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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Júlia Bernardo Dojas
Cenários de aprendizagem integradora: experiências com as
rodas de diálogo
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Júlia Bernardo Dojas
Cenários de aprendizagem integradora: experiências com as
rodas de diálogo
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Educação: Currículo, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo sob a
orientação da Profa. Dra. Marina Graziela
Feldmann
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Dedico este trabalho às borboletas irmanadas,
vó Janda e tia Andréa
A QUEM AGRADEÇO
Aos meus pais,
pela concretização de sonhos;
À minha família,
pelos momentos plenos de magia;
Aos meus amigos,
pela con-vivência;
Ao Dagan,
pela ordem no caos e o caos na ordem;
Aos mestres,
pela maturidade constante;
Aos músicos, artistas, poetas e escritores,
pela simples existência do belo...
RESUMO
Trata-se da análise sob as Rodas de Diálogo serem concebidas enquanto
estratégias para uma aprendizagem integradora. A pesquisa traz a experiência
com Diálogo e outras atividades lúdicas e artísticas para a formação integral
dos alunos da Aldeia do Futuro. As Rodas de Diálogo, enquanto estratégias de
aprendizagem integradora, foram observadas sob perspectiva de promoverem
conexões, consigo mesmo, com os outros e com o meio. Os participantes da
pesquisa são jovens, de faixa etária entre 14 e 20 anos, moradores do bairro
de Americanópolis e região.
Todo o aporte teórico foi estruturado por estudos sobre a complexidade e
os conceitos de aprendizagem integradora. Por sua vez, compromissados com
o processo de construção ambientes de aprendizagem harmônicos e
saudáveis, onde o espontâneo expressar é reverenciado e a inteligência
coletiva é estimulada.
Palavras-chave: complexidade; cenários de aprendizagem; aprendizagem
integradora, transdisciplinaridade.
ABSTRACT
It is about the analysis under the Circles of Dialogue being conceived as
strategies for integrator learning. The research brings the experience with
Dialogue and other playful and artistic activities for the integral formation of
students of Aldeia do Futuro. The Circles of Dialogue, as integrator learning
strategies, were observed under the perspective of promoting connections, with
oneself, with the others and the environment. The participants of the research
are teenagers, between 14 and 20 years, inhabitants of the quarter of
Americanópolis and region.
The theory was structured by studies on the complexity and the concepts
of integrator learning. In turn, agreeing with the process of learning construction
surrounding harmonic and healthy, where the spontaneous expression is
respected and the collective intelligence is stimulated.
Keywords: complexity, learning scenarios, integrator learning,
transdisciplinary education
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO. P-TEXTOS DE UMA METAMORFOSE: AQUI COMEÇA A METÁFORA DA
TRANSFORMAÇÃO………………………………………………………...…….……...01
I. Origem do problema. Faço, desfaço, refaço……….............…...........….....…05
II.Problema de pesquisa. Materialidade e sutilezas: o fazer científico diante do
mistério…………………………………………….…………………………..…...…15
III.Objetivos de pesquisa. A jornada dos sentidos: tecendo fios de ciência com
essência…………………............................................................……..………....19
IV.Delimitação do corpus de análise. A jornada dos sentidos: as direções
essenciais do caminhar……………....................................................………….21
V.Relevância científica, social, cultural e ambiental. A jornada dos sentidos: dar
passos constantes, firmes………………………….......................……………….23
VI.Marcos teóricos. Nunca estamos sozinhos...………………………………….27
VII.Movimentos metodogicos. O caminho é percorrido pela órbita da
espiral………………………………..........................................................…....…30
VII.I.Contexto da pesquisa……….……..…………………………………..39
VII.II.Estrutura da pesquisa: a espiral com suas fases.................….…..40
VII.III.Quanto às categorias de análise…….……………………………...42
I SOBRE A APRENDIZAGEM. A CRISÁLIDA: ESTADO INTERMEDIÁRIO DA
TRANSFORMAÇÃO………….............................................................………………44
1.1. Sobre aprendizagem significativa. No casulo a lagarta desfruta de seu
estado líquido…………………………………………..………………………...…..47
1.2. Sobre aprendizagem experiencial. No casulo a lagarta liqüefeita é
expressão genuína de vir-a-ser…….……………...……………………………….58
1.3. Operadores cognitivos da complexidade. Formas, cores e contornos: o
conteúdo do casulo vai se transformando……..………………………………….70
1.4. Estratégias para criação de cenários de aprendizagem integradora. E de
repente, as asas rompem o casulo………………………………………….……..78
II - SOBRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA COMPLEXIDADE. A EXPRESSÃO DE DE
LEVEZA DAS ASAS, A DELICADEZA DO VÔO…….………………………………………86
2.1.Sobre a complexidade. De larva liquefeita aos rodopios da
borboleta...................…………………………………………...............................87
2.2.Sobre Géia e sobre nós mesmos. É a cor que tem cor na asa da
borboleta…………………………........................………………………………….98
2.3.Sobre valores. Vôos por jardins incertos: valores desenhados ao
vento……………………………………………………………………………...….103
2.4.Sobre a educação que transcende a soma das partes. Uma flor é mais que
a soma de suas pétalas……………………………………………………………110
III A PESQUISA PROPRIAMENTE DITA. A DANÇA EM BUSCA DE NÉCTAR E OUTROS
VÔOS POR JARDINS................………………….............................……………….113
3.1.Sobre a experiência em sala de aula. Saídas polinizadoras……………...115
3.2.Análise das categorias. A dança da integração: práticas e teorias
juntas………………………………………………………………………….……..120
3.2.1.A conexão consigo…………………………………………………...121
3.2.2.A conexão com o outro………………………………………………129
3.2.3.A conexão com o meio………………………………………………134
SÓ PARA FINALIZAR, MAS NÃO CONCLUIR. ENFIM, O RECOMEÇO…………………...142
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................….146
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: quanto as noções entrecruzadas da pesquisa-ação…………..……...35
Figura 2: a teoria do desenvolvimento da aprendizagem experiencial………...61
Figura 3: base da pirâmide da teoria da aprendizagem experiencial…………..62
INTRODUÇÃO
Antes de mais nada, algumas palavras para situar o leitor no universo
desta pesquisa. Primeira coisa a ser feita para iniciar a leitura: procure sentar-
se de maneira confortável. Nada de coluna torta e cadeira dura. Se houver luz
do sol, tente aproveitá-la. Deixe as pernas e os braços leves, soltos. Como está
a atividade mental? Preocupado, nervoso, tenso, aflito? Essas atividades
mentais não o ajudarão a encontrar conforto e prazer na leitura. Se quiser,
feche os olhos por alguns instantes e concentre-se na sua respiração. Sua
respiração é calma ou agitada? O ar está preenchendo seus pulmões?
Para que se preocupar com isso? Ora, simplesmente, para que o ato de
ler este trabalho não seja uma obrigação tediosa e enfadonha. Para que seja
um momento em que você, leitor, possa também se divertir e relaxar. E de que
mais você precisa neste momento?
Muito bem. Postura confortável, cadeira macia, luz suficiente… Do que se
trata esta pesquisa?
A idéia central deste trabalho foi estudar e desvelar as estratégias das
Rodas de Diálogo a serem concebidas enquanto estratégias para uma
aprendizagem integradora. O locus da pesquisa foi a Instituição Aldeia do
Futuro, uma organização social, sem fins lucrativos, que tem como objetivo
profissionalizar e educar jovens e mulheres, contribuindo para a formação de
1
P-TEXTOS DE UMA METAMORFOSE:
AQUI COMEÇA A METÁFORA DA
TRANSFORMAÇÃO
cidadãos plenos e responsáveis, mostrando-lhes oportunidade de construir um
futuro melhor.
Durante a produção escrita preocupei-me em fazê-la buscando dar
sentido ao que é proposto: legitimar as múltiplas dimensões que nos forma
humanos. Então, é esta a razão de ser dos poemas, imagens e cores que o
leitor encontrará nas páginas seguintes. Tomei também o cuidado de propiciar
uma experiência de leitura que integre e estimule os diferentes sentidos do
leitor. Considerei o exercício de busca por poemas e imagens uma estratégia
para humanizar o texto escrito.
Preocupei-me ainda, ao escrever e vivenciar esta pesquisa, com o sono
do leitor, e com o meu próprio, que lerei tantas vezes este trabalho. Mais
uma vez, a justificativa das cores, das imagens, dos versos e poemas. Assim
como aprender deve ser gostoso, o leitor deve ser respeitado ao ler as linhas
que compõem esta obra. Zelei para que a leitura seja algo gostoso, prazeroso
e, na medida do possível, confortável.
Zelei também para manter e respeitar a tonalidade e rigor científico. Afinal
de contas, este trabalho se trata de uma pesquisa acadêmica. O aprendizado
foi saber encontrar a medida da integração entre meu livre expressar e o rigor
científico.
A metáfora da transformação desenvolvida nesta pesquisa consiste em
meu próprio processo de amadurecimento e desenvolvimento pessoal e
espiritual. Ao buscar por uma metáfora que conduzisse toda a construção do
trabalho, borboletas intuitivas fizeram vôos em meu pensar. Sim, como poderá
observar, todos os capítulos foram construídos em harmonia com as fases da
metamorfose, que no fundo correspondem às minhas próprias transformações;
da formação da crisálida à abertura das asas, correspondem à essência de
meu processo de amadurecimento.
2
Não obstante, a realização das práticas deste projeto - as Rodas de
Diálogo - foi premiada como finalista do Prêmio Betinho de Ações em
Cidadania. Os projetos finalistas foram homenageados no dia 11 de agosto de
2008, na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Ser finalista deste prêmio foi
um importante reconhecimento e incentivo por meu trabalho.
QUANTO ÀS BORBOLETAS...
O dicionário de símbolos
1
diz que a
borboleta representa a transformação, o
renascimento, um novo começo. Na psicanálise
moderna, a borboleta simboliza o renascimento.
O termo grego psyche tinha originalmente dois
significados. Um era alma e o outro, borboleta,
que simbolizava o espírito imortal. Na mitologia grega, a personificação da
alma é simbolizada por uma mulher com asas de borboleta. Também segundo
as crenças gregas populares, quando alguém falecia, o espírito saía do corpo
em forma de borboleta.
Essa metáfora da transformação e da jornada da alma que toma forma de
borboleta foi acentuada durante a produção escrita desta pesquisa. Vida e
morte, transformão, renascimento e recomeço o inquietões que
tonificaram a construção deste trabalho. As borboletas voaram intuitivamente
em meu pensar no início da produção do trabalho. A vivência de alguns
eventos mágicos com minha família no momento de construir este texto me fez
compreender melhor por que essa metáfora me acompanharia nesta jornada.
Essa metáfora ajudou a compreender que vida e morte podem ser aceitas
como ligeiras, delicadas e leves manifestações, assim como um bater das asas
de uma borboleta.
A expressão da borboleta enquanto alma está presente em diversas
culturas e tradições do mundo, dos iranianos aos balubas, no Zaire, dos
3
1
www.dicionariodesimbolos.com.br. Acesso em 03/10/2008.
Artefato Nipônico
A borboleta pousada
ou é Deus
ou é nada.
Adelia Prado
cristãos aos astecas. Segue abaixo um pequeno conto, retirado do dicionário
de símbolos:
Um conto irlandês chamado Corte de Etain simboliza a borboleta
como a alma liberta de seu invólucro carnal, como na simbologia
cristã. No conto o deus Miter se casa pela segunda vez com uma
deusa chamada Etain, e por ciúmes, sua primeira esposa,
transforma-a em uma poça de água. Após algum tempo, a poça
vida a uma lagarta que se transforma em uma linda borboleta. Mider
e Engus (filho de Dagda) recolhem a lagarta e a protegem. "E essa
lagarta se torna em seguida uma borboleta púrpura.(...) era a mais
bela que houve no mundo. O som de sua voz e o bater de suas
asas eram mais doces que as gaitas de foles, as harpas e os cornos.
Seus olhos brilhavam como pedras preciosas na obscuridade. Seu
odor e seu perfume faziam passar a fome e a sede a quem quer que
estivesse cerca dela. As gotículas que ela lançava de suas asas
curavam todo o mal, toda doença e toda peste na casa daquele de
quem ela se aproximava. O simbolismo é o da borboleta, o da alma
liberta de seu invólucro carnal, como na simbologia cristã, e
transformada em benfeitora e bem-aventurada.
A borboleta também é símbolo da complexidade, por sua representação
de transformação. Consistiu no símbolo do 3º Congresso Internacional de
Transdisciplinaridade, Complexidade e Ecoformação, realizado em Brasília, em
setembro de 2008.
Por aportes teóricos na complexidade, mais uma vez, a metáfora da
borboleta fez sentido.
As imagens de metamorfose utilizadas
são aquarelas de Maria Sybilla Meriaen, artista
e naturalista alemã que viveu no século XVII.
As observações e documentações de Meriaen
detalham aspectos da metamorfose da
borboleta, tornando significativo seu trabalho
por se tratar de um dos primeiros registros
históricos de metamorfose, embora ainda não
fosse bem conhecida. Assim como Meriaen diz que se retirou da sociedade
para devotar suas investigações à metamorfose dos insetos, também fiz da
produção escrita momentos de afastamento e isolamento. A diferença foi que
meu isolamento foi para investigar minha própria metamorfose ao ir compondo
as linhas que deram corpo a esta pesquisa.
4
Eu coletei todas as lagartas que
pude encontrar a fim de estudar
suas metamorfoses.
Eu, portanto, me retirei da
sociedade e me devotei a essas
investigações.
Maria Sybilla Meriaen, aos 13
anos de idade
I. ORIGEM DO PROBLEMA
Certo dia, em um dos trabalhos que realizei como voluntária da
Associação Palas Athena com deos Diálogos para adolescentes da
Fundação Casa, estava presente no grupo um inquieto garoto. Sua inquietude
era quanto aos porquês das situações que eles, por serem internos e
infratores, enfrentavam. Diferente dos demais por sua postura questionadora e
inquieta, fato não tão comum, porém que muito me cativou, esse garoto a todo
tempo lançava comentários, com tonalidade firme na voz e expressão diretiva
no olhar. Até que, durante nossa conversa com todo o grupo, tal garoto me
atirou para a escuridão incerta da amplitude de uma boa e certeira pergunta. A
questão colocada foi muito simples, porém, nem por isso foi simples a
resposta: “o que a senhora
2
veio fazer aqui?”
Se pudesse ter me lançado para fora de mim mesma naquele momento,
a imagem que veria seria como a daqueles artistas que fazem performances de
estátuas-vivas, tamanha foi minha imobilidade e congelamento diante do tiro
certeiro da pergunta. Excitei de susto, estremeci. Fechei os olhos, busquei
encontrar, num mergulho vertiginoso, durante alguns giros de ponteiros dos
segundos do deus Kronos, algumas palavras que significassem algo como
“resposta”. Durante esse ligeiro mergulho na escuridão, a pergunta foi
reverenciada.
5
2 Apesar de não me sentir nem um pouco “senhora”! Sempre que possível, comunico-lhes
sobre o desnecessário uso desse pronome de tratamento. Nesse mesmo dia, disse-lhes que
não precisavam me chamar de “senhora”, e, com a mesma firmeza na voz, o mesmo garoto da
narrativa acima me disse que são treinados ele e os demais internos a usarem tal pronome
ao se dirigirem aos outros. E neste caso, questionou-me como eu poderia lhes permitir tal
iniciativa.
FAÇO, DESFAÇO, REFAÇO...
E t e n d o p r e s e n t e t o d a m i n h a
espontaneidade e sinceridade, a resposta pulou
para fora dos meus lábios, porém conectada à
linha que a liga ao espaço dos afetos:
– “Não sei!”
Não sei, resposta espontânea. E mais:
todo dia medito sobre essa pergunta como
sagrado exercício diário. Nenhuma resposta
parece ser suficientemente sábia a fim de
colocar um ponto final. Essa pergunta se
transformou em minha bússola norteadora.
Creio que esse garoto não sabe quão vital foi
para mim seu questionamento. Creio que,
talvez, ele não tenha noção da profundidade do
mar interior a que ele me arremessou.
Expresso, com transparência d`alma, gratidão
por ainda flutuar nesse escuro azul de oceano
à procura do tesouro inédito e (in) existente de
uma resposta.
Minha trajetória enquanto educadora pode se traduzir pelas mágicas
palavras do poeta Antonio Machado, que clareia nosso percurso ao nos dizer
que “Caminhante, não há caminho, apenas trilhas sobre o mar.”
A faculdade de Turismo que cursei pouco atendeu às minhas
necessidades e anseios pessoais. Não me interessava muito pelas disciplinas,
pela turma, praticamente por nada. No fundo, sabia que aquele não era meu
espaço, em termos profissionais, pessoais, cognitivos, afetivos. Ouso dizer que
ali não sentia nenhuma empatia e identificação. Porém, por imaturidade, talvez,
não sabia a que poderia dedicar meus estudos. O mercado profissional do
turismo pouco me seduzia; achava tudo muito “vazio”, técnico e subordinativo.
6
Astrologia
Minha estrela não é a de
Belém:
A que, parada, aguarda o
peregrino.
Sem importar-se com
qualquer destino
A minha estrela vai
seguindo além...
- Meu Deus, o que é que
esse menino tem? -
suspeitavam desde eu
pequenino.
O que eu tenho? É uma
estrela em desatino...
E nos entendemos muito
bem!
E quando tudo parecia a
esmo
E nesses descaminhos
me perdia
Encontrei muitas vezes a
mim mesmo...
Eu temo é uma traição
do instinto
Que me liberte, por
acaso, um dia
Deste velho e encantado
Labirinto
Mario Quintana
E por compreender minha natureza inquieta, percebo hoje que o que chamo de
“vazio” é a falta de profundidade conceitual e desafios cognitivos que o curso
apresentava.
Todavia, não foi de todo ruim. Posso agora ver mais claramente quão
valioso foi esse primeiro contato com a academia. Identifico que foi nessa fase
que, quanto à minha direção e trajetória vistas em linhas cartográficas, ocorreu-
me um dos meus primeiros “estalos” de consciência. Foi um despertar de
encontro àquilo que de fato me aquece o coração. Ao me localizar nessas
linhas cartográficas, pretendo explicar o passado, no entanto, sem que ele seja
a justificativa do meu presente, ou futuro. É o que Maturana (2004, p. 13) diz
em relação aos processos históricos, visto que eles não ocorrem como se o
futuro fosse causa do passado ou do presente. O futuro é um resultado que
surge não necessariamente porque é necessário, vantajoso ou benéfico, mas
porque simplesmente assim ocorreu.
Retomando a narrativa, no terceiro ano da faculdade, fizemos uma
viagem para o Parque Ecológico e Turístico do Alto Ribeira PETAR,
organizada pela ONG Physis Cultura e Ambiente, instituição pertencente ao
então professor Zysman Neiman, que ministrava a disciplina de Ecoturismo. O
PETAR é um verdadeiro santuário de cavernas, e ao adentrar aqueles
santuários silenciosos e sombrios, fiz uma viagem à escuridão de minhas
próprias e inexploradas cavernas. Foi então que, coberta de sentido, a
reveladora surpresa se materializou em palavras, não ditas, mas expressas no
pensamento: é com isto que quero trabalhar! Quero conduzir grupos em
ambientes naturais. Foi uma intuição que, mesmo hoje, posso recordar em
memória corporal.
E se o poeta Antônio Machado existência às “trilhas sobre o mar”,
devo expressar que os primeiros passos na minha experiência com educação
foram dados em silenciosas trilhas sobre o solo arenoso da Terra. Os sapatos
ficaram lambuzados de barro, grãos de rochas desgastadas e muita matéria
orgânica.
7
As experiências com a Natureza despertaram-me não com sinos
estridentes, mas com afetuoso e perfumado sussurro penetrando nos meus
ouvidos, a um irrecusável convite para que me envolvesse, sincera e
compromissadamente, nos trabalhos destinados a conduzir os processos
educativos dos seres humanos. E quando dei por mim, eis que aqui estou...
Está vivo na memória do corpo o estado de beleza, quietude,
encantamento e alegria que senti ao entrar, pela primeira vez, em uma trilha
conduzida por atividades do método da Sharing Nature Foundation
3
. Outra
intuição se fez, então! Posso relembrar com facilidade a profundidade do
estado interior contemplativo que tive durante aquela experiência com a
Natureza.
Na ocasião, eu era aluna do curso de especialização em Ecoturismo pela
Faculdade Senac de Turismo e Hotelaria. O passeio consistia em uma aula
cnica conduzida pela professora Rita Mendonça responsável pela
representação da Sharing Nature no Brasil, desde 1996. Naquele momento de
caminhada e amplitudes mentais, emocionais e espirituais, senti forte
admiração e reverência pelo trabalho, e por observar o meu processo de
surpresa e encanto durante os passos dados na trilha, pude perceber o quanto
nossa espécie humana está carente de experiências afetivas com a Natureza.
Ao me dar conta de minha carência dessas experiências, dei-me conta também
da necessidade de tantos outros seres humanos.
Alguns meses se passaram desde essa experiência e, como corajosas
formiguinhas, iniciamos em 2003 o dedicado e delicado trabalho de criação da
Associação Brasileira de Vivências com a Natureza Instituto Romã, para
difundir esse método de trabalho de forma institucionalizada no país.
8
3
É uma fundação de origem norte-americana dedicada ao desenvolvimento e difusão de
atividades facilitadoras da interação dos indivíduos com a Natureza. Foi fundada pelo professor
Joseph Cornell em 1979, que é também o autor das atividades e da proposta metodológica
para o emprego dessas atividades. Fonte: www.institutoroma.org.br
Os projetos do Instituto Romã são fundamentados na ampliação da
percepção dos sentidos por meio de experiência afetiva com a Natureza. Trata-
se de um trabalho complementar à educação formal, em que são considerados
elementos importantes no processo de aprendizagem os sentimentos,
pensamentos e intuições. As Vivências com a Natureza podem fazer emergir
um profundo encantamento e reverência pelo que é vivo, pela complexidade
das interações naturais, pela vida.
uma tendência cultural em nossa sociedade, que tenho observado em
meu viver, em valorar mais os bens materiais e o que nos é externo, do que as
relações interpessoais e a convivência harmônica com os seres vivos e não
vivos com os quais compartilhamos este planeta. Percebo que menos
valores culturais em trabalhar aspectos invisíveis dos relacionamentos, o
subjetivo, o sensível: primeiro, considera-se que deve ser tratada a questão da
emissão de poluentes no ar, e depois a crise do coração humano. Qual será
a nossa prioridade?
Krishnamurti (1980, p.66) recorda que “um rio não é sempre o mesmo; as
margens variam, podendo a água ser usada para fins industriais ou outros
quaisquer, continuando, entretanto, a ser água.” Sendo assim, o autor convida
a refletir sobre o porquê de se separar a tendência a valorar mais os aspectos
do mundo exterior do que do mundo interior. os que priorizam os aspectos
tecnológicos, relativos ao mundo perfeito, onde se encontra conforto, abrigo,
roupas. Por outro lado, os que valorizam os aspectos interiores, o que os
torna isolados, egocêntricos, aéreos, obedientes às suas próprias crenças e
dogmas. A separação existe, e a sabedoria está em saber integrá-las.
Diante dessa reflexão, meu desejo é elaborar um estudo sobre a criação
de cenários de aprendizagem integradora por meio das estratégias a que tenho
me dedicado estes anos - o Diálogo, as Vivências com a Natureza - assim
como enriquecer minha prática por meio de estudos de outras atividades para
harmonização de grupo. A ousadia do desejo expresso não consiste em
9
elaborar um estudo com indicações de como salvar o planeta e a humanidade.
Creio que o planeta, enquanto organismo vivo, sabe como se salvar por si.
A ousadia está no desejo de cuidado: da
Terra, dos seres vivos e não vivos, das
pessoas, da vida. uma frase do monge zen
budista Tich Nat Han que diz: “A Terra estará
segura quando nós nos sentirmos seguros sob
ela.” Encontrar segurança no viver, desenhar
firmes passos dessa jornada humana é o
ousado exercício de cuidar da vida em totalidade, e com tal gesto, da vida
receber cuidados. O conceito vida é compreendido nessas linhas como um
incrível e muitas vezes inexplicável milagre, concebido graças ao esforço e
dançante energia de incontáveis seres há bilhões de anos-luz.
Além de ter participado das atividades de Vivências com a Natureza,
também sou educadora em Diálogo, trabalho que se iniciou na Associação
Palas Athena em 2003. O fundamento conceitual do Diálogo foi desenvolvido
pelo físico David Bohm e inspirado e construído a partir do pensamento do
pensador indiano Jiddu Krishnamurti. Os fundamentos filosóficos da
Associação Palas Athena são de profunda influência e inspiração na
concepção que tenho dos caminhos que conduzem a uma educação
acolhedora, integradora, pacífica, espiritualizada, transdiciplinar e
compromissada com a difusão da cultura de paz.
A partir das experiências em educação com as Vivências com a Natureza
e a prática do Diálogo, observo transformações no modo de me relacionar com
os outros, com o mundo e comigo. Percebo, em meu contínuo processo de
aprendizagem, que, pouco a pouco, minha conduta tem sido mais acolhedora,
afetuosa, leve e compreensiva. Considero coerente, sincero e orgânico que o
educador internalize, em sua intimidade, os princípios e práticas que almeja, e
assim atuar de modo incisivo na transformação das complexas e indesejáveis
atrocidades presentes na realidade do mundo. O grande líder pacifista
10
duas formas para
viver a sua vida: uma é acreditar
que não existe milagre. A outra
é acreditar que todas as coisas
são um milagre.
Albert Einstein
Mahatma Gandhi
4
diz que: Nós devemos ser a mudança que desejamos ver
no mundo.”
Ao me dedicar à criação de cenários de aprendizagem integradora que
possuem como matéria-prima valores, afetos e emoções, contradições e
conflitos, incertezas e razões, assumo a responsabilidade de, a todo o tempo,
estar atenta e reflexiva quanto às posturas que assumo em momentos
desafiadores. Para propor um estudo compromissado com mudanças de
paradigmas, faz-se coerente que exercícios de atenção e introspecção se
tornem fluidos imperativos para crescimento orgânico e maturidade vital do
educador.
A morada da prática e da teoria não se encontra somente na mente
humana, mas na totalidade do corpo: nos gestos, no toque, na fala, na escuta,
no olhar, no coração, na alma...
É vital o desafio do constante exercício de
autopercepção, embora muitas vezes possa
parecer assustador por propiciar terremotos, abrir
valas erosivas no plano das “certezas” pré-
concebidas. É ao mesmo tempo a energia
criadora e criativa que nos inspira ao arremesso
de novas e germinativas sementes.
Essas sementes destinadas a florescer
c o ns ol i da rã o u ma c ri ati va f l or es t a de
pensamentos, idéias, emoções… Assim, o conjunto de indivíduos, desfrutando
da autêntica interdependência e das potencialidades criativas e criadoras,
expressará a biodiversidade dessa jovem floresta de metáforas.
11
4
Gandhi, por meio de seu pensamento, sua busca pela Verdade e sua prática do Ahimsa (não
violência), mostra-nos a importância de inserir sua mensagem e exemplo de vida nos contextos
de aprendizagem.
Blanco
\
Me vejo no que vejo
Como olhar em meus
olhos
Com um olho mais
límpido
Me olha no que olho,
É minha criação
Isto o que vejo
Perceber é conceber
Águas do pensamento
Sou a criatura do que
vejo.”
Octávio Paz
A questão essencial desta pesquisa é, portanto, tratar da criação de
cenários de aprendizagem integradora, considerando que, inseridos num
espo-tempo, é possível construirmos, conduzirmos, refletirmos e a
transformarmos os valores que assumimos subjetiva e culturalmente na
dinâmica de nossas relações. A todo tempo, relacionamo-nos com os outros,
com nós mesmos e com o mundo.
Nossas ações, escolhas e posturas estão imbricadas com o emocionar,
com a estrutura de pensamento e com os conjuntos de valores culturais; num
processo dinâmico de interações contínuas pensamento, emocionar e valores
vão se auto-eco-organizando. Os conceitos de aprendizagem integradora e
de cenários de aprendizagem serão desenvolvidos na construção desta
pesquisa.
Configura-se então a necessidade de estudos que revelem e desvelem a
importância da criação de cenários de aprendizagem como espaços para
construção de valores compromissados com a difusão da cultura de paz,
exploração dos afetos e amorosidade, exercícios da inclusão do diferente o
terceiro incluído e acolhimento às contradições. E mais ainda, que esses
cenários legitimem a mudança de paradigmas, da nossa maneira de relacionar
e interagir com um todo maior – com a vida.
Boff (1999, p.103) diz que um novo paradigma surge do bojo de uma
grande crise, e uma vez emerso, transforma-se numa certeza cotidiana e
mergulha para o inconsciente coletivo. Olhar, compreender e criar ambientes
onde se reflita e se aprenda o sentido da convivência pacífica, afetiva, inclusiva
e harmônica tem sido minha problemática enquanto educadora de ambientes
de aprendizagem não-formal.
E nessa caminhada de inquietações e (in) certezas, descobri aquilo que
me aquece: escrever! Ao finalizar o trabalho de conclusão de especialização
em Ecoturismo na Faculdade Senac, comecei a assistir a aulas como ouvinte
em diferentes centros acadêmicos e de estudos. Estava motivada a iniciar meu
12
estudo de mestrado, mas ainda não estava muito segura em qual área. Assisti,
em 2005, a aulas de Filosofia da Educação na Universidade de São Paulo, de
Filosofia do Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Costumo dizer
que aprendi a gostar de estudar quando terminei a faculdade...
Na época, eu estava bem entusiasmada com o pensar filosófico, razão
pela qual eu acreditava ser a filosofia a área ideal para a concentração dos
meus estudos. Sempre via na homepage da PUC/SP a linha de pesquisa de
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, mas achava que estaria fazendo
um caminho da obviedade. Isso porque, na época, eu trabalhava no Instituto
Romã e sabia que complexidade e transdisciplinaridade eram as temáticas de
pesquisa de muitos educadores ambientais. De natureza que busca o
diferente, tinha o desejo de traçar um caminho de pesquisa por áreas
diferentes...
Sendo assim, mesmo sabendo da existência dessa linha de pesquisa no
Programa Currículo da PUC SP, não dirigi minha atenção a ela. Em uma
conversa com o professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, titular da USP, e
então professor das aulas a que assistia de Filosofia da Educação, compreendi
que não era bem o estudo de filósofos de que se tratava meu, então, desejo de
pesquisa. Nessa conversa, o professor José Sérgio me mostrou que se tratava
muito mais de olhar para práticas e estratégias de ensino do que desenvolver
trabalho de pesquisa em filosofia da educação.
Foi então que, num evento de educação na USP, havia livros da Editora
Vozes, e me chamou atenção o nome da autora do Pensamento Eco-
Sistêmico: Maria Cândida Moraes. Como meu costume na época era anotar os
nomes de professores com quem eu poderia entrar em contato solicitando
participação em aulas, tomei nota do nome dessa professora. Não me recordo
com precisão, mas creio que levei quase um ano para então entrar em contato
com ela.
13
No início de 2006, encontrei no meio de minhas anotações um pedaço de
papel com os nomes de alguns professores que eu havia registrado. Estava na
minha agenda do ano anterior, 2005. Ao atualizar a agenda do ano de 2006,
aquele pedaço de papel se abriu nas minhas mãos. Escrevi então um email
para os professores daquela lista. Para minha surpresa, a professora Maria
Cândida respondeu logo em seguida. Fiquei surpresa tanto com a agilidade da
resposta, quanto, e principalmente, com o tom afetivo e acolhedor da resposta.
Não tive dúvidas. Fui à PUC-SP para assistir às suas aulas. E mais uma vez,
surpresa: senti-me tão acolhida naquela sala que decidi que era com essa
professora que eu queria estudar. Sim, eu decidi e a escolhi.
O sentir acolhida foi tanto o sentir pertencente àquele grupo de pesquisa,
fato que desconhecia nos outros ambientes acadêmicos que freqüentava,
como acolhida pela teoria em si. A abordagem do pensamento complexo e eco-
sistêmico, no início de meu caminhar, fez-me sentir segura de que era esse o
sentido de minha busca de estudos. Encontrei o que buscava, mesmo ainda
não tendo muito claros os porquês dessa busca.
Retomando a fala do início deste item:
Não sei! Mas o garoto da narrativa apresentada no início sabia. Pelo
menos, foi o que disse após me questionar. Disse-me: “se a senhora não sabe
por que está aqui, eu sei. É porque a senhora acredita na gente. A senhora
acredita que podemos mudar.” Não posso discordar disso, e nem é esse o
caso. Acredito sim, na mudança do ser humano, na transformação da
sociedade, e este potencial de mudança é, ao me ver, estimulante e excitante.
sentido e confiança na narrativa do garoto ao me trazer essa resposta.
Entretanto, o fato é que a questão ainda não se esgotou, e desejo não prendê-
la ou mesmo eliminá-la numa única e conformada resposta. Se este é o espaço
destinado para me expressar sobre o que originou meu interesse pela
problemática que me proponho a pesquisar, confesso que novamente evoco
para compor nas linhas deste parágrafo a minha espontânea sinceridade: não
sei. Só sei que onde o coração canta, é para lá que eu vou…
14
II. PROBLEMA DE PESQUISA
Problematizar é questionar. E questionar é assumir postura curiosa e
inquietante quanto aos incômodos do viver. Porém, não é fácil manter-se calmo
e confortável diante da pergunta. Desejam-se respostas que acalmem.
Sustentar-se na pergunta é abrir-se ao incerto, ao obscuro, ao desconhecido. É
iniciar a jornada do mistério que revela a pergunta, que tanto os sábios como
os cientistas buscam decifrar em suas tentativas de compreender a realidade
material e sutil.
Nesse sentido, faço do meu questionar científico uma tentativa de
aproximar e integrar o ofício do cientista e do místico: integrar análise da
realidade que me é exterior aos sentidos interiores que me dão forma. Tal
postura ao fazer científico é inspirada na obra da filósofa e pesquisadora norte-
americana Renée Weber (1986) que, em sua carreira acadêmica, ministrou
cursos sobre Hinduísmo, Budismos e Plato. Weber, em sua obra “Diálogos com
Cientistas e Sábios”, publicada em 1986, extrai a relação entre simplicidade e
multiplicidade, entre universal e particular (1986, p. 27). O empenho da autora
foi em saber o que os cientistas e os sábios podem ensinar um ao outro.
Refletindo sobre o progresso da ciência, cheguei a uma conclusão
surpreendente, que lembra um pouco um koan zen. À medida que a
ciência vai resolvendo os enigmas, o mistério da natureza, ao invés
de diminuir, se aprofunda. Isso é tão ilógico quanto inesperado.
Quanto mais a ciência aprende, mais aumenta o mistério da natureza.
(WENER, 1986, p. 36-7)
A tonalidade de meu ofício de pesquisadora acadêmica é a de assumir
reverência diante do mistério da pergunta da problemática de pesquisa. Assim,
tanto para alguns cientistas como para alguns místicos, a matéria é um
15
MATERIALIDADE E SUTILEZAS: O FAZER
CIENTÍFICO DIANTE DO MISTÉRIO
mistério. “O cientista faz a matéria densa dançar para produzir energia pura, o
místico - senhor da matéria sutil - dança ele próprio” (WEBER, 1986, p. 36).
Por trás da tendência intelectual manifestada pelos grandes criadores
da ciência, uma força mais profunda está em ação. Creio que, em
algum nível intuitivo de sua percepção, o cientista sente que a
natureza é simples, sutil, interligada e una. Na falta dessa idéia ou
coisa semelhante, torna-se difícil atinar com a forma pela qual atua o
gênio científico. Por que uma equação indicadora dos processos
naturais seria mais verdadeira e melhor do que quatro, três, duas? A
tendência a desvelar essa estrutura interna e a expressá-la na
linguagem bonita e fluente da matemática lembra a insistência do
místico, na realidade una, por trás da multiplicidade das aparências.
