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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A DIMENSÃO RELIGIOSA DA CULTURA NA POESIA DE
VINICIUS DE MORAES
Cleber Diniz Torres
São Bernardo do Campo, Fevereiro de 2006
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
A DIMENSÃO RELIGIOSA DA CULTURA NA POESIA DE
VINICIUS DE MORAES
Por: Cleber Diniz torres
Orientador: Antonio C. M. Magalhães
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, para a
obtenção do grau de Mestre.
São Bernardo do Campo, Fevereiro de 2006
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TORRES, Cleber Diniz. A dimensão religiosa da cultura na poesia de Vinicius
de Moraes. São Bernardo do Campo Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião. Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr.
Antonio Carlos de Melo Magalhães.
BANCA EXAMINADORA
APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
15 de Março de 2006.
PRESIDENTE Prof. Dr. Antonio Carlos de Melo Magalhães
Universidade Metodista de São Paulo
1º Examinador Prof. Dr. Cláudio Oliveira Ribeiro
Universidade Metodista de São Paulo
2º Examinador Prof. Dr. Antonio Manzatto
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Sª Assunção
EPÍGRAFE
Poética (Vinicius de Moraes)
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado aos meus pais,
Lauro e Iraíde,
E a meus irmãos Jader e Esli.
Vocês são a razão da minha existência.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e irmãos, pelo eterno apoio e companhia em todas as horas.
Ao Prof. Dr. Antonio Magalhães pelo acolhimento e pela orientação durante
o curso.
Aos amigos que de uma forma ou outra trouxeram contribuições para que
este projeto pudesse ser realizado.
A CAPES, ao IEPG, e à Fundação Mary Harriet Speers, pelos seus
respectivos apoios a este projeto.
À lia Marianno por tudo o que tem feito por mim e por meu trabalho. Sou
eternamente grato Poe teu esforço e ajuda.
TORRES, Cleber Diniz. A dimensão religiosa da cultura na poesia de Vinicius
de Moraes. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. Universidade
Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, 2006.
SINOPSE
Quando se fala de religião, normalmente o que se ouve das instituições
eclesiásticas são os dogmas, interpretações da que, muitas vezes estão fora da
realidade vivida pelas pessoas no cotidiano. Por isso deseja-se observar os versos
de Vinícius de Moraes à luz da teologia da cultura, para mostrar que as dimensões
religiosas se apresentam também em sua poesia. Esta descreve, dentre outros
temas, a beleza da vida, o amor, a alegria, e também, a tristeza e a solidão. Para
alcançar tal finalidade, esta pesquisa utiliza-se do Método da Correlação,
desenvolvido por Paul Tillich para pensar as conexões entre teologia e cultura, e
do método da correspondência, que complementa o método da correlação, no que
se refere ao diálogo com a literatura.
TORRES, Cleber Diniz. The religious dimension of the culture in the poetry of
Vinicius de Moraes. Dissertation of Mastered in Sciences of the Religion.
Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, 2006.
ABSTRACT
When we talk about religion, usually we hear about dogmatic interpretations of
faith, many times disconnected of reality experienced by people in their day-by-
day. We wish to analyze Vinicius de Moraes poetry facing under optic of
Theology of Culture to show that religious dimensions are in his poetry. His
poetry describes, among other themes, the beauty of life, love, joy and also the
sadness and loneliness. To reach this aim, this research uses the Correlation
Method developed by Paul Tillich to think theology since culture and
Correspondence Method that completes the Correlation Method in its dialogue
with culture.
SUMÁRIO
BANCA EXAMINADORA.................................................................................03
EPÍGRAFE...........................................................................................................04
DEDICATÓRIA...................................................................................................05
AGRADECIMENTOS.........................................................................................06
SINOPSE...............................................................................................................07
ABSTRACT..........................................................................................................08
SUMÁRIO............................................................................................................09
INTRODUÇÃO....................................................................................................11
CAPÍTULO I TEOLOGIA..............................................................................18
1.1 Teologia da cultura como instrumento de análise....................................19
1.2 O medo da correspondência de Antonio Magalhães................................31
1.3 Poesia como expressão cultural e teológica...............................................35
CAPÍTULO II SOBRE VINICIUS E SEUS ESCRITOS POÉTICOS........40
2.1 Pistas biográficas de Vinicius de Moraes..................................................40
2.2 Sobre a literatura viniciana o olhar crítico............................................42
2.3 Distinção das fases presentes na obra de Vinicius de Moraes................46
2.3.1 O sublime em expressões religiosas na linguagem............................47
2.3.2 O cotidiano em expressões religiosas na linguagem..........................57
CAPÍTULO III DIÁLOGO ENTRE TEOLOGIA E LITERATURA.........65
3.1 Crítica poética às atrocidades cometidas pelo ser humano.....................68
3.2 Reescrituras recontando as histórias do cristianismo..............................75
3.2.1 Uma crítica social na reescritura poética de temas bíblicos.................75
3.2.2 Reescrituras poéticas de textos bíblicos.................................................85
CONCLUSÃO.....................................................................................................93
BIBLIOGRAFIA TEOLÓGICA......................................................................100
BIBLIOGRAFIA LITERÁRIA........................................................................105
INTRODUÇÃO
Este trabalho constitui-se em mais um esforço de diálogo entre teologia e
literatura, principalmente no que se refere aos aspectos culturais que expressam
alguma forma de religiosidade, seja ela formal ou informal.
Numa primeira parte concentraremos nosso enfoque na discussão teológica, a
teologia da cultura, os métodos de correlação e correspondência, e a relação entre
a poesia e a cultura.
Para levar a cabo tal intenção, serve-se este trabalho do pensamento de Paul
Tillich, que ao longo de sua vida e0 obra encontrou na cultura um lugar
privilegiado para se observar as expressões religiosas. Durante seu labor teológico
desenvolveu conceitos importantes no intuito de fazer avançar seu pensar
teológico.
Uma das expressões mais importantes que cunhou é Ultimate Concern, que como
veremos, pode ser traduzida por preocupação última. É geralmente interpretada
por Tillich como aquilo que nos preocupa de maneira incondicional ou última.
Para ele a preocupação última se manifesta através dos elementos que compõem
a cultura. Assim sendo, todas as formas da diversidade cultural podem trazer
consigo inquietações que nos levam à preocupação última.
Como se poderá perceber a preocupação última nas manifestações culturais já
que quando falamos de teologia e de cultura nesses termos, tem-se um discurso
muito subjetivo? Qual a mediação concreta para que se possa apreendê-la? Tillich
em seu pensamento privilegiou o que ele denominou como situação
1
, pois é no
dia-a-dia, nos momentos concretos da existência que se pode perceber a
preocupação última.
Deve-se entender que, segundo Tillich, para que haja efetivamente uma reflexão
teológica da cultura, esta deve ser considerada com mais cuidado e valor do que
simplesmente como objeto de observação, como ele mesmo o faz ao dizer que: ...
a religião é a substância da cultura, e a cultura é a forma da religião
2
.
Levando em consideração esta perspectiva, tem-se aqui espaço para pensar numa
interpretação da religião que não se deixa prender por dogmas de instituições
eclesiásticas, que mantém como fonte de seu pensamento apenas aquilo que está
normatizado.
Ao propor este diálogo com a situação, Tillich estabeleceu outro conceito
importante para o entendimento da preocupação última que é o da preocupação
1
Para Tillich a situação ... é a interpretação criativa da história, sob todos os tipos de
condições psicológicas e sociológicas. (...) é a auto-interpretação criativa do ser humano em um
período determinado. TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. 5ª. Ed. Tradução de Getúlio Bertelli
e Geraldo Korndörf. São Leopoldo: Sinodal, 2005, p. 22.
2
TILLICH, Paul. Teología de la cultura y otros ensayos. Buenos Aires: Amorrortu, 1976,
p. 45. Minha tradução.
preliminar que tem para Tillich, elaboração teológica, uma função de mediação
conduzindo à preocupação última. Isto é, ao olhar para a cultura enquanto forma
da religião, Tillich propõe a preocupação preliminar como mediadora para se
alcançar a preocupação última, sendo esta considerada por ele como a
substância da cultura.
Esta preocupação preliminar corre riscos de interpretação que podem desviá-la
de sua finalidade que é tornar-se um meio pelo qual a preocupação última pode
efetivamente ser vivenciada.
Aqui se encontra o respaldo para afirmarmos a possibilidade de que a poesia pode
transmitir esta preocupação última. No caso específico desta dissertação,
podemos afirmar, de acordo com a interpretação tillichiana que, enquanto
componente da cultura, a poesia de Vinicius de Moraes pode ser considera como
uma preocupação preliminar, trazendo consigo elementos que demonstram
dimensões religiosas nos poemas deste autor. Mesmo interpretando por esse viés,
não se entende que a poesia viniciana apresenta conteúdo teológico formal, mas
que ele possui uma maneira própria de se expressar em relação a temas religiosos,
como se verá adiante.
Durante a evolução do pensamento de Tillich, e de sua preocupação com a
elaboração de uma teologia da cultura, ele desenvolveu o chamado método da
correlação, com o qual tentava unir a mensagem cristã com o que ele chama de
situação. O método de correlação explica os conteúdos da fé cristã numa
interdependência mútua entre as questões existenciais e as respostas teológicas
3
,
elaborando a teologia da cultura.
Mesmo percebendo todo esse empenho de Tillich, em estabelecer um diálogo
permanente de sua teologia com as mais variadas expressões culturais, é sabido
que ele dedicou especial atenção às artes plásticas e à arquitetura, tendo se
dedicado muito pouco à música e à literatura.
A partir desta omissão de Tillich, percebe-se a necessidade de um outro ponto de
apoio para o diálogo aqui pretendido, ou seja, um outro método que permita o
diálogo com a literatura.
Para preencher esta lacuna, tem-se à disposição do todo de correspondência
desenvolvido por Magalhães e que se propõe a trabalhar diretamente com o
diálogo entre teologia e literatura. Este método se destaca pelos seguintes
argumentos: 1) associa textos de compreensão da com outros da literatura
mundial; 2) nele a teologia não entra para o diálogo numa relação de
superioridade, preservando-se a alteridade do texto; 3) possui a capacidade de
relacionar cristianismo e religiões não-cristãs, dogma e mito, religião oficial e
religião popular; e 4) configura uma abertura dentro do universo teológico
principalmente para o diálogo
4
.
3
HIGUET, Etienne A. O método da Teologia Sistemática de Paul Tillich a relação da
razão e da revelação. Estudos de Religião. São Bernardo do Campo, v. 10, n. 10, p. 40, 1995.
4
Para maiores detalhes ver: MAGALHÃES, Op. Cit. p. 205-206. Os principais pontos
foram elencados em CONCEIÇÃO, Douglas R. Fuga da promessa e nostalgia do divino. A
antropologia de Dom Casmurro de Machado de Assis como tema no diálogo teologia e literatura.
Rio de Janeiro: Horizontal, 2004, p. 52-53.
Na busca deste trabalho em desenvolver um diálogo entre teologia e literatura,
leva-se em conta que a literatura, enquanto expressão dos conteúdos da
imaginação
5
é constituída basicamente de três características: a) é um tipo de
conhecimento expresso por palavras de sentido polivalente; b) é a expressão dos
conteúdos da ficção, ou da imaginação, por meio de palavras de sentido múltiplo e
pessoal; e c) constitui uma forma de conhecer o mundo e os homens: dotada duma
séria missão, colabora para o desenvolvimento daquilo que o homem,
conscientemente ou não, persegue durante toda a existência
6
.
Assim, cremos na possibilidade de refletir teologicamente sobre a dimensão
religiosa da cultura na poesia de Vinícius de Moraes a partir da teologia da cultura
e do método de correlação de Tillich, auxiliados pelo método da correspondência
de Magalhães. Nesse sentido, poemas podem ser observados teologicamente por
causa de seu poder de expressar, em e através de sua forma estética, alguns
aspectos daquilo que nos preocupa de forma última
7
.
Num segundo momento, a atenção será dedicada mais especificamente à poesia de
Vinicius de Moraes, de quem leremos os poemas, tentando identificar a dimensão
religiosa que possa estar presente neles.
Para compreendermos melhor o poeta em estudo, buscam-se dados sobre sua
biografia, bem como opiniões críticas sobre sua obra, para nos auxiliar na busca
por uma compreensão melhor de nosso autor. Nessa busca percebe-se que
5
Posicionamento defendido por MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia, 9ª. Ed.
São Paulo: Cultrix, 1984, p. 40.
6
Para detalhes ver MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia ,9ª. Ed. São Paulo:
Cultrix, 1984, p. 36-44.
7
Conforme TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 31.
Vinicius de Moraes não teve um único estilo da linguagem. E com este dado
significativo, do ponto de vista literário, é possível perceber no poeta, não uma
mudança na sua maneira de escrever, mas também naquilo que servia de tema e
motivação para sua escrita.
Essas diferenças são chamadas por ele mesmo de fases. Uma primeira fase que
corresponde aos seus primeiros livros e uma segunda, que contempla seus escritos
mais recentes. Esse ponto de vista do poeta é confirmado por diversos críticos
literários que analisaram seus versos. Em linhas gerais, sua primeira fase enfatiza
a temática ao redor do sublime, enquanto que na sua segunda fase a ênfase é
dada ao cotidiano. Esses dois termos, sublime e cotidiano constituem-se em
referências no que tange à compreensão da literatura poética viniciana.
Na terceira e última parte deste trabalho será estabelecido o diálogo entre teologia
e literatura. Nela serão correlacionados os argumentos teológicos desenvolvidos
na primeira parte com os argumentos literários apresentados na segunda parte.
Esta terceira parte está dividida em dois blocos. O primeiro traz as reações do
poeta diante do horror da guerra. Este tema de seus versos será correlacionado
com situação similar enfrentada pelos profetas da Bíblia, comparando-o com parte
dos escritos do profeta Amós, sendo que, tanto ele quanto outros profetas, também
manifestaram suas opiniões diante de tão terrível situação.
Veremos também que, devido aos vínculos de compromisso que possuíam com
suas respectivas épocas, nosso poeta e o profeta Amós apresentam tons diferentes
em seus escritos.
O segundo bloco da terceira parte consiste em apresentar como o poeta escreveu
poemas, que à sua maneira retratam o cotidiano, partindo de temas e textos
bíblicos.
Neste terceiro bloco se fará a associação da poesia de Vinícius com as quatro
categorias criadas por Paul Tillich para estabelecer a relação das artes com a
religião que são: a) estilo não-religioso e tema não-religioso; b) estilo religioso e
tema não-religioso; c) tema religioso em estilo não religioso, e d) estilo religioso e
tema religioso unidos.
CAPÍTULO I Sobre a preocupação última em Tillich e a poesia
Este capítulo enumera os principais conceitos que elucidam os sentidos e o
desenvolvimento da teologia da cultura, do método de correlação e do método de
correspondência. Este procedimento pretende favorecer o diálogo da teologia com
a cultura e particularmente com a literatura, tendo em vista que Paul Tillich
privilegiou a cultura como lugar de manifestação da preocupação ultima. Isto é,
a preocupação última é compreendida como aquilo que nos preocupa de forma
incondicional por meio de uma preocupação preliminar que, enquanto
experiência que nos atinge, pode nos remeter a algo último, a algo que nos
transcende. As teses de Tillich, como veremos adiante, estão desenvolvidas na
teologia da cultura e no método da correlação que servem de referencial para este
trabalho.
No exercício deste diálogo, usamos o trabalho desenvolvido por Magalhães em:
Deus no espelho das palavras, que apresenta proposta alternativa para o diálogo
com a literatura, sendo o método de correspondência um instrumento de apoio
ao método de correlação no diálogo direto com a literatura, que Tillich, mesmo
propondo o diálogo com a cultura, não desenvolveu, de maneira mais profunda, o
diálogo específico com a literatura.
Uma terceira parte apresentará olhares literários e teológicos sobre a poesia e a
literatura de forma geral, enquanto componentes da cultura. Este desenvolvimento
tem o intuito de preparar a abordagem que será desenvolvida no segundo capítulo.
1.1 Teologia da Cultura como instrumento de análise
É objetivo deste tópico apresentar os principais conceitos do âmbito teológico que
dão subsídios para o desenvolvimento da estrutura deste trabalho, visando
estabelecer uma referência para o diálogo com a literatura.
