Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Escola de Ciência da Informação
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DA ATIVIDADE E DA
ENTREVISTA DE AUTOCONFRONTAÇÃO PARA OS ESTUDOS DE
USUÁRIOS
ROSÂNGELA MARIA DE ALMEIDA CAMARANO LEAL
Belo Horizonte
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ROSÂNGELA MARIA DE ALMEIDA CAMARANO LEAL
CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DA ATIVIDADE E DA ENTREVISTA DE
AUTOCONFRONTAÇÃO PARA OS ESTUDOS DE USUÁRIOS
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em
Ciência da Informação da Escola de Ciência da
Informação da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutor em Ciência da Informação.
Orientadora: Profa. Dra. Helena Maria Tarchi
Crivellari
Co-Orientador: Prof. Dr. Francisco de Paula
Antunes Lima
Belo Horizonte
Escola de Ciência da Informação
Universidade Federal de Minas Gerais
2008
ads:
_________________________________________________________
L435c Leal, Rosângela Maria de Almeida Camarano
Contribuições da análise da atividade e da entrevista de
autoconfrontação para os estudos de usuários I Rosângela
Maria de Almeida Camarano Leal. - Belo Horizonte, 2008.
171 f.
Orientadora: Profa. Dra. Helena Maria Tarchi Crivellari
Co- Orientador : Prof. Dr. Francisco de Paula Antunes Lima
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais,
Escola de Ciência da Informação.
I.Ciência da Informação - ergonomia 2. Estudo de usuários -
entrevista de auto confrontação 3. Estudo de caso - necessidades dos
usuário 4. Software - desenvolvimento e uso - análise crítica da
atividade 5. Saber tácito - saber social e cognição situada I.Crivellari,
Helena Maria Tarchi.
11.
Lima,Francisco de Paula Antunes.III.
Universidade Federal de Minas Gerais. IV. Título.
CDU 025.4
_________________________________________________________
Dedico este trabalho aos meus pais Rosalvo Pinto Camarano e
Suely de Almeida Camarano (in memoriam) e aos meus filhos
Nicole e Lucas
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar a Deus, por tudo.
À professora Helena, pelo empenho para a realização do PQI, pelo trabalho de orientação e
pela acolhida.
Ao professor Francisco, pela co-orientação, pela paciência e pelas valiosas contribuições.
À professora Marilia Machado, pelo apoio e incentivo para a realização do doutorado.
Às minhas irmãs Ângela, Cláudia, Valéria, Denise e Flávia, por terem compartilhado deste
trabalho, pela compreensão, pela paciência, pelo apoio incondicional de sempre, enfim, por
tudo. Certamente, sem esse apoio, este trabalho não teria sido possível.
Ao meu cunhado Luis, por ter tantas vezes acordado cedo para me levar na rodoviária.
À Lucinha, minha amiga querida, por estar sempre nas horas difíceis.
À amiga Cláudia Braga, por me socorrer com as traduções de francês.
À Renata Bastos, pela amizade, pela atenção e por compartilhar este momento da minha vida.
Aos amigos Dener e Beth, pelo carinho e atenção de sempre.
À Silvinha, pela amizade e acolhida em Belo Horizonte.
Às colegas de trabalho e amigas, Amelinha, Mariana e Sandra, pelas contribuições e apoio.
À Valéria Kemp, pelo apoio e por ter assumido as minhas disciplinas.
Ao amigo Roberto, por ter compartilhado das minhas angústias e dúvidas.
À Banca de Qualificação, formada pelos professores doutores Ana Maria Cabral e Maria
Ligia Dumont, pelas valiosas sugestões.
Aos funcionários da empresa, pela aceitação do meu trabalho, principalmente pela
disponibilidade em me atender. Agradeço muito a colaboração do pessoal do Setor de
Tecnologia Informacional, pela paciência em me explicar o funcionamento do software, pelo
carinho e pelas contribuições.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, com quem tive o
prazer de conviver.
Ao Rogerio, pelo trabalho árduo de formatação, normalização e revisão do texto.
À Capes, pelo apoio financeiro por meio da bolsa.
RESUMO
Este trabalho discute os limites da utilização unicamente das técnicas convencionais de
entrevistas e questionário em estudo de usuários e em desenvolvimento de software. A tese
aqui defendida é a de que o emprego dessas técnicas, utilizando unicamente a entrevista, o
questionário e a observação espontânea, não permite uma imersão no contexto onde são
construídos os significados que os sujeitos atribuem às situações cotidianas. São essas
significações traduzidas sob a forma de rotinas e de regras que permitem melhor compreensão
das ações do sujeito. É necessário confrontar o que o usuário fala com as suas ações. Assim,
relativamente a essa questão, é importante trazer para o campo de estudos de usuários, na
Ciência da Informação, os instrumentos teóricos e metodológicos, como propõe a ergonomia
por meio da análise da atividade e da entrevista de autoconfrontação, que têm sido úteis para a
elucidação do conhecimento em sua dimensão tácita. A presente tese baseia-se em um estudo
de caso sobre o desenvolvimento e uso de um software, módulo “Lançamento de Horas”. O
estudo de caso mostrou as limitações do método de construção de software, empregados pelos
projetistas, quando estes não levam em conta a participação dos usuários na concepção do
software, que terá implicações negativas para a atividade de trabalho desses usuários. Mostra,
também, a pertinência da aplicação da análise da atividade e da entrevista de
autoconfrontação na identificação das dificuldades de utilização do software pelos usuários. O
aspecto inovador do estudo de caso foi estudar um software desenvolvido não para usuários
leigos, mas para usuários especialistas em informática. Assim, o estudo evidenciou que a
identidade sociofuncional entre analistas/usuários-desenvolvedores permitiu identificar as
representações sociocognitivas comuns, que remetem aos preconceitos do cotidiano, ao senso
comum como justificativa e racionalização dos problemas de usabilidade.
Palavras-chave: saber tácito, saber social, cognição situada, análise da atividade, entrevista
de autoconfrotação, estudo de usuários.
ABSTRACT
This thesis paper discusses the limits of the use only of the conventional techniques of
interviews and questionnaire on users’ study and in software development. The thesis hereof
defended, is the one that the use of these techniques using only the interview, the
questionnaire and the spontaneous observations, doesn’t permit an immersion in the context
where are built the meanings that the individuals attribute to everyday situations. Those are
the meanings translated under the form of routines and rules that allow better understanding
of the actions of the individual. It’s necessary to confront what the user says with his actions.
Thus, relatively to this question, it became necessary to bring to the field of study on users
and to the field of information technology, the methodological and theoretical instruments as
it has been proposed by the ergonomies through the analysis of the activity and the
autoconfrontation interview, and that they have been useful for the elucidation of knowledge
in its tacit dimension.
The present thesis is based on a study of case on the development and use of a software
module “Launching of Hours”. This study had as an objective to demonstrate the
inappropriateness of the methodological procedures, used by the projectors when these
projectors do not take into account the participation of the users on the software conception,
which will have negative implications on the working activity of these users. To demonstrate,
still, the pertinence of the application of the activity analysis and of the difficulties in using
the software by the users. The novel aspect of this study of case was to study a software
development not for laic users, but for experts on information technology users. Thus, the
study showed clearly that the sociofunctional identity among annalists/users-developers
allowed us to identify the common sociocognitive representations, which send us back to
everyday prejudice, to common sense as justification and rationalization of problems related
to usage.
Key words: tacit knowledge, situated cognition, social knowledge, activity analysis,
autoconfrontation interview, users’ study.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Hierarquia convencional do saber ........................................................... 60
Figura 2 – Organograma da empresa ...................................................................... 104
Figura 3 – Tela de lançamento de horas no ponto eletrônico ................................ 111
Figura 4 – Campo que contém o nome do funcionário .......................................... 112
Figura 5 – Campo para registro de horário de entrada e saída da empresa ....... 113
Figura 6 – Legenda .................................................................................................... 114
Figura 7 – Tela de lançamento de hora na tarefa ................................................... 115
Figura 8 – Campo pesquisa ....................................................................................... 116
Figura 9 – Tarefas ...................................................................................................... 117
Figura 10 – Tarefas .................................................................................................... 120
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Levantamento das referências recuperadas em estudos de
usuários ..................................................................................................... 31
Quadro 2 – Diferenças entre a abordagem tradicional e a abordagem
alternativa ................................................................................................. 34
LISTA DE SIGLAS
ACF – E
ntrevista de Autoconfrontação
AET – Análise Ergonômica do Trabalho
ARIST – Annual Review of Information Science and Technology
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações
FAQ – Frequently Asked Question
IA – Inteligência Artificial
LISA – Library and Information Science Abstracts
MSF – Microsoft Solutions Framework
RI – Recuperação da informação
SCADA – Supervisory Control and Data Acquisition
SES – Sistemas Especialistas
SIGB – Sistemas Integrados de Gerenciamento de Bibliotecas
SPAP – Sistema de Planejamento e Acompanhamento de Projetos)
SQA – Software Quality Assurance (Garantia da Qualidade de Software)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 – SOBRE ESTUDOS DE USUÁRIOS E TEMAS CONEXOS...... 24
1.1 Abordagens sobre estudos de usuários................................................................ 32
1.2 Pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa ..................................................... 37
1.3 Técnicas utilizadas na coleta de dados .................................................................38
1.4 Metodologias de desenvolvimento de software.................................................... 48
1.4.1 A visão tradicional: as falhas no método de levantamento de requisitos ......49
1.4.2 O método de levantamento de requisitos.......................................................... 50
1.4.3 As metodologias alternativas ou metodologias ágeis........................................52
CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS BÁSICOS EXTRAÍDOS DA ERGONOMIA
E ÁREAS AFINS ........................................................................................................ 55
2.1 O conhecimento tácito ...........................................................................................55
2.2 Cognição situada ................................................................................................... 65
2.3 Do “Modelo Computacional da Mente” à Abordagem da Cognição
Situada ......................................................................................................................... 65
2.4 A discussão em torno da explicitação do saber: o ponto de vista da
Informática e o ponto de vista da Psicologia ............................................................ 72
2.4.1 O ponto de vista da Informática ........................................................................72
2.4.2 O ponto de vista da Psicologia .......................................................................... 74
2.5 A entrevista de explicitação ..................................................................................78
2.6 Entrevista de explicitação da ação de Vermersch ..............................................80
2.6.1 Os limites da entrevista de explicitação ............................................................84
2.7 A ergonomia ...........................................................................................................86
2.7.1 Método de observação e entrevista .................................................................. 89
2.7.2 Entrevista de autoconfrontação ........................................................................ 93
CAPÍTULO 3 ESTUDO DE CASO DE ESPECIALISTA A ESPECIALISTA: CASA
DE FERREIRO ESPETO DE PAU .......................................................................... 98
3.1 A metodologia ....................................................................................................... 98
3.2 O trabalho de campo............................................................................................. 99
3.3 Etapas da pesquisa .............................................................................................. 101
3.3.1 Primeira etapa: análise documental ...............................................................102
3.3.2 Segunda etapa: estudo de caso ....................................................................... 102
3.4 Procedimentos e instrumentos de análise de dados ..........................................103
3.5 A empresa pesquisada..........................................................................................103
3.5.1 Estrutura organizacional ................................................................................ 104
3.5.2 Números de funcionários ................................................................................ 107
3.6 O software analisado ............................................................................................107
3.7 O módulo “Lançamento de Horas” – objeto de estudo.................................... 110
3.7.1 Tela de lançamento de horas no ponto eletrônico ........................................ 111
3.7.2 Tela de lançamento de horas na tarefa .......................................................... 114
3.8 A equipe de desenvolvedores do SPAP ..............................................................122
3.8.1 O trabalho real da equipe do SPAP ............................................................... 124
3.9 A visão dos que concebem o software dos motivos do atraso no lançamento
de horas....................................................................................................................... 131
3.10 A atividade do desenvolvedor versus tarefa de lançamento de horas ...........138
3.11 A concepção inadequada do software e os efeitos para o sujeito .................. 139
3.11.1 Custo da interrupção ..................................................................................... 140
3.11.2 Atenção dividida ............................................................................................ 141
3.11.3 Memória ......................................................................................................... 144
3.11.4 Diferenças entre departamentos ...................................................................145
3.11.5 Uso de instrumentos paralelos e sua função instrumental ..........................148
CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 155
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 165
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento dos “estudos de usuários” no campo da Ciência da Informação aponta
uma preocupação, análoga à encontrada no campo da Informática, no que se refere às
metodologias utilizadas nas pesquisas sobre uso e comportamento de usuários. Apesar dos
avanços das metodologias, principalmente dos métodos empregados, o usuário tem assumido
ainda uma posição de ser levado a adaptar-se aos mecanismos de recuperação da informação,
diferentemente do inverso, que seria adaptar esses mecanismos às características particulares
dos usuários. De fato,
têm-se buscado soluções alternativas para esses problemas, como são os
treinamentos que os sistemas procuram proporcionar aos usuários, e mais
recentemente eclodido, os tão propagados sistemas conhecidos como
amigáveis (user-friendly), o que, na maioria dos casos, somente significa que
são usáveis, não que satisfaçam às expectativas, ou resolvam as necessidades
de informação dos usuários (FERREIRA, 1995, p. 220).
O uso dessas metodologias de desenvolvimento de software, utilizando apenas a entrevista e o
questionário, não tem sido eficaz para superar as dificuldades de explicitação do
conhecimento dos usuários em sua dimensão tácita.
Estudos empíricos realizados no campo da Psicologia, da Ergonomia e da Sociologia
demonstram que o trabalhador tem dificuldade de verbalizar o seu saber tácito, ou seja, a
capacidade de apreensão e identificação que o trabalhador adquire, pela vivência, dos estados
de normalidade ou anormalidade do processo de produção, uma vez que parte desse saber não
é consciente (CRIVELLARI e MELO, 1989, p. 60). Portanto, dada a natureza subconsciente
desse saber, a utilização unicamente da entrevista, por profissionais da informação ou
analistas de sistema, como método de acesso a esse saber, é questionável.
15
O reconhecimento da natureza complexa que envolve a relação entre o fazer e o dizer tem
sido objeto de estudo de pesquisadores de diferentes disciplinas – Psicologia Cognitiva,
Sociologia, Lingüística, Inteligência Artificial e Ergonomia –, por envolver diversas
atividades profissionais: relações entre programadores e seus usuários, ergonomistas e
trabalhadores, médicos e pacientes, professor e aluno, bibliotecários e usuários; além disso,
envolve o debate sobre as características cognitivas e de linguagem do ser humano. Assim,
“muitas das supostas dificuldades práticas da representação do conhecimento dos especialistas
não são práticas; na verdade, são decorrentes de enganos na análise do que as pessoas sabem
sobre o que elas sabem” (COLLINS, 1990, p. 89).
A presente tese situa-se nesse contexto. Pretende-se trazer uma contribuição metodológica
para os estudos de usuários e a área de desenvolvimento de software, um método de expressar
o conhecimento tácito, pela entrevista de explicitação, que favoreça a criação de sistemas de
informação mais voltados para os usuários.
O acesso a esse tipo de conhecimento tácito requer o desenvolvimento de métodos específicos
que dependem da participação voluntária e cooperativa dos usuários observados. Essa
participação vai, no entanto, diferenciar-se das entrevistas e outras abordagens tradicionais
que se limitam a recolher as opiniões e sugestões dos trabalhadores e/ou usuários.
Os estudos de usuários, na literatura da Ciência da Informação, têm evoluído em duas
direções: abordagem quantitativa e abordagem qualitativa. A primeira é caracterizada pelo
uso de técnicas estatísticas. A segunda tem dado maior atenção à dimensão subjetiva da
experiência e do comportamento humano. Sobre as variedades de dispositivos de coleta de
16
dados utilizados para a identificação das necessidades dos usuários, os mais citados são os
questionários fechados para a primeira abordagem, e entrevistas, para a segunda.
A utilização de entrevista de explicitação do saber estabelece que o usuário seja visto não
como consumidor ou informante visando à satisfação de suas demandas, mas como sujeito
ativo, em interação com a situação e com os outros. Portanto, faz-se necessário estudar o
usuário no próprio contexto material e social onde se realizam suas atividades cotidianas.
Assim, relativamente a essa questão, pretendeu-se trazer para o campo de estudos de usuários
os instrumentos teóricos e metodológicos que têm sido úteis na elucidação do saber. Objetiva-
se orientar aqueles que trabalham com informação, entre eles os desenvolvedores de software,
por meio de um diálogo com outros campos do saber como a Ergonomia –, particularmente
a respeito da entrevista de explicitação do saber, além das noções fundamentais de Polanyi
(1966) sobre o “conhecimento tácito” e o desenvolvimento posterior dessa discussão por
Harry Collins (1990, 1992).
Vários estudos demonstram que as tecnologias de informação e comunicação provocaram
impactos na forma de organização das unidades de informação. A tese de doutorado de
Mangue (2007), sobre sistemas de biblioteca, por exemplo, mostra que esses sistemas
migraram de uma primeira fase, a adoção de software de pequeno porte, para uma segunda,
quando houve a adoção
dos Sistemas Integrados de Gerenciamento de Bibliotecas (SIGB),
que são programas mais avançados e de grande porte.
O
estudo revelou uma desconexão entre
os benefícios potenciais associados a essas tecnologias e os benefícios reais alcançados com a
sua aplicação, tais como a economia de tempo, o aumento da produtividade e a agilidade no
atendimento (quando ocorre) das necessidades dos usuários.
17
Além disso, o estudo evidenciou que os ganhos gerenciais acontecem paralelamente à
degradação das condições de trabalho, que o autor identifica, principalmente pela
intensificação do trabalho. O autor identificou, ainda, que o sistema dificultou, para o usuário,
o acesso efetivo aos documentos e informações relevantes (MANGUE, 2007, p. 9-10).
As aplicações de Inteligência Artificial (IA) e de Sistemas Especialistas (SES), no âmbito das
bibliotecas e em empresas, representam mais que uma perspectiva: são uma realidade. Fala-
se, então, na necessidade de os profissionais da informação
1
dominarem conceitos básicos da
área de sistemas especialistas, para que o emprego dessa tecnologia seja eficaz e promova
interfaces bem projetadas.
O estudo de Furnival (1995) mostra que a Inteligência Artificial está presente nos serviços de
informação e, de várias formas, no âmbito das bibliotecas. Observam-se os aplicativos da
inteligência artificial em áreas como:
indexação (sistemas Medindex, Multos e Fact, entre outros) e projetos de
pesquisa na área de sistemas inteligentes para a formulação automática de
resumos;
referência (Plexus, Refsin, ChemRef, Pointer e Distref);
catalogação (MacCat, Papper, Catalyst e Heads);
no processo de recuperação de informação on-line (MenUSE para busca em
Medline, Cansearch, Iani, Safir e Tome Searcher);
no desenvolvimento de coleções;
1
Segundo Cunha e Crivellari (2004), a expressão “profissionais da informação”, no Brasil, de acordo
com a CBO–2002 Classificação Brasileira de Ocupações refere-se exclusivamente aos
bibliotecários.
18
para detectar registros duplicados em bases de dados bibliográficos.
A consolidação do vínculo entre Inteligência Artificial (IA) e aplicativos para serviços de
informação parece ser fato inegável. Assim, “no mínimo, veremos a integração das
tecnologias de bases de dados com aquelas de SES em uma grande escala (particularmente, na
forma de bases de dados com interfaces inteligentes intelligent front ends)” (FURNIVAL,
1995, p. 205).
A autora citada fala da necessidade de uma convivência dos bibliotecários e profissionais de
informação com os profissionais de computação, e da inclusão de tópicos específicos sobre
SES no currículo de Ciência da Informação. Essa inclusão seria justificada, de um lado,
porque Inteligência Artificial é um campo interdisciplinar que compartilha fronteiras com a
Ciência da Informação, além da Psicologia, Lingüística, Lógica e Ciência de Gerenciamento;
por outro lado, os profissionais que operam a informação vão desempenhar um papel mais
substancial na fase de aquisição de conhecimento no desenvolvimento de sistemas
especialistas.
A literatura da Inteligência Artificial, que estuda a concepção de sistemas especialistas,
assinala a atividade de explicitação do saber como um dos principais entraves à eficiência
desses sistemas. O sucesso ou insucesso desses sistemas está diretamente relacionado, em
grande parte, com a qualidade das informações obtidas dos usuários.
O campo da Ergonomia abrange um objeto de estudo caracterizado pela atividade em
situações de trabalho, relacionadas com a ação e a cognição: uma prática, semelhante à
observação participante, e um método, caracterizado pela análise da atividade e pela
19
entrevista em autoconfrontação que se tem mostrado eficaz para superar as lacunas
metodológicas identificadas nos métodos convencionais de identificação das necessidades dos
usuários tanto no campo da Ciência da Informação quanto no campo da Informática. A
pertinência dessa metodologia pode ser verificada no estudo de caso realizado.
A presente tese objetiva mostrar os limites das técnicas convencionais, como método, na
identificação das reais necessidades dos usuários de sistemas de informação, o que permite
explicar a sua “resistência” ao uso. Além disso, por meio de um estudo de caso sobre o
desenvolvimento e uso de um software, denominado módulo “Lançamento de Horas”, buscou
explicitar que a inadequação dos procedimentos metodológicos empregados pelos projetistas,
quando estes não levam em conta a participação dos usuários na concepção do software, tem
implicações negativas para a atividade de trabalho desses usuários. Como objetivos
específicos, a pesquisa procura: a) analisar as repercussões das dificuldades de uso do
software para a atividade de trabalho do usuário e quais as estratégias adotadas, individual e
coletivamente, para superar e lidar com tais dificuldades; b) compreender, junto aos
desenvolvedores do software, porque se chegou a configurações inadequadas à atividade do
usuário final, sendo considerada a identidade a priori entre desenvolvedores e usuários; e c)
verificar a pertinência da aplicação da análise da atividade e da entrevista de autoconfrontação
na identificação das possíveis dificuldades de utilização do software pelos usuários.
O interesse por esta pesquisa originou-se da experiência profissional desta autora como
professora da área de Psicologia do Trabalho, em especial da busca de maior compreensão
sobre os fenômenos humanos presentes na situação de trabalho. Pretendeu-se, ao escolher o
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, para o desenvolvimento desta
investigação, obter respostas e explicações para a problemática levantada, indo além das
20
explicações da Psicologia Clássica, que insiste em abstrair os sujeitos da realidade concreta de
trabalho.
No trabalho desenvolvido para obtenção do grau de mestre, no Programa de Pós-graduação
em Engenharia de Produção da UFMG (LEAL, 2001)
2
, esta autora, ao analisar as inovações
tecnológicas implementadas no setor automotivo, em particular na montadora FIAT,
constatou impactos das novas tecnologias na atividade de trabalho e na subjetividade dos
trabalhadores. Porém, não teve, naquela ocasião, a oportunidade de aprofundar e ampliar esse
primeiro estudo. Por esse motivo, no presente caso, escolheu como objeto de estudo uma
empresa que desenvolve sistemas de automação industrial e comercial, concebe e
comercializa sistemas de informação.
A empresa foi fundada em 1987. Desde então, dedica-se à concepção de sistemas de
informação, equipamentos e serviços para clientes de diversos segmentos empresariais, no
Brasil e no exterior (África do Sul, Argentina, Tailândia, Irlanda do Norte, Inglaterra e
México, dentre outros), tais como: alimentos, bebidas e fumo, alumínio, cimento e cal,
logística (portos e ferrovias), metais, mineração e fertilizantes, óleo e gás. A empresa possui
sede em Belo Horizonte e escritórios nas cidades de Macaé (RJ) e Vitória (ES).
2
O trabalho, sob a orientação da professora Dra. Maria Elizabeth Antunes Lima, teve como objetivo a
identificação e a compreensão dos comportamentos e atitudes exigidos pelas empresas, após a adoção
de novas tecnologias e seus impactos na subjetividade. Para atingir esse objetivo, foram analisadas as
inovações tecnológicas implementadas no setor automotivo, em particular na montadora FIAT, por
considerarmos que, no setor automotivo, essas inovações se revestem de um caráter revolucionário,
uma vez que, até pouco tempo, prevaleciam, nesse setor, processos de produção e de gestão dos
trabalhadores do tipo taylorista-fordista, baseados na padronização do trabalho, nas medidas de tempo
e movimentos e, portanto, nas linhas de montagem tradicionais. Nossa pesquisa limitou-se ao estudo e
à compreensão desses novos comportamentos e atitudes, focalizando especialmente seus impactos na
subjetividade. Para tal, optamos pelo estudo do cotidiano dos trabalhadores, em situação real de
trabalho, por meio do quadro teórico-metodológico da Ergonomia francesa (Análise Ergonômica do
Trabalho) e da Psicossociologia (Análise Psicossocial do Trabalho).
21
O gerenciamento e o acompanhamento dos projetos da empresa, tanto internos quanto
externos, são feitos por meio do software denominado SPAP (Sistema de Planejamento e
Acompanhamento de Projetos), objeto do nosso estudo, concebido no Departamento de
Tecnologia da Informação. A pesquisa consistiu em analisar as dificuldades na interação entre
usuário/software (SPAP), em especial com o módulo “Lançamento de Horas”.
A escolha do módulo “Lançamento de Horas” se deu em função de ser um módulo,
diferentemente dos outros módulos, utilizado por todos os funcionários, exceto os gerentes, e
que apresenta problemas. Os usuários deveriam alimentar, todos os dias, o software, com
informações referentes às horas trabalhadas e às horas gastas nas tarefas de desenvolvimento
de projetos. Essas fontes de informações, para quem gerencia os projetos na empresa, servem
para subsidiar as ações de controle, gestão dos custos, negociação com o cliente e gestão do
tempo dos projetos e do cronograma dos projetos desenvolvidos pela empresa. No entanto,
esses usuários-desenvolvedores se atrasam no lançamento dessas informações, causando,
assim, dificuldades para o gerenciamento dos projetos da empresa.
Quanto aos sujeitos do estudo, eles são os usuários do SPAP. Como mencionado, são os
próprios funcionários da empresa, que trabalham na área técnica no desenvolvimento de
software, ou seja, os desenvolvedores ou programadores. Dentre estes, 20, de um total de 273
sujeitos, foram selecionados para participar do estudo. A seleção dos sujeitos ocorreu a partir
da análise dos e-mails, encaminhados ao user experience (educador de usuário), que
apresentavam problemas práticos de uso do módulo “Lançamento de Horas”.
22
A totalidade dos sujeitos são homens, em sua maioria concentrados na faixa etária entre 24 e
34 anos (90%). O tempo de serviço é de 1 a 5 anos. Em relação à escolaridade, prevaleceu o
nível de usuários com o grau superior completo e incompleto nas áreas da Ciência da
Computação, Engenharia de Automação e um caso em Economia.
Em termos metodológicos, procurou-se obter respostas para o problema de pesquisa que vai
além das abordagens que têm como procedimento de coleta de dados unicamente a entrevista.
As discussões, bem como as análises, foram realizadas ao longo do processo investigativo em
um diálogo com a Ergonomia, pelo método de entrevista em autoconfrontação. Portanto,
privilegiou-se como categoria de análise o fazer do usuário, e não unicamente o seu discurso,
o que ele fala ou o que ele pensa dos problemas e das dificuldades que tem ao interagir com o
software. Portanto, a mediação se deu pela observação do fazer dos usuários no trabalho, e
não somente pela entrevista, ou seja, o ir e vir entre os discursos dos usuários e a realidade
concreta de trabalho.
Além da presente introdução, esta tese é composta por quatro capítulos. O primeiro foi
construído com o objetivo de apresentar algumas idéias e conceitos referentes a estudos de
usuários, bem como às metodologias de desenvolvimento de software.
O segundo capítulo corresponde aos arcabouços teórico e metodológico que têm sido úteis na
elucidação do conhecimento em sua dimensão tácita e que são determinantes na construção de
sistemas computadorizados de informação mais adaptados às necessidades dos usuários.
Procura-se, ainda, abordar os limites das metodologias convencionais tradicionais e apresentar
uma proposta de metodologia, apoiando-se nos avanços teóricos e metodológicos de outros
campos do saber, como a Ergonomia e a Psicologia, além das noções fundamentais de Polanyi
23
(1966) sobre o “conhecimento tácito” e o desenvolvimento delas por Harry Collins (1992) no
que diz respeito ao entendimento das dificuldades de explicitação do conhecimento tácito.
No terceiro capítulo, são apresentados a análise do caso estudado (o estudo do uso de um
software que foi construído não para usuários leigos, mas para usuários especialistas), a
metodologia de coleta de dados e os procedimentos de análise utilizados. A Ergonomia, pela
análise da atividade e da entrevista de autoconfrontação, permitiu desvendar as dificuldades
práticas encontradas pelos usuários-desenvolvedores ao interagir com o software.
Possibilitou, ainda, revelar detalhes do trabalho concreto que, por não serem explícitos, parece
reforçarem a tendência de “psicologizar” questões que têm fundamento em situações
objetivas.
No quarto capítulo, apresentam-se as considerações finais, levando-se em conta os dados
empíricos e o referencial teórico adotado no estudo.
24
CAPÍTULO 1
SOBRE ESTUDOS DE USUÁRIOS E TEMAS CONEXOS
A Ciência da Informação encontra-se num momento desafiador em que os paradigmas físico e
cognitivista vêm sendo rediscutidos e o paradigma social ganha força como alternativa à idéia
de representação (ARAÚJO, 1994).
Para Capurro (2003), a Ciência da Informação nasce, em meados do século XX, com o
paradigma “físicoquestionado por um enfoque “cognitivo” e, por fim, por um paradigma
“pragmático social”.
(...) a Ciência da Informação nasce em meados do século XX como um
paradigma físico, questionado por um enfoque cognitivo idealista e
individualista, sendo este, por sua vez, substituído por um paradigma
pragmático e social, (...) por uma “epistemologia social”, mas agora de corte
tecnológico digital (p. 3).
Em termos epistemológicos, a discussão é que esses modelos físicos deixam de fora o sujeito
cognoscente e referem-se a um receptor de mensagens passivo. Pode-se evidenciar essa
limitação na Ciência da Informação, sobretudo nas práticas de recuperação da informação
(RI) e em seus esquemas e modelos de representação do conhecimento.
Gómez (2003) define Ciência da Informação como aquela que estuda fenômenos, processos,
construções, sistemas, redes e artefatos de informação, incorporando à sua definição alguns
aspectos principais: os estratos da ação da informação; suas assimetrias e interfaces; as
modalidades da ação da informação; os sujeitos das ações de informação; os encaixes entre as
ações de informação e os regimes de informação.
25
A autora entende informação, considerando-a como constituída a partir de formas culturais de
experiência do mundo e seus desdobramentos em atos de enunciação, de interpretação, de
transmissão e de inscrição. Gómez trata dos estratos da ação da informação, suas assimetrias e
interfaces, relacionadas às múltiplas formas culturais de produção de sentido, as regras e usos
dos coletivos de narradores e ontologias classificatórias. Esses estratos incluem a relação dos
estratos informacionais, suas formas de ação/operação e normas para seu tratamento (p.32).
O desafio para a Ciência da Informação se coloca na demanda de conhecimentos
informacionais e comunicacionais acerca das grandes configurações socioculturais, não a
partir de uma ontologia cibernética, mas pela efetivação de uma rede interdisciplinar e
transdisciplinar ampliada, que permita problematizar a informação na grande escala espaço-
temporal, conforme a complexidade e a extensão hoje requeridas pelos grandes sistemas
tecnológicos que sustentam as formas simbólicas de mediação e os projetos econômicos e
políticos dominantes – com suas novas figuras de expansão e mundialização (GÓMEZ, 2001).
A Ciência da Informação é, para Saracevic (1996),
um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional
voltadas para os problemas da efetiva comunicação do conhecimento e
de seus registros entre os seres humanos, no contexto social,
institucional ou individual do uso e das necessidades de informação.
No tratamento destas questões são consideradas de particular interesse
as vantagens das modernas tecnologias informacionais (p. 47).
O campo de estudos da Ciência da Informação tem-se modificado desde a década de 1950 do
séc. XX. Na cada de 1960, os estudos estavam mais voltados para a investigação das
propriedades e do comportamento da informação, suas formas de obtenção, tratamento,
disseminação e uso. Nesses estudos, privilegiava-se uma abordagem mais positivista e
26
funcionalista, voltada para a questão da eficiência da informação. Nos anos 70, os estudos
centraram-se na compreensão dos processos de uso e comunicação da informação. Tem-se,
então, dessa forma, uma mudança de enfoque: direcionado para o usuário. Na década de 1980,
a administração foi acrescentada com um elo básico da Ciência da Informação, para o
desenho e gestão de sistemas e tecnologias da informação. A questão central dos estudos e
pesquisas passou a ser a recuperação da informação.
Até a década de 1950, a ênfase das pesquisas, conforme literatura da área, era colocada nos
canais. Nos anos seguintes, ocorreu um deslocamento do interesse do gerenciamento de
informação, característica dos anos 70, para o gerenciamento dos recursos informacionais,
que prevaleceu nos anos 80, no qual o que estava em jogo era produzir informação para a
tomada de decisões (NÓBREGA, 2002, p. 14).
Não se pode deixar de mencionar que, embora o termo informação seja antigo, para
Fernandes (2004),
a informação, enquanto problema digno de estudo acerca de seu papel,
transformações ou impactos nas relações sociais, é algo novo. [Nesses
termos,] as abordagens teóricas do contemporâneo solicitam um olhar mais
agudo que vise a esclarecer o uso do termo informação, tal que o que dela se
espera ou tema seja examinado acerca de suas possibilidades de realização
(p. 21-22).
A maior parte dos conceitos e abordagens no campo da Ciência da Informação antagonizam-
se a partir de dois grandes blocos. No primeiro caso, estão os estudos que se debruçam sobre a
informação, seu fluxo, organização, propriedades etc., para a construção de seu conceito e sua
base teórica. Num segundo caso, estão os estudos que se centram no comportamento dos
usuários, pois se acredita que, tomando-se a informação como fenômeno eminentemente
humano, a construção dos conceitos e das teorias poderia nascer do exame do
27
comportamento e dos modos de ser dos usuários. Os estudos englobados no primeiro bloco
são caracterizados como objetivos e os do segundo como subjetivistas. Ambos,
tanto o bloco objetivista como o subjetivista, têm suas razões e apreendem
aspectos relevantes do processo informacional, mas colocam sujeito
(usuário/unidade de informação) e objeto (informação) como separados, tal
que no primeiro caso só se escuta o objeto, colocando mudo o sujeito,
enquanto no segundo escuta-se o sujeito, colocando mudo o objeto
(FERNANDES, 2004, p. 257).
Não se pode perder de vista o contexto histórico em que se deu o surgimento da Ciência da
Informação. Ela é uma ciência recente em construção, tendo seus primórdios em um período
marcado por críticas ao fracasso do projeto de modernidade e ao modelo científico daí
decorrente (ARAÚJO, 2003, p. 22).
