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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luís Manuel Malta de Alves Louceiro
O poema A Esfinge de Emerson
e a Conjectura ao Enigma de Peirce
MESTRADO EM FILOSOFIA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luís Manuel Malta de Alves Louceiro
O poema A Esfinge de Emerson
e a Conjectura ao Enigma de Peirce
MESTRADO EM FILOSOFIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, sob orientação do Professor Doutor Ivo Assad Ibri.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Para
Isabella, Bruna, Bianca e Rafael
Resumo
Luís Manuel Malta de Alves Louceiro
O poema A Esfinge de Emerson e a Conjectura ao Enigma de Peirce
O principal objetivo desta Dissertação de Mestrado é saber em trabalho inédito - em que
medida o místico da Natureza, orador, poeta, ensaísta, e filósofo transcendentalista norte-
americano Ralph Waldo Emerson (1803-82) pode ter influenciado o pragmaticista e
semioticista norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) através de seu poema
The Sphynx (1841; “A Esfinge”; com tradução inédita no Anexo 1), que teria motivado este
a oferecer uma resposta ao enigma emersoniano no ensaio A Guess at the Riddle (1887-88;
“Uma Conjectura ao Enigma”; tradução inédita no Anexo 2), algo que levou Peirce, mais
tarde, nas palavras de Nathan Houser & Christian Kloesel, à construção de sua admirável
arquitetônica (The Essential Peirce - Volume 1, 245) e sobre o qual o próprio Peirce
escreveu: “este livro, se alguma vez for escrito, como será se eu estiver na condição de
fazê-lo, será um dos acontecimentos da época” (The Essential Peirce - Volume 1, p. 245).
Assim, na Parte I faremos uma análise do poema emersoniano em que exporemos suas
Principais Idéias, aquelas presentes em seus próprios livros, ensaios e poemas - antes e
depois da feitura do poema (1841) -, para que possamos conhecer seu desenvolvimento
intelectual, no rico diálogo com as tradições filosóficas Ocidental. Médio-Oriental e
Oriental (que muito o influenciaram) -, uma vez que a idéia-chave por detrás desta
Dissertação está fundada no outro comentário de Peirce ao enigma d’A Esfinge - “os
símbolos crescem” no ensaio What Is A Sign? (1894; “O Que É Um Signo?”) até
chegar à sua Epistemologia de Estados de Espírito, sua Ética ‘Existencial’ de Auto-
Melhoramento e sua Metafísica do Processo, de acordo com Stanley Cavell, que é
responsável pelo renascimento dos estudos filosóficos emersonianos nos EUA nas últimas
três décadas.
Na Parte II faremos uma análise estrutural (Martial Guéroult) da resposta que Peirce
forneceu ao enigma emersoniano com seu ensaio, Uma Conjectura ao Enigma (1887-88).
Palavras-chave: Emerson. Transcendentalismo. Peirce. Pragmaticismo. Semiótica.
Abstract
Luís Manuel Malta de Alves Louceiro
Emerson’s poem, The Sphynx, and Peirce’s Guess at the Riddle
The main objective of this Master’s Dissertation is to know in an unprecedented work
to what extent the mystic of Nature, orador, poet, essayist and Transcendentalist
philosopher Ralph Waldo Emerson (1803-82) may have influenced Pragmaticist and
Semiotician Charles Sanders Peirce (1839-1914) through his poem, The Sphynx (1841;
translated for the first time into Portuguese in Annex 1), which stimulated the latter to offer
an answer to the Emersonian enigma in the essay, A Guess at the Riddle (1887-88;
translated for the first time into Portuguese in Annex 2), something that, later, according to
Nathan Houser & Christian Kloesel, led to the construction of his admirable Architectonic
(The Essential Peirce - Volume 1, 245), about which Peirce himself wrote: “this book, if
ever written, as it soon will be if I am in a situation to do it, will be one of the births of
time” (Ibid, ibidem).
Therefore, in Part I we will analyze Emerson’s poem and will highlight his Main Ideas,
those present in his own books, essays and poems - before and after the making of the
poem (1841) -, so we can know his intellectual development, in his rich dialog with the
Western, Middle-Eastern and Eastern philosophies (that influenced him tremendously) -,
once the key-idea behind this Master’s Dissertation is grounded on Peirce’s other comment
on The Sphynx - “symbols grow” in the essay What Is A Sign? (1894) until we get to
Emerson’s Epistemology of Moods, his ‘Existential’ Ethics of Sel-Improvement and his
Metaphysics of Process, according to Stanley Cavell, who is responsible for the renaissance
of Emerson’s philosophical studies in the US in the last three decades.
In Part II we will make a structural analysis (Martial Guéroult) of the answer Peirce gave
to the Emersonian enigma in his essay, A Guess at the Riddle (1887-88).
Key-words. Emerson, American Transcendentalism. Peirce. Pragmaticism. Semiotics.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................9
Parte I. O poema A Esfinge (1841) de R. W. Emerson (1803-82)...............................17
Parte II. Uma Conjectura ao Enigma (1887-88) de C. S. Peirce (1839-1914)...........152
Parte II.I. Uma Análise Estrutural (Guéroult) do Ensaio de Peirce..............155
CONCLUSÃO...............................................................................................................163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................169
ANEXOS....................................................................................................................... 193
1. A tradução do poema “A Esfinge” (1846; 1867) de RWE.....................................193
2. A tradução do ensaio “Uma Conjetura ao Enigma” (1887-88) de CSP...............197
“O gênio de Emerson é sempre o gênio dos Estados Unidos: foi ele que estabeleceu a nossa religião
autêntica, com efeito, pós-protestante, embora tente parecer o contrário, Autoconfiança não é
doutrina consoladora, pois nos adverte sobre a necessidade de recorrer ao nosso próprio gênio, ou
então entraremos em declínio total” – Harold Bloom. Gênio, p. 352.
1
“Quem é o mais original e o mais versátil intelecto que as Américas produziram? A resposta
“Charles S. Peirce” é incontestável, porque qualquer segundo lugar ficaria tão atrás que não
mereceria ser nomeado. [Ele foi] matemático, astrônomo, químico, geodesista, topógrafo,
cartógrafo, metrologista, espectroscopista, engenheiro, inventor; psicólogo, filólogo, lexicógrafo,
historiador da ciência, economista matemático, estudioso de medicina a vida inteira; revisor crítico
de livros, dramaturgo, ator, contista; fenomenológo, semioticista, lógico, retórico e metafísico” -
Max H. Fisch em Sebeok, The Play of Musement.
1
Harold Bloom. Gênio Os 100 autores mais criativos da história da literatura. Rio de Janeiro: Objetiva,
2003. Em Onde Encontrar a Sabedoria? (2005) Bloom diz: “Emerson, em seu ducentésimo aniversário, está,
mais do que nunca, perto de nós” (...) “Emerson prossegue como figura central da cultura norte-americana, e
informa a nossa política, bem como a nossa religião extra-oficial, que considero mais emersoniana do que
cristã” (...) “No domínio da cultura norte-americana, Emerson foi eclipsado durante a era de T. S. Eliot, mas
foi restaurado em meados da década de 1960, voltando a ser o que era em seu tempo, e logo em seguida: o
maior erudito da imaginação norte-americana.” (p. 219).
9
INTRODUÇÃO
“Esta relação entre a mente e a matéria... é o problema que provocou o
espanto e o estudo de cada gênio refinado desde os primórdios do
mundo; desde a era dos egípcios e dos brâmanes, até àquela de
Pitágoras, de Platão, de Bacon, de Leibniz, de Swedenborg. está a
Esfinge deitada à beira do caminho e, de tempos em tempos, conforme
cada profeta chega, ele tenta sua sorte na leitura de seu enigma.” -
Emerson. A Natureza, p. 19.
O principal objetivo desta Dissertação de Mestrado é saber em que medida o
místico da Natureza, orador, ensaísta, poeta e filósofo transcendentalista norte-americano
Ralph Waldo Emerson (1803-1882) pode ter influenciado o pragmaticista e semioticista
norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), algo que Cornel West como
certo, mas exigindo maior aprofundamento. Diz Cornel West:
A extensa sombra lançada por Ralph Waldo Emerson sobre o pragmatismo
americano tem sido mal aquilatada e raramente examinada. No entanto, Emerson
não apenas prenuncia os temas dominantes do pragmatismo americano, mas, o que
é mais importante, decreta um estilo intelectual de crítica cultural que permite e
encoraja os pragmatistas americanos a dar uma guinada em relação ao curso
principal da filosofia européia. Como Friedrich Nietzsche e profundamente
adorado por ele - Emerson é uma figura singular e única na paisagem intelectual do
Atlântico Norte que desafia classificação disciplinar.
1
Em nossa pesquisa encontramos apenas três referências diretas de Peirce sobre
Emerson: (I) Uma autobiográfica - a jocosa, do célebre bacilo (altamente reVeladora:
Posso mencionar, para o benefício daqueles que estão curiosos em estudar
biografias intelectuais que nasci em Boston e fui criado nos arredores de Concord, -
melhor dizendo, em Cambridge, - em uma época em que Emerson, Hedge e seus
amigos estavam disseminando as idéias que tinham tomado de Schelling, e este de
Plotino, de Boehme, ou sabe Deus de que mentes acometidas pelo monstruoso
misticismo do Oriente. Mas a atmosfera de Cambridge continha muitos anti-
sépticos contra o transcendentalismo de Concord; e não tenho consciência de ter
contraído qualquer daqueles vírus. Entretanto, é provável que algum bacilo, alguma
forma benigna da doença, tenha se implantado em minha alma, despercebidamente
e que agora, após longa incubação, ela tenha aflorado, modificada por concepções
matemáticas e investigações físicas.
2
1
Cornel West. The American Evasion of Philosophy A Genealogy of Pragmatism (“A Evasão Americana da
Filosofia – Uma genealogia do pragmatismo”), 1989, p. 9.
2
Charles Sanders Peirce, The Law of Mind. (“A Lei da Mente”) em EP 1, pp. 312-13. Também em CP 6.102
163 (1892).
10
(II) a segunda, de âmbito Pragmaticista, a da sua resposta ao enigma proposto por
Emerson em seu poema The Sphynx (1867; com tradução inédita no Anexo 1)
3
no ensaio
A Guess at the Riddle (1887-88; “Uma Conjectura ao Enigma”; com tradução inédita no
Anexo 2), que Joseph Brent e Kenneth Laine e afirmam ser fato. Diz Joseph Brent:
No entanto, Peirce foi um autêntico herói trágico, (…) Os antigos gregos tê-lo-iam,
decerto, acusado de hubris por sua intenção de descobrir, revelar, e escapar com o
segredo das coisas – “o enigma da Esfinge” especialmente por sua alegação
prometéica de que ele realmente escapara com o segredo e estava a ponto de dá-lo à
humanidade.
4
Diz Kenneth Laine:
Peirce, segundo o espírito geral de Boole, mas não seu conteúdo, aplicou a
topologia às nossas experiências sensoriais comuns – o phaneron, literalmente,
‘aquilo que aparece’ para chegar às suas categorias. Estas categorias são a chave
do pragmatismo e o restante de seu sistema. Elas são sua conjectura ao Enigma da
Esfinge de Emerson.
5
Isto, nas palavras de Houser & Kloesel, teria levado Peirce à construção de sua
admirável Arquitetônica:
“Uma Conjetura ao Enigma” talvez seja a maior e mais original contribuição de
Peirce à filosofia especulativa, e marca sua virada deliberada para o pensamento
arquitetônico. Suas três categorias, que ele especula serem isomórficas com os três
elementos que são ativos no universo (acaso, lei, e aquisição de hábitos), servem
como estrutura para organizar os ramos da filosofia e da ciência, e fica claro que ele
antecipou uma completa reorganização do conhecimento humano ao redor de sua
tríade de concepções universais; pois, com ele mesmo escreveu, em outra página de
rosto, ‘este livro, se alguma vez for escrito, como em breve será se estiver em
condições de fazê-lo, será um dos acontecimentos de marcar época”.
6
e, (III) a terceira referência de Peirce sobre Emerson é, digamos, de âmbito
Semiótico, pois aparece em seu artigo, What Is a Sign? (1894; “O Que É um Signo?”),
7
e
3
O poema “A Esfinge” foi publicado pela primeira vez no The Dial (revista do Transcendentalismo), em
1841; depois no primeiro livro de poemas de RWE, Poems, em 1846; e, finalmente, em todas as subseqüentes
antologias (como primeiro poema), a primeira das quais, May-Day and Other Poems (“Dia de Maio e Outros
Poemas”), em 1867; uma tradução inédita deste poema de Emerson encontra-se no Anexo 1, p. 189.
4
Joseph Brent. Charles Sanders Peirce: A Life [1993; “Charles Sanders Peirce: Uma Vida”), 339].
5
Laine Ketner. His Glassy Essence (1998; “Sua Essência Vítrea”), 345.
6
Houser e Kloesel, em seu The Essential Peirce, Volume 1 (1992), na apresentação do ensaio, A Guess at the
Riddle (1887-88; “Uma Conjetura ao Enigma”), p. 245.
7
The Essential Peirce. Volume 2 (1998), 10; também MS 404 e CP 2.281, 297-302.
11
está relacionada ao fato de que “os símbolos crescem”, portanto, sobre a importância da
“influência”,
8
o cerne epistemológico deste trabalho. Diz Peirce:
Os símbolos crescem. Eles vêm a ser pelo desenvolvimento de outros signos,
particularmente de ícones, ou de signos mistos partilhando da natureza de ícones e
símbolos. Nós pensamos apenas através de signos. Estes signos mentais são de
natureza mista; suas partes-símbolo são chamadas de conceitos. Se uma pessoa cria
um novo símbolo, é através de pensamentos envolvendo conceitos. Portanto, é
apenas de símbolos que um novo símbolo pode crescer. Omne symbolum de
symbolo. Um símbolo, uma vez sendo, espalha-se entre as pessoas. No uso e na
experiência, seu significado cresce. Tias palavras como força, lei, riqueza,
casamento, carregam para nós significados muito diferentes daqueles que tinham
para nossos sancestrais bárbaros. O símbolo pode, com a Esfinge de Emerson dizer
ao homem, De teu olho eu sou o olhar”.
9
Esta Dissertação de Mestrado está dividida em duas partes. Na Parte I, faremos
uma análise do poema A Esfinge (1841;1846;1867) de Emerson, com suas 17 estrofes e
132 versos onde um narrador que descreve A Esfinge, um Poeta, e o diálogo entre
eles, em que Homem e Natureza são comparados. Aqui nossas análises serão sustentadas,
primeira e principalmente pelos próprios livros, ensaios, poemas, journals & cartas de
RWE; depois, por elementos colhidos nas obras de três scholars emersonianos: Robert D.
Richardson, Jr. [Emerson the Mind on Fire (1995; “Emerson uma Mente
Incandescente”), que foi considerado O Livro Notável de 1995 pelos críticos do New York
Times], seu maior biógrafo; do Professor Powell M. Cabot de Literatura Norte-Americana
da Universidade de Harvard, Lawrence Buell, o professor de Literatura Norte-Americana
de Harvard, com suas duas brilhantes obras, Emerson (2003) & The American
Transcendentalists (2006; “Os Transcendentalistas Norte-Americanos”); e, a maior
especialista em sua poesia, Saundra Morris de Bucknell [“‘Metre-Making’ Arguments:
Emerson’s Poems” (1999; “Argumentos com Métrica: os Poemas de Emerson”) em The
Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson],
10
assim como de seus principais
intérpretes: o professor de filosofia da Universidade do Novo México, Russell B.
8
Para quem gosta do diálogo interdisciplinar, recomendamos a obra de Harold Bloom. A Angústia da Influência
– Uma Teoria da Poesia (“The Anxiety of Influence – A Theory of Poetry”, 1973). São Paulo: Imago, 2002.
9
Peirce. CP 2.302.
10
Entre outros autores/obras que consultamos em relação à Biografia Intelectual de Emerson estão (1) a
Introdução à The Selected Writings of Ralph Waldo Emerson (1968; “Uma Seleção de Obras de Ralph Waldo
Emerson”) de Brooks Atkinson; (2) Carlos Baker. Emerson Among the Eccentrics [1996; “Emerson entre os
Excêntricos”; também considerado um New York Times Notable Book (Livro Notável da Crítica do New York
Times”)]. Os ensaios e poemas de Emerson que não encontramos em (1) recorremos às suas obras completas no
site RWE.org.
12
Goodman, que esteve no nosso Encontro Internacional sobre Pragmatismo (2006),
11
com American Philosophy and the Romantic Tradition (1990; “A Filosofia Norte-
Americana e a Tradição Romântica”), Pragmatism – A Contemporary Reader (1995;
“Pragmatismo Uma Leitura Contemporânea”), o artigo sobre Emerson para o site da
Stanford University (31/12/2004)
12
e Contending with Stanley Cavell (2005; Em Contenda
com Stanley Cavell”)], principal interlocutor entre aqueles que acreditam que Emerson é
um proto-pragmatista (como Goodman) ou que os influenciou tremendamente, como o
acima mencionado Cornel West - e os que se opõe à idéia, como é o caso de Stanley
Cavell (n. 1926),
13
Professor Walter M. Cabot de Estética e de Teoria Geral do Valor da
Universidade de Harvard, responsável pela ‘ressurreição intelectual’ de Emerson (como
primeiro filósofo norte-americano) nas últimas três décadas -, e cuja obra, Emerson’s
Transcendental Études (2003; “Estudos Transcendentais de Emerson”), é a súmula de tal
empreendimento -, e que divide as Principais Idéias de Emerson em (1) uma
Epistemologia de Temperamentos, (2) uma Ética ‘Existencial’ de Auto-Melhoramento; e,
(3) uma Metafísica do Processo, além de fazer uma leitura dele a partir de seu mestre, o
filósofo da linguagem britânico, J. L. Austin (1911-60), e de Wittgenstein (1889-1951) e
Heidegger (1889-1976). Diz Cavell:
Ninguém pode, sensatamente, negar que Emerson foi uma musa do pragmatismo.
Mas, para mim, a assimilação de Emerson ao Pragmatismo infalivelmente embota
(“unfailingly blunts”) a especificidade, a realização da linguagem de Emerson,
neste sentido precisamente evita o embate da filosofia por, diria, o direito de
filosofar, de reconsiderar a razão – que Emerson buscou legar.
Mas seria injusto não mencionar os outros scholars emersonianos ou não a que
recorremos nestes últimos 30 meses no afã de aprofundar nossa pesquisa sobre Emerson.
Começamos com a A History of American Philosophy (1947; “Uma História da Filosofia
Norte-Americana”) de Herbert W. Schneider e com Men and Movements in American
Philosophy (1952; “Homens e Movimentos na Filosofia Norte-Americana”) de Joseph L.
Blauambos professores de filosofia de Harvard - para compreender o lugar que Emerson
e Peirce ocupam na História da Filosofia norte-americana. Depois estudamos a obra
11
Ver seu artigo, “Duas Genealogias da Ação no Pragmatismo” na COGNITIO – Revista de Filosofia. Volume 8
– Número 2 (Julho – Dezembro 2007).
12
outro ‘paper’ preciosíssimo de Goodman, que trata da tremenda influência que o Hinduísmo exerceu sobre
Emerson: East-West Philosophy in Nineteenth-Century America: Emerson and Hinduism (“A Filosofia Oriental
e Ocidental na América do Século XIX: Emerson e o Hinduísmo”). Journal of the History of Ideas, Vol. 51, No.
4 (Oct. - Dec., 1990), pp. 625-645 doi: 10.2307/2709649, 21 páginas.
13
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Introdução, p. 7.
13
Philosophia Americana (2006) de Douglas R. Anderson, professor de filosofia da
Universidade de Southern Illinois em Carbondale – que tem um pé no Pragmatismo
14
e que
também esteve no nosso Encontro Internacional sobre Pragmatismo (2006)
15
- que,
nessa obra (ver pp. 188-205) defende a idéia contra Cavell - de que foi Emerson que
“platonizou o pensamento norte-americano” e que deve ser visto como precursor de
William James (1842-1910) e John Dewey (1859-1952), os outros dois pragmatistas
clássicos. Outra obra foi fundamental para o presente estudo, pois serviu de contraponto a
Goodman, Cavell e Anderson foi Emerson’s Pragmatic Vision The Dance of the Eye
(1993“A Visão Pragmática de Emerson A Dança do Olho”), de David Jacobson que
distingue três fases claras e distintas (mas não cartesianamente) na produção intelectual de
RWE: (i) centrada no Homem (e na Cultura); (ii) centrada na Natureza; e, (iii) centrada no
Poder. Veremos até que ponto essa classificação condiz com os fatos (os próprios textos de
RWE).
No decorrer da análise do poema A Esfinge, procuraremos evidenciar como, a despeito do
fato de Emerson ser apologista da “Confiança em si mesmo” (1841) –, seu principal ensaio
(idéia que problematizaremos no decorrer desta DM) -, ele, de fato, dialogou
profundamente com a Tradição filosófica Ocidental (e Oriental). Muitas foram as
“influências” que ele incorporou; além daquelas “imediatas” [de que fala a Carta VII de
Platão (428-348 AEC; ver epígrafe de Prefácio desta Dissertação de Mestrado]:
parentes,
16
professores de Harvard,
17
pastores Unitaristas,
18
membros de seu círculo
Transcendentalista
19
(e outros)
20
assim como por parte daqueles que ele elegeu como os
14
Anderson foi orientando de Carl R. Hausman na sua tese de doutorado com o tema/livro: Creativity and the
Philosophy of Charles Sanders Peirce (1990; “Criatividade e a Filosofia de Charles Sanders Peirce”).
15
Ver seu artigo, “As Natureza Schellinguianas de Emerson: Origens e Possibilidades do Pensamento
Ambientalista dos Estados Unidos da América” na COGNITIO Revista de Filosofia. Volume 8 Número 1
(Janeiro – Junho 2007).
16
A maior influência pessoal na vida de Emerson foi sua Tia Mary Emerson, que ele cognomizou de “o Jakob
Boehme da América”.
17
A influência exercida por seu professor de Harvard, Edward Everett foi importantíssima.
18
O pastor Unitarista William Ellery Channing foi seminal em sua vida.
19
Entre aqueles que muito o influenciaram gostaria de mencionar adiantar três figuras notáveis: (i) Margaret
Fuller (1810-50), que o “apresentou” a Goethe (1749-1832), que, por sua vez, exerceu considerável influência
sobre ele como as idéias “românticas” divulgadas por Madame de Staël (1766-1817); “Sobre a Alemanha”) -;
(ii) Frederick Henry Hedge (1805-90), mais tarde professor de Literatura Alemã em Harvard, que estudara na
Alemanha, grande conhecedor de Kant (1724-1804); e, (iii) Henry David Thoreau (1817-62), que foi viver
sozinho às margens do lago Walden (terras de Emerson), experiência sobre a qual deixou um clássico, “Walden;
ou a Vida nos Bosques” e cujo “Desobediência Civil”, influenciou, por sua vez, indivíduos do quilate de Tolstoy
(1828-1910), Gandhi (1869-1948) e Martin Luther King, Jr (1929-1968).
20
Duas figuras são emblemáticas na vida de Emerson, como veremos: (a) o carismático aluno de Harvard,
Sampson Reed (que pregava a importância do gênio e o advento da Ciência); e, (b) o peão de fazenda e
14
seus Representative Men (1850; “Homens Representativos da Humanidade”): Platão
(428-348 AEC), Montaigne (1533-1592), Shakespeare (1564-1616), Swedenborg (1688-
1772), Goethe (1749-1832) e Napoleão (1769-1821) -, gostaríamos de salientar o papel
fundamental de três autores de língua inglesa: (I) o poeta romântico inglês Wiliam
Wordsworth (1770-1850) o primeiro poeta romântico inglês, que marcou seu próprio
fazer poético (verso livre, temas da vida comum, amor à Natureza); (II) o poeta e
“filósofo” inglês Samuel Taylor Coleridge [1772-1834; cuja obra, Aids to Reflection
(“Meios de Reflexão”), quando lançada a nos EUA (1826) foi um “acontecimento”
(especialmente na vida intelectual de RWE); e, (III) o ensaísta e historiador escocês
Thomas Carlyle (1795-1881), com quem Emerson se correspondeu durante 38 anos
(1834-1872; sendo seu agente nos EUA).
21
Foi através dos dois últimos mas não só! -
que Emerson entrou em contato com as idéias de quatro importantes pensadores alemães,
que tivemos a rara e grata oportunidade de estudar no decorrer de nosso curso de pós-
graduação em Filosofia na PUC SP área de especialização de nosso orientador -; quais
sejam: (w) Kant (1724-1804);
22
(x) Schiller (1759-1805);
23
(y) Fichte (1862-1814);
24
e,
(z) Schelling (1775-1854),
25
autores estes, aliás, que exerceram uma poderosa influência
sobre Peirce (1839-1914), como é por demais sabido. O fabuloso (e inexaurível) Schelling
talvez seja o verdadeiro denominador comum entre Emerson e Peirce -, mas não
deixaremos de recorrer tanto aos pensadores acima mencionados quanto a Schopenhauer
(1788-1860)
26
e aquela constelação de românticos alemães Hölderlin (1770-1843),
Friedrich Schlegel (1772-1829),
27
Novalis (1772-1801)
28
e outros – que exigiram do
metodista Tarbox (que recomendava a Fé; i.e., que ele “orasse sem cessar”, quando Emerson, ainda jovem,
estava quase cego e tomado pelo reumatismo).
21
Ver The Correspondence of Thomas Carlyle and Ralph Waldo Emerson, 1834-1872. Volumes I & II.
Middlesex (Inglaterra): Echo Library, 2007.
22
Peirce sabia a Crítica da Razão Pura (1789) de Kant (1724-1804) praticamente de cor; mas não só: pense-se
na influência que o “esquema” kantiano teve sobre o “diagrama” peirceano.
23
Pense-se na influência do “spieltrieb” schilleriano para o advento do “play of musement” peirceano.
24
Ver artigo de Ibri, “Finitude e existência em Fichte” (pp. 93-124) na Revista HYPNOZ do Centro de Estudos
da Antigüidade Greco-Romana (CEAG) da PUC-SP, Número 8, 2002; e nova menção à correlação entre as
três Categorias de CSP e dos três Princípios fichteanos quando da publicação do artigo que ele apresentou no
10º Encontro Internacional sobre Pragmatismo (Nov. 2007). Ver também, “O Método Anti-Cartesiano de C. S.
Peirce” de Lúcia Santaella. São Paulo: UNESP, 2004.
25
Sabemos que Schelling (1775-1854) pediu a Max Müller (1823-1900) que lhe traduzisse as Upanishads
quando este era seu aluno na Prússia (1844).
26
Referimo-nos, naturalmente, à obra de Schopenhauer (1788-1860), O Mundo como Vontade e como
Representação (1818), que ganhou nova tradução (2005), de Jair Barboza; este já publicara uma obra importante
anteriormente, cotejando Natureza e Arte em Schelling e Schopenhauer, Infinitude Subjetiva e Estética (2003).
27
O Gênio Romântico (1998) de Márcio Suzuki é rico em sugestões sobre o diálogo entre Fichte e Friedrich
Schlegel e a importância deste para a gênese do movimento romântico alemão.
15
genial Schelling uma filosofia mais “genética”, que ele, por sua vez, foi buscar nas
Tradições místicas Ocidentais especialmente em Mestre Eckhart (c.1260-c.1328),
Boehme (1575-1624) e Swedenborg (1688-1772) - e Orientais, especialmente nas
Upanishads,
29
no Vedanta (Advaita), e no Budismo (Hinayana).
30
Na Parte II desta Dissertação de Mestrado, faremos uma análise estruturalcomo
recomenda Martial Guéroult (1891-1976)
31
do ensaio-resposta de Peirce, A Guess at
the Riddle (1887-88; “Uma Conjectura ao Enigma”), com seus 63 parágrafos, em que
Charles Peirce, mais do que dar uma resposta ao “enigma da existência”, vai lançar
(testar) sua extraordinária rede lógica afinal estamos na linha de pesquisa da Teoria do
Conhecimento em diversas áreas do conhecimento, entre as quais a Metafísica e as
futuras Ciências Especiais.
Para melhor conhecer Peirce e sua obra, recorreremos a Joseph Brent,
32
a Houser
& Kloesel (The Essential Peirce. Volume 1), aos editores críticos do Peirce
Edition Project (The Essential Peirce. Volume 2) e, naturalmente, a seus principais
scholars, em especial a John K. Sheriff, o único scholar peirceano a escrever uma obra
baseada na conjectura de Peirce ao enigma emersoniano: Charles Peirce’s Guess at the
Riddle: Grounds for Human Significance (1994; “A Conjetura ao Enigma de Charles
Peirce: Fundamentos em Prol do Significado Humano”) e a seus principais intérpretes no
28
A obra de Novalis, Pólen (com tradução, Apresentação e Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho), é um
primor “pólen” diz tudo! -; mas não devemos esquecer sua concepção do “porco-espinho” como
“fragmento” ou “ideal” – o que, como veremos, os textos de Emerson contêm.
29
Ver artigo de Luís Malta Louceiro – “As Variedades da Experiência Religiosa (de William James) Revisitada
na COGNITIO-ESTUDOS, Revista Eletrônica de Filosofia, do Centro de Estudos do Pragmatismo, PUC-SP
(2007). Ver também o que Peirce diz sobre as Upanishads no seu ensaio Immortality in the Light of Synechism
(4/5/1893; A Imortalidade à Luz do Siniequismo”), em EP 2, p. 3.
30
Para uma introdução às filosofias da Índia, ver Zimmer. Filosofias da Índia. São Paulo: Palas Athena, 1986.
31
Para o Historiador da Filosofia do Collége de France, Martial Guéroult (1891-1976) “ler” “textos
filosoficamente constituídos” sua “dianoimática” (“a filosofia das filosofias”, segundo ele) - é, ao mesmo
tempo, reconstruir a “estrutura” (articulação interna) do texto (filosófico) e “fazer” filosofia. Será, portanto, a
partir da abordagem de Guéroult que interroga o texto filosófico em si mesmo (não só em sua integridade e
integralidade, mas em sua irredutibilidade e indestrutibilidade) - que secionaremos o texto de Peirce nas suas
“articulações internas” -, no afã de buscar-lhe a arquitetura interna (onde reside sua verdade intrínseca ou o tema
principal do texto, i.e., seu argumento lógico). Ver, Martial Guéroult. “La Méthode en Histoire de la
Philosophie” em Philosophiques, vol. 1, n. 1. São Paulo: Abril, 1974, p. 07-19. Devemos o aprendizado deste
méthode à professora Dra. Salma Muchail, da PUC SP.
32
Charles Sanders Peirce: A Life (1992; “Charles Sandes Peirce: Uma Vida”).
16
Brasil, Ivo Assad Ibri [Kósmos Noētós (1992) e artigos] e Maria Lúcia Santaella [A
Assinatura das Coisas (1992); Estética (2000) e outros].
Assim, na Conclusão, teremos subsídios para avaliar em que medida Emerson,
de fato, influenciou Peirce através do “célebre bacilo”, embora saibamos que a verdadeira
resposta ao enigma emersoniano, que é o da existência, Peirce dará em sua admirável
Arquitetônica (EP 1, 245).
17
Parte I. Ralph Waldo Emerson (1803 1882), o poema The Sphynx (1841; A Esfinge) e
seu Enigma
33
Alguém perguntou: “O que você acha que a Esfinge disse ao Sr. Emerson?”
Sra. Helen Bell: “Ora, a Esfinge provavelmente lhe disse, ‘Você é outra’”
Emerson (JMN 16:294).
34
O filósofo Transcendentalista norte-americano, Ralph Waldo Emerson, foi
também um “místico da Natureza”,
35
orador,
36
ensaísta, poeta e filósofo
Transcendentalista.
O fato de RWE ser um “místico da Natureza e um “poeta”, já o inclui na
Categoria de Primeiridade na Fenomenologia peirceana; e, naturalmente, pois a
Arquitetônica de Peirce é toda simétrica -, na sua Estética (entre as Ciências Normativas) e
na Ontologia (na sua Metafísica). Peirce, se não é poeta, reconhece o valor do poeta. Veja-
se, a título de exemplo:
Ouço você dizer: ‘Tudo isso não é fato; é poesia’. Bobagem! Poesia ruim é falsa,
concedo; mas nada é mais verdadeiro do que a verdadeira poesia. E permitam-me
dizer aos homens de ciência que os artistas são observadores mais refinados e
exatos do que eles, exceto por aquelas minúcias pelas quais o homem de ciência
procura. Ouço-os dizer: ‘Isso tem cheiro de concepção antropomórfica’. Respondo
que toda a explicação científica de um fenômeno
natural é uma hipótese de que há algo na natureza ao que a razão humana é análoga
(nossos grifos).
37
33
Saundra Morris, nota 10 (p. 241-242). A epígrafe refere-se a um verbete jocoso de Emerson em seu Journal
em 1873, após sua viagem ao Egito.
34
Quando da publicação das Obras Completas de R. W. Emerson, no centésimo aniversário de seu nascimento
(1903), o filho Edward decidiu começar a antologia poética, não com A Esfinge, que o pai adorava, mas com o
poema Good-Bye, de que Emerson não gostava, pois “o enigma estava além do poder [dos leitores] em decifrá-
lo” (W 9:403; em Saundra Morris, nota 6, p. 241). “Emerson é uma figura singular e única na paisagem
intelectual do Atlântico Norte [do tipo] que desafia classificação disciplinar”. Cornel West. American Evasion of
Philosophy (“Fuga Norte-Americana da Filosofia”), p. 9.
35
Ver “Mística Natural” em Dicionário de Mística. São Paulo: Edições Loyola & Paulus, 2003. pp. 737-743.
Ver também a importância da “Mística” para a Filosofia em J. Ferrater Mora. Dicionário de Filosofia. São
Paulo: Edições Loyola, 2001. pp. 1976-78. Dentro do Pragmatismo, ver William James. The Variety of Religious
Experience (“A Variedade da Experiência Religiosa”). New York: The Modern Library, 1902, especialmente os
capítulos pertinentes à “Mística” (Palestra XVI e XVII; pp. 370-420) e à “Filosofia” (Palestra XVIII; pp. 421-
447). Para uma análise mais detalhada deste assunto, ver o artigo de Luís Malta Louceiro publicado na revista do
Centro de Estudos de Pragmatismo da PUCSP, COGNITIO-ESTUDOS Revistas Eletrônica de Filosofia, no
seguinte site:
http://www.pucsp.br/pos/filosofia/Pragmatismo/cognitio_estudos/cog_estudos_v4n2/cog_est_v4n2_sumario.htm
36
Sobre a Retórica de RWE, diz Peirce: “De Emerson, suas palestras dos anos 1840” - que ele não ouviu, mas
leu, pois CSP é de 1839 - “impressionaram-me bastante; pois não era necessário compreender Emerson ou ter
mais do que o mínimo contato com ele para se ficar bastante impressionado” (Joseph Brent, 45; em MS 296).
RWE, afinal, freqüentava a casa de Benjamin Peirce (1809-80), pai de CSP.
18
Quanto ao fato de RWE ser um “ensaísta” na linhagem de Montaigne (15-),
seu mestre, como veremos, não deixa de ser altamente revelador na defesa de seu status
como “proto-pragmatista”. O “ensaio” é próprio da Ciência, que se quer pluralista e
falibilista. Ademais, o “ensaio” é um “gênero híbrido”; diz Aldous Huxley (1894-1963),
um de seus expoentes (em vertente literária) no século XX (nosso grifo):
“Os ensaios pertencem a uma espécie literária cuja variabilidade extrema pode ser
estudada mais efetivamente dentro de um quadro de referência tri-polar. o pólo
do pessoal e autobiográfico; o pólo do objetivo, o factual, o particular-concreto;
e há o pólo do abstrato-universal. A maioria dos ensaístas está em casa com um dos
três pólos do ensaio ou, no melhor dos casos apenas com dois. os ensaístas
predominantemente pessoais, que escrevem fragmentos de biografia reflexiva e que
olham para o mundo através do buraco da fechadura do ‘caso estranho’
(“anecdote”) e a descrição. os ensaístas predominantemente objetivos, que não
falam diretamente de si mesmos, mas voltam sua atenção para fora, para algum
tema literário, científico ou político... e quão esplêndido, quão verdadeiramente
oraculares são as falas dos grandes generalizadores!” (…) “Os ensaios mais
ricamente satisfatórios são aqueles que fazem o melhor não de um, nem de dois,
mas dos três mundos em que é possível para o ensaio existir” [Collected Essays
(“Ensaios Coligidos”), “Prefácio”].
Acreditamos que RWE seja um exemplo deste tipo final.
38
Quanto ao seu status de “filósofo” [Transcendentalista], devemos recorrer, aqui,
a Herbert W. Schneider que, em seu capítulo sobre Emerson (25) – depois de mostrar que
o Transcendentalismo é “O Florescimento do Iluminismo” (Capítulo 23; p. 261), pela fé no
poder criativo da Razão! (Ibid, ibidem) diz: [Para Emerson], “Deus é transcendente à
natureza precisamente porque ele é imanente no espírito do homem” (nosso grido).
39
Seu discípulo na Universidade de Columbia, Joseph L. Blau, em Men and Movements in
American Philosophy (1952; “Homens e Movimentos na Filosofia Norte-Americana”) é
menos respeitoso. Denomina os Transcendentalistas como os New England Wild Oats
(“Os Pirados da Nova Inglaterra”; p. 110), mas define, igualmente, seu método como
37
C. S. Peirce. The Seven Systems of Metaphysics (1903; “Os Sete Sistemas de Metafísica” em The Essetial
Peirce. Volume 2, p. 193; também no MSS 309 e CP 5.77n, 93-11, 114-18, 1.314-16, 5.119, 111-13, 57-58; e,
em HL 189-203; nossos grifos). No Address at the Emerson Centennary (25 de maio de 1903; “Palestra do
Centenário de Emerson”), o pragmatista clássico, William James (1842-1910), diz: “Se nós devemos defini-lo
em uma palavra, nós devemos chamá-lo de Artista. Ele foi um artista cujo meio foi verbal e que forjado em
material espiritual” (nosso grifo; The Complete Works of William James, 1120).
38
Para um maior aprofundamento no tema recomendamos Theodor W. Adorno. The Essay as Form (“O Ensaio
como Forma”) em The Adorno Reader. Blackwell Publishers, 2000.
39
Schneider. A History of American Philosophy (1947; “Uma História da Filosofia Norte-Americana”); p. 281).
19
baseado na crença de que “a verdade universal está presente no coração de cada ser
humano” (p. 116; ver também, p. 122 e 129; nosso grifo) e que “o pensador individual é
capaz de alcançar a verdade universal” (p. 120; nosso grifo). Mas Blau é mais perspicaz
que Schneider; sabe ver – através de Emerson que “embora a voz [interior] a ser
seguida esteja dentro do indivíduo, não é do indivíduo. É de Deus” (p. 123; nosso
grifo). E Blau termina por dizer que “com toda a sua ‘gentileza’,
40
Emerson tornou-se uma
instituição norte-americana” (p. 131).
Agora gostaríamos, a título de Introdução à análise do poema, de trazer a visão
de três scholars emersonianos sobre RWE: Saundra Morris, Robert Richardson Jr., e
Lawrence Buell.
Saundra Morris diz (p. 220)
41
que o poema A Esfinge foi “originalmente
publicado na terceira edição do The Dial (Janeiro 1841), a revista que foi a porta-voz do
Transcendentalismo (1840-44). Para a professora de Bucknell, este é um Threshold-poem
(“Poema-limiar;” 220) tanto que Emerson o colocou no início da antologia
42
que trata
da “dificuldade da expressão poética” (p. 221), “um enigma sobre um enigma” (p. 222)
43
e compara o célebre verso emersoniano, Of thine eye I am eyebeam (“De teu olho sou o
olhar”) à enigmática resposta que o deus hebraico deu a Moisés no pico do Horeb (Êxodo
3:14: “Eu Sou Aquele Que Sou;” ibidem) - para o qual “a única resposta disponível é o
silêncio” (p. 222).
Ora, em silêncio scholar algum pode ficar.
44
Assim, ela se redime e diz que
“como ‘poema-limiar’ A Esfinge realiza múltiplas tarefas” (p. 223) entre as quais estariam
“enigmáticas instruções sobre como abordar o resto dos poemas de Emerson” (p. 223),
40
A propósito da ‘gentileza’ de Emerson, Harold Bloom diz, em “Onde Encontrar a Sabedoria?”, que “Emerson
é gentil como arame farpado”.
41
Este artigo de Saundra Morris aparece no The Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson (“O
Companheiro da Cambridge para Ralph Waldo Emerson”). Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1999
(pp.218-242).
42
O primeiro enigma é o da existência (Saundra Morris, 232) o segundo é o de como decifrá-la.
43
Difícil não recomendar a preciosa obra do argentino Santiago Kovadloff, O Silêncio Primordial. Rio de
Janeiro: JoOlympio, 2003, que, após um Prólogo de Um Silêncio Maior, trata de (I) A palavra no abismo:
poesia e silêncio; (II) O silêncio na cura; (III) O silêncio musical; (IV) O silêncio matemático; (V) O silêncio
monástico; (VI) O silêncio da luz: a pintura; e, (VII) O silêncio amoroso.
44
Este talvez seja o leitmotiv de toda a obra emersoniana (não a poética): o diálogo (do poeta-filósofo) com a
Natureza (Saundra Morris, 233). Desde o poema The Rhodora (“A Rodora”), cujo subtítulo é On Being Asked,
Whence Is the Flower? (“Ao Ser Questionado, de Onde Provém a Flor?”) cuja resposta é “se os olhos foram
feitos para ver, / Então a Beleza é sua própria razão de ser: (...) eu nunca pensei em perguntar, eu nunca soube: /
Mas, em minha simples ignorância, suponho / O mesmíssimo Poder que me trouxe aqui trouxe-te a ti”
(SWRWE, Poems, 765-766; tradução livre de Luís M. Louceiro) até o poema Hamatre
ya em que faz a
Natureza perguntar, perplexa: “Como é que eu sou deles, // Se eles não conseguem me conter, // Mas eu os
contenho?”
20
várias sugestões sobre “teorias de leitura, escrita, intertextualidade” (p. 223) d’ o poeta
que “para Emerson, é aquele capaz de ouvir as locuções da natureza e traduzi-las em
verso” (p. 224; nossos grifos).
45
Robert Richardson, Jr. diz-nos (p. 431)
46
que o poema A Esfinge de
Emerson faz parte de uma antologia, Poems, cuja edição americana foi lançada no Natal de
1846.
47
Segundo este ex-professor de Harvard (Ibid, 334-335), Emerson escreveu este
poema em abril de 1840junto com o ensaio The Oversoul (“A Sobre-alma;” “seu ensaio
sobre identidade,” Ibid, 335) e, A Esfinge é a declaração poética de Emerson da
identidade fundamental de todas as coisas (Ibid, 431; nosso grifo). Esta idéia, ainda
segundo Richardson Jr.,
aparece como o atman da Bhagavad Gita, o verdadeiro Self que todos
compartilhamos. É também a idéia principal da filosofia da identidade” de
Schelling: “O Absoluto é a pura identidade da subjetividade e objetividade, do
ideal e do real... a convicção de que a filosofia da natureza e o sistema de
idealismo transcendental são mutuamente complementares”.
48
Coleridge apossa-
se da idéia no capítulo 12 da Biographia Literaria.
49
O filósofo transcendental
reivindica que a natureza está inconscientemente envolvida na existência de seu
próprio ser, “que ela [a natureza] é não apenas coerente, mas idêntica, e uma e a
mesma com a nossa autoconsciência imediata”. Demonstrar esta identidade é a
função e o tema de sua filosofia.
50
45
Como veremos, o próprio poema fará alusão aos presentes que os três Reis Magos levaram ao menino-deus
nascido numa Gruta (o útero da Mãe Terra?) em Belém [“Casa da Carne” (Encarnação?) ou “do Pão”
(transFormação?) em hebraico].
46
A obra em questão é a de Robert D. Richardson, Jr., Emerson The Mind on Fire (“Emerson A Mente
Incandescente”). Berkeley: University of California Press, 1995.
47
Na segunda coleção de poemas Mayday and Other Poems (1867; “Dia de Maio e outros poemas”) –
Emerson irá colocar o poema “Brahma” um intertexto da Bhagavad Gita - como threshold poem (“poema-
limite”) – que Saundra Morris diz (p. 235) ser aquele poema emersoniano mais comparado a A Esfinge. O poema
começa assim: “Se o pele vermelha assassino pensa que mata, // Ou se o assassinado pensa que é morto, // Eles
não conhecem bem os modos sutis // Eu fico, e passo, e volvo de novo”. Voltaremos à questão mais adiante, pois
a noção vedantina – também expressa na Bhagavad Gita de Brahma [em seu aspecto “não–manifesto”
(nirguna) e em seu aspecto “manifesto” (saguna)] será de vital importância para Schelling e, portanto, tanto para
o panteísmo de Emerson quanto para o “idealismo-objetivo” de Peirce.
48
Para conhecer melhor esta “apropriação” (equivocada) ver Sanja Sostaric. Coleridge and Emerson: A Complex
Affinity, especialmente a gina 271 em que mostra como “Ironicamente, a distinção de Kant entre a Razão e o
Entendimento serviu, através de uma série de más-interpretações (por parte de Coleridge), para promover
precisamente o que Kant tinha querido eliminar com sua filosofia crítica, quer seja, as brumas do misticismo”.
Aliás, Kant criticara Swedenborg antes da Crítica da Razão Pura (1781) em “Sonhos de um Visionário
Explicados por Sonhos da Metafísica”. Ver Kant. Escritos Pré-Críticos. São Paulo: UNESP, 2005 (pp. 141-218).
49
Richardson cita a seguinte fonte: F. Copleston, A History of Philosophy, vol. 7, part I (New York: Doubleday,
1965), 153; Para obra do poeta romântico e filósofo inglês, ver S. T. Coleridge, Biographia Literaria, ed. James
Engell and W. Jackson Bate (Princeton: Princeton University Press, 1983), 260.
50
“Esta natureza,” diz-nos ainda Richardson Jr., “é variavelmente chamada uma unidade ‘dentro da qual o ser
particular de cada pessoa está contido e tornado um com todos os outros,” uma “natureza comum”, “o grande
coração da natureza”, “o coração comum”, e “a grande mente universal”.
21
Sobre esta idéia de que “compartilhamos todos o mesmo Self”, a scholar
schellinguiana, Dale E. Snow (Schelling and the End of Idealism, 209), recorda-nos aquela
[frase de Schelling] que, para ela, é “a frase mais memorável de toda a polêmica” [entre
este e Hegel]: “qualquer teologia que exclua a mudança produz apenas ‘um Deus que
é estranho à natureza e uma natureza que é destituída de Deus’ [ein unatürlicher Gott
und eine gottlose Natur]” (8:70; nosso grifo). Uma reivindicação, segundo ela, que ecoa,
em As Idades do Mundo: “Nós não conhecemos nenhum outro que não um Deus vivo
(8:142; nossos grifos). E Snow conclui seu trabalho dizendo que embora “as rias
excursões de Schelling pela filosofia da identidade tenham terminado insatisfatoriamente,”
foi precisamente “em seu próprio fracasso em alcançar um fechamento sistemático” que
ele pôde perceber, “a partir das [Investigações] sobre a Liberdade Humana, que tinha
que abandonar o conceito pela metáfora, abandonar um ser elevado imutável por um
panteísmo de um Deus vivo. O ser primordial é vontade”; [pois] “a razão jamais será
suficiente, mesmo em princípio, para entender um ser cuja essência é vontade”
(nossos grifos). É por isso, diz ainda Snow, que “a filosofia da mitologia [tardia de
Schelling] retorna à ênfase sobre o individual, o particular, e o simbólico, tão
características da razão estética, na esperança de que um esquema mitológico
(framework of myth) seja capaz de se apropriar e reter a riqueza da realidade” (Snow,
214; nossos grifos). É, portanto, dentro deste frame schellinguiano mentor de Emerson e
Peirce, como veremos, que analisaremos este poema de Emerson.
Segundo o outro scholar emersoniano, Richardson Jr., “Emerson considerava A
Esfinge tão central em sua obra que ele sempre a colocava no início de seu volume de
poesia” (Ibid, p. 334). Mesmo em 1859 portanto, quase vinte anos depois de compô-lo
Emerson ainda mostrava interesse que o poema fosse bem entendido:
me perguntaram com freqüência sobre o significado de “A Esfinge,” escreveu
(CW, vol. 9, Poems, p. 412). É o seguinte a percepção da identidade unifica
todas as coisas e explica uma pela outra, e o mais raro e estranho é igualmente
acessível quanto o mais comum. Mas se a mente vive apenas de particulares, e
apenas diferenças, (querendo o poder de ver o todo – o todo em cada parte), então
o mundo dirige à mente uma pergunta que ela não é capaz de responder, e cada
novo fato a dilacera...
22
Entretanto, nesta fase de sua produção filosófica, Emerson encontrava-se
precisamente naquele ponto de “metamorfose” este é, a propósito, junto com a
“identidade”, o título do capítulo de Richardson Jr. entre a Fase Humanista (Jacobson,
27-83) e a Fase Anti-humanista (Jacobson, 85-115; com ênfase na Natureza). Se, na
primeira fase este achava que “o indivíduo entra na mente comum da humanidade através
de sua própria natureza, como se fora uma percepção única” (Richardson Jr., 335), agora,
no volume de ensaios que ele está preparando para publicação, ele ficará dividido entre
estas duas tendências: centrar esta idéia no particular e na individuação como foi o caso
de Self-Reliance (“Sobre a Confiança em Si-Mesmo”) ou no universal, i.e., na mente-
comum – como foi o caso de The Oversoul (“A Sobre-alma”) – “aquela grande natureza na
qual repousamos” (Ibid, ibidem)? Em suma, parece que Emerson resolveu o problema ao
se dar conta de que “o poder disponível para o indivíduo autoconfiante é, ao fim e ao cabo,
o poder da natureza comum descrita no The Oversoul (“A Sobre-Alma”; Ibid,ibidem).
Lawrence Buell, o terceiro scholar emersoniano que convidamos para esta nossa
Introdução à análise do poema, por sua vez, vai fazer referência ao poema A Esfinge (p.
171)
51
no capítulo 4 (pp. 158-198) Radicalismos religiosos - de sua obra, Emerson, mais
especificamente no subcapítulo The Asian Difference (“A Diferença Asiática;” a partir da
página 169). Neste capítulo Buell começa dizendo:
Eu gostaria de realçar a importância de Emerson para o pensamento e a história
da religiosidade, que são por demais cruciais para serem deixadas de lado,
mesmo por aqueles para quem o assunto religioso provoca desconforto e irritação
(Buell, Emerson, 158).
Em seguida, o professor de Harvard vai mostrar que a partir do famoso The
Divinity Schools Address (1838; “Discurso aos Seminaristas Formandos de Harvard”)
Emerson começara a defender a “Impessoalidade Divina”, pois, “o que contava realmente
para ele era a experiência espiritual individual, mas a impessoabilidade era o que a
51
As obras de Buell a que recorremos são: Buell. Emerson. Cambridge (Massachusetts): The Belknap Press of
Harvard University Press, 2003 & Buell. The American Transcendentalists (“Os Transcendentalistas Norte-
Americanos”). New York: The Modern Library, 2006. Buell define o Transcendentalismo como “o primeiro
movimento da juventude norte-americano, o primeiro movimento de contra-cultura do país” (The American
Transcendentalists, Introdução, xiii), “questionaram tudo” (Ibid, ibidem), foram os primeiros a transcender “o
provincianismo” (local e britânico) e “abranger o pensamento alemão” e “a literatura e espiritualidade da Ásia”
(Ibid, ibidem); mas o mais amplamente significativo” (...) “foi o clima de ex
perimentalismo não-dogmático” e
“a pletora de iniciativas de reforma social” e no campo da “estética” (Ibid, xviii).
23
autenticava” (Buell, Emerson, 164; nosso grifo), uma vez que “a despersonalização era
indispensável para uma espiritualidade verdadeiramente particular” (“private”; Buell,
Emerson, 169); e é aqui que entra The Asian Difference (“A Diferença Asiática”), que,
segundo Buell, levou ao “ecletismo religioso mais profundamente híbrido que os EUA
tinham visto” (Ibid, 170). No decorrer da Dissertação, especialmente, na Conclusão
veremos a importância da impessoabilidade em CSP, e, na Ciência.
Nas palestras que Emerson dera em 1837 sobre Religião”, ainda segundo Buell,
ele [já] “homenageara Confúcio, os Vedas, as Leis de Manu, Jesus, Sócrates e Plotino
como ‘vozes da Razão pura’” (EL 2:88-91; Buell, Emerson, 170). Para Lawrence Buell, “a
visão de Emerson se expandiu imensamente” (Buell, Emerson, 170; nosso grifo) com a
leitura de Coleridge, Joseph Marie de Gérando e Victor Cousin, a ponto de se tornar “uma
faca de dois gumes: infinitamente expansiva, ferozmente redutiva. Poderia ser usada
para desacreditar todas as formas de religião que não as experiências de pico do
indivíduo inspirado. Instituições, civilizações, épocas poderiam ser descartadas de
uma leva” (Ibid, 171; nosso grifo) que “todos os fatos da história preexistem na
mente como leis” (SWRWE, História, SWRWE, 123; nosso grifo). Quer seja, na Ciência,
os fatos particulares (fenômenos) são subsumidos pelo universal (lei).
Depois deste preâmbulo, seguiremos a sugestão de Martial Guéroult,
52
que é a
de que leiamos o próprio poema algumas vezes para que possamos analisá-lo e interpretá-
lo – mesmo sabendo de seu estatuto icônico e, portanto, polissêmico.
Após uma série de leituras podemos perceber que neste poema de 17 estrofes e
132 versos – cuja tradução, rimada e inédita, se encontra no Anexo 1 – nos damos conta de
que um narrador que descreve A Esfinge, um Poeta, e o diálogo entre eles, em que
Homem e Natureza são comparados.
52
Ver nota 32.
24
1. O Narrador descreve A Esfinge que pede que a decifrem e compara a Natureza ao
Homem (Estrofes I a VIII)
I
Verso 1 The Sphinx is drowsy, A Esfinge está sonolenta,
Verso 2 Her wings are furled: Suas asas estão recolhidas:
Verso 3 Her ear is heavy, Sua audição está modorrenta,
Verso 4 She broods on the world. Triste, sobre o mundo, medita.
Verso 5 “Who’ll tell me my secret, “Quem meu segredo me dirá,
Verso 6 The ages have kept? O que as eras encobriram? _
Verso 7 I awaited the seer Eu esperei o profeta
Verso 8 While they slumbered and slept: _ Enquanto eles cochilaram e dormiram: _
1.1 A Esfinge é descrita como estando “sonolenta” (verso 1), de “asas recolhidas” (verso
2), com “a audição modorrenta” (verso 3) e como estando “a meditar tristemente
sobre o mundo” (verso 4).
No ensaio Nominalist and Realist (1844; “Nominalista e Realista”) e temos que
os ensaios de 1841 e de 1844 são também respostas, por parte de Emerson, ao enigma
posto através dele em 1841 -, RWE dirá que “nós somos criaturas anfíbias, armadas
para dois elementos, tendo dois conjuntos de faculdades, a particular e a católica”
(SWRWE, 437; nosso grifo),
53
e que “devemos buscar os universais” (Ibid, ibidem;
nossos grifos). No mais extraordinário de todos os ensaios de Emerson – que, infelizmente,
não aparece nas antologias, mas que fomos buscar na RWE.org -, quer seja, Literary
Ethics (24 de julho de 1838; “Ética Literária”), Emerson diz:
“O crescimento do intelecto”
54
é estritamente análogo em todos os indivíduos. É
uma mais larga recepção. Homens capazes (“able men”), em geral, têm boa
disposição de ânimo, e um respeito pela justiça; porque um homem capaz nada
mais é do que uma organização boa, livre, vascular, para dentro da qual o espírito
universal flui livremente; de tal modo que este fundo de justiça é não apenas vasto,
mas infinito. Todas as pessoas, em abstrato, são justas e boas; o que as estorva, no
particular é a momentânea proeminência do finito e do individual sobre a verdade
geral. A condição de nossa encarnação em um eu particular, parece-me, uma
tendência perpétua a preferir a lei particular, a obedecer ao impulso particular, à
exclusão da lei do ser universal. O herói é grande por meio da predominância da
53
Esta idéia é absolutamente schellinguiana. “Nós, seres humanos, somos também essa síntese dialética entre
criatura e criação, produto e produção, intelecto e intuição, na forma de uma matéria absolutamente espiritual,
que guarda em si a memória infinita de todas as produções e que, portanto, se sabe enquanto natureza
infinitamente produtiva”. Márcia C. F. Gonçalves. Schelling Filósofo da Natureza ou Cientista da Imanência?
Em As Filosofias de Schelling, p. 88.
54
Não nos esqueçamos que a idéia peirceana de que “os símbolos crescem” (What Is A Sign?; 1894; “O Que É
Um Signo?” em EP 2, p. 10) é o eixo-central desta Dissertação de Mestrado.
25
natureza universal; ele tem apenas que abrir sua boca e ela fala; ele tem apenas que
ser forçado a agir, e ela age” (RWE.org; nossos grifos).
Mas este é apenas parte do enigma. “O segredo do mundo”, dirá Emerson em
1860, no ensaio Fate (“Fado”), “é o elo entre a pessoa e o evento. A pessoa faz o evento,
e o evento a pessoa”, mas, acrescenta, “a cópula está escondida”.
55
Mas vale a pena citar
o trecho completo:
“O segredo do mundo é o elo entre a pessoa e o evento”.
56
“A pessoa faz o evento e
o evento a pessoa. Os ‘Tempos’, ‘a Era’, o que é isso senão umas poucos pessoas
profundas e algumas poucas pessoas ativas que são epítomes da era? Goethe,
Hegel, Metternich, [John] Adams, Calhoun, Guizot, Peel, Cobden, Kossuth,
Rothschild, Astor, Brunel e o resto. O mesmo encaixe (“fitness”) deve ser
presumido entre o homem e o tempo e o evento, como entre os sexos, ou entre uma
raça de animais e a comida que comem ou as raças inferiores que ela usa. Ele acha
que seu fado é-lhe estranho, porque a cópula está escondida. Mas a alma contém o
evento que haverá de caber-lhe, pois um evento é apenas a atualização de seus
pensamentos;
57
e o que nós pedidos em oração
58
é sempre concedido. [Por isso, diz
ele no final do ensaio,] “Devemos tomar cuidado com o que pedimos”.
Comecemos, então, pelo ensaio, Nominalist and Realist (1841; “Nominalista e
Realista”). O título mostra a importância que essa “querela” ainda tinha para os intelectuais
no século XIX. RWE começa concedendo que “Eu não me canso de dizer que uma
pessoa é apenas relativa” (contingente, diriam os medievais; nosso grifo), e é mera
“representante da natureza” (SWRWE, Nominalist and Realist, 435; nosso grifo). E,
assim, o Transcendentalista de Concord urge o leitor (ouvinte): “Vamos optar pelos
universais; pelo magnetismo, não pelas agulhas. A vida humana e suas pessoas
(personae) são pobres pretensões empíricas” (Ibid, 437; nosso grifo) que “surgem e
desaparecem ante o eterno” (Ibid, ibidem; nosso grifos). Cabe, aqui, um trecho da obra
de Fernando Pessoa, travestido de Bernardo Soares; diz ele:
De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira
antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anônima, para
o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo
55
Citado por Stanley Cavell em Emerson’s Transcendental Études, p. 194 e ele dá como referência C 6:43.
56
Há algo de mais semiótico que isto?
57
Esta é a ‘lei do karma’ no hinduísmo; ‘karma’ vem da raiz sânscrita, ‘kr’, que significa ‘ação’.
58
Ele poderia ter dito, ‘o que nós desejamos’.
26
quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e loucura.
Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal
não sou. Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida
passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos,
as minhas idéias mais claras, e os meus prpósitos mais lógicos, não foram, afinal,
mais do que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer
representei. Representaram-me. Fui, não o autor, mas os gestos dele”.
59
Depois RWE parte para defender o Realismo dos Universais, cuja importância é
percebida na “linguagem” dos povos” (Ibid, 438; nosso grifo).
60
RWE vai aos medievais
buscar a noção de que “idéias gerais são essências” (Ibid, 438)
61
e isso está tão presente
na realidade mesma que o homem comum confia totalmente nessas leis (naturais)”
(Ibid, ibidem; nossos grifos). No final do ensaio tardio, Fate (“Fado”), que faz parte do
livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson diz o
seguinte:
Por que deveríamos temer ser esmagados pelos elementos selvagens, nós que
somos feitos desses mesmos elementos. Construamos à Bela Necessidade” (...)
“àquela Lei que rege toda a existência, a lei que não é inteligente, mas inteligência
nem pessoal nem impessoal que desdenha palavras e transmite conhecimento;
ela dissolve as pessoas; ela vivifica a natureza; e, no entanto, convida os puros de
coração a achegar-se a toda a sua onipotência” (RWE. org.; nossos grifos).
Devemos ter em mente que a educação que Emerson recebeu em Harvard foi a da
Escola do Senso Comum (“Comon Sense”) escocês. Curiosamente, em seu artigo sobre
“Emerson” para a Enciclopédia Stanford de Filosofia, Russell B. Goodman deixa de
mencionar não apenas esta “influência” sobre RWE, como a de vários outros autores.
Russell B. Goodman “esquece” inúmeros indivíduos que tiveram uma tremenda influência
sobre Emerson. Entre os pensadores, fala dos pré-socráticos (em geral), mas não
59
Bernardo Soares. O Livro do Desassossego, p. 173.
60
Ponto este sempre enfatizado por Ivo Assad Ibri em sala de aula, posto que “sem os universais não haveria
nem pensamento nem linguagem”. Ver The Importance of the Medievals in the Constitution of Peirce’s
Semeiotic and Thought-sign Theory (“A Importância dos Medievais na Constituição da Teoria Semiótica e de
Pensamento-Signo”) em Semiotics and Philosophy in Charles Sanders Peirce (“Semiótica e a Filosofia de
Charles Sanders Peirce”; editado por Rossella Frabrichesi and Susanna Marietti). Newcastle (Inglaterra):
Cambridge Scholars Press, 2006.
61
Ver o artigo do Professor de Filosofia da The Catholic University of America e Diretor do Scotus Project,
Timothy B. Noone. Universals and Individuation (“Universais e Individuação”) em The Cambridge Companion
to Duns Scotus. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
27
discrimina os influentes Pitágoras (580 - 490 AEC), Anaxágoras (c.499 - 428 AEC) e
Heráclito (c.544 - c.475 AEC). Se fala de Cícero (106 - 43 AEC) e Lucrécio (c.99 - c.55
AEC), esqueceu Sêneca (4 AEC 65 EC), Plutarco (c.45 - 125 EC) e pior, Montaigne
(1533 - 1592). Esqueceu a Escola Escocesa do “Common Sense”, e colocou o
influentíssimos Kant (1724 - 1804), Fichte (1762 –1814) e Schelling (1775 - 1854) além
de Coleridge (1772 - 1834), Wordsworth (1770 - 1850), Goethe (1749 - 1832), Friedrich
von Schlegel (1772 - 1829), Schiller (1759 - 1805) e Madame de Staël (1776 - 1817) sob o
título “Tradição Kantiana e Romântica”.
Mas Goodman também deixou de mostrar a influência que Emerson sofreu de toda
a plêiade Transcendentalista: William Ellery Channing, Frederic Henry Hedge, George
Ripley, Amos Bronson Alcott, Orestes Brownson, Christopher Pearse Cranch, Andrews
Norton, Henry Ware Jr., Margaret Fuller, Thomas Wentworth Higginson, Elizabeth Palmer
Peabody, Theodore Parker, Charles Lane, John Sullivan Dwight, Ellen Sturgis Hooper e
Jones Very.
Por fim, esqueceu sua mãe, Ruth Haskins (1768 - 1853) -, leitora de Fénelon
(1651 - 1715; Richardson, Jr., 21) -, e, especialmente de sua tia Mary Emerson (1774 -
1863), “o Jacob Boehme da América” (talvez a maior influência de sua vida intelectual),
de seu colega de Harvard, Sampson Reed; é imperdoável. Mas, como o falecido Paulo
Francis costumava dizer: “Não tanto o que se publica (ou diz), mas o que se deixa de
publicar (ou dizer)”.
Sobre sua tia Mary Emerson, além dum extraordinário senso de humor algo raro
na Academia -, ela era uma “autodidata omnívora” (Buell, Emerson, 18), que “lera Platão,
Plotino, Marco Aurélio, Boehme, Spinoza, Rousseau, Stewart, William Law, Goethe,
Wollstonecraft, Coleridge, Cousin, Herder, Locke, Mme. de Staël, Channing, Mackintosh,
Byron e Eichhorn” (Richardson Jr., 24), que conhecia Homero e Juvenal (Buell, Emerson,
19), o hinduísmo (Phyllis Cole in The Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson,
43), Shakespeare, Milton, (Phyllis Cole in The Cambridge Companion to Ralph Waldo
Emerson, 42), Berkeley; defendia um idealismo além da Escola Escocesa do Senso
Comum (ensinada em Harvard; Phyllis Cole in The Cambridge Companion to Ralph
Waldo Emerson, 43), e “nos idos de 1820 se dera conta da vocação do poeta como
profeta de Wordsworth e, com Madame de Stäel, já abraçara ‘com entusiasmo’ a idéia de
28
um ‘Deus interior’” (Phyllis Cole in The Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson,
42).
Quanto a Sampson Reed, sua Oration on Genius (“Discurso sobre o Gênio”),
proferido por Reed em Harvard (agosto 1821), um “discurso apaixonado” e “cheio de
convicção” no qual “os gênios” seriam “os meios pelos quais as verdades gerais são
reveladas para o resto das pessoas” (Richardson Jr., 17), “[A]nos depois Emerson ainda
menciona o fato à sua amiga” - a Transcendentalista e editora do The Dial, o veículo do
movimento -, “Margaret Fuller a tremenda impressão que esse discurso lhe causara”
como sendo “seu primeiro – e ainda válido – exemplo do verdadeiro gênio ou força
original” (Richardson Jr., 16). Para Sampson Reed, “quando o poder da verdade divina
começa a dispersar a escuridão, a primeira coisa que vemos são os gênios, aqueles que
têm uma sólida compreensão e um profundo conhecimento” (nosso grifo). E ele
menciona Lutero, Shakespeare, Milton e Newton, pois ele acreditava que “não é difícil de
perceber que o dedo da morte está sobre a igreja” e que deveríamos, portanto, buscar um
conhecimento “genuíno”, um que “o espírito e a natureza estivessem em uníssono”, e, para
ele, “a hora é agora,” em que “a ciência está cheia de vida e a natureza cheia de Deus’”
(Richardson Jr., 17; nossos grifos). Aproximava-se o advento da geração de Peirce e da
Lawrence Scientific School, que terá uma importância capital para o Pragmatismo -, quer
seja, a Escola Escocesa da Filosofia do “Common Sense”especialmente na vertente de
Dugald Stewart - que “era o modo de pensamento prevalente em Harvard”, à época de
Emerson (Richardson Jr., 29). O livro de Dugald Stewart adotado por Everett
62
que,
“para Emerson era mais do que o primeiro herói intelectual; ele foi, por certo tempo, seu
ídolo” (Richardson Jr., 13; ver JMN 1:12-13) - era Dissertation: Progress of Metaphysical,
Ethica, and Political Philosophy (1821; “Dissertação: o Progresso da Metafísica, da Ética,
e da Filosofia Política”) que, “para Emerson, serviu como mapa das idéias modernas”,
algumas das quais ele reteve a vida toda” (Richardson Jr., 29).
62
Everett tinha estudado em Göttingen e retornava a Harvard como professor de literatura grega. Em Göttingen
ele conhecera os mais recentes críticos e exegetas bíblicos, como J. G. Eichhorn (fundador do ‘higher criticism’
bíblico) e Christian Gottlob Heyne, para quem “todas as religiões, incluindo o judaísmo e o cristianismo,
começam com uma filosofia expressa mitologicamente,” i.e., ele [Everett] levou “para a Nova Inglaterra a visão
moderna da história das religiões, de que a mitologia precede a teologia” (Richardson Jr., 13). Para conhecer o
alcance das fontes de Everett, ver Synopsis of a Course of Lectures on the History of Greek Literature (“Sinopse
para um Curso de Conferências sobre a História da Literatura Grega”), Houghton Library manuscript.
(Richardson Jr., 586n5). Curiosamente, William, o irmão mais velho de Emerson, teve a oportunidade de estudar
teologia em Göttingen em dezembro de 1823. Voltou totalmente arrasado e sem fé e acabou juiz em Nova Iorque
(Richardson Jr., 35).
29
Que idéias eram estas? Stewart “rejeitava a divisão tripartite do conhecimento de
Bacon [1561-1626; dividida em História (baseada na memória), Filosofia (baseada na
razão), e Poesia (baseada na imaginação] e a taxonomia de Locke [1632-1704; que dividiu
o conhecimento em Física (ou Filosofia Natural), Ética (ou Filosofia Moral), e Lógica,
incluindo a Retórica] e defendeu este [Locke] da “má-compreensão e simplificação” por
parte de seus seguidores [Gassendi (1592-1655), Condillac (1715-80) e Diderot (1713-84)]
pois, para ele, o próprio Locke “acreditava que nosso conhecimento derivava tanto da
sensação quanto da reflexão” (e não apenas da sensação; Richardson Jr., 30; grifo de
Stewart).
Ao invés, Stewart “propunha duas divisões principais: mente e matéria”
(Richardson Jr., 30) e asseverava que “grande parte do pensamento moderno se dedica a
saber se a mente humana possuía idéias inatas e se a mente é essencialmente ativa ou
passiva” (Ibid, ibidem). Portanto, para Richardson Jr., “o inimigo real para Stewart não
era Locke, mas David Hume” (Ibid, ibidem; nosso grifo) que, segundo Stewart, dividia
“todos os objetos do conhecimento em duas classes, impressões e idéias” (Ibid, 31). “As
impressões” seriam “impressões sensoriais” e “as idéias” seriam “cópias das impressões”
(Ibid, ibidem). “Hume, portanto, duvidava” não apenas “da existência de tal coisa como a
mente” -, de um “Eu pensante que Descartes disse não poder ser posto em dúvida”, uma
vez que, para ele, “a mente para ele era algo imaginário” (Ibid, ibidem) assim como
“negava a existência da causa e efeito” – tornados meros “antecedentes e conseqüentes” ou
“seqüências” – resultando em um “ceticismo radical” (Ibid, ibidem).
Diz Richardson Jr.: “A partir do exemplo de Stewart, Emerson iria se opor a
Hume durante anos. Em grande medida, a vida e a obra de Emerson de fato, o
transcendentalismo em si constituem uma refutação de Hume. É, portanto, importante
reconhecer quão completamente Emerson e seus contemporâneos enfrentaram e
reconheceram o potencial para o niilismo em Hume. “Toda a Escola Escocesa da
Filosofia do ‘Common Sense’”, para Richardson Jr., “representava uma resposta a
Hume” (Ibid, ibidem; nossos grifos), uma vez que todos os seus representantes
acreditavam “na universalidade das percepções morais como sendo parte da constituição
humana” (Ibid, ibidem).
30
Cabe aqui discriminar que, o que Thomas Reid (1710-96) chamou de “Common
Sense”, Stewart chamou de “as leis fundamentais da crença humana”,
63
ou “os elementos
primários da razão humana”. Para ele, “o que vem em primeiro lugar é a consciência
(nosso grifo),
64
que nos assegura que existimos. Depois vem a memória.
65
As leis
fundamentais da crença humana seguem-se. Primeiro, eu existo. Segundo, eu sou a mesma
pessoa hoje que fui ontem. Terceiro, o mundo material tem uma existência independente da
mente.
66
Quarto, “as leis gerais da natureza continuarão no futuro a operar uniformemente,
como no passado”.
67
Entretanto, “[P]ara Emerson”, segundo Richardson Jr., “o ‘Common Sense’
escocês tinha limitações. Como sistema não deixava espaço para a imaginação, a arte ou a
literatura. Era exclusivamente moral” (Richardson Jr., 33).
E mais, RWE volta à idéia em suas três primeiras obras-primas (1836, 37, 38):
“Fico extremamente espantado na literatura pela aparência de que uma mesma
pessoa escreveu todos os livros [nosso grifo; Ibid, 439; eis o Uno de Plotino (204-270)
68
ou o Absoluto de Schelling (1775-1854)]. Por isso, diz RWE, “não é Proclo [que leio],
mas um fragmento da natureza e do fado que exploro. É um prazer ver o autor do
autor do que o próprio” (Ibid, 439; nossos grifos) e confessa que foi isso que sentiu
quando foi ouvir o “Messias” de Handel (1685-1759; Ibid, 440).
A idéia tão cara ao Schelling (1775-1854) da “Filosofia da Arte” (1803), a de
tanto a Natureza quanto a Obra de Arte do Gênio são “manifestações do Infinito no finito”
63
Para a importância da “crença” na gênese do Pragmatismo -, através do filósofo escocês, Alexander Bain
(1818-1903) -, ver o artigo de Russel B. Goodman Two Genealogies of Action in Pragmatism (“Duas
Genealogias da Ação no Pragmatismo”) na Revista COGNITIO, Volume 8, Número 2 (Dez. 2007), pp. 213-
222).
64
Peirce: “O presente é o que é” (...) “e não pode ser abstraído”. (...) “Imagine, se quiser, uma consciência na
qual não comparação, nenhuma relação, nenhuma reconhecida multiplicidade”. (...) “A qualidade de
sentimento é a verdadeira representante psíquica da primeira categoria do imediato como tal em sua imediatez,
do presente em sua direta presentidade positiva”. The Essential Peirce. Volume 2, On Phenomenology (“Sobre
Fenomenologia”), p. 150.
65
Ver a exposição que Ibri faz do “ego como resultado cognitivo do viver” (memória) em Kósmos Noétos, pp. 8-
9.
66
Veja a importância que isto teve para o Pragmatismo. “Os objetos reais são alter e assim permanecem
independentes do pensamento que os representa”. Ivo Assad Ibri. Kósmos Noétos, p. 26.
67
“A generalidade requerida pela concepção de realidade leva a duas questões, uma delas crucial na Filosofia de
Peirce. A primeira atina com as relações entre realidade e existência. A segunda, implícita no que foi anterior e
imediatamente exposto, refere-se à possiblidade ontológica de uma generalidade” [lei]. Ivo Assad Ibri. Kósmos
Noétos, p. 30.
68
“Uma presença que é superior a qualquer raciocínio”. Plotino. Tratado das Enéadas. São Paulo: Polar, 2002.
(Sobre o Bem ou o Uno, p. 127; Enéada na ordem cronológica e Enéada VI 9 na ordem estabelecida por
Porfírio).
31
e, a idéia cara a Peirce -, a de que “o Terceiro (conceito) não consegue subsumir (dar conta
de) a riqueza do Primeiro manifestado no Segundo (Existência)”,
69
está presente em
RWE: “A Natureza ressente-se da generalização e insulta o filósofo a cada momento
com um milhão de viçosos particulares” (SWRWE, Nominalist and Realist, 441).
70
Isto
foi sempre enfatizado por Ibri em sala de aula e em seus artigos.
71
E, depois, RWE vai explicar que é o outro leitmotiv de sua fase desta Segunda
Série de Ensaios (1844) que nós seríamos capazes de perceber que “cada pessoa é um
canal através do qual o céu flui” (SWRWE, Nominalist and Realist, 444). “Se não
fôssemos mantidos entre superfícies”
72
voltaremos a esse conceito no final deste
poema, quando tratarmos de sua “epistemologia de estados de espírito” (Cavell) e dos
“Senhores da Vida” do fabuloso ensaio Experience (“Experiência”) -, “tudo seria amplo e
universal” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
73
Precisamos entender isto em chave peirceana: “o
ego é ignorância e erro” (nosso grifo).
