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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO
THIAGO DUARTE PIMENTEL
A ESPACIALIDADE NA CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE
A FEIRA DO JUBILEU DO SENHOR BOM JESUS DE MATOSINHOS
CONGONHAS/MINAS GERAIS
BELO HORIZONTE
2008
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2
Thiago Duarte Pimentel
A ESPACIALIDADE NA CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE
A FEIRA DO JUBILEU DO SENHOR BOM JESUS DE MATOSINHOS
CONGONHAS/MINAS GERAIS
Dissertação apresentada ao Centro de Pós-
Graduação e Pesquisas em Administração da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Administração.
Área de Concentração: Organizações e Gestão
de Pessoas.
Orientador: Prof. Dr. Alexandre de Pádua
Carrieri.
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3
Dedico este “pequeno” fruto à minha mãe, pelo seu incessante estímulo à minha
caminhada pelo universo da educação. Que suas sementes possam
germinar
nos campos férteis das mentes dos futuros alunos.
4
AGRADECIMENTOS
Inúmeros são os agradecimentos que poderia (e deveria) realizar aqui. Contudo,
devido às várias limitações, seja do espaço físico de uma lauda seja da própria memória,
gostaria apenas de ressaltar algumas pessoas sem as quais, certamente, este trabalho não
teria sido possível. De resto, cumpre-me dizer que todos aqueles que participaram da minha
experiência de vida, direta ou indiretamente, têm uma “pontinha” de participação neste
trabalho, pois, afinal, contribuíram de alguma forma para a formação do que sou hoje e para
as diferentes formas de ver (e ler) o mundo que aprendi.
Primeiramente, gostaria de agradecer à minha família, aos meus pais e irmãos,
sobretudo a minha mãe, pelos momentos de sincero amor e afeto, que me fizeram acalmar
em momentos de correria e me estimular em momentos de estagnação.
À Mariana, minha adorável e adorada companheira, que, com seu amor, carinho e
atenção, soube me compreender, estimular e suportar nos momentos mais difíceis da
elaboração deste trabalho.
Aos meus amigos Marcelo, Paulo, Elmo e Igor, pelo prazer de compartilhar a
experiência de vida e a sabedoria de cada um de vocês.
Aos meus colegas de trabalho Pablo, Ari, Gusttavo, Mariana e a todos os bolsistas
do NEOS, pelas incessantes trocas de conhecimento, pela inquietante busca pelo saber e
pela sincera dedicação e admiração àquilo que fazem.
Ao meu orientador, Professor Dr. Alexandre de Pádua Carrieri, a quem, de fato,
considero um amigo, pelo exemplo mais límpido de profissionalismo, ética e seriedade que
um professor pode (almejar) ser. Tenha certeza de que sua genialidade, muitas vezes,
incompreendida pela minha ingênua e pouco perspicaz compreensão da vida e da
5
“realidade”; agora, com o tempo e o amadurecimento, começam a tornar-se mais
perceptível e admirada. Obrigado pela aula de TAII em 2003.
Ao Professor Dr. Alfredo, que, além da condição de membro da banca de defesa, foi
um professor exemplar, sempre metodicamente correto e disposto a ajudar. Mais do que
isso, disposto realmente a ensinar, pois o ensino é a base da transformação. Tenha certeza
de que você sempre foi mais do que um professor ou colega de trabalho; sempre foi um
amigo.
Ao Professor Dr. José Roberto, pelas inúmeras ocasiões em que pudemos travar
diálogos sempre, intelectual e academicamente, proveitosos. Além disso, pela sua
prestimosa participação na banca de defesa do projeto de dissertação e pelas contribuições
pertinentes que certamente influenciaram o desenvolvimento deste estudo.
À Professora Dr.ª Maria Ester de Freitas, pela participação em minha banca de
defesa do projeto de dissertação, assim como pelas instruções sobre o ofício acadêmico e,
em especial, a dissertação.
À Professora Dr.ª Maria Rita Duarte Raposo, que prontamente me recebeu com
muita atenção e disposição, e que, mesmo em nosso curto intervalo de tempo juntos,
orientou-me com diligência e precisão, sobretudo na seleção bibliográfica. Obrigado pela
generosa acolhida e pelo vasto material tão gentilmente cedido.
À Professora Dr.ª Ana Paula Paes de Paula, pela paciência nas aulas de teoria crítica
e também pela delicadeza e lisura na postura profissional na academia, coisa difícil de se
encontrar hoje em dia.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio
financeiro, o qual tornou viável a materialização deste sonho.
6
Ao CEPEAD, seu corpo docente e discente, aos membros da secretaria e do
colegiado, aos quais inúmeras vezes recorri e sempre fui atendido com presteza e atenção.
Ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de
Lisboa (UTL), onde tive a oportunidade de realizar algumas disciplinas do meu curso de
mestrado. Ao corpo docente do SOCIUS e, em especial, ao Professor. Dr. José Maria
Ferreira de Carvalho, coordenador do programa do mestrado acadêmico em Sociologia
Econômica das Organizações, e a Filomena Ferreira, coordenadora executiva das relações
internacionais do ISEG, pela acolhida em Portugal.
Aos membros da Secretaria de Turismo do Município de Congonhas, Ana Alcântara
(chefe), Rina e Rubens, que muito me auxiliaram neste trabalho ao fornecer informações
valiosas e orientações importantes que serviram para a pesquisa de campo.
Ao Professor Afonso Celso pela criteriosa revisão ortográfica e gramatical.
Ao Sr. Luizinho, pela acolhida e recepção na cidade de Congonhas, pelas
informações preciosas e pela leitura histórico-sociológica inata.
Também, a todos os entrevistados, que gentilmente cederam parte de seu tempo e de
sua experiência de vida, além de seus conhecimentos, para auxiliar-me na construção deste
empreendimento.
A todos vocês, muito obrigado!
7
Toda divisão do espaço é uma divisão social do espaço. O espaço só se constitui
historicamente como produto concreto da ação humana, de suas apropriações,
desapropriações e re-apropriações. Por isso, o espaço ocupado, usado,
é o ‘chão’ mais a identidade.
Milton Santos
8
RESUMO
De um lado, no Brasil uma escassez de estudos sobre o tema “Identidade” no campo dos
estudos organizacionais, sobretudo quando se trata de seu entendimento a partir de uma
perspectiva não instrumental; de outro, o reconhecimento de que os estudos existentes
abordam, geralmente, o tema a partir de uma mesma perspectiva, considerando os critérios
de centralidade, distintividade e temporalidade como os únicos elementos da análise do
conceito de identidade. Além disso, identificou-se que os conceitos de identidade
focalizam, sobremaneira, a questão da temporalidade em detrimento do espaço.
Considerando que a tentativa de dissociação dessas duas dimensões não passa de um
sofisma, pois ambas podem existir em conjunto, este estudo teve por objetivo analisar e
interpretar como se arquiteta a relação entre o espaço, físico e simbólico, e a construção da
identidade institucional da Feira do Jubileu do Bom Jesus, realizada na cidade de
Congonhas (MG). Para tanto, recorreu-se a uma ampla revisão teórica sobre os temas
“Identidade” e “Espaço”, que constituíram os pilares do esquema teórico deste estudo. O
tema Identidade” foi considerado a partir de suas principais correntes de estudo, desde a
filosofia, passando pelas ciências sociais, até chegar ao campo organizacional. Também foi
considerada a questão da institucionalização da identidade como um dos processos
explicativos de construção da identidade social. Em relação ao tema “Espaço”,
consideraram-se inicialmente as suas perspectivas de análise, seja do ponto de vista da
distribuição espacial, seja do ponto de vista da produção do espaço. Nesta perspectiva,
trabalhou-se a espacialidade enquanto um conceito guarda-chuva, como essência das
práticas sociais de produção do espaço, que, por sua vez, envolveria outros elementos,
como a organização do espaço, a circulação de fluxos, as práticas de territorialidade e a
própria percepção do espaço como um espaço simbólico. Assim, foi possível construir um
esquema teórico de análise em que se propôs focar a identificação e a análise da identidade,
a partir de uma visão em que se acrescentou a dimensão espacial, aqui denominada de
“espacialidade”, aos três critérios clássicos de identidade: centralidade, distintividade e
temporalidade. Uma vez formulado esse esquema teórico de análise, procedeu-se a sua
observação empírica a partir do estudo de Feira do Jubileu do Senhor Bom Jesus de
Matosinhos, na cidade de congonhas. Essa Feira foi escolhida como locus de estudo por
vários motivos, dentre os quais se destacam: o fato de ser uma instituição bicentenária;
trata-se de um evento, ou seja, ser realizada apenas uma vez por ano, durante determinado
período de tempo; ter passado por várias alterações no espaço físico ocupado ao longo de
sua história, inclusive estando, no momento inicial da pesquisa, sofrendo mais uma
intervenção, o que se julgou relevante para verificar a pertinência do esquema teórico de
análise. Dessa forma, uma vez escolhida a Feira e a partir do problema proposto, recorreu-
se à estratégia de pesquisa qualitativa, uma vez que ela tem sido apontada como a mais
adequada para captar a manifestação de fenômenos sociais e propor a sua explicação. Nesse
contexto, a Feira foi abordada como uma instituição formada por distintos atores, sejam
sociais ou organizacionais, que têm contribuído para a construção de uma narrativa
identitária e espacial, institucionalizada ao longo do tempo. Em virtude da impossibilidade
de contato com todos eles, selecionou-se intencionalmente um conjunto não-probabilístico
de vinte sujeitos de pesquisa a partir de sua tipicidade, de sua antigüidade, segundo o
método bola de neve. A partir das entrevistas semi-estruturadas com esses sujeitos de
pesquisa, realizou-se e análise desses dados utilizando a técnica da Análise do Discurso,
9
que auxiliou a organização da análise dos dados sob a forma de três percursos semânticos,
os quais, no seu conjunto, retrataram a narrativa identitária e espacial da trajetória de
mudanças na Feira nos últimos vinte anos. A pesquisa conseguiu retratar como esses atores
sociais e organizacionais utilizam o espaço físico e simbólico da Feira e como os
movimentos nesse espaço provocam alterações e influenciam a identidade institucional da
Feira como um todo. Em síntese, o que se pode concluir é que o esquema teórico proposto
avança no sentido de destacar a importância de realizar estudos de identidade, ao considerar
uma dimensão até então marginalizada em seu estudo: a espacialidade. No caso estudado, a
dimensão temporal tem um peso menos significativo na constituição da identidade
institucional do que a dimensão espacial, pelo fato de a Feira ser um evento
institucionalizado. Por isso, essa dimensão tornou-se tão saliente, a ponto de ser
identificada como central nas transformações da Feira ao longo do tempo, fato que, por sua
vez, repercutiu na sua identidade.
Palavras-chave: Identidade. Espaço. Narrativa. Discurso. Feira. Instituição.
10
ABSTRACT
There are in Brazil, in one hand, a very small number of academic researches and papers
about identity in the area of organizational studies, specifically when you look at studies in
a no instrumental perspective. In the other hand, the researches and papers written have, in
general, the same perspective by considerate the criteria of centrality, distinctive and
temporal continuity as they if the only possibility in the identity analyze. Furthermore, once
identified that the concepts of identity focalize in a very strict way the sense of temporality
in the place of space; and have in mind that the tentative of dissociation of time and space is
a sophism, because the two dimensions can not be separate, this study has the objective
analyze and interpret the way how is linked the space, physical and symbolic (its
perception), and the construction of the institutional identity of the Jubileu do Bom Jesus’
Fair, hold in Congonhas city (MG). In this way, it was reviewed the specialized scientific
literature about the themes identity and space, which were the two majors constituents of
the theoretical scheme of analyses. The identity theme it was considered since the
philosophy, passing by social sciences, until his application on organizational theory. It was
considered the identity institutionalization as one of the principal process of explanation of
social identity. By its turn, the theme of space was initially considered by its two majors
forms of analyze, the spatial distribution and the production of space. Inside this last one
perspective, we have focused in the spatiality, as an umbrella concept, as the essence of the
perspectives of the social practices of the production of space. These practices were formed
by elements like the spatial organization; the fluxes circulation; the territoriality and the
perception of the space or the symbolic space. Thus, it was possible construct a
theoretical scheme where it was proposed the identification and analyze of identity, adding
a view of the spatial dimension named spatiality, that it was joined at the three classical
criteria of identity: centrality, distinctivity and temporal continuity. Once proposed, this
theoretical scheme was observed at the Jubileu do Bom Jesus’ Fair, hold in Congonhas city
(MG). This fair was chosen because it is a bicentenary institution; it is an event, i.e., it
happens once a year, every 7
th
until 14
th
September. Besides, the fair has changed its space
(physical and symbolic) in a lot of ways in its history. At the moment of the research the
fair was being an object of changes by the public major of Congonhas. So it was one more
argument to analyze this object. In doing so, it has recurred to the qualitative strategy of
research, because it has appointed as the most adequate to apprehend the social
phenomenon manifestations. Once done it, it is possible to explain it. In this context, the
fair was considered as an institution formed by different actors, social and organizational,
which has contributed to the construction of the spatial and identity narrative of the Fair. It
was selected, intentionally, a group of 20 persons by its type and ancient, according the
snow ball method. Once has done it, it was carried semi-structured interviews using
discourse analyses technical, which had supported the data organization by themes. Theses
ones lead to the construction of in three semantic percourses. They, by their turn, showed
the identity narrative of the spatial changes in the Fair in the last two decades. The results
show how the space has being used by the social and organizational actors, and how the
changes in the Fair’s space influence the change in the institutional identity of the Fair.
Summarizing, it was concluded that the theoretical scheme proposed to the study of
identity, including the spatial dimension, represents an advance in the studies of
organizational identity, because with the increment of the spatial dimension it was possible
11
to identify one more form to verify the identity changes, expanding conceptual and
analytically the identity studies. For instance, in the case studied the temporal dimension
has a little participation on identity constitution than the spatial dimension. It can be add to
this argument the fact of the Fair to be an event institutionalized. In this sense, the spatial
dimension became so salient that it was identified as a central element in the identity
changes of the Fair during the time.
Keywords: Identity. Space. Narrative. Discourse. Fair. Institution.
12
RÉSUMÉ
Deux facteurs ont motivé cette étude. D’un coté, il y a au Brésil un manque d’études sur le
thème identité dans le champ des études organisationnelles, surtout, quand on se refère à sa
compréhension à partir d’une perspective non instrumentale. D’autre part, les études qui
existent abordent généralement le thème à partir de la même perspective, en considérant les
critères de centralité, de disctintivité et de temporalité. Ces critères ont e considérés
comme les uniques pour l’étude de l’identité. Une fois identifiée, la question du temps a eté
détachée de l’invers de la question de l’espace; ainsi comme la tentative de dissociation ces
deux dimensions est tout simplement du sophisme, parce que ces deux dimensions ne
peuvent qu’exister ensemble; cette étude a l’objectif d’analyser et d’interpréter comment on
construit la relation entre l’espace, sur le plan physique et symbolique, et la construction de
l’identité institutionnelle de la foire du Jubileu do Bom Jesus, réalisée à Congonhas (MG).
Avec cet objectif, on a recouru à une large révision de la littérature spécialisée dans les
thèmes identité et espace, qui ont constitué les piliers du schéma théorique de l’étude. Le
thème identité a até abordé en considérant les principales approches de l’étude: dans la
philosophie, les sciences sociales, et même dans le champ organisationnel. On a pris en
considération l’institutionalisation de l’identité comme l’un des processus explicatifs de la
construction de l’identité sociale. En observant le thème de l’espace, d’abord on a consideré
celui de l’abordage, tant du point de vue de la distribuition spatiale comme du point de vue
de la production de l’espace. Dans cette perspective, on a travaillé avec le concept
spatialité, proposé par Soja (1998), comme un concept parapluie et comme essence de la
perspective des pratiques sociales de production de l’espace. Ce concept, à son tour,
contiendra d’autres éléments comme: l’organisation spatiale, la circulation de flux, les
pratiques de territorialité ainsi que la propre perception de l’espace, qu’on appelle espace
symbolique. Dans cette perspective on a construit un schéma théorique d’analyse on a
proposé l’identification et l’analyse de l’identité dans un point de vue on a ajouté la
dimension spatiale, ici dénommée spatialité, aux trois «critères classiques» de l’analyse
identitaire organisationnelle: la centralité, le distinctivité et la durabilité temporelle. Une
fois proposé, ce schéma théorique a eté observé empiriquement dans l’object d’étude
désigné par la foire Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos à Congonhas. Cette foire a
eté choisie parce qu’elle regroupe un ensemble de caractéristiques importantes pour cette
étude: le fait d’être une institution bicentenaire; le fait d’être un événement, et pour ça elle a
une durée limitée; et à cause de plusieurs transformations que cet espace a subies pendant
les dernières années. Au début de la recherche, par exemple, on a verifié que l’espace
physique de la foire était en train de passer par une intervention. Cette observation a eté
importante pour juger l’object de l’étude comme approprié pour l’investigation empirique
de l’influence de l’espace sur l’identité. De cette façon, une fois choisi l’object de l’étude,
pour vérifier le problème proposé on a recouru à la stratégie de recherche qualitative, parce
que celle-ci est considérée comme la plus appropriée pour l’investigation des phénomènes
sociaux. Dans ce contexte, la foire a eté abordée comme une institution composée de
plusieurs acteurs sociaux et organisationnels, qui ont contribué à la construction d’une
narration identitaire et spatiale, institutionalisée avec le temps. À cause de l’impossibilité de
contact avec tous ces acteurs, on a choisi, de façon intentionnelle et non probabilistique, un
groupe de 20 sujets de recherche, selon la méthode boule de neige, à partir des critères
d’ancienneté et de typicité. Avec la réalisation des interviews semi-estructurées avec ces
13
sujets de recherche, nous avons realisé le traitement des donnés en utilisant l’analyse du
discours comme téchnique. Cette téchnique a permis d’organiser les donnés sur la forme de
trois parcours sémantiques. Ils ont montré comment la narration identitaire et spatiale de la
foire a changé dans les vingt dernières années. La recherche a réussi à montrer comment les
acteurs sociaux et organisationnels utilisent l’espace physique et symbolique de la foire et
comment les mouvements dans ces espaces provoquent des changements et influencent
l’identité institutionnelle de la foire. Dans ce sens, le propre espace est un concept
analytique d’identité. Plus que ça, on a apperçu, que l’espace est aussi un concept
d’identité, parce que d’ailleurs, l’identité a besoin d’être manifestée de manière spatiale. De
cette façon, le schéma théorique est une avancée dans le sens des études de l’identité
organisationnelle, parce qu’il a ajouté une dimension, jusqu’ à ce moment oubliée et
marginalisée: la spatialité. Dans le cas étudié, par example, le dimension spatiale a une
charge trop lourde sur la constitution de l’identité. Cette dimension paraît être plus
importante que la dimension temporelle parce que la foire est un événement
(temporellement délimité) institutionnalisé. C’est justement dans ce sens que la dimension
spatiale est devenue saillante en relation aux autres catégories analysées.
Mots clés: Identité. Espace. Narration. Discours. Foire. Instituition.
14
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras
Figura 1: As cinco dimensões de análise da identidade........................................................60
Figura 2: Estrutura elementar da interação territorial...........................................................85
Figura 3: Esquema teórico de análise de identidade incorporando a dimensão do espaço...91
Figura 4: mapa do espaço ocupado pela Feira da igreja Matriz até a Basílica...................142
Figura 5: mapa do espaço ocupado pela Feira atualmente..................................................144
Figura 6: Foto 268 – montagem das barracas padronizadas...............................................150
Figura 7: Foto 272 – montagem das barracas padronizadas...............................................151
Figura 8: Foto 350 – barraqueiro dormindo na barraca......................................................155
Figura 9: Foto 354 mesas adaptadas na sala de estar de um morador da cidade para servir
alimentação aos visitantes................................................................................................161
Figura 10: Foto 356 mesas adaptadas no quarto de casal do próprio morador da cidade
para servir alimentação aos visitantes.................................................................................162
Figura 11: Foto 361 mesas adaptadas na garagem de um morador da cidade para servir
alimentação aos visitantes...................................................................................................162
Figura 12: mapa do espaço ocupado pela Feira atualmente segundo origem e
produto................................................................................................................................187
Quadros
Quadro 1: Definições das categorias conceituais e operacionais da pesquisa.............109-110
15
LISTA DE TABELAS
Tabelas
Tabela 1: População ocupada por setores econômicos – 2000...........................................113
Tabela 2: Produto Interno Bruto (PIB), a preços correntes.................................................113
Tabela 3: Evolução da porcentagem do espaço ocupado pela Feira por locatário..............153
Tabela 4: Dimensões do espaço alugado para as barracas por preço e locatário................154
Tabela 5: Espaço ocupado e valor arrecadado com aluguéis na Feira................................154
Tabela 6: Arrecadação do Jubileu (estimativas para o ano de 2007)..................................165
Tabela 7: Calendário de Feiras mencionado pelos entrevistados.....................................191
16
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES.......................................................................................................................... 14
LISTA DE TABELAS.................................................................................................................................... 15
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 17
2 IDENTIDADE E ESPAÇO: UMA PROPOSTA TEÓRICA DE ANÁLISE.......................................... 25
2.1
A
LGUMAS PERSPECTIVAS DE ESTUDO DA IDENTIDADE
........................................................................ 25
2.1.1 Fundamentos sobre o estudo de identidade.................................................................................... 25
2.1.2 O estudo da identidade nas ciências sociais ................................................................................... 31
2.1.2.1 A institucionalização da identidade......................................................................................................... 44
2.1.3 A identidade no campo organizacional .......................................................................................... 53
2.2
O
RGANIZAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO
...................................................................................................... 66
2.2.1 Da racionalidade cartesiana à produção de sentidos no (e pelo) espaço ........................................ 66
2.2.2 A espacialidade e a produção do espaço........................................................................................ 68
2.2.3 Entendendo categorias elementares: espaço, lugar e território ..................................................... 76
2.3
E
SQUEMA TEÓRICO DE ANÁLISE
........................................................................................................... 87
3. A TRAJETÓRIA DA PESQUISA ............................................................................................................ 92
3.1
N
ATUREZA DA PESQUISA
....................................................................................................................... 92
3.2
O
LOCUS DE ESTUDO
:
A
F
EIRA COMO INSTITUIÇÃO
............................................................................. 95
3.3
P
ROCEDIMENTOS OPERACIONAIS
....................................................................................................... 101
3.4
T
RATAMENTO DOS DADOS
:
A
NÁLISE DO DISCURSO
(AD).................................................................. 103
3.5
C
ATEGORIAS DE ANÁLISE
................................................................................................................... 108
4. A HISTÓRIA DA CIDADE E DA FESTA DO JUBILEU: O COMEÇO NA NARRATIVA DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IDENTIDADE E DO ESPAÇO........................................................... 111
4.1
A
H
ISTÓRIA DA CIDADE DE
C
ONGONHAS
........................................................................................... 111
4.2
F
ESTA DO
J
UBILEU DO
B
OM
J
ESUS DE
M
ATOSINHOS EM
P
ORTUGAL E NO
B
RASIL
:
PRECEDENTE
NECESSÁRIO PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
F
EIRA
.......................................................................... 115
4.3
A
F
EIRA DO
J
UBILEU DO
B
OM
J
ESUS DE
M
ATOSINHOS EM
C
ONGONHAS
(MG)............................... 118
4.4
O
S PERCURSOS SEMÂNTICOS E A CONTINUIDADE DA NARRATIVA
:
ENTRE A CRISTALIZAÇÃO E A
RECONFIGURAÇÃO
.................................................................................................................................... 121
4.4.1 Percurso semântico das transformações socioistórico-culturais................................................... 125
4.4.1.1 As características estruturais ................................................................................................................. 126
4.4.1.2 Os usos e costumes................................................................................................................................ 128
4.4.1.3 A infra-estrutura e utilização do espaço ................................................................................................ 136
4.4. 2 O percurso semântico da espacialidade....................................................................................... 140
4.4.2.1 A organização do espaço....................................................................................................................... 140
4.4.2.2 Os fluxos mediados pelo espaço............................................................................................................ 157
4.4.2.3 As práticas de apropriação-exclusão ..................................................................................................... 166
4.4.2.4 A percepção do espaço .......................................................................................................................... 183
4.4.3 O percurso semântico da identidade ............................................................................................ 193
4.4.3.1 A centralidade ....................................................................................................................................... 193
4.4.3.2 A distintividade ..................................................................................................................................... 206
4.4.3.3 Temporalidade....................................................................................................................................... 219
5. CONCLUSÃO .......................................................................................................................................... 226
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 238
APÊNDICES................................................................................................................................................. 253
A
-
R
OTEIRO DE
E
NTREVISTA
.................................................................................................................. 253
B
-
R
OTEIRO PARA
A
NÁLISE DO
D
ISCURSO
............................................................................................. 254
ANEXOS ....................................................................................................................................................... 256
17
1 INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa é explicitar como se arquiteta a relação entre o espaço,
físico e simbólico, e a construção da identidade institucional da Feira do Jubileu do Bom
Jesus, realizada na cidade de Congonhas (MG). Assume-se neste estudo que se estabelece
uma relação dialética entre as categorias espaço e identidade, partindo do princípio de que
o espaço opera como meio de produção de identificação dos indivíduos com o seu mundo
social. É o espaço que medeia as relações sociais, e com isso fornece as bases para a
construção e (re)construção de significados subjetivamente compartilhados sobre si, sobre
os outros e sobre a própria dimensão da realidade, permitindo aos indivíduos relacionarem-
se consigo mesmos, com os outros e com o mundo natural e social.
A espacialidade, que, grosso modo, refere-se à capacidade humana de relacionar-se
com o espaço, contribui para a construção de uma determinada identidade a partir do
momento em que esse espaço torna-se significativo para o indivíduo. Mas a questão que se
põe aqui não é se a espacilidade determina a construção de identidade e tampouco o
inverso. O que se pretende e é a premissa a partir da qual se sustenta este estudo é
identificar como o aspecto da espacialidade, tão omisso nos estudos organizacionais sobre
identidade (ao contrário do que se verifica em relação ao aspecto da temporalidade)
manifesta, exprime, conforma e azo às relações sociais que se materializam num
determinado espaço. Ou seja, além de ser um mero receptáculo das ações sociais, o espaço
também contribui para moldá-las, por meio da espacialidade. Assim, a partir da construção
identitária, da relação que as práticas sociais mantêm com um determinado espaço, é que se
18
pretende contribuir, ainda que de forma inicial e parcial, para a ampliação do quadro
conceitual sobre o estudo de identidade.
Vários têm sido os estudos sobre o tema identidade. Desde a filosofia, passando
pela religião, pela psicologia e sociologia, este tema percorreu um longo e milenar caminho
até chegar à sua aplicação no campo dos estudos organizacionais. Neste campo, os estudos,
que começaram a surgir, esporádica e isoladamente, a partir da segunda metade do século
XX, foram intensificados nas décadas posteriores, sobretudo a partir do clássico artigo de
Albert e Whetten, em 1985 (HATCH; SCHULTZ, 2004). O tema foi despertando interesse
por parte da comunidade acadêmica do campo organizacional, que tinha um interesse
voltado, na maioria das vezes, para compreender as formas de diferenciação organizacional
e o desenvolvimento de vínculos psicológicos dos empregados com a organização.
Realizando um apanhado geral dos estudos sobre o tema, Caldas e Wood Jr. (1997)
e Wood Jr. e Caldas (1995; 2006) sintetizam um quadro com as seis principais abordagens
sobre o estudo de identidade do ponto de vista dos estudos organizacionais, que, grosso
modo, distribuem-se entre dois pólos: de um lado, os estudos derivados da noção de
identidade individual, inicialmente trabalhados na psicologia e psicanálise, por Erik
Erikson; de outro, a identidade definida e entendida sob o ponto de vista social, com base,
sobretudo, nos estudos da psicologia social, em que a identidade não seria vista como um
atributo expresso pelo comportamento (individual ou da organização), mas sim como um
conceito comparativo que integra a autopercepção com a percepção que os outros têm de si
para a construção de uma identidade própria. Outra questão é a multiplicidade de níveis de
análise: individual, grupal, organizacional ou societal.