A inserção da Ciência da Informação no campo das Ciências Sociais ocorre somente nos anos
70, sob a influência do modelo positivista e funcionalista. Por esse motivo, os estudos
voltados para a compreensão da realidade social eram tratados a partir de uma perspectiva
estatística, quantitativa, daí, por exemplo, a utilização de sociogramas para mapear fluxos de
informação, a utilização de questionários para grandes amostras de usuários e a busca de
invariantes cognitivos para a concepção de sistemas de informação (ARAÚJO, 2003. p. 24).
Na década de 1970, teve início na área um debate acerca da especificidade das Ciências
Sociais sob o referencial teórico-marxista, enfocando a historicidade como condição para a
explicação dos fenômenos, o conflito, a inserção de todo fato isolado no contexto global de
relações de luta pelo poder. Daí, então, o surgimento de estudos, como informação e
cidadania, ação cultural, exclusão informacional, informação rural e processos de leitura,
chegando aos dilemas atuais relacionados à sociedade da informação, da revolução
tecnológica e da globalização. No entanto, de acordo com Araújo (2003), o debate serviu
28
muito mais para a criação de uma subárea dentro da Ciência da Informação, “informação
cultural”, do que para uma reformulação na forma como a Ciência da Informação compreende
e estuda seu objeto de estudo.
A reformulação dos pressupostos da Ciência da Informação e, consequentemente, no
significado do que seja informação, é atribuída à aproximação da Ciência da Informação com
o “terceiro ramo” das Ciências Sociais, com os enfoques microssociológicos e interpretativos.
A grande contribuição teórica foi o trabalho de Berger e Luckmann (1985), ao discutirem a
realidade como algo que é construído socialmente e não como uma experiência em si mesma,
independentemente dos sujeitos que conhecem. Nesse sentido, informação não pode ser
entendida como dado, uma coisa, mas como um processo, como algo que vai ser percebido e
compreendido de variadas formas, de acordo com os sujeitos que estão em relação. Tal visão
coloca em xeque tanto a definição de Borko (1968) sobre o comportamento e o fluxo da
informação, na qual o sujeito é excluído, quanto à definição de Buckland (1991), que
considera “a informação como coisa” (ARAÚJO, 2003, p. 25).
Dessa forma, “os sujeitos precisam, necessariamente, ser incluídos nos estudos sobre a
informação e, sobretudo, precisam ser incluídos em suas interações cotidianas, formas de
expressão e linguagem, ritos e processos sociais” (ARAÚJO, 2003, p. 25).
Estudos de usuários na área de Ciência da Informação são definidos por Figueiredo (1994)
como
investigações que se fazem para saber o que os indivíduos
precisam em matéria de informação, ou, então, para saber se as
necessidades de informação por parte dos usuários (...) estão
sendo satisfeitas de maneira adequada. (...) Através destes
29
estudos, verifica-se por que, como e para quais fins os
indivíduos usam informação, e quais os fatores que afetam tal
uso. Os usuários são assim encorajados a tornar as suas
necessidades conhecidas (p. 6).
Iniciados na década de 40, os estudos de usuários, apesar da importância e da popularidade
que ganharam, serviram, segundo análise de Dias et al. (2001, p. 208), mais para consolidar o
campo de investigação do que para gerar conhecimentos e orientar as propostas de melhoria
de serviços. O avanço desses estudos apresenta-se, sobretudo, na fase de coleta de dados, com
o deslocamento de uma macroabordagem estudar grandes grupos utilizando como
instrumentos questionários ou entrevistas estruturadas para uma microabordagem que vai
privilegiar o estudo de pequenos grupos por meio de observações ou entrevistas não-
estruturadas. No entanto, apesar do avanço, seus objetivos permanecem imutáveis, quais
sejam: coletar dados para criar e/ou avaliar produtos e serviços informacionais, bem como
entender melhor o fluxo da transferência da informação.
Os estudos de usuário são caracterizados como um campo que não é bem delimitado,
incluindo desde os levantamentos de empréstimos em bibliotecas até pesquisas sobre o
comportamento do usuário e permitindo o conhecimento do fluxo de informação científica e
técnica, da demanda da informação, da satisfação do usuário, dos resultados ou efeitos da
informação sobre o conhecimento, do uso e do aperfeiçoamento de sistemas de informação,
das relações e da distribuição de recursos de sistemas de informação, dentre outros
(PINHEIRO, 1982, p. 1).
Tradicionalmente, os estudos de usuários enfocam indivíduos e grupos envolvidos na
produção do conhecimento científico e tecnológico, voltados para os padrões característicos
de comunicação com uma ou várias fontes de informação. No entanto, o foco no usuário do
30
setor produtivo se ampliou em função do crescimento tanto da oferta de produtos e serviços
de informação quanto da demanda das indústrias por informação que represente acesso ao
“conhecimento para ação” (ARAÚJO, FREIRE e MENDES, 1997, p. 284).
Lima (1994), a partir da análise de um corpus de sete dissertações de mestrado sobre usuários
de biblioteca em cursos de pós-graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação em
universidades brasileiras (PUCCAMP e IBICT), observou o tratamento dado a objetivos,
metodologia e recomendações, entre outros aspectos. Com relação aos objetivos, estes tendem
a adequar a relação biblioteca e usuários. Quanto ao ambiente e seu mapeamento no tempo, os
estudos que mais chamam a atenção são aqueles voltados à informação cnico-científica que
recaem sobre a universidade como instituição. Com relação ao método utilizado nas
pesquisas, eles foram caracterizados em três fases: delimitação do universo da pesquisa,
focalização da base amostral, sujeitos, material e procedimentos, e, finalmente, faz-se uma
análise crítica de como são apresentados esses dados. Em relação às recomendações, são
relacionadas diversas, nas quais se percebe a ênfase dada ao marketing, evidenciando a
relação com a informação como mercadoria e o usuário como cliente. Na conclusão do autor,
os estudos brasileiros que têm como foco os usuários repetem o que fora descoberto por
estudos estrangeiros, um respaldo exigido pela ciência. Ele se coloca, então, como um
pesquisador à procura de alternativas metodológicas para estudos de usuários.
Na revisão de literatura realizada por Araújo (1994) para a ARIST
3
, a autora constatou que,
nos seus 25 anos de existência, 11 capítulos foram dedicados a estudos de usuários e uso da
informação, em que se evidenciaram padrões similares de insatisfação com relação ao
desempenho do sistema no todo ou em parte.
3
ARIST – Annual Review of Information Science and Technology – é a mais completa revisão anual
de literatura na área da Ciência da Informação
.
31
Em estudo mais recente, Baptista e Cunha (2007), analisando a evolução dos estudos de
usuários no período de 1970-2007, constataram que foram recuperadas 7.228 referências. Para
a realização do estudo, os autores realizaram uma consulta no Library and Information
Science Abstracts (LISA)
4
, utilizando como estratégia de busca a palavra users e seus termos
correlatos (user survey ou user needs) no campo descritores. O resultado demonstrou uma
média de 75,4 e 510 trabalhos, na primeira década (1970-1979) e nos oito primeiros anos da
década atual (2000-2007). Um aumento no crescimento de produção de documentos ocorreu
da década de 1980 para a de 1990, principalmente a partir de 2000, conforme pode ser
verificado no Quadro 1:
Quadro 1 – Levantamento das referências recuperadas em estudos de usuários
Período Número de referências Média por década
1970-1979 754 75,4
1980-1989 1.088 108,8
1990-1999 1.816 181,6
2000-2007 3.570 510,0
Total 7.228
Fonte: LISA (2007 apud BAPTISTA e CUNHA, 2007).
Baptista e Cunha (2007) constataram, além disso, que, no Brasil, o estudo de uso e usuários
nas áreas de Biblioteconomia e de Ciência da Informação acompanha o histórico das
pesquisas realizadas em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra.
4
Bibliografia corrente que indexa a literatura de Ciência da Informação com publicação em 68 países,
em 20 línguas. Nessa literatura, a temática “estudos de usuários” é uma das mais volumosas em termos
de produção mundial (BAPTISTA e CUNHA, 2007).
32
Em um levantamento realizado, na base de dados Holmes, foram recuperados 1.199
documentos no período de 1994 a 2008.
1.1 Abordagens sobre estudos de usuários
Buscando demarcar a evolução histórica da literatura sobre estudos de usuários, na Ciência da
Informação, várias fases foram identificadas por Figueiredo (1994), que os engloba em três
períodos:
1) De 1948 a 1965
Nesse primeiro período, os estudos dos usuários tinham como foco a descoberta do uso da
informação pelos cientistas e engenheiros. Interessa a obtenção de dados quantitativos sobre
os hábitos de se obter informação por parte da comunidade científica, utilizando questionários
e entrevistas. No entanto, segundo a autora, os resultados mostraram-se contraditórios,
decorrentes da complexidade, amplitude e diversidade das necessidades dos usuários, que
foram mais numerosas do que se esperava. Tal fato levou à conclusão de “tratar-se de uma
meta remota de ser atingida: o planejamento de um único sistema capaz de atender às
diferentes, variadas, diversas necessidades de seus usuários, em todas as circunstâncias” (p.
9).
2) De 1965 até a década de 1970
Nesse período, privilegiou-se a utilização de técnicas mais sofisticadas de observação indireta
para o estudo de aspectos particulares do comportamento dos usuários, com análises de
33
citações, verificações de compilações estatísticas, de uso de coleções etc. Começou, também,
nessa época, o emprego de métodos sociológicos para a análise de transmissão informal da
informação, o que contribuiu para o conhecimento mais profundo de como a informação é
obtida e usada. O efeito advindo desses estudos, contudo, foi pequeno no planejamento dos
sistemas, uma vez que, nessa época, os planejadores estavam mais preocupados em entender e
em se ajustarem aos novos modelos de computadores disponíveis. O interesse era maior com
as capacidades técnicas do sistema do que com as necessidades dos usuários.
3) Década de 1970
Nesse terceiro período, popularizaram-se os estudos de usuários com a intensificação da
utilização do estudo sociológico voltado para a necessidade de se ajustar o sistema ao usuário.
Nessa fase também surge a necessidade de estudo dos usuários de outras áreas, como de
Ciências Sociais e Humanas. Esse interesse é explicado pelo fato de os próprios cientistas
sociais terem se envolvido nessa área de pesquisa.
Na visão de Pinheiro (1982), a preocupação com o usuário é decorrente tanto da constatação
de falhas e ineficiência no processo de comunicação entre usuário e serviço de informação
quanto da necessidade de se ter conhecimento do fluxo e dos canais de informação.
4) Nos dias atuais: abordagem tradicional e abordagem alternativa
Na atualidade, a literatura tem divergido em duas direções: abordagem tradicional, estudos
direcionados sob a ótica de sistema de informação ou biblioteca (system-oriented approach or
traditional approach), e abordagem alternativa, ou seja, direcionada sob a ótica do usuário
34
(user-oriented approach or alternative approach). Dervin e Nilan (1986), contrapondo a
abordagem tradicional à abordagem alternativa, estabelece as seguintes diferenças entre elas:
Quadro 2 – Diferenças entre a abordagem tradicional e a abordagem alternativa
Abordagem tradicional Abordagem alternativa
Informação objetiva (pressupõe significado
constante para a informação entendida como
expressão da realidade).
Visão construtivista (a informação não está dada, é
construção humana).
Visão passiva dos usuários (usuário como
recipiente passivo de informações, visão
mecanicista).
Visão ativa dos usuários (usuário como centro do
sistema, construindo suas necessidades, estratégias
e soluções).
Visão trans-situacional (comportamento estático
do usuário, modelos de comportamento invariáveis
no tempo e no espaço).
Visão situacional do sistema.
Visão atomista do comportamento do usuário na
situação de interseção sistema.
Visão holística (falta uma complexidade aos
sistemas de informação que lhes maior
movimento).
Comportamento externo.
Cognições internas (a abordagem tradicional
restringe o usuário a uma mera taxionomia de seu
comportamento, ao invés de buscar entender as
razões que o levam a escolher certo tipo de
necessidade diante de outra).
Individualidade caótica, não apreensível. Individualidade sistemática (por meio dos
fundamentos da condição humana).
Pesquisa quantitativa. Pesquisa qualitativa.
Fonte: Dervin e Nilan, (1986).
Ferreira (1997) ressalta que, na perspectiva da abordagem tradicional, os sistemas de
informação concentram-se prioritariamente na aquisição e administração de grandes coleções
de materiais sendo, portanto, ignorados os fatores que geram o encontro dos usuários com os
sistemas de informação ou as conseqüências de tal confronto. Na verdade, tem-se limitado à
tarefa de localizar fontes de informação, deixando de lado as tarefas de interpretação,
formulação e aprendizagem. Nessa perspectiva, os usuários da informação são vistos apenas
35
como um dos integrantes do sistema, como informantes, e não “como razão de ser do serviço”
(p. 219).
Se os estudos – centrados no sistema – eram definidos em bases sociológicas, pela observação
de grupos de usuários como químicos e físicos; universitários e escolares, crianças e adultos,
negros e brancos, atualmente as pesquisas estão centradas no indivíduo, partindo de uma
perspectiva cognitiva cujo objetivo é buscar interpretar necessidades de informação tanto
intelectual como sociológica. Nesse sentido, são feitas análises acerca das características
únicas de cada usuário para se chegar às cognições comuns à maioria deles (FERREIRA,
1997).
A partir da década de 80 do séc. XX, as abordagens alternativas ou da percepção passaram a
considerar que a informação tem sentido quando integrada a algum contexto. Ela é um
dado incompleto, ao qual o indivíduo atribui um sentido a partir da intervenção de seus
esquemas interiores. Assim, a informação passa a ser entendida como um produto da
observação, e esta como uma atividade necessária para se tratar das descontinuidades
percebidas no tempo e no espaço.
A informação é conceitualizada como o sentido criado em um momento específico no tempo
e no espaço por um ou mais indivíduos. Portanto, não pode ser entendida como alguma coisa
que existe à parte das atividades do comportamento humano, mas, sim, como um dado ao qual
o indivíduo atribui vida, correlaciona, analisa, cria e lhe sentido, incorporando essas novas
informações aos seus esquemas interiores, alterando-os e atualizando-os constantemente
(DERVIN e NILAN, 1986).
36
Por essa nova abordagem, os usuários são vistos como indivíduos, pessoas com necessidades
cognitivas, afetivas e fisiológicas fundamentais próprias que operam dentro de esquemas que
são partes de um ambiente com restrições socioculturais, políticas e econômicas. Essas
necessidades próprias, os esquemas e o ambiente formam a base do contexto do
comportamento de busca de informação. Portanto, são valorizados o questionar, o planejar, o
interpretar, o criar, o resolver e o responder, negligenciados no modelo tradicional (DERVIN
e NILAN, 1986).
Isso implica que os sistemas de recuperação da informação devem ser flexíveis o suficiente
para permitir ao usuário adaptar o processo de busca de informação às suas necessidades.
Nesse contexto, algumas questões básicas destacam-se, como ressalta Silveira (2006):
1) quem são os atuais usuários dos sistemas de informação;
2) como, onde, por que e para que estão utilizando esses sistemas;
3) quais as características e necessidades dos usuários;
4) como planejar sistemas de informações que sejam mediadores reais na
satisfação das necessidades de informação dos usuários (p. 87).
Em função do aumento do acesso à vasta quantidade de informação, Ferreira (1997) ressalta a
importância dos serviços que se centram mais no significado da busca do que na localização
da fonte. Para a autora, os novos paradigmas na Ciência da Informação passam por conceitos
de várias áreas do conhecimento. Um deles, que deve ganhar importância, é o mundo do
sentido, da necessidade de delegar sentido à informação:
Interpretar a realidade, torná-la lógica, compreensível e significativa para o
conjunto de indivíduos supõe o ato de fazer sentido ao mundo existente. É
por seu intermédio que o ser humano compreende, analisa e interpreta todas
as dimensões da realidade, captando e expressando essa totalidade de forma
cada vez mais ampla e integral (FERREIRA, 1996, p. 217).
37
1.2 Pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa
Na literatura sobre estudos de usuários, dois tipos de abordagens são identificados: a pesquisa
quantitativa e a pesquisa qualitativa.
A pesquisa quantitativa caracteriza-se como tal, tanto na fase de coleta de dados quanto no
seu tratamento, pela adoção de cnicas estatísticas. A sua utilização ocorreu de forma
intensiva no período de 1960 a 1980 e teve por objetivo assegurar uma precisão maior na
análise e interpretação dos resultados e na obtenção da confiabilidade (BAPTISTA e
CUNHA, 2007).
Na cada de 60, as pesquisas e os estudos de usuários de bibliotecas estavam mais voltados
para a investigação de técnicas e organização bibliográfica do que para o usuário. Na década
de 70, a preocupação com a identificação de como a informação era obtida e usada deu
origem a estudos sobre a transferência de acesso à informação, de utilidade da informação e
de tempo de resposta. Os resultados das pesquisas demonstraram que o uso da informação
dependia da facilidade de acesso e que nem sempre a informação utilizada era a melhor. A
década de 80 foi marcada pela preocupação com a automação. Privilegiava-se o planejamento
de serviços de informação capazes de satisfazer às necessidades dos usuários (PINHEIRO,
1982).
A pesquisa qualitativa ocorreu a partir da percepção sobre a natureza social da Ciência da
Informação, o que motivou a realização de estudos sobre o fenômeno da busca da informação
com a utilização das teorias da sociologia e da antropologia. A utilização dessas teorias
apresenta as seguintes vantagens:
38
um melhor entendimento do usuário para projeção de serviços de informação
mais efetivo e um melhor entendimento para a criação de teorias sobre o
comportamento e uso da informação; focaliza a sua atenção nas causas das
reações dos usuários de informação e na resolução do problema
informacional, e tende a aplicar um enfoque mais holístico do que o modelo
quantitativo. Além disso, dá-se mais atenção aos aspectos subjetivos da
experiência e do comportamento. A coleta de dados é vista mais como um
processo do que um procedimento, requerendo constantes julgamentos
analíticos (WILSON, 2000, p. 31).
1.3 Técnicas utilizadas na coleta de dados
Sobre as variedades de dispositivos de coleta de dados utilizados, as técnicas mais
empregadas na coleta de dados têm sido os questionários e a entrevista.
1. Questionário
O questionário consiste na formulação de questões pelo pesquisador, que deverá ser
respondido pelo usuário. Segundo Baptista e Cunha (2007), com o advento da World Wide
Web (WWW), o questionário como instrumento de coleta de dados adquiriu uma importância
maior com relação aos outros instrumentos, tendo em vista a rapidez na remessa, no
preenchimento e na sua devolução.
Com relação às vantagens da utilização do questionário, os autores listam as seguintes:
Método rápido em termos de tempo, uma vez que pode estipular uma
data para a sua devolução.
Baixo custo.
Atinge uma grande população dispersa numa região geográfica.
Possibilita maior grau de liberdade e tempo ao respondente;
39
As distorções podem ser menores, desde que o informante o tenha
influência ou pressão do pesquisador. (BAPTISTA e CUNHA, 2007,
p.178).
Quanto às desvantagens, são citadas as seguintes:
A dificuldade no esclarecimento de dúvidas, considerando que o
pesquisador está distante do respondente.
As questões são formuladas por bibliotecários, portanto, nem sempre
refletem os problemas dos usuários.
A terminologia pode ser inadequada.
O índice de respostas é baixo.
Muitos questionários não são computados e houve dificuldade de se
saber se a resposta foi espontânea ou direcionada. (BAPTISTA e
CUNHA, 2007, p. 178).
2. Entrevista
A entrevista, como o questionário, é um método muito utilizado para a coleta de dados nos
estudos de usuários, podendo ser segundo Cunha (1982, p. 12): a) não-estruturada b) semi-
estruturada e c) estruturada.
a) Entrevista não-estruturada: possibilita que o entrevistado fale quando quiser, com pouca ou
nenhuma intervenção do entrevistador, sendo a sua utilização muito freqüente na pesquisa de
mercado, na psiquiatria e no serviço social;
b) Entrevista semi-estruturada: as questões são estruturadas, permitindo aprofundamento em
tópicos julgados importantes pelo entrevistador;
c) Entrevista estruturada: um esboço de perguntas ou formulário que é seguido pelo
entrevistado.
40
Dentre as vantagens citadas por Cunha (1982), destacam-se as seguintes:
Possibilita o contato direto com o entrevistado, permitindo captar suas
reações, sentimentos, hábitos, etc. dando um maior grau de
confiabilidade aos dados coletados.
Por ser uma técnica face a face é possível que o entrevistado esclareça
alguma pergunta ou terminologia não compreendida pelo entrevistado
ou, o que é mais importante, o entrevistado pode pedir detalhes de
respostas fornecidas quando são detectados fatos interessantes ou
novos (p. 10).
As desvantagens são atribuídas à
possibilidade de distorção tanto por parte do entrevistado (recusa em
responder a perguntas e participar da entrevista; informar
acontecimentos e experiências muito deformadas ou esquecimento de
detalhes importantes) quanto por parte do entrevistador (utilização de
uma terminologia muito técnica);
possibilidade de o entrevistador emitir opiniões a respeito de alguns
tópicos, podendo comprometer as respostas do entrevistado;
necessidade de estabelecimento de confiança entre entrevistador e
entrevistado para que as respostas sejam confiáveis;
custo maior do que a utilização do questionário, pois exige
treinamento dos entrevistados e um tempo maior do entrevistador e
do entrevistado (p. 10).
3. Observação
A observação é definida como um “método através do qual o pesquisador capta a realidade
observada” (CUNHA, 1982, p. 12). Ela pode ser: observação espontânea não-estruturada
denominada também de observação informal, não-orientada, não-dirigida, não-planificada,
assimétrica; observação participante não-sistemática também ou observação participante não-
estruturada ou não-controlada e observação sistemática; observação sistemática.
Na análise
de Cunha (1982):
41
1) Observação espontânea não-estruturada: “É aquela em que, a partir de
uma observação espontânea, são extraídas conclusões utilizando o mínimo
de controle na obtenção dos dados observados”.
2) Observação participante não-sistemática: um participante vai captando
os acontecimentos, fazendo o papel de um repórter, sem, entretanto,
participar ou influir no fluxo dos acontecimentos.”
3) Observação sistemática: o observador conta com recursos de controle,
podendo, por conseguinte, dar estruturação ao processo de observação.
Destina-se a comprovar hipóteses causais, à manipulação de variáveis
experimentais, à descrição e explicação sistemática dos fenômenos,
processos e problemas. Pressupõe delimitação do problema a estudar, assim
como a proposição de hipóteses de trabalho e de variáveis” (p. 12-13).
O método de observação, ainda de acordo com Cunha (1982), é pouco empregado na área de
estudos de usuários. O autor cita, por exemplo, a experiência de Ackoff e Halbert (1958) e
Martins (1971). Na primeira que realizaram uma análise de 25.000 registros de atividades
diárias exercidas por químicos.
Na primeira pesquisa, Ackoff e Halbert analisaram cerca de 25.000 registros
de atividades diárias exercidas por químicos. O comportamento de cada
químico durante a observação era codificado em categorias de comunicação,
atividades de equipamento, tratamento de dados, atividades pessoais e sociais
etc. Quando o químico, estando no laboratório ao observar que estava
executando uma atividade de comunicação da informação, registrava esse
dado de acordo com o canal utilizado, a pessoa envolvida, quem era ela e sob
qual aspecto; se lendo, escrevendo, ouvindo ou falando. Já Martin utilizou um
mecanismo de alarme para analisar os hábitos de leitura de cientistas. O
mecanismo fazia soar um alarme, em intervalos randômicos, e o cientista
registrava a atividade de informação em que ele estava envolvido naquele
momento (CUNHA, 1982, p. 13).
As vantagens do uso da observação são:
é “útil para o fornecimento de idéias iniciais e opiniões que podem levar a
uma hipótese mais explícita”;
o registro dos acontecimentos acontece simultaneamente com a sua
ocorrência espontânea;
permite o registro de situações típicas;
a utilização de vídeo, filme e fita permite que o fato possa ser repassado
para observadores de diferentes áreas de especialização (p. 13).
42
Em relação às desvantagens, são assinaladas as seguintes:
o observador pode coletar os dados quando o cientista está dentro do
seu campo de observação. No estudo de Ackoff e Halbert, o campo de
observação estava restrito ao laboratório do cientista.
ausência de uniformidade, uma vez que se pode observar coisas diferentes
em momentos diferentes.
custo alto e tempo muito extenso (p. 13).
4. Controle da interação do usuário com o sistema computadorizado
O controle da interação do usuário com o sistema pode ocorrer por meio de um intermediário
que avalia o serviço ou pela análise das saídas do computador, que oferece informações sobre
o comportamento, o problema do usuário e a atuação do sistema (estatística sobre o uso do
vocabulário para a busca, freqüência de uso de um documento, inclusive o tempo gasto na
busca).
A partir da análise dos dados coletados, podem-se detectar “deficiências ou insuficiências do
sistema apresentadas pela alta revocação de documentos não-relevantes ou pela baixa
revocação de documentos relevantes; necessidade de aprimoramento das estratégias da busca,
a fim de evitar dificuldades para os usuários na operação do sistema; necessidade de alteração
das políticas de indexação, de desenvolvimento de vocabulário e de dar importância à maior
uniformidade, inclusão de dispositivos de precisão etc.; necessidade de treinar os usuários nos
processos de pesquisa; atualização dos requisitos dos perfis; atualização dos requisitos;
freqüência de descritores e, portanto, assuntos que estão em demanda ou mudança de
interesses (FIGUEIREDO, 1994).
43
5. Análise documentária
Análise documentária é um método em que os dados são coletados por meio de documentos já
existentes, como: estatísticas de bibliotecas, referência de obras citadas, anotações, textos etc.
É um método pouco utilizado em estudos de usuários.
Documentos de uma biblioteca são as fichas de empréstimo, pedidos de bibliografia;
empréstimo por língua, assuntos, data; empréstimos entre bibliotecas; análise da retirada de
volumes das estantes; circulação de periódicos; análise de questões de referências; e contagem
de citações bibliográficas (FIGUEIREDO, 1994).
As vantagens sublinhadas por CUNHA (1982) são:
é econômico;
fornece informações acerca do contexto histórico em que ocorreu o
fenômeno;
as informações podem servir para projetar tendências futuras; por
exemplo, a estatística de uso de uma biblioteca pode revelar
indicadores futuros a respeito do comportamento dos seus usuários
(p.17).
As desvantagens podem ocorrer na fase de interpretação dos dados, considerando que o
comportamento do grupo não corresponde ao comportamento individual na validação da
informação, que o pesquisador não tem controle sobre os dados e, por fim, o pesquisador
fica limitado aos dados existentes, que podem não ser aqueles de que necessita.
44
6. Análise de citações
Esse método, a partir da coleta de dados sobre padrões de citações, permite identificar autores
e títulos mais citados.
As vantagens estão associadas ao aumento da eficiência na busca bibliográfica e na
identificação rápida de trabalhos e/ou autores relevantes para várias disciplinas.
As desvantagens são: a análise de citações não ajuda na identificação de trabalhos que não
sejam reconhecidos pela comunidade científica e não permite avaliar a qualidade de uma
pesquisa e/ou potencialidade de um autor, considerando que nem sempre um autor que
publica mais tem correlação com o aspecto qualitativo.
7. Técnica do incidente crítico (“critical incident technique”)
Técnica pela qual, por meio de questionários ou entrevistas, indaga-se ao indivíduo a
lembrança de alguma experiência ou acontecimento recente relevante. Essa técnica enfatiza o
estudo da atividade humana, no sentido de reportar uma amostra do comportamento de um
indivíduo ou de um grupo (BAPTISTA e CUNHA, 2007).
8. Técnica de Delfos
A técnica de Delfos é uma variação do questionário pela qual um grupo de especialistas é
chamado para se expressar sobre um determinado tema. Eles analisam a questão de forma
interativa e anônima As opiniões são anotadas, analisadas estaticamente e selecionadas
45
aquelas que foram mais votadas. Após essa seleção, elas são remetidas aos participantes para
uma segunda rodada de escolha. Esse processo prossegue até a obtenção de uma lista
representativa do consenso sobre as prováveis tendências (BAPTISTA e CUNHA, 2007).
Em relação às vantagens da técnica de Delfos Cunha sublinha as seguintes:
é um enfoque sistemático que solicita opiniões de especialistas sem
que os mesmos sejam contaminados com os efeitos de grupos de
personalidades ou de tendências em conformidade com a opinião
pública;
como indicador do futuro, possibilita à biblioteca fazer correções ou
mesmo se preparar para possíveis eventos;
o método pode prever eventos que não são processados de acordo
com o modelo racional ou que não possam ser entendidos nestes
termos (CUNHA, 1982, p. 12).
No que se refere às desvantagens o autor ressalta:
é uma cnica sofisticada, exigindo conhecimento e aplicação de
estatística;
como método que projeta o futuro, exige dos participantes uma mente
sensível aos problemas prospectivos;
como os resultados são probabilísticos, é possível que os mesmos não
sejam verdadeiros no futuro, podendo trazer prejuízos à instituição
(CUNHA, 1982, p. 12).
9. Grupo focal
O grupo focal é considerado por alguns autores como um tipo de entrevista. A sua aplicação
requer um grupo selecionado em torno de um problema a ser explorado. Um moderador vai,
então, assegurar que o assunto seja discutido sem distorções. A vantagem do seu uso está na
obtenção de um maior número de informações com riqueza de detalhes. (BAPTISTA e
CUNHA, 2007).
46
10. Análise de conteúdo
O uso da análise de conteúdo (BARDIN, 1979; VALENTIM, 2005) tem sido considerado
muito pertinente para determinar a ênfase relativa ou a freqüência de vários fenômenos da
comunicação. A análise de conteúdo, para Bardin (1979), consiste em
(...) um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas
mensagens (p. 42).
O método da “análise de conteúdo depende do tipo de discurso, da interpretação e do objetivo
da análise. A descrição analítica é uma das características da análise de conteúdo”
(VALENTIM, apud VALENTIM, M. L. P.2005, p. 122).
Para a autora
A análise de conteúdo é muito complexa e exige, por parte do pesquisador,
um olhar crítico sobre os dados analisados. As características quantitativa e
qualitativa do método enriquecem enormemente sua aplicação em pesquisa
da área de Ciência da informação, pois permitem ao pesquisador realizar
inferências, por meio de observação do estado de espírito e contexto dos
sujeitos ou grupos pesquisados (p. 133).
A fase inicial de coleta de dados é quantitativa, com ênfase na tabulação das freqüências dos
termos contidos no texto. Posteriormente, torna-se menos rígida, sendo possível a
interpretação qualitativa dos dados. É considerada mais adequada para medir a legibilidade de
um texto ou a comunicação dos dados. A desvantagem do método de análise de conteúdo está
relacionada com a necessidade de analisar um volume grande de dados. Hoje, têm se utilizado
programas de computador (computer-aided qualitative data analysis software) para facilitar a
47
entrada e a análise dos dados coletados. Assim, é possível encontrar alguns programas que
funcionam como uma mineração de dados (data mining), como o Clementine (SPSS) e o
NUD* IST (BAPTISTA e CUNHA, 2007; VALENTIM, 2005).
A análise de conteúdo apresenta as seguintes vantagens, a análise de Cunha (1982) a saber:
a) é útil para medir a legibilidade de um texto ou comunicação;
b) pode ser utilizada para analisar questões relacionadas com as atitudes,
interesses e valores culturais de um determinado grupo;
c) apesar de historicamente ter sido mais utilizada na área de comunicação, a
técnica é também apropriada para se estudar fenômenos sociais em outras
áreas do conhecimento;
d) a grande vantagem é a segurança do método. Caso seja necessário repetir
toda a pesquisa ela pode ser feita facilmente porque o pesquisador pode ter
acesso aos dados sem nenhuma dificuldade. Isto, normalmente, não pode por
exemplo ser feito numa pesquisa baseada num levantamento (p. 15).
A desvantagem está relacionada com o volume de informação a ser analisado. Nos dias
atuais, o auxílio dos computadores tem sido empregado para no exame de grandes
quantidades de informação na busca de termos significativos. (CUNHA, 1982, p. 15).
11. O método de protocolo verbal
O método de protocolo verbal, ou “pensar alto”, “é uma técnica introspectiva de coleta de
dados que consiste na verbalização dos pensamentos dos sujeitos” (FUJITA e CERVANTES,
2005, p. 37).
Na Ciência da Informação, o uso dessa técnica é ainda limitado. A técnica tem sido
empregada como fonte de dados em processos de atividades de questionamento em leitura,
redação e resolução de problemas. Ela é utilizada nas pesquisas em recuperação da
informação (INGWERSEN, 1992); indexação (GOTOH, 1983); leitura documentária
48
(FUJITA, 2003; NAVES, 2000); em estudos que incluem o processo de elaboração de
resumos (ENDRE-NIGGEMEYER e NEUGEBAUER, 1998) e na construção de linguagem
documentária (CERVANTES, 2004).
Nessas investigações, identifica-se a utilização de diferentes modalidades de protocolo verbal.
O mais utilizado tem sido o protocolo verbal de Ericsson e Simon (1987), denominado de
“protocolo verbal individual, onde “o sujeito é solicitado a ‘pensar alto’, e o pesquisador
apenas o acompanha sem nenhuma intervenção ou comentário” (FUJITA e CERVANTES,
2005, p. 42).
1.4 Metodologias de desenvolvimento de software
A literatura sobre as metodologias utilizadas na área de desenvolvimento de software aponta
falhas nos pressupostos básicos que têm orientado essas metodologias, sobretudo nos métodos
utilizados para a obtenção da participação do usuário para o desenvolvimento de sistema.
A origem dos problemas está na definição dos requisitos dos sistemas, especialmente o
método de levantamento de requisitos. Assim, “apesar do problema da definição dos
requisitos ser conhecido pelos analistas de sistemas, ainda não foram encontradas
metodologias que reconhecem a relação contraditória entre a experiência dos usuários e sua
tradução em requisitos técnicos” (FERREIRA e LIMA, 2005, p. 3).
O desenvolvimento de produtos de software comumente envolve as seguintes fases:
levantamento de requisitos, análise, desenho, implementação, testagem e implantação. Na
primeira etapa (levantamento de requisitos), é feito um levantamento das necessidades dos
49
usuários e, com base nessas informações, identifica-se o escopo do software. Na fase seguinte
(análise), faz-se o detalhamento dos requisitos obtidos na primeira fase. Posteriormente, na
fase “Desenho” define-se uma estrutura implementável para um produto de software que
atenda aos requisitos especificados nas atividades de requisitos e análise. Implementação é a
fase que consiste na codificação do programa de computador, é a realização do desenho do
software. A fase de testes visa a detectar defeitos que não foram detectados na fase anterior.
