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Nesse sentido, o Romantismo, como conseqüência direta do
racionalismo
68
, operaria cada vez mais o distanciamento da natureza no homem:
algo deplorado por Leopardi, pois concebe a natureza como genuína detentora
das grandes ilusões, tão necessárias ao convívio social
69
. Em tal Discorso,
Leopardi adverte a destituição da faculdade imaginativa por efeito da razão
moderna, e indica uma saída possível:
68
Cf.Cesare Luporini, Leopardi Progressivo, p. 8. Segundo M. Puppo, embora Leopardi seja
formado por uma educação humanístico-sensualista, o sentimento da poesia desenvolve-se nele mediante a
prática assídua com os clássicos antigos. Se, de um lado, com base nos dados da filosofia sensualista,
Leopardi considera o homem como um ser propenso a uma felicidade não realizável e a consciência desta
impossibilidade se converte, na modernidade, em insatisfação, fastio e desilusão, de outro, tal consideração
reforça “o mito de uma idade em que a felicidade era possível”, porque o homem vivia em proximidade com a
natureza e “a razão e a ciência ainda não haviam destruído as ilusões”. Mas a felicidade do homem não
consiste senão em ilusões. Como obra da natureza, a imaginação e as ilusões possibilitaram ao homem antigo
ser grande, generoso e heróico, sempre inferior a ele é o moderno, que é pequeno, egoísta e vil, porque segue
a razão. O desenvolvimento da razão e a civilização são a conseqüência negativa da transformação da
condição do espírito humano, pois não permitem mais uma relação imediata, direta e espontânea com a
natureza, própria aos tempos primitivos. Da antítese inicial entre natureza e razão deriva, assim, aquela entre
antigos e modernos, e esta última culmina na oposição entre poesia e filosofia. Ao operar mediante
procedimentos abstratos, a filosofia se direciona para o intelecto, e a poesia, nutrida por sensações e imagens,
volta-se para os sentidos e a imaginação. Nesse sentido, de modo algum há necessidade de que “as
dissimulações da poesia estejam de acordo com as descobertas da filosofia”, porque se a filosofia objetiva
descobrir a verdade, o fim da poesia é, ao contrário, “criar um mundo de imaginação no qual a alma encontre
um refúgio das penas da vida real”. Disto resultaria, no entender de Puppo, a concepção leopardiana da poesia
“como alívio do fastio da vida” e a estima dos antigos como “grandes poetas” capazes de “verdadeira poesia”,
pois observaram e reproduziram a “natureza genuína” muito mais fácil e espontâneamente que os modernos
não podem, senão de modo imperfeito e com esforço. Entretanto, os românticos se pretendem superiores aos
antigos: i) quanto ao “patético”, ou seja, quanto à profundidade e à vastidão do sentimento; e ii) quando crêem
que “a excelência da imitação deve ser estimada apenas se for vizinha do verdadeiro” – algo defendido, nas
“Observações” de Lodovico Di Breme, com a finalidade, segundo Puppo, de justificar, em termos teórico e
histórico, “uma poesia moderna com características diversas daquela antiga (...), com motivos iluministas e
novas exigências de inspiração idealista”. Não é este o parecer de Leopardi no Discorso di un italiano intorno
alla poesia romantica: i) porque a sensibilidade dos românticos é considerada artificial, exagerada, refletida
e não espontânea, afastada da natureza e, por isso, não poética”; ii) porque os românticos, buscando atingir o
próprio verdadeiro, quase se esquecem de imitar, e o “verdadeiro não pose ser imitação de si mesmo”.
Portanto, a poesia sentimental dos tempos modernos, mais que poesia, é filosofia, “enquanto surge do
verdadeiro e não do falso”. O verdadeiro poeta, no entanto, segundo Leopardi, deve cuidar do “deleitável para
a imaginação”, e recolher “tanto do verdadeiro quanto do falso”, antes, na maioria dos casos, “mete-se e
estuda-se para enganar, e o enganador não procura o verdadeiro, mas a semelhança do verdadeiro”. Daí a
importância, para Leopardi, de inspirar-se nos antigos e de estudá-los contínua e profundamente, pois eles
concebiam como finalidade da poesia o prazer mediante a imitação da natureza. Puppo observa ainda a
distinção em Leopardi entre “poesia sentimental” e “poesia do sentimento”. Esta última, identifica com a
lírica, apresenta analogia com a sentimentalistiche Dichtung do ensaio Ueber naive und sentimentalistiche
D
ichtung de Schiller, em relação àquela antítese antigos-modernos. Desse modo, o sentimento pessoal, “como
gerador único e essencial da autêntica poesia”, se justifica como uma “reivindicação no limite extremo do
caráter subjetivo e individual da criação poética”. Mesmo nesse caso, permanece a “contraposição com a
filosofia”. (Cf. G. Leopardi, Poética de Leopardi, in Poesia e prosa, pp. 81-89.). Sobre a irredutibilidade da
dimensão literária de Leopardi quer ao Classicismo, quer ao Romantismo, e a sua posição intermediária entre
estas duas orientações, ver ainda, C. Distante e F. Simonete Coelho, Il percorso storico della letteratura
italiana, Rio de Janeiro, H. P. Comunicação, 2003, pp. 63-119.
69
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 52.