Num primeiro momento, apresentar-se-á os principais argumentos de Tillich no
que se refere ao fazer teológico. Nessa discussão ele inclui temas como a relação
existente entre o conteúdo teológico e a experiência existencial para construir o
diálogo com a cultura.
Em seguida, desenvolver-se-á o conceito de cultura no pensamento tillichiano,
bem como a relação deste conceito com o argumento da teologia da cultura,
trazendo a discussão de tal perspectiva como instrumento de análise. Este debate
introduz em nossa pauta o método da correlação já mencionado anteriormente.
Por fim, levantar-se-ão os argumentos do método da correspondência, que se
configura como um ponto de apoio para o diálogo da teologia com a literatura.
Tillich define a teologia como a interpretação dos conteúdos da
8
. Aqui se
concorda com ele, já que a base para a discussão teológica primária é a Bíblia -
texto fundante primeiro do judaísmo e depois do cristianismo - bem como a
história da igreja, que estabeleceu, por muitos séculos, não apenas discussões, mas
também elaborou tanto conceituações, quanto definições a respeito da divindade e
de suas manifestações.
Tillich considera estes elementos como fundamentais para o fazer teológico, mas
vai além. Para ele, a cultura, em suas diversas manifestações, é elemento
indispensável para observação na reflexão do teólogo. Seu diálogo se deu
principalmente com a filosofia, a política, as artes, os movimentos sociais e
científicos de seu tempo
9
.
Em suas obras, Tillich não usa freqüentemente o termo Deus quando se refere à
divindade, mas prefere a designação preocupação última
10
para referir-se àquilo
que nos toca incondicionalmente, usando este termo também em referência à
religião.
Para Tillich a teologia é construída a partir do relacionamento entre mensagem
teológica e existência concreta. Isso significa que a teologia se desenvolve entre
8
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 32.
9
HIGUET, Etienne A. A atualidade da teologia da cultura de Paul Tillich. Revista
Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, vol. LIV, 1994, p. 50.
10
Para Tillich o Ultimate Concern, a preocupação última, ...é tudo aquilo que
determina nosso ser ou não-ser. Só são teológicas aquelas afirmações que tratam de seu objeto na
medida em que este possa se tornar para s uma questão de ser ou não-se. Este um dos
critérios formais apresentados por ele para o desenvolvimento do pensamento teológico. TILLICH,
Paul. Teologia Sistemática. p. 31.
dois pontos de referência, sendo verdade eterna de seu fundamento e a situação
temporal em que esta verdade eterna deve ser recebida
11
.
Tillich nos esclarece que a situação, enquanto referência para a teologia ...é a
interpretação criativa da história, sob todos os tipos de condições psicológicas e
sociológicas. [...] é a auto-interpretação criativa do ser humano em um período
determinado
12
. A situação traz as perguntas que a teologia tentará responder.
Pensando nestes pontos de referência do exercício teológico destacamos que a
situação é considerada por Tillich como o lugar concreto com o qual a teologia
dialoga, apreendendo da situação as questões com as quais o teólogo deve
preocupar-se.
Depois de falar da situação com a qual o teólogo dialoga, também a
referência ao objeto de estudo. Tillich o chama de preocupação última
13
ou
preocupação incondicional. E quando assim o faz, pode referir-se tanto a Deus
quanto à religião. Segundo ele, A preocupação última é incondicional,
independente de qualquer condição de caráter, desejo ou circunstância. A
preocupação incondicional é total: nenhuma parte de nós mesmos ou de nosso
mundo está excluído dela
14
. No debate aqui empreendido prefere-se que o
conceito de preocupação última seja entendido como religião ao invés de
divindade.
11
TILLICH, Paul. Idem. p. 21.
12
TILLICH, Paul. Idem. p. 22.
13
Ver nota número 9.
14
TILLICH, Paul. Idem, p. 29.
Para Tillich a preocupação última não está limitada às religiões sistematizadas
ou às diversas divindades, mas transcende-as, apresentando-se de formas diversas,
principalmente em expressões da cultura para onde ele dirige seu olhar com
atenção e cuidado. Cremos que aí está o lugar teológico de nossa pesquisa.
Tendo em vista que a poesia, tema que será discutido adiante, faz parte da cultura,
ela traz em si a capacidade de transmitir conteúdo religioso, mas não somente ela.
Se nossa compreensão está correta a respeito da argumentação de Tillich, então
podemos considerar que toda expressão cultural tem a capacidade de manifestar
uma certa preocupação última, ou de manifestar a preocupação última de
uma maneira própria.
O autor fala do caráter existencial para o qual a preocupação última aponta ao
referir-se à experiência religiosa. A preocupação última permeia a vida e a
existência, e não apenas um aspecto dela ou um grupo que lhe dedica maior
atenção. Para Tillich, embora essa preocupação seja incondicional, ela não possui
significado de coisa superior chamada o absoluto ou o incondicionado. Ele
não acredita que seja possível dirigir-se a ela no sentido de argumentar
objetivamente a seu respeito. O último é o objeto de uma entrega total, exigindo
também, enquanto olhamos para ele, a entrega de nossa subjetividade
15
.
Neste ponto precisamos levantar uma pergunta: como esta preocupação última
nos permite ler na situação e na experiência que nela vivemos, questões que
promovem a reflexão teológica?
15
Ibidem. p. 29.
Acredita-se que esta questão começa a ser respondida quando Tillich faz a relação
da preocupação última com preocupações preliminares. Ele nos adverte que o
teólogo não deve opinar tecnicamente sobre questões relativas às preocupações
preliminares, ou seja, quando se fala de arte, ele o deve manifestar-se sobre
questões técnicas relativas a essa arte. O mesmo vale para opiniões sobre ciências
e outros níveis do conhecimento.
Isso não significa que o teólogo não possa falar sobre arte, ciências e outros níveis
do conhecimento, mas que sua reflexão sobre eles deve ser desenvolvida na
relação destas preocupações preliminares com a preocupação última, ou
quando nos remetem a esse caráter incondicional que nos toca. Portanto, é dever
do teólogo refletir sobre o impacto com o qual a expressão cultural nos atinge.
Mas como essa relação acontece? Tillich aponta o caminho para a resposta:
Há três relações possíveis entre as preocupações
preliminares e aquilo que nos preocupa de forma última.
A primeira é uma indiferença mútua; a segunda é uma
relação em que uma preocupação preliminar é elevada
à ultimidade; e a terceira é aquela em que uma
preocupação preliminar se torna veículo da
preocupação última sem reivindicar ultimicidade para
si mesma
16
.
Como pode ser visto no texto, na primeira das possibilidades há a incapacidade de
transmitir conteúdo teológico relevante pelo fato de serem igualadas
preocupações últimas com preocupações preliminares, e na segunda, pelo fato
16
TILLICH, Paul. Idem, p. 30.
de uma preocupação preliminar querer assumir a ultimicidade, Tillich a
caracteriza como idolatria. Resta então a terceira relação que torna possível a
análise teológica da situação, na qual preocupação preliminar torna-se um meio
pelo qual a preocupação última pode se efetivar.
Sendo assim, Tillich nos esclarece que Quadros, poemas e música podem se
tornar objetos da teologia, não sob o ponto de vista de sua forma estética, mas de
seu poder de expressar, em e através de sua forma estética, alguns aspectos
daquilo que nos preocupa de forma última
17
. Isso abre a nós a possibilidade de
refletir teologicamente a preocupação última por meio de aspectos contidos na
preocupação preliminar que é a poesia de Vinicius de Moraes enquanto
elemento constitutivo da cultura.
Não queremos aqui colocar a preocupação última dentro da poesia viniciana,
nem forçá-la de modo a referir-se à preocupação última. Em outras palavras,
não temos a intenção de atribuir à poesia significados religiosos que ela não
mencione espontaneamente. Desejamos, trabalhar a partir daquilo que ela por si
só nos apresenta.
Antes de entrarmos na discussão propriamente dita do conceito de cultura
devemos lembrar que a teologia de Tillich nunca foi uma teologia eclesiástica,
embora isso não signifique que ele deixou completamente seus referenciais na
17
TILLICH, Paul. Idem, p. 31 [grifo nosso].
tradição eclesiástica, Tillich não se limitou às fontes deste gênero, buscando
principalmente na cultura
18
sua fonte de reflexão.
Deve-se notar que Tillich desenvolveu uma teoria que discorda, até os dias de
hoje, de um conformismo com a maneira eclesiástica de ver a vida. Ele estava em
busca de uma abertura da teologia, desvinculando-a de dogmas e do
aprisionamento dos mesmos. Estava em busca de encontrar, dentro das esferas da
vida, a expressão da substância religiosa, de modo inverso ao proposto pelas
instituições religiosas. Ou seja, tais instituições e ainda pensavam a relação
religiosa apenas dentro da esfera eclesiástica e, conseqüentemente por seus
próprios critérios e não em todos os campos da existência, como propunha Tillich.
Em suas próprias palavras: A cultura teônoma expressa nas suas criações a
preocupação suprema e o sentido transcendental não como algo que lhe seja
estranho, mas como seu próprio fundamento espiritual
19
.
Portanto, vemos que Tillich pensava numa teologia em diálogo constante com a
cultura. E se o compreendemos bem, ele pensava a cultura enquanto cultivo do
18
Num período que compreende os anos de seus estudos iniciados em 1904 na
Universidade de Hale, na Alemanha, e o início do trabalho acadêmico de Tillich em Berlim a
partir de 1919, o conceito de cultura em seu contexto, destacava-se pela sua interpretação
etimológica, tendo como significado o cultivo numa perspectiva agrícola. Este significado
ampliava-se para o âmbito do cultivo do pensamento por meio das atividades intelectuais
desenvolvidas pelo ser humano. Essa noção foi incorporada pela ngua ale grafando-a por
Cultur, mudando-se a grafia para Kultur. Nessa mesma época, surgiu também um conceito
conhecido por Kulturprotestantismus, que representava uma acomodação germânica de posturas
teológicas ao pietismo burguês, assim como um desinteresse político caracterizado pela ausência
de crítica profética. Assim, a forma como Tillich reinterpretou Kultur foi uma maneira de criticar a
aristocracia. Quando Tillich apresentou a teologia da cultura na palestra Sobre a idéia de uma
teologia da cultura 1919, vigorava esse conceito de cultura associado ao Kulturprotestantismus,
por isso ele utilizou o termo Theologie der Kultur (teologia da cultura) em lugar de Kultur-
Theologie (algo próximo a teologia cultural). Para descrição detalhada incluindo a comparação
deste conceito com o de civilisation, usado por franceses e ingleses nessa época ver: CALVANI,
Carlos E.B. Teologia e MPB. São Paulo: Loyola, São Bernardo do Campo: UMESP, 1998, p. 42.
19
TILLICH, Paul. A Era Protestante. Trad. Jaci Maraschin. São Paulo: IEPG, 1992, p.
85.
pensamento, buscando nela, pontos de contato para desenvolver sua reflexão. Esse
cultivo de pensamento, em suas mais diversas esferas, tem a capacidade de gerar
subsídios tornando-se, assim, terreno fértil para a reflexão teológica.
Tentaremos vincular os elementos teológicos apresentados por Tillich para
relacionar a teologia com a cultura.
A cultura em suas diversas esferas, contém respostas
tanto quanto perguntas; a tarefa do te
ólogo consiste em
descobrir a substância religiosa subjacente às respostas, a
partir do seu próprio referencial cristão. A explicitação
das respostas pode ser feita em diferentes níveis de
linguagem: a linguagem da tradição cristã na teologia
sistemática, a linguagem religiosa universal na teologia
da cultura, a linguagem filos
ófica no mundo cultural
secularizado
20
.
Para Tillich a compreensão de cultura na interpretação teológica era muito
abrangente, ao considerar que:
O universo é o santuário de Deus. Cada jornada de
trabalho é um dia do Senhor, cada comida, uma ceia do
Senhor, cada tarefa o cumprimento de um trabalho
divino, cada regozijo uma alegria em Deus. Em todas as
preocupa
ções preliminares está presente, consagrando-as,
a preocupa
ção última. Essencialmente, os domínios
religioso e secular não estão separados, senão, incluídos
um no outro
21
.
20
HIGUET, Etienne A. Op. Cit., p. 41.
21
TILLICH, Paul. Teología de la cultura y otros ensayos, p. 45.
Esta concepção de Tillich estaria buscando um reencantamento do mundo?
Desejava ele atribuir santidade a todas as coisas? Não cremos ser esta a sua
postura. Entretanto, é preciso entender que, segundo sua proposta, para que haja
efetivamente uma reflexão teológica da cultura, esta deve ser considerada com
mais cuidado e valor do que simplesmente como objeto de observação, dando-lhe
valor semelhante ao de um terreno fértil, como já foi dito.
As expressões culturais, enquanto preocupações preliminares, podem deter,
segundo Tillich, a capacidade de conduzir o teólogo para a sua preocupação
última. Neste sentido devemos também levar em conta a maneira como Tillich
considera a religião, extremamente ligada à cultura. Elas se relacionam
profundamente:
Religião, como preocupação última, é a substância que
confere significado para a cultura, e esta é a totalidade
das formas em que se expressa a preocupação
fundamental que constitui a religião. Em resumo: a
religião é a substância da cultura, e a cultura é a
forma da religião.
Esta consideração previne
definitivamente o estabelecimento de um dualismo entre
religi
ão e cultura. Todo ato religioso, não na religião
organizada, mas até mesmo no mais íntimo movimento
da alma, se forma culturalmente
22
.
Tillich compreende que, fazer teologia implica em olhar para a cultura, e nessa
observação, apreender elementos que proporcionaram o caminho para a
preocupação última.
22
Ibidem. Grifo nosso.
A partir destes elementos entendemos que, em sua concepção, todas as
preocupações culturais manifestam um aspecto da preocupação última. E isto se
dá não somente nas questões teóricas que envolvem a espiritualidade humana,
mas também na capacidade de transformação pessoal e social que as expressões
culturais podem causar.
Etienne Higuet comenta que: Conforme Tillich, quem pode ler o estilo de uma
cultura ou seu poder expressivo pode também descobrir sua preocupação
suprema, sua substância religiosa
23
. A partir dela Higuet explica os dois níveis
nos quais esse deciframento acontece. Ele nos explica:
1. Um nível preliminar de sentido que é o sentido direto e
conscientemente visado por essa cultura e que não é
habitualmente um sentido religioso (no sentido estrito).
[...] 2. H
á um outro nível de sentido, um Sentido do
Sentido o sentido último mais profundo no qual se
fundamenta o sentido preliminar, imanente e formal de
toda cultura, especialmente sua
unidade de sentido
24
.
Assim, Tillich compreende que a preocupação preliminar faz a mediação para que
se atinja a preocupação última.
No esforço para realizar esse percurso, Tillich construiu o método da correlação,
método este com o qual ele desenvolveu seu sistema de pensamento teológico.
Conforme seu próprio nome, é uma tentativa de correlacionar, tanto elementos
culturais quanto perguntas relacionadas às respostas que a teologia pode
23
HIGUET, Etienne A. A atualidade da teologia da cultura de Paul Tillich. p. 52.
24
Ibidem.
apresentar à situação. O próprio autor explica sua intenção com este método em
seu sistema teológico ao dizer que: O sistema que exponho a seguir é uma
tentativa de usar o método de correlação como uma forma de unir mensagem e
situação. Ele tenta correlacionar as perguntas implícitas na situação com as
respostas implícitas na mensagem
25
.
Essa proposição mostra a busca de Tillich por utilizar as expressões culturais para
reinterpretar a situação com mais propriedade, de maneira a trazer uma reflexão
teológica mais relevante para seu tempo por meio da correlação entre: ...
perguntas e respostas, situação e mensagem, existência humana e manifestação
divina
26
. Sendo assim, O método de correlação explica os conteúdos da
cristã numa interdependência mútua entre as questões existenciais e as respostas
teológicas
27
.
Olhando com um pouco mais de atenção para as proposições de Tillich, observa-
se que ele tem uma perspectiva bem próxima entre os seus enunciados da teologia
da cultura e do método de correlação. Higuet nos explica como este método
pretende ser uma superação das maneiras como normalmente a teologia é
elaborada: Trata-se de superar a distância entre religião e cultura através de uma
teologia da cultura encarada como ciência teológica
28
. É uma busca pela
aproximação entre religião e cultura com vistas à reflexão teológica. Ele também
nos esclarece uma questão importante na elaboração teológica de Tillich ao dizer
que ... na TS, a expressão todo de correlação substitui a teologia da cultura
25
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. p. 25.