E, por fim, tem-se a disponibilização do software para o usuário, que é a fase de implantação.
1.4.1 A visão tradicional: as falhas no método de levantamento de requisitos
As metodologias tradicionais, denominadas pesadas, caracterizam-se pelo seu tamanho e pela
dificuldade de implementação. Elas predominam e ainda são as mais utilizadas nos projetos
de desenvolvimento de software. Esse tipo de metodologia envolve muita documentação,
processos organizacionais complexos e pouca participação do usuário. Elas se apóiam no
modelo tradicional da engenharia, como a Engenharia Civil ou Elétrica, sendo que o
desenvolvimento do sistema engloba duas fases: a fase de concepção do projeto ou
planejamento, para determinar a estrutura e as funcionalidades e características do sistema; e a
fase de construção de sistemas. As metodologias tradicionais são baseadas na predição, ou
seja, cada etapa de desenvolvimento do projeto é baseada na etapa anterior.
As principais críticas direcionadas às metodologias tradicionais de análise de sistema estão
nos pressupostos básicos nos quais elas se apóiam. Ou seja, “os requisitos podem ser clara e
precisamente especificados linguisticamente desde o começo do projeto” (FURNIVAL, 1996,
p. 200). A autora, apoiando-se em Partriged (1986) afirma que estas metodologias definem a
50
maneira ‘correta’ de desenvolver sistemas como aquela que primeiro especifica
completamente o problema” (p. 200).
O surgimento das metodologias tradicionais se deu na época de grandes projetos
governamentais, quando as especificações escritas constavam do processo de concorrência
para o contrato, e então, as empresas concorrentes trabalhariam com a mesma especificação
dos requisitos, com o objetivo de se obter uma estimativa de orçamento e cronograma para
ganhar um projeto. Para Furnival, o rigor pela descrição tem raízes históricas no modelo
cartesiano do conhecimento, que desde o Renascimento tem predominado e permeia o modo
de pensar ocidental. Esse modelo “fundamenta-se no dualismo segundo o qual existe um
mundo interior de experiências (mente) e um mundo externo de objetos (realidade externa)”
(FURNIVAL, 1996, p. 200-204).
O foco das críticas em relação aos métodos tradicionais, como ressalta Furnival (1996), reside
no fato de que parte dos designers que utilizavam esses métodos ignoraram os chamados
“fatores humanos” dos sistemas, uma negligência que se manifesta nas próprias metodologias
com a adoção de linguagens formais e especificações abstratas.
1.4.2 O método de levantamento de requisitos
O método de levantamento de requisitos é a primeira etapa da fase de planejamento do
sistema, que consiste em compreender quais as necessidades dos usuários, cujo objetivo é
obter informação sobre as suas necessidades e o funcionamento do processo. Diversas
técnicas são empregadas nessa etapa pelos desenvolvedores, como observação dos usuários,
entrevistas ou questionários e análise da documentação existente.
51
Nessa fase, surge um documento intitulado “especificações dos requisitos”. A qualidade da
informação nessa fase determina, em grande parte, o sucesso do software no que diz respeito à
sua aceitação e eficiência. Outros fatores, como a tecnologia empregada e a qualidade do
código, entre outros, também podem interferir no sucesso do software. Contudo, as pesquisas
têm demonstrado “preponderância do levantamento de requisitos na qualidade do sistema”
(FERREIRA e LIMA, 2005, p. 3).
Uma das principais dificuldades diz respeito à instabilidade dos requisitos, uma vez que a sua
natureza é dinâmica. Eles mudam constantemente devido ao limite da capacidade humana de
prever os sistemas como um todo. Isso acontece em projetos de qualquer porte; quanto maior
o sistema, maior a dificuldade de se realizar uma especificação sem erro. Dessa forma,
a percepção que os usuários têm de suas necessidades também evolui à
medida que eles conhecem o sistema. É difícil compreender o valor de uma
determinada funcionalidade até que ela seja efetivamente usada,
principalmente porque não se pode requerer de um usuário comum a mesma
capacidade de abstração que um desenvolvedor possui ao olhar um conjunto
de requisitos. E mesmo que o sistema seja desenvolvido por desenvolvedores
e para desenvolvedores, a percepção que o usuário tem de seu problema
evolui à medida que ele conquista melhores mecanismo de atuar
(FERREIRA e LIMA, 2005, p. 3).
As falhas e as fragilidades das metodologias tradicionais impulsionaram o surgimento de
metodologias denominadas leves, ou metodologias ágeis, centradas na participação do
usuário. A proposta é priorizar o método de desenvolvimento do software, e não o software
em si.
52
1.4.3 As metodologias alternativas ou metodologias ágeis
As metodologias alternativas, também denominadas metodologias ágeis ou metodologias
leves, como o Extreme Programming e o Scrum (BECK, 2004), diferem em vários aspectos
das metodologias tradicionais, principalmente na fase de levantamento de requisitos. Essas
metodologias propõem que o software seja construído de forma evolutiva e adaptativa, em
que o cliente deve receber algum resultado rapidamente.
As metodologias ágeis se baseiam no fato de que os sistemas mudam durante o
desenvolvimento, uma vez que é durante o desenvolvimento que se conhece os problemas que
o sistema deseja resolver, tornando, portanto, os problemas conhecidos, bem como as suas
soluções.
O termo metodologias ágeis tornou-se popular em 2001 quando 17 estudiosos de
metodologias de desenvolvimento de sistemas informatizados, representando seus métodos de
trabalho: Scrum, Extreme Programming (XP) e outros, estabeleceram alguns dos princípios
comuns em suas metodologias. Os seus princípios são:
Ao contrário das metodologias tradicionais, nas quais o desenvolvimento do projeto se baseia
na estabilidade dos requisitos, as metodologias ágeis estão baseadas no princípio da
adaptabilidade, ou seja, os processos são orientados para adaptar o sistema a mudanças
durante todo o processo de desenvolvimento, reconhecendo o caráter dinâmico da fase de
definição de requisitos (FERREIRA e LIMA, 2005, p. 5).
53
Uma característica fundamental dessa metodologia é a não-existência de uma separação rígida
entre concepção e execução, uma vez que o projeto, ao ser dividido em ciclos de interações,
possibilita a realimentação e a validação por parte dos clientes e dos usuários durante o
processo de desenvolvimento do software. Assim, o desenvolvimento ocorre de forma
evolutiva e interativa (FERREIRA e LIMA, 2005, p. 5).
Uma outra característica das metodologias ágeis é o reconhecimento de que o usuário é
incapaz de saber o que vai querer sem conhecer o sistema. Sendo assim, torna-se tarefa
impossível especificar totalmente um software antes do início de sua implementação
(BROOKS, 1987). Essa dificuldade é atribuída, como já mencionado, ao fato de que a
percepção que os usuários têm de suas necessidades evolui na medida em que eles conhecem
o sistema. Por esse motivo é preciso criar condições para que o usuário possa interagir
realmente com o software. Isso é possível por meio de curtas iterações, nas quais,
ao final de cada iteração, usuários, clientes e desenvolvedores decidem sobre
quais devem ser retiradas do sistema. Com isso, o desenvolvimento é feito
de forma evolutiva e mais iterativa possível. O resultado desta metodologia
tem sido um sistema voltado para as reais necessidades dos usuários e, por
isso, menos sujeito à rejeição (FERREIRA E LIMA, 2005, p. 5).
Um problema importante de implementação das metodologias ágeis é que elas são difíceis de
serem usadas quando se pretende vender serviços para outras empresas. Isso fica evidente
quando o cliente deseja um levantamento explícito de requisitos ou, pelo menos, quer um
preço fixo e o tempo de produção estimado.
Outro ponto que também merece destaque reside na etapa de desenvolvimento, pois nela não
existem divisões rígidas e predefinidas. Os momentos referentes à concepção e ao
desenvolvimento são aglutinados. O que pode ser detectado são avaliações em curto momento
54
para se verificar o que foi implementado e o que pode ser melhorado/adaptado para se
continuar o projeto.
Em suma, essa metodologia não traz novidades como forma de desenvolvimento, mas, sim,
altera os valores que o atribuídos às pessoas e aos processos. O que vai diferenciar as
metodologias ágeis das metodologias tradicionais são o enfoque e os valores.
Nas metodologias ágeis, a ênfase recai sobre as pessoas, e não em processos ou algoritmos.
Procura-se, além disso, gastar menos tempo com a documentação e mais com a
implementação. Pode-se dizer que, embora se apresente como uma metodologia nova, ou
como uma revolução, como querem alguns, as metodologias não apresentam muitos pontos
revolucionários. Na verdade, elas agrupam uma série de práticas que têm sido usadas desde o
início da computação eletrônica (COCKBURN e HIGHSMITH, 2001, p. 120-122).
55
CAPÍTULO 2
PRESSUPOSTOS BÁSICOS EXTRAÍDOS DA ERGONOMIA E ÁREAS AFINS
Neste capítulo, procura-se abordar os limites das metodologias convencionais na obtenção de
informação do usuário final. Apresentam-se os subsídios teóricos e metodológicos da
ergonomia pela análise da atividade e pela técnica de autoconfrontação; e o método de
entrevista de explicitação sistematizada por Vermersch (1994), além das contribuições de
Polanyi (1966) sobre o conhecimento tácito e o desenvolvimento delas por Collins, (1992),
que nos permitem a elucidação do conhecimento em sua dimensão tácita e são determinantes
na construção de sistemas computadorizados de informação mais adaptados às necessidades
dos usuários.
2.1 O conhecimento tácito
A contribuição do húngaro Michael Polanyi (1966)
5
sobre o conhecimento tácito
6
é inegável.
Ele tem sido referência para pesquisadores do conhecimento humano.
Polanyi (1966) enfatiza que, para tratar o conhecimento humano, deve-se partir do princípio
de que “sabemos mais do que podemos dizer” (p. 4). Na sua concepção de conhecimento,
ressalta um tipo de conhecimento que não pode ser completamente exposto, não podendo,
5
Michael Polanyi (1881-1976), médico húngaro que desenvolveu a maioria do seu trabalho no âmbito
das Ciências Físico-Químicas. Aos 55 anos, o seu interesse foi direcionado para a área da Filosofia.
Assumiu, em 1951, uma cadeira na área dos Estudos Sociais na Universidade de Manchester. Suas
lições foram reunidas, em 1958, numa obra intitulada Personal Knowledge, Towards a Post-Critical
Epistemology.
6
A partir de Polanyi, o saber tácito é identificado com o saber social, o tácito à socialização, ou o
tácito ao não-explicitável e formalizável.
56
portanto, ser descrito em regras ou palavras, nem mesmo às codificadas em livros ou
organizadas em teorias: o conhecimento tácito.
Com relação à noção de que “sabemos mais do que podemos dizer”, Lima (2002), a partir da
aproximação das situações reais de trabalho, em que os trabalhadores se mobilizam na prática
e, na maioria das vezes, inconscientemente, estratégias desenvolvidas pela experiência para
enfrentar os imprevistos, as variabilidades internas e externas associadas às suas atividades,
avança em relação a essa noção. Segundo o autor, na verdade, “podemos fazer mais do que
sabemos e do que sabemos dizer”. Ele ressalta, ainda, a diferença entre o fazer, o saber e o
saber dizer. Assim, nem todo fazer é equivalente ao saber. O conhecimento é a posteriori da
ação.
Polanyi (1966) faz uma analogia do conhecimento pessoal com um grande iceberg, em que a
parte que vem à tona seria o que é passível de explicitação, e o que está submerso
corresponderia à dimensão tácita do conhecimento. Para ele, “o conhecimento tácito pode ser
descrito como aquilo que sabemos, mas que não conseguimos explicar”.
O conhecimento tácito, segundo Polanyi (1966) é, portanto, para o autor, complexo,
desenvolvido e interiorizado durante longos períodos de tempo, sendo, portanto, impossível
reproduzi-lo num documento ou numa base de dados. Por essa razão, dada a sua natureza,
sendo pessoal, específico e ligado a um dado contexto, o conhecimento tácito é mais difícil de
formalizar, comunicar e partilhar com os outros.
O conhecimento tácito, segundo Polanyi (1966), engloba tanto a dimensão técnica
denominada de know-how, associada ao conhecimento enraizado na ação e no empenho de
57
um indivíduo para com um contexto específico, enfim, uma arte ou profissão, uma
determinada tecnologia ou um determinado mercado, ou mesmo as atividades de um grupo ou
equipe de trabalho quanto à dimensão cognitiva que diz respeito a intuições, emoções,
esquemas, valores, crenças, atitudes, competências e “premonições”. Esses elementos são
caracterizados como “estruturas cognitivas” e encontram-se incorporados nos indivíduos que
os encaram como dados adquiridos, definindo a forma como agem e se comportam e
constituindo o filtro por meio do qual percebem a realidade, sendo, portanto, difícil articular
por palavras, pois a dimensão cognitiva molda a forma como se percebe o mundo.
Da mesma forma como acontece com os animais, o conhecimento humano é, em grande parte,
adquirido por meio da experiência. No entanto, o que diferencia o ser humano do animal é a
sua capacidade de sistematização por meio do discurso. Assim sendo, as palavras utilizadas
para descrever essa experiência apenas trazem significados previamente adquiridos, que
podem ser modificados no decorrer da sua utilização.
É a dimensão tácita do conhecimento humano, como rede complexa de indicações, que se
utiliza para interpretar e produzir conhecimento explícito. Este não é obtido sem que o
primeiro se constitua como contexto de referência, segundo a qual seja possível a sua
compreensão. Dessa maneira, os indivíduos oscilam entre o saber tácito e o saber explícito, a
cada momento, por meio de um processo constante de formalização e externalização do
conhecimento.
Ao falar de conhecimento explícito, Polanyi (1966) está se referindo ao conhecimento que é
expresso, articuladamente àquele que geralmente se tem em mente quando se utiliza a palavra
conhecimento, ou seja, palavras escritas, fórmulas matemáticas, mapas etc. Quando da
58
utilização da linguagem, consegue-se converter o conhecimento tácito em explícito e este
pode tornar-se alvo de reflexão ou focalização. Nesse processo de explicitação, a linguagem
pode assumir três funções fundamentais: de expressão de sentimentos, de apelo a outros
indivíduos e de constatação de fatos. Segundo Polanyi (1966), a conversão de conhecimento
tácito em explícito concretiza-se, exclusivamente por meio da terceira função.
De acordo com o mesmo autor, a natureza subconsciente do conhecimento tácito, ou a
consciência subsidiária, como ele prefere, desse tipo de conhecimento revela que a linguagem
é insuficiente para transformar o conhecimento tácito em explícito. Isso não significa,
contudo, que o conhecimento tácito não possa ser declarado ou verbalizado, mas que requer,
para o seu desenvolvimento, considerar a sua natureza complexa, englobando não somente os
processos mentais conscientes, mas os processos subconscientes ou inconscientes e os
processos corporais que participariam da nossa percepção, “ou seja, as raízes corporais dos
pensamentos” (POLANYI, 1966, p. 15).
A manifestação do conhecimento tácito dependeria, então, do contexto em que o indivíduo se
insere, considerando a caracterização geral do fenômeno gestaltismo de que a interpretação da
parte depende do conjunto em que ela se encontra, cada parte adquire seu significado tão
somente em relação ao todo (DREYFUS, 1975). No caso do domínio de um idioma, por
exemplo, o uso das palavras está associado a uma história, a relações e convenções sociais
ligadas ao contexto e não se referem exclusivamente à estrutura intrínseca da língua como
questões sintáticas e gramaticais (COLLINS, 1992).
Nesse sentido, a socialização é a melhor forma de desenvolvimento de um conhecimento
tácito. Como nos dizem Collins, De Vries e Bijker (1997): “o único caminho conhecido para
59
se tornar uma entidade socialmente competente é por meio do processo de socialização” (p.
267).
Collins (1990), então, enfatiza não o aspecto tácito do conhecimento, mas seu aspecto social,
considerando que o fato de saber mais do que podemos dizer significa que aprendemos pela
socialização e não pela instrução (p. 8). Ou seja, a aprendizagem desse saber não ocorre por
meio de instrução, mas mediante um processo de pertencimento a uma mesma cultura. Isso
significa que, por ser social, não poderá ser totalmente formalizado em regras, sob pena de
regressão infinita. Portanto, explicitá-lo seria uma tarefa impossível, tendo em vista que está
apoiado em uma base de interpretação perceptiva e cultural, que é “constituída de regras se
ramificando ao infinito sem jamais serem exprimidas” (COLLINS, 1992, p. 152).
Segundo Collins (1992), Polanyi distingue o saber tácito e o saber cultural. Um exemplo
citado por Polanyi é o saber-fazer necessário para andar de bicicleta. Neste caso, Polanyi está
se referindo apenas ao saber tácito, e não ao saber cultural, como saber andar de bicicleta nas
ruas da cidade. No entanto, não basta o equilíbrio, o indivíduo tem que conhecer as normas e
regras que fazem parte da cultura da cidade por onde circula.
Collins (1992) demonstra que a relação entre a parte explícita do conhecimento (1 e 2 da
Figura 1) e as habilidades dificilmente explicitadas do conhecimento (3 e 4 da Figura 1) são
dinâmicas. No entanto, os deslocamentos, sejam de baixo para cima ou de cima para baixo,
são compreendidos dentro do contexto em que o conhecimento é utilizado.
60
As heurísticas e regras de aprendizagem são formalizadas por convenção de uma comunidade,
e parte dessas regras é interiorizada pelos indivíduos. Portanto, fazer parte de uma cultura é
indispensável para se ter um entendimento e saber usar as regras e heurísticas.
Figura 1: Hierarquia convencional do saber.
Fonte: Collins (1992).
São quatro os tipos de saberes descritos por Collins (1992) na hierarquia convencional do
saber: fatos e regras, heurísticas, saber-fazer perceptível e saber-fazer cultural. Os fatos e
regras formais incluem fatos que são fáceis de explicar, tais como:
a água ferve a 100 graus, ou nos jogos de xadrez, quando o rei tornou-se a
única peça que se possa mexer, se encontra na impossibilidade de ser
deslocada sem se colocar em risco, se diz que a partida termina por xeque-
mate” (p. 151).
As heurísticas são regras empíricas explicitáveis e práticas padronizadas. São encontradas, por
exemplo, nos manuais de treinamento esportivo, nas práticas científicas e tecnológicas, como
a produção de cristais: “começar sempre o resfriamento da mistura fundida bem acima do
ponto de fusão indicado” (COLLINS, 1992, p 151). Essas regras, ao serem interiorizadas, são
subconscientes para o sujeito. Em relação ao saber-fazer, este seria a dimensão tácita do
conhecimento, isto é, o indivíduo sabe fazer, mas não sabe explicar como ele faz.














2
3
4
1

61
A hierarquia convencional do saber, descrita por Collins (1992) Figura 1 –, representa a
noção do ensino no Ocidente. Um dos movimentos das ciências é a evolução de baixo para
cima do diagrama, ou seja, explicitar ao máximo o saber-fazer e transformá-lo em regras.
Assim, a ciência desconsidera a base cultural do saber-fazer e tenta transformá-lo em regras
universais.
Para a compreensão e utilização dos fatos, das regras e das heurísticas, é necessário
compartilhar uma mesma cultura. Daí, decorre a capacidade de ler e compreender as
informações. Um exemplo citado por Collins (1992) é a receita de cozinha que contém as
seguintes instruções: “Bater ovos em neve”. Para seguir a receita, é preciso mais que o
entendimento de cada palavra, é necessário, por exemplo, saber quebrar o ovo, saber separar a
clara da gema, saber bater os ovos e saber a hora em que está pronto. Dessa forma, bater os
ovos em neve demanda que se tenha vivido uma experiência anterior e, assim, interiorizado
esses saberes.
A impossibilidade de explicitação completa do saber aprendido socialmente não está
relacionada à impossibilidade de explicitação de todo saber. Assim, o saber-fazer adquirido a
partir de fatos e regras formais e heurísticas é passível de ser completamente verbalizado,
sendo, portanto, a explicitação uma questão metodológica. Quando o saber em questão é o
saber apreendido socialmente, como a capacidade para compreender e utilizar os fatos, as
regras e as heurísticas, sendo impossível que esse saber seja completamente traduzido em
regras, passa a ser uma questão ontológica.
62
Polanyi (1966), ao enfatizar que o conhecimento é socialmente construído e se funda na
experiência pessoal da realidade, demonstra que só é possível adquirir conhecimento quando
o indivíduo se encontra em contato direto com situações que propiciam novas experiências,
que são sempre assimiladas a partir dos conceitos de que o indivíduo já dispõe – por natureza,
tácitos herdados dos praticantes prévios da mesma atividade.
Para compreender o papel do social na construção do conhecimento pessoal, faz-se necessário
não confundir “conhecimento pessoal” e “conhecimento subjetivo”. Essa distinção se justifica
tendo em vista que, “no passado, cometeu-se o equívoco de que tal epistemologia (Polanyi)
endereçava-se ao conhecimento subjetivo” (FRADE, 2003, p. 27).
O “conhecimento subjetivo” diz respeito somente à pessoa envolvida, não possuindo intenção
de universalidade. A distinção entre conhecimento pessoal e conhecimento subjetivo reside
“no comprometimento do indivíduo por uma verificação e validação (teste e aceitação
pública) de suas premissas ou resultados dentro de um sistema de crenças qualquer” (FRADE,
2003, p. 27). No que se refere ao conhecimento subjetivo, ele não demanda tal necessidade:
Nossa participação pessoal [num ato do conhecer] é em geral maior numa
validação do que numa verificação. [Porém] ambas, verificação e validação,
são em qualquer situação reconhecidas como um comprometimento: elas
clamam pela presença de alguma coisa real e externa ao individuo. (...)
experiências subjetivas podem somente ser ditas autênticas, e autenticidade
não envolve um comprometimento no sentido no qual ambas, verificação e
validação, se envolvem (POLANYI, 1962 apud FRADE, 2003, p. 27).
O que dá ao conhecimento pessoal o seu caráter público é a busca por verificação e,
sobretudo, por validação, levando o indivíduo a transcender sua subjetividade. No entanto, “o
quanto tal conhecimento assenta-se no social nos é informado através do conceito de tradição,
dado por Polanyi” (FRADE, 2003, p. 27).
63
Assim, de acordo com Frade (2003),
Polanyi foi um dos precursores do conceito de comunidades de prática, mais
particularmente para o caso da prática científica em meados do século vinte
(Jacobs, 2002). Todavia, ele introduziu tal conceito em termos de tradição,
um sistema de valores que descreve como o conhecimento é transferido
dentro do contexto social” (p. 27-28).
Assim nos diz Polanyi (apud FRADE, 2003):
Uma arte que não pode ser especificada em detalhes, não pode ser passada
por prescrição, desde que nenhuma prescrição para ela existe. Ela pode ser
passada somente pelo exemplo de um mestre para um aprendiz. Isso
restringe o âmbito de difusão daquilo que está sendo transmitido. [por
exemplo] enquanto os conteúdos articulados da ciência são ensinados com
sucesso em todo O mundo, em centenas de universidades, a não-
especificável arte de pesquisa científica não tem, ainda, penetrado em muitas
delas. Aprender pelo exemplo é submeter à uma autoridade. Você segue seu
mestre porque você confia na sua maneira de fazer as coisas mesmo quando
você não pode analisar e explicar em detalhes a efetividade dessa maneira de
fazer as coisas.. Observando e acompanhando o mestre e emulando seus
esforços na presença do seu exemplo, o aprendiz capta inconscientemente as
regras da arte, inclusive aquelas que não são explicitamente conhecidas pelo
próprio mestre. Essas regras ocultas podem ser assimiladas somente por uma
pessoa que se deixa render a tal ponto de, a-criticamente, imitar outra pessoa.
Uma sociedade que quer preservar um fundo de conhecimento pessoal
precisa submeter-se à tradição (p. 28).
Nesse sentido, de acordo com Frade (2003):
submeter-se à tradição de uma arte socialmente estabelecida requer uma
enculturação por parte das pessoas que ingressam na prática a ela associada.
Os indivíduos que se submetem ou que adotam uma tradição compartilham
linguagem, ações, regras, normas e valores. Assim sendo, os valores não são
subjetivos (p. 28).
Além disso, numa tradição ocorre um posicionamento claro entre os participantes que a
adotam: uma hierarquia estabelecida socialmente dentro de um escala de aprendiz/mestre.
Sendo assim, pode-se dizer que os aprendizes são aqueles indivíduos que se submetem a uma
autoridade o mestre numa relação que envolve legitimidade, credibilidade e confiança.
64
Frade considera que, num primeiro momento dessa submissão, a aprendizagem pode ser a-
crítica, como diz Polanyi. No entanto, num segundo momento, o aprendiz adquire capacidade
de reconstruir o conhecimento do mestre e de julgar sua competência. Finalmente, quando o
aprendiz é capaz de preservar os ideais da tradição, ele é, então, liberado: a relação mestre-
aprendiz muda ou é suspensa.
Isso significa que a formação do conhecimento no interior de uma tradição ocorre na relação
aprendiz/mestre e, em grande medida na atuação profissional, ou seja, o indivíduo não é
competente per se. Ao contrário, é em função de seu papel ou desempenho individual dentro
de um contexto social que uma competência lhe será atribuída; o sucesso ou não do individuo
na comunidade é o que o faz ser reconhecido como competente. Assim,
a tradição não é uma mera faísca que aciona ou estimula o processo de
aprendizagem de um indivíduo que a ela se submete. Ela é constitutiva
de parte do conhecimento pessoal do indivíduo: o indivíduo adquire
parte desse conhecimento por meio de uma imersão na tradição. Isso,
por sua vez, implica uma delimitação do processo de aprendizagem:
grande parte do conhecimento tácito de uma arte é preservada somente
na tradição (FRADE, 2003, p. 28-29).
A crítica que se faz ao conceito de tradição de Polanyi é que o autor parece tratar a tradição
como um processo no qual o mestre é sempre uma pessoa mais velha do que o aprendiz.
Sveiby apud Frade (2003), por exemplo, contesta essa noção e diz que ela é coerente com a
maioria das profissões até os anos 70, o que é diferente dos dias atuais. Uma outra crítica
apontada está relacionada à não-problematização por Polanyi, das interações sociais entre
mestre e aprendiz e entre aprendizes.
65
2.2 Cognição situada
A linha de investigação das ciências cognitivas denominada cognição situada apresenta-se
como alternativa às abordagens clássicas das ciências cognitivas, seja na abordagem do
cognitivismo, tanto quanto no conexionismo, em que a idéia de cognição envolve o conceito
de representação de um mundo externo que se encontra preestabelecido. Nesse sentido,
procura integrar novos elementos para o estudo da cognição humana que, para serem
explicitados, precisam ser contextualizados e situados.
A “euforia” inicial dos defensores da Inteligência Artificial (IA), na qual se acreditava
encontrar a substituição e a reprodução dos processos mentais do homem, parece ter-se
esgotado, e seus limites evidenciados na literatura clássica. (LIMA, 1995). Assim, outras
alternativas têm sido procuradas por diversos autores, visando a ultrapassar esses limites.
Autores como Dreyfus (1979), Winograd e Flores (1987) e Gardner (1985), têm-se inspirado
nos estudos das atividades práticas (cognição situada) na psicologia e na antropologia
cognitiva e vêm revelando as lacunas existentes na busca de transferir as atividades práticas
dos trabalhadores, que são situadas, diferentemente da idéia do “modelo computacional da
mente”.
2.3 Do “Modelo Computacional da Mente” à Abordagem da Cognição Situada
A construção de uma máquina pensante”, por Herbert Simon e Allen Newell, no final de
1955, bem como, meses depois, o surgimento de programas computacionais, como Logical
Theorist e General Problem Solver”, de Newell e Simon, demonstração automática de
teoremas e de resolução de problemas, tiveram como conseqüência a formação e a
66
institucionalização da disciplina científica denominada Inteligência Artificial (TEIXEIRA,
1998).
A partir do desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) nas últimas décadas, pode-se
desenvolver a idéia de uma ciência da mente. A Inteligência Artificial possibilitou as
tentativas de relacionar mentes e computadores, estabelecendo o que se denomina como
“modelo computacional da mente”, cujos princípios norteadores são:
1- A mente é essencialmente um processador de informações.
2- Informação pode ser representada na forma de símbolos.
3- Os símbolos combinam-se entre si por meio de um conjunto de regras; o
funcionamento mental (ou cerebral) assemelha-se ao funcionamento de uma
máquina de Turing (TEIXEIRA, 1998, p. 44).
Teixeira nos lembra que, “desde os anos 40, quando surgiu o movimento cibernético, o
projeto de simular as atividades mentais esteve dividido entre duas alternativas: estudar a
mente humana ou o cérebro humano” (TEIXEIRA, 1998, p. 83). A idéia era criar uma ciência
da mente, ou seja, “expressar os processos subjacentes aos fenômenos mentais através de
mecanismos explícitos e formalismos matemáticos” (p. 83). O movimento cibernético das
ciências cognitivas resultou na análise de Varela, Thompson e Rosch (2003):
no uso da lógica matemática, para compreender a operação do sistema
nervoso;
na invenção de máquinas de informação-processamento, como os
computadores digitais, base da inteligência artificial;
no estabelecimento da metadisciplina Teoria de Sistemas, que imprimiu
sua marca em vários ramos da ciência, como Engenharia (análise de
sistemas, teoria do controle), Biologia (fisiologia regulatória, ecologia),
Ciências Sociais (terapia familiar, antropologia estrutural, administração),
Urbanismo e Economia (teoria dos jogos);
na elaboração da Teoria da Informação, como uma teoria estatística de
sinais e canais de comunicação;
na formulação dos primeiros exemplos de sistemas auto-organizados (p.
54).
67
O movimento cibernético lançou as bases para o estudo científico que se sedimentou como o
paradigma cognitivista, primeira corrente de estudos das ciências cognitivas. Segundo os
teóricos do cognitivismo, o humano é igualado à máquina. A mente equivale a um
computador. Ela é como uma forma de máquina digital que estoca representações e as
manipula de acordo com procedimentos sintáticos.
O cognitivismo concebe o pensamento como equivalente a um sistema de
tratamento de informação: todo estoque de conhecimentos sobre um
determinado domínio e as regras de sua manipulação devem ser inteiramente
especificáveis. Segundo o princípio de Wittgenstein, “não existe um
conjunto de regras que possa recobrir ou descrever tudo que sabemos”. Ora,
se não é possível descrever de forma exaustiva todas as regras que regem um
domínio ou práticas específicas, os sistemas automatizados concebidos de
acordo com o princípio de formalização integral – oposto ao de Wittgenstein
acabam expondo os operadores para dominar os sistemas informatizados,
decorrem do fato de estes não serem nem compreendidos nem projetados
como ‘próteses sociais (LIMA e SILVA, 2002, p. 101).
Uma outra corrente das ciências cognitivas é denominada conexionismo. Como o
cognitivismo, o conexionismo também trabalha com a idéia de mente como processadora de
informações. A idéia de representação permanece. A diferença é que ela não é mais vista
como inata, mas adquirida com a experiência por meio das interações com o meio. Os
modelos conexionistas estão mais próximos dos sistemas biológicos (BORGES et al., 2003).
De um modo geral, a pesquisa cognitiva, embora trate dos mecanismos psicológicos da
memória, da atenção, da percepção, da linguagem e do pensamento, os estuda na pessoa
isolada, sem suportes externos, e geralmente no contexto de um laboratório universitário. Por
isso, são negligenciadas a observação naturalista, as atividades de grupo e as situações em que
as pessoas agem, o que explica a pouca atenção que tem sido dada ao ambiente natural
(NORMAN, 1993).
68
Na atualidade, a ciência da cognição tem se interessado pela função da situação, das
interações sociais e dos ambientes naturais e artificiais e pela cultura. Esse interesse tem duas
fontes: no “esforço apaixonado” de certo número de pesquisadores e os novos caminhos
engendrados para a concepção e a realização de interfaces informáticas.
As críticas dirigidas à abordagem do cognitivismo advindas de cientistas e pesquisadores de
muitas áreas, como Filosofia da Mente, Robótica, Lingüística, Psicologia, Neurociência
Cognitiva e Antropologia, estão relacionadas à idéia de uma mente desencarnada, imersa em
um ambiente já predefinido, estruturado e constituído por problemas na forma de inputs.
Varela, Thompson e Rosch (2003), por exemplo, utiliza o conceito de “Mente Incorporada” e
demonstra que o sentido do sujeito é incorporado e depende de sua experiência, de sua
história; ele é, portanto, situado, não é dado a priori. Assim, sempre que se recorre a um
mecanismo representacional, o sujeito é separado do objeto. Por esse motivo, uma parte da
Ergonomia propõe não uma análise da representação, mas uma análise da ação e da
representação em ação e na ação, pela ação.
Das indagações sobre o cognitivismo, destaca-se a abordagem denominada “Cognição
Situada” (LAVE, 1991; CLANCEY, 1993; SUCHMAN, 1987). Na perspectiva dos estudos
da cognição situada, a cognição é entendida como de natureza situada, estando, então, as
ações dos usuários diretamente vinculadas à cultura, ao contexto de uma situação de trabalho
específica e, portanto, tem sentido num dado contexto mediado pelos objetivos e exigências
da tarefa, associado às características dos usuários envolvidos. Daí, a denominação de
cognição situada. Clancey (1993), por exemplo, destaca a importância do contexto, da
situação na qual estamos inseridos, no processo de aprendizagem. Lave (1991) também
69
enfatiza que a aprendizagem é decorrente da interação entre atividade, contexto e cultura que
integram o ambiente social em que a aprendizagem ocorre.
A teoria da cognição situada é caracterizada como uma teoria de aquisição de conhecimentos
baseada na crença de que uma cultura é menos uma acumulação de saberes e mais um
conjunto de conhecimentos interligados.
Clancey (1993) nos diz que o conhecimento não pode ser tratado como um produto
manufaturado e armazenado, mas como uma capacidade de ação construída em interação.
Lave (1991), a partir de seu olhar antropológico, ressalta que a aprendizagem é função direta
da junção dos componentes: atividade, contexto e cultura, que compõem o ambiente social.
Isso coloca em xeque a idéia de construção individual do conhecimento baseada unicamente
na representação mental, como defende o cognitivismo mais tradicional.
A cognição situada parte do princípio de que as representações que o ser humano possui são
adquiridas a partir de suas experiências passadas. Contudo, o que determina a sua ação é a
situação real.
Ficam evidenciados os limites da reprodução dos processos mentais humanos em sistemas
informatizados, quando não se entende a cognição de forma situada dentro de um contexto
particular de ação. Observa-se que somente a cognição humana (WISNER, 1994; LAVE,
1991; SUCHMAN, 1987; CLANCEY, 1993) pode vir a suprir as limitações do sistema,
assegurando a sua eficiência.
