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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
A CRÍTICA À MODERNIDADE EM GIACOMO LEOPARDI:
EM BUSCA DE UMA ULTRAFILOSOFIA
Fábio Rocha Teixeira
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação do Departamento de
Filosofia da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, como
requisito para obtenção do título de
Mestre em Filosofia
.
Orientadora: Profª. Dra. Olgária C. Feres Matos
São Paulo
2007
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
A CRÍTICA À MODERNIDADE EM GIACOMO LEOPARDI:
EM BUSCA DE UMA ULTRAFILOSOFIA
Fábio Rocha Teixeira
São Paulo
2007
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Penserai forse che derivano la filosofia dalla ragione, di cui
l’universale degli uomini inciviliti partecipa forse più che
dell’immaginativa e delle facoltà del cuore; il pregio delle opere
filosofiche debba esser conosciuto più facilmente e da maggior
numero di persona, che quello de’ poemi, e degli altri scritti che
riguardano al dilettevole e al bello.
G. Leopardi, Operette Morali
Gl’individui sono spariti dinanzi alle masse, dicono
elegantemente i pensatori moderni
G. Leopardi, Operette Morali
“Chi si comunica poco cogli uomini, rade volte è misantropo.
Veri misantropi non si trovano nella solitudine, ma nel mondo:
perchè l’uso pratico della vita, e non già la filosofia, è quello
che fa odiare gli uomini. E se uno che sia tale, si ritira dalla
società, perde nel ritiro la misantropia”.
G. Leopardi, Pensieri
4
Ao mestre, com carinho,
José Expedito Passos Lima
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, Profª. Dra. Olgária Chain Féres Matos, pela
leitura atenta e pelas orientações sempre corretas que não apenas ampliaram o
arco de abordagem e aprofundamento deste trabalho, mas asseguraram o seu
bom andamento e realização. Quero ressaltar, também, a sua generosidade e o
seu espírito realizador, firmados desde o início, ao assumir a orientação desta
pesquisa. A maneira serena e carinhosa de conduzir nossa conversação foram
fundamentais: muito me ajudaram a acalmar as angústias momentâneas do
processo investigativo, e a perseverar no firme propósito de concluir esta
dissertação. Sempre serei grato pela sua confiança, sem a qual nada teria sido
possível. Ao Prof. Dr. José Expedito Passos Lima sou muito agradecido pela
leitura e sugestões. Por ter sido, na época da minha graduação na UECE, o
primeiro e único, em momento dificílimo da minha vida, a ter a coragem e a
grandeza de me estender a mão e me reconduzir ao caminho dos estudos, por me
ensinar a sonhar e a lutar por um futuro melhor, mas também a ver o mundo com
certa ironia: algo tão necessário à sanidade do espírito. Pelo exemplo de
honestidade, de amor ao trabalho e à Filosofia, enfim, por ser um, entre os raros
neste mundo, dos que merecem ser chamados de homem e de humano. À Profª
Dra. Theresa Calvet pela leitura e sugestões quanto ao estilo deste trabalho,
quando ele ainda principiava. À Profª. Dra. Maria Helena Garcez e à Profª. Dra.
Maria das Graças de Souza, pela participação na banca de qualificação deste
trabalho: agradeço as críticas e sugestões. Agradeço ainda à Profª. Dra. Olgária
Matos e à Profª. Dra. Maria das Graças por se mostrarem sensíveis à minha
situação de aluno oriundo de um outro Estado, conduzindo com agilidade o
processo de concessão da minha bolsa de estudos. Ao CNPQ sou grato pelo
financiamento desta pesquisa, sem o qual seria impossível concluir o mestrado.
Às secretárias do Departamento de Filosofia, Marielt, Maria Helena, Geni,
Luciana, Verônica e Roseli: sou grato por terem sido sempre extremamente
atenciosas, e por disponibilizarem as informações necessárias ao acesso e
trânsito nesta Universidade. Ao Presidente da Federação das Entidades Culturais
Ítalo-brasileiras do Estado de São Paulo (FECIBESP), Sr. Socrate Mattoli, pelas
palavras carinhosas dirigidas a minha pesquisa e por me conceder, em 2003, a
bolsa de estudos para a língua italiana: além de contribuir com material
bibliográfico para a realização deste trabalho. A Claudia Elisa, o meu muito
obrigado, pela digitação do projeto de pesquisa aprovado na USP, pela amizade
nos quase três anos de minha permanência em Belo Horizonte. Aos meus pais,
“Sêu” Hélio e “Dona” Terezinha, agradeço a compreensão e o apoio que nunca
me faltaram nesses anos de estudo: este trabalho também lhes pertence. Aos
meus irmãos, Charles, Márcio e Andréa, agradeço pelos exemplos sempre vivos
nas minhas lembranças da infância, pela compreensão nos momentos em que
faltei com minha presença. À minha noiva, Wirna Lisboa, e à minha filha do
coração, Sarah: os amores da minha vida. A Daniel Lustosa agradeço por esses
anos de convivência, e por nunca ter deixado de ser um grande amigo. A
Marquinhos “The flash” in memoriam.
6
RESUMO
Esta dissertação defende a presença de uma filosofia na obra de Giacomo
Leopardi (1798-1837). Daí afirmar a idéia de um Leopardi também filósofo, a fim
de ultrapassar a constante querela, reproduzida pelos estudiosos, de um Leopardi
poeta ou filósofo. Tal querela contribuiu, antes de qualquer coisa, para reforçar a
dicotomia entre o poeta e o filósofo, ou simplesmente negar à obra leopardiana
qualquer dimensão filosófica. Adota-se aqui outra orientação na pesquisa, tendo
como base as seguintes hipóteses interpretativas: i) há uma concepção de
“sistema” em Leopardi, oposta à postulação metafísico-racionalista da tradição
filosófica; ii) a reflexão leopardiana sobre a infelicidade humana pressupõe a
relação entre natureza e razão; iii) tal relação vem enfrentada segundo a
contradição responsável pela infelicidade; iv) há também uma preocupação ético-
política em Leopardi ante o presente; e v) o seu pensamento exprime igualmente
uma recusa do mundo moderno, dada às inúmeras degenerescências
antropológicas: morte das grandes ilusões, fragilização das faculdades sensíveis-
perceptivas, morte do poético na natureza. Neste trabalho priorizam-se as
reflexões leopardianas do Zibaldone di Pensieri (1817-1832), sem prejuízos para a
leitura das demais obras: uma tentativa de contraposição com as interpretações
prevalentes, repletas de dificuldades e dúvidas quanto à filosofia de Giacomo
Leopardi. Outrossim, busca-se uma via segura capaz de dissipar tais incertezas,
mediante os esclarecimentos leopardianos apresentados no Zibaldone. Destaca-
se, portanto, uma filosofia em Leopardi, atenta aos rumos tomados pela tradição
filosófica, em especial, a moderna. A sua filosofia objetiva a realização de uma
outra filosofia, ou seja, uma ultrafilosofia para um “século de morte”. A ultrafilosofia
pretende, de um lado, dissolver as antinomias, recuperando a integridade
antropológica humana ameaçada pela racionalidade moderna, e, de outro,
despertar nos homens uma nova postura em virtude do duplo risco para a
humanidade: o da “barbárie da sociedade” e o da “natureza madrasta”.
PALAVRAS-CHAVE: natureza, razão, poesia, filosofia, ultrafilosofia.
7
ABSTRACT
This work defends the presence of a philosophy in Giacomo Leopardi’s work
(1798-1837). Then, to confirm the idea of a Leopardi who is also a philosopher, in
order to surpass, a continuous struggle, reproduced by studious, of a Leopardi
poet or philosopher. Such struggle contribuited, before any thing, to strengthen an
dichotomy between a poet and philosopher, or simply deny the leopardiana work
any philosophical dimension. This research adopts an orientation on the following
interpretative hypotheses: i) there is a conception of “system” in Leopardi,
opposing to the metaphyísical-rationalist postulation of philosophical tradition; ii)
the leopardiana refletion on human misfortune presumes the relation between
nature and reason; iii) such relation comes faced according to contradition
responsible for misfortune; iv) there is also an ethical-politics concern in Leopardi
before the present; and v) likewise his thought states a refusal of the modern
world, given to infinite anthropological degenerations: death of the great illusions,
fragility percipient-sensible faculties, death of poetical in the nature. In this work it
prioritized the leopardianas refletions of Zibaldone di Pensieri (1817-1832), without
demages to the other readings: an attempt of contraposition with the prevalent
interpretations, full of difficulties and doubts towards to Giacomo Leopardi’s
philosophy. Also, a security way is searched to finish such uncertainties, by means
of clarifications leopardianos presented in Zibaldone. Therefore, it is highlighted a
philosophy in Leopardi, alert to the routes taken by philosophical tradition,
especially, the modern one. His objetive philosophy the accomplishment of another
philosophy, that is, an ultra philosophy for “a century of death”. A ultra philosophy
intends to finish the antinomies, recouping a human anthropological integrity
threatened by modern rationality, on the other hand, to awake in the mankind a
new attitude according to the double risk to the mankind: the “society barbarism”
and the “nature stepmother”.
KEY WORDS: nature, reason, poetry, philosophy, ultra philosophy
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................09
CAPÍTULO I..............................................................................................................15
Leopardi também filósofo: uma outra idéia de sistema .....................................15
1.1 Giacomo Leopardi: “sommo filologo, sommo poeta, sommo filosofo” ...............15
1.2 A conversão filosófica leopardiana: a “filosofia” das Operette morali ................30
1.3 Leopardi, crítico da Modernidade: uma hipótese interpretativa .........................49
CAPÍTULO II.............................................................................................................66
Contradição e infelicidade humana: a postulação leopardiana do “sistema da
natureza” .........................................................................................................66
2.1 Natureza e razão: para a compreensão da infelicidade humana .......................66
2.2 Contradição da razão e harmonia do sistema da natureza ...............................83
2.3 Infelicidade e condição humana: a contradição do sistema da natureza...........103
CAPÍTULO III ..........................................................................................................115
A ultrafilosofia para os novos tempos: a resposta filosófica leopardiana.......115
3.1 A questão do nada: a recusa leopardiana de toda razão suficiente.................115
3.2 Resgatar as ilusões: uma exigência da vida contra a destruição.....................123
3.3 A ultrafilosofia: uma resposta ao tempo presente.............................................136
CONCLUSÃO..........................................................................................................150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA.............................................................................153
9
INTRODUÇÃO
Giacomo Taldegardo Francesco Leopardi (1798-1837) nasceu num
pequeno e atrasado burgo do Estado Pontifício, Recanati, onde “tudo é morte,
tudo é insensatez e estupidez” (tutto è morte, tutto è insensataggine e stupidità),
uma “morada por demais imprópria a qualquer gênero de estudo” (soggiorno
affatto improprio a qualunque genere di studi), enfim, um “burgo selvagem” (borgo
selvaggio). Tais considerações leopardianas, longe de se reportarem às paisagens
inspiradoras de poemas como O infinito (L’infinito), dirigem-se a um lugar, como o
próprio Guarracino nos faz lembrar, entregue ao “mesquinho bem estar”
(mesquino benessere), ou melhor, a uma província cheia de preconceitos e
heranças feudais (pregiudizi e retaggi feudali), “sonolenta e insensível”
(sonnolenta e refrattaria) a toda efervescência e gérmen inovador.
Leopardi, precoce autodidata aos dez anos de idade, formado na biblioteca
paterna de 12.000 volumes, conhecedor das línguas clássicas e modernas, e do
hebraico, vivia uma situação de atopia em Recanati. Ele encontrou, porém, alento
nas correspondências com Pietro Giordani (1774-1848), filólogo de renome,
reconhecedor dos êxitos alcançados por Leopardi nos estudos, e grande
incentivador do seu propósito de alcançar a grandeza nas letras. Leopardi
alcançou tal grandeza não apenas na Filologia, como também na poesia, na prosa
e na Filosofia. Ninguém mais do que Nietzsche (1844-1900) reconheceu melhor
essa grandeza, em um Fragmento Póstumo de 1875, ao indagar sobre a sua
atividade filológica: “Quem pode pôr, por exemplo, um alemão ao lado de
Leopardi?”
Nietzsche declara ser Leopardi o “ideal moderno de filólogo”, por possuir
“qualidades” e “talento” para perceber nos antigos mais do que “mistérios
secundários”. Nesse sentido, Leopardi exprimiria, em sua atividade filológica, um
dramático interesse pelo presente, pela sensibilidade e pelo elemento simbólico:
algo necessário para suscitar uma nova atividade criativa. Segundo os fragmentos
póstumos nietzscheanos, a “possibilidade de civilizar” é delineada por Cícero e
Leopardi, por ambos lutarem com os gregos, de maneirafirmeecomretidãode
10
caráter. Entre os antigos, Isócrates, pelo rigor e clareza do estilo, teria sido
formador da prosa leopardiana. Daí o reconhecimento nietzscheano de ser
Leopardi o maior “estilista” e “prosador” do século.
O que Nietzsche diz ainda da poesia leopardiana? Por haver olhado e
adorado a beleza, Leopardi está entre os homens raros do século: aqueles
realmente criadores de poesia, que conseguiram um domínio magistral na prosa.
Como artista era honesto, pois ofereceu ao leitor tudo o que lhe agradava. Junto a
Goethe, Leopardi seria um dos últimos grandes epígonos dos filólogos-poetas
italianos.
O enaltecimento de Nietzsche, quanto à poesia de Leopardi, não está,
entretanto, desvinculada da tradição de estudiosos como Giordani (1774-1848),
Gioberti (1801-1852) e Sainte-Beuve (1804-1869), que consideraram a união entre
poesia e filosofia na obra leopardiana. A declaração nietzscheana de suportar
apenas os poetas que têm também pensamentos, como Píndaro e Leopardi,
segue, portanto, tal tradição de estudos. É sabido, contudo, que o contato de
Nietzsche com Leopardi ocorreu mediante obras como os Canti (1831) e as
Operette morali (1827): algo que reforça o seu reconhecimento de um poeta que
foi igualmente um “verdadeiro pensador”.
Na tradição de estudos da obra leopardiana, entretanto, nem sempre tal
unidade entre poesia e pensamento foi considerada. Da distinção entre poeta e
filósofo, iniciada por De Sanctis (1817-1883) e, posteriormente, acirrada por
Benedetto Croce (1866-1952) estabeleceu-se uma querela que, por vezes, ao
privilegiar o momento idílico em detrimento do filosófico, comprometeu o sentido
do pessimismo leopardiano. Fez do pessimismo de Leopardi conseqüência de seu
sofrimento particular: um “escuro amante da morte” (De musset). Desse modo,
terminou se destacando a idéia de um Leopardi isolado da realidade de seu
tempo, como um mero espectador à janela entretido com as próprias dores, um
“excluído da vida” (Croce).
Este trabalho pretende, sobretudo, explicitar o teor do pensamento crítico
inerente à obra de Leopardi, como forma de ultrapassar qualquer unilateralidade
dos estudiosos, por demais inclinados aos próprios interesses, quer literários, quer
11
filosóficos, em prejuízo da compreensão do pensamento leopardiano. Tal
dimensão crítica é expressada como dúvida e recusa do século XIX, identificado
pelo autor como século de morte, por causa dos danos decorrentes das novas
conquistas realizadas pela razão geométrica e ciência moderna. Segue-se aqui
uma interpretação que visa, portanto, redimensionar o pessimismo leopardiano às
questões sociais, culturais e históricas de uma determinada época. Para tanto,
busca-se também explicitar a proposta leopardiana de uma ultrafilosofia.
Nesse sentido, adota-se aqui outra orientação na pesquisa, valendo-se das
seguintes hipóteses interpretativas: i) há uma concepção de “sistema” em
Leopardi, oposta à postulação metafísico-racionalista da tradição filosófica; ii) a
reflexão leopardiana sobre a infelicidade humana pressupõe a relação entre
natureza e razão; iii) tal relação vem enfrentada segundo a contradição
responsável pela infelicidade; iv) há também uma preocupação ético-política em
Leopardi ante o presente; e v) o seu pensamento exprime igualmente uma recusa
do mundo moderno, dada às inúmeras degenerescências antropológicas: morte
das grandes ilusões, fragilização das faculdades sensíveis-perceptivas, morte do
poético na natureza.
Em conformidade com a divisão dos capítulos desta dissertação,
privilegiou-se a seguinte ordem temática: i) a defesa do filósofo Leopardi; ii) a sua
consepção de sistema; iii) a questão da infelicidade; iv) a problemática da
contradição: razão ou sistema da natureza; e v) a ultrafilosofia ante os impasses
da existência humana. A disposição dos argumentos na elaboração da exposição
não segue um exame cronológico das obras de Leopardi, para uma interpretação
sistemática e forçosamente monolítica, por reconhecer a dificuldade de se
apresentar uma unidade de seu pensamento: tarefa que ultrapassa os limites
desta pesquisa.
O primeiro capítulo [Leopardi também filósofo: uma outra idéia de sistema],
principia com a postulação de um Leopardi filósofo, em conformidade com a
orientação dos primeiros estudiosos da obra leopardiana, quer italianos (Giordani,
Montani, Gioberti), quer estrangeiros (Sainte-Beuve, De Sinner), pois não
separavam o poeta e o filósofo Leopardi. Além do testemunho e da orientação de
12
tais autores contou ainda para certificar os argumentos de um Leopardi filósofo, as
suas formulações sobre a problemática do sistema. Há uma concepção
leopardiana de sistema oposta à da tradição, à medida que se opõe a todo
procedimento especulativo-abstrato. Destaca-se ainda, neste capítulo, o momento
da chamada “conversão filosófica” leopardiana, em 1819, expressão de uma crise
que afeta a vida de Leopardi: uma mudança significativa na elaboração das obras
e na concepção da realidade. Tal capítulo anuncia também uma hipótese
interpretativa: a obra leopardiana exprime uma certa concepção filosófica como
posição crítica ante a experiência do mundo moderno. Trata-se, portanto, de uma
crítica do presente em virtude dos danos que afetam a cultura, os costumes, os
comportamentos, ou seja, todo um ethos. Outrossim, destacam-se também o
reconhecimento leopardiano de que o “sistema da natureza” (sistema della natura)
é pressuposto para uma “teoria do homem” (teoria dell’uomo): algo que prepara o
próximo capítulo.
No segundo [Contradição e infelicidade humana: a postulação leopardiana
do sistema da natureza], considera-se como ponto de partida para a reflexão
sobre a causa da infelicidade humana a relação entre Natureza e Razão, pois a
problemática da infelicidade no pensamento leopardiano se desenvolve em dois
momentos: aquele influenciado pela relação entre civilização e natureza em
Rousseau. Nesse primeiro momento, Leopardi concebe a natureza como
harmonia, perfeição, equilíbrio, ordem, identificando a contradição na razão. Em
um segundo momento, Leopardi desmistifica a natureza e descobre inúmeras
contradições no interior do “sistema da natureza” (sistema della natura) em que
identifica uma natureza como processo de produção e destruição (mecanismo
indiferente ao homem), pois não tem a vida como finalidade, mas a existência. O
pensamento leopardiano expressa o seu pessimismo mais radical: a presença de
um mal na ordem das coisas, impossibilitando de vez a realização da felicidade.
O último capítulo [Em busca de uma ultrafilosofia: a resposta filosófica
leopardiana], dá continuidade à radicalização do pessimismo de Leopardi,
vínculando alguns temas do seu pensamento à experiência histórica moderna, de
um lado, e a posição também metahistóricas. Nesse sentido se apresenta a
13
reflexão leopardiana sobre o “nada’ (nulla), quer na sua experiência do vivido, quer
como elemento paradoxalmente metafísico no pensamento de Leopardi. A
reflexão sobre o “nada” (nulla) não permanece apenas como reflexão de uma
certa experiência de dissolução da cultura mítico-religiosa fruto do processo de
secularização e racionalização modernos, mas se dirige ao âmbito teorético-
filosófico: a crítica de todo fundamento. No último capítulo se destaca ainda a
importância que exerce o resgate das “ilusões” (illusioni) ante os riscos vividos
pela humanidade e, finalmente, o pensamento de uma ultrafilosofia capaz de
reintegrar saberes, faculdades em virtude da fragmentação realizada por uma
certa forma de filosofar moderna e uma racionalidade destruidora de todo o
poético. Destaca-se aqui, sobretudo, o apelo leopardiano da solidariedade entre
os homens diante da natureza: a proposta de um saber verdadeiro.
No desenvolvimento desta investigação, buscou-se empreender um diálogo
com alguns clássicos que contribuíram com os estudos da obra leopardiana. Entre
eles, destaca-se aqui Francesco De Sanctis ( ), Benedetto Croce ( ), Giovanni
Gentile, Walter Binni ( ), Vicenzo Gioberti ( ) a fim de compreender alguns
preconceitos que se constituíram no decorrer da tradição interpretativa do
pensamento leopardiano. Tal diálogo foi reduzido, no corpo do trabalho, por
razões de estilo, na medida que poderia dificultar o andamento da exposição e
tornar a leitura mais difícil dada à presença de questões às vezes alheias à própria
obra leopardiana. Nesse sentido foram omitidos vários pontos desse diálogo para
não comprometer e confundir a orientação adotada neste escrito.
Com base na leitura dos intérpretes, pôde-se compreender certos limites de
cada orientação adotada, que dificultava, quer por preconceitos, quer pela
unilateralidade dos pontos de vista assumidos, uma defesa mais firme sobre um
pensamento filosófico em Leopardi, Daí a necessidade de não mais enveredar nas
antigas querelas entre os intérpretes e assegurar uma orientação numa mais
atenção com o texto de Leopardi. Pôde-se compreender, em boa parte dos
estudos, a ausência de um tratamento mais atento ao Zibaldone di pensieri ( ),
obra fundamental para se apreender o itinerário assumido pelo pensamento
leopardiano e perceber a sua formação.
14
Este trabalho não pretende ser um estudo exaustivo do pensamento
leopardiano: uma tarefa impossível em qualquer autor, em especial, em um
pensador com a profundidade, erudição, diversidade temática e conceitual
semelhante ao de Leopardi. Apresenta-se aqui um recorte possível no interior de
uma obra complexa e vária. A intenção deste trabalho é também tentar contribuir
com o resgate de um pensador tão importante quanto os grandes
sistematizadores da tradição, que antecipa algumas questões tão presentes na
filosofia moderna e contemporânea.
15
CAPÍTULO I
Leopardi, também filósofo: uma outra idéia de sistema
A tradição dos estudos sobre a obra de Giacomo Leopardi (1798-1837),
manteve, ou a antinomia entre o poeta e filósofo Leopardi, ou negou
completamente a idéia de um Leopardi também filósofo. Para se evitar reproduzir
os preconceitos inerentes a tal querela, considerou-se, no presente capítulo, a
orientação importante da primeira geração de estudiosos da obra leopardiana, em
especial, a giordaniana e aquelas conhecedoras dos riscos que representam para
o pensamento de Leopardi, o apriorismo ou os pontos de vistas unilaterais, quer
literários, quer filosóficos. Há, portanto, uma preocupação fundamental norteadora
da reflexão filosófica de Leopardi revelada no momento de crise: o sentimento de
infelicidade, em vez de seu conhecimeno.
1.1. Giacomo Leopardi: “sommo filologo, sommo poeta, sommo filosofo”
Entre os primeiros estudiosos da obra de Leopardi, quer na Itália (Pietro
Giordani, Montani, Gioberti), quer fora dela (Sainte-Beave, De Sinner) não era
comum a separação entre o poeta e o filósofo Leopardi
1
. Eles reconheceram na
1
Na introdução aos Pensieri leopardianos (1829-1835), Dino Basili comenta a afirmação de Sergio
Solmi de que “Leopardi é, e não é filósofo”. Argumenta Basili: a obra de Leopardi apresenta riqueza,
profundidade e coerência especulativa, “como herança iluminista fundamental. Que não constitua um
pensamento lógico e sistemático é opinião largamente compartilhada pelos estudiosos”. Outrossim, quer a
busca incessante e original do homem e do seu destino, quer as ramificações metafísicas “não conseguem e
não consentem comprimir Leopardi na fileira (...) dos moralistas do seu século inquieto”. Basili evita qualquer
indagação que venha lançar Leopardi nas “armadilhas das etiquetas” (trappola delle etichette), acadêmicas ou
da publicidade, e reconhece a sua complexidade, em que se inscreve uma “dialética muito pessoal entre razão
e sentimento, análise científica e intuição psicológica, rigor e abandono” (Cf. G. Leopardi, “Introduzione” in:
Pensieri [1829-1835]. Milano, Mondadori, 1993, pp. 14-15). O estudo crítico de Francesco De Sanctis (1817-
1883), a saber, Giacomo Leopardi (1983) está marcado pela exaltação da dimensão idílica da poética
leopardiana. É nítida, nesse crítico, a distinção entre um Leopardi “poeta”, que dava livre curso ao coração
nos Canti (1831), e um Leopardi “filósofo”, presente na prosa das Operette Morali (1836): uma distinção que
será seguida por muitos. Para De Sanctis, Leopardi possui apenas esparsos conhecimentos de filosofia, mais
notícias do que propriamente conhecimento de doutrinas. “Conhecia, sobretudo, a filosofia grega, muito
afeiçoado a Platão (...). Tinha não pouca simpatia pela filosofia estóica, como aquela que visava mais à regra
da vida, do que por investigações metafísicas. Descartes, Leibniz, Malambranche, Pascal não lhe eram
16
obra leopardiana o extraordinário talento de um filólogo que fora, também, poeta e
filósofo
2
. Vicenzo Gioberti (1801-1852), por exemplo, reconheceu um pensamento
leopardiano, ao considerar o pessimismo do poeta como decorrência de suas
relações com a filosofia iluminista; e De Sinner compreendeu o teor filosófico da
poesia de Leopardi, assim como a importância da prosa das Operette:
propedêutica para uma investigação séria do pensamento leopardiano
3
.
Para se evitar qualquer unilateralidade, nesta reflexão sobre o pensamento
leopardiano, principia-se com a postulação de Pietro Giordani (1774-1848), que
concebeu Leopardi como “o poeta da filosofia” (il poeta della filosofia). Em seu
Proemio
4
às Operette Morali, Giodani relata o trajeto intelectual de Leopardi:
iniciado como “erudito; posteriormente em toda a vida [foi] poeta e filósofo;
terminou poetando como grande filósofo”
5
. No entanto, se existem fases que
demarcam o itinerário da construção intelectual leopardiana (erudita, poética e
filosófica), é bem verdade que elas não são percebidas, por Giordani, como
momentos isolados uns dos outros, pois haveria em Leopardi uma especificidade
no lidar com cada uma delas. A singularidade da erudição leopardiana que
decorreria da apropriação “não apenas daquele todo que os antigos sabiam,
sobretudo os gregos, mas tudo quanto foi de mais especial nos costumes, de mais
íntimo nos pensamentos e nos afetos”
6
, teria conduzido Leopardi, no inventar e no
polir, a extrair também da infinita erudição aquilo que ninguém espera dos
eruditos, “eloqüência e sabedoria”
7
.
A maneira pela qual Leopardi se serve dos conhecimentos adquiridos por
meio das faculdades da erudição, da poética e da especulativa é considerada por
desconhecidos, embora não demonstrasse que tivesse realizado estudos específicos”, e admite o interesse
leopardiano pelos filósofos modernos: Voltaire, Locke e Condillac. De Sanctis defende que a filosofia de
Leopardi não tem a marca de nenhum sistema filosófico, mas possui “uma cor própria e pessoal”: não
obstante as diversas reminiscências estóicas, platônicas, sensualistas, e a sua grande erudição, em especial,
clássica. (Cf. F. De Sanctis, Giacomo Leopardi, Roma, Riuniti, 1983, pp. 190-197.).
2
Cf. C. Galimberti, “La speranza nell’opera”, in: Intorno a Leopardi [1874-1889]. Genova, Il
Melangolo, 1992, p. 14.
3
V. Guarracino, Guida alla lettura di Leopardi, Milano, Mondadori, 1987, pp. 353-356. Algo que
rompe com os juízos superficiais e acríticos de Eugenio Montale e Alessandro Manzoni.
4
P. Giordani, Proemio, in G. Leopardi, Prose, Milano, Instituto Editoriale, S/D.
5
Ibidem, p. 20.
6
Ibidem, p. 16.
7
Ibidem.
17
Giordani um verdadeiro milagre, “porque [tais faculdades] parecem impedirem-se
pela natureza e excluírem-se umas da outras: e nele [Leopardi], ao contrário,
resultam servirem-se e promoverem-se alternadamente; de maneira que tocasse
cada uma o sumo possível, e unidas fizessem uma combinação de singular
perfeição. De tanto que quis exaltar nele os seus mais raros dons a natureza; e de
tanto que os seus estudos ampliaram a natural potência”
8
. Por isso, a expressão
giordaniana, sumo filólogo, sumo poeta, sumo filósofo
9
, não visa ressaltar o alto
desenvolvimento das faculdades tomadas isoladamente no indivíduo, mas, antes
de qualquer coisa, o “engenho” leopardiano: aquele de uma alma
extraordinariamente dotada pela natureza, que auxiliada pelo exercício recíproco
de suas faculdades teria atingido o mais próximo possível o sublime.
Giordani declara ser Leopardi “superior, como poeta e como filósofo”
10
, mas
está consciente da riqueza da dimensão poética leopardiana, pois não a considera
apenas como livre curso do coração: como extravasamento dos mais profundos
sentimentos de um homem circunscrito em si mesmo. Para Giordani, junto ao
poeta dos mais íntimos afetos, também se faz presente o “poeta moral e civil”
(poeta morale e civile). A poesia leopardiana extrapolaria, assim, o espaço
reservado ao indivíduo e aos sentimentos particulares na medida em que se
reporta também à natureza humana. Nesse sentido, o que é próprio da
constituição dos poemas morais e civis não é outra coisa senão o entrelaçamento
de poesia e verdade: algo que possibilitaria a Leopardi ser “útil a todos os séculos”
(utile a tutti secoli).
Conforme Giordani, a verdade contida nos poemas civis leopardianos é
uma verdade do gênero humano, observada no passado e no presente. A utilidade
de uma tal verdade, que ultrapassaria os séculos, nada teria, entretanto, de
concessivo aos apelos dos homens, caso fossem fruto do engano. Uma verdade
dissipadora de erros amados, no entender de Giordani, é incômoda aos homens,
porque aparenta roubar um bem que se pensava possuir. Leopardi comportaria
8
Ibidem, pp. 20-21.
9
Cf. P. Giordani, Proemio, in G. Leopardi, Prose, p. 11.
10
Ibidem, p. 22.
18
este sentido da verdade, pois foi o primeiro e único “eficacíssimo poeta de
verdades dolorosas e de íntimos afetos (...) expressos vivamente os mais
delicados, os mais profundos, os mais sublimes; e desdobrou uma filosofia, ingrata
aos impostores, lúgubre aos superficiais, evidente aos poucos intelectos, que
buscam e não temem o verdadeiro”
11
.
A verdade contida na poesia e na prosa de Leopardi não se desviou,
segundo Giordani, da tarefa de deplorar, no gênero humano, inevitáveis e
irremediáveis calamidades. Ao mesmo tempo, por culpa da ignorância, da
presunção e de falsos interesses, não deixou de lamentar outros males
plenamente remediáveis. Se em suas prosas, o conteúdo de tal verdade vem
expressa de maneira fria é porque, “anteriormente, já o havia lamentado em
versos calorosos como penoso para ele mesmo”
12
. Nesse sentido, poesia e
filosofia se complementariam, pois ambas se auxiliam para atingir o conteúdo de
uma verdade, pertinente ao gênero humano. Para Giordani, a grandeza
leopardiana não foi simplesmente ter percebido de forma dolorosa, desde cedo, os
enganos impostos pela natureza e pelos homens à primeira idade, ou ter olhado,
intrepidamente, “a novidade e a frieza do verdadeiro”
13
, mas a coragem no dizê-lo.
Também Sainte-Beuve (1804-1869) defendeu a unidade entre o filólogo, o
poeta e o filósofo em Leopardi. Em seu escrito Portrait Leopardi, de 1844, ele trata
o pensamento leopardiano, sem reduzi-lo à biografia, como muitos o fizeram antes
e depois de Benedetto Croce (1866-1952), pois identificaram a visão filosófica do
poeta com os seus infortúnios psicológicos. Ao considerar a vida do poeta,
Sainte-Beuve não compromete a sua crítica da experiência intelectual leopardiana,
naquilo que há de mais pessoal, de mais profundo, e mais raro: a compreensão da
expressão mais ampla da ilusão humana.
Em oposição às formulações unilaterais de Manzoni e De Sanctis, Sainte-
Beuve considera as Operette Morali um texto radical: como obra de um “grande
moralista que todo grande poeta esconde (...), e se desenvolve na liberdade sob
11
Ibidem, p. 21.
12
Ibidem.
13
Ibidem.
19
vinte formas engenhosas e picantes”
14
. Em virtude de sua profunda e amarga
ironia, Leopardi se põe ao lado de Luciano, de Swift, e de Voltaire. Segundo o
crítico:
“Nós nos recordamos (...) dos Contes
philosophiques e de Candide; mas Leopardi
não se recorda; ele é mais sério do que
Voltaire (...). Pode-se dizer que o deismo de
Voltaire é uma inconseqüência, e sempre
um escárnio demais. Leopardi tem a
infelicidade de habitar num ceticismo sem
limites, e a sua sinceridade, logo que ele
escreve, não supõe nenhum deles”
15
.
Para Sainte-Beuve, há ainda outro aspecto de Leopardi: a natureza de
“último dos Antigos” (dernier des Anciens), jogado num tempo e num mundo que
não foram feitos para ele: “um Antigo (Ancien) nascido muito tarde e deslocado”
(un Ancien né trop tard et depansé). O autor destaca, ainda, o fato de Leopardi
reconhecer o homem moderno como irremediavelmente perdido. Tal formulação
leopardiana não resulta, entretanto, de uma atitude psicológica, ou meramente de
conteúdo literário de qualquer que seja o classicismo, mas de uma certa
constituição: “alta e generosa melancolia, atitude invencível, confiança muda e
indomável”
16
.
Na sua reflexão, Sainte-Beuve aprofunda o elogio de Pietro Giordani,
gravado na lápide do poeta: “Scrittore di filosofia e di poesie altissimo/ da
paragonare solamente con i Greci
17
. A sua abordagem está dominada pela idéia
de um Leopardi, como homem antigo. Valendo-se dessa idéia, ele comenta:
“Leopardi guarda nele (...) esse traço distintivo que ele nasceu para ser
14
Ch.- A. Sainte-Beuve, Portrait de Leopardi[1844]. Paris, Allia, 1994, p. 12.
15
Ch. A. Sainte-Beuve, Portrait de Leopardi, p. 56. Conforme Sainte-Beuve, as Operette Morali,
diferentemente dos Canti, não receberam a mesma atenção dos estudiosos. Narra que Manzoni, em 1830, teria
afirmado: “não se deu atenção a este pequeno volume; como estilo, não se escreveu nada melhor na prosa
italiana dos nossos dias” (Cf. Ch. A. Sainte-Beuve, Portrait de Leopardi, p. 38.). Após De Sanctis, alguns
julgaram as Operette uma obra, sem dúvida, admirável do ponto de vista estilístico, mas fria, livresca e
artificial.
16
Ibidem, p. 56.
17
Ibidem, p. 47.
20
positivamente Antigo, um homem da Grécia heróica ou da Roma livre, e isto sem
qualquer declamação, e pela força de sua natureza”
18
.
Para o crítico, Leopardi acreditava que somente em tal tempo e lugar o
homem teve “uma visão simples das coisas, um desenvolvimento feliz e natural de
suas faculdades. Ele lamentava esta vida pública da ágora, e esta existência
expansiva diante de uma natureza generosa”
19
. Leopardi esquecia, porém, que
Sócrates já havia falado da impossibilidade de um homem honesto dedicar-se às
coisas públicas, sem disso tirar “sangue” e “suor”, e Simónide já teria deplorado
amargamente a miséria da raça humana. Ele não teria esquecido, porém, a crença
de que mediante tais lamentos e obstáculos inevitáveis, tinha lugar naquela época
para uma vida verdadeira, distinta daquela do mundo das sombras de hoje.
É relevante destacar nas formulações de Sainte-Beuve a atenção dada à
conversão filosófica leopardiana: uma conversão que Leopardi teria confessado a
Gioberti num de seus encontros, “como um progresso natural e necessário de seu
pensamento, um triste e harmonioso desenvolvimento de seu talento e de sua
natureza”
20
. Trata-se de uma viragem decisiva exigida pelas idéias filosóficas de
Leopardi, que tocou igualmente as suas exortações e desespero patriótico
21
.
A questão se Leopardi foi ou não “filósofo” é, porém, para Cesare Luporini,
ociosa, “uma vez que feita de maneira abstrata”
22
. Segundo ele, é mais
significativa a pergunta sobre a chamada “filosofia” de Leopardi, a saber, a filosofia
18
Ibidem, pp. 12-13.
19
Ibidem, p. 48.
20
Ibidem, p. 41.
21
No século XX, porém, o filósofo Benedetto Croce (1866-1952) não apenas reproduziu a separação
entre o poeta e o filósofo, mas negou toda validade à filosofia de Leopardi, pois atribuiu valor artístico,
exclusivamente, ao momento idílico. Conforme Croce, poético em Leopardi seria, apenas, o que brota de uma
disposição comovida e serena da alma, como ocorre nos Idílios. Tudo o que resultasse de uma fria oratória,
fruto de um espírito cético e sarcástico, não seria poético. (Cf. V. Guarracino, pp. 361-362.). Croce e De
Sanctis defenderam a idéia da separação entre um Leopardi “poeta” e um Leopardi “filósofo”,
comprometendo a unidade poético-filosófico na obra leopardiana. Ver aqui, também, B. Croce, Commento
Storico a um Carme satírico di Giacomo Leopardi, Bari, Laterza&Figli, 1933. Destaca-se, ainda, nesse
mesmo período, a reflexão de Giovanni Gentile (1875-1944), que, em vários estudos, reconheceu a filosofia
leopardiana presente nas Operette Morali: uma recusa à dicotomia anterior entre poeta e filósofo. Na sua obra
Manzoni e Leopardi escrita em 1928, Gentile defende sempre “vivo e presente Leopardi poeta” e não aquele
dos literatos, dos acadêmicos, dos curiosos. (Cf. G. Gentile, Manzoni e Leopardi, Saggi critici, Milano,
Fratelli, 1928, p. 94.
22
C. Luporini, Leopardi progressivo, Roma, Riuniti, 1980, p. 3.
21
que tem importância apenas “como ingrediente, como matéria da sua poesia, ou
seja, como parte do seu mundo ‘poético’, ou [se] apresenta também um interesse
autônomo?”
23
Embora Luporini não negue a existência de uma filosofia em
Leopardi, ele determina, entretanto, o seu significado em relação à tradição, pois
permaneceria excluída – como identidade – da conexão com um puro momento da
“cientificidade, intrínseco à filosofia”
24
. Sob esse aspecto, Leopardi não foi
filósofo
25
.
Contudo, está ausente destas formulações aqui expostas – não obstante a
defesa da unidade entre o filólogo, o poeta e o filósofo em Leopardi – uma correta
postulação e aprofundamento da questão filosófica em Giacomo Leopardi
26
. Como
atesta o Zibaldone di pensieri (1817-1832), Leopardi condena o “amor aos
sistemas” (l’amor de’ sistemi) por ser prejudicial ao verdadeiro (vero): algo
verificável quando se examina as obras dos pensadores
27
. Segundo ele, qualquer
homem tem, entretanto,
“força para pensar por si, quem quer que
seja se entranhe com as próprias
faculdades e (...) com os próprios passos,
na consideração das coisas, em suma,
qualquer verdadeiro pensador não pode
absolutamente, a não ser que não forme,
ou não siga, ou geralmente não tenha um
sistema”
28
.
Para Leopardi, os grandes pensadores tiveram um sistema, e foram
formadores ou defensores de algum. “Deixando os antigos filósofos, considerei os
modernos maiores. Descartes, Malebranche, Newton, Leibniz, Locke, Rousseau,
23
Ibidem.
24
Ibidem, p. 4.
25
É inegável o interesse de filósofos pela obra de Leopardi (independente da questão de ele ser ou
não filósofo) – embora tal questão tenha conduzido muitas vezes a dificuldades. Deve-se ainda destacar o
interesse de Shopenhauer, que reconhece nos Suplementos de sua obra, O mundo como vontade e
representação (1819), o direito de pôr o “pensamento pessimista de Leopardi” ao lado do seu; e de F.
Nietzsche que considera Leopardi – numa passagem do seu escrito Anotação sobre a importância do ritma
para a vida (1869) – como “verdadeiro pensador”.
26
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri[1817-1832], vol. I, Milano, Mondadori, 1983, p. 413.
27
Ibidem.
28
Ibidem: “forza di pensare da se, qualunque s’interna colle sue proprie facoltà e, (...) co’ suoi propri
passi, nella considerazione delle cose, in somma qualunque vero pensatore, non può assolutamente a meno di
non formarsi, o di non seguire, o generalmente di non avere un sistema”.
22
Cabanis, Tracy, De Vico, Kant, em suma, tantos outros”
29
. Não há um só grande
pensador que possa ser identificado como inventor de sistema. Nesse aspecto,
Leopardi reúne aqui pensadores de “todos os gêneros (tutti i generi). Aqueles que
foram “pensadores na moral, na política, na ciência do homem e em qualquer das
suas partes, na física, na filosofia de todo gênero, na filologia, na arqueologia, na
erudição crítica e filosófica, na história filosoficamente considerada etc.”
30
.
Conforme o autor, é evidente, não só pelo “fato” (fatto), mas igualmente
pela “razão” (ragione), os problemas decorrentes quando não se pensa com os
“próprios olhos” (propri lumi), pois poderá incorrer em graves erros, acreditando
nisto ou naquilo, sem qualquer articulação. Nesse sentido, descuidará de
considerar as “coisas juntas” (cose insieme), e de como podem ser verdadeiras na
relação entre elas. Daí permanecer “sem sistema, e se contentar com as verdades
particulares, e separadas e independentes umas das outras”
31
. A experiência e a
razão demonstram, entretanto, embora seja algo problemático, que “estes tais
formam sempre, seja como for, um sistema, embora possam talvez, às vezes,
estarem prontos para modificá-los, segundo as novas cognições, ou novas
opiniões que cheguem até eles”
32
. Não é este, entretanto, o procedimento
conveniente ao pensador.
Em vez dessa atitude, o pensador busca, de acordo com Leopardi, de
forma natural e necessária, “um fio na consideração das coisas” (un filo nella
considerazione delle cose)
33
. “É impossível (...) que ele se contente com noções e
verdades totalmente isoladas. E se contentasse, a sua filosofia seria muito trivial, e
muito mesquinha, e não obteria nenhum resultado”
34
. Para Leopardi, a finalidade
29
Ibidem, p. 414: “Lasciando gli antichi filosofi, considerate i moderni più grandi. Cartesio,
Malebranche, Newton, Leibnizio, Locke, Rousseau, Cabanis, Tracy, De Vico, Kant, in somma tutti quanti”.
30
Ibidem: “pensatori nella morale, nella política, nella scienza dell’uomo e in qualunque delle sue
parti, nella fisica, nella filolofia, nell’antiquaria, nell’erudizione critica e filosofica, nella storia
filosoficamente considerata ec. ec.”.
31
Ibidem: “senza sistema, e contentarsi delle verità particolari, e staccare e indipendente e’ una
dall’altra”.
32
Ibidem: “questi tali si formano sempre un sistema comunque sebbene possano forse talvolta esser
pronti a cangiarlo, secondo le nuove cognizioni, o nuove opinioni che loro sopraggiungano”.
33
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 414.
34
Ibidem: “É impossibile (...) ch’egli si contenti delle nozioni e delle verità del tutto isolate. E se se
ne contentasse, la sua filosofia sarebbe trivialissima, meschinissima, e non otterrebbe nessun risultato”.
23
da filosofia é encontrar “as razões das verdades” (le ragioni delle verità). Tais
razões se encontram apenas nas “relações dessas verdades” (relazioni di esse
verità) mediante a generalização. Daí Leopardi indagar: “não é (...) algo muito
sabido que a faculdade de generalizar constitui o pensador? Não é reconhecido
que a filosofia consiste na especulação das relações?”
35
.
Qualquer pensador que dos “particulares” (particolari) busque ascender aos
“universais” (generali), ou busque “o liame das verdades” (il legame delle verità) –
inseparável da faculdade do pensar – e as relações das coisas, busca, portanto,
um sistema. Segundo Leopardi, isto ocorre porque qualquer um que tenha
passado
“para os universais, e encontrou ou acredita
ter encontrado um sistema, ou a
confirmação e a prova, ou a persuasão de
um sistema já encontrado antes ou
proposto: um sistema mais ou menos
extenso, mais ou menos completo, mais ou
menos ligado, harmônico e correspondente
nas suas partes”
36
.
O equívoco, porém, não está em tal procedimento, mas quando dos
“universais” (generali) se passa aos “particulares” (particolari), isto é, “do sistema à
consideração das verdades que o devem formar. Ou então quando de poucos e
incertos, e mal articulados, e mal firmes particulares, de poucos e obscuras
relações, passa-se ao sistema, e aos universais”
37
. Segundo Leopardi, estes são
“vícios” (vizi) dos “pequenos espíritos” (piccoli spiriti). Isto ocorre, em parte, pela
pequenez deles, e “facilidade que têm de se convencer, em parte pela pestífera
mania formar sistemas, inventar paradoxos, criar hipóteses de qualquer maneira,
35
Ibidem: “Non è (...) cosa notissima che la facoltà di genelizzare costituisce il pensatore? Non è
confessato che la filosofia consiste nella speculazione de’ rapporti?”