26
Idem, p. 26.
27
HIGUET, Etienne A. O método da Teologia Sistemática de Paul Tillich, p. 40.
28
Idem, p. 38.
das obras anteriores
29
. Ou seja, o método da correlação elabora a teologia da
cultura, mostrando que não são coisas distintas uma da outra.
Quando se parte do pressuposto de que ...a religião é a substância da cultura e a
cultura é a forma da religião
30
, percebemos que um diálogo é possível. Por essa
concepção de Tillich, pode-se ponderar a respeito de uma análise de poesia para
nela encontrar elementos religiosos.
Sugere-se aqui, então, a leitura de Vinicius de Moraes que, tendo sua poesia como
parte da cultura brasileira constitui-se, usando a linguagem de Tillich, em uma
preocupação preliminar, já que tal poesia tenta refletir a vida bem como as
esferas que a envolvem, podendo então conduzir a uma preocupação última.
Crê-se estar aí uma das possibilidades de interpretação da cultura. Como afirma
Higuet, ao interpretar a Tillich: A análise da situação usa materiais elaborados
pela auto-interpretação criadora do ser humano em todos os campos da cultura e
o teólogo organiza esses materiais em relação com a resposta dada pela mensagem
cristã
31
.
Pode-se acrescentar nesta discussão uma das interpretações de Tillich feitas por
Higuet quando disse que:
A explicitação das respostas pode ser feita em diferentes
níveis da linguagem: a linguagem da tradição cristã na
teologia sistemática, a linguagem religiosa universal na
29
HIGUET, Etienne A. O método da Teologia Sistemática de Pau Tillich p. 41.
30
TILLICH, Paul. Teología de la cultura y otros ensayos, p. 45.
31
HIGUET, Etienne A. O método da Teologia Sistemática de Paul Tillich, p. 41.
teologia da cultura, e linguagem filosófica no mundo
cultural secularizado
32
.
Para Tillich, a maneira pela qual acontece, de forma concreta, a relação entre
teologia e cultura, se dá quando a preocupação preliminar torna-se um meio
pelo qual a preocupação última pode se efetivar. A preocupação incondicional
é total: nenhuma parte de nós mesmos ou de nosso mundo está excluído dela
33
.
Neste ponto encontra-se em Tillich o fundamento teológico para interpretarmos a
poesia viniciana não somente como elemento componente da cultura, podendo
assim constituir-se em preocupação preliminar e conduzir à preocupação
última.
Não somente Vinicius, mas outros poetas, bem como romancistas, têm
reinterpretado a vida e suas relações, inclusive religiosas, através de suas poesias e
romances. Isto se faz longe, mas muito longe, das perspectivas eclesiásticas nas
quais normalmente se elaboram estas reflexões.
Como já foi dito, Tillich se esforçou por realizar o diálogo entre teologia e cultura.
Entretanto, sua reflexão concentrou-se, dentro do campo das artes, na arquitetura e
nas artes plásticas. Por esse motivo, encontra-se aqui a necessidade de um apoio
específico para o diálogo entre teologia e literatura. É o que será buscado a seguir.
1.2 O método da correspondência de Antonio Magalhães
32
HIGUET. O método da Teologia Sistemática de Paul Tillich, p. 41.
33
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. p. 29.
No debate entre teologia e literatura, e aqui nos referimos à teologia cristã, é
preciso levar em consideração o fato de que a religião cristã tem seus fundamentos
na Bíblia, sendo citada por Magalhães como a religião do livro
34
. Todo o
processo de desenvolvimento religioso na tradição judaico-cristã se deu por meio
desses textos que depois foram canonizados como Escrituras Sagradas.
É importante lembrar que esse texto fundante é uma grande compilação de
diversos textos diferentes, escritos em diversos gêneros literários, trazendo
expressões de como diversos grupos culturais e tribais entendiam a vida, a
divindade e as relações humanas, entre outros temas.
Deve-se também desenvolver a análise de poesias nessa mesma perspectiva por
ser uma maneira própria de se expressar o pensamento em relação à vida e seus
temas. Também podemos ler no conteúdo delas expressões que se referem à
temática religiosa.
Ao discutir essa temática, Magalhães afirma a importância do valor simbólico
característico tanto da linguagem religiosa quanto da linguagem poética. Através
da poesia o ser humano tem a capacidade de reverter a dureza da vida, de superar
as adversidades, tornando-se uma expressão da maneira com a qual o ser humano
interpreta a realidade ao seu redor
35
.
34
MAGALHÃES, Antonio C.M. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em
diálogo. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 5.
35
Para maiores detalhes ver a descrição feita por Magalhães em Op. Cit. p. 56.
Magalhães também fala desta mesma força da poesia e da literatura em geral,
apresentando suas características numa comparação entre como a igreja apresenta
sua concepção de Deus e a maneira como a literatura o faz:
...o Deus apresentado pelos autores da literatura
distancia-se do Deus apresentado pela Igreja, pois, na
literatura, assume-se a ambigüidade e as contradições
dentro da experiência de fé, enquanto a fala conceitual da
teologia sobre Deus procura justamente superar e dissipar
toda e qualquer ambigüidade
36
.
Magalhães nos fala da presença de uma manifestação de opinião sobre um tema
religioso, no caso a divindade, e como este tema se desenvolve no pensamento
religioso de maneiras diferentes em suas concepções tanto, numa igreja, quanto na
literatura. Ele complementa:
Não se nega, portanto, a necessidade de falar de Deus. O
que se rejeita, e de forma radical, é que as experiências
com Deus têm de passar pelos sistemas teológicos e
eclesiásticos enclausurados em seu conservadorismo e
incapazes de se deixarem abalar pelas conting
ências da
história
37
.
A literatura tem sua capacidade peculiar de transmitir um conteúdo religioso
próprio, diferente da maneira como textos religiosos expressam os temas
correlacionados, por isso, Deseja-se o diálogo porque a linguagem da obra
36
MAGALHÃES, Antonio. Op. Cit, p. 141.
37
Ibidem.
literária possui potência simbólica compatível com a natureza do discurso
teológico
38
.
Sabendo que a literatura tem sua capacidade de transmitir um conteúdo religioso,
mesmo que não cumpra com as formalidades que os discursos religiosos
normativos exigem, como podemos então construir o diálogo entre ela e a
teologia?
Magalhães apresenta como proposta, o método de correspondência, que estabelece
a maneira como este diálogo pode ser realizado. Ele demonstra essa forma de
proceder ao indicar que o método da correspondência:
... se baseia na construção de um caminho próprio do e
para o conhecimento, ao manter um diálogo com as
alternativas que foram apresentadas, aproveitando em
todas elas aspectos que ajudam na sua elabora
ção. O
método se constrói sempre em diálogo com outros
caminhos. Um caminho não é somente o espaço informe,
mas aquilo que em grande parte determina o jeito de
andar do sujeito. Nisso h
á sempre uma interação a ser
feita entre o caminhante e o caminho, interação esta que
resultará numa constante reavaliação do caminho por
parte do sujeito e uma constante novidade que se
apresenta no percurso. Caminhante e caminho,
pesquisador e m
étodo descobrem novidades, alteram
formas, mas mantêm uma certa relação de
38
SILVA, Eli Brandão da. O nascimento de Jesus-Severino no auto de natal
pernambucano como revelação poético-teológica da esperança. Hermenêutica transtexto-
discursiva na ponte entre Teologia e Literatura. São Bernardo do Campo. 2001. [Tese
Doutorado em Ciências da Religião], p. 12.
indissociabilidade, numa clara dependência mútua
escolhida pelo pesquisador
39
.
Magalhães apresenta nessa argumentação a necessidade de uma interação do
intérprete da literatura com ela mesma, no sentido de que, ao mesmo tempo em
que a literatura influencia o leitor e deixa sobre ele sua marca, ela ressalta o
aspecto dialógico do todo e a dependência mútua entre pesquisador e
literatura
40
.
O método da correspondência, embora destacado aqui, assumirá a função de
ponto de apoio ao método tillichiano, já que o próprio Tillich, embora desejasse
dialogar com a cultura em seu labor teológico, não o fez detalhadamente com a
literatura.
1.3 A poesia como expressão cultural e teológica
A análise, doravante, se dará através de dois olhares, a saber: o literário e o
teológico. Este olhar bidirecional visa buscar uma compreensão da poesia
enquanto elemento da cultura e, da poesia de Vinicius de Moraes como parte da
cultura brasileira.
A seguir será elaborada a ligação entre o olhar conceitual e a poesia como
manifestação da cultura.
39
MAGALHÃES, Op. Cit. p. 204.
40
Ver nota nº 4.
Faz-se necessário, nesta etapa do trabalho, estabelecer o contato existente entre
poesia e cultura, mais exatamente da poesia enquanto elemento componente da
cultura. Antes, porém, lançar-se-ão alguns olhares conceituais que nos auxiliarão
na abordagem da obra poética em estudo neste trabalho.
Destacam-se neste trabalho alguns conceitos trazidos por Massaud Moisés
41
, que
os elabora ao longo de sua obra trazendo como tema a discussão em torno da
poesia. Quando discute o conceito de literatura em seu trabalho ele a define da
seguinte forma:
(...) a arte literária consistiria na expressão dos conteúdos
da imaginação, segundo um duplo movimento de
representação:1º) as imagens seriam representações
mentais de realidades sensíveis; ) os vocábulos
constituiriam representações objetivas das imagens: as
imagens seriam representações de primeiro grau, os
vocábulos, de segundo, numa relação extremamente
complexa que não cabe aqui discutir
42
.
Além desta citação com a qual se ilustra a maneira de sua interpretação percebe-se
também no decorrer de suas discussões, que a literatura enquanto expressão dos
conteúdos da imaginação é constituída basicamente em três etapas: a) a literatura
é um tipo de conhecimento expresso por palavras de sentido polivalente; b) a
literatura é a expressão dos conteúdos da ficção, ou da imaginação, por meio de
palavras de sentido múltiplo e pessoal; e c) a literatura constitui uma forma de
conhecer o mundo e os homens: dotada duma séria missão, colabora para o
41
MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia. 9ª. Ed. São Paulo: Cultrix, 1984.
42
MOISÉS, Massaud. Op. Cit., p. 40.
desenvolvimento daquilo que o homem, conscientemente ou não, persegue
durante toda a existência
43
.
Destaca-se também a maneira como trabalha Massaud Moisés o conceito de
poesia ao dizer que ... [a poesia] é a expressão metafórica do eu cujo resultado,
o poema, pode ser em verso ou em prosa
44
e que ... a poesia é a expressão do
eu por meio de metáforas
45
.
Na literatura esse tema vem sendo tratado com muito cuidado e respeito. Hernani
Cidade é um dos autores que desenvolve esta discussão. Sua obra traz a
conceituação de poesia como componente de sua respectiva cultura desde a Poesia
Medieval, passando pelo Renascimento e Humanismo, pelos Quinhentistas,
Barrocos, pelo chamado Século das Luzes, pelo Romantismo, pela reação Anti-
Romântica, pelo Parnaso e Simbolismo, pelos movimentos poéticos do Século
XX, e pela Experiência Supra-Realista
46
. Ele traz para cada um desses estilos
literários uma caracterização própria que tem relação com o contexto no qual cada
um deles surgiu e se desenvolveu.
Aqui não há espaço pra refletirmos sobre todo esse trajeto da discussão de Cidade.
Queremos destacar apenas a relação que ele estabelece entre a poesia e a cultura:
A poesia, na verdade, transcende em seu mistério as
limitações dos conceitos e das palavras; mas sendo,
43
Para detalhes ver MOISÉS, Massaud. Op. Cit., p. 36-44.
44
Idem, p. 94.
45
Idem, p. 195.
46
CIDADE, Hernâni. O Conceito de poesia como expressão da cultura: sua evolução
através das literaturas portuguesa e brasileira. Coimbra: Arménio Amado, 1957.
apesar de tudo, uma forma cultural, nela integrada por
seu m
ínimo de conteúdo intelectual e por seu caráter de
expressão de atitude espiritual individual e colectiva, não
se lhe pode negar o constituir objecto da história e
como tal aqui entendemos
47
.
A poesia também tem sido alvo de diversas investigações teológicas. O intento
destas investigações é o de poder absorver da poesia sua maneira própria de ver a
vida. Autores como Jean-Claude Renard, Juan Carlos Scannone e José Arguello,
trabalharam mais particularmente com o diálogo entre a teologia e a poesia
48
. Já
Magalhães traz uma reflexão mais ampla para todo o âmbito da literatura
49
. Estas
obras nos dão apoio para a discussão que está sendo aqui empreendida. Vejamos,
então, como Magalhães nos ajuda na busca pelo diálogo:
A poesia serve como revolta simbólica diante da crueza
da vida, tornando esta possível de ser suportada a
despeito de sua dureza. Por isso, a arte é a afirmação
daquilo que de mais profundo pode ser experimentado na
exist
ência humana. Sua benção porque se revolta contra
as atrocidades que se desenvolvem contra a vida; e sua
deifica
ção porque eleva esse sentido mais profundo ao
sentido último, a um telos da existência
50
.
47
CIDADE, Hernâni. O Conceito de poesia como expressão da cultura: sua evolução
através das literaturas portuguesa e brasileira. Coimbra: Arménio Amado, 1957, p. 8.
48
RENARD, Jean Claude. Poesia, Fé e Teologia, Concilium. Petrópolis, vol. 115, n. 5,
1976, p. 16-34. SCANNONE, Juan Carlos. Poesia popular e teologia A contribuição do
<Martin Fierro> a uma teologia da libertação. Concilium, Petrópolis, vol. 115, n. 5, 1976, p. 91-
100. ARGUELO, José. Deus na obra de Ernesto Cardenal. In: RICHARD, Pablo. (org.) Raízes da
teologia latino-americana. São Paulo, Paulinas, 1987, pp. 351-356.
49
MAGALHÃES, Op. Cit.
50
MAGALHÃES, Op. Cit., P. 56.
Portanto, conclui-se haver a possibilidade de refletir teologicamente sobre a
dimensão religiosa da cultura na poesia de Vinícius de Moraes a partir da teologia
da cultura e do método de correlação de Paul Tillich auxiliados pelo método da
correspondência de Antonio Magalhães. Nesse sentido, poemas podem ser
observados teologicamente por causa de seu poder de expressar em e através de
sua forma estética, como diria Tillich, aspectos daquilo nos preocupa de forma
última
51
.
Nesta primeira parte do trabalho, levantou-se a importância da discussão teológica
em torno da cultura, os argumentos dos métodos da correlação e da
correspondência, e as considerações literárias e teológicas do valor da poesia
enquanto elemento componente da cultura, com vistas ao diálogo teológico-
literário.
Em seguida tomar-se-á a poesia viniciana atribuindo-lhe a importância acima
referida, e buscando nela e em sua respectiva crítica, elementos para efetuar o
diálogo proposto.
51
Idem, p. 31.
CAPÍTULO II Sobre Vinicius e seus escritos poéticos
Nesta parte do trabalho são colocados, na pauta para o diálogo, alguns elementos
relativos à literatura poética viniciana que facilitarão o contato com ela e o poeta.
Aqui serão apresentadas pistas biográficas a respeito do poeta, algumas posturas
de críticos literários que comentaram seus escritos, as duas fases que compõem
uma maneira de interpretar seu pensamento poético, e algumas de suas poesias
nas quais se baseia a idéia de que os textos de Vinicius podem ser divididos em
tais fases, dando já uma perspectiva inicial sobre a leitura da dimensão religiosa
na poesia viniciana.
2.1 Pistas biográficas de Vinicius de Moraes
Nosso poeta, Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, nasceu no Rio de Janeiro
aos 19 de outubro de 1913, filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes e Lydia
Cruz de Moraes. Tinha entre os familiares, poetas e artistas, sendo que sua mãe
era pianista e o pai, um poeta tímido que não publicara seus versos.
Estudou na Escola Afrânio Peixoto de 1920 a 1924. Estudou no Colégio Santo
Inácio, e, imediatamente após ser admitido, apresentou-se para cantar no coro da
igreja. Durante os estudos desenvolveu suas primeiras atividades artísticas,
escreveu poemas, participou do teatro, criou um grupo musical.
