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PATRÍCIA RANGEL MOREIRA BEZERRA
O Futebol Midiático:
Uma reflexão crítica sobre o jornalismo esportivo nos
meios eletrônicos
Faculdade Cásper Líbero
Mestrado em Comunicação
São Paulo – 2008
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PATRÍCIA RANGEL MOREIRA BEZERRA
O Futebol Midiático:
Uma reflexão crítica sobre o jornalismo esportivo nos meios
eletrônicos
Dissertação apresentada como pré-
requisito para a obtenção do título de
Mestre em Comunicação na
Contemporaneidade, da linha de
pesquisa Produtos Midiáticos:
Jornalismo e Entretenimento, à
Comissão Julgadora da Faculdade de
Comunicação Social Cásper Líbero,
sob a orientação do Prof. Dr. Laan
Mendes de Barros.
Faculdade Cásper Líbero
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
______________________________________
Prof. Dr. Waldenyr Caldas
______________________________________
Prof. Dr. Laurindo Lalo Leal Filho
______________________________________
Prof. Dr. Cláudio Novaes Pinto Coelho
Dedicatória
Dedico esta pesquisa aos meus pais Marco Antonio e
Conceição pela assistência e confiança, a minha avó Dila por
apoio pela qual não seria possível finalizar o curso, aos meus
dois filhos amados, Luiggi e Giulie, razões do meu viver e ao
meu companheiro Fabrício Morales, pelo incentivo
incondicional. E tamm a todos meus colegas de profissão
que tem no esporte sua grande paixão.
AGRADECIMENTOS
A Deus sempre.
Ao meu orientador Prof. Dr. Laan Mendes de Barros pela maneira competente e
amiga com que me ajudou desde o início do curso.
Em especial ao Prof. Dr. Cláudio Novaes Pinto Coelho, que aos 48 do segundo
tempo, realizou orientações com firmeza, empolgação e muito estímulo, e fez o
meu caminho ficar muito mais suave para a finalização do curso.
Aos professores do curso de mestrado da Cásper Líbero.
Aos funcionários da faculdade Cásper Líbero, em especial aos da secretaria de
pós-graduação: Gislene Tedesco, Marinalva Maria da Glória, Jairo Bissolato e
Daniel de Souza Brito.
Aos meus alunos queridos que colaboraram nas pesquisas desta dissertação:
Alberto Uribe, Alexandre Velasco, Núbia, Mattos e Rosanna Raniero.
A todos que responderam minhas pesquisas.
RESUMO
O jornalismo esportivo é uma das especialidades jornalísticas mais
importantes e procuradas desta atividade. Podemos constatar isso através dos
próprios meios de comunicação, já que o esporte tem ocupado, mundialmente,
uma posição de destaque com enormes espaços destinados a este segmento
principalmente com o futebol.
Este estudo se insere no debate da produção midiática contemporânea e as
relações entre jornalismo e entretenimento. Mais especificamente, faz uma análise
crítica ao jornalismo esportivo contemporâneo praticado nos meios eletrônicos.
Investiga a condição do profissional que atua nesta área e como ele se comporta
no meio da indústria do esporte. Para isso, procuramos mostrar a evolução do
futebol no Brasil, como este faz parte da cultura do povo deste país e a
importância da mídia neste papel.
Traçamos tamm a evolução do jornalismo esportivo desde a chegada do
futebol no Brasil, passando pelo rádio, chegando à televisão e demonstrando o
quanto a mídia é responsável pela transformação do futebol como mercadoria de
consumo.
O estudo considera o jornalismo esportivo um produto da Indústria cultural e
da sociedade do espetáculo, essa idéia é reforçada pela constante fusão da
notícia com a publicidade e merchandising. Jornalistas transformam-se em artistas
para fins de audiência e consumo, utilizando artifícios e rituais característicos da
produção de espetáculos.
Quanto ao referencial teórico, o trabalho se apóia na crítica de Theodor
Adorno e Max Horkheimer a indústria cultural, e nos pressupostos de Guy Debord
sobre a sociedade do espetáculo.
Palavras-chave: indústria cultural; jornalismo; jornalismo esportivo; sociedade do
espetáculo.
ABSTRACT
The sporting journalism is one of the most important and demanded
journalistic specialties in this activity. We are able to establish through its own
means of communication, given that the sport has occupied, worldwide, a
remarkable position with enormous seats destined mainly to this segment with
soccer.
This study is introduced in the debate of the contemporary media production
and the relations between journalism and entertainment. More specifically, there is
a critical analysis to the contemporary sporting journalism practiced in the
electronic means. It inquires the professional condition that acts in this field and as
its behavior in the environment of the sport industry. For that, we looked forward to
showing the soccer evolution in Brazil, as this is part of the people’s culture in this
country and the importance of the media in this matter.
We also illustrate the sporting journalism evolution since soccer arrived in
Brazil, going through the radio, landing to the television and showing how the
media is responsible for the soccer transformation as consumption merchandise.
The study considers the sporting journalism as a product of the cultural Industry
and the the society of the spectacle, this idea is reinforced by the constant fusion of
the news with publicity and merchandising. Journalists transform themselves in
artists aiming the audience and consumption, utilizing devices and characteristic
rituals of the spectacle productions.
In regards of the theoretic referential, the business is supported by the critics
of Theodor Adorno and Max Horkheimer evoking the concept of cultural industry,
and acknowledged by Guy Debord about the society of the spectacle.
Keywords: cultural industry, journalism; sporting journalism; society of the
spectacle.
Epígrafe
“Entre a vitória real e a moral há
margem para todos os argumentos”.
Carlos Drummond de Andrade
INTRODUÇÃO....................................................................................11
CAPÍTULO I – FUTEBOL: PRODUTO MIDIÁTICO
1.1 O Futebol está no DNA: As Origens desta Paixão Brasileira............... 16
1.2 O Futebol como Fenômeno Social e Cultural...................................... 22
1.3 A Fase de Transição e a Imprensa.......................................................30
1.4 Jornais e Revistas: As Primeiras Notícias sobre Futebol ................... 34
1.5 Os Primórdios do Rádio Esportivo ...................................................... 38
1.5.1 Os Speakers e o estilo Ari Barroso ........................................ 44
CAPÍTULO II – UM ESPETÁCULO CHAMADO JORNALISMO
ESPORTIVO
2.1 Indústria Cultural ................................................................................. 51
2.2 As Primeiras estrelas do Rádio Esportivo............................................. 56
2.3 A Sociedade do Espetáculo ................................................................ 64
2.4 O Esporte como Espetáculo e Cultura de Massa..................................68
CAPÍTULO III – JORNALISMO ESPORTIVO CONTEMPORÂNEO
3.1 TV: A Revolução da Poltrona.................................................................75
3.2 Notícia como produto e Espetáculo...................................................... 80
3.3 A Linguagem do Esporte – A Narração jornalística e Esportiva............84
3.4 O Jornalismo Esportivo como Atividade Específica...............................88
3.5 Jornalistas ou Artistas? ........................................................................92
3.6 Jornalistas que se Transformam em Garoto-Propaganda….…….........96
3.7 Os “Piratas” da TV……….............................……………..…................102
3.8 Programas Esportivos: Um Mix de Jornalismo e Entretenimento........107
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................109
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.....................................................114
ANEXO Entrevista Chico Lang
ANEXO Entrevista Marcelo Laguna
ANEXO Entrevista Sergio Ruiz
ANEXO Entrevista Vladir Lemos
ANEXO Entrevista André Plihal
ANEXO – Entrevista José Ferreira Neto
ANEXO Entrevista Osmar Garraffa
ANEXO Entrevista Juca Kfouri
ANEXO Matéria Revista Placar
ANEXO Matéria Revista Imprensa
ANEXO Matéria Revista Carta Capital
Introdução
Esta pesquisa se insere no debate da produção midiática contemporânea e
das relações entre jornalismo e entretenimento, particularmente no que diz
respeito às relações entre mídia e futebol. Este fenômeno tem sido objeto de
trabalho de alguns sociólogos como Waldenyr Caldas e antropólogos como
Roberto DaMatta e Luiz Henrique de Toledo. A presente pesquisa aborda, em
especial, o tema do jornalismo esportivo brasileiro difundido nos meios eletrônicos.
Toma como problema a condição do profissional que atua nesta área e como ele
se comporta no meio da indústria do esporte.
Percebe-se cada vez mais a invasão promíscua da publicidade no
jornalismo esportivo. A maioria dos atuais programas de televisão e rádio está se
transformando em verdadeiros “camelódromos eletrônicos” e os principais
jornalistas esportivos fazem parte deste universo. Analisaremos se o jornalismo
esportivo está comprometido na credibilidade da sua informação e se o
capitalismo incorporou de vez esse segmento.
As hipóteses do trabalho permeiam o campo da sociedade de consumo da
qual a mídia faz parte pelas regras do mercado, estando o jornalismo inserido
nesse processo.
O jornalismo esportivo é uma das especialidades jornalísticas mais
importantes e procuradas. Podemos constatar isso através dos próprios meios de
comunicação, já que o esporte tem ocupado, mundialmente, uma posição de
destaque com enormes espaços destinados a este segmento principalmente com
o futebol. Na televisão, em todos os canais, não há um dia sequer que não
dedique vários minutos ao esporte. Com isso também cresce o número de
jornalistas envolvidos neste setor. Portanto, é relevante pesquisar e realizar uma
reflexão crítica da atuação destes profissionais. Se eles estão realmente
comprometidos com a ética e com os princípios do jornalismo ou se deixaram
envolver com o entretenimento e o espetáculo do esporte nos meios eletrônicos.
A escolha do tema também se justifica pela própria trajetória profissional da
pesquisadora que atuou por mais de 12 anos no jornalismo esportivo com
passagens por emissoras como SporTV, TV Bandeirantes, Sistema Globo de
Rádio; participou de duas Copas do Mundo, duas Olimpíadas e outras grandes
competições. Publicou um livro em parceria com o jornalista Heródoto Barbeiro,
com o título de “Manual do jornalismo esportivo”. O livro aborda temas específicos
deste segmento, além de apresentar algumas técnicas e sugestões para sua
prática, trata de leis desportivas e de termos utilizados em vários esportes, que
podem facilitar o dia-a-dia de quem atua na área.
Os objetivos da presente pesquisa são realizar uma reflexão crítica do
jornalismo esportivo brasileiro contemporâneo nos meios eletrônicos, investigando
a condição do profissional que atua nesta área e como ele se comporta no meio
da indústria do esporte.
Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa combina dados
bibliográficos, dados concretos, busca em documentos (matérias jornalísticas
publicadas em revistas) e por fim dados primários e subjetivos como opiniões e
posicionamento dos próprios profissionais do jornalismo esportivo.
Como referenciais teóricos, trazemos autores do pensamento
comunicacional desenvolvido no século XX, como Adorno e Horkheimer, que
criaram o conceito de indústria cultural para reforçar a idéia de que bens culturais
se converteram em mercadorias. O esporte parece ser o parceiro preferencial da
espetacularização na mídia televisiva, porque oferece, em contrapartida, o show
pronto. É possível compreender esta idéia, assistindo a uma partida de futebol
diretamente no campo e fazendo a comparação com a televisão, percebe-se o
quanto a imagem é controlada por uma equipe de profissionais preocupados em
mostrar somente o que lhes interessa, como se eliminasse a capacidade crítica do
sujeito.
Segundo a argumentação de Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do
Esclarecimento, na indústria cultural quase tudo se torna negócio. uma
exploração dos bens culturais para se tornarem comerciais e os próprios seres
humanos acabam se tornando produtos de consumo. Para Adorno e Horkheimer,
a pessoa humana nessa indústria cultural ganha um “coração máquina” e tudo que
farão será segundo esse coração.
A transformação da notícia em mercadoria ocorre simultaneamente com a
importância do departamento comercial na empresa jornalística inclusive dentro
das redações. A partir do momento em que há mudança no fazer jornalismo,
tamm se reflete na forma em que o jornalista exerce a profissão.
O estudo considera o jornalismo esportivo tamm um produto da
sociedade do espetáculo. Jornalistas transformam-se em artistas para fins de
audiência e consumo, utilizando artifícios característicos da produção do
espetáculo. Neste contexto abordaremos o pensador francês Guy Debord e a
teoria crítica da sociedade na qual a profissão de jornalismo está inserida. Assim,
poderemos analisar e compreender como o jornalismo esportivo vem sendo
praticado na atualidade.
Por fim cabe registrar preliminarmente que a estrutura da pesquisa é
composta por três capítulos.
No primeiro capítulo – “Futebol: Produto Midiático”, a pesquisa aborda que
o futebol tem caráter unificador, é um dos principais constituintes da identidade
nacional, faz parte da cultura do povo deste país. A partir disso, mostra o
surgimento das primeiras notícias jornalísticas deste setor, o nascimento do
jornalismo especializado em esporte. A fase de transição do futebol amador para o
futebol profissional e o importante papel da imprensa neste movimento também é
abordada neste capítulo. Acompanha o surgimento do rádio esportivo, até o
despontar dos pioneiros da locução esportiva, os speakers, e acompanha esta
fase até por volta de 1945, antes do surgimento da televisão.
O capítulo 2 “Um Espetáculo Chamado Jornalismo Esportivo” é o capítulo
de referencial teórico da presente pesquisa. A partir do conceito da Indústria
Cultural de Adorno e Horkheimer analisaremos como o futebol se tornou
mercadoria de consumo e consequentemente os produtores de conteúdo
relacionados a este tema tamm. O espetáculo é a principal característica da
sociedade capitalista contemporânea. Faz parte dos mecanismos da televisão, ou
seja, de seu conteúdo também, inclusive o esportivo. Analisamos a importância da
televisão para o esporte e como ela é apontada como uma das responsáveis pela
transformação do futebol como mercadoria de consumo. Além disso, analisaremos
a trajetória de alguns dos principais locutores esportivos percebendo que eles já
usavam desde os primórdios das primeiras transmissões esportivas, artifícios de
teatralidade, recursos de espetáculo. Eles já tinham “alma de artista”.
No último capítulo - “Jornalismo Esportivo Contemporâneorefletimos sobre
como a notícia esportiva pode ser espetacularizada, e quais os recursos usados
pelos jornalistas esportivos para acelerar este processo. Mostramos que
jornalismo esportivo está inserido num contexto maior, que é o jornalismo como
um todo. Portanto os princípios e regras deveriam ser os mesmos do jornalismo
em geral. Mas na prática, tem seu universo bem particular. Levantamos os
principais problemas desta profissão, e como alguns profissionais enxergam a
prática de merchandising, a notoriedade e a postura empresarial de alguns
profissionais da área. A pesquisa relata o caso mais impressionante de
desrespeito ao jornalismo, e demonstra que infelizmente há jornalistas que
enxergam mais coisas além de dribles, gols e esquemas táticos quando estão
diante de um microfone. Finalizamos ao refletir sobre os principais programas de
esporte da TV e que hoje são muito mais voltados ao entretenimento do que para
a informação.
Capítulo I
Futebol:
Produto Midiático
Capítulo I
Futebol: Produto Midiático
1.1 – O Futebol está no DNA dos brasileiros: as origens dessa paixão
Na discussão do objeto de estudo desta pesquisa, entendeu-se por
necessário elaborar algumas páginas sobre a origem do futebol e também toda a
paixão que envolve este esporte para que se pudessem compreender melhor a
sua transformação numa mercadoria da cultura de massa e aqueles que atuam
nesta área na mídia. Não se trata de um resgate histórico aprofundado. Para
tanto, recortou-se reflexões de autores que abordam a temática da cultura
brasileira, com vistas a possibilitar a observação sobre o mundo do futebol. São
antropólogos, sociólogos e até mesmo filósofos: Gilberto Freyre, Roberto DaMatta,
Marilena Chauí, Vera Regina Toledo Camargo, Márcia Regina da Costa, José
Carlos Sebe B. Meihy, João Lyra Filho, Antonio Franco Estadella, Luiz Henrique
de Toledo e Waldenyr Caldas. Por outro lado, recorreu-se a alguns autores que
se dedicaram ao registro histórico e jornalístico do futebol no Brasil de maneira
mais específica como: Orlando Duarte, André Ribeiro, Celso Unzelte e Juca
Kfouri.
Algumas pesquisas antropológicas sugerem que as origens do futebol
revelam uma história de sinais e símbolos, Deuses e jogos. Os esportes sempre
fizeram parte da origem das grandes civilizações do mundo e foi através delas que
o jogo que conhecemos hoje chamado futebol foi concebido, moldado e refinado.
Monumentos anteriores a Cristo e também gravuras posteriores, mostram que
chineses, da dinastia Ming, jogavam bola. Segundo o jornalista uruguaio Eduardo
Galeano
1
, há cinco mil anos, os malabaristas chineses faziam dançar a bola com
os pés, e foi na China que tempos depois se organizaram os primeiros jogos. Há
3.400 anos no país que hoje chamamos de México, nativos da América Central
jogavam o primeiro esporte de equipe que se tem notícia usando uma bola de
borracha. Este jogo foi mais tarde adotado pelos Maias, para eles a bola
simbolizava o sol, seu poder e sua fertilidade. E num ato que marcou as origens
violentas e sombrias do futebol, o capitão do time perdedor era oferecido em
sacrifício aos deuses. Já os astecas, segundo Galeano, tinham o costume de
sacrificar os vencedores. Antes de cortar-lhes a cabeça, pintavam seus corpos
em faixas vermelhas. Os eleitos dos deuses davam seu sangue em oferenda, para
que a terra fosse fértil e o céu generoso
2
. Mito ou realidade, o fato é que essa e
outras histórias acabaram se incorporando ao imaginário popular e às origens do
esporte que hoje move multidões.
Segundo o professor de educação física, José Roberto Borsari
3
, na Idade
Média e muitos séculos depois, existia um jogo que pode ser o mais importante
precursor do futebol moderno. Praticado na cidade de Ashbourne (Inglaterra) era
disputado anualmente por equipes com um número ilimitado de participantes - até
400 e 500 pessoas de cada lado, segundo Borsari. O objetivo era correr atrás de
uma bola de couro e levá-la até a meta adversária, a entrada norte e sul da
cidade, uma para cada equipe. o existem relatos precisos sobre as regras, mas
se sabe que os participantes podiam usar as mãos e os pés para conduzirem e
dominarem a bola. As origens desse jogo não são muito precisas. Sabe-se que
era uma atividade um tanto primitiva, violenta e semi-bárbara, sendo malvista por
muitos.
1
GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: Ed. L&PM Pocket, 2004, p.28.
2
Ibid., p.32.
3
BORSARI, J. R. Futebol de campo. São Paulo: E.P.U., 1989. Cap. 1, p. 11-14.
Durante o século XVII os jogos de bola passaram por diferentes
transformações. Apesar de oficialmente proibido na Grã-Bretanha, o jogo começou
a ganhar espaço e essa proibição foi aos poucos se acabando. Aquele século foi
marcado por novas aberturas ao futebol; o rei Carlos II tornou-se o primeiro
monarca a autorizar a prática do futebol. Já no século XVIII, os jogos com bola
começaram a fazer parte da educação de muitos jovens nas escolas.
Os jogos, antes violentos e proibidos, passaram a ganhar um novo caráter e
a integrar o cotidiano de muitas escolas. No início do século XIX, Thomas Arnold
reformou todo o ensino superior inglês, dando grande importância para as práticas
esportivas na educação dos jovens; e o futebol, então, passou a ser uma das
primeiras atividades introduzidas nas escolas públicas em caráter oficial. Os
ingleses se encarregaram de difundir o futebol pelo mundo. Levaram o esporte
para a Argentina (um dos primeiros países fora do Reino Unido a praticar o
futebol), Alemanha, Portugal, França, Dinamarca, Países Baixos, Suíça e outros.
Aqui no Brasil, o futebol está inserido na identidade da sociedade, faz parte
da vida da ampla maioria dos brasileiros, é quase um “DNA” deste povo. Mesmo
aquele que não gosta tanto do esporte, acaba tendo um time que simpatiza mais e
numa Copa do Mundo assume a torcida pela seleção nacional. Desde pequenos
recebemos um nome, uma religião e quase sempre um time para torcer.
Crescemos nos familiarizando com este esporte tão popular, mas tudo isso tem
uma origem. A primeira vez que o futebol foi jogado no Brasil foi em 1894, por
marinheiros britânicos de licença em terra. Foi introduzido formalmente por um
jovem brasileiro, filho de pais ingleses, chamado Charles Muller, que foi estudar na
Inglaterra numa escola pública na cidade de Southampton.
Quando ele retornou ao Brasil, trouxe duas bolas de futebol e organizou
uma partida entre os empregados ingleses de uma ferrovia, a São Paulo Railway e
de uma empresa de serviço público, a Companhia do Gás; sendo que os
jogadores eram basicamente formados por ingleses radicados na cidade de São
Paulo. Para o sociólogo Waldenyr Caldas
4
"este foi o primeiro grande jogo, aquele
que empolgou a platéia, foi realizado em São Paulo, em 1899, na presença de
sessenta torcedores.
O jogo expandiu-se às comunidades alemãs e italianas, começou a ser
jogado nas escolas vinculadas à cultura anglo-saxã, principalmente no Mackenzie,
e foi se popularizando. Mas poucas pessoas se arriscariam a dizer que ele se
tornaria à paixão popular, pois era praticado por jovens de classes abastadas e
brancos.
Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, o futebol se difundiu por dois
caminhos: um foi dos trabalhadores das estradas de ferro, que deram origem às
várzeas, o outro por meio dos clubes ingleses que introduziram o esporte dentre
os grupos de elite. Charles Müller apresentou o futebol à elite paulista e ao mesmo
tempo o futebol se desenvolvia entre a classe operária, tanto no Rio de Janeiro
quanto em São Paulo. Os diversos times dos operários das fábricas iam surgindo
na várzea paulista, e os clubes iam adotando o esporte em seus quadros. Os
primeiros amistosos entre clubes surgiram em São Paulo nos anos de 1899/1900,
com os clubes do São Paulo Athletic, Germânia (atual E.C. Pinheiros), Mackenzie
4
CALDAS, Waldenyr. O pontapé inicial. Contribuição à memória do futebol brasileiro. Tese de
livre docência. São Paulo: ECA/USP, 1988, pp. 15-16
e a Internacional, todos com sócios da elite paulistana e de várias origens, como
americanos, ingleses e alemães.
A imprensa sempre esteve ligada ao futebol e contribuiu para sua
popularização. Em 18 de outubro de 1901, aconteceu o primeiro encontro
interestadual entre os times das duas metrópoles do país: Rio de Janeiro e São
Paulo. O jovem Charles Müller convocou seus amigos e entre eles o jornalista
Mário Cardin, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, para colaborarem na
organização e divulgação desta partida.
E assim foi feito. Nas páginas de O Estado de S. Paulo, Cardim escreveu sobre os
dois empates ocorridos no campo do SPAC, na região central da cidade, time em
que Charles Müller jogava. Falou da presença de distintas famílias e enalteceu a
qualidade técnica dos jogadores cariocas…”. ( ANDRÉ RIBEIRO, 2007, P. 25)
Mário Cardin enviou por telegrama as notícias do jogo a amigos do Rio de
Janeiro, capital da República para que fosse divulgada nos principais jornais da
cidade. E assim o ano de 1902, tornou-se um marco na imprensa esportiva. A
partir desse momento, o futebol virou notícia importante nas páginas dos principais
jornais, pelo menos em São Paulo.
A partir deste mesmo ano, 1902, surgiu a Liga Paulista de Football, com
apenas cinco clubes, todos da elite paulista. Podemos dividir a história do futebol
brasileiro em quatro períodos amplos: 1894 – 1904, quando se manteve restrito
aos clubes urbanos pertencentes a estrangeiros; 1905-1933, sua fase amadora,
marcada por grandes passos de divulgação e pressão crescente para melhorar o
nível do jogo através de subsídios para os jogadores; 1933-1950, o período inicial
do profissionalismo; e a fase após 1950, de reconhecimento de nível internacional
e acompanhada por comercialização sofisticada.
Com a profissionalização do futebol brasileiro, em 1933, muitos clubes de
elite deixaram de praticá-lo em campeonatos oficiais, a exemplo do Clube Atlético
Paulistano, maior campeão do período do amadorismo no futebol paulista, com 11
títulos. Naquela época, o rádio já fazia coberturas esportivas. Conforme a
jornalista Edileusa Soares
5
, a primeira transmissão coube ao locutor Nicolau
Tuma, da Rádio Sociedade Educadora Paulista, durante o VIII Campeonato
Brasileiro de Futebol. A profissionalização do futebol tamm contribuiu muito para
o aumento do interesse do público, já que com a dedicação integral ao
treinamento, os jogadores se tornaram mais habilidosos e as equipes mais
atrativas. Com isso, cada vez mais este esporte se insere nas raízes da cultura e
da sociedade brasileira assunto do item seguinte da presente pesquisa.
5
SOARES, Edileuza. A Bola do ar . São Paulo: ED. Summus, 1994, p. 17.
1.2 – O Futebol como Fenômeno Social e Cultural
O desenvolvimento do futebol, não num esporte igual aos outros, mas
numa verdadeira instituição brasileira, tornou possível a sublimação de
vários daqueles elementos irracionais de nossa formação social e de
cultura. (GILBERTO FREYRE, abud Mario Filho, 1964, p. 47)
O esporte, além de ser prática física, é um elemento cultural e se constitui
em fenômeno social. Algumas definições destacam sua importância, ressaltando
o fato de que o futebol é um “idioma universal” que pode ser compreendido e
assimilado direta e instantaneamente pela maioria das pessoas em diferentes
culturas. O francês Jules Rimet, antigo presidente da FIFA (Federação
Internacional de Futebol Association) dizia que se dermos uma bola de futebol e
um árbitro a onze jovens de onze diferentes países, falando línguas diferentes e
pertencentes a distintas raças e religiões, eles têm muitas possibilidades de se
entender, jogar e divertir-se, e provavelmente acabarão sendo amigos
6
.
O esporte sempre esteve presente na história do homem e desde o início
ajudou a manter a forma física e proporcionar uma melhor qualidade de vida. O
esporte consegue unir nações e colocá-las em uma disputa sadia inserindo-se no
campo da diplomacia cultural. Para o jornalista e historiador Orlando Duarte, o
esporte mais popular do mundo consegue até se transformar em paz e fazer parar
uma guerra. Em 1969, o Santos comandado pelo jogador Pelé visitou o então
Congo Belga, na África, e suspendeu temporariamente um confronto armado entre
as forças Kinshasa e Brazaville
7
.
6
COSTA, M.R. Futebol: Espetáculo do século. São Paulo: Ed. Musa, 1999, p.10.
7
DUARTE, Orlando. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 05 out. 2005.
Mas tamm o futebol pode servir como manifestação das diferenças entre
grupos, enfrentamento de classes, através de torcidas em disputa de
campeonatos regionais, chegando a casos grotescos de violência exacerbada
como o caso da final da Supercopa São Paulo de Juniores, em 1995, na partida
entre Palmeiras X São Paulo, que resultou na morte do torcedor Márcio Gasparin
da Silva, de apenas 16 anos. Outros casos de violência tem marcado o futebol
contemporâneo, também fora do Brasil, exemplo dos hooligans, que são grupos
de torcedores que existem na Europa, mais precisamente na Inglaterra e que
sentem prazer em brigar usando o futebol como o evento alvo para isso. Eles
misturam a paixão clubística com a vontade de fazer vandalismo. Na Copa do
Mundo de 98, na França, hooligans ingleses e alemães, às vésperas da partida
envolvendo Inglaterra e Colômbia, agrediram um cinegrafista da rede Globo e um
policial francês, que permaneceu em coma durante um bom tempo.
É relevante entendermos o significado do futebol na cultura do nosso país e
a importância desse esporte na vida nacional. Quando há certa compreensão
sociológica do futebol praticado no Brasil, aumentam as possibilidades de
interpretar a sociedade brasileira.
A professora Márcia Regina da Costa
8
, do Departamento de Antropologia e
coordenadora do Núcleo de Estudos do Cotidiano e de Cultura Urbana da PUC-
SP, afirma que o futebol cria um sentimento de proximidade e de reconhecimento
não apenas entre as pessoas de certo país que torcem pelo seu time, como
tamm entre torcedores de outras localidades espalhados pelo planeta. Na
sociedade capitalista contemporânea que acelera a produção de um sistema,
8
COSTA, M.R. Futebol: Espetáculo do século. São Paulo: Ed. Musa, 1999, p.09.
gerando um isolamento e o desenraizamento social, o futebol produz relações de
proximidade e identificação entre pessoas que, em muitos casos, encontram-se
espalhadas ao redor do mundo. Provavelmente essas são, em conjunto com a
imprevisibilidade de uma partida, algumas das razões que fazem com que o
futebol atraia multidões de seguidores apaixonados em quase todo o mundo.
Para o historiador José Carlos Sebe Bom Meihy
9
o futebol tem duas
grandes vertentes. A primeira é ideológica, de cunho mais cultural-nacionalista,
quase poético, a outra é de caráter empresarial, envolve os meios de
comunicação, as propagandas, o futebol-empresa e os serviços em geral que
envolvem a economia do meio futebolístico. Na vertente ideológica, o futebol serve
como argumento nacionalista e de unidade. É como se o povo brasileiro se
juntasse, numa imensa unidade “blocada” em torno do futebol e pelo futebol,
influenciando no aparecimento de linguagens e expressões como: “preferência
nacional”, "a pátria de chuteiras", “com brasileiro não há quem possa”, “prá frente
Brasil”, “coisa nossa”, “país do futebol”, “a pátria de chuteiras”.
A filósofa Marilena Chauí
10
descreve este sentimento nacionalista como
verdeamarelismo e o aponta como movimento cultural e político, instrumento
muito usado na ditadura Vargas.
Um fantasma ronda as classes dominantes e a intelectualidade brasileira
desde meados do século XIX: a busca da identidade nacional, do caráter
nacional brasileiro. (CHAUÍ, 1996, p. 94)
9
MEIHY, José Carlos S. Bom. Futebol e cultura: Coletânea de estudos. São Paulo: Imprensa
Oficial, 1982. p. 11.
10
CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu Abramo,
2000, p. 94.
A Copa do Mundo, que acontece de quatro em quatro anos, é hoje o evento
esportivo mais lucrativo e esperado do mundo e acompanhado por mais da
metade da população mundial. Esse esporte movimenta altas quantias de dinheiro
por ano, devido a contratos de transmissão de televisão e patrocínios, assim como
também a transação de jogadores.
Na Copa do Mundo, uma espécie de “alma brasileira” une o país todo em
torno de uma atividade, o futebol. Esta alma brasileira instiga a maioria a driblar os
problemas da vida numa busca incessante por vitória. O nivelamento das pessoas
de classes sociais, sexo, etnia, religião, e regiões distintas, fazem com que haja
uma integração contra um “inimigo comum”. Já não há a separação do que é do
povo e o que é da elite. É a democracia do futebol vencendo os adversários
sociais, a exposição nítida do verdeamarelismo.
O sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre compara o futebol brasileiro à
dança:
O mesmo pode-se dizer do que se tornou um modo caracteristicamente
brasileiro de jogar futebol: um modo influenciado pelo ânimo dionisíaco,
dançarino, festivo de afronegro que no Brasil, pode-se dizer ter
contrariado o ânimo apolíneo britânico. É como uma espécie de bailarino
da bola que o brasileiro vem criando um futebol já universalmente
famoso. E nacionalmente brasileiro. (FREYRE, 1971, P.97)
Os jogadores de futebol e os adeptos deste esporte seriam dançarinos do
jogo da vida: ágeis, cheios de ginga e malícia, com jeitinho brasileiro para driblar
os problemas do cotidiano, numa sociedade em que a vida se confunde com o
jogo.
Luiz Felipe Baeta Neves
11
, historiador e antropólogo descreve o futebol
como veículo da permanência de valores sociais e que este é a mais importante e
contínua manifestação de massas do Brasil. Com o impulso da mídia o futebol
experimenta rápida popularização, tornando-se um fenômeno de massa. Neste
sentido, podemos afirmar que o futebol é uma prática voltada para a massa e que
esta não existe sem a mídia. Já para o antropólogo Roberto DaMatta cada
sociedade tem o futebol que merece pois ela o molda e projeta nele um conjunto
de temas que lhe são básicos e descreve: No caso brasileiro, devo constatar
junto com os cronistas esportivos e os jornalistas mais sensíveis, que o futebol foi
capaz de servir de palco para muitas preocupações e esperanças do povo
brasileiro.
12
É como se um elemento participante da massa, que geralmente é anônimo
porque faz parte desta mesma grande massa, conseguisse tornar-se uma estrela
com luz própria, individual e singular, atras do futebol. Claro que para isso, os
meios de comunicação de massa têm uma parcela muito importante na ampliação
deste processo quando, por exemplo, mitificam os jogadores de futebol
explorando seu sucesso, conquistas materiais, ostentação de carros importados,
etc. O futebol passa a ser o caminho para se chegar a uma ascensão social
rápida. O indivíduo passa a ser sujeito do próprio destino, se conseguir através do
futebol, uma maior valorização do indivíduo em si.
11
NEVES, Luiz Felipe Baeta. O paradoxo do coringa e o jogo do poder é saber. Rio de Janeiro:
Ed. Achiame, 1979, p.19.
12
DAMATTA, Roberto. Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ed.
Pinakotheke, 1982, p. 16.
Meihy
13
afirma que para o brasileiro comum, o futebol oferece uma saída
para um mundo maior. Somente quando o jogo da elite tornou-se o esporte das
massas foi que ele atingiu sua potencialidade plena como agente socializador.
Promovido pelos intelectuais, pela imprensa e televisão, e pela classe dominante,
como um símbolo de brasilidade, o futebol atingiu o ápice de sua influência
quando os negros como Pelé, foram reconhecidos dentro do sistema. E Pelé
passou a ser um modelo ideal para os negros brasileiros: herói, o maior jogador da
história deste esporte, um inquestionável patriota e influenciador das massas.
Podemos sintetizar citando Waldenyr Caldas, que considera o futebol como
agente aglutinador das massas. No começo do século XX, o futebol torna-se cada
vez mais popular e este período ocorre precisamente quando a sociedade
brasileira inicia também seu processo de urbanização, em virtude do investimento
do capital industrial europeu nas principais cidades brasileiras, logo após a
Primeira Guerra Mundial. Waldenyr Caldas explica que: “este fato, como era de se
esperar, estimula o primeiro movimento populacional em grande escala, do
homem rural para o meio urbano”.
14
Portanto o desenvolvimento do futebol está
estreitamente ligado à industrialização e ao surgimento das grandes cidades. Ele
não pode ser desvinculado das condições históricas que marcaram o fim do
século XIX e o início do século XX. Sua democratização e consagração como
elemento da cultura nacional dá-se nos anos 30, quando ocorre a
profissionalização em 1933. Após isso, o esporte tornou-se um fenômeno de
13
MEIHY, José Carlos S. Bom. Futebol e cultura: Coletânea de estudos. São Paulo: Imprensa
Oficial, 1982. p. 42
14
CALDAS, Waldenyr. O Pontapé inicial: Memórias do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa,
1990, p. 42
massas, atingindo as diferentes classes sociais do Brasil. Sendo assim, o futebol
se insere na sociedade brasileira seja no aspecto social, político ou cultural.
Como esporte mais praticado e mais visto no mundo, não é raro que o
futebol esteja também ligado às diversas manifestações culturais como: música,
dança, literatura, cinema, dramaturgia; não no Brasil como em outras partes do
globo. O mundo do futebol está inserido no dia-a-dia dos brasileiros, e até termos
futebolísticos se incorporaram na linguagem do povo, o que demonstra mais uma
manifestação cultural através deste esporte. Expressões tão comuns na gíria do
povo brasileiro foram, no passado, de uso restrito de jogadores, técnicos,
locutores e torcedores de futebol. Criadas espontaneamente para expressar
significados que não constavam dos dicionários, o “futebolês” foi pouco a pouco se
incorporando na nossa linguagem coloquial.
Muitos termos foram tomados do inglês, já que o futebol veio da Inglaterra.
Alguns sofreram adaptação à fonologia do português e se consolidaram no uso;
outros foram sendo substituídos gradativamente por termos equivalentes já
existentes no português ou criados a partir de processos morfológicos da língua
portuguesa. Termos como: back, penalti, goal, team, shoots, forwards, keeper,
derby. Para o professor Ermínio Rodrigues
15
, do Departamento de Teoria
Lingüística e Literatura da UNESP, a linguagem do futebol tamm recebeu um
tempero da culinária. O termo cozinhar, por exemplo, cai como uma luva para
mostrar que o time está retardando deliberadamente o jogo. Assim como aperitivo
é um apelido carinhoso para uma partida preliminar e carne assada, para um jogo
amistoso. O termo “deu zebra”, usado pelo técnico carioca Gentil Cardoso para
15
Disponível em: <http://proex.reitoria.unesp.br/informativo/>. Acesso em 30 set. 2007.
qualificar um resultado imprevisto de um jogo, tornou-se de domínio público e
passou a ser largamente empregado.
A divulgação em massa da expressividade da linguagem futebolística
fez com que esta linguagem, antes restrita a um grupo profissional determinado,
como jogadores e técnicos, se incorporasse ao vocabulário cotidiano do brasileiro
em geral. A pesquisadora Maria do Carmo L. de Oliveira Fernández
16
afirma que
hoje não só o cronista esportivo conhece o código futebolístico. Qualquer homem
comum, aficionado ou não ao futebol, tem uma relação ativa com este código
(utilizando-o fora ou no seu emprego), ou passiva (recebendo-o forçosamente
através de mensagens publicitárias ou de outros canais). Podemos afirmar que a
penetrão dessa linguagem especial tornou-se um poderoso fator de
enriquecimento do léxico da língua portuguesa.
Tamm sentimos o futebol como fenômeno cultural quando percebemos
que ele está inserido nas superstições do povo, nas crendices e até como uma
forma de religião beirando o fanatismo. A cultura é o complexo de padrões de
comportamento, de crenças, de instituições, de manifestações artísticas,
intelectuais e simbólicas transmitidos coletivamente e típicos de uma sociedade.
Nesse contexto, o futebol pode ser entendido como um conjunto de símbolos que
expressam a sociedade brasileira. A mídia sempre esteve envolvida neste enlace
e contribui significadamente com este processo. Para entendermos esta relação, é
necessário abordar de que forma a imprensa se manifestava, se isso mudou ao
longo dos anos e como é praticado o jornalismo esportivo contemporâneo.
16
FERNÁNDEZ, do Carmo L. de Oliveira. Futebol: fenômeno lingüístico. Rio de Janeiro: Ed.
Documentário, 1974.
1.3 A Fase de Transição e a Imprensa
Como vimos, até 1933, o futebol era fortemente elitizado, um esporte
praticado quase que exclusivamente por estudantes ricos e pessoas da alta
sociedade. Só que os grandes clubes do Brasil, principalmente os cariocas como
Bangu, Flamengo e em especial o Vasco passam a procurar os bons jogadores na
periferia e em times pequenos. Para se manterem no comando do clube e em
benefício da própria política, os dirigentes são obrigados a aceitar jogadores
vindos dos mais diversos lugares e níveis sociais. Muitas foram tamm as
tentativas para impedir o avanço veloz das agremiações mais pobres e numa clara
prova de racismo da época, a Liga Metropolitana do Rio de Janeiro, composta
pela elite do futebol, decidiu proibir em seus estatutos a inscrição de “pessoas de
cor” por seus clubes filiados. Esta fase que ainda não é considerada como a fase
profissional do futebol, era na verdade um profissionalismo não oficializado porque
os bons jogadores já recebiam salários dos grandes clubes.
Seria impossível, a essa altura, não aceitar ou aproveitar um jogador
talentoso apenas porque seu nível sócio-econômico não era condizente
com a tradição e o status do clube. Apesar dos grupos conservadores, os
clubes de elite passavam, a partir daquele instante, a aceitar o jogador
pobre da periferia. (CALDAS, 1990, p. 43)
A fase imediatamente anterior ao profissionalismo é um dos momentos
mais contundentes da história social do futebol brasileiro, porque é um período de
transição e tamm um período em que os clubes praticam muitas injustiças e
exploração do jogador. O preconceito era tanto, que vale relatar um fato descrito
por Waldenyr Caldas. “Em 1921, o presidente Epitácio Pessoa praticamente
escalou a seleção, proibindo a CBD de incluir negros na delegação que iria
disputar o Campeonato Sul-Americano em Buenos Aires”.
17
A proibição não foi
feita publicamente e sim num encontro reservado entre o presidente Epitácio
Pessoa e o presidente da Confederação Brasileira de Desportos - CBD.
Nesta época, no Rio de Janeiro, o Vasco começou a investir em jogadores
de outras classes sociais incentivados pela torcida. Esta, não estava preocupada
com a cor e a classe social de cada jogador e sim com a vitória de seu time. Cada
vez mais o futebol vai se tornando um esporte de massa, popular. O jornalista
Mário Filho
18
considera esse movimento como uma verdadeira revolução e
evidencia a coragem do Vasco em incluir negros e analfabetos desempregados
em seu time.
Pelos primeiros artigos publicados sobre o futebol nos jornais e revistas,
ficava clara a divisão do esporte em dois grupos. De um lado, os filhos de boa
família, e do outro, os varzeanos humildes. Segundo o jornalista André Ribeiro
19
, a
imprensa da época chegava a ridicularizar os jogadores de classe mais baixas,
chamando-os de brutos, incapazes de seguir as regras de conduta, e até de
“canelas negras”.
O futebol passa, então, aos poucos a ter também sua imagem ligada à
periferia e às camadas pobres da sociedade. Com isso, cria-se um preconceito
17
CALDAS, Waldenyr. O Pontapé inicial: Memórias do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa,
1990, p. 102
18
RODRIGUES Filho, Mário. O Negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1964, p.128
19
RIBEIRO, André. Os Donos do espetáculo. Histórias da imprensa esportiva no Brasil. São
Paulo: Terceiro Nome, 2007, p. 27.
contra o jogador de futebol. Waldenyr Caldas afirma que esse preconceito era, no
fundo, um preconceito à pobreza:
O fato é que esse preconceito nasce justamente do desejo das elites em
não ter qualquer identidade com os outros segmentos da sociedade.
Aliás, esse fenômeno, antes de ser um fato sociológico, é um fato
histórico. Jamais, e em qualquer momento, a classe dominante desejou
identidade com as demais classes sociais. (CALDAS, 1990, p. 51)
Assim, jogar futebol, para a elite brasileira, deixa de ser um esporte nobre.
A sociedade não tinha respeito pelo futebolista e este era visto como marginal. O
futebol passa por mudanças e se “democratiza”, deixando de ser privilégio das
classes mais altas. A imprensa escrita teve sua participação nessa mudança. Não
houve nenhum apoio formal; apenas alguns jornalistas mais progressistas como
Max Valentim, do Jornal O Imparcial, do Rio de Janeiro, e Paulo Várzea, dos
jornais Olympia e O Estado de São Paulo, apoiaram publicamente a revolução
vascaína
20
, relata Waldenyr Caldas. O debate sobre o profissionalismo do futebol
crescia diariamente.
André Ribeiro tamm destaca a contribuição do jornalista Mário Cardim,
amigo pessoal de Charles Muller, e repórter do jornal O Estado de S. Paulo, que
contribui nas denúncias do amadorismo marrom, ou seja, os jogadores não eram
profissionais, mas recebiam salários escondidos. Mas o envolvimento de Mário
Cardim foi além das matérias publicadas nos jornais, ele fundou a Federação
Brasileira de Futebol. Segundo André Ribeiro, o comando político do futebol
20
CALDAS, Waldenyr. O Pontapé inicial: Memórias do futebol brasileiro. São Paulo: Ibrasa,
1990, p. 53
brasileiro tinha nome e era de um jornalista esportivo, Mário Cardim, que tamm
foi o primeiro de destaque na imprensa especializada.
O profissionalismo do futebol, em 1933, contribuiu para que o cidadão rico
deixasse de praticá-lo, mas continuasse gostando deste esporte. Noticiar futebol
não era mais acaso, mas obrigação, afinal figuras ilustres da sociedade carioca
eram vistas constantemente nas arquibancadas do estádio do Fluminense, o
grande palco dos espetáculos, segundo relata André Ribeiro
21
. Se o futebol
brasileiro tornava-se profissional, a imprensa esportiva tamm estava no mesmo
caminho, uma nova profissão estava nascendo e o jornalista esportivo passaria a
fazer parte do dia-a-dia das redações dos principais jornais e rádios do Brasil.
21
RIBEIRO, André. Os Donos do espetáculo. Histórias da imprensa esportiva no Brasil. São
Paulo: Terceiro Nome, 2007, p. 32.
1.4 – Jornais e Revistas: As primeiras notícias sobre futebol
Desde quando o futebol chegou ao Brasil, a imprensa esportiva, de alguma
forma, esteve envolvida com este esporte. Para a Professora Vera Toledo
Camargo a parceria entre o futebol e a mídia é muito antiga. As primeiras notícias
foram divulgadas no Jornal do Comércio de São Paulo, na edição de 17 de
outubro de 1901, quando a mídia impressa, mais especificamente o jornal,
começou a divulgar as informações do futebol. Tinha um caráter muito elitista,
assim como encontramos no futebol da época, pois eram poucos os que tinham
acesso às informações e às práticas esportivas.
As edições dos jornais tinham um custo elevado. Já a população tinha
grande dificuldade em compreender a mensagem, por falta de instrução, ou
porque os termos esportivos, na época, faziam referências às línguas
estrangeiras, mais especificamente ao inglês. Isso podemos notar em relação aos
termos: córner, pênalti, e outros tão usuais no futebol.
O jornalista Paulo Vinicius Coelho
22
relata em seu livro que em 1910 havia
páginas de divulgação esportiva no jornal Fanfulla.
Não se tratava de periódico voltado para as elites, não formava opinião,
mas atingia um público cada vez mais numeroso na São Paulo da época:
os italianos. Um aviso não muito pretensioso de uma das edições
chamava-os a fundar um clube de futebol. Foi assim que nasceu o
Palestra Itália, que se tornaria Palmeiras, décadas mais tarde. (PAULO
VINICIUS COELHO, 2003, P. 08)
O jornal Fanfulla trazia relatos de página inteira num tempo em que este
esporte ainda não cativava multidões. Para se ter uma idéia, o Correio Paulistano,
22
COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo esportivo. São Paulo: Contexto, 2003, p. 08.
por exemplo, liberava apenas uma coluna para as matérias que incluíam futebol e
duas colunas para o turfe.
Para o jornalista Juarez Bahia
23
, o jornalismo esportivo iniciou em 1856,
com o jornal O Atleta, que difundia ensinamentos para o aprimoramento físico dos
habitantes do Rio de Janeiro. Só em 1922 é que os grandes jornais abrem a sua
primeira página às fotos de 4 e 5 colunas com lances de futebol e segundo Juarez
Bahia sem deixar de atacar o profissionalismo que ameaça o amadorismo. Cinco
anos antes, fora criada, em São Paulo, a Associação dos Cronistas Esportivos, um
sinal de que o noticiário esportivo crescia e que os atores deste segmento
pensavam em se organizar.
O futebol conquistara definitivamente a sociedade. Vários jornais e revistas
surgiram pelo país, especialmente no eixo Rio-São Paulo. Nas seções de esportes
dos principais jornais, o futebol substituía as notícias do remo e do turfe, que
dominavam o noticiário desde o início do século.
Na década de 30, o futebol já era um esporte bem difundido e logo chegaria
ao profissionalismo. Nessa época, o Rio de Janeiro, segundo Paulo Vinicius
Coelho, era a cidade que mais tinha jornais que dedicavam espaço para o futebol.
Foi nos anos 30 que nasceu, na mesma, Rio de Janeiro, o primeiro diário
exclusivamente dedicado aos esportes no país: O Jornal dos Sports
24
.
Não podemos aqui deixar de falar sobre o jornalista e dramaturgo Nelson
Rodrigues e sua ligação com o jornalismo esportivo. O primeiro jornal em que
23
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica – História da imprensa brasileira. São Paulo: Ática,
1990, p. 152.
24
COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo esportivo. São Paulo: Contexto, 2003, p. 09.
trabalhou na editoria de esportes foi O Globo, sem receber salário, na verdade
como colaborador de seu irmão, Mário Filho. Este lançou um jornal totalmente
dedicado ao esporte, o Mundo Esportivo. As crônicas recheadas de drama e de
poesia estavam nas páginas dos jornais em que os dois irmãos trabalharam.
Sobre Nelson Rodrigues, o jornalista Paulo Vinicius Coelho escreveu:
As crônicas de Nelson Rodrigues motivavam o torcedor a ir ao estádio
para o jogo seguinte e, especialmente, a ver seu ídolo em campo. A
dramaticidade servia para aumentar a idolatria em relação a este ou
àquele jogador. Seres mortais alçados da noite para o dia à condição de
semideuses. (COELHO, 2003, p. 17)
Para André Ribeiro, a opção de Mário Filho por escrever de forma
dramática situações que poderiam parecer corriqueiras aproximou definitivamente
o torcedor do jogador e da vida do clube. A inteligência de seus textos brotava de
duas fontes bem distintas. Mário freqüentava os estádios, sentia de perto as
emoções do espetáculo, e ao mesmo tempo aprimorava os conhecimentos na
roda de intelectuais que se encontravam assiduamente no Café Nice ou na livraria
José Olympio....
25
Mário Filho era o responsável pela editoria de esportes do jornal O Globo.
Em suas mãos, o jornalismo esportivo ganharia novas dimensões. Na forma,
quase tudo mudava: título, subtítulo, legendas.
O conteúdo abria espaço para a vida dos personagens que faziam o
espetáculo. Jogadores passaram a ser endeusados, especialmente os negros.
Nos bastidores, Mário criava uma rede de informações poderosa. O prestígio do
25
RIBEIRO, André. Os Donos do espetáculo. Histórias da imprensa esportiva no Brasil. São
Paulo: Terceiro Nome, 2007, p. 74.
cargo ocupado em O Globo permitia contato direto com fontes preciosas,
principalmente dos dirigentes esportivos, descreve o jornalista André Ribeiro
26
.
Segundo o site da Fundação Cásper Líbero
27
, o jornal A Gazeta Esportiva
circulou pela primeira vez em 24 de dezembro de 1928. Inicialmente era apenas
um suplemento, um tablóide do Jornal A Gazeta, que ia às bancas toda segunda-
feira. O lançamento de um suplemento específico para o esporte nos jornais era a
prova maior de que o futebol exigia um tratamento diferenciado para seus leitores.
Após alguns anos, o suplemento tamm passou a circular aos sábados. Nos
demais dias, A Gazeta destinava duas páginas para o noticiário esportivo, e era
essa uma das principais alavancas da circulação do diário. No dia 10 de outubro
de 1947 torna-se um jornal diário com 12 páginas totalmente dedicadas ao
esporte.
Na década de 70, chegou a circular com 72 páginas. Um jornal muito
completo, com informações de todas as modalidades e coberturas dos grandes
eventos esportivos, que durou 59 anos.
Presente desde o final do século XIX no país, o jornalismo esportivo já
passou por diversas transformações e hoje é um nicho importante na imprensa
brasileira. Quase todos os grandes jornais do país possuem os cadernos
esportivos. Vamos saber como surgiu o jornalismo especializado em esportes no
meio eletrônico como o rádio e a TV e entender melhor como ele é praticado.
26
RIBEIRO, André. Os Donos do espetáculo. Histórias da imprensa esportiva no Brasil. São
Paulo: Terceiro Nome, 2007, p. 75.
27
Disponível em: <http://www.fcl.com.br>. Acesso em 27 set. 2007.
1.5 Os Primórdios do Rádio Esportivo
O radiojornalismo esportivo foi um dos primeiros gêneros a se firmar no
rádio e continua ocupando grande espaço na programação das principais
emissoras do país. Mas no início, quando a radiodifusão tinha somente nove anos
de existência, predominavam o amadorismo e a improvisação em se tratando de
noticiário. Este dependia da “tesoura”, ou seja, os locutores recortavam e liam na
íntegra as notícias dos jornais. O jornalismo esportivo não era tratado de forma
diferente.
O historiador Antonio Pedro Tota
28
descreve como foi o início do noticiário
de futebol nas emissoras paulistas: “pela primeira vez, numa tarde de domingo em
abril de 1925, a Rádio Educadora transmitiu os resultados de jogos de futebol da
capital, interior e estrangeiro. O autor esclarece ainda que “não se tratava de
transmissão direta dos jogos, mas sim de telegramas que eram lidos com os
respectivos resultados dos jogos mais importantes.
André Ribeiro afirma que o futebol, no início da década de 1930 fazia
vender qualquer coisa. Ao perceber sua força, os donos das poucas rádios
existentes no Brasil resolveram investir no esporte a partir de informações
enviadas por telefone pelos repórteres da emissora, em vez de apenas noticiar os
resultados das partidas durante a programação, como fizeram até 1931. O rádio
dividiu espaço com os jornais e acabou dominando o jornalismo esportivo, com a
vantagem da narrativa ao vivo e do detalhe.
28
TOTA, Antonio Pedro. A Locomotiva no ar – Rádio e modernidade em São Paulo. São Paulo:
PW Editores e Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, 1990, p. 44.
Para Juarez Bahia foi um período de pelo menos 30 anos de marcante
atuação, em que a palavra é usada para dar conteúdo existencial, participativo, à
expectativa do ouvinte, por mais distante que ele esteja do evento esportivo.
29
A pesquisadora Edileuza Soares
30
afirma que a transmissão pioneira de
futebol foi realizada em 1931, pelo locutor Nicolau Tuma, da Rádio Sociedade
Educadora Paulista, e marcou a criação deste segmento no rádio. “Anteriormente,
o rádio limitava-se à repetição das notícias dos jornais ou à transmissão de
informação sobre os jogos após a sua realização”. Sobre o rádio esportivo, a
pesquisadora declara:
O rádio esportivo foi essencial para a transformação do futebol em
esporte de massa e um importante complemento na definição do rádio
como meio de comunicação de massa. O ponto de partida deste
processo é a primeira narração detalhada de um jogo de futebol.
(SOARES, 1994, p. 17)
Para a historiadora Lia Calabre, a primeira transmissão aconteceu em 1927,
do Rio de Janeiro para São Paulo, pela Rádio Educadora Paulista, numa partida
do campeonato brasileiro entre paulistas e cariocas. Apesar de manter uma
programação ao gosto das elites nesta época, as emissoras de rádio tentavam se
tornar mais populares.
Um recurso muito utilizado era o de realizar transmissões especiais com a
instalação de altos falantes em lugares públicos, assim reunindo um grande
número de ouvintes. E foi o que aconteceu nesta transmissão.
29
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica – História da imprensa brasileira. São Paulo: Ática,
1990, p. 72.
30
SOARES, Edileuza. A Bola no ar – O Rádio esportivo em São Paulo. São Paulo: Summus,
1994, p. 17.
Lia Calabre afirma que para permitir que um número grande de ouvintes
pudesse acompanhar a façanha, foram instalados alto-falantes na Sorveteria Meia
Noite, na Leiteria Brilhante e em frente à sede do jornal A Gazeta. Calabre: “No dia
seguinte os jornais publicavam fotos e comentários das multidões que se reuniram
nos três locais para ouvir a transmissão. Era uma forma de atrair a atenção da
população para as potencialidades do rádio
31
. Pelo Brasil inteiro começaram a
surgir dezenas de rádios, mas, assim como o futebol, o rádio nascia elitista porque
na década de 1920, eram poucos os que podiam comprar os aparelhos
receptores, em sua maioria, importados.
Nessa época, o rádio funcionava como um clube, uma associação
sustentada por pessoas que tinham condições de pagar por isso, não existia a
publicidade. Depois que o governo, em 1932, através do decreto 21.111 autorizou
a veiculação de publicidade no rádio, tornou-se necessário à reformulação da
programação das emissoras e a criação de gêneros que atingissem a massa. O
futebol tinha este apelo, portanto as transmissões esportivas conquistavam cada
vez mais audiência.
A crescente popularização dessa mídia, aliada à nova permissão
governamental, fez surgir as primeiras agências de publicidade. O mesmo locutor
Nicolau Tuma, primeiro a realizar uma transmissão inteira no rádio e chamado de
“speaker metralhadora” pela quantidade de palavras que falava por minuto, já era
um grande negociador de anúncios. Segundo André Ribeiro
32
, três anos antes de
31
CALABRE, Lia. A Era do rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 16.
32
RIBEIRO, André. Os Donos do espetáculo. Histórias da imprensa esportiva no Brasil. São
Paulo: Terceiro Nome, 2007, p. 80.
narrar a primeira partida de futebol pelo rádio, Tuma montou sua própria agência,
prática que se tornaria comum e polêmica no futuro.
A guerra pela audiência estava declarada, e ganhar a imaginação do
ouvinte era prioridade. A transmissão esportiva “caía como uma luva” nesse novo
mercado. Lia Calabre relata em seu livro que o locutor César Ladeira declara no
início da década de 30, que o rádio estava vencendo na sua finalidade de divertir e
querer mantê-lo como veículo meramente educativo era um grande equívoco: “O
modelo de Rádio bem sucedido seria o do veículo de entretenimento
33
.
O cantor Lamartine Babo lançou alguns sambas em homenagem às
emissoras cariocas existentes na década de 30, em que destacava as principais
características de cada uma delas, permitindo uma espécie de reconstituição do
quadro radiofônico carioca. Lia Calabre afirma que a segunda emissora cantada
por Lamartine Babo foi a Rádio Clube, que com uma ampla programação
esportiva, era caracterizada como francamente do esporte
34
”.
A transmissão sistemática de futebol pelo rádio coincidiu com a
profissionalização desse esporte no Brasil, que ocorreu em janeiro de 1933. O
autor José Carlos Sebe Meihy
35
afirma que o rádio contribuiu para a passagem do
futebol amador a profissional: A transição do amadorismo para o profissionalismo
foi ajudada substancialmente pelo crescimento na divulgação do rádio em meados
dos anos 30.
33
CALABRE, Lia. A Era do rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 24.
34
IDEM p. 24.
35
MEIHY, José Carlos S. Bom. Futebol e cultura: Coletânea de estudos. São Paulo: Imprensa
Oficial, 1982. p. 29
Estava realizada uma parceria de sucesso: de um lado o rádio, que
precisava se transformar em veículo de massa para conseguir anúncios de
empresas, de outro o futebol, esporte de massa, com jogadores profissionais e
clubes, que para sustentar os novos gastos, necessitavam de jogos com grandes
públicos pagantes.
Reynaldo Tavares
36
relata que a primeira transmissão esportiva em rede
nacional foi realizada pelas rádios Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro – PRD-2,
Cruzeiro do Sul de São Paulo – PRB-6 e Clube de Santos – PRB-4, que
comandada pela rádio Clube do Brasil do Rio de Janeiro – PRA-3, fizeram a
cobertura do Campeonato Mundial de 1938, realizado em Marselha, na França. O
narrador dessa rede esportiva, que foi a primeira transmissão brasileira realizada
no exterior, foi o paulista Leonardo Gagliano Neto. Inaugurava-se a era das
transmissões esportivas internacionais, que mesmo com as limitações técnicas da
época, irradiava a Copa do Mundo para o público do Brasil.
Os locutores esportivos enfrentavam muita dificuldade por causa da falta de
recursos técnicos e suas irradiações raramente saíam perfeitas. A tecnologia tinha
pouco a oferecer. O rádio esportivo é responsável pela incorporação no Brasil das
inovações tecnológicas que surgiram na radiodifusão mundial. Edileuza Soares
afirma:
A persistência em narrações esportivas diretas provocou a busca de
melhoria nos equipamentos e o gênero acabou influenciando o
desenvolvimento do jornalismo radiofônico brasileiro. Essa contribuição
se deu principalmente com as coberturas externas. (SOARES, 1994.
p.38)
36
TAVARES, C. Reynaldo. Histórias que o rádio não contou. São Paulo: Harbra, 1999, p. 132.
O empresário Paulo Machado de Carvalho comprou em 1946, a emissora
Panamericana e a incorporou à Rede das Emissoras Unidas do Grupo Machado
de Carvalho, formada pelas rádios Record, Bandeirantes, São Paulo e Excelsior.
Como Paulo Machado de Carvalho era apaixonado por futebol e transformou a
Rádio Panamaericana na “Emissoras de Esportes”, com o primeiro departamento
esportivo do rádio brasileiro. Segundo Edileuza Soares, as emissoras desta
época não contavam com uma estrutura organizada para o trabalho na área de
esportes.
37
Ao longo dos anos, o rádio projetou centenas de prefixos de emissoras
espalhadas pelo Brasil, através de suas equipes de esporte e transmissões
acaloradas dos eventos. Para o jornalista Armando Nogueira
38
o rádio dá uma
riqueza de emoção, transborda dentro da casa do ouvinte e no próprio estádio, ou
seja, a forma de transmitir do rádio e dos locutores mostra uma capacidade de
recriar muito grande. Se observarmos o rádio, sobretudo nos tempos românticos
do futebol, a bola, quando não entrava no gol, passava sempre raspando ou
tirando tinta da trave. Não era bem verdade, mas pouco importava que não fosse.
Era quilo que você queria ouvir para se emocionar com o lance”.
O rádio também promoveu radialistas em “astros” a ponto de alguns se
transformarem em verdadeiros mitos que continuam sendo idolatrados até hoje,
como veremos a seguir.