36
Ibidem: “ai generali, ed ha trovato o creduto di trovare i detti rapporti, ha trovato o creduto di
trovare un sistema, o la conferma e la prova, o la persuasione di un sistema già prima trovato o proposto: un
sistema più o meno esteso, più o meno completo, più o meno legato, armonico e consentaneo nelle sue parti”.
37
Ibidem, pp. 414-415: “dal sistema alla considerazione delle verità che lo debbono formare. Ovvero
quando da pochi ed incerti, e mal connessi, ed infermi particolari, da pochi ed oscuri rapporti, si passa al
sistema, ed ai generali”.
24
para impor à multidão e parecer influente”
38
. Leopardi defende ser muito
prejudicial ao “verdadeiro” (vero) o “amor ao sistema” (amor di sistema). Ele
justifica a sua crítica, porque, em tal procedimento, “os particulares se extraem a
força para adequar ao sistema formado antes da consideração desses particulares
apenas naquele aspecto que favorece o sistema, em suma as coisas servem ao
sistema, e não o sistema às coisas, como deveria ser”
39
.
Em oposição a tal procedimento, Leopardi reconhece o primado das
“coisas” (cose) para a formação do sistema como algo não só razoável e comum,
mas também indispensável porque natural ao homem e, assim, necessário.
Segundo ele, isto é inseparável da Filosofia, pois constitui a sua natureza e
finalidade. Daí concluir:
“não apenas existiu, mas não pode ser
grande filósofo nem pensador, e sem
preconceitos, e amigo do puro verdadeiro
que possa ser, o qual não forme ou não
siga um sistema (mais ou menos vasto,
segundo a matéria, e se o engenho do
filósofo é sublime, se é perspicaz e
penetrante na investigação, especulação e
descoberta das relações), e que ele não
seria filósofo nem pensador, se isto não
acontecesse, mas se confundiria com quem
não pensa, e se contenta de não ter idéia,
nem conceito claro e estável em torno a
coisa alguma”
40
.
De acordo com Leopardi, todos eles têm sempre um sistema mais ou
menos claro, aliás mais ou extenso, e para eles mais persuasivo e mais claro e
certo. Trata-se de um sistema até excluidor “de todos os sistemas, como aquele
38
Ibidem, p. 415: “facilita che hanno di persuadere; parte per la pestifera smania di formare sistemi,
inventar paradossi, creare ipotese in qualunque maniera, affine (...) d’ imporre allá moltitudine, e parer d’
assai”.
39
Ibidem: “i particolari sitirano per forza ad accomodarsi al sistema formato prima della
considerazione di essi particolari, dalla quale il sistema dovea derivare, ed a cui doveva esso accomodarsi”.
40
Ibidem: “non solamente non ci fu, ma non ci può esser filosofo nè pensatore per grande, e
spregiudicato, ed amico del puro vero, ch’ei possa essere, il quale non si formi o non segua un sistema (più o
meno vasto secondo la matéria, e secondo che l’ingegno del filosofo è sublime, e secondo ch’ è acuto e
penetrante nella investigazione speculazione e ritrovamento de’ rapporti) e ch’ egli non sarebbe filosofo nè
pensatore, se questo non accadesse, ma si confonderebbe con chi non pensa, e si contenta di non avere idea nè
concetto chiaro e stabile intorno a veruna cosa”.
25
de Pirro e aquele que quase constitui caráter do nosso século”
41
. Nesse sentido,
Leopardi não pretende a eliminação total do sistema, pois a sua ausência absoluta
significa a falta “de uma ordem, de uma conexão de idéias, e, portanto, sem
sistema não pode existir discurso sobre coisa alguma”
42
. Por isso, aqueles que
não argumentam, de forma mais ampla, falta-lhes sistema, ou mesmo um mais
preciso. “O sistema, isto é, a conexão e dependência das idéias, dos
pensamentos, das reflexões, das opiniões, é, porém, o distintivo certo, e ao
mesmo tempo indispensável ao filósofo”
43
.
É certo que Leopardi combateu “a pestífera mania de formar sistemas (la
pestifera smania di formare sistemi) como herança da tão odiada Escolástica. Não
obstante a sua crítica ao “amor aos sistemas” (amor di sistemi), Leopardi fala,
entretanto, no Zibaldone de um seu sistema.
“O meu sistema introduz não só um
Ceticismo raciocinado e demonstrado, mas
tal que, segundo o meu sistema, a razão
humana seja qual for o progresso possível,
não poderá jamais se despir deste
ceticismo; aliás, ele contém o verdadeiro, e
se demonstra que a nossa razão, não pode,
em absoluto, encontrar o verdadeiro se não
duvidando; que ela se distancia do
verdadeiro toda vez que julga com certeza;
e que não só a dúvida favorece descobrir o
verdadeiro (...), o verdadeiro consiste
essencialmente na dúvida, e quem duvida,
sabe, e sabe o mais que se possa saber”
44
.
41
Ibidem: “di tutti i sistemi, come quello di Pirrone, e quello che fa quase il carattere del nostro
secolo”.
42
Ibidem, p. 416: “di un ordine di una connessione d’ idee, e quindi senza sistema, non vi può esser
discorso sopra veruna cosa”.
43
Ibidem: “il sistema, cioè la connessione e dipendenza delle idee, de’ pensieri, delle riflessioni,
delle opinioni, è il distintivo certo, e nel tempo stesso indispensabile del filosofo”.
44
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, pp. 595-596: “il mio sistema introduce non solo uno
Scetticismo ragionato e dimostrato, ma tale che, secondo il mio sistema, la ragione umana per qualsivoglia
progresso possibile, non potrà mai spogliarsi di questo scetticismo; anzi esso contiene il vero, e si dimostra
che la nostra ragione, non può assolutamente trovare il vero se non dubitando; ch’ ella si allontana dal vero
ogni volta che giudica con certezza (...) ma il vero consiste essenzialmente nel dubbio, e chi dubita, sa, e sa il
più che si possa sapere”. Leopardi remete aqui a Descartes. (Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p.
596 e 622.). Leopardi diz também ter o seu sistema abraçado e admitido quase todo o sistema do ateísmo. (Cf.
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 590.).
26
Leopardi sabe de não haver nem “ordem” (ordine), nem “disposição”
(dispodizione), nem “sistema” (sistema) no mundo tão perfeito, pois na prática
ocorre a presença de muitos “inconvenientes” (inconvenienti) e “desordens”
(disordini), isto é, contrariedade com toda ordem. Ele reconhece um dos erros
mais comuns e, ao mesmo tempo, um dos principais “acreditar que as coisas,
como vão, assim devam andar, e assim estejam ordenadas porque assim vão; e
deduzir completamente a idéia daquela ordem o sistema, pelo que cabe e aparece
no seu uso, andamento, execução etc.”
45
. Tais “acidentes” (accidenti) e
“inconveniências” (inconvenienze) são maiores e mais sérias nas “obras dos
homens” (opere degli uomini): nos sistemas, ordens e máquinas. Isto ocorre por
ser o homem um “artífice” (artefice) inferior à natureza, quer na arte, quer na
“potência” (potenza)
46
.
Falar de “sistema” em Leopardi, implica considerá-lo como “sistema das
coisas humanas” (sistema delle cose umane), ou como “teoria do homem” (teoria
dell’ uomo), mas de modo a evitar generalizações e simplificações
47
. Segundo
Leopardi, um dos “principais dogmas” (principali dogmi) do Cristianismo é “a
degeneração do homem de um estado primitivo mais perfeito e feliz”
48
. O principal
ensinamento do seu sistema é, portanto, tal “degeneração” (degenerazione).
Leopardi quer demonstrar, adotando “provas gerais ou particulares” (prove
generali e particolari) como “o homem fosse feito primitivamente para a felicidade,
como o seu estado perfeitamente natural (que não se encontra nunca no fato)
fosse para ele o único perfeito, como quanto mais nos distanciamos da natureza,
tanto mais nos tornamos infelizes”
49
.
45
Ibidem: “credere che le cose, come vanno, così debbano andare, e così sieno ordinate perchè così
vanno; e dedurre interamente l’idea di quel tale ordine o sistema, da quanto spetta ed apparisce nel suo uso,
andamento, esecuzione ec.”.
46
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp.440-441.
47
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 422.
48
Ibidem: “la degenerazione dell’uomo da uno stato primitivo più perfetto e felice”.
49
Ibidem: “il uomo fosse fatto primitivamente alla felicità, come il suo stato perfettamente naturale
(che non si trova mai nel fatto) fosse per lui il solo perfetto, come quanto più ci allontaniamo dalla natura,
tanto più diveniamo infelici”.
27
Ademais, Leopardi argumenta ainda, ao falar do seu sistema, de parecer
algo contraditório em relação à “felicidade humana” (felicità umana), o fato de ele
exaltar bastante
“a ação, a atividade, a abundância, a vida
e, portanto, preferir o costume e o estado
antigo ao moderno e, ao mesmo tempo,
considerar como o mais feliz ou o menos
infeliz de todos os modos de vida, aquele
dos homens mais estúpidos, dos animais
menos animais, ou seja, mais pobres de
vida, a inação e a indolência dos selvagens;
em suma, exaltar acima de todos os
estados aquele de suma vida, e aquele de
tanta morte quanto é compatível com a
existência animal”
50
.
Porque ele sabe que a infelicidade torna o homem inapto ao “fazer” (fare), pois o
debilita.
Em verdade, não há nenhuma contradição em seu sistema, uma vez que as
duas coisas se conciliam entre si, por derivar de um mesmo princípio.
“Reconhecida a impossibilidade tanto de
ser feliz, quanto do deixar jamais de desejá-
lo sobretudo, aliás unicamente; reconhecida
a tendência necessária da vida da alma
para um fim impossível de se conseguir;
reconhecida a infelicidade dos vivos,
universal e necessária, não consiste em
outra coisa, nem deriva de outra coisa, do
que desta tendência, e do não poder ela
atingir a sua finalidade; reconhecida, por
último que esta infelicidade universal é
tanto maior em cada espécie ou indivíduo
animal, quanto a dita tendência é mais
sentida; resta que o máximo possível da
felicidade, ou seja, o menor grau possível
de infelicidade, consista no menor
sentimento possível de dita tendência. A
50
Ibidem, p. 1101: “l’azione, l’attività, l’abbondanza della vita, e quindi preferire il costume e lo
stato antico al moderno, e nel tempo stesso considerare come il più felice o il meno infelice di tutti i modi di
vita, quello degli uomini i più stupidi, degli animali meno animali, ossia più poveri di vita, e’ imaginazione e
la infingardaggine dei selvaggi, insoma, esaltare sopra tutti gli stati quello di somma vita, e quello di tanta
morte quanta è compatibile coll’esistenza animale”.
28
espécie e os indivíduos animais menos
sensíveis, menos vivos pela natureza deles,
são os menos sensíveis e, portanto, de
menor vida do ânimo, são os menos
sensíveis e, portanto, os menos infelizes
dos estados humanos”
51
.
Isto pode justificar a preferência leopardiana pelo “estado selvagem” (stato
selvaggio) em vez daquele “civil” (civile). Outrossim, após a chegada a um certo
desenvolvimento do ânimo, não há mais possibilidade de retorno ao estado
anterior, quer para os indivíduos, quer para os povos: não há mais como impedir o
progresso
52
. Segundo Leopardi, os indivíduos e as nações da Europa e de grande
parte do mundo desenvolveram há muito tempo o ânimo. “Reduzi-los ao estado
primitivo e selvagem é impossível. No entanto, do desenvolvimento e da vida do
ânimo deles, segue uma maior sensibilidade, portanto, um maior sentimento da
supracitada tendência, portanto, maior infelicidade”
53
.
Em razão deste estado, Leopardi propõe um “remédio” (rimedio): a
distração, que consiste “na maior soma possível de atividade, de ação, que (...)
preencha as faculdades desenvolvidas e a vida do ânimo”
54
. Só assim, será
interrompido, ou quase obscurecido, confuso, coberto e sufocado o sentimento
daquela supracitada tendência
55
. Contudo, Leopardi sabe que tal “remédio” está
bem longe de ser comparado ao “estado primitivo” (stato primitivo), mas os seus
“efeitos” (effetti) são os melhores possíveis, o “estado” (stato) produzido é o
51
Ibidem, pp. 1101-1102: “Riconosciuta la impossibilita tanto dell’esser felice, quanto del lasciar
mai di desiderarlo sopra tutto, anzi unicamente; riconosciuta la necessária tendenza della vita dell’anima ad
un fine impossibile a conseguirsi; riconosciuto che l’infelicità dei viventi, universale e necessaria, non
consiste in altro nè deriva da altro, che da questa tendenza e dal non potere essa raggiungere il suo scopo;
riconosciuto in ultimo che questa infelicita universale è tanto maggiore in ciascuna specie o individuo
animale, quanto la detta tendenza è più sentita; resta che il sommo possibile della felicità, ossia, il minor
grado possibile d’infelicità, consista nel minor possibile sentimento di detta tendenza. Le specie e gl’individui
animali meno sensibili, men vivi per natura loro, hanno il minor grado possibile di tal sentimento”.
52
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 1102.
53
Ibidem: “Ridurli allo stato primitivo e selvaggio è impossibile. Intanto dallo (...) sviluppo e dalla
vita del loro animo, segue una maggior sensibilità, quindi un maggior sentimento della suddetta tendenza,
quindi maggiore infelicità”.
54
Ibidem: “nella maggior somma possibile di attività, di azione, che occupi e riempia le sviluppate
facoltà e la vita dell’animo”.
55
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 1102.
29
melhor possível, desde que o homem atingiu a civilização. Isto vale, quer para as
nações, quer para os indivíduos
56
.
Ante a impossibilidade de se recuperar a “insensibilidade” (insensibilità),
Leopardi propõe no seu “sistema” a defesa da “atividade” (attività), o “espírito de
energia” (spirito di energia) dominante, segundo ele, em grande parte da Europa,
de “esforços” (sforzi) dirigidos para progredir a civilização, tornando os homens
cada vez mais “ativos” (attivi) e “ocupados” (occupati): algo bastante favorável.
Não obstante o seu sistema considere, ao mesmo tempo, o “estado selvagem”
(stato selvaggio), “o ânimo o menos desenvolvido, o menos sensível, o menos
ativo, como a melhor condição possível da felicidade humana”
57
.
Quanto às verdades contidas no seu sistema, Leopardi sabe como serão
recebidas por outros, ou seja, não de modo geral. Os homens são “avessos a
pensar de outro modo, nem se encontram muitos que sigam o preceito de
Descartes: o amigo da verdade deve uma vez em toda a sua vida duvidar de
tudo
58
. Se tais “verdades” (verità) forem repetidas, o autor tem a certeza de serem
acreditadas, não por serem verdadeiras, mas por “hábito” (assuefazione): algo
freqüente na experiência humana.
Para Leopardi, nenhuma opinião (opinione) verdadeira ou falsa, contrária
àquela dominante e geral, jamais teve recepção imediata, isto é, estabeleceu-se
no mundo de modo instantâneo, mediante uma “demonstração lúcida e palpável”
(dimonstrazione lucida e palpabile)
59
. A recepção das novas “opiniões sempre se
deu por meio da “repetição” (repetizione) e pelo “hábito” (assuefazione). Ele sabe
dos obstáculos encontrados pelas novas “opiniões” ante aquela dominante. “Tudo
isso não é senão uma prova do meu próprio sistema, o qual fundamenta as
faculdades, as opiniões, as inclinações, a razão humana etc. no hábito”
60
.
56
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 1102.
57
Ibidem, p. 1103: “l’animo il meno sviluppato, il meno sensibile, il meno attivo, come la miglior
condizione possibile (...) per la felicità umana”.
58
Ibidem, p. 622: “Sono avezzi a pensare altrimenti, e al contrario, nè si trovano molti che seguino il
precetto di Cartesio: l’amico della verità debbe uma volta in sua vita dubitar di tutto”.
59
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 622.
60
Ibidem: “Tutto ciò non è che una prova del mio stesso sistema, il quale fa consistere le facoltà, le
opinioni, le inclinazioni, la ragione umana ec. nell’assuefazione”.
30
Ante tais argumentos de Leopardi sobre o seu sistema, como conduzir uma
exposição de seu pensamento com base na simples indagação sobre o Leopardi
poeta ou filósofo. Nas suas considerações acerca do sistema é evidente a
distinção em relação aos demais sistemas metafísicos, pois, dada à natureza do
seu procedimento, Lepardi busca evitar arbitrariedades na relação entre universal
e particular. Leopardi
“não tendo jamais lido escritores
metafísicos, e ocupando[se] de outros
estudos, e nada tendo aprendido sobre
estas matérias nas escolas (...), tinha já
encontrado a falsidade das idéias inatas,
adivinhado o otimismo de Leibniz, e
descoberto o princípio de que todo
progresso das cognições consiste em
conceber que uma idéia contém uma outra,
o qual é a soma da nova ciência ideológica
toda”
61
.
Como “pobre engenho” (povero ingegno) sem um verdadeiro apoio, Leopardi
sustenta ter descoberto tais “verdades últimas” (ultime verità), as quais mudaram a
face da metafísica e quase do saber humano
62
.
1.2. A conversão filosófica leopardiana: a “filosofia desesperada” das
Operette Morali
Há uma viragem filosófica no percurso da obra de Giacomo Leopardi,
identificada por alguns estudiosos
63
no ano de 1819. Tal “conversão filosófica”
representaria o ápice de uma crise vivenciada por ele em sentido existencial e de
suas exigências intelectuais. Pode-se indicar aqui, para além das enfermidades
que afetaram Leopardi, a problemática situação cultural e política em que se
encontrava a Itália, ou seja, o seu atrazo diante de países europeus como a
61
Ibidem
62
Ibidem
63
Ver, nesse sentido, V. Guarracino, Guida alla lettura di Leopardi, pp. 108-109; W. Binni, La
protesta di Leopardi, Firenze, Sansoni, 1973, pp. 41-52; A. Tartaro, Leopardi, mimeo, pp. 48-62.
31
Inglaterra, a Alemanha e, sobretudo, a França: um problema concreto que
envolveu não apenas o literato, mas exigiu, igualmente, o posicionamento do
homem de erudição
64
. A recusa de Leopardi do seu presente pressupõe também
os seus confrontos contra os movimentos atuantes na Itália da época: a
Restauração e o Romantismo
65
. Este último, em especial, foi severamente
criticado pelo seu caráter artificioso no Discorso di un italiano in torno alla poesia
romantica publicado em 1818
66
:
“coisa explícita e muito notória que os
românticos se esforçam em desviar o mais
que podem a poesia do comércio com os
sentidos, para os quais nasceu e viverá até
quando será poesia, e de fazê-la praticar
com o intelecto, e arrancá-la do visível para
o invisível e das coisas para as idéias, e
transformá-la de material e fantástica e
corporal que era, em metafísica e
raciocinante e espiritual”
67
.
64
Uma abordagem mais aprofundada será desenvolvida no próximo item.
65
Segundo Guarracino, a Restauração aparece como “o experimentum de uma cultura e de uma
civilização que se interroga sobre o próprio destino, dando a si respostas não previstas e coerentes com um
complexo e estratificado sistema ideológico, como é aquele da Europa sobrevivente de desilusões históricas e
estendida a não menos históricas desforras. Neste quadro, portanto, inserem-se nacionalismo e liberalismo, no
plano político e econômico, e romantismo no plano cultural, contra o absolutismo político e o protecionismo
econômico, para além do neoclassicismo cultural, no qual por boa parte se reconhecem as classes
dominantes” (V. Guarracino, Guida alla lettura di Leopardi, p. 258). Leopardi se resistiu, com a sua
inspiração filosófica sensualista-materialista de origem iluminista e com a sua poesia, aos compromissos das
ideologias da Restauração e das tentações de um romantismo espiritualista e neocatólico, medievalizante e
místico. (Cf. W. Binni, La protesta di Leopardi, p. 12). Sobre a Restauração, ver ainda L. Salvatorelli,
Sommario della storia d’Italia. Daí tempi preistorici ai nostri giorni, Einaudi, Torino, 1969, pp. 387-405.
66
G. Leopardi, Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica [1818], Roma, I Mammut,
1997. No artigo de Mario Puppo, “Poética de Leopardi”, expõe-se de forma concisa a problemática em torno
da poesia levantada pelos românticos e, em particular, pelo Cavalheiro Lodovico Di Breme: “se a literatura é,
conforme a conhecida fórmula, ‘a expressão da sociedade’, ou seja, é o espelho, e, por assim dizer, a
consciência de um dado momento histórico, e nisto reside o seu valor e a sua eficácia sobre os espíritos, pode
a literatura moderna, após tanto desenvolvimento de civilização, depois que a filosofia e a ciência
modificaram tão profundamente crenças e costumes, reproduzir ainda as formas da antiga literatura e, em
particular, acolher como ainda válidas aquelas imagens fabulosas das quais a ciência demonstrou a
inconsistência e a falsidade?”. (Cf. G. Leopardi, Poesia e prosa, trad. br. Affonso Félix de Souza, Alexei
Bueno et al., Rio de Janeiro, Aguilar, 1996, pp. 82-83.).
67
G. Leopardi, Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica [1818]. Roma, I Mammut,
1997, p. 969: “cosa manifesta e notissima che i romantici si sforzano di sviare il più che possono la poesia dal
commercio coi sensi, per li quali è nata e vivrà finattantochè sarà poesia, e di farla praticare coll’intelletto, e
strasciarla dal visibile all’invisibile e dalle cose alle idee, e trasmutarla di materiale e fantastica e corporale
che era, in metafisica e ragionevole e spirituale”.
32
Nesse sentido, o Romantismo, como conseqüência direta do
racionalismo
68
, operaria cada vez mais o distanciamento da natureza no homem:
algo deplorado por Leopardi, pois concebe a natureza como genuína detentora
das grandes ilusões, tão necessárias ao convívio social
69
. Em tal Discorso,
Leopardi adverte a destituição da faculdade imaginativa por efeito da razão
moderna, e indica uma saída possível:
68
Cf.Cesare Luporini, Leopardi Progressivo, p. 8. Segundo M. Puppo, embora Leopardi seja
formado por uma educação humanístico-sensualista, o sentimento da poesia desenvolve-se nele mediante a
prática assídua com os clássicos antigos. Se, de um lado, com base nos dados da filosofia sensualista,
Leopardi considera o homem como um ser propenso a uma felicidade não realizável e a consciência desta
impossibilidade se converte, na modernidade, em insatisfação, fastio e desilusão, de outro, tal consideração
reforça “o mito de uma idade em que a felicidade era possível”, porque o homem vivia em proximidade com a
natureza e “a razão e a ciência ainda não haviam destruído as ilusões”. Mas a felicidade do homem não
consiste senão em ilusões. Como obra da natureza, a imaginação e as ilusões possibilitaram ao homem antigo
ser grande, generoso e heróico, sempre inferior a ele é o moderno, que é pequeno, egoísta e vil, porque segue
a razão. O desenvolvimento da razão e a civilização são a conseqüência negativa da transformação da
condição do espírito humano, pois não permitem mais uma relação imediata, direta e espontânea com a
natureza, própria aos tempos primitivos. Da antítese inicial entre natureza e razão deriva, assim, aquela entre
antigos e modernos, e esta última culmina na oposição entre poesia e filosofia. Ao operar mediante
procedimentos abstratos, a filosofia se direciona para o intelecto, e a poesia, nutrida por sensações e imagens,
volta-se para os sentidos e a imaginação. Nesse sentido, de modo algum há necessidade de que “as
dissimulações da poesia estejam de acordo com as descobertas da filosofia”, porque se a filosofia objetiva
descobrir a verdade, o fim da poesia é, ao contrário, “criar um mundo de imaginação no qual a alma encontre
um refúgio das penas da vida real”. Disto resultaria, no entender de Puppo, a concepção leopardiana da poesia
“como alívio do fastio da vida” e a estima dos antigos como “grandes poetas” capazes de “verdadeira poesia”,
pois observaram e reproduziram a “natureza genuína” muito mais fácil e espontâneamente que os modernos
não podem, senão de modo imperfeito e com esforço. Entretanto, os românticos se pretendem superiores aos
antigos: i) quanto ao “patético”, ou seja, quanto à profundidade e à vastidão do sentimento; e ii) quando crêem
que “a excelência da imitação deve ser estimada apenas se for vizinha do verdadeiro” – algo defendido, nas
Observações de Lodovico Di Breme, com a finalidade, segundo Puppo, de justificar, em termos teórico e
histórico, “uma poesia moderna com características diversas daquela antiga (...), com motivos iluministas e
novas exigências de inspiração idealista”. Não é este o parecer de Leopardi no Discorso di un italiano intorno
alla poesia romantica: i) porque a sensibilidade dos românticos é considerada artificial, exagerada, refletida
e não espontânea, afastada da natureza e, por isso, não poética”; ii) porque os românticos, buscando atingir o
próprio verdadeiro, quase se esquecem de imitar, e o “verdadeiro não pose ser imitação de si mesmo”.
Portanto, a poesia sentimental dos tempos modernos, mais que poesia, é filosofia, “enquanto surge do
verdadeiro e não do falso”. O verdadeiro poeta, no entanto, segundo Leopardi, deve cuidar do “deleitável para
a imaginação”, e recolher “tanto do verdadeiro quanto do falso”, antes, na maioria dos casos, “mete-se e
estuda-se para enganar, e o enganador não procura o verdadeiro, mas a semelhança do verdadeiro”. Daí a
importância, para Leopardi, de inspirar-se nos antigos e de estudá-los contínua e profundamente, pois eles
concebiam como finalidade da poesia o prazer mediante a imitação da natureza. Puppo observa ainda a
distinção em Leopardi entre “poesia sentimental” e “poesia do sentimento”. Esta última, identifica com a
lírica, apresenta analogia com a sentimentalistiche Dichtung do ensaio Ueber naive und sentimentalistiche
D
ichtung de Schiller, em relação àquela antítese antigos-modernos. Desse modo, o sentimento pessoal, “como
gerador único e essencial da autêntica poesia”, se justifica como uma “reivindicação no limite extremo do
caráter subjetivo e individual da criação poética”. Mesmo nesse caso, permanece a “contraposição com a
filosofia”. (Cf. G. Leopardi, Poética de Leopardi, in Poesia e prosa, pp. 81-89.). Sobre a irredutibilidade da
dimensão literária de Leopardi quer ao Classicismo, quer ao Romantismo, e a sua posição intermediária entre
estas duas orientações, ver ainda, C. Distante e F. Simonete Coelho, Il percorso storico della letteratura
italiana, Rio de Janeiro, H. P. Comunicação, 2003, pp. 63-119.
69
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 52.
33
“permanecem os campos para os quais
costumava se exercitar o ardor da fantasia,
mas fechados pelos reparos do intelecto:
para querer que a imaginação faça
presentemente em nós aqueles efeitos que
fazia nos antigos, e fez um tempo em nós
mesmos [em nossa infância], é preciso
extraí-la da opressão do intelecto, é preciso
desalgemá-la e desencarcerá-la, é preciso
romper aqueles muros: isto pode fazer o
poeta, isto deve”
70
.
Disso resultaria a necessidade de seguir os passos dos Antigos, na medida
em que eles extraíam da imitação da natureza, doces e fortes ilusões: as únicas
capazes de fazer frente ao “império da razão”
71
. À inércia, mediocridade e
conformismo da Itália, e a um século de lama (secol di fango), Leopardi oporia, por
meio de poemas civis como All’Italia e Sopra il monumento di Dante, um projeto
literário fortemente marcado pela dimensão ética e política, na medida em que
primava pela capacidade de se repetir as lições morais do passado greco-latino, e
buscava confrontar tais lições com o presente, visando claramente uma
renovação, da situação de decadência civil italiana.
Uma carta endereçada a Pietro Giordani, em 19 de novembro de 1819,
revela uma mudança de ânimo de Leopardi, que aparentemente comprometeria a
perspectiva de seu projeto político-cultural. Diz ele: “estou tão apavorado com a
vanidade de todas as coisas, e com a condição dos homens, mortas todas as
paixões, como estão extintas no meu ânimo, que saio de mim mesmo,
considerando que é um nada também o meu desespero”
72
. Tal sentimento de
vazio, e de espantosa desilusão, decorreria não apenas da fuga frustrada
73
, em
70
G. Leopardi, Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica, p. 974: “(...) restano i campi
per li quali soleva esercitarsi la foga della fantasia, ma chiusi dai ripari dell’intelletto: a volere che
l’immaginazione faccia presentemente in noi quegli effetti che facea negli antichi, e fece un tempo in noi
stessi, bisogna sottrarla dall’oppressione dell’intelletto, bisogna sferrarla e scarcerarla, bisogna rompere quei
recinti: questo può fare il poeta, questo deve”.
71
Ibidem.
72
G. Leopardi, Epistolário, in Tutte le poesie e tutte le prose, Roma, Newton, 1997, p.1192: “(...)
sono così spaventato della vanità di tutte le cose, è della della condizione degli uomini, morte tutte le passioni,
come sono spente nell’animo mio, che ne vo fuori di me, considerando ch’è un niente anche la mia
disperazione”.
73
Cf. A. Tartaro, Giacomo Leopardi, Laterza, S/D, p. 50.
34
1819, de Recanati
74
, mas, sobretudo, de um estado de enfermidade corporal. Este
último evento, em especial, teria contribuído para a passagem do estado antigo ao
moderno em Leopardi:
“Na carreira poética o meu espírito
percorreu a mesma fase que o espírito
humano em geral. Desde o princípio o meu
forte era a fantasia, e os meus versos eram
cheios de imaginação, e das minhas
leituras poéticas eu buscava sempre tirar
proveito no que toca a imaginação. Eu era
decerto sensibilíssimo também aos afetos,
mas expressá-los em poesia não sabia.
Não tinha ainda meditado em torno às
coisas, e da filosofia não tinha senão um
vislumbre, e isto em geral, e com aquela
única ilusão que nós nos fazemos, isto é,
que no mundo e na vida nos deva ser
sempre uma exceção a nosso favor. Fui
sempre desventurado, mas as minhas
desventuras de então eram sempre cheias
de vida, e me desesperavam porque me
parecia (não verdadeiramente à razão, mas
a uma imaginação saudabilíssima) que me
impedissem a felicidade, da qual os outros
criam que gozassem. Em suma, o meu
estado era então em tudo e por tudo como
aquele dos antigos. [...] A mudança total em
mim, e a passagem do estado antigo ao
moderno, segui pode-se dizer dentro de um
ano, isto é, em 1819 onde privado do uso
da vista, e da contínua distração da leitura,
comecei a abandonar a esperança, a refletir
profundamente sobre as coisas [...], a me
tornar filósofo de profissão (de poeta que
eu era), a sentir a infelicidade certa do
mundo, em vez de conhecê-la, e isto
também por um estado de languidez
corporal, que tanto mais me afastava dos
antigos e me aproximava aos modernos.
Então a imaginação em mim foi sumamente
enfraquecida, e embora a faculdade
inventiva justamente naquele tempo
74
Nas correspondências desse período é recorrente o desejo de Leopardi de sair de sua cidade natal,
Recanati. Ver, aqui, G. Leopardi, Epistolario, in Tutte le poesie e tutte le prose, pp. 1170,1179,1181,1183.
35
crescesse em mim grandemente, aliás
quase iniciasse, consistia porém
principalmente, ou sobre trabalhos de
prosa, ou sobre poesias sentimentais. E se
eu me punha a fazer versos, as imagens
vinham a mim com grande dificuldade, aliás
a fantasia era quase esgotada [...]; mas
aqueles versos transbordavam de
sentimento (1º de julho 1820). Assim pode-
se bem dizer que a rigor dos termos, poetas
não eram senão os antigos, e não são
agora senão as crianças, ou jovenzinhos, e
os modernos que tem este nome, não são
senão filósofos. E eu de fato não me tornei
sentimental, senão quando perdida a
fantasia me tornei insensível à natureza, e
inteiramente entregue à razão e ao
verdadeiro, em suma filósofo”
75
.
O pungente sentimento de vazio e nulidade atinge Leopardi não como uma
verdade somente do individuo particular, mas se estende a todo o gênero humano.
Ao homem moderno, cultor da razão e do progresso da civilização, não cabe mais
a saída pela via do modelo poético dos antigos, pois este modelo não teria mais
nenhum efeito num mundo dominado pela razão. A poesia, tornada poesia de
sentimento entre os modernos, é, ao mesmo tempo, “filosófica”, porque não
75
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp. 143-144: “Nella carriera poética il mio spirito ha
percorso o stesso stadio che lo spirito umano in generale. Da principio il mio forte era la fantasia, e i miei
versi erano pieni d’imagini, e delle mie letture poetiche io cercava sempre di profittare riguardo alla
immaginazione. Io era bensì sensibilissimo anche agli affetti, ma esprimerli in poesia non sapeva. Non aveva
ancora meditato intorno alle cose, e della filosofia non avea che un barlume, e questo in grande, e con quella
solita illusione che noi ci facciamo, cioè che nel mondo e nella vita ci debba esser sempre un’eccezione a
favor nostro. Sono stato sempre sventurato, ma le mie sventure d’allora erano piene di vita, e mi disperavano
perché mi pareva (non veramente alla ragione, ma ad una saldissima immaginazione) che m’impedissero la
felicità, della quale gli altri credea che godessero. In somma il mio stato era allora in tutto e per tutto come
quello degli antichi. [...] La mutazione totale in me, e il passagio dallo stato antico al moderno, seguì si può
dire dentro un anno, cioè nel 1819 dove privato dell’uso della vista, e della continua distrazione della lettura,
cominciai a sentire la mia infelicità in un modo assai più tenebroso, cominciai ad abbandonar la speranza, a
riflettere profondamente sopra le cose [...], a divenir filosofo di professione (di poeta ch’io era), a sentire
l’infelicità certa del mondo, in luogo di conoscerla, e questo anche per uno stato de languore corporale, che
tanto più mi allontonava dagli antichi e mi avvicinava ai moderni. Allora l’immaginazione in me fu
sommamente infiacchita, e quantunque la facoltà dell’invenzione allora appunto crescesse in me
grandemente, anzi quasi cominciasse, verteva però principalmente, o sopra affari di prosa, o sopra poesie
sentimentali. E s’io mi metteva a far versi, le immagini mi venivano a sommo stento, anzi la fantasia era quasi
disseccata [...]; bensì quei versi traboccavano di sentimento (1º luglio 1820). Così si può ben dire che in rigor
di termini, poeti non erano se non gli antichi, e non sono ora se non i fanciulli, o giovanetti, e i moderni che
hanno questo nome, non sono altro che filosofi. Ed io infatti non divenni sentimentale, se non quando perduta
la fantasia devenni insensibile alla natura, e tutto dedito alla ragione e al vero, in somma filosofo”.
36
expressa senão uma verdade concebida unicamente no intelecto: destruídas todas
as fantasias e ilusões, resta somente para a poesia expressar o conteúdo de
verdade racional, a saber, o sentimento de vazio e nulidade, isto é, desilusão.
Leopardi tornara-se filósofo, mas, sobretudo, por exigência do próprio tempo. Na
carta de 6 de maio de 1825 a Pietro Giordani, ele fala de sua conversão filosófica:
“Quanto ao gênero de estudos que eu faço,
como mudei em relação àquilo que fui,
assim mudaram os estudos. Toda coisa
que tenha de afetuoso e de eloqüente me
aborrece, parece-me brincadeira e ridícula
criancice. Não busco nada mais exceto o
verdadeiro que tanto já odiei e detestei.
Contento-me de sempre descobrir mais e
tocar com a mão a miséria dos homens e
das coisas, e de horrorizar friamente,
especulando este arcano infeliz e terrível da
vida do universo”
76
.
Pertence justamente a este período de 1819, no qual biografia e
desenvolvimento intelectual coincidem sob a perspectiva do pessimismo, os
primeiros acenos de Leopardi ao seu projeto de compor “diálogos satíricos a
maneira de Luciano, mas extraídos os personagens e o ridículo dos costumes
presentes, ou seja, modernos”
77
. Acrescente-se também a carta de 4 de setembro
de 1820, dirigida a Pietro Giordani, na qual Leopardi confessará: “Nestes dias,
quase para vingar-me do mundo, e quase também da virtude, imaginei e esbocei
certas prosinhas satíricas”
78
. Os temas recorrentes destas prosas, bem
observados por Walter Binni em seu livro intitulado La protesta di Leopardi (O
protesto de Leopardi), são a descoberta da falsidade no que concerne a virtude e
o mundo, a pretensão, a vileza e o conformismo dos homens, o diagnóstico da
76
G. Leopardi, Epistolario, in Tutte le poesie e tutte le prose, p. 1276: “Quanto al genere di studi che
io fo, come io sono mutato da quel che io fui, così gli studi sono mutati. Ogni cosa che tenga di affettuoso e di
eloquente mi annoia, mi sa di scherzo e di fanciullagine ridicola. Non cerco altro più fuorché il vero che ho
già tanto odiato e detestato. Mi compiaccio di sempre meglio scoprire e toccar con mano la miseria degli
uomini e delle cose, e d’inorridire freddamente, speculando questo arcano infelice e terribile della vita
dell’universo”.
77
G. Leopardi, Memorie e disegni letterari, in Tutte le poesie e tutte le prose, p. 1109: “Dialoghi
Satirici alla maniera di Luciano, ma tolti i personaggi e il ridicolo dai costumi presenti o moderni”.
78
G. Leopardi, Epistolario, in tutte le poesie e tutte le prose, pp.1206-1207: “In questi giorni, quasi
per vendicarmi del mondo, e quasi anche della virtù, ho immaginato e abbozzato certe prosette satiriche”.
37
particular falsidade do mundo dos literatos, o reconhecimento da lição antivirtuosa
do mundo como conclusão desesperada e provisória dos que da virtude foram
altamente fiéis, etc.
Registra-se, ainda, um outro pensamento de Leopardi em 27 de julho de
1821. O autor tenciona sacudir (scuotere) a Itália e o seu século, por meio de
diálogos e novelas lucianescas, ao levar para a comédia conteúdos até então
pertencentes à tragédia, a saber:
“os vícios dos grandes, os princípios
fundamentais das calamidades e da miséria
humana, os absurdos da política, as
inconveniências pertencentes à moral
universal, e à filosofia, o andamento e o
espírito geral do século, a essência das
coisas, da sociedade, da civilização
presente, as desgraças e as revoluções e
as condições do mundo, os vícios e as
infâmias não dos homens mas do homem,
o estado das nações, etc”
79
.
Destaca-se aqui, também, o elogio de Leopardi ao filósofo Platão, pela
ousadia de “conceber um sistema que abraçasse toda a existência, e explicasse
inteiramente a natureza, foi no seu estilo, nas suas invenções, etc. tão poeta como
todos sabem”
80
. A importância desta passagem reside no fato de que embora
Leopardi tenha recusado profundamente o sistema metafísico de Platão – e,
conseqüentemente, a sua filosofia – reconheceu no estilo de seus diálogos a
unidade entre o filósofo e o poeta. Ora, o fato de Leopardi admitir a conversão
filosófica, não significa, de maneira alguma, um completo abandono da
perspectiva poética. As Operette Morali (1826-1835) são a prova inequívoca do
amadurecimento de um projeto que encontra, na forma prosaica, a via de
79
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 501: “(...) i vizi dei grandi, i principii
fondamentali delle calamità e della miseria umana, gli assurdi della politica, le sconvenienze appartenenti alla
morale universale, e alla filosofia, l’andamento e lo spirito generale del secolo, la somma delle cose, della
società, della civiltà presente, le disgrazie e le revoluzioni e le condizioni del mondo, i vizi e le infamie non
degli uomini ma dell’uomo, lo stato delle nazioni ec.”.
80
Apud. W. Binni, La protesta di Leopardi, Firenze, Sansoni, 1973, p. 96.
38
expressão de uma filosofia não redutível a modelos tradicionais de pensamento
sistêmico ou espiritualista
81
.
Em outra carta, agora endereçada a De Sinner
82
em 24 de maio de 1832,
Leopardi expõe o seu protesto contra os homens de sua época que insistiam em
atribuir o conteúdo dos seus pensamentos filosóficos aos seus sofrimentos
particulares Ele comenta sobre a sua coragem de não ter se influenciado por “vãs
esperanças, de uma pretensa felicidade futura e desconhecida” (frivole speranze
d’una pretesa felicità futura e ignota), nem ter se restringido a uma “banal
resignação” (vile rassegnazione) diante da vida, assumindo, ao contrário, uma
postura de enfrentamento. Isso contribuiu, no decorrer dos seus estudos, a
conduzir as suas investigações a uma “filosofia desesperada” (filosofia
disperata)
83
.
Contra as críticas de seus opositores que se ativeram mais às suas
“condições materiais” do que ao conteúdo de suas idéias, Leopardi revela o
fundamento das críticas: derivam muito mais da necessidade dos homens de
serem persuadidos pelo mérito da existência e pela lassidão deles do que,
propriamente, por causa do entendimento. Os seus opositores reduziam o teor de
seus pensamentos à mera expressão de sua “particularidade”. Para Leopardi, a
sua reflexão não deriva de uma “revolta individual” perante a vida, mas da
preocupação com o “destino humano” (destino umano). Daí solicitar aos seus
leitores “a destruição de suas observações e raciocínios”, em vez de acusarem as
suas mazelas.
81
Leopardi comenta no Zibaldone de 27 de julho de 1821 sobre as várias “armas” (armi) utilizadas
para enfrentar o conteúdo das Operette: além das “armas” (armi) utilizadas, ou seja, disposições e as
faculdades do ânimo, desde aquelas pré-reflexivas e relativas ao pathos à razão, ela se serviu, quer da Lógica
e dos “Tratados filosóficos” (Trattati filosofici), quer das “armas do ridículo nos diálogos e novelas lucianeas”
(armi del ridicolo ne’ dialoghi e nelle novelle Lucianee). (Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p.
501). Para Guarracino, isto determinou o estilo de cada “opúsculo”: satírico, doutrinário e polêmico. (Ver V.
Guarracino, op. cit., p. 114.).
82
G. Leopardi, La vita e le lettere, Milano, Garzanti, 1983, pp. 514-515.
83
Leopardi associa tal filosofia a conseqüências de sua coragem e, ao mesmo tempo, a resultados de
suas pesquisas filosóficas. Trata-se de um pensamento que não mascara os limites da natureza humana,
propondo o enfrentamento com as armas do afeto, do entusiasmo, da imaginação, da eloqüência, da razão,
contra uma “natureza madrasta” (natura matrigne) e contra as degenerescências do seu tempo.
39
Ao falar na mesma carta, dos seus sentimentos em relação ao “destino
humano”, Leopardi menciona uma poesia contida nos “Canti
84
, intitulada “Bruto
Minore
85
[1824], que expressaria, mediante elementos autobiográficos, a sua
posição ante a vida, e os seus sentimentos diante de um mundo injusto: algo que
justificaria o conteúdo de sua “filosofia desesperada”. Revela-se, em “Bruto
Minore”, a completa recusa leopardiana às circunstâncias resignativas ante a
existência. Nesta canção está exposta a resistência que o homem deve ter contra
a sujeição passiva a qualquer tirania: moral, política e até de “forças ultraterrenas”.
Contra toda sujeição que afaste o homem de uma experiência vital mais vigorosa,
que reduza a presença do “desejo” e das “ilusões”, lançando-o na mais infame
indiferença e acomodação em relação à sua infelicidade e ao seu “destino”. Diz
Leopardi:
“Pisa o destino invicto e a implacável
Necessidade os frágeis
Servos da morte: e se não traz final
Aos seus ultrajes, se resigna a plebe
Em tal certeza. Menos duro é o mal
Por não haver remédio?”
86
.
Leopardi identifica-se aqui com “Bruto”, propondo alternativas de resistência
e luta diante da vida de forma corajosa e heróica, como exprimem os seguintes
versos:
“Dor não sente
Quem de esperança é nu?
Guerra mortal te move, ó sorte ingrata,
84
Esta obra exprime, segundo Bandini, a posição leopardiana em relação às discussões literárias de
seu tempo: o problema da poesia. Como se poderia fazer ainda poesia numa determinada fase da história
humana, dominada pela teoria da utilidade, postulada pelas obras literárias dos liberais-moderados? Leopardi
recusa esta concepção, na medida em que nela identifica o signo eminente de morte da poesia. Numa carta
dirigida a Pietro Giordani, ele afirma que lhe dá náusea ao se deparar “com o soberbo desprezo que aqui se
professa em relação a todo belo e a toda literatura: não me entra, na mente, que o máximo do saber humano
seja conhecer política e estatística”. (G. Leopardi, La vita e le lettere, p. 430). Ver aqui, também, G. Leopardi,
Canti, Milano, Garzanti, p. XI).
85
G. Leopardi, Canti, pp. 59-67. Momento de ruptura na postura leopardiana na qual “as ilusões” são
submetidas à crítica e os deuses são julgados para responder sobre a condição humana. Aqui, a hostilidade da
natureza se esconde no comportamento das criaturas” (sol, pássaros...) indiferentes ao destino humano.