De modo geral, os estudos sobre identidade desenvolveram-se gradativamente a
partir da perspectiva da observação individual e interna, passando pela perspectiva da
19
observação externa, até se chegar a abordagens que tratam da integração da perspectiva
individual com o reconhecimento da influência social. Com o trabalho de Albert e Whetten
(1985), outras três categorias foram acrescentadas ao estudo de identidade: centralidade,
distintividade e continuidade temporal. A essas categorias Wood Jr. e Caldas (2006)
chamaram de “conceituais”, denominando a perspectiva de estudo do tema (interna ou
externa) e o nível de observação (individual ou coletivo) de “ontológicas”. Assim, em
última instância, os estudos sobre o tema têm se pautado, basicamente, em torno de cinco
categorias: duas ontológicas nível de análise e unidade de observação e três conceituais -
centralidade, distintividade e continuidade temporal. Essas categorias podem ser
combinadas de diversas formas quando se pretende estudar o objeto proposto.
Vale ressaltar que tal proposição desconsidera os processos de construção de
identidade: a) de identificação, que remete ao alinhamento do universo simbólico do plano
individual em relação ao social; e b) de socialização, que se refere ao processo de
transmissão de regras e normas de conduta tidas como socialmente aceitas por um dado
grupo social a um indivíduo (BERGER; LUCKMANN, 2004).
Apesar da relevância de outros conceitos para a ampliação do potencial explicativo
das teorias de identidade organizacional e passados 23 anos desde o trabalho de Albert e
Whetten (1985), poucos têm sido os estudos que buscaram explorar novas categorias de
análise para o desenvolvimento do tema. Um exemplo é a dimensão espaço, físico e
simbólico, que tem sido esporádica e marginalmente trabalhada por poucos autores, como
Fischer (1994), que evidencia como o espaço organizacional está permeado de significados
que permitem e auxiliam a construção de uma identidade organizacional; Carrieri e Pereira
(2003), que, empiricamente, observam como a imagem de um espaço turístico está
associada ao espaço físico e simbólico; e Carrieri (2005), que evidenciou como a
20
transformação da identidade institucional da Feira de Arte, Artesanato e Produtores de
Variedades da Avenida Afonso Pena de Belo Horizonte estava associada ao espaço físico
ocupado por ela e com a representação desse espaço por parte dos seus ocupantes.
Seguindo essa linha de raciocínio, este estudo focaliza a identidade institucional
entendida como a articulação do conjunto de representações dos diversos atores sociais e
organizacionais sobre seus atributos centrais, distintivos, relativamente duradouros ao
longo do tempo e manifestados espacialmente, e o modo como eles se relacionam com essa
Feira e o espaço ocupado e apropriado, ou melhor, o espaço e as práticas dos grupos
sociais sobre esse espaço. As diversas transformações sociais que vêm ocorrendo nas
sociedades nos últimos tempos têm pelo menos duas implicações, que assumem um papel
central neste estudo, uma vez que justificam e evidenciam duas questões-chave para esta
pesquisa: a) a compressão espaço-temporal e a des-localização, ou desvinculação, espacial
das atividades sociais; e b) a noção de identidade, seja no âmbito individual (VIEIRA;
CALDAS, 2006) ou no coletivo (HALL, 2005), que estaria sendo revista e modificada no
sentido de comprimir e fragmentar espaço-temporalmente o sujeito.
No tocante aos estudos sobre espaço (incluindo variações como lugar, território, e
as formas de apropriação e ação humana sobre ele, espacialidade e territorialidade),
também se observa a sua escassez, sobretudo na área da administração e, mais
especificamente, nos estudos organizacionais
1
. A despeito disso, vale ressaltar que grande
parte das contribuições angariadas pela ciência da administração advém do estudo
1
Um exemplo disso pode ser observado pela forma tímida como a questão tem se colocado nos principais
fóruns de debate acadêmico do País, como se pode observar na análise dos trabalhos sobre o tema nos anais
do Enanpad , que de 1997 a 2004 registram apenas 134 artigos citando alguma das expressões: espaço, espaço
social, espaço organizacional, espaço das organizações, espaço nas organizações, espaço simbólico, e
nenhum com o termo espaço físico e simbólico. Contudo, desse montante apenas 29 trabalhos abordam,
efetivamente, o tema em alguma parte de seu conteúdo, de maneira direta ou indireta. É justamente no sentido
de contribuir com a ampliação e aprofundamento do tema que se insere esta proposta de pesquisa.
21
sistemático da manipulação do tempo e do espaço, o que pode ser constatado, por exemplo,
pela revolução no uso do espaço organizacional proposto pela linha de montagem (FORD,
1954; 1960) ou no desenvolvimento de técnicas de apressamento da produção no início
do século XX (TAYLOR, 1995 [1911]).
A relevância da categoria espaço como forma de mediar relações sociais e,
simultaneamente, de receber e fornecer significados aos atores sociais (BERGER;
LUCKMANN, 2004) deve ser encarada como categoria de análise potencialmente útil aos
estudos organizacionais. O espaço, enquanto mediador das relações sociais, pode ser visto
como uma forma de controle social e de domínio do homem sobre a natureza, segundo a
qual o seu uso e sua forma representariam uma ordem simbólica subjacente, histórica e
socioculturalmente construída. Nesse sentido, o conhecimento desta ordem simbólica, por
meio de suas manifestações materiais e imateriais, poderia esclarecer as relações que os
atores sociais estabelecem com o espaço e entre si mesmos.
Visando ampliar os estudos sobre esses dois temas no Brasil e aprofundar tal tema
de pesquisa, considerado como relevante por outros autores (FISCHER, 1994; SANTOS,
1997; ALCADIPANI; ALMEIDA, 2000; VERGARA, VIEIRA, 2003; PEREIRA,
CARRIERI, 2005; GOMES-da-SILVA, 2006; GOMES-da-SILVA; WETZEL, 2006, entre
outros), embora pouco abordado nos estudos organizacionais (ALCADIPANI; ALMEIDA,
2000), é que justifica-se a relevância dessa pesquisa. Pretende-se, ainda que de forma
preliminar, dar uma contribuição para o desenvolvimento desse campo temático, tendo em
vista sua influência na prática cotidiana das organizações e sua virtual subexploração
teórica no Brasil.
É justamente para explorar a relação entre esses temas identidade e espaço que
se justifica esta pesquisa, cujo eixo é norteado pela seguinte questão: Como se configura a
22
relação entre o espaço, sico e simbólico, e a construção da identidade institucional da
Feira do Jubileu do Bom Jesus?
Com o intuito de responder a este problema de pesquisa, pretende-se com este
trabalho alcançar o objetivo geral de analisar de que modo o espaço, físico e simbólico,
contribui para a construção da identidade institucional da Feira do Jubileu do Bom Jesus.
Para tanto, as questões abaixo foram formuladas, de modo a nortear o alcance do objetivo
geral, conferindo-lhe parâmetros para seu balizamento, como uma seqüência de passos a
seguir, quais sejam:
1. Quais foram as principais mudanças ocorridas na identidade institucional da Feira ao
longo do tempo?
2. Quais foram as principais mudanças ocorridas no espaço, físico e simbólico, da “Feira
do Jubileu do Bom Jesus”?
3. Como se relacionam as transformações ocorridas no espaço, físico e simbólico, com as
mudanças de identidade institucional da Feira ao longo do tempo?
O aporte empírico da pesquisa baseou-se na observação de um locus em processo de
modificações no seu espaço após o estabelecimento de normas para a sua ocupação,
sobretudo pela padronização das barracas, além de outras influências, como o aumento
expressivo do número de participantes diretos e indiretos da Feira, fatos que levaram a um
questionamento sobre a possível mudança de identidade institucional da Feira em virtude
dos impactos decorridos dessas mudanças. Assim, partiu-se da suposição de que a Feira do
Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas, constituída por pequenas
organizações formais e informais e, também, por diversos outros atores sociais,
representaria um fértil campo para os estudos sobre os temas identidade e espaço
organizacional, que nesse contexto haveria uma reunião de características socioculturais
23
e econômicas que poderiam revelar as formas pelas quais as identidades e os espaços estão
em constante tensão (manutenção e mudança) e transformação.
A partir daquelas indagações e de suas possíveis respostas, advindas ao longo do
desenvolvimento deste trabalho, pretende-se gerar possíveis contribuições empíricas e
teóricas para os estudos organizacionais, no campo de teoria de identidade social, e seus
modos de análise, a partir da análise social do espaço. Tais contribuições circulam em
torno da proposição de que o espaço social, seja no âmbito físico, seja no âmbito simbólico,
contribui para a formação de determinadas identidades, assim como estas podem alterar os
significados subjetivamente atribuídos àquele espaço social, e com isso contribuir para a
sua mudança nos aspectos tanto físicos quanto simbólicos.
Neste estudo, optou-se por uma abordagem metodológica ancorada na pesquisa
qualitativa, em virtude da natureza do tipo de problema de pesquisa (TRIVIÑOS, 1987).
Especificamente, utilizou-se como técnica de pesquisa o estudo de caso, entendendo a Feira
como um único caso e os seus diversos atores sociais e organizacionais como a unidade de
observação, os quais foram o alvo de entrevistas semi-estruturadas. Estas, por sua vez,
foram analisadas utilizando-se a técnica da análise do discurso (FIORIN, 2003).
Com base na análise dos três percursos semânticos o das transformações
socioistórico-culturais, o da espacialidade e o da identidade –, construídos a partir da
coleta e análise dos dados, pôde-se observar que os conceitos de centralidade, distintividade
e continuidade temporal, tradicionalmente aceitos pelos estudiosos do tema “identidade”,
não esgotam a discussão do tema “identidade organizacional”, sobretudo no que se refere
ao caso estudado. O que se observou foi que aqueles conceitos não eram atributos
intrínsecos e exclusivos da instituição da Feira do Jubileu do Senhor Bom Jesus de
Matosinhos de Congonhas, mas sim eram atributos extrínsecos, ou seja, que se
24
relacionavam ao contexto socioistórico-cultural da instituição e, mais especificamente, ao
seu espaço físico e simbólico. Não exclusivos, pois uma associação mutualística entre a
identidade da Feira a e identidade da Festa do Jubileu do Bom Jesus, que lhe serve de base,
em que sobreposição parcial de características consideradas centrais, distintivas e
duradouras, dessas duas instituições, sendo o posicionamento ideológico, manifestado pelo
discurso, o divisor de águas dessas duas instituições. Além disso, parece haver uma
aproximação crescente entre esses dois discursos e essas duas instituições.
Esta dissertação está organizada em cinco capítulos, incluindo esta introdução, em
que se faz uma breve abordagem do tema, antecipando a contextualização do assunto;
lança-se o problema de pesquisa a ser investigado; e delineiam-se as principais questões
que norteiam este estudo e que, potencialmente, ajudarão a compreendê-lo. No capítulo 2,
faz-se uma revisão teórica que baliza o estudo. Este referencial está subdividido em dois
temas centrais: o estudo sobre identidade e a organização social do espaço. Em cada uma
delas, desenvolve-se uma discussão pormenorizada acerca dos principais constructos e
categorias a serem investigadas na pesquisa de campo. No capítulo 3, explicitam-se a
natureza da pesquisa e os principais procedimentos metodológicos utilizados na coleta e
tratamento dos dados. No capítulo 4, realiza-se uma breve descrição do objeto de estudo e,
em seguida, analisam-se os três percursos semânticos que compõem este estudo. Por fim,
no capítulo 5, tecem-se as considerações finais.
25
2 IDENTIDADE E ESPAÇO: UMA PROPOSTA TEÓRICA DE
ANÁLISE
2.1 Algumas perspectivas de estudo da identidade
2.1.1 Fundamentos sobre o estudo de identidade
Ésther (2007) considera que a palavra identidade é usada no cotidiano para
responder à pergunta “Quem eu sou?”. Segundo o autor, a resposta é a descrição de uma
personagem cuja biografia aparece numa narrativa. Mas, apesar de ser cotidiana e
comumente utilizada, a identidade possui uma raiz remota e longínqua. Alguns autores,
como Caldas e Wood Jr. (1997), apontam que a questão da identidade tem as raízes
fundadas no pensamento clássico, sendo um tema tão antigo quanto à própria lógica,
álgebra e filosofia.
No âmbito da lógica, por exemplo, a questão de identidade seria, per se, um dos
axiomas da matéria, uma vez que seria tomada como a igualdade entre duas expressões
representadas pelo mesmo número. Ou seja, uma determinada entidade seria idêntica a si
mesma sempre que para qualquer “x” o resultado fosse igual a “x”. Segundo Caldas e
Wood Jr. (1997), teria sido no campo da filosofia que tais idéias foram alvo de um impulso
reflexivo intelectual, o que estimulou a sua propagação e assimilação tanto em seu uso pela
cultura popular quanto na reflexão filosófica e intelectual dos séculos ulteriores.
26
Machado (2001), ao fazer uma retrospectiva sobre as bases do conceito de
identidade, afirma que foi o filósofo Parmênides de Eléia (540 450 a.C.) que definiu o
princípio da identidade ao anunciar que o que é, é e que uma coisa idêntica seria aquela em
que uma coisa é igual a si mesma. Nesse sentido, a idéia de identidade funda-se no
princípio tautológico, em que uma coisa poderia ter existência e significado por si e em
si mesma, o que sugere, um radicalismo na autodefinição das entidades, das coisas e dos
seres humanos. Ou seja, nessa acepção de identidade os atributos de cada coisa, ou
indivíduo, seriam tão exclusivos que se poderia pensar neles a partir deles mesmos, e
para além disso estariam a falta (ou incapacidade) de percepção e tomada de consciência
das coisas.
Assim, o princípio da identidade estaria baseado nos seguintes atributos: unicidade,
continuidade, imobilidade (estabilidade), infinitude, eternidade, homogeneidade (no
sentido de não variação) e indivisibilidade (MACHADO, 2001), que seriam responsáveis
por conferir à identidade, justamente, essa característica tautológica e autodefinida. Foi com
o filósofo Heráclito de Éfeso (540 480 a.C.), maior opositor intelectual de Parmênides,
que o princípio da identidade passaria a ser universalmente reconhecido e referenciado
(CALDAS; WOOD JR., 1997).
Heráclito (1980) acreditava que as constantes transformações da (e na) natureza
eram justamente a sua característica mais fundamental. Sua concepção filosófica era a de
que “tudo flui”, pois todas as coisas da natureza estavam em constante movimento. Seu
principal argumento era o de que o mesmo homem não poderia atravessar o mesmo rio
duas vezes, pois um e outro estariam mudados na segunda vez em que se encontrassem
(HERÁCLITO, 1980). Acreditando na percepção e nos sentidos do homem para se
relacionar com a natureza e interpretá-la, Heráclito (1980) afirma que uma característica
27
comum desta, e da interpretação do homem sobre ela, seria o fato de que, além do caráter
contínuo da mudança, o mundo seria impregnado por constantes opostos. A partir dessa
perspectiva relacional das coisas é que Heráclito (1980) considera que o homem poderia
perceber as coisas, em sua essência, pelo seu caráter dicotômico e relacional em relação a
outras coisas do mundo.
Ao sustentar o axioma de que a essência das coisas consistiria na sua própria
mudança e de que a base de tudo era a luta dos contrários, a partir da qual a sua síntese
seria crucial para se interpretar a natureza e relacionar-se com ela, a sua concepção foi
embrionária da filosofia dialética. Uma conseqüência disso foi a ruptura com a premissa
tautológica de autodefinição da identidade proposta por Parmênides. Em contraposição,
Heráclito (1980) apontou como característica central da questão da identidade o seu caráter
relacional e dialético, estabelecido pela sua diferença em relação às outras coisas. Ou seja, a
autodefinição passa a ter menos importância do que a diferença, pois é somente por meio
desta que se poderia definir o que é uma coisa. A identidade de uma coisa não seria dada
por ela mesma, mas por sua diferença em relação às outras coisas do mundo. Portanto,
somente a partir da comparação é que poder-se-ia compreender determinada entidade (coisa
ou indivíduo) em sua essência.
2
Assim, a relevância e a atualidade dos primeiros pensadores (em especial para esta
pesquisa, é a relevância de Heráclito, por tratar a questão da identidade) é vista por Leão
(1980) como a base de fundação do paradigma humanista, pois é por meio dos princípios da
filosofia dialética de Heráclito que funda-se o combate da identidade nas diferenças de
2
Leão (1980), ao referir-se a Heráclito, afirma que considerá-lo pré-socrático, como usualmente é feito
(devido à ênfase cronológica), é um erro que deve se corrigir, pois a concepção do prefixo “pré” escamoteia
uma perplexidade de pensamento. crates e Platão fundam uma (de)cisão histórica, com base numa
diferença metafísica em relação à escola jônica (liderada por Heráclito), fundando a filosofia ocidental. Trata-
se de uma perplexidade de pensar a identidade como identidade, e não como igualdade dificuldade de se
encontrar a identidade no seio das diferenças.
28
dia/noite, vida/morte, etc. e o transporta para a expressão na forma de linguagem e que se
pode pensar na compreensão da realidade no seu todo, em que cada parte dos opostos é
importante e constitutiva desse todo. Assim, “o combate originário do mundo que instala
todas as diferenças nas escalas de suas diferenças” não pode ser terminado ou dominado
por nenhum dos pólos opostos (LEÃO, 1980, p. 15), pois ambos são necessários para a
constituição do todo maior.
3
Foi na filosofia dos séculos XIX e XX que se discutiu de modo aprofundado a
questão da identidade seguindo essa mesma linha de análise. Heidegger (1979) afirma que
o princípio da identidade é abstrato e se manifesta na singularidade. Esta, por sua vez,
poderia ser vista pelo homem (e suas particularidades) em sua relação/contraposição à
coletividade (ou aos outros). Segundo este autor, o termo identidade vem do latim (idem) e
do grego ( autó), e significaria o mesmo. Mas deve-se ressaltar que, diferentemente do
tautologismo de Parmênides, o que se entende aqui por identidade não se pauta na
igualdade lógica expressa pela fórmula A = A, mas pelo princípio de que A é A ou seja,
“cada A é ele mesmo o mesmo” ou “consigo mesmo é cada A ele mesmo o mesmo”
(HEIDEGGER, 1979).
A identidade seria um quadro de referência a partir do qual o ser humano se
relacionaria com o real ou seja, a síntese da expressão dialética entre a tensão da história
individual inserida (no seu contraponto) na comunidade. Retomando a discussão
inicialmente estabelecida nestes termos por Heráclito, Heidegger (1979) considera que a
identidade estaria na consciência do sujeito e que para além disso estaria o indeterminado, o
incognoscível. A partir dessa tensão dialética fundada na relação entre determinado e
3
Entendido, na concepção de Heráclito (1980), como as forças da natureza.
29
indeterminado, entre conhecido e desconhecido, e entre compreendido e incompreensível é
que surgiria a diferença entre o previsível e o imprevisível.
Assim, o jogo de tensões entre a identidade e a diferença manifestadas pela sua
relação histórica e contextualmente localizada teria uma relação com as práticas sociais,
como, a memória e obito (tanto individual quanto social), com a variabilidade e a
estabilidade lingüística e das próprias práticas sociais, com os movimentos de continuidade
e descontinuidade histórica e com a noção de estabilidade e instabilidade do sujeito
(FRANCISCO, 2003).
Nesse contexto, a linguagem, entendida como um comum-pertencer ou uma
comum-unidade – isto é, inserido no ser, aberto ao ser estabelece uma relação de
manifestação e correspondência plena com a questão da identidade (HEIDEGGER, 1979),
tornando-se um elemento central e crucial na forma de apreensão e compreensão das
identidades, como será abordado especificamente no capítulo metodológico deste estudo. A
identidade seria a continuidade no tempo, a invariância, tempo que se repete como
disposição estável do ente em relação a si mesmo, decorrente do comportamento ou hábito,
da fidelidade às normas, às regras, às instituições. Esse jogo (mesmidade/semelhança e
diferenciação) depende da narração, da narrativa histórica, que repõe a ética para o
indivíduo e para a coletividade.
Contudo, a identidade como mesmidade e como possibilidade de mudança organiza-
se na e pela diferença, o que inclui, fundamentalmente, o Outro, a partir de um jogo entre
um mundo próprio (que se dá pela linguagem e narrativa que conta experiências, transmite,
inventa e reinventa, inclusive a própria identidade, e um mundo do Outro, que representa o
espaço de contraposição e tensão dialética entre aquilo que é o conhecido e o desconhecido,
entre a identidade, mesmidade e a diferença.
30
A identidade seria um jogo discursivo, que se expressa como: a) forma de produzir a
história que produz continuidades e descontinuidades, valorizando determinados pontos e
silenciando outros; b) tipo de produção simbólica interpessoal ou mediática que auxilia e
suporta a transmissão de determinadas ideologias que fundamentam, instituem e
reproduzem aquele; e c) as próprias representações sociais que remetem à forma pela qual
os indivíduos comuns repetem, recriam e, ao mesmo tempo, utilizam os elementos
circulantes nesse discurso para efetuarem bricolagens e se autoreproduzirem ou
autoproduzir as suas próprias identidades (FRANCISCO, 2003).
A identidade suportaria a sociabilidade de grupos que interferiria na própria
possibilidade de constituição dos destinos desses grupos, pelo modo como estes pensam a
si mesmos e relacionam-se com o mundo real (a natureza, o Outro e consigo mesmos) e dos
valores éticos e morais que decorrem dessas relações (sócio-culturais, econômicas e
políticas) estabelecidas por e entre eles. Desse modo, todos esses elementos conferem um
modo de ver a si mesmo como idêntico e o Outro como diferente, mas uma diferença que é
estabelecida/concebida em relação à reafirmação de si mesmo. Nesse sentido é que se
pode dizer que uma coisa é ela mesma quando ela é delimitada. Ou seja, quando se
estabelecem as fronteiras entre ela (a coisa observada) e as demais que com ela mantém
relações.
A partir dessas concepções teóricas desenvolvidas pela e na filosofia é que outros
estudos no campo das ciências sociais e, em especial, no campo da psicologia começaram a
ser desenvolvidos tentando verificar como aqueles conceitos teleológicos poderiam ser
utilizados e verificados na prática cotidiana dos atores sociais. No item seguinte, busca-se
fazer uma breve retrospectiva das principais contribuições do estudo do conceito de
31
identidade na psicologia e na sociologia, pois o desenvolvimento desses estudos é que
permitiu a sua transposição e aplicação no campo da Teoria Organizacional.
2.1.2 O estudo da identidade nas ciências sociais
Com o desenvolvimento dos estudos de identidade na perspectiva da filosofia, o
tema “identidade” foi espalhando-se para outros campos do saber, inicialmente nas áreas de
humanidades, estando hoje virtualmente integrado à quase totalidade das áreas do
conhecimento. Dentre essas diversas áreas que incorporaram a discussão da questão da
identidade, inserem-se com grande destaque o campo da psicologia e o da psicanálise, em
que a questão ganhou uma enorme dimensão, o que instigou e possibilitou um salto
qualitativo no seu desenvolvimento durante o século XX.
Machado e Kopittke (2002) e Machado (2003) mostram quatro perspectivas para a
sistematização do estudo de identidades:
1ª) Identidade pessoal – considerada como a construção do autoconceito ao longo da
vida de um indivíduo, por meio de diversos relacionamentos sociais em diversas
esferas. Ocorre em todas as fases da vida, o que leva à conformação do eu, em
direção ao processo de individuação.
2ª) Identidade social entendida a partir da formação do autoconceito pela
vinculação a grupos sociais, por meio da interação com esses diversos grupos.
Ocorre permanentemente na vida do indivíduo, com a finalidade de orientar e
legitimar a ação mediante o reconhecimento e da vinculação social.
32
3ª) Identidade no trabalho – refere-se à construção do eu pela atividade que realiza e
pelas pessoas com as quais se tem contato, mediante a interação com a atividade e
com as pessoas no trabalho, ocorrendo na juventude e na idade adulta, até a
aposentadoria. Contribui para a formação da identidade pessoal, atuando como fator
motivacional.
4ª) Identidade organizacional corresponde à construção do conceito de identidade
do grupo social, como se fosse uma entidade autônoma, um sujeito, que vincula e
subordina os demais sujeitos participantes do grupo a essa identidade, fazendo-os
aceitá-la, pelo menos, implícita e tacitamente, ao vincularem-se à organização onde
trabalham. Mediante à interação com a instituição, ocorrendo a partir da juventude
enquanto se estiver vinculado a alguma instituição, tem por finalidade incorporar as
instituições no imaginário de forma a orientar a ação nessas organizações.
Wood Júnior e Caldas (1995) consideram que o conceito de identidade, no âmbito
da identidade pessoal, baseia-se na busca pelo descobrimento e conhecimento do próprio
ser, no âmbito individual do self –, o que remeteria a três idéias básicas (notadamente
desenvolvidas no campo da filosofia): a) permanência representada pela continuidade
durante certo período de tempo; b) singularidade expressa pelas particularidades de uma
entidade em relação aos seus semelhantes; e c) unicidade manifestada pela integridade do
próprio ser em si mesmo, na sua totalidade, mantendo-o coeso em relação ao seu exterior.
Em um estudo posterior, Caldas e Wood Jr. (1997) aprofundando sua retrospectiva
teórica sobre os estudos de identidade, apontam para a necessidade de se estabelecer uma
diferenciação de conceitos entre: identidade, self e ego.
33
Estes autores assumem que tomam, por vezes, o uso indistinto dos dois primeiros
conceitos, embora reconheçam a diferença entre eles no que tange à idéia subjacente ao
conceito de identidade. Este conceito significaria o mesmo ou uma e outra vez
(repetidamente), o que, em sua análise, sugeriria uma noção de atributo ou propriedade,
enquanto que a palavra self
4
, apesar de ter uma origem obscura, pareceria estar vinculada a
um vocábulo indo-europeu ligado ao prenômio se-, significando o eu de cada um”
(CALDAS; WOOD JR., 1997, p. 10). Desse modo, diferentemente do termo identidade, o
self poderia representar a entidade que a incorpora (o conteúdo ou propriedade). Por fim, os
autores abordam o conceito de Ego, que, seria o equivalente a eu, definido como a
concepção que o indivíduo faz de si mesmo. Sua função seria garantir a estabilidade
pessoal durante a vida social.
No campo das ciências sociais aplicadas, um dos autores que mais trabalhou e
influenciou o desenvolvimento do conceito de identidade foi Erik Erikson, um importante
psicanalista a trabalhar na área de psicologia do desenvolvimento que desenvolveu
sobremaneira o conceito de identidade (CALDAS; WOOD JR., 1997; McKINNEY;
FITZGERALD; STROMMEN, 1986).
Foi no campo da psicologia que a identidade ganhou forte impulso com os estudos
de Erik Erikson, para quem a identidade pessoal estaria ligada à noção de continuidade
histórica, sendo entendida como “um sentimento subjetivo de uma envigorante
uniformidade e continuidade” (ERIKSON, 1976, p. 17, grifo do autor).
4
O conceito de self também pode ser visto, às vezes, como equivalente ao de personalidade. Segundo a teoria
interpessoal de Sullivan: “[...] sua premissa básica é que a personalidade consiste em “padrão relativamente
duradouro de situações pessoais repetidas que caracterizam a vida humana” (SULLIVAN, 1953, p. 10). Por
outras palavras, Sullivan considera que a personalidade consiste principalmente no comportamento
interpessoal. Como o indivíduo não pode existir à margem de suas relações com outras pessoas, a definição
do eu está vinculada a um conjunto de relações. Cada uma dessas relações recíprocas implicaria um Outro
significativo. Também implicaria a autodefinição e compreensão da própria pessoa.