74
RWE retorna constantemente à idéia cara a Schelling (1770-1854) e aos
românticos alemães e ingleses
75
- de que “nada está morto [na Natureza]
76
(lembra
Mestre Eckhart (c.1260-c.1328) afirmando sem cessar que “Deus não criou o
69
Ver a conclusão (p. 257) do artigo de Ivo Assad Ibri. Pragmatismo e Realismo: a Semiótica como
Transgressão da Linguagem. Revista COGNITIO. Volume 7 Número 2. São Paulo: EDUC, Dez. 2006 (pp.
247-260), sobre “o repouso do guerreiro”.
70
“A natureza é o topos da unidade originária desses momentos que se tornam opostos com a reflexão. Segundo
as palavras de Schelling: na reflexão, o ser humano separa ‘aquilo que a natureza unificou para sempre’”. Márcia
C. F. Gonçalves. Schelling Filósofo da Natureza ou Cientista da Imanência? As Filosofias de Schelling, p. 78.
Sobre a classificação, ouçamos o heterônimo pessoano, Bernardo Soares: “Os classificadores de coisas, que são
aqueles homens de ciência cuja ciência é classificar, ignoram, em geral, que o classificável é infinito e,
portanto, se não pode classificar. Mas o em que vai meu pasmo é que ignorem a existência de classificáveis
incógnitos, coisas da alma e da consciência que estão nos interstícios do conhecimento” em O Livro do
Desassossego, p. 97. Chegaremos lá...
71
Ver, por exemplo, Ivo Assad Ibri. Ser e Aparecer na Filosofia de Peirce: O Estatuto da Fenomenologia,
em COGNITIO II. São Paulo: EDUC & Angra, Nov. 2001.
72
“Sinto que nós, habitantes da Nova Inglaterra, vivemos esta vida medíocre porque nossa visão não penetra a
superfície das coisas. Pensamos que é o que aparenta ser - Henry David Thoreau. Walden; ou, A Vida nos
Bosques, p. 97.
73
Difícil não pensarmos no poeta “pré-romântico” inglês, William Blake (1757-1827): “Se as ‘portas da
percepção’ fossem purificadas, tudo apareceria ao homem como é: infinito”. The Complete Poetry and Prose
of William Blake, The Marriage of Heaven and Hell (“O Casamento do Céu e do Inferno”), p. 39. Aldous
Huxley (1896-1963) utilizou-se da idéia para descrever suas experiências com a mescalina “para a expansão
da consciência”, “As Portas da Percepção” (1954).
74
Ver “O Pragmatismo e o Self Secreto” de Karen Hanson na Revista COGNITIO II (Nov. 2001).
75
Ver Russell B. Goodman. American Philosophy and the Romantic Tradition (“A Filosofia Norte-Americana e
a Tradição Romantica”). Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
32
mundo outrora e deixou-o; não;
77
Ele está criando o Mundo neste preciso instante
78
(e a idéia do instante,
79
tão importante para Kierkegaard (1813-1855),
80
por exemplo, é,
como veremos, um das chaves (senão a única) do Enigma d’A Esfinge. Por isso, não é de
espantar que ele faça nova referência indireta! à Esfinge na seguinte frase: “[E]m todo
o universo apenas uma coisa, esta dupla-face, criador–criatura, mente-matéria”
(SWRWE, Nominalist and Realist, 446; nosso grifo),
81
embora Emerson insista,
novamente, que não percebemos isto por causa dos “estados de espírito” (“moods”; os
“Senhores da Vida”) que não apenas “[M]e fazem crer que eu estava certo, mas eu não
estava” (Ibid, 447), mas pior, “me tornam sempre insincero, uma vez que sempre
outros estados de ânimo” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Teremos oportunidade de volver a
esta “epistemologia” extremamente perturbadora mais adiante.
82
76
Ver Nikolai Hartmann, A Filosofia do Idealismo Alemão. Capítulo 4, A Filosofia dos Românticos, pp. 189-
283, especialmente sobre “O Precursor do Romantismo [Alemão]”, Franz Hemsterhuis, para quem “O universo é
um ser vivo e a sua vida é anímica”, p. 195.
77
Para a compreensão da “História do desenvolvimento da Essência Primordial” (p. 216), i.e., como a Divindade
se manifesta em “As Idades do Mundo” (Schelling, c. 1815) -, em que demostra que, paradoxalmente, “não
diferença qualitativa entre passado, presente e futuro”, [pois], “o que se fará e o que se fez são idênticos com o
que faz agora(p. 221), ver Fernando Rey Puente. Tempo e História em Schelling. As Filosofias de Schelling.
pp. 213-237.
78
Eckhart: “Já tenho dito que Deus cria todo este mundo, plena e inteiramente, agora, neste instante”. Mestre
Eckhart. Sermões Alemães. Volume 1. Petrópolis: Vozes, 2006. (p. 190). A obra de Matthew Fox. Breakthrough:
Meister Eckhart’s Creation Spirituality in New Tranlation (“Novo Paradigma: A Criação Espiritual de Mestre
Eckhart em Nova Tradução”). Garden City (NY): Doubleday, 1980 - é precisamente sobre esta noção
eckhartiana de que “Deus continua criando o mundo continuamente”. Ver a noção de “criação como ebulitio
“Todas as coisas são Deus super-fervido (‘over-boiled’)” eckharteana no capítulo The Metaphysics of Flow
(“A Metafísica do Fluxo”), por seu maior intérprete, Bernard McGinn. The Mystical Thought of Meister Eckhart.
The Man From Whom God Hid Nothing (“O Pensamento Místico de Mestre Eckhart O Homem de Quem
Deus Nada Escondeu”). New York: Herder & Herder, 2001 (The Edward Cadbury Lectures: 2000-2001).
79
“Os homens consideram a verdade como algo remoto, nas imediações do sistema solar, atrás da mais
longínqua estrela, anterior a Adão e posterior ao derradeiro homem. De fato na eternidade algo de verdadeiro
e sublime, porém todos esses tempos, lugares e ocasiões estão aqui e agora. O próprio Deus culmina no
momento presente, e não se tornará mais divino no decorrer das idades. E somos capacitados para apreender
tudo o que é sublime e nobre, unicamente pela perpétua instilação e encharcamento na realidade que nos rodeia”.
Henry David Thoreau. Walden; ou, A Vida nos Bosques, p. 97.
80
France Farago. Compreender Kierkegaard. Petrópolis: Vozes, 2005 (p. 152). Comparar com vivência de
Primeiridade em Peirce, em Ivo Assad Ibri. Ser e Aparecer na Filosofia de Peirce: o Estatuto da Fenomenologia
na Revista COGNITIO II (Nov. 2001), p. 71 & Kosmos Noetos, p. 10 e 11.
81
No ensaio tardio, Fate (“Fado”), Emerson irá dizer que “[O] homem é um antagonismo tremendo, uma arrastar
dentro de si os pólos do Universo”. Emerson. Fate (“Fado”) em, The Conduct of Life (1860; “A Conduta da
Vida”), RWE. org.
82
E, como sempre, Emerson termina com duas frases igualmente chocantes (mas verdadeiras; é a marca do
“sábio”): (1) “Quão sinceros e confidenciais podemos ser, dizendo tudo que está na mente; e ainda assim, sair -
de uma terapia, por exemplo sentindo que tudo ainda está por dizer, pela incapacidade das partes em conhecer
um ao outro, embora usem as mesmas
palavras!” (SWRWE, Nominalist and Realist, 447). O problema,
naturalmente, vai ser exposto com uma clareza excepcional por Stanley Cavell, ao mostrar a raiz de “Diction” e
“Condition”, quer seja, como a nossa “dicção” (linguagem, i.e., pensamento) está “com-dicçionada”. Ver Stanley
33
Retornando à primeira estrofe do poema de Emerson, diríamos que “estar
sonolento” é o estado em que se encontra o indivíduo que ainda não despertou para a
busca filosófica,
83
que Peirce descreve como “aquela faculdade rara de olhar para fora
de seus próprios olhos e ver aquilo que o olha fixamente na cara” [The Basis of
Pragmaticism in Phaneroscopy (1905; “As Bases do Pragmaticismo na Faneroscopia” no
EP 2, p. 363; também em MS 908 e CP 1.317-21]
84
e, a partir dos fenômenos (a
multiplicidade), chegar à unidade dos conceitos (universal).
85
Ou, pior, ser unilateral, optar
ora pelo Racionalismo ou pelo Empirismo...; ou, renunciar à filosofia, optando por um
sofismar cético ou niilista...
Sobre “o estado em que se encontra o indivíduo que ainda não despertou para a
busca filosófica”, diz Nikolai Hartmann, referindo-se a Fichte (1762-1814): “Partindo
deste modo de demonstração [“o primeiro princípio (...) não pode ser ele mesmo deduzido
(...) tem que ser imediatamente apreendido por intuição intelectual”], explica-se o método
fichteano, aparentemente paradoxal, e voltar diretamente para a auto-atividade do leitor ou
ouvinte e exigir dele que cumpra conscientemente em primeiro lugar o ato da
autoconsciência. Pois é evidente que na auto-atividade da consciência pode dar-se conta
do seu caráter de ação produtora”.
86
Quanto a Fichte cuja influência sobre Emerson e Peirce ainda não foi
devidamente aquilatada
87
-, suas idéias chegaram a Emerson através de seu amigo, o
historiador e ensaísta escocês, Thomas Carlyle via The State of German Literature (“O
Cavell. Emerson’s Transcendental Études, pp. 70-72, em que discorre sobre “Kant, Coleridge e Emerson”. E,
(2), ainda Emerson: “Eu falei ontem com um par de filósofos; eu fiz o possível para mostrar a meus bons homens
que eu gostava de tudo em turnos (“by turns”) e nada por muito tempo; que eu amava o centro, mas tinha um
fraco por superfícies; que eu amava as pessoas, se as pessoas me parecessem camundongos e ratos; que eu
reverenciava os santos, mas acordava feliz [por saber que] o velho mundo pagão lutou ao fim e caiu de pé”
(SWRWE, Nominalist and Realist, 448).
83
84
“Nenhum método nem disciplina suplanta a necessidade de permanecer sempre alerta. O que é o curso da
história, a filosofia, ou a poesia, por mais selecionada que seja, ou a melhor sociedade, ou a mais admirável
rotina de vida, em comparação com a disciplina de olhar incessantemente o que existe para ser visto. Leitor,
mero estudioso, observador, o que se de ser? Lede vosso destino, vede o que está à vossa frente e marchai
para o futuro”. Henry David Thoreau. Walden; ou, A Vida nos Bosques, p. 111 (nossos grifos).
85
“O pensamento é o espelho do ser, a lei de que o fim do ser é a mais alta realidade é a personificação viva da
idéia de evolução gera” [CP 1.487], e, “o único fim da ciência é aprender a lição que o universo tem para lhe
ensinar” [CP 5.589] em Ivo Assad Ibri. Kósmos Noétos, p. 124.
86
Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d (1960), p.
64.
87
Ver palestra de Ivo Assad Ibri no 10º Encontro Internacional do Pragmatismo (Nov. 2007).
34
Estado da Literatura Alemã;” 1827), Signs of he Times (“Sinais dos Tempos;” 1831) e
Characteristics (“Características;” 1831), que “denunciam o materialismo, a era
mecanicista do utilitarismo e clamam por uma nova era da mente” (Richardson Jr., 146).
Richardson Jr. acredita que o primeiro destes livros do “profeta escocês” foi “o ‘chamado-
para-a-luta’ do Transcendentalismo” (Ibid, ibidem). E a divisa era o dito de Fichte: “Há
uma Idéia Divina que permeia o universo visível; de que o universo visível não é senão
um símbolo e uma manifestação sensível” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
Mas em seu primeiro livro, Nature (“A Natureza;” 1836), Emerson “se afasta da
conclusão solipsística de Fichte” (Richardson Jr., 231). Com aquela dose de realismo que
vai caracterizar o idealismo-objetivo de Peirce, Emerson acha que “qualquer desconfiança
da permanência das leis [por exemplo, da gravidade] paralisariam as faculdades do
homem” (Ibid, ibidem). Margaret Fuller (1810-50), quando conheceu Emerson (1836),
estava lendo Fichte (Richardson Jr., 238). George Ripley (1802-80) também o tinha lido
(Richardson Jr., 247). Quando, em 1848, Emerson começou o seu projeto de escrever uma
Natural History of the Intellect (“História Natural do Intelecto;” nunca completado), ele
estava convicto de que “Kant, Fichte e Schelling haviam tentado descrever a mente em
livros a serem lidos por outros filósofos, mas que lhe cabia fazer algo semelhante em
uma linguagem acessível às pessoas comuns (nossos grifos). Assim, diz ele: “Este é
meu desígnio, fazer esboços das leis do intelecto” (nosso grifo). Estamos em pleno
território abdutivo (peirceanao). Segundo Richardson Jr. (p. 450) “ele estava convencido
de que havia uma correspondência ponto-a-ponto entre o mundo da mente e o mundo
da natureza” (nosso grifo). Compare-se com o que dizem os editores críticos do Peirce
Edition Project:
“Esta Idéia da mente refletir ou espelhar o cosmos é um dos principais princípios da
filosofia de Peirce”.
88
Esta idéia, como teremos oportunidade de ver, não é de Schelling (1775-1854), mas
de Swedenborg (1688-1772), um dos seis “Homens Representativos da
88
Ver, por exemplo, MS 900, “A Lógica da Matemática”, onde Peirce diz: “Sob a Terceira cláusula, temos,
como dedução do princípio que o pensamento é o espelho do ser, a lei que o fim do ser e mais alta realidade é a
impessoação (“impersonation”) viva da idéia que a evolução gera”. EP 2, “Nota 5 sobre a Pearson’s Grammar
of Science”, p. 510 (1901; “A Gramática da Ciência de Pearson”).
35
Humanidade” (1850) para RWE. De qualquer maneira, Hugo Uchoa, em O Dilema de
Schelling, em As Filosofias de Schelling, p. 102, vai tocar precisamente neste tema do
nascimento da reflexão filosófica: “Como é possível um mundo fora de nós, uma
natureza e uma experiência dela; tal pergunta devemos à filosofia, ou melhor, com
essa pergunta surge a filosofia” (nosso grifo). Na mesma obra, Luis Fernando Cardona
Suárez, em seu artigo “Teodicéia e o Sentido da Criação na Metafísica Schellinguiana de
1809”, diz: “Como diria Heidegger, Schelling compreendeu muito bem que o perguntar
radical é a autêntica devoção do pensar” (p. 156; nossos grifos).
E A Esfinge faz a primeira grande pergunta do texto: “quem decifrará o segredo que
as eras encobriram” (versos 5 e 6) é o chamado à vida autêntica [de Sócrates (469-369
AEC) a Heidegger (1889-1976)
89
]; e declara que “espera o profeta [ou sábio; (verso 7)
(que o decifrará)]
90
e diz que “eles cochilam e dormem” (verso 8). Quanto a Sócrates,
devemos dizer com Reali & Antiseri que “[O]s Naturalistas procuraram responder à
seguinte questão: ‘O que é a natureza ou a realidade última das coisas?’ [Cosmologia];
Sócrates, ao contrário, procura responder à questão: ‘O que é a natureza ou realidade
última do homem?’ [Epistemologia ou Gnosiologia]; ou seja: ‘O que é a essência do
homem?. A resposta é, finalmente, precisa e inequívoca: o homem é a sua alma, enquanto
é precisamente sua alma que o distingue especificamente de qualquer outra coisa. E por
‘alma’ Sócrates entende a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente
operante. Em poucas palavras: para Sócrates a alma é o eu consciente, ou seja, a
consciência e a personalidade intelectual e moral. Conseqüentemente, com essa
descoberta, como foi justamente salientado, Sócrates criou a tradição moral e intelectual
sobre a qual a Europa espiritualmente se construiu”.
91
Quanto a Heidegger, devemos dizer
– com Rali & Antiseri - que
89
Reali & Antiseri. História da Filosofia. Volume 6. São Paulo: Paulus, 2006 (p. 206).
90
“Existe um vínculo misterioso entre o interior e o exterior; não se pode procurar um sem encontrar o outro e
quem arrancar ao rosto o véu misterioso da Natureza encontra-se de cara a cara com o seu ser próprio e
verdadeiro (...) “Todo o conhecer é regresso a si mesmo, por mais longe que se possa ir. O verdadeiro é a
unidade da alma e do mundo. ‘O que é Natureza? Um índice enciclopédico, sistemático ou um plano do nosso
espírito’”. Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão. Novalis
, p. 223 (nosso grifo).
91
[Reali & Antiseri. História da Filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2003 (p. 94-95)].
36
“[O] Ser-aí é e tem de ser; isto é, o homem se encontra sempre em uma situação e
enfrenta essa situação graças a seu projetar. Mas, quando volta seus ‘cuidados’ para
o plano ‘ôntico’ ou ‘existentivo’, isto é, ao plano dos entes em sua factualidade, o
homem permanece na existência inautêntica. Nesta, o homem manipula as coisas,
utiliza-as e estabelece relações sociais com os outros homens. Todos esses projetos,
porém, em uma espécie de vertigem, atiram o homem para o nível dos fatos. A
utilização das coisas se transforma em fim em si mesma. A linguagem se
transforma então no palavrório da existência anônima subjacente ao axioma ‘as
coisas são assim porque assim se diz’. Essa existência anônima procura encher o
vazio que a caracteriza, recorrendo continuamente ao novo; ela se afoga na
curiosidade. E, por fim, além do palavrório e da curiosidade, a terceira
característica da existência inautêntica é o equívoco: a individualidade das
situações, em uma existência devorada pelo palavrório e pela curiosidade,
desvanece na neblina do equívoco. A existência inautêntica é existência anônima: é
a existência do ‘se diz’ e do ‘se faz’”.
De qualquer maneira, que a maioria das pessoas está adormecida ou pior,
“sonhando acordadas” - o poderá perceber quem não esteja dormindo, naturalmente.
92
Isto nos levaria a encurtar a exposição, a ir direto ao centro, o que não convém, aqui.
93
Façamos o percurso maior. Ao invés do raio (o “vajra” budista),
94
a espiral...
No ensaio Napoleon; or, the Man of the World [1850; “Napoleão; ou, o Homem
do Mundo”, que faz parte da obra emersoniana, Representative Men (“Homens
Representativos da Humanidade”)], Emerson diz que o imperador francês um quadro
belíssimo dele na frente d’A Esfinge, quando de sua jornada ao Egito - “não suportava
ouvir falar do “materialismo”. Numa bela noite, a bordo (sobre o Nilo), a meio a uma
algaravia sobre materialismo, Bonaparte apontou para as estrelas e disse, “Vocês podem
92
Henry David Thoreau: “Milhões estão despertos para o trabalho físico, mas apenas um em cada milhão está
suficientemente desperto para o efetivo exercício intelectual, e apenas um em cada cem milhões para a vida
poética ou divina. Estar acordado é estar vivo. Até agora nunca encontrei um homem inteiramente acordado.
Como poderia encará-lo?” (nosso grifo; Thoreau. Walden; ou, A Vida nos Bosques, p. 91).
93
Referimo-nos, exemplarmente, ao “quarto estado de consciência” (“Turya”) da filosofia Vedanta, que está
além do (1º) estado de sono profundo; (2º) do estado de sonhos (enquanto dorme); e, (3º) do estado de vigília
que é o da “representação”, para falar schopenhauerianamente.
94
Raio” em sentido duplo: (1º) “Raio” (ilumina-dor) no sentido Budista (“Mahayama”), da “paisagem” que se
descortina ante esse “olhar” (holodiagramático) do “pico”, de que a experiência mosaica, no médio-oriente, é
exemplar. duas grandes vias dentro do budismo chinês. A Escola do Norte, prega o “caminho longo”; a
Escola do Sul, de Hui Neng (638-713), prega “a via curta” ( ). Ver D. T. Suzuki. Essays in Zen Buddhism.
York Beach (USA): Samuel Weiser, Inc., 1985. (Volume 1, pp. 163-228). É o que os jainistas querem dizer com
o tema do “Barqueiro” (“Thirthankara”), como Mahavira (599-527 AEC), que o levam da “margem do tempo”
para “a outra margem” – na eternidade, no centro do círculo. (2º) “Raio” em sentido peirceano, Terceiro, que une
(medeia) entre o Primeiro (“centro”; “Consciência”) e o Segundo (“ponto na circunferência”; “Existência”).
Afinal, é o “Raio” que une o “ponto” na circunferência (o haecitas scotusiano) ao “pontono centro do círculo
(Uno plotiniano).
37
falar o quanto quiserem, senhores, mas quem fez tudo isso?”
95
Este “conhecimento
colateral” agrega-se agapicamente ao de outros indivíduos profundos, que também olharam
para o céu com assombro: Pascal (1623-62; pensamento 206),
96
Kant (1724-1804; Crítica
da Razão Prática, 5:161, 33-36) e Van Gogh (1853-90; ver “Noite Estrelada”; 1889).
Estes são três dos grandes “profetas” para a humanidade, indubitavelmente...
Vejamos o que nos reserva a segunda estrofe do poema de Emerson...
II
Verso 9 “The fate of the man-child, “O destino do homem-criança,
Verso 10 The meaning of man; O significado do ser humano;
Verso 11 Known fruit of the unknown; Conhecido fruto do desconhecido;
Verso 12 Daedalian plan; Plano dedaliano;
Verso 13 Out of sleeping a waking, Do sono ao despertar,
Verso 14 Out of waking a sleep; Do despertar ao sono profundo;
Verso 15 Life death overtaking; A vida à morte a ultrapassar;
Verso 16 Deep underneath deep? Fundo sob fundo?
1.3 A Esfinge passa, então, a descrever os segredos referentes ao Homem que se
devem decifrar: “o fado do homem-criança” (verso 9), “o significado do homem” (verso
10) e começa a descrever o Homem como “conhecido fruto do desconhecido” (verso 11),
“plano dedaliano” -, referindo ao mito de Dédalo
97
- como um ente que “acorda e
dorme” (versos 13 e 14),
98
que “vive e morre” (verso 15)
99
e que é um mistério profundo,
pois é um “fundo debaixo de um fundo” (verso 16; nosso grifo).
100
95
No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A
Conduta da Vida”), Emerson diz “Apenas aquilo que temos dentro, podemos ver fora. Se não encontramos
nenhuns deuses, é porque não aportamos (“harbor”) nenhum. Se há grandeza em você, você encontrará grandeza
em porteiros e garis. Ele apenas é por direito imortal, para quem todas as coisas são imortais” (RWE.org; nossos
grifos).
96
Pascal. Série Os Pensadores. São Paulo: Victor Civita, 1984 (p. 91). Ver também Luiz Felipe Pondé.
Conhecimento na Desgraça Ensaio de Epistemologia Pascaliana. São Paulo: EDUSP, 2004.
97
Dédalo é segundo Homero (c.850 AEC) o ‘artífice ardiloso’ [o Demiurgo?], que projetou (e construiu) o
“labirinto” [mundo?] onde colocou o Minotauro [a Natureza?] de onde Ariadne [a Alma?] tenta sair com a ajuda
de um fio [método?], mas de onde só logrará sair, de fato, com a ação de Teseu [‘thesmos’, instituição].
98
“Ora as costas deste homem dormem. Todo ele, que caminha adiante de mim com passada igual à minha,
dorme. Vai inconsciente. Vive inconsciente. Dorme, porque todos dormimos. Toda vida é um sonho. Ninguém
sabe o que faz, ninguém sabe o que quer, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do
Destino. Por isto sinto, se penso com esta sensação, uma ternura informe e imensa por toda a humanidade
infantil, por toda via social dormente, por todos, por tudo”. Bernardo Soares, o heterônimo pessoano. O Livro do
Desassossego, p. 50.
38
Vale notar que, quando RWE publicou este poema em 1841 ele deixara a sua
primeira fase (David Jacobson; “o método do homem” em Emerson’s Pragmatic Vision
The Dance of the Eye, 1993, Introdução, 5), de que a palestra-livro The American Scholar
(1837; “O Intelectual Norte-Americano”) é emblemático, pois nela, a idéia central é que “o
principal empreendimento do mundo, em termos de explendor e amplidão, é a educação
de uma pessoa (SWRWE, The American Scholar, 59; ênfase acrescentada). Em um de seus
últimos ensaios, Power (“Poder”), Emerson ainda confirmará isto, mas em outro nível: “Uma
pessoa cultivada, sábia para saber e corajosa para realizar, é o fim para o qual a natureza obra,
e a educação da vontade está no florescimento e resultado de toda esta geologia e
astronomia”. Emerson. Power em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”),
RWE.org. Não deixa de ser curioso que Peirce tenha escrito um ensaio com o título
Philosophy and the Conduct of Life (“A Filosofia e a Conduta da Vida”) em 1898.
Aqui, estaríamos na segunda fase da produção intelectual emersoniana, em que a
ênfase recai sobre The Method of Nature (“O Método da Natureza”), que, segundo
Richardson Jr., “revela que seu idealismo essencialmente germânico [Kant(1749-1804) e
Schelling (1775-1854) filtrados através de Coleridge (1772-1834) e Carlyle (1795-1881)]
estava mudando para um panteísmo com fortes paralelos nas tradições pitagórica,
neoplatônica e zoroastra” (Richardson Jr., Emerson The Mind on Fire, 346; nosso grifo).
Sobre o grande Coleridge, vale dizer que foi o calvinista de Vermont, James Marsh [(1794-
1842) - que Herbert W. Schneider diz que ‘tornou a filosofia de Coleridge uma tradição na
Universidade de Vermont; p. 271 {onde Dewey se formou (Menand, 237)}, fazendo com que
“a ‘religião experimental’ por fim chegasse a uma filosofia para substituir a de (Jonathan)
Edwards” (Ibid, ibidem)] - quem foi responsável pela publicação da edição americana do Aids
to Reflection (“Subsídios à Reflexão”) de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834).
“‘Subsídios à reflexão’ é o livro que mais do que qualquer outro volume catalisou a síntese
entre as novas idéias que Emerson encontrava em Sampson Reed e a nova importância e as
99
No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A
Conduta da Vida”), Emerson dirá, “[M]ais elevada do que a questão da nossa duração é a questão do nosso
merecimento. A imortalidade virá para aqueles que são merecedores (“fit”) dela, e quem seria uma grande alma
no futuro, deve ser uma grande alma agora”. E, mais adiante, “O que é chamado de religião efemina e
desmoraliza. Do
jeito que você está, os próprios deuses não podem ajudá-lo”.
100
Neste sentido Emerson é, não um “proto-pragmatista”, mas um verdadeiro “existencialista”, da linhagem de
um Pascal (1623-62), Kierkegaard (1813-1855), Unamuno (1864-1936), Karl Jaspers (1883-1969), Gabriel
Marcel (1889-1973) e Heidegger (1889-1976).
39
velhas idéias que ele achou em Platão, Plutarco, Montaigne e do século XVII [decerto ele se
refere aos Platonistas de Cambridge].” Diz Marsh em sua longa introdução à obra: “Os
primeiros princípios, os fundamentos últimos [da filosofia, moral e religião] devem ser
buscados nas leis de nosso próprio ser ou não serão encontradas de jeito nenhum”.
(Richardson Jr., 93; nosso grido). Assim, “em Coleridge, com esclarecimentos indispensáveis
de Marsh, Emerson encontrou argumentos altamente articulados, cuidadosamente defendidos
a favor de um poder ativo do eu (nossso grifo) que é capaz de autodeterminação. Este poder,
chamado Razão (nosso grifo), é mais elevado do que os sentidos e mais elevado do que o
entendimento, que depende totalmente dos sentidos” (Ibid, ibidem; nossos grifos). A
propósito, Emerson “visitou Coleridge em Highgate (Londres) no dia 5 de agosto de 1833, em
sua primeira viagem à Europa. Coleridge tinha 61 anos. (...) e Emerson que conhecia sua
obra preparou-se para prestar-lhe homenagem” (Richardson Jr., 143). Este recorda-nos que
Emerson tinha lido os a sua Biographia Literaria (1817) em 1826, que tinha estudado seus
“Subsídios à reflexão” desde outubro de 1829 quando leu seu The Friend (“O amigo”).
“Essa obra inflamou-o e ele escreveu à sua tia Mary, ‘Que alma e tanto, que conhecimento
universal’. Para Emerson, Coleridge era um cidadão do universo, do tipo que cria que ‘a
mente era feita para ser a espectadora de tudo, inquiridora de tudo; tomando posição no centro
e como se do monte especular enviando miradas soberanas sobre a circunferência das coisas”
(Richardson Jr., 143-144; nosso grifo). Entretanto, disse Emerson, “não houve propriamente
um diálogo; só Coleridge falou sem parar...”
Sobre a outra grande influência sobre Emerson, quer seja, a do historiador e ensaísta
escocês, Thomas Carlyle (1795-1881), outro célebre desconhecido no Brasil, devemos
começar dizendo que se corresponderam a vida toda. Carlyle interessou-se pela cultura alemã
após a leitura do De l’Allemagne (1810) de Madame de Staël (1766 - 1817) – que, junto com
Chateaubriand (1768-1848) deu início ao Romantismo na França -; traduziu Goethe (1749-
1832), E. T. A. Hoffmann (1776-1822) e Friedrich von Schiller (1759-1805; sobre quem
escreveu uma biografia). Schiller, com suas Cartas sobre a Educação Estética do Homem
(1794) é outra grande influência sobre o Emerson e, especialmente, sobre Peirce e seu
conceito de Spieltrieb, denominado por este de Play of Musement. Carlyle escreveu ainda
“Sobre a Revolução Francesa” (1837) e “Sobre os Heróis, o Culto do Heroísmo e o Heróico
na História” (1841), mas sua obra-prima é “Sartor Resartus” (1833; “O Remendão
40
Remendado”). Emerson manteve correspondência com Carlyle até à morte deste em 1872.
101
E Emerson foi seu agente literário nos EUA. Richardson Jr. lembra que “Emerson se sentiu de
início atraído pela obra de Carlyle devido ao seu estilo entusiasmado e familiar”,
especialmente “pelo Carlyle de ‘O Estado da Literatura Alemã(1827), ‘Sinais dos Tempos’
(1829) e ‘Características’ (1831)”, que “denuncia, a era materialista e mecânica do
utilitarismo e clamando por uma nova era da mente”. E acrescenta, “Carlyle em 1827 era um
novo profeta audaz” (Richardson Jr., 146). Em 1834, diz Richardson Jr., depois de Emerson
ter lido The Significance of Kantian Philosophy (“O Significado da Filosofia Kantiana”) de
Frederic Henry Hedge (1805-90), em que este saúda o advento de um “método”
(transcendental) que pôs “limites ao conhecimento humano”, além de citar o legado do
“dever” em Fichte (1762-1814) e a “harmonia universal” em Schelling (1775-1854; Buell,
The American Transcendentalists, 24). “Se há um único momento após o qual pode se dizer
que o transcendentalismo norte-americano passa a existir, é quando Emerson leu o manifesto
de Hedge” (Richardson Jr., 166; nosso grifo). Só faltava um empurrãozinho (diz Richardson
Jr.); este veio com o Sartor Resartus do amigo escocês, Thomas Carlyle (1795–1881). A
propósito, Frederick Henry Hedge - o “Moisés do Transcendentalismo” (de acordo com a sua
tia Mary) - era ministro unitário em West Cambridge, filho de um professor de lógica de
Harvard. Fora aluno particular de Bancroft e fora enviado à Alemanha para fazer o Ginásio.
De volta a Cambridge em 1822, estudou em Harvard e mais tarde no Seminário da mesma
universidade, onde era conhecido como Germanicus Hedge. “No artigo de Hedge sobre
Coleridge, ele avalia o intelecto deste como sendo ‘de primeira ordem’ (...) e “audaciosamente
mapeia ‘a revolução copernicana de Kant’” (Richardson Jr., 164-165). Descreve a filosofia de
“Fichte” (Ibid, 165) e diz “preferir a posição adotada por Schelling” (Ibid, 166). Foi Hedge
que sugeriu a criação do The Transcendental Club (8/9/1836) e, mais tarde, ele se tornará o
primeiro professor de literatura alemã na Universidade de Harvard (1872-82). Quanto à obra-
prima de Thomas Carlyle, “Sartor Resartor”, em carta a seu editor, Fraser (27/5/1833), em
Londres, Carlyle diz: “Minha própria conjetura é a de que [Diogenes] Teufelsdröckh[nome
do personagem principal desta obra-prima, que significa “Adubo do Diabo Gerado por Deus”,
em alemão) e cujo título estranho, significa “o alfaiate realfaiatado” (“tailor retailored”)],
quando for publicado, deixará perplexa a maioria das pessoas que o ler, que seja bem
101
Ver The Correspondence of Thomas Carlyle and Ralph Waldo Emerson, 1834-1872. Two Volumes in One.
Teddington, Middlesex (Inglaterra): Echo Library, 2007.
41
entendido que serão muito poucas”.
102
A tese central do livro, segundo G. B. Tennyson, é
como a de RWE a de que “toda a vida é, em suma, simbólica” - no sentido
schellinguiano-platônico, como aparece no capítulo O Simbólico em Schelling, em Rubens
Rodrigues Torres Filho. Ensaios de Filosofia Ilustrada, pp. 109-134: “O Verdadeiro
simbolismo é aquele em que o particular é o representante do universal, não como sonho
ou sombra, mas como revelação vital-instantânea do insondável”, citando Goethe (1749-
1832) em ‘Escritos sobre a Natureza’; Ibid, 123), o que fica evidente logo na epígrafe de
Novalis (1772-1801), que abre a obra: Die Welt ist ein Universaltropus des Geistes, ein
symbolisches Bild desselben (“O Mundo é um tropo do Espírito, uma Imagem simbólica
dele”). A outra epígrafe, Nicht blosses Wissen, sondern nach deinem Wissen Thun ist deine
Bestimmung (“Não mero Conhecimento, mas, de acordo com o seu conhecimento, Fazer é
seu compromisso”), de Fichte (1762-1814) -, que ao “inverter o cogito” (cartesiano) mostrou
o primado da Vontade e da Ação (sobre o Pensamento) é a lição que tanto Emerson quanto
Carlyle, quanto mais tarde os Pragmatistas compreenderam como sendo central em sua
Weltanschaung. Mas conceito algum é capaz de dar conta (subsumir) a leitura (prazerosa e
edificante) desta obra extraordinária de Carlyle.
Voltando ao magnífico ensaio emersoniano, Nominalist and Realist, lá, notável, é a
constatação (schellinguiana-schopenhaueriana) de que “a razão (humana) é uma
ferramenta, um meio” (utilizado pela Natureza; Ibid, 86). Esta, sim, seria central. assim
se entende a declaração radical de Emerson neste ensaio ao dizer “Eu vou dar-lhe a chave
para a natureza, e nós esperamos ir como um raio rumo ao centro” (Ibid, 92): “Não
nenhuma pessoa; nunca houve” (nossos grifos).
Em “Da Identidade Absoluta ao Deus Vivo e Pessoal Meras Observações para
Ler o Freiheitsschrift (1809) de Schelling”, Theresa Calvet de Magalhães diz o seguinte:
“Podemos, é claro, ao preferir reconduzir todas as proposições de Schelling ao ser humano,
permanecer no nível do que poderia ser chamado um ‘antropologia teológica’. Mas isso
significaria, no fundo, nada dizer a respeito do nó desse ensaio, que tenta antes, insiste
Maesschalck, ‘reconduzir tudo a Deus’ (um Deus vivo e livre, um Deus em devir), ‘porque o
próprio homem é apenas um momento privilegiado da auto- revelação divina’. O homem não
é, para Schelling, medida de todas as coisas: ‘Deus é a medida de todas as coisas. A criação é
102
G. B. Tennyson. A Carlyle Reader. Cambridge: Cambridge University Press, 1969, p. 121.
42
revelação de Deus” (As Filosofias de Schelling, p. 173). Quanto ao fato de não haver
ninguém, recordemos a sublime frase de Fernando Pessoa, travestido de Bernardo Soares, no
“Livro do Desassossego”: “Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei,
num relâmpago íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém” (p. 21).
Algo que ele reitera na página 156:
Cheguei hoje, de repente, a uma sensação absurda e justa. Reparei, num relâmpago
íntimo, que não sou ninguém. Ninguém, absolutamente ninguém. Quando brilhou o
relâmpago aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz sinistra que
me mostrou a mim não revelou céu acima dele. Roubaram-me o poder ser antes que o
mundo fosse. Se tive que reencarnar, reencarnei sem mim, sem ter eu reencarnado”.
Leyla Perrone-Moisés lembra, na Introdução a esta obra pessoana a frase de
Guimarães Rosa: “a vida é ‘um embrulhar-se sem onde’” (Ibid, 30). Mas também
encontramos esta noção em Álvaro de Campos: “Começo a conhecer-me. Não existo”
[529].
103
(nossos grifos).
Naturalmente que, aqui, duas questõs saltam aos olhos: (1) o fato de que algo [n’ele]
“chegou , de repente, a uma conclusão” e, (2) que esse algo é destituído de existência (não
está na espaço-temporalidade). Só pode, então, pertencer à Primeira Categoria peirceana, a do
Sentimento e Consciência Monádica. Por isso Álvaro de Campos diz, na “Passagem das
Horas”: “Multipliquei-me, para me sentir, / Para me sentir, precisei sentir tudo. / Transbordei,
não fiz senão extravasar-me, / Despi-me, entreguei-me, / E em cada canto da minha alma
um altar a um deus diferente”. Fernando Pessoa. Obra Poética, p. 279 (nosso grifo). Claro
que a partir desta “Noite Escura da Alma” (S. João da Cruz), pode se enveredar por um
niilismo quando não se tem paciência para permanecer por um tempo na escuridão até ver-
se a Luz como é o caso do próprio Álvaro de Campos, no poema “Demogorgon” [“Não,
não, isso não! / Tudo menos saber o que é o Mistério! / Superfície do Universo, ó Pálpebras
Descidas, / Não vos ergais nunca! / O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!
(que é a idéia do verso “Estou hoje vencido como se soubesse a verdade” do poema “A
Tabacaria”, p. 297):
Deixai-me viver sem saber nada, e morrer ir saber nada!
A razão de haver ser, a arazão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior aos espaços
Entre as almas e entre as estrelas.
Não
, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
103
Fernando Pessoa. Obra Poética, p. 347.
43
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente...
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! Ó Verdade, esquece-te de mim! (Ibid, p. 302).
E temos, na mesma linha, toda a poesia de Alberto Caeiro [“Há metafísica bastante
em não pensar em nada”, Ibid, p. 140] - ou se a Luz [Yoga Sutra de Patañjali, Capítulo I,
Aforismo 47, p. 115 e Mestre Eckhart: “Onde o entendimento e o desejo findam, escuridão
e lá, Deus brilha”
104
e então, temos todas aquelas estórias maravilhosas do Budismo Zen,
como a de Bodhidharma, o primeiro pariarca na China que, quando inquirido pelo Imperador
Wu sobre qual seria o seu mérito por ter construído centenas de templos budistas em seu
império, Bodhidharma respondeu: “Nenhum mérito”. Quando o imperador (ego), aflito,
perguntou-lhe, “Quem acha isso?”, Bodhidharma respondeu: “Não faço a mínima idéia!”
105
É, no entanto, no ensaio-palestra, The Method of Nature (“O Método da Natureza”),
diz o scholar emersoniano David Jacobson (Emeson’s Pragmatic Vision The Dance of
the Eye, 1993, Introdução, 1), que “se funda , indica e inaugura a fundação prática de sua
teoria tardia e estabelece um radical contraste com seus escritos antes de 1841”. A fase
anterior, para Jacobson seria a do método do homem” e a subseqüente, a da “doutrina do
poder” (Ibid, 5). Entretanto, não devemos confiar totalmente na análise de Jacobson, uma vez
que, embora RWE tenha dito, no decorrer da palestra-ensaio que “Não nenhuma pessoa;
nunca houve” (“There is no man; there hath never been”; p. 91; nosso grifo), para Emerson,
“há Intelecto
106
(que não é do homem, é divino; por isso Peirce irá dizer, na mesma linha de
raciocínio, que não somos nós que pensamos, “estamos no pensamento”).
107
Mais tarde, RWE
irá dizer que “[O] Fado é tudo; então dizemos, uma parte do Fado é a liberdade do homem.
Para sempre se acumula o impulso de escolher e agir na alma. O intelecto anula o Fado.
Enquanto o homem pensar, ele é livre” (nossos grifos).
108
Quanto a seu “discípulo”,
Thoreau (1817-62), diz ele:
“O tempo é apenas o rio em que vou pescando. Bebo nele, mas ao beber vejo-lhe o
leito de areia e percebo quão raso é. A fina corrente [o continuum peirceano] logo se
esvai, mas a eternidade permanece. Gostaria de beber mais fundo e de pescar no céu,
em cujo leito os seixos são estrelas. Não consigo contá-las. Ignoro a primeira letra do
104
Bernard McGinn, p. 153 (citando Sermão 42 em DW 2:304.1-2); ver Mestre Eckhart. Sermões Alemães, p.
245.
105
Ver D. T. Suzuki. Mysticism Christian and Buddhist (“Misticismo Cristão e Budista”), p.14-15.
106
Henry David Thoreau. Walden; ou, A Vida nos Bosques, p. 98.
107
“Somos nós que estamos nos signos e não eles em nós”. Santaella. Estética, p. 195.
108
Emerson. Fate (“Fado”) em, The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), RWE. org.
44
alfabeto. Tenho lamentado sempre não ser tão sábio como no dia em que nasci. A
inteligência é um cutelo que penetra e corta caminho adentro o segredo das coisas”.
Mas e eis aqui uma das possíveis fontes do falibilismo
109
peirceano! “a razão não
é capaz de dar conta da exterioridade da natureza” (Ibid, 107; nosso grifo).
110
Para
compreendê-la, “só o poeta” (a questão reaparecerá mais adiante!),
111
pois “a capacidade
expressiva, o filho, o efeito” e esta idéia é a de Wordsworth (1770-1850),
112
“the child is
father of Man” (“o filho é pai do Homem”) “precede sua causa” (Ibid, 108), pois “a poesia
foi toda escrita antes da existência do tempo” (Ibid, 110). A poesia, do ponto de vista
peirceano, é esse fabuloso universo de Qualidades da Primeiridade, que, como Peirce
mostrou, “não mora no tempo” (mas na Eternidade).
113
109
Ver o tratamento que o mesmo autor dá à questão do falibilismo no artigo de Ivo Assad Ibri. Semiótica e
Pragmatismo: Interfaces Teóricas. Revista COGNITIO. Volume 5. Número 2. São Paulo: EDUC, Dez. 2004. (p.
192).
110
“O Falibilismo, doutrina que evidenciou seus laços com o Sinequismo ao configurar que toda representação
cognitiva encontra-se num continuum de incerteza e indeterminação, fazendo-a tencionar-se para o futuro num
processo evolutivo, uma vez que ‘é da natureza do pensamento crescer’ [CP 2.32]”. Ibri, Kósmos Noétos, p. 68.
111
“O poeta” é aquele que possui “aquela capacidade rara de ver”, a que Peirce se refere em The Basis of
Pragmaticism in Phaneroscopy (1905; “As Bases do Pragmaticismo na Faneroscopia” no EP 2, p. 363; também
em MS 908 e CP 1.317-21), a que já nos referimos anteriormente e que Ivo Ibri alude em sua obra, Kósmos
Noétos, p. 5, recorrendo a Alberto Caeiro, “o mestre [zen] dos outros heterônimos pessoanos”: “O essencial é
saber ver, / Saber ver sem estar a pensar”. Fernando Pessoa. Obra Poética. Volume Único, p. 151. (Poema
XXIV). Vale a pena acrescentar: “Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), / Isso exige um estudo
profundo, / Uma aprendizagem de desaprender” (Ibid, ibidem).
112
Quanto a Wordsworth, podemos dizer que embora tenha começado por “fazer troça” deste aos 18 anos
(Richardson Jr., 16), Emerson passou a admirá-lo aos 24, adotando a “narrativa pessoal” daquele (Ibid, 81) e
passando a “lê-lo com gosto” (Ibid, 115). Emerson visitou Wordsworth em suas duas viagens à Inglaterra; esteve
com ele em Rydal Mount em 1833 (Ibid, 149) e novamente em 1848 (Ibid, 443). Voltou a lê-lo quando escrevia
o ensaio The Poet (1842; “O Poeta”; Richardson Jr., 376), a ponto de saber muitos poemas dele “de cor” (Ibid,
543) e de muitos de seus próprios poemas na coletânea May-Day and Other Poems (1867; “Dia-de-Maio e
Outros Poemas”) trazerem a marca do “verso livre wordsworthiano” (ibid, 556). Para um aprofundamento da
importância de Wordsworth, ver (1) Parte I, Capítulo II: A Complex Delight: Wordsworth (“Um Deleite
Complexo: Wordsworth”) de Herbert Read. The True Voice of Feeling – Studies in English Romantic Poetry (“A
Verdadeira voz do Sentimento Estudos em Poesia Romântica Inglesa”), pp. 38-54 e (2) Parte II, Ensaio II:
Wordsworth Philosophical Faith (“A Filosófica de Wordsworth”), pp. 189-211. Esta obra de Read é
importante também por outros motivos. Ela analisa também Coleridge, Keats, Hopkins, Whitman & Lawrence,
Ezra Pound e T.S. Eliot, Shelley e Byron e, como apêndice, oferece uma tradução de Michael Bullock de
Schelling: Concerning the Relation of the Plastic Arts to Nature (“A Respeito da Relação das Artes Plásticas à
Natureza”).
113
“A unidade de consciência não é, assim, de origem fisiológica. Ela pode, unicamente, ser metafísica” (Peirce,
CP 6.228 (1898) em Ivo Assad Ibri. O Amor Criativo como Princípio Heurístico na Filosofia de Peirce. Revista
COGNITIO. Volume 6. Número 2. São Paulo: EDUC, Dez. 2005 (p. 192). E, “[T]oda potencialidade, já o
sabemos, é de natureza de um continuum. De outro lado, lei e acaso se expressam potencialmente como
necessidade e possibilidade. Ora, todo continuum, na medida mesma em que nele não são distinguíveis
individuais, isto é, não pluralidade capacitada a esgotá-los, [ver palestra de Demetra Sfendoni-Mentzou, C. S.
Peirce and Aristotle on Time (“C. S. Peirce e Aristóteles sobre o Tempo”), no 10º Encontro Internacional do
Pragmatismo]. Ver também Ivo Assad Ibri. Kósmos Noétos, p. 77: “A pura possibilidade não é regular no tempo.
Seu compromisso parece, assim, ser somente com o presente”.
45
No ensaio The Poet (1844; “O Poeta”) devemos ter sempre em mente que esse, e os
outros ensaios que fazem parte dos Essays – Second Series (1844; Segunda Série de
Ensaios”) serão também “respostas ao enigma” deste poema de 1841 (uma vez que, como
mostrou Schelling, “o gênio nem sempre tem consciência do que produz”)
114
Emerson irá
afirmar que “nós somos símbolos e habitamos símbolos” (SWRWE, The Poet, 328; não é
por acaso que o Poeta será o grande interlocutor neste poema).
115
E, devemos perguntar: qual
o representante do símbolo? RWE responde n’ “O Método da Natureza”: é o Intelecto!
116
E
afirma: “O Intelecto ainda pede que um homem nasça” (...) “Nós exigimos das pessoas
uma riqueza e universalidade que não encontramos” (Ibid, ibidem; nossos grifos).
117
Então, qual o problema? Para RWE, o problema é que “o pensamento humano é superficial
(porque) se dá (“runs”) lateralmente, nunca verticalmente” (Ibid, 97).
118
E, é por isso que,
para ele, “na ausência do homem, nós nos voltamos para a natureza, que jaz ao lado”
(Ibid, 92; nosso grifos).
114
“A rigor não é o sujeito, a consciência filosofante que constrói o seu objeto, mas é o próprio objeto que deve
se construir a si mesmo no sujeito”, Márcio Suzuki, em Schelling. Filosofia da Arte, p. 14.
115
Peirce diz em New Elements (1904; “Novos Elementos” in The Essential Peirce 2, p. 324): “O homem é um
símbolo”. (...) “Este símbolo foi o propósito da criação”.
116
Em uma palestra dada no dia 1/8/1844, no Tribunal de Concord Emancipation in the British West Indies
(“Emancipação nas Índias Ocidentais Inglesas”) Emerson diz: “O Intelecto isso é milagroso! Quem no tem,
tem um talismã: sua pela e ossos, embora sejam da cor da noite, são transparentes, e as estrelas eternas irradiam
através deles, com raios atraentes” – e será apenas através dele que “você se salvará, negro ou branco, homem ou
mulher” (SWRWE, Emancipation in West Indies, p. 855; nosso grifo). Gostaríamos de acrescentar que Emerson
lutou pondo em risco sua carreira pela emancipação dos escravos afro-americanos. Mais tarde, no ensaio
Fate (“Fado”), Emerson dirá: “Tanto mais intelecto você acrescentar, muito mais poder orgânico. Aquele que
através do desígnio, preside-o, e deve quere aquilo que deve ser”. Emerson. Fate (“Fado”) em The Conduct of
Life (1860; “A Conduta da Vida”), RWE. org. (nosso grifo).
117
No ensaio tardio, Fate (“Fado”), Emerson diz: “O dia dos dias, o grande dia da festa da vida, é aquele em que
o olho interior se abre para a Unidade das coisas, para a onipresença da lei; - aquilo que deve ser, e deveria
ser, ou é o melhor. Esta beatitude desce do alto para nós, e vemos. Não está tanto em nós como nós nela. Se o
ar vier até nossos pulmões, respiramos e vivemos; senão, morremos. Se a luz vem até nossos olhos, vemos;
senão, não. E se a verdade vier até nossa mente, nós, de repente, expandimos até suas dimensões, como
expandimos no mundo. Nós somos como que fazedores de leis; nós falamos pela Natureza; nós profetizamos e
divinizamos”. Emerson. Fate (“Fado”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), RWE. org (nossos
grifos).
118
“O problema do Intelecto é que “cada pensamento é também uma prisão” (SWWE, 300) e se me ponho a
“falar, definir e reduzir, torno-me menor” (SWWE, 301). A saída, para Emerson, é: “Quedemo-nos silentes,
pois assim são os deuses. O silêncio é um solvente que destrói a personalidade e dá-nos licença de ser grandes e
universais” (SWWE, 302; nossos grifos). “Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em
cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive”.
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. Obra Poética, p. 223. É que, como bem esclarece Bernard McGinn
(sobre Eckhart), “o silêncio é dinâmico” e “esta dinamização não é nossa, é de Deus” (p. 88), que, “como
negatio negationis é, simultaneamente, totalmente vazio e supremamente pleno” (Ibid, 94). “Que Deus nos ajude
a tornar-nos Um”. Mestre Eckhart. Sermões Alemães. Volume 1, p. 125.
46
Entretanto, para vê-la, haverá “a necessidade de recolhimento” (Ibid, 98; nossos
grifos) para que o homem possa ter a função para a qual a Natureza o criou, a de “seu monitor
passivo” (Ibid, 100), a testemunha “presente” e “silente” de seu “dinamismo” (Ibid, 104).
119
No mais extraordinário ensaio de Emerson, Literary Ethics (24/7/1838; “Ética
Literária”), que, infelizmente, não costuma fazer parte das antologias do autor, Emerson diz:
“Que o homem saiba que o mundo é seu, mas ele deve possuí-lo ao colocar-se em harmonia
com a constituição das coisas. Ele deve ser uma alma solitária, laboriosa, modesta, caridosa.
Ele deve abraçar a solidão como a uma noiva” [...; comparar “O gênio do método lógico de
um homem deveria ser amado e reverenciado como sua noiva, a quem ele escolheu dentre
todas no mundo” {The Fixation of Belief (1877; “A Fixação da Crença”), em EP 1, p. 123]}].
E, perguntaríamos a Emerson, “por que deve o aluno ser solitário e silente?” “Para que ele se
familiarize com seus pensamentos. Se ele anelar em um lugar solitário, ansiando pela
multidão, pela exibição, ele não está em um lugar solitário; seu coração esno mercado; ele
não enxerga; ele não escuta; ele não pensa. Mas acalentar a sua alma; expulse
companheiros; estabeleça hábitos para uma vida solitária; então, as faculdades surgirão
equilibradas e plenas interiormente, como árvores da floresta e flores campestres; você terá
resultados que, quando se encontrar com seus semelhantes, você poderá comunicar, e que eles
alegremente receberão. Não se retire apenas para poder um dia chegar ao público. Tal solidão
nega-se a si mesma; é pública e caduca. O público pode adquirir experiência pública, mas eles
desejam que o scholar os substitua naquelas experiências particulares, sinceras, divinas, das
quais eles foram fraudados ao morar na rua. É o pensamento nobre, corajoso e justo que é a
superioridade exigida de você e não as multidões; é a solidão que confere esta elevação. Não
isolamento espacial, mas independência de espírito, o que é essencial” (...) “Pense só, e todos
os lugares são amigáveis e sagrados. Os poetas que viveram em cidades também foram
eremitas. A inspiração faz solidão de todo lugar” (RWE.org; nossos grifos). Acreditamos que
se Peirce não tivesse tido a oportunidade de viver tão isolado em Arisbe, não teria tido nem o
tempo nem a liberdade de criar sua extraordinária obra.
119
“Ninguém pode ser um observador imparcial e sábio da raça humana, a não ser da posição vantajosa que
chamaríamos de pobreza voluntária”. (“Hoje em dia professores de filosofia, mas não filósofos”. (...) “Ser
um filósofo não é apenas ter pensamentos sutis, nem sequer fundar uma escola, mas amar a sabedoria a ponto de
viver
segundo seus ditames uma vida de simplicidade, independência, magnanimidade e confiança. É solucionar
alguns problemas da vida não na teoria, mas na prática”. Henry David Thoreau. Walden; ou, A Vida nos
Bosques, p. 27 (nossos grifos).
47
Emerson, no ensaio The Poet, arremata: Como essa voz conhecida [a da Natureza]
fala todas as línguas, governa todos os homens (...) se o homem lhe obedecer, ela o
adotará” (...) e “se ele escutar com ouvidos insaciáveis, uma sabedoria maior e mais rica
lhe [ao homem] será ensinada” (Ibid, 105; nosso grifo). “Em resumo, cognoscibilidade e ser
não são apenas a mesma coisa metafisicamente, mas são termos sinônimos”.
120
Em um ensaio
tardio, Worship (“Adoração”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860;
“A Conduta da Vida”), Emerson diz o seguinte:
“Há um princípio que é a base das coisas, que todo o discurso almeja dizer, e toda a
ação desenvolver, uma presença simples, silenciosa, indescrita, habitando mui
cheia de paz em nós, nosso senhor por direito: nós não devemos fazer, mas
permitir que se faça; não obrar, mas permitir ser obrado; e para esta homenagem,
um consentimento de todos os homens conscientes e justos em todos os tempos e
condições. A este sentimento pertencem vastos e súbitos ampliações do poder” (RWE.
org.).
Para ficar com dois exemplos desta Presença, diríamos, () [que] “[T]odas as
criaturas não possuem ser, porque seu ser está suspenso (swebet) na presença de Deus
(gegenwerticheit)”;
121
e, () “Sendo, o Senhor [Īsvara] incondicionado pelo tempo Ele é o
Mestre mesmo dos Antigos”.
122
Lembramos que esta idéia foi expressa por Jesus, quando ele
se transfigurou no Monte e ao ser inquirido pelos discípulos sobre com quem conversara no
outro plano, e lhes dissera que, “com Abraão e Elias” e estes se mostraram surpresos, ele lhes
respondeu, Antes que Abraão existisse, ‘Eu Sou’” (João, 8:51-59). Não é por acaso que os
editores críticos do The Peirce Edition Project como dissemos - dizem: “Esta Idéia da
mente refletir ou espelhar o cosmos é um dos principais princípios da filosofia de Peirce”
(nosso grifo).
123
120
Peirce. CP 5.257; também em Ivo Assad Ibri. Pragmatismo e a Possibilidade da Metafísica. Revista
COGNITIO. Volume 4. Número 1. São Paulo: EDUC & Angra, Junho 2003, p. 13.
121
Mestre Eckhart em Bernard McGinn, p. 132 (nosso grifo);
122
Ver I. K. Taimni. The Science of Yoga (1961; “A Ciência do Yoga”; codificado por Patañjali no século II
AEC), p. 61.
123
Ver, por exemplo, MS 900, ‘A Lógica da Matemática’, onde Peirce diz: “Sob a Terceira cláusula, temos,
como dedução do princípio que o pensamento é o espelho do ser, a lei que o fim do ser e mais alta realidade é a
impessoação (“impersonation”) viva da idéia que a evolução gera”. [EP 2, “Nota 5 sobre a Pearson’s Grammar
of Science”, p. 510 (1901; “A Gramática da Ciência de Pearson”). Ver também “O sentido ôntico do termo
reflexão; o conhecimento do humano espelha-se no pensar o mundo”. Ivo Assad Ibri. Kósmos Noétos, p. 88. Ver
página 108 também, para “equivalência entre ser e ser cognoscível”.
48
Sigamos adiante...
III
Verso 17 Erect as a sunbeam, Ereta como um raio de sol,
Verso 18 Upspringeth the palm; A palmeira cresce palmo a palmo;
Verso 19 The elephant browses, O elefante pasta,
Verso 20 Undaunted and calm; Indômito e calmo;
Verso 21 In beautiful motion Com movimentos belos
Verso 22 The thrush plies his wings; O tordo suas asas comanda;
Verso 23 Kind leaves of his covert, Gentis folhas de seu esconderijo,
Verso 24 Your silence he sings. Teu silêncio ele canta.
1.4 Em contraposição ao Homem, A Esfinge passa, agora, a descrever a “jocunda”
Natureza (estrofes III a VI): fala de um exemplar da classe vegetal, a “palmeira” (verso
17 e 18), da classe animal, o “elefante” (verso 19 e 20), de um exemplar entre a classe das
aves, o “tordo” (versos 22 a 23), que “cantaria o silêncio” de alguém (verso 24). Seria o
do poeta ou o do leitor?
Sugerimos que revisitemos a primeira grande obra de RWE, Nature (1836; “A
Natureza”), para que possamos nos contrapor à tese de Jacob Davidson a de que a
Natureza passa a ser central para RWE a partir de 1841, com o ensaio The Method of
Nature (“O Método da Natureza”).
Para o Emerson de então, (I) a “Natureza”, que “poucos adultos são capazes de
ver”, pois “[A] maioria das pessoas não vê o sol. Pelo menos elas têm uma visão muito
superficial [das coisas]” (SWRWE, Nature, 6), é uma (II) Commodity (“”mãe nutridora”);
(III) um Objeto de Contemplação (Beleza); (IV) uma (Fonte de) Linguagem; (V) (Uma)
Disciplina; (VI) (Fundamento do) Idealismo; (VII) O (próprio) Espírito. Debrucemo-nos
sobre estes sete aspectos da Natureza.
Quando RWE diz que a Natureza é uma (II) “Commodity” é porque nessa
dimensão mais densa, “Um homem é alimentado, não para que seja alimentado, mas
para que possa trabalhar” (SWRWE, Nature, 9).
124
É a idéia de que uma existência
meramente material (hedonista, no pior sentido do termo, naturalmente) não basta! É difícil
124
Ainda no final da vida, Emerson irá voltar a este aspecto “material” da vida. No ensaio Wealth (“Riqueza”),
de 1860 -, que faz parte do livro The Conduct of Life (“A Conduta da Vida”) -, ele irá dizer que “o homem é, por
constituição, caro, e precisa ser rico” (SWRWE, The Conduct of Life, Wealth, p. 694; também 695). Mais
adiante, depois de citar Goethe (1749-1832) “Ninguém deveria ser rico a não ser quem o compreende(Ibid,
700) -, Emerson reitera: “O ser humano nasceu para ser rico, ou inevitavelmente fica rico pelo uso de suas
faculdades; pela união do pensamento e da natureza” (Ibid, 701). E, “em uma comunidade livre e justa, a
propriedade corre do ocioso e imbecil para o industrioso, corajoso e perseverante” (Ibid, 705).
49
não pensar no “estágio estético” de Kierkegaard (1813-1852). Então, quando RWE nos fala
da (III) Beleza como razão de ser da Natureza é para mostrar seu aspecto “fascinante” e
“enigmático”.
“Para o poeta a Natureza é mais do que o mundo exterior dado; é o mundo em
que vive e respira, um ser vivo mesmo que o abraça com amor e o sustenta, e
justamente por isso um ser real de que se tem uma experiência imediatamente
acima de qualquer dúvida. É para ele um ser divino, repleto de divindades,
infinitamente maior do que o homem e o seu Eu imensamente pequeno. Esta vida
da Natureza não é objeto duma reflexão artificiosa, mas sim um milagre
primariamente real e totalmente inexplicável. O poeta encontra a expressão mais
pura dela na mitologia dos antigos [eis o gérmen do Schelling tardio!], que
animaram e adoraram a vida misteriosa da Natureza. O seu sentimento da Natureza
é mesmo místico. Ainda antes de a noção da alma do mundo ter sido retomada e
levada avante, encontramos em Hölderlin a idéia da animação universal. Não é ele
que é aqui influenciado por Schelling, mas antes e muito mais, é Schelling que o é
por ele, pois o que Hölderlin concebe é original e emana da sua natureza mais
pessoal: a sua intuição axiológica do esplendor da Natureza” (nossos grifos).
125
No ensaio tardio, Considerations by the Way (“Considerações à Beira da
Estrada; ou, A Propósito”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860;
“A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “Embora esta loquacidade de dar conselhos nasça
conosco, devo confessar que a vida é mais assunto de espanto do que de didática”
(RWE.org; nossos grifos). No ensaio tardio, Beauty (“Beleza”), que faz parte do livro de
ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “A beleza é a
forma que o intelecto prefere estudar o mundo”; por isso, não devemos permitir que o
nosso “inveterado hábito de crítica” (...) “vire uma patologia”, mas que possamos permitir
que “estas formas nos empolguem, provoquem, inspirem e nos alarguem” (RWE.org).
Diz Emerson, platonicamente: “O intelecto busca a ordem absoluta das coisas
como elas existem na mente de Deus” (SWRWE, Nature, 13; nosso grifo) e “[O] mundo
existe, portanto, para que a alma possa satisfazer seu desejo de beleza” (Ibid, 14; nosso
grifo); ou ainda, “Verdade, e bondade, e beleza, são apenas faces diferentes do mesmo
Todo” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
126
125
Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão. Hölderlin, p. 218-219. (nossos grifos).
126
Peirce: “Ademais, em todo o seu progresso, a ciência vagamente sente que ela está apenas aprendendo uma
lição. O valor dos fatos para ela reside apenas nisto, que eles pertencem à Natureza; e a Natureza é algo
grandioso, e belo, e sagrado, e eterno, e real, - o objeto de sua veneração e sua inspiração [do cientista]”. [EP 2,
“The First Rule of Logic”, p. 55 (1898; “A Primeira Regra da Lógica”); também em MSS 442, 825 & CP 5.574-
89 e 7.135-40 e RLT 165-180.
50
No ensaio tardio, Beauty (“Beleza”), que faz parte do livro de ensaios The
Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “A questão da Beleza
arranca-nos das superfícies” tema que trataremos no final desta Parte I “levando-nos a
pensar na fundação das coisas. Goethe disse, ‘O belo é a manifestação do segredo das leis
da Natureza, que, se não fosse pela sua aparência, ficaria para sempre escondida de nós”
(RWE.org). E, uma dica: “Na verdadeira mitologia, o Amor é uma criança imortal e a
Beleza [“que é orgânica!”] leva-o como guia” (Ibid).
Emerson escreveu dois ensaios sobre Arte. O primeiro faz parte dos Essays
First Series (1841; “Primeira Série de Ensaios”), em que diz que, “do ponto de vista
histórico, tem sido o ofício da arte educar a percepção para a beleza” (SWRWE, Art, p.
307; nossos grifos). Em seguida atira: “Estamos imersos em beleza, mas nossos olhos
não possuem visão clara” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Neste primeiro ensaio Emerson
põe a primazia da beleza da Natureza sobre a Arte produzida pelo Homem (pró Schelling e
contra Hegel):
“Não estátua igual a uma pessoa viva” (Ibid, 309). E, como sempre, ele
segue o trilho de toda “a referência de toda a produção [como levando a] um Poder
aborígine, [que] explica as características comuns a todas as obras da mais elevada arte
[o fato de que] elas são universalmente inteligíveis; que elas restauram-nos os mais simples
estados mentais e são religiosas”. É por isso que “nas horas mais felizes, a natureza
aparece-nos uma com a arte; a arte tornada perfeita a obra de um gênio” (Ibid,
ibidem; nosso grifo).
No terceiro ensaio de seu último livro, Society and Solitude (1870; “Sociedade e
Solidão”), Art (“Civilização”), Emerson reitera a sua idéia inicial citando Platão - de que
“aquelas coisas que são tidas como feitas pela Natureza, o na verdade feitas pela
Arte Divina” (RWE.org; nosso grifo). E, mais adiante, diz que “a alma universal é o único
criador do que é útil e do que é belo; portanto”, acrescenta ele, “para fazer qualquer
coisa útil ou bela, o indivíduo deve ser submetido à mente universal” (Ibid; nossos
grifos). E, neste segundo ensaio sobre arte, ele reitera sua adesão a Schelling contra
Hegel ao enfatizar que “o poder da Natureza predomina sobre a vontade humana em
51
todas as obras de arte” (Ibid), e, quando expressa o modo como o artista deve se tornar
grandioso, ele afirma que ele
“deve se desindividualizar e ser um homem sem partido, modo ou época, mas
alguém através do qual a alma de todos os homens circulam como o ar faz
através dos pulmões. Ele deve obrar no espírito em que concebemos que um
profeta fala ou um anjo do Senhor age; quer seja, ele não deve falar suas
próprias palavras, ou fazer suas próprias obras, ou pensar seus próprios
pensamentos, mas ele deve ser um órgão através do qual a mente universal
aja” (Ibid; nossos grifos).
Volvendo ao ensaio Nature e nele à idéia (swedenborguiana-schellinguiana) de
que “[O] intelecto busca a ordem absoluta das coisas como elas existem na mente de
Deus”, devemos dizer que ela é uma idéia recorrente em Emerson até o final de sua vida
(intelectual). Na parte final do ensaio Wealth (1860; “Riquesa”), ele diz:
Eu ainda não completei meu desígnio. Mas não devemos deixar o tópico sem dar
uma olhada nos recessos interiores. É uma doutrina da filosofia que o homem é um
ser de graus (“a being of degrees”); que não há nada no mundo que não seja
repetido em seu corpo, seu corpo sendo um tipo de miniatura ou summa do mundo;
depois que não há nada no seu corpo que não se repita na esfera mental; depois, que
não nada em seu cérebro que não se repita em uma esfera mais elevada, em seu
sistema moral.
127
Quanto à (IV) Linguagem, em 1836, RWE foi capaz de compreender com
Schelling [via Coleridge (1772-1834) e Thomas Carlyle (1795-1881)] que “A
natureza é o símbolo do espírito” (SWRWE, Nature, 14).
Emerson chegou a Schelling (1775-1854) graças a Frederick Henry Hedge
(1805-90) - filho de um professor de lógica de Harvard, estudara sob George Bancroft
(1800-91), fora enviado para fazer os 4 anos de ginásio na Alemanha (1814-18) e retornara
a Harvard onde se tornaria professor de Literatura de Língua Alemã (1872-82) - que
acabara de escrever um “artigo eletrizante sobre Coleridge e o novo pensamento alemão”
(Richardson Jr., 164). “Ele atrevidamente mapeou a ‘revolução copernicana’ de Kant”
(Richardson Jr. 165) e, “mostra sua preferência por Schelling (o do Idealismo
Transcendental) como fizera Coleridge (e uma posição que Emerson adotaria
127
SWRWE, The Conduct of Life, Wealth, p. 694; também 715.
52
(Richardson Jr., 166). Richardson Jr. diz-nos que no The Dial (o veículo do
Transcendentalismo; entre julho de 1843 e abril de 1844) - “Hedge publicou sua tradução
da palestra inaugural de Schelling em Berlim” (p. 378) e [James Elliot] Cabot escreveu um
artigo interessante sobre o filósofo de Leonberg, a partir do qual, segundo Richardson Jr.,
“Emerson começou a se dar conta da importância de Schelling” (p. 406; nosso grifo) e,
em 1854 [ano de morte de Schelling], resumindo o cômputo que J. B. Stallo fez de
Schelling [General Principles of the Philosophy of Nature; (“Princípios Gerais sobre a
Filosofia da Natureza”), Boston, 1848], de que “há uma identidade entre a mente da
natureza e do homem, pois este faz parte da natureza” (nossos grifos) e que “toda a
diferença é quantitativa”, quer seja, “não diferenças de tipo, apenas de grau”
(Richardson Jr., 518 e 546).
E segue dizendo RWE, no seu fabuloso ensaio, Nature (“A Natureza”): “[O]
mundo é emblemático” (SWRWE, Nature, 18) e, ainda, que a idéia de que “‘Cada
escritura deve ser interpretada pelo mesmo espírito que a criou’ deve ser a lei
fundamental da crítica” (SWRWE, Nature, 20; nossos grifos).
128
A idéia (fichteana) de que a “Natureza” é (V) uma Disciplina ou obstáculo
129
é vista
com belo exercício por RWE: “Cada propriedade da matéria é uma escola” (SWRWE,
Nature, 20). Uma “escola” no sentido inaugurado por Leibniz (1646-1716; Hartmann,
141),
130
mas desenvolvido por Schelling (1775-1854) a partir das “Idéias” de Platão (428-
348 AEC).
131
“O encadeamento deste contínuo não segundo modos empíricos de
aparecimento, mas segundo princípios formais eternos e internos provém da doutrina
128
Esta idéia é um verdadeiro leitmotif emersoniano. Em Nominalist and Realist (1844; “Nominalista e
Realista”) ele irá dizer: “Fico espantado, na literatura, pela aparência de que uma [só e mesma] pessoa escreveu
todos os livros” (SWRWE, Nominalist and Realist, 439). Para uma análise crítica da arte, ver Huntington Cairns.
The Limits of Art 3. From Goethe to Joyce Poetry and Prose Chosen by Ancient and Modern Critics (“Os
Limites da Arte 3. De Goethe a Joyce – Poesia e Prosa Escolhida por Críticos e Antigos e Modernos”).
Princeton: Princeton University Press, 1948.
129
Ver Ivo Assad Ibri. Finitude e Existência em Fichte na Revista Hypnos, nr. 8 (2002), especialmente p. 101.
130
“A continuidade das formas naturais e a teleologia intrínseca da sua linha de desenvolvimento são herança
leibniziana”. Nikolai Hartmann, A Filosofia do Idealismo Alemão, p. 141.
131
Para a influência de Schelling sobre Schopenhauer, ver Jair Barbosa. Infinitude Subjetiva e Estética –
Natureza e Arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: UNESP, 2003.
53
platônica das idéias”.
132
E esclarece o intérprete alemão: “É perfeitamente compreensível
que Schelling possa reencontrar as suas potências da natureza nas Idéias platônicas. Para
ele, elas são as ‘Idéias do Absoluto’, formas ou graus da auto-intuição do espírito
consciente” (Ibid, 142). E segue dizendo:
“Como forças, não constituem a sua essência [a de Deus], mas o seu modo de
aparecimento, o qual é objetivo e necessário porque através dele o espírito de
Deus chega à auto-intuição no Eu do homem. Nas Idéias se objetiva o ser originário
ideal-espiritual, são elas os eternos tipos formais da ‘objetivação do infinito no
finito’, os modos de aparecimento do ente-em-si sobre os quais assenta todo o
organismo e toda a corporalidade” (Ibid, ibidem).
E arremata: “A aparição da Idéia é o corporal. O sistema dos corpos cósmicos
não é mais do que o ‘reino das Idéias’ descoberto e explícito” (Ibid, ibidem; nosso
grifo). Para a mesma questão, em Schopenhauer (1788-1860), ver O Mundo como
Vontade e como Representação, a partir do Livro Segundo, § 25, I 154, p. 191: “Os
GRAUS DE OBJETIVAÇÃO DA VONTADE, ia dizer, não são outra coisa senão as
IDÉIAS DE PLATÃO”.
Esta idéia também “fez escola” com Hegel (1770-1831), para quem, na medida
em que “Deus se revela a si mesmo” (Nikolai Hartmann, 168, 175) ou “o ser torna-se
sensível no devir” (Ibid, 176) e “o sentido da marcha gradual das coisas ou a ordem
inteligível das coisas exige a subordinação do indivíduo à sua lei universal” (Ibid,
183; nosso grifo).
133
Por que a “Natureza” seria fonte do Idealismo? (VI) O Idealismo de Emerson é
de índole realista; há, para ele, uma simetria como haverá para Peirce entre as “leis da
natureza” e as “leis da mente” (uma vez que o próprio Homem é, como a Natureza, uma
“gênese divina”). No Century Dictionary (“Dicionário do Século”), Peirce definiu assim, o
“idealismo”: “A doutrina metafísica de que o real é da natureza do pensamento; a
doutrina de que toda a realidade é em sua natureza psíquica” (The Essential Peirce 1,
Introdução, xxiv). Quando ele chegar à conclusão de que “a matéria é mente envelhecida”
132
Nikolai Hartmann, A Filosofia do Idealismo Alemão, p. 141.
133
“A sucessão é a sua revelação”, diz Hartmann (p. 184), “se bem que não a revelação de toda a sua verdade”.
54
(“matter is effete mind”; Ibid, xxii), CSP já terá dado o passo decisivo que o aproximará de
Schelling e de RWE, tornando-se um “idealista-objetivo”. E mais:
“Isto [“observamos o mundo exterior e parecemos pegar a idéia de uma dada linha
de fenômenos. Deste modo, detectamos a natureza da regularidade nos movimentos
das estrelas a ponto de fazermos previsões exatas sobre elas”] nós certamente
jamais poderíamos nem proximamente fazer se não houvesse uma afinidade entre a
nossa mente e a da Natureza”.
134
E, quais seriam, para Emerson, os melhores momentos da nossa existência? E,
responde [ele, profeta que é (Harold Bloom)]: “Os melhores momentos da vida são estes
despertares deliciosos dos mais elevados poderes, e o recolhimento reverencial da
natureza ante seu Deus” ou “A natureza é feita para conspirar com o espírito para
nos emancipar” (SWRWE, Nature, 28; nossos grifos), pois “[H]omem algum toca estas
naturezas divinas sem se tornar, em certo grau, ele mesmo divino” (Ibid, 32) embora,
como disse Fichte (1762-1814), “[O] Idealismo [veja] o mundo em Deus”
(SWRWE, Nature, 33). No extraordinário ensaio tardio, Considerations by the Way
(“Considerações à Beira da Estrada; ou, A Propósito”), que faz parte do livro de ensaios
The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “Devagar, devagarinho,
se aprende a lição de que uma profundidade, não senão um interior, e isso é o
seu propósito” (RWE. org). Lembra um poema hai kai
135
do poeta japonês, Kobayashi Issa
(1763-1828): “Devagar, devagarinho / O caracol sobre / O monte Fuji”. Sobre a
necessidade de recolhimento, que leva, naturalmente, à solidão, ele nunca deixará de
enfatizá-la. No primeiro ensaio de seu último livro, Society and Solitude (1870;
“Sociedade e Solidão”), Society and Solitude (“Sociedade e Solidão”), Emerson dirá que
“[O] gênio sente necessidade de solidão” (SWRWE, Society and Solitude, 740) e que “a
necessidade de solidão é mais profunda do que dissemos antes; ela é orgânica” (Ibid,
741; nossos grifos).