86
G. Leopardi, Cantos in: Poesia e Prosa, trad. br. Alfonso Félix de Souza, Alexei Bueno et al., Rio
de Janeiro, Nova Aguilar, p. 200: “Preme il destino invitto e la ferrata/ necessità gl’infermi/ schiavi di morte:
e se a cessar non vale/ gli oltraggi lor, de’necessarii danni/ si consola il plebeo. Men duro è il male/ che riparo
non ha?” (G. Leopardi, Canti, p. 63).
40
O bravo se agiganta,
Incapaz de ceder, e a mão tirana,
Que vencedora estendes a esmagá-los.
Indômito evitando se levanta”
87
.
Recusando qualquer sujeição humana às “forças” terrenas ou extraterrenas, ele
propõe a reação e o enfrentamento diante das circunstâncias do acaso indiferente
aos homens, e rechaça igualmente toda atitude de subordinação a garantias de
um futuro feliz. Trata-se de sua recusa a promessas de uma vida extraterrena,
pois conduziriam os homens à acomodação e ao esvaziamento das ilusões e dos
desejos, em razão da promessa de “outro” mundo.
O conteúdo de tal filosofia não se limita, entretanto, apenas aos Canti, pois
se encontram nas Operette Morali dois diálogos, que esclarecem as
argumentações leopardianas presentes na carta a De Sinner. No Diálogo de
Tristão e um amigo (Dialogo di Tristano e un amico)
88
está exposto o teor dessa
“filosofia desesperada” (filosofia disperata). A personagem Tristão-Leopardi
discute com o amigo sobre o conteúdo do seu livro, conforme o amigo, um livro
“melancólico, desconsolado e desesperado”
89
, por conceber esta vida como algo
que “parece uma coisa grande e horrível”
90
. Trata-se, aqui, do argumento da vida
humana infeliz, pois tal idéia, segundo Tristão-Leopardi, se lhe apresenta como
uma “demência fixa em sua mente”(pazzia in capo).
Retorna de maneira polêmica, nesse mesmo diálogo, a idéia de que tal
concepção sobre a vida humana pudesse decorrer do “efeito de doença ou de
outra miséria particular!”
91
. Tristão-Leopardi sabe, entretanto, dos riscos de admitir
esta acusação. Diz ele: “permaneci atônito, atordoado e imóvel como uma pedra e
por muitos dias acreditei que me achava em outro mundo; depois tendo voltado a
mim mesmo desprezei-me um pouco, em seguida ri e disse: os homens são em
geral como os maridos. Se estes querem viver tranqüilos é necessário que
87
Ibidem: “dolor non sente / chi di speranza è nudo? / Guerra mortale, eterna, o fato indegno / teco il
prode guerriggia, / di cedere inesperto; e la tiranna / tua destra, allor che vincitrice il grava / indomito
scrollando si pompeggia” (Ibidem, pp. 61-62).
88
Cf. G. Leopardi, Opúsculos Morais, in: Poesia e Prosa, pp. 449-456; Operette Morali, Milano
Rizzoli, 1976, pp. 291-300.
89
Ibidem, p.450: “malinconico, sconsolato, disperato”. (Ibidem, p. 291).
90
Ibidem: “vi pare una gran brutta cosa” (Ibidem).
91
Ibidem: “effetto d’infermità, o d’altra miseria mia particolare!” (Ibidem, p. 292)..
41
acreditem que as mulheres são fiéis”
92
. A “filosofia desesperada”(filosofia
disperata) rechaça, de princípio, todo o engano produzido pelo intelecto, já que o
grande propósito deste último é a busca da verdade: contrariar tal propósito
signifique comprometer a filosofia como saber.
O gênero humano, porém, acredita sempre, segundo ironiza Tristão-
Leopardi, “não na verdade, mas naquilo que é ou parece ser mais verdadeiro aos
seus propósitos”
93
. Acreditará sempre em tantas tolices, mas “jamais aceitará que
nada sabe, que não é nada e que nada tem a esperar”
94
. Ora, nenhum filósofo
faria escola se decidisse ensinar uma dessas três coisas, pois “todas as três são
pouco conformes a quem quer viver”
95
. Tais questões comprometem, na forma
explicitada por Tristão-Leopardi, a pergunta pelo homem do filósofo moderno
96
,
quando reconduzida à antropologia.
Os homens são, entretanto, “covardes, fracos e de espírito ignóbil e
estreito; sempre dóceis a esperar”
97
, sempre dispostos a “entregar as armas”
(render l’arme), e decididos à consolação diante de qualquer desventura. Estão
sempre dispostos, como explicita o leopardiano Tristão, à compensação ante ao
que perderam; à acomodação “sob qualquer condição, a um destino mais iníquo e
mais bárbaro”
98
. Os homens preferem viver – mesmo quando privados do
desejável – “de falsas crenças alegres ou seguras como se fossem as mais
verdadeiras ou as mais bem fundamentadas do mundo”
99
.
92
Ibidem: “rimasi attonito, sbalordito, immobile come un sasso, e per più giorni credetti di trovarmi
in un altro mondo; poi, tornato in me stesso, mi sdegnai un poco; poi risi, e dissi: gli uomini sono in generale
come i mariti. I mariti, se vogliono viver tranquilli, è necessario che credano le mogli fedeli” (Ibidem).
93
Ibidem: “non il vero, ma quello che è, o pare che sia, più a proposito suo” (Ibidem).
94
Ibidem: “mai né di non saper nulla, né di non essere nulla, né di non aver nulla a sperare”
(Ibidem).
95
Ibidem: “tute tre sono poco a proposito di chi vuol vivere” (Ibidem).
96
Ver, aqui, também, I. Kant, Logica (1800). Trad. It. Leonardo Amoroso, Roma-Bari, Inglaterra,
1984, pp. 18-19; M. Heidegger, Kant et le problème de da métaphysique (1953). Trad. Fr. Alphonse De
Waelhens e Walter Biemel, France, Gallimard, 1981, pp. 263-270.
97
G. Leopardi, Opúsculos Morais in: Poesia e Prosa, p. 450: “codardi, deboli, d’animo ignobile e
angusto; docili sempre a sperar bene” (Operette Morali, p. 292).
98
Ibidem, pp. 450-451: “con qualunque condizione a qualunque sorte più iniqua e più barbara”
(Ibidem).
99
Ibidem, p. 451: “di credenze false, così gagliarde e ferme, come se fossero le più vere o le più
fondate del mondo” (Ibidem).
42
A “filosofia desesperada” (filosofia disperata) não propõe “deixar-se enganar
e iludir como tolos além dos males que se sofrem e ser quase o escárnio da
natureza e do destino”
100
. Ela expressa o riso contra o “gênero humano
apaixonado pela vida”
101
, e refuta a forma do engano que é expressão do
intelecto. É uma filosofia que pisoteia “a vileza dos homens, recus[a] toda
consolação ou engano pueril e te[m] a coragem de sustentar a privação de toda
esperança, de olhar intrepidamente o deserto da vida, de não (...) dissimular
nenhuma parte da infelicidade humana e aceitar todas as conseqüências de uma
filosofia dolorosa mas verdadeira”
102
.
Tal filosofia, entretanto, proporciona aos “homens fortes” (uomini forti),
conforme Tristão-Leopardi, “a complacência de ver rasgado todo o manto sobre a
encoberta e misteriosa crueldade do destino humano”
103
. Essa “filosofia dolorosa”
(filosofia dolorosa) não é, porém, sua invenção, e tão recusada por todos, como se
faz contra “as coisas novas e não mais sentidas”
104
. Ela já estava presente na
sabedoria dos poetas e filósofos mais antigos, pois as suas obras estão repletas
de “figuras, fábulas e (...) sentenças, que representam a extrema infelicidade
humana”
105
. Naqueles tempos “todos os poetas, filósofos, grandes e pequenos
escritores, de um modo ou de outro, tinham repetido ou confirmado as mesmas
doutrinas”
106
.
Leopardi busca, neste “diálogo”, por meio de Tristão, o confronto com as
“verdades” descobertas pelo século XIX. Tais verdades são apresentadas, num
primeiro momento, como se ele as aceitasse. Ao contrário, ele polemiza, em
seguida, contra os ideais dos filósofos modernos. Tal “Diálogo” questiona idéias
100
Ibidem: “Lasciarsi ingannare e deludere come sciocchi, ed oltre ai mali che si soffrono, essere
quasi lo scherno della natura e del destino” (Ibidem, p.293).
101
Ibidem: “genere umano innamorato della vita” (Ibidem).
102
Ibidem: “la vigliaccheria degli uomini, rifiuto ogni consolazione e ogn’ingano puerile, ed ho il
coraggio di sostenere la privazione di ogni speranza, mirare intrepidamente il deserto della vita, non
dissimularmi nessuna parte dell’infelicità umana, ed acettare tutte le consequenze di una filosofia dolorosa,
ma vera” (Ibidem).
103
Ibidem: “la fiera compiacienza di vedere strappato ogni manto alla coperta e misteriosa crudeltà
del destino umano” (Ibidem).
104
Ibidem: “le cose nuove e non più sentite” (Ibidem).
105
Ibidem: “di figure, di favole, di sentenze significanti l’estrema infelicità umana” (Ibidem).
106
Ibidem: “tutti i poeti e tutti i filosofi e gli scrittori grandi e piccoli, in un modo o in un altro,
avevano ripetute o confermate le stesse dottrine” (Ibidem).
43
como “perfectibilidade indefinida do homem”
107
, melhoramento da espécie humana
e avanço do saber e da racionalidade. Contra tais concepções, Tristão-Leopardi
reconhece a superioridade dos Antigos em relação ao estado moderno da
sociedade. Os antigos exprimiam, diferente dos modernos, uma superioridade do
corpo – uma vez que “o corpo é o homem”
108
– tornando, assim, possível a
“magnanimidade, a coragem, as paixões, a força de agir, a de usufruir, tudo o que
enobrece e torna viva a vida”
109
: algo débil na época moderna.
A “filosofia desesperada” rejeita, portanto, a concepção moderna de
educação, pois esta última considera a corporeidade como “coisa muito baixa e
abjeta”
110
. Ao pensar o espírito, os modernos, querendo cultivá-lo, terminam
arruinando o corpo. Por isso, tal filosofia reconhece a necessidade do “vigor do
corpo” (vigore del corpo) para a experiência vital intensa. Daí o homem moderno
ser reconhecido, quando confrontado aos Antigos, como meninos. Ela denuncia,
igualmente, na situação moderna da sociedade, que o indivíduo, quando
comparado a outro, termina dissolvido nas massas.
Tal filosofia rejeita, também, a maneira como se conduz os estudos na
presente idade, pois “o conhecimento não está mais acumulado em alguns
indivíduos, mas dividido entre muitos, e que a quantidade destes compensa a
raridade daqueles”
111
. Refuta, ainda, a instrução superficial comum, no presente, a
muitos indoutos. Trata-se da superficialidade do saber dos novos tempos, que
provoca a dúvida de que “os lumes cresçam continuamente”
112
. Esta suspeita vem
expressa nas palavras do Tristão leopardiano ao afirmar: “quando visse também o
mundo cheio de ignorantes e impostores, de um lado, e de ignorantes
pretensiosos, de outro”
113
, tornar-se-ia algo difícil esta crença. O que prevalece na
107
Ibidem: “perfettibilità indefinita dell’uomo” (Ibidem, p. 294).
108
Ibidem, p. 452: “il corpo è l’uomo” (Ibidem).
109
Ibidem: “la magnanimità, il coraggio, le passioni, la potenza di fare, la potenza di godere, tutto ciò
che fa nobile e viva la vita” (Ibidem).
110
Ibidem: “cosa troppo bassa e abbietta” (Ibidem).
111
Ibidem: “le cognizioni non sosno più accumulate in alcuni individui, ma divise fra molti; e che la
copia di questi compensa la rarità di quelli” (Ibidem, p. 295).
112
Ibidem: “i lumi, crescano continuamente” (Ibidem).
113
Ibidem, p. 453: “quando anche vedessi il mondo tutto pieno d’ignoranti impostori da un lato, e
d’ignoranti presuntuosi dall’altro” (Ibidem).
44
experiência dos novos tempos é a “filosofia dos jornais” (filosofia de’ giornali) como
mestre e luz do presente.
O Tristão leopardiano denomina o século XIX de “século de meninos”
(secolo di ragazzi), em que “esses bons rapazes [querem] fazer tudo que em
outros tempos, fizeram os homens, e fazê-lo exatamente como meninos, assim de
repente, sem outros esforços preparatórios”
114
. Uma época que esqueceu a
necessidade “de suores e trabalhos longos para se tornarem aptos às coisas”
115
.
Para Tristão-Leopardi este é um século de nulidade. Disto resulta, o “barulho e
confusão”, pois “todos [querem] saber tudo”
116
. No entanto, “os ínfimos se julgam
ilustres, [e] a obscuridade e nulidade de êxito se tornam fato comum aos inferiores
como aos superiores”
117
.
A “filosofia desesperada” despreza, portanto, a maneira de tal século
conduzir os estudos e o saber. Desmistifica o modelo de sua cientificidade, em
que predominam “enciclopédias portáteis” (enciclopedie portatili), “manuais”
(manuali): todas as belas criações de um século pobre em coisas mas, “riquíssimo
e enorme de palavras”
118
. Refuta, também, a idéia de um “século de transição”
(secolo di transizione): “todos os séculos foram e serão de transição, porque a
sociedade humana nunca está parada”
119
. Esta expressão não serve, portanto, de
desculpa para o século XIX.
A “filosofia desesperada” rechaça todo otimismo, reconhecendo na
experiência do presente os elementos que possibilitam identificar a natureza desta
“transição” (transizione): “do bem ao melhor ou do mau ao pior”
120
. As transições
precipitadas, como argumenta a personagem, “são apenas aparentes e não
114
Ibidem, p, 454: “questi buoni ragazzi vogliono fare in ogni cosa quello che negli altri tempi hanno
fatto gli uomini, e farlo appunto da ragazzi, così a un tratto, senza altre fatiche preparatorie” (Ibidem, p. 297).
115
Ibidem: “di sudori e fatiche lunghe per divenire atti alle cose (Ibidem).
116
Ibidem: “volendo tutti esser tutto” (Ibidem).
117
Ibidem: “ge’infini si credono illustri, l’oscurità e la nullità dell’esito diviene il fato comune e
degl’infimi e de’ sommi”(Ibidem).
118
Ibidem: “ricchissimo e larghissimo di parole” (Ibidem).
119
Ibidem: “tutti i secoli, più o meno, son stati e saranno di transizione, perchè la societa umana non
istá mai ferma” (Ibidem, 298).
120
Ibidem, p. 455: “dal bene al meglio o dal male al peggio (Ibidem).
45
reais”
121
. Certamente, tal filosofia seria acusada e o seu pensador desprezado por
ser “pouco cuidadoso do progresso e da cultura”
122
. Não obstante tais verdades,
ela não se inclina à infelicidade, mesmo reconhecendo a sua pertença à vida
humana como tal, pois não se submete ao destino e, tampouco, faz acordo com o
mesmo. Ao contrário, ela fortalece o indivíduo ante a experiência trágica da morte.
Em um outro “diálogo” das Operette Morali, a saber, “Diálogo de Timandro e
Eleandro” (Dialogo di Timandro e Eleandro), composta entre 14 a 24 de junho de
1824
123
, Leopardi reitera as discussões sobre o significado da “filosofia
desesperada” (filosofia disperata). Retornam, ainda, os argumentos sobre os
escritos que censuram e conduzem a espécie humana à derrisão, representados,
agora, por Eleandro – Leopardi. O alvo da crítica leopardiana é, como sempre, o
século XIX: século que exprime um falso otimismo em relação ao futuro da
humanidade. O propósito da sua filosofia permanece, entretanto, a questão da
verdade. Daí indagar Eleandro-Leopardi: “Crês que em todos estes anos a
espécie mudou e se tornou o oposto ao que era antes?”
124
.
Trata-se aqui da expressão crítica de um filosofar, que busca desmistificar
as idéias falseadoras da realidade e, ao mesmo tempo, combater os que a
professam: considerados pelo Eleandro leopardiano, como “constrangidos à
adulação ou à reverência”
125
. Segundo ele, os homens deste século mesmo,
“fazendo mal aos seus semelhantes à moda antiga”
126
, teriam decidido agora falar
bem da espécie humana, ao contrário do século anterior. Todavia, a preocupação
deste filosofar, que não se exprime de forma misantrópica, é evitar a gratuidade no
que concerne às idéias sobre a humanidade, ou seja, falar bem da humanidade a
fim de adquirir fama. Contudo, nenhum livro pode fazer bem à espécie humana,
em especial, os de caráter moral. Se algum deles pudesse, seriam os “poéticos”
121
Ibidem: “sono trasizioni apparenti, ma non reali” (Ibidem).
122
Ibidem: “poco curante del progresso della civiltà e dei lumi” (Ibidem).
123
Cf. G. Leopardi, Opúsculos Morais in: Poesia e Prosa, pp. 422-429; Operette Morali, pp. 249-
259.
124
Ibidem, p.423: “Credete che in questi quaranta o cinquant’ anni, la specie umana sia mutata in
contrario da quella che era prima?” (Ibidem, p. 250).
125
Ibidem: “costretti di adularla, o tenuti di riverirla” (Ibidem).
126
Ibidem: “facendo male ai loro simili secondo la moda antica” (Ibidem).
46
(poetici) destinados a mexer com a “imaginação” (immaginazione), e mais aqueles
em prosa.
A “filosofia desesperada” se exprime nos argumentos deste diálogo, como
estranha a um século “dedicado sobretudo à filantropia”
127
. Trata-se de uma
filosofia que não deseja nada dos homens e está distante de todo ódio contra a
espécie humana. Ela não brota no seu autor por causa de “injúrias recebidas”,
“ódio” ou “ambição”, mas são diversos os motivos, pois professa intolerância
contra toda “simulação” (simulazione) e “dissimulação” (dissimulazione). Isto
explica a crítica de Eleandro-Leopardi:
“Que se usem máscaras e disfarces para
enganar os outros ou para não ser
reconhecidos, não me parece estranho,
mas que todos se escondam sob a mesma
forma e se disfarcem do mesmo modo, sem
enganarem-se uns aos outros e
conhecendo-se muito bem entre si, parece-
me uma infantilidade”
128
.
Eleandro-Leopardi proclama: “Arranquem as máscaras, permaneçam com
suas roupas, não farão menor efeito que antes e estarão mais à vontade”
129
.
Trata-se do confronto a todo fingimento pertencente ao homem moderno, quando
busca representar uma pessoa diversíssima da própria: uma experiência que se
realiza com grande “transtorno e aborrecimento” (impaccio e fastidio). Ele recusa
toda adaptação e conformação a tais hábitos. A experiência desta filosofia não é a
de afligir a espécie humana, mas de condoer-se do próprio destino humano. Como
exprime Eleandro-Leopardi: “Creio que nada é mais manifesto e palpável que a
infelicidade necessária a todo ser vivente”
130
, esta é, sem dúvida, uma verdade
que não se pode rechaçar. Se indica sofrimento, não se expressa como pranto,
127
Ibidem, p.424: “dedito sopra tutto alla filantropia” (Ibidem, p. 252).
128
Ibidem, p. 426: “Che si usino maschere e travestimenti per ingannare gli altri, o per non essere
conosciuti; non mi pare strano: ma che tutti vadano mascherati com una stessa forma di maschere, e travestiti
a uno stesso modo, senza ingannare l’un l’altro, e conoscendosi ottimamente tra loro: mi riesce una
fanciullagine” (Ibidem, p. 254).
129
Ibidem: “Cavinsi le maschere, si rimangano coi loro vestiti; non faranno minori effetti di prima, e
staranno più a loro agio” (Ibidem).
130
Ibidem: “credo sia più manifesta e palpabile, che l’infelicità necessaria di tutti i viventi” (Ibidem,
p. 255).
47
pois “provocaria um grande tédio aos outros e (...) sem nenhum fruto”
131
. Este
filosofar – nas palavras da personagem – optou pelo riso: rir dos males da
humanidade, este é, na verdade “o único proveito que se possa tirar e o único
remédio que nele se possa achar”
132
.
Não se trata aqui de indiferença em relação à infelicidade humana, mas não
se pode resguardar-se dela “com nenhuma força ou com nenhuma arte, nem
indústria ou pacto algum”
133
. Esta filosofia elege e julga, mais nobre e digno do
homem, um “desespero magnânimo” (disperazione magnanima), ou seja, “rir dos
males comuns que pôr-[se] a suspirar, a chorar e a clamar com os outros ou incitá-
los a fazer o mesmo”
134
. Essa filosofia não se diverte, e tampouco nutre-se “com
algumas boas expectativas como (...) fazem muitos filósofos neste século”
135
, mas
opta por se expressar de modo “completo, contínuo e fundamentado num juízo
firme e numa certeza”
136
. Ela não permite, também, quaisquer “sinais e fantasias
alegres a respeito do futuro, nem ânimo para empreender coisa alguma a fim de
vê-los tornarem-se realidade”
137
.
A sua verdade fundamental é de que somos e fomos sempre infelizes. Não
há para a condição humana qualquer possibilidade de “melhoria”,
“aperfeiçoamento” ou “perfectibilidade”, pois são idéias, conforme Eleandro-
Leopardi, que nutrem o século XIX. Tal filosofar, entretanto, não recua diante dos
riscos que porventura possam ocorrer por causa da posição desesperada. As suas
verdades não se inscrivem no âmbito filosófico como apenas algo secundário, pois
constitui a substância mesma de todo filosofar. Enganam-se, entretanto, todos os
filósofos quando afirmam e propalam que “a perfeição do homem consiste no
conhecimento do real, e todos os seus males provêm das falsas opiniões e da
ignorância, e que o gênero humano finalmente será feliz quando cada um ou a
131
Ibidem: “darei noia non piccola agli altri, ..., senza alcun frutto” (Ibidem).
132
Ibidem: “l’unico profitto che se ne possa cavare, e l’unico rimedio che vi si trovi” (Ibidem).
133
Ibidem: “con nessuna forza, nessuna arte, nessuna industria, nessun patto (Ibidem).
134
Ibidem: “ridere dei mali comuni; che il mettermene a sospirare, lagrimare e stridere insieme cogli
altri, o incitandoli a fare altrettanto” (Ibidem).
135
Ibidem: “di certe buone aspettative, come veggo fare a molti filosofi in questo secolo” (Ibidem).
136
Ibidem: “intera, e continua, e fondata in un giudizio fermo e in una certezza” (Ibidem).
137
Ibidem: “sogni e immaginazioni liete circa il futuro, né animo d’intraprendere cosa alcuna per
vedere di ridurle ad effetto” (Ibidem).
48
maioria dos homens conhecer a verdade e sob as regras dela compuserem e
governarem sua vida”
138
. Trata-se de algo dito “por quase todos os filósofos
antigos e modernos”
139
.
A posição filosófica nestes dois diálogos recusa ocultar a verdade da
condição humana: a presença da infelicidade que toca a todo vivente. A “filosofia
desesperada” (filosofia disperata) não mascara algumas “verdades duras e tristes”
(verità dure e triste), mas as enfrenta com o “riso” (riso). Em momento algum ela
se abstém “de deplorar, desaconselhar e retomar o estudo daquele infeliz e frio
real, cujo conhecimento é fonte de negligência e indolência ou baixeza de espírito,
iniqüidade e desonestidade de ações ou perversidade de costumes”
140
. Em
oposição às exigências teoréticas e sistemáticas da tradição na busca da
“cognição do verdadeiro” (cognizione del vero), tal filosofia “louva e exalta aquelas
opiniões ainda que falsas que geram atos e pensamentos nobres, fortes,
magnânimos, virtuosos e úteis ao bem comum ou privado; aquelas fantasias belas
e felizes, embora vãs, que dão apreço à vida”
141
. Ela exalta a importância que tem,
no sentido prático da vida, a necessidade das “ilusões naturais do espírito, e,
enfim, as divagações antigas”
142
.
Tais “ilusões naturais do ânimo” (illusioni naturali dell’animo) e “divagações”
(immaginazioni belle e felici), não deveriam, porém, ter sido eliminadas pela
“civilização moderna” (civiltà moderna) e pela sua “filosofia”. Mal o homem se
ergueu da antiga “barbárie” (barbarie), lançaram-lhe numa outra, não tão menor,
pois oriunda da “razão” (ragione) e do “saber” (sapere)
143
. Eleandro-Leopardi
sabe, todavia, da impossibilidade de uma renovação dos “erros antigos”, mesmo
138
Ibidem, p. 428: “la perfezione dell’uomo consiste nella conoscenza del vero, tutti i suoi mali
provengono dalle opinioni false e dalla ignoranza, e che il genere umano allora finalmente sarà felice, quando
ciascuno o i più degli uomini conosceranno il vero, e a norma di quello solo comporranno e governeranno la
loro vita” (Ibidem, p. 257).
139
. Ibidem: “poco meno che tutti i filosofi antichi e moderni” (Ibidem).
140
Ibidem, pp. 428-429: “di deplorare, sconsigliare e riprendere lo studio di quel misero e freddo
vero, la cognizione del quale è fonte o di noncuranza e infigardaggine, o di bassezza d’animo, iniquità e
disonestà di azioni, e perversità di costumi” (Ibidem, p. 258).
141
Ibidem, p. 429: “quelle opinioni, berché false, che generano atti e pensieri nobili forti, magnanimi,
virtuosi, ed utili al ben comune o privato; quelle immaginazioni belle e felici, ancorché vane, che danno
pregio alla vita” (Ibidem).
142
Ibidem: “illusioni naturali dell’animo; e in fine gli erroni antichi” (Ibidem).
143
Ibidem.
49
que sejam tão “necessários ao bom estado das nações civilizadas”
144
. Em suma, a
“filosofia desesperada” (filosofia disperata) expressa a sua recusa à “nova
barbárie” (nuova barbarie) que resulta, não da “ignorância” (ignoranza), mas da
razão e do saber.
1.3. Leopardi, crítico da Modernidade: uma hipótese interpretativa
O protesto leopardiano contra o presente não se exprime, unicamente, sob
a determinação de uma crítica à cultura. No Discurso sobre o estado atual dos
costumes dos italianos
145
(Discorso sopra lo stato presente dei costumi
degl’italiani), escrito em 1824, Leopardi reflete sobre a especificidade da
modernização na Itália em comparação a outras nações: a França, Inglaterra e
Alemanha
146
. Nesse escrito, como afirma Salvatore Veca, “Leopardi, mesmo com
modestas experiências sociais, conseguiu apreender, com profundidade e
acuidade, os limites do ‘costume’ civil italiano: o individualismo, a dependência de
uma classe atrasada de ‘proprietário’, a falta de circulação cultural, a ausência de
honra”
147
. Segundo Veca, o que mais desperta a atenção neste escrito é, porém, a
identificação realizada por Leopardi da base destes males com a “falta de
desenvolvimento da estrutura econômica (capitalista) do País”
148
.
Leopardi indaga como as sociedades modernas puderam sobreviver ante o
vazio deixado pelo processo de civilização no “estado presente dos povos” (stato
presente dei popoli), destruídor de “crenças” (credenze), de “opiniões” com base
nas quais se fundamentam os princípios morais e do “exercício da virtude”
144
Ibidem: “necessari al buono stato delle nazioni civili” (Ibidem, p. 259).
145
G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei constumi degli’italiani [1824]. Milano,
Feltrinelli, 1991, pp. 39-75; Discurso sobre o estado atual dos costumes dos italianos [1824]. Trad. br. Vera
Horn in: Poesia e Prosa, Rio da Janeiro, Aguilar, 1996, pp. 525-548.
146
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stado presente dei constumi degli’italiani, p. 39; Discurso
sobre o estado atual dos costumes dos italianos, p. 525.
147
Ver G. Leopardi, Introduzione in: Discorso sopra lo stato presente dei costumi degl’italiani, p. 9:
“Leopardi, pur con modeste esperienze sociali, riesce a cogliere con profundità ed acume i limiti del
‘costume’ civile italiano: “l’individualismo, la dipendenza da una classe arretrada di ‘possidenti’, la mancanza
di circolazione culturale, l’assenza di onore’.
148
Ibidem: “il mancato sviluppo della struttuta economica (capitalistica) del Paese”.
50
(esercizio della virtùa)
149
. Por conseguinte, com o desaparecimento das crenças e
paixões vitais, ou seja, as “ilusões” (illusioni), foram afetadas até aquelas
constituidoras da sociedade, pertencentes a princípios e valores éticos. Em outras
épocas, tais “ilusões” (illusioni) serviam para afugentar o tédio da vida humana,
mas no estado presente tornaram-se escassas
150
.
De que modo pode-se reparar as degenerescências produzidas pela vida
moderna? “Nessa dissolução universal dos princípios sociais, nesse caos que
realmente amedronta o coração do filósofo e o coloca em grande dúvida sobre o
destino das sociedades civilizadas e em grande incerteza sobre como elas
poderão subsistir no futuro”
151
. As grandes “ilusões” (illusioni) foram extintas em
todas as nações civis modernas mais avançadas como a Alemanha, a Inglaterra, a
França –, mas por razões talvez climáticas e étnicas ou mesmo histórico
institucionais – possuem “um princípio conservador da moral e, portanto, da
sociedade, que conquanto pareça mínimo e quase vil, com respeito aos grandes
princípios morais e de ilusão que se perderam, produz, contudo, grandíssimo
efeito. Este princípio é a sociedade mesma”
152
.
Leopardi compreende aqui o “princípio” (principio) da sociedade como uma
vida de relações mais estreitas entre os indivíduos para prover as próprias
“necessidades” (necessità) e se defender em comum contra os “danos” (danni) e
os “perigos” (pericoli). Tal “princípio” conduz a uma vida de relações mais
reguladas, uniformes, evoluídas e dotadas de todos os simulacros de ilusões
sociais, podendo engendrar: a “ambição” (ambizione), a “honra” (onore), a
“conversação” (conversazione), a “opinião pública” (opinione pubblica)
153
.
149
Cf. G. Leopardi, Dicorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, pp. 39-44; trad. br. pp.
525-526.
150
Nesse movimento corrosivo do progresso das luzes são afetados a moral, a religião, a metafísica.
151
G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presenti dei costumi deglitaliani, p. 44; tr. br., p. 527: “In
questa universale dissoluzione dei principii sociali, in questo caos che veramente spaventa il cuor di um
filosofo, e lo pone in gran forse circa il futuro destino delle società civili e in gran forse circa il futuro destino
delle società civili e in grande incertezza del come elle possano a sussistere in avvenire”.
152
Ibidem, p. 44; tr. br., p. 527: “un principio conservatore della morale e quindi della società, che
benché paia minimo, e quase vile rispetto ai grandi principii morali e d’illusione che si sono perduti, pure è
d’un grandissimo effetto”.
153
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, pp. 44-47.
51
Segundo o Discorso, outrora foi o “desejo de glória” (desiderio di gloria)
uma “paixão” (passione) bastante comum. No estado presente das nações, ela é
algo muito nobre, forte e vivo “para ter lugar entre a pequenez das idéias e das
paixões modernas, restritas e reduzidas a termos limitadíssimos e a grau
baixíssimo pela razão geométrica e pelo estado político das sociedades”
154
. É
provável que a “glória” (gloria) possa se compadecer com semelhante “estado de
frieza” (stato di freddezza) e “mortificação” (mortificazione) produzidos na vida civil
moderna.
Para Leopardi, a glória é uma “ilusão demasiado sublime e um nome
demasiado nobre para que possa durar após o sacrifício das ilusões e o
conhecimento da verdade e realidade das coisas, de seu peso e valor”
155
. Daí o
“amor pela glória” (amore della gloria) ser incompatível com a “natureza dos
tempos presentes” (natura dei tempi presenti), é tão obsoleto quanto os “usos”
(usi) e as “falas antiquadas” (voci antiquate). Com o desaparecimento das “ilusões
da antigüidade” (illusioni della antichità). No estado presente moderno se
apresentam apenas simulacros de ilusões, pois tão pouco elevadas e vivas
156
.
Em tais países não se faz o mal, ou se evita por dever, mas por educação,
não por obediência a qualquer imperativo moral ou religioso, mas em razão das
convenções, do “bom tom” (buono tuono) e das “conveniências socias”
(convenienze di società). A ética, portanto, cede o lugar para o “bom tom” (buono
tuono), pois é “o único fundamento que resta aos bons costumes e que os bons
costumes, não são praticados com outro fim”
157
. Trata-se, portanto, da única
garantia dos “costumes tanto públicos quanto privados”
158
.
154
Ibidem, p. 45; trad. br., pp. 528: “aver luogo nella piccoleza delle idee e delle passioni moderne,
ristrette e ridotte in angustissimi termini e in bassissimo grado dalla ragione geometrica e dallo stato politico
delle società”.
155
Ibidem; trad. br., p. 529: “un illusione troppo splendida e un nome troppo alto perché possa durare
dopo la strage delle illusioni, e la conoscenza della verità e realtà delle cose, e del loro peso e valore”.
156
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, p. 46; trad. br., p.
529.
157
Ibidem, pp. 47-48; trad. br., p. 530: “l’único fondamento che resti a’ buoni costumi, e che i buoni
costumi non sono esercitati per altro”.
158
Ibidem: “costumi sì pubblici che privati”.
52
Quanto a Itália, Leopardi defende ser os italianos, da época da revolução
em diante,
tão filósofos, tão racionais e geométricos
quanto os franceses e (...) qualquer outra
nação (...) quanto ao abandono das
crenças antigas, a nação italiana, tomada
conjuntamente e comparada com outras
nações, classe a classe, encontra-se
aproximadamente no nível de qualquer
outra nação mais civilizada ou mais
instruída da Europa ou da América. Por
conseqüência, ela carece, nesse sentido,
tal como as outras, dos fundamentos, dos
verdadeiros vínculos e princípios
conservadores da sociedade”
159
.
Não obstante tal proximidade com as outras nações quanto à ausência de tais
liames e princípios, a Itália carece de “sociedade estrita” (società stretta)
semelhante às das demais nações
160
.
Segundo Leopardi, “a vida dos italianos é precisamente esta, sem
perspectiva de uma sorte futura melhor, sem ocupação, sem propósito, e restrita
apenas ao presente”
161
. A Itália representa um caso particular, um caso isolado:
se comparada com a situação histórica das outras nações européias.
“A perpétua e plena dissimulação de que
cada um se vale no trato com os outros,
com respeito às palavras e às ações, em
uma sociedade restrita, e de que cada um é
obrigado da mesma forma a se valer
continuamente no trato com todos os outros
engana, sob certo aspecto, o pensamento e
mantém, de qualquer forma, e quanto for
159
Ibidem, pp. 48-49; trad. br., p. 530: “così filosofi, cioè ragionevoli e geometrici, quanto i francesi
e (...) altra nazione (...), quanto all’abbandono delle credenze antiche, la nazione italiana presa insieme i
paragonando classe a classe con forme e corrispondente tra lei e l’altre nazioni, è appresso a poco a livello
con qualunque altra più civile e più istruita d’ Europa o d’ America. Per conseguenza da questa parte ella è
priva come l’ altre d’ogni fondamento di morale, e d’ogni vero vincolo e principio conservatore della
società”.
160
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, pp. 50-51; trad. br.,
pp. 531-532.
161
G. Leopardi, Discurso sobre o estado atual dos costumes dos italianos, p. 533: “Or la vita
degl’italiani è appunto tale, senza prospettiva di miglior sorte futura, senza occupazione, senza scopo, e
ristretta al solo presente” (Discorso sopra lo stato presente dei costumi degli’italiani, p.52).
53
possível, a ilusão da existência. Em uma
sociedade restrita, até mesmo o homem
mais intimamente convicto, pelo raciocínio
e mesmo pelo sentimento, de sua própria
futilidade, da frivolidade alheia, da
inutilidade da vida e das fadigas, da não
importância dessa sociedade, até mesmo o
mais perfeito filósofo em meditação não
pode jamais deixar, não só de não conter-
se em ato, como se o mundo valesse
mesmo alguma coisa, mas nem mesmo de
evitar que uma parte de seu intelecto
guerreie contra a outra, afirmando que as
coisas humanas mereçem algum cuidado e,
guerreando, não convença confusamente a
pessoa da referida coisa, a despeito de sua
própria convicção. A imaginação que por
natureza nos leva a conceder algum valor à
vida tem um pascigo na sociedade restrita e
a capacidade de conservar alguma parcela
de sua ação e influência sobre o
homem”
162
.
Outra, porém, é a situação histórica da Itália, pois estão ausentes esses
elementos pertencentes a convivência numa “sociedade estrita” (società stretta).
Leopardi reconhece, na situação presente, não obstante a inferioridade da
cultura filsófica, a Itália é o país mais filosófico de todos:
“na prática, e, em parte no intelecto, são
muito mais filósofos que qualquer filósofo
estrangeiro, pois que eles são muito mais
familiarizados e, por assim dizer, convivem
e se identificam com aquela opinião e
conhecimento que é a soma de toda a
162
Ibidem, p. 534: “La perpetua e piena dissimulazione che tutti fanno verso ciascuno nelle parole e
nei fatti in uma società stretta, e che ciascuno è obbligato nello stesso modo a fare continuamente con tutti gli
altri, inganna in qualche guisa il pensiero, e mantiene come che sia e per quanto è possibile l’illusione
dell’esistenza. In una società stretta anche l’uomo più intimamente persuaso per raziocinio, ed anche per
sentimento, della vanità di se stesso, della frivolezza altrui, della inutilità della vita e delle fatiche, della niuna
importanza d’essa società, anche il più perfetto filosofo in ispeculazione, non può mai fare, non solo di non
contenersi in atto come se il mondo valesse per qualche cosa, ma nemmeno che una parte del suo intelletto
non combatta coll’altra, affermando che le cose umane meritano pur qualche cura, e combattendo non vinca il
più del tempo, e non persuada confusamente alla persona la detta cosa in dispetto, per dir così, della sua stessa
persuasione. Se non altro l’immaginativa che per natura ci porta a conceder qualche valore alla vita, ha pure
un pascolo nella società stretta, e facoltà di conservar qualche parte della sua azione ed influenza sull’uomo”.
(Ibidem, p. 53).
54
filosofia, isto é, o conhecimento da
vacuidade de todas as coisas e de acordo
com esse conhecimento, que neles é antes
opinião ou sentimento, são inteira e
efetivamente conformados, ainda mais que
as outras nações”
163
.
Em tal país a vacuidade e nulidade da vida não estão ausentes, mas se
apresentam como tais, uma vez que falta qualquer liame na sociedade. Segundo
Leopardi, é equivocado pensar que a cética França seja, em virtude do
desencantamento do período da Luzes, o país mais cínico, pois o primado do
cinismo pertence a todas as classes italianas. “As classes superiores da Itália são
as mais cínicas (...). O populacho italiano é o mais cínico dos populachos”
164
. Isto
se deve a ausência de sociedade na Itália: algo difícil de um estrangeiro
compreender as maneiras sociais ordinárias comuns aos italianos
165
.
Para o autor, a indiferença desse povo decorre de tais disposições: uma
característica dos italianos, quando comparados, nessa época, a outros povos
modernos. Dái, estarem o escarnecimento e o desprezo mútuo, presentes no
pouco de conversação verdadeira na Itália. Isso se justifica, igualmente, “onde
todos estão armados e combatem uns contra os outros, é necessário que cada um
cedo ou tarde se decida e aprenda a armar-se e combater, do contrário será
oprimido pelos outros”
166
. Pouco civilizada se comparada a nações cultas como a
França e a Inglaterra, mas não em relação a Espanha, Polônia, Portugal e a
Russia. No entanto, a Itália é muito civilizada para se beneficiar de sociedades
mais atrasadas
167
.
163
Ibidem, p. 535: “nella pratica, e in parte eziandio nell’intelletto, molto più filosofi di qualunque
filosofo straniero, poiché essi sono tanto più addomesticati, e per così dire convivono e sono immedesimati
con quella opinione e cognizione che è la somma di tutta la filosofia, cioè la cognizione della vanità d’ogni
cosa, e secondo questa cognizione, che in essi è piuttosto opinione o sentimento, sono al tutto e praticamente
disposti assai più dell’altre nazioni”. (Ibidem, p. 57.).
164
Ibidem, p. 536: “Le classi superiori d’Italia sono le più ciniche (...). Il popopaccio italiano è il più
cinico de’ popolaci”. (Ibidem, p. 58.).
165
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, p. 58; trad. br., p.
536.
166
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, p. 60: “dove tutti
sono armati e combattono contro ciascuno, è necessario che ciascuno presto o tardi si risolva e impari
d’armarsi e combatere, altrimenti è oppresso dagli altri” ; trad. br., p. 537.
167
Cf. G. Leopardi, Discorso sopra lo stato presente dei costumi deglitaliani, p. : ; trad. br., pp.
540-542.
55
Leopardi mantém também no Discorso a sua concepção negativa da
civilizaçã em si mesma. “Talvez se poderá discutir, e não pouco, se a civilização
antiga deva ser anteposta ou posposta à moderna, quanto à felicidade, tanto do
homem quanto dos povos, e à virtude, valor, vida, energia e atividade das
nações”
168
. Ele critica a maneira bastante enganosa de se considerar “a civilização
moderna como a que liberta a Europa do estado antigo”
169
. Trata-se, portanto, de
um “falso conceito” (falso concetto) que corrói, de forma geral, “o juízo e o modo
de pensar a História e as vicissitudes do gênero humano e das nações, e é um
erro ou um equívoco primário que perturba e subverte toda a idéia que um filósofo
pode conceber à larga sobre a referida História e sobre os progressos e
andamento do espírito humano”
170
.
Leopardi reconhece a importância que tem a imaginação, pois ela alimenta
a vida humana para afugentar o tédio. É uma faculdade que conserva no homem
parte da sua ação e da sua influência. Tal faculdade não tem lugar, entretanto, na
situação em que se apresenta a “dissipação diária e contínua, sem sociedade”
171
.
Ele identifica este estado de coisas como algo que constitui o presente da
convivência social dos italianos, onde prevalece o tédio, em razão da inexistência
de vida interna do ânimo, mas apenas uma vida desocupada, sem grandes fins ou
interesses. Resta somente o tédio diante da impossibilidade de vida ativa no
presente. Daí Leopardi indagar: como revitalizar as ilusões nesta condição? Este
“discurso” se apresenta no mesmo momento em que ele elabora a sua crítica às
filosofias do progresso e da perfectibilidade
172
– uma das expressões mais
168
Ibidem, p. 64: Si potrà forse disputare non poco se l’antica civiltà sai da preporre o pospoorre alla
moderna, in ordine alla felicità sì dell’uomo sì de’ popoli ed alla virtù, valore, vita, energia ed attività delle
nazioni”. (Ibidem, p. 540.).
169
Ibidem: “É un falsissimo modo di vedere quello di considerar la civiltà moderna come liberatrice
dell’Europa dallo stato antico”. (Ibidem, p. 541.).
170
Ibidem: “il giudizio e il vero modo di pensare sulla storia e le vicende del genere umano e delle
nazioni, ed è un errore o una svista sostanzialissima che turba e falsifica tutta l’idea che un filosofo può
concepire in grande sulla detta storia e sui progressi o andamenti dello spirito umano”. (Ibidem.).
171
Ibidem, p. 54: “dissipazione giornaliera e continua senza società” (Ibidem, p. 534.).
172
Conforme Prete, a crítica à filosofia moderna empreendida por Leopardi torna-se compreensível,
em seus fundamentos e explicações, somente como “crítica radical da razão” e do seu constituir-se na
“história”. Tal crítica leopardiana à razão pode ser considerada também como crítica da estreita aliança entre
“filosofia e domínio”, entre “razão e espírito” e entre “conhecimento e produção de infelicidade”. Essa crítica
percorreria todo o Zibaldone, apesar de não seguir nenhum itinerário “lógico” ou desenvolvimento analítico.
Daí Prete definir o poder da razão, com base na interpretação de uma passagem do Zibaldone, como
56
decisivas e radicais no “Diálogo de Timandro e Eleandro” (Dialogo di Timandro e
Eleandro), que faz parte das Operette Morali
173
.
O autor reconhece que só a civilização mais avançada é capaz de produzir
os antídotos contra os seus próprios riscos, mas a Itália está mais desprovida de
fundamentos a respeito da moral, do que qualquer outra nação civil européia. A
sociedade que se teve na Itália foi de “danos aos costumes e ao caráter moral,
sem vantagem alguma”
174
. Isto decorre da “pouca sociedade” (poca società) e
“pouca vida” (poca vita) que se teve na Itália, pois diferentemente da Alemanha
não é nem uma nação, nem uma pátria
175
.
Ante os rumos da civilização, destruidor dos antigos fundamentos
necessários à vida civil, a Itália se apresenta “desprovida” (sprovveduta) de todo
fundamento social, porque falta-lhe daqueles que “fez nascer e agora confirma,
cada dia mais, com os seus progressos, a própria civilização, e perdeu aqueles
que o progresso da civilização e das luzes destruiu”
176
. No esboço antropológico e
moral de tal Discorso, Leopardi, ao tratar a precária situação da Itália, apresenta,
em um primeiro momento, um forte senso histórico na compreensão do presente,
sem dúvida, de uma Itália histórica, ou seja, a do seu tempo.
Ao lado da descrição do atraso social e cívico italiana, evidencia-se, em um
segundo momento, uma reflexão que elege a modernidade como questão: as suas
degenerescências e a necessidade de aprofundamentos de liames concretos de
vida para enfrentar os danos e perdas decorrente dos rumos da civilização
177
.