34
Ou seja, identidade é um sentimento que emerge como um reconhecimento que se
tem de si mesmo mais do que como uma busca de algo que se quer ser, tenta ser. Contudo,
o autor não descarta a influência de aspectos sociais do Outro e da comunidade sobre a
formação da identidade pessoal. Pelo contrário, ele a considera um processo complementar
e extremamente importante, pois:
não podemos separar o desenvolvimento pessoal e a transformação comunitária
[...] [pois] os meros ‘papéis’, desempenhados intermutavelmente, as meras
‘aparências’ tímidas ou as meras ‘posturas’ enérgicas não têm possibilidade
alguma de ser a coisa autêntica, embora possam ser aspectos dominantes daquilo
a que hoje se dá o nome de ‘busca de identidade’ (ERIKSON, 1976, p. 22).
A concepção de Erikson (1976) sobre a noção de identidade está fundamentada nas
proposições de dois autores importantes do século XX: Freud
5
e James.
6
Em relação ao
primeiro, um resgate das idéias de identidade pessoal e cultural no sentido daquilo que
Freud teria denominado ‘forças emocionais obscuras’, que assegurariam ao indivíduo
justamente a constituição de um elo entre si e a comunidade, tornando, ao mesmo tempo,
uno, integral, indivisível e, também, parte de um todo maior, no qual se compartilham
elementos comuns com Outros significativos para o reconhecimento e construção social da
sua identidade pessoal. Quanto ao segundo autor, Erikson (1976) extrai a sua concepção de
identidade como um caráter ou atributo moral, derivado da própria autoconsciência do
indivíduo de si mesmo. Essas duas concepções ajudariam a compreender esse fenômeno
universal, que é a questão da identidade.
5
Erikson (1976, p. 19) retira as idéias de identidade pessoal e cultural como sendo de uma base, uma unidade
comum arraigada: “‘forças emocionais obscuras’ [...] [e] a segura intimidade de uma construção mental
comum’[...] [que encerram] não apenas uma profunda comunidade somente conhecida daqueles que dela
compartilham e que é exprimível em palavras mais míticas do que conceptuais” (FREUD, 1926). Ver:
FREUD, Sigmund. Adress to teh society of B’nai B’rith” (1296), Standard Edition, 20:273, Londres: Hogarth
Press, 1959.
6
The Letters of Eilliam James, edição organizada por Henry James (seu filho), vol. I, Boston: The Atlantic
Monthly Press, 1920.
35
Assim, observa-se que a identidade pessoal, enquanto derivada de uma
autoconcepção e legitimada por um caráter ou um atributo moral –, reflete a formação de
um conceito de identidade que contempla o lado psicológico, que tem origem “interna”,
mas, ao mesmo tempo, um lado social, já que é legitimada pelos demais membros da
sociedade como atributo moral.
Erikson (1976) reconhece que o processo de formação de identidade tem uma carga
afetiva, nomeadamente expressa pelo processo de identificação, que se inicia na
socialização primária, o que, por sua vez, implica o conteúdo do processo social
(relacional) dessa interação e que vai sendo permeado e preenchido por outras interações
sociais que cada indivíduo experimenta ao longo de sua vida, seja com outros indivíduos,
seja com grupos sociais ou, até com, organizações e instituições.
Uma implicação desse reconhecimento da dimensão da alteridade, segundo o
próprio autor, é a questão das ideologias e sua influência na formação da identidade
pessoal, pois a ideologia exerceria um papel fundamental ao fornecer uma garantia de
estabilidade e segurança para os indivíduos, ao colocarem-nos em certa sintonia (ou
semelhança com Outros importantes para o reconhecimento e legitimação pessoal), sendo,
portanto, um aspecto indispensável à existência humana “[...] visto que sem uma
simplificação ideológica do universo, o ego do adolescente não pode organizar a
experiência de acordo com as suas capacidades específicas e o seu envolvimento em
expansão” (ERIKSON, 1976, p. 26).
Desse modo, segundo essa corrente da psicologia, a identidade pode ser vista como
um processo simultaneamente individual, social, dinâmico e contextual. Individual, porque
reside no indivíduo enquanto portador dessa (auto)consciência que o faz identificar-se e
reconhecer-se enquanto uno e, ao mesmo tempo, diferente dos seus semelhantes; social,
36
porque esse reconhecimento só pode ser atingido por meio de uma relação dialética baseada
na oposição (comparação) com algum outro indivíduo; dinâmico, porque está sempre
mudando e evoluindo, permitindo uma ampliação constante e incorporação das opiniões de
Outros (indivíduos) que lhe são significativos (para o auto-reconhecimento e construção de
sua própria identidade) e também porque é um processo que nunca está estabelecido
(acabado em definitivo), em virtude de sua alteração segundo a influência do contexto
socioistórico-cultural no qual ele está localizado; e contextual, por constituir um pano de
fundo que revela o jogo de uma história cultural que se reflete (nos períodos da) na história
individual, por exemplo, no período da infância que é diferente do da adolescência. Assim,
a necessidade de se considerar o contexto histórico, pois nessa perspectiva estão
realmente vinculadas a uma espécie de formação de identidade dependente das condições
culturais (de uma classe/contexto) e ideológicas.
Em síntese, a noção de identidade para esta corrente de estudos da psicologia é vista
como um construto unificador (McKINNEY; FITZGERALD; STROMMEN, 1986),
trabalhado por meio da oposição de extremos (opostos), o que implica uma postura
dialética na sua apreensão, pois revelar-se-ia em constante tensão entre extremos de
comportamento como rebelião versus conformidade e angústia versus indiferença. Segundo
o próprio Erikson (1976), a identidade refereria-se à segurança acumulada de que a
coerência e a continuidade interiores elaboradas no passado equivalem à continuidade do
próprio significado para os demais. Nesse sentido, ela, necessariamente, envolveria um
sentimento de “segurança” e estabilidade (BAUMAN, 2005), no nível pessoal, o que
permitiria a sua transposição para o nível social, manifestada pela coesão social em torno
de determinadas referências, explícitas por meio das ideologias.
37
Do ponto de vista psicológico, ao considerar as experiências em relação aos pais e
às figuras de autoridade; do ponto de vista sociológico, ao considerar a dimensão da
interação social, sobretudo a da socialização secundária, pois reconhece-se que, além do
aspecto afetivo das figuras paternas, haveria também outras figuras (de autoridade) que
influenciariam a formação de uma determinada identidade por parte dos indivíduos. Esse
fenômeno é denominado de “relações de transferência”, podendo ser definido como “[...] a
projeção pelo indivíduo de um estado afetivo [...] o modo como age, reproduzindo uma
atitude antiga em relação a uma figura importante de seu passado” (KETS DE VRIES;
MILLER, 1996, p. 104). Sua relevância, na perspectiva da construção da identidade, reside
no fato de que ela estabelece uma ponte com o ponto de vista sociológico, pois consegue
explicar, até certo ponto, como funcionariam as relações de identificação do indivíduo em
relação aos outros.
Ao contrário da psicologia, em que o foco está na autopercepção do indivíduo sobre
o seu sentimento de continuidade histórica e de diferença em relação aos outros; nos
estudos sociológicos sobre a identidade a ênfase está no processo interativo das relações do
indivíduo com outros indivíduos e grupos sociais, e no modo como essas interações irão
contribuir para manter ou modificar a percepção que o indivíduo tem de si mesmo. Nesse
sentido, a forma como o indivíduo se percebe seria influenciada pela forma como os outros
indivíduos e grupos sociais o percebem, atribuem-lhe significados e classificam-no em um
universo social estabelecido, levando-o, em última instância, a adequar-se em relação ao
que os grupos sociais dos quais ele faz parte lhe impõem ou esperam dele.
38
Partindo de uma perspectiva construtivista
7
, com a qual se concorda neste estudo,
Berger e Luckmann (2004) consideram que as teorias sobre identidade estão sempre
inseridas em teorias mais amplas da realidade, por exemplo, as teorias psicológicas e
sociológicas que interpretam os fenômenos da realidade subjetiva e intersubjetiva,
respectivamente.
As teorias de identidade estão sempre encaixadas em uma interpretação mais
geral da realidade. São “embutidas” no universo simbólico e suas legitimações
teóricas, variando com o caráter destas últimas. A identidade permanece
inteligível a não ser quando é localizada em um mundo. Qualquer teorização
sobre identidade e sobre os tipos específicos de identidade tem, portanto, de
fazer-se no quadro das interpretações teóricas em que são localizadas (BERGER;
LUCKMANN, 2004, p. 230).
Para esses autores, a psicologia pressupõe sempre a cosmologia (um universo
simbólico mais amplo), pois aquela depende da definição de realidade do indivíduo, que se
encontra inserido num universo social mais amplo. Assim, o estado psicológico é relativo
às definições sociais de realidade em geral, sendo ele próprio socialmente definido. A
emergência das psicologias introduz uma nova relação dialética entre identidade e
sociedade: a relação entre teoria psicológica e os elementos da realidade subjetiva que
pretende definir e explicar. Por isso, “o grau de identificação variará com as condições da
interiorização [...] dependendo, por exemplo, de realizar-se na socialização primária ou na
secundária” (p. 235). Assim, seguindo uma concepção dialética, as transformações radicais
na estrutura social podem resultar em alterações na estrutura psicológica. Uma psicologia
substitui outra quando a identidade aparece como um problema qualquer. As teorias sobre
identidade deverão se adequar à nova realidade, sofrendo reformulações no sentido de
adequar-se a ela e explicá-la.
7
Ésther (2007) considera que Berger e Luckmann (2004) adotam uma perspectiva interacionista baseada em
George H. Mead, ao defenderem que a identidade seria um elemento-chave da realidade subjetiva e formada
por processos sociais, mantendo, portanto, uma relação dialética com a realidade objetiva.
39
No campo da antropologia, Hall (2005) destaca a evolução do conceito de
identidade consoante à evolução da própria sociedade, distinguindo três tipos de
concepções sobre identidade: a) identidade do sujeito no Iluminismo; b) identidade do
sujeito sociológico; e c) identidade do sujeito pós-moderno. Segundo Hall (2005), a
identidade do sujeito no Iluminismo seria aquela em que predominaria a concepção de um
sujeito uno, centrado, com características rígidas e inflexíveis. Já a identidade do sujeito
sociológico seria aquela marcada pela consciência de que aquele cleo interior do sujeito
do Iluminismo não era autônomo nem auto-suficiente, sendo a sua formação baseada na
relação com os outros. Nessa segunda concepção, o sujeito ainda tem uma essência, ou
núcleo, interior formado com base na interação com os outros. Por fim, a concepção de
identidade do sujeito pós-moderno seria aquela em que
[...] as identidades que compunham as paisagens ‘lá fora’ e que asseguravam
nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão
entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O
próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas
identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. (HALL,
2005, p. 12).
Assim, a identidade preencheria o espaço entre o interior e o exterior:
O fato de que projetamos a ‘nós’ próprios nessas identidades culturais, ao mesmo
tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os ‘parte de nós’,
contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que
ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura [...] o sujeito à
estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles
habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis (HALL,
2005, p. 11-12).
É importante salientar aqui que este autor assume uma posição epistemológica de
uma identidade móvel, flexível e histórica. Esta concepção contrapõe-se àquela do sujeito
do Iluminismo, em que a identidade não pode ser plenamente unificada, completa, segura e
40
coerente, considerando-a como uma fantasia. Essa identidade unificada, ou coerente, desde
o nascimento decorre do fato de o sujeito construir uma cômoda história sobre si mesmo ou
uma confortadora e estável narrativa do eu que possibilitasse uma construção da
interpretação segura de si mesmo (HALL, 2005).
Ainda na sociologia a identidade tem sido vista como um processo eminentemente
relacional, em que o papel dos Outros na construção da identidade social é o foco central de
análise. Aqui, a base para a construção da identidade é o processo de socialização dos
indivíduos em relação aos diferentes grupos com os quais experimentam relações ao longo
de sua vida. O foco está no modo como o indivíduo incorpora os elementos, valores e
classificações propostas pelo grupo social e na forma como esse mesmo indivíduo responde
à esse grupo social, por meio da expressão de seus posicionamentos individuais (BERGER;
LUCKMANN, 2004).
Para Bauman (2005), a noção de identidade constrói uma interpretação em que tal
identidade seria vista como uma invenção social da classe que tem o poder, relacionada
com um determinado espaço físico e simbólico, como uma noção de pertencimento a um
lugar estabelecida ou imposta por algum grupo a alguém. Essa noção, segundo ele,
estreitamente relacionada à dimensão espacial, seria fruto de um determinado contexto
socioistórico-cultural, o qual estaria nomeadamente associado à con-formação dos Estados
Nacionais.
Nessa perspectiva, a identidade individual e a social seriam um processo de
construção social tão naturalizado e incorporado por um dado grupo social como se fosse
quase que biologicamente determinado, assim como a identidade étnica. No entanto, o que
Bauman (2005) quer trazer à tona com a sua especulação é o fato de que tal naturalização
esconde por trás de si, de fato, a determinação do conjunto de interesses de um dado grupo
41
social. Ou seja, a sua naturalização camufla uma dada construção social que traz em si a
defesa de determinados interesses estabelecidos por um grupo. Um exemplo disso é o
sentimento de identidade social de um povo (tomada no sentido de pertencimento) e sua
vinculação a um dado espaço físico e simbólico que teria sido de fundamental importância
para a formação dos Estados Nacionais, pois representava a defesa dos interesses de um
dado grupo social na tentativa de consolidação, manutenção e, eventualmente, extensão das
fronteiras de um dado território (BAUMAN, 2005).
A identidade como “invenção” seria uma construção social para atingir objetivos
políticos de uma determinada classe mediante sua legitimação por várias outras classes,
fortalecendo-a, num processo de falsa consciência, mas que serve para recrudescer aquela
ideologia e legitimar os interesses que estão em jogo. Sua manifestação e afirmação
estariam estreitamente vinculadas à dimensão espacial, no sentido de que seria por meio
desta que ela encontraria os elementos (artefatos) físicos e simbólicos para assegurar a sua
expressão. Além disso, cada espaço teria uma função simbólica de ancoragem dos
indivíduos no mundo social, provendo uma noção de pertencimento que lhes asseguraria
uma espécie de segurança e atribuição de sentido para as suas vidas, fornecendo segurança
e coesão social (ao vincular aqueles indivíduos a um determinado conjunto de Outros
indivíduos significativos pertencentes ao mesmo espaço social).
Berger e Luckmann (2004, p. 228) explicam o processo de construção social que se
refere à identidade, evidenciando que ela é formada por processos sociais:
Uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas
relações sociais. Os processos sociais implicados na formação e conservação da
identidade são determinados pela estrutura social. Inversamente, as identidades
produzidas pela interação do organismo, da consciência individual e da estrutura
social reagem sobre a estrutura social dada, mantendo-a, modificando-a ou
mesmo remodelando-a. As sociedades têm histórias no curso das quais emergem
particulares identidades. Estas histórias, porém, são feitas por homens com
42
identidades específicas. Se tivermos em mente esta dialética podemos evitar a
noção equivocada de “identidades coletivas”, sem precisar recorrer a unicidade,
sub specie aeternitatis, da existência individual.
Contudo, existem fatores biológicos que limitam a gama de possibilidades sociais
abertas a qualquer indivíduo (por exemplo, a mortalidade e os homens ficarem grávidos).
Mesmo assim, uma tendência do social sobrepor-se ao biológico no sentido de que
aquele é que vai decidir, dentre as várias opções de satisfazer as necessidades deste, aquelas
que serão eleitas. Por exemplo, com relação à necessidade sexual, o social define a
orientação a ser seguida no sentido de satisfazer a necessidade física. Assim, haveria um
conflito entre “eus”, sendo um “eu” superior (social), conformador de uma identidade
social, que tentaria a sobrepor-se a um “eu” inferior (biológico), da animalidade pré-social,
por meio da socialização, o que implicaria, necessariamente, um tipo de frustração
biológica no sentido de que ela é que vai regrar a satisfação das necessidades (e a forma de
fazê-lo) do organismo biológico (BERGER; LUCKMANN, 2004).
Dessa forma, a identidade ancora-se numa perspectiva relacional e comparativa, na
qual as pessoas tenderiam a se classificar e a classificar os outros de acordo com várias
categorias e papéis sociais criados pelo grupo social (por exemplo, “bonzinho”; “vilão”,
“mundano”). As identidades sociais seriam formadas também por direitos normativos,
obrigações e sanções, que acabam por constituir esses papéis ao serem assumidos. Assim, a
identidade social é mais do que a concepção individual de si mesmo, pois esta depende do
reconhecimento e legitimação dos outros que compõem a realidade social do sujeito
(BERGER; LUCKMANN, 2004).
A partir das contribuições dos estudos da psicologia e da sociologia podem-se
identificar dois processos complementares de construção de identidade: de um lado, as
43
correntes da psicologia contribuem com a noção de identificação, como um processo
eminentemente subjetivo, que se origina do sujeito em relação ao Outro (ou Outros) que lhe
são significativos (ERIKSON, 1976); e de outro, as diferentes correntes das ciências sociais
identificam a existência de um processo denominado “socialização”, que faria justamente o
caminho inverso da identificação – ou seja, ele seria constituído pela transmissão de
determinados tipos de comportamentos, valores e normas socialmente aceitas e tidas como
corretas por um determinado grupo social para um indivíduo ou um grupo (BERGER;
LUCKMANN, 2004).
O processo de socialização torna-se uma das mais importantes categorias para a
análise e compreensão da formação e (re)construção de identidade. A formação de
identidades, nesse aspecto, seria um problema crítico e de gerações, no qual a socialização
permitiria a transmissão de vivências de mundos/legitimação de uma geração para a outra e
entre pessoas de uma mesma geração. Para os autores, haveria certa “responsabilidade” da
geração mais “velha”, que consistiria em fornecer ideais poderosos e convincentes para
atender à formação de identidade da geração seguinte. Nesse sentido, os ideais fortes e
poderosos poderiam ser vistos como determinadas ideologias, ou formas de se ver e
relacionar com o mundo, que deveriam ser transmitidas por meio da socialização. Esta teria
como função primordial a execução dessa transposição de valores/ideais.
Desse modo, ao considerar os processos de identificação e de socialização como
mecanismos privilegiados de compreensão do processo de construção de identidade, pode-
se inferir que diversas são as possibilidades e situações em que eles ocorrem, por exemplo,
no universo do trabalho, o que inclui o relacionamento com outros indivíduos ou grupos
sociais e, também, as organizações. Ao abordar a questão da identidade e sua relação com o
trabalho, Erikson (1976, p. 30) ressalta que alguns indivíduos teriam, em todo o contexto
44
histórico, independente do seu desenvolvimento tecnológico, a capacidade e a habilidade de
combinar as “[...] técnicas dominantes com o desenvolvimento da sua identidade – e
tornar-se aquilo que fazem [...] [para isso] eles podem firmar-se naquela consolidação
cultural que lhes assegura a verificação conjunta e a salvação transitória [...] que consiste
em fazer as coisas em comum [...]”. É nesse sentido que se ressalta o estreito elo entre a
construção de identidades e as ideologias.
Porém, para considerar esses processos, deve-se compreender como e em que
contexto eles são formados. Dessa forma, é preciso compreender o processo de
institucionalização da realidade, a fim de entender como a identidade pode ser construída,
sobretudo no do contexto específico da organização ou de uma instituição, que será o foco
desse estudo. Embora não seja pretensão aqui centrar-se especificamente nos processos de
identificação e socialização, torna-se fundamental compreender a sua dinâmica para se
chegar ao seu resultado: o processo de institucionalização da realidade este, sim, é o
problema central deste estudo, pois remete à construção e à manutenção de uma
determinada convenção, como a identidade organizacional da Feira, ao longo do tempo.
Dessa forma, vale destacar a relação entre os processos de identificação e de socialização
na institucionalização dos demais processos e estruturas da realidade social.
2.1.2.1 A institucionalização da identidade
Berger e Luckmann (2004) entendem que o processo de construção social da
realidade estaria ancorado no processo de institucionalização. Este, por sua vez, seria
composto por duas dimensões interdependentes e complementares: uma realidade objetiva;
e uma realidade subjetiva. O processo de institucionalização ocorreria sempre que houvesse
45
uma tipificação recíproca de ações habituais realizada por determinados tipos de atores
sociais. O mundo institucional seria, então, apreendido como realidade objetiva, já que teria
um conjunto de ações habitualizadas historicamente antes de os indivíduos entrarem no
mundo social e que seriam “independentes” da aceitação destes.
A realidade objetiva seria apreendida pela vida cotidiana dos indivíduos, como uma
realidade que se impõe à consciência desses indivíduos de um modo maciço, com um
aspecto de realidade “natural”, como se as coisas existissem por si mesmas, independente
da interpretação ou relação que mantivessem com os indivíduos. Ela seria fruto da
exteriorização das ações dos indivíduos, que configurariam padrões habituais adotados por
um conjunto de atores de um determinado tipo.
Os indivíduos apreenderiam a realidade da vida cotidiana como se fosse uma
realidade independente de suas ações, uma realidade objetivada, isto é, construída e
mantida por uma ordem de objetos que foram designados como tais antes de os indivíduos
“entrarem” nesse mundo social do qual fazem parte. Nesse contexto, a linguagem seria o
principal elemento mediador dessa realidade objetivada, pois forneceria o sentido desse
universo simbólico existente a priori e que orientaria a vida e as ações dos indivíduos em
sociedade. A realidade objetiva seria responsável ainda por manter a relação com o espaço
e o tempo (o “aqui e “agora”) no qual os indivíduos estariam inseridos, conformando,
portanto, o contexto no qual as ações dos indivíduos adquiririam significado. Contudo, essa
realidade não se restringiria a apenas essas duas instâncias da realidade, mas aconteceria em
diferentes graus de aproximação e distância espaço-temporal. Assim, em síntese, a
realidade objetiva diria respeito ao que os indivíduos estariam fazendo ou pretenderiam
fazer no mundo, bem como a sua interação com os outros indivíduos.
46
a realidade subjetiva refere-se ao processo de interiorização desse mundo,
objetivado que “constitui a base primeira da compreensão do mundo como realidade social
dotada de sentido” (BERGER; LUCKMAN, 2004, p. 174). Essa interiorização teria início
no momento em que o indivíduo assume a sua existência em um mundo em que os outros já
ocupam. Assim, para que esses indivíduos recém-chegados ao mundo social pudessem
compreendê-lo e compreender as definições de situações partilhadas como também defini-
las reciprocamente, seria necessário apreender a realidade por meio de sua interiorzação. A
partir desse grau de interiorização da sociedade por parte dos indivíduos, que ocorreria por
meio do processo de socialização, os indivíduos seriam capazes de poder reafirmar ou
modificar aqueles elementos da realidade objetiva.
Em síntese, Berger e Luckmann (2004) consideram o processo de socialização
como uma ampla e consistente introdução do indivíduo na realidade objetiva de uma
sociedade ou em um determinado grupo social, o que pode ser feito de duas maneiras: a)
pela socialização primária, referente à socialização do indivíduo ocorrida na época da
infância e caracterizada por uma forte carga emocional na apreensão da realidade objetiva
do seu grupo familiar; e b) pela socialização secundária, que seria fruto das múltiplas
interações com outros grupos sociais além da família. É com base nesses processos de
construção da realidade social e no modo de raciocínio neles implícito que Czarniawska-
Joerges (2004) propõe o entendimento das organizações com base no seu entendimento
como “superpessoas”. Segundo a autora, tal proposição é uma metáfora tão popular e
assumida quanto naturalizada. Esta superpessoa é vista como uma tomadora de decisões,
entendida às vezes como uma líder, às vezes como um grupo da alta gestão, às vezes como
a organização no seu coletivo, isto é, como uma entidade coletiva.
47
Mas essa conceitualização é provavelmente a mais típica para a apologia que
apresenta as organizações como entidades baseadas em uma noção de consenso. Note-se
aqui que não se procura excluir a diversidade de grupos ou de interesses dos sujeitos
sociais, nem os seus conflitos subjacentes. O que se propõe com essa metáfora, que parte da
premissa de uma organização baseada na noção de consenso, é que este consenso é produto
de uma realidade socialmente construída. Tal consenso é que, justamente, suporta e
legitima essa construção da realidade, pois se não houvesse consenso (não total, mas
mínimo) não haveria a possibilidade de construir os próprios processos de
institucionalização.
Partindo-se dessa noção de consenso, entende-se como as organizações aprendem,
desaprendem e produzem estratégias assim como os próprios indivíduos, pois
quando uma organização fica mais velha, ela aprende cada vez mais sobre o seu
ambiente, por meio da imitação, e com os seus problemas internos de
comunicação e coordenação. Ao menos este é o padrão normal, e a organização
normal tenta perpetuar os frutos de seu aprendizado formalizando-os (Starbuck
8
,
1983, p. 480 apud CZARNIAWSKA-JOERGES, 2004, p. 407).
Essa visão construcionista defendida por Czarniawska-Joerges (2004), que está
explícita em seu artigo, busca problematizar a imagem das organizações, representando-as
não como um todo homogêneo e coeso, mas como agregações, coletividades ou, mais
especificamente, um [determinado] padrão de ações coletivas tomadas num esforço de
formar as vidas humanas no mundo” (CZARNIAWSKA-JOERGES, 2004, p. 407, grifo da
autora). Esse padrão de ações coletivas corresponde justamente, ao processo de
institucionalização de determinado objeto ou de uma prática social – por exemplo, o
8
STARBUCK, J. 1983.
48
comércio informal – por um dado grupo social, que convenciona, legitima e institui, formal
ou informalmente, esse padrão como um (novo) elemento da realidade social.
Partindo da proposição de Rorty (1989, p. 177), esta definição de realidade está
relacionada a certa visão de mundo, aquela em que o entendimento da natureza humana não
corresponde nada pessoal, exceto aquilo que é socializado nas pessoas: as suas
habilidades para usar a linguagem, assim como as mudanças de crenças e desejos com
outras pessoas.
[...] pelo uso da linguagem, as pessoas dotam suas ões (e inações) com
significado. Conseqüentemente, o entendimento das organizações apela para o
entendimento dos significados inscritos e produzidos por um dado padrão de
ações coletivas. Ambos as ações e seus significados são socialmente construídos
nas trocas que tomam lugar entre as pessoas. Os seres humanos são construtores
sociais e as organizações são construções sociais CZARNIAWSKA-JOERGES,
204, p. 408).
Czarniawska-Joerges (2004) argumenta que, apesar de suas premissas serem
arbitrárias, elas servem como um ponto de partida útil para examinar a metáfora das
“organizações como superpessoas”. Para tanto, a autora recorre à analogia da
individualidade como uma instituição em si mesma. Isso pode ser corroborado por diversos
autores, como Eagleton (1997), Bourdieu (2002), Bauman (2005) e Wood Jr. e Caldas
(2006), que defendem a idéia de que a própria identidade e, por extensão, a noção de
individualidade seriam uma construção social notadamente definida pelo contexto
socioistórico-cultural de sua instituição.
Contudo, a concepção de instituição baseada na construção social da realidade de
Berger e Luckmann (2004) está mais próxima dessa vertente de institucionalização, na qual
se encaixa o interacionismo simbólico. É nesse sentido que Czarniawska-Joerges (2004)
rejeita as concepções de instituição totalizantes, como a de Mary Douglas (1990), cuja
49
ênfase está muito próxima de uma vertente durkheimiana, pois Czarniawska-Joerges (2004)
a instituição como um grupamento social legitimado, por meio do qual ambos,
instituições e organizações, são grupos de pessoas, e nesse sentido é problemática a
diferenciação entre eles.
A abordagem adotada aqui se aproxima do interacionismo simbólico
9
, pois parte-se
da concepção de que a identidade em si, enquanto fenômeno, tanto individual quanto de um
grupo social (organizacional), é institucionalizado, criado e apreendido socialmente por
meio da linguagem, o sendo nem totalmente racional nem uma construção apenas
simbólica, mas uma construção social sob a forma de uma narrativa, que fornece uma
coerência, mas, ao mesmo tempo, é permeada de significados subjetivos e simbólicos.
Mas uma narrativa de identidade é esperada para produzir a impressão de
coerência, continuação, e própria consciência, e não para fixar um ‘teste de
realidade’. Se nós olharmos para as ações atuais, elas freqüentemente parecem
incoerentes, desagregadas e com poucos significados de nculos. Isto porque o
indivíduo é um mito institucional envolvendo a exteriorização racionalizada das
teorias econômicas, políticas e culturais de ação. Este mito leva as pessoas a
postura como indivíduos, numa perda de mão dupla, e eles podem ser justamente
convencidos disso [...] este enlaçamento institucionalizado da teoria do
comportamento racional é raramente problemático por inconsistências internas e
contradições próprias que são tão típicas das ações humanas (Meyer et al., 1987,
p. 26, apud CZARNIAWSKA-JOERGES, 204, p. 417).
9
Entre essas diferentes abordagens, Prates (2000) identifica pelo menos quatro tradições teóricas de estudo
sobre instituições, que, numa abstração didática, poderiam ser alocadas em um continuum entre dois pólos:
aquele que se aproximaria da concepção de ambiente institucional como determinante do contexto
organizacional, ditando o modo como as organizações deveriam comportar-se, por meio de valores
internalizados. Essa concepção durkheimiana foi retomada, no âmbito organizacional por Parsons. Outra
vertente seria a da escolha racional, de tradição utilitarista da escola de economia clássica, que parte do
princípio de que as instituições representariam sistemas de normas que diminuíram os custos de transação.
Nessa vertente situa-se o trabalho de Coase. Uma terceira versão seria derivada da tradição fenomenológica,
enfatizando a take for granted teoria, que se baseia nos contextos da vida cotidiana dos atores sociais. E, por
fim, no outro pólo deste continuum, encontra-se a vertente do Interacionismo Simbólico, em que a tônica recai
sobre o “[...] sistema de valores e normas que molduram os contextos emergentes de interação ou “encontros”
sociais” (PRATES, 2000, p.92).
50
Nesse sentido, a definição de Berger e Luckmann é mais apropriada, porque
pressupõe que ações do tipo X serão executadas por atores do tipo X. Para esses autores, é
assumida uma reciprocidade: a execução de ações do tipo X leva à percepção de que um
dado ator pertence (ou aspira pertencer) ao tipo X, e vice-versa.
[...] Instituição pode ser simplesmente considerada como um padrão social de
ações. [...] atores são, de fato, “agrupamentos sociais legitimados”. Atores
incluem unidades de trabalho, centros de lucro, departamentos, corporações e
organizações públicas, associações de organizações, e todas aquelas cujas
interações “constituem uma área da vida institucional”, que pode ser chamada de
um campo organizacional (CZARNIAWSKA-JOERGES, 204, p. 408).
Os padrões de ação, a despeito de sua estabilidade e repetitividade, que ganham
nesses processos o nome de “instituição”, mudam em suas formas e em seus significados. E
os atores sociais realizariam ações que seriam responsáveis pela própria criação dos atores
ou, além disso, de suas identidades pessoais e coletivas e, nesse caso, organizacionais. É
nesse sentido que se entende uma identidade enquanto uma construção social
institucionalizada e expressa pela linguagem.
Essa ênfase numa co-construção simultânea dos atores e de seus objetos e práticas
sociais opõe-se frontalmente à concepção tradicional a respeito da identidade, que a
entende como um atributo das pessoas, como se fosse inerente e inato aos indivíduos, em
seu genótipo ou sua alma, e que teria significado se o indivíduo fizesse uma descoberta
de si mesmo. Esta perspectiva tem sido severamente criticada pela Escola Sociológica de
Pensamento, que defende que a identidade individual é criada pela sociedade.
Este debate sobre a ‘natureza ou criação’ é perpassado pelo pensamento
construtivista onde a criação da identidade é um processo de mão-dupla, uma
idéia que começa, mais precisamente com o ‘self transacional’ de George H.
Mead [...] a identidade é crida pelas interações dos indivíduos com o ambiente
social onde o indivíduo se insere, - ao invés de ser [formada] com o seu genótipo,
- e a sociedade, com todas as suas regras, instituições, valores, e, acima de tudo,
51
com a linguagem. Nesse processo de construção, não somente as identidades
individuais são criadas mas também a sociedade é reproduzida ou modificada
(CZARNIAWSKA-JOERGES, 204, p. 409).
A noção de identidade como narrativa parte da premissa de que nem as identidades
nem as estruturas são totalmente definidas a priori. Elas seriam o resultado de um processo
de estruturação da realidade social. O processo de construção social de identidade em um
novo campo depende da interação social, que é a base para confirmar ou refutar a
identidade. Segundo Czarniawska-Joerges (2004), a diferença desse processo para o
processo de tentativa e erro é que não regras a serem descobertas nem referências sobre
aquilo que é “certo”. Assim, a questão que surge é: “De que maneira deve-se tratar a
questão da identidade?” “Como uma busca, partido do princípio de que existe uma
identidade latente, pronta e esperando para ser descoberta?” Ou: “Como uma questão, onde
a identidade será formada como uma autobiografia, de acordo com as autobiografias
legitimadas no contexto em que se insere?”. Aqui, não regras certas, não existe um
modelo definido de “certo” existente a priori, a ser descoberto. Tudo está em aberto e as
regras são definidas pelo contexto, o que corrobora com a idéia da importância dos espaços
físico e simbólico como elementos mais importantes do contexto na construção de uma
dada identidade individual ou social.
Dentro de uma perspectiva sócio-construtivista, o discurso e suas condições
sociais de produção, incluindo os participantes e suas identidades, são criados e
re-criados na própria interação social. A retórica nunca é ‘certa’ ou ‘errada’ per
se. As retóricas e identidades devem ser experimentadas e aceitadas dentro de um
campo organizacional relevante (CZARNIAWSKA-JOERGES, 204, p. 429).
Mas a questão que se coloca aqui é: “Pode-se utilizar esse pensamento de
construção de identidades para as organizações como se elas fossem superpessoas?” de
52
acordo com Czarniawska-Joerges (2004), ao usá-lo pode-se ter uma possível resposta de
como a imagem de organizações como super-pessoas persiste. Isso porque, de acordo com
a autora, em primeiro lugar a noção de um indivíduo como um mito institucional
desenvolvido segundo a teoria da escolha racional é central na teoria organizacional
(MEYER et al, 1987). Segundo, e como resultado do primeiro, as organizações são
personificadas para incorporar a noção de accountability (DOUGLAS, 1990). Isso é
requisitado porque a individualidade como uma instituição figura junto com outras
instituições modernas: o Estado e o mercado.
A invenção de uma pessoa legal, que faz dos padrões institucionalizados de ações
(organizações) elementos contáveis, como se fosse um cidadão, um consumidor ou um
produtor, é necessária para fazer o elo entre os três, e é então refletida na linguagem
cotidiana. Essa operação é mais vista como a mais não problemática. Organizações ‘tomam
decisões’, ‘aprendem’, desaprendem’ e se ‘comportam eticamente’. Ao problematizar a
noção de organizações como superpessoas, tomando como referência o contexto da
modernidade, examina-se a analogia entre identidade individual e identidade
organizacional. Isso reside no fato de que a noção de individualidade, assim como a de
instituição moderna, despsicologiza o conceito de identidade (CZARNIAWSKA-
JOERGES, 204), tornando-o social.
Para entender a vida organizacional, por exemplo, deve-se compreender seu
caráter social, o modo pelo qual ele é produzido por atores humanos e não-
humanos. As identidades são um produto de tal construção, sendo produzidas
nessas interações, onde as pessoas contablizam suas ações através da colocação
delas em uma narrativa relevante [...] A identidade individual, uma típica
instituição da ‘alta modernidade’ (Giddens, 1991), permanece através de uma
habilidade para narrar a sua própria vida, formular dentro dessa narrativa
composta de termos que serão aceitos por uma relevante audiência [...] mas quais
termos são aceitos e qual audiência é relevante? Estas duas mudarão com o tempo
e o lugar então o que deve se fazer é limitar a nossa análise a narrativa da
identidade moderna (CZARNIAWSKA-JOERGES, 204, p. 410).
53
2.1.3 A identidade no campo organizacional
Na área dos estudos organizacionais, o estudo sobre a identidade passou a
conquistar espaço a partir do artigo seminal de Albert e Whetten (1985), o qual transportou
as principais formulações de Erikson (1976) - e de outros estudiosos da psicologia a
respeito do conceito de identidade - para o nível organizacional de análise, estabelecendo
três critérios clássicos para a sua observação: a) centralidade, o que é a essência da
organização; b) a distintividade, o que a diferencia das demais de um mesmo grupo ou com
características semelhantes; e c) a continuidade temporal, que se referiria à manutenção e
estabilidade de determinadas características ao longo do tempo.
Almeida (2005) pondera que alguns estudos isolados e baseados em perspectivas
diversas sobre identidade, imagem e reputação organizacional vinham sendo
desenvolvidos desde a década de 1950, com os estudos clássicos de Boulding (1956) e
Martineau (1958). Mas, segundo Almeida e Bertucci (2007) foi somente a partir da década
de 1990 – sobretudo em temas como valor da marca, na área de marketing, imagem
institucional e responsabilidade corporativa, na área de sociologia, e estratégias de
comunicação, nas áreas de comunicação – que esses estudos ganharam ênfase, o que sugere
a relevância do trabalho de Albert e Whetten (1985) para o desenvolvimento de estudos
sobre o tema.
Especificamente no campo dos estudos organizacionais, Wood Júnior e Caldas
(1995), em busca de um modelo analítico do conceito de identidade e de seus processos de
mudança, estabelecem um quadro analógico entre identidade individual e identidade
organizacional. Para esses autores haveria diversos níveis possíveis de definição de
54
identidade e suas possíveis correspondências âmbito tanto do objeto focal quanto das
dimensões de análise. Além disso, o conceito variaria de acordo com o “objeto focal”
analisado, ou seja, de acordo com o nível de análise individual, grupal, organizacional,
social, etc. –, além de variar conforme sua dimensão conceitual, isto é, como ele se
apresenta, interna – por exemplo, um indivíduo se define, com base no que ele acha que é –
e externamente ou seja, quando ele é definido pelos outros ou com base no que os outros
pensam dele.
Uma contribuição deste estudo de Wood Júnior e Caldas (1995) é a proposição do
uso da metáfora-raiz como estrutura auxiliar na apreensão das identidades nas
organizações, uma vez que em sua concepção a definição de Albert e Whetten (1985), se
utilizada de maneira isolada, seria restrita no sentido de representar algo que a organização
possui, não o que ela é. Assim, Wood Júnior e Caldas (1995) enfatizam que a abordagem
lingüística, mais especificamente por meio do conceito de metáfora-raiz, identificar-se-ia
com a noção de visão de mundo dos atores organizacionais e traria à tona a geração de
insights sobre o que é a organização e como ela é percebida pelos diferentes membros que
com ela interagem. Entretanto, os autores reconhecem a limitação de seu uso, visto que
esses modos de ver e de não ver a organização nunca seriam totalmente capazes de retratar
a organização em toda a sua complexidade.
Na década de 1990, Caldas e Wood Júnior (1997), após uma ampla revisão dos
estudos acerca do tema “identidade”, realizaram seu agrupamento com base em seis
grandes diferentes escolas:
1ª) Estudos pioneiros em identidade individual, de Erikson, de origem psicanalítica,
em que a identidade é entendida, basicamente, como self e como identidade
55
individual expressa (comportamento). A ênfase derivada daqui é a da escola
behaviorista.
2ª) Estudos em psicologia social, que se referem à identidade enquanto autoconceito
(self-concept) ou relacionam identidade individual e identidade grupal por meio
do conceito de identificação. A identidade é vista como um fenômeno social
que deriva dos significados que os indivíduos atribuem à sua interação com
múltiplos grupos sociais durante as suas vidas, sendo a identificação a ponte
que permite a ligação entre o indivíduo e o grupo social, e, conseqüentemente, à
formação de uma identidade;
3ª) Estudos derivados da identidade individual, de Erikson, mas que incorporam
algumas noções de desenvolvimento da psicologia social sobre o tema. A base
desta linha de estudos é o trabalho de Albert e Whethen (1985). O que
caracteriza esta corrente é seu enfoque mais no campo organizacional. Também
a identidade é entendida, basicamente, como self e como identidade individual
expressa (comportamento), só que da organização.
4ª) Estudos do final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 derivados dos
conceitos de psicologia social. Eles têm uma ligação com o segundo grupo. A
idéia básica é sobre como a organização percebe a si mesma. Desenvolvem
estudos sobre a relação entre identificação organizacional e autoconceito
individual; bem como sobre a imagem do grupo com a identificação do
indivíduo no grupo.
5ª) Estudos sobre identidade organizacional como imagem corporativa, oriundos da
instrumentalização da análise da identidade como uma perspectiva externa à
56
organização manipulável por parte da alta administração. Estes estudos
focariam essencialmente a noção de reputação.
6ª) Estudos sobre identidade em nível macro, influenciadas por idéias pós-
modernistas e pelo questionamento da existência de um self humano.
Essa análise mostra um mapeamento das diversas correntes de estudos sobre o tema
“Identidade”, em diferentes perspectivas. Dentre essas perspectivas, Caldas e Wood Júnior
(1997) ressaltam a divisão: a) estudos que apontam para uma visualização do objeto focal
da identidade do individual para o coletivo; e b) estudos que apontam para um
deslocamento da unidade de observação do ponto de vista interno para o ponto de vista
externo. Os autores ainda alertam para as limitações do agrupamento proposto por eles no
que tange: à exclusão na noção jungniana das análises de identidade, às possíveis
generalizações e omissões de diferenças internas a cada agrupamento, e ao pressuposto do
entendimento de identidade como algo central, distintivo e duradouro.
Van Riel (2003) afirma que existem quatro tipos de identidade organizacional: a)
identidade percebida, que focaliza atributos vistos pelos próprios membros da organização
como típicos, ou seja, reconhecidos como seus elementos centrais; b) identidade projetada,
que seria a própria “auto-apresentação” da organização, ou seja, como ela se define e se
expressa para os outros, tanto interna quanto externamente; c) identidade desejada, que
compreende o ponto ou estágio idealizado pela alta cúpula da organização; e d) identidade
aplicada, aquela dada efetivamente pelos sinais emitidos pela atuação da organização no
ambiente em que está inserida. Ainda segundo o autor, esses tipos podem co-existir. É
importante observar que essa classificação pode ser vista como enquadrada nos grupos 3 e
5 do estudo de Caldas e Wood Jr. (1997), por referir-se à identidade organizacional de um
57
ponto de vista de sua autopercepção e da identidade definida externamente (ou seja, como
imagem da organização), e nesse sentido com um viés mais instrumental do termo.
Almeida (2005) explicita que os estudos sobre identidade podem ser classificados,
basicamente, em duas grandes correntes: a) os estudos sobre identidade corporativa, que
focam essencialmente, os processos de comunicação formal e a manipulação de símbolos
por parte da alta administração, visando à construção de uma dada identidade holográfica
(ALBERT; WHETTEN, 1985); e b) os estudos sobre identidade organizacional, que focam,
essencialmente, as crenças e os valores compartilhados pelos diversos membros da
organização, privilegiando a comunicação interpessoal, informal e diagonal entre os
diferentes níveis da organização, buscando, em última instância, responder à questão:
“Quem somos, enquanto organização?” (ALBERT; WHETTEN, 1985). Nesse sentido,
[...] a identidade corporativa é mais articulada e planejada do que a identidade
organizacional, que se relaciona mais à percepção e à forma como os grupos
reagem a determinadas situações dentro das organizações (ALMEIDA;
BERTUCCI, 2007, p. 3).
Em recente estudo sobre o tema Wood Jr. e Caldas (2006a) apontam que, depois de
transcorridas mais de duas décadas do estudo seminal de Albert e Whetten (1985), muitas
linhas de pesquisa foram desenvolvidas, em diversos níveis de análise, passando do estudo
da identidade numa perspectiva de ‘identidade de’ para uma perspectiva de ‘identidade
dentro’ e de ‘identidade em torno’ das organizações, ultrapassando os limites da clássica
definição original.
Com o argumento de que a diversidade na academia, apesar de ser positiva, pode
gerar confusão e perda de sentido dos termos quando não mapeada e organizada, e de que
as poucas tipologias existentes tendem a encarar o fenômeno de modo parcial e algumas
58
poucas variáveis, os autores propõem um mapeamento das diversas definições e correntes
existentes para a construção de uma estrutura conceitual composta dos cinco principais
elementos constituintes das diversas definições e perspectivas de estudo do termo
identidade.
Assim, esses autores propoem um modelo de cinco dimensões de análise de
identidade (“five-ring framework of identity”), com base em uma visão panorâmica e
sintética das cinco principais dimensões de análise das identidades nas organizações:
dimensão: nível de análise, ou objeto focal (WOOD JR.; CALDAS, 1995)
responsável por distinguir a possibilidade de se focar distintos objetos, por
exemplo, indivíduos, grupos, organizações, redes de organizações e sociedades.
que se ressaltar que esta dimensão deve ser vista como um continuum, em
que possíveis sobreposições entre os diferntes objetos focais. Como
exemplo, pode-se mencionar que a identidade individual é comumente definida
com base no conceito de ego, enquanto no nível sociopsicológico a identidade é
vista como um atributo sociocognitivo e um fenômeno social de identificação e
socialização.
2ª dimensão: unidade de observação aqui se distinguem as perspecivas mais
elementares, a partir das quais a identidade pode ser analisada, enfim, formas
mais elementares nas quais a identidade de um dado nivel pode ser
conceitualizada. Ou seja, a questão central é: por quem ou de que forma a
identidade está sendo analisada? Nesse sentido, haveria várias formas de
estudar a identidade, podendo comprendê-la como uma capacidade inata tanto
do indivíduo quanto da organização (dependeria da definição da dimensão
anterior), passando pelo entendimento da idenidade como internamente definida
59
(ou seja, autopercebida), até se chegar a sua definição como externamente
observada. Nesse caso, a identidade seria vista via imagem corporativa, que é
uma dimensão mais instrumental de análise, um guarda-chuva para o
entendimento de como gerenciar a imagem externa e de como essa imagem
afeta a organização.
dimensão: o critério de centralidade aqui se discute a concepção de identidade
como uma extensão em um continnuum entre dois pólos: de um lado, a
centralidade e, de outro, as múltiplas identidades. Inicialmente, a definição de
Albert e Whetten (1985) derivada de Erikson (1976) considerava que a
centralidade corresponderia à essência da organização; diante das diversas
contribuições de estudos posteriores, dentre as quais se destacam as da corrente
sociopsicológica, reconheceu-se a noção de múltiplas identidades, a qual prega
que a organização pode ter não uma, mas várias identidades, de acordo com a
sua relação de significado com os outros. Deriva de uma perpsectiva dinâmica
de identidade, segundo a qual o caráter mais saliente é o processo de
negociação da identidade. Para esta perspectiva, há a mudança da autodefinição
da identidade de acordo com o contexto, e as pesoas procuram com elas
mesmas e com os outros, siginificados para reforçar um padrão de identidades
que são aprpriadas a um dado contexto.
dimensão: critério de distintividade esta característica, a priori, define a
diferença de uma organização em relação as outras. uma inadequação deste
critério clássico para os dias atuais, pois a emergência de formas virtuais vem
fazendo com que as fornteiras venham se tornando cada vez mais permeáveis e
flluidas. Recentes pesquisas têm focado a questão da indistintividade das
60
organizações em dado ambiente derivado das multiplicidades do ambiente
(imposição), por exemplo, as organizações informais que comercializam
produtos de baixo valor agregado e que se concentram nos chamados
“conglomerados produtivos” (SOARES, 2006). E, por fim,
dimensão: continuidade temporal pode-se imaginar esta questão também como
um continuum. De um lado, pode-se observar o entendimento deste critério
como uma capacidade da identidade de resistência à erosão ao longo do tempo.
De outro lado, surge o conceito de identidade como um processo fluido, como
destaca Bauman (2005). Um exemplo é a análise de Hall (2005) sobre o
descentramento da identidade do sujeito moderno, que vem se tornando cada
vez mais fluido, dinâmico, segundo o aumento da velocidade do tempo de giro
da esfera da produção e do consumo (HARVEY, 2000), mediado pela
linguagem.
Enquanto as duas primeiras dimensões são ontológicas as três últimas referem-se a
dimensões conceituais. Estas fazem uma distinção entre as diferentes perspectivas de base
teórica sobre o construto identidade. Segundo Wood Jr. E Caldas (2006a), em seu conjunto,
as cinco dimensões fornecem um quadro conceitual mais rico e amplo sobre as abordganes
existentes, permitindo aos pesquisadores localizarem-se e, ao mesmo tempo, combinarem
as diferentes dimensões a fim de produzirem novas propostas de pesquisa e, com isso,
desenvolverem o campo.
61
Dimensão da Centralidade
Dimensão da Disttintividade
Dimensão da Durável
Dimensão de Observação
Dimensão do Nível de Análise
Figura 1: As cinco dimensões de análise da identidade
Fonte: adaptado de Wood Jr. e Caldas (2006a, p. 36)
Wood Jr e Caldas (2006a) defendem que se algum pesquisador alinhasse as
seguintes dimensões: a) o nível organizacional de análise, b) a definição interna de
identidade, c) a alta centralidade (ao invés da multiplicidade), d) a alta diferenciação e e) a
alta capacidade de resistência ao longo do temo (continuidade temporal), ele encontraria o
clássico modelo de Albert e Whetten (1985). Mas, da mesma forma, outras possibilidades
de combição podem orientar a condução de outros estudos. Por exemplo, a escolha do a)
nível inter-organizacional aliada a b) dimensão de múltiplos pontos de vista, c) alta
multiplicidade de identidade, d) indistintividade (ou seja, limites confusos e superpostos) e
e) a baixa continuidade temporal levaria a uma situação de análise de conglomerados de
organizações indiferenciadas em seu ambiente e em constante mudança na tentativa de se
adequar ao ambiente organizacional.
Apesar de bem estruturado, integrando categorias trabalhadas por diferentes
C
entral
Fragmentada
Múltipla
Distinto
Intemediário
Indistinto
Maciço
Flexivel
Fluído
Inato
Auto
-
percepção
Externamente
Individ
ual
Grupal
Organizacional
Dimensões
Conceituais
Dimensões
Ontológicas
Redes/Sociedade
62
pesquisadores, o modelo proposto pelos autores como síntese do estado da arte das
pesquisas em identidade deixa a desejar em uma série de questões, dentre as se quais pode
destacar a não inclusão de categorias novas, como a dimensão espacialidade. Wood Jr e
Caldas (2006a) abordam de maneira positiva as categorias que vêm sendo trabalhadas até o
momento, mas limitam-se a fazer uma síntese delas, não acrescentando, portanto, nenhuma
catgeoria nova.
Além disso, o viés estruturalista do modelo que pretende comtemplar as
explanações sobre o estudo de identidade apenas meclando, de diferentes formas,
categorias que vêm sendo trabalhadas muito tempo no estudo de identidade, o que
leva a uma limitação do campo em termos de sua potencialidade de exploração, que esse
modelo fechado deixa de incoporar categorias e fenômenos que podem não se enquadrar
nessas dimensões de análise, mas contribuir de algum modo para a compreensão fenômeno
da identidade.
Outra crítica sobre o modelo pode ser feita em relação à não diferenciação por parte
dos autores dos termos fragmentado e múltiplo, por exemplo, no que se refere à dimensão
centralidade, o que leva a questionar sobre quais são as fronteiras entre esses vários modos
de apreensão de cada uma das dimensões ainda mais se se consideram as diferenças em
termos de interpretação e utilização de cada dimensão segundo as influências intelectuais
de cada pesquisador.
Contudo, apesar de gerarem uma contribuição no que tange à organização do
arcabouço teórico existente, permitindo aos pesquisadores localizarem-se com maior
precisão e obsevarem as diversas correntes e concepções existentes, bem como os gaps e as
brechas para futuros estudos (ampliação do campo), deve-se ressaltar que este mapeamento
sistemático, conforme os próprios autores salientam, pode camuflar perspectivas internas
63
(nas fronteiras entre uma corrente e outra), a natureza de cada grupo de autores e suas
perspectivas teóricas e o não questionamento das assunções básicas a partir das quais se
constrói o conceito de identidade (WOOD JR.; CALDAS, 2006a).
Os autores, apesar de considerarem a questão temporal, não observaram a questão
espacial. Vários estudiosos têm escrito sobre identidade, especificamente no campo
organizacional, mas, com raríssimas exceções (CARRIERI, 2005; GOMES-da-SILVA,
2005; 2006), tem sido comum a displicência ou omissão deliberada no que tange à questão
do espaço e sua relação com a construção de identidade
10
. Vários são os estudiosos de peso
que podem ser citados (LEFEBVRE, 1999; SANTOS 1997; HARVEY, 2000; DIOP, 1992;
BOURDIEU, 2002, etc.) e que embasam a existência dessa relação entre espaço e
identidade.
Um ponto fraco da abordagem de Wood Jr e Caldas (2006a) está na tentativa de
dissociação do espaço e do tempo, enfocando a dimensão temporalidade como constitutiva
da identidade, em detrimento da dimensão espacialidade, como se as duas fossem
completamente independentes. na abordagem de Czarniawska-Joerges (2004), apesar de
não tratar especificamente da questão do espaço, revela-se de maneira implícita a
consideração pelo menos parcial do tema ao enfocar a análise histórica e contextual da
construção das narrativas autobiográficas das organizações como superpessoas.
De outro lado, numa abordagem mais fenomenológica e pouco estruturada, surge a
opção – adotada neste estudo – de analisar as identidades por meio de sua construção social
10
Um exemplo disso pode ser observado pela forma mida como a questão tem se colocado nos principais
fóruns de debate acadêmico do País, como se pode observar na análise dos trabalhos sobre o tema nos anais
do Enanpad , que de 1997 a 2004 registram apenas 134 artigos citando alguma das expressões: espaço, espaço
social, espaço organizacional, espaço das organizações, espaço nas organizações, espaço simbólico, e
nenhum com o termo espaço físico e simbólico. Contudo, desse montante apenas 29 trabalhos abordam,
efetivamente, o tema em alguma parte de seu conteúdo, de maneira direta ou indireta. É justamente no sentido
de contribuir com a ampliação e aprofundamento do tema que se insere esta proposta de pesquisa.
64
e discursiva. Isso porque, partindo da idéia de que a identidade pode ser analisada por meio
dos discursos que levariam à construção de uma grande narrativa autobiográfica de um
indivíduo ou grupo social, várias categorias de anáise podem surgir nos discursos e na
construção da narrativa, já que, a priori, nenhuma categoria foi definida e a análise se pauta
na própria construção discursiva elaborada pelos sujeitos de pesquisa. Contudo, uma crítica
pode ser feita a essa proposta: como não categorias predefinidas, possibilidades de
múltiplas categorias surgirem durante o processo, o que, de um lado, amplia o processo de
compreensão do fenômeno, mas, de outro, pode gerar uma gama tão vasta que pode deixar
o estudo inviável.
