivamente. O dois contém basicamente as mesmas informações, por isso foi apenas
citado o mais representativo deles.
192
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 172 página 3 de 22/05/1952.
193
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 172 página 4 de 22/05/1952
194
Recorte do jornal “Diário de São Paulo” de 03/06/1952 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 174
138
do expurgo nas Forças Armadas teria que partir então da própria agremiação
militar que sempre fora considerado como o reduto cívico da nação brasileira
face aos grandes problemas nacionais. Considerar o Clube naquela conjuntura
do começo dos anos 50, como reduto comunista era uma afronta para o Alto
Comando do Exército, representado principalmente pelos generais da ESG.
Tal atitude reacionária da diretoria do clube para com os associados
demonstrava aos censores que a “vigilância imperava” sobre o “credo
vermelho”.
Mas para a caserna, a “Cruzada Democrática” era um lampejo de um
movimento muito mais profundo na mentalidade militar, a idéia de que as
Forças Armadas teriam que governar. Segundo eles, a falência da sociedade
civil em administrar, através do poder público, as mazelas estruturais e
conjunturais da realidade brasileira, demonstrava que o caminho para a
superação daquelas mazelas seria a condução desta política pelos militares,
único setor capaz de promover o desenvolvimento econômico e tecnológico
através da inserção do Brasil no cenário capitalista mundial, da aproximação
com as grandes potências em particular com os Estados Unidos, o qual,
através de um pacto de ajuda mútua político militar, colocaria o país como o
centro geopolítico das Américas.
Para os idealizadores da repressão o crescimento dos movimentos
populares crescia proporcionalmente ao avanço comunista, desta maneira
refletiam a força que poderiam ter se não fossem reprimidos. O empecilho não
era propriamente o “Estado de Direito”, mas sim o possível apoio da sociedade
civil a estes movimentos. O expurgo era a primeira e pontual ação que veio
para crescer e tomar as rédeas da situação. Os membros da ESG apostavam
na divulgação de suas idéias, certos que encontrariam “eco” em outras
organizações de classe. Assim, paradoxalmente, o “Estado de Direito”
aprofundava a necessidade da vigilância e do expurgo dos agentes sociais
“inimigos da pátria”.
Esta passagem da história do Brasil foi registrada pelo Serviço Secreto
com a produção de inúmeros relatórios, aos quais se misturam reproduções de
139
notícias de jornais. Em 25/03/1952, o censor registra do jornal “Diário de São
Paulo” a seguinte manchete:
“INFILTRAÇÃO COMUNISTA NAS FORÇAS ARMADAS
Serão estendidas as diligências a todas as regiões militares do
Brasil. Iminente a prisão de rios oficiais da R.M.
Confissão do motorista do general Góes Monteiro – Noticias
infundadas sobre a carta do general Zenobio da Costa Estado
de alerta no Departamento Federal de Segurança Pública. RIO,
24”
195
Essas medidas de enquadramento da oficialidade serão cada vez mais
freqüentes ao longo da década de cinqüenta, demonstrando a preocupação
das Forças Armadas com o respeito à hierarquia, a disciplina e a fidelidade aos
princípios militares e nestes casos, os relatórios dos censores adquire um tom
mais formal e jurídico que pudesse ser usado como peça acusatória.
Começando pela caserna, o Estado deixava claro que sua perseguição
seria sem fronteiras. Em 16/03/1952 o DOPS de São Paulo, por solicitação do
Ministério da Guerra, levanta informações sobre o Major Intendente Sebastião
de Hollanda Cavalcante. Além das informações de praxe, endereço, lugar de
nascimento, estado civil, o referido órgão informa que o Major tem um filho de
16 anos que cursa o ginasial no Ginásio Osvaldo. Descreve a trajetória
profissional dentro das Forças Armadas, que contatos fez no decorrer de sua
carreira, com quem era simpatizante e que idéias defendia. Até a sua fala
numa palestra foi mencionada no relatório:
SEBASTIÃO DE HOLLANDA CAVALCANTE Major
Intendente do Exército. Em janeiro de 1952 residia a Rua
Maracaí, 248, Bairro da Aclimação, com sua família composta
de esposa e um filho de 16 anos, que cursava o Ginásio
Osvaldo. É proprietário do carro particular, chapa: 2-54-17. É
natural do Estado de Pernambuco. Quando capitão, comandou
a 2ª Companhia de Intendência, localizada na Lapa. Deixou
aquele comando quando matriculou-se na Escola de Oficiais, no
Rio. Terminado o curso, voltou para S.Paulo, indo servir no
Estabelecimento Regional de Finanças da Região Militar, à
Rua da Conceição, 58 7º andar. Por essa ocasião, ali declarou
em palestra, que entre a política Americana e o comunismo, a
primeira era mais perigosa. Após, foi transferido para o Serviço
195
Recorte do jonral “Diário de São Paulo” de 25/03/1952 anexo ao
Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 157
140
de Intendência da 2ª Região Militar, onde, ainda em princípios
de 1952, se encontrava. Quando o General Estilac Leal foi
Ministro da Guerra, o Major era seu grande admirador. Também
é associado do “Clube Militar” do Rio. Era meio ligado ao Cel.
Hobson Coutinho, seu chefe no Serviço de Intendência. Em
1952, era contrário á política do Dr. Ademar de Barros,
combatendo o “PSP”. Segundo nos consta, o Major tem
parentesco com Arnaldo de Hollanda Cavalcante que, em
Janeiro de 1952 fora detido em Recife por possuir em seu poder
armas do Exército, sobre as quais haviam suspeitas de serem
destinadas a elementos comunistas. A imprensa noticiou esse
fato. Também parece ser aparentado com Deocleciano de
Hollanda Cavalcante, líder sindical de regular prestigio e filiado
ao “Partido Trabalhista Brasileiro”, pelo qual foi candidato a
Deputado em duas oportunidades. Deocleciano, de um modo
geral, sempre combateu as correntes comunistas infiltrados no
meio sindical. Ultimamente, quando da administração do
Ministro do Trabalho João Goulart, tornou-se um dos seguidores
de sua política ambígua. São Paulo, 16-3-1952.”
196
Da sua declaração na palestra de que entre a política americana e o
comunismo, a primeira era mais perigosa”, lhe valeu a pecha de comunista.
8 documentos
197
que se referem ao Major, pois a cada momento em que se
colocava a possibilidade de uma promoção, era de praxe solicitar-se o atestado
de antecedentes criminais fornecidos pelo DOPS, e como na sua ficha
funcional constava que em 1952 o órgão havia informado que ele era elemento
comunista, a Segunda Secção do Estado Maior do Exército solicitava a
confirmação desta acusação.
As informações policiais e as do Serviço Secreto posteriores a esse ano
de 1952 o inocentam, pois se constata que não é conhecido nos meios
comunistas. Mesmo assim, quando da troca de comando da Secção do
EME, novamente foram pedidas informações mais recentes sobre o referido
major. Aquela simples referência que o caracterizava como sendo “elemento
comunista” acompanhou a sua trajetória na carreira militar, colocando sempre
de sobreaviso os novos comandantes nomeados (seus superiores militares)
que saiam em busca desenfreada de informações sobre o seu possível
envolvimento com aquela ideologia. Os seus parentes de sobrenome também
196
Secretaria de Segurança Pública. Departamento de Ordem Política e Social. São Paulo. Relatório
Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 236-A página 7
197
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 236, 236-A pagina 1-7. Correspondências
entre o Ministério da Guerra , a Secretaria de Segurança Pública de são Paulo, o DOPS e o Serviço
Secreto.
141
são citados, como Arnaldo de Hollanda Cavalcante, detido em Recife por
possuir em seu poder armas do exército, que o Serviço Secreto suspeita que
se destinavam a elementos comunistas, ou Deocleciano de Hollanda
Cavancante, líder sindical de prestigio, filiado ao PTB, candidato a deputado
duas vezes.
Como se percebe os oficiais não têm garantias de privacidade pelo
cargo que ocupam, sendo muito mais vigiados na medida em que fosse
encontrados alguma declaração, participação ou contato com alguém que
pudesse colocá-los na qualidade de suspeitos. uma infinidade de relatórios
como esse nas pastas da DOPS-SP, onde o “vai-e-vem” de informações
confidenciais circula entre o Ministério da Guerra, a Secretária de Segurança
Pública do Estado, os comandos militares e a chefia do Serviço Secreto.
Nesse ínterim os comandos militares favoráveis ao expurgo pressionam
o Ministério da Guerra e o alto comando das Forças Armadas para que uma
atitude fosse tomada. havia material suficiente como aquele mencionado
acima, que demonstrava aos comandos militares que o número de
simpatizantes excedia ao tolerável, repudiando assim as liberdades civis em
vigor que afetavam diretamente a disciplina militar.
Em que pese a crise no alto comando militar, os expurgos se iniciam
com a prisão e vários subalternos, conforme indica o censor em 1952.
“O número de comunistas militares presos até agora é
exatamente de 19, sendo 18 sargentos e um cabo. Nenhum
oficial foi preso ainda, sendo certo, no entanto, que em
conseqüência dos depoimentos tomados, dentro de alguns
dias verifiquem-se prisões de alguns deles. Os subalternos
presos até agora encontram-se recolhidos no Quartel da Polícia
Militar do Exército, para onde foi levado também todo o material
de propaganda até agora apreendido. Nessa unidade foram
tomados pelo próprio delegado de Ordem Política e Social do
D.F.S.P., cel. Adolfo Rosas, os depoimentos dos 19 militares
vermelhos”.
198
Após quatro meses continuava ainda o expurgo se estendendo agora na
aeronáutica. Em 15/07/1952 o jornal “Correio Paulistano” publicava:
198
Recorte do jornal “Diário de o Paulo” de 25.03.1952 anexo ao Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 157
142
“Inquéritos em todas as bases aéreas do país. Novo e
surpreendente impulso acaba de ser dado ao inquérito sobre as
atividades comunistas no setor da aeronáutica. Foi determinado
o procedimento, simultâneo e com a mesma finalidade, de
inquéritos semelhantes em todas as bases aéreas do país.”
199
Em novembro de 1952 o jornal “O Globo” noticiava que o ministro da
guerra assinava portaria excluindo da reserva da classe do exército, por
incapacidade moral, aspirantes a oficial. O que determinou a decisão foi o fato
de esses militares exercerem atividades comunistas, conforme foi apurado em
inquérito.
200
uma infinidade de noticias dessa natureza revelando a ação
repressiva do Estado junto às forças armadas, tentando desestimular e
desarticular qualquer movimentação de “massa” dentro da corporação militar.
O clima de caça às bruxas é de tamanha monta que mereceu ação
conjunta da Polícia Política com a Polícia do Exército e neste clima de
vigilância de todos contra todos, até mesmo o chefe do Serviço Secreto do
Exército passa a ser acusado de ser “elemento suspeito”, merecendo do autor
do relatório o ateste de sua idoneidade:
“Também não procede a informação, hoje divulgada por um
vespertino, de que o chefe do Serviço Secreto do Exército fora
apontado pelo gal. Zenobio da Costa como elemento suspeito.
Tratava-se, dizia a informação, do tte.cel. Moura da Cunha. Ao
que nos foi informado hoje, o chefe do Serviço Secreto ou da
segunda secção do Estado Maior, é outro oficial anticomunista
ao extremo e que vem superintendendo as diligencias a que
acima nos referimos. Quanto ao tte.cel. Moura Cunha, que
serve no gabinete do ministro da guerra, a Polícia Política
201
que
por solicitação das autoridades militares vem desenvolvendo
ação conjunta com a polícia do exército, até agora não tem
nada contra o mesmo.”
202
199
Recorte do jornal “Correio Paulistano de 15.07.1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 180
200
Cópia de recorte do Jornal “O Globo” do Rio de Janeiro de 20.11.1952 anexo ao Relatório
Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 188
201
Raro depoimento onde o trabalho da Polícia Política é divulgado. A “mão” da vigilância do Serviço
Secreto está no fornecimento das informações ao Exército dos elementos subalternos, pois enormes
dossiês desses sujeitos na documentação dos arquivos da DOPS.
202
Recorte do jornal “Diário de São Paulo” de 25.03.1952 anexo ao Relatório Reservado Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 157
143
Chama a atenção, neste relatório, a denúncia contra um sargento
destacado para servir como motorista do General Goes Monteiro. Preso pela
Polícia do Exército é acusado de ser agente infiltrado, após o interrogatório
acaba por confessar suas atividades subversivas. O relatório passa
rapidamente pela questão do interrogatório e não se refere à prática de tortura
para a obtenção de informação, tão incorporada nestes órgãos. Mas o que
chama a atenção é o tom persecutório contido na acusação do censor, que
indica a existência de uma infiltração longamente planejada, à semelhança de
contos de espionagem internacional.
“A mais importante prisão feita até agora pela Polícia do
Exército, foi a do sargento Ataíde, posto à disposição do general
Góes Monteiro como motorista, Ataíde integrando as hostes
comunistas, fica atento às conversas do Chefe do Estado Maior
das Forças Armadas, com outras altas patentes militares, com
políticos, parlamentares e membros do Poder Executivo. E de
tudo que ouvia no automóvel, enquanto dirigia, redigia ele
minuciosos relatórios e os entregava aos chefes vermelhos.
Ataíde, interrogado demoradamente pela Policia Política, tendo
à frente o inspetor Cecil Borer, procurou o mais que pôde
resistir às incessantes e desconcertantes perguntas que lhe
eram feitas, mas acabou se desmascarando. Declarou-se
comunista, relatou toda a sua atividade e com o prosseguimento
do interrogatório acabou se transformando num manancial de
informações preciosas. Ele forneceu elementos que
possibilitaram às autoridades policiais, civis e militares ir longe
nas suas diligencias. Logo que as diligencias estejam
concluídas na Região Militar deverão estender-se às demais
regiões. Foi o que conseguimos saber, adiantando os nossos
informantes que a orientação dessas diligencias nos Estados
continuará a cargo da Policia Política do D.F.S.P.. Espera-se
que até o dia 15 de abril próximo o inquérito esteja concluído.
O inquérito será todo processado pelo DOPS que, como hoje
declarou à reportagem o cel. Adolpho Rosas, o encaminhará ao
Supremo Tribunal Militar”.
203
Neste mesmo dia, o General Góes Monteiro, em declarações ao “Correio
Paulistano” fala sobre a gravidade da situação nas Forças Armadas, o que,
segundo ele, demandava um expurgo exemplar, que a infiltração comunista
colocava a necessidade da “defesa da nação” e que tal atitude das autoridades
era para “garantir as liberdades democráticas e a família brasileira”:
203
Recorte do jornal “Diário de São Paulo” de 25.03.1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 157
144
“Necessário o expurgo nas Forças Armadas. Afirma o chefe do
Estado Maior do Exército ser incontestável a infiltração
comunista nas hostes militares do país. Falando á reportagem,
sobre a demissão do comandante da Região Militar, o
general Góes Monteiro,a certa altura se refere à necessidade de
um expurgo entre as forças armadas: Só ontem à noite, tive
conhecimento do pedido de demissão do general Zenobio
disse o chefe do Estado Maior Geral das Forças Armadas.
Acredito no patriotismo do general Estilac, sobretudo se ele
reconhecer à necessidade de restabelecer a coesão do
Exército, como deve ocorrer também com outros ramos das
Forças Armadas, trabalho este de unidade, que poderá ser feito
através dos chefes mais prestigiosos entre os quais se inclui o
general Zenobio. Creio que o ministro da guerra está na
disposição de dar-lhe todo o apoio, como aos demais chefes,
para coibir as indisciplinas e a infiltração comunista. Não é
possível dentro das forças armadas, a união de militares
brasileiros dispostos a defender a pátria e a liberdade com os
bolchevistas a serviço de uma potencia estrangeira. -“Cumpre
distinguir os militares brasileiros e anti-soviéticos daqueles cuja
pátria é a Rússia e por cujos interesses lutam. Feita esta
distinção, poder-se-ia marchar com menos dificuldade para uma
solução. As instituições militares tem de ser respeitadas. Os
chefes que não souberem devem ser expurgados.”
204
O jornal alerta ainda que, apesar das declarações sobre a tranqüilidade
nos meios militares, havia rumores de mobilização o que seria considerada
tentativa de golpe ou desordem constitucional e, neste sentido, reprimida:
“Enquanto se afirma que tranqüilidade nos meios militares
embora se assinale declaração do ministro da guerra a pessoas
intimas de que será esmagada qualquer tentativa de golpe ou
de participação da ordem constitucionais uma tendência a
ampliar desmedidamente a repercussão do ato do general
Zenobio da Costa solicitando demissão do comando da
Região Militar. Contra isso insurge-se o próprio general es
Monteiro em novas declarações à imprensa ao mesmo tempo
em que denuncia o perigo vermelho em fase de ebulição.
“A infiltração comunista nas forças armadas disse ele é um
fato que pode ser negado por quem esteja de fé.
Ninguém pode mais ter vidas sobre essa infiltração e sobre
os perigos dela decorrentes. Salvo exceções, a maior parte dos
oficiais comunistas que participaram na Intentona de 1935
continua aí, com a adesão, aliás, de novos elementos, durante a
guerra e depois. É um fato incontestável. Considero-me,
entretanto, um tanto alheio aos acontecimentos, e, embora
204
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 20.03.1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 156
145
.tenha relações com todos os generais e quase todos os
almirantes e brigadeiros, não tenho tido oportunidade de tratar
desses assuntos tão deploráveis, cujas causas são várias,
inclusive a campanha de descrédito contra os chefes do
Exército e as instituições armadas, através da imprensa e nos
bastidores. Com relação a este último aspecto, a audácia, entre
nós, chegou a limites nunca vistos em país algum do mundo.”
205
A tentativa de mostrar um clima de “paz” dentro das Forças Armadas era
evitar que a opinião pública percebesse o clima de animosidade no interior da
alta oficialidade e que o expurgo era uma medida necessária para reprimir a
infiltração comunista nas hastes das Forças Armadas. Apesar dessa medida
presidencial, o expurgo continuou, agora com mais força, com o objetivo de se
tomar medidas mais extremadas para o saneamento das tropas militares,
conforme revelava o artigo do jornal Correio Paulistano” em 04/04/1952 com a
seguinte manchete:
“Serão julgados pelo Superior Tribunal Militar todos os militares
considerados comunistas. Os principais 'cabeças’ do movimento
sofrerão penas de até 30 anos de prisão. Envolvido na trama
“vermelha”, um alto oficial do exército. (...) As diligências da
DOPS e do Serviço Secreto do Exército prosseguem visando
extirpar de vez a ação dos bolchevistas no seio das forças
armadas. Na ultimas horas prosseguiram as prisões de civis e
militares envolvidos nessas atividades, não sendo fornecidos à
imprensa os nomes dos detidos.”
206
Em estudo sobre estes expurgos, o historiador Ronaldo Queiroz de
Morais
207
retrata o que acontecia com tais militares, as condições de seus
aprisionamento, a prática de tortura que acompanhava os interrogatórios e os
isolamento a que eram confinados:
“A dupla derrota política dos militares ligados a Estillac Leal com
a perda do Ministério da Guerra e com a vitória da chapa da
Cruzada Democrática em 1952, criou as condições para
relações de poder extremamente assimétricas. As pressões
exercidas sobre os militares de esquerda foram intensas. Eram
205
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 20.03.1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 156
206
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 04/04/1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 166
207
MORAIS, Ronaldo Queiroz de. Newton Estillac Leal: o militar de esquerda e o exército na frágil
democracia brasileira do pós-guerra. In: XXIII Simpósio Nacional de História, Universidade Estadual de
Londrina, 20/07/2005. Endereço eletrônico do artigo:
www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/RONALDO%20QUEIROZ%20DE%20MORAIS.pdf -
146
constantes as visitas amistosas e as tentativas de persuasão no
sentido das promoções que garantem o reconhecimento
profissional na carreira militar” (SODRE apud MORAIS, 2006:5)
Continua o autor,
“Contudo, o mais grave foram as condições totalmente
insalubres das prisões às quais os oficiais foram submetidos. O
que não é singular na cultura autoritária brasileira que associa a
prática policial à truculência absoluta; assim, a correspondente
transformação do militar de esquerda num “monstro político”
se põe pari passu à transformação dos marginalizados num
“monstro social.” (SODRE apud MORAIS, 2006:5)
O historiador reforça seu argumento de como os militares acusados de
“esquerdistas” eram tratados pela “justiça militar”, citando novamente Werneck
Sodré:
“tratava-se não de gente, de criaturas humanas, mas de animais
perigosos, contra os quais todos os processos eram lícitos”.
Assim, condições insalubres e torturas não foram casos raros,
amiúde denunciados na época pelos familiares desses militares
ao Parlamento e à imprensa. Outrossim, estas prisões
apontavam para uma espécie de preâmbulo das práticas
autoritárias nos governos militares pós-64. Outrossim, os
militares ligados à chapa de Estillac Leal não submetidos às
prisões (envolvidos em IPMs), não passando, assim, pela
indignidade desses espaços insalubres, foram jogados em
guarnições distantes e extremamente vigiados, alijados das
posições privilegiadas de comando e do centro da política
nacional.” (SODRE apud MORAIS.2005:5)
Com o objetivo de conter a crise dentro das Forças Armadas, o novo
Ministro da Guerra, General Ciro Espírito Santo Cardoso apóia a continuidade
do expurgo na corporação e, em várias entrevistas devidamente registradas
pelo Serviço Secreto, alardeia a continuidade do “necessário saneamento”. O
censor registrou as declarações do ministro reconstituindo matéria publicada no
jornal “A Gazeta” em 09/05/1952, as quais serviam também para formar opinião
pública:
“A nação acaba de ter mais uma prova da conjura comunista no
seio do exército. É isso demonstrado, em impressionante
documento, pelo general Ciro Espírito Santo Cardoso, ministro
da guerra, através da comunicação dirigida aos generais de
todo o país, pondo-os de sobreaviso acerca da delicadeza da
147
situação criada com a penetração dos agentes da URSS no
meio da tropa. Evidentemente, os militares que se aliam com os
emissários moscovitas, não fazem outra coisa, se não propiciar
o aprofundamento, na caserna, dos elementos incumbidos de
disseminar a corrupção e a dissolvência entre as forças da
democracia. Como baluarte da democracia na América, é o
Brasil um dos alvos preferidos pela “quinta coluna”, subsidiada e
nutrida pelo Cominform. O Exército constitui,
conseqüentemente, como espinha dorsal do regime das
liberdades humanas, o objetivo imediato das insidias do bando
vermelho. O plano terrorista dos mandatários da União
Soviética se desdobra na agitação provocada nas massas
proletárias, de um lado, e nas classes militares, de outro,
estabelecendo, assim, situação que venha a proporcionar, em
favor do expansionismo eslavo, terreno à futura invasão do
continente, si for deflagrada a terceira conflagração mundial.
Enquanto se espera pela sorte dos acontecimentos, é sabotada
a mobilização interna, de preparo para a resistência das Nações
Unidas. Em toda conspiração vermelha, sempre e
invariavelmente ameaça à integridade e à soberania do Brasil e
da América. Acentuando o perigo que atravessa a republica,
devido à manobra dos soviéticos, deliberou o titular da pasta da
guerra, fazer grave advertência acerca da realidade, a fim de
ser redobrada a vigilância de todos quantos arcam com a
responsabilidade de defender a pátria e o regime contra a
vilania dos asseclas e dos ativistas a serviço do totalitarismo
russo. Depois de declarar que prossegue, com intensidade, a
ação da policia militar nas averiguações iniciadas na Zona
Militar de Leste e na Região Militar, com a cooperação dos
ministérios da marinha, da aeronáutica e da policia civil, mostra,
o general Ciro Espírito Santo Cardoso, o dever de cada um no
combate à obra antinacional dos propagandistas e dos
cúmplices do Kremlin. É com o mais profundo desgosto diz
o ministro que me vejo na contingência de, para alertar os
meus camaradas, principalmente os céticos e os indiferentes,
informá-los de que está provada a infiltração de elementos
comunistas no seio da tropa. Esses agentes provocadores da
desordem, indivíduos desprovidos de quaisquer sentimentos,
quer de crença religiosa, quer de amor ao solo sagrado de sua
pátria, quer de dignidade e da família, estão a serviço do
comunismo internacional e anticristão”. A denúncia é,
inegavelmente, de causar inquietação, sobretudo por partir de
militar da serenidade e da compostura do general Ciro Espírito
Santo Cardoso, sóbrio em suas manifestações ao próprio
exército. ‘Militares e civis continua que em tempo serão
apontados à justiça, vêm traindo sua tria, seus chefes, seus
camaradas, parentes e amigos. Explorando questões
momentosas, infiltrando-se entre os mais exaltados, e por isso
mesmo mais fáceis de serem influenciados para conduzi-los ao
148
serviço do credo vermelho. Utilizando, em outros casos, de
recursos os mais desprezíveis’ ”.
208
O Ministro recorre à lembrança do levante comunista (1935), reforça o
velho paradigma das forças armadas que a infiltração comunista deseja tolher
as liberdades democráticas, que são contra os valores cristãos, anticristos e
que se vivencia tempos de “guerra interna” contra o “inimigo interno”. No
entanto, o que mais chama a atenção neste conjunto de chavões que
integravam o espírito da guerra fria, é a associação do comunismo com
nacionalismo, como foi explicado anteriormente. À medida que avançam os
anos da década de 50, esta associação é mais recorrente, a ponto de qualquer
bandeira nacionalista ser vista como ação comunista.
“Relembro aos meus camaradas a sangrenta lição de 27 de
novembro de 1935, a mais negra página já escrita contra a
confiança e a camaradagem militares. A advertência acima eu
faço ao mesmo tempo em que peço a meditada atenção dos
meus camaradas para desenvoltura que vem tornando a
metamorfose do comunismo internacionalista
209
para o
nacionalista, tão pernicioso um, quanto o outro.”
210
Como sempre o discurso das autoridades constituídas reflete o
“politicismo como tática política, restringindo o debate público às mudanças
institucionais, a fim de garantir a imutabilidade do plano econômico e, por esse
meio, seu projeto global”
211
, como observa Luiz Reznik, apesar do autor não
abraçar os conceitos teóricos chasinianos:
“A cidadania que pretendiam constituir prescindia, pela dinâmica
do jogo democrático, de uma lei de segurança. À segurança do
Estado integridade territorial e do regime e instituições
políticas contrapunham a defesa do cidadão frente às
possíveis arbitrariedades do poder instituído. A democracia,
nesta chave de argumentação, não se qualificava. Ela era,
208
Recorte do jornal “A Gazeta” de 08/05/1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 168
209
Nesta perspectiva afirma Luís Reznik, os supostos perigos de fragmentação do território, invasão por
potência estrangeira ou seu controle por quaisquer meios, eram considerados sérias ameaças à segurança
nacional. Encaixavam-se como uma luva na denúncia contra o internacionalismo comunista, dependente
das orientações de um Estado estrangeiro, a União Soviética. Nesse caso, a segurança do Estado era
sustentada pela vigilância e controle internos, dos grupos, partidos, associações e indivíduos, assim
considerados antinacionais”. (REZNIK. 2000:6)
210
Recorte do jornal “A Gazeta” de 08/05/1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 168
211
COTRIM.Lívia. O capital atrófico: da via colonial à mundialização. In: CHASIN, J. A miséria
brasileira. Santo André:ADD HOMINEM,2000. Pág.XX
149
quando muito, “verdadeira”, existindo em si mesma, como
sistema ideal constituído em uma forma previsível.” (REZNIK,
2000:6).
Nessa mesma vereda de “adjetivação ideal” para outorgar o discurso
autocrático, o termo “nacional” se dilui na simbiose entre a nação e o Estado:
“Aqui, essa adjetivação, enquanto delimitadora de um código de
pertencimento e de uma identidade, naquilo que remete à
nação, aparecia simbioticamente associada ao Estado.
Pragmaticamente, a segurança dita nacional referia-se à
garantia da soberania do Estado brasileiro, frente às outras
nações-Estado. Soberania sobre a administração do território, o
corpo político e as regras do mercado em terras brasileiras.”
(REZNIK, 2000:6)
Passado dois anos do incidente que levou o General Zenobio da Costa a
pedir demissão do cargo de comandante da Região Militar, em 08/03/1954,
vamos encontrá-lo empossado no cargo de ministro da guerra e como era de
se esperar, o discurso anti-comunista tem continuidade em mais uma
demonstração que as razões do expurgo no interior das forças armadas não
estava necessariamente ligado ao que se propalava. Se forem todos
ferrenhamente anticomunistas e suas divergências se colocavam no plano da
maior ou menor subordinação ao capital internacional, o cerne do cerceamento
era aos que se posicionavam como nacionalistas.
Se Getúlio, neste momento, em busca de apoio para evitar o isolamento
dos segmentos burgueses, se aproximava da classe operária e assumia
posições mais vinculadas à defesa de um capitalismo mais autônomo e neste
sentido, se colocava também como nacionalista, pode-se associar tais
expurgos como medidas que visavam minar a força do presidente e, caso este
insistisse na postura adotada, organizar um novo golpe de Estado, agora
contra o antigo ditador. Não por acaso, dois anos depois encontramos o
ferrenho entreguista indicado como ministro da guerra e este faz a seguinte
declaração ao jornal “Ultima Hora”:
“Não nego o contentamento de ter assumido o destacado posto
de delegado de confiança do governo junto às forças de terra.
150
Não desconhecia os ônus da tarefa que pesa sobre os ombros,
na hora difícil por que atravessa o país. Muito terei que fazer e
tudo depende, em grande parte, da compreensão, da
cooperação dos meus camaradas, porque o exército poderá
ser forte e cumprir sua missão se os seus elementos ficarem
alheios às paixões partidárias e integrados no estrito
cumprimento do dever.” Prosseguindo, acrescentou o novo
ministro da guerra: ”Todo aquele que deseja a grandeza da
pátria, a união dos meus camaradas e o expurgo dos elementos
comunistas que ora se infiltram em todos os setores da
administração e que por todos os setores da administração e
que por todos os modos procuram modificar o progresso da
nação, desrespeitando os poderes constituídos, aumentando
agitações e provocando altas de preços, com a finalidade de
desequilibrar o custo de vida, deve estar alerta. Não é possível
continuarmos neste estado de coisas, onde a bolsa do povo
não suporta tanto ônus. E isso se reflete diretamente na
economia privada, como também na pública”.
212
A fala do General Zenobio demonstra que Getulio Vargas, na escolha do
seu terceiro ministro da guerra
213
, optou por um inimigo como aliado. A sua sutil
crítica à crise econômica que assolava o país, com uma crescente inflação e
uma grande movimentação operária em São Paulo, em sua avaliação, seria
fruto de uma política equivocada.
Conforme observam os analistas, em última instância, esta atitude de
Getúlio demonstraria seu desespero para aumentar sua base aliada
escolhendo as várias tendências políticas tanto civis como militares em uma
conjuntura de “abertura democrática”, na qual as classes dominantes não se
enquadravam.
214
212
Recorte do jornal “Ultima Hora” de 08/03/1954 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 232
213
O segundo mandato presidencial de Getulio Vargas foi caracterizado por grande pressão militar. De
1951 a 1954 houve três ministros da guerra: General Newton Estilac Leal (31/01/1951 a 26/03/1952),
General Ciro do Espírito Santo Cardoso (26/03/1952 a 22/02/1954) e General Zenobio da Costa
(22/02/1954 a 26/08/1954). Essa movimentação ministerial refletia a briga das facções dentro das forças
armadas que levaram o governo constituído ao desgaste total , finalizando o processo com o golpe militar
em agosto de 1954.
214
Em 1953, a política de conciliação com a qual Vargas iniciara seu governo começava apresentar sinais
de esgotamento. A União Democrática Nacional (UDN) não recusava qualquer aproximação com o
governo, como endurecia sua oposição, sob o argumento de que Vargas estimulava a luta de classes e
preparava a implantação de uma ditadura no país. No seio das forças armadas a crise também se
aprofundava, em torno das questões do petróleo e da participação brasileira na guerra da Coréia. Na
esfera econômica, a inflação e o desequilíbrio do balanço de pagamentos cresciam, provocando uma
elevação do custo de vida e uma desvalorização do salário dos trabalhadores. Para protestar contra essas
perdas, greves começaram a eclodir, evidenciando o descontentamento da classe trabalhadora com a
política salarial de Vargas. É nesse quadro político que Vargas promove a reforma ministerial de 1953,
considerada por alguns como uma guinada do governo para a esquerda. Na verdade, uma avaliação mais
151
Embora toda a política e a dinâmica do capitalismo caminhassem no
mesmo diapasão de atrelamento ao capital internacional e em particular o
norte-americano, as costumeiras falas nacionalistas se elevam a cada
momento em que se consideram afrontados por algum outro país, como é o
caso do incidente abaixo.
Mais uma vez, a intenção, desprovida de sua concretude social, se
transforma em uma bravata de caserna. Refiro-me à resposta dada pelo
General Zenobio da Costa, então ministro da guerra, a uma revista norte
americana que afirmara que o Brasil poderia apresentar situação semelhante à
da Coréia e Indochina, ou seja, ser dominado pela união Soviética “Saturday
detida da composição do novo ministério não permite sustentar essa tese. A maioria dos novos ministros –
Oswaldo Aranha (Fazenda); José Américo de Almeida (Viação e Obras Públicas); Antônio Balbino
(Educação e Saúde); Tancredo Neves (Justiça); Vicente Rao (Relações Exteriores) estava longe de
expressar uma opção de radicalização política. Na verdade, mantendo uma postura conciliatória, Vargas
buscou atrair setores conservadores a fim de neutralizar as investidas oposicionistas da UDN. Ponto
polêmico da reforma ministerial foi a indicação de João Goulart para a pasta do Trabalho. Afilhado
político de Vargas e líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Jango, nos meses anteriores, vinha
desempenhando destacado papel como negociador nos conflitos internos do seu partido. Sua atuação
também se fez notar na intermediação e aproximação do PTB com os principais sindicatos do país,
visando a neutralizar o crescente afastamento das lideranças sindicais do governo Vargas. Contando com
essa experiência, Goulart reunia as condições necessárias para ocupar o posto e enfrentar o grande desafio
de criar novos canais para uma aproximação maior de Vargas com a classe operária, em especial uma
nova militância política que emergia ligada aos comunistas. A indicação de Goulart despertou fortes
resistências desde os primeiros momentos. Grupos conservadores, inclusive os principais jornais, o
atacaram por seus laços com o operariado, acusando-o de nutrir simpatia e pelo peronismo argentino e de
pretender implantar uma república sindicalista no Brasil. À frente do ministério, Jango teve como
primeira tarefa negociar o fim da "greve dos marítimos", o que fez, atendendo a maior parte das
reivindicações dos grevistas. Considerado vitorioso nessa primeira iniciativa, passou a implementar uma
política de liberalização das relações entre os sindicatos e o ministério e procurou criar uma nova rede de
lideranças sindicais mais afinadas com sua orientação. Se, de um lado, procurava se aproximar das
lideranças sindicais de esquerda e atender muitas de suas reivindicações, também exercia sua autoridade
para adotar medidas necessárias à repressão e desmobilização do movimento grevista, como aconteceu
quando foi tentada uma segunda greve dos marítimos. A despeito de todo empenho de Goulart e de suas
incessantes negociações com as diversas categorias profissionais de forma a mantê-las sob controle, a
questão salarial ainda suscitava grandes preocupações no início de 1954, devido ao aumento constante do
custo de vida e à crescente mobilização sindical. Numa conjuntura em que as dificuldades econômicas
aumentavam e as forças oposicionistas ganhavam cada vez mais espaço, tornava-se fundamental garantir
o apoio de classe trabalhadora ao governo. Em janeiro de 1954 Goulart apresentou assim uma proposta de
duplicação do salário mínimo, mesmo sabendo de antemão que encontraria fortes resistências. As
primeiras críticas vieram do próprio governo, através do ministro da Fazenda Oswaldo Aranha, que
considerou a iniciativa um verdadeiro descalabro para as finanças públicas. A UDN e demais setores
oposicionistas consideraram o projeto um instrumento voltado para estimular a luta de classes no país e,
conseqüentemente, desencadearam uma forte campanha pela saída de João Goulart do Ministério do
Trabalho. O acirramento desses conflitos levou Vargas a recuar temporariamente em sua política de
aproximação com as classes trabalhadoras e substituir Jango por Hugo de Faria, que iria permanecer no
cargo como interino até o final do governo. Apesar de formalmente afastado, Jango continuou exercendo
forte influência no ministério. Em 1
o
de maio de 1954, em seu discurso aos trabalhadores, Vargas
anunciou a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, aceitando a recomendação de Goulart e
apontando-o como um infatigável amigo defensor dos trabalhadores brasileiros. Essa iniciativa teria
profundos desdobramentos para o governo, provocando um considerável estreitamento das suas bases de
apoio e intensificando o isolamento político do presidente.
http://www.cpdoc.fgv.br/comum/.
152
Evening Post
215
. Retrucando o ministro faz publicar no jornal “O Estado de o
Paulo” em 23/04/1954 a seguinte nota:
“O movimento “vermelho” não tem aqui proporções alarmantes
capazes de provocar conseqüências que possam ser
consideras perigosas para o Brasil. O exército, onde existem
poucos elementos subversivos, que praticam o credo vermelho,
está sempre preparado para combatê-los”. Declarou, a seguir,
não acreditar na força reformadora do comunismo em nosso
meio salientando que dele não tem nenhum receio. “Enfrento-o
disse com naturalidade, pois disponho de meios de ação
nessa luta, onde o comunismo não pode levar vantagem. Por
não temê-lo é que não considero inimigo perigoso”.
216
Em coro, o chefe de polícia do Distrito Federal general Morais Ancora,
declara:
“A noticia não tem nenhum fundamento. É absolutamente falso
o que o jornalista diz em seu artigo. Essa é mais uma maneira
de tecer comentários e fazer intrigas. Se houvesse alguma
coisa a respeito, eu seria o primeiro a saber. Não nada. A
polícia está atenta para reprimir qualquer tentativa de
manobras ou infiltrações de elementos contra o regime
democrático.”
217
De fato, eram os tempos em que o Partido Comunista movia ampla
campanha em defesa da nacionalização do petróleo, sob o lema O petróleo é
nosso”. A expansão da indústria automobilística ampliava a demanda pelo
consumo de gasolina e o capital internacional capitaneado pelos Estados
Unidos abocanhava os lucros de sua exploração, assumindo o controle, via
concessões governamentais, de sua extração. Vários fatores vão colaborar
para que esta campanha seja vitoriosa, independente da força do Partido
Comunista na época. Apenas para indicar alguns, do ponto de vista da
conjuntura internacional, tal demanda e sanha pelos lucros foi suprida naquele
momento por concessões obtidas em outros países, como a Venezuela e a
Colômbia, onde esta matéria prima era de mais fácil extração e de melhor
qualidade, além da ampliação das reservas no Texas e no oriente médio. Mas
de qualquer forma observa-se, nesta campanha, a grande pressão deste
215
Provavelmente a revista especula sobre a infiltração comunista no Brasil, devido à vasta campanha
jornalística da capital federal em divulgar que os “comunistas estão em todo o lugar” e que o expurgo se
faz necessário para sanear o país do totalitarismo soviético.
216
Recorte do jornal “O Estado de São Paulo” de 23/04/1954 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 238
217
idem
153
capital internacional e como as forças armadas corroboram com estes
interesses.
Nesse sentido o Estado autocrático ao promover este expurgo,
afastando os militares considerados comunistas e simpatizantes, na verdade
desarticula os nacionalistas também. Estes sendo considerados pelas
autoridades como subversivos “perturbadores da ordem” , são enquadrados na
leis de segurança. É claro que havia comunistas nas Forças Armadas, mas
naquele momento todos os inimigos do Estado estão sendo descartados, para
a desobstrução do caminho do capital monopolista dependente.
A finalização do artigo do jornal citado acima endossa a fala do general,
alertando ao leitor (ou melhor, a opinião pública)
218
que a posição deste militar
sobre o nacionalismo e sobre o monopólio estatal do petróleo era a linha
editorial que o diário adotava a respeito deste grande debate sobre o
nacionalismo brasileiro:
“Ai está, em síntese, o mesmo argumento que tem sido
focalizado por este jornal, no tocante à especulação nacionalista
do monopólio estatal do petróleo. É uma das formas da
campanha vermelha, radicada nas massas populares e nos
círculos militares. Para felicidade do país, a atuação do
ministério da guerra é rápida e enérgica, segundo se observa do
aviso endereçado aos generais e comandantes de regiões
militares, aviso que representa, também, a afirmação de
segurança à nação de que serão eliminados os conjurados
traiçoeiros mancomunados com o imperialismo de Moscou. A
advertência do ministro da guerra não deixa margem a
duvidas.”
219
218
“A opinião pública é resultante do conflito de opiniões de camadas sociais distintas, onde a síntese
pode ser um compromisso ou a manifestação do grupo mais poderoso. Segundo Jürgen Habermas, “é
considerada “publica” a opinião de um grupo quando ela subjetivamente se impôs como opinião
dominante.” Mas s luta pela hegemonia de um sistema de valores culturais de uma sociedade jamais será
completa e absoluta. O consenso ou a opinião da maioria” é um processo de embate e disputa entre
inúmeros grupos sociais, institucionalizados ou não, que buscam através das mais variadas estratégias,
impor um projeto de organização social ou demandas pontuais junto do maior número de pessoas
possíveis.” (DELGADO. 2006:29)
219
Recorte do jornal “A Gazeta” de 09/05/1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 168
154
Se esse diário jornalístico endossava a visão das autoridades
constituídas, não ficava atrás a revista “O Cruzeiro”
220
com seu
sensacionalismo “trágico nacionalista” da coluna do repórter David Nasser.
221
A reportagem da revista do dia 19/07/1952 é um apelo dramático para as
autoridades expurgarem da vida nacional os comunistas do Brasil.
fotografias de vários componentes do exército como traidores da nação, cenas
de depoimentos dos soldados envolvidos como também de um militar morto no
quartel do Rio de Janeiro, “que preferiu o suicídio a trair sua “pátria”
moscovita”. Os títulos das chamadas da matéria reforçam que a infiltração
comunista é iminente, e que o país corre serio risco da invasão soviética. Traz
também matéria polêmica sobre o motorista do grande expoente do exército o
general Góes Monteiro, o sargento Ataíde Pereira (que ocupa foto de página
inteira) apontado como comunista e espião do PCB.
222
A imprensa naquele momento refletia a visão mais conservadora da
sociedade brasileira, expresso pelo grupo da ESG que ora assumia a
hegemonia na condução das “crises militares”, onde se destacava o jornalista
Carlos Lacerda, ferrenho antigetulista e anticomunista, aluno da ESG, que
“incendiava” as polêmicas no âmbito governamental e também as divergências
dentro das Forças Armadas, visando desestabilizar o poder constituído.
Conforme observa Delgado:
“O fato de Carlos Lacerda ter um jornal a sua disposição para
dar corpo ao seu discurso e ter transito livre em órgãos da
comunicação de massa, a TV Tupi de Assis Chateaubriant, a
220
Dois movimentos concomitantes caracterizam a imprensa do Rio de Janeiro na década de 1920: o
aparecimento de um jornalismo eminentemente sensacional e o surgimento dos primeiros conglomerados
de imprensa, representados pelos Diários Associados. Espelhando de certa forma o chamado pensamento
conservador, os jornais da cidade adquirem características peculiares. Para uns o sensacional é a grande
arma de conquista do público. Para outros, a ação política seria fundamental. Em meio a esses dois
movimentos, o grupo dos Diários Associados lançam aquela que seria a principal revista ilustrada
brasileira do século XX : O Cruzeiro. http://www.uff.br/mestcii/marial6.htm
221
Paulista de Jaú (1917-1980), Nasser logo espalhou sua fama de bom repórter e foi contratado por O
Globo, em 1937. publicou uma matéria sobre a morte do músico Noel Rosa que, de tão bem escrita,
foi reproduzida nos anais da ABL. Em 1944, transferiu-se para a revista O Cruzeiro. Ganhou prestígio
internacional ao sobrevoar a aldeia de uma desconhecida tribo xavante. O avião foi atacado com flechas e
Nasser conseguiu transmitir para o texto todo o pânico que passou. A reportagem foi reproduzida em 44
países. Mas se tornou um dos jornalistas mais importantes da imprensa brasileira nas décadas de 50 e 60,
sendo citado até hoje. Seus limites de influência não se barravam na redação da revista O Cruzeiro. Ele
possuía um poder incrível dentro da política nacional, devido à sua arte de falar,escrever e divulgar suas
idéias. Seus contatos iam dos simples informantes ao presidente da república.
222
Copias das páginas da Revista “O Cruzeiro” de 19/07/1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 242 páginas de 1 a 12.
155
TV Rio de Pipa Amaral e a TV Record de Paulo Machado de
Carvalho, favorecem sua ascensão como liderança carismática
dentro e fora da UDN (...) o Lacerdismo se apresentara para a
opinião pública brasileira como a solução para os considerados
problemas crônicos da nossa sociedade desde o fim do Estado
Novo. O Getulismo, e seu trabalhismo, o populismo, a
corrupção a demagogia e o comunismo. Estes elementos
“nefastos”, - grande parte deles herança do ex ditador Getulio
Vargas eram, segundo a UDN, os responsáveis pela
contaminação da democracia brasileira que, por conseguinte,
era falsa e viciada”. (DELGADO.2006:8-9)
Tentaremos aprofundar um pouco mais a questão da imprensa devido à
sua significativa participação na mobilização da “opinião pública” nas cadas
de 1950 e 1960.
Enquanto agentes históricos os jornais (a imprensa) nos dão pistas
sobre seu posicionamento político, sobre a visão predominante e conflituosa da
economia de mercado, da movimentação das classes, do cotidiano policial,
enfim, segue uma linha de interpretação dos fatos. Essa sintonia “fina” entre o
Estado autocrático e os meios de comunicação de massa na leitura dos
acontecimentos é uma constante na documentação analisada, demonstrando
assim a predominância da visão do Estado nos demais setores da sociedade
civil.
Cabe aqui um pequeno parênteses para algumas observações sobre a
imprensa que se compõe no bloco conservador e como representante das
classes dominantes que levantaremos algumas questões. Nessa perspectiva,
segundo Domenico Losurdo no curso da revolução burguesa,
“o jornal desempenha um papel eminentemente subversivo; ele
representa o instrumento com que o terceiro estado, no seu
todo, pode se contrapor ao antigo Regime, o qual pode-se
contar com a organização e a influência ideológica capilares da
Igreja.” (LOSURDO.2004:152)
A tese da Ideologia Alemã incide, pois,
“no início do processo de concentração nas mãos da burguesia
dos meios de informação, ou seja, é formulada num momento
em que parcialmente se mostra verdadeira pelo fato de que
o controle pleno da produção material ainda não comporta,
automaticamente, o controle pleno da produção espiritual. Com
efeito, são os anos nos quais a burguesia é forçada a recorrer,
156
como vimos, a instrumentos políticos suplementares (imposição
legal de taxas onerosas e garantias para a publicação de
órgãos de imprensa), com o objetivo de reduzir ao máximo ou
cancelar inteiramente a influência ideológica das classes
subalternas. Além disso, neste caso como em outros análogos,
ao enunciar uma tendência fundamental da sociedade
burguesa, Marx sugere os comportamentos e os métodos com
que as classes subalternas podem contrariá-la, isto é, estimula
o movimento histórico real que tende a falsificar a tese por ele
mesmo enunciada.” (LOSURDO, 2004:153)
Se naquele momento a burguesia no Brasil estava num processo de
consolidação política e material através da concentração do capital e
proprietária dos meios de produção, as classes subalternas estavam num
processo de radicalização de suas demandas, percebendo que as
transformações sociais poderiam partir dos próprios trabalhadores, através
de entidades de defesa dos seus direitos (sindicatos, associações etc) que
lutassem também pela igualdade jurídica.
Diante disso, através do desenvolvimento e aplicação dos conceitos de
democracia, que é um sistema de governo tipicamente burguês, a ilusão do
sufrágio universal acalenta a classe trabalhadora, na medida em que prega que
sua vontade pode ser representada no parlamento e colocada em votação para
o bem comum. Calcada nesta “igualdade” burguesa, acredita que livre mercado
capitalista e democracia se identificam, e minimiza as atrocidades cometidas
pelo imperialismo na África e na Ásia no século XIX. E fecham os olhos para as
desigualdades sociais provocadas por essa acumulação e concentração de
capital, do arrocho salarial, da violência policial, da criminalização dos
movimentos sociais.