(WEBER, 1986, p. 33)
Diante do exposto pela autora, a pesquisa é concebida pela elaboração
dos fundamentos teóricos e atividades práticas como meios de registrar e
desvelar quais o os aspectos educativos das Rodas de Diálogo,
desenvolvidos em sala de aula, juntamente com outras atividades realizadas no
decorrer da pesquisa, enquanto estratégias de aprendizagem compromissadas
com o conceito de aprendizagem integrada e integradora. O conceito de
aprendizagem integradora é tratado nesta pesquisa, sendo o Capítulo 1
destinado ao estudo teórico e contextual sobre essa proposta de
aprendizagem.
Por sua vez, essas estratégias de aprendizagem participam da criação de
cenários de aprendizagem conforme vem sendo proposto pelo movimento da
Rede Internacional Ecologia dos Saberes RIES, concebendo o Projeto
“Escenarios y Redes de Aprendizaje Integrado: para una enseñaza de calidad
(ERAIEC)”, elaborado por Maria Cândida Moraes e Saturnino de la Torre
(2007). Os elos que tecem a RIES são pessoas interessadas em melhorar a
qualidade do processo educativo dentro de uma perspectiva inter e
transdiciplinar, considerando que é possível inserir nesse processo o enfoque
do pensamento eco-sistêmico e a religação dos saberes.
Cenários de aprendizagem é um termo amplo, podendo ser utilizado em
diversificados contextos educativos, como por exemplo, o teatral, o musical, o
cinematográfico, e até a própria sala de aula. Nesse sentido, esta pesquisa
16
delimita-se a estudar os potenciais das Rodas de Diálogo a serem concebidos
como estratégias de aprendizagem integradora. O desejo é conceber um
estudo sob a perspectiva da aprendizagem integral e integradora que desvele o
potencial dessas estratégias de promover a construção de valores,
responsabilidades e competências que projetam mudanças na dinâmica das
relações. Os autores Saturnino de La Torre e Maria Cândida Moraes dizem
que:
E mais, as estratégias que favorecem a aprendizagem integrada são
aquelas que estimulam os diferentes sentidos, e que também vão
além dos aspectos cognitivos/emocionais, pois englobam também a
imaginação, a intuição, a colaboração e o impacto emocional
vivenciado pelos sujeitos. Estratégias didáticas utilizam música, os
espetáculos artísticos, as dramatizações, os projetos integradores de
natureza interdisciplinar ou transdisciplinar, as experiências grupais
compartilhadas, as danças circulares, as excursões ou trilhas e
caminhadas junto à natureza, ou mesmo o aproveitamento de
situações ocasionais e cotidianas da vida, são exemplos
metodológicos de grande valia. (MORAES, 2008, p. 131)
A pergunta que ilumina e dá sentido ao fazer científico deste trabalho é:
Em que medida as Rodas de Diálogo podem ser consideradas
estratégias que promovam uma aprendizagem integradora?
Podemos respirar liberdade enquanto vivemos com a pergunta, aberta ao
imenso universo de possibilidades de respostas. Ampliamos nosso olhar ao
abrirmos o coração aos universos a que nos conduzem as respostas. Livres,
porém desconfortáveis. Os que fazem perguntas bem sabem e sentem quão
difícil é deixar-se flutuar no plano das incertezas e dúvidas. O trabalho de
pesquisa nutre-se dos ares suspensos de liberdade ao se lançar na jornada de
aventura em busca de mundos imprevisíveis, desconhecidos e misteriosos.
Para místicos como Hermes Trimegisto do Egito, Parmênides,
Pitágoras, Platão, Spinoza e virtualmente todos os sábios orientais, a
busca do ser exterior se prende ao do ser interior. A frase hermética
que liga o microcosmo ao macrocosmo liga também a natureza do
homem e o observador ao observado. Voltando-se para o interior, o
místico as mesmas leis que operam no mundo da natureza,
embora o faça de uma perspectiva diferente. Tal percepção não se
restringe aos místicos. O cientista, no caso Max Planck, também a
reconhece. “A ciência não pode resolver o mistério último da
natureza, porque, em última análise, nós próprios somos parte da
17
natureza, e, consequentemente, do misrio que procuramos
desvendar. (WEBER, 1986, p. 39)
18
III. OBJETIVOS DE PESQUISA
A partir da questão apresentada no item anterior, o objetivo central da
pesquisa é desenvolver um trabalho de pesquisa acadêmico da estratégia das
Rodas de Diálogo realizadas em sala de aula, e outras atividades de
harmonização de grupo, além de atividades extraclasse para ampliação do
universo cultural dos aprendizes. A experiência e a convivência no período de
realização da pesquisa é narrada no Capítulo 3, que trata da pesquisa
propriamente dita. E neste fazer acadêmico, desvelar e enriquecer tais
estratégias numa perspectiva teórica quanto aos aspectos que podem defini-
las enquanto práticas de aprendizagem integradora.
Para delinear esse caminho são traçados tais objetivos específicos:
Construir um estudo (con)textual que conduza ao conceito de
aprendizagem integradora;
Analisar e estudar quais são as potencialidades das Rodas de Diálogo a
serem concebidas enquanto estratégias compromissadas com os conceitos de
aprendizagem integradora.
Inserido numa dinâmica dialógica, Weber (1986, p. 39) acolhe o
pensamento do físico David Bohm e diz que por intermédio dos pensamentos,
mudamos a existência da natureza. Este pensar diz que, à medida que me
concentro em estudar e desenvolver esta pesquisa a partir dos objetivos aqui
apresentados, passo a interpretar e criar o universo do estudo proposto. Em
linhas gerais, a jornada dos sentidos é cuidar do movimento dialógico que
compõe a essência e ciência da pesquisa, considerando que, à medida que me
19
A JORNADA DOS SENTIDOS: TECENDO FIOS DE
CIÊNCIA COM ESSÊNCIA
dedico aos objetivos aqui propostos, observador e realidade observada
(re)criam e se auto-eco-organizam.
A dinâmica processual do diálogo
estabelecido entre ciência e essência, que
tonalidade a este item da pesquisa, refere-se ao
movimento permanente entre externo e interno.
O diálogo do rigor científico com os lampejos da
essência espontânea (re)criam, dão forma e
sentido ao conjunto das análises relativas às
percepções das realidades exterior e interior. É a constância nos sentimentos.
É o movimento recursivo e permanente entre materialidade e sutileza, ciência e
essência.
Nós, cientistas, fazemos ciência como observadores explicando o que
observamos. Como observadores, somos seres humanos. Nós, seres
humanos, já nos encontramos na situação de observadores
observando quando começamos a observar nosso observar em
nossa tentativa de explicar o que fazemos. (MATURANA, 2006, p.
126)
E assim, deixamos de considerar, em termos de objetividade de pesquisa,
o caráter da neutralidade e do distanciamento do observador no contexto da
realidade observada.
A ciência, como pude observar por mim mesma, estuda as coisas
separando-as em componentes cada vez menores. De algum modo,
essa análise laboriosa, minuciosa, tem sido a força suprema da
ciência. Mas também pode significar sua fraqueza. Fragmentando a
natureza, ela perde o sentido do todo. Prejuízo maior é a perda da
significação - do todo e, às vezes, até dos detalhes. (…) Como se a
pretensão de objetividade não fosse um valor! Ela afirma que “é bom
não ter juízo de valor”. Mas tal julgamento é da lavra humana e
sujeito às imperfeições do juízo humano. (WEBER, 1986, p. 26)
20
Sustento que o sentimento
religioso cósmico é a motivação
mais forte e nobre da pesquisa
científica.”
Albert Einstein
IV. DELIMITAÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE
Sentir-se acolhida. Posso dizer que este foi o sentimento que originou o
desejo de construir um estudo quanto ao conceito de aprendizagem
integradora a partir das estratégias a que tenho dedicado minha atuação
profissional. Acolhimento ao ser sujeito de tais estratégias. Acolhimento ao ir
me aproximando de teorias e teóricos que as sustentam.
Sim, do acolhimento fez-se a motivação de estudar os objetivos que
caracterizam e definem o sentido deste trabalho conforme mencionados no
item que trata dos objetivos da pesquisa. Por atuar em ambientes de
aprendizagem não formal, senti necessidade de produzir e enriquecer tais
estratégias a partir da construção de um projeto de pesquisa científica sob o
olhar de uma educação transdiciplinar pautada no conceito de aprendizagem
integradora.
O locus da pesquisa, Instituição Aldeia do Futuro, foi escolhido por
consistir em uma Instituição ligada ao processo de formação e
profissionalização de jovens de baixa renda da cidade de São Paulo. O contato
com a Instituição ocorreu por uma necessidade interna de trabalhar mais
intensamente com jovens, em encontros de grupo constantes, com trocas de
espontaneidade e vitalidade; de ser mais atuante em movimentos de
juventude, aspecto que me cativa. E então, voltei o desejo da pesquisa aos
jovens, e nessa busca, encontrei a Aldeia do Futuro.
Esta pesquisa traz aspectos, dentro de uma perspectiva de produção
científica, que são limitados pelo tempo. Ao tratar do compromisso com a
construção de uma cultura de paz, de mudanças de paradigmas e construção
21
A JORNADA DOS SENTIDOS: AS DIREÇÕES
ESSENCIAIS DO CAMINHAR
de valores, considero as amplitudes que abrangem essas questões em termos
de teoria e prática. Cultura de paz, mudanças de paradigmas e valores
envolvem uma vasta dimensão de aspectos quanto aos conceitos e estratégias
múltiplas que os promovem e legitimam.
Tempo e espaço. Orientações do caminhar da pesquisa. O contato e a
convivência com os jovens ocorreram num breve e proveitoso espaço de
tempo, determinando assim os limites dos pontos de análise e seus
desenvolvimentos na pesquisa. E este caminho de produção acadêmica foi
orientado por exercícios de busca por essências. Espero encontrar, nesta
trajetória, aspectos essenciais das estratégias de aprendizagem às quais me
dediquei ao realizar e desenvolver esta pesquisa - Rodas de Diálogo e demais
atividades.
22
V. RELEVÂNCIA CIENTÍFICA, SOCIAL, CULTURAL E AMBIENTAL
O aspecto científico que enriquece esta pesquisa consiste em seu
compromisso, em termos conceituais e práticos, com o “Proyecto Escenários y
Redes de Aprendizaje Integrado para una Enzeñanza de Calidad (ERAIEC)”,
que é destinado aos agentes envolvidos na Rede Internacional da Ecologia dos
Saberes. O Projeto está registrado na Espanha e no Brasil pelos seus
coordenadores – Maria Cândida Moraes e Saturnino de La Torre (2007).
Consiste em um projeto de investigação interuniversitária pautado nos
seguintes princípios (MORAES E TORRES, 2007, p. 3):
1. Refletir sobre as implicações educativas e formadoras, sob o olhar
transdiciplinar e da ecologia dos saberes, inseridas no marco teórico do
paradigma eco-sistêmico;
2. Construir redes de comunicação entre os grupos de investigação para
compartilhar os princípios e metodologias de investigação
transdisciplinar, assim como para elaborar instrumentos que facilitem a
obtenção de evidências;
3. Estudar, analisar e valorar os cenários de ação, investigando como
levar à prática de aula os princípios que enriquecem tanto a
autoformação, as estratégias e as práticas de execução, como as
mudanças e impactos gerados em função das instituições, os níveis e os
agentes envolvidos, tendo como finalidade alcançar um ensino criativo e
de qualidade;
4. Demonstrar que é viável, tanto no âmbito universitário como no
escolar, conceber a formação e a educação como um cenário de
transformação pessoal, profissional, institucional e social, superando a
23
A JORNADA DOS SENTIDOS: DAR PASSOS
CONSTANTES, FIRMES
fragmentação disciplinar e a divisão entre razão, emoção e
corporeidade, sem deixar de fomentar valores humanos, éticos,
espirituais e de convivência. É uma investigação concebida com a
Metodologia de Pensamento Eco-sistêmico que busca encontrar alguns
saberes que permitam elaborar princípios que fundamentem e orientem
as futuras reformas educativas e os planos de estudo, de acordo com os
avanços científicos e tecnológicos, e com o desenvolvimento humano,
ético e social como um todo.
Es por ello que estos cambios y esa nueva mirada respecto a la
religación y ecología de los saberes esta comenzando a transformar
los grupos homogéneos de investigación en la formación de redes de
intercambio de información de diferentes campos disciplinares,
instituciones, países y culturas diferentes. En tal sentido, apostamos
por ser pioneros en la temática y en la creación de Redes de
investigación que partiendo de los grupos constituidos permita
articularlos sistémicamente en una ecología de los saberes en la que
cobren sentido los avances científicos, tecnológicos y humanísticos.
La ecología de los saberes partiría de la tecnociencia, capaz de
desarrollar talentos tanto para la ciencia como para la construcción de
la paz, además de traspasar luego las fronteras de conocimientos
específicos en busca de un sentido más profundo y sólido para la
vida. (MORAES E TORRE, 2007, p. 4)
Quanto aos aspectos sociais, culturais e ambientais, considero que
trabalhar com grupos de jovens que vivem em zonas periféricas tanto em
termos geográficos quanto de inclusão social, além de satisfazer uma
necessidade pessoal de contato e conhecimento de suas características, é, ao
meu ver, uma maneira de entrar em contato com as diversificadas realidades
que configuram e dão forma ao nosso país. O envolvimento com os jovens de
dada situação econômica, social e cultural está relacionado ao caráter de
voluntário da pesquisa, porém não assistencialista. A questão do voluntariado
aqui desvelada não está reduzida ao caráter financeiro, mas sobretudo, ao
ético e ideológico: ser voluntário e não voluntarioso, ou seja, ser, enquanto
educador, um agente de transformação social depositário de muitas
contribuições que se somam num coletivo maior. O caráter ético e ideológico
que compõe minha atuação de voluntária é fruto da convivência e
internalização dos princípios éticos e filosóficos da Associação Palas Athena.
24
O compromisso com a legitimação do aspecto multidimensional do
humano nesta pesquisa não é, e nem pode ser compreendido por se destinar
aos jovens que vivem em áreas periféricas da cidade de São Paulo. Poderia,
com prováveis efeitos interessantes, destinar-se aos jovens que estudam em
cogios particulares, elitistas. Nesse caso, creio que também surtiria
indubitável relevância humanizadora.
No entanto, temo por certa alienação pecar pelas generalizações quanto
ao desconhecido. Entrar em contato e conhecer um pouco o lado luminoso e
sombrio da realidade dos jovens que escolhi para trabalhar é, aos meus
desejos confessos, inquietante e instigador. Contudo, Brandão (1999, p. 8) diz
que “só se conhece em profundidade alguma coisa da vida da sociedade ou da
cultura, quando através de um envolvimento em alguns casos, um
comprometimento pessoal entre pesquisador e aquilo, ou aquele, que se
investiga.”
Escrever sobre essa instigada inquietação me fez lembrar a obra
Pedagogia do Oprimido, escrita pelo educador que nos liberta, Paulo Freire
(1979). Freire atenta para a generosidade verdadeira na qual a pedagogia do
oprimido é aquela que “tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto
homens e povos, na luta incessante de recuperação de sua
humanidade” (1979, p. 32).
A humanidade está em simplesmente
estar junto. A história da humanidade surgiu na
trajetória do emocionar, conforme é proposto
por Maturana (2004, p.12). Expresso o
reconhecimento de que esta pesquisa não se
destina aos jovens, talvez, imbuída na
preposição “para”, dando sentido ao termo “a
quem se destina?”, encontrarei a mim mesma,
com sinceridade e franqueza. Quanto aos
jovens, é desejo de estar junto; a preposição
25
Ah, vocês acham que se
constroem casas? Eu me
construo e os construo
continuamente, e vocês fazem o
mesmo. E a construção dura
enquanto o material dos nossos
sentimentos não desmorona,
enquanto dura o cimento de
nossa vontade. Por que vocês
acham que se recomenda tanto
a firmeza de vontade e
constância nos sentimentos?
Luigi Pirandello
correta e justa é “com”, ao invés de “para”.
Nesse sentido, a relevância humanizadora da pesquisa consiste na
vontade firme de construção: estaremos exercitando nossa humanidade juntos,
uns com os outros, e assim, poderei encontrar a constância de sentimento num
certo si-mesmo. Ninguém humaniza ninguém se não se dispuser à busca de
sentidos transformadores, à sua própria e inacabada obra de ser e estar
humano.
Ao me dispor, enquanto pesquisadora, de espontânea ousadia e liberdade
que em simplesmente estar junto, tenho como límpido e verdadeiro sonho
que dessa comunhão com os outros ocorra a transformação do si-mesmo. E
com profundo efeito bio-psico-espiritual, isso já é muita coisa…
26
VI. MARCOS TEÓRICOS
Os aromáticos louros que perfumam e
ressaltam o sabor científico deste trabalho são
retirados suave e delicadamente das coroas de
mestres que nos ajudam a compreender e
tomar consciência da complexidade do mundo.
Esses bios mestres ofertam pitadas de
clareza quanto às jornadas dos sentimentos e
pensamentos que estruturam e co-determinam
nossas relações e percepções de mundo.
E ao falarmos em complexidade, reverenciamos os verdes louros da
coroa do pensador francês Edgar Morin. Os verdes louros dessa coroa serão
retirados por delicado material feito de asas de borboletas, com muita
concentração e muito siso. A contemporaneidade das contribuições trazidas por
Morin fez brotar lavouras de louros nas coroas de tantos outros mestres que se
dedicam aos estudos do pensamento complexo e eco-sistêmico. Podemos
mencionar autores, como Moreas, La Torre (2004; 2007; 2008), Mariotti (2002),
Rodrigues (2006), Carvalho (2003; 1998).
Ao olharmos para nossas origens culturais, mais especificamente para as
culturas matrísticas e do patriarcado, o estudo é concebido graças às
contribuições de Maturana e Eisler. E ao tratarmos dessa questão, o estudo é
encaminhado para os valores que assumimos em nosso cotidiano, e este
caminho é delineado pelas contribuições de Roizman, Ferreira, Martinelli
(1999), Stocker Hegeman (2002), e numa perspectiva filosófica, caminhamos
em companhia de Needleman (1991) e Skolimowski (1992; 1989; 1986).
27
NUNCA ESTAMOS SOZINHOS...
Retribui-se mal a um
mestre, continuando-se sempre
apenas aluno.
E por que não quereis
arrancar louros da minha coroa?
Friedrich Nietzsche
os que nos dão sustância quanto às elaborações em educação e às
novas tecnologias de ensino, teorias de aprendizagem, contextos e estratégias
que conduzem à aprendizagem integradora, que legitimam a
transdisciplinaridade, a paz e os princípios da não-violência, dos afetos, do
contato com a Natureza e da promoção de um novo paradigma educacional.
Como exemplo, podemos mencionar Weber (1986), Nicolescu (1999), Kolb
(1984), Ausubel (1968; 1980), Bruno (2007; 2008), Assmann (2000), Mendonça
(2005; 2003), D’Ambrósio (1997), Cornell (1997; 2005). A estes, com a gratidão
de quem é acolhido à casa de um desconhecido, podendo desfrutar de pouso e
alimento após ter caminhado perdido por dias e dias, deixarei, ao sair de suas
moradas, como simbólico presente pelo acolhimento, um regador. Para quê?
Ora, para que reguem suas coroas. Ao sair, porém, tomarei “emprestadas”
algumas folhinhas de seus frescos louros, pois fui provocada por Nietzsche, e
muito!
A respeito do estudo sobre a Terra - Géia, e sob uma nova visão da
biologia, nossa trajetória é traçada pelos estudos de Elisabet Sahtouris (1998).
No caso da fundamentação quanto ao movimento metodológico,
consideramos as contribuições principalmente de René Barbier (2004). Os
estudos sobre pesquisa-ação elaborados pelo autor encontram harmonia com
a estratégia do Diálogo, pois ambos possuem origem no pensamento de Jiddu
Krisnhamurti (1980). A fundamentação conceitual do Diálogo desenvolvida na
pesquisa é feita por estudos das contribuições de David Bohm (2005). O físico
quântico Bohm (2005) elaborou sua conceão de Diálogo, conforme
apresentada neste trabalho, a partir de diálogos com o pensador Jiddu
Krishnamurti (1980).
Para Krishnamurti (1980), expresso toda minha gratio por sua
perfumada e viva coroa de louros. Conforme destaca o autor Humberto Mariotti
(2000, p.16), no início de sua obra “As paixões do Ego”, Krishnamurti é um
pensador de expressão mundial, e para não causar espantos acadêmicos, é
um equívoco vê-lo como guru ou místico, “qualificações que ele acabou
28
protestando e que o traduzem a essência do seu pensamento”. A
Krishnamurti, sou grata pelo ensinamento da solitária, porém desperta e não
triste, busca da verdade interior.
outros autores que aparecem no corpus de análise da pesquisa, não
mencionados neste item por considerar que eles trazem importantes
contribuições, mas que não são caracterizados como principais marcos
teóricos da pesquisa.
aos poetas que brincam à direita do texto, destes não terei nem
delicadeza. Arranco suas folhas com desespero e veemência, faminta,
despedaçando-as após serem arrancadas pelas raízes. Não me arrependo e
nem me justifico por tal gesto.
29
VII. MOVIMENTO METODOLÓGICO
Como afirma Morin (2003, p.20), “... o todo não antecede a
experiência, o método emerge durante a experiência e se apresenta no final,
talvez, para uma nova viagem”.
Para o alcance dos objetivos deste estudo, o processo metodológico
adotado será o de pesquisa-ação abordada por Barbier (2004). A pesquisa é
teoricamente sustentada pelos conceitos de teorias de aprendizagens, pelos
operadores cognitivos da complexidade e considerações quanto ao
pensamento complexo. Os aspectos epistemológicos da transdisciplinaridade,
enquanto elementos constitutivos da complexidade, apontam para a
reorganização dos saberes, sendo estes configurados em conformidade com
os princípios de uma postura ecológica da ação.
Ao tratar da transdisciplinaridade, considero, de acordo com Nicolescu
(1999, p. 129), a postura transdisciplinar composta por três palavrinhas
mágicas: rigor, abertura e tolerância. Assim, ao incorporar para execução das
estratégias de aprendizagem propostas pela pesquisa, reverencio aspectos,
tais como: a compreensão e a mudança, obtidas pela experiência vivida e
estudada; o inesperado e o imprevisível; a contradição de argumentação,
pensamento e idéias; as manifestações do emocionar; o desenvolvimento da
maturidade pessoal.
A relação dialógica estabelecida entre os aportes teóricos e práticos que
dão sustentação à pesquisa considera que limites no campo da prática de
se aplicar todos os fundamentos concebidos pela teoria. O diálogo teoria e
prática considera que mesmo a teoria sendo eixo condutor da prática, esta
30
O CAMINHO É PERCORRIDO PELA ÓRBITA DA
ESPIRAL
não deve ser rígida e nem fechada, tendo espaço para manifestações
contraditórias. É o que Demo (1999, p. 108) diz: “ambos os termos se
necessitam e se repelem, numa identidade de contrários. Quer dizer, um não
existe sem o outro, mas cada um possui densidade própria, o que possibilita
um relacionamento dinâmico.”
O corpus de análise incide em minha atuação profissional e, por sua vez,
configura minha identificação e envolvimento com o objeto de estudo. Trata-se
de uma pesquisa-ação que, na perspectiva do professor René Barbier (2004, p.
57), os docentes têm vontade de participar diretamente do conhecimento de
seus próprios problemas e estão cada vez mais conscientes da inutilidade das
pesquisas clássicas. Barbier é professor do departamento de Ciências da
Educação na Universidade Paris 8 Saint Denis, e tem fornecido importantes
contribuições para uma produção de pesquisas científicas mais abertas,
inclusivas, dinâmicas e transformadoras.
A pesquisa-ação torna-se a ciência da práxis exercida pelos técnicos
no âmago de seu local de investimento. O objeto da pesquisa é a
elaboração da dialética da ação num processo pessoal e único de
reconstrução racional pelo ator social. Esse processo é relativamente
libertador quanto às imposições dos hábitos, dos costumes e da
sistematização burocrática. A pesquisa-ação é libertadora, que
grupo de técnicos se responsabiliza pela sua própria emancipação,
auto-organizando-se contra hábitos irracionais e burocráticos de
coerção. (Ibid., p. 59)
Em uma entrevista concedida em julho de 2002 ao portal do Correio
Brasiliense
5
, o professor Barbier conta que encontrou nos textos do indiano
Jiddu Krishnamurti pontos norteadores para criar o que ele nomeia de
abordagem transversal. Trata-se de uma sociopsicologia clínica preocupada
em levar em conta aspectos como pulsões individuais do ser humano e
recriações contemporâneas da mitologia antiga para compreender fenômenos
sociais. ‘Essa abordagem conjuga as dimensões sociológicas e psicológicas
no terreno, trabalhando com as pessoas’.
31
5 http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020714/sup_pen_140702_29.htm. Acesso em
31 de julho de 2008
Ela [a pesquisa-ação] se define, então, em sua relação com a
complexidade da vida humana, tomada em sua totalidade dinâmica, e
não mais se justifica diante da relação do desconhecido que lhe
revela a finitude de existência. A pesquisa- ação pode se afirmar,
nesse extremo, como transpessoal e ir além, ao mesmo tempo que
as integra, das especificidades teóricas das Ciências Antropossociais
e dos diferentes sistemas de sensibilidades e de inteligibilidades
proposto pelas culturas do mundo. Entrar numa pesquisa-ação sob
essa perspectiva obriga-nos a percorrer diversos campos de
conhecimento e a falar uma linguagem científica dotada de um certo
poliglotismo. A abordagem multirreferencial dos acontecimentos, das
situações e das práticas individuais e sociais (Ardoino, Barbier, 1993)
constitui maior referência a isso. (Ibid., p. 18)
A escolha pela proposta de pesquisa-ação de Barbier justifica-se por se
tratar de um procedimento de pesquisa que considera o conjunto
multidimensional do meio, do humano e da relação entre ambos. E mais, por
lidar com questões multirreferenciais, essa abordagem que delineia os
movimentos metodológicos da pesquisa está comprometida com a expansão
de um novo paradigma científico que transcende a atitude positivista,
fragmentária e reducionista do paradigma científico tradicional. Nesse sentido,
a abordagem de pesquisa-ação em Barbier (Ibid., p. 18) tem a possibilidade de
desempenhar, então, sua atuação profissional numa dialética que articula de
modo constante a implicação e o distanciamento, a afetividade e a
racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio, a
autoformação e a heteroformação, a ciência e a arte.
Nisso, a pesquisa-ação é eminentemente pedagógica e política. Ela
serve à educação do homem cidadão preocupado em organizar a
existência coletiva da cidade. Ela pertence por excelência à categoria
da formação, quer dizer, a um processo de criação de formas
simbólicas interiorizadas, estimulando pelo sentido do
desenvolvimento do potencial humano. (Ibid., p. 19)
O autor delineia as modalidades de pesquisa-ação a partir de seus
estudos sobre procedimentos de pesquisa nas áreas das Ciências Sociais:
Pesquisa-ação Existencial (P-AE): favorece o imaginário, a
criação, a afetividade, a escuta das minorias em situação problemática, a
complexidade humana, o tempo da maturação e o instante da descoberta.
Pode se abrir para outras áreas que não somente científicas, como arte,
poesia, filosofia, dimensões espirituais e multiculturais da vida. Aborda as
32
situações-limite da existência individual e coletiva. Correspondem a seus
possíveis campos de investigação: a morte, o nascimento, a paixão, a doença,
a velhice, a solidão, a excentricidade, a criação… O espírito de criação é o
cerne da P-AE. Aplica-se às faculdades de abordagem da realidade
pertencentes aos domínios da intuição, da criação e da improvisação no
sentido de ambivalência e ambigüidade em relação ao desconhecido, à
sensibilidade e à empatia. Os aspectos quanto ao seu rigor científico
correspondem a (BARBIER, 2004, p. 69): rigor quanto ao quadro simbólico,
que pode produzir a expressão do imaginário e do desdobramento da
implicação; rigor da avaliação permanente da ação relativa aos objetivos
intermediários; rigor dos campos teóricos e conceituais, considerando as
esferas da incerteza; rigor da implicação dialética do pesquisador, ou seja, o
pesquisador está presente com suas dimensões de ser (emocional, sensitivo,
axiológico, etc.) e profissionais (dubitativo, metódico, crítico, mediador). É
desenvolvida coletivamente, remetendo ao aspecto participativo do grupo
envolvido na pesquisa (pesquisador coletivo). O objeto final da P-AE é
promover mudanças do sujeito - indivíduo ou grupo - em relação à realidade
que se impõe em última instância.
•Pesquisa-ação Integral (P-AI): esta modalidade de pesquisa-
ação apóia-se nas considerações e casos concretos do professor canadense
André Morin.
A pesquisa-ação integral visa a uma mudança pela transformação
recíproca da ação e do discurso, isto é, de uma ação individual em
uma prática coletiva, eficaz e instigadora, e de um discurso
espontâneo em um diálogo esclarecido e até mesmo engajado. Ela
exige que haja contrato aberto, formal (de preferência não-
estruturado), implicando uma participação cooperativa, podendo levar
a uma co-gestão. (MORIN, 1992, p. 21. apud. BARBIER, 2004, p. 78)
Consiste em um modelo de pesquisa que se desenvolve in loco; pesquisa
aplicada com cinco dimensões: contrato, participação, mudança, discurso e
ação. O contrato é firme, factual, aberto, formal. A participação é passiva,
representativa, cooperativa, co-gerenciada. A mudança é aplicativa, indutiva,
de desenvolvimento, transformativa. A ação se estabelece como individual,
33
individual/grupal, grupal/coletiva, comunitária. Quanto ao contrato e à
participação, Barbier (2004, p. 78) considera suas caractesticas de
“flexibilidade sensível às soluções novas graças às tomadas de decisões
ligadas ao ato.” O contrato é aberto e formal, devendo ser não estruturado para
lidar com imprevistos e improvisos. A abertura do contrato pode promover o
sentido de cooperação, levando eventualmente às dinâmicas de co-gestão.
Entrelaça ações individuais e coletivas. Para Morin (1992, p. 22-24, apud.
BARBIER, 2004, p. 79), o contrato é uma condição essencial da P-AI, sendo
este negociado. O contrato é dialogado, mantendo-se por todo o processo da
pesquisa, respeitando os valores e ideologias do grupo, concebendo a dialética
entre objetivo e subjetivo uma interação contínua entre ação e reflexão. A
busca é por uma linguagem comum para que todos possam se compreender.
a participação do pesquisador é um engajamento pessoal aberto que
visa à autonomia, em que se prioriza o diálogo nas relações de cooperação e
colaboração. Visa à participação dos diferentes atores da pesquisa, como por
exemplo, na redação de relatórios e/ou outros dispositivos específicos
utilizados por Morin, como a eco-escrita, ciclo-escrita e núcleo-escrita (Ibid. 81).
A mudança ocorre em movimento espiralar: de revisões para a ação e para o
pensamento, e é manifestada na ação e no discurso. A produção teórica e a
realização das práticas são instâncias envolvidas no movimento espiralar.
A proposição correta que define a P-AI é pesquisa em ação, e não para a
ação e tampouco sobre a ação. O discurso tem sentido se ele se insere na
ão e favorece a interdisciplinaridade, e sua qualidade depende da
capacidade de ser contestado. Em P-AI o discurso deve enunciar “lições de
vida”, limitadas a situações precisas e estudos de caso, reivindicando o caráter
da implicação que enriquece o saber prático e é aperfeiçoado pelas
experiências humanas dialogadas. A realidade é apreendida como dado
complexo e dinâmico.
A característica essencial da ação refere-se à sua interligação com a
prática. A ação é definida coletivamente, podendo expandir para o comunitário.
34
É conduzida por experiências de vida e lógicas existenciais. Em movimento
espiralar com a reflexão, a ação questiona ininterruptamente o discurso
estabelecido. É mais eficaz ao obter consenso do grupo, correspondendo às
capacidades dos participantes. É mais inteligente quanto mais compreender os
elementos constituintes da complexidade do real.
Barbier (Ibid. p.85) fala sobre as sete noções entrecruzadas
6
simultaneamente entre pesquisa-ação existencial e integral. Cabe ressaltar que
essas noções trazidas pelo autor norteiam o movimento metodológico da
pesquisa. Essas noções entrecruzadas podem ser observadas na figura
abaixo.
A complexidade: o paradigma da complexidade, assim como os
seus operadores cognitivos, são tratados com mais profundidade no Capítulo 1,
que traz o referencial teórico da pesquisa. Consiste em conceber o ser humano
35
6 Termo usado pelo autor preferivelmente ao de conceito por justificar que no seio de cada uma
dessas aprendizagens (integral e existencial) pode extrair muitos outros conceitos em função
da singularidade do trabalho.
Figura 1: quanto as noções entrecruzadas da pesqusa-ação
avaliação
complexidade
escuta sensível
pesquisador
coletivo
negociação
mudança
abordagem em espiral
processo
autorização
em sua totalidade, inserido numa dinâmica biológica, psicológica, social,
cultural e cósmica. É o pensamento que a interação na contradição, em que
a realidade não pode mais ser explicada de modo fragmentado e reducionista.
Considera o todo maior que a soma das partes. Para o pesquisador, esse
paradigma impõe uma visão sistêmica e aberta, devendo combinar a
organização, a informação, a energia, a retroação, as fontes, os produtos e os
fluxos input e output do sistema sem enclausurá-los.
A escuta sensível: termo criado pelo autor correspondente a um
“escutar/ver”, ou seja, o pesquisador deve saber sentir o universo afetivo,
imaginário e cognitivo do outro para compreender com profundidade os
comportamentos, símbolos, idéias e mitos. É a aceitação incondicional do
outro, sem julgamentos ou comparações. O pesquisador está presente: ele
também comunica seus sentimentos, seu imaginário, seus questionamentos.
Tem princípio multirreferencial que não é apenas um rótulo social. Isso revela o
caráter de a escuta sensível ser aberta e livre de papéis e representações de
status sociais que assumimos. A escuta sensível supõe uma inversão de
atenção, ou seja, antes de situarmos uma pessoa em seu” lugar,
reconhecemo-la na dimensão de seu ser, “na qualidade de pessoa complexa
dotada de uma liberdade de uma imaginação criadora” (Ibid. p. 96). O autor
considera também que a escuta sensível e multirreferencial não é a projeção
de nossas angústias ou de nossos desejos, também não se assentando sobre
a interpretação dos fatos, pois busca a suspensão dos pressupostos, assim
como na proposta de Diálogo de David Bohm de que trata esta pesquisa. A
escuta sensível concebe a pessoa em sua totalidade, seus cinco sentidos, o
que requer uma abertura para de fato entrar em contato com o outro,
considerando a totalidade de sua existência dinâmica. É primeiramente uma
presença meditativa, no sentido de plena consciência de estar aqui e agora, no
menor gesto, na menor atividade da vida cotidiana. É uma suspensão do
pensar teórico e conceitual, de toda representação imaginária sobre o mundo,
“e até mesmo do nosso desejo de “fazer” alguma coisa” (Ibid. p. 100).
36
O pesquisador coletivo e sua escrita: consiste em um grupo-
sujeito de pesquisa constituído por pesquisadores profissionais (provenientes
de organismos de pesquisa ou universidades) e por membros que gozam de
todos os privilégios, da população vinculada à investigação participativa. “O
pesquisador coletivo representa uma entidade que não poderia ser reduzida à
soma de seus membros” (Ibid. p. 103). Faz parte da credibilidade da pesquisa-
ação que a escrita também seja coletiva. Isso não quer dizer que os textos
sejam escritos por todos coletivamente, mas sim que o conjunto do relatório
contenha partes escritas pelo maior número possível dos membros do
pesquisador coletivo. A escrita é enriquecida ao contemplar aspectos pessoais,
poemas, desenhos…
A mudança: contempla aspectos, como mudança de atitudes, de
práticas, de situações, de condições, de produtos, de discursos, etc. A
pesquisa-ação é um questionamento político, em sentido etimológico, de uma
organização da cidade. Por se comprometer com a mudança, a pesquisa-ação
remexe no “todo” social, ou seja, ela não pode ser finalizada sem levantar
questões de incômodo quanto à ordem estabelecida.
