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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES
POLÍTICAS
MARGÔ DEVOS MARTIN
A TRAJETÓRIA DE UMA GERAÇÃO POLÍTICA NO ESPÍRITO
SANTO – DA UNIVERSIDADE AO PODER – 1982 A 1992
VITÓRIA
2008
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MARGÔ DEVOS MARTIN
A TRAJETÓRIA DE UMA GERAÇÃO POLÍTICA NO ESPIRITO
SANTO – DA UNIVERSIDADE AO PODER – 1982 A 1992
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História das Relações Políticas Centro
de Ciências Humanas e Naturais, do Centro de Ciências
Humanas e Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, na área de Sociedade e Movimentos
políticos como requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Estilaque Ferreira dos Santos
VITÓRIA
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Martin, Margô Devos, 1967-
M379t A trajetória de uma geração política no Espírito Santo : da
universidade ao poder : 1982 a 1992 / Margô Devos Martin. –
2008.
300 f. : il.
Orientador: Estilaque Ferreira dos Santos.
Co-Orientador: João Gualberto Vasconscelos.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Estudantes – Atividades políticas. 2. Movimentos estudantis.
3. Clubes políticos - História. 4. Comitês partidários. I. Santos,
Estilaque Ferreira dos. II. Vasconscelos, João Gualberto. III.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
MARGÔ DEVOS MARTIN
A TRAJETÓRIA DE UMA GERAÇÃO POLÍTICA NO ESPIRITO SANTO – DA
UNIVERSIDADE AO PODER – 1982 A 1992
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Relações
Políticas Centro de Ciências Humanas E Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.
Aprovada em 29 de agosto de 2008
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Estilaque Ferreira dos Santos
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
Prof. Dr. João Gualberto Vasconscelos
Universidade Federal do Espírito Santo
Profª Dra. Nara Saletto da Costa
Universidade Federal do Espírito Santo
Prof. Dr. José Antônio Martinuzzo
Universidade Federal do Espírito Santo
A minha filha Sofia, que irá nascer poucos meses após a
conclusão deste trabalho, mas já é a maior alegria da
minha vida.
Este trabalho é fruto do apoio e participação de várias pessoas. Em primeiro lugar
agradeço ao meu marido, Marcelo Paranhos, pelo apoio e paciência em tantas horas
de dedicação e preocupação com esta dissertação. Agradeço também à minha
família, em especial a minha mãe, na compreensão pela ausência em muitos
encontros e reuniões familiares e pelo incentivo ao saber, mas, sem cobranças. Aos
meus amigos, aos quais praticamente me afastei nestes dois anos de estudo.
Espero que me recebam carinhosamente de volta.
Agradeço à todos os atores que participaram da trajetória desta geração política pela
atenção e gentileza em que cederam as preciosas informações aqui contidas por
meio de seus depoimentos, em especial Robson Leite Nascimento pela atenção nas
várias consultas, me auxiliando a juntar as peças desta história.
Agradeço aos professores Marta Zorzal e João Gualberto Vasconscelos pelas
importantes observações na etapa de qualificação, que muito me foram úteis na
formação deste trabalho, ao meu orientador Estilaque Ferreira dos Santos, bem
como aos professores Nara Saletto e José Antonio Martinuzzo por participarem da
banca de defesa da dissertação.
RESUMO
A geração política formada no movimento estudantil universitário chega a prefeitura
de Vitória por meio de um grupo que contribuiu na reabertura do DCE da
Universidade Federal do Espírito Santo, no ano de 1979 e tem na figura do
Governador Paulo Hartung sua principal liderança. A consolidação deste grupo,
formado por homens e mulheres se deu na busca pela redemocratização política
brasileira e, principalmente, capixaba, utilizando à via político-partidária como
alicerce para a consolidação da democracia plena. O cenário político encontrado no
final do Regime Militar, resultante da dissolução dos sistemas partidários, foi
agravado pela decadência da política desenvolvimentista e apresentava uma baixa
institucionalização do sistema partidário, que foi ainda mais fragilizado com o início
da Nova República. Também contribuiu para o enfraquecimento partidário a
expansão da televisão como poderosa força eleitoral, diminuindo a importância dos
eventos político-partidários, levando o candidato a se apresentar diretamente a
grande massa. No recorte temporal escolhido, fica claro como esta geração política
participou ativamente de todos os momentos significantes da história política
capixaba, em uma trajetória crescente, concorrendo nos pleitos eleitorais e
participando de cargos de destaque na administração pública, desaguando na
eleição de Hartung à prefeito de Vitória, em 1992. Por meio de depoimentos de
atores que participaram dessa trajetória e de fontes como jornais e revistas da época
a pesquisa foi norteada pela metodologia da História Oral. Dentre as muitas peças
que participaram do processo político se destacam diferentes atores, cada qual com
sua característica própria, como partes de uma engrenagem, que contribuíram para
a consolidação do grupo, mantendo suas particularidades e funções na engenharia
política de consolidação do grupo, que mais tarde, em 2002, se tornaria a principal
força política do Espírito Santo, com a eleição de Paulo Hartung para Governador do
Estado. A influência dos princípios do comunismo italiano, tendo como inspiração os
textos de Antônio Gramsci que desenvolveu o conceito de “guerra de posições”,
imprimiu no grupo o direcionamento de seus projetos, a busca pelo consenso, a
formação de quadros e a criação de redes operativas que se deslocaram ao poder
público.
Palavras-chaves: Estudantes, Atividades políticas, Movimentos estudantis, Clubes
políticos, História, Comitês partidários
ABSTRACT
The political generation formed from the University Student’s Movement gets to
Vitória City Hall through a group of people who contributed to the reopening of the
DCE (Student’s Central Directory) of the Federal University of Espírito Santo in the
year of 1979 and identifies in the Governor Paulo Hartung its main leader. The
establishment of this group, formed by men and women, occurred while in search of
the democratization of the Brazilian Politics, mainly the one from Espírito Santo,
using political parties as a basis to consolidate the full democracy. The political
scenery found at the end of the Military Regime, following the party systems closure,
worsened because of the decay of the developing politics and showed a low
institutionalization of the party systems, which was even more deteriorated by the
beginning of the New Republic. Another aspect that contributed to the parties’
decaying is the growth of the television as a powerful electoral force, minimizing the
importance of the political parties’ events and leading the candidate to present
himself directly to his audience. Considering the chosen time, it is clear how involved
this generation was in all the significant moments of the political history in Espírito
Santo, in a growing course, competing in elections and taking part in outstanding
positions in the public administration consummating in Paulo Hartung’s election to
Vitória City Hall in 1992. By means of testimonies of individuals who participated in
this course and sources like newspapers and magazines from that time, this research
was directed by the Oral History methodology. Among the many individuals who
participated in this political process, some stand out with their own characteristics, as
part of a gear that contributed to the establishment of the group, keeping their own
peculiarities and functions in the political engineering of this group’s unity, which later
on, in 2002, became the main political power in Espírito Santo with the election of
Paulo Hartung as the governor of the state. The influence of the Italian Communism
Beliefs, inspired by the texts of Antônio Gramsci, who developed the concept of “war
of positions”, led the group to their projects’ course, the search for the consensus, the
gathering of personnel and the networking creation, which shifted to the public
power.
Keywords: Students; Political activities; Student's movement; Political parties;
History; Party's committee
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................10
CAPÍTULO 1...........................................................................................................................19
A ENTRADA EM CENA TITULO DO CAPÍTULO 1..........Erro! Indicador não definido.
1.1 O ESTUDO DA FORMAÇÃO DOS GRUPOS POLÍTICOS.................................19
1.2 ANÁLISE DA CONJUNTURA POLÍTICA................................................................25
1.3 DO DIRETÓRIO ACADEMICO AO PCB ...............................................................33
1.4 INÍCIO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA.........................................48
1.5 O PACOTE DE ABRIL E O FIM DO BIPARTIDARISMO OFICIAL....................57
1.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL...................61
A CONQUISTA DOS PRIMEIROS CARGOSCAPÍTULO 2 ...........................................68
TITULO....................................................................................................................................68
2.1 ELEIÇÕES DE 1982: O INÍCIO DA REDEMOCRATIZAÇÃO............................68
2.2 O DESENCANTAMENTO E A SAÍDA DO PCB ....................................................81
2.3 AS ELEIÇÕES 82 E RESULTADO DAS URNAS..................................................86
2.4 A PARTICIPAÇÃO NAS DIRETAS JÁ ....................................................................96
A CONSOLIDAÇÃO DE PAULO HARTUNGTERCEIRO CAPÍTULO........................104
3. 1 AS MUDANÇAS CONJUTURAIS DA NOVA REPÚBLICA .............................104
3.2 ELEIÇÕES MUNICIPAIS 1985 – PREFEITOS DAS CAPITAIS.......................108
3.3 AS ELEIÇÃO DE 1986............................................................................................114
3.4 A NOVA CARTA CONSTITUINTE.........................................................................122
3.5 AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1988..................................................................125
3.6 A TROCA DE BANDEIRAS – PMDB X PSDB.....................................................133
A CONQUISTA DO PODER
CAPITULO 4......................................................................140
4.1 AS ELEIÇÕES DE 1989 – A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRATICA..................140
4.2 AS ELEIÇÕES DE 1990 ..........................................................................................144
4.3 AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1992 – A CONQUISTA DA VITÓRIA..........151
CONCLUSÃO.......................................................................................................................169
REFERÊNCIAS....................................................................................................................177
ANEXO..................................................................................................................................187
10
INTRODUÇÃO
Minha geração viveu dentro da UFES ainda nos anos de chumbo,
lutou pela democratização, construiu fortes ideais transformadores, a
visão de lutar para fazer uma sociedade mais justa. A emoção é de
uma homenagem feita a tantas pessoas que estiveram e estão juntas
nessa caminhada (
GOVERNADOR..., 2006).
Figura 1. Paulo Hartung recebe o titulo de Doutor Honoris Causa no Teatro da UFES
Fonte: GOVERNADOR..., 2006
A citação publicada acima foi retirada do discurso do Governador Paulo Hartung ao
receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Espírito
Santo em maio de 2006. Ao lê-la, 25 anos após o início de sua vida política no
movimento estudantil, três elementos principais vieram à tona: a forte influência do
período do regime militar, o sentimento de pertencimento geracional e o
reconhecimento da participação dos integrantes do grupo de origem estudantil
durante toda a sua trajetória. Esta citação nos remete à primeira hipótese
apresentada neste estudo, que consiste na possibilidade de que os laços de
identidade de uma geração política e o empenho na manutenção do poder em um
cenário marcado por rupturas do sistema representativo e inconsistência ideológica
se cristalizem, transformando o grupo em uma instituição, um partido ad hoc.
A segunda hipótese apresentada diz respeito ao cenário político eleitoral de
reorganização de lideranças, no qual se deu a inserção dos membros do grupo
11
político do governador Paulo Hartung na vida partidária, e à forma como seus
principais membros se estabeleceram estrategicamente em cargos públicos, o que
garantiu a sua ascensão ao poder. Essas questões formam a base de argumentação
que sustentam nossa dissertação e permeiam todo o trabalho.
Com este pequeno fragmento retirado do discurso do governador Paulo Hartung,
apresentamos o objeto da dissertação que trata da trajetória política do grupo
formado no movimento estudantil de 1978, durante a eleição da primeira chapa na
reabertura do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do
Espírito Santo, que permaneceu fechado por dez anos, como veremos mais adiante.
Este estudo compreende um momento representativo desta geração,
especificamente do grupo político que apresenta como principal liderança o atual
Governador Paulo Hartung. A constituição original do grupo, estima-se em um total
de 200 membros (ANEXO A), era formada pelos alunos, principalmente dos Centro
de Ensino Jurídico e Econômicos e do Centro Biomédico da Universidade. Aqui
elegemos alguns dos principais atores, sem desmerecer a importância dos demais,
utilizando como critério as lideranças que seguiram a carreira política partidária ou
acompanharam o grupo contribuindo com a formulação de suas estratégias até a
eleição municipal de 1992, limite temporal do nosso trabalho. São eles: Anselmo
Tozi, César Colnago, Fernando Herkenhoff, Fernando Pignaton, Lauro Ferreira Pinto
Wellingtin (Lelo) Coimbra, Neivaldo Bragato, Paulo Hartung Gomes, Robson Leite,
Stanislau Kostka Stein. Foram também entrevistados personagens que participaram
de maneira significativa para maior entendimento dos fatos em eventos da trajetória.
(ANEXO B).
Ressaltamos que o recorte temporal analisado não diz respeito apenas ao período
em que este grupo militou no movimento estudantil, compreendido entre 1978 e
1982. Este período é aqui abordado inicialmente para a devida contextualização da
base histórico-social da formação do grupo, ocorrida em meio ao processo de
redemocratização política e social com a retomada dos direitos de liberdade de
expressão e liberdade política.
O estudo compreende principalmente a segunda fase de movimentação do grupo
que, influenciado pela luta estudantil, o momento político e os interesses em comum,
12
ultrapassa o ambiente da universidade e tem reconhecida sua importância na
política partidária, ao alcançar o mais alto posto do executivo municipal da capital
capixaba no ano de 1992
1
. O que esta dissertação procura desvendar é de que
forma a união estratégica entre os membros deste grupo e o contexto político-
econômico contribuíram para o sucesso na trajetória que vai da Universidade até o
Palácio Municipal de Vitória.
É importante reforçar a significância deste recorte temporal, lembrando que, no
período entre 1982 e 1990, o Brasil passou por uma fase de impressionante
instabilidade na distribuição dos votos, principalmente após 1985. Isso vem ao
encontro da segunda hipótese deste trabalho, que tenta explicar o bom desempenho
do grupo perante a fragilidade do nosso sistema eleitoral que faz com que o eleitor
direcione o voto para o candidato, independente da sua corrente partidária. No
entanto, a dinâmica da competição política entre 1985 e 1992 foi com freqüência
caracterizada por conflitos ideológicos que foram se atenuando a partir de 1992
(MAINWAING, 2001, p. 128).
Neste recorte de tempo são contextualizadas as ações políticas que reforçam a tese
de que os laços políticos de uma geração, por vezes, se sobrepõem a outros
parâmetros institucionais como o político-partidário ou o ideológico. Analisamos a
trajetória política do grupo, sua dimensão política e sua relação com o poder sob a
influência ideológica dos pensadores da teoria política marxista, tendo como
principal representante o comunista italiano Antonio Gramsci.
A escolha do grupo, objeto do trabalho presente pode ser compreendida por meio da
citação do Beling Neto (1996, p. 141), ao referir-se à sua importância histórica:
Uma geração que, ao construir sua identidade política enquanto
movimento, transpõem os muros da universidade e se projeta na
sociedade, tornando-se determinante fundamental das conjunturas
seguintes e marcando com a sua presença a realidade política da
cidade e do estado.
Aprofundar-se no estudo da trajetória do grupo e de seus expoentes significa narrar
a recente história política capixaba e analisar uma parte da geração formada nos
1
Em 1992 o principal representante da geração, Paulo Hartung, torna-se prefeito da capital do
Estado, após três mandatos consecutivos: dois como deputado estadual e um como deputado
federal.
13
movimentos estudantis do final da década de 70. Esta geração, da qual o grupo faz
parte, não foi perseguida nem tampouco torturada nos porões da ditadura, uma vez
que sua participação política deu-se durante o final do período em que os militares
estiveram no poder, de 1964 a 1985, época em que a ditadura abrandara as ações
coercivas operadas por sua polícia política. A ela coube um outro papel: o de
reorganização das instituições democráticas.
Esta dissertação segue a linha metodológica da História oral, por meio da qual foram
entrevistados os principais membros do grupo seguindo o critério já citado, e atores
que tiveram participação significativa em algum período da trajetória.
Apresentamos como se deu a consolidação política do grupo e de que maneira
seus principais atores enveredaram pela carreira política ou pública, por meio de
cargos eletivos ou de indicações políticas.
O estudo buscou como fonte alguns conceitos teóricos, dentre os quais serão
citados apenas os principais, como o de formação geracional de Sirinelli (1996) e
Frave (1996) como base para determinação político-social do grupo.
Para entendimento da influência político-teórica do conceito de hegemonia de
Gramsci ( 2004 ) no grupo utilizamos como fonte, além do próprio autor, os textos
de Coutinho (1981). Para análise da conjuntura crítica foram utilizados os conceitos
de Vianna (1991), Rodrigues (2001), Dagnino (2006), Santos (2003), O’Donell
(1990) Skidmore (1988), Chacon (1998) e Lamounier (2005). Para o estudo do
sistema partidário brasileiro utilizamos como fonte Mainwaring (2001), Meneguelo
(1998), Duverger (1970) e Kinzo (1993). Na busca pela contextualização e análise
do cenário capixaba utilizamos Zorzal (1983), Nader (2003), Rocha (1991) e Vieira
(1992).
Quando analisamos a formação ideológica da geração política em que o grupo
estava inserido em relação à geração anterior, encontramos forte distinção entre um
momento e outro. Ao mencionar a singularidade da geração política capixaba pós-
regime militar, o professor Beling Neto (1996, p. 143) estabelece uma comparação
entre ela e a de 1968, ainda fortemente influenciada pela doutrina original do
movimento de esquerda. Sob seu ponto de vista, a primeira tinha na utopia a “busca
do impossível” e, a segunda, a “busca do possível”. Esta analogia nos fornece o
14
entendimento de algumas estratégias estabelecidas pelo grupo na sua trajetória. Ao
analisarmos o discurso do então presidente da primeira chapa do DCE, Paulo
Hartung, em sua reabertura, em 1978, percebemos traços da ideologia comunista,
mas permeados por um discurso conciliador e de construção sócio-democrática.
Hoje estamos re-CONSTRUINDO nossas organizações que, em um passado
recente, foram brutalmente destruídas. Os estudantes assumem, cada vez
mais, um papel de buscar caminhos para a sua participação na vida nacional.
Depois de muitos anos em silêncio, começamos a nos fazer ouvir de uma
forma diferente da do passado. Desta vez fazemos um grande coro. Nossos
anseios são os mesmos de amplas camadas da população.
Hoje clamamos por Liberdades Democráticas, por Anistia Ampla, Geral e
Irrestrita, por uma Constituinte livremente eleita e soberana, por Melhores
Condições de Vida e Ensino, pela educação gratuita que vem se
consolidando a cada dia. Os mais variados setores: trabalhadores,
advogados, juristas, intelectuais, cientistas, clero e estudantes, começam a se
organizar em torno de suas necessidades imediatas e a se UNIR no que é
geral para todos: A UNIDADE PELA DEMOCRACIA.
Mas de nada adianta clamarmos pela democracia, se não nos organizarmos
de uma forma democrática (BORGO, 1995, p. 171).
Ao comparar as citações de trechos de discursos a textos de diversos materiais
ideológicos do início do movimento comunista no país podemos perceber o
arrefecimento das cores mais carregadas (DUTRA, 1997). Não se fala em
imperialismo ou do cenário de exploração do proletariado, e não havia a cólera e a
indignação características dos movimentos de esquerda. Mas a fala já envergava
um tom conciliador de aglutinação e chamamento, tendência do grupo em questão
em seus discursos durante a trajetória.
No entanto, alguns ingredientes comunistas se fazem notar, como a promessa de
uma boa sociedade contida na visão de que o futuro será construído pelos homens
através de suas “próprias mãos”, mas com uma perspectiva mais otimista deste
futuro, que se diferencia das incertezas ameaçadoras e a iminência de uma
revolução recorrentes das idéias, imagem
2
dos discursos comunistas.
Ao assumir a diretoria do DCE, a chapa presidida por Paulo Hartung contribuiu com
o fortalecimento da União Nacional dos Universitários (UNE), participando do
histórico 31º Congresso Nacional em Salvador em 1979. O Congresso reuniu mais
de dez mil estudantes e significou o retorno oficial da entidade. A chapa
2
Idéias e imagens são os materiais com o qual a imaginação utópica trabalha. Termo criado por
Bazcko e citado no texto de Dutra (1997).
15
Construção, eleita com 73% dos 5.919 votos válidos, tinha como bandeira os
princípios da democracia, a anistia geral, uma constituinte livre e soberana e a
educação gratuita para todos (BORGO, 1995, p. 170).
A maior influência no movimento estudantil, sem dúvida, foi exercida pelo Partido
Comunista Brasileiro (PCB) que, em meados de 1975, começou a organizar o
movimento a partir de uma tendência chamada “Unidade”, com ramificações
nacionais e organizada pelas chamadas “células do Partidão”.
Duas estratégias foram frequentemente utilizadas pelo PCB. A primeira, de
orientação violenta, envolvia revolução aberta, greves e uma prática prolongada de
terrorismo e sabotagem. A segunda, orientada para a ligação pacífica com as
massas fora do partido, foi a mais representativa na experiência brasileira
(CHILCOTE, 1982, p. 212).
A esquerda foi particularmente influente nos movimentos populares e estudantis da
América Latina durante décadas. Segundo Dagnino, Olvedra e Panfichi (2006, p.
29), a adesão à democracia como principio articulador de seu projeto implicou o
abandono da luta armada como estratégia de conquista de poder e caracterizou um
setor majoritário da esquerda desde o final dos anos 1970.
A tática do PCB tinha o objetivo de promover o surgimento de atitudes favoráveis ou
tolerantes para com o comunismo e de influenciar segmentos formadores de opinião
pública. Desde sua formação, o PCB procurou se estabelecer e/ou penetrar em
grupos de massa. Quer seja na organização de sindicatos, entidades estudantis e
federações, na criação de grande variedade de grupos e participando em instituições
influentes na opinião pública, os comunistas foram capazes de pôr em prática sua
habilidade organizatória (CHILCOTE,1982, p.217).
Esta maneira de fazer política imprimiu no grupo o modus operandis que seria
utilizado por toda a trajetória e um dos fatores estratégicos de manutenção e
ascensão ao poder. A corrente de influência do grupo em questão seguia o
eurocomunismo
3
, baseado no conceito de hegemonia criado por Gramsci (2004 ).
Dois comitês estaduais seguiam esta mesma tendência, o Comitê de São Paulo e o
3
Tendência de alguns partidos comunistas europeus que reinterpretaram as teorias de Gramsci
apregoando a transição pacífica entre o capitalismo e o socialismo.
16
antigo Comitê da Guanabara – Rio de Janeiro – que tinha conexão com Vitória,
principalmente por meio do capixaba Luiz Paulo Vellozo Lucas, aluno de Engenharia
de Produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro na época.
De acordo com o comunista italiano, a combinação da força e convencimento das
classes dominantes em relação às classes dominadas – por meio da difusão de sua
ideologia – consegue impor sua hegemonia formando uma base mais sólida de
poder. Por sua vez, a classe dominada utiliza a estratégia de desorganizar as bases
hegemônicas da classe dominante para conquistar e inserir sua própria hegemonia.
Para Gramsci (apud SADER, 2005, p. 5), esse movimento de cooptação realizado
pela classe dominada é chamado de “revolução passiva”.
A dedicação ao partido, como a única mediação necessária entre a sociedade civil
e o Estado, imprimiu no grupo o direcionamento de seus projetos, a formação de
quadros e a criação de redes operativas que se deslocaram para o poder público.
Além de fortemente impregnados pelo apelo comunista e, sobretudo, pelo
pensamento de Gramsci, a importância do partido como forma de mediação
recebeu uma dose extra naquela geração. Segundo Dagnino, Olvedra e Panfichi
(2006, p. 29) especialmente por se tratar de uma fase de transição, em regimes
democráticos débeis ou em sistemas políticos pouco institucionalizados, a
capacidade organizacional especializada do partido é requerida na luta pelo poder
político formal.
Naquele momento histórico compreendido entre as décadas de 1970 e 1980, a luta
pela democracia representativa era a linha central da mobilização social e o objetivo
principal a ser atingido pelos atores sociais e políticos. No entanto, a abordagem
analítica reduzia o processo político a uma luta entre forças democráticas e
autoritárias na qual a democracia representativa era um fim em si mesmo, e se
perdia de vista que o processo democrático é interminável e não linear, e que,
sobretudo, extrapola a questão da representação eleitoral.
O pertencimento de militância simultânea ou consecutiva em várias organizações e
formas de ação coletivas foi uma constante entre os ativistas da sociedade civil dos
anos 70 e 80 na luta contra o autoritarismo militar. Em geral, naquele período, a
dimensão pessoal estava suprimida na dimensão coletiva dos projetos. Tratava-se
17
de sacrificar as necessidades e aspirações pessoais às demandas e necessidades
da organização política (DAGNINO, 2006, p. 79).
No interior do PMDB, onde se iniciou a vida política partidária oficial do principal
grupo da geração, dois blocos disputavam a posição de candidato ao Governo nas
eleições de 1982, uma das mais significativas do inicio da redemocratização: Max
Mauro representando os históricos
4
do MDB e Gerson Camata representando o
grupo oriundo da Arena. O apoio das lideranças estudantis e do PCB foi
fundamental para a vitória do futuro Governador. Nestas eleições se daria o batismo
eleitoral e o inicio da inserção do grupo em posições chaves nas instituições
públicas.
Por meio do estudo deste grupo é possível analisar as complexas relações entre a
sociedade civil e o Estado na disputa pela construção democrática a partir das
trajetórias individuais de um grupo de dirigentes e ativistas que circularam entre as
duas esferas da atividade, o que parece ser um fenômeno freqüente nas
democracias latino-américas (DAGNINO; OLVEDRA; PENFICHI, 2006, p. 69). As
trajetórias permitem observar tanto as vinculações e separações entre a sociedade
civil e a sociedade política, quanto as mudanças e as continuidades que sofrem os
projetos que orientam as ações dos atores, conforme essas trajetórias se
desenvolvem.
O primeiro capitulo trata da inserção de uma geração na esfera política por meio da
retomada do movimento estudantil. Apresentamos de que forma a Universidade
Federal do Espírito Santo propiciou um ambiente em que alunos de diferentes
formações se reuniram, tendo em comum uma ideologia política, para a difusão dos
princípios comunistas e a formação político-ideológica desse grupo que viria a se
consolidar por meio de movimentos sociais e com o inicio da filiação política
partidária oficial.
O segundo capitulo aborda a fase final da distenção política do Regime Militar. Com
um enfoque especial nas eleições gerais de 1982 quando os principais membros do
grupo obtêm a legitimação nas urnas. Apresentamos o inicio de sua inserção em
4
Os históricos eram os membros do partido que faziam parte da formação do MDB como única
forma de oposição formal de discurso mais radical contra o Governo.
18
posições estratégicas no executivo e no legislativo, bem como o distanciamento do
partido de origem ,o PCB.
O terceiro capitulo tem inicio na Nova República, em um quadro de instabilidades
institucionais e econômicas e aborda a consolidação do grupo em questão, bem
como da sua liderança principal, Paulo Hartung.
O quarto capítulo acompanha a consolidação da democracia com a eleição direta
para presidente da república, o surgimento da comunicação de massa como
mediador entre o político e a sociedade e finalmente, as eleições que conduziram o
grupo ao primeiro escalão do executivo municipal com a vitória de Paulo Hartung
para prefeito da capital.
19
CAPÍTULO 1
A ENTRADA EM CENA
A luta pela renovação democrática –
precisamente por recorrer à ‘guerra de posições’
como método e por afastar resolutamente
qualquer tentação golpista ou militarista –
implica em conceber a unidade como valor
estratégico (COUTINHO, 1979, p. 45).
1.1
O ESTUDO DA FORMAÇÃO DOS GRUPOS POLÍTICOS
Chartier (apud AMADO; FERREIRA; PORTELLI, 2005, p. 23) em seu artigo “A visão
do historiador modernista” apregoa que o pesquisador da história presente, por ser
contemporâneo ao seu objeto, divide com os atores as mesmas categorias e
referências. Dessa forma, a falta de distância com o objeto pode ser um importante
instrumento para o entendimento da realidade estudada. O autor acredita que a
contemporaneidade do pesquisador pode suprir a descontinuidade que separa o
instrumento intelectual, afetivo e psíquico do pesquisador daqueles que fazem a
história.
Porém, existem algumas adversidades no estudo da história do próprio tempo: o da
própria data de nascimento do historiador ou, em termos mais gerais, as concepções
das gerações; os problemas ligados a como nossa própria perspectiva do passado
pode mudar enquanto os procedimentos históricos estão ocorrendo; e como não se
deixar influenciar pelas conjecturas produzidas e compartilhadas pela maioria de
uma época (HOBESBAWM, 1998, p. 243).
Segundo Amado (2005, p. 25) um fator que intimida o pesquisador da história atual é
o fato de lidar com testemunhas vivas, presentes no desenrolar dos fatos, que
podem monitorá-lo ou contestá-lo. Relatar aqui uma realidade que ainda segue seu
caminho é uma grande responsabilidade.
Por este motivo optamos pela metodologia da história oral que representa a maneira
mais fiel de relatar esta história viva, entrevistando e compreendendo o ponto de
vista dos partícipes na essência da sua cultura política. Para Camargo (1994, p. 84)
20
"[...] o método ganha muito quando se sabe entender a natureza dos silêncios que
se criam, das incoerências” para a potencialização das informações obtidas.
Camargo (1994, p. 89) defende que o pesquisador deve buscar conhecer a história
pessoal de cada entrevistado: sua origem familiar, sua formação educacional e
cultural. A autora cita o caso da era Vargas para explicar a influência destes fatores
que moldam as gerações
Alunos do mesmo colégio, ouvindo os mesmos professores, lendo os
mesmos livros e que foram fazer a guerrilha urbana do final dos anos de
1960. Por esse caminho começa-se a formar a matriz das elites políticas, de
grupos estratégicos.
Segundo a autora a tipologia das lideranças políticas é percebida através do registro
de personagens repetidos, como fonte de referência central e matrizes formadoras
de elites, ideologias e posturas. Outro importante estudo é o da etnografia das
relações de cumplicidade, onde se podem perceber as redes de relações e dos
interesses em comum.
Corrobora com esta percepção o conceito de memória coletiva. Para Halbwachs
(2004, p. 88) a história examina os grupos de fora e abrange uma duração bastante
longa. Já o estudo da memória coletiva infere “[...] o grupo visto de dentro e durante
um período que não ultrapassa a duração média de uma vida humana”. Para o autor
a “[...] memória coletiva é um quadro de analogias e é natural que ela se convença
que o grupo permaneceu o mesmo, porque ela fixa sua atenção sobre o grupo”.
Para os membros do grupo o que mudou foram as relações ou contatos com os
outros.
Partindo do princípio da memória coletiva os grupos são percebidos fazendo parte
da mesma geração enquanto a obra não estiver acabada, enquanto as situações
nacionais, políticas e religiosas não tenham sido resolvidas e todas as
conseqüências ainda não tenham se extinguido. Não importa as diferenças de idade,
incluindo jovens ou velhos no mesmo patamar. A passagem de uma geração para
outra se dá no momento que novas demandas se ofereçam para a sociedade,
concluindo uma fase representativa.
Segundo Halbwachs (2004, p. 88) “[...] é possível que no dia seguinte de um
acontecimento que sacudiu, destruiu em parte ou renovou a estrutura de uma
21
sociedade, um outro período recomece”. Mas disso, percebemos somente mais
tarde, quando uma sociedade, realmente tiver tirado de si mesma, novos recursos, e
quando ela se propuser outros objetivos.
Portanto, um dos primeiros desafios desta dissertação resume-se em encontrar um
conceito de geração que seja adequado ao estudo do objeto, já que temos a
necessidade de entender qual é o principal fator de identificação deste agrupamento
de pessoas. Uma das principais dificuldades refere-se ao fato de que o uso
acadêmico da palavra “geração” é similar ao uso comum. Esse uso comum tem a
conotação da “geração social”: grupo de homens pertencentes a famílias diferentes,
onde a unidade entre elas resulta de uma realidade particular.
Dois conceitos podem ser trabalhados para um maior entendimento do termo
geração: o de Sirinelli (1996) e o de Frave (1996), o qual julgamos mais completo
devido à gama de possibilidades do estudo geracional. Utilizamos a sua composição
conceitual como base para a identificação das características do grupo no corpo da
dissertação.
Para Sirinelli (1996) uma geração é estabelecida a partir de um evento fundador
determinante. Dessa forma, um segmento social adquire a conotação de geração no
momento que as contingências de um evento atribuem unidade e coerência a este
grupo. O fato inaugurador confere uma existência autônoma e uma identidade,
aglutinando estes indivíduos no universo geracional.
Este conceito exige cautela segundo o próprio autor por se tratar de um fato
cultural que pode ser determinado por um acontecimento ou “por uma auto-
representação e da auto-proclamação do sentimento de pertencer a uma faixa etária
com forte identidade diferencial” (REIS, 2003).
Os membros da geração política objeto desse estudo viveram o final do regime
militar e os novos ares de liberdade, se encontraram em um mesmo ambiente
propício para a discussão e possuem faixa etária semelhante. Hartung (2007) fala
desse momento vivido pela sua geração:
O momento era muito rico. Você tinha uma fadiga do Regime Militar. Você
tinha uma aspiração pela liberdade, pela democracia, pelo direito das
pessoas escolherem seus representantes nos vários níveis... Você estava
lutando para superar uma fase difícil que o país estava passando. [...]
22
E os estudantes saíram na frente aqui no estado... A intensidade das coisas
explodia. Foi um momento riquíssimo que formou este monte de gente que
está na vida pública, na atividade privada, como profissional liberal... São
figuras que têm um traço próprio em alguns aspectos marcantes... Quando
as pessoas me vêem falando de geração é por isso: formou uma geração
(HARTUNG, 2007).
5
Uma importante consideração de Favre (1996) diz respeito ao enfoque dado ao
evento inaugurador. Apesar de o evento constituir um critério extrínseco que implica
na construção da identidade de uma geração, “[...] não significa dizer que o evento
‘fabrica’ uma geração, como se o evento gerador fosse exterior aos homens que
dele participam. Ao contrário, são os homens que fundam o evento e que lhe
conferem seu valor de evento” (REIS, 2003). Hartung indica o valor do seu grupo
perante o cenário encontrado.
Mas o evento fundador ainda não é o elemento suficiente para a identificação de
uma geração. Favre faz questão de discutir as barreiras para se chegar a uma
análise geracional consistente. Os critérios não apresentam parâmetros objetivos
para a caracterização das gerações. A partir desta premissa, ele estabelece cinco
fatores que poderiam ser utilizados para este desafio. O primeiro fator se refere à
definição das gerações contínuas de acordo com a ordem de entrada em cena, o
que vem de encontro ao conceito de Sirinelli. A geração pode adquirir conotações
distintas conforme as contingências históricas em que os atores estréiam - alguns
períodos são mais ou menos valiosos em eventos consagráveis como geracionais –
e os pesquisadores têm dificuldades de compará-las, já que dependeriam das
classificações sociais e históricas produzidas pelos personagens (REIS, 2003).
O segundo fator de diferença entre gerações diz respeito ao número de membros,
informação que sofre variações demográficas ou conjunturais. O terceiro indicador é
a determinação do sistema de posições sociais em diferentes esferas. O quarto fator
pode amparar-se na diferenciação das práticas entre as gerações sucessivas, mas é
necessário que se atente para o fato de que os modos de vida, sociabilidades e
gostos, por exemplo, podem ter implicação em transformações como as
tecnológicas, sociais e de ordem jurídica (FAVRE, 1996). O quinto e último elemento
para a identificação é a linguagem utilizada pela geração.
5
HARTUNG, P. C. Entrevista concedida em 30 de maio de 2007, em Vitória, à Margô Devos Martin.
Doravante as citações Hartung (2007) é referente à esta entrevista.
23
Para Favre (1996) uma geração é uma realidade para um indivíduo. Ela designa
aqueles que são da mesma idade, seus condiscípulos, seus camaradas, que vivem
o mesmo tempo e participam das mesmas esferas de atividade e influência. São
indivíduos que se sentem ligados pela comunidade de seu ponto de partida, de suas
crenças e desejos. Estes atores foram testemunhas dos mesmos eventos, leram os
mesmos livros e tem como razão de viver uma herança cultural que receberam e
devem transmitir. Este grupo tem um patrimônio perpetuado na busca e na
sustentação do poder. Pinto (2008)
6
, importante formulador do grupo, resume este
sentimento
Minha geração não é de 68. É pós 68: 72...75... Eu acho que foi uma geração
que foi idealista com a situação do Estado, da democracia. Uma geração que
sonhou muito em fazer uma coisa melhor. Eu acho que esta questão foi muito
importante para a nossa formação pessoal. De acreditar que é possível
sonhar. Construir sonhos. Fazer alguma coisa. [...] nesta geração veio um
monte de ator político que está aí... Eu acho que agente entrou na política na
época que estava tudo devastado de qualquer participação política e agente
sonhou que era possível construir alguma coisa. E construiu. Eu acho que foi
uma geração que viveu a democracia de forma muito intensa. Sabe, acho que
essa garotada de hoje não sabe o verdadeiro valor da democracia como
agente viveu (Informação verbal).
Adotando este raciocínio, podemos supor que a diferenciação entre uma geração
social e uma geração política pode ser construída na concepção dos membros do
grupo. A geração política possui as mesmas características da geração social, mas
desenvolve um projeto de conquista e manutenção do poder.
Buscamos auxilio no conceito de projeto político estabelecido por DAGNINO, no qual
conjuntos e crenças, interesses, concepções de mundo, e representações do que
deve ser a vida em sociedade, orientam a ação política dos diferentes sujeitos. A
proposição principal do conceito de projetos políticos é que eles não se restringem a
estratégias de atuação política no sentido estrito, mas expressam, veiculam e
produzem significados que integram matrizes culturais mais amplas (DAGNINO;
OLVEDRA; PANFICHI, 2006, p. 39). Segundo a autora, essa definição, ainda que
simples e claramente vinculada ao pensamento gramsciano contém várias
implicações.
6
PINTO, Lauro Ferreira. Entrevista concedida em 22 de janeiro de 2008, em Vitória, à Margô Devos
Martin. Doravante as citações Pinto (2008) é referente à esta entrevista.
24
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que os projetos políticos, embora presididos
pela dimensão da sociedade, serão sempre combinações de uma gama de
dimensões, com pesos e ênfases variáveis na configuração de cada projeto. A
noção de projeto carrega consigo a afirmação da política como um terreno que
também é estruturado por escolhas, expressas nas ações de sujeitos, orientados por
um conjunto de representações, valores, crenças e interesses, através das
narrativas existentes, mas implicando também em orientação, missão, vocação, num
engajamento autoconsciente de um futuro que pode ser transformado.
Outra consideração sobre projeto político é que a noção se restringe a formulações
sistematizadas e abrangentes, como são, por exemplo, os projetos partidários, mas
recobre a ampla gama de formatos nos quais representações, crenças e interesses
se expressam em ações políticas, com distintos graus de explicação e coerência.
Essa noção adotada permite que ela seja capaz de dar conta da multiplicidade e
diversidade dos projetos políticos envolvidos nos processos de construção
democrática e das diferentes formas de atuação política.
Para Dagnino, Olvedra e Panfichi (2006), a natureza do destino dos projetos não é
definida pelas características ou atributos pessoais dos ativistas, mas na natureza e
no destino dos projetos que orientam a ação política dos atores. As trajetórias
individuais mostram também que os projetos são produtos de um processo de
negociação e síntese entre a dimensão coletiva do movimento social e a dimensão
político-partidária, isto é, entre as metas e projetos que motivaram os ativistas a
fazer parte dos diversos movimentos sociais e organizações civis e os projetos
partidários dos quais, em algum momento, fizeram parte.
É importante ressaltar, que “[...] quando as instituições são fortes, as diferenças
geracionais têm uma menor implicação na sociedade” (FAVRE, 1996, p.290 ). Dessa
forma podemos entender porque em um país como o Brasil, onde a transição e a
consolidação da democracia foram instauradas com diferentes graus de
precariedade institucional, as passagens geracionais assumem claras influências
sobre o cenário social e político.
Apoiados no conceito de geração de Favre (1996) e no conceito de projeto político
de Dagnino, Olvedra e Panfichi (2006) podemos reconhecer o grupo, objeto desse
25
estudo, como pertencente a uma geração, que vai da luta estudantil nas
universidades, na década de 1970, passando pela abertura política da década de
1980, e a consolidação da democracia como impeachment do Presidente Collor em
1992. O projeto político iniciado na sede do DCE, mesmo que não dimensionado
naquele momento, se concretiza em trajetória política na posse do então prefeito de
Vitória Paulo Hartung nas eleições municipais de 1992.
1.2 ANÁLISE DA CONJUNTURA POLÍTICA
Assim como os demais paises da América Latina, depois da Segunda Guerra
Mundial, o Brasil se mantinha dependente do mercado mundial através de
exportações de produtos primários. No entanto estas atividades subordinaram-se à
expansão das empresas transnacionais, acentuando as características oligopolistas
no âmbito mundial e dentro de cada mercado, resultando numa sociedade capitalista
dependente dos grandes centros mundiais. Este processo provocou intensa
mutação nos paises da América Latina, deslocando a supremacia anterior das
atividades primárias exportadoras, para ramos de crescimento mais lentos, com
necessidade de capital e tecnologia e sujeitos as condições mais competitivas.
(O`DONNEL, 1988, p. 36).
Uma estrutura de desenvolvimento similar aos grandes centros de capitalismo
mundial ocasionou o crescimento dos centros urbanos nacionais e a composição
produtiva da periferia, destituída da tecnologia e dos bens de capital (O`DONNEL,
1988, p. 25).
Dessa forma, o período entre a ruptura do estado oligárquico e a implantação do
Estado Burocrático Autoritário (BA)
7
no Brasil foi marcado pelo desenvolvimento
crescente e contraditório entre a eclosão do popular como conteúdo principal da
7
O Estado Burocrático Autoritário é um tipo de Estado característico de uma sociedade capitalista,
e o que o caracteriza como tal, são as suas relações de produção. O estado é organizador das
relações capitalistas no sentido de articular e acolchoar as relações entre as classes e emprestar
elementos cruciais para a reprodução dessas relações. O estado é fiador e organizador das
relações sociais capitalistas, enquanto garante e organiza a vigência das relações capitalistas e
fiador e organizador das classes que se entrelaçam nessa relação, incluindo as classes
dominadas, que são legitimadas na função de dominadas. Esta situação contraditória, por vezes
um exercício ilimitado das racionalidades, levaria ao desaparecimento da classe dominada, por
exploração excessiva ou o reconhecimento das classes dominadas nas relações que ligam o
Estado às classes dominantes. Com o fim da classe dominada desapareceria a burguesia
(O’DONNEL, 1988, p. 25).
26
nação e, por outro lado, as restrições decorrentes de uma produção de acentuadas
características econômicas que provocavam as desigualdades sociais, e que
também estendiam o domínio do Estado. Assim, o governo brasileiro, incapacitado
para conservar o acelerado ritmo de crescimento e para atender a pressão das
demandas populares, “inviabilizou-se”, inclusive em função das próprias dificuldades
acarretadas pela mobilização social à continuidade do processo ampliado de
acumulação, o que abriu uma situação instável que conjugou as mobilizações à
incidência de várias crises (RODRIGUES, 2001).
Neste cenário, foi implantado pelo governo em 1964 o Estado Burocrático
Autoritário, que tinha como principal base social a grande burguesia transnacional. O
Regime era constituído institucionalmente por uma série de organizações com o
objetivo de “reimplantar a ordem na sociedade” mediante a tentativa de propiciar o
recuo do setor popular em momento de intensificação de sua participação,
paralelamente ao projeto de atenuar a crise econômica (O`DONNEL, 1988, p. 62). A
expansão de um setor popular concentrado nos grandes centros urbanos, que
abrangia uma classe operária concentrada numérica e geograficamente pelos
concomitantes processos de extensão da indústria ameaçava as classes
dominantes. O BA consistia em um sistema de exclusão política da população por
meio de rigorosos controles, sendo responsável pelo fechamento dos canais de
acesso ao Governo, impedindo o exercício da cidadania e a participação política.
Também no Espírito Santo passa a ocorrer a mesma alteração a partir da década de
60. Segundo Zorzal (2001, p. 136) três conjuntos articulados de fatores
determinantes geraram as transformações econômicas e sociais: Em primeiro lugar,
a logística de transportes de cargas de longa distância, construída pela CVRD e
seus desdobramentos subseqüentes em termos de condensação industrial da
região. Em segundo, os fatores decorrentes da política de desenvolvimento
industrial, implementada no Governo de Christiano Dias Lopes (1967/1971). E,
finalmente, o aprofundamento da ação desenvolvimentista do estado brasileiro,
verificada, sobretudo a partir do regime militar.
Inspirado pelo projeto idealizado por Jones dos Santos Neves (1943/1945 e
1951/1955), Cristiano Dias Lopes, dá início ao processo de desenvolvimento do
Estado durante todo o seu mandato. “As linhas gerais deste processo estavam na
27
industrialização feita por meio de políticas públicas geridas pela própria burguesia
local”. A Lei Estadual n.º 2.296/67 reformulou todo o aparelho do Estado para
suportar administrativamente um projeto desse porte, diretamente vinculado ao
processo Nacional. Um processo estatizante de proposta auto-suficiente. “Processo
de industrialização conduzido pelo Estado e no qual o próprio Estado deveria prestar
a si mesmo os grandes serviços de que necessitava e provocou a criação de uma
multiplicidade de órgãos” (VASCONCELOS, 1994, p. 26 ).
Várias medidas foram tomadas no sentido de acelerar o processo
desenvolvimentista no Espírito Santo: reorganização do aparato administrativo local,
criação de mecanismos fiscais de subsidio, isenção às empresas e investimentos na
infra-estrutura necessária para a implantação. Vários órgãos foram criados para este
fim, entre eles a SUPPIN e o FUNDAP. Os esforços foram direcionados em três
frentes: os complexos siderúrgico, paraquímico e portuário (DOIMO, 1984, p. 44).
O Governo se viu diante de um desafio: como implantar grandes projetos contando
com uma diminuta população de cerca de 200.000 habitantes na Grande Vitória, na
qual a grande maioria já estava absorvida pelo mercado, principalmente de
serviços? (DOIMO, 1984, p. 44). Foi necessário aumentar a força de trabalho
desqualificada para a implantação dos projetos. A partir do “programa de
erradicação dos cafezais”, implantado em 1962, mais de 150 mil pessoas oriundas
do interior e sem opção de trabalho migraram para as cidades. Como resultado dos
programas de Governo mal implementados, 70% da área erradicada transformou-se
em pastagens.
Segundo pesquisas de Doimo (1995), no início da década de 1970 os jornais
indicavam um grande empenho ideológico por parte do Governo do Estado para
canalizar o fluxo imigratório para a Grande Vitória, que também recebia pessoas do
Sul da Bahia e de Minas. Uma grande campanha foi idealizada pelo governo para
divulgar as perspectivas geradas pela industrialização.
Um contingente de aproximadamente 250 mil pessoas desempregadas e de mão de
obra desqualificada chega à Grande Vitória no início desta década. O fluxo destas
pessoas provocou a ocupação de áreas periféricas da cidade de Vitória – que na
época não oferecia infra-estrutura mínima (NADER, 2003). No final da década de
28
1970 a população urbana já superava a rural, contando com mais de 900 mil
habitantes.
Uma nova configuração social se constituiu principalmente nas cidades de Vitória e
Vila Velha. Na capital do Espírito Santo 44% da população era proveniente de outras
regiões e de outros estados, principalmente mineiros (8%) e do interior do estado
(29%) (BRASIL, CENSO 1970, ONDE VC ACESSO ESSA INFORMAÇAO. Foi do
texto da Nader). A construção de conjuntos habitacionais para a população
empregada de renda média, através dos sistemas da Cohab-ES e do Inocoop-ES,
margeando a orla marítima em direção ao sul, a construção da Rodosol no mesmo
rumo de Guarapari e o início da construção da Terceira Ponte reforçaram o
crescimento populacional (NADER, 2003).
Em seu artigo, Rodrigues (2001) propõe a consideração de dois grandes ciclos
bastante nítidos de mobilização e mudança institucional da história nacional
republicana, os quais denominou de ciclo de entrada e ciclo de saída. No primeiro
caso o autor referia-se ao processo de incorporação das massas urbanas à
participação política, desde os anos 30, passando pela expansão populista, até o
golpe de 1964. Já o ciclo de saída diz respeito ao "renascimento" da sociedade civil
permitido pela eclosão dos "novos movimentos sociais" no bojo da transição de
regime desde a década de 70, que chega até a conjuntura da década de 90.
Trataremos aqui o que o que foi denominado Ciclo de Saída, quando temos a
gênese do grupo em estudo e o processo que deu origem à eclosão dos
movimentos sociais e dos grupos de esquerda.
O argumento principal da tese de O’Donell (1988) defende que os regimes
autoritários nos quais a repressão foi menos brutal e que conheceram períodos de
crescimento econômico significativo permitiram a seus dirigentes recursos políticos
para a iniciativa de abrir o regime e negociar com a oposição a passagem do poder,
resguardando algumas prerrogativas a sua sobrevivência política. Desta forma,
quanto maior for o apoio político impetrado por este regime autoritário no início da
transição, mais gradual e controlado seria este processo e, portanto, maiores seriam
as dificuldades de consolidação da democracia em virtude da presença de “resíduos
autoritários” no novo regime.
29
Em 1974 quando o governo Geisel deu início à liberação política, os militares já
haviam consolidado o modelo de modernização conservadora cujo lema “segurança
e desenvolvimento” resumia suas características. O crescimento obtido por meio do
“milagre econômico” e a eliminação da oposição armada forneceram apoio social e
recursos políticos e econômicos abundante ao novo governo, permitindo-lhe ousar
uma estratégia de transição política que ainda não encontrava apoio majoritário no
seio da elite dirigente (ARTURI, 2001, p. 17).
Ao comparar a autocracia brasileira com os demais paises da região, algumas
particularidades devem ser ressaltadas: o fato de apresentar a mais longa duração,
de ser o mais bem sucedido do ponto de vista econômico, o menos repressivo entre
os seus pares e também o fato de que os militares contavam, para governar, com a
corporação, e não com “Um” militar que assumiu a responsabilidade pelo poder.
Finalmente, a adaptação das instituições políticas à nova ordem autoritária
(ARTURI, 2001, p. 17). É importante ressaltar que os dirigentes sempre
consideraram o autoritarismo como um estado transitório e mantiveram praticamente
durante todo o período a existência de partidos políticos, um calendário eleitoral
oficial e um Congresso em funcionamento, mesmo com severas restrições políticas.
Ciente do aumento da pressão por parte da resistência, o General Couto e Silva
planejou a teoria da “distensão política”, uma tática de abertura do regime instalado
que deveria seguir os passos negociados com a oposição, principalmente a elite,
para uma anistia recíproca que absolvia os presos e exilados políticos, assim como
os militares que participaram da repressão. Se esta negociação de forças foi
benéfica no sentido de amenizar o estado de autoridade, deixou profundas mazelas
na sociedade. Segundo Alves (apud ARTURI, 2001, p. 14) a “[...] impunidade da
repressão de cidadãos enraizou-se em nosso país”.
O general Ernesto Geisel foi impelido, pelos movimentos populares, a implementar a
política de distensão, “[...] uma vez que entendeu que a rigidez autoritária atingida
não era mais desejável nem sustentável, e tampouco seria desfeita com sucesso
numa conjuntura de forte desaquecimento econômico”
(LAMOUNIER, 2005, p. 142).
O governo percebeu que sua legitimidade e seu apoio na sociedade estavam
atrelados de forma indissociável ao desempenho da economia. O baque do petróleo
ocorrido em 1973 deu início à escassez de energia e de outros produtos importados,
30
finalizando um ciclo de energia abundante e barata. Na era de Geisel o Brasil
importava 80% do petróleo.
Mas, antes da anistia, a oposição trilhava caminhos distintos, uns tomaram as armas
para combater o regime de repressão ainda vigente no Brasil. Alguns se
aparelhavam, pouco a pouco, dentro de fábricas, no campo, nas igrejas, nas escolas
e nas universidades, em um movimento popular que desaguou nas famosas greves
dos metalúrgicos de São Bernardo lideradas por Lula no final da década de 1970.
Outros ainda se organizaram em partidos clandestinos inserindo-se na via política
partidária oficial.
Enquanto a negociação era feita pelo Governo junto à elite com o objetivo de dar
prosseguimento à terceira etapa da institucionalização do Estado Burocrático
Autoritário e obter estabilidade e apoio, os movimentos sociais que se organizavam
por todo o país fervilhavam. Os movimentos seculares
8
chegaram a fundar uma
nova associação por dia na cidade do Rio de janeiro e o movimento sindical passou
a ganhar cada vez mais força.
O mais significativo fato da proliferação dos movimentos sociais foi o novo
significado adquirido para o conceito de “[...] o povo como sujeito de sua própria
história”. Segundo Doimo (1995, p. 73), a instauração deste novo tempo popular se
deu “[...] através do resgate da complexa interação seletiva que se estabeleceu entre
determinadas instituições, formações e tradições no incremento à participação de
tipo movimentalista”.
Entre o início dos anos 70 e meados dos anos 80, a idéia do “povo como sujeito”
compareceu intensamente no discurso de diversos atores socialmente relevantes,
principalmente os setores progressistas da Igreja Católica, segmentos da
intelectualidade acadêmica, sobretudo os que formaram centros independentes de
pesquisa, e em agrupamentos de esquerda dizimados pelo regime e cientes da
ineficácia da luta armada. A partir desse momento, uma vigorosa valorização do
cotidiano paralela à rejeição por todo tipo de racionalidade organizativa,
principalmente dos partidos políticos, tomou as ruas. “Uma maneira nova de
mobilização por meio de ‘bate-papos em feiras livres’, ‘conversas na vizinhança’ e
8
Movimentos seculares são associações cívicas que funcionam independentes do Estado.
31
‘reuniões de casa-em-casa’” (DOIMO, 1995, p. 91) que deram início às organizações
reivindicantes no espaço urbano como o Movimento do Custo de Vida em São
Paulo, no ano de 1974, e, mais tarde, o Movimento da Saúde de Goiânia em 1982, o
Movimento de Luta contra o Desemprego, também em São Paulo, e o Movimento do
Transporte coletivo realizado simultaneamente em várias cidades.
As greves do ABC paulista que eclodiram a partir de 1977 estavam inseridas em
uma campanha por reposição salarial que não encontrou na estrutura corporativo-
repressiva canais adequados de processamento das demandas (RODRIGUES,
2001). A crise do "milagre" contribuiu para ativação política dos setores operários de
ponta. O autor afirma que tais movimentos populares e sindicais contribuíram
efetivamente para a conformação de novas atitudes para com o "fazer política",
estruturadas a partir do investimento na socialização do conflito político e no
compartilhamento de uma ética pública solidária, tendências que tiveram desde o
início como horizonte institucional, a democracia. Nesse sentido, mesmo forjando
em seu nascimento uma tendência anti-institucional, os movimentos populares
ajudaram a montar um novo discurso e práticas políticas que influenciaram o
comportamento dos atores na arena política nacional de oposição democrática ao
regime militar.
Setores tradicionais como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) passaram a se articular. Estas organizações atuavam no sentido de
promover a liberdade de expressão e de proteção aos direitos humanos.
A nova lógica da mobilização social vai se estendendo pelo país e influencia os
demais estados da federação. O mesmo acontece com os movimentos sociais da
Grande Vitória, no fim da década de 70, no Espírito Santo.
O clima da abertura política, as notícias das grandes greves do ABC paulista
e do movimento do custo de vida; a existência de “trabalhos de base” – sejam
eles do pessoal da Igreja, da FASE e/ou organização políticas. A atuação de
alguns sindicatos – particularmente dos Médicos e dos Jornalistas e de
algumas associações de categorias como os professores do ensino
secundário (UPES), professores universitários (ADUFES), assistentes sociais,
arquitetos, economistas e a atuação de algumas oposições sindicais; a
formação de entidades de defesa dos direitos humanos como a Comissão de
Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória (DOIMO, 1984, p. 49).
32
É preciso dar especial destaque ao pensamento social da Igreja Católica no período,
concomitante ao auge da Teologia da Libertação, que proliferou na época das
ditaduras militares com o surgimento dos movimentos antiautoritários. A resistência
à ditadura aproximou alguns setores da igreja e os movimentos sociais e culturais
que deram origem aos Movimentos Eclesiais de Base.
A construção do cenário estadual esclarece uma das razões do movimento sindical
que eclodia nas principais capitais do país e apresentava uma fragilidade regional.
Enquanto outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, tinham uma
constituição das camadas produtivas mais estabilizadas, o Espírito Santo apresentava
uma massa de trabalhadores recém-formada e sem qualificação. Apesar das
condicionantes, os movimentos sociais começam a ocorrer na esfera municipal,
mesmo de uma maneira desordenada, conforme cita Pignaton (2005, p. 33).
Diferentemente da 1ª metade da década de 70 e da anterior, surgem aqui
como um fenômeno moderno, pleiteando autonomia organizacional e política
diante do Estado, articulando-se numa ação abrangente e unificadora.
Primeiro em níveis distritais e depois municipais, visando maximizar sua
influência no processo decisório do poder municipal e em outros níveis de
governo. Como exemplo: movimento contra o monopólio do transporte
coletivo e a criação do Conselho Municipal dos Movimentos Comunitários.
O Governo Elcio Álvares (1975 a 1979) acentuou o processo em andamento.
Investiu na criação das condições urbanas que possibilitaram a implantação dos
grandes projetos, como a nova reforma administrativa por meio da Lei estadual nº
3.043/75, cujo objetivo formal era preparar a máquina do Estado para o novo surto
de crescimento que se aproximava. “Na prática, não introduziu nenhuma visão
estratégica e funcionou apenas como ampliadora da capacidade de distribuir cargos
entre amigos do poder” (VASCONCELOS, 1994, p.26 ).
A matéria publicada em agosto de 1978 torna evidente a situação econômica do
Espírito Santo:
Um desconcertante quadro econômico e social é o que encontra um
observador mais atento da cena capixaba: expansão dinâmica de um lado
estagnação e retrocesso de outro, facilidades materiais para uns, carências
essenciais para outros, vazios demográficos e aglomerados populacionais,
modernos empreendimentos impulsionando a comunidade e degradando-lhe
o habitat (O ES..., 1978).
33
A conseqüência mais notável deste período foi a perda da substância da agricultura,
relativa e absoluta, tanto em geração de renda quanto em ocupação de mão de
obra. A agricultura cresceu nos anos 1970 a razão de 1,4% ao ano, retirando a
pecuária, o índice alcançava 3,4 % negativos. Como resultado, o estado perdia
autonomia, uma vez que o desenvolvimento dependia das decisões das grandes
empresas nacionais aqui instaladas que eram orientadas para as necessidades do
Governo Federal. Além dos efeitos econômicos, o meio ambiente era degradado
pelo desmatamento e pela falta de infra-estrutura das cidades que recebiam dejetos
industriais e a ocupação desordenada do solo urbano.
1.3 DO DIRETÓRIO ACADEMICO AO PCB
Após o golpe de 1964, o PCB realizou o seu 6º Congresso, em dezembro de 1967,
e aprovou uma resolução política na qual era apontado, como tática, que só através
do movimento de massas era possível isolar e derrotar a ditadura e conquistar um
governo amplamente representativo das forças anti-ditadura. A situação política
brasileira provocava tensão em alguns grupos no interior do partido. As divergências
se acirravam. Alguns grupos apostavam na necessidade do uso de armas para
enfrentar os militares e preconizam a criação de um foco guerrilheiro e a adoção de
uma plataforma socialista revolucionária. Neste ano esses grupos foram expulsos ou
saíram do partido e organizaram pequenos partidos para pôr em prática suas
concepções políticas, o que os levou à luta armada (A QUEDA..., 2008).
As resoluções aprovadas ressaltaram que a tarefa tática imediata seria a luta contra
a ditadura, a fim de derrotá-la e conquistar as liberdades democráticas, unindo, para
isso, a classe operária e as demais forças patrióticas e democráticas. Do ponto de
vista estratégico, as resoluções assinalaram que a Revolução Brasileira, naquela
etapa, deveria liquidar os dois obstáculos históricos que se opunham ao processo da
nação: o domínio imperialista e o monopólio da terra. A Revolução é entendida como
nacional e democrática.
No ano de 1968 é realizado o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes
(UNE) em Ibiúna, estado de São Paulo. Durante o evento a entidade foi
efetivamente dizimada com a prisão estimada entre 800 e 1.000 estudantes ali
presentes. Dali em diante, surgiu uma nova UNE, com vínculos estreitos com a
34
Organización Continental Latinoamericana de Estudiantes (OCLAE), sediada em
Havana, e com uma linha política favorecendo a revolução armada – isto em uma
época em que os “cautelosos remanescentes do PCB exerciam uma influência muito
pequena” (CHILCOTE, 1982, p. 241).
A partir de 1968, o PCB começou a por em prática as Resoluções do 6º Congresso
objetivando a formação de uma ampla frente democrática que unisse todos os
setores de oposição à ditadura. Nesse período, apesar da repressão policial, os
comunistas se dedicavam a um lento, paciente e duro trabalho de massa nas
empresas, nos sindicatos, nos bairros e nas universidades. Em 1974 o PCB
participou de forma destacada da campanha eleitoral com o MDB, mas sofreu novos
e duros golpes por parte dos órgãos de repressão, com um grande número de
militantes e dirigentes presos, torturados e assassinados. Vários membros do
Comitê Central foram seqüestrados e mortos e a Direção foi obrigada a se deslocar
para o exílio. Assim como em 1974, no ano de 1978 as forças anti-ditatoriais tiveram
um bom resultado eleitoral por meio do MDB, e o movimento democrático conseguiu
provocar um amplo debate em torno dos problemas nacionais.
Seguindo o direcionamento do partido, a relação entre as massas e seus
representantes deveria ser facilitada pelos princípios do “centralismo democrático” e
da “direção coletiva”. O centralismo democrático garantia o debate livre e aberto em
todos os níveis do PCB. As posições políticas e diretrizes a serem seguidas deviam
ser determinadas pela alta direção depois de discutidas pela maioria.
Naquele ano, no Espírito Santo os estudantes ainda não eram ligados a partidos
políticos, mas alguns já apresentavam tendências ligadas ao velho Partidão (PCB),
enquanto outra parte recebia influências de movimentos ligados à esquerda da
Igreja, grupos de esquerda do campo e grupos trotskistas. O chamado “Comitê de
Reconstrução do DCE” recebia estudantes de todas as influências
Mas, porque esta penetração do PCB na universidade? Para garantir a formação de
uma elite. Na concepção leninista, o partido não deveria incluir toda a classe
operária, mas apenas a vanguarda ou a parcela esclarecida do proletariado durante
o período da ditadura burguesa. Assim o partido se tornaria uma espécie de elite
dotada de conhecimento não assimilável pelo operário médio, e estaria
35
explicitamente organizado em uma estrutura centralizada e rigidamente disciplinada,
o que garantiria a coordenação e o controle do proletariado (CHILCOTE, 1982,
p.180).
Voltemos ao ano de 1976 para entender quais elementos influenciaram a formação
do grupo objeto desse estudo. O ano em questão representou um marco para o
movimento estudantil na Universidade Federal do Espírito Santo. Nele foram
iniciadas as discussões entre alunos de diferentes cursos com o objetivo de
reorganizar o movimento e a conseqüente reabertura do DCE (FIGURA 2). A
primeira eleição foi realizada na retomada do Centro Biomédico, representado pelo
curso de medicina da Universidade. As chapas concorrentes eram a “Questão de
Ordem”, aliada dos movimentos de esquerda, e a chapa “Argumento”, que viria a se
tornar precursora do “Movimento do Ócio”
9
, de perfil anarquista. No Centro
Biomédico surgiu o primeiro grupo de discussão com influências políticas, oriundas
do Estado de São Paulo. Neste mesmo ano havia surgido o primeiro DA Livre
10
da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Em termos de
mobilização estudantil, São Paulo era o que havia de mais avançado à época.
Independente das diversas propostas, um desejo semelhante unia os grupos
existentes na UFES: a reabertura do DCE, fato que se consolidaria somente em
1979.
9
O Ócio era um movimento político e cultural dos estudantes da UFES que fez oposição durante
alguns anos ao grupo objeto do estudo. Sempre de maneira irreverente, o Ócio pregava a
discussão livre e ironizava a organização, disciplina e as posições consideradas de “direita” do
grupo que viria a formar a presidência do DCE.
10
DA Livre era uma proposta dos setores radicais do movimento estudantil que consideravam a
estrutura dos DAs oficias uma concessão da ditadura, já que foram autorizados pelo MEC. Em
1976, o movimento estudantil reconstrói o DCE-Livre da USP, batizado “Alexandre Vanucchi
Leme”, em homenagem ao estudante de Geologia daquela universidade assassinado pela
ditadura em 1973.
36
Figura 2. Movimento em favor da Reabertura do DCE na UFES em 1978
Fonte: Borgo, 1995, p. 181
Antes da realização do primeiro Congresso da UNE - após o início do Regime Militar
- os estudantes organizaram o IV Encontro Nacional dos Estudantes no Estado de
São Paulo, onde compareceram 500 delegados de 14 diferentes estados. Neste
encontro decidiram por apoiar os candidatos do MDB às eleições de novembro de
1978, com programas populares, e realizar o Congresso de Reconstrução da UNE
em Salvador no ano seguinte (ROMAGNOLI; GONÇALVES, 1979, p. 34).
O 31º Congresso Nacional da UNE somente viria a ser declarado instalado em 29 de
maio de 1979 por um de seus ex-presidentes - José Serra (63/64) - no Centro de
Convenções na cidade de Salvador. O Congresso contou com a participação de dez
mil pessoas, representando um milhão e trezentos mil estudantes universitários
brasileiros.
37
Figura 3. Dez mil pessoas participaram do Congresso de Salvador em 79
Fonte: Romagnoli e Gonçalves, 1979, p. 44
Sessenta e quatro estudantes capixabas participaram do Congresso (FIGURA 3),
considerado ilegal pelo governo, que instalou várias barreiras policiais ao longo das
vias de acesso ao Estado da Bahia (ROMAGNOLI; GONÇALVES, 1979, p. 55).
Segundo entrevista da diretoria provisória da UNE em 1979 o encontro representava
a volta da discussão política aberta nas universidades.
Realizamos um Congresso amplo e democrático, o mais representativo de
toda a história da UNE. Todos os estudantes, independente de suas idéias e
convicções políticas, puderam apresentar suas propostas e discuti-las com os
colegas em assembléias, congressos internos e votações em urna, realizadas
na maioria das faculdades do país. Uma lição prática de democracia, a
democracia que há tantos anos é negada ao povo brasileiro (ROMAGNOLI;
GONÇALVES, 1979, p. 5
).
No Congresso da UNE em Salvador tiveram início as tendências do Movimento
Estudantil. Uma delas é chamada de “Unidade”, com pessoas ligadas ao Partido
Comunista Brasileiro. A chapa concorrente era formada por pessoas do grupo de
estruturação do Partido dos Trabalhadores, que se encontrava em período de
germinação. Havia também as tendências “Convergência Socialista”, “Liberdade e
Luta” (LIBELU), a “Centelha” e a “Caminhando”, com influência do PC do B.
A partir da repercussão do encontro os alunos da UFES tomaram conhecimento de
que havia um grupo de estudantes organizado através de uma tendência chamada
UNIDADE. Nas reuniões semanais dos membros do grupo em questão eram
discutidas ações que viriam a ser realizadas na universidade e na sociedade. Desde
38
o início este grupo se preocupava em manter diálogo e mobilização fora dos muros
da Universidade, para dar amplitude às suas ações.
Apesar de ter atraído grande parte dos estudantes, o grupo UNIDADE era visto por
muitos como de inclinações direitistas e rotulado como “reformista”. A origem do
termo vem da obra “O Renegado Kautsky”
11
, escrita por Lênin. O notável formulador
e líder da revolução russa, em determinado momento, foi contra a ditadura do
proletariado. Pignaton (2006)
12
, membro do grupo Unidade na época, explica esta
interpretação:
Depois que a gente foi ao Congresso da UNE, em 79, a hegemonia do
movimento estudantil foi do Partidão. As outras tendências tinham pessoas
isoladas, que falavam que o Partidão era muito moderado, não queria fazer a
revolução, era reformista... Naquela época, se falasse em fazer reforma para
dar mais qualidade de vida à maioria da população, você era considerado um
traidor. Era uma linha muito moderada, o PT estava surgindo com toda força.
Então quando nós fomos ao Congresso da UNE e voltamos, organizaram as
tendências, nós já voltamos com a convergência socialista organizada
(Informação verbal).
Um dos motivos da pecha de “direita” devia-se também ao fato da forte vinculação
com a reitoria universitária. O grupo tinha ação conjunta com a reitoria comunitária
nas mobilizações internas e com a sociedade, o que lhes rendeu também o rótulo de
“pelegos”. Pignaton (2006) continua explicando estes embates com os demais
grupos políticos que conviviam na Universidade.
Nós tínhamos uma vinculação importante com a reitoria comunitária, que era
um parceiro importante, então nós éramos um grupo dentro daqueles
conceitos clássicos de pelego... O nosso grupo, dentro da Universidade,
comparado com os outros como o LIBELU, era considerado de direita. Tanto
que a política dos Centros Acadêmicos não vem pela nossa mão. Elas vêm
pela mão da esquerda trotskista, que entende do conceito C.A. e C.A. livre,
versus os Diretórios Acadêmicos. Tem algum momento em que todos nós
nos envolvemos com o tema e isso vira uma política de todos, mas ela é
11
Em O Estado e a Revolução, Lênin, a partir dos textos de Marx e Engels, discute qual a atitude
que os bolcheviques deveriam ter diante do Estado burguês e que tipo de Estado deveria ser
construído pelos trabalhadores. Opõe-se ao modelo bolchevique depois de 1917, passando a ser
conhecido como o renegado Kautsky, segundo a expressão de Lenin. Com efeito, Kautsky vai
criticar no leninismo a faceta jacobino-blanquista, por ter-se forçado o processo histórico,
queimando etapas, visando a construção do socialismo num país atrasado. Continua a considerar
que quanto mais capitalista é um Estado, mais próximo está do socialismo. Considera também
que a ditadura do proletariado deve ser conseguida através da obtenção de uma maioria
parlamentar de socialistas e que a democracia direta não deve substituir e esmagar a democracia
representativa
12
Pignaton, 2006. Entrevista concedida em 30 de novembro de 2006, em Vitória, à Margô Devos
Martin, por Fernando Pignaton. Doravante as citações Pignaton (2006) é referente à esta
entrevista.
39
introduzida no contraditório à nossa posição. Nós éramos os reformistas
(Informação verbal).
Como outros partidos, o partido comunista no Brasil tinha uma estrutura
organizatória que compreendia organismos locais, intermediários e centrais. Tinha
uma direção e bases, organismos auxiliares e de apoio, funções e princípios
organizatórios. Como os partidos comunistas de outras partes, o partido brasileiro
compunha-se de um sistema de células nos locais de trabalho, reivindicava para si a
representação dos interesses da classe operária e professava o igualitarismo e a
confiança nas massas. Sua ideologia postulava a crença no progresso tecnológico
civilizador para a auto-reforma do regime e a tentativa de um novo partido
governista, com diálogo com o governo e o complexo desafio de conter os aparelhos
repressivos (CHILCOTE, 1982, p. 165).
O partido comunista tentava recrutar as massas para as suas fileiras e atinha-se a
um esquema rígido de contribuições individuais, das quais dependem as finanças do
partido. Ao invés de convenções, o partido comunista organizava unidades de
trabalho menos exclusivas e de bases mais amplas, cuja principal função é a
educação política dos quadros. Na teoria, a direção deixava de ter importância na
medida em que a autoridade e o poder se distribuíam pela complicada rede de
instâncias. Na prática surgiram indivíduos poderosos e tendências oligárquicas, mais
como resultado das posições políticas do que da própria natureza do partido.
O grupo, objeto desse estudo, começa a associar a luta estudantil à vida partidária.
A filiação ao PCB, mesmo que clandestina, se deu ao longo de 1978. Segundo
Wellington Coimbra, que já na faculdade era conhecido como Lelo, os estudantes
chegaram a oferecer certa resistência.
Havia algumas idiossincrasias, algum desconforto na forma de tentar fazer a
nossa organização se tornar partidária. Um certo voluntarismo naquela
transição do circulismo para organização formal. Isso retardou um pouco.
Seguindo a tendência de descentralização das forças do partido e fortalecimento das
bases o PCB do Espírito Santo se organizou e se fortaleceu. O Partidão, que estava
desorganizado no Estado durante o período do Regime Militar, voltou a operar por
meio dos alunos da Universidade que montavam a chapa do DCE. Pinto (2008),
40
que optou por não entrar na composição da chapa se tornou primeiro secretario do
Comitê Estadual e continuou a orientar a estratégia política do movimento:
E nesse momento que a gente começou a ter alguma conversa com os
membros do partido comunista de São Paulo e resolvemos: ‘já que o caminho
é esse vamos fazer!’
Então ficou mais ou menos acordado: ‘Você não entra na chapa do DCE e
nos ajuda a montar o partido’. E então, eu fui o primeiro secretário e
organizador deste embrião do partido aqui. Não era o secretário geral, mas o
primeiro secretário do estado fui eu. [...] Fui eu, foi o Paulo, foi o Lelo, foi o
Geraldo. Foi a turma do DCE. Esta estrutura do partidão nós é que criamos.
Nós fizemos e mantivemos o contato com São Paulo e com o Rio e depois de
um tempo passei a receber a ‘Voz Operária’ em casa. A ‘Voz Operaria’
chegava todo embrulhadinho, a gente lia e depois passava para a turma
(Informação verbal).
Durante o processo de reestruturação do Comitê Estadual, os membros do
movimento estudantil tomaram conhecimento da antiga direção do partido local e
entraram em contato com seus antecessores, os quais foram apelidados de
“velhinhos”. Pinto (2008) narra este episódio:
Eu lembro que foi um negócio emocionante, e aí descobrimos que havia uma
coisa de partido antiga. Aí nós recebemos a informação que tínhamos que
fazer contato com “os velhinhos” Nós não sabíamos. Aí fomos atrás do
Parafuso, o Vespasiano Meireles, que era um operário, o Clementino e do Dr.
Magalhães que era um médico antigo. E nós fomos procurar este pessoal e
foi emocionante porque eles choraram, eles se emocionaram e ficaram
extremamente sensibilizados. A gente estava recriando o partido aqui. [...] A
orientação que recebemos de fora foi: “vocês criam uma direção e acolhem a
turma”. A gente falou: “Vamos criar uma direção de quatro. Dois velhos e dois
novos” Então a primeira direção de quatro foi eu e Paulo e dois velhos. Só
que os dois velhinhos ficaram tão felizes, tão embevecidos que o que agente
queria eles estavam apoiando. Imagina: ter alguém criando o que foi a vida
deles com setenta e poucos anos!! (Informação verbal).
O grupo de alunos que seguia a tendência chamada Unidade deu origem a chapa
Construção presidida por Paulo Hartung, que concorreu com mais quatro chapas
para diretoria do DCE. Faziam ainda parte da chapa Construção, Fernando
Pignaton do curso de Medicina, como vice-presidente, e Neivaldo Bragato do curso
de como tesoureiro. Eleita em 9 de novembro de 1979 com 73% votos válidos
(BORGO, 1995)
13
, tinha como bandeira os princípios da democracia, a anistia geral,
uma constituinte livre e soberana e a educação gratuita para todos. Abaixo recorte
da Revista Agora (NA UFES..., 1978, p. 32):
13
Dos cerca de 8.500 alunos matriculados, compareceram para votar 6.247 alunos.
41
Figura 4. Na matéria, a chapa Construção recebeu o adjetivo de moderada
As grandes linhas de trabalho do movimento estudantil nasciam sob a orientação do
partido. Subordinados aos Comitês Universitários havia as chamadas “bases”, que
eram formadas por pessoas agrupadas nos cursos. De formação vertical, o partido
apenas apresentava características horizontais nas grandes assembléias.
Quando o assunto era captar apoio junto aos estudantes os principais canais
utilizados no Espírito Santo eram: o jornal clandestino "A Voz Operária", elemento
chave na divulgação, forte canal de comunicação com os operários que também era
distribuído na Universidade e um documento chamado "DCE Denuncia". Além do
trabalho de cooptação existia um esquema de distribuição de informações chamado
42
circulismo. O advogado Stein (2006)
14
narra como era feita a cooptação dos
estudantes e como funcionava o circulismo:
O centro era uma pessoa já com discussão acumulada pelos líderes
anteriores, já incorporando visão política, os aspectos teóricos de
organização social, organização política. O objetivo era trazer então novos
estudantes para essa discussão, em torno dessa visão. Outros grupos
políticos na Universidade também faziam isso, não ligados ao PCB, e
acabaram sendo oposição a nós lá dentro, indo se alinhar a outras forças.
Essa ‘partidarização’ existia e eu acredito, com certo escrúpulo, no sentido de
não ser o partido em si o centro da atração para atrair as pessoas: ‘venha ser
comunista’. O foco partidário não era esse, mas, ‘venha discutir a realidade
brasileira, participe da sua transformação’ (Informação verbal) .
De acordo com os integrantes do grupo que dirigiu o DCE na UFES em 1979
existiam dentro da Universidade mais de 200 pessoas que participavam de um
Grupo de Estudo, como veremos mais adiante, e faziam o circulismo, mas nem
todas eram do Partidão.
O PCB foi se organizando a partir da nova formação e o Comitê Estadual passou a
contar também com os estudantes Idelberto Muniz, Lelo Coimbra e o professor da
UFES Izildo Leite. O Comitê Universitário era formado por Robson Leite, Fernando
Pignaton, Ernesto Negris e Anselmo Tozi.
A intenção inicial do partido era crescer o máximo possível horizontalmente,
tornando-se, gradativamente, mais seletivo. De acordo com Pignaton (2006), “[...]
nós não fazíamos seleção de massas, queríamos formação de quadros, no velho
estilo bolchevique mesmo. Então, eram pessoas que tinham dedicação quase
religiosa”. Não era difícil entrar, e sim encontrar quem aceitasse tamanha dedicação.
Ainda segundo Pignaton (2006) a dedicação dos membros do movimento estudantil
ligados ao Partidão os diferenciava dos demais:
Naquela época nós tínhamos um compromisso com o social maior que o
compromisso com a gente. A gente dedicava a vida... aquilo era 24 horas por
dia. Nós fazíamos reuniões secretas. Tinha que pegar pessoas de kombi, de
carro, botar a venda nos olhos e levar para os lugares. As convenções
estaduais do Partidão eram num sítio do meu pai em Domingos Martins.
Todo mundo saía vendado, o carro rodava, rodava, era tudo clandestino.
Acho que foi em 1978. Essa reunião lá em Domingos Martins mesmo - que
foi um Congresso Estadual do PCB - foi feita dessa maneira.
14
Stein, 2006. Entrevista concedida em 7 de dezembro de 2006, em Vitória, à Margô Devos Martin,
por Stanislau Kostka Stein. Doravante as citações Stein (2006) é referente à esta entrevista.
43
Os caras que achavam que a revolução era a guerrilha, uma insurreição
popular, se dedicavam a isso a vida inteira, o dia inteiro, estudavam o que
dava! Eu acho que a trupe do Partidão desenvolveu, pela militância política,
uma atividade intelectual de estudos de textos e debates que também era
usada na área acadêmica que, sinceramente, nos colocou entre os melhores
alunos das escolas (Informação verbal).
Segundo Chilcote (1982, p. 206), o militante comunista no Brasil, como em outras
partes, devota-se inteiramente à vida do partido. Ele militava em sua célula, discutia
com seus companheiros as questões importantes trazidas na imprensa do partido,
prestava serviços ao partido e à suas organizações auxiliares. Mesmo a vida privada
e familiar do militante era incorporada à vida partidária, já que o partido não
organizava apenas o trabalho, mas também os esportes, as diversões, o lazer e as
atividades culturais. O militante comunista era dotado também de um arcabouço de
idéias, uma filosofia política, uma filosofia global: uma explicação sistemática do
universo, um conjunto de valores e um sentimento de fé.
Porém os membros do grupo do DCE não concentravam as suas atividades dentro
dos muros da Universidade. Pelo fato do PCB ser formado por diversos
representantes da sociedade, que participavam das discussões e expunham seus
anseios, o grupo tinha a possibilidade de absorver as demandas sociais. Uma marca
desta participação já havia sido percebida no início de 1979 em um amplo
movimento de solidariedade, provocado pela histórica enchente na bacia do rio
Doce, que desabrigou um grande número de habitantes. Esta mobilização social
aproximou o grupo da Igreja Católica, pelas mãos do Arcebispo de Vitória, Dom
João Batista de Mota e Albuquerque.
A ala de esquerda da Igreja católica ainda acolhia forças políticas como o MEP
(Movimento de Emancipação do Proletariado) e grupos populares alinhados com os
movimentos operários, que viriam a formar o Partido dos Trabalhadores,
principalmente na Cáritas da Diocese de Vitória. Alguns membros do grupo,
estudantes de Medicina, compunham a Comissão de Saúde da instituição nas
regiões de Cariacica e da Serra.
Além da participação nas enchentes, o grupo exerceu sua influência na sociedade
através de outros movimentos, como o combate à tentativa frustrada da instalação
de uma usina de beneficiamento de Urânio e a ajuda aos grevistas no movimento
dos operários da construção civil que ocorreu nos anos de 1979 e 1980.
44
A crescente crise do marxismo estimulou a leitura do comunista italiano Antônio
Gramsci por segmentos da intelectualidade motivados pela nova interpretação do
populismo e sobre a cultura. Este segmento começou a perceber a existência de
uma sociedade civil e o valor político do senso comum “[...] contra o lado perverso
do chamado centralismo democrático” (DOIMO, 1995, p. 75). Da mesma forma,
segmentos da esquerda também incorporam a filosofia da práxis gramsciana.
O pensamento de Gramsci foi influenciado pela realidade da sociedade européia dos
anos 20 e 30, que naquele momento já continha um complexo de organizações
sociais e políticas estáveis sob Estado democrático-parlamentar, em contraste com a
sociedade “primitiva” da Revolução Russa. Por este motivo foi criada a proposta da
“guerra de posições” ao contrário da “guerra de manobra”, isto é, de construção da
hegemonia “da classe” através da conquista nas diferentes instituições, em vez de
partir para “relações políticas de força” (GRAMSCI
, 2004). A influência deste
pensamento fica muito clara neste trecho de Stein (2006):
Houve forças políticas dentro do Brasil contrárias à ditadura que
enveredaram num caminho de enfrentamento absolutamente estéril, sem
nenhuma chance de fecundar e disso nascer um resultado concreto. O que
aconteceu foi um morticínio total. A gente tinha uma visão, que passava pela
reflexão do partido, de como fazer as coisas. Então você tem força social.
Quem não tem força social não tem capacidade de mudança, e para ter
capacidade de mudança você tem que perceber como isso está no
imaginário do cidadão, daquele que pode se agregar ou se afastar do
movimento, porque se não estiver na mente dele, ele não se agrega e será
mais um transeunte (Informação verbal).
Antes mesmo da filiação dos primeiros membros do grupo o PCB já recebia a
influência do movimento chamado eurocomunismo, que teve a sua gênese nos
conceitos desenvolvidos por Antônio Gramsci no Partido Comunista Italiano. Tais
conceitos vinham de encontro às determinações do 6º Congresso.
A teoria gramsciana se ampara na suposição de que a sociedade chamada
burguesa possui fissuras que comportam a militância de esquerda. O que se
entendia por revolução, a bolchevique, era um modelo que havia se esgotado na
Rússia de 1917. O autor defendia que não era mais possível derrotar o capitalismo
por meio da luta armada. Era preciso corroê-lo por dentro, explorar as contradições,
construir a hegemonia de um partido de forma lenta e gradual.
45
A compreensão da necessidade de “fazer política” originária do leninismo levou
Gramsci (apud COUTINHO, 1981) a compreender a importância central da política
de alianças. Ele estava convencido de que para se tornar “classe dirigente” e triunfar
na complexa estratégia o proletariado não poderia se limitar a controlar a produção
econômica, mas também deveria exercer a direção política-cultural sobre o conjunto
das forças sociais que, por diversas razões, se opunham ao capitalismo. Para obter
êxito, a classe operária deveria conhecer e dominar os mecanismos de reprodução
da formação econômica-social que pretendia transformar.
Para o teórico italiano, o avanço e a consolidação do movimento dos trabalhadores,
numa sociedade de tipo “ocidental”, passam por uma constante “guerra de posições”
de forma planejada e com uma eficiente organização, na qual se faz necessária a
participação ampliada na construção do consenso. Ao contrário, a “guerra de
movimentos” se faz muitas vezes com manobras súbitas de pequenos grupos, com
ações fulminantes de minorias, agindo em nome da maioria.
A “guerra de posições” busca a transformação da sociedade e a mobilização, que só
pode ser substancial, e também apresentar efeitos duradouros, se apoiada em
consciências coesas e articuladas em um pensamento austero e lúcido.
Gramsci buscou inspiração em “O Príncipe de Maquiavel para tecer sua teoria do
partido político, deixando claro, que Maquiavel construiu uma tese de acordo com
seu tempo, necessária frente à conjuntura da sua época, na tentativa de unificar as
monarquias nacionais perante a ascensão da burguesia em oposição aos
resquícios da sociedade feudal. Para Gramsci, O Príncipe já não pode ser um
indivíduo, mas um partido, que forma uma vontade coletiva:
O moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um
indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um elemento complexo da
sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade
coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo
já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a
primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que
tendem a se tornar universais e totais. (GRAMSCHI, 1991, p. 6).
O partido na visão leninista assume papel de primeiro valor. A ele cabe conhecer a
tendência especifica de um tempo estrutural, estabelecer etapas e fases,
46
identificar, em cada momento, o elo principal entre elas e indicar, a partir daí, as
tarefas a serem cumpridas pelo proletariado(FIORI, 1991, p. 393). Gramsci
vislumbrava a vontade coletiva comoconsciência operosa da necessidade
histórica”, sendo a necessidade elevada à consciência e convertida em práxis
transformadora. Mas, para o desenvolvimento da vontade coletiva são necessárias
condições objetivas obtidas por meio de uma análise histórica e econômica da
estrutura do país, para o direcionamento capaz de atuar efetivamente sobre a
realidade.
Para cumprir os objetivos traçados pelo partido, a vontade coletiva não pode ser
imposta de forma arbitraria, mas, por meio da politização da sociedade civil. Todo o
grupo social, cria para si ao mesmo tempo, uma ou mais camadas de intelectuais
que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função.
Que todos os membros de um partido político devam ser considerados
como intelectuais é uma afirmação que pode se prestar à ironia e à
caricatura; contudo, se refletirmos bem, nada é mais exato. Será preciso
fazer uma distinção de graus; um partido poderá ter uma maior ou menor
composição do grau mais alto ou mais baixo, mas não é isto que importa:
importa a função, que é diretiva e organizativa, isto é educativa, isto é,
intelectual. (GRAMSCHI, 2004, p. 19).
Gramsci aponta os intelectuais como agentes de transformação. É importante
esclarecer que para o autor todo homem deve ser considerado um intelectual, não
pelo seu nível cultural, mas pelas funções exercidas. Segundo a teoria gramsciana
existem três tipos: o intelectual cosmopolita – aquele que está mais preocupado
com questões exteriores às de sua realidade nacional; o intelectual tradicional –
como um humanista, autônomo em relação às outras classes, serviçal da classe
dominante; e o intelectual orgânico, responsável pela conexão histórica entre a
teoria e a prática.
O intelectual orgânico nasce das necessidades da classe dominante futura no seu
processo de formação, isto é, quando ela ainda é classe dominada. O intelectual
tradicional é o tipo de intelectual formado a partir das necessidades do domínio, nas
condições das classes antigas. Cabe ao intelectual orgânico a articulação do partido
revolucionário que empreenderia a reforma intelectual e moral, proporcionando aos
grupos sociais consciência de seu papel histórico e social.
47
Conforme Hartung (2007), a influência gramsciniana no movimento estadual se deu
por meio do Comitê Estadual do Rio de Janeiro:
O pensamento que foi sendo lentamente desenvolvido no partido, já nessa
época que eu entrei, era muito forte. Tinha um núcleo muito forte na PUC do
Rio, que de certa forma influenciou o partido aqui no Espírito Santo. Luiz
Paulo representava esta ponte, do Rio para cá. A PUC era um centro
importante desse pensamento (me lembro da Dora, do Sergio Décimo –
figuras importantes do movimento estudantil da PUC, naquela época). É a
visão da democracia como valor, que depois Carlos Nelson Coutinho
escreveu um texto que influenciou muito essa geração.[...]
A democracia deixa de ter um papel tático e passa a ter um papel estratégico.
Passa a ter um valor permanente, ou seja, nós temos que enfrentar o
problema da desigualdade, nós temos que enfrentar o problema da miséria,
nós temos que buscar a emancipação humana pela via da democracia. Essa
é a forma correta da gente atingir os objetivos humanistas que estão
engendrados no pensamento socialista (Informação verbal).
O ensaio escrito por Coutinho (1979), Democracia como Valor Universal, foi
publicado na conjuntura de 1979, quando os caminhos da transição ainda eram
inconstantes e a esquerda brasileira convivia com dilemas de identidade. “Naquele
momento, era preciso acentuar com ênfase que, sem democracia, não existe
socialismo – uma assertiva que, de resto, a década de 1980 só fez confirmar, até
mesmo de modo clamoroso”. Tratava-se de um ensaio que propunha uma nova
visão do socialismo provocando “dissensos e consensos”. Por um lado, Coutinho
(1979, p. 37) recebeu duras críticas dos seguidores da doutrina "marxista-leninista" e
de liberais; no entanto, muitos dos seus leitores comungaram com as teses centrais
ali propostas. Vejamos um trecho do ensaio:
A concepção segundo a qual a velha máquina estatal deve ser
destruída para que se possa implantar a nova sociedade – uma
metáfora que é muitas vezes entendida em sentido demasiadamente
literal – quer indicar precisamente que a democracia política no
socialismo pressupõe a criação (e/ou mudança de função) de novos
institutos que não existem, ou existiam apenas embrionariamente na
democracia liberal clássica. E, do mesmo modo como forças
produtivas materiais necessárias à criação da nova formação
econômico-social já começam a se desenvolver no seio da velha
sociedade capitalista, assim também esses elementos da nova
democracia já se esboçam – frequentemente em oposição aos
interesses burgueses a aos pressupostos teóricos e práticos do
liberalismo clássico – no seio de regimes políticos contemporâneos
dominados pela burguesia. Refiro-me aos mecanismos de
representação direta das massas populares (partidos, sindicatos,
associações profissionais, comitês de empresa e de bairro, etc)
mecanismos através dos quais essas massas populares – em
particular a classe operária – se organizam de baixo para cima e
constituem aquilo que poderíamos chamar de sujeitos políticos
coletivos.
48
Neste cenário, o grupo dava andamento ao seu projeto político no comando do
diretório, convicto da construção “das liberdades democráticas” por meio da
representação direta da sociedade. Na gestão do DCE os militantes distribuíam o
material e tinham a oportunidade de entrar nas salas de aula, com a permissão dos
professores, de forma a interagir com os alunos dos mais diversos centros
acadêmicos e convidá-los para as grandes assembléias de discussão. Assim, o
grupo foi ampliando a sua área de influência e de popularidade.
Não obstante, o grupo não conseguiu emplacar a chapa sucessória perdendo a
diretoria do DCE, em 1980, para uma chapa de tendências ligadas à formação do
partido dos trabalhadores, como será explorado mais adiante.
A dualidade que marcava a época entre esquerda e direita também se fazia sentir,
mesmo entre os grupos que se mobilizavam a favor da democracia, e a atividade
política imprimia as suas marcas, no desempenho dos atores. A convivência com a
doutrina do partido bolchevique influenciava o comportamento dos militantes e criava
um paradoxo de como uma organização de discurso democrático poderia não
aplicar a democracia no relacionamento interno. Nascimento (2006) narra sobre esta
prática na base do partido:
Todos nós éramos filhos da ditadura, por isso a nossa prática não era uma
prática democrática. Por mais que a gente queira dizer que todos podiam
falar nas assembléias, havia uma direção que encaminhava cerca de 90%
daquilo que era decidido em grupos pequenos. Claro, nós perdíamos muitas
vezes essas discussões nos grupos maiores, mas o grau de democracia era
pequeno. Mesmo porque não tinha como ser muito grande. Volto a dizer,
eram quadros, e eram quadros que faziam desde as decisões políticas até
colocar uma faixa, pintar um painel... quantas vezes eu passava noites
fazendo camisas naqueles silk screens. Chegou uma época, do Arimatéia,
que começou a dar problemas entre jovens universitários que queriam maior
participação. Nós também fomos avançando, vendo que não era a melhor
forma de organização, que precisávamos de lugares maiores para
discussão... Mas no início a democracia era muito restrita (Informação
verbal).
1.4 INÍCIO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA
Enquanto o General Figueiredo consolidava a reorganização do sistema político
oficial, a disputa partidária tomava conta da universidade e da sociedade. Já naquele
final da década de 1970 o então MDB apresentava o caráter heterogêneo que
carrega até os dias atuais. Assim como outras organizações clandestinas, os
49
estudantes da UFES, objeto do nosso estudo, enquanto militantes do Partido
Comunista Brasileiro, filiaram-se ao MDB, que desde as eleições de 1974 havia se
consolidado como um partido com condições de exercer uma oposição efetiva ao
regime autoritário, que pressionava o governo para que a redemocratização se
tornasse realidade. Atuando ativamente no processo de organização e mobilização
da sociedade civil, estas forças vinham aumentando a intensidade de
questionamento ao regime.
Já naquela eleição, de 1974, o MDB participou efetivamente inserido no MDB, no
entanto sofreu duros golpes por parte dos órgãos de repressão, com um grande
número de militantes e dirigentes presos, torturados e assassinados. Vários
membros do Comitê Central foram seqüestrados e mortos e a Direção do Partido
buscou o exílio.
Era grande o empenho dos dirigentes do partidão em favor do MDB como única
força oposicionista em condições institucionais de enfrentar o Regime. Nas eleições
de 15 de novembro de 1978, Prestes enviou um apelo ao povo brasileiro
convidando-o a votar nos candidatos do MDB à Câmara, ao Senado e às
assembléias legislativas estaduais. O texto afirmava que "[...] uma grande votação
dada ao MDB fará com que ele saia da pugna eleitoral fortalecido e mais definido
como uma frente unida de resistência e combate ao arbítrio" (LUIS..., 2007).
O movimento estudantil, ainda em formação e na luta pela abertura do DCE, foi às
ruas para apoiar o partido de oposição, dois dias antes das eleições de 1978. A
passeata partiu da Catedral, de uma missa em celebração à libertação do estudante
pernambucano, Cajá, membro da pastoral de Recife, que sensibilizou a Igreja e a
imprensa de todo o País (Figura 5). Além do apoio aos candidatos do MDB como
Berredo de Menezes e Max Mauro, os estudantes também manifestavam o repudio
a política do Governo e a carestia e o apelo à Anistia.
50
Figura 5. Passeata dos Estudantes no Centro de Vitória em novembro de 1978
Fonte: Arquivo pessoal do Paulo Hartung
Em 1978, em meio à “distensão democrática” promovida por Geisel, as forças de
oposição conquistariam um bom resultado eleitoral por meio do MDB, e o movimento
democrático consegue provocar um amplo debate em torno dos problemas
nacionais.
A existência de eleições e a sobrevivência de instituições políticas liberais, mesmo
durante o período de maior agravamento do regime autoritário, deve-se a uma
característica tradicional do sistema político brasileiro definida pela competição intra-
elites no poder político das eleições (ARTURI, 2001, p. 15). No entanto, a utilização
do processo eleitoral para pautar a transição se esgotou com a última reforma
institucional do regime autoritário: e extinção dos dois partidos existentes: ARENA e
MDB e a implementação do pluripartidarismo em 79, como veremos mais adiante.
51
A plataforma do MDB pregava a revogação do AI-5
15
e do Decreto Lei n.º 477
16
. A
reivindicação da supremacia da sociedade civil sobre o Estado expressava-se em
nome do que o MDB chamava de “comunidade de base”, onde incluía a família,
escolas, bairros, empresas, municípios, igrejas, sindicatos, associações,
cooperativas e demais organizações da sociedade. Segundo Chacon (1998, p. 198),
este era o conceito “cuja conquista por dentro Antônio Gramsci previra, nas
cabeceiras do eurocomunismo, e que também o catolicismo se esforça por realizar”.
A afinidade desta linha atraiu os membros do movimento estudantil e os militantes
do PCB, que viriam a se filiar neste partido. A passagem dos membros do
movimento para a política partidária ocorreu de forma natural como conseqüência da
participação no partidão, conforme relata Herkenhoff (2007):
Antes de terminar a faculdade eu me filiei no MDB no quarto ano, porque era
a linha do partidão. Era a resistência democrática, a via do partido de
oposição era o MDB. Nessa época quem participava mais do MDB éramos eu
e o Paulo Hartung. Fomos muito bem recebidos. O partido via como uma
renovação. Nos chegamos a vencer uma eleição no diretório de Vitória para o
velho deputado Argilano Dario. Depois montamos uma chapa na executiva
junto com ele. Isto talvez tenha sido nos idos de 78, 79 (Informação verbal)
17
.
Existia também uma rivalidade em relação ao embrionário Partido dos
Trabalhadores (PT) que refletia um embate de porte nacional. Segundo Skidmore
(1988, p. 430) o “[...] PCB opunha-se fortemente à criação do PT, alegando que Lula
e seus sequazes deviam limitar-se à organização sindical”. Em relação ao PCB, os
petistas consideravam “[...] uma burocracia desacreditada e enfadonha, cuja rigidez
dogmática o incapacitava para falar pelos trabalhadores”. Nascimento (2006) narra o
conflito entre os membros do PCB e do PT, ainda na Universirdade:
O que era esse conflito que nasceu em 79? Era pela hegemonia da ideologia
que se queria ter na universidade. Quer dizer, o partidão tinha uma posição
sobre a construção da sociedade e das lutas táticas que se queria
empreender e o PT tinha outra. A diferença era muito infantil porque ela
deixava as diferenças maiores no campo ideológico e político e tornava muito
15
Ato Institucional Nº 5 – instaurado em 13 de dezembro de 1968, foi um instrumento de poder que
deu ao regime instituído com o golpe militar poderes absolutos para punir arbitrariamente quem
fosse considerado inimigo do Regime. Uma das principais conseqüências foi o fechamento do
Congresso Nacional por um ano.
16
O Decreto Lei 477 de 26 de fevereiro de 1969 foi utilizado pelo regime militar para reprimir o
movimento estudantil Cassou por três anos o direito de estudar centenas de alunos universitários
brasileiros.
17
Herkenhoff, 2007. Entrevista concedida em 17 de julho de 2007, em Vitória, à Margô Devos
Martin, por Fernando Herkenhoff. Doravante as citações Herkenhoff (2007) é referente à esta
entrevista.
52
diferenças pessoais. Mas tinha umas diferenças marcantes, por exemplo, o
partidão queria reconstruir a vida política brasileira com base em alianças das
chamadas frentes amplas que envolvia setores democráticos de direita e o
PT não. O PT queria construir o caminhar da sociedade naquela época com o
que eles chamavam de aliança de esquerda, eles queriam fazer isso
sozinhos. E depois a vida mostrou que não dava pra fazer isso sozinho.
Então essa era uma grande diferença. A outra diferença, era do ponto de
vista da visão de mundo mesmo, quer dizer, os setores do PT tinham de tudo,
tinha gente que ainda acreditava na luta armada, tinha gente que era
Trostkista, tinha gente que era Maoista, tinha gente que era cristão radical
das comunidades eclesiásticas de base que eram os chamados puristas [...].
E a nossa palavra de ordem era unidade, tanto é que nossa tendência
chamava Unidade. E a unidade representava isso, quer dizer, pra construir
um novo caminhar da sociedade é preciso unir todas as pessoas que
desejam as liberdades democráticas e a possibilidade de se construir uma
sociedade mais justa, mais humana, mais representativa dos setores sociais.
Com o passar dos anos isso foi amadurecendo, tinham pessoas do partidão
que conseguiam conversar com o PT, com pessoas do PT. E tinham pessoas
do PT que conseguiam conversar. Então Fernando Herkenhoff conseguia
conversar com Vitor Buaiz, Lelo conseguia conversar com Vitor Buaiz. Perly
Cipriano era um cara de bom dialogo com essas pessoas e, com o caminhar
foram sendo feitas algumas coisas conjuntas. Alguns movimentos sociais nós
fizemos juntos com PT sem muitos problemas, sem grandes problemas
(Informação verbal).