Segue-se daí a imagem de uma Itália eterna com base em diversas características
antropológicas, permenentes nas várias épocas e em cada uma delas até o
presente. Em tal momento, apresenta-se uma Itália com valor mais simbólico: uma
“paradoxal miséria”, pois no seu conhecer minucioso das coisas disseca a vida. Cf. A. Prete, Il pensiero
poetante. Saggio sul Lepardi. Milano, Feltrinelli, 1997, (3ª ed.).
173
Ver o ítem 1.2.
174
Ibidem.
175
Ibidem.
176
Ibidem.
177
Ibidem.
57
Itália “filosófica”, isto é, cética e cínica, que representa o futuro risco final da
humanidade, incapaz de sobreviver diante da destruição da ilusões
178
.
O pessimismo histórico de Leopardi decorre de uma posição
“desesperada”
179
ante a oposição entre a necessidade de vida, de sentimentos
intensos e sociabilidade verdadeira e civil, de um lado, e a presença da desilusão
resultante da constatação da impossibilidade de vida ativa, da ausência de
virtudes, da perda das ilusões, de outro. Daí ser questionável reconhecer na
posição leopardiana uma natureza “idílica”, como “fruto de uma disposição central
da personalidade do poeta à contemplação, à introspecção totalmente solitária e
destacada do atrito da história”
180
, ou uma moral de puro “expectador à janela”
(spettatore alla finestra), como se trata-se de um homem incapaz de participar da
vida, mostrando-se vivo apenas na “liberação catártica da poesia” (liberazione
catartica della poesia)
181
.
Leopardi estava atento aos problemas presentes na Itália e, igualmente, na
Europa da “Restauração” entre os anos de 1818-1819. As suas canções “ À Itália”
(All’Italia) de 1818 e “Sobre o monumento a Dante” (Sopra il monumento di Dante),
do mesmo ano, exprimem a natureza do seu pessimismo, que lhe impele à
necessidade de recuperar toda uma vida rica de atividades e vitalidade,
recorrendo a épocas e povos em que faziam-se presentes, ainda, a prosperidade
da vida civil e a vitalidade das caras ilusões. Este mesmo “pessimismo histórico”
não exclui a presença de um forte sentimento “heróico”, que faz de Leopardi,
nestas canções, um “poeta civil”. Ele indaga, na canção “Sobre o monumento a
Dante” (Sopra il monumento di Dante), ao se confrontar com o estado presente no
qual se encontrava o seu país:
“Por que nos são os tempos tão cruéis?
Por que o nascer nos deste ou, mais atrás,
Não nos deste o morrer,
178
Ibidem.
179
Sobre a posição “desesperada segundo Leopardi, ver o item 3.1 do terceiro capítulo.
180
W. Binni, La protesta di Leopardi, Firenze, Sansoni, 1973, p.3: “frutto di una centrale
disposizione della personalità del poeta alla contemplazione, all’introspezione tutta solitaria e distaccata
dall’atrito della storia”.
181
Cf. W. Binni, La protesta di Leopardi, p. 3.
58
Destino amargo? Vendo de infiéis
E estranhos nossa pátria serva e escrava
E uma lima mordaz
Roendo a sua força, uma saída,
Um mínimo conforto
À dor malvada que a dilacerava
Jamais lhe permitiste desfrutar.
Ai, não o sangue nosso e não a vida
Tiveste, ó cara, e morto
Por teu destino cru não pude estar.
Mais ira e dor meu peito não comporta:
Lutou, caiu a parte mor dos teus: Mas pela
quase morta
Itália não, pelos tiranos seus”
182
.
Na canção intitulada “A Angelo Mai” (Ad Angelo Mai) de 1820, ele interpreta
o seu próprio pessimismo ante a mísera “espiritualização” das coisas humanas,
consideradas quase como anulação:
(...) Ai, vem da dor, é sua posse, o
Cantar Itálico. Porém nos morde
Menos o mal que escava
Do que o tédio que afoga. Afortunado,
Tua vida viu o pranto! A nossa o ócio
Se prende desde o parto, e é guardada
Do berço à tumba pelo imóvel nada.
“Nossos sonhos formosos onde andam
(...)?
Fugiram de repente,
E o mundo é uma pintura em parco mapa;
E eis que tudo é igual, e, descobrindo,
Só incha o nada. Apenas se intrometa,
O real não consente
O caro imaginar, e ele escapa
Da mente para sempre; seu infindo
Poder primeiro, ó tempo, apequenas,
E é morto o bálsamo de nossas penas”
183
.
182
G. Leopardi, Cantos in: Poesia e Prosa, p. 186: “Perché venimmo a sí perversi tempi?
perché il nascer ne desti o perché prima/ non ne desti il morire,/ acerbo fato? Onde a stranieri ed
empi/ nostra patria vedendo/ ancella e schiava/ e da mordace lima/ roder la sua virtù, di null’aita/ e di nullo
conforto/ lo spietato dolor che la stracciava/ ammollir ne fu dato in parte alcuna./ Ahi non il sangue nostro e
non la vita/ avesti, o cara; e morto/ io non son per la tua cruda fortuna./ Que l’ira al cor, qui la pietate
abbonda:/ pugnò, cadde gran parte anche di noi:/ ma per la moribonda/ Italia no; per li tiranni suoi” (Canti,
pp. 20-21).
59
Nesta última, os Antigos assumem uma imagem paradigmática de vitalidade, que
se expressa mediante sacrifícios, atividades, empresas, perigos, em suma, a
presença neles de um forte “heroísmo”:
(...)Meu Vittorio, não era este o teu
tempo e lugar. Pois outro chão e sorte
Merece o gênio. Este viver ocioso
Hoje basta-nos, guia-
Nos a mediocridade: desce o sábio
E sobe a turba a um nível já igual,
E o mundo cai. Descobridor famoso,
Traz os mortos ao dia,
Já que dormem os vivos; arma o lábio
Dos antigos heróis; e que afinal
Este tempo de lama a glória sonhe
E cobice ter vida, ou se envergonhe”
184
.
Por isso, o pessimismo leopardiano não se exprime como impedimento à ação
combativa e de resistência diante das perdas e danos que se apresentam no
estado social moderno.
A reflexão leopardiana sobre a infelicidade, mesmo que pressuponha um
ponto de partida natural, segue uma compreensão da situação histórica presente:
embora, tanto o estado social quanto o curso histórico estejam submetidos à
ordem natural. O enfrentamento de Leopardi, em relação ao mundo moderno, dá-
se com base na compreensão de realidade: “demonstro, enfim, com provas
teóricas, e com provas históricas e de fato”
185
. Isto lhe possibilitou reconhecer um
maior grau de infelicidade no homem moderno. A chamada “perfectibilidade” do
183
Ibidem, p. 191: “(...) Ahi dal dolor comincia e nasce/ l’italo canto. E pur men grava e morde/ il
mal che n’addolora/ del tedio che n’affoga. Oh te beato,/ a cui fu vita il pianto! A noi le fasce/ cinse i fastidio;
a noi presso la culla/ immoto siede, e su la tomba, il nulla. (...) Nostri sogni leggiadri ove sono giti (...)?/
Ecco svaniro a un punto,/ e figurato è il mondo in breve carta;/ ecco tutto è simíle, e discoprendo,/ solo il
nulla s’accresce. A noi ti vieta/ il vero appena è giunto,/ o caro immaginar; da te s’apparta/ nostra mente in
eterno; allo stupendo/ poter tuo primo ne sottraggon gli anni;/ e il conforto perì de’ nostri affani” (Canti,
pp.30-33).
184
Ibidem, p. 193: “(...) Vittorio mio, questa per te non era/ età né suolo. Altri anni ed altro seggio/
conviene agli alti ingegni. Or di riposo/ paghi viviamo, e scorti/ da mediocrità: sceso il sapiente/ e salita è la
turba a un sol confine,/ che il mondo agguaglia. O scopritor famoso,/ segui; risveglia i morti,/ poi che
dormono i vivi; arma le spente/ lingue de’ prischi eroi; tanto che in fine/ questo secol di fango o vita agogni/ e
sorga ad atti illustri, o si vergogni”(Canti, pp. 36-37).
185
G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, p. 444: “dimostro infine con prove teoriche, e con
prove storiche e di fato”.
60
estado social, como distanciamento da natureza, não conduziu, portanto, à
felicidade, mas aprofundou inúmeros males que reforçam a incivilidade.
186
Ao se reportar ao presente estado moderno, Leopardi indaga se a natureza
podia racionalmente pôr “tão grandes, numerosos, incríveis obstáculos para a
descoberta de um meio necessário e principal para obter aquela que nós
chamamos perfeição e felicidade do gênero, isto é, civilização”
187
. A observação
da experiência moderna do progresso da civilização conduziu muito mais à
incivilidade dos homens, à “barbárie” (barbarie) do que à autêntica perfectibilidade,
presente apenas no estado natural.
O poeta reconhece na “perfeição moderna das artes” (moderna perfezione
delle arti) “esforços” (fatiche) e “misérias” (miserie) necessários à obtenção da
moeda para a sociedade: desde os trabalhos nas minas até o cunho. “Observai
quantos homens são necessários para uma infelicidade estável e regular, para
doenças, (...) mortes, (...) escravidão (ou gratuita e violenta, ou mercenária), para
desastres, para misérias, (...) sofrimentos, (...) angústias de toda espécie, [a fim
de] obter para outros homens este meio de civilização e pretenso meio de
felicidade”
188
.
Para Leopardi é inacreditável admitir-se ter a natureza posto como
“princípio a perfeição e felicidade dos homens a este preço, isto é, o preço da
infelicidade regular de uma metade dos homens”
189
. Outrossim, a busca moderna
de “civilização” (incivillimento) como perfeição de gênero humano, utiliza-se até
186
Leopardi denunciou em obras como os Opúsculos Morais e Zibaldone di Pensieri as perdas,
sofrimentos e danos causados pelas novas conquistas efetivadas na modenidade. Tais conquistas não
realizaram a pretensa perfectibilidade social – já que esta pertencia, apenas, ao estado natural – mas a
intratabilidade, a fragilização da civilidade, a escravidão, a degradação dos costumes e a prórpia barbárie. (Cf.
G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 450-452; ver, também, os seguintes Opúsculos: “Diálogo da
moda e a morte” [1824], “Proposta de prêmios feita pela Academia dos Silógrafos [1824], “Parini, ou seja, da
glória” [1824] e outros in: Opúsculos Morais, Poesia e Prosa, pp. 324-327, 327-327, 362-385; Operette
Morali; pp. 89-93, 94-99, 159-190).
187
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 448-450.
188
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 448-450.
189
Ibidem.
61
da escravidão, “defendida por muitos e muitos políticos (...) como necessária ao
ócio, à perfeição, ao bem, à civilização da sociedade”
190
.
Inúmeros foram os desastres e os sofrimentos acumulados na busca
incessante de civilização e de felicidade na vida civil moderna. Nesse sentido,
Leopardi critica a forma da produção dos “objetos de luxo” (oggetti di lusso)
191
para o “comércio” (commercio) que, efetivamente, não são “por si mesmo[s], nem
necessários, nem úteis à vida”
192
, mas, assim mesmo, terminam ampliados às
custas de “infinitos sofrimentos à humanidade” (infiniti travagli all’umanità). A
produção destes objetos em vez de conduzir à civilização e à perfeição, promoveu
a incivilidade ou a “barbárie da sociedade” (barbarie della società). O poeta
compreendeu, também, que o crescimento do mundo determinou, quanto ao
indivíduo, o seu estreitamento. “Aplicai este pensamento aos mais diversos
aspectos sob os quais se verifica que tendo crescido o mundo o indivíduo se
tornou pequeno, tanto fisicamente, quanto moralmente”
193
. Esta diminuição
acabou afetando as próprias faculdades da mente humana, pois se tornaram
pequenas “na medida em que, o mundo [cresceu] em relação a elas”
194
.
Ao lado dos danos contra o indivíduo em razão do proceso de
aperfeiçoamento social estão aqueles concernentes às “faculdades da mente” (
facoltà delle menti). Muitos “engenhos” (ingegni) extraordinários foram consumidos
nesse processo: “engenhos” (ingegni) produzidos quase por “milagre” (miracolo)
pela natureza
195
. Tantos sumos “gênios” (geni) consumiram rapidamente, quer o
corpo, quer as faculdades mentais. “A excessiva delicadeza dos orgãos deles os
torna (...) mais fáceis de se consumirem, e mais fácil a se estragarem,
permanecendo inferiores de faculdades com os orgãos menos delicados e mais
190
Ibidem, p. 449: “difesa da molti e molti politieri (...) come necessaria al comodo, alla perfezione,
al bene, alla civiltà della società”.
191
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, p. 452.
192
Ibidem, pp. 451-452: “per se stessi nè bisognevoli nè utili alla vita”.
193
Ibidem, p. 450: “Applicate questo pensiero ai diversissimi apetti sotto i quali si verifica che
essendo cresciuto il mondo, l’individuo s’è impiccolito si fisicamente che moralmente”.
194
Ibidem: “a misura che il mondo cresce in riguardo loro”.
195
Ibidem.
62
imperfeitos”
196
. Para Leopardi, a “perfeita civilização” (perfetta civiltà) não pode
subsistir sem a “perfeita barbárie” (perfetta barbarie).
Leopardi compreendeu os danos do mundo moderno: sua forma de
racionalidade que colocava em risco outras faculdade humanas; o predomínio de
um modelo de saber que terminava danificando a dimensão poética; a destruição
dos “sentimentos vivos”; a presença do egoísmo; a falsidade das filosofias do
progresso e da perfectibilidade; a falsidade da “cultura espiritualista” decorrente da
Restauração; a falsidade do trato social entre os indivíduos; a ostentação e o
refinamento em detrimento da vida de outros indivíduos; os riscos contra a
integridade humana: enfim a queda na barbárie. Para Leopardi seria impossível
pensar a possibilidade de vida sem vivos afetos, imaginação, entusiasmo e,
sobretudo, ilusões. Por isso ele recusava “a maldita afetação corruptora das
belezas deste mundo”
197
.
Leopardi descreveu o processo de racionalização e secularização do
mundo moderno – quase um processo niilista, destrutivo e fatal – por causa do
predomínio da “cognição do verdadeiro” (cognizione del vero). Não obstante, ele
lançasse sobre “a modernidade um olhar que a desvela[va] [como] entregue
totalmente a um intelectualismo inimigo da imaginação e da fantasia, e não
hesita[sse] em indicar perspectivas totalmente desoladas e privadas de futuro”
198
,
não é este o seu parecer. Em verdade, Leopardi sabia da importância da
“imaginação” (immaginazione) e das “ilusões” (illusioni) para a vida humana:
embora desvelasse o sentido da condição humana e reconhecesse a vacuidade
de todas as coisas, por conterem o nada como princípio e fim. Ele sabia,
entretanto, da necessidade de se retomar a imaginação e as ilusões de forma
rigorosa, numa “vida enérgica e móvel” (vita energica e mobile), pois só assim esta
se tornaria “coisa viva e não morta” (cosa viva e non morta), caso contrário, “esse
196
Ibidem.
197
G. Leopardi, Correspondência in: Poesia e Prosa, p. 762: “la maledetta affettazione corruttrice di
tutto il bello di questo mondo” (G. Leopardi, La vita e le lettere, pp. 146-147).
198
S. Givone, Filosofia, Poesia e Mito in Vico e in Leopardi in: G. Vattimo (org.), Filosofia’ 95,
Roma-Bari, Laterza, 1996, p. 111: “alla modernità uno sguardo che la svela totalmente consegnata a un
intellettualismo nemico dell’immaginazione e della fantasia e quindi non esiti indicare prospettive totalmente
desolate e pive di fururo”.
63
mundo se tornará um serralho de desesperados e, talvez, até, um deserto”
199
. A
retomada leopardiana da imaginação e das ilusões não significaria uma
ultrapassagem de qualquer niilismo?
A lucidez de Leopardi diante dos problemas da vida social moderna
inviabiliza identificá-lo tout court a um “pensador supra-histórico”
200
. Em verdade,
ele não busca uma “salvação” no desenvolvimento da história, valendo-se da
crença nas idéias de “progresso”, “melhoramento” e “perfectibilidade”. Não se
pode, igualmente, vincular o seu pensamento a uma doutrina da felicidade, pois o
ponto de partida da sua reflexão é a impossibilidade de sua realização para todo
ser vivo, mas sem qualquer posição resignada
201
. A sua postura em relação à
condição humana e aos rumos da modernização se exprime como força
combativa e não conformista.
Quanto à virtude, Leopardi estava consciente de que no mundo moderno
prevalecem a “fragilidade de ânimo”, os “sentimentos destrutivos”, e a carência de
“espíritos virtuosos”. Ao atribuir à sua época a designação de “século morto”
(secolo morto) ou “século altivo e tolo” (secol superbo e sciocco), ele teria
compreendido as diversas perdas que tornavam a vida no seu presente invivível.
Contudo, o poeta não se lança numa “penitência”
202
, pois propõe, como indicam
os versos La Ginestra (1845), o resgate de um “vero saber” (verace saper) e a
solidariedade entre os homens (social catena) diante das ameaças da natureza e
da destruição no tempo presente.
A preocupação leopardiana é a compreensão do que origina a infelicidade
na vida humana
203
. Outrossim, a sua insistência de compreender a origem da
infelicidade humana e o pessimismo expresso pelo seu pensamento, não resultam
199
Citado por Sergio Giovane no seu artigo “Filosofia, Poesia e Mito in Vico e in Leopardi”, p. 113.
Ver outras referências bibliográficas indicadas na nota 269 deste capítulo: “o la immaginazione tornerà in
vigore, e le illusioni reprenderanmo corpo e sostanza in una vita energica e mobile, e la vita tornerà ad essere
cosa viva e non morta, e la grandezza e la belezza delle cose torneranno a parere una sostanza, e la religione
riacquisterà il suo credito; o questo mondo diverrà um serraglio di disperati, e forse anche um deserto”.
200
Ibidem.
201
Ibidem. Ver o ítem 4.0 [‘Misantropia e resignação? Resposta a uma querela”] do próximo
capítulo, em que vem discutida, de forma aprofundada, esta problemática.
202
F. Nietzsche, Considerações Intempestivas, p. 113.
203
Ver o ítem 3.3 [“Da ‘condição humana’: a problemática da infelicidade”] do capítulo seguinte.
64
de uma “decadência fisiológica”, pois criticava a todos os que buscavam identificar
o teor de seu pensamento com o seu estado de ânimo e os seus males físicos
204
.
Nesse sentido, Leopardi afirma ser a sua “filosofia desesperada” uma posição que
brota da coragem e do enfrentamento ante a experiência infeliz da existência
humana. Não há no pensamento de Leopardi um descaso em relação à questão
da existência, pois não é sufocada por um discurso “intelectualista” sujeita ao
primado epistêmico
205
.
O verdadeiro interesse da sua reflexão não é a coerência sistemática
concernente ao estatuto filosófico de saberes e disciplinas, pois não há uma
preocupação gnosiológica e epistêmica. Embora seja evidente a orientação
filosófica que fundamenta tal reflexão, o pensamento sensístico e, em geral,
iluminista francês, desde Montesquieu, Helvétius, D’ Holbach a Rousseau, é dificil,
entretanto, indicar a cada momento as fontes. Além da presença fragmentária das
citações no texto leopardiano apropriadas no decorrer da leitura, Leopardi não se
preocupa em reconstruir as premissas histórico-filosóficas do seu “sistema”:
embora remeta à filosofia moderna, não obstante a sua condenação das “luzes de
hoje” (lumi d’oggidì)
206
.
Isto explica a sua necessidade e pressa de se envolver com a existência a
fim de compreender a condição humana: a atenção com a realidade circundante
mediante uma recepção espontânea. Não obstante a ausência de premissas ou
impostação gnosiológica e lógica inicial, ou seja, a lacuna da construção lógico-
sistemática, pode-se aqui pressupor temas centrais, que possibilitam a elaboração
de uma exposição sistemática. Entre tais temas se destaca a idéia de Natureza,
expressa em dois momentos: um ponto de partida fundamental para a
comprensão da reflexão leopardiana. Não se trata de uma afirmação arbitrária,
pois, em Leopardi, as considerações sobre o “sistema das coisas humanas”
204
Ver a carta de Leopardi endereçada a Luigi De Sinner em 24 de maio de 1832. (G. Leopardi, La
vita e le lettere, pp. 514-515).
205
A interpretação possível, em conformidade com o contexto dos argumentos até aqui expostos, não
será a da lógica e sistemática construção filosófica, ou seja, gnosiológica e epistêmica, mas da reflexão
moralista viva e ensaísta.
206
Ver aqui as considerações de S. Solmi, Il pensiero in movimento di Leopardi, in Zibaldone di
pensieri, vol. I, pp. XXXI-XLVIII.
65
(sistema delle cose umane) ou a “teoria do homem” (teoria dell’uomo)
207
pressupõe o “sistema da natureza” (sistema della natura): tema fundamental do
segundo capítulo.
207
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 418.
66
CAPÍTULO II
Contradição e infelicidade humana: a postulação leopardiana do “sistema da
natureza”
O capítulo anterior explicitou alguns pressupostos fundamentais para
aprofundar a reflexão sobre o pensamento leopardiano. Entre tais pressupostos,
destacou-se a problemática da conversão filosófica de Leopardi e a sua
concepção de sistema: uma oposição à concepção abstrata tradicional. Este
capítulo principia com um tratamento de algumas categorias e questões,
necessárias à compreensão do “sistema da natureza” (sistema della natura)
proposto por Leopardi. Para tanto, busca-se aqui abordar a relação entre natureza
e razão a fim de se identificar na continuidade da exposição o elemento que
contém a contradição responsável pela infelicidade humana.
2.1 Natureza e razão: para a compreensão da infelicidade humana
Nas considerações iniciais sobre o seu “sistema”, Leopardi fala da
“superioridade da natureza sobre a razão” (superiorità della natura sulla
ragione)
208
, pois a natureza supre a razão inúmeras vezes, o mesmo não ocorre
com a razão, nem quando “parece produzir grandes ações: coisa bastante rara:
mas também (...) a força premente e móbil não é da razão, mas da natureza”
209
.
Quando se eliminam as forças providas pela natureza, a “razão” (ragione) torna-se
“inoperante” (inoperosa) e “impotente” (impotente)
210
.
Leopardi parte da idéia de ser “fonte de erros” (fonte di errori) universal e de
“contradições” (contraddizioni) o fato de escritores e filósofos, quer antigos, quer
modernos, “não ter considerada e definida, e posta nas bases do sistema do
208
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp. 99-100.
209
Ibidem, p. 222: “sembra produrre delle grandi azioni: cosa assai rara: ma anche (...) la forza
impellente e movente non è della ragione, ma della natura”.
210
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 222.
67
homem, a inimizade recíproca da razão e da natureza”
211
. Daí a exigência de se
esclarecer e determinar tal “inimizade” (inimicizia), por presente nas “bases do
sistema do homem” (basi del sistema dell’uomo).
Para decifrar o “mistério do homem” (mistero dell’uomo) é preciso não
confundir a razão com a natureza “o verdadeiro com o belo, os progressos da
inteligência com os progressos da felicidade e com o aperfeiçoamento do homem,
as noções e a natureza do útil, a finalidade ou o propósito da inteligência (...) com
a finalidade e propósito verdadeiro do homem e da sua natureza”
212
. Ao se evitar
confundi-los, torna-se possível “harmonizar as contradições infinitas que (...) se
encontram nesta essencialíssima parte do sistema universal, isto é, aquela que diz
respeito à nossa espécie”
213
.
A razão inimiga da natureza não é, porém, aquela “razão primitiva da qual
se serve o homem no estado natural, e da qual participam os outros animais,
igualmente livres e, por isso, necessariamente capazes de conhecer”
214
. Para
Leopardi, a razão originária foi posta no homem pela natureza e nela “não se
encontram contradições [non si trovano contraddizioni]”
215
. Daí o “inimigo”
(nemico) da natureza é aquele uso da razão não natural, isto é, “aquele uso
excessivo que é próprio somente do homem, e do homem corrompido: inimigo da
natureza, por isso (...) não é natural, nem próprio do homem primitivo”
216
.
Para favorecer os argumentos de seu “sistema”, Leopardi se reporta aos
“antigos pensadores cristãos” (antichi pensatori Cristiani) os pais do Cristianismo,
ou “filósofos gentíos” (filosofi gentili) por terem há muito percebido a contradição
211
Ibidem, p. 225: “non aver considerata, e definita, e posta nelle basi del sistema dell’uomo, la
nemicizia scambievole della ragione e della natura”.
212
Ibidem: “il vero col belo, i progressi dell’intelligenza coi progressi della felicità e col
perfezionamento dell’uomo, le nozioni e la natura dell’utile, il fine o scopo dell’inteligenza (...) col fine e
scopo vero dell’uomo e della natura sua”.
213
Ibidem: “accordare le infinite contradizioni che (...) s’incontrino in questa principalissima parte
del sistema universale, cioè in quella che riguarda la nostra specie”. NOTA !!!!!Leoapardi adverte que os
combates da “carne e do espírito”, dos “sentidos e da mente”, já percebidos pelos escritores e, em especial,
religiosos, ou não é suficiente, ou não foi bem compreendido e aplicado. (Cf. p. 225.).
214
Ibidem, p. 242: “ragione primitiva di cui si serve l’uomo nello stato naturale, e di cui partecipano
gli altri animali, parimente liberi, e perciò necessariamente capaci di conoscere”.
215
Ibidem.
216
Ibidem: “quell’uso eccessivo ch’è proprio solamente dell’uomo, e dell’uomo corroto: nemico
della natura, perciò (...) non è naturale, nè proprio dell’uomo primitivo”.
68
entre as qualidades do ânimo humano: “uma luta e inimizade evidente entre a
razão e a natureza, de um empencilho essencial e inato no homem (...) à
felicidade, e consequentemente de uma degeneração do homem, conhecida e
predicada também nas antigas mitologias”
217
. A autoridade de tais argumentos
reforçam o seu sistema, mas com uma diferença: eles concebiam como
“corrompida e corruptora a natureza [corrota e corruttrice la natura], e Lepardi, ao
contrário, identificava na razão tais degenerescências.
O autor insiste em determinar a diferença entre razão e natureza, pois, ao
contrário dos antigos e de alguns modernos, não identificava a “imperfeição no
sistema e na ordem primitiva do homem”
218
. A imperfeição de tal sistema só
ocorre “quando e porque se distanciou do primitivo, e enquanto eles [antigos e
modernos] foram pôr o homem quase fora da natureza, onde tudo é tão perfeito no
seu gênero”
219
. Leopardi reintegra, nos seus argumentos, o homem à natureza,
por considerar: se o homem encontra-se fora da natureza, isto ocorre porque
“abandonou o ser primitivo [ha abbandonato il suo essere primitivo]”
220
.
Os antigos e grande parte dos modernos deixaram apenas de estabelecer a
distinção entre “razão” (ragione) e “natureza” (natura). Conforme Leopardi, eles
não distinguiram bem o “primitivo do puramente adquirido, aquelas qualidades ou
disposições (...) que estão em estado natural, daquelas que não estão mais nele”.
Desse modo, determinaram acreditando sempre ser “a razão natureza” (la ragione
natura), incorrendo, assim, em conjunções, ou seja, confundindo como “natural o
que a natureza com mil obstáculos tinha impedido”
221
.
Em virtude desse equívoco “absurdo”, conforme Leopardi, torna-se inviável
pretender “conciliar as qualidades naturais do homem consigo mesmas, (...)
enquanto entre estas se põem as artificiais, e as totalmente contrárias à natureza,
217
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 718: “una lotta e nemicizia evidente fra la
ragione e la natura, di un impedimento essenzianle ed ingenito nell’uomo (...) alla felicità, e per conseguenza
di una degenerazione e corruzione dell’uomo, conosciuta e predicata anche nelle antichissime mitologie”.
218
Ibidem: “imperfezione nel sistema e nell’ordine primitivo dell’uomo”.
219
Ibidem: “in quanto e perchè s’è allontanato dal primitivo; e laddove essi venivano a porre l’uomo
quasi fuori della natura, dove tutto è sì perfetto nel suo genere”.
220
Ibidem: “ha abbandonato il suo essere primitivo”.
221
Ibidem: “naturale ciò che la natura con mille ostacoli aveva impedito”.
69
e descartam as naturalíssimas”
222
. Isto explica a impossibilidade de se conciliar as
partes do “sistema humano” (sistema umano), ou conciliar a “natureza humana”
(natura umana) com o “sistema geral da natureza” (sistema generale della natura),
e com as suas outras partes
223
.
Na reflexão sobre o seu “sistema”, Leopardi segue destacando a
superioridade da natureza sobre a razão: algo demonstrado nas experiências
comuns em que, não obstante a capacidade da razão de refletir, predomina o
“irracional” (irragionevole), por resultar da natureza
224
. Isto ocorre mesmo em
indivíduos que vivem segundo a razão e não são “idiotas” (stupidi) ou “irreflexivos”
(irriflessivi), ou se conduzem cegamente pelo “instinto ou disposições naturais”
(istinto o le disposizioni naturali)
225
. Daí Leopardi concluir: “aquilo que não pode de
modo algum a razão nem a reflexão contra a natureza, pôde em mim a própria
natureza e o hábito, e o pôde contra a razão mesma e contra a reflexão”
226
.
Tais considerações de Leopardi não visam uma teorética filosófica
tradicional, como a origem das idéias, a definição dos valores morais: não se trata
nem de uma gnosiologia, nem de uma ética. Daí não oferecer definições lógico-
filosóficas das categorias e conceitos que ele debate constantemente ao longo de
suas meditações, a saber, natureza, razão, espírito, corpo, ilusão entre outras,
pois permanecem sem uma justificação filosófica
227
. Contudo, essas categorias
revelam a orientação filosófica que fundamenta a reflexão leopardiana, ou seja, o
pensamento sensístico, em especial, aquela do iluminismo francês.
A indagação de Leopardi sobre a origem da infelicidade nos homens o
insere no universo de discussão moderno sobre o prazer e a dor
228
. A esse
222
Ibidem, pp. 718-719: “conciliare le qualità naturali dell’uomo con se stesse, (...) mentre fra queste
pongono le artifiziali, e le affatto contrarie alla natura, e ne scartano le naturalissime”.
223
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 719.
224
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 942.
225
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 943.
226
Ibidem: “quello che non potè per nium modo la ragione nè la riflessione contro la natura, Io potè
in me la natura stessa e l’assuefazione; e il potè contro la ragione medesima e contro la riflessione”.
227
Ibidem.
228
Antonio Prete, em seu livro Il pensiero poetante de 1997, afirma a existência de uma “teoria”
não sistematizada do prazer que percorre toda a construção do Zilbaldone di pensieri leopardiano. Trata-se de
um “movimento de escritura” (movimento di scrittura) disseminado de formas e aberto a várias incursões, de
um tipo de discurso que manteve os escritores inclinados à análise das relações cotidianas sob angulações as
70
respeito, considera-se aqui a formação sensualista leopardiana, mediante
pensadores e moralistas do Setecentos como Montesquieu, Condillac, Verri,
Beccaria, e os posteriores aprofundamentos dos seus estudos pelo viés dos
ideólogos e materialistas de final de século: Helvétius, Holbach e La Mettrie. Além
desses autores, também contribuíram os escritos filosófico-literários de
moralistas, de escritores de romances e de memórias autobiográficas, como
Wieland, Sterne, Goethe, Foscolo e Rousseau: terreno fundamental com base no
qual Leopardi recusa qualquer sistema de explicação das coisas que tenha como
fundamento a razão geométrica cartesiana
229
.
Para Leopardi, tal razão serviu como alicerce aos sistemas católico-
racionalistas de tipo escolástico ou de relançamento católico-iluminista, tendo
como resultado uma razão insensível, cética, privada de entusiasmo, de vitalidade,
de prazer e de felicidade, provocando a espiritualização de todo o saber oriundo
do corpo, a mortificação das ilusões e do poético na natureza. Reportar-se a um
hipotético estado de natureza, para dele extrair fundamentos que permitam
reconhecer o sentido do processo de civilização, é uma via seguida por vários
pensadores iluministas, e, também, a via pela qual Leopardi desenvolve uma
interpretação do paralelo entre natureza e civilização.
É fundamental destacar aqui a reflexão leopardiana sobre a relação entre
“natureza” (natura) e “razão” (ragione) a fim de se compreender a questão central
do seu “sistema da natureza” (sistema della natura). No Zibaldone pode-se
percorrer tal esforço do seu pensamento desde a fase inicial concernente a crise
mais diversas: matéria privilegiada por escritores de essais que escapa a sistemas e catalogações, e se destina
a entrelaçamentos com instâncias reflexivas como o “gosto”, o “luxo” ou a “sensibilidade”. Presença
marcante na cultura francesa desde Montaigne a Montesquieu, e na cultura italiana desde os trattratisti do
amor do século XVI até um Pietro Verri, este tipo de discurso havia elaborado, segundo Prete, três indagações
extraordinárias sobre os mecanismos do prazer mediante o verbete “gosto” (goût) da Encyclopédie: aquela de
Montesquieu, no L’essai sur le goût dans les choses de la nature et de l’art, a de Voltaire, no verbete “gosto”
da Enciclopédie, e a de D’Alambert, nas Réflexions sur l’usage et sur l’abus de la philosofie dans les matières
de Goût. Desses discursos iluministas sobre o gosto, em especial o de Montesquieu, Leopardi assume algumas
idéias temáticas e exempla, mas se afasta posteriormente, segundo Prete, quando se aventura em indagações
que interpelam a relação entre desejo e prazer, quando se interroga sobre o limite e o tempo do prazer, sobre
“recordação” e “repetição”. Por meio destes questionamentos, Leopardi terminou desarticulando a cultura
iluminista do prazer e sua redução empreendida pela cultura da Restauração. (Cf. A. Prete, Il pensiero
poetante. Saggio sul Leopardi, Milano: Feltrinelli, 1997, p. 14.).
229
Cf. W. Binni, La protesta di Leopardi, Firenze: Sansoni, 1973, pp. 45-46.
71
de 1819 a 1824, até a sua conclusão em 1832. Nesse empreendimento, Leopardi
segue, de início, os paralogismos de J-J. Rousseau (1712-1778) a fim de postular
a problemática da infelicidade humana.
Entre os estudiosos é amplamente sabido, ter sido Leopardi leitor de
Rousseau
230
, pois o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens (1754)
231
influenciou, num primeiro momento, a sua reflexão
232
sobre o estado de natureza, em especial, no que concerne à idéia de
aperfeiçoamento como distanciamento da vitalidade natural. Semelhante à
concepção de Rousseau do Discurso, Leopardi também concebe a natureza como
reino do vigor e da felicidade, e o processo de civilização como degradação dessa
perfeição originária. Se a natureza, afirma Rousseau, “nos destinou a sermos
sãos, ouso quase assegurar que o estado de reflexão é um estado contrário à
natureza e que o homem que medita é um animal depravado [animal dépravé]”
233
.
É preciso, entretanto, estabelecer um “raciocínio sólido” (raisonnement solide)
234
,
capaz de revelar no “progresso das coisas, o momento em que, sucedendo o
direito à violência, submeteu-se a natureza à lei; de explicar por que
230
Ibidem.
231
J. J. Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens
[1754]. Trad. br. Lourdes dos Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
232
Nesse sentido, ver G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, pp. ... Sobre a função que exerce o estado
de natureza no interior dos pensamentos de Rousseau e de Leopardi ver A. Prete, Il pensiero poetante. Saggio
sul Leopardi, Milano: Feltrinelli, 1997, pp. 108, 116, 120 e 121. Ver, ainda, Luigi Baldaci, em seu livro Il
male nell’ordine, quando declara que Leopardi estaria na mesma linha iluminista de Voltaire, mas que
termina escolhendo “a parte de Rousseau”. (Cf. L. Baldaci, Il male nell’ordine, scritti leopardiani, Firenze,
Rizzoli, 1997, p. 57.).
233
Ver J. J. Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,
p. 61.
234
Rousseau não deixa esquecer a questão metodológica pela qual se guia, e torna mais preciso o
procedimento de uma “história hipotética” (histoire hypothétique), ou seja, de uma exposição que descreve
os acontecimentos por conjecturas e tenciona esclarecer a natureza das coisas. As suas considerações são
conjeturais, entretanto, elas tornam-se “razões” (des raisons) na medida em que são as “mais prováveis
(plus probables), os únicos meios pelos quais se poderá descobrir a verdade. Portanto, as conseqüências
deduzidas desse procedimento hipotético não serão consideradas conjeturais, mas reais: “sendo dois fatos
considerados bastante reais para ligar uma seqüência de fatos intermediários, desconhecidos ou
considerados como tais, cabe à história, quando existe, apresentar os fatos que os ligam”, e, faltando a
história, cabe à filosofia “determinar os fatos semelhantes que podem ligá-los”. Desse modo, a filosofia,
mediante o seu procedimento dedutivo, deve revelar o desenvolvimento dos acontecimentos com base em
relações necessárias e fundamentais, isto é, de acordo com a ordem natural das coisas. (Cf. J. J. Rousseau,
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, p. 84.).
72
encadeamento de prodígios o forte pôde resolver-se a servir ao fraco, e o povo a
comprar uma tranqüilidade imaginária pelo preço de uma felicidade real”
235
.
A natureza, compreendida no Discurso como equilíbrio e harmonia das
partes, dota todas as espécies e gêneros de igual perfeição. Apesar da
fragilidade de sua compleição corporal ante as outras espécies animais, o
homem também desfruta dessa perfeição. A permanência do homem no estado
primitivo de vida, quase sem paixões ou necessidades, exceto as fornecidas
pelas mãos da natureza, possibilita uma incomparável vitalidade corporal, pois
sendo o corpo o único instrumento conhecido, serve-se dele de várias maneiras,
objetivando a sua própria “conservação” (conservation): única e real
preocupação do homem na condição natural. A forma desse viver “simples,
uniforme e solitário” (simple, uniforme, et solitaire), prescrito pela natureza,
representa, para Rousseau, o estado ideal de paz, felicidade e de harmonia, ou
seja, de perfeição
236
.
O homem suposto, de início, em sua dimensão física, é destituído, quer
de poderes sobrenaturais, quer de “faculdades artificiais”
237
. A animalidade é o
pressuposto necessário que permite o desenvolvimento de um “raciocínio sólido”
(raisonnement solide) sobre a existência de um “grau zero”
238
da humanidade.
235
Ibidem, pp. 51-52. Ver a esse respeito o artigo Teoria social no pensamento moderno: Rousseau,
de Olgária Matos, onde será enfatizada a noção de poder presente no pensamento de Rousseau. Segundo a
autora, para Rousseau o “homem civilizado será sempre aquele que impõe a opressão silenciosa à
simplicidade e uniformidade da vida animal e selvagem”, pois na vida social “domina um novo silêncio, antes
desconhecido: o da servidão, no qual a vontade geral se cala sob a tirania, a consciência sob representações
que lhe escapam. Aquele que era senhor de suas representações passa a submeter-se a elas e com essa sujeição
tem fim a liberdade natural”. (Cf. Olgária C. F. Matos. “A teoria social do pensamento moderno: Rousseau”,
in Epistemologia das Ciências Sociais, São Paulo, EDUC, 1984, pp.51-71.).
236
Ibidem.
237
São consideradas artificiais todas as faculdades que não têm origem na natureza, mas que
decorrem do aperfeiçoamento do homem: a razão, a memória, o desejo, etc. Olgária Matos, em seu artigo A
teoria social no pensamento moderno: Rousseau, revela que a natureza, no interior do pensamento de
Rousseau, é o “grau zero da história, onde o homem natural, silencioso e estúpido, age, no entanto, como
homem. Este homem não tem história, encontra-se entre os animais, é para o outro como é para si próprio:
sem consciência, sem memória, sem vícios, sem virtude, sem razão”. (Cf. Olgária C. F. Matos. “A teoria
social do pensamento moderno: Rousseau”. In: Epistemologia das Ciências Sociais, p. 52.).
238
Ver o sentido dessa expressão usada inicialmente por Starobinski em “O discurso sobre a origem
e os fundamentos da desigualdade”, in Jean-Jacques Rousseau: A transparência e o obstáculo. Trad. br.
Maria Lúcia Machado, São Paulo, Companhia das Letras, 1991, pp. 287-309. A exposição da dimensão física
cumpre, aqui, a sua principal função, a saber, o de conduzir o estado de natureza de Rousseau para além de
qualquer concepção social, para que dele seja extirpado qualquer resquício de julgamento do indivíduo social.
73
Resguardadas as diferenças de constituição física, o homem natural equipara-se
ao restante dos animais pelo instinto de conservação
239
(amor de si), pela
comiseração diante do sofrimento (piedade) e, enfim, por sua disposição
sensível
240
. A explicação física do homem o aproxima dos animais também
quanto à formação das idéias, pois, segundo Rousseau, todo “animal tem idéias,
visto que tem sentidos; chega mesmo a combinar suas idéias até certo ponto e o
homem, a esse respeito, só se diferencia da besta pela intensidade”
241
. A
animalidade concernente ao homem, no estado de natureza, mostra-se cara
também a Leopardi, na medida em que propicia o combate a qualquer sistema
teórico que afirme o antropocentrismo: na natureza o homem não é superior aos
demais seres, embora possua singularidade. Tal singularidade, constituidora do
“homem selvagem” (homme sauvage) no segundo Discurso, não se evidencia
somente na ausência de um instinto próprio e na capacidade à organização
242
,
mas na qualidade de “agente livre” (agent libre)
243
e, principalmente, na
“faculdade de aperfeiçoar-se” (faculté de se perfectionner) e suas realizações.
Trata-se da construção de uma história modelar, baseada não em documentos (Voltaire), mas em raciocínios
hipotéticos e condicionais.
239
Quanto à afirmação de Paul Arbousse-Bastide, de que o “instinto de conservação é a fonte do
egoísmo” em Rousseau, parece-me haver uma desconsideração da distinção rousseauniana entre “amor de si”
e “amor próprio” na nota “o” do segundo Discurso. O “instinto de conservação”, ou “amor de si”, é um dado
da natureza, e está presente, quer no homem, quer nos animais. O “amor próprio” é a representação do “amor
de si” deformado, portanto, a fonte da honra e de qualquer sentimento corrompido, como o egoísmo. Uma vez
mudada a natureza do homem no estado social, também mudam os princípios que a regulam. O “amor
próprio” só adquire expressão quando a voz da natureza é sufocada pela razão: exerce influência apenas no
homem corrompido do estado de civilização. O homem “aperfeiçoado”, “civilizado” é egoísta e, ao contrário
do homem natural, moralmente mau. Ver a nota 1 em J. J. Rousseau. Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens, p. 47. Ver também Olgária Matos, Rousseau: uma
arqueologia da desigualdade, São Paulo, Ed. MG, 1978, pp. 58-59.
240
O homem restrito ao corpo e às suas sensações é, propriamente, o homem da natureza. Ele é
descrito por Rousseau como um entre os outros seres animais: sobrevive dos fartos provimentos da natureza,
não possui linguagem e nem laços que o liguem a algum lugar ou a outros seres. (Cf. J. J. Rousseau. Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, pp. 58-60.).
241
Ver J. J. Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,
p. 64.
242
A diferença do homem reside também no fato de que não possuindo um instinto exclusivamente
seu, apropria-se daqueles que pertencem aos outros animais, e, assim, encontra a sua subsistência mais
facilmente, sendo, por isso, “o melhor organizado”.
243
Segundo Rousseau, porque a voz da natureza prescreve nos animais regras diretamente aos
sentidos, eles se guiam cegamente pelo instinto. Os homens, ao contrário, possuem a capacidade de seguir ou
recusar este ordenamento natural. A consciência deste poder, que caracteriza a dimensão espiritual da ação
humana, é denominada de arbítrio humano. O sentimento desse poder de querer ou de escolher, onde vigora a
consciência da liberdade, não será explicado pelas leis da mecânica, pois a física explica, de certo modo, o
74
Rousseau não se detém na elaboração metafísica de uma vontade livre
como marca específica do gênero humano, por ser tal questão muito
controversa. Ele busca, entretanto, um fundamento seguro que arrebata
definitivamente qualquer contestação sobre a especificidade da espécie humana.
A “faculdade de aperfeiçoar-se” (faculté de se perfectionner), auxiliada pelas
circunstâncias, desenvolve sucessivamente, tanto na espécie quanto no
indivíduo, todas as outras faculdades e, com o passar dos séculos, remove a
inocência e a tranqüilidade da condição originária. Nesse sentido, a “faculdade
de aperfeiçoar-se” (faculté de se perfectionner) é responsável não só pela
distinção do gênero humano, mas é responsável também, no entender de
Rousseau, pelos vícios e virtudes, pelo saber e pelos erros, e torna o homem
“tirano de si mesmo e da natureza”
244
.