Nesse sentido, a opção utilizada nesta pesquisa foi a adoção da metáfora de
organizações como superpessoas para o entendimento da construção da identidade
organizacional como uma narrativa autobiográfica, corroborando as premissas da uma
abordagem socioconstrutivista, mas, ao mesmo tempo, adotando algumas cageorias
predefinidas para nortear a análise. Estas categorias aqui adotas são aquelas sintetizadas por
Wood Jr e Caldas (2006a) como linhas mestras na condução e orientação da análise da
narrativa da Feira. Isso porque parte-se aqui da suposição de que essa forma semi-
estruturada de análise poderia englobar o que tem de melhor em ambas de modo isolado: de
um lado, o conjunto de categorias tradicionalmente estudadas e que compõem o quadro
de estudo da identidade e, de outro, a abertura teórico-metodológica de captação de novas
categorias e de compreensão da dinâmica do fenômeno de forma contextual inerente
quando se aborda o estuo de narrativas.
O intuito aqui foi o de buscar a geração de novas categorias sem desprezar aquelas
existentes. Assim, a principal categoria nova surgida neste estudo foi a incoporação de
uma sexta dimensão, que seria a espacial, pois parte-se da premissa de que esta dimensão
65
seria indispensável à construção de determinada identidade. Conforme salienta Bourdieu
(2002), um dos principais fatores na construção da identidade pessoal é a influência do seu
local de origem e de todos os outros locais com os quais um indivíduo mantém contato e
que o influenciam de alguma forma.
66
2.2 Organização social do espaço
2.2.1 Da racionalidade cartesiana à produção de sentidos no (e pelo) espaço
Os estudos sobre o espaço e as relações humanas no e com o espaço surgiram,
inicialmente, nos campos da economia e da sociologia, a partir das análises de
pesquisadores sobre a organização espacial, ainda no século XIX. Segundo Gregory (1994)
somente a partir do século XX – mais precisamente com o trabalho seminal de Hartshorne
11
(1939), ao questionar a natureza da geografia e apontar a determinação de princípios
governantes no posicionamento das unidades de produção, que demandavam mais
conhecimento econômico do que geográfico é que a geografia vai se firmando como um
campo científico próprio, embora esse autor a visse mais como uma disciplina correlata da
economia. Até então, os estudos sobre geografia e a questão do espaço em si eram vistos
de maneira objetiva, como algo “dado” e concreto, como uma ciência da distribuição
como era freqüentemente encarada pela economia, com base na teoria da alocação. Essa
teoria pregava que mediante os padrões de configuração e a análise morfológica do espaço
era possível encontrar leis determinantes da organização espacial (GREGORY, 1994).
Assim, o espaço era visto como um meio externo, regido por leis universais, quase que
independente das ações humanas.
A visão essencialmente física do espaço influenciou profundamente todas as formas
de análise espacial, levando a uma impregnação dos objetos espaciais de um sentido
remanescente de primordialidade e composição física, de uma aura de objetividade,
11
HARTSHORNE, R. The nature of geography as a science of space, from Kant and Humbolt to
Hettner, PA: Association of American Geographers, 1939.
67
inevitabilidade e reificação. O espaço como contexto físico gerou um amplo interesse
filosófico e discussões sobre suas propriedades absolutas e relativas, suas características
como “continente” ambiental da vida humana, sua geometria objetificável e suas essências
fenomenológicas. Mas esse espaço físico foi uma base epistemológica ilusória para se
analisar o sentido concreto e subjetivo da espacialidade humana (SOJA, 1998).
É somente a partir da década de 1950 que a concepção de espaço se torna uma
reconhecida tradição de questionamento, quando se começa a separar a geografia enquanto
uma disciplina que deveria cuidar das “relações espaciais”. Blaut (1961) distingue os
conceitos de espaço absoluto e espaço relativo. O primeiro, enquanto conceito absoluto,
seria aquele espaço físico e eminentemente real ou empírico nele mesmo. De outro lado, o
espaço relativo seria uma relação entre eventos ou um aspecto dos eventos e, desta maneira,
atrelado ao tempo e processo. Este autor ainda considera que a visão do espaço enquanto
uma categoria separada ou seja, opondo dicotomicamente a estrutura espacial dos
processos sociais é eminentemente kantiana e incorreria num erro, pois, em sua visão, as
estruturas do mundo real seriam simples e lentos processos de longa duração. Nesse
sentido, estrutura e processos espaciais seriam inseparáveis. Dessa forma, gradativamente,
foi surgindo outra corrente, que se preocupava, de modo distinto, com a análise do espaço:
a teoria da produção do espaço. Essa teoria baseava-se, sobretudo, na crítica formulada por
Blaut (1961) e por outros pesquisadores de que o espaço e as estruturas sociais eram
indissociáveis. Nesse sentido, não caberia reduzir a análise do espaço a uma simples
justaposição de cálculos sobre as formas espaciais, pois para além disso haveria o elemento
humano intervindo sempre no conteúdo desses espaço (BLAUT, 1961).
Assim, para a teoria da produção do espaço, as estruturas e ações dos sujeitos
deveriam ser consideradas como fatores essenciais na configuração do espaço. Além disso,
68
nessa concepção a análise do espaço consideraria as múltiplas interações derivadas das
estruturas e das ações dos sujeitos, com foco processual na dialética das transformações de
ações e estruturas e de seus significados (GREGORY, 1994). Se o espaço em si pode ser
primordialmente dado, a organização e o sentido do espaço são o produto da transformação
e da experiência sociais. Em síntese, essa concepção tende a considerar a indivisibilidade
do espaço (físico e social ou simbólico) e a espacialidade (a organização do espaço como
produto social), ou seja, a ação do homem sobre esse espaço e a sua organização como um
produto social. Assim, essa organização deveria levar em conta tanto as estruturas quanto
as formas pelas quais o espaço é utilizado e percebido pelos diferentes atores e grupos
sociais.
2.2.2 A espacialidade e a produção do espaço
Para Gregory (1994), a espacialidade na geografia humana pode ser analisada a
partir de quatro principais correntes: a existencialista e fenomenologista; a estrutural
marxista; a da visão Henry Lefebvre da crítica marxista, com foco na produção do espaço; e
a pós-estruturalista. Cada uma delas é derivada de uma tradição intelectual distinta, mas
todas têm como ponto comum o fato de se referirem às implicações humanas e sociais do
espaço. Vale ressaltar que, como toda categorização, omitem-se aqui importantes
representantes, como Milton Santos (1978), que, talvez, esteja à margem de qualquer
classificação, devido à vastidão e amplitude de sua obra. Contudo, é possível observar a sua
proximidade em relação à escola marxista e a Lefebvre.
Seguindo a linha exitencialista e fenomenologista, desenvolvida com base, em
particular, nas contribuições dos escritos de Heidegger e Husserl, Pickles (1995) propõe a
69
espacialidade como base de fundamentação dos questionamentos geográficos, sobre a qual
uma ciência humana do mundo podia ser explicitamente fundada. Nesta corrente, defende-
se que, pela via ontológica, entender-se-iam as estruturas universais que caracterizam a
espacialidade humana como precondição para o entendimento dos lugares e espaços como
tais. Para Pickles (1995), este ponto de vista, que prioriza o espaço como físico é típico de
uma ciência espacial, mas ele o considera desapropriado para uma geografia genuinamente
humana, devido ao fato de que cada lugar é recoberto por uma gama de experiências
originais mais importantes para a sua tematização enquanto uma atividade científica. Em
outras palavras, a ciência espacial assumiria, sem contudo explicar, uma exposição do
mundo take for granted. Uma dessas características essenciais é o que Pickles (1995)
chama de “ordem estrutural” (“in-order-to”), pois a maioria de nossas experiências não são
abstrações cognitivas de objetos separados, mas um conjunto de relações de significados, os
quais se encontram nas práticas sociais cotidianas. Uma implicação dessa tradição é que tal
perspectiva revela a importância humana da contextualidade.
A segunda corrente, estrutural marxista, de inspiração althusseriana e de um grande
número de marxistas francofônicos, têm sugerido que o conceito de espacialidade serve
para identificar as conexões e correspondências entre a estrutura social (isto é, os modos de
produção ou as formações sociais) e a estrutura espacial. Nesta corrente, o principal
argumento althusseriano é o de que diferentes conceitos e construções de tempo
(temporalidades) podem ser assumidos por diferentes níveis e modos de produção. Dessa
forma, haveria o tempo econômico, o tempo político e o tempo ideológico, todos eles, de
modo geral, seriam construídos independentemente dos conceitos dessas diferentes práticas
sociais. Porém, se para Althusser as distinções entre essas temporalidades são essenciais
para a teoria histórica, a história não é somente a inter-relação dos tempos, mas também dos
70
espaços (GREGORY, 1994). De acordo com Lipietz (1977)
12
apud Gregory (1994) o
conceito de estrutura espacial tanto depende quanto deriva do conceito de estrutura social.
Partindo desta perspectiva, a espacialidade consiste na correspondência entre presença-
ausência no espaço e na participação-exclusão no sistema de práticas sociais contidas em
cada nível.
A estrutura social seria o resultado da articulação das espacialidades desses
diferentes níveis e, de outro lado, também do ‘reflexo’ dos diferentes sistemas de práticas
sociais que os restringem. Castells (1977), em sua análise, apresenta uma concepção mais
simplificada de análise da estrutura espacial. Para esse autor, do ponto de vista social, não
há espaço (uma quantidade física ou ainda uma entidade abstrata), mas somente uma
historicidade definida espaço-temporalmente, um espaço construído, trabalhado e praticado
pelas relações sociais. Dessa forma, socialmente falando, o espaço, assim como o tempo, é
uma conjuntura, isto é, a articulação concreta de práticas históricas, e por isso não teoria
do espaço que prescinda da teoria sociológica, mesmo que implicitamente elas estejam
relacionadas.
O espaço é um produto material em relação com outros elementos materiais
entre outros, os homens, que entram também em relações sociais determinadas,
que dão ao espaço (bem como aos outros elementos da combinação) uma forma,
uma função, uma significação social. Portanto, ele não é uma pura ocasião de
desdobramento da estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto
histórico, no qual uma sociedade se especifica (CASTELLS, 1977, p. 146).
A terceira corrente de concepção do espaço é originada, na visão de Lefebvre, da
crítica marxista e tem ênfase, especialmente, na questão da produção do espaço. Soja
(1985, 1999), tem usado o termo espacialidade para referir-se especificamente ao espaço
12
LIPIETZ, A. Le capital et son espace. Paris: Maspero, 1977.
71
produzido socialmente. Ainda de acordo com este autor, nem todo o espaço é produzido
socialmente, mas toda a espacialidade o é.
Para este autor, Lefebvre (1999) estabelece uma distinção entre a natureza como um
contexto ingenuamente dado e aquilo que se pode denominar de a “segunda natureza”, a
espacialidade transformada e socialmente concretizada que emerge da aplicação do trabalho
deliberado. É essa segunda natureza que se transforma no sujeito e no objeto geográficos da
análise histórica materialista, de uma interpretação materialista da espacialidade.
O espaço não é um objeto científico afastado da ideologia e da política, sempre
foi político e estratégico. Se o espaço tem uma aparência de neutralidade e
indiferença em relação a seus conteúdos e, desse modo, parece ser “puramente”
formal, a epítome da abstração racional, é precisamente por ter sido ocupado e
usado, e por ter sido foco de processos passados cujos vestígios nem sempre
são evidentes na paisagem. O espaço foi formado e moldado a partir de elementos
históricos e naturais, mas esse foi um processo político. O espaço é político e
ideológico. É um produto literalmente repleto de ideologias (LEFEBVRE, 1999,
p. 101).
Assumindo, então, que o espaço e sua organização, ordenação e reorganização – é
um produto social, isto é, que emerge de um conjunto de práticas sociais e com as quais
mantém estreitas relações de continuidade e descontinuidade, a questão central que se
delineia não é a de ele ser uma estrutura segregada e autônoma, mas sim a relação de
interdependência desta categoria em relação a um contexto social mais amplo. Nesse
sentido, o que se torna relevante é a interação do espaço social (ou seja, espaço construído)
e organizado e as demais estruturas, segundo determinado modo de produção. O espaço e
sua organização política expressam relações sociais, embora também reajam contra as
mesmas (LEFEBVRE, 1999).
Desse modo, observa-se que uma possibilidade de compreender o espaço a partir
de uma dialética socioespacial, funcionando numa estrutura da base econômica, em
72
contraste com a formulação materialista vigente, que encara a organização das relações
espaciais apenas como uma expressão cultural restrita ao âmbito da superestrutura.
Enquanto Lefbvre fornece uma crítica das correntes anteriores (o existencialismo e a
fenomenologia, o estruturalismo e o estrutural marxismo), por esta razão Soja insiste que a
‘interpretação materialista da espacialidade’ não pode ser assimilada por nenhuma das duas
tradições apontadas acima.
Transcendendo essa contribuição precursora da dialética socioespacial, Soja (1985)
conclui que a espacialidade é a sociedade, não como a sua definição ou equivalência lógica,
mas como a sua concretização, como sua formação constitutiva. Assim, como conseqüência
precisa dessa observação, a reafirmação do espaço e da espacialidade, no pensamento
crítico social, é defendida como uma característica do pós-estruturalista.
13
Finalmente, a quarta corrente, do pós-estruturalismo, afirma, particularmente por
meio das contribuições de Deleuze e Foucault, que a espacialidade indica as formas de
manifestação do poder do conhecimento inscrito no espaço e por quais sujeitos os
posicionamentos são constituídos (GREGORY, 1994). O exemplo clássico de manipulação
do espaço é narrado por Foucault (1989) ao referir-se à construção do panóptico, que
sucintamente, refere-se à elaboração de um desenho arquitetônico que manipula o espaço a
favor da sensação de observação constante. Isso leva os seus ocupantes a se sentirem
13
Peters (2000) considera que não uma definição amplamente aceita ou um consenso sobre o que seja o
pós-modernismo, que, assim como o pós-estruturalismo, estaria calcado em dois pressupostos: a) na negação
de qualquer denominador comum entre os homens, por exemplo, Deus, natureza e verdade, e b) na crença de
que todos os sistemas humanos funcionariam como a linguagem, isto é, que seriam sistemas auto-reflexivos e
auto-referenciais finitos e que dependeriam da construção e manutenção de significados. O s-modernismo
“[...] corresponde a um movimento teórico multidisciplinar que vai da filosofia á estética, envolvendo as
artes,a sociologia chegando ao campo dos estudos organizacionais” (VIEIRA; CALDAS, 2006, p. 64), com
foco na crítica à razão iluminista. Ele se baseia num conjunto de transformações ocorridas na chamada “Era
pós-moderna”, como a globalização, o relativismo, o pluralismo, a espetacularização da sociedade e a
indústria do consumo. o pós-estruturalismo caracteriza-se pela crítica que faz ao estruturalismo, no sentido
de corrigir as suas limitações a saber, o diminuto papel atribuído à participação do indivíduo na
transformação das estruturas incorporando então a subjetividade dos atores sociais dentro da lógica e da
supremacia das estruturas, fornecendo, assim, na verdade, uma ampliação do seu quadro conceitual.
73
constantemente vigiados e como conseqüência, a desenvolverem comportamentos de
docilidade e domesticação de seus corpos, no sentido de responderem a essa permanente
sensação de observação.
Mas o mais importante da análise de Foucault (1989) não é necessariamente o
espaço em si, mas sim o que está por trás desse modelo arquitetônico do panóptico, que é a
técnica e a disciplina. As técnicas e as instituições são mecanismos de fazer exercer o
controle e o poder de um determinado grupo social.
A “disciplina” não pode se identificar com uma instituição nem com um
aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta
todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de
aplicação, de alvos; ela é uma “física” ou uma “anatomia” do poder, uma
tecnologia (FOUCAULT, 1989, p. 189).
Ainda segundo o autor, as disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das
multiplicidades humanas. Constitui uma característica própria dessas disciplinas a tentativa
de definir uma tática de poder que busca tornar o exercício do poder menos custoso; fazer
com que os efeitos desse poder sejam levados ao seu máximo de intensidade; e ligar o
crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se
exerce. É essa disciplina que se inflige nos espaços físicos com o intuito de domesticá-los e
torná-los úteis à sociedade disciplinar.
Segundo uma concepção pós-estruturalista, omitida na classificação realizada por
Gregory (1994), Soja (1998) considera o espaço com base na diferenciação de três
categorias básicas, a saber: o espaço, per se; o espaço como um dado (ou fato) social; e a
espacialidade, calcada nas relações sociais, a partir da qual o espaço é dotado de significado
subjetivo por parte dos sujeitos sociais que o organiza por meio de suas produções sociais.
74
Para Soja (1998), a espacialidade, como uma prática social relacionada ao espaço,
deve ser distinguida do conceito de espaço, pois o espaço físico (da natureza material) e o
mental (da cognição e representação) são categorias que representam duas formas distintas
de apreensão e compreensão do espaço. A primeira dimensão foca a dimensão material–
estrutural de sua manifestação (ou existência), enquanto que a segunda aborda de modo
mais próximo a questão da percepção subjetiva que os sujeitos sociais (re)elaboram acerca
do espaço físico e de suas componentes/forças sociais. Por sua vez, a espacialidade
representa a dimensão do espaço socialmente construído, onde se incorporam as
contribuições de cada uma das duas supracitadas noções de espaço, mas sem tomá-las como
equivalentes desta, uma vez que a espacialidade seria o resultado do processo social de
inter-relação sujeito-espaço (SOJA, 1998).
Essa noção de espacialidade proposta por Soja (1998) incorpora elementos da
produção do espaço já proposta por Lefebvre (1991) no que se refere à tentativa de
compreensão do espaço social. Gomes-da-Silva e Wetzel (2006), baseando-se nas três
diferentes dimensões de análise da produção do espaço propostas por Lefebvre (1991) as
práticas espaciais, que se referem à percepção dos indivíduos sobre a dinâmica de
produção do espaço, no que tange aos fluxos, transferências e interações físicas; as
representações do espaço, que correspondem às representações e significações do espaço,
elaboradas por meio de signos; e o espaço representacional, que envolve a relação como o
indivíduo atribui significado a sua experiência elaboram um quadro analítico sobre as
relações sociais no espaço.
Apesar da divergência em termos de filiação teórica, é possível perceber interfaces
entre as rias correntes apresentadas acima, por exemplo, a noção de que o espaço é
socialmente construído. Segundo Gregory (1994), todas as diferenças entre as quatro
75
tradições são unidas pela oposição da separação convencional entre espaço e sociedade.
Contudo, cada uma dessas diferentes correntes confere determinado enfoque ao modo de
analisar e interpretar essa construção social do espaço. De um lado, enquanto se percebe a
existência de perspectivas mais subjetivas e ontológicas de análise, como pode ser
observado na corrente fenomenologista, de outro, observam-se perspectivas mais objetivas
e material-estruturalista de análise, como a vertente estrutural marxista de inspiração
althusseriana. Nesse sentido, o que está em jogo é a maior ou menor adequação dos sujeitos
sociais às estruturas e o seu conseqüente maior ou menor “grau de liberdade” em manipular
e construir o espaço por meio de práticas sociais.
Como opção de filiação teórica, esta pesquisa adota a interpretação e análise pós-
estruturalista do espaço realizada por autores como Soja (1998), Harvey (2000), Gregory
(1994), que mantêm diálogo com as elaborações críticas realizadas por Lefebvre (1991) e
Santos (1979). Ressalta-se que essa opção foi conduzida no sentido de corroborar escolhas
anteriormente realizadas a respeito da própria construção da identidade, que é vista como
uma construção múltipla, fluida e fragmentada, sendo fortemente influenciada pelo seu
contexto social de produção e expressa por meio de uma narrativa biográfica,
características essas marcantes da perspectiva pós-estruturalista.
Assim, o principal construto a ser trabalhado na análise espacial é a própria
espacialidade, na medida em que ela engloba outras características mais específicas de
análise, por exemplo, a dimensão da territorialidade e da percepção subjetiva do espaço ou
espaço simbólico (CARRIERI, 2005) enquanto um lugar dotado de significado. Defende-se
aqui a perspectiva de Soja (1998), que afirma que a espacialidade não pode ser
completamente separada dos espaços físicos e psicológicos. Os processos físicos e
biológicos afetam a sociedade, não importa quanto sejam socialmente mediados, e a vida
76
social nunca está inteiramente livre de choques restritivos, como o desgaste físico da
distância. Soja (1998) critica as ‘parcialidades’ das concepções anteriores, pois enquanto
uma miopia empirista não consegue enxergar a produção social do espaço por detrás da
opacidade das aparências objetivas, a ilusão hipermétrope da transparência enxerga através
da espacialidade concreta da vida social, projetando sua produção num campo intuitivo de
idealismo deliberado e pensamento reflexivo imaterial.
2.2.3 Entendendo categorias elementares: espaço, lugar e território
Guerra (2002) estabelece didaticamente uma síntese das diferenças entre as
concepções de “espaço”, “lugar” e “território”. Para a autora, enquanto o espaço geralmente
é tratado como uma categoria abstrata, considerado como uma “área qualquer”, o lugar
remete a um local definido, particular, específico, portador de determinadas referências ou
significados para alguém, um determinado ator ou grupo social, e o território iria além do
lugar ao incorporar a dimensão da relação de posse: é onde se tem alguém que se apropria
de determinado espaço. Contudo, para um maior aprofundamento sobre o tema, cabe a
consideração desses conceitos com maior precisão.
O lugar e em particular, o senso de lugar (AGNEW, 1987) tem sido um dos
conceitos-chave utilizados pela geografia humana nos anos de 1970 para distinguir sua
abordagem em relação à abordagem positivista da concepção de espaço na geografia. A
geografia econômica sublinha a teorização do lugar como manifestação das especificidades
em um contexto de processos gerais. De outro lado, a geografia histórica, com influência da
teoria da estruturação de Giddens, os lugares como constituídos por práticas sociais, ao
mesmo tempo que contribui para a estruturação dessas práticas sociais.
77
Na perspectiva da produção social do espaço, este elemento tem sido objeto de
estudo também de Harvey (2000), que sublinha a importância de relacionar os processos
sociais à forma espacial. Defende o argumento de que a consciência espacial ou
“imaginação geográfica”
[...] habilita o indivíduo a reconhecer o papel do espaço e do lugar em sua própria
biografia; a relacionar-se aos espaços que ele ao seu redor, e a reconhecer
como as transações entre os indivíduos e entre as organizações são afetadas pelo
espaço que os separa. (HARVEY, 2000, p. 14)
Santos (1979, p. 10) define o espaço humano como fato histórico, pois “a história
não se escreve fora do espaço e não sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é
social”. Além disso, afirma que cada lugar confere um significado particular ao conjunto de
relações que o caracteriza. Assim, por sua indissociabilidade, o autor argumenta:
A divisão social do trabalho é, ao mesmo tempo, uma divisão espacial do
trabalho e isto tanto em escala mundial quanto à escala de cada país. uma
relação, diferente em cada momento histórico, entre as condições de intercâmbio
e a localização dos seus instrumentos e agentes (SANTOS, 1979, p. 59)
Segundo Santos (1997, p. 50), o espaço pode ser entendido como um sistema de
fixos e fluxos, sendo que
[...] os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o
próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e
as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um resultado direto
ou indireto das ações que atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua
significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também se modificam.
As atividades produtivas e o comércio podem ser considerados como um conjunto
de elementos fixos e fluxos, respectivamente. Esses elementos fixos pressupõem uma
78
(re)articulação do espaço a fim de extrair dele um conjunto de bens e serviços, materiais
e/ou simbólicos, que, por sua vez, serão transportados para outros lugares, incorporando a
dimensão dos fluxos.
A preocupação com a investigação do processo de produção espacial,
particularmente o urbano, remete à discussão do papel da análise do lugar. A premissa é
que o estudo de um fenômeno específico reproduz, em diferentes escalas, as mesmas
determinações da totalidade, sem com isso eliminar as particularidades históricas. É
possível detectar leis universais do processo de produção do espaço a partir da análise de
uma determinada parcela, desde que esta leve em consideração a relação com a totalidade.
Essa idéia apóia-se numa visão determinada da realidade, na qual os fenômenos têm
sentido quando analisados em função do todo ao qual pertencem.
Desse modo, a discussão sobre o lugar remete à noção de totalidade concreta
(aberta e em movimento), fundamentada na discussão da natureza do espaço. O papel e o
lugar de cada “parcela do espaço” em relação à totalidade considerada teria a sua
articulação e conseqüente importância de acordo com a sua determinação no processo de
produção espacial global, a partir da divisão do trabalho, o que implicaria necessariamente
uma hierarquia espacial como resultado do processo de acumulação do capital. O cerne da
questão está no fato de que o processo de produção espacial é desigual (CARLOS, 1994).
Duncan (1994) define lugar como uma porção do espaço geográfico ocupado por
uma pessoa ou coisa. Agnew (1987) identifica três grandes elementos constituintes do
lugar: a) localidade, que se refere ao padrão no qual as relações sociais são constituídas, as
quais podem ser tanto informais quanto institucionais; b) alocação (posicionamento), que
designa a área geográfica circundando esse padrão das interações sociais, definidas pelos
79
processos sociais e econômicos operados em larga escala; e c) o senso de lugar, que remete
à estrutura de sentimento (ou pertencimento) ao local.
Carlos (1994) questiona se o lugar pode ser entendido como corte analítico para a
discussão do espaço geográfico, considerado como o momento da totalidade espacial.
Nesse sentido, há todo um questionamento sobre se o lugar seria uma expressão da
materialidade espacial e se o espaço como totalidade se articularia a partir das relações
entre lugares, em função da divisão técnica, social espacial do trabalho.
Assim, o lugar considerado como materialidade – produto de determinações gerais e
específicas do processo de produção espacial reproduziria as mesmas articulações do
processo de produção social geral? Entrikin (1991) tem tentado mediar essas noções por
meio do argumento de que para se entender o lugar deve-se procurar entendê-lo “[...] no
sentido de que a captura de seu senso de totalidade e contextualidade é para a ocupação de
uma posição que está entre o pólo objetivo da teorização científica e o pólo subjetivo do
entendimento enfático” (DUNCAN, 1994, p. 442). Para Silva (1978), o lugar é uma
categoria de análise manifestando-se como área, território, e o espaço seria o maior lugar
possível. Nessa perspectiva, pode-se inferir que a diferença entre lugar e espaço seria
apenas uma questão de escala. Assim, lugar é tomado como espaço. Mas se o for, como
ficaria a noção de região segundo essa postura?
Carlos (1994) sustenta que o lugar pode ser uma maneira de decomposição do
fenômeno espacial ou um modo de colocar a questão da diferenciação. Mas isso ocorre
se se transcende a idéia dele como fato isolado. Nesse sentido, o lugar não seria definido
pela escala, mas como parte integrante de uma totalidade espacial fundamentada no
desenvolvimento desigual. Nessa perspectiva, pode-se pensar o lugar como representação
80
espacial, definido a partir dos entrelaçamentos impostos pela divisão (espacial) do trabalho,
articulado e determinado pela totalidade espacial.
Outra possibilidade de estudar o espaço, segundo Santos (1997), é por meio da sua
configuração territorial e do conjunto das relações sociais nele estabelecidas. A
configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em
uma dada área e pelos acréscimos que o próprio homem impõe a esses sistemas naturais,
enquanto que as relações sociais são dadas pelo conjunto das relações sociais de produção.
A configuração territorial (ou geográfica) não é o espaço, já que a sua realidade vem
de sua materialidade, enquanto que o espaço reúne a materialidade e a imaterialidade, ou
seja, a vida que o anima. De acordo com Santos (1997), a existência real do espaço somente
lhe é dada pelo fato de as relações sociais nele existirem. Dessa forma, deve-se considerar
tanto os objetos quanto o sistema de ações que formam o espaço, pois ambos interagem de
forma dinâmica e interdependente.