134
Peirce. Of Reasoning in General (1895; “Sobre o Raciocínio em Geral” in EP 2, p. 24; também em CP 2.282,
286-91, 295-96, 435-44 e 7.555-58).
135
O mestrando teve a honra de ser premiado com o 2º lugar no Encontro Brasileiro de Haikai promovidos
pelo poeta Paulo Leminski - no dia 18/11/1989.
55
No ensaio, The Transcendentalist (1843; “O Transcendentalista”) Emerson irá
dizer, “Cada materialista será um idealista; mas um idealista jamais podevoltar a ser um
materialista”. SWRWE, The Transcendentalist, 87. Compare-se com a famosa frase de
Fichte (1762-1814):
“O tipo de filosofia que se escolhe depende, portanto, do tipo de homem que se é:
com efeito, um sistema filosófico não é um enfeite inerte que se pode pôr à parte e
utilizar conforme nosso humor, mas algo de animado pela alma do homem que o
possui. Um caráter débil por natureza ou enfraquecido e encurvado pela servidão
espiritual, pelo luxo refinado e pelas frivolidades jamais poderá elevar-se até o
idealismo”.
136
E quanto ao (VII) Espírito? Emerson diz que “O mais feliz dos homens é
aquele que aprende da natureza a lição da adoração”, embora “[D]a inefável essência
que chamamos de Espírito, aquele que pensa mais, dirá menos” (SWRWE, Nature, 34).
Isto remete-nos, naturalmente, à proposição final do Tratactus de Wittgenstein (1889-
1951): O que não se pode falar, deve-se calar”. Stanley Cavell, que lê Emerson através
das lentes wittgensteinianas, diz: “Não como o mundo é, mas que seja, é o místico”.
137
E,
no capítulo 4 desta obra cavelliana - “Emerson, Coleridge, Kant” -, que trata dos “termos
(filosóficos) como con-dicções” (limitantes), Cavell irá dizer que Coleridge irá
“expressar sua gratidão, sua vida, aos escritos dos místicos, por terem ‘evitado que
minha mente tivesse sido aprisionada por um sistema dogmático” (Cavell, pp. 76-77).
A essência do misticismo reside no fato de que, como diz o heterônimo pessoano,
Bernardo Soares, “Vejo como via, mas por trás dos olhos vejo-me vendo” em O Livro do
Desassossego, p. 133. O poeta-místico Fernando Pessoa (1888-1935) vai reiterar isto
inúmeras vezes em sua obra. Por exemplo, “De quem é o olhar / Que espreita por meus
olhos? / Quando penso que vejo, / Quem continua vendo / Enquanto estou pensando?
(Obra Poética, Cancioneiro, III. p. 66). Não nos esqueçamos que Pessoa era um Iniciado,
um Ocultista
138
e foi tradutor de “A Voz do Silêncio” de Madame Blavastky (1831-91). E
este fato, o de haver um “Puro Sujeito do Conhecimento” está em Schopenhauer (1788-
136
Reale & Antiseri. História da Filosofia. Volume 5, Fichte e o Idealismo Ético, p. 68-69. Ver também a
Introduction - Conjectures on the Possible Starting Point of a Philosophy (“Introdução - Conjeturas sobre o
Ponto de Partida de uma Filosofia”) do paper de Ivo Assad Ibri, Reflections on a Poetic Ground in Peirce’s
Philosophy (2006; “Reflexões sobre um Fundamento Poético na Filosofia de Peirce”).
137
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. p. 8.
138
Ver “Poesias Ocultistas” de Fernando Pessoa. São Paulo: Editora Aquariana, 1996.
56
1860; “O Mundo como Vontade e Como Representação”), mas estava estabelecido, mil
anos antes, pelo filósofo vedantino (“advaita”, “Não-dual’) indiano, Shankara (788-822),
como “O Observador Eterno”.
139
Tudo isto não é difícil de entender se se compreende que a
Primeira Categoria de Peirce é “uma consciência que não pode ser abstraída, pois é o
que positivamente é” (nosso grifo).
140
No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que faz parte do livro de ensaios The
Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá,
“E assim penso que a última lição da vida, o canto coral que se eleva de todos os
elementos e anjos, é, uma obediência voluntária, uma liberdade necessitada. O
homem é feito dos mesmos átomos que o mundo, ele compartilha das mesmas
impressões, predisposições e destino. Quando sua mente é iluminada, quando
seu coração é gentil, ele atira-se prazerosamente à ordem sublime e faz, com
conhecimento, o que as pedras fazem pela estrutura” (RWE.org; nossos grifos).
Nada diporque -, como dirá CSP sobre a experiência de Primeiridade -, ali
Um [e, poderíamos acrescentar, a título de esclarecimento, ainda não três; que, diga-
se de passagem, i surgir quando o Segundo (“fato bruto”) se opuser ao Primeiro
(Consciência), exigindo Mediação (Terceiro)]. Mas onde se encontra o tal do Espírito? -
perguntaríamos a Emerson. Ele talvez respondesse, com Stanley Cavell: “O que ainda
exige expressão é um sentido de que minha relação para com a existência do mundo, ou
para com minha existência no mundo, não é dada em palavras, mas no silêncio”.
141
Naturalmente, di ele, “[A]prendemos que o mais elevado está presente na
alma do homem” (SWRWE, Nature, 35). No mais extraordinário de todos os ensaios de
Emerson que, infelizmente, não aparece nas antologias, mas que fomos buscar na
RWE.org -, quer seja, Literary Ethics (24 de julho de 1838), ele diz:
“Na solidão, em uma vila remota, o jovem ardente desperdiça seu tempo e se
lamenta. Com olhos inflamados, neste sonolento sertão, ele leu a história do
Imperador Carlos V”. (...) “Ele fica curioso para saber da época desse homem.” (...)
139
Para uma introdução à obra de Shakara, ver Y. Keshava Menon. The Mind of Adi Shakaracharya (“A Mente
do Mestre Shankara”). Delhi: Jaico Publishing House, 2004 [1976].
140
Peirce. On Phenomenology (1903; “Sobre Fenomenologia”) em EP 2, p. 150.
141
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 2. Um Estado de Espírito Emersoniano, p. 23. O
problema das palavras (e do pensamento) é que, como diz Mestre Eckhart (c.1260-c.1328), ao fim e ao cabo,
“um único pensar encobre o Ser” (Sermões Alemães, p. 197).
57
“A alma responde – Contemple este dia aqui!” (...) “A diferença de circunstâncias
é mero traje. Eu estou saboreando a mesmíssima vida, - sua doçura, sua
grandeza, sua dor, que eu tanto admiro em outras pessoas. Não pergunte tolamente
sobre o passado inescrutável obliterado, sobre o qual nada posso dizer – os detalhes
daquela natureza, daquele dia, chamados Byron ou Burke mas pergunte sobre o
envelopante Agora (RWE.org; nossos grifos).
Isto não é novo. Jesus dissera que “o Reino está dentro de Vós(Lucas 17:21).
Quando Emerson efetuar essa “introversão” (radical) - naquela que David Jacobson
chamará de terceira fase -, ele irá chegar ao Poder” que, como veremos, talvez seja a
“chave” deste enigma (d’A Esfinge; que é, afinal, o da “Existência”). O problema das
palavras (e do pensamento) é que, como diz Mestre Eckhart (c.1260-c.1328), ao fim e ao
cabo, “um único pensar encobre o Ser” (Sermões Alemães, p. 197).
Mas, RWE termina a sua primeira grande obra-prima, Nature (1836; “A Natureza”)
com um capítulo extra: (VIII) Perspectivas (“Prospects”; que em inglês tem o sentido de
“prospecção”). Aqui, através de Emerson, o Absoluto já prepara o diálogo que Stanley Cavell
(n. 1926) encetará com Emerson cento e cinqüenta anos depois (tendo feito este estudar com
J. L. Austin (1911-60) primeiro): “A invariável marca da sabedoria é ver o miraculoso no
comum” (SWRWE, Nature, 41); nossos grifos].
“Quanto mais alta a sensibilidade, e mais sutil a capacidade de sentir, tanto mais
absurdamente vibra e estremece com as pequenas coisas. É preciso uma prodigiosa
inteligência para ter angústia ante um dia escuro. A humanidade, que é pouco
sensível, não se angustia com o tempo, porque faz sempre tempo; não sente a chuva
senão quando lhe cai em cima”.
142
E, quando vemos o miraculoso no comum, como William Blake (1757-1827), o
que vemos? Diz o insuperável “pré-romântico” inglês, quando o fenômeno (Segundo
gravidíssimo de Primeiro) não cabe no conceito (Terceiro), recorre-se, desesperadaMente
a este estimado prefixo, “pré”, quando o gênio é “pré-tudo” -, William Blake: “Ver um
mundo num grão de areia, e o ceú numa flor silvestre; segurar o infinito na palma da mão e
a eternidade num instante”.
143
Buell chama a nossa atenção para o fato de que a partir de 1849, Emerson
substituiu a (platônica) epígrafe inicial de Plotino (c. 204 - 270 EC): “A natureza não é
142
Bernardo Soares, o heterônimo pessoano. O Livro do Desassossego, p. 80.
143
William Blake. The Complete Poery and Prose of William Blake. New York: Doubleday, 1988 (Auguries of
Innocence), p. 490.
58
senão uma imagem ou imitação da sabedoria, a última coisa da alma; a natureza sendo uma
coisa que apenas faz, mas desconhece” -, pelo seguinte poemeto (schellinguiano):
“A suble chain of countless rings
The next unto the farthest brings;
The eye reads omens where it goes,
And speaks all languages the rose;
And, striving to be man, the worm
Mounts through all the spires of form”.
144
Eis a idéia que Emerson tem do evolucionismo, que faz parte da corrente da
chamada Filosofia Perene [termo cunhado por Leibniz (1646-1716)]. Para um
entendimento mais profundo e minucioso da questão, ler A Grande Cadeia do Ser de
Arthur O. Lovejoy (1873 - 1962), que reúne as Conferências William James, proferidas por
Lovejoy em Harvard em 1933, onde cita este poemeto de Emerson (p.251) e o modo como
esta idéia foi melhor elaborada por Schelling (p. 315). Por que terá substituído a
hipostática epígrafe de 1841 pela sinequística epígrafe, na edição de 1849? Porque, como
veremos, nesses oito anos, Emerson passou por uma grande transformação, que teve início
em um episódio de “terror e tremor” em 1842.
Mas ainda estamos longe desse episódio. Vamos investigar, primeiramente, um segundo
ensaio com o mesmo título, Nature (“A Natureza”), que Emerson produziu em 1844.
Como a nossa idéia central que é a de Emerson que “uma é a natureza que escreve e
a que lê”, pois um autor -, cremos que seria interessante analisarmos como ele
“lê” essa obra-prima divina, que é a Natureza, oito anos mais tarde (nossos grifos).
Thoreau (1817-62):
“Ao acumular bens para nós ou para nossos descendentes, ao fundar uma família ou
um estado, ou ainda ao alcançar a fama, somos mortais; mas ao lidarmos com a
verdade somos imortais e não precisamos temer mudanças ou acidentes. O mais
antigo filósofo egípcio ou hindu levantou uma ponta do véu que cobria a estátua da
divindade; essa trêmula túnica ainda permanece levantada, e eu contemplo uma
glória tão fresca como a que contemplou o filósofo, que era eu nele quem se
mostrou tão audacioso àquela época, e é ele em mim quem agora torna a
observar a visão. Poeira nenhuma se depositou sobre essa túnica; tempo nenhum
decorreu desde que tal divindade foi revelada. O tempo que aproveitamos
144
“Uma corrente sutil de incontáveis anéis // O seguinte leva aos mais distantes quartéis; // O olho
augúrios aonde quer que vá, // E fala todas as línguas a rosa; // E, esforçando-se para ser homem, a minhoca //
Escala todas as espirais da forma” (tradução de Luís Louceiro).
59
realmente, ou que é aproveitável, não é passado, nem presente, nem futuro” (nossos
grifos).
145
No Encontro Internacional sobre Pragmatismo, Douglas R. Anderson
apresentou um paper sobre “As Duas Naturezas Schellinguianas de Emerson”. Nele
Anderson irá mostrar não apenas que este é o leitmotiv da produção emersoniana, mas que
este ensaio vem grávido de ‘insights’ que devem ter inspirado Peirce. Vejamos.
“Na Natureza”, começa por dizer RWE, “existe uma santidade que
envergonha nossas religiões e uma realidade que põe em descrédito nossos heróis”
(SWRWE, Essays – Second Series - Nature, 406; nosso grifo). E o que diz Peirce?
“O Universo como um argumento é necessariamente uma grande obra de arte, um
grande poema, - pois cada argumento refinado é um poema e uma sinfonia, -
assim como cada poema verdadeiro é um argumento sólido. Mas compare-mo-lo
com uma pintura, - com um quadro impressionista de uma paisagem à beira-
mar”.
146
Segue Emerson: “Na Natureza as incomunicáveis árvores começam a persuadir-
nos a viver com elas e a deixar nossa vida de insignificância solene [na cidade]. Aqui
nenhuma história, ou igreja, ou estado, se interpõe sobre o céu divino e
o ano imortal” (SWRWE, Essays Second Series - Nature, 407). “Estes encantos
(“poderes quarentenais da natureza”) são medicinais, eles nos tornam sóbrios e nos curam.
Estes são prazeres simples, gentis e genéticos (“native”) para s” (Ibid, ibidem). “Na
cidade, ao contrário, a grande maioria, vive mal”.
147
“O homem é caído; a natureza é
ereta” (Ibid, 411; nosso grifo). E percebamos aqui a “simetria” que Emerson viu e que irá
inspirar Peirce: As coisas estão tão estritamente relacionadas que, de acordo com a
habilidade do olho [é a “abdução” pelo “diagrama”, de Peirce], de qualquer objeto as
partes e as propriedades de qualquer outra podem ser preditas” (SWRWE, Essays
Second Series - Nature, 413; nossos grifos). E o que diz Peirce?
uma razão, uma interpretação, uma gica, no curso do avanço da ciência; e
isto indiscutivelmente prova, àquele que tem percepções de relações racionais ou
145
Henry David Thoreau. Walden; ou, A Vida nos Bosques, p. 100.
146
Peirce. The Seven Systems of Metaphysics (1903; “Os Sete Sistemas de Metafísica”) em EP 2, p. 194;
também no MSS 309 e CP 5.77n, 93-11, 114-18, 1.314-16, 5.119, 111-13, 57-58; e em HL 189-203.
147
E ainda lança alguma luz sobre a mente dos futuros “materialistas históricos”: “Ah! Se os ricos fossem tão
ricos quanto os pobres imaginam que os ricos são!” (SWRWE, Essays – Second Series - Nature, 409).
60
significativas, que a mente humana deve ter sido sintonizada (“attuned”)
148
na
verdade das coisas de modo a descobrir o que ele descobriu. Isto é o fundamento
(“the bedrock”) da verdade lógica.
149
Veja-se este trecho de Emerson relacionado à “abdução” peirceana:
O homem carrega o mundo em sua mente. Porque a história da natureza
está caraterizada (“characted”) em seu cérebro,
150
portanto ele é o profeta e
descobridor de seus segredos. Cada fato conhecido na ciência natural foi
conjeturado pelo pressentimento de alguém, antes de ter sido de fato
verificado.
151
Uma pessoa não amarra o cadarço sem reconhecer leis que
unem as regiões mais longínquas da natureza: lua, plantas, gás, cristal, são
geometria concreta e meros” (SWRWE, Essays Second Series - Nature,
414; nossos grifos).
Mas “a Natureza também possui algo de zombeteiro” (SWRWE, Essays
Second Series - Nature, 417; nosso grifo; é o “spiel” schilleriano e o “acaso” peirceano!),
“algo que leva adiante, mas não chega a lugar nenhum” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Por
isso “toda a promessa excede o desempenho” (Ibid, ibidem).
E, vejam aqui o falibilismo peirceano em estado germinal: “[N]ós vivemos em
um sistema de aproximações. Cada fim é prospectivo a Terceiridade peirceana:
pensar para prever! É o Pragmatismo!] de um outro fim, que também é temporário; não
um sucesso completo e final em lugar nenhum” (Ibid, ibidem).
152
A diferença entre
Emerson e Peirce residiria na frase seguinte: “Nós estamos acampados na natureza, não
domesticados” (Ibid, ibidem), que dá em Emerson a noção bíblica de estarmos de
passagem por este mundo” (“somos transeuntes”), ao passo que em Peirce (e na Ciência
em geral) não parece haver nenhuma urgência, mas uma serenidade na busca do “meio-
termo” (aristotélico; que Peirce denominará de “razoabilidade”). Em comum têm o fato de
148
Sobre a necessidade desta “fina sintonia” entre o homem e a Natureza para descobrir-lhe os segredos, diz
Peirce: “Sentar-se e escutar a voz da natureza a que você se sintonize” em Ivo Assad Ibri. The Heuristic
Exclusivity of Abduction in Peirce’s Philosophy (“A Exclusividade Heurística da Abdução na Filosofia de
Peirce”), p. 95.
149
Ver The Neglected Argument for the Reality of God (1908; “Um Argumento Negligenciado a Favor da
Realidade de Deus”) em EP 2, p. 444; também no MSS 841 e P 1166; também em CP 6.452-91). Mas
mais em Emerson que deve ter inspirado Peirce - neste ensaio em que RWE recorre à diferença entre natura
naturans e natura naturata (tão bem expressa por Schelling, mas de gênese spinoziana).
150
Talvez fosse mais preciso denominar o “Objeto” (semiótico) de “OdSI”, i.e., “Objeto dinâmico” + “Signo” +
“Interpretante”, que separamos apenas para efeitos didáticos.
151
Somos imediatamente remetidos a um dos “Provérbios do Céu e do Inferno” de Wiliam Blake (1757-1827):
“O que hoje é provado foi outrora apenas imaginado” (The Complete Poetry and Prose of William Blake, p. 36).
152
Exceto no Presente, pois, como diz Peirce, “o tempo tem um ponto de descontinuidade no presente”. Ivo
Assad Ibri. Kósmos Noétos, p. 77.
61
ver que “[A] Natureza é a encarnação [Peirce dirá “embodiment”] de um pensamento
(...) o mundo é mente precipitada” (Ibid, 421; nosso grifo). Peirce dique “a matéria é
mente envelhecida” (“effete mind”).
153
Vejamos, porém, o que nos reserva a próxima estrofe...
IV
Verso 25 “The waves, unashaméd, As ondas, sem pejo,
Verso 26 In difference sweet, Docemente diferentes em tudo,
Verso 27 Play glad with the breezes, Brincam prazerosas com as brisas,
Verso 28 Old playfellows meet; Se encontram como velhos amigos de ludo;
Verso 29 The journeying atoms, Os átomos em jornada,
Verso 30 Primordial wholes, Primordiais totalidades,
Verso 31 Firmly draw, firmly drive, Firmemente desenham e dirigem,
Verso 32 By their animate poles. Por suas animadas polaridades.
O poema fala da “variedade” e da “liberdade” de um exemplar da classe mineral,
“as ondas do mar” (verso 25 a 28), de cuja Primeiridade que nos remete ao “jogo das
Musas” [“Play of Musement”; ver The Neglected Argument for the Reality of God (1908;
“O Argumento Negligenciado a Favor da Realidade de Deus”), EP 2, p. 439] que CSP
tomou emprestado do grande Schiller (1759-1805; “Spieltrieb”)
154
-, que é totalmente
inconsciente (“indiferente a tudo”). O poema fala dos próprios átomos (versos 29 a 32),
dialogando com a Tradição filosófica Ocidental.
Quanto a Lucrécio (c. 99 - c. 55 EC), Richardson Jr. (p. 43) diz que entre 1821 e
1823 “Emerson estava lendo (...) o De rerum natura de Lucrécio e adiciona que a obra
Nature (“A Natureza;” 1836) de Emerson “pode ser adequadamente comparada a essa obra
de Lucrécio que Rolfe Humphries traduziu [com o título de] The Way Things Are (“Do
Jeito que as Coisas São”)” (p. 226). Não sei em que sentido é que o De rerum natura pode
ser “adequadamente comparado ao livro “A Natureza” de Emerson, uma vez que o Livro I
do romano trata de da doutrina de Epicuro (341-270 AEC), com “uma explicação de que
só existem os átomos e o vazio” e “uma refutação de outras cosmologias (Heráclito,
Empédocles, Anaxágoras)” (J. Ferrater Mora, 1808) que, estes sim, uma fecunda
influência sobre Emerson -; cujo Livro II “refuta a idéia da Providência” (Ibid, ibidem);
153
Ver EP1, Introdução, xxii e The Architecture of Theories (1888; “A Arquitetura de Teorias”), p. 293.
154
Recordamos que o grande amigo de Emerson, o historiador e ensaísta escocês Thomas Carlyle (1795-1881) –
com quem se correspondeu de 1834 a 1872 (ver bibliografia) – foi tradutor e biógrafo do autor das “Cartas sobre
a Educação do Homem”.
62
cujo Livro III trata da “mortalidade da alma e [do] caráter universal da morte” (Ibid,
ibidem); cujo Livro IV faz “uma apologia do sensualismo e [uma] refutação do ceticismo”
(Ibid, ibidem); cujo Livro V defende uma explicação materialista da “origem e formação
do mundo;” (Ibid, ibidem) e, cujo Livro VI trata da “origem e causa das enfermidades e
epidemias” (Ibid, ibidem). A obra de Emerson, por sua vez, é de concepção panteísta de
viés schellinguiano, o que para bom entendedor, basta.
Quanto à idéia das “polaridades” (Verso 32) pelas quais Schelling (1775-1854)
era obcecado
155
- mereceu um ensaio de Emerson com o título (taoísta) de Compensation
(1841; “Compensação”): “Todas as coisas são feitas de uma substância oculta”
(SWRWE, 174; remete-nos a Heráclito; nossos grifos). Quanto a Heráclito (c. 544 - c. 475
AEC), Richardson Jr. descreve assim a influência do filósofo de Éfeso sobre Emerson:
“A sabedoria, para Heráclito, consistia não no acúmulo de uma enorme pilha de
conhecimentos, mas na ‘descoberta da lei que governa todas as coisas. Toda
natureza é governada por leis constantes. Os próprios fenômenos que
parecem discordantes concordam na harmonia do todo. Enquanto isso tudo muda’.
O que Heráclito sustenta é a possibilidade de crer na mudança perpétua e em leis
fixas ao mesmo tempo”.
156
A influência de Heráclito sobre Emerson é maior do que Richardson Jr. crê. Se
utilizarmos a classificação (quatro aspectos) que J. Ferrater Mora (p. 1321-1323) dos
“fragmentos” deste “amigo da solidão e da multidão” - (a) a questão do saber; (b) o
problema da mudança; (c) a noção de oposição (e de conflito); e, (d) a idéia de unidade,
ordem e lei talvez possamos aquilatar melhor esta influência. Richardson Jr., acima,
refere-se à primeira questão (a): “Heráclito proclama que uma coisa é saber muito e outra
possuir entendimento. (...) O importante para Heráclito é um saber do essencial – ‘O sábio
é uno: conhecer com verdadeiro juízo de que modo as coisas se encaminham através de
tudo’ (41) (...) Saber é saber do Uno por meio do Logos” (JFM, 1322). Entretanto, a
segunda questão (b; o problema da mudança), teve uma enorme influência sobre Emerson.
A idéia heraclitiana de que “O sol é novo a cada dia” (6) é um dos leitmotivs da obra
155
Schelling: “O idealismo é a alma da filosofia; o realismo é o corpo; os dois reunidos constituem uma
totalidade” e “[P]orque nada existe diante ou fora de Deus, ele deve ter em si mesmo o fundamento da sua
própria existência” (“Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana”, p. 60).
156
Richardson Jr., 104; JMN 3: 366, 369.
63
emersoniana, já a partir de seu primeiro grande livro, Nature (1836; “A Natureza”): “O sol
brilha hoje também” (SWRWE, 3). Mas não só. Quanto ao terceiro aspecto (c; a noção de
oposição e conflito), a idéia de que “a guerra (o fogo) é o pai de tudo”, de que “o caminho
ascendente e o descendente são o mesmo (60),” de que “o diverso concorda consigo
mesmo, harmonia do antagônico como no arco e na lira (51)” - que, aliás, mereceu um
comentário brilhante de Octavio Paz [“O Arco e a Lira”], Emerson é um mestre do
assunto a ponto de dedicar todo um ensaio à questão: Compensation (1841;
“Compensação”): “Nossa força cresce a partir de nossa fraqueza” (SWRWE, 184). Quanto
ao último aspecto, (d; a idéia de unidade, ordem e lei), a de que “o Sol não ultrapassa seus
limites senão as Erínias que administram justiça o perseguiriam” (94), é uma idéia também
muito cara a Emerson. Porque, para Emerson, também, “tudo é feito de um negócio
escondido” (SWRWE, Compensation, 174), esse “tudo” é “o universo,” que está vivo”
(Ibid, 175) e “todas as coisas são morais” (Ibid, ibidem). Emerson deve ter amado “o estilo
de pensar oracular” (JFM, 1322) de Heráclito para quem “O Senhor, cuja origem
encontra-se em Delfos, nem fala nem dissimula, mas um sinal” (93; Ibid, ibidem).
Devemos saudar a obra “Heráclito Fragmentos contextualizados” de Alexandre Costa
(DIFEL, 2002), responsável pela Tradução, Apresentação e Comentários.
Quanto a Peirce, ele cita Heráclito no ensaio Sundry Logical Conceptions (1903;
“Várias concepções lógicas”; em EP 2, 268) quando se refere à Segundidade: “a
Segundidade é enquanto ela realmente está [acontecendo]. A mesma coisa nunca pode
acontecer duas vezes. Com Heráclito disse, uma pessoa não pode cruzar o mesmo rio duas
vezes”. Entretanto, não podemos esquecer “os erros” que Peirce aponta em Heráclito: (i) “a
noção de que Continuidade implica Transitoriedade”. E, explica: “As coisas deste mundo,
que parecem tão transitórias aos filósofos, não são contínuas. Elas são compostas de
átomos discretos, sem dúvida pontos boscovianos. As coisas realmente contínuas, Espaço,
Tempo e Lei, são eternas(“A filosofia e a conduta da vida;” 1898 em EP 2, 35) e, (ii) “a
idéia de que o ser da Idéia é potencial” (que aparece na nota 24, no EP 2, p. 506).
No ensaio Power (“Poder”), Emerson dirá “[T]odo o poder é de um tipo, uma
comunhão com a natureza do mundo. A mente que está paralela com as leis da natureza
estará na mesma corrente de eventos e forte com sua força. Uma pessoa é feita da mesma
natureza da qual os eventos são feitos; está em simpatia com o curso das coisas; pode
prever”. Parece que estamos ouvindo Schelling e Peirce. “Uma ‘lei’, no entanto, é tomada
mui acertadamente por todo mundo como sendo uma razão para prever que um evento terá
64
certo caráter” (nossos grifos).
157
Por isso, diz Ibri: “[E]sta conseqüência da Metafísica
peirceana levaria a um predomínio completo da terceiridade sobre a existência na qual o
próprio acaso estará definitivamente extirpado. É o que se depreende de (citando Peirce):
‘Em qualquer tempo, entretanto, um elemento de puro acaso sobrevive e permanecerá até
que o mundo se torne um sistema absolutamente perfeito, racional e simétrico, no qual a
mente seja pó fim cristalizada em um futuro infinitamente distante (CP6.33)”.
158
E mais, “o universo está representado em cada uma de suas partículas”
(SWRWE, Compensation, 174; é o “fragmento” de Novalis (1772-1801).
159
Segue
Emerson, o bardo de Concord: O universo es vivo.
160
Todas as coisas são morais.
Aquela alma que, dentro de nós é sentimento, fora de nós é lei” (Ibid, 175; nossos
grifos).
161
Por isso, existe a lei da compensação. “E assim deve ser”. “Na natureza nada
pode ser dado, todas as coisas são vendidas” (Ibid, 178; nosso grifo).
162
Mas -, e esta é a rara capacidade de Emerson, de ver os objetos de vários ângulos -,
“há um fato mais profundo na alma do que a compensação” (do que a polaridade, yin
& yang, dirá Laozi), “dar-se conta de sua própria natureza. A alma não é uma
compensação, mas uma vida. A alma é (nossos grifos). Quando compreendemos
plenamente a Primeira Categoria da Fenomenologia de Peirce, tudo se torna mais claro. O
problema é a linguagem. O próprio Peirce acerta quando diz: “Na quale-consciência nada
existe senão uma qualidade, um único elemento. Ele é inteiramente simples”. E, acerta
quando acrescenta, “o presente assim concebido é absolutamente separado do passado
e do futuro”. Mas erra quando diz: “Isto é, o passado e o futuro estão completamente
ausentes no sentido em que eu estou consciente do agora”.
163
Erra, por quê? Porque no
agor’aqui atenção plena, una, e, portanto, não ali ninguém (consciente do agora),
157
Peirce. New Elements (1904; “Novos Elementos”) em EP 2, p. 314.
158
Em Ibri. smos Noétos. p. 91.
159
Ver a tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho da obra de Novalis, Pólen. São Paulo: Iluminuras,
1988, especialmente os “fragmentos logológicos I e II”, pp. 107-118.
160
“A natureza, como totalidade, é ´um ser vivo’, um grande organismo, em que tudo se encontra
harmoniosamente concertado entre si. Ora, um organismo vivo é possível por meio do princípio criador e
organizador a que chamamos alma. Portanto, se o mundo corpóreo, como todo, é um organismo vivo, tem de
imperar nele uma ‘alma do mundo’”. E, “[C]om a doutrina da alma universal inverte-se, automaticamente, a
visão mecânica do mundo”. Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão, Schelling. 2. A Filosofia da
Natureza, p. 139 (nossos grifos).
161
Peirce irá esclarecer melhor esta simetria; para ele, aquilo que no interior é Sentimento (Primeiro), no exterior
é Variedade, Acaso, Liberdade. Já aquilo que no interior é Pensamento (Terceiro), no exterior é Lei.
162
O ‘iniciado’ Fernando Pessoa (1888-1935), em Mensagem, dirá: “Os deuses vendem quando dão” (Fernando
Pessoa, Obra Poética, p. 5)
163
Citado em Ivo Assad Ibri, Kósmos Noétos, p. 81.
65
Consciência (ou Sentimento). Tanto que ele mesmo [Peirce] se corrige no ensaio Of
Reasoning in General (1895; “Sobre o Raciocínio em Geral”):
“A palavra sentimento é usada em todo este ensaio para denotar aquilo que deve
estar imediatamente, e em um instante, presente à consciência. A spalavras ‘devem
estar’ estão aqui inseridas porque nós não podemos observar diretamente o que está
instantaneamente presente para a consciência” (EP 2, p. 22).
O coroamente tanto da prática do Raja Yoga (Hinduísta) “Dhyana” quanto o
do Zazen (Budista) “Nirvana” está precisamente na conquista, pela prática
perseverante (“abhyasa”), deste “estado de atenção plena e interessada” (sem
pensamentos!). Sob todo este mar corrente da circunstância” assim todas as coisas
pregam a indiferença das circunstâncias” (SWRWE, Compensation, 185; nossos grifos)
–, cujas águas sobem e descem com equilíbrio perfeito, reside o abismo aborígene do
Ser real. A essência, ou Deus, não é uma relação ou parte, mas o todo” (Ibid, 185;
nossos grifos), o TAO.
164
Para bom entendedor...
Mas continuemos nossa análise do poema emersoniano...
V
Verso 33 “Sea, earth, air, sound, silence, Mar, terra, ar, som, silêncio,
Verso 34 Plant, quadruped, bird, Planta, quadrúpede, ave,
Verso 35 By one music enchanted, Por uma música encantados,
Verso 36 One deity stirred, _ Uma agitada deidade, _
Verso 37 Each the other adorning, Uma à outra adornando,
Verso 38 Accompany still; Vindo em seu socorro;
Verso 39 Night veileth the morning, A noite a manhã velando,
Verso 40 The vapor the hill. E o vapor o morro.
O poema diz que os elementos (verso 33) e todos os entes que neles vivem (verso
34) (e)s(t)ão “encantados por uma música (verso 35) aquela pitagórica (?),das
esferas
165
e “movidos por uma deidade” (verso 36) termo caro a Meister Eckhart
(c.1260-c.1328; Gottheit; ver Sermões, pp. 334-6) elementos e entes estes que
164
A melhor Introdução e Comentário ao TAO TE KING de Laozi (c. 581-500 AEC) é do nosso amigo, Ivo
Storniolo que, entre outros, traduziu os sete volumes da “História da Filosofia” de Reali & Antiseri. Em nossa
última viagem à China (Janeiro 2008), tivemos oportunidade de adquirir uma nova versão desse clássico chinês,
a partir de uma cópia em seda desenterrada em Mawandui (Changsha) em 1972. No Capítulo 1, Laozi já diz que
“O Tao que pode ser nomeado não é o Tao eterno”; no entanto, podemos compreendemo-lo através das
“polaridades” Yang (masculina) e Yin (feminina). Para uma deliciosa introdução ao pensamento chinês,
recomendamos “A Importãncia de Viver” de Lin Yutang, com tradução de Mário Quintana.
165
Sobre “a música das esferas”, ver Ivo Assad Ibri. Kosmos Noetos, p. 44.
66
mutuamente “se adornam” (verso 37) e “se socorrem” (verso 38), como “a noite vela o
dia” (verso 39) e “o vapor encobre o morro” (verso 40).
Quanto a Pitágoras (580-490AEC), Richardson Jr. diz-nos que “em março de
1841” (p. 346), “Emerson estava lendo A Vida de Pitágoras de Jâmblico.” Foi graças à
leitura de Pitágoras, dos Neoplatônicos e [do] Zoroastrianismo que ele, segundo
Richardson Jr., (p. 346), na palestra The Method of Nature de 1841 que representa o
“ponto de inflexão” no seu desenvolvimento intelectual (de acrodo com David Jacobson)
que RWE “deixa para trás o idealismo essencialmente germânico [Kant, (Fichte) e
Schelling, filtrados por Carlyle e Coleridge] e adota um panteísmo dinâmico”. O que
Emerson terá “visto” através das lentes pitagóricas?
Decerto a idéia de que “o universo inteiro é uma ordem” (nossos grifos) -, uma
regularidade matemática -, “um kósmos (nossos grifos), derivado dos números e que,
enquanto tal, é perfeitamente cognoscível também em suas partes”.
166
E, porque não dizer,
sua noção de que “o ‘um’ não é par nem ímpar: é um parímpar” (Ibid, 28; nossos
grifos), que “equivale ao ‘ponto’” (Ibid, ibidem; nosso grifo)? Basta que se diga que essa
idéia de “uma ordem perfeitamente penetrável pela razão” representou, como dizem Reale
e Antiseri, “um passo decisivo na história do pensamento humano” (Ibid, 29) e,
naturalmente, na de Emerson, que diz, já no seu primeiro livro (como já vimos): “O
intelecto busca a ordem absoluta das coisas conforme elas estão na mente de Deus”
(nosso grifo).
167
É, ainda, o elemento estudado anteriormente (Estrofe V) e somos remetidos às
pinturas chinesa de Wang Hui (1632-1717; em exposição, neste momento, no
Metropolitan de Nova Iorque),
168
por exemplo -, em que as montanhas, imensas (como o
Sublime kantiano)
169
estão parcialmente cobertas de névoa e, em um cantinho qualquer,
aparece (quando aparece), minúsculo, o homem...
166
Reali & Antiseri, Volume 1, Filosofia Pagã Antiga, 25
167
The Selected Writings of Ralph Waldo Emerson (doravante, SWRWE), Nature (“A Natureza”), p. 13.
168
Devo esta informação à minha amiga, a refinada mestranda Susan Pearson.
169
“Central na definição do “sublime” kantiano é o modo como ele parece ‘transgredir os fins de nossa faculdade
de julgamento, adaptar-se mal à nossa faculdade de apresentação e constituir, por assim dizer, uma afronta à
imaginação’” [Kant. Crítica do Juízo § 23 em Howard Caygill. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2000 (p. 298)].
67
VI
Verso 41 “The babe by its mother O bebê ao lado de sua mãe
Verso 42 Lies bathéd in joy; Jaz banhado em enlevo;
Verso 43 Glide its hours uncounted, _ Planam suas horas incontáveis, _
Verso 44 The sun is its toy; O sol é seu brinquedo;
Verso 45 Shines the peace of all being, Brilha a paz de todo o ser,
Verso 46 Without cloud, in its eyes; Seus olhos nenhuma nuvem traz;
Verso 47 And the sum of the world E o mundo em sua totalidade
Verso 48 In soft miniature lies. Em delicada miniatura jaz.
O próprio Homem, enquanto “bebê, no colo materno” (verso 41) “jaz banhado
em enlevo” (verso 42), em que não se conta das “horas” (verso 43), em que o próprio
“sol é seu brinquedo” (verso 44), em que está inteiro em paz” (verso 45), “sem ter o
olhar turvado” (verso 46), pois “o mundo inteiro” (verso 47) é “minúsculo” (verso 48).
Quer seja, enquanto o ser humano é como a Natureza inconsciente, ele permanece
“banhado em enlevo”, quer seja, feliz. Mas, sabemos que quando cresce conforme vai
tomando consciência (passando a viver mais na esfera mental, i.e., na Terceiridade), ele,
de alguma maneira, “é expulso do paraíso” (da inconsciência). As melhores obras sobre o
sentido psicológico desta “expulsão” são os do psicanalista junguiano, Edward F. Edinger
(1907-1997). Ver, por exemplo, Edward F. Edinger. O Arquétipo Cristão. São Paulo:
Cultrix, 1988. O que é admirável na Arquitetônica de Charles Peirce é que ela possibilita o
diálogo entre áreas do conhecimento; por exemplo, com a Psicologia, que é um dos ramos
da Idioscopia (ou Ciências Especiais); e, como é o caso do poema de Emerson, com a
Literatura, como mostra Santaella em sua obra A Assinatura das Coisas [com o nome-
pedigree “Signatura Rerum”, que remete ao genial Jakob Boehme (1575-1624)]. Diz
Whitehead: “É na literatura que a visão concreta da humanidade recebe sua expressão. Por
conseqüência é para a literatura que devemos olhar, particularmente em suas formas mais
concretas, se esperamos descobrir os pensamentos íntimos de uma geração” em Arhtur O.
Lovejoy. A Grande Cadeia do Ser, p. 26. Lovejoy cita no decorrer desta obra tanto o
prodigioso poeta “neo-clássico” inglês, Alexander Pope (1688-1744), quanto o fabuloso
Herder (1744 - 1803). Quanto a este último, o protégé do ‘Magus im Norden,’ do irônico
crítico do Iluminismo, Johann Georg Hamman [1730 1788; tendo influenciado,
também, nada menos que Goethe (“que o achava a mente mais brilhante de sua época” in
Stanford Encyclopedia of Philosophy), Jacobi, Hegel e Kierkegaard (ver “Recepção da
Crítica da Razão Pura”, Capítulo 3: Johann Geor
g Hamann, por Maria Filomena Molder,
da Universidade Nova Lisboa. pp.113-153)], o fabuloso Herder é aquele extraordinário
68
Metacrítico sobre quem J. Ferrater Mora (p. 13227-1329) destaca a importante
contribuição para (i) a doutrina da linguagem [“Herder sublinhou o caráter evolutivo da
linguagem” (p. 1328)] e, (ii) sua filosofia da história [em que expõe as ‘três leis’ ou Etapas
na formação das Sociedades, a terceira das quais é esplêndida:
“Se um ser ou um sistema de seres encontra-se afastado desse centro de verdade, de
bondade e de beleza, aproximar-se-á dele por meio de suas forças íntimas, seja por
um movimento de vibração, seja perseguindo sua assíntota, e isto se deve ao fato de
que, estando fora do centro, não está em repouso” (J. Ferrater Mora, 1328)].
E sobre quem o (liberal) historiador das idéias e o filósofo político Sir Isaiah
Berlin (1909 1997) escreveu uma bela obra [Vico and Herder: Two Studies in the
History of Ideas, 1976 (“Vico e Herder,” Editora Universidade de Brasília, 1982:
“As idéias não nascem no vazio nem por um processo de partogênese (por isso)
torna-se necessário o conhecimento da história social, da interação e do impacto das
forças sociais em atividade nas diferentes épocas e lugares específicos, bem como
dos problemas por ela originados” (p. 6) e “parecem existir muitos pontos de vista e
muitas formas de pensar e sentir, cada uma delas com seu próprio ‘centro de
gravidade’ autolegitimadora, incapaz de combinar e, ainda menos, de integrar-se
em um todo liso e contínuo” (p. 13)]
diz: “A melhor compreensão da vida pode ser encontrada na literatura”.
mas, dentro da
filosofia, esta idéia aparece de modo notável nas análises de Hegel (1770-1831), quando
descreve a “consciência infeliz”, a consciência dilacerada” (cf. Fenomenologia, B. 4, B.
3; Filosofia da História, IV, seção 2, capítulos 1 e 2) que é aquela da “alma alienada
[alheada] que é a consciência de si enquanto dividida, um ser dobrado e meramente
contraditório” enquanto não chegar ao “saber absoluto”.
J. Ferrater Mora mostra que “embora situado na confluência das correntes do
idealismo transcendental e do romantismo, o sistema de Hegel apresenta profundas
diferenças em relação aos de Fichte e de Schelling. Em primeiro lugar” segue Mora
dizendo, “recusa-se decididamente a partir do Absoluto como mera indiferença entre
sujeito e objeto; tal Absoluto é, para Hegel, como a noite, na qual todos os gatos são
pardos, ‘é a ingenuidade do vazio no conhecimento’, pois não permite explicar de nenhuma
69
maneira a produção das diferenças nem sua realidade” (J. Ferrater Mora, Hegel, 1292).
“Em segundo lugar”, prossegue Mora, “Hegel se caracteriza por uma forte tendência ao
“concreto” e por uma decidida afirmação do poder do pensamento e da razão ante a onda
nebulosa do sentimento e da intuição intelectual. A filosofia trata do saber absoluto; melhor
dizendo, é o saber absoluto. Esse saber, porém, não é dado de uma vez em sua origem; é o
final de um desenvolvimento que se eleva desde as formas inferiores até às superiores.
Mostrar a sucessão das diferentes formas ou fenômenos da consciência até chegar ao saber
absoluto é o tema da Fenomenologia do Espírito como (Ibid, 1293) introdução do sistema
total da ciência. Segundo Hegel, a ciência (Wissenschaft) é essencialmente sistemática” e
seu “método” é “dialético” que mostra a evolução interna dos conceitos segundo um
modelo tese-antítese-síntese” (Ibid, ibidem). “Característica de Hegel”, como mostra Mora,
“é a idéia de que o conhecimento não é a representação de um sujeito de algo externo”; a
representação de um objeto por um sujeito é, ao mesmo tempo, parte integrante do objeto,
[porque] a consciência não é somente consciência do objeto, mas também consciência de
si(Ibid, ibidem). Assim, na “marcha do pensamento rumo a seu próprio objeto, que é, no
fim, ele mesmo -, na medida em que absorveu completamente o pensado -, diversas
fases ou ‘momentos’, cada um dos quais tendo sua própria justificação, mas sendo
insuficiente (de tal modo que tem que ser negado e superado por um ‘momento’” (Ibid,
ibidem).
“O primeiro momento do saber”, segue Mora, “é aquele em que a consciência crê
encontrar o conhecimento verdadeiro na certeza (imediata do) sensível” (...), mas trata-se,
naturalmente, de “pura ilusão”, pois “tudo o que o conhecimento sensível pode enunciar de
um objeto é dizer que é”. (...) “Deve-se, pois, avançar além da certeza sensível e
encontrar o que pode fundamentá-la” (Ibid, ibidem; nosso grifo). A marcha prossegue
para além da “irremediável oposição entre o sujeito e o objeto” e as “contradições
existentes entre o saber do objeto (entendimento) e o próprio objeto (percepção)” (...) até
que “toda diversidade e toda oposição da consciência com o objeto se desvanecem diante
da unidade revelada no conceito, e somente então se pode dizer propriamente que a
consciência é a razão” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
“Mas”, acrescenta Mora, “a razão não pode se deter na fase de sua diversificação
nas conseqüências individuais” (Ibid, ibidem), pois é necessário dar conta da epopéia do
Espírito na História, uma vez que, “com a história”, segue Mora, “a consciência individual
torna-se espírito e engloba em suas fases, conduzidas dialeticamente, a existência histórica,
70
desde o estado de dependência até o paulatino descobrimento da vida interior pelo
cristianismo” (...) que seria “o [seu] triunfo final”, quer seja, a completa entrada do
espírito em si mesmo pela religião” - em que “a revelação do dogma cristão coincide com a
verdade filosófica” (Ibid, ibidem).
Portanto, Mora prossegue dizendo, “[N]a Fenomenologia, Hegel afirma que
somente o Espírito (ou melhor, o espiritual) é real” e mostra que para Hegel “Espírito” não
tem o sentido “espiritualista” (uma entidade especial ou uma espécie de supra-entidade
superior a todas as demais); “[O] espiritual” escreveu Hegel “é a essência, o que existe
em si mesmo”, portanto, “forma (de ser)” que “está submetida a um processo dialético
interno. É no curso desse processo que a realidade se constitui ‘espiritualmente’” (Ibid,
1294), pois, “ao converter-se em Espírito, a realidade vem a ser o que já era (sem sabê-lo)”
e, assim, vemos que “a dialética não é um simples método do pensar; é a forma em que
se manifesta a própria realidade, é a própria realidade que alcança sua verdade em
seu completo autodesenvolvimento”.
Toda esta exposição sobre Hegel vem ao caso por três motivos: () por uma
síntese das idéias de Hegel (1770-1831); () para cotejar suas teses fundamentais com
aquelas, radicalmente opostas, quer seja, as de Fichte (1762-1814) e Schelling (1775-
1854) – e de seus “discípulos”, Schopenhauer (1788-1860), Emerson (1803-1882) e
Nietzsche (1844-1900) et al -; e, () para salientar um fato pouco conhecido, que é o da
“influência” que Hegel teve na mudança de rumo de Peirce (1839-1914). Joseph Brent diz
que CSP começou a se corresponder, em janeiro de 1868, com o hegeliano de St. Louis,
William Torrey Harris (1835-1909), que acabara de fundar seu (trimestral) Journal of
Speculative Philosophy (até 1893). Esta correspondência com Harris foi, de acordo com
JB, de capital importância para o desenvolvimento intelectual de CSP uma vez que, ao
responder ao desafio de Harris (“como, a partir dos fundamentos nominalistas (dos
metafísicos de Cambridge) as leis da lógica poderiam ser algo mais do que inexplicáveis?”)
em duas cartas e três artigos, o último e mais importante dos quais foi denominado
Grounds of Validity of the Laws of Logic: Further Consequences of Four Incapacities
(1868; “Fundamentos de validade das leis da lógica: mais conseqüências das quatro
incapacidades”) “Peirce viu-se obrigado, pelo exame do assunto, a reconhecer que os
71
gerais, tais como as leis da ciência, são reais e a examinar o significado de sua
doutrina dos signos”.
170
E, como é o Homem em relação à Natureza?
VII
Verso 49 “But man crouches and blushes, Mas o homem se encolhe e ruboriza,
Verso 50 Absconds and conceals; Escapule e oculta;
Verso 51 He creepeth and peepeth, Ele move-se furtivamente e espreita,
Verso 52 He palters and steals; Ele trapaceia e furta;
Verso 53 Infirm, melancholy, Enfermo, deprimido,
Verso 54 Jealous glancing around, Ciumento, de soslaio mira a cena,
Verso 55 An oaf, an accomplice, Um bronco, um cúmplice,
Verso 56 He poisons the ground. Ele o solo envenena.
1.5 A Esfinge descreve agora o Homem (adulto) que diferentemente da Natureza “se
intimida e envergonha” (verso 49), que “escapule e oculta” (verso 50), etc., e que
“envenena o solo” (verso 56). Vale a pena chamar à atenção do leitor para o fato de que
Emerson (1803-82), Thoreau (1817-62) e John Muir (1838-1914)
171
foram os pioneiros
da “consciência ecológica”, fato que Douglas R. Andeson deixou claro em seu “paper” no
9º Encontro Internacional sobre Pragmatismo (novembro 2006), Emerson’s Schellinguean
Natures: Origins of and Possibilities for American Environmental Thought (“As
Naturezas Schellinguianas de Emerson: Origens e Possibilidades do Pensamento
Ambientalista dos Estados Unidos”). De fato, uma volta a Schelling (1775-1854) e a
urgente implementação de seu pensamento (panteísta) nas escolas e meios de comunicação
– pode ajudar a reverter a vorazmente dilapedante ideologia reinante (de herança dualista).
Aqui é o lugar ideal para apresentarmos a concepção que RWE tem do Homem em
sua real estatura, que é a do Intelectual e que ele expôs no seu segundo livro, The
American Scholar (1837; “O Intelectual Norte-Americano”), fruto da palestra com o
mesmo nome, dada na Phi Beta Kappa Society, que Buell descreve como sendo “a
palestra mais lida e mais influente que foi dada em Harvard” (Buell, The American
Transcendentalists, 82) e que Oliver Wendell Holmes, Sr. [1809-94; pai de Oliver
Wendell Holmes, Jr. (1841-1935), o juiz Pragmatista, membro do The Metaphysical Club
170
Joseph Brent, 72; cita W 2:193-273. Ver também CP 5.213-263).
171
Entre outras façanhas, Muir salvou o Yosemite Valley (1868). Quando viu a região pela primeira vez, disse:
“Templo algum feito com as mãos pode se comparar com Yosemite; e ele é o maior dos templos da Natureza”
[Wikipedia. John Muir, excerto de 26/6/2008].
72
(ver Louis Menand, The Metaphysical Club, pp.3-48)], que a assistiu – em êxtase! -
descreveu como sendo “um evento na história da cultura americana. ‘Nossa
Declaração de Independência intelectual’”.
172
Emerson começa dizendo que “Nossos dias de dependência, nosso longo
aprendizado em relação aos outros países chega ao fim” (SWRWE. The American
Scholar, 45; nosso grifo); depois conta uma fábula egípcia, que diz que “os deuses, no
início, dividiram o Homem em homens, para que ele pudesse ser mais útil a si
mesmo” (Ibid, ibidem), mas que “hoje [1840?] chegamos a tal estado de coisas em que
encontramos “um bom dedo, um pescoço, um estômago, um cotovelo, mas nunca um
homem. “O homem metamorfoseou-se, assim, em uma coisa, em muitas coisas” (Ibid,
46; nossos grifos).
Após esta frase -, “o homem se metamorfoseou em coisa” -, Cavell (se) pergunta:
“Então o que éramos antes de nos termos metamorfoseado?”.
173
E responde: “(Emerson
não apenas fala de nossa conversão, que é dizer, renascimento; ele também diz que nós
somos não-nascidos. Vale a pena meditar sobre isto)”. Aliás, vale a pena ler e meditar
sobre todo este Capítulo 7 de seu livro: Aversive Thinking: Emersonian Representations in
Heidegger and Nietzsche (“Pensamento Aversivo: Representações Emeronianas em
Heidegger e Nietzsche”). Cavell contrapõe o “pensamento aversivo” ao “pensamento
conformista” (“conFormado”). Quanto ao “não-nascido” recomendamos os Essays on Zen
Buddhism (“Ensaios sobre Budismo Zen”) de D. T. Suzuki, especialmente o Volume 1 e,
neste, os capítulos relacionados a Bodhidharma e Hui Neng. Este último, o e último
Patriarca do Budismo Ch’an (chinês), costumava perguntar a seus discípulos: “Como era
seu rosto antes de você nascer?”. E, Sidarta Gautama (c.563-483 AEC), o fundador do
Budismo, costumava dizer: “Se não fosse ‘o não-nascido’ não haveria salvação”. Sabemos
que a “salvação” (“Nirvana”; “nir” = “não”; “banna” = “desejo”, em pali) para os budistas
está na “supressão do desejo” (3ª Nobre Verdade) -, que “causa sofrimento” (1ª e 2ª Nobres
Verdades). Quando não desejamos coisa alguma pela prática do “Dourado Caminho
Óctuplo” (4ª Nobre Verdade) -, e conseguimos viver “plenamente atentos no presente” -,
no “centro da roda da existência” (“Samsara”), atingimos, por um lado, a capacidade de
“ver as coisas como elas são” como se fôssemos espelhos e, por outro, damo-nos conta
172
SWRWE. The American Scholar, Introdução de Atkinson, xv; nosso grifo.
173
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études, p. 153.
73
de que “tudo é transitório” inclusive nós mesmos! e, portanto, da “vacuidade de todas
as coisas” (“Shunyata”). Isso é “iluminar-se” ou “despertar”, tornar-se um Buda.
Prosseguindo com o ensaio The American Scholar (1837; “O Intelectual Norte-
Americano”) de RWE, o intelectual, “que é o representante do intelecto”, no estado
adequado é o Homem Pensante. No estado degenerado, quando vítima da sociedade,
ele tende a se tornar um mero pensador, ou o que é ainda pior, um papagaio do
pensamento de outrem”.
174
No mais extraordinário de todos os ensaios de Emerson – que,
infelizmente, não aparece nas antologias, mas que fomos buscar na RWE.org -, quer seja,
Literary Ethics (24 de julho de 1838; “Ética Literária”), portanto, um ano após a palestra
The American Scholar, Emerson dirá que
“um scholar é o favorito do Céu e da terra, a excelência dum país, o mais feliz dos
homens. Seus deveres levam-no diretamente ao solo sagrado para onde as
aspirações dos outros homens apenas apontam. Olhos é ele para o cego; pés é ele
para os aleijados. Seus fracassos, se ele for de valor, são passagens para vantagens
mais elevadas” (RWE.org).
E, como um verdadeiro profeta do Antigo Testamento, Emerson segue dizendo: “Os
livros são a melhor coisa que existe, bem usados; impropriamente, entre os piores”
(Ibid, 49) pois “os livros são para as horas de ócio do intelectual. Quando ele é capaz
de ler Deus [recordemos que Emerson é um panteísta e que, portanto, Deus, para ele, é a
Natureza] diretamente, o momento é por demais precioso para ser perdido com os
transcritos das leituras de outras pessoas” (nossos grifos).
175
Em suma, “[O] intelectual deve ser livre livre e corajoso” (Ibid, 57; nosso
grifo). Emerson, no mesmo The American Scholar (1837; “O Intelectual Norte-
Americano”) dirá: “Ciência nada mais é do que descobrir analogias” [acrescentaríamos,
“entre a Natureza e as Leis da Mente”].
176
No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que faz
parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson di
“Se o seu olho está no eterno, seu intelecto crescerá,
177
e as suas opiniões e ações terão
174
SWRWE. The American Scholar, 46; nossos grifos.
175
SWRWE. The American Scholar, 50.
176
Citado em Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 1. Pensando em Emerson, p. 17.
177
“Os símbolos crescem”, dirá Peirce.
74
uma beleza com as quais nenhum aprendizado ou vantagem combinada de outras pessoas
poderá rivalizar” (RWE.org; nosso grifo).
No ensaio The Transcendentalist (1843; “O Transcendentalista”) ele dirá que
“para que tudo saia certo” basta “que a alma seja ereta” (‘upright’) (“upright” é mais
do que “ereto”, pois subentende “ter caráter!” (nosso grifo).
178
Emerson é claro: “O
caráter é mais elevado do que o intelecto. Pensar é a função. Viver é o funcionário”
(“Living is the functionary”).
“O rio volta à sua fonte. Uma grande alma será forte tão forte no viver quanto
no pensar. Falta-lhe um órgão ou meio para comunicar estas verdades? Ele
ainda pode recorrer a esta força Elemental que é viver. Isto é um ato total.
Pensar é um ato parcial” (SWRWE. The American Scholar, 54; nosso grifo).
Neste sentido com a “Escola do Senso Comum” escocesa como fundamento
podemos dizer que Emerson e Peirce compartilham de um mesmo parentesco, no que tange
ao Pragmatismo. Não esqueçamos que Peirce denominou alhures sua forma de
pragmatismo de Critical Common Sense (“Senso Comum Crítico”), que é sinônimo de
Pragmaticismo (“ação + reflexão”; ver Pragmatism (1907; “Pragmatismo” em EP 2, p.
433). Há, portanto, no Pragmatismo peirceano uma ênfase no primado da ação”. Até
porque, segundo ele, “só podemos conhecer qualquer fenômeno analisando como ele age
no decurso do tempo”. A Semiótica (sua Lógica) tem o papel de ajudar o indivíduo (seja lá
qual for) a refletir sobre sua conduta (“feixe de hábitos”; Ética) que, tem como horizonte a
Admirabilidade (Estética). “Ora, o autocontrole, em última instância, depende de uma
comparação das nossas ações com um ideal admirável por si mesmo, independente de
qualquer outra coisa que não seja ele mesmo. Nisso se constitui a razoabilidade
concreta”.
179
No mais extraordinário de todos os ensaios de Emerson que, infelizmente, não
aparece nas antologias, mas que fomos buscar na RWE.org -, quer seja, Literary Ethics (24
de julho de 1838; “Ética Literária), Emerson diz:
“Nada é mais simples do que a grandeza; de fato, ser simples é ser grande. A
visão do gênio vem ao se renunciar à mui oficiosa atividade do entendimento, e
deixando vir o mais amplo privilégio do sentimento espontâneo. Disto deve
tudo o que é vivo e genial no pensamento proceder. As pessoas moem e moem
no moinho do truísmo e nada sai daí a não ser o que entrou. Mas o momento
178
SWRWE, The Transcendentalist, 90.
179
Ver Lúcia Santaella. Estética, p. 201.
75
que abandonam a tradição por um pensamento espontâneo, então, poesia,
esperança, virtude, aprendizado e ‘causos’, tudo isso vem em seu socorro”
(RWE.org; nossos grifos).
Afinal, como diz Emerson, “o que importa, é a qualidade do momento e não o número de
dias, eventos ou atores” (Ibid, 99; nossos grifos).
180
Em sua resposta ao enigma nos ensaios de 1841 -, mais especificamente o ensaio
History (1841; História), RWE vai dizer que “há, na superfície, uma infinita variedade
de coisas; no centro a simplicidade da causa” (SWRWE, History). “Para Emerson e
Thoreau” -, diz Cavell - e, acrescentaríamos Pascal [1623-64; Pensamento 139] e Mestre
Eckhart (c.1260-c.1328; ver Sermões, p. 233)] -, “você deve aprender a ficar sentado
quieto em casa ou em algum ponto atraente nos bosques, como se fosse casar com o
mundo, antes de, se algum dia, for pegar o fardo dos outros” (Stanley Cavell. Emerson’s
Transcendental Études. Being Odd, Getting Even (“Sendo Estrangeiro, Tirando a Forra”),
p. 108.
Uma ds coisas que quem fizer isso vai ver, diz Emerson em Nature (1836; “A
Natureza”), é que “[A] charmosa paisagem que eu vi esta manhã é indubitavelmente
composta de algumas vinte ou trinta fazendas. Os Miller possuem este campo, os
Locke aquele, e os Manning, as terras além. Mas nenhum deles possui a paisagem”
(SWRWE, Nature, p. 5; nossos grifos). Por quê? Porque
“Há uma propriedade no horizonte que nenhuma pessoa possui exceto aquele que é
capaz de integrar todas as partes, quer seja, o poeta. Esta é a melhor parte da
fazenda destas pessoas e, no entanto, seus títulos de propriedade não lhe conferem
esse direito” (Ibid, 5 e 6; nossos grifos).
Novamente, temos aqui um símbolo indicial: a Qualidade e se pensarmos com
Peirce, a Primeiridade, com sua Liberdade, Variedade, Frescor, Novidade -; em uma
palavra, Deus, está sempre Agora’Aqui por isso ninguém deveria se espantar com a
primeira, a mais chocante, e a última frase de RWE nesse ensaio: (1ª) uma mente
comum a todos os homens” (...) “Sobre os trabalhos desta mente, a história é registro”
(SWRWE, History, 123); (2ª) “Eu acredito na Eternidade” (...) “Toda a história torna-
se subjetiva; em outras palavras não propriamente história, apenas biografia”
(SWRWE, History, 127; “uma única biografia”, devemos esclarecer, “a do Absoluto”) e,
180
Aqui, como em quase toda a sua obra, Emerson está sempre mais centrado na Primeira Categoria, na
Estética e na Ontologia, para falar peirceanamente!
76
(3ª) “O idiota, o índio, a criança e o caipira estão mais perto da luz pela qual a
natureza deve ser lida, do que o dissecador da antigüidade” (SWRWE, History, 144;
nossos grifos).
Vale a pena inserir aqui um notável dado biográfico: Richardson Jr. diz que, em
1825, quando RWE estava cheio de dúvidas devido ao ceticismo humeano: “Emerson tinha
se dado conta algum tempo de que qualquer teísmo intelectualmente defensável teria
que se defrontar com as objeções céticas de Hume” (...) “especialmente a negação deste
sobre a ligação entre causa e efeito, uma negação que abriu caminho para o ceticismo
brutal de Holbach” (Richardson Jr., 64). Vai se recuperar na fazenda de seu tio Ladd em
Newton; trabalha no campo. E é que encontra um homem da terra de nome Tarbox que
lhe diz: “as pessoas estão sempre rezando e todas as preces são atendidas”. [Já está
em Lucas, 18.1]. Emerson percebe como ao scholar fica vedada essa crença; mas, a
verdade é que “Emerson sempre o colocou Tarbox no topo da lista daqueles que o
beneficiaram na vida” (Richardson Jr., 64). Curiosamente, Emerson estava quase cego na
época devido ao ceticismo humeano? e Tarbox significa, em inglês, “caixa de
alcatrão”; difícil não pensar na “Noite Escura da Alma” de um São João da Cruz (1542-
91) ou na cegueira de Saulo de Tarso (c. 5-67 EC) a caminho de Damasco (Atos dos
Apóstolos, 22: 6-11)]. Mas a salutar ciência vem em nosso socorro: “O problema ocular
que atingiu Emerson no início de 1825 foi quase que certamente uveitis, uma inflamação
reumática do olho” (...) “cuja causa deve ter sido a tuberculose, que era pandemia à época.
Metade dos adultos de Boston teve-a; um terço de todas as mortes foram devidas a ela”
(Richardson Jr., 63).
De qualquer maneira, para Richardson Jr., “a vida e a obra de Emerson - de fato, o
próprio Transcendentalismo constituem uma refutação de Hume” (Richardson Jr., 31;
nosso grifo), como vimos anteriormente. No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que
faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson
diz
“Pois tais pessoas [que possuem um grau de sentimento moral mais elevado do
que o nosso] estão mais perto do segredo de Deus do que os outros; estão
banhadas em águas mais doces; elas ouvem notícias, elas m visões, ao passo
que as outras não vêem nada. Nós acreditamos que a santidade confere certo
‘insight’, porque, não pela força particular, mas pela pública, nós podemos
compartilhar e saber a natureza das coisas” (RWE. org; nossos grifos).
77
Podemos dizer, com Cavell, que Emerson possui uma “Ética de Auto-
Melhoramento” (Russell B. Goodman, artigo para a Enciclopédia Stanford de Filosofia),
mas esta ética (conduta), como o Pragmatismo peirceano, está vinculada (1) à reflexão,
que para Emerson significa uma “Metafísica do Processo” (proposta quase que totalmente
em seu ensaio “Círculos”; 1841; como veremos adiante) e (2) à sua “Epistemologia de
Estados de Espírito”, exposta, basicamente, em seu ensaio “Experiência” (1844; como
veremos adiante).
Volvamos ao poema...
VIII
Verso 57 “Out spoke the great mother, “A grande mãe falou,
Verso 58 Beholding his fear; _ Pois o temor dele considera; _
Verso 59 At the sound of her accents Ao som de seus sotaques
Verso 60 Cold shuddered the sphere: _ De frio tremeu a esfera: _
Verso 61 ‘Who has drugged my boy’s cup? ‘Quem envenenou o copo de meu filho?
Verso 62 Who has mixed my boy’s bread? Quem o pão de meu filho amassou?
Verso 63 Who, with sadness and madness, Quem, com tristeza e loucura,
Verso 64 Has turned my child’s head? A cabeça de minha criança virou?
1.6 Esta Estrofe VIII traz de volta o Narrador dos primeiro quatro versos (na estrofe I),
que diz que “a grande mãe” - a Natureza? (só pode, pois A Esfinge vinha falando até
aqui) “falou” (verso 57), “vendo seu temor” (verso 58) de quem? Do Homem? - O
próprio “globo terrestre tremeu” (verso 60) ao “ouvi-la falar” (verso 59). E a Natureza
pergunta “quem envenenou o copo de seu filho” (o Homem; verso 61), “amassou seu
pão” (verso 62; terá sido o Diabo?), “quem terá virado [su]a cabeça” (verso 64) com
“tristeza e loucura” (verso 63). Difícil não pensar em Rousseau (1712-78).
181
“Tristeza e loucura” apossam-se do homem “que se tornou mero papagaio do
que os outros dizem”, como vimos no The American Scholar (1837; O Intelectual Norte-
Americano”). Mas, perguntemo-nos: haverá remédio para a “tristeza” e a “loucura”? Para o
“otimista” Emerson há: a inabalável confiança no Self (que os tolos tomam pelo ego).
Harold Bloom (“Onde Encontrar a Sabedoria?”), adverte contra este equívoco. Entretanto,
o próprio Emerson confirma esta nossa tese em uma palestra que deu no dia 3 de maio de
1851, The Fugitive Slave Law (“A Lei sobre Escravos Fugidos”): “Essa confiança no Si-
181
Richardson Jr. diz que RWE leu Rousseau em 1824.
78
mesmo, a culminância e perfeição do homem, é confiança em Deus” (SWRWE, The
Fugitive Slave Law, 871; nosso grifo).
uma bela história Zen que diz que “quando um mestre Zen aponta para a Lua, o
sábio olha para a Lua e o tolo olha para o dedo”, o que significa, em peirceanês, que ‘o
aluno com futuro’ o de ‘alma seca’, diria Heráclito - olha para o “objeto dinâmico”
enquanto ‘o outro’ ainda de alma molhada, diria Heráclito -, ‘olha para os signos’. É
recomendável porque salutar (até porque a Arquitetônica peirceana possibilita esse
diálogo) um aprofundamento da noção de “Self” em Carl Gustav Jung (1875-1961),
uma vez que, como mostra Marilyn Nagy em sua obra, “Questões Filosóficas na
Psicologia de C. G. Jung (Petrópolis: Vozes, 2003), “a epistemologia de Jung” estão
alicerçadas Platão, Kant, Schopenhauer e von Hartmann.
Analisemos, agor’aqui, este que é o mais famoso dos ensaios de Emerson, Self-
Reliance [1841; “Sobre a Confiança no Si-Mesmo”
182
em Essays First Series (“Primeira
Série de Ensaios”)].
“Acreditar em seu próprio pensamento [sem esquecer que Emerson, como
Peirce, percebeu que o somos nós que pensamos, mas, ao contrário, “nós estamos no
pensamento!”], acreditar que aquilo que é verdade no seu coração é verdade para
todos os homens isso é gênio” (SWRWE, Self-Reliance, 145; nossos grifos). No
extraordinário ensaio tardio, Considerations by the Way (“Considerações à Beira da
Estrada; ou, A Propósito”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860;
“A Conduta da Vida”), Emerson dirá,
“Aquilo pelo qual um homem conquista em algum lugar é um segredo profundo
para todos os outros seres no mundo e, é apenas quando ele nos volta as costas e a
todos os outros homens, e faz uso de sua sabedoria mais
particular, que qualquer bem pode lhe advir. O que temos, portanto, a dizer sobre a
vida, é somente descrição, se você quiser, celebração, do que regras disponíveis”
(RWE.org; nossos grifos).
182
Ver este ensaio em José Paulo Paes. Pensamentos sobre a Arte de Viver. Cultrix-Pensamento, s/d.
79
E, quanto ao “gênio”, no famoso Harvard Divinty School Address (1838; “Palestra
aos Seminaristas Formandos de Harvard”), Emerson dirá: “[P]ermitam-me aconselhá-los
, antes de mais nada, a seguir sós” (Em SWRWE, p. 81; nosso grifo). Entretanto, logo a
seguir ele mostra que essa “ascese” é necessária para podermos “viver com o privilégio da
mente imensurável” (Ibid, ibidem; nossos grifos). No ensaio Spiritual Laws (1841; “Leis
Espirituais”), Emerson irá dizer a respeito desta “ascese”:
“Virtude é aderência AM ação à natureza das coisas e a natureza das coisas torna-a
prevalente. Ela consiste em uma perpétua substituição de ser pelo parecer, e com
sublime propriedade Deus é descrito como dizendo, EU SOU. A lição que estas
observações nos transmitem é, Seja. Concedamos. Tiremos nossa inflada nulidade
do caminho dos circuitos divinos”. Vamos desaprender nossa sabedoria
mundana.
183
Vamos nos fundar no poder do Senhor e aprender que tão somente a
verdade torna tudo grande e rico”. (SWRWE, Spiritual Laws, 206).
184
Thoreau (1817-62), no capítulo “Leis Superiores” de sua obra-prima, Walden,
diz: “Como sucede com a maioria das pessoas (sic), percebi, e continuo percebendo em
mim, [isto, naturalmente, é apenas para quem atingiu o estágio da “intuição intelectual”
(ver Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão. Schelling, p. 146)] um instinto
voltado para as coisas elevadas ou, como se diz, para a vida espiritual, e outro voltado para
uma categoria primitiva e para a vida selvagem. Reverencio ambos, pois amo igualmente o
bem e a vida natural”.
185
Abençoado o ser convicto de que dia-a-dia morre nele o animal,
enquanto o divino se instala” (Ibid, 205).
Emerson faz, aqui, clara opção pela Primeiridade, pela Estética e pela Ontologia
(peirceanas). E é por isso que ele diz: “[H]á uma hora na educação de cada homem
quando se chega à convicção de que a inveja é ignorância; de que a imitação é
suicídio” (Ibid, 146).
186
E mais, “confiar no Si-mesmo” (no Self; voltaremos a esta idéia
mais adiante, quando tratarmos de Deus ou, de acordo com Emerson, do “Oversoul”; nosso
grifo) é “aceitar o lugar que a providência divina encontrou para você, a sociedade de
183
Sempre Caeiro!
184
“Deus deseja tanto que saias, por ti mesmo, do teu modo de ser criatural”. Mestre Eckhart. Sermões Alemães,
68; e “O homem que abandonou a si mesmo é tão puro que o mundo não o pode suportar” (Ibid, 182).
185
Henry David Thoreau. Walden; ou A Vida nos Bosques, p. 197.
186
“A imitação não é capaz de ir além do seu modelo. O imitador condena-se a uma mediocridade sem
esperança”. Emerson. Harvard Divinty School Address (1838; “Palestra aos Seminaristas Formandos de
Harvard”), em SWRWE, p. 81.
80
seus contemporâneos, a conexão dos eventos” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
187
Não seria
justo não inserir aqui a concepção que Schelling tem do “gênio” em comparação aos
meros transmissores de idéias dos gênios -:
“Podemos dizer que um tipo de pessoa em que não nenhuma loucura. Estas
são as pessoas não criativas, incapazes de procriação, aquelas que se
autodenominam de espíritos sóbrios. Estes são os assim chamados intelectuais
[Verstandesmenschen] cujas obras e ações nada são senão frias obras e ações
intelectuais.” (...) “Mas onde não loucura, não também, decerto, nenhum
intelecto vivo, ativo, próprio (e conseqüentemente apenas o intelecto morto [e]
intelectuais mortos).
188
Mas, embora deva ser inconformado”
189
[em relação à sociedade; Ibid, 148), o
“seu isolamento não deve ser mecânico, mas espiritual, isto é, elevado” (Ibid, 160;
nosso grifo),
190
i.e., “sua autoconfiança deve estar alicerçada no Self aborígine
191
(Ibid,
155; nossos grifos). Não como entender este Self-aborígene sem estudar Mestre
Eckhart (c. 1260-c. 1328; e a tradição mística ocidental),
192
Boehme (1575-1614), (o último) Fichte (1762-1814) - “Poder-se-ia designar também esta
perspectiva suprema e finalizante [da Doutrina da Ciência de Fichte] por ‘idealismo
dinâmico’, pois a essência do Eu que produz todos os objetos, representações, impulsos e,
por fim, o impulso dos impulsos, o livre querer moral, é um princípio dinâmico original,
187
Esta idéia Emerson viu na Bhagavad Gita, Capítulo III, 35; diz Krishna a Arjuna: “Finalmente, lembra-te
que é melhor cumprir a própria tarefa, ainda que insignificante, do que querer a tarefa de outro, por mais
nobre e excelente que seja”. Esta preciosa escritura indiana inspirou RWE a escrever o poema “Brahma”.
188
Schelling. As Idades do Mundo, Introdução de Jason M. Worth, xiii. Encontramos o mesmo na obra de Dale
E. Snow, Schelling and the End of Idealism (“Schelling e o Fim do Idealismo”; 8:338), p. 205.
189
Neste mesmo ensaio RWE diz: “Quem quiser ser homem, deve ser um não-conformista” (SWRWE, Self-
Reliance, 148).
190
No ensaio tardio, Behavior (“Comportamento”), Emerson dirá que “[O] homem que se auto-sustenta (“stands
by himself”), o universo o sustenta também”. Emerson. Behavior (“Comportamento”) em The Conduct of Life
(1860; “A Conduta da Vida”), RWE. org.
191
“Experiência” que não é pensável senão a posteriori. Diz Rey Puente: “Pra conhecê-lo [o Prius absoluto], o
pensamento não é suficiente, faz-se necessária a experiência” - Fernando Rey Puente. Tempo e História em
Schelling. As Filosofias de Schelling. p. 228. Ainda em 1860, Emerson dirá: “Corte a conexão entre quaisquer de
nossos trabalhos com este self aborígine, e o trabalho será raso” [Emerson. Power (“Poder”) em The Conduct of
Life (1860; “A Conduta da Vida”); RWE.org.].
192
Ou a Oriental, pois “a experiência mística fundamental”, ao contrário do que pensam aqueles que se arvoram
a falar dela –, quer seja do ponto de vista psicológico, antropológico, filosófico ou sociológico sem a terem
“vivenciado”, é a mesma em toda a parte (espaço) e em todos os tempos. Seria o mesmo que dizer que não a
“experiência da Primeiridade(Peirce); isso é possível para aqueles “filósofos doentes (...) doidos” (Caeiro,
153), que já perderam a capacidade de “ter o pasmo essencial” (Ibid, 138).
81
é ação produtora, é força. Deste ponto domina-se perfeitamente bem a magnitude da
revolução intelectual levada a cabo por Fichte” -,
193
Schelling (1775-1854) e Heidegger
(1889-1976)]. “O thanc significa a parte mais recôndita da mente, o coração, o centro do
coração, aquela essência mais interna do homem que alcança mais plenamente o exterior e
aos limites mais remotos” em Heidegger (1889-1976; ‘O Que Significa Pensar?’, p. 144) -,
diz - Stanley Cavell em Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 1. Pensando em
Emerson, p. 19 -, em Emerson, o equivalente é crer no seu próprio pensamento, acreditar
que o que é verdadeiro para você em seu próprio coração, é verdadeiro para todas as
pessoas, - isso é gênio” (Ibid, ibidem). Em seu ensaio mais famoso, Self-Reliance Emerson
insiste que devemos escrever no umbral de nossa porta: ‘Ouse!’ (‘Whim’)”. Isto,
naturalmente remete-nos a duas fontes: uma religiosa, a de Jesus: “Quem não deixar pai e
mãe, etc., não entrará no Reino de Deus”; e, a outra, filosófica, a famosa frase de Kant
(1724-1804): Sapere aude! (“Ouse Conhecer!)” [ou, “sair de sua menoridade; em “O Que
É Esclarecimento?” (1783)].