A negociação e a avaliação: a negociação é primordial e
permanente ao longo da pesquisa-ação. O conflito é inerente à pesquisa-ação,
porém no sentido de criação, necessário à vida. A negociação é aberta para a
mediação do desafio de cada instante, aspecto que pode ser observado em
grupos interculturais. A avaliação não é desejo de controle, mensurável,
quantificável, mas sim uma proposta que concebe o incerto, o ambivalente, o
equívoco, o dinamismo da vida. É de certo modo prático-poética, de dimensão
simbólica e pode ser também mítica. “O pesquisador avalia a ação, controlando
suas variações e não suas variáveis” (Ibid. p. 110).
Do processo: consiste numa rede simbólica e dinâmica que
apresenta um componente ao mesmo tempo funcional e imaginário que o
pesquisador constrói a partir de elementos interativos da realidade aberta à
37
mudança e necessariamente inscrita no tempo e no espaço. Representa uma
polinização autônoma repleta de incertezas. Os elementos numa dinâmica
processual são estruturados, des-estruturados e re-estruturados. Quanto às
lógicas do processo, Barbier (2004, p. 113) as
considera como diversificadas, paradoxais e
plu r i discip l i nares. S o b a p e rspecti v a
multirreferencial, as lógicas são: dialéticas da
síntese; dialéticas não-sintéticas (Yin e Yang);
do paradoxo; da troca simbólica; de transe e
estado modificado da consciência; inspiradas
na lógica dos magmas; do acontecimento da
complexidade; da ação, historicidade e do
movimento social; da teoria das catástrofes; do
“tudo, não talvez” ou do espírito místico e do
espírito c ientífico que coexiste m; do
interacionismo simbólico, etnometodológico e
antropológico; do tipo praxiológico; estruturais e
de conjuntos identificadores em vel dos
subconjuntos de elementos; lógicas do sistema-
pessoa.
Da autorização: o autor (Ibid. p.
115) considera “autorização noética”, ou seja,
t o r n a r - s e o p r ó p r i o a u t o r d e s e u
desenvolvimento espiritual no sentido amplo do
termo”, a pesquisa-ação por meio de ações que
visam resolver questões existenciais, e ao
mesmo tempo pessoais e comunitárias que
podem aperfeiçoar o discernimento dos
participantes. A autorização é em relação a tornar-se autor de si mesmo, com
toda complexidade de sua existência.
38
Mundo Interior
Ouço que a Natureza é uma
lauda eterna
De pompa, de fulgor, de
movimento e lida,
Uma escala de luz, uma
escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a
natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o
gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra
de Lerna
Entre as flores da bela
Armida.
E contudo, se fecho os olhos,
e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de
outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais
vasto, armado de outro
orgulho
Rola a vida imortal e o eterno
cataclismo,
E, como o outro, guarda em
seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que
desafiae dorme.
Machado de Assis!
O grande aprendizado que espero, ao construir, estudar e vivenciar as
dimensões do processo de elaboração da pesquisa, é reconhecer a interação
dos movimentos que acentuam meu amadurecimento pessoal, profissional e
espiritual. O movimento metodológico pode acentuar as dinâmicas de
construções, desconstruções e reconstruções a todo instante. Eu faço, desfaço
e refaço. Desejo fazer desta pesquisa meu próprio processo de
amadurecimento e tomada de consciência das jornadas interativas e
transformadoras entre pesquisador, pesquisa e mundo.
O encontro do desejo pessoal com a proposta de Barbier (2004) é pela
permissão de dançar na órbita da espiral. A razão da escolha por este percurso
é o sentido de pertinência entre o que busco nos livros e o que busco na ação
que exerço. É por permitir a expressão de minha própria dança, orquestrada e
regida pela espontaneidade.
VII.I. CONTEXTO DA PESQUISA
O Projeto foi realizado no bairro de Americanópolis, subprefeitura do
Jabaquara, zona Sul de São Paulo; região com baixo IDH, abrangendo as
comunidades de Vila Clara, Jardim Scaff, Jardim Mirian, Cidade Ademar e
comunidade do entorno incluindo 68 favelas.
O Bairro de Americanópolis apresenta alto índice de mortalidade infantil,
alta incidência de jovens cumprindo medida sócio-educativa de LA (Liberdade
Assistida), PSC (Prestação de Serviços à Comunidade), jovens em regime de
Semi-liberdade e significativa demanda reprimida para atendimento de PETI
(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Habitações precárias em áreas
de risco geológico caracterizadas pelo IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade
Social - SEADE) como de alta e altíssima vulnerabilidade. Concentra enorme
demanda por serviços de saúde, educação e lazer.
O consumo e o tráfico de drogas, alcoolismo, violência doméstica contra
mulheres e crianças, gravidez na adolescência, prostituição e delinqüência
39
juvenil são questões sociais marcantes dessa comunidade. A maioria das
famílias é liderada por mulheres (abandonadas pelos homens, aposentadas ou
desempegadas), semi-analfabetas e mal remuneradas, o que faz com que seus
filhos, jovens sem qualificação profissional, tenham que muitas vezes contribuir
para o aumento da renda familiar, o que resulta em remuneração e
abandono dos estudos.
A Aldeia do Futuro foca seu atendimento na formação profissional e
cidadã de jovens. É enorme a relevância dessa ação com jovens em situação
de risco e vulnerabilidade social, que se encontram à margem do mercado de
trabalho das boas e bem remuneradas profissões e que, sendo capacitados,
voltam a ter chances de romper com o ciclo de pobreza e exclusão social.
O primeiro encontro com a coordenadora pedagógica da Aldeia, Dona
Genilva, foi em 27 de junho de 2007. A coordenadora foi logo muito receptiva à
proposta de oferecer aos aprendizes da Aldeia um trabalho comprometido com
a construção de valores e com a aprendizagem integral do ser humano. A
Aldeia do Futuro teria por objetivo oferecer cursos profissionalizantes a jovens
de baixa renda do bairro de Americanópolis e arredores, na zona Sul da cidade
de São Paulo.
VII.II. ESTRUTURA DA PESQUISA: A ESPIRAL COM SUAS FASES
O locus de análise incidiu sobre as aulas de educação para valores,
destinadas aos aprendizes da Instituição Aldeia do Futuro. O objetivo das aulas
foi criar um cenário de aprendizagem com a finalidade de aprimorar a
expressão verbal e corporal dos aprendizes, tendo como meio as estratégias
de apredizagem tratadas nesta pesquisa. A essência do trabalho com os jovens
consistiu em construir um espaço de troca de idéias, sentimentos e saberes, e
assim poder contribuir para o desenvolvimento de indivíduos compromissados
e reflexivos quanto ao seu papel de agente de transformação social, ambiental
e cultural.
40
A pesquisa foi construída com dialocidade, pois à medida que ia
compondo o movimento metodológico, legitimava as contradições, os conflitos
e as incertezas emergentes nesse processo. Ficava atenta ao que escutava
nos universos interiores e exteriores. Aberta ao imprevisto, grata pelo
inesperado e pelo incerto. Observava meus pressupostos, caminhava para um
pouco além deles, suspendia por alguns instantes, e então, esperava
compreendê-los em suas dimensionalidades.
A construção da pesquisa considera os aspectos multidimensionais do
humano, buscando integrar e contextualizar os campos do saber
correspondentes à postura transdisciplinar do pesquisador. A questão aqui não
é aonde chegarei, mas quais escolhas e princípios nortearão o processo, o
constante e inacabado vir-a-ser, flexível, aberto e acolhedor método que é
delineado em cada passo.
Diferentes metodologias e estratégias compõem, em seu todo, a
emergência de uma nova mentalidade mais aberta e, ao mesmo
tempo, mais exigente, capaz de realinhar o rigor científico, a
originalidade e a pluralidade na construção dos conhecimentos e em
suas aplicações. (RODRIGUES, 2006, p. 30)
A pesquisa está organizada em fases que se movimentam sob regência
da ordem espiralada. São estas as fases:
Estudo teórico e leituras de mundo: estudos da bibliografia
pertinente à problemática da pesquisa. A construção do estudo teórico se
nutrirá por filmes, peças teatrais, conversas com amigos, muita, muita e
muita música, a fim de dar tonalidade criativa a esse processo. Momentos
contemplativos do pôr-do-sol, das estrelas, do amanhecer, da inspiração da
boêmia lunar, de brincar e conversar com crianças... enfim, as
manifestações de beleza que têm proveito harmônico e orgânico para a
construção científica. Esse momento da pesquisa, constante e interrupto,
orienta e oferece indubitáveis contribuições às fases de observações e
ações no locus de análise previstas nos momentos seguintes.
41
Interagir e observar o contexto da pesquisa: corresponde aos
momentos de realização das Rodas de Diálogo em sala de aula. O trabalho
foi nutrido por estudos de práticas de atividades para harmonização de
grupo, como jogos teatrais e cooperativos. Realizamos atividades
extraclasse com a finalidade de ampliar o repertório cultural e social dos
aprendizes, como passeios em parques naturais e teatros. Corresponde a
esse momento da pesquisa o “colocar a mão na massa”, contextualizar a
teoria, contextualizar o saber teórico, entrar em contato com a realidade que
se pretende conhecer, interagir com o grupo e com a pesquisa propriamente
dita.
Produção de dados: observação, depoimentos, entrevistas
gravadas e criações espontâneas, como anotações de percepções do
momento presente. Prodão e registros de audiovisual, com os
depoimentos e narrativas dos jovens em relação aos seus processos de
aprendizagem na aula. Cabe ressaltar que durante a realização das
entrevistas gravadas, a conversa com os jovens foi estabelecida em
atmosfera de descontração. Os jovens precisam estar confiantes e
tranqüilos para que possam expressar com liberdade o que aprenderam
com as aulas, se fizeram ou não sentido as conversas em roda, o que
observaram em seu pprio processo de desenvolvimento pessoal.
Considero importante a atmosfera de descontração a fim de propiciar
segurança e espontaneidade para os jovens construírem suas narrativas.
Finalização e não conclusão: Elaboração de texto fundamentado
nas observações feitas e na análise dos dados produzidos durante toda a
realização da pesquisa.
VII.III. QUANTO ÀS CATEGORIAS DE ANÁLISE
Considerando a problemática da pesquisa, que é analisar e estudar em
que medida as Rodas de Diálogo, desenvolvidas juntamente com outras
atividades de harmonização de grupos e extraclasse, podem ser consideras
42
estratégias de aprendizagem integradora, estabelecemos as categorias que
apontam o sentido e direção da pesquisa.
Entendemos que aprendizagem integradora é a aprendizagem da co-
existência. É sabermos que a vida existe em relação e compreendermos que
estamos propiciando uma aprendizagem integradora a partir do momento em
que propiciamos conexões com os outros, com o meio e com nós mesmos.
Estamos a todo tempo em relação, numa conversa fluida e sem fim. Esta
pesquisa trata diretamente da questão do Diálogo enquanto estratégia que tem
como objetivo maior nos ensinar que podemos a todo tempo aperfeiçoar a
maneira como estabelecemos a macro e micro dinâmica de nossas relações.
Sendo assim, consideramos como nossas categorias de análise na
pesquisa a dinâmica do relacionar dos participantes:
(a conexão consigo próprio)
(a conexão com o outro)
(a conexão com o meio)
43
1. SOBRE A APRENDIZAGEM
Aprender é relacionar-se. Aprendemos sobre nós mesmos, sobre os
outros e sobre o mundo simplesmente nos relacionando. Cada um a seu jeito.
Cada um a seu tempo. Cada um em exercício de potencialidade humana.
A vida é relacional, e por que não tratar disso em processos de
aprendizagem? Precisamos regar as flores do jardim, precisamos aprender a
cuidar uns dos outros. Para quê? Resposta fácil: estamos cansados das rotinas
de desconfiança, violência, intolerância. Podemos observar nosso próprio
cansaço ao abrirmos as notícias do dia em algum jornal ou manchete.
Encontramos a sempre e sabida novidade do dia: tiroteio no morro, pais
matando filhos, filhos matando pais, conflitos sangrentos, florestas em chamas,
conflitos estúpidos. Onde isto vai parar? Resposta segura, na atual incerteza
de tudo, é dizer: não sabemos!
E o que sabemos? O que sei é que não posso ficar conformada. O que
sei é que não quero contribuir com a legitimação da agressão, da ignorância,
com o estado de dormência. As mudanças do mundo parecem ser mais fortes
e surpreendentes. E muitos de nós, em muitos aspectos, parecemos ainda
estar sonolentos, caminhando como sonâmbulos, dormentes.
E o que significa estar desperto? O que é ter consciência no século XXI?
44
CAPÍTULO 1
A CRISÁLIDA: ESTADO INTERMEDIÁRIO DA
TRANSFORMAÇÃO
Perguntas incertas, respostas amplas.
Mas é hora de acordar. O alarme da Terra tocou. O alarme da
educação está “rouco” de tanto tocar. Precisamos nos apressar. É hora de
aprender que já era a hora...
O problema é que temos esquecido que nossa formação pessoal é
comprometida com nosso relacionar. E consideramos relação com toda sua
amplitude e multidimensionalidade. Somos gratos aos princípios quânticos por
nos permitirem avançar na construção de um mundo mais possível, pois
podemos compreender princípios de totalidade, de interdependência, de
incerteza, de cooperação, de subjetividade.
Apesar desta pesquisa não tratar diretamente dos princípios da física
quântica, assim como outras contribuições da biologia e da química,
consideramos as indubitáveis contribuições desse estudo na formação do novo
pensar que vem se constituindo no século XXI. Esses princípios têm
contribuído para avanços e construções de mundos possíveis em diversificadas
áreas das ciências, das sociais às biológicas, das humanas às naturais.
A física quântica esclarece que qualquer evento, objeto ou entidade
descritível é uma abstração de uma totalidade desconhecida e
indefinível, é movimento fluente, cuja base, em última instância, deve
ser vista como a totalidade desconhecida de um fluxo universal. O
efetivo estado natural das coisas é a totalidade ininterrupta do
universo, antes da divisão ou análise em partes independentes.
(MORAES, 2007, p.22)
E como o pensar que está se constituindo no século XXI interage com a
educação? Como pensar a aprendizagem legitimadora da formação de seres
responsáveis e conscientes de seu papel no mundo de hoje? Por que
aprendizagem integradora?
Neste capítulo, construiremos um ensaio sobre abordagens de
aprendizagem que contemplem o humano, o sujeito que aprende. É o sujeito,
em seu processo de aprendizagem, quem nos interessa. A preocupação é
construir um estudo que trate do processo de aprendizagem integradora de
45
jovens a partir de estudos feitos sobre teorias de aprendizagens
correspondentes aos princípios teórico-conceituais da pesquisa.
O que será ensinado aos jovens? A idéia central é aperfeiçoarmos nossas
relações interpessoais, com nós próprios, com os outros e com a totalidade
mutável do mundo. Nesse sentido, não se trata de considerar o processo de
aprendizagem de matérias/ disciplinas específicas da educação formal. A
proposta da pesquisa é, por meio das estratégias de aprendizagem das Rodas
de Diálogo, aproximar os jovens aos exercícios de pensar e agir, podendo
propiciar posturas de responsabilidade e autonomia. Estamos sendo
convidados a exercitar um outro modo de pensar, mais aberto às incertezas e
dúvidas, que acolhe nossas diferenças, que nos ensina a cooperação.
Podemos dizer que não somos mais puramente racionais. Salve a
espontânea expressão criativa!
Trataremos dos aportes teóricos de David Ausubel (1968; 1980) quanto à
aprendizagem significativa; de David Kolb (1984), quanto à aprendizagem
experiencial; e de autores, como Torre (2004), Moraes (2004, 2007) e Bruno
(2007, 2008) sobre a aprendizagem integradora. Para construir este capítulo, a
busca foi de integrar aspectos pertinentes das teorias de aprendizagens ao
contexto da pesquisa. Buscamos pelo movimento entre teoria e prática no
processo de produção do conhecimento de teorias de aprendizagens. As linhas
a seguir serão construídas sob permanente movimento processual entre
aspectos teóricos, práticos, subjetivos e intuitivos. E nas palavras de Edgar
Morin,
Uma teoria não é o conhecimento; ela permite o conhecimento. Uma
teoria não é uma chegada; é a possibilidade de uma partida. Uma
teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar de um problema.
Em outras palavras, uma teoria realiza seu papel cognitivo,
ganha vida com o pleno emprego da atividade mental do sujeito. É
essa intervenção do sujeito que ao termo método seu papel
indispensável. (MORIN, 2002, p. 335)
46
1.1. SOBRE A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
Em nosso movimento de elaborar um estudo que trate do conceito de
aprendizagem integradora, consideramos fundamental desvelar as
contribuições de educadores que dedicaram seus estudos a reformar, repensar
e humanizar a dinâmica do ensino-aprendizagem.
A perspectiva cognitiva clássica da aprendizagem significativa é proposta
por David Ausubel (1980), grande psicólogo da educação, de origem norte-
americana. A proposta fundamental de aprendizagem significativa de Ausubel
(Ibid.) baseia-se na compreensão de que o mais importante num processo
educativo é considerar que o aprendiz traz conhecimentos dentro de si.
Assim, cabe aos educadores considerarem seus aprendizes não como pacotes
vazios carentes de serem preenchidos com informações e conhecimentos, mas
sim, potencializarem o conhecimento prévio dos aprendizes.
A origem da proposta de aprendizagem trazida por Ausubel (Ibid.) se deve
ao seu descontentamento com a educação que recebera. David Paul Ausubel
(Ibid.), judeu de família pobre, nasceu em Nova York, em 1918, e na época, os
judeus sofriam preconceitos. E como era comum na época, muitas escolas
priorizavam o castigo e humilhações como método de aprendizagem. E por ter
sido vítima desses castigos, Ausubel (Ibid.) passou a considerar a escola como
um cárcere para meninos. Assim, fez de sua revolta contra os métodos
tradicionais de ensino da época seu objeto de estudo e trabalho: trazer
melhorias para o processo de aprendizagem com a finalidade de torná-lo
significativo e verdadeiro.
7
47
7 http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Ausubel. Acesso em 02 de agosto de 2008.
NO CASULO A LAGARTA DESFRUTA DE SEU ESTADO
LÍQUIDO
Muito sobre o conceito de aprendizagem significativa podemos encontrar
na obra do professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Marco Antonio Moreira (1997, 2000, 2007). O autor (Ibid.) nos
fornece relevantes estudos quanto ao conceito de aprendizagem significativa
desenvolvido por Ausubel, e mais tarde, por outros autores, como Novak e
Gowin. O aspecto epistemológico da produção teórica feita por Moreira (Ibid.)
consiste em construir uma visão de aprendizagem significativa sob a
perspectiva crítica. Os estudos da obra de Moreira (Ibid.) são os fios que tecem
a construção deste capítulo por se tratarem de obras mais recentes. Ausubel é
o clássico referencial do conceito de aprendizagem significativa; porém,
posteriores aos seus estudos iniciados na década de 1960, muitos outros
trabalhos e contribuições têm sido feitos por outros autores inspirados em sua
obra.
Se, conforme Ausubel e salientado por Moreira (Ibid.), a condição
essencial de aprendizagem significativa consiste em considerar e potencializar
o conhecimento prévio dos aprendizes, o que de fato isso quer dizer?
Aprendizagem significativa é o processo através do qual uma nova
informação (um novo conhecimento) se relaciona de maneira não
arbitrária e substantiva (não-literal) à estrutura cognitiva do aprendiz.
É no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do
material de aprendizagem se transforma em significado psicológico
para o sujeito. (MOREIRA, 1997, p.19)
Nesse sentido, os termos não arbitrária e substantiva se referem ao fato
de que o primeiro diz que as novas idéias, conceitos, proposições podem ser
aprendidos significativamente (e retidos) conforme outras idéias, conceitos,
proposições, especificamente relevantes e inclusivos, que estejam
adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do sujeito,
funcionando como pontos de “ancoragem” aos primeiros. (Ibid. p.19). Em
termos de estrutura cognitiva do aprendiz, isso esclarece quanto ao caráter de
relação não arbitrária entre material potencialmente significativo e o
conhecimento prévio do aprendiz. Não se trata de qualquer estrutura cognitiva
do aprendiz, mas sim de conhecimentos especificamente relevantes os quais
Ausubel (1968) nomeou de subsunçores. O conhecimento prévio, sob esse
48
olhar, age como uma matriz ideacional e organizacional que incorpora e fixa os
novos conhecimentos quando estes conectam com conhecimentos
especificamente relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva.
Já q ua n to à s c ara ct e rí s ti c as d e
substantividade da aprendizagem significativa,
aquilo que se incorpora à estrutura cognitiva é a
substância do novo conhecimento, das novas
idéias, mas não diz respeito ao modo de
expres-las, as palavras usadas. É esse
aspecto que assegura a maneira diversa
adotada por cada um de se expressar por meio
de diferentes signos ou grupos de signos que
são equivalentes em termos de significado. E
isso concede à aprendizagem significativa seu potencial de usufruir signos
diversos, não somente um em particular.
Quando o material de aprendizagem é relacionável à estrutura
cognitiva somente de maneira arbitrária e literal que não resulta na
aquisição de significados para o sujeito, a aprendizagem é dita
mecânica ou automática. A diferença básica entre aprendizagem
significativa e aprendizagem mecânica está na relacionabilidade à
estrutura cognitiva: não arbitrária e substantiva versus arbitrária e
literal (ibid.). Não se trata, pois, de uma dicotomia, mas de um
contínuo no qual elas ocupam os extremos. (MOREIRA, 1997, p.20)
Sustentando esse pensar sobre a aprendizagem significativa que
considera aquilo que o aprendiz sabe, seu conhecimento prévio, podemos
refletir como isso se no processo de construção de valores de jovens que
vivem em áreas com predomínio de uma cultura de violência. Quais são os
possíveis conhecimentos prévios trazidos por esses jovens aos nossos
encontros com Diálogo? Foi com a perspectiva das potencialidades dos
aprendizes que conduzi as práticas de Diálogo em sala de aula durante a
realização deste trabalho.
Muitos aprendizes, no contexto desta pesquisa, sabem e entendem no
vivenciar o que a violência tem a dizer. Para muitos, é uma maneira rápida e
49
Olho de Peixe
Se na cabeça do homem
tem um porão
Onde moram o instinto e
a repressão
(diz )
O que tem no sótão?
O que tem no sótão?
O que tem no sótão
Lenine
viável de se tornarem “alguém”, de “serem vistos”, de “serem poderosos”. Uma
experiência de paz é algo que eles até desejam, mas que observam pouco no
cotidiano. O que mais tem me chocado em trabalhar com jovens é observar a
baixa perspectiva de mudanças e, por quase não as vislumbrarem, conformam-
se.
Considerando os conceitos que sustentam a aprendizagem significativa,
podemos afirmar que se trata de um movimento de interação entre novo e
prévio conhecimento (MOREIRA, 2000, p.3). A interação entre conhecimento
prévio e novo faz com que aquilo que é sabido se enriqueça, se diferencie e
se torne mais elaborado em termos de significados. E o conhecimento novo
adquire significados para o aprendiz.
Em termos de contribuições oriundas do conceito de aprendizagem
significativa na construção de um referencial teórico quanto às dimensões do
processo de aprendizagem, podemos considerar que uma delas seja olhar e
estimular as potencialidades dos aprendizes, ainda mais inseridos num
contexto de construção de valores. Nesse contexto, consideramos que valores
não são e nem devem ser ensinados como fórmulas para decorar, nem como
pregações “dogmáticas” das palavras que alguém nos diz sobre o que é certo
ou errado. Assim, podemos considerar que, ao potencializarmos o
conhecimento prévio dos aprendizes que participaram da pesquisa,
respeitamos e acolhemos seus conhecimentos prévios acerca da questão dos
valores.
Sabemos, também, que o conhecimento prévio é, isoladamente, a
variável que mais influencia a aprendizagem. Em última análise,
podemos aprender a partir daquilo que conhecemos. David
Ausubel nos chamava atenção a isso em 1963. Hoje, todos
reconhecemos que nossa mente é conservadora, aprendemos a
partir do que temos em nossa estrutura cognitiva. Como dizia ele,
nessa época, se queremos promover a aprendizagem significativa
é preciso averiguar esse conhecimento e ensinar de acordo.
(MOREIRA, 2000, p. 3)
O autor (Ibid.) nos propõe um estudo quanto ao aspecto da aprendizagem
significativa crítica, e diz que “é aquela perspectiva que permite ao sujeito fazer
50
parte de sua cultura e, ao mesmo tempo, estar fora dela.” O nosso reflexionar
se faz então em trazer, na composição dessas linhas, um dito popular que diz
que o peixe enxerga que vive dentro d`água quando pula para fora dela.
Devemos exercitar nosso olhar a se distanciar de nossa cultura para poder
observá-la. E como é possível? Aprendendo a fazer perguntas ao invés de
buscar tantas respostas.
O aspecto teórico da aprendizagem significativa crítica trazido por Moreira
(Ibid.), sustentado a partir da teoria de Ausubel (Ibid.), conforme dito, está
fundamentado também nas contribuições de Postman e Weingartner (1969) a
respeito dos conceitos de ensino subversivo. Para o autor (Ibid.), a
aprendizagem significativa crítica se assemelha ao conceito de ensino
subversivo por ter como princípios de facilitação a postura de ensinar a fazer
perguntas ao invés de buscar respostas. Este corresponde ao primeiro
princípio de facilitação, conforme proposto pelo autor.
Fazer perguntas. Reverenciá-las. Pensamento inquieto, curioso,
questionador. Essa temática fez parte do planejamento e das aulas em si.
Conversamos, em nossos diálogos, sobre fazer perguntas na construção de
nossa visão de mundo; do amadurecimento e da ação consciente; de sair um
pouco da caverna e caminhar em direção aos feixes de luz. E assim, Platão
com o seu mito da caverna nos ensina sobre a atemporalidade e liberdade que
abrangem o pensamento questionador que vive de fazer perguntas.
A “lão de casa dada aos aprendizes, em uma aula em que
conversamos sobre essa questão, foi que durante a semana anotassem e
observassem quais questões lhes chamavam a atenção no cotidiano. Até
anotei a tarefa na agenda para não me esquecer de conversarmos na aula
seguinte. Passada a semana, “lição de casa tomada!” E o que perguntaram?
- Respostas: “Por que o céu é azul?”; “Por que meu vizinho sempre age
de um jeito e não de outro?”; “Por que não é bom acordar cedo?”...
51
Mas o “Por que” mais curioso foi que nunca tinham pensado no exercício
de fazer perguntas. Por que será?
O segundo princípio de facilitação dessa aprendizagem trazido pelo autor
consiste no uso de materiais instrucionais diversos, e não centralizar somente
em livros. Quanto a esse princípio, podemos dizer que em geral, os recursos
com que trabalhamos no contexto da pesquisa eram cadeiras, corpos, vozes,
ouvidos, papéis, lápis de cor, corações, tv, rádio, dvd, livros, lousa (uma única
vez, na primeira aula), coragem e abertura.
O terceiro trata do aprendiz como perceptor/ representador. Esse princípio
concebe o aprendiz enquanto sujeito que percebe o mundo, e não como
receptor, conforme proposto por algumas práticas escolares. O aprendiz é
aquele que percebe o mundo e o representa. Esse princípio é sustentado pela
compreensão da psicologia cognitiva que tem como uma de suas suposições o
fato de que os seres humanos não captam o mundo diretamente; eles o
representam internamente.
O estudo acerca da teoria de aprendizagem significativa do qual trata este
item da pesquisa é concebido a fim de construir um olhar teórico de teorias de
aprendizagens. A idéia é tratarmos diligentemente do conceito de
aprendizagem integradora. Portanto, ao escrevermos sobre o terceiro princípio,
e tratando esta pesquisa dos conceitos do pensamento complexo e eco-
sistêmico, concebemos o aprendiz enquanto aquele que percebe e representa
o mundo, inserido numa relação processual e dialógica consigo, com os outros
e com o meio.
A idéia de percepção/ representação nos traz a noção de que o que
“vemos” é produto do que acreditamos “estar lá” no mundo. Vemos as
coisas não como elas são, mas como nós somos. Sempre que
dissermos que uma coisa “é”, ela não é. Em termos de ensino, isso
significa que o professor estará sempre lidando com as percepções
dos alunos em um dado momento. Mais ainda, como as percepções
dos alunos vêm de suas percepções prévias, as quais são as únicas,
cada um deles perceberá de maneira única o que lhe for ensinado.
Acrescente-se ainda que o professor é também um perceptor e o que
ensina é fruto de suas percepções. Quer dizer, a comunicação
será possível na medida em que dois perceptores, alunos e professor
no caso, buscarem perceber de maneira semelhante os materiais
52
educativos do currículo. Isso nos corrobora a importância da
interação pessoal e do questionamento na facilitação da
aprendizagem significativa. (MOREIRA, 2000, p. 9)
Ao tratar da comunicação no princípio anterior, o autor, no quarto
princípio, fala do conhecimento como linguagem. A linguagem à qual se refere
o autor não é neutra, tanto no processo de perceber como de avaliar as
percepções. “Praticamente tudo que chamamos conhecimento é linguagem.”
Estamos acostumados a pensar que a linguagem “expressa” nosso
pensamento e que ela “reflete” o que vemos. Contudo esta crença é
simplista, a linguagem está totalmente implicada em qualquer e em
todas nossas tentativas de perceber a realidade. (Ibid., p. 99)
O quinto princípio da facilitação da aprendizagem significativa crítica
implica várias considerações quanto à consciência semântica. Uma das mais
importantes considerações consiste no fato de que os significados estão nas
pessoas, e não nas palavras (Ibid. p. 10). A palavra em si não tem significado,
mas são as pessoas que lhe atribuem algum significado, e este é atribuído em
conformidade com suas experiências. Essa consideração revela, de acordo
com o autor, a importância de conceber o conhecimento prévio dos aprendizes,
pois quando estes não têm condições ou não querem atribuir significados às
palavras, a aprendizagem se torna mecânica e não significativa.
outras considerações a respeito do quinto princípio, como o fato de
que a palavra não é a coisa em si, ou seja, as palavras não são aquilo que elas
ostensivamente referem, também considerando neste ponto os diferentes
níveis de abstrações, pois palavras mais abstratas e outras mais concretas.
Sob essa perspectiva de abstrações e concretude das palavras, é considerado
por Moreira (Ibid. p. 10) que as palavras mais abstratas se referem aos
aspectos subjetivos, pessoais, internos - a direção do significado é de fora para
dentro, conotativo. as palavras mais concretas, o autor as caracteriza como
objetivas e sociais; a direção do significado é de dentro para fora, denotativo.
Ainda tratando da consciência semântica no processo de aprendizagem
significativa crítica, ele se refere à característica mutável dos significados das
53
palavras. “O mundo está permanentemente mudando, mas a utilização de
nomes para as coisas, tende a “fixar” o que é nomeado” (Ibid. p. 10). É como
se as palavras tivessem efeito fotográfico; é como se fixassem e paralisassem
as nossas percepções de mundo. E ao agirmos de tal forma, fixando e
“congelando” as palavras que atribuímos às coisas, dificultamos a percepção
da permanente mudança do mundo. O preconceito e a atribuição de uma única
causa a problemas complexos são possíveis manifestações da falta de
consciência semântica.
Porém na medida em que o aprendiz desenvolver aquilo que
chamamos de consciência semântica, a aprendizagem poderá ser
significativa e crítica, pois, por exemplo, não cairá na armadilha da
causalidade simples, não acreditará que as respostas têm que ser
necessariamente certas ou erradas, ou que as decisões são sempre
do tipo sim ou não. Ao contrário, o indivíduo que aprendeu
significativamente dessa maneira, pensará em escolhas ou invés de
decisões dicotômicas, em complexidade de causas ao invés de
supersimplificações, em graus de certeza ao invés de certo ou errado.
(Ibid. p. 11)
A citação acima muito se assemelha às considerações do pensamento
complexo reveladas nos estudos de Mariotti (2000) ao nos falar do
automatismo concordo/ discordo, e sobre a tirania de adjetivos como bom/mau,
certo/errado, sim/o, belo/feio. Esse pensar automático consiste na
linearidade de nossa estrutura de pensamento. No capítulo 3 da pesquisa, é
construído um estudo acerca do pensamento complexo.
Quanto ao sexto princípio, Moreira (Ibid. p.11) considera os aspectos de
conceber o erro no processo educativo. Enquanto humanos, estamos sempre
dispostos a situações que erramos e acertamos, e o aprendizado pode
acontecer mais significativamente quanto superamos e/ou transcendemos o
erro. A escola tradicional tende a punir o erro, a não acolher o sujeito humano
passível de errar. E essa punição gera o medo de errar, sendo o medo um dos
agentes bloqueadores do processo de aprendizagem criativa e aberta.
Podemos, sob a perspectiva do erro, nos aproximar do paradigma eco-
sistêmico ao considerarmos a permanente mutabilidade das coisas no mundo.
Assim, podemos considerar que o contrário do erro seria a verdade, definitiva,
54
rígida e absoluta, típica do pensamento linear. Não conceber o erro no
processo educativo se deve à tradicional e insuficiente idéia de que o
conhecimento que temos do mundo, dos conteúdos dos currículos, são
verdades imutáveis, e, ao adotarmos essa postura, fechamos os olhos ao
movimento autopoiético do mundo, dos outros e de nós mesmos.
O sétimo princípio considera a desaprendizagem. Esse princípio é
explicitado por meio do conto do mestre de espada contido na obra “Como
Viver a Macrotransição” (2002), elaborada por um dos maiores expoentes da
Filosofia dos Sistemas e da Teoria Geral da Evolução, o pesquisador Ervin
Laszlo, numa versão de Inty Mendonça, adaptada para a linguagem de jovens.
Dois amigos foram visitar um mestre de espada para aprender a lutar.
Quando chegaram, o amigo perguntou ao mestre:
- Quanto tempo eu preciso para aprender a lutar com espada?
- Dez anos - respondeu o mestre.
Daí o outro amigo disse:
- Eu luto com espada dez anos. Quanto tempo o senhor precisa
para me ensinar o seu jeito de lutar?
- Vinte anos - respondeu o mestre.
- Mas por que ele, que nunca aprendeu, precisa só de dez anos e eu,
que já sei lutar, preciso de vinte?- quis saber o garoto.
O mestre respondeu:
- Porque eu vou levar dez anos para fazer você esquecer o que
aprendeu. Depois, mais dez anos para lhe ensinar alguma coisa
nova. (apud. Laszlo, 2002, p. 45)
Inspirada no conto narrado acima, a questão da desaprendizagem
enquanto princípio da facilitação da aprendizagem significativa crítica proposta
por Moreira (2000, p.12) se refere ao fato principal da interação entre
conhecimento prévio e novo. Porém, quando o conhecimento prévio bloqueia
e/ou dificulta captar os significados do novo conhecimento, estamos diante de
um caso em que a desaprendizagem se faz necessária. Como no caso da
narrativa do mestre de espada. Um dos garotos possuía conhecimento
prévio sobre a arte de lutar com espadas. Porém, ele precisaria do dobro do
tempo para aprender a lutar do jeito daquele mestre. Esse tempo em dobro é o
tempo de desaprender para então aprender novamente.