Segundo o autor, o “homem selvagem” (homme sauvage) obtém tudo que
necessita da natureza, as poucas “paixões” (passions) dele são determinadas
pelo “instinto” (instinct), e as atividades espirituais limitam-se a querer ou não
algo, a desejar e a temer. A “alma” (âme), acostumada ao espetáculo uniforme
da natureza, não sofre sobressaltos e se entrega unicamente ao sentimento da
sua “existência atual” (existence actuelle), sem qualquer plano em relação ao
futuro. O desenvolvimento do grau das paixões e, conseqüentemente, do desejo
só acontece na relação direta com o aumento do conhecimento, uma vez que
não se pode desejar aquilo que não se conhece. Rousseau afirma que as
“paixões, (...) encontram sua origem em nossas necessidades e seu progresso
em nossos conhecimentos, pois só se pode desejar ou temer as coisas segundo
as idéias que delas se possa fazer ou pelo simples impulso da natureza”
245
.
Nesse sentido, o “homem selvagem” (homme sauvage) está tão longe de
qualquer grau de conhecimento que a “imaginação” (imagination) nada lhe
sugere, e assim o desejo permanece comandado pelo “instinto” (instinct). Indaga
então o autor: “sem recorrer aos testemunhos incertos da história, quem não vê
mecanismo dos sentidos e a formação das idéias, mas não pode explicar atos puramente espirituais. (Cf. J. J.
Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, p. 64.).
244
Ibidem, p. 65.
245
Ibidem, p. 67.
75
que tudo parece distanciar do homem selvagem a tentação e os meios para que
deixe de sê-lo?”
246
.
No entender de Rousseau, o homem só age para a satisfação das
necessidades constituídas pela natureza, ou pela razão. No desenvolvimento
das paixões há, portanto, uma enorme distância entre as “puras sensações”
(pures sensations) e os mais simples conhecimentos (connaissances): a
complexificação das paixões no gênero humano, engendrada pela “faculdade de
aperfeiçoar-se” (faculté de se perfectionner), não é algo necessário à ordem da
natureza, mas decorre de “singulares e fortuitos concursos de circunstâncias
[concours singuliers et fortuits de circonstances]”
247
ocorridos ao longo do tempo.
Desse modo, o homem primitivo não encontra em si mesmo nenhuma razão e
nenhum estímulo para decair de sua condição originária, pois uma “providência
bastante sabia [providence très sage]” destinou-lhe potencialmente faculdades
que deveriam ser usadas somente de acordo com as circunstâncias e as
necessidades do presente: tinha “unicamente no instinto, todo o necessário para
viver no estado de natureza; numa razão cultivada só encontra aquilo de que
necessita para viver em sociedade”
248
.
Rousseau indaga sobre a importância de se provar que o
desenvolvimento das faculdades humanas e as suas conquistas não decorrem
necessariamente da natureza, mas da influência das circunstâncias sobre a alma
humana. Contra a idéia de Hobbes de que o homem selvagem (homme
sauvage), em seu desejo de conservação, procura satisfazer uma multidão de
paixões e, por isso mesmo, é mau (daí a necessidade das leis), dirá Rousseau:
Hobbes não percebeu que “a mesma causa que impede os selvagens de usar a
razão, (...) os impede ao mesmo tempo de abusar de suas faculdades (...), de
modo que se poderia dizer que os selvagens não são maus precisamente
porque não sabem o que é ser bons, pois não é nem o desenvolvimento das
luzes, nem o freio da lei, mas a tranqüilidade das paixões e a ignorância do vício
246
Ibidem.
247
Ibidem, p. 63.
248
Ibidem, p. 75.
76
que os impedem de proceder mal”
249
. Trata-se, aqui, de fundamentar a
dimensão amoral do estado de natureza.
Para tanto, o autor do Segundo Discurso concebe dois tipos de
desigualdade: a “natural” (física), caracterizada pela diferença de idades, de
saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma, e a
“desigualdade moral” (política), marcada pela distinção entre rico e pobre,
poderoso e fraco e, finalmente, entre senhor e escravo. Do ponto de vista
natural-físico a desigualdade é irremediável, mas não gera maiores danos, pois
predomina ainda um certo equilíbrio entre as diferenças. Já a desigualdade
moral-social, porque intensifica e multiplica progressivamente a desigualdade
natural por meio do convívio social, é inteiramente da responsabilidade dos
homens. Querer julgar moralmente a natureza é lançar, no entender de
Rousseau, sobre a perfeição originária a responsabilidade daquilo que os
homens se tornaram por suas próprias mãos.
Conforme Rousseau muitas das diferenças que distinguem os homens
são originadas pelo hábito e pelos gêneros de vida no convívio social, embora
sejam consideradas naturais pelos homens de seu tempo. No seu entender, é
necessário comparar a diversidade de educação e de gêneros de vida presentes
nas várias ordens da sociedade civil com a simplicidade e uniformidade da vida
animal e selvagem. Desse modo, pode-se compreender o quanto a diferença
entre os homens no estado de natureza é menor do que entre os indivíduos no
estado social, e o quanto a desigualdade natural é acrescida na espécie humana
em virtude da desigualdade de instituições.
O homem da natureza
250
, guiado exclusivamente pelos instintos, possui
faculdades em potência que assim permaneceriam se não tivessem sido
estimuladas por obstáculos antepostos à sua autopreservação. Rousseau dirá,
entretanto, que logo “surgiram dificuldades e impôs-se aprender a vencê-las”
251
.
249
Ibidem, p. 76.
250
Cf. J. Starobinski, “Rousseau e a busca das origens; O discurso sobre a origem e os fundamentos
da desigualdade”, in Jean-Jacques Rousseau: A transparência e o obstáculo [1970]. Trad. br. Maria Lúcia
Machado, São Paulo, Companhia das Letras, 1991, pp. 277-309.
251
Ibidem, p. 88.
77
A dispersão dos homens em várias regiões e climas os expôs a muitas
dificuldades, forçando-os, desse modo, a se adaptarem às condições de cada
lugar. O enfrentamento dos obstáculos conduziu os homens a estabelecerem
relações em geral com o mundo, e desse exercício constante originaram-se
outros conhecimentos, como a prudência, a precaução diante dos perigos e a
percepção da própria distinção e superioridade em comparação aos animais:
algo que ocasionou no homem o primeiro sentimento de orgulho
252
.
No entender do autor, os primeiros desenvolvimentos do gênero humano
possibilitaram mais rapidamente progressos ulteriores, porque quanto mais o
espírito se esclarecia, mais se aperfeiçoava a indústria
253
. Os instrumentos criados
pelo homem, com o intuito de suprir as suas necessidades, o impeliram ao lazer e
a comodidades até então desconhecidas. Com isso involuntariamente o homem
impôs a si e aos seus descendentes o primeiro jugo e a primeira fonte de males,
pois tais comodidades, ao perderem pelo hábito quase todos os seus deleites,
degeneraram em verdadeiras necessidades, e a privação delas se tornou mais
cruel do que doce fora a sua posse. Desse modo, “os homens sentiam-se infelizes
por perdê-las, sem terem sido felizes por possuí-las”
254
.
Segundo Rousseau, à medida que o processo de domesticação do homem
avança, criam-se as condições de sua sociabilidade
255
, e a inserção do gênero
252
Ibidem, p. 89.
253
Rousseau não negligencia a série de acasos, nem o espaço de tempo, necessários ao
desenvolvimento do grito da natureza e dos gestos usados na comunicação até os primeiros sons articulados,
do uso das mãos ao uso dos instrumentos de metal, da vida errante à construção das primeiras cabanas, da
solidão à formação das primeiras famílias e à distinção entre elas: época, diz ele, de uma primeira revolução
“que introduziu uma espécie de propriedade da qual nasceram talvez brigas e combates”. (Cf. J.J.Rousseau,
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, p. 90.).
254
Ibidem, p. 91.
255
Nesse momento da exposição rousseauniana, narra-se uma fase intermediária entre as puras
sensações do estado primitivo, marcado pelo amor-de-si e pela piedade como únicos sentimentos da
condição originária, e o alto desenvolvimento da racionalidade e da corrupção social. Este período de
adaptações e lentas descobertas é descrito como o tempo em que os homens obtiveram insensivelmente
algumas noções grosseiras dos compromissos mútuos e da vantagem de respeitá-los. Esse estado de
desenvolvimento das faculdades humanas, no entender de Rousseau, situando-se entre a indolência da
condição originária e a atividade petulante do amor-próprio, “deve ter sido a época mais feliz e a mais
duradoura” e a menos sujeita a revoluções. Os homens deveriam ter permanecido neste modelo de vida
ainda rústico e simples, onde as obras necessitavam do concurso de apenas um só homem. Nesse estado,
afirma ele, “viveram tão livres, sadios, bons, e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza, e
78
humano na história, mediante a faculdade de aperfeiçoar-se, traz em si a marca
fundamental da contradição e da ambigüidade do progresso. Uma mudança na
constituição da natureza humana é imposta pela sociedade aos homens, pois se
na condição natural, o amor-de-si é moderado pelo sentimento de piedade, e este
último é suficiente para a conservação ou mediação dos conflitos, em sociedade,
entretanto, os homens se transformam em figuras sanguinárias e cruéis, porque a
razão promove a diminuição da piedade natural e cada um pune as transgressões
por meio da consideração do amor-próprio: que nada mais é senão o amor-de-si
soberbo. O estreitamento das relações sociais promove, portanto, a estima
pública, e, ao mesmo tempo, as tensões e conflitos, que em razão do excesso e
freqüência, tornam necessárias a criação dos “primeiros deveres de civilidade”
256
.
Desse contexto, então, a desigualdade de riquezas ganha expressividade
ao mesmo tempo que a diferença de consideração no interior da sociedade.
Algumas qualidades individuais ganham importância na opinião pública em
formação: a beleza, o mérito pessoal, o talento, a habilidade, o poder, etc.
Todavia, de todas essas distinções, a riqueza seria, segundo Rousseau, aquela
mais apreciada, já que, dentre as demais qualidades pessoais, ela é a mais
“imediatamente útil ao bem estar e a mais fácil de comunicar-se, servem-se dela
com facilidade para comprar todo o resto”
257
. Da impossibilidade de vivenciar em
si mesmo algumas dessas qualidades que a sociedade estima, o homem voltado
para a opinião pública logo conhece a necessidade de dissimulá-las para o
próprio benefício. Conclui então o autor: “Ser e parecer tornaram-se duas coisas
totalmente diferentes”
258
.
Para Rousseau, o desejo de estima social terminou despertando nos
homens uma “ambição devoradora” que lhes inspirou a se colocarem, sem
nenhuma necessidade, acima dos outros. Essa “negra tendência” dos homens, a
se prejudicarem mutuamente, decorreu da concorrência, da rivalidade, da
continuaram a gozar entre si das doçuras de um comércio independente”. (Cf. J.J.Rousseau, Discurso sobre
a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Ibidem, pp. 93-94.).
256
Ibidem, p. 92.
257
Ibidem, p. 111.
258
Ibidem, p. 97.
79
oposição de interesses e do desejo oculto de lucrar às custas de outrem. Este
estado ao qual os homens chegaram, por sua própria corrupção e vício, mais se
assemelha, segundo o autor, a um “estado de guerra”. É nele que se criam as
possibilidades da instituição de um “pacto social” e das leis que, longe de
amenizarem os problemas da desigualdade, “destruíram de maneira irremediável
a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade,
fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, [...] sujeitaram daí em
diante todo gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria”
259
.
Rousseau apresenta ainda, no Segundo Discurso, o progresso da
desigualdade em duas outras etapas, às quais correspondem a instituição da
magistratura – responsável pela distinção social entre poderosos e fracos –, e ,
finalmente, a transformação do poder legítimo em poder arbitrário, que demarca
a relação entre senhor e escravo. O autor considera, esse momento, como o
“último grau da desigualdade”. Nele se revela o ponto extremo de subversão da
natureza, na medida em que os homens, sem meios de retornarem à sua
condição originária, e sem poderem renunciar às “infelizes aquisições”, buscam
a felicidade ditada pelo amor-próprio e caminham, sem o saber, em direção
contrária à natureza, à razão e à virtude. O despotismo representa, no seu
entender, o fechamento de um “círculo”, no qual se põe um tipo de igualdade
completamente oposta a do estágio inicial, a saber, aquela da nulidade dos
homens, das paixões cegas, do “excesso de corrupção”.
A história hipotética (histoire hypothétique), da qual Rousseau se serve
como fruto do autoconhecimento e da auto-reflexão, expõe não só o transcurso
dos acontecimentos e dos seus possíveis acasos ligados em uma cadeia de
relações necessárias. Ao conjecturar sobre o aperfeiçoamento das faculdades
humanas, desde o estado de natureza até o estabelecimento da sociedade civil,
o autor terminou traçando, ao mesmo tempo, a trajetória e o sentido em que a
idéia de progresso se inscreve, a saber, naquele da degenerescência do corpo e
do espírito. O sentido contraditório e irônico do progresso ocorre na medida em
que toda conquista perde o seu encantamento, e degenera em verdadeira
259
Ibidem, p.100.
80
necessidade. Disso resulta o contraste entre um pequeno número de coisas
boas ante uma infinidade de coisas ruins. Trata-se, propriamente, do confronto
de Rousseau com o estado de corrupção de seu tempo, pois, como ele o
explicita, aquilo que a reflexão ensina encontra a sua comprovação nos fatos.
Em Leopardi, o destino humano está definido, conforme a sua narração
na mítica alegoria da Storia del genero umano (1824) das Operette, como um
processo de degeneração e decadência. O autor compreende a “condição dos
homens” (condizione degli uomini)
260
como marcada por um instinto prepotente
de felicidade, em virtude da trágica contradição existencial do homem, que não
resulta de sua culpa, mas um erro dos “deuses” e da “natureza”
261
. Há, portanto,
no homem uma impotência essencial que provoca inúmeros efeitos como a
miséria suprema e grande infelicidade.
Isso ocorre, segundo o autor, por causa da eliminação da imaginação,
provocada pelo “império da Verdade” (imperio della verità)
262
, do conhecimento e
da definitiva remoção das “estupendas larvas” (maravigliose larve), a saber, as
“ilusões” (illusioni), os “benditos fantasmas” (beati fantasmi)
263
. Desse modo, vida
e infelicidade se identificam sob o predomínio da razão e do saber, compreendidos
na Storia del genere umano como expressão de um conhecimento que nega ao
homem o direito à fé nas “estupendas larvas” (stupende larve), e nos “fantasmas”
(fantasmi).
Em tal narrativa introdutória às Operette, explicita-se a trágica situação
existencial do homem, mediante um discurso sobre a condição humana, que
elimina todo e qualquer finalismo do universo
264
. Nela, o autor deplora, também,
todo antropocentrismo
265
, pois empreende uma desmistificação que evidencia o
260
Ibidem.
261
Cf. G Leopardi, Opúsculos Morais in: Poesia e Prosa, pp. 311-321; Operette Morali, pp. 65-82.
262
Cf. G. Leopardi, Opúsculos Morais, in Poesia e Prosa, pp. 317-321, 415-418; Operette Morali,
pp. 75-82, 238-242; Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 218-219.
263
Ver G.Leopardi, Opúsculos Morais, in Poesia e Prosa, p. 315; Operette Morali, pp. 73-74;
Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 16-17, 19, 20, 95, 99, 109, 113, 169, 236
264
Cf. G. Leopardi, Opúsculos Morais, in Poesia e Prosa, pp. 429-437; Operette Morali, pp. 260-
271.
265
Ibidem.
81
seu pessimismo cósmico
266
. O argumento da Storia del genero umano tem
continuidade em outros diálogos das Operette que destacam também a
decadência da vitalidade e da virtude no mundo moderno
267
. Trata-se da crítica
leopardiana à frivolidade voraz das “modas” (mode) e “máscaras” (maschere) que
tal época exibe: um ataque contra a pretensão humana de que o mundo tenha
sido feito para os homens, contra as falsidades e ideologias sub-reptícias
concernentes ao geocentrismo e antropocentrismo e contra todo otimismo
providencialista.
A reflexão leopardiana sobre a condição humana exprime, antes de
qualquer coisa, a crítica e recusa ao mundo moderno. Tal recusa parte da
compreensão de uma experiência vivida de forma dramática, das
degenerescências que afetam antropologicamente
268
o homem. Nesse sentido,
Leopardi termina, ao apresentar a tragicidade vivida existencialmente por todo o
homem, pondo em questão os valores, idéias, o modo de vida, a educação e os
comportamentos do homem moderno
269
.
Com base numa reflexão sobre tal condição, o autor desmistifica as
“crenças” (credenze) e “corrupções” (corruzione) pertencentes à vida moderna. Ao
mesmo tempo conduz um ataque a certa “razão abstrata”, separada do restante
das forças e disposições vitais do homem
270
. Outrossim, a sua concepção da
“condição dos homens” (condizione degli uomini) não conduz à inatividade. Ao
contrário, Leopardi reforça o “heroísmo” que é a forma como o amor próprio se
266
Ibidem.
267
Sobre esta problemática, ver nas Operette morali os seguintes diálogos: “Proposta de prêmios
feita pela Academia dos Silógrafos”, pp. 327-329 (Proposta di premi fatta dall’Accademia dei sillografi, pp.
94-98); “Parini, ou seja, da glória”, pp. 362-385 (Il Parini ovvero della gloria, pp. 159-190); “Diálogo di
Timandro e Eleandro” pp. 422-429 (Dialogo di Timandro e di Eleandro, pp. 249-259); “Diálogo de Tristão e
um Amigo”, pp. 449-456 (Dialogo di Tristano e di un Amico, pp. 291-300).
268
É importante destacar a crítica leopardiana às degenerescências presentes no mundo moderno. Ver
sobre a questão da barbárie, G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp. 257-258, 448-449, 450, 451-452.
269
Ibidem.
270
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, pp. 878-879. A crítica de Leopardi, mesmo que
não se constitua valendo-se de determinantes historicistas, e apele à natureza, não encerra uma posição
reacionária (queda na barbárie primitiva), ou irracionalista e mística, mas se exprime como luta por uma
“civilidade” mais completa: buscar a integridade do homem e a sua vitalidade. Leopardi recusa algumas
categorias próprias do discurso da filosofia da história moderna, a saber: melhoramento, aperfeiçoamento,
progresso. Ver os seguintes diálogos: “”Diálogo de Timandro e Eleandro” e Diálogo de Tristão e um Amigo”.
Isto não ocorre no pensamento leopardiano, uma vez que ele apela para a vitalidade do ânimo humano, e
refuta qualquer resignação.
82
manifesta no homem inteiro, poético, ativo, próximo à natureza como teria existido,
sobretudo, nas épocas clássicas, isto é, grega e latina. O egoísmo presente na
experiência moderna é vício decorrente de uma forma de racionalidade que limita
as disposições humanas. Isso explica a sua reflexão sobre a relação existente
entre o heroísmo (alta acepção do amor próprio) e o egoísmo (acepção do amor
próprio corrompido).
A abordagem de Leopardi sobre a condição humana expressa uma posição
de “desesperada” resistência
271
(própria de seu filosofar), e conduz a uma vontade
ativa e combativa, ante os equívocos da época moderna. Segundo ele, aquele que
disse que a vida do homem é uma guerra, disse pelo menos tão grande verdade
no sentido, quer profano, quer sacro
272
. Certamente, o sentido do combate
leopardiano não é este, já que este último é expressão da experiência cotidiana
moderna: de uns contra os outros. A sua concepção do combate
273
faz apelo à
solidariedade entre os homens diante da condição da qual nenhum homem pode
escapar.
Leopardi sabe que a felicidade não está dissociada ao grau da perfeição da
existência. Daí ele indagar: “Mas que outra coisa indica o grau da perfeição (...)
senão a felicidade? Aliás, qual é a outra finalidade da perfeição da existência?”
274
A felicidade, porém, não é realizável, pois o que se apresenta é um estado de
infelicidade, compreendido por Leopardi como “contradição” (contraddizione) à
finalidade inerente à natureza humana e à sua perfeição. Tal “contradição” vem
identificada no desenvolvimento do pensamento leopardiano de forma distinta: no
primeiro momento vem identificada com a “ordem da razão”, no segundo como
inerente ao “sistema da natureza” (sistema della natura)
275
.
271
Cf. G. Leopardi, “A giesta ou a flor do deserto”, in Cantos, Poesia e Prosa, pp. 288-295; “La
ginestra o il fiore del deserto”, in Canti, pp. 307-324.
272
Ver, aqui, Zibaldone di Pensieri, quando Leopardi empreende a crítica à forma de convivência
moderna entre os homens.
273
Deve-se considerar o significado heróico contido nos “Cantos” (Canti), sobretudo, as canções
como: “À Itália”, pp. 179-182 (All’Italia, pp. 5-11); “sobre o monumento a Dante que se preparava em
Florença”, pp. 183-188 (Sopra il monumento di Dante che si preparava in Firenze, pp. 13-23); “Brutus, o
jovem”, pp. 199-202 (Bruto Minore, pp. 57-67).
274
Ibidem.
275
Ibidem.
83
2.2 Contradição da razão e harmonia do sistema da natureza
Na busca de compreensão das causas da infelicidade humana, Leopardi
remete ao seu sistema, pois sustenta ser “o único que possa dar à narração do
Gênese uma explicação nova”
276
. Os teólogos consideraram o “crescimento” da
razão e do saber como “um bem absoluto para o homem, e a parte racional como
primária”
277
. Ao contrário, Leopardi defende no seu sistema – em um primeiro
momento – “a perfeição verdadeira e essencial do homem, no seu estado
primitivo, isto é, naquele (...) estado em que foi criado e saiu imediatamente das
mãos de Deus”
278
. Daí defender que a “corrupção” (corrozione) decorre do
“predomínio da razão e do saber” (preponderanza della ragione e del sapere).
Na defesa desse estado originário em consonância com o Gênesis,
Leopardi reconhece ser as “crenças” (credenze) e não as “cognições” (cognizioni)
o objeto apropriado a esse saber primário. Se o objeto da cognição é a “verdade”
(verità), aquele da crença é “uma proposição crível e (...) crível em tudo e por tudo
nas qualidades gerais ou individuais”
279
. Em tal discurso a verdade não tem lugar,
mas apenas saber quais determinações são necessárias à crença, sejam capazes
para produzir uma determinação e “operar” (operare) de modo útil para ser
pensante e vivo. Por conseguinte, quais “crenças” (credenze) sejam capazes para
produzir a sua “felicidade” (felicità).
Para Leopardi, as “crenças” (credenze) capazes de bem conduzir o homem
à felicidade são, como nos outros animais, “as crenças inatas, primitivas e
naturais”
280
. Tais crenças são aquelas denominadas de “instinto” (istinto), “idéias
inatas” (idee innate)
281
. Os animais não deixam de ser livres por causa do instinto,
276
Cf. G. leoapardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p. 273: “l’unico che possa dare alla narrazion della
Genesi, una spiegazione quanto nuova”.
277
Ibidem: “un bene assoluto per l’uomo, e la parte ragionevole come primaria”.
278
Ibidem: “la perfezion vera ed essenziale dell’uomo, nel suo stato primitivo, cioè in (...) quello
stato in cui fu creato, ed uscì immediatamente dalle mani di Dio”.
279
Ibidem, p. 274: “una proposizione credibile, e dico credibile relativamente in tutto e per tutto alle
qualità generali o individuali”.
280
Ibidem: “le credenze ingenite, primitive, e naturali”.
281
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p. 274.
84
do mesmo modo “uma crença qualquer ou inata ou adquirida, não elimina a
liberdade ou a escolha do homem”
282
.
O autor defende como algo já conhecido que a
“força do instinto diminui na proporção que
crescem as outras forças determinadoras
do homem, isto é, a razão e a cognição; e
(...) na proporção que o homem se
distancia da natureza, para a sociedade”
283
.
Com a alteração e substituição dos meios
oferecidos pela natureza com a mesma
finalidade “o homem perde a felicidade
natural, (...) perde a força atual do instinto e
dos meios de deter esta felicidade”
284
.
Nesse sentido é incorreto afirmar que os animais recebem da natureza toda
“instrução” (istruzione) necessária para existir, o mesmo não ocorrendo com o
homem.
Trata-se aqui do confronto com a concepção de que o homem precise de
“instrução” (animaestramento), de “sociedade” (società), por considerar que ele
saia “imperfeito das mãos da natureza e seja preciso que se aperfeiçoe
sozinho”
285
. Conforme Leopardi, o homem também tinha naturalmente tudo que
era preciso. Se agora ele sente tê-lo perdido, isto ocorreu porque perdeu a
“perfeição” (perfezione), ao querer se “aperfeiçoar” (perfezionare), isto é,
“alterando-se e se “estragando [alterandosi e guastandosi]”
286
.
Leopardi reconhece a impropriedade do termo “idéias inatas” (idee innate),
uma vez que não existem em nenhum vivo, são apenas “um sonho das antigas
escolas” (un sogno delle antiche scuole)
287
. A natureza influi sobre as crenças e
idéias de qualquer animal. Tais “idéias” e “crenças” não são postas de modo
282
Ibidem, p. 275: “una credenza qualunque o ingenita o acquistata, non toglie la libertà o la scelta
all’uomo”.
283
Ibidem: “forza dell’intinto, scema in proporzione che crescono le altre forze determinatrici
dell’uomo, cioè la ragione e la cognizione; e (...) in proporzione che l’uomo si allontana dalla natura, per la
società”.
284
Ibidem: “l’uomo perde la felicità naturale, (...) perde la forza attuale dell’istinto e dei mezzi
ingeniti di ottener questa felicità”.
285
Ibidem, p. 276: “imperfetto dalle mani della natura e conviene che si perfezioni da se”.
286
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p. 276.
287
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p. 276.
85
imediato, mas de forma mediada, dispondo a ordem das coisas adequada ao
animal. “Não são, portanto, precisamente inatas, nem as idéias, nem as crenças,
mas é inata no homem a disposição a se determinar atrás daquela tal experiência,
inclinação etc. daquela tal crença ou juízo”
288
. Daí Leopardi denominá-las “instinto”
(istinto)
289
.
Para Leopardi, o homem se distanciou da natureza e, portanto, da
felicidade quando em virtude de experiências de todo gênero: as quais devia ter
evitado por ter a natureza provido tudo, afastando-o, mediante obstáculos, da
“cognição da realidade” (cognizione della realtá). Tais experiências ocorreram “à
força de combinações, de tradições, de conversações mútuas etc., [em que] a sua
razão começa a deduzir outras consequências, quer dos dados naturais, quer
daqueles que não devia ter”
290
. Com a alteração das “crenças” (credenze) na
direção do “verdadeiro” (vero) ou de “erros” (errori) não mais naturais “altera-se o
estado natural do homem; as suas ações não vindo mais de crenças naturais, não
são mais naturais”
291
.
Ao deixar de obedecer às “inclinações primitivas” (primitive inclinazioni) o
homem se alterou, ou seja, “tornou-se imperfeito em relação à sua própria
natureza, tornou-se infeliz”
292
. Leopardi reconhece que o homem possa
acidentalmente se tornar infeliz, em razão de forças externas como “doenças”
(malattie), violências infrigidas por outros indivíduos, por outras espécies, ou por
elementos. Contudo não é esta a infelicidade de que trata o discurso leopardiano,
pois tal infelicidade é aquela antiga. A ciência e a cognição são inimigas da
288
Ibidem, p. 277: “Non sono dunque precisamente innate nè le idee nè le credenze, ma è innata
nell’uomo la disposizione a determinarsi dietro quella tale esperienza, inclinazione ec. a quella tal credenza o
giudizio”.
289
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p. 277.
290
Ibidem, p. 278: “a forza di combinazioni, di tradizioni, di conversazione scambievole ec., la sua
ragione comincia ad acquistare altri dati, comincia a confrontare, e finalmente a dedurre altre conseguenze sia
dai dati naturali, sia da quelli che non doveva avere”.
291
Ibidem: “si altera lo stato naturale dell’uomo; le sue azioni non venendo più da credenze naturali,
non sono più naturali”.
292
Ibidem: “divenuto imperfetto relativamente alla sua propria natura, diviene infelice”.
86
natureza, pois a razão tomada em si mesma, de forma absoluta, é “inocente”
(innocente) e tem a sua ação completa no “estado natural” (stato naturale)
293
.
Para Leopardi, o saber seguro do homem está na “crença” (credenze), pois
mais próxima ao “estado natural” (stato naturale): um estado de “ignorância”
(ignoranza) não confudível com a ausência absoluta de toda crença. Ao se
reportar novamente ao Gênesis bíblico, o autor argumenta:
“em Adão foi primitivamente infundida a
crença, como nos outros animais, e não a
própria ciência. (...) após o pecado ele
adquiriu a ciência do bem e do mal. A
ciência do bem e do mal, não é outra coisa
senão a cognição absoluta (...) que para si
mesma é indiferente ao homem, e nociva
quando o conhecê-la é contrário à natureza
do conhecedor”
294
.
Nestes argumentos o autor insiste na superioridade da natureza sobre a
razão e a arte, dada à incapacidade delas de substituí-la:
“o homem é livre por natureza, e igual a
qualquer outro da sua espécie. Mas no (...)
estado de sociedade, não é assim. A razão,
o princípio, a finalidade da sociedade, não é
outra coisa senão o bem comum, daqueles
que a compõem e se unem num corpo mais
ou menos amplo. Sem este fim, a
sociedade perde a sua justificação”
295
.
Se a sociedade não realiza tal fim, ela não é apenas irracional, mas “inútil”
(inutile) e “prejudicial” (dannosa) ao homem. Se esse fim porventura não se
realiza, “convém dissolver a sociedade porque esta em si mesma, e
independentemente do dito fim, leva ao homem mais prejuízo do que vantagem,
293
Ibidem.
294
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p.280: “in Adamo fu primitivamente infusa la
credenza, come negli altri animali, e non la scienza propria; (...) dopo il peccato egli acquistò la scienza del
bene e del male. La scienza del bene e del male, non è altro che la cognizione assoluta, (...) che per se stessa è
indiferente all’uomo, e nociva quando il conoscerla è contrario alla natura del conoscente”.
295
Ibidem, p. 312: “L’uomo per natura è libero, e uguale a qualunque altro della sua specie. Ma nello
(...) stato di società, non è così. La ragione, il principio, lo scopo della società, non è altro che il ben comune
di coloro che la compongono e si uniscono in un corpo più o meno esteso. Senza questo fine, la società manca
della sua ragione”.
87
aliás só prejuízo”
296
. O “bem comum” (ben commune), conforme Leopardi, só se
realiza numa “sociedade” (società) com a cooperação de todos os seus membros,
visando esse objetivo.
Trata-se aqui do “princípio de unidade” (principio di unità), visado
necessariamente pela sociedade, pois o “bem comum” (ben commune) é a “razão
da sociedade” (ragione della società): por sua natureza é importante a “unidade”
(unità), ou seja, a união de muitos e perfeitamente uma, quer na sua razão de ser,
quer no seu objetivo. Onde a sociedade não tem necessidade de “unidade” (unità),
“o homem, embora associado, é como fora da sociedade, e conserva as suas
qualidades naturais, quer dizer a sua liberdade, o cuidado de si mesmo, e dos
seus negócios etc.”
297
. Em outras partes, porém, independente do “bem comum”
(ben commune), a sociedade não perdura, “e não é sociedade, embora ela
perdure ao mesmo tempo, naquilo que cabe à sua razão e destinação e
objetivo”
298
.
Para Leopardi, a “vontade dos indivíduos” (volontà degli individui) não pode
cooperar para um fim único, em virtude da infinidade e diversidade de interesses,
opiniões e vantagens, pois “as vontades etc. quando (...) mesmo que se ajustem
em buscá-lo absolutamente, não se ajustam relativamente em determiná-lo, quer
em geral e totalmente; quer em parte, e em particular; quer com respeito aos
tempos, às oportunidades de buscá-lo e obtê-lo etc.”
299
. Tal fim só é possível
mediante um “acordo” (accordo) dos membros da sociedade, visando o “bem
comum” (ben commune): “de outro modo cada um podia sem sociedade, obtê-lo
sozinho; e a sociedade era inútil”
300
.
296
Ibidem: “conviene sciorre la società, perchè questa per se stessa, e indipendentemente dal detto
fine, porta all’uomo più nocumento che vantaggio, anzi solo nocumento”.
297
Ibidem: “l’uomo, sebbene associato, è come fuori della società, e conserva le sue qualità naturali,
vale a dire la sua libertà, la cura di se stesso, e de’ suoi negozi ec.”.
298
Ibidem: “e non è società, sebbene ella sussista nel medesimo tempo, in quello che spetta alla sua
ragione e destinazione e scopo”.
299
Ibidem, p. 313: “le volontà ec. quando (...) anche sí accordino nel cercarlo assolutamente, non si
accordano relativamente nel determinarlo, sia in genere e totalmente; sia in parte, e in particolare; sia riguardo
ai tempi, alle opportunità de cercarlo e proccurarlo ec.”.
300
Ibidem: “altrimenti ciascuno poteva senza società, proccurarlo da se; e la società era inutile”.
88
Em consonância com tais argumentos, pode-se inferir com Leopardi que em
um “corpo” perfeitamente “livre e igual” (libero e uguale) falta “unidade” (unità): o
único meio de a sociedade obter o seu único objetivo. Por isso em um corpo “livre
e igual” (libero e uguale) não tem senão o “nome” (nome) ou a “aparência”
(sembianza) da sociedade, pois mais pessoas encontram-se juntas no lugar, mas
não em sociedade. É preciso, entretanto, o “bem comum” (ben commune) e o
meio de obtê-lo é a “unidade” (unità). Daí a “ordem, o estado verdadeiro, a
perfeição da sociedade, não pode ser senão aquele que produz e causa
perfeitamente esta cooperação e unidade. Já que a perfeição de qualquer coisa,
não é outra senão a sua correspondência completa ao seu fim”
301
.
Para tanto é preciso reunir em um único centro as “opiniões” (opinioni), os
“interesses” (interessi) e as “vontades” (volontà) de muitos. Segundo o autor, não
há outro “meio” (mezzo) senão o de subordiná-las a “uma única opinião, vontade e
interesse; quer dizer pelas opiniões, vontades, interesses de um único”
302
. Daí a
“monarquia absoluta e despótica (...) inerente à essência, à razão da sociedade
humana, isto é, composta por indivíduos divergentes”
303
. Só assim a “unidade”
(unità) é obtida, por se tratar do meio para se conseguir o “bem comum” (ben
commune)
304
.
Isso justifica a necessidade de um “príncipe quase perfeito” (principe quasi
perfetto), a fim de discernir e determinar o “verdadeiro bem universal” (vero bene
universale).
“Se, portanto, a sociedade não pode durar,
aliás não existe sem unidade; e a perfeita
unidade não pode durar sem um príncipe
absoluto; nem este príncipe corresponde ao
fim dessa unidade, e da sociedade, e de si
mesmo, se não é perfeito; para que o
301
Ibidem: “ordine, lo stato vero, la perfezione della società, non può essere se non quello che
produce e cagiona perfettamente questa cospirazione e unità. Giacchè la perfezione di qualunque cosa, non è
altro che la sua intera corrispondenza al suo fine”.
302
Ibidem: “una sola opinione, volontà, interesse; vale a dire dalle opinioni, volontà, interessi di un
solo”.
303
Ibidem, p. 314: “la monarchia assoluta e dispotica (...) inerente all’essenza, alla ragione della
società umana, cioè composta d’individui per se stessi discordanti”.
304
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I. p. 314.
89
governo monárquico e a sociedade seja
perfeita, é necessário que o príncipe seja
perfeito. Perfeição apesar de relativa, não
se dá entre os homens, nem entre os
animais, nem entre as coisas. E aí o estado
de sociedade necessariamente
imperfeito”
305
.
Leopardi sabe, entretanto, das “calamidades” (calamità) resultantes da
tirania, um contrário à natureza de todos os vivos de todas as espécies: uma fonte
de infelicidade. Nesse sentido, a sociedade perde a sua razão de ser, o seu fim e
se torna “prejudicial” (dannosa). Conforme o autor, a sociedade se torna um “mal
infinito” (male infinito) e, formalmente, “a infelicidade dos homens que a
compõem”
306
. Tal infelicidade ocorre na sociedade, à medida que o príncipe, em
maior ou menor proporção, distancia-se da finalidade dela, que se tornou por
direito e dever o seu próprio propósito.
Um príncipe “capaz e bom” (capace e buono) só é possível nos primórdios
da sociedade. “Sendo a sociedade no estado primitivo e natural, sem demasiadas
regras, sem demasiada ambição, sem obrigações, sem outras corrupções e
impedimentos; podia-se e escolher o dito homem, e morto, escolher outro de
modo semelhante digno”
307
. Com a antiga e a moderna corrupções dos homens
não existem mais tais homens dado ao estado de “depravação da sociedade”
(depravazione della società).
A ausência de tal príncipe determina na sociedade, a perda de sua razão de
ser e finalidade: o “bem comum” (bem commune). Daí o governo e a sociedade se
tornavam inúteis e prejudiciais que resultava da “absurdidade” (assurdità),
“barbárie” nas mãos de um só, pronto a prejudicar.
305
Ibidem, p. 315: “Se dunque la società non può stare, anzi non esiste senza unità; e la perfetta unità
non può stare senza un principe assoluto; nè questo principe corrisponde al fine di essa unità, e società, e di se
stesso, se non è perfetto; perchè il governo monarchico e la società sia perfetta, è necessário che il principe sia
perfetto. Perfezione ancorchè relativa, non si dà fra gli uomini, nè fra gli animali, nè fra le cose. Ed ecco lo
stato di società necessariamente imperfetto”.
306
Ibidem, p. 314: “L’infelicità degli uomini che la compongono”.
307
Ibidem, p. 316: “Essendo la società nello stato primitivo e naturale, senza troppe regole, senza
troppa ambizione, senza impegni, senz’altre corruzioni e impedimenti; si poteva e scegliere il detto uomo, e
morto, sceglierne altro similmente degno”.
90
“Longe, portanto, da natureza, e longe da
essência de si mesma, a sociedade não
podia mais ser feliz. Nem podia mais haver
governo perfeito, não só porque o homem
se distanciou da natureza, fora da qual não
existe perfeição em qualquer estado; mas
também e, principalmente, porque aquele
único governo pudesse no início ser
perfeito, (...) o único adequado à essência
da sociedade, estava pelas circunstâncias
irremediáveis e perpétuas excluído para
sempre da perfeição; e também (junto a
este ou aquele povo) excluído,
efetivamente e inteiramente, da
sociedade”
308
.
Segundo Leopardi, a natureza – única fonte possível de felicidade também
do homem social – desapareceu. Por isso,
“a arte, a razão, a meditação, o saber, a
filosofia avançam para suprir a ausência ou
corrupção da natureza, reparar, substituir
os seus (pretensos) meios de felicidade,
pelos meios da natureza; ocupar, em suma,
o lugar do qual a natureza foi expulsa, e
fazer a vez dela; conduzir o homem (...)
àquela felicidade, à qual a natureza
conduzia”
309
.
A liberdade (libertà) e a “igualdade natural” (uguaglianza naturale) antecedem à
monarquia primitiva “ou no estado do homem insocial e solitário, ou naquela
primeira infância da sociedade, onde ela é mais um ajuntamento material de
homens do que uma sociedade”
310
.
308
Ibidem, pp. 318-319: “Lungi dunque dalla natura, e lungi dall’essenza di se stessa, la società non
poteva esser felice. Nè vi poteva più esser governo perfetto, non solo perchè l’uomo era allontanato dalla
natura, fuor della (...) quale non v’è perfezione in qualunque stato; ma anche e principalmente perchè quel
solo che potesse da principio esser perfetto, (...) il solo conveniente all’essenza della società, era da
circostanze irrimediabili e perpetue escluso per sempre dalla perfezione; ed anche (presso questo o quel
popolo) escluso effettivamente ed intieramente dalla società”.
309
Ibidem, p. 319: “l’arte, la ragione, la meditazione, il sapere, la filosofia si fanno avanti per
supplire all’assenza o corruzione della natura, rimediarci, sostituire i loro (pretesi) mezzi, di felicità, ai mezzi
della natura; occupare in somma il luogo da cui la natura era cacciata, e far le di lei veci; condurre l’uomo (...)
a quella felicità, a cui la natura lo conduceva”.
310
Ibidem, p. 318: “o nello stato dell’uomo insociale e solitario, o in quella prima infanzia della
società, dov’ella è piuttosto un’adunanza materiale d’uomini che una società”.
91
Por ser impossível e durável a conservação da “perfeita igualdade” (perfetta
uguaglianza), torna-se impossível a conservação da democracia, por ser o seu
fundamento essencial e indispensável. Desse modo, tal estado “não pode durar
longo tempo, e se dissolve naturalmente na monarquia, (...) na oligarquia, ou no
governo dos otimates, isto é, na aristocracia”
311
. Daí o único meio de se preservar
contra a demasiada e nociva desigualdade no “estado livre” (stato libero) é a
“natureza” (natura), isto é,
“as ilusões naturais, as quais dirigem o
egoísmo e o amor próprio, exatamente para
não querer nada a mais dos outros, a se
sacrificar pelo geral, a se manter na
igualdade, a defender o estado presente de
coisas, e refutar toda singularidade e
maioria, exceto aquela dos sacrifícios, dos
perigos e das virtudes condutoras da
conservação da liberdade e desigualdade
de todos”
312
.
O único “remédio” (rimedio) contra as desigualdades no estado livre é a
“natureza” (natura) e as “ilusões naturais” (illusioni naturali), porque as
desigualdades derivarão apenas da “virtude e mérito” (virtù e merito)
313
.
Destruídas as ilusões e “diminuída” (scemata) ou “eliminada” (tolta) a natureza
retorna o “baixo egoísmo” (basso egoismo), provocado pelas vantagens e meios
de engrandecimento dos “superiores” (superiori), “irritam os inferiores pela própria
inferioridade, acrescidas as riquezas, o luxo, as clientelas, os compromissos, as
ambições, a filosofia, a eloqüência, as artes, e as outras infinitas corrupções e
πλεονεξία da sociedade, as democracias se fragilizam (...) e finalmente caem”
314
.
Para Leopardi, o homem é naturalmente, originariamente e essencialmente
“livre” (libero), “independente” (independente) e “igual” (uguale) aos outros. Tais
311
Ibidem, p. 322: “non può durar lungo tempo, e si risolve naturalmente nella monarchia, (...)
nell’oligarchia, o nel governo degli ottimati, cioè nell’aristocrazia”.
312
Ibidem: “le illusioni naturali, le quali diriggono l’egoismo e l’amor proprio, appunto a non voler
nulla più degli altri, a sacrificarsi al comune, a mantenersi nell’uguaglianza, a difendere il presente stato di
cose, e rifiutare ogni singolarità e maggioranza, eccetto quella dei sacrifizi, dei pericoli e delle virtù
conducenti alla conservazione della libertà ed uguaglianza di tutti”.
313
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 322.
314
Ibidem, p. 323: “irritato negl’inferiori dalla stessa inferiorità, aggiunte le riccheze, il lusso, le
clientele, gl’impegni, le ambitiones, la filosofia, l’eloquenza, le arti e le altre infinite corruzioni e πλεονεξία
della società, le democrazie s’indebolirono, (...) e finalmente caddero”.
92
qualidades pertencem à idéia da natureza e da essência constituída do homem e
dos outros animais
315
. Quanto à sociedade: na sua origem e essência é
dependente e desigual, pois sem tais “qualidades” (qualità) não é “perfeita”
(perfetta), isto é, não é “verdadeira sociedade” (vero società). Na sociedade, o
homem precisa se desfazer e perder as “qualidades essenciais, naturais, inatas,
constitutivas e inseparáveis de si mesmo”
316
.
Não se pode considerar um ser destituído de sua “qualidade intrínseca”
(qualità intrinseca) e “constituidora” (constitutiva), independente de toda
circunstância e forças externas e acidentais. Daí ser insustentável, em sentido
ontológico, o homem destituído de “liberdade” (liberta) e “igualdade” (uguaglianza),
pois implicaria na perda da “essência humana” (essenza umana) e não seria um
homem
317
. Quando a sociedade priva o homem, de fato, de algumas qualidades
dele, essenciais e naturais, revela ser
“um estado que não convém ao homem,
não corresponde à sua natureza; portanto
essencialmente e primitivamente imperfeito,
e alheio conseqüentemente da sua
felicidade, e contraditório na ordem das
coisas”
318
.
Conforme Leopardi, a necessidade de “unidade” (unità) e “dependência”
(dipendenza), de “submissão” (suggezione) e “desigualdade” (disuguaglianza) não
pertence à “sociedade primordial” (società primordiale). Tal “sociedade primordial”
constitui a essência e o ordenamento, ou seja, a natureza da espécie humana e
dos animais: uma sociedade “imperfeita como sociedade; perfeita como essência
verdadeira e primitiva do homem e dos animais, e à ordem das coisas, onde nada
é perfeito absolutamente, mas relativamente”
319
. Por isso, semelhantes
“verificações” (appuramenti), “exatidões” (esattezze), “estreitezas” (strettezze),
315
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 326.
316
Ibidem, p. 327: “qualità essenziali, naturali,, ingenite, costitutive e inseparabili da se stesso”.
317
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 327.
318
Ibidem: “un stato che non conviene all’uomo, non corrisponde alla sua natura; quindi
essenzialmente e primitivamente imperffetto, ed alieno per conseguenza dalla sua felicità, e contradditorio
nell’ordine delle cose”.
319
Ibidem: “imperfetta in quanto società; perfetta in quanto all’essenza vera e primitiva dell’uomo
assolutamente, ma relativamente”.
93
“sutilezas” (sottigliezze), “dialéticas” (dialettiche), “matemáticas” (matematiche) não
existem na natureza, e tampouco serem incluídas na consideração da ordem
natural, porque a natureza não as seguiu
320
.
Não é, porém, imperfeito aquilo que não corresponda, de forma geométrica,
às ditas idéias, para algo ser natural. Aliás não pode ser perfeito tudo aquilo que
porventura for reduzido e adequado a tais idéias, por não serem mais conforme ao
estado essencial e primeiro
321
. Segundo o autor, em qualquer lugar onde esteja
presente a “perfeição matemática” (perfezione matematica), há “verdadeira
imperfeição” (vera imperfezione)
322
, ou seja,
“discordância da natureza, e da ordem
primitiva das coisas, a qual foi combinada
de outro modo, e fora da qual não existe
perfeição, embora esta não seja jamais
absoluta, mas relativa. A estrita precisão
entra na razão e deriva dela, não entrava
no plano da natureza, e não se encontrava
na realização”
323
.
Nos tempos modernos, a “estrita precisão” (stretta precisione) tornou-se
cada vez mais uma exigência, em virtude da crescente corrupção da “ordem das
coisas” (ordine delle cose). Isto justifica a sua presença necessária nas leis,
instituições, estatutos, governos das coisas: algo crescente na proporção em que
os homens e os séculos cada vez mais se estragaram, atingindo assim o máximo
de corrupção, a ponto de ultrapassar todos os limites
324
.
O “daqui a pouco” (appresso a poco), o “facilmente” (facilmente) são idéias
não convenientes aos presentes sistemas filosóficos, em que nada é, se não pode
ser
325
. Tais idéias adequam-se muito mais à natureza, “onde infinitas coisas
foram, e podiam não ser, mas a natureza tinha provido bastante, quando tinha
320
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 327.
321
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp. 327-328.
322
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 328.
323
Ibidem: “discordanza dalla natura, e dall’ordine primitivo delle cose, il quale non v’è perfezione,
benchè questa non sia mai assoluta, ma relativa. La stretta precisione entra nella ragione e deriva da lei, non
entrava nel piano della natura, e non si trovava nell’effetto”.
324
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 328.
325
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 328.
94
provido para que não fossem, e não eram de fato”
326
. Disto resulta a indagação
leopardiana: “de outro modo como teria se corrompido a natureza, e a ordem das
coisas, naquele modo em que vemos realizado?”
327
De uma corrupção em que é
preciso a concordância de todos.
Semelhante realização é propósito da “razão e dos sistemas presentes,
sempre dirigidos para tornar o contrário impossível, se o sistema pertence à
prática, e para demonstrar o contrário impossível, se o sistema pertence à
especulação”
328
. Para Leopardi, aqui está a fonte dos erros nos filósofos,
sobretudo, modernos,
“os quais habituados com a exatidão e
precisão matemática, tão usual e moda
hoje em dia, considerem e medem a
natureza com estas normas, acreditam que
o sistema da natureza deva corresponder a
estes princípios”
329
.
Tais filósofos não acreditam ser natural aquilo que não é “preciso e
matematicamente exato [preciso e matematicamente esatto]”
330
. Ao contrário, tudo
o que não é exato é natural, pois uma grande característica do natural é não ser
exato
331
.
“Na natureza e na ordem das coisas é
preciso considerar a disposição primitiva, a
intenção, o modo como as coisas se
comportam desde o início, o modo como
agrada à natureza que se comportem, o
modo como deveriam se comportar; não a
326
Ibidem: “dove infinite cose erano, e potevano non essere, ma la natura aveva provveduto
bastantemente, quando avea provveduto che non fossero, e non erano in fatto”.
327
Ibidem: “Altrimenti come si sarebbe potuta corromper la natura, e l’ordine delle cose, in quel
modo in cui vediamo che ha fatto?”
328
Ibidem: “ragione e de’ presenti sistemi, sempre diretti a rendere impossibile il contrario, se il
sistema appartiene alla speculativa”.
329
Ibidem: “i quali assuefatti all’esattezza e precisione matematica, tanto usuale e di moda oggidì,
considerano e misurano la natura con queste norme, credono che il sistema della natura debba corrispondere a
questi principii”.
330
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 328.
331
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 328.
95
necessidade, nem o modo como não
podiam deixar de se comportar”
332
.
Tudo isso ocorria, na ordem das coisas, conforme uma regularidade natural,
diversa da necessidade: envolvendo os homens, os animais e todas as ordens de
coisas.
Em vez dessa ordem necessitaria imposta pelos filósofos, Leopardi fala do
que ocorre todos os dias no mundo: “inconvenientes, aberrações, acidentes
particulares contrários à ordem geral”
333
. Ele não indica apenas aqueles
acontecimentos dependentes do homem, mas também daqueles independentes
da “ação” (azione) e “ordem” (ordine) humana
334
. Tais “desastres” (disastri) dão o
que fazer aos filósofos, não aceitando como isto possa acontecer na “obra da
natureza” (opera della natura). Alguns até acreditam no pensamento de que “se a
razão humana tivesse presidido a obra da natureza, estes acidentes não teriam
acontecido”
335
.
Para Leopardi, “o plano, o sistema, a máquina da natureza, está composta
e organizada de outra maneira daquela da razão, e não responde à exatidão
matemática”
336
. Daí reconhecer na sociedade primordial e natural da espécie
humana, semelhante a dos “brutos” (bruti), sem submissão, desigualdade, graus,
regras, aquela correspondente à finalidade, ou seja, ao “bem comum” (comum
bene). Tal finalidade não corresponde jamais à sociedade mais estrita e formada,
quando falta a “unidade” (unità). Apenas a sociedade primordial conseguia realizar
o intento da natureza e sua destinação: a perfeição consiste no estado natural.
Leopardi identifica na “solidão” (solitudine) do estado natural, quer dos
animais, quer dos homens, a “felicidade” (felicità).
332
Ibidem, p. 329: “Nella natura e nell’ordine delle cose bisogna considerare la disposizion
primitiva, l’intenzione, il come le cose andassero da principio, il come piaccia alla natura che vadano, il come
dovrebbero andare; non la necessità, nè il come non possano non andare”.
333
Ibidem: “inconvenienti, aberrazioni, accidenti particolari contrari all’ordine generale”.
334
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 329.
335
Ibidem: “se la ragione umana avesse presieduto all’opera della natura, questi accidenti non
avrebbero avuto luogo”.
336
Ibidem: “il piano, il sistema, la macchina della natura, è composta e organizzata in altra maniera
da quella della ragione, e non risponde all’esattezza matematica”.
96
“Nunca para a cognição do verdadeiro
como verdadeiro. Esta não será jamais
nascente de felicidade, nem hoje; nem foi
então quando o homem primitivo passava o
tempo em solidão, bem distante certamente
das meditações filosóficas; nem nos
animais a felicidade da solidão derivava da
cognição do verdadeiro”
337
.
Tal consolação da “solidão” (solitudine) derivava no estado primitivo das “ilusões”
(illusioni), embora realizáveis
338
.
Há uma nova tendência à “solidão” (solitudine) nos estados e povos
corrompidos: tendência interrompida pela primeira energia para a vida social. No
mundo moderno a “presença e o ato da sociedade extingue as ilusões (...)
enquanto antigamente as promovia e ascendia, e a solidão as promovia ou as
despertava, enquanto não primitivamente, mas antigamente as abrandava”
339
. Daí
o homem moderno quanto mais sábio, quanto mais conhece a “infelicidade do
verdadeiro” (infelicità del vero), mais ama a “solidão” (solitudine) a fim de esquecer
a infelicidade: “enquanto no estado primitivo o homem amava tanto mais a solidão,
quanto mais era ignorante e inculto”
340
.
Conforme Leopardi, a “condição” (condizione) do homem moderno é pior do
que a dos “brutos” (bruti), em virtude de se encontrar alienado da natureza e,
portanto, bastante infeliz: daí o desejo da morte como único remédio evidente e
calculado para a infelicidade. Daí indagar:
“Por que a razão após ter combatido e
vencida a natureza para nos fazer infelizes,
em seguida faz aliança com ela, para elevar
ao máximo a nossa infelicidade, impedindo-
nos de conduzi-la aquela finalidade com a
nossa mão? Por que a razão está de
acordo com a natureza nisto apenas, que
337
Ibidem, p. 360: “Non mai per la cognizione del vero in quanto vero. Questa non sarà mai sorgente
di felicità, nè oggi; nè era allora quando l’uomo primitivo se la passava in solitudine, ben lontano certamente
dalle meditazioni filosofiche; nè agli animali la felicità della solitudine deriva dalla cognizione del vero”.
338
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 360.
339
Ibidem: “presenza e l’atto della società spegne le illusioni, (...) laddove anticamente le fomentava
e accendeva, e la solitudine le fomenta o le risveglia, laddove non primitivamente ma anticamente le sopiva”.
340
Ibidem, p. 361: “laddove nello stato primitivo l’uomo amava tanto più la solitudine, quanto
maggiormente era ignorante ed incolto”.
97
constitui o extremo das nossas
desgraças?”
341
Se a “Religião” (Religione), diante dessa situação, não é verdadeira, mas
apenas uma idéia concebida pela “mísera razão” (misera ragione), tal idéia é,
segundo Leopardi,
“a coisa mais bárbara que possa ter
nascido na mente do homem: é o pacto
monstruoso da razão o mais cruel; é o
máximo dos danos desta (...) capital
inimiga, (...) a razão, a qual tendo apagado
da mente a fantasia e do (...) coração todas
as ilusões que nos teria feito e nos faziam
venturosos”
342
.
Apenas a razão poderá conservar os homens, a qual eleva ao máximo o
desespero do infeliz. Daí a idéia da Religião se não é verdadeira, torna-se o
grande mal do homem, o grande dano resultante das suas “investigações
desgraçadas (...) raciocínios e meditações ou as suas superstições”
343
.
Todas as forças e ilusões do homem pertencem à natureza, pois a
“civilização (civiltà), a “ciência” (scienza) e a “impotência” (impotenza) são
inseparáveis. Por isso o “fazer” (fare) é uma faculdade apenas da natureza e não
da razão. Quem faz é sempre senhor de quem que apenas pensa. Nesse sentido,
os povos naturais ou bárbaros serão sempre senhores dos civis.
“Até quando, porém, restarão bárbaros no
mundo, ou nações alimentados por fortes,
plenas, persuasivas, constantes, não
racional e grandes ilusões, os povos civis
serão presa deles. Depois daquele tempo,
quando à son tour a civilização tornada hoje
tão rápida, vasta e poderosa conquistadora,
não terá mais nada para conquistar, então,
341
Ibidem, p. 372: “ Perchè dopo che la ragione ha combattuta e sconfitta la natura per farci infelici,
stringe poi seco alleanza, per porre il colmo all’infelicità nostra, coll’impedirci di condurla a quel fine che
sarebbe in nostra mano? Perchè la ragione va d’accordo colla natura in questo solo, che forma l’estremo delle
nostre disgrazie?”
342
Ibidem: “la più barbara cosa che possa esser nata nella mente dell’uomo: è il parto mostruoso
della ragione il più spietato; è il massimo dei danni di questa (...) capitale nemica, (...) la ragione, la quale
avendo scancellato dalla mente dall’immaginativa e dal cuor (...) tutte le illusioni che ci avrebbero fatti e ci
faceano beati”.
343
Ibidem: “disgraziate recerche e ragionamenti e meditazioni o i suoi pregiudizi”.
98
ou retornará à barbárie, e se será possível,
à natureza por uma nova estrada, e
totalmente oposta ao natural, isto é, a
estrada, da corrupção como nos baixos
tempos (...). O mundo então começará um
outro curso e quase uma outra essência e
existência”
344
.
Trata-se aqui do “progresso da civilização” (progresso dell’incivilimento), ou seja,
da “corrupção” (corruzione) dos povos, das nações.
Para Leopardi, aqui estão as “vantagens da civilização, do espírito filosófico
e da humanidade, do direito das gentes criado, do amor universal imaginado, do
ódio recíproco das nações destruído, da antiga barbárie abolida”
345
. A fragilização
e a corrupção constante das virtudes fundamentadas nas ilusões, fruto do
distanciamento da condição natural, pôs em risco a convivência humana.
Outrossim, os tempos tornados bárbaros não se identificam com os da “barbárie
primitiva” (barbarie primitiva), porque são tempos corrompidos. Nisto se evidencia
a superioridade da natureza em relação às obras humanas ou do seu resultado
346
.
O autor sabe, entretanto, ao comparar o “sistema da natureza” (sistema
della natura) com uma enorme “máquina” (macchina) composta de infinitas partes,
da possibilidade de “desordens” (disordini), “inconvenientes acidentais”
(incovenienti accidentalli), ao longo de sua duração e, embora tais inconvenientes
não pareçam poucos, é preciso considerá-los em uma consonância e proporção
com a imensidão, a complexidade e a duração de tal sistema. Nesse sentido,
Leopardi propõe: “disto desculpar, de uma parte, a natureza, e de outra (...), (...)
344
Ibidem, p. 381: “Ma finattanto però che resteranno barbari al mondo, o nazioni nutrite di forti e
piene e persuasive, e constanti, e non ragionate, e grandi illusioni, i popoli civili saranno lor preda. Dopo quel
tempo, quando à son tour la civiltà divenuta oggi sì rapida vasta e potente conquistatrice, non avrà più nulla
da conquistare, allora o si tornerà alla barbarie, e se sarà possibile, alla natura per una nuova strada, e tutta
opposta al naturale, cioè la strada dell’universale corruzione como ne’ bassi tempi; o io non so pronosticare
più oltre quello che si dovrà aspettare. Il mondo allora comincerà un altro andamento, e quasi un’altra essenza
ed esistenza”
345
Ibidem, p. 403: “vantaggi dell’incivilimento, dello spirito filosofico e di umanità, del diritto delle
genti creato, dell’amore universale immaginato, dell’odio scambievole delle nazioni distrutto, dell’antica
barbarie abolita”.
346
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 410.
99
conhecer se sejam realmente acidentais e contrários ao sistema e não deriva dos
dele”
347
. Para tanto, basta ver se eles
“se opõem ao andamento prescrito e
ordenado primitivamente pela natureza das
coisas, e se ela opôs todos os obstáculos
compatíveis, que muitas vezes podem
resultar insuficiente, como na máquina
melhor imaginada e trabalhada. Quando
nós, portanto, nas infelicidades do homem
encontramos uma oposição direta com o
sistema primitivo, e descobrimos que a
natureza tinha oposto infinitos e obstáculos
muito planejados, e (...) foi preciso fazer
máxima força à natureza, à ordem primitiva
etc. e vastíssima série de séculos para nos
reduzir a esta infelicidade; então essa
infelicidade por grande, e universal, e
durável, e também irremediável que ela
seja, não se pode considerar (...) como
inerente ao sistema, nem como natural”
348
.
Outrossim, Leopardi defende ainda não ser preciso sobrecarregar a mente,
tentando pôr tal infelicidade em conformidade com a “ordem das coisas” (ordine
delle cose),
“nem imaginar um sistema com base
nesses inconvenientes, um sistema
fundado nos acidentes, um sistema que
tenha como base e forma as alterações
acidentalmente ocorridas em nós, um
sistema dirigido para considerar como
necessárias e primitivas, coisas acidentais
e contrárias à ordem primordial”
349
.
347
Ibidem, p. 437: “iscusarne da una parte la natura, e dall’altra parte, per conoscere se sieno
veramente accidentali e contrari al sistema e non derivati da esso”.
348
Ibidem: “si oppongono all’andamento prescritto e ordinato primitivamente dalla natura alle cose,
e se ella vi ha opposti tutti gli ostacoli compatibili, che spesso possono riuscire insufficienti come nella
macchina la meglio immaginata e lavorata. Quando noi dunque nelle infelicità dell’uomo troviamo una
opposizione diretta col sistema primitivo, e scopriamo che la natura vi aveva opposti infiniti e studiatissimi
ostacoli, e (...) ci è bisognato far somma forza alla natura, all’ordine primitivo ec. e lunghissima serie di secoli
per ridurci a questa infelicità; allora essa infelicità per grande, e universale, e durevole, ed anche irrimediabile
ch’ella sia, non si può considerare (...) come inerente al sistema, né come naturale”.
349
Ibidem: “nè immaginare un sistema sopra questi inconvenienti, un sistema fondato sopra gli
accidenti, un sistema che abbia per base e forma le alterazioni accidentalmente fatteci, un sistema diretto a
considerare come necessarie e primitive, delle cose accidentali e contrarie all’ordine primordiale”.
100
Ao contrário, deve-se reconhecer “formalmente a oposição que tem a nossa
infelicidade com o sistema da natureza; e a diferença que corre entre ele, entre os
seus efeitos, e os efeitos da sua alteração e corrupção parcial e acidental”
350
. Ao
demonstrar, num primeiro momento, ser os diversos obstáculos opostos à
natureza e ao seu estado presente, Leopardi defende ser tal estado de infelicidade
algo acidental, “e independente do sistema da natureza, e contrário à ordem das
coisas, e não essencial etc.”
351
.
No primeiro momento, Leopardi parte da consideração de que a natureza
representa equilíbrio, ordem, harmonia e, por sua vez, teria destinado o homem –
que é parte integrante dela – à felicidade. Constitui-se, dessa maneira, a perfeição
do homem como ser natural, destinado à realização da felicidade. Para o autor, a
felicidade representa a grande finalidade da natureza em relação ao homem e a
todo ser vivo, pois “todos os seres (...) saíram perfeitos no seu gênero” das suas
mãos
352
. Por conseguinte, a perfeição consistiria na “felicidade, quanto ao
indivíduo, e na reta correspondência à ordem das coisas, quanto ao restante”
353
.
Leopardi defende, ainda, que a felicidade do homem consiste também na
“ignorância do verdadeiro”
354
(ignoranza del vero). Nesse sentido, o estado de
perfeição natural” (perfezion naturale) humano está associado a tal ignorância,
pois “o mundo está dirigido para a felicidade, porque a natureza fez o homem feliz.
A natureza, porém, o fez também ignorante, como os outros animais”
355
. Daí o
autor rejeitar a possibilidade da perfeição humana se constituir por meio da
“cognição do verdadeiro”, uma vez que o conduz a um distanciamento da “ordem
natural” (ordine naturale).
350
Ibidem: “formalmente l’opposizione che ha la nostra infelicità col sistema della natura; e la
differenza che corre fra esso, fra gli effetti suoi, e gli effetti della sua alterazione e depravazione parziale e
accidentale”.
351
Ibidem, p. 438: “e indipendente dal sistema della natura, e contrario all’ordine delle cose, e non
essenziale ec.”.
352
Cf. G Leopardi, Zibaldone di Pensieri: “tutti gli esseri (...) sono usciti perfetti nel loro genere”.
353
Ibidem: “felicità quanto all’individuo, e nella retta corrispondenza all’ordine delle cose, quanto al
rimanente”.
354
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 218.
355
Ibidem: “il mondo è diretto alla felicità, e perchè la rotura ha fatto l’uomo felice. Ora essa l’ha
fatto anche ignorante, come gli altri animali”.
101
Para o autor, porém, nós consideramos “esta ordem num modo, e a
natureza num outro. Nós num modo com o qual a ignorância é incompatível; a
natureza num modo com o qual é incompatível a ciência”
356
. Ao prosseguir neste
raciocínio de que a “cognição do verdadeiro” (“cognizione del vero”) não realiza a
perfeição humana, Leopardi acusa a dimensão racional do homem de promover o
estado de imperfeição e de infelicidade, uma vez que tal “cognição” é contrária ao
ordenamento da natureza nos seres vivos.
Segundo Leopardi, se a natureza determinou como finalidade a felicidade
dos seres vivos, e no homem este fim visava a “cognição do verdadeiro”, isto não
implicaria numa contradição do “sistema da natureza” (sistema della natura)? Por
que ela “escondeu”, indaga ele, “este verdadeiro de forma tão ciumenta”
357
que no
transcorrer dos séculos não seria suficiente para alcançá-lo? Leopardi questiona
ainda: “Não seria este um vício orgânico, fundamental, radical, e uma contradição
no seu sistema? Como tornou tão difícil o único meio de obter aquilo que queria,
sobretudo, e prefigurava como fim, isto é, a felicidade?”
358
O autor põe em dúvida, momentaneamente, a finalidade da natureza no
que concerne ao homem, dada a “cognição do verdadeiro” (cognizione del vero),
pois, caso contrário, a “finalidade natural” seria contraditória consigo mesma, já
que destinara os seres vivos à felicidade, consistindo nisso a sua perfeição. Não
poderia ser, entretanto, da responsabilidade da natureza destinar o homem à
felicidade na “cognição”, uma vez que jamais se realizou de forma absoluta,
lançando-o num estado de imperfeição e infelicidade.
Desta maneira, Leopardi compreende, que tal estado presente de
infelicidade dos homens não pode ser inferido com base na natureza, pois não
constitui uma relação necessária e intrínseca à “ordem natural”. Por conseguinte,
356
Ibidem: “quest’ordine in un modo, e la natura in un altro. Noi in un modo com cui l’ignoraza è
incompatibile: la natura in un modo col quale è incompatibile la scienza”.
357
Ibidem: “questo vero così gelosamente”.
358
Ibidem, p. 219: “Non sarebbe questo un vizio organico, fondamentale, radicale, e una
contraddizioni nel suo sistema? Come ha reso così difficile il solo mezzo di ottener quello ch’ella coleva,
soprattutto, e si prefiggeva per fine, cioè la felicità?
102
este estado deve ser considerado “como uma exceção, um inconveniente, um erro
acidental no curso e no uso do dito sistema”
359
.
O homem, porém, não deveria ter se colocado como absolutamente fora da
ordem natural das coisas” (ordine naturale delle cose), e nem se distinguido em
relação aos outros seres pelo uso da racionalidade: tal distinção ocorreria
naturalmente. Do mesmo modo, ele não deveria ter se considerado como
pertencente a uma outra categoria, regulando-se, assim, por leis próprias e
particulares em relação ao seu gênero, e guiando-se, também, por leis universais
independentes da natureza.
Conforme Leopardi, em razão do predomínio no homem da racionalidade –
abandonado o seu estado natural primário – isto determinou não somente o seu
distanciamento em relação à natureza, mas, também, promoveu a corruptibilidade
humana, quanto ao estado de “perfeição natural e primitivo
360
. Desse modo,
alterou-se a sua condição primeira (ao tornar-se social), conduzindo-o, por causa
de um excesso de civilização, e aperfeiçoamento da racionalidade, à barbárie, que
aqui se compreende como “corrupção, e não estado absolutamente primitivo e
natural”
361
.
Neste sentido, Leopardi explicita que o “ordenamento natural”, ao qual
antes o homem pertencia, tornou-se-lhe agora impossível, após a sua corrupção,
uma vez que, nesse momento o maior grau de felicidade humana possível a ser
alcançado na vida orienta-se pela “perfeição da razão” (perfezion della ragione):
não obstante ter sido responsável pela corrupção. Será ainda compatível pensar,
valendo-se do tratamento leopardiano, a relação entre aperfeiçoamento da razão e
felicidade?
359
Ibidem: “come un’eccezione, un inconveniente, un errone accidentale nel corso e nell’uso del
detto sistema”.
360
Seguindo os paralogismos de Rousseau, Leopardi inicia a sua reflexão em relação à infelicidade,
atribuindo bondade à natureza e malvadeza à razão, como faculdade hostil à felicidade do homem.
361
Cf.G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 257: “corruzione, non già stato primitivo
assolutamente naturale”.
103
Enfim, “a perfeição da razão não é absolutamente a perfeição do
homem”
362
, assegura Leopardi, mas é o máximo de perfeição possível ao homem
em seu “estado de corrupção” (stato dell’uomo corrotto). Um retorno ao estado de
perfeição natural e primitivo é, no seu entender, algo impossível após tal
distanciamento. Por conseguinte, a perfeição da razão revela-se ao homem como
totalmente insuficiente para a realização de sua felicidade: “estas coisas não as
teria conhecido no seu estado primitivo”, destaca o autor, “mas prevalecida a
razão, ele [o homem] não pode atingir a maior perfeição, do que conhecer a
impotência e o dano da razão”
363
.
2.3 Infelicidade e condição humana: a contradição do sistema da
natureza
Em oposição à sua defesa anterior de se desculpar os “inconvenientes
acidentais” (inconvenienti accidentali) que ocorrem no “sistema da natureza”
(sistema della natura), Leopardi acrescenta, em seguida, que são inconvenientes,
com freqüência apenas relativos, “e a natureza os previu bem, mas longe de
preveni-los, ao contrário, os incluiu na sua grande ordem, e dispostos para os
seus fins”
364
. Para o autor, a natureza é “mãe muito bondosa” (madre
benignissima) do todo, e também dos gêneros particulares e espécies contidas
neles, mas não do indivíduo. Isto ocorre porque servem sempre para o bem do
gênero e da espécie, mesmo às suas custas.
Trata-se da presença – na ordem natural – de “um círculo de destruição e
reprodução, e de mudanças regulares e constantes quanto ao todo, mas não
quanto as partes, as quais acidentalmente servem aos mesmos fins, ora de um
modo, ora de outro”
365
. Além de tal descoberta, Leopardi identifica uma
362
Ibidem, p. 258: “la perfezione della ragione non è la perfezione dell’uomo assolutamente”.
363
Ibidem, p. 259: “ma prevaluta la ragione, egli non può giungere a maggior perfezione che di
conoscere l’importanza e il danno della ragione”.
364
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 540: “la natura gli ha ben preveduti, ma lungi
dal prevenirgli, li ha per lo contrario inclusi nel suo grand’ordine, e disposti a’ suoi fini”.
365
Ibidem, p. 541: “cerchio di distruzione, e riproduzione, e di cangiamenti regolari e costanti quanto
al tutto, ma non quanto alle parti, le quali accidentalmente servono agli stessi fini ora in un modo ora in un
altro”.
104
contradição inicial na natureza, quanto à idade em que ela dispôs no homem a
maior felicidade de que é capaz, a saber, na “velhice” (vecchiezza). “Esta seria
uma contradição, que a felicidade, isto é, a perfeição do ser, devesse
naturalmente encontrar-se no tempo da decadência e quase corrupção do dito
ser”
366
. Segundo o autor, a juventude, porque as faculdades do homem estão em
pleno vigor, é a “época da perfeição” (epoca della perfessione) e, portanto, da
possível felicidade.
Num segundo momento de sua reflexão, Leopardi identifica a problemática
da infelicidade como pertencente à “ordem da natureza”, uma vez que
“contradições inumeráveis, evidentes e contínuas se encontram na natureza,
considerada não só metafisicamente e racionalmente, mas também,
materialmente”
367
. Disto resulta que semelhante contradição que agora se
apresenta na natureza – no que concerne à infelicidade – não se limita apenas, de
acordo com Leopardi, à reflexão sobre a relação homem-natureza-infelicidade.
Trata-se, porém, de algo que se determina ontologicamente, ou seja, é inerente ao
próprio “sistema da natureza” (sistema della natura). Ela é, portanto, inerente à
própria constituição humana e de todas as coisas.
Em 11 de maio de 1824, Leopardi fez a sua terrível descoberta destinada a
devastar a sua fé na bondade da natureza: a de que a contradição é inerente à
natureza e não à razão abstrata. Daí indagar: “Quem sabe me explicar esta
contradição na natureza?”
368
A grande finalidade da natureza em relação ao
homem é a realização da felicidade, como já se explicitou anteriormente, mas este
fim destinado naturalmente, termina irrealizável. Como a natureza estabeleceu,
entretanto, um fim que na verdade não se realiza? A resposta a esta pergunta
implica, aqui, compreender a contradição no interior do seu sistema.
366
Ibidem, p. 551: “Questa sarebbe una contraddizione, che la felicità, cioè la perfezione dell’essere,
dovesse naturalmente trovarsi nel tempo della decadenza e quasi corruzione di detto essere”.
367
Ibidem, vol. II, p. 1109. “Contraddizioni innumerabili, evidenti e continue si trovano nella natura
considerata non solo metafisicamente e razionalmente ma anche materialmente”. Ver, também, nos Opúsculos
Morais, o “Diálogo da natureza e um islandês”, pp.258-362 (Dialogo della natura e di un islandese, pp. 151-
158).
368
Ibidem, p. 1073. “chi mi sa spiegare questa contradizione in natura?”
105
Durante esse período, Leopardi compõe o Dialogo della natura e di un
Islandese [Diálogo da natureza e de um Islandês – 1824]
369
que, entre os
opúsculos, é o mais explícito na demolição leopardiana da sua concepção anterior
da natureza. Partindo do tema de que não se pode “explicar melhor o horrível
mistério das coisas e da existência universal”
370
, Leopardi descobre o verdadeiro
vulto da natureza: o da indiferença. Ante tal “mistério” (mistero) são “insuficientes e
também falsos, não só a extensão, a capacidade e as forças, mas os próprios
princípios fundamentais da nossa razão”
371
.
O autor toma como exemplo aquele “princípio” (principio) diante do qual cai
todo “discurso e raciocínio” (discorso e ragionamento), qualquer “proposição”
(proposizione), ou a própria “faculdade” (facoltà) de poder conceber princípios
verdadeiros. Trata-se do princípio de que “não pode uma coisa ao mesmo tempo
ser e não ser”
372
. Este último torna-se absolutamente falso “quando se considerem
as contradições palpáveis que estão na natureza”
373
.
Segundo Leopardi, o ser efetivamente e o não poder de modo nenhum ser
feliz, em virtude de uma “impotência inata e inseparável” (impotenza innata e
inseparabile) da existência são “duas verdades tão bem demonstradas e certas
em torno ao homem e a todo vivo, quanto possa sê-lo alguma verdade segundo os
nossos princípios e a nossa experiência”
374
. Isto porque o ser unido à infelicidade,
de forma necessária e essencial, é algo prejudicial a si mesmo, pois contrária “à
perfeição e à própria finalidade que é só a felicidade”
375
.
Nesse sentido, o ser dos seres vivos está em “contradição natural”
(contraddizione naturale) de forma essencial e necessária consigo mesmo.
Conforme o autor, tal “contradição” (contraddizione) aparece ainda na “imperfeição
369
Cf. G. Leopardi, Operette morali, pp. 151-158.
370
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 1076: “meglio spiegare l’orribile mistero delle
cose e della esistenza universale”.
371
Ibidem: “insufficienti ed anche falsi, non solo la estensione, la portata e le forze, ma i principii
stessi fondamentali della nostra ragione”.
372
Ibidem: “non può una cosa insieme essere e non essere”.
373
Ibidem: “quando si considerino le contraddizioni palpabili che sono in natura”.
374
Ibidem: “due verità tanto ben dimostrate e certe intorno all’uomo e ad ogni vivente, quanto possa
esserlo verità alcuna secondo i nostri principii e la nostra esperienza”.
375
Ibidem: “alla perfezione e al fine proprio che è la sola felicità”.
106
essencial” (essencial imperfezione) intrínseca à existência, a da necessidade de
ser infeliz, isto é, “no ser, e ser por necessidade imperfeitamente”
376
. Daí Leopardi
argumentar: “que uma tal essência compreenda em si uma causa necessária e
princípio de ser mal, como pode ficar, se o mal por sua natureza é contrario à
respectiva essência das coisas e por isso apenas é mal”
377
.
Leopardi insiste em tentar esclarecer tal “contradição” (contraddizione). Se
o ser infeliz não é ser mal, a infelicidade não será, portanto, um mal para quem a
sofre, nem “contrária” (contraria) e “inimiga” (nemica) do seu “sujeito” (subbietto).
Aliás será um bem, como argumenta Leopardi, pois “tudo aquilo que se contém na
própria essência e natureza de um ente deve ser um bem para aquele ente. Quem
pode compreender estas monstruosidades?”
378
Todavia a infelicidade necessária
dos “seres vivos” (viventi) é algo certo e o melhor seria o não ser do que o ser.
“Como se pode, porém, compreender isto?” Que o nada e o que não é, seja
melhor do que qualquer coisa?”
379
A presença de inúmeras “contradições” (contraddizioni) na natureza é uma
certeza: “contradições” (contraddizioni) de gênero e qualidade as mais diversas
“demonstradas com todas as luzes e a exatidão a mais geométrica da metafísica e
da lógica; e tão evidentes para nós quanto o é a verdade da proposição. Não pode
uma coisa ao mesmo tempo ser e não ser”
380
. Tal contradição conduz ao
abandono da “crença” (credenza) ou de uma, ou da outra, mas em ambos os
modos inviabilizam a “razão” (ragione). É evidente a contradição da natureza
também nas “coisas físicas” (cose fisiche).
Leopardi sustenta ser preciso distinguir entre a “finalidade geral da
natureza” (fine della natura generale) e aquele da “humana” (umana), entre a
376
Ibidem: “nell’essere, ed essere per necessità imperfettamente”.
377
Ibidem, pp. 1076-1077: “che una tale essenza comprenda in se una necessaria cagione e principio
di essere malamente, come può stare, se il male per sua natura è contrario all’essenza rispettiva delle cose e
perciò solo è male”.
378
Ibidem, p. 1077: “tutto quello che che si contiene nella propria essenza e natura di un ente
dev’essere un bene per quell’ente. Chi può comprendere queste mostruosità?”
379
Ibidem: “Ma questo ancora come si può comprendere? Che il nulla e ciò che non è, sia meglio di
qualche cosa?”
380
Ibidem: “dimostrate con tutti i lumi e l’esattezza la più geometrica della metafisica e della logica;
e tanto evidenti per noi quanto lo è la verità della proposizione. Non può una cosa a un tempo essere e non
essere”.
107
“finalidade da existência universal” (fine dell’esistenza universale) e aquele da
“humana” (umana), em suma, “a finalidade natural do homem e aquela da sua
existência”
381
. Segundo ele, a finalidade natural do homem e de todo ser vivo não
pode ser outra senão a “felicidade” (felicità), portanto, o próprio “prazer” (piacere):
a única finalidade de todo ser vivo.
Tal “finalidade” (fine), porém, da existência do homem e de todo ser vivo –
como finalidade da natureza ao dotar dela todo ser vivo, e, ao modificá-la –
“a finalidade da existência geral, e daquela
ordem e modo de ser que têm as coisas e
em si, e nas suas relações com as outras,
não é certamente de modo algum, a
felicidade, nem o prazer dos seres vivos,
não só porque esta felicidade é impossível
(...), mas também porque, embora a
natureza da modificação de cada animal e
das outras coisas (...) tenha provido e,
talvez, visado alguns prazeres desses
animais, estas coisas são um nada com
respeito aquelas nas quais o modo de ser
de cada ser vivo, e de outras coisas (...)
resultam necessariamente e
constantemente em desprazer neles”
382
.
A natureza, portanto, a existência não tem de modo algum como finalidade
o “prazer” (piacere) ou a “felicidade” (felicità) dos animais, mas o contrário.
Contudo, isto não anula o fato de todo animal ter necessariamente, por natureza,
como finalidade eterna e única “o seu prazer, e a sua felicidade, e assim cada
espécie considerada em conjunto, e assim a universalidade dos seres vivos”
383
.
Tal descoberta evidencia a mudança da concepção leopardiana de natureza.
Ante tais evidências, Leopardi admite a hostilidade e indiferença da
natureza em relação a todo ser vivo.
381
Ibidem, p. 1081: “il fine naturale dell’uomo e quello della sua esistenza”.
382
Ibidem, p. 1082: “Il fine dell’esistenza generale, e di quell’ordine e modo di essere che hanno le
cose e per se, e nel loro rapporto alle altre, non è certamente in niun modo la felicità nè il piacere dei viventi,
non solo perchè queta felicità è impossibile (...), ma anche perchè sebbene la natura della modificazione di
ciascuno animale e delle altre cose (...), ha provveduto e forse avuto la mira ad alcuni piaceri di essi animali,
queste cose sono un nulla rispetto a quelle nelle quali il modo di essere di ciascun vivente, e delle altre cose
(...) risultano necessariamente e costantemente in loro dispiacere”.
383
Ibidem: “il suo piacere, e la sua felicità, e così ciascuna specie presa insieme, e così la universalità
dei viventi”.
108
“Contradição evidente e inegável na ordem
das coisas e no modo de existência,
contradição apavorante; não porque menos
verdadeira: mistério grande, a ponto de não
se poder jamais explicar, se não negando
(...) toda verdade ou falsidade absoluta, e
renunciando em certo modo também ao
princípio de cognição, non potest idem
simul esse et non esse”
384
.
Ademais outro modo de tomar a contradição, é considerar os animais “infelizes”
(infelici) de modo necessário e natural: ser e infelicidade são coisas contraditórias.
A finalidade da natureza universal é, de acordo com Leopardi, a “vida do
universo” (vita dell’universo). Tal vida consiste “em produção, conservação e
destruição dos seus componentes”
385
. Daí a destruição e a conservação de todo
animal se inscrever na finalidade dessa natureza. Embora se veja mais a presença
de coisas conspiradoras para a destruição de cada animal, do que favorecedoras
da sua conservação. Em tal natureza prevalece na vida do animal “o declínio e
consumação, ou seja, envelhecimento (...) enquanto (...) o espaço de um animal é
um nada com respeito à eternidade do seu não ser, (...) da conseqüência e quase
duração da sua destruição”
386
.
Quanto ao Dialogo della natura ed un islandese (Diálogo da natureza e de
um islandês): Leopardi retoma a visão monstruosa de um plano oculto da
natureza:
“Natureza: Por acaso imaginaste que o
mundo tenha sido feito por vossa causa?
Pois é bom que saibas que nas minhas
realizações, ordens e operações, com
exceção de pouquíssimas, sempre tive e
tenho a intenção inteiramente oposta à
felicidade dos homens ou à desventura
deles. Quando vos ofendo de qualquer
modo, ou por qualquer meio, não percebo a
384
Ibidem: “Contraddizione evidenti e innegabile nell’ordine delle cose e nel modo della esistenza,
contraddizione apaventevole; ma non perciò men vera: misterio grande, da non potersi mai spiegare, se non
negando (...) ogni verità o falsità assoluta, e rinunziando in certo modo anche al principio di cognizione, non
potest idem simul esse et non esse”.
385
Ibidem.
386
Ibidem.
109
não ser raríssimas vezes: do mesmo modo
não tomo conhecimento quando vos
distraio e vos agrado, e não como credes,
tais coisas ou ações faço para agradar-vos
ou deleitar-vos. Finalmente, se me
ocorresse extinguir toda a tua espécie,
disso não me aperceberia. (...)
Natureza: Demonstras não ter atinado que
a vida deste universo está me perpétuo
circuito de produção e destruição, ambas
ligadas entre si de maneira que cada uma
sirva continuamente a outra e à
conservação do mundo: este, ainda que
uma ou outra acabassem, estaria
igualmente em dissolução. Para tanto lhe
seria pernicioso que houvesse alguma
coisa nele livre de sofrimento.
(...)
Islandês: Isso mesmo é o que ouço da
reflexão dos filósofos. Daí o que se destrói
sofre, e quem destrói não tirando proveito,
logo em seguida é igualmente destruído,
dize-me o que nenhum filósofo sabe dizer:
a quem agrada ou a quem serve essa vida
infelicíssima do universo, mantida com
prejuízo e morte de todas as coisas que a
compõem?”
387
Mostrasse aqui a visão da natureza em que se movimenta num férreo
mecanicismo, eliminando toda possibilidade de ação livre do homem, pois
assimilada por um mecanismo geral sem que o homem perceba.
A natureza e a ordem das coisas não se dirigem para a realização da
felicidade dos “seres sensíveis” (esseri sensibili) ou dos “animais” (animali), mas o
contrário. Leopardi insiste em evidenciar a “imperfeição” (imperfezione) da
natureza. Daí identificar nos “entes sensíveis” (enti sensibili) tal imperfeição, “uma
vez que a existência deles é um dano (...) sendo essecialmente uma souffrance.
Em razão da natureza deles de entes souffrance, Leopardi sustenta ser essa
387
Ibidem.
110
“necessidade” uma imperfeição da natureza, e da ordem universal, imperfeição
essencial e eterna, não acidental”
388
.
Torna-se insustentável agora conciliar qualquer princípio eudemonista com
a natureza. Leopardi sabe que todos os filósofos antigos e modernos estão de
acordo sobre a tendência do homem a um fim principal e único. Eles sabem ser tal
fim – o “sumo bem” (sommo bene) – a felicidade.
“O que é, porém, e em que consiste, e de
que natureza é a felicidade conveniente e
própria à natureza do homem, desejada
sumamente e supremamente (...) pelo
homem, buscada e arranjada
continuamente pelo homem? O que é,
conseqüentemente, o sumo bem do
homem, a finalidade do homem? Aqui não
há seita, não há filósofo, nem entre os
antigos, nem entre os modernos, que não
descorde dos outros”
389
.
O autor ironiza por alguns se admirarem de tanta discordância entre os
filósofos sobre a natureza da felicidade conveniente à “natureza do homem”
(natura dell’uomo). Daí indagar:
“Como encontrar, como determinar, aquili
que não existe, que não tem natureza, nem
essência alguma, que é um ente de razão?
A finalidade do homem, o seu sumo bem, a
sua felicidade, não existem. E ele procura e
procurará sempre, sumamente e
unicamente estas coisas, mas as procura
sem saber de que natureza sejam, em que
consistem, nem jamais o saberá, porque
(...) estas coisas não existem, embora pela
natureza do homem sejam a finalidade
necessária do homem”
390
.
Para Leopardi, são estas as famosas controvérsias em torno ao “sumo
bem” (sommo bene): desejado, buscado por necessidade pelo homem. Embora,
ao querê-lo, buscá-lo e desejá-lo, jamais saberá o que seja, pois o “sumo bem”
(sommo bene) não existe de modo nenhum. “A finalidade da natureza do homem
existirá talvez na natureza. É preciso, porém, distinguir bem da finalidade
388
Ibidem.
389
Ibidem.
390
Ibidem.
111
procurada (...) pela natureza do homem. Esta finalidade não existe na natureza, e
não pode existir por natureza”
391
. Tal discurso deve-se estender ao “sumo bem”
(sommo bene) de todos os animais e seres vivos.
Não há, portanto, tal finalidade buscada pela “natureza do homem” (natura
dell’uomo), pois não nasce (nem os animais) para gozar (goder) a vida, mas
apenas para perpetuá-la, para comunicá-la aos outros sucessores, para conservá-
la. “Nem isso, nem a vida, nem objeto algum desse mundo é propriamente para
ele, mas, ao contrário, ele é todo para a vida. – Espatoso, mas verdadeira
proposição e conclusão de toda a metafísica”
392
. A “existência” (esistenza),
portanto, não é para o “existente” (esistente), não é sua finalidade e nem o bem do
“existente” (esistente). A verdadeira e única finalidade da “natureza é a
conservação da espécie, e não a conservação nem a felicidade dos indivíduos;
cuja felicidade não existe de maneira nenhuma no mundo, nem para os indivíduos,
nem para as espécies”
393
.
Segundo o autor, o homem é naturalmente destinado à realização da
felicidade, como tendência da vida, da alma, e sendo esta finalidade irrealizável,
torna-se assim contraditório todo o “sistema da natureza” (sistema della natura). O
homem terminou, porém, lançado num estado de constante desejo de sua
realização, e quanto maior for o desejo de felicidade (o que está de acordo com a
constituição do ser, como uma tendência natural), maior é o grau do sentimento de
infelicidade. A infelicidade se apresenta como a condição necessária da existência
de todos os seres vivos.
Para Leopardi, o sentimento de possível realização da felicidade –
compreendido como tendência da vida – é posto pela natureza não somente como
desejo natural (em relação ao gênero humano), mas como necessidade da própria
existência. Tal necessidade a natureza nos deu “sem a possibilidade de satisfazê-
la, sem ao menos ter posto a felicidade no mundo”
394
. O autor, ao desvelar a
391
Ibidem.
392
Ibidem.
393
Ibidem.
394
Ibidem, p. 1185: “senza la possibilità di soddisfarlo, senza nemmeno aver posto la felicità nel
mondo”.
112
origem da contradição fundamental da existência, como intrínseca à “ordem da
natureza”, a problemática da infelicidade perde o seu caráter particular e acidental
(quanto ao gênero humano), para assumir uma dimensão universal e necessária,
na medida em que “a existência, por sua natureza e essência própria e geral”,
apresenta-se agora como “uma imperfeição, uma irregularidade, uma
monstruosidade”
395
.
Diante da compreensão de que o andamento natural do universo expressa
imperfeição e irregularidade”, Leopardi conclui, dizendo que “a existência é um
mal e ordenada para o mal”
396
. Desse modo, ele reconhece o predomínio do “não-
ser”, pois não há outro bem: “Todas as coisas são nocivas. O todo existente; o
complexo dos tantos mundos que existem; o universo; não é que um sinal, um
risco na metafísica” (un bruscolo in metafísica)
397
. Leopardi identifica, aqui, a
problemática da infelicidade como algo intrínseco à ordem da natureza, pois ela
cria para o homem uma finalidade que termina insustentável, ou seja, realizar a
felicidade. Segundo ele, isto se evidencia em razão do fato de que há no homem,
em geral, a presença de uma inclinação ao infinito, do desejo de prazer absoluto
que lhe é inato (natural). Tal prazer infinito não pode ser encontrado na realidade,
já que a existência de todas as coisas é marcada pela finitude.
Aqui não conta mais Rousseau, pois não se trata apenas de uma desilusão
histórica: Leopardi conduz o seu pessimismo às últimas conseqüências, ou seja,
ao cosmo. Para ele, “a existência é um mal em todas as partes que compõem o
universo”
398
. É algo difícil não se supor ser ela um mal para todo o universo.