70
Na tentativa de apropriação dos conhecimentos e habilidades humanas e sua “objetivação” em
sistemas técnicos, são deixadas ao operador somente aquelas tarefas que não foram
automatizadas. Consequentemente, o operador fica responsável por uma coleção arbitrária de
tarefas, sem qualquer suporte para sua atividade. Assim, numa situação de emergência que
requeira a intervenção humana, ele terá dificuldade de acesso às informações necessárias para
estabelecer um diagnóstico e para retomar o controle manual. Lima e Silva (2002) chamam a
atenção para o fato de que algumas tarefas são mais bem desenvolvidas pelos homens, e
outras pelas máquinas. O problema que se coloca não é tanto decorrente das novas tecnologias
em si mesmas, mas a maneira como se concebem as interfaces.
Como nos diz Dreyfus (1975), “(...) a mente pode resolver um número indefinido de
situações, enquanto que uma máquina (automatismo) possui apenas um conjunto limitado de
estados, os quais se revelarão fatalmente inadequados para lhe fornecer todas as respostas
apropriadas” (p. 210). Para Balconi (2002),
os humanos têm vantagem sobre os computadores naquelas situações que
necessitam serem realizadas através de uma atividade criativa da
singularidade para controlar o processo de produção, onde as imperfeições
da codificação do conhecimento (automatismos) quase sempre aparecem (p.
362).
Na perspectiva do conexionismo, o cérebro é a principal fonte de metáforas e idéias. Aqui, de
acordo com Varela, Thompson e Rosch (2003),
as teorias e os modelos não têm mais as descrições simbólicas abstratas
como ponto de partida, mas um exército de componentes não-inteligentes,
simples, semelhantes aos componentes neurais que, quando adequadamente
conectados, exibem interessantes propriedades globais que incorporam e
expressam as capacidades cognitivas (p. 101).
71
Para os autores, a década de 90 é considerada a década em que se retoma a investigação da
consciência. Essa retomada sinaliza uma reconciliação entre ciências cognitivas e a
experiência.
À luz da abordagem da cognição situada, deve-se buscar compreender e explicar, por
exemplo, o tratamento de informações num dado contexto mediado pelos objetivos e
exigências da tarefa, associado às características das pessoas envolvidas.
As reflexões da cognição situada apontam para uma mudança nos estudos do campo das
Ciências da Informação e das Ciências Cognitivas, com um novo suporte de pesquisa, na
medida em que atenta para as práticas dos sujeitos, apropriando-se de dados e informações
para a construção de conhecimentos socialmente produzidos e relevantes. Pode-se dizer então
que os princípios e os pressupostos da cognição situada permitem uma análise imanente
acerca dos processos cognitivos, ou seja, entender sua lógica em seu curso de ação; uma
análise colada nos sujeitos da informação inseridos em diferentes contextos sociais, nas suas
representações para a ação, nas suas práticas, que ao se apropriarem dos objetos lhes atribuem
significados, intencionalidade.
As discussões teóricas sinalizam para o entendimento dos processos cognitivos. Esse
direcionamento possibilita a criação de uma melhor configuração das interfaces
homem/máquina e, conseqüentemente, uma melhor interação. Essa abordagem transcende as
abordagens tradicionais das ciências cognitivas preocupadas com a engrenagem do sistema,
com os dispositivos técnicos influenciados pela idéia do “modelo computacional da mente”.
72
2.4 A discussão em torno da explicitação do saber: o ponto de vista da Informática e o
ponto de vista da Psicologia
2.4.1 O ponto de vista da Informática
No campo da informática, a explicitação do saber é tratada “como o principal aspecto no
desenvolvimento de sistemas especialistas e o mais problemático (MCGRAW e
HARBISON-BRIGGS, 1989, p. 8). Ela é entendida como transferência e transformação da
experiência na resolução de problemas de uma fonte de saber (especialista, documentação)
para um programa.
A explicitação do saber refere-se à verbalização da experiência do especialista, ou seja, o seu
saber-fazer, com o objetivo de transformação desse saber em regras lógicas adequadas à
informática.
A questão que se coloca, então, está na forma de obtenção do saber do especialista, tendo em
vista a natureza subconsciente deste saber. O especialista humano tem dificuldade em
descrever o saber em termos precisos, completos e coerentes para poder ser utilizado em um
programa de computador. Esta dificuldade, de natureza inerente ao saber, constitui a
competência humana: o saber é sempre subconsciente e pode ser aproximativo, incompleto e
incoerente (BUCHANAN et al.,
1983).
Um especialista em determinada área, por não mais precisar pensar conscientemente para
agir, muitas vezes não sabe como realizou determinada tarefa, nem por que. Ele desconhece o
seu saber-fazer e os motivos da sua ação. É este desconhecimento do saber-fazer pelo próprio
73
sujeito que caracteriza a natureza subconsciente do saber. A tendência do especialista é relatar
suas conclusões e razões em termos gerais, como simples procedimentos, justamente devido à
natureza subconsciente do saber (WATERMAN, 1986).
Para minimizar os problemas relacionados à explicitação do saber do especialista, propõe-se a
utilização de técnicas como: apresentação de novas situações, anotando-se os procedimentos
adotados pelo especialista; observação do comportamento do especialista na resolução de
problemas; emprego de métodos de questionamento como entrevistas orientadas, informais,
específicas, abertas etc., e registro da descrição da ação feita pelo especialista durante a
realização da tarefa (protocolos verbais) (MCGRAW e HARBISON-BRIGGS, 1989).
Nesse sentido, a atuação do entrevistador é fundamental para a produção de um relato verbal
com qualidade na explicitação do saber do especialista
O engenheiro do conhecimento precisa ser capaz de efetivamente adquirir
conhecimento necessário, sugerir estrutura modular e sugerir mecanismos de
representação. Para fazer questões apropriadas, o engenheiro do
conhecimento precisa ter algum domínio da área e ser capaz de identificar o
tipo de conhecimento que é necessário. Outras habilidades que parecem estar
relacionadas ao sucesso do engenheiro do conhecimento incluem a
habilidade de conceitualizar e analisar os conhecimentos da área, seus
conceitos e seu relacionamento interpessoal, que é a habilidade de comunicar
efetivamente com especialistas da área (MCGRAW e HARBISON-
BRIGGS, 1989, p. 6).
Desse modo, sob o ponto de vista da informática, a questão do problema do relato verbal
incompleto ou impreciso estaria solucionada com o emprego de técnicas e o desenvolvimento
de habilidades interpessoais pelo programador. No entanto, do ponto de vista da Psicologia,
algumas pesquisas revelam a impossibilidade de trazer à consciência um conteúdo
subconsciente.
74
2.4.2 O ponto de vista da Psicologia
A discussão na Psicologia sobre a explicitação do saber tem início a partir do interesse dos
psicólogos cognitivos no estudo do processo introspectivo do ser humano (NISBETT e
WILSON, 1977). Procura-se analisar as concepções dos sujeitos a partir do significado dos
relatos verbais. Essa corrente da Psicologia acreditava que a dificuldade de explicitação do
saber era decorrente de uma incapacidade de o sujeito relatar aquilo que determina sua ação
devido a problemas de consciência.
Essa técnica tem sido utilizada durantes testes empíricos de usabilidade, quando os usuários
são solicitados a verbalizar seus pensamentos, sentimentos e opiniões enquanto realizam uma
ou mais tarefas no sistema.
Ericsson e Simon (1987) distinguem dois tipos de verbalização: a consecutiva e a
retrospectiva. Os autores consideram que é impossível pensar em um tipo de verbalização
simultânea, haja visto que não existe acesso imediato a processos cognitivos automáticos pela
técnica de protocolos verbais. O que se consegue obter pelos relatos consecutivos ou
retrospectivos são reflexões subjetivas sobre aquilo que os sujeitos pensam fazer ou ter feito.
Contudo, apesar dessas limitações, Ericsson e Simon (1987) argumentam que “a melhor
evidência de que alguém realmente solucionou um problema é a sua capacidade de relatá-lo”
(p. 214).
Nisbett e Wilson (1977) demonstram que “relatos subjetivos sobre o processo mental superior
são, algumas vezes corretos, mas esses relatos verbais não são devidos à consciência
introspectiva direta. Ao contrário, eles se devem ao emprego correto de uma teoria causal
75
acidental a priori (p. 23
3).
Isso é explicado devido ao fato de que “os sujeitos somente
relatam aquilo que verdadeiramente influenciou seu comportamento porque utilizam teorias
culturais, e não por saberem realmente o que afeta seu comportamento” (p.233).
Ao afirmarem que podemos “Dizer mais do que podemos saber”, esses autores demonstram
que a ordem superior a processos mentais (os que estão envolvidos em decisões e conduzindo
as ações voluntárias) não é consciente. Eles argumentam que, quando as pessoas tentam dar
relatos introspectivos sobre as causas do seu comportamento, o que elas estão realmente
fazendo é inferir sobre as suas causas, inferência baseada em uma combinação de raciocínio,
observações e conhecimento prévio ou crenças.
Eles ressaltam que
(1) As regras que regem muito do comportamento são socialmente aprendidas;
(2) A cultura fornece teorias sobre as causas do comportamento e sentimentos;
(3) A teoria causal pode ser baseada na observação pessoal de convariação entre
os tipos de estímulos e os tipos de respostas.
Smith e Miller (1978) e White (1980), argumentam que alguns relatos errôneos e imprecisos
produzidos podem ser atribuídos a falhas de memória, ao vocabulário usado nas perguntas, às
perguntas malcompreendidas, ao contexto social e a outras variáveis, não estando, portanto,
associados com os problemas no processo introspectivo. Nesse sentido, os autores vão
discordar de Nisbett e Wilson (1977).
76
O sujeito tem consciência do estímulo que influenciou seu comportamento. Ele sabe o que
deflagrou sua ação. Contudo, os relatos verbais produzidos não são precisos e completos
devido a falhas de memória e problemas na forma do questionamento (vocabulário, perguntas
malformuladas, falta de preparação da entrevista etc.).
A interferência da memória e do questionamento na produção de relatos verbais determina
que auto-relatos subjetivos podem ser precisos quando os sujeitos estão envolvidos em tarefas
novas, difíceis ou não-familiares, quando a competência está sendo aprendida ou quando o
processo é controlado (SMITH e MILLER, 1978; DREYFUS e DREYFUS, 1986; WHITE,
1980; BAINBRIDGE, 1999). Nessas condições, o saber é considerado consciente e acessível
ao sujeito, e seus relatos verbais são precisos e completos; mas, caso contrário, o problema
está no questionamento ou na falha de memória.
Estudos sobre a memória sensorial demonstram que é possível que o sujeito tenha mais
consciência do seu saber-fazer no momento de sua ocorrência, mas não consegue relatá-lo
devido a falhas na memória. Sabe-se que a memória sensorial retém, durante um breve
período de tempo, a experiência vivenciada, podendo ser lembrado, depois, o que foi posto
em palavras no momento da sensação. Dessa maneira, não importa o quanto é consciente a
experiência no momento em que é realizada, pois, instantes depois, ela já não é mais relatável.
O que é lembrado não é a sensação, mas adjetivos atribuídos a ela, nomes, descrição dada,
mas não o que realmente foi sentido. Assim, a capacidade de verbalização da sensação
empregada na tarefa é impedida por causa da impossibilidade de apreensão, na memória, das
informações ligadas ao vivido, ao que é sentido.
77
A memória simbólica, depois do evento, é mais fácil de ser lembrada por estar inscrita na
consciência através da linguagem verbal. “A memória do que sentiu desaparece, somente as
palavras para descrever o que foi sentido ficam” (WHITE, 1980, p. 106). Isso significa que,
durante a ação, o sujeito pode ter consciência do que realmente faz e por que faz, tem
consciência do processo; mas se este for simbolizado no momento da ação, parte dele não
poderá ser lembrada. Uma pessoa tem várias experiências sensoriais quando faz uma viagem,
porém somente se lembra depois das sensações que foram verbalizadas no momento da
ocorrência.
Estudos sobre falha de memória e problemas de questionamento revelam para a difícil
classificação daquilo que é consciente ou subconsciente. A definição de consciente pauta-se
na capacidade que tem o sujeito de relatar aquilo que sabe sobre o que faz, mas ele pode ter
dificuldades em relatar seu saber por outras razões, e não por não saber como faz determinada
tarefa.
O especialista, por não mais precisar utilizar o pensamento consciente para realizar uma
tarefa, muitas vezes não tem consciência sobre como faz e por que faz. Portanto, pode-se
dizer que o saber possível de ser relatado refere-se ao saber consciente dos novatos
(indivíduos envolvidos em tarefas novas, difíceis ou não-familiares, aprendendo uma nova
competência). Já o saber fazer dos especialistas não pode ser verbalizado corretamente devido
ao seu caráter subconsciente (NISBETT e WILSON, 1977).
78
2.5 A entrevista de explicitação
A questão da possibilidade de explicitação do saber, da possibilidade do saber acerca do fazer
subconsciente, torna-se consciente. É uma questão, então, que tem sido objeto de estudo de
vários pesquisadores. Para alguns, a explicitação desse saber pode ser totalmente verbalizada
mediante processo de consciência (VERMERSCH, 1994; WHITE, 1980; FAITA, 1989),
outros acreditam que um tipo de saber-fazer que nunca será totalmente verbalizado
(SCHWARTZ, 1992; COLLINS, 1992; COULON, 1995).
Os defensores da existência do fenômeno de tomada de consciência, que consiste em trazer à
consciência saberes sobre aquilo que o sujeito faz, por que faz e como o faz, argumentam que
o sujeito pode não saber como e nem por que fez determinada tarefa; contudo, mediante um
trabalho de consciência, ele pode a vir saber descrever sua ação tal como ela foi realizada.
Como mencionado, a explicitação do saber, desse ponto de vista, é uma questão
metodológica, ou seja, o emprego de técnicas adequadas de tomada de consciência, para fazer
com que o sujeito possa verbalizar o seu saber ora inacessível a ele mesmo.
Em relação aos que defendem a existência de um limite na explicitação sobre o fazer não
podendo ser totalmente verbalizado, argumentam que esse limite se encontra na ausência de
vocabulário que expresse o saber ou deve-se à própria característica do saber aprendido
socialmente (COLLINS,1992; COULON, 1995).
Comumente, a explicação para a ausência de vocabulário por parte do operador para relatar o
que faz é atribuída à falta de cultura como se ele não fosse culto o suficiente para dizer sobre
79
sua ação. O que as pesquisas mostram é uma limitação da linguagem na expressão do fazer.
Não se trata de falta de cultura do operador. Ela não relata as informações devido à falta de
vocabulário, mas sim devido a uma limitação inerente à linguagem, para representar o seu
saber (SCHWARTZ, 1992).
Dentre os vários tipos de entrevista de explicitação do saber, a técnica de aquisição de relato
verbal, considerada eficaz, é o método de observação associado á entrevista consecutiva
(realizada após a tarefa), uma vez que a observação favorece o acesso a uma parte do fazer
que não é facilmente relatado numa verbalização, dada a sua natureza subconsciente
(BAINBRIDGE, 1999; ROTH e WOODS, 1988; HOC e LEPLAT, 1983; VERMERSCH,
1994; MCGRAW e HARBISON-BRIGGES, 1989; WATERMAN, 1986).
No caso da verbalização consecutiva não orientada ou informal (HOC E LEPLAT, 1983;
ROTH e WOODS, 1988), na qual o sujeito é solicitado a falar livremente, sem nenhuma
orientação sobre a realização da ação, foi considerada como um método de explicitação que
deve ser evitado, tendo em vista que produz dados muito distantes da tarefa e nem sempre
validáveis.
As verbalizações simultâneas ou protocolos verbais, em que o indivíduo é solicitado a falar
alto enquanto realiza sua tarefa, acarretaram lentidão no automatismo da atividade
(BAINBRIDGE, 1999), gerando dificuldades; portanto, deve ser evitado nas situações de
resolução de problema (HOC e LEPLAT, 1983; BAINBRIDGE, 1999).
80
A entrevista de explicitação da ação, desenvolvida por Vermersch (1989, 1990, 1994), é uma
técnica de verbalização consecutiva orientada, um método de entrevista que permite a
produção de relatos verbais mais próximos da tarefa.
As técnicas estudadas pelos ergonomistas apresentam, por meio da análise da atividade e da
entrevista de autoconfrontação, no nosso entender, um avanço para contornar o problema da
interferência na produção de relato verbal, como os problemas de questionamento, as falhas
de memória e o caráter subconsciente do saber.
A entrevista em ergonomia vai privilegiar o estudo do comportamento em situação de
trabalho, diferentemente de Vermersch, em que os traços e os observáveis não estão
relacionados à atividade de trabalho, mas revelados durante a entrevista. No entanto, eles
podem ser complementares, sobretudo em situações de emergência, em que não é possível
realizar a entrevista de autoconfrontação.
2.6 Entrevista de explicitação da ação de Vermersch
A entrevista de explicitação consiste na elucidação da ação vivida do sujeito pelo próprio
sujeito. Trata-se de um método que foi explorado por Vermersch (1990, 1994), concebido
para produzir uma verbalização introspectiva detalhada da ação, inclusive ações mentais, a
posteriori de uma vivência específica.
A principal fonte de informação nessa técnica são “os testemunhos do sujeito sobre sua
própria atividade” (VERMERSCH, 1989, p. 126), adquiridos por meio de uma entrevista.
81
Trata-se de um conjunto de técnicas de entrevista que tem como objetivo a atualização dos
acontecimentos implícitos vivenciados pelo sujeito, de modo a se obter uma descrição
detalhada do desenvolvimento dessa ação vivida, aproximando-se o mais próximo possível da
realidade dos acontecimentos, baseando-se na evocação da memória do entrevistado.
Como diz Vermersch (1990),
[...] uma primeira maneira de apresentar a entrevista de explicitação é então
de olhá-la como um ensaio de conservação através da ligação privilegiada
entre ação e cognição. O entrevistador se liga a uma ação efetiva. A primeira
condição desse tipo de pesquisa é que a verbalização seja ligada a uma tarefa
real que esteja efetivamente em desenvolvimento. Desse ponto de vista,
essa entrevista se distingue de todos os questionamentos de entrevistas ou
enquetes sobre a coleta de opiniões ou representações no sentido que a
Psicologia emprega esta expressão (p. 233)
7
. (Tradução nossa).
A entrevista de explicitação tem como objetivo possibilitar o acesso às informações não-
conscientes mediante a verbalização do desenvolvimento da ação.
[...] Nenhum observador, seja ele psicólogo ou não, pode observar
processos cognitivos, simplesmente porque não se trata de uma realidade
observável. O que ele observa são ações, traços, verbalizações, a partir
das quais ele pode, em função de uma teoria, formular inferências sobre a
existência, a natureza e propriedades dos processos cognitivos.
8
(
VERMERSCH, 1990, p. 233). (Tradução nossa)
O questionamento é, antes de tudo, descritivo. A verbalização desses elementos descritivos
possibilita o sujeito a reagrupar, a estruturar e a tomar consciência, ele mesmo, da organização
de sua conduta. Portanto, é necessário um entrevistador ativo que auxilie o entrevistado a
7
“[...] La condition première de ce type d’entretien est que la verbalisation se rapporte à une tâche réelle, qui s’
est déjà effectivement déroulée. De ce point de vue cet entretien se distingue de tous les questionnements
d’enquêtes portant sur le recueil d’opinions ou de représentations (au sens ou la psychologie sociale emploie
cette expresion.”
8
“[...] Aucun observateur, qu’il soit psychologue ou non, peut observer des processus cognitifs, tout simplement
parce qu’il ne s’agit pas d’une réalité directement observable Ce qu’il peut observer ce sont des actions, des
traces, des verbalizations à partir desquelles il peut en function d’une théorie formuler des inferences sur
l’existence, la nature, les propriétés des processus cognitifs.
82
explicitar o como de sua ação. Assim, “as questões descritivas vão privilegiar o ‘como’ sobre
todas as formas de por que”
9
(VERMERSCH, 1990, p. 232). (Tradução nossa).
Ao longo da entrevista, o entrevistado pode tomar consciência de ações ou do processo de
ações, de modo que ainda não havia feito o que possibilita o entrevistado a entrar em contato
consigo mesmo. A tomada de consciência, conceito tomado da tradição piagetiana, designa o
trabalho cognitivo que o sujeito deve perfazer para favorecer o ato reflexivo do que foi vivido,
que ainda está pré-refletido e não pode, pois, ser colocado diretamente em palavras. A
atividade da consciência pode ser descrita como reflexiva, mas é necessário distinguir o que
seja refletido, aquilo que carrega os aspectos que já fizeram do objeto uma tomada de
consciência, da atividade reflexionante, primeira etapa da tomada de consciência.
Vermersch (1990) estabelece uma distinção entre verbalização para o ator e verbalização para
o observador. A primeira corresponde a todas as situações em que a verbalização é
funcionalmente integrada à tarefa de comunicação entre os operadores na resolução de
problemas em grupo. A segunda diz respeito a um discurso sobre a ação, não tendo por
objetivo produzir a ão, mas informar a uma terceira pessoa, psicólogo, ergonomista ou
professor, em posição de observador, ou seja, é um testemunho.
A primeira condição para a entrevista de explicitação é que a verbalização seja ligada a uma
tarefa real em que esteja efetivamente em desenvolvimento.
A entrevista de explicitação como ferramenta de pesquisa deve confrontar a verbalização com
outros indicadores. Essa é uma condição de validação de dados da verbalização. A ação tem
9
“(...) Les questions descriptives vont privilégier le <<commente>> sur toutes les forme de <<pourquoi>>.”
83
que ser especificada. Com efeito, o desenvolvimento da ação é um momento vivido e,
portanto, ele é muito singular. A priori, o sujeito não é um bom teórico de sua própria
atividade. Somente o conhecimento daquilo que ele faz realmente permite avaliar a
pertinência do discurso que ele tem sobre suas próprias ações”
10
(VERMERSCH, 1990, p.
229). (Tradução nossa).
A principal fonte de informação dessa técnica são “os testemunhos do sujeito sobre sua
própria atividade” (VERMERSCH, 1989, p. 126), adquiridos por meio de uma entrevista. A
entrevista de explicitação tem como objetivo o acesso às informações não-conscientes
mediante a verbalização do desenvolvimento da ação.
Para a obtenção de informações do entrevistado, devem-se evitar questões do tipo porque e
privilegiar questões descritivas do tipo como, que não interessam para a entrevista
julgamentos, avaliações subjetivas, opiniões e crenças. As perguntas, a partir do
comportamento real do indivíduo e não de suposições implicam relatos dos entrevistados mais
precisos ao comportamento posto em prática (VERMERSCH, 1994). Isso porque os
especialistas tendem a descrever suas razões e estratégias de solução de problema no contexto
de um exemplo específico do que perguntas mais gerais.
As perguntas gerais, abrangentes, provocam verbalizações não necessariamente da ação do
sujeito, mas sobretudo de conceitos que ele tem sobre ela. Além do mais, perguntas gerais
favorecem uma auto-análise e algumas pesquisas demonstraram que essas auto-análises nada
mais são do que “teorias” do comportamento, como veremos no caso dos analistas, às vezes
teorias do senso comum, da psicologia cotidiana.
10
“(...) A priori, le sujet n’est pás um théoricien de as propre activité. Seul ela connaissance de ce qu’il fait
réellement permet d’évaluer la pertinence du discours qu’il tient sur ces propres actions”
84
As perguntas da entrevista de explicitação são elaboradas com a finalidade de colocar o
sujeito em evocação em relação a uma atividade passada. Dessa forma, o que se procura é
possibilitar ao sujeito a reflexão sobre o que ele faz, por exemplo, para resolver um problema.
Como a fala não acontece espontaneamente, cabe ao entrevistador guiar o entrevistado.
Vermersch (1994) apresenta alguns indicadores que ajudam a certificar-se de que o
entrevistado encontra-se nessa dimensão, como o desvio do olhar pelo movimento dos olhos,
que são indicadores de modificações da atividade cognitiva do entrevistado; e a diminuição da
fala do entrevistado, considerando que o acesso às experiências internas é sinônimo de
pesquisas mentais de informações que vão emergindo na memória do entrevistado. Esse
fenômeno deve ser considerado no sentido de estabelecer as relações entre os indicadores não-
verbais e os marcadores lingüísticos utilizados pelo entrevistado.
Todo questionamento implica em um contrato de comunicação baseado na aceitação “livre”
por parte da pessoa interrogada, em que se deve levar em conta os seus limites e seus
recursos. Nesse sentido, a entrevista de explicitação se inscreve numa relação; sendo assim,
ela não pode ser reduzida a simples aplicação de técnica.
2.6.1 Os limites da entrevista de explicitação
Considerando, então, que a entrevista de explicitação é um método retrospectivo, que ocorre
após a realização da tarefa, ela se defronta com o problema da memória. Na ausência de
traços do comportamento (ausência de observação) e traços de atividade (ausência de
resultados materiais e rascunhos, por exemplo) que auxiliariam na recomposição do contexto
85
em que foi gerada a informação, a entrevista de explicitação faz uso de métodos indiretos para
acessar o fato lembrado.
Assim, em um primeiro momento, parte do pressuposto de que não houve nenhuma
intencionalidade de memorização. Portanto, é dispensável um acesso direto ao conteúdo que
se quer encontrar. Para que a memória do saber sobre o fazer do sujeito, possa ser ativada
devem-se criar condições que desencadeiem o processo mnemônico: “O caráter voluntário
desta abordagem está apoiado sobre a evocação do objeto desencadeador, não sobre o vivido
da emoção que é visado ao final. Devem visar intencionalmente às condições de evocação e
não o resultado da evocação” (VERMERSCH, 1994, p. 95). Nesse sentido, a utilização de
objetos intermediários na explicitação do saber tem se mostrado eficaz.
Trata-se de uma técnica que consiste na apresentação, para o especialista, de resultados
intermediários esboços e rascunhos do trabalho a ser realizado durante o processo de
explicitação. A extração se faz mediante um objeto material especificamente adaptado para
interfacear o diálogo entre operador e programador, possibilitando o entendimento entre
ambos a partir de uma mesma representação, e também criando condições para situar o saber
do especialista.
A técnica possibilita o estabelecimento de uma base comum na comunicação favorecida por
estar diante de algo concreto, material, o que pode evitar os erros de interpretação. Além
disso, coloca o interlocutor em situação o que favorece a ampliação de suas condições de
lembrança.
86
Assim, o método faz uso de objetos desencadeadores como som, lugar, imagem, textura,
perfume, que ajudam a ativar o processo de recordação, produzindo relatos precisos e vivos
da vivência passada do entrevistado. Sendo assim, o entrevistador deve encontrar objetos
sensoriais que funcionem como ponto de partida para a evocação, concentrando-se,
deliberadamente, em descobrir esses objetos, ao invés de solicitar um esforço consciente do
sujeito para se lembrar. Nesse sentido, a verbalização deve ser compatível com os traços de
execução da tarefa, favorecendo a validação dos dados verbalizados. Com isso o conteúdo das
verbalizações será bem próximo ao comportamento mobilizado na realização de uma
atividade.
2.7 A ergonomia
A ergonomia é uma área do conhecimento que tem como objetivo transformar as situações de
trabalho privilegiando o ponto de vista do usuário final. Em seu sentido etimológico,
ergonomia é a ciência que estuda o trabalho, e que tem como foco a atividade de trabalho em
movimento e não apenas seus aspectos objetivos: os instrumentos, o objeto de trabalho e as
características ou propriedades do trabalhador. Esses aspectos não são privilegiados pela
ergonomia dos Fatores Humanos, desenvolvida e praticada nos países anglo-saxônicos.
O campo da ergonomia abrange um objeto de estudo caracterizado pela atividade em
situações de trabalho, relacionadas com a ação e com a cognição, uma prática, semelhante à
observação participante com a particularidade de ter desenvolvido um método caracterizado
por entrevista em autoconfrontação.
87
A ergonomia propõe uma abordagem diferenciada, baseada numa perspectiva antropocêntrica,
dando-lhe um lugar de destaque nas investigações no campo das novas tecnologias. A
Ergonomia aplicada aos sistemas informatizados, ao buscar estudar como ocorre a interação
entre os diferentes componentes do sistema, possibilita a elaboração de parâmetros a serem
inseridos na concepção de aplicativos que orientem os usuários e que contribuam para a
execução da tarefa (ABRAHÃO, SILVINO e SARMET, 2005).
Pode-se dizer que,
historicamente, duas correntes filosóficas distintas compõem o cenário da
ergonomia. Uma tem sua origem em 1947, na Inglaterra, com características
das ciências aplicadas. A outra surgiu na França, em meados dos anos 50,
com uma preocupação mais analítica. Essas duas correntes da Ergonomia,
segundo Montmollin (1990, p. 12), podem ser assim caracterizadas: a
primeira, a mais antiga e hoje predominante nos países anglo-saxônicos,
considera a Ergonomia como ‘a utilização das ciências para melhorar as
condições de trabalho humano (...)’ ; a segunda, a mais recente, usualmente
adotada nos países de ngua francesa, considera a Ergonomia como ‘o
estudo específico do trabalho humano com a finalidade de melhorá-lo’,
buscando autonomia e métodos próprios. Nesse enfoque, a primeira estaria
mais centrada nas características psicofisiológicas do homem, denominada
comumente human factors e orientada para a concepção de dispositivos
técnicos. A segunda, centrada não somente nas características
psicofisiológicas do homem, considera primordial a análise da atividade,
entendendo o trabalhador como ator no processo de trabalho (ABRAHÃO e
PINHO, 1999, p. 230).
É usual, então, dizer que existem duas ergonomias ou duas abordagens diferentes na
ergonomia: a norte-americana e a francesa. No entanto, como nos esclarecem Assunção e
Lima, essa questão está mal colocada. Para eles,
não porque coexistirem duas formas de entender uma mesma realidade
aqui, no caso, o trabalho, pois “ergonomia” quer dizer estudo do trabalho, a
não ser enquanto abordagens ou explicações mais ou menos superficiais,
parciais, que devem ser, mais cedo ou mais tarde, aglutinadas num todo mais
global e coerente. A unicidade do objeto determina a unicidade das idéias a
seu respeito, do conhecimento que se tem dele. O que de fato existe são
88
práticas e conhecimentos mais ou menos profundos do trabalho e não
ergonomias diferentes. (ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1776-1778).
Ao estudar os avanços tecnológicos, a Ergonomia considera o usuário suas experiências e o
seu saber fazer – e o incorpora ao processo. Ela aponta os fatores que prejudicam a segurança
e a saúde do trabalhador e, por conseqüência, a eficiência do processo produtivo e a eficácia
da própria tecnologia.
Além disso, “para a ergonomia, não existe população padrão, normal, média, como o homem-
boi de Taylor.
11
Ao contrário, as populações no trabalho são caracterizadas pelas diferenças
entre cada um dos seus membros” (ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1780).
Considera-se, também, que cada indivíduo carrega seus conflitos internos, suas
ambivalências; é um trabalhador que sofre, mas também obtém prazer no trabalho, hesita
diante das dificuldades encontradas em face das quais deve tornar decisões e agir
(ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1780).
Para o estudo das situações em sua totalidade, a ergonomia utiliza uma metodologia própria
de análise ergonômica do trabalho, que tem como fio condutor a atividade – o fazer do
trabalhador em um contexto real –, objetivando apreender o trabalho efetivamente realizado,
ou seja, o trabalho real.
A incorporação do conceito de atividade nos projetos de situações de trabalho implica
reconhecer que estas devem ser concebidas considerando a diversidade da população de
trabalhadores, bem como as características a ela inerentes, ou seja, a variabilidade.
11
Referência a Frederick Winslow Taylor, autor de “Princípios de Administração Científica”.
89
Reconhecer e compreender a variabilidade inter e intra-individual, nas diferentes etapas de um
projeto industrial organizacional, possibilitam a introdução de elementos flexíveis desde a sua
concepção, como valorização de um saber constituído ao longo do tempo, incorporado à
experiência do trabalhador.
Na verdade, a ergonomia, de acordo com Assunção e Lima, ao procurar explicitar os sentidos
latentes e a pluralidade de sentidos, se assemelha com os estudos da moderna Etnografia, que
nos ensina a ver o mundo dos trabalhadores por seus próprios olhos. Isso significa
desconstruir a ideologia espontânea na qual fomos “conformados”, que se
caracteriza por um olhar externo, o modelo do consultor, do especialista que
detém todo o saber ou do moralista que julga o comportamento do outro.
Esta ideologia perpassa todas as esferas da vida humana, manifestando-se
também no cientificismo que orienta a maior parte das análises do trabalho
(ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1787).
2.7.1 Método de observação e entrevista
A ergonomia, por meio dos seus métodos e de suas técnicas, nos oferece o desenvolvimento
de um conhecimento sobre a atividade real de trabalho, definido, essencialmente, pela forma
como os homens se comportam nas situações de trabalho concretas e não como eles deveriam
fazê-lo. A atividade está fundada na experiência dos trabalhadores, que se adquire ao longo da
vida profissional (LIMA, 1998).
A observação detalhada da atividade favorece acesso imediato ao comportamento, para
compreensão e explicitação dos procedimentos concretos, modos operatórios, atos
observáveis e informações utilizadas pelo trabalhador na execução do trabalho.
Posteriormente, apoiando-se nos resultados obtidos nas entrevistas, é possível explicitar os
90
significados latentes dos comportamentos, os paradoxos e as contradições que sempre
emergem do conjunto de informações obtidas por meio das entrevistas e observações.
Para a compreensão da atividade de trabalho, é necessário um longo tempo
de observação além da utilização de técnicas compatíveis com a natureza do
que está sendo observado. Isso porque “realizar um trabalho é bem mais do
que seguir um conjunto de regras ou procedimentos operatórios, por mais
precisa e detalhada que possa ser a descrição da tarefa. (...) sempre algo
que não pode ser colocado em forma de regras explícitas e claras, o que
exige que o trabalhador invente alguma coisa para conseguir realizar o seu
trabalho. Isto é o que, em ergonomia, se denomina de diferença entre
trabalho prescrito e trabalho real (LIMA, 1998, p. 145).
O acesso ao “saber tácito” requer o desenvolvimento de métodos específicos que dependem
da participação voluntária e cooperativa dos trabalhadores observados. Essa participação vai,
assim, se diferenciar das entrevistas e formas de participação tradicionais, que “se limitam a
recolher as opiniões e sugestões dos trabalhadores” (p,145). Dessa forma, a dinâmica da
entrevista e das observações subentende um processo “iterativo” e “interativo” na medida em
que os resultados de uma fase servirão para orientar as etapas das observações seguintes,
como também de novas entrevistas. De acordo com Lima,
A mediação da observação direta permite evitar ou pelo menos minimizar o
risco da racionalização a posteriori, que freqüentemente é criticada nas
entrevistas diretas. Com efeito, o comportamento real é sempre mais rico e
complexo do que a representação que o próprio sujeito elabora
conscientemente.