Se há conquistas da classe trabalhadora frente às políticas de Estado,
por pressão sistemática e coesão de classe, o que prevalece no final é a idéia
de que as conquistas da classe trabalhadora o resultado do empenho do
Estado em garantir a igualdade jurídica. Assim para a classe trabalhadora, é
colocado que suas conquistas - que são fruto da sua mobilização e pressão
social -, o concedidas pelo Estado como demonstração da igualdade jurídica
na democracia burguesa.
Diante desse mito repousa a imprensa burguesa. O debate jornalístico
creditava ao Estado o seu caráter democrático, mas o discurso reacionário que
157
assistimos através da documentação é a forte campanha anticomunista que se
alastra pelo noticiário. O jornal propiciava assim o debate, pois os generais da
república viviam dando entrevista, devido ás grandes polêmicas surgidas na
caserna durante a década de cinqüenta, como por exemplo, a Guerra da
Coréia, a instalação de base militar norte americana em solo nacional, a
campanha do petróleo etc.
Para a imprensa a iminência de um golpe de Estado era evidente, pois a
cada polêmica surgida onde os ministérios das Forças Armadas estivessem
envolvidos, os jornais demonstravam o clima de racha das Forças Armadas,
que para a sociedade civil demonstrava o caos, pois as Forças Armadas era
considerada a guardiã do Estado democrático. Em razão disso, o clima de
denuncia prevalecia, os comandos militares ficavam irrequietos, e o Clube
Militar apimentava essa polêmica de golpe iminente, através das facções que
se digladiavam na imprensa naqueles anos.
Nessa grande polêmica sobre a infiltração comunista nas instituições, o
clima de cisão das Forças Armadas e o anúncio de golpes militares, os meios
de comunicação transformaram-se ainda mais em porta vozes da burguesia e
do Estado autocrático.
No Brasil como nos demais paises da Europa, os jornais sempre foram
representantes de interesses de classe, os conservadores e os liberais
mantinham os seus jornais para cobrir a demanda de seus leitores que se
identificavam com aquela leitura e prática social.
O crescimento e a consolidação da imprensa burguesa no Brasil se dão
na década de 1940
223
, através das organizações Globo de Roberto Marinho
224
e
os Diários Associados de Assis Chateaubriand
225
. Esses aglomerados da
223
No Brasil a imprensa é inaugurada com a chegada da Família real portuguesa em 1808. A Gazeta do
Rio de Janeiro foi o primeiro jornal a circular na colônia, com informações de caráter social somente da
coroa portuguesa e das coroas européias.
224
Ao longo do século 20 o jornalista e empresário Roberto Marinho, tornou-se o maior conglomerado de
mídia e entretenimento do Brasil, erguido a partir do jornal "O Globo", herdado do pai, Irineu Marinho.
As Organizações Globo começam a se estruturar em 1925 e cresce com o sucesso alcançado pelas
revistas de quadrinhos norte-americanos, culminando com a aquisição, em 1944 da Rádio Globo. Mas sua
supremacia nos meios de comunicação de massa no país se no período da ditadura militar de 1964,
período em que se torna porta-voz do regime militar.
225
Assis Chateaubriand criou e dirigiu a maior cadeia de imprensa do país na década de 40 e 50. Foi um
dos homens mais influentes do Brasil em vários campos da sociedade brasileira. Foi dono de um império
jornalístico – os Diários e Emissoras Associadas –, que começa a se formar no final dos anos 30 e chega a
reunir mais de cem jornais, revistas, estações de rádio e de TV. Pioneiro na transmissão de televisão
brasileira, cria a TV Tupi em 1950. A ascensão do império jornalístico de Assis Chateubriand deve ser
158
comunicação expressam bem a subordinação dos interesses de parcelas da
burguesia nacional com o capital internacional. Além disso, o apoio
“incondicional” ao Estado autocrático e sua prática política, garante aos seus
proprietários as benesses da lei e os favorecimentos “comerciais” em troca das
concessões de funcionamento das emissoras de rádio e televisão.
O que queremos ressaltar é como esse movimento social dos
segmentos dominantes se dá no prisma da luta de classes, pois a visão
autocrática do governo é a visão autocrática da sociedade burguesa (em outras
palavras o Estado é composto por indivíduos que representam interesses de
classe). Então nessa perspectiva entendemos que a imprensa expressa a
ideologia, coerente com sua condição social, ou seja, a de uma empresa, como
não poderia deixar de ser, em defesa da propriedade privada.
É nessa visão excludente da burguesia em relação às classes
subalternas, que a maioria dos jornais vincula suas “noticias” no país, pregando
a perseguição ideológica e o fechamento do regime para garantir as
“liberdades constitucionais”.
Assim a ideologia de Segurança Nacional encontra terreno fértil na
sociedade civil, para sua aceitação e divulgação. Isto se deve à prática
cotidiana do Estado burguês, à violência, a vigilância, a impunidade dos
poderosos. Diante desse processo dialético e concreto dos antagonismos de
classe, as imagens e representações das classes não poderiam ser outras,
elas reproduzem as suas experiências na produção e nas relações sociais de
produção, ou seja, a experiência de vida de cada um dos grupos na luta pela
sobrevivência são suas experiências de classe, sendo assim a neutralidade
dos meios de comunicação é uma utopia, principalmente naquela “guerra
ideológica” dos anos 1950 e 1960.
O resultado disso é a aproximação da imprensa com as Forças
Armadas, no apoio às suas idéias, nos pedidos de providência a certos
assuntos, e na defesa da entrada de capital estrangeiro no país como saída
para nossa crise estrutural.
entendida no quadro das transformações políticas do Brasil durante as décadas de 1920 e 1930, quando o
consenso político oligárquico e fechado da República Velha, centrado em torno da elite agrária de São
Paulo, começou a ser contestado por elites burguesas emergentes da periferia do país; não é uma
coincidência que Chateaubriand tenha apoiado o movimento revolucionário de 1930, que levou Getúlio
Vargas ao poder.
159
Para as Forças Armadas os seus planos de mudança radical nos
caminhos do desenvolvimento brasileiro, só seriam possíveis com maciço
apoio “popular”, ou melhor das classes médias. É na vinculação da imprensa
desse clima de terror, que a “opinião pública” vai migrando para essa visão, da
urgência da intervenção militar para salvar a democracia. Enquanto isso não
ocorre nos bastidores da polícia secreta e dos comandos militares a devassa e
o expurgo já são correntes para desobstruir os entraves e desarticular os
suspeitos e inimigos do Estado autocrático.
Dentro dessa lógica é que os aglomerados da comunicação de Roberto
Marinho e Assis Chateaubriand apóiam o governo, com a certeza absoluta de
defender primeiramente seus interesses particulares de crescimento, que
serão possíveis com aquela mentalidade de exploração social. Ambos apóiam
a desestabilização do governo de Getulio Vargas e ambos falam em nome de
uma democracia, com uma visão excludente dos movimentos populares na
participação do debate nacional sobre os problemas do país, encarando a luta
pelos direitos civis como uma herança falida do getulismo.
Assis Chateaubriand caracterizou-se, aliás, como um representante
típico desta parcela da burguesia nacional emergente da época, tanto pelas
suas posturas pró-capital estrangeiro e pró-imperialismo, primeiro o britânico,
depois o americano, quanto pelas relações com o poder político no país.
Mantinha relação cordiais (e sempre movidas por interesses econômicos) com
muitas pessoas influentes, como o Conde Francisco Matarazzo, o ex
presidente Rodrigues Alves, o presidente do poderoso truste canadense de
utilidades públicas Light & Power Alexander Mackenzie, o empresário
americano Percival Farquhar e também com o Getúlio Vargas ditador. Em 1952
é eleito senador pela Paraíba e em 1955 pelo Maranhão, em duas eleições
escandalosamente fraudulentas. É temido pelas campanhas jornalísticas que
move, como a em defesa do capital estrangeiro e contra a criação da
Petrobrás.
226
226
“Já que todo regime está sempre em construção, isto é, não é uma figura estática, demarcado em lei ou
pelo tirano, mas corresponde à posição momentânea das peças do tabuleiro, então podemos dizer que os
atores estavam construindo o seu roteiro. Desenvolviam seu texto seu argumento na expectativa de
sedimentar os seus conceitos e interpretações frente aos outros jogadores/debatedores/atores. (REZNIK,
2000:14)
160
Nesta conjuntura, tanto para estes segmentos da burquesia, quanto para
o alto comando militar o nacionalismo permitido era aquele veiculado pelos
meios de comunicação, ou seja, um apelo aos valores cívicos e ao caráter
pacífico do povo brasileiro. Fora dessa visão, o discurso nacionalista que tinha
eco nas instituições democráticas e agremiações de esquerda incomodava
estes detentores do poder e no caso dos militares, considerava-se que o
debate partidário e de classe contaminaria a tropa, colocando em risco a
obediência e o respeito aos valores da caserna. Sendo assim a pressão ao
expurgo naquele momento afetava, de fato, o baixo e médio escalão com
punições severas através dos inquéritos do Supremo Tribunal Militar. Essa
demanda repressiva na tropa reforçava a disciplina e a hierarquia militar e se
coadunava com o discurso autocrático e neste sentido, observa-se muita
coerência no alardeamento do jornal “A Época” que em 20/05/1952 tinha como
manchete:
“Quarenta sargentos e sete oficiais implicados na trama
‘vermelha’. (...) Na marinha e na aeronáutica, prosseguem as
investigações e o respectivo inquérito. Conforme anunciamos,
incluindo o exército, a marinha e a aeronáutica, são ao todo 150
os oficiais processados por atividades comunistas.”
227
Reforçada a hierarquia e expurgado do perigo comunista o debate entre
os nacionalistas e “sorbonistas” podia continuar tranquilamente, consolidando o
lado militar da ideologia da segurança nacional. Garantido o denominador
comum que era a unidade das Forças Armadas em torno dos mesmos
preceitos “ideológicos”, as diferenças de posições se resumem ao embate
sobre os caminhos que a nação teria que trilhar para o desenvolvimento
político e econômico. Na essência essas duas facções expressam o
conservadorismo inerente à nossa formação, na elaboração de um projeto
democrático para o Brasil. Ambas viam o movimento histórico conduzido pelas
elites ao lado das forças armadas que seriam os representantes dos ideais de
segurança e desenvolvimento interno em um contexto de construção de uma
227
Recorte do jornal “A Época” de 20/05/1952 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 169
161
nação capitalista desenvolvida e hegemônica
228
no bloco ocidental e
principalmente na América Latina. Dentro dessa dimensão,
“Toda a construção de um discurso visando à hegemonia
cultural e política, encontra adversários que buscam o mesmo
objetivo. Entretanto, como destaca Antonio Gramsci, a disputa
hegemônica não acontece apenas entre grupos que queiram
mudar a estrutura da sociedade. Essa disputa também pode
ocorrer dentro do próprio sistema hegemônico (gerando uma
crise dentro do sistema) com o conflito entre a classe
fundamental e os grupos “auxiliares” ou facções diferentes.”
((DELGADO, 2006:29)
Apesar deste “saneamento” o monitoramento do Serviço Secreto
continua se ampliando e este embate entre nacionalistas e entreguistas é
mantido sob estreita vigilância e nesta lógica, nem as instituições consideradas
como reduto cívico nacional escapam, como é o caso da Academia Militar de
Agulhas Negras.
Relatório confidencial enviado ao chefe do Serviço Secreto reconhece o
posicionamento desta instituição e informa que, apesar dos expurgos
efetuados, ainda existem ali pessoas comunistas. No caso, tratava-se de um
professor, Tenente Coronel:
“Constatou-se, também que de tempos em tempos é feita uma
devassa na vida do pessoal da Escola Militar de Agulhas
Negras, desde os professores até os alunos, bem como de
outras pessoas que ali trabalham. Soube-se ainda, que na
escola existe uma verdadeira aversão pelo comunismo, sendo
de se estranhar a permanência do referido tenente coronel
como professor.”
229
Neste relatório datado de 08/04/1953 um censor indignado denuncia que
um “elemento” comprovadamente comunista foi convidado a cursar a ESG por
renomados comandantes do exército, ou seja, o Marechal João Batista
228
O termo hegemonia quando se refere às relações políticas entre classes, frações de classes, partidos e
categorias sociais é definido por Gramsci: “A capacidade de direção intelectual e política que uma classe
ou fração de classe possui, para constituir-se em classe dirigente, obtendo o consenso ou passividade da
maioria da sociedade diante de um projeto social”. (GRAMSCI. 1986:394).
229
Departamento de Ordem Política e Social. Serviço Secreto São Paulo. do setor 835. “S.V.I.”
datado em 26/01/1953. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 195 página 1
162
Mascarenhas de Morais
230
conhecido como fervoroso legalista, e o General
Juarez Távora
231
, ferrenho anticomunista. O elemento a que o censor se refere
era o Deputado Federal Antonio Coutinho Cavalcanti do PTB.
A acusação advinha do fato que este deputado teria indicado “notórios
comunistas” para integrarem a Delegacia Regional do Trabalho em São José
do Rio Preto, sendo considerado elemento pernicioso, pois também “apóia
pseudo-organizações de interesse público”.
232
Eram também objeto de vigilância por parte do Serviço Secreto
quaisquer movimentações dos regimentos das diversas zonas militares, pois
poderiam indicar mobilizações de Getúlio Vargas, neste momento colocado sob
completa suspeição. Em um relatório tão extenso quanto inútil fica clara a
associação que estes censores fazem entre a defesa do nacionalismo e a
ideologia comunista a que incorporam agora a figura do presidente.
Em um documento indicado como altamente secreto, datado de
24/07/1954, o censor informa sobre modificações que estavam ocorrendo nos
comandos do exército sob as ordens do presidente da República. É uma
extensa exposição na qual esta pessoa constrói todo um argumento de que
haveria evidências da preparação de um golpe por parte do presidente, com
apoio dos generais nacionalistas, de tendências comunistas, é claro. As
passagens falam por si:
230
Militar notório pelo seu respeito á legalidade. Combateu os movimentos tenentistas, como também a
Revolução de 1930. De março a agosto de 1946, exerceu o comando do Grupo de Regiões Militares.
Em seguida foi transferido para a reserva, recebendo a patente de marechal. Em 1951, retornou à ativa.
Em 1953, foi nomeado chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). Nesse posto, acompanhou
de perto a crise política que levaria ao suicídio do presidente Vargas no ano seguinte. Nessa ocasião,
conferenciou com o presidente até os momentos que antecederam a sua trágica decisão, transmitindo-lhe
informes sobre a situação nos meios militares. Após a morte de Vargas, afastou-se imediatamente da
chefia do EMFA. Em 1955, manifestou-se favorável ao golpe militar liderado pelo general Teixeira Lott,
que garantiu a posse de Juscelino Kubitscheck na presidência da República.
231
General Juarez Távora, figura importante na história militar do exército participou do movimento
Tenentista, tomou parte da organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), foi membro da UDN
da ala antigetulista. Indicado diretor da Escola Superior de Guerra em 1952 foi eleito em 1954 para o
cargo de Vice-presidente do Clube Militar, assumiu a Chefia do Gabinete Militar no governo do
Presidente Café Filho, foi candidato a Presidente da República pela UDN em 1955, elegeu-se Deputado
Federal pelo Partido Democrático Cristão em 1962, foi ferrenho adversário do governo João Goulart e
apoiou o golpe militar de 1964. Com o inicio do regime militar dirigiu o Ministério de Viação e Obras
Públicas, até março de 1967. Figura emblemática e teórico dos preceitos da Escola Superior de Guerra,
pertencente à ala sorbonista da ESG.
232
Tópico de relatório reservado sobre comunismo de 04/04/1953. Relatório ReservadoDossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 204
163
1. O comando do exército, está sendo modificado pelo sr.
Ministro da guerra, figura fiel ao presidente Vargas. Tal
modificação é atentamente acompanhada pela oficialidade que
“desconfia” dos propósitos do governo central. Dita
desconfiança vão às demais armas (aeronáutica, Marinha)
embora nas três os respectivos ministros (ou por isso mesmo)
seja fiéis amigos de Vargas. 2. Ditas modificações fazem
acreditar-se obedecerem às necessidades normais do pessoal e
dos comandos o que de fato não é, se estudarmos como se
processam, às vezes em detrimento de oficiais credenciados
para tais comandos. As mesmas, por isso, levam o campo
oposto e atitude de vigilância, e uma visível prevenção contra
esses e outros atos que advirão”.3. Entre rios fatos que
podem ser criados para “justificar” um “stato que sirva ao
governo Vargas, prevêem-se: 1- agitações comunistas
(evidentemente insinuadas e amparadas por agentes do
governo Vargas. 2-Possível aliança de tais elementos com os
comunistas, no “campo comum das nacionalizações, petróleo,
liberdades de opinião, etc., objetivando usá-los e superá-los em
proveito do “esquerdismo-nacionalista-libertário” do governo de
Vargas
233
, que conta com o PTB e o outro partido a cuja testa
está o seu genro Almirante Amaral Peixoto, forças políticas que
unidas cohonestarão(?) um “justificado estado de sítio” ou um
“novo governo de libertação nacional”. 3- Nesta altura agentes
paraguaios (!) e outros não identificados publicamente, mas
ditos “aviadores”, tentam um assalto de “rapineiros” à casa
sempre vigiada do Sr. Gal. Comandante da Zona Centro, dando
certos jornais a versão de “tentativa de atentado” (!) à pessoa
do sr. Estilac. Acreditamos que uma casa como a dele,
tempos policiada por membros do próprio exército, a paisana,
foi, por isso mesmo e pelos outros motivos, “incursionada” por
agentes interessados em levar documentações apenas afim e
se poder aquilatar em “que altura estão as coisas” ! Isso porque,
em São Paulo inúmeras casas muito mais ricas e fáceis de
se roubar que à do resguardado Sr. General Estilac Leal, onde,
até tarde da noite as luzes estão acesas entram e saem
inúmeras pessoas até altas horas. 4- Para que haja
movimentação de forças que possam surpreender os oponentes
ao plano pressuposto, mesmo movimentações normais
facilitariam o desenvolvimento de um plano, e a mais próxima
ocasião seria o deslocamento e a movimentação de forças para
desfilar em sete de setembro. Tais movimentações, conforme
sua escala, requererão alguns dias, e assim os dias que a
precedem, 3, 4, 5 e 6 estão sob observação, para que o 7 de
setembro não seja o dia da “2ª Libertação Nacional”. 5-
Considerando-se que as datas de 5 de julho (Isidoro Dias
Lopes, Miguel costa, etc.) serviriam para re-avivar forças
233
S.S São Paulo, 24/07/1954. SECRETO AT-301. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 258 página 02
164
supostamente afastadas do panorama político, mas que
identificamos ligadas à periferia do movimento em vista, como
salientamos, nas investigações em curso nas “reuniões de
bairros” à cuja testa identificamos comunistas ativistas
perfeitamente identificados.Notando-se que “no centro” de dito
movimento podemos anotar figuras, tais como: Jango, Coutinho
Cavalcanti, Cabanas, Frota Moreira, Hildegardo Silva Miranda, e
comensais do Sr. Estilac Leal; Considerando-se as
modificações de comando, as agitações advindas da
decretação do salário mínimo, da semi-legalidade do PC, das
“coincidências na ação governamental com as pregações
comunistas, no empenho de certas figuras para que se reatem
as relações (a) comerciais, (b)diplomáticas, com a URSS,
relações que implicam na legalidade do PCB por imposição dos
russos. Observando-se que a “pequena vitória” na Guatemala,
não encobre o Ascenso de prestigio russo na derrota da França
no Vietnam:
Acreditamos que:
1. O governo central está deixando ressurgir o comunismo
e incentiva-o mesmo, na indústria e na lavoura, para depois vir
“salvar a nação” do “monstro vermelho”, entrando num estado
de sitio de todo conveniente para que não se arrebate o poder
das mãos;
2. Ou, o governo está mesmo aliado ao comunismo, sob o
compromisso de “fazer girar a roda da história” até certo ponto,
até que quando os “seus direitos e interesses” sejam
resguardados”.
Daí a inquietação, a vigilância e fatos como os das
234
“frustradas
incursões” a residências-fortaleza como o que se deu com a
residência do Senhor General Estilac Leal.
Observações:- O presente, sob a rubrica “SECRETO”, foi
encaminhado a fontes interessadas no setor de segurança
nacional, com pleno conhecimento delas de que cada exemplar
ficara sob sua exclusiva guarda e responsabilidade e que
encontram-se elas identificadas entre si, para resguardar-se o
desvio que poderia dar-se”.
235
Esta curiosa junção de fatores que não encontram referência nos fatos
concretos da realidade daquele período resulta no raciocínio de que um notório
anticomunista como o General Estilac Leal, pelo fato de ser nacionalista,
estava a serviço do Partido Comunista e de Moscou.
234
S.S São Paulo, 24/07/1954. SECRETO AT-301. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 258 página 03
235
S.S São Paulo, 24/07/1954. SECRETO AT-301. Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 258 página 04
165
Assim como ocorrera com a suspeição levantada contra General
Zenobio da Costa, a escolha de um ferrenho anticomunista como ministro da
guerra, na lógica destes censores, facilitaria a movimentação golpista para a
continuidade do governo Vargas, diante da ria crise que assolava o seu
governo em 1954.
Para os interlocutores como o Alto Comando das Forças Armadas, a
Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e da capital federal e o chefe do
Serviço Secreto, essas denúncias reforçavam a necessidade da ação dos
militares em pensar num “contra golpe”, ou seja, a necessidade de consolidar a
o caráter autocrático bonapartista.
O que se evidencia, de fato, é que as ponderações deste censor
expressam a correlação de forças daquele momento, ou seja, o isolamento
cada vez maior do presidente, dos segmentos da burguesia voltados para a
ampliação da articulação com o capital internacional e o movimento, no interior
das forças armadas, para fragilizar os setores que poderiam se mostrar contra
esta tendência. A justificativa: a associação do ideário nacionalista com o
espectro do comunismo.
Essa aparente paranóia demonstra, na realidade, que as contradições
sociais se refletem também no interior das forças armadas, o que evidencia sua
íntima dependência em face aos segmentos sociais dominantes e
hegemônicos na condução da dinâmica capitalista do país. Daí a aparente
contradição. Não importa muito qual ideologia possuem ou mesmo que posição
ocupam, o que importa é, de fato, se estão a favor ou não destes segmentos.
Nas eleições do Clube Militar, em maio de 1954, um agente do Serviço
Secreto identificou um clima golpista no resultado das eleições onde a
“Cruzada Democrática sai vitoriosa e conclui:
O senhor Getulio permanecerá no poder até o término de seu
mandato, garantido pelas Forças Armadas do país. As eleições
do Clube Militar, com seus resultados, mudaram, talvez, o curso
dos acontecimentos.”
236
236
“S.O.G” 20/05/1954 nº do setor 384. “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº
247 página 2
166
Considerava o censor que, caso houvesse a vitória dos nacionalistas no
Clube, o clima para uma tentativa de golpe seria possível, devido às
articulações dos comandos militares em face à celeuma do aumento do salário
mínimo, que teve desdobramentos extremamente negativos junto à alta
oficialidade, os empresários e alguns partidos políticos de oposição. Mas não
houve arrefecimento da situação e, após seis meses do pleito do Clube militar,
em 08/11/1954, a paranóia sobre a infiltração comunista volta a ocupar as
manchetes dos jornais. O “Diário da Noite” traz a seguinte chamada:
“Impressionante relatório em poder das Forças Armadas.
Infiltração comunista em todos os setores da atividade nacional.
Atingidas as entidades militares, sindicais, esportivas, as
representações diplomáticas e a imprensa – Contra ofensiva.”
Um novo “rush” contra a infiltração comunista nos diversos
setores da vida nacional é esperado para os próximos meses,
como conseqüência de um relatório organizado e aprovado
pelas altas autoridades civis e militares. O documento (de mais
de setenta páginas datilografadas) está dividido em três partes:
1) Aspecto doutrinário da ação comunista e suas
manifestações; 2) A ação dos comunistas no âmbito nacional;
3) Atuação dos vermelhos em relação à política internacional,
manejada diretamente pelos “leaders” russos.
Revela-se agora que o relatório em questão surgiu de uma serie
de informações oriundas de quase todos os setores ligados à
segurança nacional e recolhidos, alguns meses antes do 24 de
agosto (suicídio de Vargas) por militares da Escola Superior de
Guerra, com o objetivo de configurar, num documento a ser
utilizado no momento oportuno, as ligações existentes,
àquela época, entre diversos setores governamentais e
agitadores extremistas. Entre as muitas entidades que
forneceram informações para a confecção do relatório
anticomunista encontram-se os serviços de inteligência do
exército, da marinha e da aeronáutica, destacando-se,
particularmente, a atuação do coronel Adauto Esmeraldo, que
atualmente dirige a Divisão de Ordem Política e Social e , na
época servira na 2ª Secção do Estado Maior do Exército e,
também, do inspetor Cecil Borer, que, colocado no setor mais
importante da polícia civil (setor trabalhista) era conhecedor de
todos os movimentos comunistas nos meios sindicais e
rurais.”
237
237
Recorte do jornal “Diário da Noite” de 08/11/1954 anexo ao“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 270
167
Pelo fato do relatório ser produzido pela ESG, que representava a
opinião do alto escalão das Forças Armadas, criou-se uma tensão a mais
naquele contexto bastante conturbado do ano de 1954, que se desenrolava
desde junho de 1953 com a troca ministerial do presidente Vargas. A resposta
do presidente diante daquela grande ofensiva conservadora foi buscar se
aproximar de sua base popular: a classe trabalhadora como sustentação do
seu governo.
Em junho de 1953 João Goulart assumira o Ministério do Trabalho. Em
outubro deste mesmo ano Vargas sanciona e lei que estabelece o monopólio
estatal do petróleo; em 20 de dezembro denuncia os excessos na remessa de
lucro das empresas estrangeiras instaladas no Brasil; e em janeiro de 1954
assina o decreto em que estabelece um limite de 10% para remessa de lucros
e dividendos para o exterior. Como se vê, eram medidas que alimentavam
cada vez mais o discurso oposicionista, principalmente em relação a seus
decretos da área econômica, como o monopólio do petróleo, o controle da
remessa de lucros das empresas multinacionais e o aumento de 100% do
salário mínimo. Com essas medidas Vargas acirrou violentamente as facções
contra o seu governo e, não por acaso, o Alto Comando Militar, saneado de
quaisquer tendências nacionalistas, se articula para um possível golpe de
Estado.
O ápice da radicalização ocorre em fevereiro de 1954, quando Goulart
apresenta a proposta de reajuste de 100% do salário mínimo. Levanta-se um
grande protesto da burguesia, agora unida, e dos setores conservadores da
sociedade. A UDN lança um manifesto denunciando Goulart como subversivo;
oficiais das Forças Armadas lançam o documento conhecido como “Memorial
dos Coronéis”
238
, na mesma linha do manifesto udenista. Setores da oposição
238
No dia 8 de fevereiro de 1954, um longo memorial assinado por diversos coronéis e tenentes-coronéis
do Exército foi encaminhado ao ministro da Guerra. Esses oficiais eram ligados à Cruzada Democrática,
agrupamento da ala militar conservadora que dirigia o Clube Militar desde as eleições de 1952. O
manifesto era dirigido ao ministro da Guerra, aos generais Álvaro Fiúza de Castro, chefe do Estado-Maior
do Exército, Canrobert Pereira da Costa, chefe do Departamento Técnica e de Produção, e Ângelo
Mendes de Morais, chefe do Departamento Geral de Administração, além dos comandantes das zonas
militares. Entre seus signatários figuravam os coronéis: Orlando Ramagem, Siseno Sarmento, Jurandir de
Bizarria Mamede, Antônio Carlos Murici, Alfredo Souto Malan, Amauri Kruel, Ademar de Queirós,
Adalberto Pereira dos Santos, e os tenentes-coronéis: José Alexínio Bittencourt, Válter de Meneses Pais,
Antônio Jorge Correia, Araquém de Oliveira, Sílvio Coelho da Frota, Ednardo Dávila Melo, Fritz
Azevedo Manso, Euler Bentes Monteiro, Golbery do Couto e Silva e Geraldo de Meneses Cortes. O
documento argumentava que o Exército se encontrava sob a ameaça de uma "indisfarçável crise de
168
liberal-conservadora (UDN-PL) conclamam abertamente um golpe militar para
destituir o presidente Vargas. Ainda em fevereiro este ensaia um recuo e, no
dia 22, destitui Goulart. No entanto, a destituição não aplaca a oposição de
direita, apoiada pelo imperialismo norte-americano.
Logo eclode uma nova crise, desencadeado pela revelação de um
suposto discurso secreto de Perón afirmando que Vargas havia se
comprometido em ingressar num bloco com Argentina e Chile, para constituir
um pólo de resistência ao hegemonismo norte-americano no cone sul. O
acordo é confirmado pelo próprio João Neves Fontoura, que havia sido ministro
de Relações Exteriores de Vargas.
Naqueles anos de Guerra Fria, defender uma política externa
independente era quase um crime para as elites conservadoras e a política
norte-americana. Os deputados da UDN pedem nova CPI para averiguar as
relações entre Perón e Vargas; o deputado-banqueiro Herbert Levy acusa
Vargas de ter recebido dinheiro de Perón para sua campanha e Aliomar
Baleeiro
239
de “alta traição”. O líder da oposição, Afonso Arinos, apresenta uma
proposta de impedimento do presidente, enquanto o jornal “Tribuna da
Imprensa” e outros órgãos de imprensa lançam campanha pela destituição de
Vargas.
Diante da radicalização crescente da oposição, Vargas decide também
radicalizar suas posições. No Primeiro de Maio faz um discurso no qual afirma:
“Hoje vocês estão com o governo. Aman vocês serão o governo” e
apresenta o decreto que reajustou em 100% o salário mínimo.
O processo de impedimento acaba sendo levado ao plenário da Câmara
dos Deputados, mas não existia base jurídica ou política para a destituição do
autoridade", que colocava em risco "a coesão da classe militar, deixando-a inerme às manobras
divisionistas dos eternos promotores da desordem e usufrutários da intranqüilidade pública". Para os
coronéis, a crise vivida pelo Exército acabara dividindo a oficialidade, tornando-a mais exposta à
"infiltração de perniciosas ideologias antidemocráticas". A cisão nos meios militares poderia ser fatal para
o Brasil pois, "com o comunismo solerte sempre à espreita, seriam os próprios quadros institucionais da
Nação ameaçados, talvez, de subversão violenta".
239
Desde o início do governo Vargas, Baleeiro destacou-se como um de seus mais aguerridos adversários,
constituindo juntamente com Afonso Arinos de Melo Franco, Adauto Lúcio Cardoso, Olavo Bilac Pinto,
José Bonifácio Lafayette de Andrada, entre outros, o grupo denominado pela imprensa "Banda de
Música" da UDN. O grupo tornou-se conhecido pelas críticas sistemáticas à política econômico-
financeira do governo e pelas denúncias sobre a alegada corrupção existente em órgãos governamentais
como o Banco do Brasil. Aliomar Baleeiro em agosto de 1954 propôs pela primeira vez no plenário da
Câmara o afastamento de Vargas da presidência da república.
169
presidente. Em 16 de junho de 1954, a proposta consegue apenas 35 votos,
com a abstenção de 132 deputados e 136 contra, em uma prova de que a
oposição não poderia contar com a maioria do Congresso Nacional na sua
aventura golpista e que seria preciso encontrar um novo caminho, extralegal. A
tentativa de assassinato do jornalista oposicionista Carlos Lacerda e a morte de
um major da aeronáutica, ocorridas em 5 de agosto de 1954, serão o pretexto
para a deflagração do golpe militar. Apesar do envolvimento da guarda pessoal
do presidente no atentado, as investigações feitas pelos próprios opositores
não comprovam qualquer envolvimento de Vargas no atentado.
Enquanto no Congresso a UDN e o PL solicitam novamente a renúncia
do presidente, com o apoio do vice-presidente, Café Filho, eleito pelo PSP, os
militares golpistas são novamente chamados a ensaiarem um novo golpe
bonapartista, isto é, instalam um processo à revelia da justiça e do parlamento -
é a República do Galeão
240
.
Em 23 de agosto os golpistas organizam em São Paulo uma grande
manifestação exigindo a renúncia de Vargas e no mesmo dia os advogados
paulistas lançam um manifesto no mesmo sentido. O Palácio do Catete é
cercado por uma multidão que também exige a renúncia de Vargas. Quando
chega a notícia de que os oficiais superiores das três armas também haviam
apresentado um ultimato ao presidente e que o golpe estava consumado, em
24 de agosto, diante do golpe militar, o presidente se suicida. As condições da
morte e, especialmente, o teor antiimperialista da sua carta-testamento levam a
uma rebelião popular nas grandes cidades brasileiras. As redações dos jornais
e sedes dos partidos oposicionistas são atacadas pela multidão enfurecida. A
massa tenta atacar a embaixada norte-americana, encarada como o centro do
complô contra Vargas. O principal líder da direita antivarguista e pivô da crise,
Lacerda, é obrigado a se esconder e depois deixar o país.
Por sua posição antivargas os comunistas também acabaram sendo alvo
da fúria popular. No Rio Grande do Sul o jornal comunista Tribuna Gaúcha teve
240
Como o atentado da Rua Tonelero foi vitimado um major da aeronáutica, a pretexto de a vítima fatal
ser um oficial, a oposição conseguiu transformar o inquérito policial, conduzido pela polícia civil, num
inquérito policial militar IPM –, sob responsabilidade da Aeronáutica. A partir desse momento, toda a
investigação passou a ser comandada da base aérea do Galeão que, na época, ficou conhecida como a
"República do Galeão", pela amplitude dos poderes que lhe foram confiados.
170
sua sede depredada. Ante a renúncia do presidente e a movimentação popular
nas ruas, embora sem direção, os planos udenistas de um golpe se esvaziam.
A morte de Vargas acabou sendo um grande ato político que
desarticulou temporariamente o discurso dos grupos oposicionistas, mas não
desarticulou as organizações ligadas ao serviço de vigilância social que
continuam, impávidos, a registrar a movimentação da sociedade, seja em suas
instituições, seja na individualidade, no que são auxiliados pelo discurso militar.
Em 10/12/1954 num discurso realizado no Itamarati, o General Juarez
Távora, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, por ocasião da
formatura de uma nova turma de diplomatas do Instituto Rio Branco adverte
sobre o perigo comunista no país e insinua que também esta representação
diplomática está eivada de infiltrados:
“Prolongando e agravando esta angustiosa expectativa de
guerra global e total, campeia, no mundo inteiro, uma outra
espécie de guerra, velada e permanente: a guerra ideológica,
desencadeada pelo imperialismo moscovita para implantar o
comunismo em povos inteiros, e transformá-los em seus
satélites ou , no mínimo, minar a estrutura interna de seus
adversários, e diminuir-lhes, assim, a capacidade combativa, na
futura guerra com que pretende impor ao mundo, pela violência,
a paz sem dignidade do totalitarismo comunista.”
O General aponta também os problemas que propiciam o avanço
comunista no mundo:
“Devemos confessar, por amor à verdade, que as nações
ocidentais têm facilitado e continuam facilitando - insensíveis à
realidade dos fatos a infiltração comunista comandada pela
Rússia, através de duas brechas que são, a meu ver, duas
negações clamorosas da civilização cristã do ocidente o
anacronismo colonialista e o egoísmo capitalista. Já disse
alhures e repito aqui, que, se, de um lado, não for modificada a
mentalidade infelizmente ainda dominante em algumas nações
da Europa, e opor-se à libertação progressiva dos povos ainda
submetidos ao seu colonialismo, e, por outro lado, não vingar a
doutrina social da igreja contra o egoísmo capitalista ainda,
empenhado em negar justa participação do trabalho nos lucros
da empresa, - a balanço do poder, no mundo, tenderá a inclinar-
se, em pouco tempo, em favor do oriente. Abrem esses fatos
dois campos amplos para vossa ação, como diplomatas e
171
homens de elite, em prol da paz mundial e da grandeza do
Brasil. Como diplomatas deveis trabalhar pela união do mundo,
batendo-vos para que se torne fato o direito de
autodeterminação imanente a todos povos, sob o controle
internacional da ONU.”
E afirma que os diplomatas são os representantes da elite brasileira,
apelando para o cristianismo para que haja uma harmonização entre o capital e
o trabalho:
“Como integrantes da elite brasileira, formados sob a influência
de princípios generosos do cristianismo, deveis enfileirar-vos
entre os que se batem por uma harmonização cristã das
relações entre o capital e o trabalho, eliminando os
exclusivismos egoístas que ora se dissociam dentro da
empresa, com graves danos para os seus objetivos econômicos
e sociais. Compenetremo-nos, antes de tudo, honestamente, de
que idéias se vencem pela contraposição de idéias melhores
e não pela violência ou transigência.”
Finalizando o General Juarez Távora descreve nossas limitações
enquanto nação capitalista e a saída para o desenvolvimento econômico
sustentado como forma de afastar a influência comunista do país:
“Nossa maior fraqueza, no campo interno, reside no baixo
padrão econômico-social médio a que tem sido condenado o
povo brasileiro, que, gerando insatisfação e miséria, em rios
setores da sociedade, facilita a obra de infiltração comunista,
orientada, sistematicamente, no duplo sentido de desacreditar a
elite perante o povo e de desiludir uma e outro da eficiência do
regime democrático, como instrumento de edificação da
grandeza nacional. Na esfera internacional, nossa maior,
vulnerabilidade resulta, ainda, do fato de valermos muito em
termos de possibilidades, em contraste com a reduzida
capacidade efetiva para explorá-las e defendê-las. Essa
fraqueza é agravada pela ação comunista, que, não perturba
os esforços normais de desenvolvimento do país, por meio de
agitações e greves, como poderá debilitar, ainda mais, o poder
nacional, em emergência de guerra, por variados processos de
quinta-colunismo. O aceleramento de nosso progresso
econômico-social depende, em grande parte, a colaboração que
possamos, sem quebra de autoridade, obter da iniciativa, da
técnica e do capital internacionais. Nossa segurança nas difíceis
circunstâncias atuais, é função necessária do apoio recíproco
que hipotecarmos e nos for hipotecado, através dos organismos
172
internacionais de prevenção e repressão ao espírito de
agressão que ameaça a paz do mundo. Num e noutro sentido
será inestimável o vosso esforço diplomático para granjear-nos
dignamente, das nações com que colaboramos, não os
instrumentos de que ainda carecemos para forjar o arcabouço
de nosso progresso material, como também, consolidar o apoio
recíproco de defesa com que haveremos de garantir a
edificação pacífica desse progresso, através dos pactos, de
segurança coletiva, interamericana e mundial que
firmamos.”
241
Essa leitura da realidade nacional colocava que a saída para nossos
problemas estruturais era o capital internacional investido no país através da
introdução das multinacionais, garantindo-nos assim, além de capital, “know
how” tecnológico para o desenvolvimento do parque industrial e a melhoria das
condições de vida do povo brasileiro.
242
A fala do General Juarez Távora defendendo a sofisticação econômica
através do desenvolvimento do parque industrial multinacional e a
centralização do poder coercitivo para garantir tal crescimento, não se
antagoniza à fala nacionalista do General Lott. Ambos vêm na coesão da
sociedade civil (incluindo é claro as Forças Armadas) o compromisso da
confiança depositada no Estado, ou numa perspectiva legalista como a
pregação do General Lott, ou numa perspectiva de compromisso mundial, que
vai além das “vontades e dos conflitos nacionais”, pois representam “pactos, de
segurança coletiva, interamericana e mundial que já firmamos.”
243
Neste sentido, no ano de 55, a ESG produz um denso dossiê, no qual
coloca praticamente toda a sociedade sob suspeição, à exceção, é evidente
dos segmentos da burguesia à qual está atrelada. Com o velho discurso da
ameaça comunista, lança a acusação de comunismo sobre uma gama de
instituições governamentais e entidades da sociedade civil, que vão desde os
sindicatos, passando por associações rurais, organizações desportivas,
241
Recorte do jornal “Diário de São Paulo” de 09/12/1954 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 274
242
O capital multinacional associado desenvolveu-se e aprimorou-se organizacionalmente agregando para
si, por meio de diversos expedientes setores das elites empresariais e militares, “agentes sociais-
mordenizantes-conservadores”, todos eles verdadeiros intelectuais orgânicos do novo bloco em
formação.” (DREIFUSS. 1987:71)
243
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 26/08/1955 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 290
173
profissionais de imprensa, estudantes, diplomatas e estrangeiros existentes no
país:
“Depois das Forças Armadas, o setor mais visado pela
infiltração moscovita é os sindicatos, usados sempre como
verdadeiras armas de agitação. Em virtude disso, essa questão
foi amplamente focalizada. Examinou-se o índice de penetração
vermelha nos órgãos sindicais (80%) demorando-se, mais
detidamente, naqueles da zona litorânea, dos quais depende
em grande parte a regularidade dos serviços de abastecimento
do país e onde se concentra maior massa populacional. (...) As
associações rurais paulistas em número de oitenta, não estão
fora dessa análise, tendo-se verificado que era justamente ali
que estava nascendo um movimento de caráter nitidamente
comunista que se dirigia para o campo, a fim de colher de
surpresa as populações rurais menos esclarecidas, mediante
promessas de que elas seriam no futuro as legitimas donas das
terras. (...) Visto pelo lado inocente os seus nomes e emblemas,
muitas das organizações desportivas existentes no país (só no
distrito Federal contam-se setenta no gênero) poderiam parecer,
de fato, destinadas ao incremento da vida desportiva. Todavia o
que se apurou nalgumas delas são, na realidade, autenticas
células comunistas, gozando do privilégio de sedes próprias
para suas reuniões adquiridas com os dinheiros recolhidos entre
os associados. (...) Outra face da questão comunista focalizada
pelo relatório é a da imprensa, particularmente, do próprio
profissional. O aspecto legal dessas publicações não foi
descurado e o governo prepara-se para enquadrá-las dentro
das leis existentes no país e que regulam os problemas de
segurança nacional. (...) As facilidades com que os estudantes
se deixam convencer pela dialética marxista e levados pelo seu
espírito um tanto idealista, criou clima propício para as
investidas vermelhas no seio da mocidade. Basta dizer que,
durante quatro anos, a União Nacional dos Estudantes esteve
sob a dominação de elementos comunistas e, nessas condições
rendeu suas homenagens a U.I.E (União Internacional dos
Estudantes) órgão criado atrás da “cortina de ferro” (Praga) e no
organograma do Partido comunista Russo, colocada num dos
lugares estratégicos para o domínio mundial. (...) Intimamente
ligadas, funcionam as representações diplomáticas de alguns
países da “cortina de ferro”, com os quais ainda mantemos
relações e os grupos de espionagem que funcionam no Brasil. A
esse respeito, graves e sensacionais revelações contém o
documento da Escola superior de Guerra.(...) Assunto nunca
discutido publicamente nas suas devidas proporções, mas que
tem preocupado seriamente as autoridades, é este dos
clandestinos de várias procedências e nacionalidades, que
entram no Brasil pela fronteira ou pelas praias desertas do
nosso litoral. Está apurado que nada menos de mil duzentos
174
indivíduos nessas condições vivem em nosso território, sem
uma profissão definida, sem um paradeiro certo, mas o fato é
que não lhes falta recurso e tem entrada franca nas delegações
de paises da “cortina de ferro”, assim com a mesma facilidade
com que entrariam no Kremlim.”244
Indagado a respeito das providências sobre a referida infiltração, o chefe
de polícia coronel Geraldo Cortes afirma:
“O que aconteceu com a polícia, na gestão passada, foi uma
situação transitória. Agora, voltamos ao regime de trabalho
normal e a polícia está destinada a cumprir a sua missão. O que
fazemos, nesse assunto de comunismo, e o que temos feito, em
muitas ocasiões, exige silêncio. Mas, o fato é que estamos
agindo.”
245
No mesmo dia o General Góes Monteiro também o sinal de alerta no
jornal “Ultima Hora”:
“Voltando a falar sobre o que chama de “autentica conspiração
contra os militares” o general Góes Monteiro declarou: “Já
manifestei minha opinião. Está-se desencadeando no país uma
campanha anti-militarista, objetivando a desintegração das
Forças Armadas, e desta vez muito mais agressiva o que a que
houve no movimento civilista, pregado por Rui Barbosa, que era
um espírito superior. A campanha de agora, porém é fomentado
por espíritos dentre os mais impatrióticos e inferiores, moldado
pelo aventureirismo político, sem peias e pela ação conjugada
de forças e de ideologias exóticas. Dividindo o movimento em
três fases, acrescentou o general Góes: “A primeira fase, a
atual, consiste no divisionismo das Forças Armadas, incluindo
as intenções subversivas. Para este fim, está-se procedendo à
limpeza do terreno, a fim de miná-lo. Uma vez alcançado este
objetivo não se disporá do numero suficiente de “mineiros”,
aptos para fazer o levantamento das minas prestes a explodir.
Será a segunda fase. A terceira fase o processo será de
conseqüências imprevisíveis: só Deus sabe o que vem ai.”
246
Outro personagem das Forças Armadas entra agora na lista das
suspeições. Trata-se do general Henrique
Batista Duffles Teixeira Lott, ministro
da guerra no Governo Café Filho, e que na verdade, era um ferrenho legalista e
244
Recorte do jornal “Diário da Noite” de 08/11/1954 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 270
245
idem
246
Recorte do jornal “Última Hora” de 08/11/1954 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 269
175
anticomunista. Tanto é que, na comemoração do Dia do Soldado, este advertia,
ainda em 26/08/1955, conforme anota o próprio censor:
“as forças armadas contra as manobras dos semeadores da
cizânia e de intrigas - os comunistas. São lobos travestidos de
cordeiros que se aproveitam da liberalidade de nossas leis e,
abrigados nos diferentes partidos, procuram atingir o cerne da
pátria. Não se deixem contaminar pelos que procuram distribuir
a desconfiança entre as três forças armadas. poderemos
resistir se confiarmos uns nos outros e atendermos fielmente,
aos compromissos que assumimos ao ingressar nas nossas
posições.”
247
Essa prática de denúncia da infiltração comunista nas instituições
nacionais estava em todos os eventos que pudessem criar polêmica, mesmo
que após Juscelino Kubitschek assumir a presidência da República.
A candidatura oficial da dupla JK (Juscelino e Jango), havia sido
oficialmente homologada dia 10 de fevereiro de 1955, com o slogan "50 anos
em 5" (50 anos de progresso em 5 anos de governo). Apoiados pelo PTB
,
tiveram como opositores, principalmente a UDN liderada por Juarez Távora,
Ademar de Barros, do PSD e Plínio Salgado do Partido Integralista, os quais
desencadearam um processo de luta contra a candidatura Juscelino-Jango,
criando um clima de instabilidade, esse clima perdurou ate mesmo após
outubro de 1955, quando finalmente são eleitos.
Mas as tentativas por parte da oposição de anular as eleições ou e de
dar um golpe foram contidas por uma facção do Exército, sob a Liderança do
General Lott que, em nome da burguesia nacionalista e dos setores do exército
considerados getulistas, garante-lhes a posse em 31 de janeiro de 1956
,
embora em seu governo, tido como dos mais democráticos, o aparato do
serviço secreto continua crescendo e se infiltrando no interior da sociedade,
conforme veremos mais adiante, sempre respaldado pelos ditames do mote da
guerra fria.
247
idem
176
Em 17/03/1956 na solenidade de instalação do Congresso Nacional,
presidida pelo Sr. João Goulart, o deputado Raimundo Padilha
248
interpelou o
governo na figura do ministro da guerra, a respeito da penetração comunista
nos altos comandos do exército. O deputado apresenta uma enorme lista de
comandantes
249
do exército pertencentes às principais regiões militares do país
e indaga o seguinte:
1. “Dos oficiais aqui mencionados, quais os que participaram ou
participam de atividades ligadas ao extinto e atuante Partido
Comunista do Brasil ou qualquer das organizações a ele
filiadas, seja no terreno político, seja na ação revolucionária?