É tempo de aprender a desaprender. Temos aprendido muitas coisas na
trajetória de nossas vidas; no entanto, devemos acompanhar a permanente
55
transformação do mundo de maneira aberta e livre de pressupostos que
moldam nossas percepções de mundo. Desaprender passa a ser uma questão
de sobrevivência em um mundo que se apresenta sempre novo, pois podemos
correr o risco de enfrentar os problemas e crises atuais do mundo a partir de
uma estrutura de pensamento que faz mais sentido, e que pouco nos ajudará
diante desse desafio. Desaprender é uma questão de sobrevivência, conforme
nos diz Moreira (Ibid. p.13).
O princípio da incerteza do conhecimento corresponde ao oitavo princípio
proposto pelo autor (Ibid.). Para explicar esse princípio, o autor se baseia em
três elementos que compõem a linguagem humana e que constroem nossa
visão de mundo: definições, perguntas e metáforas (apud. Postman, 1996, p.
175).
A aprendizagem significativa destes três elementos será da
maneira que estou chamando crítica quando o aprendiz perceber que
as definições são invenções, ou criações, humanas, que tudo o que
sabemos tem origem em perguntas e que todo nosso conhecimento é
metafórico. (MOREIRA, 2000, p. 13)
Como nono e último princípio da facilitação da aprendizagem significativa
crítica, o autor nos diz da não utilização do quadro-de-giz, da participação ativa
do aprendiz e da diversidade de estratégias de ensino. Quanto a essa
consideração, podemos comentar e, conforme mencionado no segundo
princípio que trata da não centralidade do livro, as estratégias de aprendizagem
que tratamos nesta pesquisa são por essência caracterizadas pela participação
ativa do aprendiz.
A tecitura
8
, neste item, é trançada por conceitos de aprendizagem
significativa de Ausubel (Ibid.), estudada e argumentada por Moreira (Ibid.) sob
uma perspectiva que ele nomeou de crítica.
56
8
Tecitura, s. f. Conjunto dos fios que se cruzam com a urdidura. Fonte: http://
tecerdavida.wordpress.com/2007/08/23/tecitura/livepage.apple.com. Acesso em 05 de agosto
de 2008.
Ao compor este estudo, trancei os fios teóricos, os estudados, os
vivenciados, os refletidos, os sentidos e os não-nomeados. Assim, anuncio o
exercício de voar por ares de outras teorias de aprendizagem.
A idéia é complementar. É desvelar os universos de outras propostas de
aprendizagem. É desfrutar do momento de indefinição de forma quando
estamos no casulo. É ser líquida, maleável, desfrutando da liberdade de poder
ter forma indefinida.
57
1.2. SOBRE APRENDIZAGEM EXPERIENCIAL
A teoria de aprendizagem significativa de Ausubel contribui com este
estudo ao contemplar principalmente as questões cognitivas no processo de
aprendizagem. Cabe ressaltar que as considerações de aprendizagem
significativa foram estudadas a partir da obra de Moreira (1997, 2000, 2007),
por tratar essa teoria sob a perspectiva crítica. Porém, desejamos contemplar
toda a multidimensionalidade humana nesse processo. E isso nos faz buscar
aportes teóricos que abrangem a totalidade do meio, do sujeito e da interação
de ambos no processo de construção do conhecimento.
A aprendizagem experiencial tratada neste item da pesquisa consiste na
abordagem do psicólogo e professor norte-americano David Kolb. A escolha
por estudar os aspectos da aprendizagem experiencial se deve ao caráter de
complementaridade que essa proposta traz à pesquisa ao contemplar aspectos
multidimensionais humanos no processo de aprendizagem. Nesse sentido, o
estudo sobre os conceitos de aprendizagem experiencial nos aproxima ao que
de fato nos interessa em termos de pesquisa: conceber um estudo teórico
sobre aprendizagem integradora destinada aos jovens por meio principalmente
da estratégia do Diálogo.
De acordo com Bruno (2007, p. 99), Kolb em seus estudos propõe que o
processo de aprendizagem seja articulado de modo interdisciplinar pelas
diferentes áreas. Para a autora (Ibid.), o fato de ser o ensino experiencial não
quer dizer que se trata de uma abordagem fadada ao tecnicismo ou ao
empirismo. Na realidade, a abordagem de Kolb propõe o imbricamento entre
teoria e prática por meio de experiências de vida, considerando as dimensões
bio-psico-socio-cultural-cognitivas do indivíduo.
58
NO CASULO A LAGARTA LIQÜEFEITA É EXPRESSÃO
GENUÍNA DE VIR-A-SER
Dentro da perspectiva da integração de aspectos múltiplos do sujeito e
seu processo de aprendizagem, Kolb (1984, p. 31) afirma que a aprendizagem
não é algo isolado de uma área humana de funcionamento especializado, tal
como a cognição e a percepção. Na realidade, a aprendizagem envolve o
funcionamento integral de um organismo total, ou seja, pensamento,
sentimento, percepção e comportamento.
Em essência, a teoria da aprendizagem experiencial trata da construção
do conhecimento por meio da transformação da experiência. Nesse sentido,
conhecemos aquilo que apreendemos da experiência e sua transformação
(KOLB, 1984, p. 41). Sujeito e meio se transformando ao se relacionarem. E
sob esse olhar, fica implícito o conceito de transação. De acordo com Bruno
(Ibid., p. 100), transação é a expressão que se assemelha ao que usualmente
compreendemos como interação. A interação infere a continuidade de
entidades separadas; a transação torna possível o entrelaçamento de seres
que podem conceber uma terceira entidade ou situação. Sob esse olhar, a
autora diz que na interação, pode ou não se promover a negociação entre as
partes, enquanto que na transação, a negociação é fato determinante.
Compreendemos a negociação à qual se referem Bruno (2007) e Kolb
(1984) como uma relação criativa e interativa de trocas que produzem algo
novo, espontâneo. No diálogo, conforme proposto por Bohm (2005), tratamos
de negociação a relação em que uns tentam afirmar seus pensamentos e
pressupostos aos outros. É uma relação de ganha-perde. Aquele que tiver o
melhor argumento ganha. Essa idéia de negociação que tratamos no diálogo
corresponde à maneira que estamos acostumados a nos relacionar uns com os
outros, e nesse sentido, dessa relação ficam limitadas as possibilidades de se
criar um novo e compartilhado conhecimento.
Com a finalidade de evitar riscos de compreensões acerca do conceito de
negociação, optamos por utilizar a expressão “interação criativa” ao nos
referirmos à negociação proposta por Kolb (1984) e ressaltada por Bruno
59
(2007). A idéia de negociação desses autores se assemelha ao caráter
relacional da proposta de Diálogo de Bohm (2005), visto que ambas almejam
que da relação haja a criação do novo.
A aprendizagem experiencial se pela transação, pela interação criativa
entre as características internas e circunstâncias externas do indivíduo. Ela
ocorre no diálogo que se estabelece entre conhecimento pessoal e
conhecimento social (BRUNO, 2007, p. 103). E como é possível esse diálogo?
Enquanto seres, possuímos fluidez, assim como a lagarta protegida no casulo.
Podemos experimentar mudanças e transformações em nosso estado
disforme, de constante vir-a-ser, de pura autopoiesis
9
. Compreendemos este
termo enquanto abertura para a transformação e mudança. E nesse sentido,
uma pedra pode ser fluida nas mãos de um escultor.
A esse estado humano de estar em constante vir-a-ser, sob a perspectiva
de nossa constituição em múltiplas dimensões, Bruno (Ibid., p.100) denomina
plasticidade humana. Plasticidade humana é a condição que integra todos os
aspectos da vida do indivíduo. E ao considerarmos a plasticidade humana,
buscamos propostas de ensino e aprendizagem que acolham a totalidade do
que é ser gente humana, com todos os seus conflitos e contradições, afetos e
possibilidades de realização.
A teoria da construção do conhecimento é tratada por Kolb a partir de
quatro formas elementares de conhecimento: assimilativo, acomodativo,
divergente e convergente.
No entanto, conforme destaca Bruno (Ibid., p. 103), tais conhecimentos
correspondem às bases enquanto alicerces do processo de aprendizagem
experiencial, e não ao todo.
60
9
Autopoiesis é um termo criado pelos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela (1945-)
para designar a célula enquanto algo "auto-criado". De origem biológica, termo passou a ser
usado em outras áreas como a neurobiologia e até na sociologia. Fonte: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Autopoiesis. Acesso em 05 de agosto de 2008.
As formas elementares do conhecimento da teoria de Kolb (1984) são
salientadas pela autora (Ibid.) como base de uma forma espiralada e contínua,
tridimensional e translúcida.
A aprendizagem está organizada em quatro estágios não lineares,
conforme podemos observar na figura abaixo que corresponde à teoria do
desenvolvimento da aprendizagem experiencial proposta por Kolb (1984).
Cabe ressaltar que esses estágios são transformados ao longo da vida do
indivíduo.
A seguir, consta uma breve definição dos conceitos da base da pirâmide,
conforme podemos observar na figura 2:
61
Aumento da complexidade e da relatividade via integração dos modos adaptativos dialéticos
complexidade comportamental
complexidade simbólica
complexidade afetiva
complexidade perceptual
acomodação
divergência
assimilação
convergência
E.C.
O.R.
C.A.
O ser como
processo-
relação/
transação
com o mundo
O ser como
conteúdo-
interação com
o mundo
O ser como
indiferenciado
- imersão no
mundo
especializaçãoaquisição
integração
E.A.
Ao longo da
vida adulta
(confronta
ação pessola
e existencial-
conflito) até
a morte
Ao longo da
educação
formal ao
início da vida
adulta
Do
nasscimento
até
adolescência
Figua 2: A teoria do desenvolvimento da aprendizagem experiencial
Experiência concreta (E.C.): é a aprendizagem pelo uso dos
sentidos ao se relacionar com os outros. O indivíduo vai apreendendo suas
percepções subjetivas ao vivenciar. Nessa fase, mais perceptiva e sensitiva, as
decisões são tomadas mais pela intuição. O acúmulo de experiências não
garante a aprendizagem; sendo assim, a aprendizagem não pode se limitar
somente a essa etapa, pois pode fazer com que os indivíduos comecem a
reproduzir suas experiência anteriores, tornando-se assim um processo
desmotivador.
Observação reflexiva (O.R.): é quando o indivíduo compara
suas próprias experiências anteriores com as dos outros. Começa a refletir
62
Experiência concreta
Observação
reflexiva
Conceitualização
abstrata
Experimentação
ativa
Preensão via
APREENSÃO
Preensão via
COMPREENSÃO
Aprendizagem
DIVERGENTE
Aprendizagem
ASSIMILATVA
Aprendizagem
CONVERGENTE
Aprendizagem
ACOMODATIVA
Figura 3: base da pirâmide da teoria de aprendizagem experiencial
Transformação
via EXTENSÃO
Transformação
via INTENÇÃO
sobre suas experiências, fazendo exercício crítico de busca de transformação
de idéias pré-concebidas e que, em sintonia com seus desejos e pensamentos,
poderão ser re-formuladas. Esse estágio é marcado pela descrição da narrativa
da experiência, enfatizando a compreensão dos dados.
Conceituação abstrata (C.A.): corresponde às conexões feitas
pelos indivíduos entre seus conhecimentos prévios e novos, elaborando
conceituações. São construídas elaborações abstratas para resolução de
problemas, viabilizadas por processos mentais baseados em compreensão
intelectual. Nesse estágio, o indivíduo significado às coisas, conceitos às
observações refletidas. A característica é o conflito entre pensar e sentir, a
precisão, o rigor, a disciplina, o raciocínio abstrato.
Experimentação ativa (E.A.): é o teste das abstrações, verificar
hipóteses, transpor teorias e práticas. Assume caráter pragmático ao invés de
reflexivo, buscando por resultados, realizações. E por se compor em forma de
espiral, essa fase pode dar origem a um novo processo de aprendizagem. Esse
processo ocorre de modo alternado. As posições dos indivíduos se alternam,
ora ator, ora observador, ora imerso no experienciar, ora na análise distanciada.
A relação dialética estabelecida ocorre entre concretude e abstrações.
A aprendizagem experiencial ocorre a partir da integração de movimentos
de preensão e transformação (BRUNO, 2007, p. 107). O primeiro se refere aos
movimentos diferentes e opostos que podem ocorrer em duas direções:
preensão via compreensão (interpretação conceitual e representação
simbólica) e via apreensão (percepção imediata do ambiente, maneira de
apreender a experiência, entender o mundo, sensações da experiência
imediata). A transformação também se dá em duas direções: via intenção
(representação figurativa da experiência ou reflexões internas) ou via extensão
(manipulação externa do mundo).
O processo de aprendizagem de jovens, por meio principalmente da
estratégia do diálogo, se propõe a promover o movimento transitório e
63
apreensivo proposto por Kolb (1984). No Diálogo, podemos considerar que o
conceito de preensão via apreensão refere-se ao momento presente, para o
que cada um sente e percebe ao dialogar, observando suas falas e influência
do grupo. Quanto à preensão via compreensão, podemos considerar a
preocupação de trazer e apontar referências de estudos, como textos, poemas,
citações de pensadores, provérbios, histórias e contos, sempre pertinentes ao
assunto da roda.
a transformação via intenção, podemos considerar, no contexto das
Rodas de Diálogo, as mudanças internas passíveis de observação, tanto no
momento da roda quanto ao longo da vida. Alguns exemplos de
transformações almejadas, de um trabalho com Diálogo, referem-se a
mudanças na disponibilidade e qualidade da escuta, abertura para um
pensamento novo construído coletivamente, ampliações de percepções de si,
dos outros e do mundo. Enquanto transformação via extensão, podemos
considerar a capacidade de uma experiência com Diálogo oferecer aos jovens
o desenvolvimento de posturas pautadas em exercícios de um pensar crítico e
criativo diante das adversidades, conflitos e contradições presentes no mundo.
E que desse pensar, crítico e criativo, podemos desvelar ações de convivências
interpessoais pacíficas e harmoniosas.
Transformação e apreensão são complementares. Para promover a
aprendizagem, ambas precisam atuar. a percepção não nos diz se
aprendemos ou não algo, fazendo com que seja necessário que ocorra a
transformação da experiência percebida, como nos alerta Bruno (2007, p. 107).
Aprender, na perspectiva de Kolb, implica um reaprender. “Em cada
experiência para aprendizagem, o indivíduo poderá ser levado à transformação
por meio da ação (extensão) ou da reflexão (intenção)” (Ibid.).
Kolb (1984) apresenta um material denominado por ele Inventário de
Estilos de Aprendizagem (IEA). Esse material nos esclarece que ao longo da
vida, o indivíduo apresenta ênfase em determinado estilo de aprendizagem,
sendo também influenciado pelos demais, podendo até mudar de estilo. Esta
64
pesquisa não tratará diretamente com o conceito de Inventário de Estilos de
Aprendizagem - IEA.
Correspondem a esses estilos:
Aprendizagem divergente: é marcada pela experiência concreta
e pela observação reflexiva. O foco está na observação e na sensibilidade da
ação. Criatividade, percepção aguçada que considera diversos os olhares para
situações e buscas por caminhos alternativos. O indivíduo é criativo e
cooperativo; dedica-se ao levantamento de hipóteses.
Aprendizagem assimilativa: observação reflexiva e
conceitualização abstrata correspondem aos donios da habilidade.
Predomínio de idéias e de abstrações teóricas. É marcada pelo raciocínio
indutivo, criação de modelos abstratos e teóricos. Trabalhos individuais são
mais facilmente realizados por indivíduos que se enquadram nesse estilo de
aprendizagem.
Aprendizagem convergente: conceitualizações abstratas e
experimentação ativa. O foco es no pensamento dedutivo-hipotico.
Preferência por situações que apresentam uma única resposta correta.
Expressões dos sentimentos são controladas, fato que inibe o desenvolvimento
de relações interpessoais. Facilidade para administrar questões técnicas.
Corresponde àquele indivíduo que gosta de trabalhar com abstrações e de
testar a realidade.
Aprendizagem acomodativa: a ênfase está na aprendizagem
por meio da experimentação ativa e da experiência concreta. O fazer e a busca
por novas experiências correspondem às suas marcas fundamentais. O
indivíduo busca nos outros as soluções para os seus problemas de modo
indutivo (ensaio e erro), sendo o sujeito destacado por ter iniciativa, aceitar
65
desafios, ser bom organizador. O ponto fraco está em sua dificuldade de
argumentação, de articulação cognitiva de ordem abstrato-reflexiva.
A aprendizagem pautada na experiência, como percebemos, integra
aspectos diversos, inclusive o do ambiente. A interação sujeito e
ambiente não é unidirecional, mas de confronto: tanto o indivíduo
pode interferir no seu processo de aprendizagem no ambiente, como
o ambiente interferir no indivíduo. (BRUNO, 2007, p. 110)
Resolução de problemas e tomadas de decisões o questões
observadas nas vertentes de aprendizagem estudadas para a elaboração
deste capítulo. É quase que missão das teorias de aprendizagem aqui
estudadas atuar no processo de formão e transformão de seres
conscientes, capazes de resolver de modo criativo os atuais problemas e crises
que temos enfrentado. Considerando os estudos de IEA propostos por Kolb
(1984), eles nos convidam a refletir sobre as manifestações e tendências
humanas a se integrarem aos estilos de aprendizagem, afirmando que:
Como resultado de nosso aporte heredirio, as experncias
passadas em nossa vida particular e com as demandas do presente,
a maioria de nós desenvolve formas de aprendizagem que enfatizam
algumas habilidades em detrimento de outras. Pelas experiências de
socialização na família, na escola e no trabalho, passamos a resolver
os conflitos entre ser ativo e reflexivo e entre ser imediato ou analítico
de modo característico, apoiando-nos em uma das quatro formas
básicas de conhecimento: a divergência, alcançada pelo apoiar-se na
apreensão transformada pela intenção; a assimilação, alcançada pela
compreensão transformada pela intenção; a convergência, alcançada
pela transformação extensiva da compreensão e a acomodação,
alcançada pela transformação extensiva da apreensão. (KOLB, 1984,
p. 77 apud. BRUNO, 2007, p. 111)
A citação acima nos ajuda a compreender que num processo de
aprendizagem, cada integrante do grupo pode estar sob predomínio de
determinado estilo de aprendizagem, conforme apontado no estudo de IEA de
Kolb (1984). Cabe ressaltar que o objetivo da pesquisa não é elaborar um
estudo que categorize os ciclos de aprendizagem dos sujeitos de pesquisa,
mas sim, compreender quais contribuições que a aprendizagem experiencial
pode trazer para a construção de um estudo de aprendizagem integradora
realizada com os jovens por meio principalmente da estratégia do Diálogo.
66
Contextualizando o universo teórico da aprendizagem experiencial ao da
prática da pesquisa, podemos ressaltar a importância de que no processo
educativo, cada aprendiz seja visto e contemplado em toda sua particular
dimensão. Cada um, conforme sua dimensão bio-psico-socio-cultural-cognitiva
e espiritual, deve ser acolhido em sua necessidade e potencialidade,
considerando que cada um está inserido em diferentes estilos de
aprendizagem de acordo com o momento de vida.
Kolb (Ibid.) aponta em seus estudos três níveis de aprendizagem ao longo
do desenvolvimento humano, conforme podemos ver no lado direito da Figura
2. São eles:
Aquisição: vai do nascimento até a adolescência. De acordo com
Bruno (2007, p. 112), Kolb (Ibid.) não propõe idade específica. Essa fase é
caracterizada pela imersão do ser humano no mundo, pela descoberta, pela
apropriação e desenvolvimento de habilidades básicas e de estrutura cognitiva.
“Compreende desde discriminação básica entre os estímulos internos e
externos até a crise de identidade.” (Ibid.). A maioria dos aprendizes, sujeitos
da pesquisa, correspondem a essa faixa etária, mas estão em movimento de
transição para os níveis correspondentes à fase adulta, descritos nos itens a
seguir.
Especialização: determina os momentos de escolhas pessoais e
profissionais de acordo com as características pessoais e as demandas do
ambiente. Essa fase pode permear por toda a vida do sujeito, podendo
permanecer por tempo indeterminado, dependendo do confronto de ordem
pessoal e existencial que o indivíduo fizer do conflito existente entre demandas
individuais e realização pessoal (Ibid.).
Integração: corresponde a uma fase de transação intensa com o
mundo. Há uma grande tomada de consciência, novas necessidades emergem,
podendo levar os indivíduos a repensarem suas escolhas. É nessa fase que as
67
aprendizagens estruturadas anteriormente se abrem para novas
aprendizagens, possibilitando ao sujeito desenvolver a integração e a
articulação dos modos de aprendizagem.
Atingir a fase de integração impõe grandes desafios e, ao longo do
desenvolvimento do adulto, nem sempre eles são superados,
independente do nível de especialização do indivíduo. O caminho da
fase de especialização para a de integração pode ser compreendido,
segundo Kolb (1984), como desenvolvimento integrativo. Nesse
processo, podem emergir diversas situações que levem o adulto a
reavaliar a sua vida e os seus objetivos. (BRUNO, 2007, p. 114)
Aprendizagem experiencial, de acordo com a autora, compreende que
viver o processo é fundamental, o que torna todas as fases essenciais, e não
fixas. Elas ocorrem de modo circular e não linear.
Desenvolvemo-nos a partir das relações que estabelecemos. O
desenvolvimento do adulto é determinado por sua adaptação ao mundo, o que,
para Kolb (apud. Bruno, 2007), é denominado flexibilidade adaptativa. Este
conceito - exibilidade adaptativa - deve-se à plasticidade de nossa
constituição de humano, que vai criando forma à medida que vai se interagindo
com o mundo interno e externo. Flexibilidade aponta a idéia de movimento ao
invés de rigidez. Para Bruno (Ibid., p. 115), a flexibilidade adaptativa “ratifica o
conceito de plasticidade humana e permite que o adulto saia da condição de
rigidez paralisante que a fase de especialização parece impor.”
Apesar de os estudos da autora acerca do conceito de aprendizagem
experiencial elaborado por Kolb (1984) considerarem o processo de
aprendizagem de adultos, e o especificamente de jovens, podemos
considerar relevantes como contribuições para esta pesquisa as considerações
quanto ao nível integrativo. A teoria de Kolb (1984) enfatiza o processo de
aprendizagem de adultos. Porém, consideramos essenciais que, no processo
de aprendizagem de jovens, haja a preocupação com os aspectos que
correspondem ao nível por ele denominado integração, por compreender que
essa seja a fase cuja palavra de ordem seja harmonia (Ibid.).
68
A vivência do adulto na fase integrativa reflete uma melhor qualidade de
vida, com menos estresse, sabendo criar espaços e relacionamentos com alto
grau de diferenciação (KOLB, 1984, p. 223. apud. BRUNO, 2007). A esse
respeito, podemos considerar que a possibilidade de formar sujeitos capazes
de tecerem redes de relacionamento, criando espaços e contextos de
convivências saudáveis, seja um importante aspecto que integra a proposta de
Kolb (Ibid.) ao contexto da pesquisa. Essa é a finalidade última que harmoniza
a teoria de Kolb (Ibid.) à prática de pesquisa. Ambas - teoria e prática -
consideram o caráter sistêmico, plástico e multidimensional do sujeito, e estão
compromissadas com o desenvolvimento e formação da autonomia humana de
poder fazer escolhas conscientes e (re)conhecer o universo externo e interno.
Na fase de integração o complexo é ser simples e, portanto, o que
pode ser entendido como uma conscientização e afetivação
ecológicas, no sentido lato, em que o humano passa a se reintegrar
totalmente com a natureza e com o seu meio, redescobrindo a sua
própria natureza, a sua essência. A espiral é a expressão desse
processo, num movimento de apreensão e transformação do
conhecimento para uma ação efetivamente crítica, por meio de
relações dialógicas e dialéticas. É a plasticidade humana que viabiliza
todo esse processo, e a aprendizagem é decorrente de movimentos e
processos interdependentes e sistêmicos, portanto plásticos.
(BRUNO, 2007, p. 118)
A aprendizagem integrativa proposta por Kolb (1984), estudada a partir
das contribuições e avanços de Bruno (2007, 2008), é aquela que tem
capacidade de contemplar as múltiplas dimensões do indivíduo, podendo tocá-
lo profundamente, possibilitando assim transformações em suas relações
interpessoais. E mais, essa aprendizagem promove uma relação de autonomia,
e não de heterenomia.
Dando continuidade ao exercício proposto neste capítulo, que consiste
em estudar teorias de aprendizagem pertinentes ao contexto e princípios da
pesquisa, trataremos no item a seguir dos operadores cognitivos da
complexidade. O estudo dos operadores nos aproxima do conceito de
aprendizagem integradora, aspecto fundamental da pesquisa.
69
1.3. OPERADORES COGNITIVOS DA COMPLEXIDADE
Os operadores cognitivos da complexidade, conforme proposto pelo
pensador francês Edgar Morin, correspondem aos princípios do pensamento
complexo que nos ajudam a compreender, conhecer e interpretar fatos e
processos da realidade. O Capítulo 2 da pesquisa corresponde ao espaço
onde são estudados os aspectos que fundamentam a teoria da complexidade.
De acordo com Rodrigues (2006, p. 25), os operadores cognitivos da
complexidade são instrumentos epistemológicos essenciais na perspectiva da
complexidade, frutos da qualidade de reflexão e da ação criativa.
A idéia ao tratar dos operadores da complexidade é conceber, em termos
de aprendizagem, um pensar que considere a multidimensionalidade do ser
humano sob a perspectiva das relações estabelecidas intersubjetivamente,
com os outros e com o meio. Desse modo, este estudo pretende ajudar a
compreender sob quais aspectos as estratégias de aprendizagem da pesquisa
podem ser consideradas práticas de aprendizagem integradora, inseridos em
uma dinâmica relacional dos sujeitos da pesquisa. A seguir, serão
apresentados os operadores e suas definições.
Princípio Sistêmico-organizacional: corresponde ao
conhecimento que liga as parte ao todo e o todo às partes. É o pensamento
que nos clareia que o todo vai além da soma das partes, cujas qualidades são
inibidas pela organização dos conjuntos. Esse princípio diz que o todo está em
cada parte. Moraes (2007, p. 72) considera que conhecer o todo é
fundamental, pois ao compreendermos sua dinâmica, suas interconexões,
podemos inferir as propriedades das partes e seus padrões interativos. “Todas
70
FORMAS, CORES E CONTORNOS: O CONTEÚDO
DO CASULO VAI SE TRANSFORMANDO
as propriedades fluem de suas relações e estas são dinâmicas. Para entender
cada parte é preciso entender seu relacionamento com o todo” (Ibid.).
Qual a relação desse princípio com o contexto da pesquisa? No trabalho
com a estratégia do Diálogo, buscamos a compreensão de que estamos em
grupo - todo. É ver a si-mesmo e as influências de suas falas, gestos e
posturas no grupo como um todo. E mais, cada aprendiz compõe o grupo; é
parte desse todo que denominamos grupo no contexto de análise. Mas cada
aprendiz traz em si-mesmo, em sua intersubjetividade, muito mais que a soma
das partes. Isso quer dizer que enquanto sujeito, cada aprendiz é um todo na
imensidão de si-mesmo.
É necessário que o educador, no contexto das Rodas de Diálogo,
compreenda a relação entre totalidade e particularidade. Morin (2000,p. 209)
diz que a idéia sistêmica se opõe ao reducionismo do pensamento clássico. O
autor diz que do átomo à estrela, da bactéria ao homem e à sociedade, o
processo de organização de um todo produz qualidades ou propriedades novas
em relação às partes consideradas isoladamente. Isso corresponde ao
processo da criação das emergências, ou seja, a organização de um ser vivo
produz qualidades desconhecidas no nível dos seus constituintes físico-
químicos. Assim, o todo é menos que a soma das partes, cujas qualidades são
inibidas pela organização dos conjuntos.
No contexto das Rodas de Diálogo, consideramos que o conjunto das
interações e expressões dos participantes vai se auto-eco-organizando na
medida das suas relações, intersubjetivas e com o meio. As relações são
construídas no movimento do linguajear - termo proposto pelo biólogo chileno
Humberto Maturana (1978; 2004) que corresponde ao entrelaçamento do
emocionar com a linguagem. A relação parte e todo é permanente, ininterrupta.
“Se separarmos as partes, se as isolarmos do todo, estaremos eliminando
algumas delas na tentativa de delinear cada uma. Portanto, não existem partes
isoladas” (Moraes, 2008, p.72).
71
Princípio hologramático: o todo inserido nas partes, as partes
inseridas no todo. Isso pode ser refletido desde nas instâncias micro-celulares
até nas instâncias macro-cosmológicas. Esse princípio tem como característica
evidenciar a tensão entre todo e partes. Não éconsiderar o todo - holismo -
pois este ocorre pelas relações internas estabelecidas pelas partes. Também
não é considerar as partes - fragmentação - pois estas dão existência a um
todo. É conceber a existência da abertura de movimento, da fluidez da
totalidade indivisa das questões do mundo. É considerar, de acordo com Morin
(2000, p. 210), que a sociedade está presente no indivíduo enquanto todo,
através da sua linguagem, sua cultura, suas normas.
Princípio de círculo retroativo: são processos auto-
reguladores. Amplia-se assim a compreensão de causa/efeito. Percebemos a
realidade e dela tratamos numa circularidade espontânea e autêntica, causa/
efeito/causa... O círculo de retroação feedback pode ser percebido nas
ações em que o uso de violência retroage em ações ainda mais violentas. Se
priorizarmos o afeto ao invés da violência, talvez, pelo princípio retroativo,
poderemos construir outra história da humanidade. É movimento circular, o
circuito retroage sobre o circuito, como diz Morin (2005, p. 228). Renova sua
força e sua forma, agindo sobre acontecimentos que, de outro modo, tornar-se-
iam particulares, divergentes e desintegrados. Nosso corpo é resultado de
movimentos circulares retroativos: a circulação do sangue, dos nutrientes dos
alimentos, da água, do ar…
No Diálogo, as falas, gestos, expressões movimentam-se em círculos
retroativos. À medida que alguém se expressa, o acontecimento circula por
todos, alimenta o grupo. As relações humanas ocorrem em movimentos de
circularidade recursiva. Cuidar do fluxo energético do movimento de retroação
é cuidar das qualidades de nossas relações. Por exemplo, se optamos por
falas agressivas, por julgamentos e preconceitos, por negação e disputa com o
outro, optamos que este agir é o alimento do grupo. Por outro lado, se
pautarmos nossas expressões no mundo em posturas de respeito, tolerância e
72
autonomia, ofertamos alimentos orgânicos e integrais às nossas relações.
Nossa corporeidade e o meio são entrelaçados.
David Bohm considera o Diálogo inserido na dinâmica da totalidade da
ordem implicada, onde tudo é dinâmico, tudo vibra. Tudo é fluxo e está em
processo permanente, como revela Moraes (2004, p. 60). Sentimentos,
intuições, pensamentos, desejos, sonhos têm para Bohm (1991, p. 125. apud.
Moraes, Ibid.) fundamentos na ordem implicada do universo maior. Esses
aspectos são as razões de ser das Rodas de Diálogos.
Isto indica a existência de uma dinâmica corporal como expressão
dos sentimentos, emoções e pensamentos de cada ser humano. Esta
dinâmica estrutural resulta do entrelaçamento do linguajear, do
pensar e do sentir, diferentes dimensões que constituem a totalidade
humana, que se encontra unida na ordem implicada. Cada neurônio
do nosso corpo traduz as nossas emoções, os nossos sentimentos,
as correntes vitais que estimulam e ativam nossos pensamentos e
ações. Na verdade, somos o que são os nossos pensamentos,
sentimentos e emoções. Somos o que são as circunstâncias e os
fluxos que nos alimentam. (MORAES; TORRE, 2004, p. 61)
Princípio de círculo recursivo: produzimos as sociedades na
medida em que por ela somos produzidos. Corresponde à auto-organização
proposta por Ilya Prigogine (1986, 1996). Construímo-nos nas relações com os
outros, com o mundo e com nós mesmos, do mesmo modo que também os
construímos. Corresponde ao diálogo entre indivíduo, cultura e contexto
(MORAES; 2008, p. 78).
Um sistema auto-organizador significa autonomia (MORIN, 1996. apud.
MORAES; TORRE, 2007, p.78), porém deve trabalhar para construir e
reconstruir sua autonomia. Buscar por autonomia consome energia, fazendo
necessárias as interações com o meio para extrair energias do exterior e
transformá-las, fazendo disso um processo de auto-eco-organização.
É a vitalidade e o frescor da renovação. A transformação é característica
daquilo que é vivo. É a metáfora da metamorfose. É saber que ao compor as
linhas deste trabalho, compartilho e me integro ao movimento subjetivo de
73
transformação. A escrita é viva e ao compô-la, conecto ao que em mim de
vivo.
Princípio da auto-eco-organização: corresponde à autonomia e
dependência do organismo em relação ao meio. A organização ocorre pela
dependência nutridora do sistema com o meio, que faz da interação sua
sobrevivência. O organismo depende do meio e vice-versa. A auto-eco-
organização produz a autonomia.
A auto-eco-organização ocorre em situações de desafios, perturbações,
problemas, turbulências, incertezas. Essas situações estimulam as reações do
organismo em relação ao seu meio, e os autores Moraes e Torre (2007, p. 79)
afirmam que essas situações podem inferir o entendimento da dependência do
organismo com o meio ambiente. Os produtos e efeitos são necessários para a
própria causa e produção do organismo.
Esse princípio explica o fato de que nas Rodas de Diálogo, as situações
de conflitos e contradições (aparentes) de opiniões alimentam a própria
dinâmica da roda, não podendo assim ser evitadas. São nas situações de
conflito que podemos, por razões bio-psíquicas, emocionais, culturais e
espirituais, potencializar o uso de energias com o meio com que estamos nos
relacionando. Mas é o próprio meio que nos alimenta, que nos retroage. No
contexto das Rodas de Diálogo, é a oportunidade de aperfeiçoar e fortalecer as
relações interpessoais, de poder extrair e transformar as energias do meio,
fortalecendo o exercício da autonomia.
Prinpio diagico: o movimento dialógico permite assumir
relacionalmente as associações e ações contraditórias. É a possibilidade da
conversa, é o momento da partilha, é abrir-se para o diferente. É a integração
entre aspectos antagônicos.
74
É a possibilidade de co-criação de significados entre os diferentes
interlocutores envolvidos na mesma conversa. Isso revela o aspecto do Diálogo
em produzir um pensar coletivo, novo, que emerge do fluxo recursivo do
conversar consigo e com o meio.
É poder aprender que não somos “donos” de nossos pensamentos, e
assim não precisamos defendê-los com tanta carga emocional ao serem
questionados. Não possuímos nossos pensamentos, e estes não são fixos e
rígidos, mas ao contrário, são flexíveis e plásticos. Ao expressar o que sinto e
penso posso influenciar o modo de pensar e sentir daquele com quem me
relaciono. E isso não tem fim, pois são imensas e abertas as possibilidades de
aprendermos com nossas relações subjetivas, interpessoais e com o mundo.
O movimento no Diálogo é contínuo. Pensar que estamos parados e que
nossas “certezas” são eternas não passa de armadilha que criamos para nós
mesmos. Essa atitude pode endurecer e enrijecer a oportunidade de aprender
e de aperfeiçoar as relações de nossas vidas. Quanta leveza em saber que
podemos mudar de opinião. Posso, ao ser autônomo, não mais precisar
defender com tanta convicção aquilo que considero verdade imutável e valiosa.
Encontramos aspectos do diálogo em estudos de diversos autores, como
Edgar Morin, Maria Cândida Moraes, Humberto Mariotti, Reneé Barbier, Paulo
Freire, entre outros. O Diálogo que consideramos na pesquisa se refere mais
especificamente, como vem sendo dito, ao estudo concebido por David Bohm
(2005) a partir do pensamento de Jiddu Krishamurti. muita afinidade entre
os estudos dos autores acima mencionados com o conceito de Diálogo
elaborado por Bohm (2005), pois todos consideram a dimensão de
complementaridade de antagonismos ao definir o Diálogo. Também os autores
compreendem que por meio do diálogo podemos exercitar um novo pensar,
que acolhe as diferenças e as contradições, possibilitando a manifestação de
posturas mais tolerantes e acolhedoras.