37
SOARES, Edileuza. A Bola no ar – O Rádio esportivo em São Paulo. São Paulo: Summus,
1994, p. 46.
38
JUNIOR, Gonçalo, País da TV – A história da televisão brasileira. São Paulo: Conrad, 2001,
p. 23
1.5.1 Os Speakers e o estilo Ari Barroso
O radialista Reynaldo Tavares
39
define os speakers como locutores que
eram verdadeiros cartões de visita das emissoras de rádio, eles eram os grandes
responsáveis pela identificação dos prefixos onde desenvolviam suas atividades.
Os speakers tinham leitura firme, clara, descontraída, vozes graves, aveludadas,
inflexões cadenciadas e moduladas, num timbre macio e sensual (,)” define
Tavares. Os speakers esportivos também possuíam os mesmos adjetivos e eram
tratados e considerados “deuses” do rádio, a importância de seu nome muitas
vezes sobressaía à importância do prefixo da emissora. O público preferia
acompanhar a transmissão do jogo pelos locutores do que propriamente pela
emissora. A guerra em audiência entre as emissoras justificava os salários a peso
de ouro que estes locutores esportivos mantinham. Sobre os speakers, Reynaldo
Tavares escreveu:
O locutor de rádio era quase um deus (…). Houve casos em que os
locutores (pelo prestígio individual de cada um) acabavam sendo mais
importantes que os próprios programas por eles apresentados.
(TAVARES, 1999. p. 89)
Podemos citar como exemplo destes speakers que eram considerados
deuses, logo nos primórdios do rádio esportivo, Ari Barroso. Além de locutor
esportivo, foi jornalista, produtor de espetáculos teatrais, compositor de música
popular (é autor da música Aquarela do Brasil) e animador de programas de
39
TAVARES, Reynaldo. Histórias que o rádio não contou. São Paulo: Harbra, 1999, p. 89.
calouros no rádio e na televisão. Ari Barroso como locutor esportivo estreou na
Rádio Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro PRD-2, em 1936, substituindo o locutor
Afonso Scola, que sofreu uma grave crise de saúde, em decorrência de uma
úlcera no estômago.
Ari não era até então locutor esportivo, mas já ocupava posição de
destaque no rádio e por ser muito interessado nos esportes e principalmente pelo
Flamengo fez logo sucesso como speaker esportivo. Um tempo depois transferiu-
se para a Rádio Tupi do Rio de Janeiro, onde permaneceu por mais de 15 anos.
Era conhecido como o “speaker da gaitinha” porque em suas transmissões
substituía o grito de gol pelo sopro de uma gaitinha. Nesta época ainda não existia
as cabines de rádio como são hoje no estádio e as transmissões eram realizadas
no meio do público e quase sempre as comemorações dos torcedores abafavam o
grito de gol do locutor.
Ari Barroso, segundo Sergio Cabral
40
, precisava arranjar um som especial
para que os ouvintes percebessem imediatamente que ocorrera um gol. Reservou
uma tarde para percorrer o comércio do centro da cidade, numa pesquisa em
busca do objeto que emitiria o som desejado. Entrou em várias lojas,
experimentou sirenes, apitos, sinos, flautinhas, sanfoninhas, mas nada oferecia o
som desejado. “Entrou numa loja de brinquedos e foi atendido pelo proprietário,
por sinal, também um desportista: era o Chocolate, diretor de basquete do Clube
de Regatas Vasco da Gama. Depois de fazer várias sugestões, Chocolate
mostrou a gaitinha que o encantou, no primeiro sopro, pela emissão de uma
escala cromática irregular e aguda. Mandou embrulhar uma dúzia”. Portanto,
40
CABRAL, Sergio. No tempo de Ary Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1993, p.170
como a sonoplastia não fazia parte das transmissões radiofônicas, apenas das
rádionovelas encenadas nos estúdios, Ari Barroso inventou as vinhetas utilizando
sua famosa gaita, que funicionava como uma espécie de sinal não eletrônico.
O jornalista e locutor esportivo Carlos Fernando Schinner
41
relata que Ari
Barroso mudava o diapasão da narrativa chamando a atenção de seus ouvintes
pelo ruído surpreendente da harmônica de boca. Älém disso, Ari era um
espetáculo à parte, e foi o primeiro narrador a usar a irreverência, o fanatismo e a
passinalidade como marca registrada de suas transmissões.
Sergio Cabral
42
descreve que na estréia de Ari Barroso no rádio esportivo, o
locutor conferiu à sua narração um charme todo especial, misturando informações
com opiniões pessoais, comentários irreverentes e frases de efeito que passaram
a ser a grande característica deste locutor esportivo. Ari Barroso foi o responsável
pela ampliação do setor esportivo na Rádio Cruzeiro do Sul, criando um programa
diário, chamado Esportes na Batata. Neste programa, lançou o profissional Aílton
Flores, que foi o primeiro a trabalhar como repórter de campo nos jogos de futebol,
uma das criações de Ari Barroso nas transmissões esportivas.
Em 1937, Ari Barroso viajou para a Argentina para transmitir Brasil x
Argentina, pelos Jogos do Campeonato Sul-americano. O jornalista Sergio
Cabral
43
declara que foi uma experiência assustadora porque houve pancadaria
no campo e o speaker Ari Barroso não se limitava a narrar o jogo.
41
SCHINNER, Carlos Fernando. Manual dos locutores esportivos. São Paulo: Panda, 2004, p.
23
42
CABRAL, Sergio. No tempo de Ary Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1993, p.162
43
Ibid., p. 164
Com seu microfone na beira do gramado chegou até a invadir o campo
para protestar contra o árbitro. Quando o jogador brasileiro Jaú
machucou a clavícula atuou o resto da partida com o braço na tipóia. E a
tipóia era nada menos do que a gravata de Ary Barroso, que parecia mais
interessado na vitória do Brasil do que, propriamente, na transmissão da
partida. (CABRAL, 1993. p. 164)
Naquela partida, Ari Barroso simplesmente abandonou a transmissão e foi
para a beira do gramado incentivar os jogadores. Os ouvintes da partida só não
ficaram sem saber o que aconteceu no jogo Brasil x Argentina porque o locutor
Gagliano Neto, que transmitia a partida para a rádio Clube, pegou o microfone da
Cruzeiro do Sul e passou a transmitir para as duas emissoras.
Apesar de Ari Barroso ter saído do estádio escoltado pela polícia local
debaixo de vaias e muitos objetos atirados pelos argentinos, o ato teve suas
compensações: Além de ter obtido uma grande audiência no Brasil, o speaker foi
recebido como herói nacional, na volta de Buenos Aires, relata Sergio Cabral.
Para Reynaldo Tavares
44
, Ari Barroso foi o mais polêmico e carismático dos
narradores esportivos. E não era nada imparcial. “Flamenguista apaixonado, tecia
comentários sempre tendenciosos, principalmente quando as irradiações
envolviam o Clube de Regatas do Flamengo, seu clube de coração (...). Sergio
Cabral afirma:
(..) as transmissões esportivas de Ari Barroso eram quase sempre
apaixonadas e no final dos anos 30, ele já desfrutava de enorme prestígio
nos meios radiofônicos do país, dividindo-se entre as transmissões
esportivas, a produção de revistas musicais para o teatro, seus
programas de calouros e suas atividades de cronista e compositor
popular. (CABRAL, 1990. p. 167)
44
TAVARES, Reynaldo. Histórias que o rádio não contou. São Paulo: Harbra, 1999, p. 135.
Não há dúvidas que as transmissões de Ari Barroso eram recheadas de
doses de emoção, quase teatral e que ele próprio era o protagonista deste
espetáculo. O estilo de Ari Barroso permanece até hoje em locutores esportivos
tanto do rádio quanto da televisão. A pesquisadora Edileuza Soares afirma que:
O rádio esportivo foi e continua sendo como um teatro. Os locutores
apresentam o espetáculo e o ouvinte aplaude os artistas. Os aspectos
mais comuns do teatro, segundo Bertolt Brecht, são recreação e
diversão. (SOARES, 1994. p. 34)
Ari Barroso não foi somente locutor esportivo e mesmo enquanto estava
nesta função, participava de programas humorísticos, conduzia o programa
Calouros em desfile (primeiro programa de calouros do rádio brasileiro), escrevia
quadros para os radioatores, muitas vezes sentava-se ao piano para tocar uma
música ou para acompanhar um cantor. Não abandonava o teatro e não largava o
Flamengo, freqüentando o clube e participando da política interna. Ainda estava
sempre em contato com colegas da música popular brasileira. Ari Barroso era um
animador de auditório, apresentador, um verdadeiro artista do rádio. O que os
radialistas esportivos fazem na narração tem um pouco disso, é show e
entretenimento. Um dos primeiros a adotar este estilo de locução de transmissão
de futebol foi Ari Barroso, que foi seguido por muitos e é até hoje.
Percebe-se, na finalização deste capítulo, a importância do futebol na
cultura brasileira contemporânea, e o quanto está intimamente ligado à “identidade
brasileira”. A propósito das mudanças culturais ocorridas no Brasil e com a
crescente participação dos meios de comunicação de massa na sociedade, o
futebol se torna o produto mais popular do sistema midiático, sendo o rádio o
grande responsável por esta transformação até o surgimento da televisão.
No próximo capítulo, abordaremos de que forma o futebol foi incorporado
pela indústria cultural, e se tornou um espetáculo para ser assistido e consumido e
qual o papel da imprensa nesta trajetória.
Capítulo II
Um Espetáculo Chamado
Jornalismo Esportivo
Capítulo II
UM ESPETÁCULO CHAMADO JORNALISMO ESPORTIVO
2.1 Indústria Cultural
Reconheceu-se desde o início da presente pesquisa, a complexidade da
relação, meios de comunicação, futebol e cultura. Encontrou-se na teoria crítica de
Adorno e Horkheimer o referencial necessário para relacionar estes segmentos,
sendo o conceito de Indústria Cultural, fio condutor inicial e fundamental para a
compreensão desta problemática.
O conceito de Indústria Cultural foi elaborado por Adorno e Horkheimer e
significa uma forma de mercantilização da cultura através da adaptação das
mercadorias culturais às massas e das massas a essas mercadorias segundo
estes autores. A cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança e
vale lembrar que a categoria massas significa a homogeneização das classes
sociais; o processo de massificação atinge todas as classes. Dessa forma, por
exemplo, tanto indivíduos das classes mais altas quanto das classes mais baixas
são seduzidos pela Indústria Cultural. O futebol, que é um esporte considerado de
massa, atinge a todas as classes como vimos nos capítulos anteriores da presente
pesquisa, e aliado à mídia, facilmente se encaixa como produto a Indústria
Cultural.
A baixa qualidade dos produtos oferecidos pela indústria cultural,
principalmente sua padronização, é resultado da necessidade dos próprios
consumidores. Para os teóricos Adorno e Horkheimer
45
o esquematismo do
procedimento mostra-se no fato de que os produtos mecanicamente diferenciados
acabam por se revelar sempre como a mesma coisa. Percebemos este conceito
claramente nos programas dominicais de futebol, estilo mesa-redonda.
Praticamente em todos os canais da televisão aberta, após a rodada do futebol, à
noite, estes programas são exibidos com conteúdo e perfil muito semelhantes. A
sensação ao mudar de canal é que não mudamos de emissora. Quando o
conteúdo não é bom, ele tende a se assemelhar com outros e Adorno e
Horkheimer
46
colocam este conceito quando declaram que a obra medíocre
sempre se ateve à semelhança com outras, isto é, ao sucedâneo da identidade. A
indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto.
De acordo com os autores da Escola de Frankfurt,, a Indústria Cultural
decompõe o que podemos perceber em suas partes elementares e as rearranja de
um modo que lhe seja interessante, ela adquire o enorme poder de influenciar no
modo como nós percebemos a realidade, ou seja, a maneira como nós
percebemos o mundo. Especialmente o rádio e a TV podem criar a ilusão de um
mundo que não é o que nossa consciência espontaneamente pode perceber, mas
o que interessa ao sistema econômico, no qual se insere a indústria cultural.
O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A
verdade de que não passam de um negócio, ele a utilizam como uma
ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem.
(ADORNO, 1985. p.114)
45
ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Jorge Zahar Editor,
1985, p. 116.
46
Ibid., p. 123.
A Indústria Cultural existe para nos entreter, para nos divertir. É quando
estamos vivendo nosso momento de lazer que a indústria de consumo age. Se no
trabalho não podemos fazer isso tão abertamente é no lazer que fazemos. É
também no lazer que nós desempenhamos uma função primordial para a
sociedade capitalista, que é consumir. Adorno e Horkheimer
47
declaram que até
mesmo os distraídos, ou seja, os indivíduos sem pretensão de comprar irão
consumir os produtos da indústria cultural e que esta não dá folga a ninguém,
tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho.
O conceito Indústria Cultural está relacionado com o processo de
banalização da cultura através de sua mercantilização. É uma cultura que se
esvazia de seu valor real para ser preenchida somente por seu valor de mercado e
para consumo das massas. Os meios de comunicação representam uma parcela
muito importante na ampliação deste processo, devido à função que possuem em
serem mediadores entre a produção de cultura e a sociedade contemporânea. Os
fenômenos midiáticos relacionados com o futebol nos mostram o poder dessa
indústria cultural que consegue até mesmo manipular as regras dos jogos, para
veicular seus valores, crenças e ideologias, buscando a audiência e os lucros,
como elementos de sustentação.
A Indústria Cultural satisfaz às necessidades pré-existentes dos indivíduos,
necessidades inclusive de consumo, todo nosso comportamento é direcionado
para o consumo. Eu existo, logo consumo. E a sociedade capitalista trabalha com
a questão do indivíduo, há uma valorização do indivíduo. Ele pode ser sujeito do
47
ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Jorge Zahar Editor,
1985, p. 119.
seu próprio destino. Aliada à publicidade, a indústria cultural cria clichês para que
o público se reconheça neles, conseqüentemente, o consumo aumenta. Os
programas e as transmissões esportivas são recheadas desses clichês fazendo
com que o público de identifique com aquela mensagem, que também é recheada
de publicidade.
Numa sociedade capitalista sabemos que o indivíduo valoriza seus
momentos de lazer, de folga, para sair da rotina de seu trabalho. Segundo Adorno
e Horhkeimer
48
, a diversão é procurada por quem quer escapar ao processo de
trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. A
Indústria Cultural incentiva à produção de mercadorias destinadas a diversão e
tamm incentiva o consumo de bens da própria indústria cultural.
Adorno e Horkheimer chegam a afirmar que o controle da Indústria Cultural
sobre os consumidores é mediado pela diversão. Podemos observar que os
programas esportivos, principalmente aqueles transmitidos aos domingos, durante
a folga destes consumidores, são cada dia mais movidos pela diversão. Os
apresentadores se desdobram em entreter seus telespectadores com prêmios,
piadas, risadas, humilhações de colegas, vale até encenar algum papel neste
espetáculo. Há destaque no texto da Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer
quanto a este aspecto circense:
A Indústria Cultural conserva o vestígio de algo melhor nos traços que a
aproximam do circo, na habilidade obstinada e insensata dos cavaleiros,
acrobatas e palhaços, na defesa e justificação da arte corporal em face
da arte espiritual”. (ADORNO, 1985. p. 134)
48
ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Jorge Zahar Editor,
1985, p. 128.
Em vários programas, estes jornalistas assumem um papel teatral na
atração, sendo um o bonzinho, o outro o ranzinza, o ingênuo, o seguinte o bravo.
Com isso, as discussões crescem, tornam-se até polêmicas gerando audiência.
Na Indústria Cultural, tudo se torna negócio.
2.2 As Primeiras Estrelas do Espetáculo
Vimos no primeiro capítulo, a consolidação do jornal como mídia esportiva,
a atuação de Mário Cardin, Nelson Rodrigues, Mário Filho. Foi na década de 30,
que o rádio começou a crescer principalmente com as transmissões de futebol.
Destacamos aqui alguns nomes de importância histórica como, por exemplo,
Nicolau Tuma, que realizou a primeira transmissão esportiva. Todavia, três
locutores colaboraram para transformar em fenômeno as transmissões
radiofônicas e foram os responsáveis pela popularização do futebol e por fazer
dele um grande espetáculo. São eles: Pedro Luiz Paoliello, Fiori Gigliotti e Osmar
Santos.
Durante décadas, Pedro Luiz foi considerado o melhor locutor de futebol do
rádio e tinha em seu nome praticamente uma marca. Segundo Reynaldo
Tavares
49
, Pedro Luiz era conhecido como O homem de 11 Copas por ter
narrado por diferentes prefixos paulistas 11 mundiais, sendo um dos mais
perfeitos locutores esportivos do rádio brasileiro, em todos os tempos. Iniciou sua
carreira de speaker na Rádio Difusora de Franca. No final dos anos 40, na capital
paulista, chefiou o departamento esportivo da Rádio Panamericana, considerada a
emissora de esportes e coube a ele reunir um grupo de profissionais de primeira
linha para irradiações de todos os esportes.
Para o jornalista Carlos Fernando Schinner
50
, Pedro Luiz planejava suas
narrações com antecedência, visualizava as partidas que iria narrar e tinha todo o
49
TAVARES, C. Reynaldo. Histórias que o rádio não contou. São Paulo: Harbra, 1999, p. 142.
50
SCHINNER, Carlos Fernando. Manual dos locutores esportivos. São Paulo: Panda, 2004, p.
39.
jogo na cabeça. Seu senso de profissionalismo, perfeccionismo e dedicação eram
inquestionáveis, exigindo sempre os mais altos salários e melhores condições de
trabalho para sua equipe. Sobre o estilo de narrar de Pedro Luiz, Schinner
escreveu:
Extremamente técnico, voz clara, estilo sóbrio e impecável, Pedro não
ousava errar. E segurava tudo no gogó, numa época em que não
existiam as famosas vinhetas que dão um colorido especial às
transmissões. (Schinner, 2004. p. 39)
A cada troca de prefixo, com contratos milionários para a época, Pedro Luiz
sabia que estava movimentando o mercado e valorizando seus companheiros.
Sua consciência profissional transcendia os limites de um estádio ou de um
estúdio de rádio. Ele sempre valorizou sua equipe e brigou muito por melhores
condições de trabalho para todos.
A autora desta pesquisa, que teve a oportunidade de trabalhar com Pedro
Luiz na Rádio Gazeta AM, num projeto em que colocava a emissora como 15
horas de esportes por dia, comprovou o que muitos já diziam. No final de 1995, o
projeto 15 horas de esporte acabou sendo extinto, para em seu lugar entrar uma
programação religiosa da Igreja Deus é Amor, dirigida pelo pastor Davi Miranda,
que iria locar o horário e trazer mais receita para a emissora. Com isto toda a
equipe, desde técnicos de áudio, repórteres, motoristas, produtores e locutores
ficariam sem emprego.
Apesar de não ter conseguido evitar o fim da segmentação esportiva da
rádio Gazeta AM, Pedro Luiz Paoliello, que era o chefe da equipe, com seus 75
anos e já com a saúde abalada, lutou até o fim para evitar o fechamento de sua
equipe comprando brigas com diretores e a alta cúpula administrativa da
Fundação Cásper Líbero.
Durante mais de cinco décadas e dez Copas do Mundo, que transmitiu
como locutor esportivo, Fiori Gigliotti, marcou gerações que acompanhavam pelo
rádio jogos de futebol de seus clubes preferidos, principalmente numa época em
que a televisão não transmitia os jogos ao vivo. Fiori criou maneiras de narrar que
até hoje se repetem, na imitação dos seus bordões.
Gigliotti começou a carreira na Rádio Clube de Lins, mas não como locutor
esportivo. Apresentava programas românticos da qual fazia tradução de letra de
música. Os programas "Crepúsculo Romântico" e "Quando Fala o Coração", na
Rádio Cultura de Araçatuba, fizeram tanto sucesso que precisou fugir da cidade
por conta do assédio das fãs, especialmente porque uma ouvinte se apaixonou e o
perseguia. No mesmo ano voltou para a Rádio Lins e aos 17 anos fez sua primeira
transmissão esportiva. Um convite da Rádio Bandeirantes, em 1952, levou-o para
São Paulo para apresentar o programa "Quando Fala o Coração", que
ultrapassava a marca de mil cartas por mês. Paralelamente, foi trabalhando para a
equipe de esportes. Sua primeira narração foi um treino da Seleção Paulista e do
Santos Futebol Clube.
Dez anos depois, a Panamericana fez uma proposta que quadriplicou seu
salário e teve a oportunidade de cobrir sua primeira Copa. Posteriormente voltou
para a Rádio Bandeirantes, na qual trabalhou por 38 anos. Montou um projeto
itinerante chamado “Escrete do Rádio”, que viajava pelo interior do país em forma
de time de futebol, fazendo jogos beneficentes. Assim a equipe de esportes se
apresentava em cidadezinhas e saía consagrada, sendo reconhecida e agraciada
pelos milhares de ouvintes. Foi assim que Fiori conquistou mais de duzentos
títulos de cidadão honorário, provando sua enorme popularidade Brasil afora.
Tamm criou um quadro que ficou muito famoso e é imitado em várias
rádios esportivas até hoje chamado “O Cantinho da Saudade”. Nele Fiori
recordava a trajetória de antigos ídolos, que depois de conhecerem a glória,
ficaram pobres, esquecidos e no ostracismo. Sobre este quadro, Carlos Fernando
Schinner
51
escreveu:
O locutor encantava seus ouvintes relembrando antigos jogadores que marcaram
época, num estilo inimitável e sempre de improviso. Não era difícil chegarmos às
lágrimas ouvindo a voz macia, grave e emocional de Fiori, fenômeno do rádio que
sempre conseguiu ultrapassar o lado meramente futebolístico da comunicação.
(Schinner, 2004, p. 44)
O gosto pela oratória surgiu por acaso, depois de um discurso, como orador
da festa de sua escola na cidade de Lins. Na verdade não queria subir no
palanque, mas a pedido de sua professora primária, fez o discurso, falou bem e
ainda fez alterações no texto. Sobre sua forma de narrar, Schinner
52
relata que
Fiori pode ser considerado o poeta lírico das transmissões, consagrado por seu
estilo coloquial, nostálgico e romântico. A exemplo de Hélio Ribeiro, Fiori nasceu
com o poder da mensagem, a verve poética e a extraordinária habilidade com o
vernáculo.
51
SCHINNER, Carlos Fernando. Manual dos locutores esportivos. São Paulo: Panda, 2004,
p.44.
52
SCHINNER, Carlos Fernando. Manual dos locutores esportivos. São Paulo: Panda, 2004,
p.44.
O estilo de narrar do radialista era recheado de bordões e metáforas, que
se tornaram famosos como: “Abrem-se às cortinas e começa o espetáculo” (usado
para iniciar o jogo); “O temmmmmmmmmpo passa, torcida brasileira!” (quando
uma equipe precisava fazer um gol); “Aguennnnnnnnnnnnnnnnta coração!”;
“Crepúsculo de jogo, torcida brasileira” (para encerrar a partida). Carlos Fernando
Schinner confirma este estilo exagerado de metáforas e figuras de linguagens.
Lembra um pouco o estilo homérico por causa das frases, das chaves, dos
provérbios que vão se encaixando.
53
Com uma capacidade de criar impressionante, Fiori dedicou quase 60 anos
ao rádio e sempre com o estilo romântico de fazer a locução seja esportiva ou
não. O radialista morreu aos 77 anos, vítima de câncer, às vésperas da Copa da
Alemanha, a 11ª que cobriria.
O terceiro locutor que destacamos nesta pesquisa foi o que fez a transição
entre o rádio e a televisão. Osmar Santos nasceu em Osvaldo Cruz, interior de
São Paulo e veio trabalhar na rádio Jovem Pan, em 1972. Do ponto de vista
técnico, tinha uma voz possante, bem calibrada, e sabia jogar com os tons mais
graves quando necessário. Dificilmente desafinada em suas transmissões, mesmo
nos lances mais agudos que eram narrados com pitadas de humor e muitos
bordões como “Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha” (que usava nas horas de
cobrança de falta ou pênalti); “xiruliruli, xirulirulá (na hora do drible);
“animaaaaaaaaaaaaaaaalll” (para os grandes craques); “É fogo no boné do
guarda”(na eminência de um gol); “Curtindo amor em terra estranha”(para jogador
53
Ibid., p. 45.
impedido); “É lá que a menina mora”(para a bola na rede); “No carocinho do
abacate”(o meio-de-campo); “É uma louchúria”(quando o jogo estava bom,
parodiando o apresentador Athaíde Patrese, onde tudo era um luuuuxo);
“Pitipitipó”(como se fosse uma fórmula mágica para se fazer o gol); “Não, mil
vezes não”; “Por que parou, parou por quê?”, entre outras.
Quando Osmar Santos adquiriu prestígio na capital paulista passou a ser
disputado a “peso de ouro” pelas emissoras, e sua transferência da rádio Jovem
Pan para a Globo agitou ainda mais a vida dos profissionais do meio, dos ouvintes
e do mercado publicitário. Trabalhou ainda nas TVs Record, Manchete e Globo,
onde apresentou o programa Guerra dos Sexos. Segundo Carlos Fernando
Schinner
54
, Osmar Santos conseguiu marcar suas transmissões por meio de uma
fórmula inovadora, com muita criatividade, irreverência, talento, emoção e
carisma. “Sua passagem pela TV Globo fez com que a emissora mudasse sua
linguagem junto ao público telespectador, tornando-a bem mais jovem, informal e
incorporando bordões às suas vinhetas de programação, afirma Schinner.
Para o jornalista Paulo Mattiussi
55
, Osmar Santos aumentou a voltagem da
emoção na locução.Introduziu o DJ nas transmissões: o juiz apitava o início do
jogo e entrava o Gonzaguinha com os versos eu acredito é na rapaziada. Com o
Osmar os gols de Pelé, Edu, Leivinha, Serginho, Enéas, Sócrates e Casagrande
eram mais emocionantes.
O radialista tornou-se rapidamente garoto-propaganda de inúmeros
produtos, era muito requisitado em eventos sociais, mas o que muito marcou sua
54
SCHINNER, Carlos Fernando. Manual dos locutores esportivos. São Paulo: Panda, 2004, p.
46
55
MATTIUSSI, Paulo. Osmar Santos, o milagreda vida. São Paulo: Sapienza, 2004, p. 40
carreira foi o título de “voz das Diretas”, em 1984. Neste período o país
atravessava a fase de transição da ditadura militar para a democracia com a
queda do AI-5 em 1978. Para a consolidação da abertura política restava apenas
a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que garantiria à população o direito ao
voto direto para presidente. Schinner ainda relata:
Com bom humor, animação e domínio da multidão, Osmar transformou-
se num fenômeno dos palcos, e fez dos comícios, verdadeiros
“showmícios” ao lado de artistas, políticos como Ulisses Guimarães,
Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, entre outros. (SCHINNER,
2004. p. 48)
Matiusse explica que o diretor de jornalismo do Sistema Globo de Rádio,
Sérgio de Souza afirmava sempre que Osmar Santos revolucionou toda a
transmissão esportiva, e não podia ser comparado com ninguém. Além disso, o
igualava a um artista:
Ele sofria uma metamorfose a partir do momento em que pegava o
microfone na cabine do estádio. Era o artista que, no palco, assume uma
relação com o desconhecido, transmite uma emoção retirada do mais
fundo do ser. Posso comparar este transporte do Osmar ao de uma
cantora que tive a sorte de ver atuando de perto, a Janis Joplin. (SERGIO
DE SOUSA – abud MATIUSSE, 2004, P. 42)
Em dezembro de 1994, um grave acidente automobilístico numa estrada do
interior paulista abreviou a carreira de Osmar Santos. Como maior seqüela,
perdeu sua capacidade vocal. Osmar Santos gostava muito de poesia, artes, e
teatro e foi buscar neste muito de sua inspiração. Além disso, comparou os
sentimentos que o teatro provoca no ser humano com a essência do rádio que
gostava de fazer. Osmar Santos foi sem dúvida, uma das maiores estrelas da
mídia eletrônica esportiva porque unia talento a elementos de show de
entretenimento tornando o espetáculo mais evidente.
2.3 Sociedade do Espetáculo
Depois que o futebol foi assimilado pelas massas, ele passou a ser
apreciado como espetáculo por meio das imagens veiculadas pela televisão, num
fenômeno produzido com as mais altas tecnologias, incorporando beleza ao gesto
técnico, buscando a imagem mais que espetacular. Na verdade, isto não acontece
somente com o futebol, mas sim com todo esporte que consegue atingir às
massas e fornecer imagens espetaculares aos telespectadores. Ou seja, o esporte
parece ser o parceiro preferencial da espetacularização na mídia televisiva,
porque oferece, em contrapartida, o showpronto; possui elementos fortes para
esta parceria, porque ganha características de um show de entretenimento.
Façamos um teste simples. Se assistirmos a uma partida diretamente do
estádio, levarmos uma televisão para acompanhar o jogo e também ouvirmos a
transmissão pelas ondas do rádio, teremos a nítida sensação de estar
participando de três eventos completamente distintos. Além disso, não só na
transmissão do locutor, em sua forma de narrar, mas tamm no jogo de imagens.
Percebe-se o quanto a imagem é controlada por uma equipe de profissionais
preocupados em mostrar somente o que lhes interessam, como se eliminasse a
capacidade crítica do sujeito.
Em sua obra Sociedade do Espetáculo, o teórico Guy Debord critica a
sociedade que se organiza em torno de uma constante falsificação da vida
comum. O futebol comum é pobre, a maioria dos jogadores que praticam este
esporte recebem muito pouco ou quase não recebem salário. Mas raramente
vemos uma reportagem abordando este tema. Na tela da TV somente há espaço
para a espetacularização da vida destes jogadores que sempre são milionários,
com carros sensacionais e lindas mulheres.
Debord afirma que os indivíduos são obrigados a contemplar e a consumir
passivamente as imagens de tudo que lhes falta em sua existência real:
(...) a fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos
resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento
generalizado do ter para o parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair
seu prestígio imediato e sua função última (...). (DEBORD, 1997. p.18)
Apesar de ter escrito sua obra em 1967, quando a televisão ensaiava uma
estruturação, a tecnologia ainda se desenvolvia e a indústria cultural se
estruturava como entretenimento em meio à realidade e a ficção, Debord
anunciava a fase do “ter” para “parecer”, do “dinheiro que apenas se olha” como
modelo dominante de vida da sociedade atual.
O futebol gera notícias extraordinárias, informações de vendas milionárias
de jogadores, a vida cada vez mais glamourosa destes, pautas sobre
superfaturamento de eventos esportivos, CPIs do futebol, e muito mais. Ou seja,
futebol dá visibilidade. E as tecnologias aliadas na constituição do futebol
espetáculo da atualidade como: transmissões via satélite, câmeras cada vez mais
potentes e detalhistas, computação gráfica, etc, nos colocam numa condição de
contempladores deste espetáculo. É como se não tivéssemos mais contato com o
verdadeiro esporte, fôssemos apenas espectadores e não mais atores destes.