Porém, não é possível explicar o sentido da ação de “fora”, sendo, portanto,
necessário explicitar os motivos e razões dos indivíduos, o que não pode ser
feito sem recorrer à fala dos próprios atores, em última instância, aqueles
que podem validar as interpretações propostas.
O discurso deve, porém, tomar por objeto o seu próprio comportamento e
não diretamente motivos e razões (LIMA, 1998, p. 19).
91
A relação entre observador e observado está a todo tempo em construção e, nela, “a confiança
necessária para se obter a cooperação é renegociada em diferentes momentos e sob condições
diferentes, fornecidas pelo próprio processo de pesquisa e pelas interações iniciais” (LIMA,
1998, p. 23). Contudo, é preciso, primeiramente, reconhecer que essas relações de confiança
“implicam a construção de uma ‘identidade social’ com os observadores, que se tece a partir
do conhecimento concreto da atividade concreta, das circunstâncias da atividade e do
reconhecimento dos interesses e valores pessoais dos trabalhadores” (LIMA, 1998, p. 23).
Uma das dificuldades para o entendimento da atividade de trabalho decorre do fato de que
várias das habilidades desenvolvidas pelos trabalhadores tornaram-se automatismo, hábitos de
comportamento que são eficazes, mas que são colocados em prática de forma subconsciente.
Em função disso, “não basta perguntar aos trabalhadores quais são as dificuldades de sua
tarefa, porque grande parte dos problemas se tornaram ‘naturais’, isto é, não são mais
percebidos como problemáticos” (ASSUNÇÂO e LIMA, 2003, p. 1781).
Portanto, ainda de acordo com os autores:
A atividade está fundada na experiência dos trabalhadores, que se
desenvolve ao longo da vida profissional. Quando perguntamos sobre
como realizam uma tarefa, os trabalhadores sempre dizem que é no
“olhômetro”, no “sentimento” forma como traduzem a sua experiência
acumulada, às vezes duramente devido às restrições da organização do
trabalho. Esta experiência se manifesta num “simples” toque de dedo
para ajustar uma peça; num golpe de vista para avaliar um empeno, na
escuta atenta para perceber se a máquina está bem regulada etc.
(ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1781: grifo dos autores)
O processo de aprendizagem consiste não apenas em adquirir habilidades manuais, mas em
decidir com presteza diante de situações inusitadas, ou seja, em adquirir certa agilidade no
raciocínio e uma sabedoria prática. Lima acrescenta, ainda, que a diferença entre trabalho
prescrito e trabalho real deve-se ao fato que as atividades práticas apresentam sempre um
92
caráter oportunista, no sentido de que se adaptam em permanência às circunstâncias da
situação, mesmo que seja para concretizar os objetivos que se fixou ao início. Isso justifica
por que o objeto da ergonomia não é o discurso do trabalhador, mas a sua atividade e o
discurso sobre a atividade.
Considerando ainda que não se pode atribuir um sentido ao comportamento simplesmente
observando-o de fora, torna-se necessário interpretar os atos descritos por meio da fala dos
usuários, assim como reinterpretar o que eles dizem, graças às observações diretas do
comportamento e da situação de trabalho. É o ir e vir entre comportamento observável e o
discurso do trabalhador sobre o seu próprio comportamento que a ergonomia propõe uma
descrição objetiva da atividade em que as dimensões subjetivas não são negligenciadas, mas
reinseridas na dinâmica complexa da subjetividade em ação (ASSUNÇÃO e LIMA, 2003).
A análise da atividade vai se apoiar tanto em observações quanto em entrevistas; no entanto,
se elas forem utilizadas isoladamente, tornam-se incompletos. Essa articulação entre
observação e entrevista pode ser resumida em dois princípios:
Primeiramente, observar atos e gestos (o comportamento visível) e apenas
depois perguntar, sobretudo quando notar algo estranho (uma mudança de
modo operatório, uma demora maior para terminar a tarefa, necessidade de
fazer mais esforço, defeito nas peças, ou mesmo uma agilidade maior etc.);
Observar várias situações e, sobretudo, os momentos indicados pelos
próprios trabalhadores e que eles consideram mais críticos (qualidade ruim
da matéria-prima, máquina desregulada, virada de produção, fim de turno ou
sexta-feira, etc.) (LIMA, 1998, p. 149).
Pela análise da atividade, podemos nos aproximar do “como”, do “por que” e do “para que”
determinadas estratégias são elaboradas pelos trabalhadores para realizarem o seu trabalho.
Nesse sentido, a entrevista de autoconfrontação (ACF) é fundamental na medida em que ela
93
nos oferece acesso ao “nível mais imediato do comportamento”. Inicialmente, a entrevista de
ACF compreende “explicitação dos procedimentos concretos, modos operatórios, atos
observáveis, informações utilizadas na execução do trabalho, elementos que influenciam as
decisões etc.” Posteriormente, a autoconfrontação procura, apoiando-se nos resultados
obtidos no nível anterior, explicitar os significados latentes do comportamento” (LIMA, 1998,
p. 20).
2.7.2 Entrevista de autoconfrontação
Uma contribuição importante da ergonomia é a utilização do método de entrevista de
autoconfrontação para a explicitação das dificuldades práticas encontradas pelos sujeitos nos
contextos de trabalho.
Na metodologia da Análise Ergonômica de Trabalho (AET), a
restituição para o próprio indivíduo observado do resultado das observações da sua atividade é
denominada “autoconfrontação”. É por meio dessa prática que os comportamentos e
verbalizações observadas durante a atividade têm o seu sentido completado ou sua
compreensão reparada.
A autoconfrontação acontece em três níveis: “operatório (o que o trabalhador faz?), cognitivo
(com que finalidade? Para quê?) e ético (por quê?). Não se pode analisar nenhum desses
aspectos e, sobretudo, não se pode compreender a atividade, separando-os em objetos
analíticos distintos” (ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1788).
Essas verbalizações estão diretamente relacionadas com a dinâmica do curso da ação,
diferentemente, portanto, das formas tradicionais de entrevista. O que se procura é
94
desconstruir a ideologia espontânea na qual fomos conformados, que se
caracteriza por um olhar externo ao modelo de consultor, do especialista que
detém todo o saber, ou do moralista que julga o comportamento do outro.
Esta ideologia perpassa todas as esferas da vida humana, manifestando-se
também no cientificismo que orienta a maior parte das análises do trabalho
(ASSUNÇÃO e LIMA, 2003, p. 1787).
Autoconfrontação refere-se “não apenas às verbalizações a posteriori sobre o próprio
comportamento, mas a toda e qualquer técnica de explicitação que coloque traços objetivos
do comportamento entre o observador que interroga e o observado que responde” (LIMA,
2001, p. 139: grifo do autor). Nesse sentido e de acordo com Lima (2001), “nesse princípio
metodológico geral cabem tanto as verbalizações interruptivas e consecutivas quanto as
entrevistas de explicitação (Vermersch, 1990) ou as entrevistas guiadas pelos fatos (Langa,
1998)” (p. 139).
O sentido fundamental desse princípio metodológico reside no fato de que não se interpela
diretamente a consciência do sujeito, como se observa nas pesquisas de opinião, mas se chega
a ela pelos traços da atividade e do comportamento. Dessa forma:
Mais que a consciência imediata manifesta na fala espontânea dos
trabalhadores, a Ergonomia procura explicitar os processos subconscientes
que sustentam a regulação individual e coletiva da atividade de trabalho.
Como a atividade é sempre situada e depende de elementos contextuais, não
cabe o recurso aos experimentos de laboratório comuns às ciências
“fundamentais”, nem aos “experimentos sociais”, formas de aproximação
que acabam influenciando e modificando os processos de regulação que se
quer descrever e entender (LIMA, 2001, p. 139).
Sendo assim,
A atividade não pode ser reduzida ao que é manifesto e, portanto,
observável. Os raciocínios, o tratamento das informações, o planejamento
das ações podem ser realmente apreendidos por meio das explicações dos
operadores.
95
As observações e medidas são sempre limitadas em sua duração. Assim, o
operador pode ajudar a ressituar essas observações num quadro temporal
mais geral.
Nem todas as conseqüências do trabalho são aparentes. A fadiga,
eventuais distúrbios sofridos, não tem tradução manifesta; o operador pode
expressá-la e relacioná-la com característica da atividade (GUÉRIN et al.,
2004, p. 165).
Além disso, a verbalização do trabalhador não é óbvia, uma vez que
(....) o operador tende a descrever seu trabalho e suas conseqüências em
função do que ele pensa ser os interesses e objetivos de seu interlocutor. Os
do ergonomista, mesmo após explicações preliminares, podem permanecer
mal compreendidos. A maneira e o objeto do questionamento vão contribuir
progressivamente para o seu esclarecimento.
Operações de rotina e estratégias podem ser o resultado de aprendizagens
antigas, de uma longa experiência. Sua importância, seus motivos e os
conhecimentos, que lhes são subjacentes, porém, nem sempre são
mencionados espontaneamente pelo operador.
Certas dimensões da atividade não se prestam facilmente a uma expressão
verbal. É o caso, por exemplo, de habilidades manuais muito integradas (por
exemplo, a explicação de como se faz laço num cadarço). É o caso também
da apreciação da qualidade de um produto por sensações táteis (GUÉRIN et
al. 2004, p. 165).
Duas modalidades de verbalização são distinguidas em relação à atividade: as verbalizações
simultâneas, realizadas durante o decorrer do trabalho, e as verbalizações consecutivas, que
acontecem após o trabalho. As primeiras procuram produzir explicações no próprio contexto
da atividade, enquanto as segundas acontecem no desenvolvimento normal da atividade. O
uso delas está vinculado às condições de exercício da atividade e do tipo de informações que
se quer.
No caso das verbalizações simultâneas,
o operador está “em situação” para se expressar, o ergonomista em
situação” para compreender. Em compensação, a verbalização vai
necessariamente interagir com o desenvolvimento da atividade, que será
assim modificado. Essa interação pode tornar impossível uma verbalização
96
desse tipo: o nível de atenção exigido pela realização do trabalho pode ser
elevado demais e os constrangimentos de tempo rigorosos demais.
Raciocínios complexos que solicitam explicações detalhadas não podem ser
explicitados durante o curso da ação (GUÉRIN et al, 2004, p. 168).
Nas verbalizações consecutivas, os “indicadores estatísticos podem assim ser recolocados no
quadro da variabilidade conhecida pelo operador. Relatórios detalhados da atividade
observada podem servir de apoio à explicitação dos motivos das ações” (
GUÉRIN et al, 2004,
p. 168)
.
Para que as verbalizações, tanto a simultânea quanto a consecutiva, sejam eficazes, o sujeito
deve apoiar-se em referências concretas, para que ele possa lembrar as circunstâncias e o
encadeamento de suas ações. As referências podem ser relatos de eventos ou incidentes,
retorno das observações e até registros filmados.
Desse modo, a verbalização engloba dois aspectos complementares: a relação da atividade
com o contexto e as modalidades de questionamento. Essa relação é possibilitada pela
apresentação de referências espaciais e temporais. Como ressaltam GUÉRIN et al. (2004),
não se trata de pedir uma “opinião” ao trabalhador, mas permitir-lhe
reconstituir, em parte, os raciocínios que fazia ao longo do período em que
foi observado. Para isso, o operador é convidado a comentar fatos de
observação que o ergonomista lhe apresenta, de diferentes registros:
anotações de observação da atividade, fitas de vídeo etc. (p. 169).
Ao longo das verbalizações deve-se evitar perguntas do tipo “por quê?”, por apresentarem
dois inconvenientes:
Pode ser percebida como carregada de suspeita (“Você tinha uma boa
razão para...”) e incitar o operador a buscar uma justificativa “oficial” de sua
ação, fazendo um tipo de teorização a posteriori.
97
Além disso, “por que” introduz uma confusão entre as causas e os
objetivos. O operador, por trás da pergunta “Por que você faz isso?” pode
entender indiferentemente “Que evento o levou a fazer isso?” e “O que
procurava obter fazendo isso?” (p. 170).
Para a obtenção de dados relevantes, as perguntas, além de estarem apoiadas em fatos
significativos e específicos à situação, devem ser específicas, e não gerais e abertas, iniciadas
com palavras “como”, para quê” e “o quê” e formuladas com o próprio vocabulário do
entrevistado. Nesse sentido, podem-se obter relatos verbais cuja descrição é mais precisa da
atividade do sujeito (ROTH e WOODS, 1988).
Uma particularidade da entrevista em autoconfrontação
está em convocar o sujeito trabalhador a expressar-se não sobre as
“profundezas de sua alma” e de seus sentimentos, mas sim sobre a
complexidade do seu comportamento atual. Não existe aqui nenhum
julgamento de valor sobre a ordem de importância dessas instâncias, apenas
um reconhecimento de diferença. Se adotada a abordagem psicologizante, o
indivíduo é levado a mergulhar em seus próprios sentimentos e processos
psíquicos, eventualmente em seus traumas psicofamiliares. Na
contracorrente, o entendimento da ação em situação permite ao indivíduo
revelar a trama complexa de seu comportamento diante das exigências do
trabalho, resultante de diversas lógicas em jogo (às vezes, em conflito): do
trabalhador, do coordenador, da chefia, do usuário, do sistema, da
organização (CASTRO et al 2006, p. 85).
A ergonomia tem revelado, por meio de estudos empíricos, que, quando são apresentados aos
trabalhadores os seus próprios comportamentos, ocorre um processo de tomada de
consciência, dando origem a expressões do tipo: “nós jamais tivemos oportunidade de falar
sobre isso” e “eu não sabia que fazia tudo isso” . A tomada de consciência por parte do
trabalhador permite o estabelecimento da condição necessária para a desestruturação e a
reconstrução das representações do trabalhador. Sendo assim, a participação dos trabalhadores
no curso da intervenção é considerada como condição fundamental.
98
CAPÍTULO 3
ESTUDO DE CASO
DE ESPECIALISTA A ESPECIALISTA: CASA DE FERREIRO ESPETO DE PAU
São apresentados, neste capítulo, os resultados obtidos com a análise da atividade e com a
entrevista de autoconfrontação. Inicialmente, apresentam-se a metodologia de coleta de dados
e os procedimentos de análise utilizados na pesquisa de campo, o contexto do estudo pela
caracterização da empresa e, posteriormente, os dados obtidos, sua análise e a discussão. O
estudo de caso mostrou que as dificuldades encontradas pelos usuários na utilização do
software, “Módulo Lançamento de Horas”, como o atraso nos lançamentos, podem ser
atribuídas às limitações do método de construção do software, que desconsiderou a o usuário.
3.1 A metodologia
Adotou-se o princípio de autoconfrontação, o qual faz parte dos métodos da abordagem da
ergonomia da atividade, praticada por ergonomistas franceses e que se tem mostrado eficaz
para superar as lacunas metodológicas identificadas nos métodos convencionais de
identificação das necessidades dos usuários. Procurou-se compreender o funcionamento da
cognição humana em situação prática, possibilitando, assim, que se aprimore a performance
tanto dos usuários quanto dos dispositivos empregados.
99
A análise das atividades dos usuários foi construída a partir da expressão verbal efetuada
pelos próprios usuários a respeito de seu trabalho ou atividade e dos componentes que afetam
sua realização.
Essas verbalizações foram espontâneas, mas também “provocadas” durante a realização da
atividade (verbalização interruptiva) ou após finalizar uma tarefa (verbalizações
consecutivas), visando a elucidar as razões, meios e finalidades das ações realizadas. À
observação do comportamento em situação seguiu-se a autoconfrontação dos dados
adquiridos junto aos próprios atores, com o objetivo de compreender aspectos implícitos do
comportamento dos usuários e também para validar as observações efetuadas (LIMA, 1998;
VERMERSCH, 1994).
3.2 O trabalho de campo
Na metodologia qualitativa, não se encontra uma ordenação gida das fases da pesquisa. Por
esse motivo, é comum, no decorrer da investigação, ocorrer o confronto do pesquisador com
situações que impõem uma redefinição constante de atividades (THIOLLENT, 1982).
Após o estabelecimento do primeiro contato com a empresa para a apresentação da pesquisa e
obtenção da permissão para a realização do estudo, iniciou-se o trabalho de campo, que teve
duração de 14 meses.
Nesse primeiro momento, com duração de aproximadamente quatro meses, para uma
aproximação com o campo e os usuários, apenas nos limitamos a nos familiarizar com o
funcionamento da empresa, a sua história, os seus produtos e serviços, as mudanças que
100
ocorreram, número de empregados, enfim, as características gerais da empresa. Também não
tínhamos hipóteses definidas, mesmo porque elas “são extraídas do próprio processo de
interação (incluindo as observações diretas) com os atores sociais, que nos oferecem, por
assim dizer, as ‘pistas’ sobre os problemas existentes e como compreendê-los” (LIMA, 1998,
p. 14).
Após esse período, aproximamo-nos da situação real de trabalho dos usuários para a
delimitação do nosso objeto de estudo e também para uma melhor definição das hipóteses que
iriam conduzir nosso estudo.
Nesse primeiro contato, os discursos eram muito semelhantes: “faz parte do ser humano
deixar tudo para a última hora”; “todos nós somos assim, basta ver o imposto de renda, todo
mundo deixa sempre para o último prazo”. Sabíamos, entretanto, e seguindo os pressupostos
da ergonomia, que ainda estávamos distantes das razões pelas quais os usuários se atrasam no
lançamento de horas, e precisaríamos ir além desse discurso. Começamos, então, a prestar
mais atenção aos “julgamentos espontâneos”, aos comentários, aos olhares, e, na medida em
que não entendíamos, perguntávamos e pedíamos para observar diretamente o local de
trabalho. Mas, ainda assim, tudo parecia ainda incompreensível; as dúvidas eram grandes.
Ao final do sexto mês da pesquisa, participamos de reuniões da equipe do Sistema de
Planejamento e Acompanhamento de Projetos (SPAP), de treinamentos sobre o SPAP,
tínhamos ouvido os trabalhadores sobre suas dificuldades. Nessa etapa, observamos e
acompanhamos todas as atividades daquelas pessoas, as rotinas do setor, as inquietações, as
saídas para resolver os problemas, as negociações, os telefonemas, as brincadeiras, as ironias,
os olhares diferentes.
101
A partir do sétimo mês, com base nas observações e nas entrevistas realizadas, fez-se a
escolha de uma situação específica a ser detalhada. Foi escolhido o módulo “Lançamento de
Horas”, que apresentava problemas para os usuários e, além do mais, era um módulo utilizado
por todos os funcionários, exceto os gerentes. Nossa motivação maior foi a de compreender
por que as pessoas se atrasam, adotando o ponto de vista do usuário.
No oitavo mês, após a delimitação do nosso objeto de estudo, começamos a indagar as razões
pelas quais os usuários se atrasam no lançamento de horas; iniciamos com algumas questões e
possíveis respostas, que ainda não eram suficientes.
Por esse motivo, a partir do oitavo mês, realizou-se um estudo em profundidade, de situações
referentes ao atraso no lançamento de horas a partir da análise da interação entre o
desenvolvedor do software e o usuário na atividade de Lançamento de Horas.
Nessa etapa, um comentário de um usuário que nos disse: “Olhei para você e lembrei que eu
tenho que lançar hora”. Essa observação ilustra bem a efetividade da proposta da ergonomia,
que, como dissemos, nos permite ir além do discurso e das opiniões. A natureza situada da
atividade faz com que a pesquisadora seja integrada na atividade dos desenvolvedores,
servindo como recurso mnemônico.
3.3 Etapas da pesquisa
A pesquisa englobou duas etapas: a análise documental e o estudo de caso.
102
3.3.1 Primeira etapa: análise documental
A análise documental foi realizada a partir dos materiais disponibilizados pela empresa, que,
no nosso caso, foram os e-mails, e teve como objetivo a delimitação do nosso objeto de
estudo. Foram analisados os e-mails enviados pelos usuários para a equipe responsável pela
concepção do software no período de setembro de 2005 a setembro de 2006, totalizando 140
e-mails analisados. O objetivo foi compreender os tipos de dificuldades enfrentadas pelos
usuários.
3.3.2 Segunda etapa: estudo de caso
Para um estudo em profundidade com enfoque qualitativo da empresa escolhida, foram
utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: análise de documentos, entrevistas,
observação in loco, entrevista de autoconfrontação.
As observações in loco permitiram a aproximação com a situação de trabalho dos usuários,
possibilitaram a definição da situação a ser analisada, como também uma melhor
compreensão do trabalho prescrito e da atividade realizada, das características da equipe do
SPAP, das características do ambiente e organização do trabalho, como o tipo de máquina, os
que instrumentos eles utilizam.
As observações foram realizadas uma a duas vezes por semana, com duração média de uma a
três horas. Pôde-se, assim, acompanhar a atividade desenvolvida pelos usuários em seu
cotidiano de trabalho, observar as interações e as estratégias por eles elaboradas para dar
conta da tarefa de lançamento de horas.
103
3.4 Procedimentos e instrumentos de análise de dados
A análise dos dados apoiou-se em duas perspectivas. Em um primeiro momento, buscou-se
caracterizar os problemas relacionados ao uso do SPAP pela coleta de dados, realizada por
meio da análise dos e-mails. Num segundo momento, voltou-se para a análise tanto as
informações obtidas pelo discurso dos usuários sobre a sua atividade quanto os seus aspectos
manifestos e também aqueles que aparecem de forma latente (hesitações, lapsos de
linguagem, idéias apenas sugeridas, frases inacabadas etc.). Essas informações foram
articuladas aos dados obtidos na observação direta dos postos de trabalho, da atividade de
trabalho, como dos dados de documentos internos e externos.
Nossa intenção era ir além da materialidade imediata dada, tanto do comportamento quanto da
situação de trabalho, imediatamente observável, interessando-nos em apreender a
problemática que nos dispusemos a investigar, a partir do “ir e vir” entre o discurso dos
usuários sobre o seu próprio comportamento e o comportamento observável. Assim, não se
negligenciaram as dimensões subjetivas, mas elas foram reinseridas na dinâmica complexa da
subjetividade em ação, tal como esta se realiza diante das possibilidades e impossibilidades
sociais (LIMA, 2001).
3.5 A empresa pesquisada
A pesquisa foi realizada, como mencionado anteriormente, em uma empresa de automação
industrial e comercial, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte. A empresa foi
fundada em 1987 e, desde então, dedica-se à concepção de sistemas de informação,
equipamentos e serviços a clientes em diversos segmentos industriais no Brasil e no exterior
104
O gerenciamento e o acompanhamento dos projetos da empresa, tanto interno quanto externo,
são feitos por um software denominado SPAP (Sistema de Planejamento e Acompanhamento
de Projetos), objeto do nosso estudo, situado no Departamento de Tecnologia da Informação.
O software desse Sistema de Informação foi desenvolvido e é mantido por uma equipe da
própria empresa, ou seja, ele foi concebido por especialista para especialista.
3.5.1 Estrutura organizacional
A Figura 2 apresenta o organograma da empresa, sendo as principais divisões a Divisão de
Tecnologia de Automação (DAI) e a Divisão de Tecnologia da Informação (DTI).
Figura 2 – Organograma da empresa.
Fonte: Documento interno da empresa.
105
A Divisão de Tecnologia de Automação Industrial é composta por engenheiros e técnicos com
formação nas áreas de controle, instrumentação e informática, cuja missão é especificar,
desenvolver e implantar sistemas de automação industrial, como engenharia de
instrumentação e controle, engenharia de sistemas SCADA (Supervisory Control and Data
Acquisition), desenvolvimento de softwares aplicativos, implementação de comunicação de
dados, engenharia de sistemas elétricos, projetos “Turnkey” e assistência técnica.
A Divisão de Tecnologia da Informação é responsável pelo fornecimento de serviços e
produtos de informática aplicados à indústria em geral. Está focada em softwares de gestão de
produção e aplicações para logística e é composta por engenheiros e analistas de sistemas,
tendo como produtos e serviços:
desenvolvimento de aplicações para o gerenciamento do processo
produtivo;
implantação de sistemas de informação de processos interfaceando com
os níveis corporativo e de controle/supervisão;
sistemas de gerenciamento de informações para laboratórios de análises
físico-químicas;
desenvolvimento de sistemas de gestão de materiais;
desenvolvimento de aplicações para logísticas industrial;
engenharia básica;
desenvolvimento de aplicações, implantação, documentos e treinamento;
assistência técnica a clientes.
106
Na empresa, o gerenciamento do projeto contempla a seguintes áreas: escopo, prazo,
qualidade, custos, recursos humanos, comunicação, riscos e suprimentos, que interagem, em
intensidades variáveis ao longo do projeto, com os cinco grupos de processos por meio dos
quais é realizado o acompanhamento do projeto:
Processo de iniciação: autorização do projeto ou fase.
Processos de planejamento: definição e refinamento dos objetivos e
seleção das alternativas de ação para alcançar os objetivos assumidos.
Processos de execução: coordenação do pessoal e de recursos para a
realização do plano.
Processo de controle: assegurar que os objetivos de projeto sejam
atingidos, pelo monitoramento regular de seu progresso, identificando
variações do plano e tomando ações corretivas, se necessárias.
Processo de encerramento: formalização da aceitação e o encerramento
de cada fase do projeto.
A Divisão de Tecnologia da Informação recebe suporte de um grupo de SQA (Software
Quality Assurance Garantia da Qualidade de Software), que tem como objetivo elaborar
documentos dos procedimentos dos projetos de tecnologia da informação, além da elaboração
de documentos de qualidade, treinamento dos usuários nos procedimentos e auditorias
internas periódicas. Esse modelo de equipe apóia-se nos objetivos de qualidade para que o
projeto seja considerado bem-sucedido, a saber:
entrega dentro dos requisitos do projeto;
satisfação do cliente;
107
atendimento às especificações baseadas nas exigências do usuário;
liberação após conhecimento e direcionamento de todas as não-conformidades;
melhora da performance do usuário;
entrega sem problemas e gerenciamento contínuo.
3.5.2 Números de funcionários
Na época da realização da pesquisa, a empresa possuía cerca de 380 funcionários distribuídos
nas seguintes áreas: comercial/marketing (4), suporte técnico, (17) administração (18) e
técnica (273). Como se pode observar, dentre os profissionais da empresa, a área técnica
possui o maior número de funcionários. Destes, 46 profissionais possuem o curso médio; 225,
o curso superior; 19, o curso de pós-graduação; 21 com mestrado e 1 com doutorado.
3.6 O software analisado
O SPAP (Sistema de Planejamento e Acompanhamento de Projetos) foi desenvolvido para
controlar o desenvolvimento de projetos da empresa. O processo de desenvolvimento do
SPAP baseia-se tanto nos princípios da metodologia de desenvolvimento de software,
denominada ágeis ou metodologias leves (lightweight metodologies), como também segue as
práticas dos processos tradicionais, como a documentação de todas as fases do processo.
Seguindo os pressupostos das metodologias ágeis apresentadas no capítulo 2, o projeto é
dividido em releases, ou seja, pequenas versões que vão sendo liberadas para o cliente, em
intervalos médios de um a três meses, para possibilitar a realimentação e a validação dos
clientes e usuários durante todo o processo de desenvolvimento. Todo o planejamento do
108
software é a curto prazo. Ao final de cada release, é entregue ao cliente uma versão
operacional do software. Cada release é dividido em etapas denominadas interações, com
duração em torno de quatro semanas, que, consistem no planejamento a curto prazo do
projeto. As interações são divididas em “estórias”, que, por sua vez, são divididas em tarefas,
como diz um dos entrevistados:
um projeto é fazer algum sistema para uma empresa, um sistema de software
que o cliente precisa. Em vez de fazer o projeto todo, de uma vez, a gente vai
soltando versões, estas liberações de versões a gente chama de release. A
empresa inteira trabalha assim. As releases são divididas em etapas, que o
as interações. Nós, aqui no SPAP, trabalhamos com releases pequenas, você
tem de um a dois meses para você entregar alguma coisa funcionando para o
cliente. As releases são dividas em etapas, que são as interações.Uma estória
é uma coisa que eu vou desenvolver. Como eu vou desenvolver? Eu
especifico nas tarefas. Uma estória tem várias tarefas. Por exemplo: para a
tela lançamento de horas, você vai ter que mostrar as informações dos
funcionários, quantas horas ele trabalha por dia. Isto é tarefa. Você tem que
especificar e planejar as tarefas de cada pessoa para o período todo. Isto é
para o pessoal que está gerenciando os projetos saber quanto tempo fez,
quanto tempo falta. O planejamento de todo o projeto é baseado nisto. O
Developer Leader tem que ver o que a pessoa vai fazer naquela release
(Desenvolvedor Líder).
A apresentação de esboços que mostrem as características do sistema, em várias etapas
consecutivas, e não em uma única fase (VINCK, 1999), é considerado um procedimento
importante, na medida em que pode minimizar a ausência de conhecimento por parte do
usuário, das possibilidades de atuação do software no processo. Esse procedimento deverá,
portanto, contribuir para a tomada de decisões, considerando que a falta de conhecimento
prévio acerca das potencialidades do sistema é uma das principais razões para que os
responsáveis pelo projeto, na empresa-cliente, não validem a especificação funcional.
Atualmente, o SPAP contém 13 módulos:
Documentação (registros de documentos dos projetos e revisões).
109
Gestão de Competências (competências, habilidades e treinamento dos
funcionários).
Sistema de Não-Conformidades (no qual são registradas as não-conformidades
dos projetos e planos de ação para corrigi-las). Não-conformidade é o não atendimento a um
requisito da norma ou do cliente.
Módulo de Solicitações (registra alterações solicitadas pelo cliente no sistema).
Contratos de Manutenção.
Lançamento de Horas.
Clientes/Plano de Contas.
Férias.
Materiais.
Recursos Humanos.
Permissões.
Riscos.
Senhas.
Na visão do User Experient (Educador do Usuário), o SPAP é a ferramenta de trabalho dos
funcionários: “ninguém consegue trabalhar sem entrar no SPAP. Eu chego para trabalhar,
ninguém me falou o que eu vou fazer, eu entro no SPAP, vejo o que está cadastrado para eu
fazer, as minhas tarefas. Preciso tirar férias, vou lá, no SPAP, módulo férias, e peço férias.”
Para quem gerencia os projetos, o SPAP fornece informações sobre o andamento do projeto
“se o projeto está no prazo ou não, se está estável ou não”. Já “o ‘Módulo de Contas’ serve ao
pessoal do Departamento de Contabilidade. As informações contidas no módulo ‘Gestão de
Competências’ são de interesse do pessoal que trabalha com a qualidade, uma vez que nesse
110
módulo estão registrados dados sobre a qualificação dos funcionários, importantes para a
certificação da ISO. O cliente externo somente utiliza o módulo externo.”
3.7 Objeto de estudo: módulo “Lançamento de Horas”
O módulo “Lançamento de Horas”, que se configura como um formulário eletrônico, engloba
duas etapas: o lançamento de horas no ponto eletrônico e o lançamento de horas na tarefa.
Através do módulo Lançamento de Horas, eu tenho condições de verificar o
andamento do projeto. Quais as tarefas finalizadas, as tarefas em execução e
as que ainda não foram realizadas. Se o cliente precisar de alguma
informação, é possível verificar o andamento do projeto. O que já foi feito e
o que não foi feito. Os gerentes de projeto especificam as tarefas para cada
um para o desenvolvimento do sistema. Assim, pode-se controlar e gerenciar
cada projeto (Desenvolvedor Líder).
O ponto positivo do SPAP é que as pessoas podem acompanhar o meu
trabalho. Às vezes, eu não estou aqui e a pessoa não tem tempo de entrar em
contato comigo, ela, então, tem condições de ver como está caminhando o
projeto, se, por exemplo, o cliente perguntar alguma informação sobre o
projeto, e só ir lá (SPAP) e verificar a situação do projeto (Desenvolvedor).
A minha visão é que em primeiro lugar a empresa trabalha com horas, a
matéria-prima é o tempo, se eu não administro isso bem, é dinheiro que está
indo embora e o SPAP permite este controle (Gerente de projeto).
O não preenchimento pode comprometer o lucro da empresa
(Desenvolvedor).
O lançamento das horas na tarefa possibilita, então, o controle dos projetos que estão sendo
desenvolvidos na empresa. No entanto, eles (usuários) se atrasam no lançamento dessas
informações.
Eles (usuários) deveriam lançar as horas diariamente. O atraso no
preenchimento não permite o acompanhamento do projeto, isto porque o
cliente quando pede uma informação a gente tem que fornecer a informação.
Então, tem que ficar de cima do pessoal. Nós estabelecemos aqui na equipe a
seguinte punição para quem preencher atrasado: pagar um caixa de bombom
para a equipe. Se a pessoa ficar dois dias sem lançar horas, ela tem que
111
pagar a caixa de bombom. O bombom é caro. Aí, a pessoa vai sentir no
bolso (Gerente de projeto).
Eles (usuários) têm que entender que quando ele atrasa o lançamento, ele
prejudica o planejamento e o acompanhamento do projeto (Gerente de
projeto).
Se não lançar horas não tem jeito de fazer o planejamento, não tem jeito de
saber quantas horas faltam para o projeto terminar (Desenvolvedor).
3.7.1 Tela de lançamento de horas no ponto eletrônico
Figura 3 – Tela de Lançamento de Horas no Ponto Eletrônico.
Fonte: Documento interno da empresa.
112
As horas trabalhadas, dependendo da jornada diária de cada usuário, são registradas na tela
“lançamento de horas”. No caso da empresa estudada, 98% dos usuários possuem uma
jornada diária de oito horas e, em menor número, 2%, uma jornada de seis horas diárias, como
é o caso dos estagiários.
Todos os funcionários da empresa, exceto os que ocupam cargos de gerência, conforme está
prescrito nos procedimentos internos da empresa, devem fazer o lançamento das horas
trabalhadas.
Ao entrar na tela de lançamento de horas, o nome do usuário aparece automaticamente
(Figura 4), de forma que ele não precisa digitar o seu nome. Esse procedimento mais de
controle não é para facilitar a digitação, mas para evitar que algum usuário lance horas para
outro usuário.
Figura 4 – Campo que contém o nome do funcionário.
Os usuários, quando estão fora da empresa, enviam as informações sobre as horas trabalhadas
para o lançamento no ponto eletrônico e nas tarefas, via e-mail; ou, quando não existe essa
possibilidade, eles utilizam o telefone ou o fax. Por esse motivo, segundo um dos
entrevistados, “mandar diariamente, nem sempre é possível. Imagine você está lá com o
cliente, tem um problema, milhões de reais estão envolvidos no negócio, você está todo
envolvido e não dá para lembrar que eu tenho que lançar horas” (Desenvolvedor).