Bacharelou-se me letras pelo colégio Santo Inácio. Ingressou na Faculdade de
Direito do Catete mais para acompanhar os amigos do que por possuir vocação
para esta área. Nesse período conheceu Octávio de Faria e participou do Centro
Acadêmico de Estudos Jurídicos dessa faculdade.
Entrou para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva. Formou-se em Direito
e terminou o Curso de Oficial da Reserva. Recebeu bolsa de estudos em Oxford,
onde estudou língua e literatura inglesas. Trabalhou como sensor cinematográfico,
cronista em jornais e como diplomata pelo Itamarati.
Escreveu
52
: 1. Poesia: O caminho para a distância; Forma e Exegese; Ariana a
mulher; Novos poemas; Cinco elegias; Poemas sonetos e baladas; Pátria minha;
Antologia poética; Livro de sonetos; Novos poemas II; Obra poética; O
mergulhador; A arca de Noé; História natural de Pablo Neruda; O falso mendigo,
52
MORAES, Vinicius de. O caminho para a distância. Rio de Janeiro. Schimdt Editora,
1933; Forma e exegese. Rio de Janeiro. Pongetti. 1935; Ariana, a mulher. Rio de Janeiro. Pongetti.
1936; Novos Poemas. Rio de Janeiro. José Olympio. 1938; Cinco elegias. Rio de Janeiro. Pongetti.
1943; Poemas, sonetos e baladas. São Paulo. Gaveta. 1946; Pátria minha. Barcelona. O Livro
Inconsútil. 1949; Antologia Poética. Rio de Janeiro. (2ª ed. aumentada, Rio de Janeiro: Editora do
Autor, 1960); Editora A Noite. 1954; Livro de Sonetos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal. 1957;
Novos Poemas (II). Rio de Janeiro. São José. 1959. Para viver um grande amor (crônicas e
poemas). Rio de Janeiro. Editora do Autor. 1962; A arca de Noé; poemas infantis.Rio de Janeiro .
2ª ed. aumentada, São Paulo: Companhia das Letras, 2003; A história natural de Pablo Neruda.
Salvador: Edições Macunaíma,1974; O falso mendigo, poemas de Vinicius de Moraes. Rio de
Janeiro: Fontana; Vinicius de Moraes Poemas de muito amor. Rio de Janeiro: José Olympio;
Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro (poesia e prosa). São Paulo: Companhia
das Letras; Para uma menina com uma flor (crônicas). Rio de Janeiro: Editora do Autor.
poemas de Vinicius de Moraes; Amor total; Vinicius de Moraes Poemas de
muito amor; Os melhores poemas de Vinicius de Moraes; Roteiro lírico e
sentimental da cidade do Rio de Janeiro; As coisas do alto poemas de formação;
Jardim noturno; Nova antologia poética. 2. Poesia/Prosa: Para viver um grande
amor. 3. Prosa: Para uma menina com uma flor; O cinema de meus olhos;
Cinema
53
. 4. Teatro: Orfeu da Conceição; Procura-se uma rosa; Cordélia e o
peregrino; As feras; Teatro em versos. 5. Canção: Livro de Letras; Songbook.
Algumas de suas obras foram traduzidas para o francês.
É importante lembrar aqui, que, neste trabalho, apenas algumas poesias serão
abordadas, sendo que a prosa, o teatro, as críticas e os roteiros de cinema, as
crônicas e as canções não serão contempladas.
2.2 Sobre a literatura viniciana o olhar crítico
Há, entre os críticos literários brasileiros, diversas opiniões diferentes sobre a
literatura viniciana. Cada um deles, à sua própria maneira e partindo de
perspectivas peculiares, descreve o poeta e a maneira como desenvolveu seus
escritos. Comentaremos aqui, apenas o pensamento de alguns deles.
Otávio de Faria, ao comentar os primeiros escritos de Vinicius, menciona no
poeta, um sentimento de desamparo, quando entende o mundo como doente e
53
COUTINHO, Afrânio (org.). Obra Poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, CASTELLO,
José (org.) As coisas do alto; poemas de formação. São Paulo: Companhia das Letras;
MIRANDA, Ana (org.). Jardim Noturno São Paulo: Companhia das Letras; CALIL, Carlos
Augusto (org). O cinema de meus olhos. São Paulo: Companhia das Letras.
abandonado por Deus
54
. Também destaca uma perspectiva de transitoriedade em
imagens que despertam o interesse de Vinicius levantando, nos poemas, temas
como o drama do impossível amor, o drama da impossível pureza, o drama da
maldição do poeta, o drama da ausência de Deus, e o drama do horror da morte
55
.
Davi Mourão Ferreira, por sua vez, ao descrever os poemas de Vinicius, inclusive
na temática religiosa, diz que, nosso poeta vive um sentimento religioso da
existência no intuito de alcançar o equilíbrio entre alma e corpo. Caracteriza-o,
também, como alguém que ... não deixa de sofrer, obscuramente mas
persistentemente a influxo de uma concepção romântica do amor, que os
poetas gregos e latinos desconheceram e os renascentistas, pelo íntimo
conhecimento destes, esqueceram ou ultrapassaram
56
. Para Ferreira, esta
característica é o que proporciona a Vinicius uma elaboração diferenciada, quando
este trata em seus poemas, da mulher
57
.
Diversos autores classificam Vinicius como um poeta do modernismo, embora
nenhum deles diga que Vinicius é apenas modernista
58
. Mas é Manuel Bandeira
quem, provavelmente, classifica melhor o estilo de escrita do poetinha: Porque
ele tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos
54
FARIA, Otávio de. A transfiguração da montanha. In: Poesia completa e prosa. Rio de
Janeiro, Nova Aguilar, 2004, p. 75.
55
FARIA, Otávio de. A transfiguração da montanha. In: Poesia completa e prosa. Rio de
Janeiro, Nova Aguilar, 2004, p. 79.
56
FERREIRA, David Mourão. O amor na poesia de Vinicius de Moraes. FARIA, Otávio
de. A transfiguração da montanha. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar,
2004, p. 106.
57
Ver FERREIRA, David Mourão. O amor na poesia de Vinicius de Moraes. FARIA,
Otávio de. A transfiguração da montanha. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Nova
Aguilar, 2004, p. 108-109.
58
Ver, por exemplo, o pensamento de JUNQUEIRA, Ivan. Vinicius de Moraes: língua e
linguagem poética. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2004, pp. 148-149.
parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas), e finalmente, homem
de seu tempo, a liberdade, a licença, o esplendido cinismo dos modernos
59
.
Encontramos dados importantes sobre a literatura viniciana nestes autores citados.
Entretanto, o destaque será dado às teses de outros dois comentadores de Vinicius
que, em suas reflexões literárias, levantam outras posturas críticas em relação à
poesia de Vinicius.
O primeiro a quem se recorre neste trabalho, é um dos nomes mais conhecidos na
leitura de Vinicius de Moraes, Carlos Felipe Moisés, que em seus estudos de
literatura, especialmente em Vinícius de Moraes. Seleção de textos, notas, estudos
biográfico, histórico e crítico e exercícios, traça um percurso poético no qual o
poeta vai do sublime ao cotidiano em sua vivência literária.
Outro nome importante a quem se faz referência é Guaraciaba Micheletti que
também traz um olhar muito interessante sobre o poeta. Em seu estudo A poesia, o
mar e a mulher, descreve Vinicius com alguém que começou uma caminhada
em busca da poesia, defronta-se com a poesia do mar, observa as dançarinas
do efêmero e se autocaracteriza como o mergulhador que se sente abismado
frente à grandiosidade do mar.
Em ambos, nota-se a intuição de que Vinicius foi um poeta do caminho, que
andou, percorreu por diversos trajetos para, enfim, chegar à poesia. Ele mesmo
confessa essa perspectiva em Poética
60
, quando diz:
59
BANDEIRA, Manuel. Coisa alóvena, ebaente. In: Poesia completa e prosa. Rio de
Janeiro, Nova Aguilar, 2004, pp. 88.
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoite
ço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este
é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nas
ço amanhã
Ando onde h
á espaço:
- Meu tempo
é quando.
Suas referências a elementos de lugar como espaço, norte, sul, oeste, nos
permitem pensar em alguém que não estabeleceu um lugar determinado, mas toma
direções para todos os lados. Este dado pode ser interpretado, não somente no
âmbito poético, mas também, a todos os outros aspectos da vida humana,
inclusive a religiosa.
Quando escreve indicativos de tempo como, dia, tarde, noite, amanhã,
nos dá a impressão de que o vive por horário determinado, principalmente por
causa de suas colocações sobre o movimento, que na primeira parte do poema
escureço, tardo, anoiteço, ardo, estão colocados de forma a inverter o
processo seqüencial do dia e deslocar de seu tempo correto o amanhecer,
entardecer, anoitecer e curiosamente, o arder.
60
MORAES, Vinícius de. Antologia Poética, 22ª Ed., Rio de Janeiro: José Olímpio,
1980, p. 415-416. Todos os poemas citados neste trabalho são apresentados com a seguinte
diagramação: fonte 11, espaço simples, sem recuo da margem. Esta medida foi adotada no intuito
de preservar, o mais fiel possível, a diagramação original dos poemas.
Quando diz vivo, morro, nasço, ando, -nos a idéia dessa perspectiva
caminhante na qual vive como poeta, e encerra o poema com a indicação de que
não tem um tempo cronológico, mas que vive aquele tempo que está diante dele:
Meu tempo é quando. Usa-se de um gerúndio para dizer que suas ações são
contínuas, ou um constante continuar.
Todo esse movimento de espaço e tempo desenvolvido pelo poeta traz-nos à
mente a idéia de transitoriedade da vida, que é altamente levada em consideração
por ele. Este tema tem uma descrição correspondente na Bíblia hebraica e cristã,
em textos também poéticos como o Eclesiastes.
Queremos agora apresentar como os autores, a partir do próprio Vinicius analisam
e dividem o conjunto de seus escritos.
2.3 Distinção das fases presentes na obra poética de Vinicius de Moraes
61
Vinicius de Moraes estreou como poeta com o lançamento de seu livro, O
Caminho para a Distância, em 1933. Em 1935, ele publicou Forma e Exegese,
com o qual ganhou o prêmio Felipe dOliveira. Em 1936, publicou um único
poema em separado, Ariana, a mulher. Em 1938, juntam-se às obras do poeta, o
livro Novos Poemas, e em 1943, Cinco Elegias.
61
Vale lembrar que nosso poeta escreveu outras obras em prosa, cancioneiro, teatro, mas
que este trabalho dará atenção apenas a algumas de suas poesias.
Estes escritos compreendem o que o próprio poeta defende como sua primeira
fase que é caracterizada por uma busca pelo sublime, trazendo uma linguagem
mais elevada e visualizando temas mais abstratos e até religiosos.
Na segunda fase da poesia de Vinicius tem-se os seguintes livros: Poemas,
Sonetos e Baladas; Pátria Minha; Antologia Poética; Livro de Sonetos; Novos
Poemas II; Para Viver um Grande Amor (poesia e prosa); Arca de Noé. Nestes
escritos destacam-se a linguagem mais descritiva e a abordagem de temas mais
concretos encontrados no cotidiano.
Seguiremos esta descrição do poeta sobre sua própria obra, na qual diz que ela
está dividida em duas fases, privilegiando assim, a interpretação que ele mesmo
faz de seus escritos.
Há concordância entre os críticos, de que os sonetos do poeta, são sua obra mais
profícua, momento em que ele redescobriu este gênero literário e quando começou
a apresentar características mais elevadas em sua poesia, não somente nas
questões estilísticas, mas também em sua maneira de abordar a vida e descrevê-la.
2.3.1 O sublime em expressões religiosas por meio da linguagem
A primeira fase da poesia de Vinicius tem como linha mestra a busca pelo sublime
e um certo transcendentalismo, como ele mesmo especifica
62
.
62
Ibidem (Advertência).
Veremos no poema Purificação
63
de Vinicius uma forte expressão de valorização
da criação, principalmente por causa do bem que a contemplação provocou no
poeta, lembrando que esta, entre outras poesias, deu origem à idéia de uma
distinção nas características diferentes apresentadas por Vinicius, e que levaram o
poeta e seus críticos a identificar fases diferentes na obra do poeta, partindo da
perspectiva da linguagem.
Senhor, logo que eu vi a natureza
As l
ágrimas secaram.
Os meus olhos pousados na contempla
ção
Viveram o milagre de luz que explodia no c
éu.
Eu caminhei, Senhor.
Com as m
ãos espalmadas eu caminhei para a massa de seiva
Eu, Senhor, pobre massa sem seiva
Eu caminhei.
Nem senti a derrota tremenda
Do que era mau em mim.
A luz cresceu, cresceu interiormente
E toda me envolveu.
A ti, Senhor, gritei que estava puro
E na natureza ouvi a tua voz.
P
ássaros cantaram no céu
Eu olhei para o c
éu e cantei e cantei.
Senti a alegria da vida
Que vivia nas flores pequenas
Senti a beleza da vida
Que morava na luz e morava no c
éu
E cantei e cantei.
A minha voz subiu at
é ti, Senhor
E tu me deste a paz.
Eu te pe
ço, Senhor
Guarda meu cora
ção no teu coração
Que ele
é puro e simples.
Guarda a minha alma na tua alma
Que ela
é bela, Senhor.
Guarda o meu esp
írito no teu espírito
Porque ele
é a minha luz.
E porque s
ó a ti ele exalta e ama.
63
MORAES, Vinícius de. Purificação. Poesia Completa e Prosa. 4ª. Ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2004, p. 182-183
Por esta poesia já podemos notar fortes indícios daqueles elementos que
caracterizam a primeira fase poética de Vinicius de Moraes.
Como notamos, o texto aproxima-se em alto grau de uma oração apresentada ao
Senhor (termo muito usado dentro da formalidade religiosa judaico-cristã),
tendo em seu conteúdo: a) uma declaração de que a contemplação restabeleceu
sua alegria (1ª estrofe)
64
; b) a descrição de que a luz envolve o poeta e lhe dá
condições de superar a derrota tremenda (2ª estrofe); c) seu grito clamando pelo
Senhor para que o ouça, d) percebendo que é respondido no cantar dos ssaros,
mostrando ainda que as flores trazem a ele um sentimento de alegria fazendo-o
perceber a beleza da vida, o que resulta no canto do poeta (3ª estrofe); uma súplica
respondida (4ª estrofe); e por fim e) uma petição ao Senhor, para que Ele o guarde
(lembramos da benção araônica no texto bíblico de Números 6:24-26),
apresentando sua exaltação e amor, exclusivos como retribuição por ter seu
pedido atendido (última estrofe).
Seguindo nesta proposta das fases, vemos que Felipe Moisés caracteriza as
poesias de Vinicius dentro da primeira fase, pela expressão de elementos da
religiosidade em forma de uma intensa angústia, também pela precariedade da
64
Consideramos aqui a diagramação do poema de acordo com a apresentação que o texto
citado nos apresenta.
existência, pela busca ansiosa de uma superação da transcendência do sublime.
Além destas ainda há o sentimento de pecado e o desejo de autopunição
65
.
Levando-se em conta estes contornos da poesia viniciana, perguntamos: como
pode uma concepção religiosa que tão fortemente influenciou o poeta, deixar de
fazê-lo, com o passar do tempo? Como se dá esta ruptura das amarras da religião
tradicional? Felipe Moisés nos uma dica importante para considerarmos estas
perguntas. Para ele, em Vinicius esta ruptura se estabeleceu quando ele passou a
divinizar a mulher e sua relação com ela. Vejamos:
Vinicius, de fato, empreende uma espécie de divinização
da mulher, transferindo para ela todo um caudal de
esperan
ças e ansiedades: transformando-a num ser
superior, de onde prov
ém e para onde convergem todas
as formas elevadas de existência; com isso atribui ao
amor a condição de experiência-limite, capaz de resgatar
o homem de sua precariedade. Qualquer coisa como se o
sublime devesse ser procurado dentro do cotidiano, e
não fora dele
66
.
Apesar desta constatação, Felipe Moisés adverte que esta mudança não ocorrerá
de um momento para outro, mas faz parte de um longo processo no qual Vinicius
vai abandonando os temas metafísicos, a alegorização, a abstração, o verso longo
e o transcendentalismo, características componentes desta primeira fase.
65
Para detalhes ver a descrição feita por FELIPE MOISÉS, Carlos. Vinícius de Moraes:
Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico e exercícios. São Paulo: Abril,
Educação, 1980. p. 91-92.
66
FELIPE MOISÉS, Carlos. Op. Cit. p. 93.
De certo modo, a concepção amorosa de Vinícius de
Moraes pode ser encarada como ponto de convergência
de Trovadorismo, Romantismo, e Surrealismo. Mas
aquilo que lhe confere ineg
ável autonomia e
originalidade é a presença cada vez mais insistente de
sensualismo e erotismo; não mais no sentido de perdição
da carne, como nos primeiros poemas, mas como
dimensão integrada aos apelos espirituais, em invejável
harmonia
67
.
Esta primeira fase é também caracterizada por um dilema causado por uma forte
influência religiosa que o poeta recebeu em sua mocidade, e que fazia oposição
entre material e espiritual, sendo a existência humana configurada como caos e
abismo para o poeta. Deste período destacamos algumas poesias que demonstram
como esta primeira parte da obra de Vinicius se caracteriza.
Vejamos primeiramente como Vinicius se expressa em O Poeta
68
.
A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta
é destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a vis
ão da beleza
E a sua alma
é uma parcela do infinito distante
O infinito que ningu
ém sonda e ninguém compreende.
Ele
é o eterno errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o c
éu
Preso pelos extremos intang
íveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida.
O poeta tem o cora
ção claro das aves
E a sensibilidade das crian
ças.
O poeta chora.
Chora de manso, com l
ágrimas doces, com lágrimas tristes
Olhando o espaço imenso da sua alma.
O poeta sorri.
Sorri
à vida e à beleza e à amizade
67
Ibidem.
68
MORAES, Vinícius de. Poesia Completa e Prosa, pp. 182-183.
Sorri com a sua mocidade a todas as mulheres que passam.
O poeta é bom.
Ele ama as mulheres castas e as mulheres impuras
Sua alma as compreende na luz e na alma
Ele
é cheio de amor para as coisas da vida
E
é cheio de respeito para as coisas da morte.
O poeta n
ão teme a morte.
Seu esp
írito penetra a sua visão silenciosa
E a sua alma de artista possui-a cheia de um novo mist
ério.
A sua poesia é a razão da sua existência
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da ang
ústia.
A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o c
éu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.
Nesta poesia Vinicius descreve sua existência, enquanto poeta, como tendo um
ritmo diferenciado da vida de outras pessoas, caracterizada por um contínuo de
dor angustiante, e como destinado ao sofrimento, uma postura um tanto
pessimista. Isso se deve ao fato de o poeta sofrer uma crise de culpa por causa da
influência religiosa que ele recebeu. Fala de sua alma como parcela do infinito
distante, e diz que ela não é compreendida por ninguém.
Vinicius continua sua descrição da existência poética como um eterno errante,
pisando a terra e olhando o céu, mais um indicativo do poeta como um
caminhante. Visualizam-se aqui as características que o diferenciam das demais
pessoas, mas também, elementos que o tornam semelhante aos demais seres
humanos, como as seguintes: o poeta chora, o poeta sorri, o poeta é bom, o poeta
ama as mulheres, ama as coisas da vida, respeita as coisas da morte, o poeta não
teme a morte, tem na sua poesia a razão de sua existência. Ele se considera como
alguém extremamente diferente das outras pessoas, porém, igual a elas, sem temer
a ambigüidade presente em tal afirmação.
A igualdade do poeta aos demais humanos é descrita em O Vale do Paraíso
69
,
momento em que presenciamos Vinicius ansiando e desejando o mesmo que
outras pessoas.
Quando vier de novo o céu de maio largando estrelas
Eu irei, l
á onde os pinheiros recendem nas manhãs úmidas
Lá onde a aragem não desdenha a pequenina flor das encostas
Será como sempre, na estrada vermelha a grande pedra recolherá sol
E os pequeninos insetos irão e virão, e longe um cão ladrará
E nos tufos dos arbustos haverá enredados de orvalho nas teias de aranha.
As montanhas, vejo-as iluminadas, ardendo no grande sol amarelo
As vertentes algodoadas de neblina, lembro-as suspendendo árvores nas nuvens
As matas, sinto-as ainda vibrando na comunhão das sensações
Como uma epiderme verde, porejada.
Na emin
ência a casa estará rindo no lampejar dos vidros das suas mil janelas
A sineta tocará matinas e a presença de Deus não permitirá a Ave-Maria
Apenas a poesia estará nas ramadas que entram pela porta
E a
água estará fria e todos correrão pela grama
E o p
ão estará fresco e os olhos estarão satisfeitos.
Eu irei, ser
á como sempre, nunca o silêncio sem remédio das insônias
O vento cantará nas frinchas e os grilos trilarão folhas secas
E haverá coaxos distantes a cada instante
Depois as grandes chuvas encharcando o barro e esmagando a erva
E batendo nas latas vagas monotonias de cidade.
Eu me recolherei um minuto e escreverei: -
Onde estará a volúpia?...
E as borboletas se fecundando não me responderão.
Ser
á como sempre, será a altura, será a proximidade da suprema inexistência
Lá onde à noite o frio imobiliza a luz cadente das estrelas
L
á onde eu irei.
Temos nesta poesia a descrição de um lugar almejado pelo poeta, lugar que ele
afirma que estará: eu irei.... Ele descreve esse lugar com imagens e metáforas de
profunda beleza: pinheiros recendem, montanhas iluminadas, matas vibrando na
comunhão das sensações, a casa estará rindo, a presença de Deus impede a Ave-
Maria, a poesia estará nas ramadas que entram pela porta, água estará fria, o
estará fresco, o vento cantará nas frinchas e os grilos trilarão folhas secas, haverá
coaxos distantes, chuvas encharcando o barro, as borboletas se fecundando, será a
69
MORAES, Vinícius de. Op. Cit. p. 200.
proximidade da suprema inexistência, lá onde à noite o frio imobiliza a luz
cadente das estrelas, lá onde eu irei.
A poesia tem um tom de louvação da natureza, um lugar extremamente agradável
para estar. A harmonia da beleza descrita dá uma pausa para fazer a pergunta:
Onde estará a volúpia? E depois retoma para reafirmar sua vontade de estar
nesse lugar. Esse é O vale do Paraíso onde o poeta deseja estar. Parece um
desejo escatológico, estar num lugar harmonioso, onde as crises de culpa e as
ambigüidades da vida não mais atrapalham a contemplação e a felicidade.
Mas não poderíamos deixar de mencionar a classe e o lirismo do poeta ao falar
para as mulheres e sobre elas. Vejamos, então, A mulher que passa
70
:
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio
é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperan
ças na boca fresca!
Oh! Como
és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos s
ão poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus p
êlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos bra
ços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?
70
MORAES, Vinícius de. Op. Cit. p. 261-262.
Por que n
ão voltas, mulher que passas?
Por que n
ão enches a minha vida?
Por que n
ão voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que n
ão voltas à minha vida?
Para o que sofro n
ão ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
No santo nome do teu mart
írio
Do teu mart
írio que nunca cessa
Meu Deus eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacifica
Que
é tanto pura como devassa
Que b
óia leve como cortiça
E tem ra
ízes como a fumaça.
Temos novamente a impressão de que Vinicius está fazendo uma oração. Nela o
poeta fala do seu desejo pela mulher, descrevendo-a com metáforas, a sua própria
reação diante da passagem dela. Chega-se a imaginar uma súplica veemente de
Vinicius para conseguir a mulher que passa ao dizer
Meu Deus, eu quero a mulher
que passa! / Eu quero-a agora, sem mais demora / A minha amada mulher que passa!
Como podemos notar, estas poesias de Vinicius de Moraes pertencem a diferentes
livros desta época considerada como primeira fase. Elas mostram que nesta
primeira fase pode-se notar no vocabulário do Vinicius palavras como, Deus,
Senhor, infinito, piedade, céu, contemplação, destino, sofrimento, e mais outras
que caracterizam uma escrita que sofreu uma forte influência da religiosidade
formal de seu tempo, caracterizando assim um reflexo forte dela.
Otto Lara Resende levanta um dado importante na compreensão de Vinicius de
Moraes. Para ele, entre as duas fases, existe uma transição poética em Vinicius, a
partir de um dos autores que influenciaram nosso poeta:
A data da mudança que operou no poeta não pode ser
fixada com precisão, mas é fora de dúvida que ele, que só
celebrava no altar de Rimbaud e de outros cléricos de alto
coturno transitou do reino do sublime para o plano do
real. Despojou-se da contempla
ção narcisista de seus
provavelmente imaginários tormentos pessoais. A
linguagem, como tinha de ser, desce ao natural, senão ao
coloquial. Desaparecem os sustenidos artificiosos e os
falsetes que n
ão lhe pertenciam
71
.
Há, então, a busca por parte de nosso poeta caminhante por outras trilhas onde
andar.
Percebe-se, portanto, que esta fase é caracterizada pelo uso de uma linguagem
mais formal em se tratando de termos religiosos e que será caracterizada por
outros termos e estilos daqui por diante.
Assim, pode-se perceber que a primeira fase da poesia viniciana é caracterizada
por sentimentos como a angústia, o desejo de auto-punição permeando temas
como a precariedade da existência, a busca pelo sublime, além de temas
71
RESENDE, Otto Lara. O Caminho para o soneto. In: MORAES, Vinícius de. Poesia
Completa e Prosa, p.94.
metafísicos e o transcendentalismo, característica dita pelo próprio poeta como
parte componente de sua primeira fase
72
.
2.3.2 O cotidiano em expressões religiosas por meio da linguagem
Otto Lara Resende, em sua descrição de Vinicius, não só nos dá indicações quanto
à mudança ocorrida no poeta, mas também nos mostra que, apesar da imprecisão
na data em que se dá a transição no pensamento de Vinicius, a busca pelo
sublime, aquilo que o transcende é deixada para dar lugar ao olhar poético na
direção da realidade, para o plano concreto e para a discussão de temas que
tivessem relevância, tanto para ele, quanto para as pessoas que estivessem ao seu
redor. É como se um Vinicius se completasse com um outro no momento em que
o poeta passou a privilegiar a realidade e a refletir a partir dela e não mais a partir
da busca por um sublime abstrato.
Descendo ao concreto, o poeta faz as pazes com a vida.
Caminha para assumir sua naturalidade. Livra-se das
penas de pav
ão e de águia que se tinha acrescentado.
não é uma ave-do-paraíso. Não mais necessita de
exacerbar, por vanglória de super-homem, as razões de
sua angústia. Ao contrário, procura apazigua-las.
Descobre o ch
ão em que pisa, encara o cotidiano e não se
envergonha (...) A poesia já não é desdenhosa; não é
contra, mas a favor; não se derrama em apóstrofes nem se
despenha em cascatas espumejantes para inglês ver;
nasce do encontro e não do conflito, da aliança e não do
72
ver (Advertência) MORAES, Vinicius. Antologia poética. Rio de janeiro, José
Olympio, 22ª ed. 1980.
atrito. Poeta e cidadão se encontram, entendem-se, falam
a mesma l
íngua
73
.
Essa mudança pode ser percebida pelos novos vocábulos usados por Vinícius a
partir dos livros, Poemas, Sonetos e Baladas, Antologia Poética, Orfeu da
Conceição (Teatro), Livro de Sonetos, Novos Poemas (II), e Para Viver Um
Grande Amor
74
.
Nos poemas contidos nesses livros, bem como na peça teatral, vigora uma
linguagem mais simples que procura descrever os eventos do cotidiano, como
podemos notar no Soneto de Fidelidade
75
, bem como em outros textos desta fase,
como veremos a seguir:
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero viv
ê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, ang
ústia de quem vive
Quem sabe a solid
ão, fim de quem ama
Eu possa dizer do amor (que tive):
Que n
ão seja imortal, posto que é chama
Mas que seja eterno enquanto dure.
Neste soneto, o poeta a usa uma linguagem mais próxima do concreto. Ele é
atento, se encanta, vive o vão momento, espalha seu canto, ri seu riso, chora seu
pranto, conscientiza-se do enfrentamento da morte e/ou da solidão como resultado
73
RESENDE, In: Poesia Completa e Prosa, p.95.
74
Descrição dada por FELIPE MOISÉS, Op. Cit., p. 74.
75
MORAES, Vinícius de. Poesia Completa e Prosa, p.307.
do amar, e traz para a concretude o amor quando deseja que ele seja eterno
enquanto dure. Uma descrição lírica belíssima sobre a maneira como o poeta
deseja viver o amor.
Um outro poema que gerou as considerações da mudança de foco de Vinicius do
sublime para o cotidiano é Marinha
76
:
Na praia de coisas brancas
Abrem-se as ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas Vivas.
Aos mergulhadores do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.
E as ondas de pontas roxas
V
ão e vem, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!
Nesta outra poesia percebe-se como Vinicius trabalha uma descrição da mulher
por meio das imagens do mar e de seus habitantes. Tem-se a impressão de um
descrição do contato dos corpos de mulheres com corpos de homens, ou o contato
entre o corpo de uma mulher com o corpo do poeta.
Essa transformação que ocorre no estilo e na linguagem do poeta é descrita por
Resende ao dizer que O poeta multiplica os seus ritmos e persegue a sua
substância, desvenda os próprios temas. Dispõe de um instrumento hábil e
adestrado. Sua manipulação do verso é acrobática, com uma flexibilidade musical
76
MORAES, Vinícius de. Poesia Completa e Prosa. p. 309.
capaz de fazer misérias
77
. Isso provoca uma mudança também no vocabulário do
poeta que precisa usar outra linguagem para conseguir expressar seus sentimentos
em relação à vida.
Felipe Moisés coloca como se dá essa entrada na nova fase. Mas é preciso lembrar
que, embora a mudança se suceda, ela não é imediata, mas gradativa. A
caracterização se dá desta forma:
De um lado, o apelo ao cotidiano, à (aparente) banalidade
da existência diária, como fonte de motivos e inspiração;
de outro, a linguagem coloquial, enxuta, mais simples e
direta, em que a espontaneidade ser
á um triunfo imediato
e não um árduo resultado obtido através do esforço
retórico e teatral (...) Além dos aspectos já apontados, a
preferência pelo verso curto, incisivo, e o constante
recurso ao humor e
à ironia são elementos que colaboram
para a conquista da simplicidade e da comunicabilidade
78
.
Nota-se uma significativa mudança no poeta, que passa a olhar para o cotidiano e
a se preocupar com as questões relativas a ele. Além dessa mudança estilística e
lingüística, acontece simultaneamente um olhar em direção ao real e concreto,
diluindo a abstração dos versos anteriores: A matéria do poeta a quem foi dado
se perder de amor pelo seu semelhante é a vida e só a vida, com tudo o que ela
tem de sórdido e de sublime. Nada que é humano lhe é estranho. Uma
77
RESENDE, Poesia Completa e Prosa, p.96.
78
FELIPE MOISÉS . Op. Cit., p. 94.
sublimidade pejorativamente angélica cede lugar ao sentimento da fecundidade
da vida’”
79
.
Daí surgirem, por exemplo, poemas como Balada das meninas de bicicleta,
Balada da moça do Miramar, Balada das arquivistas, Balada das duas
mocinhas de Botafogo, que demonstram, além dos versos citados, o olhar poético
sobre coisas concretas ao seu redor, sobre a realidade e, principalmente, sobre a
mulher.
Vinicius também se preocupa, em termos de concreticidade dos fatos, com
problemas relacionados a questões políticas como a guerra, entre tantos outros
enfrentados na sua época, e demonstra essa preocupação e tristeza em poemas
como Rosa de Hiroshima, Balada dos mortos dos campos de concentração,
A bomba atômica. Este aspecto em particular será apreciado mais adiante neste
trabalho.
Nesta fase, notamos que o poeta começa a despir-se daquele linguajar
influenciado pela religião formal, tendo como característica principal, a descrição
da relação de amor entre homem e mulher, bem como das controvérsias,
encontros e desencontros que também envolvem este relacionamento. E Ferreira
ilustra essa situação dizendo que O caso de Vinicius é justamente do
79
RESENDE. Op. Cit., p.96.
desconvertido, o do poeta que abandonou a fé, ou a quem a abandonou, para
encontrar a voz que lhe convinha, a voz que era de fato sua
80
.