Para Debord
56
o espetáculo domina os homens vivos quando a economia
os dominou totalmente. Ele nada mais é que a economia desenvolvendo-se por si
mesma. É o reflexo fiel da produção das coisas, e a objetivação infiel dos
produtores. No caso podemos falar dos produtores de conteúdo, portanto, os
jornalistas esportivos.
O componente comercial do esporte, a ambição de lucrar com sua
promoção e operação atingiu seu apogeu na segunda metade do século XX e foi
muito impulsionado pela televisão. Mauro Betti
57
, afirma que o desenvolvimento
das funções políticas e econômicas do esporte é intensificado pela reportagem
esportiva. É por meio da popularidade dos astros esportivos, da constante
recepção de informações e imagens sobre o esporte, e da combinação de
sucesso com a imagem do produto, que o esporte se torna interessante para a
indústria. Por esses motivos, esporte-espetáculo parece ser a denominação mais
apropriada para designar a forma assumida pelo esporte em nossa sociedade.
Pouco se vê hoje o talento de um jogador, o chamado futebol-arte, mas sim
uma indústria de super jogadores. O sensacionalismo, a espetacularização, as
doses exageradas de emoção, tudo que era diretamente vivido e agora é apenas
representado ou observado, compõem o espetáculo. O futebol é hoje um produto
cultural, uma mercadoria de consumo. Para isso precisa espetacularizar suas
informações. Como? Através de situações de extrema emoção como um atleta
negro e pobre recebendo a medalha e mergulhado em lágrimas, imagens incríveis
e sensacionalistas de acidentes, vôos rasantes e muito mais.
56
DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 17 e 18.
57
BETTI, Mauro. A Janela de vidro – esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus,
1998, p. 32.
O que vale é a aparência, é o que é formado através das imagens e o
quanto de retorno financeiro e aumento de audiência estas imagens conseguem
trazer. E a televisão tem imensa parcela na espetacularização do futebol e do
jornalismo esportivo. O jornalismo mais sóbrio e investigativo acaba perdendo
muito espaço. Os profissionais que atuam no segmento esportivo dificilmente
sabem o significado antropológico do futebol para a sociedade, o que este esporte
significa na cultura brasileira. Falta oferecer, através da informação educacional
sobre o esporte, perspectivas de uma vida mais saudável. Seria importante
também proporcionar uma informação mais cultural sobre o futebol e suas
relações com a sociedade.
Percebe-se um esvaziamento da função social do jornalismo, no caso do
jornalismo esportivo. E é neste ponto que analisaremos, no item a seguir, como
está o jornalismo esportivo na sociedade contemporânea.
2.4 O Esporte como Espetáculo e Cultura de Massa
Muitas pessoas, apesar de não praticarem nenhum esporte, gostam de
assisti-los. O esporte é o grande espetáculo do último século, cada vez atrai mais
público e causa uma maior repercussão. Segundo o sociólogo Antonio Franco
Estadella o número de pessoas que chegam a ver uma obra de fama universal,
como Hamlet ou Hair, por meio de todos os meios possíveis – companhias
profissionais, grupos de amadores, versões filmadas e televisionadas, não pode
ser comparada com o das que são mobilizadas pelos grandes acontecimentos
desportivos transmitidos pelo rádio e pela televisão. Nenhum outro acontecimento
tem o mesmo poder de mobilização.
Para citar alguns exemplos, a final da Copa do Mundo da Alemanha em
Munich, em 1974, foi vista por cerca de 800 milhões de pessoas. A Copa do
Mundo da Alemanha, em 2006, foi vista, somando todos os jogos, por 32 bilhões
de telespectadores segundo a Fifa.
A televisão conseguiu êxitos graças aos acontecimentos esportivos. Trata-
se de um fenômeno importante e segundo Franco Estadella
58
, alguns sociólogos
acreditam ter encontrado uma razoável explicação para a questão: enquanto o
teatro e o cinema são espetáculos que tendem a isolar o espectador face a uma
história ou um problema, o espetáculo esportivo o coloca em íntimo contato com
os que se acham próximos. A afirmação é válida tanto para os estádios como
para as transmissões que são acompanhadas coletivamente. Em finais de
58
ESTADELLA, A.F. Esporte e sociedade. Rio de Janeiro: ED. Salvat, 1979, p. 85.
campeonato, é muito comum as pessoas se reunirem em bares, clubes ou
qualquer outro local público, para assistirem juntas ao espetáculo.
Mas nem sempre o futebol foi assim: popular e de massas. Logo quando foi
trazido para o Brasil, o futebol era um esporte elitizado e praticado por
pouquíssimas pessoas. Gradativamente o futebol passa a ser um esporte do povo,
conquistado pelo povo. A partir da década de 30, o prestígio popular do futebol
aumenta e também sua importância cultural. O número de torcedores cresce em
ritmo acelerado e Waldenyr Caldas afirma que:
(...) esse aumento de público deve-se basicamente a dois motivos: à
rápida popularização do futebol e, ao mesmo tempo, ao espaço cada vez
maior que ele ocupava no cotidiano das camadas mais modestas da
população. Esses dois fatores vão reiterá-lo e consolidá-lo como o
primeiro esporte de massa em nosso país. (CALDAS, 1990. p. 189)
A emoção cresce em intensidade proporcionalmente ao mero de
presentes. O esporte atinge um grau tão alto de identificação entre os que o
praticam e os que o observam que as massas gritam sua alegria, exprimem sua
tristeza, suspiram, assustam-se e silenciam com tal unanimidade que parecem
conduzidas por um maestro. A empolgação com que os espectadores manifestam
suas emoções não é destinada apenas a estimular o jogador, mas constitui
tamm uma forma natural de descarregar as tensões do próprio público, inclusive
as de origem extra-esportiva, como o cansaço devido ao trabalho, preocupações
com dívidas, contratempos domésticos, etc. O torcedor tem a sensação de que
não está só, de que tem algo em comum com os outros espectadores que tomam
partido, a favor do mesmo esportista ou da mesma equipe que ele, e, nestas
condições, não se envergonha de manifestar em voz alta seus sentimentos e
opiniões.
Estadella afirma que na sociedade industrial, caracterizada, entre outras
coisas pela massificação, o esporte-espetáculo está ameaçado de dois lados:
Por um lado, corre o risco de se transformar eventualmente em mais um
artigo de consumo; por outro, poderá se transformar num simples
negócio. A partir do momento em que pode ser uma profissão, o esporte
subordina-se à necessidade de dar dinheiro e, na medida em que se
subordina a esta possibilidade, orienta-se no sentido do que mais agrada
às pessoas, o que nem sempre é o mais esportivo, moral ou limpo.
(ESTADELLA, 1979, P. 110)
A Coordenadora do Núcleo de Pesquisa “Comunicação e Esporte” da
INTERCOM, e professora da UNICAMP, Professora Vera Regina Toledo
Camargo
59
, sustenta que “a associação dos meios de comunicação com o futebol
mudou alguns aspectos da sociedade. A televisão leva a todos os recantos do
país a esportivação do ato midiático de jogar bola. Ou seja, os aspectos
mercadológicos, como patrocínios, marketing esportivo, merchandising, também
são levados em conta e acabam alterando o comportamento e a cultura
futebolística. É o jogador que não atua mais somente pelo amor a camisa, ao
clube e sim por maiores salários, direitos de imagem e lucros. É o jornalista
esportivo que não deseja somente informar ou levar a notícia ao público e sim
mantê-lo ligado ao seu canal seja lá com que argumentos forem necessários.
A parceria entre futebol e mídia data da década de 30, quando os jornais
começaram a divulgar informações do esporte. Como já abordamos no item sobre
59
CAMARGO, Vera R.T. “Elementos para uma concepção da cultura da massa”, in: Futebol
espetáculo do Século. São Paulo: Musa, 1999, p. 72.
o surgimento do futebol no meio radiofônico que a massificação do esporte e dos
meios de comunicação de massa aconteceu com a união do futebol de campo e
do rádio. Como vimos no início desta pesquisa, nos primórdios, o futebol era
praticado pela elite brasileira, estava longe das massas. Mas a profissionalização
deste esporte contribuiu para que ele se tornasse popular. Waldenyr Caldas relata
que a imprensa entrou na briga pela profissionalização do futebol:
(...) prosseguia a luta política pelo profissionalismo. Jornais como O
Imparcial, Rio Esportivo, Jornal dos Sports, Diário Carioca, mais tarde O
Globo, O Dia, A Noite, A Gazeta, Diário Popular, Diário da Noite, entre
outros, envolve-se contra e a favor do profissionalismo. (CALDAS, 1990.
p. 75)
Segundo a professora da UNICAMP, Vera Regina Toledo Camargo, o
esporte foi assimilado pelas massas, e é apreciado como espetáculo por meio das
imagens veiculadas pela televisão, num fenômeno produzido com as mais altas
tecnologias, incorporando beleza ao gesto técnico, buscando a imagem mais que
espetacular. Tornou-se também um grande negócio, em termos econômicos e
ideológicos. Dessa forma, ao estabelecer relações mercadológicas e promover a
espetacularização das imagens, ganha características de um show de
entretenimento.
Para Mauro Betti
60
, professor do Departamento de Educação Física da
Faculdade de Ciências da UNESP, em Bauru, “a televisão trabalha com a lógica
de espetacularização”, ou seja, apropria-se dos elementos mais envolventes do
60
BETTI, Mauro. Janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus,
1998, p. 33
esporte, como por exemplo, o gol no futebol, a enterrada no basquete, os
acidentes das corridas automobilísticas. O esporte trabalha com a emoção e
aliado às imagens de TV, consegue facilmente seduzir o telespectador. Mauro
Betti cita que:
A espetacularização das imagens e as relações mercadológicas, tão
percebidas no esporte, trouxeram uma outra conceituação caracterizando
o esporte, e desta forma o denominamos de Esporte-Espetáculo. (BETTI,
1997, p. 33)
É necessário que os profissionais do esporte compreendam estas situações
e que atuem interferindo no processo.
Vera Camargo
61
afirma que a televisão e o esporte não são mundos
separados e que um necessita do outro para sobreviver. E ainda completa:
Podemos afirmar que o esporte estará na programação de uma emissora
de televisão se preencher os seguintes requisitos: possuir um
patrocinador forte, possuir um certo apelo popular, ou seja, de fácil
assimilação junto ao público e criar certa identidade com o telespectador
que o assiste. (CAMARGO, Vera , 2005, p.31)
No próximo capítulo veremos como a notícia esportiva surgiu na televisão.
Vamos abordar como estão as relações dos grandes conglomerados de mídia
eletrônica com o mundo esportivo. Se é fato que existe cada vez mais um
interesse destas mídias pelos espetáculos esportivos, será que há um equilíbrio
61
CAMARGO, Vera R.T.Comunicação e esporte – tendências. Santa Maria: Pallotti, 2005, p.31
entre a cobertura imparcial dos eventos e a ação mercadológica ? E como fica o
fazer jornalismo esportivo?
Capítulo III
Jornalismo Esportivo
Contemporâneo
Capítulo III
JORNALISMO ESPORTIVO CONTEMPORÂNEO
3.1 TV: A Revolução da Poltrona
Muitos autores contam a história da televisão brasileira e esta pode ser
periodizada de muitas formas. Mas muito pouco é encontrado especificamente
sobre a história do telejornalismo esportivo, a bibliografia a este respeito é
realmente escassa. Sobretudo a partir da década de 40 o setor cultural brasileiro
começa a se expandir apesar da primeira rádio ter sido inaugurada em 1922. Na
análise do sociólogo Renato Ortiz
62
, até 1935, o rádio organizava-se basicamente
em termos não comerciais, com programações mais voltadas ao
erudito/educacional e tinha apenas 10% de sua programação diária para a
publicidade. A verdadeira cultura popular de massa se expande a partir da década
de 40 e multiplica-se com a chegada da televisão no Brasil em 1950.
A televisão foi criada em 1936 e já naquele ano, os Jogos Olímpicos de
Berlim foram televisionados, embora apenas para os presentes no próprio local.
Segundo Mauro Betti
63
, em 1937, a BBC inglesa televisionou o torneio de tênis de
Wimbledon e a partir daí uma série de transmissões esportivas isoladas e dirigidas
a um público restrito foram realizadas na Europa e nos Estados Unidos. Os Jogos
Olímpicos de Londres, em 1948, foram os primeiros a serem transmitidos ao vivo,
62
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira – Cultura brasileira e indústria cultural. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 2001, p. 39.
63
BETTI, Mauro. A Janela de vidro – esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus,
1998, p. 32.
pela BBC para alguns poucos telespectadores. Já na década de 50, os eventos
esportivos tornaram-se parte da programão regular das redes de TV. Nesta
mesma década a televisão chega ao Brasil.
Segundo o radialista Mario Fanucchi
64
a primeira transmissão de futebol
pela televisão brasileira data do dia 10 de dezembro de 1950, no jogo Portuguesa
de Desportos x Palmeiras, realizada pela PRF3-TV. Fanucchi explica que em
1951, foi introduzido na televisão o teletexto, ou texto rotativo, como forma de
amenizar a longa espera dos intervalos entre os programas que eram feitos ao
vivo. O texto podia ser lido pelos telespectadores enquanto aguardavam o início
dos famosos programas da época. O produtor Jorge Ribeiro, sob o pseudônimo de
Cagliostro escrevia sobre esportes, matéria quase obrigatória nos textos diários.
Mario Fanucchi
65
relata que o produtor de texto Jorge Ribeiro era torcedor do São
Paulo e rasgava elogios ao time em detrimento dos clubes rivais. Por outro lado,
quando o São Paulo perdia, ou ele arranjava desculpas esfarrapadas para a
injusta derrota, ou simplesmente não tocava em futebol naquele dia.
Portanto, o esporte também na televisão, sob a simples forma de um
teletexto era levado ao ar de forma tendenciosa e sem a seriedade que uma
informação jornalística deve ser tratada.
Até o início da década de 50, quando apenas o rádio e os jornais, no dia
seguinte, faziam comentários e análises das atividades esportivas, as pessoas
somente contavam com esses veículos para acompanhar os acontecimentos
ligados ao esporte. A televisão modificou este cenário principalmente com a
64
FANUCCHI, Mario. Nossa próxima atração – O interprograma no canal 3. São Paulo: Edusp,
1996, p. 43.
65
Ibid.,p. 97 e 98.
produção em massa de aparelhos de TV e a difusão de canais. Os cronistas
esportivos que faziam rádio passaram a narrar pela televisão. O jornalista Mauro
De Felice
66
afirma que com o surgimento da televisão, muitos cronistas esportivos
foram desmistificados, já que a imagem permite ao torcedor acompanhar
simultaneamente com a transmissão do rádio a narração da partida bem como
tirar suas próprias conclusões em relação às apreciações feitas pelos homens que
estão irradiando a disputa. A imagem permitiu ao torcedor constatar que o locutor
irradiava lento demais ( a bola já tinha entrado nas redes muito antes dele gritar o
manjado gol) ou então que o autor do tento não fora aquele anunciado pelo
narrador ou ainda que a jogada se desenrolara de forma diferente da que fora
apresentada.
A influência do rádio na televisão ainda é marcante sem dúvida,
contribuindo com doses de emoção exageradas e uma curva dramática muito
forte. E isso não deixa de ser também algo da própria natureza da televisão que é
um veículo que tem certa vocação para o sensacionalista.
O jornalista Gonçalo Junior
67
lembra que Armando Nogueira, jornalista
esportivo, questiona que repórteres e narradores da televisão dão informações
demais sobre jogadores, detalhes desnecessários como “quando nasceu”,
“quantos anos tem” e compara uma transmissão televisiva da partida de futebol a
uma peça de teatro. Se estivesse assistindo a uma peça de Fernanda
Montenegro seria constrangedor virar para o lado e começar a falar sobre a idade
dela e o começo da carreira. No teatro a platéia deve ficar concentrada para
66
FELICE, De Mauro. Jornalismo de rádio. Brasília: Thesaurus, 1981, p. 84.
67
JUNIOR, Gonçalo. País da TV – A história da televisão brasileira. São Paulo: Conrad, 2001,
p. 25.
mergulhar na dramaturgia da personagem. E assim deve ser também em relação
ao jogador de futebol. Ele também compara a transmissão do futebol da TV com
filme e até novela: Uma partida tem uma trilha dramatúrgica, como se fosse um
filme ou uma novela cujo script está aberto, você não sabe qual é o desfecho. É
um filme que vai sendo escrito à medida que a bola vai rolando. Então as
informações têm de ser concentradas no suspense que o lance inspira.
A comunicação televisiva é um fator muito presente na sociedade
contemporânea e aliada ao futebol, que como vimos é um fenômeno cultural e
social faz com que esta parceria renda grandes índices de audiência para as
emissoras. Por isso cada vez mais existe a preocupação com a iluminação, cor,
definição, enquadramento, movimento e colocação das câmeras, cortes, edição,
replay e equipamentos de última geração. Nas transmissões esportivas vemos
placas, faixas e painéis, estrategicamente colocados no ângulo de visão da TV. As
camisetas dos atletas esportivos também têm espaços reservados para o nome
dos patrocinadores. Tudo é pensado como forma de espetáculo e faz parte da
indústria que o esporte movimenta.
O professor Norval Baitello
68
afirma que na contemporaneidade, conduzida
pela era da iconofagia há o predomínio dos meios visuais sobre os sonoros, táteis,
olfativos e gustativos. A visão hoje é o principal meio de percepção da sociedade.
Vivemos num mundo de imagens, e a aceleração destas se dá tanto na produção
quanto no consumo das mesmas. Baitello chama este processo de iconofagia que
é impulsionado pela indústria da comunicação de massa e a televisão é o veículo
68
BAITELLO, Norval Jr. A Era da iconofagia: Ensaios de comunicação e cultura. São Paulo:
Hacker, 2005, p. 99.
principal desta indústria. Cria-se o impacto através da imagem espetacular para
conseguir grandes audiências. Cria-se este impacto através do sensacionalismo.
Para Mauro Betti
69
a partir dos anos 60, esporte e televisão passaram a
partilhar uma relação simbiótica, o que significa que eles se apóiam mutuamente
e dependem um do outro, especialmente no plano econômico. Já os jornalistas
esportivos são capazes de influenciar as ações dos atletas e espectadores
mediante o uso de linguagem, sensacionalismo, artifícios cada vez mais precisos
para influenciar inclusive a atitude dos consumidores como também elevar a
prática esportiva de algumas modalidades.
Portanto, o esporte, no final do século XX e início do século XXI é
assimilado pelas massas, é apreciado como espetáculo, produzido com as mais
altas tecnologias, através das imagens veiculadas pela televisão. Com isso ele se
torna um grande negócio e associado à espetacularização das imagens, ganha
requintes de um show de entretenimento.
69
BETTI, Mauro. A Janela de vidro – esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus,
1998, p. 35.
3.2 Notícia como produto e Espetáculo
Os paradigmas do jornalismo passaram por uma grande mutação no final
do século XX e continuam neste terceiro milênio. O fator econômico tem sido fonte
propulsora de fenômenos sociais, culturais, políticos e também comunicacionais
do mundo globalizado. Este mesmo fator econômico tamm flexibiliza normas e
valores do jornalismo, sendo um dos efeitos mais visíveis a contaminação da
linguagem jornalística pela publicitária.
As mutações do jornalismo contemporâneo aparecem na informação, nas
notícias e nos próprios jornalistas e são provocadas principalmente pelo maior
espaço ocupado, dentro deste universo, pela publicidade. O jornalista Leandro
Marshall
70
afirma que o jornalismo vem se curvando ao sistema e com isso,
flexiona junto seus conceitos, valores, padrões e posicionamentos: “... provocam
mudanças nas relações dentro das redações dos jornais, na interação do
profissional com a sociedade, nas escolas de jornalismo, na hierarquia dos
saberes, na dinâmica das mentalidades, no artesanato das notícias e no cotidiano
do fazer jornalístico.
As mudanças nas relações dentro das redações, são sentidas, quando um
profissional do segmento esportivo, que não é o mais capacitado tecnicamente e
até intelectualmente, mas é, por exemplo, o que mais vende anúncios
publicitários, ou tem as maiores cotas de patrocínios da equipe esportiva daquele
veículo. Como conseqüência, passa a ser mais respeitado, ter suas opiniões
mais ouvidas e até a ocupar cargos de maior destaque. Percebe-se esta mudança
70
MARSHALL, Leandro. O jornalismo na era da publicidade. São Paulo: Summus, 2003, p. 24.
também dentro das escolas de jornalismo, quando passamos a notar o interesse
de vários alunos em seguir a carreira de jornalista esportivo porque é uma
profissão que dá visibilidade, status e principalmente dinheiro, espelhados em
alguns poucos profissionais do mercado, e esquecendo dos principais objetivos da
profissão que são fundamentados nos princípios da verdade, imparcialidade e tem
como base o interesse público.
Nesta mesma linha, Ciro Marcondes Filho afirma que em um mercado
dinâmico, o jornalista tamm precisa ser dinâmico como principal característica
para sobreviver: “O bom jornalista passou a ser mais aquele que consegue, em
tempo hábil, dar conta das exigências de produção de notícias do que aquele que
mais sabe, ou melhor, escreve
71
.
Na contemporaneidade, a informação, deixa de significar a representação
simbólica dos fatos para se apresentar como um produto híbrido que se associa
ora à publicidade, ora ao entretenimento, ora ao consumo; deixando muitas vezes
de cumprir sua missão primordial de informar. Marcondes Filho afirma que o
jornalismo atual para sobreviver, apela para a indústria imaginária de notícias:
Criam-se fatos, forjam-se notícias, estimulam-se polêmicas fictícias, constrói-se o
conflito em laboratório. O estúdio de TV, a cabine de rádio, a redação do jornal,
deixam de ser meios de transmissão de fatos e tornam-se eles mesmos os
produtores de mundos
72
.
71
MARCONDES FILHO, C. Comunicação e Jornalismo A Saga dos Cães Perdidos. São Paulo: Hacker
Editores, 2000, p. 36.
72
_____________________. Jornalismo fin-de-siècle. São Paulo: Página Aberta, 1993, p. 63.
No jornalismo esportivo, a afirmação de Ciro Marcondes pode ser
comprovada quando, em épocas chamadas de entressafra (quando os
campeonatos de futebol estão parados, entre dezembro e janeiro e quase não há
notícia sobre esta modalidade), os programas passam a especular fatos, criando a
qualquer custo uma boa notícia. Qual técnico mudará de time, que jogadores
serão contratados, por quanto o time x contratou o jogador y, como se fosse uma
adivinhação jornalística e realmente criando fatos para uma razoável audiência.
Além disso, nos programas estilo mesa-redonda, qualquer estranhamento entre
um participante e outro gera rapidamente uma grande polêmica, por pura falta de
fatos esportivos na grade da programação e pela busca a todo custo de audiência
e lucro.
Chama a atenção, o fato de que o jornalismo está em mutação, e no
segmento esportivo encontra-se em estágio avançado de mercantilização,
porque, como vimos, o esporte possui elementos fortes de espetáculo e aliado à
televisão e às novas tecnologias produz um show de entretenimento. O negócio é
tão lucrativo que as Organizações Globo, por exemplo, são um grupo de mídia,
que além da TV aberta, editora, jornais, internet, possui um canal de televisão
exclusivo voltado ao esporte, e no ano 2000 criou uma divisão totalmente voltada
para a participação e comercialização de eventos esportivos: a Globo Esportes.
Se a própria empresa jornalística é proprietária de eventos milionários
esportivos, qual o grau de isenção na cobertura de um campeonato comprado e
administrado por esta empresa? Quando levantamos a questão da isenção,
falamos principalmente do valor dado àquela notícia, o grau de importância que
será dado aquele fato e por fim ao produto jornalístico gerado por este mesmo
acontecimento. Um grande exemplo recente foi o bombardeio de informações dos
Jogos Pan-Americanos Rio 2007, que ganhou ares de Olimpíadas tamanho
espaço na mídia e com tratamento espetacular.
No segmento esportivo, a relação de notícia e publicidade é tão estreita que
quando um jornal adota uma posição crítica em relação a determinada
confederação esportiva raramente, para não dizer nunca, consegue anúncios dos
patrocinadores dessa entidade. Segundo o jornalista Maurício Stycer, em matéria
publicada na revista Carta Capital, é possível imaginar que o inverso também
aconteça: Anunciantes podem migrar, ou afluir, para determinado veículo em
função da promessa de simpatia ou generosidade com que os seus interesses
serão tratados no ar, ou impressos.
73
Os jornalistas, de alguma forma, são afetados por esta mercantilização do
esporte, principalmente na TV. No próximo item, iremos saber de que forma eles
colaboram para isto, e quais os recursos usados para transformar uma
transmissão esportiva num grande espetáculo.
73
STYCER, Mauricio. Barraco no Jornalismo Esportivo. Jornalismo & Negócios. Revista Carta Capital.
São Paulo: ano X, n. 266, p. 30-38, 12 de novembro de 2003.
3.3 A Linguagem do Esporte – A Narração Jornalística e Esportiva
Não é somente na forma de merchandising, publicidade ou testemunhal que
o jornalismo sofre intervenções. O fato pode ser modificado com uma carga
elevada de drama na entonação da voz, emoção exagerada da narração, música,
diversas metáforas na construção do relato, tecnologia avançada de câmeras que
pegam lance a lance, entre outros artifícios.
Embora a mídia afirme apresentar os eventos esportivos objetivamente,
alegando reproduzir a realidade, a fase de produção, antes que o programa
alcance o torcedor, envolve considerável construção seletiva e interpretativa.
Segundo Mauro Betti
74
, na verdade, a televisão codifica a realidade diante da
câmera e constrói uma realidade textual autônoma, daí o termo esporte mediado.
Mesmo o evento sendo ao vivo o implica que constitua uma representação fiel e
neutra da realidade da partida. A TV já enquadra o acontecimento numa certa
angulação das câmeras, e o diretor escolhe, dentre várias imagens, a que deve ir
ao ar.
São vários os recursos tecnológicos usados para criar o teleespetáculo de
uma transmissão de futebol. São informações adicionais como: câmera lenta,
replays, closes, microcâmeras, entre outros.
Uma narração jornalística usa um discurso genérico, relatando ou
informando o fato concreto, como por exemplo: “O Brasil é pentacampeão
mundial”. Já o discurso esportivo é mais do comunicador e pode ser narrado da
74
BETTI, Mauro. A Janela de Vidro esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998, 35.
seguinte forma o mesmo fato: “Lave a alma torcedor, encha o peito de ar e grite,
torcedor brasileiro, o título é seu”. É quase como um animador.
O estilo peculiar de transmitir uma partida faz dos locutores esportivos,
parte do jogo. Essa narrativa tanto no rádio quanto na TV parece ter sido
incorporada ao espetáculo. Para ilustrar o imaginário do torcedor e conquistar a
sua audiência, narradores utilizam formas criativas, inventam bordões e
buscam no próprio povo, expressões que podem facilitar a identificação com o que
estão falando. Foi este tipo de linguagem estereotipada, redundante, muitas vezes
cheia de metáforas que fez com que os narradores conquistassem seu espaço
dentro do próprio jogo. Viraram a estrela do espetáculo e o torcedor passou a
incorporar a transmissão como parte desse espetáculo; a imagem já não basta, é
preciso ser acompanhada de um contador da história, relatando o fato que está
ocorrendo naquele momento: O jogo.
Principalmente no rádio, os locutores e comentaristas ainda usam e
abusam da emoção, ritual este que perdura desde as primeiras transmissões
esportivas. Estilos e formas de fazer essa cobertura criaram ídolos e gostos no
torcedor, formando verdadeiras escolas. Os principais locutores, sejam eles mais
informativos ou de estilo mais dramático são seguidos e imitados até hoje. O que
diferencia é mais o veículo de comunicação. A narração esportiva pelo rádio vai
mais além do que a bola, o lance em si. Já a narração feita pela TV, está presa à
imagem. Quase todos os narradores de televisão vieram do rádio e portanto,
trouxeram as características do rádio para a TV. Como no rádio, a linha narrativa é
criar um ambiente em que o ouvinte imagine as imagens, sinta a emoção da
partida esportiva, mesmo não podendo visualizá-la, percebemos que nas
narrações esportivas televisivas, fala-se do óbvio, os locutores esquecem que as
imagens falam por si. A fala e o texto deveriam ter a função de ajudar a
compreender e não a de criar uma imagem, para o telespectador, já que este está
diante dela.
Para compensar a falta do recurso da fantasia, do mexer com o imaginário
do torcedor que é peculiar no rádio, a televisão passou a usar uma narração mais
ilustrativa e o conteúdo mais guiado. Para tanto, colocou a disposição de locutores
e repórteres um banco de dados muito grande, tornando a transmissão cheia de
números: tempo de bola rolando, números de faltas, quem tem mais domínio de
bola, total de finalizações e etc. Além disso, com a evolução tecnológica, as novas
câmeras e ângulos deram novas possibilidades de narrativas. Uma das
estratégias adotadas foi aproximar o torcedor da partida, usando a técnica do
cinema. As câmeras foram transformadas em olhos virtuais do telespectador,
aproximando lances, seguindo a bola, abusando do tira-teima, replays e
mostrando a reação do jogador, do técnico, do próprio torcedor.
Para reagir a esta concorrência da televisão, ao invés das estatísticas, o
rádio usou o que mais lhe caracteriza: prestação de serviço com muita agilidade.
Transmissões com vários repórteres cobrindo as concentrações, informando sobre
o trânsito, falando dos vestiários, entrevistando ídolos antigos, familiares de
jogadores, usando helicópteros, previsão do tempo, enfim, o rádio resolveu trazer
mais jornalismo às suas transmissões esportivas, sem abandonar sua linguagem
específica.
A repetição obsessiva dos lances mais violentos ou espetaculares, o
fanatismo da torcida, a euforia da vitória, o drama na voz do narrador, a emoção
exagerada quase guerreira, amplifica o drama que se vive no campo e produz
uma visão irreal do jogo. Muitas vezes o locutor afirma que o estádio está com sua
lotação quase completa, mas não está. As câmeras de TV ficam centralizadas
onde as torcidas estão para dar impressão de estádio cheio. Vale tudo para
realçar o espetáculo porque em jogo estão os interesses milionários dos
patrocinadores e a busca incessante pela audiência.