113
Uma das dificuldades que a secretária encontra para registrar os lançamentos está relacionada
ao lançamento de horas para quem ocupa cargo de confiança. Como ela diz: “o ruim mesmo
não é nem as horas normais. O ruim mesmo é aqueles que eu tenho que lançar hora em
percentual, como é o caso dos que ocupam cargo de confiança”. Para realizar o lançamento de
quem ocupa cargo de confiança, a secretária utiliza uma máquina de calcular, para efetuar
uma regra de três.
Campo para registro do horário de entrada, saída e almoço: Abaixo do nome do usuário
encontra-se o calendário. Ao clicar sobre o dia, abre-se o campo para o registro do horário de
entrada, almoço e saída da empresa (Figura 5).
Figura 5 – Campo para registro de horário de entrada e saída da empresa.
No caso do lançamento de horas dos usuários com jornada de trabalho de seis horas, somente
é permitido o lançamento do horário de entrada e saída, não sendo, portanto, obrigatório o
lançamento do horário de almoço. Essa exigência é devida a uma obrigação trabalhista que
determina que, para uma carga horária de oito horas diárias, deve-se ter um intervalo mínimo
de uma hora. Ou seja, entre a última saída lançada e o próximo lançamento, o intervalo para o
registro deve ser de, no mínimo, 1 hora.
114
No caso de a jornada de trabalho ultrapassar a carga horária prevista, é possível, conforme
determina uma instrução da empresa, que o usuário faça o lançamento de até 30 minutos a
mais da carga horária permitida; caso contrário, se o usuário ultrapassar os 30 minutos, ele
precisará de autorização do gerente do projeto. Por exemplo, se o usuário tem uma carga
horária de oito horas diárias de trabalho e trabalhou 10 horas, ele somente poderá fazer o
lançamento no ponto eletrônico de 8 horas e 30 minutos. Se ele tentar lançar 2 horas a mais,
não conseguirá. O software não permite o lançamento além dos 30 minutos previstos. Após o
registro do lançamento, o usuário deve salvar esse lançamento. Feito isso, a secretária obtém
informações do total de horas trabalhadas no dia.
A legenda na tela de lançamento (Figura 6) sinaliza em cores as situações: “aguardando
lançamento”, “compensação”, “feriado”, “férias”, “final de semana”, o “dia atual”,
“informações pendentes”, “lançamento incompleto” e “lançamento regularizado”.
Figura 6 – Legenda.
3.7.2 Tela de lançamento de horas na tarefa
A tela de lançamento de horas na tarefa é a única em que os usuários devem lançar horas no
formato de horas e minutos, por exemplo, 2:30 (duas horas e trinta minutos). Nas demais telas
do SPAP, o usuário deve usar decimal (2,5). No caso de cargo de confiança, como
mencionado, eles devem lançar em percentual, sendo que 100% são considerados oito horas.
115
Figura 7 – Tela de lançamento de hora na tarefa.
Fonte: Documento interno da empresa.
Após o lançamento de horas no ponto eletrônico, o usuário deve lançar horas na tarefa.
Portanto, o ponto eletrônico é um registro de horas trabalhadas. O lançamento de horas na
tarefa é que permite o acompanhamento do projeto. Segundo um gerente de projeto, “o
lançamento de horas na tarefa é muito importante, que todo o acompanhamento do projeto
é feito baseado nas horas que são lançadas nessa tela; por isso, a necessidade de manter
regularizado o lançamento todos os dias”.
116
“Campo de pesquisa”
Figura 8 – Campo de pesquisa.
Na tela “Lançamento de Horas”, o “Campo de Pesquisa” possibilita ao usuário localizar as
tarefas para o lançamento de horas. Esse campo tem a função de restringir e filtrar a pesquisa,
favorecendo, assim, a localização de uma tarefa específica. São eles: “Projeto”, “Descrição”,
“Tarefa”, “Situação” e “Apropriar para outro funcionário”. O preenchimento desses campos
não é obrigatório. O item “Descrição” é o mais usado pelos usuários para localizar uma tarefa,
uma vez que, segundo um dos entrevistados, “ele possibilita a localização mais rápida da
tarefa. Se você for buscar pelo nome do projeto, vão aparecer todos os projetos que estão
sendo desenvolvidos, aí você vai ter que ficar procurando a tarefa que você quer”.
O campo “Apropriar para outro funcionário” é utilizado somente pelo administrador do
SPAP.
Após a localização de uma tarefa no “Campo de Pesquisa”, um outro campo é aberto, o
campo “Tarefas”. Esse campo contém os seguintes itens: “Horas já apontadas no Ponto
eletrônico”, “Autorização para Lançamentos Adicionais”, “Horas já lançadas no SPAP”,
“CO/Projeto”, “Estória”, “Tarefa”, “Horas Previstas”, os dias da semana, “Horas
Trabalhadas”, “Horas Restantes” e “Situação/Prioridade”. Nesse campo, o usuário encontra
informações sobre o projeto ao qual ele está associado.
117
Figura 9 – Tarefas.
- Horas já Apontadas no Ponto Eletrônico: Apresenta o total de horas que já foram
registradas na tela do ponto eletrônico.
- Autorização para Lançamento Adicional: Este campo autoriza o lançamento de horas
superiores às permitidas. Como já foi mencionado acima, no ponto eletrônico, o usuário
somente tem permissão para o lançamento de até 30 minutos além da sua jornada de trabalho.
Sendo assim, o lançamento superior a 30 minutos é caracterizado como horas adicionais. Para
o lançamento de horas adicionais, o usuário deve justificar o motivo pelo qual ele está
solicitando as horas adicionais, que deverá ser autorizada pelo responsável pelo projeto.
- Horas já lançadas no SPAP: Encontra-se o total de horas já lançadas pelo usuário,
incluindo as horas relativas a ausências justificadas ou horas que tenham sido compensadas
pelo usuário.
118
O usuário deve justificar os dias e as horas em que teve que se ausentar da empresa. Ausência
justificada são horas que não serão descontadas dos usuários, já que estão previstas em lei. Os
motivos para a ausência justificada são: acompanhamento médico, casamento, doação de
sangue e afastamento dico. Toda ausência justificada deve ser comprovada e o respectivo
comprovante entregue no Departamento de Pessoal, no caso de acompanhamento médico, o
usuário deverá apresentar atestado médico e encaminhá-lo ao médico da empresa. A ausência
que não for justificada, o usuário deve compensá-la.
- CO/Projeto: Refere-se ao centro de custo de operação no qual a tarefa foi criada.
- Estória: Corresponde a um conjunto de tarefas que são exibidas na tela para o lançamento
de horas, que estão diretamente relacionadas a um projeto e que somente podem ser criadas
pelo programador ou o desenvolvedor, responsável pelo projeto.
- Tarefa: No campo “Tarefa”, dois tipos de tarefas são visualizadas: tarefas associadas a um
projeto e tarefa genérica. Tarefa genérica é aquela não associada a um projeto, por exemplo,
“conversar com a pesquisadora”. As tarefas genéricas são as tarefas que não estavam previstas
no projeto e, diferentemente das tarefas associadas a um projeto, elas podem ser criadas pelos
próprios usuários.
- Horas Previstas: São aquelas horas previstas para as tarefas a serem desenvolvidas em cada
projeto da empresa.
- Horas Trabalhadas: As horas já trabalhadas pelos usuários.
119
- Horas Restantes: Este campo refere-se às horas que faltam para a finalização de uma tarefa,
possibilitando que o responsável pelo projeto possa verificar quantas horas restam para o
usuário terminar uma tarefa programada. Isso permite que o responsável pelo projeto, ao
entrar no SPAP para o acompanhamento do projeto, possa verificar também se o usuário
finalizou ou não uma tarefa e, caso o usuário tenha terminado, ele (programador) poderá criar
uma nova tarefa.
- Situação Prioridade: Indica o status da tarefa, que pode ser: finalizada ou em execução. O
usuário pode ter dentro de uma mesma estória uma tarefa com prioridade zero e uma outra
com prioridade 2, por exemplo. Isso significa que a primeira tarefa que o usuário deve
executar é a de prioridade zero. No caso de o usuário ter mais de uma tarefa com prioridade
zero, ele deve procurar o responsável pelo projeto, que definirá qual é a tarefa mais urgente
para ser executada.
As tarefas são apresentadas em diversas páginas; em cada página, tem-se 10 tarefas. Essa é
uma mudança recente, pois, anteriormente, quando o usuário solicitava alguma tarefa para ele
lançar horas, todas as tarefas do usuário eram exibidas. No caso de um usuário que tinha 70
tarefas, a exibição de todas as tarefas tornava o software lento e, em alguns casos, o usuário
tinha que esperar de uma a duas horas para realizar o lançamento, como aqueles usuários que
têm 100 a 200 tarefas.
A equipe do SPAP, a partir da solicitação de alguns usuários e da própria vivência deles
enquanto usuários do SPAP, implementou a mudança, e as tarefas foram divididas em
páginas, 10 tarefas em cada página. No caso, então, de o usuário ter mais de dez tarefas, ele
deve clicar na seta (canto acima direito), que indicava a existência de outra página.
120
Figura 10 – Tarefas.
Uma entrevista ilustra bem a eficácia da entrevista de explicitação ao possibilitar o processo
de reflexão do usuário sobre o seu trabalho pela tomada de consciência.
Usuário: - Isto, para mim, como usuário, vai ser uma evolução gigantesca. Não vai mais me
encher a paciência de ter que ficar cinco horas esperando o negócio fazer. Este módulo a gente
começou a fazer alteração nele agora, neste release, a gente mexeu em ponto eletrônico,
mexeu no lançamento de horas. Quem tem menos tarefa para registrar é mais rápido. Quem
tem 10 tarefas, por exemplo, na hora de atualizar, ele tem que ler menos coisas do que 150
tarefas. 150 tarefas são no mínimo 150 linhas, 10 são 10 linhas. Esta atualização será bem
menor, mais fácil, mais rápida. É uma coisa que eu, por exemplo, acho excelente, mas tem
gente que provavelmente vai dizer que saco, eu vou ter que ficar mudando de página toda
hora. Cadê a minha tarefa? Eu vou ter que ficar mudando de página toda hora. Para mim, eu
acho fantástico.
Ent.: - Quem tem 10 tarefas pode visualizar as tarefas em uma página, mas quem tem 11, 12
vai, ter que mudar de página.?
Usuário: - Aí, ele vai falar assim: antigamente eu via tudo aqui e não precisava ficar
procurando. Agora, aonde eu vou saber onde está minha tarefa, em que página está minha
tarefa? É, eu estou deduzindo o que vai acontecer porque ainda não foi para o ar ainda. É uma
dedução minha e que eu tenho certeza que vai acontecer.
Ent.: - Você não tem certeza?
121
Usuário: - Muita gente vai achar legal, que bom. Mas, por exemplo, eu tenho 150 tarefas e eu
vou ter que passar por todas as páginas para descobrir uma tarefa específica que eu quero
lançar. Eu vou ficar pulando de tela em tela. Agora, imagine eu passar por 10 tarefas na tela.
Numa tela, só eu procuro a tarefa e acho.
Ent.: - Então, como vai melhorar para você as tarefas estarem divididas em 10 páginas?
Usuário: - Vai ser mais rápido. Quer dizer, eu estou pensando nisto, agora que eu estou
conversando com você, eu não tinha pensado. Por exemplo, eu quero procurar uma tarefa. Se
tenho 150 tarefas e elas estão na mesma tela, eu tenho certeza que ela está ali em algum lugar.
Agora, se ela está dividida em página, eu vou ter que passar página por página, em todas elas,
aqui, não está aqui, pula para outra, vou ficar nesta procura constante e isto pode gerar
problema. É verdade que para mudar de página está bem rapidinho. Você clica, ela mudou,
está quase instantânea a mudança de página. Pode ser que não estresse tanto. Mas não eu não
sei, isto é que vou testar. Existem os filtros, eu uso os filtros, cai de 150 para 50 dependendo
do filtro que eu utilizo.. Mas eu não pensei. Vou testar .
Após a implementação da mudança, o educador de usuário (user experience) recebeu vários
e-mails de usuários e telefonemas com as seguintes dúvidas: “a minha tarefa não está
aparecendo. O que foi que aconteceu?”, “As minhas tarefas sumiram”. Ou seja, os usuários
não haviam percebido a criação do link, a seta.
Na época dessa mudança o conteúdo dos e-mails recebidos era:
O que está acontecendo? Eu tinha lançado hora num dia, e a minha tarefa
desapareceu.
Eu tenho certeza que existia uma tarefa pra mim na tela. Não consigo
visualizar.
Minha tarefa foi criada e eu já lancei hora e ela não aparece na tela.
Alguns usuários, por não terem percebido a modificação, chegaram a criar uma nova tarefa.
A tecnologia do SPAP é Web, ou seja, inicialmente, é necessário entrar na internet, para
depois entrar na tela do SPAP e no módulo lançamento de horas. Para a maioria dos usuários
observados, o uso dessa tecnologia é caracterizado como uma dificuldade de acesso ao
sistema, visto que quando o sistema está sobrecarregado, a tela demora a abrir e se gasta
122
muito tempo para o lançamento de horas. “Acontece às vezes da gente ter que esperar até duas
horas para fazer o lançamento”. Como nos diz outro entrevistado: “Já teve dia que ficou fora
do ar o dia inteiro. Mesmo que eu quisesse fazer o lançamento, eu não iria conseguir”
(desenvolvedor).
O lançamento de horas, seja na tela de lançamento no ponto eletrônico ou na tela de
lançamento de horas na tarefa, é bloqueado toda quarta-feira a partir das 17h30m pelo
Departamento de Pessoal. O bloqueio foi criado e funciona, como nos diz um desenvolvedor,
como “uma punição para obrigar o usuário a não deixar de lançar”. Nesse dia, é comum o
sistema ficar sobrecarregado, uma vez que a grande maioria dos usuários deixa para fazer o
lançamento na quarta-feira devido ao bloqueio. Essa situação é reveladora de que a tarefa de
preenchimento de horas não é atividade-fim dos usuários; portanto, não foi integrada
subjetivamente pelos usuários. Trata-se de uma atividade secundária que rouba recursos
cognitivos (tempo, memória, atenção) e praticidade do sistema.
Usuário: - Eu somente lembro de lançar hora na quarta-feira, o dia do bloqueio”.
Ent.: - Você lembra de lançar hora no dia do bloqueio.
Usuário: - É. No dia do bloqueio, porque o sistema fica bloqueado.
3.8 A equipe de desenvolvedores do SPAP
As atribuições da equipe de trabalho para o desenvolvimento de projetos da empresa
obedecem às orientações que compõem o MSF (Microsoft Solutions Framework) que são
descritas sucintamente a seguir.
123
Program Manager (Gerente de Projeto): é o encarregado de administrar
os custos, prazos, riscos e qualidade do projeto.
Developer (Desenvolvedor): arquiteto da solução, responsável por
implementar o sistema, considerado o arquiteto da solução. Dentre eles
um Developer Leader (Desenvolvedor Líder), responsável técnico do
projeto.
Tester (Testador): responsável por testar as funcionalidades e o sistema
como um todo, garantindo seu correto funcionamento.
Release Manager (Gerente da Entrega): responsável por entregar e
implantar produto sem problemas e gerenciar continuamente, prestando
suporte quando necessário.
User Experience (Educador do Usuário): responsável pela preparação do
usuário para utilizar o sistema. Preocupa-se com as questões de
usabilidade e com treinamentos.
Product Manager (Gerente de Relacionamento); gestor do
relacionamento, sua preocupação principal é com a satisfação do cliente.
Cuida da parte comercial e atua como representante do cliente frente à
equipe.
A atual equipe responsável pelo SPAP é composta por nove funcionários.
um Program Manager (Gerente de projetos),
um Developer Leader (Desenvolvedor Líder),
cinco Desenvolvedores (Programadores),
124
um Tester (Testador),
um User Experience (Educador do Usuário).
3.8.1 O trabalho real da equipe do SPAP
A atividade de trabalho da equipe inicia-se com a especificação de requisitos em que o
desenvolvedor líder e o gerente de projeto (program manager) decidem, seja a partir de uma
solicitação de um usuário, ou de uma gerência que deseja uma alteração na tela, ou, como na
maioria das vezes, por dedução das necessidades do usuário, como será o SPAP, a
funcionalidade da tela, ou seja, “como a tela vai funcionar, os campos, o que vai ela fazer, se
ela vai salvar, se vai editar” (desenvolver líder).
Após a definição das especificações, em que foram especificadas as funcionalidades
desejadas, as informações são passadas para os desenvolvedores da tela. As informações o
encaminhadas para os desenvolvedores e também para o tester, o responsável por testar a tela,
e para o user experience (educador de usuários) para a construção dos manuais (manuais do
software, do módulo).
Como se pode observar, o que o desenvolvedor líder faz é um desenho, um esboço de como a
tela será. Ele cria as funcionalidades mais importantes, cabendo aos desenvolvedores a
execução da tela.
Tem gente (desenvolvedores de outro projeto) que, antes de desenvolver a
tela inteira, pega um documento do Word, escreve a tela inteira, detalhe por
detalhe. E o que acontece? Perde muito tempo. Aqui (SPAP), a gente faz
somente um esboço de como a tela vai ser, pensa nos detalhes mais
importantes e deixa o desenvolvedor decidir como ele vai fazer. Eu não
explico como ele vai fazer. Eu deixo ele decidir como ele vai fazer. É lógico
125
que eu acompanho e, se ele o souber como fazer, ele pergunta e a gente
decide juntos (desenvolvedor líder).
O testador é responsável por testar as funcionalidades da tela, por exemplo, se a tela está
salvando, se ela está criando. A partir de um roteiro de teste, uma planilha de Excel que
contém um fluxo de teste, o testador verifica as funcionalidades da tela, etapa denominada
interação de integração. Como nos diz um dos entrevistados,
eles (desenvolvedores) fazem a tela, a gente vai fazer o teste no sistema
inteiro, como aquelas novas telas vão impactar o sistema. Aí, acabou o
release, a gente atualiza o site. A gente tenta manter um padrão de tela. A
gente estipulou um padrão dentro da equipe. É claro que não se pode deixar
de considerar as particularidades de cada projeto. Um exemplo de padrão é
que todo campo obrigatório tem que ter um asterisco. É um padrão
internacional. Todo mundo sabe que se tiver asterisco é porque é um campo
obrigatório, tem que ter um indicador de que ele é obrigatório. Nós
resolvemos colocar vermelho.
Enfim, o que se procura é verificar a lógica do sistema, ou seja, como ele funciona, quais são
as ações permitidas, as não permitidas.
Na etapa da especificação, o desenvolvedor líder, como já mencionado, faz o esboço da tela, o
desenho da tela, “ele resolve como deve ser o desenho da tela”. O fato de o desenvolvedor
determinar o desenho da tela, “algumas coisas acabam passando porque, às vezes, eu não
pensei e nem ele também. Daí, acontecem os erros, os bugs” (desenvolvedor).
Nesse caso, fica evidente que os erros poderiam ser minimizados, se fossem consideradas na
especificação da tela, as reais necessidades dos usuários e não a partir da representação da
atividades deles.
126
Uma situação em que um testador estava testando duas telas, módulo de gestão de
competências, ilustra sua atividade. Ele pega os roteiros de teste para testar e fala:
Esta tela foi desenvolvida mais tempo, que agora ela está com mais
coisas (mais campos). Eu vou testar a integração entre as duas telas, o que
faz uma tela, o que faz uma tela tem que refletir na outra tela, e eu estou
testando isto agora. Eu estou conferindo se o que o Pedro
12
fez
(desenvolvedor líder) está refletindo nas duas telas. Estou atualizando o site,
pego os arquivos e jogo para o servidor. Aí, quando eu jogo para o servidor,
o site fica atualizado com as alterações realizadas.
O educador de usuário (user experience) é o que o atende ao usuário. A sua atividade consiste
em:
verificar e-mails recebidos,
responder às solicitações dos usuários, seja de sugestões ou dúvidas (como utilizar, para
que serve uma tela),
encaminhar os erros, os bugs, para os desenvolvedores,
atender às ligações telefônicas de usuários,
preparar e administrar treinamentos sobre o funcionamento do SPAP,
preparar manuais e o FAQ.
Pode-se concordar com Ferreira e Lima, (2005), quando eles mencionam que um dos
problemas de desenvolvimento de software está na etapa de especificação de requisitos. No
caso da empresa estudada, no que diz respeito à concepção dos módulos do SPAP, observou-
se que o processo de especificação de requisitos ocorre a partir da representação que dos
projetistas sobre as dificuldades no uso do software.
12
Nome fictício.
127
Assim, a etapa da especificação não contempla a participação dos usuários. Não existe
aquele acompanhamento de você ficar ao lado do usuário. Tem muita coisa para fazer. Não dá
tempo de ficar acompanhando o usuário”. Além do mais, segundo o tester, “tem aquela
questão, se você é muito democrático, você não chega a lugar nenhum. Se você for tentar
acompanhar o usuário e tentar fazer exatamente do jeito que ele quer, pode acontecer de ficar
usável para uns e para outros não ser viável”. Sendo assim, o software não atende às reais
necessidades dos usuários.
Ocorre, então, “o que comumente serve de base para os analistas de sistema não é um modelo
da atividade real, mas sim um modelo da tarefa prescrita, muitas vezes elaborado sem a
participação direta do usuário final” (grifos dos autores). (SILVA e LIMA, 2005, p. 34).
Como nos dizem Crivellari e Melo (1989), os engenheiros dominam conceitos e termos
abstratos, porém sua forma de representação do real não foi apreendida no contato com a
experiência da produção e sua compreensão não é direta como a do operário e, embora o
encontro desses dois saberes não se faça sem dificuldades, ambos se mostram fundamentais
para o sucesso do processo produtivo.
Nesse sentido, a cada versão atualizada da tela, procura-se corrigir os erros das versões
anteriores do software, erros que podem ser atribuídos ao fato de se ignorar as características
da atividade dos usuários. Isso revela um problema metodológico.
Uma situação observada ilustra esse desconhecimento:
às vezes, a gente retira um campo da tela porque a gente acha que é melhor
para eles e aí o pessoal fica louco porque vocês tiram este campo (Ele está se
128
referindo ao módulo de o-conformidade). O Pedro (o desenvolvedor)
achou que a tela estava muito poluída, tinha muitos campos. Ele deduziu,
tem muito campo aqui, ninguém usa isto. Quando tirou, o pessoal quase bate
na gente, e tivemos que voltar com o campo. A gente não sabia que era
importante para eles (usuários) (tester).
Na tela tem um mbolo de FAQ, que contém as dúvidas mais frequentes dos usuários, além
de manuais de cada módulo do SPAP:
A gente deduz, imagina o que poderia gerar confusão; por exemplo, o nome
deste campo é muito técnico, se a pessoa não entende, onde ela vai procurar
o significado deste campo? No FAQ. Quando acaba a release, atualiza o
site e libera para usar. A gente manda um e-mail para todos falando que
fizemos mudanças no SPAP (desenvolvedor líder).
A utilização do manual poderia, na visão do user experience, sanar algumas das dúvidas dos
usuários. No entanto, “eles não consultam”. Nesse caso, é preciso ressaltar que a atividade dos
usuários é baseada na realização de ações práticas, implicadas no dia-a-dia do processo. Sua
relação com o software é operacional, ou seja, é estruturada na vivência prática do uso para
realizar determinadas tarefas. Ele apreende pela experiência concreta, e não pelas descrições
formais sobre o uso do software.
O user experience, ao chegar à empresa, abre o gerenciador de e-mail e verifica as
mensagens. Inicia pelos e-mails mais recentes. Os e-mails recebidos são classificados como
solicitações de sugestões de melhorias, de dúvidas e de erro. O educador de usuário registra
todas as solicitações. Ele recebe em torno de cinco a 10 e-mails/dia relativos ao SPAP.
O número de e-mails que apresenta dúvidas é maior, principalmente após a atualização das
telas, quando ocorrem alterações na tela, algumas oriundas das solicitações e outras decididas
pela equipe de desenvolvedores. A causa do aumento das reclamações nesse período decorre
do fato de o usuário, na maioria das vezes, não perceber as mudanças ocorridas, devido, como
129
já mencionamos, aos automatismos, como o caso da criação da seta indicando que ele
precisava clicar na seta para mudar de página quando o número de tarefas do usuário fosse
superior a 10 tarefas. O link foi projetado e era imperceptível para os usuários. Segundo um
dos entrevistados, “eu faço tudo tão automático que eu nem percebi a mudança”.
As solicitações recebidas são separadas em categorias: sugestões, dúvidas e erros. Esse
procedimento é, de acordo com o user experience, “para facilitar o trabalho”; isso porque
“tem coisas que as pessoas acham que é um erro, mas não é. Tem coisas que as pessoas
solicitam e já existe solicitação semelhante”.
A comunicação via e-mail consiste na principal forma para o usuário encaminhar sugestões,
reclamações e esclarecer dúvidas sobre o SPAP. Os e-mails são encaminhados para o user
experience e são de natureza diversificada.
A interação entre o user experience e o usuário ocorre também face a face, ou seja, quando o
usuário questiona diretamente ao user experience a sua dúvida.
Um extrato de entrevista ilustra como ocorre esta forma de interação: Um usuário chega à
mesa do user:
Usuário: - Eu tentei lançar hora ao longo do dia e não consegui, a coluna não fica habilitada.
Até falei para a Rosângela (pesquisadora) que, mesmo que se eu quisesse, eu não conseguiria
lançar ao longo do dia, só no final do dia.”
[O user experience atende o usuário o encaminha para o tester e pede para ele ir com o
usuário verificar o que está acontecendo].
130
[O tester vai até a mesa do usuário, solicita que ele faça o lançamento e diz para o usuário: já
sei o que está acontecendo: você não está salvando. Você inclui e por isso não aparece o
total de horas trabalhadas].
Ent.: - Como você faz o lançamento?
[ Usuário faz o lançamento]
Tester: Já sei o que está acontecendo
E: - O que está acontecendo
Tester: - Você não está salvando. Você inclui e por isso não aparece o total de horas
trabalhadas.
Na tela de lançamento existem dois botões: um para incluir as horas trabalhadas e um outro
para salvar, para confirmar as horas que o usuário lançou. No caso citado, o usuário não
clicava no botão “salvar”. Ele clicava no botão “salvar” depois que lançava as horas no
final do dia. Na verdade, ele somente incluía as horas que ele trabalhou, sem salvar, ou seja,
ele não confirmava as horas trabalhadas.
Nem todas as dúvidas encaminhadas ao educador dos usuários nos e-mails são compreendidas
por ele. Nesses casos, ele retorna o e-mail para o usuário e solicita que o mesmo envie um
desenho esclarecendo onde é o problema. Um exemplo dessa situação é a de um e-mail
recebido com o seguinte conteúdo: “Não estou conseguindo lançar hora, pois aparece uma
mensagem de erro”. O user experience, em voz alta, diz: “Oh? Está vendo? Que mensagem?
Ele não mandou a mensagem, como eu posso ajudá-lo”. O user experience respondeu ao e-
mail, solicitando que fosse anexada a mensagem de erro. Isso revela os limites da
comunicação mediada por computador.
Numa outra situação, o usuário diz a user experience:
User: - Está vendo este caso. (usuário manda a tela com o erro especificado) Quando eles
mandam a tela e eles apontam onde está o erro é mais rápido para responder.”
Ent.: “Rápido?”
131
User - É porque eu encaminho a solicitação dele para o pessoal (os desenvolvedores). Se
ele (usuário) não tivesse anexado a tela com o erro, eu teria que devolver o e-mail para ele
anexar o erro. Porque se você não responde logo, eles ficam te cobrando.”
Ent.: - Anexar a tela que apresenta erro é mais fácil.
User: - É, eu entendo melhor, eu identifico logo onde está o erro. Quando acontece do usuário
somente descrever sem anexar a tela, as vezes eu não entendo o problema.
Ent.: - Quando você não entende como você faz?
User: - Eu peço para ele anexar a tela, ou então, eu vou na mesa dele para saber o que está
acontecendo.
3.9 A visão dos que concebem o software dos motivos do atraso no lançamento de horas
Constatou-se que entre os membros da equipe e dos gerentes entrevistados existe uma visão
semelhante a respeito dos motivos pelos quais os usuários atrasam o lançamento de horas e se
expressam em termos psicologizantes. Ou seja, são explicações em termos psicológicos ou
culturais das dificuldades práticas relacionadas ao atraso no lançamento e deslocadas do
conhecimento sobre a atividade de desenvolvimento de software; deslocadas, portanto, de
uma ação. É comum a utilização de conceitos como: “preguiça”, “resistência”, “faz parte de a
natureza humana deixar tudo para a última hora”, “esquecimento” e “falta de organização”,
para explicar os motivos pelos quais os usuários se atrasam no lançamento de horas, seja no
ponto eletrônico, seja no lançamento de horas na tarefa, como pode ser evidenciado nos
relatos a seguir.
O que incomoda ele (usrio) é, por exemplo, este negócio de ele ter que
entrar numa tela, depois entrar em outra para chegar aonde ele quer, e isto o
irrita. Normalmente ele (usuário) pensa que deveria ser assim: a tela está na
minha frente. É só eu ir lá, clicar e entrar na tela.
É aquela história da lei do menor esforço. Eles não querem ter trabalho.
O usuário nunca está satisfeito. Às vezes, você pode até satisfazê-lo, mas é
por pouco tempo. Eu acho que isto é do ser humano. Normalmente, ele
nunca está satisfeito. Ele sempre quer mudar.
132
Você vê. A gente pode até conversar com a pessoa. Ela vai e fala: eu quero
que a tela tenha isto. Beleza! Você vai lá, faz e mostra para ela. Depois de
um tempo, não atende mais, porque é do ser humano essa coisa de não estar
satisfeito com nada.
Todos nós temos resistência ao que é novo. Às vezes, o pessoal estava
acostumado a fazer de um jeito. Aí, você muda e eles não gostam.
A gente não consegue entender por que eles atrasam, deixam tudo para a
última hora. Aí, tem gente que deixa para lançar horas na quarta-feira,
quando acontece o bloqueio, o SPAP cai e começam a enviar e-mail ou a
ligar, dizendo que o SPAP o funciona.
Na tela tem um menu de pendência que serve para mostrar que o lançamento
está atrasado.
O usuário é preguiçoso. Ele sabe que tem que preencher o ponto todos os
dias. Mas não faz.
Não para entender por que eles (usuários) não fazem o lançamento de
horas e de tarefas todos os dias.
Eles deixam tudo para a última hora. Não tem jeito. É coisa de brasileiro.
Trata-se, portanto, das representações de vários grupos sociais administradores, engenheiros
e gerentes – que estão colocados em posição objetivamente opostas à dos trabalhadores,
levando-os a julgar a priori os comportamentos dos usuários, ficando, portanto, obscuro o
sentido dos atos de trabalho, uma visão externa e objetiva do trabalho que se apóia apenas no
conhecimento do cotidiano, do senso comum.
Constatou-se, também, que os próprios usuários não estabelecem qualquer relação dos
motivos por que se atrasam com a atividade de trabalho. Alguns extratos de entrevista
ilustram bem essa situação:
O ideal é que a gente bata o ponto eletrônico todo dia. Informar as ações que
a gente realizou, senão tem que pedir autorização de horas adicionais. Não
faço diariamente, não. O máximo que passa é, às vezes, eu o bati ontem,
eu vou bater hoje. Eu esqueço, é mais de esquecimento. O que eu estou
tentando agora é tornar um hábito. Porque você tem que emitir uma
justificativa. É uma obrigação nossa (desenvolvedor).
133
É o esquecimento mesmo. Algumas equipes já colocaram regra para forçar o
pessoal. O pessoal da equipe de gerência precisa deste controle para saber o
que está caminhando e o que não está caminhando. Você somente pode
lançar suas atividades depois que você lançar horas. Eles têm tentado
organizar isto ao máximo. Cobra-se uma caixa de bombom de quem
demorar. A pessoa tem esta lembrança. Normalmente, eu lembro de lançar
quando eu estou indo para a faculdade. Ah, meu Deus, esqueci de lançar.
teve dia que eu tinha desligado o computador e chegar no corredor e
lembrar.
Eu acho que é falta de organização da gente.
A esse respeito, vale lembrar Vermersch (1990), quando diz que o ator não é um bom teórico
de sua ação: a priori, o sujeito não é um bom teórico de sua própria atividade. Somente o
conhecimento daquilo que ele faz realmente permite avaliar a pertinência do discurso que ele
tem sobre suas próprias ações” (p. 229).
Do ponto de vista da atividade, como pode ser visto no campo da ergonomia, a explicação
para a questão da resistência, da rejeição dos que utilizam software é encontrada no
esgotamento da capacidade cognitiva e no fracasso da estratégia operatória para dar conta da
tarefa. Portanto,
se adotada a abordagem psicologizante, o indivíduo é levado a mergulhar em
seus próprios sentimentos e processos psíquicos, eventualmente em seus
traumas psicofamiliares. Na contracorrente, o entendimento daão em
situação permite ao indivíduo revelar a trama complexa de seu
comportamento diante das exigências do trabalho, resultante de diversas
lógicas em jogo (às vezes, em conflito): do trabalhador, do coordenador, da
chefia, do usuário, do sistema, da organização (CASTRO et al., 2006, p. 85).
A forma como se explicam as razões do atraso no lançamento de horas revela que os que
concebem o software, apóiam-se em paradigmas do conhecimento do cotidiano, do senso
comum, que se fundamentam em uma visão do tecnicismo.
134
Quando a gente faz uma modificação na tela de lançamento é porque a gente
sabe que vai ser bom para o usuário. A gente tenta fazer o melhor. A gente
sabe que tem gente (usuário) que vai reclamar durante um tempo, mas depois
ele vai se adaptar às modificações. É uma questão de tempo, como tudo na
nossa vida (desenvolvedor da equipe de desenvolvimento de software).
Isso não quer dizer que o saber do cotidiano, do senso comum, seja “arbitrário, subjetivo ou
falso, opinativo, ou tudo mais que se possa contrapor à ‘objetividade’ da ciência”, mas que
eles são diferentes (LIMA, 1998, p. 6).
Um conhecimento ganha status de “ciência” na medida em que, de uma forma ou de outra,
esse conhecimento se diferencia, em certos momentos, do saber do senso comum. Ou seja, um
conhecimento é científico quando é capaz de explicar o que escapa à compreensão do saber
imediato. Assim, por exemplo, a ciência nos diz que a Terra gira em torno do Sol, e não o
contrário, como nos fazem crer nossos sentidos.