Reportando-se ao Épitre seur le désastre de Lisbonne ( ) de Voltaire, Leopardi
sustenta não compreender como “do mal de todos os indivíduos sem exceção,
possa resultar o bem da universalidade”
399
. Todas as coisas a seu modo “sofrem”
395
Ibidem, p. 1095. “L’esistenza, per sua natura ed essenza propria e generale, è un’imperfezione,
un’irregolarità, una mostruosità”.
396
Ibidem: “l’esistenza è un male e ordinata al male”.
397
Ibidem: “tutte le cose sono cattive. Il tutto esistente, il complesso dei tanti mondi che esistono;
l’universo; non è che un neo, un brusculo in metafisica”.
398
Ibidem.
399
Ibidem.
113
(patiscono) necessariamente e não “gozam” (godono), porque o “prazer” (piacere),
propriamente falando, não existe.
Valendo-se de tais argumentos, Leopardi sustenta ser o “existir” (esistere)
em si mesmo um mal:
“não somente os homens, mas o gênero
humano foi e será sempre infeliz
necessariamente. Não o gênero somente,
mas todos os animais. Não os animais
apenas, mas todos os outros seres no
mundo deles. Não os indivíduos, mas as
espécies, os gêneros, os reinos, os globos,
os sistemas, os mundos”
400
.
Em todas as partes está presente apenas o “sofrimento” (patimento): a vida do
universo é tristeza e infelicidade. Trata-se do reconhecimento da infelicidade
universal e necessária de todos os seres vivos
401
.
O “sistema da natureza” (sistema della natura) revela uma série fecunda de
contradições da ordem necessário-essencial, independente da atividade humana.
“Contradições inumeráveis, evidentes e contínuas se encontram na natureza
considerada não só metafisicamente e racionalmente, mas também
materialmente”
402
. A variedade de “contradições” (contraddizioni) impossibilita
igualmente qualquer enumeração, uma vez que se estendem ao infinito,
abraçando todos os reinos dos seres vivos e cada elemento, abrangendo o
“sistema” na sua completude. Se naturalistas e ascéticos examinam as anatomias
dos corpos organizados, a admiração deles não possibilita compreender qual
entre as visões seja o “mal” (male) e o “remédio” (rimedio) para uma visão da
natureza.
Ao refletir sobre a “ordem” (ordine) presente no mundo e constatar a
presença do “mal” (male), Leopardi conclui que tal ordem não poderia permanecer
sem o mal: “o mal está na ordem [il male è nell’ordine]”. Isto torna a existência
inconcebível. Inveja e ódio congênia dos seres vivos contra os semelhantes e
400
Ibidem.
401
Ibidem.
402
Ibidem.
114
outros males também bastante graves e essenciais podem ser percebidos no
“sistema da natureza” (sistema della natura). Tais males são percebidos mais
como “acidentais” (accidentali) do que “regulares e ordinários” (regolari e ordinari).
“Se no mundo existissem desordens, os males seriam extraordinários, acidentais;
nós diríamos: a obra da natureza é imperfeita, como são aquelas do homem; não
diríamos: é má”
403
.
Contra a aparência de desordem que mascararia a verdadeira causa da
infelicidade, reduzindo a natureza a uma “potência limitada” (potenza limitata),
Leopardi destaca a presença do “mal” (male). Daí indagar:
“Que epíteto, porém, dar àquela razão e
potência que inclui o mal na ordem, que
fundamenta a ordem no mal? A desordem
serve bem melhor: ela é variada, mutável;
se hoje existe mal, amanhã poderá ser
bem, ser tudo bem. O que esperar,
entretanto, quando o mal está na ordem?
Digo, em uma ordem onde o mal é
essencial”
404
.
Uma resposta a tais indagações, com base no pensamento leopardiano, é a
intenção do último capítulo.
403
Ibidem.
404
Ibidem.
115
CAPÍTULO III
A ultrafilosofia para os novos tempos: a resposta filosófica leopardiana
A busca de compreensão do que origina a infelicidade possibilitou
identificar, em dois momentos diferentes, o lugar da contradição com base na
oposição entre Natureza e Razão. Tal reflexão conduziu Leopardi à descoberta de
contradições insolúveis no “sistema da natureza” (sistema della natura), pois da
ordem necessária das coisas: a existência do mal como impossibilidade de ser
feliz. O presente capítulo apresenta uma possível resposta leopardiana, não
obstante agora o seu pessimismo cósmico, ante um mundo de destruição, quer
em virtude da ordem mesma das coisas (natural), quer em razão da natureza do
novo tempo (histórico).
3.1 A questão do nada: a recusa leopardiana de toda razão suficiente
É certo que Leopardi antecipa e aprofunda a crítica do fundamento, mas
não o faz com base em uma filosofia da história, mas, de forma paradoxal, no
âmbito da metafísica. Ele assistiu, como testemunha o seu Discorso sopra lo stato
presente dei costumi degli italiani, o processo de dissolução do mundo mítico-
religioso, das antigas ilusões com a realização progressiva de uma racionalidade
alheia à vida
405
. A “cruel face do verdadeiro” (atra face del ver) consumou,
segundo os de Alla primavera o delle favole antiche (1822) a “bela idade” (bella
età), e dissolveu o encanto em “frio horror” (freddo orror)
406
.
Leopardi compreendeu o novo estado de coisas, decorrente do “progresso
da civilização (progresso dell’incivilimento) ou “corrupção” (corruzione), pois nem a
ciência não fará outra coisa senão “nivelar o mundo sob todo aspecto”
(agguagliare il mondo sotto ogni rispetto)
407
, torná-lo “uniforme, plano, insensato,
promover sumamente a indiferença”
408
. Outrossim, a incansável tentativa de
justificar o seu “sistema da natureza” (sistema della natura) fez que, em um certo
405
Ibidem.
406
Ibidem.
407
Ibidem.
408
Ibidem.
116
ponto, ele percebesse a contradição inerente à natureza: a natureza não dá a vida
(vitalidade), mas apenas a existência.
As contradições presentes na noção de natureza conduziram Leopardi a
uma reviravolta da antiga antítese entre natureza (compreendida como vitalidade,
generosas ilusões, heroísmo) e razão (compreendida como aridez, egoísmo,
abstratividade, corrupção e infelicidade). Ele estabelece, após as últimas
descobertas, uma nova antítese, a saber, entre homem e natureza. O antigo
vitalismo identificado com a natureza se apresenta agora como algo hostil ao
homem. A natureza oferece ao homem apenas a existência com o seu “tedio”
(noia) e o seu “nada” (nulla). “A natureza não é vida, mas existência, e a esta
tende, não àquela”
409
.
Termina, assim, a natureza desmistificada e revelada na sua indiferença-
hostilidade em relação ao homem, permanecendo apenas a razão limitada e
constituidora de sistemas, identificada no início com os seus efeitos no âmbito
empírico e histórico. Como dimensão biológica, o homem está sujeito a uma
fragilidade insanável, porque participa como os demais seres vivos de um ciclo
mecanicista da própria materialidade.
Aqui se evidencia a descoberta de Leopardi da intransponível fragilidade e
solidão. Ele comenta no Zibaldone: “Eu estava amedrontado por me encontrar em
meio ao nada, um nada eu mesmo. Eu me sentia como sufocar, considerando e
sentindo que tudo é nada, sólido nada”
410
. Algo que se projeta em sentido
cosmológico, como condição da própria existência. De acordo com os versos do
Canto notturno di un pastore errante nell’Asia (1829-30):
“O homem nasce trabalhosamente,
E é risco de morte o nascimento.
Prova pena e tormento
Em primeiro lugar; e no princípio
Já mãe e genitor
Começa a consolar de ter nascido.
Depois, quando crescido,
Uma e outro sustenta, e todavia,
409
Ibidem.
410
Ibidem.
117
Com atos e palavras,
Eles sempre o encorajam
E o consolam da humana condição;
(...)
Mas por que dar à luz,
Por que manter em vida
Quem dela cumpre consolar depois?”
411
A reflexão de Leopardi que expressa uma “filosofia desesperada”, ou
atitude e enfrentamento corajoso do indivíduo ante a realidade, revela, entretanto,
outro elemento igualmente importante de seu pensamento, a saber, a
problemática do nada. “Tudo é nada no mundo, também o meu desespero, do
qual todo homem, mesmo sábio, embora mais tranqüilo, e certamente eu mesmo
numa hora mais quieta conhecerei a inutilidade, a irracionalidade e o
imaginário(...), é vã, é o nada também esta minha dor que num certo tempo
passará e se anulará (...)”
412
.
Nesse sentido, o nada se apresenta, segundo o autor, como algo que
permeia a existência das coisas, dos “fenômenos”, tanto naturais como humanos,
e ao nada se conduzem, pois dele partiram. O nada é elemento primeiro e
originário da natureza de todas as coisas existentes, é o que as constitui e o que
as espera ao final de todo processo constitutivo do existente. Como explicita
Leopardi: “Cada parte do universo apressa-se, infatigavelmente, para a morte com
solicitude e celeridade admiráveis”
413
.
Desse modo, o nada é o princípio originário de toda a existência, pois todas
as coisas estão entrelaçadas, e caminham em sua direção. Leopardi considera-o
como princípio autônomo em relação às coisas, pois não depende delas para
existir, não está sujeito à existência delas. Ao contrário, a única certeza realíssima
de que se tem ao se julgar as coisas existentes, é a de que uma vez existindo
411
Ibidem.
412
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 71: “Tutto è nulla al mondo, anche la mia
disperazione della quale ogni nomo anche savio, ma più tranquillo, ed io stesso certamente in un’ora più
quieta conoscerò la vanità e l’irragionevolezza e l’immaginario (...) è vano, è un nulla anche questo mio
dolore, che in un certo tempo passerà e s’annullerà”.
413
G. Leopardi, Cântico do Galo Silvestre, in: Opúsculos Morais, Poesia e Prosa, p. 418: “Ogni
parte dell’universo si affreta infaticabilmente alla morte, con sollecitudine e celerità mirabile”. (Operette
Morali, p. 242).
118
também se aproxima o dia do fim: “Não podendo morrer o que não existia, porque
do nada emanaram as coisas que são”
414
. Neste contexto, o nada se evidencia,
mesmo que não se limite apenas às coisas, pois o princípio “de Deus mesmo é o
nada”. O autor se contrapõe, portanto, a toda idéia de “fundamento último e
absoluto”, desconstruindo, assim, todo princípio absoluto e fundamentador da
realidade, “já que nenhuma coisa é absolutamente necessária”
415
.
Leopardi termina, na reflexão sobre o nada, operando, também, a
desmistificação do “caráter de necessidade
416
, que pretensamente existiria na
relação entre as coisas, ou na relação do fundamento e o seu objeto. Em verdade,
este caráter de necessidade não se evidencia no pensamento leopardiano, pois o
nada é pensado como um princípio independente do seu objeto, ou melhor, nem
mesmo existe para o nada um objeto específico, pois é totalmente indiferente a
todo objeto existente. Desta maneira, Leopardi, ao negar o “caráter de
necessidade” entre as coisas, desconstrói também a idéia de algo fundamentado,
ou seja, de um princípio que fundamenta as coisas, quer em sua dimensão
particular, quer em sua dimensão universal e absoluta.
O autor afirma, ao negar qualquer princípio universal e absoluto, não haver
nada que se interponha ou determine as coisas por antecipação (em relação ao
modo em que elas se apresentam), pois uma vez presentes, não haveria nenhuma
razão de não serem, e em virtude de ser uma coisa e não outra, é que não se
pode falar da existência nelas mesmas de “uma razão suficiente de ser (“una
ragion sufficiente di essere”), ou ser de um determinado modo: “justamente porque
elas podiam não ser ou serem todas as outras”
417
. Se forem da forma que se
apresentam, e não de outra forma, que razão explicaria o não ser, ou aquilo que
não se apresentou, que não se configurou, que não chegou a existir?
414
Ibidem, p. 417: “Non potendo morire quel che non era, perciò dal nulla scaturirono le cose
che sono”. (Ibidem, p. 241).
415
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 484: “Giacchè nessuna cosa è assolutamente
necessaria”.
416
Sobre a crítica leopardiana à categoria de necessidade, ver Zibaldone di pensieri, vol. II, p.
580.
417
Ibidem. : “appunto perch’elle potevano non essere o esser tutt’altre”.
119
É, neste sentido, que Leopardi exprime a negação de qualquer pretensão
de “fundamento” e “explicação última” em relação ao existente, pois compreende a
impossibilidade de tal princípio, e problematiza-o, postula a seguinte pergunta:
“pode existir uma razão universal de todas as coisas que são ou podem ser, e do
seu modo de ser – mas a razão desta razão qual será?
418
É, precisamente, por
meio desta argumentação que ele reforça a negação do caráter de necessidade
ontológica no que concerne ao que existe, ao mesmo tempo em que desconstrói
toda idéia de fundamento baseado nesta razão, opondo, desta forma, o nada, e
eliminando a necessidade, pois “não preexiste, portanto, a necessidade”
419
.
Todavia, preexistindo o nada, “preexiste a possibilidade”.
Em seguida, Leopardi diz: “Quer dizer que um primeiro e universal princípio
das coisas, ou não existe, nem jamais existiu, ou se existe ou existiu não podemos
de modo algum conhecê-lo, já que não temos nem podemos ter o mínimo dado
para julgar as coisas diante das coisas, e conhecê-las para além do puro fato
real”
420
. Para o autor, “nós não podemos conceber nada para além da
matéria”
421
.
Nesse momento, Leopardi afirma a dimensão materialista
422
do seu
pensamento, refutando qualquer princípio primeiro fundamentador, de caráter
universalista e absoluto (metafísico), baseado na relação de necessidade entre as
coisas. O nada que preexiste ao objeto termina, agora, evidenciando-se como
418
Ibidem: “Può esservi una cagione universale di tutte le cose che sono o ponno essere, e del
loro modo di essere – Ma la cagione di questa cagione qual sarà?”.
419
Ibidem: “Non preesiste, dunque la necessità”.
420
Ibidem, vol. I, p. 484: “Vale a dire che un primo ed universale principio delle cose, o non
esiste, nè mai fu, o, se esiste o esistè non lo possiamo in niun modo conoscere, non avendo noi nè potendo
avere il menomo dato per giudicare delle cose avanti le cose, e conoscerle al di là del puro fatto reale”.
421
Ibidem, vol. II, p. 580: “Noi non possiano concepir nulla al di là della materia”.
422
Cabe, no momento, enfatizar a recusa leopardiana, quer ao Cogito cartesiano, quer às
idéias inatas. Leopardi afirma que “o homem não pode nem com o intelecto, nem com a imaginação, nem
com nenhuma faculdade(...) nenhuma espécie de idéia ultrapassar num único ponto a matéria, e se ele acredita
ultrapassá-la e conceber ou ter uma idéia de uma coisa qualquer não material, engana-se totalmente; assim,
ele não pode com o desejo passar de um único ponto os limites da matéria” (Cf. G. Leopardi, Zibaldone di
pensieri, vol. II, p. 936). A reflexão leopardiana conduz também à chamada “desplatonização” do pensamento
e a uma crítica em relação ao cristianismo (Cf. G. Leopardi pp. 931-938): “l’uomo non può nè collo intelleto
nè colla immaginazione nè com veruna facoltà (...) veruna sorta d’idee oltrepassare d’un sol punto la materia,
e s’egli crede oltrepassarla, e concepire o avere un’idea qualunque di cosa non materiale, s’inganna del tutto;
così egli non può col desderio passare d’un sol punto e limiti della materia”.
120
conjunto de possibilidades
423
. Tais possibilidades, em verdade, são
indeterminadas e indiferentes a qualquer objeto. Tal objeto, por sua vez, se liberta
do princípio e da necessidade, pois está livre para constituir-se ou não, para ser
ou não ser, quando e onde, desta forma ou daquela, não importando qualquer
discussão sobre um pretenso caráter de anterioridade ao que se manifesta. Para o
autor, importa, apenas, a materialidade do objeto em questão.
A discussão sobre “o nada” conduz, nesse momento, a uma nova questão:
Leopardi afirma o niilismo? Pode-se, aqui, argumentar, de início, considerando a
sua reflexão sobre o nada, que o autor não lança um olhar sobre o “nada”, mas
valendo-se do “nada”
424
. O seu olhar sobre o mundo, onde “tudo é nada”,
configura-se por meio de um sentimento elevado, que apreende a “inutilidade de
todas as coisas e o vazio universal”. Daí retomar a sua afirmação de que: “tudo é
nada no mundo, também, o meu desespero (...) é o nada também esta minha dor
que num certo tempo passará e se anulará”
425
. Segundo ele, isto ocorre em
virtude da inutilidade de tudo o que existe: a totalidade dos entes que aparece na
sua nulidade pressupõe o nada.
Tais considerações possibilitam a seguinte questão: o que significa pensar
o “nada” como origem e princípio do que propriamente como fim? Uma resposta a
este questionamento exige, certamente, uma retomada da reflexão leopardiana
sobre a relação entre a poesia e a filosofia
426
. Leopardi reduziria a poesia a
simples função interna do processo niilista? Ele pensaria a poesia, de um lado, em
sentido de engano e dissimulação, que, ante a um mundo vazio de sentido seduz
os homens com a dissimulação de que ela ajuda a viver? Ou pensaria a poesia,
423
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, p. 484. Trata-se da recusa do autor a todo
pensamento que busque, ainda, justificar a existência das coisas com base numa necessidade lógico-
metafísica. Disto decorre a sua recorrência à categoria de “possibilidade”, fragilizando, assim, toda pretensão
de “fundamentação”, valendo-se de uma “razão última e universal”.
424
Sobre a problemática do nada, pode-se, aqui, reenviar à carta de Leopardi a Jacopssen (23
de junho de 1823) em que o autor confessa ter vivenciado o sentimento avassalador do nada como um
fantasma horrível (fantasma orribile) que lhe impedia de ver a existência, a não ser como experiência de um
enorme vazio e completo deserto. Cf. G. Leopardi, La vita e le lettere, p. 251). Ver, ainda, Canti, Operette
Morali e Zibaldone di Pensieri.
425
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. P 71: “Tutto è nulla al mondo, anche la mia
disperazione (...) è un nulla anche questo mio dolore, che in un certo tempo passerà e s’annullerà”.
426
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 908
121
de outro, como anteposta à filosofia (sob a determinação da verdade), que
conduziria ao desmascaramento do caráter ilusório das ilusões? A poesia,
entretanto, não é apenas isto. Ela se coloca, sem dúvida, para além do conflito
entre engano e verdade. A sua experiência permite repensar, portanto, o próprio
niilismo ou, ainda, a alternativa niilista: aquela entre o mundo verdadeiro
(dominado por uma racionalidade destruidora da vida), e o mundo falso (da
imaginação que preenche o mundo com suas fábulas).
Leopardi “condena” a poesia, mas, em seguida, ele a salva, embora num
sentido um tanto irônico. Ele a condena na sua dimensão ilusionista: “só sei que,
doente ou não, pisoteio a vileza dos homens, recuso toda a consolação ou engano
pueril e tenho a coragem de sustentar a privação de toda esperança, de olhar
intrepidamente o deserto da vida, de não me dissimular nenhuma parte da
infelicidade humana e aceitar todas as conseqüências de uma filosofia dolorosa
mas verdadeira”
427
. Não seria próprio da poesia poder consolar? Ao consolar, ela
não se tornaria cúmplice da mentira que se encontra na raiz da mesma vida, como
demonstra o fato de que a natureza, sendo “impostora” em relação ao homem,
faz-lhe amar a existência por meio, sobretudo, da imaginação?
Para Leopardi, a verdade é algo “demasiado pobre e imperfeito”. Desse
modo, é preciso “um pouco de ilusão e fantasia e promessas superiores (...), em
todas as coisas”
428
, para contentar ou incitar aos homens. A natureza é “impostora
para com o homem, e não lhe torna a vida deleitosa ou suportável senão por meio
da imaginação e do engano”
429
. Quanto às belas artes e à poesia: são
demonstrações de entusiasmo da imaginação e da sensibilidade
430
. A poesia
imaginativa pertenceu, porém, apenas aos “séculos homéricos”
431
. Disto segue
427
G. Leopardi, Opúsculos Morais, p. 451: “so che, malato o sano, calpesto la vigliaccheria
degli uomini, rifiuto ogni consolazione e ogn’inganno puerile, ed ho il coraggio di sostenere la privazione di
ogni speranza, mirare intrepidamente il deserto della vita, non dissimularmi nessuna parte dell’infelicità
umana, ed accettare tutte le conseguenze di una filosofia dolorosa, ma vera”. (Cf. G. Leopardi, Operette
Morali, p. 293).
428
Ver, aqui, G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, pp. 135-139.
429
Ibidem.
430
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 188.
431
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 371.
122
que ela “não é (...) dos nossos tempos”
432
, pois, na modernidade, ela é pura
expressão sentimental. O sentimental, entretanto, está fundamentado e “brota da
filosofia, da experiência, da cognição do homem e das coisas, em suma, do
verdadeiro”
433
, enquanto a “primitiva essência”
434
da poesia era inspirada no falso.
Para Leopardi a poesia é, também, imitação da natureza. Ela reproduz a
natureza, e recapitula em si a essência, a dinâmica, a lógica interna, a ponto de
afirmar que onde existe a natureza existe a “imitação”. Aliás, a natureza só existe
onde há imitação: lá onde o vivo se deixa seduzir pela vontade de viver
435
. O
papel da poesia, porém, é a imitação da natureza “sincera” e “inviolada”. Imitando
a natureza na sua realidade insuperável, aquela sobre a qual não pode incidir a
história e, muito menos, a moda, a poesia se comporta como natureza: simula,
finge. Quando ela o faz, conduz, ao mesmo tempo, à consciência da manifestação
universal: termina exibindo os enganos nos quais se encontram todos os vivos. A
poesia termina revelando a verdade da “aparência”. Nisto consiste, sem dúvida, a
sua suprema ironia. Conforme a reflexão leopardiana, a poesia, iludindo,
mentindo, atinge a verdade para além da verdade.
A reflexão que Leopardi estabelece entre poesia e natureza, bem longe de
diminuir, exalta a espontaneidade da criação artística. Desse modo, ele vê na
imitação
436
da natureza a fonte vital de toda generosa ilusão, capaz de restituir o
vigor à fantasia e de “alimentar” o deleite que a poesia dos “modernos” se esforça
em abolir, ao propor como único fim o útil. Na modernidade, os efeitos da
“incivilidade”
437
(a corrupção do gosto, a aspereza e dureza de muitos corações e
de muitas fantasias, todas resultantes do desvio da relação com os sentidos)
432
Ibidem: “la poesia non è (...) dei nostri tempi”.
433
Ibidem: “sgorga dalla filosofia, dall’esperienza, dalla cognizione dell’uomo e delle cose, in
somma dal vero”.
434
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 371
435
Cf. G. Leopardi, Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica, mimeo.
436
Sobre a crítica leopardiana à imitação dos cânones literários estrangeiros, ver G. Leopardi,
“Carta aos senhores complicadores da biblioteca italiana em resposta à carta de Madame Baronesa de Staël
Holstein àqueles senhores”, in Poesia e Prosa, pp. 517-521.
437
Através dos termos “incivilidade” e “barbárie da sociedade”, Leopardi exprime a sua
denuncia e recusa do mundo moderno devido aos diversos danos da experiência social dos indivíduos. (Cf. G
Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp. 448-449 e 452).
123
determinam o predomínio do útil sobre o belo, tendo como conseqüência a difusão
de uma poesia que tem como expressão o mau gosto.
O poeta sonha, sabendo que sonha; ilude, exibindo a ilusão e, desse modo,
atinge – conforme Leopardi – por via oposta o verdadeiro: aquilo que é próprio da
filosofia
438
. Quanto ao filósofo: ele conhece, irremediavelmente, a inutilidade da
beleza, porém este pressuposto aniquilante quanto mais aparece incontroverso,
mais converte o desespero numa poética da “consolação”, um sentimento com
base no qual, como ocorre na poesia, “a alma recebe vida”. Enfim, Leopardi afirma
a cumplicidade entre poesia e filosofia
439
. Ele resolve, assim, este conflito
ultrapassando a posição niilista de toda a história da humanidade: aquela entre o
“mundo da ilusão vital” e o “mundo da verdade mortífera”. É a poesia, portanto,
que penetra nos “grandes mistérios da vida”, nos “destinos”. Tal posição
ultrapassa toda e qualquer contraposição niilista.
3.2 Resgatar as ilusões: uma exigência da vida contra a destruição
Leopardi adverte a necessidade de se “refletir” bem sobre uma “grande
verdade” no que concerne à razão. Tal verdade se revela no fato de que esta
faculdade seja, precisamente, “inimiga de toda a grandeza”
440
, e, portanto,
contrária à natureza. Esta afirmação torna-se possível porque o autor reconhece a
grandeza da natureza: a sua dimensão “poética”, como objeto, apenas, dos
sentidos, e não do intelecto. Por conseguinte, a razão, que tem como finalidade o
conhecimento da verdade, termina procedendo arbitrariamente em relação à
natureza, pois reduz toda a “variedade” e “grandeza” a princípios racionais,
destruindo, assim, “aquilo que existe de mais espiritual no homem” a saber, “o
sentimento”
441
. Ao contrário, não há coisa mais “material do que a razão, já que o
438
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 908.
439
Se a poesia tem como objeto, segundo Leopardi, o belo, que é o mesmo que dizer o falso, a
filosofia, ao contrário, tem como objeto o verdadeiro, que nunca será o belo. Desse modo, ele soluciona esta
antinomia recorrendo à posição de uma cumplicidade entre poesia e filosofia.
440
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 16: “nemica d’ogni grandezza”.
441
Ibidem, p. 145: “quello che v’ha di più spirituale nell’uomo”.
124
raciocínio é uma operação matemática do intelecto” que “materializa e geometriza
também as noções mais abstratas”
442
.
Leopardi alerta sobre o ideal dos novos tempos, isto é, o “século da
razão”
443
, onde o conhecimento da verdade (cognizione del vero) submete tudo e
“parece” não haver limites. Desta maneira, a razão, em sua ânsia de atingir o
íntimo de todas as coisas, promove o distanciamento nos homens de sua própria
natureza, já que termina, também, destruindo as ilusões. Por isso, o autor entende
ser próprio da modernidade o conhecer as ilusões como tais – de modo claro e
com “sangue frio” – “sabendo, porém, muito bem aquilo que são”
444
. Daí Leopardi
questionar: “como é possível que sejam as ilusões duráveis e fortes (...) sendo,
assim, descobertas? E que movem grandes coisas?”
445
. Enfim, “sem as ilusões
qual grandeza pode, aqui, existir ou esperar-se?”
446
.
A destruição das ilusões presente nos novos tempos decorre de um
determinado modo do conhecer que pretende, igualmente, atingir “intimamente o
nosso coração”
447
. Trata-se de um conhecer que segue um procedimento racional,
que analisa, prevê, distingue – no que toca ao ânimo humano – “um a um todos os
menores objetos”: portanto, uma verdadeira arte “psicológica”
448
. O autor
responsabiliza o “século da razão”, como aquele que promoveu a fragilização do
ânimo humano, afetando a vitalidade das faculdades humanas, como a
imaginação (na sua dimensão poética), e as suas criações, a saber, as ilusões.
442
Ibidem: “più materiale della ragione, giacchè il raziocinio è un’operazione matematica
dell’intelletto, e materializza e geometrizza anche le nozioni più astratte”.
443
Com tal expressão, Leopardi revela toda a sua suspeita em relação à modernidade, tendo em
vista a forma de sua racionalidade e os danos provocados por esta aos indivíduos, em sentido antropológico.
Sob esse aspecto, convém ressaltar, também, a sua preocupação leopardiana em relação ao mundo civil ao
identificar perdas como: vitalidade, amor pátrio, virtude, magnanimidade: sentimentos que foram
“sufocados” pela presença do egoísmo moderno. Pode-se, ainda, identificar no “texto” leopardiano outros
termos que, de forma similar, expressam a sua crítica aos novos tempos, a saber: “século de morte”, “século
altivo e tolo” (Cf. G. Leopardi, Canti; Operette Morali; Zibaldone di Pensieri e Discorso sopra lo stato
presente dei costumi degl’italiani [1824]. Milano, Feltrinelli, 1991). Este último teve a sua primeira
publicação na Itália em 1906. Ver aqui, também, G. Leopardi, Discurso sobre o estado atual dos costumes dos
italianos (1824-1906). Trad. br. Vera Horn in: Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar 1996, pp. 525-
548.
444
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 16: “sapendo però benissimo quello che sono”.
445
Ibidem: come è possibile che sieno durevoli e forti (...) essendo così scoperte? E che
muovano a grandi cose?”
446
Ibidem, pp. 16-17: “senza le illuzioni qual grandezza ci può essere o sperarsi?”
447
Ibidem, p. 19: “intimamente il cuor nostro”.
448
Ibidem: “ad uno ad uno tutti e più minuti affetti”.
125
Para Leopardi, os novos tempos representam a ruína do “poético”, pois,
com a destruição das ilusões, “sem as quais não existirá poesia eternamente”
449
,
ocorre, por sua vez, a destruição de toda “grandeza do ânimo e das ações”
450
.
Enquanto o homem se distanciar daquela “puerícia na qual tudo é singular e
maravilhoso, na qual a imaginação parece que não tenha limites”
451
, ele perderá a
própria “capacidade de ser seduzido”
452
. Desse modo, o homem torna-se
“artificioso e malicioso”, pois o seu conhecer exclui a sensibilidade e o “palpitar”,
caindo, assim, “entre as garras da razão”
453
.
Sem ilusões, porém, mediante as quais o homem é persuadido, “não há
vida nem ação”
454
. Isto ocorre porque “o homem não opera sem persuasão”
455
. A
persuasão, por sua vez, quando não é ilusória, mas, como assevera Leopardi,
decorre da razão, “o homem não opera, porque a razão não o persuade a operar,
aliás o dissuade, e o lança na indiferença”
456
. Aqui se revela a insistência
leopardiana de reconhecer a dimensão espiritual presente nos sentimentos, e
reconheceu a ameaça que constituiu a forma de proceder da razão na experiência
dos “novos tempos”.
Em verdade, o “século da razão” não é um século “poético”. A razão
apagou da mente humana a sua dimensão imaginativa “e do (...) coração todas as
ilusões”
457
, que teriam feito dos homens e os faziam “bem-aventurados”. Leopardi
reconhece que no seu presente as “mentes superiores” possuem a seguinte
propriedade: “são muito fáceis de conhecer as ilusões, e muito fáceis e
prontíssimas para perdê-las”
458
, sobretudo, aquelas “pequenas ilusões”, aquelas
cotidianas. Por conseguinte, para que se conceba as ilusões, torna-se necessário
449
Ibidem: “senza cui non ci sarà poesia in sempitermo”.
450
Ibidem: “grandezza dell’animo e delle azioni”.
451
Ibidem: “puerizia in cui tutto è singolare e maraviglioso, in cui l’immaginazione par che non
abbia confini”.
452
Ibidem: capacità di esser sedotto”.
453
Ibidem, p. 20: “tra le branche della ragione”.
454
Ibidem, p. 236: “non c’è vita nè azione”.
455
Ibidem: “l’uomo non opera senza persuasione”.
456
Ibidem: “l’uomo non opera, perchè la ragione non lo persuade ad operare, anzi ne lo
distoglie, e lo getta nell’indifferenza”.
457
Ibidem, p. 372: “e dal cuor (...) tutte le illusioni”.
458
Ibidem, p. 113: “sono facilissime a concepire illusione, e facilissime e prontissime a
perderle”.
126
a grande “força da imaginação”, mas para perdê-las, basta “a grande força da
razão”
459
.
O homem pertencente a tal século é alguém destituído de “força
imaginativa”
460
. Conforme o autor, cada vez mais se enfraquecem “as gerações
dos homens, pela falta de ilusões existentes no mundo como outrora”
461
. A
vitalidade e a “necessidade do vigor do corpo” só podem provir com a presença
das “grandes ilusões da alma
462
. Todavia, insiste Leopardi: “as ilusões (...) duram
ainda, a despeito da razão e do saber. É de esperar que durem, também, em
progresso”
463
. Na atual condição dos homens (presente condizione degli uomini)
se apresenta, de um lado, o “incremento e a divulgação da filosofia, que nos vai
afiando e dispersando todo aquele pouco que nos resta [de ilusões], e, de outro, a
ausência positiva de quase todos os objetos de ilusão”
464
: uma mortificação real,
uniformidade, inatividade e nulidade de toda a vida.
Conforme Leopardi, tais coisas conduziram “os homens a perderem,
finalmente, todas as ilusões e os esquecimentos, a perdê-las para sempre”
465
.
Desta perda permaneceu para os homens, “continuamente e sem intervalo, a pura
e nua verdade”
466
. Como conseqüência deste acontecimento que marca a
situação em que se encontra o homem moderno, Leopardi prevê: “desta raça
459
Ibidem: “la molta forza della regione”.
460
O autor compreende a ausência de “força da imaginação” como algo decorrente da perda de
vigor própria do século da razão. Isto ocorre em virtude do modo com o qual se realiza a formação
“moderna”, que fragiliza o ânimo com o excesso de exercícios da razão, e fragiliza as disposições ligadas à
vitalidade do corpo. Sobre esta questão, ver, G. Leopardi, Il Parini ovvero della Gloria, in Operette Morali,
pp.
461
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 109: “sempre più le generazioni degli uomini, e
questo effeto della mancanza d’illusioni esistenti nel mondo come una volta”.
462
Ibidem: “grandi illusioni dell’animo”.
463
Ibidem, p. 168: “le illusioni ... durano ancora a dispetto della ragione e del sapere. È da
sperare che durino anche in progresso”.
464
Ibidem, pp. 168-169: “incremento e divulgamento della filosofia da una parte, la quale ci va
assottigliando e disperdendo tutto quel poco che ci rimane; e dall’altra parte della mancanza positiva di quasi
tutti gli oggetti d’illusione”.
465
Ibidem, p. 169: “gli uomini a perder tutte le illusione e le dimenticanze per sempre”.
466
Ibidem: “continuamente e senza intervallo la pura e nuda verità”.
127
humana não restarão outra coisa senão os ossos, como de outros animais dos
quais se falou no século anterior”
467
.
Isso explica a importância que assume na reflexão leopardiana, sobre a
natureza humana, a necessidade das ilusões. Aliás, Leopardi destaca que “toda
criança na primeira faculdade de raciocinar (uma vez que as crianças
prioritariamente não vivem de outra coisa senão de ilusões) se mataria
infalivelmente com as próprias mãos”
468
. Ele acrescenta, ainda, que sem as
ilusões a nossa raça desapareceria por necessidade congênita e substancial”
469
.
Por isso nenhum homem, sob qualquer conjuntura, deve “jamais se afligir pelo
retorno das ilusões”
470
.
As ilusões não são, no entender do autor, “obra da arte ou da razão, mas
da natureza”
471
. Disto segue que a sua destruição, por obra da razão moderna,
afeta a natureza que constitui a força vital nos homens. O resultado desta
mutilação é, portanto, o surgimento da barbárie, pois esta última é a condição em
que a própria natureza perde a sua força nos homens. A razão moderna, porém,
“em oposição à razão antiga, não observa e não consulta senão o verdadeiro, algo
diverso da natureza”
472
.
O homem permanece no desejo de realização da felicidade, desejo que
nunca se concretizará. Segundo Leopardi, “é preciso considerar, entretanto, a
grande misericórdia, o grande magistério da natureza”
473
, já que ela, de um lado,
não podendo subtrair do gênero humano o desejo de prazer, considerado, aqui,
como conseqüência imediata da dimensão do amor próprio do homem e
expressão da conservação necessária à subsistência de todas as coisas
467
Ibidem: “di questa razza umana non resteranno altro che le ossa, come di altri animali parlò
nel secolo addietro”.
468
Ibidem, p. 168: “ogni fanciullo alla prima facoltà di ragionare (giacchè i fanciulli
massimamente non vivono d’altro che d’illusioni) si ucciderebbe infallibilmente di propria mano’.
469
Ibidem: “la razza nostra sarebbe rimasta spenta nel suo nascere per necesità ingenita, e
sostanziale”.
470
G. Leopardi, La vita e le lettere, p. 164: “mai disperare il ritorno delle illusioni”.
471
Ibidem: “opera dell’arte o della ragione, ma della natura”.
472
Ibidem, p. 165: “all’opposto della ragione antica, non osserva né consulta se non il vero,
bem altra cosa che la natura”.
473
Ibidem, vol. I, p. 136: “bisogna considerare la gran misericordia e il gran magistero della
natura”.
128
existentes, e de outro, sendo incapaz de satisfazer os desejos de prazeres infinitos
dos homens (dada a finitude e os limites da realidade concreta), deliberou as
ilusões, para compor a ordem de existência das coisas: algo necessário e
conforme a natural inclinação do homem ao prazer.
O autor explicita que, independente do amor ao prazer infinito inerente à
constituição humana, há no homem a presença de uma faculdade imaginativa,
que exerce a função fundamental de conceber as coisas que não são. Desta
maneira, tal faculdade imaginativa promove a imaginação do prazer como a sua
principal ocupação, e, considerando a sua prioridade, pode representar prazeres
que não existem. O prazer infinito, portanto, “que não se pode encontrar na
realidade se encontra assim na imaginação da qual se derivam a esperança, as
ilusões”
474
.
Para Leopardi, as ilusões foram deliberadas pela natureza aos homens
como criações arbitrárias, já que a natureza poderia se conduzir normalmente sem
as mesmas. Disto segue que as ilusões – constituidoras do homem como tal e da
ordem das coisas – são compreendidas “como algo de certo modo real, distinto”.
Elas são os “ingredientes essenciais do sistema da natureza humana”, e,
naturalmente dadas a todos os homens de forma que “não é lícito desprezá-las
como sonhos de um apenas, mas verdadeiramente próprias dos homens”, e,
portanto, postas pela própria natureza
475
. Por que esta dimensão das ilusões é
reiterada como necessária e posta pela natureza aos homens? Qual a função das
ilusões no interior da reflexão leopardiana?
Leopardi pressupõe, nesta discussão, a tendência da natureza humana ao
prazer infinito. Tal tendência está de acordo com a ordem da conservação
necessária à subsistência de tudo o que existe. Ele pensa, porém, a realidade
concreta como fundada num princípio ontológico fundamental: o nada. Este último
antecede o complexo de todo o existente que se encaminha em sua direção. O
474
Ibidem, p. 135: “può trovare nella realtà, si trova così nella immaginazione, dalla quale
derivano la speranza, le illuzioni”.
475
Ibidem, p. 52: “come cosa in certo modo reale stante ch’elle sono ingredienti essenziali di
sistema della natura umana, e date dalla natura a tutti quanti gli uomini, in maniera che non è lecito spregiarle
come sogni di un solo, ma propri veramente dell’uomo e voluti dalla natura”.
129
reconhecimento deste princípio, como expressão real, implica, também, admitir a
inutilidade de todas as coisas, pois toda a existência, quer natural, quer humana,
dirige-se para a morte: o fim inevitável da existência.
A compreensão da realidade humana, como existência finita, conduziu
Leopardi à afirmação de que ao seu redor “não via outra coisa senão um deserto”.
Ele próprio “não conseguia conceber como pudesse aqui (no mundo) se dobrar às
necessidades cotidianas na vida, sabendo bem que estas não conduziam a fruto
algum”
476
. Desse modo, Leopardi conclui: a tendência da natureza humana ao
prazer infinito é irrealizável, e “a felicidade do homem não pode ter consistência no
que é real”
477
, porque este último mantém o homem circunscrito ao que é dado, e
imediatamente vivido.
Disto resulta, o reconhecimento leopardiano da importância das ilusões,
uma vez que elas possibilitam ao gênero humano uma experiência vital, que se
opõe à experiência dos limites da realidade. Neste sentido, as ilusões não são
tomadas, assevera ele, por “meras inutilidades”. Elas “são necessárias e entram
substancialmente na composição da ordem das coisas”
478
, pois, somente por seu
intermédio é que se torna possível “o buscar no homem a única espécie de certa
felicidade da qual ele é capaz. A verdadeira sabedoria ... de buscar a felicidade no
ideal”
479
.
Segundo Leopardi, isto exige, porém, a atividade da faculdade imaginativa
(atributo natural do homem), dada a falta de felicidade real. Esta faculdade se
apresenta como essencialmente necessária, tendo em vista a incapacidade de
todos os prazeres de satisfazerem integralmente ao homem. Enquanto ela
possibilita suprir, em certa medida, esta falta, a sua atividade faz que “todos
pareçam belíssimos e grandes de longe, e o desconhecido seja mais belo que o
476
G. Leopardi, La vita e le lettere, p. 251: “non vedevo altro che un deserto, e non riuscivo a
concepire come ci si potesse piegare alle necessità quotidiane della vita, ben sapendo che queste non
avrebbero portato alcun frutto”.
477
Ibidem: “la felicità dell’uomo non può aver cosistenza in ciò che è reale”.
478
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 52: “sono necessari ed entrano sostenzialmente
nel composto ed ordine delle cose”.
479
G. Leopardi, La vita e le lettere, p. 252: “il procurare all’uomo l’unica specie di certa felicità
di cui egli sia capace. La vera saggezza è appunto quella di ricercare la felicità nell’ideale”.
130
conhecido”
480
. Desse modo, as ilusões terminam persuadindo os homens a ações
grandiosas e virtuosas (conforme o seu próprio caráter), pois Leopardi
compreende “que a virtude, (...) como tudo aquilo que é grande e belo, seja
apenas uma ilusão”
481
.
Tal ilusão que persuade os homens a uma ação grandiosa não é, porém,
algo comum a todos. Para tanto, seria preciso que os homens, de modo geral,
“acreditassem” e “quisessem” agir virtuosamente, sendo, assim, ‘bons”,
“caridosos”, “generosos”, “magnânimos”, “cheios de entusiasmo”, e fossem
“sensíveis” – já que o autor não estabelece aqui nenhuma distinção entre
sensibilidade e virtude. Nesse sentido, Leopardi põe as seguintes questões: se os
homens agissem persuadidos pelas ilusões não seriam, então, mais felizes?
Indaga ainda: eles não encontrariam, talvez, mais recursos na sociedade? Esta
última não deveria se esforçar para tornar possível a conservação das ilusões?
Trata-se, ainda, da exigência de uma resposta ao problema da felicidade que
Leopardi retorna, reconhecendo a presença e a importância das ilusões na
existência humana.
Para o Leopardi, “o mais sólido prazer desta vida é o vão prazer das
ilusões”
482
. Disto resulta a presença delas na experiência humana, pois o homem
“não vive de outra coisa senão (...) de ilusões”
483
. Ele identifica, nesta afirmação,
uma “proposição exata e incontrastável”, pois “tolhida (...) as ilusões
radicalmente”
484
, a existência humana permaneceria algo insuportável. Por
conseguinte, as ilusões assumem, no âmbito da vida humana, um lugar
determinante, uma vez que elas possibilitam ao homem a continuidade de sua
480
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol,I, p. 137: “tutti bene paiono bellissimi e sommi da
lontano, e l’ignoto sia più bello del noto”.
481
G. Leopardi, La vita e le lettere, p. 251: “che la virtù, ... come tutto quello che è grande e
bello, sia soltanto un’illusione”.
482
G. Lepardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 52: “Il più solido piacere di questa vita è il piacer
vano delle illusioni”.
483
Ibidem: “non vive d’altro che (...) d’illusioni”.
484
Ibidem: “proposizione esatta e incontrastabile: tolta (...) le illusioni radicalmente”.
131
existência: um “alimento” para a vida. Elas conduzem, também, à realização de
grandes ações, pois a maior parte das ações não pode provir “senão da ilusão”
485
.
Conforme o autor, as ilusões procuram suprir, em certa medida, a falta de
felicidade real dos homens (dada à inclinação da natureza humana ao prazer
infinito, porém irrealizável), estimulando no ânimo deles, ações e pensamentos
nobres e virtuosos. Tais pensamentos, como produtos da faculdade imaginativa,
são compreendidos como algo que expressa o sentido e apreço à vida, já que
pretendem atingir o bem comum dos homens. Alguns obstáculos ameaçariam,
entretanto, a vitalidade e a conservação das ilusões no âmbito da experiência
existencial humana.
Para Leopardi, se os princípios ressuscitassem as “ilusões” (illusioni)
dariam “vida e espírito” (vita e spirito) aos povos, reanimando com certa
“substância” (sostanza) e “realidade” (realtà) os “erros e as imaginações
constituidoras e fundamentais das nações certamente adquiririam, ou melhor
renasceriam para a vida, e se tornariam grandes e fortes e formidáveis”
486
. Ante a
“mísera espiritualização” (misera spiritualizzazione) das coisas humanas, o autor
vê a necessidade de se recuperar “ilusões” (illusioni) como: a pátria, o triunfo, as
festas patrióticas, as honras e méritos: todas pertencentes ao mundo antigo
487
.