Quais, dentre os mesmos, os que responderam a inquéritos
policiais militares ou foram processados em virtude dessas
atividades, bem assim as conclusões respectivas em cada
caso? Se qualquer dos oficiais aqui referidos afirmou
publicamente ou diante da autoridade militar competente o seu
total repúdio em caráter definitivo do credo bolchevista?”
250
O deputado afirma que faz questão de que seu requerimento seja
respondido pelo governo, afim de que a população fique esclarecida e
tranqüilizada. Depois, considera a oportunidade magnífica para o governo
afirmar de público o seu repúdio ao bolchevismo. Nota-se que essas
informações a respeito de militares comunistas infiltrados estavam “na boca do
povo”, da imprensa, do congresso nacional, dos censores do serviço secreto.
Enfim a campanha contra o comunismo estava cada vez mais forte criando um
clima propício à intervenção militar que não demoraria a acontecer.
Diante desse clima de intervenção militar, o problema da falta de
respaldo jurídico para agir prontamente contra os suspeitos vigiados não se
aplicava aos militares, dado que estes se mantiveram ao longo de todo o
período sujeitos ao Conselho de Justificação. O Conselho de Justificação era
um tribunal militar destinado a julgar, através de processo especial, a
capacidade ou não, de oficiais das Forças Armadas - militar de carreira - para
248
O economista Raimundo Delmiriano Padilha (1899-1988) filiou-se à Ação Integralista Brasileira
(AIB) e foi um de seus mais ativos integrantes, fundando na década de 40 o Partido de Representação
Popular (PRP), integrado por remanescentes do integralismo. De 1954 a 1962 elegeu-se deputado federal
na legenda da União Democrática Nacional (UDN) e no período do bonapartismo de 64 foi líder da
maioria na mara durante o governo de Castelo Branco, integrando a Aliança Renovadora Nacional
(Arena), período em que colabora na redação da Constituição outorgada em 1967.
249
Lista disponível no “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 307
250
Recorte do jornal “O Estado de o Paulo” de 17/03/1956 anexo ao“Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 307
177
permanecer na ativa. Tinha como critérios, entre outros, verificar se o acusado,
ostensiva ou clandestinamente: a) estivesse inscrito como membro de algum
partido; b) prestasse serviços ou angariasse valores em seu benefício; c)
realizasse propaganda de suas doutrinas; ou d) colaborasse, por qualquer
forma, mas sempre de modo inequívoco ou doloso, com as atividades destes
partidos.
O relato de um censor traz a cópia de uma notícia publicada pelo jornal
“O Globo” do Rio de Janeiro, do dia 07/11/1956 que noticia a interpelação de
um general por este Conselho e esclarece:
“O Cel. Canabarro pedirá Conselho de Justificação. Sua
interpelação pelo general Floriano Peixoto Keller quando
surgiram acusações de ligação com os comunistas. Em
conseqüência de uma lei baixada ao tempo do Sr. Getulio
Vargas, o Coronel Nemo Canabarro Lucas, responderá a um
Conselho de Justificação devido às suas ultimas atividades,
dentro e fora do exército. Ao que apuramos, logo que
começaram a surgir denuncias em torno de suas possíveis
ligações com o extinto Partido Comunista, o Coronel Canabarro
foi chamado ao gabinete do General Floriano Peixoto Keller, a
quem está subordinado na diretoria Geral do Serviço Militar,
para ser cientificado necessidade do respeito aquele dispositivo
legal, (?) normalmente nessa época em que a tensa situação
internacional exige um pronunciamento claro e definitivo de
militares e civis a respeito de suas ideologias e tendências
políticas. Caso se recusasse a atender, na própria forma da lei,
seu comandante poderia determinar, ex-oficio a instauração do
Conselho. O Coronel Canabarro entretanto, respondeu que
pediria, sem demora, o Conselho de Justificação a fim de
esclarecer o sentido e natureza de suas”. Atividades”.
251
Esse dispositivo militar ganhava força na medida em que as denúncias
de infiltração comunista não cessavam, pois como foi demonstrado
anteriormente, toda a década de 50 terá uma movimentação enorme de
expurgo dentro das Forças Armadas.
Ao que se referem as autoridades civis, os relatórios “incriminavam”
cada vez mais os desafetos dos militares, “engrossando” os dossiês dessas
251
Recorte do Jornal o diário O Globo”de 07/11/1956 anexo ao Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 341.
178
autoridades para uma futura providência, onde a simples denuncia é fato
comprobatório de conduta ideológica. Como esse relatório confidencial do
Serviço Secreto, datado de 23/01/1957:
“A situação político militar no Rio deve ser esclarecida em
breve. No exército, 20% são comunistas, 20% são
anticomunistas e os restantes 60% aguardam o resultado do
choque.”
252
O censor afirma que a responsabilidade da infiltração comunista nas
Forças Armadas era do vice-presidente João Goulart e, de quebra, o general
Lott, que os havia apoiado:
O Sr. Jango Goulart está sendo responsabilizado pela infiltração
de elementos comunistas no exército e é o responsável pela
onda de desmoralização que está atingindo o General Lott,
principalmente depois da entrega da “espada de ouro
253
”.
O Sr. Goulart, antes da eleição estava em situação muito difícil
ante as Forças Armadas, sendo certo que no exército, o próprio
ministro não fazia mistério disso, sendo muito mal vista a sua
atuação na política nacional e ser aperigosa, a instabilidade
do regime a sua eleição.
O Sr. Jango, seguindo a técnica comunista, conseguiu envolver
o General Lott e explora sua vaidade e daí a espada de ouro.
O exército, ou melhor, a sua maioria está ciente disso e daí a
situação delicada que está envolvendo, aos poucos, o vice-
presidente da república, visto ser ele considerado o chefe
supremo do “peleguismo” e o principal artífice da derrocada e
da desmoralização do General Lott que até então, era
considerado como um homem, sensato, criterioso e sobretudo
um militar correto”.
254
A imagem de desmoralização que o censor destaca sobre o general Lott
era a dos generais frustrados em sua tentativa de golpe em novembro de 1955,
quando tentaram impedir a posse do então presidente eleito Juscelino
Kubitscheck e seu vice João Belchior Goulart. Tanto para o Serviço Secreto
como para grande parte das Forças Armadas, a figura de João Goulart
252
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 370-A de 23/01/1957
253
Em novembro de 1956, foi prestada uma homenagem ao general Lott, que reuniu cerca de quinze mil
pessoas em frente ao ministério da Guerra, e na qual lhe foi entregue uma espada de ouro por conta do
aniversário de um ano do Movimento 11 de Novembro, que impediu a tentativa de golpe da facção
“entreguista” das Forças Armadas.
254
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 370-B de 23/01/1957.
179
incomodava, ele representava a iminência de uma república socialista no
Brasil, e a partir da sua chegada ao “poder” a movimentação na caserna para o
afastamento dele e dos grupos que o estavam apoiando não cessou até a
derrocada final em março de 1964.
180
CAPÍTULO V
A movimentação das Facções dentro das Forças Armadas:
Golpe e contragolpe
No capítulo anterior vimos que o resultado das contendas no interior das
forças armadas foi um grande expurgo, o que também agitou os quadros da
administração pública, tudo justificado pela ameaça da infiltração comunista
nos seus quadros e da quebra da disciplina e acinte à hierarquia,
particularmente quando se tratava da participação e do freqüente debate sobre
essa conjuntura na baixa oficialidade.
Somando-se a isto o debate que ocorria na sociedade civil sobre as
liberdades democráticas, a partir da Constituição de 46, assim como as
reações ao cerceamento à liberdade de organização, configurava nos primeiros
anos da década de 50, um quadro institucional que, na visão dos militares, era
caótico.
A grande movimentação da sociedade civil devido ao aumento da
inflação, o movimento sindical, as agremiações democráticas em favor do
monopólio estatal, contra a entrada das multinacionais, contra o acordo Brasil -
Estados Unidos, como também plataformas políticas defendidas pelos partidos
de oposição e do governo que apoiavam e defendiam, ou o centralismo político
ou a garantia das liberdades democráticas; levava os militares, tanto os
“sorbonistas” ligados à ESG, como os nacionalistas ligados ao getulismo, a
vislumbrarem uma conjuntura bastante complicada e a necessidade de um
golpe para por fim àquela “baderna”.
As classes trabalhadoras, tanto urbanas como rurais nesta conjunção de
“forças”, débeis em seu nascimento pela tardia industrialização, mas
parcialmente libertas das amarras da ditadura varguista, se articulam
conferindo ao período uma fase de grande efervescência social, como observa
Suely Braga da Silva do CPDOC:
“Essa situação começou a se alterar nos anos 1950, com a
volta do Estado de Direito e do próprio Vargas ao poder. Foi
então que o movimento sindical se rearticulou e passou a atuar
como um ator político, valendo-se de sua força eleitoral, das leis
181
de proteção ao trabalho, da possibilidade de fazer greves e da
própria Justiça do Trabalho, para lutar pela ampliação de todos
os seus direitos: sociais, políticos e civis. Essa é uma das
razões que tornam a República de 1945-1964 e, nela, o
segundo governo Vargas, um momento especial do processo de
expansão da cidadania no Brasil.”
255
Naquela conjuntura de tanta repressão policial, o movimento sindical
que, embora controlado pelo Estado e condicionado pela legislação trabalhista,
demonstrou seu poder de contestação e de luta, através das greves, que se
desdobraram na criação de instituições desvinculadas do governo e que
buscavam a articulação intersindical, fortalecendo a luta dos trabalhadores,
como o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), o Pacto de Unidade e Ação
(PUA), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e, posteriormente, o
Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas cio-Econômicas
(Dieese).
Foi um movimento operário notável, em que a luta econômica por
melhores salários, emprego e condições de salário adequadas, conseguiu unir-
se às demandas propriamente políticas, dando uma dimensão mais avançada
ao movimento dos trabalhadores. Um exemplo do patamar de luta alcançado
então foi a greve geral que, em julho de 1962, impediu a posse do direitista
Auro de Moura Andrade como primeiro ministro. Auro de Moura Andrade fora
escolhido no dia 3 de julho, pelos partidos conservadores, para ocupar a chefia
do governo; mas, diante da intensa oposição sindical e da greve geral que se
alastrava, nem sequer chegou a assumir o cargo, renunciando no dia 4.
A documentação do Serviço Secreto atuando como pêndulo dessas
forças ajuda a justificar as pressões de que resultaram várias tentativas de
golpe de Estado a os fins dos anos 50. Ora com características mais
brandas, os chamados “golpes brancos” que o as articulações dos militares
com os partidos políticos e agremiações que se identificavam com sua visão,
gestando tentativas revestidas de aspecto legal via congresso e outras
acomodações; ora com a movimentação de comandos militares para a tomada
do poder político pela força coercitiva.
255
SILVA, Suely Braga da. “Cidadania nos anos 50: sindicatos e legislação trabalhista”. In:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_gv/htm/3E_ele_voltou/Cidadania_nos_anos_1950.asp
182
Esta movimentação “golpista” das Forças Armadas se respalda na
documentação do Serviço Secreto da DOPS-SP que monitora esses conflitos,
onde o ator principal são os comandos militares, que soma suas idéias às das
instituições da sociedade civil vinculadas ao capital exportador, gestando assim
os princípios da segurança nacional que se constituiu na ideologia da ESG
centrada na Lei de Segurança Nacional, constituindo-se o binômio:
Desenvolvimento e Segurança Nacional.
Apesar dessa conjuntura de embate político entre a classe trabalhadora
e a burguesia industrial, os receios que tomavam conta da alta oficialidade não
encontravam “eco” na burguesia industrial associada ao capital multinacional
como também na burguesia mais progressista que endossava o crescimento
econômico e político fora dos interesses estrangeiros (ou seja, com alguma
participação delas no processo de acumulação).
Tanto uma como a outra acreditavam que o controle do Estado se dava
pela representação dos interesses da elite nacional, transformando-se assim, a
articulação golpista um mero ensaio. De nada adiantava, naquele momento, as
Forças Armadas enfatizarem a necessidade de se colocar limites às
“liberdades democráticas”, ou que havia se perdido o controle, e que o país
caminhava a passos largos para uma “comunização” de suas instituições.
Era preciso muito mais do que isso, a aceitação do golpe, a mobilização
do segmento dominante da sociedade civil. Anos mais tarde, na década de 60,
quando esses fatores se juntaram os militares começaram a “guerra”, em nome
da democracia e do Estado de direito, a autocracia bonapartista se instaura,
expurgando toda a oposição. Mas no momento e, estudo, a autocracia
institucional ainda se manifesta suficiente para manter seus interesses
particulares sendo atendidos pelo Estado.
256
256
No caso brasileiro estando o Estado representado por uma conjunção de forças adversas, mas não
antagônicas, a “luta” que se apresenta é a da garantia do desenvolvimento articulada com a ordem
capitalista internacional., onde se configura um super imperialismo, conforme Sandro Joel Roecker
Roeper: “Na verdade, podemos falar, como Karl Kautsky (pensador marxista alemão, 1879-1938,
dirigente da II Internacional), num superimperialismo, em que a luta entre os capitais financeiros
nacionais lugar à solidariedade do capital financeiro globalizado. Este capital financeiro globalizado,
sob a liderança dos EUA, se transformou num cartel, e os países industrializados deixaram de competir
entre si através de conflitos bélicos.” Na verdade o que aconteceu foi o contrario, as nações continuam a
ter conflitos bélicos em nome da democracia, da liberdade, dos direitos humanos e tantos outros
argumentos,. A industria bélica também é bilionária, e necessita de conflitos para sobreviver., a
183
A repressão aos interesses das classes que não integram este domínio,
dada a impossibilidade do atendimento às suas demandas e reivindicações
sociais e a sua fragilidade, pode ser exercida sem o golpe de Estado
concatenado pelos militares que se vêm obrigados a ficar de prontidão nos
bastidores.
A contradição desse período, bastante analisada do ponto de vista
das perseguições ao Partido Comunista, é a convivência de “liberdades
democráticas” com propostas de fechamento do “regime”. No interior das
forças armadas, na medida em que as denúncias sobre a infiltração comunista
tomavam conta do noticiário, não houve mais trégua: enquanto o expurgo
acontecia nas hostes militares, setores das Forças Armadas se mantinham de
prontidão, aguardando as condições favoráveis para desenfrear a “derrubada”
do governo. São tão notórias as notícias na imprensa, que chega a se banalizar
a possibilidade sempre iminente de um golpe militar.
Da mesma maneira que se formavam entidades que se colocavam como
nacionalistas, preocupadas com os destinos do país, como o Movimento em
Defesa do Monopólio do Petróleo, a luta Contra o Acordo militar Brasil Estados
Unidos, Contra a Carestia, etc. também se articulavam entidades reacionárias
ligadas ao pensamento militar, como a Cruzada Nacional Contra o Comunismo
fundada em 1952 pelo almirante Penna Botto e o Clube da Lanterna fundado
em 1953 pelo jornalista Amaral Netto, grande colaborador de Lacerda:
“Dentre os principais aliados de Lacerda no anticomunismo
radical estava o jornalista Amaral Netto fundador do reacionário
Clube da Lanterna, e o almirante Penna Botto, fundador da
Cruzada Brasileira Anticomunista em 1952. Penna Botto
acabaria tornando-se figura anedótica na sociedade brasileira
dos anos 50, pelo seu anticomunismo exagerado, dando origem
ao adjetivo pejorativo “penabotismo”, usada para designar
aqueles que procuravam e denunciavam comunistas em todos
os lugares e de forma obsessiva. (...) Um grupo declaradamente
lacerdista nascido no começo dos anos 50, com certa unidade
de discurso e ação que tinha o jornal Tribuna da Imprensa como
referência foi chamado Clube da Lanterna (vale aqui ressaltar
que uma lanterna era a logomarca do jornal). Algumas fontes
dizem que Carlos Lacerda teria fundado o clube em agosto de
supremacia do capital monopolizado é inquestionável e sua reprodução se dá na superexploração humana,
sem remorso, pois assim a racionalidade do capital ordena.
184
1953 no Rio de Janeiro, e que tinha como objetivo primordial
combater o governo Vargas.” (Delgado, 2006:64/102)
Em documento reservado do Serviço Secreto de 26/01/1953, o censor
informa que a Cruzada Nacional contra o Comunismo tinha apoio de
renomados generais das Forças Armadas entre eles: General Canrobert,
Juarez Távora e Cordeiro de Farias e que o almirante Penna Botto fizera
graves acusações contra funcionários públicos titulares de importantes cargos
nos diversos ministérios e que teriam cooperado com o Partido Comunista.
257
O
censor comenta ainda que tanto Getulio Vargas como os “chefões do PTB” não
viam com bons olhos esse movimento.
os maiorais do petebismo estão firmemente convencidos de
que uma vigorosa campanha anticomunista, seguida de um
expurgo do funcionalismo federal, tornará o governo, ou melhor
o Dr. Getúlio, impopular. Conseqüentemente o Almirante e a
sua cruzada são combatidos pelos petebistas mais chegados ao
presidente da república.”
258
A associação entre comunismo, getulismo e nacionalismo vai assim
sendo gestada e tais censores não apenas a registram, como ajudam a
consolidá-la e no seu entender, a encontram em todos os lugares, tanto entre
os civis quanto entre os militares.
Nesta lógica, a volta do Estado de Direito e do próprio Vargas ao poder,
com a articulação do movimento sindical e o retorno à cena política do partido
comunista, a aplicação das leis trabalhistas, a liberdade de organização e
manifestação e a própria Justiça do Trabalho, passaram a ser considerados
sintomas nefastos e periculosos à democracia. Essa nova realidade de
liberdades democráticas e a tolerância de certos círculos oficiais em relação às
atividades comunistas, para os segmentos mais conservadores, propiciavam
cada vez mais a infiltração comunista:
“os antigetulistas e os anticomunistas civis e militares, em
número cada dia maior, declaram-se solidários com o almirante
Penna Botto. Não padece de dúvida que muitos dos seguidores
257
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 200 de 26/01/1953
258
idem
185
do irrequieto marinheiro estão mais interessados na destruição
de Vargas do que na de Prestes.”
259
O fantasma de uma conspiração comunista é visto em todas as
organizações, em todos os lugares, sendo exemplo disso a vigilância das
informações dos comandos militares monitoradas pelos agentes do Serviço
Secreto. A documentação a seguir demonstra essa prática como também a
paranóia anticomunista de considerar que a possibilidade de uma articulação
revolucionária no país era iminente, caso não houvesse cerceamentos aos
movimentos sociais. Por exemplo, o Ministério da Guerra recebera informações
vindas de Recife relativas à eclosão de um movimento sedicioso chamado:
Exército da Salvação Nacional que seria comandado pelo ex-capitão, Agildo
Barata. Associa assim, este comunicado, um líder de revoltas da década de 30
e 40 contra o governo Vargas e de formação comunista a um possível
movimento de envergadura contra o poder constituído.
O Ministério da Marinha também obteve informação semelhante,
embora, em seu diálogo, estes dois ministérios demonstrem que não acreditam
na possibilidade de um movimento de envergadura, pois faltavam aos seus
organizadores, armas adequadas e munições e os oficiais esquerdistas
constituem uma minoria, visto que depois da instauração de vários inquéritos
envolvendo oficiais e sargentos reconhecidamente comunistas estes haviam
cessado por completos suas atividades diretas dentro da caserna. Mesmo
assim os ministérios ficaram de prontidão:
“ambos os ministérios baixaram instruções reservadas para que
as tropas se mantenham atentas e possam agir com presteza,
em caso de se positivar a ameaça”
260
Conforme a historiografia aponta, o ano de 1953 foi marcado por
uma crescente tensão política e social e dificuldades inesperadas para o
governo Vargas. Em janeiro daquele ano o Brasil sentiu imediatamente os
reflexos da mudança nas políticas norte americanas em relação ao Brasil nas
quais, até então, Getúlio havia apostado para obter financiamentos para a
259
idem
260
Tópico do relatório do Rio de Janeiro de 23/12/1952. Movimento Sedicioso. Relatório Reservado”
Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 194
186
implantação de indústrias de base. Entretanto, os planos de cooperação
econômica foram praticamente abandonados pelo governo do presidente
Dwight Eisenhower. Em vez disso, a política para a América Latina, conduzida
pelo secretário de Estado John Foster Dulles, caracterizou-se pelo reforço do
anticomunismo e pelo combate aos movimentos de cunho mais nacionalista,
plataformas políticas que o governo Vargas o abraçava naquele momento
devido à necessidade que se impunha de se fortalecer internamente com apoio
dos movimentos sindicais e dos trabalhadores em geral.
Sequer medidas restritivas às reivindicações populares, como a “Lei
sobre os crimes contra o Estado e a ordem política e social", editada em janeiro
de 1953 visando a “segurança nacional”, pela qual eram passíveis de punição
aqueles que convocavam ou realizavam comício ou reunião pública a céu
aberto, em lugar não autorizado pela polícia, colocou-o como uma pessoa de
confiança para o governo norte-americano, a que se somava a desconfiança do
empresariado com as “concessões” deste governo às reivindicações dos
trabalhadores. De fato estes, com a inflação e, conseqüentemente, a elevação
acelerada do custo de vida tiveram motivos suficientes para não
permaneceram na imobilidade a que haviam sido obrigadas no longo período
bonapartista recém distendido. Em janeiro de 1953, irrompeu no Rio a primeira
de uma série de greves de trabalhadores: os operários têxteis exigiram um
aumento salarial de 60%. Com a mediação do governo, conseguiram 42% de
aumento. De imediato, as associações empresariais comerciais e industriais
manifestaram sua preocupação com a política econômica e a liberdade de
ação concedida aos sindicatos.
No livro “Greve de massa e crise política”, o sociólogo José Álvaro
Moisés fez um estudo pormenorizado da greve e suas repercussões políticas.
Dele retiramos os seguintes trechos:
"Toda a política nacional girava, agora, de alguma maneira, em
torno do conflito (...) O Estado de S. Paulo (1/4/53) apelava para
as classes conservadoras para que agissem antes que fosse
tarde demais, e renovava a sua acusação contra Vargas, de
que era ele quem estava por trás da greve, através do PTB,
187
com o intuito de produzir um clima de desordem que poderia
favorecer um golpe continuísta.“.
261
Assim, apesar dessa dualidade de posições do governo, as concessões
salariais que, por um lado, expressavam a aproximação com os trabalhadores
para garantir a sustentabilidade do seu governo reforçado pela presença do
trabalhista João Goulart -, por outro, punham de guarda a débil burguesia que
manifestavam sua face mais conservadora, fazendo coro com os boatos sobre
sua aproximação com os comunistas.
As Forças Armadas, por sua vez, concluíam que o seu anti-getulismo
não era em vão, pois a aproximação com a classe operária representava
sempre um perigo de infiltração comunista na nação. Apesar de Getulio ser
também um representante da ordem liberal, seu conservadorismo não mais se
coadunava com os interesses das classes dominantes, que tendiam cada vez
mais a apregoar medidas mais radicais que só poderiam ser, segundo tal
lógica, capitaneada pelos militares.
Na medida em que as contradições se aguçavam, os informes sobre os
boatos começam a “ganhar corpo”, revelando a movimentação tanto dos
militares, quanto desses segmentos da burguesia, para um efetivo “golpe”, o
que é relatado e, pelo teor do relatório, apoiado, pelos agentes do sistema de
vigilância, em 1954: “Confirmando meus relatórios anteriores, tornou-se público
o movimento militar contra o movimento de infiltração sindicalista “jangujista”,
com os objetivos já conhecidos pela nação”.
262
“O manifesto do exército, segundo consegui apurar é um
protesto advertência contra o golpe em perspectiva onde os
coronéis afirmaram que o Exército Nacional a exemplo de 29 de
outubro, hoje mais unido que nunca, estará de prontidão contra
qualquer golpe, parta donde partir.”
263
Aproveitando o clima golpista, nada melhor do que associar a defesa da
nação à defesa dos interesses corporativos, já que, o manifesto a que se refere
o censor conhecido como o Manifesto dos Coronéis, assinado por 42 coronéis
261
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_47.asp
262
“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 228 de 19/02/1954.
263
idem
188
e 39 tenentes- coronéis e dirigido em fevereiro de 1954 à alta hierarquia militar,
era um protesto contra a exigüidade dos recursos destinados ao Exército e a
proposta governamental de elevação do salário mínimo dos operários em
100%. O redator do manifesto fora o tenente-coronel Golbery de Couto e Silva
membro da “Cruzada Democrática”, ferrenho adversários de Getúlio Vargas e
de sua política de aproximação com o sindicalismo. Esse documento teve
grande repercussão e contribuiu decisivamente para a demissão, tanto do
ministro da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, quanto o do
Trabalho, João Goulart, além de gerar outro documento, um Memorial de apoio
dos militares a Getúlio.
Embora o Manifesto não propusesse qualquer medida radical, ao ser
publicado na Tribuna da Imprensa, o editor deste jornal coloca “lenha na
fogueira” em favor da instabilidade constitucional em curso, fazendo preleções,
juntamente com a UDN, a favor de um golpe que afastasse Getúlio do poder. O
jornalista associava tais manifestações à dubiedade de Getulio Vargas que,
segundo ele, além de não resolver as contendas, nem de controlar as forças
armadas, ainda facilitaria a infiltração de ideologias estranhas à nação.
Segundo suas declarações, o
“clima de negociatas, que envolve o país e até mesmo o
exército, exige que se oponham sólidas barreiras, que lhe
detenham o transbordamento dentro das classes armadas, cujo
padrão de honestidade e decoro administrativo, se poderá
manter se, além de rigorosas normas de administração e
controle, vigorar alerta um espírito coletivo de decidida
contenção e repulsa contra quaisquer desmandos afirma a
certa altura o Memorial dos Coronéis, do qual publicamos os
pontos principais. (...) é necessário um testemunho público da
firme decisão de solucionar os problemas nacionais (...) a
preparação do exército tem evoluído, ameaçando a segurança
nacional (...) é necessário robustecer a classe contra tendências
desagregadoras e a ameaça de infiltração de ideologias
antidemocráticas ou do espírito de partidarismo político.”
264
Observa-se assim o quanto as forças dominantes, tanto civis quanto
militares, se põem em alerta por causa da vigência da institucionalidade
constitucional e nesta guarda, qualquer manifestação, ou circunstância é
264
Recorte do jornal “Tribuna da Imprensa” de 24/02/1954 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 230
189
considerada um fator de ameaça à sua dominação, fazendo-se necessário
articular-se em defesa dos seus interesses. Conforme analisava um repórter
em 1954, em relação à presença dos militares no cenário nacional.
“Quem quiser estudar nossa História, basta apenas
acompanhar as “questões militares”. Todos os outros problemas
são corolários dessas “questões”. Assim foi no Império. Sobre
uma “questão militar” erigiu-se a República. Outra “questão
militar” (prisão de Hermes) gerou o tenentismo e, em
conseqüência a Revolução de 1930. O Estado Novo foi,
sobretudo um problema militar, assim como a sua queda, 0 “29
de outubro”. Agora, o Memorial dos coronéis com suas
poderosas e bem armadas 82 assinaturas está dando o que
pensar”
265
O jornalista ainda realiza pesquisa em nome do povo com o objetivo,
conforme afirma, de demonstrar como esse vê as altas patentes das Forças
Armadas na condução da história política brasileira e quais generais considera
os mais confiáveis. A seguir apresenta uma classificação acompanhada de um
breve dossiê de cada um, alguns dos quais estão colocados como “generais
que o povo desconfia”, pois o considerados agentes do possível golpe: Góis
Monteiro, Zenóbio da Costa, Aristóteles de Souza, Mendes de Morais, Cyro do
Espírito Santo Cardoso, Estilac Leal, Caiado de Castro. Generais da confiança
do povo: Eduardo Gomes, Canrobert, Juarez Távora, Nelson de Melo,
Honorato Pradel, Cordeiro de Farias, Odílio Denys, Fiúza de Castro, Lima
Câmara, Alcides Etchegoyen.
266
Nos dois grupos aparecem tantos
nacionalistas como “sorbonistas”.
Aproveitando o clima e também contribuindo para acirrar a contraditória
institucionalidade constitucional, o encaminhados, novamente, projetos de lei
que definem novas medidas restritivas, agora às liberdades de representação,
como, por exemplo, a proposta apresentada em 1954, por um senador - Dário
Cardoso - que visava impedir o registro de candidatos suspeitos de
pertencerem a partidos políticos “ilegais”. As objeções ao projeto feitas em
plenário e suas denúncias sobre a vinculação destes cerceamentos aos
265
Recorte do jornal “Diário da Noite” de 21/05/1954 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 246
266
idem
190
interesses norte americanos, foram todas anotadas pelos censores infiltrados
na Assembléia, com a devida observação que as mobilizações populares
contra a proposta consistiam em uma demonstração da articulação do PCB
com os operários
.”
267
Assim, concluia o censor apoiando-se nas palavras de um deputado, “o
clima (era) revolucionário, aliás, profundamente revolucionário”, pois se de um
lado ele detectava que “uma grande maioria dos oficiais e generais (...)
(estavam) ao lado dos imperialistas e contra os comunistas, por outro, havia os
que se posicionavam “contra a camarilha de Getulio Vargas e contra o grupo
de generais partidários do acordo militar Brasileiro-EE.UU., os quais, ainda
segundo afirmava o deputado e com o que ele concordava,”prepara(m) um
golpe”.
268
Observa-se que, para cada um desses interlocutores e até mesmo para
os integrantes do o citado e vigiado Partido Comunista
269
, as movimentações
sociais levavam a um “clima de guerra” e de fato, “golpes brancos” estavam
sendo aplicados no Congresso e na Câmara Federal, através de pressões das
bancadas conservadoras para ampliar as vigentes restrições às liberdades
liberais. O maior exemplo disto é o pedido de impeachment à Getúlio, encetada
pela coligação PL-PR-PDC, liderada pela UDN, em 1954 e na qual figura
como um dos mentores, o antigo varquista e ex tenentista, brigadeiro Eduardo
Gomes
270
.
Por outro lado, observa-se o crescimento do movimento operário que
recrudesce após a ditadura varguista, ante a falta de cumprimento das leis
trabalhistas, a continuidade do cerceamento à liberdades de organização e
expressão, e principalmente ante a corrosão salarial ante a inflação. Quando
nesse mesmo ano o STF decidiu pela inconstitucionalidade do aumento do
salário mínimo, alegando que muitos empregadores não poderiam arcar com
267
Relatório 470 de 24/06/1954 do “S.O.G.” “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 252 página 2
268
Relatório 470 de 24/06/1954 do “S.O.G.” “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 252 página 2 e 3
269
Idem. Encontra-se neste documento a descrição da tentativa deste partido de lançar uma nova frente
ampla em defesa da democracia.
270
O ex tenentista Eduardo Gomes, vinculado à aeronáutica, integrara a Coluna Prestes, participara do
governo Vargas e na seguencia intergrou-se à UDN, pela qual se candidatou ao pleito de 1945, no qual
saiu vencedor Dutra. Perde novamente para Getúlio em 1950 e passa a articular-se contra este a partir de
1954 e posteriormente será um dos conspiradores do golpe militar de 1964.
191
os seus custos, explodiram movimentos grevistas e ameaças de greve por todo
o país. Essa reação pareceu à UDN confirmar suas previsões de que Getúlio
orquestrava um novo golpe ditatorial:
"A pretexto da concessão de um salário mínimo, que ninguém
honestamente se lembraria de negar, mas que deve ser fixado
com justiça e alta eqüidade, a luta de classes está sendo
preparada e vai ser desfechada pelo Sr. presidente da
República. O momento, que ninguém se iluda, é pré-
revolucionário e a revolução está sendo dirigida pelo Catete."
271
Na seqüência o conhecido episódio envolvendo um possível atentado a
Carlos Lacerda em agosto de 54, consolidou, para essa lógica, os motivos para
o golpe, resultando na articulação desses setores dominantes da burguesia
que, respaldados pelas forças armadas unificadas, pedem a saída do
presidente. Assim, o golpe bonapartista se configura mais uma vez, com os
militares assumindo a condução das estratégias e do anúncio à nação:
“Os abaixo-assinados, oficiais-generais do Exército, conscientes
de seus deveres e responsabilidades perante a Nação,
honrando compromissos públicos e livremente assumidos, e
solidarizando-se com o pensamento dos camaradas da
Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar, em consciência,
como melhor caminho para tranqüilizar o povo e manter unidas
as Forças Armadas, a renúncia do atual presidente da
República, processando-se a sua substituição de acordo com os
preceitos constitucionais.”
272
Mas o desaparecimento de Vargas do cenário político não cessou o anti-
getulismo que tomara o mesmo significado de anticomunismo, pois o
problema o era Getúlio, propriamente dito, mas sim, a abertura para a
vigência da institucionalidade constitucional que a autocracia não conseguia
suportar. Pois esta permitia a veiculação de idéias para o desenvolvimento
nacional que, mesmo que o propusessem a ruptura com o capitalismo,
colocavam sugestões que poderiam por em risco a restrita correlação de forças
que os sustentava no poder e na condução da política econômica e social para
do país.
271
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_50.asp
272
Manifesto dos generais à nação, de 22 de agosto de 1954. Apud Impasse na democracia brasileira:
1951-1955. Coletânea de documentos. Adelina Maria Alves Novaes et al. Rio de Janeiro: FGV, 1983. p.
305.
192
Por isso não podiam agora correr o risco de perder ou partilhar este
poder, deixando que se abrissem candidaturas múltiplas à presidência, ou seja,
não podiam suportar sequer a participação popular no pleito. Tornava-se
necessário articular um acordo interpartidário para uma candidatura única e
dado o isolamento que isto representava em relação à grande maioria da
população, respaldar-se nos militares sempre de plantão.
A tentativa do golpe bonapartista voltava-se assim para impedir que
Juscelino Kubitschek, então governador de Minas Gerais, saísse candidato
pela aliança PSD-PTB, particularmente porque trazia de volta a relação entre o
governo e os segmentos de trabalhadores representados pela aproximação de
Goulart com os sindicalistas e de quebra talvez, com os comunistas que tinham
a ousadia de propor, conforme registra o censor, “tirar o máximo proveito da
luta entre as facções burguesas (...) (defender) os postulados nacionalistas e o
respeito à constituição (...) (incentivar) a luta contra os reacionários burgueses,
contra os generais fascistas e procurar(...) explorar a divisão das classes
armadas com um auspicioso passo a frente na campanha de libertação
nacional.”
273
5.1 Os ensaios da passagem da autocracia institucional para a
autocracia bonapartista: agentes da DOPS, militares, políticos,
empresários e o FBI.
A distensão no poder político que possibilita a ampliação das
manifestações e da expressão de opiniões sobre a coisa pública, observa-se
que os grupos mais conservadores, tanto entre os empresários, quanto entre
os militares, quanto entre intelectuais e integrantes do “poder público”, vão
transformando seus receios de perda do controle em articulações para que isto
não ocorra.
A principal evidência deste movimento está no surgimento ou
fortalecimento de grupos cuja ideologia se expressa claramente na
documentação apreendida pelos censores de plantão, que, com isto, mapeiam
a correlação de forças que configura o movimento pendular que ocorre neste
273
pico do Boletim Reservado da DOPS de Minas Gerais, datado de fevereiro de 1955. “Relatório
Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 279
193
período entre os que defendem a institucionalidade constitucional e os que
consideram necessário um golpe de contornos bonapartistas.
Assim observa-se a formação, de um lado dos que apoiavam a medida
interventora dos militares na política, como os integrantes do Clube da
Lanterna, os da Cruzada Democrática, os do Movimento de Recuperação
Nacional (MRN) e a Frente Militar Revolucionária (FMR). De outro lado, os
defensores da legalidade constitucional, cujos integrantes das forças armadas,
como os oficiais do exército e os praças das três forças lançam em 1.955, um
manifesto com mais de em torno de 3.000 assinaturas endereçadas ao
presidente do Clube Militar. Tais defensores estavam em parte concentrados
no Movimento Militar Constitucionalista (MMC) e enfrentavam o dilema da
defesa da Constituição e os riscos que isto poderia trazer para a manutenção
da ordem política e econômica nos moldes autocráticos vigentes.
O Serviço Secreto acompanhava de perto essa polêmica em torno da
intervenção militar ou da legalidade constitucional, particularmente ante o
resultado do pleito de outubro de 1955.
É através desta vigilância que tal correlação de forças pode ser
recuperada em detalhes e que nos permitiu identificar o ideário que justificava
as articulações golpistas que fracassaram por suas distensões tanto internas
quanto entre os segmentos da própria burguesia.
Dentre o material coletado selecionamos duas articulações que, pela
importância institucional de seus integrantes e pela visibilidade que adquirem
no cenário público, tinham o poder de interferir de forma mais direta na
dinâmica sócio-política e econômica no período.
O Manifesto do Clube Militar, anexado ao dossiê do agente da DOPS, se
coloca contra um golpe militar que truncasse o processo eleitoral em curso,
reafirmava sua defesa da Constituição e afirmava que cabia às Forças
Armadas assegurar a livre realização do pleito de 3 de outubro próximo, bem
como a posse dos candidatos escolhidos pelo povo e que “qualquer tentativa
194
de envolvimento da classe militar no sentido de comprometê-la numa solução
extralegal dos problemas brasileiros merece repulsa total e imediata.”
274
Observa-se assim o quanto a possibilidade da eleição de um governo
civil que desse continuidade ao getulismo/trabalhista de última fase gerava o
pânico golpista e, mais importante do que isso, o quanto as forças armadas se
encontravam divididas nesse momento.
O manifesto foi amplamente divulgado pela imprensa e no mesmo dia a
figura “demolidora” de Carlos Lacerda, ativo defensor da necessidade de um
golpe, tentava desqualificar sua importância, começando pela contestação do
número de assinaturas. Argumentava ele que nem no Clube militar havia
consenso, que a notícia havia sido “espalhada pelos partidários dos srs
Juscelino Kubitschek e João Goulart”, que o manifesto era “uma demonstração
de fraqueza desse grupo (...) liderado por alguns oficiais de tendência
comunista o que aumentava a confusão,” evoluindo a crise para as
perspectivas mais desfavoráveis ainda ao regime, que claudica, mal sustentado
nos seus poderes.”
275
Na mesma ocasião inúmeros panfletos foram distribuídos, revelando-se
através dos exemplares apreendidos pelos censores, a correlação de forças
em torno da mobilizações sobre o pleito. Alguns eram ofensivos às força
armadas e após terem comprovado que não haviam sido elaborados pelo
partidos comunista, os censores os atribuem a políticos interessados em
desestabilizar o governo de JK e Jango.”
276
Outros eram de fato, do Partido
Comunista e conclamavam a população à elegerem o presidente, seu vice e
deputados vinculados a esta organização.
“COMPATRIOTA. Faltam 27 dias para você, eleitor, eleger com
seu voto consciente Juscelino, Jango, Lucio e Jo
Raimundo.
277
Compareça as urnas certo de que elegerá os
candidatos anti golpistas, certo de que eles serão empossados,
porque ninguém se atreverá a dar o golpe. Os generais estão
de pés e mãos quebradas anti o pronunciamento patriótico, e
274
Recorte do jornal “Correio Paulistano” de 26/08/1955 anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê
DEOPS 50.Z.09 documento nº 291
275
idem
276
Informação reservada datada de 15/09/1955. “Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 294
277
José Raimundo e Lucio Bittencourt candidatos a vice governador e deputado federal respectivamente
pelo PTB de Minas Gerais.
195
decisivo dos oficiais da Região
278
. Desta vez, a política de
Washington fracassou, e os generais se acovardaram diante da
ameaça do povo.”
279
Mas a defesa da institucionalidade constitucional naquele momento foi
encetada mesmo pelo Movimento Militar Constitucionalista (MMC) e em dado
momento observa-se que agentes a serviço deste movimento passam a
infiltrar-se nas hostes dos movimentos golpistas (a cúpula da UDN
representada por Carlos Lacerda e o “Clube da Lanterna”) a fim de coletar
informações e monitorar as articulações militares contra a posse de JK e
Jango. Através desses relatórios a cúpula do MMC elabora comunicados
(boletins) com uma enorme riqueza de informações na tentativa de angariar
cada vez mais, no seio das tropas, novos simpatizantes à sua causa.
Vejamos inicialmente como estes se pronunciam em relação à
conjuntura, mapeando os integrantes tanto os da sociedade civil quanto no
interior das forças armadas. A começar pelos objetivos deste movimento que,
conforme boletim recuperado do acervo do deputado Augusto do Amaral
Peixoto
280
, nascera para impedir a realização de um golpe
anticonstitucionalidade ante um quadro que
“se resume no seguinte: desde que a eventualidade de uma
solução extra-legal (golpe) passou a ser encarada, surgiu para
combatê-lo, um movimento radicado, inicialmente, no seio do
exército. Tal movimento, conhecido como Movimento Militar
Constitucionalista (MMC), à principio uniu e congregou em torno
de alguns dos mais prestigiosos chefes militares, vários oficiais
do exército, começando a tomar vulto e crescendo rápida e
avassaladoramente”. 281
Rapidamente, conforme este mesmo boletim, se articula em torno desta
organização um grande número de oficiais e representantes civis aglutinados
ou não em partidos, transformando o MMC em uma
“poderosa força organizada, que hoje reúne a grande maioria do
exército e valiosas e substanciais partes da marinha e da
278
O panfleto se refere aos 300 oficiais que assinaram o manifesto antigolpe do Clube Militar. Carlos
Lacerda contesta tal informação, afirmando que entre oficiais da ativa e reformados somente 50 assinaram
o referido documento, conforme “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 291.
279
Panfleto anexado ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 294-A
280
O uso deste acervo documental do referido deputado sobre os boletins do MMC é um reforço ao
entendimento desse movimento militar tão vigiado pelos agentes do Serviço Secreto da DOPS-SP.
281
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Boletim de informações 11 do MMC de setembro de 1954.
Arquivo pessoal do deputado Augusto do Amaral Peixoto
196
aeronáutica, prontas para entrar em ação quando e onde se
tornar necessário. Além da componente militar (cuja parcela
principal compreende elementos de força) ampliou-se e
englobou em seu conjunto todas as demais forças reais e
positivas do país, compreendendo elementos de todas as
classes, partidos políticos e outros, o que lhe garante forte
apoio, receptividade notável e a indispensável cobertura civil,
que o torna, realmente, um Movimento de todas as forças vivas
da nação.”
282
Observa-se ainda que rapidamente montam uma estrutura que perpassa
toda a hierarquia das forças armadas e da sociedade civil, que se estende por
todo o país.
“Um Comando Central, cujo elemento principal é um Estado
Maior de tipo operacional. Um conjunto de Comandos
Regionais, com seus EM e Forças (do exército e polícias
militares estaduais). Um conjunto de Comandos da Marinha e
Aeronáutica, que operam em ligação com o Comando Central e
comandos Regionais. As ligações e articulações da
Componente Militar com as forças civis são estabelecidas e
mantidas por intermédio dos Estados Maiores do Comando
Central (no Rio) e Regionais (nas demais guarnições)”
283
Definem ainda uma verdadeira operação de guerra, constituindo um
sistema que atuaria em quatro grandes linhas de frente: uma articulando os
generais das três forças armadas procurando unificar suas posições e
arregimentando a oficialidade em geral. A outra atuando junto ao Congresso
se destinava “a esclarecer, orientar e manter contato permanente com os
congressistas”, juntamente com a linha do governo, ou seja, no executivo e
finalmente a linha da Imprensa encarregada de exercer uma atuação segura e
permanente junto aos elementos mais prestigiosos da imprensa falada e escrita
para obter o máximo rendimento da poderosa força que ela representa.”
284
Conforme informam os integrantes do MMC, seguindo este
planejamento cuidadosamente elaborado e as estratégias adotadas,
“permitiram constituir um poderoso sistema que manobra uma
Força Operativa de tal vulto, que é, com acentuado orgulho, que
podemos proclamar hoje aos nossos companheiros: se, até o
presente momento o atual regime legal foi mantido e respeitado,
282
idem
283
idem
284
idem
197
e o apregoado golpe não foi desfechado, isto se deve
exclusivamente à ação do sistema operacional do nosso
Movimento Militar Constitucionalista”.
285
A preocupação principal dos integrantes do MMC era a de contrapor-se
aos golpistas porque, além da movimentação da caserna, pululavam nos
jornais acusações de fraude eleitoral em estados como Minas Gerais,
Maranhão, Espírito Santo e do Rio de Janeiro, assim como boatos de adesão e
mesmo compra de votos comunistas, além da velha associação de Goulart a
Getúlio através de notícias sobre articulações do vice com o líder argentino
Juan Domingues Perón. Tudo isto, temiam eles, poderia levar o poder judiciário
a manifestar-se contra a posse de Juscelino e Jango e para garanti-los, estes
não se furtavam a desencadear também, uma reação armada para “garantir-
lhes o êxito da campanha
286
.
Particularmente porque o espectro golpista advinha da articulação entre
a cúpula militar e a UDN e a importância desses dois segmentos era motivo
para que se ficasse alerta ante as manobras, algumas das quais revitalizavam
táticas que no passado haviam surtido muito efeito, como, por exemplo,
reeditar um “Plano Cohem 2” que se iniciaria com um boato sobre roubo de
armas e munições de um depósito do exército associado a notícias sobre a
articulação dos comunistas, assim como divulgar informações falsas sobre
ações policiais. Conforme informa o integrante do MMC sobre estas
articulações:
“Vencida a questão da dula única, que, de modo algum
satisfez o bloco udeno-corono-golpista
,
pois, segundo eles não
é capaz de evitar a “fraude” e a “corrupção”, apesar das
afirmativas em contrário, particularmente, dos magistrados,
passou o citado bloco a “operar” outros pretextos. Assim, as
teses do parlamentarismo e da maioria absoluta foram agitadas,
sem sucesso. Entra agora em cena o colegiado, para o qual, os
prognósticos não são bons. Mas é bom pretexto, e, por isso, vai
ser explorado. Pretexto, todavia, melhor, por servir diretamente
ao golpe, é o propalado acordo do PSD-PTB com o comunismo.
O MNPT
287
é encarado como antena ostensiva do PCB, e, dado
o apoio que aos senhores Juscelino e Jango, serve, sob
285
idem
286
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado contra o MMC, sem data e autoria. Arquivo pessoal
do deputado Augusto do Amaral Peixoto.
287
Ligado ao PTB
198
medida, à exploração. Todos sabemos que o comunismo é o
ponto chave e último recurso para se tentar a formação de um
quadro propício do golpe de Estado. Foi assim em 37 (Plano
Cohen); assim será tentado agora (Plano Cohen nº2, modelo
1955, em preparação). Nos últimos dias um roubo de armas e
munições em depósito do exército, está sendo desviado, de fato
meramente policial e até comuns, para servir a finalidades
políticas. ”
288
Udeno-corono-golpistas era uma referência aos udenistas, aos coronéis
do Manifesto e ao alto escalão das Forças Armadas, no caso os “sorbonistas” e
para acompanhar suas ações, consideravam os integrantes do MMC, que era
necessário infiltrar pessoas em seus espaços de reuniões. Como é o caso do
Capitão Expedito do Comando Geral da Polícia infiltrado no “Clube da
Lanterna” a serviço do MMC,
“O Capitão Expedito, da polícia militar, não faz parte do
gabinete do chefe de polícia. Trabalha diretamente com o
comandante geral da polícia militar, sendo simpatizante J.J.
(Juscelino-Jango). (...) O capitão Expedito, está metido no
‘Clube da Lanterna’ como infiltração, isto é, colhe informações a
respeito das atividades do referido Clube.”
289
O referido capitão Expedido trazia informações bastante relevantes
sobre os lanternistas, principalmente sobre seu mentor Carlos Lacerda e sobre
as articulações para contestar a legalidade do pleito presidencial e engendrar
sua anulação:
“Na sexta feira passada, numa reunião que houve entre Carlos
de Lacerda, correligionários do “Clube da Lanterna” e
deputados da bancada da UDN, ficou assentado, por pedido de
Carlos de Lacerda para que se fizesse um apelo ao “Peixe
Espada” (Gen. Juarez Távora), para tomar providências no
sentido de que todos os Estados, por intermédio de seus
representantes, vereadores, deputados e senadores, façam
solicitações ao Superior Tribunal Eleitoral, em favor da anulação
do pleito realizado em 3 de outubro último, dando como motivo
os votos dos comunistas.”