75
Princípio da reintegração do sujeito cognoscente: é a
participação do sujeito no processo de produção do conhecimento. A relação
entre observador e observado não é neutra ou despercebida. Esse princípio é
explicado pela Relatividade quântica que nos possibilita conceber a
subjetividade, a não-neutralidade.
Como foi visto anteriormente, uma das grandes contribuições da
física quântica foi a mudança da ciência objetiva para a ciência
epistêmica, que explica que o conhecimento decorre de uma relação
indissociável entre sujeito e observador, objeto observável e processo
de observação. O conhecimento é, portanto, produto de um sistema
complexo, e não pode excluir ou controlar variáveis, ou mesmo as
formas de explicação experimental. (MORAES, 2007, p. 88)
Esse princípio esclarece que o indivíduo participa da construção do
conhecimento com toda sua dimensão afetiva, psíquica, biológica e espiritual, e
não mais puramente racional ou da percepção dos sentidos exteriores. É toda
a corporeidade aprendendo, inserida na construção do conhecimento.
Sentimentos, intuições e emoções compõem e dão forma a esse processo.
Corpo, mente e alma estão juntos, são integrados.
(…) da percepção à teoria científica, todo conhecimento é uma
reconstrução/ tradução por um espírito/ cérebro numa cultura e num
tempo determinados. (MORIN, 2000, p. 212)
A dimensão espiritual é integrada à atividade pensante de construção do
conhecimento. Morin (1987, apud., MORAES, Ibid., p. 89) esclarece a
necessidade de considerar a esfera espiritual na construção do conhecimento.
Para esses autores, o espírito emerge do próprio desenvolvimento cerebral e é
continuamente gerado e regenerado pela atividade cerebral, e esta, por sua
vez, é gerada e regenerada por toda atividade do ser. O espírito, sob esse
olhar, desempenha papel ativo e organizador, essencial para o conhecimento e
para a ação. Mas o que estamos entendendo por espírito?
Morin (apud., MORAES, Ibid.) não considera que se trata de uma
emanação de um corpo, ou mesmo um sopro das alturas, mas sim, de uma
atividade cerebral. Ou seja, é onde os processos experienciados assumem
76
formas de pensamentos, linguagens, sentidos e valores. É onde os fenômenos
da consciência são atualizados.
Nesse sentido, o princípio da reintegração do sujeito cognoscente no
processo de produção científica se refere à minha própria participação na
elaboração e condução do grupo de pesquisa. Não neutralidade. A
participação foi conjunta.
distinções assumidas entre ser pesquisadora, ser professora e ser
participante das Rodas. Mas todos são aspectos integrados e interligados que
compõem meu envolvimento e comprometimento com o grupo. A dimensão
espiritual é saber compor e integrar a atividade pensante de ser pesquisadora
e de ser atuante nas Rodas de Diálogo. Não se trata de me distanciar do objeto
de pesquisa para tentar compreender, via neutralidade, a realidade
pesquisada. Mas é estar inserida e atuante nessa realidade.
O amadurecimento espiritual, nesse ofício, está no estado de atenção e
vigia. A todo tempo, ao compartilhar com o grupo o momento de Diálogo,
conduzo a atenção ao meu emocionar e aos meus pensamentos, para assim
aperfeiçoar a escuta das vozes e gestos dos participantes do grupo. Do
planejamento à execução, da percepção à emoção, estou integrada à
construção da pesquisa.
O aporte teórico da reintegração do sujeito cognoscente no
desenvolvimento da pesquisa nos acompanha e fundamenta toda a sua
realização. Das atividades em sala aos momentos de entrevista dos alunos e à
análise das categorias elegidas e emergentes. Considerar esse princípio é
legitimar meu próprio olhar e essência; afinal de contas, qual o objetivo maior
de uma pesquisa senão ser processo de maturidade do próprio pesquisador?
77
1.4. ESTRATÉGIAS PARA CRIAÇÃO DE CENÁRIOS DE
APRENDIZAGEM INTEGRADORA
Construímos até aqui estudos fundamentados nos conceitos de teorias de
aprendizagens e dos operadores cognitivos da complexidade. Como esses
estudos se relacionam com os conceitos e práticas de estratégias que criam
cenários de aprendizagem integradora? Quais abordagens teóricas e práticas
podem definir cenários de aprendizagem integradora?
Os operadores da complexidade nos permitem conjugar uma visão de
mundo aberta, incerta, relacional, dialógica e inacabada. Para percebermos a
totalidade de nossos mundos é necessário que toda nossa corporeidade seja
contemplada. Visão aberta e incerta, contemplação e compreensão da
dinâmica entre unidade e diversidade. A percepção de mundo, de si-mesmo e
do outro é desenhada no entrelaçamento do
todo e das partes, contradições e conflitos,
exterioridade e interioridade. Caso contrário,
estaremos insistindo na especulação das partes
descompromissadas com a integração do todo.
Unidade e diversidade conjugam a dinâmica da
co-existência.
Estratégias que criam cenários de aprendizagem integradora consideram
os aspectos multissensoriais, como a escuta sensível, o tato e o toque,
imagens, sons, cheiros… É aprender com o corpo todo, emoções, sentimentos,
intuições e pensamentos. Não é só o cérebro do aprendiz que está presente na
sala de aula, mas é toda sua inteireza. Não é a voz do educador o
instrumento eficaz que conduz à aprendizagem, mas é toda a corporeidade de
78
E DE REPENTE, AS ASAS ROMPEM O CASULO
seus gestos, falas, quietudes, olhares, toques… Das materialidades às
sutilezas de cada um - educador e aprendiz. Todos juntos interagindo e se
relacionando.
Ao estimularem os diferentes sentidos,
essas estratégias de aprendizagem podem
promover impactos emocionais, pois envolvem
não somente a cognição ou a emoção, mas as
duas juntas, e toda a dimensão biológica,
psíqui ca e esp iritual do aprendiz. A
preocupação não é somente com o sujeito
aprendente, mas com todo o ambiente e campo
energético da aprendizagem. Isso nos faz considerar cenários de
aprendizagem integradora espaços vivos e vibracionais. Criar um cenário de
aprendizagem integradora é permitir e cuidar do fluxo energético, de toda
vibração que traz vitalidade ao meio. Cuidar da energia é cuidar da atmosfera
desse meio, onde a punição, o castigo e o autoritarismo (que é diferente de
autoridade) deixam de fazer sentido.
O fluxo energético é o impulso e pulso dos processos de mudança. Se
queremos e trabalhamos para criarmos espaços agradáveis e acolhedores de
aprendizagem, precisamos nos preocupar e cuidar da atmosfera do ambiente.
Energia é o princípio da transformação, como demonstrou o biólogo inglês
Rupert Sheldrake. Os estudos de Sheldrake postulam os campos
morfogenéticos, onde morphé quer dizer forma e genesis corresponde a vir-a-
ser. Sheldrake nos ajuda a entender e aceitar a existência de forças sutis no
processo de auto-organização do organismo. O biólogo postula que esses
campos invisíveis são matrizes de toda forma, evolução e comportamento,
podendo operar ao longo do tempo e espaço numa ligação que, conforme
Weber (1986, p 99), é “teleativa” de organismo, tendo também implicações na
parapsicologia.
A hipótese de Sheldrake sobre um campo morfogenético reintroduz o
vitalismo na biologia, mas suas implicações estendem-se a outras
79
O curioso é que nós estamos
mais ligados ao invisível do que
ao visível.
Novalis
ciências, ciências sociais e especialmente psicologia - sem deixar de
lado a política. Uma das perguntas recorrentes neste diálogo é: O que
está por trás de nosso mundo visível e o que governa suas criaturas?
Existe um princípio superior ou elas são governadas pelos impulsos
cegos e mecânicos de células inertes que se combinam
aleatoriamente? Como Bohm, Sheldrake acredita que algo mais
profundo que o acaso cego governa o mundo material. (WEBER,
1986, p. 99)
O educador que trabalha com a criação de cenários de aprendizagem
respeita a concepção de fluxos de energia. É acreditar na existência da sutileza
do invisível, que está além na exterioridade material de nossa existência. A
idéia de fluxo de energia remete-nos ao movimento e vitalidade de nossa
estrutura inacabada, de nossa forma de vir-a-ser.
A metáfora do fluxo utilizada pela biologia e pela física quântica é útil
neste momento e por várias razões. Além de indicar a existência de
uma interatividade energética e material constante entre sistema vivo
e meio, sinaliza também que estamos sempre exercitando ou
desenvolvendo novas estruturas, indicando a ocorrência de
mudaas contínuas no metabolismo envolvendo milhares de
substâncias químicas. Biólogos e físicos sinalizam que o estado de
fluxo caracteriza o estado da vida e que na base dos processos de
mudança e de transformação presentes na natureza existe um fluxo
energético onde a energia é o princípio da mudança, é o princípio
causativo de qualquer processo de transformação.”(SHELDRAKE,
1990, p. 56). (MORAES, 2004, p. 59)
No diálogo com a filósofa René Weber (1986, p. 102), Sheldrake afirma
que o campo morfogenético é o responsável pelo desenvolvimento da forma. O
campo modela a forma do organismo em desenvolvimento, mas a existência da
forma é prévia ao campo, o que faz com que o biólogo conceba a idéia de uma
existência de equivalência causal. Para Sheldrake, no diálogo com Weber
(Ibid.), tem-se algo dotado de complexidade e de forma apta a modelar o
organismo em desenvolvimento onde o campo morfogenético desempenharia
um papel causal. Isso quer dizer que o organismo em desenvolvimento estaria
dentro do campo morforgenético, que orientaria e controlaria a forma desse
desenvolvimento. Esse conceito se aproxima do que Bruno (2007) denominou
plasticidade humana, conforme apresentado no item 1.3 da pesquisa que trata
do conceito de aprendizagem experiencial.
Como pensar a teoria de campos morfogenéticos no processo de
aprendizagem? Como conceber a influência do campo no desenvolvimento e
80
modelagem da forma do organismo, da plasticidade humana, no contexto da
produção do conhecimento?
Como tudo na realidade está em movimento, em fluxo, qualquer
evento, objeto, entidade ou atividade é uma abstração de uma
totalidade desconhecida em movimento fluente. Para ser coerente, é
preciso também reconhecer que o conhecimento está em processo,
que é uma abstração extraída de um fluxo total e único, que não
constitui um conjunto de verdades fixas, imutáveis, mas sim partes de
uma forma abstraída de um processo de vir-a-ser, que faz com que
o haja elemento do conhecimento que seja absolutamente
invariante. (MORAES, 2007, p. 92)
As pessoas que participam de um cenário de aprendizagem integradora
experimentam o emocionar, os pensamentos, sentimentos e intuições. São
amplas as possibilidades de expressões das manifestações do emocionar, do
sentir e do pensar, podendo ser desde o silêncio, a observação atenta até a
palavra propriamente dita. A expressão de si-mesmo, do conjunto de
percepções e emoções que cada um experimenta no ambiente de
aprendizagem, constitui o fluxo energético que vitaliza o grupo, o meio e a
dinâmica das interações estabelecidas entre participantes com o meio, entre si
e consigo.
Se uma Roda de Diálogo é um espaço que se destina à expressão
autêntica de si-mesmo, das emoções, sentimentos, intuições e pensamentos,
podemos refletir quanto à capacidade desse espaço no processo de
transformação e mudanças subjetivas que se somam num coletivo maior. Ao se
dedicarem à expressão dos sentimentos e opiniões, podem as Rodas de
Diálogo indicar a existência de uma dinâmica corporal. A estrutura dessa
dinâmica corporal consiste no entrelaçamento entre o linguajear (MATURANA,
2004), ou seja, a conexão entre o pensar e o sentir das diferentes dimensões
que constituem a totalidade humana, que se unem na ordem implicada
(MORAES, 2004, p. 61).
Cada neurônio do nosso corpo traduz as nossas emoções, os nossos
sentimentos, as correntes vitais que estimulam e ativam nossos
pensamentos e ações. Na verdade, somos o que são os nossos
pensamentos, sentimentos e emoções. Somos o que são as
circunstâncias e os fluxos que nos alimentam. (MORAES, 2004, p.
61)
81
A autora, embasada nos estudos do biólogo chileno Humberto Maturana,
afirma que todas as ões humanas têm origem no emocionar, nos
sentimentos e pensamentos que emergem no ser humano. Assim, para
Maturana (1999), revisitado por Moraes (2004), ao mudarmos nosso
emocionar, podemos mudar nossas ações e reflexões.
Em outras palavras, é a emoção sob a qual agimos num instante,
num domínio operacional, que define o que fazemos naquele
momento como uma ação de um tipo particular naquele domínio
operacional. Por este motivo, se queremos compreender qualquer
atividade humana, devemos atentar para a emoção que define o
domínio de ações no qual aquela atividade acontece e, no processo,
aprender a ver quais ações são desejadas naquela emoção.
(MATURANA, 2001, p.130)
Se as possibilidades de mudanças estão entrelaçadas com o emocionar,
podemos então nos perguntar quais perspectivas de mudanças desejamos
para nossos aprendizes? Quais emoções desejamos proporcionar em nossas
práticas educativas a fim de desencadear um processo de mudança?
Podemos afirmar, pois, que no instante em que estamos percebendo,
pensando ou atuando sobre um objeto, existe um sistema
coordenado de ações que tem como base as sensações e emoções
vividas em função de determinadas circunstâncias com as quais o
indivíduo interage. Essas circunstâncias geram um campo energético
vibracional do qual, a maioria das vezes, não somos conscientes.
(Ibid.)
Sendo assim, estratégias que criam cenários de aprendizagem
integradora são aquelas que criam espaços relacionais dentro e fora da aula,
utilizando recursos verbais, analógicos, visuais e virtuais, integrando diferentes
disciplinas. Essas estratégias, conforme descrito no Projeto “Escenarios y
Redes de Aprendizaje Integrado: para una enseñaza de calidad
(ERAIEC)” (MORAES; TORRE, 2007, p. 12), devem fomentar a construção de
valores, habilidades e competências com a vida e para a atividade profissional.
A tolerância, a convivência, a colaboração, a atitude crítica e criativa, de auto-
aprendizagem permanente são as ferramentas mais eficazes para a
transformação pessoal e social, conforme descrito no Projeto.
82
Nas Rodas de Diálogo, buscamos a expressão do emocionar pela
linguagem. Para Maturana (2004, p. 09), a linguagem é o fenômeno biológico
da coexistência de interações recorrentes sob forma de um fluxo recursivo de
coordenações comportamentais consensuais. O autor (1978; 2004) denominou
esse processo linguajear. A expressão linguajear utilizada por Maturana (2004)
refere-se ao fato de que a linguagem tenha surgido na história evolutiva dos
primatas bípedes, e assim passamos a conviver na linguagem, conservando
esse viver geração após geração.
Ao viver, fluímos de um domínio de ações a outro, num contínuo
emocionar (vivenciar as emoções) que se entrelaça com nosso
linguajear. A esse entrelaçamento chamamos de conversar.
Sustentamos que todo o viver humano acontece em redes de
conversação. (MATURANA, 2004, p. 09)
O ser humano existe na linguagem, como
nos explica Maturana (Ibid.). Considerar a
linguagem no processo de aprendizagem é
reverenciar a essência daquilo que, ao longo do
processo evolutivo, nos caracteriza como
humanos. O que aprendemos ao aperfeiçoar
nossa linguagem? Qual é o sentido da aprendizagem numa Roda de Diálogo?
Talvez, com cuidados de rigor acadêmico, possamos considerar que o sentido
maior deste trabalho seja tocar o que de humano nos seres humanos. O
humano do que de humano em nós é acolher com aceitação, livre de
pressupostos, a contradição de nossos desejos.
A linguagem é a expressão do emocionar, é a via que conduz ao
movimento de mudança, possível no entrelaçamento da ação com o pensar e
sentir. Ao nos expressarmos na linguagem, podemos tomar consciência de
nossos pensamentos, sentimentos e ações. É darmos conta do entrelaçamento
das instâncias de nossa corporeidade. Estamos a todo tempo em redes de
conversas, em assuntos profissionais, pessoais, familiares, íntimos e em nossa
interioridade. Somos seres linguajeantes por essência de nossa existência.
Entendemos que linguagem não consiste somente de palavras e símbolos,
83
mas a expressão fluida e recorrente que ocorre em toda nossa corporeidade,
de coordenações consensuais de ações (MATURANA, 2001; 2004).
A trajetória humana é a trajetória do emocionar de nossa espécie. Como
nos diz Moraes (2004, p. 56), vivemos num eterno conversar. Enquanto
mamíferos, aprendemos a coordenar o fluxo de nossas emoções e
comportamentos consensuais à medida que vivemos em sociedade, juntos
(MATURANA, 2001, p. 132). Somos seres linguajeantes e nossa existência é
traçada no fluir de nossas conversações, o que faz com que em diferentes
domínios de ações sejamos constituídos nas diferentes redes de conversações
que estabelecemos. Um exemplo disso é pensar que nosso emocionar e
conversar podem ser diferentes quando estamos com nossos amigos,
familiares, situações profissionais, íntimas e com nós mesmos.
E se a todo tempo estamos envolvidos e imersos em redes de
conversações, estamos a todo tempo estruturando as multidimensionalidades
de nosso ser. Conversar é um processo recorrente e recursivo. É pelo fluxo de
nossos relacionamentos internos e externos, pelo linguajear, que podemos
(re)criar nossa percepções de realidade permanentemente.
Sobreviveríamos, enquanto espécie humana, sem conversarmos uns com
os outros? Mesmo em momentos de profunda solidão, o diálogo flui por nossa
interioridade...
Expressar-se no linguajear é movimento que pode estimular o pensar
criativo e a confiança mútua. Linguajear é expressão genuína do emocionar. A
criatividade é reforçada pelo contato sincero e afetuoso entre uns e outros. Ao
expressar o que sinto, em palavras ou gestos, delineio a abertura de um
conversar sensível e criador de entendimentos novos e mútuos.
Criatividade não nega o conflito, muito pelo contrário. Somos motivados a
criações novas e diferentes quando o conflito. A sensação de desconforto e
a instabilidade que sentimos em situações de conflitos são motores que fazem
84
com que o pensar criativo seja estimulado. Por exemplo, quando nos dispomos
a enfrentar situações limites, como frio, fome, cansaço, tendemos a ser
criativos para encontrar o conforto que nos acalme. E em geral, podemos
encontrar esse estado de conforto com menos recursos do que se
estivéssemos na segurança e estabilidade que tendem a ser nossos lares.
Por esse motivo, tratar da criatividade num processo de linguajear, de
conversar, não é dizer que nossas falas devam ocultar a existência de um
conflito. Se estamos desconfortáveis, com conflito na imensidão que separa
nosso pensar do sentir, devemos assegurar ao outro envolvido na conversa a
presença do desconforto. O que está em questão aqui não é o que se irá dizer,
mas como dizer. A sabedoria está em aproximar o pensar do sentir.
O pensar criativo existe na relação que estabelecemos com o outro. Se
minha posição for a de “negar” e/ ou combater a presença do outro na
conversa, provavelmente serão mínimas as possibilidades de emergir um novo
pensar originado dessa conversa, dessa relação. A indiferença pelo outro
talvez seja uma das maiores ações de violência. Mesmo que expressemos a
nossa raiva ou a contradição de nossos desejos aos dos outros, estamos
demonstrando que reconhecemos e legitimamos a sua presença no conversar.
E sim, estaremos abrindo espaço para a criação de um novo entendimento,
de um novo pensar, que não é meu e nem seu: é nosso.
Criatividade é saber que estamos juntos. A ousadia do pensar criativo
está em demonstrar que somos ricos ao sermos diferentes, e demonstrar isso
com toda a essência de nossa corporeidade. Desse modo, podemos pensar
que estratégias para criação de cenários de aprendizagem integradora são
compromissadas com a legitimação do pensar novo, criativo e autônomo. E a
potencialidade desse pensar está em expressar que somos seres de desejos
contraditórios.
85
2. SOBRE FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA COMPLEXIDADE
“Teoria em grego quer dizer o ser em contemplação...”
Gilberto Gil
Trataremos neste capítulo dos conceitos epistemológicos e ontológicos da
teoria da complexidade, a fim de construir com afeto e solidariedade um estudo
que fundamente a relação do pensamento complexo e da transdisciplinaridade
com a criação de ambientes de aprendizagem integral que, por sua vez,
legitimam o humano do humano. O cuidado tomado para a construção deste
referencial teórico é um exercício de atenção quanto à estrutura de
pensamento do próprio pesquisador para lidar com: a lógica da exclusão; o
automatismo de aceitação e/ou negação de novas e/ou velhas idéias; a
legitimação dos aspectos contraditórios do conhecimento e do processo de
produção deste; a suspensão de pressupostos; os juízos de valores e verdades
pré-concebidas aceitas com rápida prontidão, sem exercícios de reflexões
profundas.
86
2.1. SOBRE A COMPLEXIDADE
Reintegrar. Esta é uma das palavras que sentido à compreensão do
conceito de pensamento complexo. Reintegração nos remete à idéia de
inclusão solidária, que vem a ser o contraponto da visão fragmentada da
percepção de mundo, lógica que se justifica e se apóia na exclusão do
diferente, tendo a emergência do obscuro incerto. A reintegração do
conhecimento, por natureza acolhedora, legitima a emergência do que é
diferente, impensado e imprevisto pelas vias da “racionalidade científica
determinante, e solidariza-se com a diversidade de percepções e
conhecimentos de mundo. A possibilidade da emergência do novo, do
imprevisto incerto, inserido na dimica processual da construção do
conhecimento re-integrador, diz-nos sobre a coexistência das contradições, dos
antagonismos, da pluralidade de olhares. Reintegrar é também no sentido de
re-unir as informações ao seu contexto, com o propósito de conhecer o
fenômeno em si-mesmo, evitando assim os danos de uma cognição generalista
e simplista. Assim, como nos diz Morin (1997, p. 16), damo-nos conta do
aumento da pertinência do conhecimento quando inserido no contexto global e
local, macro e micro.
Caminhando um pouco mais além, podemos considerar que a
reintegração tratada na complexidade é uma questão da estrutura das
camadas embrionárias: endoderma, mesoderma e ectoderma. Essa
observação ajuda-nos a perceber que o sentido de re-integrar não é
compromisso da construção do conhecimento em si, mas também é re-integrar
o corpo e a totalidade da estrutura humana nesse processo contínuo de
construção de si-mesmo. O professor Cipriano Luckesi, em seu artigo sobre
formação do professor transdiciplinar, traz o estudo feito pelo psicoterapeuta,
87
DE LARVA LIQUEFEITA AOS RODOPIOS DA
BORBOLETA
criador da biossíentese, David Boadella. Segundo Boadella (apud. LUCKESI,
2003, p. 7), as camadas germinativas endoderma, mesoderma e ectoderma –
respectivamente, constituem nosso sistema vegetativo (vísceras), sistema
locomotor (músculos e ossos) e sistema de comunicação (cérebro e seus
componentes adjacentes). Os correspondentes a essa estrutura embrionária
são nossos sentimentos, movimentos e pensamentos. Re-integrar, sob o olhar
do processo de aprendizagem, é trabalhar com a multidimensionalidade
humana, reunindo em metáforas o aspecto funcional das três camadas
germinativas do corpo.
Religar. Outra palavra que serenamente concede sentido à complexidade.
Nas palavras de Morin (1997, p. 11), o pensamento complexo não apenas
religa domínios separados do conhecimento, como também dialoga com
conceitos antagônicos, como ordem/ desordem, certeza/ incerteza, lógica/
transgressão da lógica, sujeito/ objeto, ciência/ misticismo, entre outros. É o
pensamento que com solidariedade se propõe a compreender as contradições
da realidade do mundo. Complexus: “o que tece em conjunto”, que responde
ao apelo do verbo latino complexere: ”abraçar”. Nesse sentido, o aconchego de
um abraço é a definição que aquece o pensamento complexo; “é um
pensamento que pratica o abraço. Ele se prolonga na ética da solidariedade”,
conforme nos diz o autor.
O abraço pode se prolongar ainda mais. Por etimologia, religar sentido
à palavra religião (religare religar). Cumpre-se assim o movimento de
religação dos saberes e de religação com o sagrado. Ao falarmos de
percepção de mundo e seus níveis de realidade, o religare nos traz ao
encontro da sutileza dos movimentos de abertura do pensamento, desvelada
pela complexidade. A esse encontro Nicolescu (1999, p. 138) define como a
condição insubstituível de nossa liberdade e de nossa responsabilidade, sendo
o sagrado a origem última de nossos valores. “Ele é o espaço de unidade entre
o tempo e o não tempo, o causal e o a-causal.”
88
Reformar. Esta é a proposta de Morin para o século XXI: uma reforma do
pensamento no sentido de se construir a inteligência da complexidade pautada
no fundamento de que a lógica linear cartesiana tem seus méritos e efeitos,
porém é insuficiente para acolher os imprevisíveis, indeterminados e
contraditórios eventos do mundo. Ao considerar a separabilidade,
fragmentação e reducionismo da percepção de mundo, o pensamento científico
clássico foi abalado pelo caráter de insuficiência para tratar, com
multidimensionalidade, as questões da contemporaneidade. Eis que, então,
num cenário de incertezas, (re)ligões, (re)integrações, (re)interações,
emerge o desafio do século XXI: uma reforma na estrutura de pensamento
enquanto exercício de articular e organizar as informações que recebemos
sobre o mundo (MORIN, 2000, p. 208).
O princípio da ciência clássica é legislar estabelecer leis (MORIN, 2000,
p.48). Todavia, iniciamos este século suspeitando das irrefutáveis “certezas” e
leis que legitimam a lógica do pensamento clássico. Com o movimento
científico da física quântica, da cibernética, da termodinâmica e da biologia
molecular e genética, os conceitos gicos de razão, generalizão,
simplificação, exclusão, irreversibilidade, indução e dedução, tão fortemente
consagrados nos séculos passados, com o apogeu da lógica racional
cartesiana, vêm sofrendo abalos estruturais “sísmicos”. A essa clássica ciência,
palavras como razão, lógica, especialistas ou experts, quantidade, objetividade
e técnica representam sua máxima.
Se sob um cenário de desmoronamento das certezas e verdades técnico-
científicas emerge o pensamento complexo, Morin (2000, p. 47) nos alerta,
seguindo uma via epistemológica, quanto à fragilidade de aceitação da
complexidade, que muitas vezes tem sido vista como irracionalidade,
incerteza, confusão, desordem, e confundida com complicação. Nessa óptica,
Ardoino (1999, p. 484) diz que, se o complicado continua exatamente a ser a
oposição ao simples, isso não basta para compreender a sua homogeneidade;
a complexidade o pode ser pensada sem que se admita a sua
heterogeneidade constitutiva e a sua natureza plural. Desse modo, várias
89
perspectivas contraditórias são ordenadas simultaneamente, e isso faz com
que se deva falar em leituras plurais.
A complexidade configura-se na interação entre ordem pura e desordem
pura, em que, na explicação de Mariotti (2000, p.88), médico psicoterapeuta e
autor de livros que aprofundam a complexidade, a ordem pura implicaria a
impossibilidade de fazer emergir algo novo, diferente. Porém, a desordem pura
também resultaria no mesmo, que para que o novo apareça, é necessária
certa organização. Eis que, então, ocorre a complexidade: ela é o resultado
natural da complementaridade entre a ordem e a desordem, e mostra que uma
não se reduz à outra nem ambas se resolvem numa síntese estática. E como é
isso possível? Por meio da convivência enquanto pólos antagônicos e
mutuamente alimentadores.
A resistência à complexidade pode ser compreendida pelo fato de que
seria necessário abandonar a idéia fixa de ter sempre que provar algo, ao
perigo da idéia de coerência constante e sempre estar em guarda em relação
às contradições posturas que sustentam a competitividade e desconfiança,
assim diz Mariotti (2000, p. 37). Seria ingenuidade negar, opor-se e/ou
estabelecer juízos de valor, reducionistas por princípio, ao modelo de
pensamento clássico, tais como: bom-mau, certo-errado, melhor-pior, causa-
efeito, verdade-mentira, entre tanto outros aprendidos. É o que Mariotti (2000,
p. 116) nomeou de “tirania dos adjetivos”, fato que facilita a descrição de algo
em julgamento, praticamente inutilizando a comunicação e favorecendo a
lógica linear. O autor (2000, p.237) nos atenta para não cairmos no
automatismo do concordo-discordo, que reduz a percepção e a capacidade de
entendimento mútuo.
Tanto faz discordar ou concordar: o que é realmente limitante é a
reação instantânea, automática, do tipo sim/não. É ela que fecha a
nossa razão, que faz com que fiquemos provados da suspensão
momentânea de julgamentos e, assim, nos impede de fazer escolhas
além das programadas. (MARIOTTI, 2000, p.238)
Trata-se assim de um aprendizado de co-existência das ambigüidades, da
riqueza e amplitude do caráter de complementaridade e pluralidade. O cuidado
90
é reconhecer que fomos (e ainda somos) educados e instruídos nos moldes
dessa cultura científica clássica, desde alguns bocados de anos. E, em certa
medida e resistência, tornamo-nos “programados” e “automatizados” a não
considerar os porquês existenciais do processo de construção do próprio
conhecimento. Fomos ensinados que o mérito da cultura é para aqueles que
têm rápidas e prontas respostas. A bem dizer, se não atentarmos para isso,
poderemos facilmente legitimar a complexidade utilizando a mesma lógica da
exclusão. O processo de legitimação da reforma do pensamento é ele próprio
reformador. Para haver reforma é necessário nos atentarmos diligentemente
para as nossas próprias estruturas de pensamento, fato que refletirá no
movimento espiral auto-eco-organizador da formação do sujeito.
Os julgamentos de fatos podem ignorar que eles incorporam alguns
julgamentos de valores e que o “tudo feito já é uma teoria?” A razão é
heróica quando se percebe instrumental, permitindo a investigação,
mas torna-se bárbara quando se quer como juízo supremo no tribunal
do entendimento humano”. (LE MOIGNE, 2000, p.18)
uma valorização do pensamento literal, aquele que reflete sobre a
realidade como ela é, que nos diz como são as coisas, e nas palavras do físico
Bohm (2005, p. 151), esse pensamento “pretende ser não-ambíguo; pode não
ser bem-sucedido, mas imagina que conhece as coisas exatamente como elas
são.” Esse pensar literal nos trouxe vantagens e avanços tecnológicos, porém,
ao mesmo tempo, obscureceu um outro pensar o participativo. O que Bohm
denomina pensamento participativo harmoniza com a complexidade proposta
por Morin. O pensamento participativo percebe que tudo faz parte de tudo”;
assim as palavras de Bohm (2005, p. 154) sintonizam com Morin, que nos
recorda a citação do filósofo Blaise Pascal: Sendo todas as coisas ajudadas e
ajudantes, causadas e causadoras, estando tudo unido por uma ligação natural
e insensível, acho impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, e
impossível conhecer o todo sem conhecer cada uma das partes”.
Nesse sentido, ao acolhermos o desafio da reforma, estaremos dispostos
a aprimorar nossa estrutura de pensamento, o que resultará na ampliação e
tomada de consciência quanto às responsabilidades de nossas ações e
intervenções no mundo. Ao tratarmos da responsabilidade, consideramos que
91
o sentido desta é o do sujeito que se percebe, reflete sobre si mesmo, discute
sobre si mesmo, contesta sua própria ação, conforme explica Morin (2000, p.
34). A responsabilidade, afinada com a complexidade, considera a dimensão
do sujeito da ciência (o cientista) e a relação ética que este estabelece com a
construção do conhecimento. O pensar diferente, amplo faz com que se
suspeite da dimensão da responsabilidade, e pode vir a ser a justificativa de
resistência à reforma por parte de muitos.
O raciocínio linear facilita nossa fuga da responsabilidade por tudo aquilo
que não estiver imediatamente próximo de nós, ou seja, por tudo o que estiver
fora do alcance do pensamento linear, conforme escreve Mariotti (2000, p. 50).
É o típico pensar que justifica os crimes ambientais como de responsabilidade
dos especialistas da área; que a violência nas cidades é de responsabilidade
da polícia, do Estado. É o pensamento que legitima a “culpa” dos outros, que
se distante de relações interdependentes. O uso unilateral do raciocínio
linear obscurece e estreita nossas possibilidades mentais e nos comunica que:
“o desmatamento lá na Amazônia (ou seja onde for) não tem nada a ver comigo
que vivo em São Paulo!”; “a vida daquele adolescente criminoso do farol não
tem nada a ver com a minha, pois é tudo uma questão de quem se esforçou
mais.”
Já ouviste essas frases?
A estrutura de pensamento linear corresponde à nossa cultura patriarcal.
Para Maturana (2004, p.47), isso corresponde ao desejo de controle e
apropriação que nos orienta a sempre obtermos resultados individuais porque
não observamos nossas relações básicas de existência. Pouco consideramos o
fato de que nossa sobrevivência é garantida por relações de interdependência,
ou seja, estamos vivos graças ao sacrifício de outros seres. Assim também
esses outros seres têm a vida garantida graças ao nosso sacrifício. De acordo
com o autor, o pensamento linear é sistematicamente irresponsável.
92
O pensamento faz coisas e diz que nada faz. É o que Bohm (2005, p. 39)
considera ser a raiz profunda quanto ao problema da fragmentação do
pensamento. O pensamento é extremamente ativo, porém achamos que ele
não está fazendo nada, e pior, cremos que ele está apenas nos mostrando
como as coisas são. Quase tudo o que temos ao nosso redor é determinado
pelo pensamento: este computador, este lápis, este livro, esta cadeira, aquela
empresa de armas, aquela empresa de seguro de vida, enfim, muitas são as
coisas que aqui podemos mencionar. Todo o problema ecológico e social se
deve a esse pensamento fragmentado porque ele nos recorda que o mundo
existe para ser explorado, que as matérias-primas são infinitas, que os conflitos
bélicos sempre existirão e, por assim dizer, estarão destinados a sempre existir,
que a pobreza e miséria é uma simples questão de esforço e esperteza.
Que posturas assumiremos para cuidar da vida planetária? Vejamos que
para ampliarmos nossa percepção de realidade, é necessário nos sentirmos
pulsar pelas vias que nutrem o pensar inclusivo, solidário, aberto, flexível e
dialógico. não nos basta a justificativa da exclusão do diferente. Apesar de
ainda temida, a convivência com o diferente nos conduz ao permanente
movimento de aprendizagem. Compreenderemos mais sobre nós mesmos e
sobre a vida ao atuarmos nessa convivência que vitaliza o exercício de obra
inacabada, renovando-nos por meio da recusa à não-repetição. O diferente
10
relembra-nos a todo tempo o quanto ainda temos que aprender.
Olhar fragmentado. Pouco nos remete à compreensão da vida. A
linearidade objetiva o pensamento, e por insuficiência limita-nos a perceber e
acolher as contradições, os paradoxos, as incertezas, os antagonismos.
É desperdício de potencialidade humana não desfrutar do potencial
cognitivo, reflexivo, afetuoso e espiritual. Aqui a lógica de muitos discursos
ambientalistas encontra-se em “parafusos”, em paradoxo. O chavão dos
93
10
Pausa para confissões: desde muito pequena, sempre que alguém da família me oferecia
alguma comida nova ou qualquer outra coisa nova, eu lhe perguntava: “é ferente? Se é, então
eu quero!”. Sim, eu era tão pequena que dizia “ferente” ao invés de diferente. Compartilho,
então, que a intimidade com que me relaciono com esse tema foi destinada desde os ventos de
minha infância.
discursos ambientalistas, em geral, é sempre o pedido de redução: de
consumo de água, matérias-primas e energia. Muitas vezes, esses discursos
são pautados na palavra “não”: não polua, não consuma, não desperdice, não
pise na grama, entre outros. Porém, em termos de pensamento, reduzir é
desperdiçar, é mutilar. O que isso quer dizer?
