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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS
GERSON CONSTÂNCIA DUARTE
A REPRODUÇÃO IDEOLÓGICA DO DISCURSO POLÍTICO NA
EDUCAÇÃO: UM ENTENDIMENTO ATRAVÉS DA FALA DOS
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS NO CONTEXTO DO GOVERNO
GEISEL, 1974 – 1979
VITÓRIA
2008
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GERSON CONSTÂNCIA DUARTE
A REPRODUÇÃO IDEOLÓGICA DO DISCURSO POLÍTICO NA
EDUCAÇÃO: UM ENTENDIMENTO ATRAVÉS DA FALA DOS
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS NO CONTEXTO DO GOVERNO
GEISEL, 1974 – 1979
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social das Relações
Políticas do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do Espírito
Santo, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em História Social das
Relações Políticas.
Orientadora: Profª. Pós-doutora Maria da
Penha Smarzaro Siqueira.
Vitória
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Duarte, Gerson Constância, 1967-
D812r A reprodução ideológica do discurso político na educação : um
entendimento através da fala de professores universitários no
contexto do Governo Geisel, 1974-1979 / Gerson Constância
Duarte. – 2008.
135 f.
Orientadora: Maria da Penha Smarzaro Siqueira.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Discursos, alocuções, etc. 2. Ideologia. 3.História Oral. 4.
Educação. 5. Ditadura e ditadores. 6.Políticas Públicas. I. Siqueira,
Maria da Penha Smarzaro. II. Universidade Federal do Espírito
Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
GERSON CONSTÂNCIA DUARTE
A REPRODUÇÃO IDEOLÓGICA DO DISCURSO POLÍTICO NA
EDUCAÇÃO: UM ENTENDIMENTO ATRAVÉS DA FALA DOS
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS NO CONTEXTO DO GOVERNO
GEISEL, 1974 – 1979
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social das
Relações Políticas do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em História Social das Relações Políticas.
Aprovada em _____ de________ de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________
Profª. Pós-doutora Maria da Penha Smarzaro Siqueira
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
____________________________________________
Profº. Drº. Sebastião Pimentel Franco
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________
Profº. Drº. Erineu Foerst
Universidade Federal do Espírito Santo
____________________________________________
Profª. Drª Rossana Ferreira da Silva Mattos
Centro Universitário Vila Velha - UVV
Dedico esse trabalho a duas pessoas de grande importância.
A minha professora orientadora Drª Maria da Penha Smarzaro
Siqueira que me incentivou em todos os momentos dessa
minha caminhada, me auxiliando quando necessário com sua
generosidade e sua amizade, compartilhando seu
conhecimento, proporcionando-me o estímulo necessário para
a conclusão desta minha jornada e a minha esposa Maurizete
Pimentel Loureiro Duarte, pela força e dedicação, sem a qual
certamente essa caminhada teria se tornado extremamente
difícil e os obstáculos praticamente intransponíveis.
AGRADECIMENTOS
Toda vez que saímos para uma longa caminhada, devemos estar preparados para
as intempéries que podemos encontrar e, assim, tornar essa caminhada o mais
confortável e proveitosa. Assim é a vida, que nos proporciona ensinamentos e
experiências que são trazidas por nós e que nos guiam na direção dos melhores
caminhos e das escolhas certas que fazemos.
Nesses caminhos algumas pessoas se tornam mais importantes, ajudando-nos a
carregar nossos fardos, e outras tantas, apenas nos apontando as direções a seguir.
Muitas marcam seus nomes nessa trajetória, outras deixam lembranças que
levaremos por toda nossa vida. Gostaria de agradecer a todas essas pessoas, mas
de forma especial, aquelas que marcaram seus nomes.
Assim, agradeço a alguns amigos, que foram importantes me emprestando um
pouco de sua força, caráter e amizade que me conduziram a esse momento de vida.
Agradeço ao casal mineiro Regina e Arnaldo Viana pela amizade, pelo carinho, e por
ter estado ao meu lado em algumas de minhas horas mais difíceis, estendendo a
mão e me dando o apoio necessário para me erguer e recomeçar.
Quero agradecer também a Ademilde e Ponciano Fadini, a quem guardo imenso
carinho, juntamente com a família Silva e Fadini, à frente da Unisulbahia Faculdades
Integradas, que me acolheram, acreditando no meu potencial e me incentivando,
abrindo as portas para minha carreira acadêmica, que culminou com esse momento
tão importante.
Agradeço a meus pais, sempre presentes, apoiando-me, incentivando-me e
acolhendo-me quando precisei, e aos meus irmãos que me emprestaram sua
solidariedade até esse momento.
Agradeço a meus professores do Mestrado em História que me conduziram a esse
momento. Ao professores que se disponibilizam para participar da banca de
qualificação e da banca de defesa e, principalmente, a minha orientadora professora
Maria da Penha Smarzaro Siqueira. À coordenação do Mestrado e, em especial, à
secretária do Mestrado Ivana Ferreira Lorenzoni.
Agradeço ainda aos professores Rômulo Augusto Penina, Lauro Venturini, Gabriel
Bittencourt, Lea Brígida, Neida Lúcia de Moraes, Marly Imperial Garabelli e Esdras
Leonor pelas entrevistas concedidas, para a conclusão desse trabalho de pesquisa,
contribuindo com suas histórias e experiências de vida.
Mas, de maneira muito especial, agradeço a minha esposa, por dividir comigo todas
as horas dessa caminhada que agora entra em um novo começo.
A nova teoria democrática deverá proceder à repolitização
global da prática social e o campo político imenso que daí
resultará permitirá desocultar formas novas de opressão e de
dominação, ao mesmo tempo que criará novas oportunidades
para o exercício de novas formas de democracia e de
cidadania. Esse novo campo político não é, contudo, um
campo amorfo. Politizar significa identificar relações de poder
e imaginar formas práticas de as transformar em relações de
autoridade partilhada. As diferenças entre as relações de
poder são o princípio da diferenciação e estratificação do
político. Enquanto tarefa analítica e pressuposto de ação
prática, é tão importante a globalização do político como a sua
diferenciação (BOAVENTURA, 1995:271).
RESUMO
O Regime Militar no Brasil (1964 – 1985) compreende um momento de profundas
transformações sociais, econômicas e políticas, as quais o povo brasileiro foi
submetido, gerando alterações em seu modo de pensar e de agir. Tais alterações
podem ser creditadas ao papel dos Aparelhos do Estado que atuaram tanto através
de uma ação direta, pelos Aparelhos Repressivos do Estado, quanto no campo
psicossocial, por meio dos Aparelhos Ideológicos do Estado. Cabe especial
destaque para a atuação no campo psicossocial, o papel da Escola em todos os
seus níveis, a partir da apropriação de uma Ideologia gerada pela Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento e difundida em seu interior. Tal Doutrina,
levada a efeito pelos agentes reprodutores do Estado, tinha o papel de recriar uma
nova Identidade Nacional entre os brasileiros, que estivesse alinhada ao
pensamento burguês e a nova proposta de Nação a ser implantada pela nova
coalizão Civil/Militar. Nas três décadas em que os militares estiveram no poder, o
povo brasileiro assistiu a um Estado autoritário e ditador, que impôs uma política de
exceção, para alcançar seus reais objetivos de uma Nação capitalista e
desenvolvida. A década de 1970 representa uma fase em que o Estado, frente a um
forte processo de desenvolvimento, depara-se com um processo de desaceleração
do crescimento, tendo que mudar o tom de seu discurso e iniciar um processo de
liberalização política, denominado de Distensão. Nesse mesmo período, o país vê a
necessidade da formação de mão-de-obra qualificada para atender à demanda
gerada pelo crescimento econômico, assim como vê também a expansão do ensino
em todos os níveis para promoção dessa geração de recursos humanos. A
expansão do ensino superior, através do incentivo ao ensino privado, desponta
como uma alternativa do governo para a geração desses recursos demandados pelo
crescimento nacional. Nas universidades, onde há um maior descontentamento com
as políticas do governo, o mesmo age para a manutenção da ordem social através
de conteúdos aplicados pela disciplina de Estudos dos Problemas Brasileiro,
introduzindo nas salas de aulas propagandas das grandes ações do Estado para a
manutenção do crescimento, visando ao fortalecimento do sentimento de
nacionalismo entre os estudantes. Nesse campo de intervenção do Estado ganham
especial destaque os professores que, ainda que de forma silenciosa, ou por
temerem uma ação mais violenta Estado, contribuíam para a reprodução das
ideologias contidas na Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.
PALAVRAS CHAVES
Discurso, Ditadura, Educação, História Oral, Ideologia, Políticas Públicas
ABSTRACT
The military regime in Brazil (1964-1985) comprehended a moment of deep social,
economical and political transformations, witch the Brazilian population was
subjected to, creating changes in its way of thinking and acting. These changes can
be attributed to the role of the State Apparatus, witch acted both as a direct action,
through the State Repressive Apparatus, and in the psychosocial area, through the
State Ideological Apparatus. In the psychosocial area, we can highlight the role of de
School in all its levels, from the appropriation of an ideology created by the National
Security and Development Doctrine (Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento) and spread in its insides. This Doctrine, effected by the States’
breeding agents, played the role of the reconstruction of a new Nation Identity among
the Brazilians, such Identity should be combined to the bourgeois’ thought and the
fresh proposal of Nation to be planted by the new association Civil/Military. On the
three decades in witch the military commended the country, the Brazilian population
lived under an authoritarian and dictating Government that imposed a policy of
exception to reach out to its real aim of a developed and capitalist Nation. The 70s
represent a period in witch the State, in front of a great progression of development,
faces a slowdown process in the growth, been forced to change the tone in its
speech and start on a practice of political liberation, denominated Distension
(Distensão). In this very same period, the country sees a need of a qualified labor
configuration to feedback the demand created by the economical growth, and also
sees the education expansion in every level to the promotion of this generation of
human resources. The expansion of superior education, throughout the incentive to
the paid education, appears as a government’s alternative to the creation of these
resources demanded by the national growth. At the universities, where there is a
considerable dissatisfaction with the government’s policies, it acts towards the
maintenance of the social order through contents applied by the Studies of Brazilian’s
Problems (Estudos dos Problemas Brasileiros), introducing in the classes
advertisements of great actions of the State for the maintenance of growth, aiming
the strengthening of the patriotic feeling among the students. In this approach, of a
State’s intervention, the teachers gain some special importance, once they, even in a
quiet way, or because they fear a violent act from the State, contributed with the
dissemination of ideologies sited in the National Security and Development Doctrine.
KEY WORDS
Speech, Dictatorship, Education, Oral History, Ideology, Public Policies
LISTA DE SIGLAS
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
AI – Ato Institucional
APEOESP – Associação dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo
BNH – Banco Nacional de Habitação
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CENIMAR – Centro de Inteligência da Marinha
CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CODI – Centro de Operações de Defesa Interna
CST – Companhia Siderúrgica de Tubarão
CVRD – Companhia Vale do Rio Doce
DMs – Divisões Municipais de Polícias
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
DOI – Destacamento de Operações de Informação
DOPS/DEOPS – Departamento de Ordem Política e Social
EDURURAL – Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural do
Nordeste
EMC – Educação Moral e Cívica
ESG – Escola Superior de Guerra
EPB – Estudos de Problemas Brasileiros
FADIC – Faculdade de Direito de Colatina
FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
IAP – Instituto de Aposentadoria e Previdência
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES – Instituição de Ensino Superior
IJSN – Instituto Jones Santos Neves
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
IPES – Instituto de Pesquisa Econômica e Social
LDBE – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEC – Ministério de Educação e Cultura
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN – Operação Bandeirante
OSPB – Organização Social e Política do Brasil
PAEG – Programa de Ação Econômica do Governo
PIB – Produto Interno Bruto
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PROMUNICÍPIO – Programa de Municípios
PSEC – Plano Setorial de Educação e Cultural
PUC – Pontifícia Universidade Católica
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SESP – Secretaria Estadual de Segurança Pública
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UNE – União Nacional dos Estudantes
USAID – United States Agency for International Development
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................17
1 – O REGIME MILITAR E A NOVA CONJUNTURA POLÍTICA NACIONAL
1.1 – A ideologia da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento...............28
1.2 – Mudanças Políticas e o Novo Projeto de Desenvolvimento..............................35
1.3 – Os Programas Econômicos Entre 1964 e 1974................................................46
1.4 – O Panorama Político-econômico no Governo Geisel (1974-1978)...................53
2 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO NO GOVERNO GEISEL
2.1 – As Políticas Educacionais e as Reformas do Ensino........................................60
2.2 – As Propostas Educacionais para o Ensino de 1º e 2º Graus e o Ensino
Superior......................................................................................................................67
2.3 – A Escola Como Aparelho de Dominação Ideológica e Formação da Nova
Identidade Nacional....................................................................................................78
III – A REPRODUÇÃO IDEOLÓGICA DO DISCURSO POLÍTICO NA EDUCAÇÃO
3.1 – A Repercussão Social do Discurso Político no Governo Geisel.......................85
3.2 – Reprodução do Discurso Político nas Universidades........................................93
3.2.1 – A Repercussão da Revolução no Imaginário dos Professores de Ensino
Superior no Governo Geisel.......................................................................................99
3.2.2 – O Professor Diante da Política Educacional no Contexto da
Distensão..................................................................................................................108
3.2.3 – A Reprodução do Discurso Político na Sala de Aula Através da Disciplina de
Estudos dos Problemas Brasileiros..........................................................................117
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................123
V – REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS.....................................................................127
VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................128
VII – ANEXOS......................................................................................................................132
INTRODUÇÃO
O período historicamente conhecido como Ditadura Militar no Brasil (1964 – 1985)
tem sido amplamente discutido por pesquisadores preocupados em identificar os
motivos que levaram a ação das Forças Armadas, de políticos, empresários e
entidades representativas da sociedade a arquitetarem e promoverem um golpe de
Estado que impôs ao país um regime de governo autoritário, baseado na Doutrina
de Segurança Nacional e Desenvolvimento e a decretarem o fim da liberdade
democrática no país por um período de vinte anos.
Os anos que antecederam ao golpe militar de 1964 foram marcados por uma grande
onda de tensões políticas, econômicas e sociais envolvendo o governo do
presidente João Goulart, que assumira a presidência da República após a renúncia,
em 1961, do então presidente eleito Jânio Quadro, autêntico represente das elites e
da Direita.
A assunção do vice-presidente João Goulart ao poder foi marcada por um profundo
descontentamento de membros das forças armadas, das elites nacionais e de uma
parcela da classe média por entenderem que o novo presidente representava um
continuísmo do governo populista de Juscelino Kubitschek e, além disso, verem nele
uma proximidade perigosa com as classes trabalhadoras e com os movimentos de
esquerda no país.
O descontentamento dessas classes levou parte da elite, militares e alguns políticos
de direita, que se encontravam descontentes com o novo quadro político emergente,
a planejarem um golpe de Estado contra o atual governo, a fim de criar um novo
projeto de reestruturação política, econômica e social para o país.
Tal projeto de reestruturação tomou como base a Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento, desenvolvida no Brasil pela Escola Superior de Guerra, contando
com a participação de militares e civis, com o apoio do governo norte-americano de
onde se originou a Doutrina na década de 1950.
Essa ação tinha por objetivo a manutenção do poder, pelos militares, por um período
breve, a fim de promover a reorganização do cenário político nacional que se
apresentava com fortes tendências ideológicas de esquerda, identificadas através de
medidas adotadas pelo presidente João Goulart e por suas supostas ligações com o
eixo de países socialistas. Porém, o que se observou foi a perpetuação de um grupo
no poder por um tempo maior que 20 anos, impondo ao país um período de intensas
arbitrariedades, nas quais se restringiram totalmente os principais direitos civis e
políticos dos cidadãos brasileiros.
Esse regime autoritário implantado no Brasil promoveu um cenário de grandes
transformações sócio-econômicas no país que geraram modificações na forma de
ser, de pensar e de agir do povo brasileiro, baseadas em uma ideologia de classe
capitalista que se opunha diretamente às doutrinas marxistas adotadas pela então
União Soviética.
Durante esse período de governo, as forças da direita que governavam o país
agiram dentro dos vários campos sociais, a fim de impor ora de forma passiva, ora
através do uso da coerção, as ideologias contidas no programa de Nação concebido
através da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. Dentro desses
campos de atuação social estavam os Aparelhos Ideológicos e Repressivos do
Estado que assumiam importante destaque no papel de assujeitamento ideológico
da população.
À Escola, assim como à igreja e aos veículos de comunicação, como aparelhos
Ideológicos do Estado, coube o papel de operar as transformações ideológicas do
novo regime, principalmente através de reformulações nas políticas educacionais
implantadas pelo governo para operar a dominação das massas e, desta forma,
obter a legitimidade das reformas adotadas no seio da ditadura.
Neste período, várias políticas foram implantadas e vários acordos foram firmados
no país, podendo-se apontar com maior destaque na área da educação o acordo
MEC-USAID, entre o Brasil e os Estados Unidos, e as leis número 5.540/68, que
versava sobre o Ensino Superior e a lei número 5.692/71, que tratava das
reformulações para o ensino de primeiro e segundo graus, que inseriram uma série
de modificações no Sistema de Ensino Brasileiro.
Essas modificações eram necessárias para a implantação e manutenção das novas
políticas adotadas pelo novo regime e ganharam força entre a população através do
discurso do governo, sempre carregado de ideologias.
É dentro dessa perspectiva que essa pesquisa analisou, a partir de relatos de
professores universitários, os resultados das mudanças políticas e sociais que
ocorreram no país, com base na Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento, tomando como marco temporal os anos de 1974 e 1979.
Consideramos para tanto, a interpretação da fala desses professores, que atuavam
no ensino superior no período em questão.
Com o intuito de analisar esse momento crítico da política brasileira, tomamos como
universo histórico desta pesquisa o período compreendido entre os anos de 1974-
1979, por contextualizar uma época ainda de caráter político-autoritário, cercada de
um antagonismo interno nas forças armadas, mas cujas principais medidas estavam
voltadas à promoção do processo de redemocratização do país, e que contou com a
indicação do General Ernesto Geisel para presidente, apontado como o homem
capaz de promover tal processo.
Apontamos desta forma, como objeto desse estudo, a interpretação da fala desses
professores, a partir dos acontecimentos e das reformulações que se
desencadearam no interior da universidade nessa fase, tanto no campo pedagógico,
que propunham uma modernização conservadora no Brasil, quanto no campo das
políticas econômicas e sociais implantadas pelo governo e que atingiam a vida
desses profissionais.
A importância do estudo sobre as Políticas Públicas em Educação desenvolvidas
nesse período, ganha grande destaque para entendermos melhor esse processo de
reformulação política por que passou a população brasileira e principalmente a
população do Espírito Santo e suas implicações na formação de uma nova
Identidade Nacional que se forma a partir desse novo regime, visto ter sido a
Educação um importante instrumento do governo no projeto de reconstrução da
Nação.
Dentro de outras áreas, como as sociais, onde a atuação do Estado se deu com
menor entusiasmo, promoveram-se debates e confrontos por parte de segmentos da
esquerda, que levaram a uma ação coercitiva do governo que culminou com a
prisão, cassação e exílio de alguns políticos, intelectuais e lideranças ligadas às
forças ideológicas de esquerda.
No campo das ações ideológicas do novo Estado, instituições como a Escola, a
Igreja, principalmente a católica, os sindicatos e a política foram alvos de constantes
intervenções do Estado como forma de garantir a continuidade das ideologias
contidas na Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.
Ainda dentro do panorama que se desenvolve no interior das Escolas, não devemos
esquecer o papel do professor, importante agente de transformação e que direta ou
indiretamente agia como um reprodutor das ideologias dominantes, ou por
convicção, ou pela coação através da omissão provocada pelas ações coercitivas
dos órgãos da ditadura.
O discurso do Estado ganhava força através das instituições oficiais como as redes
estatais de mídia, a escola e igreja que agiam como reprodutores e propagadores da
ideologia do Governo.
Esses discursos, à proporção que iam se materializando nas mentalidades da
população, tornavam possível a dominação ideológica por parte do governo e
garantiam a continuidade do plano de desenvolvimento econômico com um grau de
insurgência menor por parte da população que passava a acreditar nas propostas
desenvolvimentistas do governo autoritário.
É nesse contexto que definimos o problema dessa pesquisa, ao investigarmos o
discurso dos professores universitários e a importância no contexto político de
dominação ideológica e assujeitamento das classes, levado a efeito pela Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento na formação da nova Identidade Nacional
proposta pelo governo militar junto aos interesses da classe burguesa, entre os anos
de 1974 e 1979.
Desta forma, levantamos como questão nesse trabalho que se esses professores
serviram aos interesses do novo regime de Estado na reprodução das ideologias
propostas, podem ter sido eles, direta ou indiretamente, os agentes reprodutores
dessas ideologias no âmbito do ensino superior, inculcando em seus alunos aquilo
que era imposto pela Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.
Para tanto, fez-se necessário analisar as políticas oficiais do Governo como forma
de garantir a sustentabilidade econômica do país e a legitimidade do poder
constituído após o golpe de 1964. A verificação do papel dos professores
universitários no processo de afirmação das ideologias da classe dominante também
se faz imprescindível, e isso se dará a partir de relatos dos mesmos que serviram
como atores nas salas de aulas, no processo de dominação imposto pelo Estado no
período do governo do General Geisel.
Toda a discussão desenvolvida tomou como fundamentação algumas obras que
estabeleceram uma matriz teórica sobre o tema em questão e como forma de
proporcionar maior confiabilidade à análise. Desta forma, iniciaremos nossa análise
tendo como referência a obra do Pe. Joseph Comblin, A Ideologia da Segurança
Nacional: o poder militar na América Latina, que discute a Doutrina de Segurança
Nacional nos Estados Unidos da América, seu mecanismo de funcionamento e as
formas de penetração na América Latina.
Abordaremos também como referência a obra de Covre, intitulada A Fala dos
Homens: estudo de uma matriz cultural de um Estado de mal-estar, que faz um
retrato da história de dominação do país, a partir do golpe de 1964, através do
pensamento tecnocrata. Inicialmente, a autora funda suas idéias nos estudos sobre
a ideologia dentro do Estado Autoritário como instrumento de dominação e de
ocultação dos problemas gerados pela divisão de classes.
Assim, através da análise de sua obra, adentramos o universo do funcionamento
deste regime autoritário e burguês, no tocante à educação, e sua utilização no
processo de assujeitamento ideológico da população para a manutenção e
legitimação do sistema vigente.
Althusser, em sua obra intitulada “Aparelhos ideológicos do estado: notas sobre os
aparelhos ideológicos do estado”, funda uma discussão sobre o papel dos Aparelhos
do Estado na tarefa de dominação da classe burguesa sobre a classe proletária à
luz dos conceitos marxistas de ideologia e dominação e dos meios de produção.
Ideologia e discurso passam então a funcionar um em razão da existência do outro e
as formações discursivas passam a ser aquelas propostas pela formação ideológica
que deve ser de uso comum a todos os membros da sociedade.
Nesse sentido, fez-se necessária a análise de sua obra, uma vez que se trata a
Escola de um Aparelho Ideológico do estado amplamente utilizado pelo regime e
sua eficácia na transformação do modo de ser, pensar e agir da população entre os
anos de regime militar.
Outra autora de grande importância na elaboração desta pesquisa é Mochcovitch,
com a obra intitulada “Gramsci e a Escola” que discute o papel da escola no
processo de transformação social e do Estado, abordando temas como dominação
ideológica, hegemonia, sociedade civil, sociedade política e Estado ético e educador
que farão entender as relações entre Escola, Estado e dominação.
A autora discute principalmente o tema da hegemonia e suas implicações na tomada
de força entre as classes e o papel da escola como lócus de transformação e
elevação cultural das massas como instrumento na luta hegemônica.
Através da análise do pensamento de Gramsci, compreendemos melhor as
implicações decorrentes das lutas de classes diante do antagonismo gerado pelo
Estado entre as forças produtivas, e o papel desempenhado pelos intelectuais diante
desse processo hegemônico de um Estado sobre a Nação.
Sua obra nos serviu de suporte para compreendermos o papel desempenhado por
professores e alunos na luta pelo resgate dessa hegemonia que se encontra nas
mãos de um governo ditador, que se estabeleceu através de uma coalizão entre
militares e burgueses.
Foucault, em “A ordem do discurso”, adentra a esse universo de discussão e
estabelece relações entre o discurso e o poder, apontando o papel do discurso como
instrumento de dominação de classe.
Sua obra atende às demandas impostas por essa discussão no que diz respeito às
considerações sobre as políticas de dominação implantadas pelos Regimes
Autoritários entre os anos de 1974 e 1978 e nos desvela as relações de dominação
à qual foi submetida a população brasileira, a partir do regime militar, com a
implantação da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.
O autor discorre também sobre as Doutrinas e os seus mecanismos de
funcionamento que tomam o discurso como o local de assujeitamento determinando
aquilo que é válido e aquilo que não é válido, permitindo à população o acesso
restrito das informações.
Nessa visão, podemos destacar sua obra como essencial para a compreensão do
discurso, possibilitando sua melhor análise, a partir da compreensão das doutrinas e
seus funcionamentos.
Aprofundando nesse universo, utilizamos a visão de Fiorin, em “O Regime de 64:
discurso e Ideologia”, que aborda o problema da ideologia como forma de
dominação e luta entre classes antagônicas. O autor faz uma análise do discurso do
poder e aponta suas estratégias de convencimento popular nas idéias nacionalistas
e anticomunistas.
Utilizaremos as considerações de Fiorin como suporte para compreensão e análise
do discurso de professores que atuavam diante do regime (1964), uma vez que sua
obra desenvolve uma análise ampla do discurso do poder, servindo-nos de baliza
para a concretização de nossa análise, que pretende avaliar a fala desses
professores, à luz das ideologias implantadas pelo governo e que teve, na escola,
palco para sua maior reprodução.
Continuando essa abordagem, Alves, em sua obra Estado e oposição no Brasil:
1964-1984, discute o Estado Autoritário no Brasil a partir da Doutrina de Segurança
Nacional e Desenvolvimento, verifica a ideologia da segurança nacional, facilitando o
desenvolvimento de um sistema capitalista associado e dependente.
A autora aborda como tema a relação entre Estado e oposição no Brasil no período
que compreende as três décadas de dominação do Regime Autoritário. Discute a
Doutrina de Segurança e as medidas que foram tomadas como forma de
manutenção do poder nas mãos da elite que contava com o apoio da classe
burguesa e de políticos de direita.
Essas medidas tomam impulso a partir de algumas ações adotadas pelo presidente
João Goulart que atentavam contra os interesses da classe burguesa e do capital
internacional. Tais ações fizeram com que os militares e a classe burguesa
tomassem medidas de controle da segurança interna e dos interesses do capital,
depondo o Presidente da República. Seu trabalho nos é de grande valia, uma vez
que sua contextualização histórica nos permite uma compreensão mais exata dos
fatos.
O trabalho intitulado “A Reprodução Ideológica do Discurso Político na Educação:
Um Entendimento Através da Fala dos Professores Universitários no Contexto do
Governo Geisel, 1974 – 1979" está organizado em três capítulos. No primeiro
capítulo, intitulado “O Regime Militar e a Nova Conjuntura Política Nacional” são
abordados a ideologia da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, as
mudanças políticas e o novo projeto de desenvolvimento, os programas econômicos
(1964- 1974) e o panorama político e econômico no governo Geisel (1974 – 1979).
O segundo capítulo tem como tema “As Políticas Públicas para a Educação no
Governo Geisel”. Discutimos as políticas educacionais e as reformas do ensino, as
políticas educacionais para ensino de 1º e 2º graus e o ensino superior e a escola
como aparelho de dominação ideológica e formação da nova identidade nacional.
Nesse momento temos a oportunidade de desenvolver estudos acerca das medidas
adotadas pelo governo militar durante o período proposto de 1974 a 1979 e verificar
como essas políticas atuaram na formação do imaginário Nacional como forma de
legitimação do regime ditatorial.
O título do capítulo três foi “A Reprodução Ideológica do Discurso Político na
Educação”, abordamos a repercussão social do discurso político no governo Geisel
e a reprodução do discurso político nas universidades. Este capítulo se propôs a
uma análise da fala desses professores que atuavam no ensino superior entre os
anos de 1974 e 1979.
Assim, construímos uma narrativa, através da aplicação de um questionário que se
constituiu em entrevistas, seguindo a metodologia de História Oral com um conjunto
de seis professores que trabalharam entre o período de 1974 a 1979 na
Universidade Federal do Espírito Santo, e um professor da Faculdade de Direito de
Colatina, como forma de composição de um arcabouço discursivo que nos possibilita
uma análise mais precisa dos fatos e suas implicações na formação do imaginário
desses sujeitos.
Construímos assim, através da análise do discurso extraído destas entrevistas, um
mapa que permite caracterizar o papel desses professores no processo de
assujeitamento ideológico das massas estudantis, agindo como reprodutores ou
como questionadores/contestadores desta realidade.
A importância do terceiro capítulo está centrada em se verificar até que ponto havia
um engajamento desses professores no processe de legitimação das políticas
adotadas pela Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, através de suas
práticas pedagógicas.
Através do método histórico, desenvolveremos uma compreensão maior das
políticas sociais, ocupando espaços vazios na seqüência dos acontecimentos, para
assim permitir uma veracidade na análise dos fenômenos em questão. Para tanto,
situamos a sistemática do trabalho pesquisa em uma abordagem qualitativa.
Desenvolvemos a trajetória histórica do objeto de estudo na abordagem qualitativa,
fundamentada em uma pesquisa bibliográfica geral e específica com obras que
discorrem sobre as variáveis e os elementos que contribuem para uma análise clara
da historiografia exposta.
Assim é possibilitada uma verificação de dados coletados de entrevistas com os
professores, articulando o conteúdo histórico de forma que nos permitiu construir
uma interpretação do conjunto, ou seja: a busca da coerência para compor um
quadro teórico que justificasse os objetivos da pesquisa.
Para tanto, optamos por entrevista do tipo temática por entendermos que esse tipo
de entrevista nos permite um aprofundamento mais detalhado dos fatos, uma vez
que reproduz com maior exatidão as ações e perspectivas desses professores no
momento em que essas ocorreram.
A partir desta coleta de dados, elaboramos um conjunto de informações que nos
permitiram compreender as implicações entre esses atores educacionais durante o
período proposto para a pesquisa.
Quanto ao tratamento das fontes, utilizamos inicialmente a análise crítica de
conteúdo com análise de fontes secundárias, para a qual é de fundamental
importância uma pesquisa bibliográfica no primeiro momento de desenvolvimento do
trabalho para reconstruir o objeto de análise e suas vicissitudes, permitindo um
aprofundamento dos fenômenos em questão, buscando a articulação com as
políticas públicas do período autoritário na formação da classe dominante.
As fontes secundárias se apóiam na pesquisa bibliográfica, e em uma bibliografia
específica sobre o Regime de 64, sua ideologia e o discurso usado na época para
propagação dessa ideologia e ainda: jornais, revistas, teses, além de uma ampla
referência de trabalhos de análise sócio-econômica.