290
288
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 28/10/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
289
idem
290
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 31/10/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
199
Lacerda, segundo este relato, propõe a prorrogação da diplomação dos
candidatos por um período de 90 dias, e neste sentido, previam desencadear
uma intensa propaganda junto à opinião pública e assim ganhariam tempo para
melhor articular o conjunto dos segmentos dominantes.
291
Os divulgadores do golpe atuavam nos principais meios de comunicação
de massa da década de 50, e neste sentido contavam com o apoio de um
Assis Chateaubriand, de Roberto Marinho e do próprio Carlos Lacerda, então
proprietário do jornal “Tribuna da Imprensa”. A estratégia seria a de difamar os
que estavam a favor da legalidade constitucional associando-os ao comunismo.
Nos comunicados que os agentes vinculados ao MMC vão produzindo,
destaca-se muito a figura do jornalista e deputado Carlos Lacerda,
particularmente no que diz respeito à divulgação de informações que
sustentassem a opinião pública a favor do golpe. No documento já citado acima
(nota de rodapé 38) relata o vigilante que Roberto Marinho, proprietário dos
meios de comunicação televisiva, fazia parceria com Lacerda na divulgação do
inquérito Brandi
292
e na defesa aberta de um golpe militar caso não houvesse
impedimento à posse de Juscelino e Jango na presidência da república,
inclusive intercedendo junto ao então presidente Café Filho no sentido deste
somar forças para impedir a posse de Juscelino.
293
“Carlos de Lacerda esteve ontem aqui no Rio, de manha, ao
regressar de Petrópolis, indo para o sítio do Dr. Roberto
Marinho, em o Pedro da Aldeia, próximo de Araruama,
Estado do RJ, a fim de aguardar a divulgação do Inquérito
Brandi. (...) Carlos de Lacerda declarou numa roda de amigos
íntimos que havendo fracasso dos planos da UDN sobre a
posse da chapa J.J., será articulado um golpe para provocar a
renúncia do presidente Café Filho, devendo ser formada uma
Junta Governativa sob a presidência do Peixe Espada (Gen.
Juarez Távora).”
294
291
idem
292
A falsa carta publicada por Carlos Lacerda em agosto de 1953 e que ficou conhecida como Carta
Brandi, denunciava uma articulação de Goulart com Perón para a implantação de uma republica
sindicalista no país.
293
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 03/11/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
294
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 01/11/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
200
A articulação necessitava também, conforme estes comunicados, ter
certeza sobre o posicionamento ideológico dos integrantes dos governos
estaduais, o que poderia, segundo Lacerda, ser obtido, com uma jogada
política capaz de evidenciar os que não se opunham ao Partido Comunista, ou
seja, se algum deputado de peso, no caso o líder da bancada da UDN em
Minas Gerais, por exemplo, Fabrício Soares se pronunciasse em favor da
legalidade do PCB, seria possível elucidar-se quem era a favor ou não do
referido partido, pelas posições que adotassem.”
295
Para coroar esta emaranhada correlação de forças que se manifestava
através dos diferentes sujeitos sociais em tela, observa-se também a presença
dos que protegem os interesses do capital norte-americano que se confunde,
neste caso, com a política da guerra fria liderada pelos Estados Unidos. Refiro-
me às notícias sobre a presença de agentes da Agência Federal de
Investigações (FBI), o braço investigativo do Departamento de Justiça dos
Estados Unidos, seu apoio a Lacerda e suas atividades policialescas aqui no
Brasil e nos outros países latino americanos.
“O detetive Borér, é o representante do FBI no Brasil, tem
contacto semanal com um agente americano, encontrando-se
na própria polícia militar. (...) O FBI tem no Brasil, agindo aqui
do DF, 3 agentes americanos, 2 russos, 2 ingleses e 2
argentinos; as informações destes agentes são transmitidas nas
fronteiras do Rio Grande do Sul e Território do Rio Branco.
Estão hospedados em luxuosos hotéis de Copacabana como
turistas. (...) Um dos agentes do FBI que faz a cobertura de
Carlos de Lacerda é também agente de ligação com os países
da América do Sul, chama-se Stefam Baciu, é de nacionalidade
romena, foi criminoso de guerra e se intitula redator da Tribuna
da Imprensa’. É pago pela embaixada norte-americana.”
296
A preocupação dessa rede de espionagem no país e que se estendia a
outros países latino-americanos não era somente com a ameaça do
comunismo. O monitoramento de tais agentes na consolidação de nossa
política anticomunista visava também a defesa de interesses multinacionais na
perspectiva do capital monopolista dependente. Aqui no caso a Standart Oil
Company (a gigante petrolífera do grupo americano Rockefeller) que além de
295
idem
296
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 28/10/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
201
bancar as despesas com esses agentes da inteligência americana, financiava
também as campanhas eleitorais de candidatos afinados com a introdução do
capital multinacional no Brasil, como o general Juarez Távora fiel representante
desses interesses na pula do Alto Comando Militar e na sua plataforma
política no pleito presidencial de 1955, como também o deputado Carlos
Lacerda fiel representante da imprensa a favor da presença norte americana no
país:
“Carlos de Lacerda conta com o apoio da Standart Oil que
deseja salvar o vultuoso capital empregado na campanha do
Gen Juarez vora e despesas também com o próprio Carlos
de Lacerda que vem sendo custeada pela mesma empresa. (...)
(...) A Standart Oil
297
à secção trabalhista da DOPS, uma
determinada importância em dinheiro para custear as despesas
com o pessoal da polícia que faz a cobertura de Carlos de
Lacerda. (...) Um dos agentes do FBI que faz a cobertura de
Carlos de Lacerda é também agente de ligação com os países
da América do Sul, chama-se Stefam Baciu, é de nacionalidade
romena, foi criminoso de guerra e se intitula redator da “Tribuna
da Imprensa”. É pago pela embaixada norte-americana.”
298
Denuncia o comunicado do agente do MMC que Carlos Lacerda
recebera suborno da Standart Oil assim como outras personalidades públicas
como João Neves da Fontoura, na época jornalista do O Globo
299
:
“Carlos de Lacerda foi chamado pela Standart Oil que colocou a
sua disposição a “Caixinhapara que o mesmo procurasse se
entender com o Dr. João Neves da Fontoura, a fim de articular
novos aumentos de seus produtos, visando principalmente a
gasolina.”
300
297
A Standart Oil, fundada pelo magnata John Davison Rockefeller instalou-se no Brasil desde 1895 e em
1912 era a distribuidora de gasolina e querosene em latas e tambores no país e nesta condição continua
nas década seguintes, mesmo com a instalação das bombas de gasolina. A política estatista de Getúlio a
partir de 1938, garante ao Estado a propriedade das reservas de petróleo do subsolo nacional e das
refinarias, mas os prejuízos da empresa só se iniciam a partir da década de 50 com a criação da Petrobrás,
após a campanha “ O petróleo é nosso”, que mobilizou a população em comícios e manifestações a favor
do monopólio da Petrobrás.
298
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 28/10/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
299
Advogado de carreira política desde a cada de 20 participou do Movimento Tenentista em 1924 e
ocupou vários cargos políticos durante os governos de Getulio Vargas. Na qualidade de Ministro das
Relações Exteriores (1951-1953) implantou uma política de irrestrito alinhamento externo aos Estados
Unidos. Na segunda metade da década de 50 limitou sua atuação política aos artigos escritos para o jornal
O Globo, marcados por conteúdo fortemente conservador.
300
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 03/11/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
202
O cartel petrolífero americano inaugurou um evento econômico central
da dinâmica econômica do século XX: instituições lideradas por um número
restrito de firmas privadas que regulam o crescimento industrial em escala
mundial
301
. Os cartéis internacionais surgiram no período de entre guerras
como solução, sempre temporária, para enfrentar o dilema permanente e
incontornável da dinâmica concorrencial capitalista: o de preservar posições
competitivas dominantes, evitando, ao mesmo tempo, a competição predatória.
Dentro dessa perspectiva de mundialização do capital interferem nas dinâmicas
nacionais, fomentando conflitos e defendendo seus interesses expansionistas.
A defesa dos interesses norte americanos executada diretamente pelos
agentes dos empresários e/ou capitaneada pelo governo daquele país vem
sendo evidenciada a partir de estudos de vários autores
302
que destacam
também que esta acompanha uma política de universalização da cultura
daquele país como estratégia de ampliação das necessidades de consumo e,
portanto, de aquisição de seus produtos. Tal política utilizou-se de várias
táticas e dentre elas se destacam as ações da Standart Oil que, além de
financiar políticos, ajudar os serviços de repressão e vigilância, ao longo da
década de 40 e 50, transformou o principal noticiário do Brasil em seu
verdadeiro porta voz. Refiro-me ao Repórter Esso que só saiu do ar em 1968.
“De 1941 até 1968, O Repórter Esso constituiu-se no principal
noticiário radiofônico brasileiro, com índices elevados de
audiência e consolidando a sua hegemonia, de modo particular
durante a Segunda Guerra Mundial, de 1941 a 1945. Idealizado
pela agência de publicidade McCann-Erickson, ex-
departamento de relações públicas da Standard Oil Company
O Repórter Esso começou a ser transmitido no Brasil no dia 28
de agosto de 1941, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro.”
(Klöckner, 2001:4)
Como se observa tal ideologia busca dar à representação de classe
um sentido universal, estabelecendo uma lógica racional que, não apenas nega
301
ROEPER, Sandro Joel Roecker, “Estratégias de desenvolvimento no governo Vargas (1951-1954)
sob a ótica da Economia Política Dos Sistemas Mundo (EPSM)”. Colóquio Brasileiro de Economia
Política dos Sistemas-Mundo. Florianópolis, 2007 -UFSC
302
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Governo João Goulart As lutas sociais no Brasil: 1961-1964.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
203
a luta de classes, como também se imiscui em todos os âmbitos da dinâmica
social. No caso, conforme analisa Dreifuss, a defesa dos interesses destas
multinacionais tornou-se central na política, não se restringindo ao poder
econômico, mas desenvolvendo estratégias e táticas para influenciar na política
brasileira, formando a estrutura do poder político corporativo do capital
transnacional, que se desenvolveu durante o processo de inserção e
consolidação das corporações multinacionais no Brasil” (DREIFUSS, 2006:73)
Evidencia-se assim que as propostas de manutenção do “status quo”
nada mais eram do que a expressão da forma autocrática da burguesia,
sempre aliada às forças armadas para fazer valer seus interesses e privilégios
de classe na lógica do capitalismo monopolista. Nessa perspectiva não é de
surpreender que um deputado naquele período viesse a público defender uma
“ditadura de terror”, mesmo que este deputado fosse o conhecido Carlos
Lacerda.
“Diz Carlos de Lacerda: “estamos fracassados, mas não
percamos as esperanças, vamos tentar novos golpes; os
recursos da UDN contra as eleições, em si, representam uma
tentativa de golpes contra a constituição; para que possamos
legalizar uma ditadura de terror, teremos que lutar de qualquer
jeito contra a maioria absoluta, bem como a nulidade das
eleições; o nosso objetivo é que o país volte a ditadura.(...)
Houve um aparteante que perguntou a Carlos de Lacerda: e
se os Srs. Juscelino e Jango nos procurasse?”, recebeu a
seguinte resposta: ‘não interessa, o que nós queremos é ser
Professor e com boas Pastas.’”
303
Não por acaso, as reuniões nas quais se discute o golpe se realizaram
várias vezes em sua casa, conforme atesta o comunicado dos agentes do
MMC infiltrados. Segundo um destes agentes, Carlos Lacerda e a UDN foram
os fomentadores do golpe e toda a articulação se fazia na casa desse
deputado:
“Na quinta-feira passada, realizou-se uma reunião na residência
de Carlos de Lacerda, com a presença do almirante Amorim do
Vale, coronel Cortez e inspetor Cecil Borér. Os assuntos foram
303
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 03/11/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
204
referentes a Carta Brandi, enfermidade do Sr. Café Filho e
discurso do coronel Mamede. (...) O coronel Mamede, faz parte
do clube da Lanterna e fez aquele discurso
304
por inspiração de
Carlos de Lacerda. (...) Carlos de Lacerda, vai realizar uma
reunião em sua casa, solicitando para comparecerem os
seguintes oficiais do parque aeronáutico do Campo de Marte de
São Paulo: major Alfeceu de Alcântara Monteiro, chefe da
Divisão do Pessoal; capitão Ney Noronha, comandante da
policia da aeronáutica e capitão Bertoldo da costa Junior,
comandante da Companhia de guardas, todos pertencem ao
Clube da Lanterna.“
305
As críticas e acusações de infiltração comunista no MMC eram
constantes e advinham desses setores reacionários, cujas manifestações
antigetulistas e anticomunistas naquele período pós-eleições de 1955, além de
contestar a autoridade do governo de JK, coloca seus simpatizantes como
“despeitados e inconformados com a queda do getulismo”, acusando-os de
comunistas:
“O Movimento Militar Constitucionalista (MMC) é uma
organização secreta, composta de oficiais, atuando
particularmente no âmbito das Forças Armadas com o objetivo
aparente de “defender intransigentemente a legalidade e as
instituições”, mas na realidade a sua atuação visa, pura e
simplesmente, a volta ao governo dos elementos depostos
pelos acontecimentos de 24 de agosto de 1954. No exército, o
MMC está composto de oficiais zenobistas, estilaquistas,
mendelequistas
306
, inocentes úteis e comunistas. Foi organizado
um EM para planejar, orientar e supervisionar os trabalhos
desse movimento. Esse órgão passou a funcionar nas
dependências da Inspetoria Geral do Exército e dele faziam
parte, entre outros, o coronel Alberto Bittencourt, Tenente
Coronel Celso Freire de Alencar Araripe, Tenente coronel
Ubiratan Miranda, Tenente coronel Álvaro Alves dos Santos,
Tenente coronel Nelson Werneck Sodré e Major Anacyr Ferreira
de Abreu.“.
307
(grifos constantes do documento)
304
No sepultamento do general Canrobert para espanto de alguns e satisfação de outros militares
presentes, o coronel Mamede apresentou-se com um discurso que fugia toltamente a linha da homenagem
que estava sendo prestada ao general, pronunciou um manifesto com tons políticos e de maneira
inflamada contra a “legalidade” do processo eleitoral que levou JK e Jango a presidência. Esse discurso
gerou uma crise nos meios militares, pois segundo o ministro da guerra o general Lott, o coronel além de
desrespeitar a cerimônia fúnebre com um discurso de caráter político, afrontava a hierarquia militar em
discursar sem autorização do ministério da guerra.
305
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 08/11/1955.Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto.
306
O documento se refere aos generais Zenóbio da Costa, Estilac Leal e Mendes de Morais.
307
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado contra o MMC, sem data e autoria. Arquivo pessoal
do deputado Augusto do Amaral Peixoto.
205
Conforme a leitura destes golpistas, o MMC não passava de uma “uma
organização subterrânea organizada no seio do exército, semelhante à GOU
308
Argentina e à LINEA RETA”
309
chilena compostos por oficiais zenobistas,
estilaquista, mendelequistas e comunistas” e que contava com o apoio do
Ministro da Guerra. Esta organização teria desenvolvido um sistema de
informações dentro do exército e com isso iludido a tropa com “falsas
informações que a que a levou a tomar uma atitude contrária aos seus
objetivos democráticos”. O plano seria deixar que os comunistas assumissem o
exército e na seqüência tomassem o poder no Brasil.”
310
Café Filho, que na época ocupava a presidência adentrou ao clima
golpista e aderiu à premissa da necessidade de afastar os que pudessem
minar os planos para o impedimento da entrada de Juscelino e Jango no
governo. Neste caso, visavam o ministro da guerra general Teixeira Lott que,
sendo mentor do MMC, era favorável à posse dos candidatos vencedores no
pleito presidencial de 03/10/1955. A tentativa do governo que findava era a de
provocar a demissão desse general e assim desarticular os defensores da
institucionalidade constitucional e deixar espaço para o golpe a ser liderado
pelo Ministro da Guerra
311
:
“No bado, dia 5, o presidente Café Filho, mandou o
brigadeiro Eduardo Gomes, convidar o general Lott, para
apresentar sua demissão. O ministro da guerra, disse não. (...)
Ontem houve uma reunião na casa do general Lott, estando
presente o general Flores da Cunha
312
. Tratou-se na situação
308
O Grupo de Oficiales Unidos (GOU), de tendencia nacionalista, surgiu no Exército Argentino no
início de 1943, ano em que coordenou o golpe contra o presidente Ramón Castillo, o que lhes permitiu
implantar uma ditadura até 1946. Opondo-se à entrada da Argentina na guerra e à influencia norte
americana, tinha como objetivos garantir a organização e a unidade interna dos militares, lutar contra a
insurgência comunista.
309
Não foram encontrados dados a respeito dessa organização.
310
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado contra o MMC, sem data e autoria. Arquivo pessoal
do deputado Augusto do Amaral Peixoto.
311
Nas eleições de outubro de 1955 Juscelino Kubitschek, chefe da coligação PSD-PTB, foi eleito por
uma apertada margem de votos (3.077.411, ou 33,8% dos sufrágios), fato que deu margem para que a
oposição udenista e o Alto Comando Militar (ligado a ESG) iniciasse manobras para tentar impedir a
posse do novo presidente. Esta situação somente foi resolvida por um “golpe militar” preventivo,
desencadeado em 11 de novembro de 1955; liderado pelo General Henrique Teixeira Lott, Ministro da
Guerra.
312
Getulista e integrante do movimento de 30, havia sido interventor no Rio Grande do Sul, onde ajudara
a fundar o Partido Republicano Liberal (PRL), partido que o elegeu governador em 1935 - 1937). Mas o
fato de colocar-se contra a centralização do poder, afastou-o do presidente e dos militares que defendiam
o fortalecimento do executivo. Obrigado a deixar o governo gaúcho exilou-se no Uruguai de onde
voltou durante a Segunda Guerra Mundial e ainda assim cumpriu pena de nove meses na Ilha Grande, no
206
política. O general Flores aconselhou o general Lott a resistir a
qualquer insinuação para deixar a pasta da guerra. Disse que
se necessário, levantaria o Rio Grande o Sul, em companhia do
Dr. Oswaldo Aranha.”
313
Neste contexto até mesmo o afastamento de Café Filho sob a alegação
de doença foi motivo de desconfiança entre os integrantes do MMC que
suspeitaram de um pretexto para deixar livre a operação militar golpista:
“O general Flores disse que, conforme os fatos se sucedam
nesta semana, fará um requerimento solicitando que uma junta
médica examine o Senhor Café Filho. (...) A doença do
presidente Café filho, é simulada. Foi, de fato, sugerida pelo Dr.
Raimundo de Brito
314
, face aos últimos acontecimentos de
caráter militar.”
315
Até porque este, hospitalizado continuou as articulações com o Ministro
da Justiça e os setores das Forças Armadas, promovendo uma reunião no
apartamento do hospital onde se acha o presidente Café Filho, em que
tomaram parte os ministros da aeronáutica, marinha e justiça.”
316
Lacerda e o então governador de São Paulo, Jânio Quadros buscaram
ainda, mas sem sucesso, a adesão do general Juarez Távora. Ante a evidência
de que não seria possível, naquele momento, articular todos os segmentos
dominantes, nem entre os civis, nem entre os militares, para impedir a posse
de JK, os articuladores do golpe começam a preparar retiradas ou recuos
estratégicos, como se observa do comportamento destes dois personagens. O
primeiro, embarcando para os Estados Unidos e o segundo, fazendo divulgar
que São Paulo se posicionara contra o golpe:
“No dia 4, Carlos de Lacerda, esteve na secção de passaportes
da policia central, pedindo “visto” nos seus documentos, pois vai
embarcar para os EEUU. Depois foi até ao gabinete do chefe da
policia, convidando-o para fazer-lhe companhia. Estendeu o
convite ao inspetor Cecil Borér. (...) A viagem de Carlos de
Lacerda, é devida não ter conseguido apoio do general Távora
para o golpe. (...) Jânio Quadros, tudo fez para arrastar o
Rio de Janeiro. Em 1945, participou da fundação da UDN, legenda pela qual se elegeu deputado
constituinte.
313
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 07/11/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto
314
Médico do Sr. Café Filho
315
idem
316
idem
207
general vora, a fim de chefiar o golpe, nada conseguindo.
Houve até um rompimento de relações entre ambos. (...) O
governador de São Paulo, num esforço para salvar as
aparências, determinou ao seu porta-voz no parlamento,
senador Áureo Andrade, no sentido de que fizesse um discurso
no senado (realizado feira ultima) definindo a posição de o
Paulo: contra o “golpe”.”
317
Até mesmo uma tentativa de se aproximar de Prestes foi intentada por
Lacerda que lhe propôs articular uma greve geral, o que pode ser entendido,
neste contexto, como mais uma manobra para fragilizar a institucionalidade
constitucional, que seriam vãs as possibilidades de voltar às hostes
comunistas que integrara no passado, justamente pela liderança que adquire
na agitação pró golpe.
“Carlos de Lacerda, deseja encontrar-se com Carlos Prestes.
Para isso mandou um emissário, a fim de marcar local e hora do
encontro (...) Carlos de Lacerda deseja encontrar-se com
Prestes com a intenção de articular uma greve geral em todo
território nacional “
318
A grande pedra no caminho dos golpistas foi mesmo a figura do general
Lott que, no Ministério da Guerra, representava um bastião na defesa da
institucionalidade constitucional, e cuja renuncia, conforme avaliava o mesmo
agente do MMC, poderia gerar um estado de guerra civil. Daí ter sido
aconselhado por seus correligionários, a resistir às pressões advindas do
presidente e a permanecer no cargo: “Já sabe que o general Lott não pode sair
do ministério da guerra que, caso acontecesse provocaria uma guerra civil“
319
pois sua saída significaria a substituição dos comandantes de corpos de
guarnição da capital federal.
A correlação de forças até agora descrita demonstra claramente como,
de um lado, se posicionaram os setores mais conservadores e reacionários,
representados pela UDN, o “Clube da Lanterna” e os setores militares ligados a
ESG e o papel de articulador que coube a Lacerda. De outro, os defensores da
institucionalidade que, conforme aponta a historiografia, seriam os
317
AAP 55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 07/11/1955. Arquivo pessoal do
deputado Augusto do Amaral Peixoto.
318
idem
319
idem
208
nacionalistas, ou democratas, também com representação nos diferentes
segmentos da sociedade civil com acesso ao poder político.
As articulações contra a manutenção de um regime baseado nos
preceitos constitucionais não se esgotaram após o presidente eleito, JK
assumir o posto com a ajuda das forças armadas do exército, capitaneados
pelo General Lott, na qualidade de Ministro da Guerra do governo anterior que
não teve forças para demiti-lo.
Apesar de arrefecidas as articulações do Clube da Lanterna não
desaparecem, pelo contrário, somam forças com novos grupos que surgem no
cenário político, como o “Movimento de Recuperação Nacional” (MRN) que,
apesar dos candidatos terem sido empossados em janeiro de 1956 e
reconhecidos pelo tribunal competente, voltam a alegar a inconstitucionalidade
dos resultados do pleito.
Para o MRN a vitória de JK seria fruto de um golpe patrocinado pelo
General Lott considerado mais uma vez o inimigo blico 1 do Brasil e que
todas as mazelas nacionais eram fruto da permanência de Juscelino, Goulart e
o General Lott no poder e estes se mostravam incapazes de resolver a grave
situação do país, “criada na maior parte por eles próprios. O país acha-se
imerso num verdadeiro mangue de dificuldades, tão grandes que só um grande
esforço das elites poderá tirá-lo da confusão reinante.”
320
Mas o grande problema para levar a cabo os intentos de tirar do governo
os eleitos, era ainda a cisão nas forças armadas, isto é, o fato de que o exército
não concordava com a ruptura institucional naquele momento e atribuíam isto à
permanência do General Lott no comando destas tropas. Assim observa-se
que iniciam uma campanha de difamação à sua pessoa, passando a descrevê-
lo como um burocrata autoritário e pouco inteligente, mau caráter e com
problemas psíquicos.
“as Forças Armadas continuam cindidas, com o ministro da
guerra querendo trazê-las sob tutela e fazendo intromissões
indébitas nos assuntos peculiares a cada uma delas (...), Lott,
tirada de penumbra e elevada à posição atual por mãos amigas,
que depois cinicamente traiu, apresenta características de uma
personalidade doentia, mal conformada, presa de psiconeurose
profunda. Esta criatura possui um temperamento instável,
320
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Março/1956, documento 01. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
209
egocêntrico e pouco afetivo. Apresenta evidentes tendências
místicas, autocrática megalomaníaca, mal encoberta por um
exagerado prussianismo, talvez excepcional até nos meios
militares hitleristas. Cultura estritamente profissional, de parcos
conhecimentos gerais, vive colado, permanentemente, à letra
de forma dos regulamentos militares. Excepcional comandante
de pequena unidade e nada mais. Carece da necessária
cordura, flexibilidade, capacidade de previsão e largueza de
pontos de vista, indispensável ao exercício que exerce “
321
O Movimento de Recuperação Nacional é quem articula com maior
lucidez ideológica a análise da realidade e o grupo que deduz sobre os
possíveis rumos que poderão ser impostos à nossa pobre pátria”, assim como
sobre o golpe de estado como única solução. Em seu manifesto, apontam
quais eram as alternativas de golpe militar, que iam da manutenção de um civil
no poder, até a proposta do expurgo total dos civis com a ascensão dos
militares. No primeiro caos, ponderavam que a “crescente irritabilidade contra o
legislativo e o judiciário, (...) permitem inferir que serão subjugados sendo o
primeiro, legislativo, possivelmente eliminado” e o “judiciário, bastante
desmoralizado aos olhos da nação, arranjará um “modus vivendi” para subsistir
sob o guante de ferro da criatura militar.”
322
Na segunda alternativa o líder
militar se colocava como um ditador, o que lhes parecia ser o mais provável
dada
“a evidente predisposição psíquica à tirania mística, dando
nascimento à firme convicção da criatura militar ser ‘o salvador
da pátria’; o caos reinante nas esferas governamentais, exigindo
profunda modificação no organismo administrativo e
institucional do Estado; a solução histórica, no Brasil, em
resolver graves crises econômicas por meio de revoluções
políticas; a falta de capacidade das elites dirigentes e completo
divórcio entre estas e as massas; a inércia, decorrente da
covardia e do sentimento de culpa, dos inúmeros responsáveis,
civis e militares, pela situação vigente; o controle das posições-
chave por pessoas da inteira confiança da criatura militar; a
íntima ligação com João Goulart (o homem da república
sindicalista), elementos trabalhistas e comunistas e finalmente,
“o esforço para transformar o depoimento sigiloso, feito na
321
idem
322
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Março/1956, documento 02. Arquivo pessoal do General Juarez Távora
210
justiça, pelo Cel Av João Adil
323
, num segundo caso
MAMEDE”.
324
Os preceitos do que consubstancia o espírito salvacionista das forças
armadas no Brasil, ficam bem claros neste documento e segundo esta
ideologia, isto se devia à conjugação de fatores de diversas ordens: de um
lado, um povo místico que depositava suas esperanças em um salvador da
pátria, de outro, o caos reinante na máquina do Estado, a infiltração comunista
no governo, a que se aliava a incapacidade e a alienação dos segmentos
dominantes, assim como seu distanciamento do povo e a transparece
claramente neste comunicado.
Contestam ainda em outro boletim, a legalidade do governo de Juscelino
e Goulart, dadas as evidências da corrupção e da vinculação de Juscelino e
Jango com as hostes comunistas:
“Está visto que ninguém em boa pode aceitar, sem
discussão, a tese da legitimidade do governo empossado a 31
de janeiro. Em que pese seu reconhecimento pela justiça
eleitoral, é obvio que ao exército não escapam as marcas mais
perceptíveis da sua origem bastarda: fraudes, coações, adesão
do comunismo, influência terminante de suspeitíssimas forças
econômicas; e sobrelevando a tudo, os dois golpes de Estado
325
que afastaram qualquer possibilidade de contestação judicial do
seu diploma. “
326
Através desses informativos à tropa o MRN tentava persuadir a opinião
do médio e baixo escalão sobre suas idéias e sobre as providências a serem
tomadas, apelando para a divulgação do “boca a boca”: Tire cópias para
aqueles que, como você, acreditam no Movimento de Recuperação Nacional.”
Como sempre a infiltração comunista é o carro-chefe das deturpações
nacionais, aqui no caso a baixa oficialidade é a maior vítima dos tentáculos
323
O coronel aviador João Adil chefe do Serviço de Informações do Estado Maior da Aeronáutica, um
ativo integrante dos setores militares antijuscelinistas. Também teve participação no inquérito para apurar
a tentativa de assassinato a Carlos Lacerda representando o ministério da aeronáutica.
324
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Março/1956, documento 02. Arquivo pessoal do General Juarez Távora
325
O documento se refere ao afastamento do vice-presidente Café Filho e posteriormente do presidente da
câmara dos deputados Carlos Luz no “contra-golpe preventivo” do General Lott para garantir a posse dos
candidatos eleitos no pleito de 1955, Juscelino e Goulart.
326
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Março/1956, documento 02. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
211
marxistas, e neste sentido apontam a articulação entre os petebistas e
comunistas como uma “conspiração comuno-petebista (...) Hoje, já não se
contam por dezenas os oficiais e sargentos que se renderam à dialética
marxista, e se preparam euforicamente para os “grandes dias” que abalarão o
Brasil.”
327
No mesmo coro reacionário dos demais movimentos conservadores, o
MRN aponta Goulart como a ameaça permanente respaldada pelo ministro da
guerra e os militares do MMC e suas ações no Ministério do Trabalho se
caracterizam, segundo eles, por um verdadeiro “programa de proselitismo
iniciado nos quartéis do Rio Grande do Sul. Sua aliança recente com o MMC e
a impermeável incompreensão do ministro da guerra garante-lhe completa
impunidade. “
328
Apesar de todas estas preparações e diagnósticos, observa-se que os
militares deste grupo consideravam que o maior empecilho para um golpe era a
falta de coesão entre as três forças armadas, que o exército apoiava a
manutenção da ordem pautada na Constituição - ”a restauração da oligarquia
getulista” enquanto a aeronáutica e a marinha consideravam que era um
risco mantê-la sem a sua intervenção:
“A onda de crescente mal-estar e as dificuldades que afligem o
exército reclama, para serem bem compreendidos, os exames
das seguintes questões: 1- A restauração da Oligarquia. Depois
de haver contribuído de modo decisivo para a jornada patriótica
de 54, que levou de roldão o último governo Vargas, o exército,
em novembro de 55, reconduziu ao poder o mesmo bando de
larápios e trapaceiros que enxotara quinze meses antes; e pior
do que isso: agrediu e ainda humilha a marinha e a aeronáutica.
Mas é sabido que essa inominável traição só se consumou
porque uma pequena parcela do exército, que tramava na
sombra desde o dia seguinte ao do suicídio de Getulio,
surpreendeu e alcançou momentâneo domínio sobre sua
grande maioria.”
329
Toda esta preleção culmina com a naturalização do intervencionismo
militar, com um recado às tropas sobre a responsabilidade de cada um deles
na resolução da “amarga hora que atravessamos”, pois a “criatura militar” vai
327
idem
328
idem
329
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Março/1956, documento 02. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
212
agir, “a Nação o duvida, pois está na lógica e dinâmica dos
acontecimentos.“
330
No ideário deste grupo, por se considerarem a parte não corrompida do
exército, podiam insurgir-se contra a hierarquia vigente nas forças armadas e
não aceitar a autoridade das autoridades acima deles, que não inspiravam
confiança ou a necessária idoneidade requerida para a execução da finalidade
das forças armadas:
“os postos de direção e os comandos mais altos do exército
permanecem nas mãos de homens que, de maneira alguma,
podem ser consentidos como chefes. No degrau supremo,
continua a figura presunçosa de um ministro insensato e
egocêntrico. Imediatamente abaixo, três ou quatro generais,
famosos pela impudência e oportunismo político, compartilham
da autoinvestidura de “donos” da situação militar. Não é de
admirar, por conseguinte, que a parte não corrompida do
exército resista a esses pretensos chefes, negando-lhes
confiança e autoridade para agirem ou falarem em nome da
classe. “
331
Expressam assim uma ideologia que transparece nesse boletim de maio
de 1956, destinado à aeronáutica e no qual explicam seu “Programa de
Recuperação Nacional”:
“Este Boletim de Informações, destinado, sobretudo à
aeronáutica , tem por fim apresentar as linhas gerais de um
Programa de Recuperação Nacional, para que todos meditem
sobre os seus patrióticos objetivos e compreendam a
profundidade e sinceridade desse movimento, que não gira em
torno de um chefe militar, que se poderia transformar,
amanha, em mais um ditador, mas em torno de um grupo de
homens, civis e militares, imbuídos de espírito público e de
brasilidade, dispostos a trabalhar coletivamente, sem
personalismos retrógrados e doentios, que a causa não é
apenas nossa, nem de alguns e muito menos de um só, e, sim,
de todo o povo brasileiro o maltratado, tão esquecido e tão
ludibriado por maus e infelizes governos sucessivos,
individualistas e, por isso mesmo, improdutivos.“
332
330
idem
331
idem
332
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Maio/1956, Boletim de informações nº 03
do MRN. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
213
Apesar da extensão do documento é interessante observarmos o seu
programa, principalmente pela proposta de instauração de um “governo
provisório coletivo”, que segundo o Movimento de Renovação Nacional (MRN)
“seria o único instrumento capaz de praticar a recuperação moral da nação e o
restabelecimento da ordem democrática profundamente espezinhada pelos
golpistas de novembro de 1955”
333
.
Nessa perspectiva o MRN deveria praticar por isso a supressão da
influência nefasta do poder econômico dos diferentes setores da administração
e da política, a supressão de ameaças subversivas contrárias ao regime
democrático, a nossa libertação do domínio de qualquer potência estrangeira e
principalmente a “sagrada união das Forças Armadas, rompida pelos falsos
legalistas de Lott e seus aliados comunistas.”
334
Uma vez instaurado o “Governo Provisório Coletivo”, a sua missão seria
realizar as reformas de base, políticas administrativas e morais, tanto tempo
“esperadas pelo povo brasileiro”. As reformas essenciais seriam a
“dissolução do Congresso e demais quadros políticos atuais;
cassação dos direitos políticos e civis dos criminosos e
responsáveis pelo estado caótico a que chegou a nação;
reforma eleitoral, com novo alistamento obrigatório, no sentido
de assegurar eleições livres, honestas e isentas das influências
nefastas dos grupos econômicos e das oligarquias políticas ou
de família; estabelecimento de novo estatuto político da nação,
para disciplinar a formação dos grandes partidos nacionais;
saneamento total e profunda remodelação da justiça
brasileira”.
335
Como os “sorbonistas” a idéia de saneamento social implicaria no
expurgo total do “cidadão” considerado “inimigo interno”, as associações de
classe engajadas na luta democrática, a classe trabalhadora urbana e rural, os
integrantes e suspeitos de pertencerem ao PCB. Nesse caso a atuação do
judiciário com essa nova “observância da lei”, garante o afastamento total do
individuo caso seja ele acusado e condenado através da
“apuração sumária das irregularidades e dos crimes de qualquer
espécie, lesivos aos interesses nacionais ou praticados no
exercício da função pública, como exemplar punição dos
333
idem
334
idem
335
idem
214
responsáveis; confisco dos bens adquiridos imoral ou
ilicitamente; abolição dos privilégios de classes, grupos ou
famílias; destruição definitiva da máquina subversiva e ilegal
dos comunistas e seus associados.”
336
Para o controle da classe trabalhadora “independência sindical,
codificação e rejuvenescimento da legislação trabalhista estendendo-a aos
homens do campo, escolhendo-a ainda de suas falhas demagógicas que
prejudicam a produtividade, pois afetam a boa harmonia que deve sempre
existir entre o capital e o trabalho.”
337
No plano econômico, “aplicação de medidas drásticas para o equilíbrio
orçamentário, combate a inflação, estabilização do custo de vida,
racionalização das atividades administrativas federais, estaduais e municipais e
o combate a ditadura burocrática e o dirigismo nefasto às liberdades
humanas”
338
que segundo eles se na falência da administração pública do
poder civil, através dos tentáculos da corrupção da falsa demagogia que
representava o continuísmo getulista.
Para finalizar o MRN propõe uma reforma constitucional para o
estabelecimento do futuro regime de governo na União, Estados e Municípios,
prevalecendo a república federalista, e se compromete através do seu
“Governo Provisório Coletivo,
“a cumprir esse programa, deverá ter todo o nosso apoio, pois
ele salvará a nação da tremenda subversão social que se
aproxima, alimentada pela empáfia de alguns chefes militares
que a esmagam sob o tacão de suas botas prepotentes;
subversão iniciada pela luta de classes que os comunistas
preparam e exploram agora, mais do que nunca, pois gozam da
impunidade que lhes conferem seus cínicos cúmplices fardados,
atualmente no poder. “
339
Faltou ao programa do MRN detalhar quem seria esse “Governo
Provisório Coletivo”, pois mais parece um governo pós-golpe de Estado,
instaurando uma ditadura em nome das “liberdades e anseios democráticos do
povo brasileiro”.
336
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Maio/1956, Boletim de informações nº 03. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
337
idem
338
idem
339
idem
215
Em julho de 1956 o MRN emitia mais um Boletim de Informações, com o
discurso semelhante aos outros demonstrados. Esse chama atenção pelo
tom de denúncia de uma conspiração que envolvia o assassinato do ministro
da guerra, o general Lott
340
. O documento, intitulado para conhecimento das
forças armadas brasileiras”, considera que as informações que chegaram às
mãos das forças armadas sobre uma conspiração para assassinar o general
Lott eram, na realidade, uma conspirata engendrada por ele mesmo e seu
grupo:
“O documento secreto do general Coelho dos Reis, acusando
elementos do “Clube da Lanterna”, da “Ação Democrática”, e 4
oficiais generais de estarem preparando uma revolução para
assassinar o general Lott, amplamente denunciado pela
imprensa e ainda não desmentido pelo ministro da guerra,
merece um estudo mais cuidadoso para conhecimento dos
militares. Espantam-se os brasileiros, sobretudo os jornalistas,
pelo fato de Lott não ter ainda desmentido o citado documento,
mas na verdade Lott não poderá fazê-lo, por dois motivos
básicos: o documento existe; o documento, embora
mentiroso, constitui uma engrenagem necessária e importante
na máquina de inspiração subversiva que os amigos de Lott
estão montando para levá-lo ao poder supremo.”
341
Consideravam ainda que tal conspirata vinha sendo planejada muito
antes ao movimento Frente de Novembro”
342
, e os fatos que a denunciam são
os seguintes:
“O não afastamento dos oficiais comunistas dos “postos
chaves”, no exército; a organização ostensiva da “Frente de
Novembro”, a serviço exclusivo do general Lott; a aproximação
de Lott com Jango Goulart; o esforço dos amigos de Lott no
alardear que ele é o único general que tem força e apoio
popular; o convite de Lott a Adhemar de Barros, oferecendo-lhe
o governo de São Paulo, tão logo o seu movimento saia
vitorioso, afim de aumentar sua cobertura pelo lado populista; o
340
Em junho desse ano, oficiais acusados de tramarem o assassinato do General Lott entram na justiça
com um processo contra o ministro da Guerra, que culminou com a prisão de vários oficiais da Força
Aérea Brasileira, em novembro, por não terem comparecido a uma cerimônia militar comandada por Lott.
341
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Julho/1956.. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
342
A Frente de Novembro, criada no início de 1956, propunha a união entre civis e militares. Liderada
pelo coronel Nemo Canabarro Lucas tinha como seu presidente de honra o polêmico ex-ministro do
Trabalho de Vargas e agora vice-presidente, João Goulart, além do apoio explícito do general Lott. Com o
objetivo de representar as reivindicações dos setores legalistas e nacionalistas, conclamava a união entre
trabalhadores e militares.
http://www.cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/anpuh2005/karla_guilherme_carloni.pdf
216
manifesto do “Brasil Unido”, que apresenta como única solução
para um governo forte a pessoa do general Lott.“
343
O MRN acredita na influência nefasta do general Lott, que “está
insuflando os seus comandos a se voltarem contra superiores hierárquicos das
3 Forças Armadas que, no dizer do Secreto”, ameaçam a vida de Lott”. Desta
maneira de vitima a réu, Lott com o apoio do PCB desencadearia o assassinato
de importantes autoridades das Forças Armadas,
“não será muito difícil que eles aproveitem a insinuação ou o
apelo de Lott, e venham para a rua desagravar o ministro
matando os 4 oficiais generais.” (...) Fica Lott assim, desde
responsável pela morte eventual do tenente brigadeiro Eduardo
Gomes, general Juarez vora, almirante Amorim do Vale e
brigadeiro Guedes Muniz
344
, por ele apontados à sanha dos
seus amigos comunistas.“
345
Finalizando o manifesto, vislumbrando que piores dia hão de vir sob a
batuta do presidente Juscelino, ante o “espectro comunista” que estaria na
iminência de tomarem os poderes constituídos no Brasil:
“Quando, porém, a sua máquina subversiva estiver pronta, Lott,
a pretexto de uma autodefesa, de spera botará todos os
chefes militares na cadeia, e os comunistas matarão os mais
importantes, tudo isso com a cumplicidade de Juscelino que
pensa sobreviver como presidente do governo corporativo,
transformando-se Lott no Salazar fardado do Brasil. Vocês
pensaram no que virá depois. “
346
343
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Julho/1956. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
344
O cuidado com tais informações documentais é regado pelo tom de exagero que muitas vezes os
interlocutores utilizam para os seus desafetos, criando uma áurea negativa tanto ao fato como das pessoas
envolvidas. Diante disso, apesar do documento “falar por si”, nem sempre conseguimos encontrar
referências em outras fontes documentais ou mesmo na historiografia, da comprovação de tal
acontecimento. Assim cabe-nos refletir sobre o que leva os agentes históricos envolvidos naquele
contexto se apropriarem de fragmentos da realidade, para o tomarem como a expressão da universalidade
do real. A preocupação desses agentes é somente a de justificar seus pontos de vista, cabendo-nos
considerar que as matizes ideológicas revelam a forma de pensar e agir de tais grupos sociais na lógica da
luta de classes.
345
JT dpf 1956.09.25 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento de Recuperação Nacional de
Julho/1956.. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
346
idem
217
No mesmo tom de salvadores da pátria” a Frente Militar Revolucionária
(FMR) em abril de 1956 lança o seu manifesto intitulado “Ao povo brasileiro”,
repudiando o governo constituído e propondo reformas saneadoras que
segundo eles, seriam a solução para os problemas do Brasil:
“A Frente Militar Revolucionária obedece a princípios definidos e
visa finalidades pré-determinadas, incidindo e se desenvolvendo
num plano mais vasto, capaz de firmar a mística em torno da
qual se conjuguem todos os esforços. Esta mística é a da
formação de um Brasil grande, próspero e feliz, para o que
devemos objetivar a elevação do nível moral e político da nossa
gente, o aperfeiçoamento das nossas condições sociais e
econômicas e o enobrecimento do nosso civismo”.
347
O apelo ao neutralismo político e ao nacionalismo segundo o FMR é a
garantia do aperfeiçoamento das nossas condições sociais, cívicas e
econômicas e também de acabar com a “luta de classes”:
O nosso movimento não é um partido político; não representa
uma agremiação política. É um movimento de reconquista da
autoridade nacional e da harmonia das classes divididas. Não
representamos interesses sectários nem partidários:
representamos os interesses nacionais. Essa é a nossa
orientação. O nosso objetivo é o mesmo de todas as nações
que lutam pela felicidade de seus filhos e pela grandeza da
pátria. “
348
Os lideres do movimento se apresentam como dispostos a tudo pela
restauração da pátria e enaltecem a marinha e a aeronáutica pela tentativa de
impedir a posse de Juscelino e Goulart em novembro de 1955. Consideram o
governo constituído como “uma quadrilha de ladrões e toxicômanos” que
provocam a ruína do Brasil se juntando ao “próprio inimigo externo do Brasil,
com o qual se juntaram nas eleições e no golpe militar, conspirando com a
quinta coluna comunista para desarmar e trair os seus camaradas”. Nesse
347
JT dpf 1955.11.03 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento Frente Militar Revolucionária
Abril/1956.. Arquivo pessoal do General Juarez Távora. O mesmo manifesto também se encontra no
anexo ao “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 310 A/B/C.
348
idem
218
sentido pedem a união nacional em torno da autoridade militar, única capaz de
expurgá-los do território brasileiro.
349
Nessa perspectiva, o manifesto apresenta as soluções para a “redenção
da pátria” propondo a conquista do poder, ou pelos meios legais ou pela
violência, promovendo a consolidação de nosso regime, de modo a fazer valer
a democracia não no plano político, como também, nos planos econômico e
social, dando combate sistemático ao comunismo, não permitindo que adeptos
do credo vermelho façam parte de qualquer órgão governamental. Diante de
tais providências com o fim da corrupção, do confisco de fortunas ilícitas e do
afastamento dos subversivos, promover
“um clima de justiça e de equidade, a harmonia das classes,
pondo na pessoa humana o denominador comum dessa
política, integrando o trabalhador, como valor humano, no todo
social e, do mesmo modo, situar todas as profissões como
atividades convergentes a um fim comum: o bem estar
coletivo.“
350
Vislumbram o “Brasil potência” entre as grandes nações capitalistas do
ocidente após a mudança nacional pautada pelos ideais da nação brasileira,
sempre sob a tutela das Forças Armadas que fará frente às mazelas do país:
“Esse manifesto, temos a certeza, vem de encontro aos ideais
de milhões de brasileiros descontentes com a situação atual de
nossa pátria, vitimas das ambições vulgares de aventureiros
assaz conhecidos e desmoralizados. A nau do
descontentamento está repleta de patriotas decididos e
desinteressados das vãs cobiças e da glória estéril. As velas
estão dispostas, ligeiramente enfunadas pela brisa dos
desabafos. Nós seremos o “vento propulsor”, que lhes dará
forma e potência plena. E, se não bastar o vento, a nossa
coragem e o nosso plano sistematizado será o furação
demolidor capaz de permitir, quando sobrevier a bonança, a
reconstrução de um Brasil feliz, digno do seu destino entre as
grandes potências mundiais.“
351
349
JT dpf 1955.11.03 FGV-CPDOC. Comunicado do Movimento Frente Militar Revolucionária
Abril/1956.. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
350
idem
351
idem
219
5.2 O ideário de Segurança Nacional: legalidade X golpismo,
“farinha do mesmo saco”.
Esses focos de rebeldia nas Forças Armadas eram sintoma da
predominância do pensamento ESGuiano a favor da tomada de poder pelos
militares. Apesar do discurso democrático e nacionalista em prol à constituição,
a idéia que o poder público e civil era extremamente corrupto, a que se somava
a traição à pátria com a infiltração comunista, lhes dava o endosso para o
“golpe corretivo” em nome dos verdadeiros interesses nacionais e do povo
brasileiro. Nesse sentido a sintonia desses movimentos reacionários
encontrava eco com o famoso “peixe espada”, o general Juarez Távora, que no
embate eleitoral de outubro de 1955, havia representado a coligação da UDN e
do Partido Democrático Cristão (PDC)
352
contra Juscelino e João Goulart.
Em março de 1956 o general escrevia um “Esquema de ação para tentar
dirimir a atual crise político-militar”, em resposta às expectativas de “tomada de
poder” pelos setores mais radicais. Apesar do tom apaziguador, o esquema
reconhece o “golpismo das eleições de novembro de 55”, mas “cede” às
exigências constitucionais apesar de apontar o lado “oportuno e corrupto” do
novo governo, fazendo coro nas entrelinhas que os poderes civis são sempre
passíveis de “deformação cívica”, e o que é pior, buscam aliados que ameaçam
a integridade nacional, “porque, havendo negociado, durante a campanha
eleitoral, direta ou indiretamente, oficial ou oficiosamente, um acordo com os
comunistas, que lhe rendeu, sem sobra de dúvida, algumas centenas de
milhares de votos vem mantendo, depois de eleito, atitude dúplice para com
esses seus aliados.