O simples fato de reduzirmos nosso olhar pela fragmentação do
pensamento faz com que estejamos desperdiçando talentos, descobertas e as
jamais imaginadas maravilhas dessa atraente obra da espécie humana. Afinal
de contas, viver é descobrir a existência de territórios inabitados. É saber da
presença do Universo externo, e com devida sabedoria, recordar a imensidão
interna que nos habita.
Mas o curioso é que o conhecimento científico que descobriu os
meios realmente extraordinários para, por exemplo, ver aquilo que se
passa no nosso sol, para tentar conceber a estrutura das estrelas
extremamente distantes, e até mesmo para tentar pesar o universo, o
que é algo de extrema sutilidade, o conhecimento científico que
multiplicou seus meios de observação e de concepção do universo,
dos objetos, está completamente cego, se quiser considerar-se
apenas a si próprio! (MORIN, 2000, p. 33)
Se a metáfora do pensamento complexo é o abraço que se prolonga na
solidariedade e na ética, como então poderemos abrir os braços, o cantinho
dos afetos, se ainda alimentarmos os lobos da desconfiança, da
competitividade, do desejo de eliminação e de exclusão daqueles tantos outros
com quem interagimos? Ao refletirmos sobre isso, talvez possamos re-pensar
sobre a altura dos muros e cercas de nossas casas; sobre a insignificante
esmola dada, sem sorrisos ou olhares para os que vivem à margem da
dignidade; sobre a dificuldade que temos tido para legitimar o humano do
humano. Alteridade é um dos pilares éticos da complexidade.
Do que temos certeza? Do que estamos seguros? O que de previsível
em simplesmente viver? Do que temos medo? Talvez a única resposta aqui
seja a morte. Porém, ao encorajarmos nossas mentes para essas questões, e
reverenciarmos com profundidade tais perguntas, veremos que morrer para
algo pode ser visto como processo natural e contínuo de autotransformação,
94
de autopoiesis. A lagarta, imersa no casulo, se
liquefaz e inicia a destruição de seu organismo
de larva. E a dinâmica da autodestruição é
também a da autocriação, para que um novo
ser surja, outro, diferente do anterior, mas com
a mesma identidade. Ao final desse processo, o
mundo é presenteado com a graça de uma
esvoaçante borboleta, nascida de uma
transformação, de uma metamorfose.
A aventura do viver é dispor-se à
mudança, à transformação e à metamorfose.
Eis o ponto vital de nossa existência terrena
frente ao viver numa época em que os
problemas ambientais e sociais nos deixam nas
pontas dos pés diante de um profundo abismo.
É o momento em que devemos escolher se seremos conservadores na
repetição na história das guerras e injustiças sociais e ambientais, ou ousados
transformadores que legitimem valores éticos inclusivos e solidários. Gentileza
e delicadeza precisam ser expressas na dança rítmica do dia-a-dia. Estamos
acomodados, amedrontados e superficialmente seguros com nossas
“verdades”. Qualquer movimento de mudança poderá remover nossos corpos
desse confortável e alienante sofá metafísico no qual “descansamos”. Viver é
movimento de se autotransformar, é a autopoiesis, por excelência. “Se
considerarmos que a vida é um processo de aprendizagem, fica fácil concluir
que sem modificações estruturais não há vida” (Mariotti, 2000, p. 216).
O risco que corremos é o de escrevermos na história a crônica dos que
não mudaram, conforme expressa o professor (2000, p. 157), ao dizer que
aprendemos a ser repetitivos, e a crer que se os seres humanos não se
modificarem, os problemas também não mudarão. Interpretamos isso nos
registros históricos e, como justificativa, usamos “o velho expediente de dizer
95
Canto dos espíritos sobre
as águas
A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra
Em mudança eterna.
(...)
Vento é da vaga
O belo amante;
Vento mistura do fundo
ao cimo
Alma do Homem
És bem como a água!
Destino do homem,
És bem como o vento
Goethe
que a história se repete, como se ela fosse o reflexo da mesmice que está em
nós”.
No fundo, o processo histórico é isso mesmo: uma crônica de não-
mudanças. Podemos recorrer a ele para obter informações úteis para
as ações repetitivas, para os atos da vida mecânica. Para os
problemas humanos, porém, cairemos sempre no mesmo ramerrão: a
consulta mostrará que, seja qual for a direção tomada (capitalismo,
socialismo, etc.), o resultado será quase sempre o triunfo da
esperteza sobre a inteligência, o nivelamento por baixo, a exclusão
social, a vulgaridade, a imbecilização das massas, miséria, violência
e assim por diante. (MARIOTTI, 2000, p. 158)
O autor nos diz ainda que o mais espantoso é que, mesmo sabendo de
tudo isso, buscamos soluções de mudanças exatamente nesses registros
históricos. Com isso, temos dificuldade de reconhecer os problemas novos
quando estes surgem, e admitindo reconhecê-los, nada (ou pouco) podemos
fazer, que estes exigirão soluções criativas e novas que estarão fora da
nossa percepção, compreensão e padrão de conhecimento.
Estamos num beco sem saída mas recusamos a admiti-lo. Achamos
que qualquer proposta fora do raciocínio cartesiano é perda de
tempo. Imaginamos que é mais seguro ficar presos ao padrão de
pensamento atualmente dominante. Estamos condenados à
comodidade, que gera mais mediocridade, que gera mais
comodidade, que gera mais mediocridade o interminável círculo de
sempre. (MARIOTTI, 2000, p. 158)
Se, conforme o autor, nos encontramos num beco sem saída, precisamos
encontrar soluções novas e criativas para sairmos desse estado. Assim, mais
do que adquirir informações, precisamos caminhar ao encontro da sabedoria.
Faz-se então emergente a mudança da estrutura de pensamento. Não seremos
criativos o bastante ao reproduzirmos a mesma estrutura de pensamento que
deu origem aos conflitos e contradições que enfrentamos no mundo.
Então, por onde começar? Krishnamurti (1980, p. 46) diz que a
transformação humana requer grande compreensão, e que a idéia do “gostaria
de ser” difere daquilo “que é”. O pensador indiano nos diz que, em primeiro
lugar, devemos estar conscientes daquilo que realmente “é” e conviver com
essa realidade. O próprio ato de “ver” tem a virtude de nos transformar. Ao
aperfeiçoarmos essa ação “ver” –, seremos capazes de ver também o outro,
96
e assim iniciar a caminhada humana para
enxergar de fato a complexidade do mundo e
sair do estado absurdo de cegueira.
Conduzir a atenção para ver a si mesmo, e
assim, ampliar a compreensão da globalidade
do mundo e da imensidão do outro é, conforme
Mariotti (2000, p. 299), a proposta do
pensamento complexo, que corresponde à
retomada da pluri-sensorialidade. “Esta pode
ser considerada um equivalente orgânico da
transdisciplinaridade uma forma de ver e
entender o mundo, traduzida em um saber que
questiona a cegueira do modelo mental
dominante”. Para o autor (2000, p. 226), a
chave da aprendizagem consiste em atentar
para o fato de o momento presente ser um processo, um mutante vir-a-ser, e
ao se dar conta disto, ir se autotransformando em conjunto com o meio.
Outra vez, a metáfora da metamorfose; quando o sistema está se
autodestruindo, ele se desintegra para ter salvação. Entretanto, não podemos
ser ingênuos em acreditar que não temos nada para fazer e que o planeta
salvará a si mesmo, ou pior, que nada podemos fazer que desmoronará em
ruínas. Acreditamos na sabedoria autopoiética da Terra. O que não quer dizer
que a nossa sobrevivência terrena, enquanto espécie humana, esteja garantida
e assegurada. O trabalho de salvar não é somente para garantir a vida, mas
para assegurar a vida pautada em valores éticos de dignidade, que legitimem o
humano do humano. Esta, a meu ver, é uma profunda questão a ser
considerada, com respeito e maturidade, na execução dos projetos
pedagógicos e educativos.
97
O que nós vemos das
cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma
cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir
seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e
ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a
pensar,
Saber ver quando se
E nem pensar quando se
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (triste de nós que
trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo
profundo,
Uma aprendizagem de
desaprender.”
Fernando Pessoa
2.2. SOBRE A GÉIA E SOBRE NÓS MESMOS
Muito podemos aprender sobre nós mesmos, sobre nossa identidade
terrena ao estudarmos sobre a criação dançante do nosso Planeta. Esse
estudo é uma das formidáveis contribuições da bióloga Elisabet Sahtouris
(1998), que nos convida a uma nova visão da biologia a partir de um novo e
poético olhar sobre a evolução das espécies. A autora, ao estudar a história da
criação de Géia
11
, mostra-nos que a jornada evolutiva das espécies é
concebida pela cooperão, e o pela competição, como postulado
anteriormente pela ciência clássica.
De acordo com Sahtouris (1998, p. 27), neste exato momento, em nosso
conturbado mundo, estamos no limar de nossa maturidade, ou seja, somos
suficientemente crescidos para reconhecermos que não somos perfeitos e nem
onipresentes, assim como nosso planeta também não é. A diferença é que a
Terra conta com alguns bilhões de anos de experiência em superar um
interminável número de dificuldades, grandes e pequenas.
Os estudos da bióloga enriquecem-nos ao esclarecerem que não somos a
única espécie a criar situações de caos, mas que muitas situações ferozmente
competitivas resolveram-se por si mesmas em um esquema cooperativo. As
bactérias podem nos ensinar que, em essência, somos orgânicos seres de
cooperação.
E através das mesmas tecnologias de transporte e comunicação
inventadas inicialmente por estas bactérias, quando se atiraram na
98
11
Sahtouris utiliza o conceito de Géia Terra Viva. O termo refere-se à deusa Terra da antiga
mitologia grega. A autora utiliza esse termo mais como uma metáfora poética ou espiritual do
que como para dar sentido a uma realidade científica. A expressão “gaia” é a forma romana de
“géia” (SAHTOURIS, 1998, p. 24).
“…É A COR QUE TEM COR NA ASA DA
BORBOLETA…” FERNANDO PESSOA
aventura cooperativa que tornou possível nossa existência, estamos
unindo nossos eus em um único corpo de humanidade, que talvez
possa tornar possível outro passo na evolução de ia. Se
estudarmos as lições da evolução, poderemos alimentar a esperança
de que o novo corpo mundial recém-formado de humanidade possa
tamm aprender a trocar competição por cooperação. Os
necessários sistemas já foram inventados e desenvolvidos.
Precisamos apenas de compreensão, motivo e vontade.
(SAHTOURIS, 1998, p. 27)
Contemplar e maravilhar-se com a deusa
Terra é encantar-se com a nossa identidade
terrena. Desde o cabelo até o calcanhar somos
constituídos pelos mesmos átomos que
explodiram fazendo a história da grande estrela.
Tudo o que existe na Terra é formado por esses
átomos primeiros que, em movimentos
d a n ç a n t e s , a r r a n j a r a m - s e e f i z er a m
combinações interessantes.
A beleza dessa dança resultou em formas, cores, texturas, sons, cheiros...
Desde os rios e rochas, flores e livros, grilos e lírios, príncipes e sapos, tudo
constituído por átomos originários, embora reciclados.
O planeta, em sua rodopiante dança criadora, vem se reciclando
bilhões de anos. Pensar sobre esse aspecto nos faz ver que por essência
(atômica) somos feitos de poeira estelar. Podemos, imersos em tal sentido,
reconhecer a nós mesmos e nos identificarmos de modo relacional com: uma
folha, um pássaro, uma rã, um garoto delinqüente...
Se tanto podemos aprender ao contemplar Géia, quando e por que nos
distanciamos dela? Por que deixamos de escutá-la? Por que passamos a
considerar legítima sua exploração, dominação e controle? O que houve para
não mais ser reverenciada enquanto deusa sagrada?
Houve sociedades denominadas matrísticas, que viveram na Europa no
período paleolítico, que consagravam e reverenciam deusas, e viviam plenas
99
Ser uma flor é uma
profunda responsabilidade.
Emily Dickinson
de harmonia com as manifestações naturais. O estudo sobre as sociedades
matrísticas é trazido pela socióloga e historiadora Riane Eisler, autora da obra
“O Cálice e a Espada, Nossa História, Nosso Futuro” (1989). O viver da cultura
matrística era pautado na parceria em lugar da dominação, onde homens e
mulheres viviam em cooperação, livres de diferenças hierárquicas de parte a
parte (MARIOTTI, 2002, p. 40). O termo matrística foi denominado pela
arqueóloga lituana Marija Gimbutas.
Os povos matrísticos não fortificavam seus povoados; viviam sem
estabelecer diferenças hierárquicas entre gêneros, utilizavam armas para a
caça, sendo esta feita com reverência à divindade sagrada que os iria
alimentar, segundo afirma o pensador chileno Humberto Maturana (2004, p.
39). Viviam imbuídos do dinamismo harmônico de sacralidade com as
manifestações naturais. Usavam as fases da lua, as metamorfoses dos insetos
e as peculiaridades da fauna e da flora para evocarem a harmonia. De acordo
com o autor (2004, p.40), esses povos deviam ver a Natureza como uma fonte
de recordação devido ao fato de suas vidas serem plenas de sacralidade.
Refletir sobre os pilares éticos que davam sustentação à cultura matrística
nos faz enxergar que a história da humanidade foi experienciada por
princípios de harmonia, respeito e reverência à interdependência entre as
espécies. As figuras presentes nos rituais eram deusas, expressões femininas
que representavam as relações de acolhimento e harmonia; para Maturana
(2004, p. 46), tais figuras revelam um viver que não estava centrado na
manipulação e na reafirmação do ego. Assim, a coexistência era pautada pela
ausência do desejo de apropriação, controle e obediência, elementos tão
presentes no nosso viver patriarcal.
E o que houve com o viver desses povos?
As sociedades matrísticas foram brutalmente destruídas por povos
pastores patriarcais e, segundo Maturana (2004, p. 49), para compreender
como uma cultura específica pode ser modificada, é necessário “reconstruir o
100
conjunto de circunstâncias sob as quais a nova configuração de emocionar que
constitui os fundamentos da nova cultura pode ter começado a conservar-se de
maneira transgeracional”. Isso quer dizer que, por alguma razão, o emocionar
de uma determinada comunidade matrística transformou-se, e assim passou a
ser reproduzido pelos mais jovens, de geração em geração.
O autor sustenta que a nova reconfiguração no emocionar desses povos
passou a se manifestar com o desejo de apropriação de seus rebanhos. Esses
povos eram nômades, e a vida pastoril era fundamentada na liberdade dos
animais que viviam pastando soltos. Os lobos podiam se alimentar dos
rebanhos, sem sofrerem punições e restrições pelos pastores que
acompanhavam o rebanho. Todos coexistiam harmoniosamente. Porém, esses
povos começaram a colocar limites em seus rebanhos e os lobos passaram a
ser vistos como inimigos. Com isso, iniciou-se a matança desritualizada tanto
do rebanho quanto dos lobos, que antes, o animal morto na caçada era um
“amigo” que estava sendo sacrificado para lhes oferecer alimento. No caso dos
lobos, estes passaram a ser vistos como “inimigos” que se alimentavam dos
rebanhos que lhes pertenciam (MATURANA, 2004, p.55). Assim, para o autor,
iniciou-se a jornada dos desejos do viver patriarcal.
Podemos dizer que nossa cultura patriarcal é constituída pelo emocionar
que valida os desejos de controle, obedncia, inimizade, dominão,
desconfiança e competição. Esse emocionar tornou-nos, na história da
humanidade, distanciados das manifestações da natureza. Nosso viver tornou-
se desprovido do sentido ritualístico e de reverência à vida. Adquirimos certa
cegueira em reconhecer a pluralidade das manifestações naturais como
expressões de um viver autêntico, orgânico, harmonioso e pacífico. Somos
ainda culturalmente identificados com o emocionar do patriarcado.
Todavia, vivemos um processo extraordinário, rico de promessas de
mudanças e de ameaças. O que irá acontecer? Definitivamente não sabemos.
Qual é o tempo necessário para que ocorra uma mudança? Também pouco
sabemos e quase nada podemos prever a priori. Talvez, possamos ter algumas
101
idéias por onde começar. Para iniciar a construção de uma nova cultura,
segundo Maturana (2004, p.34), é necessário que haja uma modificação no
emocionar que assegure a conservação da nova rede de conversações “uma
configuração especial de coordenações de ações e emoções”. Isso quer dizer
que nos construímos a partir do aspecto relacional das interações recorrentes e
recursivas de coordenações comportamentais. Nesse sentido, o conversar é
a todo tempo o entrelaçamento do linguajear com o emocionar.
Os ventos de uma nova cultura de valores neomatrísticos têm sido
soprados pelo movimento chamado Cultura de Paz, relembrando conceitos
como: não-violência; processo contínuo e permanente; o fim nem sempre
justifica os meios; cooperação e confiança. Tomar consciência do sentido e
incorporar essas suaves palavras na dinâmica do viver é o que tem sido
proposto pelos processos de aprendizagem integral transdiciplinar. Uma nova
cultura neomatrística, se estimulada por relações de escuta dialógica, poderá
se elevar à potência máxima quanto à sua capacidade de transformação
consolidada pelo novo linguajear.
Diante do exposto, concordamos com Maturana (2004, p.34) ao
considerar que “qualquer ser humano pode pertencer a diferentes culturas em
diversos momentos do seu viver, segundo as conversações das quais ele
participa nestes momentos”.
Diante da emergência da mudança, consideramos que a sensibilidade,
enquanto qualidade mais apurada, deva ser aprimorada. Precisamos afinar
nossa multidimensionalidade da escuta, e assim, deixarmo-nos tocar pela
dança de Géia. Ao exercitarmos nossa escuta dialógica, estaremos mais
afinados e atentos a ouvirmos uns aos outros, a nós mesmos e a sutil
divindade rítmica de Géia.
A harmonia do emocionar sensível com Géia depende da disposta
abertura em sincronizar-se com sua dança. Aceitaremos o convite da dança?
102
2.3. SOBRE VALORES
Valores e culturas são termos que se atravessam, unidos como agulha e
linha. Bordam nossas vidas. Traçam formas e moldes. Expressam cores.
Tramam versos, versões e versículos. Compreender valores é compreender
culturas. Construir valores é construir culturas. Valores determinam culturas.
Culturas são nutridas por valores. Enquanto lemos, dançamos, comemos,
criamos, cuidamos... agulha e linha – valores e cultura tramam, a todo tempo.
E o bordado do viver se faz, desfaz e refaz...
Um importante estudo sobre as estruturas da cultura ocidental e o
processo das mudanças culturais pode ser encontrado nas obras do
pesquisador chileno Humberto Maturana. O autor considera que (2004, p. 33)
cultura ou assuntos culturais são “uma rede fechada de conversações que
constitui e define uma maneira de convivência humana como uma rede de
coordenações de emoções e ações”. Para o autor (2004, p.10), é a emoção, e
não a razão, que define nossas ações. A vida humana é vivida no fluxo
emocional que a cada instante constitui o cenário no qual surgem nossas
emoções.
Assim, ao falar de amor, medo, vergonha, inveja, nojo...conotamos
domínios de ações diferentes, e advogamos que cada um deles
animal ou pessoa pode fazer certas coisas e não outras. Com
efeito, sustento que a emoção define a ação. Falando num sentido
biológico estrito, o que conotamos ao falar de emoções são distintas
disposições corporais dinâmicas que especificam, a cada instante,
que espécie de ação é um determinado movimento ou uma certa
conduta. Nessa ordem de idéias, mantenho que é a emoção sob a
qual ocorre ou se recebe um comportamento ou gesto que faz deles
uma ação ou outra; um convite ou uma ameaça, por exemplo.
(MATURANA, 2004, p. 32)
103
VÔOS POR JARDINS INCERTOS: VALORES
DESENHADOS AO VENTO
Em relação às influências dos valores na cultura ocidental, Roizman e
Ferreira (2006, p.14) têm fornecido grandes contribuições às concepções de
valores, ética e educação por meio de publicações e projetos, como o
Programa para Formação de Educadores em Valores Universais, Ética e
Cidadania
12
da Associação Palas Athena, por elas coordenado. Para elas,
valores podem ser compreendidos como referenciais que norteiam nossas
escolhas, motivações e modos de sentir. Ao considerarem que os valores são
construídos constantemente pelos diferentes povos que habitam o planeta,
mostram também que a formação destes é influenciada pelas diversas
maneiras de perceber, pensar, interagir e sentir o mundo.
Com o intuito de trazer à luz os valores que vêm moldando a sociedade
moderna, o filósofo Henry Skolimowski produziu um rico estudo sobre valores
tradicionais e valores ecológicos na década de 1980.
Apesar desses artigos não serem tão recentes, o estudo de Skolimowski
trata de questões ainda atuais em virtude de não ter havido grandes mudanças
nos padrões de conduta humana desde então. O autor (1989, p.3) aponta que
o mundo está sofrendo e que as causas desse sofrimento ocorrem porque os
valores são parte de nosso alimento psíquico, e privar as pessoas de valores
corretos as faz sofrer. “O mundo sofre porque nossas psiques estão
desorganizadas em virtude dessa desordenação dos valores”.
Skolimowski (1989, p.3) define os valores de quatro tradições históricas
que moldaram a psique da sociedade ocidental. São eles: 1. Os valores gregos
ou homéricos; 2. Os valores judaico-cristãos; 3. Os valores renascentistas; 4.
Os valores econômicos e tecnológicos da sociedade moderna.
104
12
Nos seminários do Programa, os educadores são orientados para que atuem como agentes
multiplicadores de uma Cultura de Paz e Não-violência em suas escolas, promovendo valores
como o respeito à vida, o cuidado, o diálogo, a cooperação, a percepção dos preconceitos, a
valorização da diversidade e o acolhimento das diferenças.
O autor (1989, p.3) afirma que as influências gregas na formação de
valores são: a honra, a coragem, o auto-sacrifício, a areté
13
ou excelência, a
versatilidade e a totalidade representada por uma vida harmoniosa. Os valores
cristãos correspondem a: submissão, piedade, auto-imolação. Correspondem
aos valores renascentistas: o humanismo (“o homem é a medida de todas as
coisas”), o autodomínio, a capacidade de realização, a versatilidade.
Os mais recentes valores correspondem aos econômicos/ tecnológicos: a
eficiência, o poder sobre as coisas (e eventualmente sobre as outras pessoas),
o controle e manipulação. Quanto a estes últimos, acrescento a agressividade,
a competitividade, a rigidez, o utilitarismo e a racionalidade. “Temos estes
sistemas dentro de nós e reagimos a partir deles nas diferentes situações de
nossas vidas” (SKOLIMOWSKI, 1989, p.3).
Ao contextualizar o processo histórico da formação dos valores
ocidentais, o autor (1899, p.7) propõe a necessidade do processo de formação
de valores éticos e ecológicos, tais como: reverência pela vida,
responsabilidade, frugalidade, diversidade, compaixão e justiça para com
todos. Afirma que o alicerce de uma ética emergente é a atitude de reverência
pela vida, o que implica em responsabilidade para verdadeiramente poder
compreendê-la. “O imperativo moral e global desta ética é: agir e comportar-se
de modo a elevar os aspectos significativos da existência” (SKOLIMOWSKI,
1989, p.7).
Roizman e Ferreira (2006, p.15) consideram que existem valores que
sempre permearam as diversas culturas em diversos tempos. São eles: o
respeito à vida, o bem, a justiça, a solidariedade. Pontuam ainda que ao
promover a formação desses valores, a educação pode gerar grandes
mudanças tanto na vida das pessoas quanto na história da sociedade.
105
13
De acordo com o autor, o conceito de areté dos gregos é mais amplo e profundo do que o
conceito moderno de excelência, que usualmente se restringe à excelência técnica, nos termos
da eficiência industrial.
As estratégias de aprendizagem das Rodas de Diálogo viabilizam, por
meio do autoquestionamento e da investigação introspectiva, as mudanças de
conduta e postura significativas nas pessoas. Ao propiciarem momentos de
reflexões profundas, possibilitam que cada pessoa, em seu potencial processo
intersubjetivo, identifique seus valores, amplie sua percepção de mundo e de
sua vida neste mundo. O processo reflexivo que emerge durante experiências
afetivas pode ajudar a aprimorar as relações subjetivas com os outros e com o
mundo. De acordo com Skolimovski (1985, p.11), quando transformamos nosso
ser de maneira significativa, podemos, com efeito recursivo e processual,
mudar nossas relações, ampliando e aperfeiçoando nossas concepções de
mundo.
Os valores são realidades muito sutis e curiosas; não podem ser
justificados racionalmente. Nenhum deles é impelido apenas pela
razão. Mas se você possui uma certa concepção do mundo e do
homem, então as duas coisas se juntam e passam a dar um outro
significado a este cosmo. (SKOLIMOWSKI, 1989, p.10)
Vivemos em tempo de crises complexas. Tempo de conflitos violentos e
sangrentos, incentivados pelo aumento e financiamento da produção de armas
bélicas. Tempo de depressões e avanços da medicina psiquiátrica. Tempo de
rapidez e velocidade nas informações e notícias do mundo. Tempo das
banalizações: do mal, do corpo, das relações, da morte e do próprio viver.
Porém, é tempo de aprender. Aprender a encontrar as forças criativas das
contradições. Aprender que podemos con-viver em harmonia, cuidando das
relações que estabelecemos com os outros, com o mundo e com nós mesmos.
Aprender que nosso tempo é agora, e como nos diz o compositor Gilberto Gil:
“falam tanto de uma nova era, mas se esquecem do eterno é”. Aprender a
cuidar, mais do que nunca, de nossa morada: nosso planeta está sofrendo por
nossos descuidados atos de “evolução” dita civilizatória. Aprender que muita
sabedoria em saber escutar, e me arrisco a dizer que mais até do que em falar.
Aprender que, com suado esforço, devemos a cada dia caminhar, com passos
firmes e precisos, ao encontro da unidade das coisas relativas ao coração e à
mente. A distância entre mente e coração é uma das maiores existentes em
106
todo o Universo, como nos diz o simpático esquimó xamã Angaangaq Lyberth,
conhecido por Uncle, o tio.
A dimensão do “aprender” está registrada nos cinco pilares de uma
Educação para o Futuro, promulgados pela UNESCO (apud. DELORS, 2000):
aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver junto; aprender a ser;
aprender a viver-conviver.
Os conflitos, a violência, o medo e as inseguranças estão aí. Atrozes e
presentes em nosso dia-a-dia. Não cabe aqui aprofundá-los, e nem é esse o
caso. Todavia, a cada dia, mais pessoas buscando remédios e mais
remédios para dar conta da crise e dor do sofrimento da alma humana.
Queremos soluções rápidas que eliminem nossas aflições. Sabemos muito
pouco sobre a espera. A crise é profunda: trata-se de uma crise de valores
éticos. A maneira como temos interagido com os outros seres humanos, com a
Natureza e conosco não tem sido das melhores: desrespeito, preconceito,
subordinação, insegurança, maus tratos... As relações que estabelecemos
pelas estruturas do endoderma, mesoderma e ectoderma
14
estão atrapalhadas
e confusas: estamos confusos quanto aos valores, desejos, afetos e quanto
àquilo que nos conforta e dá segurança à alma e à existência terrena.
Podemos perceber a existência dessa crise de valores pelo aumento de
pessoas em tratamentos psicológicos e psiquiátricos: surtos, crises de pânico,
stress, complexos bipolares, exaustivas tristezas, entre outras patologias.
Muitas dessas patologias vêm atingindo os adolescentes e jovens, e esse é um
assunto que precisa ser tratado com especial e cuidadosa atenção. São
patologias trazidas pelo meio, pela cultura e seu conjunto de valores que a dão
forma.
107
14
Essas categorias da constituição de nossa pele, as camadas germinativas, correspondem ao
conceito criado por David Boadella, criador de uma área terapêutico-educativa denominada
Biossíntese. A análise dessas camadas germinativas será feita no capítulo que trata do
referencial teórico.
Todavia, previno-me em considerar que muito perigo de erros e
enganos nas generalizações. O espantoso e encantador exercício de viver é
compreendido enquanto processo, enquanto águas fluidas e correntes de um
rio. E assim, com fluidez e correnteza, também são as crises enquanto
processos pessoais e culturais não estagnados, permanentes e recorrentes. E
pelo caráter de processo individual, devemos estar cientes de que não
receitas semiprontas, comprovadas por métodos irrefutáveis, possíveis de
aplicação e mesmos efeitos a todos. Aprender a lidar com a crise de que
falamos aqui é exercício do capinar sob o sol de cada dia.
Os autores Stocker e Hegeman (2002, p.45) dizem que a “ausência e a
deficiência de afetos e emoções são quadros característicos da dissociação, da
despersonalização e de várias neuroses, condições limítrofes e psicoses”.
Os autores ressaltam que sem afetividade a vida humana se torna
impossível e insatisfatória. Diante do exposto, consideramos que lidar com as
múltiplas dimensões humanas, nas experiências de aprendizagem que
promovem a construção de valores éticos e com a afetividade, resulta em
alternativas de encantar o viver. Cuidar dos afetos humanos é cuidar do que é
essencial na formação de seres saudáveis, de psiques saudáveis.
A construção de uma ética para o futuro demandará um esforço de
proporções incomensuráveis e reunirá todos aqueles que acreditam
nas forças de conjunção, que solidarizam, fraternizam e
universalizam. Será preciso certamente exercitar a futurologia, não
entendida obviamente como uma forma de irracionalismo, mas como
um modo de entendimento, uma ecologia cognitiva, se quisermos
estabelecer um horizonte prospectivo para a vida, as idéias e a
cultura planetária, nesses tempos sombrios e unidimensionais de
globalização e ressurgimentos étnicos exterminadores. (CARVALHO,
1998, p. 11)
O problema da pesquisa destina-se então a somente oferecer um
momento de respiro. Uma pausa para inspirar e expirar. Um gole de água
fresca após um dia inteiro de capinagem sob o ardente sol. É um suspiro de
serenidade no processo de encontro consigo, de conhecimento de si. E nessa
hidratação do corpo há uma pretensão de humildade: ser somente isso, e só...
108
Nas entrelinhas, essas palavras nos dizem que não se trata, aqui, sob
caráter científico, de trazer “remédios” e/ou “métodos” notáveis que porão um
fim ao mal-estar da crise. São simplesmente experiências de afetos.
Possibilidades de caminhos para sermos mais autorais em nosso espantoso e
encantador processo de vir-a-ser. E se acima falamos de capinar, é porque
ansiamos pela colheita: “o capinar é sozinho, mas a colheita é coletiva”, nas
nobres palavras de Guimarães Rosa. Estamos sozinhos sob o ardente sol.
Com a enxada nas mãos, desejamos e sonhamos em celebrar e confraternizar
com os outros os frutos de nossa colheita.
109
2.4. SOBRE A EDUCAÇÃO QUE TRANSCENDE AS SOMAS DAS PARTES
Reconhecer o valor intrínseco de cada indivíduo e da Natureza pelo que
são“vale porque é e não como é” é proposto por D’Ambrosio (1997, p.153),
em seu conceito de ética da diversidade. O autor afirma que, no processo
educativo, deve-se reconhecer o valor intrínseco dos seres humanos e vivos.
Reconhecer a necessidade absoluta dos outros que garante a sobrevivência e
nos integra com o cosmo “como parte essencial de um todo”. Os princípios
fundamentais da ética da diversidade constituem uma postura transdisciplinar e
correspondem ao respeito pelas diferenças, à solidariedade e à cooperação
com o outro para a preservação do patrimônio natural e ambiental comum
(D’AMBROSIO 1997, p.58).
Respeitar as diferenças; criar ambientes de aprendizagem alegres, leves
e receptivos; propiciar a cooperação e a solidariedade; aprender a ouvir como
ato de empatia, atenção e afeto são aspectos enriquecedores e que dão
vitalidade ao processo educativo de formação de indivíduos conscientes de sua
totalidade e da totalidade de seu mundo. São esses valores que norteiam o
trabalho com Rodas de Diálogo.
No ensino formal, afirma Morin (2001, p.15), aprendemos a isolar os
objetos de seu meio ambiente, a separar e dividir as disciplinas sem que sejam
reconhecidas as correlações entre elas, a dissociar os problemas em vez de
reunir e integrar. Para o autor (2001, p.15), tal estrutura de ensino tem
contribuído para a perda de aptidões naturais, principalmente nas mentes dos
mais jovens, em contextualizar os saberes e integrá-los em seus conjuntos.
Essa estrutura de ensino obriga a reduzir o complexo ao simples, a separar o
110
UMA FLOR É MAIS QUE A SOMA DE SUAS
PÉTALAS
que está ligado, a decompor e não recompor, “a eliminar tudo que causa
desordens ou contradições em nosso entendimento” (MORIN, 2001, p.15).
Elaboramos idéias, conceitos, previsões. A educação, nos moldes
padronizados, nos ensinou que devemos solucionar problemas, ter sempre
respostas certas na ponta da língua, enfim, nossos rebros foram
programados, como máquinas, a resolver problemas. A beleza encontra-se em
considerar o mistério da vida, sem o problematizar. Tememos o mistério, que
por sua natureza obscura, torna-se problema” (MARIOTTI, 2000, p.117).
Para Assmann e Mo Sung (2000, p.78), a escola nos prepara para
conhecermos “pedaços” independentes da realidade. A realidade é tida em
partes que se justapõem e cada parte exerce uma função dentro do todo. “Em
suma, não aprendemos a ver as relações de interdependência. E, como
sabemos, ver é uma questão de aprendizagem”. A separação, divisão e
decomposição das disciplinas e conceitos resultam numa percepção de mundo
fragmentada. Para os autores (2000, p.78), as relações de interdependência de
todos os seres vivos ou não-vivos na natureza e das pessoas nas sociedades
não são visíveis. As relações de interdependência não são percebidas, não se
tornam visíveis porque nem nossa mente, nem nossos olhos foram preparados
e treinados para percebê-las.
Sendo assim, o que se espera é uma mudança no processo educativo
que auxilie na formação de um pensamento unificador que, conforme proposto
por Morin (2001 p.25), seja um pensamento capaz de reconhecer a unidade
dentro do diverso, o diverso dentro da unidade: a unidade humana em meio às
diversidades individuais, culturais e ambientais, e vice-versa. “Enfim, um
pensamento unificador abre-se de si mesmo para o contexto dos contextos: o
contexto planetário” (MORIN, 2001, p.25).
Em geral, o ensino formal é fundamentado em grande quantidade de
informações objetivas, na transmissão e na explicação objetiva de conceitos
pré-concebidos pelos métodos científicos. Porém, não se trata de
111
desconsiderar a relevância das informações objetivas, mas sim que somente
estas são insuficientes para compreensão da condição humana e dos aspectos
mais sutis da subjetividade. Para Morin (2001, p.51), a compreensão humana
nos chega quando sentimos e concebemos os humanos como sujeitos, e é a
partir daí que podemos lutar contra o ódio e a exclusão. Moraes (2003, p.10)
considera ingênua e epistemologicamente equivocada a tentativa de transmitir
experiências e valores, visto que não o movimento da realidade para dentro
do cérebro. “Nada acontece de fora para dentro” (MORAES, 2003 p.10).
Existe uma diferença entre explicar e compreender. Essa diferença é
apresentada por Morin (2001, p.93), em que na explicação, o objeto de
conhecimento é tido apenas como um objeto e se aplica a todos os meios
objetivos de elucidação: formas, qualidades, quantidades. a compreensão
está fundamentada na comunicação e na empatia intersubjetivas, e assim
comporta um processo de identificação e de projeção de sujeito a sujeito.