O segundo momento do trabalho está compreendido por uma verificação ampla da
realidade da sociedade em questão na pesquisa, através do uso de fontes primárias,
possibilitando um trabalho de entrevistas com os professores que participaram de
forma ativa ou mesmo passiva, desse processo de inculcação ideológico que
determinou essa dominação de classe.
A partir dessa sistemática, analisamos o material coletado, articulando o conteúdo
teórico de forma coerente, correlacionando os dados qualitativos e situacionais que
permitirão a análise das informações históricas e a análise dos dados quantitativos e
correspondentes. Procuramos encontrar em nossa posição metodológica a interação
dos elementos referenciados e a correspondência teórica das abordagens que
permeiam nosso tema.
I – O REGIME MILITAR E A NOVA CONJUNTURA POLÍTICA
NACIONAL.
1.1 – A IDEOLOGIA DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E
DESENVOLVIMENTO
O golpe militar de 1964, no Brasil, teve suas bases estruturadas em torno da
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, que visava à implantação e à
manutenção de uma nova ordem social, política e econômica, a qual deveria estar
submetida a Nação. Suas dimensões estavam baseadas em um processo político-
ideológico que compreendia uma ação direta do Estado contra o inimigo iminente a
ser combatido; o comunismo, além da promoção do desenvolvimento econômico e
do crescimento nacional, atendendo a uma Ideologia da classe burguesa.
Essa Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento teve sua origem nos
Estados Unidos, ainda no final da década de 1940, no período do pós-guerra, como
forma de contrapor uma política expansionista soviética em direção aos países da
Europa. Sua primeira manifestação ocorreu no ano de 1947, a partir da Doutrina
Truman
1
, que segundo Comblin (1978: 111), [...] visava diretamente à defesa da
Europa contra uma agressão russa (real ou imaginária).
No Brasil ela foi elaborada na Escola Superior de Guerra, em um momento em que o
país sofria profundas transformações sociais e políticas, algumas originárias de uma
ação política populista implantada ainda na década de 1940, durante o governo de
Getúlio Vargas, e que via suas bases ressurgidas, a partir dos governos de
Juscelino Kubitschek, no final dos anos de 1950 e a renúncia do presidente Jânio
1
A Doutrina Truman, formulada pelo Presidente em 12 de março de 1947, diante do Congresso,
enunciava o princípio que deveria fornecer o ponto de partida da evolução posterior: a segurança dos
Estados Unidos está em jogo em qualquer lugar onde o comunismo ameace impor-se a povos livres
seja diretamente (através da pressão externa) ou indiretamente (apoiando minorias armadas).
COMBLIN, Pe. Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina.
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978, p. 111.
Quadros, no início da década de 1960 e a ascensão à presidência da Nação de seu
vice João Goulart, culminando com um Golpe de Estado em 1964 que levou os
Militares ao poder. Para Duarte (2008: 81).
Historicamente, o golpe militar de 1964 tem suas bases formuladas a partir
da segunda metade da década de 1950, reforçadas no início da década de
1960 quando a nação brasileira se percebe cada vez mais envolvida numa
crise global, que marca expressamente o período entre 1961-1964.
O cenário internacional também muito contribuiu para a formação da referida
Doutrina, uma vez que passava por transformações geopolíticas
2
, como a disputa
entre as duas potências que se destacavam no cenário internacional. De um lado, os
Estados Unidos e sua política de expansão do capitalismo e do outro, a União
Soviética com sua política comunista. Oliveira (1976: 26) aponta que:
No quadro latino americano, em relação ao qual a hegemonia americana
implicava na contenção dos movimentos políticos populares, a DSN
3
e a
ESG
4
, especialmente, aparecem como também ligadas a essa estratégia de
preparação econômica, política e ideológica para o embate, então
considerado muito provável, entre Ocidente e Oriente, entre Democracia e
Comunismo.
Na América Latina, ganhava força o movimento norte-americano de cooptação das
nações menos desenvolvidas para a formação de um bloco que serviria de
sustentação na luta contra o inimigo externo: o comunismo. Era grande a
preocupação norte-americana com a invasão comunista na América Latina e era,
por isso, necessário resguardar-se dessa possível invasão através de alianças de
cooperação com os países vizinhos, pois segundo Alves (2005: 55),
O poderio econômico do “Gigante do Norte” anula a possibilidade de
neutralidade para a América Latina; o destino manifesto impele os países
latino-americanos a se juntarem aos Estados Unidos na defesa geral do
ocidente contra a ameaça de expansão comunista, representada pelas
ambições imperialistas da União Soviética.
2
A geopolítica estuda a relação entre geografia e os Estados, sua história, seu destino, suas
rivalidades, suas lutas. Difere da geografia política no sentido de que procura nos dados geográficos
orientações para uma política: através dela, os Estados procuram em sua geografia os sinais de seu
destino. Ela visa o futuro. É a ciência dos projetos nacionais. É o fundamento racional dos projetos
políticos. COMBLIN, Pe. Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América
Latina. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978, p. 24.
3
Doutrina de Segurança Nacional
4
Escola Superior de Guerra
Tais alianças, por sua vez, davam-se através da elaboração de estratégias políticas,
econômicas e ideológicas que visavam a uma contra ofensiva a um ataque dos
países comunistas do oriente, a uma disputa entre democracia e comunismo.
Dentro das estratégias, a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento
apresentava ao país um plano de desenvolvimento nacional e sua transformação em
uma grande potência mundial. Sua premissa principal era a de que sem o
desenvolvimento econômico não haveria segurança nacional.
Para alcançar tal êxito seria necessária, portanto, a abertura do mercado nacional ao
capital estrangeiro, através das multinacionais que migravam para o Brasil, o
desenvolvimento industrial, como forma de conter o avanço comunista, além da
adoção de medidas que visavam a ampliar o potencial produtivo nacional, a fim de
manter viva a capacidade de negociação no cenário internacional. (Alves, 2005).
Esse período autoritário, no Brasil, teve como justificativa pelo Estado a “defesa e a
segurança nacional”, Alves (2005:43) lembra das ameaças externas à nação e
consequentemente ao Estado, porém, [...] o que se viu foi um poder articulado aos
interesses capitalistas de desenvolvimento e progresso.
Nesse sentido, o atual regime se organizou para propor as principais mudanças
necessárias a essas transformações e, dentro dessa estratégia, ganhou destaque o
uso dos Aparelhos do Estado
5
, instrumento que possibilitou ao governo operar as
grandes transformações a que se propunha, ora pelo uso dos Aparelhos
repressivos, através do uso abusivo da força, através da coerção, tortura e
assassinatos políticos, ora através do uso dos aparelhos ideológicos, nos quais
operavam a igreja, a escola, a política, a comunidade, os sindicatos, entre outros.
Ao Regime impunha-se desenvolver estratégias para neutralizar a infiltração
e a guerra psicológica levada a efeito pelo inimigo (o comunismo):
propaganda e contrapropaganda, ideologias tentadoras e slogans
sugestivos para uso interno e externo, persuasão, chantagem, ameaça e
até mesmo terror. (ALVES, 2005:49)
5
Sobre Aparelhos do Estado, ver: ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos do Estado: notas sobre os
aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro, 1985
Porém, foi principalmente através do combate à ideologia comunista que perdurou
até o início do governo Geisel, que o novo modelo de Estado atingiu seus maiores
efeitos. Era preciso convencer as massas das medidas adotadas pelo novo modelo
de desenvolvimento e conseguir delas a legitimidade para a sua continuação. E era
através de um discurso carregado de ideologias que se poderiam alcançar os
objetivos propostos na Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. Nesse
sentido, como afirma Foucault (1992: 42)
A Doutrina tende a difundir-se, e é pela partilha de um só e mesmo discurso
que indivíduos, tão numerosos quanto se queira imaginar, definem sua
presença recíproca. Aparentemente a única condição requerida é o
reconhecimento das mesmas verdades e a aceitação de certas regras –
mais ou menos flexíveis – de conformidade com o discurso válido.
As ideologias anticomunistas desenvolvidas pelos militares da Escola Superior de
Guerra, juntamente com o auxílio dos Estados Unidos e de alguns intelectuais de
direita, precisavam chegar às massas de forma eficiente para inibir qualquer
possibilidade de manifestação popular de oposição ao novo sistema que se
instaurava no País. E isso se torna possível, segundo Marcondes (1995: 278), pois:
[...] a ideologia é um conjunto de idéias, de procedimentos, de valores, de
normas, de pensamento, de concepções religiosas, filosóficas, intelectuais,
que possui uma certa lógica, uma certa coerência interna e que orienta o
sujeito para determinadas ações, de uma forma partidária e responsável e é
nesse sentido que o governo militar, chancelado pela classe burguesa
pretendeu atuar no imaginário popular brasileiro, incutindo nas mentalidades
dos cidadãos as verdades da Doutrina de Segurança Nacional.
Conter o avanço popular que tomou corpo durante o governo populista e, mais
precisamente durante o governo de João Goulart, fazia-se emergente como forma
de garantir a permanência da classe burguesa no poder e assim promover o
desenvolvimento do capitalismo associado dependente. Era preciso, para tanto,
controlar as massas para que esta não interferisse no processo de desenvolvimento,
pois segundo os discursos do governo, assim como a Doutrina de Segurança
Nacional, o comunismo internacional facilmente manipularia facilmente as classes
populares perturbando, desta forma a ordem liberal (Oliveira 1976).
E é justamente nessa esteira do anticomunismo que se funda a ideologia proposta
pela Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. Primeiramente, era
preciso preservar a qualquer custo a presença do sistema capitalista e se
estabelecer mais uma vez a nova ordem burguesa. Estabelece-se então uma nova
ordem social em que a divisão de classes fica configurada entre uma classe
burguesa dominante e uma classe operária, que trabalharia para a manutenção da
primeira e sacrificaria o seu bem-estar para manutenção da Política de Segurança
Nacional, [...] pois é nas condições da produção material estabelecidas sobre a
divisão social do trabalho que o grupo que detém os privilégios tem que fazer valer
seus interesses particulares (OLIVEIRA, 1976: 38).
Dessa forma, ao longo do processo de dominação de uma classe sobre a outra é
que podemos dizer que há o predomínio das ideologias da classe burguesa, e as
idéias da classe trabalhadora e as idéias da classe burguesa passaram a ser as
idéias de uma única classe, a classe burguesa. Nesse sentido, Covre (1983:278)
ainda alerta para o fato de que:
A ideologia surge, então, como um corpo de representações que expressam
o aparecer social, como se fosse um ser social que encontra sua unidade
no Estado como ponto de vista particular, mas que aparece como universal,
com função de ocultar os conflitos, os antagonismos. É a ideologia que faz
com que os homens permaneçam “alienados”.
Assim, com os ânimos das classes populares sob controle, o governo consegue
executar as medidas desenvolvimentistas propostas na Doutrina de Segurança
Nacional e Desenvolvimento. Sobre essa questão, Covre (1983: 283), expressa:
Cremos que esta situação limite da ideologia, cuja tendência é criar certa
passividade por parte das classes subordinadas, que as impeça de agir pelo
nível de consciência, pode ser constatada, em certo grau,
contemporaneamente sob os chamados Estados autoritários.
Entretanto, nem todo o aparato ideológico militar foi capaz de conter os avanços da
oposição ao governo que se organizava em suas bases para reivindicar o retorno da
liberdade e da democracia. A partir desse momento, o governo passou a lançar mão
de uma força, agora não mais ideológica, mas coercitiva, como forma de conter os
avanços oposicionistas às diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento.
O governo, no uso de suas atribuições, e para defender as idéias de segurança e
desenvolvimento contidas na Doutrina, passa então à edição de vários Atos
Institucionais que vão desde o fechamento do Congresso Nacional, como forma de
aprovar as leis necessárias para a manutenção do regime, até a edição de Atos
Institucionais mais repressivos, como o de número 5, denominado de AI-5
6
, editado
em abril de 1968, e que põe fim a quaisquer direitos sociais, civis e políticos.
Tais mudanças foram tomando corpo durante os vários anos de governo militar, à
medida que o governo se via enfraquecido diante da sociedade na execução das
propostas de reorganização do Estado. Dentro desse processo de endurecimento
das políticas de segurança, ganha especial destaque a mudança do conceito de
Segurança Nacional. Segundo a constituição de 1946, o conceito de Segurança
Nacional está restrito à agressão externa e a defesa do território nacional, já com a
Constituição de 1967, desloca-se esse conceito, que passa a incorporar a ameaça
ao inimigo interno do Estado (Germano 1994).
Assiste-se, assim, no país, a uma verdadeira caçada, essa não mais ao inimigo
externo, mas ao inimigo interno que busca a qualquer preço impedir a política de
desenvolvimento e crescimento econômico do país.
Dentro das medidas adotadas pelo Estado Autoritário, como forma de manter a
ordem social e promover o desenvolvimento econômico a que se propunha, incluem-
se medidas que vão desde o uso da força, através dos aparelhos repressores, até a
total dominação ideológica, através dos aparelhos Ideológicos, com destaque para a
Escola. De acordo com Comblin (1978: 49) para os militares da Doutrina de
Segurança Nacional:
O inimigo age principalmente no plano psicológico; a ação psicológica é a
principal arma do comunismo internacional. A guerra é travada no campo
das idéias. A ação do exército atinge portanto, acima de tudo, os campos de
batalha escolhidos pelo inimigo: os sindicatos, a universidade, os meios de
comunicação, a igreja. Lutando contra toda idéia crítica, os militares têm
convicção de estarem destruindo o comunismo internacional.
6
O ato institucional nº 5 foi editado pelo regime no dia 13 de dezembro de 1968, sendo apontado
como o ato de maior vigor repressivo dentre os atos editados pelo regime nos 20 anos de regime
autoritário. Para maiores detalhes sobre o AI-5 ver ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e
Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru, SP: Edusc, 2005. p. 137-167
A Escola desponta como instrumento do governo para a implantação da ideologia da
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento agindo com eficácia no papel
de Aparelho Ideológico do Estado. Nesse sentido, algumas políticas para a
Educação foram adotadas pelo governo nos primeiros anos do regime de acordo
com as estratégias e os objetivos a serem alcançados pela Doutrina de Segurança
Nacional e Desenvolvimento.
Dentre essas políticas adotadas, ganha especial destaque o acordo feito pelo
Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o governo dos Estados Unidos, conhecido
como acordo MEC – USAID
7
, que tinha como objetivo promover mudanças
profundas na educação brasileira, aprimorando-a e aperfeiçoando-a desde o nível
primário até o ensino superior. Romanelli (1989: 196) separa em dois momentos as
estratégias utilizadas pelo governo para o sistema de ensino, afirmando que:
Pode-se perceber que o sistema educacional foi marcado por dois
momentos nitidamente definidos em sua evolução, a partir de 1964. O
primeiro corresponde àquele em que se implantou o regime e se traçou a
política da recuperação econômica. O segundo momento começou com as
medidas práticas, em curto prazo, tomadas pelo governo, para enfrentar a
crise, momento em que se consubstanciou, depois no delineamento de uma
política de educação que já não se via apenas na urgência de se
resolverem problemas imediatos, ditados pela crise, motivo único para se
reformar o sistema educacional.
O discurso do governo passa a tomar conta das salas de aulas e a ideologia estatal
ecoa nas vozes de disciplinas como Educação Moral e Cívica (EMC), no ensino de
primeiro grau; Organização Social e Política do Brasil (OSPB), no segundo grau; e
Estudos dos Problemas do Brasil (EPB), essa última dentro das universidades. A
repressão adentra as salas de aulas das escolas e universidades e o que pode e
não pode ser dito passa a ser regulado por autoridades implantadas do governo. A
esse respeito, Covre (1983: 200) afirma que:
7
Os convênios, conhecidos comumente pelo nome de “Acordos MEC-USAID” tiveram o efeito de
situar o problema educacional na estrutura geral de dominação, reorientada desde 1964, e de dar um
sentido objetivo e prático a essa estrutura. Lançaram, portanto, as principais bases das reformas que
se seguiram e serviram de fundamento para a principal das comissões que completaram a definição
da política educacional: a Comissão Meira Matos. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. A história da
educação no Brasil: 1930 – 1973. 11ª edição. Petrópolis, Vozes, 1989. p. 197
MEC – Ministério da Educação e Cultura e USAID - United States Agency for International
Development.
Assim é que, acoplado ao caráter economicista da filosofia educacional
tecnocrática, desenvolve-se o caráter “neutralizante” que o processo
educacional deve possuir, contido no projeto de se desvencilhar da escola
e, precipuamente, da universidade, como lócus em que se faz política [...]
Além disso, cuida-se para que a universidade não seja centro de discussões
ideológicas, nem “clube político”, que serve a uma “minoria” de “ativistas”,
“agitadores” e prejudica a maioria e o nível de ensino.
Nessa perspectiva a universidade perde seu caráter maior, enquanto espaço de
reflexão, de contestação e de lutas políticas, para se transformar em um espaço de
reprodução de conteúdos técnicos desprovidos de quaisquer reflexões políticas, a
fim de atender simplesmente a uma demanda capitalista de mão-de-obra.
1.2 – MUDANÇAS POLÍTICAS E O NOVO PROJETO DE DESENVOLVIMENTO
A partir da década de 1930 iniciou-se um novo momento no Brasil que podemos
definir como um divisor de águas na história do país, por promover uma aceleração
nas mudanças sociais e políticas, o que Carvalho (2004) define como a história
andando mais rápido.
Ocorreram mudanças importantes no desenvolvimento econômico e social do país,
inaugurando uma nova fase na relação dos direitos dos cidadãos. A fase intitulada
de Segunda República, que se desenvolve até o ano de 1945, pode ser apontada
como um período no qual se destacaram os direitos sociais, devido à grande
influencia do trabalhismo nos governos que se sucederam e à necessidade de
garantia de direitos à população urbana que crescia desde a imigração de
estrangeiros Italianos para o Brasil, ainda na época do reinado, até a vinda da
população do campo para a cidade em busca de melhores condições de trabalho
nas indústrias que se expandiam nas cidades do Rio de Janeiro e, principalmente na
cidade de São Paulo (Carvalho, 2004).
Por outro lado, para os direitos políticos, o panorama se desenvolveu entre avanços
e retrocessos, entre ditaduras e democracias. Da mesma forma, os direitos civis
avançavam muito lentamente até 1964. Podemos considerar o período entre os
anos de 1945 com a queda de Vargas e o ano de 1964, com o início da Ditadura
Militar, um período de grandes avanços nos direitos civis e políticos e com
manutenção dos direitos sociais conquistados na primeira era Vargas. (Carvalho
2004).
Nessa fase, os direitos sociais foram os que mais avançaram, com a criação do
Ministério do trabalho, indústria e comércio e em 1943 com a Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), por outro lado, os direitos civis e políticos tiveram uma evolução
mais complexa, visto que o país entrou em um clima de instabilidade política,
alternando momentos de democracia e de ditadura.
Os direitos civis evoluíram mais lentamente, uma vez que no período entre 1937 a
1945, período configurado como a Ditadura Vargas, vários deles foram suspensos,
como a liberdade de expressão, do pensamento e de organização. Porém, há de se
destacar que, ao contrário dos outros períodos, houve certo progresso na formação
de uma Identidade Nacional na medida em que surgiram momentos reais de
participação popular. Enquanto isso os direitos políticos tiveram uma evolução mais
complexa.
Há que se destacar que este período (1937 – 1945), também conhecido como
Estado Novo, foi um período de ditadura que se configurou a partir de um golpe de
estado, em razão da existência de um possível plano comunista para tomada do
poder. Este plano tornou-se conhecido pelo nome de Plano Cohem
8
. À frente deste
golpe de estado o Capitão Olímpio Mourão Filho, que décadas mais tarde esteve
diante do golpe militar de 1964.
Entre os direitos políticos atingidos, podemos citar o fechamento do Congresso
Nacional; a extinção dos partidos políticos; a outorga de uma nova constituição, essa
8
Este plano, anunciado pelo General Góis Monteiro no dia 30 de setembro de 1937, teria como
objetivo a tomada do poder pelos comunistas, através da derrubada do presidente Getúlio Vargas e a
implantação do comunismo no Brasil. Mais tarde soube-se que este plano não passava de uma ação
articulada entre líderes da Aliança Integralista Brasileira e o capitão Olímpio Mourão Filho com a
intenção de simular os efeitos de uma ação comunista no Brasil e de aterrorizar a população
brasileira.
para dar mais poder ao executivo e para garantir a sua legitimação e a interferência
no Poder Judiciário.
Ainda, no campo dos direitos dos cidadãos, os direitos sociais foram aqueles que
tiveram um maior desenvolvimento durante os anos de 1930 a 1964. O envolvimento
dos diversos governos com as causas trabalhistas fez com que houvesse um
verdadeiro avanço, sobretudo no período de 1930 a 1945. Porém esses avanços se
deram em um ambiente de baixíssima participação política e precária vigência dos
direitos civis.
Vários avanços sociais se deram com a constituição de 1934, dentre esses,
destacavam-se alguns que se fazem presentes até os dias de hoje: a jornada de oito
horas de trabalho, o salário mínimo, a justiça do trabalho, além da Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT), em 1943 e os avanços na área da previdência que se
deram a partir de 1933, como a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs). Porém, os vários avanços sociais implantados por Vargas ao longo de seus
quinze anos no poder não foram suficientes para mantê-lo e, em 1945 é destituído
do Governo, retornando somente em 1950 através do voto popular.
No ano seguinte a sua primeira saída, no governo do presidente Eurico Gaspar
Dutra (1946) foi promulgada uma nova Constituição, mantendo-se os avanços
conquistados quanto aos direitos sociais, políticos e civis. E foram justamente esses
direitos que o trouxeram de volta ao governo em 1951. Porém, esse novo governo
foi marcado por vários conflitos de interesses entre as elites liberais do país,
descontentes com as políticas trabalhistas; além do anticomunismo, fruto da guerra
fria. Carvalho (2004) destaca que entre as principais causas para os enfrentamentos
políticos naquele governo foram justamente a política sindical e trabalhista, o
petróleo e a guerra fria.
Desde que assumiu o governo em janeiro de 1951, Vargas se deparou com duas
correntes de pensamento envolvendo os direcionamentos do desenvolvimento
econômico do país. Uma das correntes defendia a desnacionalização, ou seja, a
vinculação da economia ao capital estrangeiro. A outra, nacionalista, e ligada ao
populismo, defendia a preservação das riquezas nacionais, o desenvolvimento de
um “capitalismo nacional”, um desenvolvimento industrial mais autônomo, indo
contra o monopólio do capital estrangeiro.
O embate entre essas posições opostas, aliado às circunstâncias históricas
conjunturais da época, desencadeiam uma crise política e econômica de difícil
solução, agravada por intensos conflitos sociais, cujo desdobramento foi o suicídio
de Getúlio Vargas em agosto de 1954 (Ribeiro, 2001).
Muitos conflitos se sucederam entre a morte de Vargas e a eleição do novo
presidente da República Juscelino Kubitschek, que continuou a enfrentar tensões
com as diferentes facções políticas e econômicas. Porém, com grande habilidade
política, conseguiu concluir seu governo transformando-se no presidente mais
democrático da história republicana.
A eleição de seu sucessor, o presidente Jânio Quadros, candidato das elites liberais
e seu adversário político não transcorreu como previsto, tendo o mesmo renunciado
ao mandato de presidente, meses depois, provocando novamente um clima de
instabilidade política no país com a posse de seu vice João Goulart, que não era o
candidato desejado pelas elites liberais e nem pelas forças do Exército que a essa
altura já estavam bastante organizadas em torno da ameaça comunista que ele
representava para o país. Além disso, João Goulart foi responsável pela adoção de
algumas medidas que contrariaram não somente os interesses internos das elites,
mas também os interesses externos, principalmente dos norte-americanos, pois:
Promovera uma série de restrições aos investimentos multinacionais,
configuradas, entre outras medidas, numa severa política de controle das
remessas de lucros, de pagamentos de royalties e de transferência de
tecnologia, assim como uma legislação antitruste e em negociação para a
nacionalização de grandes corporações estrangeiras. Adotou também uma
política nacionalista de apoio e concessão de subsídios diretos ao capital
privado nacional, sobretudo aos seus setores não vinculados ao capital
estrangeiro (ALVES, 2005:24).
A bandeira anticomunista passou a ser usada pelas elites, por parte da classe média
e por membros do Exército como principal instrumento de organização social contra
o governo e contou com o apoio da igreja e de organizações criadas para combatê-
lo como a “Marcha da família com Deus pela Liberdade”, que tem suas bases
ideológicas baseadas no anticomunismo e em uma política de oposição ao governo
João Goulart.
Sua organização se deu em resposta ao comício de 13 de março de 1964 e contou
com sua primeira manifestação em São Paulo, em 19 de março do mesmo ano. A
igreja teve grande influencia na formação deste movimento que contava como
bandeira a fé, a moral e a tradição, e tinha com o slogan “a família que reza unida,
permanece unida", numa alusão ao caráter ateu do comunismo.
Estavam à frente de sua organização a União Cívica Feminina e Campanha da
Mulher pela Democracia e contava como patrocinador do movimento o IPES –
Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
9
. O processo de cooptação se dava através
da doutrinação das esposas dos empresários, convencendo-as de que o comunismo
não seria bom para elas. Estas, por sua vez, cooptavam para o movimento as
mulheres dos empregados de empresas privadas. (Alves, 2005)
O IPES desempenhou papel de grande relevância na organização do movimento
contrário às propostas de governo de João Goulart, além de ser grande articulador
dos movimentos a favor do golpe de estado de 1964. Não podemos deixar de
destacar algumas de suas iniciativas como forma de apoio ao golpe. Dentre elas
estavam a publicação de um boletim mensal; programas de televisão com
entrevistas de apoio ao governo, editadas e divulgadas em rede nacional de
comunicação; além de várias outras formas de atingir a população com campanhas
que destacavam as ações positivas do governo.
Tais programas patrocinados pelo Órgão tinham, porém, um público alvo mais
definido a ser atingido. Tratava-se dos estudantes universitários e a classe operária
que representavam um foco maior de oposição ao regime através de apoio a
campanhas como a “Frente de Mobilização Popular” e o movimento pelas “Reformas
de Base” (CUNHA, 1981)
9
O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais – IPES foi criado em 1962 no Rio de Janeiro e em São
Paulo, como uma entidade civil que reunia empresários, altos executivos de empresas multinacionais,
profissionais liberais, altos funcionários governamentais e militares, estes membros da Escola
Superior de Guerra. CUNHA, Luiz Antônio. A Organização do Campo Educacional: as conferências
de educação. In Revista Educação e Sociedade n 9, maio de 1981.
Gerou-se, a partir daí, um clima de antagonismo social e político no país que, de um
lado, contava com a simpatia da esquerda, das bases trabalhistas do governo e do
movimento estudantil amparado pela UNE – União Nacional dos Estudantes e, de
outro, a direita composta pela elite liberal, pelo Exército, que já contava com a
simpatia dos Estados Unidos. Carvalho (2004) afirma que o presidente achava-se
cada vez mais imprensado entre os conspiradores de direita, que o queriam
derrubar, e os radicais de esquerda, que o empurravam na direção de medidas cada
vez mais ousadas.
O acirramento dos conflitos entre governo e oposição levou ao que pode ter sido o
maior atentado aos direitos dos cidadãos desde a implantação da República. Com a
deposição do presidente João Goulart, em abril de 1964, instalou-se no Brasil um
longo período de ditadura, através de uma coalizão entre civis e militares, que se
estendeu até o ano de 1985, deixando seqüelas que perduraram ainda por vários
anos na população brasileira.
Essas duas décadas do novo Governo foram marcadas por profundas mudanças no
campo das políticas econômicas e sociais provocadas por uma reestruturação no
mapa geopolítico mundial no pós-guerra.
O final da segunda grande guerra mundial (1945) dividiu o mundo em dois grandes
blocos ideológicos. De um lado, configurava-se um bloco ocidental formado por
países que se alinhavam com as ideologias capitalistas e eram capitaneados pelos
Estados Unidos. Do outro, juntando-se à União Soviética, figuravam nações que se
alinhavam com a ideologia comunista, em sua maioria formada por países da
Europa Oriental e alguns poucos, mas não menos expressivos países de outros
continentes, com especial destaque para a China comunista e Cuba, a partir da
revolução socialista de 1959. No continente americano, a revolução cubana afetou o
poder e o prestígio dos norte-americanos, como potência regional. Tal fato contribuiu
para motivar uma contra-ofensiva dos Estados Unidos na América Latina ao
comunismo internacional (Germano, 1994).
A formação desses dois blocos desencadeou uma disputa entre as duas grandes
potências. Essa disputa se desenvolveu principalmente no campo bélico e ficou
mundialmente conhecida pelo nome de Guerra Fria
10
. Às duas grandes potências
cabia a tarefa de cooptar as nações vizinhas como forma de demonstração de força
e garantia territorial estratégica. Nesse contexto começou a se desenhar na América
Latina um novo modelo político e de desenvolvimento, baseado em um sistema
capitalista, arregimentado pelos interesses norte-americanos e contrários à política
russa de expansão do comunismo.
Foi criado um programa de cooperação econômica, denominado de “Aliança para o
Progresso”, no qual os exércitos continentais foram conclamados a travarem uma
prolongada luta anti-subversiva e, em alguns casos, [...] ocorreu uma intervenção
inequívoca dos Estados Unidos em favor das forças antidemocráticas e golpistas
como se verificou no Brasil, em São Domingos e no Chile (GERMANO, 1994: 50-51).
No Brasil, o flerte deste novo modelo político com as ideologias socialistas passou a
ganhar força a partir da assunção ao governo do presidente João Goulart e sua forte
inclinação para se alinhar às forças da esquerda. Verificou-se uma forte
aproximação do governo com as forças trabalhistas e com a classe estudantil
organizada, repetindo um cenário brasileiro que teve algumas premissas
estabelecidas ainda no período populista.
As bases do regime de coalizão entre militares e a elite nacional de direita que se
instaurou, a partir de 1964, não surgiram mediante a uma imposição proveniente de
um Estado isolado, contrariando a vontade da sociedade. Pelo contrário, teve nela
sua fundamentação baseada em uma sustentação que visava à legitimação do
caráter do novo regime proveniente de outros momentos políticos do nosso país.
A ditadura do Estado Novo já demonstrava algumas características elementares no
pós-golpe. Um exemplo disso é o discurso apregoado na época pelo então general
10
A guerra fria é uma guerra permanente: trava-se em todos os planos – militar, político, econômico,
psicológico –, porém evita o confronto armado. A segurança nacional é exatamente uma resposta a
esse tipo de guerra. Para maiores aprofundamento sobre o tema, ler COMBLIN, Pe. Joseph. A
Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 1978, p. 39.
Góis Monteiro diante da agitação política que era vivenciada no período e de sua
conseqüente repercussão na força armada, na qual defendia abertamente a
necessidade de se eliminar a política fora do exército, como fórmula encontrada de
acabar com a política existente no interior da corporação. Suas declarações
bastantemente conhecidas na época afirmavam a necessidade de se fazer a política
do Exército e não a política no Exército. Sendo esta, a política do Estado Novo
(CARVALHO, 2004).