353
O general Távora alertava o presidente Juscelino que se não houvesse
medidas saneadoras alterando o rumo do seu governo, o poder civil caminha,
a largos passos, para uma crise, cujo desfecho a maior ou menor prazo
poderá ser semelhante ao da crise político-militar terminada, em meados de
1954, com o licenciamento do presidente Getulio Vargas. “
354
352
Fundado em São Paulo por Antônio Cesarino Júnior, em 1945, este partido foi extinto pelo Regime
Militar de 1964 (AI-2/65), juntamente com todos os outros partidos existentes no país.
353
JT dpf 1955.11.03 FGV-CPDOC. Documento intitulado: “Esquema de ação para tentar dirimir a
atual crise político-militar”. Março/1956.. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
354
idem
220
O general aponta que os possíveis desfechos “constitucionais”
(manutenção do governo e sua atual rede de apoio) ou “extraconstitucionais”,
na perspectiva sempre presente de um “golpe militar”, se dá devido ao apoio
dos comunistas ao governo como também de seus membros estarem
infiltrados na instituição. Essa situação ainda provoca um dano muito mais
sério na visão do Alto Comando Militar, “complicando tudo isso, ou melhor,
tornando incerto e perigoso o desfecho da crise política, temos o espetáculo
grave e delicado da divisão das forças Armadas, num duplo sentido: -
desentendimento crescente entre o exército, de um lado, e, do outro lado, a
marinha e a aeronáutica, - divisão, dentro de cada um desses ramos das
Forças Armadas, ao longo de todos os escalões hierárquicos, especialmente
no exército.“
355
Depois de prevenir Juscelino dos “perigos” de governar o país sem o
apoio das Forças Armadas, o general Távora apresenta sugestões para tentar
remediar, em tempo, o que for remediável nessa desgraçada situação”. No
plano político impor-se aos seus próprios partidários comandando com pulso
firme, ao invés de ser comandado; promover reformas de base principalmente
a Lei Eleitoral (que segundo o general propiciaria o fim da fraude, da corrupção
e da coação eleitoral); Instaurar um governo de austeridade e moralidade.”
356
No plano militar, o general sabia que qualquer tentativa de harmonização
das forças Armadas dependia das seguintes medidas iniciais:
substituição simultânea ou sucessiva dos atuais ministros
militares de acordo com eles próprios por elementos que
igualmente inspirem confiança ao presidente da república, mas
menos marcados pelas incompatibilidades geradas em
conseqüência dos golpes de 11 e 21 de novembro último; -
acordo, absolutamente firme, entre os novos ministros, para
afastamento sistemático de todos os elementos comunistas de
postos de comando (tropa) e de assessorias importantes,
(estados maiores e certos gabinetes) nos três ramos das Forças
Armadas; - admissão progressiva em postos de comando e de
assessorias importantes, de onde hajam sido afastados, de
oficiais de todos os escalões hierárquicos que se tenham
manifestado ou colocado contra os golpes de novembro de
355
JT dpf 1955.11.03 FGV-CPDOC. Documento intitulado: “Esquema de ação para tentar dirimir a
atual crise político-militar”. Março/1956.. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
356
idem
221
1955; - trabalho paralelo e conjunto para que as Forças
Armadas evitem a criação de empecilho à ação normal do atual
governo até, pelo menos, que ele se revele, por fatos,
inteiramente incapaz de enfrentar as graves conjunturas
político-militar e econômico-social que defrontamos. “
357
Nesse diapasão Juarez Távora indica os caminhos para a harmonização
das Forças Armadas, lembrando que a prontidão da mesma se na defesa
das instituições democráticas contra os “aventureiros bolchevistas”, e que a
legitimidade do poder civil é em última instância uma prerrogativa das Forças
Armadas:
“não nos interessa, pessoalmente, a boa ou conduta
político-administrativa do atual governo, nem ousamos afiançar
que a pacificação das Forças Armadas e a atuação
compreensiva da oposição bastem para que ele exata conta
das graves responsabilidades que lhe pesam sobre os ombros.
Interessa-nos, porém, patrioticamente, que, de um lado, se
evitem, até onde forem evitáveis, novas dificuldades a
somarem-se às muitas que ele terá de enfrentar em
conseqüência das conjunturas política, econômica e social que
defronta o país; e, de outro lado, que se crie um ambiente
favorável à imediata ultimação das reformas de base capazes
de assegurar pacificamente a estabilidade e aperfeiçoamento
de nossas instituições democráticas. “não nos interessa,
igualmente, o estabelecimento preconcebido de uma ditadura
no país, em substituição do atual governo, porque desde antes
de candidatar-nos à presidência da república, confessamos a
nossa descrença em que se possa modelar, a golpes de
espada, os destinos de nossa pátria. Mas deve interessar-nos, a
todos os verdadeiros democratas, que, na hipótese de este ou
outro qualquer governo legal conduzir-nos a impasses
insuperáveis constitucionalmente, estejam as forças Armadas
entendidas legal e eficientemente no sentido de evitar o pior
isto é que o poder parar às mãos de aventureiros
sobretudo de algum daqueles que, presumivelmente, nele
possam transformar-se em instrumentos, conscientes ou não,
da bolchevização do país, a curto, médio ou longo prazo. Rio,
março de 1956. “
358
O apoio condicional de um dos principais mentores da ESG (apesar das
severas críticas) ao novo presidente parece refletir que a estratégia de
357
idem
358
JT dpf 1955.11.03 FGV-CPDOC. Documento intitulado: “Esquema de ação para tentar dirimir a
atual crise político-militar”Março/1956. Arquivo pessoal do General Juarez Távora.
222
Juscelino Kubitschek em esboçar o seu plano de desenvolvimento econômico
durante a campanha, e depois da posse, a publicação do prefácio do seu Plano
Nacional para o Desenvolvimento (PND)
359
, “que fora redigido por um grupo de
jovens tecnocratas, nos quais o presidente se apoiava para conselhos durante
a campanha”
360
, alentou os setores da burguesia associada ao capital
internacional, pois apresentava boas perspectivas de investimentos e
produção industrial.
Nesse sentido a Autocracia burguesa uma vez garantida as
possibilidades da expansão do capital, adia a repressão mais pontual em torno
das divergências de um “nacionalismo comunista”, que segundo eles eram as
propostas retrógradas de um desenvolvimento endógeno contra a entrada do
capital internacional. Em contrapartida o credo ideológico do “verdadeiro
nacionalismo” apregoado pelos militares da ESG, ou seja, a segurança e o
desenvolvimento colocariam o Brasil no rol das nações capitalistas do ocidente,
desfrutando das benesses do capital internacional.
Diante desse clima de “liberdades democráticas” os debates em torno do
movimento de 11 de novembro que assegurou a posse de Juscelino e João
Goulart, vieram a tona, mas com um viés da autocracia: ilude-se a opinião
pública com a perspectiva das “liberdades democráticas”, afirmando-se que o
debate sobre os motivos dos incidentes de 11 de novembro eram um atestado
à legalidade constitucional, ou um ensaio de tomada do poder pela “esquerda
militar”. E os truculentos teriam agido imbuídos da certeza de garantir a
manutenção do Estado “democrático”, em preservar a ordem e garantir os
interesses da elite, que segundo eles eram os responsáveis pelos destinos da
nação.
Nessa perspectiva o “debate democrático” em torno do movimento de 11
de novembro veiculado pela imprensa seis meses após o acontecido, era uma
“encenação” das possibilidades de mudança provocadas pelos tutores da lei,
as Forças Armadas, e não o resultado da luta dos movimentos populares.
359
Tal Plano ou Programa de Metas consolida o ideal desenvolvimentista consubstanciado em 30
objetivos a serem alcançados pelos diversos setores da economia. A 31
a
, chamada de meta-síntese, foi
incluída posteriormente e trata da construção de Brasília e da transferência da capital federal.
360
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getulio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Rio de Janeiro. Paz e
Terra. 13ª edição. 2003:205.
223
Nesse relatório do Serviço Secreto, consta um artigo do jornal “O Globo”
de 14/05/1956 comentando a entrevista do general Lott sobre os
acontecimentos do “11 de novembro” onde o ministro afirma que sendo o
ministro da guerra em exercício, adotava medidas para resguardar a ordem
pública”, e fazer prevalecer os princípios da legalidade constitucional,
garantindo que os candidatos eleitos através do voto e da vontade do povo
pudessem assumir o cargo que lhes era de direito. O general também nega
que o movimento de novembro fosse a continuidade do 24 de agosto (dando
continuidade ao getulismo). Os seus adversários é que estariam dando uma
conotação de “golpe”, onde havia somente o respeito à constituição.
361
Nesse caso a lógica do discurso é resguardar a ordem pública em
detrimento da vontade do povo, impedindo que outros atores sociais tomassem
a liderança do movimento pela legalidade, onde os questionamentos sobre as
péssimas condições da classe trabalhadora e as políticas adotadas pelo
Estado autocrático na defesa de interesses do capital associado, poderiam ser
desmistificados.
Um dia após a entrevista de Lott, o general, Álvaro Fiúza de Castro
também concedeu entrevista à revista “O Cruzeiro” em resposta às
declarações do general Lott. Ele que na conjuntura golpista de 55 havia sido
convidado a ser ministro da guerra pelo presidente em exercício Carlos Luz,
em substituição ao general Lott (a partir de 12/11/1955), aproveita o momento
para esclarecer seu posicionamento anterior. Num tom bastante ressentido,
afirma que não tivera nenhuma intenção golpista da sua parte, pois ficara
sabendo do golpe na madrugada de 11 de novembro.
Segundo o General Lott, as movimentações das tropas na madrugada
do dia fatídico, o alertou sobre um possível golpe da ala direita das Forças
Armadas. Com sua demissão acertada por pressão do presidente Carlos Luz,
abria-se o precedente do golpe, na medida em que os comandos militares
seriam desarticulados pelo novo ministro, facilitando uma estratégia golpista.
Sendo assim a figura do general Fiúza de Castro entra na mira do “antigolpe”,
pois a sua efetivação propiciaria as facilidades de ação a favor do impedimento
da posse de Juscelino e Jango.
361
Recorte do Jornal “O Globo” datado de 14/05/1956 anexo ao“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 309
224
Nessa dinâmica dos fatos aqui apresentados, apesar das Forças
Armadas serem movidas por um severo código de respeito à hierarquia e
disciplina militares, que em última instância representa os interesses do Estado
constituído, a lógica que movimenta esse Estado autocrático burguês não é a
do respeito à Constituição, mas sim a dos interesses do sistema de reprodução
e acumulação de capital, sendo ele representado ou pela burguesia associada
que toma as rédeas do processo da implantação do capital monopolista
dependente, ou pela burguesia nacional que vislumbra o seu controle efetivo
através de políticas que possam diminuir os efeitos contraditórios da
“distribuição do capital”, o que os difere nada mais é do que a gestão do
processo e não a sua negação.
Assim a tentativa do general Fiúza em justificar por que aceitou a pasta
da guerra naquela ocasião, revela essa lógica ideológica dos aparatos
coercitivos do Estado em sustentar um ideário para as suas ações e interações
na sociedade civil:
“Respondendo a uma inquirição do repórter, o general Fiúza de
Castro enunciou os motivos o levaram a aceitar o cargo de
ministro da guerra. Lembrou que, ao deixar o serviço ativo do
Exército brasileiro, fora alvo de excepcionais homenagens, por
parte do exército (inclusive do general Teixeira Lott, ministro da
guerra), da marinha e da aeronáutica. Tinha a segura convicção
de que poderia, naquele instante, contribuir para a perfeita
união das Forças Armadas em torno do mesmo ideal, que era “o
de garantir a integridade das instituições democráticas. “
362
Apesar dos ressentimentos dos dois generais, havia um tom de
arrefecimento dos ânimos, revelando que apesar das diferenças político-
ideólogicas (se é que podemos chamar assim os posicionamentos sobre a
legalidade constitucional), o que prevalece (o que nos fazem crer o documento
através dos discursos desses agentes históricos) são o respeito à hierarquia e
a disciplina militar camuflando os verdadeiros interesses do capital associado,
em manter a “ordem constitucional” em função do desenvolvimento capitalista.
Nessa perspectiva, a fala dos generais busca a racionalidade do “golpe” como
principio fundamental ao “respeito das leis” e ao crescimento econômico do
país.
362
Recorte do Jornal “O Globo” datado de 15/05/1956 anexo ao“Relatório Reservado” Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 310-A
225
As divergências dos grupos militares nos parecem ser lastreadas pela
dinâmica do sistema capitalista, em implantar as bases necessárias para a
reprodução rápida dos investimentos e retorno do capital. Os entreguistas
representantes desses interesses têm urgência na implantação de políticas
econômicas que garantam a liberdade do capital, abolindo as “amarras” de um
“nacionalismo endógeno”, que naquele momento no processo de
mundialização do capital, teria que ser abolido. No sentido dessa racionalidade
sistêmica mundial, os nacionalistas estão “condenados” a serem absorvidos
por essa dinâmica, refletindo assim as contradições do próprio sistema em
engendrar a hegemonia de classe dentro da própria burguesia.
Talvez isso explique tanto a oposição dos nacionalistas militares (que
propiciaram JK a sua “subida ao poder”), como das coligações partidárias que
apoiaram o seu programa de desenvolvimento, logo no início da sua gestão,
que após os seus pronunciamentos a favor da participação do capital
multinacional e da centralização das ações do executivo no processo de
desenvolvimento nacional, davam a certeza do seu alijamento no processo.
Conforme observa Dreifuss:
“a administração de Juscelino Kubitschek, embora
aparentemente baseada na mesma correlação de forças
políticas do regime de Getulio Vargas, implementou uma política
de desenvolvimento que resultou em uma mudança drástica no
modelo de acumulação, reforçando um padrão de
“desenvolvimento associado” com a realização de seu chamado
Plano de Metas de 1956 a 1961. Além disso, a estratégia de
desenvolvimento adotada por Juscelino Kubitschek levou a uma
redefinição do papel e função da máquina estatal e de seu
relacionamento com a sociedade civil, acabando por esgotar as
possibilidades de combinação das forças políticas que haviam
sido base de sustento original. (...) o congresso inicialmente
apoiaria Juscelino Kubitschek através da aliança PSD/PTB,
apoiando o seu programa de desenvolvimento “conduzido pelo
Estado”, desde que o governo representasse os interesses da
maioria parlamentar. Porém, à medida que o Executivo se
envolvia em sua política de modernização, o Congresso
consolidava a sua presença política através de uma atitude
conservadora em relação ao Executivo e interesses
industrializantes que ele representava. A presença
conservadora do congresso cristalizava-se em decorrência da
lógica das alianças e da necessidade de conciliação, do
226
clientelismo, dos interesses tradicionais e da oligarquia rural que
até então ele representava “ (DREIFUSS, 2006:43)
O Serviço Secreto acompanha de perto essas movimentações no interior
da sociedade civil, trazendo o debate sobre o crescimento endógeno na pauta
dos manifestantes. Tanto para o Serviço Secreto como para as facções de
direita das forças Armadas, o nacionalismo representava além da obstrução do
desenvolvimento nacional, o perigo da infiltração comunista. É o que
demonstra esse relatório reservado datado de 12/07/1956 informando sobre o
Movimento Frente Nacional (MFN), ou conforme denominam, o “movimento
novembrista”
363
:
“Está sendo organizado nos meios das Forças Armadas um
movimento denominado “NOVEMBRISTA”, liderado, segundo
consta, pelo Sr. Ministro da Guerra, General Teixeira Lott. O
referido movimento conta com o apoio dos elementos que
apoiaram o Sr. ministro da guerra em 11 e 22 de novembro de
1955. Seus organizadores visam combater as “tendências
antinacionalistas do Sr. Presidente da República”, claramente
manifestadas em seu discurso, proferido em Ribeirão Preto.
Com o fito de fortalecer tal movimento, já foram procurados
vários lideres sindicais, para dar apoio a esse movimento.
Alguns dirigentes do Partido Comunista do Brasil estão sendo
sondados sobre a posição que esse partido tomará caso se
concretize o movimento “novembrista”, estando o comitê central
do Partido Comunista do Brasil estudando a posição que
assumirá. Segundo tudo indica, o Partido Comunista não
apoiará tal movimento, pois caso venha ele a se concretizar,
logicamente lutará contra a existência do Partido Comunista no
Brasil. “
364
A correlação de forças assim se manifesta na união de militares
nacionalistas com setores da classe trabalhadora, na procura de engajamento
de outros setores da sociedade civil na tentativa de alteração daquela
realidade, onde o discurso encontra respaldo no ideário nacionalista, conforme
relatório reservado do Serviço Secreto de 27/08/1956 sobre o “Movimento
Novembrista”:
363
Ver nota de rodapé número 342
364
Informe reservado nº 115 datado de 12/07/1956. “Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 315 verso.
227
“Em aditamento ao comunicado 115, de 12/07/1956, deste
setor, referente à organização nos meios da Forças Armadas,
do movimento denominado “Novembrista”, informamos o
seguinte: o referido “Movimento” segundo consta é liderado pelo
Sr. Ministro da Guerra, general Teixeira Lott. Ultimamente, tem
estado à frente desse “movimento”, o general Canabarro isto
por estar o mesmo, constantemente, em contato com dirigentes
sindicais, que formam o “Pacto de Unidade Intersindical”
365
(em
quase todos os Estados da federação). O general Canabarro,
vem lutando junto aos dirigentes sindicais, afim de obter dos
mesmos o apoio integral da classe operária ao “Movimento
Novembrista”. Nos contatos havidos, tem o referido general
afirmado que tal “movimento” é de caráter inteiramente
nacionalista. Como os “Pactos de Unidade Intersindical” são
formados à base de elementos militantes ou simpatizantes do
extinto Partido Comunista do Brasil, logicamente a direção do
Partido teve que ser consultada sobre a posição a tomar diante
desse “Movimento”. Depois de demorados estudos e sondagens
a respeito do referido “Movimento”, os dirigente comunistas
chegaram à seguinte conclusão: 1º) o “Movimento Novembrista”
está ligado a um grupo econômico norte-americano, que deseja
montar no Brasil várias industrias; 2°) O referido grupo é
contrário aos trustes norte-americanos que anos exploram o
Brasil; ) Para serem concretizados os entendiment os, exige o
mencionado grupo econômico certas garantias, pois, pretende o
mesmo combater os que aqui estão instalados com o fito
exclusivo de nos explorar; 4º) Se ficarem positivados os
entendimentos com o referido grupo e venha ele montar suas
industrias, objetivando combater os exploradores do Brasil, não
haverá duvidas de que o Partido Comunista do Brasil, estará
inteiramente ao lado do “Movimento Novembrista”.”
366
Até onde se possa comprovar, mais uma vez há um equivoco nas
informações do censor (ou do PCB) em relação ao Movimento Novembrista.
Pois afirmar que havia um grupo econômico norte-americano contrário aos
trustes no Brasil e que ele vislumbrava implantar várias indústrias no país com
o intuito de combater as empresas americanas exploradoras já instaladas,
carece de coerência, principalmente pensando em termos do programa do
PCB, aprovado no IV Congresso em novembro de 1954, onde a severa crítica
365
O movimento operário e a organização sindical passaram por mudanças neste período, mudanças que
iriam se revelar durante o governo de João Goulart. A dificuldade de organizar os trabalhadores dentro da
estrutura oficial levou ao surgimento de organizações paralelas como o PUI Pacto de Unidade
Intersindical em São Paulo, e no Rio de Janeiro criou-se o PUA – Pacto de Unidade e Ação.
366
Informe Reservado. Classificação Comunismo. Setor “O.E.”. Número do setor 136 de 27/08/1956.
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 322 página 1e 2.
228
à presença norte americana no país, descarta qualquer possibilidade de
engajamento com os mesmos.
Diante dessa aproximação de militares nacionalistas com a classe
operária, a cisão nas Forças Armadas estava declarada. Além de ferir os
estatutos da caserna (militares se engajarem em movimentos político partidário
ou de classe), demonstravam para os Altos Comandos militares, que o
continuísmo getulista ou a infiltração comunista (encarado como sinônimo)
eram um perigo imanente, diante da situação de belicosidade provocada pelas
difíceis condições de vida do trabalhador urbano nas principais cidades do
país, demonstrado aqui pelo informe reservado do Serviço Secreto em
04/09/1956:
“o descontentamento popular e a revolta individual vem se
acentuando cada vez mais, em virtude da continuada elevação
dos preços dos gêneros de primeira necessidade e das
utilidades públicas. O protesto é geral, os ânimos estão
exaltados, pois, diariamente, nota-se uma diferença para mais
de tudo quanto é adquirido. Dizem que de nada adiantou o
salário mínimo (provavelmente o aumento dado por Getulio
Vargas em 1954 em torno de 100%) e que, do modo como está
se agravando a situação econômica do povo, mui brevemente,
serão necessários novos aumentos de salários. “
367
A lógica desses relatórios do Serviço Secreto é levantar os problemas
conjunturais e apontar o responsável pelo seu desdobramento, aqui no caso o
PCB, como responsável pela agitação da capital federal frente àquela situação
de penúria da classe trabalhadora:
“aliás é esta a propaganda sutil que os agitadores comunistas
vem realizando diariamente, de todos os modos, destacando-
se, agora, as “conversas”, que os mesmos vem realizando as
portas das fábricas, especialmente à hora do almoço; nas casas
residenciais dos distritos; nos bares e aglomerações públicas. O
operariado esta convencido de que nada adiantam aumentos
de salários. Clamam pelo congelamento dos preços e a
necessidade de leis severas para punir os tubarões. “
368
Segundo o censor, além do descontentamento do poder de compra do
salário mínimo, a classe trabalhadora é vitima do desemprego, pois as
367
Relatório Reservado” Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 325 de 04/09/1956.
368
idem
229
pequenas indústrias não têm condições nem de pagar o salário instituído pelas
autoridades governamentais:
“por outro lado, a indústria, ou pelo menos a pequena indústria,
não suporta o novo nível do salário mínimo. Diversas fábricas já
dispensaram parte dos operários: outras se aprestam a fazer o
mesmo. “
369
Diante desse quadro de dificuldades da classe trabalhadora, levantado
pelo próprio censor, o relatório expressa a ideologia do censor para o qual a
liberdade de organização de todos os indivíduos, deveria ser liderada pelos
empresários, como se este lhes conferisse a qualidade imanente da liderança
nata, o que podemos associar aos preceitos weberianos e funcionalistas
relativos à teoria das lideranças. Neste sentido, a classe operária não deteria a
capacidade de desenvolver a consciência sobre suas mazelas no interior da
ordem capitalista:
“Acreditamos plenamente que a situação tende a agravar-se e
algo de subversivo está sendo preparado. O comício do próximo
dia 6 do andante está sendo aguardado pelas massas que ora
vem sendo orientadas pelo Partido Comunista. Espera-se uma
“palavra de ordem” desse partido, que poderá modificar a
aparente tranqüilidade de que reina a Capital. “
370
Ainda nessa lógica, o censor coloca a classe trabalhadora como massa
de manobra e o ministro da guerra, o general Lott como inocente útil, acusando
o Movimento Novembrista de fomentador da divisão das Forças Armadas e da
discórdia social:
“acreditamos no anti-comunismo do Sr. ministro da Guerra, mas
também acreditamos nas habilidades dos bolchevistas
brasileiros que são mestres na tática de envolvimento. É Claro
que os comunistas necessitam de um homem que, de certa
forma, os proteja e que dele se possam servir para as suas
intrigas, para o seu maquiavelismo e, mais importante, que
possa servir como elemento divisionistas das classes armadas,
seja consciente, seja inconscientemente. A propósito do comício
do próximo dia 6, fomos informados de que o Partido
determinou a todos os seus órgãos de base” para que se
reúnam na véspera, dia 5, à noite, afim de acertarem as ultimas
369
idem
370
idem
230
medidas em relação ao “meeting”. Todas as células deverão
comparecer, com faixas e dísticos diversos, com palavras de
ordem do momento, ou sejam o congelamento dos preços,
revogação do Dec. 9070
371
, rebaixamento das contribuições
aos institutos, liberdade de imprensa, questão dos minérios,
homenagem ao ministro da guerra etc.. “
372
Em 21/09/1956 o censor infiltrado no PCB informava sobre as
modificações do estatuto do PCB, o que ele considerava a nova tática deste
partido para se aproximar do governo de Juscelino Kubitschek:
“os dirigentes do Partido Comunista do Brasil estão se
articulando com o fim de promover um congresso, no qual serão
apreciados os Estatutos e o Programa do PCB, os quais
sofrerão sensíveis alterações. Os referidos Estatutos, rezando,
nas suas primeiras linhas, que o Partido Comunista do Brasil é
o partido da “classe operária”, cria certa confusão ao aluno que
vem freqüentando a “escola” do partido e que recebeu a 1ª aula
do curso básico, que diz: “nosso Partido, o Partido Comunista
do Brasil, é o partido da classe operária, mas é ao mesmo
tempo o partido de todo o povo”. Este ponto será estudado e
possivelmente mantido a ultima citação, isto é, “partido de todo
o povo”. (...) na parte do “programa”, os ataques ao
latifundiários
373
serão excluídos, mesmo porque os mesmos
pedem relações comerciais com a U.R.S.S. e com as
Repúblicas Populares, não se justificando, portanto, tais
ataques. Os latifundiários sentem que estão sendo ameaçados
pelo capitalismo norte-americano e acusam as firmas frigoríficas
dos EE.UU. de entravarem o desenvolvimento da pecuária em
371
O presidente Dutra baixou o Decreto 9070 em 16 de julho de 1946, que praticamente impedia de se
fazer greve.
372
Relatório Reservado”Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento nº 325 de 04/09/1956.
373
Durante toda a década de 1950, o debate em torno da questão agrária é intenso. Os institutos de
pesquisa como o CEPAL, ISEB, a Revista Brasiliense e principalmente o historiador, Caio Prado Jr. eram
críticos contumazes do problema do campo no Brasil. Conforme observa Vânia Losada Moreira: “O
ensaio de Caio Prado Jr., Contribuição para a análise da questão agrária no Brasil, estabeleceu
contundentemente a orientação da Revista Brasiliense” sobre o problema agrário brasileiro. Entre as
contribuições do artigo figurava, em primeiro lugar, a distinção das categorias sociais que compunham a
população rural, desmontando os subterfúgios ideológicos que igualavam os grandes proprietários e a
massa miserável do campo. De acordo com Caio Prado Jr., a literatura social e econômica e as diretrizes
da administração pública escamoteavam as verdadeiras razões das ssimas condições de vida da
população rural. A visão oficial equivocava-se ao interpretar a pobreza rural como resultado do baixo
nível técnico do setor agropecuário e de seus problemas de comercialização e financiamento.”
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Nacionalismos e reforma agrária nos anos 50. Rev. bras.
Hist. v.18 n.35 São Paulo 1998.
231
nosso país
374
, fato este que levaram ao conhecimento do Sr.
Juscelino Kubitschek. “
375
O censor afirma que, segundo o novo estatuto do partido, haveria três
correntes políticas no Brasil naquele momento: 1- A esquerda (nacionalistas),
liderada pelo General Lott e alguns políticos do PSD, PTB E PSP. 2- Centro,
liderada pelo Presidente Juscelino e José Maria Alkimim. 3- Direita, liberada
pelo Sr. Nereu Ramos Ministro da Justiça. Segundo o mesmo relatório, os
comunistas estariam pressionando a ala esquerda nacionalista a arrastar o
Presidente Juscelino para o seu meio.
376
Outro relatório do Serviço Secreto de 03/11/1956 informa sobre as
deliberações do Partido Comunista sobre a Frente de Novembro, dava as
diretrizes aos partidários, instruindo-os sobre a importância do movimento
como articulação democrática:
Será criado um diretório da “Frente de Novembro com a
participação de alguns militares da ativa e reformados, será
lançado também um amplo manifesto do movimento, que
constará 3 principiais pontos do programa do Partido Comunista
do Brasil.
377
Com o recrudescimento do discurso nacionalista do movimento Frente
de Novembro”, novamente as notícias de golpe começam a ser vinculadas na
imprensa, no Congresso Nacional, no Senado e no discurso acusatório de
Carlos Lacerda e os documentos do Serviço Secreto que monitoram com
afinco tais “denúncias”, demonstram a polêmica em torno do movimento.
Como sempre o apelo nacionalista é identificado como comunista e,
apesar do apoio ferrenho da “Frente de Novembro” a Juscelino Kubitscheck
logo no início da sua posse, agora o presidente não toma partido, mesmo
porque um dos principais mentores era o seu próprio Ministro da Guerra, o
General Teixeira Lott.
374
Período de crescente presença dos frigoríficos estrangeiros instalados no Brasil. Geralmente próximos
às fazendas de criação de gado. Também apresentavam investimentos associados no setor, empresas
nacionais com sócios estrangeiros.
375
Relatório nº 44 de 21/09/1956. Setor “O.E.” S.S. Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 328
376
idem
377
Relatório do Serviço Secreto de 03/11/1956. Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09 documento
número 337.
232
Destaca nesta linha o censor que Carlos Lacerda solicita ao Ministro da
Justiça, a ficha policial de alguns integrantes do Movimento Frente de
Novembro.
378
De fato, conforme é conhecido pela historiografia, Lacerda não
perdia a oportunidade de inflamar as Forças Armadas com suas denúncias de
golpe e infiltração comunista nas agremiações e movimentos nacionalistas e ao
nominar os simpatizantes no jornal pedindo sua ficha policial concretiza-se seu
intuito de difamar tanto o movimento com seus integrantes.
O censor acompanha também os que, na mara municipal, denunciam
tais manobras, como era o caso do deputado Áureo Meloque denunciara na
Câmara: “Ao passo que se efetua a organização nacional da “Frente de
Novembro”, recrudesce a conspiração dos golpistas (entreguistas) derrotados
no 11 de novembro.” O deputado ainda alegava que os golpistas tinham apoio
internacional dos trustes colonizadores.
379
Mas o principal problema dos censores era mesmo o que consideravam
as evidências da infiltração comunista nas instituições do governo, tanto no
legislativo, quanto no executivo, toda ela orquestrada pelo Partido Comunista
através de seus correligionários disfarçados em outros partidos, pelos quais
tinham sido eleitos. Na denuncia abaixo, produzida pelo censor infiltrado no
PCB em 22/10/1956 observa-se como se constrói a lógica de que as
instituições democráticas são facilmente envolvidas pelo comunismo:
“o PCB determinou que seja organizado um trabalho intenso e
de larga extensão junto a todas as organizações de classe,
comunista ou não, para que se todo o apoio à Frente de
Novembrista, para evitar o golpe. Está incumbido desse
trabalho o deputado da ala moça do PSD, Senhor Oliveira Brito,
que tem muita influência política junto às duas maras.
Preconizam, e aliás isso vem feito a algum tempo, maior
aproximação e apoio ao Presidente da República, e ao general
ministro da guerra. Os vermelhos afirmam que o perigo de golpe
não está afastado e, por esse motivo, visando à união das
forças democráticas, lutam ombro a ombro com o governo
federal. Eles não vêm de bons olhos a aproximação do general
Juarez Távora e do Partido (?) se manterá na expectativa em
378
Manuscrito do Jornal “O Globo” de 17/10/1956. Anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 331-H. Nesse documento constam os nomes de oficiais militares, deputados,
vereadores, presidentes de sindicato, presidente de federação de trabalhadores. Para não sobrecarregar o
rodapé com os nomes dos envolvidos só foi colocado um resumo funcional dos participantes.
379
Recorte do jornal “Noticias de Hoje” de 14/10/1956 anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 331
233
relação ao Sr. governador paulista, mas no momento oportuno
moverão forte campanha contra o mesmo. Se o elogiam de um
lado (caso da Lei de Imprensa e Censura do dio), saberão
atacá-lo quando necessário. “
380
No entanto, observa-se nestes mesmos documentos, a movimentação de
representantes no senado e nas câmaras, para corroborar com esta ideologia
que culmina com a associação entre a democracia e a infiltração comunista, e
neste sentido, resgata o censor uma avalanche de denúncias sobre a infiltração
de comunistas no movimento MFN. Por exemplo, é por meio destes relatórios
que recuperamos que o senador Alencastro Guimarães divulgou na televisão
que o Movimento tinha membros pelegos sustentados pelo Ministério do
Trabalho aliados aos comunistas, infiltrados inclusive no exército nacional.
“o senador Alencastro Guimarães
381
, veio a essa capital, fazer
uma palestra na Televisão Tupi canal 3. Perguntado sobre a
“Frente de Novembro” respondeu: É composta de pelegos
sustentado pelo ministério do trabalho aliado aos comunistas
que ainda existe no Brasil, inclusive no Exército Nacional. Disse
ainda que todo individuo que seja ou se declare aliado a uma
potencia estrangeira, não o exército como também qualquer
funcionário público deve ser demitido por que não pode ser fiel
a sua pátria. “
382
Diante de tanta polêmica em torno do Movimento, o Ministro da Guerra,
general Teixeira Lott, tenta desmistificar da sua aproximação com a ideologia
bolchevista como também do próprio movimento. No acervo do Serviço Secreto
uma entrevista sua concedida ao então deputado cearense pelo PSD,
Armando Falcão que será publicada na revista “O Cruzeiro” e re-publicada no
jornal “A Hora” em 05/11/1956. Na entrevista o general Lott volta a focalizar os
acontecimentos de novembro de 1955 e que o Movimento Frente de Novembro
e suas posições políticas atuais inclusive na ocasião da tentativa de golpe,
380
pico do comunicado “Antonio Silva”. São Paulo, 22/10/1956. Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09 documento nº 342.
381
Ministro do Trabalho Indústria e Comércio do governo Café Filho, no período de 24/08/1954 a
11/11/1955
382
Comunicado do Aeroporto do “S.O.G.” de 31/10/1956. Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento número 336
234
sempre foram anticomunistas, e que não fragmentação nas Forças
Armadas:
divisão do sentido de que porventura se achem separadas por
diferenças profundas – diz o ministro da guerra não considero
que exista. Ligam-nas (as Forças Armadas) acima de tudo o
amor à pátria. Existe uma divisão e de fato sempre existiu: uma
parcela de militares que, como cidadãos, não sufragou na urna
os candidatos vitoriosos e que, nalguns casos, se deixou
dominar por um sentimento da mais viva paixão. o reputo
esta circunstância perigosa para o regime, pois o sentimento
geral de disciplina é forte suficientemente para inspirar
confiança e manter os militares fiéis ao dever. “
383
Deixa clara sua posição anticomunista, apelando para sua convicção
religiosa, afirmando também que fora da união capital e trabalho não
progresso econômico:
“a seguir, trata do problema comunista no Exército, frisando que
como católico apostólico romano e democrata de modo algum
pode admitir as idéias comunistas: ateísmo é pior do que isto,
proibição do culto à divindade, qualquer que ela seja; luta entre
classe sociais, domínio da coletividade por uma minoria tirânica;
cerceamento absoluto da liberdade de opinião e outros não
menores absurdos. “
384
A crítica do general se coaduna com as características do Estado que
vigorava naquela ocasião em que a perseguição e a vigilância ao indivíduo
eram práticas contumazes, e no qual prevalece a visão da minoria
representada pelo Estado bonapartista, em detrimento a toda manifestação
social em busca de melhores condições de vida.
383
Recorte do jornal “A Hora” de 05/11/1956 anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 339
384
idem
235
CAPÍTULO 06
O governo JK: os limites da democracia sob a ótica do Estado
autocrático burguês.
6.1 Partidos, nacionalismos e interesses de classe
Conforme foi observado nos capítulos anteriores, o governo de
Juscelino Kubitschek antes mesmo de seu inicio enfrentou uma série de
dificuldades. As adversidades políticas que marcaram o período entre sua
indicação como candidato e sua posse como presidente não deixavam vidas
quanto à ferrenha oposição que seu governo, fruto da aliança PSD-PTB, teria
pela frente, particularmente pela oposição udenista. Estes e os militares da
ESG encaravam o novo governo como uma herança daquilo que eles mais
temiam do governo de Getulio Vargas: consideravam Juscelino e Jango uma
“aposta” perigosa devido a sua aproximação com os trabalhadores e membros
do PCB.
Apesar disso, e das tentativas efetivas de derrubada do governo após a
posse de JK, os segmentos da burguesia que se aglutina na UDN e seus
aliados políticos, que segundo o deputado Afonso Arinos, “sob a capa do
combate “histórico” ao caudilhismo, (...) encarnava um bastião contra as
chamadas medidas progressistas e, neste sentido, perdia o sentido da
história”
385
, o foram capazes de anular a forte composição partidária
representada pelo PSD/PTB. Analisada apenas por suas posições políticas, as
posições da UDN e do udenismo se manifestam contraditórios e neste sentido
temos como exemplo, as conclusões de pesquisadores do CPDOC segundo os
quais,
“Contradições e cisões acompanharam a trajetória udenista.
Coexistiram na UDN teses liberais e autoritárias, progressistas e
conservadoras. O partido que vota a favor do monopólio estatal
do petróleo (1953) e contra a cassação dos mandatos dos
parlamentares comunistas (1947) é o mesmo que se opõe à
intervenção do Estado na economia, denuncia a "infiltração
comunista" na vida pública e contesta os resultados quando
perde as eleições. O partido ficou marcado pela vinculação com
385
BENEVIDES. Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e
estabilidade política. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1979. Página 63.
236
os militares e as aspirações das camadas médias urbanas,
identificando-se, também extrapartidariamente, com o
udenismo. Expressão de mentalidades e estilos de ver e fazer
política, o udenismo caracterizou-se pela defesa do liberalismo
clássico, o apego ao bacharelismo e ao moralismo e o horror
aos vários "populismos". Em termos de imagem pública a UDN
e o udenismo sempre provocaram polêmicas: o "partido dos
cartolas" ou o "partido dos golpistas", por um lado; o "partido
dos lenços brancos" e o "partido da herança liberal", por
outro.
386
No entanto, visto do ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo,
as posições dos segmentos da classe burguesa que compõem a UDN se
manifestam bem coerentes, pois se por um lado, contrapõe-se ao projeto de
crescimento industrial por substituição de importações, por outro aliam-se ao
capital transnacional que se instala maciçamente, enquanto chamavam a
atenção para os custos sociais envolvidos na proteção da indústria nacional e
questionavam as ligações perigosas entre políticos, empresários e operários
manuais. Seu conservadorismo se manifesta pela impossibilidade de partilhar
com segmentos populares organizados o poder político e ante esta
necessidade, posta pelo próprio estágio de desenvolvimento do capitalismo no
país, aciona as Forças Armadas cujos líderes articulados na ESG também
saem em defesa do capital internacional como única forma de romper com o
subdesenvolvimento. Assim este segmento apóia as teses liberais de
ampliação da democracia e do Estado protecionista daí seu apoio inicial à
manutenção do petróleo estatizado e seu voto contra a cassação do mandato
dos parlamentares comunistas, ao mesmo tempo em que articula os golpes
militares ante a expectativa de perda do monopólio do poder.
Percebe-se aqui que sua plataforma obstrucionista aos projetos
“desenvolvimentistas” na esfera de política cambial (que favoreciam a
implantação da indústria no país), prejudicava seus interesses econômicos
(importadores, latifundiários) e os colocava fora como grupo hegemônico.
Na mesma medida, o PSD articulava os antigos interventores do “Estado
Novo”, comerciantes, advogados, proprietários rurais
387
, o que não os
386
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro CPDOC Fundação Getúlio Vargas, in:
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/7796_1.asp
387
“Celina A. P. Moreira Franco salienta que, se o PSD foi o partido das oligarquias, foi também o
partido da oligarquia modernizante, pois o coronel passou a ser pela transformação sócio-econômica
237
diferenciava muito da UDN. Assim os dois partidos, apesar das especificidades
políticas, representavam interesses da pequena e dia burguesia, que
divididas por suas influências “ideológicas regionais”, explicitam o liberalismo
conservador na condução da política nacional e que naquele momento vê-se
ante a ameaça de uma ampliação das bases que compõem o poder político,
Tal ameaça se expressava na aglutinação social que compunha o PTB,
que segundo Benevides, “teve suas origens estreitamente ligadas ao
“movimento queremista”, (e que) surge como uma tentativa de aglutinar as
novas forças sociais, nascidas do impulso econômico pela industrialização,
visando atingir fundamentalmente os operários urbanos frente à ameaça que
constituía a influência do Partido Comunista, não apenas sobre a massa
trabalhadora desorganizada, mas, sobretudo os sindicatos”
388
. Ou conforme
Afonso Arinos, “o PTB representou uma aliança política entre determinados
grupos sociais a burguesia nacional, o operariado, setores da classe média
visando uma maior abertura do sistema político, mas principalmente uma
política de emancipação nacional e desenvolvimento econômico”
389
.
Assim compunha-se a correlação de forças sociais que se expressava
no tripé partidário político mais significativo do período JK (e também do
período getulista) e a agenda política implantada por eles (a prioridade de
aprovação ou obstrução dos projetos governamentais na câmara e no senado
federal), demonstra a disputa entre os interesses do capital internacional e os
dos grupos regionais dominantes. A ameaça ao bloco dominante estava não
apenas na sua fragilidade ante esta divergência no interior de sua composição
e que vinha se manifestando desde a década de 30, mas na entrada em
cena dos segmentos que representavam interesses corporativos dos
trabalhadores, também frágeis por sua emergência no interior do capitalismo
hiper tardio, aos quais se mesclavam setores das classes médias urbanas.
Nesta correlação de forças o termo nacionalismo é tomado em vários sentidos,
aparentemente contraditórios se visto do ponto de vista apenas político. Pois
no país em certo sentido, “motor do desenvolvimento”, na medida em que dependia do Estado para
manter sua força política, decadente. “Se, para sobreviver, compactuava com o Estado, este, por sua
vez, tinha meios de acenar-lhe com novos benefícios resultantes do desenvolvimento. Na relação coronel-
Estado o PSD era a instituição intermediária, canalizador dos votos e distribuidor dos cargos”.
(BENEVIDES. 1979:65)
388
(BENEVIDES. 1979: 63)
389
(BENEVIDES. 1979: 64)
238
todos lhe atribuem uma universalidade inexistente, que não há a defesa da
nação, sequer a defesa dos interesses de classe, dado que nas condições de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, observa-se de fato, a defesa dos
interesses privados que se aglutinam formando forças mais ou menos coesas
que, por um lado, defendem a manutenção do status quo e ou disputam
espaços nesta mesma ordem política. Não por acaso não surge um projeto
alternativo do interior de nenhum destes segmentos que disputam o poder
político, capaz de promover qualquer alteração significativa na condução do
desenvolvimento do país.
Assim, se por um lado se fazia premente superar os problemas de infra-
estrutura para o desenvolvimento industrial nas mesmas bases monopolistas
vigentes desde sempre, o que punha a necessidade de capitais que
financiassem tais investimentos, por outro, as demandas dos segmentos
urbanos e os tradicionais interesses das burguesias agrárias regionais,
pressionavam pela partilha destes mesmos capitais, mas para usos cujos
interesses confrontavam os do capital monopolista dependente. Embora
atendo-se ao âmbito político, Maria Victoria Benevides demonstra tal
correlação de forças, se os atritos entre PSD e PTB aumentavam nos estados
e municípios, a aliança mantinha-se ao nível nacional: na Câmara e no Senado
as bancadas pessedista e petebista compuseram-se bem em todas as
oportunidades, principalmente quando se tratava de apoiar atos que,
interessassem diretamente ao plano de desenvolvimento.”
390
Um plano de
desenvolvimento que punha em risco o capital monopolista dependente, não
porque contivesse propostas de mudanças significativas, mas porque passou a
ser utilizado para investimentos outros que o os necessários diretos para
este capital monopolista dependente.
Por isso o bloco parlamentar composto pela aliança PSD e PTB que
constituía a base de apóio do governo Kubitschek, era tão ameaçador, embora
o que predominasse fosse a urgência de uma base industrial que garantisse a
manutenção do país no capitalismo monopolista.
Daí que as divergências ficam restritas ao âmbito político-ideológico e se
concentram na condução do processo de abertura política como expressão em
última instância uma ameaça aos interesses das classes dominantes
390
(BENEVIDES. 1979: 140)
239
(burguesia industrial e proprietários rurais que também compõem a base de
governo), configurando-se o politicismo tão apropriadamente anotado por
Chasin.
“Determinada, histórica e estruturalmente, a ficar muito aquém
dos limites mais ricos e amplos das entificações burguesas
clássicas e até mesmo prussianas, desconhece a autonomia
econômica e lhe é completamente estranho o encargo de
universalizante político - não pode se ver e assumir, na
particularidade de seus interesses, como representante de
todas as categorias sociais, da sociedade em seu conjunto.
Vedados lhe são o ‘luxo’ e o simulacro dessa representação,
mesmo na forma de pretensão clássica, dado que se encontra
sempre, pela sua atrofia estrutural e pela época em que surge e
se manifesta em seus desdobramentos, em conflito aberto com
as categorias sociais que tem por baixo, enquanto mansamente
se subordina ou concilia com aquelas que se emparelham na
sua própria altura ou estão acima dela.”
391
Para esses grupos acatar reivindicações da classe trabalhadora que se
manifestava no intenso movimento grevista que assolava os centros urbanos,
assim como as propostas de reforma agrária advinda das Ligas Camponesas
(o que se impunha como necessidade pelo estágio de desenvolvimento que o
capitalismo alcançava naquele momento) se configuravam como uma
ameaça à propriedade privada e seus agentes teriam que ser aniquilados.
Conforme aponta Francisco de Oliveira referindo-se ao problema agrário:
“A solução do chamado “problema agrário” nos anos da
“passagem” da economia de base agrário-exportadora para
urbano-industrial é um ponto fundamental para a reprodução da
expansão capitalista. Ela é um complexo de soluções, cujas
vertentes se apóiam no enorme contingente de mão-de-obra, na
oferta elástica de terras e na viabilização do encontro desses
dois fatores pela ação do Estado construindo a infra-estrutura,
principalmente a rede rodoviária. Ela é um complexo de
soluções cujo denominador comum reside na permanente
expansão horizontal da ocupação com baixíssimos coeficientes
de capitalização e até sem nenhuma capitalização prévia: numa
palavra, opera como uma sorte de “acumulação primitiva”.
(OLIVEIRA, 2003:42)
391
.
CHASIN, J., “Hasta Cuando?”, in Ensaio nº 10, São Paulo, Ed. Escrita, 1982, p. 11.
240
Tal acumulação primitiva se coloca na realidade como a ponta de um
iceberg cujas bases estão na permanente atrofia do capital no país, conforme
aponta Chasin.
Assim, nesta articulação entre o arcaico posto nas relações agrárias e o
novo expresso pelos interesses decorrentes do patamar de desenvolvimento a
que o capitalismo chegara naqueles idos anos da década de 50, a abertura
política trazia à tona a expressão dos explorados, cuja condição chegava aos
limites das possibilidades de sobrevivência. O impasse, portanto na correlação
de forças políticas era justamente o de superar as divergências entre os
segmentos das burguesias urbanas e rurais e definir qual seria a velocidade da
implantação das medidas repressivas para expurgar esses entraves
ameaçadores ao desenvolvimento capitalista nacional no rastro do capital
internacional. Era necessário pavimentar as bases da exploração,
vislumbrando ser capaz de neutralizar as contradições sociais através da
repressão e contenção dos movimentos sociais e da manutenção do politicismo
na dinâmica nacional.
“Politicizar é tomar e compreender a totalidade do real
exclusivamente pela sua dimensão política e, ao limite mais
pobre, apenas de seu lado político-institucional. Enquanto
falsificação teórica e prática, o politicismo é um fenômeno
simétrico ao economicismo”
392
. E mais adiante, aprofundando
esta trajetória, Chasin afirma: “O politicismo arma uma política
avessa, ou incapaz de levar em consideração os imperativos
sociais e as determinantes econômicas. Expulsa a economia da
política /.../ jamais admitindo o caráter ontologicamente fundante
e matrizador do econômico em relação ao político”
393
.
Frente a esse “modelo” de exploração e relação social, não existe
possibilidade de abertura política, colocando-se como pressuposto fundamental
para o seu funcionamento e reprodução a exclusão da classe trabalhadora nas
decisões políticas do Estado. Os interesses de classe são antagônicos e super
dimensionados nessa lógica de exploração “via colonial”, restando apenas a
coerção como controle das classes subalternas devido à impossibilidade de
392
CHASIN, 2000, p. 123.