O autor enaltece aqui uma época em que predominara a “imaginação”
(immaginazione) e as “grandes ilusões” (grandi illusioni), pois os “antigos” (antichi)
eram governados por elas. Daí o “amor da glória” (amore della gloria) lhes
possibilitava vislumbrar a posteridade e a eternidade, buscando em cada uma de
suas obras a perpetuidade, a imortalidade das suas criações
488
. Em oposição ao
caráter efêmero das obras modernas, Leopardi lembra a “poderosa solidez das
antigas construções de todo gênero, construções que ainda vivem, enquanto as
nossas, também públicas, não serão certamente vistas pelos pósteros muito
distantes”
489
. Destacam-se aqui as pirâmides, os obeliscos, os arcos do triunfo, a
485
Ibidem, p. 95: “se non da illusione”.
486
Ibidem.
487
Ibidem.
488
Ibidem.
489
Ibidem.
132
forma de cunhar antiga das medalhas e moedas, pois, depois de tantos anos
permanecem vivas. Tudo isso é resultado, prova e sinais das “antigas ilusões e da
antiga força e domínio da imaginação”
490
.
Segundo Leopardi, tudo é “vacuidade” (vanità) menos as “belas ilusões”
(belle illusioni). Sem as “ilusões” (illusioni) não pode haver grandeza, nem o que
se esperar
491
. Nos novos tempos, dado o predomínio de uma racionalidade
inimiga de toda grandiosidade, conduziu a destruição das “grandes ilusões”
(grandi illusioni) e, por sua vez, a destruição da “grandeza de espírito” (grandezza
d’animo) e das “ações” (azioni). O progresso da razão e a dissolução das ilusões
produzem a “barbárie” (barbarie), pois “um povo em excesso iluminado não se
torna civil, como sonham os filósofos do nosso tempo (...), mas bárbaro”
492
.
Antes da crise leopardiana do “sistema da natureza” (sistema della natura)
a “grande inimiga da barbárie não era a razão, mas a natureza”
493
. A “natureza”
(natura) fornece as “ilusões” (illusioni) a fim de tornar um povo realmente “civil”
(civile). “As ilusões são por natureza, inerentes ao sistema do mundo, eliminadas
(...) o homem se degenera; todo povo degenerado é bárbaro, não podendo mais
correr as coisas como quer o sistema do mundo”
494
. Conforme Leopardi, a “razão”
(ragione) é uma “luz” (lume), e a natureza quer ser iluminada, mas não
encendiada por ela
495
. Ao tornar os homens “amigos do útil” (amici dell’utile),
eliminando as ilusões que ligam uns aos outros, a razão dissolveu a sociedade e
tornou as pessoas ferozes.
Leopardi sabia que o tempo das “grandes ilusões” (grandi illusioni)
terminou
496
. Ele sabia, entretanto, ser “verdadeiro” (vero) que mesmo sendo o real
um “nada” (nulla), não existir “outro real, nem outro de substancial no mundo do
que as ilusões”
497
. Todo o “belo” (bello), o “bom” (buono) neste mundo é ilusão,
490
Ibidem.
491
Ibidem.
492
Ibidem.
493
Ibidem.
494
Ibidem.
495
Ibidem.
496
Ibidem.
497
Ibidem.
133
mas também a “virtude” (virtù) a “magnanimidade” (magnanimità) são “fantasmas
e substâncias imaginárias” (fantasmi e sostanze immaginarie)
498
. O império da
“pura razão” (pura ragione) é, entretanto, o império do despotismo, pois a “pura
razão” (pura ragione) dissipa as ilusões e conduz ao egoísmo, ou seja, põe em
risco o viver civil por dividir os indivíduos, as nações
499
.
Oferecer, porém, ao mundo “distrações vivas” (distrazioni vive), “grandes
ocupações” (occupazioni grandi), “movimento” (movimento), “vida” (vita), e
“renovar as ilusões perdidas (...) é obra apenas dos poderosos”
500
. A política,
segundo Leopardi, não deve considerar apenas a razão, mas também a
natureza
501
. Daí o vínculo das ilusões com o viver civil e a sua renovação não é
um empreendimento doméstico ou individualista.
Embora as “ilusões” (illusioni) tenham se enfraquecido e desmascaradas
pela razão, o autor sabe que ainda permanecem no mundo, uma vez que
compõem a nossa vida. Daí não bastar conhecer tudo para perdê-las, mesmo
sabendo da vanidade delas. Ademais mesmo perdidas, permanece ainda uma
“raiz muito vigorosa” (radice vigorosissima). As ilusões continuam vivendo, não
obstante a experiência e a certeza de sua perda. “Eu vi pessoas muito sábias,
muito experientes, cheias de conhecimento, de saber e de filosofia, muito infelizes,
perder todas as ilusões, e desejar a morte como único bem, e (...) aos amigos”
502
.
O homem não vive de outra coisa senão de “ilusões” (illusione). Se fossem
eliminadas radicalmente, todo homem ou criança se mataria e “a nossa raça teria
sido extinta no seu nascimento por necessidade inata e substancial”
503
. As ilusões,
entretanto, permanecem ainda, não obstante a presença da “razão” (ragione) e do
“saber” (sapere). Leopardi “espera” que elas durem mesmo com o progresso.
Contudo os riscos contra as “ilusões” (illusioni) mostra-se na condição presente
dos homens: “do crescimento e divulgação da filosofia, de um lado, a qual vai
498
Ibidem.
499
Ibidem.
500
Ibidem.
501
Ibidem.
502
Ibidem.
503
Ibidem.
134
afinando e dissipando todo aquele pouco que nos resta; e de outro (...) a falta
positiva de quase todos os objetos de ilusão, e da mortificação real, uniformidade,
inatividade, nulidade (...) de toda vida”
504
. Tais coisas conduzirão os homens a
perder todas as “ilusões” (illusioni), “perdê-las para sempre, e ter diante dos olhos
continuamente e sem intervalo a pura e nua verdade, desta raça humana não
restarão outra coisa senão os ossos, como de outros animais”
505
. Não houve na
história semelhante destruição, não há em outras idades semelhante exemplo,
fruto “dos progressos de um processo civilizatório desmedido, e de uma
degeneração sem limites”
506
. Disto resulta também o “sentimento da infelicidade”
(sentimento dell’infelicità), oriunda da perda das “grandes e vivas ilusões” (grandi e
vive illusioni)
507
.
Para Leopardi, todos os “prazeres” (piaceri) consistem em “ilusões”
(illusioni) e destas ilusões se forma e se compõe a vida humana. A sua perda
significa o desaparecimento do “prazer” (piacere) e sentido na vida do indivíduo. O
mesmo ocorre com as “instituições” (istituzioni) tendentes a promover “o
entusiasmo, as ilusões, a coragem, a atividade, o movimento, a vida. Eram
ilusões, mas eliminai-as (...). Qual prazer permanece? E a vida o que se torna?”
508
Segundo o autor, o mesmo ocorre com “a virtude, a generosidade, a sensibilidade,
a correspondência verdadeira no amor, a fidelidade, a constância, a justiça, a
magnanimidade etc. humanamente falando, são entes imaginários”
509
.
Se o “homem sensível” (uomo sensibile) encontrasse, com freqüência, tais
entes no mundo, e o mundo caminhasse mais na direção desses entes
imaginários ocorreria menos infelicidade. “Seguiria ilusões, porque nenhuma coisa
é capaz de preencher o ânimo humano, mas não é melhor uma vida com muitos
prazeres ilusórios, do que sem nenhum prazer? Não se viveria melhor se no
mundo se encontrassem estas ilusões mais realizadas, e se o homem de coração
504
Ibidem.
505
Ibidem.
506
Ibidem.
507
Ibidem.
508
Ibidem.
509
Ibidem.
135
não devesse se persuadir não só que são entes imaginários, mas que no mundo
não se encontram mais nem sequer tão imaginários como são?”
510
Em verdade, aqueles “zeladores ardentes” (ardenti zelatori) das ilusões são
talvez, conforme Leopardi, que conhecem e sentem de maneira mais viva e
universal, a “vacuidade” (vanità) delas. Já os seus mais “ardentes empunhadores”
(ardenti impugnatori) são aqueles que não a sentem intimamente na vida:
conhecem apenas na teoria, mas não na prática. “Tais são os sem escrúpulos e
os intolerantes filósofos dos nossos dias”
511
. Se eles conhecessem e sentissem as
ilusões, compreenderiam a imensidão delas, e se espantariam ao se depararem
com a ausência delas: “buscariam se refugiar uma outra vez no seio da ignorância
ou esquecimento do verdadeiro e da dúvida muito cruel”
512
.
Segundo Leopardi, há uma “ignorância parcial” (ignoranza parzial), mesmo
num estado alterado pela razão, no do homem em sociedade. O autor
compreende aqui uma “ignorância” (ignoranza) que sirva “de fundamento às
crenças, julgamentos, erros, ilusões (...) não aqueles erros que não são primitivos
e derivam da corrupção do homem ou das nações”
513
. Daí o único estado possível
de felicidade é aquele de uma “civilização média” (civiltà media) em que há um
certo equilíbrio entre a razão e a natureza
514
.
Leopardi exalta a importância e o sentido das “ilusões” (illusioni) na vida em
oposição à “seca razão” (secca ragione). Daí interrogar ao filósofo: “Se agora se
encontrassem os ossos ou as cinzas de Homero ou de Virgílio etc. o sepulcro etc.,
que mérito teriam realmente aquelas cinzas, ou segundo a seca razão? O que
participaria dos méritos, das virtudes, da glória etc. de Homero? Eliminadas as
ilusões e os enganos, para que serviriam? Que utilidade real se extrairia deles?”
515
Em verdade, a civilização do homem social e das nações se fundamenta e se
compõe essencialmente nos “erros” (errori) e “ilusões” (illusioni): algo que dá
510
Ibidem.
511
Ibidem.
512
Ibidem.
513
Ibidem.
514
Ibidem.
515
Ibidem.
136
sentido também de civilidade. As “ilusões” (illusioni) pertencem substancialmente
ao sistema natural e à ordem das coisas: são essenciais e necessárias à
“perfeição do homem” (perfezione dell’uomo)
516
.
As “ilusões” (illusioni), porém, só podem ser condenadas, desprezadas e
perseguidas pelos “iludidos” (illusi) e por aqueles que acreditam ser este mundo
algo de belo. “Ilusão importantíssima: e, portanto, o meio filósofo combate as
ilusões porque justamente é iludido, o verdadeiro filósofo ama e afirma, porque
não é iludido: e o combater as ilusões, em geral, é o mais certo sinal de saper
muito imperfeito e muito insuficiente, e de notável ilusão”
517
.
Todavia não se pode estirpar totalmente as “ilusões” (illusioni), pois se isso
ocorresse o homem também desapareceria. O desaparecimento, porém, das
“ilusões gerais” (illusioni generali) influi sempre sobre as individuais
518
. Leopardi
conhece os rumos tomados pelo processo civilizatório e os danos causados à vida
civil, em especial, as faculdades, às crenças. Ante as degenerescências do
presente, Leopardi faz um alerta: “Ou a imaginação restitui o vigor, e as ilusões
recuperarão corpo e substância em um vida enérgica e móvel, e a vida tornará a
ser coisa viva e não morta, e a grandeza e a beleza das coisas tornarão a parecer
uma substância, e a religião adquirirá o seu crédito, ou este mundo se tornará um
serralho de desesperados, e talvez também um deserto”
519
.
3.3 A ultrafilosofia: uma resposta ao tempo presente
Com base na reflexão sobre o “nada” (nulla) presente desde o início no
processo do ser, as coisas se apresentam como frágeis, efêmeras e mortais: não
há uma razão fundante da realidade. A realidade não tem outro princípio a não ser
o “nada” (nulla). Leopardi abandonou toda pergunta ontológica sobre a essência
das coisas e sua origem. Ele parte das coisas e da sua materialidade, pois a
essência e a aparência estão unidas, em uma só coisa, no existente. A “aparência
516
Ibidem.
517
Ibidem.
518
Ibidem.
519
Ibidem.
137
não apenas basta, mas é a única coisa que basta, e é necessária e a única
necessária. Porque a substância sem a aparência não faz qualquer efeito e nada
obtém, e a aparência com a substância não faz nem obtém nada mais que sem
essa: onde se vê a substância ser inútil, e o todo está apenas na aparência”
520
.
Leopardi quis, ao conceber o todo da realidade como aparência, deslocar
ou diminuir a “superioridade” (superiorità) da razão, para colocá-la numa posição
de equilíbrio em relação às outras faculdades
521
. Ele buscou, assim, resgatar a
importância de outras faculdades, que também são constituidoras do indivíduo, e
lhe proporcionam uma forma de contato: uma relação com o mundo diversa
daquela exercida pela pura razão. Não é possível examinar a “natureza das
coisas” (natura delle cose) com a “pura razão” (pura ragione), pois é preciso a
ajuda da “imaginação” (immaginazione) e do “sentimento” (sentimento) como
procedem muitos alemães na filosofia, e ingleses que conhecem apenas estudos
de “coisas exatas” (cose esatte). Leopardi questiona os filósofos metafísicos,
político-matemáticos e áridos por se utilizarem de análise
522
.
O autor questiona o procedimento analítico que “desfaz a natureza, mas
não poderá jamais recompô-la”
523
, por não ser possível jamais com na
“observação” (osservazione) e “análise” (analisi), deles chegar às conseqüências
gerais. Ele supõe que, mediante a “análise” (analisi), eles decomponham a
natureza nos seus “mínimos” (menomi) e “últimos” (ultimi) elementos, e possam
conhecer cada uma das partes da natureza. Resta, porém, a dúvida se tal
procedimento possa realmente tratar a natureza como coisa viva
524
.
Leopardi enumera vários aspectos da realidade da natureza das coisas que
semelhante procedimento não consegue atingir: “o todo desta, a finalidade e a
520
G.Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 1075: “apparenza non solo basta, ma è la sola
cosa che basti, ed è necessaria e la sola necessaria. Perchè la sostanza senza l’apparenza non fa effeto alcuno e
nulla ottiene, e l’apparenza colla sostanza non fa nè ottiene niente di più che senza essa: onde si vede la
sostanza essere inutile, e il tutto stare nella sola apparenza”.
521
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, pp. 374-376; vol. II, pp. 878-889. Leopardi
critica a forma do procedimento moderno – da razão que se basta a si mesma – ao recorrer na sua reflexão
sobre a afirmação de outras faculdades: a imaginação, a fantasia, o sentimento, que possibilitam um acesso
mais concreto à natureza.
522
Ibidem.
523
Ibidem.
524
Ibidem.
138
relação recíproca dessas partes entre elas, e de cada uma em relação ao todo, a
finalidade deste todo, e a intenção verdadeira e profunda da natureza, aquilo que
ela destinou, a causa (...) da causa final do seu ser e do seu ser tal, o porque
dispôs assim e assim formou as suas partes, na cognição das quais coisas deve
consistir o propósito do filósofo, e em torno os quais circundam todas as verdades
gerais realmente grandes e importantes”
525
. Tais coisas não são possíveis por
meio unicamente da “razão” (ragione) que “analisa e examina a natureza”
526
.
O autor compara a natureza analisada com base em tal procedimento não
diferente de “um corpo morto” (un corpo morto)
527
. Para destacar a insuficiência da
decomposição analítica das coisas reais, Leopardi formula a seguinte questão:
“suponhamos que nós fossemos animais de espécie diversa da nossa, aliás de
natureza diversa da natureza geral dos animais que conhecemos, e, apesar de
tudo fossemos, como somos, dotados de entendimento. Se nós não tivéssemos
jamais visto nem homem nenhum, nem animal daqueles que realmente existem, e
nenhuma notícia (...) fossemos levados diante de um corpo humano morto, e nós
anatomizando chegássemos a conhecer uma a uma todas as suas partes mais
simples, e quimicamente decompondo-o, chegássemos a descobrir cada último
elemento dele; (...) nós poderíamos conhecer, entender, encontrar, conceber qual
fosse o destino, a ação, as funções, as vontades, as forças etc., de cada uma
parte desse corpo com relação a si mesma, às outras partes e ao todo, qual o
propósito e o objeto daquela disposição e daquela tal ordem que nessas partes
avistaremos, e observaremos mesmo com os próprios olhos, e com as próprias
mãos trataremos”
528
.
Após a apresentação de várias conjecturas, Leopardi assegura a
impossibilidade de se inferir qualquer conhecimento ou idéia concreta de vida
mediante uma cognição analítica a mais perfeita: “nós entenderíamos qual e que
coisa fosse o homem vivo e o seu modo de viver exterior ou interior?”
529
Ele
525
Ibidem.
526
Ibidem.
527
Ibidem.
528
Ibidem.
529
Ibidem.
139
assegura que todos responderiam negativamente, pois ao pretender conjecturar
nos afastaríamos mais ainda do verdadeiro. É impossível descobrir e entender a
“natureza viva” (natura viva), os seus “modos” (modi), “causas” (cagioni), “efeitos”
(effetti), “processos” (processi), “intenções” (intenzioni), “destinos” (destini). Não se
pode conhecer o “espírito da natureza” (spirito della natura) “com o simples
conhecimento (...) do seu corpo e com a análise exata, minuciosa, material das
suas partes também morais”
530
.
Há, entretanto, uma “certeza” (certezza): afirmar que a natureza, ou a
“universalidade das coisas” (universalità delle cose) está composta, disposta e
ordenada para um “fenômeno poético” (effetto poetico), ou seja, disposta e
destinada para produzir um “fenômeno poético geral” (effetto poetico generale) e
outros “particulares” (particolari), articulando todo e parte
531
.
Uma vez que o todo se revela ao homem materialmente, ou seja, com base
na realidade concreta e efetiva, Leopardi considera essência e aparência como
unidade. Nesse momento, tem prioridade a dimensão mais concreta dos objetos, e
se configura, no pensamento leopardiano, uma compreensão do mundo, valendo-
se do ponto de vista “materialista-sensualista”. O autor se contrapõe à supremacia
da razão que ameaça outras faculdades do indivíduo, a saber: fantasia,
imaginação e sensibilidade. Segundo ele, tais faculdades compõem uma
dimensão da realidade da natureza, já que estão ligadas ao que é sensível.
Leopardi compreende também a diferença e a oposição, nesse momento,
entre razão e ciência, de um lado, (fazendo parte da ordem dos conceitos), e
fantasia e sensibilidade, de outro, (como algo da ordem sensível-material da
natureza). “Além disso a razão e a ciência tendem, evidentemente, a igualar o
mundo sob qualquer aspecto e extinguir ou diminuir a variedade”
532
. Para
Leopardi, “não há algo mais uniforme do que a razão, nem mais diverso do que a
530
Ibidem.
531
Ibidem.
532
Ibidem, vol. I, p. 246: “Oltracciò la ragione e la scienza, tende evidentemente ad agguagliare il
mondo sotto ogni rispetto, ed estinguere o scemare la varietà”.
140
natureza; e assim a ciência promove totalmente a indiferença, porque arranca ou
diminui também as diferenças reais e, portanto, os motivos de determinação”
533
.
O autor recusa, assim, uma “razão exata e geométrica”
534
(“ragione esatta e
geometrica”) em virtude da sua indiferença em relação à natureza. A razão ignora,
em seu julgamento, a utilidade das coisas que não se adequam ao seu propósito,
e termina igualando o mundo a si mesma. Nesse sentido, ela promove a extinção,
ou diminuição, da variedade real presente na natureza. Trata-se aqui de um limite
da própria razão na sua apreensão da realidade, tornando-se limitada até em
relação às minúcias, os detalhes e ao movimento intrínseco, em seu conjunto, que
compõem a realidade.
Para Leopardi: “nada de poético se avista nas suas partes, separando-as
uma da outra, examinando as mesmas uma a uma com a simples luz da razão
exata e geométrica”
535
. A razão, portanto, em seu propósito de satisfazer a si
mesma, isola-se de outras dimensões, igualmente constituidoras da realidade. O
autor reconhece a impossibilidade desta forma de racionalidade em lidar com
outras faculdades tais como o sentimento, a imaginação, a fantasia, que
participam também da experiência humana. Em seu processo de conhecimento,
tal racionalidade separa os objetos, descompondo-os em partes “sem corpo e sem
vida”, não podendo, assim, captar o que há de “poético” (poetico)
536
na natureza.
Segundo Leopardi, a natureza, ao ser apreendida pela “racionalidade
abstrata e geométrica” que em seu proceder tudo divide e separa, é decomposta
de forma fria e isolada, degradando-se no seu processo e movimento reais. Esta
razão destitui tudo o que tem vida, e, ao mesmo tempo, tudo enfraquece mediante
533
Ibidem: “non c’è cosa più uniforme della ragione nè più varia della natura; e cosi la scienza
promuove sommamente l’indifferenza, perchè toglie o scema anche le differenze reali, e quindi i motivi di
determinazione”.
534
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, pp. 878-889. É preciso destacar, também, a posição
desta forma da racionalidade em relação à destruição das ilusões.
535
Ibidem: “Nulla di poetico si scorge nelle sue parti, separandole l’una dall’altra, ed esaminandole a
una a una col semplice lume della ragione esatta e geometrica”.
536
Ibidem. Por meio do poético, Leopardi se contrapõe à forma da racionalidade (“razão exata e
geométrica”), na medida em que esta destrói toda unidade na natureza com abstrações e análises. Ele
reafirma as faculdades ligadas à experiência sensível humana, capazes de apreender de forma mais viva e
intensa a realidade, e reconhece o “século da razão” como tempos não-poéticos (como também, teria pensado
Vico), ou seja, tempos não-criativos.
141
“exames”( ), “operações”( ), “investigações”( ) e “experimentos” ( ), submetendo
a natureza ao seu proceder e propósitos. Tal “racionalidade” ( ), entretanto, julga
o seu procedimento conveniente e necessário. Dessa forma, ela opera a
diminuição da “variedade” (varietà) e “diversidade” (diversità) de elementos
presentes na natureza. Ela termina, assim, extinguindo toda vitalidade e
movimentos naturais.
Leopardi indagaria então: como avistar, ainda, o “poético” sob o jugo desta
forma de racionalidade? “Nada de poético puderam, nem poderão descobrir
jamais a pura e simples razão e a matemática”
537
. O autor denuncia, aqui, o limite
da razão moderna no que concerne ao conhecimento do “poético” presente na
natureza, pois o mesmo não poderia jamais ser objeto de conhecimento da “razão
abstrata, uma vez que este toca ao homem na sua dimensão sensível, e não na
“pura especulação racional”.
É, justamente, valendo-se da sensibilidade, da imaginação e da fantasia
que o “poético” torna-se compreensível ao homem. Apenas mediante tais
faculdades é possível concebê-lo, uma vez que o mesmo só se concebe por meio
da sensibilidade: algo impossível pela atividade da “pura razão abstrata”. Por
conseguinte, não se pode apreender o que há de “poético” na natureza por
intermédio de um procedimento racionalizante, por se tratar de uma operação que
se limita exclusivamente ao que se “conhece”, e se “entende” racionalmente. Ao
afirmar o “poético” (poetico), Leopardi se opõe, então, a todo o procedimento
racionalizante; “já que tudo o que é poético se sente, ao contrário do que se
conhece e se entende, aliás, queremos dizer que o sentindo se conhece e se
entende, de outra forma não poderia ser conhecido, descoberto e compreendido,
mas apenas com o sentir”
538
.
Não há nada de “poético” (poetico) nos seus meios, nas suas formas, na
sua dimensão interior e exterior, nos seus processos desagregados. Leopardi
537
Ibidem. “Nulla di poetico poterono nè potranno mai scoprire la pura e semplice ragione e la
matematica”.
538
Ibidem. : “Perocchè tutto ciò ch’è poetico si sente piuttosto che si conosca e s’intenda, o vogliamo
anzi dire, sentendolo si conosce e s’intende, nè altrimenti può esser conosciuto, scoperto ed inteso, che col
sentirlo”.
142
sustenta a impossibilidade da “pura e firme razão” (pura e fredda ragione)
compreender o que há de “poético” (poetico) na natureza decomposta pelo
“bisturi” (coltello anatomico) ou “forno químico” (fornello chimico) de um metafísico,
pela pura especulação: uma natureza decomposta, quase fria, morta, imóvel. A
pura e simples razão e matemática não conseguirão descobrir, pois não possuem
qualquer “sensório” (sensorio).
Só a “imaginação” (immaginazione) e a “sensibilidade” (sensibilità) poderão
descobrir e entender a natureza viva das coisas. Tais “faculdades” (facoltà)
conseguem fazê-lo, porque o homem que as possui, é parte da natureza e da
universalidade que examinam. Elas são as únicas faculdades que estão em
harmonia com o “poético” (poetico) presente na natureza, pois o mesmo não
ocorre com a “razão” (ragione). Elas são mais capazes de “prever” (indovinar) a
natureza do que a “razão” (ragione) em descobri-la. Cabe somente à “imaginação”
(immaginazioni) e ao “coração” (cuor) sentir e conhecer o que é “poético”
(poetico). É possível apenas à imaginação e ao coração por lhes pertencer “o
entrar e penetrar profundamente os grandes mistérios da vida, dos destinos, das
intenções tão gerais, tão também particulares, da (...) natureza”
539
. Só tais
disposições podem de maneira mais perfeita compreender o todo da natureza.
Para Leopardi, só a “imaginação” (immaginazione) e o “coração” (cuor) são
capazes de “conceber, criar, formar, aperfeiçoar um sistema filosófico, metafísico,
político que tenha o menos possível de falso, ou (...) o mais possível de
semelhante ao verdadeiro, e o menos possível de absurdo, de improvável, de
extravagante”
540
. Com tais faculdades, os homens concordam entre si nas
“matérias especulativas” (materie speculative) e em muitos “pontos abstratos”
(punti astratti) do que com a razão: algo contrário do que pareceria suceder.
Ao conjecturarem com base apenas na “simples razão” (semplice ragione),
os homens entrariam mais fácil em discordância e se afastariam mais uns dos
outros. Pela via do “sentimento” (sentimento) e da “immaginação”
(immaginazione), os homens, as suas diversas classes, as nações, os séculos,
539
Ibidem.
540
Ibidem.
143
com freqüência, concordam entre si em muitas proposições (sistemas) e
suposições, decorrentes dessa faculdade. Segundo Leopardi, as proposições e
suposições fundamentadas em tais faculdades “foram sempre e, contudo, são
admitidas e coservadas por todas ou quase todas as nações em todos os tempos,
e pela universalidade dos homens tidas, também hoje em dia, como verdades
indubitáveis, e por sábios, quando não, como mais verossímeis e mais
universalmente aceitáveis do que qualquer outra sobre o respectivo propósito”
541
.
Não ocorre o mesmo, entretanto, quando estabelecido mediante a “pura
razão” (pura ragione) ou o “puro raciocínio” (puro raciocinio). Apenas a
“imaginação” (immaginazione), o “coração” (cuore) e as “paixões” (passioni) ou a
razão com a intervenção eficaz delas, descobriram, ensinaram e confirmaram as
maiores, “mais gerais, mais sublimes, profundas, fundamentais, e mais
importantes verdades filosóficas que se possuam, que se conheçam, da natureza
e das coisas”
542
.
Contra a unilateralidade do procedimento da “razão abstrata”, presente na
experiência humana moderna, Leopardi recupera uma certa integridade
antropológica, como busca de um conhecimento mais concreto da realidade. Disto
decorre a exigência de se pensar, também, a seguinte relação: “é tão admirável
quanto verdadeiro, que a poesia a qual busca por sua natureza e propriedade o
belo, e a filosofia que essencialmente procura a verdade, isto é, a coisa mais
contrária ao belo(...) sejam as faculdades mais afins”
543
.
Leopardi se exprime a favor da conciliação entre filosofia e poesia, na
medida em que reconhece, apesar de seus diferentes propósitos, um campo de
possibilidades com base nessa relação. Em todo grande poeta há a disposição de
ser grande filósofo, e neste último, a disposição de ser um grande poeta. O autor
afirma, ainda, que um e outro não podem ser grandes e perfeitos isolados no
541
Ibidem.
542
Ibidem.
543
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol, II, p. 908: “É tanto mirabile quanto vero, che la poesia la
quale cerca per sua natura e proprietà il bello, e la filosofia ch'essenzialmente ricerca il vero, cioè la cosa più
contraria al bello; sieno le facoltà le più affini”. (Veja-se, também, G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I,
p. 463).
144
próprio gênero sem levar em consideração, e de forma não medíocre, o gênero do
outro, quer no que diz respeito à “índole primitiva da inteligência”, quer na
“disposição natural” e na “criatividade”. Ele ressalta, também, que tanto a poesia
como a filosofia são as duas faculdades mais nobres e mais difíceis que o espírito
humano possa se dedicar.
Leopardi postula, a “ultrafilosofia” (ultrafilosofia)
544
, a fim de atingir o íntimo
das coisas, e aproximar o homem da natureza em sua totalidade. Ele
compreendeu os limites que afetavam a filosofia de seu tempo, que estava
fundada em bases eminentemente racionalistas, e, portanto, distanciava os
homens daquilo que representa a natureza: as virtudes, os entusiasmos, as
ilusões. Segundo ele, esta filosofia “deveria ser o fruto das luzes extraordinárias
desse século”
545
.
Compreendido que a filosofia leopardiana explicita a irrevogável miséria da
condição humana – ao mesmo tempo em que fala dos diversos males inerentes a
esta espécie – e sendo o seu pensamento, essencialmente, contrário a qualquer
princípio otimista em relação ao “destino humano”, e a toda idéia deprogresso
baseada no aperfeiçoamento do processo civilizatório, caberiam aqui estas
indagações: não haveria na filosofia de Giacomo Leopardi a presença de uma
dimensão misantrópica? Caso contrário, a quem o autor atribuiria a origem de
todos os males que tocam tanto ao homem quanto as coisas?
Conforme Leopardi, o seu pensamento não exprime nenhum sentimento
misantrópico
546
, nem tampouco conduz a tal posição os que dele tomam
conhecimento. A sua filosofia tende, ao contrário, “a sanar”, e, ao mesmo tempo, a
apagar todo mau humor e todo ódio (não sistemático), presentes no convívio
544
Trata-se, aqui, de uma filosofia que rompe toda unilateralidade (de faculdades e saberes), toda
antinomia e que busca apreender a coisa na sua interioridade e totalidade. Cabe, ainda, ressaltar o diálogo que
este autor estabelece entre filosofia e poesia, contrapondo-se, desta forma, à maneira na qual a filosofia
racionalista se exprimia. Sobre a concepção leopardiana de “ultrafilosofia”, ver Zibaldone di pensieri, vol. I,
pp. 99-100. Convém, ainda, atentar para a forma expositiva dos Opúsculos Morais que seguem, na sua
elaboração, a intenção do autor de explicitar o conteúdo da “filosofia desesperada” (combativa e não
conformista) e propor – como ruptura com os limites da filosofia da tradição quer teoréticos quer práticos –
uma ultrafilosofia.
545
G. Leopardi, Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 99-100. “doverbb’essere il fruto dei lumi
straordinari di questo secolo”.
546
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 1167.
145
cotidiano dos indivíduos. Ele recusa as acusações – fruto de uma consideração
superficial e leviana de sua reflexão – que o identificaram como misantropo: algo
muito mais presente naqueles que “não são filósofos
547
, que certamente
recusariam esta denominação de misantropo, que habitualmente conduzem de
forma cordial as suas relações com os seus semelhantes.
O autor defende nos Pensieri (1831-1835)
548
: “Quem se comunica pouco
com os homens raras vezes é misantropo. Autênticos misantropos não vivem em
solidão”
549
, ao contrário, encontram-se no mundo. A misantropia é um
comportamento que se exprime, sem dúvida, no “uso prático da vida”
550
. Não é a
filosofia, como pensam muitos daqueles que lhe acusaram disto, que conduz ao
ódio contra os homens. Assim, quando um indivíduo dessa condição busca se
refugiar da sociedade, ele perde com esse refúgio a misantropia.
A sua filosofia não faz réu o próprio homem, pois como bem indica Leopardi
nos Pensieri a sua inclinação nunca foi a de “odiar os homens, mas amá-los
551
. O
autor encaminha, então, a sua reflexão contra a natureza, na medida em que ele
“dirige o ódio ou senão outro lamento, a princípio mais alto”
552
, identificada, agora,
como “a origem verdadeira dos males dos vivos”
553
.
Nisso consistiria o “vero saber” – conforme a La Ginestra (1836)
554
, pois os
homens devem, agora, reconhecer como culpada por sua própria condição de
infelicidade a natureza: aquela que, segundo os versos leopardianos, “mãe é no
547
Ibidem: “non sono filosofi”.
548
Trata-se de uma obra escrita, por meio de aforismas, em que o autor reelabora a sua reflexão sobre
a “espécie humana”. A sua redação se realizou entre 1831-1835.
549
G Leopardi, Pensamentos, in Poesia e Prosa, p. 506: “Chi comunica poco cogli uomini rade volte
è misantropo. Veri misantropi non si trovano nella solitudine” (G. Leopardi, Pensieri, Milano, Mandadori,
1993, p. 97).
550
Ibidem: “l’uso pratico della vita” (Ibidem).
551
Ibidem, p. 469: “odiare gli uomini, ma di amarli” (Ibidem, p. 19)
552
G. Leopardi Zibaldone di pensieri, p. 1167 : “rivolge l’odio, o se non altro il lamento, a principio
più alto”.
553
Ibidem: “origine vera de’mali de’viventi”.
554
Leopardi constrói uma analogia entre a giesta (arbusto das leguminosas com flores amarelas e
perfumadas, com cachos e folhas reduzidas) que resiste às intempéries naturais e uma postura ético-moral de
resistência humana diante das vicissitudes do homem e das ameaças que lhe atormentam (G. Leopardi, A
giesta ou a flor do deserto, in Cantos, Poesia e Prosa, pp. 288-295; La ginestra o il fiori del deserto, in Canti,
pp. 307-324).
146
parto e no querer madrasta”
555
. Embora este reconhecimento exprima todo um
pessimismo de ordem cósmica, não induz necessariamente os homens à
resignação. Tais versos conclamam a todos a formar uma aliança contra as forças
da natureza:
“Tais fatos, quando inteiros
Deles souber, e de outros mais, o vulgo,
E aquele horror que outrora
Contra a má natureza
Constrangeu os mortais numa cadeia,
Se recupere em parte
Pelo vero saber, o honesto e reto
Consórcio citadino,
E justiça e piedade outra raiz
Terão então, não as soberbas crenças
Em que baseia o vulgo a probidade
Como tem seu sustento
Aquele que conserva no erro o assento.”
556
Aqui se apresenta um apelo “agonístico” e de grande teor moral, mas de
difícil compreensão dada à recepção na época, porque não é “daquele gênero que
se admira e agrada neste século”
557
. Outrossim, ele se recusa a acreditar que “o
máximo do saber humano consista em saber a política e a estatística”
558
.
O que justifica, após a crise do “sistema da natureza” (sistema della natura),
tal “conversão”. Há quem considere “as experiências existenciais e culturais (a
amizade ‘crítica’ com os liberais toscanos da ‘Antologia’, a experiência desastrosa
do amor, a relação conflituosa, em Nápoles, com os ambientes espiritualistas),
mas, sobretudo, em um jamais desusado ‘hábito da filosofia e da seriedade
científica’, capaz de estimular, com a exigência de concretude metodológica,
respostas nem evasivas, nem fideísticas, e contemporaneamente na ‘descoberta’
da linguagem satírica como instrumento do próprio pessimismo social e
555
Ibidem, p. 291: “madre è di parto e di voler matrigna” (Ibidem, p. 313).
556
Ibidem, pp. 291-292: “Così fatti pensieri/ quando fien, come fu, palesi al vogo,/ e quell’orror che
primo/ contra l’empia natura/ strinse i mortali in social catena,/ fia ricondotto in parte/ da verace saper,
l’onesto e il retto/ conversar cittadino,/ e giustizia e pietade, altra radice/ avranno allor che non superbe fole,/
ove fondata probità del volgo/ così star suole in piede/ quale star può quel ch’ha in error la sede” (Ibidem, pp.
314-315).
557
Ibidem.
558
Ibidem.
147
antinaturalista”
559
. Trata-se aqui da superação de uma visão materialista negativa,
decorrente da descoberta das contradições do “sistema da natureza” (sistema
della natura).
Tal atitude de um “pessimismo social e antinaturalista” (pessimismo social e
antinaturalistico), confirma-se nos Pensieri, ao sustentar: “Quem tem a coragem
de rir é dono do mundo, quase como quem está preparado para a morte”
560
. Não
há lugar aqui para uma ética estóica e alheia à política, pois Leopardi assume uma
moral socialmente construtiva, voltada para o homem ante a infelicidade e a toda
submissão, quer natural, quer transcendente.
Contra toda forma de justificação, defini-se de forma clara a atitude heróica
da “filosofia desesperada” (filosofia disperata): uma solicitação à ação, à
participação, à solidariedade entre os homens ante o destino. No diálogo de
Plotino e Porfírio (1827), há a exortação de Plotino a Porfírio à revolta: “Vivamos,
Porfírio meu, e confortemo-nos juntos: não recusemos carregar aquela parte que o
destino nos legou dos males da nossa espécie. Atentemos bem em fazer
companhia um ao outro e encorajemo-nos, dando-nos as mãos e trocando socorro
para cumprir, da melhor maneira, esta tarefa da vida, que infalivelmente será
breve”
561
.
Em oposição ainda à postura dos liberais, Leopardi se pergunta pela
relação entre Filosofia e Economia política: “quanto e até que ponto a filosofia
deva se ocupar das coisas humanas e do regulamento do espírito, das paixões,
das opiniões, dos costumes, da vida humana; responderei tanto e quanto aquele
ponto que os governos devem se ocupar da indústria e do comércio nacional para
querer que floresçam, quer dizer não se ocupar disso nem mais nem menos.
Apenas este aspecto a Filosofia é realmente “comparável à ciência da economia
política” (paragonabile alla scienza dell’economia política).
Segundo Leopardi, o máximo de realização de tal ciência consiste no seu
conhecimento de que é preciso deixar à natureza fazer a sua parte, pois quanto
559
Ibidem.
560
Ibidem.
561
Ibidem.
148
mais o comércio (interno e externo) e a indústria estão livres, mais prósperos e
melhor os “negócios” (affari) da nação. Isto porque: quanto mais estiverem
regulados mais decrescerão. Em suma, tal ciência é “inútil” (inutile), pois o melhor
seria deixar as coisas em si mesma como se ela não existisse. O autor questiona
o fato de que o máximo de sua realização seja a interdição de “toda ação, (...) em
suma, não fazer nada (...), isso se obteria necessariamente do mesmo modo”
562
.
Quanto à filosofia moderna: Leopardi reconhece ser superior a aquela
antiga, porque “os filósofos antigos queriam todos ensinar e fabricar: enquanto a
filosofia moderna não faz comumente outra coisa senão desenganar e demolir”
563
.
Se os antigos faziam, às vezes procuravam substituir, mas os filósofos modernos
sempre eliminando, nada substituíram. Isto se justifica porque o verdadeiro modo
de filosofar moderno, não por incapacidade do intelecto humano de encontrar o
“verdadeiro positivo” (vero positivo), mas porque “o conhecimento do verdadeiro
não é outra coisa senão o despir-se dos erros”
564
. Contudo, a filosofia moderna
em lugar dos erros que extirpa, não “assenta” (pianta) nada.
Leopardi reconhece, porém, a presença do egoísmo na experiência do
mundo moderno: “o homem não quer se incomodar em proveito dos outros, a não
ser o necessário”
565
, ou ainda, quando favorece a si próprio. Em seguida, ele
identifica, como causa desse egoísmo, a “falta de ilusões, das idéias de glória, de
grandeza, de virtude, de heroísmo”
566
. Com o desaparecimento de tais idéias toma
lugar a idéia “de não fazer nada” e, assim, “deixa correr as coisas e gozar o
presente”
567
.
O autor sabe da existência de contradições que encerram o estado de
civilização do seu presente
568
. Isso justificaria, certamente, a sua experiência de
uma filosofia contra a “resignação”, de uma “filosofia desesperada”, mas
562
Ibidem.
563
Ibidem.
564
Ibidem.
565
G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 289: “l’uomo non si vuole scomodare a profito altrui,
se non quanto è necessario”.
566
Ibidem: “la mancanza delle illusioni, delle idee di gloria, di grandezza de virtù di eroismo, ec”.
567
Ibidem: “quella di non far nulla, lasciare correre le cose, e godere del presente”.
568
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. II, p. 570.
149
verdadeira, diversa dos mitos de perfectibilidade otimista (seja cristão ou laico),
fundados na fé da natureza privilegiada do homem. Leopardi exprime, assim, uma
dimensão poético-moral, ao renunciar a grandeza e o otimismo de um “século
altivo e tolo” em que “humanidade”, “delicadeza” e “refinamento” se aproximam
muito mais da incivilidade e conduzem à “barbárie da sociedade
569
(“barbarie
della società”) do homem moderno.
“Su, mortali; destatevi. Il dì rinasce: torna la verità in
sulla terra, e partonsene le immagini vane. Sorgete;
ripigliatevi la soma della vita; riducetevi dal mondo
falso nel vero.
570
569
Cf. G. Leopardi, Zibaldone di pensieri, vol. I, p. 452.
570
Cf. G. Leopardi, Operette Morali, p. 239: “Para o alto, ó mortais, despertai! O dia renasce, volta
sobre a terra a verdade e partem dela as imagens vãs. Surgi, retomai a carga da vida, voltai do mundo falso ao
verdadeiro!”. (G. Leopardi, Opúsculos Morais, p. 416).
150
CONCLUSÃO
Così questo arcano mirabile e spaventoso
dell’esistenza universale...
G. Leopardi, Operette Morali
Não obstante o lugar comum entre os estudiosos de que não há uma
filosofia na obra de Giacomo Leopardi e de não haver um Leopardi filósofo, pode-
se aqui argumentar, à guisa de considerações finais, que a ausência de um
projeto filosófico leopardiano, com base em uma compreensão tradicional de
coerência e rigor filosófico, não compromete a sua reflexão.
Se, de um lado, está ausente uma construção lógico e sistemática, capaz
de contribuir com a consistência e coerência de uma certa visão de mundo, como
característica tradicional do filosofar, de outro, deixa Leopardi livre para modificar
a sua compreensão da realidade. A complexidade de suas meditações sobre a
experiência dramática humana evidencia a posição de grande moralista. Ademais,
não lhe importam os problemas lógicos e gnosiológicos da filosofia moderna. A
sua relação com tal filosofia se dá mediada pela crítica. Não basta apenas
assegurar a cognição do verdadeiro ou demolir sistemas para corrigir os seus
erros. A filosofia precisa também ensinar, como o fez a antiga, e assentar algo
após demolir o sistema anterior: não basta apenas cuidar dos erros teoréticos.
Contudo, não se pode defender a ausência completa de coerência nos
argumentos de Leopardi, pois é uma constante na sua reflexão a preocupação
com a “contradição”, embora não considerada como um tema à parte, mas em
conformidade com os temas centrais do seu pensamento. É com base na
contradição que ele enfrenta a oposição entre natureza e razão a fim de descobrir
a causa responsável pela infelicidade humana. A contradição, embora tratada de
modo negativo, não se limita apenas ao princípio lógico-argumentativo
(contradição formal), mas pensada presente também na realidade, assumindo o
lugar de obstáculo, empedimento.
A incerteza, portanto, do instrumento lógico impede a cristalização das suas
definições gerais (Solmi), e possibilita a Leopardi uma análise pontual, oriunda da
151
apaixonada e prolongada consideração de um problema. Daí uma interpretação
particular do pensamento leopardiano haver de renunciar à tentativa de se
postular conclusões definitivas. Todavia não pode prescindir de uma certa
historicização: o da relação entre o pensamento antigo e o pensamento sensístico
e iluminista dos autores que visitou.
Embora Leopardi descubra, ao final, a causa da infelicidade como
contradição inerente à própria natureza, em que a concepção pessimista
reconhece a presença de mal na própria ordem das coisas, não sendo possível
eliminar a infelicidade, não vincula Leopardi ao pessimismo reacionário da idade
romântica, ou julga necessário reconhecimento de valores democráticos,
esboçando a idéia de um veio progressista no seu pensamento (Luporini).
É certo que Leopardi se mostra irridente à ideologia de seu tempo, às
esperanças vãs dos “novos crentes” plenas de espiritualismo católico e romântico,
o aperfeiçoamento humano, os grandes progressos anunciados pelas gazetas,
fruto do avanço tecnológico, não implica em uma posição reacionária, mas o
confronto ante os lumes da época de uma racionalidade excessiva e corrompida.
Trata-se de uma reação de alerta, em virtude da vacuidade das coisas, após o
processo de racionalização e laicização dos valores.
O pensamento leopardiano, porém, não termina em uma postura de
inatividade, pois esta propõe um resgate das “ilusões” (illusioni) a fim de
restabelecer um sentido, ante a destruição de crenças, valores, tradições:
recuperar uma orientação para o homem que assistiu a dissolução do mundo
mítico-religioso.
A nostalgia do mundo clássico exprime a necessidade de recuperar a
virtude do vigor, tão necessária em razão da fragilização ocorrida com a educação
moderna: recuperar a sanidade do corpo. Leopardi estava atento às mudanças do
seu século nos comportamentos, idéias, nos costumes. Ele vislumbrava os riscos
aos quais estavam submetidos os homens nos novos tempos.
Nesse sentido, Leopardi alerta contra a nova barbárie, aquela da
sociedade, em um século incapaz do “poético”, em que o homem se tornou
artificioso e a imaginação perdeu toda a sua força. Trata-se de recuperar a
152
integridade antropológica humana e um novo saber capaz de novamente reunir os
homens ante as ameaças também da incivilidade.
153
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