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da graça que reúne o que foi separado (MGC:112-113). E a identidade revela-se, de
fato, como algo mais que a indiferença; é a unidade rica da reconciliação:
O significado eterno do processo do mundo é que a indiferença se
torna amor. Mas o amor é a união dos princípios [potências], isto é, a
sua identidade. A identidade é o propósito divino absoluto. Assim, na
eternidade, o misticismo triunfa sobre a culpa (MGC:113).
Embora um tanto longa, a exposição de Schelling é de importância fundamental,
pois mostra com clareza a conexão entre a doutrina do pecado do filósofo com o seu
esforço por solucionar o problema da relação entre Natureza e Liberdade, Razão e
Irracionalidade, Necessidade e Contingência. A mesma tensão surge nos textos de
Tillich, de forma mais explícita, em sua concepção sobre a distinção entre Essência e
Existência que ele, admitidamente, deriva de Schelling. A essência é algo que pode ser
atingido por meio da reflexão filosófica, mas a existência é o não-necessário, o que é
introduzido pela liberdade e que, portanto, não pode ser racionalmente derivado.
A solução Schellingiana de distinguir entre as duas potências – a potência de
regramento, o logos, e a potência de contradição, de liberdade, e de “dramatizar” a
relação entre as potências descrevendo a história do mundo como a realização temporal
da história de Deus encontra-se também em Tillich,
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refletindo-se em sua noção de
Queda.
Uma diferença entre Hegel, por um lado, e Schelling e Tillich, por
outro, é que, para Hegel, a atualização da reunião está agora ocorrendo
temporalmente. Para Schelling e Tillich há uma ruptura entre o divino
e o humano de tal modo que há uma unidade transtemporal das
potências, no interior da vida divina, enquanto a reunião dos
princípios não é realizada dentro do tempo presente, exceto por uma
antecipação da Era do Espírito, em Schelling, e fragmentariamente na
Presença Espiritual, em Tillich (Stone, 1984:22).
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Deve-se destacar, no entanto, que, embora Tillich concorde com Schelling em identificar uma estrutura
triádica na vida, a partir de uma interpretação da trindade como a unidade de três potências, há diferenças
significativas, indicadas por Jerome Stone. Em primeiro lugar, Tillich não vê um princípio fundamental,
de Indiferença absoluta, antes da diferenciação das potências. Elas coexistem eternamente. Em segundo
lugar, a primeira potência de Tillich não é a “contradição”, um princípio egocêntrico e irracional; é antes
o poder de ser, simplesmente. Há uma concordância quanto à segunda potência (logos) e à terceira
(espírito-amor), que reúne as duas primeiras potências. A divindade é, tanto para Tillich como para
Schelling, um devir eterno, uma vida de tensão e resolução (Stone, 1984:18-21).