Isso significa que não é errado, da perspectiva do cotidiano, dizer que o Sol gira em torno da
Terra quando se acompanha o passar do tempo entre o “nascer” e o pôr-do-sol. Ou, que o
saber do sendo comum seja arbitrário, subjetivo, falso, ou tudo mais que se possa contrapor à
objetividade da Ciência (afinal de contas, quando nos orientamos pelo Sol, de fato,
consideramos que ele gira em torno da Terra, nasce e se põe). A questão não é contrapor saber
cotidiano e ciência, mas apenas entendê-los como diferentes (LIMA, 1998, p. 6).
Como observa Lima (1998), “a Ciência se constitui num conhecimento que transcende de
algum modo a percepção imediata e o senso comum, às vezes, sendo até mesmo contrária a
estes” (p. 6). O autor, exemplificando, cita a etnografia, que nos ensina “como uma sociedade
pode continuar a se reproduzir com base nos conhecimentos e explicações autóctones, ainda
que o antropólogo explique de outra forma a lógica constituinte desta sociedade” (p. 6 ). Com
135
efeito, “este olhar não natural do observador pode desnudar de tal modo as bases implícitas da
ordem social analisada que esta não poderia mais se reproduzir da mesma forma, caso aquela
consciência fosse incorporada ao saber e à prática quotidianos (p.6).
O autor prossegue dizendo:
Se seguirmos nesta questão a epistemologia tradicional e em particular
Descartes, para quem “o bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada”, os erros e a diversidade de
opiniões sobre um assunto qualquer se explicarão antes de tudo pela falta de ‘método’ na condução do
raciocínio (p.6).
No entanto,
se adotarmos uma posição mais ontológica quanto à questão da veracidade
do conhecimento, e seguindo aqui Marx, será preciso aceitar que não é
possível atribuir qualquer objetividade ao conhecimento que é separado da
prática. Além disso, conforme o conhecido aforismo de Marx “toda ciência
seria supérflua se a essência das coisas e a sua forma fenomênica
coincidissem imediatamente”, caso em que o seria preciso desvendar
nenhuma lógica subjacente ou obscuridade não imediata. Também segundo
Paulo Freire, o que se mostra como evidente é que deve ser explicado
(LIMA, 1998, p. 6).
Comumente, o cotidiano está associado à rotina, à repetitividade ou ao automatismo dos
comportamentos de natureza reflexa (LIMA, 1998, p. 4). A vida cotidiana é a vida dos
mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os dias, como levantar nas horas certas, almoçar,
jantar, beber, ler jornal, realizar as atividades domésticas, trabalhar, ir para a escola, rezar,
fumar, assistir à televisão etc., enfim, atividades que se caracterizam pelo gesto mecânico e
automatizado, e não pela consciência. Poucas são as pessoas que conseguem romper ou
suspender esse cotidiano para concentrar as suas forças em atividades que as elevem desse
cotidiano, permitindo-lhes “a sensação e a consciência de ser homem total, em plena relação
com o humano e a humanidade de seu tempo” (NETTO e CARVALHO, 1994, p. 23).
136
Os princípios elementares de organização da vida cotidiana são resumidos por Netto e
Carvalho, que seguem Lukacs. Lukacs identifica as determinações fundamentais da
cotidianidade como
a) a heterogeneidade: a vida cotidiana configura o mundo da
heterogeneidade. Interseção das atividades que compõem o conjunto das
objetivações do ser social, o caráter heteróclito da vida cotidiana constitui
um universo em que, simultaneamente, se movimentam fenômenos e
processos de natureza compósita (linguagem, trabalho, interação, jogo, vida
privada etc.);
b) a imediaticidade: como os homens estão agindo na vida cotidiana, e esta
ação significa responder ativamente, o padrão de comportamento próprio da
cotidianidade é a relação direta entre pensamento e ação; à conduta
específica da cotidianidade é a conduta imediata, sem a qual o automatismo
e o espontaneísmo necessários à reprodução do indivíduo enquanto tal
seriam inevitáveis.
c) a superficialidade extensiva: a vida cotidiana mobiliza em cada homem
todas as atenções e todas as forças, mas não toda a atenção e toda a força; a
sua heterogeneidade e imediaticidade implicam que o indivíduo responda
levando em conta o somatório dos fenômenos que comparecem em cada
situação precisa, sem considerar as relações que os vinculam (NETTO e
CARVALHO, 1994, p. 67).
Em relação à imediaticidade, Lima (1994) considera que a relação é inversa, ou seja, sem os
automatismos e a espontaneidade próprios da vida cotidiana, é a reprodução do indivíduo que
se tornaria inviável. Observa, ainda, que um dos aspectos da experiência consiste em adquirir
comportamentos e atitudes relativamente padronizados, que sejam efetivos diante de situações
típicas. Contudo, não se pode esquecer que é preciso também saber discernir as
particularidades das novas situações.
Também se referindo a “superficialidade extensiva”, Lima (1998) que as afirmações acima
são corretas apenas parcialmente, uma vez que, pelo menos as relações mais imediatas devem
ser percebidas e integradas na ação. Comumente, na análise do autor, isso ocorre por meio de
automatismos que foram interiorizados nos hábitos do corpo ou da mente, dando a impressão
137
de reações imediatas e puramente circunstanciais. Além disso, mesmo as relações mais
profundas são percebidas, embora falta toda uma série de mediações que faz com que as
relações causais de natureza social sejam psicologizadas.
Por esse motivo, torna-se necessário buscar compreender como teoria e prática podem se
enriquecer mutuamente e superar as limitações tanto do cotidiano preso ao conhecimento
prático imediato quanto da teoria separada da prática, o que a diferencia das abordagens
mecanicista/funcionalista. Não se pode deixar de mencionar Giddens (1978), que nos lembra:
os estoques de conhecimento rotineiramente utilizados pelos membros da
sociedade para fazer o mundo social inteligível dependem de um tipo de
conhecimento pragmaticamente orientado, amplamente aceito como certo ou
implícito: isto é, um “conhecimento” que o agente raramente é capaz de
expressar de forma proposital, e para o qual os ideais da ciência precisão
na formulação, conseqüência lógica, definição léxica clara não são
importantes (p. 56).
Pode-se questionar, como indaga Lima (1998), se a ciência procede segundo esses ideais, mas
de qualquer forma o caráter prático e contextualizado do conhecimento cotidiano marca a sua
diferença dos conhecimentos científicos abstratos. Aliás, para esse autor, daí a necessidade de
ambos estabelecerem relações de complementaridade, sem as quais não se pode transformar a
vida cotidiana ou se comprovar a validade dos conhecimentos abstratos, por exemplo, quando
uma regra (lançar horas) se defronta com outras lógicas heterogêneas.
Ao voltar-se para a realidade concreta de trabalho dos usuários, pode-se atribuir o atraso no
lançamento de horas, seja no ponto eletrônico, seja no lançamento de horas na tarefa, aos
entraves gerados pela forma como o software, módulo Lançamento de Horas, foi concebido,
desconsiderando a complexidade que envolve a atividade dos usuários.
138
3.10 A atividade do desenvolvedor versus tarefa de lançamento de horas
A atividade de desenvolvimento de software é uma atividade intelectual, complexa, que exige
atenção, concentração, criatividade, sendo, portanto, incompatível com a atividade de lançar
horas tanto no ponto eletrônico quanto na tarefa. Assim,
pela própria natureza da atividade de programação, que exige certo grau de
criatividade, o principal meio de trabalho (a despeito das metodologias
atualmente existentes) é a capacidade intelectual, entendida aqui como o
domínio de certos conhecimentos de informática e de uma prática
profissional capaz de fundi-los em modelos novos para novas situações
(TAVARES, 1983, p. 223).
Como nos disse um desenvolvedor, “desenvolver é um trabalho que está dentro da cabeça da
gente, que depende muito da nossa concentração, da nossa criatividade”.
A criatividade da atividade dos desenvolvedores está relacionada “em conseguir construir
regras formais a partir das demandas específicas do usuário, considerando as situações
singulares em que este atua”. Por esse motivo, “a geração de software não é apenas a
codificação de um conjunto de dados e regras, trata-se de uma atividade que exige transformar
uma linguagem prática em uma linguagem formal, de códigos, o que torna sua atividade
complexa e difícil” (LEAL e LIMA, 2007, p.113-114).
Uma outra característica da atividade dos desenvolvedores é que
as coisas não se passam exatamente como pretende a teoria. Primeiramente,
não somente o objetivo a atingir não é perfeitamente definido no início, mas
ele sofre ao longo do desenvolvimento vários remanejamentos essenciais.
Em seguida, os objetivos intermediários que levam ao objetivo final podem
adquirir, ao cargo dos processos de resolução de problemas, um peso tal que
todos os termos do problema são transformados (LÉVY, 1992, p. 44-45).
139
Dada a complexidade que envolve a atividade dos desenvolvedores, “quando a gente perde a
linha de raciocínio, quando, por exemplo, a gente é interrompido, é muito estressante”
(desenvolvedor). Algumas das dimensões da complexidade das tarefas dizem respeito às
abstrações, ao tratamento de um número grande de dados, as antecipações, as interferências e
às coordenações.
Como nos disse um tester, “o trabalho exige muita atenção. Eu tenho que ser muito crítico.
Tenho que ter muita paciência. Às vezes, a gente fica muito irritado, porque um erro, vojá
mostrou para o desenvolvedor 10 vezes e ele continua acontecendo. Você tem que ter muita
paciência.”
Pode-se dizer que os usuários se encontram diante de um tempo subjetivo e um tempo
objetivo. O primeiro refere-se à atividade dos usuários, o desenvolvimento de software, no
qual o sujeito se coloca por inteiro, e, no segundo caso, é a gestão do externo, das
contrariedades, é a divisão do sujeito.
3.11 A concepção inadequada do software e os efeitos para o sujeito
A concepção inadequada do software, resultante da lacuna metodológica, faz com que o uso
do software seja um entrave para a atividade dos usuários-desenvolvedores e,
conseqüentemente, com efeitos para os processos cognitivos de atenção e memória. Nesse
sentido,
os artefatos parecem jogar papéis diferentes segundo o ponto de vista que
eles ocupam. O observador externo que olhasse um usuário utilizando um
artefato para executar uma tarefa qualquer adota o ponto de vista do sistema,
a estrutura complexa tomada pela pessoa e o artefato no momento de
preenchimento da tarefa. Por outro lado, o usuário adota um ponto de vista
140
diferente, o da pessoa, como o artefato modifica a tarefa que devo executar.
Assim, do ponto de vista do sistema olha-se para o conjunto do sistema
Pessoa, tarefa e artefato. Sendo assim os artefatos cognitivos precisam de
uma interface diferente. O estilo e a forma da interface determinam as
condições de uso do instrumento (NORMAN, 1993, p. 21).
3.11.1 Custo da interrupção
A interrupção na atividade de trabalho do desenvolvedor para o preenchimento do lançamento
de horas é entendida como mudanças de orientação cognitiva provocadas pelas paradas na
atividade que estava sendo realizada pelo usuário.
Você interromper o que você está fazendo para lançar hora é um saco. Este
negócio de, por exemplo, 10 minutos fazendo uma coisa no contrato, tem
que lançar, se ficar uma hora em outro contrato tem que lançar. É um saco
(Desenvolvedor).
Este negócio de ficar lançando tudo que você fez me a maior preguiça
(desenvolvedor).
Às vezes, acontece da gente trabalhar tanto que a última coisa que lembro é
de lançar hora (desenvolvedor).
Para um outro entrevistado:
Usuário: - Está vendo quando isso acontece (interrupção), eu perco a linha de raciocínio, eu já esqueci
o que eu estava fazendo.
Ent.: - Esquece o que estava fazendo?
Usuário: Eu não me lembro onde eu estava. Aí, demora uns 10 minutos para eu lembrar.
Para Norman (1991), as interrupções no fluxo da atividade exigem um esforço consciente de
atenção sobre a tarefa. A perturbação traz à consciência a atividade perturbada, mesmo
quando esta não é mais o centro da atenção principal. Esse fenômeno pode ter efeito negativo
sobre a tarefa a executar. As perturbações desse tipo podem levar a erros desde que a
atividade perturbada interfira sobre a manutenção da memória ativa para a tarefa. Como nos
141
disse um desenvolvedor, quando interrompe o que a gente está fazendo, ao retornar, fica
difícil, a gente perde o foco”.
Por esse motivo é que a grande maioria dos usuários observados (95%) fazem o lançamento
de horas de única vez, seja no final do dia, ou no início do outro dia, ou somente no dia do
bloqueio, o que diminui o tempo de interrupção da atividade, diminuindo o custo cognitivo
que a interrupção acarreta. Além disso, o lançamento de hora exige atenção e raciocínio.
É no final do dia que eu faço o lançamento. Eu tenho outras coisas para
fazer, ao invés de ficar vindo no SPAP toda hora. Eu prefiro lançar tudo de
uma única vez (desenvolvedor)
Esse negócio de lançar um pedaço, pára, lanço outro pedaço, pára, lança
outro. entendeu? É chato. Lançar de uma vez, significa que você está
ligado só no lançamento (desenvolvedor).
É muito chato fazer esse levantamento. Eu prefiro lançar uma única vez.
Assim, para alguns usuários, “acho que tantas horas a tela deveria abrir automaticamente,
tinha que automatizar” (tester). Segundo um outro desenvolvedor “ Se fosse automático, seria
mais fácil.
3.11.2 Atenção dividida
A atenção é vista como o processo que permite a captação e o tratamento ativo de
informações (STERNBERG, 2000). Diversas são as teorias encontradas para a compreensão e
explicação das funções da atenção.
Atenção dividida é caracterizada nas situações nas quais distribuímos os recursos de atenção
disponíveis para coordenar nosso desempenho em mais de uma tarefa ao mesmo tempo.
142
Freqüentemente, consegue-se engajar em mais de uma tarefa ao mesmo tempo e, nessas
situações, os recursos da atenção são distribuídos criteriosamente de acordo com a
necessidade, como é o caso dos sujeitos da nossa pesquisa, que têm que executar ao mesmo
tempo duas tarefas de natureza distintas, lançamento de hora e desenvolvimento de um
sistema.
A realização de duas tarefas simultaneamente, de natureza diferente e complexa, envolve o
fenômeno da atenção dividida:
O que acontece quando as pessoas tentam realizar duas coisas ao mesmo
tempo? Obviamente, a resposta dependerá de a que “coisas” estamos nos
referindo: em algumas situações, a tentativa é bem-sucedida, como quando
um motorista experiente dirige um carro e, ao mesmo tempo, mantém uma
conversa, ou quando um jogador de tênis cuida a posição de seu oponente ao
mesmo tempo em que está correndo à toda velocidade e se preparando para
golpear a bola. Entretanto, outras vezes – por exemplo, quando alguém tenta
esfregar a barriga com uma mão enquanto toca a cabeça com a outra mão, ou
um motorista aprendiz tenta controlar um carro enquanto conversa poderá
ocorrer uma interrupção completa da tarefa (EYSENCK e KEANE, 1994, p.
99).
A teoria dos recursos da atenção é a que melhor explica a atenção divida. Essas teorias se
distanciaram da noção dos filtros bloqueadores ou atenuadores de sinais em direção à noção
da partilha de recursos limitados da atenção. Essa teoria ajuda-nos a explicar como realizamos
mais de uma tarefa que exige atenção ao mesmo tempo. A idéia é a de que as pessoas têm
uma quantidade fixa de atenção, que decidem distribuir de acordo com o que a tarefa exige.
Esse modelo, segundo Sternberg (2000), parece ser uma supersimplificação, porque os
indivíduos são muito melhores na divisão de sua atenção quando as tarefas competidoras são
de diferentes modalidades.
143
Por exemplo, a maioria dos sujeitos pode facilmente ouvir música e concentrar-se em
escrever, simultaneamente, mas é mais difícil ouvir o noticiário e concentrar-se na escuta ao
mesmo tempo, porque ambas são tarefas verbais, ou seja, da mesma modalidade. Para o
mesmo autor, as palavras do noticiário interferem nas palavras que você está pensando.
À medida que cada uma das tarefas complexa torna-se progressivamente automatizada, a
execução de cada tarefa faz menos exigências aos recursos da atenção de capacidade limitada.
Nesse sentido é que, para os usuários entrevistados, “o ideal é que o lançamento de horas
fosse automático”.
Desse modo, entende-se a funcionalidade da música presente na situação de trabalho dos
desenvolvedores. Durante as observações, verificou-se que é comum a utilização da música
como uma estratégia de isolar-se das interferências presentes, como: telefone tocando ou um
colega que conversa ao lado. O distanciamento proporcionado pela música permite que “a
gente fique isolado e pode concentrar-se no nosso trabalho. Senão, é difícil concentrar, é
telefone tocando toda hora, é gente te perguntando as coisas, é gente chamando para tomar
café, é gente ao seu lado conversando” (Desenvolvedor).
Portanto, ouvir música e concentrar-se na tarefa é decorrente da prática, uma vez que
muitos processos que inicialmente requerem atenção e concentração se
tornam automáticos com a prática. Na verdade, o automatismo
provavelmente é uma questão de grau não somos completamente
automáticos, mas antes, mais ou menos automáticos em nosso desempenho,
dependem de quanta prática tivemos (NORMAN, 1991, p. 224).
144
A funcionalidade da música serve como uma barreira que os ajuda a evitar a distração, que os
usuários não controlam.
3.11.3 Memória
Na realização de duas tarefas simultâneas, além da atenção dividida, estão envolvidas as
necessidades de manutenção temporária de informação na memória, um tipo de memória que
possibilita aos sujeitos manterem as informações por um determinado tempo:
Você está concentrado, por exemplo, tendo resolver um bug (erro). Aí, chega
na quarta-feira, dia do bloqueio, e você tem que lançar hora. Aí, você olha
para a tarefa e diz: eu não sei quanto tempo trabalhei, ai você tenta lembrar,
olha e-mail, puxa da memória e nada, não lembro (Desenvolvedor).
O que é difícil quando para lançar hora é lembrar onde você estava
(Desenvolvedor).
Guérin et al. (2004, p. 57-58) falam de três modalidades da memória humana:
O registro da informação sensorial:
- trata-se da retenção da totalidade das informões extraídas pelos sentidos
por um período muito curto (alguns décimos de segundo), permitindo seu
tratamento e interpretação.
A memória de curto prazo:
- o volume de informação que pode ser voluntariamente conservado na
memória de curto prazo é bastante limitado. Essa memorização não conserva
a totalidade das características da situação, nem sua forma inicial.. É
resultado de uma filtragem e de uma transformação.
- a memória de curto de prazo tem baixa capacidade e é sensível às
perturbações exteriores;
A memória de longo prazo:
- a memória de longo prazo demonstra ter, ao contrário, uma capacidade
“ilimitada”. A memorização não se limita a informações verbalizáveis ou
visuais: existe uma memória dos cheiros, das sensações do corpo, mas
também de esquemas de ações mais ou menos complexos. A principal
propriedade da memória de longo prazo reside na impossibilidade, para o
operador e a fortiori para o observador, de saber se uma informação está ou
não na memória. O fracasso em se lembrar é freqüentemente o fracasso do
145
método empregado para reencontrar a informação. Algumas vezes, as
perguntas de uma terceira pessoa podem ajudar essa busca de informações
na memória (p. 57-58).
Ainda segundo os autores,
um dos mecanismos eficazes de mobilização de elementos memorizados é a
associação de idéias, que permite lembrar uma situação “parecida” com a
que se apresenta no momento. Essa capacidade constitui um dos pontos
fortes do tratamento humano da informação, mas coloca também problemas,
uma vez que todos os saberes potencialmente disponíveis na memória do
operador não estão ativos num determinado momento. É o encadeamento de
ações do operador e a evolução das configurações da realidade que ativam o
funcionamento desses saberes. A memória é também mobilizada para
produzir comparações, deduções, raciocínios lógicos complexos (p. 56).
3.11.4 Diferenças entre departamentos
As diferenças presentes em todas as situações de trabalho decorrentes do tipo de função, do
tipo de projeto dos locais e das características dos usuários, em que a atividade se desenvolve
não são contempladas no desenvolvimento do módulo de lançamento de horas.
Como nos disse um tester,
Não existe aquele acompanhamento de você ficar ao lado do usuário, tem
muita coisa para fazer, não dá tempo de ficar acompanhando o usuário.
[Além do mais] tem aquela questão, se você é muito democrático, você não
chega a lugar nenhum. Se você for tentar acompanhar o usuário e tentar
fazer exatamente do jeito que ele quer, pode acontecer de ficar usável para
uns e para outros não ser .
Como ele ressalta,
O pessoal gostaria que fosse uma coisa automática, clicar num botão ao
invés de ficar digitando a hora que você entrou. Por outro lado, você pode
colocar a hora que você entrou, facilita porque às vezes você chegou, mas
está fazendo alguma coisa pessoal, olhando um e-mail, e não quer que
146
aquela hora seja contada, então não pode ser automática a não ser que
houvesse a possibilidade de alterar. Se for uma coisa automática, você não
pode alterar.
Para exemplificar os motivos pelos quais é inviável conhecer o trabalho do usuário, ele usa a
seguinte metáfora:
Quando você vai numa loja comprar sapato, você chega e diz: eu quero
comprar um sapato, mas não sei que sapato eu quero. Se ela (vendedora) te
mostrar a loja toda, você vai ficar com dúvida. Agora, se ela apresenta um
modelo e se te agradar, você resolveu o seu problema. Assim é a com a
questão da tela. Eu tenho este modelo aqui que é mais fácil para você.
Um exemplo são as atividades desenvolvidas no Departamento de Automação Industrial. A
atividade de trabalho na Divisão de Automação Industrial (DAI) é distinta das atividades
desenvolvidas no Departamento de Tecnologia da Informação; no entanto, o software é o
mesmo para os dois departamentos, desconsiderando-se as especificidades de cada um,
contribuindo para a não aceitação do software.
Dentre os usuários do SPAP, os usuários desta divisão são os que mais apresentam
reclamações, de acordo com o user experience. Isso ocorre porque toda parte de gerência de
projeto que existe na empresa está voltada para o trabalho dos usuários lotados na Divisão de
Tecnologia Informacional (DTI). Como nos diz um gerente,
São eles (usuários do DTI) que trabalham com conceitos de projeto, que são
as metodologias de estória, de release, de iteração. Esses conceitos, no
entanto, para os usuários do Departamento de Automação que realizam
atividades diferentes das dos usuários do Departamento de Tecnologia
Informacional não têm sentido. Contudo, o software é o mesmo para os dois
departamentos.
Segundo o gerente, a empresa começou a se desenvolver na área de TI (Tecnologia
Informacional), que é diferente das outras áreas da empresa.
147
Lá, no Departamento de Tecnologia Informacional, o filho (SPAP) saiu à
semelhança do pai. Lá, é natural, porque esta é a missão deles, no DNA
deles, que o melhor é dividir em release. Então, o SPAP é uma ferramenta
que reflete algo que eles buscam. Existe divergência, para nós
(Departamento de Automação) é difícil enquadrar a nossa realidade da forma
como o SPAP é. A gente tenta, a gente faz algumas simplificações e usa. A
gente simplificou: lança tudo relacionado a um projeto numa mesma tarefa.
O motivo da resistência do pessoal está aí. Este negócio (SPAP) não foi feito
para mim.
No caso da Divisão de Automação, “não é tão fácil assim dividir em estórias, em release,
porque eu tenho uma fábrica, eu tenho que entregar tudo funcionando, eu não posso entregar
uma parte funcionando, no entanto, a gente tem que enquadrar nossa realidade à deles”
(gerente) Ele cita como exemplo a automação de monolíticos
13
.
Eu estou fazendo automação de monolíticos, não tem jeito de eu fazer
abastecimento porque a fábrica tem que estar funcionado. Não tem jeito de
eu falar assim, um release vai ser o abastecimento. Eu coloco o
abastecimento para funcionar e depois faço o restante. Por exemplo, a gente
automatizou uma linha toda de produção. Então, a partir do momento que
paro uma fábrica, eu tenho que fazer tudo de uma vez. Eu paro a fábrica, ela
pára de produzir, eu tenho que fazer tudo de uma vez, não para fazer
picado, release, não dá porque a linha não é um release, é diferente de
software, que é tudo virtual. É em automação que mexemos com hardware é
bem mais difícil.
Uma outra característica da Divisão de Automação reside no fato de os usuários terem que se
deslocar constantemente, uma vez que a empresa presta serviço para diversas empresas
brasileiras localizadas em outros países.
A nossa dinâmica é muito diferente da do pessoal do Departamento de
Tecnologia Informacional. Uma coisa é você estar no escritório, você tem
uma rotina. O trabalho da gente, não. É uma loucura. Tem lugar, por
exemplo, que não tem hotel direito. A gente, às vezes, tem que virar a noite,
não tem internet e a pressão do cliente é violenta, a fábrica está parada.
Lançar hora é a última coisa que a gente vai pensar (desenvolvedor).
13
Monolítico é o nome dado a um projeto e referente ao nome de uma empresa que estava sendo
automatizada.
148
No caso do Departamento de Automação Industrial, é permitido que uma secretária faça o
lançamento de horas para os usuários que estão em outras cidades a serviço. Essa permissão
foi autorizada para atender a uma demanda dos usuários que necessitam se ausentar
constantemente para viajar a serviço da empresa.
Às vezes, a pessoa está em Carajá, por exemplo. Eles falam que não
tem água e nem luz. Como eles vão lançar horas? Eu fui contratada para
fazer o lançamento de horas deles. Olá, aqui (tela de lançamento), eu estou
lançando hora para este funcionário que está em Vitória, ele me enviou
por e-mail (Secretária ).
A especificidade da atividade dos desenvolvedores do suporte técnico ilustra uma outra
situação em que a especificidade da atividade dos usuários não é contemplada no software:
Aqui no suporte, o gerenciamento tem uma receita definida e o custo é fixo,
porque o pessoal fica lotado aqui o tempo todo, não faz diferença está
trabalhando a mais ou a menos numa determinada tarefa. Faz diferença, mas
não tanto quanto no projeto, porque, de certa forma, a receita varia um
pouco, mas já tem nível preestabelecido, e o custo tamm. Agora, o projeto
não. O projeto tem a receita e o custo mínimo. Por isso, precisa de
gerenciamento mais forte, porque, se o custo está subindo mais rápido do
que o esperado, a pessoa que está gerenciando o projeto tem por obrigação,
se for o caso, negociar o projeto, mas este não é o nosso caso.
3.11.5 Uso de instrumentos paralelos e sua função instrumental
A concepção inadequada do software induz à criação de instrumentos paralelos. Estes
funcionam como uma ajuda para a execução da tarefa (função instrumental). Nesse sentido,
eles funcionam como alternativas reais de transformação dos objetos da atividade, como
suporte para ações dos usuários para gerir as dificuldades decorrentes da inadequação do
software.
149
Durante as observações, pude verificar a utilização de um caderno de anotações ao lado do
computador. A escolha do caderno apareceu como estratégia para outros cinco dos 20
desenvolvedores observados.
Um usuário registra no caderno as tarefas executadas para não esquecer. Eu
tenho que criar uma Planilha, como alguns fazem, mas eu prefiro o meu
caderno, está do meu lado, fica aberto. Eu anoto nele, depois é copiar as
informações para a tela (user experience).
Aqui no caderno, eu vou anotando tudo que eu fiz para eu não esquecer
depois, o que eu fiz. Anoto a tarefa e também as horas que eu gastei nelas.
Eu uso porque eu não consegui lembrar de tudo que eu fiz no dia.
Antigamente, a gente lançava as horas assim, numa folha de papel igual eu
faço no caderno. E era bom, porque não tinha que ficar entrando em um
monte de tela, como é hoje, para lançar horas. Você tinha o papel e não tinha
problema. Você registra e depois uma pessoa da Divisão de Pessoal recolhia.
A principal vantagem que o caderno oferece em relação a outros instrumentos está
relacionada ao fato de poder. Segundo os entrevistados, “ficar perto do computador, ao lado, é
só pegar a caneta e anotar, não tem quer entrar em nenhuma tela [SPAP]”.
Além disso, anotar as horas no caderno funciona como um “lembrete” que auxilia os usuários
a recuperarem as informações na memória.
Eu vou anotando porque, se eu não fizer isso, depois eu não vou conseguir
lembrar o que eu fiz. Eu comecei a fazer isso porque aconteceu de chegar
na quarta-feira e eu não conseguir lembrar de quantas horas eu gastei nas
tarefas, o que eu tinha feito, aí já viu, tinha que chutar (Desenvolvedor).
Outros desenvolvedores preferem o uso de uma planilha para registrar as tarefas executadas e
o tempo gasto em cada tarefa. Trata-se de um programa, Excel, no qual também são lançadas
as horas na tarefa.
150
Eu criei uma planilha para lançar o que eu fiz o dia inteiro e as horas que
gastei em cada tarefa. Olha (mostra a planilha), ela fica aberta o dia inteiro.
Quer ver? 9 horas agora. Eu vou colocar aqui, conversando com a Rosângela
(pesquisadora). Quando a gente terminar, eu vou e lanço o final, e esta
coluna, aqui, me mostra quantas horas eu gastei com você. O pessoal tem
preguiça de fazer o lançamento de hora na tarefa e acaba deixando para o
final do dia ou no outro dia. Será que eles vão lembrar de tudo que eles
fizeram? Eu sei de gente que acaba chutando as horas porque não lembra do
que fez. Por isso, eu criei esta planilha para eu não esquecer. Eu anoto tudo
que faço e as horas que gastei em cada tarefa. O pessoal fica estressado com
este negócio de lançar hora (Tester).
Uma outra equipe de um projeto também recorre a uma outra ferramenta:
Usuário: a gente utiliza uma outra ferramenta, que não o SPAP. Um grupo
de e-mail que chama CVS, é um servidor. Por exemplo, se ele corrigiu, ele
vai jogar no nosso servidor. Eu sei que no1209 (código do projeto), que é
uma solicitação nossa, a gente fala que ele atualizou o servidor com a
correção dele. Às vezes, ele não lança hora no SPAP. A gente tem este
artifício aqui, para saber se ele jogou as informações lá. Esta ferramenta
faz este controle de quem está mexendo em que, quem salvou o que. Faz este
controle, a gente tem a possibilidade de verificar se a gente fez alguma coisa
errada, ou a gente tem que voltar em algum momento. Esta ferramenta nos
permite isto. Nós optamos, escolhemos esta ferramenta. A gente gostaria de
receber e-mail informando o que estava sendo feito, e este e-mail é
distribuído por toda a equipe. Salvar as informações aqui é mais fácil do que
olhar no SPAP.
Ent.: Mais fácil? O que é mais fácil?
Usuário: Porque é automático. Por exemplo, terminou de trabalhar, é igual.
Você está digitando um documento no Word. Quando ela salva, você está
dizendo, eu quero que isso salve, este documento. A Ana salvou. Ela falou
que o projeto dela está pronto. Então, é automático. O CVS é a ferramenta de
trabalho diário, a gente tem digitador de texto, que é o Word, que fica aberto
o dia inteiro.
Segundo um outro usuário,
Nós (equipe de trabalho) estávamos mexendo em um armário desses antigos
e achamos como era feito o lançamento de horas, o que veio primeiro e era
feito à mão. Você fazia o lançamento e passava para o outro, falava quantas
151
horas você gastou e pronto, destacava a folha e passava para o outro. Acho
que muita gente iria se adequar melhor neste sistema, porque muita gente
aqui anota no caderno o que faz. Então, não teriam dificuldades. Era simples
mesmo, era um caderno mesmo. Aí, você ia escrevendo a tarefa, o tempo,
provavelmente tinha um cc (centro de custo). Para quem tem o hábito de
lançar e anotar no caderno, ele anotaria na folha e pronto. Você vê, não exige
nenhum esforço, o lado burocrático (criar release, interação, a tarefa tem que
estar no dia certo).
Esse mesmo usuário criou um sistema denominado por ele de “Apont-o-matic”. Trata-se de
um sistema que tem como função contar horas das tarefas que estão sendo realizadas. Desse
modo, “eu não preciso ficar preocupado em guardar quanto tempo eu gastei na tarefa. Por
exemplo, estou conversando com você agora (pesquisadora), eu digito isso e pronto, ele está
contando as horas. Depois que você for embora, eu coloco aqui, entrevista e pronto”.
Para esse usuário, o sistema tem a função de ser um “lembrete” para ajudá-lo no lançamento
de horas. Nesse sentido, “facilita por ser um lembrete porque antes eu teria que colocar num
caderno ou numa planilha, mas, na hora de lançar, eu não tenho alternativa, tenho que criar a
tarefa e lançar”.
Eu fiz para mim mesmo, porque eu não tinha controle, eu o conseguia
lançar hora todos os dias. Agora, quando eu lanço, eu lanço na tarefa certa e
a hora certa. Antigamente, era um chute. Você tem um ritual, toda semana
você tem que falar quanto tempo você trabalhou em cada tarefa. Ai, eu
trabalhava a tarde inteira nesta coisa e lançava quatro horas e fica uma coisa
muito subjetiva. Eu continuo tendo problema do lançamento não ser diário,
de não estar atualizado. Mas agora, quando eu lanço, eu lanço certo. Na
verdade, eu não queria ter que lançar horas.
A criação de instrumentos paralelos pode ser entendida como estratégias cognitivas para dar
conta das exigências da tarefa de lançamento de horas. Eles funcionam como “recurso
informal” para reduzir a carga de trabalho e além disso, exerce a função mediadora na
interação sujeito-meio, ajudando o usuário a construir o seu modo operatório.
152
Em síntese, pode-se afirmar que os instrumentos paralelos, criados pelos usuários, podem ser
entendidos como instrumentos psicológicos (RABARDEL, 1995) desempenhando uma
função operativa importante.
Por meio desta pesquisa, pode-se constatar, utilizando o método de análise da atividade e
entrevista em autoconfrontação, que as explicações das razões pelas quais os usuários atrasam
o lançamento de horas acabam caindo nas representações do senso comum, mesmo sendo eles
os próprios especialistas.
O estudo mostra a inadequação do procedimento metodológico empregado, qual seja: um
software ser concebido a partir da representação dos projetistas sem a participação direta do
usuário final. Essa representação vai se apoiar, portanto, no senso comum. O aspecto inovador
da presente tese foi estudar um software desenvolvido para especialistas em informática, e
não para usuários leigos. Sendo assim, o fato de os usuários serem leigos não pode ser
evocado para explicar as razões de atraso no lançamento de ponto. A identidade
sociofuncional entre analistas e usuários-desenvolvedores permitiu identificar as
representações sociocognitivas comuns que remetem aos preconceitos do cotidiano e ao senso
comum como justificativa e racionalização dos problemas de usabilidade.