3.4 O Jornalismo Esportivo como Atividade Específica
O jornalismo esportivo é uma atividade segmentada realizada dentro de um
contexto maior, que é o jornalismo como um todo. Portanto os princípios e regras
deveriam ser os mesmos do jornalismo em geral. Mas na prática, o jornalismo
esportivo contemporâneo tem seu universo bem particular. O jornalismo cultua o
herói, revela ídolos, mexe com mershandising, vende publicidade, cria
mecanismos para “bisbilhotar” a vida dos atletas, faz julgamentos, avaliações de
fatos inusitados, de relações que são estabelecidas no dia-a-dia esportivo e
pricipalmente especulações. São múltiplos e variados os movimentos que se
caracterizam como jornalismo esportivo.
Por ser o esporte sobretudo entretenimento, percebe-se que, por exemplo,
a editoria de esportes se comparada às demais no jornal, goza de bom grau de
independência. E nos meios eletrônicos este fenômeno é mais amplo e nítido.
Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu
75
, nos últimos anos tanto a televisão
quanto os jornais têm dado o primeiro lugar, quando não é todo o lugar, às
variedades e às notícias esportivas. O espaço dedicado todos os dias ao esporte
é fruto de negociações, de disputas, de jogos de interesse travados dentro e fora
das mídias, ditados por uma questão econômica. Percebemos isso nas
transmissões esportivas que dominam quase que totalmente a programação das
rádios nos finais de Semana. Porém, o esporte não ocupa apenas o período de
duração de jogos, mas abrange um largo espaço de tempo, que ultrapassa estes
limites. Se o jogo é às 16 horas, a programação esportiva começa às 10hs da
75
BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão a influência do jornalismo e os Jogos
Olímpicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 73.
manhã, o que chamamos de preparação, ou “esquentando” o jogo. Depois da
partida, esta programação esportiva geralmente se estende até às 23 horas, o que
chamamos de pós-jogo, os vestiários, as várias falas de dirigentes, atletas,
resultados de outras partidas e a repercussão. Ou seja, o fato não é tematizado
somente na sua temporalidade, o espaço ocupa a proporção das cotas de
patrocínio. Na televisão, percebemos claramente este fato, nas intermináveis
mesas-redondas de debates aos domingos, pós-rodada esportiva.
Talvez por esta razão, o esporte tenha uma autonomia maior dentro das
redações e consequentemente tamm uma maior permissividade. Na maioria
das televisões e rádios, o departamento de esporte é independente do
departamento jornalístico. Durante cinco anos em que a autora desta pesquisa
trabalhou como produtora executiva do Sistema Globo de Rádio, em São Paulo, o
departamento esportivo tinha um coordenador e um chefe esportivo à parte do
chefe de jornalismo da emissora.
Esta liberdade e poder de criação, colabora para que haja inúmeros pontos
de vista aceitos e cultuados pela editoria de esporte na televisão e no rádio. São
variadas falas e funções que surgem dentro do jornalismo esportivo.
O responsável pelo departamento de esportes geralmente tem o
cargo de gerente ou diretor e se reporta para a diretoria de programação,
ou é uma unidade autônoma na empresa. Ele cuida do conteúdo dos programas
esportivos e dos meios para que o departamento possa funcionar. Participa das
reuniões de gestão e compartilha os índices de audiência da emissora. Muitas
vezes, a equipe esportiva leva o nome do chefe de equipe, por exemplo, “equipe
de Prisco Palumbo” da rádio Capital, “equipe de Éder Luiz”, da rádio
Transamérica, “equipe do Osmar Santos”, da rádio Globo. O chefe de equipe é
normalmente o narrador e aquele que mais vende cotas de patrocínio e que
possui maior visibilidade e notoriedade. A ele cabe também contratar profissionais,
escolher jogos a serem narrados, fechar contratos; é a “estrela” da equipe.
O comentarista tem a função de explicar e permitir ao torcedor que
acompanhe de forma diferenciada o jogo. Ele deveria ter uma áurea de
credibilidade não se envolvendo em disputas emocionais, sem conteúdo, que, ao
invés de enriquecer a transmissão, empobrece. Entre tantas funções
importantes, cabe a ele analisar o que aconteceu, o que pode
acontecer e antever o que aconteceria numa partida. Analisar com
consistência, por exemplo, quando um treinador muda a forma de um time
jogar ou quando coloca em campo um determinado jogador. Tudo isso baseado
no conhecimento em que tem daquele esporte específico e não em comentários
mediúnicos e esotéricos como muito se vê hoje em dia. Numa transmissão, é
importante que o comentarista divida a reportagem com o apresentador,
repórteres e outros envolvidos. Seu conteúdo deveria ser passado de uma forma
simples e didática para o torcedor. Mas muito do que se vê hoje na televisão e no
rádio é aquele que finge ser contundente ou indignado com o andamento da
partida ou fato ocorrido. Neste caso, o comentarista corre o risco de virar um
grande personagem.
Das funções mais relevantes numa equipe esportiva, está a da reportagem,
responsável muitas vezes por trazer o conteúdo jornalístico num programa. O
repórter é o elemento mais importante na cadeia de produção jornalística e no
esporte isso não deveria ser diferente. Mas hoje, os noticiários televisivos diários
têm o conteúdo tão misturado com entretenimento, que quando é veiculado uma
matéria bem feita, realizada, por um repórter sério, este é responsável quase que
pela única inserção verdadeiramente jornalística do noticiário.
Há ainda funções como plantão, produtor, produtor executivo, editor,
pauteiro, entre outras. Mas essas três que destacamos (narrador, comentarista e
repórter) podemos chamar, de certa forma, como o corpo técnico do jornalismo
esportivo; são especialistas, ocupam lugar de destaque dentro do cenário do
jornalismo esportivo, fazem um trabalho de legitimação da informação,
argumentam o assunto dos mais variados ângulos, criam sentidos no esporte,
para o torcedor e para a opinião pública e por isso, quando estão envolvidos em
questões que não sejam o dia a dia do fazer jornalismo, podem perder a maior
arma desta profissão: a credibilidade.
3.5 Jornalistas ou Artistas?
Os jornalistas esportivos cobrem uma atividade que está intimamente ligada
ao entretenimento. Um evento esportivo é lúdico e distrai as pessoas, é um lazer,
um momento de descontração. Uma disputa esportiva é um espetáculo e o
jornalista checa e informa os acontecimentos, mas não deveria participar deles.
Para fazer uma reportagem da estréia de um espetáculo teatral o jornalista não
sobe no palco, não vira personagem do enredo, nem é capaz de influenciar no
desenrolar da história. Se ousasse fazer isso seria imediatamente repudiado pelo
público. Esse comportamento deveria valer para os espetáculos esportivos.
O trabalho como jornalista dá notoriedade especialmente para os
profissionais dos veículos eletrônicos e isto estimula a transformação de locutores,
comentaristas, repórteres, narradores em “artistas”. Alguns se julgam fazer parte
do show e por isso entendem ter o direito e o dever de participar como um
personagem.
O apresentador do programa Mesa Redonda, da TV Gazeta, Chico Lang,
afirma ter uma figura forte na televisão e que é difícil não enfocar a notícia de um
jeito em que não se interprete, como um ator: É um personagem né, que tem boa
parte de mim, mas boa parte também não tem, tudo na televisão é uma ficção,
tudo na TV é uma coisa que não tem muito vínculo com a realidade né, a não ser
o jornalismo e mesmo assim jornalismo interpretativo....
76
Como vimos nos capítulos anteriores, durante muito tempo, as
transmissões consagraram este estilo e ainda hoje pontifica nos programas de
76
LANG, Chico. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 14 nov. 2007.
debates esportivos quando cada participante assume um personagem que se
repete nos programas seguintes. Um sempre é o “bonzinho”, o outro é o
“zangado”, outro é ”flamenguista” ou “corintiano”. Enfim fingem que são o que
falam. Fingir, porém, é autêntico apenas na profissão de ator. Chico Lang revela
que o ator Cacá Rosset muitas vezes participou do programa Mesa Redonda e
que ia para observá-lo, e analisar como Lang interpretava seu personagem: Hoje
ele está em outra emissora e foi para fazer um personagem corintiano, e o pior é
que torce pro São Paulo. Então ele sim, ele sim é um ator.
77
O jornalista André Plihal, do canal de TV a cabo especializado em esportes,
ESPN, afirma que existem personagens, alguns mais estereotipados. Aqui na
ESPN não existe. O cara gosta de ver o cara que é mais bitolado em números, o
cara que é mais explosivo, o saudosista, o anti-saudosista. Eu acho que faz parte
e todo mundo gosta de ver. E eu acho que às vezes acaba havendo a
personificação e não acho que isso seja ruim não. Acho que é até interessante
78
.
Plihal acredita que estes jornalistas que agem como artistas, são mais
estereotipados para alavancar a audiência e que a prioridade nestes casos não é
o jornalismo e sim os números. Às vezes são mais artistas, em outros casos mais
jornalistas. Eu não gosto de criticar pessoas que têm a mesma profissão que eu.
Porque assim, acho que quem tem que julgar se é legal, se não é, se é correto ou
não é, é a pessoa que está em casa. É a pessoa que está recebendo a
informação
79
.
77
IDEM.
78
PLIHAL, André. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 18 out. 2007.
79
PLIHAL, André. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 18 out. 2007.
Apesar do apresentador Chico Lang afirmar que não recebeu qualquer tipo
de curso de interpretação ou teatro, declara: Olha, eu vou dizer uma coisa, todo
mundo que vai pro vídeo tem um pouco de artista, é inegável esta observação
sua, tanto é verdade que a Marília Gabriela começou jornalista e virou atriz.
80
A
cobertura alegre, animada, descontraída do jornalismo esportivo não deveria
nunca se confundir com programa humorístico. É um trabalho que é sério sem ser
sisudo. Os programas estilo “mesas-redondas” muitas vezes são mais
humorísticos do que noticiosos, de tão caricatos, os atores deste espetáculo
fazem rir, num deboche ao suposto jornalismo praticado ali. Além disso, o
sensacionalismo usando notícias inverídicas, sem nenhuma confirmação, somente
especulações para se construir falsos debates para eletrizar torcedores, tamm
mancha este segmento do jornalismo. Faz com que ele perca o referencial de
jornalismo, ou seja, sua credibilidade.
Chico Lang revela que quando recebeu a proposta para ir trabalhar na
televisão estava em dúvida se deixava a imprensa escrita ou ia para o vídeo.
Roberto Avallone, diretor na época do programa Mesa Redonda, para convencer o
colega, além de conseguir um aumento de salário argumentou: escuta aqui,
televisão são as luzes da ribalta, o jornalismo escrito é o palco com as luzes
apagadas.
81
Esta frase permaneceu na cabeça do apresentador Chico Lang e o
convenceu a ir para a televisão, afinal ele queria notoriedade.
80
LANG, Chico. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 14 nov. 2007.
81
AVALLONE, Roberto, in Chico Lang. . In entrevista concedida a autora. São Paulo. 14 nov. 2007.
“Quem vai pro vídeo, mesmo sendo jornalista tem que ter um pouco de
artista. Até porque às vezes tem que improvisar, e improvisação só faz
quem tem como improvisar, quem tem um pouco de talento pra isso.
(...)Eu acho que tem sim um pouco de ator, porque você vai, passa
maquiagem, você se prepara (...)”. (LANG, 2007)
A busca constante da isenção põe jornalismo e teatro em campos opostos,
ainda que ambos sejam importantes para a sociedade em seus respectivos
espaços. A emoção humana é tratada por cada um deles de forma diferente, um
divulga e informa os dramas e as alegrias humanas, o outro as representa. O
jornalista trata apenas com os fatos, os artistas vivem da ficção.
3.6 Jornalistas que se Transformam em Garoto-Propaganda
A intersecção do jornalismo com o marketing esportivo é cada vez mais
próxima. Ela está nas promoções dos jornais quando lançam CDs com hinos dos
clubes, raspadinhas da sorte de times, álbum de figurinhas, promoções de
ingressos mais baratos nas bancas de jornal, tudo para vender mais e até para
fixar a própria marca do veículo. Mesmo sendo o departamento comercial da
empresa que determine estas promoções, muitas vezes percebe-se em diferentes
publicações que as matérias podem, por exemplo, exaltar a beleza do espetáculo
e a da torcida, noticiar as vantagens dos ingressos mais baratos nas bancas, ou
seja, privilegiar o comércio através da notícia jornalística.
Nos meios eletrônicos, esta intersecção está cada vez mais estreita e até o
próprio jornalista anunciar a propaganda virou habitual. Já não é somente função
do departamento comercial da emissora e sim do próprio jornalista. Aliás, como
vimos nos capítulos anteriores, esta prática não é recente, desde o começo do
rádio esportivo, houve envolvimento do radialista com o mercantilismo. Osmar
Santos intensificou esta estratégia no rádio e hoje, na televisão, o apresentador
Milton Neves é o nome mais associado ao merchandising.
A publicidade é algo tão vulgar no jornalismo esportivo que já não se sabe
se o sujeito é jornalista, agente de propaganda, contato comercial, empresário ou
marqueteiro de “cartola”, principalmente em rádio e TV que alcançam grandes
massas e por conta das oportunidades de negócio que esses veículos propiciam a
alguns profissionais. A notoriedade pode gerar negócios. Em especial, muitos
radialistas se envolvem com jogadores e dirigentes e não são poucos os que têm
agência de propaganda e vendem seus espaços fingindo estar dando notícia ao
público. É certo que a chegada da televisão contribuiu para que os salários de
rádio abaixassem e alguns profissionais de rádio justificam a procura por
merchandising baseado neste aspecto. O jornalista Marcelo Laguna afirma que
para o profissional que trabalha em rádio, é inevitável fazer propaganda por causa
dos baixos salários: E você vai questionar o sujeito quem precisa pagar aluguel,
pagar a escola do filho? Acho que não dá pra questionar, não dá pra jogar pedra,
acho que há muito exagero.
82
Sabemos que muitos artistas quando são patrocinados por restaurantes ou
casas-noturnas costumam jantar nestes estabelecimentos após as apresentações
das peças de teatro. Essa verba está em sua maioria incluída no patrocínio. Mas
muitos jornalistas costumam fazer o mesmo. Anunciam seus patrocinadores
durante os programas e transmissões e depois desfrutam com colegas e até
familiares da “regalia”. Jogam sua independência e credibilidade no chão.
Atletas são patrocinados por marcas famosas, usam camisetas, bonés e
são sempre orientados a permanecerem com esses acessórios nas entrevistas
principalmente na televisão. O jornalista não deveria usar marca nenhuma em
suas camisetas e seus bonés, principalmente se ela for troca de dinheiro.
Jornalista não deveria ter patrocinador, porque está a serviço de sua empresa
jornalística e principalmente da notícia.
Para o apresentador Chico Lang fica muito clara a diferença do que é
notícia e o que é propaganda e esta ação em nada prejudica sua credibilidade.
82
LAGUNA, Marcelo. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 08 dez. 2007.
Até na hora de fazer o merchan, quem faz é o personagem Chico Lang, não o
jornalista
83
, desabafa.
Já para o Vladir Lemos, apresentador do programa Cartão Verde, da TV
Cultura, o jornalista não deve emprestar sua credibilidade para produto nenhum a
não ser que seja um produto jornalístico e revela que estas questões corrompem a
profissão. Vender xampu, caminhão, moto, televisão, pilhas, não faz o menor
sentido, é corromper um tanto a profissão, é misturar interesses, isso por mais que
se fale, por mais que quem faça queira defender, não tem outra explicação
84
.
A prática do merchandising acontece em comum acordo com o
departamento comercial da emissora e alguns jornalistas fazem restrições a
determinados produtos como é o caso de Flávio Prado, apresentador do programa
Mesa Redonda da TV Gazeta. Chico Lang relata que o colega Flávio Prado não
faz propaganda de remédio, pinga e cerveja:
“Você veja, ele tem as razões dele, e eu já faço pinga, de cerveja, Ypioca,
qualquer coisa, porque eu não faço testemunhal, eu bebo testemunhal,
então aí pra mim, eu não sou fingido porque eu gosto mesmo de Ypioca,
tomo cerveja, então bobagem para mim, não fazer por quê?” (LANG,
2007)
Chico Lang defende a propaganda feita pelo jornalista ao afirmar que como
todo jornalista tem um pouco de artista, então dá para realizar o merchandising. E
83
LANG, Chico. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 14 nov. 2007.
84
LEMOS, Vladir. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 30 nov. 2007.
finaliza esta questão, concluindo: E se eu não fizer, entra o Cacá Rosset aqui me
imitando e faz, então faço eu, pô!
85
.
para Vladir Lemos, jornalista é jornalista, e não publicitário e nem garoto
propaganda, portanto não deveria fazer propaganda e quanto a credibilidade do
profissional afirma que sempre será melhor visto se não fizer merchandising. Por
outro lado, Lemos revela que precisa ter muito cuidado ao afirmar que nunca fará
propaganda porque qualquer jornalista que trabalhe com a parte esportiva, hoje
em dia, corre o risco de ter que acabar fazendo merchandising. Eu não sou
hipócrita a ponto de dizer que jamais faria, quem sabe as agruras que a gente
passa na nossa vida... Quem é que pode de repente de uma hora pra outra falar:
Não! Eu não vou querer um emprego porque eu vou ter que fazer isso. Então eu
acho que é cruel falar um negócio desse tipo... É cruel!
86
.
Percebe-se que realizar merchandising virou prática comum porque quase
todos os apresentadores de rádio e de televisão praticam o merchan, que ficou
realmente popular na figura do apresentador Milton Neves. Quando o assunto em
questão é a venda de placas de publicidade, de jogadores ou a mistura de
assessoria de imprensa junto com a prática da profissão de jornalista em alguma
emissora, alguns destes profissionais são radicalmente contra. Chico Lang afirma
que muitos jogadores e empresários o procuram para agenciamento, mas ele
deixa sempre claro que não pratica estas ações. Meu amigo, eu sou jornalista, eu
85
LANG, Chico. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 14 nov. 2007.
86
LEMOS, Vladir. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 30 nov. 2007.
não sou empresário... eu acho que o jornalista não pode ser empresário, se quiser
ser empresário tem que parar de ser jornalista para ser empresário
87
.
O apresentador ainda questiona como fica a credibilidade deste
profissional: Como que o cara vai elogiar o jogador que ele tem o passe? O
jogador pode até ser bom, mas como é que fica a ética dele?. Quando indagado
sobre a prática do jornalista que é ao mesmo tempo assessor de imprensa de
atleta e trabalha em alguma emissora, Lang também se mostra indignado e afirma
não gostar de trabalhar com colegas que agem desta forma. Tem muito cara em
setor de produção fazendo isso em TV. Eu não tenho cargo aqui de direção, mas
se eu fosse gerente aqui, como eu sei que tem muita gente aqui que faz
assessoria, eu cortava, ou pedia para o cara escolher, assessoria ou TV.
Sobre a questão do jornalista empresariar jogador ou realizar assessoria de
atleta ao mesmo tempo em que trabalha numa emissora, Vladir Lemos declara
que os meios de comunicação tinham a obrigação de afastar qualquer profissional
que se descubra com outros interesses. Por exemplo, um comentarista tem parte
dos direitos federativos de um jogador, como existem, a gente sabe, e eles
continuam lá falando! Jornalista que trabalha em rádio e ao mesmo tempo faz
assessoria de imprensa para vários atletas. Está cheio! Eles continuam fazendo! A
rádio continua permitindo e o jornalista continua se permitindo a esse papel.
88
Marcelo Laguna se diz terminantemente contra a prática empresarial do
jornalista porque não tem jeito de ter isenção: Se o cara quer abraçar a carreira
de empresário, tem que parar com o jornalismo, quer virar assessor de imprensa,
87
LANG, Chico. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 14 nov. 2007.
88
LEMOS, Vladir. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 30 nov. 2007.
pára com o jornalismo. Não tem jeito de ter isenção, não tem conversa, não tem
negociação
89
.
Ainda sobre jornalistas que viraram empresários atuando na profissão,
veremos no item a seguir, o caso mais radical da história da imprensa esportiva e
que provocou uma série de reportagens especiais sobre o tema na Revista Placar
e tamm no Jornal Folha de S. Paulo.
89
LAGUNA, Marcelo. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 08 dez. 2007.
3.7 Os Piratas da TV
Em janeiro de 1996, a revista Placar publicou a matéria “Os Piratas da TV”
que denunciava a participação dos repórteres da Rede Bandeirantes, Luciano Jr.,
Eli Coimbra e Octávio “Tatá” Muniz, em transações de compra e venda de
jogadores e outras negociações envolvendo clubes. O esquema clandestino dos
três jornalistas, segundo a matéria investigativa da Placar
90
, reuniu 61 atletas,
vinte treinadores e arrumou muita confusão.
O jornalista Sergio Ruiz Luz, autor da matéria declara que sugeriu a pauta à
chefia de redação da Placar. A idéia surgiu a partir de algumas conversas
informais que o repórter teve com jogadores, empresários e dirigentes, no dia-a-
dia da cobertura dos clubes. Várias fontes me falaram sobre os movimentos da
empresa agenciada pelos jornalistas e eu achei a questão relevante e propus a
pauta, já com o tom em que ela foi publicada ou seja, uma discussão sobre os
limites éticos da atuação dos repórteres e comentaristas da Rede Bandeirantes
que, paralelamente às suas atividades jornalísticas, também atuavam como
empresários de atletas
91
.
Luciano Jr., Eli Coimbra e Octávio Muniz eram sócios da empresa Sports
General Business, a SGB, apesar de não aparecerem no contrato social, da qual
apenas constavam os nomes de Ivã de Fiore Coimbra e Ely de Fiore Coimbra,
advogados e filhos do comentarista Eli Coimbra. Em depoimento a Revista Placar,
90
LUZ, Sergio Ruiz. Os Piratas da TV. Revista Placar. São Paulo: ano 1996, nº 1111, páginas 58-62, Janeiro
de 1996.
91
LUZ, Sergio. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 23 nov. 2007.
o repórter Luciano Jr. afirma que apenas os filhos de Eli Coimbra atuavam como
procuradores de jogadores e técnicos. As funções dos jornalistas seriam: Tatá
Muniz como diretor de eventos, Luciano Jr. Diretor de marketing da empresa e Eli
Coimbra coordenador geral dos negócios. Mas a reportagem da revista Placar
92
apurou que, no entanto, Tatá Muniz e Luciano Jr. apareciam como beneficiários
das comissões.
Algumas das negociações mais impressionantes realizada pelos jornalistas
da Rede Bandeirantes de Televisão foram, por exemplo, o caso envolvendo o
jogador Elivélton. Em 1994, o atacante estava “encostado” no time Nagoya, do
Japão e com muita vontade de voltar para o Brasil. Então, ligou para o amigo
Cafu, na época jogador do São Paulo, que deu a dica sobre entrar em contato
com o jornalista Luciano Jr. Em depoimento a Revista Placar, o jogador Elivélton
declara que sabia que Luciano Jr. estava dando uma força aos jogadores. Em
pouco tempo, o presidente do Corinthians, Alberto Duailib, foi abordado pelo
jornalista mas descartou a idéia. “Insistente, o repórter voltou à carga meses
depois com sucesso. Elivélton pagou R$ 32 mil reais pela intermediação do
negócio”
93
. Este valor, na verdade foi pago porque o jogador deu de presente ao
repórter Luciano Jr. um carro da marca Alfa Romeo no valor de R$ 32 mil reais por
ter arranjado sua transferência do futebol japonês para o Corinthians. Na época, o
salário do jornalista da Bandeirantes era de R$ 2.400,00 reais e nem que
92
Ver anexo da revista placar com contratos assinador.
93
LUZ, Sergio Ruiz. Os Piratas da TV. Revista Placar. São Paulo: ano 1996, nº 1111, páginas 58-62, Janeiro
de 1996.
trabalhasse um ano sem gastar absolutamente nada do salário de repórter
conseguiria comprar um carro deste valor.
As denúncias não pararam por aí. O esquema da empresa SGB (Sports
General Business), com o prestígio de seus sócios jornalistas, conseguiu até
mudar jogos de local. Em 1995, o Campeonato Brasileiro de Futebol apresentou
baixas rendas para os clubes. Assustados com esta situação, alguns aceitaram
atuar fora de seus estádios em troca de cotas fixas oferecidas por empresa de
marketing como a SGB. “Em novembro de 1995, o jornalista Eli Coimbra
convenceu os dirigentes do União São João e do Palmeiras a mudarem o local da
partida da cidade de Araras para Mirassol, interior de São Paulo. Os times abriram
mão da renda em troca de cotas fixas de R$ 40 mil reais (Palmeiras) e R$ 30 mil
(União São João).
94
A reportagem da revista Placar afirma que foi um grande negócio porque
depois de pagar os clubes, a empresa SGB faturou aproximadamente R$ 95 mil
reais na operação, sendo R$ 80 mil com a renda e R$ 15 mil com a venda de
placas publicitárias. Questionado sobre a negociação, Eli Coimbra apenas
respondeu: Quando o União ganharia 30 mil reais numa partida?
Mário Marinho, presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos
do Estado de São Paulo) além de confirmar os negócios dos três jornalistas afirma
que a prática dupla é muito perigosa: “O cronista acaba deixando o negócio influir
em sua atividade, o que desmoraliza o profissional”.
95
Mas, não era esta a opinião
94
LUZ, Sergio Ruiz. Os Piratas da TV. Revista Placar. São Paulo: ano 1996, nº 1111, páginas 58-62,
Janeiro de 1996.
95
Revista Imprensa. O Gol contra da mídia. A mídia de chuteiras. São Paulo: ano XII, n. 133, p. 36-43,
outubro de 1998.
dos jornalistas envolvidos. Luciano Junior emendava que os telespectadores
sabiam que ao ligarem o microfone, esqueciam seus negócios.
As ações dos jornalistas da empresa SGB geraram mal-estar entre os
profissionais da Rede Bandeirantes de Televisão e o narrador Sylvio Luiz foi um
deles. Em depoimento exclusivo a Placar, o locutor desabafa:
Sinto-me constrangido em trabalhar com o Eli Coimbra, o Luciano Junior e o Octávio Muniz.
Nunca sei quando as informações e comentários deles têm ou não segundas intenções. No
último jogo entre Santos e Guarani, pelo Campeonato Brasileiro, o Eli pediu desculpas por
criticar a atuação do atacante Robert. Não sei por que ele pediu aquela desculpa.
(PLACAR, 1996)
Para Sylvio Luiz há jornalistas sócios de empresas que vendem placas
publicitárias de estádios, embora também seja contra, afirma que vender placa
não é a mesma coisa que vender jogador simplesmente porque não se pode
criticar ou elogiar uma placa.
Este caso, com certeza, foi o maior escândalo envolvendo a imprensa
esportiva e sua credibilidade. Durante dias, o jornal Folha de S. Paulo, através do
colunista Juca Kfouri trocou acusações com os jornalistas denunciados pela
Placar. Segundo André Ribeiro
96
, o jornal publicava as justificativas de todos os
envolvidos, enquanto Juca Kfouri deixava ao leitor a decisão de “julgar” a isenção
ou não dos jornalistas acusados. A Rede Bandeirantes chamou os envolvidos no
caso e deu um ultimato para que decidissem que carreira iriam seguir:
empresários ou jornalistas. Preferiram seguir na imprensa esportiva mas logo a
96
RIBEIRO, André. Os Donos do espetáculo História da imprensa esportiva do Brasil. São Paulo:
Terceiro Nome, 2007, p. 286.
seguir foram demitidos, sob a alegação de uma reestruturação normal da TV
Bandeirantes.
Em entrevista a autora desta pesquisa, Sergio Ruiz Luz
97
, jornalista que
produziu a matéria, “Piratas da TV”, afirma que todos os citados na reportagem
falaram na época em processar a revista Placar, mas nunca levaram adiante a
ameaça. Hoje, Luciano Junior deixou o segmento esportivo mas voltou a trabalhar
na Rede Bandeirantes agora como repórter policial. Octávio Muniz atualmente é
proprietário de um canal de TV por assinatura, o National Sports Channel, e
âncora de esporte da Rádio Capital. Eli Coimbra faleceu vítima de infarto no dia 25
de novembro de 1998 e seus filhos continuam atuando como empresários, dando
prosseguimento à atividade iniciada pelo pai.
Infelizmente há jornalistas que enxergam mais coisas além de dribles, gols
e esquemas táticos quando estão diante de um microfone, apresentam programas
de TV ou assinam colunas especializadas. Para estes profissionais, os cifrões do
mundo da bola são tentadores o suficiente para transformar o entrevistado de hoje
no contratado de amanhã. Muitos têm acesso privilegiado a atletas, técnicos e
cartolas, sem falar no poder de elevar jogadores ao “Olimpo dos craques” na
mesma velocidade com que exaltam carreiras e reputações. Infelizmente alguns
jornalistas, propõem os mais diferentes tipos de negócios às pessoas que
deveriam ser apenas objeto de suas reportagens e comentários.
97
LUZ, Sergio. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 23 nov. 2007.
3.8 Programas Esportivos: Um Mix de Jornalismo e Entretenimento
Um dos exemplos mais recentes e gritantes destes programas de debates
que são mais humorísticos do que jornalísticos é o Debate Bola, programa
apresentado por Milton Neves na Rede Record e que vai ao ar todas as tardes.
Percebe-se o teor da linha editorial do programa já por seu slogan: “O debate
esportivo mais humorístico da TV” e quando o diretor de teatro Cacá Rosset e
comentarista do programa afirma: Se cercar vira hospício, se cobrir vira circo.
O programa conta com comentaristas esportivos de diferentes perfis. Além
de Milton Neves, mediador da atração, os debatedores são Osmar de Oliveira,
Oscar Roberto Godoy, Vanderlei Nogueira, Paulo Calçade, Paulo Roberto Martins
(mais conhecido como Morsa) e Cacá Rosset, que é o responsável, em grande
parte, pelo deboche do Debate Bola. No final do ano de 2007, alguns integrantes
do programa migraram para a TV Bandeirantes, outros foram contratados, mas a
fórmula continua a mesma.
Com tanta gente para falar, é muito difícil evitar o atropelo e talvez este seja
mesmo o intuito, uma bagunça generalizada e discussões fervorosas porque o
campo midiático é sobretudo, polêmico. Dessa forma, o espaço esportivo pode ser
entendido tamm como um lugar de batalha, de disputas, na medida em que
cada fonte vai defender o seu campo de conhecimento, o seu ponto de vista para
ter maior visibilidade na atração. Nesta polêmica, alguns têm mais notoriedade
para legitimar o esporte, gerando novas tensões em relação aos demais e em se
tratando de futebol, paixão nacional, qualquer divergência já gera uma grande
polêmica.
Neste jogo de vozes diversificado, a luta por visibilidade é grande, porque
quanto mais se chamar a atenção do telespectador mais haverá a legitimação da
opinião. São programas de “falação”, puro espetáculo, beirando o espetáculo
circense.