Entretanto, não podemos dizer que ele ou qualquer outra pessoa se livra da
influência religiosa de uma hora para outra, ou mesmo se é possível a alguém
conseguir libertar-se dela definitivamente. Ferreira esclarece que:
(...) ninguém abandona completamente o conjunto de
crenças dentro das quais o espírito se formou. A aludida
evolução é apenas válida grosso modo: uma e outra fases
est
ão longe de constituir compartimentos estanques. (...)
Apesar de considerarmos, e a grande distância, essa
segunda fase a parte mais importante da obra de Vinicius,
cremos que ela n
ão teria (sobretudo a poesia de amor, que
é a que hoje nos interessa) a c
omplexidade que a
caracteriza, se n
ão fora a permanência velada,
escamoteada, subjacente
daquele espírito religioso da
primeira fase
81
.
Seguindo o raciocínio de Ferreira nos perguntamos: por que esse abandono da
crença foi parcial? Por que a idéia de que o poeta teria mantido implicitamente a
influência religiosa em seus escritos? O crítico nos uma luz a esse respeito
dizendo, a partir de um dos fragmentos de Novalis que dizia Para o homem, a
equação é corpo-alma. Para a espécie, homem-mulher, que:
A evolução poética de Vinicius de Moraes documenta,
flagrantemente, a passagem de um plano para o outro. No
80
FERREIRA. David Mourão. In: MORAES, Vinícius de. Poesia Completa e Prosa. p.
101-102.
81
Ibidem.
entanto, a primeira equação não ficou resolvida; e o
conflito que refletia essa procura, insidiosamente se
introduziu na segunda, frustrando-lhe tamb
ém a solução
desejada. Nesse malogro residem, todavia, a grandeza e a
originalidade de Vinicius de Moraes. A equa
ção
homem-mulher, que os seus poemas de amor pretendem
atingir, vem de antemão comprometida (e, portanto, ao
malogro condenada), em virtude do primeiro termo
continuar
carregado das perplexidades da outra equação
irresolúvel
82
.
Temos aí alguns indicativos de como se apresentou o estilo e a linguagem de
Vinicius durante o período considerado como sua segunda fase.
Como vimos até aqui, destacam-se na primeira fase da poesia de Vinicius os
seguintes temas: uma busca pelo sublime; a valorização de temas abstratos e a
religiosos; uma religiosidade em forma de angústia intensa; a precariedade da
existência; a busca ansiosa de uma superação pela transcendência mística, o
sublime; o sentimento de pecado e o desejo de autopunição e um dilema
caracterizado pela oposição entre material e espiritual.
Já a segunda fase é caracterizada principalmente por um olhar para o cotidiano,
abordando temas de seu contexto e de sua época; privilegiando elementos da
realidade como ponto de partida para escrever poesia; descrever a relação amorosa
entre o homem e a mulher; usando uma linguagem coloquial, mais simples e
direta; recorrendo ao humor e à ironia.
82
Idem. p.103.
Percebe-se que há diversas interpretações da crítica literária em relação aos
escritos de Vinicius, mas aqui se privilegia aquela que considera a poesia
viniciana dividida em duas fases.
Assim sendo, por mais que nos detenhamos em olhar para a poesia de Vinicius de
Moraes, sempre encontraremos novos elementos constitutivos de sua poesia.
Diante de nós fica a perspectiva de retornar e retornar e retornar, numa busca que
sempre trará novidades na tentativa pela compreensão e contemplação do poeta.
Desejamos, entretanto, que estes vestígios aqui apresentados possam nos
estimular e nos ajudar no contato que teremos com o poetinha camarada, em sua
incessante busca por viver o amor, mesmo que para isso ele precisasse conviver
com a possibilidade clara do sofrimento.
CAPÍTULO III Sobre a teologia e a poesia de Vinicius de Moraes
Na busca de um caminho que possibilite o diálogo entre teologia e literatura, o
texto é considerado o lugar por excelência para tais relações. Eli Brandão da Silva
traz-nos elementos importantes que, para o desenvolvimento do diálogo entre
teologia e literatura constituem-se numa ponte a ligar duas margens de um rio.
Vejamos: a) a relação entre teologia e literatura remonta às mitologias do mundo
antigo e a linguagem na qual os prototextos teológicos estão configurados
testificam essa filiação mais profunda; b) que as obras literárias são passíveis de
teologia explícita ou latente; c) pela natureza própria da linguagem literária esta se
apresenta como via capaz de veicular os temas teológicos; d) que os trabalhos
analisados, implicitamente, trazem métodos de leituras aplicáveis,
indistintamente, a textos literários e teológicos
83
.
Precisamos levar em conta nesta parte do trabalho as formas de relação entre a
arte e a religião. As quatro categorias criadas por Tillich para falar desses níveis
de relação são as seguintes:
83
SILVA, Eli Brandão da. Op. Cit. p. 86-87.
a) estilo não-religioso e tema não-religioso: consiste na chamada arte secular que
faz representações de paisagens, apresenta a natureza morta, conta história de
desilusões amorosas e exalta a vida, a alegria, o otimismo, mas sem camuflar os
problemas da vida. Ou seja, é uma forma de expressão que não se preocupa com o
conteúdo religioso abertamente, mas que acaba transmitindo em si, dimensões e
aspectos daquilo que se pode considerar como religioso.
b) estilo religioso e tema não-religioso: sem fazer referências à Bíblia ou a fé, trata
de assuntos do cotidiano impregnados do poder religioso. Isto é, não são feitas
alusões diretas a componentes da religiosidade, no entanto, o temor religioso
permeia as idéias do texto. A preocupação última de Tillich pode ser verificada
na intenção do poema.
c) tema religioso em estilo não religioso: expressa Deus e as estruturas pelas quais
ele cria a realidade, mas deve abster-se de sentimentalismos. É aquele tipo de arte
devota, diretamente religiosa, e que por isso mesmo precisa se prevenir para não
incorrer em um vazio discursivo, numa repetição que não produza nenhuma
aproximação com a preocupação última.
d) estilo religioso e tema religioso unidos: é considerado como arte genuinamente
religiosa pois trata temas religiosos com profundidade e expressão, motivado pela
substancia espiritual
84
. Assim, ele tem por excelência a capacidade de expressar o
conteúdo religioso, pois sua motivação é espiritual, a religião enquanto substância
84
Ver detalhes e exemplos CALVANI, Op. Cit. p. 94-104. Calvani baseia sua descrição
no texto de Tillich Existencialism Aspects of Modern Art, em: TILLICH, Paul. On Art and
Archtecture. New York, Crossroad, 1987.
da cultura se manifesta na expressão artística, enquanto preocupação preliminar
conduzindo à preocupação última.
Como já dissemos, Vinicius de Moraes foi um poeta em trânsito, percorrendo um
trajeto que vai do sublime ao cotidiano, da linguagem formal e de um
transcendentalismo, como ele mesmo denominou, para uma linguagem mais
simples e para uma aproximação com o mundo material e com a existência
concreta. Como conseqüência desse trânsito sua linguagem torna-se menos
subjetiva e mais descritiva.
No conjunto da obra viniciana deve-se levar em conta a possibilidade de mudança
de foco do poeta que busca primeiramente, como ponto de referência, o deus da
religião formal, denominada por ele mesmo como fase cristã, e que num momento
posterior deifica ou sacraliza outros referenciais, buscando-os na
concreticidade da vida para balizar-se. Assim a reflexão teológica pode ocupar-se
dessa mudança das figuras que assumem esse papel elevado na vida do poeta.
Entretanto, esta parte do trabalho deter-se-á, num primeiro momento em
correlacionar alguns poemas com temas judaico-cristãos encontrados na Bíblia.
Noutro momento, discorrerá sobre a reescritura e interpretação de textos bíblicos
que são claramente abordados por Vinicius em seus poemas, seguindo a
perspectiva na qual A dimensão religiosa de uma obra de arte, portanto, deve ser
buscada não no resultado final, mas no impulso originário que vem do
fundamento da cultura
85
.
85
CALVANI, op. Cit. p. 95.
3.1 Crítica poética às atrocidades cometidas pelo ser humano
Nesta parte procura-se traçar a correlação entre a crítica profética bíblica e como a
poesia faz a sua própria crítica frente às questões da guerra que causam sofrimento
e morte. O destaque aqui se dá para a perspectiva tillichiana do estilo não
religioso e tema não religioso, pois a bomba é uma arma e, enquanto arma, um
componente da guerra, temática muito debatida dentro das religiões, tanto a favor
como contra ela.
Um momento importante da história do último século foi a 2ª Guerra Mundial,
quando aliados enfrentaram o nazismo e o fascismo. Até nossos dias muitas
críticas nos meios acadêmicos e intelectuais sobre esse terrível momento da
humanidade. Tillich enfrentou esse momento em sua vida, fazendo veementes
críticas a Hitler, sendo perseguido, chegando a exilar-se nos Estados Unidos da
América para por continuar vivo. Chegou a escrever um texto refutando os
argumentos nazistas, como uma proclamação profética contra aquela situação
vivida no século passado.
Embora não tivesse um compromisso com qualquer ideologia religiosa, Vinicius
escreveu alguns poemas que fazem, à sua maneira, críticas à guerra, às mortes, ao
sofrimento que aconteceram ao redor deste triste evento realizado pelo ser
humano. Vejamos então seu poema A Bomba Atômica
86
:
e=mc2
86
MORAES, Vinicius, Antologia Poética. Rio de Janeiro, José Olimpio, 23ª ed. 1983, p.
146.
Einsten
Deusa, vis
ão dos céus que me domina
...tu que
é mulher e nada mais!
(Deusa, valsa carioca.)
I
Dos c
éus descendo
Meu Deus eu vejo
De p
ára-quedas?
Uma coisa branca
Como uma forma
De estatu
ária
Talvez a forma
Do homem primitivo
A costela branca!
Talvez um seio
Despregado
à lua
Talvez o anjo
Tutelar cadente
Talvez a V
ênus
Nua, de cl
âmide
Talvez a inversa
Branca pir
âmide
Do pensamento
Talvez o tro
ço
De uma coluna
Da eternidade
Apaixonado
N
ão sei indago
Dizem-me todos
É A BOMBA ATÔMICA
Vem-me uma ang
ústia
Quisera tanto
Por um momento
T
ê-la em meus braços
E coma ao vento
Descendo nua
Pelos espa
ços
Descendo branca
Branca e serena
Como um espasmo
Fria e corrupta
De longo s
êmen
Da Via-L
áctea
Deusa impoluta
O sexo abrupto
Cubo de prata
Mulher ao cubo
Caindo aos s
úcubos
Intemerata
Carne t
ão rija
De horm
ônios vivos
Exacerbada
Que o simples toque
Pode romp
ê-la
Em cada
átomo
Numa explos
ão
Milh
ões de vezes
Maior que a for
ça
Contida no ato
Ou que a energia
Que expulsa o feto
Na hora do parto.
II
A bomba at
ômica é triste
Coisa mais triste n
ão há
Quando cai, cai sem vontade
Vem caindo devagar
T
ão devagar vem caindo
Que d
á tempo a um passarinho
De pousar nela e voar...
Coitada da bomba at
ômica
Que n
ão gosta de matar!
Coitada da bomba at
ômica
Que n
ão gosta de matar
Mas que ao matar mata tudo
Animal e vegetal
Que mata a vida da terra
E mata a vida do ar
Mas que tamb
ém mata a guerra...
Bomba at
ômica que aterra!
Bomba at
ônita da paz!
Pomba tonta, bomba at
ômica
Tristeza, consola
ção
Flor pur
íssima do urânio
Desabrochada no ch
ão
Da cor p
álida do hélium
E odor de r
ádium fatal
L
œlia mineral carnívora
Radiosa rosa radical.
Nunca mais oh bomba at
ômica
Nunca em tempo algum, jamais
Seja preciso que mates
Onde houve morte demais:
Fique apenas tua imagem
Aterradora miragem
Sobre as grandes catedrais:
Guarda de uma nova era
Arcanjo insigne da paz!
III
Bomba atômica, eu te amo! és pequenina
E branca como a estrela vespertina
E por branca eu te amo, e por donzela
De dois milh
ões mais bélica e mais bela
Que a donzela de Orleans; eu te amo, deusa
Atroz, vis
ão dos céus que me domina
Da cabeleira loura de platina
E das formas aerodivinais
- Que
és mulher, que és mulher e nada mais!
Eu te amo, bomba at
ômica, que trazes
Numa dan
ça de fogo, envolta em gazes
A desagrega
ção tremenda que espedaça
A mat
éria em energias materiais!
Oh energia, eu te amo, igual
à massa
Pelo quadrado da velocidade
Da luz! alta e violenta potestade
Serena! Meu amor... desce do espa
ço
Vem dormir, vem dormir, no meu rega
ço
Para te proteger eu me encoura
ço
De can
ções e de estrofes magistrais!
Para te defender, levanto o bra
ço
Paro as radia
ções espaciais
Uno-me aos l
íderes e aos bardos, uno-me
Ao povo ao mar e ao c
éu brado o teu nome
Para te defender, mat
éria dura
Que
és mais linda, mais límpida e mais pura
Que a estrela matutina! Oh bomba at
ômica
Que emo
ção não me dá ver-te suspensa
Sobre a massa que vive e se condensa
Sob a luz! Anjo meu, fora preciso
Matar, com tua gra
ça e teu sorriso
Para vencer? Tua en
érgica poesia
Fora preciso, oh deslembrada e fria
Para a paz? Tua frag
ílima epiderme
Em crom
áticas brancas de cristais
Rompendo? Oh
átomo, oh neurônio, oh germe
Da uni
ão que liberta da miséria!
Oh vida palpitando na mat
éria
Oh energia que
és o que não eras
Quando o primeiro
átomo incriado
Fecundou o sil
êncio das Esferas:
Um olhar de perd
ão para o passado
Uma anuncia
ção de primaveras!
Nos comentaristas de Vinicius encontramos uma descrição interessante em Ildázio
Marques Tavares que ao descrever literariamente este poema, relaciona o fato de a
bomba cair do céu, como algo inumano, até divino, sobrenatural, ou trazendo para
a descrição racional, obra perfeita do engenho humano. Ele também interpreta que
o branco atribui uma certa pureza ao ...produto de séculos de evolução do
engenho humano
87
, e que o poema tenta aliviar a culpa da bomba quando diz
que:
A bomba personalizada, cai sem vontade, a contragosto,
devagar. Pode at
é servir de lírico pouso de passarinho,
elemento afetivo de contraste, lirismo em oposição à
destruição. A bomba merece pena. Ela não gosta de
matar. E na segunda estância reforça a inexorabilidade.
Quando mata
é arrasadoramente total
88
.
Tavares também atribui a Vinicius um tom de esperança em seu poema diante da
tragédia acontecida com o lançamento da bomba atômica. Ele diz que um:
Otimismo poético de quem não acredita da destruição do homem pelo homem
89
,
aludindo aos versos finais do poema: Um olhar de perdão para o passado. Uma
anunciação de primaveras!.
À sua própria maneira, Vinicius se expressa diante da situação ocorrida. Mesmo
sem nenhum compromisso teológico formal com instituições religiosas, o poeta
não concorda com a atrocidade praticada pelo homem. Isso em nada diminui o
valor da reflexão poética sobre a vida e aquilo que nela se passa. Muito pelo
contrário, suas reflexões peculiares, próprias da literatura, abrem um leque de
possibilidades para o diálogo com a teologia.
Nesse sentido sua crítica é vista, assim como se a de Paul Tillich chamada de
princípio protestante
90
, e em outro tempo a de Amós que, embora não fale de
87
TAVARES, Ildázio Marques. Vinicius de Moraes - Antologia crítica. Vol. V. Brasília:
INB/MEC, 1972, p. 226.
88
Ibidem.
89
Idem, p. 227.
90
TILLICH, Paul. A era protestante. São Paulo, Ciências da religião, 1992, pp. 181-199.
uma bomba atômica, descreve as armas e/ou as formas de fazer guerra e matar,
com as características próprias de sua época. O profeta, homem muito engajado
em sua época, com a perspectiva religiosa da fé e da vocação divina, não faz a
constatação do comportamento violento praticado pelo ser humano, tanto dos
estrangeiros
91
, quanto dos israelitas, que anuncia com vigor a vingança de Iahweh
contra todos os que praticam tais horrores
92
, que não são somente os atos de
guerra, mas são também a injustiça, o luxo, o falso culto a Deus e a falsa
segurança religiosa
93
.
Um outro poema de Vinicius nesta mesma linha temática da guerra é Balada dos
Mortos dos Campos de Concentração
94
, que passaremos a observar.