Apesar de terem lutado juntos no movimento de reabertura do DCE, os estudantes
foram se organizando de acordo com os perfis ideológicos, grupos de origem, ou
simplesmente por afinidade. A Universidade assiste e participa da formação político
partidária em um momento de ebulição: incorporações, fusões e nascimentos de
partidos.
Um dos membros do movimento de luta pela representação estudantil do Diretório
Acadêmico do CCJE, Tessarolo (2007), participou da formação do Partido dos
Trabalhadores, não abraçando os ideais comunistas:
[...] eu não chamaria nem de uma ruptura política porque a nossa
proximidade, a nossa relação pessoal, a fraternidade entre nós era tão
grande, que a ruptura política se deu de uma maneira até interessante,
porque foi muito do momento político dos movimentos sociais que deram
origem ao PT, e aí tinha até a igreja e o movimento sindical que estavam
atuando de forma bastante organizada para a construção do PT, para a
fundação do PT.
Esse movimento começou a acontecer uns dois anos mais ou menos antes
da efetiva fundação do partido, e aí alguns setores, inclusive eu me engajei
no movimento estudantil, naturalmente se identificaram com essa nova idéia,
com essa nova concepção. E aí se deu uma ruptura mais em função de uma
fundamentação ideológica que se existia em função de um tradicionalismo
que vinha do partido comunista, de uma reação, inclusive à formação do PT
que se deu muita função disso, de uma reação ao que se entendia como uma
prática pouco incisiva em relação à ruptura do modelo que estava instalado,
pois se entendia, nós partidários da fundação do PT entendíamos, que havia
por parte do partidão uma ação pouco incisiva, havia o que se chamava de
53
‘reforma’ na época gente chamava, que a idéia não era só reformar, mas era
efetivamente transformar e revolucionar, e aconteceu uma divisão interna no
movimento estudantil (Informação verbal).
Impedido de ter acesso aos meios de comunicação, o partido oficial de oposição
também se viu compelido a fortalecer seus vínculos com os movimentos de base,
justamente o campo de atuação do Partido dos Trabalhadores. O que o PT
apresentava de inovador era o fato de estar ligado às organizações de base, dando
maior ênfase às lutas sociais e menor importância à luta eleitoral-parlamentar
(MENEGUELLO, 1989, p. 41). Pinto (2008) deixa claro que o grupo do PCB, filiado
ao MDB, tentou se inserir nos movimentos sociais, mas o espaço já havia sido
conquistado pelos grupos que iriam fundar o PT com apoio da esquerda católica.
A gente tentou chegar aos movimentos sociais. Não houve uma opção
partidária eleitoral. Jogamos duro para chegar aos movimentos sociais. Eu ia
atrás dos sindicatos. Tentamos muita militância sindical, militância operária.
Eu fui da pastoral da saúde.
Nessa época, muitos de nós foram para a pastoral de saúde. Eu, o Lelo,
Fernando depois, o Geraldo. Fizemos reunião com comunidade de base. A
gente ia para as comunidades fazer discussão política, ensinar a tratar
verminose, saneamento básico e criar alguma conscientização política. [...]
Houve um movimento de esquerda católica que estava se enraizando. Foi a
época de Dom Luis, do movimento engajado sob a inspiração da Teoria da
Libertação e que tinha a Maria Clara, uma vereadora, o Vereza é desta
época. Tinha o Rogério Medeiros chegando no Sindicato dos Jornalistas.
Vitor Buaiz chegando no sindicato dos médicos.
A gente fazia política e tentava alguma proximidade com estas “feras” antigas
e essa coisa desaguou, se não me engano, em Praia Grande no momento da
fundação do PT, quando eu conheci o Lula e aí houve a formação de um
partido político que agente não via com muita simpatia por causa da ligação
com o movimento sindical e com a esquerda católica.
Só que houve um momento com o surgimento do PT aqui, ele amalgamou
estas coisas juntas com a esquerda católica. Taí o Vereza que conviveu com
isso muito bem a gente ficou meio “batendo os pratos” com este pessoal e
isso nos empurrou mais para o governo e a disputar a eleição. Não foi uma
questão de opção, não. Foi uma questão de sobrevivência. A gente não tinha
nada contra participar de eleição. A gente achava que era uma forma
importante de luta contra a ditadura. A questão do parlamento... (Informação
verbal).
Perante a necessidade de inserção nos movimentos populares seguindo a
orientação do partidão, foi montando um movimento no município da Serra,
articulado, principalmente, por quatro estudantes de Medicina do movimento
estudantil que já estavam filiados ao MDB: Cesar Colnago, Adão Célia, Bezerra e
Carlos Rios. Outros membros mais ativos do PCB como Lelo Coimbra, Fernando
54
Herkenhoff e Neivaldo Bragato também participavam das reuniões com as
comunidades e operários da região. Este último tornou-se o primeiro presidente da
Federação dos Movimentos Populares da Serra que posteriormente desaguou no
MEP sob o domínio do Partido dos Trabalhadores. Após a saída da Federação, os
alunos de medicina criaram a Comissão de Saúde da Serra e continuaram a
oposição ao prefeito José Maria Feu Rosa, cobrando melhorias nesta área. Colnago
(2008) narra esta passagem.
Eu entrei pela via universitária até porque morava comigo Adão Célia que era
da turma de Anselmo, do Ernesto e do Chiquinho [...] só que eu entrei no
partido e aí eu, Adão, Carlinhos – Carlos Roberto Rios, médico, tudo da turma
do Anselmo, fomos fazer movimento popular porque o partido precisava de
gente que fosse lá pro meio operário..., e eu que não tinha muita identidade
com movimento de classe média, eu era classe média, lá no interior mas, as
minhas origens de ter contato com gente pobre pela igreja, pelos movimentos
de base... eu tinha facilidade de conversar com os operários da construção
civil que era um movimento sindical [...] nos fomos para a Serra, eu,
Carlinhos, Adão e Bezerra: quatro médicos.[...] Ficamos atuando em alguns
bairros da Serra:. Sossego, Cantinho do Céu, Invasão de Jacaraípe, Vista da
Serra Continental, Areinha, tudo bairro operário e nós lá, sabe com que? Um
“Capital”, Marta Heinecker que era uma escritora chilena, que tinha textos
mais leves, mais fáceis, de uma certa interpretação do capital, do socialismo,
todo mundo... Formavam grupos de operários, principalmente da construção
civil, que era um núcleo que estava se organizando e até porque era a base
mais constituída da Serra porque tinha também algumas pessoas dos
Ferroviários... A população era maioria da construção civil. Primeira greve
civil nós estávamos no meio, greve na CST e a gente por trás. [...]E nesse
período a gente funda a Federação dos Movimentos Populares que disputava
um movimento, que depois foi pro PT, chamado MEP – Movimento de
Emancipação do Proletariado, que tinha a Brice e tinha não sei quem... neste
movimento. É que na verdade nós atuávamos todos no MDB, depois PMDB e
a gente no partidão (Informação verbal).
Este embate contribuiu para que o grupo perdesse a segunda eleição para o DCE,
em 1980, para a chapa chamada “Alternativa”, ligada ao PT. A sucessão foi tentada
pela chapa presidida por Fernando Pignaton. Seria a tentativa frustrada da
permanência do grupo e do PCB na liderança do movimento estudantil. O novo
presidente, Luis Cláudio Ceolin, chamado por todos de “Shaolin”, renunciou
pressionado por divergências internas e foi sucedido por Cláudio Zanotelli. Neste
período o DCE permaneceu desestruturado e perdeu o contato com a sociedade,
diferencial da antiga chapa. Nascimento (2006) conta a estratégia adotada pelo
grupo para recuperar a diretoria do DCE:
Nós fizemos uma pressão tão grande, porque na verdade eles ganharam o
DCE mas, a condução do movimento ficou na mão da gente e o Paulo
55
conduziu as grandes Assembléias do início de 80. As grandes assembléias
foram conduzidas por ele, e o pessoal do DCE ficava enlouquecido porque a
gente estava muito articulado. Chateado porque fomos derrotados, a gente
resolveu criar uma estratégia: fomos derrotados na direção formal do
movimento, vamos ganhar o movimento pela base! E toda a condução e
todas as propostas mais importantes eram aprovadas junto com a gente. O
Paulo, como era um bom orador, além dele tinha dois outros grandes
oradores que era o Ernesto Negris que era “encapetado” e o Paraíba,
Idelberto Muniz que não era um bom orador, mas era muito respeitado, e do
lado de fora a gente contava com a orientação desses dois caras que era o
Laurinho e Fernando Herkenhoff (Informação verbal).
O grupo conquista novamente a vitória na terceira eleição, com a chapa “Hora de
Mudar”, comandada por Estanislau Kostka Stein, que teve seu mandato prorrogado
por mais um ano devido a greve nacional dos docentes universitários. Para garantir
a vitória, a chapa formou duas vice-presidências: uma com um representante do
CCJE, o estudante de direito Robson Leite Nascimento, e outra do Centro
Biomédico, com o estudante de medicina Ernesto Negris. Foi uma decisão crucial,
pois agrupava os dois principais redutos eleitorais da Universidade. Neste mandato
o movimento estudantil se aproxima novamente da sociedade e organiza grandes
debates sobre a democracia, com palestrantes de peso como Darcy Ribeiro, João
Saldanha e Teotônio Vilela.
Uma passagem fundamental do grupo político em questão foi o fim da participação
no movimento estudantil ocasionada pela conclusão do curso de graduação e a
iniciação na vida profissional. É importante também salientar que o próprio
movimento se manteve ativo apenas até a saída dos últimos remanescentes do
grupo e logo após entrou em declínio.
Após a saída da faculdade, alguns integrantes do movimento se voltaram para a
política partidária, sindical e movimentos comunitários por opção. Outros
abandonaram a vida política para seguir as suas profissões, mas continuaram a
acompanhar o grupo nas decisões estratégicas. Uns poucos conseguiram unir as
suas carreiras à causa pública, mas a grande parte sentiu dificuldades para
ingressar em suas vidas profissionais, pois dedicaram a maior parte de seu tempo
da graduação às discussões e ações políticas e muito pouco ao conteúdo de seus
cursos. Pinto (2008) narra esta passagem:
Eu comecei a viver uma angustia que durou um tempo: Se eu ia enveredar
pelo caminho da política ou se eu iria enveredar pelo campo da medicina.
Mas eu amava demais a medicina. O Fernando, o Lelo e o Geraldo não
56
viveram esta crise que eu vivi. O Lelo foi para a saúde pública, o Fernando foi
fazer básico...Eles viveram a política com uma intensidade que os manteve
na atividade política e não se envolveram demais com a medicina. E eu tinha
um problema, eu gostava demais de clinicar. Eu gostava de ver doente. Eu
vivi esta contradição e na hora de fazer a chapa do DCE eu decidi ‘Eu não
vou entrar. Vou ajudar, mas não vou entrar porque estou me formando e vou
investir na minha profissão’ (Informação verbal).
Vemos então uma grande massa dos egressos do movimento dar continuidade à
política porque ela já estava entranhada em suas vidas, mas também porque era a
opção mais viável. Para alguns militantes reconhecidamente comunistas o ingresso
na política profissional era a única escolha. Hartung (2007) narra esta passagem:
Quando estava saindo da Universidade eu fiz duas provas de seleção para o
serviço publico estadual. Eu e boa parte da turma que estudou comigo. Eu fiz
uma prova de seleção para o Instituto Jones dos Santos Neves que era o
sonho de trabalho para quem estava estudando economia na época e passei
na prova. Fiz uma prova de seleção no BANDES e também fui selecionado.
Fiquei esperançoso para me chamarem para trabalhar. O Governador (Eurico
Resende) cancelou estas duas provas porque muitos comunistas tinham
passado nas provas.
Recebi o recado da minha Tia que era casada com Vicente Silveira que era
deputado e recebeu a notícia do próprio Eurico: “Avisa seu sobrinho que ele
não vai trabalhar no Estado. Que eu tenho orientação da Brasília para não
contratar os comunistas”
Então eu deixei de ser funcionário do BANDES e do Instituto Jones dos
Santos Neves. Vejo isso com muito bom humor porque foi isso que me
colocou na política. Isso me fez procurar caminho na vida. Eu estava me
formando, meu pai insistia muito para eu fazer um curso de direito [...] Eu não
fui em frente no curso de direito. Então montamos esta gráfica que chamava
RENOGRAF, não podia ter outro nome : Renovação Gráfica e Editora Ltda.
(Informação verbal).
Segundo Dagnino, Olvedra e Panfichi (2006, p. 40) as trajetórias dos militantes de
esquerda revelam as disputas e tensões entre dimensões pessoais e coletivas e
podem ser percebidos três tipos: as que mostram a passagem de ativistas civis para
posições de responsabilidade política nacional; trajetórias que sofrem redefinições
ou mudanças de sentido quando se transita de uma atividade para outra e
finalmente, trajetórias que revelam que os projetos acabam por ser resultados de
processos de negociação entre a dimensão pessoal de vida e a dimensão coletiva
dos atores envolvidos.
57
1.5 O PACOTE DE ABRIL E O FIM DO BIPARTIDARISMO OFICIAL
Com o adensamento da crise econômica, o governo deu início a pressão sobre o
Congresso com vistas à aprovação da reforma do Poder Judiciário. Não obstante, o
Planalto estava de fato preocupado com as eleições de 1978, principalmente para
governador, as quais deveriam ser diretas, segundo estipulava a Constituição em
vigor.
Legitimada pelo AI-5, uma emenda constitucional mantendo as eleições indiretas
seria suficiente para tornar esta determinação nula e manter o indicando os
governadores. Porém, para aprovar a emenda era necessário obter 2/3 dos votos
do Congresso, e a ARENA, não possuía esta ordem de grandeza devido ao bom
desempenho da oposição nas eleições de 1974 que elegeu 16 das 22 cadeiras do
Senado. Sob o pretexto de que o MDB estava obstando o projeto, o presidente
Geisel, no dia 1º de abril de 1977, decretou tanto o fechamento do Congresso, como
uma série de reformas constitucionais por meio da Emenda Constitucional n.º 8.
(MAINWARING, 2001, p. 129).
Durante os quatorze dias em que o Congresso esteve fechado, foi elaborado um
conjunto de medidas chamado "Pacote de Abril" com o objetivo de garantir a maioria
governista no Legislativo. Uma das primeiras medidas foi a criação da eleição
indireta para 1/3 dos senadores que receberam a alcunha de "biônicos" pela
sociedade. O pacote era composto por quatorze emendas e três artigos novos, além
de seis decretos-leis. O principal retrocesso à Constituição era a determinação de
eleições indiretas para governador, com a ampliação do Colégio Eleitoral, bem como
a extensão às eleições estaduais e federais da Lei Falcão, que restringia a
propaganda eleitoral no rádio e na televisão e fora criada para garantir a vitória
governista nas eleições municipais de 1976.
18
O pacote também estendia o mandato
presidencial de cinco para seis anos.
18
O pacote compreendia ainda a instituição de sublegendas, em número de três, na eleição direta
dos senadores, permitindo à Arena recompor as suas bases e aglutiná-las sob o mesmo teto;
ampliação das bancadas que representavam os estados menos desenvolvidos, nos quais a Arena
costumava obter bons resultados eleitorais; alteração do quorum - de 2/3 para maioria simples -
para a votação de emendas constitucionais pelo Congresso.
58
O "Pacote de Abril" foi um golpe no andamento do processo de abertura, já em
curso, e indicou as bases sobre as quais o presidente Geisel planejava conduzir a
distensão qualificada como "lenta e gradual".
Apesar de todo o esforço concentrado no "Pacote de Abril" para deter o avanço do
MDB nas eleições de 1978, o partido tornou-se cada vez mais estruturado,
congregando desde forças conservadoras a comunistas e movimentos da esquerda
mais radical.
O clima político criado após o pacote possibilitou avaliar que, apesar de tantos anos
de duro condicionamento político-militar, ainda persistia uma consciência coletiva
que ao contrário de suprimida, estava silenciosa e demonstrava que havia uma
movimentação de correntes de oposição política que iam além da recusa do
sistema, por meio de votos brancos e nulos utilizados como protesto. Ainda assim a
campanha resultou no que Cardoso e Lamounier (1979, p. 10) descreveu como “[...]
um gosto amargo de uma democracia possível, mas não substantiva.”
Como resultado das medidas, apesar de ter obtido maior quantidade de votos para o
Senado nas eleições de 1978, o MDB não obteve a maioria, conferindo à ARENA
este status graças ao dispositivo que elegia senadores de forma indireta. Também
na Câmara dos Deputados, apesar do MDB ter obtido um crescimento significativo,
não conseguiu ultrapassar a quantidade de eleitos do partido do governo.
Uma das principais preocupações dos estrategistas políticos do regime autoritário
era o fato das eleições assumirem, cada vez mais, o aspecto plebiscitário de
posicionamento do eleitorado em relação ao governo. Com apenas dois partidos, a
bipolarização criava um ambiente favorável para o MDB, que apesar da diversidade
ideológica, era sempre o partido símbolo da oposição para o eleitorado, provocando
o desgaste do partido do Governo.
Com o objetivo de enfraquecer os oposicionistas e, simultaneamente, proteger o
Estado e a estratégia da distensão política, o Governo do General Figueiredo
19
deu
início à reorganização dos suportes políticos e instituiu o multipartidarismo,
acarretando um estilhaçamento no sistema de oposições. Para isto, no ano de 1979
foram decretadas duas leis de importante envergadura: a primeira foi a Lei de Anistia
19
O general João Baptista Figueiredo tornou-se presidente em 15 de março de 1979
59
Política (BRASIL, 1979a), reivindicação dos movimentos de oposição e motivo de
pressão de vários setores da sociedade. Esta medida foi impetrada após intensas
negociações com a elite da oposição e com os setores de extrema direita das forças
armadas, para chegar a uma proposta de anistia, que apesar de parcial,
representava um grande passo para a redemocratização, na medida em que
possibilitou o retorno ao cenário político de importantes líderes cassados e exilados
a partir de 1964.
A segunda foi a nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos que extinguia a ARENA e o
MDB e estabelecia as novas regras para a criação de outros partidos (BRASIL,
1979b). Esta estratégia tinha como finalidade fragmentar a oposição que estava
aglutinada no MDB que apresentava grande densidade eleitoral.
O Sistema Partidário Brasileiro surgiu nas entranhas no regime autoritário de acordo
com uma estratégica de sobrevivência política do Governo. Não obstante,
transformou-se na principal instituição responsável pela consolidação do processo
de transição para a democracia.
A antiga ARENA transverte-se de PDS na tentativa de despir a imagem impopular
dos anos de situação ao regime e participar das eleições seguintes. Já o MDB, que
ao contrário, não tinha a intenção de perder sua identidade, apenas acrescentou
uma letra à sigla e tornou-se PMDB.
Cinco partidos de oposição surgiram da divisão do antigo MDB (KINZO, 1993): o
PMDB, o PP, o PDT, o PTB e o PT. Seu sucessor direto, o PMDB, era o maior de
todos. Manteve o seu caráter heterogêneo e continuou congregando desde
organizações clandestinas de esquerda, inclusive os dois partidos comunistas, o
PCB e o PC do B, até mesmo grupos conservadores, no entanto, a corrente social-
democrata tinha mais destaque.
Nascido da composição da ala conservadora do MDB com uma corrente liberal da
ARENA, o Partido Popular, o PP, fundado por Tancredo Neves era o segundo maior
partido de oposição. Meses depois o partido se dissolveu e fundiu-se com o PMDB,
em revide à mudança na legislação eleitoral.
60
Os demais partidos da oposição eram menores e tinham organizações viáveis em
apenas alguns estados. O PDT, Partido Democrático Trabalhista, era um partido de
centro-esquerda, de orientação social-democrata, mas de estilo populista e
personalista. O PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, estava ideologicamente mais
próximo do PP e atraiu parte da oposição centrista, competia com o PDT pela posse
do legado do PTB pré-1965 (MAINWARING, 2001, p. 131). E finalmente, o PT,
Partido dos Trabalhadores, que foi o principal aglutinador da esquerda, com lideres
sindicais, grupos progressistas da Igreja católica, lideranças dos movimentos sociais,
intelectuais e alguns setores da esquerda socialista. Estas forças políticas rejeitavam
a estratégia de frente ampla do PMDB, sob o argumento de que ela colocava em
segundo plano os interesses do povo e que era importante criar um canal partidário
para apoiar as lutas populares.
Mais uma vez “[...] a ambigüidade característica da abertura controlada” logo se
manifestou (LAMOUNIER, 2005). O primeiro sinal foi a manobra do Governo com o
objetivo de adiar as eleições municipais, previstas em novembro de 1980, para o
ano de 1982. Nesta mesma estratégia judicial o governo criou diversas cláusulas
para dificultar a legitimação das novas legendas. Um bom pretexto para o atraso era
o fato dos partidos necessitarem de um período para organizar as bases municipais,
conforme a exigência legal de disputa das eleições. Com exceção do PMDB, PDS e
o PP, os demais partidos não conseguiriam formar diretórios locais para cumprir os
requisitos da lei e disputar as eleições nos quatro mil municípios, o que postergou
por mais alguns anos, até as eleições de 1982 a estabilização de nomes como o
PTB, PT e PDT. Prefeitos e vereadores tiveram seus mandatos prorrogados por
mais dois anos.
Mas o PT era mais do que uma simples emanação política de movimentos sociais
que participaram da sua fundação. Para sua criação contribuíram, além dos
militantes sindicalistas e dos setores progressistas da Igreja católica, grande parcela
dos intelectuais de esquerda e o movimento estudantil, além de organizações ou
partidos clandestinos com tendências comunistas ou trotskistas. Mesmo sendo
formado com base nos ideários de esquerda, o PT se posicionava como socialista e
resistiu aos esforços das facções mais radicais para ser rotulado como “marxista-
leninsta ou mesmo marxista” (KINZO, 1993, p. 56-57).
61
No Espírito Santo, no início da década de 1980, os movimentos operário e sindical
não congregavam as forças contidas nacionalmente, principalmente no Estado de
São Paulo, devido à forma como foi realizado o processo de industrialização e
urbanização local. Portanto, o processo de formação do Partido dos Trabalhadores
ocorreu de forma mais gradual no Estado, como nos explica Zorzal (1993, p. 75):
Tais forças eram oriundas das Comunidades Eclesiais de Base
20
, do
movimento sindical, que apesar de incorporar um pequeno número de
sindicatos possuía ainda grande força operária. Expressava-se
principalmente através de sindicatos como: médicos, dentistas, jornalistas,
professores, entre outros, e ainda juntaram-se a estes intelectuais
independentes e setores da extrema esquerda. Assim, entre os fundadores
do partido encontravam-se lideranças como Cláudio Vereza (CEBs), Gilberto
Álvares dos Santos (Movimento Popular, Transporte de Vila Velha), Brice
Bragato (CEB’s), Vitor Buaiz (Médicos) Rogério Medeiros (Jornalistas),
Agenor da Silva (Sind. Trab. Const. Civil) e Perly Cipriano (Dentistas).
Segundo Vieira (1992, p. 97) a primeira reunião oficial para formação da comissão
provisória do partido no Estado foi realizada em 28 de janeiro de 1980. Se
integraram ao partido setores de oposições sindicais, da universidade e do
movimento estudantil. Foram encarregados pela direção nacional do partido para
fundar o PT no estado, o médico Vitor Buaiz e o jornalista Rogério Medeiros.
Algumas lideranças sindicais nacionais, entre elas Jacob Bittar (petroleiros) e José
Ibrahin (metalúrgicos) vieram contribuir com a tarefa de fundação do novo partido.
Logo que obteve o registro no Estado, o PT constituiu comissões diretoras em 14
municípios.
1.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL
Finalizando o primeiro capítulo que contextualiza a entrada em cena da geração
política e esclarece o cenário ao qual este grupo de estudantes se organizou e deu
início à militância e a atividade política, faremos algumas considerações sobre o
sistema partidário brasileiro. Centramos as nossas pesquisas no período após a
reformulação partidária de 1979, quando de fato se dá o início da vida político
partidária dos membros do movimento estudantil. Para tanto, iremos analisar de
forma sintética a construção de um novo sistema partidário brasileiro, levando em
consideração a nossa primeira hipótese, que aponta como um dos fatores de
20
Movimento articulados pela Igreja católica durante o regime militar em favor das classes
subalternas a partir da teologia da libertação e da opção preferencial pelos pobres.
62
fortalecimento do grupo um sistema representativo de inconsistência ideológica e
fragilidade política encontrado na realidade nacional.
A dinâmica partidária em democracias ocidentais pode ser percebida, segundo
Meneguelo (1999, p. 25), em duas vertentes. De um lado, o declínio dos partidos
define-se no campo da representação, e é marcado pela crescente perda de
capacidade de constituição de vínculos sociais estreitos, comprovado pela pouca
influência dos partidos nas eleições presidenciais, sob a ótica do eleitor, sendo esta
decidida através do voto político, que seria a identificação imediata do eleitor com o
personagem postulante ao cargo. De outro lado, as relações entre partidos e Estado
estabelecem uma importante base de sustentação e de legitimação dessas
organizações e vem promovendo uma significativa alteração no perfil em direção à
redefinição das suas funções. Essa vertente é a que possibilita perceber a confusão
que existe em nossa sociedade quando o objeto de observação são os partidos que
ocupam o poder. Nessa ótica os partidos se misturariam com o próprio poder,
criando uma relação de forças desiguais com os demais partidos, utilizando a
máquina do Estado como parte decisiva, por exemplo, no processo eleitoral.
Nesse contexto o Estado passa a ter um papel de elemento regulador no dia a dia
da vida partidária. As relações com o poder interferem diretamente nos interesses
partidários, indicando objetivos e direcionando ações. Ainda segundo o autor, são
três as funções que identificam o momento vivido pelo partido. Em primeiro lugar são
as funções de representatividade e de articulação de interesses – mesmo com
as transformações da representação através da competição eleitoral, eles são as
instituições que melhor integram clientelas, mobilizam eleitorados, conferem
amplitude aos interesses populares na política e estruturam as vontades e
demandas do sistema representativo. Em segundo lugar, a função governativa
partidos formam governos, ocupam cargos e produzem políticas públicas, peças que
operam o direcionamento de parte da opinião pública – sociedade – e podem levar
as instancias decisórias à sociedade. E finalmente, as de natureza interativa
entre as bases e eleitores, a relação do partido, no poder ou não, com as outras
forças do sistema partidário, partes ligadas diretamente às sociedades e aos grupos
sociais mais receptivos a uma postura que se assemelha ao assistencialismo
partidário (MENEGUELO, 1999).
63
Ainda observando os partidos no Brasil argumentamos que as organizações
partidárias são instituições frágeis. Inspirados nas referências clássicas do modelo
de partido de massas. Onde um movimento popular seria a causa e o objetivo de
todo movimento partidário. Nesse sentido o partido somente seria presente, e como
tal representante, quando os anseios de partes ou todo da sociedade se insurgem a
favor de determinado tema ou luta. Muitas das vezes luta física e, ou, armada, como
nos movimentos sindicais e estudantis Brasileiros. O mesmo aconteceu no
movimento operário na antiga União Soviética. Essa visão mais lírica perde o
sentido se utilizarmos um olhar mais analítico do comportamento partidário,
percebendo que tais ações são movidas, muitas vezes, por interesses que brotam
dentro do próprio partido e não nos grupos sociais que deveriam mobilizá-los e
direcioná-los. Nesse sentido, nossos partidos seriam produtos estabelecidos num
quadro de limitada capacidade autônoma dos atores sociais e careceriam de
condições básicas de organização e funcionamento para se estruturarem como
legítimas organizações representativas. A fragilidade partidária, quando
questionamos a identidade partidária ou mesmo sua filosofia, pode representar o
enfraquecimento partidário junto à sociedade civil, mas, em outra vertente, os
acordos políticos e as mudanças ideológicas, ou de objetivos, promovem um jogo de
fortalecimento da corrente predominante dentro de um partido.
Meneguelo (1999) aponta quatro aspectos onde foram alicerçados os estudos sobre
partidos políticos no Brasil Republicano.
a) grau de descontinuidade dos partidos e dos sistemas partidários–seis sistemas
partidários
21
impedindo a constituição de uma história partidária contínua e de
uma memória política vinculada às organizações partidárias com posições
ideológicas definidas;
21
Os sistemas do período republicano são seis: partidos únicos estaduais (Republicanos) na Primeira
República, até a Revolução de 1930; um pluripartidarismo embrionário (polarizado nos extremos
pelos integralistas e comunistas) até o golpe do Estado Novo em 1937; um pluripartidarismo de
1945 até a extinção pelo Ato Institucional n° 2, em 1965; um bipartidarismo tutelado no âmbito do
Regime Militar até 1979; retorno controlado ao pluripartidarismo por meio da Reforma de 1979;
ampliação do leque pluripartidário a partir da Emenda Constitucional nº 25 de maio de 1985 com a
volta dos partidos de orientação marxista e sem restrições à formação de novos.
64
b) complexidade das formações partidárias – reflexo de dois conjuntos de fatores:
heterogeneidade regional política e cultural e o baixo grau de estruturação
interna dos partidos conseqüente da fragilidade institucional;
c) fragilidade do perfil organizacional que não traduz experimentos de interesses
articulados com enraizamento social. Apenas o PCB e o PT representam
produtos de processos de organizações com origens fundadas em bases sociais
desvinculadas de elites políticas tradicionais, processos portadores de perfis
ideológicos mais definidos e representativos de interesses sociais articulados; e
d) papel predominante do Estado na organização e na representação de interesses
– formação e funcionamento do Estado, em existência prévia ao surgimento dos
partidos e consolidadas sobre uma estrutura fortemente centralizada e
marcadamente burocrática.
A idéia de que a fragilidade dos partidos e a contínua debilidade do sistema
partidário são em parte produto das limitações impostas pelo Estado à dinâmica de
organização de interesses sociais é um crivo observado na maior parte dos estudos.
Diferente dos sistemas partidários europeus que se desenvolveram em muitos casos
a partir dos interesses de classes, culturais ou religiosas, que no Brasil não
ocorreram de forma tão intensa em virtude do caráter rudimentar da estrutura
produtiva das camadas da sociedade, pelo menos até as primeiras décadas do
século passado.
Um dos principais pontos que caracterizam a reflexão teórica sobre o
desenvolvimento dos partidos no Brasil, como argumentamos anteriormente, aponta
o declínio dos partidos como decorrência da degeneração das suas funções de
representar e articular interesses sociais, e das formas de se organizar, quando
assumem o poder, que traduzem os novos interesses que emergiram no sistema
político.
A força partidária estabelecida é percebida através dos limites das relações entre
partido e base social, construídas na força representativa de atores previamente
articulados e seus interesses.
65
A unidade partidária é uma corrente maleável seguindo circunstâncias políticas que
produzem motivações variadas. Essas variações podem ocorrer devido a mudanças
de períodos, sendo interferidas de acordo com as movimentações sociais. Uma nova
abordagem da análise pode resumir de maneira direta que os partidos se organizam
e se mantém segundo um conjunto mínimo de pontos comuns e estabelecem
negociações diante das demais forças políticas com base nestes pontos.
Quando os direitos sociais não estão sendo ameaçados, os partidos direcionam
seus objetivos a questões do dia a dia do cidadão, ou de grupos sociais que
dispõem do interesse partidário. É a partir desse ponto que podemos entender a
fragilidade enfrentada pelos partidos políticos no Brasil. Os interesses individuais, ou
mesmo de grupos, fragilizam o partido como um todo. As decisões, quando tomadas
em acordo com esses interesses, fragmentam a unidade partidária, transformando-
os em um agrupamento de facções políticas. As variações são maiores quando
percebemos que os grupos existentes dentro de um partido se unificam em grupos
maiores de acordo com seus interesses.
Problematizando essa questão podemos entender o jogo partidário se percebemos
que um grupo, formado por pequenos grupos de interesses, pode ser dissipado
quando os objetivos forem alcançados. Esses mesmos sub-grupos, que formavam
um grupo maior dentro do partido, podem se tornar antagônicos quando da disputa
por outros interesses legítimos. Grupos que se aglutinavam quando da luta pelo
direcionamento do partido, por exemplo, se tornam opositores quando da luta por
decisões que interferem diretamente nos interesses das suas bases de sustentação,
sendo tudo permitido e justificado pelos princípios democráticos.
Outro motivo relacionado à fragilidade da função programática dos partidos políticos
brasileiros, é expressa por Mainwaring (2001, p. 28). Ressaltando a existência de
um subdesenvolvimento partidário, o autor procura ir mais a fundo na análise e
localiza, fundamentalmente na legislação eleitoral e partidária, os problemas
principais. Para ele, esta legislação, aliada a outros fatores como o presidencialismo
e o federalismo, levaria, com exceção dos partidos de esquerda, a uma extremada
autonomia dos políticos perante os partidos, materializando uma especificidade
brasileira quando comparada a outros países, inclusive ao presidencialismo dos
Estados Unidos. Essa extremada autonomia ligada às referidas legislações, por sua
66
vez, teria suas raízes em alguns elementos centrais. O principal deles diria respeito,
especialmente, a uma falta de interesse dos próprios políticos, seja numa disciplina
e coesão partidárias, seja na criação de partidos propriamente ditos. Uma estrutura
e funcionamento mais organizados dos partidos, segundo o autor, poderiam
propiciar um perfil partidário nacional, levando os políticos, devido ao federalismo
brasileiro, a perder seus vínculos com as clientelas locais e regionais localizadas,
por exemplo. Além do mais, em alguns casos, como haveria uma dependência dos
políticos ao Estado através de recursos e cargos a serem distribuídos, os políticos
dariam prioridade às suas relações com o Executivo e não com os seus respectivos
partidos (MENEGUELLO, 1999).
Duverger (1970) prega que a percepção da conduta dos partidos políticos se torna
mais compreensiva quando da análise da natureza de sua organização. Nesse
contexto, precisamos entender o partido ao menos em dois momentos distintos. O
primeiro seria quando da luta pelo poder, luta essa baseada em ideais de grupos
sociais. O segundo momento é o partido sob a ótica do poder que, quando
conquistado, leva o partido a se movimentar por sua manutenção, seja pela
necessidade de retribuir à sociedade a conquista ou simplesmente pelo fato de
desejar o poder pelo próprio poder. Poderíamos analisar o partido por uma terceira
ótica, que seria, na verdade, a soma das duas anteriores. O partido desejaria o
poder pelo poder, justificado no fato de que mantê-lo seria a maneira mais rápida de
atender aos anseios de parte ou totalidade de sua base, motivo esse que o originou
e o impulsionou para ele.
A participação de partidos na arena governamental define-se basicamente por uma
dinâmica pela qual, por meio da obtenção de cargos políticos, os partidos viabilizam
a realização de suas políticas entendidas como interesses e necessidades de
grupos organizados (BUDGE; KEMAN, 1993).
22
Em segundo lugar, diferentemente
da consideração dominante de que a negociação por cargos traduz apenas o
fisiologismo que marca as relações de acesso aos benefícios do Estado,
consideramos que a ocupação de pontos governamentais pelos partidos é parte
central de sua função governativa e pode traduzir graus significativos de
organização no sistema partidário.
22
Para Budge e Keman (1993, p. 36-37) esta é uma definição ampla e abrange desde interesses
partidários até interesses de classes.
67
É importante rever alguns conceitos que são utilizados neste estudo: o partido de
quadros e o partido de massas. A distinção entre partidos de quadros e de massas
não se resume em sua dimensão, no número de membros: não se trata de uma
diferença de talhe, porém de estrutura. A técnica dos partidos de massas tem por
efeito substituir o financiamento capitalista das eleições por um financiamento
democrático, o que possibilita a independência de segmentos dos doadores. Os
membros doam de forma maciça, mas de acordo com suas limitações. Do mesmo
modo, os partidos de massa caracterizam-se pela atração que exercem sobre o
público: um público que contribui, “ouve”, “age”, recebe uma educação política e
aprende o meio de intervir na vida do Estado (DUVERGER, 1970, p. 100).
O partido de quadro trata de reunir pessoas ilustres, para preparar as eleições,
conduzi-las e manter contato com os candidatos. Pessoas influentes a princípio, já
que seus nomes, prestígio ou brilho servirão de caução ao candidato e lhe
granjearão votos. A seguir, pessoas ilustres como técnicos, que conhecem a arte de
manejar eleitores e de organizar uma campanha, e pessoas notáveis
financeiramente para contribuir com as campanhas. É verdade, que é comum os
partidos de quadros abrirem as portas para adeptos comuns.
A distinção entre os dois tipos de partidos repousa numa infra-estrutura social e
política. Os partidos de quadros correspondem aos partidos de comitês
descentralizados e fracamente articulados; os partidos de massas correspondem
aos partidos alicerçados nas seções mais centralizadas e mais fortemente
articulados.
68
CAPÍTULO 2
A CONQUISTA DOS PRIMEIROS CARGOS TITULO
Urgente a necessidade de proceder-se
a organização institucional do país
(MENEGUELO, 1999, p. 83).
23
2.1 ELEIÇÕES DE 1982: O INÍCIO DA REDEMOCRATIZAÇÃO
Os anos de 1979 e 1980 foram conturbados. Os atentados realizados por grupos de
extrema direita tinham como objetivo promover a insegurança junto à população e
assim conseguir a manutenção do regime político vigente. Apesar de a abertura
política ser uma realidade no Brasil, grupos ligados aos militares insistiam em adiar
as mudanças que se aproximavam. A série de avanços políticos provocou reações
por parte da direita mais radical. A estratégia era promover o caos e demonstrar que
o país ainda não poderia prescindir do pulso firme dos militares. Eles acreditavam
que o medo seria um aliado na conquista do apoio da população, principalmente da
classe média. Civis e militares desses segmentos começaram a praticar seqüestros
e atos terroristas com uso de bombas. Bancas de jornal e revistas que vendiam
publicações consideradas subversivas pelo regime – como o jornal "O Pasquim",
com suas sátiras ao regime militar e seu humor ácido, eram incendiadas.
Em São Paulo, o jurista Dalmo Dallari foi espancado em cativeiro. No Rio de Janeiro,
foi colocada uma bomba na sede da OAB e outra na sala de um vereador do PMDB,
o que ocasionou a morte de uma pessoa.
Em abril de 1981 os atos violentos atingiram o clímax com o episódio Riocentro.
Durante um show comemorativo do Dia do Trabalho, com cerca de 20 mil pessoas e
organizado por entidades sindicais, uma bomba foi encontrada na caixa de força e
outra explodiu em um carro estacionado no local, matando um sargento do Exército
e ferindo um capitão.
23
Manifesto Compromisso com a Nação, documento de lançamento da Aliança Democrática em
agosto de 1984. Nele ficava estabelecida a coalizão entre a Frente Liberal e o PMDB. O texto do
manifesto deixa claro que os limites da mudança política estavam estabelecidos pela obtenção de
confiança das forças dominantes do regime e o processo de acomodação de interesses às
transições negociadas.
69
Diante do clamor público por explicações sobre o atentado, o chefe do Gabinete Civil
da Presidência, o general Golbery do Couto e Silva, tentou agilizar as investigações
e fazê-las seguir pela Justiça comum. Couto e Silva acabou se demitindo em agosto
de 1981, após pressão das Forças Armadas. O Exército negou envolvimento e o
processo foi retardado em todas as instâncias, até ser arquivado, anos depois.
O Governo utilizava a política econômica como frente de batalha e defendia medidas
com apelo populista para fortalecer o PDS nas eleições de 1982. A principal delas
era a atenuação das medidas recessivas que estavam reduzindo a produção
industrial e aumentando o desemprego. Estas medidas elevariam o déficit público e
a inflação, que em meados de 1981 chegava a uma taxa anual de 111%. “A
estratégia política do Presidente general Figueiredo foi prosseguir firmemente com a
abertura, escamoteando ao mesmo tempo as regras eleitorais e usando todas as
armas tradicionais de um governo em pleno exercício” (SKIDMORE, 1988. p. 444).
As eleições de 1982 se dariam em meio à mais grave recessão dos últimos trinta
anos. O cenário econômico internacional era bastante adverso e os resquícios do
mau gerenciamento da recessão brasileira nos primeiros anos da década de 1980
se faziam presentes na rotina dos brasileiros. O inevitável pedido de auxílio ao
Fundo Monetário Internacional foi adiado pelo ministro Delfim Neto até a conclusão
do pleito eleitoral, sobretudo para que seus custos políticos não se tornassem o
principal argumento contra o governo para a oposição nas eleições daquele ano.
Após o pleito, as reservas líquidas do Banco Central já estavam negativas havia
quase dez meses (RODRIGUES, 2003, p. 25).
Um novo perfil da sociedade brasileira passava a envergar um padrão
organizacional mais evoluído com características autônomas de militância. Como
exemplo, a fundação do Partido dos Trabalhadores surgia como uma “espécie de
efeito indesejado da reforma partidária de 1979”
(RODRIGUES, 2003, p. 13). Este
partido se configurava como uma instituição representativa para a qual convergiram
os novos movimentos populares e sindicais. Em 1982, o PT possuía comissões
provisórias formadas em 10 municípios e cerca de 3.000 filiados.
Em 1982 o único movimento popular a manter-se ativo é o Movimento da Moradia,
devido à intervenção de um documento de apoio produzido pela CNBB, uma vez
70
que todos os demais estavam com os seus militantes ocupados em tarefas relativas
ao primeiro grande encontro eleitoral de pós abertura (DOIMO, 1995 p.105).
O PMDB naquele ano eleitoral contava 115 deputados na Câmara Federal e
mantinha a heterogeneidade do período bipartidarista, aglutinando desde
organizações clandestinas, como os dois partidos comunistas, até grupos
conservadores (MAINWARING, 2001, p. 131). No Estado do Espírito Santo o PMDB
tinha cerca de 20.000 filiados no ano de 1981, mas ainda não havia formado
comissões em todos os municípios (ZORZAL, 1993, p. 73).
O partido defendia a atração de lideranças oriundas de movimentos populares, uma
vez que estas possuíam proposta política de oposição legítima e capacidade de
aglutinação e mobilização das massas para o partido, o que contrastava com os
setores moderados e distantes da população de baixa-renda existentes no partido. O
trecho abaixo foi retirado de um artigo escrito pelo jornalista Luiz Aparecido, membro
da Tendência Popular do PMDB.
Alguns setores, equivocados com a manobra do regime, de abertura e
pluripartidarismo, optaram pelo PT, com sua proposta social democrata, de
gerenciamento de crises intestinais do capitalismo nacional e internacional. Já
a maioria dos setores populares organizados e conseqüentes partiram para a
participação política no PMDB, por entenderem que esse partido é o
depositário das esperanças do povo de derrotar o regime militar antinacional
e antipopular (APARECIDO, 1982, p. 34).
O grupo do “Partidão” atuava dentro do PMDB na Comissão de Mobilização Popular,
que justamente organizava estes segmentos que demandavam o interesse do
partido. Paralelamente, a Comissão participava de todos os grupos supra-partidários
atuantes na sociedade, inclusive conservando os vínculos com o movimento
estudantil. “Ora tinha luta para que não viesse lixo atômico para cá, outra hora tinha
luta contra o MEC” (STEIN, 2006, Informação verbal).
Outros comitês de apelo popular foram criados no PMDB no estado com o apoio do
grupo do PCB, como por exemplo: o Núcleo Sindical, que apoiou nas eleições Luiz
Carlos Rangel representante do Sindicato dos Metalúrgicos, a Comissão de Saúde
da Serra e o Comitê Universitário, que comandava os assuntos na UFES.
A participação do grupo na “Comissão de Mobilização Popular” foi um dos fatores do
bom resultado que viria a seguir nas eleições de 1982. Os membros participavam
71
das principais movimentações sociais da Grande Vitória e do interior e mantinham
interlocução com vários grupos da sociedade organizada. Nascimento (2006) fala da
importância da Comissão para o bom resultado do sufrágio:
Isso foi um planejamento para a gente se inserir na sociedade, para ter os
candidatos. Essa Comissão ajudou a eleição do Paulo, do Stan, do Felício,
em Vila Velha, e da Mirtes Bevilácqua, que sai do movimento sindical, vem
para o PMDB e recebe o nosso apoio. A comissão foi criada por orientação
do Comitê Estadual do PCB. A gente precisava de um espaço para atuar na
sociedade e ter votações tão expressivas (Informação verbal).
Este instrumento permitiu que seus principais representantes se tornassem
conhecidos fora do ambiente universitário. Assim que o primeiro grupo oriundo do
PCB se elegeu a Comissão Popular seria praticamente desmembrada com a saída
dos componentes para cumprir os mandatos.
As articulações do grupo do PCB para as eleições ainda incluíam a indicação do
candidato ao Governo, escolhido sob as determinações do Comitê Central. Segundo
os membros do grupo, o então deputado Gerson Camata configurava a melhor
escolha política sob a ótica das diretrizes do Sexto Congresso
24
que ainda
vigoravam, mais de dez anos após sua realização. Hartung (2007) narra o processo
de escolha do candidato ao posto máximo do Executivo Estadual:
[...] aí a escola do partidão, nós fizemos uma análise de conjuntura,
estudamos as forças do Estado e entendemos que se a gente fosse de Max
perderíamos a eleição, pelo que ainda existia de articulação forte naquela
época dos aliados do Regime Militar. Aí vimos no Camata uma forma, não só
de agregar o nosso lado, mas de fazer rupturas nos adversários e apostando
na possibilidade de os adversários optarem pelo candidato errado
(Informação verbal).
De fato, a escolha do adversário viria a contribuir efetivamente para a vitória do
candidato do PMDB. Falaremos sobre este fato mais adiante. No entanto, Camata
parecia ser o candidato com maior potencial de aglutinação de forças da sociedade.
O PCB necessitava de candidatos ao governo que representassem setores
empresariais, micro-empresas e a área rural. Segundo a avaliação do partido,
Gerson Camata estava pronto para a tarefa. Um dos motivos seria o fato de ter se
24
O sexto congresso do partido comunista foi realizado em São Paulo no ano de 1967 e se tornou
um marco para o PCB. A principal diretriz determinava para seus membros a missão de organizar
a sociedade civil, os partidos políticos e lutar pelo avanço da democracia como um valor
permanente.
72
tornado o mais conhecido deputado no Estado, uma vez que iníciou a carreira
política no rastro da popularidade conseguida como radialista.
Apesar do apoio do grupo a Max Mauro para deputado federal nas eleições de 1978,
os representantes do Partidão indicaram Gerson Camata, oriundo do partido de
situação – a antiga ARENA. Porém antes do ingresso do candidato “ideal” ao
governo no PMDB, Camata teve uma breve passagem pelo Partido Popular (PP) de
Tancredo Neves.
Nascido da fusão da ala conservadora do MDB com uma corrente liberal da ARENA,
o PP se posicionava de forma moderada e era o segundo partido de oposição em
tamanho, chegou a ostentar 69 deputados na Câmara Federal em janeiro de 1982
(MAINWARING, 2001, p. 131). Poucos meses depois o partido se dissolveu e
fundiu-se com o PMDB como conseqüência da mudança na legislação eleitoral.
O cenário político capixaba também congregava lideranças de apoio à formação de
um partido de centro que coincidiam com a proposta de Tancredo. De acordo com
Zorzal (1993, p. 73) “[...] lideranças como Hugo Borges, José Moraes, Wilson Haese,
Luiz Batista, entre outros, foram articulando pepistas no Estado”. Conforme dados
do TRE, em 1982, o partido computava 2.742 filiados em 12 cidades do Estado.
O Deputado Gerson Camata que havia se filiado na tentativa frustrada do PP, parte
para o PMDB, principalmente por ser o partido de destino de Tancredo Neves.
Camata (2007) expõem esta passagem:
No final das contas, eu entrei no PMDB por causa do Tancredo. A maioria
dos deputados queria voltar para a ARENA, mas, Tancredo queria ir para o
PMDB e nos convenceu a ir para o partido. O Nyder Barbosa veio até Vitória
consultar o PMDB daqui. Todo mundo me recebeu bem. Tanto que a minha
filiação, em homenagem ao Nyder, eu fui fazer em Linhares. Ali em Linhares
estava Berredo, Max, todo mundo [...] Foi uma festa muito bonita (Informação
verbal).
25
No entanto, a filiação dos egressos do Partido Popular no PMDB causou desconforto
na ala mais radical. A argumentação do líder do PMDB na Assembléia, Nyder
Barbosa, demonstra como o discurso pró-democracia justificava todas as
movimentações do jogo político. “Não há dúvidas que esta união é um mal
25
Camata, 2007. Entrevista concedida em 2 de agosto de 2007, em Vitória, à Margô Devos Martin,
por Gerson Camata. Doravante as citações Camata (2007) é referente à esta entrevista.
73
necessário, do contrário estaríamos facilitando a vitória do governo. E derrotá-lo nas
urnas parece ser o único meio de que dispomos para salvar a democracia do país”
(ECOS..., 1982, p. 4).
Um dos principais representantes do PP no Estado, Hugo Borges, consolidou o
acordo dos dois partidos. “O candidato ao governo é do PMDB, mas para o senado
usaremos alguns dos nossos quadros” (ECOS..., 1982, p. 4). O partido também
defendia a candidatura de José Moraes à vice na chapa de Camata ao governo.
O Partido dos Trabalhadores, contrário ao processo eleitoral, rejeitava a estratégia
de frente ampla do PMDB, sob o argumento de que ela colocava em segundo plano
os interesses do povo e se posicionou contra este raciocínio pragmático, apostando
em Vitor Buaiz com pré-candidato ao Governo. Perly Cipriano, liderança do partido,
defendia esta tese:
[...] as próximas eleições não são prioridade. Elas só terão importância para
nós na medida em que servirem para ampliar nossos núcleos e mobilizar
trabalhadores. Vencê-las ou não é algo secundário e é uma pena que os
outros partidos de oposição somente manifestem interesses eleitorais
(ECOS..., 1982, p. 4).
No cerne do PMDB se configurava a disputa era polarizada entre “autênticos”
26
versus moderados. Max Mauro, um representante da ala dos autênticos, pregava a
sua preferência naquele pleito e principalmente apontava a incoerência do apoio
dado à Camata por parte dos “comunistas”. O depoimento de Herkenhoff (2007)
ressalta o momento de crise vivido no partido
O partido se divide praticamente ao meio, em apoio à Max Mauro e a Camata
e sem dúvida nenhuma eu sou um dos principais defensores, talvez o
principal defensor da candidatura de Gerson Camata, entendendo que agente
tinha que ter uma transição democrática complexa.. o aparelho repressivo, o
serviço de informação ainda estava presente e havia muito mal estar ainda
(Informação verbal).
A determinação do candidato ao governo como cabeça de chapa era protagonista
daquele pleito de extrema complexidade, principalmente por conta do Pacote de 79
que impunha a vinculação vertical em todos os níveis, tornando nulos os votos de
partidos diferentes na mesma cédula. Agravado pelo fato da nova legislação em
26
O grupo dos autênticos do MDB envergava um discurso mais duro contra a ditadura e era ligado à
liderança política de Ulisses Guimarães. Os representantes no estado eram Max Mauro e Berredo
de Menezes
74
vigor ter adiado as eleições municipais do ano de 1980, os candidatos de todas as
esferas do legislativo municipal, estadual e federal teriam uma relação de
dependência com o candidato ao Governo.
O embate tomava corpo e um novo personagem se insere na disputa do PMDB
capixaba, o senador Dirceu Cardoso, um oposicionista moderado e com bom
trânsito no partido. Matéria publicada na Revista Agora afirmava que “Há quem
aposte com convicção que o senador irá acabar figurando como a alternativa
conciliadora do partido quando chegar a hora de colocar um fim nas divergências
que se acirram entre os camatistas e maxistas” (TRUNFOS..., 1982, p. 5).
No partido de situação, o PDS, o cenário era semelhante. Após intricada disputa
entre oito nomes que se apresentaram como pré-candidatos, o presidente do partido
e governador indicado pelo Regime Militar, Eurico Rezende, impôs o candidato
Carlito Von Schilgen, prefeito da capital, que apesar de possuir respaldo eleitoral,
estava longe de ser o candidato de consenso (ZORZAL, 1993).
O ex-governador Elcio Álvares pertencente à antiga ARENA no período de 1975 a
1978, a princípio, apontava como o pré-candidato prioritário do PDS, pois ainda
mantinha uma boa densidade política eleitoral, mas foi preterido por Eurico
Rezende, e indicado como candidato ao senado. Esta manobra ocasionou uma
ruptura no partido. Em matéria intitulada “Duelo de Caciques no PDS” de julho de 82
a situação do partido fica exposta para a população capixaba.
A pressão aumentou quando Elcio rejeitou a composição montada pelo
palácio para o Senado. Levantamento do Ibope registrou a cotação do PDS
no Estado em torno de 24,8% contra 39,1% do PMDB, seguido de perto pelo
PT com 14,2%. Segundo o presidente da Assembléia Vicente Silveira ‘o PDS
sem Elcio na disputa garante a eleição do oposicionista Gerson Camata’
(DUELO..., 1982, p. 5).
Um bloco de deputados dissidentes
27
do PDS foi formado na Assembléia Legislativa,
que insatisfeitos com o resultado da primeira convenção, realizada em 29 de julho,
foi determinante na derrota de Elcio Álvares para Carlito Von Schilgen e deu início
às sanções contra as lideranças do partido. O governador indicara para a
interinidade da prefeitura, em substituição a Shilgen, Wallace Borges que foi
27
Os deputados dissidentes do PDS eram Vicente Silveira, Edson Machado, Juarez Leite, Alcino
Santos e Arabelo do Rosário
75
rejeitado pelo grupo em represália. Já os deputados Vicente Silveira e Juarez
Martins Leite, enviaram ao Tribunal Regional Eleitoral um recurso solicitando a
anulação da primeira convenção, realizada no dia 13 de junho, a qual alegavam ser
uma votação incompleta, pois as indicações ao Senado, Câmara Federal e à
Assembléia, não foram votadas, viabilizando desta forma, apenas a candidatura ao
Governo do Estado e do vice-governador (ECOS..., 1982, p. 5 e 27).
Segundo Zorzal (1993, p. 76), a ruptura do PDS, além de ter catalisado todos os
descontentamentos presentes na sociedade civil em relação ao Governo, não
contou com o apoio explicito de importantes lideranças do partido. Elcio Álvares e
seu grupo apoiaram veladamente o candidato de oposição em uma estratégia
político-eleitoral denominada “voto camarão” que incentivava os eleitores a não votar
no candidato ao governo na cédula, indicando apenas os demais cargos do PDS.
Desta forma estavam atendidas as exigências da legislação que impedia o voto em
candidatos de diferentes partidos. Hartung (2007) explica a repercussão da
equivocada escolha de Rezende.
Na época o Elcio era popular, porque tinha uma lembrança do final do
governo dele positiva, e o Carlito nem tanto. O Carlito Von Schilgen não tinha
a força eleitoral do Elcio e acabou o Eurico bancando a campanha do Carlito
como uma forma de derrotar e excluir. Essa força insatisfeita de Elcio, mesmo
com o voto vinculado, acabou trazendo voto para o Camata (Informação
verbal).
Eurico Rezende não mantinha relações positivas com o ex-governador, acusando-o
de não manter os acordos durante o período da transição. Segundo a imprensa três
fatos teriam formado o mal estar entre os governantes: a utilização de uma verba de
Cr$ 460 milhões que fora enviada por Brasília para o inicio do mandato de Eurico
Rezende e que teria sido utilizada por Elcio Álvares no final do mandato com a
finalidade de socorrer as vitimas das enchentes; o início da Terceira Ponte contra a
vontade de seu sucessor e finalmente a troca de denuncias e insinuações durante a
(IMPLODE..., 1982, p. 74).
Uma vez determinado o “cabeça de chapa” do PMDB, o deputado Gerson Camata, o
grupo do “partidão” deu início à composição que tinha como objetivo estratégico
eleger um candidato a cada uma das vagas daquele pleito. As articulações estavam
avançadas para lançar Paulo Hartung para a Câmara Municipal e Fernando
76
Herkenhoff para a Assembléia Legislativa, desta forma, os dois maiores expoentes
do grupo chegariam simultaneamente ao parlamento.
Durante o processo, Luiz Ferraz Moulin, liderança política no município de Guaçuí,
propôs apoio ao Partidão. A condição para a parceria seria a indicação de Paulo
Hartung para a Assembléia Legislativa, já que suas raízes familiares tinham origem
naquele município. O apoio de Luiz Moulin significaria a promessa de 4.000 votos a
mais, o que poderia garantir a vitória de um deputado estadual. Naquele momento
Fernando Herkenhoff possuía maior expressão popular na qualidade de professor da
Universidade e membro ativo da Associação dos Docentes da Universidade Federal
do Espírito Santo (ADUFES), além de desenvolver um trabalho social em bairros
populares da Grande Vitória. Herkenhoff optou por não concorrer naquele ano e em
nome da vitória do grupo apostou na candidatura de Paulo Hartung.
Em substituição à Hartung, o grupo escolheu o nome do candidato à vereador da
capital, Stanislau Kotska Stein, último presidente com passagem representativa no
DCE. O grupo ligado ao PCB de Vila Velha, e que exercia grande alcance sobre os
grupos populares da região, indicou Felício Correa como candidato daquele
município. Correa, também oriundo da UFES, porém sem muita identificação com o
grupo original, possuía um forte respaldo, principalmente na região da Glória, devido
aos movimentos populares dos quais participava.
A “turma da Glória” como era conhecido o grupo de Vila Velha, exercia uma
consistente influência nas decisões do PCB, com destaque para a família Pignaton,
representada pelos irmãos Fernando e Eduardo (Dunga). Segundo Pignaton (2006)
existiam cerca de 40 a 50 membros do Partido Comunista no bairro da Glória.
A articulação da ala jovem do partido contava com o apoio do comunista histórico
Berredo de Menezes. Berredo que já acumulava a derrota ao Senado nas eleições
de 1978 resolveu postular novamente o mesmo cargo contando com a adesão da
Comissão de Mobilização Popular. Naquela eleição também se candidataram ao
Senado pelo PMDB José Ignácio Ferreira, ex-presidente da OAB no Estado, e
Dirceu Cardoso, ambos de perfil conservador.
Para completar a “chapa do partidão”, como se tornou conhecida no interior do
partido, Berredo e Paulo Hartung indicaram como candidata à deputado federal
77
Mirtes Bevilácqua, liderança sindical, fundadora da antiga UPES e organizadora das
greves dos professores nos governos Eurico Resende e Elcio Álvares. A
composição final da chapa apresentou a seguinte composição: Berredo de Menezes
para o Senado, Mirtes Bevilácqua para a Câmara Federal, Paulo Hartung para a
Assembléia. Para as câmaras municipais Stan Stein em Vitória e Felício Correa
como candidato em Vila Velha.
A convenção do PMDB (FIGURA 6) ocorreu às 9 horas do domingo do dia 4 de abril
de 1982 no auditório do Colégio do Carmo em Vila Velha. O local de concentração
do grupo de Max provocava a impressão que a festa havia sido montada para a sua
vitória. Por várias vezes o presidente do partido, Mário Moreira, foi obrigado a intervir
solicitando melhor comportamento das torcidas organizadas de Max Mauro que
cantavam parodias de marchas carnavalescas (A ESCALADA..., 1982, p. 5-7). As
duas vertentes se dividiam entre os “moderados” com uma composição eclética
composta por antigos pepistas, petebistas e os simpatizantes do PCB e os
“progressistas” da ala situada mais à esquerda como os “autênticos”, os
simpatizantes do PC do B e movimentos de cunho radical. Na convenção, Gerson
Camata viria a derrotar Max com 58 votos contra 53. Os votos da diferença eram
formados pela vertente comunista do partido.
Figura 6. Convenção do PMDB em abril de 1982
Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Hartung
78
Segundo Zorzal (1993, p. 77) na negociação para a convenção o apoio de parte do
PMDB se “consubstanciou em virtude de um acordo tácito efetuado entre Max e
Camata: Max apoiaria Camata nas eleições de 1982 em troca do apoio de Camata
para Max ao Governo Estadual nas eleições de 1986”. No entanto a concorrência
dos dois pré-candidatos foi acirrada, conforme depoimento de Nascimento (2006):
Depois que Max foi derrotado falou que não ia participar da campanha. Todo
mundo falou com Camata ‘olha se você não chamar o Max você vai ter
dificuldade com PMDB no interior do estado’. Aí o Camata foi lá e negociou
com ele ‘não, Max você vai participar do governo’. Eu tenho certeza que ali
foi negociada a presença do Saturnino Mauro no governo Camata [...] não sei
aonde que foi, se foi numa secretaria, que ele participou e eu acho que Max
apontou mais dois, que o pessoal chamava de Maxistas pro governo do
Camata e aí Camata falou ‘na minha sucessão eu vou te apoiar’ (Informação
verbal).
Após a escolha do candidato ainda pairavam dúvidas sobre o candidato ao Senado
e a escolha do vice-governador da chapa. Matéria publicada na época definia a
querela para a vaga de vice: “[...] a ala sulista quer Mário Moreira, os pepistas
incorporados querem o empresário José Moraes e os nortistas reivindicam o
suplente de deputado, Gerles Gama” (DUELO..., 1982, p. 5-6). Camata (2007)
explica como foi decidido o imbróglio: “Eu queria colocar o Roberto Valadão, mas o
Valadão tinha perdido um irmão na guerrilha. Então pensamos em colocar alguém
mais conservador. Aí chamamos o Zé Moraes”.
A ala jovem do PCB contribuiu na campanha de Camata utilizando-se da experiência
adquirida com o movimento estudantil de modo a ampliar os segmentos de apoio ao
governo estadual, conforme depoimento do candidato:
Então começou a haver a participação do grupo do Paulo Hartung.
Eles preparavam na mídia os assuntos destinados ao público mais
jovem, por exemplo; a policia militar era comandada pela ARENA,
então o Paulo pediu para que eu dissesse que o policial militar seria
comandado pelo oficial da Policia Militar e não por um oficial do
exercito como era naquela época. Foi ousadia, mas era o correto a se
fazer. Eles fizeram varias coisas como, pichar muros... Inventamos os
‘santinhos’, ‘capetinhas’, e isso supriu a falta de recursos da época
(CAMATA, 2007, informação verbal).
O discurso proferido no dia 20 de janeiro daquele ano na cidade de Afonso Cláudio
iria marcar a campanha de Camata. Naquele dia, o candidato do PMDB teceu duras
críticas ao Governo Federal, principalmente ao presidente Figueiredo, chamando o
79
general de mentiroso. Dirceu Cardoso, inconformado com o andamento da
composição da chapa majoritária que indicava a sua supressão, denunciou o fato no
jornal de sua propriedade, “O Município”, de Muqui. O fato foi largamente noticiado
pela imprensa local e nacional e deu projeção ao candidato.
Seis meses após o episódio, quando Camata já se encontrava na condição de
candidato oficial do PMDB, foi encaminhada uma denúncia pelo procurador da
República visando o enquadramento do ato em crime previsto na Lei de Segurança
Nacional. Camata poderia ser julgado como deputado, sem comprometer um
mandato futuro, ou em uma situação extrema, ser preso com pena acima de dois
anos. Segundo Max Mauro, então presidente do PMDB, declarou em entrevista à
imprensa que a condição de “vítima” viria a “frutificar na boca de urna” uma vez que
provocava identificação popular (SONHOS..., 1982, p. 30).
Para Camata (2007), o fato significou o argumento final para a vitória de uma
campanha que apresentava dificuldades financeiras e estruturais.
Eu estava conformado com a situação, fazia alguns pequenos comícios em
cima de caminhão, uma dificuldade danada. Aí eu estou em casa e o Rogério
Medeiros me ligou e disse: Gerson, o Figueiredo está te processando. Eu
disse: ‘Deixa’ Ele estava mal popularmente. Foi o que faltava para eu ganhar
a eleição (Informação verbal).
No início de outubro, o general Figueiredo fez uma visita
28
à Vitória em sua
peregrinação pelo país em busca de votos para a desgastada situação. Um clima de
tensão e expectativa sobre a reação do presidente pairava sobre as acusações
feitas pelo candidato ao Governo do PMDB. Do palanque montado na Praça João
Clímaco, em frente ao Palácio Anchieta, o presidente se disse “magoado” com o
ataque da oposição a quem acusou de se “[...] afastar dos princípios éticos e
ideológicos que norteiam a democracia”. Ainda ameaçou o povo do Espírito Santo
que se elegesse um representante da oposição estaria “cortando as possibilidades
de aproximação com o Palácio do Planalto” (A VINDA..., 1982, p. 18).
Logo após o episódio da vinda do Presidente, o ministro da Fazenda Delfim Neto
concedeu uma entrevista para repórteres capixabas. Diante das câmeras da TV
Gazeta, que na época atingia 70% da audiência do Estado, o ministro respondeu à
28
A vinda do Presidente Figueiredo em Vitória ocorreu no dia 9 de outubro de 1982 e contava com a
presença do ministro Ibraim Abi-Ackel.
80
ameaça do presidente em isolar o Espírito Santo da partilha dos recursos federais
“Isto é tolice. O Governo Federal não pode pensar nestes termos, e muito menos
agir desta maneira” (DELFIM..., 1982, p. 34). Estava encerrada ali, a estratégia do
PDS contra a oposição.
A revista ES Agora na edição de agosto de 1982 em matéria intitulada “A guerra dos
votos”, ilustrava o cenário da proximidade da campanha:
Carlito falava mal de Camata, que chamava o presidente de ‘mentiroso’.
Vicente Silveira que se recompõe com Eurico, que acusa Dirceu como
denunciante do polêmico discurso de Camata contra o presidente. Elcio
Álvares é ameaçado de expulsão por pregar o voto ‘camarão’ e o empresário
Camilo Cola, que antes brigava com Eurico, agora é o seu candidato a
senado (A GUERRA..., 1982, p. ).
Também no interior do PMDB, mais especificamente no núcleo do PCB, um novo
conflito se consubstancia entre as lideranças comunistas como veremos adiante.
O cenário estadual encontrado no ano de 1982 pode ser avaliado por uma
estimativa apresentada pelo Instituto Jones que indicava 922 mil habitantes na
Região Metropolitana, correspondente a 40% da população do Estado do Espírito
Santo. O crescimento da população urbana criou as condições necessárias para a
expansão de várias atividades do setor terciário como os segmentos mercantis, de
serviços pessoais e industriais. No início da década, 65,2% da População
Economicamente Ativa estava ligada aos setores secundários e terciários da área
urbana, assim como 64,2% da população total do Estado (URBANIZAÇÃO..., 1985,
p. 52).
Os grandes projetos industriais entravam em fase final de construção e as
empreiteiras começaram a dispensar a mão-de-obra arregimentada. Somente
durante o ano eleitoral, treze mil profissionais, de engenheiros a serventes, foram
dispensados com a conclusão da Companhia Siderúrgica Tubarão, que continuava
atraindo trabalhadores de baixa qualificação, principalmente dos estados de Minas
Gerais e Bahia (SONHOS..., 1982). Essa massa de trabalhadores empregados ou a
espera de um posto de trabalho continuava a se aglomerar nas áreas urbanas.
Naquele ano, 47% da população de Vitória vivia em favelas onde a cada dia eram
construídos aproximadamente 20 novos barracos (NADER, 2003).
81
2.2 O DESENCANTAMENTO E A SAÍDA DO PCB
Para entender a relação do grupo com o “Partidão” no período eleitoral, voltaremos
brevemente ao ano de 1979 para análise das relações encontradas no interior do
partido. No exterior, onde passou a funcionar o comitê central do Partido Comunista
Brasileiro durante o Regime Militar, as divergências entre os líderes partidários foram
se aprofundando, tanto nas questões sobre a orientação política a ser adotada,
quanto às diretrizes que o partido deveria traçar. A luta pelo poder era declarada.
Enquanto Luiz Carlos Prestes procurava manter o controle e a centralização, o
grupo liderado por Giocondo Dias defendia a tomada de decisões através de um
colegiado e a maior democratização dentro do partido.
Com a volta dos exilados, após a promulgação da Lei da Anistia
29
, começaram a
aparecer publicamente as divergências internas no comitê central (BRASIL, 1979a).
Logo após chegar ao Brasil, Giocondo Dias defende a "unidade de todas as forças
de oposição em uma frente ampla para objetivar a conquista da democracia”, e inicia
a campanha pela legalização do partido (LUIS..., 2007). Às vésperas do seu
embarque para o Brasil, Armênio Guedes, ainda em Paris, sintetizou o pensamento
do grupo renovador quanto à orientação que deveria seguir o PCB. Ao contrário de
Prestes, Guedes não acreditava que a passagem ao regime socialista no Brasil se
faria por meios violentos, pois a conquista do poder através da luta armada resultaria
num socialismo-autoritário e não-democrático. Por outro lado, indicava que não era
aquele o momento de se discutir a passagem para o socialismo, pois o Brasil vivia
uma fase de luta pela redemocratização, e não de transição para o socialismo.
Guedes não acreditava que a passagem do regime militar para o regime
democrático se fizesse por meio de rupturas violentas, e sim de forma gradual, sob
pressão do movimento democrático. Coimbra (2006)
30
relata o impacto imediato
causado pela volta dos comunistas exilados sobre os militantes pós-regime militar:
Nós também evoluímos para uma concepção de que o passo do PCB era
insuficiente, e foram inseridas algumas concepções que nos desencantaram.
29
A Lei n.º 6.683 promulgada em 28 de agosto de 1979 foi um dos principais marcos da
redemocratização brasileira. Concedia anisitia a todos que tivessem cometidos crimes políticos no
período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
30
Coimbra, 2006. Entrevista concedida em 31 de outubro de 2006, em Vitória, à Margô Devos
Martin, por Wellington Coimbra. Doravante as citações Coimbra (2006) é referente à esta
entrevista.
82
A ruptura tem dois níveis: de postura e a conceitual. Acho que a de postura
predominou, porque foi quando a turma veio do exílio, vieram como os donos
da verdade e com condutas que nós achávamos que não tinha a ver com
aquilo que a gente trabalhava. Foi a experiência do comunismo na Europa
versus o comunismo soviético, que também já entrava em exaustão. Eles já
vieram com o debate do eurocomunismo, com os problemas da Polônia e da
União Soviética. Eles chegaram aqui em 1979, eu fui receber Gregório
Bezerra lá no Sindicato do ABC. Um exemplo maravilhoso da história que eu
vivenciei. Eu recebi Brizola, eu recebi Arrais, até me arrepio lembrando
(COIMBRA, 2006, informação verbal).
Luis Carlos Prestes, após oito anos de exílio, desembarca no Rio de Janeiro em 20
de outubro do mesmo ano, sendo recepcionado no aeroporto por cerca de dez mil
pessoas (LUIS..., 2007). Após a comemoração inicial da volta das dirigentes veio o
conflito ideológico. Pinto (2008) narra esta passagem:
Quando Luiz Carlos Prestes chegou ao Brasil com a anistia eles convidaram
os dirigentes do partido. Nos fomos ao Rio: eu e Paulo ver o Prestes. Na
época que estivemos lá estava a Anita Leocádia Prestes. Eu lembro que
estava começando a acontecer as questões do Solidariedade na Polônia. E
agente estava apavorado com aquilo tudo e eu falava: ‘Paulo, é este
comunismo que agente quer? A gente lutou pela democracia. A gente quer
ditadura de Lênin? Vamos conversar com Prestes.’ Foi um papo muito
interessante. Ele contou a história dele. Prestes tinha um carisma
impressionante. Lá pelas tantas eu falei: ‘Comandante, deixa eu fazer uma
pergunta: Nós estamos todos empolgados, recriamos o partido no Estado,
trouxemos os antigos militantes’ Naquela época já estava começando o
movimento operário, o sindical, o metalúrgico.. A coisa estava indo bem. ‘Mas
agente está assustado com tudo isso que está acontecendo na Polônia. Está
havendo um movimento operário contra o partido lá. O que está
acontecendo?’ (Prestes responde) ‘Meu filho, você está vendo muito jornal e
televisão. Não acredita em tudo que você vê na imprensa, não.’ Foi um balde
de água fria. Eu olhei para o Paulo e disse: ‘Paulo, nós estamos numa fria! E
agora?’ (Informação verbal).
A ala do PCB oriunda do movimento estudantil, que a esta altura liderava a direção
do Comitê Estadual, mantinha uma independência cada vez maior em relação à
ordem nacional. Por este motivo o PCB estadual chegou a sofrer uma tentativa de
interferência por meio do jornalista Luiz Carlos Azedo, vindo de São Paulo no ano de
1980. O jornalista era coordenador nacional do setor universitário da Seção Juvenil
do Comitê Central do PCB, formado logo após a volta da direção do exílio. A
narrativa de Azedo reforça as lutas internas nas quais o partido se viu mergulhado
naquela fase.
No episódio da intervenção, do qual participei, o que houve foi o seguinte: O
PC do B, a AP (Ação Popular) e outras tendências resolveram nos excluir da
diretoria da UNE. Aproveitaram o racha com os prestistas para cooptar
algumas lideranças no Sul e o pessoal do Espírito Santo, nos enfraquecendo
mais ainda. A alternativa que restou foi a aliança que fizemos com o MR-8 na
eleição direta para a UNE. Eles conseguiram colocar um prestista na diretoria
83
da UNE e deixaram o partido de fora. Nós éramos a segunda força no país,
com absoluta hegemonia no Rio e os DCES da USP, UNB e UFES, dentre
outros.
Recebi orientação do assistente da seção Juvenil, Givaldo Siqueira, de vir ao
Espírito Santo discutir com o comitê universitário a situação no movimento
estudantil e comunicar a decisão de lançar uma chapa em aliança com o MR-
8. Os companheiros se recusaram a cumprir a orientação [...] Recebi a
instruções para comunicar à direção universitária que a organização seria
dissolvida se não cumprisse a orientação do comitê central. E que o comitê
estadual sofreria uma intervenção se apoiasse a decisão dos universitários.
Cumpri a orientação, mas antes avisei ao secretariado que seria um desastre.
A orientação atribuída ao Giocondo, que recebi do Régis, foi para não vacilar.
Foi o que fiz.. Depois, a Executiva recuou da decisão - na verdade, foi tomada
ad referendum do Comitê Central - e a direção do Espírito Santo resolveu
soltar um documento me acusando de exorbitar na tarefa, o que não foi o
caso. Na verdade, o Giocondo estava mandando um recado para o comitê
estadual de São Paulo e para a direção da Voz da Unidade. Meses depois,
houve uma intervenção na Voz da Unidade, da qual participei como jornalista
a pedido do Giocondo Dias. Após o sétimo Congresso, o núcleo dirigente
paulista, que era eurocomunista, abandonou o partido (AZEDO, 2007,
informação verbal)
31
.
A estratégia rendeu o resultado pretendido no comitê paulista, mas a pressão
exercida no Espírito Santo que – torna-se necessário reforçar – não chegou a ser
tão rígida quanto naquele estado, não demoveu o comitê capixaba, que em
contrapartida se organizou para o sétimo Congresso do PCB, chegando a produzir
uma carta retificando seu direcionamento para disputar as posições com o Comitê
Central.
No processo de preparação para o sétimo Congresso a luta interna vai tornando-se
cada vez mais intensa. O grupo liderado por Prestes rompe definitivamente com o
PCB. Com a volta do exílio, vários dirigentes trazem as concepções do
eurocomunismo, que vão permear as formulações daquele Congresso.
Em março de 1980, em documento intitulado “Carta aos comunistas”
32
, Prestes
denunciou a falência da direção do partido, responsabilizando-a inclusive pelas
prisões dos dirigentes comunistas entre 1974 e 1975. Acusou a direção ainda de ser
incapaz de exercer o papel para o qual fora eleita e de não obedecer ao princípio de
direção coletiva. Prestes teceu duras criticas à falta de democracia interna,
declarando não poder:
31
AZEDO, Luiz Carlos. Depoimento em 19 de junho de 2007 recebido por correio eletrônico por
<margodp@gmail.com
> em 19 de junho de 2007.
32
A “Carta aos Comunistas” encontra-se na íntegra no ANEXO C.
84
[...] admitir que meu nome continue a ser usado para dar cobertura a uma
falsa unidade, há muito inexistente. Reconhecendo que sou o principal
responsável pela atual situação a que chegaram o PCB e sua direção,
assumo a responsabilidade de denunciá-la a todos os companheiros,
apelando para que tomem os destinos do movimento comunista em suas
mãos (LUIS..., 2007).
Prestes ainda afirmou que os comunistas não podiam abdicar da “condição de
lutadores pelo socialismo” submetendo-se à limitada democracia imposta pelo
governo e que a “abertura”, a seu ver, excluía à participação popular. Declarou que o
partido não podia "abdicar de seu papel revolucionário e assumir a posição de freio
dos movimentos populares". Conclamou a união das forças de esquerda na
organização das massas “de baixo para cima” de forma a tornar o partido “a força
motriz da frente democrática".
A carta foi o último suspiro do ideal comunista de muitos militantes que até aquele
momento seguraram a insatisfação mediante os anos de militância. Herkenhoff
(2007) narra o sentimento do grupo.
Esta carta [...] nós perdemos o chão. O Prestes era um homem
respeitadíssimo. Uma figura histórica do movimento. Meio acima do bem e do
mal. Aí ele chega e fala: ‘vocês vão acabar com isso tudo. Vão se organizar
pela base [...] e abre pontes com o brizolismo, com candidatos que vem do
PDT [...]’. Eu acho que não só sobre mim, mas quem era jovem na época,
mesmo os velhos militantes. Aquilo teve um impacto enorme. E ele não
aponta um caminho. Ele fala ‘vou refundar (sic) um outro partido de massa’.
Ele acusa a direção nacional de ser direitista, reformista, e que o partido tem
que ser organizado pela base. Nós escrevemos um documento intitulado
‘rumo ao Sétimo Congresso.
As declarações de Prestes em sua carta valeram-lhe a perda do cargo de secretário-
geral do PCB em maio de 1980, por decisão do comitê central, sob a alegação de
que não comparecia às reuniões. Substituído por Giocondo Dias, partiu em junho
para Moscou e, em setembro, visitou Havana, em Cuba, antes de participar da
reunião do Parlamento Mundial dos Povos pela Paz, em Sofia, na Bulgária.
Em setembro de 1981, Prestes começou a negociar o seu ingresso no Partido dos
Trabalhadores (PT), visando sua candidatura a uma vaga no Senado nas eleições
de novembro de 1982. Tal exigência criou dificuldades dentro da comissão executiva
regional do PT, que não aceitou sua filiação. Pouco depois, Prestes recuou dessa
exigência e os dirigentes do PT afirmaram que aceitariam o seu ingresso desde que
ele se comprometesse com o programa e as práticas do partido. Prestes resolve não
85
se filiar ao PT alegando que o seu presidente, o metalúrgico Luís Inácio da Silva, o
Lula, era "político muito imaturo" (LUIS..., 2007).
Prestes continuou na tentativa de se inserir em algum partido de esquerda. Em
novembro do mesmo ano, a imprensa anunciava as negociações de Prestes com o
Partido Democrático Trabalhista (PDT), cujo presidente era Leonel Brizola, que
resolve declarar que não havia lugar para Prestes disputar uma vaga no PDT. Houve
ainda uma tentativa frustrada de ingresso no Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB). O líder comunista finalmente se integrou à campanha eleitoral do
PDT, apoiando diversos candidatos no pleito de novembro de 1982, mas sem obter
a sua pretendida vaga ao senado.
O cenário conturbado e falta de estabilidade interna no PCB produziram equívocos.
Um deles foi atribuir a vinda do jornalista Jairo Régis, vindo de São Paulo por opção
pessoal, a uma segunda tentativa de intervenção. Régis, que seguia a corrente
tradicional do partido, apresentava sérias divergências com a ala jovem do comitê
central capixaba, mas seu objetivo principal era a legalização do partido. Sua
esposa, Dionary Regis, testemunhou esta passagem no livro “Escrito de Vitória”,
produzido posteriormente pela Prefeitura Municipal:
Tarefa complicada. Não se tratava apenas de obter inserção na sociedade.
Antes precisávamos vencer as desconfianças e a hostilidade dos jovens e
rebeldes companheiros locais, que nos rotulavam de interventores. O PCB,
que em nível nacional lutava pela legalidade, só teria como obtê-la com um
mínimo de organização. Mas os comunistas da ala jovem, de Gramsci em
punho, rejeitavam as regras, as normas de um partido que se mantivera vivo
graças à estrutura marxista-leninista em que se pautava. A luta interna era
grande. A ala jovem tinha seu foco de atividade principal na Universidade e
em Vila Velha. Era um partido de estudantes, embora muitos de seus adeptos
já estivessem longe dos bancos escolares há bastante tempo. Na nossa visão
não era um partido. Era um movimento.
Do outro lado, dando-nos total apoio, estava a velha guarda: Clementino,
Agostinho, Almir, Mazinho, Wilson e o mais querido comunista capixaba
que me perdoem os outros – Meireles. Era a turma remanescente da Folha
Capixaba. Com apoio dessa gente, arregaçamos as mangas e pouco a pouco
fomos achando território (REGIS, 1996, p. 46).
Apenas quatro meses antes das eleições de 1982, Paulo Hartung se desliga do PCB
movido pela insatisfação dos rumos que o partidão havia tomado. Esta decisão fica
restrita à direção do partido e a campanha tem continuidade abraçada pelo PMDB.
Alguns militantes comunistas, principalmente Renato Soares, questionam a validade
da candidatura após o desligamento, mas a chapa montada pelo grupo vinha
86
crescendo politicamente e já não havia tempo para mudanças. Herkenhoff (2007)
narra este momento.
E mesmo o Paulo tendo saído do PCB, na minha visão, sob o impacto desta
Carta aos Comunistas e nos desdobramentos dela que deixou todo mundo no
ar [...]. O Renato Soares se lança candidato e faz uma movimentação no
diretório nacional para garantir a candidatura dele [...]. Eu me oponho a isso,
me articulo, trabalho contra isso [...] Nós fizemos um encontro aqui no Estado,
um encontro com mais de 100 delegados, e nós mantivemos a candidatura
do Paulo, mesmo tendo ele saído do partido. E fomos talvez, o motor da
campanha dele, da Mirtes, do Berredo e do Camata [...] (Informação verbal).
Em dezembro 1982, o 7º Congresso do PCB foi invadido pelas forças da repressão,
logo no início do primeiro dia do encontro, com a prisão de todos os delegados.
Somente em 1984, depois de um limitado processo de consultas aos delegados do
Congresso, o Comitê Central consegue publicar o documento com as resoluções
congressuais “Uma Alternativa Democrática para a Crise Brasileira”, que afirmava
que a principal tarefa dos comunistas continuava sendo a luta pelas liberdades
democráticas, levando à formação de alianças no campo conservador, sob a ótica
da disputa das eleições (RESOLUÇÕES..., 2007). A linha adotada pelo congresso
vinha totalmente ao encontro das articulações da ala jovem capixaba.
Segundo as diretrizes do 7º Congresso o PCB pretendia tornar-se um grande partido
nacional de massas, legalizado, vinculando a democracia a ser alcançada, com
respeito ao pluralismo e aos valores fundamentais, ao objetivo de construção do
socialismo. Prevaleceram as teses social-democratas que iriam fazer parte das
concepções partidárias ao longo da década de 1980. O PCB, na tentativa de tornar-
se um partido de massa, conclamou os militantes à legalização, pregando o respeito
ao pluralismo e a construção do socialismo. Porém, o partido nunca viria a ter
grande poder de inserção nos movimentos de massa, particularmente no movimento
sindical que já estava comprometido com o nascimento do Partido dos
Trabalhadores. O PCB só viria a tornar-se legal no ano de 1985 por meio da
Emenda Constitucional n.º 25, como veremos posteriormente.
2.3 AS ELEIÇÕES 82 E RESULTADO DAS URNAS
O resultado conquistado pelo PMDB no Espírito Santo repete o expressivo
desempenho nacional, abocanhando 31 das 56 prefeituras e a maioria nas câmaras
87
municipais. O partido obteve 61% dos votos válidos
33
, elegeu 305 vereadores no
estado, contra 95 do PDS, e 16 deputados para a Assembléia Legislativa (ZORZAL,
1983, p. 77). O governador Gerson Camata foi eleito com 448.074 votos contra
282.728 de Carlito Von Schilgen. O candidato do PMDB venceu com o slogan
“Vamos governar juntos” e sua ascensão no final da campanha arrastou um cordão
de novos prefeitos, deputados e vereadores. Hartung (2007) ilustra o bom
desempenho do candidato, a repercussão no resultado geral do PMDB e,
principalmente, na sua campanha à Assembléia:
Nós fizemos 16 deputados estaduais dos 27. Mesmo assim Camata teve
apoio de outras lideranças que tinham sido eleitas pela Arena, pelo diálogo
que ele tinha. Fez a maioria na Assembléia folgada, trabalhou com apoio
parlamentar importante na época. Eu acho que o Camata abriu muitas portas
na campanha pra mim. Uma campanha dessas com muito comício, muito
apoio popular, acabava só falando nos comícios quem tinha algum tipo de
articulação maior dentro do partido [...] No comício final do Camata eu falei
em um horário extraordinário e o Camata me botou para falar e como nós
tínhamos os nossos amigos na imprensa ainda colocaram a minha frase e
saiu na capa da Gazeta no dia seguinte [...] na Tribuna, em um dos jornais
[...] porque havia muita torcida para que este projeto de atividade política
fosse para frente (Informação verbal).
Dentre as prerrogativas que impulsionaram Gerson Camata ao cargo máximo do
executivo estadual podemos citar duas em especial. O futuro governador transitava
por diversos segmentos como a classe empresarial e possuía um forte apelo junto
aos cafeicultores, adquirido por meio da sua atuação parlamentar, voltada para esta
categoria. Outro aspecto inegável era a sua boa imagem que angariou significativa
parcela do eleitorado feminino, acrescida do carisma e oratória oriundas do seu
oficio de radialista.
33
O Espírito Santo apresentava 963.016 eleitores em 1982. Compareceram às urnas 825.934
eleitores, o que significou 16,59% de abstenções (Informações coletadas no Arquivo da Secretaria
Judiciária do Tribunal Regional Eleitorial, com sede em Vitória, ES).
88
Figura 7. “Camata e José Inácio na euforia da vitória e renovação”
Fonte: A CONQUISTA..., 1982, p. 5
Já a eleição de Paulo Hartung para a Assembléia Legislativa contou com o auxilio da
gráfica criada pelos ex-estudantes como forma de sobrevivência. Hartung, Neivaldo
Bragato, Robson Leite e Eduardo Pignaton eram os proprietários da Renograf
(Renovação Gráfica e Editora Ltda.) onde eram rodados os jornais e panfletos da
campanha do PMDB. Segundo Hartung (2007) havia certo conflito entre a
necessidade dos proprietários em seu âmbito privado e a utilização da mesma para
fins políticos do partido.
A gráfica se desfez assim que Paulo Hartung se elegeu deputado por considerar
incompatível com a sua nova opção profissional, uma vez que a empresa já
participava de concorrências de empresas públicas. Além do material impresso na
gráfica, os participantes da Comissão de Mobilização Popular contaram apenas com
a militância, conforme nos relata Tose (2006).
A campanha do Paulo que a gente fez em 82, foi feita no muque. Em uma
noite a gente saiu ali da pracinha de Maruípe, com cartazes, cola, e fomos
colando os cartazes o mais alto possível, para ninguém tirar. Fomos parar lá
na rodoviária. A gente acreditava muito nisso (Informação verbal).
Os demais candidatos da “chapa do partidão” obtiveram a seguinte votação: Mirtes
Bevilacqua com 46.604 votos; Paulo Hartung com 19.486 - o mais jovem deputado
eleito, com apenas 25 anos de idade; Stan Stein foi o vereador mais bem votado em
89
Vitória, com 3.919. Stein (2006) explica a importância dos votos do movimento
estudantil no excepcional resultado nas urnas:
A primeira eleição teve a participação brutal dos estudantes. Com exceção
dos estudantes do interior, que não tinham título em Vitória, que não votaram
em nós, até o dia deles irem para lá votar, fizeram campanha para nós. Por
que então você vai ter essa penetração? Quase 4% dos votos [...] Acho que
entre quase 400 candidatos. Muito expressiva essa votação, mas por quê?
Não era eu em mim mesmo. Era eu trazendo toda uma história do passado
recente da Universidade. Eu era aguerrido, eu era ativo, eu argumentava, eu
circulava, me fazia presente, as pessoas me viam, eu tinha uma certa
presença na imprensa. Houve uma visibilidade muito grande, e os estudantes
que não eram eleitores nos nossos municípios fizeram campanha. Foi uma
campanha muito barata. O que eu gastei nela? A indenização do Fundo de
Garantia, de seis ou sete anos atrás (Informação verbal).
Felício Correa, também candidato da “chapa do partidão” obteve a melhor votação
no estado para vereador, sendo eleito com 4.879 em Vila Velha.
34
Outro candidato
apoiado pelo grupo do PCB, apesar de não fazer parte da chapa, foi Vasco Alves,
eleito com 22.800 votos, concorrendo ao cargo de prefeito municipal. Alves
concorreu com Francisco Mauro, pertencente ao clã Mauro, tradicional daquela
cidade.
Um dos municípios que contribuíram para o bom desempenho da “Chapa do
Partidão” do PMDB foi a Serra, devido ao trabalho de base desenvolvido pelo núcleo
do movimento estudantil e comunista, já citado anteriormente. Apesar de não
apresentar nenhum candidato à chapa, os membros do PCB tinham preferência pelo
vereador Getunildo Pimentel, mas o candidato escolhido pelo PMDB na convenção
municipal foi João Baptista Motta, que acabou sendo apoiado pelo o grupo e venceu
o pleito como prefeito da Serra. Colnago (2008)
35
dá uma noção
36
de grandeza da
participação dos quatro municípios:
Enfim, demos a Paulo, esse movimento na Serra, do Partidão deu a Paulo 4
mil votos ou 3.900, muito voto pro Paulo, ele foi bem votado em Vitória, em
Vila Velha, que era natural porque o movimento tinha mais a ver mesmo... A
Serra era operário [...] muita gente daqui, de Vila Velha.e da terra (de Paulo
Hartung) e Moulin. [...] Esses quatro municípios devem ter dado ao Paulo,
34
Informações coletadas no Arquivo da Secretaria Judiciária do Tribunal Regional Eleitorial, com
sede em Vitória, ES.
35
Colnago, 2008. Entrevista concedida em 20 de maio de 2006, em Vitória, à Margô Devos Martin,
por Sebastião Barbosa. Doravante as citações Colnago (2006) é referente à esta entrevista.
36
A Secretária Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral, departamento responsável pelos arquivos
das eleições anteriores a 1994, ano em que os arquivos passaram a ser digitalizados, não mais
possui todos os dados sobre as eleições de 19982. Portanto, não existem registros da quantidade
real por município atingida por Paulo Hartung na sua primeira vitória.
90
com a votação que teve, 80% dos votos. Tipo assim, 4 mil aqui, 3.900 mil ali ,
4.200 ali .... (Informação verbal).
O apoio de Luiz Moulin durante a campanha, principalmente a de Gerson Camata,
contribuiu para o resultado excepcional na região, uma vez que Hartung concorreu
com lideranças locais. Segundo Hartung “Camata virou no interior uma doença
naquela eleição” (HARTUNG, 2007).
O candidato ao Senado mais bem votado foi o empresário Camilo Cola do PDS com
198.385 em uma campanha de alto custo. Porém Cola não viria a assumir a sua
vaga por uma questão de legenda. Já a eleição do José Ignácio, com 186.275
37
,
votos para o Senado foi uma das mais profissionais até então, a coordenação
contava com organização geográfica, formação de comitês, distribuição de materiais
e grande arrecadação de verba.
Perante uma desigual concorrência, Berredo de Menezes, com 164.807 votos
38
, foi
o único candidato da “chapa do partidão” que não obteve a vitória. Com uma
imagem vinculada ao comunismo, Berredo não teve aceitação das elites capixabas,
que preferiram votar em Ignácio. Posteriormente, ao assumir o Governo, Camata
viria a indicar Berredo à prefeitura da capital.
No âmbito Nacional as primeiras eleições desde 1965, nas quais o eleitorado pôde
votar diretamente para o governo, deu à oposição o controle dos principais estados
da Federação: Franco Motoro em São Paulo, Tancredo Neves em Minas Gerais e
Leonel Brizola no Rio de Janeiro. A oposição elegeu 10 dos 22 governadores
mantendo ainda o caráter bipartidário, principal característica das eleições de 1979
(LAMOUNIER, 2005, p. 174).
O Senado obteve uma renovação de 36% de suas cadeiras e a Câmara de 55%. A
bancada do PDS somou 235 deputados e a dos partidos de oposição 244, sendo
200 do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, 23 do Partido
Democrático Trabalhista – PDT, 13 do Partido dos Trabalhadores Brasileiro – PTB e
8 do PT (MAINWARING, 2001, p. 131).
37
Informações coletadas no Arquivo do Secretariado do Tribunal Regional Eleitorial, com sede em
Vitória, ES.
38
Informações coletadas no Arquivo do Secretariado do Tribunal Regional Eleitorial, com sede em
Vitória, ES.
91
Segundo o candidato derrotado ao Governo do Estado, Carlito Von Schilgen, em
entrevista à imprensa, mais do que uma vitória do PMDB, foi uma derrota do PDS “o
que funcionou em favor da oposição foi o anti-poder, como a inflação e o custo de
vida” (A DERROTA..., 1982, p. 6). O caráter plebiscitário ainda persistia, mesmo com
a reforma partidária de 1979, porém em um contexto de profunda recessão e de
desemprego.
Ainda na Revista ES Agora, as eleições capixabas foram definidas como um “[...]
pleito sem surpresas em termos de inovação[...].” O baixo rendimento do PT e PDT
era reflexo das dificuldades encontradas pelos novos partidos ainda em fase de
edificação de suas bases.
Não poderiam ser menos estimulantes as chances dos chamados partidos ‘à
esquerda do PMDB’, o PT e o PDT. Entrincheirados durante toda a
campanha em áreas sociais mais carentes, em aglomerados, filas de INPS,
portas de fábricas, regiões de invasão, com eleitores teoricamente mais
inclinados aos candidatos que pregavam à exaustão a igualdade de seus
padrões de vida, os petistas e pedetistas não tiveram como esconder a
decepção quando foram colher nas urnas os frutos de um trabalho
certamente exaustivo, sobretudo pela carência de recursos. Para o PT, que
nas prévias mostrava uma tendência de obter 50 mil votos, receberam
apenas 10 mil votos (PT..., 1982, p. 8).
Mesmo tendo o pleito de 1982 transcorrido em um ambiente onde prevaleciam as
condições para a consolidação de um regime democrático, pairavam sobre a
sociedade a inquietação e o temor de um retrocesso político, decorrente de duas
décadas de regime autoritário.
No caso brasileiro, até o último momento do regime autoritário, todos os passos
foram estrategicamente controlados pelos detentores do poder no sentido de
garantir suas prerrogativas. Neste padrão, a decisão de restituir o poder
definitivamente deu lugar à liberalização gradual, movida pela percepção das forças
hegemônicas de que a obtenção de seus interesses em longo prazo seriam
alcançados em um contexto no qual as instituições autoritárias dariam espaço às
democráticas.
Apesar deste caráter restritivo, o encerramento do ciclo da transição foi se
consolidando lentamente ao longo da década de 1980 e as eleições ocorridas neste
período formam momentos demarcadores da transição para a democracia.
92
Antes mesmo de assumir o Governo, Gerson Camata enviou uma carta de
retratação ao Presidente Figueiredo pelas ofensas proferidas no discurso de Afonso
Cláudio. O deputado recém eleito, Paulo Hartung, indagado pela imprensa sobre as
motivações de Camata, responde “Não sei de nada. Também fui pego de
surpresa”.
39
Após as eleições de 1982, muitos dos ex-estudantes assumiram os primeiros cargos
públicos e tal fator se configura como determinante na ascensão do grupo ao poder.
Uns se integraram ao mandato de Paulo Hartung como Robson Leite Nascimento.
Neivaldo Bragato assumiu a diretoria do Diário Oficial do Governo Camata, Lauro
Ferreira Pinto e Lelo Coimbra assumiram a subsecretaria de Saúde de forma
subseqüente, ainda naquela administração. César Colnago tornou-se assessor da
mesa diretora da Câmara Municipal da Serra e boa parte dos militantes de Vila
Velha incorporaram-se a administração de Vasco Alves
Já na capital do Estado, o prefeito indicado pelo Governador, Berredo de Menezes
atrai para seus quadros o núcleo do PCB liderado por Renato Soares, opositor dos
militantes do movimento estudantil.
Houve um problema, porque Berredo resolveu trazer para perto dele um cara
chamado Renato Soares, que era uma dissidência dentro do Partidão, desse
grupo, e isso criou todo um constrangimento, muita gente se afastou. Renato
cooptou algumas pessoas e levou para trabalhar com ele. Aí chega aqui em
Vitória um casal, ela chamada Dionary e ele chamado Jairo Régis, que de
certa forma, formulam com Renato o governo de Berredo, junto com Edivacir
Martins, que vira seu secretário de cultura... (NASCIMENTO, 2006)
Mesmo os militantes do grupo que optaram por seguir suas carreiras profissionais
continuaram participando ativamente das decisões do grupo e afastando-se
definitivamente do Partido Comunista.
Uns se integraram no mandato de Stan, uns se integraram no mandato do
Paulo, e a maioria foi viver sua vida profissional. Foi nessa época que o
Anselmo foi ser médico, o Laurinho foi ser médico, ele já era de se dedicar
mais, o Fernando Herkenhoff foi fazer mestrado na Universidade, Ernesto
passou em um concurso na Petrobrás e foi para São Mateus. O que
aglutinava esse grupo era o mandato do Paulo. O Paulo fazia reuniões
39
Revista Agora, janeiro de 1983 nº 76 AS PRESSÕES sobre camata. Revista Espírito
Santo Agora, Vitória, n. 76, p. 5. jan. 1983.
93
periódicas com esse grupo, e foi quando começamos a ver que as coisas do
Partidão já não eram o que a gente imaginava, começou a surgir uma série
de coisas. Começa a ter um período onde a gente passa a ver que o caminho
do partido como estrutura de poder, é muito difícil, porque ele tem vícios
muito fortes, as pessoas que estavam nele no Brasil inteiro vieram com
muitos vícios da época da ditadura... ... (NASCIMENTO, 2006)
A passagem de lideranças da sociedade civil para posições de responsabilidade
política é marcante a partir do ano de 1983, em cargos da esfera municipal e
posteriormente estadual. Na maior parte das vezes as trajetórias se legitimaram por
meio da mediação institucional dos partidos conquistada em vitórias eleitorais.
Militantes de partidos democráticos e ligados a interesses setoriais diversos, como
os representantes do grupo objeto do estudo, gravitavam entre as atividades dos
partidos e de seus grupos de origem de forma ambígua e sobrepondo umas às
outras, tornando difícil precisar as fronteiras de ambas.
No entanto, com o restabelecimento da democracia eleitoral, as distinções entre as
duas esferas se estabelecem com maior clareza com a separação funcional e
institucional da administração estatal da atividade partidária e a esfera da sociedade
civil. Desta forma, puderam-se notar numerosas passagens da sociedade civil para o
Estado, por meio dos partidos políticos ou pela passagem direta à administração
estatal. Muitos foram recrutados de modo individual por considerações de confiança
partidária, capacitação profissional e pertencimento ou proximidade de redes
familiares e de amizade vinculadas ao poder político (DAGNINO; OLVEDRA;
PANFICHI, 2006).
A partir desta transferência, a militância ou participação em múltiplas esferas diminui
e os ativistas passaram a definir seus papéis. Parte dos atores investiu em uma
especialização na política e situaram-se em cargos do Estado. Outra parcela
permaneceu ou retornou à sociedade civil por meio de “[...] associações sindicais
debilitadas pela liberalização das condições trabalhistas, movimentos sociais
desestruturados e ONGs dependentes das consultorias e dos financiamentos do
Estado” (DAGNINO; OLVEDRA; PANFICHI, 2006, p. 73).
94
O vereador mais bem votado de Vitória, Stan Stein se tornou o líder da bancada do
PMDB na Câmara. No exercício do poder institucionalizado, as diferenças nas
negociações entram em conflito com sua origem do movimento estudantil.