194
De qualquer maneira, no extraordinário ensaio tardio, Considerations by the Way
(“Considerações à Beira da Estrada; ou, A Propósito”), que faz parte do livro de ensaios
The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “[C]omece pelo começo
e prossiga passo a passo”. (...) “Quão respeitável a vida que adere a seus objetos!” (...) “O
herói é aquele que está imovelmente centrado”. (...) “Quando não se tem uma lei dentro de
si, nada que o amarre [fora]”. E termina este maravilhoso ensaio, que merece ser lido
em toda a sua totalidade, dizendo:
“O segredo da cultura é aprender que alguns grandes pontos constantemente
reaparecem, tanto na pobreza da mais obscura fazenda quanto na miscelânea da
vida metropolitana e que apenas estes poucos [pontos] merecem ser levados em
consideração, - como escapar de todas as falsas alianças; [como ter] coragem para
ser o que somos; e [como] amar aquilo que é simples e belo; independência, [ter]
relacionamentos alegres, estas coisas são essenciais -, estas, e o desejo de servir, -
para acrescentar algo ao bem-estar das pessoas” (RWE.org).
193
Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão, p. 83.
194
Nicola Abbagnano. História da Filosofia. Volume 7 (O Iluminismo Inglês, Montesquieu, Voltaire, Os
Enciclopedistas, Condillac, Rousseau, O Iluminismo Italiano, O Iluminismo Alemão, Kant, A Polêmica sobre o
Kantismo), p. 7.
82
Sem esquecer que os ensaios que Emerson escreveu após a feitura do poema “A
Esfinge”, em 1841, constituem, também, uma resposta aos enigmas propostos através dele
no dito poema, é digno de nota que, no primeiro ensaio, Civilization (“Civilização”), de
seu último livro, Society and Solitude (1870; “Sociedade e Solidão”), Emerson diz que
“[A] evolução de uma sociedade altamente destinada deve ser moral; ela deve correr nos
sulcos das rodas celestiais. Ela deve ser católica nas metas. O que é moral? É o respeitar na
ação os fins católicos e universais” (...) “A civilização deve ser moral” (RWE.org; nossos
grifos).
“O homem superior é aquele que, no meio da multidão, mantém, com perfeita
doçura, a independência da solidão” (Ibid, 150; nossos grifos);
195
por isso é que, para
Emerson, “viajar é o paraíso dos tolos” (Ibid, 165; nosso grifo) porque é “levar ruínas
às ruínas” (SWRWE, 165)]; afinal, “o dever é nosso lugar” (Ibid, 164 e bem
pragmático! - “faça o seu trabalho e conhecerei você” (SWRWE, Self-Reliance, 150;
nossos grifos). No mais extraordinário de todos os ensaios de Emerson – que, infelizmente,
não aparece nas antologias, mas que fomos buscar na RWE.org -, quer seja, Literary Ethics
(24 de julho de 1838; “Ética Literária), Emerson diz que “[T]oda a literatura ainda está por
escrever” (...); que “a beleza da natureza (...) ainda não foi registrada pela arte”. Que “a
religião ainda tem que ser estabelecida em sua firme fundação no seio do homem; e a
política e a filosofia e as letras e a arte. Uma vez que temos nada senão tendência e
indicação” (RWE. Org).
No segundo ensaio, Civilization (“Civilização”), de seu último livro, Society and
Solitude (1870; “Sociedade e Solidão”), Emerson dirá que “a sabedoria do homem, em
cada instante de seu labor [está em] “Amarrar sua carroça a uma estrela!” - e ver como
suas tarefas são feitas pelos próprios deuses. É assim que nos fazemos fortes, ao emprestar
a força dos elementos. As forças do vapor, gravidade, galvanismo, luz, magnetos, vento,
fogo, [que nos] servem dia a dia e nos custam nada” (RWE.org). Mas, acima de tudo este
“amarrar sua carroça a uma estrela” significa que “todas as nossas ações sociais e
políticas repousam sobre princípios” (nosso grifo). Que, “para realizar qualquer coisa
195
Esta idéia do “Homem Superior” é chinesa, mais precisamente, confuciana. Sobre o confucionismo sabemos
que Emerson leu o volume Lun-gnee de Confúcio (551-479AEC; 725 páginas) em março de 1836 (Richarson Jr.,
219) e, novamente, em 1843 (Ibid, 379). Em meados de setembro de 1843 ele leu The Chinese Classical Work
Commonly Called the Four Books (“A Obra Clássica Chinesa Conhecida como os Quatro Livros;” publicado em
Málaca em 1828 por David Collie; Richardson Jr., 392). Quanto a Mêncio, Richardson Jr. (p. 392) diz que
Emerson continuava “lendo fora da tradição ocidental” em “meados de setembro de 1843” (p. 391), quando “leu
Meng Tsu, ou o Livro de Mêncio”.
83
excelente a vontade deve trabalhar para fins católicos e universais” (Ibid). E, Emerson cita
o profeta Daniel: “A menos que acima de si ele possa / Erguer-se, coitado do homem!”
(Ibid). Por fim, “amarrar sua carroça a uma estrela” significa que “não devemos nos
esfalfar em obras triviais, que servem nosso estômago e bolso apenas. Não devemos mentir
e roubar”, pois assim, Deus algum nos ajudará. Nós descobriremos todos os seus times
indo para a outra banda” – e cita várias constelações! – “Cada deus nos deixará”.
Emerson é um otimista nato. No mesmo ensaio, diz que “se nós pudermos andar em
carruagens Olímpicas, ao colocar nossas obras na trilha dos circuitos celestiais, nós
podemos arriar também os agentes maus, os poderes das trevas e forçá-los a servir contra
sua vontade os fins da sabedoria e da virtude”. Mais importante neste ensaio, porém, é que
nele ele não apenas diz que “o verdadeiro teste da civilização está, não o censo, nem o
tamanho das cidades, nem a colheita, - [mas] no tipo de pessoa que o país produz”, mas
que “se não um país que não seja capaz de sustentar um destes testes” e ele cita as
diversas liberdades, de imprensa, correspondência, voto (feminino e negro), propriedade e
ganhos gerados pelo fruto de seu trabalho -, então, “esse país é, em todos os respeitos, não
civil, mas bárbaro; e nenhuma vantagem de solo, clima ou costa poderá resistir a estas más-
ações suicidas” (Ibid). Mal sabia ele das loucuras totalitárias que assombrariam o século
XX.
Vejamos a próxima estrofe e a mudança de qualidade que ela introduz...
IX
Verso 65 I heard a poet answer Um poeta responder
Verso 66 Aloud and cheerfully, Alto e alegremente, ouvi;
Verso 67 “Say on, sweet Sphinx! thy dirges “Fala, doce Esfinge! Teus cantos fúnebres
Verso 68 Are pleasant songs to me. São canções prazerosas para mim.
Verso 69 Deep love lieth under Sob as imagens do tempo
Verso 70 These pictures of time; O amor profundo se há alojado;
Verso 71 They fade in the light of Elas esmaecem ante a luz
Verso 72 Their meaning sublime. De seu sublime significado.
84
2. O Narrador introduz um Poeta que inicia um diálogo com A Esfinge (Estrofes IX a
XVII)
2.1 O Narrador introduz “um poeta”
196
que “responde” (verso 65) “alto e bom som”
(verso 66) e pede à “doce Esfinge” que continue a falar (verso 67), pois seus “cantos
fúnebres” (verso 67) “são-lhe agradáveis” (verso 68). Ele acha que “sob as imagens do
tempo” [verso 69 (em português) e verso 70 (em inglês); i.e., da existência, ou três
categorias (peirceanas)], “há amor” (verso 70); será o Ágape peirceano? E, continua o
poema, que essas “imagens” (do tempo; os signos) “esmaecem ante a luz” (verso 71) de
“seu significado sublime (verso 72). Notável! Emerson escreveu dois ensaios, um Love
(1841; sobre “O Amor”)
197
e o outro, The Poet (1844; “O Poeta”); vejamos em que medida
os ensaios “sobre o poeta” e uma análise de seu “Poeta Representativo da Humanidade”
(1850), Shakespeare (1564-1616);
198
e seu “Escritor Representativo da Humanidade”
(1850), Goethe (1749-1832) - podem nos ajudar a lançar luz sobre esta estrofe...
Sobre Goethe, Richardson Jr. diz-nos que “o efeito de Goethe sobre Emerson é
quase impossível de avaliar” (p. 221; nosso grifo), pois, “a partir de 1828, quando Emerson
começou a ler Goethe em alemão, passando pelos meados de 1840 até escrever seu ensaio
sobre Goethe, o famoso escritor alemão tornou-se uma presença quase diária na vida de
Emerson que possuía os 55 volumes de suas obras completas” (Ibid, 222). Richardson Jr.
insiste que “[A] perpétua sanidade de Goethe, seu realismo, sua linguagem, são para Emerson
o contrapeso para a rarefeita proa dos grandes visionários platonistas [que Emerson amava]”
(Ibid, ibidem) e que “[O] que Goethe dissera de Lavater, valia para o que Emerson sentia a
respeito de Goethe: ‘Era temeroso ficar na presença de alguém para quem todas as fronteiras
dentro das quais a Natureza circunscreveu nosso ser foram demolidas’” (Ibid, 223).
196
“Quem veio demais longe para visitar-me em meu alojamento, enfrentando as piores nevascas e as
tempestades mais horríveis, foi um poeta. O lavrador, o caçador, o soldado, o jornalista e até o filósofo podem
ficar desencorajados; mas nada detém um poeta, pois ele é movido por puro amor”. Henry David Thoreau.
Walden; ou A Vida nos Bosques, p. 245.
197
Sobre o “Amor” deixaremos para o final a Conclusão desta DM -, pois é nele que está a chave do
enigma, supomos nós... Ademais, haverá, neste ensaio “O Poeta” uma série de índices sobre seu papel de
“mensageiro dos deuses” – o “Hermes” da mitologia grega e o “Thot” da mitologia egípcia.
198
De Shakespeare (1564-1616) -, que “ele amava’ (Richardson Jr., 24) - Emerson leu Hamlet entre o final de
1821 e o início de 1823 (Ibid, 43) e achava que “a ilha da Grã Bretanha atingira o ponto mais elevado da
civilização” graças, entre outros, a Shakespeare (Ibid, 214). Buell diz-nos que “Emerson amava as extravagantes
transformações figurativas de Shakespeare do sensual e do tangível” (Buell, Emerson, 111). Todas essas
metáforas do Bardo de Avon “tornam-se um trampolim para nutrir a hipótese do Bispo Berkeley de que todo o
mundo nada mais é do que uma criação mental” (Ibid, ibidem). “Mas isto Emerson rejeita,” segundo Buell, pois
“[negar a existência da matéria (...) deixa Deus fora de mim.] E isso deixa-me [preso] no labirinto de minhas
próprias percepções, a delirar sem fim” (Buell, Emerson, 112/ cita SWRWE, Nature, 35).
85
Lawrence Buell diz-nos que quando Emerson fez sua primeira viagem à Europa, ele levou o
Italiänische Reise de Goethe como guia de viagem (Buell, Emerson, 15). À época do The
American Scholar (1837; “O Intelectual Americano”), Emerson lia “a segunda parte do
‘Fausto’ de Goethe”, que ele considerava ‘o maior empreendimento da literatura mundial
desde Milton, graças à sua superior inteligência’” (Ibid, 41; citando JMN 9:43).
Buell alega que “Goethe é uma figura que para muitos outros intelectuais anglo-
americanos do século XIX passou a ser considerado o versão mais aproximada do gênio
universal na cultura moderna” (Buell, Emerson, 47), “referência da auto-cultura, portanto, da
autoconfiança para Emerson e outros Transcendentalistas” (Ibid, 61), tanto assim que os
exemplos para esses termos no Dicionário Oxford de Língua Inglesa provêm do ensaio que
Emerson escreveu sobre “Goethe” em 1850 (Buell, Emerson, 62; Emerson inclui-o entre os
seus seis “Homens Representativos da Humanidade” como “O Escritor”), por “ter dado um
alcance improcedente à literatura moderna” (Buell, Emerson, 108) “ao adicionar ao seu
repertório europeu (grego, latino, alemão, francês e italiano) o oriental” (Ibid, 109) como
foi o caso de seu “West-oestlicher Divan” (Ibid, 151) que, influenciou Emerson tanto na
produção de seu Gulistan de Sadi (CW 8: 235-265) quanto na de um manuscrito recém-
descoberto, Notebook Orientalist (TN 2: 37-141) (Buell, Emerson, 151). Buell lembra que
Emerson tinha o poeta persa Hafz “apologista da “emancipação intelectual” (CW 8: 249,
259) – como “uma alma gêmea” (Buell, Emerson, 153; nossos grifos).
Outro autor a que recorremos, no decorrer de nossa pesquisa para um maior
aprofundamento da questão da criação literária, foi Dilthey (1833-1911). Diz ele em seu
ensaio sobre “Goethe e a Imaginação Poética” (1910): “O processo em que o mundo
poético surge e uma obra literária específica é constituída deriva sua lei de uma atitude para
com a realidade da vida que é completamente diferente da relação dos elementos da
experiência para com um sistema de conhecimento”.
199
Esta é precisamente a diferente
enfatizada por Ibri, entre o “Objeto científico” e o “objeto de arte”; o primeiro deve ser alter
ao passo que este possui um estatuto icônico e, portanto, polissêmico tanto maior quanto
mais “prima” for a “obra”.
No ensaio, The Poet (1844; “O Poeta”), RWE começa por dizer que “as mais
elevadas mentes do mundo jamais cessaram de explorar o significado duplo, ou devo
199
Wilhelm Dilthey. Obras Selecionadas, volume 5. Poetry and Experience (“Poesia e Experiência”), p. 243
132).
86
dizer quádruplo ou cêntuplo ou muito mais vário [para usar um termo caro à grande
poetisa portuguesa, Florbela Espanca (1894-1930)]
200
de cada fato sensual”. Sobre esta
capacidade do poeta, Emerson diz o seguinte sobre o Bardo de Avon: “Ele é
inconcebivelmente sábio; os outros [autores, perto dele], concebíveis. Um bom leitor pode, de
certa maneira, aninhar-se no cérebro de Platão, e pensar a partir daí; mas não no de
Shakespeare. Ainda estamos do lado de fora. Em termos de faculdade executiva, em ermos de
criação, Shakespeare é único. Nenhuma pessoa é capaz de imaginar melhor. Ele foi aquele
que foi mais longe em termos de sutileza compatível com o eu individual -, o mais sutil dos
autores, e mal cabe dentro da possibilidade de autoria”. Não é por acaso que Harold Bloom
tem Emerson como mestre; este abriu-lhe os olhos para a grandiosidade do bardo inglês.É o
estatuto ontológico obra de arte, segundo os peirceanos.
“É fruição estética o que nos interessa; e embora seja ignorante em matéria de Arte,
tenho uma capacidade razoável para o desfrute estético, e quer-me parecer que,
enquanto no gozo estético estamos voltados para a totalidade do sentimento, - e
especialmente para a Qualidade de Sentimento resultante total na obra de arte que
estamos contemplando, - no entanto é um tipo de simpatia intelectual, uma sensação
de que aqui está um sentimento que alguém é capaz de compreender, um sentimento
razoável. Não sou capaz de dizer exatamente qual é, mas é uma consciência
pertencente à categoria da Representação embora representando alguma coisa na
Categoria do Sentimento”.
201
Mas o próprio Emerson fornece o nexo como outro tema; diz ele que [cada fato
sensual] nos atrai porque “não somos panelas ou potes, nem sequer portadores do fogo,
mas filhos do fogo, feitos dele, e” (...) “esta verdade oculta, de que as fontes de onde o rio
do Tempo provém e de onde suas criaturas fluem são ideais e belas, leva-nos à
consideração da natureza e funções do poeta, ou o homem da Beleza” (SWRWE, The
Poet, 320; nossos grifos). Emerson, no The American Scholar (1837; “O Intelectual Norte-
Americano”), diz: “Eu não peço pelo grandioso, o remoto, o romântico; o que está
acontecendo na Arábia ou na Itália; o que é arte grega, ou poesia provençal; eu abraço o
comum, eu exploro e sento-me aos pés do familiar, o que está mais próximo da terra
(“the low”; SWRWE, The American Scholar, 61; nosso grido). Se, por um lado, não devemos
esquecer que foi o poeta inaugural do romantismo inglês, William Wordsworth (1770-1850),
200
Há um poema da autora d’ “A Charneca em Flor” com o título “Alma Vária”.
201
Peirce. The Seven Systems of Metaphysics (1903; “Os Sete Sistemas de Metafísica”) em The Essential Peirce,
Volume 2, p. 190.
87
quem abriu os olhos de Emerson para “a beleza do absolutamente comum” eles conseguem
ver o milagroso no singular (na haeccitas scotusiana) -, por outro, do ponto de vista filosófico,
diz Cavell [discípulo de J. L. Austin (1911-60), ‘pai da filosofia da linguagem comum’]:
“O apelo recorrente à linguagem natural ou comum na história da filosofia é o sinal de
que algum desejo recôndito da filosofia de escapar, assim como de reconquistar, o
natural. escrevi em algum lugar que o apelo à linguagem comum (“ordinary
language”) é uma tentativa de fazer o ser humano voltar à linguagem da filosofia,
como se a filosofia estivesse recorrentemente em perigo de bani-la”.
202
Vale a pena ler a obra de Russell B. Goodman. American Philosophy and the
Romantic Tradition (“A Filosofia Norte-Americana e a Tradição Romântica”), em que
mostra, por um lado, a importância de Wordsworth sobre Emerson e por seu diálogo com
Cavell (que Emerson através de Wittgenstein e Heidegger). No primeiro capítulo -, The
Marriage of Self and World (“O Casamento do Self com o Mundo”) -, por exemplo, diz,
citando Wittgenstein: “Os aspectos das coisas que são mais importantes para nós estão
escondidas por causa de sua simplicidade e familiaridade... nós deixamos de nos espantar pelo
que, uma vez visto, é mais espantoso e mais poderoso” (Ibid, p. 3). Notável é que Goodman
cita o próprio Wittgenstein (“Culture and Value”, p. 68) que diz: “Eu de fato quero que minha
pontuação copiosa desacelere a rapidez da leitura. Porque eu gostaria de ser lido lentamente
(como me leio)”.
Depois revela que “o jovem reverencia os gênios porque, para falar a verdade, eles
são mais ele mesmo do que ele mesmo é”. O melhor tratamento em relação à “Questão do
Gênio” que encontramos no decorrer de nossa pesquisa foi em Richard Poirier. The
Renewal of Literature Emersonian Reflections (“A Renovação da Literatura Refleções
Emersonianas”), no Capítulo 1: “The Question of Genius”, Poirier cita um trecho do ensaio
“Círculos” (1841) de RWE em que este diz: “Quando o grande Deus solta um pensador neste
planeta, então todas as coisas estão em risco” e Poirier diz: “incluindo, deve ser acrescentado,
o ‘pensador’” (p. 79). Por quê? Porque o gênio é capaz de “ir além” do ‘círculo’ que outro
gênio estabeleceu” – “paradigmaticamente”, para falar kuhnianamente – “e já se “cristalizou”.
E, o que é importante, o “Self em que Emerson demanda que confiemos, por exemplo, no
mais famoso de seus ensaios, Self-Reliance (1841; “Confiança-no-Si-mesmo”) “não é uma
entidade”, como bem demonstra Poirier, mas “uma intimação de presença” (p. 87); ou,
202
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 2. Um Estado de Espírito Emersoniano, p. 23.
88
como diz Poirier mais adiante, ‘gênio’ é uma atividade, um influxo, um movimento” (p.
88) e, naturalmente, se chega a esse estado quando nos desnudamos ou, nas palavras
de Emerson, quando “insistimos nesta pobreza” [do ego ou “ser para si”, que, para
Schelling (e Peirce) é a origem de todo Mal (p. 92).
E porque o homem comum adoraria o “gênio”? Para Emerson é porque “o homem
[comum] é apenas metade dele mesmo; a outra metade é sua expressão” (Ibid, ibidem;
nosso grifo); e, “O Poeta” – entre “os três filhos do universo, o Conhecedor (Júpiter; o sábio),
o Fazedor (Plutão; o herói) e o Falador (Netuno)“é o nomeador e, representa a beleza”
(Ibid, 321). Para ele, - que “é soberano e se situa no centro [do mundo]” onde “Deus, a
Beleza, é o criador do universo” (Ibid, 321; nosso grifo)
203
e, o poeta expressa essa Beleza -
não em métrica, “pois não é a métrica, mas um argumento que se apossa da métrica que
faz dela um poema” (Ibid, 323; nosso grifo).
204
E mais, o poeta expressa a “profundidade do mundo” (Ibid, 324) “hoje” (em inglês
este “hoje” significa “aqui e agora”) – “este dia é melhor do que o dia do meu aniversário”
(Ibid, ibidem)
205
através da “imagem” (o hipoícone!;
206
Ibid, 325), pois “o universo é a
externalização da alma” (Ibid, ibidem; nosso grifo; leitmotiv swedeborguiano,
schellinguiano, emersoniano e, porque não dizer, peirceano).
“A auto-revelação é aqui manifestamente apenas metade da Filosofia. A autocriação e
a autoperfeição são a sua realização. A atividade livre [Fichte] jamais pode sujeitar-se
a uma prosão, mesmo que seja uma escolhida por essa mesma atividade. O que de
filosófico no homem é aquilo que continua poetizando eternamente sem nunca acabar
de poetizar-se. Continua pairando
entre o mundo sensível e o espiritual. ‘O mundo exterior torna-se transparente
207
e o
interior diverso
208
e pleno de sentido e, assim, o homem encontra-se entre dois mundo,
203
“É artista quem tem o seu centro em si mesmo. Quem carece dele tem de eleger fora de si um guia e
medianeiro determinado...”. Friedrich von Schlegel em Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão.
Schlegel, p. 209.
204
Este é precisamente o tema do ensaio de Saundra Morris no The Cambridge Companion to R. W. Emerson.
205
“Basta uma simples chuva suave para que a rama fique muitos tons mais verde. Assim se iluminam nossas
perpectiva sob o influxo depensamentos melhores. Seríamos abeçoados se vivêssemos sempre no presente e
usifruíssemos de tudo o que nos acontece, feito a relva que reconhece a influência do mais leve orvalho que a
molha”. Henry David Thoreau. Walden; ou A Vida nos Bosques, p. 286.
206
Peirce, no ensaio Sundry Logical Conceptions (1903; “Várias Concepções Lógicas”), mostra o valor dos
“hipoícones” como “imagem”, “diagrama” e “metáfora”. EP 2, p. 273-274.
207
É a Terceira Categoria peirceana.
208
É a Primeira Categoria peirceana.
89
num estado intimamente vivo: na liberdade mais perfeita e no sentimento mais feliz do
poder’ (nossos grifos).
209
E mais, “o poema não precisa ser longo” [pois] “cada palavra foi um poema”
210
(SWRWE, The Poet, 327; eis a idéia do “fragmento” de Friedrich Schlegel (1772-1829), que
é o “pólen” de Novalis
211
e será “os folículos da folhinha de grama” de Whitman).
Referimo-nos, naturalmente ao The Leaves of Grass de Walt Whitman (1819-92). No
Prefácio à obra Whitman diz:
“O grande poeta não conhece mesquinharia ou trivialidade. Se respira com alguma
coisa que antes era tida como pequena, a coisa dilata com a grandiosidade e vida do
universo. Ele é o vidente... ele é individual... ele é completo em si... os outros são tão
bons quanto ele, apenas ele isso e eles não. (...) Quem conhece o curioso mistério
da visão? Os outros sentidos corroboram com ela, mas isto está afastado de qualquer
prova a não ser ela mesma e antecipa as identidades do mundo espiritual. Uma mera
olhada desdenha todas as investigações do homem e todos os instrumentos e livros da
terra e todo o raciocínio. O que é maravilhoso? O que é improvável? O que é
impossível ou baixo ou vago?”
Diz o heterônimo pessoano, Bernardo Soares:
“Contento-me, afinal, com muito pouco: o ter cessado a chuva, o haver um sol bom
neste Sul feliz, bananas mais amarelas por terem nódoas negras, a gente que as vende
porque fala, os passeios [calçadas] da Rua da Prata, o Tejo ao fundo, azul-esverdeado
a ouro, todo este recanto doméstico do sistema do Universo” em O Livro do
Desassossego, p. 119.
E segue o bardo Emerson: “[U]m ‘insight’ mais profundo” revelar-nos-á
swedeborguianamente
212
- que “nós mesmos somos símbolos e habitamos símbolos” (Ibid,
328); algo que já vimos acima, mas que Emerson, agora, radicaliza ao dizer que “[O] poeta
percebe a independência do pensamento e do símbolo” (no sentido de “signo” e “objeto”
peirceanos; Ibid, 329) porque o poeta a coisa, ou chega um passo mais perto dela do
que qualquer outro” (Ibid, 329-330; nossos grifos).
209
É a Segunda Categoria peirceana, entrelaçada, putnanianamente, à Primeira e à Terceira. Nikolai Hartmann.
A Filosofia do Idealismo Alemão. Novalis, p. 234.
210
“Qualquer frase de um parágrafo de Emerson, ou ensaio, pode ser tomado como uma frase-tema (‘topic
sentence’)”. Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. p. 4.
211
Ver Novalis. Pólen. São Paulo: Iluminuras, 2001. Com Tradução, Apresentação e Notas de Rubens Rodrigues
Torres Filho. Diz Friedrich Schlegel (1772-1829): “Um fragmento tem de ser, igual a uma pequena obra de arte,
totalmente separado do mundo circundante e perfeito em si mesmo como um porco-espinho” (Fragmento nr. 206
do Athenaeum).
212
Ver a crítica que Kant faz a Swedenborg em “Sonhos de um Visionário Explicados por Sonhos da Metafísica”
em Immanuel Kant. Escrios Pré-Críticos. São Paulo: UNESP, 2005 (pp. 141-218).
90
E, como “a natureza tem um fim mais elevado (...) nomeadamente, ascensão,
213
ou
a passagem da alma a formas mais elevadas” (SWRWE, The Poet, 330-331; nossos grifos),
o poeta nomeia essa metamorfose cantando “a coisa em melodia” (Ibid, 331; nosso grifo), o
que “torna a coisa translúcida para os outros” (Ibid, 332; nosso grifo).
E como o poeta é capaz disso? “A condição do verdadeiro nomear, na parte do
poeta -, que o caminho das coisas é silente é sua [do poeta] renúncia de si mesmo em
prol da aura divina que respira através das formas e acompanha isso”
214
(Ibid, ibidem;
nossos grifos). É um segredo que todo o intelectual rapidamente aprende é que, além da
energia do intelecto consciente que possui, ele é capaz de uma nova energia (como o de
um intelecto dobrado sobre si mesmo), ao abandonar-se à natureza das coisas” [para que
possa ser]
“capturado pela vida do Universo” [e] sua fala seja trovão, seu pensamento lei e suas
palavras tão universalmente inteligíveis quanto as plantas e os animais. O poeta sabe
que ele fala adequadamente apenas quando ele fala de modo selvagem ou, ‘com a flor
da mente’; não com o intelecto usado como um órgão, mas com o intelecto libertado
de todo o serviço e disposto a submeter-se (“suffer”) à direção de sua vida celestial;
ou, como os antigos preferiam se expressar, ‘não com o intelecto apenas, mas com o
intelecto inebriado pelo néctar’. Como o viajante que se perdeu joga as rédeas no
pescoço do cavalo e entrega-se ao instinto do animal para encontrar o caminho, assim
também devemos fazer com o animal divino que nos carrega através deste mundo
(SWRWE, The Poet, 332; nossos grifos).
Sobre o “instinto”, diz Peirce:
“O poder-do-raciocínio, ou Raciocínio, chamado por alguns de Razão Dionética, é o
poder de fazer inferências que tendem à verdade, quando suas premissas ou as
asserções virtuais das quais eles partem são verdadeiras. Eu
considero este poder como sendo o principal dos instintos humanos; e nesta afirmação
eu escolho o nome ‘instinct’ para professar minha crença que o poder do raciocínio
está tão relacionado à natureza humana quanto os maravilhosos instintos das formigas,
vespas, etc. estão relacionados a suas várias naturezas. Fosse-me pedido uma
afirmação mais explícita do que quero dizer por um ‘instinto’, eu o definiria após
premissar que enquanto a ação pode, em primeiro lugar, ser puramente física e aberta à
213
Para conhecer melhor esta noção de “ascensão” e “ascese” ver o Quarto Livro de Schopenhauer (1788-
1860), O Mundo como Vontade e como Representação, a obra do pragmatista clássico, William James, As
Variedades da Experiência Religiosa – para o “método” e, por fim, para uma prática, buscar a “yoga” à luz dos
ensinamentos de Patañjali, quer seja, dos seus “Yoga-sutras”. Sugestão para eleitura, I. K. Taimni (que é químico
como Peirce). The Science of Yoga. Adhyar (Índia): The Theosophical Publishing House, 1961 ( uma
tradução desta obra para a língua portuguesa); e/ou B. K. S. Iyengar. Light on the Yoga Sutras of Patañjali. São
Francisco: Thorsons, 1993.
214
Sobre Goethe (1749-1832), Emerson diz: “Ele” “a alma do século” [XIX] “parece ver a partir de cada
poro de sua pele” [Este ensaio sobre Goethe não consta do The Selected Writings of RWE; assim, pesquisamo-lo
no site RWE. org].
91
inspeção externa, ela também pode, em segundo lugar, ser puramente mental e
conhecida (pelos outros, de qualquer maneira, por outros que não o autor) apenas
através de sintomas externos ou efeitos indiretos, e em terceiro lugar, ela pode ser
parcialmente interna e parcialmente externa, como quando uma pessoa fala,
envolvendo certo gasto de energia potencial”.
215
Ainda sobre o “instinto” – desta feita, em oposição à “razão” - Peirce diz:
“Em grandes decisões [“questões vitais” EP 2, 33], eu não acredito que seja seguro
confiar na razão individual” (Ibid, 30) “o homem é tão vaidoso de seu poder da
razão!” (Ibid, 31) e que “é o instinto, os sentimentos [“a crença”, Ibid, 33], que
formam a substância da alma” [pois] “a cognição é apenas sua superfície, seu lócus de
contato com o que é externo a ele”.
216
Mas, Peirce termina o ensaio com um trecho que merece citação:
“O instinto é capaz de desenvolvimento e crescimento, - embora por um movimento
que é lento na proporção em que ele é vital [“é notoriamente verdadeiro que naquilo
que você não coloca todo o seu coração e alma, nisso você não terá muito sucesso”,
EP 2, 34] - ; e este desenvolvimento ocorre sobre linhas que são totalmente paralelas
àquelas do raciocínio. E assim como o raciocínio surge da experiência, assim também
o desenvolvimento do sentimento surge das experiências internas e externas da alma.
Não apenas é da mesma natureza que o desenvolvimento da cognição; mas isso ocorre
através da instrumentalidade da cognição. As partes mais profundas da alma podem
ser alcançadas através de sua superfície. Deste modo as formas eternas, com que a
matemática e a filosofia e as outras ciências nos familiarizam, haverão de alcançar, por
lenta percolação, o coração de nosso ser; e chegará a influenciar nossas vidas; e isso
decerto farão, não porque elas envolvem verdades de importância meramente vital,
mas porque elas são verdades ideais e eternas” (EP 2, 40-41; nossos grifos).
Em seu ensaio Power (1860; “Poder”) Emerson dirá que “O instinto das pessoas está
certo” [Emerson. Power (“Poder”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”);
RWE.org.]. Não adianta querer “ludibriar a natureza”, continua Emerson, pois o espírito
do mundo, a grande e calma presença do Criador, não vem das feitiçarias do ópio ou do
vinho. A visão sublime vem para a alma pura e simples e para o corpo casto” e, assim, “o
hábito do poeta de viver deve ser colocado em uma chave tão baixa que as influências
comuns devem deleitá-lo” (Ibid, nosso grifo). Na mesma linha, diz Thoreau:
“Com a minha experiência [em Walden] aprendi pelo menos isto: que se uma pessoa
avançar confiantemente na direção de seus sonhos, e se esforçar por viver a vida que
imaginou, de se encontrar com um sucesso inesperado nas horas rotineiras. de
215
Peirce. An Essay toward Reasoning in Security and Uberty (“Um Ensaio em prol do Raciocínio Seguro e
Uberdade”) em EP 2, p. 464.
216
Philosophy and the Conduct of Life (“A Filosofia e a Conduta da Vida”) em EP 2, 31.
92
deixar para trás uma porção de coisas e atravessar uma fronteira invisível; leis novas,
universais e mais amplas começarão por se estabelecer ao redor e dentro dela; ou as
leis velhas hão de ser expandidas e interpretadas a seu favor num sentido mais liberal,
e ela de viver com a aquiescência de uma ordem superior de seres. À medida que
ela simplificar a sua vida, as leis do universo hão de parecer-lhe menos complexas, e a
solidão não será mais solidão, nem a pobreza será pobreza, nem a fraqueza, fraqueza.
Se construístes castelos no ar, não terá sido em vão vosso trabalho; eles estão onde
deviam estar. Agora colocai os alicerces por baixo”.
217
Por isso, diz RWE, “[O]s poetas são, assim, deuses libertadores” (Ibid, 334 & 335),
pois “o uso dos símbolos tem um certo poder de emancipação e entusiasmo para todos as
pessoas” (Ibid, 334; nosso grifo). “Eles são livres e libertam” [Ibid, 335; tese cara a
Fernando Pessoa (1888-1935)].
218
Quanto à relação do Criador (infinito) e a Criatura (finito), lembremos o que diz
Schleiermacher (1768-1834):
“A Relação da Natureza finita com o Infinito é de completa dependência”, o que
significa que “o relativo é envolvido e sustentado pelo Absoluto e que é absorvido por
este”. “A isto chama Schleiermacher de sentimento de absoluta dependência’. Nele
consiste o sentimento religioso, e em nada mais do que nele, a essência da própria
Religião”.
219
E, como mostrou Peirce, ad nauseum, o Sentimento pertence à primeira Categoria, a
da Qualidade Monádica. Se formos capazes de compreender que “o que constitui a índole
própria da consciência religiosa é a eliminação da relação sujeito-objeto” (Ibid, 238), então,
teremos dado um passo gigantesco para admitir o valor das categorias peirceanas para um
melhor entendimento da experiência religiosa (entenda-se “mística”).
217
Henry David Thoreau. Walden; ou A Vida nos Bosques, p. 295.
218
Para um estudo do papel dos poetas românticos alemães para o desenvolvimento do Idealismo Alemão,
sugerimos Theory as Practice A Critical Anthology od Early German Romantic Writings (Jochen Schulte-
Sasse como principal editor). Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997. A obra está dividida em
Introdução e quatro partes. Na Introdução Schulte-Sasse descreve “A Paradoxal Articulação do Desejo do
Romantismo”. Na Parte I, Elizabeth Mittman e Mary R. Strand oferecem um ensaio introdutório em que
mostram “A Representação do Self e do Outro no Romantismo Alemão” que bem poderia ser cotejado com a
obra de Russel B. Goodman, American Philosophy and the Romantic Tradition (“A Filosofia Norte-Americana e
a Tradição Romântica”) e vários textos de Novalis e Friedrich Schlegel e, uma seleção de excertos da
correspondência entre Fichte e Schelling (pp. 72-145). Na Parte II, aparece uma “Teoria Estética” com um
ensaio introdutório de Andreas Michel e Assenka Oksilff: Filosofia como Arte e Arte como Filosofia” e depois
textos de Friedrich e August Schlegel e Novalis. Na Parte III, que traz uma introdução de Haynes Horne, “O
Fragmento do Primeiro Romantismo e a Incompletude”, traz apenas textos de Friedrich Schlegel. Por fim, na
Parte IV, temos uma “Teoria do Feminino”, com um ensaio introdutório de Lisa C. Roetzel e textos de Novalis,
Ritter, Friedrich Schlegel e de Caroline Schlegel-Schelling.
219
Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão, Schleiermacher, pp. 238-239.
93
E, depois de falar de “Swedenborg, de todos os homens em épocas recentes,
representa eminentemente o tradutor da natureza em pensamento” (SWRWE, The Poet,
337; lembremo-nos que Swedenborg que tanto influenciou Henry James, Sr. (1811-82)
220
e
Schelling (1775-1854)
221
- será um de seus seis “Homens Representativos da Humanidade”
em 1850), RWE diz “procurar em vão pelo poeta que descreve” que “cante a América
ainda não cantada, pois ela é um poema a nossos olhos” (Ibid, 338). Pede que ele seja
como um espelho levado através das ruas, pronto para mostrar uma imagem de cada
coisa criada” (SWRWE, The Poet, 340; nossos grifos).
222
Quanto a Swedenborg (1688-1772), Richardson Jr. diz-nos (p. 197) que “Emerson em
Swedenborg mostra como algumas mentes são capazes de construir um palácio a partir de
materiais que o restante de nós concorda em rejeitar. Swedenborg é um bom exemplo. Ele é
amplamente considerado como marginal, talvez um lunático; no entanto, Goethe, Kant,
Blake, Coleridge, e Emerson se interessaram por seu trabalho.” Uma vez que as obras em
latim de Swedenborg não foram traduzidas para o inglês senão em 1844 e 1845, diz-nos
Richardson Jr., Emerson soube dele através da obra de Sampson Reed, Observations on the
Growth of the Mind (“Observações sobre o Crescimento da Mente”) e da obra The True
Messiah (“O Verdadeiro Messias”) de Guillaume Oegger.
Ainda segundo Richardson Jr., “Reed insistia que a era presente era um período
mudanças revolucionárias no modo de pensar das pessoas” (p. 198), insistindo que “Todas
as mudanças que estão ocorrendo no mundo têm sua origem na mente” (Ibid, ibidem;
nosso grifo). “Ele está tão certo quanto Kant de que “as leis da mente são, em si, tão fixas
e perfeitas quanto as leis da matéria” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Para Richardson Jr.,
“Reed também acreditava que a mente humana é ativa, não passiva”, e que “as ciências
naturais são a base de todo o conhecimento útil” (Ibid, ibidem; nossos grifos).
E, acrescenta, “Ele aceitava na idéia mestra de Swedenborg da correspondência.
Tudo no mundo natural tinha uma contraparte no mundo mental. Swedenborg e Reed
acreditavam que Deus tinha-o assim planejado” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
Entretanto, para Richardson Jr., “Emerson estava interessado nessa correspondência”,
mas “não de modo dogmático” e, segundo ele, “foi com grande prazer que, no verão de 1835,
ele leu a tradução da Transcendentalista Elizabeth Peabody da primeira parte do The True
220
Ver Herbert W. Schneider. A History of American Philosophy (ver Bibliografia).
221
Ler Friedmann Horn. Schelling and Swedeborg Mysticism and German Idealism (Traduzido por George F.
Dole e com Prefácio de Xavier Tilliette). West Chester (Penn.): Swedenborg Foundation, 1997..
222
“O [lago] Walden é um perfeito espelho” - Henry David Thoreau. Walden; ou A Vida nos Boques, p. 179
(nosso grifo).
94
Messiah (“O Verdadeiro Messias”) de Guillaume Oegger (Ibid, ibidem). “Oegger era um
swedenborguiano francês” que “reconhecia a linguagem da natureza como a chave para nossa
idéia de linguagem” e “mostra como a criação visível, portanto, não pode, não deve... ser nada
senão a circunferência do mundo invisível ou metafísico” (Ibid, 199). Assim, para ele, “tudo
fluiu a partir de uma razão suprema, de um mundo onde tudo é espírito e vida. A linguagem
encarna nossa ‘percepção dos emblemas da vida e inteligência, que a natureza contém em seu
seio, e a faculdade de transmitir essa percepção aos outros,’ portanto, “o mundo em si é
simbólico”, “a natureza é a pedreira da qual a linguagem surge” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
Entretanto, quando Emerson escreve sobre ele em Representative Men (1850; “Homens
Representativos da Humanidade”) -, como “o Místico” -, ele menciona seu defeito principal:
“ele não desperta o sentimento de piedade” (Richardson Jr., 471).
A propósito, esta idéia do “espelho”, RWE certamente tomou de Shakespeare (1564-
1616), que em Hamlet III, ii, 25 diz: “Segurar, por assim dizer, o espelho ante a natureza;
para mostrar à virtude sua própria característica, ao escárnio sua própria imagem, e a própria
idade e corpo do tempo sua forma e pressão”.
223
Heinz Eidam, em A Questão pelo Ser ou o Saber e sua Realidade Observações sobre o
Idealismo Crítico de Schelling,
224
tem algo de importante a acrescentar a esta questão do
“espelho” e do “olho”:
“O ser absoluto ou a ‘posição absoluta’, como Schelling o chama aqui [‘Sistema da
Filosofia em Geral e da Filosofia em Particular’ (1804)], é a ‘substância eterna que, no
entanto, não é ‘modificada’ pelo particular ou pelo fenômeno, mas apenas se a si
própria e apenas é ela mesma’”. Diz Schelling (1775-1854): ‘Os antigos
225
diziam
que Deus é inteiramente um olho, ou seja, é inteiramente aquilo que vê e aquilo que é
visto (p. 197); seu ver também é um ser e seu ser é um ver’. Poderíamos dizer,
também, que o princípio da idealidade (aquilo que vê) e o princípio da realidade
(aquilo que é visto) são idênticos, quer dizer, uma coisa é inteiramente a outra e vice-
versa”. (...) “Schelling procura ilustrar sua explicação daquilo que, a seus olhos, é o ‘o
segredo supremo da filosofia’, através da metáfora do espelho. O olho que vê, somente
pode ver a si mesmo no espelho, se este espelha o olho como um olho que vê, se o
223
“To hold, as ‘twere, the mirror up to nature; to show virtue her own feature, scorn her own image, and the
very age and body of the time his form and pressure” Shakespeare. Hamlet III, ii, 25. Para outras concepções
desta feita, filosóficas -, de “especular”, ver France Farago. Compreender Kierkegaard, p. 233 & Schopenhauer.
O Mundo como Vontade e como Representação, de que forneceremos um trecho: “Todavia veremos no terceiro
livro como o conhecimento, em alguns homens, furta-se a essa servidão [da vontade cega], emancipa-se desse
jugo e pode subsistir para si mesmo livre de todos os fins do desejo, COMO LÍMPIDO ESPELHO DO
MUNDO, do qual procede a arte” (§27. I 182, p. 218). Trata-se do “puro sujeito do conhecimento” que aparece
na obra-prima de Schopenhauer (22/2/1788 21/9/1860) nas páginas 245-47, 249, 266, 274, 291, 311, 329 e
463.
224
As Filosofias de Schelling [Fernando Rey Punte & Leonardo Alves Vieira (Organizadores)]. Belo Horizonte:
Humanitas & UFMG, 2005.
225
Diz Mestre Eckhart (c.1260 - c.1328): “O olho com que vejo Deus é o mesmo olho com que Deus me vê; meu
olho e o olho de Deus são um olho e um ver e um conhecer e um amar” (Sermões Alemães. Volume 1. p. 105).
95
espelho não é cego, como se diz. Um espelho cego não espelha nada. Um espelho, no
entanto, cumpre sua função, se e somente se ele mesmo não é visível enquanto
espelho, se ele mostra apenas e exatamente aquilo que ele mesmo não é”. (...) “Por
isso, para poder ver a si mesmo no espelho, o olho não pode ver o espelho como
espelho” (p. 198). “O olho que vê somente se vê, se não vê o espelho, se o olhar para o
espelho é o mesmo que aquele que sai dele. Nas palavras de Schelling, somente na
medida em que o olho põe o refletor o espelho como nada para si’, ele se a si
mesmo” (p. 199).
Volvendo ao “Poeta” de Emerson, em 1855, portanto, 11 anos depois, RWE saudaria
Walt Whitman (1819–1892) pelo lançamento de sua obra-prima, “The Leaves of Grass”
(11/7/1855; “Os folículos da folhinha da grama”) como “o poeta esperado”.
226
Sigamos com nossa análise...
X
Verso 73 “The fiend that man harries “O inimigo que o homem persegue
Verso 74 Is love of the Best; É o amor pelo que não pode ser melhorado;
Verso 75 Yawns the pit of the Dragon, Escancara-se o abismo do Dragão,
Verso 76 Lit by rays from the Blest. Pelos raios dos Abençoados iluminado.
Verso 77 The lethe of Nature O esquecimento da Natureza
Verso 78 Can’t trance him again, Hipnotizá-lo de novo não conseguirão,
Verso 79 Whose soul sees the perfect, Àquele cuja alma vê o perfeito,
Verso 80 Which his eyes seek in vain. Que seus olhos buscam em vão.
2.2 Quem fala agora é A Esfinge pois esta refere-se à Natureza (no verso 77).
227
A
Esfinge diz então ao poeta que o problema, i.e., “o inimigo que o homem persegue”
(verso 73) “é o amor [a busca] pelo Melhor” (verso 74).
228
E podemos ver isto graças
“aos raios luz emanada] dos Abençoados [iluminados]” (verso 76), que iluminam “o
abismo do Dragão” [o “inferno” com seus “fatos brutos”] da existência que “se
escancara” (verso 75),
229
que pode, então, ser visto.
226
Ver Kaplan, Justin. Walt Whitman: A Life (“Walt Whitman: uma Vida”). New York: Simon and Schuster,
1979 (p. 203)].
227
Recomendamos Pierre Hadot. O Véu de Ísis Ensaio sobre a história da Idéia de Natureza. São Paulo:
Loyola, 2006.
228
“O amor que vincula os indivíduos e os arrasta elevando-os ao supra-individual é também para Schlegel uma
força moral fundamental ‘Só pelo amor e pela consciência do amor o homem se coverte em homem’”. Friedrich
von Schlegel em Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão. Schlegel, p. 216.
229
No ensaio Fate (“Fado”) de 1860, Emerson diz: “Mas a Natureza não é nenhuma sentimentalista ela não
nos acarinha ou mima. Temos que ver que o mundo é duro e ríspido, e não vai se importar em afogar homem e
mulher; mas traga seu barco como um grão de poeira”” (...) [que há] “raças a viver à custa de outras raças” (...)
“em Lisboa, um terremoto [1755] matou gente como moscas” (...) [que há] “o cólera, varíola” (...) “parasitas no
intestino” (...) “tubarões” (...) “todos indícios da ferocidade no interior da natureza” [Emerson. Fate (“Fado”) em
The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”); RWE.org.].
96
Assim, aquele “cuja alma o perfeito” (verso 79) que pode ser uma Idéia
(platônica), pois “é em vão que seus olhos o procuram [nesta dimensão]” (verso 80),
“não poderá mais ser hipnotizado” (verso 78), i.e., não poderá mais viver inconsciente,
quer seja, em “o esquecimento da Natureza” (verso 77). Emerson sempre voltará a
Platão.
Richardson Jr. (p. 65) diz o seguinte:
“Platão foi a fonte mais importante que alimentou a convicção de Emerson de as
idéias são reais porque elas são as formas e as leis que subjazem, precedem e
explicam a realidade. Emerson descobriu Platão do mesmo modo que [o arqueólogo
Heinrich] Schliemann (1822–1890) encontrou Tróia. Em um período de muitos
anos Emerson desenterrou várias camadas sucessivas de traduções, comentários etc.
até chegar à coisa real. Emerson sabia ler grego; ele estava familiarizado com os
textos platônicos, mas preferia trabalhar com traduções. Seu entendimento geral de
Platão desenvolveu-se em sete estágios discerníveis”.
Douglas R. Anderson dedica todo um capítulo (o 12º), em sua obra Philosophy
Americana (2006; Filosofia Norte-Americana”) a expor a suposta Platonização do
Pensamento Norte-Americano de Emerson”; entretanto, o que faz, é defendê-lo do rótulo
geralmente apressado e invariavelmente ignorante (e, portanto, maldoso) – de que Emerson
não é propriamente um filósofo. Assim, citando um trecho do próprio Emerson sobre
Platãoum de seus “Homens Representativos da Humanidade” (1850), “Platão; ou, o
Filósofo” Anderson escreve: “Um filósofo deve ser mais do que um filósofo. Platão
está vestido com os poderes do poeta” (p. 192; nosso grifo). E acrescenta: “O uso do
poético por parte de Emerson deve ser visto como temperando o intelecto, não eliminando-
o” (Ibid, 193). A verdade é que “as realidades experimentadas” (...) “não foram, e não
serão, completamente capturadas por medidas lingüísticas”. E segue afirmando:
“Novamente, antecipando Peirce, Emerson regularmente sustentava que a linguagem,
apesar de seu poder e habilidade para crescer, rotineiramente e inevitavelmente fica
aquém da experiência” (Ibid, 196). E mais, “antecipando Dewey, Emerson forçava a
lógica a seguir a experiência e não vice-versa” (Ibid, 197-198). E, citando Pollock, “Em
um universo emersoniano, em que o inesperado está sempre ocorrendo, o
conhecimento como um produto acabado é impensável” (Ibid, 199; nosso grifo). Peirce
e os outros pragmatistas clássicos assinariam embaixo. Mesmo em um de seus últimos
ensaios, Culture (“Cultura”) de 1860, ele dirá: “Boa crítica é muito rara e sempre
preciosa. Eu fico sempre feliz de encontrar pessoas que percebem a superioridade
97
transcendente de Shakespeare sobre os demais escritores. Eu gosto de pessoas que
gostam de Platão.
230
Porque este amor não consiste em autoconvencimento”
(SWRWE, The Conduct of Life Culture, 723; difícil não pensar em Harold Bloom; nosso
grifo).
Vejamos em que medida Platão ou o Sócrates de Platão influenciaram
Emerson. De acordo com Richardson Jr. (p. 44), quando Emerson começou a ler Platão
(424/423–348/347 AEC), ele “rejeitou sua Política” (Ibid, 234), mas “mergulhou na obra
de doze volumes de Victor Cousin (1792-1867) sobre o fundador da Academia” em 1839,
e à qual voltou em 1842 (Ibid, 376; enquanto escrevia o ensaio, O Poeta”) e, novamente,
em 1844 (pp. 395 e 325; quando de sua “Segunda Série de Ensaios”).
Em 1850, Emerson escolheu-o como “O Filósofo” entre seus seis “Homens
Representativos da Humanidade” (1850; in SWRWE, Plato; or, the Philosopher, 471-
498).
231
Lawrence Buell diz que é Sócrates e não Platão, que Emerson quer utilizar como
representante do filósofo ou da “imagem do potencial humano de pensar(Buell, Emerson,
82). Buell se referira, anteriormente, ao efeito que a leitura de Cousin e Marie-Joseph de
Gerando tivera sobre Emerson na medida em que lhe mostraram que “a existência da ‘mente
universal’ transcendia as fronteiras culturais”; “mente universal” representada pelo
“daemon” (Ibid, 21; nosso grifo). Joel Porte cita Emerson (1842; CW 1:201): “o que é tido
como novas visões aqui na Nova Inglaterra, no presente,... o são novas, mas os
pensamentos mais antigos lançados em novos moldes dos novos tempos” [que é como
Willliam James definia o Pragmatismo]. E, segue Porte, “vendo-se como um expositor da
tradição Idealista em filosofia, do qual Platão foi o fundador, Emerson definiu o
Transcendentalismo como “idealismo como ele aparece em 1842” (CW 1:201 in The
Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson, 19). R. Jackson Wilson, na mesma obra
230
Compare-se: “Pois bem, em pequenos particulares eu sou hostil a Platão [pois ele apenas reconhece causas
internas, mas ele nem mesmo reconhece a Matéria como algo positivo. Ele torna-a uma mera negação, mero não-
Ser, ou Vazio, esquecendo ou talvez não sabendo que aquilo que produz efeitos positivos devem ter uma
natureza positiva. Embora toda a filosofia de Platão seja uma filosofia de Terceiridade (...) ele (...) apenas
reconhece a dualidade”. [Peirce. Philosophy and the Conduct of Life (“A Filosofia e a Conduta da Vida” ), em
EP 2, 39].
231
Os outros “Homens Representativos da Humanidade”, segundo Emerson, seriam (1) Swedenborg; ou, o
Místico; (2) Montaigne; ou, o Cético; (3) Shakespeare; ou, o Poeta; (4) Goethe; ou, o Escritor; e, (5) Napoleão;
ou, o Homem do Mundo. A obra contém um prefácio, “A Utilidade dos Homens Notáveis” (nosso grifo).
Encontramos esta obra traduzida para o português pela Edições e Publicações Brasil, o Paulo, com tradução,
prefácio e notas do professor Alfredo Gomes, s/d.
98
“Emerson como Palestrante” diz que Emerson recomendava “Paciência, paciência”
(The Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson, 94) para “a cura das tragédias e
doenças culturais e sociais”, segundo ele, porque “não se está só”, mas “tem-se a companhia
das sombras dos bons e grandes: Platão, Chaucer, Shakespeare, Goethe...” e Saundra Morris,
na mesma obra “Argumentos de Fazer Métrica: os Poemas de Emerson” lembra que
Emerson, ao incluir Platão entre seus “Homens Representativos da Humanidade” (1850),
como “O Filósofo”, dá-lhe status de “Poeta” (The Cambridge Companion to Ralph Waldo
Emerson, 218 cita LA 635).
Para Emerson, “Platão é a filosofia, e a filosofia, Platão” (SWRWE, Plato; or, the
Philosopher, 471) porque “Platão apreendeu os fatos cardeais” (Ibid, 483): ele “sabia
dividir e definir” (Ibid, 475; nosso grifo) até chegar a “os dois fatos cardeais que jazem
para sempre na fundação; o um e o dois. 1. A Unidade, ou a Identidade; e, 2. A
Variedade. Nós unimos todas as coisas ao perceber a lei que as subjaz; ao perceber as
diferenças superficiais e as semelhanças profundas. Mas cada ato mental – esta mesma
percepção da identidade ou unidade, reconhece a diferença das coisas. Unidade e Alteridade.
É impossível falar ou pensar sem abraçar a ambas” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
232
E prossegue: “A mente é urgida a perguntar pela causa de muitos efeitos; então
pela causa disso; e novamente pela causa, mergulhando ainda mais fundo: certo de que
chegará a uma [causa] absoluta e suficiente – uma que será tudo” (Ibid, 476; nosso grifo).
Ainda segundo Emerson, “em todas as nações mentes que se inclinam por habitar na
concepção da Unidade fundamental” (Ibid, ibidem; nosso grifo) e “o conhecimento deste
espírito, que é essencialmente um, que habita dentro de nós e em todos os outros corpos,
é a sabedoria daquele que conhece a unidade de todas as coisas” (Ibid, 477; nosso grifo).
Isso que em nós “compreende o todo” (Ibid, 484; nosso grifo) é o que Platão vem anunciar:
“o Intelecto” (Ibid, ibidem; nossos grifos). “A natureza é boa, mas o intelecto é melhor”
(Ibid, ibidem; nosso grifo) e assim “ele disse, Cultura” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Para os
Racionalistas, aqui jaz a solução do enigma emersoniano.
232
Ver Giovanni Reale. Para uma Nova Interpretação de Platão (Tradução de Marcelo Perine). São Paulo:
Loyola, 1997 (2ª edação, 2004), especialmente o capítulo nono, “A Polivalência Estrutural dos Princípios, A
Divisão da Realidade e o Duplo Procedimento do Método Dialético que Leva aos Princípios (pp. 181-193). Ver
também Jean-Paul Dumont. Elementos de História da Filosofia Antiga. Brasília: EUB, 2004, especialmente “O
Conteúdo do Ensinamento Oral [de Platão]”, pp. 284-293.
99
Mais tarde, no ensaio Fate (1869; “Fado”), Emerson dirá que “O intelecto anula o
fado. Na medida em que o homem pensa, ele é livre” (em Stanley Cavell. Emerson’s
Transcendental Études, p. 72). Comparar com Schelling:
“Cada ser nascido na natureza do modo que foi indicado tem em si um duplo
princípio, princípio esse que, todavia, é, no fundo, um só, considerado de dois pontos
de vista possíveis”. (...) Mas quando, finalmente, através de uma transformação e
diferenciação progressiva de todas as forças, o ponto mais íntimo e profundo da
obscuridade originária é totalmente transformado em luz num ser, a vontade desse
mesmo ser continua, da mesma forma, vontade particular (na medida em que esse ser é
um ser individual), mas em si, ou como centro de todas as outras vontade particulares,
está unida à vontade originária ou ao entendimento, de modo que agora formam ambas
um todo único. Esta transformação em luz do centro mais profundo não acontece em
nenhuma das criaturas que conhecemos, senão no homem. Encontra-se no homem
todo o poder do princípio mais obscuro e também, aomesmo tempo, toda a força da
luz”.
233
Porém, de acordo com Emerson, “ele [Platão] deixou de adicionar, “[T]ambém
o divino” (Ibid, 486; nosso grifo).
Richardson Jr. diz que foi através de sua genial tia Mary Moody Emerson que
Emerson cognomizou de “a Jakob Boehme da América” (Richardson Jr., p. 23) porque ela era
“uma visionária” que “lutava com os anjos o tempo todo” (Ibid, ibidem) que Emerson
conheceu Jakob Boehme (Ibid, 27). Quando RWE ficou em dúvida sobre que carreira seguir
em 1835, ele leu a “Aurora” “Aurora” é uma metáfora para o despertar” (Richardson Jr.,
228)] de Jakob Boehme, que rezava que “Deus se encontra apenas no fundo de nossos
corações” (Ibid, 204) - e esta leitura mostrou-lhe que “a experiência [mística] pessoal
direta” era fundamental, (nossos grifos), mas que o seminário não podia dar-lha” (Ibid,
ibidem). Em 1844 vamos encontrar Emerson novamente “mergulhado” em Boehme (Ibid,
395). Um de seus admiradores ingleses, Henry Sutton, em 1845, “tratou-o [Emerson] como
um ‘oráculo vivo’, colocando-o na companhia de [São] Paulo, Boehme, Henry Agrippa e os
antigos Brahmins” (Ibid, 524).
Em um adendo posterior ao ensaio em questão, Emerson lembra a importância das
“idéias” para Platão e que “os deuses são as idéias” (Ibid, 496; nosso grifo) “o eixo de
233
Schelling. Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana, p. 68-69.
100
toda a especulação do filósofo” (J. Ferrater Mora, 2285; nosso grifo)
234
- e, também, que
“para Platão o intelecto é sempre moral” (Ibid, 497; nosso grifo).
E quanto a Sócrates (470-399AEC)? Richardson Jr. diz-nos (p. 86) que [já] em
fevereiro de 1828 Emerson “ficara interessado no daemon de Sócrates (‘um Gênio invisível
que governava suas ações’) como uma imagem ou, mais exatamente, como uma figura
mitológica para a voz interna.” Buell confirma isto ao dizer: “No curso tradicional [em
Harvard] com o qual Emerson começou [sua vida acadêmica], o análogo não-cristão que
mais o impressionou foi o Sócrates de Platão, cujo ‘daemon’ parecia idêntico à
‘consciência’ cristã” (JMN 3: 107 in Buell, Emerson, 21; nossos grifos).
Por isso, Buell ganha pontos quando mostra que, na busca do Homem Central (como
“daemon” ou “consciência”), Emerson está certo ao dizer que “[S]e alguém deve se tornar
um Homem Central [então] esse não é Sócrates ou mesmo Jesus, sou eu mesmo” (nossos
grifos; Buell, Emerson, 80; difícil despertar para esse fato e, depois e por isso mesmo
passar a se conduzir de modo admirável a partir dessa tomada de consciência!).
No mais extraordinário ensaio de Emerson, Literary Ethics (24/7/1838; “Ética
Literária”), que, infelizmente, não costuma fazer parte das antologias do autor, Emerson
reitera a necessidade de isolamento – leia-se “ascese”para se chegar ao silêncio curador.
“A razão porque a alma engenhosa evita a sociedade é com o intuito de encontrar a
sociedade [ideal]. Ela repudia o falso e ama o verdadeiro. Você pode rapidamente
aprender que a sociedade tem algo a ensinar-lhe por uns tempos. Você pode
rapidamente saber o que significa sua rotina tola, sua infinita multiplicação de bailes,
concertos, viagens e peças teatrais. Então aceite a dica da vergonha, do vazio e
desperdício espiritual, que a verdadeira natureza lhe e retire-se e esconda-se;
tranque a porta; cerre as persianas; e então as boas-vindas á chuva que cai, ao
querido eremitério da natureza. Recobre o espírito. Ore e elogie solitariamente. Digira
e corrija a experiência passada; e misture-a com a vida nova e divina. Você me
perdoará. Senhores, se eu digo, eu acho que nós não temos nenhuma necessidade de
uma regra escolástica mais rigorosa; tal ascetismo, eu quero dizer, como apenas a
dureza e devoção do próprio scholar pode estabelecer. Nós vivemos ao sol e na
superfície, - uma existência rasa, plausível, superficial, e falamos de musas e profetas,
de arte e criação. Mas de nosso modo de vida raso e frívolo, como poderá grandeza
alguma vez crescer? Vamos lá, agora, vamos ficar mudos. Vamos nos sentar com as
234
Cavell não nos deixa esquecer que outrora, “a filosofia fora vista, como a poesia, como possuindo o poder de
mudar as pessoas, de libertar suas almas das amarras” - Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études.
Capítulo 3. O Filósofo na Vida Norte-Americana, p. 43. Não nos esqueçamos que, como mostrou Castoriadis -
n’“O Político de Platão” (Loyola, 2004) – que Platão era poeta e filósofo, embora Castoriadis ataque o
“bifrontismo” de Platão nessa obra.
101
mãos sobre a boca, um período austero, pitagórico. Vamos viver pelos cantos e fazer o
que temos que fazer e sofrer e chorar e nos matar de trabalhar, com os olhos e
corações que amam o Senhor. Que o silêncio, a reclusão, a austeridade possam
romper fundo o interior de nossa grandeza e segredo de nosso ser e, assim
mergulhando, trazer à tona a escuridão secular, as sublimidades da constituição
moral. Quão mesquinho inflamar-se, uma borboleta espalhafatosa, em salões da moda
ou políticos, o tolo da sociedade, o tolo da notoriedade, o tópico dos jornais, um móvel
nas ruas e privando-se da prerrogativa real da casaca grosseira, da privacidade e do
coração verdadeiro e caloroso do cidadão! Fatal ao homem de letras, fatal ao
homem, é a luxúria da exibição, a aparência que desfaz nosso ser” (RWE.org;
nossos grifos).
Por isso, na mais “incendiária” (Buell, The American Transcendentalists, 129)
235
de
suas palestras, The Harvard Divinity School Address (15/7/1838; “Palestra aos Seminaristas
Formandos de Harvard”), Emerson dirá aos futuros pastores para escândalo da geração de
seu pai, muitos dos quais confessaram não terem entendido o que ele dissera... -: “Deixem-me
adverti-los, antes de tudo, que devem partir sós; recusem os bons modelos, mesmo aqueles
que são sagrados na imaginação dos homens e ousem amar a Deus sem intercessor ou véu”
(...) que são “bardos recém-nascidos do Espírito Santo, lancem após si todo o vosso
conformismo” - [a forma-fôrma ou, como dirá Peirce, o ‘método’ antigo] “e familiarizem
as pessoas em primeira-mão com a Deidade” [termo cunhado por Eckhart (c. 1260 - c.
1328); Gottheit].
236
“Devotem-se a ela acima de todas as coisas e apenas a ela,
237
de tal
235
Brooks Atkinson, na Apresentação desta palestra (tornada ensaio), diz que ela foi de tal modo censurável
(“objectionable”) para grande parte do clero presente que “quase trinta anos se passaram até que Emerson
voltasse a falar de novo em Harvard”, sua alma-mater. Confirmado por Lawrence Buell em The American
Transcendentalists (2006; “Os Transcendentalistas Norte-Americanos”), p. 129. Mas então, “a sua teologia da
Autoconfiança(Bloom, “Onde Encontrar a Sabedoria?”, p. 228; nossos grifos) já estava em vigor. Ouçamos
Peirce: Portanto, se vocês me perguntarem que papel as Qualidades têm na economia do Universo. Eu
responderei que o Universo é um vasto representamen, um grande símbolo do propósito de Deus, elaborando
suas conclusões em realidades vivas. Pois bem, cada símbolo deve ter, organicamente ligado a ele, seus Índices
de Reações e seus ícones de Qualidades”. [1903; The Seven Systems of Metaphysics (“Os Sete Sistemas de
Metafísica”) em EP 2, p. 194; também no MSS 309 e CP 5.77n, 93-11, 114-18, 1.314-16, 5.119, 111-13, 57-58;
também em HL 189-203).
236
Ver Gottheit no Glossário em Mestre Eckhart. Sermões Alemães, pp. 334-335. Para o mesmo conceito dentro
do Hinduísmo -, especialmente a diferença entre Deus (“Brahma”) e Deidade (“Brahman”), ver Surendranath
Dasgupta [1885-1952; professor de Hinduísmo da Universidade de Calcutá, geralmente considerado o maior
filósofo indiano do século XX, orientador de Doutorado “Yoga” - de Mircea Eliade (1907-86) de 1930 a
1933], A History of Indian Philosophy (5 vols; “Uma História da Filosofia Indiana”). Nova Delhi (Índia): Motilal
Banarsidas, 1997. Para uma comparação entre este conceito de Deus “sem atributos” no Budismo que Sidarta
denominava de “O NÃO-NASCIDO” -, e o Gottheit (“Godheadem inglês) de Mestre Eckhart, ver Daisetsu
Teitaro Suzuki (1870-1966), Mysticism Christian and Buddhist (“Misticismo Cristão e Budista”). Londres: A
Mandala Book (Unwin Paperbacks), 1988.
237
Esta “prioridade” já aparece em Deuterônimo 6.5: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, e
de toda a tua alma, e de todo o teu podere aparecerá também no Novo Testamento, em Mateus 6.33: “Mas,
buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.
102
modo que moda, hábito, autoridade, prazer e dinheiro nada sejam para vocês que não
sejam bandagens sobre vossos olhos, de modo que não consigam enxergar -, mas vivam
com o privilégio da mente imensurável” (SWRWE, An Address, p. 81; nossos grifos).
De qualquer forma, para Emerson, “a companhia dos grandes”
238
(Buell, Emerson,
80) serve para não nos deixar esquecer essa meta. Buell também acha “mais
justo colocar Emerson mais próximo do Sócrates de Platão do que do platonismo de
Platão” (Buell, Emerson, 237; nosso grifo). Para o Professor de Harvard, “o que dá a
Emerson (e Platão) um interesse filosófico que perdura na modernidade é sua
capacidade de colocar uma mitografia estável do cosmo de lado para dar lugar à
interrogação cética socrática de reivindicações em prol da verdade” (Ibid, ibidem; nosso
grifo). Buell volta à relação entre Sócrates e Platão para falar da relação de Emerson (1803-
82) com Thoreau (1817-62) e cita Emerson: Platão/Sócrates pareciam nunca esquecer a
virtude cardeal do professor em proteger o aluno de sua própria influência’” (Buell,
Emerson, 308-309, citando Emerson em JMN 10: 471; nosso grifo).
Sigamos com a análise do poema de Emerson...
XI
Verso 81 “To vision profounder, “Para uma visão mais profunda,
Verso 82 Man’s spirit must dive; O espírito do homem deve mergulhar;
Verso 83 His eye-rolling orb Sua sempre-rolante órbita
Verso 84 At no goal will arrive; A nenhuma meta há de chegar;
Verso 85 The heavens that now draw him Os espaços celestes que agora o atraem
Verso 86 With sweetness untold, Com doçuras indizíveis,
Verso 87 Once found, _ for new heavens Uma vez descortinados, _ por novos céus
Verso 88 He spurneth the old. Ele os achará desprezíveis.
238
Entre os grandes da Antigüidade, que influenciaram Emerson, ainda não mencionamos Cícero, sobre cuja
filosofia, J. Mora Ferrater diz que “não é, sem dúvida original, mas a influência que exerceu faz dela uma peça
indispensável na história” [da filosofia], pois “ele não apenas divulgou para o mundo romano o mais importante
da tradição intelectual grega, como muitas de suas obras forma lidas com freqüência pelos filósofos posteriores,
tanto pagãos como cristãos (além da influência exercida na formação do vocabulário filosófico latino)” (JFM,
453)? Richardson Jr. diz que, “em Harvard, Emerson aprendeu latim o suficiente para ler Cícero (106 43
AEC), Lívio, Horácio, Juvenal, Pérsio e a De veritate religionis Christianae de Hugo Grotius [1583-1645] no
original” (p. 7). E lembra que em sua primeira viagem à Europa (1833), Emerson não se esqueceu de visitar na
Sicília “as catacumbas que Cícero admirava” (Richardson Jr., 133). No corrosivo ensaio Self-Reliance (1841;
“Sobre a Confiança no Si-Mesmo”), Emerson diz: “[Na Antigüidade] cada Estóico era um Estóico; mas na
Cristandade, onde está o Cristão?(SWRWE, Self-Reliance, 167). No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que
faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “Honra e Fortuna
existem para aquele que sempre reconhece a vizinhan
ça do grande, sempre se sente na presença das causas
elevadas” (RWE. org; nosso grifo).
103
2.3 E A Esfinge prossegue dizendo que ao espírito do homem” nada mais resta senão
“mergulhar” (verso 82), i.e., avançar na busca de “uma visão mais profunda” (verso
81), que, novamente, não se encontra fora (na multiplicidade) pois “a orbe de seu
olho” (verso 83) “a nenhuma meta de chegar” (no verso 77).
239
Tudo aquilo “que o
atrai” (verso 85), “com tanta doçura” (verso 86), [“as orbes celestes” (verso 85)], “uma
vez descoberto” (verso 87), ele desprezará” (verso 88), em busca de “novas orbes”
(verso 87).
No mais extraordinário de todos os ensaios de Emerson que, infelizmente, não
aparece nas antologias, mas que fomos buscar na RWE.org -, quer seja, Literary Ethics (24
de julho de 1838; “Ética Literária), Emerson diz:
“Há uma ilusão de ótica na filosofia. Ela declara ter grandes pretensões. Ela parece
como se tivesse toda a verdade, ao abranger todos os sistemas e nada mais tiveste a
fazer do que peneirar e lavar e se esforçar, e o ouro e os diamantes ficarão na última
peneira. Mas a verdade é volúvel, tal como um espertalhão, tão intransportável e
inabarcável, que é tão difícil de pegar quanto a luz. Cerre as persianas rapidamente
para manter a luz dentro, e será em vão; ela some antes que você possa dizer, alto
lá. E assim é com nossa filosofia. Traduza, cole e distile todos os sistemas, [ele
refere-se a Cousin] isso não leva a nada; pois a verdade não será compelida, por
qualquer modo mecânico. Mas a primeira observação que você fizer, em um ato
sincero de sua natureza, embora a título de brincadeira séria, poderá abrir uma nova
visão da natureza e do homem; e isso, como um líquido dissolvente, dissolverá
todas as teorias nele.” (...) “Vá falar com um homem de gênio e a primeira palavra
que ele proferir colocará todo o seu chamado conhecimento á deriva” (...) “A
inudnação do espírito varre para longe ante si todo a nossa pequena arquitetura da
esperteza e da memória, como palha e palhoças ante a torrente. Obras do intelecto
são grandes apenas em comparação umas com as outras; (...), mas nada é grande, -
nem o poderoso Homero e Milton ante a Razão infinita. Ela carrega-as para longe
como uma enchente. Elas são como um sono” (RWE.org; nossos grifos).
Temos então, aqui, duas questões: a primeira é a dos “limites da Razão” para dar
conta da “coisa-em-si” (kantiana) - ou, os limites da “representação”, diSchopenhauer
(1788-1860) e, daí o “falibilismo” peirceano; a segunda questão, é a da necessidade de
mudança radical da investigação filosófica [levada a cabo por Fichte (1762-1814) e
Schelling (1775-1854) e, posteriormente adotada por Schopenhauer (1788-1860),
239
O problema, elucida Stanley Cavell, citando Emerson, é que “use que língua quiser, jamais podemos dizer
nada senão o que somos”. Stanley Cavell. Emerson’s Transcedental Études, p. 129.
104
Emerson (1803-82), Nietzsche (1844-1900) e... Peirce (1839-1914), como “motor” de seu
“Sinequismo”.
Para lidar com a primeira questão, a dos “limites do conhecimento”, Emerson
escreveu Circles (1841; “Círculos; nosso grifo).
240
Diz ele, neste ensaio que Russell B.
Goodman escolheu como paradigmático de seu “proto-pragmatismo”:
O olho é o primeiro círculo; o horizonte que ele forma é o segundo; e através de
toda natureza esta figura primária é repetida sem fim. É o mais elevado emblema
no código secreto deste mundo. Santo Agostinho descreveu a natureza de Deus
como um círculo cujo centro estava em toda a parte e cuja circunferência em lado
algum”.
241
(...) “Nossa vida é um aprendizado sobre a verdade de que ao redor
de cada círculo outro pode ser desenhado; de que não fim na natureza, mas
cada fim é um início; que sempre outra aurora depois da meia-noite e que,
sob cada profundidade uma mais profunda se abre (SWRWE, Circles, 279;
nosso grifo).
No último e estupendo - ensaio da obra tardia, The Conduct of Life (1860; “A
Conduta da Vida”), Illusions (“Ilusões”), Emerson diz o seguinte:
“Uma após outra, nós aceitamos as leis da mente, ainda resistindo àquelas que se
seguirão, que, no entanto, deverão ser aceitas. Mas todas as nossas concepções
nos compelem a uma nova profusão. E que proveito há que a ciência passou a tratar
o espaço e o tempo como simples formas do pensamento [as intuições a priori de
Kant], e o mundo material como hipotético, com o quê nossa pretensão de
propriedade e mesmo identidade estarem a desaparecer com o resto se, por fim,
mesmo nosso pensamentos não são finalidades; mas o incessante fluxo e ascensão
também os atingem, cada pensamento que ontem era uma finalidade, hoje está
cedendo a uma mais ampla generalização? Com tais elementos voláteis com que se
trabalha, não é de admirar que nossas estimativas sejam tão fracas e flutuantes. Nós
temos que trabalhar e afirmar, mas não temos qualquer idéia do valor do que
dizemos ou fazemos” (RWE.org).
Emerson, como Peirce, sabia do advento da estatística, e advogava o
falibilismo. Mas Emerson era um otimista e, portanto, mais adiante diz que “pedimos aos
deuses, ‘daí-me uma grande tarefa e revelarei meu espírito’; mas eles respondem: ‘Nada
disso, are o solo, limpe as roupas, faça cadarços; grandes realizações e o melhor vinho vez
por outra’. Tudo é sonho [Calderón de la Barca (1600-81)]; mas se você tecer uma corda
240
O ensaio Circles (“Círculos”) faz parte dos Essays First Series (“Primeira Série de Ensaios”) de 1841,
portanto, um ano após ter escrito o poema A Esfinge e no mesmo ano em que RWE o publicou no jornal
Transcendentalista, The Dial (“O Mostrador”).
241
Não encontramos este conceito em Agostinho (354-430), mas em Nicolau de Cusa [1401-64; A Douta
Ignorância, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002 (p. 155) e em Blaise Pascal [(1623-62). São Paulo: Os Pensadores.
Pensamento 72 (p. 51)].
105
com toda a humildade, daqui a alguns anos veremos que não era uma corda de algodão de
modo algum, mas alguma galáxia que foi tecida, e que os fios foram o Tempo e a
Natureza” (Ibid).
E mais,
“Não há fixidez na natureza. O universo é fluido e volátil. A permanência não é
senão uma palavra de graus. Nosso globo visto por Deus é uma lei transparente,
242
não uma massa de fatos. A lei dissolve o fato e mantém-no fluido.