Cad
áveres de Nordhausen
Erla, Belsen e Buchenwald!
Ocos, fl
ácidos cadáveres
Como espantalhos, largados
Na sementeira espectral
Dos ermos campos est
éreis
De Buchenwald e Dachau.
Cad
áveres necrosados
Amontoados no ch
ão
Esqu
álidos enlaçados
Em beijos estupefatos
Como ascetas siderados
Em presen
ça da visão.
Cad
áveres putrefatos
Os magros bra
ços em cruz
Em vossas faces hediondas
H
á sorrisos de giocondas
91
Amós detalha no seu primeiro capítulo a maneira como a violência ocorreu: v. 3-5
Damasco arrasou de maneira violenta e cruel o território de Gileade; v. 6-8 os filisteus praticam
tráfico de escravos; v. 9-10 os fenícios de Tiro violaram o pacto que haviam estabelecido com
outra nação irmã; v. 11-12 Edom não teve compaixão nem ajudou a nação irmã quando esta
sofreu a invasão de uma potência; v. 13-15 para conquistar Gileade, Amon trucidou até mulheres
grávidas. Estrutura sugerida nas notas referentes ao primeiro capítulo desse livro na Bíblia Sagrada
Edição Pastoral, p. 1181.
92
Ver Amós 2,13-16; 3,11b; 5,2-3; 6,13-14.
93
Ver SICRE, José Luis. Profetismo em Israel. O Profeta. Os profetas. A mensagem.
Petrópolis: Vozes, 1996, p. 248-249. Ver também VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo
Testamento II. São Paulo: ASTE, 1974, p. 125-126.
94
MORAES, Vinicius, Antologia Poética. Rio de Janeiro, José Olimpio, 23ª ed. 1983, p.
124.
E em vossos corpos, a luz
Que da treva cria a aurora.
Cad
áveres fluorescentes
Desenraizados do p
ó
Grandes, g
óticos cadáveres!
Ah, doces mortos at
ônitos
Quebrados a torniquete
Vossas louras manicuras
Arrancaram-vos as unhas
No requinte da tortura
Da
última toalete...
A v
ós vos tiraram a casa
A v
ós vos tiraram o nome
Fostes marcados a brasa
E vos mataram de fome!
Vossas peles afrouxadas
Sobre os esqueletos d
ão-me
A impress
ão que éreis tambores -
Os instrumentos do Monstro -
Desfibrados a pancada:
Ó mortos de percussão!
Cad
áveres de Nordhausen
Erla, Belsen e Buchenwald!
V
ós sois o húmus da terra
De onde a
árvore do castigo
Dar
á madeira ao patíbulo
E de onde os frutos da paz
Tombar
ão no chão da guerra!
Este poema também está ligado àquilo que é criticado pelos profetas,
principalmente a trágica descrição da violência no primeiro capítulo de Amós.
Uma mórbida descrição de corpos cadáveres. Vinicius inicia seu poema citando os
lugares onde se cometiam as atrocidades. Amós por sua vez também o faz em seu
primeiro capítulo, como vimos anteriormente.
Na seqüência, Vinicius passa a descrever, em alguns momentos com metáforas
Em beijos estupefatos / Como ascetas siderados, em outros de forma crua Os
magros braços em cruz / Em vossas faces hediondas, o resultado da violência
sofrida por aquelas pessoas, e o estado no qual ficaram aqueles que foram
agredidos. Descreve, na próxima parte, como foram agredidas: as pessoas foram
quebradas a torniquete, tiveram as unhas arrancadas, delas tiraram a casa e o
nome, marcaram os corpos à brasa e mataram de fome. E na parte final o poeta
altera o tom no qual vem desenvolvendo o poema. Em lugar de falar dos mortos,
passa a dirigir-se a eles, mas demonstrando uma perspectiva pessimista ao dizer
que Vós sois o húmus da terra / De onde a árvore do castigo / Dará madeira ao
patíbulo / E de onde os frutos da paz / Tombarão no chão da guerra!
3.2 Reescrituras: recontando as histórias do cristianismo
3.2.1 Uma crítica social na reescritura poética de temas bíblicos
Aqui pretende-se mostrar como a poesia reage frente às situações de seu tempo,
aludindo aos textos bíblicos, reescrevendo-os. Estilo religioso e tema não religioso
estão unidos na poesia viniciana.
O primeiro poema a ser observado aqui é Operário Em Construção
95
.
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os
reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem
quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8
96
.
1.
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
95
O poema obedece à diagramação original. Entretanto, ele foi subdivido e numerado, no
intuito de facilitar a associação entre os comentários que o seguem e cada um desses blocos. Para
tal subdivisão tentou-se observar o critério de coerência do conteúdo dos versos do poema.
MORAES, Vinicius, Antologia Poética. Rio de Janeiro, José Olimpio, 23ª ed. 1983, p. 205.
96
A localização correta deste trecho citado aqui é Lucas, cap. IV, vs. 5-8.
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
2.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
3.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
4.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
5.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
Exercer a profissão
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
6.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
7.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
"Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
8.
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
9.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
10.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
11.
Loucura! gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
Mentira! disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
Através de uma imagem bíblica e elaborando a partir dela uma metáfora, o poeta
descreve a situação contemporânea de alguém que é tentado a abandonar sua
autonomia de pensamento bem como sua consciência crítica adquirida. Tavares
comenta este poema nos seguintes termos:
Antes que tudo o achado do enquadramento bíblico, que
lhe impõe uma dimensão quase atemporal, e contribui
para os efeitos emblemáticos e ampliação do situacional
intrínseco do poema. O operário sempre no singular,
porém corporificando toda uma classe. E o patrão
colocado
à vezo do demônio, quando o autor glosa a
passagem bíblica que serve de epígrafe ao poema. No
fundo, o poema se desfigura como intrínseca exposição
de um passo da luta de classes e adquire a feição lógica
da luta do bem contra o mal.
97
Em linhas gerais o poema trata da exploração patronal sobre o operariado. Vinicius inicia
este poema descrevendo o trabalho do operário e o objetivo que ele deveria alcançar,
através de inversões como templo sem religião, a casa da liberdade sendo escravidão
(bloco 1).
Na seq
üência, trata da dificuldade do operário de compreender a maneira como o sistema
valoriza as coisas, e a disparidade causada por ele. O operário trabalha erguendo
edifícios, e a menção que o poeta faz do suor derramado por ele mostra a intensa
participação dele na construção que levantava. Entretanto, parece que não
reconhecimento ao trabalho por ele desenvolvido (bloco 2).
97
TAVARES, Op. Cit. p. 246.
Diante desse quadro o operário passa por uma experiência que modifica sua maneira de
entender a vida. Há uma tomada de consciência por parte dele, ao perceber que não é
apenas ele quem constrói, mas também é construído pela sua construção, Que o operário
faz a coisa / E a coisa faz o operário. Assim, operário não somente constrói um edifício,
como também constrói seu próprio caráter ao Exercer a profissão. (bloco 3).
O poema segue e o oper
ário passa a valorizar as coisas de modo diferente da maneira
como o sistema valor a elas. Isso é percebido quando vemos o personagem do poema
considerando que não havia coisa mais bela que sua Rude mão de operário / De operário
em construção.
Percebe-se aqui um crescimento no oper
ário que culmina quando ele atinge o que
Vinicius chama de A dimensão da poesia (bloco 5). Esta mesma dimensão que passa a
inspirar a vida do operário é por ele compartilhada com os seus companheiros de ofício.
Ela também o levou a um desenvolvimento do estágio de sua consciência que passa a ser
mais crítica e a atentar para coisas que passavam despercebidas por ele. Isso pode ser
percebido pela exploração exercida pelo patrão sobre o operário (bloco 6).
Tendo tomado consci
ência dessa exploração que sofria, o operário passa a se opor a ela
fortemente e se mantém dizendo não às vontades do patrão. Isso traz sobre ele repressão
por parte do patrão. Esta repressão começa com o convite para mudar de opinião. O
patrão deseja que ele seja convencido a mudar de opinião e autoriza o uso da violência
para que esse objetivo seja atingido, mas o operário diz: não. E por fim a repressão
disfarçada numa tentativa de dobrar o operário a mudar de opinião, comprando-o com a
dádiva do poder que o patrão possuía (bloco 7-9).
Com sua postura, o oper
ário enfrenta as mais diversas instâncias de tentativas de
manipulação no sentido de manter-se sob domínio do patrão superando todas elas. Esta
vitória do operário frente às tentações de subserviência alude diretamente ao que
aconteceu com Jesus na cena narrada por Lucas, pois Jesus também superou todas as
tentações que se lhe colocaram. Vinicius afirma que por meio de tal postura o operário
em construção faz-se construído (bloco 10). E não somente isso, mas também a resolução
do operário tem uma repercussão coletiva. Sua oposição ao sistema do patrão
esperanças aos seus irmãos a também se libertarem da repressão do patrão (bloco 11).
Veremos agora o poema
Pátria Minha
98
:
A minha p
átria é como se não fosse, é íntima
Do
çura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha p
átria.
Se me perguntarem o que
é a minha pátria direi:
N
ão sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha p
átria
Mas sei que a minha p
átria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha m
ágoa
Em longas l
ágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha p
átria
De nin
á-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) t
ão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias p
átria minha
T
ão pobrinha!
Porque te amo tanto, p
átria minha, eu que não tenho
P
átria, eu semente que nasci do vento
Eu que n
ão vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De liga
ção entre a ação o pensamento
Eu fio invis
ível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma f
é
Sem dogma; tenho-te em tudo em que n
ão me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem p
é-direito.
98
MORAES, Vinicius, Antologia Poética. Rio de Janeiro, José Olimpio, 23ª ed. 1983, p.
167.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte at
é o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, p
átria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperan
ça acorrentada
O n
ão poder dizer-te: aguarda...
N
ão tardo!
Quero rever-te, p
átria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
P
átria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
L
ábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha p
átria é terra sedenta
E praia branca; a minha p
átria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha p
átria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que ser
ás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
P
átria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, p
átria minha
Atento
à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu cora
ção.
N
ão te direi o nome, pátria minha
Teu nome
é pátria amada, é patriazinha
N
ão rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que
és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que pe
ça ao rouxinol do dia
Que pe
ça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"P
átria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."
Este poema também se classifica como tema o religioso em estilo religioso. Ele
apresenta certa correspondência com parte do Salmo 137 por causa da temática do
exílio, da saudade, do desejo de retorno da terra natal. Entretanto, é preciso
menciona aqui que as situações vivenciadas pelo poeta e pelos israelitas não era a
mesma.
Sabe-se que uma parte do o povo de Israel, principalmente as elites de Jerusalém,
eram exilados na Babilônia e ali passavam por tristeza e sofrimento muito grandes
gerados pela destruição da cidade santa, pela deportação, pelo trabalho forçado,
etc. Sua expressão poética não é apenas um lamento pela distância, mas o anelo
pelo retorno e pela reconstrução
99
.
Já Vinicius não é exilado político. É diplomata do governo brasileiro no exterior,
mas essa distância da terra natal não o agrada. Por diversas vezes, enquanto
trabalhava ou estudava fora do país desejou regressar.
Com relação ao poema, um dado curioso nas linhas finais quando ele faz
alusão ao poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Este faz a comparação da
beleza de sua terra em relação à terra estrangeira onde se encontrava, através da
imagem do canto dos pássaros. Vinicius atribui às aves a função do pombo
99
Conforme GUTIÉRREZ, Jorge L.R. Cativeiro e Poesia. Anotações sobre o Salmo 137.
Estudos Bíblicos. São Leopoldo/ Petrópolis, 43, p. 30-38, 1994. Ver também, SCHWANTES,
Milton. Projetos de Esperança. Meditações sobre nesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 2002. Neste
texto Schwantes dá detalhes do contexto do exílio onde surge não só salmos de lamento como o
citado no trabalho, mas também o mito das origens, como revolta contra a opressão babilônica.
Este tema será contemplado quando se observar o poema O dia da criação.
correio, para que levem à sua pátria o recado: Pátria minha, saudades de quem te
ama... Vinicius de Moraes.
3.2.2 Reescrituras poéticas de textos bíblicos
Nesta parte do trabalho procura-se refletir sobre a reescritura de temas religiosos,
enquanto reinterpretação poética de elementos constitutivos de uma expressão
religiosa. Este é o momento em que se analisa como a poesia interpreta e
reelabora temas religiosos tradicionais. Trabalhamos então com a categoria de
estilo religioso e tema religioso.
Aqui se perceberá claramente que o tema aparece de maneira explícita, embora
não se possa dizer que Vinicius se preocupa com os dogmas referentes a estes
temas, que talvez possa proporcionar um diálogo mais claro.
Vejamos então as poesias a seguir. A primeira delas que é apresentada para a
análise é Três respostas em face de Deus
100
. Temos aqui uma idéia de conversa
direta com Deus, como que numa oração. Vejamos:
Familles, je vous hais! foyers clos;
portes refermées; possessions jalouses du bonheur.
A. Gide
C'est l'ami ni ardent ni faible. L'ami.
Rimbaud
ô Femme, monceau d'entrailles, pitié douce
100
In: MORAES, Vinicius, Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004,
4ª Ed., p. 232.
Tu n'est jamais la soeur de charité, jamais!
Rimbaud
101
Sim, v
ós sois (eu deveria ajoelhar dizendo os vossos nomes!)
E sem vós quem se mataria no presságio de alguma madrugada?
À vossa mesa irei murchando para que o vosso vinho vá bebendo
De minha poesia farei música para que não mais vos firam os seus acentos dolorosos
Livres as mãos e serei Tântalo - mas o suplício da sede vós o vereis apenas nos meus
[olhos
Que adormeceram nas visões das auroras geladas onde o sol de sangue não caminha
E v
ós!... (Oh, o fervor de dizer os vossos nomes angustiados!)
Deixai correr o vosso sangue eterno sobre as minhas lágrimas de ouro!
Vós sois o espírito, a alma, a inteligência das coisas criadas
E a vós eu não rirei - rir é atormentar a tragédia interior que ama o silêncio
Convosco e contra vós eu vagarei em todos os desertos
E a mesma
águia se alimentará das nossas entranhas tormentosas.
E v
ós, serenos anjos... (eu deveria morrer dizendo os vossos nomes!)
Vós cujos pequenos seios se iluminavam misteriosamente à minha presença silenciosa!
Vossa lembrança é como a vida que não abandona o espírito no sono
Vós fostes para mim o grande encontro
E v
ós também, ó árvores de desejo! Vós, a jetatura de Deus enlouquecido
Vós sereis o demônio em todas as idades.
Embora parece ser uma oração, não é daqueles cristãos mais fiéis. Parece que o
poeta está triste, desgostoso ao ir à igreja, diz à vossa mesa vou murchando...
para aludir à Eucaristia. Menciona a morte de Jesus com desdém ao dizer Deixai
correr o vosso sangue eterno sobre as minhas lágrimas de ouro!. Seu desgosto e
tristeza se refletem na maneira como ele termina o poema dizendo de Deus
enlouquecido se tornando em demônio.
Outro poema com alusão direta a temas cristãos é O dia da Criação
102
onde
Vinicius apresenta afirmações categóricas e tradicionais da fé, mas também faz
uma crítica da criação do homem. Vejamos:
101
Segue uma tradução livre do francês: Famílias eu vos odeio! Lares fechados; portas
trancadas; possessões ciumentas da felicidade. A. Gide. / O amigo o é nem ardente nem fraco.
(É) O amigo. Rimbaud. / ... ó Mulher, pedaço de entranhas, piedade doce (doce piedade) Tu não
és nunca a irmã de caridade, jamais! Rimbaud.
I
Hoje
é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas como o mar
Em bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.
Hoje
é sábado, amanhã é domingo
N
ão há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por vias das d
úvidas livrai-nos meu Deus de todo o mal.
Hoje
é sábado, amanhã é domingo
Amanh
ã não gosta de ver ninguém bem
Hoje
é que é o dia do presente
O dia
é sábado.
Imposs
ível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares est
ão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos est
ão funcionando regularmente
Todas as mulheres est
ão atentas
Porque hoje
é sábado.