Se vejo uma criança em prantos, vou compreendê-la não pela
medição do grau de salinidade de suas lágrimas, mas por identificá-la
comigo e identificar-me com ela. A compreensão sempre
intersubjetiva, necessita de abertura e generosidade. (Morin, 2001:
93)
O filósofo Jacob Needlemann (1991, p. 52) afirma que as idéias
conceitualizadas, ou seja, aquelas que resultam das explicações, não podem
ser assimiladas na totalidade de nosso ser. O filósofo considera que elas
fomentam a ilusão de que as questões fundamentais da vida podem ser
abordadas, e até solucionadas, por uma pequena parcela da psique humana
apenas o intelecto. As idéias conceitualizadas, de acordo com o autor,
fomentam a ilusão de que as verdades últimas acerca do homem e do universo
podem permear nosso inconsciente (emoção e instinto), sem uma luta interior
árdua, prolongada e cuidadosamente orientada.
112
3. A PESQUISA PROPRIAMENTE DITA
Eu não sei se eu era um homem sonhando ser borboleta , ou se eu sou agora uma
borbleta sonhando que sou um homem. Chuang Tzu.
Chegamos e este momento da pesquisa pela trajetória da teoria que nos
nutre e nos acompanha. Agora é o momento de relatar nossa experiência e
analisá-la sob a óptica das categorias eleitas. O processo de reflexão e
emergência das categorias foi realizado com muita atenção aos
questionamentos trazidos pelos grupos e ao questionamento interno do
pesquisador.
Qual é o ponto de encontro entre complexidade e aprendizagem
integradora? Ao considerar o aprendiz em sua muldimensionalidade, a
aprendizagem, conforme nos diz Moraes (2008, p. 3), “apresenta-se como
produto de processos interativos, recursivos, dialógicos, auto-eco-
organizadores e complexos, mediante os quais, sentimentos, emoções,
sensações, intuições, imaginação e raciocínio funcionam de modo enredado e
articulado”. O pensamento complexo, sob esse olhar, passa a ser a maneira
como iremos articular, com fluidez e adequação, a manifestação desses
diferentes processos presentes tanto na aprendizagem quanto nos processos
de construção do conhecimento.
Portanto, fica um pouco mais claro entender que tais fenômenos
surgem a partir de mecanismos em rede, como nos informam Capra
113
CAPÍTULO 3
A DANÇA EM BUSCA DE NECTAR E OUTROS
VÔOS POR JARDINS
(1997), Maturana (1999), Varela e colaboradores (1997), reforçando,
mais uma vez, a idéia de que a complexidade, com seus operadores
cognitivos, ajudam-nos a pensar e a compreender melhor tais
mecanismos. Ela é algo inerente às ações humanas, aos
pensamentos e à percepção do objeto ou da realidade em estudo,
pois sendo um fator constitutivo da vida é também fundamental para
o desenvolvimento da inteligência, do pensamento, da aprendizagem,
da consciência e de todos processos evolutivos dos sistemas vivos.
Assim, o padrão da vida é um padrão funcional de natureza reticular.
Redes de natureza autopoiética, auto-eco-organizadora e, portanto,
complexa, que envolve diferentes dimenes constitutivas da
corporeidade humana e suas relações com o meio onde está
inserida. (MORAES, 2008, p. 3)
Neste capítulo, são delineados os caminhos percorridos, ou seja, os
jardins visitados nos momentos da dança rodopiante, o encontro com a maciez
das flores, o aquecer-se ao sol... Correspondem às narrativas, às categorias
trabalhadas, à escuta e registros das narrativas, depoimentos e observações.
Os operadores cognitivos da complexidade equilibraram o vôo sustentando o
percurso.
É perigoso dizer que os dados analisados foram coletados, como se os
dados estivessem prontos antes da presença e participação do pesquisador.
Com ousadia pessoal, afirmo que não busquei neutralidade na análise dos
dados. Os dados não foram coletados, mas sim sentidos, vividos, intuídos e
refletidos.
114
3.1. SOBRE A EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA
Ah! professora, círculo de novo?
— Sim, respondia.
Era assim que se iniciavam as aulas. Quase sempre a mesma pergunta
feita pelos aprendizes. Tínhamos que organizar a sala para dar início à aula. E
o que isso quer dizer? Posicionar as cadeiras em círculo. Para quê? Para
aprenderem a dialogar, se expressarem e começarem a ver uns aos outros e
ver todo o grupo. Todos incluídos na conversa, sem hierarquias, acolhendo as
contradições e se distanciando dos julgamentos.
A pesquisa (corpus de análise) incidiu sobre as aulas de educação para
valores, destinada aos aprendizes da Instituição Aldeia do Futuro - instituição
sem fins lucrativos, que tem como objetivo profissionalizar e educar jovens e
mulheres, contribuindo para a formação de cidadãos plenos e responsáveis,
mostrando-lhes a oportunidade de construírem um futuro melhor. Os cursos
oferecidos pela Aldeia são destinados a contribuir no desenvolvimento da
comunidade em que está inserida, Americanópolis.
As aulas eram semanais e tinham 1 hora e 40 minutos de duração.
Participaram cerca de 120 aprendizes, subdivididos em 6 turmas, de acordo
com os cursos em que estavam matriculados. Os aprendizes possuem em
média de 13 a 17 anos, residentes no bairro de Americanópolis e região.
muita simplicidade estrutural em criar uma Roda de Diálogo. Não é
algo que exija muitos recursos tecnológicos e de infra-estrutura. É necessária
115
SAÍDAS POLINIZADORAS
somente a disposição do grupo em círculo e coragem para se expressar em
fala. Porém, sendo assim, a simplicidade e facilidade quanto à estrutura de
aplicação prática, por sua vez, podem proporcionar experiências subjetivas
concretas. Entretanto, considerar a simplicidade, enquanto aspecto
enriquecedor, difere do termo simplista. É o que Mariotti (2002, p. 86) alerta
quanto ao pensamento linear e fragmentado que se pauta na simplificação e
reducionismo da percepção de realidade: “Numa palavra, confundimos
simplicidade (naturalidade) com simplificação”.
A proposta das aulas foi aprimorar a expressão verbal e corporal dos
aprendizes, tendo como estratégias de aprendizagem as Rodas de Diálogo,
dinâmicas de harmonização de grupos planejadas a partir de estudos sobre
jogos teatrais e cooperativos, e atividades extraclasse, como vivências com a
natureza e idas ao teatro. Por meio de reflexões e atividades busca propiciar o
contato consigo, a relação com o outro e o sentido de pertinência ao planeta.
Assim, o objetivo maior das aulas foi criar um espaço de troca de idéias,
sentimentos e saberes, e assim contribuir para o desenvolvimento de
indivíduos compromissados e reflexivos quanto ao seu papel de agente de
transformação social, ambiental e cultural.
Tais estratégias de aprendizagem são pautadas na construção de
valores éticos de acolhimento, gentileza, interdependência, cooperação,
respeito, reverência pela vida, solidariedade, diversidade, justiça, não-violência,
afetividade e tolerância. Nesse sentido, são reverenciados os aspectos da
multidimensionalidade humana, da pluridimensionalidade do real, dos níveis de
percepção de realidade de cada participante, da inclusão do diferente e da
legitimação das relações de afeto e amorosidade.
Cadeiras em círculo, a aula começa. Sobre o que conversaremos hoje?
Antes do diálogo propriamente dito, foram planejadas e realizadas
atividades de harmonização do grupo, como atividades de jogos teatrais e
cooperativos. Essas atividades eram pesquisadas e estudadas de acordo com
116
as necessidades de cada grupo. O planejamento era igual para todos, mas a
prática era completamente diferente. Foi interessante observar como cada
grupo reagia diferente às atividades propostas; alguns aceitavam com
facilidade e outros não. Isso caracteriza a disponibilidade de atenção e
flexibilidade quanto ao planejamento por parte do educador.
Na proposta de diálogo desenvolvida pelo físico David Bohm e pelo
pensador indiano Jidu Krishnamurti, a idéia central é a suspensão dos
pressupostos. De acordo com Bohm (2005, p.36), todos nós temos
pressupostos básicos e opiniões diferentes sobre o significado da vida, o auto-
interesse, a religião, questões políticas, entre outros. Em geral, esses
pressupostos são defendidos (com carga emocional) quando questionados.
Assim, para Bohm (2005, p.35), a questão central é que o diálogo precisa
entrar em todas as pressões que estão por trás dos pressupostos, ou seja,
penetrar no processo de pensamento que está atrás do pressuposto e não
simplesmente nele. Se não é para defender idéias, a relação estabelecida no
diálogo é ganha-ganha, o que difere da discussão, na qual a relação
estabelecida é ganha-perde.
Sendo assim, no diálogo, não temas pré-definidos, não agenda.
Os participantes devem falar na primeira pessoa, sempre buscando se
conectar com o que sentem, e não tanto com o que pensam a respeito de
determinado assunto. O principal exercício é aprender a ouvir, ouvir
plenamente o outro. Praticar diálogo é uma arte da convivência. Para que haja
convivência harmônica é necessário praticar a comunicação de maneira livre e
criativa, sem aderir em definitivo às nossas idéias e nem defendê-las de modo
radical (BOHM, 2005 p. 31).
— Professora, quando é que a gente vai para o parque?
Com o intuito de ampliar o universo cultural dos jovens foram realizadas
atividades extraclasse. A primeira atividade ocorreu em novembro de 2007, e
consistiu em uma atividade de Vivência com a Natureza, no Parque Estadual
117
da Serra da Cantareira, Núcleo Engordador, São Paulo, SP. A concepção
pedagógica das Vivências com a Natureza, conforme tratada pela concepção
do Instituto Romã, considera que por meio do lúdico e do sensível é possível
criar laços sólidos e profundos. Sendo assim, a conservação da natureza fica
garantida por uma necessidade de interação e convivência. De acordo com
autora Rita Mendonça (2005, p.215), Diretora Presidente do Instituto Romã,
uma visita à natureza pode mudar nossa relação com o espaço, com o tempo,
conosco e com os outros. Com a vivência, torna-se possível elaborar um novo
olhar, um novo pensar, um novo agir.
O contato lúdico com o meio natural...coloca-nos sempre uma
possibilidade de ruptura com maneiras de sentir, de pensar e de
conduzir nossas ações, com valores sedimentados por uma rotina e
um estilo de vida que nos afastam de nossa condição animal/natural.
(Brandão, 1994. cit. in Mendonça, 2005, p.223)
A experiência afetiva com a Natureza pode fazer emergir sentimentos de
unidade e pertinência ao mundo natural, e dessa forma, corresponde à nova
postura de interação e percepção do mundo e da realidade. Ao se interagir de
maneira direta com a Natureza, pode-se observar e vivenciar a
interdependência entre todos os seres vivos; o contato com as manifestações
naturais torna mais evidente a percepção dos sentidos do que quando as
pessoas estão imersas nas cidades, onde predomina o concreto e o artificial. A
Vivência com a Natureza pode contribuir para o processo de um pensamento
mais unificador, e assim tornar mais possível a compreensão e a percepção de
nossa identidade planetária. Cornell, fundador da Shraring Nature Foundation,
diz:
As experiências diretas são necessárias para desenvolver
sentimentos de amor e preocupação pela terra; caso contrário, as
pessoas passarão a conhecê-la de modo superficial e teórico, sem
nunca serem tocadas profundamente. (Cornell, 1997, p.38)
Sob esse olhar, considero que uma significativa mudança nos valores
sociais deve levar em conta a relação sujeito-sujeito tanto com a Natureza
como com os demais seres humanos –, e assim transcender as relações
sujeito-objeto. Essa maneira de se relacionar, interagir e perceber a totalidade
118
e complexidade do meio corresponde à estrutura linear de pensamento, que
separa sujeito-objeto, observador/ observado.
— E para o teatro, quando a gente vai?
O segundo passeio foi realizado em junho de 2008, para assistirmos à
peça de teatro “O conto da ilha desconhecida”, baseada na obra do escritor
português José Saramago. Antes de irmos ao teatro, visitamos a Livraria
Cultura, situada à Avenida Paulista. Para alguns aprendizes foi a primeira vez
que estiveram na Avenida Paulista. Ao adentrarmos a Livraria Cultura,
localizada no Conjunto Nacional, alguns disseram: “nossa!, é melhor que
shopping center”; “não paga nada para entrar aqui? Posso mesmo voltar
quando eu quiser?” O grande interesse da maioria foi pelos livros do Harry
Potter.
Ao mencionarmos anteriormente a formação das cadeiras em círculo
para todos serem vistos e estarem juntos, isso significa que a relação
professor-aprendiz é uma relação de partilhas e trocas. Todos ensinando, todos
aprendendo, convivendo, conversando. De acordo com Maturana (2004, p. 31),
todo viver humano consiste na convivência em conversações e redes de
conversações, ou seja, o que nos constitui como humanos é a nossa existência
no conversar.
119
3.2. ANÁLISE DA DAS CATEGORIAS
É apresentado neste item o entrelaçamento das análises das categorias
eleitas com os aportes das teorias estudadas. Cabe dizer que essas categorias
não correspondem a aspectos rígidos e fechados da pesquisa, mas no seio de
cada categoria estudada, há espaço para categorias emergentes, que, por
questão de limitação de tempo e espaço da pesquisa, não serão analisadas ou
estudadas mais atentamente. Considerar a emergência de novas e inéditas
categorias de análise é conceber a amplitude e movimento de obra inacabada
da pesquisa e do pesquisador.
Abaixo, seguem os trechos selecionados das entrevistas feitas com os
aprendizes no final de cada semestre de aula. Essas entrevistas foram
gravadas e feitas individualmente. Alguns nomes dos participantes são fictícios.
A estrutura da entrevista está anexa à pesquisa. Consistiu em um roteiro
formal, previamente estruturado pelo pesquisador, para servir como uma base.
Porém, ao realizar as entrevistas, zelei pela espontaneidade e descontração.
Assim, cada conversa com os aprendizes foi um conversar diferente, visto que
foi um momento de intimidade entre pesquisador e sujeitos da pesquisa.
Outro cuidado nesse momento foi pelo ambiente de amorosidade e
confiança. Estive atenta aos brilhos nos olhos dos aprendizes, às falas
conectadas ao coração, à mensagem que cada um tentava expressar pelas
palavras não ditas. Devo confessar que o momento das entrevistas foi muito
especial, pois foi o momento de linguajear com a intimidade, minha e deles…
Meu emocionar, nesse momento, esteve presente com muita
intensidade. O momento das entrevistas foi também o momento em que me
120
A DANÇA DA INTEGRAÇÃO: PRÁTICAS E TEORIAS
JUNTAS
despedi daqueles jovens. Estávamos sensíveis à
sensação de separação, porém cientes da
importância de nosso rito de passagem. Posso
dizer que toda essa dimensão dos afetos, ritos
de passagem e saudade da convivência são
aspectos que estiveram presentes no linguajear
dos aprendizes ao relatarem seus aprendizados
com a experiência das Rodas de Diálogo e com
nossa convivência.
Optei pela narrativa que traz a memória.
O registro no papel foram desenhos. Cuidei para
que houvesse sentimentos nesse momento. Que
a palavra paz, apesar de não ser uma categoria
de análise, fosse a palavra inspiradora dos
corações no momento de fazer os desenhos.
Cabe ressaltar ainda que dentre as
categorias eleitas para a análise dos dados,
p o d e - s e o b s e r v a r a e m e r g ê n c i a d e
subcategorias. Tal constatação revela o caráter
de abertura ao novo e o constante vir-a-ser da
pesquisa.
3.2.1. A CONEXÃO CONSIGO MESMO
Entrevistador: Mas enfim, qual palavra que para você
expressa como que foi o trabalho do diálogo. Qual palavra
expressa em que esta experiência com as Rodas de
Diálogo?
Gerlaine (15 anos): É, hum, hum...
Pesquisador: A primeira que vier?
Gerlaine (15 anos): Harmonia
Pesquisador: Harmonia. É linda essa palavra. E por que
essa palavra? O que te representa?
Gerlaine (15 anos): É assim, para mim é paz né.
Pesquisador: Em que momento você consegue lembrar
um dia na roda que se, que a harmonia te tocou?
Gerlaine (15 anos): Na hora que eu estava fazendo um
121
Possibilidade de conexões
No coração da matéria
O vazio
No movimento das partículas
Possibilidades de conexões
É o que diz a ciência
É o que dizem as tradições
No âmago da matéria: conexões
No âmago da Vida: o amor
Inconscientemente, a matéria se
conecta
Conscientemente, o ser humano
pode conectar
Pode amar
A si mesmo e ao outro
Mistério profundo
De criação e destruição
De Vida e de Morte
De Amor e Ódio
Conectar os sons é fazer música
As tintas é fazer um quadro
A argila é fazer uma peça de
arte
O outro é compaixão
Mistério do querer verdadeiro
Da liberdade
Da gratuidade
Do transformar o caos
A palavra um dia assim o fez
E surgiu a Vida
E surgiu a Vida que sabe que
vive
Que também pode a palavra
Desvelar tal mistério
É a magia do ser humano
Magia da permanente
transformação
Do caos em Vida, em amor
Ruy Cesar do Espírito Santo
desenho da árvore.
Harmonia, conforme tratado na aprendizagem experiencial de David
Kolb e revista na obra de Bruno (2007; 2008), consiste no nível integrativo das
fases de aprendizagem, sendo estas espiraladas e não lineares. No estudo
desvelado no item 1.3. da pesquisa sobre o conceito de aprendizagem
experiencial, consideramos essencial que no processo de aprendizagem de
jovens, haja a preocupação com os aspectos que correspondem ao nível
denominado por Kolb (1984) integração, por compreender que essa seja a fase
em que a palavra de ordem seja harmonia. A harmonia no nível integrativo da
aprendizagem corresponde a um estado que pode o indivíduo encontrar um
bem-estar, um relaxamento e calma, podendo acarretar desse estado a
construção de redes de conversações saudáveis. É saber encontrar a
simplicidade no complexo (BRUNO, 2007, p. 118).
O depoimento da aluna Gerlaine nos traz uma experiência interna com a
harmonia. A simplicidade foi somente desenhar uma árvore. Mas ao encontrar
esse sentimento no simples ato de desenhar, não podemos afirmar que com
isso a aluna permaneça na fase integrativa da aprendizagem experiencial. As
fases de aprendizagem experiencial devem ser compreendidas de modo
processual. Podemos considerar que naquele momento de desenhar a árvore
e depois relatar essa experiência, a aluna esteve em contato com a harmonia.
E ela - a aluna - a reconhece na intimidada de seus afetos e a recorda em sua
corporeidade.
Ao considerarmos o estado interior de harmonia, presente na narrativa
da aluna, não consideramos que se trate de algo rígido e estável. Porém, é
uma análise contextual do momento presente, do momento em que a aluna
esteve em contato com o estado de harmonia. Podemos considerar que esse
relato está diretamente ligado às práticas desenvolvidas em sala de aula, e
nesse caso, sentir harmonia foi algo marcante que expressou o emocionar da
aluna ao participar da experiência com as Rodas de Diálogo.
122
Não pretendemos aqui afirmar que esse estado de harmonia narrado
pela aluna tenha sido sempre e continuamente presente no seu processo de
aprendizagem. Muito menos que esse estado tenha sido presente em todos os
aprendizes - não generalizações; contextos e momentos presentes. A
manifestação do estado de harmonia foi naquele instante, ao simplesmente
desenhar a árvore. Todavia, a expressão do emocionar da aluna em seu estado
de harmonia sustenta que o processo de formação integral do indivíduo deva
tocar o centro e estabelecer o contato intersubjetivo.
Educar para a formação do ser integral é ajudar o indivíduo a
encontrar o seu centro, a descobrir a virtude, que segundo Buda, está
no centro (CREMA, 1997). Educar para a plenitude humana é a forma
que nós educadores é a forma que nós educadores fazermos justiça
ao todo que somos nós. (MORAES, 2004, p. 69)
Pesquisador: O que você poderia me contar sobre as experiências com as aulas que tivemos?
Marco (16 anos): Era um lugar que a gente se soltava, fazia brincadeiras. Era bom.
Rapunzel (15 anos): Eu antes de começar as aulas ficava toda ansiosa. Será que a
professora veio? Será que a gente vai brincar hoje de novo? Será que vai ser escravo de jó?
na hora do intervalo eu ficava falando para as pessoas, vamos gente subir logo, a professora
deve estar nos esperando dentro da sala.
Rapunzel (15 anos): Tudo que acontecia eu chegava em casa e contava para o Mateus
(irmão). A brincadeira do escravo de que eu não sabia e contei para ele. Ele se empolgou e
todos os dias quer jogar comigo na hora do café. Aí ele pega o copo e fica: escravos de jó…”
E eu pego (outro copo) e tenho que jogar junto com ele.
Esse depoimento traz a dimensão do brincar e da expressão de si no
processo de aprendizagem integral. Podemos compreender na narrativa que as
aulas eram um lugar que “a gente se soltava”, com a liberdade de se expressar,
sem julgamentos e aberto às atividades lúdicas. Compreendemos nesta análise
que a expressão dos sentimentos e pensamentos deve ser estimulada na sala
de aula.
“A gente se soltava.” O que isso nos diz?
De acordo com as abordagens teóricas apresentadas nesta pesquisa,
que tratam da compreensão não-linear da expressão do viver, podemos
considerar que a narrativa do aprendiz Marco está relacionada com a
123
possibilidade da expressão livre dos sentimentos, pensamentos e intuições do
processo de desenvolvimento da aprendizagem.
“A gente se soltava.” De que eles - os aprendizes - se “soltavam”? Em
que estavam eles - aprendizes - presos?
A aprendizagem deve focar o interesse e necessidade do aprendiz. E
era isso que acontecia nas práticas das Rodas de Diálogo. Havia um
planejamento prévio das aulas, mas que não era rígido e sim flexível. Muitas
vezes, a proposta do educador era uma, e a dos aprendizes outra. Como
resolver esse conflito? O que era autoridade do educador nesse momento?
Impor suas obrigações e atividades previamente planejadas? Ou ao contrário,
saber que aquilo que fora planejado não correspondia aos interesses presentes
naquele grupo. E mais, saber que aulas não são fórmulas e regras. E seres
humanos não são máquinas. Muitas vezes, o planejamento prévio era bem
acolhido por uma turma, mas a turma seguinte o rejeitava. E isso acontecia na
maioria das vezes na turma de informática de que participava o aprendiz
Marco.
Muitas vezes, os aprendizes chegavam completamente desanimados e
desestimulados a participar das atividades propostas pelo educador. O que
fazer nessa hora? Puni-los por acharem chato aquilo que havia sido planejado
e que havia sido muito bem acolhido pela turma anterior?
“Vamos sentar e conversar sobre quais são os interesses de vocês.
Quais atividades vocês propõem para iniciarmos nossas aulas. Não vamos
ficar sem fazer nada, mas quero ouvir o que vocês sugerem para tornar nossa
aula gostosa e divertida”. Era assim que, em geral, começavam as aulas na
turma do aprendiz Marco.
A manifestação dos aprendizes é a expressão de emergências no
processo de aprendizagem integradora. Podemos dizer que ao analisarmos
esse depoimento, abrimos espaço para a análise de subcategorias
124
emergentes, como a que diz respeito ao processo de implicações pedagógicas
da aprendizagem integradora, em que a preocupação está nos aprendizes, nos
seus interesses e suas propostas. O planejamento prévio é importante, mas
não determinante. Esse fato se refere às implicações no sistema de ensino e
aprendizagem proposto para estratégias didáticas compromissadas com o
SentiPensar, conforme nos diz Moraes:
Daí a nossa preocupação em gerar experiências de aprendizagem a
partir de interesses e propostas dos alunos. O aluno deve, portanto,
ser o centro do processo educacional e em função dele as coisas
devem ser planejadas, mas sabendo de antemão que o imprevisto e
o inesperado acontecem e que novas emergências surgem. Isto
certamente pressupõe atitude de abertura, diálogos nutridores, co-
responsabilidade, construções coletivas e cooperações na busca de
soluções aos problemas que se apresentam. (MORAES, 2004, p. 46)
E o que essa narrativa nos diz do ponto de vista da conexão consigo?
Ao trazer a dimensão do lúdico, da diversão, o aprendiz Marco nos fala
de seu emocionar presente no processo de aprendizagem. Marco nos diz: “era
bom.” O que há nas entrelinhas dessa frase?
Maturana (2004) diz que sem modificação no emocionar não
modificação de cultura. A dimensão do brincar, do poder “sentir-se solto”, como
nos diz o aprendiz Marco, é a proposta que confere ao processo de
aprendizagem integradora a transformação de modelos pedagógicos rígidos e
severos em outros que assegurem o livre expressar, legítimo e digno de cada
ser humano. A conexão consigo mesmo é, na narrativa de Marco, a medida do
livre expressar-se, a sensação de soltura daquilo que o tem aprisionado.
Com efeito, acho que na origem de uma nova cultura o novo
emocionar como uma variação ocasional e trivial do emocionar
cotidiano próprio da cultura antiga. Além do mais, creio que nesse
processo a nova cultura surge quando a presença do novo emocionar
contribui para a realização das condições que tornam possível a sua
ocorrência no viver cotidiano. Como resultado disso, o novo
emocionar começa a se conservar de maneira transgeracional como
uma nova forma corrente de viver em comunidade, numa mudança
que é aprendida de modo simples, pelos jovens e recém-chegados
membros dessa comunidade. (MATURANA, 2004, p. 50)
A aluna Rapunzel desvela a excitação ao saber que naquela aula ela
poderia brincar. Ficava animada ao tentar adivinhar quais poderiam ser as
125
atividades daquela aula. Em um momento da entrevista, a aluna conta que ao
contar para seu irmão sobre as aulas, principalmente as brincadeiras
realizadas em sala, eles brincavam depois juntos em casa.
Pesquisador: E o que você mais aprendeu?
Edilânia (17 anos): Aprendi a ter paciência, eu sou uma pessoa muito nervosa. Aprendi a
pensar positivo. Aprendi a falar o que penso. O que está certo e errado. Pensar mais no futuro
que tenho pela frente, eu tenho muita coisa ainda para aprender, para ver para frente, no
mundo fora, ver como é, coisas que ainda não sei. Eu sou muito fechada, não sei como me
comunicar direito com as pessoas. Sou muito tímida, às vezes tenho medo, vergonha.
Pesquisador: As aulas te ajudaram a trabalhar seu medo, sua vergonha?
Edilânia (17 anos): Para falar a verdade, um pouquinho. um pouco na hora de falar.
Quando está uma roda de gente, para falar sobre ética, sobre igualdade, é como te falei.
Pesquisador: Mas agora vc está falando tão bem. (em relação à ocasião da entrevista)
Edilânia (17 anos): Para falar a verdade, é porque eu demoro para falar. Eu gaguejo um
pouco. Aí fico com medo das pessoas rirem por eu não saber como falar. (as pessoas) irão
pensar: vich, coitada dessa aí, não sabe como se expressar, a falar rápido como todo mundo.
Se expressar bem como todo mundo. Aí penso que as pessoas perderão a paciência comigo.
Rapunzel (15 anos): A professora me ajudou a ter coragem para ler. Eu sou péssima. Tenho
vergonha de ler.
Rapunzel (15 anos): Fiquei mais ativa nas atividades da escola. Tudo que acontecia eu
chegava em casa e contava para meu irmão. Por exemplo, eu contei para ele a brincadeira do
escravo de e agora todos os dias na hora do café ele quer brincar comigo. E eu brinco
com ele.
Manoel (17 anos): A gente aprendeu muito com as aulas. A gente debateu alguns assuntos.
Rimos bastante com nossas conversas. Eu aprendi a dialogar com as pessoas antes de falar
qualquer outra coisa que agrida verbalmente a pessoa. Ela (a professora) ensinou para a gente
a ter coragem. Porque a pessoa pode ficar meio vergonhoso, com vergonha das outras
pessoas em ter que falar que você falou alguma coisa errada. Ela também ensinou a gente a
pensar diferente.
Ter coragem. Palavra que interliga as três narrativas acima. Ter coragem
de expressar a fragilidade de seu emocionar. Ter coragem de expressar as
suas dificuldades.
Uma aprendeu a ter coragem para ler, a outra, coragem de expressar
sua dificuldade em falar, e o outro, coragem de expressar suas próprias
opiniões. E podemos refletir o quanto é bloqueador, num processo de
aprendizagem, o sentimento de medo. Krishamurti (1980, p. 35) nos diz que o
medo impede o florescimento da bondade, e que em geral aprendemos através
do temor. É preciso muita coragem para expressar sua própria expressão
genuína, na autenticidade de ser você mesmo.
126
Por certo ouviram muitos políticos, educadores, seus pais e
inúmeras outras pessoas dizerem que vocês representam a geração
do futuro. Mas, quando tal acontece, não é isto o que de fato desejam
mencionar, certos como se acham de que os jovens se conformarão
com o antigo padrão social. Na realidade, não querem que venham a
ser homens de uma espécie nova, diferente. Preferem que sejam
mecânicos, a fim de se adaptarem, de aceitarem a autoridade. Não
obstante, se vocês puderem mesmo libertar-se do medo, não de
modo teórico, ideal, não apenas na aparência, porém
verdadeiramente, então poderão ser criaturas diferentes. Desta
maneira.(KRISHNAMURTI, 1980, p. 35)
Existe uma relação entre coragem e autonomia?
A proposta de aprendizagem experiencial de Kolb (1984) considera que
uma aprendizagem é integradora quando possui a capacidade de transcender
uma relação de heteronomia para uma de autonomia. O ideal de uma proposta
de aprendizagem é a formação de seres conscientes e sensíveis aos aspectos
visíveis e invisíveis que delineiam o viver. Autonomia de sua própria vida não é
coisa fácil e nem rápida, mas é a instauração da liberdade que tanto nos
acorda o educador Paulo Freire. Existe autonomia sem coragem?
Quem não é realmente livre não pode desenvolver-se, nem ser bom,
e jamais conhecerá o belo. Um pássaro na gaiola não poderá voar.
Se a semente não tiver liberdade para crescer, para brotar da terra,
ela não viverá. A liberdade é essencial para tudo, inclusive para o
homem. Porém, os seres humanos a temem, desconhecem o seu
significado. Os pássaros, os rios, as árvores, todos anseiam por
liberdade, e ao homem também ela é necessária, não em meias
medidas, porém integralmente. A autonomia, a independência, a
liberdade de expressar o que se pensa, de fazer o que se deseja, é
uma das coisas mais importantes da vida. (KRISHNAMURTI, 1980,
27)
Na narrativa do aprendiz Manoel, notamos o anseio pela autonomia ao
nos dizer que: “a professora nos ensinou a ter coragem. Porque a pessoa pode
ficar meio vergonhoso, com vergonha das outras pessoas em ter que falar que
você falou alguma coisa errada”. Esta narrativa contém o medo do julgamento
do outro, de ser menosprezado pelo pensar legítimo de cada um. É preciso ter
coragem para expressar suas idéias, opiniões. E a medida da expressão de si-
mesmo é a medida da conquista da autonomia. Desejamos a formação de
seres humanos críticos, conscientes, pensantes, atores de seu viver.
127
na narrativa de Edilânia e de Rapunzel, encontramos o medo por
aspectos que dificultam o conjunto de suas relações. Uma - Edilânia - em falar;
a outra - Rapunzel - em ler. Aspectos que conjugam a busca de autoria. Ao
expressarem seus medos e fragilidades, as alunas expressam o desejo de se
libertarem dessas travas. Quando somos autores de nosso viver, ficamos
menos amedrontados com os julgamentos alheios.
Pesquisador: O que mais você aprendeu com as rodas de diálogo?
Manoel (17 anos): A pensar diferente que a maioria das pessoas pensam igual. E ela (a
professora) queria que a gente pensasse diferente sobre as coisas. Ela ajudou a gente a ver as
coisas de um jeito melhor, por exemplo, o Renan (outro aluno do curso) falou que ele ia bater
numa menina mas como ele teve aula com a professora ele aprendeu a pensar antes de agir,
antes de fazer alguma coisa errada.
“Ela também ensinou a gente a pensar diferente”, como expressou o
aluno Manoel. E aqui novamente, Krishnamurti (1980) nos ajuda a explicar que
é necessário nos libertarmos das amarras dos medos e temores que
enfraquecem e impedem o florescer das sementes, dos mais novos. Pensar
diferente, que nos diz o aprendiz Manoel, é o pensar crítico, criativo e
desobediente de regras e morais impostas pelo modelo social vigente que
atropela o livre expressar-se. Ser desobediente, no sentido que tratamos
nestas linhas, é exercício pleno de cidadania ao estar ciente do verdadeiro
papel de agente de transformação social. Educar para a paz é muito mais que
ser “bonzinho” e distribuir margaridas brancas. A educação se aproxima do
exercício da ação pacífica ao educar para a desobediência de regras impostas
nas quais não acreditamos, como as que dizem respeito à exclusão e ao
preconceito do diferente.
Michele (18 anos): Foram aulas boas, fazem-nos deslocar a outro universo interior a nós
mesmos. Que a gente possa refletir sobre nós mesmos. Pensar antes de fazer as coisas.
Pensar nas coisas que são verdades que estão na nossa frente, mas a gente não tem audácia
de ir até lá e aceitar.
Pesquisador: O que você aprendeu?
Michele (18 anos): A não deixar de refletir sobre vc mesmo em nenhum momento da sua vida.
Isto não é ser egoísta. Mas em pensar em você mesmo. O q você está fazendo em seu interior.
Como sua mente está trabalhando hoje, pensar mais nisto.
A aluna Michele também nos aponta em sua narrativa o contato com sua
dimensão interior. E nessa narrativa, revela o contato consigo, “a não deixar de
refletir sobre você mesmo em nenhum momento da sua vida”. E ainda nos
128
afirma que essa o é uma atitude individualista, mas exercício de
autoconhecimento.
3.2.2. A CONEXÃO COM O OUTRO
R. Emil (16 anos): A experiência desse diálogo ai, foi muito boa mesmo que, ai agora aprendi
mais a escutar os outros porque antes eu gostava de falar, eu não gostava de escutar isso
ai me ajudou bastante.
R.Emil (16 anos): Não, o que eu não gostei é que eu, quando a gente começava a conversa ai
todo mundo queria falar ao mesmo tempo, ai nisso, ai que a gente aprendeu a escutar primeiro
e depois falar, ou então cada um falar na sua vez, na vez certa né, pra não criar bagunça, se
não, se todo mundo falar junto ai ninguém escuta ninguém.
Pesquisador: Se fosse para contar para alguém como eram aquelas aulas como você contaria
sobre o que você aprendeu?
Bruna (16 anos): Antes eu não falava muito. Não que eu era tímida, mas é que falava as
coisas sem pensar. Não ouvia direito e ia falando. Eu sei que agora eu escuto melhor as
pessoas para depois eu falar, sem ter aquele julgamento alheio, como sem ouvir e julgar.
Agora eu presto mais atenção.
Eder (18 anos): Aprendi a assumir meu erro. Teve um dia que discuti com minha mãe e eu
estava errado e continuava discutindo. Eu sou assim, se estou errado eu ainda quero discutir.
Mas aí pensei bem, eu estava nervoso e aí pedi desculpa para ela mais de três vezes.
Pesquisador (18 anos): E você aprendeu isto?
Eder: Foi por causa do que eu aprendi. Eu estava errado e nervoso. Pensei não sei porque
estou nervoso se sou eu quem está errado. pensei para que continuar discutindo. Então
melhor parar por aqui e pedir desculpas.
Pesquisador (18 anos): Antes das aulas você acha que não pediria desculpas?
Eder: Era bem difícil. Mesmo sabendo que estava errado eu continuaria discutindo.