Por isso,
Nossa cultura é o predomínio de uma idéia que carrega atrás de si este trem de
cidades e instituições. Elevemo-nos a outra idéia; elas desaparecerão”
(SWRWE, Circles, 279; nosso grifo).
No último e estupendo - ensaio da obra tardia, The Conduct of Life (1860; “A
Conduta da Vida”), Illusions (“Ilusões”), Emerson diz que embora “não possamos penetrar
a lei de nossos estados de espírito e suscetibilidades” e “não sejamos nem mesmo capazes
de ver o quê ou onde nossas estrelas do destino estão”, uma vez que “dia a dia, os fatos
capitais da vida humana se escondem de nossa vista”, “de repente, a névoa se ergue e
revela-os, e damos-nos conta de quanto tempo passou, que poderia não ter sido
desperdiçado, tivesse alguma dica destas coisas ter sido dada. Uma súbita subida na
estrada mostra-nos o sistema de montanhas e todos os picos que estiveram sempre tão
perto de nós o ano inteiro e que nunca vimos” (RWE.org; nossos grifos).
No Alcorão está escrito que “Deus está mais perto de nós do que a nossa veia
jugular”... e neste maravilhoso ensaio, que faz contínua referência ao conceito de “maya”
do hinduísmo, Emerson diz, “Nossa vida a vida de todos s é idêntica, pois
transcendemos a circunstância continuamente e saboreamos [quem? o poeta,
naturalmente] a qualidade real da existência”. (...) “Vemos Deus cara a cara o tempo todo e
sabemos o sabor da Natureza”.
Isso só vale para os místicos, aqueles que se esvaziaram totalmente de si mesmos
da ignorância e do erro, como dirá Peirce ao referir-se ao ego humano -, para, assim, “ao se
livrarem do fascínio, e chegar à beatitude” (Ibid), que no Hinduísmo se denomina
“ananda”.
242
É o subquaedam aeternitatis specie de Espinoza (1632-77).
106
E continua Emerson: “[T]udo parece permanente até que seu segredo seja
conhecido” (SWRWE, Circles, 280); mas,
“Se a alma for veloz e forte, ela rompe a fronteira [do círculo] em todos os
pontos e expande-se para nova órbita sobre a grande profundidade...”
(SWRWE, Circles, 281; nosso grifo).
Emerson termina este extraordinário ensaio, Illusions (1860; “Ilusões”), dizendo,
neoplatonicamente:
“Não acaso ou anarquia no universo. Tudo é sistema e gradação. Cada deus está
sentado em sua esfera. O jovem mortal entra no hall do firmamento: está ele
sozinho com eles apenas, eles jorrando dons e bênçãos e assinalando-lhe a seus
tronos. No instante, e incessantemente, caem tormentas de neve de ilusões. Ele
imagina-se no meio de uma vasta multidão que se agita para e para e cujo
movimento e ações ele deve obedecer: ele imagina-se pobre, órfão, insignificante.
A multidão ensandecida oscilade lá para cá, agora furiosamente, exigindo que isto
ou aquilo seja feito. E quem é ele para que deva resistir sua vontade e pensar e agir
para si? A cada momento novas mudanças e novas chuvas de decepções para
confundi-lo ou distraí-lo. E” -, antecipando o conceito de arquétipo de Jung (1875-
1961) em meio culo -, “quando, aos poucos, num instante, o ar fica limpo e as
nuvens se erguem um pouco, lá estão os deuses ainda sentados ao seu redor em seus
tronos – eles apenas, e ele, sozinho” (RWE.org).
E, não é por outra razão que Emerson confessa:
“Eu sou apenas um experimentador. (...) Eu desconstruo todas as coisas (“I
unsettle all things”). Nenhum fato é-me sagrado; nenhum profano; eu simplesmente
experimento, um buscador sem fim sem passado algum às costas” (SWRWE,
Circles, 288; nosso grifo).
É neste sentido o do “ensaísta” - que Emerson sente uma irmandade com
Montaigne (1533-92). Montaigne, que Goodman imperdoavelmente esqueceu de
mencionar em seu artigo sobre Emerson na Enciclopédia de Filosofia da Universidade de
Stanford, talvez tenha sido a figura que mais tenha marcado RWE. Senão vejamos:
“quando ele [RWE] fez uma lista dos livros que gostaria de escrever, ele arrolou os
Provérbios de Salomão e os Ensaios de Bacon e Montaigne (Richardson Jr., 65;
conformado na página 319). Ele apaixonou-se pelo ensaísta francês assim que o leu, pois
“ele era um cético, mas de um tipo muito diferente de Hume” Quando leu a Apologia de
Raimonde de Sebonde de Michel Eyquem de Montaigne, RWE “descobriu”, segundo
Richardson Jr., “uma terceira via [entre o dogmatismo teológico e o ceticismo corrosivo]”
(Richardson Jr., 68, 319 e 519).
107
RWE gostava de retornar a seus autores favoritos. Vêmo-lo “voltar a Montaigne em
1843” (Richardson Jr., 392), portanto, um ano depois de perder seu filho ano em que
William James (1842–1910) nasceu – e um ano antes de publicar seus devastadores Essay
– Second Series (“Segunda Série de Ensaios”).
Lawrence Buell confirma esta influência determinante de Montaigne sobre RWE;
quando este descreve “as características mais marcantes da obra de Emerson”. Diz ele que
“Emerson está sempre tentando livrar sua mente de complicações paroquiais” (Buell,
Emerson, 4). Por isso, diz o professor de Literatura Norte-Americana de Harvard, “a
vitalidade dos escritos de Emerson (...) ainda possuem o poder de espantar e
empolgar e de produzir inesperados ‘flashes’ de ‘insight’ (...) no que se parece com o
ensaísta Renascentista francês Montaigne, que ele amava, e o filósofo alemão
Nietzsche, que o amava” (Buell, Emerson, 5).
E por que RWE amava Montaigne? Porque, como o Seigneur de Périgord, RWE
sabia que “Conhecer é saber que não podemos saber” (Buell, Emerson, 208; que Buell
define como “ceticismo sábio”) e ambos “amavam Sócrates”, que, para Buell, RWE via
como um “autodidata e provocador franklinesco” [referindo a Benjamn Franklin (1706–
1790)] (Buell, Emerson, 209), mas mais ainda: através deste, Buell aproxima Emerson [do
ensaio Experience (1844; “Experiência”)] como proto-pragmatista -, de John Dewey
(1859–1952; Buell, Emerson, 210).
Em suma, o que é deveras característico de Montaigne? É “a descoberta da
insignificância do homem que, ao avaliar-se equivocadamente superior às outras
coisas, esquece-se dos vínculos que o unem à Natureza” (J. Ferrater Mora, 2005; nosso
grifo). Montaigne, como RWE acredita na “felicidade individual, que é a única
felicidade efetiva e concreta diante das pretensas grandezas e das enganosas abstrações,
visto que ‘devemos emprestar-nos aos outros e dar-nos a nós mesmos’” (Ensaios, III, 10;
Ibid, 2006). Por isso Montaigne “ensina o culto ao relativo e enaltece as virtudes da
dúvida” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Se, aliado a isto, verificarmos sua “aguda percepção
de questões que hoje chamaríamos de ‘existenciais’” (Ibid, ibidem) e adiantarmos o
relógio do tempo em dois séculos, temos Emerson. Mas não só. A idéia do “homem
ondulante” (ondoyant), que não é, mas “se faz continuamente” “em direção ao futuro”
(Ensaios, I, 1) encontra paralelo tanto no célebre ensaio “Círculos” de RWE quanto na
tese fundamental de CSP de que “os símbolos crescem” rumo a um Interpretante” (Final)
108
que é meramente referencial (virtual), nunca concreto, uma vez que, como diria
Schopenhauer (1788-1860), estamos na esfera da “representação” e está jamais esgotará o
“Objeto Dinâmico” (a “coisa-em-si” kantiana), que é, para Peirce, totalmente “alter”
“independente daquilo que qualquer mente possa achar dela; e mais, esse “Objeto
Dinâmico” vem “evoluindo” (Sinequismo) e possui um grau de erraticidade (Tiquismo) que
não é passível de mensuração. E, se nos conhecêssemos realmente, o que veríamos,
perguntemos a Emerson; ele responderá que...
“o que buscamos com desejo insaciável é esquecermo-nos de nós mesmos, é
sermos surpreendidos para fora de nossa seriedade, é perder nossa sempiterna
memória, e fazer algo sem saber como ou por quê; em suma, desenhar outro
círculo. Nada grandioso foi alguma vez feito sem entusiasmo.
243
O modo de vida
mais maravilhoso é a do abandono [do ego cego]” (SWRWE, Circles, 290; nosso
grifo).
244
Mas, diz ele, como que construindo “a ponte” para a segunda questão: “Passo a
passo, escalamos esta escada misteriosa; os degraus são ações, a nova perspectiva é
poder” (SWRWE, Circles, 281; nossos grifos). Veja que a idéia de David Jacobson de que
o “poder” aparece numa suposta terceira fase da obra de RWE (1860), não se confirma.
O que temos é, bem emersoniano, uma volta à fase humanista; diz Emerson: “Um
homem cultivado, sábio em saber e corajoso para realizar, é o fim para o qual a natureza
trabalha, e a educação da vontade é o florescimento e resultado de toda esta geologia e
astronomia” [Emerson. Power (“Poder”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da
Vida”); RWE.org.]. Aqui estamos em 1841 e, desde o The American Scholar (“O
Intelectual Norte-Americano”) Emerson aponta para o Poder do Conhecimento. Afinal, era
leitor de Sir Francis Bacon (1561-1626). Sobre esta relação, Richardson Jr. diz que o
interesse de Emerson por ele devia-se não ao fato deste ter sido “o pai da ciência
experimental, mas como ensaísta e estilista” (p. 12). Quando Emerson escalou o Mount
Holyoke em 1823, levou consigo os Ensaios do Lorde de Verulam (Richardson Jr., 45).
Em 1824, enquanto lia os Provérbios de Salomão Montaigne e Bacon - “Emerson
imaginou-se autor” e disse: “Eu gostaria de acrescentar outro volume a este trabalho
243
“É notoriamente verdade que naquilo que você não coloca todo o seu coração e alma, nisso você não te
muito sucesso”. Peirce. Philosophy and the Conduct of Life (1898; “A Filosofia e a Conduta da Vida’), EP 2, 34.
E Schelling para fazer uma ponte do entusiasmo com a loucura “Poderíamos dizer que o tipo de pessoa
em que não há nenhuma loucura.
244
A Vontade moralmente perfeita não tem acima dela nenhum dever-ser, portanto, não tem liberdade. Está
firmada em Deus. Ora, o Eu, com toda a liberdade que possui, não pode produzir Deus para repousar nele; pelo
contrário, pode aniquilar-se a si próprio e à sua liberdade e ‘logo afunda em Deus’”. Fichte em Nikolai
Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão. Capítulo 9. Filosofia da Religião, p. 122.
109
valioso” (Ibid, 56; em JMN 2:265; ver também Richardson Jr., 319). Richardson Jr. acha
que “seu longo ensaio English Traits (“Características Inglesas”), “traz a marca dos
ensaios de Bacon” (p. 519).
O índice? “A onipresença é um fato mais elevado(SWRWE, Circles, 286; nosso grifo).
Se compreendermos que para conhecer uma dada realidade é preciso que estejamos em
uma esfera superior a ela (porque mais livre dela) por exemplo, o vegetal está acima do
mineral, o animal além do vegetal e o homem além dos três (algo que Aristóteles mostrou
com grande propriedade 23 séculos) -, então, devemos compreender que alguém de
quem Schelling – o mentor de Emerson e Peirce – foi beber em Mestre Eckhart (c. 1260 –
c. 1328), por exemplo, que lhe é-mestre e superior. Diz o místico renano a respeito desta
onipresença de que fala Emerson:
“Quando eu efluí de Deus, todas as coisas disseram: Deus é. Isso, porém, não me
pode fazer bem-aventurado, pois nisso eu me reconheço como criatura. Mas na
irrupção, onde estou vazio de minha vontade própria, da vontade de Deus, de todas
as suas obras e até mesmo de Deus, ali sou acima de todas as criaturas e não sou
nem ‘Deus’ nem criatura, sou antes o que eu era e o que permanecerei agora e para
sempre. Recebo então um embalo que me deve elevar acima de todos os anjos.
Nesse embalo recebo tão grande riqueza que Deus não pode ser suficiente com tudo
o que é como ‘Deus’ e com todas as suas obras divinas. É que nessa irrupção Deus
me é partilhado de modo que eu e Deus somos um. Ali eu sou o que eu era, sem
tirar nem pôr, pois sou uma causa imóvel que move todas as coisas [cita Boécio e
sua Consolação da Filosofia, III m. IX, CSEL LXVII 63, 19]. Deus não encontra
aqui [aqui] mais lugar algum no homem, pois com essa pobreza o homem enlaça o
que ele foi eternamente e o que de permanecer para sempre. Aqui Deus é um
com o Espírito, e isso é a a extrema pobreza que se pode encontrar” [Mestre
Eckhart. Sermões Alemães. Volume 1. Sermão 52. pp. 291-292]. Seria privar o
leitor de uma verdadeira apoteose não adicionar, aqui, o arremate deste belo
sermão: “Quem não compreende a fala, não se aflija com isso o seu coração. Pois
enquanto o homem não se iguala a essa verdade [i.e., não se torna simples como o
nada], não compreenderá essa fala. Essa é, sim, uma verdade sem véu, vinda
diretamente do coração de Deus. Que nós possamos viver assim, a ponto de
fazermos eternamente essa experiência, a isso nos ajude Deus. Amém” (Ibid, 292).
Essa é a razão pela qual, diz Emerson, que “[A] última câmara [da Pirâmide?], a
última sala, ele [o homem] deve sentir que nunca foi aberta; sempre um residuum
desconhecido, inanalisável” (SWRWE, Circles, 282; nossos grifos). Sobre o residuum,
recomendamos duas obras: (1) Schelling. Investigações Filosóficas sobre a Essência da
Liberdade Humana, especialmente a página 64: “Mas permanece sempre no fundo aquilo
que não tem regra (o originário)”; e, (2) Márcia Cavalcante Schuback. O Começo de
Deus. Petrópolis: Vozes, 1998, especialmente o Capítulo 4: “O Abismo do Começo; ou, o
110
Fundamento da Liberdade” (pp. 165-221), e mais particularmente a página 191, em que
para descrever o Ungrund (schellinguiano, de herança eckharteana), cita um poema Da
obra “Querubim Peregrino” de Angelus Silesius (1624-77): “Sem fundo (um abismo) é
deus, / mas para quem deus deve se mostrar / este precisa até o alto da montanha escalar”.
E Schuback “entrega a chave” que poderá decifrar o enigma d’A Esfinge (que é o da
existência): “O sem-fundo é o amor” (Ibid, ibidem; nossos grifos) e, “O sem-fundo da
divindade no mistério do amor é mistério do começo” (Ibid, 192; nossos grifos).
Ou não? Vejamos o que diz Álvaro de Campos, o heterônimo pessoano:
“Ah, perante esta única realidade, que é o mistério, / Perante esta única realidade
terrível a de haver uma realidade, / Perante este horrível ser que é haver ser, /
Perante este abismo de existir um abismo, / Este abismo de a existência de tudo ser
um abismo, / Ser um abismo por simplesmente ser, / Por poder ser, / Por haver ser!
/ - Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem, / Tudo o que os homens
dizem, / Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles, /
Se empequena! / Não, não se empequena... se transforma em outra coisa - / Numa
coisa tremenda e negra e impossível, / Uma coisa que está para além dos deuses, de
Deus, do Destino - / Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino, / Aquilo que
faz que haja ser para que possa haver seres, / Aquilo que subsiste através de todas
as formas, / De todas as vidas, abstratas ou concretas, / Eternas ou contingentes, /
Verdadeiras ou falsas! / Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora, /
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo, / Por
que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa!”.
245
Então, qual é a segunda questão? É – como já adiantamos – a necessidade de mudar
radicalmente a trajetória do objeto de investigação filosófica (no Ocidente). Isto se deu, na
geração de Emerson, com a questão da “coisa-em-si” que “sobrou” na Crítica da Razão
Pura (1781) de Kant (1724-1804). De acordo ocm Nikolai Hartmann [A Filosofia do
Idealismo Alemão (1960)], depois do esclarecimento, por parte de Karl Leonard
Reinhold (17-18) de que havia esse “travo
246
como lhe chamou Fichte (1762-1814),
este, tomou para si a missão de “radicalizar” a CRP
245
Fernando Pessoa. Obra Poética, pp. 336-337 (nossos grifos).
246
A idéia da “coisa-em-si” kantiana como “travo” [em Fichte (1762-1814)] aparece na obra de Márcio Suzuki.
O Gênio Romântico Crítica e História da Filosofia em Friedrich Schlegel. São Paulo: Iluminuras, 1998 (p.
107-108): “pois somente na imediaticidade da consciência empírica se pode experimentar aquele tão controverso
‘travo até agora ainda inteiramente inexplicável e inconcebível sobre a atividade originária do eu, sem o qual não
haveria ‘nenhuma vida efetiva” (...) “o travo não pode ser conhecido, mas apenas sentido”.
111
kantiana. A corajosa “operação” que efetuou – de que toda a pós-modernidade é herdeira
é conhecida como “a inversão do cogito” (cartesiano).
247
O primado, doravante, será da
“Wille” (Vontade). Schelling (1775-1854) dirá: na última e na mais elevada instância,
não outro ser senão a Vontade” (Schelling. Investigações Filosóficas sobre a
Essência da Liberdade Humana. p. 53; nosso grifo).
248
Schopenhauer (1788-1860) dirá “Essa COISA-EM-SI (queremos conservar a
expressão kantiana como fórmula definitiva), que enquanto tal jamais é objeto, porque todo
objeto é apenas seu fenômeno e não ela mesma” (...) é a VONTADE que, como uma
palavra gica, deve desvelar-nos a essência mais íntima de cada coisa na natureza”
(Schopenhauer. O Mundo como Vontade e como Representação. pp. 169 & 170). Já
Nietzsche (1844-1900) – a partir de Emerson e Schopenhauer - fará da “Vontade de
Poder” o eixo de sua filosofia. “Existe em mim algo que não pode ser ferido nem
enterrado, algo que rompe rochedos: é a minha vontade (Zaratustra, 4, 145) e “[O]nde
encontrei coisas vivas, ali encontrei a Vontade de poder” (Ibid, 4, 147) em Rüdiger
Safranski. Nietzsche Biografia de uma tragédia. São Paulo: Geração Editorial, 2001 (p.
257).
Entretanto, a pergunta que não quer calar é: será que Fichte é realmente o pioneiro
nesta “inversão”? Veremos. Se recuarmos à Idade Média, vamos encontrar essa inversão
em Duns Scotus (1266-1308)
249
um dos mestres de Peirce (em gica) -, mas, se formos
capazes de compreender com Freud (1856-1939), esse “velado” herdeiro de
Schopenhauer (1788-1860) que “a Vontade é o desejo (pulsão) tornado consciente”,
250
247
Ver Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão (p. 52) & Lúcia Santaella. O Método Anticartesiano
de C. S. Peirce. São Paulo. UNESP, 2004.
248
Ver também o desenvolvimento desta idéia em Theresa Calvet de Magalhães. Da Identidade Absoluta ao
Deus Vivo e Pessoal – Meras Observações para Ler o Freiheistsschrift (1809) de Schelling.
249
Duns Scotus: “Deus é antes de tudo uma vontade infinita e onipotente” (J. Ferrater Mora, 779). Por isso, “o
ente pessoal a individualidade, definida como repugnância à divisão é um universal concreto”, i.e., “no
conceito bem determinado de ‘pessoa’, o particular (haecceitas) e o universal coincidem” [Reali & Antiseri.
História da Filosofia. Volume 2. São Paulo: Paulus, 2003 (p. 284)].
250
“O desejo pertence à ordem do sensível, ou concupiscível, enquanto a vontade pertence à ordem do intelecto
(J. Ferrater Mora, Vontade, p. 3044). Diz Freud: “Afinal de contas, duvido que venha a ser possível um dia, com
base na elaboração do material psicológico, obter indícios decisivos para separar e classificar as pulsões. O que
parece necessário para elaborar esse material é antes aplicar-lhe certas hipóteses concernentes à vida pulsional, e
seria desejável que pudéssemos tomar essas hipóteses de outro domínio para então transferi-las para a psicologia.
Sob este aspecto, o que a biologia nos oferece certamente não contradiz a separação entre as pulsões do eu e as
pulsões sexuais”. [Pierre Kaufmann. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise O Legado de Freud e Lacan.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996 (p. 438)]. Chamar a pulsão de “id” (de Identidade”) é altaMente reVelador.
Ver o capítulo IX A Processão Eterna da Conexão” na obra “A Douta Ignorância” de Nicolau de Cusa (com
Tradução, Prefácio, Introdução e Notas do Prof. Dr. Reinhold Aloysio Ullmann), que esclarece a unidade radical
de “id”, “idem” e “iditas”, pp. 58-59.
112
então, podemos recuar ainda mais no tempo, até chegarmos ao Banquete de Platão (428-
348 AEC) – em que dialoga com a mitologia grega e o primeiro de seus deuses, Eros
251
– e
associá-los “Eu Activo” (Fichte)
252
e à “Vontade” (Schelling) e “Amor” (Platão) ao
“Primeiro Motor” de Aristóteles (384-322 AEC) – e ao “Poder”
253
de Emerson e
Nietzsche (1844-1900) e... ao “Ágape” de Peirce... e, estaremos no limiar de uma parcial
resolução do mistério da existência.
E é aqui que devemos ser honestos e nos perguntar: será que há, de fato, alguma
distinção entre Ocidente e Oriente? Decerto que no fundo - não, pois, se na esfera da
“representação” [horizontal; que vai do Homem (indivíduo, no sentido scotusiano) à
Sociedade] temos as “diferenças culturais”, no eixo vertical” [que “une”, no Instante”
(Kierkegaard) o Individuum ao “Oversoul”, como Emerson denomina Deus], essa “Força”
- “trieb”; se é é “spielenou “tragisken” vai depender, ao fim e ao cabo, de nosso “estado
de espírito”, dirá Emerson - é Universal. É importante que tenhamos coragem de realizar o
“mergulho” efetuado por Emerson como fizeram Schelling e Schopenhauer, aliás na
cultura Médio-oriental e Oriental.
Para a primeira concepção, a do “jogo” (“spiel”), recomendamos “As Cartas
Estéticas sobre a Educação do Homem” de Schiller (1759-1805); para compreender a
segundo, a do “trágico”, recomendamos o excepcional livro de Roberto Machado, “O
Nascimento do Trágico – de Schiller a Nietzsche”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
Quanto ao grande Friedrich Johann Christoph Schiller (1759–1805) devemos dizer
com J. Ferrater Mora, “que se distinguiu não apenas como poeta, mas também como
pensador” (J. Ferrater Mora, 2610) -, nasceu em Marbach (Würtenberg). Para Mora, ele foi
“influenciado por Anthony Ashley Cooper, Conde de Shaftesbury (1671–1713), por
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646–1716) e, sobretudo, por Immanuel Kant (1724–1804);
251
“Seu papel” [o de Eros] de acordo com a Teogonia de Hesíodo “era de corrdenar os elementos que
constituem o universo. É ele que ‘traz harmonia ao caos e permite que a vida se desenvolva” [New Larousse
Encyclopaedia of Mythology. Greek Mythology. New York: Crescent Books, 1989 (p. 132)]. A lenda de “Eros e
Psiquê” é também aqui narrada. A versão da mesma no lebre poema de Fernando Pessoa (1888-1935) ver
Fernando Pessoa. Obra Poética. Volume Único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986 (p. 115) - é altamente
esclarecedora para a resolução do enigma d’A Esfinge.
252
“Eu ativo, livre, absoluto, que não é mais fato, mas ação produtora” em Hartmann, p. 53. É a Primeiridade
peirceana!
253
No ensaio Fate (“Fado”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”; RWE.org.), Emerson dirá:
“Não pode haver nenhuma força propulsora exceto através da conversão do homem em sua vontade, tornando-o
vontade, e a vontade, ele”. Também em Jacobson, p. 189. A propósito, Emerson, nesse ensaio, define “fado”
como “uma nome para os fatos ainda não passados pelo fogo do pensamento; para causas que são não-
penetradas” (Ibid). É o “fato bruto” (Segundo) de Peirce ainda não mediado (Terceiro).
113
ele sustentou em suas reflexões morais e estéticas a doutrina que, sem negar a validade
universal e absoluta do imperativo moral, procura integrar a ele o conteúdo sensível dado
nas tendências naturais” (Ibid, ibidem). Pois que, prossegue Mora, “situado o homem
entre a necessidade da Natureza e a liberdade da vontade, sua missão é, segundo
Schiller, submeter a Natureza sem sacrificá-la, fazer da moralidade no homem uma
segunda natureza arraigada em sua sensibilidade” (Ibid, 2611; nossos grifos). Isto
porque, segundo Mora, “Schiller vê no estado estético o estado mais valioso, mas o estético
[para ele] não consiste simplesmente numa possibilidade intermediária entre a necessidade
e a liberdade, numa atenuação do rigorismo da lei moral pela liberdade inerente às formas
da beleza; o estético é a condição da moralidade, a forma adotada pela conciliação do
sensível e do moral” (Ibid, ibidem) [porque] “dissolver o moral no sensível significaria
destruir o fundamento da moralidade; querer submeter incondicionalmente o sensível ao
moral equivaleria a negar a realidade concreta da tendência sensível; acentuar a oposição
entre ambos representaria deixar sem solução o problema. Assim, pois,” ainda segundo
Mora, “é necessário considerar o estado estético como um fundamento comum, como a
possibilidade de conciliação que não exclui os contrários e que faz do homem um ser
perfeito que converte o sensível e o limitado em infinito e eterno.” (Ibid, ibidem; nosso
grifo). Como são raros os espíritos capazes de tal síntese...
Mas, prossegue Mora, “[P]or isso, o ideal do homem é o ‘jogo’ o Spieltrieb que
tanto irá influenciar o CSP inicial e tardio -, em que o sensível é conformado pela
legalidade dominante da consciência; na atividade estética chega à culminação a harmonia
do homem e da humanidade” (Ibid, ibidem). Entretanto, recomendamos que se leia a obra
do próprio autor, entre as quais está a iluminadora “Cartas (ao Duque de Holstein
Augustemburgo) sobre a educação estética do homem” (1795) em que diz, entre
outras pérolas, que “o homem pode formar-se enquanto fragmento” (Carta VI, 37;
nosso grifo), pois é nele é que (1º) “o homem traz irresistivelmente a disposição para a
divindade” (Carta XI, 61) ou seja, (2º) é nele que reside o “impulso puro” [o “impulso
lúdico” (Carta XIV, 74); nosso grifo], que deve ser “dirigido para o absoluto” (Carta IX,
51); nosso grifo], pois, para quem “não existe tempo, o futuro torna-se presente” uma
vez que “para uma razão sem limites a direção é a perfeição, e o caminho está
percorrido, tão logo comece a ser trilhado” (Ibid, ibidem; nossos grifos). Mas isto exige
“o silêncio pudico de tua mente” (Carta IX, 51; nosso grifo) para
114
“que se cultive a multifacetada receptividade”, pois assim, “quanto mais
móvel é, quanto mais superfície oferece aos fenômenos, tanto mais mundo o
homem capta, tanto mais disposições ele desenvolve em si; quanto mais força e
profundeza ganha sua personalidade, quanto mais liberdade ganha sua razão,
tanto mais mundo o homem concebe, tanto mais forma cria fora de si” (Carta
XIII, 68; nosso grifo).
Importante, portanto, talvez seja perceber que esse “impulso” é ao mesmo tempo a
“energia” que está por trás da evolução do universo que Platão chama de “Eros” e CSP
de “Ágape” [o “dinamismo” do chamado “objeto dinâmico”] e que é, por outro lado, o
“fogo” (“Agni”) cultuado tanto pelos indo-arianos (em 1.500 AEC) quanto por Heráclito
de Éfeso e, que este fogo como bem viram aqueles que, em c. 800 AEC, na Índia, foram
para a “floresta,” i.e., se introverteram (quer seja, deixaram de ser “literais” ou “ingênuos”
para “despertar para o “metafórico” i.e., para o “simbólico”) dizia, que este “fogo” [no
“interior” do “fragmento,” que é o homem (“adormecido,” para falar budisticamente)], é o
tal do “impulso vital” (Freud denominá-lo-á de “id”, raiz de “identidade,” i.e., nós
mesmos), que poderá tornar-se “vontade” (impulso tornado consciente), pois “não existe
no homem nenhum outro poder além de sua vontade” (Schiller, Carta XIX, 98; nossos
grifos). Isto está (I) na “impotência da razão” em Kant; (II) na “inversão do cogito” em
Fichte; (III) nas “Investigações” de Schelling [“em última e na mais elevada instância, não
outro ser senão a vontade,” 350, p. 53], que a professora Theresa Calvet de Magalhães
aponta na sua primorosa leitura do “Freiheitssscrift” (ver PUENTE & VIEIRA, “As
Filosofias de Schelling,” p. 179); e, (IV) de modo absolutamente claro, no “Mundo como
Vontade e como Representação” de Schopenhauer [em que mostra como a “coisa-em-si”
kantiana é a “vontade,” que distingue da “representação” especialmente no Livro II, e no
§21: “a essência em si do próprio fenômeno (...) é a VONTADE”].
Mas todos os “místicos” de primeira grandeza e os grandes “poetas” [Fernando
Pessoa (1888–1935) diz que “o grande poeta é aquele que liberta”] - de todas as eras e
quadrantes – no Ocidente, pensemos em Dionísio, o Areopagitasabiam que a “razão”
é capaz de lidar com “fenômenos” (a dualidade, daí símbolo dela ser”: para designar,
por exemplo, km:h) e que se chega ao “Uno através de uma “via negativa” (nossos
grifos).
Comecemos pelo Neoplatonismo. Emerson chegou a Plotino através de sua tia
Mary [Moody Emerson]. Lawrence Buell diz que “embora Emerson gostasse de repetir, com
115
seu entusiasmo típico, a história da vergonha que o filósofo Plotino tinha de seu próprio
corpo, ele mesmo não era nenhum Plotino” (Buell, Emerson, 96). Diz que Emerson teve
filhos etc. Mas o que Emerson tem em comum com Plotino é a convicção de que “o que
todo ser diverso tem como princípio e fundamento, como modelo ao qual aspira, uma
unidade superior, de modo análogo a como o corpo tem sua unidade superior na alma”
que “é, antes de tudo, um princípio de perfeição e de realidade superior, senão a
perfeição e a realidade mesma, pois o Uno não deve ser concebido exclusivamente como
expressão numérica, mas como uma essência supremamente existente, como o divino
princípio do ser” (J. Ferrater Mora, 2297; nosso grifo) que, “por emanação” através das
“hipóstases” – o Uno gera o Inteligível (Nous) e este a Alma do Mundo - ao qual ao podemos
retornar “através da purificação” (Ibid, 2298). Na orelha da obra “Silêncio e Contemplação”
[dissertação de mestrado sobre Plotino (PUC SP)] de Gabriela Bal (Paulus, 2007), Franklin
Leopoldo e Silva diz: “Gabriela Bal soube ver o que há de notável nessa precariedade [“a
dificuldade originária que o próprio filósofo experimenta nas tensões de uma linguagem
que é menos do que o silêncio ou na contradição de um relato sempre aquém da
contemplação”]: ela nos incita e nos conduz não à intelecção da verdade, mas às
proximidades da coincidência com a revelação do silêncio” (nosso grifo). Emerson é uma
alma-gêmea de Plotino a partir da primeira linha de seu primeiro livro, Nature (1836),
quando diz: “Para se adentrar a solidão, uma pessoa precisa tanto se retirar de seu
cômodo quanto da sociedade. Eu não estou enquanto leio e escrevo embora ninguém
esteja comigo. Mas se uma pessoa quiser ficar só, que ela olhe para as estrelas” [onde
pode encontrar-se n’] “a presença perpétua do sublime” (The Selected Writings of Ralph
Waldo Emerson, Nature, 5; nosso grifo), pois “a pessoa mais feliz é aquela que aprende da
natureza a lição da adoração” (Ibid, 34; nosso grifo) embora “sobre aquela inefável
essência que nós chamamos Espírito, aquele que mais medita sobre ela, menos dirá”
(Ibid, ibidem; nosso grifo).
Depois, Emerson voltou ao Neoplatonismo, quando sua jovem esposa, Ellen
Tucker, morreu (1831), ele encontrou consolo no autor dos Tratados das Enéadas
(Richardson Jr., 110). Voltou a ele em 1841 lembremo-nos de que este é o ano da
publicação do poema A Esfinge, da palestra The Method of Nature (“O Método da
Natureza”)] e dos Essays First Series (“Primeira Série de ensaios”) que o ajudou, junto
116
com a leitura de A Vida de Pitágoras (de Jâmblico) e de Giordano Bruno (1548-1600)
254
“um segundo Pitágoras” para ele - a partir do idealismo alemão (Kant, Fichte e Schelling)
para “um panteísmo mais dinâmico” (Richardson Jr., 346; nosso grifo).
Sobre Pitágoras (580-490AEC), Richardson Jr. diz-nos que “em março de 1841,”
(p. 346), “Emerson estava lendo A Vida de Pitágoras de Jâmblico”. Foi graças à leitura de
Pitágoras, dos Neoplatônicos e [do] Zoroastrianismo que ele, segundo Richardson Jr., (p.
346), na palestra The Method of Nature, deixa para trás o idealismo essencialmente
germânico [Kant, (Fichte) e Schelling, filtrados por Carlyle e Coleridge] e adota um
panteísmo dinâmico”. Devemos nos perguntar: o que Emerson terá “visto” através das lentes
pitagóricas? Decerto a idéia de que “o universo inteiro é uma ordem”, “uma regularidade
matemática” -, “é um kósmos, derivado dos números e que, enquanto tal, é
perfeitamente cognoscível também em suas partes” (Reali & Antiseri, Volume 1, Filosofia
Pagã Antiga, 25; nossos grifos). E, porque não dizer, sua noção de que “o ‘um’ não é par
nem ímpar: é um parímpar” (Ibid, 28; nossos grifos), que equivale ao ‘ponto’” (Ibid,
ibidem;nossos grifos), mas cujos desdobramentos para verdadeiramente decifrar o Enigma
da Esfinge - não podem ser exposto nesta dissertação de mestrado. Basta que se diga que essa
idéia de “uma ordem perfeitamente penetrável pela razão” representou, como dizem Reale e
Antiseri, “um passo decisivo na história do pensamento humano” (Ibid, 29; nosso grifo) e,
naturalmente, na de Emerson, que diz, no seu primeiro livro: “O intelecto busca a ordem
absoluta das coisas conforme elas estão na mente de Deus” [The Selected Writings of
Ralph Waldo Emerson (doravante, SWRWE), Nature, 13].
255
Quanto a Proclo (410-481) -, que J. Ferrater Mora diz ter “abarcado em sua
especulação todas as influências aristotélicas, platônicas e neoplatônicas, especialmente tal
254
Sabemos que o próprio Schelling (1775-1854) foi buscar em Plotino ou, melhor dizendo, foi buscar o que
Plotino fora anteriormente buscar! -, nas Upanishads [via Max Müller (1823-1900)] e em Jakob Boehme (1575-
1824) uma nova filosofia, uma “filosofia orgânica.” Por isso Nicolai Hartmann, em A Filosofia do Idealismo
Alemão diz: “Na mais íntima conexão com esta nova corrente espiritual encontra-se a influência que dominou
também uma série de pensadores anteriores: Plotino, Bruno, Spinoza, Jakob Böhme. Na estrutura do pensamento
crítico e sistemático [kantiano] age o elemento romântico [irmãos Schlegel, Novalis, Hölderlin], panteísta e
místico” (Hartmann, Nicolai, 12) e “O que levará a multiplicidade a sair desta unidade? Que coisa pode fazer
entrar o eterno na temporalidade e no fluxo do processo? Para solucionar este problema, Schelling segue o
caminho de Platão” (Ibid, 158). Ver também Luís Malta Louceiro, “As Variedades da Experiência Religiosa
Revisitada” em COGNITIO (eletrônica) 8.2.
255
mencionamos anteriormente o livro “A Grande Cadeia do Ser” de Arthur Lovejoy. Gostaríamos de apontar
um segundo livro que trata do mesmo tema, mas por um autor contemporâneo; trata-se de Ken Wilber. The
Essential Ken Wilber. Boston & London: Shambhala, 1998, cuja obra vem sendo divulgada no Brasil pelo nosso
amigo, o engenheiro Ari Raynsford (Doutor pelo MIT).
117
como unificadas por Plotino e Jâmblico, caracterizando sua doutrina uma precisão lógica e
uma sutileza que o fez ser considerado como o maior escolástico do neoplatonismo” (JFM,
2381-2383) -, Richardson Jr. diz que Emerson chegou a ele através de Victor Cousin (1792-
1867; em Richardson Jr., 114)
256
e, mais tarde, “leu os seis tomos de Taylor sobre Procloem
1841 (Richardson Jr., 346 & 352) e, novamente, em 1842 enquanto escrevia “O poeta”
(Richardson Jr., 376) – e, em 1855 (Richardson Jr., 526).
O ensaio “O poeta” – sobre o qual já falamos, acima - está eivado de idéias
neoplatônicas, como a da “hierarquia do ser” que vai “desde a unidade suprema, que se
acha por sobre todo ser, e é propriamente sobre-ser” do ensaio emersoniano, “The
Oversoul” (“A Sobre-alma”) já abordado por ele na “Primeira Série de Ensaios” de 1841, que
sustentação à “Confiança em si mesmo” (Self-Reliance;” também dessa primeira série de
ensaios de 1841 “até a realidade ínfima” (JFM, Proclo, 2382). No ensaio The Oversoul
(1841; “A Sobre-Alma”), Emerson diz:
“Nós vivemos na sucessão, na divisão, nas partes, nas partículas. Enquanto isso,
dentro do homem está a alma do todo; o silêncio sábio; a beleza universal, à qual cada
parte e partícula está igualmente relacionada.; o UM eterno. E este poder profundo em
que existimos e cuja beatitude está toda acessível a nós, não é apenas auto-suficiente e
perfeita a cada instante, mas o ato de ver e a coisa vista, o vidente e o espetáculo, o
sujeito e o objeto, são um. Nós vemos o mundo pedaço por pedaço, como o sol, a lua,
o animal, a árvore; mas o todo, do qual estas são as partes brilhantes, é a alma”
(SWRWE, 262)], que “não é um órgão, mas anima e exercita todos os órgãos” que
“não é uma faculdade, mas uma luz; não é o intelecto ou a vontade, mas o mestre da
intelecto e da vontade; é o bastidor de nosso ser, no qual aquelas repousam uma
imensidão não possuída e que não pode ser possuída. Por dentro e por trás, uma luz
brilha através de nós sobre as coisas e torna-nos conscientes de que não somos
nada, mas a luz é tudo” (SWRWE, 263; nossos grifos).
E o que diz Eckhart?
“Puro nada são todas as criaturas. Não estou a dizer delas que sejam de pouco valor ou
simplesmente um algo qualquer: Elas são puro nada. O que não tem ser é nada. As
criaturas todas não têm ser, pois o seu ser depende da presença de Deus. Se Deus,
apenas por um instante, desviasse sua face das criaturas, elas seriam aniquiladas”
(Sermões, 59) e “Logo que o homem se converte das coisas temporais e se volta a si
mesmo, percebe então lá uma luz celestial, vinda do céu” (Sermões, 185).
256
“Um caos de reações totalmente sem qualquer abordagem à lei é absolutamente nada; e, portanto, puro nada
era esse caos. Então, pura indeterminação tendo desenvolvido possibilidades determinadas, a criação consistiu
em mediar entre as reações sem lei e as possibilidades reais pelo influxo de um símbolo. Este símbolo era o
propósito da criação (nosso grifo). Seu objeto era a enteléquia do ser que é a representação final. Agora
podemos compreender o que juízo e asserção são. O homem é um símbolo.(nosso grifo; em The Essential
Peirce II, New Elements, 324).
118
Não é esta a chave do enigma?
Volvamos a Emerson. Diz ele: “Nós estamos ante o segredo do mundo, lá onde o
Ser torna-se Aparência e a Unidade Variedade. O universo é a externalização da alma”
(nosso grifo). “Onde a vida está, explode em aparências ao redor dela. Nossa ciência é
sensual, e portanto superficial” (nosso grifo). A terra e os corpos celestes, a física e a
química, nós sensualmente tratamos, como se fossem auto-existentes; mas estas são a
comitiva daquele Ser que temos. ‘O poderoso céu’, diz Proclo, ‘exibe, em suas
transfigurações, imagens claras do esplendor de percepções intelectuais; sendo movidas em
conjunção com os não-aparentes períodos das naturezas intelectuais’” (SWRWE, The Poet,
325). “Portanto a ciência sempre vai lado a lado com a justa elevação do homem, mantendo o
passo com a religião e a metafísica; ou, o estado da ciência é um índice de nosso auto-
conhecimento” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
No ensaio tardio, Beauty (“Beleza”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct
of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “Nossos livros abordam mui lentamente
as coisas que almejamos conhecer. Que desfile fazemos de nossa ciência e quão longe e à
distância -, ela está de seus objetos”. (...) “Nós deveríamos ir até o ornitologista com um novo
sentimento, [saber] se ele pode nos ensinar o que os pássaros sociais dizem, quando sentam no
conselho outonal, falando todos juntos nas árvores. A falta de simpatia torna seu registro um
dicionário chato. Seus resultados são um pássaro morto. O pássaro o está nas gramas
ou centímetros, mas em sua relação com a Natureza”. (...) “O garoto tinha uma visão mais
justa quando olhava as conchas na praia ou as flores nas campinas, incapaz de chamá-las
pelos seus nomes, do que o homem em seu orgulho de sua nomenclatura”. (...) Falta à
ciência todo um lado humano. O inquilino é mais do que a casa” (...), mas “é curioso que
nós só acreditamos na profundidade mesma em que vivemos” (RWE.org; nossos grifos).
Para o Emerson do ensaio The Poet (“O Poeta”) assim como será para Peirce
257
“[N]ós somos símbolos e habitamos símbolos
258
e cabe ao poeta “por um insight mais
profundo” (SWRWE, The Poet, 328; nosso grifo) “articulá-lo” e “nomeá-lo” (Ibid, 332;
257
Aqui Buell cita Sharon Cameron, The Way of Life by Abandonment: Emerson’s Impersonal (“O Modo de
Vida através do Abandono: o Impessoal em Emerson”), Critical Inquiry 25 (Outono 1998): 31.
258
É somente porque “somos símbolos” é que podemos intuir (imediata e diagramaticamente) o que as coisas
são. A definição peirceana de que o seu pragmatismo nada mais é do que o “Common Sense” crítico é
extraordnariamente preciso. Uma mente que não esteja ancorada no Real, corre o risco de se por a delirar e, o
que é pior, de enlouquecer, que é levar seus delírios a sério.
119
nosso grifo), tornando-se assim, “deuses libertadores” (Ibid, 334 e 335; nosso grifo). Mas,
naturalmente são-no porque atingiram aquele “fim mais elevado” (Ibid, 330; nosso grifo)
que “a natureza tem, na produção de novos indivíduos” (Ibid, ibidem; nosso grifo), “quer
seja, ascensão, ou a passagem da alma a formas mais elevadas” (Ibid, 331; nossos grifos).
Quer seja, da esfera neoplatônica do Nous para a do Uno, do silencioso Nada, a partir do qual
se pode usar o Nous (Inteligência) para (re)nomear todas as coisas da Natureza (Phenomena).
Eis outra chave do enigma...
E quanto a Santo Agostinho (354-430)? A única referência que Richardson Jr.
do Bispo de Hípona é na gina 316, em que diz que Emerson leu suas “Confissões” em
1839. Entretanto, não podemos nos esquecer que Emerson se formou seminarista em Harvard,
e que o Bispo de Hípona “reinou” (soberano) sobre o pensamento da Idade Média do século
V ao século XIII – quando o Tomismo (o Aristotelismo de hábito e capuz!) começou a ganhar
terreno. O que Emerson pode ter “lido” e encontrado - nessas “Confissões” um ano depois
de ter proferido o trovejante Harvard Divinity School Address (1838; “Palestra aos
Seminaristas Formandos de Harvard”)? Nada além da confirmação do interesse comum - “a
alma e Deus” (J. Ferrater Mora, Santo Agostinho, 61) e a possibilidade da “experiência
mística” de que fala Agostinho, por exemplo, no seguinte trecho -,
“Em seguida aconselhado a voltar a mim mesmo, recolhi-me ao coração, conduzido
por Vós. Pude fazê-lo, porque Vós tornastes meu auxílio. Entrei, e, com aquela vista
da minha alma, vi, acima dos meus olhos interiores e acima do meu espírito, a Luz
imutável. Esta não era o brilho vulgar que é visível a todo homem, nem era do mesmo
gênero, embora fosse maior. Era como se brilhasse muito mais clara e abrangesse tudo
com a sua grandeza. Não era nada disto, mas outra coisa, outra coisa muito
diferente de todas estas(nossos grifos). (Confissões VII, 10, O descortinar do
mistério divino, p. 177).
–, pois, então, Emerson já tinha ido além de uma apologia (sectária) do Cristianismo.
É aqui que acho conveniente mostrar como ele se abriu algo raro! para outras
tradições. O próprio Russell B. Goodman fala da influência da filosofia indiana,
especialmente a hindu. Este professor da Universidade do Novo México em Albuquerque,
EUA, que esteve entre nós no 9º Encontro Internacional do Pragmatismo, escreveu um artigo
sobre a influência que o hinduísmo exerceu sobre Emerson: East-West Philosophy in
120
Nineteenth-Century America: Emerson and Hinduism,
259
mas o tema está longe de ter
sido esgotado por ele ou outros, embora Lawrence Buell esclareça, também, a extraordinária
influência que o Hinduísmo teve sobre Emerson, tanto que lhe dedica trinta ginas (pp. 169-
198) no quarto capítulo de seu livro “Emerson”, capítulo este intitulado Radicalismos
Religiosos”, em que, por sua vez, se encontram dois subcapítulos, “A Diferença Asiática”
(p. 169-180) e “As Duas Bênçãos de Emerson: O Pluralismo de William James versus o
“Alto Budismo” (p. 180-198).
Buell começa por justificar todo um capítulo dedicado à religião: “Gostem ou não,
não como se livrar da religião como uma força em assuntos humanos” (Buell, Emerson,
159). Até porque, para ele, “Emerson estava ‘metido até às orelhas’ na religião” (Ibid, 160),
só que, ainda segundo Buell, depois da Harvard Divinity School Address (1838; “Palestra aos
Seminaristas Formandos de Harvard”), Emerson abismou-se na “Divina Impessoalidade”
(Ibid, 159; nosso grifo). Suas afirmações conseguiram enfurecer o “establishment” e chocar
toda a comunidade protestante na época, uma vez que ele proclamou que embora Jesus fosse
um grande homem, ele não era Deus. Por isto, ele foi denunciado como ateu e um
envenenador das mentes jovens. Apesar da fúria de seus críticos, ele não respondeu, deixando
a outros sua defesa. Fato é que ele não voltou a ser convidado para falar em Harvard nos
quarenta anos seguintes. Não deixa de ser irônico, porém, que em 1880 sua posição se
tornara a doutrina padrão da Igreja Unitarista. Entre as coisas notáveis que Emerson disse
nesta palestra estão as seguintes: “O melhor é aquilo que me devolve a mim mesmo”
(SWRWE, Divinity School Address, 73; nosso grifo) ou “Que a redenção seja buscada na
alma, então, quando surge um homem, vem uma revolução. O velho é para os escravos
[veja como antecipa Nietzsche!]. “Quando um homem [de verdade, tipo Diógenes, o Cão]
vem, todos os livros são decifráveis, todas as coisas tornadas transparentes”, [vê-se que]
“todas as religiões são formas” (Ibid, 80; nossos grifos).
“Deixem-me adverti-los, antes de qualquer coisa, de que devem partir sós; que
devem recusar os bons modelos, mesmo aqueles que são sagrados na imaginação
dos homens, e ousar amar Deus sem intercessor ou véu” e “vivam com o
privilégio da mente imensurável” (Ibid, 81; nossos grifos).
Ouçamos Buell: “O que contava para ele [Emerson] era a experiência espiritual
individual, mas a ‘impessoalidade’ era o que a autenticava” (Ibid, 164; nossos grifos). Esta
259
Journal of the History of Ideas, Vol. 51, No. 4 (Oct. - Dec., 1990), pp. 625-645 doi: 10.2307/2709649, 21
páginas.
121
concepção, como bem lembra Buell, não lhe veio do nada; o moralismo Unitarianista o
precedeu. Como o próprio Emerson escreveu um dia: “O sentimento moral é a mais
impessoal de todas as coisas” (EL 2:346; in Buell, Emerson, 167; nosso grifo). De qualquer
maneira, ainda segundo Buell, “em nível do princípio, a impessoalidade era crucial para
Emerson como uma restrição ao antinominalismo” (Ibid, 169; nossos grifos) e foi porque
para ele “a despersonalização era tão indispensável para uma espiritualidade
verdadeiramente privativa” (Ibid, ibidem; nossos grifos), que, segundo Buell, “ele se sentiu
tão atraído pelas religiões orientais” (Ibid, ibidem; nossos grifos).
É aqui que Buell introduz “A Diferença Asiática” (Buell, Emerson, 169). Emerson,
ao deixar o cargo de pastor Unitarista, ele o fez, segundo Buell, “por achá-lo não mais do que
outro culto” (Ibid, ibidem; o seu último sermão, The Lord’s Supper (“A Ceia do Senhor”) foi
dada no dia 9/9/1832); por outro lado, ao se voltar para as religiões orientais, ele “legitimou-
as como repositórios de ‘verdades’ essenciais concernentes à natureza do homem” (Ibid,
ibidem) “e as leis para a vida humana” (Buell, Emerson, 170; in EL 2:92) que, segundo Buell,
lhe trouxe “uma imensa expansão de visão” e “foi a chave para todas as mitologias”
(Ibid, ibidem; nossos grifos). A principal razão para a renúncia foi, segundo Emerson
(SWRWE, 108):
“Cheguei à conclusão que Jesus não tivera a intenção de estabelecer um ritual a ser
adotado para sempre quando ele ceou com seus discípulos; e mais ainda, sou da
opinião que não é adequado celebrá-lo como fazemos. Agora explicitarei
minuciosamente as razões para estas minhas duas opiniões”.
Para ele, o perigo estava em que ao nos prendermos aos “rituais” (“ao buscar as
sombras”), “perdemos a substância” (Atkinson, 117). Seria um retrocesso, como no caso
dos judeus:
“A judaica era uma religião das formas; era toda corpo, não tinha vida; e o Deus
Altíssimo teve o prazer de habilitar e enviar um homem para ensinar aos homens que
eles devem servi-lo com o coração; que era religiosa a vida que fosse totalmente
boa; que o sacrifício era fumaça, e as formas eram sombras” (SWRWE, 118).
E segue dizendo: “Eu apelo, meus irmãos, à vossa experiência individual” (Atkinson, 115;
nosso grifo) “no momento em que vofaz o menor pedido a Deus (...) a alma fica sozinha
com Deus, e Jesus não está mais presente à sua mente do que seu irmão ou seu filho”
(SWRWE, 115). Para RWE restava, então, a renúncia, pois “[É] meu desejo, no ofício de
122
pastor cristão, não fazer coisa alguma que não possa fazer de todo o coração” (SWRWE,
118; nosso grifo).
Isto, claro, remete-nos a Meister Eckhart (c.1260 - c.1327), que teve uma tremenda
influência sobre Schelling (entre outros), para quem “é errado pensar em Deus como uma
Pessoa ‘lá fora’ ou mesmo em Deus como ‘Outro’ ‘lá fora’. Deus está em nós e nós em Deus.
Esta é a teologia da interioridade e do panenteísmo, que forma a base da fala e consciência do
Deus de Eckhart. Esta teologia enfatiza a transparência de Deus, que é onipresente”
(Matthew Fox, 44).
Entretanto, Buell recorda que se tratava de
“uma faca de dois gumes: infinitamente expansiva, ferozmente redutiva. Ela poderia
ser usada para desacreditar todas as formas de religião senão as experiências de pico
dos indivíduo inspirado. Instituições, civilizações, épocas poderiam ser varridas em
uma onda. Mas a teoria da mente universal poderia ser usada para garantir as
mitologias não-ocidentais o mesmo patamar que o judaico-cristianismo” (Buell,
Emerson, 171).
Foi assim que Emerson se tornou “o americano pré-guerra civil que mais
completamente compreendeu o significado filosófico do pensamento asiático” (Buell,
Emerson, 172; nosso grifo).
260
Assim, o Hinduísmo validou a leitura simbólica do mundo material que
Emerson sempre preferira, sem inicialmente ser capaz de justificá-la” (Ibid, 176; nosso
grifo) a ponto dele “ter inclusive admitido que a Índia tinha a última palavra na definição
de suas próprias crenças religiosas (Ibid, ibidem; nosso grifo): a Bhagavad Gita como
sendo “o primeiro dos livros” (JMN 10:360; nosso grifo) que defende “a eternidade (“aqui
260
Buell: “Quando William Sturgis Bigelow, um dos primeiros americanos a se converter ao Budismo Tendai
[um dos ramos do budismo japonês] procurou descrever sua essência, quando voltou aos EUA, o melhor que ele
conseguiu foi resumindo assim: ‘Tanto quanto pude compreender, a filosofia budista é um tipo de Panteísmo
Espiritual – quase que Emerson.” (Buell, Emerson, 190; in Thomas Tweed, The American Encounter with
Buddhism, 1844-1912: Victorian Culture and the Limits of Dissent (“O Encontro Americano com o Budismo,
1844-1912: a Cultura Vitoriana e os Limites do Dissenção”) (Bloomington: Indiana University Press, 1992), p.
73. E, dirigindo-se à Escola de Filosofia de Concord, em 1884, Protap Chunder Majumdar observou: “Emerson
‘parece a alguns de nós um erro geográfico. Ele deveria ter nascido na Índia.” (Buell, Emerson, 191; in Protap
Chunder Mozoomdar, “Emerson as Seen from India,” (“Emerson Visto da Índia”) in The Genius and Character
of Emerson (“O Gênio e Caráter de Emerson”), Ed. F. B. Sanborn (1885; Port Washington, N.Y.: Kennikat,
1971), p. 367. Buell alega que Mohandas Gandhi (Buell, Emerson, 192-193), Nehru (Ibid, 195) e D. T. Suzuki
(Ibid, 196) conheciam Emerson.
123
e agora”), não a imortalidade” (Ibid, 177; nossos grifos) e “a ironia como um
distanciamento cósmico” (Ibid, 179; nosso grifo).
Cavell é mais ousado [que Buell]. Diz ele a respeito da fundação da filosofia nos
EUA:
“Cada filósofo europeu desde Hegel sentiu que ele deveria herdar este edifício e/ou
destrui-lo; nenhum filósofo norte-americano jamais teve essa relação para com a
história da filosofia. Se a geração após Hegel anuncoiu a completude da filosofia, os
escritores norte-americanos devem estar livres para descobrir se o edifício da filosofia
Ocidental é tal como o europeu ou se tem uma inflexão norte-americana. (Aqui é que a
atração de Emerson e Thoreau pela filosofia Oriental é crucial, como um experimento
pode ser crucial, um cruzamento pelo qual se passa e para o qual não há volta. A busca
norte-americana pela filosofia continua, por não-direção (“indirection”), a grande
viagem sem-direção de Colombo, reencontrando o Ocidente ao insistir em ir rumo ao
Oriente”. Stanley Cavell. Finding as Founding (“Encontrar como Fundar”), em
Emerson’s Transcendental Études, p. 133-134. Não nos esqueçamos, também, que
quando os EUA olham para o seu Ocidente, vêem o Oriente (e vice-versa); o que é
diferente do olhar eurocêntrico.Já ficamos sabendo, também, de onde vem a “ironia”
de Friedrich Schlegel (1772-1827).
261
“Para considerar esta questão”, diz Russel B. Goodman em Contending with Stanley
Cavell (“Em Contenda com Stanley Cavell”; p. 107) -, e a questão é sobre saber se “a
concepção de arte de Dewey como a da culminação e expressão da natureza” e, “da
compreensão de James de si mesmo como estudioso da natureza” -, eu quero primeiro
distinguir dois sentidos de dois termos-chave emersonianos, como ‘experimento’ e ‘o
futuro’. A distinção corre paralela àquela feita por Wittgenstein no Tractatus, quando ele
escreve: ‘Se concebermos a eternidade como significando não a duração temporal
infinita, mas o não-tempo (‘timelessness’), então a vida eterna pertence àqueles que
vivem no presente (Ludwig Wittgenstein. Tratactus Logico-Philosophicus, 6.4311;
nossos grifos). “Cavell, seguindo Emerson”, prossegue Goodman, “usa o sentido de futuro
não como um evento posterior ou uma série de ventos, mas como uma relação alterada
para com o presente” (Ibid, ibidem; nosso grifo).
261
Ver Márcio Suzuki. O Gênio Romântico Crítica e História da Filosofia em Friedrich Schlegel,
especialmente o capítulo VIII sobre o “Witz” como “Princípio e Ordem da Filosofia” (pp. 191-221). Em 1808
Friedrich von Schlegel publicara a obra “Sobre a Língua e a Sabedoria da Índia”.
124
Vejamos a próxima estrofe, para ver o que nos reserva...
XII
Verso 89 “Pride ruined the angels, “O orgulho arruinou os anjos,
Verso 90 Their shame them restores; Recuperou-os o fato de se envergonhar;
Verso 91 Lurks the joy that is sweetest O mais doce dos gozos em ferroadas
Verso 92 In stings of remorse. De remorso há de se encontrar.
Verso 93 Have I a lover Tenho acaso um amante
Verso 94 Who is noble and free? _ Que é nobre e tem livre passe? _
Verso 95 I would he were nobler Quisera que ele fosse mais nobre
Verso 96 Than to love me. Do que me amasse.
2.4 Na estrofe XII aponta para uma causa mitológica, a de que “o orgulho arruinou os
anjos” (verso 89; nosso grifo) recordemos que “pecar” em hebraico significa “errar o
alvo” [que não está fora,” na “multiplicidade” (Platão)] -, mas a restauração” está na
“vergonha” [arrependimento] (verso 90), pois “nas ferroadas do remorso” (verso 92)
“esconde-se um júbilo dos mais prazerosos” (verso 91).
O que Emeson quis dizer com isto, aqui? Se estamos lidando com conceitos, por
que introduzir o mito? Para dar um tratamento filosófico adequado a isto teríamos que
recorrer a Schopenhauer (1788-1860) e à necessidade da ascese”
262
para se chegar ao
“olhar límpido” do “puro sujeito do Conhecimento”
263
ou à “Filosofia da Mitologia” de
Schelling (1775-1854), algo que é impossível aqui.
264
Nos quatro versos seguintes (93 a 96) A Esfinge faz referência ao coração do
ensaio Frienship (1841; “Amizade”) de Emerson “A amizade exige um tratamento
espiritual”, então, “que ele [o amigo] seja para mim um espírito” (SWRWE,
Friendship, 232; nosso grifo) - e diz que preferiria que “aquele que o ama” (verso 93),
buscasse ser ainda “mais nobre” (verso 95) e “mais livre” (verso 94) do que “amá-lo”
(verso 96).
“Malgrado todo o egoísmo que, feito o vento polar, congela o mundo, toda a família
humana está banhada por um elemento de amor, como um éter sutil.” É “ler a
língua destes maravilhosos raios de luz no olhar” (SWRWE, Friendship, 222). “Do
mais alto grau de amor apaixonado até ao menor grau de boa-vontade, elas [estas
irradiações] fazem a doçura da vida. Nossos próprios poderes intelectuais e ativos
262
Ver “O Mundo...”, pp. 10, 472, 482-84, 486, 488, 490, 496, 506 e 508.
263
Ver “O Mundo...”, pp. 245-47; 249, 266, 269, 274, 291, 311, 329 e 463.
264
Recomendamos Edward Allen Beach. The Potencies of God(s) – Schelling’s Philosophy of Mythology.
Albany (NY)? State University of New York Press, 1994.
125
aumentam com nosso afeto” (Ibid, 223). “Um amigo pode muito bem ser
considerado uma obra-prima da natureza” (Ibid, 229; nosso grifo).
Porém,
“A amizade não tem nada a ver com “alianças de moda ou mundanas” (SWRWE,
Friendship, 230); a “amizade exige um tratamento religioso” (Ibid, 232; nosso
grifo).
A título de ilustração, diz Schleiermacher:
“Enquanto estas [organizações universais] aumentam em expansão e se multiplicam, a
relação pessoal cresce com a redução da extensão e experimenta o seu incremento
máximo no quadro limitadíssimo da amizade. É aqui onde se justifica
sistematicamente a tendência para o individualismo que Schleiermacher manifesta
desde os Monólogos. A noção de que cada homem tem uma missão que a ele
pertence não contradiz as exigências universais que lhe impõem como membro
duma comunidade. Pois assim como no Bem Supremo o valor da personalidade
coexiste com o da totalidade, assim também ambas as coisas se penetram na vida
moral concreta” (nosso grifo).
265
XIII
Verso 97 “Eterne alternation Eterna alteração
Verso 98 Now follows, now flies; Ora segue, ora voa;
Verso 99 And under pain, pleasure, _ E sob a dor, prazer _
Verso 100 Under pleasure, pain lies. Sob o prazer, a dor que não escoa.
Verso 101 Love works at the center, O amor atua no centro,
Verso 102 Heart-heaving alway; Sempre fazendo o coração bater;
Verso 103 Forth speed the strong pulses Para adiante avançam os pulsos fortes
Verso 104 To the borders of day. Até o dia anoitecer.
2.5 É que, diz A Esfinge na estrofe XIII, um “Amor” maior, que “opera a partir do
centro” (verso 101; nossos grifos), “que faz o coração bater” (verso 102; nosso grifo) e que
“nos faz avançar” (verso 103; nosso grifo) até à hora derradeira “até às bordas do dia [o dia
(da nossa vida) anoitecer]” (verso 104) e este Amor está além de todo o vir-a-ser “eterna
alteração” (verso 97), que não tem pausa (verso 98) e que traz consigo ora “prazer, ora
dor” (versos 99 e 100).
Poderíamos dizer que o “Amor” o “Coração, no sentido de “Core” (“Centro” e
“Sentimento”) não é por acaso que Peirce coloca a Consciência e o Sentimento juntos na
Primeirdade (entre as Categorias de sua Fenomenologia), que está, repitamos,
simetricamente relacionada à Estética (entre as Ciências Normativas) e à Ontologia (entre os
265
Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão, Schleiermacher, p. 272.
126
três ramos da sua Metafísica) -, que mora na Eternidade uma das características a
Primeirdade é que “não mora no tempo”! (por isso, aquilo que nos marcou profundamente,
sentimentalmente, continua PRESENTE (para “lucro” dos psicanalistas) - é obrigado a
“evoluir” e criar um mecanismo de “mediação” (Terceiridade; o Intelecto) entre o
“Sentimento” (Primeirdade) e o “fato bruto” (Segundidade).
266
XIV
Verso 105 “Dull Sphinx, Jove keep thy five wits’ “Apática Esfinge, que Júpiter mantenha
[vossa agudeza de espírito]
Verso 106 Thy sight is growing blear; Tua visão está ficando turva;
Verso 107 Rue, myrrh and cummin for the Sphinx, Arruda, mirra e cominho para a Esfinge,
Verso 108 Her muddy eyes to clear!” Para promover, da lama de seus olhos, a purga!”
Verso 109 The old Sphinx bit her thick lip, A velha Esfinge mordeu seu lábio grosso, _
Verso 110 Said, “Who taught thee me to name? Disse, “Quem te ensinou a me nomear?
Verso 111 I am thy spirit, yoke-fellow; Eu sou o teu espírito, companheiro;
Verso 112 Of thine eye I am eyebeam. De teu olho eu sou o olhar.
2.6 Na estrofe XIV o Narrador introduz novamente o Poeta, que interrompe o discurso d’A
Esfinge para pedir a “Júpiter” [a ‘Sabedoria’ na era mitológica grega] que mantenha a
agudeza de espírito” (os “cinco sentidos;” “five wits”) da “apática Esfinge” (verso 105) e
assevere que “sua visão está ficando turva” (verso 106).
Estaria A Esfinge por demais presa a um velho paradigma” (Kuhn)? Necessitaria ela
de “voltar a olhar para fora” e, portanto, de que se removesse “a lama de seus olhos”
(verso 108)?
Mas, por que dar a A Esfinge “arruda” [“planta medicinal” (Vine, Dicionário
Teológico, 416)], “mirra” [“anti-séptico e estimulante amargo” (Vine, 793)] e “cominho”
[“condimento” (Vine, 479)]” (verso 107)?
Estes são os presentes que os três Reis Magos deram ao Menino Jesus, na Gruta de
Belém (Mt 2:11). O novo “paradigma” estaria, então, na Mensagem Cristã [no Agostinho
266
Para dar conta do “Amor” e da “existência do Mal”, recomendamos Schelling. Investigações Filosóficas
sobre a Essência da Liberdade Humana, especialmente a página 116, em que explora a idéia de que “[P]ortanto,
se Deus, por causa do Mal, não se revelasse, o Mal teria triunfado sobre o Bem e sobre o Amor”. Diz Peirce:
“Todos admitimos que a Experiência é nossa grande Mestra. E a Dama Experiência utilize um método
pedagógico que deriva de sua própria natureza afável e complacente. Seu modo de ensino favorito é através de
piadas práticas, - quanto mais cruéis melhores. Para descrever o fato com maior exatidão, a Experiência
invariavelmente ensina por meio de surpresas.” (1903; “Os Sete Sistemas de Metafísica” em EP 2, p. 194;
também no MSS 309 e CP 5.77n, 93-11, 114-18, 1.314-16, 5.119, 111-13, 57-58; também em HL 189-203.
127
(platônico) e/ou no Tomás de Aquino (aristotélico)]? Ou além? Estes Reis Magos, afinal,
quem eram? Seriam as três Categorias peirceanas?
267
Como sabiam do advento do Cristo, do
Ágape (do Evangelho de João), daquele Messias que séculos vinha sendo anunciado pelos
Profetas? E A Esfinge reage. Lembremo-nos de que temos aqui um embate entre duas grandes
culturas a egípcia e a judaico-cristã. Sabemos apenas que o “Cristo” pelo menos para os
Cristãos é o “avatar do Amor” [“Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito... (João 3:16]. Enquanto isso,
“A velha Esfinge morde seu grosso lábio” (verso 109; nosso grifo) e faz a segunda
maior pergunta do texto (a primeira é aquela dos versos 5 e 6): “Quem meu segredo me
dirá / O que as eras encobriram?” que aparece na epígrafe do The Essential Peirce
Volume 1: “Quem te ensinou a me me nomear?” (verso 110) / “Eu sou teu espírito,
companheiro” (verso 111) / “De teu olho eu sou o olhar” (verso 112).
Adentramos um território perigosíssimo: “Afinal, o que (ou quem) sou? Achamos
que os mestres budsitas têm se saído melhor aqui, ao declarar que “não fazem a menor
idéia”.
268
Volvamos ao poema.
Richardson, Jr. diz que “[P]ara Emerson é sempre o olho instruído, não os objetos
vistos, que o maior deleite, que nos conecta com o mundo. É por essa razão que seu
símbolo favorito para a investigação e conhecimento e a sabedoria era a imagem do olho
ativo (Richardson, Jr. 155; ; nossos grifos). “Para um olho instruído o universo é
transparente”, escreveu Emerson em seu Journal no outono de 1833” (Ibid; ibidem; nossos
grifos).
Peirceanamente, isso significa que o “Objeto Dinâmico” é um composto de “matéria”,
que é “mente envelhecida” (“effete mind”), e de “dinamismo”; pois bem, sabemos que o
“motor” da evolução do universo (“Sinequismo”), segundo Peirce, é o Ágape (Amor). Então,
fica claro que é o Amor que – desde Dante (1265-1321) – “move o céu e as estrelas”, ou seja,
que é “Três-em-Um: (1) é o “dinamismo” do “Objeto Dinâmico” [o “Objeto” como “alter”
267
Peirce: “Permitam-me [dizer] que as três categorias da Primeiridade, Segundidade, e Terceiridade, ou
Qualidade, Reação e Representação, m, na verdade, a enorme importância para o pensamento que eu lhes
atribuo, e pareceria que nenhuma divisão de teorias da metafísica poderia ultrapassar em importância uma
divisão baseada na consideração do que cada uma das três categorias, cada um dos diferentes sistemas
metafísicos já admitiu como constituintes reais da natureza”. The Seven Systems of Metaphysics (16/4/1903; “Os
Sete Sistemas de Metafísica”) em EP 2, p. 179-180.
268
Recomendamos a leitura dos três tomos de D. T. Suzuki. Essays on Zen-Buddhism como primeira abordagem
e, naturalmente, a prática do Zazen junto a um mestre, para se chegar a um entendimento, em primeira-mão, da
“experiência do grande vazio” (“Shunyata”).
128
garante o “Realismo” de Schelling e Peirce]; (2) é a “Inteligência” de que o “Objeto” está
“enervado” [que sustenta a tese “Idealista” de Schelling e Peirce]; e (3) é capaz de gerar
através de uma infinidade de “Signos” sempre novos “Interpretantes” (o “Interpretante
Final” é apenas um “horizonte virtual”).
Talvez “a resposta ao enigma” não esteja (1) nem na “representação” (Terceiridade);
(2) nem na “vontade” (Segundidade). Talvez esteja na “volta” -, a do “Filho Pródigo” (Lucas,
15), desta feita, “escolado” -; i.e., numa “introversão” (Jung)
269
rumo à “unidade”
(Primeiridade), onde há, de fato, “Liberdade” e “Originalidade”.
270
Precisamos nos investir de humildade (da raiz, “húmus”, Terra) para ir procurar a
resposta onde Schelling, Schopenhauer e Emerson buscaram? Não teríamos que como
estamos no Ocidente ir buscar nos místicos, como Mestre Eckhart (mas não só) e nos
visionários, como Jakob Boehme (1575-1624) e Swedenborg (1688-1772), aquilo que eles
buscaram?
De qualquer maneira, sabemos que Peirce utilizou o verso 112 para concluir seu
ensaio, What Is A Sign? (1894; “O Que É Um Signo?” em EP 2, p. 10), em que diz que nós
pensamos em signos” e que “os mbolos crescem” (pela “influenza”, voltaremos ao
tema na Parte II) que é, afinal, o fundamento desta Dissertação de Mestrado.
XV
Verso 113 “Thou art the unanswered question; “Tu és a pergunta sem resposta;
Verso 114 Couldst see thy proper eye, Pudesses ver teu próprio olho,
Verso 115 Alway it asketh, asketh; Ele não para de perguntar, perguntar;
Verso 116 And each answer is a lie. E cada resposta é uma mentira.
Verso 117 So take thy question through nature, Então leva tua pergunta à natureza,
Verso 118 It through thousand natures ply; Que mil perguntas à naturezas se faça;
Verso 119 Ask on, thou clothed eternity; Pergunta sem cessar, tu, eternidade vestida;
Verso 120 Time is the false reply. O tempo é a resposta falsa.
269
Para uma introdução aos Psychological Types (“Tipos Psicológicos”) de Carl Gustav Jung (1875-1961), ver
Capítulo 8 de The Portable Jung (“O Jung Portátil”). New York: Penguin Books, 1971, especialmente o
subcapítulo 3, The Introverted Type (“O Tipo Introvertido”), pp. 229-266.
270
Esta é, afinal, a “quinta etapa” (de oito) que Sri Patañjali (c. século II AEC) propõe na “Ashtanga Yoga”, i.e.,
“pratyahara” (“desapego”, “introversão”, “abstração”). Mas este preceito faz parte de todas as escolas de
Sabedoria. Diz Plotino: “Em suma, a Alma deve retirar-se de todas as coisas exteriores e voltar-se toralmente
para o interior” (Tratado das Enéadas; Sobre o Bem ou o Uno, p. 135). Ver o conceito de “desprendimento”
(“abgeschiedenheit”) em Mestre Eckhart (c.1260 - c.1328), Sermões Alemães, pp. 337-338.
129
2.7 Na estrofe XV A Esfinge vai proferir os quatro versos que vão servir de epígrafe ao The
Essential Peirce – Volume 2 – e que perfazem, portanto, a terceira mais importante frase do
texto -: Tu és a pergunta sem resposta” (verso 113) / “Pudesses ver teu próprio olho”,
(verso 114) / “Ele não pára de perguntar, perguntar”; (verso 115) / “E cada resposta é
uma mentira” (verso 116).
Ao som do “The Unanswered Question do compositor Charles Ives (1874-1954),
concedamos, com Emerson, que “[N]enhum poder do gênio jamais teve o menor sucesso
em explicar a existência. O perfeito enigma permanece” (SWRWE, Plato, 492; nossos
grifos). Peirce assinará embaixo, sem nostalgia (schellinguiana ou romântica)?
Por que “cada resposta é uma mentira”? Por dois motivos: (1º) porque quando
“levamos a pergunta à natureza”, (verso 117), quem na leva é ignorante; e, (2º) nunca
temos acesso – imediato – à Natureza! (Ele é sempre mediado por signos).
Por isso, pouco importa “Que mil perguntas à natureza se faça” (verso 118; nosso grifo);
ou que “Pergunt[emos] sem cessar” - nós, eternidade vestida” (verso 119; nosso grifo)
que verso extraordinário; onde haverá “repertório” para decifrá-lo? sabemos que, no fundo,
“O tempo é a resposta falsa” (verso 120; nosso grifo). Se não conceito” sem “tempo”
e este é “falso,” que tipo de “conhecimento” seria verdadeiro? Estaria no “olhar diagramático”
(peirceano) de herança (esquemática) kantiana? Veremos...
O problema principal, para Emerson, não está tanto na Realidade (lá fora!) quanto nas
“lentes” que usamos para “olhar o mundo fora”. Cavell lembra-nos que “A leitura é do que
quer que esteja ante você”
271
– e, a respeito da “aceitação de Thoreau (1817-62) como
filósofo” que vale também para Emerson (1803-82) – “depende de se você aceita sua
invenção de um discurso(Ibid, ibidem) (...) e, afinal, “o que importa filosoficamente é se o
que é dito é verdade” (Ibid, 56) embora Emerson nos lembre, em Circles (1841; “Círculos”)
que “[A]s palavras mais simples, - nós não sabemos o que elas significam exceto quando
amamos e aspiramos” (Ibid, ibidem; nossos grifos).
272
Cavell dedica-lhe todo um capítulo
nessa obra: Finding as Founding: Taking Steps in Emerson’s ‘Experience’ (“Encontrar
como Fundar: Caminhando na ‘Experiência’ de Emerson’”, pp. 110-140) e todo um ensaio de
271
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 3. O Filósofo na Vida Norte-Americana, p. 50.
272
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 4. Emerson, Coleridge, Kant, p. 10.
130
Julie Ellison. Tears for Emerson: Essays, Second Series (“Lágrimas para Emerson: Segunda
Série de Ensaios”) em The Cambridge Companion to Ralph Waldo Emerson (pp. 140-161).
Estas lágrimas que a professora da Universidade de Michigan empresta a Emerson deve-se ao
fato de que ele como veremos não conseguiu chorar pela morte do filho, Waldo (Ibid,
157).
Volvamos à “lentes” com as quais “lemos” o mundo. Estas estão “tingidas” de
“estados de espírito” (“moods”). Por isso Stanley Cavell fala da “Epistemologia de Estados
de Espírito”
273
em Emerson. Cavell segue dizendo:
“A idéia é, vagamente, que estados de espírito (“moods”) devem ser tidas pelo menos
como tendo um papel tão fundamental em aconselhar-nos sobre a realidade quando a
experiência sensorial tem”. [E] “[O] único filósofo que conheci que tinha feito um
esforço para formular um tipo de epistemologia de estados de espírito, para encontrar
suas revelações do que chamamos de ‘o mundo’ tanto quanto as revelações do que
chamamos ‘compreensão’, foi o Heidegger de o Ser e o Tempo” (...) “Agora vejo que
eu talvez devesse ter percebido que Emerson estava na minha frente, uma vez que, por
exemplo, seu ensaio ‘Experiência’ é sobre a epistemologia, ou digamos, a lógica, dos
estados de espírito”.
Recorramos ao ensaio mais importante de Emerson: Experience (1844;
“Experiência”),
274
que é uma segunda resposta a primeira é o poema Threnody (“Canto
Fúnebre”)
275
- à morte de seu filho, Waldo, aos 5 anos, de febre escarlatina [1842; ano de
nascimento do pragmatista clássico, William James (f. 1910), e de quem foi padrinho a pedido
de seu pai, Henry James, Sr. (1811-82)].
Neste ensaio, RWE introduz várias concepções novas e radicais, a primeira das quais é
a apresentação logo no início, em um poema, a título de epígrafe “The Lords of Life”
(“Os Senhores da Vida”; SWRWE, Experience, 342). O poema todo merece ser traduzido,
até porque RWE, como legítimo representante do Romantismo (de Jena), especialmente
Friedrich Schlegel (17721829), o que mostrou como “o fragmento (finito artístico ou genial)
273
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 1. Pensando em Emerson, p. 10 e Capítulo 2. Um
Estado de Espirito Emersoniano, p. 26.
274
“Uma obra que bons leitores de Emerson geralmente concordam representa um ‘breakthrough’ em seu
empreendimento”. Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Finding as Founding: Taking Steps in
Emerson’s “Experience”, p. 110.
275
Neste poema lúgubre, RWE diz: “Eu lamento o querido que não retornará // a criança maravilhosa // o garoto
gracioso que adornava o mundo em que nasceu // e que desapareceu do olho do Dia” (SWRWE, Threnody, 775)
// “a Natureza, que perdeu, não pode refazê-lo (Ibid, 776) // “o pequeno capitão inocente levou o olho consigo
quando foi (Ibid, 777) /// “Mas o menino de olhos profundos se foi” (Ibid, 778). Entretanto, “Não meu - Eu
jamais te chamei de meu, [lembra a fala de Chuang Tsu, o mestre taoísta, quando o discípulo, espantado, por não
vê-lo chorar a morte do filho, ele respondeu: “Nunca achei que fosse meu!”] // Mas o herdeiro da Natureza”
(Ibid, 778), porque “Perdido em Deus, na Deidade encontrado” (Ibid, 783).
131
contém o todo (infinito, que é o Absoluto, artista criador do universo ‘vivo’)” e propôs
“talvez” e “aproximadamente” como conceitos na famosa ‘tábua de categorias do
entendimento’.
276
Reza ele:
“The lords of life, the lords of life –
I saw them pass,
In their own guise,
Like and unlike,
Portley and grim,
Use and Surprise,
Surface and Dream, Sucession swift, and spectral Wrong,
Temperament without tongue,
And the inventor of the game,
Omnipresent without name;
277
Some to see, some to be guesses,
They marched from eat to west:
Little man, least of all,
Among the legs of his guardian tall,
Walked about with puzzled look:
Him by the hand dear Nature took;
Dearest Nature, strong and kind,
Whispered, ‘Darling, never mind!
To-morrow they will wear another face,
The founder thou! These are thy race!’”
278
Mas não só. O ensaio começa com uma pergunta radical: Where do we find
ourselves? (“Onde nos encontramos?” (SWRWE, Experience, 342; nosso grifo); o problema é
que o pretérito deste verbo em inglês é “found”, que significa tanto, “nos encontramos” e “nos
fundamos”, i.e., encontramos um “fundamento”).
279
276
Ver rcio Suzuki. O Gênio Romântico – Crítica e História da Filosofia em Friedrich Schlegel, SP:
Iluminuras, p.144.
277
Qual poderia ser o nome d’“O inventor do jogo / Onipresent sem nome”? Cavell sugere que seja o filho
morto. É que em inglês, quando você está em luto profundo, desinteressado de tudo, e alguém lhe pergunta
qualquer coisa banal – e tudo é banal ante a morte! -, por exemplo, “Quer uma xícaras de chá?”, normalmente se
responde, “That will do!” (Isso serve). E, o som “will do” é muito semelhante a “Waldo”, o nome do filho que
lhe foi arrancado... (Cavell, p. 119).
278
“Os senhores da vida, os senhores da vida - / Vi-os passar, / Em sua própria vestimenta, / Iguais e desiguais, /
Com porte e carrancudos, / Uso e Surpresa, / Superfície e Sonho, Sucessão veloz, e Mentira espectral, /
Temperamento sem ngua, / E o inventor do jogo, / Onipresente sem nome; / Alguns a ver, alguns a serem
adivinhados, / Eles marcharam do oriente para o ocidente: / Homenzinho, o menor de todos, / Entre as pernas de
seu guardião alto, / Caminhou por com olhar perplexo: / Ele pela mão querida Natureza levou; / A mais
querida Natureza, forte e gentil, / Sussurrou, ‘Querido, tudo bem! / Amanhã eles usarão outro rosto, / Ó órfão!
Estes são tua raça!’”
279
Cavell gosta especialmente deste ensaio emersoniano. Diz ele: “E então pegue a pergunta de Emerson sobre
onde nos encontramos como perguntando como nós nos estamos fundando [filosoficamente]” - Stanley Cavell.
132
Logo a seguir RWE apresenta o lema exposto em Circles (“1841; “Círculos”): o da
“série infinita” estamos na esfera do “Sublime” (kantiano) -: “[E]ncontramo-nos em uma
série da qual nós não conhecemos os extremos, e acreditamos que não possui nenhum.
Acordamos e encontramo-nos em uma escadaria”; - é difícil não ver que RWE dialoga
com o texto da “Escada de Jacó” (Gênesis, 28:11-19) “há degraus acima de nós, muitos,
que sobem e para fora de nosso alcance da visão” (Ibid, ibidem; nosso grifo). No ensaio
tardio, Fate (“Fado”), Emerson irá dizer que “[M]uito detestáveis são as lições do Fado”
porém -, e é aqui que entra o sábio “uma pessoa deve agradecer seus defeitos e temer os
seis talentos” porque “um defeito pode lhe render tributos” (nossos grifos).
Por quê? Porque
“Ver como o fado resvala em líberdade e liberdade em fado, observar quão longe as
raízes de cada criatura correm, ou descobrir, se você puder, um ponto onde não há
mais nenhum fio de conexão. Nossa vida é consentânea e ultra-relacionada. Este
da natureza está tão bem amarrado que ninguém [exceto Peirce, é claro!] alguma
vez foi suficientemente esperto para descobrir as pontas. A Natureza é intricada,
sobreposta, entretecida e infinita.
280
Para RWE, não enxergamos porque “somos tomados pelo sono” (Ibid, ibidem; nosso
grifo) -, um (retorno) ao início do poema
281
-; estamos como que tomados pelo “ópio”
(Ibid, 243; nosso grifo). Pior, nesse estado, “tudo o que vemos são superfícies” (Ibid, 344;
nosso grifo)
282
eis um dos Senhores da Vida talvez porque, como defende Ernest
Becker (“A Negação da Morte”), não queiramos encarar uma “realidade que não nos driblará,
a morte” (Ibid, ibidem).
Afinal, quem são estes senhores da vida? (1) Uso; (2) Surpresa; (3) Superfície; (4)
Sonho; (5) Sucessão (veloz); (6) Mentira (espectral); (7) Temperamento (sem língua); e, (8) o
Inventor do Jogo, que é Onipresente e Sem Nome. Para usar as categorias peirceanas,
diríamos que três dos ‘senhores da vida,’ (2) a Surpresa, (4) o Sonho e (7) o Temperamento
(sem língua) pertencem à “Primeiridade”, por seu caráter de novidade, liberdade,
atemporalidade e espontaneidade. É o ‘tiquismo’ a se intrometer no continuum espaço-
temporal (i.e., no sinequismo). a categoria de “Segundidade” (peirceana) é caracterizada
Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 4. Emerson, Coleridge, Kant, p. 60. Estaríamos nós habitando,
pergunta-se Cavell, não em um mundo duplo, mas “triplo”? (Ibid, 65).
280
Emerson. Fate (“Fado”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), em RWE. org.
281
É sabido que quando alguém se perde numa “floresta escura” aquela que Dante (1265-1321) se encontrava
no início da sua “Divina Comédia” (1308-21)? – começa a andar em círculos.
282
É “a coisificação do Outro”.
133
pelos seguintes três ‘senhores da vida’: (1) o “Uso” que é a “ação” e o “hábito” –, (3) a
“Superfície” algo de mais superficial do que aquilo que aparece? e, (5) a “Sucessão”
a impermanência ou fluxo de todas as coisas. O que sobra como “Terceiridade”? (6) A
“Mentira” (espectral) pois “tudo é feito de acabar-se,” como diria Fernando Pessoa, ou o
“Falibilismo” peirceano, pois podemos conhecer os fenômenos (a “phanera”) e, portanto,
“todo o conhecimento (científico) é, assim, aproximativo” (nossos grifos). E,
metafisicamente, (8) o Inventor do Jogo, onipresente e Sem Nome, que “é o que é”. No início
do ensaio em si, RWE pergunta: Where do we find ourselves?” (“Onde nos encontramos
(fundamos)?”). Ora, a resposta é clara: o “homenzinho” é um “órfão” da “Natureza” e refém
destes “senhores da vida”. “Mas o intelecto”, diz Emerson (que não é do homem, mas da
Deidade), então há esperança...
“Nossas relações uns com os outros são oblíquas e superficiais. Um sonho leva-
nos a outro e não fim à ilusão” (Ibid, 345; nosso grifo). No extraordinário ensaio tardio,
Considerations by the Way (“Considerações à Beira da Estrada; ou, A Propósito”), que faz
parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá,
“Nosso hábito de pensamento, - pegue as pessoas assim que acordam, - não é
satisfatório; na experiência comum, temo, é pobre e esquálida. O sucesso que os
deixará contentes é uma barganha, um emprego lucratico, um legado e por afora.
Com estes objetos, sua conversa lida com superfícies: política, comércio, defeitos
pessoais, más notícias exageradas, e o tempo” (RWE.org; nossos grifos).
E, então, RWE descreve com mais minúcias os tais “estados de espírito”: “A vida é
um trem de moods” (estados de espírito) como um fio de contas” [difícil não pensar
imediatamente no ‘Livro das Contas de Vidro’ (“The Glassbead Game”) de Herman Hesse
(1877-1962)], “e conforme passamos por elas, elas provam-se lentes multicoloridas que
pintam o mundo com seu próprio matiz e cada qual mostra apenas o que jaz em seu
foco” (ibid, ibidem; nosso grifo). No mais extraordinário de todos os ensaios de Emerson
que, infelizmente, não aparece nas antologias, mas que fomos buscar na RWE.org -, quer seja,
Literary Ethics (24 de julho de 1838; “Ética Literária”), portanto, um ano após a palestra The
American Scholar, Emerson dirá antecipando a teoria psicanalítica freudiana, em setenta
anos - que “O jovem, intoxicado com sua admiração de um herói, deixa de ver, que ele é
apenas uma projeção de sua própria alma, que ele admira” (RWE.org; nosso grifo).
Volvamos ao “temperamento”; diz RWE: “[O] temperamento é o arame de ferro (o
fio) no qual as contas estão enfiadas” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Emerson diz que é em vão
134
que tentamos “ancorar” essa “sucessão de estados de espírito”, porque “a ancoragem é areia
movediça” (Ibid, 347; nosso grifo). Diz Cavell:
“A sucessão de estados de espírito não é sistematizável (“tractable”) pela distinção
entre subjetividade e objetividade que Kant propõe para a experiência. Este incessante
truque da natureza é demais para nós; as bases dadas do ‘self’ são areia movediça”.
283
É que, como diz Emerson e nisso está de acordo com Kierkegaard (1813-55) -: “[A]
vida não é dialética” e “o saborear intelectual da vida [pensar] não superará a
130
atividade muscular [agir](Ibid, 349; nosso grifo). O que nos sobra, então? “É surfar bem
as superfícies da vida” (Ibid, ibidem; nosso grifo) “hoje”é o “agor’aqui” da língua inglesa
- e “aceitar nossos companheiros e circunstâncias, independentemente de quão simples
ou odiosos sejam” (Ibid, 351; nosso grifo; estamos de volta à “maya” hindu e à Bhagavad
Gita, como vimos anteriormente).
Ele diz encontrar-se no “extremo oposto” dos “jovens que desprezam a vida”; ele
“não espera nada [de coisa alguma ou alguém] e está sempre “grato por bens moderados”
(Ibid, ibidem; nosso grifo), pois sabe que “os grandes presentes não são conquistados
através da análise. Tudo o que é bom a gente encontra na auto-estrada [da vida]” ou
como diriam os jovens, “por aí” “nesse território estreito” (...) “entre os extremos”
(Ibid, ibidem; nosso grifo; é “O Fio da Navalha” de Somerset Maugham (1874-1965), unindo
(no Arco da Tradição) as Upanishads (século VIII AEC) ao “Santo Hindu” [como o
denomina Carl G. Jung (1875-1961)] do século XX, Ramana Maharshi (1879-1950).
284
O que faz Emerson, então? Ele, por exemplo, “só os livros mais comuns a
Bíblia, Homero, Dante, Shakespeare e Milton” pode ser o wit” (“ironia”) de
Friedrich Schlegel (1772-1829) e mais, como “a natureza não é nenhuma santa” (Ibid,
352; nosso grifo), e “um homem é uma impossibilidade de ouro” (Ibid, 354; ; nosso grifo;
diga-se desde antes de Diógenes, o Cão (C. 412-323 AEC
285
)], devemos compreender que “o
bom senso é tão raro quanto o gênio” (Ibid, ibidem; nosso grifo); e, quem sabe, através
dele, possamos nos dar conta de que essa “série de surpresas que a vida é” (Ibid, ibidem;
283
Stanley Cavell. Emerson’s Transcendental Études. Capítulo 1. Pensando em Emerson, p. 12-13.
284
Carl Gustav Jung. Psicologia da Religião Ocidental e Oriental. Petrópolis: Vozes, 1983. (pp. 565-581).
285
Cavell diz que “aquela passagem que eu chamaria de a mais metafísica sob o sol, à luz de ter e perder um
filho, contém uma resposta reversa à de Kant sobre o saber: ‘Tudo o que sei é recepção’, diz Emerson, e
continua, ‘Eu sou e eu tenho, mas não ganho, e quando imagino qute tinha ganho algo, descobri que não tinha”.
Stanley Cavell. Finding as Founding (“Encontrar como Fundar”), em Emerson’s Transcendental Études, p. 130.
135
nosso grifo) apontando para o fato de que “nada é nosso no nosso trabalho que tudo é de
Deus” (Ibid, 355; nossos grifos), i.e., “da ‘força vital’ fornecida pelo Eterno” (Ibid,
ibidem).
286
Por isso, “a vida não tem memória” (Ibid, 356; nosso grifo) e “cada ‘insight’
advindo deste reino do pensamento é sentido como inicial, e promete uma seqüência. Eu
não chego a ele; eu chego e vejo o que estava (Ibid, ibidem; nossos grifos; é mais
um desCobrir do que um criar).
E segue dizendo, “[E] que futuro ele abre! Eu sinto um novo coração batendo com
o amor da nova beleza. Eu estou pronto para morrer pela Natureza e nascer novamente
n’ ‘Esta América nova, ainda inabordável’” [nossos grifos; título de uma famosa obra de
Stanley Cavell sobre “Emerson como fundador da filosofia nos EUA” (já traduzido para o
português e editado pela Editora 34, 1997)].
Emerson, naturalmente, fala, aqui, d’a impossibilidade da fundação (como
fundamento filosófico) de um território (ainda por desCobrir) e de um conjunto de “Estados”
que logo se provariam não tão “Unidos” assim (ideologicaMente). Onde nos encontrarmos
(nos fundarmos)?
A partir da página 357 ele vai dizer que esse fundamento “é algo que recusa ser
nomeado” (Ibid, ibidem; nosso grifo)
287
como contraponto ao “fluxo de estados de
espírito” (Ibid, ibidem; nosso grifo)
288
-, “seja lá o nome que lhe dermos: Minerva,
Fortuna, Musa, Espírito Santo, Nous, Água, Ar, Fogo, Amor” Peirce di que é o
Ágape! -; quanto a “isto” que Mêncio, diz ele, denomina “vigor” [é o “Ch’i” (energia vital
dos taoístas); olha o Bergson (1859-1941), amigo de James, assomando no nosso horizonte
mental!], “basta dizer – para deleite do Universo – que não chegamos a uma parede, mas
a oceanos intermináveis” (nosso grifo; Ibid, 357; RWE é capaz de dialogar com o
misticismo Budista!).
286
Stanley Cavell cita Emerson: “A vida em si é uma mistura de poder e forma... Para terminar o momento, [se
viver sabiamente é] encontrar o final da jornada a cada passo do caminho”. Stanley Cavell. Emerson’s
Transcendental Études, p. 138. E, “nós estamos fundados no colo de uma imensa inteligência, que nos torna
receptores de sua verdade e órgãos de sua atividade” (Ibid, 140) e, assim, para Cavell, “a linguagem é onde nos
achamos” (Ibid, ibidem).
287
Arturo Leyte Coelho mostra isto em seu artigo “Arte e Sistema” – uma introdução às filosofias de Schelling –
quando diz: “O absoluto é o que não guarda relação com nada, o que está ‘des-ligado’ (absoluto, propriamente
significa isso, ‘desligado’) e, nesse sentido, o que não é nem objeto nem sujeito, porque ambos são sempre relata
ou membros de uma oposição: o objeto se define em relação ao sujeito e, vice-versa, este a partir daquele” em
As Filosofias de Schelling, p. 23.
288
“Estas expressões não traduzem exatamente o que sinto porque sem dúvida nada pode traduzir exatamente o
que alguém sente”. Bernardo Soares, o heterônimo pessoano. O Livro do Desassossego, p. 96.
136
Como “já aprendemos que não vemos diretamente, mas mediatamente” [nosso
grifo; Ibid, 359; e “eu sei que o mundo com o qual converso na cidade e nas fazendas não
é o mundo que eu penso (Ibid, 363; nosso grifo) e “o próprio casamento é impossível”
(Ibid, ibidem; nosso grifo),
289
resta-nos “o impulso universal para crer” [(Ibid, 358): eis o
“The Will to Believe” de seu afilhado, William James (1842-1910)!], até porque “o universo
é a noiva da alma” (Ibid, 360).
290
Vamos por partes. Ainda em relação ao “conhecimento mediato”, Emerson diz o
seguinte no ensaio Intellect (1841; “O Intelecto”) -, que é seminal para o pragmatismo
peirceano:
“[O] crescimento do intelecto é espontâneo em cada expansão”. [Será que nem a
idéia de que “os símbolos crescem” (EP 2, 10) é peirceana?] [e,] “[A] mente que
cresce não poderia prever a era, os meios, o modo dessa espontaneidade” [pois]
“Deus entra através de uma porta particular em cada indivíduo. Muito antes da
idade da reflexão ocorre o pensamento da mente” (SWWE, 293), e esse
“desabrochar, feito um botão vegetal” (SWWE, 294) dá-se por “um método
silencioso” (SWWE, 294); e, “confiando no instinto até o fim” (SWWE, 294; eis o
“Play of Musement” de Peirce!; herdado do Spieltrieb schilleriano; “trieb” é
“instinto”, em alemão) “a verdade aparece e “eis que é aquele princípio que
buscávamos” (SWWE, 296; eis a “abdução” peirceana!),
291
mas “o oráculo vem
porque tínhamos feito, anteriormente, cerco ao santuário”.
Eis o interessantíssimo conceito de “collateral acquaintance”, que Peirce desenvolveu no
fim da vida:
“Nenhum signo pode ser entendido, - ou pelo menos nenhuma proposição pode ser
entendida, - a menos que o intérprete tenha (re)conhecimento colateral’ com cada
Objeto dele” (Excerto de Carta a William James, 26/2/1909, EP 2, p. 496)] e “a lei do
intelecto parece-se com a lei da natureza” (SWWE, 296; tema central de Peirce:
289
Em um de seus últimos ensaios, Domestic Life (“Vida Doméstica”), que faz parte de seu úlimo livro de
ensaios, Society and Solitude (1870; “Sociedade e Solidão”), Emerson não terá apenas coisas negativas a dizer
sobre a vida doméstica; entre elas, neste ensaio, ele diz: “Eu penso que o vício de nossa vida no lar está no fato
de que ela não considera o homem sagrado” (RWE.org).
290
Este é precisamente o título do primeiro capítulo de Russell B. Goodman, American Philosophy and the
Romantic Tradition (“A Filosofia Norte-Americana e a Tradição Romântica”).
291
Ver “The Heuristic Exclusivity of Abduction in Peirce’s Philosophy” de Ivo Assad Ibri em Semiotics and
Philosophy in Charles Sanders Peirce (editado por Rossella Fabrichesi e Sandra Marietti). Newcastle
(Inglaterra): Cambridge Scholars Press, 2006, para o melhor tratamento da questão da “abdução” em Peirce.
137
vimos que, segundo os Editores Críticos do The Essential Peirce, Volume 2, “[E]sta Idéia
da mente refletir ou espelhar o cosmos é um dos principais princípios da filosofia de
Peirce” (nossos grifos).
292
E, voltando ao ensaio, “O Intelecto” de Emerson, ele, pragmaticamente, arremata,
“cada intelecção é principalmente prospectiva” (SWWE, 296). Todos os scholars
peirceanos sabem que seu pragmatismo difere do de James precisamente por este aspecto
“reflexivo” e/ou “prospectivo”.
No ensaio Spiritual Laws (“Leis Espirituais”), Emerson diz: “Quando o ato de
reflexão corre na mente, quando olhamos para nós mesmos à luz do pensamento, descobrimos
que nossa vida está aninhada na beleza (da natureza)” (SWRWE, 190). Comparemos a frase
com o seguinte trecho de Peirce: “Ademais, em todo o seu progresso, a ciência vagamente
sente que ela está apenas aprendendo uma lição. O valor dos fatos para ela reside apenas
nisto, que eles pertencem à Natureza; e a Natureza é algo grandioso, e belo, e sagrado, e
eterno, e real, - o objeto de sua veneração e sua inspiração [do cientista]” (nossos
grifos).
293
E, então, continua Emerson, “chegará a hora em que a mente est(ar)á madura” [pois]
“homem algum pode aprender aquilo que ele não está preparado para aprender”
294
“e
podemos ver as coisas que nos olham de frente” (SWRWE, 199). Parece que estamos ouvindo
Peirce falar d’“aquela faculdade rara de olhar para fora dos olhos e ver o que nos olha no
rosto” [The Basis of Pragmatism in Phaneroscopy (“A Base do Pragmatismo na
Faneroscopia”), EP 2, p. 363)].
Naturalmente, Emerson lembra-nos que e vermos isso mais adintae, quando
falarmos dos “Senhores da Vida” -, que “jamais veremos algo pior do que nós mesmos”
(SWRWE, 199; nosso grifo). Em suma, diz Emerson, “[A] lição é: Seja, e não aparente ser.
Tiremos do caminho (dos circuitos divinos) nossa nulidade inflada. Vamos desaprender
nossa sabedoria mundana” é o Alberto Caeiro: Isso exige um estudo, // Um
292
Ver, por exemplo, MS 900, “A Lógica da Matemática”, onde Peirce diz: “Sob a Terceira cláusula, temos,
como dedução do princípio que o pensamento é o espelho do ser, a lei que o fim do ser e mais alta realidade é a
impessoação (“impersonation”) viva da idéia que a evolução gera”. {EP 2, “Nota 5 sobre a Pearson’s Grammar
of Science”, p. 510 (1901; “A Gramática da Ciência de Pearson”)}.
293
Em EP 2, “The First Rule of Logic”, p. 55 (1898; “A Primeira Regra da Lógica”); também em MSS 442, 825
& CP 5.574-89 e 7.135-40 e RLT 165-180.
294
SWRWE, 198; é o “conteúdo proximal” de Vygotsky (1896-1934), mas Peirce também fala dessa “collateral
acquaintance”; ver EP 2, Carta a Wiliam James, p. 496.
138
aprendizagem de desaprender” (Fernando Pessoa. Obra Poética, p. 151). “Vamos nos render
ao poder do Senhor e aprender que apenas a verdade torna-nos ricos e grandiosos” (SWRWE,
206) e isso pode se dar através de “um pensamento à beira da estrada, enquanto caminhamos;
um pensamento que revê todo o nosso modo de vida e diz ‘Assim fizeste, mas teria sido
melhor assim’” (SWRWE, 206). Afinal, “Pensar é agir” (SWRWE, 208; nosso grifo).
E termina este tremendo ensaio dizendo que tudo o que precisamos é de “paciência e
mais paciência, e venceremos ao final” (Ibid, 364; nosso grifo), pois “[A] verdadeira
estória que o mundo existe para realizar será a transformação do gênio em poder
prático” (SWRWE, Experience, 364; ; nossos grifos). Parece-nos que o vate (poeta), aqui,
vaticina o Pragmatismo.
No mais extraordinário ensaio de Emerson, Literary Ethics (24/7/1838; “Ética
Literária”), que, infelizmente, não costuma fazer parte das antologias do autor, Emerson
solicita que
“o scholar aprecie esta combinação de dons dos meios aos fins (“means to ends”)
que, aplicados a um melhor propósito, fazem a verdadeira sabedoria. Ele [o scholar] é
o revelador das coisas. Que ele primeiro aprenda sobre as coisas. Que ele não seja
ansioso demais para pegar uma medalha ou prêmio, que não se omita do trabalho a ser
feito. Que saiba que, embora o sucesso do mercado esteja na recompensa, o verdadeiro
sucesso está no fazer [não é isto o pragmatismo jamesiano?]; que [o verdadeiro
sucesso está], na obediência privada à sua mente [as leis de sua mente, diria Peirce];
na pesquisa perseverante, dia após dia, ano após ano, para saber como as coisas
funcionam [Peirce assinaria embaixo]; no uso de todos os meios e mais, na reverência
do humilde comércio e humildes necessidades da vida, - para escutar o que elas
dizem, e assim, por reação mútua do pensamento e vida, fazer o pensamento sólido e a
vida sábia [não é isto o pragmatismo peirceano?]; e no desprezo pela tagarelice das
opiniões do dia. O segredo do mundo é ser escolado e com isso a habilidade para fazê-
la verdadeiramente desabrochar é adquirida. Ou melhor, não é; que, por esta
disciplina, a usurpação dos sentidos é conquistada, as faculdades inferiores do homem
são subjugadas com docilidade; através dos quais, como um canal desobstruído, a
alma agora facilmente flui? O bom scholar não recusará aceitar o seu jugo [que
deriva da raiz sânscrita, yug; daí a yoga”, disciplina] em sua juventude; para saber,
se puder, o mais profundo segredo do trabalho e da resistência; para fazer suas
próprias mãos conhecidas com o solo pelo qual ele é alimentado e o suor que vem
antes do conforto e do luxo. Que ele pague seu dízimo e sirva o mundo como um
homem verdadeiramente nobre e verdadeiro; nunca esquecendo de venerar as
divindades imortais, que balbuciam ao poeta e fazem-no proferir as melodias que
varam o ouvido do tempo eterno. Se ele tiver esta bondade dupla, - a prática
perseverante [“abhyasa” em sânscrito, na “yoga”] e a inspiração, - então ele tem
saúde – [decerto no sentido de ser “São” e não “insano” ou “doente”] -; então ele é um
todo e não um fragmento [que é o que significa “yoga”, “integrado”] -; e a perfeição
de seu dom aparecerá em suas composições. De fato, este mérito duplo caracteriza
sempre as produções de grandes mestres. O homem de gênio deveria ocupar todo o
139
espaço entre Deus ou mente pura e a multidão de pessoas não-educadas. Ele deve
retirar da Razão infinita, de um lado; e deve penetrar no coração e sentidos da
multidão, de outro. De um ele deve retirar a força; ao outro, ele tem que dever sua
meta. Um subjuga-o ao real; o outro, ao aparente. Num pólo, está a Razão; no outro, o
“Common Sense” (“Bom Senso” ou “Senso Comum”) (RWE.org; nossos grifos).
Eis o “Crítical Common Sense” que Peirce definiu como sendo seu Pragmatismo.
E, para nós, vaticinar o Pragmatismo
295
significa assentar sua própria filosofia em
bases práticas e pragmáticas. Achamos que seria interessante, antes de encerrarmos a análise
deste poema extraordinário, expor quatro ensaios fundamentais, da Segunda-Série (1844), em
que Emerson se presta a esta tarefa: (1) Character (1844; “O Caráter”); (2) Manners (1844;
“Modos”); (3) Politics (1844; “Política”); e, (4) New England Reformers (1844;
“Reformadores da Nova Inglaterra”).
(1) No ensaio Character (1844; “Caráter”), RWE começa por defini-lo: Isto que
chamamos de Caráter uma força reservada (“a reserved force”), que age diretamente pela
presença sem meios” (SWRWE, Character, 365) deve ser concebido como uma certa força
indemonstrável, um Familiar ou Gênio [é o daimon de Sócrates (469-399 AEC)], por cujos
impulsos a pessoa é guiada, mas de cujos conselhos ele não pode se separar; que é companhia
para ela, de tal modo que essas pessoas são amiúde solitárias ou, caso queiram ser sociais, não
precisam da sociedade, mas são capazes de entreter-se muito bem sozinhas” (Ibid, 366). O
caráter “é de uma grandeza estelar e indiminuível” (...) “um magnetismo” e quem não
tem, “conquista porque sua chegada altera a face da situação” (Ibid, ibidem). Em outro
dos Essays Second Series (“Segunda Série de Ensaios”), Heroism (“Heroísmo”) -, tema
caro a seu amigo Thomas Carlyle (1795-1881) -, Emerson diz que “devemos reverenciar
profundamente o heroísmo” (SWRWE, Heroism, p. 253) -, cuja “essência é a confiança-em
si-mesmo” (Ibid, 253; estamos de volta ao leitmotiv do ensaio Self-Reliance de 1841), pois
“esta atitude militar da alma” (Ibid, 252; este sim, o verdadeiro “jihad”) “é a obediência a um
impulso secreto do caráter individual” (Ibid, ibidem). Por mais voltas que dermos, acabamos
sempre no “impulso secreto”, quer seja ele bruto, o desejo cego (Eros) – que nos tem (esse é o
genial ‘entendimento’ de Freud (1856-1939), cuja obra merece ser lida à luz da arquitetônica
295
E quem diz “poder prático”, diz “pragma” ver Rachel Gazolla de Andrade. “Considerações sobre a Palavra
‘Pragma’” em COGNITIO. mero 1 (Nov. 2000) e, na mesma, o artigo de Ivo Assad Ibri, “As Conseqüências
Práticas no Pragmatismo de Peirce”.
140
de Peirce -, a Vontade (Fichte, Schelling), a Vontade de Poder (Emerson, Nietzsche), ou sua
oitava superior, o Ágape de Peirce.
Quanto aos grandes homens ele cita Napoleão mais adiante! –, eles “conseguem
isso porque “parecem compartilhar a vida das coisas, e ser uma expressão das mesmas
leis que controlam as marés e o sol e os números e as quantidades” (Ibid, ibidem). Mais
adiante diz que “o caráter é um poder natural (...) como a gravidade” (Ibid, 368) e, ao
mesmo tempo, “é a ordem moral” (...) que “a justiça deve prevalecer” (Ibid, 369) e que
“a medida natural deste poder é a resistência das circunstâncias” (Ibid, ibidem).
296
É por
essa razão, diz RWE, que as pessoas impuras consideram a vida como ela é refletida nas
opiniões, eventos e pessoas”. É que “elas não são capazes de ver a ação até que ela seja
realizada. No entanto, seu elemento moral pré-existia no autor, e sua qualidade como certo ou
errado era fácil de prever” (SWRWE, Character, 369).
RWE, então, diz que “a natureza é polar” (...) e coloca “o caráter no pólo norte”
(ligado à vontade) enquanto a ação estaria ligada ao “pólo sul” (Ibid, ibidem; nossos
grifos).
297
Por isso, diz ele, “as pessoas de caráter gostam de que lhes apontem os erros”
(Ibid, 370; nosso grifo).
No ensaio tardio, Worship (“Adoração”), que faz parte do livro de ensaios The
Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson antecipa Freud (1856-1939) ao dizer
“Você não consegue esconder nenhum segredo”. (...) Não apenas porque “[N]ós somos todos
fisionomistas e penetradores do caráter e as coisas mesmas são detetives(...), mas porque
“[S]e uma pessoa deseja esconder qualquer coisa que carrega, aqueles a quem ele encontra
sabem que ele esconde algo e, geralmente, sabem o que ele esconde”. É que “[A]s pessoas
não parecem se dar conta de que sua opinião sobre o mundo é também uma confissão de
seu caráter. Nós vemos apenas o que somos (Fonte: RWE.org; nossos grifos). Mais
adiante, neste mesmo ensaio maravilhoso, Emerson dirá, “[U]se qualquer língua que
queira, você jamais dirá algo que não é você”. Ou mais profundo ainda, pessoas que
possuem “[U]m ouvido que ouve não o que as pessoas dizem, mas o que não dizem
(nossos grifos).
E mais. As almas fracas “não gostam de saber de suas faltas; idolatram eventos;
asseguram-lhes um fato, uma conexão, certa corrente de circunstâncias, e nada mais pedirão”
(Ibid, ibidem). Já “o herói vê que o evento é ancilar; o evento deve segui-lo”.
296
Peirce diria que o que forma um “caráter” admirável é a “aquisição (agápica e refletida) de hábitos”.
297
Para o “princípio da polaridade” em Schelling -, cuja “coincidência de opostos é transcendente, subtraída pela
sua essência a todo o pensamento humano” - ver Nikolai Hartmann. A Filosofia do Idealismo Alemão, p. 138.
141
Emerson abomina toda essa demagogia em relação às “massas”. No extraordinário
ensaio tardio, Considerations by the Way (“Considerações à Beira da Estrada; ou, A
Propósito”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da
Vida”), Emerson dirá,
“Deixem para toda essa tagarelice sobre as massas. As massas são rudes, aleijadas,
perniciosas em suas demandas e influência, e precisam não de ser lisonjeadas, mas de
ser educadas (“to be schooled”). Eu não desejo conceder-lhes coisa alguma, mas
domesticá-las, exercitá-las, dividi-las e demoli-las e tirar indivíduos lá de dentro”
(RWE.org).
Para Emerson, “[T]odas as revelações, quer mecânicas ou intelectuais ou da ciência
moral, são feitas não para as comunidades mas para as pessoas individualmente” (Ibid). E
arremata: “Dizer que a maioria é má, não trás nenhuma malícia, nenhuma maldade da parte do
observador, mas, simplesmente, que a maioria ainda não está madura, e ainda não tomou
consciência de si” (Ibid; nossos grifos).
Para Emerson, “as dificuldades são boas” -, “tempos ruins têm um valor científico”
(dirá ele mais adiante -, pois “não nenhuma pessoa que não esteja em dívida para com os
seus vícios, como nenhuma planta que não é alimentada de adubo”. Mas, diz ele, “Nós apenas
insistimos que a pessoa pode melhorar e que a planta cresça para cima e converta a base em
uma natureza melhor” (Ibid).
E segue dizendo: “Eu estou sempre ambientado por mim mesmo”.
298
(...) A
retidão é uma vitória perpétua, celebrada, não pelos gritos de regozijo, mas pela serenidade,
que é um prazer fixo ou habitual. É uma desgraça entregar-se (correndo) aos eventos para
confirmar nossa verdade ou valor” (Ibid, ibidem). Assim, “o caráter é centralidade, a
impossibilidade de ser deslocado ou emborcado” (Ibid, 371). “a sociedade é frívola”
(Ibid, ibidem).
299
Portanto, o caráter é a natureza em sua forma mais elevada” (Ibid, 374; nossos
grifos; “admirável”, dirá Peirce) e é por isso que “nascemos crentes em grandes homens”
298
Por isso Sidarta Gautama, o Buda (563-483 AEC) dizia que “não adianta ir para uma caverna no Himalaia,
pois você” “seu ego” (...) “sua ignorância e erro”, dirá Peirce [ver Karen Hanson. “O Pragmatismo e o Self
Secreto” em COGNITIO II (Nov. 2001), pp. 46-75] – vai junto”.
299
No ensaio tardio, Considerations by the Way (“Considerações à Beira da Estrada; ou, A Propósito”), que faz
parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá que “[A] sociedade
quer ser encantada (“amused”). Eu não quero ser encantado. Eu desejaria que a vida não fosse barata, mas
sagrada. Quem dera os dias fossem como os séculos, carregados (“loaded”), fragrantes” (RWE.org; nosso grifo).
142
(Ibid, 376) e a própria “história dos deuses e santos, sobre os quais o mundo tem escrito, e
depois adorado, são documentos do caráter” (Ibid, 379).
Quanto ao segundo ensaio, (2) Manners (“Modos”), RWE afirma, logo no início
deste ensaio, que “metade do mundo, diz-se, não sabe como a outra metade vive” (SWRWE,
Manners, 381). Depois fala da importância da aristocracia, ou fraternidade dos melhores
que, sem lei escrita se perpetua” (Ibid, 382) e do “gentleman” (Ibid, ibidem; nosso grifo)
com sua “excelência de modos e cultivo social” (Ibid, 383), que “é uma pessoa verdadeira,
senhor de suas ações e que expressa essa soberania em seu comportamento” (Ibid, ibidem;
Peirce dirá que tem uma “conduta admirável devido à razoabilidade”). Para Emerson, “a
aristocracia e os modos são resultados certos e inevitáveis” (...) “indestrutíveis. Se provocam
raiva na classe menos favorecida, e a maioria excluída se vinga deles com mão forte e os
mata, imediatamente uma nova classe encontra-se no topo, tão certo quanto o creme sobre
para o topo num copo de leite: e se o povo destruísse classe após classe, até que sobrassem
duas pessoas, um deles seria o líder e seria involuntariamente servido e copiado pelo outro”
(Ibid, 387; isto é que é ser profeta!).
300
Continuando, RWE diz que “as qualidades morais governam o mundo” (Ibid,
392; nosso grifo) e, a classe energética” (...) “tende a unir as pessoas” e “se deleita na
medida” (Ibid, ibidem; nosso grifo). Não é esta a “razoabilidade” idealizada por Peirce? No
fundo, diz Emerson, “o amor é a base da cortesia” (Ibid, 394; “o Ágape é o fundamento do
que aparece”, dirá Peirce; nosso grifo). Como último lembrete esta é a marca-registrada de
RWE “as pessoas que constituem a aristocracia natural não são encontradas na classe
aristocrática” (Ibid, 396; nosso grifo),
301
pois “sem um coração rico, a riqueza é um mendigo
feio” (Ibid, 400). RWE diz que “uma ou duas vezes na vida é-nos permitido desfrutar do
charme de modos nobres” (Ibid, 397). “Que Deus nos conceda” (ao menos uma vez na vida,
costumava dizer Mestre Eckhart ao final de seus sermões), “esta graça”.
(3) No ensaio Politics (1844; “Política”) RWE faz uma defesa da democracia
(política) e do liberalismo (econômico). Logo na primeira frase do ensaio, diz: “Ao lidar com
o Estado, nós devemos nos lembrar que suas instituições não são aborígenes, embora tenham
existido antes de nascermos; que elas não são superiores ao cidadão; que eles, todas elas,
300
Difícil não pensar em “o senhor e o escravo” de Hegel (1770-1831) ou em Próspero e Caliban da peça A
Tempestade de Shakespeare (1564-1616), tema universal que se repete n’ A Revolução dos Bichos de George
Orwell.
301
“O poder das boas maneiras é incessante um elemento tão impossível de esconder quanto o fogo” (...)
“homem algum é capaz de resistir à sua influência”. Emerson. Behavior (“Comportamento”) em The Conduct of
Life (1860; “A Conduta da Vida”), RWE. org.
143
foram outrora o ato de uma única pessoa; cada lei e uso foi o expediente de uma pessoa para
dar conta de um caso particular; que elas são todas imitáveis, todas alteráveis” (...) “A
sociedade é uma ilusão para o jovem cidadão” (SWRWE, Politics, 422; ver 423 e 425; nosso
grifo). Entretanto e esta é a dialética emersoniana como “a sociedade sempre consiste em
grande parte de pessoas jovens e tolas”, “com essa maioria ignorante e facilmente ludibriável,
o Estado iria rapidamente à ruína”, “a propriedade será protegida [pelas leis; eis a herança
lockeana!]” (Ibid, ibidem e 426), “pelo direito, ou pela força” (“by right, or by might”; Ibid,
426).
Ele diz saber que “cada Estado de fato é corrupto” (Ibid, 427; nosso grifo) e que
“um partido é perpetuamente corrompido pela personalidade” (Ibid, ibidem), pois “os
governos têm sua origem na identidade moral das pessoas” (Ibid, 429). Depois mostra a
polaridade política nos EUA: “Dos dois grandes partidos’ (...) “um tem a melhor causa”
[(ideais); são os democratas que, no entanto, “são destrutivos e sem objetivos” (Ibid, 428)];
“e o outro [tem] as melhores pessoas” [(competência administrativa?); são os republicanos -
que “são tímidos”)].
Para RWE, “todos os fins públicos parecem vagos demais e quixotescos ante os
particulares, pois quaisquer leis menos aquelas que as pessoas fazem para si mesmas são
risíveis” (Ibid, 431), portanto, “quanto menos governo tivermos, melhor” (Ibid, ibidem).
Thoreau (1817-62) – que influenciou Leon Tolstoy (1828-1910), Gandhi (1769-1948) e
Martin Luther King, Jr. (1929-1968) - assinaria embaixo.
Esta idéia, reiterada pelo Thoreau (1817-1862) da Civil Desobedience (1849;
“Desobediência Civil”), não é, portanto, nem do economista Nobel (1974) austro-britânico,
Friedrick von Hayek (1899-1992) nem do economista Nobel (1976) norte-americano, Milton
Friedman (1912-2006)].
Quanto à relação entre Emerson e Thoreau devemos dizer que “[O]s dois eram
estóicos modernos” que “acreditavam no processo de individuação” e “na autoridade da
consciência individual” (Richardson Jr., 283). Richardson Jr. acha que “Emerson era menos
‘scholarly’ (erudito) que Thoreau e não apenas em línguas. Emerson,” ainda segundo
Richardson Jr., “chegou ao ponto de detestar a erudição convencional; ele chamou-a ‘livros
escritos para os mortos pelos mortos’. Thoreau é não apenas mais clássico [que lia no
original] e mais ‘scholarly’ (erudito) mas também mais metódico e mais interessado em
ciência, mais comprometido com a observação minuciosa. Emerson é mais aberto
emocionalmente, mais social. (...) Ele estava mais profundamente assentado no pensamento e
144
sentimento cristãos. Thoreau preferia Aristóteles, Emerson Platão” (Ibid, 284; nossos
grifos).
Se é verdade que “os dois estavam escrevendo registros em primeira-mão a respeito
de experiências pessoais e não o que ficaram sabendo pela opinião dos outros Thoreau
preferia narrativas [de si mesmo e de suas excursões] ao passo que Emerson [preferia] o
aforismo epifânico” que “preparou o caminho para seu próprio desaparecimento no texto”,
pois “ele não escreveu memórias, desconfiava da cronologia e visava o atemporal” (Ibid,
ibidem; nosso grifo) embora “os dois adotassem a figura de Apolo como simbolismo pessoal”
que “cada qual era sedento por clareza (...) [e] pela forma” (Ibid, 285) e defendiam que “a
palavra primária será agora falada” (Ibid, 310) porque “um novo povo necessitava de novas
escrituras” (Ibid, 311).
E esse “novo testamento” foi, em parte, escrito no The Dial, o veículo do
Transcendentalismo, para o qual “Emerson fez setenta e seis contribuições, de acordo com
Joel Myerson” (Ibid, 377) e para o qual “fez pressão” para Thoreau contribuir (Ibid, ibidem).
Em 1845 foi nas terras de Emerson que Thoreau construiu sua famosa cabana às margens de
Walden Pond, onde morou dois anos (intermitentemente; Ibid, 418) e, quando este deixou o
local, Emerson escreveu cartas tentando encontrar um editor para seus livros A Week on the
Concord and Merrimack Rivers (“Uma Semana nos Rios Concord e Merrimack”; Ibid, 436).
Em 1861, quando a Guerra Civil estourou - um ano antes da morte de Thoreau -,
eles estiveram juntos na luta pelo fim da escravatura (Ibid, 396-397). Lawrence Buell que
cita Thoreau trinta e oito vezes em sua obra “Emerson” define-o como “escritor-naturalista”
(Buell, 32) e como arauto da ecologia e do ambientalismo (Buell, 302) - e mostra como “foi
Emerson que levou Thoreau a escrever seriamente”, inclusive o seu “Journal” (Buell,
297; nosso grifo) e “não lhe perdoava a falta de ambição” [Buell, 298; “ele não tinha talento
para a riqueza” (em Buell, 304)]; entretanto, Buell assevera que “a influência era recíproca”
(Buell, 300) e que “a simbiose continuou pela vida afora” (Buell, 303), pois “o extremismo de
Thoreau serviu a Emerson como um tipo de consciência e inspiração” (Buell, 303) até porque,
como bem lembra este professor de Harvard, “a meta de Emerson como professor não era
‘trazer as pessoas até ele, mas levá-las a si-mesmas’ (14:258 em Buell, 308; nossos grifos).
Por isso, para Emerson, “o antídoto o abuso de governo formal é a influência do
caráter particular (“private character”), o crescimento do Indivíduo” (...) “o aparecimento do
homem sábio; de quem o governo existente não é senão uma imitação pobre” (SWRWE,
Politics, 431; influenciado pelas idéias da “República” de Platão).
145
Portanto este é mais um dos leitmotivs emersonianos “o fim da natureza é o
caráter” [SWRWE, Politics, 431; Peirce dirá que “o propósito da criação foi o mbolo”
{New Elements (“Novos Elementos”), EP 2, 324}]. “Para educar o homem sábio o Estado
existe, e com o surgimento do homem sábio, o estado espira. O sábio é o estado”
(SWRWE, Politics, 431; nosso grifo). Mas isto não é uma apologia de Louis XIV. O sábio “é
um profeta” e “ama as pessoas” (SWRWE, Politics, 431). Naturalmente, diz ele, que em
nossa sociedade bárbara a influência do caráter está em sua infância” (SWRWE, Politics,
432), mas mesmo assim podemos perceber que “cada pensamento que o gênio e o santo
lançam ao mundo, altera-o” (SWRWE, Politics, 432; nosso grifo).
Como, “de acordo com a ordem da Natureza, que é muito superior à nossa
vontade [pessoal], a coisa fica assim; sempre haverá um governo de força onde as pessoas
são egoístas” (SWRWE, Politics, 433), mas, como “uma pessoa tem o direito de ser
empregada, de nele se confiar, de ser amada, de ser reverenciada” (...) Emerson conclui que
“o poder do amor como base do Estado, nunca foi tentado” (SWRWE, Politics, 433;
nossos grifos). Eis o Ágape peirceano transpirado para além da ‘comunidade’ dos sábios...
Por fim, (4), o último ensaio desta série de 1844, New England Reformers
(3/3/1844; “Os Reformadores da Nova Inglaterra”) mostra claramente a função reformatória
de RWE, na Nova Inglaterra da primeira metade do XIX, que foi para usar uma
nomenclatura cara ao jovem Peirce com seus quatro “métodos” [da The Fixation of Belief
(1877; “A Fixação da Crença”): (1) “Tenacidade”, (2) “Autoridade”, (3) a priori e, (4)
“Científico”] -, em uma primeira análise, superficial -, a de ajudar a “demolir” o “método
de Autoridade” (dogmatismo religioso). Vamos ao ensaio.
O problema fundamental do “fenômeno religioso” e que é o eixo-central da obra
do outro Pragmatista clássico, William James, The Varieties of Religious Experience (1902;
“As Variedades da Experiência Religiosa”) - é que quem a funda é “original”, “livre e
divino” e, então, “foi excelente quando foi feito a primeira vez, mas, claro, se perde quando
é copiado” (SWRWE, New England Reformers, 451).
302
RWE segue dizendo na linha de
raciocínio de Pascal (1623-62: “Descobri que toda a infelicidade dos homens vem de uma
coisa, que é não saberem ficar quietos dentro de um quarto” (Pensamento 139, p. 71) que o
302
mudaria o tempo verbal, do passado para o PRESENTE, porque qualquer experiência e a “experiência
mística” difere das outras pela radicalidade sempre se HIC ET NUNC: “Mas se tomo o INSTANTE, este
então contém em si TODO tempo” Mestre Eckhart, Sermões Alemães, 84). Ver esta noção em Ibri. Kósmos
Noétos, p. 29.
146
problema das religiões constituídas é que têm “uma fertilidade de projetos para a
salvação do mundo!” (SWRWE, New England Reformers, 450-51; nossos grifos).
RWE começara a palestra-ensaio dizendo que se vivia [então] em uma “Era de
Reformas” (religiosas, políticas e educacionais) e que, “quanto à educação, a coisa vai mal,
pois “nós somos estudantes de palavras: estamos fechados em escolas, faculdades, e salas
de recitação, durante dez ou quinze anos, e saímos da última com um fole de vento, uma
memória de palavras e não sabemos nada” (Ibid, 452; não mudou muito desde então!),
“mas, o Espírito Santo (“the Good Spirit”) nunca quis saber de faculdades” (Ibid, 453). A
título de exemplo, RWE cita Platão e diz: “Já conheci quatro ou cinco pessoas que leram
Platão. Mas não é absurdo que todo o talento liberal deste país seja dirigido, em seus melhores
anos, para estudos que não levam a nada?” (Ibid, 453-54).
“A onda do mal [“a vaidade e a hipocrisia”] varre todas as nossas instituições
como um todo” e “a rua é tão falsa quanto a igreja, e quando chego à minha casa, ou aos
meus modos, ou à minha fala, não me distanciei da mentira” [Ibid, 455; nossos grifos; não
como não perceber a influência de Sir Walter Raleigh (c.1552-1618) quanto à idéia de que
o “contrato social” é baseado na mentira; ver o poema The Lie (“A Mentira”) de Raleigh].
303
RWE é o “apóstolo do Individualismo” (não do egoísmo!) e isso fica
absolutamente claro na seguinte frase: “A amizade e a associação são coisas muito boas, e
uma grande falange do que de melhor na raça humana, unidos por um objeto católico;
304
sim, excelente; mas lembrem-se que nenhuma sociedade pode ser mais ampla que uma
pessoa. Ele, em sua amizade, em suas associações naturais e momentâneas, duplica-se ou
multiplica-se; mas na hora em que se empenha em dois, dez ou vinte, ele se diminui abaixo da
estatura de um” (SWRWE, New England Reformers, 456-57). É que, diz Emerson, “os
homens de pouca fé” pensam: “Eu fracassei, e você fracassou, mas talvez juntos não
fracassaremos”; ibid, 457). É o tal do “concerto” (“ação conjunta”), mas, diz Emerson, “o
concerto não é nem melhor nem pior, nem mais nem menos potente, do que a força
individual”. Há controvérsias...
Mas, insiste ele, “todas as pessoas do mundo não são capazes de fazer uma
estátua andar ou falar, não são capazes de fazer uma gora de sangue, ou uma lâmina de
303
Ver Ernest Becker. A Negação da Morte – Uma Abordagem Psicológica sobre a Fintude Humana (Vencedor
do Prêmio Pulitzer de 1974). Rio de Janeiro: Record, 2007.
304
Não percamos de vista que a palavra “race” em inglês tem dupla conotação: (i) “raça”, como etnia; e, (ii)
“race” como corrida. Isto foi explorado por Stanley Cavell na página 196 de sua obra Emerson’s Transcendental
Études (“Estudos Transcendentais de Emerson”), quando falou de “expensive races” (“corridas caras”) e “race
living” (a vida corrida). Faltou dizer que quem colonizou a América do Norte era uma “raça expansiva”.
147
grama [imaginem Whitman (1819-92) lendo isto!], mais do que uma pessoa é capaz”.
Naturalmente, RWE, então, não fazia a menor idéia do “Admirável Mundo Novo” que a
Comunidade Científica iria produzir, criando até novos órgãos no Projeto Genoma! “Mas”,
prossegue ele, “que haja uma pessoa, que haja verdade em duas pessoas, em dez, então o
concerto [CSP diria “comunidade”] pela primeira vez é possível; porque a força que move o
mundo é uma nova qualidadePeirce assinaria embaixo! -, “e jamais poderá ser fornecida
ao se adicionar quaisquer novas qualidades de um tipo diferente”.
“Qual a utilidade do concerto dos falsos e dos desunidos?”, pergunta Emerson. E
responde, “não pode haver nenhum concerto em dois, onde não há concerto em um; quando o
individual não é individual, mas dual; quando seus pensamentos olham numa direção e suas
ações, noutra; quando sua é atravancada por seus hábitos; quando sua vontade, iluminada
pela razão, é fisgada pelos seus sentidos; quando, com uma mão, ele rema e, com a outra, faz
a água voltar, que concerto pode haver? (SWRWE, New England Reformers, 457). Então,
qual a solução?
“A união deve ser interior e não uma de concertos”, pois “a união é perfeita
quando todos os membros estão isolados”. “Deixe-a [“cada pessoa”] só, para reconhecer
em cada hora e lugar a alma secreta” (Ibid, 458). E retorna à questão nevrálgica, a
Educação: “Nosso sistema de educação” (...) “é um sistema de desespero”.
305
O problema?
“Nós renunciamos a todos os ideais elevados” (SWRWE, New England Reformers, 458).
“Qual o remédio? A vida deve ser vivida em um plano mais elevado” (Ibid, 459). “A
alma não permite que pessoa alguma se sem algumas visitações e dias santos de uma
presença mais divina” (...) “em nossas horas mais felizes” [Ibid, 460; na sua primeira
obra-prima, Nature (1836; “A Natureza”), RWE dizia: “Os melhores momentos da vida são
estes deliciosos despertares de poderes mais elevados e as introversões reverenciais da
natureza ante seu Deus” (SWRWE, Nature, p. 28)].
306
305
Somos obrigados a introduzir Thoreau (1817-62), aqui, exemplarmente, três temas relacionados à Educação.
(1) “Quando, um dia (1852), um amigo (John Albee) visitou Emerson em sua casa e este disse que “todos os
ramos do saber eram ensinados [em Harvard], Thoreau aproveitou a oportunidade e retrucou, ‘Sim, de fato,
todos os ramos e nenhuma das raízes’. O que fez Emerson rir às gargalhadas” (Richardson Jr., 282; nosso grifo).
(2) O motivo que o levou a ir morar sozinho em uma cabana às margens do Lago Walden, em Concord,
Massachusetts (a partir de 4/7/1845): “Fui para os bosques porque pretendia viver refletidamente
(“deliberately”), defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me
ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido” (p.92); e, (3) pois, diz este “discípulo” de
Emerson, em Walden; ou A Vida nos Bosques. São Paulo: Global Editora, 1984: ‘[O]s homens, em sua maioria,
levam vidas de sereno desespero. O que se chama resignação é desespero crônico” (p. 21).
306
No extraordinário ensaio tardio, Considerations by the Way (“Considerações à Beira da Estrada; ou, A
Propósito”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá,
“A melhor parte da saúde é uma boa disposição”. (...) “O júbilo de espírito indica força”. (...) “O gênio obra no
148
Então, “[O] que desejamos de coração uns dos outros?” tema axial do ensaio
Friendship (1841; “Amizade”) -: “É ser agradado e lisonjeado? Não, mas ser convencidos e
expostos, ser humilhados para fora de nossa besteira de todos os tipos e tornados gente
grande, ao invés de fantasmas” (SWRWE, New England Reformers, 461). “Nós estamos
cansados de pairar feito fantasmas pelo mundo, que é, em si, tão estreito e irreal. Nós
ansiamos por um senso de realidade, embora venha com espasmos de dor” (Ibid, 461; é o
“fato bruto” peirceano!).
307
De quem precisamos, então? “Queridos para nós são aqueles que nos amam; os
momentos céleres que passamos com eles são uma compensação pela grande quantidade de
tristeza; eles alargam nossas vidas; mas mais caros são aqueles que nos rejeitam como
sem valor, pois eles adicionam outra vida; eles constroem um céu ante nós com o qual não
tínhamos sonhado, e, assim, fornecem-nos novos poderes [tirados] dos recessos de nosso
espírito, e impelem-nos a novas realizações ainda não tentadoras” (Ibid, 463).
308
Afinal, pel’
“o que ansiamos é ser erguidos a uma plataforma mais alta” (Ibid, 463), “desejamos ser
feitos grandes” (Ibid, 464), uma vez que “o homem está conectado a um fato mais
elevado, ainda não manifestado [para ele]. poder acima e atrás de nós, e nós somos
os canais de sua comunicação” (Ibid, 466; nossos grifos).
E, “qual é a operação que chamamos de Providência? jaz a coisa não-dita,
Presente, oniPresente” (SWRWE, New England Reformers, 466) e todos sabemos que eis
o “falibilismo” peirceano “todo discurso é uma resposta aproximada” (Ibid, ibidem). E
não adianta ficar dizendo “‘Há um traidor na casa!’, pois no final se verá que ele é um homem
de verdade e que quem o diz é que é traidor” (Ibid, ibidem). Resta “olhar além das
superfícies” (...) para “se estabelecer na serenidade”.
309
E, finalmente, não devemos
jogo” (RWE.org). Estamosd e volta ao “spieltrieb” schilleriano. Para uma análise filosófica do elemento lúdico,
ver Johan Huizinga. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 2005, especialmente o capítulo 6, “O Jogo e o
Conhecimento” que vai tratar da poesia como forma de conhecimento no Rig Veda e Upanishads (indianos) -,
e o capítulo 9, “Formas Lúdicas da Filosofia” (pp. 163-175).
307
No ensaio Fate (“Fado”), Emerson irá falar de alguns elementos que nos constrangem, por exemplo, dos
ancestrais: “Como haverá uma pessoa de escapar de seus ancestrais?” uma vez que “nas horas mais incomuns,
uma pessoa representa cada um dos seus muitos ancestrais, como se houvessem sete ou oito de nós dentro de sua
pele e eles constituem a variedade das notas para essa nova peça musical que a vida é”. Emerson. Fate
(“Fado”) em The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), RWE. org. Mais adiante antecipa Freud (1856-
1939) ao dizer, “Os homens são o que suas mães fizeram deles” (Ibid).
308
No extraordinário ensaio tardio, Considerations by the Way (“Considerações à Beira da Estrada; ou, A
Propósito”), que faz parte do livro de ensaios The Conduct of Life (1860; “A Conduta da Vida”), Emerson dirá,
“Vamos nos engajar nossos companheiros para não nos pouparem” (RWE.org).
309
Não é à toa que os scholars hindus digam o Brahmin de Concord nasceu nos EUA por puro acaso; a defnição
de “Yoga” (de Patañjali) é a de que “se atinge esse ‘estado unitivo’ pelo aquietamento completo da mente” (a
“serenidade”, acima), com o que “se passa a residir em nossa natureza essencial e fundamental” (Yoga-Sutra,
Aforismos 2 e 3)].
149
esquecer que “[A] recompensa por uma coisa bem feita” que é a ação a partir desse
estado de “serenidade” “será a de tê-la feito [bem]” (SWRWE, New England Reformers,
467; nosso grifo). Esta é a marca de Emerson, o Sábio!
Volvamos ao poema...
XVI
Verso 121 Uprose the merry Sphinx, Ergueu-se a feliz Esfinge,
Verso 122 And crouched no more in stone; E não mais submetida, servilmente, à pedra;
Verso 123 She melted into purple cloud, Ela esfumou-se em púrpura nuvem,
Verso 124 She silvered in the moon; Ela, prateou-se na lua onde, agora, medra;
Verso 125 She spired into a yellow flame; Ela espiralou em uma chama amarela;
Verso 126 She flowered in blossoms red; Em florescências vermelhas aflorou;
Verso 127 She flowed into a foaming wave: Em uma onda espumante ela fluiu:
Verso 128 She stood Monadnoc’s head. Ela, a cabeça de Monadnoc, sustentou.
2.8 E após deixar sua mensagem, A Esfinge ergue-se feliz” (verso 121) e “deixa a pedra”
a que estava “servilmente submetida” (verso 122) – remete-nos a Michelângelo (1475-1564)
?
310
- e “esfuma-se em púrpura nuvem” (verso 123) qual o significado de “púrpura”?
311
-,
“prateia-se na lua” (verso 124; nosso grifo; a lua é dos lunáticos e sonhadores, os gênios
capazes de “abdução”) o que significa “prata” e o que significa a “lua”? -; espirá-la-se em
chama amarela” (verso 125; nosso grifo) por que “chama” e por que “amarela”? (estamos
de volta à chama primordial? É o velho Heráclito de Éfeso (535-475 AEC) pedindo
“silêncio, pois os deuses estão aqui?”) e “floresce em florescências vermelhas” (verso
126; nosso grifo) – porque “florescer” na cor “vermelha”? (será porque toda a vez que aparece
um verdadeiro pensador neste mundo esperança?) até que “flui em uma onda
espumante” (verso 127) e “sustentou a cabeça de Monadnoc” (verso 128).
Seria o monte Monadnock, de 965 metros, que fica em Jeffrey, New Hampshire,
EUA, que Thoreau (1817-1862) costumava escalar, que Melville (1819-1891) comparou à
“Moby Dick” e que Richard Whitney (n. 1946) pintou, além de ser tema de poema de
310
Quando perguntado sobre aqueles blocos em que aparecem metade ainda a pedra bruta e a outra metade,
homens saindo dela (no Vaticano, a caminho do seu esplendoroso “Moisés”), ele respondeu: “Eles estavam me
pedindo para eu os libertar!”
311
Está claro que aquilo que era pedra (Segundo), está se esfumando (“se tornando vaga!”, diria Peirce) na
“Liberdade” e n “Variedade” (e Frescor!) da Categoria Prima (peirceana).
150
Emerson? Qual o motivo para ele escolher este monte? sabemos que parece ser sempre
sobre um “monte” (real ou simbólico) que “profetas” “falam com Deus” ou “se transfiguram”.
Terá A Esfinge subido a “Pirâmide de Quéops” produtos da Cultura e, de de cima,
olhado para “além do Mar Vermelho” e visto sua “contraparte Natural”, o “Monte Sinai”?
Que mais terá visto lá de cima?
Vejamos o que um dos maiores poetas do século XX, William Butler Yeats (1865-
1939; Nobel de 1923), viu lá de cima:
“A SEGUNDA VINDA”:
“Girando e girando no giro que se expande / O falcão já não consegue ouvir o falcoeiro; /
Todas as coisas ruem; o centro não as consegue segurar; / Mera anarquia tomou conta do
mundo, / A maré escurecida de sangue está à solta e em toda parte / A cerimônia da inocência
jaz afogada; / Aos melhores falta-lhes toda a convicção, enquanto os piores / Estão cheios de
apaixonado ardor. // Decerto que alguma revelação está próxima; / Por certo a Segunda Vinda
está bem próxima. / A Segunda Vinda! Mal acabo de proferir tais palavras / E uma ampla
imagem advinda do Spiritus Mundi / Desassossega-me a visão: algures nas areias do deserto /
Uma forma com corpo de leão e a cabeça de homem, / De olhar nu e impiedoso feito o sol, /
Está movendo suas lentas coxas, enquanto, ao seu redor / Giram as sombras das indignadas
aves do deserto. / A escuridão cai de novo; mas agora eu sei / Que vinte séculos de pétreo
sono / Foram vexadas ao limite do pesadelo por um berço d’embalar, / E que violenta besta,
pois é finalmente chegada sua hora, / Arrasta-se rumo a Belém para nascer?
312
Vejamos como termina o poema...
XVII
Verso 129 Through a thousand voices Através de mil vozes
Verso 130 Spoke the universal dame: A dama universal falou:
Verso 131 “Who telleth one of my meanings “Quem decifrar um só de meus significados
Verso 132 Is master of all I am.” É senhor de tudo o que sou”.
312
W. B. Yeats. Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991; p. 92; tradução de Luís Malta Louceiro).
151
2.9 Por fim, A Esfinge“a dama universal” “fala!” (verso 130; nosso grifo) “através de
mil vozes” (verso 129; nosso grifo) cada “fragmento” ou “finitude” é “um enigma” neste
oceano semiótico! – e põe aquela que é a quarta frase mais importante do poema:
“Quem decifrar um de meus significados” (verso 131; nosso grifo) “[É] senhor
de tudo o que sou” (verso 132). No ensaio tardio, Beauty (“Beleza”), que faz parte do livro
de ensaios The Conduct of Life (1860; A Conduta da Vida”), Emerson dirá, “É prova da
mais elevada cultura tratar das coisas maiores do modo mais simples. A veracidade
primeiro que tudo, e para sempre” (RWE.org; nosso grifo),
313
e isso, ele reiterará até o fim.
No ensaio Illusions (“Ilusões”), que faz parte do livro de ensaios tardio, The Conduct of Life
(1860; “A Conduta da Vida”), ele dirá: “Não importa que jogos são jogados com a gente
neste mundo de ilusões, em que andamos às apalpadelas em busca de esteios e fundações
nós não devemos jogar com nós mesmos, mas lidar em nossa privacidade com a última
honestidade e verdade. Eu vejo as virtudes simples, da infância, como a veracidade e
honestidade, como sendo a raiz de tudo o que é de caráter sublime.
Difícil imaginar que alguém como Peirce pudesse resistir a tal apelo.
***
Veremos, a seguir, na Parte II desta Dissertação de Mestrado, como Charles Sanders
Peirce (1839-1914) respondeu a este magnífico poema de Emerson (1803-82), 46 anos após
sua primeira publica no The Dial o jornal do Transcendentalismo (1841) e, vinte anos após
tê-lo lido na edição de 1867: May-Day and Other Poems (“Dia de Maio e Outros Poemas”),
isto é, aos 28 anos.
313
E, no entanto, no último ensaio de uma de suas últimas obras, The Conduct of Life (1869; “A Conduta da
Vida”), Illusions, (“Ilusões”), Emerson dirá: “Não é nossa na impenetrabilidade da matéria mais sedativa do
que os narcóticos?(...) “Não é o tempo um brinquedo lindo?(...) “Há decepções dos sentidos, decepções das
paixões e as ilusões estruturais, benéficas do sentimento e do intelecto”. E, antecipando Freud (1856-1939) em
meio século, acrescenta: “Há a ilusão do amor, que atribui à pessoa amada tudo aquilo que a pessoa compartilha
com sua família ou a dela, sexo, idade, ou condição; não, com a própria mente humana. E isto que o amante ama
e a Anna Matilda leva o crédito. Como se uma pessoa se fechasse numa torre, com uma só janela, através da qual
a face do céu e da terra pudesse se vista, devesse imaginar que todas as maravilhas vislumbradas pertencessem a
essa janela. a ilusão do tempo, que é profundíssima; quem já se desembaraçou dele?” (...) “Há a ilusão que
decepcionará ao eleito. a ilusão que decepcionará ao feitor do milagre. Embora ele faça seu corpo, ele
nega que o faz. Embora o mundo exista a partir do pensamento, o pensamento está assustado na presença do
mundo.” (RWE.org).
152
Parte II. CHARLES SANDERS PEIRCE & SUA CONJECTURA AO ENIGMA.
“Erigir um edifício filosófico que sobreviverá às
vicissitudes do tempo, meu cuidado deve ser não tanto
colocar cada tijolo com o mais precisamente possível
quanto construir fundações fundas e sólidas”. Peirce.
“Uma Conjectura ao Enigma” (1887-88) em EP 2, 246, §
2.
1
Segundo Houser & Kloesel, em sua resposta ao enigma proposto por
Emerson no poema The Sphynx (1841; 1867; “A Esfinge”), Peirce dá início à
construção de sua admirável “arquitetônica”:
2
‘Uma Conjetura ao Enigma’ talvez seja a maior e mais original
contribuição à filosofia especulativa, e marca sua guinada deliberada
para o pensamento arquitetônico. Suas três categorias, que ele estuda,
são isomórficas com os três elementos que estão ativos no universo (acaso,
lei, e aquisição de hábito), servem como estrutura para organizar os ramos
da filosofia e da ciência, e fica claro que ele antecipa uma completa
reorganização do conhecimento humano ao redor de sua tríade de
concepções universais; pois, como ele mesmo escreveu, em uma página de
abertura diferente, “este livro, se alguma vez escrito, como em breve será
se eu puder fazê-lo, será um dos acontecimentos de nossa época.”
1
O restande do parágrafo reza: “Aristóteles construiu sobre alguns poucos conceitos deliberadamente
escolhidos – tais como matéria e forma, ato e potência – muito amplos e, em seu esboço, vagos e
tacanhos, mas sólidos, inabaláveis, e não facilmente solapáveis; e daí o que aconteceu é que o
aristotelismo é balbuciado em cada berçário a ponto do “English Common-Sense”, por exemplo, ser
totalmente peripatético e, do mais comum dos homens viverem tão completamente dentro da casa do
estagirita que o que quer que vejam pelas janelas parece-lhes incompreensível e metafísico. muito que
está mais do que claro que, embora estejamos credulamente habituados a ele, a velha estrutura não servirá
para as necessidades modernas; e analogamente, sob Descartes, Hobbes, Kant e outros, reparos,
alterações, e demolições parciais vêm sendo realizadas nos /247/ últimos trezentos anos. Um sistema,
também, está solidamente estabelecido; refiro-me à nova mansão de Schelling e Hegel, que recentemente
caiu no gosto dos alemães, mas com tantos lapsos em sua construção que, embora novinha em folha,
está declarada inabitável. O empreendimento que este volume inaugura é o de criar uma filosofia como
aquela de Aristóteles, quer seja, a de esboçar uma teoria tão compreensivelmente ampla que, durante
muitos anos, todo o trabalho da razão humana, em cada escola e tipo de filosofia, em matemática,
psicologia, nas ciências físicas, em história, na sociologia, e seja em que outro departamento possa
haver, nada mais será que preencher seus detalhes. O primeiro passo rumo a isto é o de encontrar
conceitos simples aplicáveis a cada assunto”.
2
Nathan Houser & Christian Kloesel, os editores do primeiro volume do The Essential Peirce, dizem o
seguinte a respeito deste ensaio seminal de Peirce: MS 909. [Primeiro publicado nos CP 1.354 (o esboço
inicial), 1.1-2 (os dois parágrafos seguintes), 1.355-68 (capítulo 1), 1.373 (capítulo 3), 1.374-75 e 379-83
(capítulo 4; em que está faltando a última frase do segundo parágrafo, o terceiro parágrafo, e a primeira
metade do quarto parágrafo), e 1.385-416 (capítulos 5, 6 e 7). Um gina inicial anterior trás como título
“Notas para um Livro, a ser intitulado ‘Uma Conjetura ao Enigma,’ com uma Vinheta da Esfinge abaixo do
Título”], embora os capítulos 2, 8 e 9 estejam faltando (e provavelmente jamais tenham sido escritos) e o
capítulo 3 seja um mero esboço.
153
Embora, infelizmente, Peirce nunca tenha podido escrevê-lo, felizmente,
muitas de suas maiores idéias na “Conjetura” iriam aparecer em breve nos
ensaios escritos para a Série Metafísica na revista The Monist (nossos
grifos).
O biógrafo peirceano, Joseph Brent, em sua obra, Charles Sanders
Peirce: A Life [1993; “Charles Sanders Peirce: Uma Vida”, p. 339), confirma o fato
ao afirmar:
“No entanto, Peirce foi um autêntico herói trágico, (…) Os antigos gregos
tê-lo-iam, decerto, acusado de hubris por sua intenção de descobrir, revelar,
e escapar com o segredo das coisas “o enigma da Esfinge” especialmente
por sua alegação prometéica de que ele realmente conseguira encontrar o
segredo e estava a ponto de dá-lo à humanidade”.
3
Outro biógrafo e scholar peirceano, Kenneth Laine Ketner, em sua obra,
His Glassy Essence (1998; “Sua Essência Vítrea”, p. 345), diz:
“Peirce, segundo o espírito geral de Boole, mas não seu conteúdo, aplicou a
topologia às nossas experiências sensoriais comuns o phaneron,
literalmente, ‘aquilo que aparece’ para chegar às suas categorias. Estas
categorias são a chave do pragmatismo e o restante de seu sistema. Elas são
sua conjetura ao Enigma da Esfinge de Emerson”.
Por fim, Cornel West, em sua obra, American Evasion of Philosophy (“A
Fuga Norte-Americana da Filosofia”), no seu primeiro capítulo, The Emersonian
Prehistory of American Pragmatism (“A Pré-História Emersoniana do
Pragmatismo Norte-Americano”), diz o seguinte em sua página 9:
“A longa sombra lançada por Ralph Waldo Emerson sobre o pragmatismo
norte-americano tem sido frequentemente subestimada e raramente
examinada. No entanto Emerson não apenas prefigura os temas dominantes
do pragmatismo norte-americano [“poder, provocação, personalidade”, p.
40 & “motivos cruciais, como otimismo, moralismo e individualismo”,
ibidem], mas, mais importante, promulga um estilo intelectual de crítica
cultural que permite e encoraja os pragmatistas norte-americanos a dar uma
guinada para fora do curso principal da filosofia européia [daí a “fuga da
filosofia moderna”, p. 41]”.
Entretanto, a maior evidência de que Emerson influenciou Peirce aparte
tudo o que ficou explícito na Parte I desta Dissertação de Mestrado está
exatamente no título (e conteúdo) do ensaio-resposta peirceano A Guess at the
Riddle (1887-88; “Uma Conjetura ao Enigma”) - e na análise estrutural que faremos
3
Brent, decerto, faz alusão ao mito de Prometeu.
154
do mesmo e das suas principais idéias, sempre a partir do texto filosófico, como
recomenda Martial Guéroult,
4
“para se evitar o perigo do sobrevôo...”
****
4
Para o Historiador da Filosofia do Collége de France, Martial Guéroult (1891-1976) “ler” “textos
filosoficamente constituídos” – sua “dianoimática” (“a filosofia das filosofias”, segundo ele) - é, ao
mesmo tempo, reconstruir a “estrutura” (articulação interna) do texto (filosófico) e “fazerfilosofia. Será,
portanto, a partir da abordagem de Guéroult que interroga o texto filosófico em si mesmo (não em
sua integridade e integralidade, mas em sua irredutibilidade e indestrutibilidade) - que secionaremos o
texto de Peirce – nas suas “articulações internas” -, no afã de buscar-lhe a arquitetura interna (onde reside
sua verdade intrínseca ou o tema principal do texto, i.e., seu argumento lógico). Ver, Martial Guéroult.
“La Méthode en Histoire de la Philosophie” em Philosophiques, vol. 1, n. 1. São Paulo: Abril, 1974, p.
07-19.
155
Parte II.I. Uma Análise Estrutural do ensaio de Peirce
Para responder ao “segredo (...) que as eras encobriram” (“A Esfinge”, versos 5
e 6), Peirce recorreu à Lógica; esta convenceu-o de que não necessidade de mais de
“três categorias”“a tríade do raciocínio” (§ 1), assim como de “várias outras tríades”
1) para “erigir um edifício filosófico que sobreviverá às vicissitudes do tempo”
2). Eis a Introdução:
§ 1 (CP 1.354) Capítulo 1. Um, Dois, Três. Já escritos.
Capítulo 2. A tríade do raciocínio. Intocada. Deverá ser feita do seguinte
modo. 1. Três tipos de signos; como melhor demonstrado no meu último
ensaio no Am. Jour. Mat. 2. Termo, proposição, e argumento, mencionados
no meu ensaio sobre uma nova lista de categorias. 3. Três tipos de
argumento[:] dedução, indução, hipótese, como mostrado no meu ensaio
Estudos em Lógica (Studies in Logic). Também três figuras de silogismo,
como mostradas lá e em meu ensaio sobre a classificação de argumentos. 4.
Três tipos de termos[:] absoluto, relativo, e conjugativo, como mostrado no
meu primeiro ensaio sobre a Lógica dos Relativos. várias outras tríades
às quais podemos nos referir. As divisões duais da lógica resultam de um
modo falso de olhar para as coisas de modo absoluto. Assim, além de
afirmativas e negativas, realmente enunciações prováveis, que são
intermediárias. Portanto, além de universais e particulares, há todos os tipos
de proposições de quantidade numérica. Por exemplo, a proposição
particular Algum A é B, significa Pelo menos um A é B. Mas nós também
podemos dizer Pelo menos 2 As são Bs. Também, Todos os As exceto um
são Bs, etc. etc. ad infinitum. Passamos da quantidade dual, ou um sistema
de quantidade tal como o da álgebra booliana, onde apenas dois valores,
para a quantidade plural.
Capítulo 3. A tríade na metafísica. Este capítulo[,] um dos melhores, é para
tratar da teoria da cognição.
Capítulo 4. A tríade na psicologia. A maior parte está escrita.
Capítulo 5. A tríade na fisiologia. A maior parte está escrita.
Capítulo 6. A tríade na biologia. Isto é para mostrar a verdadeira natureza
da hipótese darwiniana.
Capítulo 7. A tríade na física. O capítulo germinal. 1. A necessidade da
uma história natural das leis da natureza para que possamos ter alguma
noção do que esperar. 2. O postulado lógico, pois a explicação proíbe que
se assuma qualquer absoluto. Quer seja, ele pede a introdução da
terceiridade. 3. A metafísica é uma imitação da geometria; e os
matemáticos tendo-se declarado contra os axiomas, os axiomas metafísicos
estão destinados a cair também. 4. Acaso absoluto. 5. A universalidade do
princípio do hábito. 6. Toda a teoria exposta. 7. Conseqüências.
156
Capítulo 8. A tríade na sociologia ou devo dizer pneumatologia. Que a
consciência é um tipo de espírito público entre as células nervosas. O
homem como uma comunidade de células; animais compostos e plantas
compostas; sociedade; natureza. Sentimento subentendido na primeiridade.
Capítulo 9. A tríade na teologia. A fé requer que sejamos materialistas sem
vacilo.
Se tivermos em mente a “Arquitetônica” (do final de sua vida), notaremos
que nesta Introdução, o Peirce de 1887-88, é um lógico ver todo o Capítulo 2
que vai lançar (e testar, como bom cientista que é) sua rede” lógica sobre a
Metafísica (que se tornará o terceiro ramo de sua Filosofia) ver Capítulo 3 e,
depois, em algumas daquelas que mais tarde ele denominará de Ciências Especiais
(Idioscopia; o terceiro ramo de suas Ciências da Descoberta; a primeira é a
Matemática e a segunda a Filosofia): Capítulo 4, Psicologia; Capítulo 5, na
Fisiologia; Capítulo 6, na Biologia & Capítulo 7, na Física. Infelizmente não
escreveu o Capítulo 8, sobre Sociologia; nem o Capítulo 9, sobre Teologia.
Entre os parágrafos 4 e 20, Peirce expõe seu Método: a Tricotomia. Revela que
já os antigos andavam “em busca da essência das coisas” (§ 4). Cita o amor de Pitágoras
pelos números e confessa-se “inclinado pelo número três na filosofia” (§ 4).
Se de início diz que “as idéias de Primeiro, Segundo, Terceiro,” são “idéias tão
amplas que poderiam ser vistas, ao invés, mais como disposições de ânimo (“moods”)
5
ou tonalidades de pensamento (“tones of thought”), do que como noções explícitas,”
(...) ou como “tênues esqueletos do pensamento, senão meras palavras” (§ 4), não
devemos acreditar nele. Há em quase todos os seus textos uma verve jocosa.
Tanto que no parágrafo seguinte, o § 5, uma Introdução às Três Categorias
com a clareza de definição que lhe é peculiar e, nos quatro parágrafos seguintes (§ 6,
7, 8, 9 e 11) define mais profundamente cada uma das categorias. No parágrafo 11 ele
desqualifica, mordazmente, “o estágio dual do pensamento”.
No § 12 ele fornece um foro cosmológico às três categorias, exemplificando os
dois “Absolutos” Primeiro e Segundo - como pontos numa régua, “ao passo que cada
ponto mensurável na linha é da natureza de um terceiro”, pois “não terceiro
absoluto”. E mais, aqui ele adianta algo de seu sinequismo (futuro): aquele que crê
“que todo o universo está se aproximando, em um futuro infinitamente distante, de um
estado que possui um caráter geral, diferente daquele na direção do qual vemos atrás,
no passado infinitamente distante, você faz o absoluto consistir de dois pontos reais
distintos e é um evolucionista”.
5
Rever a “epistemologia dos estados de espírito” em Emerson, especialente na análise da Estrofe XV.
157
No § 13 defende suas três categorias como sendo “mais que palavras”, pois
“contêm idéias amplas, embora vagas”, e, novamente, parte para a defesa das mesmas
no parágrafo 14, prova que “uma tríade não pode ser analisada em díades” (§ 14) e
mostra como “o argumento das três categorias se desenvolveu em sua mente” (§ 15),
primeiro na Lógica e depois, estendendo-o para as áreas que irá expor no ensaio, que
será “uma exemplificação da tríade das idéias” (§ 16).
Nos §§ 16 e 17 ele se detem nos “dois níveis de segundidade e nos três níveis de
terceiridade” e na “degeneração entre terceiros”. No § 18 vai tratar dos “terceiros
degenerados e genuínos” e afirma que eis o gérmen de seu idealismo objetivo (futuro)
“o que faz [com que] as forças reais [estejam] realmente lá é a lei geral da natureza
que as exige, e não devido a quaisquer outros componentes do resultante”. E assevera:
“a inteligibilidade, ou a razão objetificada é o que torna a terceiridade genuína”. O § 19
também toca em uma questão epistemológica de suma importância, a questão do
diagrama, que ele desenvolverá 20 anos depois com maestria em relação às
propriedades do ícone.
Por fim, Peirce mostra que não deseja “reclamar qualquer originalidade no
reconhecimento da importância da tríade na filosofia”, pois “desde Hegel quase todo
pensador imaginativo fez o mesmo” até porque “a originalidade é a última das
recomendações para concepções fundamentais” -, mas alega que “todo o [seu]
método está em contraste profundo com o de Hegel: [ele] rejeit[a] sua filosofia in
toto embora “tenh[a] certa simpatia por ela e imagine] que, se seu autor tivesse
apenas notado algumas poucas circunstâncias, ele mesmo teria sido levado a
revolucionar seu sistema.” Enumera seus erros e as causas. É o Peirce cáustico de
sempre. Entretanto, sabemos que sua dívida para com Hegel é imensa.
Em seguida, Peirce passa a utilizar testar talvez fosse a palavra mais
adequada suas três categorias nas mais diversas áreas do saber. Com ele ainda não
erigiu sua admirável arquitetônica, depois da Lógica - um futuro sub-ramo das
Ciências Normativas -, ele vai deter-se na Metafísica - futuro terceiro ramo da
Filosofia [depois da Fenomenologia (com suas três Categorias) e da Ciência
Normativa (Estética, Ética e Lógica) e, especialmente nas Ciências Especiais ou
Idioscopia, subdividida, por sua vez, em Ciências Naturais e Ciências Psíquicas.
Na Metafísica, ele mostra como a idéia da “indeterminação” que ele
denominará, futuramente, de “tiquismo” – já está presente nos pré-socráticos (§§ 21 e
22) “embora não a indeterminação da homogeneidade”, pois essa “vida e
variedade” (...) “é apenas potencial”.
158
Na Psicologia, Peirce vai se deter durante oito parágrafos. Volta a Kant
para dizer que a idéia de “primeiro, segundo e terceiro têm origem na mente” (§ 23):
nós certamente não somos capazes de pensar que estas idéias são dadas nos sentidos.
Primeiro, Segundo e Terceiro não são sensações. Elas só podem ser dadas aos
sentidos por coisas aparecendo rotuladas como primeiro, segundo e terceiro, e tais
rótulos, as coisas geralmente não possuem. Elas devem, portanto, ter origem
psicológica. Uma pessoa deve ser uma partidária bastante descompromissada da
teoria da tabula rasa para negar que as idéias de primeiro, segundo e terceiro sejam
devidas a /258/ tendências congênitas da mente. Até aqui não coisa alguma em
meu argumento para distingui-lo de muitos kantianos.
Entretanto, Peirce começa a demonstrar coragem de ir além d’a “aquele
herói do pensamento” [Kant] e diz:
O que é digno de nota é que eu não paro aqui, mas procuro colocar a conclusão à
prova através de um exame independente dos fatos da psicologia, para ver se
podemos achar quaisquer traços da existência das três partes ou faculdades da alma
ou modos de consciência, que confirmem o resultado recém-alcançado.
E, novamente a partir de Kant, vai mostrar esses “três departamentos da
mente” – “sentimento, conhecimento e vontade” (§ 24) que, como mostra, o
filósofo de Königsberg “tomou emprestada dos filósofos dogmáticos”, mas cuja
“origem” remontaria à “escola de Pitágoras” (§ 25).
Nos 4 parágrafos seguintes ele vai postular a relação da Primeiridade com
os Sentimentos “que formam a totalidade de tudo o que temos em consciência
imediata e instantânea; eles são o que está presente” (§ 26); da Segundidade com a
vontade e a consciência de polaridade(§ 27); e, a Terceiridade com “a cognição
ou a consciência de processo e o poder de síntese (no tempo) (§ 28). Aqui ele vai
introduzir um de seus conceitos mais importantes, o “sentido de aprendizagem” e “de
crescimento mental”, que o levará mais tarde a declarar que “os signos crescem”
[What Is A Sign? (1894; O Que É Um Signo?) em EP 2, p. 10]. Resume, então, “os
três elementos da consciência” no § 29 e parte para analisar “os dois tipos de
sensação polar” e “os três tipos de consciência sintética” no longo e descritivo
parágrafo 30.
Nos dez parágrafos seguintes (§ 31 a 40), Peirce dedica-se à “Tríade na
Fisiologia”. Para ele, “deve haver algo tríplicena fisiologia do sistema nervoso” (§
31); há uma “pronta explicação fisiológica para dois dos três tipos de consciência” (§
32 & 35) e uma “maior dificuldade de explicar a consciência sintética” (§ 33), para a
159
qual ele levanta a hipótese de que “a semelhança consiste na identidade do elemento
comum” (§ 34) e que “a genuína consciência sintética tem sua base fisiológica no
poder de adquirir hábitos” que “dependeria’, por sua vez, “de cinco princípios” (§
36; nossos grifos), que ele ilustra com um “jogo de cartas” que ele mesmo inventou
(§ 37). O importante, para ele, é que “o estabelecimento de hábitos tem como fim a
remoção da irritação” (§ 38) tema que defendeu em 1878, com The Fixation of
Belief (“A Fixação das Crenças”).
Um parágrafo mais ousado é o de número 39, em que ele propõe “um
mergulho mais profundo na fisiologia” e defende que “o protoplasma também
cresce; ele absorve material e converte-o em algo semelhante à sua própria
substância; e em todo o seu crescimento e reprodução, ele preserva suas
características específicas” (§ 39; nosso grifo). E mais, suas “propriedades
[principais] (...) podem ser resumidas na sensibilidade, no movimento e no
crescimento”; quer seja, - “eureka!” “estas três propriedades são respectivamente
primeiro, segundo e, terceiro”. Ademais, “a chave para o problema está na contração
do protoplasma ao ser perturbado” (§ 40; nossos grifos).
Em sua “busca de respostas na natureza” como propõe A Esfinge
emersoniana (Estrofe XV, verso 117) Peirce vai procurar “a Tríade no
Desenvolvimento Biológico” nos cinco parágrafos seguintes (§ 41 a 45). Começa por
revisitar Darwin e sua “Teoria Evolucionista” (§ 41), para mostrar como os
“acidentes fortuitos” – o primeiro – se confrontam com “a ação da hereditariedade” –
segundo para levar a “um progresso contínuo e indeterminado rumo a uma melhor
adaptação dos meios aos fins” (§ 41). Cita, então, “um exemplo da sobrevivência do
mais apto” (§ 42) -, sempre através do jogo de cartas -; entretanto, “o mais apto”
seria “menos o indivíduo’ e mais “o tipo” (§ 43), na busca da “eliminação das
características desfavoráveis” (§ 44). No parágrafo seguinte, didaticamente, ele faz
um “resumo das três categorias no desenvolvimento biológico” (§ 45):
O princípio do jogo é o princípio da irregularidade, indeterminação, acaso. Ele
corresponde à errância irregular e múltipla das partículas no estado ativo do
protoplasma. Isso [é] a introdução de algo fresco, primeiro. O /273/ princípio de
hereditariedade é o princípio de determinação de algo pelo que ocorreu antes, o
princípio de compulsão, correspondendo à vontade e aos sentidos. O princípio de
eliminação dos caracteres desfavoráveis é o princípio de generalização ao eliminar
160
os casos esporádicos, correspondendo especificamente ao princípio do
esquecimento na ação do sistema nervoso. Nós temos, então, aqui, uma
reprodução um tanto imperfeita da mesma tríade que antes. Sua imperfeição pode
ser a imperfeição da teoria do desenvolvimento.
Nos cinco parágrafos seguintes (§ 46 a §50), Peirce vai testar sua
“Tricotomia na Física”. Começa por mostrar que “a metafísica é filha da
geometria” (§ 46); depois, volta à questão da “Inexatidão dos Axiomas da
Geometria” (§ 47) e à “conseqüente inexatidão dos Axiomas Metafísicos” (§ 48):
A absoluta exatidão dos axiomas geométricos é explodida; e a crença
correspondente nos axiomas geométricos, considerando a dependência da
metafísica da geometria, deve seguramente segui-la até ao túmulo dos credos
extintos. A primeira a ir deve ser a proposição de que cada evento no universo está
precisamente determinado por causas de acordo com leis invioláveis. Nós não
temos nenhuma razão para pensar que isto é absolutamente exato. A experiência
mostra que assim é até certo maravilhoso ponto de aproximação, e isso é tudo.
Defende, então, que “há um elemento de desordem no universo” que “já era
defendida pelos antigos” (§ 49; nosso grifo). Cita Aristóteles e Lucrécio. E termina
falando do “valor aproximado das proposições científicas” (§ 50).
E eis uma de suas respostas ao enigma d’A Esfinge de Emerson. À afirmação
deste de que “toda a resposta” a uma pergunta feita à natureza – “é uma
mentira” (Estrofe XV, Verso 116), não nada de mal nisso, segundo Peirce, pois “a
única coisa que a inferência a partir da experiência pode alguma vez nos ensinar é o
valor aproximado de uma razão. Tudo se baseia no princípio de amostragem;” (...) “nós
jamais poderemos ter o direito de sustentar que qualquer verdade é exata. A
aproximação deve ser o tecido através do qual a nossa filosofia dever ser
construída” (§ 50; nosso grifo). Eis seu “Falibilismo”.
Os cinco parágrafos seguintes vão mostrar “o que pode e o que não pode
ser explicado” (nosso grifo) - “A indeterminação, então, ou pura primeiridade, e
haeceidade, ou pura segundidade, são fatos que não pedem e não são capazes de
explicação.
A indeterminação não nos fornece nada a partir do qual podemos fazer uma
pergunta; a haeceidade é a ultima ratio, o fato bruto que não será questionado” e
que é “auto-estultificação querer pensar uma coisa que é ininteligível;” que “o
161
desespero é insano e que “Nós devemos, portanto, ser guiados pela regra da
esperança e, conseqüentemente devemos rejeitar toda a filosofia ou concepção
geral do universo que possa levar à conclusão que qualquer fato dado geral é o
último” [§ 51; nossos grifos; parece que estamos lendo o ensaio emersoniano,
Circles (“Círculos”)]. E mais, “[n]ós exageramos o papel desempenhado pela Lei no
Universo” por que não prestamos nenhuma atenção às relações irregulares” (§
52). “A própria Lei se desenvolve a partir do puro acaso” (§ 53; nosso grifo). Isto
se deve ao fato que,
uma vez que a Lei em geral não pode ser explicada por qualquer lei em particular,
a explicação deve consistir em mostrar como a lei é desenvolvida a partir do
acaso, irregularidade e indeterminação pura.
Haveria, portanto, “a necessidade de saber como surgiram as leis do universo” (§
54). Peirce parte, então, de uma “hipótese” (§ 55). Ouçamo-lo:
Uniformidades nos modos de ação das coisas apareceram através de sua
aquisição de hábitos. Atualmente, o curso dos eventos está aproximadamente
determinado pela lei. No passado essa aproximação era menos perfeita; no futuro será
mais perfeita ainda. A tendência a obedecer a leis sempre foi e sempre será o
crescimento. Nós fixamos o olhar em um ponto no passado infinitamente distante
quando o havia lei, mas apenas indeterminação; ansiamos por um ponto no futuro
infinitamente distante quando não haverá indeterminação ou acaso, mas um completo
reino da lei. Mas, em qualquer data assinalável no passado, pouco importa quão cedo,
havia alguma tendência à uniformidade; e, em qualquer data assinalável no futuro,
haverá algum ligeiro desvio da lei. Mais ainda, todas as coisas têm uma tendência
a adquirir hábitos. Dos átomos e suas partes, moléculas e grupos de moléculas, em
suma, em cada objeto real concebível há uma maior probabilidade de agir como numa
ocasião anterior semelhante do que ao contrário. Esta tendência em si constitui uma
regularidade e cresce continuamente. Ao olhar para o passado, olhamos para
períodos quando havia uma tendência mais vaga. Mas sua própria natureza
essencial é crescer. É uma tendência generalizante; ela faz com que as ações no
futuro sigam alguma generalização das ações passadas; e esta tendência é em si
mesma algo capaz de igual generalização; e assim, é auto-generativa. Nós temos,
portanto, apenas que supor o mínimo estímulo dela no passado, e esse germe teria
tido a propensão a desenvolver-se até se tornar um princípio poderoso e dominante,
até que se supere ao fortalecer hábitos e a torná-los leis absolutas que regem a ação de
todas as coisas em cada aspecto em um futuro indeterminado.
Nos últimos oito parágrafos (§ 56 a 63), Peirce fornecerá a sua resposta ao
Enigma d’A Esfinge de Emerson (§ 56), mostrará “a necessidade de transformar
esses elementos de especulação filosófica em hipótese científica” (§ 57), buscará
fazê-lo nos seis parágrafos seguintes (§ 58 a 63). Qual é, então, a sua resposta ao
Enigma d’A Esfinge? “É a de que “há três elementos ativos no mundo, primeiro,
o acaso
; segundo, a lei; e terceiro, a aquisição de hábitos” (§ 56; nossos grifos).
162
Como “transformá-la de especulação filosófica em hipótese científica”? (§
57). Diz Peirce, “Nós devemos mostrar que algum método de deduzir as
características das leis que poderiam resultar neste modo através da ação da aquisição
de hábitos em ocorrências puramente fortuitas, e um método de assegurar se tais
características pertencem às verdadeiras leis da natureza’.
E começa por mostrar que “substâncias e eventos são constituídos por
regularidades” (§ 58) pois “a existência das coisas consiste em seu comportamento
regular” (§ 58) e o próprio caos original (...) era, de fato, um estado de mera
indeterminação, em que nada existia ou realmente acontecia” (§ 58; nosso grifo)
até que desse “útero da indeterminação surgiu um flash” (§ 59). E acrescenta:
Então, pelo princípio do hábito, deve ter havido um segundo flash. Embora o tempo
ainda não existisse, este segundo flash foi, em algum sentido, depois do primeiro,
porque resultou dele. Então teria havido outras sucessões cada vez mais interligadas,
os hábitos e a tendência a adquiri-los cada vez se fortalecendo mais, até que os
eventos se uniram em alguma coisa como um fluxo contínuo.
Descreve, então, “os dois tipos de segundidade” e “o continuum espacial” (§
60); como “com os feixes de hábitos vêm as substâncias (permanentes)” (§ 61); e que
“esta permanência consiste na massa, no momentum e na energia,” fazendo com que “a
teoria case admiravelmente com os fatos(§ 62). Por fim, defende a idéia que “Há uma
gradual tendência à uniformidade da dimensionalidade do espaço” (§ 63):
As substâncias levando seus hábitos consigo em seus movimentos através do
espaço, tenderão a tornar as diferentes partes do espaço semelhantes. Assim, a
dimensionalidade do espaço tenderá gradualmente à uniformidade; e as conexões
múltiplas, exceto no infinito, aonde as substâncias nunca vão, serão obliteradas.
E assim termina a análise estrutural deste seminal ensaio peirceano.
163
CONCLUSÃO
“Posso mencionar, para o benefício daqueles que estão curiosos
em estudar biografias intelectuais que nasci em Boston e fui
criado nos arredores de Concord, - melhor dizendo, em
Cambridge, - em uma época em que Emerson, Hedge e seus
amigos estavam disseminando as idéias que tinham tomado de
Schelling, e este de Plotino, de Boehme, ou sabe Deus de que
mentes acometidas pelo monstruoso misticismo do Oriente. Mas a
atmosfera de Cambridge continha muitos anti-sépticos contra o
transcendentalismo de Concord; e não tenho consciência de ter
contraído qualquer daqueles vírus. Entretanto, é provável que
algum bacilo, alguma forma benigna da doença, tenha se
implantado em minha alma, despercebidamente e que agora, após
longa incubação, ela tenha aflorado, modificada por concepções
matemáticas e investigações físicas.” - Charles Sanders Peirce,
The Law of Mind (1892; “A Lei da Mente”) em EP 2, p. 312-13
& CP 6.102–163 (1892).
A partir do que vimos nas Partes I e II desta Dissertação de Mestrado podemos
concluir que a “influenza” (ver bacilo na epígrafe acima) de Emerson sobre Peirce foi
considerável; e não apenas via “Uma Conjectura ao Enigma” (1887-88) -, mais
relacinado à sua “Arquitetura” – ou mesmo no ensaio “O Que É Um Signo?” (1893).
6
Vejamos, a título de Conclusão, quais são, então, os conceitos (símbolos)
peirceanos, de modo a podermos rever, sumariamente, em que medida eles podem ter
sido influenciados por Emerson?
Central, para Peirce, é a idéia de que “nossa Razão á aparentada (“akin”) à
Razão que governa o Universo; devemos assumir isso ou desesperar de encontrar algo”
[diz Peirce em Excerpts from Letters to William James (25/12/1909; “Excertos de
Cartas a William James”) em EP 2, p. 502]. Vimos que essa idéia estava presente no
primeiro livro de Emerson, Nature (1836; “A Natureza”): “O intelecto busca a ordem
absoluta das coisas conforme elas estão na mente de Deus” (The Selected Writings of
6
O trecho em questão diz: “Os símbolos crescem. Eles vêm à existência por desenvolvimento a partir de
outros signos, particularmente de semelhantes ou de signos mistos que fazem parte da natureza das
semelhanças e mbolos. Nós pensamos apenas através de signos. Estes signos mentais são de natureza
mista; suas partes-símbolo são chamadas de conceitos. Se uma pessoa cria um símbolo novo, é através de
pensamentos envolvendo conceitos. Assim, é apenas através de símbolos que um novo símbolo pode
crescer. Omne symbolum de symbolo. Um símbolo, uma vez extinto, espalha-se entre as pessoas. Em uso
e na experiência, seu significado cresce. Palavras tais como força, lei, riqueza, casamento, carregam para
nós significados muito diferentes daqueles que tiveram para nossos ancestrais bárbaros. O símbolo pode,
com a esfin
ge de Emerson, dizer ao homem, De teu olho eu sou a luz” (Ibid, p. 10; nossos grifos).
164
Ralph Waldo Emerson, p. 13), “[A]s palavras o signos de fatos naturais” (Ibid, 14),
pois “[A] Natureza é o mbolo do espírito” (Ibid, ibidem); “[A]s coisas são
emblemáticas” (Ibid, 15); e mais, “[O] homem está consciente de uma alma universal
dentro e por trás de sua vida individual onde, como no firmamento, as natureza da
Justiça, Verdade, Amor, Liberdade, surgem e brilham. A esta alma universal ele chama
Razão: não é minha, ou sua, ou dele, mas nós somos delae, por isso, “o homem é um
analogista e estuda relações em todos os objetos” (Ibid, ibidem; nossos grifos).
Ora, não é precisamente esta “impessoabilidade” da Razão (ou Intelecto),
aquela que foi descoberta pelos sticos de todos os quadrantes e tempos – vi-mo-la em
Mestre Eckhart (c. 1260 - c.1328), Boehme (1575 - 1624), Swedenborg (1688 -
1772), mas também nas Upanishads (c. 800 AEC) etc. o Idealismo-Objetivo ao qual
Peirce chegou pela via Lógica? E o que é a Semiótica peirceana senão o estudo das
relações entre Objeto, Signo e Interpretante, sem que haja qualquer ênfase no sujeito
psicológico (ou eu empírico)? Pois, para Peirce, “[O] intelecto humano é um
desenvolvimento da racionalidade inerente à natureza” (em The Essential Peirce,
Volume 2, Introdução, p. xiii)
7
e é por isso que podemos confiar de que “todo o
conhecimento nos vem pela observação” [Of Reasoning in General (1895; “Sobre o
Raciocínio em Geral”, em EP 2, p. 24; também em CP 2.282, 286-92, 295-96 E 7.555-
58). E mais,
“Ademais, em todo o seu progresso, a ciência vagamente sente que ela está
apenas aprendendo uma lição. O valor dos fatos, para ela, reside apenas nisto,
que eles pertencem à Natureza; e a Natureza é algo grandioso, e belo, e sagrado,
e terno, e real, - o objeto de sua veneração e sua inspiração [do cientista]” [The
First Rule of Logic (1898; “A Primeira Regra da Lógica” em EP 2, p. 55;
também em MSS 442, 825 & cp 5.574-89 e 7.135-40 e RLT 165-180).
E mais,
“Portanto, se vocês me perguntarem que papel as Qualidades têm na economia
do Universo, eu responderei que o Universo é um vasto representamen, um
grande símbolo do propósito de Deus, elaborando suas conclusões em realidades
de Reações e seus ícones de Qualidades” [The Seven Systems of Metaphysics
(1903; “Os Sete Sstemas de Metafísica’) em EP 2, p. 194; também no MSS 309
e CP 5.77n, 93-11. 114-18, 1.314-16, 5.119, 111-13, 57-58; também em HL 189-
203).
7
“Cada verdade singular da ciência deve-se à afinidade da alma humana ao universo, por mais imperfeita
que essa afinidade seja” [On Phenomenology (1903; “Sobre Fenomenologia”) em EP 2, p. 152)].
165
Para resumir, esta influência da ordem da Razão, como dizem os editores críticos do
The Essential Peirce, Volume 2,
“Esta idéia da mente refletir ou espelhar o cosmos é um dos principais princípios
da filosofia de Peirce. Ver, por exemplo, MS 900, “A Lógica da matemática”,
onde Peirce diz: ‘Sob a Terceira cláusula temos, como dedução do princípio que
o pensamento é o espelho do ser, a lei que o fim do ser e mais alta realidade é a
impessoabilidade (‘impersonation’)
8
viva da idéia que a evolução gera”
[Pearson’s Grammar of Science (1901; “A Gramática da Ci~encia de Perason”)
em EP 2, Nota 5, p. 510].
A segunda grande influência de Emerson ou daqueles que Peirce menciona na
epígrafe, que buscaram (e encontraram) o que Emerson buscou (e encontrou) está
nesse a priori que, como vimos, é a mola propulsora de seu Sinequismo
(evolucionismo) o Dinamismo que anima (não ) o Objeto (tornando-o Dinâmico) -:
o Ágape. Quase que nos é lícito afirmar, agora, que Emerson e Peirce realizaram uma
jornada em direções opostas; enquanto Emerson (1803-82) começou como “místico da
Natureza’ (“Romântico”) e, no fim da vida se tornou após os “fatos brutos”
(Segundidade) de 1842, com a perda do filho, Waldo, e, depois, com a Guerra Civil
(1861-65), mas “realista’ no sentido de se assegurar que a raiz da existência é o “Self
Aborígine”, uma força poderosa que governa o mundo – que, para (o pessimista)
Schopenhauer (1788-1860), “pai de Freud (1856-1939)”, era um “desejo cego” e
“irrefreável”, mas que Nietzsche (1844-1900), “discípulo de Emerson”, soube ver com
otimismo -; Peirce começou sua jornada como “realista” (lógico), mas no fim da vida
foi se tornando mais “metafísico”, mais “poético”
9
e, até um leitor de Swedenborg (após
1893) e estudioso do Budismo.
10
8
Sobre a “impessoabilidade” e as Upanishads, Peirce diz, surpreendentemente, no ensaio Immortality in
the Light of Synechism (1893; “A Imortalidade à Luz do Sinequsimo”): “Uma pessoa é capaz de uma
consciência espiritual, que o constitui como uma das verdades eternas, que está encarnada no universo
como um todo. Esta é uma idéia arquetípica que jamais falhará” (...) [e] “quando a consciência carnal se
for, com a morte, nós, de uma vez por todas, perceberemos que o tempo todo fomos uma consciência
espiritual viva [Self] que, enquanto vivos, confundimos com alguma coisa diferente [ego]” (EP 2, p. 3;
nosso grifo).
9
Ouco você dizer: ‘Tudo isso não é fato; é poesia’. Bobagem! Poesia ruim e falsa, concedo; mas nada é
mais verdadeiro do qe a verdadeira poesia. E permitam-me dizer aos homens de ciência que os artistas
são observadores mais refinados e exatos do que eles, exceto por aquelas minúcias pelas quais o homem
da ciência procura. Ouço-os dizer: ‘Isso tem cheiro de concepção antropomórfica’. Respondo que toda a
explicação científica de um fenômeno natural é uma hipótese de qua algo na natureza ao que a razão
humana é análoga” [The Seven Systems of Metaphysics (1903; “Os Sete Sistemas de Metafísica”) em EP
2, p. 193; também no MSS 309 e CP 5.77n. 93-11, 114-18, 1.314-16, 5.119, 111-13, 57-58; também em
HL 189-203; nossos grifos] & “[O
] Universo como um argumento é necessariamente uma grande obra de
arte, um grande poema -, pois cada argumento refinado é um poema e uma sifonia -, assim como cada
166
Mas, como “Poder” ou “Amor”, tanto um quanto outro, como vimos, estão
enraizados no Desejo (o “Eros” do “Banquete” de Platão), na Vontade (de Scotus,
Fichte e Schelling), no “id” de Freud e, portanto, o que têm em comum é um genuíno
horror ao primado do “cogito” cartesiano. Saber-se Vontade envolve (1º) uma genuína
desconfiança de que a Razão
11
possa dar conta do Real (ao invés de espelhá-lo e com
ele aprender, como vimos acima) cujos “limites”, devem a Kant; e, (2º) uma aptidão,
como queria Fichte, para a Ação; daí o pragmatismo de ambos.
Para Emerson, “[A] verdadeira história que o mundo existe para realizar
será a tranformação do gênio em poder prático [SWRWE, Experience
(“Experiência”), p. 364; nosso grifo).
12
Mas os dois estão munidos daquele otimismo
próprio das civilizações jovens e pioneiras: se Emerson acredita eis sua “Ética de
Auto-Melhoramento”, segundo Cavell que a sociedade deve oferecer oportunidades
para que os indivíduos possam se tornar pelo cultivo da “Confiança no Si-Mesmo”
[“Self-aborígene”; em Self-Reliance (1841; “Sobre a Confiança o Si-mesmo”)] em
pessoas de “caráter”, que, para ele, “é superior ao intelecto” o pragmatismo e Peirce
distingue-se pelo constante recurso à reflexão daí tê-lo batizado de Pragmaticismo
para que a nossa Conduta possa se tornar “admirável”.
Por fim, ambos sabiam da existência de um elemento caótico no Universo; é o
que Cavell cunhou de sua “Epistemologia de Estados de Espírito” (Sentimento). Peirce
concedeu-lhe uma Categoria em sua Fenomenologia (Primeiridade), mostrou que é
desses elementos (Qualia) que a Arte é feita (Estética) e deu-lhe foro Metafísico, tanto
na Ontologia (Indeterminismo) quanto na Cosmologia e na Metafísica Religiosa (as
“Musas” do “Argumento Negligenciado”; 1908): é nesse ponto que rompe o
continuum temporal, no “instante”, que reside a Liberdade, a Criatividade e a Abdução.
poema verdadeiro é um argumento sólido. Mas compare-mo-lo com uma pintura -, com um quadro
impressionista de uma paisagem à beira-mar” (Ibid, p. 194; nossos grifos).
10
Joseph Brent cita Peirce: “Minhas experi~encias dos últimos anos foram calulcadas para me trazer
Swedenborg de volta a casa com muita freqüência” 9CSP para WJ, 13/12/1897, James, HU). Brent diz-
nos que Peirce passou a estudar o Budismo (JB, p. 2610 e a vê-lo como sendo “superior à nossa religião”
(JB, p. 314); naturalmente, devido à sua “impessoabilidade”.
11
Quanto à genuína desconfiança dos limites da Razão, o ensaio de Emerson, Circles (1841; “Círculos”)
é emblemático; é o que Stanley Cavell denominou de sua “Metafísica do Processo”. Peirce, no ensaio
“Uma Conjectura ao Enigma” (1887-88), como vimos, pôs- em cheque até os axiomas geométricos.
12
No mais extraordinário ensaio de Emerson, Literary Ethics (24/7/1838; “Ética Literária”), como vimos,
Emerson diz: “Que ele [o scholar] primeiro aprenda sobre as coisas” (...) [pois] “o verdadeiro suecesso
está no fazer” (nosso grifo).
167
Para nós foi um privilégio ter cotejado a obra destes dois expoentes da filosofia
norte-americana, embora cientes de que, por seu caráter hipoicônico (CSP), “o perfeito
enigma permanece” (RWE).
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193
ANEXOS
Anexo 1. A tradução do poema “A Esfinge” ( 1841;1867) de RWE.
I
Verso 1 The Sphinx is drowsy, A Esfinge está sonolenta,
Verso 2 Her wings are furled: Suas asas estão recolhidas:
Verso 3 Her ear is heavy, Sua audição está modorrenta,
Verso 4 She broods on the world. Triste, sobre o mundo, medita.
Verso 5 “Who’ll tell me my secret, “Quem meu segredo me dirá,
Verso 6 The ages have kept? O que as eras encobriram? _
Verso 7 I awaited the seer Eu esperei o profeta
Verso 8 While they slumbered and slept: _ Enquanto eles cochilaram e dormiram: _
II
Verso 9 “The fate of the man-child, “O destino do homem-criança,
Verso 10 The meaning of man; O significado do ser humano;
Verso 11 Known fruit of the unknown; Conhecido fruto do desconhecido;
Verso 12 Daedalian plan; Plano dedaliano;
Verso 13 Out of sleeping a waking, Do sono ao despertar,
Verso 14 Out of waking a sleep; Do despertar ao sono profundo;
Verso 15 Life death overtaking; A vida à morte a ultrapassar;
Verso 16 Deep underneath deep? Fundo sob fundo?
III
Verso 17 Erect as a sunbeam, Ereta como um raio de sol,
Verso 18 Upspringeth the palm; A palmeira cresce palmo a palmo;
Verso 19 The elephant browses, O elefante pasta,
Verso 20 Undaunted and calm; Indômito e calmo;
Verso 21 In beautiful motion Com movimentos belos
Verso 22 The thrush plies his wings; O tordo suas asas comanda;
Verso 23 Kind leaves of his covert, Gentis folhas de seu esconderijo,
Verso 24 Your silence he sings. Teu silêncio ele canta.
IV
Verso 25 “The waves, unashaméd, “As ondas, sem pejo,
Verso 26 In difference sweet, Docemente diferentes em tudo,
Verso 27 Play glad with the breezes, Brincam prazerosas com as brisas,
Verso 28 Old playfellows meet; Se encontram como velhos amigos de ludo;
Verso 29 The journeying atoms, Os átomos em jornada,
Verso 30 Primordial wholes, Primordiais totalidades,
Verso 31 Firmly draw, firmly drive, Firmemente desenham e dirigem,
Verso 32 By their animate poles. Por suas animadas polaridades.
V
Verso 33 “Sea, earth, air, sound, silence, Mar, terra, ar, som, silêncio,
Verso 34 Plant, quadruped, bird, Planta, quadrúpede, ave,
Verso 35 By one music enchanted, Por uma música encantados,
Verso 36 One deity stirred, _ Uma agitada deidade, _
Verso 37 Each the other adorning, Uma à outra adornando,
Verso 38 Accompany still; Vindo em seu socorro;
Verso 39 Night veileth the morning, A noite a manhã velando,
Verso 40 The vapor the hill. E o vapor o morro.
194
VI
Verso 41 “The babe by its mother O bebê ao lado de sua mãe
Verso 42 Lies bathéd in joy; Jaz banhado em enlevo;
Verso 43 Glide its hours uncounted, _ Planam suas horas incontáveis, _
Verso 44 The sun is its toy; O sol é seu brinquedo;
Verso 45 Shines the peace of all being, Brilha a paz de todo o ser,
Verso 46 Without cloud, in its eyes; Seus olhos nenhuma nuvem traz;
Verso 47 And the sum of the world E o mundo em sua totalidade
Verso 48 In soft miniature lies. Em delicada miniatura jaz.
VII
Verso 49 “But man crouches and blushes, Mas o homem se encolhe e ruboriza,
Verso 50 Absconds and conceals; Escapule e oculta;
Verso 51 He creepeth and peepeth, Ele move-se furtivamente e espreita,
Verso 52 He palters and steals; Ele trapaceia e furta;
Verso 53 Infirm, melancholy, Enfermo, deprimido,
Verso 54 Jealous glancing around, Ciumento, de soslaio mira a cena,
Verso 55 An oaf, an accomplice, Um bronco, um cúmplice,
Verso 56 He poisons the ground. Ele o solo envenena.
VIII
Verso 57 “Out spoke the great mother, “A grande mãe falou,
Verso 58 Beholding his fear; _ Pois o temor dele considera; _
Verso 59 At the sound of her accents Ao som de seus sotaques
Verso 60 Cold shuddered the sphere: _ De frio tremeu a esfera: _
Verso 61 ‘Who has drugged my boy’s cup?‘Quem envenenou o copo de meu filho?
Verso 62 Who has mixed my boy’s bread? Quem o pão de meu filho amassou?
Verso 63 Who, with sadness and madness, Quem, com tristeza e loucura,
Verso 64 Has turned my child’s head? A cabeça de minha criança virou?
IX
Verso 65 I heard a poet answer Um poeta responder
Verso 66 Aloud and cheerfully, Alto e alegremente, ouvi;
Verso 67 “Say on, sweet Sphinx! thy dirges “Fala, doce Esfinge! Teus cantos fúnebres
Verso 68 Are pleasant songs to me. São canções prazerosas para mim.
Verso 69 Deep love lieth under Sob as imagens do tempo
Verso 70 These pictures of time; O amor profundo se há alojado;
Verso 71 They fade in the light of Elas esmaecem ante a luz
Verso 72 Their meaning sublime. De seu sublime significado.
X
Verso 73 “The fiend that man harries “O inimigo que o homem persegue
Verso 74 Is love of the Best; É o amor pelo que não pode ser melhorado;
Verso 75 Yawns the pit of the Dragon, Escancara-se o abismo do Dragão,
Verso 76 Lit by rays from the Blest. Pelos raios dos Abençoados iluminado.
Verso 77 The lethe of Nature O esquecimento da Natureza
Verso 78 Can’t trance him again, Hipnotizá-lo de novo não conseguirão,
Verso 79 Whose soul sees the perfect, Àquele cuja alma vê o perfeito,
Verso 80 Which his eyes seek in vain. Que seus olhos buscam em vão.
195
XI
Verso 81 “To vision profounder, “Para uma visão mais profunda,
Verso 82 Man’s spirit must dive; O espírito do homem deve mergulhar;
Verso 83 His eye-rolling orb Sua sempre-rolante órbita
Verso 84 At no goal will arrive; A nenhuma meta há de chegar;
Verso 85 The heavens that now draw him Os espaços celestes que agora o atraem
Verso 86 With sweetness untold, Com doçuras indizíveis,
Verso 87 Once found, _ for new heavens Uma vez descortinados, _ por novos céus
Verso 88 He spurneth the old. Ele os achará desprezíveis.
XII
Verso 89 “Pride ruined the angels, “O orgulho arruinou os anjos,
Verso 90 Their shame them restores; Recuperou-os o fato de se envergonhar;
Verso 91 Lurks the joy that is sweetest O mais doce dos gozos em ferroadas
Verso 92 In stings of remorse. De remorso há de se encontrar.
Verso 93 Have I a lover Tenho acaso um amante
Verso 94 Who is noble and free? _ Que é nobre e tem livre passe? _
Verso 95 I would he were nobler Quisera que ele fosse mais nobre
Verso 96 Than to love me. Do que me amasse.
XIII
Verso 97 “Eterne alternation “Eterna alteração
Verso 98 Now follows, now flies; Ora segue, ora voa;
Verso 99 And under pain, pleasure, _ E sob a dor, prazer _
Verso 100 Under pleasure, pain lies. Sob o prazer, a dor que não escoa.
Verso 101 Love works at the center, O amor atua no centro,
Verso 102 Heart-heaving alway; Sempre fazendo o coração bater;
Verso 103 Forth speed the strong pulses Para adiante avançam os pulsos fortes
Verso 104 To the borders of day. Até o dia anoitecer.
XIV
Verso 105 “Dull Sphinx, Jove keep thy five wits’ “Apática Esfinge, que Júpiter mantenha
[vossa agudeza de espírito]
Verso 106 Thy sight is growing blear; Tua visão está ficando turva;
Verso 107 Rue, myrrh and cummin for the Sphinx, Arruda, mirra e cominho para a
[Esfinge,]
Verso 108 Her muddy eyes to clear!” Para promover, da lama de seus olhos, a purga!”
Verso 109 The old Sphinx bit her thick lip, _ A velha Esfinge mordeu seu lábio grosso, _
Verso 110 Said, “Who taught thee me to name? Disse, “Quem te ensinou a me nomear?
Verso 111 I am thy spirit, yoke-fellow; Eu sou o teu espírito, companheiro;
Verso 112 Of thine eye I am eyebeam. De teu olho eu sou o olhar.
XV
Verso 113 “Thou art the unanswered question; “Tu és a pergunta sem resposta;
Verso 114 Couldst see thy proper eye, Pudesses ver teu próprio olho,
Verso 115 Alway it asketh, asketh; Ele não para de perguntar, perguntar;
Verso 116 And each answer is a lie. E cada resposta é uma mentira.
Verso 117 So take thy question through nature, Então leva tua pergunta à natureza,
Verso 118 It through thousand natures ply; Que mil perguntas à naturezas se faça;
Verso 119 Ask on, thou clothed eternity; Pergunta sem cessar, tu, eternidade vestida;
Verso 120 Time is the false reply. O tempo é a resposta falsa.
196
XVI
Verso 121 Uprose the merry Sphinx, Ergueu-se a feliz Esfinge,
Verso 122 And crouched no more in stone; E não mais submetida, servilmente, à pedra;
Verso 123 She melted into purple cloud, Ela esfumou-se em púrpura nuvem,
Verso 124 She silvered in the moon; Ela, prateou-se na lua onde, agora, medra;
Verso 125 She spired into a yellow flame; Ela espiralou em uma chama amarela;
Verso 126 She flowered in blossoms red; Em florescências vermelhas aflorou;
Verso 127 She flowed into a foaming wave: Em uma onda espumante ela fluiu:
Verso 128 She stood Monadnoc’s head. Ela, a cabeça de Monadnoc, sustentou.
XVII
Verso 129 Through a thousand voices Através de mil vozes
Verso 130 Spoke the universal dame: A dama universal falou:
Verso 131 “Who telleth one of my meanings “Quem decifrar um só de meus significados
Verso 132 Is master of all I am.” É senhor de tudo o que sou.”
197
Anexo 2. A tradução do ensaio “Uma Conjectura ao Enigma” (1887-88) de CSP.
§ 1 (CP 1.354) Capítulo 1. Um, Dois, Três. Já escritos.
1
Capítulo 2. A tríade do raciocínio. Intocada.
2
Deverá ser feita do seguinte modo. 1.
Três tipos de signos; como melhor demonstrado no meu último ensaio no Am. Jour.
Mat
3
. 2. Termo, proposição, e argumento, mencionados no meu ensaio sobre uma
nova lista de categorias.
4
3. Três tipos de argumento[:] dedução, indução, hipótese,
como mostrado no meu ensaio Estudos em Lógica (Studies in Logic).
5
Também três
figuras de silogismo, como mostradas e em meu ensaio sobre a classificação de
argumentos.
6
4. Três tipos de termos[:] absoluto, relativo, e conjugativo, como
mostrado no meu primeiro ensaio sobre a Lógica dos Relativos.
7
várias outras
tríades às quais podemos nos referir. As divisões duais da lógica resultam de um
modo falso de olhar para as coisas de modo absoluto. Assim, além de afirmativas e
negativas, há realmente enunciações prováveis, que são intermediárias. Portanto,
além de universais e particulares, todos os tipos de proposições de quantidade
numérica. Por exemplo, a proposição particular Algum A é B, significa Pelo menos
um A é B. Mas nós também podemos dizer Pelo menos 2 As são Bs. Também, Todos
os As exceto um são Bs, etc. etc. ad infinitum. Passamos da quantidade dual, ou um
sistema de quantidade tal como o da álgebra booliana, onde apenas dois valores,
para a quantidade plural.
Capítulo 3. A tríade na metafísica. Este capítulo[,] um dos melhores, é para tratar da
teoria da cognição.
Capítulo 4. A tríade na psicologia. A maior parte está escrita.
Capítulo 5. A tríade na fisiologia. A maior parte está escrita.
Capítulo 6. A tríade na biologia. Isto é para mostrar a verdadeira natureza da hipótese
darwiniana.
Capítulo 7. A tríade na sica. O capítulo germinal. 1. A necessidade da uma história
natural das leis da natureza para que possamos ter alguma noção do que esperar. 2. O
postulado lógico, pois a explicação proíbe que se assuma qualquer absoluto. Quer
2
Embora Peirce provavelmente nunca tenha escrito este capítulo, sua substância pode ser prontamente
deduzida a partir dos cinco ensaios aos quais ele se refere (e que estão identificados nas cinco
próximas notas). Para este capítulo, os editores dos Collected Papers usaram parte do MS 901 (W
5.242-47).
3
Ver item 16.
4
Ver item 1.
5
Ver “Uma teoria de inferência provável” (“A Theory of Probable Inference”; W 4.408-50).
6
Ver “Na classificação natural de argumentos” (“On the Natural Classification of Arguments”; W
2.23-48).
7
Ver “Descrição de uma notação para a lógica dos relativos” (“Description of a Notation for the Logic
of Relatives”; W 2.23-48).
198
seja, ele pede a introdução da terceiridade. 3. A metafísica é uma imitação da
geometria; e os matemáticos tendo-se declarado contra os axiomas, os axiomas
metafísicos estão destinados a cair também. 4. Acaso absoluto. 5. A universalidade
do princípio do hábito. 6. Toda a teoria exposta. 7. Conseqüências. Capítulo 8. A
tríade na sociologia ou devo dizer pneumatologia. Que a consciência é um tipo de
espírito público entre as células nervosas. O homem como uma comunidade de
células; animais compostos e plantas compostas; sociedade; natureza. Sentimento
subentendido na primeiridade.
Capítulo 9. A tríade na teologia. A fé requer que sejamos materialistas sem vacilo.
8
§ 2 Erigir um edifício filosófico que sobreviverá às vicissitudes do tempo, meu
cuidado deve ser não tanto colocar cada tijolo com o mais precisamente possível
quanto construir fundações fundas e sólidas. Aristóteles construiu sobre alguns
poucos conceitos deliberadamente escolhidos tais como matéria e forma, ato e
potência muito amplos e, em seu esboço, vagos e tacanhos, mas sólidos,
inabaláveis, e não facilmente solapáveis; e daí o que aconteceu é que o aristotelismo
é balbuciado em cada berçário a ponto do “English Common-Sense,” por exemplo,
ser totalmente peripatético e, do mais comum dos homens viverem tão
completamente dentro da casa do estagirita que o que quer que vejam pelas janelas
parece-lhes incompreensível e metafísico. Há muito que está mais do que claro que,
embora estejamos credulamente habituados a ele, a velha estrutura não servirá para
as necessidades modernas; e analogamente, sob Descartes, Hobbes, Kant e outros,
reparos, alterações, e demolições parciais vêm sendo realizadas nos /247/ últimos
trezentos anos. Um sistema, também, está solidamente estabelecido; refiro-me à nova
mansão de Schelling e Hegel, que recentemente caiu no gosto dos alemães, mas com
tantos lapsos em sua construção que, embora novinha em folha, está declarada
inabitável. O empreendimento que este volume inaugura é o de criar uma filosofia
como aquela de Aristóteles, quer seja, a de esboçar uma teoria tão
compreensivelmente ampla que, durante muitos anos, todo o trabalho da razão
humana, em cada escola e tipo de filosofia, em matemática, psicologia, nas ciências
físicas, em história, na sociologia, e seja em que outro departamento possa haver,
nada mais será que preencher seus detalhes. O primeiro passo rumo a isto é o de
encontrar conceitos simples aplicáveis a cada assunto.
§ 3 Mas antes de qualquer coisa, que me seja permitido falar a meu leitor, e expressar
minha mais sincera estima por ele e o profundo prazer que sinto ao dirigir-me a
alguém tão sábio e paciente. Eu conheço seu caráter muito bem, pois tanto o assunto
e o estilo deste livro asseguram que ele é um em milhões. Ele compreenderá que este
ensaio não foi escrito com o propósito de confirmar suas opiniões preconcebidas, e
ele não se daria ao trabalho de lê-lo se tivesse sido. Ele está preparado para dar de
cara com proposições com que ele estará inclinado, de início, a discordar; e ele
parece estar convencido de que algumas delas são verdadeiras, ao fim e ao cabo. Ele
refletirá, também, que a elaboração e a escrita deste livro levou, não direi quanto
tempo, decerto mais do que um quarto de hora e, conseqüentemente, objeções
8
Os próximos dois parágrafos, uma das tais três afirmações de aberturas escritas à máquina para o
livro de Peirce, são tiradas dos CP 1.1-2, onde elas servem de Prefácio para os Collected Papers; o
texto datilografado original não mais existe.
199
fundamentais de natureza tão óbvia que elas hão de chocar todo mundo
instantaneamente terão ocorrido ao leitor, embora as respostas a elas possam não ser
do tipo cuja força máxima possa ser imediatamente apreendida.
CAPÍTULO I. TRICOTOMIA
§ 4 (CP 1.355) Talvez deva começar notando como números diferentes encontraram
seus defensores. O Dois foi elogiado por Peter Ramus, o Quatro por Pitágoras, o
Cinco por Sir Thomas Browne, e assim sucessivamente. De minha parte, não sou um
inimigo determinado de nenhum número inocente; respeito-os e estimo-os de todas
do modo variado que são; mas sou forçado a confessar-me inclinado pelo número
três na filosofia. Na verdade, faço tamanho uso das divisões tripartites em minhas
especulações que parece melhor começar por realizar um rápido estudo preliminar
das concepções sobre as quais todas essas divisões devem repousar. Com isso refiro-
me a nada menos do que as idéias de Primeiro, Segundo, Terceiro, - idéias tão
amplas que poderiam ser vistas, ao invés, mais como disposições de ânimo ou
tonalidades de pensamento, do que como noções explícitas, mas que têm enorme
significado para tudo isso. Vistos como numerais, a serem empregados a quaisquer
objetos que queiramos, eles são, na verdade, tênues esqueletos do pensamento, senão
meras palavras. Se quiséssemos fazer enumerações, este não seria o lugar
apropriado para perguntar pelo significado dos números que teríamos que usar; /248/
mas, então, as distinções da filosofia têm a obrigação de tentar alguma coisa mais
que isso; tenciona-se, através delas [das categorias] descer à própria essência das
coisas, e se tivermos que criar uma única distinção filosófica tripartite, cabe-nos
perguntar, de antemão, quais são os tipos de objetos que são primeiro, segundo e
terceiro, não para ser assim contados, mas em sua própria e verdadeira índole. Que
tais idéias do verdadeiramente Primeiro, Segundo e Terceiro, nós logo
encontraremos razões para admiti-lo.
§ 5 (CP 1.356) O Primeiro é aquilo cujo ser é/está simplesmente em si mesmo, não
se referindo a seja o que for nem subjazendo coisa alguma. O Segundo é aquilo
que é o que é por força de alguma coisa para o qual é segundo. O Terceiro é aquilo
que é o que é graças às coisas entre as quais ele medeia e que coloca em relação uma
à outra.
§ 6 (CP 1.357) A idéia do absolutamente Primeiro deve ser totalmente separada de
toda a concepção ou referência a seja o que for; pois o que envolve um segundo é
ele mesmo um segundo para esse segundo. O Primeiro deve, portanto, estar presente
e [ser] imediato, para que não seja segundo para uma representação. Deve ser viçoso
e novo, pois que se [for] velho ele é segundo para seu estado anterior. Ele deve ser
iniciativo, original, espontâneo e livre; senão ele é segundo para uma causa
determinante. Ele é, também, algo vívido e consciente; pois assim ele evita ser o
objeto de alguma sensação. Ele precede toda a ntese e toda a diferenciação: ele não
possui qualquer unidade ou partes. Ele não pode ser articuladamente pensado:
afirme-o e perdeu sua inocência característica; pois uma afirmação sempre implica
uma negação de alguma outra coisa. Pare de pensar nisso e... foi-se! O que o mundo
era para Adão no dia em que ele abriu os olhos para vê-lo, antes que tivesse chegado
a quaisquer distinções, ou tivesse se tornado consciente de sua própria existência, -
isso é primeiro, presente, imediato, viçoso, novo, iniciativo, original, espontâneo,
200
livre, vívido, consciente, e evanescente. Lembre-se apenas do seguinte: toda e
qualquer descrição dele deve ser falsa para ele mesmo.
§ 7 (CP 1.358) Assim como o primeiro não é absolutamente primeiro se pensado
com um segundo, do mesmo modo, para pensar o Segundo em sua perfeição, nós
devemos banir todo terceiro. O Segundo é, portanto, o último absoluto. Mas nós não
precisamos, e não devemos, banir a idéia do primeiro a partir do segundo; pelo
contrário, o Segundo é precisamente aquele que não pode ser sem o primeiro. Ele
encontra-nos em fatos tais como o Outro, a Relação, a Compulsão, o Efeito, a
Dependência, a Independência, a Negação, a Ocorrência, a Realidade, o Resultado.
Uma coisa não pode ser outra, negativa, ou independente, sem um primeiro para, ou
do qual ela será outra, negativa, ou independente. Ainda assim, esta não é um tipo de
segundidade muito profunda; pois o primeiro poderá, nestes casos, ser destruído e
ainda assim deixar o verdadeiro caráter (the real character) do segundo
absolutamente inalterado. Quando o segundo sofre alguma mudança a partir da ação
do primeiro, e é dependente dele, a segundidade é mais genuína. Mas a dependência
não deve chegar a ponto de o segundo ser um mero acidente ou incidente /249/ do
primeiro; senão a segundidade degenera novamente. O segundo genuíno sofre e, no
entanto, resiste, feito matéria morta, cuja existência consiste em sua inércia. Note,
também, que para que o Segundo tenha a Finalidade que, vimos, lhe pertence, ele
deve ser determinado pelo primeiro impassivelmente e, doravante estar fixo; de tal
modo que a fixidez inalterável se torne um de seus atributos. Nós encontramos a
segundidade na ocorrência porque uma ocorrência é algo cuja existência consiste em
batermos de frente com ela. Um fato bruto é do mesmo tipo; em outras palavras, é
algo que está e de que não posso me livrar pelo pensamento, mas sou obrigado a
reconhecer como um objeto ou segundo além de mim mesmo, o sujeito ou número
um, e que forma o material para o exercício de minha vontade.
§ 8 A idéia de segundo deve ser reconhecida como sendo fácil de compreender. A de
primeiro é tão delicada que você não consegue tocá-la sem a macular; mas a de
segundo é notavelmente dura e tangível. É muito familiar, também; é-nos impingida
diariamente; é a principal lição de vida. Na juventude, o mundo é viçoso e parecemos
livres; mas a limitação, o conflito, a coerção e a segundidade geralmente perfazem o
ensinamento da experiência. Com que primeiridade
A barca velada zarpa de sua baía nativa;
com que segundidade
el’ Hade(s) volver,
Com o costado descorado e as velas esfarrapadas.
9
Entretanto, embora a noção nos seja familiar ou quão compelidos somos a
reconhecê-la em cada esquina, ainda assim jamais podemos dar conta dela; nós
jamais podemos estar imediatamente conscientes da finitude, ou de alguma coisa
senão de uma liberdade divina que, em sua própria primeiridade original, não
conhece limites.
9
“The scarfed bark puts from her native bay; / doth she return, / With overweathered ribs and ragged
sails.” Shakespeare, O Mercador de Veneza, 2.6.15-18. (Tradução de L. M. Louceiro).
201
§ 9 (CP 1.359) Primeiro e Segundo, Agente e Paciente, Sim e Não, são categorias
que nos capacitam, imperfeitamente, a descrever os fatos da experiência, e eles
satisfazem a mente por um grande período de tempo. Mas, por fim, eles tornam-se
inadequados, e o Terceiro é a concepção que é então exigida. O Terceiro é aquele
que transpõe o abismo entre o absolutamente primeiro e último, e os coloca em
relação. É-nos dito que toda a ciência tem seu estágio Qualitativo e seu estágio
Quantitativo; pois bem, seu estágio qualitativo se quando distinções duais, - quer
um dado sujeito possua um dado predicado ou não, - bastam; o estágio quantitativo
se quando, não mais satisfeito com tais distinções grosseiras, nós exigimos a
inserção de um possível meio-termo entre cada uma das duas possíveis condições do
sujeito em relação à sua posse da qualidade indicada pelo predicado. A antiga
mecânica reconhecia forças como causas que produziam movimento como seus
efeitos imediatos, não averiguando além do que /250/ a relação essencialmente dual
de causa e efeito. Foi por isso que ela não foi capaz de fazer nenhum progresso com a
dinâmica. O trabalho de Galileu e seus sucessores mostrou que forças o
acelerações através das quais um estado de velocidade é gradualmente atingido. As
palavras causa e efeito ainda subsistem, mas as velhas concepções foram
descartadas da filosofia mecânica; pois o que agora sabemos de fato é que em certas
posições relativas, os corpos submetem-se a certas acelerações. Pois bem, uma
aceleração, ao invés de ser, como uma velocidade, uma relação entre duas posições
sucessivas, é uma relação entre três; de tal modo que a nova doutrina consiste na
apresentação apropriada da concepção de Terceiridade. Sobre esta idéia foi erigida
toda a física moderna. A superioridade da geometria moderna também se deve a nada
mais do que à transposição de inúmeros casos distintos com os quais a antiga ciência
estava estorvada; e podemos mesmo dizer que todos os grandes passos no método da
ciência, em cada departamento, têm consistido em pôr em relação casos
anteriormente discretos.
10
§ 10 (CP 1.360) Podemos facilmente reconhecer o homem cujo pensamento está
principalmente no estágio dual por seu desmesurado uso da linguagem. Em dias
pretéritos, quando ele era natural, tudo com ele era irrestrito, absoluto, inefável, total,
inigualável, supremo, inqualificável, raiz e ramos; mas hoje em dia isso é
depreciativo, ele fica marcado pela ridícula inadequação de suas expressões. O
princípio da contradição é a pedra-de-toque de tais mentes; para desaprovar uma
proposição eles sempre tentarão provar que há uma contradição escondida nela,
pouco importa que ela seja tão clara e compreensível como um dia claro. Aponte, por
diversão, a tremenda despreocupação com a qual a matemática, desde a invenção do
cálculo, caminha por si só, dando tanta bola para a mordacidade dos vendedores-de-
contradições quanto um encouraçado para um forte americano.
§ 11 (CP 1.361) Já vimos que é a consciência imediata que é preeminentemente
primeira; a coisa externa inerte é preeminentemente segunda. De modo análogo, é
evidentemente a representação mediando estas duas que é preeminentemente terceira.
Outros exemplos, entretanto, não devem ser negligenciados. O primeiro é agente, o
segundo paciente, o terceiro é a ação através da qual o anterior influencia o último.
Entre o início como primeiro, e o fim como último, vem o processo que leva do
primeiro ao último.
§ 12 (CP 1.362) De acordo com os matemáticos, quando medimos ao longo de uma
linha, fosse nossa régua substituída por outra marcada em uma barra rígida
10
Ver item 14, onde Peirce discute esta questão em maior detalhe.
202
infinitamente longa, então, em todos os deslocamentos dela, que fazemos com o
propósito de aplicá-los a porções sucessivas da linha a ser medida, dois pontos nessa
barra permaneceriam fixos e imóveis. A esse par de pontos, os matemáticos acordam
o título de o absoluto; esses são os pontos que estão a uma distância infinita numa
direção e noutra como /251/se medidos por essa barra. Estes pontos são ou realmente
distintos, coincidentes, ou imaginários (em cujo caso não senão uma distância
finita completamente ao redor da linha), de acordo com a relação entre o modo da
mensuração para a natureza da linha sobre a qual a mensuração é feita. Estes dois
pontos são o absoluto primeiro e o absoluto último ou segundo, ao passo que cada
ponto mensurável na linha é da natureza de um terceiro. Já vimos que a concepção do
absoluto primeiro frustra toda tentativa de compreendê-lo; e assim, em outro sentido,
é o que se dá com o absoluto segundo; mas não há terceiro absoluto, pois o terceiro é,
por sua própria natureza, relativo, e isto é o que nós estamos sempre pensando,
mesmo quando nosso alvo é o primeiro ou o segundo. O ponto de partida do
universo, o Deus Criador, é o Primeiro Absoluto; o fim do universo, Deus
completamente revelado, é o Segundo Absoluto; cada estado do universo, em um
ponto mensurável do tempo, é o terceiro. Se você acha que o mensurável é tudo o
que há, e negar-lhe qualquer tendência exprimível de onde ou para onde, então você
está considerando o par de pontos que fazem o absoluto ser imaginário e é um
epicurista. Se você sustentar que uma mudança definitiva no curso da natureza
como um todo, mas ainda assim acredita que seu fim absoluto é nada senão o
nirvana, do qual saiu, vofaz os dois pontos do absoluto ser coincidentes, e é um
pessimista. Mas, se sua crença é que todo o universo está se aproximando, em um
futuro infinitamente distante, de um estado que possui um caráter geral, diferente
daquele na direção do qual vemos atrás, no passado infinitamente distante, você
faz o absoluto consistir de dois pontos reais distintos e é um evolucionista.
*
§ 13 Este é um dos problemas a respeito do qual um homem só pode aprender a
partir de suas próprias reflexões, mas eu acredito que se minhas sugestões forem
seguidas, o leitor dará como certo que Um, Dois, Três são mais que palavras de
contagem como “una, dena, tena, gandela”, mas contêm idéias amplas, embora
vagas.
§ 14 (CP 1.363) Mas perguntar-se-á, por que parar no três? Por que não continuar
para encontrar uma // nova concepção em / idéia distinta para // Quatro, Cinco, e por
afora, indefinidamente? A razão é que, enquanto é impossível formar um três
genuíno através de qualquer modificação do par, sem introduzir algo de natureza
diferente da unidade e do par, sem introduzir alguma coisa de natureza diferente da
unidade e do par, quatro, cinco, e qualquer número mais elevado pode ser formado
pela mera complicação dos três. Para tornar isto claro, primeiro darei um exemplo. O
fato que A presenteia B com um presente C, é uma relação tripla e, como tal, não
pode ser resolvida em qualquer combinação de relações duais. De fato, a própria
/252/ idéia de combinação envolve essa da terceiridade, pois uma combinação é algo
que é o que é devido às partes que ela coloca em relação mútua. Mas nós podemos
abrir mão dessa consideração e ainda assim não podemos construir o fato que A
presenteia C a B através de qualquer agregado de relações duais entre A e B, B e C, e
C e A. O A pode enriquecer B, B pode receber C, e A pode separar-se de C, e, no
entanto, A não precisa, necessariamente, dar C a B. Por isso, seria necessário que
*
A última visão é essencialmente a da teologia cristã, também. Os teólogos sustentam que o universo
físico é finito, mas considerando esse universo que eles admitirão ter existido desde todo o sempre,
pareceria estar em uma condição no final daquela que estava no início, toda a criação espiritual tendo
sido completada, e submetida [à lei].
203
estas três relações duais não apenas coexistissem, mas fossem soldadas em um
mesmo fato. Assim, vemos que uma tríade não pode ser analisada em díades. Mas
agora, eu mostrarei, por meio de um exemplo, que um quatro pode ser analisado por
em três. Tomem o fato quádruplo que A vende C para B pelo preço D. Este é um
composto de dois fatos: 1
o
, que A realiza certa transação com C, que podemos
nomear E; e, 2
o
, que esta transação E é uma venda de B pelo preço D. Cada um
destes dois fatos é um fato triplo, e suas combinações tornam-se um fato quádruplo
tão genuíno quanto pode ser encontrado. A explicação desta diferença notável não é
difícil de ser encontrada. Um termo relativo dual, tal como “amante” ou
“empregado,” é o tipo de espaço em branco, onde dois lugares deixados em
branco. O que estou querendo dizer é que, ao construir uma frase em torno de
amante, como a palavra principal do predicado, nós estamos livres para fazer
qualquer coisa que achemos cabível em relação ao sujeito, e, depois, além disso,
qualquer coisa que achemos que o objeto da ação ame. Mas um termo triplamente
relativo tal como “doador” tem dois correlatos, e é, portanto, um espaço em branco
com três lugares deixados em branco. Conseqüentemente, nós podemos tomar dois
destes relativos triplos e preencher um dos lugares em branco em cada com a mesma
letra, X, que tem apenas a força de um pronome ou índice identificador, e então, os
dois tomados conjuntamente, formarão um todo possuindo quatro espaços em
branco; e, a partir daí, nós podemos prosseguir, de modo análogo, para qualquer
número maior. Mas quando nós tentamos imitar este procedimento com relativos
duais, e combinar dois deles por meio de um X, nós descobrimos que temos apenas
dois espaços em branco na combinação, exatamente como tínhamos em um dos
relativos tomado por si mesmos. Uma estrada com apenas três bifurcações poderá ter
qualquer mero de terminais, mas nenhum número de estradas sem bifurcação, por
mais que se ponha uma após a outra, dará mais do que dois terminais. Assim,
qualquer número, não importa quão grande, pode ser construído a partir de tríades; e,
conseqüentemente, nenhuma idéia pode estar envolvida em tal número, radicalmente
diferente da idéia de três. Não quero com isto negar que os números mais elevados
possam apresentar configurações especiais interessantes a partir das quais noções
possam ser derivadas de aplicabilidades mais ou menos gerais; mas estas não podem
se elevar à altura de categorias filosóficas tão fundamentais quanto aquelas que
foram aqui consideradas.
§ 15 (CP 1.364) O argumento deste livro foi desenvolvido na mente do autor,
substancialmente como está apresentado, como um prosseguimento destas três
concepções, em um tipo de jogo “siga meu líder” de um campo do conhecimento a
outro. Sua importância foi originalmente trazida a mim no estudo de lógica, onde
elas têm um papel o notável que fui levado a procurá-las na psicologia.
Encontrando-as novamente, /253/eu não pude deixar de me perguntar se elas não
entravam na fisiologia do sistema nervoso. Ao desenvolver um pouco a hipótese, tive
sucesso em detectá-las lá; e então, a pergunta, naturalmente surgiu: como poderiam
aparecer na teoria do protoplasma em geral. Aqui me pareceu ter adentrado uma via
de reflexões interessantes fornecendo um resumo instrutivo tanto quanto à natureza
do protoplasma quanto às concepções em si; embora não tenha sido senão mais tarde
que mapeei meus pensamentos sobre o assunto, como eles se apresentaram no
Capítulo V.
11
Não tive dificuldade em seguir a pista até o campo da seleção natural;
e, uma vez chegado a esse ponto, fui irresistivelmente levado a especulações
concernentes à física. Um salto corajoso levou-me a um jardim de sugestões belas e
11
No original, o número é IV.
204
frutíferas, exploração tal que me privou de olhar além.
12
Entretanto, assim que fui
induzido a olhar além, e a examinar a aplicação das três idéias aos problemas mais
profundos da alma, natureza, e Deus, vi imediatamente que elas deveriam me levar
longe rumo ao cerne daqueles mistérios primordiais. Este é o modo como o livro
cresceu em minha mente: é também a ordem na qual o escrevi; e apenas este
primeiro capítulo é mais ou menos uma reflexão posterior, uma vez que em um
estágio anterior de meus estudos eu deveria ter olhado a questão aqui estabelecida
como sendo vaga demais para ter qualquer valor. Deveria ter discernido nela uma
semelhança forte demais a muitos livros de quebrar os miolos sobre os quais eu tinha
rido muitíssimo. Um estudo mais profundo ensinou-me que mesmo da boca dos
bebês e das crianças de colo pode sair algo forte, e que aquela pobre sujeira
metafísica às vezes continha os germes de concepções capazes de se tornar doutrinas
importantes e positivas.
§ 16 (CP 1.365) Assim, sendo todo o livro nada mais do que uma exemplificação
contínua da tríade de idéias, não precisamos mais nos demorar nesta exposição
preliminar delas. Há, entretanto, uma característica delas sobre a qual é indispensável
nos alongarmos. É que há dois níveis de segundidade e três níveis de terceiridade. Há
uma estreita analogia na geometria. Seções cônicas são ou as assim chamadas curvas,
ou são pares de linhas retas. Um para de linhas retas é chamada de uma cônica
degenerada. Assim, curvas cônicas planas são ou as curvas genuínas da terceira
ordem ou são cônicas dispostas em pares com as linhas retas, ou consistem de três
linhas retas; de tal modo que duas ordens de cúbicos degenerados. Quase do
mesmo modo, além da segundidade genuína, há um tipo degenerado que não existe
como tal, mas apenas assim concebido. Os lógicos medievais (seguindo uma dica de
Aristóteles) distinguiam entre relações reais e relações da razão. Uma relação real
subsiste em virtude de um fato que seria totalmente impossível fosse qualquer dos
objetos relacionados destruído; ao passo que uma relação de razão subsiste em
virtude de dois fatos, um dos quais apenas desapareceria com a aniquilação de um
dos relacionados (relates). Tais são todas as semelhanças: pois quaisquer dois objetos
na natureza assemelham-se um ao outro e, de fato, em si mesmos / 254/ tanto quanto
quaisquer outros dois; é apenas com referência a nossos sentidos e necessidades que
uma semelhança conta mais que outra. Rumford e Franklin assemelhavam-se em
virtude de serem os dois norte-americanos;
13
mas qualquer um dos dois teria sido tão
norte-americano caso o outro nunca tivesse nascido. Por outro lado, o fato que Caim
matou Abel não pode ser afirmado como um mero agregado de dois fatos, um
12
Para uma explicação desta asserção, ver Max H. Fisch, “Peirce’s Arisbe” [O Arisbe de Peirce], em
seu Peirce, Semeiotic, and Pragmatism (Bloomington, 1986), pp. 229ff. N.T. “Arisbe” é o nome da
propriedade que Peirce comprou em 1887 em Milford, Pensilvânia - e na qual viveu até à morte.
Crê-se que ele teria dado esse nome à sua propriedade graças à narrativa de Áxilo, que, na Ilíada de
Homero (Livro VI), dava as boas-vindas a todos os que passavam perto de sua casa em Arisbe:
Diomedes, especialista em gritos de guerra, matou Áxilo, / filho de Teitrâno, um homem rido, da
conhecida Arisbe. / As pessoas amavam-no, pois ele morava à beira de uma estrada, / dava as boas-
vindas ao passantes e convidava-os a entrar em casa. / Mas nenhum daqueles homens que ele tinha
recebido em casa agora estava / à sua frente, protegendo-o da maldita morte. / Diomedes tirou as vidas
de dois homens - Áxilo, / e seu assistente Calésio, seu auriga. / Assim, os dois homens desceram ao
submundo.
13
Benjamin Franklin e Benjamin Thompson (depois o Conde Rumford), a quem Peirce menciona em
sua Palestra de Quatro de Julho (em Paris), “Sobre o estado da ciência na América” [“On the State of
Science in America” (W4:152ff.)]; no original, “um outro” é “cada um.”
205
concernente a Caim e o outro concernente a Abel. Semelhanças não são as únicas
relações de razão, embora tenham esse caráter em alto grau. Contrastes e
comparações são do mesmo tipo. A semelhança é uma identidade de caracteres; e
isto é o mesmo que dizer que a mente junta as idéias semelhantes em um conceito.
Outras relações da razão surgem das idéias sendo conectadas pela mente de outros
modos; elas consistem na relação entre duas partes de um conceito complexo, ou,
como poderíamos dizer, na relação de um conceito complexo consigo mesmo, com
respeito a duas de suas partes. Isto leva-nos a considerar um tipo de segundidade
degenerada que não preenche a definição de uma relação da razão. A identidade é a
relação que tudo busca para si: Lucullus janta com Lucullus. Novamente, falamos de
seduções e motivos na linguagem das forças, como se um homem sofresse
compulsão a partir de dentro. Assim é com a voz da consciência: e nós observamos
nossos próprios sentimentos através de um sentido refletivo. Um eco é minha própria
voz voltando para responder a si mesma. Assim também, nós falamos da qualidade
abstrata de uma coisa como se ela fosse uma segunda coisa que a primeira coisa
possui. Mas as relações da razão e estas auto-relações são parecidas nisto, que elas
surgem na mente estabelecendo uma parte de uma noção em relação à outra. Todos
os segundos degenerados podem ser convenientemente chamados Internos, em
contraste com os segundos Externos, que são constituídos pelo fato externo e são
ações verdadeiras de uma coisa sobre outra.
§ 17 (CP 1.366) Entre terceiros, dois graus de degeneração. O primeiro está onde
não há, no fato em si, nenhum terceiro ou mediação, mas onde verdadeira
dualidade; o segundo grau é onde não há nem mesmo verdadeira segundidade no fato
em si.
§ 18 Considere primeiro os terceiros degenerados no primeiro grau. Um grampo
mantém duas coisas juntas ao colar em uma e também na outra: qualquer uma das
duas pode ser aniquilada e o grampo continuaria a ‘colar’ naquela que permanecesse.