II
Neste momento h
á um casamento
Porque hoje
é sábado
H
á um divórcio e um violamento
Porque hoje
é sábado
H
á um homem rico que se mata
Porque hoje
é sábado
H
á um incesto e uma regata
Porque hoje
é sábado
H
á um espetáculo de gala
Porque hoje
é sábado
H
á uma mulher que apanha e cala
Porque hoje
é sábado
H
á um renovar-se de esperanças
Porque hoje
é sábado
H
á uma profunda discordância
Porque hoje
é sábado
H
á um sedutor que tomba morto
Porque hoje
é sábado
H
á um grande espírito de porco
Porque hoje
é sábado
H
á uma mulher que vira homem
Porque hoje
é sábado
H
á criancinhas que não comem
Porque hoje
é sábado
H
á um piquenique de políticos
Porque hoje
é sábado
H
á um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje
é sábado
102
MORAES, Vinicius, Antologia Poética. Rio de Janeiro, José Olimpio, 23ª ed. 1983, p. 121.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje
é sábado
H
á uma tensão inusitada
Porque hoje
é sábado
H
á adolescências seminuas
Porque hoje
é sábado
H
á um vampiro pelas ruas
Porque hoje
é sábado
H
á um grande aumento no consumo
Porque hoje
é sábado
H
á um noivo louco de ciúmes
Porque hoje
é sábado
H
á um gardem-party na cadeia
Porque hoje
é sábado
H
á uma impassível lua cheia
Porque hoje
é sábado
H
á damas de todas as classes
Porque hoje
é sábado
H
á umas difíceis outras fáceis
Porque hoje
é sábado
H
á um beber e um dar sem conta
Porque hoje
é sábado
H
á uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje
é sábado
H
á um padre passeando à paisana
Porque hoje
é sábado
H
á um frenesi de dar banana
Porque hoje
é sábado
H
á a sensação angustiante
Porque hoje
é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje
é sábado
H
á a comemoração fantástica
Porque hoje
é sábado
Da primeira cirurgia pl
ástica
Porque hoje
é sábado
E dando os tr
âmites por findos
Porque hoje
é sábado
H
á a perspectiva de domingo
Porque hoje
é sábado
III
Por todas essas raz
ões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da
[Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade o homem n
ão era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres com as plantas, imovelmente e
[nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente n
ão existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível
[na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da esfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, nem serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa
[de sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior dos instintos dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem
à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto
é, muito provavelmente
Porque era s
ábado.
Este poema tem uma correspondência direta com o poema
103
de Gênesis 1:1 a
2:4a onde se baseia a doutrina cristã da criação, ou o chamado criacionismo.
Nosso poeta, entretanto, trata do tema com ironia nos lembrando as reflexões
sapienciais que encontramos no livro de Eclesiastes.
Sua estrutura está divida em três partes. A primeira composta de quatro estrofes
apresentando algumas afirmações da tradicional, mesclada de descrições do
cotidiano. A segunda parte apresenta 34 versos seguidos do refrão Porque hoje é
sábado. A cada dois versos encontramos uma rima que fecha um pequeno bloco
temático dentro da estrutura maior. Exemplo:
Neste momento um casamento/
Porque hoje é sábado/ um divórcio e um violamento/ Porque hoje é sábado. Parece-
nos que o único bloco que não contempla uma rima para fechar um tema é este: um
piquenique de políticos/ Porque hoje é sábado/ Há um grande acréscimo de sífilis/ Porque
hoje é sábado. Provavelmente uma crítica aos políticos de sua época. Vale também
lembrar a s
imilaridade, em termos da forma deste trecho do poema, com a estrutura
103
SCHWANTES, Op. Cit. p. 31.
do Salmo 136, que possui 26 enunciados dos feitos de Yahweh seguidos da
afirmação porque a sua misericórdia dura para sempre.
As afirmações contidas na segunda parte do poema dão subsídios para a terceira
parte onde é desenvolvida a crítica da criação do ser humano. Esse debate o é
original do poeta. Entre as escolas rabínicas próximas aos dias de Jesus se
discutia se seria melhor se o ser humano não tivesse sido criado. Luise Schotroff
comenta o problema da má administração humana do ecossistema dizendo que:
O que a sociedade industrial leu neste texto [Gênesis
1:26-28] está perfeitamente claro: o conceito de
conquista e de opressão da criação e da humanidade.
Animais e nações estrangeiras tornam-se presas quando
surge o senhor capitalista. Todos os recursos naturais, a
terra, os animais e os seres humanos s
ão objetos desse
assim chamado empreendimento econ
ômico e desses
ataques vorazes
104
.
A terceira e
última parte do poema traz a crítica da criação do homem através das
imagens que representam a dificuldade de viver e aquilo que causa sofrimento ao ser
humano, seguido de uma atribuição de culpa a Deus que criou o homem.
Este poema,
O Filho do Homem
105
, é uma descrição lírica própria do poeta, sem se prestar
muito à fidelidade com os textos que narram o nascimento de Jesus.
104
SCHOTROFF, Louise. A narrativa da Criação: Gênesis 1,1-2,4a. In: BRENNER,
Athalya (org.). nesis a partir de uma leitura de gênero. São Paulo: Paulinas, 2000, p.32.
105
MORAES, Vinicius, Antologia Poética. Rio de Janeiro, José Olimpio, 23ª ed. 1983, p.
178.
O mundo parou
A estrela morreu
No fundo da treva
O infante nasceu.
Nasceu num est
ábulo
Pequeno e singelo
Com boi e charrua
Com foice e martelo.
Ao lado do infante
O homem e a mulher
Uma tal Maria
Um Jos
é qualquer.
A noite o fez negro
Fogo o avermelhou
A aurora nascente
Todo o amarelou.
O dia o fez branco
Branco como a luz
À falta de um nome
Chamou-se Jesus.
Jesus pequenino
Filho natural
Ergue-te, menino
É triste o Natal.
A descrição do poema parece não atribuir o mesmo valor que os textos blicos
atribuem aos personagens do evento. Nas duas primeiras estrofes nada de
diferente, mas na terceira se percebe a desmistificação das imagens que existem
em torno das personagens, dentro da compreensão religiosa: uma tal para
referir-se à virgem Maria, pessoa importante no nascimento de Jesus como serva
de Deus, sendo até mesmo santificada pela igreja. Outra situação ocorre quando o
poeta menciona um José qualquer, maneira usada para tratar o homem que
ajudou Maria a cumprir a incumbência recebida de Deus, segundo a tradição
cristã.
Na seqüência temos um aparente retorno à normalidade quando vemos a
descrição de como a feição do menino muda conforme mudam as cores do
ambiente. Mas isso não dura muito. Ao final da quinta estrofe vemos o poeta
desdenhar a personagem principal da história ao dizer que à falta de um nome
chamou-se Jesus. Esse enunciado é tremendamente conflitante com a perspectiva
cristã que tremenda importância ao nome dentro do messianismo judaico, e
que foi dado a ele intencionalmente, já que significa que ele era considerado o
salvador de seu povo
106
.
O poema termina com a desmistificação da divindade de Jesus ao chamar-lhe
filho natural, levantando uma crítica à doutrina segundo a qual Jesus não seria
uma criança comum, seria sim o menino-deus. E termina dizendo é triste o
natal.
106
Ver Evangelho de Mateus capítulo 1:21. Jesus (hebraico Yehoshúa) significa
Yahweh salva. Nota da Bíblia de Jerusalém p. 1838, nota i.
CONCLUSÃO
Nesta conclusão queremos sinalizar a proporção da tarefa empreendida e
reconhecer a incapacidade de realizar uma análise exaustiva da obra de Vinícius.
Estes enunciados em nenhum momento têm a pretensão de serem definitivos. Ao
contrário, estas notas finais têm o objetivo de pontuar aspectos percebidos nesta
pesquisa e de proporcionar pontos de contato para outros diálogos futuros.
Ao sair de seu claustro, a teologia tem visitado diversos pontos de referência da
cultura para desenvolver seu discurso. Entre eles destacam-se a política, as
ciências, a filosofia, as artes, e os movimentos sociais e científicos. Estes
componentes culturais refletem, de um lado, sobre a alegria e a beleza da vida, e
de outro sobre as tristezas, as lutas, os desencontros e contradições da vida.
Esta pesquisa, em sua tarefa de observação, dedicou-se ao campo das artes, mais
especificamente a arte literária nos poemas vinicianos, pois esta tem a capacidade
de demonstrar sua compreensão própria da vida, da alegria, da beleza, sem
esquecer que também fazem parte da vida a tristeza, a angústia, as lutas, a solidão
e outras situações da vida às quais o poeta não se omite em comentar por meio de
seus poemas.
Assim sendo, a teologia da cultura permanece um instrumento de análise
importante para o momento contemporâneo. Ela nos permite encontrar nas
expressões culturais argumentos de cunho religioso, explícitos ou implícitos, que
dificilmente seriam desenvolvidos em outras instâncias, onde a reflexão ainda es
vinculada a dogmas institucionais.
Nos poemas de Vinicius podemos encontrar críticas sociais repudiando as guerras
e todo tipo de violência, assim como o fizeram teólogos comprometidos com a
justiça. O poeta as desenvolveu de maneira peculiar, ou seja, pela poesia, porém,
sem que houvesse em sua perspectiva um compromisso religioso declarado com
instituições religiosas.
Portanto, este trabalho constituiu-se num exercício do diálogo entre teologia e
literatura e foi subdividido em três capítulos que, ao apresentar o seu conteúdo,
seguiram uma seqüência com a finalidade de configurar-se como um caminho
para o diálogo.
O primeiro trecho deste caminho é o da discussão teológica. Ela constitui no
nosso primeiro ponto de referência no diálogo aqui pretendido. Neste momento do
trabalho contribuíram para que se alcance tal diálogo os métodos da correlação
de Paul Tillich e o de correspondência de Antonio Magalhães.
O método de correlação de Paul Tillich constitui-se na sua maneira de fazer
teologia, especificamente a teologia da cultura. É importante ressaltar que nosso
teólogo ao elaborar seu pensamento leva em alta consideração a cultura como um
lugar privilegiado onde se podem observar questões relativas às expressões
religiosas. Por isso, ele detém sua observação focada nas artes, na política, nas
ciências, entre outros campos da cultura, como lugar onde se pode perceber a
substância da religião em suas formas.
Neste labor teológico que se propõe ao diálogo, Tillich desenvolveu conceitos
importantes e dentre eles demos destaque a estes mencionados aqui:
O primeiro deles é Ultimate Concern traduzido para o português como
preocupação última, e transmite a idéia de algo que nos preocupa de forma
incondicional. Ele normalmente usa este termo para referir-se tanto a Deus quanto
à religião.
O segundo é preocupação preliminar, que para Tillich torna-se a
mediação pela qual a preocupação última pode ser efetivamente vivenciada.
Assim, Tillich pretendeu desenvolver um relacionamento entre o conteúdo
teológico e a existência concreta. Isto é, na situação concreta da existência
humana ele observa uma obra de arte ou um movimento social, por exemplo,
sendo que, para ele, estes se constituem em preocupações preliminares, através
das quais existe a possibilidade de experimentar o último, o incondicional. Isso se
dá porque para ele a preocupação última permeia a vida e a existência por
completo e não apenas um aspecto dela ou um grupo que lhe dedica maior
atenção.
Partindo dessas afirmações de Tillich podemos dizer que a poesia de Vinicius de
Moraes também é permeada pela substância religiosa assim como o são, outros
aspectos da cultura.
Embora ele tenha proposto o diálogo com a cultura, privilegiou na elaboração de
sua reflexão teológica, dentro do campo das artes, a arquitetura e as artes
plásticas, deixando lacunas como a do campo da literatura. Assim, fez-se
necessário buscar um outro ponto de apoio que nos permitisse ampliar o diálogo
com a literatura.
E é neste ponto que o método de correspondência de Antonio Magalhães entrou
no diálogo proporcionando elementos para tal ampliação.
Em seu texto Deus no espelho das palavras, este teólogo contemporâneo nos
apresenta elementos que permitem e sustentam o diálogo ao levantar, por
exemplo, a importância do valor simbólico característico tanto da linguagem
religiosa quanto da linguagem poética. Ele também coloca a capacidade que a
literatura tem de transmitir conteúdo religioso de maneira própria, sendo esta
diferente da maneira como os textos religiosos se expressam em relação à religião.
No método de correspondência destacam-se os seguintes elementos:
A associação entre os textos tidos por compreensão da e outros da
literatura mundial.
O caráter dialógico a teologia não entra na relação de forma suprema e
preserva-se a alteridade do texto.
Enquanto método tem a capacidade de relacionar cristianismo e religiões
não cristãs, dogma e mito, religião oficial e religião popular.
O método configura uma abertura dentro do universo teológico, sobretudo
os aspectos que incitam a possibilidade dialógica.
Tem-se então, neste primeiro trecho do caminho elementos que darão subsídios
teológicos para nosso diálogo com a poesia viniciana. Partimos então para o
segundo trecho do nosso caminho.
Na segunda parte do trabalho procurou-se levantar elementos literários a respeito
de Vinicius de Moraes e sua poesia a fim de compor o segundo elemento para o
nosso diálogo com a teologia.
Vinicius de Moraes foi bacharel em letras e direito, embora não tenha exercido
esta última profissão. Exerceu sim o ofício diplomático pelo Itamarati durante
vários anos de sua vida. Entretanto, era na poesia que tinha grande apego
considerando-a vital para ele.
Há diversas interpretações sobre sua poesia, mas destacou-se aqui, a interpretação
de Carlos Felipe Moisés e Guaraciaba Micheletti que o consideram como um
caminhante percorrendo um percurso poético que vai do sublime ao cotidiano.
Este é um levantamento importante, pois leva em conta a interpretação do poeta
sobre seus textos ao dizer que sua obra poética se divide em duas fases.
A primeira fase caracterizada pela busca pelo sublime é assim considerada tanto
por Vinicius, quanto pelos seus críticos, por causa da linguagem apresentada nos
poemas, que traz termos comumente visto tanto em discursos como em práticas
religiosas. Além do fator da linguagem, também a temática religiosa
caracterizando esta fase na forma da angústia, da precariedade da existência, a
consciência de culpa, o desejo de autopunição, a oposição entre o material e o
espiritual.
A segunda fase que temo como foco principal o cotidiano é caracterizada pela
mudança na linguagem pela qual Vinicius se expressa. Ele abandona os termos
formais da religião que costuma utilizar, e também muda sua referência, ou como
se costuma dizer, sua fonte de inspiração. O poeta passa agora a olhar ao seu redor
e a descrever, com lirismo e beleza aquilo que contempla.
Embora a poesia viniciana esteja subdividida nestas fases é preciso lembrar que
esta transição não ocorre de uma hora para outra, mas configura-se como um
processo gradativo. Também se deve ter em mente que as fases distintas o são
opostas entre si, mas complementam-se compondo um conjunto poético. Isto é, o
que é enfatizado na primeira fase aparece na segunda fase sem muita expressão e
o mesmo se repete em relação à segunda fase.
Aqui se contemplam os aspectos literários que compõem um outro trecho do
nosso caminho para o diálogo. Vamos então ao terceiro trecho do nosso caminho.
A terceira parte deste caminho procurou juntar os elementos componentes dos
outros dois trechos no intuito de realizar o diálogo. Assim, tentou-se aqui
correlacionar alguns temas judaico-cristãos encontrados na Bíblia com alguns
poemas de Vinicius. Neste ponto também se levantou a possibilidade da
reescritura e interpretação de temas e textos bíblicos observados pelo poeta.
Assim o diálogo surgiu, neste trabalho, pela correspondência entre a crítica
profética sobre a violência da guerra e a crítica poética também sobre esse tema,
pela crítica social contra a opressão e a dominação ideológica e política, pela
discussão dos temas que envolvem o afastamento da casa ou do lar causado pelo
exílio, e na reinterpretação da realidade mediante abordagem feita em poemas que
trabalha baseados em textos bíblicos.
Chegamos ao final de mais um trecho do nosso caminho. Entretanto, isso não
significa que nossa caminhada no diálogo teológico e poético tenha terminado.
Ainda há outros trechos e caminhos a percorrer, como por exemplo, o processo de
divinização da mulher empreendido por Vinicius, transformando-a num ser
superior, como se o sublime devesse ser procurado dentro do cotidiano e não
fora dele. Certamente estas notas são apenas vestígios de uma leitura teológica
dos textos de Vinicius.
Resta, então, continuar caminhando, pois como diria Vinicius, Ando onde
espaço: - Meu tempo é quando.
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