A partir desse contexto, surge uma nova compreensão a respeito das estratégias
utilizadas na condução política pelo Estado. Sendo assim, aponta-se que o período
crucial na emersão de um novo Regime a se estabelecer encontrava-se no fim do
governo populista.
A tentativa de implementação, no governo de Juscelino Kubitschek, de um projeto
de grandes proporções no intuito de promover um acelerado desenvolvimento num
espaço de tempo curto, o de seu governo, levou o país a profundas transformações,
não somente no âmbito político, quando tratamos da estreita relação que se formou
com o sistema predominante, mas também na área econômica. Para Schmidt &
Farret (1986: 19),
A criação de um Plano de Metas 1956-1961, conhecido por ser um
ambicioso programa setorial de desenvolvimento, tinha como apoio os
investimentos públicos e privados em várias áreas como as de infra-
estrutura, indústrias básicas de bens de consumo duráveis, recursos
humanos, além da construção de Brasília.
No governo de Juscelino Kubitschek as grandes corporações de capital internacional
tinham como intenção o compartilhamento do poder com o apoio de classe populista
que exercia o controle sobre o Estado. Nesse período as multinacionais conseguiam
contornar os canais corporativistas de articulação de interesses sob a forma de um
comando paralelo, além da sua promoção através de novas alianças com a elite
nacional. As classes populares viam-se, desta forma, contidas pelo apoio das
empresas multinacionais que, ao mesmo tempo, se encarregavam de limitar, por
meio de sua influência junto aos empregados, as mobilizações populares (Dreifuss,
1981).
Percebe-se a articulação entre os interesses do capital estrangeiro com os da elite
brasileira que também possuía uma forte influência nas orientações tomadas pelo
Estado. Nesse processo, o governo era o grande responsável por propiciar um
cenário favorável às transformações necessárias para um retorno seguro e
significativo das multinacionais e das empresas privadas ao Brasil, sendo necessário
ter uma população contida, conduzida pelas artimanhas de um projeto
desenvolvimentista em estreita relação com o sistema de produção vigente: o
capitalista.
Houve, ainda, um espaço político para a integração de alguns setores das classes
trabalhadoras industriais urbanas e para a satisfação das camadas intermediárias,
permitindo a condição da continuidade do controle das massas trabalhadoras rurais.
Este período teve como marca a mais efetiva expressão sócio-econômica e política
do populismo. Porém, [...] ao fim da década de 1950 não conseguiu mais abafar as
incoerências estruturais da convergência da classe populista. (DREIFUSS, 1991:
125).
Compreende-se que a candidatura de Jânio Quadro talvez tenha representado uma
das últimas tentativas do grande capital de continuar compartilhando o poder de
Estado com o eleitorado civil; porém, o cenário político nos primeiros anos da
década de 1960 tem uma configuração marcada por uma instabilidade causada por
fatores internos e externos que criaram uma fragilidade institucional (Oliveira 1976).
Sobre essa questão o autor lembra que:
[...] Os obstáculos à posse do substituto constitucional de Jânio Quadros, os
rumos da política externa, as alterações nas relações de força entre os
partidos, etc., fatos que se reforçam no Governo Goulart, têm bastado a boa
parte dos analistas do período para analisar a intervenção militar como
resultado da incapacidade dos grupos civis para resolver os seus
problemas. (OLIVEIRA, 1976: 46)
A Revolução Socialista Cubana, ocorrida no ano de 1959, é apontada como um dos
principais fatores significativo à implementação de uma nova ideologia e a um novo
Regime, e que levava preocupação aos EUA, fazendo com que uma onda de
insegurança fosse difundida na América Latina, atingindo fortemente o Brasil. Havia
o medo de que uma revolução, como a ocorrida em cuba em 1959, se desse no
Brasil o que levaria grandes prejuízos para o sistema capitalista (Alves, 2005).
O cenário político-econômico que se desenvolveu entre o ano de 1961 e os
primeiros meses de 1964 mostrava-se bastante conturbado, com a renúncia do
presidente Jânio Quadros e com a ascensão de seu vice João Goulart ao poder. Tal
conturbação foi proveniente da proximidade do sucessor do presidente Jânio
Quadros com a esquerda, principalmente com sua afinidade com a classe
trabalhadora, o que causava certa desconfiança e insatisfação da classe burguesa.
A contribuição do período Goulart para essa classe trabalhadora foi significativa por
permitir um maior nível de organização da mesma. [...] O período Goulart foi fértil
para a organização da classe trabalhadora; um governo que buscava o apoio dos
trabalhadores criava um clima político que permitia o desenvolvimento de formas de
organização mais profunda e efetiva (ALVES, 2005: 25).
Tais medidas, por sua vez, atingiam diretamente os interesses da classe burguesa
que não estavam dispostas a abrir concessões em questões como salários,
condições de trabalho, nem mesmo da organização sindical, coisa que jamais fora
levada a fazer em nenhum outro governo.
Paralelo a esse panorama político que se desenvolveu, parte da elite nacional,
juntamente com parcelas da classe média, aliadas ao capital estrangeiro e
principalmente, aos interesses norte-americanos organizaram-se em prol de uma
ofensiva que visava a proteger a Nação da ameaça comunista que lhe assombrava.
Segundo Duarte (2008: 82):
O Estado populista não conseguiu fazer frente aos interesses diferenciados
dos principais grupos que compunham a base aliada do governo, entre eles
as organizações multinacionais associadas e os grandes conglomerados
empresariais do país que se opunham aos grupos oligárquicos, detentores
de maior espaço no cenário político graças a sua condição de setor
responsável pela origem da maior parte das divisas do país.
Nesta ofensiva, tem especial destaque a ação das Forças Armadas, que com o
apoio decisivo da burguesia e da classe empresarial, promoveu, em primeiro de abril
de 1964, um golpe contra o Estado que culminou na deposição do então presidente
da república, seguido por um período de vinte e um anos de uma forte ditadura
militar/burguesa.
A intervenção destas classes foi descrita, conduzida e percebida como uma “ação
salvacionista” legitimada pela Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento,
disseminada em grande parte pela Escola Superior de Guerra. Uma vez que para
um número expressivo de militares o governo deixava de proceder dentro da ordem
constitucional, isso seria motivo suficiente para uma intervenção militar, a fim de
restabelecer essa ordem, dentro do que eles chamavam no limite da lei (Dreifuss,
1981).
Desta forma, militares e civis, estes mais ligados às elites e a certos setores da
classe média, descontentes com os rumos da política nacional e assustados com a
ameaça comunista que assombrava o país, assumem a direção da nação a fim de
promoverem uma reorganização econômica e social e devolvê-lo aos verdadeiros
rumos do crescimento, colocando-o em sua verdadeira posição no cenário
internacional. Para Oliveira (1976: 72),
Os discursos da primeira etapa evidenciam o esforço ideológico de
legitimação da revolução enquanto um movimento político eminentemente
cívico de restauração da nacionalidade brasileira. A restauração estaria
referida à renovação de procedimentos políticos internos e externos ao
Brasil. No primeiro caso, a revolução teria sido realizada para defender o
funcionamento das instituições democráticas, cuja existência se propõe
garantir e para promover a retomada do desenvolvimento econômico. No
segundo caso, dever-se-ia recuperar a posição do Brasil no mundo
ocidental, que estivera ameaçada pela política externa independente que
inclusive se refletia na despreocupação governamental (especialmente no
governo Goulart) com a infiltração comunista.
No entanto, o que se vê, ao longo do período de governo militar, é um processo de
embate político dentro do Exército, entre os setores mais liberais e a chamada linha
dura, que altera as reais intenções de redemocratização e reorganização interna do
país. Comblin (1978: 77) afirma ainda que:
Os golpes de Estado que estabeleceram os regimes de segurança nacional
foram todos precedidos ou seguidos de amargas lutas dentro das Forças
Armadas;uma parte venceu e eliminou a outra. Calcula-se que cerca de
10.000 militares foram expulsos das forças Armadas brasileiras por ocasião
do golpe de Estado de 1964.
Esta divisão dentro das Forças Armadas leva o país a um período de 20 anos de
ditadura militar, subvertendo a idéia inicial dos militares liberais de assumirem o
comando da Nação por um período curto, a fim de reorganizá-la e posteriormente
devolvê-la ao comando civil e à democracia.
1.3 – OS PROGRAMAS ECONÔMICOS (1964-1974)
O ano de 1964 foi marcado por uma transformação na ordem política nacional que
teve seu ponto máximo na deposição do presidente da república João Goulart
através de um golpe de estado que levou os militares ao poder. Tal ação, no
entanto, não se deu por uma razão isolada, mas sim através de uma série de ações
desencadeadas dentro do governo João Goulart que trouxeram descontentamento a
certos setores da política nacional, da classe burguesa e, principalmente, aos
interesses do capital internacional, especialmente dos Estados Unidos. De acordo
com Oliveira (2005: 46),
Os obstáculos à posse do substituto constitucional de Jânio Quadros, os
rumos da política externa, as alterações nas relações de força entre os
partidos, etc., fatos que se reforçam no governo Goulart, têm bastado à boa
parte dos analistas do período para analisar a intervenção militar como
resultado da incapacidade dos grupos civis para resolver os seus
problemas.
A aproximação do governo com as forças da esquerda, sobretudo com os
trabalhadores, gerava desconforto entre a classe empresarial brasileira,
especialmente no trato das relações trabalhistas, nas quais iam perdendo um
importante espaço conquistado ao longo da história.
Um outro fator de estrema relevância estava relacionado às multinacionais, com a
aplicação de regras que atingiam diretamente os seus interesses como a regulação
das remessas de lucro para o exterior, o pagamente de royalties, as novas leis
antitruste e, em especial, a ameaça de nacionalização de grandes empresas
estrangeiras.
Além disso, a forte aproximação do Governo João Goulart com o bloco dos países
comunistas despertava nos Estados Unidos uma preocupação geopolítica que se
fundamentava nos princípios de espaço político e posição geográfica para a
definição da política de segurança nacional em relação ao Brasil, e que poderia
tornar-se uma nação comunista a exemplo de Cuba. Para Alves (2005: 24),
O desenvolvimento dependente e os específicos interesses internacionais e
nacionais a eles associados formam o pano de fundo indispensável à
avaliação da conspiração civil e militar que derrubou o governo
constitucional de João Goulart, no Brasil, a 31 de março de 1964.
Todos esses fatores associados fizeram surgir no seio da sociedade brasileira uma
coalizão entre as Forças Armadas e a classe burguesa que no dia 31 de março de
1964 puseram fim ao regime democrático, impondo ao povo brasileiro um período de
20 anos de ditadura, sem acesso aos principais direitos políticos e civis.
Siqueira (2001: 29) aponta outros fatores como importantes pressupostos para a
tomada do poder pelos militares, no final de março de 1964:
[...] as tentativas de combater a inflação, antes de 1964, utilizando medidas
clássicas, como contenção dos gastos públicos, restrição do crédito,
controle de aumento salarial, inerente aos obstáculos intransponíveis que se
erguiam, foram preparando o cenário brasileiro para a mudança no quadro
político, econômico e administrativo do Brasil, ocorrido no final de março de
1964.
Na concepção dos novos donos do poder, somente as elites seriam capazes de
promover as mudanças necessárias ao desenvolvimento da Nação, pois somente
elas teriam preparo psicológico e determinação suficientes para implantar as ações
que levariam o país ao seu lugar manifesto. Outros sim, para a conquista de seu
intento era necessária a desmobilização popular, pois somente através dela é que
seria possível a manipulação das massas.
Com a chegada dos militares ao poder em 1964 vários direitos dos cidadãos foram
violados, mas os que sofreram maiores agressões foram os direitos políticos e os
direitos civis. Os direitos sociais, ao contrário, sofreram alguns avanços durante o
Regime, servindo como forma de abrandamento das ações políticas antipopulares,
impostas ao povo brasileiro e como forma de garantir a legitimidade necessária para
a continuidade do governo de coalizão entre os militares e a burguesia (Brum, 1984).
Carvalho (2004) divide o período de regime autoritário em três fases dentro das
agressões à cidadania e aos principais direitos que faziam parte da vida do cidadão
brasileiro. O período que compreende os anos de 1964 a 1968, fase destinada à
reestruturação política e econômica, mas que foi marcada também por graves
conflitos sociais que terminaram por denominá-la de “anos de chumbo”.
A segunda fase que se desenvolve entre os anos de 1968 a 1974 quando o Brasil
atinge os maiores índices de crescimento econômico e desenvolvimento social,
também denominado de “milagre brasileiro”; porém, tal período foi marcado por uma
forte ação repressiva por parte dos militares, além da cessação de vários direitos
civis e políticos.
Finalmente, a terceira fase que compreende os anos de 1974 a 1985, conhecida por
ter sido um período que marcou a liberalização política, recebendo o nome de
distensão,
11
no qual o presidente Geisel inicia o processo de abrandamento
repressivo, mesclado com outros momentos de fortes ações coercitivas, iniciando o
processo de abertura a fim de se restabelecer a democracia (Alves, 2005).
A primeira e a segunda fases foram aquelas nas quais os direitos políticos e civis
tiveram maior agressão por parte do governo militar. Não se pode deixar também de
rememorar que tais ações do governo se viam alicerçadas pelas mesmas bases
anticomunistas que levaram a execução do golpe. O perigo comunista era a
desculpa mais usada para justificar a repressão.
Podemos destacar nesse período dois Atos Institucionais que mais contribuíram
para a supressão dos direitos dos cidadãos, o AI-2 e o AI-5. O Ato Institucional nº2
foi responsável pelo fim da eleição direta para presidente, a dissolução dos partidos
11
Tratava-se de um programa de medidas liberalizantes cuidadosamente controladas, definido no
contexto do slogan oficial de continuidade sem imobilidade. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e
Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru, SP: Edusc, 2005. p. 224. Ver também CARVALHO, José
Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo percurso – 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2004.
políticos e a criação de um sistema bipartidário; além disso, promoveu uma reforma
no judiciário.
O Ato Institucional nº5, editado em 1968, foi considerado o mais radical e o que pior
atingiu os direitos civis e políticos. Ao AI-5 podemos atribuir o fechamento do
Congresso Nacional, cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos de
membros da oposição ao governo e a demissão de funcionários públicos.
Além disso, outros direitos civis foram retirados da população como o direito à vida,
através da implantação da pena de morte por fuzilamento e o direito à liberdade de
expressão, através da censura prévia. A oposição passava a atuar na
clandestinidade, organizando-se sob a forma de guerrilha e sendo sumariamente
perseguida pelos órgãos de repressão do governo, com especial atenção para o DOI
– Destacamento de Operações de Informações e o CODI – Centro de Operações de
Defesa Interna
12
, que se tornaram os órgãos repressivos de maior destaque dentro
do governo (Alves, 2005).
Nesse período, muitos membros da oposição foram assassinados pelo regime e
depois dados ou como desaparecidos ou mortos em acidente de carro. Para
Carvalho (2004), a igreja foi o único núcleo de oposição a sobreviver ao regime
militar, e isso se deu, principalmente, devido à influencia que exercia junto à
população.
Porém, se por um lado o governo cerceava os direitos civis e políticos, por outro
havia avanços no campo dos direitos sociais. A criação do Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), em 1966, e do Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (FUNRURAL), em 1971, pode ser apontada como grandes avanços sociais no
direito à cidadania. Outra medida social de importância foi a inclusão das
empregadas domésticas e dos trabalhadores autônomos na previdência social.
12
Até 1967 a responsabilidade pela repressão física cabia ao CENIMAR e as polícias estaduais
(através da Secretaria estadual de Segurança Pública). A SESP coordenava as atividades do
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS ou DEOPS), que por sua vez operava as Divisões
Municipais de Polícias (DMs). (...) O primeiro CODI foi montado em São Paulo em 1970, diretamente
ligado a OBAN. Posteriormente, o CODI e seu braço executivo, o DOI, foram estabelecidos em outros
estados; operaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia,
Pernambuco e Ceará. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984.
Bauru, SP: Edusc, 2005. p. 211-212.
Os direitos políticos, por sua vez, ficavam somente restritos ao direito do voto como
forma de legitimação do governo no poder, e os direitos civis, esses não existiam
para boa parte dos cidadãos.
A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, criada pela Escola Superior
de Guerra, já preconizava uma necessidade de reformulação do panorama
econômico e social brasileiro utilizando um discurso antiliberal, defendendo uma
ação mais efetiva das forças armadas na tentativa de combater o que Góis Monteiro
chamava de [...] “fonte de todos os males sociais e pátrios” (GERMANO, 1994: 45).
Essa Doutrina apontava um novo direcionamento para as políticas econômicas do
país, que aliadas às forças do capital estrangeiro, principalmente do capital norte-
americano, visava ao seu desenvolvimento econômico e a sua transformação em
grande potência, pois considerava ser isso uma vocação natural do Brasil. O Estado
de Segurança Nacional. Assim, as grandes transformações econômicas e sociais
pelas quais o Brasil passava, especialmente a partir da década de 1960,
contribuíram para que o Estado de Segurança Nacional, institucionalizado em 1964,
mantivesse e, até mesmo, aprofundasse o modelo de produção adotado pelo
sistema de economia de mercado. (Duarte, 2008).
A abertura da economia a esse capital estrangeiro como forma de atrair recursos
para o projeto desenvolvimentista arquitetado pelo Estado se fazia necessário.
Oliveira (1976: 49) aponta que:
A nova aliança entre Estado e capital estrangeiro, garantida pela situação
política erigida em1964, fundamentar-se-á numa solidariedade de políticas
de interesses cristalizados numa reativação de investimentos. Estes estarão
ligados, na política de Castelo Branco, ao aumento da taxa de exploração
da força de trabalho: a redução absoluta dos salários se constituirá numa
fonte importante para o financiamento da recuperação econômica.
Houve então a adoção de várias medidas econômicas que não apenas visavam
eliminar as políticas oposicionistas, como também criavam um panorama favorável
de articulação entre o público e o privado. Já no governo de Castelo Branco foi
criado o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) com o intuito de
alcançar como objetivos a [...] imposição de uma severa política de crédito ao setor
privado; redução do déficit governamental e uma política de controle salarial.
(ALVES, 2005: 90).
O primeiro Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966), criado no
governo de Castelo Branco tinha como objetivos a imposição de uma severa política
de crédito ao setor privado; além da redução do déficit governamental e uma
arrochada política de controle salarial.
A própria composição do corpo do governo se deu de forma a estabelecer uma
política de cooperação ao capital estrangeiro. Nesse sentido, compuseram o
Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica os coordenadores Octávio
Gouvêa de Bulhões, além de Roberto de Oliveira Campos, a quem coube a pasta do
ministério do Planejamento. Este era fortemente ligado às empresas estrangeiras
sediadas nos EUA. Juntos, eles visaram à eliminação de qualquer dificuldade
existente na relação Brasil – Estados Unidos, propiciando a configuração perfeita
para a regulamentação do capital estrangeiro.
Nessa perspectiva, implementou-se não apenas a legitimação da saída dos lucros
das empresas multinacionais para seu país de origem, como também se adotou um
forte controle dos movimentos grevistas, além de regulamentar os reajustes
salariais, que passariam agora a depender de vários fatores para sua correção. A
primeira etapa do governo Castelo Branco foi marcada pela desarticulação das
organizações populares através do alijamento de suas lideranças. Tais
acontecimentos marcaram o período de uma profunda depreciação nos níveis
salariais da classe trabalhista brasileira (Alves, 2005).
O PAEG, enfim, não conseguiu contemplar os objetivos propostos pelo governo,
como o controle da inflação que corroia o poder econômico das massas urbanas.
Em contrapartida, teve como conseqüência o reconhecimento da responsabilidade
do governo junto às demandas sociais como a habitação, através da criação do BNH
que foi extremamente significativa até mesmo como forma de legitimar o regime
autoritário.
Outras medidas econômicas foram adotadas durante o período, visando não apenas
a eliminar as políticas oposicionistas, mas também à criação de um panorama
favorável de articulação entre os setores privados, nacionais e internacionais e o
poder público.
Interessa destacar os principais nomes ligados a essas políticas e suas relações
com o capital internacional como demonstração dos interesses que norteavam a
política econômica no regime militar, entre eles Octávio Gouvêa de Bulhões como
Ministro da Coordenação Econômica e Roberto de Oliveira Campos como Ministro
do Planejamento, sendo que o primeiro era um economista proveniente da Escola
de Chicago, tendo participado ativamente da conspiração da Escola Superior de
Guerra e o segundo ministro era um ex-embaixador em Washington, fortemente
ligado aos interesses das empresas multinacionais sediadas nos Estados Unidos da
América (EUA).
Juntos, esses ministros deram prioridade à eliminação de qualquer obstáculo na
relação entre o Brasil e os EUA no que diz respeito à regulamentação do
investimento estrangeiro. Dessa maneira implantou-se não apenas a legitimação da
saída dos lucros das empresas internacionais para seu país de origem, como se
adotou um controle rígido sobre as greves e a regulamentação dos reajustes
salariais, marcando um período de grandes perdas para os trabalhadores na
depreciação real dos salários (Ianni, 1986).
Mediante ao insucesso do PAEG em alcançar alguns dos seus objetivos, com o
crescimento da inflação, entraram em cena outros programas que, em linhas gerais,
tinham objetivos muito próximos a de seus antecessores. Octavio Ianni (1986: 230)
lembra de alguns desses programas como:
O Programa Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976);
o Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970); o Programa de
Metas e Bases para a Ação Governamental (1970-1972) e os Planos
Nacionais de Desenvolvimento I, II e III.
Verificamos que, independentemente do governo militar, o Estado assumiu as
mesmas orientações econômicas, buscando reduzir o nível inflacionário,
incentivando as exportações, incentivando a entrada de capital estrangeiro,
reduzindo os custos de produção através dos arrochos salariais adotados.
1.4 - O PANORAMA POLÍTICO- ECONÔMICO NO GOVERNO GEISEL
O governo do General Ernesto Geisel teve importante destaque no cenário que
envolve os direitos dos cidadãos, pois foi o governo responsável por iniciar o
processo de abertura que teve como passos iniciais a diminuição das restrições à
propaganda eleitoral, a revogação do AI-5, o fim da censura prévia e a promoção da
volta dos exilados políticos ao país
13
.
No entanto, ainda que fosse o presidente indicado para dar início ao processo de
abertura política e promover a transferência do poder político das mãos dos militares
para os civis, sua personalidade guardava marcas de uma rigidez não vista entre os
seus antecessores, fato que lhe garantiu suficiente autoridade para promover as
mudanças necessárias, mesmo diante dos enfrentamentos internos nas Forcas
Armadas entre os militares que compunham a linha dura e a ala mais liberal do
Exército. [...] Geisel, sem dúvida o mais militar dos militares que ocuparam a
presidência na história recente do país, seria afinal o chefe que acabaria por
começar a enviar os militares de volta aos quartéis. (VEJA, 1979: 46)
Há que se destacar que o General Geisel era um presidente membro da ala mais
liberal do exército, fator que contribuiu para o abrandamento das ações repressivas
do governo e a retomada do processo de redemocratização do país. Aliado a isso,
encontramos o grave problema econômico por que passava a nação, reflexo da
crise econômica internacional impulsionada pela alta do preço do petróleo no
primeiro ano da década de 1970. Esses fatores somados permitiram ao governo
13
O presidente Geisel construiu a “abertura”, de tal forma que o país reencontrou a liberdade de
imprensa, o Congresso funciona sem o Ato Institucional n 5 e os políticos tratam agora de se
acomodar a sonhada vida pluripartidária. Revista Veja, 14 de marco de 1979. p. 45
militar uma maior flexibilização de suas intenções rumo ao processo de
redemocratização da nação.
O período entre 1974 e início de 1979 foi marcado pela promoção de mudanças de
realinhamento estratégico da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento,
geradas por um descontentamento social emergente. Esse descontentamento tem
origem, principalmente, devido à grave crise econômica que se desenvolveu no país
nos primeiros anos da década de 1970. Segundo Siqueira (2001: 33):
A partir de meados de 1973, o ritmo de crescimento começa a declinar,
desequilibra-se a balança de pagamentos e a inflação volta a crescer [...] A
queda do nível de crescimento econômico, vinculada à crise do capitalismo
em geral, provocou a crise socioeconômica, travestida também em crise
política, que se estendeu, sob várias formas, até a década de 80.
Essa crise emergente aliada à insatisfação social fez com que o Estado pensasse
novas formas de garantir a legitimidade do governo, desta vez abrindo mão do seu
aparato repressivo e coercitivo e dando lugar a um processo de afrouxamento das
tensões sociais que encontravam corpo principalmente no campo político. Tal
processo recebeu do governo Geisel o nome de política de distensão. Entendia o
governo que deveria ser um processo de adoção de medidas liberalizantes, mas que
tivessem como característica um cuidadoso controle, dentro daquilo que os militares
chamavam de “continuidade sem imobilidade” (Alves, 2005).
Além disso, o governo militar, ainda utilizava outras formas de ação que lhe
garantiria a legitimidade necessária para o enfrentamento do processo de transição
a que se propunha. Desta forma amplia sua atuação no campo social e um dos
mecanismos utilizados pelo novo regime político na articulação e consolidação das
bases de apoio político apresentava-se através da instituição do Banco Nacional de
Habitação (BNH), que, de maneira estratégica, conseguia estimular a expansão e o
desenvolvimento de alguns setores econômicos, como a indústria da construção
civil, e também manter, sob controle, os anseios populares através do ideário da
casa própria. Nesse momento a moradia popular servia como importante
instrumento de manipulação e legitimação do poder.
Ao lado das políticas em educação que visavam ampliar e legitimar as ações do
governo Geisel, a política de habitação popular, conduzida pelo Banco Nacional de
Habitação, contribuiu como um precioso instrumento de controle das massas
populares que, na busca da satisfação da necessidade do morar, principalmente
adquirindo a casa própria, não atentavam para os encaminhamentos tomados pelo
Estado Autoritário. (Duarte, 2008).
Entretanto, ainda que se desenhasse no país um panorama de liberalidade, o
período é marcado por um profundo antagonismo entre medidas liberalizantes e
medidas autoritárias.
Entre os anos de 1975 e 1976, o governo desencadeou a maior caçada de
comunistas já assistida em todo o período da ditadura militar. Segundo Alves (2005:
246) [...] Mais de duas mil pessoas foram detidas em todo o Brasil naquele ano.
Deste total, cerca de 700 permaneceram presas, e 240 foram posteriormente
“adotadas” pela Anistia Internacional.
As medidas autoritárias adotadas culminaram com a morte do jornalista Vladimir
Herzog em outubro de 1945 e do metalúrgico Manoel Fiel Filho em janeiro de 1976,
o que resultou no afastamento do General D’Ávila Mello do comando do Segundo
Exército. [...] O afastamento do comandante do II Exército, de qualquer forma,
assinala o momento em que se inicia a desativação do aparelho repressivo,
ensaiada já nos primeiros meses do governo Geisel (VEJA, 1979: 54).
Outra marca desse autoritarismo apresentado dentro do processo de abertura está o
fechamento do Congresso Nacional no dia primeiro de abril de 1977. Como o
governo não conseguiu a aprovação do substitutivo apresentado pelo senador
Francisco Aciolly Filho, que propunha a reforma do Judiciário, engavetado pela
Arena e contando com forte contribuição do MDB, ao decidir, em bloco, recusar a
votação do projeto, o governo decide pelo fechamento do Congresso, usando para
isso de prerrogativas do Ato Institucional nº 5.
Desta forma, edita-se o “pacote de abril” que entre outras medidas, além de aprovar
a reforma do judiciário, promove também outras mudanças políticas como o
aumento do mandato de presidente de cinco para seis anos; elimina a eleição direta
para governadores; extensão da lei Falcão as eleições parlamentares; e a criação da
figura do senador biônico.
No campo da economia, os anos 70 foram marcados por uma crise internacional
proveniente de uma abrupta elevação do preço do petróleo e de todos os seus
derivados. Como resultado desse cenário, o Brasil, assim como os demais países
subdesenvolvidos, foram submetidos à imposição das agências internacionais, na
busca por financiamentos e empréstimos, adotando uma política de profunda
redução dos investimentos públicos gerando um mix de resultados negativos para o
Estado no cumprimento de suas responsabilidades e na satisfação das crescentes
demandas sociais, trazendo, à tona, sérios problemas macroeconômicos como o
desemprego, a recessão, o confisco salarial, o crescimento do déficit público e uma
grande dependência das agências internacionais. [...] Ao final do processo tem-se:
maior dependência de fontes externas para investimentos sociais básicos, aumento
da dívida pública externa e retreinamento do papel social do Estado frente às
necessidades prementes à população urbana brasileira (SCHMIDT & FARRET,
1986: 46).
Nesse momento histórico do regime militar, o governo buscou uma mudança em seu
discurso. Diante de um cenário de descontentamento e novas reivindicações que
emergiam, o governo deveria providenciar uma forma de minimizar os descontentes
e por isso utilizaria mais uma vez a política econômica já que, agora, a idéia
difundida através do discurso era o de integração e redistribuição, logo após um
período de crescimento econômico como nunca visto, acompanhado de uma
concentração de renda também cada vez maior.
Dentro desta nova perspectiva e intencionalidade, foi lançado o segundo Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND - 1975-1979) que, além da prioridade na
manutenção do ritmo acelerado de crescimento da economia do país buscando a
consolidação de um “modelo brasileiro de capitalismo industrial”, tem também como
meta agora, incorporar, ainda que de maneira subordinada, a redistribuição e a
“participação”. [...] Para isso, torna-se necessário “superar as dificuldades
decorrentes da escassez de vários fatores físicos do crescimento: investimento em
capital fixo, insumos industriais, executivos e técnicos de certas especializações
(GERMANO, 1994: 224).
Apesar desse reconhecimento por parte do Estado, de que a política redistributiva
do país é falha, ele ainda mantém a intenção do controle do imaginário social
quando ratifica que esse aspecto pode ser bem mais demorado que a transformação
da consciência social. Nesse sentido, o Estado mantinha sua intenção de, através
da Ideologia da Doutrina de Segurança Nacional e do Desenvolvimento, continuar
norteando seus interesses mediante uma sociedade ordeira e conformada. Nem que
para isso tivesse que negociar com a oposição as bases da distensão política.
Verifica-se, no período militar, uma grande preocupação por parte do Estado
autoritário com praticamente todos os setores da economia. As ações políticas
criavam as condições necessárias para as políticas econômicas do governo graças
aos poderes assumidos pelo Executivo mediante os Atos Institucionais.
O congresso Nacional formado pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido
do governo, e pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição,
não exercia oposição ao governo que governava por meio dos Atos Institucionais,
conduzindo a política de acordo com os seus interesses.
De 1967 a 1976 o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social contou
com a sobreposição do Executivo ao Legislativo, tendo como objetivo o
estabelecimento no período de diretrizes como o plano de produção, consumo e
investimentos. Mesmo com objetivos tão ousados o Plano Decenal não logrou
resultados concretos, já que os diversos estudos realizados, como forma de
diagnosticar e orientar o setor econômico e social brasileiro, não foram colocados
em prática, anulando sua capacidade de realização. (Ianni, 1986)
O governo Geisel buscou manter as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) em níveis elevados procurando dar continuidade ao chamado período do
milagre brasileiro, momento de maior nível de crescimento da história econômica do
país, ainda que concomitante a um elevado nível de inflação que corroía o poder de
consumo e os salários dos trabalhadores, além de uma política de forte
concentração de renda que tinha como campanha “fazer o bolo crescer para depois
dividir”.
No campo das negociações políticas com a sociedade civil, essa fase do governo
também se mostrou bastante conturbada, com oscilações que iam desde medidas
extremamente repressivas até atitudes liberalizantes e abertura de diálogos com
órgãos civis como a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados do
Brasil e a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil. Ao final de seu mandato, o
presidente Geisel abre uma ampla frente de discussão iniciando uma serie de
encontros com entidades com lideres do partido de oposição, o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) (Alves, 2005).
Fez-se dessa forma um governo cercado por antagonismos políticos que
contradiziam os reais objetivos propostos pela Doutrina, que era iniciar um processo
de abertura, ainda que consentida, devolvendo às mãos dos civis o rumo políticos da
Nação.
II – AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO NO GOVERNO
GEISEL
2.1 – AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E AS REFORMAS DO ENSINO
As principais mudanças que ocorreram no campo da educação, no período do
Governo Militar, deram-se fora do governo do presidente Ernesto Geisel,
especialmente no que diziam respeito às leis que regiam o Ensino Superior e o
Ensino de Primeiro e Segundo Graus. Porém, ficaram guardadas para o seu
governo algumas medidas de ajustes dos planos de educação à nova conjuntura
sócio-econômica que se formava a partir de 1974, [...] pois o “Brasil do milagre” do
início os anos 1970 daria lugar ao “Brasil potência”, ideal que orientou a formulação
política e ideológica do governo Geisel e que resultou na singular capacidade
instalada de ciência e tecnologia (BOMENY, 2002: 93).
Não se pode deixar de destacar também que, nesse período, várias transformações
se deram no campo da política que impulsionaram outras transformações, no campo
da educação superior, em que o lócus de discussões se fazia com maior
contundência. O ensino superior estava na agenda dos presidentes da Nação no
final dos anos de 1960 e toda a década de 1970, cuja principal pauta de discussões
estava em torno do acesso à universidade e a democratização do ensino superior
(Bomeny, 2002).
Um outro campo em que a atuação do governo se deu com grande destaque foi a
Educação de 1º e 2º graus, na qual se intensificaram as ações voltadas para uma
educação de caráter tecnicista, deixando de lado o caráter propedêutico da
educação. Segundo Gramsci (apud MOCHCOVITCH 1998: 54),
[...] as escolas de tipo profissional, isto é, preocupada em satisfazer
interesses práticos imediatos, tomam a frente da escola formativa,
imediatamente desinteressada. O aspecto paradoxal reside em que este
novo tipo de escola aparece e é louvada como democrática, quando, na
realidade, não só é destinada a perpetuar as diferenças sociais, como ainda
a cristalizá-las.
O governo Geisel inaugurava uma nova fase política e iniciava um processo de
afrouxamento das medidas autoritárias e coercitivas dos governos anteriores. Esse
processo de afrouxamento recebeu o nome de Distensão e tinha como objetivo a
flexibilização política com vistas à recuperação da credibilidade adquirida para a
manutenção da hegemonia conquistada e que se enfraquecia com o final do milagre
brasileiro. O governo passava então a negociar com a elite política algumas de suas
exigências, a fim de ampliar sua base de sustentação e, consequentemente, garantir
o controle da sociedade civil a partir da aplicação seletiva do uso da coerção (Alves,
2005)
Para o governo, era necessária uma abertura política, ainda que de forma
consentida, para acalmar a população que começava a se insubordinar com as
medidas econômicas do governo, com o aumento dos índices inflacionários e com o
crescente desemprego, e para a manutenção desta hegemonia que segundo
Gramsci (apud MOCHCOVITCH 1998: 20) [...] é o conjunto das funções de domínio
e direção exercido por uma classe social dominante, no decurso de um período
histórico, sobre outra classe social e até sobre o conjunto das classes da sociedade.
O governo do General Ernesto Geisel preocupava-se com a reestruturação
econômica do país, que iniciava uma transição de um período de profundo
crescimento econômico entre os anos de 1969 e 1973 para um período de recessão
que se formava em decorrência de fatores externos e internos como a crise do
petróleo, alto endividamento externo e o conseqüente aumento da inflação, que
passava a incomodar todas as classes sociais. Para Sarmento e Albert (2002: 68),
Vale destacar que para Geisel, o combate à inflação jamais se constituiria
num verdadeiro problema para sua administração. Sua preocupação era
com a manutenção do êmbolo desenvolvimentista, mesmo que para isso
fosse necessário contrariar o equilíbrio do orçamento ou comprometer-se
com o gerenciamento de um crescente endividamento externo.
O Brasil saía de um processo de euforia com o ”milagre brasileiro” e entrava em uma
nova fase, a fase do “Brasil potência”. Para o governo, essa era a hora de crescer,
ainda que ignorando alguns conflitos econômicos internacionais. O país já não era
mais o país do “milagre brasileiro” entre os anos de 1969 e 1973, uma nova
realidade se fazia emergente e o nível de insurgência da população crescia em
todos os campos, com reflexos, principalmente, nas eleições, em que o partido do
governo sofria constantes derrotas. Conforme referencia Alves, (2005: 215) [...] Os
protestos das classes trabalhadoras ainda podiam ser silenciados com a rigorosa
aplicação do poder coercitivo. Em 1973, entretanto, os setores médios começaram a
inquietar-se com os primeiros indícios de sérios problemas econômicos.
O descontentamento das classes trabalhadoras também começava a incomodar o
governo, assim como o da classe estudantil que ensaiava um ressurgimento com os
congressos da UNE. Era preciso que o governo adotasse medidas de contenção da
insurreição das classes populares que agora recebia o apoio de parte da elite
descontente. Nesse momento, parte da elite que apoiou e levou os militares ao
governo já não mais apoiava as medidas adotadas por seus representantes, pois se
sentia alijada do processo de governança, visto que o governo da república se
tornava um governo dos militares e não mais um governo de coalizão que unia as
forças da direita do país contra um inimigo comum.
É nesse contexto que é implantado o II PND, um plano de metas que orientaria as
ações do governo entre os anos de 1974 a 1979. [...] Este plano tinha como objetivo
Preservar a estabilidade social e política, assegurada a participação consciente das
classes produtoras, dos trabalhadores e, em geral, de todas as categorias vitais ao
desenvolvimento, nas suas diferentes manifestações.
14
Para a concretização desse plano de metas, algumas medidas deveriam ser
adotadas como forma de cooptar essas classes descontentes e que começavam a
questionar as ações do governo com mais veemência. Dentre essas ações, estavam
a manutenção do crescimento que se concretizara nos últimos anos; implantar de
forma concreta da redistribuição da renda e o processo de participação popular nas
ações do governo.
14
II PND p.29
Porém, ainda que tais medidas pudessem representar uma mudança de direção das
estratégias do governo que vinham sendo adotadas através da Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento, essas mudanças não passavam de uma
forma de amainar os ânimos das classes subalternas e de fornecer a legitimidade
que o governo precisava para governar. Desta forma, via-se a incorporação das
classes trabalhadoras no conjunto das preocupações do governo, uma forma de
suprir uma necessidade real emergente, além da busca de um apoio importante para
a sua manutenção no poder através da cooptação dessa classe (Germano1994).
O governo, então, adota uma série de políticas, com a finalidade de conter os
ânimos da população descontente e dentre essas políticas, algumas diziam respeito
direto à educação, ainda que essas estivessem na contramão das diretrizes
apontadas pelo II PND para o desenvolvimento da nação. E foi dentro desta lógica
desenvolvimentista que surgiram as maiores preocupações do governo com o
desenvolvimento, com a Educação Superior e com o Ensino de Primeiro e Segundo
graus.
Podemos apontar como principais ações do governo no campo da educação o II
Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC) que, embora subordinado ao II PND,
apresentava um discurso muito mais conservador. Conforme nos aponta Germano
(1994: 233),
[...] Enquanto o II PND critica abertamente a chamada “teoria do bolo”,
tentava politizar as questões sociais – ao acenar com a necessidade de
melhor distribuição de renda – e identificava um interlocutor concreto, as
classes subalternas, o II PSEC continuava a expressar uma visão
tecnicista, despolitizante – inspirada na “teoria do capital humano” – e tinha
em vista um interlocutor abstrato e indeterminado: o homem brasileiro.
Vale destacar alguns fatores que contribuíram para essa distância entre os dois
planos. Durante o período do regime militar, o Ministério da Educação e Cultura teve
sempre militares à frente de suas pastas, enquanto os Ministérios da Economia e do
Planejamento tiveram à frente de suas pastas representantes civis, motivo pelo qual
havia tamanho distanciamento entre seus discursos.
As principais diretrizes do II PSEC, ainda se relacionavam com as idéias de um
Brasil potência, que precisava crescer e, para tanto, necessitava de um exército de
mão-de-obra qualificada para atender a essa demanda do mercado, ainda que para
isso fosse preciso adequar todo o sistema de ensino ao sistema ocupacional.
Para tanto, fica explícita a preocupação do governo com medidas que visam a
solucionar o problema educacional, não pelo viés da qualidade, mas sim pelo da
quantidade. Para Germano (1994: 234), [...] eram metas a serem alcançadas atingir
90% da população na faixa etária de 7 a 14 anos; assegurar a expansão qualitativa
e quantitativa do ensino de 1º e 2º graus; e o ensino superior com ênfase nos cursos
de pós-graduação.
Além dessas medidas, podemos citar duas outras de grande destaque nesse
período que iam ao encontro das necessidades enfrentadas pelo governo para
atender à demanda de mão-de-obra qualificada. Uma delas relacionada à população
de mais baixa renda, focava a expansão do Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), como forma de resolver os graves problemas de analfabetismo que, no
período entre 1976 a 1979, apresentava um ligeiro crescimento em relação aos anos
anteriores. Afinal, [...] o estabelecimento e funcionamento do MOBRAL e dos
supletivos, ainda que paternalísticos, podem se constituir em formas apaziguadoras
de aspirações educacionais das classes subordinadas – trabalhadores do campo e
da cidade (COVRE, 1983: 226).
O Mobral, desta forma, desempenhava um duplo papel diante das expectativas
geradas pelo regime. Ao mesmo tempo em que servia de base às transformações
ideológicas suscitadas pelo governo, agindo nas camadas mais pobres e,
consequentemente, entre as camadas mais ignorantes, servia também como
suporte às questões educacionais no preparo de uma mão-de-obra mais qualificada
para um sistema capitalista em franca expansão. Desta forma o governo agia ao
mesmo tempo em duas áreas de interesse social, dando a formação básica para
parcela da população que não tinha acesso aos bens culturais como a educação, e
habilitando grande parcela da população que não tinha acesso ao trabalho por falta
de escolaridade e preparo profissional.
Conforme a tabela abaixo demonstra, o índice de analfabetismo no Brasil, entre as
faixas de 5 a 15 anos ou mais, apresentou ligeiro crescimento no período abordado,
mostrando a ineficiência do Estado no trato com a educação.
Tabela 2.1 - Descrição da Educação Brasileira Sob o Estado Autoritário
(1976 - 1979)
Idade Analfabetismo no Brasil
(em anos) 1976 1977 1978
1979
(I) % (II) nº % nº % nº %
De 5 a 6 anos 5224 93,7 5.359 93,5 5.550 95,2 5.581 93,7
De 7 a 9 anos 3.830 47 3.801 45,5 4.110 48,4 4.168 47,6
De 10 a 14
anos 2.526 18,4 2.562 18,4 2.730 19,3 2.748 19
De 15 anos ou
mais 15.605 24,3 15.604 23,7 16.220 23,9 16.124 23,1
Obs. ( I ) Os valores absolutos estão em 1.000 pessoas.
( II ) A porcentagem se refere ao total de pessoas nessa faixa etária.
Fonte: PNADs 1976, 1977, 1978 e 1979. (A PNAD inclui todo o território brasileiro, salvo a área rural
da das regiões Norte e Centro-Oeste). Eduardo Suplicy. “O grave nível de analfabetismo”. FSP,
07.06.81. Apud Covre, 1983: 208.
Podemos verificar que para as faixas entre cinco e seis anos a porcentagem de
analfabetos mantém-se inalterada, apresentando índices de 97% de analfabetos. Na
faixa entre sete e nove anos, verificamos um crescimento de 0,6 ponto percentual,
passando de 47% para 47,6% de analfabetos. Mesmo percentual de crescimento
observa-se para as faixas de 10 a 14 anos, variando de 18,4% para 19%, havendo
redução somente entre as faixas de 15 anos ou mais com variação de 1,2%,
passando de 24,3% para 23,1%.
É preciso destacar que as medidas adotadas pelo governo para a elevação do
índice de escolaridade e redução do analfabetismo entre as camadas mais pobres
da educação não estavam centradas somente na necessidade de formação
profissional para atender ao mercado, ou na intenção de promover a inclusão social
através da educação. Muito mais que isso, para esses governos, a educação era
vista como uma estratégia de dominação social que se materializava através da
difusão da Doutrina de Segurança Nacional que encontrava seu lócus mais
promissor nas salas de aulas das populações de mais baixa renda e principalmente
no nordeste do país.
O MOBRAL realiza, junto com o processo de alfabetização, todo um
trabalho ideológico de aceitabilidade do modelo existente. Em regiões mais
conflituosas, tende a neutralizar ou detectar anteriormente os conflitos
sociais, tentando neutralizá-los, controlá-los (COVRE, 1983: 232).
Uma segunda medida foi o incentivo do governo na criação de cursos de pós-
graduação, principalmente para as áreas de educação, medicina e engenharia,
ficando para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), a missão de organizar e fiscalizar a formação desses cursos.
As orientações estão expressas na intenção de consolidar as bases
institucionais do sistema de pós-graduação, no aprimoramento da
qualidade dos cursos em funcionamento, na ampliação de eficiência do
sistema vigente e na promoção de um crescimento planejado do próprio
sistema. (BOMENY, 2002: 97).
Era preciso desenvolver a Nação, e o viés da qualificação da mão-de-obra e a
formação de recursos humanos era a opção mais acertada. Porém, paralelamente
às medidas adotadas pelo governo, uma nova realidade emergia no campo
educacional e à proporção que aumentava a qualificação dos profissionais da
educação e o incentivo à pesquisa, uma nova mentalidade ia se formando e novos
questionamentos acerca da política iam se concretizando culminando em
seminários, congressos e encontros em que se discutiam, além de problemas
específicos às áreas da ciência e da educação, os problemas brasileiros. Assim,
Germano (1994: 150) afirma que:
[...] ao lado da censura e da repressão ao ensino, da vulgarização das
Ciências Humanas e de uma produção acadêmica medíocre, empirista e
despojada da perspectiva histórica, surge uma prática acadêmica vigorosa
e crítica de inegável repercussões políticas.
Podemos citar como alguns dos principais encontros, o seminário denominado
História e Ciências Sociais, realizado na Unicamp em maio de 1975; a reunião anual
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC) em 11977; e em 1978 o I Seminário
Brasileiro de Educação, realizado na cidade de Campinas. Todos esses eventos
tinham em comum um forte questionamento às políticas implantadas no governo
militar e entre outros, as políticas educacionais adotadas no seio da ditadura militar,
como a reforma do ensino superior e a tecnificação do ensino através da lei 5692/71,
além de reivindicação das perdas salariais e de condições de trabalho que foram
sofridas durante o período da ditadura.
2.2 – AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE 1º E 2º GRAUS E O
ENSINO SUPERIOR.
Na Educação, as duas medidas mais importantes diziam respeito ainda à lei
5.540/68, que determinava as diretrizes a serem seguidas pela educação de nível
superior, e a segunda, à 5.692/71 que dizia respeito à educação de primeiro e
segundo graus, ambas aprovadas fora de seu governo, mas que traziam as marcas
da ideologia que orientaria todo o governo militar
15
.
Produzida em um momento de maior conturbação política, a lei nº 5.540/68 foi
publicada em 29 de novembro de 1968, momentos antes da promulgação do Ato
Institucional Nº 5, como forma de antecipar as medidas que vinham sendo discutidas
por intelectuais e estudantes. Tal lei tinha como objetivo solucionar certos problemas
que emergiam no seio das Universidades públicas e que traziam descontentamento
para professores e alunos. Vale destacar que dentre os itens que provocavam maior
desgaste para essas classes estavam o regime de Cátedra, para professores e o
número de excedentes nos exames vestibulares das instituições públicas.
Sobre a lei 5.692/71, podemos afirmar que esta se configura em um contexto
diferente da anterior, uma vez que o Brasil encontrava-se em plena euforia com o
crescimento da economia apresentada sobre égide do “milagre brasileiro”. Porém,
essas medidas, se atendiam a uma realidade emergente, tornava o ensino no Brasil
15
Para maior aprofundamento de leituras sobre a lei, ler SAVIANI, Demerval. Política e Educação no
Brasil. O papel do Congresso Nacional na legislação do país. 5ª ed. Campinas, SP. Autores
Associados, 2002 e ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil: 1930 a 1973.
11ª ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 1989.
tecnicista, abandoando certo caráter humanista adquirido com a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDBE- 4024/61)
16
.
Sobre as três leis que regeram a Educação nesse período, Covre (1983:211) faz a
seguinte reflexão:
A inspiração liberalista que caracterizava a Lei 4.024 cede lugar à
tendência tecnicista das Leis 5.540 e 5.692. Enquanto o liberalismo põe a
ênfase na qualidade, ao invés da quantidade; nos fins (ideais) em
detrimento aos métodos (técnica); na autonomia versus adaptação; nas
aspirações individuais ao invés das necessidades sociais; e na cultura
geral em detrimento da formação profissional, com o tecnicismo ocorre o
inverso. Ora, enquanto os princípios da lei 4.024 acentuavam os primeiros
elementos dos pares de conceito acima enunciados, os princípios das leis
5.540 e 5.692 inegavelmente fazem a balança pender para o segundo.
Assim, o princípio da não duplicação de meios para fins idênticos, com
seus corolários tais como: a integração (vertical e horizontal), a
racionalização-concentração, a intercomplementariedade, o princípio da
flexibilidade, da continuidade-terminalidade, do aproveitamento de estudos,
etc., bem como medidas como a departamentalização, a matrícula por
disciplina, o sistema de créditos, a profissionalização do 2º grau, o
detalhamento curricular e tantas outras, indicam uma preocupação com o
aprimoramento técnico, com a eficiência e produtividade.
No que diz respeito ao Ensino superior, as atenções do governo Geisel estavam
voltadas à reestruturação da matriz educacional, que apresentava um número muito
grande de cursos ofertados, mas que, em grande parte, não possuíam qualquer
regulamentação por parte dos órgãos do governo. Para o ministro da educação e
cultura Ney Braga era preciso disciplinar o processo de expansão do sistema de
ensino superior, através do uso de instrumentos que promovessem a elevação da
qualidade do ensino (Bomeny 2002).
Outra preocupação do governo Geisel estava na expansão dos programas de pós-
graduação, que visavam a uma só vez o desenvolvimento das ciências e a formação
de novos docentes como forma de melhorar o desempenho da própria graduação.
Além disso, um elemento, adicionado às medidas anteriores, foi a necessidade
16
A lei 4024/61 foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação que vigorou até a promulgação da lei
9394/96 aprovada pelo Congresso Nacional. Vale-nos apontar que no decorrer desse período essa lei
sofreu alterações que atendiam às necessidades políticas do governo instalado pela ditadura militar,
como 5540/68, lei da Reforma Universitária, que tratava exclusivamente da Educação Superior, e da
5692/71, lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º graus, que versava somente sobre a
Educação básica. SAVIANI, Demerval. Política e Educação no Brasil. O papel do Congresso Nacional
na legislação do país. 5ª ed. Campinas, SP. Autores Associados, 2002.
encontrada de formar Recursos Humanos e de um quadro técnico especializado da
burocracia.
No que se refere ao ensino superior, as principais medidas adotadas na
área e sumariada num dos documentos são: racionalização e ordenamento
do sistema de ensino superior (contenção drástica da expansão
desordenada; regularização dos cursos sem reconhecimento;
fortalecimento das instituições em funcionamento que tenham demonstrado
idoneidade e capacidade nas áreas públicas e privadas); apoio substancial
(financeiro, qualificação de pessoal docente, fomento do desenvolvimento
científico e tecnológico do país); programa de apoio e incentivo ao corpo
discente (programa de crédito educativo).(BOMENY, 2004: 96)
Desta forma, podemos encontrar no presidente Ernesto Geisel uma destacada
preocupação com os caminhos da Educação Superior, que o apontaria como um
governo que apresentava fortes intenções de estabelecer um controle da expansão
desordenada do Ensino Superior no país.
Porém, é preciso destacar que, da mesma forma que nos governos anteriores, havia
por trás das mudanças implantadas na educação, uma forte ideologia de dominação
de classe que tornava o ensino superior um instrumento de perpetuação das elites
nas camadas mais privilegiadas da população, assim como instrumento de
aspiração a essa ascensão da classe média que via, no ensino superior, uma forma
de pertencimento à elite nacional.
Nessa perspectiva, podemos observar a expansão do espaço universitário através
do processo de privatização do ensino superior como forma de garantir vagas nas
universidades para parcela dos excedentes nos vestibulares das universidades
públicas. Assim, através da concessão de bolsas de estudos oferecidas aos
estudantes carentes em troca de incentivos às instituições privadas de ensino, o
governo ia ganhando força e garantindo sua legitimidade diante da classe média
insatisfeita. Covre (1983:227) referencia essa afirmação dizendo que:
[...] A reforma do ensino superior, que mais promoveu o fenômeno
“democratização do ensino” e “resolveu” a moratória das vagas para a
universidade, cooptou, com isso, em partes, as chamadas classes médias
ou auxiliares, quanto à sua busca de ascensão social, cuja via passou a ser
a universidade. Essa parcela da classe dominada, participante ativa do
consumismo e dos privilégios culturais, é que viria a ser o esteio
legitimador do Estado.
É preciso destacar, no entanto, que ainda que o governo procurasse o
desenvolvimento do ensino superior no país, ficava claro que se formavam dentro do
campo acadêmico dois universos distintos quanto ao nível do ensino aplicado. Um
deles estava postado nas instituições de ensino públicas, de melhor qualidade e
voltado para uma clientela formada por estudantes pertencentes à elite. O outro, nas
escolas particulares, com menor investimento nos campos da pesquisa e,
consequentemente, com uma menor qualidade de ensino, voltado para as classes
menos privilegiadas da sociedade, mas que viam no ensino superior uma forma de
ascensão social. Segundo Germano (1994: 144-145)
Dessa forma, configurou-se no ensino superior uma reprodução da
estrutura desigual da sociedade, com a existência de duas redes: a rede
pública (de melhor qualidade) à qual tem acesso os alunos oriundos dos
setores econômicos mais elevados, e a rede privada e empresarial, que
atende aos alunos pertencentes às classes trabalhadoras.
A distinção existente entre esses níveis acabava provocando uma exclusão social,
uma vez que a universidade pública, que deveria atender às camadas de mais baixa
renda, ficava restrita a estudantes das classes privilegiadas, deixando de fora da
educação superior parcelas consideráveis da população que, mesmo tendo acesso
à educação particular, não podia dela fazer parte por não conseguir pagar as
mensalidades cobradas pelos cursos oferecidos. Sendo assim, a educação superior
no país se caracterizava como uma educação de elite, agindo a favor da
manutenção da classe burguesa no poder.
Por outro lado, durante todo o regime militar, o governo exerceu, nas universidades,
uma forte vigilância ideológica
17
, proibindo, dentro de seu interior, discussões
políticas ou que atingissem a imagem do governo, além de promover prisões
arbitrárias de estudantes e professores sem aviso prévio e a aposentadoria
compulsória de professores que, de certa forma, agiam subversivamente ao regime.
Como os critérios que norteavam os dois decretos de aposentadoria e
demissão não obedeciam a nenhuma lógica aparente e como esse tipo de
punição ao permite nenhuma defesa, ninguém se sente totalmente seguro,
17
Para maior esclarecimento sobre a dominação Ideológica do Estado dentro das Universidades, ler
O livro negro da USP: o controle Ideológico na Universidade. ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – ADUSP. O livro negro da USP: o controle Ideológico na
Universidade. 2ª ed., São Paulo.
nem mesmo os professores sem qualquer atuação política (ADUSP, 1979:
51).
Instalava-se no interior de algumas universidades um verdadeiro regime de
exceção
18
, implantado por reitores indicados pelo governo para coibir as
manifestações políticas e sociais que poderiam surgir dentro das universidades.
Desta forma e sob a autoridade do poder adquirido, muitos reitores faziam uso
dessa autoridade para perseguir seus desafetos políticos num verdadeiro processo
de caça às bruxas. Como afirma Alves (2005: 14)
Infelizmente não se trata de denunciar uma omissão ou uma conivência da
Reitoria ante uma violência externa que se dirige contra a Universidade.
Muito mais grave, do ponto de vista da integridade da instituição, foi o
estabelecimento, pelo Reitor, de um mecanismo interno de “caça às
bruxas”, reunindo, na própria Universidade, um grupo que buscava, na
ligação direta com os órgãos de segurança, realizar um expurgo pautado
sobre critérios pessoais de “pureza revolucionária” e feito sob medida para
permitir aos setores conservadores o monopólio do poder na USP.
Uma estratégia adotada nas universidades para contenção das manifestações
políticas que emergiam cada vez mais em seu interior não surgiu através da
coerção, como havia se tornado praxe durante o regime militar, mas sim através de
um processo de dominação ideológica, com a criação e implantação nas
universidades da disciplina de Estudos dos Problemas Brasileiros. Para Germano
(1994: 144),
[...] ao lado das medidas repressivas, foi instituído em todos os graus
escolares o ensino propagandístico da Ideologia de Segurança Nacional e
dos feitos da “Revolução de 64”, com vistas à obtenção de alguma forma
de consenso e de legitimação. Isso ocorreu com a institucionalização da
“Educação Moral e Cívica” e seu prolongamento para o Ensino Superior
(inclusive a pós-graduação) com a denominação de “Estudo dos Problemas
brasileiros” que segundo estabelece o Decreto-lei 869/69, assinado pela
Junta Militar, torna-se disciplina obrigatória.
Essa disciplina foi incorporada ao currículo do ensino superior no Brasil para
promover as discussões políticas e sociais sob a ótica da Ideologia da Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento e divulgar as ações do governo. Além disso,
18
Ao Regime impunha-se desenvolver estratégias para neutralizar a infiltração e a guerra psicológica
levada a efeito pelo inimigo (o comunismo): propaganda e contrapropaganda, ideologias tentadoras e
slogans sugestivos para uso interno e externo, persuasão, chantagem, ameaça e até mesmo terror.
Alves, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil: 1964 a 1984. Bauru, SP: Edusc, 2005.
p. 49
visava desmobilizar os possíveis focos de manifestações contrárias ao atual regime
através da propaganda positiva e do conhecimento parcial do que era desenvolvido
pelo regime. Covre (1983: 200) afirma que:
O Estado “educador” tentará impregnar todos os seus aparelhos da
“apoliticidade” de que se pretende impregnado. Assim, os universitários
não deverão exercitar política em seus diretórios acadêmicos. Cuida-se
que os estudantes não atuem em grupo, enquanto categoria (que se
expressa a UNE, e sabe-se do papel político que ela exerceu até 64), mas
enquanto “cidadãos” que devem dar vazão à expressão política nos
partidos.
Não se pode apontar no período Geisel, como foi dito acima, grandes mudanças na
educação ou políticas educacionais significativas, visto que seu governo era
continuidade dos governos anteriores e se regia pela mesma cartilha da Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento. Suas duas contribuições no campo da
educação superior ficaram mesmo, uma para a sua organização, visto que esse
segmento da educação vinha crescendo de forma desorganizada nos últimos anos
dos governos anteriores em função de uma necessidade que se fazia presente.
Enquanto até 1975 o Conselho Federal de Educação vinha autorizando,
em média, cerca de 300 cursos por ano, em 1976 foram autorizados menos
de 50 (...) em 1975/1976 o Conselho concedeu reconhecimento a mais de
mil cursos, autorizados em período anterior a 1973, que se encontravam
em condições irregulares de funcionamento. (BOMENY, 2002: 94)
A outra, e um pouco mais relevante, estava na formação de mão-de-obra
especializada para atender à demanda de um mercado que crescia nos últimos anos
anteriores ao seu governo e que continuaria a crescer impulsionado pela idéia de um
“Brasil Potência”. Era preciso preparar o sistema educacional, com especial
destaque para o ensino de segundo grau e o ensino superior, para a formação de
recursos humanos especializados em nível técnico e superior para atender o
sistema produtivo, adequando o planejamento educacional as expectativas e
necessidades do mercado (Germano, 1994).
Os investimentos em cursos de pós-graduação ganharam destaque em seu governo
e em especial, três áreas foram bastante privilegiadas por essa expansão como a
saber: as áreas relacionadas às ciências da educação, as áreas ligadas à medicina
e as ligadas ao desenvolvimento através dos cursos de engenharia. Conforme
destaca Bomeny (2002: 96),
[...] Cursos especiais para qualificação de recursos humanos nas áreas de
saúde (medicina e enfermagem), educação e engenharia foram anunciados
como prioridade e em alguns casos, apresentados como estatísticas de
investimento no setor.
Porém, em nenhum momento seu governo perde de foco a necessidade de se
formar recursos humanos para atender à demanda de um mercado em
desenvolvimento e para isso era preciso abastecê-lo com mão-de-obra qualificada.
No que diz respeito à educação de 1º e 2º graus, a grande preocupação do governo
era com a formação de recursos humanos de nível técnico para atender à demanda
de mão-de-obra gerada por um país em desenvolvimento econômico, o que estava
totalmente de acordo com as propostas na Lei 5.692/71.
Não havia por parte do governo a intenção de promover uma reforma abrangente na
matriz educacional, visto que esta atendia aos anseios de uma educação que
formava jovens para o mercado de trabalho, maior preocupação de um governo que
via na formação de mão-de-obra qualificada a solução para os problemas
institucionais. Desta forma, verificamos que por toda a década de 1970, o tema que
norteou as políticas para a educação, principalmente com relação ao ensino de
segundo grau, foi a profissionalização do ensino, sendo essa a decisão
governamental de maior impacto (Bomeny 2002).
Outro aspecto a se destacar no tocante à ausência de mudanças profundas no
campo educacional pode ser relacionado ao papel de aparelho Ideológico que
desempenhava a escola no processo de dominação que a elite empresarial exercia
sobre a classe trabalhadora. Era preciso manter a ordem social funcionando e para
isso a escola era parte importante nesse processo hegemônico, pois como afirma
Mochcovitch (1998: 37) [...] a hegemonia das classes dominantes, como já se viu,
significa sobretudo direção cultural, direção ideológica em todos os níveis da vida
cultural e social.
Nas salas de aulas, a formação de professores atendia cada vez mais aos
interesses das classes dominantes, uma vez que o ensino superior mais
despolitizado, transformava os futuros professores apenas em técnicos da
educação. A educação tecnicista vai demonstrando seu caráter voltado para
sustentar e ampliar o modelo de produção capitalista, ofertando mão-de-obra para o
mercado de trabalho quando possibilitou que pesquisadores se tornassem técnicos
sociais, e professores em profissionais voltados para a reprodução de técnicas
educacionais (Ianni, 1986).
.
O reflexo desta educação despolitizada adentrava as salas do ensino de primeiro e
segundo graus formando alunos desprovidos de qualquer senso crítico, incapazes
de levantar bandeiras contra o atual sistema.
A escola funcionava assim como lócus da formação de mão-de-obra para o mercado
e instrumento de assujeitamento das camadas sociais menos favorecidas,
atendendo de forma passiva e de certa forma pacífica aos interesses do capital
internacional associado. Nesse sentido, assimilamos o pensamento de Gramsci
(apud Mochcovitch, 1998: 55), quando ele afirma que:
[...] a escola profissionalizante é uma forma imediatista de sujeitar a
socialização das crianças e dos jovens, a formação dos homens, à lógica
da produção e, portanto, à lógica do capital, o que resulta, nas sociedades
capitalistas, enrijecimento das diferenças sociais.
Assim é que, através do discurso de uma educação voltada para a classe
trabalhadora, a fim de resolver os problemas das desigualdades sociais através da
formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, o governo vai produzindo
cada vez mais essa desigualdade, gerando um exército de trabalhadores de reserva,
aumentando ainda mais a exclusão social.
Estava explícita a lógica capitalista, expondo às camadas sociais seus devidos
lugares sociais, nos quais se praticavam uma escola para a formação dos filhos da
burguesia, e uma escola para a formação dos filhos dos trabalhadores. De um lado a
escola privada de qualidade e de outra a escola pública. Este mesmo efeito se
estende também às universidades, porém com uma inversão na lógica das
instituições, na qual ficam as instituições públicas, com melhor ensino, para a
burguesia, enquanto são destinadas para os trabalhadores e seus filhos as
faculdades privadas.
Outras medidas importantes adotadas pelo governo Geisel visavam à transferência
do ensino de primeiro graus para os municípios, apontados como instâncias mais
indicadas para entender as necessidades educacionais locais, além de promover
uma descentralização dos recursos aplicados. Para Germano (1994: 239),
Uma das estratégias mais importantes adotadas na área educacional pelo
governo Geisel diz respeito à chamada municipalização do ensino,
impulsionada a partir de 1975. Tal estratégia é significativa porque combina
uma justificativa participacionista e democratizante com uma prática de
transferir aos municípios os encargos, cada vez maiores, com o ensino de
1º grau, como, aliás, previa a Lei 5.692/71.
Assim foram criados dois grandes programas, como o Projeto de Coordenação e
Assistência técnica ao ensino municipal (Promunicípio) e o Programa de Expansão e
Melhoria da Educação no Meio Rural do Nordeste (Edurural). Esse último
identificado pelo MEC como uma forma de “descentralizar” e “democratizar” o
sistema educacional no país.
19
O incentivo às disciplinas como a Educação Moral e Cívica
20
e Organização Social e
Política do Brasil também tiveram destaques nas políticas implementadas pelo
governo como forma de conter e controlar os anseios da população por mudanças
sociais diante da crise que apresentava ao país após o “Grande Milagre”.
Na pasta da educação do arquivo Geisel encontramos documentos que
fazem menção a essa decisão do regime militar, enfatizando a necessidade
de preparar professores-coordenadores capazes de dar aos programas de
EMC e OSPB a dinâmica flexível e diversificada que os cursos de vários
níveis exigiam (BOMENY, 2002: 101).
Dentro da política de liberalização consentida do governo Geisel, era importante a
manutenção da ordem social e política e essas duas disciplinas no ensino de 1º e 2º
graus, assim como a disciplina de Estudo dos Problemas Brasileiros no ensino
19
Era tamanho o interesse do MEC com o item em questão que durante os anos de 1975 e 1978
realizou quatro encontros nacionais sobre o ensino municipal.
20
O decreto Lei nº 869, de 12-9-1969, institui a obrigatoriedade da educação moral e cívica, disciplina
obrigatória e prática educativa em todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino no Pais.
BOMENY, Helena. Educação e cultura no Arquivo Geisel
. In CASTRO, Celso e D’ ARAUJO, Maria
Celina. Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.101
superior, eram fundamentais nesse sentido. Para tanto, era preciso a formação de
um corpo de professores capaz de ministrar tais disciplinas, levando às salas de
aula o discurso do poder constituído.
Com esse direcionamento, nas escolas de nível de primeiro e de segundo graus era
vista a figura do professor de Educação Moral e Cívica e de Organização Social e
Política do Brasil, que desempenhava o papel de interlocutor das idéias contidas na
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento entre o Governo e a população.
Tais profissionais serviam, desta forma, como agentes reprodutores das ideologias
da classe burguesa junto à sociedade, reproduzindo seus ideais e contribuindo para
a manutenção da ordem social. Desta forma, Estado e sociedade civil caminhavam
pacificamente para um processo de abertura controlada e de redemocratização do
país. Piotte (apud Mochcovitch, 1998: 20) resume desta forma o papel dos
intelectuais no processo hegemônico de uma classe sobre a outra:
Os intelectuais são também os portadores da função de hegemonia que
exerce a classe dominante na sociedade civil. Trabalham nas diferentes
organizações culturais (sistema escolar, organismos de difusão – jornais,
revistas, rádio, cinema – etc.) e nos partidos da classe dominante, de
maneira a assegurar o consentimento passivo, ou mesmo ativo, das
classes dominadas à direção que imprime à sociedade a classe dominante.
O MOBRAL era visto, também, pelo governo, como forma de controle ideológico das
classes menos favorecidas, incutindo no interior dessas classes as ideologias
propostas pela Doutrina de Segurança Nacional e, paralelamente, resolvendo um
problema social que era a redução do alto índice de analfabetismo e um problema
de ordem funcional que era a de formação de recursos humanos para o mercado.
Para Covre (1983: 226), devemos ressaltar que:
[...] alfabetizar o homem do campo ou da cidade, veicula-se junto,
conteúdos ideológicos de aceitabilidade do modelo de desenvolvimento
econômico autoritário da contra-revolução, na proposta de um Estado que
estaria a resolver os problemas para eles, educando-os.
Porém, não podemos deixar de destacar o grande antagonismo que se desenvolveu
no campo político no período do governo Geisel, e suas idas e vindas entre profunda
repressão política e social, seguidas de atos de liberalização. É no campo deste
antagonismo que se dão as disputas ideológicas na educação e, na mesma medida
em que o governo acredita na capacidade de propagação da doutrina de segurança
nacional e desenvolvimento pelos seus principais agentes; os professores.
Desenvolve-se, neste mesmo, campo uma série de debates e encontros desses
profissionais que, impulsionados pelos avanços dos estudos em educação, passam
a questionar as políticas educacionais do governo, levando o debate aos congressos
de educação que eclodem com maior freqüência. De acordo com Germano (1994:
242-243),
[...] em maio de 1975 realiza-se um seminário na Unicamp denominado
“História e Ciências Sociais”, que alcançou repercussão nacional em
virtude de ter sido divulgado nos principais jornais e revistas do país,
[...]
A partir de 1974, as reuniões anuais da SBPC – o mais importante fórum
acadêmico e científico do país – se transformavam, cada vez mais, em
plano de discussão política e oposição ao regime.
[...]
Em 1977, como represália à oposição assumida pela SBPC, o Governo
inviabilizou a reunião anual que seria realizada em fortaleza [...] E
conseqüência, a reunião se realizou em clima extremamente exaltado na
PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo[...].
[...]
Em 1978, foi a vez dos educadores se reunirem coletivamente em
Campinas-SP, quando se realizou – em novembro daquele ano – um
evento de grande significado: o I seminário Brasileiro de educação.
Nas universidades, assim como nas escolas de primeiro e segundo graus, o
discurso que passa a tomar conta é o discurso do antagonismo, das forças que
disputam seu espaço através da ideologia, ainda que de forma velada por parte
daqueles que não eram partidários das políticas do governo.
Ainda que o momento fosse de distensão política, o que já permitia aos professores
uma maior dialogação com os alunos no seu lócus de trabalho, esse mesmo
momento era marcado por medidas governamentais que lembravam os momentos
de maior repressão passados durante o regime, como a morte do jornalista Vladimir
Herzog e do metalúrgico Manoel Fiel Filho nos porões do DOI-CODI, ou a edição do
Pacote de Abril.
É importante também destacar que o ano de 1978 foi marco importante dentro do
processo de mobilização dos professores na luta por melhores salários e condições
de trabalho, desencadeando uma mobilização que teve início em São Paulo e
depois se expandiu por todo o país. Cunha (1981, p. 43) aponta que:
[...] impedidos de se sindicalizarem, mas reagindo contra um arrocho
salarial extremamente forte e a deterioração das condições de ensino, os
professores públicos paulistas paralisaram as atividades em quase todo o
estado, coordenados por um comando geral de greve a partir do qual foi
reorientada a associação dos professores de Ensino Oficial do estado de
São Paulo – APEOESP, o mesmo acontecendo em alguns outros estados.
E é nesse universo de profundo antagonismo que os vários discursos se
materializam na fala desses professores, reproduzindo nas salas de aula suas
ideologias, transparecendo ou não suas formas de aceitação do regime vigente. E é
análise da fala desses professores que nos debruçamos como forma de sustentar a
hipótese dessa nossa pesquisa.
2.3 – A ESCOLA COMO APARELHO DE DOMINAÇÃO IDEOLÓGICA E
FORMAÇÃO DA NOVA IDENTIDADE NACIONAL
A formação da identidade de uma nação depende de vários elementos, dentre os
quais a língua, a bandeira, o hino nacional entre tantos outros símbolos capazes de
representar a identidade de um povo. Nesse entendimento, das diversas formas de
representação destacamos em Hall (2000: 106) que:
A identificação é produzida a partir do reconhecimento de alguma origem
comum, ou de características similares com outras pessoas, podendo
ainda ser também aquela partilhada por um mesmo ideal. Verificamos a
partir dessa concepção que a identidade vai além das características
comuns apresentadas por grupos ou pessoas, nela também se encontram
inseridos valores, crenças, mitologias, enfim o que chamamos de
imaginário.
Nessa direção, analisar a importância e o papel da educação na formação da
identidade nacional já se faz tarefa extremamente complexa, principalmente quando
nos propomos a verificá-la como objeto da política pública durante o período militar
brasileiro.
Este período teve uma grande influência na formação da nova identidade nacional,
pois, através de uma cultura autoritária, proveniente de nosso modelo de
colonização que tomou status, vivia-se um tempo em que a defesa era a principal
desculpa para as ações implementadas pelo Estado ditador.
Neste contexto, a educação, servindo a uma demanda imposta por um governo
autoritário, e a uma proposta política de manutenção no poder, serviu como
instrumento de manutenção e reprodução de um sistema excludente e opressor.
Uma nova identidade nacional se formava, tendo, na educação, um precioso
instrumento de propagação e de sustentação da ideologia do Estado de Segurança
Nacional. À escola, como instituição oficial, cabia o reforço das ideologias de classe,
fazendo com que as pessoas se adaptassem às idéias dominantes da sociedade
(Marcondes, 82).
Grande parte das características existentes na identidade nacional da sociedade
brasileira teve suas origens neste período, outras foram meramente aprofundadas,
deixando uma influência perceptível até os nossos dias.
A educação, desta forma, passa a ter um papel crucial, servindo ao poder, sendo
capaz de reproduzir um discurso e de fomentar valores, crenças e mentalidades.
Uma ideologia produzida com um fim planejado, o de sustentação de um regime de
governo, de um novo imaginário, construído pelo e para o Estado, que passa a ser o
agente maior, capaz de arbitrar sobre tudo e sobre todos. Conforme as afirmações
de Covre (1983: 278).
A ideologia surge como um corpo de representações que expressam o
aparecer social, como se fosse o ser social, que encontra sua unidade no
Estado como ponto de vista particular, mas que aparece como universal,
com função de ocultar os conflitos, os antagonistas.
A nova ordem implantada pela Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento
tinha como objetivo uma mudança estrutural da sociedade brasileira que passava
pela imposição de uma ideologia de classe na busca da valorização do capital. De
acordo com Althusser (1985: 77), [...] a escola, dentro deste panorama histórico
desponta como um importante Aparelho Ideológico do Estado que assumiu a
posição dominante nas formações capitalistas maduras.
O regime militar no Brasil, que deu forma a um Estado Autoritário, visava à
modernização através do desenvolvimento industrial no Brasil e de uma estreita
ligação com as novas demandas do sistema de produção capitalista.
O período em que os militares estiveram no poder exerceu grande influência na
formação da Identidade Nacional. Nesse período, a educação agiu como
instrumento de manutenção e reprodução das ideologias de um sistema excludente
e opressor. Na visão de Althusser (1985: 17):
[...] Nesse sentido, a Universidade e a Escola, particularmente, deixam de
ser uma conquista da humanidade para serem preservadas das querelas
pequeno-burguesas para se tornar não mais instrumento de saber, mas
máquinas de sujeição ideológica.
A política educacional, nesse percurso de 20 anos, transforma-se e conduz as
estratégias de dominação ou até mesmo de absorção de interpelações populares na
formulação das políticas sociais.
Uma nova identidade nacional se formava, tendo na educação e nos professores um
precioso instrumento de propagação e de sustentação da ideologia do Estado de
Segurança Nacional. Para Fiorin (1988: 95):
[...] o discurso “revolucionário” afirma que a subversão foi erradicada das
escolas, que se tornaram lugar de estudo e de pesquisa, que se
abandonou o caráter propedêutico das escolas brasileiras, que, assim, se
voltaram para a preparação realista para a vida.
A cultura nacional se fazia impregnada pelas ideologias geradas pela Doutrina de
Segurança, capazes de propiciar ou modificar as mentalidades do povo brasileiro,
pelas quais todas as ações justificavam a violência e as injustiças cometidas para
que no imaginário social predominasse um Estado forte que visava a defender sua
nação, seu povo do “inimigo externo e interno”. A defesa nacional era a grande
justificativa para as ações colocadas em prática.
Assim, a educação ocupava um papel crucial, servindo aos interesses da coalizão
militar-burguesa, capaz de reproduzir um discurso e de fomentar valores e crenças,
inculcando na cabeça de seus cidadãos as verdades que deveriam ser aceitas pala
sociedade. Althusser (1985: 32) afirma que:
[...] O papel dominante cabe à Escola, se bem que a sua música seja
silenciosa. Ela recebe as crianças de todas as classes em sua idade mais
vulnerável, inculcando-lhe saberes práticos envolvidos na ideologia
dominante (linguagem, calculo, ciência, etc.) e mesmo a ideologia
dominante em estado puro (moral, civismo, filosofia).
Uma ideologia produzida com um fim planejado de sustentação de um regime de
governo através da criação de um novo imaginário popular, construído pelo e para o
Estado, que passa a ser o agente maior, capaz de arbitrar sobre tudo e sobre todos.
É na educação que o Estado autoritário encontra as condições de reproduzir suas
concepções e garantir seus interesses. A educação surge, nesse sentido,
assumindo uma postura de condutor e orientador social, capaz de influenciar num
novo sentimento, um novo “verdeamarelismo”
21
.
O governo lança mão, desta forma, de uma estratégia de ocupação dos órgãos
ligados à educação, assumindo posições estratégicas no comando das políticas
educacionais que nortearão todo o período da ditadura militar. Sobre isso, Cunha
(1981, p. 34) nos mostra que:
[...] todo o corpo de tecnocratas civis e militares foi mobilizado para dirigir o
aparelho escolar. Enquanto os militares se destacaram em atividades
repressoras e na reedição da disciplina educação moral e cívica, os civis,
principalmente engenheiros e economistas, dedicaram-se à esterilização do
pensamento educacional pela inoculação da teoria do capital humano e da
teoria dos sistemas.
Este pensamento nos possibilita um embasamento maior na discussão dos
instrumentos utilizados pelo Estado no período militar e do uso do sistema
educacional na difusão de um regime autoritário e ditador.
21
Marilena Chauí utiliza tal denominação para se referir ao princípio da nacionalidade produzido pela
classe dominante no Brasil no final dos anos 50 e início dos anos 60 durando até boa parte dos anos
70. CHAUÍ, Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2000.
Verificamos dois momentos no sistema educacional brasileiro no período em
questão, sendo que no primeiro momento entra em cena a educação no contexto do
projeto modernizador que os militares faziam questão de ratificar como forma de
obtenção de apoio de determinados setores. Tal projeto teve curso por meio do
modelo da internacionalização do mercado interno, fazendo crescer a economia
como antes nunca visto. Assim, se fez necessário desenvolver novas diretrizes para
orientar o sistema educacional, a fim de permitir a sustentação do modelo político-
econômico implantado pelo Estado de Segurança Nacional (Ferreira e Aguiar, 2000)
Assim o ensino tecnicista ganha espaço na preparação da força de trabalho a qual
possibilitaria a manutenção e expansão do sistema de produção capitalista, cabendo
agora a escola preparar esse profissional.
Segundo Germano (1994: 267), [...] inicialmente, a partir do regime de 1964, a
educação nacional caracteriza-se por um tecnicismo que apesar de demonstrar total
articulação com os interesses do capital não tinha uma intenção de suplantar uma
politização social.
Posteriormente, mais precisamente após 1975, a educação começa a ser trabalhada
como questão política, capaz de influenciar e conduzir a sociedade a uma nova
ideologia nacional. Descobriu-se, no sistema educacional, o mais eficiente meio de
reproduzir a ideologia de um regime político. Na prática, o que se constatou foi que a
política educacional pós-64 caracterizou-se por se constituir num forte instrumento
de exclusão social dos despossuídos da escola. O Estado pregando a eqüidade,
utilizando a educação como trunfo, uma justificativa simpática aos olhos da
sociedade.
A importância da mobilização social tornou-se fator fundamental para não atenuar o
declínio em que o regime vivia após várias crises econômicas, políticas e sociais.
Ainda na menção ao primeiro momento da educação no Estado autoritário,
enfatizamos a consolidação e auge do regime e no segundo momento a
transformação da política social na condução da educação para a orientação social.
Era necessária a criação de símbolos na produção de um sentimento de lealdade
em relação ao Estado e, forçosamente, em relação à Nação, era primaz. Para Hall
(2000: 107), [...] a identificação é um processo de articulação, e nessa visão a
formação de um pensamento e de um sentimento de lealdade perante o Estado
torna-se instrumento imprescindível na tentativa dessa homogeneização social.
A criação das disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC), Organização social e
Política do Brasil (OSPB) e Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB), as primeiras
compreendendo os anos de ensino primário e secundário e a terceira o Ensino
superior foram disciplinas obrigatórias impostas pelo governo como forma de
manipular e garantir a formulação da identidade nacional que vinha sendo proposta
pela Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento para a manutenção do
regime de forma consentida pela nação. Essas disciplinas eram responsáveis pela
formação política dos cidadãos, atuando cada uma dentro de seu nível, promovendo
um sentimento de brasilidade e na formação de uma nova identidade (Covre 1983).
Essas medidas foram tomadas com o intuito de evitar ou minimizar os conflitos
sociais gerados pela ausência do Estado em áreas sociais, principalmente nos
conflitos gerados pelo total desrespeito aos direitos civis. Hobsbawm (1990: 160)
destaca que:
Mesmo o Estado sem os enfrentamentos e as ameaças dos movimentos
sociais que colocam em cheque seu poder, formulava formas de criar um
sentimento de lealdade junto ao Estado e nada melhor nesse sentido que
as representações cívicas no ensino de tais valores e práticas
encaminhados por disciplinas como Educação Moral e Cívica.
Desta forma pode-se dizer que a educação foi útil como forma de massificar a
sociedade e homogeneizar comportamentos. Um instrumento ideológico que a
modernidade utiliza no sentido de homogeneização da sociedade, da Nação.
Verifica-se a educação a serviço dos interesses do Estado, ajudando na construção
de uma nação conformada e homogênea, ajustada pelos padrões da “modernidade”.
Nesse sentido, Marcondes (1985: 82) afirma que, [...] a reprodução ideológica é feita
normalmente, não porque o Estado a imponha, mas porque os professores,
diretores, administradores em geral possuem, eles mesmos, essa ideologia e a
reproduzem claramente em suas atividades de educadores.
Nas universidades públicas e privadas de todo o Brasil assistia-se a uma
intervenção direta do Estado através de ações coercitivas contra professores e
estudantes que se manifestavam contrários à política do governo e uma ação
indireta através da intervenção no campo pedagógico com a disciplina de Estudos
dos Problemas Brasileiros. Era preciso fazer chegar aos estudantes o discurso do
governo e isso se concretizava através da voz de professores que atuavam frente a
essa disciplina, ou a outros tantos que simplesmente acreditavam nas ideologias da
Doutrina de Segurança nacional e desenvolvimento.
Porém, nessas instituições de ensino, o discurso do poder não ecoava com a
facilidade desejada, havendo, desta forma, grande inconformismo por parte de
muitos professores e alunos que não aceitavam a situação pela qual passava o país
e formavam focos de resistências, ainda que velados.
III – A REPRODUCÃO IDEOLÓGICA DO DISCURSO POLÍTICO NA
EDUCACÃO
3.1 – A REPERCUSSÃO SOCIAL DO DISCURSO POLÍTICO NO GOVERNO
GEISEL
Com a chegada do presidente Geisel ao poder, em 1974, chega também a
determinação de se promover um processo de abertura, mas com a característica de
ser lenta, gradual e consentida. O discurso do crescimento contrastava com graves
problemas sociais emergentes, impondo ao governo uma nova estratégia de
cooptação das massas descontentes, como forma de garantir a sua legitimidade
para governar e a manutenção da hegemonia. Iniciou-se aí um governo encarregado
de promover a abertura política, porém sem perder a agudez do autoritarismo que
acompanhou os presidentes militares nos últimos anos. De acordo com Barros
(1976: 64):
[...] O presidente Geisel iniciava um processo de distensão política, com
vistas à institucionalização do Movimento Revolucionário até o fim de seu
governo. Isso implicava, naturalmente, na eliminação gradual dos controles
oficiais sobre a informação, tornando ainda mais complexa a atividade dos
dirigentes da política econômica, em contraste com a posição anterior,
quando o governo pôde operar com tranqüilidade e larga margem de
segurança tendo em vista a existência dos referidos e rígidos controles.
Passa-se, então, a uma nova teoria que visava ao afrouxamento das tensões
sociopolíticas, com medidas que visavam à suspensão parcial da censura prévia,
melhoria no tratamento dos direitos humanos, reformas eleitorais e, por fim, a
redução de medidas coercitivas contra a população, como a revogação do AI-5. Tal
teoria recebeu do governo o nome de Distensão.
No campo social, as políticas do governo agiam no sentido de garantir a legitimidade
necessária à manutenção do poder. Assim, ganhavam destaque as políticas de
habitação para as classes populares, através da ação do Banco Nacional de
Habitação (BNH); e as políticas para a educação, que visavam à formação de mão-
de-obra qualificada para atender à demanda gerada pelo mercado de trabalho.
A grave crise econômica mundial que marcava o início dos anos 1970 fez com que o
governo revisse suas estratégias. O período de distensão encaminhava a Nação
brasileira para um processo político de redemocratização, ainda que
antagonicamente contasse com momentos de profunda retomada da violência
explícita e cessação dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, como nos
casos da reedição do AI-5
22
, no que ficou conhecido como “pacote de abril” e da
maior caçada de comunistas impostas pelo governo ao longo do regime.
Paralelamente a esse quadro político apresentado, temos o aspecto econômico que
norteavam o país entre o final do governo de presidente Emilio Garrastazu Médici e
a ascensão ao poder do presidente Geisel. O país saía de um momento histórico de
grande crescimento da economia, entre os anos de 1969 e 1973, e mergulhava em
uma crise financeira ocasionado pela crise do petróleo de 1972. Porém, ainda que
diante de uma grande crise internacional, a ordem do discurso governamental era de
manter o crescimento e o desenvolvimento, o que segundo Ernesto Geisel se daria,
ainda, com o aumento dos índices inflacionários e mais uma parcela de sacrifício da
população (Brum, 1984).
Em pronunciamento, na primeira reunião ministerial após sua posse, Geisel definiu
as linhas que iriam nortear seu governo:
[...] Aos organismos intermediários que, nos mais variados setores de
atividades, compõem todo o rico complexo da sociedade brasileira, não
lhes reconheceremos e garantiremos o pleno exercício dentro das
limitações estatuídas em lei, mas poderemos até aceitar-lhes a colaboração
desinteressada, leal e nunca impositiva, ou mesmo incentivar e auxiliá-lo em
seus nobres e elevados propósitos, desde que julgados de benemerência
ou utilidade real para o país. O que não lhes poderemos nem devemos
outorgar, será a intromissão, sempre indevida, em áreas de
22
No dia 30 de marco de 1977 o projeto de reforma judiciária foi a plenário em sessão conjunta entre
Senado e Câmara dos Deputados, como era exigido para votação de uma emenda constitucional. O
resultado foi de 241 votos a favor do projeto original e 156 contra; como não houve maioria de dois
terços, o pacote foi rejeitado. Dois dias depois, o presidente Ernesto Geisel fechou o congresso
nacional pela terceira vez desde o golpe de Estado de 1964, valendo-se dos poderes extraordinários
concedidos ao Executivo pelo AI-5 para governar por decreto nesse ínterim. ALVES, Maria Helena
Moreira. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru, SP: Edusc, 2005, p. 233
responsabilidade privativa do governo, a crítica quando desabusada ou
mentirosa, as pressões insistentes e descabidas que partam de quem não
tem o mínimo de compromisso inerente ao múnus público (BRUM: 1984,
141).
Para o governo, a manutenção do crescimento da economia representava muito
mais que uma continuidade das políticas de seu antecessor, significava a presença
da ala liberal dos militares na condução das políticas nacionais, em oposição à
chamada linha dura. Gremaud (2002: 412) nos referencia que [...] O novo presidente
eleito Ernesto Geisel representava uma facção diferente no seio militar brasileiro (a
facção castelista) daquela de seu antecessor Médici (representante da chamada
linha dura).
No entanto, ainda que o discurso do governo apontasse para o da continuidade do
“milagre”, mantendo os altos “índices de crescimento”, e embarcando em um novo
momento denominado pelo Presidente Geisel de “Brasil potência”, o que se viu foi o
país mergulhando em uma profunda crise econômica, com a crescente da inflação e
a imposição ao povo de mais uma parcela de sacrifício. Na visão de Brum (1984:
141) [...] A implantação do projeto Brasil-Potência deveria abrigar a todos os
brasileiros, tendo o condão de transformar os milhões de analfabetos, miseráveis,
subnutridos, maltrapilhos e marginalizados em cidadãos sadios, limpos, conscientes,
racionais e socializados.
Dentre as medidas econômicas adotadas pelo presidente Geisel para transformar o
Brasil na potência mundial emergente, apontamos a edição do II PND (1975 – 1979)
e a manutenção do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Era meta do
governo através do II PND manter o crescimento da economia acima dos 10% ao
ano, e a manutenção de um elevado índice de crescimento da indústria que deveria
girar em torno dos 12% ao ano. Há que se destacar que tais metas não foram
alcançadas, ainda que o país mantivesse os índices de crescimento econômico
elevados.
Além disso, para alcançar o feito desejado, o governo precisou operar um
deslocamento da matriz industrial, mudando o foco de produção das indústrias de
base, para as indústrias de produção de bens de consumo e insumos, investindo
ainda fortemente na geração de energia através da construção de grandes
hidrelétricas. Apostou-se assim em investimentos na capacidade produtiva da
indústria nacional, em relação às multinacionais, que se haviam instalado no país,
como desenvolvimento da economia. No entanto, a crise que se desenhava no
cenário internacional não permitiu aos empresários nacionais o nível de investimento
necessário a esse desenvolvimento, o que resultou em um dos fatores de fracasso
do plano de metas do governo (Brum, 1984).
Na década de 1970 o Espírito Santo assistia ao mesmo cenário econômico, político
e social que o restante do país. Um início de década marcada por uma euforia
gerada pelo “milagre econômico”, seguida posteriormente de um longo processo de
queda no ritmo do crescimento econômico, causado pela grande crise internacional
gerada pelo aumento do preço do petróleo e pelos altos níveis inflacionários.
Mas, é na década de 1960 que as grandes transformações socioeconômicas
começam a impactar no perfil do estado, construindo uma nova estrutura
econômica, proporcionando um processo de modernização urbana. Este quadro foi
estimulado por fatores como o processo de erradicação do café; pelo crescimento
migratório nas principais cidades a exemplo da capital do Espírito Santo e pelo
crescimento industrial, fenômeno que se intensifica a partir dos Grandes Projetos e
que atingem sua quase plenitude nos fins dos anos 1970 e início dos anos 1980
(DUARTE, 2008).
A necessidade da política federal em descentralizar os pólos dinamizados
economicamente para regiões periféricas fez com que estados que não
compartilhavam do processo de crescimento pelos quais passavam o estado de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de contar com o aspecto favorável de
sua localização geográfica estratégica, a exemplo do Espírito Santo, se inserissem
no mesmo processo pelos quais passavam, não apenas os demais estados da
região sudeste, mas vários outros que compunham o Brasil. Conforme Campos
Júnior (2005: 35):
[...] À indústria fomentada com a poupança gerada localmente juntou-se o
projeto de industrialização de grande porte, fundado no capital estatal
federal e estrangeiro, sob os auspícios do II PND. As grandes empresas
em implantação na década de 1970, junto com a CVRD no Espírito Santo
desde a década de 1940 ajudaram a criar e expandir uma significativa
parcela da classe média estabelecida em Vitória [...].
O novo quadro que se configurava no Espírito Santo provinha de fatores como uma
reestruturação da base econômica, pelas novas articulações políticas e por um novo
cenário social que se estabelecia. Esses elementos ajudaram a colocar o estado
numa nova posição, dentro de uma política de incentivos não provenientes apenas
da política interna, mas, principalmente, de uma política nacional, além dos
investimentos estrangeiros que cresciam no mesmo ritmo que a implantação das
grandes indústrias.
Em relação às transformações a que o estado se submetia, principalmente com
maior evidência a partir da década de 1960, Rocha e Morandi (1991) verificam que o
aprofundamento da crise da agricultura provocada pelo processo de erradicação do
café, estabelecido na segunda metade da década de 1960, e das graves crises
sociais geradas, foram criadas condições favoráveis ao processo de expansão
industrial. Outro fator que não pode deixar de ser destacado foi a forte contribuição
de grandes empresas já instaladas no estado a exemplo da Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD), além das fundamentais obras de infra-estrutura que permitiram a
quebra do isolamento estadual, com a construção de eixos rodoviários, em sua
maior parte, na década de 1960.
Os Grandes Projetos - programa de estímulo à implantação de novas indústrias,
além do crescimento das empresas já existentes, foi estimulado em praticamente
toda a década de 1970 com incentivos, inclusive fiscais, chegando ao ápice em
1979. Assim o I PND e o II PND proporcionaram fundamentalmente a integração do
Espírito Santo e a quebra do isolamento no contexto nacional existente que
caracterizou o estado até a primeira metade do século XX.
As mudanças da base produtiva, a modernização tecnológica, o melhoramento
urbano a partir dos investimentos em infra-estrutura e a nova dinâmica populacional
foram fundamentais na contribuição da integração econômica do estado no contexto
da política desenvolvimentista nacional. Nesse aspecto Siqueira (2001: 133) destaca
que:
[...] As transformações econômicas caracterizadas por um acelerado
crescimento do setor industrial e um declínio relativo do setor agrícola
concorreram naturalmente, a partir de 1960, para a expansão urbana
desequilibrada, que resultou principalmente do forte crescimento
demográfico, da concentração na distribuição da renda, do aumento das
atividades estatais e da forma poupadora de mão-de-obra que apresentou
não só a tecnologia agrícola como também a indústria urbana.
O Espírito Santo passa a se inserir, a partir da década de 1960, numa dinâmica que
vai substituindo a base produtiva agrícola pela urbano-industrial, porém é somente
na segunda metade da década de 1970 que as tradicionais atividades industriais vão
cedendo espaço à implementação de um processo de diversificação na estrutura
industrial, deixando para trás o crescimento baseado apenas em setores tradicionais
como o têxtil, o madeireiro, o alimentar e o de minerais não metálicos, paralelamente
ao surgimento de outros setores que, a partir de 1975, passam a receber
investimentos privados e estatal.
Na agricultura novas características também vão sendo inseridas num novo contexto
de modernização e produção no estado e, a partir da erradicação do café, novas
atividades agrícolas ganham importância passando a expandir e a introduzir um
quadro de inovação tecnológica e novas relações de trabalho no campo.
Atividades como a silvicultura e a pecuária se enquadram neste contexto de
transformação como também de contribuição para a redução do nível de emprego
gerado no campo, estimulando a expansão do processo de migração em direção às
principais cidades do estado, dinamizadas pelo crescimento industrial e pelas
expectativas de inserção no mercado de trabalho e melhoramento da qualidade de
vida.
Em 1978 a população do Espírito Santo, conforme o IJSN (1979) era de 1.713.406
habitantes, sendo que, em termos de população urbana, passava por um grande
processo de crescimento levado pelas novas estruturas econômicas estabelecidas
não apenas nas cidades, mas também no campo, a exemplo das novas relações de
trabalho, da modernização urbana e da inovação tecnológica. O crescimento
populacional urbano foi tão expressivo neste período que representou, na década de
1970, um percentual de 45,1% (IBGE, 2000) de toda a população do estado do
Espírito Santo, representando um aumento de quase 17% em relação à década de
1960.
Grande parte deste crescimento populacional verificado nas principais cidades do
Espírito Santo, a exemplo de Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra foi proveniente de
incentivos econômicos que propiciaram a implantação e a expansão de pólos
industriais, a fim de inserir o estado no quadro político nacional, na obtenção de
recursos e vantagens provenientes do I e do II PND. Destacamos a partir de Rocha
e Morandi (1991: 120) que:
O grande capital privado (nacional e estrangeiro) e estatal, no auge cíclico,
chamado “milagre econômico”, aproveitou-se das condições favoráveis de
localização industrial no Espírito Santo (existência de infra-estrutura de
transportes; comunicações e energia elétrica; sistema de incentivos fiscais
e de financiamento; estrutura econômica razoavelmente desenvolvida etc.)
e decidiu-se por implantar vários projetos industriais no estado, o que veio
a ocorrer nos anos subseqüentes a 1975. Todo esse processo foi, sem
dúvida, ajudado pela agressiva política do Governo do estado referente à
divulgação de oportunidades de investimento e de atração, para o Espírito
Santo, dos investimentos das empresas estatais e dos capitais privados
nacionais e estrangeiros.
O objetivo da política pública de dinamizar as cidades brasileiras economicamente, a
partir de uma expansão industrial, permitiu, de forma conciliada com as novas
estruturas geradas no estado, desde a implantação da CVRD, ainda na década de
1940, a infra-estrutura em transportes, energia elétrica, aumento na oferta de mão-
de-obra proveniente do interior do estado, além das originárias de cidades
pertencentes a estados vizinhos como a Bahia e Minas Gerais, a política interna de
incentivos fiscais que contribuiu grandiosamente para o Espírito Santo usufruir o
momento político e econômico pelo qual o país atravessava a partir de 1968, o
chamado “milagre brasileiro”.
Assim, Vitória, principal cidade política e econômica do Espírito Santo neste período
em questão, deixa de representar, segundo Duarte (2008:129):
[...] historicamente, somente um papel de cidade comercial e prestadora de
serviços passando a diversificar suas funções, agora também centro
decisório e político na década de 1970, além de firmar sua vocação de
estado exportador graças às empresas instaladas ao mercado externo
atendido pelas mesmas.
A partir da década de 1970, o estado capixaba passa a se enquadrar numa nova
posição dentro do cenário político nacional, atraindo, principalmente a partir de 1975,
recursos provenientes do II PND.
23
Mas é no governo de Élcio Álvares (1975-1979) que o Espírito Santo, a partir do I
Plano de Desenvolvimento Estadual, que conforme Bittencourt (2006) tinha a
pretensão de estimular os Grandes Projetos, insere-se numa nova fase, a de
diversificação econômica, atração de investimentos tanto no âmbito nacional como
no internacional e a consolidação de um novo perfil social urbano. Dessa forma
destacamos que mesmo com todas as mudanças políticas, econômicas e sociais
que se tornam concretas no período de 1960, aprofundando e constituindo novas
características ao perfil do estado no contexto nacional, é somente:
[...] a partir de 1975 que os efeitos dos grandes projetos manifestaram-se
no crescimento do setor industrial e no seu predomínio econômico
relativamente ao setor agrícola. Até então os ramos tradicionais (produtos
alimentares, madeira, metalurgia e minerais não-metálicos) dominados pelo
capital local, com exceção da fábrica de cimento, preponderavam na
determinação do valor da produção industrial. E os incentivos fiscais de
âmbito estadual, viabilizando o capital local em sua participação nos ramos
secundários da indústria, deram fôlego às suas iniciativas, possibilitando a
formação dos chamados grupos empresariais locais e seu processo de
diversificação (CAMPOS JR, 2002: 122)
Nesse sentido, evidencia-se uma intensificação dos problemas sociais provenientes
do crescimento populacional urbano, do déficit habitacional nas principais cidades,
da precariedade dos transportes coletivos e da carência de serviços básicos,
capazes de garantir uma qualidade mínima de inserção no tecido espacial urbano da
massa popular, composta em sua maior parte por trabalhadores.
O cenário de contradição existente no estabelecimento da política de modernização
urbana e o agravamento dos problemas sociais não foram apenas uma situação
criada no Espírito Santo, a exemplo das principais regiões, dos principais estados e
das principais cidades do país. Esta situação se fez presente e comum, assim como
23
Foi principalmente no governo de Arthur Carlos Gerhardt Santos (1971-1975) que se adotou uma
política de atração de investimentos nacionais e estrangeiros para o estado. Essa situação foi
possível através de encontros nacionais e no exterior do governador do estado com empresários a
fim de divulgar as vantagens econômicas existentes em investir no Espírito Santo, principalmente na
área de infra-estrutura e de incentivos fiscais e financeiros para os mesmos. (ROCHA e MORANDI,
1992).
as principais realizações públicas verificadas durante os anos de governo militar,
podendo-se destacar, conforme Ianni (1986: 229) que,
(...) reduzir a inflação; incentivar a exportação de produtos agrícolas,
minerais e manufaturados; racionalizar o sistema tributário e fiscal,
estimular, sob controle governamental, o mercado de capitais; criar
condições e estímulos novos à entrada de capital e tecnologia estrangeiros;
conter os níveis salariais em todos os setores da produção; estimular a
modernização das estruturas urbanas; executar o plano habitacional; criar
a indústria petroquímica; estabelecer novos objetivos e criar novos meios
da política de ocupação e dinamização da economia da Amazônia; ampliar
os limites do “mar territorial”; defender e estimular a indústria do café
solúvel; formular uma política brasileira de energia nuclear; modernizar as
estruturas universitárias; retomar os estudos sobre a reforma agrária;
propor o plano de “integração nacional” etc.
Assim, a política articulada em âmbito nacional se fez sentir também no Espírito
Santo, fazendo do momento de dinâmica econômica e profundas transformações
sociais instrumento de ação junto aos diversos setores, inclusive à área educacional,
cujo momento de reformas serviu a determinados fins políticos. Neste aspecto, as
universidades tornam-se um espaço de reprodução ideológica, a fim de manipular,
sustentar e legitimar as políticas do governo.
3.2 – A REPRODUÇÃO DO DISCURSO POLÍTICO NAS UNIVERSIDADES
A universidade foi palco de grandes discussões políticas e ideológicas no contexto
que envolveu o processo da ditadura militar no Brasil, estando presente nas
principais transformações sociais, políticas e econômicas nos governos que
antecederam ao Golpe de Estado de 1964. Tal engajamento político, no entanto,
não teve o mesmo destaque nos anos posteriores ao Golpe, tendo os estudantes e
professores que desempenharem um papel muito mais de expectadores do que de
protagonistas do processo de transformação política ao qual foi submetida a Nação.
Dentre as estratégias do governo para a manutenção da hegemonia e legitimação
de suas ações estava a atuação no campo psicossocial. Neste sentido, ganham
especiais destaques a mídia, a igreja e a escola. No campo educacional, o
aparelhamento das instituições de ensino surge como estratégia de dominação
ideológica através de políticas educacionais que distanciavam a população da
realidade nacional, promovendo sua aproximação de uma realidade aparente,
imposta através de formações discursivas
24
criada com este intuito. Fiorin (1988: 10)
afirma que:
A operação da sintaxe discursiva visa a criar efeitos de realidade e de
verdade, com o objetivo de convencer o enunciatário, de fazê-lo crer. A
semântica discursiva é constituída de temas e figuras, que são patamares
sucessivos de concretização do sentido e que geram, respectivamente, os
discursos não-figurativos e os discursos figurativos.
Nas universidades, onde seu campo de atuação se dava com maior enfrentamento,
a década de 1970 ganha conotações diversas daquela dos primeiros anos do
regime. As políticas nacionais para o crescimento da economia refletiam nas
universidades que assistia à expansão das unidades de ensino superior privado e o
incentivo aos cursos de pós-graduação, com finalidade de geração de recursos
humanos para atender à demanda por mão-de-obra, impulsionada pelo crescimento
econômico.
No campo do enfrentamento político, o que se assiste é a um maior conformismo de
alunos e professores que diante do imobilismo gerado pelas ações coercitivas do
aparelho repressor do Estado são obrigados a se calar, assumido no silêncio uma
forma legítima de protesto. Além disso, o Estado operava também no campo das
ações psicossociais com a disciplina de EPB, que trazia o Brasil dos militares para a
sala de aula, fazendo propaganda de um país em grande crescimento, promissor e
acolhedor aqueles que decidissem aceitá-lo, conforme as regras determinadas pela
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento. Fiorin (1988: 47) lembra ainda
que
[...] Os governantes “revolucionários” sempre dedicaram bastante atenção
ao que se chama dimensão psicossocial do poder, principalmente por
intermédio da propaganda, porque a ideologia da segurança nacional crê
24
A formação discursiva é um conjunto de temas e figuras que materializam uma dada formação
ideológica, ela constitui a matéria-prima de que um homem de uma determinada formação social
dispõe para elaborar seu discurso, enquanto a formação ideológica se define como uma visão de
mundo, ou seja, o ponto de vista de uma classe presente numa determinada formação social. Fiorin,
José Luiz. O regime de 64: discurso e ideologia. São Paulo, Atual 1998.
que o destino da “guerra contra o comunismo” se resolve no plano do poder
psicossocial.
Nesse sentido, através do silêncio dos professores ou de uma ação direta das
disciplinas de EPB, os militares conseguiam operar nas salas de aula das
universidades as ideologias da Segurança Nacional, cooptando seus alunos e
garantindo, assim, a legitimidade necessária para suas ações.
Assim, coube-nos determinar o papel dos professores nesse processo de cooptação
e de dominação ideológica dentro das universidades, através do resgate de
memórias de alguns professores, para melhor entendermos os fatos como eles
realmente se realizaram, interpretando a fala destes atores através da metodologia
da história oral, pois segundo Thompson (1992: 22),
[...] a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o
conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o
enfoque da própria história e revelar novos campos de investigações [...]
pode devolver as pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar
fundamental, mediante suas próprias palavras.
A escolha do método de história oral para melhor entendermos os acontecimentos
do período se faz importante por se tratar de um método investigativo que mais se
aproxima da história política e por permitir a construção de uma análise mais fiel dos
fatos ocorridos, uma vez que estamos tratando diretamente com fontes vivas, com a
memória de atores que estiveram presentes como coadjuvantes, ou que
representaram papéis de protagonistas no processo histórico vivenciado pela política
brasileira na década de 1970. Dentro desta análise, conforme nos referencia Albert
(2004: 24),
A metodologia da história oral é especialmente indicada para o estudo da
história política, entendida não como história dos grandes homens e
grandes feitos, e sim como estudo das diferentes formas de articulação de
atores e grupos, trazendo à luz a importância das ações dos indivíduos e de
suas estratégias.
Compreender o imaginário desses professores se faz imprescindível neste momento
para sabermos qual o seu papel nesse processo de assujeitamento das diferentes
classes sociais e se realmente houve um processo de reprodução das Ideologias da
Segurança Nacional dentro de Instituições de Ensino Superior.
E é através da análise da fala desses professores que será possível, no contexto de
nossa abordagem, o reconhecimento das reais representações criadas pelo discurso
do governo no imaginário dos profissionais da educação do estado que trabalhavam
com o Ensino Superior.
Entendermos a fala dos professores do Ensino Superior nos garante a extensão de
nossas aspirações quanto ao problema de nossa pesquisa, pois as representações
geradas nesses professores recaem diretamente sobre os professores dos outros
níveis, nos permitindo uma compreensão panorâmica do papel do professor no
processo de assujeitamento das classes.
O resgate das memórias desses professores através da metodologia da história oral
nos garante compreender os sentimentos presentes no exato momento em que os
fatos aconteciam e captar, na essência, as vivências geradas pelas transformações
sociais e políticas do período. Trata-se de uma inserção direta na história, por lidar
diretamente com a história viva, carregada de suas subjetividades. Para Albert
(2004: 42) [...] Sua grande riqueza está em ser um terreno propício para o estudo da
subjetividade e das representações do passado tomadas como dados objetivos,
capazes de incidir (de agir, portanto) sobre a realidade e sobre nossos
entendimentos do passado.
Thompson (1995: 197) faz a mesma observação que Albert quando afirma que [...]
Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte
oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas de memória,
cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta.
A escolha do método de história oral se dá por entendermos que este método nos
permite uma aproximação maior com o nosso objeto de estudo, uma vez que se
trata da compreensão das representações criadas ao longo de um processo político
autoritário de forte carga ideológica e que tinha, nas ações psicossociais, o principal
instrumento de dominação das classes subalternas.
A história oral, como método, tende a privilegiar a realização de entrevistas com
atores que participara ativamente dos processos políticos e sociais, ou
testemunharam acontecimentos, domo forma de aproximação do objeto de estudo.
(Albert, 2005).
Assim, construímos um arcabouço de entrevistas, através da aplicação de um
questionário
25
, com depoimentos de sete professores que atuaram no ensino
superior do Espírito Santo na década de 1970.
Entendemos que a escolha de professores que atuavam no ensino superior se
fizesse suficiente para proporcionar uma amostragem satisfatória que atendesse à
demanda imposta pela pesquisa, uma vez que o momento histórico em questão não
apresentava um número muito grande de Instituições de ensino superior no estado e
que as discussões em torno das Ideologias de Estado se desenvolviam em seu
interior.
Da mesma forma fizemos a escolha de sete entrevistados, sendo todos professores
de ensino superior, compreendendo ser este um número satisfatório de
entrevistados atendendo às expectativas da pesquisa de forma suficientemente
significativo para viabilizar certo grau de generalização dos resultados do trabalho.
Ouvir a voz de pessoas que participaram de forma ativa do processo de
transformação da sociedade, assim como a voz daqueles que presenciaram de
longe esses acontecimentos, através do resgate de suas memórias, por meio de
suas narrativas, garante a história uma aproximação com os fatos que de alguma
forma não ficaram registrados em fontes documentais ou nos registros impressos. O
tratamento das fontes orais, neste sentido, representa um olhar mais atento aos
fatos históricos presentes, pois como nos referencia Thompson (1992: 117):
[...] As fontes orais tem sido utilizadas mais comumente para duas
finalidades muito mais limitadas. Em primeiro lugar, há estudos sobre
acontecimentos políticos muito mais recentes que não é possível analisar
satisfatoriamente por meio de registros escritos. [...] em segundo lugar está
a biografia.
Através da fala desses personagens vivos podemos compreender melhor a história
social e política da sociedade na qual estão inseridos, pois suas falas nos permitem
25
Ver anexo II
uma análise de seu discurso proporcionando-nos uma compreensão maior dos seus
sentimentos, anseios e angústias.
É a partir da análise da fala desses professores que podemos entender o dito e o
não-dito, extraindo de suas fala aquilo que encontra presente em sua formação
discursiva, mas que só se apresenta em suas enunciações, não sendo
transparecidas a partir da formulação de seus enunciados. [...] A lição importante é
aprender a estar atento aquilo que não está sendo dito, e a considerar o que
significa os silêncios. Os significados mais simples são provavelmente os mais
convincentes (THOMPSON, 1992: 204).
Diante desse antagonismo, nos debruçamos sobre esta pesquisa para entender o
comportamento da sociedade, através da análise da fala de professores
universitários que atuavam no Espírito Santo no decorrer desse período, por
entendermos que através da fala de determinados professores nas salas de aula
estaria sendo reproduzido o discurso do poder. Nas afirmações de Albert (2005: 24),
[...] Tudo isso, conforme os propósitos da pesquisa e as indagações que se
faz o pesquisador que consulta um documento de história oral pode conter
dados significativos, além de permitir uma análise de discurso propriamente
dita, que, em se tratando de acervo de depoimentos, pode engendrar
estudos comparativos por gerações, grupos sociais, formação profissional
etc.
Desta forma, a partir de suas memórias, verificamos o modo de pensar de cada
professor, que justificava sua ação no interior da sala de aula, além de podermos
construir um quadro que melhor refletisse seu papel no processo de reprodução
desta ideologia.
Neste sentido, desenvolvemos um número de sete entrevistas com professores e
professoras que atuaram no ensino superior na década de 1970, no Espírito Santo,
sendo eles os professores Rômulo Augusto Penina, Gabriel Bittencourt, Lauro
Venturuni, e as professoras Lea Brígida, Neida Lúcia e Marli Imperial, todos
professores da Universidade Federal do espírito Santo, e o professor Esdras Leonor,
este último, professor da Faculdade de Direito de Colatina (FADIC).
Através dessas entrevistas, construímos um arcabouço de informações que nos
garantiram uma compreensão mais detalhada da conjuntura política e social do
período de governo militar, e a forma de atuação desses professores como
reprodutores das ideologias desse governo.
3.2.1 – A REPERCUSSÃO DA REVOLUÇÃO NO IMAGINÁRIO DOS
PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR NO GOVERNO GEISEL
São muitas as falas e as lembranças dos professores que lecionavam em cursos de
graduação durante o período de 1974-1978, que foram rememorados nesse trabalho
de entrevista, técnica utilizada na história oral, principalmente porque resgatam
imagens, símbolos, pensamentos e ideologias de uma época com muita significação
não apenas para a Instituição Escola, mas para a sociedade de maneira geral.
Uma discussão que se estabelece em torno do movimento de 1964 está centrada
em se definir as ações dos militares entre de “golpe militar” ou “revolução”. Parte da
população civil que assistia à tomada do poder pelos militares e que estavam em
desacordo com esta situação, e aí ganha destaque a esquerda e a categoria de
intelectuais, principalmente aqueles ligados a cultura ou as áreas do conhecimento,
apontavam na ação do governo um golpe de Estado. Por outro lado, os militares, os
representantes da direita e membros da classe burguesa, antecipavam-se
classificando o movimento de “Revolução”. Para Fiorin (1988:37):
O discurso do regime implantado depois do movimento de 1964 tem a
preocupação básica de desqualificar a tomada do poder como sendo um
golpe de Estado, para caracterizá-lo como revolução. As leituras que mostra
as forcas armadas apropriando-se do poder e despojando dele Goulart,
revela um golpe de estado clássico, como tanto ocorridos na América latina,
em que um grupo de militares desapossa do poder um governante eleito e
atribui o poder.
No entanto, estes dois conceitos vão se materializar no imaginário dos professores
de forma antagônica, caracterizando a posição que cada um ocupava no momento
da queda do regime democrático para um estado de exceção. Desta forma, ao
tratarmos do tema com a professora Lea Brígida, a mesma nos apresenta certa
hesitação no trato com o os dois conceitos, e os referencia sobre isso que:
Nós não falávamos em golpe, nem em revolução, eu acho que nós
falávamos era da mudança do sistema porque já tinha tido muitos golpes
antes. Na época de Juscelino foi uma tentativa de golpe, o próprio Jango
tinha tido muitos golpes.
[...] O termo golpe era mais comum, porque nós sempre trabalhamos na
história com a proclamação da república, (...) ela foi um golpe, a república
democrática, isso foi um golpe, então o falar golpe não tinha problema
nenhum porque se falava golpe Teodoro da Fonseca, golpe de Marechal
Lotte.
[...] Na verdade, eu pessoalmente, como historiadora, sempre tive muito
cuidado em usar essas classificações.
Porém, podemos perceber, pelo seu discurso, que, essa hesitação era uma marca
unicamente conceitual, ficando clara sua posição de que o que houve realmente foi
um golpe de Estado, quando ela afirma que:
Até hoje eu não uso isso, o golpe de 64, sem conceituar o que é golpe ou
revolução porque ela podia ter se transformado numa revolução sim,
mudado tudo no país, ela não mudou, mas naquele momento você podia
falar revolução ou podia falar golpe. A conceituação é que é importante. O
que significa golpe historicamente, o que significa revolução, o que significa
processo ou mudança, porque na verdade também mudaram as pessoas e
o modo de agir, mas o país ficou a mesma coisa, não mudou nada. E logo
no início, antes de 68, por exemplo, que foi o AI – 5, em 68 a gente ainda
achava que as coisas poderiam ter outra direção, a ter uma eleição normal,
que o Brasil nunca foi acostumado a ter uma eleição normal, nunca! Sabe-
se que o voto de cabresto, o curral eleitoral sempre existiu, então a gente
tinha essa referência, agora, em 68, realmente a coisa pegou.
Momento que inicialmente apresentava outros objetivos e por isso teve outra
representação no imaginário dos professores universitários, conforme demonstra a
fala do professor Rômulo Augusto Penina, professor do curso de Odontologia da
UFES e, que naquele momento, ocupava o cargo de Sub-Reitor Comunitário:
Em princípio a revolução parecia que era a solução para os problemas
enfrentados, barrar o comunismo que estava para chegar, mas essa
decepção foi imediata pelas ações militares sem nenhuma, sem nenhuma
credibilidade, prendendo e massacrando. Lideranças, a liberdade
individual. Então a percepção foi imediata, apesar de que alguns setores da
revolução como a área de comunicação ter tido avanços muito amplos,
mas isso não representou motivo nenhum de aplausos, de aplausos, de
participação a posteriori, muito pelo contrário, as decepções foram se
acumulando, as mágoas, a imprensa amordaçada, tudo aquilo que as
pessoas tinham medo que acontecesse aconteceu.
O mesmo pensamento de aceitação inicial ao governo militar era compartilhado por
outros professores como Neida Lúcia, professora do Departamento de História da
UFES na década de 1970 e professora da disciplina de Estudos dos Problemas
Brasileiros.
[...] nos primeiros tempos eu achei que a revolução vinha para melhorar, viu
essa era a minha idéia porque nós estávamos saindo de uma época muito
atribulada e com o discurso de Jango, Chequevara, a homenagem, tudo
isso e eu tava sentindo que nós estávamos partindo para o regime fechado
que era o regime comunista, então quando houve aquela reviravolta a
minha primeira impressão foi que tava tudo muito bem, agora acontece que
o regime militar foi tomando conta e ficando no poder e ficando no poder e
foi aí que então nós começamos a perceber que as coisas não estavam
bem encaminhadas.
[...] Agora acontece que as coisas não ocorreram assim, eles tomaram
conta do poder e se perpetuavam no poder e, mais ainda, com aquele
fechamento da imprensa, do que se falava, do que se dizia, pessoas que se
insurgiam contra a situação eram presas, desapareciam, não é tudo aquilo,
então claro que eu me revoltei. É como eu falei a pouco para você, eu
acredito na capacidade de raciocínio do ser humano, então essa
capacidade tem que ser preservada acima de tudo, como é o caso da
democracia, que você acha alguma coisa, você pode até estar errado, mas
tem o direito de dizer o que acha.
.
Opinião compartilhada também com outros professores como a professora Léa
Brígida, do Departamento de História da UFES que afirmava que [...] logo no início,
antes de 1968, por exemplo, que foi o AI 5, em 1968 a gente ainda achava que a
coisa voltaria a ser normal, a ter uma eleição normal, porque o Brasil nunca foi
acostumado a ter uma eleição normal.
No entanto, como verificamos na fala desses professores, ainda que inicialmente
houvesse uma aceitação ao Golpe, por acharem que este iria reorganizar
politicamente o país, essa sensação logo foi se desmaterializando, e passou a tomar
conta de suas memórias um sentimento de insatisfação e de imobilismo diante do
quadro político vigente. É o que nos mostra a professora Lea Brígida quando nos
afirma que:
[...] Foi assim uma decepção muito grande para nós, porque a gente já
previa, principalmente os historiadores. O exemplo de outras ditaduras que
tinham trazido situações muito difíceis para o país, o próprio fechamento do
congresso, a república começou assim, então a gente estava meio
desiludido, o golpe e o fechamento do congresso, depois o governo militar,
os dois militares, os dois primeiros porque o Floriano era militar, então isso
aí foi um acordo com as oligarquias dos militares com as oligarquias para
chegarem ao poder, a gente imaginava que isso ia ocorrer dessa forma.
Mas o medo do desconhecido, representado pelo poder político, pelo comunismo,
levou os vários setores da sociedade, inclusive a universidade, a aceitar e servir
como base de apoio e sustentação do regime autoritário imposto desde o golpe em
1964.
De forma diferente, o professor Esdras Leonor, que no período proposto do estudo
atuava como professor de Direito Constitucional da antiga FADIC, Hoje união de
Escolas de Ensino Superior Capixaba (UNESC) afirma que o termo usado para
definir o momento em questão deve ser denominado de “revolução”, pois, segundo
ele:
[...] A nossa revolução foi tão (...), que o Brasil ficou com medo e mandou
dois caras para o exterior explicar a revolução. O próprio Carlos Lacerda foi,
porque quando ocorre a revolução muda tudo inclusive os compromissos, e
dizem que isso aqui não é ditadura, porque ditadura era aquilo que
acontecia na Alemanha, dentro da sua casa eram informantes, batia-se na
porta e as pessoas mijavam nas calças, não tinha liberdade de sair, aquilo
sim (...) tem seu salário, sua religião. Ditadura eu não conheci, foi um
movimento revolucionário, foi uma revolução civil, foi uma revolução civil
porque ela teve o respaldo da sociedade, você vê aquelas caminhadas das
famílias brasileiras, dos cristãos. O fato é que teve cobertura, o respaldo da
população.
[...] Então a revolução é isso, quando ela conta com a participação das
forças civis que se incorporam, os governadores eram civis, todos eles, com
exceção de Brizola que fez um barulho danado. Todos os governos na
época eram civis. Então subtende que representavam o direito do povo, isso
no meu entendimento, porque eu não sou dono da verdade.
Nesse sentido, no entendimento desse professor, a “revolução de 1964” poderia
perfeitamente receber essa denominação, entendimento que percebemos, era
compartilhado por vários outros professores de ensino superior que atuavam
naquela década. Porém, em algum momento, há uma dissonância entre sua fala e a
dos demais professores, principalmente quando a questão está em definir se houve
ou não “ditadura” no governo militar, nesse ponto, o professor Esdras Leonor é
enfático em afirmar que a ditadura não ocorreu.
[...] O momento de repressão nesse período de 20 anos do governo
revolucionário, porque eu não concordo com a ditadura, não concordo com
esse termo ditadura, a menos que me expliquem o que é ditadura. Ditadura
ocorreu na Polônia nos países comunistas, na Alemanha, aqui não, como é
que era ditadura se as instituições funcionavam.
[...] Que bendita ditadura é essa? Isso foi antes do Geisel, no Geisel eu
achei uma abertura danada, estava consolidado. O período mais forte não
foi do Geisel, e sim do Médici. [...] Alguns colegas tiveram problemas?
Tiveram. Mas você não pode, num regime cuja ordem jurídica estaria em
reformulação, mas que de qualquer maneira estava sob vigília, se você se
revela, você se manifesta, você vai sofrer as conseqüências e isso eu vi em
Cuba.
O professor Esdras Leonor, em sua fala, apresenta uma diferença entre o governo
Geisel e os seus antecessores, principalmente o presidente Médici (1969 – 1973),
quando o tema é a ditadura. Para ele, ainda que não tenha havido uma ditadura no
Governo militar, o governo Geisel foi de uma grande abertura, se comparado com os
seus antecessores.
Quando analisamos os pares opostos como abertura/fechamento, percebemos em
sua fala uma contradição quanto à existência da ditadura, principalmente quando se
faz uma comparação entre o governo do presidente Geisel e o presidente Médici. Só
é possível haver abertura se houver um regime fechado, o que é representativo de
uma ditadura.
A ideologia da Segurança Nacional estava impregnada em todos os órgãos que o
Governo tinha acesso, e sua principal estratégia era o combate aos focos de
comunistas, que encontravam na universidade a melhor forma de ação e de
propagação das ideologias do comunismo internacional. Era preciso retirar do seio
universitário qualquer forma de infiltração de comunistas e, para isso, todo um
aparato ideológico era criado em torno daqueles que se encarregariam de eliminar
esse “mal” da sociedade. Gabriel Bittencourt, na época professor do Departamento
de história da UFES nos diz que:
[...] quando eu entrei no exército, o capitão comandante do meu esquadrão,
o primeiro discurso que ele fez para mim, por exemplo, foi “se você ver uma
pessoa vermelha, com um símbolo vermelho da foice e do martelo na testa,
aquele é inimigo da pátria”. Então as facções do exército entendiam uma
ideologia que você tinha, não como uma das ideologias existentes, mas
como um inimigo que tinha que ser eliminado, por isso aquelas coisas todas
(...) e eu não tinha como ser favorável aquilo ali.
A ameaça comunista estava presente no imaginário dos militares do regime
autoritário que devia ser combatido a todo custo e segundo Fiorin, (1988: 46):
[...] Como o discurso se baseia nua axiologia simplista, que divide o mundo
em bons e maus, democratas e comunistas, tachar os opositores do regime
de comunistas é mostrar que são antipatriotas, porque são contrários ao
querer único e homogêneo, que constituía nação e, portanto, inimigos que
estão dentro da pátria.
A idéia propagada pelo regime de defesa, não apenas do Estado Nacional, mas
também da família e dos valores morais mais importantes para uma sociedade cristã
levou empresários, igreja e também a escola a se posicionar favorável à instauração
do governo militar, ainda que com seu silêncio. O professor Rômulo Penina, nos
conta que [...] Até a universidade, tendo um pensamento universal, participou no
princípio de maneira silenciosa e depois passou a aparecer os movimentos de
abertura, de diretas já.
Toda a mudança das ações políticas do regime militar em direção ao aumento da
coerção e limitação dos direitos civis era, muitas vezes, ignorada e até
desconhecidos por alguns professores pela condição de sobrevivência no âmbito do
mercado de trabalho. Essa análise é verificada na fala da professora Neida Lúcia,
que afirma:
[...] Eu simplesmente desconhecia, desconhecia por que era um assunto
que nós não gostávamos de entrar, porque sabíamos que havia uma
vigilância, nós não sabíamos onde estava essa vigilância, inclusive corriam
notícias de que alunos fictícios estavam incorporados nas salas de aula e
nas universidades para ouvir a opinião dos professores, dos mestres, nós
vivíamos do trabalho na universidade, fomos aceitos para sermos
professores, passamos por uma seleção, tínhamos um currículo
acadêmico. Nosso ideal é o magistério, professorado, nós tínhamos
dedicação exclusiva era o nosso meio de vida e então nós não queríamos
também nos arriscar, mas continuávamos com a nossa opinião formada e
acredito que se fôssemos colocados assim numa situação de ter que dizer
sim ou não a gente diria não. Eu pelo menos da minha parte diria não,
agora nunca fui questionada dessa maneira, eu dava minhas aulas dentro
da programação. E fui levando, fui tocando minha vida.
Percebemos que o temor e a necessidade de continuar vivendo e sobrevivendo
financeiramente foi grande aliado do regime militar na reprodução da ideologia da
defesa e segurança. Pautados sob a égide do medo, instaurou-se e desenvolveu-se
um sistema político que somente passou a sofrer de maneira mais intensa um
movimento contrário de aceitação, quando os problemas econômicos se tornam
mais nítidos, fazendo refletir no bolso das classes e setores que apoiavam o regime.
Inicialmente, através do silêncio, um grande número de professores de ensino
superior se fez, se não aliados do regime militar, pelo menos omissos em não se
colocarem contrários ao novo sistema que se impunha sob a justificativa do inimigo
externo, o comunismo. As universidades públicas, a exemplo da UFES, não
demonstram resistência mais explícita ao novo regime. Para a professora Lea
Brígida,
[...] Havia a repressão dentro da universidade sim, mas não era a olhos
vistos, eu nunca vi um militar lá dentro e nós sabíamos que estava cheio,
mas eu não sabia quem era, os outros professores não sabiam quem era,
você não sabia quem era, e quando acontecia alguma coisa não era no
horário. Naquela época só havia aula de manhã, e não era no horário da
manhã que acontecia
[...] Tinha muita gente a paisana, que representava a repressão, mas a
forma de repressão era a subversão, porque quem era contra o sistema era
subversivo. O termo era esse, subversão, então droga também ninguém
ligava muito, as outras reivindicações podia fazer a vontade, (...) agora não
podia ser subversivo e era para isso que eles estavam lá dentro da
universidade. E os reitores, como eram escolhidos pelo poder e a cúpula
toda da universidade era escolhida pelo governo, tinham que admitir e
aceitar aquilo tudo. Não quer, cai fora.
E aqueles que, por razões ideológicas ou políticas, insurgiam-se contra o sistema,
sofriam as sansões da Lei de Segurança Nacional, indo presos, sendo torturados,
mortos, ou simplesmente desapareciam. É o que nos relata Rômulo Penina:
[...] Alguns alunos sofreram ação do Decreto 477
26
, foram também cassados
(proibidos) de estudar dentro da Universidade.
[...] Os professores de maneira geral, em função da ação de opressão em
que viviam na época em que cada Universidade. Foi criada uma assessoria
de informação, de segurança, uma coordenação geral do Ministério de
Educação, todos os ministérios tinham essa assessoria, mas elas eram
ativas e dinâmicas nas Universidades Federais, como se dizia na época
“foco de comunistas” Só rindo!
[...] E havia uma pressão muito forte, em todos os sentidos, até nas próprias
salas de aula, havia gente infiltrada, e a estudantada toda tinha a sua vida,
26
Decreto-lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou
particulares, e dá outras providências.
aqueles que eram mais ativos, mais dinâmicos tinham sua vida no acervo,
tanto professores, quanto funcionários
[...] Quando fui reitor no primeiro mandato ainda eu fiz uma proposta ao
Conselho Universitário de fechar a Assessoria de Segurança e Informação,
o Conselho Universitário aprovou, eu comuniquei ao Ministério de Educação
e passei todo esse acervo para a agência do Espírito Santo, do Ministério
de Educação, não quis ficar com nada que diz respeito à revolução, mas em
plena revolução isso foi feito.
[...] Esse foi um ato que eu considero anônimo! Um ato anônimo, não havia
interesse nenhum de divulgar e se fosse divulgado não seria nada
publicado, mas foi um ato de coragem a ponto de vir o coordenador da área
de segurança do Ministério de Educação ao Espírito Santo para conversar
com o reitor pedindo que eu, pedindo não, determinando que eu voltasse ao
Conselho Universitário e tornasse sem efeito essa decisão que o conselho
tomou. Eu disse a ele que não faria isso e pedi a ele que se retirasse do
Campus. Foi louca atitude, e eu tenho testemunha desse fato, pedi a ele
que se retirasse do Campus imediatamente, primeiro porque eu não ia
elaborar nenhuma proposta para extinção da assessoria e nem aceitaria
mais a presença dele no Campus.
Ou ainda, no caso mais específico do Espírito Santo, o mesmo professor nos aponta
que:
[...] os professores cumpriam suas missões e poucos, não se envolviam. Por
exemplo, os que se envolviam que eram presos, muitos eram presos,
tiveram processos contra eles, eu cito como exemplo Vítor Buaiz, que eu
me lembro com segurança, não tinha essa afinidade, essa relação, era a
liderança do reitor, a resistência de uma reitoria ou a cumplicidade. No
nosso caso sempre houve resistência, eu considero o professor Ceciliano
Abel de Almeida, o reitor da abertura da UFES. As coisas aconteceram
porque nós tivemos um reitor semelhante ao doutor Adolpho Queirós. Um
homem com muita afinidade para o diálogo, os estudantes tentavam ir aos
congressos estudantis, mas eles não passavam, eles eram presos pela
Polícia Federal, eram presos e mandados de volta e aqueles que tentavam
ir, em linha de ônibus, eram presos, eram levados pela Polícia Federal. Um
estudante ficou preso, ligaram para o governador Élcio Álvares e então ele
foi libertado [...].
Mas, é preciso se destacar que, ainda que com todo silêncio, a Universidade tinha
sua própria forma de olhar a situação pela qual passava o país, e apresentava seu
próprio ponto de vista sobre o regime autoritário, não aceitando a situação que lhe
era imposta e resistindo, dentro daquilo que lhe era permitido. Sobre isso, nos
retrata o professor Gabriel Bittencourt:
[...] O governo militar era visto, demonizado, muitas das coisas, desses
setores da universidade viveram, inclusive porque demonizaram os
governos militares e com isso angariavam simpatia de uma maneira geral,
muita gente que até se beneficiava disso aí tinha jogo de cintura, e tudo
mais no sentido de você, estando contra o governo militar, na época você
estava bem e é claro que eu também estava contra, porque eu me
preocupava com os direitos humanos.
Sobe a resistência das universidades ao regime, podemos verificar o que nos aponta
o próprio professor Rômulo Penina:
[...] Ela resistiu, como resistiu, profundamente, em todos os setores, todos
os caminhos, todos os departamentos, o silêncio era nossa contestação...
em alguns lugares, o Espírito Santo no caso então, o silêncio era nossa
contestação... Foi a maneira que encontramos, aqui no estado, de fazer
isso. Não havia outra maneira, manifestação mais efetiva da universidade.
Não havia, senão seria abortado de maneira cruel.
Algumas estratégias também foram encontradas pelos professores para combater o
regime, fugindo a violência e adentrando a um universo que lhes era mais próprio,
usando estratégias pedagógicas, nas quais podiam lançar mão de um aparato
discursivo contrário ao do governo militar. E nesse sentido a professora Lea Brígida
faz a seguinte consideração:
[...] Agora, essa reprodução das ideologias do governo militar, eu também
acho que foi muito importante para os professores, porque todos que
combateram o sistema, todos eu não vou falar, porque eu não sei, eu vou
falar porque eu combati. Todos que combateram o sistema sempre
encontraram uma forma de mostrar alguma coisa, pegar naquele conteúdo
uma coisinha aparentemente, não tinha nada de perigosa e trabalhar aquilo
para que os alunos pudessem aprender a perceber, nem sempre é só aquilo
que é dito que vale, mas o que não é dito, o que está por trás daquilo que a
gente diz e isso é um trabalho fascinante, por aí é que eu acho que essa
ideologia, tudo que os alunos que a gente podia fazer nesse sentido, a
gente tentou fazer, não de querer impor ideologia, eu acho que não é por aí
porque eu sou a favor da liberdade, mas você dar ao aluno todos os
caminhos para ele escolher, lógico que vai um pouco do que a gente pensa.
O professor Gabriel Bittencourt acrescenta ainda que:
[...] mas na universidade os alunos e professores, com toda razão,
abominavam o regime militar, eram tidos como verdadeiros inimigos da
democracia, da cultura, da liberdade. Isso era unanimidade, embora a
universidade tivesse até um serviço de segurança. Tinha um professor
Monteiro que era o chefe do serviço de segurança da universidade.
Desta forma, se impunha a resistência nas salas de aula através de uma contra
argumentação ao discurso do governo, de forma velada, sem que este interviesse,
dessa forma, as ações dos professores. Neste sentido esses mesmos professores
abriam uma contra-ofensiva, apropriando-se das mesmas estratégias psicossociais e
dos mesmos aparelhos de reprodução ideológica do Estado para o controle
hegemônico da sociedade.
3.2.2 – O PROFESSOR DIANTE DA POLÍTICA EDUCACIONAL NO CONTEXTO
DA DISTENSÃO
A década de 1970 apresentou um panorama especial com relação ao crescimento
da economia e ao aprofundamento das transformações sociais que se davam no
âmbito capixaba, principalmente entre os anos de 1974 – 1979, quando foram
implantados alguns projetos de vulto na área da industrialização, como a CST
Companhia Siderúrgica de Tubarão, em 1976 e que marcaram uma nova fase na
história do desenvolvimento econômico do Espírito Santo, assim como também no
social, atraindo mão-de-obra proveniente do interior do estado e dos estados
vizinhos. Esse processo de crescimento exerceu influência significativa no
comportamento dos capixabas, principalmente porque isto vem aliado a uma euforia
gerada pelo “milagre econômico” e um novo projeto de desenvolvimento
denominado de “Brasil potência”. Gabriel Bittencourt nos relata, sobre a situação do
Espírito Santo que:
[...] Não teve um estado tão beneficiado pelos militares quanto o Espírito
Santo, porque o estado era uma grande fazenda de café até a década de
1960. Nos governos biônicos implantados pelo regime militar, coube ao
capixaba Cristiano Dias Lopes, assumir o primeiro governo biônico do
Espírito Santo. Ele era desenvolvimentista, porque ele era um admirador de
Jones Santos Neve, que, por sua vez, era Getulista até a medula, e ao
assumir o governo viu que o Espírito Santo era um nordeste sem Sudene,
precisava desenvolver, porque desenvolvimento não é só economia, mas
ele precisava desenvolver economicamente o Espírito Santo, e foi no
governo dele que se pensaram esses planejamento e tirar o Espírito Santo
daquele marasmo somente da agricultura.
[...] E foram criados os grandes projetos de impacto, CVRD, CST, tudo
começou a ser pensado ali, uma equipe de planejamento industrial e urbano
de primeira linha, tínhamos excelentes nomes aqui no Espírito Santo como
Arlindo Villaschi, Stélio Dias e outros da secretaria do planejamento, boa
parte deles professores da Universidade, e os governos militares, os
governos no ES na expectativa de criar, diversificar esses centros de
decisão que eram somente São Paulo, Rio de Janeiro parte de Minas
Gerais e parte da Bahia passando por cima do Espírito Santo decidiram
beneficiar o Espírito Santo, e com isso vieram os grandes projetos e
grandes problemas também para cá, o Espírito Santo foi altamente
beneficiado.
Esse crescimento por que passava o estado gerava expectativa em toda a
população capixaba, que via, por isso, as políticas de desenvolvimento do Governo
Federal positivas, garantindo, pelo menos no Espírito Santo, diante do novo quadro,
a legitimidade necessária para a manutenção da governabilidade. O país era o país
do “milagre” que agora entra em um novo momento, “o Brasil potencia”, e esse clima
de euforia gerado pelo governo Geisel adentra a universidade que passa a ganhar
políticas de incentivo através de políticas de valorização salarial e de capacitação de
professores. Sobre isso, a professora Lea Brígida nos conta que:
[...] Em 1973 o milagre que na verdade não foi milagre no Brasil foi aquilo
que a gente chama hoje da sorte do governo federal que possibilitou esse
crescimento da economia, que foi o crescimento falso. Esse crescimento
que a gente via, mas que ninguém acreditava nele, ninguém. Até porque em
73 a gente já estava vendo a força do regime ditatorial e era uma situação
que o crescimento depois do índice de inflação que está ligado ao petróleo,
e as ações aqui do governo, a gente já sabia que isso ia ser um problema
sério. Então, o que se chamou de milagre foi um tempo pequeno, uma
situação de crescimento econômico, mas o que é mais importante, nós na
universidade sabíamos que aquele crescimento econômico não estava
contribuindo para diminuir desigualdades sociais ou para favorecer a todos
ou dar uma situação de vida melhor à população, a gente sabia, nós somos
historiadores, ninguém acreditava, inclusive o próprio ministro dizia: tem que
deixar crescer o bolo para depois dividir – isto nos deixava extremamente
tristes porque nós não tínhamos perspectivas de melhoria em médio prazo.
[...]
Quanto à capacitação de professores, o que encontramos na fala da mesma
professora foi que:
[...] Era muito pouco, muito pouco porque, como eu disse para você, eu fui a
primeira que saiu para fazer doutorado, quem faz pesquisa é quem faz
esses cursos de pós-graduação, mestrado, pós-graduação, praticamente
nem existia, que era a especialização lato-sensu, então doutorado, quem
era pesquisador era doutor, é o doutor que continua fazendo pesquisa.
[...] No fim já do sistema é aquilo que eles já estão fazendo tentando meios
para cooptar a universidade, agora outros recursos não. Construir
biblioteca, isso tudo foi construído no período militar, prédios bonitos, tudo
que era feito, isso que agora nem tem mais, agora em milagre brasileiro
ninguém nunca acreditou, eu pelo menos não tenho conhecimento de
pessoas mais conscientes que acreditavam, eu não acreditava e não vejo
quem acreditava. E depois, até depois mesmo porque depois da
redemocratização, esse termo redemocratização tem que ter muito cuidado
com ele, porque nós nunca tivemos uma democracia plena. Aí o conceito o
que é redemocratização. É só porque as pessoas passaram a eleger
diretamente os governantes. É isso. Se o conceito é esse, é
redemocratização. [...]
Nesse momento da década de 1970 os profissionais da área educacional ainda não
contavam com um plano de cargos e salários e isso os levava a trabalhar em outras
áreas que não a de ensino, assim responsáveis e articuladores da política de
desenvolvimento econômica do Espírito Santo estavam inseridos, grande parte
deles, no processo educacional de ensino, geralmente dentro das universidades.
Sobre isso, podemos destacar uma fala da professora Marli Imperial Garabelli, ao
salientar que:
[...] Os professores atuavam como professores por bico, não eram
exclusivamente professores , acho que só quando este grupo voltou já no
final de 1979 e 1980 e 1981 , começaram a retornar dos seus mestrados e
doutorados é que começou a surgir mesmo uma política de modo a
permanência , mas a grande maioria, nos anos 70, que eu presenciei na
UFES, trabalhava em outros lugares e ia dar aulas na UFES. Então nós não
tínhamos um grupo de docentes dedicados ao magistério e uma política de
pessoal com mais tempo na instituição só lá para os anos 1980 é que isso
se colocou de uma maneira mais aprofundada
Esta situação demonstrava que grande parte dos profissionais inseridos no processo
educacional no estado não tinha dedicação exclusiva ao magistério. Havia ainda
uma situação de ingresso na universidade por via de convite, não havia ainda sido
instituído o concurso público como forma de contratação, havendo a prática de
aplicação de uma prova interna para aqueles que haviam sido convidados para
lecionar disciplinas para os cursos que se inseriam no seu perfil profissional. Essa
situação é demonstrada pelo professor Lauro Venturini que nos apresenta um
documento como comprovação do processo de contratação existente na UFES
ainda na década de 1970.
[...] Eu entrei em 20 de outubro de 1975 como professor. Logo depois da
minha formatura e não entrei de concurso, não foi num concurso, esse
documento aqui
27
que eles dizem que era para fazer uma prova na UFES,
era uma prova interna, auxiliar de ensino, enfim, e se eu não me engano no
período de 1980, 1981 que foi uma greve grande que houve na UFES e
uma das reivindicações era incorporar aquelas pessoas que estavam
trabalhando na UFES, como período probatório, aí foram todos
englobados. É como se fosse um concurso, você tinha que declarar se era
favorável ao regime militar daquela época, então você fazia um propósito
27
Documento no Anexo I
diante das pessoas ali de que você não ai falar mal do governo. Se você
tivesse alguma reivindicação a fazer, isso é o que eles falavam, naquelas
audiências, toda formal, era mais ou menos uma hora que você ficava lá,
uma verdadeira lavagem cerebral, se você se propunha a votar nos
candidatos da arena [...].
Essa fala do professor Lauro encontra correspondência na fala da Professora Marli
Imperial Garabelli, a afirmar que:
Ingressei na UFES em 1976, através de um processo de seleção que
envolveu uma prova escrita, uma aula e uma prova didática através de aula
e o currículo. Inicialmente eu trabalhei na UFES como professora de história
da educação e posteriormente, dois anos depois, é que participando de um
concurso público, fui para professora assistente, mas nesse período que
ingressei, em 1976, estava em pleno vigor essa lei 4.024 e a 5.540 e que
traduzia algumas mudanças estratégicas
Dessa forma ao ingressar não apenas nas universidades públicas como em todo e
qualquer cargo em nível federal, documentava-se por escrito as intenções como
cidadão político, era uma forma de aceitação das imposições feitas pelo regime,
fazendo o indivíduo assinar um documento declarando suas intenções políticas e as
ideologias propagadas. O professor Lauro Venturuni nos afirma ainda que:
[...] Se você desse uma vacilada ali e dissesse não eu não concordo com o
candidato fulano de tal, eles não emitiam esse documento aqui. Agora eu
não sei nem te dizer porque esse documento voltou as minhas mãos, eu
não sei te explicar mas ele voltou as minhas mãos. Agora eu tenho esse
documento não sei se busquei lá depois no meu processo, porque lá na
ESG na secretaria tinha uma pasta desde o vestibular, quando eu ingressei
na Universidade eu devo ter tirado esse documento, achei interessante,
falei algum dia esse documento vai servir para alguma coisa, esses
professores mais antigos, eles não passaram por isso aqui foi só nesse
período de 64 até 80, quem pegava esse negócio podia entrar em qualquer
serviço público federal, não era só na Universidade, em outros órgãos
federais foi a mesma coisa, era uma entrevista a fazer, então, você tinha
que se declarar favorável ao regime militar da época. Eles que
mandavam...
Mesmo assim no fim dos anos 1970 de maneira estratégica o regime militar
implantou uma nova política trabalhista para professores universitários, permitindo
que as universidades elaborassem seus planos de cargos e salários, instaurando um
novo momento onde cursos de pós-graduação, planos de capacitação, aumentos
salariais possibilitassem melhores condições de trabalho no âmbito financeiro, como
também no melhoramento e qualificação da mão-de-obra, paralelamente continuava
a exercer uma política de controle, coerção, limitação e punição para os insatisfeitos
ou aqueles que não se enquadravam nos padrões considerados “normais” e
“aceitáveis” para o regime.
Essa política de valorização profissional permitiu que muitos educadores se
mantivessem afastados, isentos e até alienados das ações impostas pelo sistema
ditatorial, a exemplo dessa análise o professor Lauro Venturini lança um comentário
quando destaca que:
[...] a professora Ester Abreu, ela fez mestrado, doutorado e pós-doutorado
com 70, 68 anos de idade. Esses professores teriam depois um incentivo,
porque não se falava em especialização naquela época, falava-se em
mestrado e doutorado, então no mestrado você tinha um 30%, 35% nos
seus vencimentos e com doutorado 45%, e poderia ter se aposentado,
aqueles que não foram, não saíram para fazer essa pós-graduação, eles
tiveram seu salário normal, o básico, e não podiam reclamar também
porque, a oportunidade foi dada a eles também, foi dada a todos da UFES.
Assim a condição de propiciar a satisfação financeira nas universidades, através dos
planos de capacitação e dos incentivos nas remunerações para os professores que
buscavam uma qualificação profissional, contribuiu para que grande parte do
professorado de ensino superior não se envolvesse com a política e seus
desdobramentos, como podemos perceber no seguinte depoimento de Neida Lúcia:
[...] Sobre isso eu te falei (...) porque eu nunca me envolvi com essas
situações políticas. No meu departamento, na História também (...) Nunca
tive mais problemas. Eu sempre me preocupei muito com a disciplina em si,
com os livros, sempre li muito e sempre me envolvi muito com o trabalho
intelectual, escrevendo também
, publiquei vários romances e tudo, então eu
ficava meio desligada.
O não envolvimento nas ações políticas por parte da maioria dos professores
universitários levava a um processo de consentimento calado ao regime, situação
comum às instituições de ensino superior no estado, tanto na universidade pública
como também nas instituições privadas. Em uma das perguntas feitas ao professor
Gabriel Bittencourt, que também havia sido professor da disciplina de EPB em uma
faculdade privada de Vitória, sobre qual era a postura exercida na faculdade privada
em relação às discussões e as ideologias propagadas para os alunos, sendo que ele
respondeu da seguinte maneira:
[...] Na privada não, aí mesmo é que não se discutia ideologia, não tinha
nada haver, você tinha é que ter competência para ficar na sala de aula,
tinha poucos profissionais, você era chamado para dar aula, dava certo e
você ficava, era mais ou menos por aí, geralmente eram indicações. Então
na privada não se discutia, nunca tinha debate político e ideológico eu era
professor de estudos brasileiros, viajava com o projeto Rondon (...)
chegava cheio de slides e procurava mostrar o Brasil para os meus alunos
(..) era um Brasil desconhecido (...) eram poucas pessoas que tinham
condição para conhecer aquilo ali, então era um Brasil de Cacá Diegues
que estava mudando (...) Nas privadas era bem aceito, não se tinha, não
se discutia muito isso não, marxistas quando não podia colocar a ideologia
deles em evidência não perseguiam alunos não (...) nas privadas de uma
maneira geral eu não via nenhuma influência ideológica nas mesmas não e
quando a pessoa era radical era mal visto... Inclusive eu tinha um amigo na
Universidade de Vila Velha que era antipatizado pelos alunos.
Assim, percebemos que não havia uma discussão ideológica, a fim de questionar o
regime ditatorial, principalmente nas faculdades particulares, cuja ação era alvo de
reprovação, não apenas por parte dos proprietários, empresários da instituição,
como também por parte dos alunos. Se nas universidades públicas havia um
sentimento de reprovação aos movimentos contrários ao regime, no âmbito das
universidades privadas esse entendimento se dava de uma maneira bem mais
tácita.
Um movimento de protesto que marcou o final da década de 1970 e início da década
de 1980, na Universidade Federal do Espírito Santo, foi o movimento denominado
de “Balão mágico”. Esse movimento era formado por alunos da universidade e
liderado por uma professora do Departamento de Psicologia. No entendimento do
professor Lauro Venturini:
[...] O balão mágico foi o início de um grupo revoltado com esse sistema
fechado. Não podia fazer movimento nenhum, não podia o grêmio e o balão
mágico rompeu com isso tudo.
[...] Era uma anarquia. Nós professores temíamos. Eu estava dando aula,
quando a gente via aquele grupo vindo, geralmente eles vinham lá do lado
da reitoria sempre com um caixão, alguma coisa preta, alguém lá dentro
que eles escolhiam, é a gente ficava com medo.
Sobre esse respeito, continuou discorrendo, inclusive destacando a ação de uma
professora conhecida na Universidade Federal do Espírito Santo durante o período
militar por liderar o grupo conhecido como “Balão Mágico”, considerado um dos
poucos movimentos contrários ao regime ditatorial imposto.
[...] Ela foi exonerada e depois ela foi ela entrou na justiça e foi reintegrada.
Foi, não sei nem hoje, se ela já é aposentada... Não sei, e a maioria das
pessoas, dos adeptos do balão mágico, além do curso de psicologia, era
do curso de história, tinha umas meninas que eram de uma violência, elas
eram extremamente agressivas e se colocavam contra tudo. Esta
professora, num encontro de professores lá no IC – 4, no pedagógico,
chamamos um professor de São Paulo, da USP pra fazer uma palestra
sobre educação, e ela durante a palestra do professor, entrou no auditório
com uma bolsa cheia de livros e ela jogava os livros assim, em cima do
professor, falava “essa teoria sua, nós somos contra, esta outra teoria está
nesse livro, contra, ela foi retirada a força lá de dentro porque destoou
completamente (Lauro Venturini).
Dessa forma havia um olhar de reprovação para manifestações que viessem a se
destoar dos demais padrões comportamentais compreendidos como aceitáveis. Um
outro aspecto interessante que merece destaque no imaginário dos professores de
ensino superior é o momento de transição política em prol da reabertura, quando o
ensino tecnicista leva as universidades e os professores a um novo papel e,
conseqüentemente, a uma nova significação como instrumento de reprodução do
discurso ideológico do poder, compreendendo que o processo de tecnificação do
ensino foi até mesmo positivo. Sobre essa questão, Rômulo Penina diz o seguinte:
[...] A universidade participou dessa transição porque muitos dos nossos
professores, já estava instalado um processo de pós-graduação muito
forte, muitos foram inclusive para o exterior, fazer doutorado, outros para
fugir a linha ditatorial que vivia, que tinham tendências para o magistério e
vocação mais alta na linha do magistério àqueles que então de uma
maneira ou de outra eles se especializaram e se capacitaram dentro do
processo que existia, mas sempre com bastante reserva, resistindo como
podia a essa falta de liberdade, mas a universidade participou enviando
vários de seus professores e criando cursos de pós-graduação, não foi
somente na área privado que teve apoio e se preparou, as universidades
também internamente se recuperaram e se prepararam para esse processo
de desenvolvimento. (...) Não tenha dúvida que foi positivo, momento rico
inclusive.
O mesmo pensamento sobre a tecnificação do ensino tem a professora Marli
Imperial Garabelli, apontando, em sua fala, aspectos positivos para o Espírito Santo,
tanto no nível da capacitação de professores para o ensino superior, quanto para o
ensino de segundo grau, que adquiria também um caráter de ensino técnico, quando
nos relata que:
[...] Nunca a UFES mandou tantos profissionais para fora fazer mestrado,
doutorado. Eles só tinham um problema, quando voltavam tinham grande
dificuldade de trabalhar, de se ajustar, de não poder tomar nenhuma
iniciativa, nem inovar, com as coisas bastante rígidas, muito fechadas, muito
sedimentadas inclusive, então a dificuldade de qualquer ação foi muito
grande. Acho que tudo isso refletiu com a lei 5.692/71, principalmente com a
implantação dessa legislação que envolveu os cursos técnicos e
profissionais, que foi dessa mesma época que, por exemplo, na UFES, com
todo esse programa de atualização permanente, a média de cada
departamento na UFES era mandar de dois a três professores para fazer
curso fora, no exterior.
[...] com a 5.692/71 criou-se aqui uma política em nível nacional. As escolas
do Espírito Santo entraram nesse programa que foi maravilhoso para
alavancar o ensino fundamental e médio. Quem fez o treinamento dos
professores foi a própria universidade, essas pessoas elas aprenderam o
domínio da língua, nós tínhamos um aperfeiçoamento, não era só as
habilidades práticas e teóricas, nós tivemos a oportunidade de aprender o
português, os professores eram formados na própria universidade, ou lá de
Colatina, ou de Cachoeiro também, eles aprenderam como ensinar o
português, como fazer com que os nossos alunos de 5ª a 8ª série,
aprendessem a nossa língua, tiveram estudos de ciências, as escolas foram
construídas colocando laboratórios, uma divulgação enorme, um
aperfeiçoamento na área da biblioteca que nós não tínhamos, como você
faz o saber ou desenvolve o conhecimento sem biblioteca. Então essas
escolas começaram a possuir biblioteca e treinamento desse professor foi
feito dentro da UFES, e eu fui objeto desse treinamento, eu participei dessa
seleção e fui a primeira orientadora pedagógica das escolas polivalentes do
estado.
[...] No caso do ES isso aconteceu de uma forma muito boa, muito boa,
muito positiva, f isso começou em 1971 e oi pena que mais ou menos em
1976 o ES, depois de fazer uma avaliação, resolveu acabar com as escolas
polivalentes, apesar dos ótimos resultados, pela intervenção política, por
ainda não ter plano de cargos e salários, de carreira docente e interferência
política mesmo querendo trocar docente de lugar e algumas outras coisas,
como ausência de concurso público e outras que impediram que todo um
programa de qualidade prosseguisse.
Com relação a esse processo de recompensa financeira por parte da política salarial
do governo militar, como estratégia de inibir os professores a uma participação
efetiva nos movimento anti-ditadura, Lea Brígida discorre o seguinte:
[...] Inclusive os nossos salários eram muito melhores, muita gente
trabalhava em outros lugares, deixou outros empregos para ficar só na
universidade porque o salário era bom, o salário era muito bom. Era uma
espécie, não sei se eu posso falar isso, era uma espécie de cala a boca
dos professores, entendeu. Ganhavam bem, não vão criar problemas. Está
tudo bem, aumento e tal, mesmo depois do milagre, que veio aquela
inflação altíssima, era reajuste em cima de reajuste.
Ainda assim, há uma necessidade de expressar por parte dos entrevistados, dos
professores, um sentimento contrário ao regime imposto na época, principalmente a
partir da década de 1970, apontando que, mesmo com a melhoria no nível salarial
ocorrido ao fim desse período, não conseguiu minimizar o sentimento de falta de
liberdade, nesse entendimento afirma Rômulo Penina, que:
[...] O que aconteceu do milagre econômico, do desenvolvimento não
abalou as estruturas de resistência da universidade, muito pelo contrário. A
falta de liberdade era o grande (...) tom maior que existia dentro das
universidades e isso abafava qualquer entusiasmo pelo processo de
desenvolvimento que acontecesse.
Em relação às resistências, estas geralmente se fizeram de forma silenciosa,
destacamos mais uma vez o silêncio como instrumento de insatisfação utilizado
pelos professores no período em questão. [...] Generalizado, muitas vezes
silencioso, não havia nenhuma pré-disposição, nenhum setor de apoiar ou de
aplaudir, o silêncio era a contestação maior do Estado brasileiro. (Rômulo Penina)
Mas importa destacar que mesmo com todo esse cenário de medo, alienação e
visão contraditória junto aos professores existente nas instituições de ensino
superior do Espírito Santo, principalmente quando nos referimos à pública, os
professores entrevistados não deixam de apontar para o sentimento geral que
predominada na época, ainda que velado. Sobre esse respeito, Gabriel Bittencourt
diz o seguinte:
[...] Mas na universidade os alunos e professores, com toda razão,
abominavam o regime militar, eles eram tido como verdadeiros inimigos da
democracia, da cultura, da liberdade, isso era unanimidade, embora a
universidade tivesse até um serviço de segurança, tinha um professor
Monteiro que era o chefe do serviço de segurança da universidade (...) mas
foi um período de falta de respeito, anti-democrático e alunos e
professores, quase todos se batiam contra e era muito simpático ser
contrário naquela época.
Porém, essa visão é mais natural no âmbito da universidade, já que o próprio
professor destaca num momento acima o sentimento de antipatia gerada na rede
privada pelos professores contrários ao regime militar junto aos alunos e a própria
instituição de uma forma geral.
3.2.3 – A REPRODUÇÃO DO DISCURSO POLÍTICO NA SALA DE AULA
ATRAVÉS DA DISCIPLINA DE ESTUDOS DOS PROBLEMAS BRASILEIROS
A disciplina de Estudos Políticos Brasileiros (EPB) foi introduzida no regime militar
através do Decreto-Lei 869 de 12 de dezembro de 1969, como um instrumento de
reprodução do discurso político de poder. Dentre as suas diretivas estavam medidas
que visavam ao controle ordem nacional, além do cultivo de valores sociais como o
amor à pátria, ao nacionalismo e respeito aos seus governantes. Neste sentido, as
disciplinas e Educação Moral e Cívica e Estudos dos Problemas Brasileiros se
tornaram disciplinas obrigatórias a serem ministradas em todos os níveis de ensino,
sendo ministrada por professores selecionados, com treinamento específico para a
transmissão de valores fundamentais.
Isso é o que nos mostra a professora Marli Imperial Garabelli, quando nos aponta
que:
[...] Eu participei da implantação dessa disciplina, com o treinamento na
parte de didática. Era mais para desenvolver o espírito de brasilidade ou
mesmo uma consciência nacional. Na verdade, eu também achava que não
podia fazer isso e eles alegavam que era assim, que através da disciplina ia
criar esse sentimento nacional, mas isso não ocorre com a criação da
disciplina, porque isso é um comportamento de nação, um comportamento
de política que deveriam vir integrados a isso, e não uma disciplina isolada.
Nas universidades, onde o governo via um maior foco de agitação e campo de maior
infiltração comunista, a disciplina de EPB tinha a função de promover a doutrinação
dos universitários, porém de uma forma mais consistente. Assim, Uma das
estratégias usadas pelo governo militar para a reprodução de suas ideologias no
campo psicossocial foi a incorporação ao currículo do ensino superior desta
disciplina. Fiorin (1988:01) nos mostra que [...] Acreditavam os detentores do poder
que não discursivizar um fato seria suprimi-lo e colocar em discurso um não-fato
seria criá-lo. O discurso do poder tem, então, a nítida finalidade de criar uma
realidade, quer que o ponto de vista instaure o objeto.
O discurso do Governo, desta forma, ganhava materialidade nas salas de aulas,
operando no imaginário dos estudantes, garantindo legitimidade as suas ações. Tal
disciplina, no entanto, contavam com pouca simpatia de um grande numero de
alunos e professores que acreditavam ter a disciplina, a função específica de fazer
propaganda de um Brasil que pertencia somente aos militares.
O professor Rômulo Penina, quando perguntado sobre a disciplina de EPB na
universidade nos afirma o seguinte:
[...] Uma discrepância que foi introduzida nas universidades, uma obrigação
curricular, que tínhamos que administrar e manter. Alguns professores
foram escolhidos para essas áreas está entendendo, havia uma revolta
geral para a manutenção desse ensino, que era praticamente uma intenção
de valorizar as coisas do Brasil, era uma displicência porque não atingia os
objetivos que se propunham na época e que pareciam muitos bons, havia
uma resistência na época não apenas por parte dos alunos, mas dos
próprios professores, foi uma displicência.
[...] o relacionamento entre companheiros a relação entre os amigos,
professores sempre foi boa, mas todos nós sabíamos que eles estavam
cumprindo uma missão que era obrigatória e que a universidade tinha que
exercitar, então essa relação sempre foi boa com algumas restrições, mas a
maior resistência era dos estudantes em participar desses aulões que não
levavam a nada.
Outros professores compartilhavam as mesmas sensações do professor Penina
quanto à disciplina de EPB. A professora Lea Brígida faz as seguintes
considerações sobre o ensino desta disciplina:
[...] Eram disciplinas que tinham objetivos dentro do currículo do ensino
superior do Brasil, eu acredito que nesse ensino de estudos brasileiros, na
verdade, as pessoas não ficavam reprovadas, não havia um sistema de
avaliação sério, o que era importante era fazer a cabeça das pessoas, então
isso pode ser chamado de currículo? Não sei agora, pegava coisas de
história, geografia, direito, muito você vai ver quando conversar com o
pessoal da área de direito, nossa senhora, a constituição era estudada toda,
a legislação como é que era o AI – 5, aí vinham só as partes que
interessavam
[...] Então, isso porque era para fazer a cabeça no sentido de que as
pessoas aceitassem o Brasil, estar dentro de uma normalidade jurídica, ele
não está fora da normalidade política, ele não vive o sistema político
paralelo, ele está dentro da normalidade e dentro de uma norma jurídica,
isso eu me lembro e que era muito falado, aí era dado dentro do curso de
direito, como da parte de história, como da parte de geografia do ensino
social, muita, muita coisa vinha, e foi feita uma salada de tudo que
interessava ser discutido. Então o que estava sendo feito, por exemplo, nas
áreas de Angra I e Angra II, na parte de energia, a parte que esses cursos,
por exemplo, de engenharia teve um avanço muito grande porque energia
foi muito priorizado, estradas, energia, então isso era mostrado, no contexto
do progresso do país. Eu não vou dizer desenvolvimento porque não era
desenvolvimento, mas progresso sim. Era mostrado isso como progresso.
[...] Você não tinha nada, tudo era proibido, você não tinha um bom jornal,
você não tinha uma revista, hoje você pega uma revista semanal, está tudo
denunciado lá, mas você não tinha isso, os alunos que ainda não tinham
uma certa formação ficavam meios tontos, aí vão lá para EPB, a ordem
jurídica, tudo certo, tudo maravilhoso, tudo bom, tudo caminhando, e a
dificuldade que nós encontrávamos era geralmente essa, decorrente do
próprio sistema que não deixava vir informação nenhuma, nem televisão,
nem jornal, nem revista. E o discurso ufanista da época do milagre, que era
o Brasil ame-o ou deixe-o, a população adorava isso, não deixe, e o ministro
dizia não deixe porque depois vai ser muito bom, vai ficar maravilhoso. Era
difícil para nós professores por causa disso, você não tinha muito
argumento para mostrar. A gente sabia que tinha gente dentro da
universidade, que podia estar ali, na sala de aula, era aquele aluno talvez,
não sabíamos quem era, se alguém sabia eu não sei.
O professor Lauro Venturini aponta ainda a dificuldade de se conseguir professores
para a disciplina, e a forma como se dava o ingresso desses professores na
universidade, conforme podemos verificar a seguir:
[...] Estudos de Problemas Brasileiros era um problema, isso porque não
tinha ninguém para dar a disciplina e não tinha não tinha um departamento
para lotar esses professores que davam estudos de problemas brasileiros e
era disciplina obrigatória. Que ninguém assistia.
[...] Você sabe quem era o coordenador dessa disciplina? Alberto Monteiro,
ele quem dirigia, havia professores que depois foram para o nosso
departamento, a Virgínia, a Sandra. eles ficavam lotados na pró-reitoria de
pesquisa e graduação. Olha bem! Eles não tinham lotação em
departamento, eles ficavam na pró-reitoria de extensão ou na pró-reitoria de
pesquisa e pós-graduação e eram os professores que entraram também
pela janela, de acordo com o gosto do Alberto Monteiro, e depois quando
acabou a disciplina, o que vamos fazer com esses professores? A Virgínia
era graduada em letras, a Sandra também era graduada em letras, a
Virgínia Albuquerque foi para o nosso departamento, a Sandra foi para o
nosso departamento, agora os outros eu não sei, o próprio Alberto Monteiro
foi lá para o Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), depois de
lá, ninguém queria mais ele lá, foi jogado para cá e para lá...
No entanto, os professores de EPB acreditavam na finalidade de sua disciplina e,
ainda que tenham um discurso, hoje, contrário a sua aplicação, apresentam
contradições em sua fala, principalmente quando são levados a lembrar do momento
em que vivenciavam tal situação. Como é o caso do professor Gabriel Bittencourt
que, apesar de não ter sido professor de EPB em universidade pública, trabalhou
com a disciplina em uma faculdade privada.
[...] O Estudo de Problemas Brasileiros, que eu nunca fui professor dentro
da universidade, era uma porta de entrada para alguns professores, mas
porque EPB era estudos brasileiros, na minha opinião essa disciplina tinha
uma ligação grande com os militares e alguns desses professores que
possivelmente, talvez não fossem pró-militares , mas eles se valiam disso
para entrar na universidade, como professor de EBR que era um caminho,
funcionava como um departamento à parte e eles eram mal vistos por isso,
foi uma luta muito grande, por exemplo para a entrada da Lúcia na
universidade , ela uma pessoa que não tinha nada com isso, mas ela como
tinha sido professora de EPB, ela tinha restrições para entrar no
departamento de história, e outros mais , isso aí a gente sentia, a gente
sentia mas era fruto também, em grande parte, dessas pessoas raivosas,
desse grupo de esquerda raivosa, de mal com a vida que não tinha muita
credibilidade também.
[...] Cheguei a trabalhar na UTT – que era União das Escolas Tecnológicas
do Trabalho, eu fui professor de Estudos Brasileiros porque eu nem formado
em história era ainda, mas era uma carência tal, era ali onde funcionava o
Carmo, naquele anexo ali embaixo, eu fui professor de todos os cursos dela
de Estudos Brasileiros , e nesse meio tempo eu me formei na UFES e fui
convidado para ser professor fundador da faculdade de Vila Velha, além de
todos os cursinhos na área de história, fui professor do Colégio Brasileiro, e
com essa experiência que eu fui para UFES depois, como um jovem que
estava tendo um destaque muito grande, inclusive cheguei a ganhar
prêmios nacionais com os trabalhos que fazia no mestrado...
O programa de EPB contemplava discussões sobre o Brasil, seu povo, sua cultura, a
formação do Estado brasileiro, ideologias políticas entre outros conteúdos que
buscavam apresentar o Brasil e sua nova identidade. Nesse sentido propagava-se
uma identidade nacional contida e descrita nos programas de ensino provenientes
do Departamento de EPB como descreve a professora Neida Lucia:
[...] E esse olhar, formação ética brasileira, população brasileira, que até
hoje eu estou lembrada, formação do estado brasileiro, você vai vendo, por
aí ia, mas tinha mais coisas, ideologias políticas, democracia, totalitarismo
e tal, mas seguíamos por aí, então eu achava importantíssima. [...] Então
vamos, então pode dizer do meu elogio a disciplina. Pelo menos na UFES
e quem recebia o programa eram os professores Roberto Viana, Celeste
Valentim, e um terceiro que eu não me lembro agora. Quem era o terceiro?
Eram três professores que eram do departamento de Estudos de
Problemas Brasileiros.
A professora Neida Lúcia, que trabalhou com a disciplina de EPB, na Ufes na
década de 1970 percebia uma importância muito grande nos conteúdos ministrados
em sala de aula, não compreendendo seu programa como um instrumento de
reprodução do discurso do poder por parte do regime militar, mas como forma de
trabalhar a realidade brasileira.
[...] Eu cheguei a dar aula de EPB, eu gostei, não achava aquela conotação
que foi dada, porque era uma disciplina muito importante, porque os alunos
não sabiam o que era uma federação, os alunos não sabiam sobre a
formação do Estado brasileiro, então eu dava um enfoque histórico, então
eu achava importantíssima a disciplina. Agora, como, aí que vem essa
parte política, como foi uma disciplina que foi imposta pelo regime ditatorial
a disciplina ficou antipática, a disciplina [...] mas, então, depois da abertura
começou a ter um ódio pela disciplina, mas da minha parte, eu achei que
foi muito esclarecedora, inclusive os alunos gostavam muito, acho que é
porque nunca eu toquei em problema do governo, aliás eu dava uma aula
dentro do programa que era pedida sobre a situação brasileira.
[...] Os problemas brasileiros, o problema da população que naquela época,
inclusive a população jovem, era a maior parcela da população, agora não,
mas naquela época, falávamos muito sobre a população brasileira,
fazíamos trabalhos, fazíamos trabalhos também sobre a etnia brasileira, as
raças formadora do Brasil, e o que mais, tava na programação,
começávamos com essa parte, o branco, o negro, o índio, explicávamos
toda essa temática da etnia brasileira, a população brasileira, o Estado
brasileiro, a formação do Estado brasileiro primeiro como a colônia de
Portugal, depois como império, depois a república e havia um
desconhecimento total dos alunos.
Assim, verificava-se na importância do reconhecimento dos problemas brasileiros e
da realidade brasileira por parte dos alunos a justificativa para a finalidade maior da
disciplina, mesmo afirmando em determinados momentos a incumbência de seguir
um programa não produzido pelos professores da matéria. [...] Não, não, a gente
seguia rigorosamente o programa! (Neida Lúcia)
Nesse momento compreendemos uma contradição na fala desses professores, já
que o reconhecimento do país e de sua identidade nacional, justificativa maior da
disciplina na visão de alguns professores como acima destacado, fazia-se através
de um programa proveniente de um departamento que foi criado de forma
obrigatória pelo regime militar, e que sofria uma total influência, inclusive pela
formação dos professores que lecionavam a matéria, como destaca o professor
Gabriel Bittencourt: [...] Os professores que foram para ESG voltavam para a
universidade para trabalhar com a disciplina de OSPB, ou EPB.
Não havia uma formação própria para ministrar a disciplina no âmbito do ensino
superior, podendo ser requisitados professores de todos os departamentos, porém a
ESG propiciava uma formação mais específica para a disciplina, uma espécie de
capacitação para os professores trabalharem os conteúdos de maneira orientada,
norteada e flexibilizada a partir do entendimento do MEC e ao mesmo tempo, neste
caso, da ESG.
Ainda que esses professores entendam que não faziam parte do processo de
reprodução ideológica, pelo viés da disciplina de EPB, o que verificamos é que,
mesmo que não tivessem a percepção de suas ações no período, estas eram
desenvolvidas nas salas de aula, atendendo a expectativa criada pelo Governo
Militar ao introduzir a disciplina no currículo do ensino superior.
Se os professores do ensino superior no Espírito Santo preferiram a omissão, ou o
silêncio, como forma de se contrapor ao regime autoritário, esse silêncio propiciou
também uma reprodução do discurso do governo por parte daqueles professores
que tinha a incumbência de propagá-lo dentro das universidades, mais
precisamente, os professores da disciplina de EPB.
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período de governo militar no Brasil (1964 – 1985), tema amplamente discutido
por historiadores e cientistas políticos, recebe aqui nova abordagem, ao ser tratado,
não somente por uma análise dos fatos políticos, através de fontes bibliográficas e
de análise de documentos, mas também pela ótica de professores que atuavam no
ensino superior, através do resgate de suas memórias, possibilitando assim uma
melhor compreensão do contexto social e político dos vinte anos de ditadura militar.
Para a realização desta pesquisa, delimitamos o nosso universo de estudo ao
período de governo do presidente Ernesto Geisel – 1974 a 1979, entendendo ser um
momento de estrema relevância para o contexto político nacional, por inaugurar um
novo momento político: a Distensão.
A escolha do método da história oral para a realização desta pesquisa tornou-se
fundamental para compreendermos o sentimento das pessoas que vivenciaram esse
período. Através de suas experiências, podemos entender a complexidade das
relações sociais e as implicações dessas relações na formação do imaginário
político que orientou a Nação nesse período.
Inicialmente buscamos entender as relações de poder e as lutas políticas que
conduziram os militares ao poder em abril de 1964, suas relações com a ordem
burguesa e com o capitalismo internacional, capitaneado pelos Estados Unidos da
América e a ameaça comunista, representada pela União Soviética. A partir desta
análise debruçamo-nos sobe os principais conceitos que orientaram a política do
governo militar conduzida pela Ideologia da Segurança Nacional e Desenvolvimento.
Orientamos este trabalho na discussão das políticas econômicas implementadas
pelos presidentes militares, com foco nas políticas do governo Geisel, objeto maior
de nossa pesquisa. Discutimos, dessa forma, as políticas econômicas de seu
governo, pautada do II PND e as políticas para a Educação através de II PSEC, que
encaminhavam a nação para um processo de crescimento econômico, pelo viés da
industrialização, o que exigia cada vez mais a produção de recursos humanos e de
mão-de-obra qualificada para a promoção desse desenvolvimento.
A partir de uma análise de conjuntura do Governo Geisel, compreendemos melhor
as políticas implantadas no campo educacional, tanto para o ensino de primeiro e
segundo graus, quanto para o ensino superior. Verificamos em suas ações uma
preocupação com a formação de recursos humanos para atender a demanda por
mão-de-obra qualificada para um mercado em crescimento. Desta forma assistimos
a um crescimento do ensino superior privado no Brasil e a uma política de
reestruturação e de valorização do MOBRAL.
Através da análise da fala de professores do ensino superior no Espírito Santo,
construímos um mapa da realidade sócio-político-econômica do país entre os anos
de 1974 e 1979, o que nos permitiu compreender o imaginário desse professores e
as representações geradas por um período de vinte anos de ditadura militar.
A reprodução ideológica não se realiza senão com o apoio de uma categoria que
garanta a hegemonia de uma classe sobre a outra. Nesse sentido, os professores,
conscientes ou inconscientemente desempenharam um papel de reprodução das
ideologias burguesas sobre a sociedade através das salas de aulas.
Nas universidades onde as discussões ideológicas deveriam se dar com maior
entusiasmo, percebemos a omissão e o silêncio de professores e alunos, que diante
de um governo de exceção, preferiram se calar, ao partir para um enfrentamento
ideológico direto ou indireto com as forças do governo.
Nas salas de aulas, assistia-se a professores que se encarregavam somente de
cumprir as determinações curriculares para suas disciplinas, deixando as discussões
políticas para as disciplinas das áreas das Ciências Sociais que trabalhavam de
forma velada ou nas entrelinhas os temas políticos.
Um expediente do governo para a reprodução de suas ideologias através da
educação foi a implantação no currículo do ensino superior da disciplina de EPB.
Nas universidades essa disciplina era ministrada por professores contratados para
esse fim, muitos com treinamento na ADESG, que viam nessa disciplina a
possibilidade de ingresso no ensino superior. Nas salas de aula, esses professores
reproduziam o discurso do poder, apresentando os projetos de um país em
desenvolvimento, atraente para o povo brasileiro, além de trazerem, para a sala, os
pontos positivos das políticas do governo, com o intuito de garantir nas classes
proletárias a legitimidade para a governabilidade.
Os anos de 1974 a 1979, momento compreendido como Distensão, apresentaram
características de antagonismo que oscilavam entre medidas liberalizantes e outras
autoritárias. Na compreensão dos professores entrevistados, o momento foi de
ligeira abertura política, com crescimento da economia e incentivo a carreira
acadêmica, através de reajustes salariais e de políticas de capacitação de
professores, por meio de cursos de Pós-graduação.
Porém, na fala desses mesmos professores, fica claro que, ainda que o período
fosse de liberalização política, gradual e consentida, o país assistia a um período de
fortes ações coercitivas por parte do governo contra a população.
Podemos concluir que durante o período de governo militar, os Aparelhos do Estado
atuaram na reprodução das ideologias da classe burguesa, e a Universidade serviu
de instrumento de reprodução destas ideologias, quando, ao se calar, permitiu que
agentes do governo, ou professores partidários dessas ideologias, reproduzissem
essas mesmas ideologias em seu interior, transformando as representações dos
sujeitos que ocupavam esse espaço.
As ementas das disciplinas, as bibliografias escolhidas, os objetivos e a metodologia
constituem um conjunto de ações norteadas pelas orientações e interesses dos
docentes, discentes, do Estado e da instituição.
Neste caso, a imposição da disciplina Estudos dos Problemas Brasileiros e a
especificidade da mesma e o perfil dos professores que a ministravam, protegidos
por um programa oficial que deveria ser cumprido com rigor, expressavam a
realidade brasileira num quadro linear onde as concepções da história do
desenvolvimento brasileiro e os saberes estavam pautados numa preocupação
maior, que tinha como foco o entendimento do progresso, aliado à ordem social, de
acordo com o modelo estabelecido nas pluralidades de visões e noções ideológicas
acerca dos problemas nacionais.
Não atuava como disciplina específica para determinados cursos e, sim, era geral a
todos os cursos, com um ideário pautado no conhecimento social, político e
econômico, tendo em vista uma ação construtiva com fundamento na noção do
progresso nacional, na ordem e no fortalecimento da unidade nacional através do
discurso de projeção da Nação e dos valores sociais estabelecidos.
As disciplinas de Educação Moral e Cívica ou Estudos dos Problemas Brasileiros
eram consideradas matérias especiais e por intermédio delas, professores, direta ou
indiretamente, deveriam passar certos valores estabelecidos como fundamentais.
Era a mesma mensagem para todos os alunos, independente da graduação de
cada. Seguia um programa de acordo com os interesses da época, inclusive se
repetia nos currículos de pôs graduação (Mestrado ou Doutorado) como disciplina
obrigatória, sendo dispensados apenas os alunos que tivessem o curso da Escola
Superior de Guerra.
V - REFERENCIAS DOCUMENTAIS
GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. IJSN. Secretaria de Estado e
Planejamento. Filosofia, Política e Programação Habitacional no Espírito Santo
(1979-1983): Vitória, 1979.
FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE.
Censo Demográfico do Brasil, 1991. Rio de Janeiro: 2000.
VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Hugo. O Outro Lado do poder. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1979.
ALBERT, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do estado: notas sobre os aparelhos
ideológicos do estado. Rio de Janeiro, 1985.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru,
SP: Edusc, 2005.
ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – ADUSP.
O livro negro da USP: o controle Ideológico na Universidade. 2ª ed., São Paulo.
AZEVEDO, Janete Maria Lins de. O Estado, A Política Educacional e a Regulação
do Setor Educação no Brasil: Uma abordagem Histórica. In: FERREIRA, Maura S.C.
e AGUIAR, Márcia A. da S. Gestão da Educação. Impasses, perspectivas e
compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.
BARROS, Adirson de. Março: Geisel e a revolução brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1976
BITTENCOURT, Gabriel. História Geral e econômica do Espírito Santo. Do
engenho colonial ao complexo fabril portuário. Vitória: Multiplicidade, 2006.
BOMENY, Helena. Educação e cultura no Arquivo Geisel. In CASTRO, Celso e D’
ARAUJO, Maria Celina. Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento Econômico Brasileiro. 4ª ed. Petrópolis –
RJ: Vozes, 1984.
CAMPOS JR, Carlos Teixeira. A construção da cidade: Formas de produção
imobiliária em Vitória: Flor e Cultura, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo percurso – 6ª ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
CASTRO, Celso e D’ ARAUJO, Maria Celina. Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV,
2002.
CHAUÍ, Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2000.
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COVRE, M. A fala dos homens: análise do pensamento tecnocrático. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
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educação. Revista Educação e Sociedade n 9, maio de 1981.
SAVIANI, DEMERVAL et al. Tendências e correntes da educação brasileira.
Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.
DREIFUSS, René Armand Dreifuss. A conquista do Estado: Ação Política, Poder e
Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1981.
DUARTE, Maurizete Pimentel Loureiro. A Expansão da periferia por Conjuntos
Habitacionais na região da Grande Vitória (1964 – 1986). Dissertação de
Mestrado Em História social das Relações políticas. UFES, 2008
FIORIN, José Luiz. O Regime de 64: discurso e Ideologia. São Paulo: Atual, 1988.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
GASPARI, Hélio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras,
2002.
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ed. São Paulo: Cortez, 1994.
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Paulo: Atlas, 2002.
GÓES, Walder de. O Brasil do General Geisel: estudo do processo de tomada de
decisão do regime militar-burocrático. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978
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Identidade e Diferença: perspectiva dos Estudos Culturais. Tomaz Tadeu da Silva
(org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
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Civilização Brasileira, 1986.
MARCONDES, Ciro Filho. O que todo cidadão precisa saber sobre Ideologia.
São Paulo: Global, 1985
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Entre as Cosmovisões Materialistas e Idealistas. São Paulo: Martin Claret: 2005
MOCHCOVITCH, Luna Galano. Gramsci e a escola. São Paulo: Ática, 1998
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Indústria. A transição no Espírito Santo 1955-1985. Fundação Ceciliano Abel de
Almeida. Vitória. 1992.
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11ª edição. Petrópolis, Vozes, 1989
SARMENTO, Carlos Eduardo e ALBERT, Verena. O Dossiê Ministério da Fazenda
do Arquivo Ernesto Geisel: fontes sobre a gestão de Mário Henrique Simonsen. In
CASTRO, Celso e D’ ARAUJO, Maria Celina. Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV,
2002.
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Durval Trigueiros (org). Filosofia da Educação Brasileira. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1987.
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Jorge Zahar. 1986.
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Urbano. O Caso da Grande Vitória. 1950 – 1980. Vitória: EDUFES, 2001.
THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992
VEJA, Os anos GEISEL. Editora Abril nº 549, 14 de março de 1979.
VII - ANEXO I
ANEXO II
QUESTIONÁRIO
1- Qual o seu nome e a sua formação?
2- Em que ano o/a senhor(a) ingressou na Universidade Federal do
Espírito Santo como professor?
3- De que forma se deu esse ingresso?
4- Provavelmente o/a senhor(a) teve contato com as leis 4.024/61 e a lei
5.540/68, ou como aluno, ou como professor. Que mudanças o
senhor(a) descrevera entre essas duas leis?
5- Que sentimentos trouxe para o/a senhor(a) a mudança do regime
democrático para um regime de governo ditatorial? Naquele momento o
senhor(a) acreditou no discurso do governo de que aquela ação era
para a restauração e fortalecimento da democracia?
6- Após os chamados “anos de chumbo”, período de maior repressão
política, o Brasil entra em um novo momento, no qual o crescimento
econômico gera uma nova expectativa na vida de milhares de
brasileiros, “o milagre econômico”. Essa mudança no cenário
econômico exerceu alguma influencia no comportamento dos
professores dentro das universidades?
7- Com o final do milagre econômico em 1973 o Brasil entra em um
processo de desaceleração da economia e crescimento gradual dos
índices de inflação. Mesmo assim, o governo do presidente Ernesto
Geisel insiste em promover o crescimento nacional independente do
crescimento inflacionário, penalizando mais uma vez os trabalhadores.
Nesse momento na Universidade qual era o sentimento em relação às
ações adotadas pelo Governo.
8- As disciplinas de EBR e EPB eram disciplinas que tinham quais
objetivos dentro do currículo do Ensino Superior no Brasil?
9- Os professores que ministravam tais disciplinas cumpriam o papel de
doutrinadores do Estado de Segurança Nacional?
10- Essas disciplinas eram bem aceitas pelos demais professores?
11- Como era a relação dos professores das demais disciplinas com os
professores dessas duas?
12- Havia divergências entre os Centros ou entre determinados cursos
quanto às ações do governo militar?
13- Tem como se levantar a hipótese de que havia cursos que eram mais
ou menos favoráveis às ações do Governo do que outros?
14- O início da década de 1970 marca um momento de abertura e de
democratização do Ensino Superior no Brasil. Como o senhor(a)
assistiu à política de abertura do ensino superior através da
transferência deste nível de ensino para a iniciativa privada?
15- Essa abertura e democratização ocorre num momento em que é
preciso gerar mão-de-obra especializada para o mercado de trabalho.
Nesse sentido há uma tecnificação do ensino que tem início no primeiro
e segundo graus com a lei 5.692/71 e se estende até o Ensino Superior
e posteriormente à pós-graduação. Como é visto nas universidades
esse processo de tecnificação do ensino e qual foi a ação dos docentes
diante dessa modificação de uma educação propedêutica, humanística
e voltada para o desenvolvimento das ciências, para essa educação
tecnicista que visava a formação de recursos humanos para atender à
lógica capitalista vigente?
16- Na sua opinião esse processo de abertura e de democratização do
ensino superior trouxe benefícios para este nível de ensino no Brasil?
17- A universidade sempre foi palco de transformações culturais e sociais,
porém no governo militar ela passa a desempenhar um novo papel, o
de reprodução das ideologias do governo militar e de assujeitamento
dos estudantes. Qual foi o papel desempenhado pelos professores
nesse processo?
18- Entre os anos de 1974 e 1979 o povo brasileiro vivia uma expectativa
de retorno da democracia, através do discurso oficial do governo que
até deu a esse processo uma denominação de “Distensão”. Como o
senhor(a) via esse processo do ponto de vista das relações sócio-
econômicas? Havia euforia com a possível saída dos militares do
poder, que retornaria aos civis, ou havia temor, por achar que as coisas
estavam caminhando bem naquele momento e por isso deveriam
permanecer como estavam?
ANEXO III
ENTREVISTA DE HISTÓRIA ORAL COM PROFESSORES E
PROFESSORAS DE ENSINO SUPERIOR NA DECADA DE 1970.
Nome: Esdras Leonor
Endereço: Av. N.ª Senhora da Penha, nº 1420, aptº 102, Barro Vermelho, Vitória -
ES
Instituição de Ensino: União das Escolas de Ensino Superior Capixaba - UNESC
Nome: Gabriel Bittencourt
Endereço: Rua Chapo Prevot nº 214, aptº 801, Praia do Canto, Vitória – ES
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Espírito Santo -UFES
Nome: Lauro Venturini
Endereço: Rua B 5 , nº 90 – Bairro de Fátima – Vitória – ES
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Nome: Lea Brígida
Endereço: Av. Saturnino de Brito nº 1001, aptº 502 – Praia do Canto – Vitória – ES
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Nome: Marly Imperial Garabelli
Endereço: Mata da Praia – Vitória – ES
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Nome: Neida Lúcia de Moraes
Endereço: Rua Constante Sodré nº 986, aptº 801– Praia do Canto – Vitória – ES
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Nome: Rômulo Augusto Penina
Endereço: Avn. Vitória – IPAJM – Vitória - ES
Instituição de Ensino: Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
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