Uma mistura mantém seus ingredientes juntos ao conter cada um deles. Podemos
denominar estes terceiros acidentais. “Como assassinei vosso filho?” perguntou o
comerciante, e o gênio respondeu, “Quando vós jogastes fora vosso caroço-de-
tâmara, que bateu no peito de meu filho, que estava passando ali naquela hora e ele
morreu imediatamente.” Aqui havia dois fatos independentes; o primeiro que o
comerciante jogou fora o caroço-de-tâmara; o segundo que o caroço-de-tâmara bateu
em e matou o filho do gênio. Tivesse sido mirado nele, o caso teria sido diferente;
pois então teria sido uma relação de mirar que teria conectado o mirador, a coisa
mirada e o objeto mirado, /255/ em um só fato. Que injustiça monstruosa e desumana
da parte daquele gênio, a de tornar aquele pobre comerciante responsável por tal
acidente! Lembro-me de como chorei nos braços de meu pai quando ele me contou
essa estória pela primeira vez. Certamente que é justo que um homem, mesmo que
ele não tivesse intenção, devesse ser considerado responsável pelos efeitos
imediatos de suas ações; mas não por tais que possam resultar delas em casos
esporádicos, aqui e ali, mas apenas por tais conforme possa ter sido resguardado
contra por uma regra de prudência razoável. A própria natureza freqüentemente
fornece o lugar da intenção de um agente racional ao criar uma terceiridade genuína e
não meramente acidental; assim como uma faísca, como terceiro, caindo em um
barril de pólvora, como primeiro, causa uma explosão, como segundo. Mas como a
natureza faz isto? Em virtude de uma lei inteligível de acordo com a qual ela age. Se
duas forças forem combinadas de acordo com o paralelograma de forças, seu
resultante é um terceiro real. No entanto, qualquer força pode, pelo paralelograma de
forças, ser matematicamente resolvido na soma dos outros dois, em uma infinidade
de modos diferentes. Tais componentes, no entanto, são meras criações da mente.
206
Qual é a diferença? Em termos de um evento isolado, não nenhuma; as forças
reais estão não mais presentes no resultante do que quaisquer componentes que o
matemático possa imaginar. Mas o que faz as forças reais estarem realmente lá é a lei
geral da natureza que as exige, e não devido a quaisquer outros componentes do
resultante. Assim, a inteligibilidade, ou a razão objetificada é o que torna a
terceiridade genuína.
§ 19 (CP 1.367) Chegamos agora aos terceiros degenerados no segundo grau. O
dramaturgo Marlowe tinha algo daquele caráter de dicção com o qual Shakespeare e
Bacon concordam. Este é um exemplo trivial; mas o modo de relação é importante.
Na história natural, tipos intermediários servem para pôr em relevo a semelhança
entre formas cuja similaridade poderia, senão, escapar à atenção, ou não ser
devidamente apreciada. Na pintura, fotografias medeiam entre o original e a
semelhança. Na ciência, um diagrama ou análogo do fato observado leva a uma
analogia maior. As relações da razão que levam à formação de uma tal relação tripla
não precisam ser todas semelhanças. Washington estava eminentemente livre das
fraquezas com as quais a maioria dos grandes soldados se assemelha. Um centauro é
uma mistura de homem e cavalo. A Filadélfia está entre Nova Iorque e Washington.
Tais terceiros podem ser chamados terceiros Intermediários ou Terceiros de
comparação.
§ 20 (CP 1.368) Ninguém have de supor que eu deseje reclamar qualquer
originalidade no reconhecimento da importância da tríade na filosofia. Desde Hegel
quase todo pensador imaginativo fez o mesmo. A originalidade é a última das
recomendações para concepções fundamentais. Pelo contrário, o fato que as
mentes dos homens sempre se inclinaram para as divisões triplas é uma das
considerações a favor delas. Outros números foram objeto de predileção deste
filósofo e daquele, mas o três tem sido enaltecido desde sempre e em todas as
escolas. Descobrir-se-á que todo o meu método /256/ está em contraste profundo
com o de Hegel: eu rejeito sua filosofia in toto.
14
Não obstante, eu tenho certa
simpatia por ela e imagino que, se seu autor tivesse apenas notado algumas poucas
circunstâncias, ele mesmo teria sido levado a revolucionar seu sistema. Uma destas é
a divisão dupla ou dicotomia da segunda idéia da tríade. Ele geralmente deixou de
perceber, totalmente, a segundidade externa. Em outras palavras, ele cometeu a
leviana omissão de esquecer que um mundo real com ações e reações reais. Uma
omissão seríssima essa. Depois Hegel teve a infelicidade de ser invulgarmente
deficiente em matemática. Ele demonstra isso no próprio caráter elementar de seu
raciocínio. Pior ainda, enquanto todo o refrão de sua cantilena é que os filósofos
deixaram de levar a terceiridade em consideração, o que é bem uma verdade do tipo
teológico, com o que ele apenas estava familiarizado (pois eu não chamo de
familiaridade examinar um livro sem compreendê-lo), ele, infelizmente, não sabia, o
que teria sido de suma conseqüência para ele saber, que o analista matemático tinha
em grande medida escapado deste grande equívoco e que a busca meticulosa de
idéias e métodos do cálculo diferencial certamente sanaria a questão completamente.
O método dialético de Hegel é uma aplicação fraca e rudimentar dos princípios do
cálculo à metafísica. Por fim, o plano de Hegel de fazer tudo evoluir da concepção
14
Para um relato breve da antecipação de Peirce da importância dos infinitesimais na matemática, ver
Carolyn Eisele, ed., The New Elements of Mathematics [Os novos elementos da Matemática] (The
Hague, 1976), 3:ix-x.
207
mais abstrata por um processo dialético, embora longe de ser tão absurda quanto os
experimentalistas acham, ao contrário, representa uma das partes indispensáveis do
curso da ciência, deixa de perceber a fraqueza do homem individual, que quer a força
para brandir tal arma como tal.
CAPÍTULO III. A TRÍADA NA METAFÍSICA
§ 21 (CP 1.373) Examinarei rapidamente todas as concepções que desempenharam
um [papel] importante na filosofia pré-socrática para ver quão longe elas podem ser
expressas em termos de um, dois, três.
§ 22 1. A primeira de todas as concepções da filosofia é a de uma matéria
primeva a partir da qual o mundo é feito.
15
Tales e os primeiros filósofos iônicos
ocuparam-se principalmente com isto. Eles chamaram-na de arche, o início; de tal
modo que a concepção de primeiro era a sua quintessência. A Natureza era uma
maravilha para eles, e eles pediram-lhe explicações; de onde ela veio? Essa era uma
boa pergunta, mas era um tanto estúpido supor que eles iriam aprender muita coisa
mesmo que pudessem descobrir de que tipo de matéria ela era feita. Mas perguntar
como ela tinha sido formada, como eles indubitavelmente fizeram, não era uma
pergunta que exaurisse a questão; ela os levaria um pouco mais para trás. Eles
desejavam chegar ao próprio começo de imediato e, no início, deve ter havido algo
homogêneo, pois onde havia variedade eles /257/ supuseram que deveria estar
sempre uma explicação a ser buscada. O primeiro deve ser indeterminado, e o
primeiro indeterminado de qualquer coisa é o material a partir do qual ele é formado.
Além disso, sua idéia era a de que eles não poderiam dizer como o mundo fora
formado a menos que soubessem a partir do que começar sua narrativa. O [método]
indutivo de explicar os fenômenos ao seguir-lhes o rasto, passo a passo, até suas
causas, era desconhecido, não apenas para eles, mas a toda a filosofia antiga e
medieval; essa idéia é baconiana. A indeterminação é realmente um caráter do
primeiro. Mas não a indeterminação da homogeneidade. O primeiro está cheio de
vida e variedade. No entanto, essa variedade é apenas potencial; ela não está
realmente lá. Ainda assim, a noção de explicar a variedade do mundo, que era com o
que eles se espantavam, através da não-variedade, era um tanto absurdo. Como é que
a variedade pode sair do útero da homogeneidade; pelo princípio da
espontaneidade, que é exatamente aquela variedade virtual que é o Primeiro.
CAPÍTULO IV. A TRÍADA NA PSICOLOGIA
§ 23 (CP 1.374) A linha de raciocínio que proponho seguir é estranha (peculiar) e
necessitará estudo cuidadoso para avaliar sua força. Eu farei uma reavaliação crítica
na última parte, mas, enquanto isso, desejo salientar que o passo que estou prestes a
dar, que será análogo a outros que se seguirão, não é tão puramente da natureza de
uma conjetura como podem supor pessoas especialistas em julgar dados científicos.
Nós já vimos que as idéias de Um, Dois e Três são-nos impostas na gica e, de fato,
não podemos dispensá-las. Elas nos encontram, não uma vez, mas em cada esquina.
15
Ver Augustin Louis Cauchy, Leçons sur les applications du calcul infinitesimal à la géométrie
(Paris, 1826-28), e Jean Marie Constant Duhamel, Élements de calcul infinitesimal (Paris, 1856).
208
E nós encontramos razão para pensar que elas são igualmente importantes na
metafísica. Como é que a extraordinária distinção destas concepções pode ser
explicada? Não seria porque elas têm sua origem na natureza da mente? Esta é a
forma kantiana de inferência, que foi tida como tão convincente nas mãos daquele
herói da filosofia; e pelo que sei, os estudos modernos nada fizeram para desacreditá-
la. É verdade que nós não mais consideramos tal explicação psicológica de uma
concepção como sendo tão definitiva quanto Kant achou. Ela deixa margem para
mais perguntas; mas até onde chega, parece-me satisfatória. Nós consideramos as
idéias de Primeiro, Segundo, Terceiro, ingredientes constantes de nosso
conhecimento. Isso deve ser, portanto, ora porque elas são continuamente dadas a
nós nas apresentações dos sentidos, ou porque é característico da mente misturá-las
com nossos pensamentos. Pois bem, nós certamente não somos capazes de pensar
que estas idéias são dadas nos sentidos. Primeiro, Segundo e Terceiro não são
sensações. Elas podem ser dadas aos sentidos por coisas aparecendo rotuladas
como primeiro, segundo e terceiro, e tais rótulos, as coisas geralmente não possuem.
Elas devem, portanto, ter origem psicológica. Uma pessoa deve ser uma partidária
bastante descompromissada da teoria da tabula rasa para negar que as idéias de
primeiro, segundo e terceiro sejam devidas a /258/ tendências congênitas da mente.
Até aqui não coisa alguma em meu argumento para distingui-lo de muitos
kantianos. O que é digno de nota é que eu não paro aqui, mas procuro colocar a
conclusão à prova através de um exame independente dos fatos da psicologia, para
ver se podemos achar quaisquer traços da existência das três partes ou faculdades da
alma ou modos de consciência, que confirmem o resultado recém-alcançado.
§ 24 (CP 1.375) Pois bem, três departamentos da mente foram reconhecidos por
todos desde Kant; quer sejam: Sentimento, Conhecimento e Vontade. A
unanimidade com a qual esta triseção da mente foi aceita é, de fato, um tanto
surpreendente. A divisão não tinha sua gênese nas idéias estranhas de Kant. Pelo
contrário, ela tomou-a emprestada dos filósofos dogmáticos, e sua aceitação foi,
como é bem sabido, uma concessão ao dogmatismo. Isso foi permitido amesmo
pelos psicólogos a cujas doutrinas gerais isso parece positivamente hostil. Esta
evidência, a de que há algo verdadeiro nela, é reforçada pelo fato de que é impossível
fazer um exame crítico disso, [sem] chegar à conclusão que isso nada mais é do que
um esboço aproximado da verdade, na melhor das hipóteses; e este tanto lhe foi
concedido.
§ 25 De onde vem esta divisão ternária das funções da mente? Kant tomou-a pronta
do escritor leibniziano, Tetens. Ele retirou a sugestão dos retóricos do século XVI e
eles a encontraram em um estado imperfeito em seu idolatrado Platão. Em Platão,
isso aparece sob um traje poético e semblante distorcido, o que não podemos
acreditar ter sido o original; e é fácil creditar a afirmação a Diógenes Laércio, que
disse que isso provém da escola de Pitágoras. Pois bem, na doutrina de Pitágoras,
tudo estava associado aos números, que eram tidos como sendo a fundação do
mundo. uma dica em sua história, então, que a divisão ternária da mente possa
estar associada com as idéias de um, dois, três.
§ 26 Por sentimentos, como constituindo uma das grandes classes da atividade
mental, quer se significar, de acordo com Kant e a maioria dos psicólogos,
sentimentos de prazer e dor. Isto não pertence, porém, à doutrina original de Tetens,
que inclui sob este cabeçalho tudo o que está imediatamente presente, ou pelo menos,
seu elemento subjetivo. A modificação de Kant serve seu sistema específico
(peculiar) melhor do que a verdade da natureza. Não nenhuma boa razão para dar
209
um lugar tão específico ao prazer e à dor; como se eles não tivessem qualquer
semelhança com qualquer outra coisa que nós possamos sentir. O prazer e a dor nada
mais são que sensações secundárias, ou sentimentos produzidos por sentimentos,
quando quer que os últimos alcancem certo grau de intensidade subjetiva, quer seja,
produzam uma certa quantidade de agitação no organismo. Se pudéssemos prestar
suficiente atenção, nós provavelmente reconheceríamos que cada esforço e cada
cognição produzem prazer e dor. prazer na contemplação de um teorema da
geometria. A dor talvez seja /259/ essencial para a consciência do esforço; o que
fazemos sem dor, fazemos sem esforço. Mas essa especificidade de sentimentos que
os torna um dos grandes ramos dos fenômenos mentais é que eles formam a
totalidade de tudo o que temos em consciência imediata e instantânea; eles são o que
está presente. Nós não podemos estar imediatamente conscientes do que passou e se
foi; nós apenas nos lembramos disso, embora tenha acontecido um centésimo
de segundo. Nem podemos estar imediatamente conscientes do que ainda está por
vir, pouco importa quão à mão possa estar. Nós podemos inferi-lo. De nada senão
do instante evanescente podemos [nós] ter consciência absolutamente imediata, ou
sentimento, quer muito ou pouco; e este instante tão logo se apresenta já se foi. Nele
podemos estar conscientes de nenhuma mudança; porque nós fazemos isso graças a
um pequeno ensaio do processo ou imitação disso, e isso leva tempo. Nós não somos
capazes de fazer nenhuma inferência em um instante, nem podemos reconhecer
qualquer conclusão inferencial. Nós não podemos nem dividir nem sintetizar; nós
podemos sentir. Quando um instante já passou, essa consciência imediata jamais
poderá ser recuperada. Ela se foi absoluta e totalmente. Não podemos comparar
qualquer sentimento subseqüente com ela, como sentimento imediato, porque não
podemos ter o segundo em nossa mente até que o primeiro tenha nos deixado
completamente. Nós nos lembramos dele; quer seja, nós temos outra cognição que
professa reproduzi-la; mas sabemos que não qualquer semelhança entre a
memória e a sensação porque, em primeiro lugar, nada pode assemelhar-se a um
sentimento imediato, pois semelhança supõe um desmembramento e recomposição
que é totalmente alheio ao imediato e, em segundo lugar, a memória é um complexo
articulado e produto reelaborado que difere infinitamente e imensuravelmente do
sentimento. Olhe uma superfície vermelha e tente sentir qual é a sensação, e depois
feche os olhos e recorde-a. Sem dúvida que pessoas diferentes são diferentes a este
respeito; para algumas, a experiência parecerá produzir um resultado oposto, mas
me convenci que não há nada na minha memória que seja minimamente parecido
com a visão do vermelho. Quando o vermelho não está ante meus olhos, eu não o
vejo de modo algum. Algumas pessoas me dizem que elas o vêem palidamente; um
tipo de memória dos mais inconvenientes, que levaria a lembrar do vermelho
brilhante como sendo pálido ou desbotado. Lembro-me de cores com rara acuidade
porque tive bastante treino ao observá-las; mas minha memória não consiste em
qualquer visão, mas tão somente em um hábito devido ao qual posso reconhecer uma
cor que se apresenta novamente como semelhante ou dessemelhante daquela que
vira anteriormente. Mas mesmo que a memória de algumas pessoas seja da natureza
de uma alucinação, ainda faltarão argumentos suficientes para mostrar que a
consciência imediata ou sentimento é absolutamente diferente de qualquer outra
coisa.
210
§ 27 (CP 1.380) sérias objeções quanto a tornar um terço da mente composto
apenas da vontade. Um grande psicólogo disse que a vontade não é nada mais do
que o mais forte desejo.
16
Não posso admitir isso; parece-me desprezar /260/ aquele
fato que de tudo o que observamos é provavelmente o mais intrometido, i.e., a
diferença entre sonhar e fazer. Isto não é uma questão de definição, mas de notar o
que vivenciamos; e, certamente, quem confunde desejar com fazer deve ser alguém
que sonha acordado. A evidência, entretanto, parece ser bastante forte para que a
consciência volicional não difira, pelo menos tanto, da sensação. A sensação de bater
ou de apanhar são quase a mesma, e deveria ser classificada junto. O elemento
comum é a sensação de uma ocorrência real, de uma ação e reação real. uma
realidade intensa sobre este tipo de experiência, uma separação abrupta do sujeito e
do objeto. Enquanto estou tranqüilamente sentado no escuro, as luzes, de repente, são
acesas, e naquele instante estou consciente, não de um processo de mudança, mas de
algo mais ainda do que pode ser contido em um instante. Tenho a sensação de um
saltus, de haver dois lados de um instante. Uma consciência de polaridade seria uma
frase toleravelmente boa para descrever o que acontece. Devemos, portanto,
substituir a vontade, como sendo um dos grandes tipos de consciência, pelo sentido
polar.
§ 28 (CP 1.381) Mas, de longe o mais confuso dos três membros da divisão, em sua
afirmação comum, é a Cognição. Em primeiro lugar, cada tipo de consciência entra
na cognição. Sentimentos, no sentido em que apenas eles podem ser admitidos como
um grande ramo de fenômenos mentais, formam o fio e a urdidura da cognição, e
mesmo no sentido contestável de prazer e dor, eles são constituintes da cognição. A
vontade, na forma de atenção, entra constantemente, e o sentido da realidade ou
objetividade, que é o que descobrimos, deveria tomar o lugar da vontade, na divisão
da consciência, que é o que descobrimos deveria tomar o lugar da vontade na divisão
da consciência é ainda mais essencial, se possível. Mas esse elemento de cognição,
que não é nem sentimento nem sentido polar, é a consciência de um processo, e isto
na forma de um sentido de aprendizagem, de aquisição, de crescimento mental, é
eminentemente característico da cognição. Isto é o tipo de consciência que não pode
ser imediata porque demanda tempo, e isso não apenas porque ela continua através
de cada instante desse tempo, mas porque ela não pode ser contraída em um instante.
Ela difere da consciência imediata como uma melodia difere de uma nota
prolongada. Nem pode a consciência dos dois lados de um instante, de uma
ocorrência súbita, em sua realidade individual, possivelmente abraçar a consciência
de um processo. Esta é a consciência que mantém nossa vida unida. Esta é a
consciência de síntese.
§ 29 (CP 1.382) Aqui temos, então, indubitavelmente, três elementos de consciência
radicalmente diferentes, estes e mais nenhuns. E eles estão, evidentemente,
conectados com as idéias de um-dois-três. Sentimento imediato é a consciência do
primeiro; o sentido polar é a consciência do segundo; e a consciência sintética é a
consciência de um Terceiro ou mediação.
16
Ver William James, Principles of Psychology (1890; Princípios da Psicologia), volume 2, capítulo
20.
211
§ 30 (CP 1.383) Notem também que assim como já vimos que duas ordens de
/261/ segundidade, assim também o sentido polar se divide em dois, e isso de dois
modos, pois, primeiro, há um tipo ativo e um tipo passivo, ou Vontade e Sentido e,
segundo, Vontade e Sentido Externos, em oposição à Vontade Interna
(autocontrole, vontade inibidora) e Sentido Interno (introspecção). De modo análogo,
assim como há três ordens de terceiridade, assim também há três tipos de consciência
sintética. A forma não-degenerada e realmente típica ainda não se tornou
suficientemente familiar para nós como as outras, que foram mais completamente
estudadas pelos psicólogos; portanto, mencionarei essa última. A consciência
sintética degenerada em primeiro grau, [que] corresponde à terceiridade acidental,
está onde há uma compulsão externa sobre nós para pensar as coisas em conjunto.
Associação por contigüidade é um exemplo disto; mas um instante ainda melhor é
que em nossa primeira apreensão de nossas experiências, nós não podemos escolher
como organizaremos nossas idéias em referência ao tempo e espaço, mas somos
compelidos a pensar certas coisas como estando mais perto umas das outras do que
outras. Seria por a carroça na frente dos bois dizer que nós somos compelidos a
pensar certas coisas em conjunto porque elas estão juntas no tempo e no espaço; o
modo verdadeiro de afirmar isto é que há uma compulsão exterior sobre nós para
juntá-las em nossa construção do tempo e do espaço, em nossa perspectiva. A
consciência sintética degenerada em um segundo grau, correspondendo a terceiros
intermediários, é onde pensamos que sentimentos diferentes são semelhantes ou
diferentes, o que, uma vez que sentimentos em si mesmos não podem ser
comparados e, portanto, não podem ser semelhantes, para o que, dizer que eles são
semelhantes é meramente dizer que a consciência sintética assim os considera,
resume-se nisto, que nós somos internamente compelidos a sintetizá-los ou a separá-
los. Este tipo de ntese aparece em uma forma secundária em associação por
semelhança. Mas o tipo mais elevado de síntese é a que a mente é compelida a fazer
nem pelas atrações internas dos sentimentos ou representações em si, nem pela força
transcendental da haecceidade, mas por um interesse de inteligibilidade, quer seja,
pelo interesse da síntese do “Eu penso” em si; e isto ela faz ao apresentar uma idéia
não contida nos dados, o que fornece conexões que eles, de outro modo, não teriam
tido. Esta forma de síntese ainda não foi suficientemente estudada, especialmente o
relacionamento íntimo de suas diferentes variedades ainda não foi devidamente
considerado. O trabalho do poeta ou do romancista não é assim tão radicalmente
diferente daquele do homem da ciência. O artista apresenta uma ficção; mas não é
algo arbitrário; ela exibe afinidades com as quais a mente concede certa aprovação ao
pronunciá-la bela, o que, se não é exatamente a mesma coisa que dizer que a síntese é
verdadeira, é algo do mesmo tipo geral. O geômetra desenha um diagrama que, se
não é exatamente uma ficção, é pelo menos uma criação, e por meio da observação
desse diagrama ele é capaz de sintetizar e mostrar relações entre elementos que
anteriormente não pareciam ter qualquer conexão necessária. As realidades nos
compelem a colocar algumas coisas em /262/ relação muito estreita e outras menos,
de um modo altamente complicado e, em certo sentido, ela mesma de modo
ininteligível; mas é o gênio da mente que toma todas estas dicas dos sentidos, que
lhes acrescenta muitíssimo, torna-as precisas e as mostra de forma inteligível nas
intuições do espaço e tempo. A intuição é a consideração do abstrato numa forma
concreta, através das hipostização realista das relações; esse é o único método de
pensamento valioso. Pouquíssima profunda é a noção prevalente que isto é algo a ser
evitado. Poderíamos dizer logo que o raciocínio deve ser evitado porque ele nos
induziu a muitos erros; mais ou menos na mesma linha filistina de pensamento isso
212
seria e tão de acordo com o espírito do nominalismo que me admira que ninguém a
proponha. O verdadeiro preceito não é se abster da hipostização, mas fazê-lo
inteligentemente.
CAPÍTULO V. A TRÍADA NA FISIOLOGIA.
§ 31 (CP 1.385) Dado que três tipos fundamentalmente diferentes de consciência,
segue-se, para manter o mesmo curso, que deve haver algo tríplice na fisiologia do
sistema nervoso para dar conta delas. Nenhum materialismo está implícito nisto,
além de que a dependência íntima da ação da mente sobre o corpo, que todo
estudante do assunto deve e ora reconhece. Mais uma vez uma previsão, por assim
dizer, é feita pela teoria; quer seja, certas conseqüências, não contempladas na sua
construção, necessariamente resultam dela; e, estas são de tal feitio que sua verdade
ou falsidade pode ser investigada independentemente. Fossemos nós achá-las
extraordinária e certamente verdadeiras, uma confirmação notável da teoria seria
fornecida. Tudo isto, entretanto, eu não posso prometer; posso apenas dizer que elas
não são definitivamente falsas; e devemos nos contentar em rastrear estas
conseqüências e ver o que são, e deixá-las para o julgamento futuro dos fisiologistas.
§ 32 (CP 1.386) Dois dos três tipos de consciência, de fato, o simples e o dual,
recebem uma pronta explicação fisiológica. Sabemos que o conteúdo
protoplasmático de cada célula nervosa tem suas condições ativa e passiva, e não
necessitamos de argumentos para mostrar que o sentimento ou a consciência
imediata surge em um estado ativo das células nervosas. Experimentos sobre os
efeitos de cortar os nervos mostram que não há nenhum sentimento depois que a
comunicação com as células nervosas centrais é cortada, de tal modo que o fenômeno
tem, decerto, alguma conexão com as células nervosas; e o sentimento é estimulado
precisamente por tal estímulo como o que provavelmente lançaria o protoplasma
numa condição ativa. Assim, embora não possamos dizer que toda célula nervosa em
sua condição ativa possui sentimento (o que não podemos negar, entretanto)
pouco espaço para dúvida que a atividade das células nervosas é o principal requisito
fisiológico para a consciência. Por outro lado, a sensação de ação e reação, ou a
sensação polar, como /263/ concordamos em denominá-lo, está plenamente associada
à descarga de energia nervosa através das fibras nervosas. A volição externa, o seu
caso mais típico, envolve tal descarga para dentro das células musculares. Em uma
sensação externa, onde a sensação polar entra numa intensidade mais baixa, uma
descarga da célula nervosa terminal através do nervo aferente sobre uma célula ou
células no cérebro. Na volição interna, ou autocontrole, há alguma ação inibidora dos
nervos, que, sabemos, também envolve o movimento da força nervosa; e, na
observação interna, ou sensação visceral, há, indubitavelmente, transferências de
energia de uma célula central para outra. Recordando que o sentido polar é o sentido
da diferença entre o que está antes e o que está depois de um instante divisor, ou o
sentido de um instante como tendo lados, vemos claramente que o concomitante
fisiológico dele deve ser algum evento que ocorre muito rapidamente e deixa um
efeito mais durável, e esta descrição serve a passagem de uma descarga nervosa
sobre uma fibra nervosa tão perfeitamente que não acho que precisemos hesitar para
estabelecer este fenômeno como sendo a condição da consciência dual.
§ 33 (CP 1.387) A consciência sintética apresenta-se mais difícil. No entanto, a
explicação de uma forma genuína de consciência, a sensação de aprender, é bastante
fácil; é apenas o modo degenerado, a sensação de semelhança, e a sensação de
213
verdadeira conexão que nos obrigam a hesitar. Com relação às duas formas
degeneradas, sou levado a levantar hipóteses.
§ 34 (CP 1.388) Quando duas idéias se parecem, dizemos que têm algo em comum;
diz-se que parte de uma é idêntica à parte da outra. Em que consiste esta identidade?
Tendo fechado os olhos, abro primeiro um e depois fecho-o e abro o outro, e digo
que as duas sensações são parecidas. Como podem as impressões de dois nervos
serem julgadas como sendo parecidas? Parece-me que, para que isso seja possível, as
duas células nervosas devem, provavelmente, se descarregar em uma célula nervosa
comum. De qualquer modo, parece-me que a primeira suposição a fazer, para a
observação científica confirmar ou rejeitar, é que duas idéias são parecidas na
medida em que as mesmas células nervosas estiveram ocupadas na produção das
mesmas. Em suma, a hipótese é que a semelhança consiste na identidade de um
elemento comum e que essa identidade reside em uma parte de uma idéia e uma parte
da outra idéia sendo o sentimento específico (peculiar) para o estímulo de uma ou
mais células nervosas.
§ 35 (CP 1.389) Quando nos encontramos sob uma compulsão para pensar que dois
elementos da experiência, que não se parecem especialmente, estão, o obstante,
realmente conectados, essa conexão deve, penso eu, ser devido, de algum modo, a
uma descarga de energia nervosa; pois todo o sentido de realidade é uma
determinação da consciência polar, que se deve em si a tais descargas. Por exemplo,
reconheço que certa superfície em um dos lados de certa fronteira é vermelha e que
do outro lado /264/ é azul; ou que quaisquer duas qualidades são imediatamente
contíguas no espaço ou tempo. Se a contigüidade está no tempo, é diretamente
através do sentido polar em que estamos conscientes de um instante divisor com sua
diferença nos dois lados. Se a contigüidade está no espaço, acho que temos
primeiramente um sentimento completamente confuso do todo, como ainda não
analisado e não sintetizado, mas depois, quando a análise já foi feita, descobrimo-nos
compelidos, ao recompor os elementos, a passar diretamente do que está num lado da
fronteira para o que está no outro. Suponho então que somos compelidos a pensar os
dois sentimentos como sendo contíguos porque a célula nervosa cujo estímulo
produz o sentimento de uma sensação recordada se descarrega para dentro da célula
nervosa cujo estímulo cria o sentimento da outra sensação recordada.
§ 36 (CP 1.390) A consciência sintética genuína, ou o sentido do processo de
aprendizagem, que é o ingrediente preeminente e quintessência da razão, tem sua
base fisiológica, mui evidentemente, na propriedade mais característica do sistema
nervoso, o poder de adquirir hábitos. Isto depende dos seguintes cinco princípios.
Primeiro, quando um estímulo ou irritação prossegue durante certo tempo, o estímulo
espalha-se das células diretamente afetadas para aquelas que estão associadas a ela, e
dessas para outras, e assim sucessivamente e, ao mesmo tempo, aumentam em
intensidade. Segundo, após certo tempo, a fadiga começa a se instalar. Pois bem,
além da fadiga, que consiste na perda de todo o estímulo por parte da célula, e na
recusa total do sistema nervoso em reagir ao estímulo, há uma fadiga mais suave, que
desempenha um papel muito importante para adaptar o cérebro a servir como um
órgão da razão, esta forma de fadiga consistindo na ação reflexa ou descarga da
célula nervosa deixar de seguir um caminho e ambas começarem a trilhar um
caminho onde não tinha havido nenhuma descarga, ou aumentando a intensidade da
descarga ao longo de um caminho no qual tinha havido anteriormente apenas uma
214
pequena descarga. Por exemplo, um sapo cujo cérebro foi removido, e cuja perna
traseira foi irritada ao se fazer cair uma gota de ácido sobre ela, após repetidamente
esfregar o lugar com a outra pata, como se para limpar o ácido, pode, ao fim e ao
cabo ser observado que ele vários pulos, a primeira via de descargas nervosas
tendo se tornado fatigada. Terceiro, quando, a partir de qualquer causa, o estímulo
para uma célula nervosa é removido, a excitação rapidamente desaparece. Que isso
não acontece imediatamente sabemos bem, e o fenômeno é conhecido entre os físicos
pelo nome de insistência da sensação. Todo o sentimento notável desaparece em uma
fração de segundo, mas um pequeno resíduo continua durante um período maior de
tempo. Quarto, se a mesma célula, que foi uma vez estimulada, e que, por acaso
aconteceu de se descarregar ao longo de certa via ou vias, vier a ser estimulada uma
segunda vez, é muito provável que ela se descarregue na segunda vez ao longo de
alguma ou todas as vias ao longo das quais ela outrora se descarregou do que teria
sido não tivesse ela se descarregado assim antes. Este é o princípio central do hábito;
e o contraste extraordinário de sua modalidade em relação a qualquer lei mecânica
/265/ é muito significativo. As leis da física não sabem nada sobre tendências ou
probabilidades; o que quer que elas exijam, elas exigem absolutamente e sem falha, e
nunca são desobedecidas. Fosse a tendência a adquirir hábitos substituída por uma
exigência absoluta de que a célula devesse se descarregar sempre da mesma maneira,
ou de acordo com qualquer condição rigidamente fixa, fosse lá ela qual fosse, toda a
possibilidade do desenvolvimento do hábito em inteligência estaria cortada de cara; a
virtude da terceiridade estaria ausente. É essencial que deva haver um elemento de
acaso em certo sentido no que tange ao modo como a célula deva se descarregar; e,
então, que este acaso ou incerteza não deva ser totalmente obliterado pelo princípio
do hábito, mas apenas um tanto afetado. Quinto, quando um tempo considerável
passou sem que um nervo tenha reagido de algum modo particular, surge um
princípio de esquecimento ou hábito negativo tornando-o menos propenso a reagir
desse modo. Agora vejamos qual será o resultado destes cinco princípios
combinados. Quando um nervo é estimulado, se a atividade reflexa não for logo de
início do tipo certo para remover a fonte de irritação, ela mudará seu caráter sem
parar até que a atividade rapidamente desapareça, quando a atividade rapidamente se
aquietará. Quando o nervo for estimulado uma segunda vez dessa mesma maneira,
provavelmente alguns dos outros movimentos que tinham sido feitos na primeira
ocasião se repetirão; mas, pouco importa como isto se dê, um deles deve ao fim e ao
cabo se repetir, pois a atividade continuará até que isto ocorra: quero dizer aquele
movimento que remove a fonte da irritação. Em uma terceira ocasião, o processo de
esquecimento terá começado em relação a qualquer tendência a repetir quaisquer
das ações da primeira ocasião que não haviam sido repetidas na segunda. Daquelas
que foram repetidas, algumas provavelmente se repetirão novamente, mas sempre
permanece aquela que deve ser repetida antes que a atividade chegue ao fim. O efeito
final disto será inevitavelmente que um hábito se estabeleça imediatamente, reagindo
de tal modo que remova a fonte de irritação; pois somente este hábito será fortalecido
a cada repetição do experimento, enquanto todos os outros tenderão a se enfraquecer
num ritmo acelerado.
§ 37 (CP 1.391) Inventei um joguinho ou experimento com cartas de baralho para
ilustrar como estes princípios funcionam; e posso prometer ao leitor que se ele tentar
fazê-lo meia dúzia de vezes, ele será capaz de avaliar melhor o valor do cálculo do
hábito aqui proposto. As regras deste jogo são as seguintes: pegue uma grande
215
quantidade de cartas de quatro naipes, digamos um pacote de cinqüenta e duas,
embora menos sirvam. Os quatro naipes devem representar as quatro maneiras em
que a célula poderá reagir. Que um naipe, digamos, espadas, represente aquele modo
de reação que remova a fonte de irritação e leva a atividade a um fim. Para encontrar
imediatamente uma carta de qualquer naipe que se queira, é melhor deitar as cartas
todas de face para cima e distribuí-las em quarto montes, cada qual contendo as
cartas de um naipe. Agora pegue 2 espadas, 2 ouros, 2 paus e 2 copas, para
representar a /266/ disposição original da célula nervosa, que deverá ser igualmente
propensa a reagir em qualquer um dos quatro modos. Você vira estas oito cartas com
a cara para baixo e embaralha-as o máximo possível.
2
Então mostre a carta no topo
do baralho, uma a uma até que se chegue a uma carta de espadas. Este processo
representa a reação da célula. Pegue as cartas que acabaram de ser distribuídas e
adicione-as ao monte na mão uma carta de cada um daqueles naipes que acabaram de
ser mostrados (para hábito) e tire do baralho uma carta de cada naipe o mostrado
(para esquecimento). Embaralhe e prossiga com esta operação 13 vezes ou até que
acabem as espadas. Descobrir-se-á, então, que você não terá senão espadas na mão.
§ 38 (CP 1.392) Assim, vemos como estes princípios não apenas levam ao
estabelecimento de hábitos, mas a hábitos direcionados a fins definidos, quer seja, à
eliminação das fontes da imitação. Pois bem, é precisamente a ação, de acordo com
causas finais que distingue a ação mental da ação mecânica; e, a fórmula geral de todos
os nossos desejos pode ser assim considerada: eliminar um estímulo. Cada pessoa está
ocupada em pôr fim ao estado de coisas que a estimula ao trabalho.
§ 39 (CP 1.393) Mas somos levados ainda mais fundo na fisiologia. As três funções
fundamentais do sistema nervosa, nomeadamente, primeiro, a excitação das células;
segundo, a transferência da excitação às fibras; terceiro, a fixação de tendências
definitivas sob a influência do hábito, são plenamente devidas a três propriedades do
protoplasma ou lodo-da-vida em si. O protoplasma tem sua condição ativa e passiva,
seu estado ativo é transferido de uma parte para a outra, e também exibe os fenômenos
do hábito. Mas estes três fatos não parecem resumir as principais propriedades do
protoplasma como nossa teoria nos levaria a esperar que fizessem. Ainda assim, isto
talvez se deva porque a natureza desta estranha substância é tão mal compreendida; e se
tivéssemos o verdadeiro segredo de sua constituição talvez víssemos que as qualidades
que ora aparecem não-relacionadas, na verdade agrupam-se em uma só, de tal monta
que pode ser que, ao fim e ao cabo, isso esteja de acordo com nossa teoria melhor do
que parece. Houve pelo menos duas tentativas de explicar as propriedades do
protoplasma por meio de suposições químicas; mas visto que as forças químicas não
foram até agora compreendidas, tais hipóteses, mesmo que fossem tidas como corretas,
seriam de pouca valia. Quanto ao que o físico compreenderia como uma explicação
molecular do protoplasma, tal coisa dificilmente foi pensada; no entanto, eu não consigo
perceber que não seja tão mais difícil do que /267/ a constituição da matéria inorgânica.
As propriedades do protoplasma estão assim enumeradas: contração, irritabilidade,
automatismo, nutrição, metabolismo, respiração, e reprodução; mas todas estas podem
2
As cartas do baralho raramente são embaralhadas o suficiente para ilustrar razoavelmente os princípios
das probabilidades; mas, se depois de serem ambaralhadas em qualquer dos modos comumente
praticados, elas distribuídas em três pacotes e colhidas novamente, e depois passadas de mão em mão,
uma à uma, cada uma das outras indo para o topo e outra para a base do baralho, de tal modo que assim se
acumule na segunda mão, e finalmente seja cortado, o embaralhamento pode ser considerado como
suficiente para o propósito deste jogo. Quando o comando for embaralhar, o embaralhamento tão
complete quanto este deve ser levado a cabo. (Nota de C. S. Peirce)
216
ser resumidas sob o cabeçalho de sensibilidade, movimento e, crescimento. Estas três
propriedades são respectivamente primeiro, segundo e, terceiro. Entretanto, vamos fazer
um breve levantamento dos fatos de que uma teoria molecular do protoplasma teria que
dar conta. Em primeiro lugar, então, o protoplasma é uma substância, ou classe de
substâncias, químicas explícitas, reconhecíveis por suas relações características. “Até
agora,” diz o Dr. Michael Foster (1879), “nós não sabemos nada de modo claro sobre a
composição molecular do protoplasma ativo vivo; mas é mais do que provável que sua
molécula seja do tipo grande e complexa na qual uma substância protéica esteja
peculiarmente associada a um graxo complexo e com algum representante do grupo de
carboidratos, i.e., que cada molécula do protoplasma contenha resíduos de cada uma
destas três grandes classes. Todo o corpo animal é protoplasma modificado.” A
complexidade química da molécula do protoplasma deve ser espantosa. Um protéico é
somente um de seus constituintes e, indubitavelmente, muito mais simples. No entanto,
os químicos não tentam inferir de suas análises a constituição atômica última de
qualquer dos protéicos, o número de átomos de que são compostos sendo tão grande a
ponto de quase anular a lei das proporções múltiplas. Eu não encontro no livro acima
citado a seguinte formula para nucleína, uma substância aliada aos protéicos. Esta é
C
29
H
49
N
9
P
3
O
22
. Mas como a soma dos números de átomos de hidrogênio, nitrogênio e,
fósforo deve ser par, esta fórmula deve ser multiplicada por algum número par; de tal
modo que o número de átomos na nucleína deve ser pelo menos 224. Nós mal podemos
imaginar, então, que o número de átomos no protoplasma seja menor do que mil e, se
considerarmos as próprias proporções mínimas de alguns ingredientes necessários dos
organismos animal e vegetal, fica-se tentado a suspeitar que 50.000 talvez seja uma
aposta melhor ou mesmo talvez se torne no futuro uma conjetura ridiculamente
desprezível. O protoplasma combina com a água em todas as proporções, o modo de
combinação sendo aparentemente intermediário entre uma solução e uma mistura
mecânica. De acordo com a quantidade de água que ele contém, ele deixa de ser
quebradiço para se tornar flexível, depois gelatinoso, e então lodoso e, então líquido.
Geralmente, ele tem um caráter elástico-viscoso; quer seja, ele pula de volta
parcialmente após uma longa tensão e, totalmente após uma curta; mas sua viscosidade
é muito mais marcante do que sua elasticidade. Ele está geralmente cheio de grânulos,
através dos quais podemos ver movimentos ondulantes lentos dentro dele, durando
alguns minutos, numa direção e depois, em geral, em reverso. O efeito deste movimento
ondulante é causar protuberâncias na massa, freqüentemente muito longas e delgadas.
Ocasionalmente, eles erguem-se contra a gravidade, e suas rias formas são
características dos diferentes tipos de protoplasma. Quando uma massa dele é
perturbada por um som estridente, uma aguilhoada, choque elétrico, calor, etc., as
ondulações são capturadas e /268/ o todo se contrai em uma bola; ou, se for longa
demais, às vezes quebra-se em esferas separadas. Quando o estímulo externo é
removido, a massa afunda em algo como sua condição anterior. O protoplasma também
cresce; ele absorve material e converte-o em algo semelhante à sua própria substância; e
em todo o seu crescimento e reprodução, ele preserva suas características específicas.
§ 40 (CP 1.394) Tais são as propriedades que devem ser contabilizadas. O que primeiro
chama à nossa atenção, como propenso a fornecer a chave para o problema, é a
contração da massa do protoplasma ao ser perturbada. Isto se deve obviamente ao vasto
e súbito aumento do que os físicos chamam de tensão da superfície,” ou à contração
das partes externas, cujo fenômeno é sempre observado nos líquidos, e é a causa da
formação de gotas. Esta tensão da superfície deve-se à coesão, ou atração entre
moléculas vizinhas. A questão é, então, como pode um corpo, ao ter seu equilíbrio
desfeito, repentinamente aumentar as atrações entre suas moléculas vizinhas? Estas
217
atrações devem crescer rapidamente conforme a distância é diminuída; e, assim, a
resposta sugere que a distância entre moléculas vizinhas é diminuída. É verdade, a
distância média deve permanecer quase a mesma, mas se as distâncias que tinham
previamente sido quase iguais forem tornadas desiguais, as atrações entre as moléculas
que são aproximadas serão muito mais aumentadas do mesmo modo que aquelas entre
as que são afastadas umas das outras serão diminuídas. Nós somos, assim, levados à
suposição de que, em seu estado comum de substância, suas partículas estão se
movendo principalmente em sistemas orbitais complicados ou quase-orbitais, ao invés
de em moléculas químicas ou sistemas de átomos mais definidos de substâncias menos
complexas, estas partículas assim se movendo em órbitas não sendo, entretanto, átomos,
mas moléculas químicas. Mas nós devemos supor que as forças entre estas partículas
são apenas suficientes para mantê-las em suas órbitas, e que, de fato, enquanto o
protoplasma está numa condição ativa, elas não são todas assim mantidas, mas que uma
e outra são, vez por outra, atiradas fora de suas órbitas e vagam por aque sejam
atraídas para outro sistema. Devemos supor que estes sistemas têm alguma composição
aproximada, certos tipos de partículas e tantas outras de outro tipo, etc., entrando nelas.
Isto é necessário para dar conta da quase constante composição química do todo. Por
outro lado, nós não podemos supor que o número de tipos diferentes é rigidamente
exato; pois nesse caso nós não poderíamos saber como dar conta do poder de
assimilação. Devemos supor, então, que um considerável espectro no número de
partículas que vão formar um sistema orbital, e que a composição mais ou menos exata
do todo é a exatidão de uma média estatística; exatamente como uma igualdade
próxima entre as proporções dos dois sexos em qualquer nação ou estado, embora haja
desigualdades consideráveis em cada um dos lares. Devido /269/ à complexidade desta
classificação, no momento em que qualquer distúrbio molecular, produzindo
distúrbios, grandes números de partículas são atiradas para fora de suas órbitas, os
sistemas ficam mais ou menos desarrumados na vizinhança imediata do distúrbio, e as
relações harmônicas entre as diferentes revoluções são um tanto quebradas. Em
conseqüência disto, as distâncias entre as partículas vizinhas, que tinham apresentado
uma regularidade sistemática, agora se tornam extremamente iguais, e suas atrações
médias, sobre as quais a coesão depende, é aumentada. Ao mesmo tempo, as partículas
atiradas para fora de seus sistemas atiram-se para dentro de outros sistemas e
desorganizam-nos por sua vez, e assim, o distúrbio é propagado através de toda a massa.
A fonte do distúrbio, no entanto, tendo sido removida, trocas de energia ocorrem, nas
quais uma tendência a equalizar a vis viva das diferentes partículas, e elas,
conseqüentemente, tendem a afundar para dentro de movimentos orbitais de novo, e
gradualmente algo muito parecido com o estado original das coisas é restabelecido, os
sistemas orbitais originais permanecendo, em sua grande parte, e as partículas
perambulantes, em grande proporção, encontrando lugar nestes sistemas ou formando
novos sistemas. Algumas destas partículas não encontrarão lugar algum e, assim, haverá
certa perda de quantidade de massa protoplasmática. Se o mesmo distúrbio se repetir, na
medida em que os sistemas orbitais permaneçam os mesmos que eram antes, haverá
uma repetição quase idêntica dos mesmos eventos. Os mesmos tipos de partículas (com
os mesmos quero dizer em massa, velocidade, direção de movimento, atração, etc.) que
foram atirados para fora dos diferentes sistemas anteriormente geralmente serão atirados
para fora novamente, até que, se o distúrbio for repetido várias vezes, pode ocorrer certa
deficiência daqueles tipos de partículas nos sistemas diferentes, quando alguns tipos
novos começarão a ser jogados fora. Estes novos tipos haverão de perturbar
diferentemente os sistemas para os quais voam, tendendo a causar classes de partículas
como elas mesmas, para ser jogadas fora e, desse modo, a direção de propagação do
218
distúrbio, assim como sua velocidade e intensidade, podem ser alteradas e, em resumo,
o fenômeno da fadiga se manifestará. Mesmo quando a massa protoplasmática é
deixada por si só, haverá algum perambular de partículas, produzindo regiões de
distúrbio ligeiro e, portanto, desigualdades de tensão; e, assim, correntes se
estabelecerão, movimentos da massa ocorrerão, e processos finos se formarão. Se,
entretanto, a massa for deixada por si por longo tempo, todas as partículas que forem
prontamente jogadas fora serão, em todas as mudanças que forem tocadas nas
combinações de situações e velocidades nos sistemas orbitais, lançadas fora; enquanto
as outras tenderão, constantemente, a se estabelecer em relações mais estáveis; e, assim
o protoplasma gradualmente tomará um estado passivo através do qual os sistemas
orbitais não são facilmente perturbados. O alimento para estes tipos de protoplasma que
são capazes de reações marcantes tem que ser apresentado em forma química complexa.
Ele deve, indubitavelmente, apresentar partículas exatamente como aquelas que giram
nos /270/ sistemas orbitais do protoplasma. Para ser atraída para dentro de um sistema
orbital, uma partícula, quer seja de material alimentar ou apenas atirada para fora de
algum outro sistema, deve ter a massa certa, deve se apresentar no ponto exato, e
mover-se com a velocidade certa na direção certa e estar sujeita às atrações certas. Dará
certo em todos estes aspectos se vier a tomar o lugar de uma partícula que acabou de ser
jogada fora; e, assim, partículas absorvidas estão particularmente propensas a ser do
mesmo material e massa e a ocupar os mesmos lugares nas órbitas que aquelas que
haviam sido jogadas fora um pouco antes. Pois bem, estas partículas sendo as
representantes exatas daquelas jogadas fora, estão propensas a ser jogadas fora pelos
mesmos distúrbios, nas mesmas direções e com os mesmos resultados, que aquelas que
haviam sido jogadas foram anteriormente; e isto é responsável pelo princípio do hábito.
Todos os tipos mais elevados de protoplasma, aqueles, por exemplo, que têm qualquer
poder marcante de contração, são alimentados com matéria química altamente
complexa.
CAPÍTULO VI. A TRÍADA NO DESENVOVLIMENTO BIOLÓGICO
§ 41 (CP 1.395) Quer a parte desempenhada pela seleção natural e a sobrevivência do
mais apto na produção das espécies seja grande ou pequena, resta pouca dúvida que a
teoria de Darwin indica uma causa real, que tende a adaptar formas animais e vegetais a
seus ambientes. Uma característica marcante dela é que ela mostra como variações
meramente fortuitas de indivíduos, juntamente com acidentes meramente fortuitos que
lhes acontecem, deveriam, sob a ação da hereditariedade, resultar, não na mera
irregularidade, nem mesmo em uma constância estatística, mas em um progresso
contínuo e indeterminado rumo a uma melhor adaptação dos meios aos fins. Como?
Qual é, abstratamente falando, o fator específico nas condições do problema que faz
ocorrer esta conseqüência singular?
§ 42 (CP 1.396) Suponham que um milhão de pessoas, cada qual de posse de um
dólar, se sentasse para jogar um simples e justo jogo de azar, apostando, por
exemplo, em se um dado dá um número par ou ímpar. Os jogadores devem fazer suas
apostas independentemente uns dos outros e cada qual deve apostar no resultado de
cada lance de um dólar contra um dólar por parte do banco. Claro, na primeira
aposta, a metade deles perderia seu único dólar e sairia do jogo, pois é necessário que
nenhum crédito seja permitido, ao passo que a outra metade ganharia cada qual um
219
dólar e, assim, passar a valer US$2. Destes 500.000 jogadores, após o segundo lance,
250.000 terão perdido e então valerão apenas US$1 cada, ao passo que os outros
250.000 terão ganho e, assim, passarão a valer US$3. Depois do terceiro lance,
125.000, ou metade daqueles que tinham tido US$1 cada, estariam arruinados;
250.000 valeriam US$2 (quer seja, metade de 250.000 que tinham tido US$1 cada, e
metade de 250.000 que tinham tido US$3 cada) e 125.000 valeriam US $4 cada. O
subseqüente progresso do jogo está ilustrado pela /271/ seguinte tabela, onde o
número de jogadores está dado tendo cada qual uma quantidade possível após a 1º,
2º, 3º, etc. lances.
Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto Sexto Sétimo Oitavo Nono Décimo Décimo - sexto
$1 250.000 125.000 78.125 54.687 ½ 41.015 5/8 21.820
2 500.000 250.000 156.250 109.375 82.031 ¼
3 250.000 187.500 140.625 109.375 87.890 5/8 52.368
4 125.000 125.000 109.375 93.750
5 62.500 78.125 78.125 73.242
1/16
55.542
6 31.250 46.875 52.734
1/8
7 15.625 27.343 ¾ 34.179
11/16
38.880
8 7.812 ½ 15.625
9 3.906 ¼ 8.789
1/16
19.226
10 1.953
1/8
11 976
9/16
6.714
12
13 1.587
14
15 229
16
17 15
220
Ver-se-á, com o auxílio da tabela acima, que após o quarto lance, o ganho mais
comum é US$3, após o nono US$4, após o décimo - sexto US$5, e assim
sucessivamente após o vigésimo - quinto seria US$6, após o trigésimo - sexto US$7,
e por afora. Aqui, então, estaria um aumento crescente da riqueza, que é um tipo
de adaptação ao seu ambiente,” produzido pela sobrevivência do mais apto, quer
seja, pela eliminação do jogo de cada jogador que perdeu seu último dólar. É fácil
ver que o aumento da media e riqueza comum ocorre pela subtração de todas aquelas
pequenas fortunas que estariam nas mãos de pessoas que tinham outrora falido,
tivesse-lhes sido permitido continuar a apostar.
§ 43 (CP 1.397) Pois bem, a adaptação de uma espécie a seu ambiente consiste, para
os propósitos da seleção natural, no poder de continuar a existir, o que quer dizer, no
poder de uma geração criar uma outra; pois, desde que uma outra geração é criada, a
espécie continuará e, assim que cessar, ela está condenada após uma vida. Esta
faculdade reprodutora, então, dependendo em parte da fecundidade direta, e em parte
/272/ da [capacidade de] o animal passar da idade de procriação, é precisamente o
que a teoria darwiniana sustenta. Este caráter é claramente um daqueles que tem um
mínimo absoluto, pois nenhum animal pode produzir menos crias do que nenhuma e
não tem um limite máximo aparente, de tal modo que é análogo à riqueza daqueles
jogadores. Deve ser lembrado que a frase “a sobrevivência dos mais aptos” na
formula do princípio não significa a sobrevivência dos indivíduos mais aptos, mas a
sobrevivência dos tipos mais aptos; pois a teoria não exige, de modo algum, que os
indivíduos mal-adaptados a seu ambiente devam morrer mais cedo do que outros,
desde que não tenham tantos filhos que os outros; e, de fato, não é necessário que isto
deva ir até ao ponto de extinguir a linha de descendência, desde que haja alguma
razão para que a cria de pais tão mal-adaptados seja menos provável do que outras
para herdar as características daqueles pais. Parece que o processo, como regra geral,
é mais ou menos assim. Um dado indivíduo é, em algum respeito mal-adaptado a seu
ambiente, quer seja, ele tem características que são geralmente desfavoráveis para a
reprodução de numerosas crias. Estes caracteres estarão aptos a enfraquecer o
sistema reprodutor desse indivíduo, por várias razões, de tal modo que suas crias não
estão à altura da força média da espécie. Esta segunda geração cruzará com outros
indivíduos, mas devido à sua fraqueza, suas crias estarão mais aptas a parecer o outro
pai e assim o caráter desfavorável será gradualmente eliminado, não meramente pela
diminuição do número de crias, mas também pelas crias que mais se pareçam com o
pai mais forte. outros modos através dos quais os caracteres desfavoráveis
desaparecerão. Quando o poder procriativo é diminuído, muitos exemplos que
mostram mais tendência ao jogo. Este jogo continuará até que, no seu curso, o caráter
desfavorável tenha sido obliterado. O poder geral da reprodução então se fortalece e,
com ele, a força procriativa direta é reforçada, a transmissão hereditária de caracteres
torna-se novamente rígida e o tipo melhorado é fortalecido.
§ 44 (CP 1.398) Mas todos estes casos diferentes são tão somente modos diferentes
de um e o mesmo princípio, que é, a eliminação de caracteres desfavoráveis. Vemos,
então, que apenas três fatores no processo da seleção natural, quer sejam:
primeiro, o princípio da variação individual ou jogo; segundo, o princípio da
transmissão hereditária, que guerreia contra o primeiro princípio; e, terceiro, o
princípio de eliminação dos caracteres desfavoráveis.
221
§ 45 (CP 1.399) Vejamos até que ponto estes princípios correspondem às tríades que
vimos. O princípio do jogo é o princípio da irregularidade, indeterminação, acaso.
Ele corresponde à errância irregular e múltipla das partículas no estado ativo do
protoplasma. Isso [é] a introdução de algo fresco, primeiro. O /273/ princípio de
hereditariedade é o princípio de determinação de algo pelo que ocorreu antes, o
princípio de compulsão, correspondendo à vontade e aos sentidos. O princípio de
eliminação dos caracteres desfavoráveis é o princípio de generalização ao eliminar os
casos esporádicos, correspondendo especificamente ao princípio do esquecimento na
ação do sistema nervoso. Nós temos, então, aqui, uma reprodução um tanto
imperfeita da mesma tríade que antes. Sua imperfeição pode ser a imperfeição da
teoria do desenvolvimento.
CAPÍTULO VII. A TRÍADA NA FÍSICA
§ 46 (CP 1.400) A filosofia metafísica quase que pode ser chamada de a filha da
geometria. Das escolas dos primeiros filósofos gregos, dois, a iônica e a pitagórica,
eram todos geômetras, e o interesse dos eleatas pela geometria é freqüentemente
mencionada. Platão era a grande figura na história dos dois assuntos e, Aristóteles
inferiu do estudo do espaço alguns de seus conceitos mais poderosos. A metafísica
depende em grande medida da idéia de gidas demonstrações de primeiros
princípios; e esta idéia, assim como em relação ao processo como os axiomas dos
quais ela parte, traz sua paternidade na cara. Ademais, a convicção de que qualquer
filosofia metafísica é possível foi sustentada em todos os tempos, como Kant bem
diz, pelo exemplo na geometria de uma ciência semelhante.
§ 47 (CP 1.401) A rendição incondicional, então, por parte dos matemáticos de nosso
tempo, à exatidão absoluta dos axiomas da geometria, não deixa de ser um evento
altamente significativo para a história da filosofia. Gauss, o maior dos geômetras,
declara que “não razão para pensar que a soma dos três ângulos é exatamente
igual a dois ângulos retos.” É verdade, a experiência mostra que o desvio dessa soma
dessa quantia é tão excessivamente pequena que a linguagem deve ser
engenhosamente usada para expressar o grau de aproximação: mas a experiência
nunca pode mostrar que qualquer verdade pode ser exata, nem tanto quanto dar a
menor razão para pensar que assim seja, a menos que seja sustentada por algumas
outras considerações. Nós podemos apenas dizer que a soma dos três ângulos de
qualquer ângulo dado não pode ser muito maior ou menor do que dois ângulos retos;
mas esse valor exato é apenas uma entre um número infinito de outros, cada um dos
quais é tão possível quanto isso. Nisto os matemáticos são unânimes.
§ 48 (CP 1.402) A absoluta exatidão dos axiomas geométricos é explodida; e a
crença correspondente nos axiomas geométricos, considerando a dependência da
metafísica da geometria, deve seguramente segui-la até ao túmulo dos credos
extintos. A primeira a ir deve ser a proposição de que cada evento no universo está
precisamente determinado por causas de acordo com leis invioláveis. Nós não temos
nenhuma razão para pensar que isto é absolutamente exato. A experiência mostra que
assim é até certo maravilhoso ponto de aproximação, e isso é tudo. Este grau de
aproximação será um valor que caberá às futuras investigações científicas investigar;
mas nós não temos mais /274/ razão para pensar que o erro de uma declaração
comum é precisamente zero, do que qualquer um dos de uma infinidade de valores
nessa vizinhança. A probabilidade é do infinito para um que não é zero; e nós
222
estamos propensos a pensar nisso como uma quantidade em relação à qual o zero é
apenas um valor possível. Phoenix, em suas “Conferências sobre Astronomia,”
referindo-se ao comando de Josué para que o sol ficasse parado, disse que ele não era
capaz de deixar de suspeitar que ele talvez tivesse se mexido um pouquinho quando
Josué não estava olhando diretamente para ele. Nós sabemos que quando tentamos
verificar qualquer lei da natureza através da experimentação, nós sempre
encontramos discrepâncias entre as observações e a teoria. Estas nós corretamente
referimos a erros de observação; mas por que não haveria aberrações semelhantes
devido à imperfeita obediência dos fatos á lei?
§ 49 (CP 1.403) Aceitem que isto é concebível e não poderá haver nada na
experiência para negá-lo. Por estranho que possa parecer, muitas pessoas que
terão dificuldade em conceber um elemento de ilegalidade no universo, e que talvez
sejam tentados a reconhecer a doutrina da perfeita regra da causalidade como sendo
uma das crenças instintivas originais, como aquela do espaço ter três dimensões.
Longe disso, é noção totalmente histórica moderna, uma inferência aparte das
descobertas da ciência. Aristóteles geralmente assevera que algumas coisas são
determinadas por causas ao passo que outras ocorrem por acaso. Lucrécio, seguindo
Demócrito, supõe que seus átomos primordiais desviam-se de suas trajetórias
retilineares apenas fortuitamente, e sem qualquer razão. Para os antigos, não havia
nada de estranho em tais noções; elas eram questões de curso; o que seria estranho
teria sido ter dito que não havia acaso. Assim, nós não estamos sob nenhuma
necessidade interna de crer [na] perfeita causalidade se não encontrarmos quaisquer
fatos para a confirmarem.
§ 50 (CP 1.404) Estou longe de sustentar que a experiência é nossa única luz; os
pontos de vista de Whewell a respeito do método científico parecem-me mais
verdadeiros do que as de Mill; tanto é assim que devo pronunciar os princípios
conhecidos da física como sendo tão somente um desenvolvimento das crenças
instintivas originais. No entanto, não posso deixar de reconhecer que toda a história
do pensamento mostra que nossas crenças instintivas, em sua condição original, estão
de tal maneira cheias de erros que não podemos confiar nelas, até que tenham sido
corrigidas pela experimentação. Pois bem, a única coisa que a inferência a partir da
experiência pode alguma vez nos ensinar é o valor aproximado de uma razão. Tudo
se baseia no princípio de amostragem; pegamos uma mão cheia de café de um saco e
julgamos que há mais ou menos a mesma proporção que nós podemos nos dar ao
luxo de imaginar que há a mesma proporção de feijões no saco que há naquela
amostra. Nesta razão, cada proposição que nós podemos conceber sobre o mundo
real deve ser do tipo aproximado; nós jamais poderemos ter o direito de sustentar que
qualquer verdade é exata. A aproximação deve ser o tecido através do qual a nossa
filosofia dever ser construída.
§ 51 (CP 1.405) Chego agora à outra questão. A maioria dos sistemas de filosofia
sustenta certos fatos ou princípios como sendo últimos. De fato, qualquer fato é, em
certo sentido, último, - quer seja, em sua teimosia agressiva isolada e /275/ realidade
individual. O que Escoto chama a haecceidade das coisas, a aquiedade e a agoridade
delas, é realmente última. Por que isto que está aqui é como é, como, por exemplo, se
acontecer que um grão de areia veio a ser tão pequeno e tão duro, podemos
perguntar; podemos também perguntar como ele chegou até aqui, mas a explicação
neste caso apenas nos leva de volta ao fato de que foi outrora em algum outro lugar,
223
onde se esperasse que coisas similares talvez acontecessem. Por que ISSO,
independentemente de suas características gerais, vem a ter qualquer lugar definido
no mundo, não é uma pergunta a ser feita; é simplesmente um fato último. Há
também outra classe de fatos dos quais é razoável esperar uma explicação,
nomeadamente, fatos de indeterminação ou variedade. Por que um tipo específico de
evento é freqüente e outro raro, é uma questão a ser perguntada, mas uma razão para
o fato geral de que alguns dos eventos são comuns e outros raros, seria injusto exigir.
Se todos os nascimentos ocorressem em um dado dia da semana, ou se houvesse
sempre mais no domingo do que na segunda, isso seria um fato a ser computado, mas
que eles ocorrem mais ou menos na mesma proporção todos os dias não requer
explicação específica. Se descobríssemos que todos os grãos de areia de uma dada
praia se separavam em duas ou mais classes rigorosamente discretas, como esféricas
e cúbicas, haveria alguma coisa a ser explicada, mas que eles são de vários tamanhos
e formas, de nenhum caráter definível, pode apenas se referir à multiformidade da
natureza. A indeterminação, então, ou pura primeiridade, e haeceidade, ou pura
segundidade, são fatos que não pedem e o são capazes de explicação. A
indeterminação não nos fornece nada a partir do qual podemos fazer uma pergunta; a
haeceidade é a ultima ratio, o fato bruto que não será questionado. Mas cada fato de
uma natureza geral ou ordenada pede uma explicação; e a lógica proíbe-nos de
presumir, em relação a qualquer fato dado desse tipo, que é, por sua própria natureza,
absolutamente inexplicável. Isto é o que Kant
3
chama um princípio regulativo, quer
seja, uma esperança intelectual. O único propósito imediato do pensamento é o de
tornar estas coisas inteligíveis; e pensar e, no entanto, no próprio ato de pensar uma
coisa ininteligível é auto-estultificação. É como se uma pessoa, munida de uma arma
para se defender contra um inimigo, ao descobrir que este é bastante temível, usasse
sua arma para explodir seus miolos para deixar de ser morto por seu inimigo. O
desespero é insano. Certo, talvez haja fatos que jamais serão explicados; mas
qualquer fato dado é inumerável, é o que a experiência nunca poderá nos dar razão de
pensar; muito menos poderá mostrar que qualquer fato é em sua própria natureza
ininteligível. Nós devemos, portanto, ser guiados pela regra da esperança e,
conseqüentemente devemos rejeitar toda a filosofia ou concepção geral do universo
que possa levar à conclusão que qualquer fato dado geral é o último. Nós devemos
/276/ esperar explicações, não para todas as coisas, mas para qualquer coisa dada,
seja ela qual for. Não nenhuma contradição aqui, como não em ter as nossas
próprias opiniões, ao passo que estamos preparados para admitir que é provável que
nem todas sejam verdadeiras; ou mesmo que em dizer que qualquer tempo futuro
um dia passará, embora jamais haverá um tempo quando todo o tempo será passado.
§ 52 (CP 1.406) Entre outros fatos comuns que têm de ser explicados está a Lei ou a
própria regularidade. Exageramos enormemente o papel que a lei desempenha no
universo. É por meio de regularidades que nós compreendemos quão pouco
compreendemos do mundo e, assim, há um tipo de perspectiva mental que traz
fenômenos regulares para o primeiro plano. Dizemos que cada evento está
determinado por causas de acordo com a lei. Mas além do fato de que isto não deve
ser considerado como absolutamente verdadeiro isto não oferece tanto quanto
3
Para os escolásticos, ver Eckius em Petr. Hisp. 48 b nota 1. (Nota de Peirce)
224
promete. Nós não queremos dizer com isto, por exemplo, que se uma pessoa e seu
antípoda espirrarem ao mesmo instante, que esse evento se sob qualquer lei geral.
Isso é apenas o que chamamos uma coincidência. Mas o que queremos dizer é que
houve uma causa para a primeira pessoa espirrar, e outra causa para a segunda pessoa
espirrar; e o agregado destes dois eventos compreende o primeiro evento sobre o qual
começamos nossa investigação. A doutrina é que os eventos do universo físico são
meramente movimentos da matéria e que estes obedecem às leis da dinâmica. Mas
isto apenas equivale a dizer que entre os inumeráveis sistemas de relações existentes
entre as coisas, que nós descobrimos uma que é universal e, ao mesmo tempo, que
está sujeita à lei. Não nada exceto este caráter singular que torna este sistema
específico de relações mais importante que os outros. Deste ponto de vista, a
uniformidade é vista como sendo um fenômeno altamente excepcional. Mas nós não
prestamos nenhuma atenção às relações irregulares, como tendo qualquer interesse
para nós.
§ 53 (CP 1.407) Chegamos, então, a isto: a conformidade à lei existe apenas dentro
de um leque limitado de eventos e mesmo não é perfeita, pois um elemento de
pura espontaneidade ou ilegalidade original se mistura, ou pelo menos deve poder se
misturar, com a lei em toda parte. Ademais, a conformidade à lei é um fato que exige
uma explicação; e uma vez que a Lei em geral não pode ser explicada por qualquer
lei em particular, a explicação deve consistir em mostrar como a lei é desenvolvida a
partir do acaso, irregularidade e indeterminação pura.
§ 54 (CP 1.408) Nesta questão devemos nos dirigir a nós mesmos; e é
particularmente necessário assim fazer no estado atual da ciência. A teoria da
constituição molecular da matéria foi levada a um ponto em que indicações
claras para nos apontar caminhos a seguir, e nós agora estamos no escuro. Para
desenvolver as conseqüências matemáticas de qualquer hipótese quanto à natureza e
leis das pequenas partes da matéria, e depois testá-la através de experimentos físicos,
levará cinqüenta anos; e a partir de inúmeras hipóteses que podem ser enquadradas,
não parece haver nada para /277/ tornar um mais antecedentemente provável do que
outro. Neste passo, quanto tempo levará para fazer qualquer avanço decisivo? Nós
precisamos de alguma dica sobre como se espera que as moléculas venham a se
comportar; se, por exemplo, elas teriam a propensão de se atrair ou repelir umas às
outras inversamente à potência de cinco da distância, de tal modo que fossemos
poupados de muitas suposições falsas, se não nos é imediatamente mostrado o
caminho para a suposição verdadeira. Diga-nos como as leis da natureza surgiram e
talvez possamos distinguir em alguma medida entre leis que podem e leis que não
poderiam ter resultado de tal processo de desenvolvimento.
§ 55 (CP 1.409) Descobrir isto é nossa tarefa. Vou começar o trabalho com esta
conjetura. Uniformidades nos modos de ação das coisas apareceram através de sua
aquisição de hábitos. Atualmente, o curso dos eventos está aproximadamente
determinado pela lei. No passado essa aproximação era menos perfeita; no futuro
será mais perfeita ainda. A tendência a obedecer a leis sempre foi e sempre será o
crescimento. Nós fixamos o olhar em um ponto no passado infinitamente distante
quando não havia lei, mas apenas indeterminação; ansiamos por um ponto no futuro
infinitamente distante quando não haverá indeterminação ou acaso, mas um completo
reino da lei. Mas, em qualquer data assinalável no passado, pouco importa quão
cedo, havia alguma tendência à uniformidade; e, em qualquer data assinalável no
futuro, haverá algum ligeiro desvio da lei. Mais ainda, todas as coisas têm uma
tendência a adquirir hábitos. Dos átomos e suas partes, moléculas e grupos de
225
moléculas, em suma, em cada objeto real concebível uma maior probabilidade de
agir como numa ocasião anterior semelhante do que ao contrário. Esta tendência em
si constitui uma regularidade e cresce continuamente. Ao olhar para o passado,
olhamos para períodos quando havia uma tendência mais vaga. Mas sua própria
natureza essencial é crescer. É uma tendência generalizante; ela faz com que as ações
no futuro sigam alguma generalização das ações passadas; e esta tendência é em si
mesma algo capaz de igual generalização; e assim, é auto-generativa. Nós temos,
portanto, apenas que supor o mínimo estímulo dela no passado, e esse germe teria
tido a propensão a desenvolver-se até se tornar um princípio poderoso e dominador,
até que se supere ao fortalecer hábitos e a torná-los leis absolutas que regem a ação
de todas as coisas em cada aspecto em um futuro indeterminado.
§ 56 De acordo com isto, três elementos estão ativos no mundo, primeiro, o
acaso; segundo, a lei; e terceiro, a aquisição de hábitos.
§ 57 (CP 1.410) Tal é a nossa conjetura ao segredo da esfinge. Erguê-la da
condição de especulação filosófica até aquela de hipótese científica, devemos
mostrar que conseqüências podem ser deduzidas dela com maior ou menor
probabilidade, que pode ser comparada com a observação. Nós devemos mostrar que
algum método de deduzir as características das leis que poderiam resultar neste
modo através da ação da aquisição de hábitos em ocorrências puramente fortuitas, e
um método de assegurar se tais características pertencem às verdadeiras leis da
natureza. /278/
§ 58 (CP 1.411) A existência das coisas consiste em seu comportamento regular. Se
um átomo não tivesse nenhuma atração ou repulsa regular, se sua massa fosse, numa
hora nada, e noutra uma tonelada, noutra ainda uma quantidade negativa, se seu
movimento, ao invés de ser contínuo, consistisse em uma série de saltos de um lugar
para outro sem passar através de quaisquer lugares intermediários, e se não houvesse
quaisquer relações explícitas entre suas diferentes posições, velocidades e direções
de deslocamento, se estivesse numa hora em um lugar e noutra em uma dúzia, tal
pluralidade de fenômenos desconexa não formaria qualquer coisa existente. Não
apenas substâncias, mas eventos também são constituídos por regularidades. O fluxo
de tempo, por exemplo, em si é uma regularidade. O caos original, portanto, onde
não havia regularidade, era, de fato, um estado de mera indeterminação, em que nada
existia ou realmente acontecia.
§ 59 (CP 1.412) Nossas concepções dos primeiros estágios do desenvolvimento,
antes que o tempo existisse devem ser tão vagas e figurativas quanto as expressões
do primeiro capítulo do Gênesis. Para fora do útero da indeterminação, devemos
dizer, que deve ter saído alguma coisa através do princípio da primeiridade, que
podemos chamar de um flash. Então, pelo princípio do hábito, deve ter havido um
segundo flash. Embora o tempo ainda não existisse, este segundo flash foi, em algum
sentido, depois do primeiro, porque resultou dele. Então teria havido outras sucessões
cada vez mais interligadas, os hábitos e a tendência a adquiri-los cada vez se
fortalecendo mais, até que os eventos se uniram em alguma coisa como um fluxo
contínuo. Nós não temos qualquer razão para pensar que mesmo agora o tempo fosse
perfeitamente contínuo e uniforme em seu fluxo. O quase-fluxo, que daí resultaria,
no entanto, diferiria essencialmente do tempo neste respeito, que não seria
necessariamente em um único curso. Diferentes flashes talvez comecem diferentes
cursos, entre os quais não deve haver nenhuma relação de contemporaneidade ou
sucessão. Então, um curso talvez se divida em dois, ou dois talvez se aglutinem. Mas
226
o resultado do hábito seria inevitavelmente o de separar completamente aqueles que
estivessem muito separados e de fazer com que aqueles que apresentavam pontos
em comum freqüentes se aglutinem em uma perfeita união. Aqueles que estivessem
completamente separados seriam mundos tão diferentes que nada saberiam uns dos
outros; de tal modo que o efeito seria exatamente o que de fato observamos.
§ 60 (CP 1.413) Mas a segundidade é de dois tipos. Conseqüentemente, além de
flashes genuinamente segundos para outros, para poderem vir após eles, haverá pares
de flashes, ou, uma vez que se supõe que o tempo agora se desenvolva, é melhor que
digamos pares de estados, que são reciprocamente segundos, cada membro do par
para o outro. Este é o germe da extensão espacial. Estes estados passarão por
mudanças; e hábitos serão formados de passar de certos estados a certos outros, e de
não passar de certos estados a certos outros. Aqueles estados aos quais um estado
passará imediatamente será adjacente a ele; e assim, hábitos serão formados que
constituirão /279/ um continuum especial, mas diferindo de nosso espaço por ser
muito irregular em suas conexões, tendo um número de dimensões em um lugar e
outro número em outro lugar, e sendo diferente para um estado móvel do que é para
outro.
§ 61 (CP 1.414) Pares de estados também começarão a adquirir hábitos, e assim cada
estado tendo hábitos diferentes com referência a outros estados diferentes, dará
surgimento a feixes de hábitos, que serão substâncias.
4
Alguns destes estados
mudarão para adquirir hábitos de persistência, e se tornarão cada vez menos
propensos a desaparecer; ao passo que aqueles que deixarem de adquirir tais hábitos
deixarão de existir. Assim, substâncias se tornarão permanentes.
§ 62 (CP 1.415) De fato, hábitos, a partir do modo de sua formação necessariamente
consistem na permanência de alguma relação e, portanto nesta teoria, cada lei da
natureza consistiria em alguma permanência, tal qual a permanência da massa,
momentum, e energia. Neste respeito, a teoria casa admiravelmente com os fatos.
§ 63 (CP 1.416) As substâncias levando seus hábitos consigo em seus movimentos
através do espaço, tenderão a tornar as diferentes partes do espaço semelhantes.
Assim, a dimensionalidade do espaço tenderá gradualmente à uniformidade; e as
conexões múltiplas, exceto no infinito, aonde as substâncias nunca vão, serão
obliteradas. No início, as conexões do espaço eram provavelmente diferentes para
uma substância e parte de uma substância do que eram para outra; quer seja, pontos
adjacentes ou perto uns dos outros para os movimentos de um corpo não o seriam
para outro; e isto talvez tenha contribuído para quebrar substâncias em pequenos
pedaços ou átomos. Mas as ações mútuas dos corpos teriam tendido a reduzir seus
hábitos à uniformidade neste respeito; além disso, devem ter surgido conflitos entre
hábitos dos corpos e hábitos de partes do espaço, que jamais teriam cessado até que
fossem trazidos à conformidade.
4
Uso substância, aqui, no antigo sentido de uma coisa, não no sentido químico moderno (nota de
Peirce).
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