O PCB, enquanto estrutura que dava suporte ao processo de discussão não
conseguiu se fazer presente na minha vida pública para essas discussões.
Quando vem a discussão da atuação na clandestinidade, na legalidade, que
vai culminar com a Constituição de 1988, com a liberdade de organização
partidária, não tendo mais proscrição aos partidos chamados marxistas,
socialistas, há um fenômeno que precisa ser analisado, que na prática, tudo
aquilo que funcionava na Universidade deixa de ser. Um dos fatores poderá
ser este: a Universidade enquanto vida acadêmica traz estudantes de vários
lugares, e quando acaba a vida acadêmica, isso pulveriza e eu não consigo
ter mais na reunião com aquele cara que era de Ibiraçu, de Linhares, de
Colatina, Cachoeiro... Há uma tendência quantitativa de esvaziamento em
função disso. A gente não conseguiu substituir aquele que participava no
campus universitário por outro que era daqui, da vida da cidade. Não
conseguindo fazer isso, eu perco em suporte político de discussão, mesmo
tendo sido o mais votado de todos os candidatos (STEIN, 2006, informação
verbal).
Além do distanciamento de suas bases STEIN enfrenta outro problema, o embate
com o Prefeito Berredo, mesmo na sua condição de líder do partido. Uma das
questões polêmicas foi a criação do projeto de lei que daria soberania total ao
Governador enquanto o Plano Diretor Urbano não estivesse concluído.
Até porque já em outubro de 1983, estávamos em rota de colisão Berredo e
eu. Porque nesse período estava sendo encaminhado à Câmara Municipal o
projeto de lei do primeiro Plano Diretor Urbano da cidade de Vitória. Uma
coisa que foi resultado de muitos anos de estudos do Instituto Jones dos
Santos Neves, em três volumes de todos os levantamentos, análises das
questões históricas, geológicas para justificar as propostas que viriam no
próximo volume, num projeto de lei. Como líder da bancada e responsável
por dois terços da Câmara, dos meus colegas, a gente fez uma reunião para
decidir como fazer uma discussão do Plano Diretor Urbano de modo que se
prevenisse a destruição daqueles prédios de valor histórico do Estado que
estavam incluídos na lista de tombamento, na medida em que a gente
imaginava que o Plano Diretor Urbano deveria ser discutido pelos vereadores,
que não deveria ser somente aprovado e ninguém incorporar na sua
consciência o que significava aquilo.
Então Beth Osório, uma colega de partido, dividiu muito comigo essas
discussões, na época também tinha uma vereadora, Ertha Ribeiro de Assis,
que tinha sido minha professora no Colégio Americano, e a gente tentou
dividir com ela essa discussão, e dessa discussão dentro da bancada do
PMDB nós chegamos á conclusão de que se deveria fazer um projetinho de
lei temporário que teria vigência até entrar em vigor o Plano Diretor Urbano e
naquela votação haveria soberania total do governador dizer se tomba ou não
tomba aquele patrimônio.(STEIN 2006 )
Já no município de Vila Velha, o movimento popular iniciado com a criação do
Conselho Comunitário da cidade foi fundamental para o desenvolvimento da
administração de Vasco Alves por meio do Orçamento Participativo. Segundo
95
PIGNATON
40
era a primeira vez no Brasil em que havia realmente participação
democrática na administração, criada pelo PCB. O governo de participação popular
tinha o desafio de competir com as comunidades eclesiais de base, lideradas pelo
PT que exercia grande concorrência com este grupo:
Nós não pegamos isso de lugar nenhum, não existia! A gente ia para o bairro. Como
o PT era muito mais forte dentro dos sindicatos e dos bairros, por causa das
comunidades eclesiais de base, a gente precisava criar um discurso diferente. Nós
éramos democratas, precisávamos achar um viés popular, os outros eram muito
populistas [...] Nós desenvolvemos a teoria dos movimentos comunitários, da
participação na administração da prefeitura. O PT ficou contra isso, falando que isso
era um discurso da burguesia para controlar os trabalhadores.
O deputado Paulo Hartung iniciou seu mandato na comissão de finanças, orçamento
e tomada de preços, desenvolveu um trabalho em torno da defesa de reivindicações
de movimentos sociais e de setores organizados da comunidade. Reivindicou
melhores condições salariais para os funcionários públicos. Buscou desenvolver
projetos voltados para o seu segmento de origem: os estudantes. É de sua autoria o
projeto de lei que concederia meia passagem aos estudantes nos ônibus
intermunicipais e, que, apesar de ser aprovado pela Assembléia Legislativa, acabou
sendo vetado pelo Governo. Deu início a busca de benefícios aos idosos, tentando
emplacar a lei que concederia passe livre a este segmento.
Foi um dos deputados que mais apresentou projetos, como o que dá autonomia aos
municípios na elaboração das próprias leis orgânicas, o que proíbe aos
estabelecimentos de ensino a cobrança de taxas e contribuições dos estudantes.
Legislou em favor da defesa do meio ambiente, aprovando o projeto que proíbe a
instalação das indústrias que provoquem poluição em balneários e em regiões de
montanhas de vocação turística e a criação do Parque da Fonte Grande.
41
O
Deputado Estadual Paulo Hartung apresenta um mandato atuante com a aprovação
de leis, principalmente voltadas para os segmentos estudantis e de aposentados,
como na área de transporte coletivo e meio ambiente. Seus projetos de lei
42
promulgados durante o mandato foram:
40
PIGNATON, 2006
41
A Assembléia e seus deputados. A Gazeta. 8 de novembro de 1986. p. 5
42
Material consultado no Arquivo geral da Assembléia Legislativa do Espírito Santo.
96
O Deputado Estadual Paulo Hartung apresenta um mandato atuante com a
aprovação de leis, principalmente voltadas para os segmentos estudantis e de
aposentados, como na área de transporte coletivo e meio ambiente. Seus projetos
promulgados durante o mandato foram:
a) Lei nº - 3.687 – visa proibir o uso do fumo nos veículos de transporte de massa;
b) Lei nº 3.708 – proíbe a instalação de industriais que provoquem poluição do
meio ambiente em balneário e em região climática;
c) Lei nº 3.778 – estabelece redução nos preços das passagens para estudantes
nas linhas intermunicipais especiais;
d) Lei nº 3.849 – declara de utilidade pública a Associação Profissional dos
Bibliotecários do ES;
e) Lei nº 3.857 – visa considerar de Utilidade Pública a Associação dos Oficiais de
Justiça do Estado;
f) Lei nº 3.873 – disciplina o armazenamento e estocagem a céu aberto de
produtos sólidos, líquidos ou gasosos, nocivos à saúde, à segurança e ao bem
estar;
g) Lei nº 3.875 – cria o Parque Estadual da Fonte Grande;
h) Lei nº 3.904 – decreta de utilidade pública a Associação dos engenheiros
Florestais do Estado;
i) Lei nº 3.922 - institui a Semana Florestal.
2.4 A PARTICIPAÇÃO NAS DIRETAS JÁ
“Para os atores políticos empenhados na conquista das Diretas Já, a situação
política não permitia ambigüidades” (RODRIGUES, 2003, p. 50). A frase pinçada do
texto de Rodrigues permite perceber o sentimento encontrado no Brasil no período
que antecede a votação da Proposta de Emenda Constitucional n.º 5, que ficaria,
97
popularmente, conhecida como emenda Dante de Oliveira.
43
De um lado os políticos
que desejavam eleições diretas para presidente, e que conquistavam a simpatia da
população, liderados por Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, do outro lado os
políticos que apostavam na continuidade do sistema político vigente e, por isso, nas
eleições indiretas, tendo como principais atores os políticos Paulo Maluf e Mário
Andreazza do PDS.
Sem contar com a maioria de dois terços no Congresso, necessária para a
aprovação da PEC n.º 5, que propunha eleições diretas para a Presidência da
República, o grupo político liderado por Ulisses e Tancredo tinha a sua ação no
plano institucional extremamente limitada. A única aposta possível era o crescimento
da mobilização de novos atores políticos e de massas populares em torno de novos
espaços de confrontação. Ou seja, o único meio de obter recursos suficientes para a
reversão do quadro era apostar na ampliação, até o limite do possível, da campanha
das Diretas, com seus comícios, atos públicos, passeatas, manifestos publicados na
imprensa e debates por toda parte.
As praças públicas cheias desestruturavam a percepção e a conduta do governo
Figueiredo e dos pré-candidatos da situação e elevavam a oposição à protagonista
de um singular movimento, que ganhava iniciativa própria e relativa autonomia com
relação a seus líderes.
Uma nova realidade nascia após as eleições de 1982. Com a conquista dos
principais governos estaduais pelos candidatos do PMDB, Franco Montoro,
Tancredo Neves e Leonel Brizola, “[...] a oposição passara a dispor de suportes de
poder palpáveis, a partir dos quais poderia, revigorar seu declinante magnetismo
plebiscitário” (LAMOUNIER, 2005, p. 179). Sem a participação destes governadores
a campanha Diretas Já, não teria forças suficientes.
Não obstante o caráter prioritariamente político da campanha das Diretas Já, a
participação coletiva de 1984 deu-se por dois elementos estruturais naquele
contexto da sociedade brasileira: a crise do modelo de desenvolvimento econômico
43
A emenda foi apresentada no Congresso Nacional no dia 2 de março de 1983 pelo deputado
federal de Cuiabá Dante Oliveira. Oliveira, engenheiro civil, iníciou a sua vida política nos anos 70,
como deputado estadual pelo então MDB.
98
e do tipo de Estado a ele associado e o ressurgimento da sociedade civil
(RODRIGUES, 2003, p. 13).
Em primeiro lugar, a chamada “crise do milagre brasileiro” atingiu em cheio a
condição de vida das pessoas interferindo em suas rotinas. Das extraordinárias
taxas de 12% de crescimento do Regime Militar até o ano de 1974, o país passou à
depressão econômica com queda do PIB na ordem de 3,2% em 1983. Neste mesmo
ano a inflação bateu todos os recordes imagináveis chegando a 200% anuais.
Apesar das mudanças ocorridas no capitalismo internacional, o principal
determinante deste processo decorreu a partir da moratória mexicana no pagamento
da dívida externa, em 1982. As instituições multilaterais de finanças, Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Fundo Monetário
Internacional (FMI), passaram a impor aos países devedores uma receita de
ajustamento interno baseada em princípios “neoliberais”, como o controle da inflação
mediante o enxugamento da base monetária, o que ocasionou um arrocho salarial
(RODRIGUES, 2003, p.13). Mediante o discurso desenvolvimentista e de
organização econômica utilizada pelos militares, o contraste da recessão e volta de
inflação imposta à sociedade brasileira, apontava o desgaste do apoio da população,
e principalmente das elites econômicas ao regime militar.
Em segundo lugar, podemos assinalar o chamado ressurgimento da sociedade civil
que causava ressonância à crise de 1984. A presença de militantes de ascendência
católica, ligados a organizações de esquerda e de sindicalistas, privados dos canais
usuais de expressão por causa da repressão política, acabou contribuindo para o
desenvolvimento de uma enorme rede de movimentos populares urbanos.
Os movimentos sociais que sofreram um esvaziamento de poder de negociação
desde as eleições de 1978, conforme citado no primeiro capítulo deste estudo, foram
impulsionados pela mobilização contra o aumento do custo de vida. Trabalhadores
das fábricas, associações de moradores, movimentos por moradia, movimento
estudantil, principalmente nos centros urbanos, e a população até então sem
participação política ativa, se organizaram e deram início a um confronto sem igual
contra o poder público nacional.
99
O que Rodrigues (2003, p. 31) chama de “ampliação da arena de jogo” foi um
processo gradativo. A determinação da sociedade brasileira em eleger diretamente o
presidente se tornava uma possibilidade, aparentemente viável. Em junho de 1983
os partidos de oposição articularam uma frente suprapartidária reunindo PT, PMDB,
PTB e PDT. Junto aos partidos a sociedade organizada, representada por entidades
como OAB, CNBB e UNE passara a integrar os comitês pró-diretas.
A essa altura os movimentos populares encontravam apelo na voz de um dos seus
mais fortes defensores institucionais, o Senador Ulisses Guimarães (PMDB-SP).
Provavelmente, Guimarães não dimensionasse, nesse momento, o tamanho do
apelo popular contido em seu discurso, se tornando, do primeiro comício ocorrido no
Pacaembu, São Paulo, em 27 de novembro de 1983, com 15 mil pessoas, ao
comício de 16 de abril de 1984, com mais de um milhão e meio de pessoas no
Anhangabaú, um dos maiores mobilizadores populares da história recente de nosso
país (LAMOUNIER, 2005). Foram, sobretudo, esses setores, previamente
mobilizados em movimentos, sindicatos, organizações de classe média,
comunidades de base da Igreja católica e o PT, que responderam de modo
organizado e sistemático à palavra de ordem “Diretas Já”.
No início de 1984 já havia cinco emendas propondo eleições diretas para presidente,
por acordo entre os partidos foram todas reduzidas à emenda Dante de Oliveira que,
apesar de rejeitada na Câmara dos Deputados na madrugada do dia 26 de abril de
1984, deu início à maior mobilização popular já vista no Brasil – o movimento pelas
"Diretas Já".
Dante se aliou ao grupo liderado pelo deputado Ulysses Guimarães, que ficaria
conhecido como o "Senhor Diretas". “Entre outros integrantes do grupo estavam o
então líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, o senador Teotônio Vilela, e o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso” (OLIVEIRA, 2004, p. 225).
Entre as lideranças políticas do Espírito Santo que participaram da luta pelas
eleições diretas estava Regis, militante do PCB, que também lutava pela legalização
partidária.
Estávamos há menos de três anos em Vitória quando a onda Pró-Diretas
começou a crescer. Logo percebemos que aquela seria uma importante
frente de luta democrática e de mobilização popular. [...] Em 27 de fevereiro
100
de 1984, o Comitê Supra-partidário já era vibrante realidade (REGIS, 1996, p.
47).
No dia 15 de novembro de 1984 Tancredo Neves visita o Espírito Santo, cumprindo
uma extensa agenda que tinha como principal objetivo à conquista de apoio popular
e político na luta pelas eleições diretas. Após a palestra do deputado Tancredo
Neves as divisões internas do PMDB capixaba ficaram evidentes para os presentes
no evento, e para a imprensa que pode captar o desabafo do então vereador Paulo
Hartung: “[...] como é que nós vamos agüentar por tanto tempo este discurso de
centro-direita?”, fazendo referência à postura conservadora do pré-candidato à
presidência Tancredo Neves (ELOGIOS..., 1984, p. 15). A fala de Hartung
manifestou o descontentamento de grande parcela da oposição ao excesso de
influência que o grupo, egresso do extinto PP e liderado por Hugo Borges e José
Moraes, reconhecidos por exercerem uma política de centro-direita, estava
desempenhando sobre o partido.
Ainda segundo a matéria citada acima, Max Mauro estaria preocupado que a
ascensão deste grupo pudesse colocar em risco a sua candidatura ao governo, já
adiada na eleição de 1982. O discurso de Tancredo declarava apoio e admiração ao
então Governador capixaba Gerson Camata. Logo após a vinda de Tancredo , Max
daria início a sua campanha antecipada ao Governo do Estado, quando começaram
a aparecer muros com a inscrição “Max 86” (Figura 8).
Figura 8. Gerson Camata abraça Tancredo Neves em agradecimento aos elogios
Fonte: ELOGIOS..., 1984, p. 16
101
No mesmo dia da visita de Tancredo o Espírito Santo também recebeu a vista do
candidato pedessista Paulo Maluf. Marcada por desencontros de agenda, o saldo de
imagem de sua visita pode ser percebido no título publicado na imprensa “Maluf
consegue irritar até seus eleitores (ELOGIOS..., 1984, p. 15).
O comitê pró-diretas no Espírito Santo era formado pelos partidos PT, PC do B,
PCB, PDT e PMDB. O comitê reunia, ao mesmo tempo, na mesma mesa a Central
Única dos Trabalhadores (CUT)/ES, representada por Standard Silva, de postura
agressiva e que pregava a greve geral, e o Deputado João Miguel Feu Rosa,
representante do PDS (REGIS, 1996, p. 50). O Deputado João Miguel foi um dos
principais financiadores do painel da Praça 8. “Saudável salada ideológica” sintetiza
Dionary Regis ao descrever a participação capixaba na luta pelas Diretas Já.
A luta pelas Diretas se tornava uma unanimidade entre os movimentos e instituições
de representação da sociedade civil. A OAB, a Igreja, o Movimento Negro, o
Movimento das Mulheres, sindicatos e associações em geral, migravam para o
movimento das Diretas. Eram três os principais comitês: o da Região de Camburi, o
de Vila Velha e o da Praça Oito, que se tornou o mais representativo com o painel
instalado no local que indicava a posição dos políticos do Congresso em relação às
Diretas. Ainda segundo Regis (1996, p. 50) todo o apoio popular era bem vindo,
enquanto muitos lutavam por convicção “Outros eram a favor das Diretas sem saber
porque. E uns tantos outros simplesmente temiam ter seu nome exposto no painel
da Praça Oito, como voto contra a Emenda Dante de Oliveira.
O grupo oriundo do movimento estudantil e militante do PC do B participou
ativamente do movimento das Diretas conforme narração de Nascimento (2006):
Nas Diretas Já nós participamos muito mais fora do estado do que dentro.
Nós tivemos presença de alguns de nós nos dois grandes comícios das
Diretas Já, um no Vale do Anhagabau em São Paulo e outro lá na Candelária
no Rio de Janeiro e em todos os dois o partidão, na época, ajudou muito. E
Azedo se você conversar com ele, vai dizer como foi a organização da
Candelária, ele tava lá na comissão de organização daquele um milhão de
pessoas lá. Eu acho que nós fizemos um grande comício aqui mas, não foi
nada assim muito expressivo não, agora a gente fazia mobilizações nas
universidades a gente fazia nos colégios, nos pegamos as coisas do
marketing da campanha, camisas, a gente é que fazia e vendia (Informação
verbal).
Apesar do apelo popular e da forte mobilização realizada por setores da sociedade,
as eleições diretas para presidente não aconteceriam em 1985. Em 25 de abril de
102
1984, em votação realizada no senado, com 298 votos a favor, 65 contra, 3
abstenções e 113 deputados ausentes, a PEC 5 de 1983 foi rejeitada. Para que a
luta de Ulisses Guimarães e tantos outros se concretizasse em Vitória faltaram
apenas 22 votos. Segundo RODRIGUES o saldo da derrota da campanha das
Diretas foi de que a “lógica da negociação” prevaleceu mais um vez sobre a “lógica
da ruptura”.
Dado o ponto a que havia chegado o processo de “abertura” política do regime, a
sucessão presidencial, que antes se restringira a um embate extremamente
circunscrito, exigia de Figueiredo a capacidade de viabilizar um nome, desta vez
civil, que tivesse a capacidade de cimentar as fraturas internas do PDS. Se
obtivesse êxito, Figueiredo garantiria a totalidade dos votos do partido majoritário no
Colégio Eleitoral
44
. E neste embate o governo escolheria o novo presidente do
Brasil.
A sessão do Colégio Eleitoral que resultou na Vitória de Tancredo Neves teve lugar
a 15 de janeiro de 1985 e ocorreu segundo processo indireto pelo colégio eleitoral
composto pela totalidade do Congresso Nacional e mais seis deputados estaduais
indicados pela bancada majoritária de cada estado.
A eleição contou com a presença de 18 delegados capixabas. Destes, 12 eram
“delegados-natos”
45
por integrarem as bancadas federais do PDS e do PMDB e seis
eram delegados eleitos entre os integrantes da bancada do partido majoritário na
Assembléia Legislativa estadual. Os “delegados-natos” eram: os senadores Moacir
Dalla e José Ignácio Ferreira, além dos deputados federais Max Freitas Mauro, Hélio
Carlos Manhães, Mirtes Bevilácqua, Nyder Barbosa de Menezes e Nelson Aguiar,
suplente de Wilson Haese que havia assumido a secretaria de educação do
Governo Camata. Do PDS os deputados Theodorico Ferraço Filho, José Carlos da
Fonseca, Pedro Ceolin e Stelio Dias (ELEITORES..., 1984, p. 30).
44
O Colégio Eleitoral foi criado em 1967 e confirmado – a tempo de eleger o presidente Garrastazu
Médici – pela emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, assinada pelos três ministros
militares, que tinha declarado impedimento do então presidente Costa e Silva, afastando seu
substituto constitucional, o vice-presidente Pedro Aleixo.
45
Delegados-natos eram os eleitos para o Senado e para a Câmara Federal nas eleições diretas de
1978 e 1982, além dos senadores eleitos indiretamente em 78, chamados de “senador biônico”.
103
Os seis delegados capixabas da Assembléia foram Dilton Lyrio Neto presidente da
Assembléia, Dailson Laranja, líder da bancada, e os deputados Paulo Hartung, João
Gama filho, Moacir Broty Filho e Juracy Magalhães.
Do total de 686 votos, Tancredo se elegeu com 70%. Mas a 14 de março, véspera
da sua posse na presidência, Tancredo seria hospitalizado às pressas em Brasília e
viria a falecer em São Paulo cinco semanas mais tarde, a 21 de abril (LAMOUNIER,
2005, p. 181). Naquele clima de comoção nacional, novas incertezas se desenharam
no horizonte político do país. A responsabilidade pela implantação da “Nova
Republica” foi herdada pelo vice José Sarney. Daquele momento em diante, a
divisão da frente de oposições, até então centrada no PMDB, seria aprofundada.
104
TERCEIRO CAPÍTULO
Nenhuma República foi gestada tão
perversamente na ordem existente – inclusive
pela ditadura que entrega os pontos – como esta
que agora emerge (FERNANDES, 1986, p. 191) .
3. 1 AS MUDANÇAS CONJUTURAIS DA NOVA REPÚBLICA
46
O cientista político Alberto Tosi defendeu em seu artigo (apud RODRIUGES, 2001)
que o movimento de ampla mobilização que envolveu a campanha das Diretas Já
tinha um perfil que poderia, à primeira vista, ser interpretado como o clímax do ciclo
de saída
47
do regime autoritário, ao qual se seguiria uma desmobilização que
encerra o ciclo. Segundo o autor seria como se concebêssemos a Nova República
como o ponto final da transição e o inicio da” mal chamada consolidação
democrática”. No entanto as conquistas democráticas estender-se-iam pelo
processo da Constituinte em 1998 e marcariam ate a década de 1990 o campo ético
político dos movimentos reivindicatórios reconhecidos como movimentos populares
com apoio de vários segmentos como setores da Igreja católica, do ecumenismo, da
academia cientifica e grupamentos de esquerda inseridos nas organizações não
governamentais (ONG,s)
A abertura política no Brasil provocou uma relativa normalidade institucional e
promoveu uma transição no poder baseada em uma coalizão ampla e heterogênea.
Os conflitos apaziguados pela conquista desse ideal comum retornariam
gradativamente através de uma luta por espaço político, dentro de uma coalizão o
avançar das dificuldades políticas e econômicas e pela necessidade de priorizar os
desafios que lhe seriam apresentados. A morte de Tancredo Neves intensificou as
dificuldades previsíveis para o início da Nova República e apresentou um quadro
político brasileiro frágil, sustentado apenas por um ideal já em obtenção – a
retomada dos direitos políticos.
46
Nova República é o nome dado ao período iniciado no Brasil com as reformas políticas e
institucionais do governo de José Sarney (1985-1990), primeiro presidente civil depois do regime
militar iniciado em 1964. O marco do novo regime é a Constituição Federal de 1988.
47
A hipótese é a de que ciclos de mobilização e ciclos de reforma institucional interagem,
alimentando-se uns aos outros. Propõem a distinção de dois ciclos de mobilização: um ciclo de
entrada e um ciclo de saída do regime militar instaurado em 1964. Baseado no conceito de Sidney
Tarrow (1988:1989) que buscava uma interface conceitual entre mudanças institucionais e
ativação políticas dos setores organizados formulou a noção de ciclo de protesto e reforma que
inspira o enfoque de Rodrigues.
105
Segundo Lamounier e Meneguello (1986)
48
, a estratégia desenvolvida pelas forças
que se reuniram em torno de Tancredo Neves podia ser decomposta em quatro
eixos: Um pacto político configurado na Aliança Democrática que congregava
PMDB, PFL e dissidentes do PDS; um pacto social dos atores da cadeia produtiva
como governo, patrões e empregados no sentido de amortizar os conflitos sociais
enquanto aguardavam novas medidas da política econômica; a retomada do
desenvolvimento com a recuperação de autonomia no campo externo e remoção de
obstáculos internos como a taxa de juros e a elevada inflação; e finalmente uma
agenda de mudanças no campo político para conferir legitimidade democrática ao
novo regime, mas sem expor o pacto político.
Ao assumir a responsabilidade política depositada em Tancredo, Sarney enfrentou a
difícil tarefa de redemocratizar os processos políticos que envolvem o poder. As
forças, antes unificadas pela priorização do ideal comum, agora se dividiam em
grupos e subgrupos capazes de dificultar as ações governamentais. A quase total
impossibilidade de avanços substanciais deixou o governo Sarney exposto ao
“círculo vicioso da transição”: sem medidas enérgicas no campo social, esvazia-se o
apoio quase unânime da aposta da sociedade na transição personificada na unidade
cristalizada na figura de Tancredo Neves, o que ocasionou a perda de condições
políticas para empreender as reformas esperadas, inviabilizando as mudanças
necessárias.
Entre as ações que o governo Sarney conseguiu implementar a de maior
significância foi o predomínio da orientação pela preservação do pacto de transição,
que dava atenção às reformas políticas estabelecidas no manifesto “Compromisso
com a Nação.”
49
A partir de 1985 o Congresso ficou dividido politicamente entre três forças principais:
o novo “situacionismo”, formado pela Aliança Democrática (Coligação PMDB-PFL)
que elegera Tancredo; uma oposição à direita, liderada pelo PDS; e uma oposição à
esquerda, cujo centro era o PT, de força ainda diminuta. Paralela a esta
48
RODRIGUES, 2001 foi citado por ele?sim
49
O “Compromisso com a Nação” foi o manifesto de lançamento da candidatura de Tancredo Neves
e José Sarney pela Aliança Democrática em agosto de 1984. Em tom de conclamação o
documento elencava as demandas urgentes dos brasileiros que serviriam como plataforma
eleitoral. Entre elas estavam as eleições diretas, a nova Constituição e o combate à inflação.
106
“tripartidarização” ocorria uma mudança mais profunda, uma reconfiguração
ideológica, motivada nesse primeiro momento por concepções divergentes acerca
da natureza e do alcance da própria transição (LAMOUNIER, 2005, p. 181).
Para os ex-oposicionistas agrupados na Aliança Democrática, que agora
participavam intensamente das esferas do poder, a transição democrática pela via
eleitoral indireta fora o caminho correto. Dentro das circunstâncias, avanços
substanciais seriam encaminhados de imediato no plano jurídico e logo iniciados
noutras áreas. Por outro lado, outras forças políticas, como o PT, integrantes do
meio universitário, do clero e da sociedade civil vocalizavam cada vez mais a
percepção de que havia sido concluída uma redemocratização parcial.
Segundo Lamounier (2005, p. 181), esta mudança, chamada de “transição transada”
e cosmética – transição sem eleições diretas para a presidência – teria sido “uma
manobra de cúpula, elitista, acomodatícia e, sobretudo, sujeita a uma condição
implícita: a limitação do “alcance democrático” das mudanças desejadas pelo país.”
A partir desse momento pode-se perceber a formação de um novo imaginário de
esquerda. Em perspectiva histórica, o pensamento da esquerda brasileira tivera
como fio condutor o modelo do “partido de vanguarda” de inspiração soviética,
baseada no marxismo-leninismo. Com a crescente influência do PT e participação
da sociedade civil, ganhava força em uma proposta fundamentalmente populista no
velho sentido soviético do termo. “Uma visão altamente abstrata e maniqueísta de
um país dividido entre duas entidades imaginárias: o “povo” e a “elite” (LAMOUNIER,
2005, p. 181).
Esta figura de imagem poderia ser utilizada como artifício político em
decorrência de interesses eleitorais.
No contexto de instabilidade política crescente, surgia uma discussão quanto à
competência normativa do Congresso no que diz respeito tanto a uma formalidade
regimental quanto à convocação de uma Constituinte. As questões discutidas sobre
a Constituinte somente seriam dirimidas no final do ano de 1985. A idéia de uma
Constituinte que somente iria se reunir dois anos depois retirou da agenda imediata
as preocupações institucionais mais amplas. As correntes políticas mediaram força
provocando uma desregulamentação, quando o necessário era manter os esforços
focados na implantação de novas medidas para assegurar a estabilidade das
esferas parlamentar, eleitoral e partidária.
107
O formato institucional do novo regime somente adquiriria a sua forma com a
Constituição de 1989. Um modelo baseado na disputa de forças políticas, levando
para o Congresso a questão partidária como intersecção dos sistemas
representativo e decisório. A idéia era que o processo decisório tomado pelo
Congresso seria baseado na demonstração de interesses populares através do voto.
Os partidos que tivessem as maiores representações estariam, segundo o jogo
político, legitimados, e assim fortalecidos na representação numérica de força
política. Os anos contidos no período que de 85 a 97 foram quase todos anos
eleitorais, e traduziam a idéia do exercício do voto como um instrumento básico de
organização e de afirmação da cidadania. Este quadro de intenso interesse popular
pelo processo político definiu-se como uma poderosa base para a participação
política da sociedade.
Mas, diferente do que os partidos políticos acreditavam, no período pós-85, o
sistema partidário idealizado na reforma política começa a ruir. A identificação do
eleitor se dÁ através de mitos sociais e suas simbologias. O eleitor se identifica
diretamente com os representantes máximos dos partidos e não com os programas
de governo. Nesse momento o único partido que parece se diferenciar é o PT, por
apresentar uma bandeira clara, que era a luta pelo trabalhador. A alta volatilidade
eleitoral é um indicador da limitada estabilidade dos padrões de competição
interpartidária. A reduzida penetração dos partidos na sociedade se manifesta na
ausência do voto partidário e na opinião dos eleitores de que o partido não
determina o seu voto. Pela falta de identificação partidária houve uma grande
fragmentação de votos, uma tendência à dispersão de votos entre um grande
número de partidos. Nesse contexto surgem pequenas agremiações que não
obtiveram, contudo, uma efetiva representação parlamentar.
A combinação de falta de coerência partidária, no que diz respeito a alianças e
propostas, e o forte federalismo dificulta os projetos presidenciais de reformas
políticas. O argumento é que entre 1985 a 1994 as instituições políticas brasileiras
dificultaram a implementação de políticas de estabilização e reformas do Estado.
Sarney, Collor e Itamar teriam problemas para organizar coalizões estáveis que
oferecessem respaldo a políticas coerentes de reforma.
108
Sarney experimentou vários planos de estabilização, mas os números comprovam o
insucesso de todos eles: com a criação do Plano Cruzado, a inflação cresceu de
59% em 1986, para 395% em 1987, e 993% no ano seguinte, 1.862% em 1989 e
1.585% em 1990. Uma das principais razões do fracasso das tentativas de
estabilizar a economia era a falta de apoio em algumas camadas da sociedade, em
especial grandes empresários e fazendeiros. Construir uma base estável de apoio
em um sistema político que dispensa o poder é um desafio incessante. Os
presidentes usaram a distribuição de recursos governamentais para premiar seus
aliados. Mas o uso maciço de dinheiro público enfraqueceu as medidas de
austeridade adotadas pelo governo.
Durante os primeiros 18 meses do seu governo, Sarney enfrentou uma pequena
oposição no Congresso. A tranqüilidade foi conseguida graças à coalizão PMDB-
PFL e pelo sucesso inicial do Plano Cruzado. Além disso, o presidente utilizava de
decretos para facilitar as ações de governo. Mas essa tranqüilidade para governar
começou a sofrer abalos em 1987 quando, provocado pela deterioração do contexto
econômico e político, Sarney perde influência sobre o Congresso e os governadores.
O apoio popular das ações de Sarney começou a ruir com os problemas enfrentados
e que, paralelos ao crescimento da inflação e a desaceleração da economia,
isolaram o Presidente. Governadores e parlamentares procuraram se afastar de
Sarney, dificultando-lhe mais ainda a articulação do apoio que necessitava para as
reformas.
3.2 ELEIÇÕES MUNICIPAIS 1985 – PREFEITOS DAS CAPITAIS
Com a posse de Sarney, os acordos políticos expressos no Manifesto Compromisso
com a Nação, elaborados pela Aliança Democrática, permaneceram valendo.
Somente um ano após a posse o Governo começa a modificar a composição de
governo. No entanto, a aliança PMDB/PFL, que garantiu a vitória da chapa Tancredo
e Sarney, continuou a predominar nas equipes do Governo Federal.
Entre as primeiras medidas tomadas pela Nova República estava a emenda
Constitucional n.º 25, aprovada em maio de 1985, que reformou o sistema eleitoral.
A nova lei acabou com a obrigatoriedade do voto de chapa, permitiu que os
parlamentares trocassem de partido sem restrições, legalizou a formação de
109
alianças entre partidos e eliminou a cláusula de exclusão nacional, antes necessária
para alcançar a representação no Congresso. Os partidos agora só precisavam
atingir o quociente eleitoral – número de votos válidos divididos pelo número de
cadeiras – em um Estado. Estas mudanças fomentaram a criação de muitos novos
partidos em quase todos estados da Federação. A nova emenda constitucional
ainda aboliu o colégio eleitoral e instituiu eleições diretas para presidente da
República; acabou com a eleição indireta de um terço dos senadores pelas
assembléias estaduais; introduziu as eleições diretas para prefeito das capitais e das
cidades consideradas “municípios de segurança nacional”, que durante o regime
militar eram escolhidos pelos governadores, determinando a data de 15 de
novembro de 1985 para a realização da votação nessas localidades.
(MAINWARING, 2001).
No caso da capital do Estado do Espírito Santo, nas eleições municipais o eleitor
podia contar com outras opções partidárias de oposição. Concorreram a esse pleito
pelo PMDB o candidato Hermes Laranja apoiado pelo Governo do Estado. Já pelo
PDS o empresário da construção civil e ex-prefeito Chrisógono Teixeira da Cruz;
pelo PT concorreu o médico e líder sindical, Vitor Buaiz. Pelo recém legalizado
Partido Comunista Brasileiro, o jornalista Jairo Regis que viu nesta eleição a
oportunidade de divulgar as linhas ideológicas do partido e, finalmente pelo Partido
Socialista Cristão, também recém-fundado, Amúlio Finamore, representante
desconhecido e sem densidade eleitoral (ZORZAL, 1993, p. 78).
Além da importância da capital nas decisões políticas do Estado, atingir o cargo de
prefeito de Vitória iria permitir às correntes ampliar as articulações e arregimentar, a
partir da capital, o eleitorado dos municípios da Grande Vitória, que representavam
40% do total de eleitores do Estado (JÁ COMEÇOU..., 1985, p. 27).
O PMDB era o partido que abrigava a disputa mais acirrada. No cerne do partido as
agremiações de diferentes tendências disputavam o lugar de pré-candidato. Além de
ser o partido mais organizado do Estado, ocupava o governo e tinha à sua
disposição a máquina estatal. Segundo a imprensa. o partido ostentava seis
postulantes a candidatos no início daquele ano eleitoral, quando o retorno das
eleições às capitais ainda não era uma certeza: os deputados estaduais Rosilda de
Freitas, Antônio Pelaes e Paulo Hartung; o vereador Paulo Lindoso; o prefeito de
110
Vitória Berredo de Menezes; e o então diretor da Companhia de Processamento de
Dados do Estado do Espírito Santo (PRODEST) e ex-candidato a deputado Federal
Vitor Martins.
Apesar de não declarar o desejo de concorrer ao pleito da prefeitura municipal,
Hartung defendeu em entrevista à imprensa no início daquele ano eleitoral, um perfil
de candidato que aparentemente condizia com o seu.
Acredito que seria importante na capital o partido buscar a coligação
com a oposição democrática (PDT e PT). Estes partidos não teriam
dificuldades de compor com o PMDB, caso tenhamos um candidato
de trânsito nestas agremiações (JÁ COMEÇOU..., 1985, p. 27).
Ainda segundo a matéria publicada a candidatura Hartung não provocaria no PT
resistência à coligação, perante a necessidade de remover o “entulho autoritário” da
legislação eleitoral.
O diretório municipal do PDS estava esfacelado e perdeu 2/3 dos seus quadros com
a saída do ex-prefeito de Vitória em 1978 e ex-diretor da Ceasa, Wander Bassini.
Ele havia pedido exoneração da secretaria da bancada pedessista e levado suas
bases para o Partido da Frente Liberal. O ex-prefeito Chrisógono Cruz era o nome
de maior peso para o enfrentamento com o PMDB. A partir das rivalidades
existentes entre Elcio e Eurico Resende – principais lideranças do partido – se
configuraria o embrião de forças que, posteriormente em 1985, fundariam o PFL –
Partido da Frente Liberal, consolidando as divisões do PDS em partidos distintos (JÁ
COMEÇOU, 1985, p. 27).
O PDT, ainda em fase de estruturação, não possuía densidade eleitoral no município
de Vitória. Já o PT organizou através da diretoria municipal um grupo para formular
uma plataforma para a capital, além da criação junto às entidades comunitárias do
Comitê Pró-Diretas, com o objetivo de atrair a população para a importância do voto
direto nas capitais.
Apesar do fraco resultado da eleição de 1982, o PT era o partido que mais havia
crescido no Estado. Pesquisa do Instituto Gallup daquele ano indicava 8% de
preferência do eleitorado para o Partido dos Trabalhadores, ficando apenas um
ponto percentual, atrás do segundo colocado, o PDS (PT..., 1985, p. 19). O
presidente do partido, Perly Cipriano, em entrevista à imprensa, disse acreditar que
111
a linguagem ideológica utilizado pelo PT naquela eleição contrastou com o conceito
do “voto útil” amplamente divulgado pelo PMDB:
O PT deverá sair do discurso meramente ideológico e classista para
colocações de maior penetração popular e que reflitam o momento político.
Não devemos ser meros reprodutores de princípios, sem conseguir
sensibilizar a todos de que nossas propostas são mais justas e plenamente
realizáveis. [...] Hoje estamos organizados em 19 municípios do Espírito
Santo e tudo indica que abriremos novos espaços. Podemos dizer que o
partido está plenamente recuperado dos insucessos sofridos com a
campanha das eleições de 82 (
PT..., 1985, p. 19).
Antes de optar definitivamente por Hermes Laranja como candidato do PMDB, o
governador Gerson Camata convidou o então deputado estadual Paulo Hartung para
se tornar o candidato do partido. Hartung (2007) narra este fato
O Camata me chamou ao Palácio, eu era deputado estadual, e base dele na
Assembléia. Naquela mesinha redonda que está lá até hoje, aonde ele
trabalhava. Ele colocou a Rita (Camata) e me convidou formalmente para ser
prefeito apoiado por ele e eu fiquei surpreso. Eu tinha obtido uma boa
votação em Vitória, mas tinha outras lideranças em Vitória da base do
Governador importantes, pedi a ele 24 horas para conversar com o grupo
porque eu não sabia o que responder. Fizemos uma reunião às pressas, na
varanda da casa, em que eu morei muitos anos, na Mata da Praia e
discutimos noite adentro e chegamos a conclusão que não era hora
(Informação verbal).
A influência da militância do partidão ainda se fazia notar no grupo. As deliberações
ainda eram partilhadas e discutidas e, principalmente, a prudência com fortes doses
de pragmatismo imperava nas decisões. Estrategicamente, alcançar o comando do
poder executivo municipal contando apenas com o apoio do governador criaria a
necessidade de um compromisso político para lideranças ainda em formação. O
grupo considerou que seria indispensável angariar densidade eleitoral e
reconhecimento da sociedade pelo trabalho desenvolvido. Pinto (2008) continua
narrando o fato:
Naquele ano Camata sondou Paulo, mas na nossa visão, o que a gente
achava é que não havia movimento popular, não havia inserção do Paulo na
sociedade que o levasse para a prefeitura com base e agente achou que não
seria bom, seria muito difícil, ou ele seria por demais dependente de uma
articulação palaciana. Não teria força própria para poder administrar a cidade.
Nada contra Camata. Camata foi uma pessoa muito importante para o
Estado. Mas, para o que a gente queria, para uma coisa mais forte de política
própria...a gente não queria que Paulo fosse um delegado do governador,
mas que fosse uma pessoa que chegasse lá pelas próprias pernas, então nós
achamos que era muito mais prudente solidificar o caminho dele....
(Informação verbal).
112
O Governador acatou a decisão do grupo. Porém, solicitou apoio ao candidato que
viria a concorrer naquele pleito. Hartung (2007) levou a missão até o final, mas
contra a sua vontade e a do grupo.
E acabou me levando para a campanha do candidato dele que não era muito
a identidade do nosso grupo em Vitória, o Hermes Laranja. Nós tínhamos
uma identidade maior com a UFES, com Vitor Buaiz. Para nós naquela época
era melhor perder com Vitor Buaiz, que a gente perdia em casa com o nosso
movimento de juventude, com nossos movimentos sociais do que ganhar com
Hermes Laranja, mas evidentemente que a política é um processo e eu
apalavrei, voltei ao grupo, contei a conversa e nós fomos para a campanha
do Hermes. O Vitor cresceu na reta final da campanha, cresceu muito entre
os nossos eleitores. No nosso início de carreira foi uma sofreguidão, você ta
ali meio amarrado com um compromisso. Tem que viver essa experiência,
dar a palavra, assumir compromisso e nós fomos com Hermes até o final.
Ganhamos com Hermes. O grupo teve inclusive, participação na
administração do Hermes, como tínhamos estado na administração do
Berredo, lá atrás, quando o Berredo foi indicado. E ficou aquele sentimento
no grupo, foi bacana porque na frente nós ajudamos a eleger Vitor para
deputado federal.
O grupo apoiou a campanha de Laranja e não se absteve de arcar com o ônus da
Frente Ampla do PMDB. Segundo as orientações do partido, aquele ainda era o
momento do voto útil. Posteriormente o grupo iria participar de eleição de Vitor Buaiz
para a Câmara Federal no ano de 1986, como veremos mais adiante. Pinto (2008)
defende o apoio mediante a contradição do grupo:
Só que a gente tinha uma aliança com o PMDB que era real e que
não era uma coisa só, vamos dizer assim, utilitarista, a gente achava
que o PMDB era muito importante na luta pela ditadura. Ela não tinha
acabado.... e de certa forma isso nos colocava na campanha de
Hermes Laranja. Aí aquela história, ou você acredita que a política se
faz com lealdade, ou não. A gente achava que Vitor era o melhor para
a cidade, a gente sentia que estava mais de acordo como nosso
coração. Ou a gente acreditava na frente ampla do PMDB naquela
época.
Foi um negócio muito ruim, porque na medida em que a campanha de
Vitor foi crescendo, foi uma coisa que mexeu muito com a gente, fez
mal, mas eu acho que agimos certo naquele momento. A gente tinha
um projeto de País. Ou a gente estava no PMDB ou a gente usava o
PMDB. E essa nunca foi a nossa cabeça.
A eleição de 1985 foi marcada pelo crescimento do PT e com ele cresce a
importância da sua principal liderança, o médico Vitor Buaiz. O favoritismo que era
dividido entre Hermes Laranja e Chrisógono da Cruz foi ameaçado pelo candidato
do PT que acaba conquistando um segundo lugar nas urnas. Essa performance
proporcionou ao candidato do Partido dos Trabalhadores uma maior visibilidade e
113
densidade política, o que o leva a se eleger deputado federal pelo partido no pleito
de 1986.
Figura 9. material de campanha
fonte: Arquivo pessoal de Paulo Hartung
O material de campanha de Paulo Hartug de apoio ao candidato do PMDB
(FIGURA 9) ainda exaltava a luta do partido pela redemocratização e pregava o voto
útil como argumento para a eleição de Hermes Laranja.
No ano de 1985, 25 partidos receberam ou estavam por adquirir registros no
Tribunal Regional Eleitoral, compondo novas siglas de diversas colorações
ideológicas e fisiológicas, incluindo o PC do B que enfim havia conseguido
novamente a legalização após tantos anos de clandestinidade. Do grupo do partidão
do movimento estudantil restavam poucos representantes nas fileiras do partido, um
dos principais era Fernando Herkehhoff. Felício Correa voltaria ao partido,
114
concorrendo na eleição extraordinária de Vila Velha em 1987 e Fernando Pignaton
também voltaria ao PCB nas eleições de 1988.
O partidão resolveu lançar como candidato a prefeito o jornalista Jairo Régis, com a
preocupação de legitimar-se política e socialmente, mas não passou de um quarto
lugar entre os cinco candidatos.
Na eleição municipal de 15 de novembro de 1985 compareceram às urnas 107.511
eleitores, sendo que 5.680 votaram nulo ou em branco. Na capital do estado haviam
131.679 eleitores aptos a votar.
Nome Votação Partido ou coligação
HERMES LEONEO LARANJA GONÇALVES
Vice: Antônio Pelaes
45.629 PMDB
VITOR BUAIZ
Vice: Kleber Perini Frizzera
28.287 PT
CHRISÓGONO TEIXEIRA DA CRUZ
Vice: Jose Manoel Nogueira de Miranda
26.515 União Democrática
(coligação PDS e PMN)
JAIRO ARAÚJO REGIS
Vice: Mª de Fátima Santos Machado
1.084 PCB
AMÚLIO FINAMORE FILHO
Vice: Edson Sampaio
322 PSC
TOTAL DOS CANDIDATOS 101.837
Quadro 1. Resultado da eleição municipal
Fonte: Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral,
Vitória, ES.
Alguns membros do grupo se inserem na administração da Hermes Laranja como
César Colnago que assume pelo período de um ano a Secretaria de Saúde e
Robson Leite Nascimento a Secretaria de Serviços Urbanos, até a metade do
mandato do prefeito.
3.3 AS ELEIÇÃO DE 1986
As eleições de 1986 foram um teste para os partidos, pois além de definir quem iria
ocupar o governo em cada estado, tinham o objetivo de eleger a Assembléia
Nacional Constituinte. O pleito de 1986 entra para a história como o passo mais
importante, após as eleições de 1982, na consolidação do regime democrático. O
Plano Cruzado havia congelado os preços e a taxa de câmbio determinou um
115
aumento geral de salários ente 8 e 16%. Como moeda o cruzado substitui o antigo
cruzeiro. No curto prazo, a produção e os salários reais cresceram rapidamente, a
inflação caiu de 59% para 8% ao ano de modo rápido (MAINWARING, 2001, p. 141).
A elaboração e aplicação do Plano Cruzado repercutiram positivamente na imagem
do Governo, fato que foi amplamente explorado para fins eleitorais, desconsiderando
o perigo iminente de desequilíbrio econômico. Com uma popularidade transitória, o
PMDB elegeu 22 dos 23 governadores e conquistou maioria absoluta nas duas
casas do Congresso. Ficou com 261 das 487 cadeiras da Câmara e 38 das 49
vagas do Senado. PMDB e PFL conquistaram 80% das cadeiras do Parlamento. O
PDT e o PT não conseguiram repetir o desempenho de 1985. A estratégia utilizada
pelo PMDB foi a manipular as medidas econômicas para fins eleitorais. Outra
estratégia foi recrutar adeptos das fileiras da ex-arena/PDS. A representação do
PMDB no Congresso aumentou de 224, em fevereiro de 1985, para 246 em outubro
de 2006, graças à migração ocorrida de outros partidos. A representação do PFL
saltou de 82 para 149 congressistas (MAINWARING, 2001, p. 142). Se por um lado
essa migração promoveu a captação de líderes da ex-ARENA, impulsionando o
apelo eleitoral, por outro lado provocou o enfraquecimento na coesão interna.
Em meio às mudanças políticas, a população assistia o enfraquecimento do Plano
Cruzado, que foi sustentado até o último suspiro, promovendo uma queda na
popularidade do presidente Sarney. No dia seguinte às eleições o governo lança o
Plano Cruzado II, dando início ao mais longo período de recessão já vivida no país.
O Espírito Santo reproduziu o cenário nacional, a população votou maciçamente no
PMDB apesar das turbulências internas: três eram as vertentes que conviviam no
partido, duas oriundas do antigo MDB, divididos entre “moderados” e os “autênticos”
e a terceira, formada pelo grupo egresso do Partido Popular. Alguns membros do
PMDB chegaram a apostar em uma composição de Max Mauro, representante dos
autênticos, com as outras vertentes. O deputado estadual Josmar Pereira declarou
para a imprensa que “[...] a grande saída está numa composição entre Max e outros
setores do partido (SUCESSÃO..., 1984, p. 10). Uma dobradinha Max Mauro-Nyder
Barbosa, por exemplo, seria imbatível”. Além da união das vertentes no interior do
partido, já que Nyder representava o grupo egresso do PP, pesava também nesta
116
composição o clientelismo regional, uma vez que Nyder também era um legítimo
representante da região Norte do Estado e Max do Centro Sul.
Além dos acordos políticos, os regionais também representavam os bastidores do
jogo político no estado. Nas eleições de 1982, Max Mauro, que havia perdido para
Gerson Camata a disputa na indicação do partido para as eleições ao Governo do
Estado por apenas cinco votos, passaria a ser peça fundamental para a eleição de
Camata para o Senado. Conforme Vieira (1992, p. 93), assim como em 1982, a
convenção para a candidatura do Governo de 1986 também foi acirrada. Duas
chapas se apresentaram: a de Max Mauro e Sérgio Ceoto e a de José Ignácio e
Nyder Barbosa. O acordo que apoiaria Max Mauro, selado na eleição de 1982, foi
cumprido, porém com desgaste dos grupos internos do PMDB, mesmo das
lideranças ligadas à Gerson Camata.
O ginásio esportivo do Clube Álvares Cabral em Vitória ficou lotado com o
comparecimento da destacada maioria dos convencionais e assistentes, para
participar ou simplesmente assistir a disputa entre Max Mauro e José Ignácio
Ferreira, que contava com o apoio do Palácio Anchieta, então ocupado pelo
vice-governador José Moraes, já que Camata havia renunciado para
concorrer ao senado (VIEIRA, 1992, p. 93).
Com a disputa o PMDB saiu fragilizado no que diz respeito à coalizão interna. Mas o
visível crescimento da candidatura Max apaziguou os ânimos e fez com que o
partido se unisse pela campanha. Mas o apoio à Max somente foi possível com a
mediação do empresário Camilo Cola. Assim partiram juntos para a disputa eleitoral:
Max Mauro, como candidato ao Governo do Estado, Gerson Camata e Camilo Cola
como candidatos às duas vagas do Senado. Na campanha eleitoral essa
composição acabou resultando no slogan denominado “MACACA” (ZORZAL, 1993
p. 80).
Segundo Zorzal ( 1993 ), “o PFL se organizou durante os anos de 1985 e de 1986
com apoio de importantes lideranças do PDS, principalmente ligadas a Elcio
Álvares.” As que se destacaram foram Stélio Dias, José Carlos da Fonseca, Wilson
Haese, João Miguel Feu Rosa, Nilton Gomes, Pedro Ceolin, José Tasso, Dilo Binda,
Heraldo Musso, Enivaldo dos Anjos, Dário Martinelli, Luiz Piassi, Ronaldo Lopes e
Waldomiro Seibel.
117
O resultado desta organização repercutiu em um equilíbrio de forças entre PFL e
PMDB locais, o que pode ser constatado com o resultado de uma pesquisa realizada
pelo IBOPE divulgada no dia 11 de outubro daquele ano eleitoral (PESQUISA...,
1986, p. 3). A pesquisa indicava que Max Mauro tinha 35% de intenção de voto
contra 38% de Elcio Álvares.
Como resultado final da campanha, os números foram expressivamente favoráveis
ao PMDB. Assim, Max Mauro, se elegeu governador com 48% dos votos (532.713) e
Gerson Camata, com uma expressiva votação de 616.225 votos, eleito Senador. A
segunda vaga ficou com João Calmon que obteve 214.245 votos.
50
Na Câmara
Federal o PMDB elegeu sete deputados, o PFL dois e o PT apenas um. O mesmo
ocorreu na Assembléia Legislativa onde o PMDB elegeu quinze deputados, o que
representava 50% da bancada. O PFL com nove deputados passou a representar
30% da bancada, Já o PT com três, o PDS, o PC do B e o PDT, com um deputado
de cada, constituíram os 20% restantes (ZORZAL, , p. 80).
Nome Votação Partido ou coligação
MAX FREITAS MAURO 532.713 PMDB
ELCIO ÁLVARES 334.678 PFL
ARLINDO VILLASCHI FILHO 97.279 PT, PSB
RUBENS JOSÉ VERVLOET 4.957 PDT
TOTAL DOS CANDIDATOS 969.627
Quadro 2. Resultado das eleições de 1986
Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – Arquivos – Secretaria Judiciária
50
Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral, Vitória,
ES.
118
Paulo Hartung contabilizava a preferência de eleitores de vários municípios do sul do
estado e da Grande Vitória, mas sofria um revés causado após a saída de Gerson
Camata do governo para concorrer ao senado: a perseguição da máquina
administrativa contra a candidatura em função da divergência e discordâncias com o
vice-governador José Moraes.
Muitos seriam os motivos que deram início ao atrito entre os políticos, mas a relação
piorou quando José Moraes cogitou suceder Berredo na Prefeitura Municipal de
Vitória e não recebeu apoio de Paulo Hartung. Em contrapartida, Moraes vetou o
projeto de passe-livre e o que criava o Parque da Fonte Grande, criados por Hartung
(O GOVERNO..., 1986, p. 2). Esta disputa se configurou mais difícil de ser
conquistada. Hartung (2007) relata este momento:
Foi uma eleição diferente da primeira, porque Camata saiu do Governo para
ser candidato, ficou Zé Moraes. Zé Moraes não simpatizava comigo...
Evidente, nós éramos de grupos diferentes. Tínhamos posições diferentes
dentro da política estadual e Zé Moraes tentou dificultar a minha eleição.
Mesmo assim eu tive um ótimo desempenho eleitoral, eu repeti a primeira
votação praticamente, elas foram muito parecidas e eu me reelegi deputado
estadual (Informação verbal).
A estratégia política eleitoral utilizada pelo grupo na primeira eleição de 82,
concentrada pelos militantes do movimento estudantil aliciando votos de porta em
porta, ainda foi utilizada, porém já não havia a mesma força de um ideal a ser
alcançado. Conforme depoimento abaixo, aquele era uma eleição diferente da
primeira:
A primeira eleição, a garra que a militância teve na eleição do Paulo, deu a
ele só o destaque de ser líder estudantil na Universidade, ele jamais se
elegeria... Agora no segundo mandato, aí eu tenho que tirar o chapéu pra ele.
No segundo mandato é muito fruto da sua liderança e do seu desempenho.
Até porque a energia, até a idade já começa a ser diferente [...] Na verdade
essa militância ta quase toda em torno do Paulo, boa parte dela, trabalha
muito pra eleição dele, mas o resultado da segunda votação eu acho que é
muito também desempenho dele, da condução dele. É lógico que ninguém
faz campanha sozinho. A primeira foi muito do movimento... o que nós
fizemos na Serra... o Paulo muito pouco foi lá. Era um trabalho nosso de
forminguinha ... no segundo também teve, mais aí essa agregação imensa de
votos muito superiores, acrescenta o trabalho dele, a posição dele dentro da
sociedade que aprovava (COIMBRA, 2006, informação verbal).
119
Um mandato representativo que agregava novos eleitores e o apoio dos aliados
ainda do movimento estudantil conferiu a Paulo Hartung 17.343 votos
51
, porém em
número inferior aos 19.486 votos obtidos na primeira eleição. A “chapa do partidão”
se desfez: Mirtes Bevilacqua não conseguiu se eleger, Berredo de Menezes não
disputou e os vereadores eleitos em 1982 continuariam ainda por mais dois anos, já
que deveriam alinhar seus mandatos a eleição municipal que viria a seguir no ano
de 1988. Hartung passa a ter a sua liderança consolidada no grupo.
Figura 10. Material de campanha
Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Hartung
O material de campanha (figura 10) do candidato Paulo Hartung apresentava o
resultado do primeiro mandato.
Nestas eleições o PT começa a colher os resultados de um crescimento no Estado.
O bom desempenho nas urnas na campanha de 1985 para a prefeitura municipal fez
com que o médico Vitor Buaiz fosse o único representante do PT a alçar a Câmara
Federal com cerca de 79 mil votos.
51
Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral, Vitória,
ES.
120
A força eleitoral do candidato foi tamanha que a candidata Lurdinha Savignon, a
suplente que assumiu seu lugar quando Buaiz viria a se eleger prefeito de Vitória,
obteve pouco mais de seis mil votos. Para a Assembléia legislativa, o PT elegeu o
militante das Organizações Eclesiais de Base, Cláudio Lodi Vereza, o sindicalista
urbano João Carlos Coser e o sindicalista rural Ângelo Moschen (VIEIRA, 1992, p.
98).
Paulo Hartung e seu grupo, que na eleição anterior fora direcionado a apoiar o
adversário de Buaiz, Hermes Laranja, pode participar da campanha compondo uma
chapa “alternativa” no município de Vitória.
Na minha segunda eleição a estadual, o Vitor saiu a federal e nós fizemos
um casamento de votos dentro de Vitória. A turma do PT, mesmo, não
casou a eleição com Vitor. O Rogério (Medeiros) brincava muito com isso,
era inclusive uma boa oportunidade, aquelas brigas de dentro do PT e o
voto veio casado dentro de Vitória, porque naquela época a gente via a
cédula para ver quem o eleitor votou junto com a gente. Era um tal de Vitor
e Paulo Hartung, Vitor e Paulo Hartung, veio um movimento interessante
(HARTUNG, 2007, informação verbal).
Enquanto isso, o embate Max e Camata continuava. Max Mauro teve participação
ativa junto aos deputados na não aprovação das contas do mandato de Gerson
Camata A votação secreta ocorreu no dia sete de outubro de 1987, na Assembléia
Legislativa, apresentou um resultado desfavorável a Camata, somando 19 contra a
aprovação e 11 votos favoráveis. Segundo a matéria era “[...] inegável que foi um
fato político e de repercussões graves, para o PMDB em especial” (CONTAS...,
1987, p. 9). A não aprovação das contas de um Governador foi um episodio inédito
da historia administrativa do Estado e flagrou exatamente a primeira administração
peemedebista.
Paralelamente, instalou-se no Estado, com nítida inspiração do Palácio Anchieta, o
chamado “Caso Dolargate”, no qual Camata era acusado de, como governador, ter
pagado comissões indevidas em empréstimos externos. O Tribunal de Contas e a
Justiça reconheceram a legalidade do pagamento de tais comissões arquivaram o
caso (VIEIRA, 1992, p. 95).
O segundo mandato de Paulo Hartung como deputado estadual daria prioridade aos
projetos voltados para idosos e aposentados, bem como benefícios para servidores
e entidades de classes. No esforço na preservação do meio ambiente, já iniciada no
121
primeiro mandato, foi criada a lei de proibição da venda de sprays que contivessem
em sua composição clorofluorcarbono (CFC), substancia danosa à atmosfera
terrestre, que posteriormente seria proibida em todo o território nacional. Também
seria aprovado o Projeto de Lei que declarava como preservação permanente os
remanescentes da Mata Atlântica no estado.
Para os funcionários públicos, Hartung aprovou o Projeto de Lei que tornaria legal a
participação remunerada das lideranças associativas durante o exercício de seus
mandatos. O deputado também defendeu uma política de Ciência e tecnologia para
o estado, que estabeleceu 2,5% da receita global do recolhimento de impostos para
pesquisa e a formação de um Conselho Estadual de Ciência e tecnologia.
Uma das bandeiras do segundo mandato de Hartung seria a luta contra o aumento
de salários dos deputados, no ano de 1989, em forma de gratificação de
representação, que teria como objetivo recompor as perdas salariais da tributação
do Imposto de Renda. Compactuavam com Hartung os deputados Ângelo Moschen,
Perly Cipriano, João Coser e João Martins, que ofereceram uma emenda alternativa
que deveria fixar o reajuste dos parlamentares capixabas com os critérios
semelhantes aos funcionários públicos. A Assembléia não aprovou a emenda
alternativa e Hartung passou a doar o acréscimo salarial à entidades beneficentes.
Mas sem dúvida, uma das leis de maior repercussão de sua autoria foi a de número
3.934 que estabelece a gratuidade do transporte coletivo aos idosos capixabas com
mais de 65 anos. Esta lei viria a ser tornar um de seus principais alicerces nas
eleições de 1990.
Os principais Projetos de Leis
52
aprovados pela Assembléia durante o segundo
mandato de Hartung são:
Lei nº 3.934 – Concede isenção do pagamento de tarifa às pessoas com idade
superior a 65 anos;
Lei nº 3.978 – Declara de utilidade pública a Associação Capixaba de proteção ao
Meio Ambiente – ACAPEMA;
52
Material consultado no Arquivo geral da Assembléia Legislativa do Espírito Santo
122
Lei nº 4.030 – Declara de preservação permanente as reservas de mata atlântica
existentes nos limites do Estado;
Lei nº 3.951 – Institui a obrigatoriedade de todos os integrantes da Polícia Militar do
estado, inclusive do Corpo de Bombeiros;
Lei nº 3.985 – Declara de Utilidade Pública a Associação Capixaba de Idosos – ACI,
de Vitória;
Lei nº 4.020 – Declara de Utilidade Pública a Casa dos Funcionários Ativos, Inativos
e Pensionistas da CVRD – FUNVALE;
Lei nº 3.970 – Declara de Utilidade Pública a Sociedade Espírito Santense de
Engenheiros Agrônomos;
Lei nº 4.080 – Fixa normas para fiscalização pelo Poder Legislativo de autorização
para contratação de empréstimos pela CESAN e COHAB/ES;
Lei nº 4.169 – Assegura o afastamento do servidor público para ocupar cargo de
direção em associações representativas, sindicatos e conselhos regionais e federais
de fiscalização de profissões.
3.4 A NOVA CARTA CONSTITUINTE
A Assembléia Nacional Constituinte havia sido eleita em 1986 com o objetivo de
construir uma nova base jurídica para viabilizar a democracia emergente. A
oposição, de acordo com a vontade popular, defendia um mandato de quatro anos.
O governo José Sarney, pressionado pelos militares, conseguiu reverter a votação,
garantindo um mandato de cinco anos, o que adiaria em mais um ano a efetiva
conclusão do ciclo da transição, com eleições livres e diretas para presidente. A
Constituição de 1988 encerrou um ciclo de instabilidade da República que somou
sete dissoluções do Congresso Nacional, além do golpe militar.
Após a Campanha Diretas Já que encerrou um ciclo de 21 anos de regime militar, e
que reivindicava eleições diretas em todos os níveis, a Nação clamava por uma nova
constituição que consolidasse a transição da democracia. A "Constituição Cidadã",
assim chamada por Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte,
restaurou o Estado Democrático de Direito e ampliou as liberdades civis e os direitos
e garantias fundamentais.
123
Durante a Constituinte, frentes suprapartidárias ocuparam o lugar dos partidos
durante a Assembléia Nacional Constituinte. Os partidos deixaram de ser os
principais instrumentos de organização das forças no âmbito do legislativo.
Formando o “Centrão”, de filosofia mais conservadora, estavam o PDS, a maioria
dos membros do PFL, cerca da metade do PMDB e alguns partidos minoritários. O
PT e o PDT, a outra metade do PMDB e alguns partidos menores se uniu ao “Bloco
Progressista” (MAINWARING, 2001, p. 184).
Se analisarmos a mobilização da sociedade civil identificaremos expressiva
participação no período em questão. Entretanto, os interesses centrais das forças
que apoiaram e se beneficiaram com o regime autoritário foram mantidos. Como
exemplo a derrota das forças progressistas quando da votação da lei que
estabelecia critérios para a reforma agrária, que buscava uma distribuição de renda
mais equânime.
Depois de quase 20 meses de embates, em 3 de outubro de 1989, a Assembléia
promulgou uma nova carta, detalhada e controvertida. Com os debates durante a
Assembléia e o vínculo com o presidente Sarney o PMDB perdeu em três anos e
meio, 130 de seus 261 deputados e 23 dos seus 45 senadores, que desertaram para
outros partidos.
Ao mesmo tempo em que a promulgação da Constituição traduziu a capacidade de
mobilização de massa do sistema político, por outro definiu-se como um ambiente
favorável ao surgimento (e ressurgimento) de expressões carismáticas e
personalistas, além de propiciar formações de alternativas populistas e pouco
consolidadas.
Com a promulgação da Constituição em outubro de 1988, estava preparado o
cenário democrático para a realização da eleição para Presidente da República, que
ocorreria em outubro, 1º turno, e novembro, 2º turno, de 1989. O pleito que elegeria
Collor pode ser considerado como um marco do novo processo democrático no
Brasil, como veremos posteriormente.
No Espírito Santo, Gerson Camata garantia o mesmo apoio na Constituinte que
havia dado a campanha de mobilização pelas Diretas. Em matéria publicada Camata
afirmou que “Já fui a duas reuniões onde se discutiu a Constituinte e estamos agora
124
pensando em começar a interiorizar esse debate” (CONSTITUINTE..., 1985, p. 19).
O governo do Estado incentivou a participação da sociedade no debate em torno da
Constituinte. Ainda segundo a matéria, uma Coordenação Regional Pró-Constituinte
foi formada envolvendo vários partidos políticos e segmentos da sociedade
organizada.
Para o deputado Paulo Hartung, os principais temas da constituinte eram: a
discriminação para com as mulheres, negros e índios, os problemas da juventude,
educação, saúde, meio ambiente, o Sistema Financeiro de Habitação e a
Previdência Social. Em entrevista à Revista do Espírito Santo, Hartung colocou o
seu ponto de vista sobre a constituinte:
O ideal para o país é a convocação de uma assembléia nacional
constituinte, pois depois desta evolução cultural, cientifica e
tecnológica, do crescimento populacional, deve-se organizar um
colegiado que reflita esse novo país para inscrever leis maiores que
garantem direitos a todos os brasileiros. Na medida em que os
direitos mínimos do cidadão estejam na Constituição haverá chance
de lutar e reclamar pelo seu atendimento. O recurso judicial será um
instrumento catalizador que permite a mobilização social em torno do
direito lícito. ... O que precisamos saber é qual estado de liberdade
que a Constituinte será realizada. Os partidos políticos estão
elitizados, a Lei Orgânica dos Partidos é burocratizada, ainda temos
Lei de Segurança Nacional e vários mecanismos incompatíveis com a
proposta de uma assembléia livre, soberana e democrática
(CONSTITUINTE..., 1985, p. 19).
“Retirar o entulho autoritário para realizar a constituinte”: Nunca se ouviu tanto esta
frase como durante todo o processo de discussão da Constituinte. No Congresso
Nacional, em Brasília, ela era repetida constantemente em referência aos resquícios
legais de um passado recente de democracia cerceada.
O deputado federal Vitor Buaiz, o único petista da bancada capixaba, fez uma critica
à mobilização popular em torno dos trabalhos da nova Constituição:
A autocrítica feita pelas centrais sindicais, de que não investiram na
mobilização popular durante a primeira fase dos trabalhos, deve servir
de lição para que, de agora em diante, os trabalhadores acompanhem
mais de perto, acreditando no seu poder de pressão, a elaboração da
nova Constituição
Lamentavelmente, os políticos do PMDB ditos progressistas não
garantiram nos debates iniciais a soberania da Constituinte. Estes
políticos, apesar do discurso progressista, querem continuar
desfrutando das benesses do poder (VITOR..., 1987, p. 11).
125
3.5 AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1988
As eleições municipais de 1988 tinham como cenário um clima de desordem
econômica e frustração política. A economia estava em crise e o governo Sarney,
desacreditado. A população brasileira estava decepcionada com a participação dos
partidos que conduziam o país: o PMDB e o PFL. A obviedade da manipulação da
política econômica para fins eleitorais em 1986 fez com que os eleitores rejeitassem
esses partidos. Neste contexto, as expectativas se voltam para os partidos de
oposição: PDT e PT. Ao contrário do que ocorrera dois anos antes, o desgaste dos
partidos dominantes provocou a formação de um sistema partidário fragmentado.
Refletindo o comportamento da economia nacional a receita de ICMS do Estado
referente ao mês de novembro sofreu uma queda de 15,2%. O café que respondia
por 35% da arrecadação é o principal responsável pelo desempenho negativo da
receita, sofrendo individualmente uma queda de 77,3% em relação à outubro. A
receita tem apresentado durante todo o ano índices de crescimento real negativos
registrando uma perda real de 34% de janeiro a novembro (O ICM..., 1987, p. 37).
Na década de 60, cerca de 32% dos habitantes se concentravam na zona urbana e
68% na rural. Em 1980 essa relação se inverteu, com 64% na cidade e 36% no
capo. Uma conseqüência disso é a tendência do Estado se transformar,
gradativamente, em pólo industrial. Estima-se que, durante o ano de 87, o setor
industrial tenha respondido por 39,59% do produto interno bruto, o agropecuário por
10,39% e o dos serviços por 50,02%. Em 1980, para se ter uma idéia, estes
números eram respectivamente 34,27%, 11,05% e 54,68%, consagrando
definitivamente a indústria como geradora de riquezas.
O problema da concentração populacional era evidente, exigindo que se tomassem
providências enérgicas com relação à infra-estrutura básica para que as cidades não
se tornassem inviáveis. A falta de propostas por parte do governo em relação a
estas demandas preocupava a população de Vitória, era (COMEÇO..., 1988, p. 30-
32).
A eleição extraordinária de Vila Velha, realizada em 1987, havia sido uma prévia do
que seria o pleito de 1988. Viabilizado pelo PDS através do ex-governador e
advogado Eurico Rezende, em recurso impetrado no Tribunal Superior Eleitoral
126
alegando dupla vacância do cargo do prefeito e vereador Carlos Malta, uma vez que
o prefeito eleito, Vasco Alves, havia renunciado ao cargo para uma vaga na Câmara
federal, e seu vice, Aucélio Sampaio, falecido (A CONFUSA..., 1987, p. 7).
Na eleição de Vila Velha o Partido dos Trabalhadores venceu os demais candidatos
obtendo a sua primeira prefeitura no estado. O candidato petista, Magno Pires da
Silva, se elegeu prefeito com 26.663 votos, contra 19.609 votos de Luis César
Mareto Coura do PMDB e 12.788 de Felício Correa de Costa Neto do PCB o que
anunciou o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores que viria pela frente.
53
Não se pode afirmar que a vitória na eleição de Vila Velha foi apenas pelo mérito do
Partido dos Trabalhadores, que obteve 20,9% dos 128 mil votos e ficou em primeiro
lugar. Efetivamente não se verificou sequer um crescimento da sigla: afinal, já nas
ultimas eleições, o PT vinha se firmando neste patamar de 20% das preferências,
chegando sempre em segundo lugar. Magno Pires tomou posse no dia 1º de janeiro,
na condição de terceiro prefeito do Brasil pelo PT – o partido tinha apenas as
prefeituras de Fortaleza (CE) e Diadema (SP). Para o prefeito eleito, o resultado era
resultado da força dos movimentos de base. Os votos nulos somaram 23,5%, mais
9,1% de votos brancos e 13% de abstenções. Neste pleito uma maneira de protesto
da população de Vila Velha foi o voto no “mosquito”. Diferentes formas de protestos
que juntas mostraram quase 50% de população descrente (O ELEITOR..., 1987, p.
12).
Eurico Rezende ex-governador e advogado responsável pela realização da eleição
extraordinária em Vila Vela em 13 de dezembro de 1987, assim avaliou o
crescimento do PT em entrevista à imprensa: Se a situação continuar assim, vamos
ter uma vitória muito grande da esquerda em 1988...A esquerda poderá não vencer
em quantidade, mas o fará em qualidade, especialmente nos municípios de médio
porte para cima” (O ELEITOR..., 1987, p. 12).
Voltando às eleições municipais de 1988 nas quais estavam pela primeira vez em
disputa os cargos municipais de todo o território nacional após o Regime Militar, é
importante ressaltar que os vereadores e prefeitos que haviam disputado as eleições
53
Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral, Vitória,
ES.
127
de 1982, com exceção dos prefeitos das capitais que foram eleitos em 1985,
permaneceram seis anos no mandato.
A proximidade com a eleição para Presidente da República, que ocorreria no ano
seguinte acirrou a disputa entre as forças políticas conservadoras e as
progressistas, uma vez que as conseqüências destas eleições teriam fundamental
importância na definição do quadro político partidário que agiria na tão esperada
eleição do Presidente da República após o Regime Militar. Uma espera de quase
trinta anos, já que a última eleição presidencial havia ocorrido em 1960. Isto significa
que para a maioria do eleitorado essa seria a primeira oportunidade de participar da
escolha do representante que conduziria o destino do País.
Segundo Zorzal (1993, p. 81) uma grande busca pela consolidação de diversas
forças político-partidárias presentes na arena política capixaba ocasionaram ampla
profusão de candidaturas principalmente nos municípios de maior densidade
eleitoral como Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica, Cachoeiro de Itapemirim,
Guarapari, Colatina, Linhares e São Mateus. Nestes municípios concorreram uma
média de seis a oito candidatos pelos seguintes partidos: PMDB, PFL, PDT, PSDB,
PTB, PT, PDC, PL, PDS.
O impacto da distância dos muros da universidade se fez sentir no resultado obtido
na segunda candidatura para vereador de Estanislau Kostka Stein que havia sido o
vereador mais bem votado da capital em 1982 com 3.919 votos. O resultado desta
segunda eleição reduzido a apenas 922 votos foi avaliado por Stein (2006):
Um dos fatores poderia ser este: a Universidade enquanto vida
acadêmica traz estudantes de vários lugares, e quando acaba a vida
acadêmica, isso pulveriza e eu não consigo ter mais na reunião aquele
cara que era de Ibiraçu, de Linhares, de Colatina, Cachoeiro... Há uma
tendência quantitativa de esvaziamento em função disso. A gente não
conseguiu substituir aquele que participava no campus universitário por
outro que era daqui da vida da cidade (Informação verbal).
O desgaste do PMDB desde o início da Nova República era evidente. Segundo
pesquisa contratada pela Revista Agora ao Instituto Enquête em janeiro de 1988
para avaliação das preferências de voto dos eleitores do município de vitória, o PT
obtinha um índice de aceitação de 38,8 %, contra apenas 11% destinado ao PMDB
(A ESTRELA..., 1988, p. 5-9). Ainda segundo a pesquisa, o PMDB era o partido que
o eleitorado menos confiava, com um índice de rejeição de 41,5%, ganhando,
128
inclusive, do PDS, que apresentava um índice de rejeição de 12, 5%. Segundo os
resultados, o eleitorado de classe média, com formação de nível superior, acima dos
50 anos, era o que menos confiava nos partidos políticos, representando 34,3% do
universo pesquisado. Como os indecisos representavam apenas 3,5% do total, os
incrédulos representaram o mais importante espaço eleitoral a ser trabalhado pelos
partidos, ao contrário do ano de 1986.
Apesar da análise indicar a tendência do PT em receber uma maior quantidade de
votos da classe média, com 41% das intenções deste segmento, a preferência
também começava a incidir sobre os setores de renda mais baixa com 32% deste
setor. E a preferência do eleitorado jovem com 36,8% do eleitor até 29 anos pelo
Partido dos trabalhadores.
A pesquisa também indicou 12 nomes
54
como possíveis candidatos à Prefeitura, e o
então deputado federal Vitor Buaiz, dez meses antes do pleito já era o preferido na
disputa com 31, 5% de intenção de votos. Apenas do PMDB foram indicados sete
nomes, entre eles Rita Camata e José Ignácio, e juntos, não totalizaram 27,4% das
intenções. O deputado Paulo Hartung obteve apenas 4% de aceitação. Já o ex-
governador José Moraes foi o candidato de maior rejeição, com 19%.
Ainda na análise da pesquisa, o eleitorado do deputado Paulo Hartung, foi assim
avaliado:
Ainda preserva o título de deputado mais jovem da Assembléia
Legislativa, mas a pesquisa demonstra que o perfil do seu eleitorado
mudou bastante desde que conseguiu o seu primeiro mandato, em
1982. Na época, seu discurso era voltado para a juventude, em
especial para os estudantes da Universidade, de onde saiu, depois de
ocupar o DCE. Hoje a preferência por Paulo Hartung se situa na faixa
etária superior a 50 anos, e o maior índice de rejeição encontra-se
exatamente no eleitorado jovem (7,7%). É o escolhido pela faixa com
grau de instrução até o 1º grau e com renda nas faixas mais baixas (A
ESTRELA..., 1988, p. 5-9).
Naquela eleição, Paulo Hartung recebe o segundo convite do Palácio Anchieta para
ser o candidato do PMDB à Prefeitura de Vitória. Hartung (2007), sabedor da grande
54
Os possíveis candidatos indicados pela pesquisa foram: Vitor Buaiz (PT) com 31,5% de aceitação,
Rita Camata (PMDB) com 7,5%, José Moraes (PMDB) com 1,8%, Stélio Dias (PFL) com 4%, Jairo
Maia (sem partido) com 2,5%, Nilton Gomes (PMDB) com 12,8%, José Ignácio (PMDB) com 7,5%,
Rose de Freitas (PMDB) com 2,8%, Dilton Lyrio Netto (PMDB) com 2,3%, Nelson Aguiar (PDT)
com 2,3%.
129
preferência do eleitorado nos candidatos do Partido dos Trabalhadores, mais uma
vez prorroga a chegada ao executivo municipal:
Quando veio a eleição de prefeito, pela segunda vez, em 88, o Max
Mauro me convidou para vir nessa casa (Residência Oficial) ...
Cheguei aqui e estava ele e o Camilo Cola, e era para me convencer
a ser prefeito de Vitória; E era a segunda vez que um Governador me
convidava para ser prefeito de Vitória. Nessa segunda vez não
precisei voltar ao grupo. Nós já tínhamos feito uma pesquisa de
opinião, e na época ficava claro que o eleitorado, meu e do Vitor, era
muito parecido. Vitor com bem mais aceitação do que eu, mas era um
eleitorado que era muito assemelhado na cidade de Vitória. E eu falei:
Olha Governador, eu não vou ser candidato porque vou tirar voto do
Vitor. Vou impedir que o Vitor se eleja prefeito e vou permitir que
algum projeto, não dos melhores, vá para frente na Cidade que eu
moro nela....Eu já analisei esta opção com os meus amigos. Existe
um movimento pedindo para eu ser candidato, mas eu não serei e
vou apoiar Vitor. Acho que a chance de um projeto progressista
chegar a prefeitura é agora (Informação verbal).
Com a decisão tomada Paulo Hartung recebeu em sua casa Vitor Buaiz e membros
do PT para oficializar o apoio. Apesar do convite de Vitor Buaiz para compor a sua
chapa, o nome de Hartung não recebeu muita aceitação nas fileiras petistas que
ainda apresentava como argumento a participação do deputado como “[...] o mais
ferrenho cabo eleitoral de Hermes Laranja nas eleições de 1985. E, principalmente,
dos discursos contra a campanha do PT que tinha o mesmo Vitor como candidato
(NA MIRA..., 1988, p. 14).
Ele, Rogério e Perly foram para me pedir apoio e eu disse que já tinha
conversado com o Governador. E aí ele me convidou para ser o vice-
prefeito dele. Mais uma vez o grupo, que sempre teve maturidade,
desde o início....esta coisa de ser vice [...] o grupo sempre pensou:
para ser vice a pessoa tem de ser vivida, experiente, resolvida, para
não virar um problema para o titular.
Aí eu falei: Vitor, vice eu não quero ser, não, mas o nosso grupo
participa da sua administração, vamos trabalhar para a sua eleição,
depois você vê quem do nosso grupo deve participar. Nós
participamos dessa eleição do Vitor e aí ele me pediu indicação do
vice e eu indiquei o Rogério Medeiros que tinha muita vontade de ser
vice dele e acabei preterindo o Coser, que também tinha vontade na
época, eu acho (HARTUNG, 2007, informação verbal).
Durante o período eleitoral o grupo passa a anunciar a decisão de deixar a legenda
do PMDB e partir para o novo partido em gestação: o PSDB, como veremos mais a
frente. O grupo mantinha as discussões, mas já se utilizava de ferramentas
profissionais como a pesquisa para direcionar as decisões e passou a integrar a
composição da chamada “Frente Vitória” com a união dos Partidos PT/PSDB.
130
Figura 11 – Órgão informativo do Deputado Estadual Paulo Hartung. Fonte: arquivo pessoal de Paulo
Hartung
No material acima (figura 11), produzido logo após a vitória de Vitor Buaiz, o
deputado afirma que a eleição do petista representava a ruptura completa com
“todas as velhas oligarquias que dominavam a vida política do Espírito Santo.” Ainda
segundo o informativo a Frente Vitória era o maior exemplo de que era possível
“superar as divergências e fazer política de forma madura e responsável”, mantendo
como principal norteador da ação os” interesses da sociedade.”
O deputado também afirma que “declinou ele mesmo de ser candidato a prefeito em
apoio ao nome de Vitor Buaiz.”, apesar de todas as divergências que compunham a
Frente Vitória, porém como as eleições seriam realizadas em um único turno
tornava-se indispensável que todos os segmentos políticos identificados com a
“vontade popular” fossem capaz de oferecer a resposta política que o povo
esperava.
Como a Frente Vitória tendia a ratificar o apoio à candidatura do petista Vitor Buaiz,
o senador José Ignácio Ferreira, um dos fundadores do PSDB, não disputou a
sucessão na capital, uma vez que defendia a tese de que o novo partido não deveria
disputar as eleições naquele ano, mas apoiar a Frente.
131
Em 1988, na quinta eleição que disputava no Estado, o PT lançou candidatos a prefeito
e vereador em 50 dos 63 municípios então existentes, conseguindo eleger os prefeitos
de Vitória, Vitor Buaiz, e de Jaguaré, Túlio Pariz, além de dezenas de vereadores
(VIEIRA, 1992, p. 98). No cenário nacional, o partido conquistou o executivo municipal
de duas importantes capitais: São Paulo e Porto Alegre, além de Vitória.
Nome Votação Partido ou coligação
VITOR BUAIZ
Vice: Rogério Sarlo Medeiros
50.299 Frente Vitória – PT,PSDB
NILTON GOMES
Vice: Laerce Bernardes Machado
38.493 PFL
FERDINAND BERREDO DE MENEZES
Vice: José Ussiélio da Costa Neiva
13.162 PDT
JOSÉ LUIZ KFURI
Vice: Wander José Bassini
9.759 PMDB
MÁRIO ALVES
Vice: Atilar Palmeira
741
JOÃO CHRISOSTOMO CASAGRANDE
Vice: Rosicler maria Nunes do Amaral
545 PSL
TOTAL DOS CANDIDATOS 112.999
Quadro 3. Resultado da eleição municipal 1988
Fonte: Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral,
Vitória, ES.
A responsabilidade do PT, com a confirmação da preferência apontada nas urnas
seria ainda maior do que a do PMDB em 1982, que não conseguiu supri-la. Para
descontar as falhas, o PMDB pode durante muito tempo utilizar argumentos
inquestionáveis baseados na dificuldade de governar após anos de ditadura e
desmandos administrativos. Para aquela eleição os argumentos foram esgotados e
a população mostrou que não mais depositava a sua confiança no PMDB. Já o PT,
como nova aposta, não poderia contar com a tolerância do eleitorado.
Com a crescente preferência do eleitorado, uma legião de novos filiados passara a
se alistar na nova sigla em busca da vitória como vereadores no vácuo da liderança
da administração municipal. O que ameaçava a homogeneidade ideológica petista.
Em Vila Velha, o deputado federal Vasco Alves, que visava a sucessão do
governador Max Mauro ao Governo, articulou um esquema de apoio a nomes do PT
no município, em Cariacica e em Vitória. No entanto Vasco Alves concorre à
prefeitura de Cariacica pelo PSDB e Jorge Anders, também pelo PSDB disputa e
vence a Prefeitura de Vila Velha (NA MIRA..., 1988, p. 14).
132
As eleições de 1988 no Espírito Santo consolidam mudanças no que diz respeito à
força eleitoral dos partidos. O quadro político se modifica evidenciando um maior
equilíbrio no quadro político partidário, emergindo novas tendências políticas em um
cenário, até então, conservador.
Segundo Zorzal (1993, p. 82), o redesenho do mapa político-eleitoral e partidário
que se configurou após o pleito expressou a manifestação de uma “face nova –
moderna e mais politizada da sociedade brasileira”, que veio se constituindo ao
longo das ultimas décadas, para qual o Espírito Santo também passou a contribuir
mais acentuadamente. Assim, as tendências verificadas no plano nacional rumo à
consolidação do pluripartidarismo, pela quebra do bipartidarismo artificial, se
verificaram no cenário estadual pelo fortalecimento de partidos como: PFL, PTB,
PSDB e PDT, diminuindo o desempenho do PMDB nas eleições majoritárias
perdendo grande número de prefeituras.
Das 40 administrações municipais conquistadas no pleito de 1984 o PMDB passou
para apenas 16 em 1988. Além dos reflexos negativos dados pela conjuntura
nacional como identificação com o Governo Sarney, tendências hiperinflancionárias
da economia, o partido teve também como contrapesos negativos, no plano
estadual, as conseqüências dos rachas e fissuras intrapartidárias entre os grupos de
Max Mauro e Gerson Camata (ZORZAL, 1993).
A derrocada do PMDB evidenciou um sintoma provocado pelo fato de admitir o
ingresso em massa de políticos da ARENA e do PDS. O PMDB viabilizou sua
retumbante vitória nas eleições de 86, mas se tornou extremamente heterogêneo do
ponto de vista ideológico-partidário, pois aglutinava grupos de extrema esquerda até
a extrema direita.
Principal adversário do PMDB, o PFL conquistou vitórias significativas no âmbito do
Espírito Santo, dos 36 candidatos que concorreram, 23 foram eleitos. Ainda no
âmbito Estadual, o PTB conquistou dez prefeituras. O PSDB conquista importante
espaço na Grande Vitória, com candidatos parlamentares, disputando um total de
nove municípios, com destaque para a prefeitura de Vila Velha e, no interior com a
conquista das prefeituras de Cariacica e Itapemirim. O PDT elegeu quatro prefeitos,
o PDS em foi eleito em sete municípios, o PL em dois e o PDC também em dois. O
133
PT, que disputou o governo de 50 municípios, conquista dois, com destaque para a
capital do Estado, vitória obtida por Vitor Buaiz com a coligação Frente Vitória,
formada por PT, PSDB, PSB, PCB, PC do B, PV (ZORZAL, 1993, p. 83).
Na avaliação de Zorzal (1993), do perfil eleitoral capixaba percebe-se uma divisão
em dois grandes grupos “o interior continuou expressando mais acentuadamente o
conservadorismo político, na medida em que privilegiou partidos mais tradicionais
como PDS, PFL e PMDB. Inversamente nas cidades como Vitória, Vila Velha e
Cariacica ocorreu um grande avanço dos partidos mais progressistas, elegendo não
só os prefeitos como também a maioria dos vereadores. Ainda segundo a autora, no
interior a importância dos partidos é reduzida, prevalecendo praticas de caráter
personalizado, centrando a decisão na figura do candidato e tornando quase nulo o
peso do partido.
3.6 A TROCA DE BANDEIRAS – PMDB X PSDB
O PSDB surgiu em 1988 como resultado de uma cisão coletiva de parlamentares do
PMDB que se reconheciam como a ala mais progressista e à esquerda deste
partido. Embora se intitulasse como um partido social-democrata, diferentemente
dos partidos social-democratas clássicos europeus, que se originaram articulados às
massas trabalhadoras e aos sindicatos, o PSDB teve uma origem exclusivamente
parlamentar, já tendo, portanto, em sua composição inicial, políticos bastante
influentes no cenário político nacional (ROMA, 2002).
Segundo os estudos que analisaram a origem do PSDB, três fatores teriam motivado
a criação do partido. O primeiro seria relativo às distensões internas na bancada
parlamentar do PMDB durante os trabalhos na Assembléia Nacional Constituinte
entre 1987 e 1988, principalmente nas questões sobre sistema de governo –
presidencialismo versus parlamentarismo – e da duração do mandato do presidente
José Sarney – quatro ou cinco anos (KINZO, 1993).
O segundo fator seria o predomínio do grupo quercista em São Paulo que disputava
posições de poder no interior do PMDB. Orestes Quércia, que controlava a
organização peemedebista, venceu esses políticos influentes, deixando-os sem
espaço de atuação no interior do partido. Já o terceiro seria a apresentação da
134
candidatura de João Leiva para a prefeitura de São Paulo, articulada no interior do
PMDB paulista a partir de uma aliança entre políticos conservadores do PFL e o
prefeito de São Paulo, Jânio Quadros. A composição dessa candidatura, aliás, foi
considerada o motivo final que impulsionou a ruptura dos fundadores
peessedebistas com o PMDB (ROMA, 2002).
O desenvolvimento partidário depende, antes de qualquer coisa de condições
estruturais e institucionais favoráveis, mas também da sua liderança. No início da
Nova República, os líderes do PMDB foram, de certo modo, responsáveis pelo que
aconteceu com o partido. Fizeram escolhas que trouxeram descrédito ao partido, e à
pratica democrática. Optaram pela formação de coalizões eleitorais muito
heterogêneas nas eleições de 1986; apoiaram Sarney, quando poderiam ter
criticado o Governo, aceitaram a manipulação do Plano Cruzado e demonstraram
um apetite voraz por verbas e cargos políticos (MAINWARING, 2001, p. 143).
Nos dias 24 e 25 de junho de 1988, em reuniões que contaram com a participação
de 1.178 pessoas, foram amplamente debatidos os atos constitutivos do novo
Partido Social Democrata, que nasceu do consenso e liderança de políticos de
expressão nacional. Entre as lideranças estavam o Senador Mário Covas, ex-líder
da maioria na Constituinte; o ex-Governador Franco Montoro; o Senador José Richa
e o Senador Fernando Henrique Cardoso, que renunciava à liderança do partido
majoritário no Senado. O manifesto de fundação do PSDB foi subscrito por 40
Deputados e oito Senadores (O PARTIDO..., 2007).
Abaixo trecho do Manifesto de Fundação do PSDBn (1988)
Convencidos de que, a despeito dos avanços institucionais havidos a partir do
trabalho da Assembléia Nacional Constituinte, o povo brasileiro permanece:
• frustrado, porque até hoje não foi cumprida a promessa de mudança
social e econômica;
• angustiado com a falta de solução para a crise econômica, que
empobrece a Nação;
• chocado com o espetáculo do fisiologismo político e da corrupção
impune;
• desiludido com o Governo que deixou de se constituir no primeiro da
Nova República, preferindo fazer-se o último da velha República;
• descrente de partidos políticos que não correspondem ao voto de
confiança recebido do eleitorado.
135
Anunciamos a fundação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e
convocamos o povo brasileiro para prosseguir a luta pelas mudanças com
energia redobrada, através da via democrática e não do populismo
personalista e do autoritarismo concentrador do poder e da riqueza.
Por decisão da Comissão fundadora do partido, a sua presidência seria exercida em
sistema de rodízio, tendo sido ocupada sucessivamente pelo Senador Mário Covas,
Senador José Richa, Senador Fernando Henrique Cardoso e Franco Montoro. A
Secretaria-Geral ficou a cargo do deputado Euclides Scalco e a Tesouraria sob
responsabilidade do deputado Jayme Santana. Na Assembléia de fundação foi
aprovada a designação, nos termos da lei, das Comissões Diretoras Regionais
Provisórias para sete Estados, sendo eles São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná ,
Santa Catarina, Distrito Federal, Rondônia, Pernambuco, Minas Gerais e Paraíba (O
PARTIDO..., 2007).
Recém-formado, o PSDB participou das eleições municipais de 15 de novembro de
1988. Com candidaturas próprias consegue vitórias importantes em Minas Gerais,
assumindo a prefeitura de Belo Horizonte com Pimenta da Veiga. Ao todo, o PSDB
elegeu 18 Prefeitos, sendo sete em Minas Gerais, cinco em São Paulo, três no
Espírito Santo, um em Pernambuco, um no Mato Grosso do Sul e um no Rio Grande
do Sul.
Segundo Roma (2002), existem três elementos importantes que influenciaram na
decisão de fundar o PSDB e que ainda não foram devidamente considerados.
O primeiro é o pouquíssimo espaço político que o governo Sarney concedeu
aos políticos fundadores deste partido. O segundo é a exclusão destes
políticos do processo sucessório à presidência da República. Já o terceiro
elemento articula-se, de forma estratégica, com os anteriores, pois consiste
na abertura de um mercado de eleitores de centro descontentes com o
governo federal.
Ainda segundo Roma (2002), com relação ao primeiro elemento, é fácil constatar, no
governo Sarney, a ausência dos principais fundadores do PSDB. Alijados dos
espaços de poder do Executivo e dos recursos de governo, estes políticos de longa
experiência em cargos representativos, tanto no poder Executivo como no
Legislativo, viram-se com oportunidades reduzidas de concorrer, dentro do partido,
ao governo federal, especialmente com a postura favorável de Sarney ao
presidencialismo e à prorrogação do seu mandato para cinco anos. A permanência
desse grupo fundador do PSDB no PMDB, significava pouca oportunidade de
136
acesso às pastas ministeriais ou aos demais cargos governamentais. Em parte, só é
possível entender o comportamento estratégico da liderança do PSDB na arena
legislativa – com uma postura inicial de críticas dirigidas ao PMDB e ao PFL em seu
manifesto de fundação, em 1988 –, devido ao reduzido acesso aos postos de
governo naquele contexto.
Os outros dois elementos devem ser considerados e que envolviam uma a
estratégia eleitoral para o jogo político da eleição presidencial de 1989. Nesse caso,
uma vez constatado que a única forma viável de acesso ao governo federal seria por
meio de outro partido que não o PMDB, devido à rejeição que se fazia na sociedade
em relação ao nome de Sarney, a estratégia adotada para a fundação do PSDB
levou em consideração a abertura de um nicho de mercado eleitoral, aproveitando a
massa de eleitores que se identificavam com o centro. Assim, a insatisfação quanto
à atuação do PMDB no governo, agravada com a atitude do partido na aprovação do
mandato de cinco anos para o presidente Sarney, abria um mercado eleitoral para a
atuação de um novo partido que, em contrapartida, congregasse a ala mais
progressista do PMDB, buscando preservar a posição ideológica de centro, e que,
estrategicamente, compartilhasse o descontentamento dos eleitores em relação à
atuação do governo.
Dessa forma, a origem do PSDB pode ser explicada com maior consistência por sua
orientação mais pragmático-eleitoral do que ideológica. Tratou-se da cisão de um
grupo de deputados federais e senadores que acreditavam somente ter
possibilidade de conquistar cargos no governo federal, principalmente a presidência
da República, aproveitando-se do capital político acumulado pelo e no PMDB, mas
por meio de outro partido (ROMA, 2002, p. 74).
Nesse contexto, as lideranças peessedebistas apresentaram-se detentoras de um
discurso de centro-esquerda, diferenciando-se do governo José Sarney, do qual
estavam excluídos, e da sua base de sustentação formada por parlamentares de
centro-direita, filiados ao PMDB e PFL.
137
No entanto, o PSDB trouxe, desde a sua fundação propostas que buscavam um
projeto de modernização capaz de unificar as frações da classe dominante, que
atravessavam uma crise orgânica durante a década de 1980. Significou o avanço do
projeto liberal-corporativo formulado em várias organizações das classes
dominantes, para contrapor-se ao modelo de democracia de massa de cunho
estatizante almejadas pelas organizações dos setores populares especialmente a
CUT e o PT.
55
No Espírito Santo a disputa interna entre Gerson Camata e Max Mauro crescia a
cada dia e Camata anunciava a sua saída do partido, enquanto o Governador
tentava acalmar os ânimos, garantindo a permanência dos principais quadros do
PMDB.
Um grande conflito de lideranças marca o surgimento do PSDB no Estado. De uma
lado está o senador José Ignácio Ferreira, rompido nacionalmente com o Presidente
Sarney e com a direção do PMDB, mas aliado ao governador Max Mauro. Esta
aliança ameaçava o novo partido a se tornar uma “sublegenda peemedebista”
garantindo uma aliança do novo partido com o Palácio Anchieta, visando a
candidatura do senador ao Governo em 1990. Do outro lado, o deputado Vasco
Alves, também um dos fundadores locais do PSDB, fazendo oposição ao
governador Max Mauro, que igualmente nutria intenções ao governo. Vasco Alves foi
responsável por atrair políticos de oposição ao Palácio Anchieta como os ex-
secretários Joaquim Beato, Luiz Moulin e Ricardo Santos (PSDB..., 1988, p. 5-7).
Hartung (2007) narra a articulação inicial do PSDB:
Eu fiquei no PMDB até o Sarney na Presidência. Eu fui delegado do
colégio eleitoral, representei o ES, votei no Tancredo Neves. O
Tancredo se elegeu pelo Colégio Eleitoral e morreu imediatamente e
o Sarney veio presidir o País. Neste período veio a Constituinte com
Covas, Fernando Henrique, com Serra, com as figuras do PMDB, que
foram no debate da Constituinte se desgarrando. Houve um momento
que criou uma certa incompatibilidade e isso virou um movimento
para criar um partido e eu fui chamado a participar da fundação deste
partido e participei. Basicamente os convidados nesta época foram eu
e o Zé Ignácio. E nós fomos os fundadores. Nós chamamos muita
gente para vir com a gente.
55
GUIOT, A.P. Um “moderno príncipe” para a burguesia brasileira: O PSDB (1988-2002): História
Contemporânea. 2006. 197 f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós graduação em
História, Universidade federal Fluminense, Niterói, 2006
138
Conforme GUIOT o PSDB foi um instrumento que se propunha a fazer a mediação
entre o projeto do neoliberalismo de terceira via formulado no âmbito das
associações da sociedade civil burguesa e o aparelho estatal o que se enquadrava
como o perfil do grupo em estudo. A filiação em massa de seus membros figurava
como uma oportunidade de ingressar em uma nova proposta e a desvinculação de
um partido desgastado perante a opinião pública. O relato de COLNAGO resume o
significado dessa passagem que foi resultado do consenso do grupo:
Sou um dos 300 fundadores. Na verdade, nós estávamos no PMDB e a
discussão que a gente começou em relação com algumas lideranças que o
Paulo trazia de São Paulo. Começamos a discordar e achar que nós
tínhamos que ir pra um partido que desse um passo a frente...A social
democracia que a gente acreditava, que o socialismo seria um processo.. E
fomos apoiar a social democracia, até pela formação da gente, mais de
centro esquerda... E fizemos uma discussão interna já que estava no
mandato do Paulo no PMDB. E fizemos a opção de filiar. Nós filiamos gente
rapidamente, um grupo de pessoas aqui... Fomos os primeiros a fundar o
PSDB. O Paulo caiu com uma turma na ficha do PSBD. (COLNAGO, 2008)
A origem do PSDB no Espírito Santo teve características próprias, longe de ser um
autêntico partido de esquerda, as primeiras filiações, incluindo o senador José
Ignácio Ferreira e os deputados federais Rose de Freitas e Lézio Sathler, mostram a
diversidade ideológica. Enquanto nacionalmente o PSDB surgia da aferição do
painel da Constituinte dos que não conseguiam se caracterizar em termos de
identidade, no momento de tomar posições, no Estado nasceu mais em função da
eleição para o Governo do Estado. Aparentemente, a intenção do senador José
Ignácio Ferreira, ao fundar o PDSB no Espírito Santo, era ocupar o vácuo existente
entre os grupos Max e Camata. Segundo Vieira (1992, p. 96) o perfil das adesões ao
novo partido era bastante heterogênea:
Políticos como Rose de Freitas, Vasco Alves, Jorge Anders, Paulo Hartung e
Levi Aguiar, todos vindos do PMDB e que se identificavam mais com José
Ignácio o acompanharam. Houveram tentativas para atrair Helio Carlos
Manhães e Nelson Aguiar, mas não obtiveram êxito. Frustrada a tentativa de
obter o ingresso de Max Mauro, o PSDB buscou atrair Rita Camata, que
chegou a assinar a ficha. O senador Fernando Henrique Cardoso foi o
articulador da adesão de Rita, bem como do marido Gerson Camata.