393
CHASIN, 2000, p. 124. Ver também referências sobre essa questão em RAGO FILHO, A. “O ardil do
politicismo”. Revista Projeto História, n. 29, T 1. São Paulo, Educ, 2004.
241
realização democrática. Nesse sentido a burguesia transfere e endossa o seu
poder às Forças Armadas, como medida fundamental de sobrevivência e
manutenção do Estado autocrático. Como resultado do processo, a
movimentação partidária só garante os avanços do capital, mas propiciam a
ilusão de participação política através do sufrágio universal. Enquanto esses
agentes do capital reproduzem a gica do sistema, creditam que na sociedade
dividida em classes, cabe aos mais competentes e mais preparados conduzir o
processo político nacional. Os demais, sob a crença do “pacto social”, são
chamados a exercer o seu patriotismo, na crença que suportar o arrocho
salarial é a sua parte de contribuição à “paz nacional”.
Nessa perspectiva de conferir ao interesse privado a conotação de
interesse nacional, após se reunir com os ministros militares, do Trabalho e da
Justiça, com o comandante do I Exército e chefes das casas civil e militar da
presidência, Kubitscheck, embora ameaçado pela oposição que articulava os
golpes, também cumpre sua parte. Tratava-se, antes de mais nada, de dar
garantia à continuidade do desenvolvimento do capitalismo e neste sentido, o
perigo o estava nos golpistas, mas sim nos que ameaçavam a ordem.
Conforme recupera Almeida, tendo em vista a nota distribuída à imprensa pelo
presidente, no sentido de demonstrar
“sua inabalável disposição de não permitir, sob pretexto algum a
perturbação da ordem, do regime e das liberdades públicas.
Como de praxe, atribuía a organização do movimento a
“conhecidos agitadores”, que pretendiam produzir condições
que ameaçassem “a ordem e a paz do povo brasileiro através
da deflagração de greves ilegais e concomitantes inspiradas por
entidades marginais da vida sindical, estando nos seus planos
até mesmo a greve geral. “Na defesa da “ordem e da paz do
povo brasileiro”, Juscelino foi duro, o que não significa nenhuma
novidade. Contrapor o interesse nacional a greves de
trabalhadores, desqualificar as lutas destes últimos fazendo
referências a elementos e interesses “estranhos ao movimento”
e recorrer a eufemismos como, no contexto, “ordem”, “paz”,
“liberdades públicas”, para ameaçar o exercício da violência
física, são procedimentos comuns a qualquer chefe de Estado
burguês”. (ALMEIDA, 2006:288)
Nesse sentido o reducionismo burguês acreditava que a solução de
todos os problemas sociais estava na consolidação do modo de produção
242
capitalista, ou em outras palavras na industrialização do país. Então se
capitalismo significa dominação burguesa de classe, “reduzir o plenificar destas
relações a “desenvolvimento” ou “industrialização” constitui, para além da
competência (e mesmo das intenções) dos agentes, uma operação ideológica
fundamental”. (ALMEIDA, 2006:299)
Se considerarmos que a Revolução de 1930 engendrou uma nova
configuração do Estado brasileiro voltado para a sua inserção na nova fase do
capitalismo monopolista, a construção de uma sólida base infra-estrutural
industrial capaz de perpetuar a acumulação de capital e ao mesmo tempo
movimentá-la entre os diversos mercados que os aglomerados econômicos
dominavam a nível mundial, pode-se afirmar que não houve ruptura do
governo de Getulio Vargas para o de Juscelino Kubitschek, mas sim uma
complementação para o pleno funcionamento do autocratismo o que se
evidencia na própria postura do presidente que logo no início do seu governo
buscou conciliar as diversas posições político-ideológicas, mesmo as que lhe
faziam oposição e para isto contou, apesar das tentativas de golpe militar
engendradas pela UDN, com o exército para a sua sustentação, configurando-
se o bonapartismo institucional
394
. o por acaso, o citado projeto de anistia
aos civis e militares que participaram das revoltas de 11 de novembro de 1955
e de 11 de fevereiro de 1956 foi imediatamente aprovado, mas não o que
incorporava à anistia os suspeitos de integrarem o partido comunista o que
incluía também a vigilância a opositores diversos.
Direcionado pelos limites desta autocracia, não demoraria a aparecer
nos primeiros meses de governo de Juscelino Kubitscheck, em maio de 1956, a
ação repressora do Estado. Confrontado com grandes manifestações da UNE
contra o aumento no preço das passagens dos bondes no Rio de Janeiro o
presidente, ao invés de tentar negociar com os estudantes, partiu para o
confronto, enviando as Forças Armadas para controlar os protestos estudantis.
Quando se restabelecia a ordem após as quebradeiras de sempre
lideradas pela presença marcante da truculência policial, sem que ninguém
esperasse, a PM da cidade interveio na entidade estudantil sobre o comando
394
RAGO FILHO, opus cit.
243
do general Odílio Denys
395
que não quis contemporizar e, sem meios termos,
partiu para cima dos estudantes e dos políticos da UDN que haviam visto no
apoio aos estudantes mais uma oportunidade e desgastar Juscelino. Com tal
violência agiu a polícia que deixou atônitos até setores que apoiavam
incondicionalmente o governo.
Deputados e vereadores foram espancados, repórteres e fotógrafos da
grande imprensa, agredidos; os estudantes, frente a tal brutal repressão,
fugiam, sem ter forças para partir para o enfrentamento. Quase que
imediatamente, a UDN soltou um comunicado à população, onde denunciava a
selvageria da polícia, provando do “fel” que ela mesma pregava, a contenção
dos movimentos populares.
396
Também as movimentações da classe trabalhadora em prol de melhores
condições de vida eram recebidas com a truculência policial e o
enquadramento da lei, o que revelava a cada dia que o discurso da legalidade
e das liberdades democráticas não se sustentava na prática, prevalecendo
sempre os interesses do capital. Mesmo o general Lott que apoiara o governo
quando das tentativas de golpe aponta os conflitos da “abertura democrática”
como resultado de discórdias produzidas pelos comunistas. Neste sentido ele
confirma a repressão policial, mas alega a limitação das autoridades em conter
o “perigo comunista” cujo proselitismo visava dar a impressão de que
solucionariam rapidamente os problemas sociais e econômicos, acenando com
mudanças miraculosas nas condições de vida das massas”. (...) então faz-se
mister, isto sim, esclarecer ao povo que promessas tais, não passam de mera
mistificação”.
397
E aponta que apenas o perfeito entendimento entre o capital
e o trabalho ou mais especialmente entre patrões e operários”
398
, na lógica
indicada acima, seria capaz de conter tal contenda.
395
Odílio Denys foi militar brasileiro. Chegou à mais alta patente do oficialato, a de marechal. Odílio
Denys teve participações marcantes em diversos momentos decisivos no período Juscelino Kubitschek,
Jânio Quadros e Jango. Foi Ministro da Guerra e um dos articuladores do golpe militar de 1964.
396
Veja pronunciamento do Senador João Villas Boas da UDN de Mato Grosso no dia 12/07/1956: “lê o
telegrama recebido da assembléia legislativa da Paraíba, agradecendo ao orador pela defesa dos
estudantes, jornalistas e parlamentares que foram vitimas da violência policial por ocasião de
manifestação em frente a sede da união nacional dos estudantes. Publicação do DCN2 de 13/07/1956
página 1829 –Secretaria de Informação e Documentação do Senado Federal.
397
Recorte do jornal “A Hora” de 05/11/1956 anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 339
398
idem
244
Aponta ainda que o bem estar dos brasileiros se daria com o
fortalecimento da estrutura econômica do país e se manifesta favorável ao
capital estrangeiro, tentando minimizar as posições de conotação nacionalista
tanto sua como da “Frente de Novembro”
399
, no sentido de controlar a abertura
do capital estrangeiro no país, posição esta que os colocava sempre na mira da
ferrenha oposição militar dos “sorbonistas” como da UDN que se mantinha na
liderança do bloco conservador no congresso. Para o general Lott, “o dinheiro
que venha de fora acrescenta com o objetivo real de incrementar o nosso
desenvolvimento pode ser bem recebido. O que faz mister é que a maior
parte dos lucros obtidos seja aplicada na expansão e aprimoramento do
investimento
400
, ou seja, condição primordial capitalista para a realização de
qualquer negócio, principalmente naquele período onde os investimentos
voltados para a infra-estrutura industrial eram prioridade do Estado autocrático.
Mas é no trabalho não pago que a mais-valia expropria o trabalhador e
contribui para a acumulação de capital. Finalizando, Lott afirma a disparidade
da legislação trabalhista entre o campo e a cidade como entrave ao
desenvolvimento, mas considera que a extensão da legislação trabalhista ao
trabalhador rural (em discussão na câmara naquela ocasião, novembro de
1956) é muito grave carecendo de amplos estudos. O caos na agricultura
observa ainda, significará a fome para os brasileiros
401
. Mas nem o presidente
e nem Lott tinham como prioridade resolver esta questão, a composição de
forças do congresso não suportaria uma reforma agrária e tampouco o
fortalecimento do movimento operário. Daí as explicações politicistas sobre a
conjuntura nacional sem propor qualquer alteração que visasse minimizar as
conseqüências sociais resultantes dos problemas estruturais do capitalismo
nacional, ou seja, a inflação, as péssimas condições de existência da maioria
da população.
399
Em março de 1956 foi criado a “Frente de Novembro grupo composto por civis e militares. A
organização tinha por objetivo representar as reivindicações dos setores legalistas e nacionalistas,
envolvidos no “golpe” de 11 de novembro de 1955, e conclamava a união entre trabalhadores e militares.
O general Lott despontou como figura central do movimento pois sua figura agregava símbolos que
remetiam a idéia de soberania nacional e justiça social.
400
Recorte do jornal “A Hora” de 05/11/1956 anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 339
401
Recorte do jornal “A Hora” de 05/11/1956 anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09
documento nº 339
245
Desde a década de 1940 a questão não era somente transplantar para o
campo a legislação trabalhista, garantindo um amparo ao trabalhador rural,
mas sim subordinar o campo à cidade como base da acumulação primitiva
necessária ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Conforme Marx e
Engels explicitam na Ideologia Alemã, foram as transformações na forma de
produção agrária, com o fim do feudalismo, que propiciaram as matérias primas
necessárias ao desenvolvimento do capitalismo. Aqui no Brasil, mesmo na
forma hiper tardia, as mudanças no campo se punham como necessárias como
propulsoras do desenvolvimento da industrialização. Mas devido às
características de incompletude da burguesia industriária, qualquer alteração
no campo romperia as já precárias alianças desta burguesia industriaria com os
setores arcaicos do campo, fragilizando-a ainda mais, conforme foi
mencionado nos capítulos anteriores.
Por isto a questão da reforma agrária mobilizada tanto os mais
diferentes segmentos sociais, englobando-se também as reações dos
trabalhadores do campo contra a situação de servidão aí ainda vigente.
Vejamos a posição de alguns parlamentares sobre tão delicada questão.
No projeto de lei do deputado Coutinho Cavalcanti (PTB/SP) podia-se ler: "A
reforma agrária atingiu o limite extremo de uma alternativa crucial: ou vem
pelas mãos da evolução ou é imposta pela revolução"
402
. Esta também era a
opinião de Seixas Dória (UDN/SE): “se o vier pela evolução natural, virá no
bojo da revolução em que o espírito conservador cederá à violência do espírito
revolucionário."
403
A convicção segundo a qual as alternativas brasileiras eram reforma ou
revolução aumentaram ainda mais com a Revolução Cubana cuja reforma
agrária teria sido inspirada no projeto do deputado comunista recifense,
Coutinho Cavalcanti
404
. Mas a indisposição oficial era clara e como disse o
deputado Uniro Machado:
402
. Apud: CAVALCANTI, Coutinho. “Discurso parlamentar”. In Diário do Congresso Nacional. mar.
1959, p. 1157.
403
DÓRIA, Seixas." Discurso Parlamentar". In Diário do Congresso Nacional. mai. 1959, p. 1810.
404
Médico e notório comunista, Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti nasceu em Recife/PE (1/3/1906) e
morreu em 28/11/1960, no exercício do terceiro mandato como deputado federal (1951-54/1955-58/1959-
60). Como deputado federal, Cavalcanti foi autor do projeto de lei instituindo a reforma agrária no Brasil,
em 1954, posteriormente arquivado pelos militares, em 1971. Diz a lenda que o projeto de Cavalcanti
"teria sido aplicado em Cuba por Fidel castro; cópia do projeto teria sido levada a Cuba pelo líder
revolucionário Ernesto Che Guevara" (
Dicionário Rio-pretense, 2001, p. 337).
246
“Em matéria de reforma econômica e social, sempre
encontramos, como dizia o eminente Senador Pasqualine, uma
espécie de lei de três situações diversas: os que querem a
reforma e lutam bravamente por ela; os que dizem que a
querem embora façam todas as manobras para impedí-la; e um
terceiro grupo remanescente, dos que ainda m coragem de
dizer que não querem a reforma. No que concerne à reforma
agrária, aplicam-se exatamente as três situações”.
405
Neste contexto não causa espanto que as propostas de reforma agrária
estivessem imbuídas de um forte apelo “nacional”, pois representavam, de fato
a possibilidade de integração do homem do campo à dinâmica urbana da
exploração capitalista. No entanto, na ordem conservadora, nem isto se
consegue, permanecendo o campo e seu universo social relegados ao descaso
nas prioridades políticas. Por isto quando os autores apontam o sentido
“nacionalista” que tais propostas se atribuem observam a confluência do
discurso e neste sentido é exemplo o texto da citada Vânia Moreira,
“A trajetória da retórica nacionalista deslocou-se, portanto, do
campo do poder para tornar-se paulatinamente o referencial
ideológico que legitimava as lutas populares. Seu conteúdo
concreto também sofreu um profundo deslocamento: deixou de
ser uma reflexão estritamente voltada para o desenvolvimento
econômico de tipo burguês para ser a ideologia das esquerdas,
incluindo trabalhistas, socialistas e comunistas, devido à sua
preocupação claramente reformista e social. O vocabulário em
comum e, sobretudo impreciso do nacionalismo, baseado em
termos como nação, povo e interesses nacionais, contribuiu,
entretanto, para a dissimulação das diferenças subjacentes às
suas diversas orientações. Tanto o nacionalismo estatal -
representado pelo nacional-populismo, pelo nacional-
desenvolvimentismo e pelo nacional-reformismo - quanto o não
estatal em suas duas principais vertentes, isto é, a liberal e a
popular possuíam interesses, prioridades e perspectiva de
classe bem diversas. Sobretudo, durante o governo JK, tais
diferenças nem sempre eram notadas, tornando menos radical
os enfrentamentos políticos do período.” (MOREIRA, 1998:22)
A autora conclui assim que o conceito “nacionalismo” ao longo do tempo
foi “colocado a serviço” das classes dominantes como manifestação ideológica,
determinada pelo processo social. “De qualquer modo, o nacionalismo (...)
405
Apud: DÓRIA, Seixas." Discurso Parlamentar". In Diário do Congresso Nacional. mai. 1959, p. 1812.
247
entrou na cena política nacional (...) a serviço de uma elite ainda
majoritariamente oligárquica (...). Tornou-se, depois, a orientação ideológica
dos setores industrialistas durante o governo de JK e terminou violentamente
reprimido pelo golpe de 1964 enquanto uma ideologia das esquerdas e dos
movimentos populares organizados.”
406
Em suma, conforme alerta Chasin, aquela autocracia burguesa
institucionalizada que foi implantada em 45-6 e que se desdobrou até 64, terá
sido, provavelmente, aquela de maior liberalidade que pode estar contida em
tal forma de dominação política (...) mas conservar a política econômica vigente
é negar, na essência e de todo o modo, qualquer postulação democrática
coerente
”.407
Na mesma lógica, o
historiador Rago demonstra bem que
caminhos tomaram as ”propostas nacionalistas” após o golpe de 1964, ou seja,
como na década de cinqüenta se preparou o mote ideológico que norteará a
ditadura militar:
“Ilusão socialmente necessária, uma vez que se supunha a
autonomia do país como uma economia capitalista
desenvolvida, potencializada pelos empréstimos aos recursos
tecnológicos e capitais estrangeiros. A ilusão residia,
precisamente, na instrumentalização do capital financeiro
internacional apenas como meio para a autonomização
nacional. No contexto da interdependência e do alinhamento
com as forças do Ocidente contra o expansionismo do
comunismo soviético, com o golpe de Estado e a ruptura da
linha democrática, os proprietários impunham o bonapartismo
como a verdadeira religião da burguesia, instituindo e
institucionalizando as “leis revolucionárias”, da violência, do
arbítrio, do terrorismo aberto, contra os “inimigos internos”,
particularmente os comunistas e os setores organizados da
classe trabalhadora”. (RAGO. 2004:144)
Nesta lógica, o general Lott que naquele momento representava o
essencial apoio militar ao governo, começa a vivenciar as contradições que
explicitam a da autocracia institucional. Tendo se colocado a favor do
“legalismo democrático” e como defensor dos “interesses nacionais”, passou a
406
MOREIRA, 1998:22. A autora associa tais propostas ao populismo, atribuindo a seus autores uma
intencionalidade manipulatória, de cunho populista. Considerando que tais preceitos demandariam uma
discussão mais ampla, optei por indicar de suas reflexões, as evidências históricas a que ela se refere.
407
CHASIN, José. Hasta Cuando? A propósito das eleições de novembro, in A Miséria Brasileira, São
Paiçp: Ad Hominen, 2000. Pg. 132/133.
248
ser convidado pelos segmentos operários organizados em sindicatos para
participar de debates e reuniões, como se este pudesse ser um canal de
veiculação de seus interesses, o que não só aumentou as suspeitas dos
vigilantes de plantão, mas também resultou em tensões no interior do próprio
governo. A situação se configurou da seguinte forma.
Juscelino, ao tomar conhecimento de que uma grande homenagem iria
ser prestada a Lott por líderes trabalhistas e integrantes do “Frente de
Novembro” por ocasião do primeiro aniversário do Movimento 11 de Novembro,
com a entrega de uma espada de ouro ao ministro como símbolo da legalidade,
Juscelino, além de alertar os ministros militares quanto à necessidade de
preservação da ordem interna, enviou emissários a Lott no intuito de convencê-
lo a não aceitar tal homenagem. Lott, no entanto, mostrou-se irredutível em seu
propósito de participar da manifestação. Ante a atitude de alguns militares que
compareceram à cerimônia, desobedecendo a ordens de seus superiores, e
ante o conseqüente agravamento da crise militar, em 21 de novembro de 1956
Juscelino enviou uma mensagem aos ministros militares proibindo a todos os
oficiais, da ativa ou da reserva, de fazerem qualquer pronunciamento
político”.
408
Em represália à determinação do governo, Juarez Távora concedeu
entrevista à imprensa questionando a autoridade moral do presidente para
impor aquela medida, enquanto de outra ponta, dois dias antes da referida
solenidade, o general Castelo Branco publicava carta no jornal “O Globo”, na
qual atacava o Manifesto da Frente de Novembro:
As Forças Armadas, por motivos políticos, estão politicamente
e, conseqüentemente, divididas. Agora, a Força Popular e
Nacionalista, querendo absorvê-las, pretende promover sua
desagregação pelo processo odioso do expurgo dos que lhes
são contrários e pela sujeição dos que fiquem a seu serviço.
Vão elas, então, para o regime totalitarista, de natureza
comunista ou nazista. Na ocasião em que muita gente idônea
proclama honestamente a necessidade da democracia brasileira
não se tornar militarizada, principalmente pelo fortalecimento do
poder civil e pela vitalização militar-profissional das Forças
Armadas, vem o Manifesto, retardatário e reacionário, ameaçar
o Brasil com a militarização do governo e das atividades
nacionais.” (WILLIAM. 2005:203)
408
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/2670_9.asp
249
O que percebemos deste pronunciamento é como a incompletude da
burguesia se manifesta na leitura da realidade nacional, acusando os
nacionalistas daquilo que eles mesmos praticavam: o fortalecimento
intervencionista das forças armadas. O ideário burguês nega a realidade
concreta, e estabelece uma “realidade” invertida, fruto de sua ambição de
aniquilar as contradições sociais:
“Por certo, em nossos tempos perversos e obscuros, as
representações ideológicas se acham inteiramente invertidas
com relação às objetivações práticas das categorias sociais
dominantes. Ditaduras do capital se autoproclamam autênticas
democracias, contra-revoluções alardeiam-se como
revolucionárias, invasões estrangeiras se lançam em ações
emancipadoras de povos escravizados, os novos
fundamentalismos se põem em nome da verdadeira
liberdade”.
409
Sendo assim nos defrontamos a todo o momento com a evidência de
que tanto os generais da ESG, como os nacionalistas representam as mesmas
aspirações em cuja lógica
“a burguesia forjada pela via colonial é politicista por força de
sua atrofia, de sua impossibilidade, tanto maior quanto mais
avança em sua objetivação, de alcançar a completude e a
autonomia; incapaz de propor alterações superadoras do
historicamente velho e que integrem as classes subalternas
forceja por separar os planos político e econômico,
resguardando as definições sobre o último à esfera restrita de
seu próprio círculo, e constituindo o primeiro sob forma
autocrática. À medida que amadureceu historicamente, a
burguesia passou a utilizar conscientemente o politicismo com
tática política, restringindo o debate público às mudanças
institucionais, a fim de garantir a imutabilidade do plano
econômico e, por esse meio, seu projeto global”. (COTRIM,
2000:XX).
É diante desse ardil politicista que o Estado autocrático justifica a
manutenção da super exploração do trabalho, e criminalizando suas demandas
409
RAGO,2004:147.
250
e descaracterizando os movimentos reivindicatórios com a falsa inserção da
representação política.
Portanto o período JK, por este ter sido hostilizado e boicotado por uma
parte das Forças Armadas, aparenta não representar os interesses de inserção
no capitalismo monopolista mundial. O problema para as Forças Armadas é
justamente a incerteza de que os aliados políticos de Juscelino (PCB, PTB e o
apoio da sociedade civil) significassem a ampliação da participação de outros
segmentos sociais no bloco de poder político, colocando em risco a lógica da
“ordem” constituída.
Talvez assim possamos entender o papel do Serviço Secreto na
vigilância total da sociedade civil, mesmo de seus pares como
demonstramos com a documentação. Os “vários” nacionalismos que
expressam a politicidade também no discurso de cunho universalizante, em
nome da democracia e da defesa dos interesses “nacionais”, camuflam a
ordem excludente na qual não possibilidade de participação e de divisão do
capital produzido pela classe trabalhadora e apropriado pela iniciativa privada.
As repercussões sobre a ida ou não de Loff ao referido evento, não se
resumiram nos pronunciamentos, do presidente, ou no do Juarez Távora ou
sequer no de Castelo Branco. Chamar a atenção pública de um militar naquela
frágil conjuntura governamental podia significar o isolamento de JK e o
fortalecimento de seus opositores e com o intuito de amenizar o quadro
político
410
Juscelino decidiu extinguir os principais focos de agitação: decretou
o fechamento da Frente de Novembro e do Clube da Lanterna
411
e
providenciou a prisão imediata do general Juarez Távora, culminando tudo isso
com um pedido de demissão de Lott da pasta da Guerra, sendo porém logo
demovido desse intento pelo advogado Heráclito Sobral Pinto. Este último
argumentou que a extinção das duas organizações, bem como sua
permanência no ministério, constituíam medidas necessárias para a garantia
da ordem”.
412
410
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/2670_9.asp
411
No acervo da documentação do DEOPS consta o telegrama enviado pelo Sr. Edvaldo Luna Pedrosa,
diretor da D.P.P.S.para o diretor do DEOPS o Paulo, avisando da suspensão por 6 meses das duas
entidades civis/militares: “Clube da Lanterna” e “Frente de Novembro”. Radio Telegrama, Rio 2455-56,
25/11/1956 – 17,40. Relatório Reservado Dossiê DEOPS. 50.Z.09 documento número 355.
412
http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/2670_9.asp
251
Mas a eminência de uma punição ao general Juarez Távora mobiliza
estudantes e membros da Associação Brasileira dos Oficiais da Reserva do
Exército que se unem aos oficiais da Aeronáutica. O censor do Serviço Secreto
relata o depoimento de quatro estudantes que afirmam que, caso o general
Juarez fosse preso, poderia haver barulho.
413
Juarez Távora ficou em prisão
domiciliar por 48 horas e a crise foi contornada a contento.
A nação assim se desgastava num debate improfícuo sobre a questão
da legalidade ou não do governo ou sobre a infiltração comunista nas
instituições, enquanto as plataformas políticas e econômicas que realmente
mereciam maior atenção do governo, como a reforma agrária, o
desenvolvimento dos serviços básicos para a população, a melhoria das
condições de vida da maioria da população, o incremento das indústrias de
base reforçando a indústria nacional e tantas outras promessas eleitorais
vigentes no Plano de Metas, eram relegadas. Conforme observa Ângela Maria
Souza, no seu trabalho: O Brasil de Caio Prado Jr. nas páginas da Revista
Brasiliense (1955-64):
“As contundentes críticas aos descaminhos do governo JK
quanto ao favorecimento do capital estrangeiro em detrimento
do nacional, ao abandono das massas populares à sua própria
sorte, à ineficiência dos serviços blicos nas questões mais
básicas, como educação e segurança pessoal, reapareciam em
outros escritos, como “As Eleições de 3 de Outubro”, de 1960,
em que Caio Prado explicitaria com todas as letras que o
governo JK, “foi certamente o mais entreguista, e nunca a
economia brasileira assistiu a tamanha orgia imperialista. Para
comprová-lo, basta observar o estado em que a política do
senhor Kubitschek deixa a economia e as finanças do país
depois do seu “desenvolvimento” de 50 anos em cinco apenas
/.../. O que vemos são todas as principais e mais rendosas
atividades econômicas brasileiras ocupadas e exploradas ou
inteiramente, ou em proporções apreciáveis, por grandes
empreendimentos internacionais.” (SOUZA, 2004:181)
Enquanto afloram as contradições no campo minado em que se
transformava o governo de JK, frente ao arrocho salarial, a super exploração
do trabalho, a desumanidade das relações de produção rurais, o discurso de
413
Informação Reservada de 23/11/1956, Relatório Reservado do DEOPS 50.Z.09 documento número
356.
252
Lott cumpria a função de propagandear a ação governamental e de “levar a
crer” que o desenvolvimento econômico baseado naquele modelo era a melhor
conquista do povo e da nação brasileira, assim como a preservação da
harmonia e da ordem na institucionalidade democrática continuava a ser o ideal
do exército, como se observa nesse discurso pronunciado no quartel do 18º
R.I. em Porto Alegre em 17/12/1956:
“Só há um meio de resolver todos os problemas da nação:
dentro da democracia. E qualquer outra solução aventada é
nociva aos interesses do povo. O Exército está ciente disso. E a
harmonia que reina no seu seio é uma prova eloqüente de sua
disposição em dedicar-se exclusivamente às finalidades que a
constituição lhe reserva.”
414
Corroborando com o eloqüente discurso do general, o subtenente
Humberto Goulart representando os subtenentes e sargentos do Grêmio
Expedicionário Sargento Santana e da Casa do Sargento do Rio Grande do
Sul, focaliza a atuação do ministro nos últimos acontecimentos e seu papel de
“guardião da legalidade”: “O general Lott é o chefe e cidadão que muito
justamente vem polarizando a atenção do povo brasileiro e ganhando a sua
confiança por seus pronunciamentos patrióticos que o tem caracterizado como
uma autoridade que, compreendendo a maturidade de seu povo, muito tem
feito para que nossa pátria ocupe o lugar que lhe compete no concerto das
nações civilizadas. “
415
6.2 Entre a crença e a descrença: os limites da participação
política das agremiações democráticas.
Conquanto a historiografia acentue a divisão no governo entre
nacionalistas e internacionalistas, o partido comunista, segundo o relatório do
sensor, parece ter expressado com mais clareza qual era verdadeiramente a
separação que se punha naqueles idos da cada de 50 a 60. Em reunião
414
Artigo do jornal: “Noticias de Hoje” de 17/12/1956. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS.
50.Z.09 documento nº 361
415
idem
253
composta por integrantes do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil
considerava que o governo de JK, conforme o posicionamento ideológico
estava cercado por três alas: democrata, reacionária e golpista. A primeira,
integrada pelo general Teixeira Lott, José Maria Almimin, ministro da fazenda e,
ainda, pelo chefe da Casa Civil da presidência da república; a segunda, pelos
“entreguistas” Macedo Soares, Nereu Ramos e Assis Chateaubriand; a
terceira, por Pena Botto, Amorim do Vale e outros, que tudo estaria fazendo
apoiada pela segunda, no sentido de aumentar ainda mais a discórdia entre as
Forças Armadas e o desprestígio do presidente da república. Segundo este
mesmo relato, para o PCB a ala chefiada pelo general Lott, com o apoio dos
verdadeiros democratas e patriotas, não permitiria que os “reacionários” e
“golpistas” prosseguissem nas suas contendas, entreguismos e calúnias.
Diante disso, o Partido Comunista do Brasil decidiu:
1) Apoiar, de maneira decisiva e direta, todos os atos da “ala
democrata”; 2) Cessar, até nova deliberação, todos os ataques
e críticas à pessoa do Sr. Presidente da República; 3) Apoiar os
bons atos do Sr. Presidente da República e criticar de maneira
democrática e construtiva os atos considerados prejudiciais ao
povo; 4) Prestigiar, sempre que possível, o Sr. Presidente da
República e repudiar os “reacionários” e “golpistas” que
compõem o seu governo e, 5) Todos os movimentos de massa
de agora em diante deverão ser de âmbito nacional e em
conjunto com todos os setores de trabalho. Em todos os
movimentos deve ser colocado em primeiro plano o caso
Fernando de Noronha
416
, o qual vem surtindo os efeitos
desejados e empolgando o povo em geral. (...) Caso as
pretensões dos comunistas falharem, o sr. Presidente da
República sofrerá campanha de desmoralização jamais vista no
país. “
417
416
A negociata que o PCB se refere e que no final do ano de 1956, Juscelino toma uma decisão que
provocou bastante controvérsia em todo o país: em troca de um empréstimo de Cem Milhões de Dólares
em armamento, o Brasil cedeu a ilha de Fernando de Noronha para que os norte-americanos ali
instalassem uma base de rastreamento de foguetes. Dentro do contexto da guerra fria, o Brasil, com esse
gesto, demonstrava cabalmente que estava alinhado com os interesses dos Estados Unidos. Os setores
nacionalistas protestaram, mas nada puderam fazer. E mais desconfiados do governo ficaram, quando
começaram os rumores de que o Brasil estava se preparando para enviar tropas para o canal de Suez para
reforçar as tropas da ONU que ocupavam o canal sob o comando de americanos e ingleses, o que
efetivamente aconteceu no início do ano de 1957.
417
Informação reservada: Resolução aprovada pelo Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Relatório Reservado Dossiê DEOPS. 50.Z.09. documento número 372-A e B de 05/12/1956.
254
Diante daquelas possibilidades de “abertura democrática” era
compreensível que o PCB e outras agremiações democráticas, como
sindicatos e os integrantes dos movimentos que se colocavam como
nacionalistas citados anteriormente (Movimento em Defesa do monopólio do
Petróleo etc) apostassem nesses novos tempos de grandes transformações na
sociedade brasileira, pois diante de um passado muito recente (a experiência
da ditadura estadonovista), aquelas propostas de desenvolvimento econômico
e político e o grande debate que se seguia na sociedade civil vislumbravam
mudanças efetivas nas relações entre o capital e o trabalho.
Mas a lógica da implantação econômica imposta pelo plano de metas do
governo JK, vislumbrando o pseudo “pacto social” em garantir a participação de
todos os segmentos sociais nas benesses da industrialização nacional,
revelava a sua falácia já no primeiro ano do seu governo (1957), pois as
divergências com os segmentos da burguesia dominante deixavam claro que
aquele “pacto” era o limiar entre os interesses da estabilização monetária
defendida pelos organismos internacionais (FMI) e segmentos do grande
capital, e a aceleração do projeto desenvolvimentista fincado na emissão
monetária e na política de facilitação do crédito, beneficiando o médio capital.
Conforme observa o economista Ricardo Fonseca Rabelo no seu artigo, “Plano
de Metas e consolidação do capitalismo industrial no Brasil”:
“O Estado surge, assim, como o grande instrumento da
acumulação de capital. Seja na agilização de instrumentos de
incentivo, seja na oferta direta de bens e serviços, o Estado tem
aí um papel insubstituível. À parte do grande incentivo ao capital
estrangeiro, o Estado vai também viabilizar os investimentos do
capital privado nacional. A gica do processo não destaca a
dicotomia nacional versus estrangeiro, mas sim a aquela
imposta pela própria matriz produtiva, qual seja a do grande
capital versus o pequeno ou médio.” (RABELO, 2002:50)
Neste mesmo sentido o artigo de Carlos Eduardo Sarmento aponta esse
embate interno entre o grande capital versus o pequeno e médio capital, que se
expressa nas determinações políticas do governo JK: “a política econômica do
governo Kubitschek procurou estabelecer condições para a implementação dos
compromissos desenvolvimentistas do governo, sintetizados no Plano de
Metas. A prioridade dada ao fomento do desenvolvimento econômico contava
255
com uma larga base de apoio que incluía interesses empresariais, trabalhistas
e militares, irmanados pela ideologia nacional-desenvolvimentista. De outro
lado, porém, enfrentava a oposição de alguns setores internos e de organismos
internacionais favoráveis a uma rígida política de estabilização. As tensões
entre essas duas tendências marcaram as gestões dos três ministros da
Fazenda do período: o político José Maria Alkmin, o banqueiro Sebastião Pais
de Almeida
418
e o técnico Lucas Lopes”.
419
Devido ao crescente déficit orçamentário e da balança comercial frente à
crescente desvalorização internacional do preço do café, afirma ainda Carlos
Sarmento “o governo JK teve inicialmente que definir os instrumentos de
política econômica dos quais viria a lançar mão. O ministro José Maria Alkmin
rejeitou a adoção da política cambial formulada por José Maria Whitaker
quando ministro da Fazenda do governo Café Filho, a qual previa a
desvalorização do cruzeiro e o fim do regime de taxas múltiplas de câmbio. Tal
sistema tradicionalmente permitia ao governo federal subsidiar a importação de
produtos considerados estratégicos, como petróleo e trigo. Além de refutar os
princípios da reforma cambial proposta por Whitaker, Alkmin ainda tratou de
estender os subsídios às indústrias automobilística e naval, tornando a política
cambial um importante instrumento de fomento ao projeto de desenvolvimento
industrial do Plano de Metas”
420
.
A busca pelo incremento industrial ficava nítida nos mecanismos
econômicos do governo, em detrimento das contenções inflacionárias que
influíam diretamente no bolso dos trabalhadores, conforme aponta Sarmento “o
compromisso com a execução do plano também pode ser observado na forma
418
Sebastião Pais de Almeida em 1948 e 1949 participou da comissão de comércio e estudos gerais e da
subcomissão bancária vinculadas à Comissão Mista Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos.
Ocupou a presidência do Banco do Estado de São Paulo entre maio de 1953 e janeiro de 1954, sendo
então nomeado secretário de Fazenda do governo paulista. Exerceu interinamente a chefia da Secretaria
da Agricultura e integrou, ainda em 1954, a Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo.
Assumiu a presidência do Banco do Brasil em 1956, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Em maio
tornou-se membro da secretaria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Juscelino
Kubitschek também o nomeou Governador do Brasil junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao
Banco Mundial. Em 1959 assumiu interinamente a chefia do Ministério da Fazenda. Nesse mesmo ano
tornou-se vice-presidente da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Pais de Almeida foi um dos
maiores entusiastas da transferência da capital federal para Brasília. Entretanto, sua atuação à frente do
Ministério da Fazenda foi duramente criticada pela oposição, cujas principais críticas se dirigiam às
políticas cambial, creditícia e agrícola, e à emissão de moeda em larga escala.
419
SARMENTO, Carlos, O Brasil de JK/O custo do desenvolvimentismo, in:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/
420
idem
256
pela qual Alkmin procurou definir uma política monetária destinada a conter o
processo inflacionário. O ministro buscou limitar o processo de expansão da
moeda através da restrição do crédito ao setor privado, mas, de maneira
conflitante, empenhou-se em adotar medidas que viabilizassem maior
disponibilidade de recursos para os investimentos do setor público e para o
subsídio de atividades industriais consideradas de interesse estratégico. Assim,
uma vez mais, tornavam-se explícitas as prioridades do governo Kubitschek.”
421
Neste caso a industrialização e seus desdobramentos políticos
econômicos, ou seja, a “opção pelo desenvolvimento e a rejeição dos planos
de “estabilização” são, assim, frutos de fatores objetivos e subjetivos concretos,
elementos fundamentais do processo de transformação pelo qual passam a
economia e a sociedade brasileiras nesse período”.
422
Diante das limitações intrínsecas desse desenvolvimentismo, os
descontentamentos pululam em vários âmbitos da sociedade. Não os
trabalhadores se mobilizaram - no período entre 1956 a 1961 foram
deflagradas 168 greves somente na capital federal
423
, mas também os
cafeicultores que, em maio de 1957, chegaram a organizar uma marcha
contra o "confisco cambial". Vejamos o que Marcelo Mattos apresenta a
respeito do movimento grevista no seu artigo já citado:
“Quanto aos ciclos grevistas da fase mais ampla compreendida
entre as ditaduras do Estado Novo e Militar, claramente um
primeiro momento de estouro das paralisações, em 1946, ao
qual se seguem dois anos de quase completa inexistência de
movimentos grevistas. Nos anos seguintes, até meados da
década de 1950, mantém-se, com oscilações, um patamar
semelhante e uma continuidade de atividades grevistas, com
cinco greves no ano de mais baixa atividade (1951) e 23
paredes no ano de maior agitação (1956). É justamente no
período da segunda metade dos anos 50 e primeiros anos da
década de 1960 que a curva de movimentos grevistas toma um
rumo ascendente significativo, com saltos sucessivos no
421
idem
422 RABELO, 2002:48.
423
Conforme demonstra o artigo de Marcelo Badaró Mattos: Greves, sindicatos e repressão policial no
Rio de Janeiro (1954-1964). Revista Brasileira de História. vol.24 no.47 São Paulo 2004.
257
número de paralisações, que configuraram uma das fases mais
dinâmicas do movimento operário brasileiro”.
424
Tais impasses ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil assim como
as contradições entre a democracia apregoada e as limitações impostas à sua
vigência, mesmo nos enquadramentos liberais, foram objeto de imensos
debates e discussões no período em estudo. Tais debates foram veiculados
pelos círculos de intelectuais no interior do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB)
425
e na Comissão Econômica para a América Latina das
Nações Unidas (CEPAL), órgão da ONU.
Como afirmei anteriormente o debate sobre os rumos do
desenvolvimento capitalista ocupava toda a sociedade civil, e é nessas duas
instituições compostas pelos mais eminentes intelectuais, que se fará uma
critica aos parâmetros da acumulação de capital e das relações sociais de
produção dentro da perspectiva do Estado que se queria ter no Brasil naqueles
anos de 1950. A CEPAL
426
estabelecia a sua maior crítica ao principio
“ricardiano” das vantagens comparativas, que dava o fundamento teórico da
divisão internacional do trabalho
427
, sendo a industrialização vista como meio
de acesso ao progresso técnico e de elevação do nível de vida das massas.
424 MATTOS, Marcelo. Greves, sindicatos e repressão policial no Rio de Janeiro. (1954-1964). Revista
Brasileira de História. vol.24 no.47 São Paulo 2004
425
Nos anos 50, os intelectuais do ISEB, refletindo o processo de revolução industrial e nacional que
estava em curso desde 1930, conceberam a interpretação nacional-burguesa ou nacional-
desenvolvimentista do Brasil e da América Latina. Ao mesmo tempo, os intelectuais da CEPAL
desenharam a crítica da lei das vantagens comparativas, dando fundamentação econômica à política de
industrialização com participação ativa do Estado, além de haverem formulado a teoria estruturalista da
inflação. Os dois grupos de produtores de idéias viviam em um contexto social e político que, desde a
Grande Depressão dos anos 30, descria do liberalismo, fazia a crítica ideológica do mesmo apontando-o
como instrumento dos países mais desenvolvidos, particularmente da Inglaterra e dos Estados Unidos, e
apostava em um protagonismo mais acentuado do Estado nacional na busca do desenvolvimento
econômico. Dessa forma, atribuíam o subdesenvolvimento da região não apenas ao atraso decorrente da
colonização mercantil da América Latina, mas também aos interesses do centro imperial em manter os
países em desenvolvimento produzindo bens primários, e entendiam que o desenvolvimento deveria ser
fruto de uma estratégia nacional definida com a participação das burguesias nacionais e dos técnicos do
Estado. Suas teorias deram apoio teórico para o grande processo de desenvolvimento que caracterizou a
América Latina entre 1930 e 1980. PEREIRA apud TOLEDO. 2005:2.
425
PEREIRA apud TOLEDO. 2005:4.
426
O principal economista cepalino, de então, foi o argentino Raul Prebish, que foi Secretário Executivo
da CEPAL entre 1950 e 1963 e o pai do pensamento econômico estruturalista latino-americano.
427
Segundo a visão liberal de David Ricardo (1772-1823), um dos principais representantes da economia
política, a divisão internacional do trabalho fazia com que cada país se especializasse nas atividades
258
Raul Prebish através da sua teoria afirmava que esse posicionamento
“ricardiano” jamais levaria os países periféricos ao desenvolvimento, devido à
tendência internacional à deterioração dos termos de troca. Tal deterioração
fazia com que os preços dos produtos primários tendessem a baixar, enquanto
o dos produtos industrializados aumentava. Ao invés disso, propõe pensar em
termos de vantagens comparativas dinâmicas, no sentido de que o
desenvolvimento latino-americano dependia de iniciativas que dinamizassem a
atividade produtiva dos países da região para livrá-los da dependência externa.
Dentro dessa perspectiva, a industrialização era vista como meio de acesso ao
progresso técnico e de elevação do nível de vida das massas, influenciando
grandemente os projetos de desenvolvimento no Brasil e na América Latina.
Além do criador do estruturalismo econômico Raul Prebish, a CEPAL
contava com Celso Furtado, Aníbal Pinto, Oswaldo Sunkel e Maria da
Conceição Tavares. Para esses pensadores, o desenvolvimento devia ser o
produto de uma estratégia nacional de industrialização. Furtado e Prebish
defendiam uma agenda de planejamento econômico com base na
industrialização como geradora de empregos e na necessidade de intervenção
estatal para assegurar o desenvolvimento do setor. “Furtado deu grandes
contribuições para a compreensão de que o subdesenvolvimento não é um
atraso – uma infância do capitalismo desenvolvido –, mas fruto de uma série de
problemas crônicos que vão se repetindo ao longo da história, tais como
vulnerabilidade externa, concentração de renda e desequilíbrios regionais”,
explica Fernando Henrique Rodrigues.
428
Na década seguinte, Prebisch e Furtado estavam fora da Cepal, mas
mantiveram-se como referência para a nova geração de intelectuais, como
Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que escreveram um trabalho
clássico sobre a dependência econômica
429
. O órgão da ONU, no entanto,
econômicas nas quais sua produtividade era maior e importava dos demais os produtos que não
produziam por não ser vantajoso fazê-lo.
428
Jornal da Unicamp. Dezembro de 2006, página 9.
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2006/ju347pag09.html
429
A obra em questão é: Dependência e desenvolvimento na América Latina:Ensaio de interpretação
sociológica. Marco da sociologia latino-americana, a obra oferece um esquema de interpretação com
ênfase na dinâmica política entre as classes e grupos sociais, no interior de cada país da América Latina.
Foi inovador ao quebrar o simplismo de considerar todas as situações de dependência como iguais e
submetidas mecanicamente à “lógica do capital”. Além disso, seus autores, ao descrever a “nova
dependência”, fizeram uma das primeiras caracterizações do que se designa hoje “globalização”.
259
começava a perder espaço dentro da política do continente, devido ao advento
das ditaduras militares, que identificaram naquelas idéias de desenvolvimento,
de capital e de indústria nacionais um risco reformista.
430
o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), segundo Bresser
Pereira, aglutinava um grupo de intelectuais de várias origens e especialidades
que, durante os anos 50 no Rio de Janeiro, desenvolveu uma visão abrangente
sobre o Brasil e de seu processo de industrialização e desenvolvimento. Os
principais intelectuais do ISEB foram os filósofos Álvaro Vieira Pinto, Roland
Corbisier e Michel Debrun, o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, os
economistas Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida e Ewaldo Correia Lima, o
historiador Nelson Werneck Sodré, e os cientistas políticos Hélio Jaguaribe e
Cândido Mendes de Almeida.
A síntese de Luiz Carlos Bresser Pereira demonstra bem essas
tendências econômicas e políticas que influenciaram o pensamento estratégico
na formação e consolidação do Estado capitalista nas décadas de 50 e 60:
“Em síntese, nos anos 50, a CEPAL, mais no plano econômico,
e o ISEB, mais no plano político, mas ambos os grupos de
intelectuais com um amplo espaço de intersecção de suas
idéias, fizeram a crítica do imperialismo de então, e
desenvolveram a estratégia e a ideologia nacional-
desenvolvimentista. Para o ISEB o desenvolvimento é um
processo histórico que implica revolução capitalista, através da
industrialização, e revolução nacional, que torna o país capaz
de formular uma estratégia nacional de desenvolvimento. Nela,
o pressuposto da existência de uma burguesia nacional era
chave para que pudesse haver um princípio de solidariedade,
unindo as classes em torno da idéia de nação, sem prejuízo dos
conflitos que naturalmente se travam entre elas. Entretanto, a
partir da revolução de Cuba de 1959, da primeira grande crise
econômica do modelo de substituição de importações que se
desencadeia em 1960, e da crise política caracterizada pela
radicalização ideológica, que vão resultar em golpes militares no
Brasil (1964), Argentina (1967), Uruguai (1968), e Chile (1973),
o modelo nacional-desenvolvimentista passa a ser objeto de
crise dentro da própria esquerda. no início dos anos 60, a
escola de sociologia de São Paulo, que se forma na
Universidade de São Paulo, começa a fazer a crítica das idéias
430
Jornal da Unicamp. Dezembro de 2006, página 9
260
do ISEB, e a negar a possibilidade de existência de elites
nacionais. No final da década, surge a teoria da dependência,
que se distingue da do imperialismo porque responsabiliza
também as elites locais alienadas de não defenderem os
interesses nacionais. Essa teoria terá três versões: a da super-
exploração capitalista, a da dependência associada, e a da
nova dependência ou nacional-dependente. a última admite
a possibilidade da existência de elites nacionais, inclusive uma
burguesia nacional, embora admitindo que elas sejam ambíguas
e contraditórias, dado o peso da hegemonia ideológica
americana.”
431
Tanto a leitura da CEPAL como do ISEB sobre a realidade nacional,
partiam da perspectiva que a industrialização era a saída para os problemas
estruturais do Brasl; industrialização acompanhada de um pacto das classes
sociais onde os interesses, apesar de conflituosos, poderiam criar condições de
superação da miséria, da distribuição de renda, do atraso do campo e da
cidade, contribuindo para a formação de um Estado democrático nacionalista.
Tal visão também era endossada pelo PCB que entendia ser o momento
propício para o combate histórico entre a nação (representada pela “burguesia
nacional progressista” e as “massas conscientes”) e a anti-nação (representada
pelos setores “atrasados” da classe dominante, pelas “massas alienadas” e
pelo capital estrangeiro ou as “forças do imperialismo”). Acreditavam que,
através de uma aliança estratégica com a burguesia industrial haveria
conquistas significativas para a classe operária e a sociedade civil
432
.
Estas questões sobre o modo de produção no Brasil nos remetem tanto
a Chasin como Florestan Fernandes pela crítica que fizeram a tal visão
desenvolvimentista que predominou naquela conjuntura. Além destes, também
se destacam Caio Prado Junior e Francisco de Oliveira, em contraste crítico
com a visão oficial e a da intelectualidade que seguia os preceitos do ISEB e os
da CEPAL. Uma crítica cuja centralidade “não se está em face do conceito de
modo de produção como diante de um quadro sinótico, rígido na sua
unidirecionalidade achatada de uma dimensão, mas diante de uma
431
PEREIRA apud TOLEDO. 2005:23.