Rapunzel (15 anos): Sempre antes de começar as aulas a professora perguntava como havia
sido nosso final de semana. Aí, eu estava em casa com a vassoura na mão para bater no meu
irmão. lembrei das aulas e pensei: “deixa para lá. A professora vai me perguntar o que houve
no meu fim de semana, e vou ter que dizer.” Eu até pensei que poderia te perguntar se jogasse
a vassoura nele: “professora, eu fui injusta em jogar a vassoura no meu irmão?” Mas decidi não
jogar não, deixei pra lá.
A escuta é a razão de ser das Rodas de Diálogo. Aprimorar a escuta
consiste na essência do exercício do Diálogo. E de qual escuta estamos
falando?
Saber escutar é ir além das palavras ditas, não ouvir somente o seus
significados. A palavra em si não representa o real, mas sim aponta e indica
uma direção. E em geral paramos nas palavras, concordando com os seus
significados ou discordando deles, e em geral com carga emotiva. Fincamos
129
bloqueios em nossas relações na persistência da defesa de nossos pontos de
vista.
O entendimento de escuta, no qual desenvolvemos toda a essência
deste trabalho de pesquisa, da escrita à ão, dos conversares aos
emocionares, é construído por inspirações e admirações do pensamento de
Krishnamurti (1980). Digo essência, pois desde os delineamentos dos
percursos metodológicos da pesquisa, traçados por estudos de Barbier (2002),
às atividades em sala de aula concebidas por estudos na estratégia do Diálogo
de David Bohm (2005), possuem como fundamento central o pensamento de
Krishnamurti (1980).
Os alunos das narrativas acima expressam seus aprendizados com a
escuta. Não confere a esta pesquisa analisar se a maneira como os
adolescentes compreendem a escuta está ou não em total afinidade e
aproximação com o pensamento de Krishnamurti (1980). Mas podemos olhar
para essas narrativas e pensar que algo novo lhes foi apresentado, enquanto
uma nova maneira de estabelecerem suas relações com os outros. As
narrativas expressam que os aprendizes estão atentos em relação à escuta, e
se antes não a faziam, talvez fosse porque simplesmente a desconheciam.
“Se todo mundo começa a falar junto aí ninguém escuta ninguém”, como
apontou R. Emil. Quando todos falam, todos estão pensando ao mesmo tempo.
Os pensamentos e opiniões interrompem o espaço da escuta. Saber escutar,
como presente na narrativa de Bruna, estar livre “daquele julgamento alheio” é
também, como ela nos diz, estar mais disposto a prestar mais atenção. E para
que devemos prestar mais atenção?
Estar atento a si-mesmo é a medida da atenção que dispomos aos
outros de nossas relações. É como nos conta o aluno Éder, ao olhar para si
mesmo e reconhecer sua postura diante do momento de conflito com sua mãe.
Ao reconhecer que nervoso era seu emocionar, suas ações desse momento
130
em diante poderiam desgastar ainda mais a relação com sua mãe. E por que
não parar, observar a si-mesmo e repensar qual, então, atitude tomar?
Estamos explorando. E, para podermos explorar de maneira real,
com ardor, com paixão, necessitamos dessa atenção que é o ato de
escutar - de escutar tudo: os gritos dos corvos e daquele gavião, e
escutar o que o orador está dizendo, sem procurar averiguar se está
dizendo verdade ou mentira; escutar, simplesmente, suspendendo a
capacidade de julgamento, de avaliação, de condenação. Se
escutares dessa maneira - num estado de vazio, se assim me posso
exprimir, se escutares “de dentro do vazio”, então, esse próprio ato de
escutar inicia aquele instante no qual há compreensão. Pois
necessitamos de uma tremenda revolução, não exterior, mas
também interior - principalmente interior. (KRISHNAMURTI, 1980, p.
96)
Prestar atenção à sua dimensão interior, a essa revolução de que nos
fala Krishnamurti (1980), quando livre de pressupostos e julgamentos, pode
nos conduzir a atitudes menos agressivas e violentas. Ao atentarmos para o
nosso emocionar, poderemos observar com mais clareza a confusão de nossos
desejos e afetos. Os acordes da escuta atenta e sensível são afinados com a
sintonia da ação pacífica.
Talvez, a aluna Rapunzel não tenha tido uma ação violenta com o irmão,
como no caso de jogar a vassoura, porque sentiria vergonha ou medo de
contar para a professora. Mas, talvez também, ela soubesse de si e de seu ato.
Não precisamos desconsiderar o fato de que a aluna sentiria medo ou
vergonha de expor para a sala o evento que marcou o seu final de semana. E,
como narrou a aluna, ela até poderia perguntar na sala se seu ato foi injusto.
Porém, o fato é que ela decidiu não jogar. E para tomar essa decisão naquele
momento, a aluna, mesmo que brevemente, ou até intuitivamente, prestou
atenção em seu emocionar durante a situação de conflito com seu irmão.
Pesquisador: O que você aprendeu com as rodas de diálogo? Como que foi essa experiência
para você?
Any Beatriz (15 anos): Ah, foi muito bom a experiência. Deu para saber o que cada um pensa,
né? Ah sei lá, não sei direito explicar. Foi muito bom, assim na roda todo mundo ficou unido,
todo mundo começou a falar o que sentia, todo mundo falou o que pensa, não individual,
entendeu?
Pesquisador: O que você aprendeu nas Rodas para sua vida?
Any Beatriz (15 anos): O diálogo.
Pesquisador: O que é o diálogo?
131
Any Beatriz (15 anos): A gente poder expressar o que a gente pensa, aprender a conversar e
aprender a lidar com as pessoas boas e ruins.
Rapunzel (15 anos): Teve aquela aula que eu me desentendi com o outro aluno, quando a
gente estava falando de bandidos. eu aprendi que a gente tem que ser um pouco humilde,
tem que se unir mais com as pessoas. Eu vivia assim muito afastado das pessoas, de todo
mundo. E aprendi que tenho que me esforçar mais e ter bastante ânimo e ser confiante em
mim mesma.
Pesquisador: o que você aprendeu?
Paula (15 anos): a ter união.
Um aspecto que nos aproxima dos outros ao estabelecermos nossas
relações é reconhecer e reverenciar o potencial de pensarmos todos juntos,
coletivamente, cooperando. A aluna Any Beatriz, em sua narrativa acima
descrita, diz que todo mundo ficou unido.
O viver conjuga o verbo do relacionar. Vida e relação são dimensões que
co-existem. Não existe vida sem relações. Das células ao universo, tudo e
todos em constantes, plácidas e fluidas relações. Educar, sob essa perspectiva,
é conduzir o emocionar para a aceitação de si-mesmo, do outro, para a
autopoieses do viver.
Ao suspendermos pressupostos e não precisarmos defender nossas
opiniões, aproximamo-nos uns dos outros, ao invés da postura dialética em que
a exclusão é a justificativa da competição entre os que retêm e defendem
“verdades”. Livres da carga de termos que afirmar idéias e opiniões a fim de
obtermos prêmios e reconhecimentos por nossas “verdades”, poderemos
exercitar a cooperação uns com os outros, e assim experienciar a convivência
de idéias e a união entre diferentes.
Educar, sob ponto de vista autopoiético, é desenvolver-se na biologia
do amor (MATURANA, 1999), o que significa desenvolver-se na
aceitação de si mesmo e do outro em seu legítimo outro. Para
Maturana (Ibid.), o amor é a emoção fundamental que sustenta as
relações sociais, ou seja, a aceitação do outro em seu legítimo outro.
É a emoção que amplia a aceitação de si mesmo e do outro e, para
ele, somente o amor expande as possibilidades de um operar mais
inteligente. (MORAES, 2004, p. 67)
132
E o que acontece quando o que eu falo não precisa “ganhar” ou ser
“melhor” do que aquilo que você fala? Pode acontecer que nessa hora, ocorra
a emergência do novo pensar, que não é seu nem meu: é nosso. E esse novo
pensar entra novamente na dinâmica do conversar e do relacionar, e vai se
modificando, transformando, num movimento recursivo e recorrente,
incessantemente.
A experiência com grupos de Diálogo pode conduzir ao
autodesenvolvimento e à percepção de si, podendo aprimorar o
relacionamento subjetivo, com os outros e com o mundo. São contribuições
que complementam, de forma eficiente, o ensino formal, pois facilitam o
desenvolvimento de posturas de convivência mais integradoras e harmônicas,
aspectos muitas vezes esquecidos por tal ensino.
Flávia Fernanda (15 anos): É que nem naquele dia que você deu a árvore lá, aquela árvore, ai
eu vi a árvore da menina e falei, ai a minha árvore está mais feia que a dela. A dela está tão
bonita, assim toda grande. Depois eu pensei: Ah! cada um tem sua criatividade.
Pesquisador: Muito bem é isso mesmo, não tem a mais bonita.
Flávia Fernanda (15 anos): É cada um tem a sua beleza né, que nem o ser humano, não
existe ninguém feio. A minha mãe sempre fala isso para mim, não existe ninguém feio cada um
tem a sua beleza.
Pesquisador: E é isso que você aprendeu?
Flávia Fernanda (15 anos): É, varias coisas também. Havia vezes que eu estava triste assim,
sabe. Ai eu ficava fazendo as brincadeiras, ai eu ficava feliz porque eu esquecia, eu esquecia
dos problemas das coisas da vida assim, ai quando eu chegava em casa, ai eu ficava falando
pra minha mãe. Então minha mãe dizia: “eita! é divertido isso, essas aulas, hein? Fica fazendo
assim com a mão. No meu tempo eu não fazia isso não” Eu falei, agora as coisas estão bem
diferentes”.
Nessa narrativa, também podemos observar aspectos da relação com
os outros, ao compararmos os desenhos das árvores. Uma é mais bonita que a
outra. Um ser humano é melhor que o outro. Quem está certo? Quem é
melhor?
“Ah! Cada um tem a sua criatividade”, como presente na narrativa de
Flávia Fernanda. Ao observar os diferentes desenhos de árvores, a aluna
também percebeu que diferentes o as pessoas, em suas ltiplas
expressões. Se diferentes são as pessoas, diferentes são os olhares sobre as
realidades do mundo e diferentes são as opiniões. Qual é a mais bonita? Para
133
a aluna Flávia Fernanda, é uma questão de diferentes possibilidades de
criatividade de cada pessoa.
3.2.3 A CONEXÃO COM O MEIO
Pesquisador: O que você aprendeu?
Raul (15 anos): A meditar. Como aquele dia da floresta. A gente aprendeu a meditar bastante.
Pesquisador: E você gostou?
Raul (15 anos): É bom, né?, porque muita gente não medita e faz coisas sem pensar.
Pesquisador: E você faz isso, às vezes, na sua casa, para a vida do Raul?
Raul (15 anos): Ainda não.
Pesquisador: E o que você aprendeu com a meditação?
Raul (15 anos): Que te ajuda aprender mais. Quando você chega em casa e fica pensando
mais sobre aquilo que não entendeu na escola
Pesquisador: E você já faz isso em casa?
Raul (15 anos): Ainda não.
Que reverenciada seja a sinceridade e espontaneidade. Que
reverenciada seja a confiança.
“Ainda não”. O aluno Raul nos conta que aprendeu a meditar, que
aprendeu que a meditação poderia ajudá-lo. Mas ainda não a pratica. Essa
análise confere aspectos que me foram surpreendentes. Poucos foram os
aprendizes que mencionaram a palavra meditação durante as entrevistas.
Devo expressar minha surpresa e espanto quando Raul me trouxe essa
palavra.
“A meditar”. Foi isso que Raul expressou sobre seu aprendizado. Fechar
os olhos, respirar, observar pensamentos. Visualizar imagens. Inspirar. Expirar.
Qual é a relação entre meditação e estratégias para uma aprendizagem
integradora? Por que estamos analisando a meditação sob a perspectiva da
conexão do indivíduo com o meio?
Os exercícios de visualização criativa, propostos durante as aulas,
tinham como objetivo fazer com que os aprendizes considerassem a
potencialidade de suas mentes. A intenção das atividades era conduzir os
alunos a entrarem em contato com seus potenciais mentais, e assim estimular
134
o exercício do pensar criativo e criador. Eram também, essas atividades,
momentos para a respiração, e assim estimular o contato com suas dimensões
de corporeidade. A conexão entre a atividade mental de estados de meditação
e o meio com que nos relacionamos é a medida da ampliação entre universo
interior e exterior. Quanto mais posso conhecer em meu interior, mais posso
enxergar em minha realidade exterior.
Podemos educar a nós próprios e aos estudantes para o viver? Não
me refiro a viver meramente como um intelectual, mas como um
completo ser humano, com sanidade mental e orgânica, desfrutando
a natureza, e sensível a todas as coisas, às aflições, ao amor, à dor, à
beleza terrena. (KRISHNAMURTI, 1980, p. 126)
Meditação é quietude, do corpo, dos pensamentos e do emocionar. É
estar tranqüilo, sereno e desperto para o sagrado. Exercícios de meditação
podem estimular a sensibilidade, e assim possibilitar percepções e ações mais
sensíveis em relação à vida em todas as suas manifestações.
Eric: Eram aulas civilizadas. Geralmente quando a gente junta um grupo um quer aparecer
mais que outro e acaba virando uma baderna. Mas (nas aulas) não. Naquelas aulas todos
ficavam mais quietos ouvindo o outro, e isto era bom. A gente podia expor idéias. E a
professora jogava idéias e a gente ficava discutindo sobre isto, por exemplo, sobre as
atividades ou coisas mais filosóficas. Na verdade a gente não discutiu, a gente mais dialogou
(disse outro aluno que estava sendo entrevistado ao mesmo tempo).
Pesquisador: Me conta mais o que você aprendeu.
Eric: Uma coisa que eu aprendi a fazer e que antes eu não fazia idéia que eu poderia fazer é
aprender a ouvir o ambiente. A prestar atenção ao que se passa lá fora.
Ivo: Eu vi mundos que eu nunca havia visto nos filmes. Eu vi que em São Paulo tem muita
gente pobre, passando fome. Você o que vê, muita gente de roupa nova. E não os
outros, não presta atenção que tem muita gente que vive na rua.
Ouvir o ambiente e prestar atenção ao que se passa fora. Foram os
aprendizados do aluno Eric. Estimular a sensibilidade para perceber mais o que
se passa no mundo; aos eventos e acontecimentos do viver correspondem
aspectos importantes da aprendizagem integradora.
Ao considerarem os aspectos multidimensionais do ser humano, tais
como a imaginação, a intuição e a construção de valores, as estratégias de
aprendizagem das Rodas de Diálogo harmonizam-se com os fundamentos de
135
aprendizagem integradora propostos por Moraes e Torre (2004). Esses autores
nos dizem que:
A aprendizagem integrada poderia ser descrita como o processo
mediante o qual vamos construindo novos significados das coisas e
do mundo ao nosso redor, ao mesmo tempo em que melhoramos
estruturas e habilidades cognitivas, desenvolvemos novas
competências, modificamos nossas atitudes e valores, projetando tais
mudanças na vida, nas relações sociais e laborais. E isto baseado em
estímulos multissensoriais ou processos intuitivos que nos impactam
e nos fazem pensar, sentir e atuar. (MORAES; TORRE, 2004, p.82)
A partir dessa consideração, o processo de formação do ser humano
integral e integrado passa a ser visto como possibilidade da ampliação da
percepção de realidade, compreendendo e atuando a partir do nível de
realidade e de percepção em que cada indivíduo se encontra, acolhendo e
reverenciando a diversidade de cada aprendiz. O intuito de se trabalhar com a
multimensionalidade humana é provocar no aprendiz seu talento enquanto ser
autoquestionador, auto-reflexivo e autotransformador.
É tornar o aprendiz consciente de seu papel de autor e agente de
transformação de sua realidade, despertando-o do sono da inércia e do
descompromisso com as questões de tensão no mundo. É o que nos diz o
aluno Ivo ao narrar que os filmes o ajudaram a ver que “em São Paulo tem
muita gente pobre, passando fome. Você vê o que vê, muita gente de roupa
nova. E não os outros, não presta atenção que tem muita gente que vive na
rua”.
Eric: Eu percebia que os meninos mais bagunceiros ficavam menos hostis nas aulas. fora,
quando estavam todos eles no portão, eu pensava: imagina colocar todos eles numa mesma
sala? Mas eu me surpreendi em ver que lá (na sala) eles ficavam quietinhos.
A narrativa acima do aluno Eric diz respeito à sua percepção do que
acontecia ali, naquele cenário de aprendizagem. Os meninos mais
bagunceiros ficavam menos hostis nas aulas”. Eric pôde perceber que seus
amigos se comportavam diferente no espaço de aprendizagem das Rodas de
Diálogo. O que acontecia naquele espaço que fazia os alunos “bagunceiros”
serem menos hostis?
136
Cuidar do “clima” nos ambientes de aprendizagem é fundamental.
Cuidar das emoções, sentimentos, pensamentos, intuições que ocorrem nos
ambientes de aprendizagem é compreender a existência de campos
energéticos que influenciam nosso emocionar e nossas ações. Esses espaços
precisam ser cuidados no sentido de assegurar a atmosfera de descontração e
relaxamento, alimentos que estimulam a motivação e envolvimento dos
aprendizes. Não se trata de fórmulas mágicas para “prender” a atenção do
aluno, mas de sensibilidade e sinceridade do educador em cuidar do clima de
acolhimento e abertura em sua sala de aula.
O que pretendemos destacar, aproveitando esta construção teórica, é
a importância dos elementos constituintes do clima e das
circunstâncias criadas nos ambientes de aprendizagem, a partir das
quais são gerados emoções, sentimentos e pensamentos que
circulam em função das ações e reflexões sobre os objetos que estão
sendo processados. Todos esses aspectos influenciam a
aprendizagem e como educadores necessitamos estar mais atentos
no sentido de desenvolver métodos e estratégias que utilizem
imagens, sons, cores e exercícios respiratórios para promover
estados mais harmoniosos, descontraídos e relaxados, como também
estados mais vibrantes, para que os aprendizes, em seus processos
de construção do conhecimento, se sintam mais motivados,
relaxados, criativos e felizes, capazes de construir algo diferente,
inovador, resolver problemas e enfrentar desafios. Temos
experimentado em várias ocasiões o efeito motivador e satisfatório
que produz ao se iniciar uma aula com alguma peça musical, poema
ou texto impactante. O aluno se sente gratificado de encontrar na
aula esses estímulos mais próprios de momentos de descontração e
de relaxamento. Mas, sabemos que de tudo isto também se aprende,
como temos tido ocasião de demonstrar. (MORAES; TORRE, 2004, p.
66)
A narrativa a seguir é a do aluno Lucas. Antes de passarmos para a
narrativa, vou contar um pouco sobre o aluno. Lucas era aluno que, no período
das aulas, estava em regime de liberdade assistida da Fundação Casa. Lucas,
sempre antes de começar a aula, dirigia-se à sala em que eu estava dando
aula para “verificar” se naquele dia haveria mesmo aula.
Houve uma ocasião em que na turma de Lucas havia somente quatro
alunos presentes. Emergência! Como realizar 1 hora e 40 minutos de diálogo
com tão poucos alunos na sala? Pensei que logo eles se cansariam. Então,
intuitivamente, no meio da nossa conversa, propus um exercício de
imaginação. Pedi para que os alunos se imaginassem em algum lugar bem
bonito, o mais bonito que pudessem imaginar. Depois, pedi para que me
137
contassem “onde estiveram”, e que fizessem um desenho desse lugar, como se
tivessem trazido postais ou fotos de lá.
Um esteve mentalmente na praia. O outro nadando num rio, na Bahia. O
outro no meio da torcida do Corinthians. E Lucas se viu sentando, de pernas
cruzadas, num lugar pantanoso. Em volta dele, várias pessoas com fisionomias
não conhecidas. Diante dele, uma porta trancada, e ele podia ver a chave que
abriria essa porta. Mas ele permaneceu sentado e não conseguiu ir até as
pessoas retirar a chave que abriria a porta à sua frente.
Quando Lucas narrou sua experiência com o exercício de imaginação,
fiquei, em certo sentido, admirada com sua capacidade de abstração. Mas
também me dei conta de que eu não possuía habilidades profissionais para
aprofundar a experiência de Lucas. Todavia, admirei sua confiança em revelar
algo que, ao meu ver, era de profunda intimidade e subjetividade. Senti que
aquele aluno confiava em mim, e que sua sensibilidade era diferente da dos
demais alunos presentes na sala.
Considerei pertinente escrever mais sobre esse aluno, pois em nossa
entrevista, Lucas trouxe novamente aspectos de sua dimensão sensível e
íntima. As representações mentais experienciadas por esse aluno são de
profunda sensibilidade, e devo reconhecer as limitações de minhas análises ao
falar sobre elas. Ainda penso na porta e na chave sem entendê-las por
completo. Devo confessar que por tamanha riqueza, a narrativa abaixo deveria
ser tratada com muita atenção e cuidado. E por limites temporais e espaciais,
falaremos dessa narrativa reconhecendo toda a sua abrangência. Não
pretendemos esgotá-la, mas ao contrário, deixá-la aberta para novas (e
prováveis) maneiras de compreendê-la.
Pesquisador: O que você sentia quando vc estava nas aulas?
Lucas (16 anos): Ah! Vou ter que falar isso daí. Eu não sei falar isso daí não.
Pesquisador: Você gostava de fazer os exercícios de imaginação?
Lucas (16 anos): Ah! Eu gostava. Eu nunca parei para fazer isto antes. No começo era meio
estranho. Não é tão anormal. (…) O Lucas de antes não queria saber de escutar, de falar.
Mas agora eu quero saber o que as pessoas tem para me falar.
Pesquisador: Quando eu te falar a palavra paz, qual parte do seu corpo você sente?
138
Lucas (16 anos): Ah! Senhora, não sinto em nenhuma parte de carne e osso do meu corpo.
Quando ouço paz sinto a minha alma.
Pesquisador: E o Lucas sente paz?
Lucas (16 anos): Não muita senhora, eu vivo num mundo de crueldade.
Pesquisador: E qual é o seu papel diante disto?
Lucas (16 anos): Sei lá, viver e morrer.
Pesquisador: Você quer paz, Lucas?
Lucas (16 anos): Digamos que nossa paz é uma paz embaixo de sete palmos da terra.
Pesquisador: Você já sentiu alguma experiência com paz?
Lucas (16 anos): Se eu senti eu não me lembro não.
Pesquisador: E nas aulas? Você sentia algo próximo a isto?
Lucas (16 anos): Ah! Nas aulas eu me sentia num lugar trancado, isolado de todo o resto do
mundo, por uma hora e meia. As aulas foram diferentes, sei lá. Depois que você fechava a
porta o mundo some.
Pesquisador: Lucas, o que a gente faz dentro da sala é legal, gostoso. Mas é para exercitar
depois onde é difícil, com a família, amigos, no lugar onde você está. Se nas aulas você sentia
um pouco de paz, como fazer para levar aquela aula para seu mundo?
Lucas (16 anos): Como eu te disse, senhora, aquela sala, quando você fechava a porta o
mundo sumia. Quando eu saía daquela sala não era o mundo que sumia, mas era a sala que
sumia. Como eu vou achar a sala agora? Ela está perdida no espaço.
Pesquisador: Será, Lucas? Você sabe que ela existe…
Lucas (16 anos): Eu sei que ela existe, mas não sei onde está.
Pesquisador: Dentro de você. Busque esta sala dentro de você.
Lucas (16 anos): No dia que você me convidar para a sua apresentação (em relação à
apresentação do trabalho de pesquisa para a banca) talvez você não me encontre mais. Quem
sabe eu não entro nesta sala e me tranco.
Pesquisador: Como assim?
Lucas (16 anos): Ah! Entrar nesta sala e me trancar e não sair mais.
Pesquisador: E essa sala te faz sentir bem?
Lucas (16 anos): Faz.
Pesquisador: Mas tente levar esta sala para seu mundo. Quando as coisas estiverem difíceis,
entre lá. Feche seus olhos e entre por alguns instantes.
Lucas (16 anos): Se eu fechar os olhos eu vou… Sei lá, não não. Entrar numa sala e
esquecer de tudo. Não tem como. Você vai estar dentro, mas você vai continuar escutando
tudo que os outros falam. Você vai estar desligado do mundo, vai estar longe. Mas é como se
tivesse um alto-falante dentro da sala que transmitisse o que acontece no mundo para você.
Está tudo projetado em você. Você não vai achar a paz nisto.
“Nas aulas eu me sentia num lugar trancado, isolado de todo o resto do
mundo, por uma hora e meia. As aulas foram diferentes, sei lá. Depois que
você fechava a porta o mundo some”. O mundo de fora do vivenciar de Lucas
é, como ele mesmo disse, o mundo de crueldade. Sua alma, espaço de sua
corporeidade, tende a rejeitar essa crueldade do mundo, que Lucas entende
muito bem. O desejo da alma é ficar do lado de dentro da sala. Trancar-se,
isolar-se. É sua alma que é tocada ao escutar a palavra paz…
“Quando eu saía daquela sala não era o mundo que sumia, mas era a
sala que sumia. Como eu vou achar a sala agora?” O que podemos pensar a
respeito disso? Como ajudar Lucas a encontrar a dimensão dessa sala dentro
de si? Sabemos da facilidade dessa sala desaparecer quando Lucas voltar
para seu “mundo”. Lá, acredito, não devem existir tantas salas disponíveis para
139
Lucas experienciar o seu livre viver, o seu livre emocionar. É possível ajudar
Lucas, ou esse é um trabalho que deverá exercer sozinho?
“Você vai estar dentro, mas você vai continuar escutando tudo que os
outros falam. Você vai estar desligado do mundo, vai estar longe. Mas é como
se tivesse um alto-falante dentro da sala que transmitisse o que acontece no
mundo para você. Está tudo projetado em você. Você não vai achar a paz
nisto”. O movimento entre externo e interno é clarificado nessa fala. O alto-
falante, com as vozes, obrigações e exigências do mundo externo continuará
tocando dentro da sala, dentro de mim. Não dá para me desconectar do mundo
externo se o alto-falante insistir em funcionar. E, sim, concordamos com Lucas
ao nos dizer que não encontraremos paz se os alto-falantes não silenciarem.
Podemos perceber também, na narrativa do aluno, a dimensão de seu
autoconhecimento ao expressar em metáfora os anseios anímicos de seu viver.
Portas, chaves. Aberturas, trancas e isolamentos. O que quer dizer tudo isso?
E como podemos nos conhecer? A esta pergunta, Krishnamurti (1980)
nos responde:
Esta é uma boa pergunta. Ouçam atentamente. Como sabem o que
são? Compreendem o que interrogo? Vocês olham uma vez para o
espelho; depois de alguns dias ou algumas semanas, tornam a olhar
e dizem: Este sou eu de novo. Certo? Eno, olhando-se
diariamente no espelho, passam a reconhecer o próprio rosto,
afirmando: “Este sou eu.” Pois bem. De igual modo, pela observação
serão capazes de saber como são? De conhecer seus gestos, a
maneira de andar, o modo de falar, como se comportam, se são
duros, cruéis, grosseiros, pacientes? É desta maneira que começam
a descobrir-se. E virão a compreender-se observando-se no espelho
do que fazem, do que pensam, do que sentem. Este é o espelho - o
sentir, o fazer, o pensar. Através dele poderão observar-se. O espelho
diz: este é o fato, mas ele não lhes agrada, e desejam alterá-lo.
Começam então a distorcê-lo, pois não querem vê-lo como é. Ora,
como eu disse antes, nós aprendemos quando existe atenção e
silêncio. É assim que ocorre o aprender. Agora, sentem-se
calmamente; não porque eu lhes estou pedindo, mas por ser este o
meio de aprender. Sentem-se e fiquem tranqüilos, não apenas
fisicamente, não com o corpo, mas também com serenidade.
Assim, neste estado de quietude, prestem atenção. Atentem para os
ruídos que vêm de fora, para o cantar do galo, dos pássaros, para
todo e qualquer barulho; ouçam primeiro as coisas que acontecem
externamente e, depois, o que se passa na própria mente. Então,
poderão notar, nesse silêncio, se souberem escutar, que o som
interno e o interno são o mesmo som. (KRISHNAMURTI, 1980, p. 53)
140
Ao integrarmos a narrativa de Lucas com a fala de Krishnamurti (1980),
podemos pensar que a atenção ao externo e ao interno é um exercício de
atenção e silêncio, que resulta no legítimo aprender. Talvez seja esse
aprendizado que Lucas queira nos dizer ao narrar que não encontrará paz se,
como ele nos diz, os altos-falantes” estiverem ligados. É essa atenção e
silêncio que Lucas intuitivamente nos aponta. Não é se desligar do mundo
externo e nem do interno. O alto-falante continua ligado. A sabedoria, nesse
sentido, é encontrar-se num estado pleno de atenção, serenidade e silêncio. É
esse estado de atenção e silêncio que podemos aprender, como nos recorda
Krishnamurti (1980).
Em termos de aprendizado e de conexão ao meio (exterior), a narrativa
de Lucas nos desvela suas dimensões intuitivas, sociais, biológicas e
espirituais. Podemos pensar que, ao narrar em metáforas suas dimensões
intuitivas, Lucas esteja nos alertando sobre sua necessidade subjetiva de um
aprendizado pleno e mais verdadeiro, um aprendizado conectado ao viver. E
enquanto educadores, estamos prontos para atender ao pedido de Lucas e de
tantos outros meninos e meninas?
141
SÓ PARA FINALIZAR, MAS NÃO CONCLUIR
Em que medida as Rodas de Diálogo podem ser consideradas estratégias
que promovam uma aprendizagem integradora? Voltamos à pergunta
norteadora desta pesquisa.
As Rodas de Diálogo demonstraram, conforme as narrativas
apresentadas no capítulo anterior, potencial em aperfeiçoar as relações dos
jovens com eles mesmos, com o meio e com os outros. Cenários de
aprendizagem integradora, conforme estudos de Moraes e Torre (2007; 2004),
são ambientes que desfrutam de recursos verbais e visuais, onde a
aprendizagem é estimulada pelos diferentes órgãos dos sentidos. Não é o
cérebro, racional, do aprendiz que está na sala de aula. Mas toda a dimensão
de sua corporeidade, a integração do corpo (matéria) com o espírito (anímico).
São estratégias que possibilitam a ampliação da percepção e de níveis de
consciência, legitimando também a intuição enquanto instrumento valioso no
processo de aprendizagem.
Estratégias para uma aprendizagem integradora estão compromissadas
com valores de colaboração, tolencia e convivência. Esses valores
correspondem a eficazes ferramentas para a transformação pessoal,
profissional e social. O objetivo é formar pessoas com criticidade, autonomia e
criatividade no viver.
142
ENFIM, O RECOMEÇO
Refletindo sobre as narrativas dos aprendizes da pesquisa, podemos
considerar que as estratégias das Rodas de Diálogo estão conectadas ao
conceito e trabalhos sobre aprendizagem integradora ao desvelarem sua
capacidade de acolher e integrar aspectos sensíveis dos aprendizes. A análise
das categorias acentua que durante as Rodas de Diálogo, alguns aprendizes
puderam experienciar, de certa forma, suas dimensões internas com liberdade
e confiança. Observando as narrativas dos aprendizes da pesquisa, podemos
considerar que a experiência com as Rodas de Diálogo possibilitou aos alunos
exercícios de autoconhecimento e de busca por autonomia no viver.
Com a análise das categorias, pudemos perceber a influência do
ambiente, enquanto cenário, no processo de aprendizagem. Alguns aprendizes
narraram que eram espaços em que podiam se expressar com mais
espontaneidade, sem julgamentos. E que o comportamento em sala de aula de
muitos alunos “bagunceiros” era diferente naquelas aulas. Isso significa que o
ambiente influencia no processo de aprendizagem, pois cuidamos para que
naquelas aulas houvesse a cooperação ao invés da competição, o livre
expressar ao invés de pré-julgamentos e punições.
Pudemos refletir também que as Rodas de Diálogo conduziram a
atenção dos alunos à escuta sensível. Aprender a escutar consiste em aspecto
marcante nas narrativas dos aprendizes, e caracteriza sua conexão com
estratégias para uma aprendizagem integradora. Buscamos conduzir à
ampliação e aprimoramento dos sentidos nas Rodas de Diálogo ao inserirmos
nas aulas diferentes recursos de mídia. Havia, durante as aulas, momentos
para música, filmes, brincadeiras, pinturas e outras atividades manuais e
artísticas. Esse fato corresponde ao desenvolvimento da criatividade e à
preocupação com a integração da corporeidade do aprendiz no processo de
aprendizagem.
A experiência com as Rodas de Diálogo ocorreu num curto período de
tempo. Cada turma participou das Rodas por apenas 4 meses. Sabemos que
para um processo contínuo de formação, esse tempo é insuficiente para
143
aprofundarmos nossas análises. Ainda mais por esse trabalho não ter tido
continuidade. Assim, por compreendermos que análises devem ser
contextualizadas no espaço-tempo, não pretendemos, nestas reflexões finais,
avaliar a permanência destas observações e os valores e emoções contidos
nas narrativas dos aprendizes. O nosso reflexionar está integrado ao contexto
da pesquisa, inserido no espaço-tempo em que a pesquisa foi desenvolvida.
Durante a realização das entrevistas, um dos alunos - Manoel - me
perguntou: Professora, a senhora es aqui nos perguntando o que
aprendemos com suas aulas, mas gostaria de saber o que foi que a senhora
aprendeu com a gente. Ótima pergunta!
Talvez seja este o espaço destinado a responder essa pergunta: o que
eu aprendi?
Aprendi, durante toda a realização desta pesquisa, que em essência,
fazer um trabalho de pesquisa é descobrir e conectar-se consigo mesmo. Ao
escrever, estudar, analisar e realizar este trabalho, estive todo o tempo
encontrando e conhecendo aspectos de mim mesma. Das limitações às
intuições. De resistência e perseverança a momentos de desânimo e cansaço.
De que vale toda esta obra senão para meu próprio amadurecimento? De que
vale tanto esforço e horas sentadas nesta cadeira senão para meu próprio
desenvolvimento pessoal e espiritual?
Aprendi que sem afetividade não aprendizado possível. Digo isso
tanto a respeito do meu próprio aprendizado quanto aos momentos como
professora dos meninos e meninas da Aldeia. Sem afeto pelos livros que li, a
internalização do conhecimento seria insuficiente e superficial, e talvez nem
ocorresse. Sem afeto pelos alunos, superficial e insuficiente seria nosso
linguajear. E sem afeto por esta pesquisa, sem sentido seria toda a escrita
destas páginas.
144
Aprendi que Diálogo é a grande busca do meu linguajear, nas relações
que assumo com minha família, amigos, profissionais e interpessoais. Aprendi
muito com tudo o que estudei para compor este trabalho. Perfeição e coerência
constante pouco nos ajuda no aprendizado diário de convivência, por isso não
as busco com veemência. Mas compreendo, sim, que é com o conflito e com o
desconforto que damos vida ao que aprendemos, às vezes de forma mais
sábia, às vezes menos sábia… Mas sempre e sempre atenta. É bom saber que
existe um outro conversar, um outro linguajear que nos aproxima e nos conecta
aos outros, ao meio e a nós mesmos.
E por fim, aprendi que, pela lógica da
metamorfose, o fim é sempre um recomeço. E
por respeito e integração ao movimento de
transformação, finalizo este trabalho, porém na
perspectiva de um recomeço, mesmo que este
ainda seja obscuro e desconhecido. É a certeza
da continuidade e vitalidade de ver-se vivendo
enquanto obra humana inacabada. Por isso, pretendo não concluir esta
pesquisa na medida em que uma certa conclusão pode apresentar o fim sem a
perspectiva da emergência de um novo ciclo. E quem sou eu para parar o
movimento constante e vital do meu viver e do viver desta pesquisa?
E você, leitor, que me acompanhou nesta trajetória, o que você
aprendeu?
145
vou! vou!
Para onde?
Ai, para onde?
Goethe
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