O termo território tem sido geralmente utilizado para descrever uma porção do
espaço ocupado por uma pessoa, grupo ou Estado. Segundo Agnew (1994), o território se
refere ao espaço social demarcado ocupado e usado por diferentes grupos sociais como
conseqüência de suas práticas de territorialidade ou o campo de poder exercido sobre o
espaço por instituições dominantes. Este mesmo autor define a territorialidade como a
organização espacial de pessoas e de grupos sociais por meio da demarcação de fronteiras.
Desse ponto de vista, o território pode ser tomado como equivalente de espaço e de
região. Também tem ocorrido um aumento da sua utilização popular como metáfora, por
exemplo, no ‘território’ dos geógrafos, quando se refere à divisão do trabalho na academia,
ou o ‘território’ da imaginação para simbolizar tanto o terreno psicológico quanto a
apropriação pessoal dele. Esta última definição evidencia as origens do termo, na definição
81
de propriedade privada certamente associada com a moderna concepção territorial de
Estado e a concepção moderna do ‘self’ de propriedade (AGNEW, 1994).
Mais especificamente, a territorialidade humana é vista como a estratégia pela qual
os indivíduos e os grupos exerceriam controle sobre uma dada porção do espaço, isto é, o
território (AGNEW, 1994). Nesse sentido, pode-se compreender a territorialidade como um
caso particular da espacialidade. Isso porque a esta engloba diferentes formas subjetivas e
objetivas de relacionar-se com o espaço, enquanto que a territorialidade focaria o fenômeno
específico da relação de apropriação-exclusão de diferentes grupos sobre o espaço, o que
implica, necessariamente, a consideração das relações de poder.
Agnew (1994) acrescenta que em diferentes tipos de sociedades, desde as eras mais
remotas, sempre existiu diferentes tipos de territorialidades. Assim, por exemplo, pode-se
falar da territorialidade do espaço pessoal das sociedades do mediterrâneo e suas diferenças
em relação à territorialidade do espaço pessoal das sociedades escandinavas.
14
Ou, mesmo,
da territorialidade no âmbito pessoal e suas diferenças em relação à emergência das práticas
de territorialidade das organizações econômicas e sua ampla capacidade de transformação
dos espaços.
A territorialidade é exercida por meio de: (1) da aceitação comum de
classificações do espaço, como, por exemplo, ‘nosso’ vs. ‘seus’; (2) da
comunicação de um senso de lugar, o que ocorre quando marcos e limites
adquirem um significado; e (3) do controle forçado sobre o espaço, o que
significa submissão, controle e legitimação (AGNEW, 1994, p. 620).
A mistura de consenso e coerção nas estratégias de territorialidade é freqüentemente
considerada como hegemonia. A territorialidade pode ser considerada como as
14
Para um aporfundamento maior sobre as páticas de territorialidade em relação ao espaço pessoal e social,
ver Damatta, R. A casa e a rua. In: DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do
dilema brasileiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1991.
82
diferenciações territoriais produzidas por diferentes sociedades e modos de controle do
espaço. Numa perspectiva mais ampla, Santos (1979) reconsidera a posição do espaço nas
análises sociais, retirando dele sua configuração pacífica de um continente da vida e da
história, recolocando-o como agente ativo na produção da sociedade.
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas
superpostas. O território tem que ser entendido como território usado, não o
território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do
trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da
vida (SANTOS, 1999, p. 8).
Este autor pondera que não é o território em si que deve ser visto como uma
categoria de análise, mas o território usado. Além disso, deve-se atentar para o fato de que
o território, diferentemente do “dinheiro” que é fluido e maleável, é mais resistente às
formas de tentativas de sua subjugação, pois nesse território um conjunto de interesses
de vários atores sociais que conferem a sua identidade, o que torna muito mais complexo a
sua reorganização submissão a uma única lógica a do tecno-mercado e da técno-ciência,
que tenta promover a desregulação de tudo e de todos (de todas as esferas da vida social)
em prol da ideologia do mercado. Se antes o território continha o dinheiro, regulado pelo
território usado, hoje o conteúdo do território escapa a toda a regulação interna em prol dos
interesses de cada empresa, que tenta promover a desregulação e desorganização desse
território a favor de seus interesses particulares (SANTOS, 1999).
Santos (1979) considera que toda organização do espaço pressupõe um organização
social do espaço. Toda divisão do espaço pressupõe uma divisão social, e toda divisão
geográfica remete a uma divisão social do trabalho. Assim, a organização do espaço não é
apenas um lugar em que as interações sociais ocorrem, mas ela própria, em si mesma,
83
estrutura essas interações. Isso porque, concordando com Lefebvre (1991), o espaço não é
neutro, mas sim, política e ideologicamente, demarcado, traduzindo, em última instância, as
coerções que o grupo dominante lhe impõe e impõe aos grupos socialmente dominados.
Dessa forma, o espaço é importante porque oferece possibilidades de
constrangimentos dos corpos. Tais constrangimentos evidenciam justamente a apropriação
dos espaços por determinados grupos sociais, sejam grupos dominantes, que têm o domínio
de um espaço próprio, e por isso desenvolvem estratégias de regulação e manutenção do
seu controle sobre o espaço, sejam grupos dominados, que buscam desenvolver táticas de
subversão dos usos e sentidos dos espaços, especialmente, aproveitando-se de
oportunidades temporalmente delimitadas, a fim de reelaborar e efetuar bricolagens naquele
espaço, apropriando-se, ainda que simbolicamente, do mesmo (CERTEAU, 1994).
É importante ressaltar aqui duas questões fundamentais: de um lado, a prática de
apropriação do espaço, seja ela física ou simbólica; de outro, o conseqüente processo que
essa prática desencadeia, que é a dominação política e ideológica de determinadas espaços
físicos ou simbólicos. Ao considerar-se a apropriação do espaço, parte-se do pressuposto
de que alguém se apropria dele. Por extensão, pode-se inferir que esse processo de
apropriação levará à dotação do espaço de (pelo menos) uma característica que o distinga
de um espaço não demarcado, ou seja, a dotação de uma característica de quem dele se
apropria.
Essa apropriação envolve, portanto, a incorporação do espaço físico pelo indivíduo,
atribuindo-lhe significados subjetivos e, desta forma, traduzindo-se no uso desse espaço
carregado de marcas individuais e identitárias. Assim, a apropriação está intimamente
ligada à maneira como é incorporado pelo indivíduo, que, por sua vez, irá caracterizá-lo de
84
acordo com seus traços e marcas pessoais e identitários. Segundo Gomes-da-Silva e Wetzel
(2006, p. 5), a incorporação do espaço
[...] trata-se de um conceito não relacionado apenas ao espaço material ao redor
do corpo, à esfera que contém os movimentos ou atividades físicas, mas também
às distâncias mantidas nas relações sociais [...], por meio do qual os indivíduos
tendem a preservar o seu espaço pessoal e a definir a sua forma de interação com
os outros, variando em função da personalidade dos sujeitos, de fatores
individuais, tais como idade e status social, de fatores interpessoais, tais como a
atração, de fatores situacionais (elementos físicos ligados ao contexto) e fatores
culturais.
É essa apropriação denotativa da própria expressão individual de estar e fazer parte
do mundo uma prática social que se traduz pela demarcação, apropriação e personalização
do espaço ou, como correntemente denominado, pela territorialização do espaço. É
importante salientar que toda territorialização (e seu movimento inverso, a
desterritorialização) pressupõe uma espacialidade, mas nem toda espacialidade corresponde
à territorialização do espaço. Isso porque a territorialização pressupõe práticas de
apropriação e exclusão, tendo como lógica subjacente a competição.
a espacialidade enquanto prática social de relacionamento com o espaço
pressupõe a apropriação, que pode ocorrer, por exemplo, de forma compartilhada, não
havendo assim, necessariamente, exclusão. A diferença, que parece apenas semântica,
traduz-se de maneira mais contundente quando se analisa, por exemplo, a polaridade entre
espaços públicos e privados, pois enquanto que os primeiros estão submetidos à lógica de
apropriação e solidaderiedade (a qual reforça os laços entre os membros de uma
comunidade, que todos podem se apropriar de algum comum), a segunda pressupõe uma
acentuação da apropriação por meio da exclusão, que parte de uma lógica subjacente em
que algo só pode ser apropriado se for expropriado de outros.
85
Assim, reconhece-se aqui a relevância da apropriação do espaço pela lógica da
exclusão. Contudo, ela faz parte de um quadro mais amplo de relações sociais com o
espaço, que se denomina “espacialidade”. No quadro de referência da forma de
relacionamento espacial objetivada pela territorialidade, Staub (2004) desenvolve um
quadro de referência de grande valia, pois evidencia como essas práticas estão relacionadas
com a perspectiva simbólica, mediada e manifestada pelo uso da linguagem.
Para esse autor, os indivíduos, ao relacionarem-se socialmente com os outros num
determinado espaço, estariam sempre desempenhando papéis de correntes de sua posição
nesse determinado contexto social (que, por sua vez, é o contexto de enunciação de um
dado discurso e que, por isso, serve como parâmetro para o que pode ou não ser dito
(FIORIN, 2003). Torna-se importante, portanto, caminhar da análise da ação para a análise
da territorialidade, diferenciando-a da ação social no sentido tradicional (STAUB, 2004).
No estudo da ação social, um indivíduo relaciona-se com outro que está embebido
na estrutura social e na estrutura da ação territorial, sendo a interação sempre
tridimensional, que o que está em jogo é a relação entre um indivíduo e outro na disputa
por um dado território, estabelecendo uma dicotomia entre a inclusão/exclusão,
materializada pela conquista ou defesa de um território por aqueles agentes. Formam-se,
assim, os três elementos básicos daquilo que o autor denomina de “estrutura de análise
territorial” (SATUB, 2000).
86
Figura 2: Estrutura elementar da interação territorial
Fonte: Staub (2004, p. 87).
A territorialidade é estruturada pelas relações territoriais de inclusão/exclusão e por
entidades precisas: indivíduo, outro e território. E estabelece, segundo uma
tridimensionalidade relacional e simultânea, a oposição entre indivíduo-outro e as relações
excludentes de interesse indivíduo-território e outro-território. Para este autor, essa análise
seria verificada por meio da palavra do indivíduo, que sempre contém a sua própria
(o)posição em relação ao outro. Assim, enquanto uns tentam conquistar, outros tentam
defender, girando sempre em torno da questão da posse, sendo, portanto, sempre
competitiva.
Contudo, para esse autor a análise da dimensão espacial resume-se apenas à
exploração da competição por espaços físicos e simbólicos, materializada pela noção de
territorialidade. Nesse sentido, outra possibilidade de estudo a da cooperação e utilização
do mesmo espaço em conjunto é omitida, levando-se à indução de um raciocínio de que
os indivíduos, ao apropriarem-se, identificarem-se e relacionarem-se com os espaços,
fariam isso apenas de modo competitivo e exclusivista.
Indivíduo
Outro
Território
Inclusão
X
Exclusão
87
2.3 Esquema teórico de análise
No esquema teórico de análise formulado a seguir, considerou-se para este estudo a
espacialidade enquanto prática de produção do espaço social e dimensão de análise do
mesmo, visto que a mesma compreenderia uma visão mais ampla das formas de
relacionamento com o espaço, enquanto que a territorialidade focaria apenas um dos seus
aspectos. Dessa forma, a espacialidade, ou dimensão espacial, foi considerada como um
conjunto de práticas sociais que manifestam a forma de relacionamento com o espaço físico
e simbólico (sua representação mental), sendo o espaço propriamente dito constituído por
um conjunto de objetos e sistemas de ação (SANTOS, 1979). Os objetos seriam formas ou
estruturas materiais e concretas existentes no espaço de forma natural. Isto é, sendo o
resultado da acumulação da ação das condições ambientais durante milhões de anos, ou de
forma artificial, e nesse caso correspondendo aos objetos construídos pelos próprios
homens. Já os sistemas de ação seriam um conjunto de ações sociais estruturadas sob uma
determinada dinâmica, por exemplo, ações econômicas, políticas, institucionais ou jurídicas
(CASTELLS; 1979) - e por isso consideradas como sistemas, que manifestariam a ação dos
indivíduos sobre o espaço.
Essas ações, a despeito de uma ampla gama de variações possíveis, foram
especificadas para a finalidade deste trabalho de quatro formas:
a) A organização do espaço diz respeito à forma como o espaço se apresenta em
um dado momento. Essa organização é como se fosse uma foto tirada do espaço
que irá representar um período espaço-temporalmente delimitado. Mas não quer
dizer que o espaço se limite àquilo. Por isso, é necessário compreender que
88
uma dinâmica na produção do espaço. E, se o espaço se apresenta de tal forma
em um dado momento, é porque uma série de ações foram tomadas no sentido
de “configurá-lo” daquela forma. Então, para compreender essa dinâmica é
necessário, além de considerar uma perspectiva histórica e longitudinal,
considerar outros elementos que contribuem para a sua formação.
b) A circulação de fluxos – refere-se ao modo como diferentes objetos e indivíduos
se deslocam pelo e no espaço. A questão aqui é compreender a dinâmica de
circulação em um dado espaço. Ou seja: quais são os fluxos circulantes? De
onde eles saem e para onde se dirigem? Notadamente a dimensão econômica
dos fluxos financeiros constitui o principal elemento de análise, pois é por
meio dele que se flexibiliza (ou tenta-se flexibilizar) a circulação de outros
elementos, até então fixados no espaço.
c) As práticas de apropriação-exclusão concernem às formas pelas quais
determinado espaço é tomado, apropriado e usado por um indivíduo ou grupo
social, que excluem a possibilidade de utilização por parte de outros indivíduos
ou grupos. Geralmente orienta-se para espaços físicos e de cunho privado.
d) A percepção do espaço refere-se à forma como o espaço é apropriado e
representado, simbólica e cognitivamente, por um dado indivíduo ou grupo
social. Aqui, a sua principal característica é a forma como os indivíduos ou
grupos sociais manifestam as suas experiências particulares com o espaço em
questão, evidenciando, então, o espaço vivido por um conjunto de atores sociais.
São esses elementos que este estudo considerou como componentes da
espacialidade, que, por sua vez, foi tomada em conjunto com outras dimensões de análise
89
da identidade aqui adotada: a centralidade, a distintividade e a temporalidade (continuidade
temporal), dimensões a serem analisadas no processo de construção de uma determinada
identidade, que, no caso deste estudo, foi a identidade institucional da Feira do Jubileu do
Bom Jesus de Congonhas.
Envolver essas quatro dimensões contemplaria a possibilidade de definição de duas
dimensões ontológicas do estudo da identidade (WOOD JR.; CALDAS, 1995; 2006a): a
dimensão do nível de observação, se individual, grupal ou organizacional; e a dimensão da
orientação da observação, se interna ou externamente definidas. Essas dimensões, por
serem consideradas ontológicas isto é, por fazerem parte do próprio posicionamento do
indivíduo sobre a realidade são definidas a priori e, portanto, servem para situar o estudo
das demais dimensões apresentadas acima e suas limitações.
Por fim, envolvendo tanto as dimensões conceituais quanto as ontológicas, o
presente estudo considera a existência de um contexto socioistórico-cultural (BORZEIX;
LINHART, 1996; NKOMO; COX JÚNIOR, 1996) que serviria de parâmetro para orientar
tanto as formas de relacionamento com o espaço quanto à própria construção da identidade.
Dessa forma, é nesse contexto que as possíveis configurações espaciais e identitárias
adquiririam sentido e, portanto, podem ser confirmadas e legitimadas ou refutadas e
reformuladas.
Dessa forma, buscou-se analisar o discurso dos entrevistados para a construção da
narrativa identitária da Feira com base nessas dimensões, que, embora estivessem definidas
a priori, foram atrabalhadas de maneira aberta, isto é, como temas, que poderiam ser
trabalhados de diferentes formas, e não apenas de uma forma predefinida. Assim, partindo
do problema proposto e em vista do objeto de análise, foram consideradas as seguintes
categorias de análise: a) nível organizacional de análise, mais especificamente focando a
90
identidade da Feira como um todo; b) autodefinição de identidade ou definição interna de
identidade, ou seja, como os membros participantes da Feira a percebiam; c) o
imbricamento identitário, onde a Feira aparece como um local de comércio, mas vinculado
ao evento religioso que o fundamenta; d) diferenciação da Feira, justamente em virtude de
sua associação ao caráter religioso, embora os eus produtos não sejam necessariamente de
caráter religioso; e) flexibilidade do atributo de resistência ao longo do tempo (continuidade
temporal); e f) dimensão espacial de análise, focando a perspectiva da espacilidade, ou seja,
das práticas de relação e percepção do espaço.
Assim, a presente pesquisa foi suportada pelo seguinte esquema teórico-
metodológico: partindo da premissa de que o nível macro de análise é constituido das
múltiplas interações ocorridas em nível micro, buscou-se, por meio da análise dos discursos
dos sujeitos de pesquisa que participam direta ou indiretamente da Feira, construir a sua
narrativa identitária. Ou seja, a partir dos discursos dos indvíduos, em nível micro, foi
possível observar a existência de elementos comuns que representavam a figura da Feira.
Mas, não apenas elementos comuns foram tratados, pois na análise do discurso as
oposições constitutivas também são elementos importantes a serem trabalhados na
construção da análise. Assim, partindo de uma obserção interna e da análise orientada no
sentido do nível micro para o nível macro de análise, quatro temas foram observados na
construção da identidade: os elementos centrais e distintivos da Feira e suas características
espaço-temporais, em que a dimensão do espaço (ou espacialidade) foi abordada a partir
dos elementos e da forma de organização espacial; circulação de fluxos; práticas de
apropriação e exclusão; e percepção do espaço enquanto espaço simbólico.
91
Figura 3: Esquema teórico de análise de identidade incorporando a dimensão do espaço
Fonte: elaborado pelo autor, a partir de Wood Jr. e Caldas (1995); Caldas e Wood Jr. (1997); Wood Jr. e
Caldas (2006a); Borzeix e Linhart (1996); Nkomo e Cox Jr. (1996); Santos (1979); Lefebvre (1991); Soja
(1998).
92
3. A TRAJETÓRIA DA PESQUISA
3.1 Natureza da pesquisa
Este estudo foi desenvolvido sob a forma de uma pesquisa qualitativa (TRIVIÑOS,
1987). Luz (2001, p. 95) define esse tipo de pesquisa “[...] compreende um conjunto de
práticas interpretativas, mas não privilegia qualquer tipo de metodologia, inexistindo teoria
ou paradigma que lhe seja próprio [...]”, que se caracteriza pela utilização de vários tipos de
métodos, como, semiótica, análise do discurso, análise de conteúdo, história oral, método
biográfico (ou história de vida), análise de narrativas, estudo de caso, observação
participante e análise de documentos.
Como afirmam Denzin e Lincoln (1994), na pesquisa qualitativa o pesquisador tem
a liberdade de escolher, combinar e, até, criar as práticas e métodos de pesquisa que se
adeqüem de maneira mais pertinente ao objeto e ao contexto que se deseja estudar, sendo
aquele, portanto, um bricoleur. Assim, visto que esta estratégia
15
de pesquisa
contribui para
a compreensão da realidade em profundidade como processos socialmente construídos,
considera-se que a mesma seja pertinente a este estudo.
Para Goldenberg (2002), a principal diferença entre o método de pesquisa
qualitativo e o quantitativo reside no fato de que a primeira abordagem (qualitativa)
propicia a compreensão de um fenômeno em profundidade, ao passo que a segunda busca
estabelecer leis e regras universais, formando parâmetros para generalizar as formas de
conhecimento. É importante ressaltar que a pesquisa qualitativa não necessariamente se
15
Luz (2001) considera a pesquisa qualitativa como uma estratégia de pesquisa.
93
opõe à quantitativa; pelo contrário, elas podem e devem ser complementares (TRIVIÑOS,
1987; GOLDENBERG, 2002). Contudo, deve-se observar que os procedimentos
operacionais utilizados para a realização da pesquisa qualitativa são mutuamente
excludentes aos utilizados nas pesquisas de cunho quantitativo (BAUER; GASKELL,
ALLUM, 2002), porque a pesquisa qualitativa preocupa-se mais com o aprofundamento na
descrição, interpretação e apreensão de uma realidade, enquanto que a pesquisa quantitativa
privilegia mais os aspectos passíveis de serem mensurados.
como método de análise empírica, utiliza-se o estudo de caso, que pode ser
compreendido como a investigação de um sujeito, objeto ou fenômeno em particular,
devido à relevância que o mesmo tem para a compreensão de um determinado processo ou
fenômeno social (TRIVIÑOS, 1987). Para Yin (1984), o estudo de caso consiste numa
investigação empírica de um fenômeno social cujos limites com o seu contexto não são
bem definidos, exigindo, portanto, a utilização de várias fontes para adentrar na sua
essência. Ainda segundo o autor, esse tipo de método é útil para pesquisas de caráter
exploratório, mas também para aqueles de caráter descritivo e explanatório, como é o caso
deste estudo. Este método fornece a possibilidade de maior penetração na compreensão dos
significados expressos pelos sujeitos e pela interação destes, (con)formando a construção
histórica-social de suas realidades.
Segundo Goldenberg (2002), o estudo de caso não seria uma técnica, mas uma
análise detalhada e em profundidade de um objeto em particular a partir da qual poderia
supor-se a possibilidade de generalização do conhecimento. Esta análise possui caráter
holístico, uma vez que o objeto é considerado como um todo, independente do nível (ou
escala) adotado, sendo utilizado para estudo de pessoas, grupos sociais e, até, organizações.
Nesse sentido, a sua amplitude é um dos pontos que recebe críticas e, portanto, merece
94
atenção: definir o limite do que deve ser considerado como totalidade (TRIVIÑOS, 1987;
GOLDENBERG, 2002). Para Goldenberg (2002), a definição do limite como do que deve
ser considerado o objeto do estudo de caso é possível por meio da abstração científica, a
partir da qual se definiria a totalidade mais pelo seu caráter de continuidade de significados
do que pelos próprios limites físicos do objeto.
Se, de um lado, essa proposta pode permitir a vantagem de penetrar na realidade
social, possibilitando a sua compreensão e a de seus significados de modo mais efetivo; de
outro, exige uma continuidade de significados e, portanto, o que deve ou não ser entendido
como um objeto que expressa uma totalidade em si. A indefinição precisa de limites, apesar
de exigir grande responsabilidade do pesquisador, é recompensada pela vantagem de
penetrar na realidade social, possibilitando a compreensão do fenômeno em sua essência.
Triviños (1987) também ressalta que a delimitação do objeto é um dos problemas da
pesquisa qualitativa. Entretanto, esse caráter está mais diretamente associado às bases
teóricas que a pesquisa suscita. Em suas palavras, “[...] qualquer enfoque qualitativo que se
desenvolva será dado pelo referencial teórico no qual se apóie o autor” (TRIVIÑOS, 1987,
p. 125).
Outra questão que usualmente é alvo de críticas é a generalização dos resultados dos
estudos qualitativos. Sobre esse aspecto, ressalta-se aqui a posição de Mattos (2006),
defendida neste estudo, que chama atenção para o fato de que a generalização da pesquisa
qualitativa deve ser validada de acordo com a lógica do paradigma interpretativista, e não
positivista, pois as ciências da cultura (ou sociais) não devem dar créditos à forma
positivista e quantitativista de análise visto, que ela se insere num domínio em que o
significado da ação é mais valioso que a sua freqüência. Logo, a validade interna ou
95
generalização da pesquisa qualitativa é dada pelo pesquisador e pelo seu estudo, e não pela
representatividade estatística de seus dados.
3.2 O locus de estudo: a Feira como instituição
Nogueira (2000) considera que as instituições, dentre os diversos tipos existentes,
refletiriam as preferências e o poder daqueles que as constituem, influindo sobre essas
preferências e sobre tais configurações de poder. Nesse sentido, a Feira refletiria o poder da
administração municipal que a controla, influenciando e determinando o modo como atua,
seus critérios de seleção de membros, enfim, suas características centrais que configurariam
sua identidade.
Para Nogueira (2000, p. 32), “as instituições começariam como convenções, ainda
vulneráveis devido a serem baseadas em coincidência de interesses. Sua institucionalização
ocorreria com o processo cognitivo paralelo que convencionaria desconsiderar suas origens
puramente humanas”. Dessa forma, poder-se-ia compreender a institucionalização como
um processo de criação social da realidade, com base na formação humana criada em
interação social com significados socialmente aceitos e compartilhados, no qual as ações
tornam-se repetidas e adquirem significado ao longo do tempo. Assim, a ordem social
passaria a existir à medida que os indivíduos agiriam, interpretariam suas ações e
compartilham significados. Esse compartilhamento comum habilitaria os indivíduos a
agirem coerentemente entre si.
96
Nas palavras de Nogueira (2000, p. 27), a “institucionalização é tanto um processo
fenomenológico, por meio do qual determinadas ações e relações sociais são aceitas como
dadas (reais), quanto aquele no qual as cognições compartilhadas definem o que tem
significado, qual o significado e as alternativas do agir”, sendo este processo comum a
várias instâncias diferentes. Assim, dever-se-ia considerar as relações dos indivíduos e das
instituições em um contexto cultural e histórico.
Autores como Nogueira (2000), baseando-se em autores como Machado-da-Silva
(1999) e DiMaggio e Powell (1999), afirmam que as instituições têm sido tratadas por
diferentes áreas do conhecimento, enfocando seus diferentes aspectos e influências em tais
áreas, merecendo destaque para a antropologia, a história e a macro sociologia, pois estas,
ao questionarem os dogmas do funcionalismo e do individualismo, estariam contribuindo
para a proposição da construção social do significado, por meio da ação simbólica
(NOGUEIRA, 2000). Tal proposição condicionaria a modelação do nível micro de análise,
ou seja, as ações, preferências individuais e as categorias de pensamento, à ação das
instituições.
Este estudo buscou a origem das feiras no âmbito da antropologia econômica de
Luis Mott (2000), para quem as feiras e mercados brasileiros teriam surgido com base nos
modelos dominantes de Portugal, geralmente como centros de abastecimento, e nos núcleos
urbanos, sendo que, além de sua função de abastecimento, estes locais funcionariam como
vitrines da produção local do artesanato, da população, da cidade e da região onde se insere.
Apesar de ter uma raiz remota e de difícil precisão, Silva (1981, s/p) informa:
O seu aparecimento foi favorecido pelas festividades e cerimónias de culto. As
romarias, as peregrinações e todas as festividades religiosas atraíam peregrinos
vindos de longe, facultando uma ocasião de troca, compra e venda de produtos.
97
De acordo com este autor, as feiras tiveram uma acentuada relevância na
organização econômica européia durante o período da Idade Média, em particular em
Portugal, visto que, além de suas funções comerciais de centro distribuidor, elas
contribuíam para a veiculação de informações de forma rápida, que elas estabeleciam o
elo direto entre os produtores e os consumidores, entre o campo e a cidade. Antigamente, as
feiras, por serem, às vezes, os únicos centros distribuidores mais próximos em
determinadas regiões pouco povoadas e ou longínquas, tinham grande capacidade de
atração de pessoas, inclusive desses locais mais afastados (SILVA, 1981).
Ferretti (2000) também corrobora com esta visão das funções da feira de
abastecimento local. E acrescenta que elas contribuem para o escoamento de produtos de
uma região para outra, aproximando comerciantes, vendedores e consumidores de
diferentes locais, sendo que não raro algumas feiras transformarem-se em locais turísticos,
o que propicia ainda mais a produção, escoamento e consumo de produtos relacionados à
cultura local e a suas especificidades.
Feretti (2000) classifica as feiras como grandes reuniões comerciais regionais
realizadas em determinados intervalos de tempo, que se caracterizam pelas suas funções de
abastecimento e escoamento de produtos. Silva (1981) acrescenta que o que difere uma
feira de um mercado é o seu período de duração temporal, sendo as feiras eventos
regulares, com intervalos de tempo, geralmente, quinzenais. Hoje em dia, pode-se
considerar que as feiras, principalmente as dos centros urbanos, possuem intervalos de
tempo menores em média, semanais, visto que elas são consideradas como centros de
escoamento da produção de pequenas organizações familiares (CARRIERI, 2005).
98
Outra característica que distingue feiras e mercados é que, por serem de caráter
temporário, embora regular, os espaços ocupados pelas feiras, geralmente, possuem outro
tipo de uso principal, sendo o uso destinado à feira apenas secundário. Essa ausência de um
espaço próprio é um elemento central na análise das feiras, pois para que elas possam
ocorrer uma apropriação, ainda que temporária, do espaço físico antes destinado a outro
uso. Essa é uma questão que possivelmente influi na dinâmica da construção identitária de
uma feira.
Não obstante a contribuição de suas funções econômicas, Mott (2000) considera que
os estudos antropológicos estão além dos fundamentos da teoria econômica e política
clássicas na explicação dos fenômenos sociais, pois estes estariam mais associados aos
aspectos econômicos e formais das instituições. Para o autor, a corrente substantivista, ao
focar os aspectos da transformação de estruturas sociais subjetivas em estruturas da
realidade material-objetiva nas pequenas economias locais, priorizaria os princípios
específicos (con)formadores daquele determinado contexto sociocultural que transcendem a
compreensão por meio da estrutura funcionalista, sendo inviável explicá-los por meio da
teoria econômica. Assim, ao considerar as feiras como objeto de estudo, deve-se começar
por sua história, pelas suas fontes documentais sobre sua origem e evolução, buscando nas
feiras “suas especificidades históricas e culturais, seu lado mais social e não meramente
mercantilista” (MOTT, 2000, p. 19). Para o autor, o melhor conceito para se definir feiras
(e mercados) é o de instituição, pois,
[...] enquanto instituição a feira faz parte do sistema econômico. A sociedade, por
seu turno, é o resultado do conjunto de sistemas: sistema político, econômico, de
parentesco, etc. O sistema econômico, por sua vez, baseia-se na produção,
distribuição e consumo de bens e mercadorias. Assim sendo, a feira seria uma
instituição do sistema econômico pertencente à sub-área da distribuição dos bens
e mercadorias. O setor de distribuição, por sua vez, inclui tanto as vendas de
esquina, as lojas, os supermercados, as feiras, etc. (MOTT, 2000, p. 24).
99
Silva (1981) acrescenta que, além do aspecto econômico dessas instituições, o
aspecto jurídico também merece destaque, devido à necessidade de segurança, de garantias
e de proteção jurídica para que o comércio de um dado lugar possa se desenvolver. Dessa
forma, para regular o seu funcionamento, as feiras gozavam de um conjunto de regras e de
estatutos que possuíam uma série de regras especiais, que regulavam o seu funcionamento.
Assim, no local onde as feiras eram realizadas, assim como nos trajetos de ida e de volta,
havia um clima de paz, explicitamente demarcado por meio de sinais convencionados,
como um ramo de arbusto, um escudo branco ou vermelho, uma bandeira, um chapéu, uma
espada ou uma cruz.
Além disso, os feirantes gozavam de privilégios, como o fato de não poderem ser
presos durante todo o período de duração da feira – exceto se cometesse alguma infração na
própria feira –, nos trajetos de ida e de volta, proteção para a sua mercadoria, pois se
alguém a roubasse deveria restituir em dobro; direito ao porte de arma, conquistado com o
passar do tempo; e isenção de impostos sobre toda mercadoria comercializada nas feiras,
chegando-se então à denominação atualmente reconhecida de “feiras livres” (SILVA,
1981).
Mas as feiras não contribuíram somente para a melhoria das relações econômicas e
jurídicas entre as pessoas; tiveram também um papel importante sob o ponto de vista social
e cultural. A feira era também um espaço de sociabilidade, onde os indivíduos tinham a
oportunidade de obter notícias, ouvir histórias e lendas de vários lugares, perpetuar
tradições próprias e fomentar a solidariedade social (SILVA, 1981). Este autor ainda
considera que tal sentimento de solidariedade causado pela aglomeração social pode ter
100
sido um dos elementos responsáveis pela criação de uma identidade coletiva, um
sentimento de grupo, que teria culminado com a formação dos Estados Nacionais.
Assim, as feiras, no nível de sua essência, possuiriam um caráter transcendente às
suas simples manifestações e expressões comerciais – nível da aparência –, o que remeteria
a um significado oculto, mais profundo, que estaria no âmago das relações estabelecidas
pelos indivíduos participantes, sendo esta a tarefa mais complexa de se estudar nas feiras.
Ferretti (2000, p. 53), baseando-se em Mott (1975), considera que a antropologia
econômica, ao estudar as feiras e os mercados, teria a função de conhecê-los por meio do
estudo de suas estruturas e suas funções econômicas, sociais e simbólicas, desvendando
“[...] os componentes ideológicos que estão por trás das relações que as pessoas
estabelecem a partir do ato de vender e comprar.”
Nesse sentido, ao considerar-se que as feiras são instituições cujas representações
socioculturais estão contextualizadas em uma determinada noção de espaço e tempo, o que,
por sua vez, confere às mesmas uma determinada identidade cultural. Elas adquirirem,
portanto, uma função simbólica de acordo com o contexto no qual estariam inseridas
(SOUZA, 2000, p. 68-69), sendo necessário realizar o estudo dessas funções para ter
conhecimento mais completo desses fenômenos sociais. Souza (2000), referindo-se ao
pensamento de Andrade
16
(1994), considera que as feiras poderiam sofrer transformações
ao longo do tempo pela intervenção, descaracterização e, ou atribuição de novos
significados pela sociedade –, o que permitiria uma transformação e reconfiguração
identitária de tais instituições.
16
ANADRADE, Maristela O. de. A Feira de Campina, tradição e identidade: uma visão antropológica.
João Pessoa, MCS, UFPB, 1994, 46p. (Cadernos de Ciências Sociais, 34).
101
3.3 Procedimentos operacionais
Para a concretização deste estudo, foi utilizada a coleta de entrevistas com os
sujeitos de pesquisa para a compreensão e possível solução do problema de pesquisa
elencado. Este método de coleta de dados “[...] parte de certos questionamentos básicos,
apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem
amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se
recebem as respostas do informante” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146). A sua principal
característica prende-se à possibilidade do informante se abrir (e falar) na entrevista, visto
que esse método propicia a liberdade do sujeito enquanto produtor do conhecimento.
Dessa forma, foi desenvolvido um roteiro semi-estruturado, apenas como
ferramenta de apoio, para a realização de entrevistas em profundidade com os sujeitos de
pesquisa. Esta técnica é capaz de introduzir o pesquisador no universo cultural dos
indivíduos e, por extensão, pode potencializar a capacidade de compreensão e explicação
de um dado fenômeno, na medida em que o pesquisador se inteire junto com o pesquisado
das causas que o levaram a agir de determinada forma. De modo complementar, este estudo
utilizou-se a observação assistemática como técnica de verificação in loco das questões
levantadas pela pesquisa.
Para a coleta de dados, foram utilizados bloco de anotações e gravador que, de
acordo com Triviños (1987), são instrumentos fundamentais para a coleta deste tipo de
dados depoimentos –, uma vez que se se considerar apenas as anotações do pesquisador
pode-se incorrer no risco de restringir ou generalizar informações que talvez sejam
importantes e úteis para a pesquisa. com a utilização destes equipamentos o pesquisador
102
pode apreender o enunciado completo da entrevista, podendo ser usado inclusive para
esclarecer pontos obscuros, eventuais dúvidas e, até mesmo, comprovar afirmações feitas
pelos entrevistados.
Em virtude do objetivo da pesquisa, considera-se mais pertinente para o estudo em
questão a coleta de entrevistas com os sujeitos de pesquisa de forma intencional e não-
probabilística, utilizando o critério de antigüidade para a seleção dos mesmos. Isto é,
pretendeu-se aqui realizar entrevistas com os sujeitos de pesquisa que estavam mais
tempo na Feira, pois partiu-se da suposição de que esses sujeitos conheceriam mais a fundo
as transformações socioespaciais ocorridas na Feira desde seu surgimento e o modo como
essas mudanças implicaram ou não a reconstrução de das suas identidades pessoais e
organizacionais, bem como a identidade da própria Feira. Justamente por a conhecerem-na
e participarem dela um longo período de tempo, supôs-se que o critério de antigüidade
seria importante para captar os sujeitos que fossem capazes de revelar em seus discursos
essas transformações e o seu significado ao longo do tempo.
A seleção dos sujeitos de pesquisa de forma intencional e não probabilística faz
parte de um conjunto de técnicas de seleção em que o objetivo não é comparar a
informação em termos numéricos, mas relacioná-las em termos de sua importância em
determinado contexto. Além de sua dificuldade de composição, a qualidade desse tipo de
seleção de sujeitos de pesquisa é desigual e a generalização das conclusões deve ser feita
com cuidado, devido à impossibilidade de mensurar possíveis erros de amostragem. Nesse
conjunto, encontra-se que a seleção de sujeitos de pesquisa de forma intencional é
considerada por Thiollent (1988) como seleção de um reduzido número de pessoas que
possuam informações relevantes em relação ao tema estudado.
103
Considerando-se as questões elencadas acima, com o intuito de delimitar a seleção
dos sujeitos de pesquisa, este estudo utilizou o método “bola de neve” (GIL, 1999),
segundo o qual esta seleção seria construída ao longo do processo de pesquisa por meio de
indicações dos próprios sujeitos de pesquisa. Assim, foi realizada aleatoriamente uma
entrevista inicial com um sujeito de pesquisa, que, por sua vez, deu “pistas” importantes
para continuar o processo de seleção de novos possíveis entrevistados. Assim, justifica-se a
escolha deste tipo de método de coleta em virtude do escopo deste estudo.
Deve-se ressaltar também que, para cumprir o objetivo proposto por esta pesquisa,
foi necessário que o conjunto de entrevistados não fosse muito grande. Essa decisão se
justifica, pois o uso de entrevistas semi-estruturadas implica um longo tempo para sua
realização, transcrição e posterior análise. E por vezes, são feitas mais de uma vez com
cada participante, tornando inviável a sua aplicação a um grande número de pessoas
(LAVILLE; DIONE, 1999).
3.4 Tratamento dos dados: Análise do discurso (AD)
Autores como Rodrigues, Carrieri e Luz (2003) defendem a idéia de que a
abordagem semiótica dos discursos nas organizações possui a capacidade de descrever a
inter-relação entre fatos observáveis e o conjunto de regras de qualquer sistema de
significados coletivamente compartilhados. Esta abordagem enfatizaria a articulação
contextual como fonte de sentido, por meio de forças mantenedoras (elementos de coesão)
e inovadoras (elementos de rompimento e recriação) para os atores organizacionais
104
(NOGUEIRA, 2000).
Corroborando com essa perspectiva, este estudo utilizará a técnica da análise do
discurso (AD) para investigar os textos escritos e as entrevistas coletadas. Enquanto
paradigma teórico e metodológico de análise, a AD possibilita a apreensão das formas de
produção do discurso e das estruturas materiais e sociais que as elaboram. Pode-se
considerá-la uma técnica potencialmente útil nas análises de processos ou fenômenos
sociais (SOUZA et al., 2005). Isto se deve ao fato de a AD mostrar que o indivíduo
enunciador, enquanto produtor de discursos, está ligado de modo interdependente ao seu
contexto socioistórico-cultural, ou seja, ao seu locus de produção do discurso
(MAINGUENEAU, 1998). Dessa forma, a AD permite a compreensão em profundidade da
realidade social, refletida na formação discursiva, por meio da apreensão de discursos dos
atores sociais.
É importante salientar que, além da coleta, os processos de ordenação do material
são vitais para o desenvolvimento da análise dos mesmos (MARRE, 1991). Como neste
trabalho fez-se o uso da técnica de triangulação, adotando o máximo de fontes possíveis
para enriquecer e proporcionar maior suporte teórico e empírico à pesquisa, com vistas a
sanar possíveis problemas operacionais, foi adotada a ordenação, a catalogação sistemática
dos dados por tipo e ordem cronológica e a técnica de análise do discurso para tratamento
dos dados.
Para Mainguenaeau (2000, p. 13), a análise do discurso é: “a disciplina que, em vez
de proceder a uma análise lingüística do texto em si ou a uma análise sociológica ou
psicológica de seu ‘contexto’, visa articular sua enunciação sobre um certo lugar social”.
17
Assim, percebe-se que uma das principais vantagens da utilização dessa técnica é a
17
Grifos no original.
105
possibilidade de interpretação não apenas do que é dito, explicitado, mas, sobretudo, de
trabalhar a ideologia que está por trás das falas, entendendo o que realmente os atores
dizem e que não necessariamente está explícito no discurso. De acordo com Carrieri
(2001), os discursos estão relacionados a uma ideologia, a uma determinada forma de
enxergar o mundo, que, em geral, revela o modo como os indivíduos devem ou não agir e,
portanto, deve ser visto como uma rede de relações na qual o indivíduo está inserido.
Já Fiorin (2003) assevera que um mesmo objeto pode ser trabalhado por dois
discursos de maneiras diferentes. Para ele, os discursos podem ser: figurativos, que
possuem elementos concretos, materiais; ou o-figurativos, em que uma tendência de
maior existência de elementos mais abstratos, idéias ou formas subjetivas de expressão.
Nestes últimos, ainda de acordo com Fiorin (2003, p. 29), estariam expressas de forma mais
evidente as ideologias, que podem ser entendidas como: “[...] o ponto de vista de uma
classe social a respeito da realidade, a maneira como uma classe se ordena, justifica e
explica a ordem social”. Este mesmo autor ainda assevera que o discurso de um indivíduo,
apesar de se camuflar sob a forma da individualidade, reflete, na realidade, o que é dito,
aceito, legitimado ou excluído pela sociedade, sendo, dessa maneira, uma imposição desta
sobre o indivíduo. Assim, por vezes, nos discursos aparecem conflitos ou ambigüidades não
entre o indivíduo e a sociedade, e por isso um discurso pode referir-se a outro para
legitimá-lo ou invalidá-lo. Segundo Faria (2001, p. 31),
[...] para o intradiscurso, utilizamos como principal categoria descritiva a de
percurso semântico; para o interdiscurso, a de contradição. Essas categorias
decorrem da concepção teórica segundo a qual o discurso abrange duas
dimensões, integradas e complementares: por um lado, o do intradiscurso,
organiza-se em um conjunto, uma trajetória de sentidos que se desenvolve ao
longo do texto; por outro lado, o do interdiscurso, constitui-se por contradição,
por oposição a outros discursos.
106
Segundo Faria e Linhares (1993, p. 38), uma técnica bastante usada na análise dos
discursos envolve as estratégias de persuasão, por meio das quais se podem evidenciar
como os discursos são “[...] aprendidos no decorrer da vida dos atores sociais [...]
(FARIA; LINHARES, 1993, p. 38). Nesse sentido, os atores falariam o que lhes é
socialmente permitido dizer, o que traduziria uma determinada visão de mundo: a da classe
dominante e daqueles a quem ela delega poder. Em suas pesquisas, esses autores relatam a
existência de quatro principais estratégias de persuasão:
a) a seleção lexical compreende a escolha do vocabulário usado nos discursos,
que, segundo Faria e Linhares (1993), pode-se caracterizar não pelo uso
de termos pouco comuns que substituem vocábulos populares, tendendo a
diferenciar o entrevistado das outras pessoas;
b) a construção das personagens no discurso e sua relação com as personagens
efetivamente existentes que pode levar a uma dramatização do que está
sendo exposto pelo discurso do enunciador, de suas funções e papéis, bem
como à transferência de responsabilidade do enunciador para aquele a quem
ele atribui seu discurso (KUBO, 2003);
c) relações entre os conteúdos explícitos e os implícitos que possibilitam criar um
efeito ideológico de sentido; ou seja, o enunciador busca apoiar-se no
interlocutor para a construção do sentido de seu discurso, deixando a cargo
desse interlocutor a reconstrução dos sentidos que o enunciador não pode ou
não quer explicitar (KUBO, 2003);
d) o silêncio sobre determinados temas aquilo que não é dito e, que, de acordo
com Faria e Linhares (1993), refere-se à omissão de determinados temas e
objetiva excluir temas indesejáveis a quem tem o poder da palavra.
107
Com relação à metáfora, pode-se dizer que, atualmente, seu entendimento insere-se
em um novo paradigma, que rompe com o modelo objetivista baseado na teoria aristotélica
(em que a metáfora era vista apenas como uma figura de linguagem ou de retórica, cuja
função de ornamentar o discurso) e passa a ser percebida, atualmente, como dimensão
cognitiva constitutiva da linguagem e do pensamento da realidade cotidiana (ZANOTTO,
1998). Salienta-se a importância do papel da linguagem como produto tanto social quanto
individual e que vai ao encontro dos estudos que vêem as organizações como grandes
narrativas, como uma rede de discursos construídos por atores sociais e que conferem uma
dada noção de ordem, identidade e sentido à organização. Enfim, estabelecem uma noção
de ‘organização’ em relação à ‘desorganização’ que a envolve (WESTWOOD;
LINSTEAD, 2001).
Autores como Grant e Oswick (1996a) salientam a importância do estudo das
metáforas nos estudos organizacionais como uma forma de pensar e investigar as
organizações, uma vez que estas podem ser vistas como um resultado de múltiplas
conversações, discursos e narrativas construídas pelos diversos atores organizacionais ao
longo de suas histórias e da história da organização (GRANT; OSWICK, 1996a). Nesse
sentido, as metáforas ajudariam a compreender a construção dessas narrativas
organizacionais e das formas pelas quais elas fornecem significados aos atores sociais e
uma certa noção de identidade construída historicamente por meio de processos de
identificação. Neste estudo, busca-se a interação dessas duas perspectivas (AD e os
processos de interpretação das metáforas) com o intuito de potencializar a compreensão
sobre o fenômeno analisado.
108
Jakobson (1988) defende que os caminhos da construção de sentido do processo de
interpretação e da construção da linguagem variam em dois sentidos: o da similaridade,
pelas operações de seleção e substituição na linguagem; e o da contigüidade, formado pela
faculdade de combinação e contexto, que levariam, respectivamente, à elaboração da
linguagem metafórica e metonímica. Com base nessa proposição, Zanotto (1998)
desenvolve três processos de interpretação da construção de sentido metafórico: a) a relação
ontológica entre os dois domínios do conhecimento, que ativa o conceito de referencial
metafórico; b) o processo analítico (ou jogo de adivinhação), por meio do qual se
estabelecem relações inferenciais entre dois diferentes domínios; e c) o prévio
conhecimento de mundo dos sujeitos sociais, com base em suas visões de mundo. É com
apoio neste modelo desenvolvido por Zaonotto (1998) que as metáforas serão interpretadas.
Assim, neste estudo buscou-se a interação dessas duas perspectivas com o intuito de
potencializar a compreensão sobre o fenômeno analisado.
3.5 Categorias de análise
Para garantir a viabilidade operacional deste estudo, propõem-se as seguintes
categorias conceituais e analíticas (definições conceituais e operacionais) para o
norteamento da verificação empírica desta pesquisa:
a) construção dos percursos semânticos que estruturam os discursos coletados a
partir das entrevistas com os sujeitos de pesquisa; e
109
b) análise do processo de construção de metáforas a partir da e sobre a realidade
social do grupo estudado;
Esses elementos serão verificados com base nos principais conceitos arrolados neste
trabalho, ou seja, nos conceitos referentes aos temas “identidade” e “espaço” (físico e
simbólico). Para tanto, a necessidade de definir, conceitualmente e operacionalmente, as
categorias, mostradas no quadro 1:
Quadro 1: Definições das categorias conceituais e operacionais da pesquisa (continua)
Categoria Definição Conceitual Definição Operacional
Identidade
Organizacional
Forma como os atores e grupos
sociais que compõem a
organização consideram seus
elementos centrais; distintivos;
duradouros; que são manifestados
espacialmente, e sujeitos a um
processo dialético de
reformulação constante
Apreendida pelas crenças compartilhadas dos
membros da organização a respeito da razão
de ser, das competências e capacidades
organizacionais, valores, histórias, mitos e
ritos organizacionais; e de como esses
membros acham que são percebidos pelos
Outros de fora da organização.
Centralidade Aquilo que os indivíduos crêem
ser a razão de existir da
organização social.
Percebida pelo discurso acerca desses
atributos, que podem ser tangíveis
(características observadas empiricamente) ou
intangíveis (idéias e valores abstratos).
Distintividade Aquilo que empiricamente é
observado como característica ou
atributo que distingue a
organização das demais que se lhe
assemelham em um dado campo.
Verificado por características e/ou atributos
que se manifestam da própria organização
social. Além disso, pode incorporar a
representação social que um dado grupo pode
ter acerca desses atributos.
Temporalidade É a permanência, mais ou menos
estável, de determinadas
características identitárias ao
longo do tempo, ou seja, sua
capacidade de resistência à
mudança com o passar do tempo.
Verificada pelos atributos e características que
são modificados ao longo do tempo, quando,
por que e por quem.
Quadro 1: Definições das categorias conceituais e operacionais da pesquisa
Fonte: elaborado pelo autor a partir das contribuições de Albert e Whetten (1985; Agnew (1994), Duncan
(1994), Gregory (1994), Santos (1997), Soja (1998) e Carrieri (2005).
110
(conclusão)
Espaço Sistemas de objetos e ações
distribuídos, organizados e que
organizam um dado ambiente
(SANTOS, 1999).
Estruturas - (formais e informais)
construídas no espaço, forma de organização
e utilização do espaço;
Ações – formas de pensar e agir sobre o
espaço, que defendem e legitimam uma dada
visão de mundo. Apreendida por meio de
discursos, imagens e artefatos/objetos.
Espacialidade Refere-se às implicações sociais
sobre o espaço, especificamente,
ao espaço socialmente
produzido; às formas criadas e as
relações estabelecidas pelos
sujeitos entre si e com o espaço
(SOJA, 1998).
Apreendida pelo modo com que os sujeitos
se relacionam com o espaço. Nesse sentido,
considerar-se-ão os elementos básicos do
espaço (estrutura e ação).
Organização
espacial
É forma como os objetos, as
pessoas ou um conjunto de ações
estão dispostos em um dado
espaço.
Apreendida pela observação física do
espaço, da sua disposição de elementos
fixos, de sujeitos, objetos e pela
materialização de determinadas formas dos
fluxos.
Práticas de
apropriação/exclusão
Organização espacial de pessoas
e grupos sociais através da
demarcação de limites
(AGNEW, 1994).
Formas de demarcação de limites físicos ou
simbólicos no espaço, por exemplo, através
de muros, objetos, artefatos símbolos e ações
e que excluem a ocupação por parte de
outrem.
Circulação de Fluxos É forma como os objetos, as
pessoas ou um conjunto de ações
transita no e pelo espaço em um
dado sentido.
Verificado pela observação dos principais
elementos ou objetos que estão circulando
no espaço, em que sentido e com qual
finalidade.
Percepção do espaço
Forma de interpretar e
relacionar-se com o espaço que
evidencia - além de sua forma,
disposição e utilidade física – o
significado que aquele espaço
possui para o(s) grupo(s)
social(is) que o ocupa(m)
É captado por meio das representações
sociais que os indivíduos e grupos elaboram
acerca do espaço, em geral, por meio do
saber social compartilhado, das imagens
rotuladas do espaço, da própria descrição
elaborada pelos sujeitos e por sua história
(oficial e extra-oficial).
Quadro 1: Definições das categorias conceituais e operacionais da pesquisa
Fonte: elaborado pelo autor a partir das contribuições de Albert e Whetten (1985; Agnew (1994), Duncan
(1994), Gregory (1994), Santos (1997), Soja (1998) e Carrieri (2005).
111
4. A HISTÓRIA DA CIDADE E DA FESTA DO JUBILEU:
O
COMEÇO NA NARRATIVA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
IDENTIDADE E DO ESPAÇO
4.1 A História da cidade de Congonhas
Congonhas do Campo, cujo nome adveio da planta congonha (em tupi-guarani
congõi, tipo de vegetação encontrada nos campos, que significa “o que sustenta, o que
alimenta”), assim como toda a margem do rio Paraopeba, começou a ser povoada por volta
de 1700, com a chegada dos portugueses da Bandeira de Bartolomeu Bueno, que por volta
de 1691 a 1700 povoaram a região de Vila Real de Queluz (hoje, município de Conselheiro
Lafaiete). Na época, o ouro era encontrado nos rios, vales e encostas. Mas esse ouro de
aluvião (ou de superfície), que era facilmente encontrado, aos poucos foi se esgotando, e a
população que se estabeleceu na região foi se dedicando à produção de alimentos, devido à
sua escassez nos primeiros anos do século XVIII, nas proximidades das jazidas auríferas
(DIRETORIA DE TURISMO, 2006).
alguma controvérsia sobre a data da criação da freguesia de Congonhas. Xavier
da Veiga cita sua criação pelo Alvará gio de 3 de abril de 1745. Entretanto, o cônego
Trindade menciona o ano de 1734. Segundo ele, a freguesia foi elevada à condição de
colativa por Alvará de 6 de novembro e 1749. Contudo, o livro de Lotação das Freguesias
do Arquivo Eclesiástico de Mariana registra, talvez, a informação mais precisa:
“[...] foi erigida por ordem de Sua Majestade em 1734 e depois, pelo Ordinário,
em curato e, pelo Alvará de 13 de abril de 1745, foi mandada declarar natureza
colativa, em lugar da Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão do Carmo que
112
pela sua elevação à Cabeça da Diocese, passou a ser curato amovível a arbítrio do
Prelado” (DIRETORIA DE TURISMO, 2005a, p. 1).
Tomando essa última como a data mais provável, ou seja, em conformidade com o
Alvará Régio de 13 de abril de 1745, foi criada a paróquia, sem, contudo, nunca ter sido
elevada à categoria de vila. O distrito foi criado pelo Alvará de 6 de novembro de 1746,
passando a se denominar “Congonhas do Campo”. Com a confirmação do distrito pela Lei
n. 2, de 14 de setembro de 1891, Congonhas do Campo foi ligada à Comarca de Ouro
Preto. Mais tarde, pela Lei Estadual de 7 de setembro de 1923, o distrito foi transferido do
município de Ouro Preto para o de Queluz. Neste período, o arraial de Congonhas do
Campo era dividido em dois grandes bairros. O lado da Matriz pertencia ao município de
Ouro Preto e o lado de Matosinhos, a Queluz de Minas, hoje Conselheiro Lafaiete
(DIRETORIA DE TURISMO, 2005b).
A unificação dos dois distritos ocorreu devido à cessão de parte do território
pertencente a Ouro Preto ao município de Queluz de Minas. A partir daí, recebeu luz
elétrica e, depois, a estrada de ferro bitola larga da Central do Brasil, indicadores de grande
progresso naquela época. Depois da unificação dos distritos, houve a emancipação política
do município de Congonhas do Campo, juntamente com o distrito de Lobo Leite, pelo
Decreto Lei Estadual n. 148, de 17 de dezembro de 1938 (DIRETORIA DE TURISMO,
2005a). O Decreto-Lei Estadual n. 1.058, de 31 de dezembro de 1943, incorporou um novo
distrito ao município, o de Alto Maranhão, transferido de Conselheiro Lafaiete, compondo
uma nova divisão administrativa, formada pelos três distritos citados, que é vigente até hoje
(DIRETORIA DE TURISMO, 2006).