432
O desenrolar dos fatos desbancou essa visão de uma revolução burguesa”, onde o desenvolvimento
das forças produtivas e a consolidação da burguesia enquanto “classe em si”, poderia propiciar a criação
de um regime democrático, no qual a mobilização da sociedade civil seria garantia para as conquistas
básicas de cidadania e de conscientização política do povo brasileiro.
261
totalidade anatomicamente ordenada e em processo, apta e obrigada a colher
o particular concreto.”
433
Nessa perspectiva de não sujeitar a realidade a um modelo pré-
concebido, particularmente Chasin e Florestan que trabalham no
reconhecimento da autocracia burguesa, ao elencarem os traços mais
perversos que a define, advertem que esses traços configuram as
especificidades da via não clássica do modo de produção capitalista no Brasil.
É nessa especificidade atrófica, arcaica e hiper tardia das relações sociais de
produção que se desenvolveu no país o abismo entre desenvolvimento
econômico e inserção social.
E é nessa perspectiva que o governo JK, - passando pelos defensores
de uma maior austeridade na execução do orçamento como forma de exercer
efetivo controle inflacionário, como pregava, por exemplo, Eugênio Gudim-,
preparava, através de seus aparatos ideológicos, uma nova geração de
tecnocratas, como observa o historiador Dreifus:
“Ao analisar os “fatores básicos” que afetavam esse ritmo de
desenvolvimento, figuras públicas que influenciavam a sua
corrente ideológica principal davam grande importância à
evolução da racionalidade empresarial e ao papel central das
empresas privadas no processo de crescimento. Para o
tecnoempresário Eugênio Gudim, mentor ideológico de toda
uma geração de economistas políticos-empresariais como
Octávio Gouveia de Bulhões, Roberto de Oliveira Campos,
Mário Henrique Simonsen e Antônio Delfim Netto, toda ênfase
deveria ser dada às inovações organizacionais e técnicas, que,
então, estavam sendo introduzidas pelas corporações
multinacionais. Aqueles valores eram disseminados e
persistentemente apurados pelos intelectuais orgânicos
empresariais através de seminários e conferências para as
“elites” na Escola Superior de Guerra, em associações
comerciais e industriais, clubes sociais de prestígio e centros
culturais e, finalmente, através da criação de organizações de
ação que se tornaram os focos de suas atividades
ideológicas.”
434
São conhecidos os resultados deste modelo de desenvolvimento que
tentou combinar o endividamento do setor público com a execução dos
433
CHASIN, 2000:38.
434 DREIFUSS, 2006:81.
262
programas previstos no Plano de Metas, a construção de Brasília, o aumento
de salários e o alargando das linhas de crédito do Banco do Brasil. A forte
depressão no mercado internacional dos produtos da pauta de exportações
brasileiras resultariam em um quadro de forte pressão inflacionária
435
. Esse
panorama passou a representar um real risco para a condução das ambiciosas
metas de desenvolvimento do governo e o risco de uma moratória trouxe os
técnicos do FMI ao país, os quais concluem sobre necessidade de medidas de
contenção dos salários, o respeito a tetos inflacionários, a revisão da política
cambial e a suspensão de subsídios.
A substituição de Alkmin por Lucas Lopes no Ministério da Fazenda
resultou na elaboração de um Programa de Estabilização Monetária (PEM) que
se mostrou inviável, pois continha medidas de contenção de créditos, de
aumento de impostos, maior controle sobre a concessão de subsídios
financeiros aos empresários (dos quais os mais beneficiados ainda eram os
agraristas que tinham a maior bancada nas maras legislativas). Apesar dos
USD$$ de 300 milhões de dívidas, aceitar tais medidas seria perder a base de
sustentação governamental, frágil pela atávica e insolúvel divisão entre os
segmentos da burguesia. Tal divisão, além da clássica divergência de
interesses entre os segmentos agrários e industriários, se acentua entre os que
se mantém beneficiados com o atrelamento ao capital internacional, aqueles
que querem partilhar desta condição e aqueles para os quais tal condição se
mostra prejudicial. Em meio a tais contendas que se expressam nas divisões
partidárias aos quais se agregam os integrantes das classes médias urbanas e
as organizações operárias, as quais, apesar de seu rápido crescimento e
aglutinação acompanhando a industrialização, não conseguem gestar um
programa alternativo à ordem social capaz de unificá-los.
Neste contexto e visando a sucessão eleitoral, JK autoriza um
aumento de 30% para o salário mínimo em janeiro de 1959 concede novos
subsídios aos cafeicultores e à importação de maquinaria para a indústria de
base e imediatamente as pressões dos industriários o leva a abrir novos
empréstimos para o setor industrial. Tais decisões, analisadas pelos
especialistas como uma aposta no desenvolvimento, justificadas pelo preceito
que os sinais de desequilíbrio econômico seriam corrigidos progressivamente,
435
Só no primeiro semestre de 1958 o custo de vida na cidade do Rio de Janeiro aumentou cerca de 10%.
263
à medida que a economia brasileira se modernizasse, dinamizasse e
diversificasse, resultou em mais inflação, aumento do déficit fiscal e
impossibilidade de pagamento da dívida externa.
Ante o descontentamento generalizado tanto dos trabalhadores quanto
das classes médias e dos setores da própria burguesia ante a iminente crise,
novamente emergem os boatos de que um golpe se avizinha. Um terreno rtil
para as elucubrações reacionárias da burguesia autocrática, para a qual as
movimentações operárias e da sociedade civil eram considerados como
falência da “ordem democrática”, alinhando as camadas mais retrógradas nas
propostas de fechamento do regime.
Mais uma vez o porta voz destes augúrios boatos é a ave de agouro: “o
corvo” Carlos Lacerda
436
como o denominavam seus adversários. Este,
juntamente com o presidente do MMC, Coronel José Alberto Bittencourt,
anunciava na dio Nacional que estavam: marchando pavorosamente para
um terceiro golpe militar”.
437
Apesar do apoio inicial do MMC ao governo Juscelino, diante do quadro
de insatisfação dos setores trabalhistas e da classe média e ante as várias
denúncias de corrupção governamental, os integrantes do MMC passam a
fazer coro às críticas de seus pares de “direita” que eram contrários ao governo
JK. Aponta para a falência do poder civil em governar o país cujas distensões
formavam um quadro conjuntural propício para golpes. Durante vários dias
seguidos o jornal “Tribuna da Imprensa” de propriedade de Carlos Lacerda,
divulga as declarações do coronel com o claro intuito de desestabilizar o apoio
do exército ao governo de JK. Como o MMC era um movimento civil-militar e o
general Lott o seu mentor, criava-se uma situação delicada tanto para o
governo como para o ministro da guerra. Tanto os setores mais radicais das
Forças Armadas como a UDN, aguardavam do general Lott alguma punição ao
coronel (apesar de fomentarem a polêmica), pois sendo ele simpatizante de tal
436
Cabe aqui lembrar que o presidente Juscelino Kubitscheck , solicitou providências para que o
“demolidor de presidentes” fosse proibido de falar no rádio e na televisão. Para isso, uma nova cláusula,
tão simples quanto surreal, foi acrescentada aos contratos de concessão de emissoras de dio e televisão:
ficava proibida a transmissão de manifestações contra o governo. O próprio presidente deu ordens ao
coronel Olympio Mourão Filho, chefe da Comissão Técnica de Rádio órgão que cuidava das emissoras
de rádio e televisão, vinculado ao Ministério da Viação e Obras Públicas -, para proibir a presença no
vídeo de Carlos Lacerda. Era a “cláusula R”, que só seria suspensa no final de 1958. (WILLIAM,
2005:224)
437
Recorte do jornal “Tribuna da imprensade 18/03/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS
50.Z.09. Documento nº 413.
264
movimento, deixavam o ministro entre a “cruz e a espada”. As manchetes como
sempre sensacionalistas: “Coronel José Alberto Bittrencourt pertence a um
grupo de oficias golpistas que tentam mostrar a falência do poder civil no
Brasil”.
438
O general Lott, embora recebesse de seus adversários a pecha de
“inocente útil ou massa de manobra” assume a frente do debate na imprensa,
dada a rede de informações que possuía, muito mais ampla do que se pudesse
imaginar. Muito bem informado sobre os bastidores da política e da polícia
política, tinha à sua disposição o Serviço Secreto do Ministério do Exército que
o munia de informações. Conforme analisa o pesquisador Willian cujo trabalho
versa sobre este general, dada a incerteza que se punha desde o início do
governo de Juscelino, esse gradativamente fora assumindo o comando desse
serviço.
“Sempre assessorado diretamente pelo major Alencar, que tinha
a experiência do Serviço de Informações em São Paulo, Lott
incrementou o dispositivo que informava o ministro, vital
naquele momento em que, por qualquer motivo, se falava na
queda de Juscelino.” (WILLIAM. 2005:226)
Mas conforme ainda o autor, apesar dos estratagemas desenvolvidos
por Lott e seus assessores (tais como o de se utilizar do grampeamento a seu
telefone para passar as mensagens que queria) suas possibilidades de ação se
mostraram limitadas dada a autonomia que este serviço secreto assumira, em
decorrência da enorme teia de espionagem que fora se formando de longa data
e que acaba por se consolidar como um poder paralelo. Neste sentido, afirma
Willian, o general Lott
“Descobriu que teria de conviver com a fera. Não tinha como
desfazer a teia de espionagem que funcionava muito. Mas
ele e Juscelino provavelmente não tinham noção do perigo que
deixavam à solta. As polícias estaduais, que foram
federelizadas durante o Estado Novo, voltaram a ser dos
governadores e não respondiam a nenhum ministério, nem ao
governo federal. Os governos estaduais mantinham então seus
438
Os documentos: Relatório Reservado do DEOPS. 50.Z.09. Documentos nºs 415 de 21/03/1958; 416 a
421 de 22 a 26/03/1958.
265
serviços de informação nas Delegacias de Ordem Política e
Social (DOPS), conforme os interesses locais.”
439
Pois rede de informações também possuía pessoas infiltradas que
produziam documentos sobre o próprio Lott que eram enviados não a ele, é
evidente, mas ao chefe do Serviço Secreto, conforme podemos observar pelo
documento reservado emitido em 14/04/1958, com notícias sobre o MMC e
sobre o general Lott:
“Fonte militar muito bem informada, nos informa que cresce, dia
a dia, o descontentamento da facção novembrista do MMC em
relação à pessoa do ministro da guerra. Essa indisposição
desses comunistas funda-se nos reiterados pedidos do ministro,
ao presidente, para que seja punido o Cel. Alberto Bittencourt,
além de pleitear medidas visando combater o comunismo e de
mandar abrir inquéritos para apurar deslizes nas administrações
militares acrescentando os novembristas - : Lott se esqueça
de que fomos nós que os levamos de retorno á Pasta da
Guerra.”
440
As observações do autor apontam uma dicotomia entre o “Estado
constituído democrático” e os aparatos de repressão e vigilância,
considerando-os como um “poder paralelo”, dentro do Estado. Mas é
justamente por determinações de existência do Estado autocrático que a
vigilância e a repressão perpetuam em todos os momentos da história da
república, como já foi observado.
O que se observa é que tal serviço não pode ser analisado em separado
da correlação de forças político/econômicas que se punham a cada momento
desde sua formação nos idos de 1920, transformando-se em uma rede na qual
todos vigiam a todos e acabam por vigiar a si próprios. Na lógica da autocracia,
estes aparatos colocam tudo e todos sobre suspeição, mas sua força de
intervenção não se manifesta distinta daquela que garante a dominação dos
segmentos de classe mais fortes em cada longínquo rincão do país e em última
instância, em nível nacional, garante a desobstrução dos entraves à
consolidação e manutenção do capital monopolista dependente. E como
serviço vinculado a esta dominação, apesar da aparente autonomia e
439
WILLIAM, 2005:227.
440
Secreto Fls. 70. 14/04/1958, do Rio de Janeiro. Relatório Reservado Dossiê DEOPS. 50.Z.09.
Documento nº 435.
266
divergências, aparenta divergências na sua forma de atuação quando se trata
de vigiar e cercear os opositores ao poder político de plantação, mas atua de
forma uníssona de uma ponta a outra (do local ao nacional), identificando os
que podem representar riscos à manutenção da dinâmica capitalista nos
moldes dependentes e subordinados ao capital monopolista dependente. Neste
sentido, sua vigilância a tudo e a todos e a identificação do inimigo comum.
Além disso, este serviço pode também ser analisado enquanto um
aparato que expressa a incapacidade do Estado em se aliar aos segmentos
populares. Sua natureza autocrática demanda a permanente vigilância das
forças sociais com possibilidade de intervir de forma decisiva na dinâmica do
capitalismo, como é o caso dos trabalhadores, em decorrência da centralidade
do trabalho
441
e neste sentido é necessário vigiá-los de perto e a seus
possíveis aliados, mesmo que no interior da burguesia e das Forças Armadas.
Neste sentido o general Lott sabia do poder de uma rede daquela
natureza, mas talvez não imaginasse os seus desdobramentos
consubstanciados no “poder paralelo” dos bastidores do extermínio civil, da
guerra interna, dos golpes diários contra a Constituição e que germinava no
interior mesmo deste órgão que o municiava de informações
442
. Conforme
observa ainda Willian, Lott e Juscelino davam chance para que o porão
prosperasse, como em 1957 “entregaram a uma raposa a responsabilidade
pelo galinheiro”. Nomearam como chefe do Departamento Federal de
Segurança Pública, o general Amaury Kruel que iria fazer parte do “tripé de
segurança” da capital. Frente à forte pressão das associações comerciais e de
parte da imprensa preocupadas com o aumento da criminalidade, montou um
grupo especial da polícia para combater o crime na cidade do Rio de Janeiro:
“Com o aval de Kruel, o delegado Cecil Borer
443
criou então o
Serviço De Diligências Especiais (SDE), que ganhou liberdade
441
Sobre a contradição entre esta imanente potencialidade dos trabalhadores em intervir de forma decisiva
na efetivação da democracia e sua atávica incapacidade dada a especificidade do desenvolvimento
capitalista no Brasil, ver José Chasin em sua obra intitulada a A miséria brasileira, particularmente entre
as pgs. 130 a 140.
442
Perplexidades à parte, o desvio proposital de tentativas de golpe para os porões do Estado autocrático,
é para lembrarmos que sete anos mais tarde, essa mesma estrutura do “terror” foi usada depois do golpe
de 1964.
443
Agente do FBI segundo informações do agente infiltrado do MMC no Clube da Lanterna - AAP
55.09.10 MMC FGV-CPDOC. Comunicado do MMC de 28/10/1955. Arquivo pessoal do deputado
Augusto do Amaral Peixoto. Ver página 205.
267
de ação. Surgia o “Esquadrão da Morte” e, ao mesmo tempo,
aumentava o número de pontos de bicho e o lenocínio na
cidade. Não haveria como reverter a situação. O “Esquadrão da
Morte” passaria a utilizar o Estado para realizar ações que lhe
interessavam financeiramente”.
(WILLIAN. 2005:228)
Não demorou muito para as denúncias sobre os esquemas de corrupção
da polícia fossem utilizados, não para combater ou debelar tal estado de
coisas, mas apenas como mais uma arma da oposição ao governo. Neste
sentido os alardes da imprensa burguesa, chamando a atenção para o forte
esquema montado pelo general Kruel na chefatura de polícia: “em junho de
1959, depois de uma torrente de acusações de corrupção, reveladas pelas
reportagens do jornalista Edmar Morel para a revista Mundo Ilustrado,
escancarou-se o esquema montado por Kruel que arrecadava nove caixinhas:
jogo de bicho, lenocínio, hotéis, ferro-velho, economia popular, cartomantes,
aborto, drogas e cassinos clandestinos”. (WILLIAN, 2005:228).
O general, como tentáculo do “nacionalismo desenvolvimentista” e do
“legalismo democrático”, na lógica do Estado autocrático, mesmo com sua rede
de apoio político passa então a ser visto como uma autoridade de esquerda
que poderia colocar em risco a autoridade do Estado, favorecendo o avanço
comunista.
Apesar do equivoco do julgamento de seus pares em considerá-lo de
esquerda e simpatizante do Partido Comunista, o general Lott era a garantia da
continuidade do governo no equilíbrio delicado entre os setores da ESG e os
militares getulistas e sua fragilização representava no seio dos militares o
fortalecimento do grupo sorbonista que se via em uma rede de oposição que se
ampliava gradativamente - IBAD, IPES, ADESG, FIESP, imprensa, igreja
católica, para a completa inserção da autocracia num futuro não muito distante.
É neste sentido que os pronunciamentos de integrantes do MMC
atingem diretamente a tropa que, conforme observa o censor, afronta as
ordens do Ministro da Guerra. O general Arquiminio Pereira, comandante da
Infantaria do Exército sediado em São Paulo, ter-se-ia recusado a aceitar,
sob o seu comando, o coronel Tácito Lívio Reis de Freitas, por considerá-lo
comunista. Esta informação circulou com insistência nos meios militares, tendo
grande repercussão. Segundo fontes categorizadas do exército, estava
268
assentada a indicação do coronel pelo ministro da guerra para o comando do
regimento de Infantaria sediado em Lorena-SP. Mas o referido nem chegou a
tomar posse. “O coronel Tácito Livio é um oficial brilhante e foi um dos
organizadores do Movimento Militar Constitucionalista, que preparou o golpe
militar de 1955. É acusado, por seus adversários do Exército, de chefiar o
grupamento comunista das forças Armadas.”
444
Apesar dos discursos anticomunistas do general Lott e
conseqüentemente do MMC, os seus adversários queriam o expurgo da
entidade do seio das Forças Armadas, justificada por acusações de
indisciplina, rompimento da hierarquia militar e afrontamento ao próprio Estado
constituído.
No interior destas divergências ressurge o Clube Militar como o espaço
onde as contendas das forças armadas atingem o clímax e em cuja eleição se
verifica para que lado pende o pêndulo desta correlação de forças:
“Estamos seguramente informados de que ainda não
nenhum rompimento entre os elementos do grupo do MMC com
o general Lott; é fato que os primeiros estão descontentes com
o ministro, ainda mais que este insiste em punir o coronel
Alberto Bittencourt. Essa situação de expectativa nas relações
MMC-Lott prosseguirão até o final da eleição do Clube Militar.
Do seu resultado dependerá o pronunciamento em definitivo
daquela ala do Partido Comunista no Brasil sob o rótulo de
Movimento Militar Constitucionalista. “
445
Neste ínterim a imprensa começa a especular sobre a possibilidade da
reeleição de Juscelino, noticiando a existência de uma Lei da Fidelidade”,
denunciada com alarde pela oposição e pela imprensa antigovernistas como
um plano para que este se mantivesse no poder após seu período de quatro
anos, o que, segundo documento do serviço de vigilância, o MMC não apoiaria.
Assim relata o censor infiltrado na reunião do Deputado Roxo Loureira
446
em 18/04/1958, “reuniram-se na residência do deputado Roxo Loureiro os
coronéis: Nemo Canabaro, Sólon Estillac Leal, Alberto e Alexino Bittencourt,
444
Recorte do jornal “Diário da Noite” de 15/04/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS.
50.Z.09. Documento nº 430.
445
Informação Reservada fls. 63. São Paulo, 16/04/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS.
50.Z.09. Documento nº 434.
446
Não foram encontrados dados sobre o referido deputado.
269
Henrique Oest, Benevides e Ari de Abreu Barreto, além de outros. Nessa
reunião foi debatido o caso da mensagem da Lei de Fidelidade
447
, aliás com
total reprovação dos supracitados militares.”
448
No dia seguinte a reunião ocorreu na residência do Coronel Alexino
Bittencourt, tendo novamente como pauta a Lei de Fidelidade e a demissão do
coronel Alberto Bittencourt. O MMC que havia sido criado no bojo da crise
sobre a legalidade do mandato de Juscelino Kubitschek, agora se sentia à
margem do apoio presidencial e de sua plataforma política e via na
continuidade do mandado uma ameaça “à ordem constitucional”. Mas, pelo
menos neste momento, mantém como prioridade garantir alguém na pasta do
governo:
“Na residência do Cel. Alexino Bittencourt reuniram-se vários
generais, coronéis e outros oficiais da aeronáutica, todos
pertencentes ao MMC. Ali discutiram a impossibilidade da
votação da Lei de Fidelidade, pretendida por Juscelino, que fará
com que o país marche para a ditadura de direita. Além disso,
falaram sobre a demissão do Cel. Alberto Bittencourt um dos
líderes do MMC da diretoria dos Correios e que isso
poderá se dar se o presidente nomear Alexino para o lugar de
Alberto. “
449
Neste ínterim o fortalecimento dos trabalhadores os leva á unificação em
torno de um ponto único que atingia a todos diretamente: a obrigatoriedade da
assiduidade integral. Tal problema e as tentativas de fundar uma organização
que os aglutinasse advinham dos anos iniciais da década de 50. Mas será
em 1948 que conseguem fortalecer a comissão no interior do Pacto de Unidade
Intersindical (PUI)
450
. Assim em 04/09/1958 lançam um manifesto criticando a
447
Lei da Fidelidade”, denunciada com alarde pela oposição e pela imprensa antigovernistas como mero
plano para que Juscelino se mantivesse no poder após seu período de quatro anos e assim por diante.
448
Informe Secreto fls. 95. Reúnem-se elementos do MMC.- Discutiram vários assuntos, inclusive Lei de
Fidelidade e a demissão do Cel. Bittencourt. Relatório Reservado Dossiê DEOPS. 50.Z.09 Documento
nº 446.
449
Informe Secreto fls. 75. Reunião de Militares da Ala Nacionalista na residência do Deputado Roxo
Loureiro. Relatório Reservado Dossiê DEOPS. 50.Z.09 Documento nº 445.
450
Entre 1951 e 1952, em função da luta contra a assiduidade integral, organizou-se a comissão
Intersindical Contra a Assiduidade Integral (Ciscai), que surgiu nos locais de trabalho até chegar a ser
uma organização nacional. Neste ano realizaram-se quase 200 paralisações, envolvendo em torno de 1,5
milhão de grevistas. Em março de 1953, as greves paralisaram cerca de 800 mil trabalhadores contra a
carestia. Eclodiu em São Paulo a “greve dos 300 mil”, envolvendo várias categorias profissionais. Dentre
outras reivindicações, estava um aumento de 23% a 60% nos salários. Sob a direção de um Comando
Geral de Greve (CGG) formado majoritariamente por comunistas, após 24 dias a greve foi vitoriosa,
270
presença de trustes internacionais no país. Segundo este manifesto o PUI
cumpria o dever de alertar os trabalhadores e o povo para a gravidade da
situação decorrente das manobras que vinham sendo feitas pelos trustes
internacionais com a cumplicidade de elementos instalados nos altos postos do
governo federal e que visavam promover o total estrangulamento da nossa
economia como meio de quebrar o Estatuto do Petróleo e de liquidar a
Petrobrás, empreendimento básico para a conquista de nossa emancipação
econômica.
451
O manifesto advertia também que o próprio governo dos Estados Unidos
da América do Norte, cuja política representava os interesses dos grupos
econômicos internacionais, alarmados e inteiramente contrários ao surto de
desenvolvimento industrial do país, vinha tomando medidas discriminatórias de
caráter político e econômico contra o Brasil. E citavam como exemplo, a da
recente visita do Sr. Foster Dulles ao Brasil com o objetivo de conseguir do
governo a alteração da política nacionalista do petróleo, a exemplo de que
ocorrera com o governo Frondizi na Argentina
452
.
Em relação à cafeicultura, dizia ainda o manifesto, os trustes
internacionais passaram a promover o estrangulamento de nossa economia
atacando fulminantemente o café, afastando-o dos principais mercados
mundiais, o que tudo isso fora possível dado o controle absoluto da Bolsa de
Nova Iorque sobre o preço do café. Assim, continuavam, o desequilibrado da
nossa balança de pagamentos, decorria da redução das entradas de divisas
obtidas com a exportação desse produto que paralisara os negócios no
mercado interno. Os cafeicultores não podendo também vender o produto, não
conseguindo um aumento salarial de 32% para os metalúrgicos, vidreiros e outros. Os gráficos, por sua
vez, conquistaram aumento de 75%. Após a greve, o CGG se transformou na Comissão Intersindical
(CIS). Do CIS nasceu o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), em junho de 1953, com a participação de
mais de 100 organizações sindicais. Em 1958, o PUI foi substituído pelo Conselho Sindical dos
Trabalhadores (CST), agrupando o PUI de São Paulo, ABC, Sorocaba e o Fórum Sindical de Debates de
Santos.
451
Recorte do jornal “Noticias de Hoje” de 05/09/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS.
50.Z.09. Documento nº 468.
452
Em 1958 Arturo Frondizi, pela União Cívica Radical Intransigente e com um projeto
desenvolvimentista, ganhou as eleições presidenciais com apoio do peronismo ilegalizado. Seu governo
foi economicamente alinhado com os Estados Unidos fazendo parte da Aliança para o Progresso e
diplomaticamente independente, com apoio a Cuba após a imposição do embargo econômico
estadunidense. As reformas na indústria de base e infra-estrutura implementadas durante o seu governo
permitiram que a Argentina, na década seguinte, tivesse o mais alto índice de crescimento econômico do
mundo. Devido à anulação da lei que proibia o Peronismo de existir legalmente e sua negativa em anular
as eleições legislativas de 1962, onde o Peronismo teve grande vitória, foi destituído pelas Forças
Armadas e preso.
271
estavam em condições de pagar aos trabalhadores rurais, cujos contratos
ainda não haviam sido renovados e não tinham possibilidade de sê-lo, a
manter-se aquele estado de coisas. Logo mais, a indústria e o comércio iriam
sentir as conseqüências de uma quase completa paralisação das compras. As
conseqüências finais seria a despedida em massa. O desemprego, a agitação
social e o desespero de 60 milhões de brasileiros.“
453
O manifesto não para por aí, denunciando em seguida como
entreguistas da nação brasileira: Assis Chateaubriand, o ministro da Fazenda
Lucas Lopes, José Maria Whitaker
454
(segundo o manifesto, um preposto dos
trustes internacionais), Renato Costa Lima.
455
Todos afinados com a entrada
do capital multinacional, principalmente norte-americano.
456
Apesar do manifesto identificar os verdadeiros problemas que assolam o
país, denunciando que a política econômica voltada para o capital multinacional
era o responsável pelas péssimas condições do povo brasileiro; os sindicalistas
“pedem socorro” aos mantenedores daquela ordem, isto é, os militares.
“Invocamos as nossas Forças Armadas e o nosso glorioso
Exército e conclamamos seus mais destacados chefes
baluartes na defesa dos superiores e sagrados interesses do
Brasil para que se unam e atendam os apelos dos
trabalhadores e do povo no sentido de preservar as nossas
riquezas e garantir os direitos e as liberdades constitucionais
também ameaçadas pelos entreguistas, pois que estes não
terão escrúpulos em recorrer ao golpe contra as instituições
para atingir os seus escusos objetivos. “
457
453
Recorte do jornal “Noticias de Hoje” de 05/09/1958.Anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09. Documento nº468.
454
José Maria Whitaker político influente desde a década de 30, retornou ao Ministério da Fazenda por
um curto período, entre abril e novembro de 1955, durante o governo do presidente Café Filho.
455
Renato da Costa Lima assumiu a gerência da usina Itaiquara, localizada em Tapiratiba (SP).
Encontrava-se no exercício dessas funções quando a usina foi visitada pelo empresário Nelson
Rockefeller, que, entusiasmado com o ritmo dos trabalhos e com as modernas técnicas utilizadas,
confiou-lhe a direção da Empresa de Mecanização Agrícola, a primeira do gênero implantada no Brasil,
com capitais norte-americanos. Diretor da Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Estado de São Paulo
e secretário de Agricultura durante o governo de Lucas Garcez (1951-1955), em 1957 assumiu a
presidência da Sociedade Rural Brasileira. Em setembro do ano seguinte, tornou-se presidente do Instituto
Brasileiro do Café (IBC). Renato Costa Lima tornou-se um dos mais prósperos empresários dos setores
da agropecuária e agroindústria do país.
456
Recorte do jornal “Noticias de Hoje” de 05/09/1958.Anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09. Documento nº 468.
457
idem
272
A conclamação das centrais sindicais, onde o apoio do vice-presidente
João Goulart se fazia presente, ao exército, fez aumentar a uma “fossa
abissal” entre as demandas dos operários e seu reconhecimento por parte da
autocracia burguesa e das forças armadas, dada a leitura simplista que faziam,
ou seja, que tais mobilizações expressavam o “inimigo interno” a ser
aniquilado. Além disso, essa busca de participação no debate nacional por
parte da classe trabalhadora, segundo os militares “era um despropósito”,
como foi demonstrado nos capítulos anteriores, pois os destinos e a
responsabilidade de administrá-los seriam exclusivamente da elite burguesa,
representada pela Forças Armadas.
Nesse sentido com uma linguagem rebuscada de chavões nacionalistas,
que é o discurso que impera em todos os segmentos sociais naquela
conjuntura o que levou o período a ser reconhecido como o do nacional
desenvolvimentismo -, embora cada qual com sua especificidade, os
sindicalistas reivindicam o progresso nacional articulado com o capital nacional.
Entendiam os sindicados que a luta de classes não poderia ser resolvida por
ser produto da acumulação de capital e da má distribuição de renda nas mãos
da burguesia dominante, mas, fundados na convicção da racionalidade
capitalista de desenvolvimento endógeno, consideraram que, fora dos
tentáculos do capital internacional, a conquista dos direitos das classes
subalternas seriam conquistados em médio prazo melhorando as suas
condições de existência, o que colocava como perspectiva uma aliança entre
os trabalhadores e o Estado constituído. Os integrantes do PUI conclamam
também o general Teixeira Lott, a quem atribuem a “esperança nacionalista e a
possibilidade da legalidade democrática”, a “gloria e esperança de nosso povo,
para que, mais uma vez não permita seja traída a nossa pátria, para que
continue em pleno vigor o império da lei e da ordem. “
458
Buscam ainda a adesão do poder executivo, legislativo, sindicatos,
associações de bairro, grêmios estudantis, sempre em nome da preservação
das divisas nacionais e da garantia de melhores condições de vida do povo
brasileiro. Após a convocação geral da nação em defesa desses princípios, o
manifesto exige das autoridades: 1º Exigir do presidente da república que
458
idem
273
nomeasse para a junta administrativa do Instituto Brasileiro do Café (IBC)
459
,
um representante do exército nacional escolhido pelo ministro da guerra, um
representante dos trabalhadores escolhido em assembléia Intersindical
convocada pelo PUI, e um representante do parlamento nacional, a ser
escolhido em reunião conjunta do Senado e da Câmara, sem a presença dos
quais, não poderia ser tomada qualquer decisão que alterasse a atual política
do governo sobre o café; Manifestar ao presidente da república a
preocupação dos trabalhadores quanto a qualquer mudança na política
cambial, cuja permanência entendiam ser necessária e imprescindível para o
atendimento ao surto de desenvolvimento industrial que se verificava.
Faz-se mister salientar que o PUI, apesar da heterogeneidade dos seus
componentes, era eminentemente urbano e operário, e as principais
reivindicações do documento giram em torno de uma política de proteção à
agricultura agro exportadora, no caso “defender” o nosso melhor produto, o
café, e uma política cambial que favorecesse e incentivasse a entrada de
capitais para o incremento industrial que se fazia presente. A PUI também
estava em sintonia com a “onda desenvolvimentista”, apostando na
industrialização como conquista da cidadania na perspectiva do pertencimento
às nações desenvolvidas ocidentais.
Como terceiro ponto o manifesto apelava para o presidente da Câmara
Federal para que convocasse e exigisse o comparecimento de todos os
representantes do povo naquela Casa, garantindo “quorumpara que fossem
realizadas normalmente as sessões, imprescindíveis para assegurar o normal
funcionamento das instituições e a defesa de nossa Carta Magna; e retomavam
o apelo ao apoio de Lott:
“Hipotecar solidariedade ao Exmo. Sr. General Henrique
Teixeira Lott, ministro da guerra, pelas atitudes que sempre
tomou e vem tomando em defesa dos superiores interesses do
nosso país e da manutenção das liberdades constitucionais e
459
Devido à importância do café nas exportações brasileiras, foi criado, em 1931, o Conselho Nacional do
Café (CNC), que, em 1933, foi substituído pelo Departamento Nacional de Café (DNC), autarquia federal
subordinada ao Ministério da Fazenda, que controlou o setor até 1946. Em 1952, foi criado o Instituto
Brasileiro do Café (IBC), formado principalmente por cafeicultores, que definiu as diretrizes da política
cafeeira até 1989.
274
democráticas, bem assim na defesa da Petrobrás, da industria
nacional legítima e da nossa emancipação econômica”.
460
No caso, observa-se como a bandeira da industrialização e do
desenvolvimento social, passa a ser assumida também pelos sindicados que
apostam ainda no velho “pacto social” do período de Getulio e que agora, na
fala do seu “herdeiro político”, se manifestava na valorização da experiência da
classe trabalhadora a qual conclamava para construir uma “nova nação” cujos
empreendimentos econômicos garantiriam uma distribuição justa da renda
produzida por eles mesmos.
Tal politicismo que se manifesta pelo seccionamento entre a matriz da
produção e reprodução da vida humana e a esfera política, que ganha, assim,
não apenas autonomia, mas a condição de determinante das relações
sociais”
461
, predominou praticamente em toda inteligentsia nacional, incluindo-
se ai os partidos políticos vinculados ao operariado.
Apesar das limitações da classe operária em perceber o engodo
politicista, a sua movimentação e aglutinação contra as péssimas condições de
existência determinadas pela estrutura econômica vigente, colocavam ás
classes dominantes em pânico diante da possibilidade de participação e
decisão política das classes subalternas. Assim, no decorrer da euforia
desenvolvimentista do Governo JK , “já havia indícios de desaceleração
econômica somada ao aumento da inflação e ao endividamento externo que se
agravara de forma preocupante por causa da queda das receitas das
exportações brasileiras, sendo o caso mais grave o do café cujo declínio dos
preços que já vinha ocorrendo há algum tempo, intensificou-se. Embora o
presidente insistisse no discurso desenvolvimentista e justificasse a crise como
própria do crescimento, o mal-estar era crescente e a situação do projeto de
desenvolvimento era precária.”
462
O Plano de Metas sofria pressão de todos os lados, a começar pelo
capital estrangeiro que continuaria a entrar no país sob a condição de que
460
Recorte do jornal “Noticias de Hoje” de 05/09/1958.Anexo ao Relatório Reservado Dossiê DEOPS
50.Z.09. Documento nº 468.
461
COTRIM, 2000:XXIV
462
NOLLI, Joana D’Arc Moreira, CESÁRIO, Ana Cleide Chiarotti. Elementos de autoritarismo na
proposta de segurança e desenvolvimento no governo JK. Londrina,PR: Universidade Estadual de
Londrina, 2005.
275
se desenvolvesse uma política de austeridade fiscal, o que inviabilizaria a
conclusão do Programa. Internamente, o governo enfrentava as pressões e
críticas dos interesses estrangeiros e dos sindicatos trabalhistas, os
redobrados ataques da UDN e dos grupos exportadores (cafeicultores). A
ordem era possível por meio de ameaças ou pela própria repressão aos
movimentos populares”
463
.
Moreira e Chiarotti afirmam que diante daquela conjuntura a
necessidade de alocar mais recursos, valores e apoio das autoridades norte
americanas - “a Operação Pan-Americana (OPA)
464
, idéia que sai diretamente
do Palácio do Catete no Rio de Janeiro para as mãos do presidente dos EUA,
Dwight Eisenhower, e que pede uma revisão do pan-americanismo-, gesta,
para a burguesia, a legitimação da repressão a qualquer tipo de manifestação
popular. Como o contexto era de Guerra Fria, ao lançar a OPA, JK declarava o
comunismo como o sistema contrário à democracia, aos princípios morais e
cristãos e o subdesenvolvimento como um perigo de subversão. O que JK
buscava, ao produzir esses sentidos, era atrair tanto os dirigentes da América
Latina como as Forças Armadas brasileiras e, especialmente, o presidente dos
EUA para a questão do desenvolvimento do Brasil e da América Latina. O
argumento era que só o desenvolvimento poderia manter, além da ordem
interna, a segurança do ocidente, ou seja, o desenvolvimento seria a base de
sustentação para a segurança, pois, com o desenvolvimento, a pobreza,
condição que permite a infiltração de idéias subversivas, seria eliminada. Os
efeitos ideológicos desse discurso davam ao desenvolvimento uma
característica explicativa de todos os acontecimentos, ou seja, o
desenvolvimento aparecia como algo que tudo resolvia e explicava.
Externamente, significava integrar definitivamente o país no sistema capitalista.
463
Idem.
464
A idéia da OPA surgiu após uma visita do vice-presidente Norte americano, Richard Nixon, aos países
da América Latina. A intenção de Nixon era expor aos vizinhos do Sul as boas razões da política de
Washington para o continente. Mas a visita quase acabou em desastre. Ocorreram manifestações
populares na Venezuela e no Peru, cujo objetivo era expressar o descontentamento com a falta de recursos
para amenizar o subdesenvolvimento latino americano. Para proteger o seu vice, Eisenhower mobilizou
tropas para um eventual desembarque e resgate de Nixon em Caracas, gerando uma onda de protestos
políticos em todo o continente (cf. Moura, 2002, p. 51).
276
Internamente, a certeza de que o governo estava, mesmo à custa de
sacrifícios, construindo um futuro melhor. “
465
Assertivas, portanto, concordantes com as análises de que o
“nacionalismo desenvolvimentista” se punha como o desenvolvimento das
forças produtivas, o crescimento urbano, a mobilização social se põe na lógica
da hegemonia de uma burguesia associada ao capital transnacional. É nesta
distorção que emerge o postulado que somente com o desenvolvimento
industrial seremos capazes de nos inserir no mundo civilizado das grandes
potências capitalistas, ganhando “know how”, investimentos nas indústrias de
base, e desenvolvimento social.
Também na década de cinqüenta começava a se evidenciar no cenário
político brasileiro um de seus mais antigos sujeitos a então ocultos: o
campesinato.
“A então restritos ao interior das propriedades, sujeitos à
dominação dos grandes senhores, os camponeses começaram
a se mobilizar, e a se organizar, lutando por direitos e por terra.
É certo que esse processo se iniciou bem anteriormente, pelo
menos nos anos 1940. Contudo, foi apenas na segunda metade
da década de 1950 que passou a ter maior visibilidade,
ocupando as primeiras ginas dos jornais, impondo-se ao
debate político, projetando os camponeses nas cidades, nos
centros de tomadas de decisão”.
466
Em busca de melhores condições de sobrevivência, frente à espoliação
e à repressão do campesinato na estrutura latifundiária brasileira, sua
visibilidade se deu, conforme Gryznpan, pela contradição entre as políticas de
JK para o setor agrário e as condições vigentes no campo, particularmente no
norte e nordeste, fazendo, com isto, emergir as Ligas camponesas. Segundo
ele, o governo, se “omite quanto às políticas destinadas a reformar a estrutura
de propriedade da terra”, “evitando tensões desestabilizadoras”, mas tenta
“estimular o desenvolvimento regional do Nordeste via criação da Sudene (...) o
465
NOLLI, Joana D’Arc Moreira, CESÁRIO, Ana Cleide Chiarotti. Elementos de autoritarismo na
proposta de segurança e desenvolvimento no governo JK. Londrina,P R: Universidade Estadual de
Londrina, 2005
466
Conforme artigo de GRYNSZPAN, Mario, O
Brasil de JK. Movimentos sociais no
campo. In: http://www.cpdoc.fgv.br.
277
(que) terminou por conferir, como um efeito não previsto, uma forte visibilidade
a uma das organizações do campesinato, as Ligas Camponesas.”
467
Para além disso, o que se colocava era, conforme indicamos, a
emergência das reformas mais radicais que subordinassem o campo à cidade -
de que uma reforma agrária seria uma exemplo -, postas pelo próprio
desenvolvimento da industrialização, o que denota, mais uma vez, o
conservadorismo arcaico a permear as relações de dominação da burguesia no
país.
Neste sentido a “perfeita harmonia” aludida por Francisco de Oliveira,
entre a concentração da propriedade fundiária e o desenvolvimento industrial,
se dava na perspectiva politicista, mas para o desenvolvimento do próprio
capitalismo, a contradição estava posta e cada vez mais se acentuava, a
considerar os dados apresentados por Dreifuss,
“o processo de concentração industrial foi acompanhado por
uma extrema concentração de posse da terra. De 1950 a 1960
o número de grandes propriedades baixou de 2,3% do total de
estabelecimentos agrícolas para 0,98%. Assim mesmo, esses
últimos controlavam até 47,29% da terra, ao passo que 10,4%
dos estabelecimentos agrícolas controlavam 79,9% da terra. O
comércio agrícola estava ligado a uma grande parte da
estrutura bancária.”
468
Neste sentido o aumento da mobilização dos trabalhadores rurais cujas
propostas de reforma advinham da necessidade de regularização da condição
fundiária dos pequenos produtores rurais subsumidos à grande propriedade,
esta representava uma ameaça efetiva capaz de alteração do “status quo”. A
evidência do pânico da burguesia se observa nos pronunciamentos das Forças
Armadas e da grande imprensa que enfatizam, mais uma vez, o perigo desses
movimentos populares serem ministrados pela infiltração comunista, colocando
em risco todos os “avanços democráticos” que a nação usufruía. Sobre isso
observa Lúcio Flávio,
“Isto conferiu aspectos dramáticos à questão nacional. Quando
massas populares, especialmente no campo, se puseram em
movimento, a articulação de suas lutas econômicas e a
467
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/o_Brasil_de_JK/Movimentos_sociais_no_campo.asp
468
DREIFUSS, 2006:69.
278
demanda por cidadania imprimiram um caráter subversivo ao
nacionalismo popular, tamanha era a rigidez das estruturas de
poder político frente à reprodução ideológica de uma
comunidade nacional mais ampla. A questão agrária se
articulou antecipadamente á da participação política e ambas
“forçaram” a questão nacional. nos anos JK, apontando para
além dos horizontes do nacionalismo burguês”. (ALMEIDA,
2006:226).
O relatório a seguir, do Serviço Secreto, demonstra coincidentemente
que no mesmo momento em que a PUI convocava todas as agremiações da
sociedade civil para lutar por melhores condições de vida e defender o
patrimônio nacional, lançava-se na imprensa burguesa, representada pelo seu
maior baluarte, o jornal “A Tribuna da Imprensa” em 24/10/1958 uma notícia
cuja função poderia ser a de formar opinião pública contra qualquer
articulação social que o fosse a da autocracia burguesa ou dos militares.
Tratava-se, mais uma vez, da acusação sem fundamento nenhum, de que
comunistas haviam explodido um depósito de armas das forças do exército.
Assim começava a manchete:
“Comunistas acusados da explosão de Deodoro! A Polícia do
Exército e investigadores da Divisão de Polícia Política e Social
prenderam, ontem diversos comunistas, transportando-os,
incomunicáveis, para a Divisão de Infantaria, como
responsáveis pela explosão dos paióis do Depósito de
Munições de Deodoro. Entre os presos são apontados como
principais acusados o tenente reformado do Exército Antonio
Guimarães e os civis Antonio Soares de Albuquerque e João
Augusto Leitão, que teriam sido denunciados por outros
suspeitos, detidos há mais de 15 dias na DPPS. “
469
Segundo a notícia, o ato subversivo era para provocar o adiamento das
eleições que estariam acontecendo naqueles dias para deputados, senadores
e governadores. O interessante que essa seria a segunda explosão provocada
nos paióis de Deodoro. Na primeira ocorrida em agosto de 1958, as
autoridades chegaram à conclusão que fora acidental. Conforme a acusação,
devido a grande movimentação que houvera em relação ao acontecido naquela
ocasião, o PCB teria resolvido explodi-lo novamente para criar tumulto e adiar o
pleito eleitoral:
469
Recorte do jornal “Tribuna da Imprensa” de 24/10/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS
50.Z.09. Documento nº 501.
279
“A finalidade dos comunistas seria a de provocar o adiamento
das eleições, tendo em vista a campanha cerrada que a igreja e
a oposição moviam contra os candidatos por eles indicados, e a
certeza antecipada da derrota eleitoral. Segundo concluem as
autoridades, a primeira explosão, ocorrida a 2 de agosto, foi
realmente acidental e inspirou os planos do Partido Comunista.
Pelos depoimentos, as autoridades que estão dirigindo o IPM,
chegaram à conclusão de que isso não aconteceu porque a
bomba de retardamento, colocada pelos comunistas nos paióis,
explodiu antes da hora, e o seu efeito não teve as proporções
esperadas pelos sabotadores.
470
Os civis participantes que teriam participado de tal atentado tinham
cargo diretivo em associações de classe trabalhadora e de bairros e seriam,
como o artigo deixa entrever, considerados pelo partido como elementos
descartáveis, usados como “massa de manobra”. Desta forma, mais uma vez,
a proposta era a de desacreditar aquela organização até mesmo entre seus
adeptos, dada a falta de humanidade que estariam revelando:
“Antonio Albuquerque, um dos presos, é presidente da
Associação dos Vendedores Ambulantes do Rio de Janeiro e
está registrado na DPPS como “elemento ativista-militante do
Partido Comunista. Os arquivos daquela Divisão especializada
registram, ainda, a existência de numerosos núcleos
comunistas em Deodoro, que funcionam como “organizações de
base”. Estas, geralmente, são constituídas de três a cinco
pessoas subordinadas aos “comitês de bairros”. Leitão, outro
dos presos, é presidente da Associação Pró-Melhoramentos de
Guadalupe, que os agentes da DPPS acreditam funcionar como
“comitê de bairro”, enquanto o tenente Guimarães é também
elemento ligado aos outros dois. Esses três seriam elementos
utilizados pelo PC para determinadas missões e teriam
executado, com alguns auxiliares, o plano de fazer explodirem
os paióis.”
471
Haveria ainda um quarto elemento não identificado pelas autoridades,
“esse corpo foi encontrado no interior do paiol, em local de acesso proibido a
estranhos, inteiramente calcinado.”
472
O coronel Danilo Cunha da DPPS
tardava em concluir as investigações e suas discordâncias denotam o ardil que
470
idem
471
idem
472
idem
280
se entrevê na boataria sobre o episodio. Por não concordar com o laudo do IML
enviado ao General Dantas Ribeiro responsável pelo inquérito militar o coronel
faz a seguinte declaração ao repórter que o entrevistava:
“O Cel. Danilo confirmou a prisão dos comunistas e esclareceu-
nos que a detenção dos suspeitos foi iniciativa exclusiva das
autoridades da Divisão de Infantaria. Acrescentou que a
equipe da DPPS apenas colaborou nas diligências. Nada
adiantou sobre os depoimentos dos presos e disse ser
prematura a afirmativa de que a explosão teria sido causada por
sabotagem. Os meios militares mostram-se reservados sobre o
assunto, pois o IPM é de caráter sigiloso.”
473
A criminalização prévia sem comprovação do resultado das perícias
policiais se manifesta também nas notícias publicadas pela “Tribuna da
Imprensa” que se adianta no julgamento, assim como os membros das Forças
Armadas. Mais notável é constatar que nem mesmo um membro da temida
DPPS (onde se encontra o Serviço Secreto) se arriscava em acusar os
suspeitos (disse ser prematura a afirmativa de que a explosão teria sido
causada por sabotagem) sem as devidas diligências da investigação.
Como se vê, novamente a movimentação golpista entra em ação,
criando “fatos novos” que pudessem de alguma maneira criar uma polêmica
que insuflasse as Forças Armadas e a opinião pública. A tática dos golpistas
era demonstrar que o PCB estava sempre provocando “atentados” à segurança
pública e que seus simpatizantes estavam infiltrados principalmente nas
organizações da classe trabalhadora. Na seqüência associavam o estardalhaço
à figura do general Lott acusado de facilitador daquela situação, por se tratar,
segundo eles, de “um simpatizante dos comunistas”.
Para Lott não havia trégua, ora e meia ele estava sendo desmoralizado
na imprensa, através do repórter Carlos Lacerda da “Tribuna da Imprensa” e
pelos udenistas. Assim, qualquer fato que pudesse envolvê-lo se transformava
uma grande polêmica voltada para aguçar a idéia de que o ministro da guerra
era o responsável pela divisão das Forças Armadas.
Em novembro de 1958, em virtude de viagem empreendida pelo ministro
Correia de Melo, Lott passou a ocupar, interinamente, a pasta da Aeronáutica,
acumulando-a com a da Guerra. Durante a cerimônia de posse à qual deixaram
473
idem
281
de comparecer 12 brigadeiros, o oficial Ivo Borges manifestou franca oposição
à Lott, sendo, por este motivo, demitido da Inspetoria Geral da FAB. Quatro
dias mais tarde, por ocasião da formatura de uma turma da Escola de
Comando da Escola Maior da Aeronáutica, ocorreu outra manifestação de
indisciplina. Lott puniu igualmente os manifestantes. Em face da agitação que
esses incidentes provocaram no seio das forças armadas, o general Osvaldo
Cordeiro de Farias (um dos mentores da ESG), em reunião com o presidente,
salientou que a presença de Lott no Ministério da Guerra era incompatível com
a política de pacificação apregoada pelo governo.
Tal agitação não se resumia às Forças Armadas, conforme o
demonstramos e as articulações da UDN o assim veiculadas pela imprensa
do Partido Comunista:
“Plano sinistro e liberticida está sendo meticulosamente
elaborado na cúpula da UDN O estopim da sublevação seria
uma entrevista do brigadeiro Eduardo Gomes
474
e sua
conseqüente prisão Três meses seriam suficientes à
preparação do complô Desgastar Lott politicamente e atacar
os pontos fracos do governo JK, para criarem o clima propício à
agitação, à desordem e à violência – Nova Jacareacanga.”
475
Para o referido jornal
476
essa conspiração contra a legalidade
constitucional teria como mentores o brigadeiro Eduardo Gomes, o empresário
e deputado Herbert Levy
477
, o presidente da UDN Juraci Magalhães
478
e o
jornalista Julio de Mesquita Filho
479
. Via o jornal um novo plano liberticida,
tendo como objetivo imediato o afastamento do general Henrique Teixeira Lott
do ministério da guerra. Os articuladores da nova trama, que em sua imensa
maioria se identificavam com a cúpula reacionária da UDN, participariam e
474
O udenista Eduardo Gomes concorrera à duas eleições presidenciais (em 1945 e 1950, perdendo
respectivamente para Dutra e Vargas. Asssumindo o ministério da Aeronáutica no governo de Café Filho
(1954-1955), será um dos protagonistas do golpe de 1964.
475
Recorte do jornal “Notícias de Hoje” de 23/12/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS
50.Z.09. Documento nº 530.
476
“Notícias de Hoje” era o órgão oficial do PCB, era um jornal diário, vendido em bancas e também por
militantes comunistas em sindicatos, portas de fábricas e centros operários.
477
Dez vezes deputado federal e proprietário do jornal econômico-financeiro Gazeta Mercantil’, Herbert
Victor Levy, participou da fundação da UDN (União Democrática Nacional).
478
O udenista ex governador da Bahia, Juraci Magalhães, fora nomeado em 1950, presidente da
Companhia Vale do Rio Doce e, em seguida, adido militar brasileiro nos Estados Unidos, assumindo em
1954 a recém-fundada Petrobrás. Em 1957 passou a presidir a UDN e em 1964 participou da conspiração
que derrubou o presidente João Goulart.
479
Jornalista e advogado paulista, proprietário do jornal “O Estado de São Paulo” de posição
conservadora.
282
estariam dirigindo os entendimentos que levariam o país a um clima de
agitação, desordem e violência, até hoje o experimentados. A eclosão
desses acontecimentos, de conseqüências imprevisíveis, dar-se-ia após um
“sinal”, que consistiria da prisão do brigadeiro Eduardo Gomes após uma
entrevista provocativa e insultuosa ao Exército na pessoa de seu ministro:
“estamos seguramente informados que o complô em gestação
é uma manobra golpista de envergadura, diferente das
escaramuças que o país tem testemunhado a partir de 11 de
novembro de 1955. O que se propõem agora os golpistas é uma
campanha de maior profundidade, obedecendo a planos que
estão sendo meticulosamente elaborados e tendo em vista uma
tática de diferentes aspectos, ligados entre si. Trata-se de um
verdadeiro complô, cujo alvo principal é o general Lott.
Pretendem os inimigos da democracia desfechar uma
campanha sem precedentes pela sua violência, com o propósito
de alcançar, desta feita, o que não conseguiram até agora:
afastar do ministério da guerra o general Lott.”
480
O jornal anunciava ainda que, embora o brigadeiro Eduardo Gomes
negasse o envio de carta ao presidente da república no sentido de pressioná-lo
a promover reformas nas forças armadas, pessoas ligadas ao ex-presidente da
UDN adiantam que o que se verificou foi um contato entre Eduardo Gomes e o
deputado federal Magalhães Pinto, no qual, definindo-se como um dos
insufladores dos amotinados da aeronáutica, ele procurou fazer chegar até o
presidente da república algumas “reivindicações” dos golpistas da FAB.
“acrescenta-se que Eduardo Gomes estabeleceu ao chefe do
governo, ao supremo magistrado da nação, ao presidente da
república, as condições para que os ânimos na aeronáutica se
“apaziguassem”. Entre as exigências feitas, se acha a de o
governo promover profunda alteração nos quadros de comando
da FAB e mesmo no exército, onde o brigadeiro reclama o
afastamento do ministro Teixeira Lott.”
481
A conjuntura favorecia esses rumores de golpe: crise econômica,
denúncias de corrupção, “infiltração comunista” e os movimentos populares de
reivindicação e protesto contra as difíceis condições de vida da população. O
ano de 1959 começava sob o impacto de uma inflação de 22,60% (IGP-DI da
480
Recorte do jornal “Notícias de Hoje” de 23/12/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS
50.Z.09. Documento nº 530.
481
Recorte do jornal “Notícias de Hoje” de 28/12/1958. Anexo ao Relatório Reservado do DEOPS
50.Z.09. Documento nº 531.
283
FGV), ocorrida no ano anterior e de um plano de estabilização econômica que
impunha limites ao Plano de Metas. Juscelino entra em seu quarto e, pode-se
dizer, definitivo ano sob diversas pressões.
Os mais pobres se sentiam os mais atingidos pela situação econômica
do país, os altos índices inflacionários derrubando o poder de compra do
salário mínimo, o que obrigou ao governo dar-lhe um aumento de 30%, ainda
em janeiro do corrente ano.
A classe média, mesmo sendo beneficiada pela euforia
desenvolvimentista, com o aquecimento do mercado de trabalho para seus
integrantes, também sentia na pele os efeitos deletérios da inflação galopante,
percebendo claramente, pela desvalorização da moeda, que diminuía,
sensivelmente, seu poder de compra. Era patente para a população que sentia
no bolso os efeitos do modelo econômico colocado em prática por Juscelino,
que a economia estava, no frigir dos ovos, beneficiando mesmo somente a
classe média alta, os ricos e os muito ricos, os únicos com poder aquisitivo
para consumir os caros bens de consumo importados e os que começavam a
ser produzidos no país.
E para complicar ainda mais a situação a questão da seca que
devastara o Nordeste no ano anterior continuava na ordem do dia, que a
situação de calamidade pública na região continuava a mesma. As Ligas
Camponesas, lideradas por Francisco Julião, com campo de atuação nessa
região, estavam mais ativas do que nunca, fazendo pressão ao latifúndio com
propostas de reforma agrária. Para outra parte da população faminta do
nordeste a saída era emigrar para a região Sudeste, onde se concentravam as
“melhores oportunidades de emprego”, trazendo, com isso, o inchaço das
periferias dos grandes centros, o fenômeno das favelas se tornando fato
corriqueiro.
Face à tensão que começava a dominar o cenário político, no início
desse ano, o governo ameaçou decretar Estado de Sítio. Diante de tais
acontecimentos a contradição estava exposta, de um lado a articulação da
sociedade civil através de varias entidades de caráter democrático
principalmente as entidades ligadas ao movimento operário e rural, de outro o
discurso “democrático” de abertura política e a prática repressiva do Estado
autocrático. Como resultado desta contradição o controle efetivo dos
284
movimentos populares era a negação da abertura política, pois segundo Maria
de Aquino, nesse período foi o que mais se produziu de documentação no
DOPS, revelando a vigilância intermitente do Estado frente a sociedade civil. A
construção dessa rede de informações nos bastidores pavimentou o caminho
para a repressão que se praticava e do vindouro golpe de Estado de 1964 que
se avizinhava.
Tendo esse “pano de fundo” como cenário a conhecida frase de Ernani
do Amaral Peixoto - "para Juscelino não existia 60, só 65" - define bem a
atuação do então presidente da República nas eleições que iriam indicar o seu
sucessor. Pode-se mesmo ir além e afirmar que, desde 1958, quando se
realizaram eleições para o Legislativo e para os governos estaduais, JK se
movimentava no intuito de garantir sua volta ao governo do país. Como a
possibilidade de reeleição em 1960 lhe era negada pela Constituição de 1946,
a solução seria montar, com antecedência confortável, uma estratégia capaz
de garantir em 1965 o objetivo sonhado.
482
Segundo Maria Victória Benevides, “o presidente Juscelino manobrava
desde o início do ano para que Juraci Magalhães, então governador da Bahia e
presidente da UDN, fosse lançado à presidência da República como candidato
de união nacional. Seria uma tentativa de estabilizar a vida política brasileira,
permitindo à UDN, três vezes derrotada, chegar ao governo federal pelo
caminho das urnas. Ao mesmo tempo, achando que Juraci faria um governo
inepto devido principalmente à difícil situação econômica do país, Juscelino
pensava garantir sua volta à presidência em 1965.”
483
Concomitante às pretensões de Juscelino, a candidatura do general Lott
era articulada por setores do PSD e PTB, até então sem o apoio de Jango e de
consideráveis parcelas do seu partido que alegavam a falta de respaldo
popular e a conseqüente fraqueza eleitoral do ministro da Guerra. Para
complicar ainda mais a falta de consenso em torno da candidatura, as
divergências entre os dois partidos a partir de 1959 se acentua tanto na
condução da política econômica como também nas propostas políticas
encabeçadas pelo PTB/PSD frente à movimentação da classe trabalhadora.
482
MOTTA, Marly. JK e as eleições presidenciais de 1960. In http://www.cpdoc.fgv.br.
483
BENEVIDES, Maria Victória apud MOTTA, Marly. JK e as eleições presidenciais de 1960. In:
http://www.cpdoc.fgv.br.
285
Os questionamentos de Jango à política econômica e seus
pronunciamentos sobre a necessidade de revisão na lei de remessa de lucros
que disciplinasse o ingresso de capitais estrangeiros no país e de uma reforma
bancária; seus encaminhamentos no sentido de uma reforma agrária que
permitisse que alterasse as condições de acesso do trabalhador rural à terra,
com a instituição de cooperativas ou algo semelhante, de redistribuição das
rendas públicas para os estados mais pobres, de regulamentação do direito de
greve, de abono à família rural; ou suas propostas de instituição do salário
mínimo familiar; de reorganização da administração que iam deste o âmbito
federal com a reorganização das delegacias regionais do Ministério do
Trabalho e de criação da empresa, Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás),
de reformas na previdência e formulação de diretrizes e bases para a
educação, afastava cada vez mais a possibilidade de um consenso político
partidário com o PSD.
A falta de consenso também se dava na relação do governo JK com os
integrantes do PTB. Na medida do crescimento dos movimentos
reivindicatórios da classe operária e da população, este responsabiliza seus
pares pela ameaça que isto poderia representar à ordem estabelecida.
Assustado com tais acontecimentos Juscelino convocou os ministros Henrique
Lott (Guerra), Francisco Correia de Melo (Aeronáutica), Jorge Matoso Maia
(Marinha), Fernando Nóbrega (Trabalho) e Carlos Cirilo Júnior (Justiça) e
autorizou a preparação de um plano de prevenção e repressão ao movimento
liderado por Brizola e Jango. Emitiu ainda uma nota oficial onde criticava as
"agitações" em curso.
Enquanto isto nos bastidores o Serviço Secreto para às autoridades
as informações que comprovariam que a movimentação operária expressava o
perigo da instauração de uma “república socialista” no país.
“Exmo. Sr. General, em aditamento ao que tivemos a honra de
expor a V.Excia., desejamos solicitar sua atenção para os
seguintes fatos:1. a constante intensificação da propaganda
comunista pelo rádio e a nova tática das rádios soviéticas e de
Pequim, de estabelecer contatos diretos com os ouvintes e
rádio amadores brasileiros, cujos nomes às vezes são até
citados em programas especiais; 2. a organização desde 1957
do “Clube de Rádio dos Amadores Revolucionários” em todos
286
os países latino-americanos que formam uma eficiente rede de
telecomunicações comunistas, mantendo contatos diretos com
outros países; 3. o incremento das atividades desta rede de
rádio-amadores em relação aos movimentos estudantis e
grevistas”;
Esta correspondência entre uma pessoa indicada apenas diretor
presidente, de nome Wladimir Pereira (não referência no documento a qual
instituição ele pertence) e o então chefe do Estado Maior do Exército
encarregado do serviço de rádio-escuta e rádio comunicações comunistas, o
general Floriano de Lima Brayner
484
observa-se como, a partir do diagnostico
acima, estes ampliam suas formas de vigilância, no caso, solicitando reforços
para a vigilância a rádios e aos meios de comunicação. O tom da mensagem
denota um verdadeiro estado de guerra, conforme se observa abaixo.
“4. a impossibilidade para o serviço de Rádio-escuta SEI de
seguir tão ampla operação com eficiência adequada; 5. a
necessidade de estender nosso serviço com a colaboração de
certos postos de escuta e telecomunicações oficiais, como
também com rádio-amadores brasileiros de comprovada
confiança, através de todo o território nacional; 6. solicitamos de
V.Excia. a eventual indicação de nomes de militares e civis
capazes de operar em escuta e telecomunicações dentro das
normas de segurança e absoluto sigilo, necessários para não
perturbar inoportunamente a rede comunista, conforme
aconteceu, o que traz graves prejuízos aos serviços de rádio-
escuta e telecomunicações; 7. trata-se de iniciar uma operação
de envergadura capaz de enfrentar a ação simultânea, de dia e
de noite, de centenas de estações operando livremente com o
fito de orientar e sustentar as atividades comunistas.
Consideramos que o perigo desta rede exige ser enfrentado
com a urgente colaboração de todos. Com elevada
consideração, aguardamos o pronunciamento de V.Excia. e nos
subcrevemos, Atenciosamente. Vlademir Pereira (Diretor
Presidente)
485
Enquanto isso dezenas e dezenas de comitês chamados de Movimento
Jan-Jan (lançado pelo Movimento de Renovação Sindical, dissidência paulista
484
O general Floriano de Lima Brayer fora chefe do estado-maior da FEB durante o governo Vargas, até
o fim da segunda guerra mundial.
485
Correspondência de Wlademir Pereira endereçada ao general Floriano de Lima Brayner, datada de
20/04/1959. Relatório Reservado do DEOPS. 50 Z.09 . Documento nº 560-A e B.
287
do trabalhismo liderada por Dante Pellacani,
486
presidente da Federação
Nacional dos Gráficos) começaram a brotar por todo o país.
Acompanhando as tentativas de articulação encetadas por JK, lança-
se João Goulart ao lado de um presidente apoiado pelo bloco oposicionista do
governo JK, ou seja, Jânio com a UDN.
Conforme Maria Celina Araújo, “A tentativa de aproximação da aliança
PSD-PTB com a UDN, o maior partido da oposição, foi rechaçada por Carlos
Lacerda, um dos principais líderes udenistas, que defendia o nome de Jânio
Quadros para candidato do partido à presidência da República.”
487
A UDN se encontrava dividida em duas posições: uma defendia o
lançamento de uma candidatura própria, encarnada no nome de Juracy
Magalhães (sendo que fortes rumores davam conta de que Juscelino também
chegou a ventilar seu nome para concorrer à presidência) da ala pacíficada
oposição; a outra, comandada por Carlos Lacerda, mais pragmática e
agressiva, apostava no apoio do partido ao nome de Jânio Quadros, o único,
em sua opinião, capaz de fazer frente à máquina que seria montada pelo
governo para apoiar o candidato da situação. Embora a dobradinha PSD/PTB,
aparentasse estar “por um fio” a popularidade de Jânio crescia, inclusive nos
meios sindicais.
O movimento sindical, amplamente dominado por trabalhistas e
comunistas, de repente, se viu frente a uma nova corrente em seu seio, as
correntes sindicais janistas que em pouco tempo começaram a atuar com muita
determinação por todo o país. Parte considerável dos trabalhadores urbanos,
que odiava o que a figura de Lott representava, mesmo com intenção de sagrar
nas urnas o nome de Jango, iniciou uma jornada irreversível rumo ao canto de
sereia janista:
“Por outro lado, Quadros, baseou sua campanha numa
plataforma mais extensa que a posição tradicional da UDN.
Prometia uma democracia honesta e digna, mas também se
comprometia a assegurar uma rápida taxa de desenvolvimento
486
Dante Pellacani prestava serviços de linotipista para diversos jornais de São Paulo e já havia
participado da organização do movimento Comitê Pró-Autonomia Sindical em 1948, quando ingressara
no Partido Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB). Foi cassado tanto pelo TSE
após sua eleição para vereador pelo PTB em 1950 quanto teve vetada pelo Ministério do Trabalho sua
vice-presidência no Sindicato dos Gráficos de São Paulo. Na década de 1960, afastado do PCB, foi um
dos principais articuladores do Movimento Jan-Jan, que, reunindo os nomes de Jânio para presidente e de
João Goulart para vice, acabou saindo vitorioso nas urnas.
487
ARAÚJO, Maria Celina A campanha presidencial de 1960. In: http://www.cpdoc.fgv.br.
288
econômico que atingiria setores anteriormente negligenciados,
como a agricultura, educação e saúde. Tudo isso seria feito
paralelamente ao controle da inflação e preservando a
independência do Brasil como nação soberana. Defendia um
orçamento equilibrado e insistia na necessidade de criar
condições favoráveis aos investidores estrangeiros. Não falava,
por exemplo, do estabelecimento de um conjunto sistemático de
metas, tal como Kubitschek em sua campanha de 1955.“
488
As dificuldades entre Jânio e a UDN, que marcariam o curto governo
janista, se faziam presentes durante a campanha presidencial. Com relação
à política econômica, ele prometia se empenhar no controle da inflação e no
saneamento das finanças públicas, aliados ao desenvolvimento econômico;
defendia o fortalecimento da Petrobrás e o controle das remessas de lucros
para o exterior, aproximando-se, assim, das teses defendidas pelo PTB. Mas
era, sobretudo seu posicionamento em relação à política externa que o
distanciava da UDN. A visita que fez à Cuba, em março de 1960, quando
demonstrou simpatia pela experiência socialista em curso naquele país, deixou
claro esse distanciamento.
489
Nesse sentido o nome do general Teixeira Lott era o único nome de
consenso possível apesar da sua fraca projeção política em nível nacional. “As
causas que defendia como o voto do analfabeto, a defesa do monopólio da
Petrobrás e a restrição de remessas de lucros para o exterior e o fato de ser
o fiador da legalidade contra os conspiradores antigetulistas transformaram-no
principal nome dos nacionalistas de esquerda”.
490
Paralelamente, no interior da caserna, silenciosamente, a movimentação
no sentido do isolamento de indivíduos que pudessem representar qualquer
adesão ao janismo, janquismo, etc.. começa a se processar e neste sentido
alerta o censor em 1960, ao chefe do Serviço Secreto. Segundo ele reinava
intranqüilidade no seio da oficialidade, principalmente na Capital da República,
em virtude de uma série de transferências levadas a efeito, especialmente, por
questões políticas. Isto é: oficiais que externavam sua preferência por Jânio
Quadros, mesmo entre colegas, eram denunciados e tempos depois, caso
ocupassem postos chaves, estavam sendo transferidos.
488
SKIDMORE, 2003:235.
489
idem
490
WILLIAN, 2005:250.
289
No caso do capitão (informante), o mesmo tem mais de 10
anos de fronteira e, de acordo com o regulamento, pode
reivindicar posto em unidades próximas a São Paulo. Contudo,
por demonstrar simpatias à política do ex-governador paulista,
foi agora transferido uma vez mais para a fronteira, tendo
mesmo um coronel lhe informado que tal medida se prendia
única e exclusivamente por ser simpático a Jânio Quadros.“
491
No caso especifico da aeronáutica, informava seu relatório, o foco de
discordância com a eleição de J/J era extremado, com propostas de adesão a
golpes armados. Além disso, o informante vislumbrava mudanças no
ministério da guerra e no comando do Exército, chamando a atenção para
as articulações do Clube Militar, que como sempre era o termômetro dos
ânimos militares,
“diz o informante que Odílio Dennis será o futuro ministro da
guerra e que o comandante do Exército será o atual
presidente do Clube Militar. Que, diante dessas irregularidades
(transferências), foi solicitada uma sessão do Clube Militar, lista
encabeçada por coronéis, sendo que o jornal carioca “Diário de
Notícias” taxou todos os peticionários de comunistas. Que,
brevemente haverá eleições no Clube Militar, prevendo-se
acirrada campanha entre os simpatizantes de Jânio Quadros e
Mal. Lott. E que, entre 15 capitães, foi levada a efeito uma
prévia eleitoral, apurando-se que 13 votaram a favor de Jânio
Quadros e 2 pró-Lott. “
492
Lott representava a infiltração comunista na tropa e se tornava
imprescindível destruir a sua influência e a de seus aliados, principalmente no
Clube Militar que desde 1952 estava nas mãos da “Cruzada Democrática” ou
em outras palavras nas mãos da ESG.
Nesse sentido a articulação de golpe ganha cada vez mais adeptos.
Ainda segundo o informante o movimento grevista de dezembro daquele último
ano estava indiretamente ligado ao levante da aeronáutica (referência ao
levante da aeronáutica ocorrido em dezembro de 1959, conhecido como
491
Informação Reservada 18/01/1960 -19- Setor “O.G.”. Assuntos Gerais- Ambientes não especificados.
Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09. Documento nº 564 página 2.
492
idem
290
Levante de Aragarças)
493
no interior de Goiás. Isto e mais a conjuntura grevista
de São Paulo, compunham os ingredientes para mais uma tentativa de golpe
militar. Caso a greve em São Paulo tivesse êxito, ponderava ele, maior seria a
repercussão naquela arma, sabendo-se mesmo que o ministro da guerra devia
passar em revista um grupo de oficiais naquele dia, no Campo dos Afonsos, e
que “estava combinado que todos sairiam de forma e tomariam lugar em seus
aviões, não em sinal de desrespeito ao ministro, como também de
participação ativa no levante."
494
Dessa maneira o confronto se manifesta, indo do desrespeito à
hierarquia militar à perseguição ideológica nos quartéis, acirrando ainda mais o
clima pré-eleitoral que tomava conta da caserna com ares favoráveis ao
político paulista Jânio Quadros. Apesar de o constar no Código Militar
qualquer punição para os que simpatizassem com este ou aquele candidato à
presidência da república, todos os que se enquadravam neste quesito foram
afastados ou transferidos para locais onde não pudessem ter influência sobre a
tropa. O informante do serviço secreto, nitidamente partidário de Lott, esclarece
assim “que é do conhecimento do ministro da guerra que esses elementos,
transferidos injustamente por causa de política, não tomarão qualquer atitude
em caso de algum levante militar, em defesa de Lott, e suas unidades, na
medida do possível, se manterão alheias a qualquer movimento.”
495
A articulação dos militares acompanhava a dos segmentos dominantes
que se viam ameaçados com as medidas encaminhadas por Goulart que
493
Como o levante de Jacareacanga, o de Aragarças, em dezembro de 1959, teve duas motivações. Uma
delas foi uma falseta de nio Quadros, que renunciou à sua candidatura à presidência da República
decepcionando, assim, militares e civis de direita. Outra foi a suspeita de que houvesse um golpe de
esquerda em marcha, sob o comando de Leonel Brizola, a ser desencadeado a 15 de dezembro. Foi o que
bastou para que, na noite do dia 2, oito oficiais armados se apoderassem de três aviões C-47 na base aérea
do Galeão, no Rio de Janeiro, e voassem para Aragarças, às margens do rio Araguaia, em Goiás. Para
foi levado também um avião de passageiros, desviado de sua rota em pleno vôo, no primeiro seqüestro da
história da aviação. Além dos passageiros, havia um morto a bordo. Um dos sediciosos era um veterano
de Jacareacanga, o tenente-coronel-aviador Haroldo Veloso. Outro era o oficial de mesma patente João
Paulo Burnier – um radical que, ao contrário de Veloso, atravessaria os 21 anos do regime militar de 1964
como ultradireitista, adepto do emprego de meios violentos contra os adversários. Em 1959, queria
bombardear os palácios do Catete e das Laranjeiras, o que por pouco não aconteceu. Em 1968, no clima
de radicalização ideológica que levaria, em dezembro, à edição do AI-5, planejou pelo menos um
atentado terrorista, cuja autoria pretendia atribuir à esquerda. O levante de Aragarças deu em nada,
extinguiu-se sozinho em apenas dois dias, por falta de meios e porque Jânio voltou atrás, renunciando à
renúncia. Da Bolívia, onde se refugiara, Burnier anunciou que os objetivos do movimento haviam sido
alcançados. Uma vez mais, JK anistiou os revoltosos.
494
idem
495
Informação Reservada 18/01/1960 -19- Setor “O.G.”. Assuntos Gerais- Ambientes não especificados.
Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09. Documento nº 564 página 3.
291
poderiam ampliar a participação de outros segmentos sociais no poder político,
fosse pela inclusão de benefícios sociais preconizados pelo próprio liberalismo
ou necessárias àquele estágio de desenvolvimento do capitalismo, fosse pela
garantia das liberdades de manifestação e organização a toda a sociedade.
Esta articulação foi analisada por Dreiffus que a identifica nos integrantes do
recém criado Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), fundado em 29
de novembro de 1961 e que, segundo ele, serviu como um dos principais
catalisadores do pensamento antiGoulart. Constituiu-se um grupo de
empresários de São Paulo e do Rio de Janeiro durante o período politicamente
conturbado da decada de 1960, tendo sua articulação inicial em novembro de
1961, logo após João Goulart assumir a Presidência do Brasil em setembro.
Pouco após a sua fundação, em 29 de novembro de 1961, o IPES passou a ser
dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva (anos depois, um dos artífices da
ditadura militar), logo após o mesmo pedir para passar para a reserva do
Exército Brasileiro. Ainda segundo Dreiffus, os maiores financiadores do IPES
foram cinco empresas: Refinaria União, Light, Cruzeiro do Sul, Icomi, Listas
Telefônicas Brasileiras, além de trezentas empresas de menor porte(desde
indústrias alimentícias até farmacêuticas), além de diversas entidades de
classe.
O objetivo do instituto, era fazer um levantamento da maneira de
expressão do brasileiro de forma a mapear o comportamento social do público
alvo, que era a classe média baixa da população, além dos formadores de
opinião, como entidades religiosas diversas, para elaborar filmes publicitários,
documentários, confecção de panfletos, e propagandas. Basicamente o IPES
trabalhava com pesquisas e estatísticas para coleta de informações para
elaborar filmes publicitários, documentários, panfletos, e propagandas contra o
governo de João Goulart e seus aliados. Este Instituto colaborou com diversas
entidades de tendência direitista, como a União Cívica Feminina, Campanha da
Mulher pela Democracia, além de outras entidades ligadas à Igreja Católica
496
.
As sementes do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foram
lançadas no final do governo de Juscelino Kubitschek. O instituto foi fundado
496
DREIFUSS, René Armand. 1964, A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis,RJ: Vozes, 2006. O capítulo V da referida obra trata minuciosamente do complexo
IPES/IBAD.
292
em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, recebendo contribuições de
empresários brasileiros e estrangeiros, que, descontentes com a disparada da
inflação e o estilo populista de JK, julgaram necessário organizarem-se com o
objetivo de combater o comunismo no Brasil e influir nos rumos do debate
econômico, político e social do país. O papel desenhado para o IBAD era a
ação política. Segundo Dreifuss, o complexo IPES/IBAD teria sido o núcleo
ativo de um “golpe de classe”, cujos objetivos seriam, entre outros, restringir a
organização das classes trabalhadoras; consolidar o crescimento econômico
num modelo de capitalismo tardio, dependente, com alto grau de concentração
industrial integrado ao sistema bancário e promover o desenvolvimento de
interesses multinacionais e associados na formação de um regime
tecnoempresarial, “protegido e apoiado pelas Forças Armadas”.
497
Assim, se Lott era uma pedra do sapato da alta oficialidade o que dizer
então de João Goulart e seu cunhado Leonel Brizola que eram considerados
inimigos do Estado e conseqüentemente os mais visados pelos segmentos
reacionários, tanto civis quanto militares.
Após os incidentes que agitaram novamente a gestão de Juscelino, o
seu vice João Goulart não teve êxito em seus objetivos, que o governo
manteve-se alheio às suas pretensões e Lott decidiu exonerar-se do cargo no
dia 11 de fevereiro de 1960.
Finalmente, no dia 18 de fevereiro, foi realizada a convenção petebista
que homologou a chapa Lott-Goulart para as eleições deste ano. Manifestando-
se contrários à orientação do partido de apoio à candidatura Lott, os diretórios
regionais de Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
declararam-se dissidentes. O próprio Goulart não se opôs ao movimento Jan-
Jan, surgido nos meios sindicais para promover a sua candidatura
conjuntamente com a de Jânio Quadros, que concorria à presidência com o
apoio da UDN e dos partidos Democrata Cristão (PDC), Trabalhista Nacional
(PTN) e o Libertador (PL).
Em 3 de outubro realizaram-se as eleições
498
que deu vitória a Jânio
com 5,6 milhões de votos, obtendo uma diferença sobre o segundo colocado,
497
idem
498 Concorreram as seguintes chapas: Henrique Teixeira Lott e Goulart apoiados pelo PTB-PSD, Jânio
Quadros apoiado pela coligação UDN-PL-PTN-PDC, tendo para vice-presidente dois nomes - Mílton
Campos, candidato da UDN e do PL, e Fernando Ferrari, candidato do PTN e PDC e do Movimento
293
Marechal Lott, de quase dois milhões de votos. Para a vice-presidência venceu
o nome de João Goulart com 4.547.010 votos, pouco mais de 300 mil acima do
candidato udenista, Mílton Campos.”
499
As diferenças entre o presidente recém eleito e seu vice logo se
manifestam, Jânio Quadros desde a escolha dos ministros para as pastas
militares, vinculados ao grupo que preconizava maior articulação com o capital
internacional, perpassando pela política econômica, que seguia o receituário
ortodoxo recomendado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a que se
somava a instauração de uma cruzada moralizadora no país, o que estendeu
ainda mais o campo de ação do serviço secreto, cujos agentes passaram
também a fiscalizar e encaminhar suas denúncias para instauração de
inquéritos comandados por militares – destinados a criar uma imagem de
inovação dos costumes e saneamento moral, tendo a administração pública
como alvo principal.
Em maio de 1961, o próprio Jango viu-se envolvido nos inquéritos
instaurados no Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS) e no
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB). O vice-presidente
foi nominalmente acusado de ser um dos principais beneficiários da
propaganda eleitoral no IAPB à custa do dinheiro público.
Na seqüência, as tentativas do presidente em obter certo grau de
independência em relação aos Estados Unidos, aproximando-se de países do
oeste e leste europeus, assim como seus posicionamentos contrários às ações
armadas dos americanos em Cuba, e seus discursos condenatórios ao
colonialismo e pela autodeterminação dos povos, ao mesmo tempo em que o
aproximaram do vice, assustou seus antigos aliados da UDN.
A renúncia de Jânio em agosto encetou uma grave crise política no país
que se acentua com as resistências dos setores conservadores à assunção de
Jango à presidência, resultando em um impasse que durou vários dias.
Evidenciaram-se reais possibilidades de confronto militar entre os setores
reacionários e os resistentes ao veto militar a Jango, localizados no Rio Grande
do Sul, através do governador Leonel Brizola e do general José Machado
Trabalhista Renovador (MTR). O quadro de candidaturas foi completado com o lançamento de Ademar
de Barros para a presidência na legenda do PSP.
499
Embora vencendo nacionalmente, Goulart foi derrotado no Rio Grande do Sul por Ferrari e em São
Paulo, Guanabara e Minas Gerais por Mílton Campos.
294
Lopes, comandante do III Exército, que formam uma Cadeia da Legalidade,
rede de mais de cem emissoras de dio que exortava a população a se
mobilizar em defesa da posse de Goulart.
Enquanto isto, o Serviço Secreto, monitora o marechal Lott agora na
reserva. Segundo o documento produzido pelo agente deste serviço, o
marechal Lott, tentou dissuadir o então Ministro da Guerra, marechal Odílio
Denys, da decisão de deter João Goulart quando este desembarcasse em
território nacional, que este regressava à pressas de sua viagem à China
500
.
O marechal faz ainda um apelo à cúpula das Forças Armadas:
Embora afastado das atividades militares, mantenho um
compromisso de honra com a minha classe, com a minha tria
e às suas instituições democráticas e constitucionais. E por
isso, sinto-me no indeclinável dever de manifestar o meu
repúdio à solução anormal e arbitraria que se pretende impor à
nação. Dentro dessa orientação, conclamo todas as forças vivas
do país, as forças da produção e do pensamento, dos
estudantes e intelectuais, dos operários e o povo em geral, para
tomar posição decisiva e energética no respeito à constituição e
preservação integral do regime democrático brasileiro, certo
ainda, de que os meus camaradas da Forças Armadas saberão
portar-se à altura das tradições legalistas que marcam a sua
história no destino da pátria.
501
Conforme bastante analisado pela historiografia, a adoção de uma
solução conciliatória tentada à última hora, pelo Congresso Nacional, de
implantação do regime parlamentarista mostrou-se inviável e, passados dois
anos e quatro meses voltava o presidencialismo após um plebiscito popular.
Finalmente em 31/03/1964 dá-se o golpe militar extremamente
vislumbrado durante a década de cinqüenta pela cúpula da ESG e pelos
setores dominantes da burguesia.
500
Informação Reservada 26/08/1961. “Lott lança proclamação ao povo e seus camaradas das três
armas”. Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09. Documento nº 617
501
Informação Reservada 30/08/1961. “Lott lança proclamação ao povo e seus camaradas das três
armas”. Relatório Reservado Dossiê DEOPS 50.Z.09. Documento nº 617
295
Considerações finais
Na década de 50 o discurso da democratização do Estado é reiterado à
medida que o governo de Juscelino Kubitscheck se consolida, apesar das
tentativas golpistas encetadas pela oposição udenista.
Mas, paralelamente a esta ideologia, observa-se que os tentáculos do
Sistema de Segurança Nacional são estendidos a todos os rincões do país,
assentadas não apenas nas Delegacias de Polícia nas quais as atribuições da
policia civil se confundem com as da polícia política e adentrando às mais
diversas instituições e organizações sociais, instituindo-se uma vigilância
encarregada de construir peças acusatórias contra quaisquer pessoa que
adquirisse alguma visibilidade na ordem pública.
Tais agentes passam a integrar assim, uma intrincada rede de
informações que passa a ser utilizada para fins políticos pelas mais diferentes
autoridades com acesso ao poder público em funções de liderança política, em
todos os níveis da federação. Tal monta adquire este sistema que, conforme
atestam os próprios envolvidos citados, “parece que adquire vida própria”.
Da documentação construída por tais agentes, selecionei, para o
desenvolvimento da presente dissertação, a análise dos registros afetos ao
universo dos militares, mais particularmente, os que se reuniam em torno do
Clube Militar, pois esta instituição agregava a cúpula das Forças Armadas e
ocorriam as conversações, embates e debates que mais diretamente
interferiam na dinâmica política do país.
A primeira evidencia que chama a atenção é que este Sistema de
Segurança Nacional que, em princípio desencadeia tal vigilância, está
subordinado às Forças Armadas (assim como o era no período Getulista),
através de seu representante no governo, o Ministro da Guerra que naquela
ocasião era o general Lott. Mas muitos dos documentos gerados pelos agentes
deste serviço atestam que estes vigiam também o governo, inclusive o Ministro
ao qual estão subordinados. Que dirá sobre a vigilância que exercem sobre os
outros segmentos da sociedade. No interior das Forças Armadas então, a
constatação nos leva a afirmar que todos vigiam todos, ou seja, vivencia-se um
296
Estado de vigilância total. Mas observa-se também que nesta correlação de
forças, expressas inclusive pelas observações que os agentes do Sistema
deixam registrados à margem dos relatos de suas observações, que o pêndulo
não balança com igualdade de condições. Aparentemente o problema que
desencadeava tal vigilância, da qual resultam os expurgos nas Forças Armadas
que passam a ocorrer de meados da década de 1950 em diante era a
suspeição da infiltração comunista entre as fileiras da cúpula militar.
Mas, adentrando um pouco mais à documentação, as contradições se
evidenciam, particularmente porque o mesmo tipo de acusação atinge uns e
outros. Assim, são acusados de comunistas tanto integrantes da pula do
exército, da marinha, da aeronáutica, mesmo que declaradamente
anticomunistas e cuja atuação era comprobatória de uma postura reacionária a
quaisquer alterações na dinâmica econômico/social vigentes desde, pode-se
dizer, o início da República.
Tal aparente contradição se estende a toda a sociedade, observando-se
que levam a pecha de comunistas representantes do legislativo, executivo,
judiciário, não apenas federais, mas também estaduais e municipais, além de
profissionais liberais, intelectuais, empresários de vários ramos, etc.. Se tal
vigilância se deu no interior dos segmentos dominantes, o que não se pode
dizer dos que pertenciam aos segmentos sociais subalternos, particularmente
os trabalhadores operários e especialmente as pessoas que integravam o
Partido Comunista.
A historiografia vem reconhecendo tal configuração política, mas, de
forma geral, tende a considerar que essa estava afeta apenas aos integrantes
do Partido Comunista. Neste sentido aponta a incoerência entre os preceitos
da democracia no início do governo de JK, acabando por ponderar que à
medida que seu governo avança se consolam os preceitos democráticos, pela
ampliação da vigência dos direitos de cidadania. Mas para os idealizadores da
repressão os movimentos populares cresciam proporcionalmente ao avanço
comunista, desta maneira expressavam uma potencialidade que demandava
ser reprimida. O empecilho não era propriamente o “Estado de Direito”, mas
sim o possível apoio da sociedade civil a estes movimentos.
297
Não nos cabe a adentrar as evidências das perseguições às
manifestações operárias, o que por si questionam tais assertivas, que
este trabalho se restringe ao universo da vigilância no interior das Forças
Armadas e aos nexos que diretamente interferiam nesta relação.
Assim, o resultado deste trabalho identifica, em primeiro lugar, aspectos
de nossa realidade que, mesmo tomados apenas por sua dimensão política,
não se coadunam com a propalada democracia nos moldes aceitos pela
burguesia, ou seja, aquela afeta aos direitos constitucionais em vigor.
Mas para além desta evidência, identifica como as Forças Armadas que
naquele momento se apresentavam divididas, foram promovendo expurgos
respaldados nos dossiês construídos por estes agentes que afastam das
lideranças de caserna e da política, militares que se mostravam reticentes
quanto à manutenção do Estado sob absoluto controle dos segmentos da
burguesia atrelados ao capital internacional e às suas diretrizes.
O Serviço Secreto desempenhará neste sentido, uma vigilância crucial
com a montagem de dossiês que fomentarão os argumentos principais para a
criação de aparatos de repressão policial, respaldados na doutrina da
Segurança Nacional, justificada pela necessidade de apoiar o binômio:
Desenvolvimento e Segurança Nacional e tais regras atingiram setores das
Forças Armadas que passaram a ser expurgados. No interior das Forças
Armadas, observa-se a gradual mobilização dos segmentos que apóiam os
golpes bonapartistas conforme os interesses dos segmentos da burguesia
aglutinados em torno da UDN e às diretrizes dos mentores da guerra fria.
O seu fortalecimento se comprova pelos expurgos dos integrantes das
organizações que defendiam a manutenção da legalidade constitucional que
naquele momento se aglutinavam em torno de organizações denominadas
legalistas e se estende a todos os que manifestavam opiniões que pudessem
por em risco a manutenção da lógica autocrática que norteava a ação do
Estado.
Assim, paradoxalmente, quanto mais se propalava o “Estado de Direito”
mais se aprofundava a necessidade da vigilância e do expurgo daqueles que
eram considerados “inimigos da pátria”. Nesta lógica, quanto mais os diferentes
298
segmentos sociais conseguiam expressar suas demandas e encontrar eco no
governo, mais riscos representavam para a democracia. E quanto mais alguns
círculos oficiais dentre os militares expressavam alguma tolerância às
liberdades de organização e expressão, à aplicação dos preceitos
constitucionais que garantiam direitos civis, mais os segmentos conservadores
consideravam isto um risco á democracia. Assim, o fantasma de uma
conspiração comunista que é visto em todas as organizações, em todos os
lugares, sendo exemplo disso a vigilância aos comandos militares monitoradas
pelos agentes do Serviço Secreto, nada mais é do que a aparência que
camufla as articulações para o fortalecimento do golpe bonapartista que não
tardará muitos anos para se consolidar.
Nesse sentido o “pacto social” que embalava o discurso nacional
desenvolvimentista de JK, entrava em crise na mesma proporção do aumento
da mobilização das massas. A contradição entre o discurso democrático e a
repressão policial manifesta-se como produto da impossibilidade de um Estado
autocrático consolidar uma política nacional de proteção ao interesse da
população em geral, pois isto viria em total detrimento dos interesses dos
segmentos da burguesia há muito no domínio das rédeas da dinâmica
econômico social do país. Assim a perspectiva de correção do processo é a
centralização política através do poder coercitivo das Forças Armadas
refletidas na movimentação dos bastidores da caserna em desobstruir os
entraves dentro da própria instituição, pavimentando uma perspectiva de golpe
continuo e que encontra eco em círculos mais amplos da sociedade na medida
em que a crise do desenvolvimentismo se amplia.
No decorrer do governo de JK a convivência com as Forças Armadas foi
pautada pelas contentas entre os integrantes do alto oficialato e o baixo e
médio escalão. A cada momento a cúpula entrava em pânico assombrada com
a perspectiva de uma nova quebra da hierarquia conforme já ocorrera no
passado com os tenentes. Este receio, naquele momento, manifestava-se
infundado, dados os expurgos efetuados nas décadas anteriores. No
entanto, qualquer manifestação destes escalões em assuntos e ações que para
o “Alto Escalão” são exclusivamente da “elite nacional”, poderia trazer de volta
o “espírito” das “liberdades democráticas”, o que contaminaria o debate sobre
299
os destinos da nação e destruiria a hierarquia e a disciplina, enfim, o código
militar. Possibilitar que integrantes das Forças Armadas que estivessem fora da
cúpula militar se posicionassem sobre assuntos candentes naquele momento,
tais como as políticas de concessão ou não ao capital internacional do petróleo,
da energia elétrica, dos subsídios ou não aos cafeicultores, de aplicação dos
preceitos legais relativos aos direitos dos trabalhadores, de ampliação da
representação, particularmente na linha dos projetos que João Goulart
encaminhava sistematicamente ao Congresso, era sintoma de aproximação
com os comunistas e daí assomava-se o eterno fantasma.
Levantar tais bandeiras era sinônimo de defender plataformas
nacionalistas que levassem à ampliação da participação popular, o que era
considerado altamente subversivo à tropa, pois indiretamente questionavam o
“status quo” vigente tanto nas Forças Armadas, como dos segmentos
udenistas. Nesta linha, o banimento do baixo e médio escalão das forças era
coetâneo à exclusão das classes subalternas e a justificativa reproduzia o
discurso de antanho: eram elementos desprovidos de inteligência e cultura e
não tinham o necessário para um bom discernimento sobre a realidade
nacional.
Como eram desprovidos de vontade própria eram vítimas e massa de
manobra dos comunistas e assim considerados “inimigos internos”, pois não
aderiam aos preceitos do Estado “democrático” principalmente na premissa
que o “sacrifício individual era em prol ao beneficio geral”.
Tal ordem de coisas nos remete aos primórdios do Estado que se
consolidou a partir da primeira república assumido pela oligarquia agrária tendo
como guardiões os militares e que, desde então contradita o preceito da
garantia dos direitos humanos e sua condição de árbitro social em políticas que
favorecessem a “maioria da população”, prevalecendo, enquanto prática social,
a norma da exclusão decorrente esta da especificidade do desenvolvimento do
capitalismo no Brasil, no interior dagica imperialista vigente desde o início do
século XX.
Desta maneira, a incipiente burguesia nascente, subordinada e
dependente que transita do agrarismo à industrialização vai se respaldar em
um Estado que regula de forma coesa a implantação das novas condições de
trabalho contidas neste processo de industrialização brasileira, inclusive porque
300
esta condição determina também a correlação de forças entre os segmentos
desta mesma burguesia. As divergências entre seus interesses, por não
encontrarem no interior da dinâmica econômica e nem na dimensão da política
sua resolução, a fragiliza ainda mais, daí a configuração de um Estado que, por
sua natureza autocrática em face às demandas sociais, atua de forma
coercitiva.
Ante a impossibilidade da construção de um Estado com participação
das classes subalternas, os primórdios da industrialização capitalista no Brasil
e seu posterior desenvolvimento terão na violência e na exclusão social a única
forma de garantir ao Estado a sua dominação de classe, reflexo das
contradições inerentes e das particularidades do modo de produção capitalista
que se desenvolvia no Brasil naquela conjuntura.
Nesse formato de instalação do modo de produção capitalista, o capital
age como um poder “despótico moderno”, cuja contradição principal se na
relação capital/trabalho, propiciando a concentração de renda nas mãos das
minorias dominantes em detrimento da grande maioria, respaldada pela prática
burguesa de transformar seu interesse privado em interesse público e quando
este estado de coisas se ameaçado busca-se o apoio das Forças Armadas
de prontidão contra o inimigo interno.
Em face às mobilizações de classe, particularmente a trabalhadora, é
acionado o terror das autoridades constituídas ante o crescimento das
agremiações consideradas de esquerda e a infiltração de seus membros nas
mais diversas instituições nacionais. O Estado via-se assim diante de um
dilema: a definição de métodos especiais para a prevenção e a repressão às
ações que considerava crimes contra a ordem política e social e o ideário das
liberdades civis e políticas.
O discurso desenvolvimentista ganha espaço e endosso, apesar do
evidente paradoxo: quanto mais o discurso nacionalista se aproximava das
classes subalternas e perspectivava reformas sociais (melhores condições de
trabalho, diminuição de jornada, aumento salarial, o direito a greve, reforma
agrária, participação política) que poderiam aproximar o país de uma
democracia de cunho liberal burguês; mais as classes dominantes não os
301
reconheciam como forças políticas legítimas, cabendo ao Estado criminalizar
de toda a sorte os movimentos sociais progressistas.
Nessa perspectiva de criminalização social nem o oficialato escapa das
acusações de pertencerem ao PCB ou serem “facilitadores” das ações
subversivas provocadas pelos membros do Partido. Militares de alta patente
como generais, coronéis, capitães, etc, que foram considerados perniciosos ao
poder constituído, quando o foram vítimas dos IPMs, tiveram suas carreiras
estagnadas, transferidos para longínquas bases militares, ficando a mercê de
julgamentos de toda a sorte, inclusive nos dossiês da repressão, e num
segundo momento de golpe efetivo, terão suas vidas detonadas ou com uma
“aposentadoria” compulsória, ou na prisão e mesmo tortura pelos agentes do
Estado.
Nos dias atuais, passados muitos anos desses incidentes que
detonaram o golpe de 1964, em maio de 1984, falecia o Marechal Lott, símbolo
de uma época das lutas pela “democracia e pela legalidade constitucional”.
Como membro do Alto Escalão das Forças Armadas e como ex-ministro da
guerra, a imprensa repercutiu a ausência de honras militares no seu enterro. A
diferença de tratamento não foi justificada. A nota não explicava também por
que o sargento Guilherme Pereira do Rosário (morto depois que uma bomba
que estava em seu colo explodiu durante a realização de um show no
Riocentro) fora sepultado com honras militares.
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