Percebe-se que muitas vezes, em uma hora de programa, apenas um
assunto é abordado, retratado numa matéria de 1 minuto que vai ao ar. Após a
exibição, o comandante da atração, faz seu discurso e como num ringue de luta
livre, incita os debatedores, provoca, virando as costas para a confusão. O conflito
gera audiência. O tempo é curto para muitas vozes e opiniões, além dos
entrevistados e os vários minutos dedicados à propaganda. Outras vezes,
diversos conteúdos são abordados em um único programa, mas nenhum é
aprofundado.
O telespectador precisa se divertir, assim, os programas deste perfil
perdem sua essência jornalística ou de conteúdo relevante. Na prática, a fusão
entre jornalismo e entretenimento apresenta-se evidentemente em vários
programas esportivos e tamm nas transmissões das partidas. Podemos afirmar
que é o chamado "jornalismo show" que, em vez de apostar no conteúdo, utiliza
os mesmos métodos de transmissão das partidas. Informa como se estivesse
entretendo. Os programas de debates e as transmissões esportivas da TV aberta
são hoje predominantemente de entretenimento, mas insere características do
jornalismo, informando o público como se estivesse entretendo.
Esse mix informação-entretenimento parece ser uma tendência não só do
jornalismo esportivo, mas do jornalismo como um todo.
Considerações Finais
Tendo chegado ao final de nossa pesquisa, convém ainda traçar algumas
considerações acerca dos fazer jornalismo esportivo contemporâneo e que podem
servir de estímulo para futuras investigações. Compreende-se que a teoria de
Adorno e Horkheimer sobre a mercantilização da cultura e principalmente as
investigações de Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo além de valerem
muito até hoje, se encaixam muito bem no segmento do jornalismo esportivo.
A linguagem empobrecida dos programas de debates, bem como a
exploração das emoções nas transmissões, da futilidade das informações, do
menosprezo pela informações, são características do grande espetáculo que se
tornou o esporte na televisão.
Chama a atenção, o fato de que o jornalismo está em mutação e no
segmento esportivo, encontra-se em estágio avançado de mercantilização das
atividades jornalísticas. Aparentemente matéria alguma escapa ao tratamento
leve, divertido, espetacular ou sensacionalista. Um exemplo é o quadro “Gols do
Fantástico”, da Rede Globo, apresentado pelo jornalista Tadeu Schimidt.
Recentemente, o quadro passou por uma reformulação. Sua característica sempre
foi uma narração em off feita pelo apresentador Léo Batista e o relato de forma
informativa dos principais gols dos campeonatos. Hoje, seu foco principal é buscar
informações curiosas, imagens engraçadas e lances divertidos das competições.
A linguagem, aliada à muitos recursos visuais, beira o humor. O relato da notícia,
a informação em si, é praticamente deixada em segundo plano. Claro que o
esporte pede uma narrativa mais leve, solta, mas sem exageros.
Percebe-se que realizar merchandising virou prática comum e até o ato de
se polemizar sobre isto talvez tamm seja uma forma de gerar espetáculo e
números na audiência, consequentemente mais lucro. Quase todos os
apresentadores de rádio e de televisão praticam o “merchan, que ficou realmente
popular na figura do apresentador Milton Neves. Aliás, como vimos durante a
pesquisa, esta prática não é recente, desde o começo do rádio esportivo, houve
envolvimento do radialista com o mercantilismo. Osmar Santos intensificou esta
estratégia no rádio e hoje, na televisão, o apresentador Milton Neves é o nome
mais associado ao merchandising. A notoriedade pode gerar negócios.
O fato é que jornalismo é uma coisa e propaganda é outra, bem diferente.
Quando as duas coisas se misturam, a credibilidade do jornalista ou do veículo
fica irremediavelmente comprometida. Para o jornalista Juca Kfouri, há uma
fronteira entre estes dois ofícios. Um é tão digno quanto o outro, mas eles não
podem se misturar: Quem faz propaganda é porque está sendo pago para fazer
um elogio a alguma coisa e evidentemente esta não é a função do jornalista. O
jornalista é pago para contar a verdade, segundo ele a vê e não para fazer
campanha em prol de ninguém.
98
Mas não é o que pensa o próprio apresentador
Milton Neves quando afirma que o fato de fazer propaganda não lhe tira a
credibilidade: se isto fosse verdade, não estaria no ramo desde 1977, contratado
hoje por diversos veículos, como a Rádio Bandeirantes, a revista Placar, a rede
Record e o jornal Agora.
99
98
KFOURI, Juca. In entrevista concedida a autora. São Paulo. 30 nov. 2007.
99
VENCESLAU, Pedro. Milton Neves Versão Light - Zen Miltismo. Revista Imprensa. São Paulo: ano
21, nº 229, páginas 20-24, Novembro de 2007.
Já o apresentador da TV Gazeta, Chico Lang, explica que quando faz
testemunhais não é o "jornalista Chico Lang" que vende os anúncios, mas o
"personagem Chico Lang". Ele acredita que o telespectador entende perfeitamente
essa transmutação. E argumenta em outra direção: fazendo propaganda, o
jornalista não precisa se pendurar em cinco ou seis empregos, abrindo vagas e
ampliando o mercado de trabalho. O jornalista Flávio Prado é um caso à parte.
Converteu-se após anos de intransigência porque também era tão rigoroso quanto
o jornalista Juca Kfouri. Hoje, Flávio Prado, por questões éticas, não aceita fazer
propaganda de bebida e cigarro.
Notou-se nas entrevistas com os jornalistas que atuam no segmento
esportivo que fazer merchandising realmente não é uma questão tão importante,
mas quando questionados se o jornalista que trabalha em um veículo de
comunicação poderia fazer assessoria de imprensa para algum clube ou atleta,
todos se mostram contra. Para os jornalistas entrevistados a falta de ética da
profissão está em privilegiar a informação que favorece a atuação do profissional
como assessor de imprensa; e também se mostram radicalmente em oposição
quando perguntados o que acham da prática, por jornalistas, de venda de
jogadores ou placas de publicidade.
Parece evidente que a propaganda se utiliza daqueles que são notórios e
que estes buscam a notoriedade a qualquer preço. Para isso vale chamar a
atenção, representar, usar de ufanismo, criar um personagem ou até mesmo
tomar uma postura radical a tudo isso e de alguma forma chamar a atenção com
brigas pelos jornais, pela televisão com outros jornalistas que não compartilham
da mesma opinião.
Apesar da proximidade e da interdependência do jornalismo e da
propaganda há uma diferença fundamental: o jornalismo investiga para relatar e
esclarecer os acontecimentos, trabalhando com a diversidade de versões
relevantes; ao contrário, a publicidade e da propaganda que só difundem
informações convenientes, favoráveis aos interesses particulares a que estão
vinculadas. Não há no código dos jornalistas algum item que não permita o
jornalista de realizar o merchandising ou a propaganda e o esporte tem todos as
características que aliam e combinam estes dois lados, por isso cada vez mais
vemos jornalistas adeptos a esta realidade.
Tamm nas escolas de comunicação, nas universidades, pouco é passado
ao aluno sobre ética dentro do segmento esportivo, percebeu-se em alguns cursos
de extensão em jornalismo esportivo, sob a coordenação da pesquisadora, que
muitos alunos procuram ou se deslumbram com a profissão de jornalista esportivo,
simplesmente por causa do ganho de dinheiro fácil e o glamour da profissão. Eles
se espelham em figuras que fazem sucesso na televisão e no rádio e desta forma
encaram a profissão apenas como uma paixão clubística onde estão mais
preocupados em defender seus clubes e interesses do que praticar a verdadeira
função social do jornalista que é servir ao interesse público.
Claro que não se pode ter medo da propaganda, o que o jornalista não
pode ou pelo menos não deveria é assumir, muito menos aceitar de outros, a
intenção de fazê-la. Mas se até o narrador Galvão Bueno faz merchandising, para
citar um exemplo nacionalmente conhecido, e que se julga jornalista, poderia
perfeitamente se preservar durante a transmissão de uma partida e deixar o
merchan a cargo de um locutor publicitário. Porém, se ele analisar que é apenas o
apresentador de um programa de entretenimento, tal qual “Faustão”, “Gugu”, não
há realmente por que recusar ganhar um extra, anunciando qualquer tipo de
produto.
A confusão entre jornalismo e publicidade atingiu tal ponto nos programas
esportivos que a MTV brasileira criou uma atração destinada a parodiar a
situação, segundo o jornalista Maurício Stycer
100
. O diretor da atração, Zico Góes
revela que o programa Rock & Gol, apresentado por Paulo Bonfá e Marco Bianchi,
nasceu para rir dos trejeitos dos apresentadores-camelôs e da própria noção de
merchandising.
A ética da profissão vai muito de cada indivíduo e como verificamos ao
longo desta pesquisa, não é somente a propaganda que faz com que o jornalismo
esportivo esteja cada dia mais aliado ao entretenimento. A publicidade é o
elemento mais forte desta linha nue que separa a informação do entretenimento,
mas observamos ser uma tendência da sociedade capitalista contemporânea e
consequentemente do fazer jornalismo esportivo eletrônico.
100
STYCER, Mauricio. Barraco no Jornalismo Esportivo. Jornalismo & Negócios. Revista
Carta Capital. São Paulo: ano X, n. 266, p. 30-38, 12 de novembro de 2003.
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A HISTÓRIA DO FUTEBOL – UM JOGO MÁGICO – origens
A HISTÓRIA DO FUTEBOL – UM JOGO MÁGICO – As culturas do futebol
FlashStar Home Vídeo
INTERNET
<http:/www.fifaworldcup.com>
<http://placar.abril.com.br>
<http:/www.fcl.com.br>
Anexo
Entrevistas
Entrevista 1 – Chico Lang
Chico Lang
Apresentador do programa Mesa Redonda, da TV Gazeta.
Entrevista concedida na sede da TV Gazeta, no dia 12 de novembro de 2007
Patrícia - Você é um jornalista que faz merchandising e propaganda, isso
afeta um pouco a credibilidade do jornalista ?
CL: Não, não afeta nada porque fica bem claro o que é propaganda, e o que é
notícia. Para dizer verdade hoje nós temos uma boa audiência, eu tenho um site
na internet que tem quase 30 mil visitações, escrevo para vários jornais do Brasil,
a profissão não é afetava em nada. É que eu tenho uma figura forte na televisão, é
um personagem né, que tem boa parte de mim também, mas boa parte também
não tem, tudo na televisão é uma ficção né, tudo na televisão é uma coisa que não
tem muito vínculo com a realidade né, a não ser o jornalismo e mesmo assim
jornalismo interpretativo é difícil você não enfocar a notícia de um jeito em que
você dê uma interpretada nela né, é complicado isso. Quem consegue isso são
poucos né, e então na hora de fazer o merchan, quem faz o merchan é o
personagem Chico Lang, não é um jornalista não. Eu falo a vocês, eu já fiz várias
propagandas ao todo poderoso timão, que é do Corinthians né que vende
produtos licenciados do Corinthians e que descia o pau no Dualib, isso para mim
não faz a maior diferença.
Patrícia - A TV e o rádio por serem veículos de massa colaboram para que
jornalistas fiquem conhecidos e famosos, consequentemente fica mais fácil
vender os anúncios, se no impresso os jornalistas também tivessem essa
notoriedade, eles seriam mais adeptos a publicidade e ao merchan também ?
CL: Ah seriam, claro que seriam, tanto que é verdade que na época do Assis
Chateaubriand, quando ele contratava o cara, o cara falava assim: ”Ô doutor e
meu salário?”, “salário?, você tem carteira de jornalista se vira!”. Quer dizer,
também liberou geral né, porque estava errado tamm. Mas era mais o menos
como funcionava na época, mas agora eu acho que a tendência do
profissionalismo hoje seja isso mesmo, cada vez mais as empresas contratarem
você como pessoa jurídica né, e você procurar fazer sua vida como pessoa
jurídica, eu acho que o caminho é esse, porque é bom pra você, porque você
acaba recebendo um salário quase que integral da empresa e você mesmo acaba
pagando seus benefícios, e se você conseguir arrumar publicidade, conseguir
outras coisas você acaba prestando serviços para a empresa, então acho que é
legal, uma idéia boa essa. Na televisão isso acontece, os anúncios que eu trago
eu não cobro, mais tem amigos que cobram porcentagem sim. Eu fico com o
merchan e o contato da gazeta fica com a porcentagem da publicidade e eu
recebo cachê, eu prefiro assim é mas honesto, mais tem amigos meus que não,
eles pegam até porcentagem que você tem direito a 10% do anunciante que você
trouxer né, e eu já trouxe vários aqui e nunca cobrei, deixo sempre para o menino
do contato da Gazeta pra ficar mais ou menos equilibrado. Não é que eu jogue
dinheiro pela janela, mais é que eu acho mais justo entendeu, acho mais justo;
como Flavio Prado que não faz propaganda de remédio e não faz propaganda de
pinga, de cerveja. Você veja, ele tem as razões dele, e eu já faço pinga, de
cerveja, Ypioca, qualquer coisa, porque eu não faço testemunhal, eu bebo
testemunhal, então aí pra mim, eu não sou fingido porque eu gosto mesmo de
Ypioca, tomo cerveja, então bobagem para mim, não fazer por quê?
.
Patrícia - No programa mesa redonda são usados artifícios de teatro, os
participantes representam o torcedor de um time, um bonzinho outro
ranzinza ?
CL: Deixa explicar bem. O “mesa redonda” sempre foi caracterizado pelo jornalista
se assumir torcedor, isso antes de eu vir pra cá, o mesa redonda sempre agiu
assim, toda verdade que a turma, als toda mesa redonda nasceu assim. O
primeiro mesa redonda foi o mesa redonda Faciti, que até é nome de uma
empresa que até faliu e fazia produtos eletrônicos para cozinha e tinha batedeira
Faciti, cafeteira Faciti, uma porção de coisas. E essa mesa redonda era composta
por o Armando Nogueira, Mario Flho né , o Nelson Rodrigues, João Saldanha,
todos eles jovens ainda lá no Rio de Janeiro, e quando começou a televisão e o
recurso do videotape, já mostraram para o Nelson Rodrigues que era fluminense
roxo né, e um dia mostraram o vídeotape pra ele e falaram pra ele assim: “você
está errado foi pênalti “. Aí ele virou e falou assim: “o videotape é burro “. Então
quer dizer sempre se caracterizou assim.
Quando veio para São Paulo, quem assumiu a mesa redonda foi Perón de Castro
que era santista, o José Italiano que era corintiano, Blota Junior que era corintiano,
Roberto Petre que era são paulino, Jourdi Gómez que era são paulino, enfim
todos eles, o Luis Noriega que era são paulino e todos eles fazem questão de
dizer para quem torciam, aí quando essa turma saiu, veio a turma do Jornal da
Tarde, que era a turma do Avallone e a minha, eu sou uma geração abaixo do
Avalloni. Era uma geração que dizia “vamos torcer”, era o jornalimo futebol clube.
Aí eu falei “não sou porra nenhuma, sou Chico Lang e torço pelo corinthians e vou
falar”. E quem me fez assumir corintianismo foi o Carlos Brickman, que era meu
editor na Folha da Tarde, e um dia escrevi a coluna “Sou corintiano, maloqueiro e
sofredor”, que era da Fiel mas que depois foi para os estádios. Como eu tinha
amigos na Gaviões da Fiel, a gente sempre conversava “pô corintiano é
maloqueiro e sofredor mesmo, né” e eu falava “eu “sou corintiano, maloqueiro e
sofredor” e eu disse isso muito antes de tudo mundo começar a gritar, e….
assumi, brigava, xingava. Eu levei 12 processos, continuo levando, o Luxemburgo
me processou o ano passado, perdeu o processo. Enfim, não é que a gente vai
para a o ar representando, fazendo jeito de teatro né. Então entendi o que você
perguntou.
Mas não, a gente não tem curso de teatro, ninguém tem, agora por outro lado
você não deixa de ter razão um pouco, porque o Cacá Rossetti, por exemplo, ele
veio rias vezes aqui no Mesa Redonda e vinha várias vezes aqui sempre
participar, só para observar meu personagem, e quando ele pode, ele pulou para
outra emissora para fazer um personagem corintiano, e ele torce pro São Paulo.
Então ele sim, ele sim é um ator, toda vez que me encontro com ele, ele sai
correndo, porque na verdade ele me imitou mesmo, ele me imitou absurdamente e
os outros programas fizeram, acabaram fazendo o âncora e arrumaram um
contraponto para o Ancora.
Lá na Rede TV era o Juca, que arrumaram o Kajuru, o Flavio Planto quando
estava na TV Cultura, que era o Trajano e o Juca Kfouri, enfim, mas nunca
pagaram pra ser pra mim e pro Avallone. Eu e o Avallone formamos uma dupla
que nos próximos 40 anos não vai aparecer, porque a gente ia para o ar sem
nada, sem escrito, a única coisa que tinha eram os testemunhais que o Avalloni
fazia e era tudo no papel, não tinha TP, o videotape falhava era um horror e a
gente começava a discutir, ele metendo o pau no Corinthians e eu descendo o
cacete no Palmeiras, e aí ele defendendo o Palmeiras mas dizendo que era o
Jornalismo Futebol Clube e eu falando que ele era na cara de pau, que eu era
corintiano e assumia e na hora que a gente via estávamos com 7, 10 ,12 pontos
de ibope e o pessoal gostava e aí aquela coisa, foi ficando, ficando e hoje
infelizmente acabou né, foi-se o tempo mais era uma coisa que a gente se orgulha
de falar né. Curiosamente nós nunca combinamos nada, às vezes quando vinha
do videotape para ele ou para mim, ele falava: “Chico vamos falar do Corinthians
tá ok, tá bom?”. E eu já sabia que vinha bucha, então eu já me preparava, e eu
falava: “Avaloni, acabou o intervalo tem o negócio do Palmeiras” e ele já sabia que
vinha mais buxa e ele se preparava, e isso dava audncia né, uma coisa
inexplicável, um fenômeno que aconteceu na TV Gazeta, aconteceu na minha
vida, na do Avalloni. Eu não fiquei nem mais rico nem mais pobre por isso.
Patrícia - O mesa redonda, ele é jornalístico ou ele é de entretenimento ?
CL: Não, ele é jornalístico claro, e que ele é um programa jornalístico onde
prevalece o debate né, então aí dá a impressão que a coisa vai para o lado da
variedade, mais não vai. A gente às vezes faz a vida de um jogador, explora , vai
até a cidade dele, mostra quem é amigo quem não é, né? Isso realmente
acontece, mas isso deixa de ser uma matéria de comportamento para ser uma
matéria jornalística tendo sempre e não perdendo de vista que o cara é um
jogador de futebol, a gente não faz isso com o artista, a gente faz isto
especificamente com o jogador de futebol. A única coisa que pode dizer que
lembra um pouco as matérias de comportamento, que lembra um pouco as
matérias feitas no setor de variedades, no setor de cidades e não tem nada a ver
não, é um programa jornalístico que tem debate.
Tanto que é verdade que o vídeo tape vai para o ar, o vídeo tape é como se fosse
um relato do jogo jornalisticamente falando, aí depois vão os vestiários, vão os
ambientes, às vezes a gente mostra coisas que não gostaria de mostrar que é
briga, pancadaria, espancamento. Eu não sou contra mostrar isso, sou favorável,
acho que mostrar até assassinato eu sou favorável, porque afinal de contas é o
que aliás a TV faz, né? Estas câmeras de supermercados, quando é assaltado um
banco, eles mostram mesmo o cara sendo morto, né? Dá uma talhadinha para
não mostrar exatamente o momento, mas aí mostra. E eu acho que deve mostrar
mesmo porque é a realidade. O jornalismo não inventa nada. Este avião que caiu
agora a pouco tempo, em Campo de Marte, todas as televisões estão lá, a única
sobrevivente foi uma menininha, ela já foi em tudo que é programa de televisão,
tem que ir mesmo, porque é uma vergonha o que acontece. Eu tenho quase
certeza que este avião caiu por falta de manutenção, como os 3 helicópteros que
caíram 2 dias antes, caíram também por causa disso. Muito trânsito aéreo no
Campo de Marte e a pista é muito pequena. É complicado, muita casa do lado.
Então a gente não pode furtar nunca de mostrar. Então mesmo às vezes quando a
coisa não é favorável, é uma coisa chata até pro meu lado, mas eu deixo mostrar
porque a opinião do torcedor, o torcedor me xingando, falando mal de mim. Eu
não corto nada, deixo tudo ir pro ar. Eu acho que é jornalístico o programa, ele
tem direito de protestar, de falar o que ele pensa e eu respondo. Se eu respondo
engraçado e fica engraçado são outros quinhentos.
Porque eu acho que futebol tem um lado folclórico do futebol, tem o lado de
humor. Eu cresci no meio de palmeirenses e são paulinos. Mais de palmeirenses
porque nasci no bairro da Pompéia, eu cresci no meio deles e nunca matei
ninguém por isso. Às vezes saia briga, mas resolvia ali, continuávamos amigos e
pronto. Futebol não é guerra, futebol é lazer, né?
Tem gente que compara o futebol a ir ao teatro, mas acho que não é bem isso.
Mas é mais ou menos isso sim, é um circo, é um circo sim, o coração dispara a
emoção prevalece. Quando não tem emoção não tem prazer nenhum. O São
Paulo foi campeão não teve emoção nenhuma e o Corinthians fugindo do
rebaixamento está mais emocionante.
Patrícia – Alguns jornalistas recebem placas de homenagem, dão
autógrafos, são como celebridades, o que faz eles agirem assim, e se o
jornalistas esportivo têm um pouco de artista.
CL: Olha, eu vou dizer uma coisa, todo mundo que vai pro vídeo tem um pouco de
artista, tanto que é verdade que é inegável esta observação sua, tanto é verdade
que a Marília Gabriela começou jornalista e virou atriz. E tamm acontece ao
contrário. A Ana Maria Braga começou como jornalista, quase ninguém sabe que
ela é jornalista e hoje ela apresenta um programa de variedade. Eu acho que o
vídeo te leva a isso. Quando eu vim para a Televisão, eu estava na dúvida se eu
largava a Gazeta Esportiva escrita e vinha pra televisão ou ficava lá. Aí o Avallone
falou pra mim, “não você vem comigo, está dando certo a dupla, você vem
comigo”. Aí ele virou pra mim, pra me convencer, primeiro me arrumou um
aumento, mas eu não estava convencido ainda porque eu nunca fui de ligar muito
pra dinheiro, não que eu tenha sobrando, nunca tive, sempre estou endividado,
mas nunca fui de me apegar muito a coisa material, meu negócio foi sempre outro,
mais paixão, emoção, casei três vezes, tenho uma vida meia boêmia. Cheguei
gastar um salário inteiro num puteiro, não nego, não escondo, curti minha vida pra
cacete, agora que eu estou mais devagar, to mais geração saúde porque fiquei
doente e to me recuperando, mas sempre fui meio boemão. Mas o argumento que
ele me deu foi este aqui: “escuta aqui, televisão são as luzes da ribalta, o
jornalismo escrito é o palco com as luzes apagadas”, é isto ficou na minha cabeça.
Quem vai pro vídeo, mesmo sendo jornalista tem que ter um pouco de artista. Até
porque às vezes tem que improvisar, e improvisação só faz quem tem como
improvisar, quem tem um pouco de talento pra isso. E este pouquinho de talento
você acaba desenvolvendo de uma tal forma, que eu já vi muitos amigos meus,
jornalistas de televisão acabarem virando atores mesmo. Muitas meninas atrizes,
trabalhei com atrizes-jornalistas, jornalistas-atrizes. Eu acho que tem sim um
pouco de ator, porque você vai, passa maquiagem, você se prepara, muita gente
faz plástica pra não mostrar que tem defeito no rosto, que fica mais velho, se bem
que eu não, eu não vou fazer plástica, porque eu vou ficar velho mesmo, com
cabelo branco mesmo, rosto caído mesmo e daqui a três, quatro anos to fora do
vídeo. E aí vou para o bastidor, sei lá, fazer alguma coisa.
Mas que tem sim um pouco de palco no jornalista tem, até porque é preciso ter, se
o William Bonner não improvisasse no Jornal Nacional e a mulher dele, a Fátima
Bernardes não improvisasse tamm, eles não conseguiriam fazer o jornal
nacional. Se você ouvisse o que tem gente gritando no ouvido dele no ponto..se o
cara não tiver um pouco de jogo de cintura o cara está morto, né?
Patrícia - O que você pensa sobre os jornalistas envolvidos em vendas de
jogadores, vendas de placas de publicidades e que fazem assessoria de
imprensa para jogador e ao mesmo tempo trabalham em um veículo de
comunicação. É possível manter a isenção nestes casos?
CL: Aí eu sou contra, muita gente me procura, muito jogador, muito empresário
procura mas eu falo, meu amigo eu sou jornalista, eu não sou empresário, não
mexo com isso, não me leve a mal mas tô fora. E a minha resposta será sempre a
mesma. Eu acho que o jornalista não pode ser empresário, se quiser ser
empresário tem que parar der ser jornalista para ser empresário. Acabei de falar
com você, daqui a quatro anos eu devo parar, e aí sim, como diretor da Gazeta eu
vou negociar com um Presidente de Clube, vou negociar no Grupo dos 13, vou
negociar na Federação, vou negociar na CBF. Vou querer que a Gazeta transmita
a Copa de 2014, vamos brigar por isso. Mas aí eu serei um homem da direção,
não vou ser mais jornalista. Mas aí eu vou ser jornalista para escrever um artigo
pra jornal, ter participações esporádicas, mas de preferência não em programas
de esporte, mas enfim, aí tem toda uma ética mesmo.
Como que o cara vai elogiar o jogador que ele tem o passe? O jogador pode até
ser bom, mas como é que fica a ética dele, ele com a consciência dele mesmo.
eu acho que já está errado, eu sou contra, não gosto de trabalhar com cara que é
assessor de imprensa e também trabalha em televisão. Tem muito cara em setor
de produção fazendo isso em TV. Eu não tenho cargo aqui de direção, eu só devo
satisfações para a superintendência da emissora. Eu tenho a gerente aqui, eu
respeito e tal, me dou bem com ela, a gente conversa muito mas eu só devo
satisfações para o superintendente da Fundação que é o Sergio Felipe. Eu
quando quero negociar vou direto nele, quando ele tem alguma coisa pra falar
vem direto em mim. Nós não temos intermediário entre nós. Mas se eu fosse
gerente aqui, como eu sei que tem muita gente aqui que faz assessoria, eu
cortava, ou pedia pro cara escolher, assessoria ou aqui. Porque eu acho que isso
não é legal, não é legal, não pega bem. E se for para a política pior ainda; e pior
que tem jornalista lá em Brasília que trabalha pra Rede Globo de Televisão e é
funcionário da Assembléia, do Senado, ou seja, é um absurdo, eu não concordo,
acho isso nada bom.
Mônica Veloso, era da Globo e acabou derrubando o homem lá, que de santo não
tem nada. Eu fico muito chateado porque Mônica Veloso era jornalista, acabou
pelada na playboy, é uma puta baixaria, acho que é errado, não se pode misturar
as coisas.
Patrícia - Qual o papel da Universidade na formação do jornalista esportivo?
CL: Melhorou muito, eu tenho ido, eu não cobro pelas minhas palestras, quase
também não vou em faculdade, uma vez por ano eu vou em uma, ou duas ou três,
de preferência aquela faculdade que tem aquele pessoalzinho mais duro, que não
tem oportunidade muita de conversar....Porque precisa ter muita experiência, em
jornalismo escrito, em televisão. Em rádio eu gosto de rádio, mas não gosto muito.
Agora eu gosto muito de televisão e de jornalismo escrito, e eu acho legal porque
eu acho que eu tenho muito a dizer. Quando eu vou nestas palestras eu fico 3, 4
horas falando. Não me canso, não cobro um tostão, os caras querem me pagar eu
não quero, não cobro nada. Porque eu acho que pra jornalista, pro cara que está
começando é importante você passar uma experiência positiva, uma experiência
de vida legal e positiva. Porque sacanagem ele vai cansar de ver, coisa errada
também.
Agora é duro você chegar como um jornalista como eu, que tenho 53 anos de
idade, 34 de profissão, sempre fui jornalista desde os 16 anos e nunca peguei
dinheiro ilícito de ninguém. Passei necessidades, fiquei 6 anos com o nome sujo,
mas nem por isso eu apelei para a ignorância, eu fui lá briguei, limpei meu nome,
sai do buraco, e é assim, eu acho que a gente tem que passar esta experiência
positiva. Porque não tem coisa que pague você encostar sua cabeça no
travesseiro e dormir e eu acho que isto que tem que passar pra garotada que está
saindo e é por isso que eu vou, e eu falo isso nas palestras. O que eu percebo é o
seguinte, hoje já está muito mais moderno, já tem ilha de edição nas faculdades,
ilha de edição de rádio, de televisão. Trem algumas faculdades com produção
interna, com circuito interno de televisão. A criação do TCC foi ótimo porque ali ele
vai dizer se aprendeu alguma coisa, é que nem exame da OAB. O advogado que
quer ser advogado tem que pegar a carteirinha da OAB, fazendo exame, passou
na OAB.
E o TCC nosso está virando isto, eu quero mais cada dia mais, TCCs rigorosos, o
cara que não souber não fez direito então não serve para o mercado. O mercado é
competitivo, é cruel, ruim, o mercado é sacana, o patrão explora, se você trabalha
4 horas por dia ele vai querer que você trabalha 10 e por preço de 4 e é assim
desde que eu me conheço por gente. Mas eu digo uma coisa pra você eu nunca
ganhei menos do que 7 mil dólares por mês, nunca, desde que eu comecei no
jornalismo. Agora se eu sou sem vergonha e não guardei também o problema é
meu, mas que eu sempre ganhei mais ou menos isso de média eu ganhei. Mas vê
se pagam isso pra alguém que sai da faculdade hoje, não pagam. Mas do
jornalismo eu não posso me queixar, tudo que eu tenho eu devo ao jornalismo,
então o mínimo que eu poso fazer é fazer estas palestras.
E explico sempre nas minhas palestras, o lado ético é muito importante. O cara
que quer ser empresário deve ser somente empresário. O anúncio em televisão é
outra coisa, é como eu te falei o jornalista tem um pouco de artista também, então
dá pra você fazer. E se eu não fizer, entra o Cacá Rosset aqui me imitando e faz,
então faço eu, ! Então aí tem que haver um balanceamento legal.
Entrevista 2 – Marcelo Laguna
Marcelo Laguna
Editor-chefe do Caderno de Esportes do Diário de S. Paulo.
Entrevista concedida na Faculdade Rio Branco, no dia 08 de dezembro de 2007
ENTREVISTA MARCELO LAGUNA
Patrícia: O que você acha dos jornalistas que fazem propaganda, isto afeta a
credibilidade do jornalista?