As explicações dos desenvolvedores de software sobre as dificuldades práticas relacionadas
ao seu uso, principalmente àquelas que se referem ao atraso no lançamento de horas, são
sempre formuladas em termos psicológicos, denominadas de “psicologizantes”, remetidas a
uma suposta “natureza humana”. Como tal, não podem ser mudadas, apenas controladas do
exterior pela força da recompensa/punição, o que acaba por naturalizar os problemas e
impedir que sejam objeto de um novo projeto de concepção.
153
Dessa forma, os problemas relacionados ao atraso no lançamento de horas estariam
relacionados a conceitos como “resistência à mudança”, “preguiça”, “falta de organização”,
“falta de interesse” e “esquecimento”, não estando relacionados diretamente à atividade de
trabalho dos usuários e tampouco às especificidades do instrumento informatizado, mas, sim,
aos traços de personalidade ou atitudes pessoais, mesmo que o usuário seja um especialista
em informática.
Como foram demonstrados, no caso da empresa estudada, os motivos do atraso se vinculam à
inadequação da concepção do software, módulo lançamento de horas, que desconsidera as
características dos usuários-desenvolvedores.
Portanto, as razões que levam os usuários ao atraso no lançamento de horas não podem ser
atribuídas a fatores unicamente de natureza psicológica, como “resistência, “preguiça”,
“esquecimento”, “desorganização”, mas decorre, sobretudo, da incompatibilidade entre a
atividade de trabalho dos desenvolvedores, que é de natureza cognitiva, e a atividade de
lançamento de horas, que é de natureza administrativa, ou seja, não é atividade-fim do sujeito.
Ela não está integrada à atividade dos usuários.
Trata-se, sim, de uma atividade que é dirigida a um outro, atividade de controle gerencial, não
sendo uma atividade integrada na atividade de desenvolvimento de software. É por esse
motivo que o usuário se lembra de lançar as horas quando está saindo do escritório da
empresa; por exemplo, indo para a faculdade, ou no elevador, ou quando está indo para
casa, ou seja, quando o usuário se “desliga” da sua atividade-fim é que a tarefa de lançar horas
lhe vem à memória.
154
A inadequação na concepção do software exige adequação desse artefato à atividade de
trabalho dos usuários, demandando a elaboração de estratégias e de outros instrumentos que
assegurem a realização do trabalho.
155
CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo mostrar os limites das técnicas convencionais como método
na identificação das reais necessidades dos usuários de sistemas de informação, o que permite
explicar a “resistência” ao uso. A tese aqui defendida é a de que o recurso, unicamente a
entrevista, os questionários e a observação espontânea, não permitem uma imersão no
contexto em que são construídos os significados que os sujeitos atribuem a situações
cotidianas. São essas significações que permitem uma melhor compreensão das causas da
suposta “resistência” ao uso e à especificação de sistemas que atendam às suas necessidades,
em especial quanto à usabilidade, que envolve não apenas as interfaces imediatas, como
também a lógica e as funcionalidades dos sistemas de informação.
O apoio da análise da atividade e da entrevista de autoconfrontação, praticada por
ergonomistas franceses, tem se mostrado eficaz para preencher essa lacuna.
O caminho percorrido foi o seguinte: em primeiro lugar, procurou-se, por meio de um estudo
de natureza teórica, mostrar a evolução histórica do desenvolvimento das pesquisas em
estudos de usuários no âmbito da ciência da informação (Capitulo 1). O objetivo foi
caracterizar os métodos empregados tanto no campo da ciência da informação quanto no
campo da informática na obtenção de dados sobre as necessidades dos usuários de
informação. Chegou-se à conclusão que existe uma demanda de aprofundamento de pesquisas
de natureza qualitativa, mais próximas dos acontecimentos, do contexto material e social dos
usuários. Assim, constatou-se a preocupação em integrar novos elementos nos estudos de
156
usuários que transcendam as abordagens da área, voltadas para a idéia de sistema, de
administração. Posteriormente, (capitulo 2) buscou-se, elementos, junto à teoria de Polanyi,
sobre conhecimento tácito, o papel do social na construção do conhecimento pessoal, os
aportes teóricos da cognição situada e por fim, os pressupostos teóricos e metodológicos da
ergonomia, para compreender o funcionamento da cognição humana em situação prática.
Tendo em vista os aportes teóricos da teoria de polanyi, de Collins e da cognição situada e a
pesquisa realizada, criticamos a concepção da cognição como processamento de informações
que deixa de fora as dimensões subjetivas.
A investigação realizada sobre o desenvolvimento de um software (capítulo 3), mais
especificamente o módulo Lançamento de Horas, demonstrou que as dificuldades práticas de
no uso desse software pelos usuários-desenvolvedores foi conseqüência da metodologia, não
estando, portanto, na consciência imediata dos usuários. Ou seja, o desvendamento das
dificuldades no Lançamento de Horas foi possível a partir da análise da atividade e da
entrevista de autoconfrontação.
A situação analisada revelou-se particularmente interessante por se tratar de um sistema
desenvolvido para especialistas em informática para uso interno de gestão de projetos,
portanto, também pelos especialistas que desenvolvem outros sistemas. Dessa forma, cai por
terra o argumento generalizado entre os especialistas em informática de que a não utilização
de sistemas de informação por usuários leigos decorria de deficiências e limitações dos
próprios usuários, seja para explicitar suas necessidades (por exemplo, a tese da insuficiência
lingüística), seja por falta de conhecimento para se servir das novas tecnologias. No caso da
explicitação das necessidades, encontramos os mesmos problemas com os usuários-
157
especialistas, o que se explica não pela insuficiência lingüística dos analistas de sistema, mas,
sim, pelas limitações dos métodos de definição de requisitos que utilizam apenas entrevistas
baseadas no senso comum, insuficientes para explicitar certas dimensões tácitas do
conhecimento e comportamento dos sujeitos.
A articulação entre entrevista de autoconfrontação e análise da atividade possibilitou a
explicitação do saber tácito do usuário, que permanece escondido a um olhar menos
cuidadoso. Sendo assim, em consonância com estudos empíricos desenvolvidos pela
ergonomia, perguntar aos usuários quais são as dificuldades de sua tarefa não é suficiente,
pois grandes partes dos problemas já se tornaram “naturais”, ou seja, não são percebidos
como problemáticos (LIMA, 1998).
Frente ao cenário das discussões sobre o desenvolvimento de pesquisas teóricas
metodológicas, atualmente travadas na Ciência da Informação, a consolidação do vínculo
entre IA (inteligência artificial) e aplicativos em áreas como: indexação, referência,
catalogação ou processo de recuperação de informação on-line, é um fato que pode ser
confirmado pelo levantamento bibliográfico. Fala-se, então, da necessidade de uma
convivência dos bibliotecários com os profissionais da computação. Os resultados da
pesquisa, ao estudar o desenvolvimento de um software construído não para usuários leigos,
mas para especialistas, mostrou que essa convivência não é suficiente para o emprego eficaz
dessa tecnologia.
Pode-se perceber que, quando apresentados aos usuários seus próprios conhecimentos, um
processo de tomada de consciência se instaura, estabelecendo uma condição crucial para a
desestruturação e a reconstrução das representações do trabalho. Nesse sentido, ao passar do
158
discurso para a ação o estudo do fazer dos usuários, o que implicou em compreender a
atividade de trabalho dos usuários-desenvolvedores –, o que se ganha é o acesso ao que está
latente, ao que está implícito.
Assim, colocam-se em xeque os métodos de pesquisa tradicionais, ao demonstrarem o viés
inerente aos procedimentos classificatórios das estatísticas e questionários e a arbitrariedade
das perguntas formuladas pelos investigadores, que refletem mais as preocupações destes que
os reais interesses dos entrevistados.
No que se refere aos estudos de usuários, vimos que estes são caracterizados como um campo
bastante ampliado, englobando desde os levantamentos de empréstimos em bibliotecas até
pesquisas sobre o comportamento do usuário, para o conhecimento do fluxo de informações
científica e cnica, da demanda da informação, da satisfação do usuário, dos resultados ou
efeitos da informação sobre o conhecimento, do uso e do aperfeiçoamento de sistemas de
informação, das relações e da distribuição de recursos de sistemas de informação, dentre
outros (PINHEIRO, 1982).
Além disso, os estudos de usuários, tradicionalmente, estão direcionados para indivíduos e
grupos envolvidos na produção dos conhecimentos científico e tecnológico, voltados para os
padrões característicos de comunicação com uma ou várias fontes de informação.
A trajetória histórica de estudos de usuários mostra que o desenvolvimento da pesquisa nesta
área tem evoluído de uma fase em que prevaleceu o uso de dados quantitativos, para uma
outra fase em que a pesquisa qualitativa, sobretudo a partir da década de 90, passou a ser uma
opção crescente em estudos de usuários.
159
As perspectivas teóricas e metodológicas identificadas na chamada abordagem alternativa
procuram resgatar o significado e as intenções nas interações sociais e nos sistemas sociais.
Ferreira (1997) critica os estudos de usuário da abordagem tradicional, ao centrar-se na tarefa
de localizar fontes de informação, por deixarem de lado as tarefas de interpretação,
formulação e aprendizagem envolvidas no processo de busca de informação. Nessa
perspectiva, os usuários da informação são vistos apenas como um dos integrantes do sistema,
não como razão de ser do serviço. A autora ressalta a importância, em função do aumento de
acesso à vasta quantidade de informação, de serviços que se centrem no significado da busca
mais do que meramente na localização da fonte. As bases dessa nova abordagem partem do
processo de se buscar compreensão do que seja necessidade de informação, que deve ser
analisada sob a perspectiva da individualidade do sujeito a ser pesquisado; a informação
necessária e o tanto de esforço empreendido no seu acesso devem ser contextualizados na
situação real onde ele emergiu; o uso da informação deve ser dado e determinado pelo próprio
indivíduo.
Sendo assim, o emprego de entrevistas dirigidas ou o uso de questionários é questionável. As
entrevistas dirigidas e os questionários impõem uma problemática ao sujeito, tendo como
conseqüência a pobreza da resposta, a indução da resposta pela formulação da pergunta e o
desconhecimento de seus quadros de referência.
No caso da entrevista não-diretiva, a não-diretividade pode conduzir a uma falsa
homogeneização entre entrevistador e entrevistado, não resolvendo o problema da imposição
da problemática, e nem eliminando as diferenças entre grupos sociais. Além disso, a
160
entrevista não-diretiva não assegura a manifestação autêntica da subjetividade. Aqui, vale
lembrar Thiollent (1982), “o pesquisador não pode realizar entrevistas o-diretivas na base
da intuição, nem do bom senso, do tato, ou da típica ingenuidade das entrevistas comuns” (p.
81).
Nossa proposta é que se adote a perspectiva da atividade de trabalho para uma melhor
compreensão do sentido que o usuário atribui ao seu comportamento. Dessa forma, é possível
ultrapassar os limites impostos por essas técnicas convencionais baseadas unicamente no
discurso dos usuários, que se tornam apenas informantes. Ou seja, o usuário é visto como
detentor de uma informação acumulada em sua memória e transmissível oralmente sempre
que lhe for solicitada, independente da situação, normalmente questionado fora da situação
real de trabalho ou quando a atividade se interrompe. No caso da empresa estudada, o usuário
é subtraído do fluxo normal de sua atividade para prestar informações ao desenvolvedor, ao
invés de este procurar se inserir no fluxo da atividade do usuário.
As verbalizações estão diretamente relacionadas com a dinâmica do curso da ação,
diferentemente, portanto, das formas tradicionais de entrevista.
Quando se entende a cognição de forma situada, como demonstram os estudos empíricos
desenvolvidos no âmbito da ergonomia, pode-se, então, buscar otimizar as características do
dispositivo técnico, tendo como referência os processos cognitivos de uma determinada
população. Como ressaltam Abrahão et al. (2005), “quanto mais se incorpora o usuário na
(re)concepção de sistemas informatizados, mais se aproxima da lógica de funcionamento a
interface e a linguagem às representações e às estratégias que eles utilizam em sua ação” (p.
170).
161
A pesquisa de campo revelou que, muitas vezes, os projetistas fundamentam-se em
representações do cotidiano, o que impede uma representação baseada na atividade. Não
levam em conta a comunidade, as regras e a divisão de trabalho em que a tecnologia será
implementada. Nesse tipo de abordagem projetual, todo o direcionamento está voltado para
uma idéia pré-concebida de um artefato, cujos significados podem ser definidos muito mais
pelos contextos daqueles que projetam do que pelas experiências de vida dos usuários. O
contexto de uso como referência e a consideração dos aspectos culturais que envolvem a
relação sujeito/artefato podem levar ao desenvolvimento de outros tipos de produtos,
impossíveis de serem previstos sem o estudo da atividade de uso. Um artefato se torna um
verdadeiro instrumento quando se inscreve numa utilização, quando é um meio para o usuário
poder realizar determinado objetivo.
O desenvolvimento desses sistemas tem colocado em evidência que a lógica da tecnologia
acaba se sobrepondo à lógica do usuário. Por esse motivo, são constantes as alterações nos
softwares com o objetivo de resolverem falhas das versões anteriores decorrentes do fato de
não se levar em conta características dos usuários, seus conhecimentos, suas competências e a
natureza da sua atividade.
A atividade de Lançamento de Horas, tanto no ponto eletrônico quanto na tarefa, é uma
atividade secundária, não é atividade-fim dos usuários-desenvolvedores e acaba por roubar
recursos cognitivos, como tempo, atenção e memória e praticidade do sistema. Por isso, os
próprios usuários também recorrem à explicação em termos psicologizantes: “preguiças”,
“esquecimento”, “chato”, “trabalhoso”. Compartilham a representação de quem concebe o
software sobre a utilização ou não do software, que não está baseada na atividade profissional,
162
mas se apóia no cotidiano, no senso comum. Ou seja, eles interpretam o comportamento do
usuário a partir de categorias do senso comum, mesmo o usuário sendo especialista em
informática, revelando uma lacuna metodológica que não permite romper esse círculo vicioso:
como as dificuldades são atribuídas à psicologia do senso comum (“todo mundo é igual”,
“brasileiro é assim mesmo” etc.), sobre a qual se constrói um consenso entre desenvolvedores
e usuários-desenvolvedores, não surgem conflitos que coloquem o sistema de informação
como problema, o que bloqueia o desenvolvimento de alternativas mais adequadas à natureza
da atividade.
Concluindo, ao se fazer uma análise crítica da tese, acredita-se que foi possível demonstrar a
pertinência da análise da atividade e da entrevista de autoconfrontação, para perceber os
sentidos latentes das ações e atitudes dos usuários-desenvolvedores. No entanto, várias
limitações ainda permanecem. Uma delas está no fato de as conclusões do estudo referirem-se
às particularidades da empresa pesquisada, o que impede que os resultados possam ser
generalizados em toda sua extensão. No entanto, a questão do conhecimento tácito, a relação
entre especialistas e a relação entre atividade principal e secundária podem ser analisadas em
outras situações e podem servir de modelo geral para explicar a “resistência”. Acredita-se que
não foi ainda esgotado o fato de usuários não serem leigos, mas especialistas em informática;
além disso, a questão de como integrar atividades secundárias ao fluxo da atividade-fim.
Considerando o caráter particular da presente pesquisa, que analisou um software que foi
construído não para leigos, mas para analistas, é importante o desenvolvimento de novos
estudos sobre essa temática. Seria interessante desenvolver, no campo da Ciência da
Informação, estudos a partir do referencial metodológico adotado neste trabalho de tese;
estudos de caso em entrada de dados poderiam também ser feitos em pesquisa; e busca de
163
dados; confrontações com explicações de resistência à mudança; como integrar atividades
secundárias ao fluxo da atividade-fim, entre outros.
164
REFERÊNCIAS
ABRAHÃO, J. I.; SILVINO, A. M. D.; SARMET, M. M. Ergonomia, Cognição e Trabalho
Informatizado. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v. 21, n. 2. p. 163-171, maio/ago.
2005.
ABRAHÃO, J.; PINHO, D. L. M. Teoria e Prática Ergonômica: seus limites e possibilidades.
In: PAZ, M. G. T. e TAMAYO, Álvaro (Org.). Escola, saúde e trabalho: estudos
psicológicos. Brasília, 1999, p. 229-240.
ACKOFF, R. L.; HALBERT, M. H. An operation research study of the scientific activity
of chemists. Cleveland: Case Institute of Technology, 1958.
AQUINO, M. A. (Org.). O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e
especificidades. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2002.
ARAÚJO, C. A. A. A Ciência da Informação como ciência social. Ciência da Informação,
Brasília, v. 32, n. 3, p. 21-27, set./dez. 2003.
ARAÚJO, V. M. R. Sistemas de recuperação da informação: nova abordagem teórico-
conceitual. 1994. Tese (Doutorado)-Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1994.
______; FREIRE, I. M; MENDES, T.C.M. Demanda de informação pelo setor industrial: dois
estudos no intervalo de 25 anos. Ciência da Informação, Brasília, v. 26, n. 3, p. 283-289,
set./dez. 1997.
ASSUNÇÃO, A. A.; LIMA, F. A contribuição da ergonomia para a identificação, redução e
eliminação da nocividade do trabalho. In: MENDES, R. (Org.). Patologia do trabalho. 2. ed.
atual. e ampl. São Paulo: Atheneu, 2003. v. 2. p. 1767-1789.
BAINBRIDGE, L. Verbal reports as evidence of the process operator’s knowledge. In:
International Journal of Human-Computer Studies. New York: Academic Press n. 51, p.
213-238, 1999.
BALCONI, M. Tacitness, codification of technological knowledge and the organization of
industry. RESEARCH POLICY A journal devoted to research policy, research
management and planning. Research Policy, North-Holland-Amsterdam, n. 31, p. 357-379,
2002.
BAPTISTA, S. G; CUNHA, M. B. Estudo de usuários: visão global dos métodos de coleta de
dados. Perspectiva em Ciência da Informação, Brasília, v. 12, n. 2, p. 168-184, maio/ago.
2007.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 1979.
BECK, K. Extreme programming explained: embrace change. Boston: Addison-Wesley,
2004.
165
BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do
conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.
BORGES, M. E. N et al. Estudos cognitivos em Ciência da Informação. Revista Eletrônica
Ciência da Informação, Florianópolis, n. 15, p. 1-19, 2003.
BORKO, H. Information science: what is this? American Documentation, v. 19, p. 3-5,
1968.
BROOKS, H. M. Expert systems and intelligent information retrival. Information
Processing & Management, v. 21, n.6, p. 475-487, 1987.
BUCHANAN, B. et al. Constructing an Expert System
. F. HAYES-ROTH; D. WATERMAN;
LENAT, D. (Org.).
Building Expert Systems.
Mass.: Addison-Wesley, 1983.
BUCKLAND, M. K. Information as a thing. JASIS, v. 42, n. 5, p. 351-360, June 1991.
CAPURRO, R. Epistemologia e Ciência da Informação. V Encontro Nacional de pesquisa em
C.I. ENANCIB. Conferência de abertura. Belo Horizonte: ECI/UFMG, 2003.
CASTRO, I.; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; LIMA, F. P. A. Diferenças interindividuais em
teleatendimento de emergências: explicitação por meio da entrevista de autoconfrontação.
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 31, n. 114, p. 83-96, 2006.
CERVANTES, B. M. N. Contribuições para a terminologia do processo de inteligência
competitiva: estudo teórico e metodológico. 183 f. 2004. Dissertação (Mestrado em Ciência
da Informação)-Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade do Estado de São Paulo, São
Paulo, 2004.
CLANCEY, W. J. Situated Cognition: On Human Knowledge and Compute
Representations. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
COCKBURN, A.; HIGHSMITH, J. Agile Software Development: The Business of
Innovation, IEEE Computer, p. 120-122, Sept., 2001.
COLLINS, H. M. Artificial experts: social knowledge and intelligent machines. London:
MIT Press, 1990.
______. Experts artificiels Machines intelligentes et savoir social. Massachusetts: MIT
Press, 1992.
COLLINS, H; DE VRIES, G.; BIJKER. W. Ways of going on: an analysis of skill applied to
medical practice. Science, Technology & Human Values, v. 22, n. 3, p. 267-285, Summer,
1997.
______. Hubert L. Dreyfus, forms of life, and a simple test for machine intelligence. Social
Studies of Science, London, v. 22, p. 726-739, 1992.
166
COULON, A. Etnometodologia e educação. Petrópolis: Vozes, 1995.
CRIVELLARI, H. M. T; MELO, M. C. Saber fazer: implicações da qualificação. Revista de
Administração de Empresas, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 47-62, abr./jun. 1989.
CUNHA, M. V.; CRIVELLARI, H. M. T. O mundo do trabalho na sociedade do
conhecimento e os paradoxos das profissões de informação. In: VALENTIM, Marta Lígia
Pomim (Org.). Atuação profissional na área de informação. São Paulo: Polis, 2004. p. 39-
54.
CUNHA, M. B. Metodologias para estudo dos usuários de informação científica e
tecnológica. Revista de Biblioteconomia de Brasília. Brasília, v. 10, n. 2 (número temático
sobre estudo e tratamento de usuários da informação), p. 5-20, jul./dez. 1982.
DERVIN, B.; NILAN, M. Information needs and uses. In: WILLIAMS, M. E. (Ed). Annual
Review of Information Science and Technology, v. 21, Chicago, IL: Knowledge Industry
Publications, 1986. p. 3-33.
DIAS, E.W; NAVES, M. M. L; MOURA, M. A. O Usuário-pesquisador e a análise de
assunto. Perspectivas em Ciências da Informação, Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 205-221,
jul./ dez. 2001.
DREYFUS, H. L. O que os computadores não podem fazer: uma crítica da razão artificial.
Rio de Janeiro: A Casa do Livro Eldorado, 1975.
______; DREYFUS, S. Mind over machine: the power of human intuition and expertise in
the era of the computer. New York: The Free Press, 1986.
ENDRES-NIGGEMEYER, B; NEUGEBAUER, E. Professional summarizing: no cognitive
simulation without observation. Journal of American Society for Information Science, v.
49, n. 6, p. 486-506, 1998.
ERICSSON, S.; SIMON, H. A. Verbal reports on thinking. In: FAERCH, C.; KASPER, G.
(Ed.). Introspection in second language research. Clevedon: Multilingual Matters, 1987. p.
24-53.
EYSENCK, M. W e KEANE, M. T. Psicologia Cognitiva um manual introdutório.
Tradução Wagner Gesser e Maria Helena Fenalti Gesser. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FAÏTA, D. Mondes du travail et pratiques langagières. In: LANGAGES: Parole(s)
ouvrière(s) nº 93 Larousse, Paris, 1989.
FERNANDES, G. C. A ameaça: tempo, memória e informação. 2004. Tese (Doutorado em
Ciência da Informação)- Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
FERREIRA, R. B. Diálogo de surdos: a difícil explicitação do saber entre programadores de
software e operadores de fábrica. 2004. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção)-
Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.
167
______; LIMA, F.P. A. Definição de Requisitos na Concepção de Sistemas Informatizados:
da elicitação à cooperação. In: WORKSHOP UM OLHAR SOCIOTÉCNICO SOBRE A
ENGENHARIA DE SOFTWARE. Anais... Rio de Janeiro, p. 1-14, 2005.
FERREIRA, S. M. S. P. Novos Paradigmas da Informação e novos usuários de informação.
Ciência da Informação, Brasília, v .25, n. 2, p. 217-223, 1995.
______. Estudo de Necessidades de Informação: dos paradigmas tradicionais à abordagem
Sense-Making. Porto Alegre, 1997. Disponível em:
<http:/www.eca.usp.br/núcleos/sense/textos/>. Acesso em: 20 set. 2006.
FIGUEIREDO, N. M. Estudos de uso e usuários da informação. Brasília: IBICT, 1994.
FRADE, C. Componentes tácitos e explícitos do conhecimento matemático de áreas e
medidas. Belo Horizonte, 2003. 251 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
FUJITA, M. S. L.; CERVANTES, B. M. N. Abordagem Cognitiva do Protocolo Verbal na
Confirmação de Termos para a Construção de Linguagem Documentária em Inteligência
Competitiva. In: VALENTIM, Marta Lígia Pomim (Org.). Métodos qualitativos de pesquisa
em Ciência da Informação. São Paulo: Polis, 2005. p. 29-57.
FUJITA, M. S. L. A leitura documentária do indexador: aspectos cognitivos e lingüísticos
influentes na formação do leitor profissional. 321f. 2003. Tese (Livre-Docência nas
disciplinas Análise Documentária e Linguagens Documentárias Alfabéticas)-Faculdade de
Filosofia e Ciência, Universidade do Estado de São Paulo, São Paulo, 2003.
FURNIVAL, A. C. Delineando as limitações: sistemas especialistas e conhecimento tácito.
Ciência da Informação, Brasília, v. 24, n. 2, p.204-210, 1995.
______. A participação dos usuários no desenvolvimento de sistemas de informação. Ciência
da Informação, Brasília, v. 25, n. 2, p. 197-205, 1996.
GARDNER, H. The Mind’s New Science: A history of the cognitive revolution. New York:
Basic Books, 1985.
GIDDENS, A. Novas regras do método sociológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GONZÁLEZ DE GÓMEZ, M. N. Escopo e abrangência da Ciência da Informação na área:
anotações para uma reflexão. Transformação, Campinas v. 1, p. 31-43, jan./abr. 2003.
______. Para uma reflexão epistemológica acerca da Ciência da Informação. Perspectivas em
C. I., Belo Horizonte, v. 6, n. 1, jan./jun. 2001.
GOTOH, T. Cognitive structure in human indexing process. Library and Information
Science, v. 21, p. 209-226, 1983.
GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo. São Paulo: E. Blücher,
2004.
168
HOC, J.; LEPLAT, J. Evaluation of different modalities of verbalization in a sorting task.
London: Man-Manchine Studies, 1983.
INGWERSEN, P. Information retrieval interaction. London: Taylor Graham, 1992.
JACOBS, S. Polanyi’s presagement of the incommensurability concept. Studies in History
and Philosophy of Science, v. 33, p. 105-120, 2002.
LANGA, M. Análise ergonômica do trabalho de chefia. In: DUARTE, Feitosa. Linguagem e
trabalho. Rio de Janeiro: Lucena, 1998. p. 93-109.
LAVE, J. Cognition in practice. New York: Cambridge University Press, 1991.
LEAL, R. M. A. C. Novas tecnologias no setor automotivo: o “saber relacional” em
questão. 2001. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção)-Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.
LEAL, L.; LIMA, F. P. A. O analista de sistemas, o artesão e a fábrica: os equívocos do
modelo da “fábrica de software”. 14º Congresso Brasileiro de Ergonomia, 4º Fórum Brasileiro
de Ergonomia e 2º Congresso Brasileiro de Iniciação em Ergonomia, Curitiba, 2006.
______. “Fábrica de software” e saber cito dos profissionais de informática. In:
WORKSHOP UM OLHAR SOCIOTÉCNICO SOBRE A ENGENHARIA DE SOFTWARE,
3., Porto de Galinhas, 2007.
LÉVY, P. De la programmation considérée comme une des beaux-arts. Paris: La
Découverte, 1992.
LIMA, A. B. A. Estudos de usuários. In: ______. Aproximação crítica à teoria dos estudos
de usuários de biblioteca. Londrina: Embrapa-CNPso; Brasília: Embrapa-SPI, 1994. p. 46-
85.
LIMA, F. P. A. Análise do trabalho como fator de aumento da eficácia da informatização.
SEMINÁRIO DE ENGENHARIA INDUSTRIAL, 5., Timóteo, 1995. Anais... Timóteo,
1995, p. 1-12.
______. Medida e desmedida: padronização do trabalho ou livre organização do trabalho
vivo? In: ARANHA, A. V. S et al. Gestão do Trabalho e Formação do trabalhador. Belo
Horizonte: Movimento de Cultura Marxista, 1996b. p. 109-129.
______. Conflitos Sócio-Cognitivos e Ética no Trabalho: um caso que “deu certo”. In: LIMA,
F.P.A; NORMAND, J.E. (Ed.). Qualidade da produção, produção dos homens. Aspectos
sociais, culturais e subjetivos da qualidade e da produtividade. Belo Horizonte: UFMG,
1996a. p. 154-97.
______. A formação em ergonomia: reflexões sobre algumas experiências de ensino da
metodologia da análise ergonômica do trabalho. In: KIEFER, C. F. I; SAMPAIO, M. R.
(Org.). Trabalho, educação, saúde: um mosaico em múltiplos tons. Brasília: Fundacentro,
2001.
169
______. Fundamentos Teóricos de Metodologia e prática de análise ergonômica do trabalho.
Curso de introdução à análise ergonômica do trabalho. Belo Horizonte. Departamento de
Engenharia de Produção, 1998. (mimeo).
LIMA, F. P. A; SILVA, C. A. D. Objetivação do saber prático na concepção de sistemas
especialistas: das regras formais às situações de ação. In: DUARTE, F. (Org.). Ergonomia e
projeto na indústria de processo contínuo. Rio de Janeiro: Lucena, 2002. p. 84-121.
MANGUE, M. V. Consolidação do Processo de Informatização em Sistemas de
Bibliotecas Universitárias na África do Sul, Brasil e Moçambique. 2007. Tese
(Doutorado)-Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2007.
MARTIN, M. W. Use of random alarm devices in studying scientists reading behavior.
IEE Transactions on Engineering Management, v. 9, n. 2, p. 66-71, 1962.
MCBREEN, P. Questioning Extreme Programming. Boston: Addison Wesley, 2003.
MCGRAW, K.L.; HARBISON-BRIGGS, K. Knowledge acquisition: principles and
guidelines. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1989.
NAVES, M. M. L. Fatores interferentes no processo de análise de assunto: estudo de caso
de indexadores. 2000. 253 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação)-Escola de Ciência
da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.
NETTO, J. P.; CARVALHO, M. C. B. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: Cortez,
1994.
NISBETT, R.E.; WILSON, T.D. Telling more than we can know: verbal reports on mental
processes. Psychological Review. Washington: American Psychological Association v. 84, p.
231-259, 1977.
NÓBREGA, N. G. Conjugando o Gerúndio (Antropologia da Informação e Leitura
Percursos de leitor). 2002. Tese (Doutorado em Ciência da Informação)- Universidade
Federal do rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
NORMAN D. A. Les artefacts cognitifs. In: CONEIN, Nicolas Dodier et LAURENT,
Thévenot. Les objets dans l’action. PARIS: Ed. de L’École des Hautes etudes en sciences
socials, 1991, p. 15-34.
PARTRIDGE, D. Will AI lead to a super software crisis? In: GILL, K.S. (Ed.), Artificial
intelligence for society. London: John Wiley, 1986. p. 31-39.
PINHEIRO, L. V. R. Usuário informação: o contexto da ciência e da tecnologia. Rio de
Janeiro: LTC: IBICT, 1982.
POLANYI, M. The tacit dimension. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1966.
170
RABARDEL, P. Les hommes & les technologies. Approach cognitive des instruments
contemporariness. Paris: Armand Colin, 1995.
ROOK, F. The Mythical Man-Month. Boston: Addison-Wesley, 1975.
ROTH, E. M.; WOODS, D. Cognitive task analysis: an approach to knowledge acquisition for
intelligent system design in topicas. In: GUIDA, G.; TASSO, E. (Ed.). Expert systems
design. Amsterdam: North-Holland, 1988.
SARACEVIC, T. Ciência de informação: origem, evolução e relações. Perspec. Cienc. Inf.,
Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 41-62, jan./jun. 1996.
SCHWARTZ, Y. C’est compliqué: activité symbolique et activité industrieuse. Travail et
philosophie. Toulouse: Octáres, 1992.
SILVA, A. L.; LIMA, F.P.A. Análise de Requisitos de Software e Análise da Atividade de
Trabalho. Workshop Um olhar sociotécnico sobre a engenharia de software. Anais... Rio de
Janeiro, p. 31-44, 2005.
SILVEIRA, J. G. Fontes de Informação de Antiquários. 2006. Tese (Doutorado)-Escola de
Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
SMITH, E.; MILLER, F. Limits on perception of cognitive processes: a reply to Nisbett and
Wilson. In: Psychological Review. Washington: American Psychological Association, v. 85,
n. 4, p. 355-362, 1978.
STERNBERG, R. J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SUCHMAN, L.A. Plans and situated actions. The problem of human-machine
communication. Cambridge: University Press, 1987.
TAVARES, S.R.S. Da crise do software ao projeto estruturado: a submissão não real do
trabalho em programação. In: FLEURY, A.C.C.; VARGAS, N. Organização do trabalho.
São Paulo: Atlas, 1983. p. 220-232.
TAYLOR, R.S. Value-added processes in the information life cycle. Journal of the
American Society of Information Science, New Jersey, USA, v. 33, n. 5, p. 341-346, 1982.
TEIXEIRA, J. F. Mentes e Máquinas: uma introdução à ciência cognitiva. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
THIOLLENT, M. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 4. ed. São
Paulo: Polis, 1985.
VALENTIM, M. L. P. (Org.). Métodos qualitativos de pesquisa em Ciência da
Informação. São Paulo: Polis, 2005.
______. Análise de conteúdo. In: VALENTIM, Marta Lígia Pomim (Org.).
Métodos
qualitativos de pesquisa em Ciência da Informação. São Paulo: Polis, 2005. p.119-134.
171
VARELA, F., THOMPSON, E. ROSCH, E. A Mente Incorporada Ciências cognitivas e
experiência humana. Porto Alegre: Artmed, 2003.
VERMERSCH, P. Expliciter l’expèrience. Education Permanente, Paris, n. 100-101, p. 123-
132, 1989.
______. Questionner l’action: l’entretien d’explicitation. Psycologie Française, Paris, v. 35,
n. 3, p. 227-235, 1990.
______. L’entretien d’explicitation. Paris: ESF Éditeur, 1994.
VINCK, D. et al. Ingénieurs au quotidien: ethnographie de l’activité de conception et
d’innovation. Grenoble: Presses Universitaires, 1999.
WATERMAN, D.A. A guide to expert systems. New York: Mc Graw-Hill, 1986.
WEILL, FASSINA; RABARDEL, P; DUBOIS, D. (Ed.). Représentation pou láction.
Toulouse: Octarés Éditiond, 1993.
WHITE, P. Limitations on verbal reports of infernal events: a refutation of Nisbett and
Wilson and of Bem. In: Psychological Review, American Psychological Association,
Washington, v. 87, n. 1, p. 105-112, 1980.
WILSON, T. D. Human Information Behavior. Information Science, v. 3, n. 2, p. 49-54,
2000.
WINOGRAD, T; FLORES, F. Understand Computers and Cognition. Norwood: Ablex
Publishers Company, 1987.
WISNER, A. La Cognition située. Proccedings of the 12
th
Triennal Congress of the IEA.
Toronto, v. 1, 1994.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo