tem adoração nenhuma, nem ceremonias, ou culto divino". (Pompa, 2005: 12-
16).
O cosmógrafo franciscano André Thevet, de volta da experiência na
"França Antártica", assim a descrevia em 1558:
"…esta região era e ainda é habitada por estranhíssimos povos
selvagens sem fé, lei, religião e nem civilização alguma, vivendo antes
como animais irracionais..."(Thevet, 1978:98).
Jean de Léry mostrou em várias ocasiões sua aberta simpatia para com
os "selvagens", cujas "barbáries" eram bem menores do que aquelas
cometidas pelos europeus dilacerados pelas guerras de religião. Contudo, ele
teve que reconhecer que é difícil aplicar aos selvagens Tupinambás a famosa
sentença de Cícero, de que não há nação tão bárbara e selvagem que não
tenha sentimento de uma divindade:
Pois, além de não ter conhecimento do verdadeiro Deus, não adoram,
quaisquer divindades terrestres ou celestes, como os antigos pagãos, nem
como os idólatras de hoje, tais os índios do Peru… Não têm nenhum ritual,
nem lugar determinado de reunião para a prática de serviços religiosos, nem
oram em público ou em particular. (Léry, 1960: 185).
As palavras de Léry voltam, praticamente idênticas, quase quarenta
anos depois da publicação de sua obra, no relato do capuchinho Claude
d’Abbeville, que traduz de forma mais articulada o espanto do ocidental
(eclesiástico) perante a "falta de religião" entre os Tupinambás:
Não há, penso eu, nenhuma nação no mundo que não tenha uma religião.
Todas adoram a um deus, salvo a dos Tupinambás que não adora nenhum,
nem celeste nem terrestre, que não idolatra nem o ouro nem a prata nem as
madeiras, nem as pedras preciosas nem qualquer outra coisa. Não tinha, até
nossa chegada, religião; portanto não tinha sacrifícios, nem sacerdotes, nem
ministros, nem altar, nem templos ou igrejas. Nunca souberam os índios
Tupinambás o que fosse nem prece nem ofício divino nem oração pública ou
particular. … Não têm culto algum, nem interior nem exterior. (d’Abbeville,
1975: 251).
A extraordinária coincidência destas observações, é importante lembrar,
depende menos de uma coincidência de fatos observados do que da circulação
dos relatos entre os escritores. É patente o caso dos jesuítas, cujas cartas
circulavam, de acordo com as indicações do próprio Inácio de Loyola, em