A primeira comissão diretora regional, em caráter ainda provisório, foi formada por
Paulo Hartung, Waldir Klug, José Ignácio Ferreira, Paulo Amparo, Luzia Alves
Toledo, Vasco Alves de Oliveira Junior, Cilso Ribeiro, Rose de Freitas, Josmar
139
Butikowski Pereira e Jorge Anders. Com base formada em 88, o PSDB conseguiu
ainda disputar as eleições municipais em boa parte do Estado, obtendo resultados
expressivos como a eleição de Vasco Alves em Cariacica, Erivelto Porto Meirelles
em Itapemirim, Jorge Anders em Vila Velha e José Tadeu Batista em Bom Jesus do
Norte.
140
CAPITULO 4
A CONQUISTA DO PODER
A hora agora é de Paulo Hartung.
Temos que reconhecer isso
(ADELSON..., 1992, p. 2)
4.1 AS ELEIÇÕES DE 1989 – A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRATICA
A consolidação do processo democrático possibilitou um elevado nível de
representatividade em todos os segmentos da sociedade, entre eles o voto do
analfabeto e do jovem maior de 16 anos, até então inexistentes. Para as forças
políticas a consolidação do processo democrático era mais importante, nesse
primeiro momento, do que as questões socioeconômicas. Primeira eleição direta
para Presidente da República desde 1960, a eleição de 1989 é considerada como o
marco definitivo que delimita o fim da transição democrática e o início do regime
democrático. Consolidada juridicamente com a promulgação da nova Constituição,
em 1988, a nação brasileira teve a oportunidade de experimentar, em clima de festa,
a eleição com o maior grau de representatividade de sua história republicana.
Segundo Rodrigues (2001) foi da prática dos movimentos e do novo sindicalismo
que emanou a primeira reação política da sociedade organizada em relação à crise
do Estado Desenvolvimentista, orientada em oposição ao consenso que se
instaurara entre as elites empresariais e a direita partidária, nos anos 80.
No Brasil, as eleições presidenciais ocorreram em concordância com o momento
político mundial. Um candidato absorveu o discurso da modernidade, como veremos
mais adiante. No entanto, uma das principais transformações que diz respeito ao
processo eleitoral sob a Nova República foi a volatilidade do voto, que provocou o
distanciamento do eleitor das siglas partidárias e das orientações ideológicas. Em
quatro anos, o governo de transição desgastou-se impiedosamente, provocando um
amplo questionamento da população sobre os alicerces políticos e institucionais. A
Nova República, tão esperada, padeceu identificada com métodos do passado. A
141
população, frustrada, alimentava novamente a esperança na construção de uma
nova ordem.
A utilização das mídias rádio e especialmente televisão permitiu aos candidatos
construírem uma relação direta com os eleitores, enfraquecendo ainda mais os
partidos e por conseqüência as ideologias partidárias. Em conseqüência, as
organizações partidárias se tornaram menos decisivas na mediação entre os
eleitores e os candidatos, perdendo o controle que antes mantinham sobre as
campanhas. Técnicos e especialistas em comunicação de massa passaram a
ocupar os espaços políticos destinados aos coordenadores de campanhas,
substituindo os profissionais dos partidos (MAINWARING, 2001, p. 290).
Já nas eleições de 1985 o papel da televisão como influenciador decisivo no
processo político brasileiro modificou a forma como os candidatos escolhiam seus
assessores e coordenadores de campanha. Desde então, o primeiro contato dos
eleitores com os candidatos é intermediado pela televisão. Uma das razões deste
meio desempenhar tamanha importância nas eleições para cargos executivos é a
insuficiência de outras fontes de informação política para grande parte dos eleitores
que predominam nas classes menos favorecidas. Ao ocupar os lares brasileiros, por
vezes como única forma de lazer e informação, a televisão reina soberana sobre
outras fontes de informação política como sindicatos, igrejas e associações de
bairros. A televisão, a partir desse momento, passa a ocupar o espaço do rádio
como principal influenciador nos lares. Isso se deve, em parte, ao fascínio que a
imagem provoca no receptor, possibilitando uma identificação direta com a pessoa
por trás da voz. Essa passa a ser uma das principais funções do marketing nas
eleições, contribuir para a construção simbólica que a imagem do candidato pode vir
a formar em cada eleitor.
Seguindo o conceito de marketing político encontrado em Matos e Nobre (2001),
podemos afirmar que, de uma forma mais ampla, o papel do marketing político é
colaborar para a construção de um discurso que atenda aos desejos e às
necessidades do eleitor, identificadas nas pesquisas de opinião pública. Para
Mendonça (2001) o papel é contribuir para a construção de um ambiente favorável
ao candidato, facilitando a legitimação por parte do eleitor. As técnicas de marketing,
desenvolvidas para o mercado publicitário, foram adequadas ao processo da
142
escolha do voto. O eleitor se identifica com uma idéia e tem a sensação de ter feito a
escolha correta e, consequentemente, direciona o voto para o candidato,
possibilitando os meios necessários para concretizar o processo.
Para o marketing, o anseio do eleitor é identificado de duas maneiras. Uma delas
são as necessidades fisiológicas, ou seja, os desejos que o eleitor projeta para seu
bairro ou cidade, promovendo melhorias na sua condição de vida. Para profissionais
de Marketing Político o desejo é associado ao sonho do eleitor. Trata-se de
questões referentes à qualidade de vida, mas que estão além das questões
fisiológicas. A propaganda e o marketing político têm sua eficácia condicionada à
existência de uma demanda real ou potencial, manifesta ou velada, em relação ao
produto que pretendem vender. Acreditar que a televisão comanda o processo
eleitoral ou, ao contrário, que não exerce qualquer influência, são visões
ideologicamente equivocadas.
Apesar da utilização do marketing político no Brasil, de maneira intensa e
profissional a partir das eleições municipais de 1985, foi no ano de 1989 que a
televisão possibilitou o surgimento do maior fenômeno do marketing político
brasileiro até então, Fernando Collor de Mello. Ao citar o período Collor, vale
ressaltar que esse estudo não se aprofunda na questão política do Presidente
Fernando Collor de Mello. A análise do período serve como um estudo de caso,
mesmo que de forma superficial, sobre a importância do marketing político no
período e, por conseqüência, a utilização da mídia televisão como parte importante
do processo de escolha do voto pelo eleitor. Muitos são os autores que discutem e
analisam o período Collor, e a única unanimidade nas argumentações pesquisadas
é que Collor de Mello é apontado, se não como um fenômeno de mídia, ao menos
como um fenômeno na utilização da mídia como propagador de idéias, conquistando
assim uma vitória incontestável, legitimada pelos milhões de votos que conquistou.
Segundo Lamounier (2005) o “messianismo de 1989” era baseado na esperança
coletiva de que a primeira eleição direta após 29 anos traria garantias à
governabilidade necessária para a solução de todas as lacunas na agenda pública.
Ainda, segundo autor, o próprio presidente demonstrava acreditar neste princípio
uma vez que mesmo pertencendo a um partido recém-criado, o Partido da
Reconstrução Nacional (PRN), com apenas 5% das cadeiras do Congresso, não
143
construiu um acordo de coalizão com as legendas dominantes. Mesmo sem o apoio
dos demais partidos, que a esta altura se proliferavam a partir das novas regras
eleitorais, Collor convenceu a nação brasileira que ele seria o escolhido para
combater a deterioração econômica e a total falta de credibilidade no Governo que,
durante as eleições presidenciais, alcançaram o ponto máximo de desgaste.
Apesar da enorme quantidade de candidatos, 21 ao todo, discursos antagônicos
dominaram o debate dos principais candidatos durante a campanha presidencial.
Collor, por exemplo, apesar de vestir uma imagem de oposição, se alinhava a Paulo
Maluf (PDS/PRP) e Afif Domingos (PL), pregando o liberalismo econômico,
enquanto Lula (PT), que apresentava um discurso estatizante, tentava se distanciar
do também popular Leonel Brizola (PDT), apesar de ambos apostarem na
reconstrução do país através da consolidação de uma liderança firme e legitimada
pelo grande apelo popular que acreditavam possuir.
No primeiro turno foi possível perceber a diluição e a preferência dos votos entre os
candidatos de discurso situados mais à esquerda. Collor obteve 28,5 % dos votos, o
PT alcançou 16,1% de votos dados a Luis Ignácio Lula da Silva e Leonel Brizola
com 15,1 %. Os Partidos que apoiavam o governo Sarney, PMDB e PFL, foram os
derrotados dando a Ulysses Guimarães apenas 4,7% dos votos válidos. No acirrado
segundo turno Collor derrotou Lula, conseguindo 53% contra 47% dos votos válidos
(MAINWARING, 2001, p. 144).
Como mecanismo para chegar à vitória, Collor fez uma promessa, porque soube se
destacar no vazio de lideranças e se beneficiou com a confusão político-partidária
utilizando o discurso correto mediante a crise do modelo econômico.
O cientista político Melo (2007, p. 67) assim define a meteórica trajetória do presidente
Fernando Collor de Mello.
O ‘fenômeno Collor’ representa o encontro natural de um processo de
evolução histórica – que tem a nascente na década de 1930 – com
anacronismo que não conseguiam ser superados. O velho e o novo se
encontraram num mesmo personagem. Por encarnar o discurso do ‘novo’
inexorável mundial, Collor despertou a emergência de novas forças; mas por
representar o anacrônico, não coube no modelo que ajudou a parir; seu estilo
de liderança e seu mandato foram julgados e supridos por uma sociedade
que se modernizou, ironicamente, na esteira da transformação de seu
governo.
144
Mais do que a eleição direta, o seu impeachment, o primeiro no processo político
brasileiro, serviu como mecanismo de consolidação da transição política ocorrida no
período em questão. De uma forma intensa e inesperada a sociedade brasileira
pode exercer a liberdade de escolha, encontrada em regimes democráticos,
interrompendo o mandato daquele que em um período inferior ao tempo de um
mandato se transformava de “caçador de marajás” a um político que mantinha
relações em desacordo com o cargo que ocupava, sendo suspeito de corrupção e
tráfico de influência.
O processo de conclusão do impeachment também viria a impactar diretamente e de
forma contundente as eleições de 1992, e ainda mais especificamente no Espírito
Santo, tendo influenciado diretamente o posicionamento político do candidato Paulo
Hartung, como veremos mais adiante.
4.2 AS ELEIÇÕES DE 1990
As eleições de 1990 foram realizadas apenas para os cargos de governador,
deputado federal e deputado estadual. O pleito desenvolveu-se em pleno ambiente
democrático e foi marcado pelo alto índice de renovação de suas lideranças no
Congresso, ampliando a conquista dos espaços políticos por parte dos partidos mais
consolidados. No entanto, também foi fortemente influenciado pelo início dos
primeiros problemas econômicos enfrentados pelo governo Collor. Dessa forma,
assim como na sociedade, os discursos dos candidatos foram polarizados entre os
favoráveis e os contrários ao presidente Collor. No primeiro turno os aliados de
Collor se saíram razoavelmente bem, mas no segundo turno a oposição venceu em
quase todos os grandes estados (MAINWARING, 2001, p. 146).
No Espírito Santo, o cenário político foi marcado pela vitória do pedetista Albuíno
Azeredo (PDT) para o Governo do Estado. Segundo Zorzal (1993) este fato novo
expressou a emergência de uma nova liderança no cenário político Estadual.
A ascensão do engenheiro Albuíno Azeredo, natural do Rio de Janeiro, deu-se
principalmente em decorrência do racha definitivo de duas das principais lideranças
do PMDB. Na verdade, o embate teve início nas negociações para as eleições de
1982, como já foi amplamente explorado neste trabalho. Max Mauro tentou desferir
145
golpes na administração de Camata, ao assumir o Governo em 1986 provocando a
não aprovação das contas do Governo anterior, assim como o “Caso Dolargate”
também já citado aqui. A situação tornou-se insustentável e foi agravada pela crise
vivida pelo próprio PMDB nacionalmente.
Max Mauro migrou para o PDT seguido por algumas importantes lideranças, que
receberam a alcunha de “Novo PMDB”, mediante o ingresso deste grupo no novo
partido. Acompanhando o troca-troca de partidos, Gerson Camata se afastou
temporariamente do PMDB, filiando-se ao PDC. Mediante a gravidade da crise o
PMDB não se reorganizou a tempo para participar com candidato próprio da disputa
pelo Governo do Estado.
Com a entrada no PDT, Max Mauro concordou que o seu secretário de
planejamento, Albuíno Azeredo, fosse o candidato a substituí-lo. Uma eclética
composição chamada “Frente Democrática” foi arquitetada reunindo lideranças de
diversos partidos e posições. A campanha foi coordenada por lideranças como
Adelson Salvador (PDT), Theodorico Ferraço (PTB), Renato Soares (PSB), José
Eugênio Vieira e Enivaldo dos Anjos (PFL) (ZORZAL, 1993, p. 86).
Vieira (1992, p. 84) narra em detalhes na sua obra a construção desta grande
aliança, envolvendo um grupo que chegou a contabilizar 43 prefeitos do Estado.
Segundo o autor, o movimento teve início no ano de 1989, na região Norte,
coordenada pelo prefeito de Barra de São Francisco, Enivaldo dos Anjos, com o
objetivo de lançar um candidato ao governo do Estado ou a vice, na chapa do PDT
de Max Mauro.
De forte bandeira municipalista, o movimento produziu um manifesto de apoio a
Albuíno, pleiteando a vaga de vice a ser lançada na chapa do PDT de Max Mauro.
Ainda segundo o autor, os convites foram feitos para Enivaldo dos Anjos e
Theodorico Ferraço, que não aceitaram alegando compromisso com seus
municípios, uma vez que os mandatos ainda contavam com mais dois anos. Abaixo,
um trecho do manifesto:
Os prefeitos municipais e vereadores adiante assinados manifestam o seu
mais irrestrito apoio à candidatura de Albuíno Azeredo à sucessão de Max
Mauro. Não apenas o seu compromisso verbal, faz a sua candidatura uma
garantia de ação subjetiva para a interiorização do desenvolvimento. Não
basta haver o discurso – eventualmente sincero – voltado para o interior. É
146
necessário capacidade e poder de decisão, pragmatismo e comprovada
capacidade gerencial. Estas características Albuíno tem em grau maior do
que qualquer outro cidadão que, no uso de seus sagrados e legítimos direitos
políticos, haja colocado seu nome à disposição da sociedade para disputar o
Governo do Estado em outubro próximo.
Desvinculado de qualquer ortodoxia ideológica, antes que isso se
transformasse quase num modismo de um mundo em processo de mudanças
profundas, Albuíno já provou ser dono de um pragmatismo capaz de buscar
soluções praticas onde elas se apresentam, no campo do conhecimento
humano.
Jamais um plano ou uma proposta dorme nas gavetas de Albuíno
Azeredo.Seu estilo gerencial prima pela modernidade na adoção de
processos decisórios rápidos e de conseqüências práticas transparentes
(VIEIRA, 1992, p. 54).
O candidato Albuíno Azeredo foi registrado no TRE para o governo e
temporariamente o nome de Rubens Gomes (PDT) para vice. A frente consolidou o
apoio ao ex-prefeito de Nova Venécia e ex-presidente da Associação dos Prefeitos e
Vereadores do Espírito Santo (APREVES hoje AMUNES), Adelson Salvador,
oriundo dos movimentos sociais da Igreja e com origem alinhada a posições de
esquerda.
Ainda segundo Vieira (1992), as primeiras pesquisas eleitorais realizadas em maio
de 1990, dos institutos Vox Populi e IBOPE indicavam 1% de intenção de voto para
Albuíno contra, respectivamente, 45% e 55% para o senador José Ignácio. . A
campanha, em sua fase final, desenvolvida pela jornalista Elizabeth Rodrigues, além
de ressaltar a experiência do candidato na administração pública com uma gestão
moderna e baseada no planejamento, passou a explorar a origem simples do
candidato como um destinado à vitória: “Este é o homem feito para vencer com a
força do povo” era o slogan.
O principal concorrente de Albuíno no pleito, José Ignácio, constituiu um capítulo à
parte. O senador desligou-se do partido que havia fundado poucos anos antes, o
PSDB, que não se alinhava ao Governo Federal, para tornar-se líder do Governo
Collor no Senado, afastando as lideranças de esquerda da sua candidatura. Apesar
de apresentar um discurso de independência, foi apoiado no segundo turno por
Gerson Camata.
Os embates políticos promovidos pelos candidatos reduziram os debates a uma
disputa de caráter pessoal. A troca de acusações entre Albuíno (PDT) e Zé Ignácio
147
(PST) provocou vários tumultos no último debate do primeiro turno das eleições. Os
demais candidatos, Rogério Medeiros (PT) e João Calmon (PMDB), ameaçaram se
retirar do debate mediante a gravidade da discussão (POLÊMICA..., 1990, p. 2).
Nas eleições de 1990, 83 milhões de brasileiros iriam votar em 257.525 seções
eleitorais distribuídas em 4.491 municípios nas 27 unidades da Federação. O
Espírito Santo iria contribuir com 1,4 milhões de eleitores. Aqui concorreram 386
candidatos que pleiteavam apenas 30 vagas para a Assembléia o que representava
um total de 12,8 concorrentes por vaga. Já para a Câmara Federal eram 93
candidatos e 10 vagas, portanto 9,3 por vaga. Para o senado sete candidatos
disputavam apenas uma única vaga (MAIS..., 1990, p. 4).
O editorial publicado no jornal A Gazeta no dia seguinte às eleições avaliou o pleito
da seguinte maneira:
Um dos aspectos mais marcantes das eleições de ontem é o fato de atualizar
o cenário político nacional. Com a eleição do presidente Collor, em dezembro
passado, criou-se um poder renovado, oriundo do respaldo de 35 milhões de
votos, enquanto persistia um poder legislativo desgastado pelo exercício do
mandato desde 1986. Com o pleito de ontem estabeleceu-se o verdadeiro
mapa político do país, cujos traços predominantes de parte do Executivo,
foram riscados com a ascensão de Collor no poder.
Collor trouxe idéias diferentes dos seus antecessores em vez de populismo e
demagogia, medidas ousadas e firmes para flexibilizar a economia e derrubar
a inflação. O problema é que o Presidente em seus primeiros meses foi
obrigado a governar com o Parlamento acostumado ao toma-lá-dá-cá dos
tempos de
Sarney e teve muita dificuldade para aprovar medidas provisórias.
Na maioria dos estados se prevê governadores e parlamentos do que se
convencionou chamar de centro ou de direita, alinhados com Collor. Com a
esquerda apenas o Rio com Brizola e o Acre (UM ..., 1990, p. 4).
Um dos fatos que chamaram atenção na eleição foi o número de votos brancos,
nulos e abstenções. Um fenômeno que demonstra de forma clara o desprestígio e o
pouco crédito dado pela população àqueles que durante meses de campanha
pediram apoio do eleitor. Segundo pesquisa do Ibope contratada pelo jornal A
Gazeta, a maioria dos capixabas, 58%, tinha pouco ou nenhum interesse nas
eleições do segundo turno (CAPIXABAS...., 1990, p. 1).
Foi surpreendente a renovação Câmara Federal capixaba com cerca de 70% dos
membros e de quase 90% dos integrantes da Assembléia Legislativa. Os deputados
148
estaduais que se elegeram já haviam sido prefeitos ou eram apoiados pelas
prefeituras nas suas administrações.
56
José Ignácio entrou na disputa com 36% das intenções de voto em julho de 1990 e
Albuíno com 4%, mesmo índice de Rogério Medeiros do PT. Albuíno Azeredo
contou com o apoio de Max Mauro e de quase todo o secretariado, da frente de
prefeitos e de vários vereadores, além dos partidos. Este apoio se manteve e foi
ampliado no segundo turno com parte do PMDB, “apoio crítico do PT”,
principalmente do prefeito Vitor Buaiz. José Ignácio no primeiro turno teve o apoio do
senador Gerson Camata (PDC) e exibiu a imagem de vários ministros do governo
Collor em seu programa eleitoral. No segundo turno sem um coordenador político
eficiente passou a maior parte de sua campanha sozinho. Seus maiores apoiadores,
inclusive Gerson Camata, não participaram com a mesma intensidade, e o senador
eleito, Elcio Álvares, se afastou por desentendimentos com seu comitê (ESTADO...,
1990, p. 3).
A engenharia montada que unia a política tradicional ao apoio municipalista à uma
estratégia de marketing garantiram a vitória de Albuíno.
Nome Votação Partido ou coligação
ALBUINO CUNHA DE AZEREDO
Vice: Adelson Antonio Salvador
584.269 Frente Democrática Capixaba:
PDT, PSB, PTB e PC do B
JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA
Vice: Pedro Ceolin
294.872 Frente Progressista Liberal: PST,
PMN, PSC, PRP, PFL e PDS
ROGÉRIO SARLO DE MEDEIROS
Vice:
127.672 Frente Popular Capixaba: PT e
PCB
JOÁO DE MEDEIROS CALMON
Vice:
30.042 PMDB
Abstenções 189.523
Eleitorado 1.423.211
Quadro 3. Resultado final das eleições majoritárias
Fonte: Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral,
Vitória, ES.
O pleito de 1990 não foi tão bem sucedido para a consolidação do grupo político
aqui estudado, uma vez que foram lançados quatro candidatos à Assembléia
Estadual e nenhum obteve votos suficientes para a eleição, sendo apenas Paulo
Hartung eleito para a Câmara Federal. A partir deste momento a concentração do
56
Renovação de deputados surpreende até políticos. A Gazeta. Vitória, 11 de out. 1990. p. 3
149
projeto político acaba centrada na figura de Hartung. Segundo Lelo Coimbra, o
insucesso dos demais membros do grupo foi uma conseqüência do individualismo
adotado naquele pleito, que “não pensou como equipe” e dividiu o potencial eleitoral:
Foi uma eleição difícil, porque o Stan tinha três
57
mandatos de vereador já
exercidos, achava que ele tinha o direito de ser o candidato. Eu acabei tendo
4.800 votos, fiquei por 46 votos, ele teve 2.600, o Ricardo Santos 1.800, o
Felício 1.300. Na verdade, nós erramos porque deixamos de pensar em
grupo. Era para ter um ou dois estaduais. A gente perdeu a matriz partidária.
A gente seguia pelo papel de cada um e todas as vezes que uma liderança
principal não cumpre seu papel de ajudar a organizar o conjunto, acontece
isso. O Paulo tinha que se eleger federal, então ele não tinha como me reter.
Na realidade, o tempo do Stan era o Paulo. Ele é que tinha que ter progredido
de 86, e ir para a Câmara Federal e Stan ter sido estadual, para liberar
energia para ir para frente. Por isso eu não concordo com a reeleição
(COIMBRA, 2006, informação verbal).
Paulo Hartung, da Coligação Democrática (PSDB e PL), que não apresentava
candidato a governador, foi o segundo candidato mais bem votado, com 49.248, e
puxou a coligação. Mas isso não foi suficiente para que os candidatos do grupo que
concorreram pelo PSDB alcançassem o número de votos necessários para a
eleição. Wellington Coimbra obteve 4.829 votos, Estanislau Stein 2.681, Felício
Correa 1.685 e Ricardo Santos 1.280 votos
58
.
Rita de Cássia Camata foi a candidata
mais bem votada da eleição com 99.147 votos. O coeficiente eleitoral
59
para
deputado estadual era de 26 mil votos e para deputado federal 100 mil.
57
De fato, Stein exerceu dois mandatos de vereador, porém o seu primeiro mandato foi estendido
por seis anos, uma vez que as eleições de 1985 contemplaram apenas os prefeitos das capitais.
O terceiro mandato de Stein viria a ocorrer em 1992.
58
Material coletado no arquivo do Secretaria Judicial do Tribunal Regional Eleitoral, Vitória,
ES.
59
O quociente eleitoral é a unidade básica para a conquista de mandatos, seja na Câmara Federal
ou na Assembléia Legislativa. Ele é definido como o quociente entre o total de votos considerados
válidos, inclusive os em branco, e o total de cadeiras a serem distribuídas. A cada índice
alcançado o partido ou coligação tem direito a um candidato, que serão os mais votados.
150
Figura 12. Material de Campanha
Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Hartung
As bandeiras de Paulo Hartung nesta eleição ( FIGURA 11) eram a luta contra o
“arrocho salarial” e o desemprego, além de defender o Parlamentarismo como
modelo de gestão para o País. Outra bandeira era o combate às benesses dos
deputados como a aposentadoria precoce e os aumentos salariais. Após um
aumento concedido aos deputados, considerado inconstitucional por Hartung,
mantido apesar da sua tentativa de anulação na justiça, Hartung passou a doar o
acréscimo às instituições de caridade, como já foi citado anteriormente.
O material de campanha também enumerava seus principais projetos nos dois
mandatos no legislativo estadual: o passe livre do idoso, o apoio à Ciência e
Tecnologia, a CPI da Educação, a meia passagem para estudantes e a defesa do
meio ambiente e do pequeno e médio produtor rural.
Paulo Hartung manteve como um de seus segmentos prioritários os idosos e
aposentados e desenvolveu ferramentas de comunicação mesmo depois de tornar-
se Deputado Federal. A cartilha abaixo (FIGURA 12) foi desenvolvida no início de
seu mandato na Câmara Federal com explicações sobre a Previdência Social e seus
benefícios previstos na Constituição de 1988.
151
Figura 13 – Cartilha do Aposentado. Fonte: Arquivo pessoal de Paulo Hartung
O excelente resultado da eleição para deputado federal de Paulo Hartung na capital
era, finalmente, a indicação da consolidação do grupo no executivo municipal. A
candidatura para prefeito, em compasso de espera desde 1985, quando Paulo
Hartung recebeu o primeiro convite, podia enfim ser concretizada:
Quando eu fui candidato à deputado federal, obtive uma votação
consagradora em Vitória: quase 20 mil votos dentro da cidade de Vitória. Se
me recordo bem, 18 vírgula não sei quantos mil. Tava claro que eu tinha uma
base, que o grupo estava enraizado dentro da cidade de Vitória (HARTUNG,
2007, informação verbal).
4.3 AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1992 – A CONQUISTA DA VITÓRIA
As eleições de 1992 se realizariam durante a investigação das denúncias contra o
presidente Fernando Collor de Mello e a consolidação do processo de impeachment.
O auge da crise deu-se após a denúncia feita por Pedro Collor de Mello, irmão do
presidente, sobre comissões que Paulo Cesar Faria, secretário e tesoureiro da
campanha de Collor, cobraria para fraudar licitações do Governo Federal.
O importante papel da mídia na era Collor mais uma vez é decisivo na consolidação
da democracia, na medida em que as sessões da CPI são transmitidas ao vivo pela
televisão. No mesmo período, a Rede Globo exibia a mini-série Anos Dourados, na
qual exaltava a luta dos estudantes. Essa consciência é explorada exaustivamente
152
pela mídia, principalmente pelos veículos que compunham o sistema globo de
comunicações.
Uma união de diversos fatores, que não serão aprofundados aqui, uma vez que não
fazem parte do objeto central desse estudo, fez com que jovens estudantes
denominados caras-pintadas, realizassem manifestações por todo o pais exigindo a
saída de Collor, conturbando ainda mais aquele ano eleitoral. Um dos fatores que
levaram os jovens às ruas foi o fato do presidente Collor, durante o anúncio de
novas medidas de incentivo da Caixa Econômica Federal aos motoristas de táxis,
visivelmente exaltado, ter dado um murro no púlpito, revivendo o tom da campanha
de 89, e, num improviso inesperado, pedir a "todo o Brasil" que fosse às ruas, “no
próximo domingo”, vestindo as cores da bandeira, para mostrar que os defensores
do impeachment estavam em minoria.”
Nesse período, partidos tradicionais de grande porte como o PMDB e o PFL ainda
amargavam uma fase de desgaste relativo ao insucesso nos governos anteriores. O
PSDB, uma das mais novas siglas, apesar de já haver nascido de lideranças
consagradas, ainda se fortalecia. PT e PDT passavam por uma fase de
fortalecimento.
O quadro das eleições municipais no Espírito Santo refletia o cenário nacional, com
duas variantes no cenário capixaba: o enfraquecimento do PMDB, que havia sofrido
a saída de Gerson Camata e de Max Mauro, e o fortalecimento do PDT, que
apresentou um aumento de quadro. Um dos motivos seria o fato de governador ser
do partido e da filiação de Max Mauro.
Na tentativa de reeditar a bem sucedida Frente Democrática Capixaba, que elegeu
Albuíno Azeredo em 1990, para a Grande Vitória, as bases governistas deram início
às negociações no começo do ano eleitoral. As reuniões eram realizadas na
Residência Oficial da Praia da Costa. Além dos partidos que participaram da
legenda do governo. Havia a tentativa de ampliá-la com a participação do PT e do
PMN. No entanto, as divergências eram muitas, principalmente pela necessidade de
fortalecimento individual de cada partido (MIGNONI, 1992, p. 7).
Os partidos que se reuniam na tentativa de integrar a Frente Democrática com o
objetivo de contemplar os interesses das forças progressistas eram PDT, PT, PSB,
153
PC do B, PMN e PSDB e seus possíveis candidatos a titular da chapa para a
sucessão do prefeito Vitor Buaiz (PT) na capital, poucos dias antes das convenções
eram João Coser do PT, Paulo Hartung do PSDB, e João Luiz Tovar do PDT. As
articulações avançaram até a data limite das convenções e nada chegou a ser
definido, já que nenhum dos três se mostrou disposto a abrir mão da cabeça de
chapa (FRENTE..., 1992).
Paulo Hartung, que havia sido convidado pelo governador Albuíno para se filiar ao
PDT, recusou o convite permanecendo no PSDB, o que dificultou os planos do
governo de tê-lo como candidato da Frente Democrática, o que estava condicionado
a sua filiação ao partido do Governador. Mesmo sendo Hartung o candidato com os
números mais favoráveis pelas pesquisas, o Governador teria iniciado um processo
de esvaziamento de sua candidatura, aliando-se a Vitor Buaiz (PT) optando por
apoiar um candidato do partido dos trabalhadores (MIGNONI, 1992, p. 7).
Com o falta de apoio de Albuíno à candidatura de Paulo Hartung, o vice-governador,
Adelson Salvador, também do PDT passou a apoiá-lo publicamente. Em matéria
publicada na imprensa, Salvador afirmou que o ex-secretário de Transporte e Obras
Públicas, João Luiz Tovar, e o deputado estadual, João Carlos Coser (PT), não
estavam “maduros” para a disputa (ADELSON..., 1992, p. 2). E que “Hartung é o
candidato que reúne mais condições para a disputa. Tem maior aceitação popular e
menos rejeição” além de aglutinar as forças progressistas. Salvador ainda declarou
que “Hartung tem seguido nossas orientações e, assim, tem aguardado
pacientemente as negociações. Não podemos deixar de conhecer a coerência deste
companheiro. A hora agora é de Paulo Hartung. Temos que reconhecer isso”.
O jornalista Sebastião Barbosa, na época um dos coordenadores da campanha
municipal de Paulo Hartung, esclarece algumas das razões das diferentes posições
entre o Governador e o vice no apoio à Hartung.
Paulo Hartung havia sido convidado para prefeitura pelo Max Mauro lá atrás,
ele não aceitou porque achou que era novo, o Albuíno tentou que ele fosse
candidato contra o Vitor, na época que Vitor foi eleito, ele também não quis. O
Albuíno e o Adelson já eram adversários, já tinham brigado no governo e o
Paulo Hartung não tinha nenhuma ligação com Albuíno. O Adelson sempre
teve, na época pelo menos tinha, um discurso de esquerda e se alinhava
mais à esquerda... então a motivação do Adelson foi exatamente esse
154
alinhamento dele mais à esquerda, acho que foi isso. Ele e Albuino já
estavam rachados no momento (BARBOSA, 2008, informação verbal).
60
A tentativa de reeditar a Frente Democrática em torno do PDT, que havia eleito
Albuíno, não se materializou, e cada um dos pré-candidatos da Frente concorreu
como cabeça de chapa do seu partido. A convenção do PSDB (FIGURAS 12 E 13)
ocorreu no dia 21 de junho de 1992 no Colégio Aristóbulo Barbosa Leão na Avenida
Vitória. Mais de 4 mil pessoas compareceram ao evento que contou com a
participação do presidente nacional do partido, Tasso Jereissati. A candidatura do
deputado Federal Paulo Hartung foi homologada contando com Sérgio Aboudib
Ferreira Pinto, irmão de Lauro Ferreira Pinto, como vice-prefeito. Várias lideranças
políticas comparecem à convenção, como os candidatos do PT, João Carlos Coser,
do PDT, João Luiz Tovar, do PFL, Luiz Buaiz e o prefeito de Vitória, Vitor Buaiz. O
vice-governador Adelson Salvador, que se encontrava no interior do estado, enviou
um telex se solidarizando com Hartung e reafirmando seu apoio. O deputado fez um
discurso afirmando que acreditava na Vitória e alertou que: “a sua luta não é contra
ninguém, nem é feita de rancores ou ódios. Nossa luta é a favor da liberdade, da
prosperidade e de dias mais felizes para Vitória” (LANÇADA..., 1992, p. 2).
Figura 14. Convenção do PSDB
Fonte: Arquivo Pessoal de Paulo Hartung
60
Barbosa, 2008. Entrevista concedida em 24 de maio de 2008, em Vitória, à Margô Devos Martin,
por Sebastião Barbosa. Doravante as citações Barbosa (2008) é referente à esta entrevista.
155
Figura 15. Convenção do PSDB
Fonte: Arquivo Pessoal de Paulo Hartung
Já o PDT de Vitória homologou a candidatura do ex-secretário de Transportes e
Obras Públicas, João Luiz Tovar. Várias lideranças políticas também prestigiaram o
evento, entre elas o governador Albuíno Azeredo, o candidato do PT, João Carlos
Coser, e a deputada Rose de Freitas (PSDB). Defendendo o fortalecimento da
Frente Democrática, os candidatos João Carlos Coser, Luiz Buaiz (PFL) e João Luiz
Tovar (PDT) chegaram a posar para fotos de mãos dadas, juntamente com Albuíno,
com o presidente do PC do B, Namy Chequer, e com o secretário de Justiça e
Cidadania, Renato Soares do PSB (PDT..., 1992, p. 2). Posteriormente, João Luiz
Tovar (PDT) viria a tornar-se vice de João Coser na Coligação Frente Vitória.
A cisão do Partido dos Trabalhadores crescia para além das discussões internas.
Não conformados com a vitória de Coser na convenção, Rogério Medeiros e Vitor
Buaiz produziram uma carta aos membros do partido que foi publicada na imprensa
com as suas versões da disputa (TRECHOS..., 1992, p. 2). No texto, Buaiz e
Medeiros, dizem que o partido se auto-dividiu entre “reformistas” e “revolucionários”
e que as facções adversárias do partido impuseram a eles o rótulo de reformistas.
Abaixo trechos da carta.
Jogaram inúmeras acusações (levianas) para dentro do PT. A carga de
acusações e intrigas atingiu um certo clímax, a partir do momento em que
chegamos à Prefeitura de Vitória. O diretório municipal do partido formado em
sua maioria pala Articulação do B e pela DS, transformou-se no principal
opositor do novo governo municipal. Os jornais de 89, 90 e 91 demonstraram
isso. [...] A população de Vitória registrou isso. Assistiu a tudo perplexa. Como
156
se fosse um quadro surrealista. A prévia para a escolha do candidato do
partido para a Prefeitura de Vitória em 1992 também refletiu este quadro.
Rogério Medeiros era o candidatoda direita” e “da administração”
Representava os conservadores reformistas, João Coser, este sim, o
candidato ideológico, genuíno da esquerda. Representava o setor ideológico.
Terminada a previa, para a nossa mais absoluta surpresa e perplexidade,
passaram a elogiar o nosso governo. Um passe de mágica.[...] O quadro
surrealista completa-se agora com a formação de alianças com pessoas e
partidos que eles sistematicamente denegriam. Denegriam com acusações
no campo que eles julgam que é ideológico e no campo pessoal. O
engenheiro João Luiz Tovar, que veio agora a ser o vice de João Coser, foi
sempre acusado de ser ‘o homem da mala preta’ em uma alusão ao fato de
que Tovar arrecadara recursos para campanhas de candidatos
conservadores.
Finalizando as negociações para o início das campanhas, foi fechado o apoio do
PMDB no fortalecimento da coligação do candidato Paulo Hartung. A negociação
com o partido teria como base a vaga de vice na chapa. Foi então escolhido para
vice o ex-deputado estadual Ethereldes Queiroz do Valle, conhecido como Teteco
Queiroz.
Três membros do grupo alimentaram a intenção de concorrer à Câmara Municipal
naquela eleição: César Colnago, Neivaldo Bragato e Sergio Aboudib. Além de Stan
Stein que viria a tentar o terceiro mandato como vereador. Colnago narra esta
passagem:
Bragato, Serginho e eu, dentro do grupo, queríamos ser vereadores.[...] e aí
nós conversamos e nós três fizemos um pacto... eu disse “Não dá pra sair
nós três... Vamos escolher um grupo de cardeais, (brincando), um grupo que
nós três vamos escolher, esse grupo senta com a gente e escolhe qual
candidato... Fizemos um grupo de 30 pessoas, mais ou menos, não lembro
quantos e nós escolhemos, assim discutindo ... “ah fulano! É esse cara é puro
sangue”... deixamos evidentemente Paulo de fora, Cristina de fora, e tal e
eles escolheram lá, votaram e...fui escolhido (COLNAGO, 2008, informação
verbal).
César Colnago foi escolhido pelo grupo de Paulo Hartung como o representante
para a Câmara Municipal da capital e dá início a sua carreira política, utilizando uma
estratégia própria. Colnago se elege com 860 votos em uma vitória apertada.
61
Aí fui candidato e trabalhei muito na base da militância política e em torno das
pessoas que tinham aquela origem. Trabalhei em três bases mais
importantes: primeiro, a base da militância mesmo, do partido, do ex-partido
que a gente era. Trabalhei muito com a minha relação com os pacientes, mas
sem essa coisa de vinculação médica, ia pela relação pessoal, que ele me
61
Informações coletadas no Arquivo do Secretariado do Tribunal Regional Eleitorial, com sede em
Vitória, ES.
157
adoravam, até hoje votam em mim. E fui buscar os meus conterrâneos, que
eu sei que isso é forte. Lá na minha cidade, eu fui lá e peguei a caderneta das
pessoas antigas e fui lá com seus filhos, sobrinhos, netos... (COLNAGO,
2008, informação verbal).
Já Stein se elege com 830 votos, fruto de dois mandatos que foram se desgastando
em seus 10 anos de duração. O desgaste pode ser percebido quando comparamos
o número de votos obtidos naquele pleito com os 3.919 votos da primeira eleição em
1982, quando foi o vereador mais bem votado da capital.
62
Com o início da campanha muitos integrantes da formação original, que haviam se
afastado em virtude de seus projetos pessoais, se uniram em prol da candidatura de
Hartung e tentaram repetir a fórmula utilizada até então influenciada pelo modelo de
militância. Hartung narra o desastroso início da campanha:
O que aconteceu, nós não sabíamos, e fizemos uma campanha igual à de
deputado. Não sabia o que era relacionar com os candidatos a vereador.
Enfim, campanha de um amadorismo puro. Sem dinheiro, uma campanha
desorganizada. Uma televisão mal feita. Eu não tenho coragem de assistir os
programas de televisão. [...] Agente estava acostumado a fazer campanha
com aquilo, com militância na rua, era um negócio de proporcional. Uma
campanha majoritária é outra coisa. Tem que fazer comício. Precisou
organizar campanha, precisou organizar caminhada, precisou organizar a
base política. Enfim, ali foi o nosso treinamento em eleição majoritária
(HARTUNG, 2007, informação verbal).
Além da inexperiência outro fator influenciou negativamente a fase inicial da
campanha. Segundo pesquisa do IBOPE, em matéria publicada em junho daquele
ano, Hartung teria 24% das intenções de votos, contra 6% de Coser e 1% de Tovar,
enquanto Luiz Buaiz do PFL teria 6 %. Nessa pesquisa outros dois pré-candidatos
foram citados: Rita Camata, que contava com 12% de intenção de votos, e o
radialista Jairo Maia (PL) com 16%. Rita Camata tinha planos para concorrer às
eleições seguintes, em 1996, e preferiu não antecipar um desgaste. Jairo Maia
desiste de participar do pleito (MIGNONI, 1992, p. 7). O fato de Hartung ser o franco
favorito, ao invés de favorecer o desempenho da campanha, provocou uma falsa
imagem de facilidade de vitória, que foi reforçada pela inexperiência do grupo em
campanhas deste porte.
Ele começou muito bem nas pesquisas e isso gerou uma certa acomodação
mesmo, acho que até um clima de “já ganhou”. Todo mundo nega, mas no
62
Informações coletadas no Arquivo do Secretariado do Tribunal Regional Eleitorial, com sede em
Vitória, ES.
158
fundo, no fundo acho que gerou sim. E a inexperiência com aquele índice
muito favorável gerou uma acomodação e nos levou a uma situação muito
ruim, quando começou a campanha nosso programa de televisão era muito
ruim, muito inexperiente, e o adversário fez uma estratégia de comunicação
muito boa, contratou uma estrutura na área de marketing político e nós não.
E aí nós começamos a cair nas pesquisas de uma forma vertiginosa. Aí nós
pegamos, eu e Toninho Rosetti
37
, ficamos por, sei lá , uns 10 dias,
assumimos o programa de televisão, mas nem eu nem Toninho Rosetti
tínhamos qualquer experiência de marketing político pra fazer o que de
importante é você fazer um programa de televisão... Você ter uma visão
política, participar de núcleo político é diferente (BARBOSA, 2008, informação
verbal).
Mediante a falta de profissionalismo e de conhecimento em marketing político, entra
em cena um profissional da área que dá início ao processo de reversão da queda
nos números. Barbosa (2008) continua narrando os acontecimentos:
Nós contratamos um profissional de Belo Horizonte chamado Chico Bastos
63
que veio com a mínima equipe, havia um redator de nome Sergio e mais duas
pessoas com muita experiência e refizeram todo o programa de televisão, nós
conseguimos com isso tirar o Paulo Hartung, que queria participar de tudo,
ver as peças, a não mais participar disso. Foi proibido, e a função dele era
andar 24 horas por dia em Vitória. E ele cumpriu esse acordo, ele abandonou,
eu e Toninho Roseti começamos a fazer a orientação política do programa e
não mais visual e ele foi pra rua andar. E o nosso pessoal dizendo que ele ia
ganhar aquela campanha na sola do sapato mais até do que a televisão. E foi
(Informação verbal).
A Agência de Chico Bastos, Ação & Promoção, assumiu a campanha quando 27 dos
45 programas determinados pela Legislação eleitoral já haviam sido veiculados.
Como não havia tempo para promover mudanças radicais, trabalhamos com
os mesmos elementos criados pela agência que me antecedeu: o jingle, a
foto do candidato, o slogan de campanha, a vinheta de TV. Mas introduzi
novidades que potencializaram a comunicação: veiculei na TV a letra do
jingle, que quase ninguém entendia, e o povo passou a cantá-lo nos comícios
e caminhadas. Introduzi um apresentador que serviu de mediador entre os
ataques e as respostas e novos quadros no programa de TV, com
reportagens e chamadas quentes para os comícios, o que foi uma novidade
na Vitória de então. Desta forma, a TV encheu os comícios, propiciando boas
imagens para os programas eleitorais, realimentando o processo (BASTOS,
2008, informação verbal).
64
63
O publicitário mineiro Chico Bastos foi responsável pelo lançamento nacional do PSDB, cujo
símbolo, o tucano, e identidade visual foram criados por ele na sua agência a Ação & Promoção.
Bastos também foi o responsável pela campanha que elegeu o primeiro prefeito tucano do Brasil,
Pimenta da Veiga, em Belo Horizonte.
64
BASTOS, 2008. Entrevista concedida em 7 de junho de 2008, recebida por correio eletrônico por
<margodp@gmail.com
> em 7 de junho de 2008. Doravante as citações Bastos (2008) é referente
à esta entrevista.
159
Hartung, que àquela altura já era presença constante na mídia como um bem
conceituado representante do legislativo, também tinha boa circulação nos
formadores de opinião. Mas era necessária uma penetração maior nos eleitores de
baixa renda da capital. Nesse ponto, o corpo a corpo (FIGURA 14) ao qual passou a
se dedicar, conjugado com uma substancial melhora na televisão, aproximaram o
candidato das classes mais populares.
Figura 16. Hartung em caminhada pelos bairros com o vice, Teteco Queiroz
Fonte: Arquivo pessoal Paulo Hartung.
Além do reforço profissional do publicitário mineiro, a reversão do quadro de queda
contou também com o aporte financeiro do quadro nacional do partido, o que
contribuiu para a melhoria do material de campanha, segundo Hartung (2007):
Foi dando errado, foi dando errado, foi dando errado. Só no finalzinho, quem
veio foi o Chico Bastos. [...] Terminou a minha campanha e terminou muito
bem. Mas a campanha foi muito mal feita até então. Passou por várias mãos.
Mas um improviso só. Não tinha estrutura, não tinha recurso. Eu me lembro
que Fernando Henrique arranjou uma pequena ajuda com um amigo dele. Foi
uma coisa extraordinária na época. Porque não tinha nada (Informação
verbal).
O impeachment de Collor foi amplamente explorado por todos os candidatos
exaltando a participação da população no processo. Paulo Hartung, que havia
pedido afastamento da vaga de deputado federal para a campanha, assumiu a
titularidade e pode votar a favor do impeachment, quando faltavam 11 para a
aprovação do pedido de impeachment.
160
Com a desaprovação popular, isolado politicamente, cercado por escândalos,
denuncias e crises de todos os tipos, inclusive familiar, enfrentando a mobilização da
sociedade e da mídia contra seu mandato e sua pessoa, Collor se submeteu em 29
de setembro de 1992 à votação, sob a égide do voto aberto, transmitida para todo o
país pelos meios de comunicação. Da totalidade da Camara Federal, 441 deputados
federais votaram à favor da abertura do processo de impeachment, e apenas 38
deputados se posicionaram contra (MELO, 2007, p. 194).
A votação foi o ápice das campanhas políticas de muitos dos deputados que
concorreriam naquelas eleições municipais, e de muitos outros com vistas às
eleições de 1994. Bastos (2008) apresenta a estratégia desenvolvida por sua
equipe:
À falta de uma manifestação clara de Vítor, a divisão deste eleitorado entre
PH e Coser ,abrira caminho para que Luiz Buaiz, com o chamativo currículo
de amigo dos pobres e demonstrando no vídeo uma surpreendente vitalidade
apesar a idade avançada, passasse à frente na disputa. Dois fatos, que
identifiquei, revelaram-se decisivos para a estratégia:1) Paulo Hartung era o
único candidato com mandato federal e, durante a campanha, grassava a
crise que resultou no impeachment de Collor, pelo Congresso. O auge da
crise “coincidia” com o ultimo dia do programa eleitoral na TV e no Rádio. 2) A
pesquisa Vox Populi demonstrava que, equivocadamente, quase todos
previam que a eleição de Vitória se definiria no segundo turno. O detalhe (que
passara em brancas nuvens) era importantíssimo: Vitória, em 1992, não tinha
o colégio eleitoral mínimo (200 mil votos) para ter 2 turnos. A campanha
teria, fatalmente, o seu desfecho em 3 de outubro.
A estratégia vitoriosa decorreu, basicamente, destes dois pontos: estimular o
voto útil dos petistas em Paulo Hartung para impedir a Vitória do candidato do
PFL e tornar o deputado federal Paulo Hartung o porta-voz do voto de
protesto dos eleitores de Vitória contra Collor. Programas específicos foram
veiculados com estes objetivos e incluíram o voto de PH, no plenário da
Câmara Federal, pelo impeachment, em nome dos habitantes de Vitória e do
Espírito Santo (Informação verbal).
O material de televisão da campanha de Hartung também exibia o voto do líder do
governo da Câmara, José Lourenço do PFL, que havia votado a favor de Collor e
era do mesmo partido de Luiz Buaiz. A propaganda na televisão também apelava
para o voto útil, solicitando os votos dos eleitores do PT de Coser, alegando que ele,
Hartung, seria o único capaz de vencer Buaiz e evitar o retrocesso em Vitória.
Com a utilização da pregação do voto útil, ocorreram duas movimentações
importantes: em um primeiro momento, os votos definidos para o PFL migraram em
uma velocidade muito grande para a campanha de Hartung e na reta final a presença
161
de petistas e dos simpatizantes do PT que apoiaram a candidatura num sentido de
consolidar uma administração progressista na Cidade (HARTUNG, 1992, p. 11).
Figura 17. Material de Campanha
Fonte: Arquivo pessoal Paulo Hartung
O material de campanha destacava (FIGURA 15) os principais projetos aprovados
em seus dois mandatos como deputados estadual com enforque na ampliação dos
poderes do Legislativo na fiscalização dos atos do Executivo, a preservação da Mata
Atlântica, a criação do Parque da Fonte Grande, a meia passagem para estudantes,
o passe livre para os idosos e a destinação de 2,5% do orçamento para a ciência e
tecnologia. Os dois mandatos resultaram em uma produção de 51 leis.
Já na Câmara Federal o candidato destacava a sua atuação nas discussões de
assuntos de interesse nacional como a mudança na Lei de Informática,
modernização dos Portos e regulamentação dos artigos da Constituição Federal que
tratam dos benefícios dos aposentados e pensionistas.
O material de campanha não fazia nenhuma critica ao prefeito Vitor Buaiz do PT,
muito pelo contrário, relembrava à população que havia apoiado o prefeito petista e
participado da sua administração. Sua proposta era “fazer mais pela cidade” nas
áreas da educação, meio ambiente, saúde e segurança. Ainda deixava bem claro
que havia apoiado o atual prefeito em sua campanha e que iria “prosseguir com o
162
trabalho de Vitor Buaiz, com as suas boas realizações, como a discussão do
orçamento municipal com as comunidades”.
Segundo pesquisa do Instituto Vox Populi
65
realizada em setembro daquele ano,
Vitor Buaiz tinha 88% de aprovação. Ainda nesta pesquisa, as principais
características apontadas pela população para o próximo prefeito indicavam na
ordem: demonstrar garra e firmeza para trabalhar com 92%; ser preocupado com a
população carente com 90%; ter boas propostas para administrar vitória com 85%;
continuar o trabalho da atual administração com 80% e finalmente ter experiência
política com 75%.
Em relação ao Partido dos Trabalhadores ainda é importante ressaltar que o
candidato João Coser não contava com o apoio do Prefeito de Vitória, Vitor Buaiz,
para a sucessão de seu mandato. Vitor e o Coser pertenciam a tendências distintas
no PT. Mediante tal conflito, Vitor Buaiz optou pela neutralidade na campanha.
Não, ele não assumiu Coser e ele ficou neutro. Como na verdade o Vitor e o
Paulo tinham uma intercessão de eleitorado muito grande. Digamos 80 ou
90% do eleitorado do Vitor votava no Paulo e vice versa, porque eles tinham
uma história muito parecida... faculdade, ética, luta contra a ditadura e até
fisicamente, o jeito...então quando Vitor se posiciona pela neutralidade foi um
recado claro desse eleitor que foi pro Paulo e mais do que isso, a época
também, quando chegou mesmo no funil da eleição, nós fizemos um voto útil
descarado, uma campanha de voto útil intensa, ou seja “olha, você tem uma
simpatia pelo PT mas o seu voto pode decidir a eleição do candidato da
direita” [...]o eleitor percebeu que estava diante de um plebiscito. Só existiam
duas candidaturas viáveis, Luiz Buaiz e Paulo Hartung. Era escolher ou um
ou outro. Então, esse eleitor mais da esquerda que o PT sempre teve ali seu
percentual, acabou migrando pelo receio (BARBOSA, 2008, informação
verbal).
O próprio candidato do PT, João Coser, ao perceber a inviabilidade da sua vitória,
não se opôs ostensivamente ao voto útil pregado pela equipe de Hartung e, antes de
permitir o retrocesso que significaria a vitória de um partido tradicional de direita, o
PFL, não dificultou a estratégia. Hartung (2007) narra esta passagem:
Não sabíamos com quem íamos disputar a eleição, porque tinha o Coser do
PT que não era o candidato preferido do Vitor. O Vitor foi de Rogério
Medeiros na convenção e perdeu. Nós viemos embolados com o Dr. Luiz na
reta final da história e aí tem um fato importante da história. Porque eu acho
que o Coser, ao perceber que a disputa tinha cristalizado entre eu e o Dr.
Luiz, não forçou a mão.
65
Pesquisa do arquivo pessoal de Paulo Hartung
163
O Coser permitiu que eu fosse na direção do voto útil. Eu terminei a
campanha pedindo voto para os petistas. [...] E eu tenho certeza que ouve
uma migração de votos e desde então a minha relação com o Coser foi de
muita parceria, porque ele foi correto ao sentir que tinha dois projetos
disputando, e dois projetos muito diferentes (Informação verbal).
A cartada final da campanha de Hartung foi obtida no último programa de televisão.
Em uma decisão inédita no Estado, a justiça eleitoral concedeu ao candidato do
PSDB o direito de resposta de um minuto para se defender dos ataques que lhe
foram feitos no último programa do presidente regional do PDC, José de Anchieta,
que acusou Hartung de receber da Câmara Federal, sem trabalhar. Assim Hartung
foi o único candidato a aparecer na televisão no horário nobre. Ele aproveitou o
tempo para mandar outras mensagens além da defesa: que votou pelo impeachment
de Collor e que tem certeza que vai “construir a Vitória que todos querem”. Hartung
afirmou que pediu licença da Câmara Federal para participar da campanha e
reassumiu para poder votar no impeachment (HARTUNG..., 1992, p. 11).
Apenas dois dias antes das eleições, uma pesquisa realizada pelo Centro de
Questões de Desenvolvimento (hoje Instituto Futura de Pesquisa) publicada em A
Gazeta indicava um empate técnico na questão estimulada entre os dois principais
candidatos: Paulo Hartung com 36% e Luiz Buaiz com 34% (LÍDERES..., 1992, p. 2).
Na véspera da eleição, no dia 2 de outubro de 1992, Fernando Collor se afasta da
presidência em decorrência da abertura do processo de impeachment aprovado pela
Câmara Federal. Os derradeiros minutos de Collor como presidente da República,
foram assim narrados pela imprensa:
As 10h20m de ontem, o Presidente Fernando Collor assinou diante da
maioria de seu Ministério, a notificação de afastamento do cargo, levada ao
seu gabinete pelo senador Dirceu Carneiro (PSDB/SC). Exatamente 15
minutos depois, Collor, acompanhado da mulher Rosane, desceu pelo
elevador comum e saiu pela porta lateral do Palácio do Planalto, enfrentando
vaias da multidão e aplausos dos assessores e funcionários da Presidência.
Tenso, Collor deixou o gabinete avisando aos assessores que em breve
estaria de volta.
‘Desejo que este ato seja uma contribuição da nossa geração para o
aperfeiçoamento da democracia’ disse o Senador Dirceu Carneiro, ao receber
a notificação assinada por Collor. ‘Certamente que sim’ respondeu o
presidente já afastado do cargo (COLLOR..., 1992, p. 10).
Itamar Franco do PMDB assumiu no dia 5 de outubro de 1992 sem nenhuma
cerimônia de posse ou entrega de faixa presidencial em caráter interino, uma vez
164
que o processo de impeachment teria 180 dias para ser julgado, caso contrário o
presidente Collor retornaria ao exercício das suas funções.
A Comissão Especial do Senado criada para o julgamento do processo de
impeachment era formada por 21 titulares e igual número de suplentes, e contava
com dois capixabas como titulares: Gerson Camata (PDC) e Elcio Álvares (PFL) que
se tornou presidente. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches,
conduziu os trabalhos para o julgamento. Fernando Collor renunciou ao cargo em 29
de dezembro de 1992, data da sessão de julgamento do impeachment no Senado
que, mesmo com a renúncia, o tornou inelegível por oito anos (ITAMAR..., 1992, p.
3).
Em seus quase três anos de Governo, Collor suspendeu as barreiras à importação,
programou a desregulamentação das atividades econômicas e a privatização das
companhias estatais que não estavam protegidas pela Constituição a fim de
recuperar as finanças públicas e reduzir aos poucos o papel do Estado no incentivo
à indústria doméstica, além de contribuir para a formação do Mercosul. Estas
medidas significaram uma ruptura com a estratégia desenvolvimentista vigente até o
início dos anos 80, cuja pretensão era construir uma estrutura industrial completa e
integrada, usando o Estado como escudo protetor ante a competição externa e
como alavanca do desenvolvimento industrial e da empresa privada nacional. No
entanto, para estabilizar a moeda, o Plano Collor congelou preços, confiscou
provisoriamente e reduziu parte da riqueza financeira das classes médias e
empresariais. Assim, além de atingir a riqueza material, ameaçou a segurança
jurídica da propriedade privada.
Também procurou exercer o poder dissociado da classe política e de seus
mecanismos tradicionais de sobrevivência; reduziu as despesas do Estado de forma
arbitrária por meio da demissão em massa de servidores, desorganizando a
administração pública e tentou enfraquecer as organizações oposicionistas de
trabalhadores estimulando organizações alternativas ligadas ao governo.
No dia da eleição 1.627.343 eleitores capixabas comparecem às urnas para eleger
71 prefeitos e cerca de 1.000 vereadores (O ESTADO..., 1992, p. 2). Apurados os
votos, foi constatada a vitória de Paulo Hartung à prefeito da capital do Estado.
165
Nome Votação Partido ou coligação
PAULO CÉSAR HARTUNG GOMES
Vice: Teteco Queiroz
58.179 Frente Cidade Democrática
PSDB, PV, PTR, PPS, PMDB
LUIZ BUAIZ
Vice: Gualtemar Soares
46.242 Frente Arrastão
PFL, PDC, PRN, PRP
JOÂO COSER
Vice: João Luiz Tovar
16.185 Frente Vitória
PT, PDT, PSB, PC do B
JOSÉ GOTARDO
Vice:
6.474
PST
Brancos 9.682
Nulos 10.192
Abstenções 22.365
Eleitorado 169.319
Quadro 4. Resultado final das eleições Municipais Vitória
Fonte: Secretaria Judiciária – Tribuna Regional Eleitoral
Em entrevista ao Jornal A Gazeta no dia de sua vitória Hartung lembrou a existência
de um protocolo firmado pelos partidos que compunham a coligação e que, segundo
ele, garantiriam liberdade para a escolha do secretariado (BRIDI, 1992, p. 3). Nessa
mesma ocasião Hartung, recém eleito prefeito, fez uma retrospectiva da campanha.
Teve três momentos de definição em nossa campanha. O primeiro foi no
comício em Santa Maria com a presença do Senador Mário Covas, que
mostrou que a campanha tido ido para a rua. O segundo momento importante
que me deu muita esperança foi a carreata, a quinze dias da eleição. O
terceiro momento, de forma muito clara, foi o debate da TV Gazeta, que
cumpriu um papel importantíssimo porque conseguiu colocar com
transparência toda a articulação da campanha, ou seja, o que estava por trás
de cada candidatura. A população que assistiu ao debate entendeu o que
significava cada candidatura, qual o papel que cada candidato estava
cumprindo. A partir daí a campanha cresceu muito. O último comício foi em
Goiabeiras e foi o maior do qual participei em campanha eleitoral (HARTUNG,
2007, informação verbal)
.
O vice-governador Adelson Salvador, em análise da campanha, relatou para a
imprensa que a campanha da Frente Cidade Democrática “foi caracterizada por
altos e baixos”, referindo-se principalmente à qualidade dos programas de
propaganda eleitoral. Ainda segundo Salvador a manifestação de segmentos
“retrógrados” que apoiavam o candidato Luiz Buaiz da “Frente Arrastão” também
contribuíram para construir uma imagem favorável de Hartung perante a opinião
pública (ADELSON..., 1992, p. 11). E finalmente, conforme o vice-governador, os
últimos acontecimentos políticos envolvendo o presidente Fernando Collor de Mello
influenciaram o comportamento do eleitorado. Nessa mesma reportagem o ex-
candidato Luiz Buaiz também avaliou a sua campanha e atribuiu a derrota ao voto
166
útil pregado por Hartung e teceu críticas a seus adversários, em alusão ao PT, que
“trocaram ofensas durante a campanha e depois se uniram”.
O candidato da Frente Vitória, João Coser, do PT afirmou que sua candidatura
enfrentou dificuldades e reconheceu falhas na mobilização da militância do seu
partido. Coser responsabilizou o prefeito Vitor Buaiz pelo desempenho da campanha
Frente Vitória “[...] o afastamento de Vitor da campanha deixou a população em
dúvida, que não sabia quem de fato ele estava apoiando” alegou. “Todos os
candidatos falavam e ele não se posicionou” (GOVERNADOR..., 1992, p. 2).
Lideranças tradicionais saíram enfraquecidas das eleições municipais daquele ano.
O Governador Albuíno Azeredo apostou no apoio de candidatos de prefeitos que
não lograram êxito em importantes municípios do Estado. Max Mauro do mesmo
partido de Albuíno, chegou a ser derrotado em seu reduto eleitoral, Vila Velha, uma
vez que Vasco Alves do PMDB, que concorria com Max Filho, saiu vitorioso. Max
Mauro chegou a concorrer como vice na chapa de seu filho. Do PDT, que no início
das negociações para as eleições conduzia a estratégia do jogo, apenas Adelson
Salvador se manteve do lado vitorioso, já que prestou apoio incondicional à Hartung,
mesmo contra as determinações palacianas e partidárias.
O também ex-governador Elcio Álvares não obteve sucesso, já que o candidato do
seu partido, Luiz Buaiz, foi derrotado na capital, além de ter a imagem de seu
partido, PFL, explorada ampla e negativamente no voto favorável a Collor no
episódio do impeachment.
O casal Camata também saiu enfraquecido agindo de forma omissa nas eleições. O
senador Gerson Camata (PDC) não se posicionou de forma afirmativa em favor de
seus aliados, não apoiou Luiz Buaiz, que era candidato da sua coligação, e não
apoiou Paulo Hartung, na capital. Já a Deputada Federal Rita Camata, que
continuou no PMDB, não aceitou se lançar candidata, mesmo estando em primeiro
lugar nas pesquisas no início do processo.
Assumindo a prefeitura municipal da capital, Paulo Hartung vence uma importante
fase de sua trajetória política. Os principais atores de sua caminhada até ali são
empossados como titulares de diferentes secretarias da administração( FIGURA 16)
167
, alguns mesmo não ocupando cargos públicos por opção profissional, como Lauro
Ferreira Pinto, nunca deixariam de participar das decisões estratégicas do grupo.
Wellington Coimbra assume a Secretaria de Saúde e se afasta do cargo para
assumir o mandato de deputado estadual em 1994. No seu lugar assume Anselmo
Tose, que respondia pela subsecretaria da pasta. César Colnago, mesmo eleito
vereador nas eleições de 1992, assume a Secretaria de Meio Ambiente e
posteriormente a pasta da Educação; Estanislau Kotska Stein, mesmo eleito
vereador, assume a pasta de Administração; Neilvaldo Bragatto passa a responder
pela Secretaria de Planejamento, posteriormente Fazenda e Coordenadoria de
Governo. Sergio Aboudib assume posteriormente a Coordenadoria de Governo,
depois Transportes e Serviços Urbanos. Sebastião Barbosa torna-se secretario de
comunicação e Antônio Augusto Rosetti, o Toninho Rosetti, assume a Companhia
de Desenvolvimento de Vitória.
Haroldo Correa Rocha, amigo e colaborador de Hartung desde o curso de economia
e do movimento estudantil assume a secretaria de planejamento no último ano da
gestão. Jorge Alencar Tavares de Freitas, também oriundo do movimento, assume a
pasta de Cultura e Turismo; José Arimathéa Campos Gomes, do curso de Direito do
movimento estudantil – foi o terceiro do grupo a presidir o DCE no ano de 1982 –
assume a Procuradoria Geral. A maior parte destes personagens viria a se
encontrar dez anos depois na mesma administração, a do Governador Paulo
Hartung.
168
Figura 18. Foto oficial do secretariado municipal em 1992
Fonte: Arquivo pessoal Sebastião Barbosa
169
CONCLUSÃO
Na citação proferida por Paulo Hartung apresentada no inicio deste trabalho vimos
como a referência do período de distensão política pós-64 está presente em todos
os discursos proferidos por seu grupo político. Esta referência consolidou-se e foi o
fio condutor para o processo de amadurecimento político, norteando as ações que
levaram o mesmo grupo a assumir a prefeitura de Vitória em 1992, transformando-o
em referência histórica para uma geração que colaborou com o processo de
redemocratização política brasileira e, com mais intensidade, com o processo de
redemocratização política capixaba.
Esta freqüente citação da memória de um grupo que representa uma geração opera
como justificativa política para o recorte geracional estudado. Mesmo não possuindo
características homogêneas, esse grupo é provido de relativa coesão e estabilidade
social. Os ícones utilizados, como a vivência da militância no partidão e o movimento
estudantil, propiciam uma socialização de um conjunto histórico e coletivo que se
interioriza e conduzem as escolhas, como diz NORA (1997, p. 3003), formando o
'eu' é, ao mesmo tempo, um 'nós'"[3]. Adiciona-se a este sentimento de
pertencimento os valores adquiridos na militância no partido comunista e no
movimento estudantil, criando um sentido político articulado a uma idéia de "missão
histórica" que sintetiza a mobilização dos atores pela "luta democrática". Assim, o
fato histórico alimenta o passado do grupo que vivenciou essa experiência.
Concomitantemente, este fato vai sendo realimentado em sua representação.
O conceito de "capital político" empregado por BOURDIEU(1986) se encaixa
perfeitamente na realidade do grupo, já que ele indica o reconhecimento social que
permite que alguns indivíduos, mais do que outros, sejam aceitos como atores
políticos e, portanto, capazes de agir politicamente.
Pode-se dizer que capital político e carreira política estabelecem entre si uma
relação dialética. É necessário o capital para avançar na carreira, ao mesmo tempo
em que a ocupação de cargos mais elevados na hierarquia do campo político
representa uma ampliação deste mesmo capital.
170
O grupo aqui estudado apresenta tal capital por pertencer a uma geração que
cumpriu uma missão política e simultaneamente foi adquirindo mais bagagem
política a inserir-se em cargos estratégicos nas instituições públicas, a medida que
contribuíram na ascensão de seus dirigentes.
Ainda segundo o autor, podemos utilizar a conotação de capital simbólico como uma
espécie de "crédito social", no sentido preciso do termo, isto é, algo que depende
fundamentalmente da crença socialmente difundida na sua validade. Vale dizer que
o capital simbólico confere uma 'certa' autoridade a este individuo sobre seus pares.
Neste caso, o grupo objeto de estudo emprega sua experiência no período do
estado autoritário e sua mobilização oposicionista como capital político.
A fragilidade das instituições partidárias no cenário brasileiro empresta a essa
formação política dos atores uma relevância muito maior. Justamente o período que
configura o recorte temporal escolhido para este estudo tem início na fase final do
Regime Militar seu mais importante momento, servindo de alicerce para a ascensão
de toda uma geração política durante os anos de redemocratização do País, aqui
representada no grupo objeto deste estudo.
Nesse ponto, retomamos uma das hipóteses apresentadas no inicio do estudo, que
diz respeito ao cenário político eleitoral de reorganização de lideranças na qual se
deu a inserção dos membros do grupo político do governador Paulo Hartung na vida
partidária, e da forma como seus principais membros se estabeleceram de forma
estratégica em cargos públicos, o que garantiu a sua ascensão ao poder.
Como forma de fortalecer o argumento final deste trabalho, faremos aqui uma breve
síntese deste período para análise dos fatores externos que influenciaram na
ascensão do grupo.
Os últimos anos da década de 70 compreendem o cerne da crise do Estado
desenvolvimentista brasileiro, que tornou-se à época incapaz de fazer frente aos
pagamentos da dívida externa. Foi necessário então um rearranjo da articulação que
permitiu ao país apresentar, até então, um desenvolvimento capitalista pujante,
embora dependente. Esta reorganização das forças propiciou o crescimento da
171
participação da iniciativa privada, e o ressurgimento dos movimentos sociais,
incluindo o movimento estudantil.
O Estado do Espírito Santo apresentava uma peculiaridade na sua composição
social, notadamente marcada pelo movimento migratório resultante da implantação
dos grandes projetos industriais que atraíram para a região metropolitana uma
massa de trabalhadores recém-formada e sem qualificação. Esta configuração
explica uma 'certa' fragilidade local dos movimentos de entidades de classe em
relação à força encontrada nos grandes centros como Rio de Janeiro e,
principalmente, São Paulo. O movimento estudantil cresce aqui, ocupando tais
lacunas e extrapolando os muros da universidade, ao ponto de interferir em
movimentos populares, sindicatos e mesmo na política partidária.
Com as eleições de 1982, as atividades de novas associações civis ou da renovação
da atuação de antigas associações, das classes populares, parte das classes
médias e até mesmo de alguns setores empresariais passaram a questionar a
capacidade do Estado e a influir decisivamente na sociedade. Isso repercutiu nas
urnas, promovendo uma renovação em quase todas as instâncias do executivo e do
legislativo. Este pleito foi determinante para a inserção do grupo na política partidária
oficial e permitiu a inserção de seus atores na administração pública e em cargos
eletivos.
O movimento surgido no interior da elite empresarial e no sistema de empresas
estatais favoreceu a atuação da oposição político-partidária no Congresso e seus
esforços para mobilizar as classes médias e populares na luta contra a perpetuação
do regime militar que resultaram, em 1984, na mais importante demonstração
pública ocorrida no Brasil em favor da democratização política: a campanha "Diretas
Já".
A mobilização popular e a crise política se aprofundaram: a perda de legitimidade do
governo estendeu-se ao próprio regime autoritário. A entrada maciça da população
na luta política em favor da superação rápida do regime autoritário obrigou o
governo a tolerá-la. Os meios de comunicação de massa passaram a noticiá-la em
172
grande escala, impulsionando assim as elites políticas a não aceitar as barreiras
impostas à vigência da democracia no Brasil.
As mudanças nas instituições políticas e no âmbito do poder dos diversos atores
culminaram na Constituição de 1988, uma carta magna que garantia a democracia
formal e ampliava o poder de ação do Legislativo, do Judiciário e do Ministério
Público nos processos de decisão governamentais. Em síntese, a Nova República
tornou-se um sistema instável de dominação política, em que não se articulavam
bem a dimensão institucional, a esfera sociopolítica e as condições econômicas.
As eleições presidenciais de 1989, realizadas após 30 anos de suspensão do direito
de escolha, foi concretizada em um clima de total liberdade de expressão e
constituiu um dos pontos mais altos de participação das classes populares e das
camadas médias na política brasileira, abrindo ainda mais o caminho para o
desempenho eleitoral dos candidatos de esquerda.
A partir daquela campanha o confronto entre democracia e autoritarismo, que
caracterizava o sistema partidário desde a liberalização política do regime militar,
tornou-se menos relevante. As forças partidárias reorganizaram-se em torno de
novas polarizações. Nesse processo, sobretudo as relações Estado/mercado
ganharam espaço. Os partidos foram magnetizados pelas idéias econômicas liberais
de um lado e pelo desenvolvimentismo democratizado de outro. As eleições
presidenciais de 1989 tornaram-se o marco divisório entre dois momentos da
transição política brasileira: o período em que predominou a democratização política
e o que teve como impulso básico a liberalização econômica.
Acrescentemos à conjuntura nacional algumas características da realidade do
cenário político capixaba durante este período. No Espírito Santo, a ação de
prefeitos e vereadores influenciou decisivamente as indicações e os resultados
eleitorais, principalmente nos casos dos governadores Gerson Camata, Max Mauro
e Albuíno Azeredo.
A baixa institucionalização do sistema partidário, agravada no inicio da Nova
República, foi em parte conseqüência da dissolução dos sistemas partidários em
1965 e 1979. Outro fator foi a consolidação da televisão como poderosa força
173
eleitoral e os efeitos da longa crise econômica de 1981 a 1992. Tais fatores tiraram a
legitimidade dos partidos. O auge da diluição das forças partidárias ocorreu nas
eleições de 1989 quando concorreram à presidência vinte e um candidatos.
Esta geração politizada participou ativamente de todos estes momentos significantes
da história política nacional, em uma trajetória crescente, concorrendo nos pleitos
eleitorais e participando da administração pública em cargos destacados.
O cenário reforça a segunda hipótese apresentada neste estudo, que consiste na
possibilidade de que os laços de identidade de uma geração política e o empenho
na manutenção do poder em um cenário marcado por rupturas do sistema
representativo e inconsistência ideológica se cristalizem, transformando o grupo em
uma instituição, um partido ad hoc.
Para analisarmos as questões intrínsecas ao grupo, objeto do estudo, analisamos
também seus valores e práticas para a formação deste partido ad hoc, O país
atravessava uma fase extraordinária de mudanças e construção das instituições
democráticas. O momento era vivido por toda esta geração, mas a este evento
soma-se um grupo valoroso de atores que se encontraram na Universidade e foram
seduzidos pelos princípios da democracia pregada pelo comunismo europeu.
O grupo em questão era constituído por atores que tinham sua realidade própria,
com influências políticas de origem familiar ou a total ausência de engajamento. No
entanto, naquele momento a heterogeneidade foi propícia e favoreceu debates em
torno da doutrina do partidão. Naquele embrião do grupo, estima-se mais de
duzentos participantes. Muitos colaboraram para a formação dos valores e
construção de estratégias que foram determinantes para que o grupo vencesse mais
uma etapa, e à medida que isto foi acontecendo, muitos foram se afastando, até que
o grupo tornou-se eminentemente político-partidário.
Dentre as muitas peças que participaram do processo político que levou o grupo à
Prefeitura em 1992 se destacam os atores do objeto deste estudo. Cada um deles
com características próprias, mas sinérgicos, como partes de uma engrenagem em
funcionamento, contribuíram para o objetivo mantendo suas particularidades e
174
funções na engenharia política. No entanto, antes de defini-los, usaremos o conceito
de liderança na descrição encontrada no Dicionário de Política:
São líderes os que: a) no interior de um grupo; b) ocupam uma posição de
poder que tem condições de influenciar, de forma determinante, todas as
decisões de caráter estratégico; c) o poder que é exercido ativamente; d) e
que encontra legitimação na sua correspondência às expectativas do grupo
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 716).
(1986)
Desta forma, podemos afirmar que todos os membros ativos do grupo possuem tais
características. Podemos também considerá-los lideranças de perfis distintos. É
importante ressaltar que estamos nos referindo ao recorte de tempo estudado.
Alguns atores exerceram uma importante contribuição na formação do grupo
naquele momento, que foi, sobretudo, de embasamento de valores e tendências que
iriam nortear as ações do grupo até os dias atuais. Muitos destes atores seguiram
posteriormente suas carreiras profissionais, mas deixaram suas marcas na
identidade do grupo. Já na campanha municipal de 1992 e principalmente na gestão
da prefeitura, alguns atores se inseriram no grupo e encontraram uma sólida posição
até os dias atuais.
Alguns líderes se destacaram por sua capacidade de formulação, outros pela
habilidade de construir alianças e articulações e, finalmente, alguns pela aptidão
para implementar ações determinadas pelo grupo.
A influencia dos princípios do comunismo italiano, que via no partido a única
mediação necessária entre a sociedade civil e o Estado, imprimiu no grupo o
direcionamento de seus projetos, a formação de seus quadros e a criação de redes
operativas que se deslocaram ao poder público. E este é um ponto crucial que
garantiu a sobrevivência, ascensão e manutenção do grupo que participou de forma
efetiva das administrações municipais e estaduais. A partir da primeira eleição de
1982 o grupo foi se inserindo nas administrações à medida que participaram das
conquistas políticas. Isso aconteceu nos governos Camata, Max Mauro e Albuíno e
nas administrações municipais de Berredo, Hermes Laranja e Vitor Buaiz, bem como
nos municípios dos aliados políticos de Vila Velha e da Serra.
A trajetória do grupo reproduz a fragilidade do sistema partidário brasileiro, marcado
pela falta de ideologia e identificação conceitual dos partidos. Isso levou o grupo a
175
transitar entre uma sigla e outra, na busca por uma identificação com suas
propostas. O início foi marcado por uma construção calcada e uma ideologia
claramente definida e organizada, que levava à submissão e à disciplina hierárquica
do partido comunista, migrando para a dominação do comitê estadual e a troca por
um partido institucionalmente viável, como o PMDB, por permitir tendências e
atitudes das mais diversas, até o ponto em que o partido passou a ser identificado,
sobremaneira, com a imagem governista, que a esta altura era a pior possível.
Em 1989 o grupo foi atraído pelas principais cabeças do pensamento liberal
democrático, com uma proposta inovadora e economicamente distante da ideologia
inicial comunista, mas alinhado com o pensamento democrático e com a própria
história de seus idealizadores. A partir daquele momento o grupo se cristaliza e
constrói uma linha ideológica própria, formada por todos estes fragmentos, fazendo
uso de praticas próprias. As principais delas são ligadas à herança do
eurocomunismo, como a luta por posições evitando o embate e calcada no
convencimento e nas amplas negociações. A articulação realizada nos bastidores,
muitas das vezes não percebida pelos eleitores, faz parte da engenharia política que
levou o grupo, oriundo das salas de aulas da UFES, até o gabinete principal da
prefeitura de Vitória.
Outra característica é a forte dose de pragmatismo. Se por um lado esta tendência
orientou as decisões e levou o grupo a tomar a decisão correta como, por exemplo,
recusar convites prematuros para concorrer à administração municipal até a
chegada da hora certa, por outro fez também com que fosse colocada em questão
sua convicção de esquerda, abrindo canais de discussão com instituições de
tendências mais à direita e apoiando candidatos conservadores, como, por exemplo,
Hermes Laranja, mesmo contra a vontade do grupo.
Como foi demonstrado neste trabalho, as características que podem ser
encontradas no perfil de uma liderança são diversas e multifacetadas. No grupo
objeto desse estudo encontram-se as características aqui apontadas em todos os
seus membros. Como toda engrenagem azeitada, cada membro desempenha uma
função e todas, sinergicamente, convertem para um fim comum. Alguns atuaram na
mobilização, de característica operacional. Outros foram importantes na engenharia
176
política, de característica estratégica. O que marca o grupo é o fato de todos os
membros que percorreram a trajetória que foi das salas de aula da UFES até a sala
principal do Palácio Domingos Martins possuírem um perfil de liderança adaptado às
suas características particulares.
Ainda que destaquemos a relevância no fato de todos os membros do grupo
possuírem características de liderança, é inegável a presença de uma liderança forte
e democrática dentro do grupo. Para que as muitas personalidades fossem
aproveitadas e valorizadas, de modo a fazer com que juntas contribuíssem com o
processo de redemocratização e para a construção da história política capixaba, era
necessária uma liderança capaz de aglutinar, destacando-se como o principal
orientador político de um grupo que posteriormente chega ao Palácio Anchieta. Isso
aconteceu fora do período do recorte de tempo aqui estudado, mas é importante
citarmos o fato para percebermos toda a história – trajetória – desse grupo e sua
importância para o Espírito Santo. Essa liderança é apontada por todos os
entrevistados durante a elaboração desse estudo como sendo exercida pelo então
estudante de economia e agora – 2008 – Governador do Estado, Paulo Hartung.
Da nossa geração, eu acho que veio e está dando uma contribuição efetiva,
positiva para a vida política do Estado do Espírito Santo. Mas é aquele
negócio: isso é corrida de revezamento. Nós precisamos de outras gerações
que venham ocupando, porque cada um tem um tempo. Atividade política eu
acho que é igual a remédio: tem data de validade. Então, você tem que estar
renovando. Eu dei uma contribuição importante. Cada espaço de executivo
que eu ocupei eu me esforcei para formar gente nova, para que pudesse
continuar com o fluxo. Porque se hoje não é possível formar, nesse momento,
uma quantidade de lideranças no movimento estudantil como naquele
período de efervescência. Você tem que achar os espaços onde se forma
gente. Daqui a pouco, o Paulo Hartung e a geração do Paulo Hartung serão
páginas viradas. (HARTUNG, 2007, informação verbal).
O arco desenhado por Paulo Hartung desde a liderança estudantil até o Executivo
Estadual consolida em torno do seu nome uma geração inteira que ousou lutar sem
armas, que ousou posicionar-se diante de lideranças tradicionais e estabelecidas e
que, acima de tudo, ousou construir um novo modelo de gestão e política que segue,
no diapasão do arco citado, uma trajetória coerente e sólida, e muito provavelmente
única em todo território nacional.
177
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187
ANEXO A
LISTA DE TODOS OS ATORES CITADOS NAS ENTREVISTAS
Adalto Emmerich
Adão Célia
Ademar Devens
Álvaro Bourgnon
Luiz Carlos Bezerra
Carlos Alberto Rios Cavalcante,
Franscisco José dias da Silva (Chiquinho)
Antonio Claudino de Jesus,
Cláudio Vereza
Dalva Ramaldes
Dayse Osleger
Ernesto Negris
Felício Correa
Fernando Herkenhoff
Fernando Pignaton,
Geraldo Correa
Idelberto Muniz
Izildo Leite
Jairo Régis
Joaquim Silva
José de Arimathea,
Cátia Moura
Lauro Ferreira Pinto
Wellington Coimba (Lelo)
Lucinha Chequer
Luis Carlos Bezerra
Luiz Paulo Velozo Lucas
Marcos Santolim,
Marli Alves dos Santos
Martinha Baião
188
Merli Alves dos Santos
Mirtes Bevilaqua
Neivaldo Bragato,
Oscar Gama Filho,
Rosa Stein
Sandra Fagundes
Stanisnau Stein,
Tadeu Marino
Táurio Tessarolo,
Sebastião Lyrio,
Vera Saleme Colnago
Wolmer Silva
189
ANEXO B - CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
190
ANEXO C - CARTA AOS COMUNISTAS
Companheiros e amigos!
De regresso ao Brasil, pude nos meses já decorridos, entrar em contato direto com a
realidade nacional e melhor avaliar os graves problemas que enfrenta o PCB, o que me leva
ao dever de dirigir-me a todos os comunistas, a fim de levantar algumas questões que, em
minha opinião, tornaram-se candentes para todos os que, em nosso País, de uma ou de
outra forma, interessam-se pela vitória do socialismo em nossa Terra. E é baseado no meu
passado de lutas e de reconhecida dedicação à causa revolucionária e ao PCB, que me
sinto com a autoridade moral para dizer-lhes o que penso da situação que atravessamos.
Sinto-me no dever de alertar os companheiros e amigos para o real significado da vasta
campanha anticomunista que vem sendo promovida nas páginas dá imprensa burguesa.
Campanha esta visivelmente orquestrada pelo regime ditatorial, visando a desmoralização,
a divisão e o aniquilamento do PCB. Fica cada vez mais evidente que, através de intrigas e
calúnias, o inimigo de classe – após nos ter desferido violentos golpes nos últimos anos –
pretende agora minar o PCB a partir de dentro, transformando-o num dócil instrumento dos
planos de legitimação do regime. Este é o motivo pelo qual as páginas da grande imprensa
foram colocadas à disposição de alguns dirigentes do PCB, enquanto em relação a outros o
que se verifica é o boicote e a tergiversação de suas opiniões. Basta lembrar a matéria
publicada no Jornal do Brasil de 3 de fevereiro último, quando esse jornal falseia a verdade
ao dizer que me recusei a manifestar minha opinião e, ao mesmo tempo, serve de veículo a
uma série de calúnias e acusações que lhe teriam sido fornecidas por algum dirigente que
não teve a coragem de se identificar.
Seria de estranhar, se não estivesse claro o objetivo deliberado de liquidação do PCB, a
preocupação, revelada insistentemente, pela imprensa burguesa com a democracia interna
e a disciplina em nossas fileiras. Os repetidos editoriais e comentários que vem sendo
publicados ultimamente a esse respeito são sintomáticos. Demonstram o propósito do
regime de desarticular as forças de oposição e, em particular, os comunistas para melhor
pôr em prática a estratégia de realizar mudanças em sua estrutura política visando preservar
os interesses dos grupos monopolistas nacionais e estrangeiros que representa.
Diante de tal situação não posso calar por mais tempo. Tornou-se evidente que o PCB não
está exercendo um papel de vanguarda e atravessa uma séria crise já flagrante e de
conhecimento público, que está sendo habilmente aproveitada pela reação no sentido de
tentar transformá-lo num partido reformista, desprovido do seu caráter revolucionário e dócil
aos objetivos do regime ditatorial.
191
Devo destacar que, não obstante o heroísmo e abnegação dos militantes comunistas que
sacrificaram suas vidas e dos demais que contribuíram ativamente na luta contra a ditadura
e para as conquistas já alcançadas por nosso povo, e pelas causas justas por que tem
combatido o PCB em sua longa existência, é necessário, agora, mais do que nunca, ter a
coragem política de reconhecer que a orientação política do PCB está superada e não
corresponde à realidade do movimento operário e popular do momento que hoje
atravessamos. Estamos atrasados no que diz respeito à análise da realidade brasileira e
não temos respostas para os novos e complexos problemas que nos são agora
apresentados pela própria vida, o que vem sendo refletido na passividade, falta de iniciativa
e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje.
A crise que atravessa o PCB expressa-se também na falência de sua direção que, entre
outras graves deficiências, não foi capaz de preparar os comunistas para enfrentar os anos
negros do fascismo, facilitando à reação obter êxito em seu propósito de atingir
profundamente as fileiras do PCB, desarticulando-o em grande parte. Não foi a direção do
PCB capaz nem ao menos de cumprir o preceito elementar de separar com o necessário
rigor a atividade legal da ilegal. Inúmeros companheiros tombaram nas mãos da reação em
conseqüência da incapacidade da direção, que não tomou as providências necessárias para
evitar o rude golpe que atingiu nossas fileiras nos anos de 1974 e 1975.
Ao mesmo tempo, graves acontecimentos tiveram lugar na direção do PCB, que, devido à
situação de clandestinidade em que nos encontramos, estou impossibilitado de revelar de
público. Tais circunstâncias estão sendo utilizadas pela atual direção do PCB para
desencadear uma onda de boatos e calúnias e para, numa tentativa desesperada de se
manter no poder e conservar o status-quo, ocultar a verdade da maioria dos companheiros.
Assim, vem sendo levantada a bandeira da unidade do PCB para na realidade encobrir uma
atividade divisionista e de simples acobertamento de graves fatos ocorridos na direção. Na
verdade, uma real unidade em torno de objetivos politicamente claros e definidos inexiste há
muito tempo.
Nessas condições, sinto-me no dever de alertar os comunistas para a real situação da atual
direção do PCB: uma direção que não funciona como tal e não é capaz de exercer o papel
para o qual foi eleita, um Comitê Central em que não é exercido o princípio da direção
coletiva – caracterizado pela planificação e o controle das resoluções tomadas pela maioria
—, no qual reina a indisciplina e a confusão, em que cada dirigente se julga no direito de
fazer o que entende. Na prática, inexiste uma direção do PCB. A situação chegou a tal ponto
que fatos e, assuntos reservados, que eram de conhecimento exclusivo dos membros do
CC, estão sendo revelados à polícia por intermédio das páginas da imprensa burguesa,
causando a justa indignação da grande maioria de nossos companheiros e amigos.
192
Sem me propor, nesta carta, a analisar as causas profundas que determinaram a situação a
que chegou o movimento comunista em nossa Terra, considero, no entanto, necessário
tornar claros os meus pontos de vista sobre algumas questões fundamentais, de forma que
os companheiros e amigos possam julgar sobre sua justeza. Ao mesmo tempo, quero deixar
claro que não me eximo de minha parcela de responsabilidade e me considero o principal
responsável pelos erros e deformações existentes no PCB. Minha atitude não é de fugir à
necessária autocrítica – em palavras e na prática —, mas, ao contrário, de tomar a iniciativa
de torná-la pública, procurando, assim, contribuir para o avanço da luta pelos ideais
socialistas em nosso País e para a reorganização do movimento comunista do Partido
Comunista.
Numa atitude diametralmente oposta, a atual direção do PCB – apesar dos graves
acontecimentos ocorridos nos últimos anos – nega-se a uma séria e profunda autocrítica.
Quando muito, satisfaz-se com a realização de repetidas e já desmoralizadas autocríticas
formais, que, entretanto, nunca se tornam uma realidade palpável. Assim, nega-se a direção
atual a reconhecer que a situação do País sofreu grandes transformações, tornando
necessária uma ampla discussão democrática de todos os problemas, incluindo as
resoluções do último Congresso do PCB. Recusa-se a analisar com espírito crítico se são
de todo acertadas as resoluções desse Congresso e pretende ainda agora apresentá-las
como um dogma indiscutível para, com base nelas, exigir uma suposta unidade partidária,
que lhe permita encobrir e conservar por mais algum tempo a atual situação do Partido e de
sua direção.
Na verdade, a justa preocupação da maioria dos comunistas com a unidade do PCB vem
sendo utilizada pela atual direção como um biombo para tentar ocultar a falta de princípios
reinante nessa direção, o apego aos cargos e postos, o
oportunismo dos que mudam de
posição política para atender a interesses pessoais, a tradicional conciliação em torno de
formulações genéricas que nada definem e que visam apenas a manutenção do status-quo,
deixando, ao mesmo tempo, as mãos livres para que cada dirigente faça o que bem
entenda. Citarei apenas um exemplo: o mesmo Comitê Central que em outubro de 1978
aprovara e distribuíra ao Partido um documento político, contra o qual votaram apenas dois
membros da direção, poucos meses depois, no começo de 1979, se propunha a aprovar um
novo documento com orientação política oposta ao primeiro, sem antes ter feito um balanço
da aplicação e dos resultados obtidos com a política apresentada em outubro de 78. O meu
repúdio, na qualidade de Secretário Geral do PCB, a tal tipo de procedimento levou a que a
maioria do CC, revelando mais uma vez sua verdadeira face oportunista e total falta de
princípios, recuasse e se chegasse à aprovação de um documento de conciliação, anódino
e inexpressivo, em maio do ano passado.
193
O
oportunismo, o carreirismo e compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a
falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento da direção, os
métodos errados de condução da luta interna, que é transformada em encarniçada luta
pessoal, em que as intrigas e calúnias passam a ser prática corrente da vida partidária
adquiriram tais proporções, que me obrigam a denunciar tal situação a todos os comunistas.
Não posso admitir que meu nome continue a ser usado para dar cobertura a uma falsa
unidade, há muito inexistente. Reconhecendo que sou o principal responsável pela atual
situação a que chegaram o PCB e sua direção, assumo a responsabilidade de denunciá-la a
todos os companheiros, apelando para que tomem os destinos do movimento comunista em
suas mãos.
Quero lembrar ainda que, para cumprir o papel revolucionário de dirigir a classe operária e
as massas trabalhadoras rumo ao socialismo, é necessário um partido revolucionário que
baseado na luta pela aplicação de uma orientação política correta conquiste o lugar de
vanguarda reconhecida da classe operária. Um partido operário pela sua composição e pela
sua ideologia, em que a democracia interna, a direção coletiva e a unidade ideológica,
política e orgânica seja uma realidade construída na luta. Somos obrigados a reconhecer
que este não é o caso do PCB. Por isso mesmo, tornou-se imperioso para todos os
comunistas tomar consciência da real situação existente e começar a reagir, formulando
novos métodos de vida partidária realmente democráticos e efetivamente adequados às
tarefas que a luta revolucionária coloca diante de nós; é necessário reagir às arbitrariedades
e deformações que já atingem proporções alarmantes e dar início a um processo de
discussão realmente democrático, que venha tornar possível a eleição, em todos os níveis
partidários, de direções que realmente sejam a expressão democrática da vontade da
maioria dos comunistas. É necessário lutar por um outro tipo de direção, inteiramente
diferente da atual, com gente nova, com comunistas que efetivamente possuam as
qualidades morais indispensáveis aos dirigentes de um partido revolucionário. Não é mais
admissível a perpetuação da atual direção que está levando o PCB à falência em todos os
terrenos.
A convocação do VII Congresso do PCB, dentro dessa perspectiva, deve ser transformada
no início de um processo de ampla discussão, por parte de todos os comunistas, não só das
linhas gerais de nossa política, como de uma série de aspectos da atividade da direção.
Esta é a oportunidade de cobrar da direção tudo que aconteceu nos últimos anos: a falta de
preparação para enfrentar a repressão fascista e o conseqüente desmantelamento de todo o
aparelho partidário; as prisões e os desaparecimentos de tantos companheiros e amigos; a
ausência de democracia interna, o arbítrio, a falta de planejamento e controle das tarefas
decididas; o comportamento dos dirigentes diante do inimigo de classe; a execução prática
194
do chamado "desafio histórico" aprovado no VI Congresso e a falta de empenho em
organizar o partido na classe operária; a atividade política da direção nas diferentes frentes
de trabalho; a orientação política seguida na Voz Operária; e muitos outros aspectos do
trabalho de direção.
Considero imprescindível destacar que o VII Congresso só cumprirá um papel realmente
renovador, tanto no que diz respeito à elaboração de uma orientação política correta e
adequada às novas condições existentes no País e verdadeiramente representativa da
vontade da maioria dos comunistas, como no que concerne à eleição de um novo tipo de
direção à altura dessa nova orientação, se os debates preparatórios e todos os
procedimentos de sua realização forem realmente democráticos. Não posso admitir, nem
concordar com a volta ao "arrudismo", à utilização de métodos discricionários e autoritários
na condução da luta interna, à manipulação dos debates, à rotulação das pessoas com as
mais variadas etiquetas do tipo "esquerdista", "eurocomunista", "ortodoxo", "duro", etc. Não
é admissível que se continue a usar de expedientes, como a nomeação de delegados a
conferências partidárias, para as quais deveriam ser democraticamente eleitos pelas
organizações a que pertencem.
A democracia no processo de realização do VII Congresso precisa ser defendida com
empenho por todos os comunistas. É necessário que todos – e em particular os dirigentes –
falem abertamente o que pensam; devemos repudiar o comportamento dos que calam de
público para falarem pelas costas ou transmitirem informações sigilosas à imprensa
burguesa sem ter sequer a coragem de se identificar.
Quero ainda dizer que tenho conhecimento do quanto estou sendo caluniado e atacado
pelas costas. Isso é mais uma prova dos métodos falsos a que me referi acima. Devo deixar
claro que, não obstante ser o primeiro a achar que, inclusive pela minha idade já avançada,
deveria deixar a direção do PCB, só poderei concordar com a minha substituição num
Congresso realmente democrático. Não aceitarei meu afastamento decidido por algum tipo
de Congresso-farsa, manipulado e antidemocrático, em que os próprios destinos do PCB e
de nossa causa revolucionária corram perigo.
Sei que poderei vir a ser derrotado no Congresso; o importante, entretanto, é que este seja
realmente democrático e verdadeiramente representativo da maioria dos comunistas. E para
isso é necessário que sejam criadas as devidas condições, pois na situação atual, de virtual
desmantelamento do PCB pela reação, de permanência da Lei de Segurança Nacional e de
séria crise interna, são praticamente impossíveis um debate e uma participação realmente
democráticos num Congresso realizado na clandestinidade. Temos que reconhecer que,
nessas condições, o VII Congresso seria uma farsa, inaceitável para a grande maioria dos
195
comunistas. Trata-se, portanto, de prioritariamente dar início a uma ampla campanha pela
legalização do PCB, desmascarando o anticomunismo daqueles que a pretexto de defender
uma suposta democracia pugnam pela manutenção dos odiosos preceitos da Lei de
Segurança Nacional que proíbem a reorganização do Partido Comunista. É preciso
esclarecer as amplas massas de nosso povo, mostrando-lhes que o PCB sempre esteve
nas primeiras fileiras de todas as lutas democráticas em nosso País e sempre foi a principal
vítima da repressão e do fascismo.
É necessário deixar claro que a legalização do PCB terá que ser uma conquista do
movimento de massas e de todas as forças realmente democráticas em nosso País. Os
trâmites legais junto ao Tribunal Superior Eleitoral estarão fadados ao fracasso, se a
legalidade do PCB não se transformar numa exigência das massas, que, nas ruas,
imponham sua vontade, como o fizeram em 45. A ditadura jamais nos concederá a
legalidade sem luta; o que ela tenta, neste momento, é, aproveitando-se da crise interna do
PCB, forçá-lo a um acordo. Acordo este que significaria um compromisso com a ditadura,
incompatível com o caráter revolucionário e internacionalista do PCB, compromisso que
colocaria o Partido a reboque da burguesia e a serviço da ditadura e inaceitável, portanto, à
classe operária e a todos os verdadeiros revolucionários.
Empenhar-se numa intensa campanha pela legalização do PCB e pela conseqüente
realização do VII Congresso na legalidade não deve, entretanto, servir de obstáculo ao início
do debate preparatório para o Congresso, que poderá ir-se ampliando com o
desenvolvimento da própria campanha pelo registro legal do PCB. A luta pela nossa
legalidade é inseparável do empenho para que a democracia interna venha a ser uma
realidade. Devemos ter claro que num país como o nosso, com a complexidade dos
problemas que temos pela frente, é necessário um Partido Comunista de massas, o que só
poderá se transformar em realidade se vier a ser um partido verdadeiramente democrático,
não apenas em seu empenho na luta pela democracia em nossa Terra, como também em
todos os aspectos de seu funcionamento.
A gravidade da crise que atravessa o PCB, a flagrante ausência de democracia interna e as
profundas deformações no terreno da organização não estão dissociadas dos erros e
desvios em nossa orientação política. Não se pode separar a elaboração de uma estratégia
revolucionária da estratégia de construção de uma organização revolucionária. Ambas se
condicionam reciprocamente. A estratégia revolucionária é a condição da eficiência da
organização, e a organização é a condição da formulação de uma estratégia correta.
Sem pretender, nesta carta, uma análise aprofundada dos erros a meu ver cometidos na
elaboração de nossa orientação política em diferentes períodos da história do PCB – tarefa
196
que me proponho a realizar posteriormente —, quero apenas me referir a algumas questões
que me parecem de maior atualidade e urgência, deixando clara minha posição.
Assim, considero importante destacar que, apesar do total arbítrio e do autoritarismo
dominantes no País a partir do golpe reacionário de 1964, os governos que se sucederam
em 16 anos não resolveram nem um só dos problemas fundamentais da Nação. Ao
contrário, foram todos agravados. Aumentou a miséria dos trabalhadores, agravaram-se as
desigualdades sociais, cresceu consideravelmente a dependência do País ao imperialismo,
tornou-se mais crítica a situação do campo com as transformações capitalistas ocorridas na
agricultura e as modificações introduzidas no sistema latifundiário que levaram, entre outras
conseqüências, à proliferação do minifúndio e dos chamados "bóias-frías".
Simultaneamente, cresceu vertiginosamente a criminalidade e a violência nas grandes
cidades, agravaram-se problemas antigos como o do menor abandonado, do desemprego, a
falta de assistência médica, o analfabetismo e a prostituição de menores. Isto comprova,
mais uma vez, que o desenvolvimento capitalista não é capaz de resolver os problemas do
povo e nem sequer de amenizá-los.
A solução desses e demais problemas fundamentais exige transformações sociais
profundas, que só poderão ser iniciadas por um poder que efetivamente represente as
forças sociais interessadas na liquidação do domínio dos monopólios nacionais e
estrangeiros e na limitação da propriedade da terra, com o fim do latifúndio. E é por isso que
a luta atual pela derrota da ditadura e a conquista das liberdades democráticas é
inseparável da luta por esse tipo de poder que, pelo seu próprio caráter, representará um
passo considerável no caminho da revolução socialista no Brasil.
Vejo a luta pela democracia em nossa Terra como parte integrante da luta pelo socialismo.
É no processo de mobilização pela conquista de objetivos democráticos parciais, incluindo
as reivindicações não apenas políticas, mas também econômicas e sociais, que as massas
tomam consciência dos limites do capitalismo e da necessidade de avançar para formas
cada vez mais desenvolvidas de democracia, inclusive para a realização da revolução
socialista.
É de acentuar que no Brasil sempre dominaram regimes políticos autoritários. Mesmo nos
melhores períodos de vigência da Constituição de 1946, as liberdades sempre foram muito
limitadas e, principalmente, os trabalhadores nunca tiveram seus direitos mais elementares
respeitados e reconhecidos. Tivemos sempre democracia para as elites, enquanto, para as
grandes massas de nosso povo, o que sempre existiu foram a violência policial, tanto dos
chefes políticos e caciques do interior, como das autoridades nas grandes cidades, e o total
desrespeito pela pessoa humana e pelos direitos do cidadão.
197
Justamente por isso, nós comunistas, ao lutarmos agora pela derrota da ditadura, devemos
fazê-lo esclarecendo as massas e dirigindo-as rumo à conquista de um regime efetivamente
democrático. Lutamos agora por um regime em que sejam assegurados os direitos políticos,
econômicos e sociais dos trabalhadores. A derrota da ditadura deve levar a um regime em
que os trabalhadores tenham o direito de participarem ativamente na solução de todos os
problemas da Nação; que assegure o desmantelamento do atual aparelho repressivo, que
dê fim ao velho "hábito" das torturas, inclusive para os presos comuns; que garanta o voto
livre, universal e direto para todos os cidadãos, incluindo os analfabetos e militares dele
ainda privados; que assegure o direito ao trabalho, à educação e saúde, férias remuneradas
e aposentadoria para todos os trabalhadores; em que sejam respeitados todos os direitos
dos trabalhadores, destacando-se a total independência do movimento sindical do Estado,
dos patrões e dos partidos políticos.
Certamente, as características do regime democrático a ser instaurado no País com o fim da
ditadura dependerão fundamentalmente do nível de unidade, organização e consciência
alcançado pelo movimento operário e popular. Cabe aos comunistas empenhar-se no
esforço de mobilização da classe operária e demais setores populares para alcançar formas
cada vez mais avançadas de democracia e, nesse processo, chegar à conquista do poder
pelo bloco de forças sociais e políticas interessadas em realizar as profundas
transformações a que me referi acima, e que deverão constituir os primeiros passos rumo ao
socialismo, e, portanto, à mais avançada democracia que a humanidade já conhece – a
democracia socialista.
Nós, comunistas, não podemos abdicar de nossa condição de lutadores pelo socialismo,
restringindo-nos à suposta "democracia" que nos querem impingir agora os governantes,
nem às conquistas muito limitadas alcançadas pela atual "abertura", que na prática exclui as
grandes massas populares. Não podemos concordar com uma situação que assegure
liberdades apenas para as elites, em que a grande maioria da sociedade continua na
miséria e sem a garantia dos mais elementares direitos humanos.
Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima
das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos
movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados
os interesses e as aspirações dos trabalhadores. Ao contrário, para os comunistas, a luta
pelas liberdades políticas é inseparável da luta pelas reivindicações econômicas e sociais
das massas trabalhadoras. E no Brasil atual, a classe operária está dando provas, cada vez
mais evidentes, de que não está mais disposta a aceitar a "democracia" que sempre lhe foi
imposta pelas elites e pelas classes dominantes. Os trabalhadores estão passando a exigir
sua participação efetiva em um novo regime democrático a ser construído com o fim da
198
ditadura, o que significa que lutarão por uma democracia em que tenham não apenas o
direito de eleger representantes ao parlamento, mas lhes sejam assegurados melhores
salários e condições mais dignas de vida, em que seus direitos sejam uma realidade e não
apenas uma ficção. E o dever dos comunistas é dirigir essas lutas dos trabalhadores,
contribuindo para sua unidade, organização e conscientização, mostrando-lhes que é
necessário caminhar para o socialismo, única forma de assegurar sua real emancipação.
Simultaneamente, apresenta-se a questão da aliança dos comunistas com outras forças
sociais e políticas. No momento atual, o objetivo mais importante a ser alcançado é a
derrota da ditadura e, para isto, a conseqüente conquista de reivindicações políticas que
ampliem cada vez mais a brecha já aberta no regime e levem ao estabelecimento de uma
democracia no País. Não devemos, portanto, poupar esforços no sentido de aglutinar as
mais amplas forças sociais e políticas, mesmo aquelas mais vacilantes e que sabemos que
nos abandonarão em etapas ulteriores da luta. Seria, no entanto, abdicar de nosso papel
revolucionário tratarmos apenas dos entendimentos "por cima", com os dirigentes dos
diversos partidos políticos ou correntes de opinião, com as personalidades políticas,
esquecendo-nos que para os comunistas o fundamental é a organização, a unificação e a
luta permanente pela elevação do nível político da classe operária e das massas populares.
Só assim contribuiremos para fortalecer o movimento popular e a frente oposicionista de luta
contra a ditadura, compelindo seus setores liberais burgueses mais vacilantes e se definirem
com mais clareza, e contribuindo, também, fundamentalmente, para que os trabalhadores
venham a ser a força dirigente do conjunto das forças heterogêneas unificadas em ampla
frente única.
Só assim agindo, realizarão os comunistas uma política capaz de impulsionar o movimento
de massas, uma política que não pode ser a de ficar a reboque dos aliados burgueses, mas,
ao contrário, a de não poupar esforços para que as massas assumam a liderança do
processo de luta contra a ditadura e pela conquista da democracia, assim como de sua
ampliação e aprofundamento continuado.
Não podemos, pois, compactuar com aqueles que defendem "evitar tensões", freando a luta
dos trabalhadores em nome de salvaguardar supostas alianças com setores da burguesia.
Ao contrário, sem cair em aventuras, é hoje, mais do que nunca, necessário contribuir para
transformar as lutas de diferentes setores de nosso povo em um poderoso movimento
popular, bem como é dever dos comunistas tomar a iniciativa da luta pelas reivindicações
econômicas e políticas dos trabalhadores, visando sempre alcançar a derrota da ditadura e
a conquista de uma democracia em que os trabalhadores comecem a impor sua vontade.
199
Com base na argumentação acima desenvolvida, não se pode deixar de chegar à conclusão
lógica de que é totalmente infundada a contraposição, que vem sendo a mim atribuída, entre
uma suposta "frente de esquerda" e uma "frente democrática" ou de oposição. Jamais
coloquei o problema dessa maneira, o que não passa de mais uma deturpação do meu
pensamento, útil àqueles que precisam tergiversar minhas idéias para poder combatê-las.
Penso que, para chegarmos à construção de uma efetiva frente democrática de todas as
forças que se opõem ao atual regime, é necessário que se unam as forças de "esquerda" –
quer dizer, aquelas que lutam pelo socialismo – no trabalho decisivo de organização das
massas "de baixo para cima"; que elas se aglutinem, sem excluir também entendimentos
entre seus dirigentes, com base numa plataforma de unidade de ação, e que, dessa
maneira, cheguem a reunir em torno de si os demais setores oposicionistas, tornando-se a
força motriz da frente democrática. Esta é a perspectiva revolucionária de encaminhamento
da luta contra a ditadura, a que mais interessa à classe operária e a todos os trabalhadores.
Será a constituição em nosso País, pela primeira vez, da unidade de diversas forças que
lutam pelo socialismo. Colocam-se contra essa possibilidade os que preferem ficar a
reboque da burguesia e que buscam, com isto, mais uma vez, chegar em nosso País a uma
democracia para as elites, da qual não participariam os trabalhadores.
Quando me referi à necessidade das diferentes forças de "esquerda" caminharem juntas,
tenho em vista a nova situação que vem se formando no País. Estamos vivendo um período,
quando a reanimação do movimento operário e popular vem revelando, por um lado, que
todas as forças de "esquerda", incluindo o PCB, tem cometido graves erros, tanto de
avaliação da situação nacional, como de encaminhamento das soluções necessárias e
possíveis e, consequentemente, de atuação. E, por outro lado, a necessidade de formação
de uma liderança efetiva, capaz de dirigir as lutas de massas dentro de uma perspectiva
revolucionária correia e adequada à situação brasileira. Está, portanto, na ordem do dia a
questão da unidade de todos que se propõem a lutar efetivamente por uma perspectiva
socialista para o Brasil.
No que diz respeito ao PCB, sou de opinião de que, tendo sido correto combater os desvios
"esquerdistas" e "golpistas", após o golpe de 1964, caímos do outro lado, em posições
próximas do reboquismo e da passividade. Devemos reconhecer, inclusive, que o PCB não
teve a capacidade de apresentar uma alternativa (principalmente uma estratégia) correta de
luta contra a ditadura, contribuindo, assim, para que muitos revolucionários honestos,
particularmente os jovens que não queriam-se conformar com o arbítrio instaurado no País,
enveredassem pelo caminho de ações individuais ou desligadas das massas e que só
poderiam conduzir a sucessivas derrotas.
200
É importante ainda chamar a atenção dos comunistas para o fato de nas fileiras do PCB ter-
se convertido a luta justa contra os desvios "esquerdistas" e "golpistas" numa obsessão
quase cega, que nos tem levado frequentemente a identificar qualquer atitude ou posição
combativa pelas causas justas dos trabalhadores com um suposto "esquerdismo" ou
"golpismo".
Tudo isso torna imprescindível que se inicie entre os comunistas, tanto dentro, como fora do
PCB, um amplo processo de análise autocrítica das posições das diferentes forças de
"esquerda" e, em particular, do PCB. É necessário rever com espírito autocrítico a
orientação política que mantivemos em diferentes períodos históricos e em especial, as
resoluções aprovadas no VI Congresso e nos anos que se seguiram. Devemos examinar a
que resultados concretos fomos levados pela aplicação de tais resoluções e fazer um
esforço coletivo que conduza à elaboração de soluções adequadas à situação do Brasil de
hoje, partindo do princípio de que nosso objetivo final, enquanto comunistas, só pode ser
um: a construção da sociedade socialista e do comunismo em nossa Terra. E para isso, é
imprescindível que todos aqueles que queiram contribuir para a vitória desses objetivos
unam suas forças e procurem chegar a um programa comum, sem cair nem na cópia de
modelos estrangeiros, nem na negação das leis gerais do desenvolvimento social.
Quando me referi à necessidade de formular o programa dos comunistas, tenho em vista
chegarmos, através de um processo de discussão efetivamente livre, à elaboração do caminho
para o socialismo nas condições brasileiras e à sua aprovação de forma democrática.
Como já tive ocasião de assinalar, a própria prática social vem mostrando o quanto as
forças de "esquerda" estão atrasadas na realização desse objetivo. Não pretendo
apresentar nesta carta uma proposta de programa. Sou de opinião que essa tarefa só
poderá ser realizada com a colaboração de todos que, em nosso País, estão empenhados
na luta pelo socialismo, comunistas ou não, membros do PCB, de outras organizações de
"esquerda" ou "independentes".
Penso que o eixo central desse programa deve ser tal que apresente, com a necessária
clareza, qual o processo que, nas condições de nosso País, poderá e deverá ligar a luta
atual pela derrota definitiva da ditadura e a conquista de um regime democrático com a luta
pelo socialismo no Brasil.
Trata-se, portanto, de se enfrentar e dar solução a um conjunto de questões teóricas e
práticas de grande complexidade. Questões que só poderão ser elaboradas através do
estudo aprofundado das transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que se
vêm processando em nosso País, bem como das novas condições em que se encontra o
mundo na atualidade.
201
Penso que, na elaboração do programa é necessário partir de algumas idéias básicas que
pretendo desenvolver posteriormente, para os debates do VII Congresso. Em primeiro lugar,
partir do pressuposto de que cabe aos comunistas, desde já, organizar e unir as massas
trabalhadoras na luta pelas reivindicações econômicas e políticas que se apresentam no
próprio processo de luta contra a ditadura. É partindo dessas lutas, da atividade cotidiana
junto aos mais diferentes setores populares, principalmente junto à classe operária, que
poderemos avançar no sentido do esclarecimento das massas para que cheguem à
compreensão da necessidade das transformações radicais de cunho antimonopolista,
antiimperialista e antilatifundiário. É necessário mostrar aos trabalhadores que os grandes
problemas que afetam a vida de nosso povo só poderão ser solucionados com a liquidação
do poder dos monopólios nacionais e estrangeiros e do latifúndio, e que isto só será
conseguido com a formação de um bloco de forças antimonopolistas, antiimperialistas e
antilatifundiárias, capaz de assumir o poder e de dar início a essas transformações. Poder
que, pelo seu próprio caráter, significará um passo decisivo rumo ao socialismo. E para que
esse processo tenha êxito, é indispensável que a classe operária – a única
conseqiientemente revolucionária – seja capaz de exercer o papel dirigente do referido bloco
de forças. Mas este papel dirigente só se conquista na luta. O dever dos comunistas é
exatamente o de contribuir para que esse objetivo seja alcançado.
Companheiros e amigos!
Esta carta constitui como que a reafirmação da confiança que tenho nos comunistas e na
classe operária, na sua capacidade de reflexão sobre a grave situação que atravessa o
PCB. Chegou o momento em que é indispensável que os comunistas rompam com a
passividade e tomem os destinos do PCB em suas mãos, rebelando-se contra as
arbitrariedades e os métodos mandonistas de direção, e tratando de eleger, em todos os
níveis partidários, direções que realmente sejam a expressão democrática da maioria dos
comunistas. Penso ter evidenciado o quanto tem de excepcional a situação que me levou a
formular este apelo a todos os comunistas para iniciar um processo de mudanças radicais
que deverá ser coroado com a discussão e aprovação democráticas de uma orientação
verdadeiramente revolucionária e a eleição também democrática de um novo tipo de direção
à altura desta nova orientação.
Rio de Janeiro, março de 1980.
Luiz Carlos Prestes
LUIS Carlos Preste. In: Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de
Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2007.
202
ANEXO D
Não sei como fazer porque a página fica melhor na horizontal
203
ANEXO E – DEPOIMENTOS DOS POLÍTICOS ENTREVISTADOS
AZEDO, Luiz Carlos Azedo. Brasília –
Depoimento em 19 de junho de 2007 por correio eletrônico
M - Como era a relação entre o Comitê Central e o Estadual?
LCA - Em primeiro lugar, na época eu não era membro do Comitê Central (eleito em 1969),
mas da Seção Juvenil do Comitê Central, formada logo após a volta da direção do exílio, em
1980. Era o coordenador nacional do setor universitário do PCB, na seção Juvenil.
M – Como era formado o Comitê Estadual?
LCA - Não conheci o Comitê Estadual do ES. Quem fazia parte dele, com certeza, era o
Fernando Herkenhoff, professor da UFES e dirigente nacional do PPS, o Lelo Coimbra e o
Laurinho Ferreira Pinto, todos médicos.
M - Como o Comitê Estadual era visto pelo Central?
LCA - Pelo que soube na época, a direção do Espírito Santo tinha relações paralelas com o
Comitê Estadual de São Paulo (por causa dos médicos que estudaram em São Paulo e o
antigo Comitê da Guanabara (através de Luiz Paulo).
M - Em qual momento o movimento estudantil lidera o Comitê central?
LCA - O que houve no Espírito Santo foi o predomínio do comitê universitário na
reorganização do partido, porque a antiga direção estadual havia sido desbaratada pela
polícia. Vale destacar que o PCB no ES nunca foi muito forte nacionalmente, embora tivesse
alguns quadros influentes, como Almir Neves (que foi encarregado do setor militar muitos
anos e, na volta do exílio, tesoureiro do Comitê Central. E o Granja, que foi vereador em
Cariacica, mas depois caiu no mundo e só voltou a dirigir o partido no Espírito Santo em
meados da década de 80. O Jairo Régis também teve muita expressão entre os jornalistas e
foi membro do Comitê Central.
M - Quais eram as divergências entre os Comitês após o movimento estudantil
assumir a liderança aqui no estado?
LCA - Após a destituição do Prestes da secretaria geral do PCB, duas direções estaduais
contestavam o Comitê Central: a de São Paulo, fortemente influenciada pela política do
Partido Comunista Italiano, e a do Rio Grande do Sul, muito prestista. Os capixabas
204
simpatizavam com os gaúchos no movimento estudantil e eram ligados aos paulistas
através da direção estadual.
M - Até que ponto os conceitos de Gramsci influenciavam o movimento estadual e se
chocavam com as orientações do Comitê Central?
LCA - Havia muita retórica. Essa influência gramsciana era difusa, até porque o
esquerdismo era muito forte entre os militantes capixabas. Eles amavam Gramsci e
Gregório Bezerra. No episódio da intervenção, do qual participei, o que houve foi o
seguinte: O PC do B, a AP e outras tendências resolveram nos excluir da diretoria da UNE.
Aproveitaram o racha com os prestistas para cooptar algumas lideranças no Sul e o pessoal
do Espírito Santo, nos enfraquecendo mais ainda. A alternativa que restou foi a aliança que
fizemos com o MR-8 na eleição direta para a UNE. Eles conseguiram colocar um prestista
na diretoria da UNE e deixaram o partido de fora. Nós éramos a segunda força no país, com
absoluta hegemonia no Rio e os DCES da USP, UNB e UFES, dentre outros.
M - De fato correu uma intervenção do Comitê Estadual, por vocês?
LCA - Recebi orientação do assistente da seção Juvenil, Givaldo Siqueira, de vir ao Espírito
Santo discutir com o comitê universitário a situação no movimento estudantil e comunicar a
decisão de lançar uma chapa em aliança com o MR-8. Os companheiros se recusaram a
cumprir a orientação. Comuniquei o fato ao secretariado do comitê central em São Paulo,
através do Regis Frate, que informou o que estava acontecendo ao Giocondo Dias. Recebi
a instruções para comunicar à direção universitária que a organização seria dissolvida se
não cumprisse a orientação do comitê central. E que o comitê estadual sofreria uma
intervenção se apoiasse a decisão dos universitários. Cumpri a orientação, mas antes avisei
ao secretariado que seria um desastre. A orientação atribuída ao Giocondo, que recebi do
Régis, foi para não vacilar. Foi o que fiz. Depois, a Executiva recuou da decisão - na
verdade, foi tomada ad referendum do Comitê Central - e a direção do Espírito Santo
resolveu soltar um documento me acusando de exorbitar na tarefa, o que não foi o caso.
Na verdade, o Giocondo estava mandando um recado para o comitê estadual de São Paulo
e para a direção da Voz da Unidade. Meses depois, houve uma intervenção na Voz da
Unidade, da qual participei como jornalista a pedido do Giocondo Dias. Após o 7º
Congresso, o núcleo dirigente paulista, que era eurocomunista, abandonou o partido.
M - Como se deu a escolha de Gerson Camata para o Governo em 82. De fato foi uma
orientação do Comitê central?
LCA - Com certeza havia uma orientação para que, em todos os estados, fizessemos
alianças com o PMDB. Na época era da direção estadual do Rio de Janeiro, onde apoiamos
205
o Miro Teixeira e perdemos a eleição para o Brizola. Não sei dizer se houve disputa na
convenção que indicou o Camata, mas certamente o partido atuava dentro do PMDB
capixaba. O Fernando Herkenhoff operou essa política, pode esclarecer mais.
M - Como foi o desligamento do grupo do Paulo Hartung do PCB?
LCA - Não conheço as circunstâncias. Sei que após as prisões de 13 de dezembro de
1982, durante o 7º Congresso, do qual o Fernando Herkenhof participou - fomos presos
juntos -, o comportamento do Paulo Hartung foi de manter distância regulamentar do partido,
para evitar uma possível cassação. Ele havia sido eleito deputado estadual. Não sei se
ainda militava e aproveitou a situação para se desligar ou se já havia saído do PCB. O
Granja fala que ele foi meio oportunista, mas também não estava no ES. Quem pode dar os
detalhes é o Fernandão. Vale destacar que a estratégia de buscar a legalidade a qualquer
preço era muito contestada por dirigentes e militantes e a "queda" do Congresso, que se
realizava no Centro de São Paulo, foi vista por muitos como "ilusão de classe" da direção,
que não teria avaliado corretamente a conjuntura. Foi um trama que levou o partido de volta
para a toca em muitos lugares.
M – Quando você do desligamento do Paulo após a eleição de 82 ?
LCA - Soube do desligamento bem depois, pelo Granja. Segundo ele, quando houver as
prisões de 13 de dezembro de 1982 em São Paulo, eu e o Fernando Herkenhoff eramos
delegados ao 7º Congresso e fomos presos juntos, o Paulo teria se recusado a denunciar as
prisões, temendo uma cassação. O Granja informou à direção que ele se afastou por causa
disso. Discordo, acho que foi mais por causa das divergências políticas, pois o grupo
eurocomunista de São Paulo deixou o partido após o 7º Congresso, realizado em 1983, na
clandestinidade. Pode ter havido um certo distanciamento por causadas das prisões, mas a
situação política logo evoluiu e a democratização avançou. O problema foi outro: a intenção
de fazer carreira política sem subordiná-la ao partido, característica do PH até hoje.
M - Qual foi exatamente o ano da sua vinda à Vitória para tratar dos assuntos citados
no seu depoimento?
LCA - Deve ter sido o ano de 1981, é fácil checar, foi na primeira eleição da UNE.
M - O Renato Soares teve alguma participação na sua vinda?
LCA - Nenhuma participação. A decisão de me mandar para Vitória discutir com o comitê
universitário foi tomada pelo Givaldo e pelo Giocondo Dias. Quando informei que o comitê
universitário havia decido apoiar a chapa adversária, recebi orientação, através do Régis
Fratte, de comunicar a dissolução do Comitê Universitário. Era uma decisão do Giocondo,
206
secretário-geral. Também recebi orientação para informar que o comitê estadual também
seria dissolvido, caso referendasse a posição. Houve um recurso do comitê estadual à
executiva nacional, que decidiu rever a posição do Giocondo. Foi aí que virei "jovem
imperador".
207
ENTREVISTA SEBASTIÃO BARBOSA
BARBOSA, Sebastião. Depoimento em 24 maio 2008
M - Para começar, como que foi a sua inserção no grupo, uma vez que você não fazia
parte no começo de 78?
SB - Na verdade eu não fiz faculdade com nenhum deles. Eu vim de Minas em 81, eu já
estava recém formado e me inseri aqui no grupo de comunicação. Isso em 81. Eu trabalhei
na mídia local aqui, A Gazeta, A Tribuna, correspondente da Folha de São Paulo até 89
quando eu então faço a campanha eleitoral do Rogério Medeiros, candidato a Governador,
pelo PT. Era três pessoas fazendo campanha, eu, Clovis Mendes como diretor de TV, e Iriny
com a orientação estratégica disso. Feito isso o Rogério, obviamente não foi eleito e na
seqüência eu fui convidado para ser assessor de impressa do prefeito Vitor Buaiz. Em 90,
eu com 30 anos de idade, houve um racha dentro do PT, quatro secretários municipais de
tendências divergentes na ala da prefeitura pediram demissão por discordar disso ou
daquilo e eu acabei então me tornando Secretário de Comunicação de Vitória. Quando foi
em 91, em meados de 91, quando começou a campanha para sucessão de Vitor Buaiz eu
era Secretário de Comunicação e fui convidado pelo Paulo Hartung pra fazer a campanha
dele.
M - Desde o início da campanha?
SB - Desde o início da campanha, mais ou menos em maio, junho. Waldir Klug era
Secretário de Serviços Urbanos da Prefeitura de Vitória, indicado pelo grupo de Hartung, me
fez o convite, teve um café da manhã na casa do Klug e nós começamos a trabalhar, porque
efetivamente o grupo do governador tinha uma carência de alguém na área de
comunicação. Do grupo que fez faculdade com ele não tinha ninguém da área de
comunicação. Ele tinha amigos, o Toninho Roseti e alguns outros amigos que atuavam na
mídia como jornalistas, mas que não podiam fazer esse papel. E aí ele me convidou e eu fui
fazer campanha exatamente com Toninho Roseti. Então eu entro no grupo aí. Sem qualquer
ligação com movimento estudantil. Desde o início eu tive um papel no grupo, junto ao
governador, como aquele que procurava ver o defeito, como eu sempre tive a noção muito
clara da repercussão da medida A, B, C, D na mídia eu contribuía muito exatamente com
isso, ou seja, na hora de tomarmos a decisão o reflexo é esse ou aquele. E quando
identificava reflexo muito ruim eu fazia o papel do chato na história. Amir Klink tem uma
história muito interessante ele diz que foi apresentar o barco dele que tem uma prática, toda
208
a tecnologia, tudo isso, tudo certo e teve um argentino que era da equipe que brigou muito
pra que tivesse como ultimo recurso um parafuso simples que tirava a borboleta do parafuso
encaixava o parafuso e aquilo me garantiria a segurança. Mas ninguém queria colocar e ele
foi incisivo e conseguiu e na Antártica ele precisou daquele parafuso. Então toda e qualquer
pessoa de destaque, seja na área política ou na área econômica, de uma maneira geral, ela
precisa de um grupo em torno dela, de assessoria onde esse quesito esteja presente porque
ninguém é infalível. Então você tem que procurar auxiliar ao máximo o seu assessorado e
às vezes tem que cumprir esse papel de chato e eu sempre acabei fazendo esse papel.
Então, discursos, frases, tudo isso eu era a pessoa que tomava a dianteira e nós
construímos uma relação de confiança foi exatamente em cima disso. E com isso eu fui
ganhando na verdade projeção dentro do grupo.
M - Que já era um grupo sólido a essa altura.
SB - Isso. E fui ganhando a confiança das pessoas, amizade das pessoas, mas sem perder
essa característica de que você tem que ser o argentino do grupo. Eu acho que eu sempre
fui isso aquele argentino do grupo.
M - E quem do grupo estava nesse momento?
SB - O grupo todo que está até hoje na verdade. O Bragato, O Sergio Aboudib, tinha o
Lauro ajudando, ele não ficou full time na campanha, mas ficava muito.
M - Qual momento que Sergio Aboudib entrou no grupo?
SB - Foi por conta do Lauro. Ele já estava no grupo, não era a ponta do grupo, ele só
passou a ser a ponta do grupo no governo, mas tava no grupo. O Fernandão que mais tarde
foi Secretário de tecnologia e depois saiu, o Anselmo.. Então o grupo era esse grupo que ta
até hoje na verdade. Na prefeitura, o que aconteceu... na prefeitura com a eleição aí entrou
um novo grupo, com gente nova, gente que não era do grupo dele, ta certo? Ana Maria
Marreco virou Secretária de Educação com idade muito superior a dele e porque tinha a
visão clara de que era importante agregar pessoas porque ele sempre teve essa visão e
continuou essa visão agora no governo. N pessoas não eram do governo.
M – Ele chamou outros atores..
SB - Ele foi agregando pessoas. Agora, de qualquer forma ele sempre manteve, e acho
natural que isso aconteça, o grupo mais próximo a ele ainda é o grupo que acompanha ele
de origem.
209
M - E o grupo participava efetivamente?
SB - Efetivamente, participavam efetivamente. Desse grupo mais próximo, efetivamente,
claro.
M – Explique a sua função. Você também cuidava da televisão, das peças de
comunicação, ou acompanhava...
SB - Inicialmente na verdade havia total inexperiência em campanha política. Foi a primeira
campanha majoritária deles eu tinha feito anteriormente campanhas proporcionais, então
muito diferente. E há uma total inexperiência de uma campanha majoritária. Houve ainda um
fator ruim que ele começou muito bem nas pesquisas e isso gerou uma certa acomodação
mesmo, acho que até um clima de “Já ganhou”. Todo mundo nega, mas no fundo, no fundo
acho que gerou sim isso. E a inexperiência com aquele índice muito favorável gerou uma
acomodação e nos levou a uma situação muito ruim, quando começou a campanha nosso
programa de televisão era muito ruim, muito inexperiente, e o adversário fez uma estratégia
de comunicação muito boa, contratou uma estrutura na área de marketing político e nós
não.
M - Você lembra qual era a estrutura do Luiz Buaiz?
SB - Não, não me lembro. E... Eu acho que foi a Bete, não tenho certeza. E aí nós
começamos a cair nas pesquisas de uma forma vertiginosa. Aí nós pegamos, eu e Toninho
Rosetti, vamos supor, sei lá há 10 dias assumimos o programa de televisão, mas nem eu e
Toninho Rosetti tínhamos qualquer experiência de marketing político no tocante ao que é
importante fazer em um programa de televisão. Você ter uma visão política, participar de
núcleo político é diferente. Aí nós contratamos um profissional de Belo Horizonte chamado
Chico Bastos que veio com a mínima equipe, trazia um redator de nome Sérgio e mais duas
pessoas com muita experiência e refizeram todo o programa de televisão, nós conseguimos
com isso tirar o Paulo Hartung, que queria participar de tudo, ver as peças, não mais
participava disso, foi proibido e a função dele era andar 24 horas por dia em Vitória. E ele
cumpriu esse acordo, ele abandonou, eu e Toninho Rosetti começamos a fazer a orientação
política do programa e não mais visual e ele foi pra rua andar. E o nosso pessoal dizendo
que ele ia ganhar aquela campanha na sola do sapato mais até do que a televisão e foi.
M - O grupo tinha uma certa dificuldade de ascensão nas elites daqui, já que Luiz
Buaiz era um médico conhecido, de uma família tradicional?
SB - Não, tinha mais dificuldade de entrar no C,D, E porque ele era meio movimento
estudantil universitário, ele sempre teve muita inserção na mídia. Então pra aquele formador
de opinião, que é leitor de jornal, nós tínhamos muita facilidade. Nossa dificuldade era
210
C,D,E. A televisão, acho que nos deu isso. Então a barreira maior era C,D,E não era o
formador de opinião não. E acho que o problema de Hartung foi isso. O ponto alto da
televisão foi a estratégia adotada pelo Chico Bastos de quando da votação do impeachment
do Collor ele participou e fez uma fala curta lá “em nome dos capixabas meu voto é pela
mobilização...” alguma coisa assim, bem próximo assim e “voto pela ética” e aquilo nós
então botamos no programa de televisão e aquilo fez um diferencial muito grande com Luiz
Buaiz já que aquela questão era crucial pro país no momento. E acho que aquele foi um
ponto assim, de realmente alavancagem. Saímos da situação de risco pra uma situação de
ganho de percentuais pra chegar na eleição com uma chance de votos significativa muito
maior do que demonstrou a dificuldade do pleito nos 90 dias da campanha.
M - Que por sinal estavam quase empatados.
SB - Quase empatados. Dava um ponto de Buaiz na frente e chegamos a eleição com uma
diferença grande, comparando a essa dificuldade de tudo. Então eu acho que na verdade
aquele pleito também ensinou ao governador a necessidade de profissionalizar tudo, tanto a
sua administração como também essa área de comunicação, quer seja pra atuar durante o
período administrativo, quer seja pras campanhas seguintes. Então sob o ponto de vista de
profissionalização foi completamente diferente da sua primeira experiência.
M – O Vitor apoiou Coser, ou ele não assumiu a campanha?
SB - Não, ele não assumiu Coser e ficou neutro. Como na verdade o Vitor e o Paulo tinham
uma intercessão de eleitorado muito grande, digamos que uns 80 ou 90% do eleitorado do
Vitor votava no Paulo e vice versa, porque eles tinham uma história muito parecida...
Faculdade, ética, luta contra a ditadura e até sindicalmente ... então quando Vitor se
posiciona pela neutralidade foi um recado claro para esse eleitor que foi pro Paulo e mais do
que isso, a época também, quando chegou mesmo no funil da eleição nós fizemos um voto
útil descarado, uma campanha de voto útil intensa, ou seja “olha, você tem uma simpatia
pelo PT mas o seu voto pode decidir a eleição do candidato da direita” e ficou desse jeito,
um candidato da direita Luiz Buaiz, contra dois candidatos da esquerda, Paulo e Coser. E
houve uma grande inversão de votos na reta final pelo receio da vitória da direita. Então de
certa forma até o Coser também contribuiu porque não houve uma reação dele contra esse
voto útil, até porque acho que não adiantaria reação também. Porque não adiantaria?
Porque o eleitor percebeu que ele tava ante um plebiscito, só existiam duas candidaturas
viáveis, Luiz Buaiz e Paulo Hartung. Era escolher ou um ou outro então, esse eleitor mais da
esquerda, que o PT sempre teve ali seu percentual, ele acabou migrando pelo receio, então
isso ajudou muito na campanha que novamente o Vitor ajudou, porque ele também não se
posicionou, então a neutralidade foi muito boa.
211
M - E porque não se posicionou?
SB - Na verdade o Vitor e o Coser eram de tendências completamente distintas no PT eram
de grupos antagônicos e eu acho que foi isso a motivação do Vitor.
M - Tem uma outra situação também, dentro do próprio PDT. Parece que Albuíno
havia convidado Paulo Hartung para entrar no PDT. Ele chegou próximo de aceitar e
no final não aceitou. Pelo o que eu acompanhei nos jornais da época, Albuíno teria
ficado aborrecido. Adelson Salvador que também era do PDT, falava em nome do
governo e apoiava essa campanha. Por quê?
SB - Tem uma história... Paulo Hartung havia sido convidado para prefeitura anteriormente
pelo Max Mauro lá atrás, ele não aceitou porque achou que era novo, o Albuíno tentou que
ele fosse candidato contra o Vitor, na época que Vitor foi eleito, ele também não quis. O
Albuíno e o Adelson já eram adversários, já tinham brigado no governo e o governador não
tinha nenhuma ligação com Albuíno. O Adelson sempre teve à época, pelo menos na época,
tinha um discurso de esquerda que se alinhava mais a esquerda... então, a motivação do
Adelson foi exatamente esse alinhamento dele mais a esquerda, acho que foi isso. Ele e
Albuíno já estavam rachados no momento.
M - Então quando falava em nome do governo, na verdade falava em nome dele?
SB - Em nome dele, sem dúvida. Pelas condições políticas dele.
M - O que reverteu a tendência então foi a mudança do grupo de comunicação e a
mobilização das ruas..
SB - Sim a decisão, a percepção de queda do índice, a decisão de profissionalizar essa
área de comunicação com pessoas que possuem experiência e ele deixar de querer fazer
tudo na campanha, controlar tudo, que todo candidato tem essa tendência e aceitar a
orientação da assessoria de que ele tinha que estar era na rua. Então ele andou a cidade
realmente 24 horas por dia.
M- E voltou às origens do movimento estudantil, como se elegeu em 82.
SB - E que é o que ele gosta de fazer até hoje.
M - Depois de feita a campanha para a administração municipal, você assumiu então
como secretário de comunicação?
SB - Ele foi eleito, eu volto como Secretario de Comunicação e fico os 4 anos, mas aí
nesses quatro anos eu já participando desse núcleo mais próximo dele, na mesma função
212
de ajudar sempre o grupo a avaliar as decisões sobre impacto de mídia, porque isso é igual
a imagem, como qualquer decisão sua gera uma imagem você tem que saber qual imagem
você quer gerar, então você tem que ponderar muito as decisões. Então de certa forma, eu
continuo aí fazendo o papel do argentino na prefeitura, aquele que procurava identificar ao
máximo os riscos e brigar por eles.
M - Você também teve como passado alguma participação política partidária?
SB - Não, não tive porque na verdade eu sou um pouco mais novo, não é isso? Eu tenho aí
uma diferença do grupo, grosso modo, uns cinco anos a menos, eu sou cinco anos mais
novo, com isso eu perco. Quando eu vou pra faculdade já não havia mais efetivamente
ditadura, nós já estávamos na abertura então, foi diferente e o meu processo pessoal
também foi diferente então, eu não tive essa inserção.
M - Você sentia no grupo essa influência do partidão, de discutir tudo, de buscar o
consenso, de não querer embate?
SB - Muito, o tempo todo essa foi uma marca que o grupo trouxe da sua militância no
partidão. Essa busca de consenso. Porque que até hoje o Paulo Hartung tem um grupo
grande, onde secretariado opina, porque efetivamente houve uma escola que ensinou o
seguinte, convergência é fundamental. Na convergência você constrói melhores soluções,
você constrói melhores decisões, então o grupo não tem preguiça nenhuma de estender
discussão, de analisar... Isso é uma coisa que acho que fez muito bem ao Estado porque a
convergência que se construiu foi fundamental para o erguimento do Espírito Santo. Não
são só medidas de combate a corrupção que você pode atribuir a esse surgimento do
Espírito Santo, eu acho que é sobretudo, uma política de construção, uma política de união
mesmo, ou seja, nós precisamos unir porque só assim nós vencemos os desafios.
M - Porque Paulo? Porque ele se estabeleceu como a liderança desse grupo?
SB - Olha eu não tenho esse histórico pra te falar a verdade, porque eu acho que essa
resposta vem mais da época da faculdade. Nas conversas que eu tenho sempre me relatam
que na época as pessoas apostavam inclusive mais no Laurinho. Só que o Laurinho fez uma
opção diferenciada, ele fez medicina e achou que o melhor era tocar a vida profissional dele,
e aí o Paulo naturalmente ocupou esse espaço, mas essa é uma resposta que eu acho que
os outros dão melhor mesmo. Essa é a versão que eu tenho.
213
ENTREVISTA COM FRANCISCO BASTOS
BASTOS, Francisco. Belo Horizonte - Depoimento em 7 de junho de 2008 por correio
eletrônico
M - Qual era a equipe responsável pela campanha de Luiz Buaiz?
FB - Francamente, eu não me recordo. Como você verá a seguir, na minha participação na
campanha de Paulo Hartung, em 1992, preferi concentrar o trabalho em mostrar na TV as
qualidades do meu candidato, certamente o mais preparado, naquela disputa e explorar as
boas oportunidades.
M - Em qual situação você encontrou a campanha de Paulo Hartung quando assumiu?
FB - Paulo Hartung, da coligação encabeçada pelo PSDB, era o líder no início da campanha
de 92, para a Prefeitura, mas foi ultrapassado, nas intenções de voto, por Luiz Buaiz,
candidato do PFL. O candidato do PT, João Coser, manteve-se em terceiro.
O marketing dos tucanos entrou em crise e a agência encarregada do trabalho foi
dispensada. Fui convidado por Paulo Hartung, assumi a campanha de TV e Rádio. Quando
veiculei a primeira peça criada pela Ação & Promoção, já haviam ido ao ar 27 dos 45
programas eleitorais previstos na legislação da época.
M - Você tem dados de pesquisas antes e depois de assumir a campanha?
FB - A falta de recursos para pesquisas foi um dos complicadores naquele momento. Não
havia tempo nem dinheiro para levantamentos mais específicos. A única pesquisa disponível
havia sido feita pela Vox Populi antes da campanha começar. Analisada cuidadosamente,
revelou-se muito útil, pois mostrou um dado decisivo, despercebido até então.
M - Como o grupo chegou a seu nome?
FB - Em 1988 fui responsável pelo lançamento nacional do PSDB, o partido dos tucanos,
cujo símbolo e identidade visual foram criados por mim, na minha agência recém-fundada,
Ação & Promoção. Naquele ano, fiz a campanha que elegeu o primeiro prefeito tucano do
Brasil, Pimenta da Veiga, em Belo Horizonte. A proximidade partidária e uma amiga comum,
Sylvia Lis Cardoso, capixaba, fizeram com que, na crise da campanha, Paulo Hartung me
convidasse.
M - Qual foi a estratégia desenvolvida para a virada nas eleições ?
FB - Como não havia tempo para promover mudanças radicais, trabalhamos com os
mesmos elementos criados pela agência que me antecedeu: o jingle, a foto do candidato, o
214
slogan de campanha, a vinheta de TV. Mas introduzi novidades que potencializaram a
comunicação: veiculei na TV a letra do jingle, que quase ninguém entendia, e o povo passou
a cantá-lo nos comícios e caminhadas. Introduzi um apresentador que serviu de mediador
entre os ataques e as respostas e novos quadros no programa de TV, com reportagens e
chamadas quentes para os comícios, o que foi uma novidade na Vitória de então. Desta
forma, a TV encheu os comícios, propiciando boas imagens para os programas eleitorais,
realimentando o processo. Mas o ponto fundamental para a virada veio da pesquisa Vox.
O eleitorado simpático ao prefeito Vitor Buaiz, então a mais forte liderança de Vitória, dividia-
se entre o que parecia ser o candidato “in pectore” de Vítor, Paulo Hartung, e seu ex-
secretário municipal, e o candidato nascido das bases petistas, Coser, que recebia um
“apoio” oficial pouco entusiasmado. À falta de uma manifestação clara de Vítor, a divisão
deste eleitorado entre PH e Coser, abrira caminho para que Luiz Buaiz, com o chamativo
currículo de amigo dos pobres, e, demonstrando no vídeo uma surpreendente vitalidade
apesar a idade avançada, passasse à frente da disputa.
Dois fatos, que identifiquei, revelaram-se decisivos para a estratégia: Paulo Hartung era o
único candidato com mandato federal e, durante a campanha, grassava a crise que resultou
no impeachment de Collor, pelo Congresso. O auge da crise “coincidia” com o ultimo dia do
programa eleitoral na TV e no Rádio.
A pesquisa Vox Populi demonstrava que, equivocadamente, quase todos previam que a
eleição de Vitória se definiria no segundo turno. O detalhe (que passara em brancas nuvens)
era importantíssimo: Vitória, em 1992, não tinha o colégio eleitoral mínimo (200 mil votos)
para ter 2 turnos. A campanha teria, fatalmente, o seu desfecho em 3 de outubro.
A estratégia vitoriosa decorreu, basicamente, destes dois pontos: estimular o voto útil dos
petistas em Paulo Hartung para impedir a Vitória do candidato do PFL e tornar o deputado
federal Paulo Hartung o porta-voz do voto de protesto dos eleitores de Vitória contra Collor.
Programas específicos foram veiculados com estes objetivos e incluíram o voto de PH, no
plenário da Câmara Federal, pelo impeachment, em nome dos habitantes de Vitória e do
Espírito Santo.
M - Quais membros do grupo participaram da campanha?
FB - A Ação & Promoção enviou uma equipe própria que permaneceu em Vitória até o final
da campanha. O monitoramento da comunicação dos adversários era feito por mim,
diariamente, assim como a evolução dos programas. Como coordenador, eu me reportei
diretamente ao candidato. Mas havia também contatos permanentes com o setor de
comunicação, no caso, Tião Barbosa e outras pessoas, cujos nomes não lembro no
momento.
215
M - Como definiria o candidato Paulo Hartung?
FB - Um líder eleitoralmente forte, prejudicado, até a nossa entrada na campanha, por uma
estratégia sem foco. Não tivemos muita margem para mudanças, mas a correção de erros
óbvios e uma adequada avaliação da situação eleitoral foram decisivos para chegar à
vitória. A trajetória política de Paulo Hartung habilita-o, sem nenhuma dúvida, para vôos
cada vez maiores.
216
BRAGATO, Neivaldo.
Vitória. Entrevista em 8 de maio de 2007
M - Como foi o seu inicio no grupo?
NB – Bragato não era daqui, Bragato era de Colatina. Eu comecei na engenharia, fiquei seis
meses, fui pros Estados Unidos, voltei, fiz vestibular pra economia no final do ano, aí foi
quando eu entrei junto com eles. Portanto fiz meu segundo vestibular pra economia aí eu,
Paulo, Marli, tinha uma turma, Marli, Edson, esse menino que saiu daqui, filho de uma amiga
minha, Penha Cunha. Tem também os filhos dos nossos amigos agora. Outro dia veio um
aqui assim... Fiquei emocionado: o menino era a cara do pai e da mãe....Daí nós entramos
em 76 nas escola, primeiro ano. Em 77 nós entramos no DA de economia. Com a chapa
Gota D’Agua. Fui presidente desta chapa. Paulo estava mais “quieto”. Estava junto, mas
não entrou na chapa. Ficou lá no movimento esportivo. Neste ano de 1977, acho que por
influência do pai dele que já tinha participado de movimentos nacionais. Pelo Luiz Paulo....
Ele acabou se enfronhando no partidão... Luiz Paulo estava no Rio, mas aí Paulo (Hartung)
tinha conhecimento de A, B, C... só sei que em 78 Paulo que já era da Gota D’Agua parte
para a chapa do DCE. Nesta época já havia outras coisas rolando: O partidão, liberdades
democráticas, melhor educação..Era um grande tema de discussão: educador,
anistia....estava tudo junto. A palavra do partidão era: liberdades democráticas.. Já tinha
outros grupos com outras bandeiras mais fortes ainda. Muito embora ele não estivesse na
chapa da diretoria do DA o Paulo investiu muito neste movimento paralelo de liberdade
democrática e anistia. A ascensão dele para a chapa do DCE foi automática. Não tinha dois
nomes para optar. Ele aceitou a discussão. Eu entrei na tesouraria. Montamos uma chapa.
Tinha a Rosa (Rosa Helena Stein) a Marta Bahião, tinha uma chapa grande o DCE de 78.
Foi uma unanimidade. Aquelas eleições “pés nas costas” tranqüilíssima, Já a seguinte, não.
Ele ficou andando o Brasil inteiro, era visível como ele se afastou muito daqui. Ficou indo
para os movimentos nacionais da UNE.... Quando nos fomos ver, perdemos a eleição para o
DCE. Aliás, aquela ali foi a nossa derrota marcante. A derrota é uma boa história. A vitória é
alegre e festiva, mas a derrota que ensina. Outra derrota foi a convenção (do PSDB e,
1996). Uma derrota, uma como menino, outra como menino mais crescido. Você aprende
nestas “porradas”, não aprende ganhando. Daí vai e analisa porque você perdeu. Na
segunda eleição do DCE ele se afastou, achou que estava tudo mais ou menos
resolvido...apareceu um candidato “mais ou menos”, mas depois nós voltamos a ganhar.
Shaolin ganhou contra nós. O Pignaton perdeu.
Nós saímos todos da faculdade, o grupo inteiro em 79. Fizemos muito movimento mais não
ficamos reprovados. Nós não éramos alunos profissionais. Existia uma categoria de gente,
217
isso foi ficando mais claro, que ficou na faculdade, ficava reprovado, para ficar no
movimento. Tem gente que ficou lá nove anos, nós fizemos tudo certo.
M - Vocês estavam no PMDB ainda na faculdade, ou vocês saíram da faculdade e
entraram no PMDB?
NB - Não sei te dizer, eu sei te dizer que em 82 nós fomos candidatos, mas aí tem um
tempo. Em 82 nós fomos candidatos, lá na frente. Lembra do Berredo? Berredo estava lá...
Lembro que teve o episódio que viajaram e bloquearam os ônibus. Fomos viajar, nós
éramos alunos ainda e fomos bloqueados. O Berredo foi nos avisar. Em algum momento
nós nos filiamos. O PCB era algo do submundo. Quem era do PCB era do MDB.
Consideravam nas duas freqüências. Até que houve um momento que rachou. Ficou ruim
demais.
M - Teve um desencanto com o PCB?
NB - Certamente, ninguém é cego, muito mais do que 69. Era visível. Qualquer um com
raciocino lógico não iria suportar um regime deste tipo. Só Azedo que tinha este tipo de
formação. Todos os outros, mais ou menos, caíram fora. Não aceitavam. Nós éramos dentro
do partidão a ala mais liberal possível. Mas que se revoltava, que não concordava com esse
ditame de partidão nacional. Ordem unida, vamos intervir...essas coisas de Azedo:
intervenção. Se quiser expulsar, expulsa...
M – Aconteceu também a intervenção do Jairo Régis?
NB - Isso foi depois. A intervenção significava Azedo. Eu nunca fui de intervenção de nada.
Era ali militante, trabalhava. Alguém ainda ficou: o Fernando...mas a maior parte se mandou:
Laurinho, Lelo, Stan, César também, Rosa, não sei se Arimathea. Tinha uma turma boa:
“Tampinha”, Adão Célia. Tinha uma turma da medicina, tinha uma turma da economia, que
eram os dois blocos principais. Tinha o serviço social, um pouco da engenharia, tinha a
turma do CCJE, e a turma da medicina com Merli e Claudino.
M – No PMDB havia o núcleo da mobilização popular com interface com as
comunidades. Esse movimento trouxe bastante votos pra vocês?
NB - Paulo falou sobre isso numa conversa informal, na verdade conversamos sobre isso
estes dias: Foi juntando gente para dar uma face melhor ao MDB. Foi juntando estudante,
líder comunitário para fazer essa mobilização popular que era uma coisa mais ousada no
PMDB. Foi juntando pessoas que vieram da faculdade que montou um grupo mais forte. Daí
a vontade de - vontade não - determinação: “vamos ser candidato”, “vamos entrar na vida
218
partidária”, “vamos entrar a primeira vez pelo voto”. Já tínhamos saído da faculdade. Paulo
queria ser vereador. A idéia inicial era Paulo ir para vereador em Vitória.
M - E o Fernando Herkenhoff seria o Deputado?
NB – O Luiz Moulin veio de Guaçuí e falou o seguinte: “Não Paulo! Lá no sul você tem X
votos, você passou por lá. Você vai para Estadual”. Ainda botamos o Stan como vereador e
Felício para vereador em Vila Velha. “Estourou a boca do balão”. Isso só foi se repetir agora.
Mais de cinco mil votos. Foi estupenda! Não tinha avaliação, não tinha pesquisa, foi tudo no
feeling. Achar que tinha espaço para poder avançar e podia mesmo. Então Paulo foi para
estadual e Felício para vereador.
M – Vamos falar de Gerson Camata. O Camata apostou no potencial de vocês ou
aconteceu o contrário?
NB - Eu nunca tinha visto Gerson Camata. Gerson Camata é meu parente longe, assim de
terceiro grau. Paulo Hartung que tinha conversado com ele durante a eleição. Berredo
ajudou. Como foi uma conversa Berredo/Camata/Paulo eu não sei te dizer... Mas é possível
que tenha sido, sim, porque a relação era boa. Qual foi a relação com Camata? Você vai ter
que marcar uma conversa e perguntar. Paulo falou mais com Camata depois da eleição.
Foram trabalhar juntos no interior. Essa história da eleição em si, eu não tenho registro disso
não.
M – O Gerson Camata ainda era da ARENA e o PCB viu no Camata o candidato ideal
para o Governo.
NB - Camata era a renovação. Camata era o novo. Era o possível. A gente trabalhava muito
com a idéia do possível. Pegar o que possível. Não adianta querer demais e não ficar com
nada. Camata era um cara popular, era querido... E nós caímos em campo mesmo pra
poder ajudar. Acho que ouve uma sinergia. Ele que era popular. Nós com uma boa
movimentação. Juntamos tudo e mandamos bala. Eu me lembro dessa eleição. A oposição
contra a ditadura. Foi para comemorar! É muito tempo você esperando um dia para votar
para governador pela primeira vez. Hoje tem emoção, mas não é como ficar trinta anos sem
poder eleger. Só quem ficou tanto tempo sem votar é que sabe.
M - Vocês estiveram envolvidos com as Diretas?
NB - Aí você vai pegar Arimathea, formandos e formados. Faixa na rua e “vamos nessa”...
Teotônio Vilela.. Fizemos comício... Nós estávamos até o pescoço envolvido nisso... A
nossa passagem pós-faculdade foi envolvida com isso aí...PMDB...Diretas Já. Agora com a
anistia não é isso mais... era muito forte... Agora especificamente, quando você pergunta o
219
que você ajudou a fazer? Quantas faixas? Tinha um monte de faixa lá. Aí juntava com o
DCE... o DCE continuava lá, continuava junto. Ainda teve mais duas eleições
M - Você se filiou no PSDB? Como foi esse começo?
NB - Eu um dos fundadores. Quando o PMDB rachou com o PSDB lá, nós começamos o
PSDB aqui com o Rose (de Freitas)... Eu sei que se “futucar” lá, eu fui um dos primeiros,
deu até confusão de fichas... Nós caímos fora, era visível a distância, o PMDB estava
grande demais. Tinha o Orestes Quércia e denuncia....E o PSDB ficou com Fernando
Henrique, com Mário Covas.. Aí já era o supra-sumo do bom. Aí rachou e saiu uma turma
boa. A maior parte foi embora para PSDB... O Stan foi, eu fui, o Lelo não lembro. Eu sei que
foi uma turma boa.
M – Houve um racha no PMDB?
NB - Nem rachou, saiu... Rachou em São Paulo por causa de Quércia versus Covas, aí veio
passando uma onda e foi levando. Você fala em racha parece que brigou, nem brigou, não.
Pegou uma turma e foram saindo fora, foram todos para outro partido. Racha teve em São
Paulo. Não teve briga pra quem foi não... Uns ficaram no PMDB e outros foram para o
PSDB.
M - Então vocês todos foram e você foi um dos primeiros que ajudou a fundar o
PSBD?
NB - Eu lembro que foi feita uma lista na Assembléia perguntando que ia ficar e quem ia sair
fora: e faz a lista...e se filia aqui, se filia no Regional..
M - Quem pode me ajudar a contar bem isso?
NB - Lelo pode te ajudar, porque sabe muito. Luiz Paulo..... não, ele não estava aqui.
Quando Albuíno estava no governo é que Luiz Paulo veio, mas foi mais na frente.
M - Você pode contar a articulação para prefeito em 1992? Parece que já haviam
convidado o Paulo Hartung para prefeito.
NB - Paulo já tinha sido chamado para ser prefeito em uma eleição anterior, em 1986. Mas
viu o tamanho dele exato e preferiu não ir. Preferiu ficar quietinho na Assembléia mesmo. A
eleição foi Hermes e Vitor Buaiz. Primeiro pegamos Hermes contra Rose (de Freitas).
Hermes Ganhou. Eu ajudei a entregar pão para ajudar a eleger Hermes Laranja. Eu lembro
disso até hoje. Eu estava na logística da manutenção de boca de urna. Depois ajudamos
Vitor Buaiz. Na época chamaram Paulo. Paulo disse: negativo. Ainda não é a minha vez.
Ajudamos Vitor a ganhar a eleição pra prefeitura.
220
M – Como era a relação com o PT ?
NB - Nós ficamos a ver navios com o Berredo (na Prefeitura). Depois do Berredo, veio
Hermes (Laranja), depois veio Vitor. Aí já tínhamos espaço, tínhamos nome, não era novo.
Era a vez. Barbudo e tudo! Entramos bem na eleição. Saímos bem na frente com meia
eleição e quase empatamos. Ai ficamos com vergonha, fomos trabalhar e ganhamos a
eleição bem. Mas em algum momento da campanha quase perdemos a eleição... Uma
campanha muito mal estruturada, mal feita. Tivemos um gás que foi a votação do
impeachment do Collor, isso deu um gás na campanha final.
M – Porque quase perderam?
NB Junta aí... Isso era 92. No meio de eleição teve o impeachment de Collor. Teve uma
turma do Espírito Santo, Paulo Hartung foi lá e votou. Registrou que votou em nome do
Espírito Santo. Colocamos esta imagem na televisão. Era uma imagem fortíssima para a
campanha. Chegou momento que estávamos muito na frente de Luiz Buaiz. Mas ele foi
comendo pelas beiradas. Ele era mais tradicional, mais conhecido. Nós éramos garotos
novos. Sem tradição, sem família. Quanto mais o tempo passava, mais ele ia mordendo a
gente. Esse negócio da votação de Collor deu uma mexida na gente. Teve um pessoal que
veio de fora para ajudar na campanha. Chico Bastos veio de Belo Horizonte assumir a
campanha. Deu um novo rumo na campanha de televisão. Não tínhamos a menor noção de
como era. Primeira campanha de televisão. No PMDB não tinha. Tinha debate. Muito
diferente de uma campanha a Federal, a Estadual que coloca uma mensagenzinha de vez
em quando... tem que somar tudo. Executivo não é desse jeito né, você tem que somar
tudo... Povão, é popular.
M - Foi a primeira campanha profissional de vocês?
NB - Sim, de ter organização de ter agência... sim, positivo.
M - Qual é o seu papel na trajetória da sua geração política?
NB - Eu nasci em São Silvano. Córrego do Ouro. Depois de São Silvano, vem Colatina,
depois... Fui o primeiro filho a ir para a faculdade. Meu pai era motorista de caminhão. Minha
mãe criou nove filhos. Vim pra cá e fiz vestibular pra engenharia, que era difícil, passei em 23º
lugar para engenharia. Sem cursinho, sem nada... Fiz escola pública, mas três anos de
Maristas. Eu gostava de estudar muito, lia muito... Tinha pouco, mas o que tinha eu lia. Li tudo
que podia. Porque não tinha, na minha casa não tinha biblioteca, não tinha livro sobrando...
era duro... Uma coisa que mudou muito minha vida foi que ganhei uma bolsa. Ganhei uma
bolsa e fui para os Estados Unidos, com 330 dólares. Tive que fazer seleção, a AFS tem
221
um programa que leva pessoas carentes e pessoas que não tem como, aí você faz um misto,
uns ajudam os outros, aí tem doação, E eu fui para os Estados Unidos na metade do curso,
meio ano de engenharia, fui em agosto de 74. Voltei daí um ano. Isso, mesmo que você fale
assim, que é atrasado... é outro mundo. Foi um salto grande na minha cabeça. Quando eu
voltei vi que não ia fazer alguma coisa social, assim diferente.... Já tinha aberto a cabeça para
este mundo. Só de viajar e ver... Tinha 18 anos e passei a fazer economia. Foi quando
encontrei com o grupo já tinha sido mordido pela mosca da mudança, de fazer algo diferente.
Ver o país do outro funcionando, tendo eleição e porque você não. Você vê na prática:
“porque eles podem e eu não posso?” Você vai à busca da democracia, da liberdade. Era até
incoerência buscar liberdade no centralismo, tanto que depois caiu tudo.
Em 76 fiz concurso do Banco do Brasil. Fiquei uns quatro meses em São Mateus. Fui eu e
Brice. “Não vou ficar aqui para morrer.” Porque Banco do Brasil no interior, você trabalha o
dia inteiro e bebe. Trabalha, come e casa. Meu pai e minha mãe falaram: “Meu filho ta
doido. Primeiro larga engenharia, depois larga o Banco do Brasil. Ta doido, larga tudo”.
Nesta busca de espaço de fazer um mundo melhor. Nessa época de São Mateus eu já
vendia o POSIÇÃO, o jornal Posição. Cheguei a escrever, a vender. O jornal não era ilegal.
Era um jornal de oposição, de critica em um mundo possível de fazer. Eu já tinha sido
inoculado pelo bichinho da oposição da crítica.
Você chagava na faculdade, tinha um movimento. Você, não tinha nada de comunista...
Juntar com esse negócio do PCB foi na faculdade... Tinha esse negocio do PCB. Dizer que
eu era o mais ferrenho? Fazia parte do grupo,mas isso eu nunca fui, mas gastei muita
madrugada fazendo boletim. Eu comprei, eu rodei... Madrugadas a fio... Conseguir melhor
aula, conseguir liberdade democrática, um espaço democrático, conseguir falar, conseguir
questionar... Acho que abri um espaço, construí. Chama-se democracia o nome deste
negócio. Você viver sob regime militar não era um bom negócio. Não poder votar...
A gente pegou mais no final, a gente não pegou tanta repressão, de matar... Nós pegamos
menos. Nós pegamos o papel de refazer. Em 69, ainda se matou, se prendeu... Nós chegamos
um pouquinho depois. Já pegamos o regime em outra situação. Prendia gente, soltava, pegava
um ônibus, prendia, soltava. E você lia, tinha revista, vai criticando, vai pegando... Tinha jornal A,
tinha jornal B.... O Movimento, do Raimundo... era Nacional. Tinha o Pasquim. Todo mundo
nesta linha de mudar. Conseguir um objetivo, quer dizer, você vai chegar num certo ponto...
Qual é o ponto? Restabelecer no país um mínimo de liberdade e voltar para a democracia de
poder escolher pelo menos um dirigente. À partir dali você refaz . Discute se, forma com A, se
forma com B, se é parcial, se é total, se é de um jeito, se é do outro jeito. Se tem partido, se tem
dinheiro para partido, isso você já está dentro do regime democrático. Aí o sistema tomou outro
rumo. Daí eu acho que aconteceu uma coisa no movimento estudantil, que ele degringolou. Não
foi só aqui. Perdeu a estribeira, perdeu a bandeira. Perdeu o rumo e virou profissionalismo puro.
222
Virou rabeira de PC do B, de MR8. Aí o profissionalismo virou total. E até hoje não sei se
encontrou. No meu ponto de vista ainda não se encontrou, tanto que depois da gente, sem
querer encher bola de A ou de B, o que a faculdade construiu de líder depois que a gente saiu?
Quem se elegeu para alguma coisa?
A faculdade que era um local de formação, de questionamento, não conseguiu gerar nada.
Isso gera um buraco de liderança. Hoje você olha assim, quem está aí? Eu já fiz cinqüenta
anos, os outros já fizeram. Nós não vamos ficar nesse negócio sempre. Uns já querem
passar o bastão para os outros. Quem vai quere pegar. É um negócio meio maluco. Quem é
o novo que surgiu depois. Tem o Rodrigo Chamoun, o Max da Mata, são meninos novos. A
escola não produziu mais. O movimento ficou sem rumo. A gente conseguiu. A gente
pensava em fazer política. Política para transformar. Se a regra é essa. Ia fazer guerrilha? A
guerrilha perdeu. Entrou na guerra? Perdeu. Muito embora, nós somos um dos únicos
países do mundo onde quem perdeu está ganhando. Registra isso que é importante: Isso é
um vexame. Isso é um assalto. Um assalto aos cofres da nação para quem paga imposto.
Inclusive com exemplos vergonhosos. Acho vergonhoso pegar dinheiro da anistia e colocar
no bolso. Não estou aqui defendendo tortura de ninguém. Mas se você vai ao Chile,
trezentos reais, quatrocentos reais... Aqui no Brasil “nego” deu o golpe... Montou um
sistema, não foi no governo atual, foi o governo passado... Montou uma comissão de anistia
e um monte de gente está pegando pensões milionárias. Tem gente que está com mais de
R$ 20 mil por mês, porque projetou que se ele continuasse, ia ser diretor de não sei o que e
ia ganhar mais de R$ 20 mil por mês, então estão se recompensando com dinheiro público.
Você perdeu? Você perdeu... Você entrou numa guerra e você perdeu.?..Agora não tem
porque você querer que o Estado, que a Nação, que você que paga imposto hoje, pague
salários polpudos para A e B porque o regime excluiu.
M - E como você vê a sua geração?
NB - Um somatório disso... São pessoas que vieram de mundos diferentes. Algumas tinham
pais que eram de esquerda. Outras tinham vínculos diversos. E foram se juntando em um
grupo de pessoas que estão aí. Tem uma turma que está até hoje com essa mesma idéia.
Tem uns desvios de percurso. Tem uns aí que caíram do caminhão, mas em sua maioria
está todo mundo no mesmo intuito. Acho que o discurso que o Paulo faz hoje, não é nem
mais nem menos do que ele fazia quando era estudante. Ele é o representante do grupo, o
porta-voz. Embora muitos não concordem mais com ele. Alguns saíram. No fundo todos
querem o melhor para todos. Querem construir um país melhor, um Estado melhor. E como
se faz isso? Com muito discernimento, com muito empenho, com muito trabalho. E não é
fácil. Este país aqui é muito difícil. A turma de cima não quer e não vai dar mole com a turma
de baixo. E não estou falando só dos corruptos não, dos estabelecidos.
223
CAMATA, Gerson
Vitória, entrevista em 2 de agosto de 2007
M – Como o senhor conheceu o grupo do movimento estudantil?
GC - Na época em que fui deputado federal eu conheci Paulo Hartung, eu tinha estado com
ele no Diretório Acadêmico, porque ele atuava muito no Diretório Acadêmico, tinha tido até
uma greve. Tinha ido lá o Manuelito Euclério, não, era aquele menino “altão”, o Rômulo
Penina. Depois tive um outro contato, porque eu fui comprar uma bi-cama e a loja era do pai
do Paulo Hartung. Quando eu vi o nome assim, eu falei: Você é parente do Paulo.? Ele
disse: “Não, eu sou o pai dele”. Então, quer dizer, aí eu conheci mais o pai dele, eu comprei
daquela forma, pra pagar em cinco vezes.
Então, quando eu fui candidato ao governo eu precisava de um grupo para organizar meu
governo, aí peguei o Caliman, que é até parente meu, e o Caliman falou: “Chefe, vamos
procurar o Berredo, porque o Berredo é professor da Universidade, ele tem um bom
entendimento lá dentro”. E aí Berredo veio com um grupo e entre estes estava o Paulo, um
barbudinho, cabeludo. E aí eles começaram a montar o meu projeto de governo. O Paulo
acabou pegando o governo também muito mal, não é? A recuperação das finanças do
estado, contenção de gastos, boa aplicação dos recursos públicos, principalmente no
interior, porque o interior estava morrendo. Já tinham ido aqui os grandes projetos em
Vitória... Tubarão, tudo concentrado na Grande Vitória e o interior esvaziando. Para você ter
uma idéia, quando eu assumi, Nova Rosa da Penha, que era um terreno do Estado
invadido, estava com 60.000 habitantes. Era a quarta maior cidade do estado e sem
nenhuma infra-estrutura. Era uma pobreza, pra você ter uma idéia só na área tropical ali nós
tivemos que fazer, num espaço de seis meses, nove escolas e quatro postos de saúde, e
botar água em torneiras porque não tinha nada, não tinha água, não tinha nada. Fizemos
uma corrida enorme ali. Era tão grave a situação que nós tivemos que abrir as escolas aos
sábados e domingos pra dar merenda para os pais.
M - Vamos voltar um pouco. Como foi a sua passagem da ARENA para o PMDB
(MDB)?
GC - Primeiro eu fui junto com Tancredo para o PP. Era o Belmiro, o Walter De Prá e eu.
Nós fomos com o Tancredo para o partido. Eu cheguei a participar da fundação do PP.
Depois eu percorri todo o estado com o Tancredo e o Hugo Borges para incluir mais
filiações pelo estado. Para ter uma idéia, o Tancredo visitou nove cidades para filiação. Mas
editaram uma medida provisória que travou o PP, eu não me lembro como foi, mas travou.
Travado o PP, nós fizemos uma reunião na qual o Walter De Prá resolveu voltar para a
ARENA e a maioria do grupo que participava do MDB decidiu voltar para o PMDB na época.
224
M - Mas e porque o senhor entrou no PMDB?
GC - Por causa do Tancredo. A maioria dos deputados queria voltar para a ARENA, mas aí
o Tancredo, com quem eu fiz uma amizade muito grande que depois me foi útil lá na frente,
ele me chamou, chamou o Belmiro...
M – E o Berredo teve participação na sua filiação?
GC - Até aquele ponto não, mas o Nyder Barbosa veio até Vitória consultar o PMDB daqui.
Todo mundo me recebeu bem. Tanto que a minha filiação, em homenagem ao Nyder, eu fui
fazer em Linhares. Ali em Linhares estava Berredo, Max, todo mundo....Foi uma festa muito
bonita .
M - E depois o senhor se tornou candidato ao Governado?
GC - Não, dali eu fui disputar com o Max Mauro e ganhei por poucos votos. Eu suponho que
todo mundo sabia que o PMDB ia perder a eleição. Eu suponho que uns dois delegados que
apoiavam Max votaram em mim porque eu ia perder. E aí aconteceu um episódio... Eu
estava conformado com a situação difícil, sem dinheiro, fazendo alguns pequenos comícios
em cima de caminhão, uma dificuldade danada. Aí eu estou em casa e o Rogério Medeiros
me ligou e disse: Gerson, o Figueiredo está te processando. Eu disse: Ganhei a eleição...
Ele estava mal popularmente... Foi o que faltava para eu ganhar a eleição.
M - E quanto à participação dos candidatos que vinham do movimento estudantil?
GC – Então, começou a haver a participação do grupo do Paulo Hartung. A gente ensaiava
uns pedaços, ensaiava os programas de televisão, e como eles tinham uma visão muito boa
das tendências do eleitorado mais novo, eles tinham uma visão que eu tinha que abordar
que não estava sendo abordada. Por exemplo, teve um episódio que foi também um
episódio importante, muito grande que foi. O seguinte: A Policia Militar era comandada pelo
exército,Era um coronel do exercito que comandava a Polícia Militar. A Policia Militar era
toda da ARENA. No interior então, você sabe o que acontecia... Então o Paulo pediu para
que eu dissesse que se eu fosse eleito governador o Policial Militar seria comandado pelo
oficial da Policia Militar. Era uma ousadia falar aquilo, mas eu falei. Então eles atuaram
muito nessa época.
Naquele tempo podia pichar muros, aí começaram a pichar muros, a pregar propaganda
com fotos. Era “salve-se que puder!” Como agente estava sem dinheiro, agente tinha que
quebrar o galho com estas coisas. Aí, Inventamos os santinhos, o capetinha....Foi tudo na
minha campanha. E supriu a absoluta falta de recursos que tínhamos na época.
Aí botamos o Zé Moraes como vice e no interior a gente era chamado de comunistas... Mas
no interior o Zé Moraes começou a acalmar os fazendeiros, tal.. O interior começou a se
225
acalmar mais e nós começamos a ganhar, primeiro no interior. E aí nós fizemos uma coisa
interessante. Eu nunca contei isso para ninguém: Um dia nós fomos no alto do Morro do
Romão e tinha ali um chefão do PCB, ou do PC do B, e o Paulo organizou um comício lá.
Era um comício do Partido Comunista ... aquele monte de “coisa” vermelha, eu falei: “Se um
militar bater aqui eu estou lascado.” Aí o Zé Moraes que era mais reacionário chegou e
falou: “Acabou!. Estamos cassados!” “Vamos embora, vamos embora, acaba com esse
comício aqui!” E aquele mar de bandeiras vermelhas.Parecia que estava na União Soviética.
Mas foi bom.
M – O senhor pôde ver naquele grupo de jovens o potencial que eles demonstraram
ter, principalmente Paulo Hartung?
GC - O Paulo queria ser candidato a vereador na outra eleição. Aí eu falei “Você tem que
ser candidato a deputado estadual porque você um dia vai ser Governador”. E aí ele entrou
com uma boa atuação na Assembléia, e ele começou a fazer um negócio interessante, ele
fez um... ele “satelizou” um grupo de intelectuais, de estudantes, que depois uns viraram
empresários, outros viraram médicos. Então foi mais ou menos nessas coisas que ele foi
crescendo.
Depois o governo teve êxito. Eu tive um problema no final do governo que o Zé Moraes
assumiu o governo e brigou com Paulo Hartung. Zé Moraes resolveu boicotar o Paulo, e
lançou o Moulin lá em Guaçuí para derrotar o Paulo. Eu tive que ir lá e fiz o Zé Moraes tirar
o Moulin. Aí eu falei pro Zé: “Esse cara vai ser Governador.”
M - O mesmo Moulin que ajudou o Paulo Hartung a se tornar deputado estadual?
GC - Foi, mas começou a concorrer com ele. Mas o Zé Moraes tirou ele no final. Mas aí foi
um grupo muito interessante. Depois teve uma outra muito boa, que é uma história também
interessante que é do Hugo Borges com o Paulo Hartung. Porque o PMDB tinha pessoal do
bloco do PCB, do PC do B, mais a esquerda, e tinha o Zé Moraes e tinha o Hugo Borges. O
Paulo em uma dessas chamou o Hugo de reacionário, numa reunião da bancada. O Hugo
falou: “Paulo vamos fazer um acordo aqui. Nem você me chama de reacionário nem eu te
chamo de comunista. O avião para voar precisa de duas asas. Se cortar uma caia com a
outra”. Esse negócio da asa foi ótimo. Aí sempre a gente falava “olha as duas asas, senão
o avião cai.”
M - O senhor pode me contar como ficou a sua situação com Max Mauro? Porque ele
era um autêntico do PMDB, e o senhor chega depois e se torna candidato.
GC - Não, mas aquilo sabe o que foi? Eu achava, no inicio, que eu tinha ganho a
convenção, mas depois se você observar o que aconteceu no caso do Vidigal agora: o
226
grupo do Max votou no Vidigal para governador. Porque sabia que ele não ia ser
Governador. Naquela época aconteceu a mesma coisa. Todos achavam que o PMDB ia
perder. Como o PMDB ia perder, para que sacrificar o Max? Bota o Gerson Camata de
“bucha de canhão”.
M - Então o Max concordou com isso?
GC - Nunca disse... eu que depois... com umas conversas.... Dirceu Cardoso uma certa vez
disse... Eu tenho essa idéia: “Ah! É para perder bota o Camata que ele entrou agora.”
M - Então não aconteceu nenhum embate com ele?
GC - Teve um embate violento na convenção. Eu ganhei por quatro, cinco ou seis votos.
Depois não... Ele participou do meu Governo...O Max participou do meu Governo
integralmente, em secretaria e tudo. Quando ele assumiu o Governo ele começou a ir contra
mim. Eu sou muito grato a ele, porque ele comprovou a minha honestidade, ele abriu mais
de 50 inquéritos contra mim e não deu nada, não denunciou nada. Agora usou muito a
imprensa, subornou jornalistas essas coisas que eticamente talvez ele esteja fazendo hoje.
Mas eu o perdôo, quero o bem dele.
M - E a briga foi grande na convenção?
GC - Na convenção foi. Teve um problema porque eu estava apoiando Zé Ignácio, do grupo
do Zé Moraes. Mas depois teve um outro episódio quando o Zé Moraes assumiu o governo:
Eu fiz que ele fizesse um juramento, aconteça o que acontecer, o candidato do PMDB tinha
que ser apoiado, que era o Max. Então o Zé Moraes foi inaugurar o aquaviário com Élcio
Álvares, e o Elcio começou a surgir estava com 42 e o Max com quatro. A noite o Max
apareceu lá em casa e falou “Gerson, eu estou entregando a candidatura”. Eu falei “Não,
então vamos lá ao Palácio”. Aí fomos lá ao Palácio, aí eu falei: “ Zé Moraes, lembra o
juramente que você fez? Dá a mão aqui que tem que ser o Max.” Aí Zé Moraes apoiou o
Max. Depois passou um tempo também e o Max estava sem recurso. Aí eu falei: “Vamos
para o Palácio de novo!” E fomos para luta e elegemos o Max com uma maioria absoluta.
Tem um amigo meu que dizia “Gerson, você está igual boi, não sabe a força que tem, você
está elegendo um cara que vai te agarrar na garganta e vai arrancar o teu sangue.” E o Elcio
Álvares, na época nosso adversário, botava uma propaganda que tinha um liquidificador e
um cara jogava assim: Camata, Zé Moraes,não sei o que... e tudo virava sangue. “O que ele
vai fazer com o companheiro dele?” Pergunta ao Elcio que ele te conta isso.
227
M - Sobre a chapa que foi montada em 1982, que tinha Berredo como senador. Como
que foi essa composição?
GC - Era Berredo, Mirtez, Paulo para estadual, Stan e o Felício, que está lá em São Mateus
agora. Isso mesmo. Aí o que aconteceu: Eu queria botar o Valadão de vice, aí o Hugo
Borges e o pessoal todo falou, não, tem que botar primeiro um cara com uma figura um
pouco mais... Porque o Valadão, o irmão dele tinha morrido na guerrilha, e ele falava “aí o
Guerrilheiro Valadão...” então vamos botar um cara mais conservador pra dar uma confiança
no pessoal mais conservador, fazendeiros....E aí botamos o Zé Moraes, chamei o pessoal
mais da esquerda e falei, ele era do PP com Tancredo aí veio pro PMDB, junto comigo.
Naquilo ali então se compôs essa chapa e depois ficou, o Berredo era Senador, e entrou o
José Ignácio e o Dirceu que acabou se elegendo.
M - Depois o senhor indica o Berredo para prefeitura?
GC - Não, botei o Stan. O Berredo tinha um problema de descompatibilização. O Stan já
sabia que ele ia ficar só uns dois meses. Depois botei o Berredo.
M- O Stan ficou dois meses na prefeitura?
GC - Foi prefeito. Ex-prefeito. Ele ficou lá, depois o Berredo ficou comandando a prefeitura.
Com a entrada do Sarney, o Berredo foi para a Caixa Econômica, e nós elegemos o Hermes
para prefeito de Vitória. Derrotamos o cara mais forte em Vitória da época que era o Vitor
Buaiz. E na minha eleição tinha outro problema: o voto camarão. Você tinha que votar na
chapa inteira, se não perdia o voto. O que foi muito ruim para a oposição porque eles
perderam muitos deputados. Por que para votar em mim, não podia votar em alguns
deputados.
228
COMIBRA, Wellington (Lelo)
Vitória, entrevista em 31 de outubro de 2006
Entrevista concedida aos alunos do Mestrado de História das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo: Margô Devos Martin e Renato Heitor Moreira
R - Quando começaram efetivamente as articulações políticas no movimento
estudantil da Ufes que vieram a culminar com a reabertura do DCE?
WC- Os movimentos tomam forma exatamente em 1976. Eu entrei na UFES em 73,
segundo semestre. Nós somos da primeira turma da reforma universitária. Quando
estávamos entrando na parte clínica, no segundo ano e meio, Lauro Ferreira Pinto, eu,
Fernando Herkenhoff, Marli, Claudino, Geraldo Corrêa éramos os mais envolvidos. E tinha
uma turma que se nucleava conosco, menos envolvida, mas solidária. Isso no Centro
Biomédico. Junto com ele tinham, na área da odonto, parceiros. Lá se destacava a família
Emmerich, particularmente o Adalto, porque o Nilton Emmerich já era formado
anteriormente. O Adalto é contemporâneo, tanto que é o nosso único parceiro que foi
incurso na Lei de Segurança Nacional quando nós tentamos ir à CESAC, em Santo André.
Ele foi o único enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Nós tínhamos o Movimento de
Pensamento e Movimento no Centro Biomédico, via Medicina, Odonto e o curso de Ciência
Biológicas, que era um curso que funcionava mais ou menos simultaneamente ao longo do
dia. Mas o movimento principal era do Centro Biomédico, no curso de Medicina. Ao mesmo
tempo nós tínhamos movimentos no CCJE, no CT, no CEG e no curso de Psicologia e
Serviço Social. Eram os lugares de maior relevância. Nós começamos a nos organizar,
havia um misto de organização partidária, envolvendo o Partidão. Nessa época quem tinha
uma vinculação e uma interação com o Partidão maior era Merli. Ela namorava o Laerte, um
cartunista, e lá tinha o Serjão, a turma do grupo Oboré. Era o grupo que fazia charges,
revistas ilustrativas para o movimento sindical do ABC. Aí tinha o Laerte e o Serjão, são os
dois que eu tenho referência do movimento que vinha com a Merli. A Merli buscava não se
envolver com a idéia da organização e acabava ficando um círculo dentro e fora, durante o
ano de 76 até o final de 77. Nós ingressamos no PCB no final de 1977, início de 78, quando
a gente se organiza de fato. A história da reorganização do PCB se inicia em 78. Em 76, 77,
nós nos envolvemos muito com as reaberturas dos Centros Acadêmicos. Foi o primeiro
movimento. Nós tínhamos ao longo desse período um grande envolvimento com a sub-
reitoria comunitária. O sub-reitor comunitário era o professor Rômulo Penina, então havia
uma convivência institucional junto da comunitária, que tinha música, artes, apoiava os
movimentos culturais, e nós nos organizávamos para fazer a reabertura dos diretórios. Nós
229
reabrimos o Centro Acadêmico do Biomédico. Havia uma disputa também se iniciando no
CCJE, a primeira chapa que teve Paulo Hartung presidente acho que era a chapa "Gota
D'água", no Centro Biomédico nós disputamos com a chapa "Questão de Ordem" e as
disputas do CT e CEG eu não me lembro. Primeiro ocorreu as reaberturas dos diretórios
acadêmicos, depois que o DCE foi constituído é que vieram as questões para os C.A.s.
Simultaneamente conosco também se organizavam as forças políticas mais à esquerda,
onde se destacava a época LIBELU, uma insipiência do MEP, Movimento de Emancipação
do Proletariado, tinha um grupo que respondia por ele na Cáritas da Diocese, um rapaz
chamado Tatá, e a Sara. Nós disputávamos com eles, mas nós não estávamos ainda
organizados. Era um círculo da idéia dessa escola, porque depois entendemos como sendo
uma escola, e não um partido, que era o Partidão. Aí nós tivemos as disputas no Centro
Biomédico, no CCJE, no Centro de Estudos Gerais, no Centro Tecnológico. Foi uma
seqüência. O Centro Biomédico e o CCJE foram os dois carros-chefes.
M - Quando você fala em Cáritas, eram alunos também?
WC- Não. Cáritas é uma organização da Arquidiocese de Vitória. É porque nós lá nos
organizamos enquanto Comissão de Saúde, enquanto estudantes. Daí surge a interface
com a Igreja Católica, e depois vem a solidariedade naquela enchente de 79, em que o DCE
entra fazendo seu papel junto com D. João e aí tem aquele famoso momento em que a frase
de D. João "Salve o povo! Salve o povo!" surge e vira símbolo. Na Cáritas nós ficamos eu, o
Geraldo, o Fernandão, nós fazíamos movimento de saúde na Comissão Pastoral de Saúde,
na região de Cariacica e na região da Serra. Essa foi a interface que a gente gerou para fora
do movimento. Deixa eu centrar um pouco no movimento, depois eu falo das interfaces.
Tem essa interface, depois tem interface com o movimento de construção civil e depois um
movimento na área popular, mas aí nós já estávamos em processo de organização
partidária junto ao PCB. Nós fazemos um corte, onde o partido é o momento do corte. Nós
trabalhamos a organização dos diretórios e fizemos um movimento de debates, de disputas
e promoção de eventos. Foi nesse período de 76 a 78 que a gente organiza, dá sentido
cultural, sentido às lutas acadêmicas, que inclui luta por currículo, luta contra a reforma
universitária, nós somos do movimento pós-reforma universitária, embora críticos à ela.
Quem foi o movimento contra a reforma foi o movimento 68-70, reprimido pela ditadura, que
aqui no Estado teve a condução do PC do B. Então nós fizemos essa movimentação e, ao
longo dos dois anos, meados de 76 a meados de 78, a condução das lutas universitárias:
restaurante universitário, preço, ensino público gratuito e as lutas gerais da
redemocratização, que foram a constituinte, anistia, liberdade democrática, que eram as três
bandeiras principais do movimento que a gente organizava. Já era um movimento de
organização do PCB mas nós ainda não éramos filiados formalmente ao PCB enquanto
230
núcleo. O nosso corte do movimento estudantil puro para uma filiação formal se dá ao longo
de 1978. Nós resistíamos um pouco. Havia questões de natureza pessoal, mas isso é
irrelevante do ponto de vista histórico. Havia algumas idiossincrasias, algum desconforto na
forma de tentar fazer a nossa organização, que ainda era não-partidária, se tornar partidária.
Um certo voluntarismo naquela transição do circulismo para organização formal. Isso
retardou um pouco...
M - Vocês se filiavam oficialmente?
WC- Não, porque era clandestino. Nós nos inscrevíamos no imaginário de partido, e nós
passávamos a receber e reproduzir o jornal, que era "Voz Operária" e nos organizar na
perspectiva de fazer a organização. Aí já muda a qualidade do movimento estudantil, com
movimento sindical, com movimento popular. Nós nos organizávamos nas chamadas bases
partidárias, onde tinha a base do CCJE, base do Serviço Social, a base da Psicologia, a
base do Biomédico...
Mas isso já entra em 1980. Eu fiquei na faculdade até janeiro de 1979. Eu vou até a
comissão pós-DCE. É a minha presença no movimento estudantil. Daí eu vou para São
Paulo fazer Saúde Pública. Eu me torno profissional antes dos outros. Eu e Lauro, juntos.
Lauro foi fazer residência médica e eu fui fazer Saúde Pública. Eu já estava envolvido. No
verão de dezembro de 1978 eu fui visitar Prestes no apartamento dele no Rio para cumprir
uma tarefa do Partidão. Já estava organizado. Eu fui visitar Prestes no Botafogo para fazer
um contato com a organização do partido.
R - Nesse período que você falou da reabertura dos DAs, efetivamente como
lideranças da época, quem eram?
WC - Da época, no Centro Biomédico éramos Merli, eu, Lauro, Fernando Herkenhoff, Adalto
Emmerich, Geraldo Corrêa Queiroz. Éramos as lideranças que referenciavam. Na seqüência
vieram Anselmo Tose, Ernesto Negris, o prefeito "Tampinha", o Peruchi, de João Neiva,
Fernando Pignaton e a Cátia, que na época era siamesa do Fernando Pignaton. A Cátia
chegou a ser vice na chapa do Rogério Medeiros para o governo do PT na eleição de 80,82.
Não! Em 1980 foi a Merli. Não me lembro direito... ele aparecia num cavalo branco... (risos).
Nessa época tinha essas lideranças no Centro Biomédico. No CCJE eram o Bragato, o José
de Arimathéa, o Paulo Hartung, nós disputávamos contra o Quincas e contra o Ricardo,
(tinha também) Stan, Cátia Maline, a esposa do Paulo, Cristina, a Vera, a Rosa Stein. No CT
eu me lembro de círculo. Tinha um círculo muito interessante daquele menino que mexe
com pesquisa e estatística hoje... O Gutemberg! Essas foram as lideranças que puxaram o
movimento. Depois veio a filha do Ramos, Delcimar, que depois se envolveu com Balão
Mágico depois, a irmã dela, Delciara, se envolveu com outros movimentos mais tardes, não
231
vou fazer juízo de valor, não vou usar nenhuma palavra. Era uma forma de negação, uma
forma de, pessoalmente, cultivar outros valores, valores esses que muitos de nós viemos a
cultivar depois... Deixa eu concluir: nós fizemos então, entramos no auge indo para a
organização partidária, para o movimento popular, movimento sindical, culminando com a
Comissão Pró-DCE, que se reúne pela primeira vez em outubro de 1978, em frente ao
Pronto Socorro do Centro Biomédico, naquelas mangueiras ali. É o último evento do
movimento estudantil em que eu participo como estudante. Foi em outubro, eu me formo em
janeiro, me caso e vou para São Paulo, onde fico um ano e meio.
R - Você já me satisfez, do ponto de vista da influência do Partidão na vida de vocês.
Vocês encaravam como se tivessem uma política mesmo partidária, nós não vimos
isso antes, dentro da Universidade...
WC- É. Nós éramos círculo do partido, seguíamos a organização da política do Partido, mas
não estávamos organizados, mas nós somos Partidão desde que o movimento começou. As
forças que se opuseram a nós, no CCJE foi pela direita, o Joaquim e esse procurador-chefe
do Estado, o Ricardo... Eles eram chamados de direita lá. No Centro Biomédico nós não
tínhamos direita, não tínhamos nada. Nós fomos a primeira chapa, depois vieram disputas,
mas onde se materializou de fato a presença de grupos mais de esquerda foi no CEG e no
CCJE, onde LIBELU e as estruturas partidárias que foram dar forma ao surgimento do PT
em 80 se materializaram.
R - Do ponto de vista pessoal, o partido teve alguma influência?
WC - Ele só nos desviou um pouco de alguns caminhos. Ele nos colocou em outras opções.
Na realidade, foram nossos sintomas que nos colocaram nele, mas alguns de nós não
aprofundamos a formação universitária, isso foi um prejuízo. Daquele grupo, o Lauro fez
uma formação conclusa, o Fernando fez uma formação tardia mas, concluiu, tipo mestrado...
ele se tornou cientista na área da farmacologia; aí vem a segunda geração, o Paraíba, o
Colnago, Anselmo Tose, Ernesto Negris e Pignaton, já eram círculos nossos. Nós tínhamos
uma organização, éramos assim... O Partidão tinha o Comitê Estadual e nós assistíamos às
bases através de uma figura chamada assistente de base.
R - Isso eram os círculos?
WC - Não. Círculos eram aqueles que faziam a nossa política, mas não eram vinculados a
nós. Às vezes até davam dinheiro, como o pai do Paulo, que sempre foi um contribuinte do
Partidão sem ser filiado. Uma espécie de simpatizante da causa. O dono da Âncora, o Sr.
Nestor era um contribuinte nosso.
232
R - Vocês estudavam teoria marxista?
WC- Sim. Eu li quatro dos seis volumes de "O Capital". Não por apologia, por alternativa. O
grupo tinha o hábito de estudar texto. Tinha a iniciação da Marta Ranec, aos nossos olhos
da época, era nosso primeiro estágio. Depois que a gente passou deles, era o último estágio
da turma da esquerda. LIBELU e a turma não conseguiam ultrapassar deles. A gente tinha
esse corte teórico também. Os clássicos do Lênin eu também li todos. A gente lia também
por disciplina. "Dois passos atrás e um adiante", o período do Kerenski, todo aquele período
que tratava de 1888 a 1912, nós líamos, com resistência à literatura trotskista. Já por
orientação partidária nacional, a idéia de que a esquerda, o trotskismo era algo que negava
o marxismo.
R - As ações políticas que vocês faziam no movimento estudantil, como eram
organizadas?
WC- Elas eram discutidas nos chamados núcleos partidários, nós tirávamos as diretrizes e
íamos para lá. Se era para levantar dinheiro, era para levantar dinheiro, era pra fazer debate
cultural, debate político pegando as principais bandeiras do movimento, que eram
redemocratização, anistia e a luta específica, que era o RU, o currículo, as condições de
ensino, e as lutas gerais eram as bandeiras da redemocratização, todas segmentadas ali.
R - Dentre essas lutas, quais as que você pode citar com as principais?
WC - No movimento estudantil nós tínhamos uma vinculação importante com a luta do RU
(Restaurante Universitário), porque o volume de usuários do RU era importante, o custo do
RU, e a questão do currículo e uma certa discussão de currículo voltado para os interesses
da sociedade, com uma linguagem difusa. No fundo, nós estávamos envolvidos com a
discussão de sociedade, o movimento estudantil não estava. Eles queriam aprender e ter
um diploma, tanto que a formação, especialização precoce de muitos, já no terceiro ano se
dava. Essas eram duas lutas importantes. As outras eram condições de ensino mesmo. A
gente também usava bandeiras específicas como forma de propagar as bandeiras gerais,
que era uma forma de trazer para dentro da Universidade a preocupação com a dimensão
da sociedade, que nós entendíamos que estava na redemocratização. Então nós fomos nos
envolvendo também com os movimentos sociais. Aí eu já não estou na Universidade, quem
pode falar bem disso é o Ernesto, o Pignaton, o Paraíba, o Stan, que foi o pós-Paulo. Aí
entra o conceito do que é atrelado ou que não é atrelado, que se verbaliza com o tempo nos
movimentos sociais, conselhos com independência ou não; construtivo ou deliberativo. Isso
é um debate que vem lá de trás em relação a quais são os vínculos que se deve ter com
instituição formal e um conselho que represente a sociedade. São as formas de concepção
233
da democracia representativa via conselhos, via movimentação, mas lá nos movimentos dos
Ceafs versus Deafs, expressaram isso. O que é independente, o que é atrelado.
Nós tínhamos uma vinculação importante com a reitoria comunitária, que era um parceiro
importante, então nós éramos um grupo dentro daqueles conceitos clássicos de pelego... O
nosso grupo, dentro da Universidade, comparado com os outros, LIBELU, era considerado
de direita. Tanto que a política dos Centros Acadêmicos não vem pela nossa mão. Elas vêm
pela mão da esquerda trotskista, que entende do conceito C.A. e C.A. livre, versus os
Diretórios Acadêmicos. Tem algum momento em que todos nós nos envolvemos com o
tema e isso vira uma política de todos, mas ela é introduzida no contraditório à nossa
posição. Nós éramos os reformistas.
Até porque a cultura do Partidão, e hoje eu tenho um outro conceito sobre outras coisas,
hoje eu penso em alguns comportamentos como o da mariposa que vai em direção à luz. O
seu sintoma é que te leva a algum lugar, não é isso? Nós tínhamos comportamentos e
concepções comuns, e a política do Partidão expressava para nós uma forma de organizar
aquela concepção. Era a idéia de que a luta institucional valia a pena. Valia a pena ir para o
Colégio Eleitoral, e não negar o poder eleitoral como o PT fez. O PT votou contra a eleição
indireta pelo colégio eleitoral, foi uma opção. Essa concepção do perfil democracia,
democracia representativa, de conselhos, como ela se expressava, era democracia direta
versus representativa. Como a população se expressa? Você monta um conselho? Como
você valora ele? Como você dá qualidade a ele para que ele expresse alguma coisa de
baixo, mesmo sem conceito nenhum? É aí que o PT se engancha na sua história, nas
vastas horas de energia gasta para não fazer nada. Mas o fato é que quando nós
começamos o movimento nós éramos os subversivos, queríamos restaurar a ordem que os
militares tinham instaurado, reverter uma ordem que os militares tinham instaurado. Com
esses movimentos, surgem outros, e nós somos aqueles que caminhávamos pela
convivência com o poder para modificá-lo por dentro, usando forças externas mas também
modificando-o por dentro. Isso recebeu uma discussão posteriormente, para chegar à teoria
dessa discussão que se tornou o debate da guerra de movimentos, guerra de posição. Aí
vieram elementos do conceito do Gramsci, conceitos da guerra do papel da cultura, uma
série de coisas que para nós foi importante. A gente entra na leitura de Gramsci, na nossa
revolução a gente começa com a leitura de Marta Harnecker, vai por Lênin, Marx, até entrar
no debate do Gramsci, quando nós nos envolvemos com temas já profissionais, do Partidão,
onde nós nos envolvemos com o tema do comunismo, mas aí já é um corte no Partidão. Eu
vou para o mundo da formação, eu saio em janeiro. A política continua aqui, o DCE, a
história própria e o movimento muito grande de articulação com a Igreja e com a Construção
Civil. A primeira greve da Construção Civil tem eles e nós. Nós vamos para a rua com eles.
234
É um movimento de solidariedade que envolve a Igreja, naquele movimento da enchente, a
"denúncia do salaminho". O salaminho é o nome de um local, foi um escândalo da época do
Élcio Álvares que nós denunciamos. Aí se dá a entrada nos movimentos de bases, na
discussão dos movimentos populares, das associações de moradores.
R - Existia alguma hierarquia no grupo de vocês?
WC - Existia. No primeiro momento, existia hierarquia a partir da legitimação que cada um
fazia do seu movimento. A gente se reconhecia. O Paulo sempre foi um homem de massa.
O Stan em certo momento também era um homem de massa, mas o Paulo Hartung sempre
conservou essa característica. Nós fazíamos muitas atividades correlatas. Eu sempre fui
muito de articulação. Assistência de base, articulação sindical, articulação popular. Eu
sempre fui um homem de bastidores, por isso eu fui disputar uma eleição tardiamente,
porque eu não me preparei para essa eleição.
Se eu te contar como eu me tornei candidato... Eu me preparei para ser um profissional da
saúde pública. Eu vim de São Paulo, fui para a Secretaria de Saúde, como sanitarista, em
83, quando o PMDB ganhou a eleição. Douglas Puppin era o secretário. Depois eu passei
no concurso da DRT, me tornei agente fiscal da DRT, mas já envolvido com o tema saúde e
trabalho. Lá em São Paulo eu já me envolvia com esse tema, porque eu participava da
Semana de Saúde do Trabalhador, que era uma atividade puxada pelo Partidão. Cebes,
Centro Brasileiro de Estudos e Saúde, nós já tínhamos ele também se organizando aqui no
Espírito Santo.
M - Mas você ficou, de alguma forma, filiado ao Partidão ainda?
LC- Lá em São Paulo eu participava do Núcleo de Base dos Sanitaristas. Nós nos
reuníamos, decidíamos as políticas do Cebes, as nossas participações, as nossas posições,
coisas importantes para defender o que a gente acreditava, escrevia artigos... Eu já saí
daqui filiado. Saí daqui na filiação. Me filiei e me vinculei lá. Aqui, n segundo semestre de 78
já estávamos nos organizando partidariamente. Quando eu volto, já volto na organização do
Comitê Estadual do PCB. Eu, Fernando Herckenhoff, Ernesto Negris, Paulo Hartung,
Fernando Pignaton, o Paraíba, o professor Izildo, Júlio Hartung, que junto do Izildo foram
duas pessoas importantes na elaboração de textos e materiais para os nossos debates e o
Lauro Ferreira Pinto.
M - Mas nesse momento, Paulo Hartung e outros políticos já estavam filiados ao
PMDB também, oficialmente?
LC - Nós tínhamos alguns políticos ingressados. Como fortaleceu o movimento estudantil, já
estávamos lá, era só uma seqüência da nossa história e das disputas que fazíamos com os
235
outros grupos que se formaram. Movimento Sindical, quem de nós tinha afinidade? A
primeira afinidade foi aquela da greve da Construção Civil, e a segunda foi através de mim
com o Movimento Saúde e Trabalho. Eu me tornei membro de apoio, médico do Sindicato
dos Metalúrgicos, tentando trazer para cá o debate com o tema Saúde e Trabalho, em
meados de 1981. Em 82 tem uma ruptura no Partidão. Nós ficamos organizados, na prática,
quatro anos. Depois eu comento o que aconteceu nesse período. Nós participamos do
movimento pela democratização e organização com todo voluntarismo de classe médica,
movimento sindical, movimento popular e também entramos no movimento político e
partidário, no PMDB.
Aí nós constituímos a CMP, Comissão de Mobilização Popular. Em 79 cria-se o PT, o MDB
vira PMDB, a lei estabelecia que eram partidos, e não movimentos. A CMP foi uma forma de
colocar esse segmento emergente da construção civil dentro de um partido plural, um
partido que, mesmo com traços conservadores era plural. Eles sabiam que a gente era
Partidão, mas conviviam comigo. Era uma convivência pacífica. Nossa participação era
legitimada por isso, pela filiação ao PMDB. Nós éramos a coloração de esquerda para eles.
R - Voltando à parte da estrutura de vocês...
W C- Vamos falar de hierarquia. Nós tínhamos hierarquia por legitimação e posturas no
movimento, por tempo de casa, que isso sempre conta, e por liderança investida. A partir do
momento que a gente se organizou como Partidão, passamos a ter uma hierarquia de
partido mesmo, com Comitê Central, com bases e vínculos entre o Comitê Central e as
bases, através de um mecanismo chamado assistência de base. Um de nós era responsável
por dar esse suporte teórico e de mando. Hora teórico, hora de mando.
R - Essas decisões, quando elas iam ser chamadas juntas em Assembléia, eram
realmente decisões tomadas lá ou já vinham discutidas e tomadas de antes?
LC - Essas coisas não são a rigor. Esse corte não é um corte claro nos grupos. Ulisses
Guimarães dizia que reuniões só devem ser feitas quando as coisas já estão decididas, se
não você vai ficar “enchendo o saco” numa reunião e não vai dizer nada. É lógico que uma
liderança formal formula, e ela é reconhecida e acatada. Havia um grupo de lideranças. Do
ponto de vista teórico, o Izildo e o Júlio eram bons formuladores. Do grupo de liderança de
rua e de percepção, Paulo era um cara bom, um cara importante. De acordo com o perfil, de
acordo com que a gente foi se organizando isso acontecia. É claro que Paulo e Lauro
tinham muita afinidade, sempre conversavam muito, então eles sempre vinham amarrados
numa posição comum. No geral, nosso método era botar em discussão. Pelo debate, a
gente fazia a prevalência de uma posição, mas em geral a gente sempre convergia. Nós
éramos um grupo muito convergente.
236
O que muda o perfil dessa convergência em algum momento é o embate entre recuperar
para dentro do Partidão os velhos militantes, como Jairo Régis, Renato Soares, aí nós
passamos a ser menos convergentes lá dentro, porque essas pessoas vinham de outros
cantos. Tinha também outras pessoas que compunham a ala dos comunistas históricos. Nós
também evoluímos para uma concepção de que o passo do PCB era insuficiente, e foram
inseridas algumas concepções que nos desencantaram. A ruptura tem dois níveis: de
postura e conceitual. Acho que a de postura predominou, porque foi quando a turma veio do
exílio. Vieram como os donos da verdade e com condutas que nós achávamos que não
tinha haver com aquilo que a gente trabalhava. Teve o envolvimento de um dos membros do
Comitê Central com drogas, com a Anita Prestes, teve uma fofoca dessas na época, já eram
divergências que eles vinham trazendo de lá e depois tomou forma conceitual, foi a
experiência do comunismo na Europa versus o comunismo soviético, que também já entrava
em exaustão. Eles já vieram com o debate do eurocomunismo, com os problemas da
Polônia e da União Soviética. Eles já chegaram aqui em 1979, eu fui receber Gregório
Bezerra lá no Sindicato do ABC. Um exemplo maravilhoso da história que eu vivenciei. Eu
recebi Brizola, eu recebi Arrais, até me arrepio lembrando.
M -Qual o momento que vocês rompem?
WC - Foi havendo uma quebra de encanto. Essa quebra de encanto se dá na volta da turma
do exílio. E foi por postura. Perdemos o marco. Aconteceu como o que ocorre com a
juventude agora em relação á política. É como se nós tivéssemos acreditado tanto naqueles
instrumentos e as pessoas que emanavam as idéias daqueles instrumentos não eram nada.
Perdermos os mitos. O Prestes do exílio, o Rosa Operária que vinha clandestino. Nós
continuamos trabalhando, mas não nos relacionando. Alguns filiados, mas quando o Paulo
disputa a eleição de 82, ele disputa como candidato único dentro desse pensamento. Nós,
em 82, tivemos uma eleição vinculada. De governador até vereador. Tivemos a chapa
Berredo, que era um círculo, a Mirtes Bevilácqua como deputada federal, o Paulo Hartung
de deputado estadual, o Estanislau vereador em Vitória e o Felício Correa em Vila Velha.
M – Como foi a participação de Max Mauro e Gerson Camata nesse momento.
WC - O Camata nesse momento foi um homem que veio da Arena para o PMDB para ser o
candidato. Acolhido por nós. Nesse momento, eu não estava aqui no Estado construindo
essa relação. Quem construiu essa relação foi o Paulo, o Lauro, o Fernandão, tanto que os
nossos votos foram decisivos na convenção para ele ser governador. Camata é escolhido
por três votos de diferença e nós temos quatro. Tanto que nossas diferenças com o Max
vêm dessa época aí, desses quatro votos que nós demos. Na época, nós decidimos no
237
Comitê Estadual qual seria a nossa posição. O único voto contrário era o do Izildo, que
achava que a gente tinha que ir de Max. Todo o conjunto achava que a gente tinha que ir de
Camata, aí nós fomos lá e demos quatro votos que tínhamos, originados do trabalho da
CMP pró-Camata na convenção. Ele ganha com 62 a 59, algo assim.
M - Então não existe um momento definido dessa desvinculação do PCB?
WC - Não existe. Isso se dá por uma exaustão, um certo abandono, uma certa apatia que
vai desorganizando a gente. Tanto que, em 1986, o PCB lança como candidatos à deputado
estadual, pela Serra o Adão Célia e por Vila Velha o Fernando Pignaton, enquanto PCB.
Junta sob a liderança de Jairo Régis com Renato Soares nesse conflito. O Paulo candidato
à reeleição, pela segunda vez se lançando sem estar vinculado ao Partidão.
M – E qual foi a sua participação?
WC - Eu sou um quadro técnico filiado. Eu passo no Ministério do Trabalho, sou diretor da
Fundacentro, sempre vinculado ao tema Saúde Pública e Saúde do Trabalho, me torno sub-
secretário da Secretaria de Saúde em 1987-88, faço na Secretaria de Saúde o mesmo perfil
de trabalho que desenvolvi como vice-governador do Paulo. Tive com Gilson Carone uma
relação semelhante, embora o Gilson fosse mais pacato. Gilson era uma figura interessante,
dava seis horas ele ia embora. Ele liderava, não gostava de se envolver, mas tinha uma
liderança boa, a gente tinha uma relação muito fraterna. Eu rodava o Estado todo, onde eu
tinha dúvida eu ligava pra ele e conversava "estou aqui" e ele dizia "vai!". Operamos muito.
Quando o Gilson saiu para ser candidato a prefeito em Cachoeiro em 1988, havia uma
expectativa de eu ser o secretário. Uma expectativa cultivada pelo movimento que eu fiz e
pelas pessoas que nos acompanhavam. Eu montei um grupo dentro da Secretaria de
Saúde. Era Lelo o grupo. O Max queria colocar o Nilton Baiano, me chama, sabia que eu
estava forte lá dentro, mas queria que eu permanecesse. Ele coloca Nilton Baiano, eu
permaneço e são os dez meses mais difíceis da minha vida. O Nilton queria liderar, mas eu
tinha uma liderança que era três vezes a dele, era difícil. Tanto que ele usou parceiros
históricos meus em posições para tentar me esvaziar. Eu saio do cargo em novembro,
dezembro, mas saio com a concepção de que eu só poderia participar de posições de poder
institucionalmente se eu disputasse a vida política, se eu tivesse uma legitimação.
Aí eu me torno candidato em 1990. Perco por 45 votos. Fiz uma eleição no muque para
deputado estadual. Disputamos eu, Stan, Felício, Debson Afonso, Ricardo Santos e o Paulo
para Federal.
M - Então você sempre continuou transitando no grupo?
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WC- Eu nunca fiz um grupo pra mim. Fiz um grupo para nós. Perdi até muito com isso. Eu
sempre fui solidário, toda vez que tinha opção entre ir sozinho e ir com um grupo, eu
escolhia ir com o grupo, era meu perfil, sempre foi. Então eu tinha o grupo Lelo na Saúde,
não era o grupo do Lelo. Era um grupo nosso. Eu o formava por idéias e militância, a gente
queria ver a Secretaria unida, ido para frente.
M – Como foi a passagem para o PSDB?
WC - Em 1989 nós fizemos uma manifestação de construção do PSDB. Nós fomos da
Comissão de Fundação do PSDB, acho que agosto ou setembro de 89. Só que nós
entramos junto com José Ignácio, Rose e Anders, e os três predominantemente se
articularam contra a gente. Nós nos organizamos a partir da concepção nacional,
envolvendo Mário Covas, que era uma referência muito importante, Fernando Henrique,
esses grupos que no movimento da redemocratização estiveram juntos, e tinha o Ulisses,
que expressava o agrupamento do PMDB, já declinante, o Tasso, o Ciro. Era um movimento
mais paulista e Ceará, as duas vertentes que construíram o PSDB.
M - E teve algum motivo para a saída do PMDB foi um desgaste ao longo do tempo ou
entusiasmo com o novo partido?
WC - Era entusiasmo com a nova sigla que expressava o novo tempo social da democracia
brasileira e o “desgarramento” do PMDB, que já se fazia exausto. O PMDB foi onde o
exercício da convivência entre diferentes foi mais habitual.
M - Me explica como foi o movimento de 1992 para a prefeitura de Vitória?
WC - Nós até então éramos muito artesanais. Nós elegemos o Paulo e acabamos muito
centrados na figura dele. Tanto que em 1990 nós lançamos cinco estaduais, o Paulo foi
candidato à reeleição estadual, fez dois mandatos, na segunda eleição nós tentamos fazer o
Stan para federal, mas ele foi barrado pela legenda para não atrapalhar a Rita (Camata),
que acabou sendo a mais votada com 109 votos, depois em 1990 ela teve 90 mil votos e o
Paulo 49.800. A liderança do Paulo era a mais importante do grupo.
M - Você disse que vocês acabaram trabalhando em torno do Paulo. Por que você
acha isso, por que isso aconteceu?
WC - O Paulo se tornou a liderança mais forte do grupo, se tornou uma referência desde o
movimento estudantil, depois nos mandatos de deputado estadual. Foi se consolidando
como uma liderança mais adiante da gente, com maior densidade. Quando eu disputo a
primeira eleição, foi uma eleição difícil, porque o Stan tinha três mandatos de vereador já
exercidos, achava que ele tinha o direito de ser o candidato, eu acabei tendo 4.800 votos,
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fiquei por 46 votos, ele 2.600, o Ricardo Santos 1.800, o Felício 1.300. Na verdade, nós
erramos porque paramos de pensar em grupo. A gente perdeu a matriz partidária. A gente
seguia pelo papel de cada um e todas as vezes que uma liderança principal não cumpre seu
papel de organizar o conjunto acontece isso. O Paulo tinha que se eleger federal, então ele
não tinha como me reter. Na realidade, o tempo do Stan era o Paulo é que tinha que ter
progredido de 86, e ir para a Câmara Federal e Stan ter sido estadual, para liberar energia
para ir para frente. Por isso eu não concordo com a reeleição.
Acho que a reeleição é o pior redentor. Esse conflito com Luiz Paulo, isso tudo se dá em
função disso. Eu acho que a reeleição paralisa a progressão interna dos agrupamentos. É
um conceito que eu tenho hoje, embora eu tenha defendido a reeleição na época. Eu tenho
um artigo que escrevi na A Gazeta que é um artigo simbólico. Embora eu defendesse a
reeleição por articulação de grupo, a minha cabeça não era tanto nessa direção. Eu escrevi
um artigo na sucessão do Paulo, para o Luiz Paulo, em agosto de 1996, eu botei
"Reelegendo o Método", esse é o nome do artigo, associando a eleição do Luiz Paulo como
a reeleição do método. Aí também tem os interesses do grupo. Por que o Luiz Paulo lança o
César na eleição de prefeito? Para disputar o comando do grupo ligado ao Paulo, e não é
bem sucedido. O Luiz Paulo era nossa ponte carioca no PCB, na PUC. Sempre foi um
articulador nosso, dos movimentos políticos, ele era nossa articulação carioca no Rio. Ele é
quem traz o debate mais acabado que os cariocas evoluíram bem sobre a questão do
eurocomunismo. Ele era um grande quadro. Perdeu-se um pouco no caminho, por uma
série de motivos...
M - Então em 1992 você já era estadual?
WC - Não. Em 1992 eu disputei. Mas só me elejo em 1994. O segundo mandato e o terceiro
de vice-governador. Eu entro tardiamente, tanto que essa eleição de federal agora tem um
significado especial pra mim, porque ela é aquilo que eu gostaria que tivesse acontecido lá
atrás, mas eu ainda sou novo! (risos). Essa eleição para mim é o desabrochar da minha
dimensão pública.
M – E como foi a trajetória do grupo até esse momento?
WC - O Paulo Hartung tem o primeiro mandato, bem exercido, no segundo mandato
participa da constituição estadual. Neste momento a movimentação do Colégio Eleitoral
ficou toda concentrada nele, os mandatos de vereador ficam secundários, o Felício já tinha
perdido a dimensão. O Felício fez uma trajetória de vereador, de candidato a prefeito, depois
a deputado estadual, depois a prefeito, pelo Partidão, inclusive. O Stan ficou na seqüência
do seu mandato e depois tentou o estadual. Neste momento ele (Hartung) se torna a figura
240
para onde convergem todas as energias eleitorais. Em 1990, esse processo se repete, com
cinco de nós (sendo) candidatos a estadual e ele candidato a federal, que ele se elege. Mas
em 1985, 1988, Camata convida o Paulo a ser candidato a prefeito de Vitória. Ele nomeia Zé
Moraes, aí vem a eleição e ganha o Hermes Laranja. Neste momento o Paulo é convidado a
ser o candidato do PMDB pelo Camata. Nessa época nós discutíamos ainda como partido.
O Paulo tinha concepção de que ainda não era a hora dele, nós concordamos e ele não foi
candidato. Acumulou-se a expectativa de que ele disputasse as outras.
Na de 88, o Vitor (Buaiz) estava muito bem posicionado, nós tínhamos uma aliança com ele
e contra Vitor vinham o Teixeira e o Milton Gomes. Foi na eleição de Hermes. Nós
começamos com Hermes, por causa da aliança, foi feito um sinal para o Vitor, que se ele
progredisse, nós podíamos apoiá-lo na reta final. Nós não cumprimos esse acordo, foi uma
coisa verbal, ficou em segundo lugar. Ficou a expectativa do Vitor vir depois, e ele veio em
88. Nós viemos com ele dentro da composição chamada "Frente Vitória", PT-PSDB. Aí o
Paulo se elege federal. Quando o Paulo se elegeu estadual no segundo mandato, os votos
dele e do Vitor vieram casadinhos em Vitória. Oitenta por cento dos votos apurados ali no
Álvares Cabral vinham Paulo e Vitor, Paulo e Vitor, deputado estadual e federal. Sinalizou
uma aliança que se materializou na candidatura do Vitor. Em 1990 Paulo é eleito federal e
se acumula a expectativa dele ser candidato a prefeito. Ele também estudava o assunto,
mas ele trabalhou com isso até a última hora. Ele se tornou um nome natural pela
expectativa acumulada, não por uma discussão "vai ser candidato ou não vai?". Tanto que a
decisão se torna dele, no final de maio, quando ele nos comunica tudo aquilo que a gente
desejava. Ele nos seduziu, nos deixou eréteis, e quando ele anuncia todo mundo chega ao
orgasmo (risos). Ele se torna prefeito, a administração é bem-sucedida e naturalmente
acumula a expectativa de governo quando o conflito do PSDB se estabelece de maneira
irremovível e a ruptura se dá com José Ignácio ocupando o espaço. Mas fez um bem
danado a todos nós. O Paulo teve a oportunidade de ficar dois anos como diretor do BNDS
e depois elege-se e vai para o Senado. Ele volta uma figura mais plena para governar. Foi
até um acidente da história cujos resultados foram muito interessantes.
R - Era difícil, na época do movimento estudantil, entrar no grupo?
WC- Nós éramos muito homogêneos. Nós não tínhamos heterogeneidade que nos
colocasse à prova. Quando o movimento, essa heterogeneidade se manifesta, ela se
manifesta da forma de outro pensamento político, oriundo de outra característica ou de uma
outra natureza com a formação original, que foram os movimentos que formaram o PT
depois. Eram concepções de democracia, de conceitos que perduram até hoje na
sociedade, tipo socialismo... Essas forças já vinham com uma crítica mais acabada ao
socialismo real e nós éramos ilusórios em relação a esse tema; depois eles ficaram ilusórios
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e nós caímos na real, nós trocamos de posição. Mas quando essa heterogeneidade se
manifesta, ela se manifesta de maneira antagônica, que competia. Depois ela se estabelece
e se tem uma hierarquia natural.
R - Dentro ainda do movimento estudantil, naquela época de 76 a 81, você avalia que
as movimentações políticas de vocês contribuíram para influenciar os rumos da
política naquela época?
WC - Com certeza. Se nós fizemos parte da crise de marcos que foi cortando e se
apropriando daquele momento em que se abriram as comportas da democracia. Nós fomos
referência de Cesac. Nós operamos e influenciamos. Nós disputamos esse espaço. Os
outros grupos também fizeram serviços de sociedade, mas nós já viemos com conceitos de
sociedade mais aprimorados, mais modernos e fomos nos adaptando a isso. Se o
movimento estudantil permitia um certo maniqueísmo, a relação com sociedade não. Essa
compreensão é que se torna o sucesso na saída. Todos saíram, mas nem todos foram bem-
sucedidos. O Perly Cypriano fez uma campanha em 1980 como ex-preso político e ninguém
queria votar em quem foi preso. "Eu vou votar em quem foi preso? O cara deve ter feito
muita sacanagem!"... Mas cumpriu o papel dele naquela época
242
COLNAGO, César. Vitória. Depoimento em 20 maio 2008
M - Como você entrou no movimento estudantil?
CC - Eu venho pra Vitória, entro na Escola Técnica, da Escola Técnica começo a conhecer
o que é o mundo, a vida política. Saí da minha comunidade que tinha muito do envolvimento
na Igreja, e na política por causa do meu pai, mas eu era contrário a ele. Ele era ARENA e
eu era MDB Jovem... E aí eu vim pra Vitória, mas na verdade eu entro um pouco mais no
movimento quando eu faço universidade, eu passo em uma turma que é muito ativa. Minha
turma, eu passei pra segundo semestre, eu fiz medicina, sou médico, é porque eu nunca
usei muito essa coisa de medicina. Eu passo em uma turma que tem Anselmo, que tem
Ernesto, que tem Chiquinho, Fernando Pignaton. Lá encontro um monte de gente: Lelo,
Fernando Herkenhoff, Geraldo Correa, Merli, um monte de gente. Nesse período eu faço
movimento dentro da minha sala de aula com conexão com esse grupo que já começava a
sinalizar a entrada pro partidão, e eu ainda fora. Mas eu era tímido e fazia o movimento
político da turma, no máximo alguns movimentos junto aos outros.
M - Você era um representante de sala...
CC - Era representante de sala, um líder, era líder estudantil de turma...
M – Da turma do Anselmo?
CC - Não. Eu era seis meses depois... Nós fizemos vestibular juntos, mas aquela turma de
qualquer forma era referência pra gente, e eu mais alguns colegas...Erivelton... tínhamos
muita relação com Chiquinho...Eu fazia na minha turma, nunca ia pra frente, fazia discurso
mas era muito de organizar a base embaixo Ia pro DA, não era nem CA, era DA e lá a gente
ajudava em tarefas, era militante, mas não era uma liderança, um expoente era líder da
minha turma. Tinha eu, tinha Elivelton e Jairinho, nos três que participávamos do movimento
geral... Por exemplo, minha mulher, que está comigo até hoje vai fazer 30 anos, eu conheci
no movimento.
M - Ela era da psicologia?
CC - Ela é psicóloga, ela fundou o CA de Psicologia. Ela era primeira turma e eu fazia
medicina e ela fazia psicologia, no inicio, ela estava no primeiro ou segundo período, sei lá,
por causa de um colega da medicina que era vizinho dela, nos conhecemos, e ela no
movimento. Mas ela fazia muito mais militância, muito mais à frente, fundou o CA, entrou
também no partidão pela via universitária. Eu entrei pela via universitária até porque morava
comigo Adão Célia que era da turma de Anselmo, do Ernesto, do Chiquinho, dessa turma e
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acabei que entrei no partido também. Só que eu entrei no partido e aí eu, Adão, Carlinhos –
Carlos Roberto Rios, médico, tudo da turma do Anselmo, fomos fazer movimento popular
porque o partido precisava de gente que fosse lá pro meio operário...
M - Que era uma dificuldade do partido...
CC - Era uma dificuldade, e eu que não tinha muita identidade com movimento de classe
média, eu vinha... eu era classe média lá no interior mas as minhas origens de ter contato
com gente pobre pela Igreja, pelos movimentos de base... eu tinha facilidade de conversar
com os operários da construção civil que era um movimento sindical... eu fui, não só eu, nos
fomos para a Serra: eu Carlinhos, Adão e Bezerra, quatro médicos. Bezerra aquele
carequinha, um que não tem cabelo, não tem cílios... mora aqui em Maruípe...Então na
verdade o seguinte, eu estava com militantes como um líder de grupo, de turma no
movimento estudantil, participava das assembléias, ajudava, mas não era de frente. Mas
comecei a desviar a minha atenção pro movimento popular, fui pra Serra, ficamos atuando
em alguns bairros da Serra. A primeira greve civil, nós estávamos no meio, greve na CST,
tinha que ter a gente por trás. Morava em Sossego, Cantinho do Céu, Invasão de Jacaraípe,
Vista da Serra Continental, Areinha. Todos eram bairros alterados e nós lá, sabe com
quem? Um “Capital’, Marta Hernecker, era uma escritora chilena ou portuguesa, chilena,
que tinha textos mais leves, mais fáceis, de uma certa interpretação do capital, do
socialismo, todo mundo... Nós formavam grupos de operários, principalmente da construção
civil, que era um núcleo que estava mais se organizando e até porque era a base mais
constituída da Serra, porque tinha também algumas pessoas dos Ferroviários, mas o quente
era a construção civil... A população era maioria da construção civil.
M - Você conseguia fazer o circulismo? Eles liam os textos?
CC – Direto. Eu pegava ônibus à noite, saía debaixo de chuva, lama... Estudante de
medicina e não sei que horas da noite... “Ah! Não vai dar pra ir pra casa não? Durmo aqui”
na casa de João Tonão, na Vista da Serra, na casa de Zé Onofre que foi vereador muitos
anos depois, na casa de Mário, tudo gente que tem trinta anos que não vejo.
M - E eles discutiam os textos ali?
CC - Liam os textos, alguns se filiaram, outros ficavam simpáticos, todos eles de certa forma
ponderaram também na Igreja. Tinha um padre comunista, um padre da igreja católica,
Luciano, se não me engano, que o centro de operação dele era aquele centro de
treinamento em Carapina. Ele tinha sido, ou era muito simpático ao PCI, gramsciano
também, então ele ajudava a gente e tal, não sei se ele tinha sido filiado ao partido, mas
tinha todos esses movimentos da Serra. E nesse período a gente funda a Federação dos
Movimentos Populares que disputava um movimento, que depois foi pro PT, chamado MEP,
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Movimento de Emancipação do Proletariado, que tinha Brice (Bragato) e tinha não sei
quem... neste movimento. É que na verdade nós atuávamos todos no MDB, depois PMDB e
a gente no partidão...
M - Mas você já era filiado ao MDB nessa época?
CC - Já era filiado ao MDB. Em 78, 79 por aí... Tudo isso à partir de 77, na minha entrada
em 77. E em 78, 79, o prefeito da Serra, em plena ditadura era Zé Maria Miguel Feu Rosa. E
o “pau quebrava”, porque ele tinha gente ruim perto dele, policiais...E a gente confrontava
por baixo, armava as coisas... E aí começamos a fazer movimento popular, o nosso
movimento, Bragato estava pela Serra nessa época, Fernando Herkenhoff estava pela
Serra, Lelo... Mas os motorzinhos éramos nós quatro. Aí encontramos gente do partidão
antigo, tipo João Pernambuco...Em Novo Horizonte, encontrávamos outro do partido perdido
não sei onde, e íamos unificando essa coisa. Íamos fazendo o movimento. Tinha um braço
sindical, não tão forte, o movimento mais popular era da construção civil. Com os operários
que moravam naquele bairro, a gente também acabava discutindo as questões do capital e
do trabalho na prática.
M - E você fez parte da comissão de mobilização popular do MDB?
CC - Eu fiz parte, quer dizer, eu participei efetivamente deste momento do MDB, a juventude
do MDB. Eu comecei a me envolver com MDB e com movimento popular e fazia medicina.
Aí formamos a Federação, a Federação teve o Bragato como primeiro presidente, que
depois virou do PT.
M – Qual federação?
CC – A Federação das Associações de Moradores da Serra. Nessa federação nós fizemos
um baita movimento de saúde contra José Maria Feu Rosa. Fizemos cartazes, tinha isso
guardado até uns dias atrás. E aí colocamos José Maria com muito mais pessoas na rua e
ele teve que ir lá, falar em cima do palanque. Imagina ele que é autoritário, em cima do
palanque... E é gozado, a turma do PT, que era do MEP, apostava que a luta principal era o
transporte e nós falávamos que a luta principal era a saúde, então participamos desse
processo. Aí fundamos a Comissão de Saúde da Serra e reunimos no salão principal,
muitos meses do ano. Atrás da Igreja da Serra antiga, tinha um salão, os padres sempre nos
apoiavam. Então assim, a gente construía as relações. Aí chegou lá na frente eleição de 82,
o PP se desmancha e junta com PMDB, já era PMDB. Aí a gente tinha a sublegenda...Foi a
eleição que a gente teve um grande movimento na Serra em torno da eleição. O Mota era
candidato a prefeito mas, nós apostamos no Getunildo, que era um sujeito sério, de história
política, mas muito lento, muito devagar, ele não ia chegar em lugar nenhum, mas a gente
245
achava que ia. Mota ganhou a eleição disputando contra o pessoal que representava
naquele momento os resquícios ainda no final da ditadura, perdeu candidato, ganhou
votos...Tinha um núcleo que era o grupo do partidão que tinha o Stan, o Felício, o Paulo, o
Lauro...Na Serra o que nós fizemos? O que aconteceu no processo eleitoral? O processo
eleitoral escolheu Stan em Vitória como candidato a Vereador, o Felício em Vila Velha, o
Paulo para estadual, Mirtes candidato a deputado federal e a gente apoiou Berredo... Ele
não era filiado, mas era um simpático, estava próximo, reunia com a gente, e Camata
governador. Eu tenho foto, isso eu tenho foto, da camisa que eu tirei... Deixei essa fotografia
com alguém, não sei quem é, mas isso eu tenho lá em casa... Eu te arrumo. Aí estava lá
Camata, Berredo, Mirtes, não tinha prefeito e Paulo Hartung...
M - Mas o Mota não fazia parte desse grupo do partidão
CC – Não. Essa era a chapa de Vitória, essa que tinha Stan, não tinha candidato a prefeito,
Felício a maior votação proporcional do estado, o Stan melhor de Vitória... Enfim, demos a
Paulo, esse movimento na Serra, do Partidão deu a Paulo quatro 4 mil votos ou 3.900, muito
voto pro Paulo. Ele foi bem votado em Vitória, em Vila Velha, que era natural porque o
movimento tinha mais a ver mesmo...A Serra era operário.
M - E tinha o apoio de Guaçuí também?
CC - Vila Velha, muita gente daqui de Vila Velha e da terra (de Paulo Hartung) e Moulin e
Serra foi uma surpresa porque a Serra deu... quer dizer esses quatro municípios devem ter
dado ao Paulo, com a votação que teve, 80% dos votos. Tipo assim, 4 mil aqui, 3.900 ali ,
4.200 ali ... Um monte de voto em Guaçui e tal... o trabalho nosso foi principalmente na
Serra, mas mesmo assim eu tive não sei aonde em Vila Velha, em um movimento nosso do
partidão, andando em Vila Velha conseguindo voto pra Paulo.
M - Vocês não conseguiram candidato na Serra do partidão?
CC - Não. Nós éramos todos de fora, morávamos todos aqui e ninguém tinha, naquele
momento, a pretensão de colocar candidatura de vereador. Nós apoiamos uma base, que
era a base Getunildo e o Mota entrou com quase todos vereadores eleitos pela nossa base,
se você pegasse Zé Onofre, Mário, João de Barros, tudo era gente da relação com
Getunildo. Getunildo era uma pessoa que trazia gente que tinha história na Serra, mas ele
não conseguia alavancar votos e o Mota entrou com mais força...Mota foi candidato a
prefeito, aí ganhou porque tinha sublegenda.
M - Eu não conhecia o movimento da Serra. Conte como foi a participação?
Foi sublegenda. Então você tinha Mota, o Getunildo e tinha um terceiro ainda no nosso lado
lá e do outro lado tinha os outros. O mais votado, votava a legenda e depois olhava quem
246
teve mais voto ... então Mota ganhou. Pra você ter idéia daquele movimento, da força: Mota
foi na Federação apresentar um projeto de transporte que na verdade era a discussão de
integração de Transcol nasceu nessa reunião da federação de Moradores se solicitar gente
que esteve mais a frente... por que nós só tratávamos mais da saúde e acabou que ele quis
puxar essa discussão pra integração de transporte coletivo, já começou a fazer desenhos
com gente que entendia um pouquinho sobre transportes e essa discussão lá em 82, 83
começa a nascer lá.
M - É porque o Transcol ele veio com o Camata, então ele é mais dessa época mesmo.
CC - Então essas idéias, essa coisa de integração municipal começou a surgir nesse
movimento da Serra.
M - Então voltando a 1982, você fazia parte então da comissão de mobilização popular
apoiando esse município?
CC - Eu morava na Serra nessa época, nessa época eu mudei pra Serra. Adão também,
Carlinhos não e o Bezerra já tinha naturalmente a família que era serrana, moravam todos
do lado serrano. Aí agente elege o Paulo deputado estadual...
M - Seu desligamento do PCB. Como veio essa questão do desencantamento? Eu
queria que você falasse a sua versão do desligamento do partidão.
CC - Na verdade eu era muito ativo, eu me dedicava muito, eu era muito obediente às
regras do partido. Só que o partido fazia muitas reuniões, reuniões grandes no hotel, numa
via central de Vitória, pra decidir não sei o que, essas reuniões históricas... tinha para decidir
Camata e Max lá atrás. Reunião na casa do Lelo...Tem muitas historias aí que a galera já
deve ter te contado. Na verdade, eu me formo em 82/83, me caso, morando na Serra e
atuando no partido, mas aí eu senti que o partido, ao mesmo tempo que dava formação
política e ideológica boa, acho que todos os quadros desse país.. muitos deles até então
tinham esta influência... É claro que tem outros, justamente como PT, que dão uma certa
formação mais ideologizada, mais de leitura e tal... Mas eu senti que começou a surgir uma
certa amarra, eu começava a me sentir muito preso, parecendo aquela coisa muito ortodoxa
de igreja, e eu queria ter mais liberdade do meu pensamento... Eu comecei a discordar de
alguns posicionamentos do partido, mesmo de algumas visões que eu começava a
amadurecer. Algumas coisas que eu achava que eram meio infantis. Comecei a ficar mais
na dúvida e aí vem o debate, aí começa: um colega sai, o outro saiu, um aqui, outro ali, quer
dizer, dentro disso, eu comecei a murchar, eu comecei a ver que não era bem assim, que
era muito partido pra minha cabeça.
247
M - Isso coincidiu com a volta dos líderes do partido ao Brasil?
CC - Isso foi coincide ainda quase que no momento da legalização, mas antes de legalizar
eu já tava fora, eu já tinha saído, eu já tava assim...como a gente tinha uma militância
dupla....
M - Um tempo depois, porque o Paulo Hartung saiu poucos meses antes de entrar
para eleição.
CC - É, isso. Eu devo ter saído final de 83, um ano depois dele. Aí esse movimento começa
a haver uma certa dispersão e aí eu saio. A gente tinha uma filiação dupla, e aí eu estava no
PMDB, eu continuo no PMDB... Em 84 é quando eu estou formado e vou fazer residência,
me dedico um tempo fazendo residência, estudando, com a minha família. Continuo na
verdade, muito mais assim, como diz Azedo, meio que “alma penada”, porque o meu sonho
dourado e comunismo e socialismo começa a se desmanchar no ar e ai comecei como essa
“alma penada”: O que eu vou fazer da minha vida pública? Porque eu gosto disso...
Comecei a me aproximar mais de Paulo...
M – Ele já era deputado estadual?
CC - Deputado estadual... fiz muita campanha pra ele, muita campanha. Foi o que eu mais
fiz...A campanha que eu mais me dediquei foi a dele, depois foi a minha primeira de
vereador, a minha primeira de deputado, que a segunda e a terceira que eu fiz de vereador..
Eu fiz menos para mim do que fiz para Paulo para prefeito. A segunda para deputado
estadual foi muito mais fácil, não tinha aquele trabalho... porque foi um trabalho de quatro
anos, então na campanha eu não fiquei igual a um doido, nem estresso na campanha ...
M – Quando foi a sua campanha de vereador?
CC - Foi junto com Paulo, foi 1992. Paulo foi pra prefeito ...
M - Você então estava clinicando nessa época, em 1984?
CC - Em 1984 eu continuei fazendo residência...
M - Você teve alguma participação no movimento das Diretas?
CC - Na verdade, o movimento que me deixou mais emocionado, não foi nem de política
não, foi no movimento estudantil que foi a coisa mais bela que eu já participei, que foi contra
a instalação da Flexibrás. Dois momentos do movimento estudantil, que eu estava no
movimento popular, que eu participei ainda um pouco mais intensamente, foram da
Flexibrás e da enchente. Da enchente foi muito bonito.. Aí tem tudo a ver com meu mundo
Cristão...Você pode virar o capeta que for, mas ta lá dentro de você alguma coisa daquilo ...
248
Aquele movimento da chuva, da solidariedade, ir pra Colatina, que foi uma coisa que eu
participei.
M - Todos falam com muito carinho desse evento...
CC - Muito carinho, evidentemente eu não era líder do movimento estudantil, mas eu
ajudava como um soldado, como um elemento de militância... e depois foi um movimento
que a gente achou que a Flexibrás ia acabar com a Grande Vitória . Foi muito gozado,
porque depois eu virei secretário de meio ambiente do Paulo e “pô, a empresa está aí e
ninguém nem sabe”. Não tinha aquele alarde que foi anunciado mas foi um movimento que
botou dez mil pessoas na rua, dez mil pessoas na frente do palácio. Foi muito capitaneada
pelo movimento, já ecológico, que estava nascendo, mas pelo movimento estudantil. Nas
Diretas Já, eu estava muito mais próximo, já do Paulo. Tanto que no dia que o Paulo foi lá
votar, que ele esteve no Congresso, eu estava na casa de um eleitor em Tabuazeiro
assistindo e fazendo campanha pra vereador e fazendo campanha pra prefeito para o Paulo
que era deputado federal.
M - Você se filiou no PSDB?
CC - Sou um dos 300 fundadores. Na verdade, nós estávamos no PMDB e a discussão que
a gente começou em relação com algumas lideranças que o Paulo trazia de São Paulo,
começamos a discordar e achar que nós tínhamos que ir pra um partido que desse um
passo a frente...A social democracia que a gente acreditava, que o socialismo seria um
processo.. E fomos apoiar a social democracia, até pela formação da gente, mais de centro
esquerda... E fizemos uma discussão interna já que estava no mandato do Paulo no PMDB.
E fizemos a opção de filiar, nós filiamos gente rapidamente, um grupo de pessoas aqui...
Fomos os primeiros a fundar o PSDB. O Paulo caiu com uma turma na ficha do PSBD. Para
nossa surpresa o José Ignácio tava fazendo o mesmo com um monte de gente ruim que
também entrou no PSBD. Essa história já começa ambígua, de certa forma, no sentido de
que a gente achou que ele fosse ter um certo controle, de domínio mais forte desde o inicio.
M - Então o José Ignácio não vem junto com vocês, ele estava andando em um
caminho paralelo?
CC - Paralelo, tanto que não acontecia, tanto que para o Senado nos apoiamos o Berredo lá
atrás. O José Ignácio não tem uma história intima, próxima do pensamento nosso e da
nossa historia, não tem.
249
M - É eu achei que quando montaram o PSDB vocês estavam juntos?
CC - Ninguém sabe da onde saiu aquilo, então foi um outro movimento, uma outra liderança,
com um outro perfil, com outro líder.
M - Mas ele estava alinhado em Brasília ou com São Paulo, ele se alinhava com a
mesma origem de vocês na verdade?
CC - Sim. Primeiro que era um grupo... Serra, Covas, Franco Montoro. Não eram dois
grupos dentro do PSDB.
M – Qual foi a sua participação nas eleições de 1986?
CC – Participei. Foi um momento que o Max que tinha perdido pro Camata e a posição do
partidão foi de apoiar Camata, entendendo que era um processo de transição. Foi o
momento em que o Max foi candidato e a gente coloca a candidatura do Paulo, apoiando a
reeleição do Paulo. Nós sofremos muito no final do Governo do Camata com as posições...
o Paulo fazendo um mandato muito verticalizado, a gente estava até mais independente e o
José Ignácio querendo passar o trator em cima da gente, José Ignácio não, José Moraes,
mas a gente consegue sobreviver o Paulo vai e tem uma estúpida votação, aí foi todo
movimento nosso de ajudar ele muito nessa eleição e tal...
M - Essa eleição foi muito diferente da que foi feita em 1982? Porque em 82 vocês
tinham saído da faculdade, estavam no movimento estudantil, voto a voto, os jovens
na rua... Qual foi a diferença?
CC - Na verdade ... teve diferença. Porque na verdade eu acho que o Paulo na primeira
eleição, a garra que a militância teve na eleição do Paulo deu ao Paulo, só o destaque de
ser líder estudantil. Na Universidade ele jamais se elegeria... Agora, no segundo mandato, aí
eu tenho que tirar o chapéu pra ele. No segundo mandato é muito fruto da sua liderança e
do seu desempenho. Até porque a energia, até a idade já começa a ser diferente, a energia
e a motivação e mesmo um processo natural de gente que está satisfeita, gente que não
está satisfeita, gente que ta empregada, gente que não está. Na verdade essa militância
esta quase toda em torno do Paulo, boa parte dela, trabalhou muito pra eleição dele, mas o
resultado da segunda votação eu acho que é muito também desempenho dele, da condução
dele. É lógico que essas coisas, ninguém faz campanha sozinho. A primeira foi muito do
movimento... o que nós fizemos na Serra... o Paulo muito pouco foi lá, era um trabalho
nosso de forminguinha ...No segundo também teve, mas aí essa agregação imensa de votos
muito superiores, acrescenta que era o trabalho dele, a posição dele dentro da sociedade
que aprovava.
250
M - Você continuava na sua vida como médico e participando efetivamente do grupo?
CC - Participando efetivamente do grupo e nesse período já morando aqui, já tinha saído da
Serra. O movimento da Serra foi de 78/79 até 84 mais ou menos, e aí já aqui participando,
as vezes mais as vezes menos.
M – E na eleição de 1992, você veio como vereador. Como é que foi essa
composição?
CC - Nesta etapa pelo interior eu fazia muito movimento, gostava muito de política, atuando
como médico, fiz residência na área de medicina comunitária, fazendo pós graduação na
área de saúde pública, administração hospitalar e aí eu acabei num processo de reflexão
com a minha companheira, com a Vera... “ah você gosta muito desse troço, eu acho que
esse negócio te realiza mais do que qualquer outra coisa”... a Vera tem muito disso, você
faz aquilo.. que você tem que gostar, não faça... Tem um amigo meu, Cristiano, que está
nos Estados Unidos desenvolvendo um aparelho para colocar no dedo que te dá tudo,
hemoglobina, glicose, tudo sem furar, ele tava me falando assim, tinha anos que ele não me
via e tava falando assim: “César política deve fazer bem” e eu falei “Por quê?” “Ah porque
você está com uma cara de jovem, você ta muito bem...”
Eu tinha um relacionamento muito próximo do Paulo, coordenando campanha dele e ele me
chama e fala assim “Cesar nós estamos fechando aqui uma aliança com a prefeitura. Você
podia assumir a secretaria de saúde? Fui secretário de saúde num período antes ainda, do
Hermes, numa aliança, tava eu e Robinho.
M - Quando vocês apoiaram Hermes Laranja?
CC - Robinho lá na SEMURBES, se eu não me engano, a menina no meio ambiente... a
minha amiga que ta aqui, a Glorinha, mas não foi indicação do Paulo, pode até ter sido. Mas
politicamente era Robinho e eu. Edivacir na Cultura...E eu fui, não mais pelo partidão, eu fui
por indicação do Paulo. Mas acontece que ficamos lá uns dez meses e o Hermes fecha uma
aliança com o Nilton Gomes, o negro que era deputado e a gente fecha com Vitor.
M - O Governador falou que vocês foram até à contragosto apoiar Hermes, que na
época vocês queriam apoiar Vitor, mas foi feito um acordo com Camata.
CC - Nós não queríamos isso...enfim, eu não fiz muito campanha, mas apoiei, mas sem
aquela coisa de muita rua. Quando fui secretário sabia que não ia durar muito, mas tenho
maior respeito por ele, porque no dia que ele fechou o acordo ele me chamou e falou assim:
“César eu preciso do seu cargo” na minha frente. Eu falei “o cargo é seu, o cargo é de
administração política”... Eu disse “Eu agradeço por me chamar, eu já esperava por isso e
tal. Então vamos lá, chegamos em 92. Por que é isso, antes eu tinha sido secretario de
251
município, aí comecei a criar uma relação, era médico em São Pedro, em cima do lixão, era
médico em Bairro da Penha no morro e nesse período aí virei secretário um tempo, sai
dessas funções, fui médico em Maria Ortiz, abri o posto em Maria Ortiz junto com outras
pessoas que era uma coisa que vinha aí do Gerio Farias, do Governo anterior do Camata.
Fiquei como médico aqui da região. Saí da Serra, fiquei como médico. Quando eu vim
candidato, o Paulo também se colocou candidato, aí a Vera disse assim “César, assume de
uma vez, fica aí disfarçando aí...” E a gente entrou em campanha no grupo, não sei se já te
contaram essa história...
M – Foi uma gestão foi muito complicada, não é ?
CC - Bragato, Serginho e eu dentro do grupo que queríamos ser vereadores.
M - Quem era o outro? Serginho Aboudib? Que momento Serginho aparece nesse
grupo?Porque ele não é do movimento.
CC - Não, ele era um pouco mais novo. Essa turma toda nossa: Bragato e eu, estamos
entre 49 e 52 anos. Lelo e Fernando, 52/53. Alguns com 48, eu com 50 e Paulo com 51,
então o Sergio é um pouquinho mais novo...
M – Entrou no grupo por causa do irmão?
CC - Por causa do irmão e ele já ia entrando e na eleição do Paulo. Ele aparece e aí nós
começamos, nós conversamos, nós três fizemos um pacto... disse: “Não dá pra sair nós
três”. “Vamos escolher um grupo de cardeais (brincando), com um grupo que nós três
vamos escolher. Esse grupo senta com a gente e escolhe qual candidato”... na casa de
Dayse e Lúcio. Fizemos um grupo de 30 pessoas, mais ou menos, não lembro quanto e nós
escolhemos assim discutindo ... “ah fulano! É esse cara é puro sangue”... nós deixamos
evidentemente Paulo de fora, a Cristina de fora e tal e eles escolheram lá, votaram e...
M - E aí você foi escolhido ?
CC - Aí saiu a fumacinha e fui escolhido. Aí fui candidato e trabalhei muito na base da
militância política e em torno das pessoas que tinham aquela origem, trabalhei em três
bases mais importantes. Primeira base da militância mesmo, do partido, do ex partido que a
gente era. Trabalhei muito com a minha relação com os pacientes, mas sem essa coisa de
vinculação médica, aí é pela relação pessoal, que ele me adoram, até hoje votam em mim.
E fui buscar os meus conterrâneos, que eu sei que isso é forte. Lá na minha cidade, eu fui lá
e peguei a caderneta das pessoas antigas e fui lá com seus filhos, sobrinhos, netos... Aí
tinha 400 famílias aqui, 500 famílias aqui dentro, aí não fiz dois discursos..
252
M - Mas você também estava apoiando Paulo pra prefeito ?
CC – Paulo para prefeito... e eu andando pra disgrama e eu fazendo campanha pra
vereador, aí fui eleito, décimo primeiro colocado.
M - Me parece que nessa campanha vocês chegaram perto de perder. Por que?
CC - Essa campanha teve muito problema, desde finanças até a elite de Vitória, a liderança
de Vitória. Paulo era um desconhecido, no sentido de convivência, era um sujeito que veio
da roça, veio morar aqui e ainda vira direto Prefeito da Cidade. O Luiz, boa parte da cidade
tinha dívida com ele e tinha muitos problemas, médico antigo, tivemos batendo na trave pra
sair fora... não foi fácil.Era tudo novo para gente, a gente era muito inexperiente, muito
eleição proporcional. Eleição proporcional em certos aspectos, se você fizer direito e tiver
coerência você vai embora não precisa de muita coisa. Você não precisa de maioria, agora
ali não, tinha televisão, rádio, maioria... foi um aprendizado danado pro Paulo e pra todo
mundo, quase perdeu...
M - E o seu papel nessa geração política?
CC - O meu papel dentro do grupo do Paulo, dentro desse pensamento foi muito de
conciliar, sou meio estilo padre. Eu sou muito conciliador, muito de compor coisa, muito de
agregar... na gestão da prefeitura com Paulo eu fiz muito isso... sempre com Jarbas e
Arimathéa... conversava com um, trazia pro Paulo.. Sabe aquela coisa? Então eu fui com
Paulo para secretário de meio ambiente e educação e líder dele na câmara.
M - Você se elegeu e mesmo sendo vereador você acabou assumindo a secretaria?
Nem assumi Eu saí no outro dia, fui direto pro meio ambiente, do meio ambiente eu fui pra
educação, voltei no final pra ser líder do governo e aí assumi pra reeleição. E nesse período,
eu fiz muito esse papel de.. eu ouço muito, eu converso muito e gosto muito da conversa
pequena, de pouca gente... muita capilaridade, eu gosto disso.
M - Como você considera o seu papel no grupo?
CC - Eu acho que eu me coloco nos dois perfis porque eu adoro conversar pra onde eu
quero ir, qual é o caminho que eu quero seguir, estrategicamente qual é a visão, qual é o
conceito das coisas pra que eu atue, mas eu também sei atuar, eu sei fazer, quer dizer:
Você é mais legislativo ou mais executivo? Quem está perto de mim, tem hora que acha que
eu sou ultra executivo, o que acontece direto [...] Eu sempre fui muito a pessoa que abria
mão da minha vontade própria, sempre tentado construir o coletivo. Para construir o coletivo
todo mundo tem que abrir um pouco mão do que pensa, para buscar a média, mas tem que
253
ter a interseção que é comum em todos. Eu aplico muito isso, quando fui candidato a
prefeito, foi decisão minha e do Luiz Paulo, inclusive dentro do grupo, ia pra perder, mas
íamos tentar. Em suma, eu sempre tive um papel assim... Fui líder do Paulo na Câmara, fui
líder do Luiz Paulo na Câmara e tentar viabilizar o projeto. Tem visão estratégica, mas sem
fazer movimento tático. A hora que recua, a hora que avança, “não, não faz isso não!” É que
eu sou muito comedido, não sou aquele cara que... eu sempre li muitos livros, mas tem dois
que eu li várias vezes que são: A Arte da Guerra e que é o Maquiavel essa era a sabedoria
ali, ou Baltazan que é um espanhol... o que você quer é fundamental, mas o que você quer
tem um meio ambiente aí na frente, tem pessoas tem obstáculos, tem meios, tem topografia
diferente, tem armas diferentes, então você tem que construir
M - Como você define a sua geração política?
CC - Eu acho que a nossa geração, a minha que é a nossa, é uma geração de pessoas,
assim.. tivemos um pouco da sorte que é essa coisa que eu acho que ela existe, apesar de
que Paulino da Viola diz que a sorte a gente é que faz. Isso é verdade... mas eu acho que
nós conseguimos nos encontrar, na universidade um grupo de pessoas que até pelo
momento vivido, a contraposição de falta de liberdade da ditadura, a gente se unificou em
torno de determinados ideais que a gente não perdeu, então é um monte de gente que
sonha, mesmo estando com 50 anos sonha, e que tenta construir sonhos, porque a vida é
um piscar de olhos e aí buscar aquilo que você acredita e sonha é a coisa mais importante
da vida e tem um grupo que pensa assim com pé no chão, com realidade, que se
desentende, que briga como irmãos mas essa geração é uma geração que com certeza ela
tem compromisso com a sua geração, está gerando produtos pra ver se deixa um legado
pras outras gerações melhor do que nós encontramos, porque é a construção do bem estar,
do meu discurso... eu tenho no meu currículo, queria que você registrasse: eu fui o
presidente da Assembléia que deu posse ao Paulo, ao primeiro governador que do Espírito
Santo da mesma geração que eu do movimento político, e lá ele ficou boquiaberto porque o
Serra falou a mesma coisa, no meu discurso eu falei mais ou menos assim: que a minha
felicidade é conseguir levar felicidade a outros. A felicidade dos outros me deixa feliz, eu não
fico feliz só comigo, eu não acho que eu me vendo só eu bem que está bom pra mim. A
minha felicidade é importante pra mim, mas a minha felicidade ela é muito maior quando eu
construo bem estar social ou coisas boas para os outros, isso ninguém tira de mim. Que é
de certa forma um pensamento de determinadas correntes que eu leio, que eu gosto, e que
tem muito a ver com a Igreja Católica, com a nossa infância o adulto é o espelho da criança,
você foi formado até 14, 15 anos...
Então assim eu acho que a nossa geração, ela se empenhou, se embrenhou por aí. Pra
você ver quantos quadros, Lelo, Bragato, Stan, Anselmo, Chiquinho, Fernando Herkenhoff,
254
Geraldo, não sei quem, Jarbas Ribeiro, gente até que não estava dentro, mas que foi
influenciado por esse movimento. É muita gente, gente que ta em Vila Velha, que está em
Cariacica, eu acho que a gente ta aí cumprindo nosso dever e de certa forma tentando
construir um estado... Eu acho que se a gente conseguir não só, dentro da nossa geração,
não só esse pensamento que caminhou em torno do PCB mas alguns que estão se
agregando a esse pensamento tiveram sempre muito próximo, aí a figura do Renato e
outros.
255
DEPOIMENTO PAULO CÉSAR HARTUNG
Vila Velha, 30 de maio de 2007
Entrevista concedida aos alunos do Mestrado de História das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo: Margô Devos Martin e Renato Heitor Moreira
R- Como foi a retomada do movimento estudantil na época em que começaram as
articulações para a reabertura do DCE?
PH- Tem alguma coisa que antecede. Primeiro é minha formação familiar. Meu pai, pequeno
comerciante no interior. Depois, pequeno e médio comerciante aqui na Grande Vitória. Meu
pai era simpatizante do partidão. Então, isso tem uma influência dentro de casa. O debate
político, a visão do socialismo como um caminho para a humanidade. A contestação ao
regime militar, ao regime autoritário estava na nossa mesa de almoço. No dia-a-dia da
nossa família. Quando a nossa família veio do interior (eu nasci em Guaçuí, depois a família
foi para Iúna e depois para a Grande Vitória), eu estudei rapidamente em escola pública, o
colégio Padre Anchieta, que, antigamente, era ali na avenida Vitória, em frente a antiga
fábrica de juta. Meus pais, entendendo que a escola estava muito fraca no conteúdo,
fizeram um sacrifício brutal e, então, me colocaram no Colégio Salesiano. Lá no Salesiano,
eu já participei de atividade estudantil. Fui eleito pelas turmas o coordenador do Grêmio do
Colégio. Eu estudei 10 anos no Colégio Salesiano. E, em algum momento dessa
caminhada, eu virei coordenador (do Grêmio). Era uma coisa ainda pouco ligada à atividade
política, mais ligada à atividade literária e esportiva. Mas já tive ali uma ligação com aquilo
que é movimento estudantil secundarista.
Quando eu fui para a Universidade Federal do Espírito Santo, foi um pulo. No básico, ainda,
a gente já começou um debate, uma articulação, que resultou na chapa Gota D’Agua, que já
dentro do CCJE, nós articulamos um movimento no sentido de retomar a entidade estudantil
para uma agenda de luta estudantil, de melhora da qualidade do ensino, de verbas para a
Educação, de um debate em torno de questões nacionais na luta pela reconquista da
democracia, que, depois, embute a questão da anistia (que um tema que mobilizou muito, à
época e assim por diante) ali foi o primeiro movimento. Curioso dessa história é que eu entro
na Chapa Gota d’Agua na posição de diretor esportivo da chapa. Eu me lembro da Dalva
Ramaldes brincando comigo, hoje Professora Dalva Ramaldes, deve ter muito o que contar
dessa época, deve também ter muito o que contar dessa época, fui um desperdício esse
rapaz sendo diretor de esportes. Porque tanto no Salesiano, como no período inicial da
256
minha atividade na Ufes, eu tive muita ligação com a prática esportiva: joguei handebol,
joguei futebol de salão; ninguém acredita, mas joguei voleibol (baixinho desse jeito). Então
eu entrei na chapa... na chapa já naqueles primeiros movimentos, se eu não me engano
(depois eu tenho que checar) era a questão no Encontro Nacional dos Estudantes, a gente
já eleito, teve disputa, a Gota D’água disputou com a chapa tradicional lá de um pensamento
político, que na época era tido como conservador, mas hoje pessoas dessa outra chapa
fazem parte do movimento progressista curiosamente, mas é também a vida. Mas teve essa
disputa, já com a chapa eleita, já com atuação, o Quincas era presidente da chapa, o Chicó
era uma figura importante, depois foi pra São Paulo, jornalista, era estudante de jornalismo
na época, Bragato tava na chapa se eu não me engano, quer dizer, já na atuação dessa
nova diretoria do DA, não era CA na época era DA, o Diretório Acadêmico do CCJE, nós
fomos representar o Espírito Santo. Eu, Dr. Adalto Emmerich e um terceiro estudante de Vila
velha, que eu to lembrando aqui, está me falhando a memória. Nós três fomos representar o
ES no EN que era o movimento que se fazia na época para reorganização da UNE. Este
encontro foi em Belo Horizonte. Nós já saímos daqui sendo acompanhados pela Polícia
Federal. A gente só descobriu isso no meio da viajem quando o ônibus parava, checava as
presenças e os três foram presos na entrada de Belo Horizonte. Fomos levados, acho que
para o DOPS de Belo Horizonte. Eu me lembro do prédio até hoje e isso criou um bloqueio
com a cidade de Belo Horizonte. Eu não gostava de voltar lá. E nós ficamos lá, presos de
um dia para o outro. Me lembro até a motivação que a gente foi solto às pressas no dia
seguinte. Porque a esposa do Carter, presidente dos EUA de então (não me lembro do
nome dela) estava visitando o Brasil, estava em uma campanha pelos direitos humanos no
mundo e na América Latina e o Governo Brasileiro, envergonhado deste episódio, soltou os
estudantes rapidamente. Mas o Adalto ainda teve que voltar à polícia aqui, para depor, e
assim por diante. Esta é a retomada da construção das entidades estudantis. No bojo desta
questão entra a discussão da reabertura do DCE da Ufes, que era uma entidade proibida,
naquele momento. E, pelo Brasil a fora, começava esse processo de reorganização e o
movimento caminhou nessa direção da gente ajudar, em nível nacional, na reorganização
da UNE e trabalhar aqui em baixo no sentido da reorganização do Diretório Central dos
Estudantes. Mas eu diria que esses foram os primeiros passos, eu não tenho detalhe...
R - Passou por um processo de fortalecimento das entidades setoriais, os DAs?
PH- Isso aí. O biomédico era muito forte, era o motor importante do processo, porque o
último ataque do Regime Militar na desarticulação do movimento estudantil foram lideranças
do Biomédico que foram presos naquela época.. Se não me engano, no ano de 72, quando
Vitor foi preso, Iran Caetano foi preso. Dali do Biomédico, tem um núcleo que se organiza
um pouco na frente da universidade. Claudino de Jesus, eu acho que Merli é figura chave
257
dessa rearticulação, Lauro, Geraldo, da medicina que trabalha na secretaria estadual,
Geraldo Correa. Tem um núcleo ali que sai na frente.
R - E nos demais centros, quem eram as lideranças mais importantes?
PH- Eu me lembro do Broseguini, na Engenharia; mas depois tem lideranças que se formam
em oposição ao movimento que a gente fazia: Shaolin, que está em Goiás, acredito eu, que
faz muito tempo que eu encontrei; tem um movimento pedagógico, que nasci ali, a Vera –
esposa do Cesar Colnago – tem a ver com essa reorganização ali na área da Psicologia, no
CEG (Centro de Estudos Gerais); a gente organiza Centro de Artes, organiza lá o centro de
Educação Física,; lá em Alegre, no Centro Agropecuário, eu me lembro que era o falecido
Barone, que tinha um papel de relevância. Acho que a reorganização do movimento cultural
teve um papel muito grande, com o cineclubismo, a Martinha Baião – era mais fotografia,
mas era um pouco teatro também –; a Lucinha Chequer, sabe outras pessoas estavam
envolvidos. Essa volta com articulação cultural, de uma vida cultural dentro de um campus
universitário é uma coisa importante. Esse Festival de Alegre nasce nesse período, por ação
dos estudantes. Pouca gente sabe disso, o povo de Alegre não sabe, porque foi mudando
muito esse Festival de Alegre, tornando-se uma coisa profissionalizada, mas isso nasce
dentro daquele momento de movimento estudantil. A gente fez, na época, um festival de
música, lá em Alegre; fizemos um aqui, em Vila Velha (se eu não estou enganado). O de
Alegre seguiu em frente, tomou o seu formato próprio.
Mas eu me lembro muito bem da gente sentado ali naquele espaço onde era a Subreitoria
Comunitária (Penina era o subreitor), ali mesmo naquele espaço ali a gente sentado, com
representantes de todos os centros, trabalhando os debates da reorganização do DCE, isso
eu me lembro eu tenho essa imagem da gente sentado ali , naquele processo. É isso, como
você disse: a gente organiza nos centros, obtém musculatura e, aí, com um pouco mais de
organização, dá o passo de organizar a entidade central e vai para o processo eleitoral.
Concorrem quatro oucinco chapas, entre elas a “Construção”, eu lembro o nome. A nossa
chapa que eu presidi, que eu disputei e aí nos fomos eleitos com uma votação proporcional,
na Universidade, extraordinária (mais de 70% - 5900 votos), que não tinha sido obtido por
nada na história da universidade. E aí nós começamos a vida de uma entidade estudantil
tratando do conjunto da Universidade Federal do ES, buscando articulação com o
movimento secundarista, que era muito embrionário. Mas já tinha lá o Moisés, a Lana, eu
vou lembrando dos nomes, Marcelo Ciano, um conjunto de jovens. A gente vai se
articulando com as outras faculdades, tentando trazer a EMESCAM (Albernaz da emescam,
que taí, médico), trazer as outras faculdades privadas. Tentamos um movimento em
Cachoeiro, criamos algumas coisas lá ... Aí você consegue ter um pouco mais de articulação
258
no movimento. Não só na UFES, mas em algumas outras universidades privadas também.
O DCE permite uma articulação maior.
Um corte que eu queria fazer é que a gente vivia um momento muito diferente desse. Às
vezes os estudantes me perguntam, quando me chamam pra conversar, por que era tão
diferente no tempo de vocês? Por que quando chamávamos os estudantes iam? Eu me
lembro da primeira passeata. Me lembro da primeira passeata depois de anos os estudantes
fizeram a primeira passeata na Jerônimo Monteiro. Apanhamos muito da polícia. Por que
dava tanta mobilização? Ia pra um Congresso Nacional juntava tanta gente pra ir, o
Congresso da UNE em Salvador, o Congresso de Saúde no interior do Paraná... Por quê?
O momento era muito rico. Você tinha uma fadiga do Regime Militar. Você tinha uma
aspiração pela liberdade, pela democracia, pela volta do direito das pessoas escolherem
seus representantes nos vários níveis essa coisa juntou, era um movimento com esses
elementos, quer dizer, você estava lutando para superar uma fase difícil que o país estava
passando. E os estudantes saíram na frente aqui no estado. Depois os professores se
organizaram na Ufes. Montaram a entidade dos professores e outros grupos foram se
organizar na sociedade e assim por diante. Era um momento próprio, não tem nada a ver
com o momento que estamos vivendo. A intensidade das coisas explodia. Foi um momento
riquíssimo que formou este monte de gente que está na vida pública, na atividade privada,
como profissional liberal. São figuras que têm um traço próprio em alguns aspectos
marcantes... Porque formou uma geração. Quando as pessoas me vêem falando de geração
é por isso: formou uma geração. Em outros momentos da sociedade brasileira forma uma
geração em termos de pensamento de compromissos, de valores, de princípios e assim por
diante. Foi um momento muito rico. As imagens que me vem, por exemplo, a gente, dentro
da universidade, carregando máquina de cinema para passar filme no centro. Mas o mesmo
grupo que fez isso, foi para bairro, em algum momento, foi pra bairro passar filme, fazer
debate com lideranças de bairro. Foi um momento muito rico. A Igreja Católica teve um
papel muito importante, a liderança de Dom João Batista, na época, de Dom Luis, que
também abriram espaço para estes movimentos nascentes na sociedade, estavam fazendo
um trabalho importante de articulação nas comunidades eclesiais de base. Era um momento
efervescente que, devagarzinho, os estudantes foram saindo dos muros da universidade.
Veio o episódio das enchentes, em 1979. E aí, os estudantes se articularam com o
movimento da igreja, se articularam com o movimento da Igreja (foi quando eu conheci
padre Alberto, que hoje trabalha comigo); foram para as ruas recolher alimentos; buscar
solidariedade para os desabrigados. Foi um momento próprio da vida do País e do Estado,
que não tem como fazer um traço de comparação do porquê mobilizou ali e não mobilizou
aqui. Ali tinha tantos elementos, se fazia assembléia para discutir média sete e ia uma
259
multidão. Se fosse média 8, também juntava. Na verdade, você tinha uma motivação, uma
mobilização que era própria do nosso tempo. Essas coisas vão e voltam, com
características diferentes. Não tem como comparar épocas distintas. Não é porque fulano ou
beltrano estavam. São circunstâncias da vida social que promovem essas coisas. Eu tenho
muito orgulho, porque acho que a minha geração aprendeu muito. Forjou valores e
princípios que norteiam a nossa ação. Quando me perguntam o que eu aprendi dentro do
curso de Economia, aprendi muita coisa importante. Mas aprendi muito mais fora da sala de
aula, nos corredores, nas assembléias, nas reuniões. Tudo isso treinou e formou o que eu
sou e o que muita gente é.
R - O senhor lembra se, nessa época, quando vocês estavam criando essa
musculatura para retomada do DCE, já pertenciam a algum partido?
PH- O “Partidão”
R - Qual foi a influência do Partidão na vida de vocês?
PH - Muito grande. O velho Partido Comunista, eu posso dizer, que foi uma escola de
formação de quadros no Brasil ao longo do tempo. E particularmente no período que nós
militamos, quer dizer, a questão da democracia foi ganhando um contorno muito
interessante na formulação do partido. O partido já não tinha participado da luta armada.
Não tenho nada a ver, não sou desta época, mas o partido tinha renegado a luta armada
como meio de derrubar o Regime Militar. Na verdade, enquanto outras forças achavam que
esse caminho, de um certo voluntarismo, na minha visão de alguém formado pelo partidão,
era um caminho de derrubar o regime Militar o velho Partido Comunista formulava uma idéia
de frente ampla, de buscar uma costura na sociedade entre as várias forças políticas que
tinham sido prejudicadas pelo Regime Militar e fazer um enfrentamento com uma política,
que se mostrou vitorioso. A realidade mostra que o outro caminho foi quase uma aventura,
onde se perderam vidas humanas, jovens idealistas e esse caminho, um pouco mais lento,
mas que foi ampliando, que foi jogando no desgaste do regime militar, foi abrindo brechas e
agregando forças que iam sendo contrariadas pelas ações do regime militar e pela própria
fadiga do tempo, esse caminho se mostrou corretamente.
Duas coisas que são importantes: é uma escola que valoriza a política. A política no sentido
forte do termo. A política como alguma coisa que substitui a luta de todos contra todos. Acho
que o partido ensinou isso para esta geração. É difícil falar isso com a juventude hoje, a
política é vista como os políticos desgastados né, mas eu estou falando da política,
instrumento civilizatório, eu acho que o partido ensina isso a gente. E com a evolução da
própria linha do partido com a influência do que estava acontecendo no PCI, no Partido
Comunista Italiano, isso influenciou muito o partido no período, que eu entro no partido,
260
participo da linha do partido que eram os chamados de Eurocomunistas, na época. Você
tem uma formulação que não mais é mais aquela do partido da década de 40, 50, que
pensava a democracia como meio para atingir alguns fins. Depois tomavam o poder e
implantavam a ditadura do proletariado. O pensamento que foi desenvolvendo no partido
lentamente no partido, já nessa época que eu entrei, era muito forte. Tinha um núcleo muito
forte na PUC do Rio, que de certa forma influenciou o partido aqui no Espírito Santo, que o
Luiz Paulo representava esta ponte, não da PUC mas do Rio para cá. A PUC era um centro
importante desse pensamento (me lembro da Dora, do Sergio Décimo – figuras importantes
do movimento estudantil da PUC, naquela época, essa turma influenciou muito a gente
aqui). É a visão da democracia como valor que depois Carlos Nelson Coutinho escreve um
texto que influenciou muito essa geração nossa: “Democracia como valor universal”, se
vocês não tiverem eu devo ter no meu arquivo, esse texto é muito importante.
De uma forma simplificada eu vou dizer: a democracia deixa de ter um papel tático e passa
a ter um papel estratégico. Passa a ter um valor permanente, ou seja, nós temos que
enfrentar o problema da desigualdade, nós temos que enfrentar o problema da miséria, nós
temos que buscar a emancipação humana pela via da democracia. Essa é a forma correta
da gente atingir os objetivos humanistas que estão engendrados no pensamento socialista.
Isso marca muito a formação da nossa geração. Eu digo sempre que uma escola importante
na minha vida foi o Partido Comunista Brasileiro.
R- Vocês estudavam as teorias?
PH- Estudei. Fizemos muitos grupos de estudos, na época, que era chamado de circulismo,
no sentido de formar gente. Lemos muitas porcarias. Hoje, passado o tempo, você olha de
trás pra frente. Mas não foi perda de tempo.
R - O senhor caracterizaria o grupo como gramsciano ou marxista-leninista?
PH- Gramsciano. Estudamos Lênin, estudamos Marx, mas evoluímos rapidamente em um
pensamento de um olhar com admiração para os escritos italianos, para o movimento que o
Partido Comunista Italiano vinha fazendo. Rapidamente recebemos os textos de Togliatti.
Recebemos os textos de Gramsci. Fomos procurar entender um pouco a idéia do
compromisso histórico. O que estava se pensando em termos de estratégia política na Itália.
De certa forma isto influenciou muito esse pensamento, essa geração. Só para lembrar, nos
refundamos o Partido Comunista daqui, a partir da Lilia, da Merli, do Luiz Paulo. Quem me
convidou a voltar para o partido foi Luiz Paulo Velozo Lucas, esse foi o núcleo que se
formou. Nós reorganizamos o partido aqui sem a direção Nacional do partido no Brasil. A
direção estava no exílio. Tinham os velhinhos: Seu Clementino, Vespasiano, Antonio Granja
(nesse momento tava fora, vem depois). São os velhos amigos do meu saudoso pai. O
261
Prestes estava fora do país, o Gregório de Bezerra estava fora do país, e por aí vai. Os
dirigentes estavam fora.
Há um grande choque quando vem a anistia e a direção volta pro Brasil e agente vai
conversar com a direção. Um grande choque, uma grande decepção, porque a turma que
estava estudando tudo isso, quando a direção volta trazendo como fato principal as
disputas, as brigas muito pessoais entre eles, Armínio, Giocondo Dias, parente do
Guilherme. Quando a gente vê a baixa qualidade da briga que tinha de direção, muitas
vezes vinculadas a questões pessoais, pouca formulação política, foi um banho de água fria
aqui e em outras partes do país. É diferente a figura legendária de Gregório Bezerra quando
nós o trouxemos aqui era um amor de pessoa, uma figura humana belíssima. Mas era um
quadro vindo do movimento social, da luta social. Não era um quadro formulador. Ao
conhecer o que o partido tinha de quadros formuladores, era um pensamento que tinha
ficado no tempo. Tinha como pano de fundo não uma luta em torno de teses, de idéias e
propostas, mas era uma luta muito pequena, em torno de questões pessoais. Isso foi um
choque de decepção.
M - Só pra eu entender bem, nós lemos aqueles escritos de Vitória e tem um trecho da
Dionary, do Comitê Central, quando ela vem aqui ela encontra aqueles jovens com
“Gramsci em punho” e da impressão que existia um racha ou um desentendimento do
Comitê Central em relação a você. Tem até um momento que ela fala que aqui não era
um partido, era um movimento de jovens. Então a impressão que dá, ela diz que é
como se fosse uma segunda intervenção, parece que a primeira foi o Azedo que fez.
Então já havia um certo desentendimento, uma certa divergência de pensamento
entre o Central e vocês?
PH - Eu acho que na verdade você refundou o partido com absoluta autonomia, com
autonomia das idéias, quer dizer, o mundo passava por debates importantes, eu volto a
dizer, os Italianos influenciando, buscando aí uma linha alternativa, isso nos influenciava
aqui. Na verdade o elo com o Comitê Central era a publicação do partido que era o jornal,
que era distribuído, era Classe Operária. Que era distribuído com muita dificuldade,
Anselmo tinha uma bolsa de couro grande, se a Policia Federal quisesse carregar,
carregava. Essa bolsa eu que dei pra ele, eu comprei no dia que fui solto, lá em Belo
Horizonte. O elo era muito frágil, nosso elo era com o Rio de Janeiro, tinha uma certa
relação, uma assistência, não sei o nome que dava na época, com o Rio de Janeiro. E
essas coisas elas de certa forma elas... com a volta do Comitê Central elas vão
enfraquecendo, lá no Rio, em outras partes do país, aqui e a divergência da uma certa
decepção. Figuras que tinham todo uma coisa mística em torno delas, depois vai ver o
conhecimento, a formulação, quer dizer, não tinha... tinha um modelo de briga pessoal, que
262
fulano fez isso, que cicrano fez aquilo, houve um desencantamento. Mas houve um
desencantamento, mas uma coisa boa, a passagem desse grupo pela militância no partidão
foi muito importante. Primeiro porque forjou aí a valorização da política como instrumento na
vida em sociedade, consolidou a idéia da democracia, como valor, desenvolveu aí uma
sensibilidade e um compromisso de luta pela emancipação humana, você pode ver que está
presente nessas pessoas e independente pra onde elas foram ou o que estão fazendo.
Então eu acho que foi uma escola importante que forjou gente comprometida a melhorar a
vida do Estado, a vida dos municípios, a vida do país. Independente de que profissão tenha
seguido.
R - Como, lá na UFES, na época em que foi o presidente do DCE, eram organizadas as
ações políticas dentro do movimento estudantil? Aproveitando a pergunta, existia
algum tipo de hierarquia entre vocês?
PH- No movimento estudantil, a hierarquia era a própria direção das entidades. Toda
entidade tinha presidente, secretário, tesoureiro e por aí vai. Agora, você tinha as tarefas de
movimento estudantil e você tinha as tarefas partidárias. E tinha uma organização partidária.
O partido tinha um secretário-geral, tinha sua estrutura, no caso do partido tinha sua
organização própria, tinha estrutura hierárquica organizada, tanto no movimento estudantil,
quanto na vida partidária.
R - E como eram organizadas essas ações políticas do movimento estudantil?
PH - Sobre as ações políticas, era muito de sensibilidade sobre os problemas do cotidiano
da vida universitária. A gente ia lá, discutia, ouvia. Normalmente o movimento era bem
mandado para isso e para aquilo, para coisas importantes e desimportantes, como é próprio
da vida. E as coisas iam sendo feitas, fazendo assembléias, fazendo reuniões, organizando.
Coisas que eram de centro, eram de centro; de curso e questões que unificavam os
estudantes e questões da política do país, que também estava muito presente. Isso é muito
importante dizer: essa coisa do enfrentamento e da busca da democracia marca muito esse
período. A retomada das liberdades de manifestação e expressão, isso marca muito esse
período.
R - Na sua lembrança, quais foram, nesse período entre 1976 e 1981 as principais
ações políticas do movimento estudantil dentro e fora da Ufes?
PH- Vou começar de traz para frente. Fora da Ufes, acho que as enchentes de 1979
marcaram muito; o movimento da anistia marcou muito esse período; a retomada da luta
dos trabalhadores da construção civil – nós tivemos uma participação grande, massiva, nós
263
e a igreja, a igreja muito presente também, ajudando da estruturação, na organização; a luta
contra o lixo atômico, teve coisas pontuais que uns se envolveram mais que outros. Dentro
da universidade teve luta de tudo quanto é tipo: lutas para tirar professor incompetente (que
não cabe citar o nome); lutas para democratizar a universidade – que foram vitoriosas em
parte; tem lutas em relação ao restaurante universitário; luta em relação à biblioteca da
universidade. Muita coisa não me vem à cabeça, mas tinha uma agenda permanente de
curso, de centro, de universidade. Foi um movimento muito ativo. O restaurante universitário
era no Centro. Lembro do Stan subindo na mesa para fazer discurso, no restaurante do
centro. Tinha um restaurante regional no CBM. Era uma hora boa para fazer convocações
de assembléias. Teve um movimento grande no CBM, que era por materiais, condições de
ensino. Esse movimento mobilizou e marcou muito a retomada do movimento estudantil.
Anselmo, falecido Jaci, Ernesto Negris, essas lideranças jovens... O Paraíba (que era um
pouco mais velho)... Isso marcou muito essa retomada do movimento estudantil. Geraldo já
era médico... O Pig e Dunga eram muito importantes nesse movimento. A Kátia Moura
também.
R - Existia alguma dificuldade para pessoas de fora entrarem nesse grupo?
PH- Não, existia facilidade. O grupo vivia à cata de ampliar a sua participação na
universidade e na sociedade. Recrutar novos membros para o grupo e para o partido, para o
movimento estudantil, era uma tarefa permanente para todos nós. Tanto que o movimento
agregou muita gente, gente que depois ajudou a formar PT, etc. Formou muita gente,
estimulou muitas pessoas a participar da vida política do Estado, do País, da universidade.
Eu vou falando e vou lembrando de pessoas que estão aí na vida, tocando diversas
atividades e que foram do movimento estudantil, do “Partidão”, que foram do movimento
estudantil e não foram do “Partidão”. Então, o caminho era ao contrário. Não tinha nenhuma
vontade de se criar grupinho, mas sim grupão. E foi isso que foi feito. A minha primeira
votação fora da universidade é um pouco isso. Eu tive vinte e tantos mil votos para deputado
estadual, na minha primeira eleição. E tive votos, se não me falha a memória, em todos os
municípios do Estado do Espírito Santo. E eu posso dizer, com muita tranqüilidade, que não
conhecia boa parte dos municípios do Estado do Espírito Santo. O que é isso? É a rede que
o “Partidão” e o movimento estudantil criaram. Porque eu disputei a eleição fora do
“Partidão”, mas o “Partidão” me apoiou. Então, quando veio a minha votação, eu levei um
susto de todo tamanho, porque ela foi surpreendente. Eu era candidato a vereador, a
princípio. Depois, houve uma pressão do Moulin, de Guaçuí, para que eu fosse candidato a
deputado. Por absoluto desconhecimento do que era uma disputa eleitoral o grupo topou.
Eu subi para deputado estadual e Stan veio para o meu lugar, para vereador de Vitória. Nós
pegamos carona no movimento de mudancista, que o Gerson Camata começou.
264
Então, voltando a sua pergunta, eu tive uma votação que mostra muito bem a capilaridade e
extensão do grupo político que se formou na universidade. Porque o único núcleo fixo que
eu tinha era a universidade e agregou Guaçuí, que acabou sendo uma surpresa. Foi uma
votação grande, chegou perto de 4000 votos. Tive uma votação brilhante, muita influencia
da campanha do Moulin, muita influencia do Camata, que virou uma doença no interior.
M - E você recebeu os 4 mil votos que prometeram?
PH - Tem que somar Guaçui, Dores e Alegre. Deu 3 mil votos. Chegou perto de 3 mil. Foi
uma votação grande lá. Eu disputei lá contra lideranças locais. O filho do Chiquinho, o Paulo
Aguiar, que está vivo. Tive uma votação brilhante. Muito influencia do Moulin, do Camata
que virou no interior uma doença naquela eleição. E era importante ele estar lá junto com a
gente.
R - As discussões da direção do DCE para algumas tomadas de decisão que eram
levadas para as assembléias tinham alguma discussão prévia entre vocês ou tudo era
totalmente decidido nas assembléias?
PH- Em qualquer discussão, evidentemente, que a dinâmica de um movimento de massa
você muda lá na hora, reúne em um canto, discute, refaz e ajusta a estratégia. Mas, a gente
ia com uma discussão prévia. O Stan, que é um orador brilhante, mas não é um formulador
(como todos conhecem), precisava ter uma discussão, para que ele chegasse a um
raciocínio com começo, meio e fim. Uma vez ele com o raciocínio, ele era brilhante. O
Ernestro Neglis, que não tinha o brilhantismo de qualidade oratória, mas tinha uma voz que
não precisa de microfone, nem caixa de som, também era outra pessoa. Então tinha uma
estratégia de para onde queremos ir, para onde não queremos ir. O “Partidão” era aquela
coisa: nada de porra louquice, nada de aventura, um passo de cada vez. Não vamos fazer
movimento que joga contra a gente. Não vamos quebrar porta de reitoria porque isso vai ser
tiro no pé. A escola do “Partidão” é muito boa. Eu lembro muito bem quando nós fizemos a
primeira passeata. Houve uma grande discussão antes: estrutura, segurança, a gente sabia
que a polícia podia nos atacar com repressão no meio da passeata. Tinha toda uma
discussão, avaliamos a conjuntura, era hora de fazer, tínhamos acumulado força para isso.
Nós aí decidimos uma coisa interessantíssima: não vamos fechar a rua toda. Sensacional.
Eu tenho orgulho disso até hoje. Por isso que a escola política do “Partidão” foi importante, o
treinamento do movimento estudantil foi importante para toda essa geração. Por que não
fechar a rua toda? Porque nós não vamos prejudicar a população. Nós precisamos desses
carros passando e animando essa passeata, saudando a meninada na rua. E não os carros
engarrafados atrás, xingando a gente. Precisamos de gente nos prédios vendo que o nosso
265
movimento tem faixas importantes para a qualidade de vida, para as mudanças que
precisam no Estado, no País, na educação. Mas não gente mal humorada com a gente.
Precisava jogar papelzinho picada – como aconteceu de fato. Então, eu volto a dizer: foi
uma boa escola, uma escola de fazer o cálculo das coisas, avaliar como que a gente
encoraja estudantes para o nosso movimento, como que a gente ganha a sociedade para o
nosso movimento.
Eu me lembro do encontro lá do Paraná, que era um encontro de saúde (Sesac), que nós
fomos proibidos de viajar. Nós tínhamos uma grande delegação e fomos proibidos pela
polícia de viajar. Então o que fizemos? Fizemos um protesto inteligentíssimo, de estratégia
bem montada, trazendo a sociedade para o nosso lado. Nós acampamos, durante o
congresso, dentro da Ufes. Então vieram os políticos da época, os políticos de oposição, as
entidades, jornal... Foi a primeira vez que eu entrei no Palácio Anchieta. Eu como presidente
do DCE, nós pedimos uma audiência com o governador, que era Élcio Álvares – hoje líder
do meu governo – que me recebeu lá naquela mesa de trabalho dele. Mas ele não tinha o
que fazer. Na verdade, era Brasília. Isso ficou mais ou menos patente na conversa. Nós
tentamos ainda embarcar o Geraldo, o Fernando Herkenhoff por ônibus de carreira. A
polícia estava monitorando a gente ali. Eles quase foram presos, tiveram que sair correndo
dali. Os dois saíram correndo pelo Morro da Fonte Grande e foram parar na casa da D.
Isaura, mãe de Merli e Marli.
R - Para finalizar, numa escala de zero a dez, quanto o senhor acha que o movimento
estudantil, nessa época, influenciou na política capixaba, ou seja, fora dos muros da
universidade?
PH- Influenciou muito. É difícil colocar um número, mas influenciou muito, porque o
movimento me colocou na política. Você não me perguntou, mas a minha escolha para ser
presidente do DCE foi uma coisa feita no CBM. Para mim, quando a primeira vez me
falaram que havia um movimento para que eu fosse o presidente da chapa “Construção”, foi
uma surpresa. Foi ali onde morava o Perdigão, numa pensão, no morro do Romão.
Estávamos ali, numa conversa, eu, Perdigão, Táurio Tessarolo, Três Fazendas (um colega
nosso de turma, lá de Iconha, era da republica também que eles montaram), a Merli. Acho
que foi a Merli que falou isso comigo, de que estavam conversando e achavam que eu
deveria presidir a chapa. Evidente que para mim foi uma surpresa, porque tinham ali
pessoas mais vividas, mais qualificadas – na minha visão – do que eu para presidir aquela
chapa. Da mesma forma, quando decidimos ter um candidato, o nome que vinha à cabeça
de todo mundo era o do Lauro. Pela liderança pessoal que ele exercia, pela capacidade de
formular, de escrever, de debater as questões e pela veia política. O Lauro é neto de Lauro
Ferreira Pinto, que foi prefeito de Alfredo Chaves, presidente da Assembléia Legislativa
266
(acho que mais de uma vez), aliado de Dr. Carlos Lindemberg. Então, a visão obvia que nós
tínhamos é de que o nome era o do Lauro. Tivesse um segundo nome, seria o Fernando
Herkenhoff. Também foi uma surpresa que derivasse para mim a escolha para ser
candidato. Primeiro a vereador de Vitória. Que a idéia era plantar um vereador em Vitória
para a gente entrar e ter participação na política do Estado; e depois essa história que eu já
contei, de deputado. Então, tanto em uma quanto na outra, foram escolhas que, na verdade,
tinham lideranças na época com melhores condições – na minha visão – de assumir essas
funções. Acabou que isso veio, me colocou e essa geração veio comigo. Fomos parar em
Assembléias Legislativas, em Câmaras Municipais, em secretarias municipais de
prefeituras, fomos parar em órgãos do governo. E à medida que eu fui evoluindo na
atividade política (deputado estadual duas vezes, federal, prefeito da capital, senador,
passei pelo BNDES, até chegar ao governo do Estado), o movimento estudantil entra porta
adentro, entra sala adentro na política do Estado.
Isso de um a dez é quanto? Não sei. Mas é muito significativo. Se você olhar tantas pessoas
que estão aí em atividades diversas, elas participaram. Tiveram militância, influência. Foi
uma participação grande. O Vitor Buaiz, que foi prefeito e governador, teve uma participação
anterior à nossa geração, também importante. Da nossa geração, eu acho que veio e está
dando uma contribuição efetiva, positiva para a vida política do Estado do Espírito Santo.
Mas é aquele negócio: isso é corrida de revezamento. Nós precisamos de outras gerações
que venham ocupando, porque cada um tem um tempo. Atividade política eu acho que é
igual a remédio: tem data de validade. Então, você tem que estar renovando. Eu dei uma
contribuição importante. Cada espaço de executivo que eu ocupei eu me esforcei para
formar gente nova, para que pudesse continuar com o fluxo. Porque se hoje não é possível
formar, nesse momento, uma quantidade de lideranças no movimento estudantil como
naquele período de efervescência que eu citei, você tem que achar os espaços onde se
forma gente. Daqui a pouco, o Paulo Hartung e a geração do Paulo Hartung são páginas
viradas. E precisa que esse processo seja conduzido num Estado que tem muitas
possibilidades de crescer economicamente, socialmente. E num país que eu acho que tem
tudo pra poder dar um salto nos próximos anos, em função de todas as condições
econômicas que o mundo está vivendo e que o país está pegando uma carona.
Principalmente se o país fizesse o dever de casa, normalmente os brasileiros, as lideranças
brasileiras, tentam fugir desse dever de casa. Eu acho que o Brasil também tem um espaço
muito grande, agora mais uma vez fora do país, conversando com lideranças de Portugal,
na visão deles do país, isso se repete a cada missão comercial dessa que eu faço, é uma
visão muito otimista em relação às possibilidades do país, evidentemente que o que a gente
precisa é agarrar com as duas mãos essas oportunidades pra não ficar eternamente sendo
o país do futuro, que nunca chega. Mas eu acho que tem possibilidade. Particularmente o
267
Espírito Santo nessa fase que você esta dizendo tem tudo pra ir se constituindo um dos
bons estados da federação brasileira.
M - O senhor teve uma gráfica, com Bragato e Dunga, após a saída da faculdade?
PH - Uma gráfica com Bragato e Dunga. Eu quando estava saindo da Universidade eu fiz
duas provas de seleção para o serviço publico estadual. Eu fiz uma prova de seleção, eu e
boa parte da turma que estudou comigo. Eu fiz uma prova de seleção para o Instituto Jones
dos Santos Neves que era o sonho de trabalho para quem estava estudando economia na
época e passei na prova. Quem estava na direção era o professor Roberto Penedo. Lembro
do carinho deles, me chamaram para jantar em Manguinhos, e fiz uma prova de seleção no
BANDES e também fui selecionado. Fiquei esperançoso para me chamarem para trabalhar.
O Governador (Eurico Rezende) de então cancelou estas duas provas porque muitos
comunistas tinham passado nas provas. Tudo isso com muito bom humor, porque eu já
contei essa história pro ex Governador antes dele falecer. Eu quando era prefeito de Vitória,
José Antonio Teixeira aproximou Eurico Rezende da minha pessoa, tivemos boas
conversas, Eurico era uma figura, que era muito bem humorada – eu tive a oportunidade de
conhecê-lo pessoalmente – por que eu só conhecia fazendo oposição a ele, mas foi ele que
cancelou, eu tive essa má notícia pela minha tia (tia Eunice que também já faleceu, era na
época casada com Vicente Silveira, que foi deputado e recebeu a notícia do próprio Eurico:
“Avisa seu sobrinho que ele não vai trabalhar no Estado que eu tenho orientação da Brasília
para não contratar os comunistas” Então eu deixei de ser funcionário do Bandes e do
Instituto Jones dos Santos Neves. Falo isso com muito bom humor, porque foi isso que me
botou na política, eu brincando com Dr. Eurico quando o recebi na prefeitura, ele foi me
pedir pra urbanizar ali perto do shopping, porque aquela rua perto do shopping leva o nome
da filha falecida dele. Eu falei “olha Dr. Eurico, o senhor é um pouco responsável por eu ter
seguido essa carreira, aí contei a história pra ele, rimos muito. É tudo no seu tempo, a vida
não é assim. Tive a oportunidade de ter uma boa convivência com ele, tive a oportunidade
de vê-lo, numa homenagem que ele recebeu no tribunal de justiça, no centro da cidade, eu
prefeito de Vitória na época, ele foi a primeira pessoa que, discursando publicamente,
adentrou a possibilidade de eu vir governador do Estado do Espírito Santo. Causou um mau
estar muito grande, porque tinha ali um monte de pretendente... Mas ele foi a primeira
pessoa. Isso me procurar caminho na vida. Eu estava me formando, meu pai insistia muito
para eu fazer um curso de direito...eu ainda fiz uma parte do curso de direito em função
dessa querida pressão que meu pai exercia. Estudei uma parte do curso de direito quando
fui aluno do professor João Batista Herkenhoff essa figura extraordinária da vida do nosso
Estado. Eu não fui em frente no curso de direito. Então montamos esta gráfica que chamava
RENOGRAF, não podia ter outro nome: Renovação Gráfica e Editora Ltda., Ela foi
268
importante porque foi um meio de subsistência dos três no início de vida. Eu me casei com
Cristina, como sócio desta gráfica. Ela foi importante, fez um pedaço da campanha de
Camata, depois foi difícil receber as contas do saudoso Zé Morais. Tivemos que recorrer ao
charme e a beleza da Kátia para receber as faturas do Zé Morais. Mas fizemos um pedaço
da campanha do Camata. O principal cartaz da campanha fomos nós que bolamos que
depois ficou espalhado pelo Estado inteiro. Quando me elegi deputado, falei para o Bragato
e pro Dunga que se eles quisessem continuar aquela atividade por mim tudo bem, mas eu
achava incompatível porque gráfica é prestação de serviço às empresas privadas e ao
governo e naquela época a gente já entrava em concorrência de Governo, de Banestes.
E falei agora sou deputado, fui eleito e preciso ser um bom parlamentar porque o que tem
de expectativa. Imagina você vir para a vida pública por um voto de juventude, de militância
de jovens, o que esperavam do Paulo Hartung dentro de uma Assembléia de 27 deputados,
e eu era um deles. Então eu saí e venderam os equipamentos. A máquina principal, a
dominante, uma boa máquina, eu encontrei se não me engano no Darinho Cruz que ele
acabou comprando de uma gráfica de Cachoeiro de Itapemirim, que comprou da gente e
depois... Então nos desfizemos da gráfica, mas foi uma boa experiência, contamos com um
grande sócio capitalista que era meu pai, Paulo Pereira Gomes, que era o único que tinha
crédito e dinheiro para nos suportar e ser nosso avalista no banco, porque nós pegamos
empréstimo pra pagar equipamento, mas a gráfica deu certo, tivemos retirada. E a minha
campanha foi feita lá, que era de vereador e virou de deputado, e aí quando fui pra atividade
de governo e os dois resolveram vender... Bragato é um concursado de carreira ...mas
acabou vindo para o setor público, primeiro no Diário Oficial. Dirigiu o Diário Oficial no
Governo do Camata e depois no governo do Max foi subsecretário do Teófilo na Fazenda...
ele era concursado da Fazenda, depois virou concursado do INSS. Bragato veio para a vida
pública comigo e o Dunga foi para a militância ambiental, parcitipa das ONGs, cuida do rio
santa maria da vitória, Jucu, tem uma militância própria na área ambiental.
M - Em qual momento o grupo optou pela carreira política, na verdade, não teve muita
opção porque de certa forma foi um pouco impelido...
PH – Primeiro momento foi esse da gráfica, depois eu comecei a receber estímulos para
disputar esta vaga na Câmara de Vitória. Não tinha eleição para prefeito de Vitória ainda. O
prefeito ainda era indicado. Quando Camata se elegeu indicou Berredo como prefeito de
Vitória. A idéia era ter um candidato a vereador em Vitória que era eu, e um em Vila velha
que era o Felício Correia, que foi o vereador mais bem votado de Vila velha. A idéia
desenvolveu e virou uma chapa que ficou Felício em Vila Velha, Stan em Vitória, eu para
estadual. Nós trouxemos a Mirtes Bevilaqua para ser a nossa candidata pra deputada
269
estadual e o Berredo que nós já tínhamos apoiado na eleição anterior para o senado, foi o
nosso candidato ao senado disputando com Zé Ignácio e Dirceu Cardoso. Dirceu é uma
pessoa extraordinária que eu tive a oportunidade de conhecer e admirar na vida pública.
Então nós perdemos com Berredo, ganhamos com Mirtes, eu me elegi, elegemos os dois
vereadores. Fui muito bem votado, não lembro a votação do Stan em Vitória, mas foi uma
votação boa. Estas duas candidaturas a vereador articularam duas vezes votações minhas
em Vitória e Vila Velha, foram duas grandes votações. Eu tive uma votação grande na Serra
também, foram três mil e tantos votos, além de Guaçui que foi perto disso também e quem
organizou esta votação em Serra foi o Bezerra, o Carlinhos Bigode, nosso companheiro ta
ai, do movimento estudantil, do partidão e o médico Adão Célia. Os três estavam com uma
militância grande na serra. Nós ficamos com a candidatura de Getunildo. Nós tínhamos duas
candidaturas na Serra: Getunildo e Motinha. Nós ficamos com Getunildo e eu acabei ficando
também como candidato. (Felício teve 4.870votos em Serra) Eu tive 5 mil votos em Vila
Velha. Eu fui alguns votos a mais em Vila Velha do que Vitória.
M – E tinha a turma da Glória
PH - É isso na Glória foi um núcleo de campanha.
M - Qual foi a importância da Comissão de Mobilização Popular?
PH - A orientação do Partidão é que nós tivéssemos uma militância dentro do MDB. Depois
quando virou, em algum momento do governo Figueiredo. Foi uma manobra do Golberi com
negócio de partido que virou de MDB que era Movimento para o PMDB. Então, a orientação
do partidão era que nós tivemos uma militância dentro do PMDB. Quem presidia o PMDB
era o Argilano Dario. Nós entramos e começamos a nos organizar dentro do PMDB. Não sei
em qual momento, acho que foi idéia do Fernando Herkenhof, de montar esta comissão de
mobilização popular, que era um pouco, fazer movimento de rua que o PMDB não tinha uma
militância de rua. O movimento estudantil tinha. Isso tinha um papel, eu não sei dimensionar,
mas primeiro, nos legitimou no PMDB, tanto que nós nunca tivemos problema para arranjar
legenda para disputar eleição, nesse inicio, muito pelo contrário, e um acolhimento
extraordinário. Acho que também Roberto Valadão nos estimulou. Roberto era o líder do
PMDB na Assembléia Legislativa. Nos colocou dentro da vida de um partido legal. Nós
estávamos em um partido clandestino, em um movimento social. Você tinha uma cultura,
uma forma de agir dentro de uma estrutura de partido legal. Isso nos fomos aprender dentro
do PMDB, então foi um instrumento importante na nossa legitimação dentro do partido, do
prestigio nosso dentro do partido.
270
M - Como foi a participação de Camata? Nós pensávamos que Camata tinha levado
vocês pro PMDB, depois entendemos que não foi bem assim, na verdade, vocês
vislumbraram no Camata a possibilidade de atingir o governo porque ele já tinha um
discurso mais liberal na ARENA. Como é que foi exatamente isso?
PH - Eu acho que eu conheci o Camata no início da nossa militância do movimento
estudantil. Eu e Bragato fomos a um encontro de estudantes em Brasília, na UNB, e de lá
Bragato teve a idéia da gente visitar o Congresso. Encontramos Camata no corredor. O
Camata conhecia os Bragatos. Depois você teve uma ida e volta da política. Em um
determinado momento você teve um estímulo para o Tancredo, que era um movimento de
um partido chamado PP, depois houve uma desistência e ficou todo mundo no PMDB. Isso
foi um corte daquele momento. Todo mundo ficou no PMDB. Em algum momento desse
embate o Camata filia no PMDB. Vem o Camata e o Belmiro Teixeira, pai da Flávia
Mignone, que depois veio a falecer, que era deputado federal. Vieram mais lideranças. Isto
aconteceu no Brasil inteiro, desgarrados da Arena, insatisfeitos com os rumos. Gente que
estava vislumbrando uma mudança política no país. Camata deu um passo á frente. Acho
que ele era preterido nas disputas na Arena também, era muito querido nas ruas, muito
popular, ele deu um salto e veio pro MDB. Mas isso tudo antes de um período eleitoral. E
depois teve a convenção do partido, aonde o Max se colocou como candidato e o Camata
também. E nós votamos no Camata. Nosso grupo tinha 4 ou 5 votos nessa convenção, que
era o voto dos estudantes, o voto da juventude, o voto dos trabalhadores, não sei se das
mulheres. Nós embutimos no PMDB, movimento social naquela época. O MDB era um
movimento de políticos sem enraizamento na sociedade. Nós tínhamos um enraizamento na
sociedade porque nós estávamos na luta da sociedade. Nós trouxemos pra dentro do MDB
isso, e nós tínhamos lá cinco votos, Nós tivemos uma forma muito clara de explicar para o
Max porque íamos votar no Camata, aí a escola do partidão, nós fizemos uma análise de
conjuntura, estudamos as forças do Estado e entendemos que se a gente fosse de Max,
perderíamos a eleição, pelo que ainda existia de articulação forte naquela época dos aliados
do regime militar. Aí vimos no Camata uma forma não só de agregar o nosso lado, mas de
fazer rupturas nos adversários e apostando na possibilidade de os adversários optarem pelo
candidato errado. O que aconteceu porque na época o Elcio era popular, porque tinha uma
lembrança do final do governo dele positiva, e o Carlito nem tanto. O Carlito Von Schilgen
não tinha a força eleitoral do Elcio e acabou o Eurico bancando a escolha do Carlito como
uma forma de derrotar e excluir. Essa força insatisfeita de Elcio, mesmo com o voto
vinculado, acabou trazendo voto para o Camata. Nós fizemos uma reunião longa na casa da
mãe do Lelo Coimbra, em Santo Antônio, na varanda, discutindo essa coisa, avaliando o
que nós tínhamos de fazer, eu acho que nos fizemos absolutamente certo, o que nos
permitiu avançar na transição aqui no nosso estado. Aí apoiamos Camata que ganhou por
271
uma margem pequena, mas foi uma convenção disputada, o Max tinha uma base muito
sólida dentro do partido e Camata ganhou a convenção, foi pra eleição e virou Governador
do Estado. Não me lembro também a diferença de votos entre ele e Carlito, mas acho que
ele teve uma diferença de votos significativa. Nós fizemos 16 deputados estaduais dos 27.
Mesmo assim Camata teve apoio de outras lideranças que tinham sido eleitas pela Arena,
pelo diálogo que ele tinha, fez a maioria na Assembléia folgada, trabalhou com apoio
parlamentar importante na época. O nosso encontro com Camata se dá aí. Eu acho que o
Camata abriu muitas portas na campanha pra mim. Isso é uma coisa importante. Uma
campanha dessas com muito comício, muito apoio popular, acabava só falando nos
comícios quem tinha algum tipo de articulação maior dentro do partido. E eu falei em
comícios importantes. No comício final do Camata eu falei em um horário extraordinário e o
Camata me botou para falar e como nós tínhamos os nossos amigos na imprensa ainda
colocaram a minha frase e saiu na capa da Gazeta no dia seguinte ou na tribuna, em um
dos jornais porque havia muita torcida para que este projeto de atividade política fosse para
frente. A história me permitir chegar ao Governo, ter a Rita como minha secretaria, ter o
Camata como secretário, como parceiro importante, ter tido o Camata como senador na
minha primeira campanha ao Governo como candidato a Senador da minha chapa. Isso é
uma coisa muito positiva é você poder ser também parceiro de quem foi parceiro no início.
Acho que o Camata acreditou que aquela meninada ia produzir alguma coisa importante.
M- O senhor já falou do desligamento do PCB, a questão do desencantamento...
PH - Este desencantamento precisa ser bem editado. Eu sou fã de carteirinha dessa escola
política, eu tenho que deixar isso muito claro, eu devo... a minha passagem no PCB muito
da minha formação política, eu, particularmente, tenho amor e carinho pela minha formação
política. Então o desencantamento ele vem com a volta da direção nacional do partido, eu
era um dirigente do partido aqui. Eu e Lauro tivemos os primeiros contatos, primeiros
debates com os dirigentes que estavam voltando. Aí houve um desencantamento porque
nós não encontramos conteúdo, formulação política que a gente esperava, rumo... A gente
encontrou muita briga pessoal, por problemas diversos, por luta de poder dentro do próprio
partido. Eu me lembro que em algum momento eu falei assim: “Meu Deus do céu isso é uma
luta por um poder pueril”. Isso é uma frase minha há vinte e tantos anos atrás. Nós
precisamos saber como a gente vai lutar por um projeto de sociedade que era o que
encantava a meninada na época. Como é que nós vamos ter um projeto maior, nós vamos
brigar pelo poder dentro do partido? Isso aí é que vai consumir todas as nossas energias,
então esse foi o desencantamento naquele momento dado. Mesmo depois de eu joguei a
toalha e o partido me apoiou a minha candidatura, houve algumas discordâncias que não
cabe nomeá-las, mas a maioria apoiou a minha candidatura e foi responsável por aquela
272
votação que eu tive. Eu sou um produto daquela meninada na rua pedindo voto, ao pai, à
mãe, aos vizinhos, nos bairros, e assim por diante.
O que você esperava de uma direção de um partido que tinha o emblema do partidão. Eu
por exemplo, que tinha uma ligação que vinha de família, meu pai contribuiu financeiramente
para o partido a vida toda. Comigo dentro do partido, fora do partido, os velhinhos passavam
lá na mobiliária Canaã recebia uma contribuição do meu pai. Ele não era um militante, era
um simpatizante. Meu pai é daquela geração do apoio integral até as ações do Stalin. Você
tem que respeitar a visão dos comunistas da época, de que os fins justificam os meios. Que
é uma coisa que graças a Deus nós abandonamos na prática política. Os fins podem ser
nobres e os meios precisam ser nobres também e isso você tem que valorizar a questão da
democracia como conquista humana. Não vale qualquer caminho, porque não vai dar certo
e a vida mostrou que não dá certo, que as deformações, que o arbítrio, que as distorções
são brutais. Objetivo nenhum de vida pode significar você cortar um caminho. Não adianta,
tem que trilhar. O que agente esperava da direção era iluminar uma visão de Brasil e de
estratégia política e do que nós íamos fazer e não uma “brigalhada” deles com eles como
questão principal. E aí nós não aceitamos, nós e muita gente no Rio, em Santa Catarina.
Isso era um movimento de juventudo enorme, era Unidade o nome do nosso grupo no
movimento nacional era Unidade. Não aceitamos entrar em um jogo desses. Não era isso
que nos motivava, aí gente saiu da política, gente foi para a prática, alguns “despirocaram” e
outros foram em frente, mantendo aí princípios, valores e as suas convicções.
M - E a entrada no PSDB? O Senhor foi um dos fundadores?
PH - Fui um dos fundadores. Eu fiquei no PMDB até o Sarney na Presidência. Eu fui
delegado do colégio eleitoral, não sei se eram cinco do Espírito Santo, ou três, era número
impar. Representei o ES, votei no Tancredo Neves. O Tancredo se elegeu pelo Colégio
Eleitoral e morreu imediatamente e o Sarney veio presidir o País. Neste período veio a
Constituinte com Covas, Fernando Henrique, com Serra, com as figuras do PMDB, que
foram no debate da Constituinte se desgarrando. Houve um momento que criou uma certa
incompatibilidade e isso virou um movimento para criar um partido e eu fui chamado a
participar da fundação deste partido e participei. Basicamente os convidados nesta época fui
eu e o Zé Ignácio. E nós fomos os fundadores. Nós chamamos muita gente para vir com a
gente. Tanto ele, quanto eu. Tem gente filiada no PSDB até hoje em função dessa ficha
original. Tanto ele quanto eu tínhamos muitos amigos, pessoas que acreditavam no nosso
projeto e nós fundamos o PSDB aqui no Estado. As lideranças nacionais eram Covas,
Fernando Henrique, o Serra, estas figuras conhecidas de todos. E eu fui no PSDB até a
minha eleição de Senador. Fiquei no PSDB em função de um apelo que o Fernando
Henrique e o falecido Sergio Mota me fizeram para que eu fosse candidato a Governador,
273
Sergio Mota veio a falecer e esse compromisso foi embora com ele e eu fui para a
convenção, inclusive com chances de ganhar e a convenção foi desviada por praticas não
das melhores, mas volto a dizer eu fiquei muito chateado no dia da convenção. No dia
seguinte encontrei a minha mãe, não esqueço isso até hoje, acho que a realidade permitiu
que eu fosse muito jovem ao Senado, criasse boas relações em Brasília e assumisse esta
tarefa do Governo do estado com conhecimento de pessoas, de atores políticos importantes
do país, maior depois de ter passado quatro anos no Senado. Eu acho que foi robustecida a
minha posição para assumir o estado em um momento muito delicado da vida do Estado.
Sinceramente eu olhando pra trás, vendo a história do Espírito Santo pelo menos até onde
eu já li, eu não encontro uma quadra aonde o Estado tenha chegado a tal ponto de
desgoverno, de descaminho e eu acho que a passagem no Senado me deu força,
articulação, credibilidade, elementos a nível da política nacional pra que eu pudesse
trabalhar articulações do Espírito Santo com Brasília, articulação das forças políticas do
Espírito Santo, pra que a gente pudesse modelar um projeto com força, capacidade de
enfrentar a quantidade de problemas que nós tínhamos naquele momento. Já superamos
muito e temos hoje... Isso aí não se joga o Estado 12 anos no descaminho, na impunidade,
na corrupção... E você não consegue resgatar isso do dia pra noite porque isso é uma obra
aí pra muito tempo. Vai transcender a minha passagem no governo, não tenho a menor
dúvida disso, mas o caminho é de resgate, o caminho é de melhoria, o caminho é de uma
construção onde está se colocando cada vez mais um tijolinho em cima do outro e
devagarzinho a gente reconstrói essa casa.
M - Me fala um pouco da eleição de 92, quando o senhor ganhou para prefeitura de
Vitória.
PH - Eu fui convidado a ser prefeito de Vitória três vezes. Quando me elegi deputado
estadual a primeira vez, no meio do meu mandato o Governo aprovou as eleições nos
municípios. Foi a primeira eleição nas capitais. Nas capitais o prefeito era indicado. E aí o
Camata e a Rita, conta a história, que o Camata por influência da Rita. O Camata me
chamou ao Palácio, eu era deputado estadual, da base dele na Assembléia e naquela
mesinha redonda que está lá até hoje aonde ele trabalhava, ele colocou a Rita na mesa e
me convidou formalmente para ser prefeito apoiado por ele e eu fiquei assim, fiquei
surpreso. Eu tinha obtido uma boa votação em Vitória, mas tinha outras lideranças em
Vitória da base do Governador importante e pedi a ele 24 horas porque eu não sabia muito
bem o que responder, para conversar com o grupo. Fizemos uma reunião às pressas na
varanda da casa que eu morei muitos anos na Mata da Praia e discutimos noite á dentro e
chagamos a conclusão que não era hora. Isso é uma das coisas boas de poder contar na
274
vida, porque a gente vê na política gente precipitada, querendo cortar caminho, chegando
nas posições a qualquer preço, em qualquer circunstância e foi muito interessante que o
grupo, nós fizemos uma aposta em um deputado, você está começando na carreira, não dá
para chegar na prefeitura simplesmente pelo poder do Camata. Por melhor que sejam as
nossas relações com o Camata. O dia que você chegar na Prefeitura tem que ter um pouco
da sua força eleitoral e do seu trabalho pela cidade de Vitória. Então o grupo decidiu que eu
devia continuar o meu mandato, voltar e agradecer ao Camata. E aí eu voltei no dia
seguinte, pedi uma audiência com o Camata, ele me recebeu na parte da tarde. E falei com
ele: Olha, conversamos muito e o pessoal acha que não está na hora, tem que evoluir mais,
estabelecer uma relação mais forte com a sociedade capixaba, não ficar soltando de galho
em galho, e firmar uma posição dentro da Assembléia. Ele compreendeu, mas como bom
político que é, amarrou meu pé, e disse tudo bem, mas você vai apoiar o candidato que eu
escolher. E acabou me levando para a campanha do candidato dele que não era muito a
identidade do nosso grupo em Vitória, o Hermes Laranja. Nós tínhamos uma identidade
maior com a UFES, com Vitor Buaiz. Para nós naquela época era melhor perder com Vitor
Buaiz, que a gente perdia em casa com o nosso movimento de juventude, com nossos
movimentos sociais do que ganhar com Hermes Laranja, mas evidentemente que a política
é um processo e eu apalavrei, voltei ao grupo, contei a conversa e nós fomos para a
campanha do Hermes. O Vitor cresceu na reta final da campanha, cresceu muito entre os
nossos eleitores. No nosso início de carreira foi uma sofreguidão, você ta ali meio amarrado
com um compromisso. Tem que viver essa experiência, dar a palavra, assumir compromisso
e nós fomos com Hermes até o final. Ganhamos com Hermes. O grupo teve inclusive,
participação na administração do Hermes, como tínhamos estado na administração do
Berredo, lá atrás, quando o Berredo foi indicado. E ficou aquele sentimento no grupo, foi
bacana porque na frente nós ajudamos a eleger Vitor para deputado federal.
Na minha segunda eleição a estadual, o Vitor saiu a federal e nós fizemos um casamento de
votos dentro de Vitória. A turma do PT, mesmo, não casou a eleição com Vitor. O Rogério
brincava muito com isso, era inclusive e uma boa oportunidade, aquelas brigas de dentro do
PT, e o voto que veio casado dentro de Vitória, porque naquela época agente via a cédula
para ver quem o eleitor votou junto com a gente. Era um tal de Vitor e Paulo Hartung, Vitor e
Paulo Hartung, veio um movimento interessante.Me elegi deputado estadual pela segunda
vez, foi uma eleição diferente da primeira, porque Camata saiu do Governo para ser
candidato, ficou Zé Morais. Zé Morais não simpatizava comigo, evidente, nós éramos de
grupos diferentes. Tínhamos posições diferentes dentro da política estadual e Zé Morais
tentou dificultar a minha eleição. Mesmo assim eu tive um ótimo desempenho eleitoral, eu
275
repeti a primeira votação praticamente, elas foram muito parecidas e eu me reelegi
deputado estadual e o Vitor foi ser deputado federal.
Quando veio a eleição de prefeito, pela segunda vez, em 88, o Max Mauro me convidou
para vir nessa casa (Residência Oficial). E vim aqui conversar com ele. Cheguei aqui e
estava ele e o Camilo Cola, e era para me convencer a ser prefeito de Vitória; E era a
segunda vez que um Governador me convidava para ser prefeito de Vitória. Nessa segunda
vez não precisei voltar ao grupo. Nós já tínhamos feito uma pesquisa de opinião, e na época
ficava claro que o eleitorado, meu e do Vitor, era muito parecido. Vitor com bem mais
aceitação do que eu, mas era um eleitorado que era muito assemelhado na cidade de
Vitória. E eu falei: Olha Governador, eu não vou ser candidato porque vou tirar voto do Vitor.
Vou impedir que o Vitor se eleja prefeito e vou permitir que algum projeto, não dos melhores,
vá para frente na Cidade que eu moro nela. E aí seu Camilo... Não, nós vamos ajudar com
os meios para fazer a campanha... Isso é folclore porque ele acaba não ajudando. Essa
posição minha tá madura. Eu já analisei esta opção com os meus amigos. Existe um
movimento pedindo para eu ser candidato, mas eu não serei e vou apoiar Vitor. Acho que a
chance de um projeto progressista chegar a prefeitura é agora e é com Vitor e eu vou
comunicar nesta semana. Ele já pediu para conversar comigo e eu vou comunicar. – Não
faça isso! Espere mais não sei quanto tempo. Aquela conversa de político... Mas o Vitor veio
de Brasília, foram lá na minha residência.
Ele, Rogério e Perly. Foram para me pedir apoio e eu disse que já tinha conversado com o
Governador. O governador me chamou para ser candidato, eu não vou ser e vou apoiá-los.
E aí ele me convidou para ser o vice-prefeito dele. Mais uma vez o grupo, que sempre teve
maturidade, desde o inicio esta coisa de ser vice... Quando eu fui sondado para ser vice
dele, e depois para governador de Albuino, e assim por diante... O grupo sempre pensou:
para ser vice a pessoa tem de ser vivida, experiente, resolvida, para não virar um problema
para o titular. História de briga do vice com o titular é um negócio de doido que chega ao
ponto dos legisladores pensarem em abolir a figura do vice como uma forma de estabilizar o
quadro político, parar com esse negocio de câmara tentando caçar prefeito pro vice assumir.
Aí eu falei: Vitor, vice eu não quero ser, não, mas o nosso grupo participa da sua
administração, vamos trabalhar para a sua eleição, depois você vê quem do nosso grupo
deve participar. Nós participamos dessa eleição do Vitor e aí ele me pediu indicação do vice
e eu indiquei o Rogério Medeiros que tinha muita vontade de ser vice dele e acabei
preterindo o Coser, que também tinha vontade na época, eu acho. E Rogério acabou sendo
vice, com apoio meu, e acho a força mais importante que o Vitor trouxe para a campanha foi
276
o nosso grupo, indiscutivelmente. Evidente que ele tinha uma aceitação grande, mas se
olhar o resultado da eleição, acho que ele ganhou por uma faixa pequena de votos. A nossa
avaliação lá do início. Se eu fosse candidato, seria simplesmente para atrapalhar. Naquela
época não tinha dois turnos. Foi cá com Luiz Paulo, na segunda eleição do Luiz Paulo, que
eu acho que implantou o segundo turno. E aí você vê que foi uma avaliação correta. Quer
dizer, é uma escola correta. Eu volto ao partidão. É o treinamento político correto. De fazer
análise, avaliar conjuntura, entender qual é a sua vez. Política tem fila. Tem gente que não
gosta de ouvir isso. Vai chegar a sua vez.
Eu me lembro de uma figura que me influenciou muito também, uma figura muito inteligente,
que eu tenho muita saudade dele que é o Sérgio Cioto, ele sempre dizia “Paulo fique
tranqüilo, quando chegar a sua vez, quando chegar o cavalo vai parar na sua porta e
esperar você montar. Agora, quando chegar também, pula porque é a sua vez não deixar
passar”. Então o Sérgio tinha bons raciocínios políticos, curioso, Sérgio não era bom de
voto, quando teve eleição em Colatina por tal de Giuberti, mas ele era uma figura de bom
raciocínio com muita leitura de política. Então você vê o seguinte: duas vezes eu fui
convidado a ser candidato à prefeito. Duas vezes nós chegamos à conclusão que não era a
hora.
Quando eu fui candidato à prefeito? Quando eu fui candidato à deputado federal, obtive
uma votação consagradora em Vitória: quase 20 mil votos dentro da cidade de Vitória. Se
me recordo bem, 18 vírgula, não sei quantos mil. Tava claro que eu tinha uma base, que o
grupo estava enraizado dentro da cidade de Vitória. A votação dizia isso. E aí na sucessão
do Vitor eu fui ser candidato. Comecei como franco favorito. Favorito demais. Mas nós não
sabíamos fazer campanha majoritária e quase demos com os burros n’água.
Nós não perdemos para o Dr. Luiz por pouco. Muito pouco. Aí tem coisas importantes para
ficar registrado. Nós saímos muito na frente. Não sabíamos com quem íamos disputar a
eleição, porque tinha o Coser do PT que não era o candidato preferido do Vitor. O Vitor foi
de Rogério Medeiros na convenção e perdeu. Tinha o Luiz que era do PFL se não me
engano. Tinha um tal de Gotardo do interior, que foi colocado com um cara para me bater na
campanha. Laranja, está vivo até hoje. Foi deputado, lá de Conceição do Castelo. Não sei
se tinha mais candidatos. O que aconteceu, nós não sabíamos, e fizemos uma campanha
igual à de deputado. Não sabia o que era relacionar com os candidatos a vereador. Enfim,
campanha de um amadorismo puro. Sem dinheiro, uma campanha desorganizada. Uma
televisão mal feita. Eu não tenho coragem de assistir os programas de televisão. Outras
campanhas até eu tenho, mas essa. Foi dando errado, foi dando errado, foi dando errado.
277
Só no finalzinho, quem veio foi o Chico Bastos. Brigou lá com o Aécio. Foi candidato à
prefeito em Belo Horizonte. Aécio perdeu, mas no final deu uma confusão na campanha do
Aécio, brigou lá e veio para cá. Terminou a minha campanha e terminou muito bem. Mas a
campanha foi muito mal feita até então. Passou por várias mãos. Mas um improviso só. Não
tinha estrutura, não tinha recurso. Eu me lembro que Fernando Henrique arranjou uma
pequena ajuda com um amigo dele. Foi uma coisa extraordinária na época. Porque não
tinha nada. Nós estávamos acostumados a fazer campanha com aquilo, com militância na
rua, era um negócio de proporcional. Uma campanha majoritária é outra coisa. Tem que
fazer comício, precisou organizar campanha, precisou organizar caminhada precisou
organizar a base política..
Enfim, ali foi o nosso treinamento em eleição majoritária. Quase perdemos, apanhamos
muito para fazer a campanha, mas eu acho que foi um treinamento que a gente ganhou uma
tecnologia boa para cuidar de eleições majoritárias depois desse processo. Nós viemos
embolados com o Dr. Luiz na reta final da história e aí tem um fato importante da história.
Porque eu acho que o Coser ao perceber que a disputa tinha cristalizado entre eu e o Dr.
Luiz, o Coser não forçou a mão. O Coser permitiu que eu fosse na direção do voto útil. Eu
terminei a campanha pedindo voto para os petistas. Os simpáticos aos petistas. E eu tenho
certeza que ouve uma migração de votos e desde então a minha relação com o Coser foi de
muita parceria, porque ele foi correto ao sentir que tinha dois projetos disputando, e dois
projetos muito diferentes. Com todo o respeito que e tenho a figura do Dr. Luiz, pela história
dele, pela obra que ele fez na santa Casa de Misericórdia. E ele optou por uma visão clara
de um projeto político. No nosso caso, no campo de esquerda, que tinha uma formulação já
clara de centro esquerda, chegasse a prefeitura de Vitória. Chegamos a prefeitura de Vitória
da mesma forma que nos ajudamos o Vitor, o PT chegar à prefeitura de Vitória, nós tivemos
um dedinho do Coser, não com o apoio de alguns segmentos do PT. Brigaram muito com
ele, porque sentiram que ele amoleceu o corpo um pouquinho na reta final e principalmente
no último debate, que eu fui direto ao assunto de pedir voto ao PT e ele não retrucou o meu
movimento. Isso se repetiu em vários momentos. De lá para cá, em vários momentos nós
tivemos parcerias diversas, com ele e outros atores do PT.
Mas foi uma luta dura. Eu até então, era tido uma pessoa inexperiente administrativamente.
Foi Uma campanha que teve muita baixaria no meio do caminho criando até alguns
folclores. O fundamental que eu era uma pessoa inexperiente, eu era um bom parlamentar e
que eu não seria um bom administrador. Era o foco da campanha. Como eu estava no meio
do mandato, era um ponto forte da campanha dizer que eu tinha que terminar o mandato e
não renunciar o final de mandato para assumir a prefeitura. E a nossa visão era que nós
tínhamos acumulado para chegar e montar uma boa equipe, para fazer um bom governo.
278
Evidente que suceder o Vitor não foi fácil porque, da mesma forma que você pega o Estado
quebrado como eu peguei agora, desorganizado, a probabilidade de você ter que sair pela
porta dos fundos do palácio não é pequena e era meu receio no dia que tomei posso a
primeira vez como Governador. Da mesma forma que não é fácil pegar um Governo
desorganizado também não é fácil você pegar uma coisa muito bem avaliada é muito difícil
porque a cidade fica com saudade do prefeito que está saindo. Ficou com saudade do Vitor
durante boa parte do início do meu mandato. A cidade estava saudosa, de vez enquando
vinha uma conversa na rua comigo mesmo, falando que essa obra quem começou foi o
Vítor... Mas a cidade foi me conhecendo, o momento dificílimo na minha administração foi a
implantação do plano real que nós tivemos que fazer a conversão da folha de pagamento
dos servidores por média salarial que era a única forma de fazer naquele período. Nós
tivemos uma greve radicalizada naquele momento, eu me lembro do meu saudoso pai
dizendo assim: “Meu filho, precisamos arranjar um negócio pra você, porque nessa atividade
você não se elege mais”. Mas foi uma prova de fogo legal, por esse aspecto de ter que
suceder um administrador bem sucedido. Eu fiz aquilo que eu sempre fiz na minha vida, fui
pra lá, me assessorei muito bem, montei um grupo que estudasse as finanças da prefeitura.
Zé Teófilo me ajudou, Zé Roberto que era assessor do Serra veio pra cá pra trabalhar com a
gente, está no BNDES é tido hoje como um especialista de finanças públicas do nosso país.
Estudamos bem, montamos um plano com começo, meio e fim, e seguimos. A cidade
percebeu que não precisava ter saudades do Vitor, que tinha um bom administrador que
podia tomar conta da cidade que tinha uma boa equipe de governo e fomos nos legitimando.
Veio esse problema do plano real, ali foi um momento delicado, mas como nós fizemos as
coisas certas nós terminamos bem. Estou dizendo isso porque o Governador de então fez
errado, terminou mal, ali começa o problema das finanças do Governo do Estado. Prefeitos
da Grande Vitória que fizeram errado, muitos fizeram achando que iam fazer um bom
confronto com o prefeito da Capital acabaram nem terminando direito a sua administração,
alguns nunca mais conseguiram voltar pra vida pública. E a gente conseguiu fazer uma obra
extraordinária na Grande São Pedro, aquele processo de urbanização, de equipamentos, de
delimitação dos manguezais, uma obra bacana, fizemos um projeto na área de educação
que marcou a entrada dessa rede tanto de ensino fundamental como de educação infantil
com o tamanho realmente que a cidade tem, não mais uma pequena rede experimental, que
é fácil você fazer o que você quiser, mas uma rede buscando a cobertura e a
universalização, no caso do ensino fundamental e abrindo a possibilidade de começar um
processo pra que a educação infantil também desse conta da cidade coisa que vem
acontecendo no governo do Luiz Paulo e está se consolidando no período do Coser.
Montamos uma rede de atendimento de saúde básica extraordinária na cidade, o Lelo
279
originalmente, depois o Anselmo teve um papel muito grande nisso, porque tivemos uma
coisa referencial, fortalecemos a área de meio ambiente, colocamos pra funcionar com vigor
a lei da cultura, a lei da ciência e tecnologia, que o Vitor tinha criado e nós demos força,
colocamos pra funcionar com força a lei do esporte, criamos a Secretaria de Esporte,
botamos lá o doutor Mauricinho pra tomar conta. Então terminamos a administração com
uma excelente avaliação, os números finais colocaram eu e Jarbas Vasconcelos - eu estava
administrando aqui e Jarbas no Recife - como os dois administradores de capitais e grandes
cidades melhor avaliados do país. Então eu acho que ali eu atravessei um outro rubicão que
é a visão que a sociedade precisava ter. O Paulo vai pro legislativo e da conta, porque
quando eu disputei a prefeitura já tinha uma visão clara que eu era um bom parlamentar,
isso já tinha avaliação positiva, mas se coloca-lo no executivo ele não deixa a peteca cair.
Depois disso quando terminou meu mandato, pra eleição de Luiz Paulo eu fui convidado pra
ser ministro da Reforma Agrária do Governo Fernando Henrique, pelo doutor Sergio Mota –
já se foi, amigo querido, uma pessoa que teve importância na minha atividade política – eu
recusei, porque não era a minha praia, eu sempre achei que a gente tem que jogar onde a
gente tem capacidade de dar conta do recado e eu já tinha um convite do Luis Carlos
Mendonça pra ir pro BDNES, o Sergio me perguntou pra onde eu queria ir, eu disse: “Olha,
eu queria ir pro convite que o Luis Carlos me fez”. Tem problema porque o Serra quer
indicar essa vaga... e eu fui indicado pra diretoria social do BNDES. Estou citando isso
porque foi uma outra fonte de aprendizado muito grande. Teve momentos da minha
atividade política que eu aprendi muito... Quando eu fui ser deputado federal e vice líder do
Serra, aquilo foi uma escola para mim. Trabalhar com o Serra que é um “cavalo” para
trabalhar e uma inteligência das maiores que eu já conheci na vida, talvez a maior, foi um
privilégio absoluto. Aprendi muito. O Serra foi um professor para mim. O período lá, o
trabalho com aquele assessoria que ele montou naquela bancada, com foi extraordinário.
Essa passagem na prefeitura já qualifiquei, a passagem no BNDES foi outra... eu brinco
com meu filho... Meu filho já fez o curso de economia, já fez o mestrado, já defendeu tese,
agora já está fazendo o doutorado... Eu brinco com ele dizendo que meu mestrado foi
trabalhar com Serra e na comissão de finanças com Nelsinho, com Roberto Campos...
Pensamentos políticos tão diferentes... Mercandante, César Maia... Eu trabalhei com essa
gente. Acho que meu mestrado foi ali, foi mestrado da vida. E meu doutorado acho que foi a
passagem pelo BNDES, que é a instituição que eu conheço – eu não conheço de dentro da
Petrobrás, dizem que também é outra fonte de bons quadros – mas o BNDES eu conheci
por dentro e eu acho que é uma das melhores estruturas públicas do país. Eu trabalhei com
gente muito qualificada e tenho a humildade de dizer que aprendi muito no BNDES. Foi uma
outra escola da minha formação, dentre essas várias escolas , o partidão, o movimento
estudantil, a passagem na Assembléia Legislativa teve seu lugar. Eu quando me elegi
280
deputado estadual eu não queria ficar na Assembléia, cheguei a pedir a Max pra me colocar
no secretariado dele, depois parece que outros deputados pediram também, e acabei não
indo. Mas olhando aí pra essas escolas da vida, além da minha família, do meu pai, da
minha mãe e das escolas reais que eu estudei, essas escolas da vida foram muito
importante pra minha formação.
M - Como o senhor define a sua geração política?
PH - Acho que é uma turma de idealistas. A gente foi criado em um momento obscuro da
vida nacional. A gente enxergou cedo a luz da liberdade, consolidamos isso aí em um
conceito de democracia. E na militância comunista nós nos comprometemos com a
emancipação humana que hoje eu acho que é bem simbolizado com a bandeira de
igualdade e oportunidade para todos: ricos, pobres, negros, brancos, homens, mulheres e
assim por diante. Eu acho que esta geração tem esta formação, tem esses princípios, esses
valores. Você vê que tem gente que foi trabalhar na academia, representa isso lá dentro, do
seu jeito. Estando em partido, não estando... Participando de corrente política ou não
participando... Gente que foi ser profissional liberal, toda as vezes que é instado se
posicionar como cidadão representa este pensamento e tem ética no que faz na vida
profissional, quem foi para empresa, quem foi para dentro de governo. Eu sou muito feliz de
ter tido a oportunidade de forjar os meus valores, as minhas crenças, os princípios que
norteiam a minha vida, na base familiar que eu tive e no momento de viver este movimento
de juventude. O momento estudantil marca, marca e carimba a forma de ser e posicionar.
Acho que isso é a geração. Na vida política do estado desta geração fui eu que percorri os
cargos políticos, trazendo muita gente junto comigo nos cargos políticos. Cheguei até o
governo do Estado, que é o posto mais importante da política do Estado, mas na verdade
por ser uma geração e percorrer este caminho nunca teve nisso um projeto pessoal, sempre
teve um projeto de vida ligado a essa história, a estes princípios e estes valores. Acho que
isto que é geração. Cada hora que eu tomo posse em um lugar que eu decido coisas, o que
está embutido nessas posses e nessas decisões é esta história. Quando subi a escada do
Palácio para tomar posse e eu estava muito assustado, o que eu senti ali, o que estava em
jogo ali: três governadores deram errado, um atrás do outro. Nesses três governadores,
pessoas que a sociedade admirou no seu tempo. Pessoas que tinham relacionamentos
sociais amplos dentro do estado e deram errado. A minha visão e que a gente precisava dar
certo e meu olhar era o que?
Esse governo precisa ser compatível com esta história que foi o que eu citei na hora de falar
na primeira posse. Eu compartilho com isso: Não pode o Ronaldo, uma figura que foi do
movimento estudantil e foi trabalhar lá na roça em Pinheiro, não pode se decepcionar com a
281
passagem da geração dele no Governo. São os Ronaldos, os Paulos Pneis, o Três
Fazendas da vida, o Perdigão, Edson... São pessoas que estão espalhadas, um ta na CST,
outro vendendo lata de tinta, outro está cuidando da família no interior. Essas pessoas
pertencem a uma história e essa história forjou praticas políticas, administrativas... Esse
período tinha que dar certo. Então o meu pavor pessoal, eu tenho as fotos da minha
primeira posse [...] a gente estava apavorado com tudo, eu e Cristina. Apavorado pelas
circunstâncias da nossa posse, pelas circunstâncias do nosso estado e do desafio que
estava posto ali, com problemas na Assembléia, problemas nas instituições públicas,
problemas nas finanças do estado, gente acostumada a não pagar imposto há muitos anos.
Tinha que mudar isso tudo, quantos interesses tinha que contrariar, quantas pessoas muitas
vezes enrustidas, insatisfeitas... Teve que meter a tesoura aqui, cortar o privilégio ali, acertar
as contas que tinham que acertar e fazer as cosias certas como deve ser feita. O histórico
desta geração é que precisava ser honrada naquele governo. E graças a tudo, a nossa
união, a gente está conseguindo fazer isso, então é extraordinário poder agora, daqui a 10
anos... As próprias novas gerações também, elas poderem ter respeito, orgulho, que eu
tenho trabalhando aqui... Muitas vezes não resolve os problemas que a gente tem na
sociedade, muitas vezes não dissipa desafios para a sociedade, mas cria bases, pra que
outros possam resolver e isso é muito importante, você resolve umas coisas, ignora outras
estabelece condições pra que outras venha a ser resolvidas. Eu acho que isso é que é
importante, eu acho que a gente vai cumprindo aí uma missão de tempo e de geração.
282
HERKENHOFF, Fernando, Vitória, Depoimento em 17 de jul. 2007
M - Como foi o inicio da sua vida político partidária?
FH - Primeiro que eu me filiei no PMDB antes de sair da Universidade, chamava-se inclusive
MDB, Movimento democrático Brasileiro. Antes de terminar a faculdade, no quarto ano, ou
quinto, porque era a linha do partidão, do PCB. Era a resistência democrática, a via do
partido de oposição era o MDB. Nessa época talvez, quem participava mais do MDB
fóssemos eu e o atual governador, Paulo Hartung. Fomos muito bem recebidos, o partido
via como uma renovação, nós chegamos a vencer uma eleição no diretório de Vitória para o
velho deputado Argiliano Dario. Depois montamos uma executiva junto com ele. Isto talvez
tenha sido nos idos de 78, 79. Aí tem a eleição, o partido tem basicamente dois nomes. O
partido que, conforme o relato anterior que dei ao seu colega, tinha muitos militantes na
UFES, não sei exatamente quantos, mas... Por volta de 200. Não são poucos, e
organizados por centros, por tipo de atividade, aí meu nome é lançado para deputado
estadual, o Berredo para deputado federal e depois o Berredo vai para o Senado. Aí agente
fica entre Max Mauro ou Mirtes. Acabamos lançando a Mirtes e ela se elegeu deputada
federal. E o Paulo seria candidato à vereador, aí nós fizemos uma troca. Eu na verdade não
me sentia muito à vontade como candidato, como nunca fui, e os resultados estão aí. Paulo
é governador do estado. Eleito deputado estadual, deputado federal, senador... Realmente
ele tinha um talento parlamentar que eu não tinha, não tinha ou não queria me tornar um
político profissional, embora acredite que na sociedade moderna e imprescindível os
políticos profissionais. Pena que no Brasil agente tenha chegado a esta degenerescência
tão grande... Não cabe aqui discutir.
M – Parece que naquele momento você era o mais indicado para concorrer, porque a
mudança de planos?
FH- Eu acho que eu era o mais bem quisto no partido, talvez conhecesse mais gente...
Poderia, talvez, impor uma maioria, mas foi de livre e espontânea escolha minha... O Paulo
tinha uma boa articulação no sul, teve o apoio do Luis Moulin, mas foi de livre opção minha
não sair candidato a deputado estadual, nem federal, tanto que nós trouxemos a Mirtes
Beviláqua e ela se elegeu. Ela era uma grande líder, talvez a maior líder sindical da época.
Foi uma decisão minha, tanto que eu vim a apoiar a candidatura do Paulo e do Berredo que
sobe para o senado, e agente sofre uma derrota.
M - Foi o único da chapa que não conseguiu se eleger...
FH - E eu até hoje desconfio deste resultado. Berredo era um homem muito corajoso, muito
audaz, do que se chamava de PMDB autêntico, contundente nas suas críticas. Estávamos
283
em 78. Tinha AI5, 477, Lei de Segurança Nacional. Então eu desconfio muito desta derrota
do Berredo. O sistema era de voto de urna... mas enfim...Paulo se elege deputado estadual
e tem um dado interessante que depois disso o Paulo Hartung se afasta do partido, do PCB.
M – E sobre essa saída do Partidão?
FH - O Paulo escreveu uma carta... me entregou uma carta. Nós morávamos juntos em uma
república. Essa carta sumiu, mas era um documento que... Ele sai, mas eu me lembro muito
bem de um documento que... Ele sai em crise com o Partido. Luis Carlos Prestes, que era
um velho comunista da velha guarda, das velhas concepções. Ele chega falando que o PCB
é um partido de direita, que o partido está facilitando a vida da ditadura. Isto dá uma enorme
repercussão nacional e principalmente em pessoas menos inexperientes, que nos
chamavam de reformistas, que nós não havíamos participado da luta armada... Nós não
votamos nulo, sempre escolhíamos os candidatos... Isso toma uma enorme repercussão.
Essa carta do Prestes traz uma visão esquerdista da época. É tardia porque na Europa, ela
já acaba em 74, 73, no Brasil de fato ela acaba agora, desde o Governo Lula. O PT é um
partido de centro direita. É um partido democrático, mas não é um partido de esquerda...
Teve uma prática, mas não é um partido de esquerda, que não segue a tradição, nem social
democrática, nem socialista...
Mas nessa carta, eu tenho a impressão que... Ele era o grande cavaleiro da esperança. Ele
chega acusando a direção de estar pactuada com o regime e que tinha medo. Estava
redondamente enganado. Aí ele abre uma linha de contato com o petismo, com o lulismo,
que aglutina a esquerda revolucionária, entre aspas, no sentido que queria fazer uma
revolução armada. Ou seja, começou na cidade e depois e foi sofrendo derrotas, derrotas,
até o final na última derrota que é a Guerra do Araguaia. Bom, eu acho que isto teve um
impacto em todos nós. E nós que escolhemos o movimento aqui. Eu, Paulo, Zé Augusto,
Geraldo Correa, Lauro Ferreira Pinto... Aí eu disse: Rumo ao oitavo Congresso. Vamos
disputar com o PCB as posições mas, sem dúvida nenhuma, esta posição do Prestes foi
danosa. Começar tudo do zero, como o PT veio também, se organizar pela base e ele era
uma grande liderança, era um homem correto, inteligente, histórico.
M - Mas vocês já estavam naquele processo do desencantamento?
FH - Mas era muito camuflado, mas ai o Prestes lança a “Carta aos Comunistas”. Eu acho
que não só, sobre mim, mas sobre quem era jovem na época, mesmo os velhos militantes,
aquilo teve um impacto enorme. E ele não aponta um caminho. Ele fala “vou refundar um
outro partido, de massa”. Ele acusa a direção nacional de ser direitista, reformista, e que o
partido tem que ser organizado pela base. Então ficou uma porção de “alma penada”. Nós
escrevemos um documento: “Rumo ao 8º Congresso”. Esta carta...nós perdemos o chão. O
284
Prestes era um homem respeitadíssimo. Uma figura histórica do movimento. Meio acima do
bem e do mal. Aí ele chega e fala: “vocês vão acabar com isso tudo. Vão se organizar pela
base e abre pontes com o brizolismo, com candidatos que vem do PDT. Ele poderia ter se
eleito senador junto com o Governador Brizola no Rio, isso em 82, e abre também um canal
com o PT. Algumas pessoas ligadas ao Prestes vão para o PT. Se juntar a quem? A origem
do PT, que era o que? A esquerda que participou da resistência armada, basicamente, a
Igreja Católica progressista, talvez outros credos, mas, principalmente a Igreja Católica
progressista, e o novo sindicalismo, e tem essa convergência... e a intelectualidade,
principalmente universitários. Então é uma grande novidade, diante de um partido que
chega em um tiroteio. Nós vamos para o 8° Congresso. Eu acho que isso teve uma
influência muito grande, não só no Paulo, mas em todos nós. De qualquer forma, nós
criamos um documento, dizendo que nós íamos para o 8º Congresso, já citei o nome de
quem participou da elaboração. Bom, aí tem duas coisas importantes: Uma, mesmo o Paulo
saindo do Partido.... Tem dois aspectos importantes: uma, o partido se divide praticamente
ao meio, em apoio à Max Mauro e a Camata e sem dúvida nenhuma eu sou um dos
principais defensores, talvez o principal defensor da candidatura de Gerson Camata,
entendendo que a gente tinha que ter uma transição democrática complexa... o aparelho
repressivo, o serviço de informação ainda estava presente e havia muito mal estar ainda...
sofreu uma derrota na realidade, e a outra ala que defendia a candidatura do Max Mauro
com a candidatura do MDB autêntico, com o qual os comunistas se entrosaram mais no
congresso . Fez-se a candidatura do Camata.
M - É verdade que o movimento, por meio de Berredo, convidou Camata a se filiar ao
MDB?
FH - Não. Talvez o Berredo. Uma boa pergunta para se fazer. Talvez o Berredo tenha
ajudado, mas foi uma decisão pessoal dele. Ele estava insatisfeito com o “mandonismo” do
então Governador Eurico Rezende. Ele não estava gostando daquela coisa do Eurico ser o
manda-chuva. Tenho impressão, é uma interpretação subjetiva, e ele foi bem acolhido no
MDB só que nós, mesmo Max Mauro o acolheu muito bem, só que falamos: tem que ser o
Camata candidato e ganhamos a convenção por oito votos, e tinha uns 12 delegados, então
foi o MDB que escolheu Gerson Camata, supostamente um nome de direita e que sempre
foi um político liberal, de idéias liberais, moderno, eu diria até, tanto que ele sobrevive este
tempo todo, muito habilidoso, e essa disputa ficou meio torta no partido. Eu não lembro qual
a posição do Paulo Hartung tomou talvez, ele não tenha tomado uma posição, acho que
apoiou o Camata. E o Camata de vez em quando fala em entrevista, ele se lembra disso
com muita alegria. Ele não entendia “como os comunistas vão me apoiar”. Ele veio do
interior do estado de famílias tradicionais, algumas até ligadas ao movimento do Plínio
285
Salgado, os integralistas. Mas ele adora... Faz a festa. E mesmo o Paulo tendo saído do
PCB, na minha visão, sob o impacto desta Carta aos Comunistas e nos desdobramentos
dela, que deixou todo mundo no ar, e aí tem uma lado interessante, escrita em 82, no ano
das eleições. Talvez a quatro meses ele sai do partido. O Renato Soares que depois veio a
fundar o PSB que depois passou para a mão do Casagrande se lança candidato e faz uma
grande movimentação no diretório nacional para garantir a candidatura dele, que Paulo tinha
saído do partido. Eu me oponho a isso, me articulo, trabalho contra isso. Ele me chama, ele
deixaria de ser candidato, mas queria uma candidatura do partido. Eu disse não...Eu via a
coisa tão em aberto, os horizontes estavam tão nebulosos.
M - Então o Paulo Hartung já não era mais PCB quando se elege na primeira vez?
FH - Não. E ninguém sabia disso. Foi um negócio que ficou interno, mas o Renato Soares
faz um movimento com uma candidatura, que tem até uma boa votação, principalmente
tentando minar, usando este fato do Paulo ter se desligado do PCB. Mas como eu disse,
acho que houve o impacto da carta do Prestes, acho que o Paulo naquele momento se
sente um pouco polarizado por esta carta, o pai dele era um velho comunista, mas também
um certo desencantamento com a falta de democracia do chamado “socialismo real” por
uma questão que para nós existia desde o tempo que eu entrei no PCB.
M - Aí agente fala de Gramsci...
FH - É. Eu acho que esta geração nova, cujas principais lideranças, acho que foram o
Paulo, eu, o Lauro Ferreira Pinto, o Izildo Leite, o Lelo Coimbra, um pouco menos, Merli
Alves que depois logo foi para São Paulo, o Claudino de Jesus, muito na área da cultura que
tinha um mundo de gente. A gente já vinha de uma visão, eu não diria gramsciana, mais do
que gramsciana...porque Gramsci fala na disputa hegemônica na área da cultura, na área
da ciência, na área da informação, eu diria que é uma visão que a democracia era um valor
universal. Tem até um documento do Carlos Nelson Coutinho “democracia como valor
universal” que foi um furor. Foi um documento amado e odiado ao mesmo tempo. Tem
gente que tem esse livro ainda, eu já tive, doei para a biblioteca da UFES. A gente já nasce
com outra visão. A geração já tinha passado por Beatles, Rolling Stones...
M - Vocês faziam parte do Comitê Estadual?
FH - Estadual. E tínhamos contato com o Comitê Nacional, como é natural. Como até hoje
é.
286
M - Quem era exatamente do Comitê?
FH - Da executiva Estadual? Certamente vou me esquecer de algum nome, mas ele era
basicamente formado por estudantes. Tinha uma executiva estadual, tinha uma executiva de
juventude. Estadual que eu me recorde muito bem: eu, Paulo Hartung, Lauro Ferreira Pinto,
Geraldo, Lelo Coimba, Neivaldo Bragato, Izildo Leite, que eu me lembre bem. Devo estar
esquecendo um ou dois ou três nomes. O Comitê da juventude era em tese subordinado,
eram o Fernando Pignaton, Ernesto Negris, José de Arimathea, Stanislau Stein, e várias
mulheres. Deyse Osleger, que hoje e secretária de Cultura... Eu certamente aqui me
esquecerei porque não tinha muito contato com esta área de juventude. Eu já tinha me
formado... Anselmo Tose... Tinha muitas mulheres. Até falavam que o partidão, um dos
critérios para entrar eram mulheres bonitas... Não deixa de ser verdade... eram moças muito
bonitas, muito militantes. Tínhamos também um comitê de trabalhos sociais que é muito
pouco explorado, mas as três ou quatro lideranças principais que eu me lembro são o Carlos
Rios, que é medico do hospital metropolitano, o Adão Célia que é proprietário, o Luis Carlos
Bezerra, e Wolmer Silva, que foi embora do Espírito Santo, o Aurélio que até hoje é do PCB,
e outras pessoas da Serra. E de Vila Velha. O de Vila Velha tinha um trabalho muito forte.
M - Isto também tem a ver com a Comissão de Mobilização Popular do PMDB?
FH - Sim. Mas que atuava mais dentro do MDB éramos eu e Paulo Hartung sem dúvida
nenhuma, e muito passo a passo, trabalhando durante anos. Nós queríamos movimentar o
MDB aqui no Estado, criamos em vinte ou trinta a Comissão de Mobilização Popular, que
aglutinava a juventude, a intelectualidade em torno do MDB... Foi um grande sucesso. Não
sei de documentos, mas a gente produzia panfletos, documentos escritos. Esta comissão foi
muito importante porque revitaliza o MDB aqui no Estado e os velhos emedebistas, Argilano
Dario, o pai do Sergio Borges... Hugo Borges, Dilton Lírio, nos recebem muito bem. Alguns
que na época eram muito conservadores como o Lúcio Regis aquilo para eles era uma
maravilha, vendo aquela juventude toda chegando. Quem não gosta disso, e que na cidade
deles iam fazer campanha para eles. Mas de qualquer forma aquilo foi uma virada enorme
no MDB aqui no Estado. E aí que nasce a idéia de uma candidatura minha e do Paulo. Eu
não aceitei ser candidato a deputado estadual e nem a vereador, e aí entra Stanislau Stein,
um dos vereadores, mais bem votados. Uma votação esplendorosa. E o Felício em Vila
Velha. Cinco mil aqui e cinco mil lá. Todos os dois tiveram esta votação esplendorosa,
porque nós apostamos nessa política eleitoral de um partido de oposição. E a esquerda
revolucionária toda estava aguardando o nascimento do PMDB, agora não suportava que o
MDB era um partido prostituído, criado pela ditadura... Hoje os petistas estão tentando
mostrar que são iguais aos outros, naquele época falavam que eram diferente..
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Paulo se lança candidato, Stan também uniformidade a vereador e eu achava que aquilo
não era a minha vocação. Eu recebi um convite para trabalhar na universidade onde estou
até hoje. Aqui e na Emescam. Então no sentido de realização pessoal eu acho que Paulo
fez uma carreira de sucesso, foi um bom deputado estadual, federal e é um bom
governador. Os fatos estão aí.
Interessante que mesmo com o afastamento destas pessoas do PCB, este grupo que a
gente chama de reformista do partidão, ele permanece unido aqui no Estado. Eu diria, que
até a eleição de Paulo Hartung, anterior a essa. No primeiro mandato. Porque na eleição
para prefeito de Vitória, Paulo Hartung apóia o candidato do PT. Então quem se afasta do
grupo reformista do Partidão aqui do estado, por razões mais explicáveis e objetivas
possíveis...
Bom, elegemos o Camata ao Governo, fomos um dos primeiros estados do Brasil, na outra
eleição elegemos o Max Mauro. O Max sofre uma transformação, ele se torna uma pessoa
aglutinadora. Quando Camata ganha, nós fizemos uma grande movimentação na sociedade
civil na cultura, história... O Camata fez mais de 20 reuniões. Uma coisa impensável, e ele
cumpriu catolicamente estas discussões com a sociedade civil. Então ele entra permeado
pela sociedade civil, não só pelas grandes empresas, pela velha classe política aqui no
Estado. É um governo muito interessante que precisa ser melhor estudado. Depois veio Max
Mauro que nós também apoiamos...
M – E como ficou a situação de vocês com Max após à eleição?
FH - Inicialmente muito tensa. O Max não nos perdoava porque achava que os comunistas
tinham que apoiá-lo e não à Camata, que era um homem de direita, entre aspas, egresso da
Arena. Mas depois quando nos o apoiamos na outra eleição, acho que a situação se
normalizou.
M - Você chegou a se filiar no PSDB?
FH - Não, nunca botei meu pé no PSDB e nunca tirei o meu pé do PCB ... eu fui PCB, MDB
e PPS aonde estou até hoje. O MDB embora seja um partido muito complexo, e agora
parece que o governador finalmente definiu um partido, espero que seja perene, porque
esse negócio de trocar de partido toda hora faz muito mal a democracia. Nesse plano aí
Paulo deve muito a sociedade capixaba, ele tem uma contribuição negativa, na vida
partidária, não sei se ele é contrário aos partidos políticos, acredito que não... Não sei se ele
não gosta dos partidos políticos, o que a maioria da população não gosta, ou acredito que
ele não quer... os partidos brasileiros são muito imaturos... ou ele acha que ele é um partido
político... ele e quem se subalternize a ele... mas é muito complexo... mas eu só acredito na
democracia através dos partidos políticos, pode ser até pela internet, e decisões coletivas...
288
Você vê essa agora do Ministro inglês, uma coisa elegante, programada, cumpriu o seu
tempo, errou ao entrar na guerra do Iraque, apostou mal, já se sabe quem vai ser o
sucessor. Então aí eu me afasto e saí pra fazer mestrado, doutorado, mas nunca me afasto
do partido não.
M – Você ainda participa das decisões do grupo?
FH - Teve uma época que eu participei do grupo de preparação da campanha dele. Do
grupo de transição eu não participei por uma razão muito pessoal, que foi uma doença grave
da minha mãe que veio a falecer. E participei dois anos do governo, e tenho uma relação
normal com o governador. Eu acho que ele faz um bom governo, não temos como um não
falar do outro. E na maioria das vezes, bem. Nós nos respeitamos muito. E aí eu me afasto,
mas sempre apoiando.
M - Queria que você me falasse da intervenção, se é que houve, do comitê estadual.
FH - A intervenção, salvo engano, tem duas vertentes. Uma vertente é que grande parte do
partido estava discordando da linha do Comitê Central, que era a linha politicamente correta,
unidade das forças democráticas para derrotar o adversário comum que são as forças
militares principalmente e o aparelho repressivo, que continua até o meio do Governo
Sarney.
Pouca gente entendia como os comunistas ou neo-comunistas podiam estar apoiando esta
frente ampla que agente não pedia atestado de idoneidade, quem estiver enfrentando,
enfraquecendo o regime, é aliado. A verdade era essa. Que era a linha correta, que levou à
derrota. Tanto que em 75, a ditadura depois de acabar com a Guerra do Araguaia, ela faz
assassinato em massa, de 70 a 80 dirigentes do Comitê Central que eram pessoas que não
usavam revolver. O último partido a ser atacado pelo sistema repressivo do governo militar
foi o PCB. Em 75, quem estava aqui, ou foi preso ou foi morto e quem estava lá fora... Eles
eliminam várias pessoas, inclusive o pai do Bonfim.
Então essa intervenção tem duas vertentes, uma achando que a linha do PCB, era uma
linha reformista aqui no Estado. Havia este pensamento. Talvez quem tivesse isso mais bem
elaborado era Izildo Leite, que é professor de sociologia da USP... Foi PT, agora é PSOL. É
um marxista, que consideravam marxista lenilista,.... o Edson Dias sai antes, o próprio David
Capistrano, um homem brilhante daqueles que achava que o PCB era um atraso.
289
M - Esses “velhinhos” do PCB, quando vocês assumiram o comitê estadual eles se
afastaram?
FH - Não. Continuavam, mas eram velhinhos..eram pessoas que militavam na década de
40. Na verdade Dr. Caetano Magalhães, o Zé Augustinho... eles nos ouviam muito, eles nos
respeitavam muito, e eram muito amigos da União Soviética, era só não mexer com a união
Soviética que era a pátria, mas eles não eram stalinistas, porque o PCB já tinha rompido
com o stalinismo em 58, referendo esta linha em 66 no 6º Congresso. Quando surgem estes
grupos de luta armadas todos. Funda o MR8, a ARN, Val Palmares...racha tudo.
A intervenção veio em um sentido de que havia a... Que a direção estava contaminada pelo
prestismo e segundo, que veio também para impor a candidatura de Renato Soares. Eu fui
contra, eu, Lauro. Nós colocamos contra.
M - Esta foi a vinda do Azedo ou do Regis?
FH - O Regis nunca foi interventor. Regis foge de São Paulo, foge não, sabiamente deixa
São Paulo quando tem a última cartada de massacre da ditadura militar, que é na direção do
PCB. Aí ele vem morar no Espírito Santo, mas tinha velhas concepções, mas o Regis não
teve a ver com intervenção. Ele não gostava dos jovens de Vila Velha, achava que eram
muito promíscuos, e que usavam drogas, isso deve ser meia verdade, eu não sei, nunca
pedi atestado nenhum disso, e ele não gostava disso. Primeiro, ele era um grande jornalista,
segundo era muito cordial, ele não veio aqui, não... ele veio porque houve aquela morte do
Vladimir Herzog, e o assassinato da direção nacional. O Azedo sim, veio aqui para falar: “A
linha do partido é essa, vocês não querem seguir nós vamos montar outra direção..
M – E o que vocês fizeram?
FH - Nós resistimos, não à linha do partido, nós resistimos, eu acho, e aí pode ter um erro
meu, mas eu tenho a impressão, aí eu acho que não foi o Azedo, não, mas talvez o PCB
tinha que lançar candidatos de seus quadros. Aí eu fui a principal barreira mesmo, porque o
nome natural seria o meu, e felizmente eu não embarquei nesse negócio, eu ainda era PCB,
mas acho que o Renato Soares trabalhou, ele queria ser candidato, tinha esta ambição
legítima. É política, e nós fizemos um encontro aqui no Estado, um encontro com mais de
100 delegados, e nós mantivemos a candidatura do Paulo, mesmo tendo ele saído do
partido. E fomos talvez, o motor da campanha dele, da Mirtes, do Berredo e do Camata.
M - E o comitê Central foi voto vencido?
FH - Então o Comitê central recuou, eles não chegaram a fazer intervenção. Não houve
intervenção, houve uma tentativa, talvez fosse até um movimento. Em política faz muito
isso, você ameaça, aperta, naquela época foi o fim do mundo, eles fizeram uma pressão,
290
mas eles recuaram.. Nós fomos até o Rio, entregamos o documento que te falei: “Rumo ao
7º Congresso. Vocês vão fazer intervenção lá, por quê?”.
M - Como define esta sua geração?
FH - Essa pergunta me pega totalmente de surpresa, mas eu tenho uma coisa aqui na
cabeça. Acho que foi a última geração que teve paixão política. No Espírito Santo, no Brasil
e no Mundo. Uma geração que tinha paixão pela política. Acho que nós não tínhamos... nem
falamos no fim do socialismo real, mas ele pega aí Zé Ignácio, essa ascensão do PT puro e
a grande novidade mundial, nós sabíamos que ia dar nisso... que exatamente nisso que ia
dar, pelas suas origens, isso foi decidido num congresso aqui em Vitória em 95, o PT não ia
fazer um jogo muito diferente dos outros partidos, mas eu diria que foi a ultima geração que
teve paixão pela Política. E vejo muita gente que ainda contribui, não em partido político,
mas contribui no mundo da ciência, no mundo da cultura, como profissionais ...
M - Você acha que existe uma diferença entre vocês e a geração anterior, que lutou
contra a ditadura, efetivamente. Eu sinto...assim, toda vez que eu pergunto isso, uma
certa tendência a dizer que vocês buscavam o possível, eu sinto um certo tom de
pragmatismo. ..
FH - É claro, dos grupos revolucionários armados, dos grupos... eram velhos comunistas,
velhos bolcheviques. A vida não era fácil, e a luta era difícil... A luta política não é fácil.
Então... eram sábios, tinham equívocos de concepção. Não vislumbraram o quanto a falta
de democracia, a importância da democracia, com todos os seus defeitos, e menos ainda a
revolução científica-tecnológica, que é talvez a principal idéia motora de Karl Max é essa.
Ele chamava de força produtiva: a revolução cientifica-tecnologica, que manda na
sociedade, quem tem ciência, conhecimento e informação, é quem domina. Isso é forças
produtivas. Eu diria assim, foi a ultima geração que tinha paixão política. Eu tenho esse
sentimento, até pelo meu condicionamento que foi uma boa escola, que não cometi muitos
equívocos e algum acertos certamente porque freqüentei essa escola, senão teria feito
muita bobagem.
291
NASCIMENTO, Robson Leite.
Vitória, Depoimento em 23 outubro de 2006
Entrevista concedida aos alunos de mestrado de História das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo: Margô Devos Martin e Renato Heitor Moreira
R - Como e quando se iniciaram as articulações políticas dentro do movimento
estudantil da Universidade Federal do Espírito Santo que culminaram com o processo
de abertura do Diretório Central dos Estudantes (DCE)?
RN - Eu não fui um dos primeiros a participar, mas as informações que tenho são de que
1976 foi uma espécie de marco, porque começaram a travar discussões entre várias
pessoas de cursos diferentes, no sentido de buscar a reorganização do movimento
estudantil e a reabertura do DCE. A reabertura do DCE é o que unia todo mundo, e isso só
se deu em 1979. Talvez a eleição tenha sido em 1978 e a posse em 79. Mas, em 1976
começou, e o curso responsável foi o de Medicina. Foi lá que surgiu o primeiro grupinho,
com influências política de São Paulo.
R - Quais Pessoas?
RN- Pelo menos uma eu lembro muito. A Marli que era do Centro Biomédico. Ela era mais
ativa. Tinha outro, não lembro o nome, mas qualquer uma das pessoas que vocês
entrevistarem do Centro Biomédico saberá dizer. Mas vou dar uma sugestão: ele está fora
daqui, ele hoje é um doutor, se chama Paraíba. Ele tem que ser entrevistado por vocês.
Esse cara conhece como foi esse processo. Idelberto Muniz.
R - Quem eram os principais líderes do grupo, na época, dentro da Ufes e quais as
atividades políticas e acadêmicas que eles realizavam?
RN- A Marli fazia Medicina, o Paraíba também. Tinha o Quincas (Joaquim Silva), que fazia
Direito. Era um grupo pequeno, não me lembro todos... tem um que foi embora daqui. A
maioria era mesmo dos cursos de Medicina e Direito. Dos outros cursos quase não tinha
contribuição de ninguém.
R - Em termos de atividades políticas, o que essas pessoas faziam?
RN - Essas pessoas... ainda não tinha! Estávamos no centro da ditadura, 76, 77, então
essas pessoas ainda não tinham partido. Quando muito, uma parte tinha tendências ao
velho Partidão, outra parte tinha influências, idéias de esquerda, mas não chegavam a
compor partidos. Hoje não sei mais como se chama, mas eram movimentos ligados à
292
esquerda da Igreja, grupos de esquerda do campo, grupos trotskistas. Ainda não tinha
partido, mas lá na frente, em um congresso em Salvador da UNE, começam a aparecer as
tendências do Movimento Estudantil. Uma tendência se chamava Unidade, com pessoas
ligadas ao velho Partidão, PCB. Outra tendência, que não vou lembrar o nome, era formada
por pessoas do grupo de estruturação do PT, que ainda não tinha muita formação, mas que
começa a aparecer. O congresso da UNE é um marco, vocês precisam ver em que data foi.
Eu não fui, mas o Pignaton foi. O Lelo eu não sei, estava estudando em São Paulo. Lembrei
de outro nome: Lauro Ferreira Pinto.
M - Você falou da questão do anonimato. Na sua época, (a política vigente) era o
bipartidarismo, mas nesse grupo eram todos do Partidão ou havia algum outro
partido?
RN - No chamado Comitê de Reconstrução do DCE, não sei se o nome dado era comitê,
mas tinha gente de todo jeito. O início do grupo Paulo Hartung não tinha partido ainda.
Éramos todos da chamada Unidade, que era uma tendência do Movimento Estudantil. Mais
tarde, pouco a pouco, muitos foram sabendo que era organizada pelo Partidão. Nessa
época, duas ou três pessoas só sabiam que o Partidão estava por trás disso, em 76 e 77: a
Marli, o Lauro, logo depois o Idelberto Muniz e mais à frente o Paulo Hartung. Na verdade,
isso só se abre mais com a eleição do DCE, aí escancara quem é quem na Universidade e a
gente passa a organizar o partido junto com as organizações estudantis. Passa a ter dois
trabalhos, na verdade, três. A gente organiza os diretórios estudantis, as chamadas bases,
que eram grupos de pessoas em cada curso, e depois organiza o partido na sociedade.
Como ele era clandestino, a gente vai para o PMDB. E lá a gente faz um núcleo que era
chamado de Comissão de Mobilização Popular no PMDB. Isso tudo acontece de 1978 a
1980. Em 1980 começa a filiação ao partido.
R - Qual foi a influência do Partido Comunista dentro do grupo, tanto do ponto de
vista da ação política quanto na construção de uma ideologia de vida?
RN - Foi total. Foi com o partido que descobrimos que a política é uma ciência. Foi com os
primeiros livros da socióloga chilena Martha Herneker que a gente aprendeu os primeiros
passos do marxismo e tentava, de forma romântica, passar da teoria à prática com muita
rapidez. Em algumas ações, com muito sucesso. A questão de criarmos no PMDB a
Comissão de Mobilização Popular fez com que elegêssemos em 1982 os dois vereadores
mais votados do Estado e o deputado estadual que viria a ser governador depois. Os
vereadores eram o Estanislau Kostka Stein e o Felício Corrêa. Elegemos o Paulo Hartung
deputado estadual e criamos as condições para que o Berredo se tornasse prefeito de
Vitória. Ele perdeu a eleição apoiado por nós, mas depois veio a ser prefeito da capital
293
indicado pelo Camata. Nessa época, as prefeituras das capitais era voto indireto. O voto
direto só foi conquistado em 1985. O Berredo foi prefeito de 1982 a 1985, e a legislação
dizia que o governador era quem indicava o prefeito.
R - Como eram organizadas as ações políticas do grupo ainda no movimento
estudantil?
RN - A tendência ficou aberta. O mundo universitário passou a saber que havia um grupo de
estudantes que se organizava através de uma tendência chamada Unidade. Nós fazíamos,
semanalmente, reuniões do grupo Unidade. Lá eram discutidas ações na universidade e
fora dela. Na greve do ABC, foi o grupo Unidade que tirou as linhas gerais de como a gente
ia agir em solidariedade aos líderes sindicais presos. Quando houve a cheia de Colatina, em
79, foi o grupo Unidade, e já tinha um pouquinho do Partidão por trás, que orientou como
seria nossa participação naquele movimento da época.
M - Vocês ainda não tinham se filiado ao partido?
RN - Na verdade, foi um processo de transição. Tinha gente que era da Unidade mas não
era do Partidão, tinha gente que era da Unidade e era do PMDB, isso foi um movimento! Até
que chegou uma época em que todo mundo que era da Unidade era do Partidão, e todo
mundo que era do Partidão era PMDB. Foi uma transição.
R - E dentro da Universidade?
RN - Dentro da Universidade a primeira grande luta foi um conjunto. Foi, inclusive, o que
estabeleceu as pontes para que o Paulo Hartung fosse o presidente. A primeira, era para
tirar o R do currículo. Era o seguinte: toda vez que um cara era reprovado, vinha um R
colocado na disciplina que era reprovado. Aí ele fazia uma reavaliação, passava, mas o R
continuava lá. Então, por quê manter aquilo? A segunda, era manter a média 7. Quem
mantivesse a média 7 durante o semestre não precisaria fazer a prova final. Depois, quando
já estávamos no DCE, queriam transformar o prédio da biblioteca em prédio da burocracia.
Nós denunciamos fortemente isso, foi nossa maior briga lá.
R - Como vocês divulgavam o movimento para a sociedade?
RN- Quando chegamos ao DCE, nós tínhamos um informativo e um processo de
"folheteria", panfletos, permanente. Antes, era no velho mimeógrafo, e depois passou a ser
em gráfica. Antes da gente chegar nas entidades, a gente fazia panfletos.
Tinha hora que fazíamos os panfletos no mimeógrafo para o Partidão, tinha hora que
fazíamos para a Unidade, mas no fundo todos sabiam que vinha tudo do mesmo lugar. Era
essa a nossa forma de divulgar. Tinha outra forma, que hoje acho que até não existe, mas
294
nós passávamos nas salas. Quando havia algum problema em algum curso, a gente
formava uma turma, uma espécie de comissão, e passávamos de turma por turma, e era
engraçado porque mesmo naquela época dura, os professores deixavam. Alguns ficavam de
lado, mas nós forçávamos e conseguíamos. As convocações das grandes assembléias
eram assim. Nós fizemos grandes assembléias na Universidade. Na época do Paulo, do
Stan, nos fizemos grandes assembléias.
R - E não aparecia ninguém nessas assembléias para vigiar vocês?
RN- A questão da repressão apareceu só até a reabertura do DCE. Depois de 79, a
repressão não se manifestava. Ficava ali olhando a gente. O país já estava naquela época
do Figueiredo, de dispensão, do Geisel... no início, teve sim. Houve uma reunião com o
representante do DOPS aqui, que o cara tirou uma arma, pôs em cima da mesa e disse "é
disso aqui que vocês estão merecendo!". O "Pig" pode contar melhor essa reunião com o
cara. Mas a gente não teve muita repressão aberta. Teve muito assim, de quando já
estávamos no DCE, de recebermos cartas do CCC, Comando de Caça aos Comunistas.
Eles mandavam cartinhas para a gente, falavam que a gente estava equivocado, que Deus
ia castigar, que não sei o quê e tal... mas a repressão, passado 1980, foi para o lugar dela e
a Universidade ganhou força com a intelectualidade.
M- Você participou do DCE até quando?
RN - Eu fui vice-presidente do Stan. Todo o mandato dele eu fui vice-presidente. Nessa
época, nós criamos duas vice-presidências. Uma ficou comigo, porque eu fazia Engenharia,
e a outra ficou com o Ernesto Negris, que fazia Medicina. O Stan era do CCJE, então
precisava dar uma balançada, a Medicina era muito forte, por isso criamos as duas vice-
presidências. A chapa "Hora de Mudar", uma grande chapa, que sucedeu um período triste.
O Paulo Hartung fez o mandato dele e a Unidade perdeu a sucessão. O "Pig" era o
candidato. Perdeu para a outra tendência que era ligada ao PT, aos movimentos
esquerdistas, um cara chamado Shaolin. O sobrenome dele era Ceolin, mas a gente
chamava Shaolin. Depois o Shaolin renunciou, o DCE passou um tempo completamente
desestruturado, perdeu o contato com a sociedade. Uma coisa que achávamos importante
era fazer alianças com a sociedade. Com o Hartung, a gente tinha uma ligação com a Igreja,
com D. Luís e com D. João, tinha alianças com o Sindicato dos Trabalhadores, com os
partidos políticos. Quando chegou o Stan, nós fizemos a (chapa) "Hora de Mudar", porque
estava uma esculhambação, e retomamos não só o projeto de fortalecer os movimentos da
Universidade mas também de nos preocupar com a sociedade, e nessa época nós
trouxemos grandes palestrantes para a Ufes, como Darcy Ribeiro, João Saldanha, Teotônio
Vilela...
295
R - Existia, dentro do grupo, alguma hierarquia entre vocês?
RN - Sim. A partir de 1980, nós passamos a ser orientados pelo velho Partidão. O Partidão
tinha uma organização formal. Tinha o Comitê Estadual, que hoje é como se fosse o
Diretório Estadual do PMDB. Os diretórios estaduais dos partidos eram como o Comitê
Estadual do Partidão, que tinha gente de fora e de dentro da universidade. As grandes
linhas de trabalho nasciam nesse grupo. Na Universidade, tinha o Comitê Universitário. As
linhas de trabalho também nasciam ali. Abaixo dos Comitês Universitários havia as
chamadas bases, que eram formadas por pessoas do mesmo curso. A hierarquia era essa.
Ela ficava horizontal quando se faziam as grandes assembléias.
R - Dentro dessa hierarquia, em termos de nomes, como eram?
RN- O Comitê Estadual, em 80, 81, tinha Paulo Hartung, Idelberto Muniz, Lelo Coimbra,
Izildo Leite, Lauro Ferreira Pinto, tinha um líder sindical que tinha sobrenome Crioulo, e hoje
ele é um pelegão aí, todo cheio de contradições. No Comitê Universitário era eu, "Pig",
Ernesto, Anselmo Tose, e claro que isso ia renovando à medida que os anos passavam...
M - Você disse que em 80, 81, vocês já estavam filiados ao PMDB mas eram
orientados pelo Partidão...
RN - Sim, porque o Partidão era clandestino, então a gente para fazer o movimento
partidário escolheu o PMDB, nessa Comissão de Mobilização Popular, mas a gente recebia
as orientações políticas e as discussões políticas direto do Partidão.
M – Isto era oficial no PMDB?
RN - Alguns sabiam, outros não... O Berredo sabia. Sabia tanto que em certa época
aparecia em nossas reuniões. O Camata sabia, mas tratava a gente com aquele jeitão dele.
Levou muitas pessoas do partido para o governo dele, em 1982. O Lauro e o Lelo foram ser
diretores das Secretarias de Saúde no governo do Camata. O Hartung virou deputado e
fazia muita interlocução com ele. Então, a estrutura era essa, e isso ficou por uns três ou
quatro anos. Depois o movimento estudantil entrou em baixa, muitos já tinham saído
também da universidade...
R - Era muito difícil de alguém de fora entrar no grupo? Havia algum critério?
RN - No início não. O grupo era muito pequeno, queria crescer. Depois ficou mais seletivo.
Nós não fazíamos seleção de massas, queríamos formação de quadros, no velho estilo
bolchevique mesmo. Então, eram pessoas que tinham dedicação quase religiosa, quer
dizer, eu e essas pessoas que eu citei, muitos de nós nos prejudicamos, no ponto de vista
das relações pessoas, das relações de estudos, porque a gente trabalhava 10, 12, 14 horas
296
entre o nosso estudo e nossa prática política. O difícil não era entrar, e sim ter quem
topasse fazer isso, porque ninguém mais jogava uma pelada, ninguém praticava esporte...
R - Como eram feitas as tomadas de decisão entre os membros do grupo? Era um
processo democrático ou as decisões já vinham tomadas e só se fazia uma reunião
para legitimar sem que as pessoas soubessem?
RN - Todos nós éramos filhos da ditadura, por isso a nossa prática não era uma prática
democrática. Por mais que a gente queira dizer que todos podiam falar nas assembléias,
havia uma direção que encaminhava cerca de 90% daquilo que era decidido em grupos
pequenos. Claro, nós perdíamos muitas vezes essas discussões nos grupos maiores, mas o
grau de democracia era pequeno. Mesmo porque não tinha como ser muito grande. Volto a
dizer, eram quadros, e eram quadros que faziam desde as decisões políticas, até colocar
uma faixa, pintar um painel... quantas vezes eu passava noites fazendo camisas naqueles
silk screens. Chegou uma época, do Arimathéa, que começou a dar problemas entre jovens
universitários que queriam maior participação. Nós também fomos avançando, vendo que
não era a melhor forma de organização, que precisávamos de lugares maiores para
discussão... Mas no início a democracia era muito restrita. A única ocasião que realmente
era democrática eram as nossas festas, que nós fazíamos no Anchietinha e o pau
quebrava!!
M - Você acha que o fato de terem trabalhado com essa política de quadros
influenciou a carreira política de vocês?
RN- Ah, sim! A atividade política vai deixando suas marcas, o que tem de bom e de ruim. A
personalidade política de cada um de nós tem um viés autoritário. Alguns conseguiram
superar. Uns mais, outros menos, mas o viés autoritário é uma herança genética. A
concepção de trabalho político da época nos dava esse viés. O partido bolchevique era o
que tínhamos de pensamento, de como tinha que funcionar (a política) no início. O velho
Partidão, aqui no Brasil, é um exemplo dessa história de como a organização passa essa
falta de democracia interna. Isso não quer dizer que tanto o Partidão quanto nós aqui no
Estado não demos uma contribuição histórica para a construção da democracia, que muito
nos orgulha .
R - Você entende que naquela época de movimento estudantil, de 76 a 81, mesmo com
todas as dificuldades, vocês fizeram alguma influência na política capixaba? E como?
RN - Não tenho dúvida! Nós demos contribuição de organização social, de mostrar à
sociedade capixaba o quanto era importante apostar nas suas instituições. Contribuições de
como era importante uma sociedade democrática ter uma imprensa livre, apontando os
297
defeitos dos governos, de como era importante ter o parlamento atuando com liberdade, são
todos exemplos que eu vejo de como contribuímos para a sociedade capixaba.
R - Você fala muito da orientação do Partidão, mas quem eram essas pessoas e como
isso funcionava?
RN - O Partido, quando foi organizado, recebia aqui no Estado pessoas do Comitê Central.
Cada Estado da Federação tinha um ou dois membros no Comitê Central que eram
responsáveis por trazer aqui as discussões táticas. As discussões estratégicas foram
realizadas no sexto Congresso do Partido, que tira a linha da unidade da sociedade civil e
do avanço da democracia como um valor permanente. Essas orientações são a maior
contribuição que o partido deu para a sociedade. As resoluções eram a base do nosso
trabalho. É claro que chegou um momento que nós achamos que sabíamos mais que eles,
então começaram a ter embates entre o Comitê Estadual e o Comitê Central.
R - Então esse Comitê aqui era formado por quem?
RN - Estou te dando alguns nomes... o Pignaton, o Paraíba, o Lauro Ferreira Pinto, Paulo
Hartung, o professor Izildo Leite, que está na UFES até hoje. O Izildo é um estudioso do
marxismo. Ele nem tem mais atuação política, mas é um grande estudioso. Nós tínhamos
aqui um jornal clandestino chamado "A Voz dos Trabalhadores", que se você achar um
exemplar, será uma peça chave. Há um documento chamado "DCE Denuncia", que se
vocês acharem, será muito importante também. Foi uma das principais coisas que fizemos
lá. Fernando Herkenhoff é um cara importante nesse período. Ele era o presidente da
Comissão de Mobilização Popular.
M - Pelo que eu entendi vocês não tinham saído ainda da Universidade e já estavam
na Política partidária?
RN - Não foi uma coisa de corte, foram coisas que aconteceram. Tinha gente que ainda
estava na Universidade, tinha gente em movimento popular, e teve gente que foi para o
movimento partidário. Tinha gente que saía do movimento universitário e já ingressava no
movimento político. Tinha gente que ficava só no movimento universitário. A maioria foi
(para o político), como o Stan, Felício, Paulo Hartung, Fernando Herckenhoff, eu, Fernando
Pignaton, a própria Marli e Merli, o próprio Isildo foi do PMDB, o Lauro Ferreira Pinto
também foi do PMDB...
M - Você saiu em que ano da faculdade?
RN - Eu tive um problema. Eu saí do movimento estudantil em 1982, mas, fui para o
movimento partidário. Aí eu voltei para a Universidade para terminar o meu curso. Eu
298
comecei Engenharia, desgostei da Engenharia e comecei a fazer Direito. Só que, com a
atividade do movimento estudantil, eu fazia poucas matérias. Para você ter uma idéia, eu
comecei o curso de Direito em 1981 e só fui concluir em 1987. Na época mais forte do
movimento eu era da Engenharia. Na saída da gente da Universidade, em 81, nós
resolvemos fazer uma gráfica. A gente imaginava que tinha que ter um instrumento para
poder fazer as campanhas em 1982. Naquela época não havia televisão, era (vigente) a Lei
Falcão, o instrumento que tínhamos era o papel. Por decisão e orientação do Paulo Hartung,
nós fizemos uma gráfica comercial, porque poderíamos ganhar dinheiro e faríamos nosso
trabalho.
M – Como vocês se sustentaram naquela época?
RN - Cada um foi se virar um pouco. Como eu saí da faculdade mas não tinha profissão, eu
voltei para a faculdade, era estudante, então meu pai é quem me sustentava. O Bragato foi
ser jornalista de A Tribuna, e o Paulo Hartung estava desempregado mesmo. Ele passou em
um concurso do BANDES, mas o Eurico Rezende anulou o concurso porque ele tinha
passado. Então, o que resolvemos: a gente não tinha emprego, a família de cada um ajudou
um pouco e montamos a gráfica; eu, Paulo Hartung, Bragato e o Dunga, que era irmão do
Pignaton. Um ano ou dois depois, Dunga saiu e um Paulo, que era amigo do Bragato,
passou a ser sócio. O Hartung ganhou as eleições de 1982 e achou que não era legal
manter uma atividade empresarial, então vendemos a gráfica.
M - Quando Paulo se elegeu, o que você foi fazer?
RN - Ele se elegeu e me chamou para ser assessor dele. Fomos eu e o Bragato. Naquela
época, o deputado estadual tinha três cargos: um secretário e dois assessores. A secretária
foi a Dona Lurdes, que o acompanha até hoje, o Bragato foi ser assessor e eu também.
M - Quais eram as atividades realizadas pela Comissão de Mobilização Popular?
RN - Tinha o partido e tinha esse grupo. Como o partido visava mais as eleições, essa
comissão visava mais os interesses da sociedade. Por exemplo, teve uma época que
queriam trazer para cá o lixo atômico. Nós fizemos uma grande mobilização usando o nome
da Comissão de Mobilização contra esse lixo aqui. Quando tinha greve de sindicatos, nós
íamos lá em solidariedade. Nós ficamos nessa comissão até 1982, quando o Paulo se
elegeu e nós não sentimos a necessidade de continuar na Comissão, pois já tínhamos um
representante.
M - Então o fato de vocês trabalharem nessa Comissão que tinha uma interface muito
grande com a população ajudou vocês a terem tantos votos?
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RN - Claro. Isso foi um planejamento para a gente se inserir na sociedade, para ter os
candidatos. Essa Comissão ajudou a eleição do Paulo, do Stan, do Felício, em Vila Velha, e
da Mirtes Bevilácqua, que sai do movimento sindical, vem para o PMDB e recebe o nosso
apoio.
M - Essa Comissão já existia ou foram vocês que criaram?
RN - Não. Foi tudo orientação do Comitê Estadual do Partidão, tudo nasceu ali. A gente
precisava de um espaço para atuar na sociedade e ter votações tão expressivas. É claro
que o trabalho dentro da Universidade ajudou. O Paulo Hartung criou lá as bases para essa
eleição, tanto o Stan criou e o Felício também. Nessas eleições, o Paulo teve votos em
todos os municípios do Estado. Era resultado do trabalho na Universidade, de gente que
conhecia ele dali e morava no interior.
M - Fale um pouco do Camata e dessa divisão que existia no PMDB, entre os
históricos do MDB e o Camata?
RN - Isso aí foi uma orientação do Comitê Central, do sexto Congresso. O Camata é fruto
da avaliação política do sexto Congresso, que dizia que nós tínhamos que trazer pessoas
que pudessem representar, aglutinar o maior número possível de forças da sociedade. Quer
dizer, tinha que ter candidatos a governador que representassem setores empresariais,
setores de micro-empresas, da área rural, e segundo o nosso entendimento, o cara que
estava pronto pra fazer isso, disputar e ganhar uma eleição com o grupo dominante aqui no
Estado era o Camata, e não o Max. Isso pelo fato dele ter feito um mandato de deputado
federal que o tornou o mais popular e o mais conhecido deputado no Estado, com
capacidade de ser apoiado pelos mais diversos setores da sociedade, desde os
empresariais até os sindicais.
M - O fato de o Camata ter pertencido à Arena não pesou um pouco?
RN - Pesou para ele ser essa pessoa, não na nossa decisão. A nossa decisão era de que
ele era o cara que conseguia quebrar o grupo ligado à ditadura aqui no Estado e aglutinar os
grupos populares. Não era fácil enfrentar Eurico, Élcio e o candidato deles, que era o Carlito
Von Schilgen. Se a gente não traz o Camata pro PMDB, ele ia continuar lá. Houve um
trabalho nosso e do Berredo para trazer o Camata para o PMDB. Foi esse grupo, essa
orientação, que o trouxe para o partido. Ele (quando era deputado federal pela Arena)
começou a demonstrar que era uma pessoa antenada com a mudança; ele começou a votar
contra coisas da ditadura, a falar coisas a respeito da democracia, ele estava pronto para
isso, e mais: já naquela época tinha um apelo popular que era uma coisa de doido! Quando
nós percebemos essa fissura desse grupo da Arena, nós fomos atrás, pois essas
300
características casavam com os ideais do sexto congresso, que era preciso trazer quadros
para a disputa eleitoral que quebrassem a hegemonia das forças dominantes da época, e o
Max era mais radical...
M - Então o Max era tido como radical?
RN - O Max era um cara mais radical, mas depois se tornou governador, só adiou por quatro
anos...
M – Houve uma negociação na qual o Camata vinha na frente, e em seguida viria o
Max?
RN - Na verdade, as coisas não eram assim, desse jeito. Logo que chegou pro final do
governo do Camata, nós chegamos para ele e dissemos "Agora é a vez do Max, ele está
pronto para ser o candidato a governador", e a partir daí vocês conhecem a história...
M - E a partir de quando vocês foram se desligando do PCB?
RN - Aí também foi um momento que não teve data combinada. Isso aconteceu com o
avanço de cada um pessoalmente, por nossas leituras individuais, e também ficava assim: a
partir da hora que o Partidão lançou Roberto Freire, nós concordamos, votamos nele, mas
víamos que aquele caminho não era o que a sociedade brasileira precisava. Também teve
um momento que, já na eleição de 1982, uma parte do partido descobriu que uma parte do
grupo ligada ao Paulo não ia permanecer, e eles tentaram a eleição do Renato Soares aqui.
Então, já em 82, tínhamos a impressão de que o chamado grupo do Paulo ia sair do
Partidão. Isso foi acontecendo, foi uma transição longa, até próximo à eleição de 92.
M - Em que momento então ele sai do PMDB?
RN - Ele sai do PMDB para criar o PSDB. Ele é um dos fundadores do PSDB aqui no
Estado, por orientação e identidade com o Mário Covas. O Mário Covas passou a ser a
pessoa que nos orientava nas questões da política nacional. As exposições do Covas são
aquelas que mais nos chamavam a atenção, então o Paulo e quase todo o grupo sai do
PMDB, em meados de 1991 para 1992. Foi próximo à eleição dele para prefeito.
M - Na minha concepção, o Camata é quem tinha visto uma possível liderança no
Paulo, mas foi justamente o contrário, não é?!
RN - Não, foi exatamente ao contrário. Foi o Paulo quem apostou no Camata. Ele foi uma
das pessoas que defendeu, aqui no Estado, que as forças sociais apoiassem para
governador, nesse contexto de reconstrução da democracia no Brasil, o Camata. A
liderança do Paulo estava se constituindo, ele não era esse líder que é hoje. Havia pessoas
301
importantes no grupo. Berredo era um, Lauro Ferreira Pinto era outro, Fernando Herkenhoff
talvez fosse mais importante do que era o Paulo nessa época.
M - Então em 1982 ele se elegeu deputado estadual, e vocês não tiveram participação
na eleição seguinte?
RN - Em 85 ele tentou ser prefeito de Vitória, mas o Camata não o apoiou, ele foi pré-
candidato. O Camata achou que o Hermes Laranja era o melhor nome da época. A
hegemonia do PMDB ficou com o Hermes, então ele nem chegou a disputar. Aí, em 86, ele
disputou o segundo mandato para deputado estadual, ainda no PMDB, e teve uma votação
expressiva. Em 1982, ele foi o quarto mais votado do Estado. O Felício foi o vereador mais
votado da história do Espírito Santo, e o Stan o mais votado de Vitória. Aí, em 1986, ele
(Hartung) se reelege em 1990 se elege deputado federal e em 91-92 ele faz a transição para
o PSDB.
M - Essa transição, a princípio se deve pela influência do Covas, não é?
RN - Sim. A situação no PMDB estava difícil, o Qüércia estava mandando no PMDB
nacional, foi quando Montoro fez uma célebre frase que propunha que o partido deveria ir
mais para a rua, ouvir mais as pessoas, e aí se dá a criação do PSDB, quando um grupo de
paulistas sai do PMDB e funda o partido tucano. Aqui no Estado o Hartung foi quem fundou.
Nessa época, ele estava com péssimas companhias, que nós só fomos saber depois: o
Vasquinho, o Jorge Anders, a Rose de Freitas e o José Ignácio. Tanto assim que ele fica no
PSDB pouco tempo. Ele passa o mandato da prefeitura no PSDB, disputa o senado ainda
no partido, perde a convenção para o José Ignácio e logo que começam as primeiras crises
aqui no governo do José Ignácio ele faz um discurso no senado e deixa o partido. O
engraçado é que ele volta para o velho Partidão, vai para o PPS, do Roberto Freire. A
carreira partidária do Paulo é complicada!
M - De 1982 a 1992, como o grupo foi se colocando para as eleições?
RN - Uma parte das pessoas estava na universidade, outra estava fora. O Partidão estava,
partidariamente, atuando dentro do PMDB. Dentro do PMDB, tinha aquela Comissão de
Mobilização Popular, que começou a fazer trabalho de organização dos movimentos
populares. Ao mesmo tempo, ela participava de todos os grupos supra-partidários que
existiam na sociedade. Ora tinha luta para que não viesse lixo atômico para cá, outra hora
tinha luta contra o MEC. O objetivo estratégico era eleger um vereador e um deputado
estadual. O vereador era Paulo Hartung e o deputado era Fernando Herkenhoff. Isso era
nossa chegada ao parlamento. No meio do processo, uma liderança em Guaçuí, chamada
Luiz Moulin, disse que apoiaria o Partidão, mas só tinha condições de apoiar se fosse Paulo
302
Hartung, por causa das raízes familiares de Paulo Hartung em Guaçuí. Aí o partido reuniu,
por volta de maio de 1982, e trocou, colocando Paulo Hartung no lugar de Fernando
Herkenhoff.
M - Por que a indicação de Fernando Herkenhoff?
RN - O Fernando Herkenhoff era o quadro com maior expressão popular que a gente tinha.
Ele e Paulo Hartung. Fernando tinha um trabalho dentro da Universidade, como professor,
e na ADUFES, e tinha um trabalho em alguns bairros populares da Grande Vitória, em
Vitória e Vila Velha. Toda força que a gente aglutinou naqueles anos todos de 78 até 82, nós
resolvemos estrategicamente jogar em cima para eleger um vereador e um deputado
estadual. O Fernando era nossa maior expressão. Quando veio essa coisa do Luiz Moulin, o
partido repensou. Por quê? Porque passou a ter certeza da vitória, porque o Luiz Moulin
daria mais quatro mil votos ao deputado. No fim das contas, era uma segurança ter o Paulo
como candidato estadual. O Fernando entendeu isso, mas aí não quis voltar pra ser
vereador, preferiu ficar ali, disse que ia coordenar a campanha. Por volta de junho, julho,
nós sentamos para escolher o nome do vereador, e caiu em cima do Stan, que tinha sido o
último presidente, com uma passagem boa no DCE. Só que o grupo ligado ao Partidão em
Vila Velha, enquanto essas discussões estavam sendo feitas, lá o grupo também tinha muita
gente de movimento popular. Eles resolveram lançar o Felício como vereador. Como não
atrapalhava em nada, era outra cidade, o partido concordou e acabou que, lançando o
Felício lá, acabou ajudando o Hartung na dobradinha. O Felício estudou conosco, mas não
era um cara de frente. Ele entrou mais velho, era mais de periferia. Acabou sendo um cara
que ganhou muito respaldo lá na Glória, também pelas lutas populares que realizou. Como a
família Pignaton morava lá, teve um momento que ela (o bairro da Glória) passou a ser a
maior base popular. Tinha 40 ou 50 comunistas... você imagina, em 1981, esse tanto de
comunistas em um bairro. Era porque eles eram bons de serviço! Tinha um irmão de
Pignaton, que tinha sido do partido, que era médico, que foi do partido, teve militância atrás,
na luta da ditadura... Aí lançou o Felício. Nesse caminhar de lançamento, nós nos
aproximamos de uma figura histórica do PMDB, que tinha relações com a velha guarda do
Partidão. Era Berredo de Menezes. Ele já tinha sido candidato ao Senado uma vez e foi
derrotado, e resolveu ser candidato de novo, e pediu nosso apoio. Como do outro lado tinha
dois caras, todos dois muito conservadores, um era José Ignácio e outro era Dirceu
Cardoso, que já era senador, nós resolvemos apoiar Berredo. E Berredo passou a
comandar os acordos partidários para ajudar a eleição do Stan e do Paulo. Nesse meio
tempo, antes de fechar as coligações das chapas, teve dois fatos que marcaram muito a
gente. A disputa de Max e Camata dentro do PMDB, que nós resolvemos apoiar no Camata,
isso foram debates históricos dentro do Partidão. Tinha um professor da Universidade
303
chamado Izildo Leite, que defendia que era um erro histórico apoiar o Camata, que a gente
estava cometendo um erro histórico, que ele era um cara que vinha da ditadura, apoiado
pela ditadura... mas a gente entendia que ele era um cara que aglutinava, estava tudo
dentro das deliberações do sexto Congresso. A nossa linha estratégica e o nosso caminhar
tático era apoiar pessoas que aglutinassem o máximo possível as forças democráticas da
sociedade, capaz de combater as forças mais ligadas à ditadura. Quando o Camata sai da
Arena e vem para o PMDB, sim, era um movimento oportunista dele, quem nos levou para
conversar com ele foi Berredo. Nós, com a avaliação que a gente tinha do poder de
aglutinação do Camata, nós apostamos nele. Na convenção, ele derrotou Max por quatro
votos, que eram os nossos votos. Um era de Sandra Nara Intra, que hoje é juíza federal em
Brasília, outro era o Luiz Carlos Rangel, o Crioulo, que está até hoje aí na ativa, outro era
Fernandão, o Fernando Herkenhoff e o outro era Berredo. Então criou-se um clima ruim com
Max desde aquela época. Max dizendo que a gente estava traindo... Mas além desses
quatro votos, nós conseguimos outros votos para o Camata. A convenção foi no antigo
Colégio do Carmo e é engraçado que o slogan do Camata nasceu de uma formulação mais
ou menos nossa: “vamos governar juntos”, que depois até saiu para o PMDB nacional. Esse
foi um fato. Outro fato marcante é que Berredo formulou, junto com Paulo Hartung, que a
gente tinha que ter uma deputada federal. Já que a gente tinha vereador, tinha deputado
estadual e tinha senador, tava fácil a gente arrumar... então, nós arrumamos uma líder
sindical chamada Mirtes Bevilácqua. Nós demos uma votação estrondosa a ela. Depois ela
se perdeu no mandato, mas ela teve uma votação bacana entre os professores... ela foi a
fundadora da antiga UPES. Ela é quem bancava as greves nos governos de Eurico, Élcio.
Ela é uma batalhadora, é viva ainda! Esses foram os fatos que marcaram o ano de 1982,
que coroou com a eleição de Stan, Felício, Paulo e Camata. Onde nós perdemos? Com o
Berredo. Perdemos para José Ignácio Ferreira. Muito por culpa da teimosia do Berredo. Ele
era uma pessoa de muita força, de muita energia, mas de uma personalidade muito forte.
Naquela época nós estávamos começando a entender de estratégia eleitoral. Ele pouco
profissionalizou a campanha, cometeu uns erros bobos e perdeu a eleição para o ex-
presidente da OAB no Estado, que estava muito tempo fora da política, já tinha sido cassado
uma vez, mas acabou voltando.
M - Como um candidato como o José Ignácio conseguia ganhar com esse apoio
popular que vocês tinham?
RN - A gente tinha o apoio popular restrito a um deputado estadual. A eleição de Mirtes e de
Berredo não era a nossa força. A gente tinha claro isso. A gente não tinha condição de,
sozinhos, eleger Mirtes e Berredo. Tinha que contar com a força e a história deles. A força
da Mirtes, junto com a nossa, foi suficiente. A do Berredo não. A eleição do José Ignácio foi
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uma das mais profissionais que teve aqui. Já tinha organização geográfica, comitês,
distribuição de materiais e muito dinheiro. O José Ignácio despejou muito dinheiro. Parte da
elite capixaba achava que Berredo era comunista, outros achavam que ele ia contrariar os
interesses dessas elites econômicas, e resolveram apostar no Ignácio. O engraçado é que o
Camata fez um ato bacana, porque quando assumiu o governo, resolveu dar um prêmio de
consolação ao Berredo, e o nomeou prefeito de Vitória. Foi a última nomeação, porque em
85 já teve eleição direta. Essa chegada ao poder aí com Berredo tem um amplo campo de
estudo, mas eu pouco posso te ajudar. Houve um problema, porque Berredo resolveu trazer
para perto dele um ara chamado Renato Soares, que era uma dissidência dentro do
Partidão, desse grupo, e isso criou todo um constrangimento, muita gente se afastou.
Renato cooptou algumas pessoas e levou para trabalhar com ele. Aí chega aqui em Vitória
um casal, ela chamada Dionary e ele chamado Jairo Régis, que de certa forma, formulam
com Renato o governo de Berredo, junto com Edivacir Martins, que vira seu secretário de
cultura... mas, enfim, se você quiser pesquisar a chegada dos comunistas ao poder na
Prefeitura de Vitória, você vai ter que abrir um leque fora desse grupo e caminhar para
conversar com outras pessoas. O Jairo Régis morreu, mas a Dionary é viva, o Edivacir
Martins e o Berredo também. Eles seriam as pessoas que talvez pudessem te ajudar nisso.
M - Aí vocês ficaram de fora?
RN - Sim. Uns se integraram no mandato de Stan, uns se integraram no mandato do Paulo,
e a maioria foi viver sua vida profissional. Foi nessa época que o Anselmo foi ser médico, o
Laurinho foi ser médico, ele já era de se dedicar mais, o Fernando Herkenhoff foi fazer
mestrado na Universidade, Ernesto passou em um concurso na Petrobrás e foi para São
Mateus. O que aglutinava esse grupo era o mandato do Paulo. O Paulo fazia reuniões
periódicas com esse grupo, e foi quando começamos a ver que as coisas do Partidão já não
eram o que a gente imaginava, começou a surgir uma série de coisas. Começa a ter um
período onde a gente passa a ver que o caminho do partido como estrutura de poder é
muito difícil, porque ele tem vícios muito fortes, as pessoas que estavam nele no Brasil
inteiro vieram com muitos vícios da época da ditadura...
M - O que mais decepcionou vocês?
RN - Eu acho que é isso. Não se tinha uma estrutura capaz de dar vazão à gama de
divergências que surgiram no pós 82. Era uma estrutura partidária que não se oxigenava. A
gente não tinha mais uma causa, sem dúvidas. Teve também a questão da
profissionalização, porque jovem é jovem, não é? E também algumas bandeiras do
socialismo histórico, nós passamos a ver que não tinham consistência. Por exemplo, o
socialismo histórico tem um momento que propõe a chamada ditadura do proletariado. Era
305
uma situação lá atrás, na velha Rússia, onde o capitalismo nem era colocado, ou lá na
Inglaterra quando começa a Revolução Industrial, era uma outra realidade... Essas questões
de formulação do socialismo real. Vieram as questões da divisão internacional, o que
ocorreu na Polônia teve um reflexo muito grande na cabeça da gente. O surgimento do PT
aqui começa a mostrar para a gente que estávamos em uma estrutura envelhecida, que não
tinha mais raiz na sociedade, era formada apenas pela cabeça de algumas pessoas. Aí nós
fomos saindo. Fernando Herkenhoff ficou, Fernando Pignaton ficou mais um pouco, mas aos
poucos todo mundo foi saindo.
M - E você acha que o final mesmo aconteceu em que ano?
RN - No segundo mandato do Paulo, em 1986, já não é mais a estrutura do Partidão que lhe
dá apoio. É uma pequena parcela de remanescentes. Nessa época as pessoas já se
intitulavam “grupo Paulo Hartung”. Ele conseguiu aglutinar pessoas de vários lugares e se
formar essa liderança que é hoje. Ele sempre aglutinou. Hora fazia reuniões na casa da mãe
dele, hora no Sindicato dos Bancários, dos Estivadores, sempre tinha um espaço onde ele
reunia as pessoas. Ele teve um mandato interessante, que ganhou a sociedade. Fez umas
leis aí, a primeira lei do passe-livre foi dele...
M - E os outros?
RN - O Stan fez um mandato que afastou as pessoas dele. Foi um mandato de seis anos.
Ele se elegeu em 1982 e o mandato foi até 88. Em 1985 só teve eleições para prefeito. O
Paulo tentou ser candidato a prefeito de Vitória, mas o Camata achou melhor o Hermes
Laranja. O Paulo teve três tentativas de ser prefeito; em 85, em 88 e ele só foi conseguir em
1992. Em 85, o Jairo Régis disputou pelo Partidão. Em 86, Paulo se reelege deputado
estadual. Mirtes perde a eleição, Berredo não disputa, o Max se elege governador e o Stan
continua vereador, mas aí começa a eleger muita gente pelo interior que via nesse grupo
Paulo Hartung alguma coisa. Foram surgindo pequenos núcleos pelo interior, de pessoas
que tinham essa intersecção com aquilo que se queria. Em 1990 ele (Paulo) se candidata
deputado federal e tem uma votação estupenda, inclusive aqui na capital. Nessa eleição, só
duas coligações elegem deputados: o PMDB e o PSDB. Nessa época ele já estava no
PSDB. Era a Rita (Camata) no PMDB, que conseguiu eleger cinco, e ele no PSDB, que
elege quatro. Só um outro caro, se não me engano o Coser, pelo PT.
M – Porque o Paulo Hartung foi para o PSDB ?
RN - O engraçado é que ele vai para o PSDB junto com duas lideranças aqui do Estado,
que são o José Ignácio e o Vasquinho (Vasco Alves). Só que essas lideranças também
acabam metendo os pés pelas mãos.
306
M - E ele se relacionava bem com o José Ignácio?
RN - Bem, bem! E com o Vasquinho também. Tem uma experiência do Partidão no governo
que é Vasquinho como prefeito de Vila Velha. Ele ganha a eleição de 1988. Aí vai um monte
de gente para Vila Velha. Parece que é o partido quem dá a direção do governo do
Vasquinho. Essa experiência é importante. O partido põe em prática coisas que mais tarde
vinham a passar. Lá foi introduzido o orçamento participativo, os mutirões de construção de
ruas e casas, é uma experiência muito interessante. Os conselhos populares, uma nova
relação com a câmara. Eles estavam no PMDB, e foram para lá com o Vasquinho. O Paulo
tem uma eleição boa no PSDB como deputado federal, fica dois anos, e aí ele constrói a
candidatura de prefeito. Essa eleição eu tenho que te contar com calma.
NASCIMENTO, Robson Leite.
Vitória, Depoimento em 06 novembro de 2006
M - Como foi a segunda eleição para o DCE? Porque o presidente renunciou?
RN - Nós fizemos uma pressão tão grande, porque na verdade eles ganharam o DCE mas a
condução do movimento ficou na mão da gente e o Paulo conduziu as grandes Assembléias
do inicio de 80, as grandes assembléias foram conduzidas por ele, e o pessoal do DCE
ficava enlouquecido porque a gente estava muito articulado, chateado porque fomos
derrotados, e a gente resolveu criar uma estratégia assim, fomos derrotados na direção
formal do movimento, vamos ganhar o movimento pela base, e toda a condução e todas as
propostas mais importantes eram aprovadas junto com a gente. O Paulo, como era um bom
orador, além dele tinha dois outros grandes oradores que era o Ernesto Neglis que era
encapetado e o Paraíba o Idelberto Muniz não era um bom orador, mas era muito
respeitado, e do lado de fora a gente contava com a orientação desses dois caras que era o
Laurinho e Fernando Herkenhoff. Então era um massacre né, os caras não tinham
formulação.
M – Stan atrasa a formatura para ser presidente do DCE?
RN - Sim. E se torna o presidente do DCE, que nasceu da força política dele no curso de
economia. Excelente orador. Agora, Stan era também um político que, do grupo, que era
completamente assessorado. Nada que o Stan fazia era exatamente da cabeça dele.
M - Assessorado por quem?
RN - Eu, Ernesto, Anselmo, Lauro, Paulo, essa turma toda.
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M - Quem Stan levou para o mandato como vereador?
RN - Aí foi uma coisa engraçada porque quando o Stan chegou ao primeiro mandato de
vereador ele se tornou uma pessoa assim, refratária à condução coletiva do mandato então
ele se soltou um pouco dessa assessoria e ele fez um mandato muito da cabeça dele.
Enquanto Paulo no mandato de 82 levou a mim e ao Bragato pra dentro da assembléia com
ele, o Stan não levou ninguém, uma menina lá da assistência social, o Stan não teve a
capacidade de pegar pessoas desse grupo e levar pra construção do mandato dele como
vereador. Claro que o partido continuava a influenciar nas grandes linhas, mas o mandato
como um todo foi muito disperso, do Stan, e era um mandato longo, foi um mandato de 6
anos. Aí quando o Stan se reelegeu em 88 já foi uma reeleição sem a nossa cara, foi uma
reeleição assim...
M - Tanto que ele se reelegeu com poucos votos...
RN - Poucos votos, sem o brilho que foi o primeiro mandato, já tinham muitas críticas à
postura pessoal dele política, e aí o segundo mandato então foi... Stan era um político que
tinha tudo pra estar hoje como um deputado federal. Quando houve esse desencontro aí
começaram a aparecer outras pessoas como candidatos, apareceu o César Colnago e o
Lelo, que começaram a substituir o espaço que o Paulo ia deixando, quer dizer, quando o
Paulo saiu de deputado estadual para deputado federal o Lelo foi candidato, não se elegeu
da primeira vez, aí da segunda...
M – Como foi o mandato do Stan?
RN - Stan teve uns projetos no primeiro mandato bons que seguia muito a linha do Paulo, a
questão do passe livre pros estudantes, ele trabalhou essa área e teve mais uns projetos lá
mas eu confesso a você que hoje eu não me lembro não do primeiro mandato, do segundo
então aí que eu não lembro de nada mais.
M - E Paulo Hartung como foi o mandato de deputado estadual?
RN - Você vai conseguir isso na Assembléia. O Paulo, quando nós fizemos o jornalzinho de
prestação de contas de 92, nós ficamos encantados porque tinha muita coisa dele. O Paulo
teve a retomada da terceira ponte ele foi o relator do projeto, fez um movimento bacana com
isso, teve uma lei também ligada ao passe livre, depois teve uma lei de mobilidade urbana
que eu não lembro, depois teve uma lei de proibição de combustíveis líquidos em áreas
metropolitanas, ele teve uma produção legislativa muito interessante.
308
M - O PT sempre esteve muito próximo de vocês. Fale sobre este conflito PT e PCB?
RN - Esse conflito era pela hegemonia. O que era esse conflito que nasceu em 79? Era pela
hegemonia da ideologia que se queria ter na universidade. Quer dizer, o partidão tinha uma
posição sobre a construção da sociedade e das lutas táticas que se queria empreender e o
PT tinha outra. A diferença ela era muito infantil porque ela deixava as diferenças maiores
no campo ideológico e político e tornava muito diferenças pessoais. Mas tinha umas
diferenças marcantes por exemplo, o partidão queria reconstruir a vida política brasileira
com base em alianças das chamadas frente amplas que envolvia setores democráticos de
direita e o PT não, o PT queria construir o caminhar da sociedade naquela época com o que
eles chamavam de aliança de esquerda, eles queriam fazer isso sozinhos. E depois a vida
mostrou que não dava pra fazer isso sozinho. Então essa era uma grande diferença. A outra
diferença era do ponto de vista da visão de mundo mesmo quer dizer, os setores do PT
tinham de tudo, tinha gente que ainda acreditava na luta armada, tinha gente que era
Trostkista, tinha gente que era Maoista, tinha gente que era cristão radical das comunidades
eclesiásticas de base que eram os chamados puristas quando falava em político ir em algum
lugar, “não pelo amor de Deus vai acabar com o movimento”. E a nossa palavra de ordem
era unidade tanto é que nossa tendência chamava Unidade. E a unidade representava isso,
quer dizer, pra construir um novo caminhar da sociedade é preciso unir todas as pessoas
que desejam as liberdades democráticas e a possibilidade de se construir uma sociedade
mais justa, mais humana, mais representativa dos setores sociais, então, foi assim em
rápidas palavras, as divergências que tivemos com o PT. Com o passar dos anos isso foi
amadurecendo, tinha pessoas do partidão que conseguiam conversar com o PT, com
pessoas do PT. E tinha pessoas do PT que conseguiam conversar então Fernando
Herkenhoff conseguia conversar com Vitor Buaiz, Lelo conseguia conversar com Vitor Buaiz,
Perly Cipriano era um cara de bom dialogo com essas pessoas e com o caminhar foram
sendo feitas algumas coisas conjuntas, alguns movimentos sociais nós fizemos juntos com
PT sem muitos problemas, sem grandes problemas.
M - E vocês como comunistas, como era a relação de vocês com a igreja nessa
época?
RN – Ah! Nós fomos os comunistas mais cristãos que você poderia imaginar. Nós tínhamos,
assim, relações estreitíssimas com a igreja. Quando a gente começou em 79 com a
enchente em Colatina nós fomos pra linha de frente pedir alimento.
M - Junto com PT?
RN – É. Junto com PT, junto com as comunidades eclesiásticas de base. Que era a maioria
petista, mas o Bispo auxiliar ele era nosso admirador e nós admirávamos ele. Tem uma
309
pessoa que você precisa entrevistar, é juíza de direito hoje, chama Vera Intra, essa mulher
teve uma participação muito importante na construção, agora eu to lembrando aqui. O nome
do Bispo eu tô esquecendo, todos os dois, um é Don Luiz Albuquerque parece que era esse
o nome dele e o outro eu não to lembrado o nome, mas todos os dois, o bispo auxiliar. Aí
depois nós tivemos a luta...
M – A Vera Intra era do partidão?
RN - Era do partidão, ela era uma operária, a diferença era que nos todos éramos de
famílias pequenas burguesas e ela não, ela era de família pobre, então tinha uma visão de
mundo muito bacana e uma fibra, uma vontade de trabalhar, inteligente, estudiosa, ela teve
uma influencia da formação ética e política do Paulo importantíssima. Depois ela foi fazer a
carreira profissional dela, passou num concurso. A outra pessoa que logo se desvinculou foi
Ernesto, que se continuasse até hoje na política era um político de expressão, pela
imposição que as idéias dele tinham, pela condição firme dele se expressar, pelo bom
orador que era, pela liderança pragmática que era.
M - A convenção do PMDB nas eleições de 1986 para o Governo foi para valer?
RN - Foi pra valer, depois que Max foi derrotado, Max falou que não participa da campanha,
todo mundo falou com Camata “olha se você não chamar o Max você vai ter dificuldade com
PMDB no interior do estado”. Aí o Camata foi lá e negociou com ele “não Max você vai
participar do governo”. Eu tenho certeza que ali foi negociada a presença do Saturnino
Mauro no governo Camata que foi um nome que o Max botou lá no DER não sei aonde que
foi, se foi numa secretaria, que ele participou e eu acho que Max apontou mais dois, que o
pessoal chamava de Maxistas pro governo do Camata e aí Camata falou “na minha
sucessão eu vou te apoiar”.
M - As duas vertentes se dividiram entre moderados com uma composição eclética e
corporativos petistas e simpatizantes do PCB. Vocês estavam como moderados?
RN - Era nossa visão que naquela época pra derrotar o candidato mais da direita a gente
precisava ter um cara igual Camata.
M - Vocês tiveram aqui alguma participação mais importante nas Diretas Já?
RN - Não, as diretas já nós participamos muito mais fora do estado do que dentro nós
tivemos presença de alguns de nós nos dois grandes comícios das Diretas Já um no vale do
Anhagabau em São Paulo e outro lá na Candelária no Rio de Janeiro e em todos os dois o
partidão, na época, ajudou muito. E Azedo se você conversar com ele, vai dizer como foi a
organização da Candelária, ele tava lá na comissão de organização daquele um milhão de
310
pessoas lá. Eu acho que nós fizemos um grande comício aqui mas, não foi nada assim
muito expressivo não, agora a gente fazia mobilizações nas universidades a gente fazia nos
colégios, nos pegamos as coisas do marketing da campanha, camisas, a gente é que fazia e
vendia.
M – Fale um pouco mais sobre o desligamento do partidão?
RN - Tem coisas que assim eu não gosto nem de contar porque na verdade tinha muito de
sonho, a utopia do socialismo era um negocio assim que marcou a nossa vida e vai marcar
pro resto da vida essa questão da utopia do socialismo, mas quando a realidade começou a
falar mais alto e a gente entendeu que todo aquele sonho era uma coisa assim muito
impossível e muito fora da realidade. As teses marxistas, quando a gente começou a ver,
gente aonde que no século XXI num país de terceiro mundo nós vamos criar aqui a ditadura
do proletariado isso começou a ficar assim longe da nossa cabeça e aí fomos nos afastando
mas a gente queria continuar fazendo política e a direção nacional do partidão era uma
direção de velhos, de pessoas que não entendiam mais direito o que era realidade e sonho.,
eles não conseguiam perceber essa diferença e ai teve coisas assim: ah! vamos intervir no
ES uma disputa de poder que não tinha poder e vieram aqui, teve um outro velho que não
lembro o nome a gente fazia reunião nos cantos ai e os caras falavam que estamos
destituídos. Grandes coisas estar destituído, não tinha mais nada.
M- Porque Zé Moraes não gostava de Paulo Hartung?
RN - Aí era uma coisa, Zé Moraes ele trazia com ele tudo de pior que a política naqueles
anos tinha aqui no estado era um homem que não tinha respeito pelas organizações da
sociedade civil, era autoritário nas relações políticas não tinha respeito nenhum com as
relações do parlamento com o governo, era um cara ligado aos grandes grupos rurais do
estado, que representava na época políticas atrasadas, naquela época começava-se o
movimento de organização de alguns sindicatos rurais e ele tinha um discurso muito
conservador e até reacionário em relação a isso e isso começou a ter divergências publicas
da posição dele com a do jovem deputado estadual Paulo Hartung e aí passou a se ter
essa... ele tentou prejudicar o Paulo com força. Mas o Paulo contava um pouco com uma
espécie de proteção do Camata, mas não era muito forte porque teve um momento que o
Camata ficou muito.
M - Camata saiu pra se candidatar, não é?
RN - E ficou muito na mão do Zé Moraes que era o homem da mala né, ele tava no governo
e a campanha rolando então ele era o homem que fazia os pagamentos e era o homem que
tinha o poder financeiro mas não conseguiu não, Paulo foi eleito bem.
311
M – Porque o eleitorado de Vitor Buaiz era semelhante com o de Paulo Hartung?
RN - Na verdade nessa época aí tinha duas grandes novidades políticas no estado uma era
Paulo Hartung e outra era Vitor Buaiz e os dois dividiam a hegemonia da opinião pública,
principalmente a opinião pública urbana, o Paulo ainda continuava sendo desconhecido pelo
interior o Vitor também, mas eles aqui na grande vitória a hegemonia era dos dois só que
em 88 o Vitor tava muito pronto pra ser o candidato, muito pronto. E o Hermes Laranja
resolveu apoiar um cara muito atrasado um cara que era um deputado estadual que tinha
um programa chamado vamos dar as mãos, ele chamava Nilton não sei o que, tinha um
programa na radio Espírito Santo parece e uma fundação vamos dar as mãos fazia o
clientelismo mais descarado que se possa imaginar, dentadura óculos, e o Hermes Laranja
embarcou nisso aí e foi isso, nós falamos não, vamos de Vitor. Eu já não estava mais aqui
no estado foi quando eu fui embora...
312
PIGNATON, Fernando. Vitória, Depoimento em 30 nov. 2006
M – Quais eram as maiores influencias ideológicas no período da faculdade?
FP - Eu acho que o Partidão, no Espírito Santo, tinha uma prática chamada Grupo de
Estudo. Era o Grupo de Estudo que fazia o circulismo. Tinha mais de 200 pessoas
participavam do Grupo de Estudo, mas não eram do Partidão. Eu acho que uma das marcas
do Partidão era que ele queria renovar o ensino, lutava pela reforma universitária, pela
reforma na Constituição, pela anistia, pela luta dentro dos partidos legais, enquanto o
pessoal lutava pela ruptura. Eles falavam que uma política de reforma do MEC, uma política
reformista era aliada à burguesia, que isso iria ser varrido pela insurreição popular, pela
rebelião operária. Eu acho que esses quadros de esquerda não davam a ênfase que a gente
dava na formação técnica da pessoa, tanto no conhecimento do marxismo, Marta
Harnecker, tinha aqueles textos muito esquemáticos, os manuais, mas todo mundo
estudava... "Os dez dias que abalaram o mundo", aí saía um texto novo, e todo Grupo de
Estudo tinha.
Esse Grupo de Estudo, é o que me salvava. Às vezes a gente passava dois, três meses
para seguir o PCB, andando Paraíba, Rio Grande do Norte, Manaus, aí a gente chegava, ia
para a casa do prefeito de João Neiva, Peruchi, para a casa do Carlinhos Rio, que é dono
do Vitória Apart Hospital, e mais alguns, e eles me faziam a aplicação da teoria, de
antropologia, e eu sempre estava acima de oito. Nós, médicos, sempre tínhamos uma
preocupação muito grande de melhorar a saúde pública, queríamos melhorar as saúde da
população, era muito politizado. Aí, retomando, a influência foi muito grande nas nossas
vidas. O estilo de vida era de dedicação á causa, à revolução, mas a revolução democrática.
Os caras lá que achavam que a revolução era a guerrilha, uma insurreição popular, se
dedicavam a isso a vida inteira, o dia inteiro, estudavam o que dava! Eu acho que a trupe do
Partidão desenvolveu, pela militância política, uma atividade intelectual de estudos de textos
e debates que também era usada na área acadêmica que, sinceramente, nos colocou entre
os melhores alunos das escolas. Além de aumentar a capacidade de intervenção política,
era útil, achavam que nós íamos mudar as coisas aos poucos e tinha uma influência do
partido comunista italiano enorme aqui.
Foi nessa época que entrou no Partidão o Luiz Paulo... todo mundo entrou nessa época,
mas o Luiz Paulo estava no Rio. Tinha uns 15, 18 do PC do B, o da PUC do Rio, onde foram
as maiores manifestações pela anistia. Então eu acho que quem queria mudar para ir
reformando tinha uma visão comunista de você ocupar posições na sociedade e fazer um
movimento de opinião que vai demorar anos a fio para causar a revolução democrática. O
cara tinha uma visão de que ele precisaria ser um bom profissional, estudar, embora essa
atividade intensiva, os quadros mais dedicados, isso atrapalhava um pouco, mas eu não
313
ficava reprovado porque eu tinha o meu Grupo de Estudo, que quase todo ele eu fazia
circulismo do PC. A casa era a mesma, mas só um ou dois não eram comunistas no meu
grupo. Meu pai era integralista, eu cresci vendo meu pai brigando com meu irmão,
queimando documentos...
M - Nesse período, foram as principais ações do grupo e como elas eram
organizadas?
FP - A organização do grupo era o seguinte: primeiro, a organização dos diretórios. Aí
ressalto o movimento para a greve de 78, a primeira greve após dez anos; o ressurgimento
do DCE, manifestações pela anistia em 78; participação na eleição de Max Mauro, aí houve
uma passeata do movimento estudantil pela anistia, contra a ditadura que foi reprimida ali no
Centro de Vitória. Ela começou a ser reprimida ali na Jerônimo Monteiro, nós subimos pelo
Palácio (Anchieta), saímos na (rua) Gama Rosa, os homens (policiais) chegaram lá por trás
e arregaçaram! Foi muita cacetetada! Eu lembro que Tadeu Marino foi entrar por uma
janela, ficou agarrado, tomou umas cacetadas e a partir dali entrou para a esquerda de
vez...
M - E como eram organizadas essas ações?
FP - Foi assim até as eleições de 82, quando perdemos as eleições para a chapa do Shaolin
e nos dedicamos a organizar o Partido Comunista e agir dentro dos diretórios e Paulo
Hartung e Fernando Herkenhoff passaram a ter uma atuação muito maior dentro dos
diretórios do PMDB. Fernando entrou, acho que o Paulo Hartung também entrou no
diretório, aí houve a atuação na eleição de 78, com os candidatos mais da esquerda, Max,
Berredo... aí veio a eleição de 80, ganhamos de novo com o Stan. Aí o Stan fez sucesso, foi
candidato em Vitória, e quando nós perdemos na UFES, no DCE nós passamos ao PMDB e
pensamos "vamos fazer o Núcleo do Movimento Popular". Eu escrevo sobre esse Núcleo do
Movimento Popular no meu livro. Aí o Hermógenes participava dessa reunião do Diretório
Estadual, a essa altura do Diretório Estadual já tinha feito contato com o Diretório Nacional e
eles botaram os velhos e os jovens no Diretório Regional. Eu era do Diretório Estadual, o
Paulo Hartung, Lauro, Paraíba, Geraldo Corrêa, Clementino, Hermógenes... Esse era o
Comitê Estadual, na clandestinidade. Com esse negócio de organizar as bases do PC,
começamos a participar do MDB, continuamos a campanha da constituinte.
Os outros grupos começaram a se organizar como tendência na UFES, mas muito pouco,
porque a gestão da chapa Alternativa foi desastrosa. Tinha muitas assembléias... Greves na
Ufes, greves nacionais para fundar a UNE, e todos esses movimentos, quem dirigia as
assembléias éramos eu, Paulo Hartung... Eles não conseguiam dirigir a assembléia. Nós,
como éramos muito a favor do Estado de Direito, não destituímos o Shaolin, porque ele
314
tinha se elegido, mas não conseguia dirigir o movimento. Nas eleições seguintes foi uma
lavada! Stan falava muito nas assembléias. Paulo Hartung dominava as assembléias por
causa da capacidade de liderar. Mas o Stan falava muito, eu, Robinho falava em algumas
assembléias... e também o pessoal do grupo deles, o Carlos Lobo, que era muito de
esquerda. Teve muita mobilização nacional. Greves da UNE, passeatas, era uma agitação
direto!
M – Você disse que em 1978 vocês apoiaram Max para deputado federal. Em 1982
vocês apoiaram Camata. O que levou vocês a mudarem esse apoio?
FP - Nós fizemos essa escolha porque era coerente com a nossa linha política. Nós
achávamos que para derrubar a ditadura, precisávamos de uma frente democrática,
enquanto as outras tendências queriam uma frente de esquerda, ou uma frente popular ou
uma frente dos trabalhadores revolucionários. Cada tendência era mais estreita que a outra.
Nós queríamos uma ampla frente, de todos os democratas, os liberais, que tinham
preocupações sociais, então Camata, que estava se desprendendo do bloco do governo
aparecia como elemento eleitoralmente muito mais favorito que Max, nós achávamos que
ele aglutinaria um conjunto de forças. A pergunta era: como derrubar a ditadura? Com um
conjunto de forças amplas, que têm os liberais no meio para depois desencadear as
reformas democráticas e ir ampliando a participação ou então derrubar tudo num movimento
de massa e depois implanta-se um regime de massa de esquerda. Nós levamos em
consideração isso, nós queríamos fazer a derrubada, mas queríamos uma derrubada
democrática. O Camata tinha essa visão mais ampla, então a coalizão foi com o Camata.
Teve muita discussão, com o professor Izildo Leite, que é do Mestrado da UFES, Izildo tem
que ser entrevistado, ele é fundamental. Izildo defendia Max. Teve uma convenção nossa,
foi uns 60% para o Camata e 40% para o Max. Ganhamos essa convenção, foi uma coisa
decisiva. Paulo Hartung é candidato a deputado estadual, Felício, candidato a vereador em
Vila Velha e Stan em Vitória, todos eles com uma votação estrondosa. Paulo Hartung se
elegeu com 7.800 votos, a metade dos votos de Paulo Hartung, talvez até mais, foi
conseguida em Vila Velha, e Dênis Rocha, de Vila Velha, com 70, 80% dos votos na Glória,
onde Felício teve a maior votação da história do Espírito Santo. Foi uma votação
estrondosa. Nós tínhamos tomado a decisão de sair da Universidade e não só sair para
fazer política institucional. Nós criamos o Núcleo Sindical, que apoiou Luiz Carlos Rangel,
que era metalúrgico, do Sindicato dos Metalúrgicos, que inclusive era um dos líderes do PT
no diretório estadual que votou contra o Max, e tinha o Núcleo Popular, desse eu participava
intensamente, além de ser do Comitê Universitário, que era o que comandava os assuntos
na UFES, essa hierarquia tinha dentro da UFES, ligada ao Comitê Estadual, e junto tinha o
Comitê Sindical e o Comitê do Movimento Popular, que era a turma do Ermógenes, está no
315
meu livro. Essa turma do Movimento Popular fica em Vitória, com a Fátima Santos, copiando
o comitê de Vila Velha. O movimento popular começou em Vila Velha, foi criado o Conselho
Comunitário de Vila Velha, que se tornou fundamental para o Vasquinho governar. Surgiu aí
a idéia do Orçamento Participativo, a proposta alternativa do governo de participação
popular surge em 1980. Lá dentro, pela primeira vez no Brasil, um dos frutos dessa
participação do PCB é ir para o movimento popular e criar essa teoria socialista
democrática, a teoria do orçamento participativo, a eleição direta para diretores de escola
que começou em Vila Velha. Desde 1980 a gente propõe o governo de participação popular,
para competir com as comunidades eclesiais de base que estavam nas mãos do PT e
tinham uma política esquerdista, contra governo.
M - Mas em 1980, oficialmente, você trabalhava nesse Núcleo como PMDB?
FP- Não, era paralelo. Em Vila Velha, para conter o avanço do comunismo e fazer o MDB
avançar mais foi criada uma Comissão de Mobilização Popular. Ela é fundamental na
história do MDB. Ela tinha Max, tinha Berredo, "Os autênticos", era como se chamava
naquela época. Eram "Os autênticos" contra os "Fisiologistas", que eram aqueles que
topavam fazer acordo em troca de verba. Camata era dessa ala. "Os autênticos" eram
contra a ditadura, votavam contra no Congresso e não eram cooptados pela ditadura por
causa de verba, por fisiologismo, como a gente chamava.
M - Então você acha que essa votação expressiva em 1982 se deve a essa
movimentação popular?
FP - A votação do Paulo Hartung deve-se à expressão do movimento estudantil, que
também atingiu Vila Velha, e principalmente ao enfronhamento nosso em Vila Velha para
criar os movimentos comunitários; o primeiro foi da Glória, que foi onde Felício teve quase
5.000 votos, onde Paulo Hartung teve "três mil e porrada" (votos). Ele teve algo em torno de
7.000 votos, metade veio de Vila Velha, pra você ter uma idéia, isso casado com a eleição
de Vasquinho, orçamento participativo, movimento popular, eleição direta nas escolas. Era
algo novo no Brasil. Um dos maiores frutos do movimento estudantil no Brasil foi isso. Nós
não pegamos isso de lugar nenhum, não existia! A gente ia para o bairro. Como o PT era
muito mais forte dentro dos sindicatos e dos bairros, por causa das comunidades eclesiais
de base, a gente precisava criar um discurso diferente. Nós éramos democratas,
precisávamos achar um viés popular, os outros eram muito populistas, um tal de "MDB,
acordo de cúpula!". Nós desenvolvemos a teoria dos movimentos comunitários, da
participação na administração da prefeitura. O PT ficou contra isso, falando que isso era um
discurso da burguesia para controlar os trabalhadores. Eu fiquei no PMDB até 1986, quando
fui candidato pelo PCB, que já estava legalizado. Era uma coligação com o MDB. Eu fui
316
candidato pelo Partido Comunista Brasileiro. Paulo Hartung não, foi candidato pelo PMDB.
Em 78 nós entramos no MDB, mas depois virou PMDB. Eu fui candidato em 86, o Paulo
Hartung já tinha saído do Partidão. Teve uma briga danada contra o Renato Soares e o
Jairo Régis porque eles disseram que Paulo não tinha saído do Partidão antes de 82, mas
ele tinha. Eles tentaram vender a visão de que isso era uma traição. Em 82, mesmo o Paulo
Hartung não sendo mais do PCB, o Partidão deu apoio. Ele disse "estou saindo, não
acredito mais nesse modelo, os stalinistas estão mandando muito lá dentro, nessa linha não
há renovação, não há oxigênio." Aí o Renato Soares queria ser candidato, dizendo que
aquele Jairo, que tinha vindo de fora... o MDB sofreu quatro ou cinco intervenções, uma
mancha na história. O Paulo saiu, disse que não era mais do PCB, mas continuou com
influências, com o Fernandão... Ele saindo, esses caras foram tomando o PC e mais gente
saindo, se ligando direto a Paulo Hartung. Nessa luta eu fui candidato. Nessa luta para que
o Partidão fosse um partido que tivesse como bandeira o orçamento participativo, a
democracia radical, apoiando o Gorbatchov desde o início. "A Perestroika já aqui!", era o
que a gente falava, porque o pessoal queria apoiar a Perestroika lá, mas aqui era uma briga
danada.
M - Então não havia uma convivência harmônica dentro do partido?
FP - Não. O pessoal queria acusar Paulo Hartung de ter usado o Partidão para sair depois.
E nós, Fernando Herkenhoff, Lelo e eu, que continuávamos lá dentro, falávamos "não, isso é
mentira. Não foi isso que aconteceu, teve uma reunião, e se fosse isso, seria muito grave".
Tanto que Paulo Hartung continuava fazendo política com o Partidão, ele ia direto em Vila
Velha, a gente atuava muito pelo PMDB Jovem, eu fui presidente do PMDB Jovem. Era a
Comissão de Participação Popular, para inserir os municípios nos movimentos sociais, ia
com o Max nos bairros, fazia reunião. Tinha muita gente secundarista que queria participar
da luta contra a ditadura. Isso tudo foi convergindo para o Paulo, depois, na eleição de 1986,
o PC rachou em dois. Lançou Fernando Pignaton, por essa ala aí, e lançou Adão Sérgio por
essa ala aí, a turma do Régis, ligada ao status quo do partido, a maioria do partido nacional.
M - Até 1992 você não se elegeu, então?
FP - Não me elegi. Foi o seguinte: todos os votos "Pig" foram anulados. Toda a minha
campanha foi feita em cima dos votos "Pig". E todos esses votos foram anulados até o sexto
dia de apuração. A apuração durou oito dias. O sétimo e o oitavo eram aqueles resíduos. O
nome "Pig" foi impugnado por um cara que chama-se Pitol, mas tem o sobrenome Pignaton,
ele era do PFL, entrou na surdina pedindo o apelido Pig, que já tinha sido dado para mim.
Ele pedia o nome Pignaton e o apelido Pig, então o juiz eliminou o nome Pignaton eliminou
meu nome Pig, da lista. Só ficou registrado meu nome, Fernando Pignaton. Eu tive 6.000
317
votos. Só os (votos para) Fernando Pignaton. Os meus votos Pig foram anulados. A minha
eleição foi roubada, foi anulada. Nós não conseguimos a recontagem. Na ocasião eu senti
uma coisa anticomunista atuando dentro do sistema eleitoral. Depois eu encontrei com o
presidente do TRE e tive um bate-boca na praia. Depois ele se envolveu com uma coisa de
corrupção...
M - Você teve alguma participação na eleição do Paulo em 1992?
FP- Lógico. O Partidão apoiou Paulo direto. Foi aquela briga de Renato Soares e Jairo
Régis e cada vez o Partidão mais enfraquecido. Em Vitória era a Fátima Santos. Ela
participou, acho que você pode acompanhar a eleição de Paulo Hartung muito por meio da
Fátima Santos. O Partidão participou apoiando Vitor Buaiz na frente. Primeiro, em 1985, o
Partidão saiu com candidato próprio, foi Jairo Régis e Fátima Santos contra Vitor Buaiz que
perdeu. Teve uma eleição extraordinária, agora não me lembro (o ano), que Vitor Buaiz
disputou e perdeu. Ele disputou pelo PT. O Partidão lançou candidatura PCB-PV, era Jairo e
Fátima. Nessa eleição ela defendeu o orçamento participativo, Vitor não. Na eleição
seguintes, em Vitória, foi entre PT, que lançou João Coser, PSDB, Paulo Hartung
participava, PCB, que não era PPS ainda, a Fátima Santos pode dar o relato todo. Nós
apoiamos Paulo Hartung.
M - Eu queria que você definisse a sua geração política.
FP - A minha geração foi a geração da luta pela democratização progressiva do Brasil. Eu
uso a expressão do Werneck Viana. Foi a geração que lutou pela democracia e venceu. A
geração anterior lutou pela democracia, pela transformação, e perdeu. Viu um monte de
gente ser morta. Nós vimos muita gente ser presa. Eu mesmo fui preso, fiquei lá, fui lá depor
várias vezes, mas nós fomos lutando e ganhando. A gente lutava e ganhava. Nós não
sabíamos se íamos ganhar a próxima, a insegurança era total. Nós fomos uma geração que
continuou a luta anterior, mas com uma tática de democratização progressiva da sociedade
brasileira, e não a tática da transformação radical, insurrecional, revolucionária... isso aí era
a turma toda das outras alas de esquerda que iam formar o PT no futuro. Para mim é isso: é
a geração da defesa e depois de ampliação da democracia, que é a luta de hoje. O nome da
nossa tendência, já que PC não podia ficar legal, era Unidade. Que Unidade é essa? A
unidade de todos os democratas que combateram a ditadura. A nossa chapa era Unidade. E
é essa tomada que Paulo Hartung faz pela união até hoje. Essa visão do Paulo Hartung, se
vocês acompanharem, é muito parecida com o Partido Comunista Italiano. Se você observar
a eleição do Prodi na Itália esse ano foi com uma frente ampla pela primeira vez. Ficaram
separados uns anos. Agora, na hora de derrubar a direita, juntaram todas as correntes e o
Prodi ganhou. É uma tendência que continua. A tática do Paulo Hartung tem sido a união
318
dos democratas para tentar fazer a democratização social. Segundo ele afirma, houve uma
recuperação do crédito, saneamento financeiro, e agora será um ano de investimentos
sociais. O Lula está adotando agora o discurso do Partidão, que é uma coalizão democrática
para governar, que ele condenou tanto na época do Itamar Franco... isso, naquela época,
era um crime, uma impureza ideológica. Por isso nós éramos chamados reformistas, porque
reformistas não tinham a intenção de ser revolucionários.
319
PINTO, Lauro Ferreira. Vitória. Depoimento em 22 jan. 2008
M - Como foi o inicio da sua participação política na Universidade ?
LP - Nós íamos nos grandes encontros de núcleos articulados e eu lembro que teve uma
vez que teve uma explosão das correntes mais diversas, mas a gente foi criando uma
identificação com pessoas que queriam fazer um movimento que fosse amplo que não
tentasse queimar etapa, e quem tinha discurso mais amplo menos sectário era o pessoal do
partidão então nós começamos a nos identificar com o estatuto do partidão sem ler nada
nele ... então a coisa foi caminhando e eu penso assim, levamos muitos a ter uma certa...
um certo preconceito, de alguém fazer a cabeça da gente. Mas a coisa foi caminhando,
caminhando, caminhando... E penso assim, a gente demorou muito pra ter coragem de criar
algum tipo de aproximação partidária, a gente já fazia textos, tinha mimeógrafo, fazia o
materiale escondia. Chegamos a fazer um jornalzinho do nosso movimento aqui, e eu não
consigo lembrar o nome desse jornal. Eu e Paulo escrevíamos a maior parte dos artigos, e
eu não lembro o nome, já tentei lembrar, eu sei que na minha lembrança, foi em 78, quando
a gente estava já no movimento de construção do DCE, e aí na montagem dessa chapa,
teve a sucessão do Aloísio Falcheto, eu entrei como vice e Paulo como presidente. Na
época eu comecei a viver uma angustia que durou um tempo: se eu ia enveredar pelo
caminho da política ou se eu iria enveredar pelo campo da medicina, mas eu amava demais
a medicina. O Fernando, o Lelo e o Geraldo não viveram esta crise que eu vivi. O Lelo foi
para a saúde pública, o Fernando foi fazer básico, o Geraldo foi fazer... Eles viveram a
política com uma intensidade que os manteve na atividade política e não se envolveram
demais com a medicina. E eu tinha um problema, eu gostava demais de clinicar. Eu gostava
de ver doente. E tinha momentos que eu tinha uma posição hierárquica na estrutura até em
cima deles. Eu era vice diretor do DA, então como é que pode? Eu vivi esta contradição e na
hora de fazer a chapa do DCE eu decidi “Eu não vou entrar. Vou ajudar, mas não vou entrar
porque estou me formando e vou investir na minha profissão.”
E nesse momento que agente começou a ter alguma conversa com os membros do partido
comunista de São Paulo e resolvemos: “já que o caminho é esse vamos fazer!” Então ficou
mais ou menos acordado: “Você não entra na chapa do DCE e nos ajuda a montar o
partido”. E então eu fui o primeiro secretário e organizador deste embrião do partidão aqui.
Não era o secretário geral, mas o primeiro secretário do estado fui eu. Então começamos a
pegar. Fui eu, foi o Paulo, foi o Lelo, foi o Geraldo, foi a turma do DCE. Esta estrutura do
partidão nós é que criamos. Nós fizemos e mantivemos o contato com São Paulo e com o
Rio e depois de um tempo passei a receber o “Voz Operária” em casa. O “Voz Operaria”
chegava todo embrulhadinho, a gente lia e depois passava para a turma. Eu lembro que foi
um negócio emocionante e aí descobrimos que havia uma coisa de partidão antiga. Aí nos
320
recebemos a informação que tinha que fazer contato com “os velhinhos”. Nós não
sabíamos. Aí fomos atrás do Parafuso, o Vespasiano Meireles, que era um operário, o
Clementino e do Dr. Magalhães que era um médico antigo. E nós fomos procurar este
pessoal e foi emocionante porque eles choraram, eles se emocionaram e ficaram
extremamente sensibilizados. A gente estava recriando o partido aqui. E a orientação que
recebemos de fora foi “vocês criam uma direção e acolhem a turma”. A gente falou: “que
coisa chata. Vamos criar uma direção de quatro. Dois velhos e dois novos”. Então a primeira
direção de quatro foi eu e Paulo e dois velhos. Só que os dois velhinhos ficaram tão felizes,
tão embevecidos que o que a gente queria eles estavam apoiando. Imagina: ter alguém
criando o que foi a vida deles com setenta e poucos anos!!
Eu tenho a impressão que a direção era o Clementino ou o Magalhães, o Vespasiano, eu e
Paulo.
Então eu me envolvi profundamente até 78. Em 78 eu fiz a campanha, agitei com este
pessoal, mas passei a ser o homem do partido, que fazia a coordenação política do grupo e
eu acho que a questão da amizade que eu tenho com o Paulo é dessa época, e a questão
do conselheiro político passou a ser esta questão da dupla que comandava o partido. Sendo
que eu era superior a ele. Eu era o primeiro secretário. E assim conduzimos.
Quando Luiz Carlos Prestes chegou ao Brasil com a anistia, eles convidaram os dirigentes
do partido. Nós fomos ao Rio: eu e Paulo ver o Prestes. Na época que estivemos lá estava a
Anita Leocádia Prestes. Eu lembro que estava começando a acontecer as questões da
Solidariedade na Polônia. E a gente estava apavorado com aquilo tudo e eu falava: “Paulo,
é este comunismo que a gente quer? A gente lutou pela democracia. A gente quer ditadura
de Lênin? Vamos conversar com Prestes.” Foi um papo muito interessante. Ele contou a
história dele. Prestes tinha um carisma impressionante. Lá pelas tantas eu falei:
“Comandante, deixa eu fazer uma pergunta: Nós estamos todos empolgados, recriamos o
partido no Estado, trouxemos os antigos militantes”. Naquela época já estava começando o
movimento operário, o sindical, o metalúrgico.. A coisa estava indo bem.. “Mas agente está
assustado com tudo isso que está acontecendo na Polônia. Está havendo um movimento
operário contra o partido lá. O que está acontecendo?” ”Meu filho, você está vendo muito
jornal e televisão..Não acredita em tudo que você vê na imprensa, não.” Foi um banho de
água fria. Eu olhei para o Paulo e disse: “Paulo, nós estamos numa fria! E agora?”.
M - Qual foi a influência do partidão na vida de vocês, do ponto de vista político e do
pessoal?
LP - Na minha vida pessoal eu logo aprendi a ser extremamente disciplinado com as coisas
que eu fazia, a medida que a gente começou a trabalhar com o partidão, claro que a gente
criou muita identidade, mas logo logo essa coisa... Porque pra nós a questão da
321
democracia... Existe uma frase acho que do Carlos Nelson Coutinho, que ele fala da
democracia como valor universal. Isso era muito forte pra gente, a gente discutia os textos
de Carlos Nelson Coutinho, a gente aquela questão da importância da democracia porque
não entendia nunca a democracia como uma coisa para derrotar a burguesia?? Agente
achava aquela coisa da vida da ditadura do proletariado também pouco importante.
Até entendia alguma coisa na democracia, a gente entendia que a ditadura era uma coisa
terrível. Ela mexia tanto na vida da gente que agente se sentia controlado. Eu dava aula em
cursinho. Eu tinha a sensação que tinha um sargento da aeronáutica que ia assistir a minha
aula e ficava vigiando a janela. Pra gente a questão da democracia era um valor tão
importante que não queria abrir mão. Isso começou a criar um entre choque com o Partidão,
porque à medida que o tempo foi passando o Partidão continuava com aquela coisa. Não
tinha a mesma clareza ideológica da democracia como uma coisa que se aprofunda no
socialismo. O partido cresceu muito nesta época. Ele estava em todos os cursos. Ele saiu
da UFES para ir para o movimento secundarista.
Então na época foram escolhidos o Fernandão e o Paulo, a dupla era Fernando Herkenhoff
pra deputado estadual e Paulo Hartung pra Federal.
M - Mas você fica no PMDB então? Você se filiou também junto com eles?
LP - Fui filiado também. Eu cheguei a saber na hora, fui eu, Fernando e o Paulo, e falei,
“não dá, não é isso que eu quero”. E aí era o Fernando e o Paulo, então nós começamos a
trabalhar essa chapa, e aquilo foi até que um dia eu falei “Fernando, você está muito
pesado. Então ele disse: eu não faço questão”.
M – E o apoio do Moulin oferecido ao Paulo hartung?
LP - Isso não foi determinante. Claro que isso ajudou. O que determinou Paulo subir para
deputado estadual foi nas reuniões do partidão quando a gente viu o que o meu amigo
Fernando era um “bonde”, não tinha jeito para isso. A gente fez na época um trabalho... Eu
fui coordenador da campanha dele. Nós montamos uma estrutura que resultava em um
grupo de estudantes que ia de casa em casa com folhetinho: “olha, eu sou universitário” ou
“eu sou médico recém-formado. Nós estamos indicando uma pessoa séria para cuidar da
política”. Fizemos isso de casa em casa. Nós tínhamos um grupo de 40, 50 pessoas para
fazer um bairro. Vários bairros da Grande Vitória uma coisa assim... minha mulher votou
nele, minha mulher era estudante na época, tava fazendo mestrado em Belo Horizonte, veio
pra Vitória. A capilaridade daquele processo.....claro que Guaçui ajudou demais,
importantíssimo, mas foi um trabalho que deu a Paulo uma votação extraordinária.
322
Só que antes disso acontecer, não sei se você tem essa informação, eu e o Paulo
chegamos ao ponto de insatisfação com a estrutura pesada do partidão que nos colocou
numa situação muito complicada. . Só que o partido... Paulo saiu e eu fiquei, o negocio era
tão complicado ... e aí o partido todo se desvencilhou. Então foi um jogo muito limpo, muito
legal, ele saiu do partidão e foi candidato com apoio do partido.
M – Parece que foi apenas quatro meses antes, se não me engano...
LP - É pouco tempo antes, logo depois eu sai... foi uma debandada... O Fernando ficou
segurando aquilo lá um tempão. Porque era uma contradição muito grande com tudo aquilo
que nós tínhamos acreditado. Não era só a questão de democracia. O partidão tinha
defeitos graves. Perdeu o apoio que tinha da sociedade por posturas equivocadas. Houve
uma intervenção pesas via comitê central. Mas eles nunca conseguiram ter controle da
capilaridade que a gente tinha. O partido nunca conseguiu controlar esta estrutura. Nós
tínhamos um grau de respeito. As pessoas nos conheciam com a militância toda. E nós
continuamos trabalhando, elegendo. Paulo foi deputado estadual muito bem votado. Eu
lembro que ele ... na época o Berredo virou prefeito... Havia uma expectativa que eu fosse
secretário municipal de saúde de Berredo, mas Berredo não me colocou e acabou que o
Camata me chamou para trabalhar com o Douglas (Puppin) na Secretaria de saúde. Então
eu não estava mais no partidão, mas a gente tinha toda uma reflexão da influência e eu fui
ser assessor do Douglas e depois virei subsecretário dele em 1982.
M - Quem mais participou do governo Camata?
LP - Eu, depois o Lelo, era meu chefe de... um cargo de confiança na secretaria, a Rosa. Na
época a gente esperava que tivesse mais participação no governo Camata, afinal a gente
virou a convenção do Camata que Max ficou com a gente atravessado na garganta.
M - Quantos votos foram?
LP - Max só ganhou a eleição do Plano Cruzado. Brasil inteiro ganhou do PMDB, então nós
achávamos que não ia ganhar. Depois o Camata quis fazer Zé Ignácio e nós viramos a
convenção para o Max. A gente conseguiu calcular e vencer a convenção articulando.
M - Nessas colocações que o senhor fez das atividades políticas do grupo, da pra eu
afirmar que esse grupo buscava hegemonia fora do movimento estudantil pela via
partidária eleitoral ou não? Porque eu vi gente falando que a característica de
atuação via movimentos sociais não era uma característica desse grupo, esse grupo
fez uma opção pela via partidária?
323
LP - A gente tentou movimento social. Tentamos muito. Eu estava lá em Praia Grande
quando o PT foi criado. Eu estava lá no movimento do sindicato dos médicos. O que
aconteceu é que esquerda católica criou o PT. A gente tentou chegar a os movimentos
sociais. Não houve uma opção partidária eleitoral. Jogamos duro para chegar aos
movimentos sociais. Eu ia atrás dos sindicatos. Tentamos muita militância sindical, militância
operária. Eu fui da pastoral da saúde. Olha a nossa história. Eu fiz contato com frei Beto que
na época morava em favela em Vitória. Frei dominicano, perseguido pela ditadura ... Dom
Luis deu acolhida a ele aqui na Igreja de Vitória. E na época Dom Luis começou a criar um
movimento nas comunidades eclesiais de base. Que gerou Vereza. Eu tenho uma amizade
com Vereza que vem dessa época.
Nessa época muitos de nós foram para a pastoral de saúde. Eu, o Lelo, Fernando depois, o
Geraldo. Fizemos reunião com comunidade de base. A gente ia para as comunidades fazer
discussão política, ensinar a tratar verminose, saneamento básico e criar alguma
conscientização política. Só que havia aqui. Houve um movimento de esquerda católica que
estava se enraizando. Foi a época de Dom Luis, do movimento engajado sob a inspiração
da Teoria da Libertação e que tinha a Maria Clara, uma vereadora, o Vereza é desta época.
Tinha o Rogério Medeiros chagando no Sindicato dos Jornalistas. Vitor Buaiz chegando ao
sindicato dos médicos.
A gente fazia política e tentava alguma proximidade com estas “feras” antigas e essa coisa
desaguou se não me engano, em Praia Grande no momento da fundação do PT quando eu
conheci o Lula e aí houve a formação de um partido político que a gente não via com muita
simpatia por causa da ligação com o movimento sindical e com a esquerda católica. A gente
achava que era uma coisa que surgia de uma forma muito carreirista como é até hoje. A
gente teve algum papel em movimento social, só que houve um momento como surgimento
do PT aqui, ele amalgamou estas coisas juntas com a esquerda católica. Taí o Vereza que
conviveu com isso muito bem a gente ficou um pouco “batendo os pratos” com este pessoal
e isso nos empurrou mais para o governo e a disputar a eleição. Não foi uma questão de
opção, não. Foi uma questão de sobrevivência. A gente não tinha nada contra participar de
eleição. A gente entendia que era uma forma importante de luta contra a ditadura. A questão
do parlamento... mas a gente tentou mexer muito com movimentos social.
M - Você acha que de alguma forma esse grupo conseguiu ou não influenciar o rumo
da política capixaba?
LP - Este grupo recriou o movimento estudantil no estado. Foi onde começou a se fazer
política. Este grupo teve alguma contribuição nos trabalhos sociais da Igreja no Estado. Este
grupo interagiu com o movimento dos professores, cujo a liderança maior na época era
324
Mirtes Beviláqua, que era grande liderança sindical do movimento dos professores, que
montou a chapa com Paulo Hartung. Este grupo interagiu com o movimento sindical
bancário. Interagiu com diversos movimentos sindicais. Este grupo acabou interagindo com
a política capixaba. Ele foi muito importante para a primeira eleição de Camata. Este grupo
foi importante para eleição de Max. Para democratização que veio depois e para o
movimento de Paulo na Prefeitura.
M – Gostaria que e falasse um pouco sobre as eleições de 1986.
LP - Na verdade 86 foi o ano que eu casei, em agosto, depois eu acompanhei a campanha
do Paulo. Naquele ano Camata sondou Paulo, mas na nossa visão, o que agente achava e
que não havia movimento popular, não havia inserção do Paulo na sociedade que o levasse
para a prefeitura com base e a gente achou que não seria bom, seria muito difícil, ou ele
seria por demais dependente de uma articulação palaciana. Não teria força própria para
poder administrar a cidade.
Nada contra Camata. Camata foi uma pessoa muito importante para o Estado do ES, mas
para o que a gente queria, para uma coisa mais forte de política própria a gente não queria
que Paulo fosse um delegado do governador mas fosse uma pessoa que chegasse lá pelas
próprias pernas, então nos achamos que era muito mais prudente solidificar o caminho
dele.... Imagina que a gente tinha a inserção com movimento social, se o grupo achasse que
tudo era via parlamentar, era hora de pegar o gancho, mas a gente achava que era mais
importante solidificar nossa posição nos movimentos sociais do que partir para a prefeitura.
Só que a gente tinha uma aliança com o PMDB que era real e que não era uma coisa só,
vamos dizer assim, utiliritarista, a gente achava que o PMDB era muito importante na luta
pela ditadura. Ela não tinha acabado, você tem que lembrar que a gente ia viver logo depois
todos aqueles episódios de São Paulo .... então a gente achava que era muito importante
tudo isso, e de certa forma isso nos colocava na campanha de Hermes Laranja. Aí aquela
história, ou você acredita que a política se faz com lealdade, ou não. A gente achava que
Vitor era o melhor para a cidade, a gente sentia que estava mais de acordo como nosso
coração. Ou a gente acreditava na frente ampla do PMDB naquela época. Foi um negócio
muito ruim, porque a medida que a campanha de Vitor foi crescendo, foi uma coisa que
mexeu muito com a gente, fez mal, mas eu acho que agimos certo naquele momento. A
gente tinha um projeto de País. Ou a gente estava no PMDB ou a gente usava o PMDB. E
essa nunca foi a nossa cabeça.
325
M - Em 86 vocês fizeram a campanha com o mesmo trabalho de coração e de porta em
porta do que 82?
LP - Fizemos muito ainda. Fizemos na campanha da Prefeitura, mas, na medida em que em
1986 a gente estava atrelado a uma candidatura diferente. Quer dizer, Já tinha o PT. As
pessoas já tinham passado por aquele batismo de fogo, você não consegue manter o
mesmo grau de militância, mas a militância participou muito em 86. Acho que ainda foi muito
presente.
M - Porque Paulo Hartung despontou como liderança do grupo?
LP - Porque dentro da Universidade ele era a melhor liderança daquela época. Era a pessoa
que articulava melhor, que formulava melhor, que falava melhor. Enfim... Característica da
liderança dele. De todo aquele grupo que tinha do Campus Universitário era a pessoa que
se destacou naturalmente. Foi a liderança que surgiu com maior naturalidade.
Paulo desde cedo tem uma coisa muito interessante. Ele é muito teimoso. Quando ele tem
uma opinião ele discute com você, ele briga pela opinião dele de uma forma que você acha
“esse cara não ouviu nada”. Mas, ele ouviu tudo que você falou, incorporou tudo e é capaz
do dia seguinte mudar radicalmente. Mas,ele não muda naquela hora, não. Então ele tem a
capacidade de absorver as opiniões contrárias, crescer com elas e ser permeável. Ele tem a
capacidade de mudar de posição.
M - E ele continuou envolvendo o grupo nas decisões?
LP - Paulo sempre. Ele nunca considerou um mandato dele, como sendo dele. Ele sempre
teve a preocupação de fazer reunião de prestação de contas e discussão de caminhos.
Sempre. E nós também. Não foi uma, nem duas vezes que nos fizemos prestação de
contas. Ele chamava as lideranças, às vezes juntava 50 pessoas e de repente, lá pelas
tantas “Vocês não estão querendo isso não? ”Não”. Ele mudava de caminho e aceitava o
que estava surgindo alí. Ele sempre teve essa preocupação de ouvir e nunca descolar dos
grupos.
M - Principalmente do grupo original?
LP - Sim, mas as pessoas que no inicio caminharam com ele, mas depois isso foi
aumentando muito porque isso tinha que acontecer. Mas tinha um grupo mais restrito que
ele ouvia mais.
M- Como você define a sua geração?
LP - Minha geração não é de 68. É pós 68: 72...75... Eu acho que foi uma geração que foi
idealista com a situação do Estado, da democracia. Uma geração que sonhou muito em
326
fazer uma coisa melhor. Eu acho que esta questão foi muito importante para a nossa
formação pessoal. De acreditar que é possível sonhar. Construir sonhos. Fazer alguma
coisa.
Eu acho que, se parar para pensar, nesta geração veio um monte de ator político que está
aí... Eu acho que a gente entrou na universidade na época que estava tudo devastado de
qualquer participação política e a gente sonhou que era possível construir alguma coisa. E
construiu. Eu acho que foi uma geração que viveu a democracia de forma muito intensa.
Sabe, acho que essa garotada de hoje não sabe o verdadeiro valor da democracia como a
gente viveu.
327
STEIN, Stanislau Kostka. Vitória, Depoimento em 07 dez. 2006
Entrevista concedida aos alunos do Mestrado de História das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo: Margô Devos Martin e Renato Heitor Moreira
R - Como e quando se iniciaram as articulações políticas no movimento estudantil da
Ufes que culminaram na reabertura do DCE?
SS- No circulismo, com a participação no movimento estudantil, o meu envolvimento no
movimento estudantil começa em 1977. Fiz o vestibular e, no primeiro período de 77 eu
estava lá no básico, ainda não tinha nenhuma discussão, que vem a se dar, já com minha
participação, no segundo semestre, quando as minhas aulas passaram a ser no CCJE. Aí já
tinha um pouco de história acumulada, porque o processo de reabertura das entidades
antecede um pouquinho, vem lá de 75, 76, tiveram reuniões em São Paulo, Belo Horizonte.
Eu não participei, porque estava fora, na Alemanha, estudando. Então em 77, quando eu
começo minha vida acadêmica no CCJE a gente tem os comentários do que havia
acontecido nos anos de 76 e 75. Alguns capixabas teriam sido detidos em Belo Horizonte,
nesse encontro... Havia vários encontros desses pelo Brasil, em regiões, alguns de caráter
nacional, onde se fazia essa discussão visando que rumo dar à atividade estudantil, tanto no
seu aspecto acadêmico como em seu aspecto político. A minha participação é de 77 para
frente. Em um desses encontros de caráter nacional eu tomei conhecimento da chamada
SESAC, que era um encontro que tinha forte poder de mobilização, porque era
multidisciplinar. Não era um encontro de estudantes de economia, ou de medicina, de
engenharia. SESAC era uma Semana de Estudos de Saúde e Atenção Comunitária. Dela
participavam estudantes de medicina, enfermagem, psicologia, engenharia, economia,
porque sob o foco saúde, visava-se ter a participação de todos que, direta ou indiretamente,
teriam ligação na questão da saúde. O pessoal da engenharia participava, e ali nós já
ouvíamos dizer que para cada mil dólares investidos em saneamento básico, evitava-se o
gasto de cinco mil na medicina corretiva. O efeito do investimento no saneamento básico
tinha um resultado muito maior, no nível da saúde, antes da doença ocorrer. Isso tornaria
mais viável para o país, assegurar saúde para todos, não porque teria recursos para atacar
as doenças, mas pelo contrário, evitar que elas ocorressem. Era interessantíssimo isso,
porque em questão de você ter estudantes das áreas de humanas, tecnológicas, das áreas
sociais, de todos esses anos da vida acadêmica tornava o encontro muito mais atraente
porque você recebia visões diferentes. A linguagem, o jargão do núcleo da psicologia, do
pessoal da enfermagem, do pessoal da medicina, da engenharia... Os palestrantes que
eram trazidos para esses eventos tinham autoridade técnico-científica nessas diferentes
328
áreas. Era um show. Encontros da Sesac eram uma sedução geral do ponto de vista de
novidade, do comprometimento político-científico com a mudança da sociedade. Em função
da Sesac nós fizemos mobilizações para participar com a delegação de estudantes do
Espírito Santo. Se não me engano, essa reunião aconteceria em Santo André, São Paulo. A
nossa reunião foi abortada pela ação da Polícia Federal que deteu os motoristas e os
determinou conduzir os ônibus de volta à garagem. A alternativa para se fazer chegar
estudantes lá era trazer de volta as informações que estavam sendo discutidas nesses
eventos. Sempre se trazia um conjunto de discussões que tinha um foco acadêmico, de
melhoria dos currículos dos diferentes cursos, e o foco político, das análises de conjuntura,
de como estava a ditadura, o próprio poder de pressão, de coação ou as brechas que se
tinha... tudo isso era produto desses encontros. Tinham os encontros dos estudantes de
Economia, tinham os encontros dos estudantes de enfermagem, depois dos estudantes de
comunicação, que é mais à frente, no final da década de 70... Enfim, os encontros nacionais
de estudantes, os específicos, também eram fóruns importantíssimos de discussão sobre
essa perspectiva da política, o estudante vendo a sociedade brasileira e discutindo como ele
poderia ampliar a sua participação como um todo além do seu aspecto acadêmico, o stricto
sensu da política estudantil, da melhoria da qualidade do ensino. Retomando a sua pergunta
inicial, isso tudo já em 1977, uma fase em que a fruta estava de vez, já acumulada pela
experiência acumulada. Quando eu chego, ela está do de vez para o amadurecer, já com a
finalização para, a nível nacional, os estudantes das universidades federais e onde nas
escolas particulares onde houvesse organizações estudantis fechadas para reabri-las. A
primeira meta era assegurar a reabertura dos diretórios centrais dos estudantes, e onde
tivesse força política acumulada, representatividade no conjunto da sociedade estudantil, de
um Estado reabrir a sua União Estadual de Estudantes. No Espírito Santo nós não
acumulamos força por uma representatividade globalizada de uma União Estadual dos
Estudantes naquela época. A gente entendeu que passava por assegurar que o maior
espaço político, que era a Universidade Federal do Espírito Santo tivesse o seu DCE
reaberto e que o DCE pudesse esse aspecto de águia com asas longas para defender as
outras entidades estudantis e assegurar a ampliação do movimento em todas as faculdades
isoladas. O campus de Alegre, que era a escola agronômica, que integrava a Ufes, recebe
uma atenção muito forte de nós estudantes, nós fizemos questão de inserir os estudantes
de Alegre nesse processo de discussão, o que trouxe um amadurecimento muito grande da
discussão da atuação estudantil no sul do Estado. Sobretudo em Cachoeiro do Itapemirim,
que era o grande centro de vida acadêmica fora de Vitória. Para se chegar ao DCE, à
organização das entidades estudantis de base, na nossa época os chamados de diretórios
acadêmicos, porque a gente precisava usar a própria estrutura formal. O regime militar
sufocou as entidades estudantis e tentou amordaçá-las fazendo parte da estrutura da
329
Universidade. Para funcionar o Diretório Acadêmico, você tinha que ter de alguma forma
uma participação do diretor de verbas daquele departamento da Universidade. Nós
tentamos fazer isso sem submeter a nossa liberdade de discussão à ingerência dele, mas
sempre que possível trazendo a Universidade para fazer funcionar o Diretório Acadêmico. A
gente já tinha o Diretório Acadêmico do CCE, do CEG, da Engenharia, do Centro
Biomédico, do CT, de Alegre e a reabertura dessas entidades como ponto inicial de fazer
crescer o movimento dos estudantes com as discussões acadêmicas e políticas vai
acumulando forças para que, em 1978, já com as forças amadoras e reuniões que se faziam
com representantes de todas as entidades estudantis, deliberar sobre a reabertura do DCE.
Em outubro, novembro de 78, a gente faz a Assembléia geral que elegeu a primeira diretoria
do DCE após o regime militar. Essa diretoria teve o Paulo Hartung como presidente, numa
eleição disputada ele reuniu 72% dos votos dos estudantes da Ufes, reabrindo o DCE.
M - Quem eram os líderes dessa época e quais eram as atividades políticas e
acadêmicas deles dentro da Ufes?
SS- A Lucia Chequer, que era da economia, na medicina havia o Lauro Ferreira Pinto,
Fernando Herkenhoff, Ernesto Negriss, Idelberto Muniz, o Paraíba, que hoje é professor de
uma Universidade em São Paulo, Geraldo Corrêa, que tinha uma passagem no movimento
secundarista, se não me engano, os Pignatons...
R - Esse pessoal já participava de algum partido?
SS- A influência partidária mais marcante neste grupo era do PCB. Eu fui atraído para essas
discussões a partir de uma tática que se chamava circulismo. No circulismo, você tinha um
centro a partir do qual você realmente ia formar um círculo. O centro era uma pessoa já com
discussão acumulada pelos líderes anteriores, já incorporando visão política, os aspectos
teóricos de organização social, organização política e trazer então novos estudantes para
essa discussão, em torno dessa visão. Outros grupos políticos na Universidade também
faziam isso, não ligados ao PCB, acabaram sendo oposição a nós lá dentro e foram se
alinhar a outras forças. Essa partidarização existia e eu acredito, com certo escrúpulo, no
sentido de não ser o partido em si o centro da atração para atrair as pessoas "venha ser
comunista", o foco partidário não era esse, (e sim) "venha discutir a realidade brasileira,
participe da sua transformação". O partido enquanto estrutura de organização buscava ter
sempre um grande número de pessoas, de estudantes... No caso do chamado ativo
universitário, o maior número de estudantes participando dessa discussão. Nós tínhamos,
além do estudo da teoria política, Marx, Engels, e todos aqueles teóricos italianos mais
recentes da reflexão marxista, também o estudo de realidade brasileira. Tinham discussões
330
de realidade que passavam pela leitura da geografia de Josué de Castro, Josué Monteiro...
E uma coleção de outros livros, não chegava a ser uma sumidade do campo científico, mas
que a gente acabava se seduzindo, era muito interessante na ótica com que fazia a leitura
dos fatos... o Leôncio Basbaum, "História Sincera da República", uma coleção de três ou
quatro volumes que tentava ser um enfoque da construção da história brasileira pelos olhos
do trabalhador, do escravo, pelo olho de quem colocava a mão na massa. Me recordo muito
desses dois livros que eram a forma que a gente tinha contato com a realidade brasileira,
pois tinha informações do Norte, do cerrado, do Nordeste, o Sul, as polêmicas que surgiam
nas regiões industrializadas, a região portuária de Santos, a indústria de São Paulo, as
contradições, as lutas dos operários. Através desses livros a gente tinha um enfoque prático,
nacional, eu acredito que tenha advindo de uma visão marxista, do materialismo histórico.
Pelas mãos desses dois autores, depois alguns outros, também na questão da literatura.
Jorge Amado era um autor muito recomendado. A gente procurava na coleção do Sebo do
CCJE, disponibilizar literatura. Eram romances que tinham como plano de fundo um foco
histórico, social, uma visão política que, se somada a esse esforço, dentro desse circulismo,
preparava os jovens para uma visão mais ampla da sociedade que não fosse somente a
"estreiteza" dos limites científicos da sua carreira. Que ele pudesse sair dali com uma visão
mais ampla, e isso sim, permitiria um exercício mais fecundo, mais dinâmico da cidadania
por parte deste jovem.
R - Como esse grupo se articulava para a organização das ações políticas?
SS- Eu acredito que a experiência do PCB em participar da vida nos diferente segmentos,
das diferentes forças sociais, fazia com que na reunião de todos os ativos - cada ativo
representava um segmento da sociedade - o ativo universitário, o ativo operário, o ativo
camponês, que eram militantes do PCB dentro dessa estrutura da organização social, e
quando tinha essa reunião nós trocávamos experiências de como estava a discussão dentro
do grupo de atuação operária.
Dentro do grupo de atuação operária, quem estava no setor de serviços, o pessoal do
comércio, da indústria... A gente passava a conhecer os dilemas deles, as dificuldades
deles. A gente não tinha só um foco voltado para a Universidade. Na medida em que o PCB
tinha representação em outros segmentos sociais, eles faziam suas discussões também, e
os estudantes recebiam cargas das pressões que eles faziam, da demanda. O movimento
não ficava restrito. A gente recebia influência desse grupo de fora, isso vai culminar na
nossa participação, no início de 79, num amplo movimento de solidariedade, quando
ocorrem aquelas enchentes em Fundão, Ibiraçu, Barra do Riacho, essa parte do meio-norte
do Estado onde a enchente foi avassaladora. Pelo fato de a gente já ter acumulado essa
experiência de reuniões e compartilhar informações, a nossa percepção de sofrimento veio
331
muito mais rapidamente à tona. Fico mais fácil, naturalmente, desabrochar um movimento
de solidariedade, que depois veio de acordo com o movimento da Igreja Católica e o
arcebispo de Vitória naquele momento. O governo do Estado, preocupado com o aspecto do
desenvolvimento, não queria enxergar a crise das enchentes, e se efetivamente reagisse
com a mesma sensibilidade que nós, teria declarado estado de calamidade e as
disponibilidades financeiras puderam ser alocadas para fazer o socorro das pessoas e, no
futuro, depois acertaria a questão do orçamento.
Essa visão de ser força social, de ser capaz de mudar as coisas orientou muito a nossa
visão. Era a base teórica, o arcabouço científico que a leitura do marxismo trouxe para a
gente foi fazer disso um instrumento de ação. Não cabia coisa da porra-louquice. Porra-
louquice não transforma. Mas se você consegue reunir por envolvimento, discussão, entrar
e fazer sentido na cabeça das pessoas quilo que você diz, aquela pessoa vai aderir. E
quando a pessoa adere, quando você coloca em movimento a coisa, ela continua andando,
vira força social e muda. Nós mudamos muita coisa na Universidade. Mudamos muita coisa
no Estado.
Fechando essa questão, passamos pelas condições físicas, ambientais, a preservação
desse ambiente, a melhoria das condições de ensino, a cobrança da qualidade do professor,
o compromisso do professor com o aluno, na avaliação, o cumprimento do horário, aí vem a
proposta de se ter a questão da média sete, que não foi uma unanimidade, mas a grande
maioria optou por defender essa bandeira, pois se o aluno tinha uma regularidade de
desempenho e de compromisso ao longo do curso, evitar-se-ia, que algum professor
pudesse fazer uma prova de final de ano com uma ênfase maior do que ele tivesse dado
durante o ano e ali realizasse uma vingança, então a questão da média sete, de onde eu
pude participar, teve esse pano de fundo. Alguns justificavam que na medida em que se
tinha professores alinhados com o regime militar, que dificultavam a vida dos estudantes
que tivessem participação com algum movimento, perseguiam. Tinham professores que
eram algozes da fiscalização aqui.
R - Como eram feitas as tomadas de decisão dentro do grupo?
SS- Pelo menos aqui no Espírito Santo, o nosso grupo era muito sequioso por participar. A
gente estimulava o estudo antes de ir para a reunião onde seria tomada uma decisão sobre
determinado assunto, para que a gente chegasse lá não com a carga de "eu acho que". A
gente achava que precisava ter leitura prévia, e aí sim emitiria opinião tendo base em
experiências que foram bem sucedidas em tal lugar, ou não adotar tal caminho porque tinha
sido fracasso em tal lugar. A história já tinha experimentado alguns desses caminhos. E por
que deu certo? Por isso, isso e isso. Então não vamos adotar tão somente porque deu certo.
Vamos adotar por motivos que viabilizaram o processo. Não é tão somente copiar a idéia, é
332
analisar e discernir. Não queríamos resultado. Queríamos assegurar o caminho. Se a gente
soubesse fazer o caminho, chegaria onde quisesse. Não há como fazer isso sem o processo
democrático. Você tem que estimular a discussão, o conhecimento, a visão múltipla de cada
lado desse poliedro da realidade e assim essas visões estariam lá se encaixando, se
complementando ou se excluindo, prevalecendo a idéia majoritária. Nós praticamos muito
isso até em reuniões de assembléia, quando naquele ginásio do Centro de Educação Física,
cinco ou seis mil estudantes, nossos opositores do movimento estudantil, da corrente
LIBELU, Liberdade e Luta, uma das facções dentro da esquerda brasileira, que hoje se
reúnem no PT... Eu usaria hoje (para defini-los), com perdão da palavra, uma “ejaculação
precoce”. Não tinha fecundidade. Não tinha sedução. "Vamos lá, vamos fazer" e não
sabiam. Esse embate foi muito forte. Em uma das assembléias gerais, eles passaram uma
proposta ultra-radical, era um movimento nosso para discutir o preço do bandejão. Eu
estava na presidência do DCE ou viria a ser candidato, e o preço do bandejão subiu uma
barbaridade. O pessoal de oposição a nós defendeu que o bandejão tinha que ser custo
zero. Porque era tudo pago pelo trabalhador, era a classe operária que fazia tudo, a classe
operária estava pagando, então tinha que ser comida de graça. Um discurso muito farto.
Quem quer pagar? Se for assim, vai andar todo mundo de ônibus de graça, avião de graça,
vai cair tudo do céu! Um discurso muito oportunista, fácil de ser aglutinador. Pelo
oportunismo, a proposta deles seria aprovada. Eu assumi o embate, já tendo tido discussão
prévia com os grupos, o nosso grupo, e a gente sabia que essa proposta seria feita. Como
enfrentá-la? Eu fui para a assembléia para defender o contrário. Eu lembro que fiz uma
paródia, sobre "se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come. Não se cutuca o bicho com a
vara curta" e aí, em cima dessa coisa do censo comum, eu construí a argumentação de qual
deveria ser o nosso caminho em relação ao preço do bandejão. A maioria de nós terá um
familiar trabalhador, terá um parente, vizinho, cujo salário fica para ser corrigido em não sei
quantos meses. E o que eles brasileiros ouviriam de nós se dissessem que o salário tem
que ter zero de correção, que têm que trabalhar de graça? Ou pior, não faz sentido. Ele, lá,
está pedindo correção do salário, faz parte do mundo de inflação em que vivemos corrigir,
mas não dá como ser como o reitor quer. O preço que ele quer é acima não sei quantos da
inflação de janeiro, de um certo período, e a gente estabeleceu que a inflação nesse período
deu muito menos. Minha proposta: toda a inflação, para que também não seja o trabalhador
quem tenha seu salário corrigido a menos. É toda a inflação. Com todos aqueles recursos
de linguagem na argumentação na tentativa de persuadir. "E qual é o comprimento da nossa
vara? Essa vara que vocês estão propondo é muito curta. E até quando o RU vai funcionar
com custo zero? Depois que acabar o estoque dos alimentos, nós vamos tirar o dinheiro de
onde? Do salário dos funcionários da Universidade, ou vamos pedir aos professores que
não recebam para a gente usar o dinheiro para comprar alimentos? Quanto tempo nós
333
vamos ficar sem alimentos? Bicho bravo não se cutuca com vara curta. Para a gente ter
capacidade de enfrentar, propomos toda a inflação no bandejão!" E passamos a nossa
proposta. Preparar-se para o embate foi sempre uma prática que nós vivemos em situações
até mesmo muito difíceis. Acredito que foi uma agradável contaminação, porque isso nos
prepara... Quando a gente saiu da Universidade, eu achando que ia fazer mestrado, pós-
graduação em Campinas, fui chamado a participar da vida política do lado de fora, com
mandato, voto aberto...
M - Como foi a saída do movimento estudantil e a transição para a filiação político
partidária?
SS- A filiação do PMDB já foi decidida dentro ainda da Universidade. Eu saí da Universidade
em 1982. Em 81, que era esperada a minha graduação, seria meu fim do mandato no DCE.
Em outubro, houve uma greve de professores, e essa greve se esticou. Não havia clima
após a greve para a gente fazer eleição, tinha os alunos que estavam terminando o curso e
tinham que ir embora e já estavam com contratos de aluguel vencendo, tinham que voltar
para o interior, ou para Minas, para o sul da Bahia ou norte do Rio. Não tinha como a gente
fazer as eleições do DCE no final de 81, por conta das conseqüências da greve. Então o
conselho de entidades de base dos Diretórios Acadêmicos se reuniu e pediu que aquela
diretoria permanecesse até o início das aulas do ano seguinte, quando se fariam as eleições
da nova diretoria. E para ser diretor, você não podia se formar, então eu fiquei reprovado de
propósito, de caso pensado. Não fiz umas disciplinas para continuar estudante e, em 82, a
gente prepara essas eleições e quem vence é o José de Arimathéa, aluno de Direito, que
assumiu em abril de 82. Eu ficava pensando o que fazer da vida, pensava em fazer uma
prova de seleção para pós graduação na Unicamp, mas vem essa proposta e os planos vão
se adiando. E 1982 era ano de eleição, uma eleição importantíssima porque ia se eleger
parte do senado que não era biônica, os deputados federais, governador, deputados
estaduais e vereadores. Não tinha eleição para prefeito. O partido começou a ter uma
discussão para analisar, dentro do partido, o PCBÃO, que tinha no mundo legal uma
presença dentro do MDB, quem dentre os diferentes movimentos que o partido tinha
atuação, universitário, operário, etc, quem seriam os indicados para participar da vida
política partidária, lançar candidatos e apoiar. Eu fui chamado a refletir sobre isso, se eu não
estaria disposto a participar da vida partidária. Conversei com meu pai, fiquei uns dez dias
retirado em Domingos Martins, no sítio da família, pensando o que fazer. Depois que eu
tinha pensado, meu pai passou para mim a visão dele, que se sentia muito honrado com
essa perspectiva, que ele me apoiaria e que eu tivesse muito cuidado, que o dia que eu não
conseguisse ser sério nessa atividade, que eu saísse dela. Foi uma maravilha, e tal, botei
gás e sinalizei para os companheiros do partido que eu aceitaria participar da vida político-
334
partidária. E assim a gente participou das convenções, nós tínhamos uma participação no
MDB Jovem...
M - Quem desse grupo entrou no MDB?
SS - Filiados eram muitos. Uma grande maioria era filiada ao MDB, mas com militância já
voltada para atuar, defender eventuais candidatos do partido tinha o Robinho (Robson
Leite), eu, o Ernesto, o Paulo, os Emmerich; Paulo Emmerich, Milton Emmerich, Pignaton, a
Lúcia Chequer que hoje é cunhada do Paulo... Tinham filiações dentro do MDB de onde eles
tinham título eleitoral. Já em 74, 75, havia um partido legal, mas as decisões do que se fazia
eram tomadas no partido clandestino. A vida clandestina era uma orientação para que a
gente não fosse fazer besteira lá, por isso a gente discutia conjuntura, a questão aqui de
Vitória, do Estado, porque alguns companheiros nossos eram eleitos nas convenções
municipais para a Convenção Regional, composta pelos membros do Diretório Estadual, os
detentores de mandato no plano federal, estadual, e os delegados de acordo com o número
eleitoral do município, aí tinha um, dois, três, cinco delegados. Alguns de nós éramos
delegados eleitos dentro de seus diretórios municipais para a Convenção Estadual do MDB,
e em 1982 nós fomos como o fiel da balança.
M - Me conte como foi a trajetória do grupo depois da saída da faculdade?
SS- Vou fazer um roteiro para você seguir. 1982- Nossa participação na Convenção
Estadual do PMDB que vai definir o nosso apoio a um dos pré-candidatos. Os pré-
candidatos eram Max Mauro e Camata. Max Mauro contava com nosso apoio, foi o
chamado alinhamento automático, e nós não escolhemos Max Mauro. Por quê? Leitura da
realidade, só transforma quem é força social, com quem estava essa força, essa tendência e
qual capacidade se teria com um ou com outro para se atuar a favor do Estado? Esse foi o
processo em discussão que vai discutir a nossa posição na eleição de 82. E o resultado foi
Camata. Então, na leitura de correlação de forças a gente não poderia participar de um
processo só para marcar posição e eventualmente ganhando a gente não teria o melhor
resultado para o Estado, porque o regime ainda era militar. A gente precisava ter ainda
alguma capacidade de movimentação sem deixar o candidato do regime se eleger, acho
que na época era o Carlito Von Shilgen.
A gente enfrentou uma discussão. De um lado tinha o Max, que era uma pessoa que, por
afinidade ou por utilidade, muito próximo dos movimentos sociais, mas que ao se colocar
como candidato não consegue captar esse apoio porque a visão de agir, o modo de agir, no
nosso entendimento, não traria o melhor resultado para o Estado em relação ao que deveria
ser com o Camata. Então, na Convenção, decidimos apoiar o Camata. Aí você vai ter a raiz
de uma plantinha que vai definir a relação da família Mauro conosco, que brota lá. Em
335
termos de ação política, a sua opinião só se justifica que ela se traduz no melhor para a
polis, para o conjunto. Se não fizer isso, você não está fazendo política, você está fazendo
aristocracia, está fora do significado maior do coletivo. O PCB teve candidatos em Vitória,
em Vila Velha, o Felício Corrêa foi candidato em Vila Velha, eu fui candidato em Vitória, fui o
mais bem votado em Vitória, com uma campanha muito barata... Papel e cola!
M - Porque o sucesso dessa eleição, dessa votação tão estrondosa? Foi decorrente
do movimento estudantil?
SS- Sim, absolutamente! Não foi um resultado meramente meu nem do Felício. Obviamente
que as nossas pessoas traziam em si uma síntese desse momento coletivo. Nós fomos o
leito que trouxe essa água, então houve uma identidade que se concentrou nas nossas
pessoas, na nossa votação individual. A primeira eleição teve a participação brutal dos
estudantes. Com exceção dos estudantes do interior, que não tinham título em Vitória, que
não votaram em nós, até o dia deles irem para lá votar, fizeram campanha para nós. Por
quê então você vai ter essa penetração, quase 4% dos votos eu tive, acho que entre quase
400 candidatos. Muito expressiva essa votação, mas por quê? Não era eu em mim mesmo.
Era eu trazendo toda uma história do passado recente da Universidade. Eu era aguerrido,
eu era ativo, eu argumentava, eu circulava, me fazia presente, as pessoas me viam, eu tinha
uma certa presença na imprensa. Houve uma visibilidade muito grande, e os estudantes que
não eram eleitores nos nossos municípios fizeram campanha. Foi uma campanha muito
barata. O que eu gastei nela? A indenização do Fundo de Garantia, de seis ou sete anos
atrás.
Mesmo estudando, eu dava aula, começava a dar aula às três horas da tarde e ia até 9h30
da noite, Eu pegava a bicicleta, no ano de 77, porque em 78 era motocicleta, dava aula de
alemão no Instituto Teuto Brasileiro, no edifício Moisec, ali quase em frente aos Correios, na
Jerônimo Monteiro, saía dali e ia para o DCE para as reuniões noturnas que tinham,
redação de jornalzinho, quando a máquina era sabotada eu consertava, fazia manutenção
da máquina IBM, do mimeógrafo à tinta e do gravador eletrônico de stencil. São detalhes
daquela passagem de ano que permitiam que o nosso jornalzinho tivesse uma qualidade
gráfica melhor com um custo de produção muito mais baixo. Mas como a gente conseguia
comprar esses equipamentos? Você já ouviu falar em gravador eletrônico de stencil? Uma
revolução na comunicação alternativa! Era uma máquina, que tinha dois cilindros, cabiam
duas folhas de ofício. Em um, você colocava o texto em composer, e no outro cilindro você
colocava stencil. Você prendia, fechava a máquina e os cilindros começavam a rodar. Tinha
uma lente que lia o que era preto e o que era branco, do outro lado uma espécie de eletrodo
que se ligava e desligava, só que ele fazia isso muito rápido. Antigamente o stencil era a
álcool, manchava a mão, era uma coisa horrível. Nós revolucionamos isso, irradiamos a
336
tecnologia daquela época para os outros movimentos, operário, de fábrica... fazíamos uma
coisa bacaninha, infinitamente melhor que o stencil a álcool. Teve um salto de qualidade na
produção gráfica na literatura alternativa, na literatura do jornalismo alternativo também.
A própria participação dos estudantes no processo eleitoral, fazendo campanha e
recomendando votos permitiu esse resultado. Assim como eu me formei em 1982, muitos
estudantes se formaram e foram embora para suas cidades. Eles levaram consigo
memórias que vão ser catalizadas por Paulo. Lá em São Mateus ele pode votar no Paulo,
mas não pode votar no vereador de Vitória. Então nós, vereadores, em função desse
processo, temos uma natural tendência ao declínio de votos, ao contrário de quem está num
colégio eleitoral mais ampliado, como deputado estadual, deputado federal, que podem
receber os votos de todo mundo. Você vai ver na estatística de votos que Stan nunca mais
repete aquela performance de votos de 1982, e também por outro motivo: o PCB, enquanto
estrutura que dava suporte ao processo de discussão não conseguiu se fazer presente na
minha vida pública para essas discussões. Quando vem a discussão da atuação na
clandestinidade, na legalidade, que vai culminar com a Constituição de 1988, com a
liberdade d e organização partidária, não tendo mais proscrição aos partidos chamados
marxistas, socialistas, há um fenômeno que precisa ser analisado, que na prática, tudo
aquilo que funcionava na Universidade deixa de ser.
Um dos fatores poderá ser este: a Universidade enquanto vida acadêmica traz estudantes
de vários lugares, e quando acaba a vida acadêmica, isso pulveriza e eu não consigo ter
mais na reunião aquele cara que era de Ibiraçu, de Linhares, de Colatina, Cachoeiro... Há
uma tendência quantitativa de esvaziamento em função disso. A gente não conseguiu
substituir aquele que participava no campus universitário por outro que era daqui da vida da
cidade. Não conseguindo fazer isso, eu perco em suporte político de discussão, porque
tendo sido o mais votado de todos os candidatos, tendo sido MDB, o partido que fez quase
dois terços da câmara municipal, nós chamamos o governador do Estado, Gerson Camata,
para dizer a ele que a bancada dos vereadores do PMDB requisitava a prefeitura de Vitória
para o cidadão Berredo de Menezes. Então nós vamos ter uma presença no executivo antes
de 1992, através de Berredo.
M - Mas Berredo não se caracteriza como uma pessoa da sua geração...
SS- Não. Não mesmo. Até porque já em outubro de 1983, estávamos em rota de colisão
Berredo e eu. Porque nesse período estava sendo encaminhado à Câmara Municipal o
projeto de lei do primeiro Plano Diretor Urbano da cidade de Vitória. Uma coisa que foi
resultado de muitos anos de estudos do Instituto Jones dos Santos Neves, em três volumes
de todos os levantamentos, análises das questões históricas, geológicas para justificar as
propostas que viriam no próximo volume, num projeto de lei. Como líder da bancada e
337
responsável por dois terços da Câmara, dos meus colegas, a gente fez uma reunião para
decidir como fazer uma discussão do Plano Diretor Urbano de modo que se prevenisse a
destruição daqueles prédios de valor histórico do Estado que estavam incluídos na lista de
tombamento, na medida em que a gente imaginava que o Plano Diretor Urbano deveria ser
discutido pelos vereadores, que não deveria ser somente aprovado e ninguém incorporar na
sua consciência o que significava aquilo. Então Beth Osório, uma colega de partido, dividiu
muito comigo essas discussões, na época também tinha uma vereadora, Ertha Ribeiro de
Assis, que tinha sido minha professora no Colégio Americano, e a gente tentou dividir com
ela essa discussão, e dessa discussão dentro da bancada do PMDB nós chegamos á
conclusão de que se deveria fazer um projetinho de lei temporário que teria vigência até
entrar em vigor o Plano Diretor Urbano e naquela votação haveria soberania total do
governador dizer se tomba ou não tomba aquele patrimônio. Para que durante o processo
de discussão não houvesse a iniciativa de proprietários em querer evitar o tombamento e
assegurar maior ou melhor ocupação daquele terreno em construção, eu propus então esse
projeto de lei que temporariamente garantiria o tombamento...
(a reunião foi encerrada por motivo de uma emergência com o entrevistado)
338
Anselmo Tozi
TOZI, Anselmo. Vitória, Depoimento em 14 nov. 2006
Entrevista concedida aos alunos do Mestrado de História das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo: Margô Devos Martin e Renato Heitor Moreira
R - Como e quando se iniciaram as articulações políticas dentro do movimento
estudantil da Ufes que culminaram com a reabertura do DCE?
AT- O movimento estudantil para mim e para uma grande geração de pessoas se iniciaram
em março de 1977, quando a gente pisa na Universidade. Aí você vai incluir Fernando
Pignaton, Adão Célia, Carlinhos Bigode, Ernesto, Bezerra, Tião Lyrio, Marcos Santolim, uma
turma muito grande que se envolveu com isso... Peruchi que é prefeito, Ademar Devens que
é prefeito, Tadeu Marino que é Secretário de Saúde de Colatina... Era a minha turma. Tem
um negócio muito forte que foi a nossa turma. A nossa turma foi muito participativa. O Lima,
que hoje é do Hospital Infantil, o Chiquinho... Assim como teve uma turma no CCJE, do
Paulo, Bragatto, nós tivemos no Centro Biomédico um movimento muito forte. O Centro
Biomédico era meio à margem da Ufes. Nós fizemos as políticas de passagem ali, de
junção. Nossa turma coincidiu uma coisa interessante. Tinha também Oscar Gama Filho
começou na minha turma, depois ele se afastou... Tem um padre que é extremamente
participativo, Dauri Batista, que hoje está em Goiabeiras, ele é muito envolvido com esse
movimento, muito radical. Então, teve uma turma que teve uma importância muito grande.
Como diz o Vasco, que é professor aposentado da Ufes, da pós-graduação de fisiologia
cardiovascular, ele fala que a nossa a nossa turma quando chegou foi um movimento muito
forte! Ele inclusive tinha uma tendência meio trotskista. Essa turma tem uma energia, um
potencial muito grande e pega aí o bastão de Merli, Claudino, Laurinho, Fernandão,
Geraldo, Adalto Emerich e de repente viram muitos. Ela consegue depois formar muita
gente pelo envolvimento nos diretórios, com a luta mesmo que a gente tinha no básico
Centro Biomédico, porque aquele lugar era ermo, devastado, pantanoso, não era cercado,
não tinha nada, pertencia ao CEG. A grande briga nossa é que o básico da Medicina
pertencia ao Centro de Estudos Gerais, era o patinho feio, nem existia (dentro da Ufes).
R - Essas pessoas eram pessoas envolvidas e que efetivamente eram lideranças?
AT- Se tornaram lideranças. Tudo começa em março. A gente entra, o grupo antigo sente
isso e nos joga dentro do Ecem em julho de 77, em Santa Catarina. Imagina isso, a gente
mal pisou na Universidade e já está dentro de um Ecem, Santa Catarina, aquele negócio da
ditadura, todo mundo ia meio escondido, chega lá, tira foto, vai invadir... Aquela coisa que
339
ninguém sabia o que ia acontecer. E esse grupo volta muito firme, foram dois ônibus pelo
menos. A Emescam foi no embalo, mas a Emescam nunca foi muito forte, brigava muito,
rivalizava com a Ufes. Naquela época os esportes eram muito fortes, a atlética, os JUNES
pegavam fogo! Antes de ser presidente do DCE fui presidente das atléticas. Tinha muito
grupo lá que era cultura, esporte e rock. Nós entramos na política, mas mantínhamos a
participação esportiva, cultural. A gente disputada com todo mundo, do Brasil inteiro, nos
encontros de Medicina. Era mais organizado, mais massivo, era encontro cientifico e a gente
se organizava. E esse grupo mobiliza muito o Centro Biomédico, a gente consegue ter uma
representação nossa lá dentro do conselho, primeiro dentro do departamento. A gente criou
uma transição, depois dividimos em quatro departamentos com base no Centro Biomédico.
O Dr. Jaime Santos Neves presidia essa transição, foi nomeado interventor. Tinha a Biologia
e aquele complexo todo, Odontologia, Enfermagem e Medicina, pelo menos quatro
períodos, dois anos a gente passava ali dentro, você era ligado à Ufes. A gente já chega na
clínica muito forte. 77... 78... No quinto ou sexto período eu vou para a direção do Centro
Acadêmico. Antes ou depois teve a primeira greve importante dos estudantes, no pós-68.
Foi uma greve massiva, bem organizada no Centro Biomédico. Subindo o lado esquerdo ali
aquele gramado grande à frente e ao lado do Centro Biomédico era o nosso auditório ao ar
livre. As assembléias muito mobilizadas, a gente passava de sala em sala, fazíamos isso na
UFES. Aí acontece a reabertura do DCE, em agosto ou setembro de 79. Eu era presidente
do diretório acadêmico. Chiquinho era meu secretário. Sandra Fagundes, nossa
coordenadora estadual, era da chapa também, primeira tesoureira. Houve o movimento de
reabertura do DCE, antes teve a nossa participação nas eleições de 1978, que foi muito
forte, a gente já estava no Partidão. Foi tudo muito rápido. Grande parte dessas pessoas já
estava dentro do Partidão, clandestino, e houve as eleições. Os candidatos, se não me falha
a memória eram Geraldo Estaquino, Nilton Lyrio, Carlos Dorsh, Valadão, que não sei se era
estadual ou federal, e Max Mauro, que era nosso candidato a deputado federal. Era uma
participação muito intensa, eu lembro da gente disputando voto útil, não dava um ou outro...
R - Qual foi a influência do Partido Comunista nessa parte ideológica do grupo, tanto
do ponto de vista político quanto na vida de cada um de vocês?
AT- Total, porque a disciplina rígida, a questão dos princípios, o coletivo, a visão da
sociedade, você trabalhar em função disso era uma abnegação quase total, nós não
abríamos mão de sermos bons alunos, nos matávamos estudando á noite, compensávamos
em mutirões, íamos para a casa do Bigode, do Ernesto, do Fernando Pignaton em Vila
Velha, a mãe dele cozinhava para a gente, para a gente estudar... Tinha também a Kátia
Moura, íamos para a casa dela, em frente ao Palácio, Cátia era muito organizada tinha os
rascunhos. A gente tirava boas notas também, a gente não admitia mas... Obviamente que
340
tinha prejuízos. Passar nas salas de aula da Ufes demorava mais de um mês, então nós
dividíamos; um lá, outro cá, então disciplina, organização, esse negócio de aprender a viver,
aprender a aglutinar as pessoas, aprender enfim... Tudo!
R- Vocês estudavam a teoria marxista?
AT- Tudo! A gente conseguia material, Marta Hernecker, "A história da riqueza do homem",
os textos de Marx e Engels, uma pena que os meus sumiram, era tudo encapadinho
bonitinho, uma pena... eu tinha tudo lá em casa em um quarto fechado, que meus pais
morriam de medo mas chegou uma hora que eles sumiram tudo. Uma vez eu fui viajar, fui
para Belém do Pará, fui sem avisar, passar muitos dias fora, em um congresso para discutir
a reabertura da UNE, em junho de 78, naquelas cidades do ABC, acho que São Caetano.
Fomos eu, Fernando Pignaton e Dunga pela Rodovia do Sol, com prancha de surf em cima
do carro para despistar, foi nessa época que nós fomos presos. Ia ter prova de
farmacologia, eu tinha as melhores notas. A professora era engajada, conversamos com ela,
ela nos permitiu fazer a prova antecipadamente e nós fomos escondidos sem a turma saber,
sem nada.
R - Como vocês se organizavam em termos das ações políticas de vocês, o grupo?
AT- Era muito dessa coisa de definir politicamente o que era importante, aí nos reuníamos,
discutíamos, tirávamos uma posição, as tarefas e o pau quebrava!
R - Nessa época, de 76 a 81, na sua opinião, quais foram as principais ações políticas
que o grupo se envolveu, tanto dentro da UFES quanto fora dela?
AT- Dentro da Ufes era a luta pela melhoria das condições de ensino, uma visão muito legal,
não era oportunista. Era uma coisa de discussão das questões acadêmicas, nós
conseguimos acabar com a coisa da rematrícula, acabar com o negócio do crédito que eu
esqueci o nome, o negócio da Biblioteca Central foi uma luta importantíssima, melhoria do
RU... Tiveram muitas coisas que marcaram a gente. Essa coisa da luta pela melhoria das
condições de ensino, da democracia dentro da Universidade é muito forte, isso gerou um
aprendizado coletivo para uma geração. Até hoje você encontra as pessoas e elas se
recordam disso, você deve ter ouvido de outros. Quantas assembléias a gente fazia naquele
auditório da Ufes, lotado embaixo e em cima, para decidir as questões? Isso é um
aprendizado sem igual, não há mais hoje. Fora da Ufes eu acho que fundamentalmente a
participação nas eleições e alguma coisa como da Usina. O Carlinhos Bigode foi um dos
que puxaram muito isso - Carlos Alberto Rios Cavalcante - foi um dos que esteve à frente
desse movimento, um movimento massivo, lotamos as ruas, as inúmeras passeatas, o
enterro do MEC como se fosse hoje, Stan finalizando em frente ao Palácio Anchieta rezando
341
uma missa em latin. Roubamos o caixão de uma funerária, fomo de noite lá roubar o caixão
escondido...
R - E antes de vocês se “partidarizarem”?
AT- Foi muito rápido. Era dentro do próprio movimento. As pessoas mais influentes eram
Merli e Claudino, eram as pessoas mais articuladas, mais presentes... Adalto, enfim. No
partido, as instâncias. Eu pertenci a várias bases, fiz distribuição de material, essa coisa dos
textos eu fazia a distribuição, dos jornais do partido. Eu rodava o jornal do partido, rodava
em mimeógrafo, botava dentro do carro, saía, distribuía, voltava. Havia várias motos, pra lá
e para cá, era um trabalho pesado.
R - E como eram feitas as tomadas de decisão entre os membros do grupo, porque eu
participei de algumas assembléias e muitas vezes o que percebia tanto fora quanto
dentro do grupo, as coisas vinham mais pra legitimação?
AT- Eu acho que, logicamente com muito cuidado de falar disso, mas as lideranças eram
muito conseqüentes, tinham muita capacidade, muito tirocínio e isso é natural. As pessoas
já chegam com alguns pensamentos, alguns caminhos. Quem dera que as pessoas
enxergassem mais a parte dos cenários, das propostas. Tanto é que a gente tinha uma
aceitação muito universal, porque as coisas tinham muita sintonia com a realidade, e isso
depois se perdeu.
R - Anselmo, na sua família existia alguém com essa orientação política? A que você
atribui a sua entrada por esses caminhos?
AT- Não. Eu acho que isso está com a pessoa. Esse momento também. No Marista mesmo
a gente participava muito, não era muito organizado, mas participava de algo ligado á
discordância das coisas, principalmente com questão da a ditadura, ausência da liberdade,
isso incomodava muito e entendíamos que não se podia construir um país se não fosse com
liberdade.
R - Na sua avaliação, nesse período você acha que conseguiram influenciar na
política do Estado ou você entende que ficou só no núcleo universitário?
AT- Eu acho que sim. Nós conseguimos influenciar, inclusive, a gente tinha muito cuidado
nisso, para não assumir, tomar as rédeas de outros movimentos, coisa que acontece. Nós
estamos vendo um movimento no Estado que tem essas características, mas os quadros
que trabalhavam fora da Universidade ou que foram para fora, que eram estudantes, fizeram
opção por trabalhar em movimento sindical, movimento popular, muitos foram pra Serra... O
342
Adão Célia, o Fernandão, o Bezerra, o Carlos Alberto Rios, também ficou um tempo pra lá.
A gente seguramente conseguiu não só influenciar como ajudar, ter uma relação muito
importante de articulação com a Igreja, particularmente com a Arquidiocese de Vitória, nós
tivemos uma participação importante na situação da enchente de 79, foi muito vigorosa,
marcou todo mundo. Marcou nossa geração. E uma coisa que é importante ressaltar é que a
gente não se prendia a movimentos reivindicatórios, o movimento cultural também era muito
forte. Tinha o Cine Clube, que a gente fazia questão que funcionasse ali perto do Centro
Biomédico, movimento cultural, esportivo, a gente não abria mão... Os shows, Alegre,
Salesiano... Inácio Dias, Wilson Freitas, Anchietinha, Projeto Verão, nós organizamos um
movimento na Praia da Costa, carregamos caixa de som nas costas, uma coisa de louco...
Lembra do Fábio Boca Livre? Gonzaguinha marcou muito a gente, Darcy Ribeiro, Gregório
Bezerra falando naquele ginásio lotado... Lembro também do Prestes no Rio. Eu fiz uma
transição, do grupo antigo para o grupo atual, que já estava se fazendo. Eu fiquei até o final
de 82. Todo mundo largou e eu fiquei mais um pouco, no movimento estudantil e no partido.
Do partido eu não estava dentro ainda mais não saí formalmente. No movimento estudantil
eu ainda fui convidado para coordenar as últimas assembléias da Ufes, aquelas
assembléias massivas... Eu me lembro que uma delas era a luta do RU, uma
inconseqüência brutal, nós vimos ali, eu fui contra, defendi na assembléia contra, pedi
licença da mesa, dividiu nosso pessoal... foi uma inconseqüência danada. Foi nosso grande
aprendizado. Quantas vezes nós defendemos em assembléia, fomos derrotados na
assembléia e a vida se encarregou? E o contrário também... Essas coisas foram muito
marcantes, como é que isso ensina a gente... você tem certeza da proposta.
M - Como se deu a passagem da política estudantil para a política partidária?
AT- Primeiro não foi uma passagem. Tinha uma compreensão de mundo, uma visão política
nossa. O Partidão acreditava na democracia, nas três grandes bandeiras: anistia,
constituinte e liberdade democrática. Inclusive, não sei como é que está hoje. O Dunga
tentou recuperar esse nosso material, camisas, cartazes, era um material riquíssimo. Todas
as campanhas nossas a gente ia pro DCE, o Stan pintava, ele escrevia muito bem. Não
tinha gráfica, não tinha nada, era tudo na mão. Era tudo muito colorido, tinha uma estética
muito interessante. O Fernando vem depois, ele era da turma da Geisa, e depois foi pro
Centro de Artes, não quis fazer medicina e foi fazer artes. O Fernando é uma boa referência,
tem uma memória boa também. O Ernesto também, se tiver tempo. Ele está na Petrobrás,
mora ali coladinho com a Pedra da Cebola.
Enquanto os outros grupos pregavam a guerrilha urbana, rural, o Guilherme depois virou
nosso amigo, ele vinha pra cá, queria porque queria fazer umas bases aqui, a gente
segurava. A gente achava que tinha que disputar voto, espaço no parlamento, o parlamento
343
burguês, com uma visão de mundo que não era a nossa visão... O Partidão pregava isso, a
democracia como valor universal, disputar espaço. Por isso nós vamos para o MDB, até
porque a gente tinha que se filiar para ter força nos partidos, filiamos em março...
M - Você lembra exatamente o ano que você se filiou?
Deve ter sido, possivelmente, em 78, quase com toda certeza... e o intenso mesmo foi a
participação na eleição do Paulo Hartung em 1982. Não era ele o candidato... Vocês sabem
disso?
M - Em parte...
AT - Não era ele, era Fernandão, Laurinho... Acho que Laurinho depois Fernandão, depois
chegou a ele, acho que Fernandão conta essa história melhor porque eu não tenho ela na
cabeça...
M - Tinha uma chapa formada em 1982. Você estava filiado, participou desse
processo?
AT- Participei, mas nem sempre a gente está por perto de tudo ou a gente estava mas
aquilo não foi tão... Depois me vem à cabeça a campanha do Paulo que a gente fez em 82,
foi feita no muque. Em uma noite a gente sai de noite ali da pracinha de Maruípe com
cartazes, cola, subíamos o mais alto possível, para ninguém tirar, e fomos parar lá na
rodoviária. No alto, no morro... A gente acreditava muito nisso. Eu me lembro muito da
convenção do MDB em 1982 que escolheu o Camata. Os poucos votos que a gente tinha
dentro do partidão foram importantes, porque estava naquele racha Camata, Max...o
Colégio do Carmo era o local, como é o Álvares hoje pra gente, o Colégio do Carmo era o
espaço...
M - Então vamos falar um pouco da história do Camata. O Camata viu o potencial de
vocês, ou foi ao contrário?
AT- Foi um pouco das duas coisas. Ali tinha uma parte da situação política que eu não
participava diretamente, eu estava dentro da Universidade. O Paulo Hartung estava fora. Eu
estava fazendo a transição acadêmica, pensando na residência e ainda administrando um
pouquinho o movimento estudantil. Naquela época tinha o satanismo, Camata, Arena,
aquela coisa. A gente não achava isso. A gente achava que o Camata podia ser importante
para o Estado, independente de qualquer coisa. Como foi o Élcio, eram democratas e daí
essa aposta, pelo menos no que eu entendia, do nosso movimento, da nossa ação. Eu acho
que foi as duas coisas. Eu acho que Camata nos enxergou também, ele abriu espaço e a
gente percebeu isso da mesma forma.
344
M - Então a chapa de composição do PMDB você também não acompanhou tão de
perto, não é?
AT- Sim. Há pessoas que podem falar melhor, eu estava ainda dentro da universidade, não
mais no movimento estudantil, porque estava acabando. Estava cuidando da vida
acadêmica, fiz residência dois anos lá dentro, então eu acompanho de dentro o que
aconteceu depois, com muita tristeza, o que aconteceu com o movimento. Mas isso foi
nacional, mundial. Muita porra-louquice, muito esquerdismo, coisas absolutamente sem
conteúdo, sem proposta, o niilismo, o reformismo. Balão Mágico virou uma coisa muito sem
controle. Mas aí tem um momento interessante de quando a gente vai pro Rio receber
Prestes. Já havia uma discussão acumulada, de desencanto, essa coisa de União Soviética,
a gente já entendia...
M - Como foi a saída do Partidão, como que vocês foram se desligando aos poucos?
AT- Quando o grupo começa a ter contatos fora, discutir a questão da União Soviética,
porque lá atrás a gente achava que era o que tinha protagonismo no mundo e não era nada
disso. Era um totalitarismo, um movimento fechado. A gente apostava muito no Prestes
também, mas quando fomos receber ele no Rio nós vimos que era uma figura lendária
importante, mas estava muito atrasado, muito atrás... Isso gerou uma certa desilusão e o
movimento estudantil também perde a importância. Logo depois vem o movimento das
Diretas, perde o foco...
M - Por que a eleição de 1982 foi tão expressiva para esse grupo?
AT- Acho que canalizou muito desse nosso trabalho. Da crença, da coerência. A gente foi
muito respeitado. Mesmo os que eram contrários nos respeitavam muito. E também pelo
enraizamento desses movimentos, que eram bem participativos e bem mobilizadores,
envolvedores. Por mais que a gente se separasse um pouco da militância, da
clandestinidade, nós estávamos sempre muito próximos às coisas, envolvidos,
participando... você vê pelo negócio da Usina Nuclear, da enchente, dos movimentos
cultural, artístico e esportivo. Nessa época nós fomos campeões do JUNES, futebol, quer
dizer, participava... Não era uma coisa sectária, à margem.
M – Você saiu junto com o grupo do PMDB para ir para o PSDB?
AT- Não. Eu fui me afastando, fiz a residência e fui me afastando e cuidar da minha vida.
Fui para o Sindicato, aliás. O presidente era o Nilton Baiano. Eu e Ernesto Negris não
queríamos ficar na chapa, ficamos lá no conselho fiscal, trabalhamos, eu lembro que
organizamos um desfile dos mestres na UFES, foi muito legal, mas eu também não gostei
345
dos métodos, tinha pouco espaço livre... aí eu não entrei para o PSDB. Aí eu volto na
Prefeitura. Eu estava afastado, fazendo esporte, cuidando da minha vida. Minha militância
era essa: trabalho profissional e esporte. Eu volto em agosto a outubro de 1993. Começo
como sub-secretário do Lelo. Aí o Lelo sai e eu viro secretário. Aí 8 anos e meio na
prefeitura de Vitória.
M - Você acompanhou a composição da eleição de 1992, que transformou Paulo
Hartung em prefeito?
AT- Não. Eu estava fora da política, à margem... Eu entrei na campanha bem no final dela,
quando as coisas estavam apertadas. Eu apoiava, mas ficava distante. Aí no final eu entrei.
M - Como você define a sua geração?
AT- A minha geração enxergou o mundo e falou "nós temos que melhorar isso!". Não
economizou em nada, mandou bala. Foram anos absolutamente intensos. É difícil explicar
para as pessoas o que a gente fazia, isso é louco. Não tinha tempo ruim... Era um trabalho
muito ó... Eu fui líder de turma, a gente tinha departamento de poesia, de esporte,
acadêmico. Fui de departamento, fui do Conselho de Ensino e Pesquisa, presidente da
atlética, presidente do Diretório Acadêmico, presidente do DCE... eu nunca quis ser
presidente do diretório acadêmico então compunha a chapa. A gente conhecia a Ufes como
se fosse a palma da mão, sala por sala. De noite, de madrugada... O Renato lembra, a
nossa comunicação era interessante. A gente ia além de soltar os informativos, a gente
bolou um negócio muito interessante de comunicação muito prática, esse aparato todo que
a gente fazia, os mosquitinhos que a gente soltava... Iá no RU, subia nas cadeiras e
mandava bala! Comunicação direta, muito próxima às pessoas, muito próxima. Outro dia eu
estava vendo, nos 30 anos da Rede Gazeta, o bar lá do Centro Biomédico... Rose de Freitas
eu não tenho certeza, mas o Ruy Crespo sim... As minhas primeiras entrevistas foram lá
naquele bar, logo no início da Rede Gazeta. E marcou isso na UFES. Você pode ir na Ufes
e os funcionários se lembram até hoje, chamam para jogar bola, era um negócio muito forte,
marcou muito... Era uma visão pragmática, muito racionalismo, era muito pensado mas
fazíamos. Eu vi as primeiras assembléias do PT lá dentro da Ufes. Quando rachou ali...
Eles aproveitaram o embalo e fizeram o movimento... Muito oportunismo, muita inverdade,
muita fofoca... qualquer semelhança com o mundo atual... mundo de hoje...
ANEXO F - QUADRO DA TRAJETÓRIA POLÍTICA DOS ENTREVISTADOS
Data 1978 1979 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993
Fato
Abertura
DCE
Eleições
Gerais -
Governador,
senador,
Dep. Federal,
Dep.
Estadual,
Prefeitos (
exceto das
capitais) e
vereadores
Eleições
municipais
para Prefeitos
das capitais e
municípios de
segurança
nacional
Eleições
Governador,
Senador,
Dep. Federal
e Dep.
Estadual.
Eleições
extraordinária
s do
município de
Vila Velha
Eleições
Municipais –
Prefeitos e
vereadores
de todos os
municípios.
Eleições para
Presidente da
República
Eleições para
governador,
Dep. Federal
e Dep.
Estadual.
Eleições
Municipais –
Prefeitos e
vereadores
de todos os
municípios.
Governo
Camata
Governo
Camata
Governo
Camata
Governo
Camata
Governo Max
Mauro
Governo Max
Mauro
Governo Max
Mauro
Governo Max
Mauro
Governo
Albuíno
Governo
Albuíno
Governo
Albuíno
Paulo
Hartung
Movimento
Estudantil
Presidente
DCE
Elege
Deputado
Estadual
PMDB
Deputado
Estadual
PMDB
Deputado
Estadual
PMDB
Deputado
Estadual
PMDB
Elege
Deputado
Estadual
PMDB
Deputado
Estadual
PMDB
Deputado
Estadual
PSDB
Deputado
Estadual
PSDB
Elege
Deputado
Federal
PSDB
Deputado
Federal
PSDB
Elege
Prefeito
Municipal de
Vitória
Prefeito
Municipal
Neivaldo
Bragato
Movimento
Estudantil
Tesoureiro
DCE
Secretário
Finanças da
Serra
Diretor do
Diário Oficial
do Estado
Diretor do
Diário Oficial
do Estado
Diretor do
Diário Oficial
do Estado
Subsecretário
Estadual da
Fazenda
Subsecretário
Estadual da
Fazenda
Subsecretário
Estadual da
Fazenda
Subsecretário
Estadual da
Fazenda
Subsecretário
Estadual da
Fazenda
Subsecretário
Estadual de
Planejamento
Secretaria
Municipal da
Fazenda
Stan
Stein
Movimento
Estudantil
Presidente
DCE
Elege
Vereador
Vitória
PMDB
Vereador do
Município de
Vitória
Vereador do
Município de
Vitória
Vereador do
Município de
Vitória
Vereador do
Município de
Vitória
Vereador do
Município de
Vitória
Elege
Vereador
segundo
mandato
Vereador do
Município de
Vitória
Vereador do
Município de
Vitória
Vereador do
Município de
Vitória
Welligto
n
Coimbra
Movimento
Estudantil
E comitê
estadual do
PCB
Residência
médica em
São Paulo
Medico
Sanitarista
Séc. Estadual
Subsecretário
Estadual de
Saúde
Subsecretário
Estadual de
Saúde
Subsecretário
Estadual de
Saúde
Secretário de
Saúde
Administraçã
o Paulo
Hartung até
1995
Robson
Leite
Movimento
Estudantil
Secretario
parlamentar
do Dep.
Paulo
Hartung
PMDB
Secretario
parlamentar
do Dep.
Paulo
Hartung
Secretario
parlamentar
do Dep.
Paulo
Hartung
Secretario
parlamentar
do Dep.
Paulo
Hartung
Secretário de
serviços
urbanos da
PMV
administração
Hermes
Laranja
Secretário de
serviços
urbanos da
PMV
administração
Hermes
Laranja
Assessor
Legislativo
Federal do
Dep. Paulo
Hartung
Assessor
Legislativo
Federal do
Dep. Paulo
Hartung
Assessor
Legislativo
Federal do
Dep. Paulo
Hartung
Assessor
Legislativo
Federal do
Dep. Paulo
Hartung
Anselmo
Tozi
Movimento
Estudantil
Carreira de
medicina
Subsecretário
municipal de
saude
Assume a
secretaria
Municipal de
saúde em
1995
César
Colnago
Movimento
Estudantil
Moviment
o
Estudantil
Movimento
Estudantil e
popular
Movimentos
populares
PMDB
Carreira
profissional e
movimentos
populares
Carreira
profissional e
movimentos
populares
Carreira
profissional e
movimentos
populares
Carreira
profissional e
movimentos
populares
Carreira
profissional e
movimentos
populares
Carreira
profissional e
movimentos
populares
Elege
vereador de
Vitória
Secretário do
Meio
Ambiente
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