ML: Acho complicado, quando esta propaganda interfere diretamente no seu
trabalho, no seu dia a dia, não há como não ter um conflito de interesses. Ao
mesmo tempo, por exemplo, o Joelmir Betting fez propaganda de um banco, você
vai questionar a credibilidade do Joelmir Betting, acho muito difícil. Claro que o
ideal seria evitar. Eu já vivenciei esta situação. Eu tive uma vez uma coluna de
basquete, que chamava “No Garrafão”, que eu distribuía esta coluna através do
escritório do Flávio Gomes, naquela época ele tinha a agência dele, aliás tem
ainda, e ele quis diversificar o negócio porque só fazia F-1 e criou uma coluna de
volei, quem fazia era o Sergio de Sá Leitão, da Folha, e eu cheguei com o projeto
de fazer de basquete. Ele falou tudo bem, você traga seu patrocinador, ele pegava
uma parte do dinheiro do patrocinador. E o patrocinador que eu tinha era o Poli
que patrocinava o Corinthians de Santa Cruz do Sul. Obviamente como estava
acontecendo o campeonato brasileiro de basquete e o Corinthians estava jogando
e era um dos melhores times, invariavelmente, vez ou outra, eu tinha que falar do
time do Corinthians. Eu não me sentia pressionado a falar do Corinthians por
causa do patrocínio, isto é uma coisa muito pessoal, eu não acho que eu vinculei
minha imagem ao time do Corinthians. O que acontecia? Eu escrevia a coluna e
agente mandava o logo do patrocínio para os jornais da rede do Flávio, alguns
jornais publicavam, outros não. É uma coisa muito institucional, o retorno que dava
para o patrocinador era coisa de mídia, centimetragem de jornal. Eu não acho que
aquilo atrapalhou minha credibilidade, a minha forma de conduta só porque era o
patrocinador que viabilizava o produto, a coluna. Agora quando o sujeito faz os
merchans na televisão e que afeta diretamente o produto, eu acho que é meio
complicado, o ideal seria não fazer, acho que em alguns casos é até permitido.
Por exemplo, eu estou com o blog agora, tinha uma opção de colocar anúncios do
google, troca automático, eu não me sinto vendido por isso, mas tem cara que
exagera, o problema está no exagero. No jornal, você não pode fazer um
patrocínio para uma matéria, por exemplo, do Diário de S. Paulo, por isso falo que
há casos e há casos.
Patrícia: Os baixos salários dentro do jornalismo esportivo estimulam a
busca do jornalista por outras fontes de renda?
ML: Eu vejo isso muito no rádio, na TV nem tanto, mas no rádio é inevitável,
infelizmente porque os salários pagos no rádio são ridículos. E você vai questionar
o sujeito que precisa pagar aluguel, pagar a escola do filho? Acho que não dá pra
questionar, não dá pra jogar pedra, acho que há muito exagero. Como há muito
exagero de quem abusa do merchandising, há também um exagero na patrulha do
merchandising. Vai muito da consciência pessoal do sujeito, agora enquanto o
sujeito está buscando aquilo como uma forma de completar o salário dele, é uma
coisa, agora se ele começa se vender por causa deste patrocinador e este
patrocinador começa a afetar a forma dele encarar as coberturas esportivas dele,
se este patrocinador choca com uma crítica que ele vai fazer, aí ele tem que parar
pra pensar, mas se o cara está só procurando uma forma de conseguir, o cara
usa um bonezinho, e fica no campo, ele precisa desta grana pra fechar o mês, eu
não vou questionar, não vou ser hipócrita, mas se aquilo passa a afetar o trabalho
dele, aí eu passo a enxergar de uma outra forma.
Patrícia - Você acha que fazer a publicidade, o merchandising, virou comum?
Já faz parte do jornalismo esportivo?
ML: Olha, o que eu estou vendo, como sou de impresso, não sinto tanto, mas eu
vejo colegas. Tem de um lado, teoricamente que é uma ilha de isenção, que é o
pessoal da ESPN, não se faz merchan nenhum, nessa incluo também o Juca
Kfouri que é o grande crítico desta postura. O oposto, é o pessoal da Record, com
o Milton Neves, que é um exagero. Aliás, eu acho um exagero dos dois lados.
Agora quando eu vejo um cara como o Flávio Prado, que eu sempre tive uma
imagem dele como um cara sério, fazendo aquele monte de merchan tamm…eu
acho que virou um caminho meio inevitável. Eu estou no impresso, não sei
realmente como funciona na TV, mas talvez sem aquele merchandising o
programa não rola, pode ser isso. Aí vão questionar o cara porque está fazendo
isso, aí o programa sai do ar e são 30 pessoas que ficam sem emprego. Mas até o
Galvão Bueno faz merchandising, no programa dele no SporTV, o “Bem Amigos”,
ele que é o carro-chefe da TV Globo? Não podemos ser tão radicais…
Patrícia - Afinal estes programas de domingo, os chamados mesa-redonda,
eles são jornalísticos ou são de entretenimento?
ML: Acho que são as duas coisas. Você pode discutir a qualidade jornalística, mas
o programa da Gazeta é jornalístico, podemos discutir a qualidade. O programa do
Milton, que hoje é quase um programa fantasma porque é colocado a uma hora da
manhã, ele já foi um programa jornalístico, está caminhando para ser um
programa de entretenimento, principalmente nesta reta final de campeonato, eles
estão trazendo no programa mágicos, colocou o jogador Vampeta dentro de uma
caixa, fez ele desaparecer, é aquela piada. O da rede TV, também é um programa
jornalístico, o que se discute é a qualidade. O programa do Galvão Bueno, de
segunda-feira, no SporTV, este sim é entretenimento, ele leva cantores, Ivete
Sangalo, Neguinho da Beija-Flor, coisa muito chata. Só cabe isso no SPOTV
porque é o Galvão Bueno e ele traz convidados famosos então somos obrigados a
ver aquela droga. Este é um programa que está nesta linha, não se sabe se é
entretenimento ou jornalismo.
Patrícia – Alguns jornalistas recebem placa da cidade, dão autógrafos, são
verdadeiras celebridades, o que faz o jornalista agir assim, e o jornalista
esportivo tem um pouco de artista?
ML: O de televisão tem sim. Já vi o Galvão Bueno dar vários autógrafos, vi o
repórter Mauro Naves dar autógrafo, o Tino Marcos. O Milton Neves, até pelo seu
jeito de ser, pela sua postura, o jeito como se comporta, ele é mesmo meio pop
star, ele acaba atraindo a atenção, ele é grandão, fala alto. A vaidade é um
problema muito sério do ser humano.
Patrícia – Fiz uma entrevista com o Chico Lang que assume ser um artista.
Fazer um personagem.
ML:pode ser um personagem pra falar aquelas bobagens, o Corinthians vai
ganhar de 7 a 0, o bobo da corte, um palhaço. O papel dele é o do corintiano
doente. A TV cria esta imagem e boa parte do público gosta. A TV e o rádio tem
esta característica, coisa que por exemplo, o jornalista de jornal não tem e nunca
vai ter. Só se aliar jornal com TV, é a força da televisão. Tivemos o prêmio Aceesp
de melhor jornalista esportivo, o Paulo Vinicius Coelho, foi o segundo colunista
mais votado, ele ficou atrás do Alberto Helena, mas se o Paulo Vinicius não
tivesse a ESPN, eu acho que ele não seria nem o quinto mais votado, é a força da
TV. O Paulo faz um tipo de coluna específico para um público que gosta de tática
de futebol, faz com muita competência aquilo lá, eu particularmente não gosto, eu
me chateio, leio 3 linhas e viro a página. O Paulo escreve para este tipo de público
e ele faz muito bem, mas se ele não tivesse a televisão, nunca seria o segundo
colunista mais votado n o prêmio Aceesp.
Patrícia - O que você acha de jornalistas que fazem venda de jogadores,
venda de placas, fazem assessoria junto trabalhando em veículo de
comunicação, é possível ter isenção nestes termos?
ML: Não, não é. Isto eu sou terminantemente contra. Se o cara quer abraçar a
carreira de empresário, para com o jornalismo, quer virar assessor de imprensa,
para com o jornalismo. Não tem jeito de ter isenção, não tem conversa, não tem
negociação. É complicado demais. Eu acho até que venda de jogador é pior ainda
do que assessoria, é pior ainda. O caso do Tatá Muniz, Eli Coimbra foi o maior
escândalo do jornalismo esportivo. Não dá para admitir.
Patrícia: No programa de debate, são usados artifícios de teatro, os
jornalistas interpretam personagens, um é mais bonzinho, outro mais
ranzinza, é assim mesmo que funciona?
ML: Isto é desde os tempos que a gente nem tinha nascido. O programa
Mesa=redonda antigo da Gazeta tinha o Zé Italiano, o Perón de Castro, Bretãs, o
Peruzzi, já era assim. Sempre teve esta coisa da teatralidade, um era
representante de cada time.
Patrícia: O ufanismo, a emoção exagerada de um jogo são formas de burlar a
credibilidade do jornalismo na TV e no rádio ou faz parte do espetáculo?
ML: Acho que é a característica pessoal de cada narrador. Eu acho uma
bobagem, não cabe ufanismo, você precisa ter uma visão crítica o tempo inteiro.
Quando está bom tem que elogiar, quando está ruim. Eu vejo o Galvão narrar jogo
do Brasil e me irrita, parece que o Brasil é a melhor coisa do mundo. Mas isso, faz
parte do espetáculo.
Entrevista 3 – Vladir Lemos
Vladir Lemos
Apresentador do Programa Cartão Verde, da TV Cultura.
Entrevista concedida por telefone no dia 14 de novembro de 2007
Patrícia - Qual sua opinião sobre o papel que a universidade desempenha na
formação do jornalista esportivo?
VL: Eu sou a favor do diploma, agora, eu reconheço que jornalismo é uma
profissão que o necessariamente a pessoa precisa ter passado por uma
universidade para estar formado. Eu costumo até brincar com as pessoas que
talvez o jornalismo seja a área mais humana de humanas, né? Porque eu acho
que a gente trabalha na verdade com a formação da pessoa desde criança. Então
na verdade eu duvido que uma pessoa que tenha sido, tenho tido uma formação
deficiente vá passar por uma faculdade de jornalismo e depois vá ficar com uma
formação exemplar para exercer qualquer tipo de coisa, entendeu? Então na
verdade eu não consigo desdenhar do diploma, mas também, sou capaz de
entender que a pessoa seja capaz de exercer funções dentro do jornalismo
mesmo não tendo passado por uma universidade. Especificamente para o
jornalismo esportivo, como qualquer outra área, acho que se a pessoa tiver o
interesse, tiver conhecimento e tiver gasto um bom tempo da vida atrás dessas
coisas que ela gosta ou que lhe chamam a atenção, que no caso seria o esporte,
ela vai acabar ficando apta a exercer a profissão, quer dizer: Eu não acho que a
universidade tenha um papel primordial, mas acho que a faculdade tem seu papel,
entendeu?
Patrícia - O que você está sentindo dessa nova geração de jornalistas que
está vindo? Você tem falado com estudantes da área? Quais suas
impressões?
VL: Bom, eu acho que, eu costumo conversar com estudantes, a gente de vez em
quando tem estudantes passando por aqui para conhecer a Fundação e em
alguns momentos que eu sou convidado para participar de bancas ou então para
falar com alunos em determinadas faculdades, da última vez que eu fiz isso fui
atender um convite da FIAM. O que vejo é o seguinte: O jornalismo de modo geral,
ele ficou um pouco glamourisado, quer dizer, hoje as pessoas, acho que até o
interesse nos últimos anos pela faculdade de jornalismo aumentou porque as
pessoas não vêem exatamente o jornalismo, mas começam a enxergar o que está
gravitando em volta, que são: as possibilidades de se transformar, de
transformação da pessoa em apresentador, a parte artística realmente se misturou
muito com o jornalismo. Que nem aí, hoje é muito normal você ver pessoas que
não têm a formação. Às vezes, por exemplo, modelos e atrizes quando são
perguntadas, acabam falando dos planos futuros, acabam falando que querem se
transformar em apresentadoras, como se isso.... Eu acho que as pessoas acabam
sendo um pouco seduzidas por essa idéia glamourizada do jornalismo. E o
esporte conseqüentemente, como a gente vive num país onde principalmente o
futebol que responde aí por 80% do universo esportivo, acaba despertando o
interesse das pessoas. As pessoas que gostam de futebol acabam se deixando
seduzir pelo jornalismo esportivo sem saber muito fazer essa distinção de onde é
que vem realmente essa atração, se é do jornalismo ou se é essa coisa de gostar
de futebol. Quando é de esporte eu acho até legal, eu acho que o jornalismo
esportivo precisa de pessoas que se interessem exatamente por esporte, né? De
uma maneira geral e não só pelo futebol, aí a gente vê que essa aproximação ela
é feita na maior parte das vezes por causa da atração exercida pelo futebol, não
que seja ruim, acaba sendo até inevitável pelo que o futebol representa no país
que a gente vive, mas se fosse uma coisa de esportes em geral, eu acho que seria
uma coisa mais saudável.
Patrícia - Para você, qual a importância do jornalismo nos programas de
esporte? O que vai além do entretenimento?
VL: As impressões que eu tenho, talvez até adiante a resposta de uma pergunte
futura sua. Mas, a impressão que eu tenho nesse no momento, não só com
relação ao entretenimento e esse tipo de coisa, mas a impressão que eu trago
comigo é que o jornalismo esportivo se encheu demais de opinião, entendeu?
Toda a que a gente vê um programa esportivo hoje em dia, a gente sempre vê
alguma coisa carregada de opinião. Eu continuo acreditando, e isso é muito legal
aqui na Cultura porque, apesar de o esporte ter diminuído seu espaço aqui dentro
nos últimos tempos, a gente ainda pode fazer isso aqui, quer dizer, quando a
gente fala de esporte aqui a gente ainda tem como preocupação primeira a
informação. Primeiro a gente dá a informação, depois se for o caso e a gente
ainda tiver tempo disponível, aí a gente vai tentar refletir sobre a coisa. Mas eu
acho que realmente nos últimos tempos, a informação esportiva, ela ficou um
pouco esquecida em detrimento da opinião, entendeu? As pessoas se preocupam
mais em dar uma opinião sobre aquilo que elas foram informadas, do que
propriamente informar. Você vê, principalmente nos programas de mesa redonda
têm essas características. Eles poderiam, na verdade trazer muito mais
informação, porque acontece muita coisa no mundo esportivo, mas se gasta, às
vezes, muito tempo falando sobre um mesmo assunto, que aquilo que eles
acreditam que as pessoas querem ouvir mais, né? Ou aquilo que se garantiria o
ibope de uma maneira mais fácil, assim mais imediata. Então, pra resumir, eu
acho que o jornalismo esportivo nos últimos tempos se encheu demais de opinião
e acabou esquecendo um pouco a informação.
Patrícia - Você acha que a televisão e o rádio abusam da emoção e
transformam muitas vezes um jogo em espetáculo? O jornalismo em
espetáculo?
VL: É uma coisa tamm difícil de separar, porque de certa forma o esporte é um
espetáculo, né? Não só o futebol, mas outra modalidade qualquer, elas se
apresentam ou pouco como espetáculo, o que quero colocar a maneira como é
vendido para o telespectador o que ele está vendo. Obviamente nos últimos
tempos, a transmissão ficou mais espetacularizada, quer dizer, mesmo diante de
um jogo morno, o narrador acaba tendo a obrigação de ‘esquentar’ o jogo, como a
gente costuma dizer, né? Quer dizer, o jogo tem que passar a ser vibrante,
interessante, mesmo que ele esteja se apresentando de uma maneira morna. Isso
é uma coisa bacana também, e eu sempre gostei muito dessa parte de memória,
acho que quem se interessa por esporte, deveria muito seguir essa caminho,
buscar exemplos anteriores, antes de o esporte ter tomado essa área do
entretenimento ou ter aceitado tanto essa questão de ser apresentado como
espetáculo. Descobrir como é que se fazia isso antigamente, a Cultura tem bons
exemplos, por exemplo, narradores como Luis Noriega ou até mesmo Valter
Abraão que quando começaram a fazer transmissão aqui se negavam aquele grito
de gol, enorme depois que um time marcava um gol. E faziam uma transmissão
limpa que é lembrada até hoje, quer dizer, eu duvido um pouco, de que... Eu não
duvido que o esporte seja um espetáculo, mas eu duvido realmente que aquele
espectador que já está ali porque gosta, porque tem uma familiaridade, porque é
atraído pelo esporte, que ele precise realmente ver uma coisa sempre, sabe?
Cheia de adjetivos, ou então extremamente empolgada. Eu até brinco de vez em
quando com os amigos falando que se um dia eu fosse dono de uma televisão e
tivesse os direitos de transmissão de futebol, eu iria experimentar fazer uma
transmissão sem narração, por exemplo, entendeu? Porque hoje em dia a gente
leva onze câmeras para o campo, mais trinta e dois microfones, aí você abafa
todos os microfones na hora pra deixar só o narrador falar, onde na verdade a
pessoa queria mais do que tudo se aproximar da emoção que o estádio trás, todo
o barulho que ele faz, se ele canta, se ele xinga em determinados momentos, eu
acho que seria bem interessante. Porque você tem outras maneiras de colocar a
informação na tela para o telespectador, ou você pode colocar o narrador só em
determinados momentos.
Patrícia - Os programas de debate, em sua esmagadora maioria, abordam
somente os jogos de futebol. Qual a real necessidade de serem abordadas
outras modalidades esportivas?
VL: Eu acho que tem a questão primeira, que acaba se respeitando a
representatividade que o futebol tem no nosso universo esportivo, futebol no
nosso país é quase tudo, se não é tudo, é quase tudo. Mas eu acredito que uma
grande parte dos telespectadores, dos ouvintes se interessa por outros esportes
sim. O que acontece é que a TV, o rádio, ou seja, qualquer meio de transmissão
for, eles querem minimizar o risco de perder o telespectador ou ouvinte, então eles
acabam apostando todas as fichas no futebol, e acabam falando de outros
esportes, em momentos muito significativos. Mas obviamente se voleibol, se
basquete, se natação tivesse espaço e principalmente esportes que são... Que
sempre passaram à margem, por exemplo; a gente vê o skate hoje em dia que
tem um apelo danado, o números de praticantes enorme e a gente até acompanha
que nos últimos tempos tem ganho um espaço na mídia cada vez maior. Eu acho
que tem espaço sim para outros esportes, o que acontece é que a coisa do lucro,
da audiência. Ela sempre leva em consideração a coisa mais imediatista, quer
dizer, aquela coisa que vai dar retorno mais rápido. Com certeza você falando do
Corinthians a tua probabilidade de perder o telespectador no meio do caminho é
menor do que se você deixar de falar do Corinthians por uns minutos e passar a
falar da final da copa do mundo de Rugby agora, por exemplo. Essa semana a
gente teve até um... Na semana passada a gente teve um exemplo engraçado até
que a gente colocou no Cartão Verde, uma passagem do bloco falando da final da
copa do mundo de Rugby e depois eu recebi vários e-mails de pessoas elogiando
e falando “Que legal! A única TV aberta que falou da copa do mundo de Rugby
foi a Cultura, porque não tinha visto em outro lugar”. A gente nem tinha se
atentado para isso, porque a gente, pelo menos quando eu faço o programa, a
gente tem essa preocupação de tentar inserir o maior número de modalidades
possível, nem sempre consegue, porque tem semana que não tem Maratona de
Nova Iorque, não tem final da copa do mundo de Rugby, aí você fica meio
condenado ao factual, né? A coisa do futebol que sempre acontece seja o final de
semana que for. Mas essa resposta mostra um pouco que existe sim interesse por
outras coisas, principalmente quando são interessantes, entendeu?
Patrícia - Em sua opinião, qual a real receptividade do público no Pan do
Rio?
VL: Teve uma recepção boa, porque as pessoas têm uma curiosidade, mas eu
ainda acho que.... A gente trouxe no cartão verde da segunda-feira o Marco
Aurélio Klein que é um consultor de marketing, trabalha para a Fundação Getúlio
Vargas, fez parte daquela comissão Paz no Esporte... E ele comentava uma coisa
engraçada, porque a gente comentava de copa do mundo, e a gente ficou se
perguntando se realmente a copa do mundo no Brasil com o nosso poder
aquisitivo, ter que pagar caro por um ingresso, se as pessoas se interessariam por
um jogo da seleção do Tongo, por exemplo, ou alguma coisa assim... Eu senti um
pouco isso no Pan-americano, as pessoas de vez em quando se interessavam
quando tinham algum apelo, mas às vezes na seqüência de um jogo do Brasil, por
exemplo, de Handebol, tinha um jogo até de um país mais expressivo, e as
pessoas não ficavam porque elas não conheciam e acabam se desinteressando e
se tivessem ficado na arquibancada teriam visto um jogo bem melhor até
tecnicamente dos que elas acabaram de ver. Mas ficavam porque tinham essa
ligação nacionalista, quer dizer, era o Brasil que tava jogando, sem se interessar
pelo o esporte mesmo, então eu acho que ainda carece um pouco disso. E
aproveitando tamm, como eu li na veja dessa semana, e outras pessoas
também estão falando, que o Pan-americano no Rio de Janeiro foi um sucesso
tremendo, quero deixar aqui a minha discordância, porque a gente teve um
estouro de orçamento inaceitável, vários equipamentos não funcionaram, como
aquele que foi usado para.... Não me recordo agora... Mas o estádio que se usou
para fazer o basebol, confusão tremenda na hora de vender os ingressos, então
eu acho que na hora de a gente lembrar do Pan-americano, a gente não deve se
lembrar assim entusiasmado e que isso vá servir de álibi para sustentar nossa
candidatura que já é oficial agora para a Copa de 2014.
Patrícia - A TV Cultura, por não ter os direitos de transmissão de eventos
tem dificuldades em fazer um programa esportivo? Quais?
VL: Os direitos de transmissão aqui é uma coisa cada vez mais complicada, hoje
mesmo a gente se bateu aí porque a gente tem um quando dentro do Cartão
Verde, por exemplo, que se chama as imagens da semana. Teve uma cesta
belíssima no jogo da NBA, agora não lembro exatamente, quem estava jogando, e
uma cesta belíssima, e a gente foi atrás disso. NBA quem tem os direitos no Brasil
não podem ceder as imagens pra ninguém, então muito provavelmente a gente vai
ficar sem poder mostrar essa imagem por causa dessa questão de direitos. Agora,
a Cultura, óbvio que a gente tem todos os tipos de problemas com esse tipo de
coisa, agora, sendo uma TV pública e uma TV educativa, é óbvio que outras
emissoras na hora de tratar com a gente sobre isso, acabam sendo super solícitas
e gentis cedendo imagem pra gente. Tanto que a gente tem imagem dos gols do
final de semana, mesmo sem ter os direitos do Campeonato Brasileiro, outro tipo
de coisa, a gente tem acesso à agência Reuters que a gente assina, agora, essa é
uma questão que só vai se complicar, né? Porque quanto mais se cercar a essa
coisa de direito de transmissão, mais difícil vai ficar pra gente ter acesso, tanto
que a gente não pode, apesar de a internet ter muita imagem disponível hoje em
dia, a gente não pode ficar pirateando, e ficar indo buscar imagens na internet.
Então realmente é uma coisa complicada a gente como TV pública ainda
consegue contornar isso, de certa forma, agora a gente acaba tendo acesso a
muito menos coisa do que a gente gostaria de ter para mostrar.
Patrícia - O merchandising está presente em quase todos os programas
esportivos, com interrupções ao longo do programa. Você acredita que isso
ajuda ou atrapalha o programa? Em muitos dos casos, o próprio
apresentador faz o comercial. Afinal o jornalista pode ou não fazer
merchandising. Isto influi na credibilidade do profissional?
VL: Obviamente se a gente for pensar no espírito do jornalismo, a gente não ia
aceitar merchandising nunca! Agora eu não posso dizer, por exemplo, que, ou
melhor, eu tenho que ter cuidado na hora de dizer, porque qualquer jornalista que
trabalhe com a parte esportiva hoje em dia, corre o risco de ter que acabar
fazendo merchandising. Obviamente que não é alguma coisa que eu
profissionalmente almege, ninguém fala: “Olha eu espero um dia fazer
merchandising”, não nada disso. Acho tamm, apesar de contar com a
credibilidade do jornalista para vender um produto, eu acredito que o
merchandising poderia ser feito de maneira até mais inteligente, sem usar o
apresentador, entendeu? Seria... Agora, eu não sou hipócrita a ponto de dizer que
jamais faria, quem sabe as agruras que a gente passa na nossa vida... Quem é
que pode de repente de uma hora pra outra falar: “Não! Eu não vou querer um
emprego porque eu vou ter que fazer isso”. Então eu acho que é cruel falar um
negócio desse tipo... É cruel! É uma coisa que não deveria existir? É uma coisa
que não deveria existir, sem dúvida nenhuma, agora, não fale jamais que não fará
de maneira nenhuma, porque acaba sendo.... Primeiro muito perigoso agora...
Profissionalmente é obvio que não é... Que alguém que goste de jornalismo, que
tenha... Que preze pela informação e que queira guardar sua credibilidade não vai
querer é... Estar exercendo uma atividade como essa, entendeu? Não é.... e
realmente virou uma coisa meio sem controle porque tanto na televisão como no
rádio às vezes fica insuportável você acompanhar um programa porque você liga
o programa e se você for um pouco exigente você acaba mudando de canal,
porque você não ver ouvir aquilo. E acaba sendo quase impossível, você acaba
perdendo a informação, porque se você for mudar de canal, na hora que você
voltar uma outra informação já te escapou, por mais que você tente fugir você não
vai conseguir. É realmente uma questão extremamente complicada, entendeu? E
acho até que certos profissionais que já têm um certo padrão, uma certa
experiência, poderiam ter jogado muito mais duro na hora de aceitar uma coisa
como essa, entendeu? Quer dizer jornalista é jornalista, não é publicitário,
entendeu? Não é garoto propaganda, se é assim? Então não era pra fazer. Já
sobre a credibilidade do profissional eu acho que ele sempre será melhor visto se
ele não fizer merchandising, não tenho a menor dúvida disso. Mesmo que
jornalista não está aqui para emprestar credibilidade para produto nenhum. A não
ser que seja um produto jornalístico, né? Agora pra vender... Xampu, caminhão,
moto, televisão, pilhas, não faz o menor sentido, não faz o menor sentido.... É
uma.... É corromper um tanto a profissão, é misturar interesses, isso por mais que
se fale, por mais que quem faça queira defender, não tem outra explicação. Tem
outra coisa... Eu não vou citar a fonte, mas eu escuto muito rádio, gosto demais,
porque acho dinâmico. Meses atrás eu fiquei tentado adivinhar... Poxa vida quanto
é que tão falando de.... Quanto é que tão fazendo de programa e quanto é que
tem de merchandising nesse negócio que eu estou ouvindo aqui. Acredite se
quiser, mas eu cronometrei, três minutos e meio de programa e onze minutos de
propaganda.... Minutos de propaganda. As pessoas obviamente não reparam,
acabam engolindo isso junto com a informação. Porque se você for pensar, você
pega o seu carro no trânsito, por exemplo, às vezes passam onze minutos, você ta
ali querendo uma coisa pra te relaxar, pra fazer você refletir de certa forma, acaba
bombardeando a sua mente com todo o tipo de produto e às vezes uma outra
coisa também, uma coisa que pouca gente fala, às vezes a propaganda no rádio e
na televisão, às vezes não! Sempre! Vem num tom mais alto do que do programa,
quer dizer.... o volume do rádio e da televisão aumentam, uma coisa assim
absurda! É de deixar maluco! Principalmente em TV a cabo, o volume varia mais
ainda. Deveria ter um controle, tem um controle sobre isso, toda uma legislação,
mas quem faz valer eu não sei.
Patrícia - Você acredita que um comentário mal explicado de um jornalista
pode gerar atos de vandalismo por parte das torcidas organizadas? E a
abertura de espaço de alguns programas para líderes de torcida, você
concorda?
VL: Bom, o que eu tenho visto nos últimos tempos, eu tenho amigos que
trabalham na Bandeirantes e me confessaram assim que têm tido problemas com
o tipo de linha editorial que eles estão levando ao ar, tem falado muito do
Corinthians, nessa coisa de rebaixamento, não sei exatamente, parece que
fizeram um calendário. Pelo o que eu tenho visto e ouvido, os profissionais de
imprensa que têm ido a campo, têm encontrado um problema, é realmente esse
tipo de relacionamento é complicado. Agora, eu estou há dez anos na Cultura, a
gente nunca ouviu torcida organizada, a gente não empresta microfone para
nenhum torcedor organizado, não fala em nome de torcida e acho que é um papel
que deveria ser copiado, na verdade, por todas as outras emissoras, entendeu?
Eu não vejo por que dar voz a torcida organizada, torcedor não precisa se
organizar, sabe? Se a gente como jornalista vai levar em consideração uma
torcida organizada, a gente tem que fechar os olhos para tudo o que acontece em
torno delas, quem financia, que tipo de atitude toma quando se faz parte de uma
coisa como essa. Eu sei que existem pessoas boas em torcidas organizadas,
agora, como jornalista, eu dou graças a Deus por trabalhar numa casa como a
Cultura onde a gente pode realmente levar isso a diante e não ouvir torcida
organizada, entendeu? Não é uma alguma coisa que a gente leve em
consideração na hora de fazer nossa cobertura esportiva e espero que continue
assim pela a eternidade.
Patrícia - Com você vê o envolvimento de jornalistas com negócios do
futebol (agenciamento de jogadores, assessoria de jogadores estando em
empresa de comunicação também, etc.).
VL: Para você ver Patrícia, como tantas coisas ameaçam o jornalismo, o
merchandising, a torcida organizada, os interesses que ficam escondidos, tudo
isso na verdade vem num pacote tremendo, acho que os meios de comunicação
tinham a obrigação de afastar qualquer profissional que se descubra com outros
interesses, por exemplo, um comentarista tem parte dos direitos federativos de um
jogador, como existem, a gente sabe, e eles continuam falando! Jornalista que
trabalha em rádio e ao mesmo tempo faz assessoria de imprensa para vários
atletas. Está cheio! Eles continuam fazendo! A rádio continua permitindo e o
jornalista continua se permitindo a esse papel. É meio parecido com aquela
pergunta que você me fez do merchandising, não posso ser hipócrita ao ponto de
falar: ”Olha, eu jamais faria isso”, profissionalmente falando, tomara que eu nunca
precise fazer, se eu fizesse, tentaria fazer de uma maneira mais clara possível,
quer dizer... Se eu for fazer assessoria para um jogador de futebol eu não vou
trabalhar numa empresa de comunicação, eu não vou falar isso... É um conflito de
interesse, agora... A verdade é que a nossa área se encheu desse tipo de conflito,
não vejo muito como se livrar, é uma bola de neve que promete ficar cada vez
maior, entendeu? E mesmo que as pessoas sabem... Daí o que você tem que
fazer, quando você tem boa intenção, quando você escuta a opinião de alguém e
você tem que começar a filtrar. Porque se você escuta uma coisa e fala: “Ah! X
está falando bem de Y... Pô! Mas X é assessor do Y”. Então você tem que
começar na sua cabeça, você que tem aí a intenção de trabalhar de uma maneira
clara e certa, você tem começar a fazer todas essas... pesar todas essas coisas,
quer dizer, é uma loucura, entendeu? É realmente uma outra face do momento
complicado que o jornalismo vive, entendeu? O jornalismo esportivo
principalmente!
Patrícia - Para você, qual é o diferencial do Cartão Verde diante de tantos
outros programas de debate esportivo na TV brasileira?
VL: O Cartão tem uma coisa muito legal, que talvez só a Cultura conseguisse
fazer e consiga fazer nesse momento que é a coisa de ter um programa esportivo,
onde não tem gritaria, onde ninguém bate na mesa, não tem merchandising, onde
a gente não tem a obrigação nenhuma de estar atrelado à coisa factual. Por
exemplo, a gente discute temas, como a gente discutiu na última segunda-feira
que estava na véspera da decisão da sede da Copa do Mundo de 20014, a gente
fez um programa inteirinho voltado pra isso, para discutir esse assunto, a gente
não mostrou gols, a gente quase não falou do que aconteceu no final de semana,
então é uma liberdade realmente, acho que é saudável para o jornalismo e é
saudável para o esporte, entendeu? Tomara que a gente consiga manter esse
espaço durante bastante tempo, porque realmente é muito saudável e muito
bacana conversar na rua, porque eu sei que de vez em quando essa linha editorial
que as TVs seguem, deixam de vez em quando os profissionais de em uma saia-
justa terrível no campo de trabalho e eu em todo esse tempo que estou aqui na
Cultura nunca tive problema coma torcida e na maior parte das vezes que eu vou
falar, as pessoas gostam do que a gente faz e admiram e isso enche a gente de
orgulho. Isso é bem legal, poder fazer uma coisa que é diferente de tudo, a gente
falou de tanto problema, e no final de certa forma a gente acaba passando à
margem, isso é bem legal.
É uma pena que uma parte muito grande de pessoas ainda às vezes me cobram
isso, porque elas vêem esse universo todo, se você imaginar o que vem de gente
que chaga pra mim e diz: “Vladir, mas no esporte tem que ter uma coisa mais
agressiva, você tinha que falar alto, defender as opiniões de uma maneira mais
efusivas”. E aí eu fico pensando... Eu me sinto muito bem de poder priorizar a
informação, entendeu? Quando eu entro no estúdio para fazer o Cartão Verde, eu
tenho lá trinta notícias que eu quero dar, entendeu? “O cara não jogou no final de
semana, o Alex Silva vai ficar fora não sei quantos dias, o outro jogador não vai
jogar por causa disso ou aquele vai ser julgado no STJD na quarta-feira, Eu acho
que isso é o papel da imprensa esportiva, é informar”! O resto, depois, se você
tiver uma opinião muito interessante para dar sobre alguma coisa... aí você dá, se
não for muito interessante, guarda para você, entendeu? É isso que eu acredito!
A gente chegou ao ponto que você olha às vezes para o jornalista, conhecendo ou
não um jornalista, uma pessoa que está lá fazendo parte do programa, você vê a
pessoa defendendo um ponto de vista que você sabe que nem ela mesmo
acredita, mas só aquele ponto de vista daquela maneira defendida dá
oportunidade de criar uma discussão sobre a coisa ou de criar polêmica, quer
dizer.... sei lá... é um estilo sabe? Acho que cada um tem seu estilo, a gente
procura preservar aquele que a gente acha mais puro, pelo menos do ponto de
vista jornalístico. É romântico ao extremo! As pessoas falam isso comigo,
engraçado que quando eu converso isso, a primeira coisa que as pessoas falam é:
“Você fala isso porque você trabalha na Cultura, quero ver se você fosse trabalhar
em outro lugar”. É óbvio que se eu for trabalhar em outro lugar, é outra coisa
totalmente diferente, mas é muito bom saber que ainda tem uma fundação, uma
televisão cuja estória permiti que se faça esse tipo de coisa. Até para dar um
pouco de parâmetro para as pessoas, porque se não... porque eu acho que a
grande parte segue mais ou menos a mesma linha, não tem muita diferença, as
vezes alguns mais sóbrios, outros menos sóbrios, mas é tudo mais ou menos a
mesma linha.
Entrevista 4 – Sergio Ruiz Luz
Sergio Ruiz Luz
Repórter da Revista Exame.
Entrevista concedida por telefone no dia 14 de novembro de 2007
Patrícia – Como chegou esta pauta pra você ou você mesmo sugeriu? Qual
seu envolvimento com a notícia?
SR: Eu sugeri a matéria à chefia de redação da Placar. A idéia surgiu a partir de
algumas conversas informais que tive com jogadores, empresários e dirigentes, no
dia a dia da cobertura dos clubes. Várias fontes me falaram sobre os movimentos
da empresa agenciada pelos jornalistas e eu achei a questão relevante e propus a
pauta, já com o tom em que ela foi publicada – ou seja, uma discussão sobre os
limites éticos da atuação dos repórteres e comentaristas da Bandeirantes que,
paralelamente às suas atividades jornalísticas, tamm atuavam como
empresários de atletas.
Patrícia – Quanto tempo de investigação?
SR: Cerca de dois meses.
Patrícia – Sofreu algum tipo de boicote por parte de colegas da imprensa
esportiva?
SR: Não. Desde o início, recebi carta branca na redação para tocar adiante a
pauta, dispondo de todo o tempo necessário para a investigação. A matéria
ocupou um bom espaço da publicação (se não me engano, 6 ou 8 páginas) e
mereceu até chamada de capa. A matéria teve um ótimo retorno, repercutiu
bastante na época. Todas as opiniões que chegaram ao meu conhecimento
acharam relevante a abordagem de PLACAR e concordaram com o tom da
matéria. Entre as matérias e colunas que repercutiram a reportagem de PLACAR,
uma em especial me chamou atenção. Era assinada por Juca Kfouri, na Folha de
S. Paulo. O Juca tinha se desligado da revista poucos meses antes da publicação
da minha matéria, por divergências editorias com a cúpula da editoria Abril. Logo
que saiu a matéria dos Piratas, o Juca escreveu uma coluna elogiando o
conteúdo, mas dizendo em seguida que a revista só podia falar de “bagrinhos” da
imprensa esportiva, pois estava amarrada a interesses comerciais por conta da
TVA, o que a impediria de denunciar os “tubarões”. O Juca nunca explicou direito
o que quis dizer com isso. No que diz respeito à redação da Placar, na época
chefiada por Marcelo Duarte e Alfredo Ogawa, achei uma tremenda injustiça. Eles
não apenas deram apoio a esse projeto como tamm me proporcionaram
naqueles tempos todas as condições para fazer outras reportagens investigativas.
A regra era simples: se a apuração tivesse consistência, publicávamos a matéria.
E ponto. Para você ter uma idéia, o Thomaz Souto Correa, diretor editorial da
Abril, ficou sabendo da reportagem apenas quando a revista já estava rodando na
gráfica.
Patrícia – Apesar deste caso ser o mais gritante, me parece não ser o único.
Você conhece outros que envolvam a imprensa esportiva?
SR: Alguns meses depois da matéria dos Piratas, fizemos outra em Placar falando
de jornalistas do antigo Diário Popular que faziam na época a revista interna do
Corinthians e não se cansavam de elogiar a diretoria nas páginas do jornal. Um ou
dois anos depois, quando saí de Placar e fui para a redação de Veja, fizemos por
uma matéria sobre radialistas que citava um caso de Minas Gerais de um
jornalista que intermediou a venda de um jogador do Cruzeiro para o exterior.
Patrícia – O que acha dos jornalistas que fazem propaganda? Isto afeta a
credibilidade?
SR: Acho anti ético e afeta, sim, a credibilidade profissional.
Patrícia – Analise a imprensa esportiva eletrônica (rádio e TV) em SP.
SR: As rádios fazem uma cobertura trivial, burocrática e sem surpresas. As TVs
abertas tamm possuem o mesmo defeito. A que dispõe de mais recursos, a
Rede Globo, faz uma cobertura “chapa-branca” do futebol, agindo mais como uma
promotora do evento. Para não cometer injustiças, é importante dizer que, fora do
departamento esportivo, alguns profissionais da Rede Globo, no Jornal Nacional e
no Jornal da Globo, fizeram importantes matérias de denúncia, como o caso Ivens
Mendes. As TVs fechadas são um pouco mais críticas na sua cobertura esportiva,
mas isso se manifesta, em geral, apenas nos comentários de mesas-redondas.
Quase não existe a figura do repórter de vídeo que faz reportagens investigativas
a respeito do mundo esportivo.
Patrícia A TV e o rádio por serem veículo de massa, colaboram para que os
jornalistas fiquem conhecidos e famosos e consequentemente fique mais
fácil vender anúncios. Se no impresso os jornalistas também tivessem esta
notoriedade, eles também seriam adeptos à publicidade e ao merchanding ?
SR: Tendo a concordar com a premissa da sua pergunta. Talvez não existam
“Milton Neves” na imprensa escrita por pura falta de oportunidade.
Patrícia – Sobre envolvidos na matéria Piratas da TV. Eli Coimbra faleceu, e o
que fazem hoje Octávio Muniz e Luciano Jr? Ficaram manchas em suas
carreiras?
SR: Todos os citados na matéria dos Piratas falaram na época em processar
PLACAR, mas nunca levaram adiante a ameaça. Na época em que a matéria foi
publicada, ouvi dizer que alguns desses jornalistas foram hostilizados por
torcedores. Outro episódio interessante: a autobiografia do Silvio Luiz conta que
ele cogitou comparecer ao velório do Eli Coimbra, mas foi desaconselhado pelos
amigos, pois o clima para ele no local estaria pesado, por conta da entrevista
concedida pelo locutor a PLACAR criticando os jornalistas-empresários. Não
acompanhei mais a carreira do Octávio e do Luciano, mas sei que os dois
continuam trabalhando como jornalistas. Os filhos do Eli Coimbra tamm
continuam atuando como empresários, dando prosseguimento à atividade iniciada
pelo pai.
Patrícia – Afinal, estes programas de domingo a noite os chamados mesas-
redondas ou de debates, são jornalísticos ou de entretenimento? Por que?
SR: Uma mistura das duas coisas, com pitadas trash.
Patrícia – Você concorda que o jornalista esportivo tem um pouco de artista?
SR: Não. Repórteres e comentaristas não passam de jornalistas. Já os locutores
como Galvão Bueno, na TV, e José Silvério, no rádio, são mais artistas do que
jornalistas.
Entrevista 5 – André Plihal
André Plihal
É repórter da ESPN.
Patrícia: No caso do Rio 2007 você acha que foi muito valorizado o evento,
pela mídia televisiva em si? Sim ou não e por quê ?
AP: Acho que não dá para generalizar porque alguns veículos de mídia eletrônica
viram o Pan de um jeito, e outros como é o caso da Espn Brasil talvez faça parte
da minoria, de outra maneira. Eu acho que o Pan não foi o sucesso que é vendido
por muita gente, que daria até ao Rio o direito de sonhar com uma Olimpíada em
2016. Acho um absurdo. Porque algumas falhas que aconteceram no Rio 2007,
são na minha opinião, imperdoáveis. Tipo, gravíssimos problemas na venda de
ingressos. Como é que você está com a sua mulher com três filhos, se reserva
três meses antes um espaço na sua agenda, pois você tem uma vida super
corrida e gasta 300, 400 reais em ingressos, prá ver um jogo de vôlei, o jogo tá
marcado no ingresso pras 20h30min da noite e de repente, da noite pro dia muda
pras 15h30min da tarde, e você não pode ir as 15h30min da tarde, e ai? Fora
gente que procurou ingresso pra modalidades e não encontrou, e os ginásios e
estádios estavam vazios. Isso aconteceu. As pessoas tinham dificuldade. Pra você
ter uma idéia, você deve ter visto e lido, para encontrar ingresso de Hóquei sobre
grama, e o estádio estava vazio. Para comprar ingresso pra ver o tiro e no estádio
só tinha familiar de atirador e voluntário. Essa eu acho outra falha grave. O Softbol
não acabou por falta de condição da arena. Foi montada na Cidade do Rock, que
era a pior instalação do Pan. Isso é impensável numa competição como a
Olimpíada. Não acabou, simplesmente não acabou. O Beisebol teve problemas
seríssimos. Era o mesmo local péssimo. O local do Mountan Bike era horroroso,
os voluntários não foram treinados. Eram visivelmente despreparados. Isso se não
pode aceitar numa competição que se gasta o que se gastou no Pan-Americano.
Os ginásios eram maravilhosos. Claro com o que gastaram, o mínimo era que os
ginásio fossem maravilhosos mesmos. A cada real orçado no inicio do projeto do
Pan, se gastou R$ 8.00. Quer dizer estouraram o orçamento em oito vezes. Então
o mínimo era que se construíssem instalações legais mesmo, bacanas mesmo,
embora tamm não saiba o quê vai acontecer com elas agora. É possível que
virem elefantes brancos. Mas ai é outro problema que a gente precisa ainda
esperar. Mas eu acho assim, eu daria uma nota sendo bem camarada, uma nota
seis pro Pan e não esse sucesso que muita gente vendeu, ainda no calor do
evento ainda meio sob a emoção do evento.
Patrícia: Tem um editorial do programa do Observatório da Imprensa que o
Alberto Dines, ele critica o ufanismo nas transmissões do Pan – Americano,
um fato que ele citou como exemplo que um bronze brasileiro, era mais
valorizado que um ouro de Cuba, de Canadá. Você concorda com isso?
AP: Principalmente no começo do Pan. O ufanismo existiu e já existia, e sempre
vai existir. A gente se sente meio potência esportiva no Pan. Parece que a gente é
a Austrália, não os Estados Unidos. Mas a Austrália, é a China. Numa Olimpíada a
gente se sente né? Depois a gente vê que quinze dias depois, a gente teve o
Mundial de Atletismo e voltamos a realidade né? A gente teve a medalha do Jadel
e só. Então, é aquele momento que a gente descarrega de repente as frustrações,
as emoções contidas durante muito tempo. E uma coisa curiosa é que as
primeiras medalhas, os primeiros dias são mais valorizadas do que mais pro fim
da competição. Medalha de bronze no ciclismo no segundo dia, “medalha aqui
vamos entrar ao vivo não sei o que”. Se o ciclismo fosse no oitavo dia já não era
assim, ah não um bronze já não merece tanta atenção. Merece claro. Mas o
começo a gente faz muito mais festa. Eu lembro que na natação era tanta
medalha que Brasil ganhava, que muitas vezes a gente nem entrevistava quem
tinha ganho medalha de bronze, que é um baita feito ou um feito legal. Baita feito
não, um feito importante. Que às vezes, não que passa-se batido, mas ficava
menor diante daquilo tudo que estava acontecendo.
Patrícia: Por exemplo, na natação o Brasil ganhou 29 medalhas ao todo,
sendo acho que 12 de ouros. Só que se for comparar com os índices
Olímpicos, só o César Cielo ganharia uma medalha de bronze. O que você
acha que no caso dos jornalistas o que, que eles têm que fazer: valorizar
mais a medalha que ele conquistou os resultados, por exemplo, no Pan-
Americano, ou fazer os dois ?
AP: No momento é difícil você, pô o cara acabou de ganhar. O Thiago ganhou oito
medalhas. Pô, é difícil chegar e falar tu não ganhou oito medalhas, seis de ouro.
Mas é pensando num nível mundial foi razoável, é difícil né? Depois você pode
fazer projeções, o tem que melhorar nisso tal. Mas tamm ia ser muito ranheta se
você não valorizar esse feito de oito medalhas, seis de ouro. Agora é nossa
obrigação também, é tratar desse assunto que você tocou. É mundialmente
falando não foram resultados expressivos, a exceção do Cielo nos cinqüenta que
ficou a vinte centésimos do recorde mundial. Essa sim é uma marca
importantíssima, mais importante que as oito medalhas do Thiago. Só que ali na
hora você tem que falar das oito medalhas do Thiago. Você tem que levantar o
cara pra cima até porque ele tava competindo contra aqueles caras. Ele não
estava competindo contra os maiores do mundo. É a mesma coisa, teu time vai
jogar contra o Quinze de Ariranha e ganha. Daí fala ganhou porque era o Quinze
de Ariranha. Claro joguei com o Quinze de Ariranha. Não dá pra ganhar do Real
Madrid. Quando eu for jogar com o Real Madrid você me cobre pra eu ganhar do
Real Madrid. Quando eu for jogar com o Quinze de Ariranha você tem que tratar
aquilo. Também como ganhou só porque foi um time qualquer. Não, ganhei
porque eu disputei contra ele. Mas eu acho que tem que ser tocado no assunto é.
Tem que projetar as marcas do Thiago, as marcas da Rebeca. Enfim, pensando
na Olimpíada do ano que vem sem duvida alguma, eles tem que evoluir. Onde é
que ele esta mais perto, em que prova que ele esta mais perto de pegar um pódio.
O Cielo é um cara que tem grande potencial em duas provas. Acho que isso a
gente não pode passar batido, de forma alguma.
Patrícia: Um dos casos que mais chamou atenção no Pan-americano, talvez
o maior, foi o caso Ricardinho. Você acha que a imprensa, ela tentou buscar
um vilão e um mocinho nesse caso?
AP: Não, não, não. Eu acho que a imprensa tinha que cobrir dando a dimensão
que deu, porque era o melhor jogador da Liga Mundial, da última Liga, recém
escolhido melhor jogador da Liga Mundial, campeão da Liga Mundial cortado às
vésperas do Pan-Americano. E naturalmente você tinha que, o técnico, o cortado,
o que foi feito, você tinha que ouvir o técnico, o que foi feito e você tinha que ouvir
quem foi chamado para o lugar. E que por coincidência, coincidência mesmo, o
moleque é bom, é filho do técnico, o Bruno. Ricardinho, Bruno e Bernardinho. No
começo ficou muito isso, né? O vilão Bernardinho, o mocinho o Ricardinho. Acho
que não existe isso. Nenhum dos dois é santo e nenhum dos dois é vilão. Ouve
uma desavença. Na verdade foi o acúmulo de problemas antigos que chegaram
no estopim. Problema de relacionamento, problema que provavelmente até
envolveu dinheiro. Chegou num limite. Agora, o que ficou depois já que a gente
está tocando no assunto, é que o Bernardinho está com mais razão do que o
Ricardinho. Porque senão os jogadores teriam tomado partido do Ricardinho. Se o
Ricardinho tivesse um pingo de razão, os caras teriam tentado convencer o
Bernardinho a mantê-lo. Depois o Ricardinho no lançamento do livro... Aí já não
tem nada a ver mais. Eu estou só me estendendo aqui. Meteu a boca de novo,
algo desnecessário. Daí os jogadores também acharam isso desnecessário e
criticaram a posição do Ricardinho. Quer dizer, acho que foi feito o que deveria ser
feito. Ouviu-se as duas partes, técnico e cortado. E daí em casa o telespectador, o
no caso da mídia impressa o leitor, que tire as suas conclusões. Mas eu não acho
que se colocou assim, o mocinho e o bandido, eu acho que não. Eu acho que se
mostrou exatamente, ou tentou se mostrar exatamente o que se passou.
Patrícia: A primeira notícia do corte foi logo que ele tinha pedido dispensa
por cansaço...
AP: É, mas notícia não, né? O Ary Graça falou isso e o Galvão Bueno embarcou
na dele e falou na transmissão da Globo à noite. Mas isso tamm, essa história
durou poucas horas. Até o Ricardinho se pronunciar. E isso ainda na noite do
corte ele se pronunciou. Inclusive o primeiro lugar em que ele se pronunciou foi
aqui.
Patrícia: Em relação a publicidade que a Espn Brasil tem aqui, ela interferiu
na transmissão de alguns esportes?
AP: Jamais, jamais. Nunca. Nunca, nunca. Isso zero. Assim, nunca me passaram
nenhuma... eu nunca fui privado de dizer alguma coisa, e nunca me mandaram
dizer alguma coisa. Jamais.
Patrícia: Você acha que o jornalismo esportivo na TV, faz mais jornalismo ou
entretenimento?
AP: Faz os dois. Faz os dois.
Patrícia: Por quê?
AP: Acho que entretenimento é importante porque o cara que está em casa
também gosta de ver esse tipo de programação. Acho que é.. sacadas que não
necessariamente estejam ligadas à informação, ao factual são gostosas de se ver.
Mas acho que a essência do jornalismo é a informação. E a informação tem que
ser dada da forma mais direta possível. Muitas vezes da forma mais simples
possível e isso não é entretenimento. Isso é notícia. Notícia tem que existir. Senão
não faz sentido a gente estar aqui, não faz sentido a gente ter produtor, editor,
pauteiro. A notícia tem que existir.
Patrícia: E existem alguns programas de tv que tem muito de teatro, em
relação a encenação, personagens, um fazendo o bonzinho, vilão. Nesse
caso, o jornalismo esportivo ele pode ser considerado um espetáculo?
AP: Acho que sim. Existem personagens. Alguns mais estereotipados, em outros
lugares, não aqui. Mas acho que em todo lugar existe. E até talvez não seja uma
coisa forçada, seja uma coisa que se formou naturalmente. Mas existe, claro. E
faz parte. O cara gosta de ver o cara que é mais bitolado em números, o cara que
é mais explosivo, o saudosista, o anti-saudosista. Eu acho que faz parte e todo
mundo gosta de ver. E eu acho que às vezes acaba havendo a personificação e
não acho que isso seja ruim não. Acho que é até interessante.
Patrícia: Mas você acha isso alavanca a audiência?
AP: Assim, no nosso caso não há essa preocupação tão grande com a audiência.
Acho que é uma coisa natural. Não feita pensando aqui, em se ter audiência. Em
muitos lugares certamente. Se você faz o enterro do time, com o cara ajoelhado,
ascendendo vela. Não estou criticando, mas é claro que você está fazendo um
barulho para ter audiência. Essa é a prioridade nesses casos. É a audiência sem
dúvida alguma.
Patrícia: E esses jornalistas que fazem isso, ou apresentadores. Eles são
artistas ou jornalistas?
AP: Os dois. Às vezes mais artistas, em outros casos mais jornalistas. E acho
que... eu não gosto de criticar pessoas que têm a mesma profissão que eu.
Porque assim, acho que quem tem que julgar se é legal, se não é, se é correto ou
não é, é a pessoa que está em casa. É a pessoa que está recebendo a
informação. Posso não concordar. Não fazer merchandising. Eu não faria. Mas
não critico quem faz. Acho que é a cabeça de cada um. Eu não concordo com
que faça. Mas eu não critico quem faça. Acho que cada um é cada um. Cada um
sabe aonde aperta o calo. Cada um tem os seus ideais, os seus princípios. E acho
que tem que se respeitados.
Patrícia: Mas se você pudesse, você vetaria essa idéia geral de...
AP: Não, não seria radical. Se eu mandasse em algum lugar, nesse lugar, talvez
tivesse menos ou não tivesse. Mas uma lei dizendo “não pode mais”, acho que daí
não é legal. Tudo que é radical, que for extremo, eu sou contra. Acho que a gente
tem que buscar o meio termo das coisas.
Entrevista 6 – José Ferreira Neto
José Ferreira Neto
Ex-jogador de futebol, hoje comentarista esportivo do programa Jogo Aberto da
TV Bandeirantes
Patrícia: O que você acha da prática do merchandising nos programas
esportivos feitos por jornalistas?
N: Em relação ao merchan em cima de programas de futebol, por exemplo, do
Milton Neves ou o Jogo Aberto que eu faço...qual é a diferença do esporte para a
novela, qual a diferença da Petrobrás que está na camisa do Flamengo, qual a
diferença do Silvio Santos, porque o SBT é muito mais um bingo do que uma
televisão. Eu acho que o merchandising em cima de um programa esportivo, é
saudável, desde que a pessoa não seja mais importante que o programa. A
televisão necessita das empresas, necessita da propaganda. Agora o que não
pode acontecer é você duas horas de programa e uma hora e cinquenta de
merchan e você não falar de futebol, não falar de basquete de outros esportes, aí
eu sou contra, mas em relação a propaganda não só na televisão mas na rádio
tamm, se não tiver como é que vai pagar os funcionários, como é que vai pagar
as pessoas. O que não pode ter é só merchan em cima do esporte,de qualquer
evento.
Entrevista 7 – Osmar Garraffa
Osmar Garraffa
Repórter e apresentador da TV Gazeta
Patrícia: O que você acha da prática do merchandising nos programas
esportivos feitos por jornalistas?
OG: Na minha opinião este é um tema muito polêmico, os merchandising nas
mesas redondas, existem alguns jornalistas favoráveis outros são contra. Eu sou
da seguinte opinião, cada um tem o livre arbítrio de tomar sua decisão. Eu não
vejo nenhum tipo de problema do jornalista fazer merchandising, até porque é uma
forma extremamente legal de remuneração e aí vai, claro, do produto que você vai
anunciar, de você saber a procedência do produto, daquilo que você está
oferecendo ao seu público, daquilo que você vai falar, até porque na realidade
você vai aliar a sua imagem a uma marca de produto. Eu o vejo nenhum tipo de
problema, respeito quem acha que não é algo salutar, mas não concordo com as
pessoas que não concordam com este tipo de ação e ficam policiando os outros
companheiros, isto é muito comum, não precisamos citar nomes neste papo
informal, de quem costuma tomar esta atitude. É uma atitude que me parece
pequena e que talvez se fizer merchandising nos programas esportivos fosse algo
ruim, pior ainda é o jornalista que fica falando da vida de outro jornalista.
Eu entendo que cada um faz aquilo que quer fazer, cada um sabe o quanto é
importante o seu nome, eu já tenho 20 anos de jornalismo esportivo e apesar de
fazer merchandising eu jamais deixaria de tomara cuidado, ou anunciaria qualquer
produto que pudesse manchar a minha imagem e o meu nome profissional. É um
cuidado que o profissional que pensa em entrar nesta área tem que tomar quando
surgir este tipo de problema, mas não vejo nenhum tipo de problema. Repito,
muito pior, se é que é realmente ruim, deselegante, desagradável ou antiético é o
jornalista ficar falando da vida de outro jornalista, Quem não entende que deva
fazer merchandising não faça merchandising e continue sua vida pautada de outra
forma e quem faz continue fazendo sem nenhum tipo de problema, cuidando de
sua própria imagem.
Entrevista 8 – Juca Kfouri
Juca Kfouri
Apresentador da Rádio CBN
Patrícia: Afinal o jornalista deve ou não fazer merchadising e por que?
JK: evidente que não. Há uma fronteira entre isto. O papel do jornalista é fazer
jornalismo e o papel do publicitário é fazer propaganda. Há uma fronteira entre
estes dois ofícios. Um é tão digno quanto o outro, mas eles não podem se
misturar. Quem faz propaganda é porque está sendo pago para fazer um elogio a
alguma coisa e evidentemente esta não é a função do jornalista. O jornalista é
pago para contar a verdade, segundo ele a vê e não para fazer campanha em prol
de ninguém. É absolutamente incompatível e é muito simples de explicar isto.
Você acha que eu poderia ser colunista econômico e ao mesmo tempo ser garoto-
propaganda do Banco do Brasil? Na hora que eu fizesse uma crítica ao Bradesco
você diria, é claro, está criticando o Bradesco porque é garoto propaganda do
bancpo do Brasil e els são concorrentes. E isso vai por aí a fora. Na crônica
esportiva isto se dá, por exemplo, como é que eu posso fazer propaganda, de uma
cerveja, a começar pelo fato que quem trata de esporte não deve falar de álcool.
Ma como é que eu posso falar de uma cerveja cujo dono é o mesmo patrocinador
da CBF? Que independência eu terei para ser crítico da CBF? Nenhuma, porque a
CBF dirá a seu patrocinador “para com este rapaz porque ele está me criticando”
Eu te diria que esta discussão nem se dá em países civilizados. Na França, na
Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos, se um jornalista fizer propaganda ele é
imediatamente expulso do sindicato da categoria.
Patrícia: Como fica a ética do jornalista que pratica o merchandising?
JK: Eu gosto de citar sempre talvez um dos maiores jornalistas que este país
teve que é o Cláudio Abramo. Ele dizia que a ética do jornalismo não é diferente
da ética do marceneiro, a ética do jornalismo é a ética do cidadão. Qual é a ética
do marceneiro? O bom marceneiro é aquele que você combina com ele dele
construir uma mesa, você diz pra ele que quer a mesa de tal madeira, que precisa
da mesa em tanto tempo, e ele se compromete com você que ele fará aquela
mesa com aquela madeira, no prazo que você pediu e vai te cobrar tanto. Se ele
cumprir isto tudo ele foi ético e quando você for fazer um armário, você vai chamá-
lo pra fazer um armário. Se no entanto, dois dias antes do vencimento da entrega
ele ligar pra você e falar que não vai poder te entregar depois de amanhã, vou te
entregar só daqui a 15 dias, não vai ser com aquela madeira que você me pediu
porque não a encontrei e a que eu encontrei custa mais caro e portanto a mesa
vai ficar 25% mais caro do que nós combinamos. De duas uma, ou você vai
mandar ele enfiar a mesa naquele lugar ou por desespero de causa, porque
precisa da mesa, vai aceitar a mesa nestas condições mas quando você pensar
em fazer um armário jamais o chamará de novo.
Qual é a função do jornalista, qual é a notícia ética? Qual a nossa função, é jogar
luz sobre os fatos e descrever de acordo com o que a gente viu, a gente pode até
errar na descrição, mas pode corrigir, mas você descreveu aquilo como você viu,
ou seja, você foi ético ao descrever.
Patrícia: A propaganda no jornalismo pode influenciar na fama do jornalista?
Ele fica com mais notoriedade ?
JK: Eu acho que o jornalista que faz propaganda vira diante da opinião pública um
não jornalista, ele vira um garoto-propaganda. Isto em torno da credibilidade dele
equivale a morte. Evidentemente que a propaganda se utiliza daqueles que são
notórios e que se prestam a fazer este tipo de coisa porque são dinheiristas,
escolheram a profissão errada. Cara que vai pro jornalismo pensando em ficar
milionário com o jornalismo errou de profissão é melhor ir para a propaganda
porque paga muito melhor. Agora quem escolhe o jornalismo por entender que o
jornalismo tem uma função social que é muito mais nobre do que a da
propaganda, este poderá viver na maior dignidade e não ficará milionário, num
país como o Brasil, mas vai viver bem. E esta é a escolha.
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