113
Atualmente, o município de Congonhas apresenta uma atividade econômica
fundamentalmente baseada na indústria extrativista mineral e no comércio. O setor primário
apresenta uma agricultura reduzida a pequena escala ou de subsistência. Os principais itens
que se destacam nessa produção são: tomate, milho, feijão e hortifrutigranjeiros. Vale
registrar que alguns produtores estão investindo na indústria caseira de alimentos. a
pecuária existente caracteriza-se por ser de natureza extensiva e voltada para a subsistência.
a indústria de extração do minério de ferro (consumido em sua maior parte pela Cia.
Siderúrgica Nacional e pela Companhia Vale do Rio Doce) é a principal atividade
econômica da região, empregando 4.522 pessoas (cerca de 30% da PEA) e responsável por
49,5% do PIB do município (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DOS MUNICÍPIOS DE
MINAS GERAIS, 2007).
Tabela 1: População ocupada por setores econômicos - 2000
SETORES No. DE PESSOAS
Agropecuário, extração vegetal e pesca 474
Industrial 4.522
Comércio de Mercadorias 1.949
Serviços 6.908
TOTAL 13.853
Fonte: ALMG (2007).
Tabela 2: Produto Interno Bruto (PIB), a preços correntes Unidade R$(mil)
ANO AGROPECUÁRIO INDÚSTRIA SERVIÇO TOTAL
1998 848 40.830 96.029 137.707
1999 855 64.878 81.871 147.604
2000 875 85.123 97.616 183.614
2001 812 93.868 111.884 206.564
2002 1.045 123.959 123.710 248.714
Fonte: ALMG (2007).
114
Apesar da expressiva e tradicional atividade mineradora na região, o setor de
serviços vem crescendo expressivamente nos últimos, sendo responsável desde, 1998 a
2001, por mais de 50% do PIB e pela ocupação de cerca de 64% da população
economicamente ativa do município (ALMG, 2007). Além disso, segundo a Secretaria
Municipal da Fazenda, existem em Congonhas 839 estabelecimentos comerciais, sendo a
maioria destes estabelecimentos de caráter varejista e formado por empresas de pequeno
porte. De outro lado, a atividade turística do município, que ainda não está consolidada,
vem se mostrando emergente e em frança expansão (DIRETORIA DE TURISMO, 2006).
É nesse contexto que se insere a Feira do Jubileu do Bom Jesus de Congonhas,
realizada anualmente de 7 a 14 de setembro, que atrai milhares de pessoas. O comércio,
surgido para atender às necessidades dos romeiros, transformou-se em uma das principais
atrações no período do Jubileu. Segundo o Jornal de Congonhas, editado pela Diretoria de
Turismo (2005, s/p)
[...] atualmente, cerca de 2 mil barracas invadem as ruas da cidade, tornando-a
intransitável mesmo para pedestres, - que, de acordo com estimativas, chegam a
500 mil - tamanho o caos, característico do evento. A feira tem organização
encabeçada pela Prefeitura Municipal, a partir da Secretaria de Planejamento. A
própria Prefeitura aluga as barracas, que tem o valor aproximado de R$400,00 o
metro quadrado, além de energia elétrica. Alguns moradores também cobram
pelo uso das frentes de suas casas. Grande parte dos feirantes continuam com
suas tendas armadas mesmo após o fim oficial das celebrações, uma vez que o
movimento somente encerra-se na semana posterior ao término oficial.
A convivência entre religiosidade e comércio é bem vista pela paróquia, que
neste uma parte da tradição da festa. Entretanto, a mudança de características dos produtos
da Feira, antes voltadas para as necessidades religiosas dos romeiros principalmente com
velas, objetos de cera, flores, santinhos, imagens e hoje apresentando uma variedade que
115
vai de alimentos a eletrônicos, tem aumentado as divergências sobre os impactos positivos
e negativos da Feira sobre a cidade.
4.2 Festa do Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Portugal e no
Brasil: precedente necessário para a institucionalização da Feira
O documento mais antigo a fazer referência à devoção ao Bom Jesus do Matosinhos
data de 1342, depositado no cartório do mosteiro de Oeja, na Galiza (norte de Portugal),
que relata um voto de peregrinação a Santiago e São Salvador de Bolças, antigo templo
onde a imagem estava instalada. Porém, o início das festividades ao Senhor Bom Jesus deu-
se em 1733, na cidade portuguesa de Matosinhos, quando a imagem foi colocada no altar,
inaugurando a igreja que a abriga até os dias de hoje.
O Jubileu de Matosinhos é uma das festas que mais se destacam no norte de
Portugal. Em fins do século XIX, peregrinos de toda a parte se deslocam a pé, de trem, de
barco ou de automóvel para celebrar as festividades. Segundo o jornal Comércio do Porto,
de 1899, nos três dias de romaria o número de passageiros de carro foi de 81.443 e no
comboio de Póvoa de Varzim, 25.250 (PACHECO, 1962
18
apud VITARELLI, 1997).
Apesar das motivações religiosas, como pedir auxílio ou cumprir promessas, muitos
se dirigiam a Matosinhos por diversão ou para fazer comércio. O caráter religioso da festa
sempre andou ao lado das manifestações profanas. Ao lado das procissões, missas, bênçãos
e novenas, a diversão acompanhava o evento. Circos, parques, bandas de música, rodas de
canto e de dança, muito vinho e a famosa Feira das louças marcavam a tradicional festa do
18
PACHECO, H. Senhor de Matosinhos. Cartazes da festa. Portugal: Câmara Municipal de Matosinhos,
1995.
116
Jubileu, complementando as festividades. Referindo-se à Feira das louças, o jornal
Comércio do Porto aponta o número de 322 feirantes no jubileu de 1902, sendo 88 barracas
de vinho e comida e 57 de louças graúda, 107 de louças miúda, 38 padeiros, 32 doceiras, 6
hipodromos, 5 carros com cerveja, 6 mesas com limonada, 1 barraca para figura de cera e
1para escola de frio (VITARELLI, 1997).
De 1950 a 1963, em decorrência do “milagre econômico” português e do
desenvolvimento do transporte aéreo e automobilístico, destaca-se a formação de correntes
turísticas estimuladas também pelas facilidades oferecidas pelas operadoras de turismo
nascentes naquele período –, que aumentaram o afluxo de pessoas participantes das
festividades do Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Portugal. Porém, a partir da
década de 1960 o número de peregrinos veio a decair, em razão da chegada da televisão e
da fuga do campo, além da rápida urbanização da periferia das cidades, principais fatores
para a transformação da Feira (PACHECO, 1962 apud VITARELLI, 1997).
No Brasil, o culto do Jubileu do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas
do Campo, um dos mais tradicionais do País, teve início em meados do século XVIII com a
construção do Santuário da Basílica. A Festa do Jubileu nasceu praticamente com a
construção do Santuário, quando Feliciano Mendes colocou a imagem do Bom Jesus para
ser venerada em público, em 8 de abril de 1757. Como os primeiros devotos, mineradores
portugueses, não podiam ir a Jerusalém devido à distância e à dificuldade associada aos
meios de transpores, eles passaram a dirigir-se a Congonhas quando queriam pagar alguma
promessa, o que fez a cidade ser reconhecida como um local de peregrinação
(VITARELLI, 1997).
A construção da Basílica iniciou-se como pagamento de uma promessa de Feliciano
Mendes, nascido próximo à cidade de Guimarães, arcebispado de Braga, em Portugal, e que
117
era um dos mineradores à margem do rio Maranhão na metade do século XVIII. Feliciano,
ao ser acometido de uma doença incurável, pediu a cura ao Senhor Bom Jesus de
Matozinhos, em troca do que ele prometeu erguer uma igreja em sua homenagem. Tendo
alcançado a graça da cura, Feliciano Mendes deu início à construção do templo em 1757
(JORNAL DE CONGONHAS, 2005c).
A história da criação da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Congonhas,
em 1734, confunde-se com a própria origem do povoado e com a fundação da igreja
Matriz, num tempo em que os homens se espalhavam pelo interior das Minas Gerais à
procura dos veios de ouro. Para erguer e decorar condignamente as igrejas, templos de
devoção dos pioneiros, foram convocados os maiores artistas da época, como o mestre
Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”, que acabou realizando em Congonhas as suas
obras-primas.
Aos poucos, foram sendo construídas igrejas ao longo da cidade até se chegar ao
topo do morro Maranhão, onde Feliciano iniciou, em 1757, as obras do Santuário Senhor
Bom Jesus de Matosinhos. Dois anos depois estava pronto todo o corpo da Igreja. Não
existe nos registros nenhuma indicação com relação ao risco e planta do Santuário, mas
acredita-se que Feliciano Mendes teria, ele mesmo traçado o desenho, uma vez que possuía
conhecimentos sobre as igrejas do Bom Jesus de Matosinhos, perto da cidade do Porto, em
Portugal. E também porque Feliciano era “oficial de pedreiro”, profissão mencionada em
seu termo de entrada para ordem de São Francisco de Vila Rica, em 11 de janeiro de 1760
(DIRETORIA DE TURISMO, 2005a).
A morte o surpreendeu, em Antônio Pereira, em 23 de setembro de 1765, sem ter
terminado sua igreja, que tinha até então três altares. Mas estava na base do altar-mor a
imagem do Cristo Crucificado, vinda de Portugal, que deixava completamente paga sua
118
promessa. Organizada sob sua orientação, a Irmandade Senhor Bom Jesus de Matosinhos
de Congonhas do Campo recebeu do papa Pio VI uma série de indulgências, aplicáveis aos
confrades e demais devotos, estatuídos em oito breves, expedidos sucessivamente de 27 de
fevereiro a 11 de março de 1779. Originaram-se daí os grandes festejos do Jubileu, a
princípio em maio e setembro (FALCÃO, 1962).
Por volta de 1780, a autoridade diocesana aprovou a realização de duas festas de
maior solenidade: a da semana de 3 de maio, em intenção da Santa Cruz; e a da semana do
dia 14 de setembro, dia da exaltação da Santa Cruz. O Jubileu de maio foi reduzindo o
número de romeiros devido às condições climáticas e ambientais, como as fortes chuvas,
que impossibilitavam o deslocamento e a própria realização da festa em Congonhas, em
razão do seu relevo. Essa comemoração da semana de maio foi suprimida. Por vezes, foi
reestabelecida e novamente suprimida na semana de maio. Atualmente, o Jubileu é
comemorado apenas na semana de 14 de setembro (VITARELLI, 1997).
4.3 A Feira do Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas (MG)
Acompanhando a tradicional e bicentenária Festa religiosa, é realizada
tradicionalmente durante o período da Festa do Jubileu uma Feira constituída por centenas
de pessoas da cidade, outras cidades e, até mesmo, outros estados, que vêm expor e vender
seus produtos para o grande fluxo de pessoas que vêm à romaria para participar da Festa do
Jubileu. Ainda hoje, a Festa do Jubileu reúne milhares de fiéis de todo o Brasil, que vêm
pagar promessas e dar graças ao padroeiro (JORNAL DE CONGONHAS, 2005c).
119
dois públicos não residentes que vêm para participar da Feira: de um lado, os
romeiros, que vêm agradecer, rezar e pagar suas promessas; de outro, aqueles que vão à
Feira expor seus produtos e fazer comércio, e nesse sentido a motivação central é o
trabalho.
Os feirantes se instalam em barraquinhas improvisadas erguidas nas principais ruas
da cidade, geralmente em torno do Santuário, onde as celebrações e, por extensão, o
maior fluxo de pessoas. Essa prática é tão tradicional quanto a própria Festa. Antigos
moradores afirmam que em tempos mais remotos esses comerciantes ganhavam durante o
Jubileu dinheiro suficiente para viver o resto do ano. Hoje, de forma geral, eles não revelam
quanto ganham. Falam até em prejuízos, mas é certo que todos os anos eles voltam à Feira,
e são muitos aqueles que há tanto tempo vão à Feira que já é uma tradição familiar, passada
de pai para filho.
A própria população da cidade acaba, direta ou indiretamente, participando da Feira,
seja por meio da exposição de barracas ou da prestação de serviços, como aluguéis de suas
casas que se transformam temporariamente em pousadas informais e do oferecimento
de alimentação, seja formalmente (restaurantes) ou informalmente (vendas de bolos e
cafezinhos nas ruas para os romeiros e feirantes). Além disso, a população tem o costume
de alugar as calçadas na frente a suas casas para os feirantes instalarem suas barraquinhas
que vendem de tudo: livros de missa, bonecos de pano, sanduíches, roupas, refrigerantes,
calçados, brinquedos, guarda-chuvas, panelas, ferramentas, etc. (JORNAL DE
CONGONHAS, 2005b).
Os romeiros chegam à cidade pelos mais diversos meios de transporte e, geralmente,
retornam no mesmo dia. Antes da ligação da cidade com a BR-040 (data), eram outras as
características dos romeiros. Os devotos chegavam a pé, a cavalo, em caravanas, nos trens e
120
até em lombo de burros, com suas famílias, durante toda a semana, para receber a bênção
final. A cidade transformava-se em um conjunto de pensões improvisadas, nas quais os
proprietários alugavam quartos, quintais e até alpendres, que serviam de abrigos para os
romeiros. Construiu-se na década de 1930, à direita do Santuário, no fim da Alameda das
Palmeiras, a Romaria, uma pousada constituída de um conjunto de casas baixas, fechando
um círculo ao redor de um imenso pátio, a qual foi demolida em 1966. Dela ficaram apenas
o pórtico de entrada e fotografias. Em 1995, este conjunto arquitetônico foi totalmente
reconstruído e agora abriga a Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo, integrada
num grande Centro Histórico e Cultural (JORNAL DE CONGONHAS, 2005b).
Outro aspecto relevante do Jubileu é o fato de que nem todos participam do evento
para dar graças ou pagar promessas ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A ponte que
divide a cidade constituía-se no marco entre o sagrado e o profano. Enquanto milhares de
fiéis rezavam do lado da Basílica, do outro lado, era intensa a vida noturna, em que os
devotos do prazer mundano se divertem com mulheres em bailes e jogos(JORNAL DE
CONGONHAS, 2005b). Isso acontece ainda hoje, mas a prostituição agora se encontra
mais dispersa e, até, dentro da própria Feira e em algumas pensões da cidade. Aliás, a
própria Feira, com suas barracas e o comércio de produtos de toda a natureza, representa
em si o lado profano das festividades religiosas.
Atualmente, a Diretoria de Turismo tem feito um acompanhamento do fluxo de
turistas e romeiros que se dirigem à cidade na época do Jubileu em setembro. Segundo os
dados coletados pela pesquisa de demanda turística, O perfil do romeiro de 2005 e 2006
registra que em 2005 aportaram cerca de 106.880 pessoas na cidade, contra 119.610, em
2006 (DIRETORIA DE TURISMO, 2005; 2006). É importante ressaltar que essas
pesquisas não foram realizadas em todos os dias e com todos os veículos que entraram na
121
cidade. Portanto, estima-se que esse número seja ainda maior. Cabe considerar aqui que a
pesquisa não discrimina se esses visitantes eram romeiros ou comerciantes. Mas, ao se
considerar a motivação da viagem, observa-se que a categoria devoção foi mencionada por
71% dos entrevistados daquela pesquisa em 2006 e a categoria outros motivos, por 6%,
podendo englobar as pessoas que vieram para comercializar seus produtos.
O volume de fluxo financeiro gerado pela Feira, que chega à ordem de R$ 20
milhões, demonstra a sua relevância para a cidade não apenas do ponto de vista econômico,
mas também do social, pela geração de diversas atividades e ocupações que as pessoas
realizam temporariamente nessa época.
4.4 Os percursos semânticos e a continuidade da narrativa: entre a
cristalização e a reconfiguração
A análise dos dados coletados pela pesquisa permitiu identificar as estratégias de
persuasão manifestadas nos discursos dos entrevistados. A partir dessas estratégias,
articuladas em conjunto com os principais temas e figuras que permeiam os discursos dos
enunciadores, podem-se construir três percursos semânticos, cada um constituído de vários
temas e figuras que os sustentam. Os percursos construídos foram: a) percurso semântico
das transformações socioistórico-culturais da Feira; b) percurso semântico do espaço; e
c) percurso semântico da identidade.
Esses percursos são compostos por vários temas, os quais revelam as diferentes
formas de manifestação dos sujeitos de pesquisa, seja de forma opositiva ou concordativa,
122
em relação aos vários aspectos da Feira que dizem respeito a cada um daqueles percursos.
Assim, no primeiro percurso semântico o das mudanças da Feira observou-se a
existência dos temas:
a) meios de transporte diz respeito às principais mudanças ocorridas nos meios
de transporte nos últimos cinqüenta anos;
b) tempo de permanência e fluxo de pessoas na Feira refere-se às alterações nas
práticas sociais dos sujeitos sobre o tempo destinado a visitação da festa religiosa e da
Feira, bem com ao aumento do número de pessoas, ambas relacionadas às mudanças
ocorridas na utilização dos meios de transporte;
c) utilização dos meios de hospedagem refere-se às alterações na utilização dos
meios de hospedagem por parte dos romeiros, sobretudo, em função de outras mudanças
ocorridas, como o desenvolvimento dos meios de transporte;
d) usos e costumes diz respeito às mudanças ocorridas em relação ao perfil do
público freqüentador da Feira (e da Festa do Jubileu), às mudanças em termos de suas
demandas (por exemplo, os tipos de produtos consumidos na Feira), à introdução e
exclusão de vários gêneros de produtos e às formas como os diversos atores sociais
(romeiros, população local, comerciantes) se interagem nas suas rotinas de atividades; e
e) infra-estrutura e utilização do espaço – apresenta como ocorreram as principais
mudanças em termos de infra-estrutura, ou seja, o que tem sido necessário fazer para
adequar a Feira às dimensões que a nova realidade exige, o que requer, sobretudo, a
organização racional do espaço. Este tema incorporou, principalmente, o processo de
padronização das barracas desencadeado pela Prefeitura Municipal de Congonhas, com o
apoio da Igreja na locação dos seus espaços para a montagem das barracas durante a Festa
do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de 2007.
123
Todas essas mudanças influenciaram de alguma forma a Feira do Jubileu, e por isso,
foram consideradas no seu conjunto como formadoras do percurso semântico das mudanças
da Feira. Além disso, elas mantêm relação direta com os demais percursos semânticos o
do espaço e o da identidade –, na medida em que acabam por influenciar a modificação das
práticas sociais de organização e utilização do espaço e a construção da identidade
organizacional da Feira.
Dito de outro modo, os múltiplos temas e figuras articulados nos discursos dos
sujeitos de pesquisa foram organizados como elementos estruturantes desses três grandes
percursos semânticos o das mudanças, o do espaço e o da identidade –, os quais
contribuíram para a compreensão do discurso da História da Feira do Jubileu do Bom Jesus
do Matosinhos, de Congonhas (MG).
o segundo percurso semântico, denominado aqui de percurso semântico da
espacialidade, foi construído a partir dos seguintes temas, que o estruturam:
a) organização do espaço apresentou a partir de várias formas de manifestação,
como: processo de sucessivas mudanças em termos da localização da Feira ao longo dos
últimos vinte anos, com a redução e o acréscimo de espaços destinados à realização da
Feira; tipos de uso e atividades relacionadas ao espaço, formas de disposição dessas
atividades no espaço ocupado pela Feira, o número de barracas que ocupam esse espaço,
pela hierarquização dos espaços segundo o valor de uso atribuído aos mesmos , e práticas e
posicionamento dos atores sociais e organizacionais no espaço da Feira (sobretudo em
função do tipo de produto comercializado, por exemplo, panelas e alumínios, que ficam nas
extremidades da Feira para que os consumidores comprem na hora de ir embora e não os
atrapalhem durante a sua caminhada na Feira; e vendedores ambulantes que não têm espaço
124
fixo, mas que comercializam os seus produtos de vários pontos que são reconhecidamente
tidos como “seus”);
b) fluxos mediados pelo espaço corresponde principalmente às transações
financeiras realizadas em função da concessão de exploração privada dos espaços da cidade
por parte da Prefeitura e do “aluguel” das calçadas e cômodos das casas por parte dos
proprietários dos espaços privados (Igreja e moradores da cidade);
c) práticas de apropriação-exclusão –referem-se aos processos de ocupação,
apropriação (ainda que temporária, devido ao caráter da própria feira) e demarcação dos
espaços por parte dos feirantes, utilizando o espaço como um recurso próprio e impedindo
que outros grupos e pessoas o utilizem para si;
d) percepção do espaço tema abordado principalmente do ponto de vista dos
enunciadores sobre a situação passada e presente da Feira, seu modo dinâmico de utilização
do espaço e seus impactos positivos e negativos para o espaço mais amplo em que ela está
inserida: a cidade de Congonhas.
O terceiro percurso semântico observado neste estudo foi o da identidade
19
da Feira
do Jubileu do Senhor Bom Jesus do Matosinhos de Congonhas. Assim como os dois outros
precedentes, foi construído a partir dos seguintes temas:
19
Vale ressaltar que, no que tange a identidade, as dimensões ontológicas propostas por Wood Jr. e Caldas
(2006): a) nível de análise da identidade – focou o nível de análise organizacional, entendendo a própria Feira
como uma instituição constituída de diversos atores sociais (trabalhadores individuais, como os vendedores
ambulantes) e organizacionais (como as pequenos comerciantes, formais ou informais, que levam seus
produtos para serem revendidos na Feira do Jubileu todos anualmente; b) unidade de observação optou-se
pela observação do que os próprios participantes da Feira acham dela, ou seja, aquilo que Wood Jr. e Caldas
(2006) denominam de “autopercepção”, pois se julga que, a priori, esta unidade de observação seria a mais
adequada, devido ao fato de integrar a percepção de vários atores sociais e organizacionais, visto que a Feira é
constituída, de um lado, por diversos atores sociais (vendedores ambulantes, prestadores de serviços,
moradores da cidade que alugam suas casas e passeios, etc.) e, de outro, pelos atores organizacionais
(prefeitura, Igreja e comerciantes formais e informais que atuam de diversas formas, mas todas mediadas por
fluxos financeiros, na Feira). Contudo, como essas categorias são ontológicas, sua definição é realizada a
priori e, portanto, a sua verificação não ocorre e partir dos dados coletados, mas pela coerência lógica na
construção da pesquisa.
125
a) centralidade – este tema foi tratado com base naquilo que os entrevistados
classificaram como “atributos essenciais da instituição”, ou seja, as principais
características que definem a Feira e sua razão de ser;
b) distintividade – tema mencionado a partir das características intrínsecas da Feira
que a distinguem das demais feiras e dos outros centros de comércio;
c) temporalidade refere-se à perpetuação da Feira ao longo do tempo. Este tema
foi associado pelos entrevistados à característica de tradição da Festa e, por extensão, da
Feira que só existe como uma conseqüência direta da celebração da cerimônia religiosa.
Assim, esses conjuntos de temas levaram à formação dos percursos semânticos, que,
por sua vez, possibilitaram a apreensão do discurso da história da Feira.
4.4.1 Percurso semântico das transformações socioistórico-culturais
O percurso semântico das transformações socioistórico-culturais da Feira foi
constituído dos seguintes temas: a) características estruturais da Festa e da Feira do Jubileu
do Bom Jesus, dentre as quais se ressaltam transporte, tempo de permanência, fluxo de
pessoas e hospedagem na cidade; b) usos e costumes; e c) a infra-estrutura da Feira
(padronização das barracas) e ocupação do espaço. É importante observar, que como
ressalta Faria (2001), os percursos semânticos apresentam movimentos ondulares” sobre
um conjunto de temas; ou seja, esse conjunto é trabalhado de diversas formas, no sentido
tanto concordativo quanto opositivo. Assim, o conjunto de temas do percurso semântico
126
das mudanças englobou os movimentos de mudança e os de manutenção isto é, os de
resistência à mudança.
4.4.1.1 As características estruturais
Em relação ao tema características estruturais da Festa e da Feira do Jubileu do
Bom Jesus, o transporte foi abordado eminentemente como um fator claro de mudança. As
mudanças da Feira ocorreram, sobretudo, em virtude do desenvolvimento do transporte
automobilístico. Assim, haveria duas fases marcantes da Feira: uma anterior à utilização
dos transportes automotores e outra posterior à utilização desse tipo de transporte,
conforme trecho (001), em que fica explícito o tema da mudança em relação aos meios de
transporte, ocorrida a partir da década de 1930, conforme pode ser observado pelo uso da
seleção lexical “até”, que demarca os limites entre as duas fases. Vale ressaltar o conteúdo
implícito subentendido relacionado à capacidade de mobilidade, que pode ser relacionado
ao conteúdo explícito “facilidade das pessoas virem”. Essa relação de conteúdos evidencia
pelo menos dois conteúdos implícitos: a) um pressuposto, relacionado à dificuldade de
mobilidade ao período anterior à década de 1930, embora houvesse uma variedade de
meios de transporte (ferroviário, animal e pedonal); e b) o implícito subentendido de que a
maior mobilidade e rapidez advinda do uso do transporte automotivo tem conseqüências
sobre o tempo de permanência dos visitantes (romeiros ou turistas) na cidade de
Congonhas.
(001) Agora, uma coisa que a gente que houve uma mudança mesmo do
Jubileu. É porque até a década de 30 [...] não tinha transporte. As pessoas vinham
de trem, vinham a cavalo, vinham a pé... E hoje tem a facilidade das pessoas
virem de van, virem de ônibus. Vêm de manhã e volta à tarde [...] (E5).
127
Outro sentido adquirido por esse tema foi o tempo de permanência e o fluxo de
pessoas na Feira, que se refere às alterações nas práticas sociais dos sujeitos sobre o tempo
destinado à visitação da festa religiosa e da Feira, o qual mantém estreita relação com o
tema anterior, visto que o desenvolvimento dos meios de transporte possibilitou uma
reconfiguração temporal da dinâmica da Feira. Isso não pelo fato de os visitantes se
deslocarem com mais rapidez e permanecerem menos tempo na Festa e na Feira do Jubileu
como também, pelo aumento expressivo em termos de visitantes que vem ocorrendo a cada
ano, e sobretudo, pelo aumento do número de romeiros e barraqueiros. Em 2005, a
Diretoria de Turismo registrou 106.880 pessoas na cidade, contra 119.610 pessoas, em
2006, ou seja, um acréscimo de cerca de 13 mil pessoas em apenas um ano (DIRETORIA
DE TURISMO, 2005; 2006). Tudo isso está relacionado às mudanças ocorridas na
utilização dos meios de transporte.
(002) Até 1963, as pessoas, para receberem a bênção do Jubileu, tinham que ficar
durante toda a festa. “Antigamente as pessoas eram muito sacrificadas”. “Já é
uma tradição essas barracas”. Em 1985, houve mudança da benção: de um dia
para todos os dias de festa. Isto provocou um aumento na circulação de pessoas
(E06).
(003) o Jubileu de Congonhas é do dia 8 até 14. Então, como a igreja tinha que
manter o pessoal em Congonhas nesse período, porque eles tinham que ficar até
dia 14 por causa da Indulgência Plenária, que era a benção final, que era a
despedida, 3 horas do dia 14, então, com isso o romeiro vinha para para ficar
no mínimo sete dias. Ele vinha de lombo de burro, ou vinha de caminhão, ou
vinha de trem, mas ele tinha que ficar esses dias. Agora, não; agora a benção do
Jubileu é todo dia. Todo dia tem. Então, o cara vem de ônibus e tal, vem de
manhã e de tarde ele vai embora. Agora, com isso, percebeu o seguinte: é que
mesmo assim o movimento de Congonhas é muito grande em todos os dias da
semana (E03).
Nos fragmentos discursivos (002) e (003), a personagem Igreja é mobilizada no
sentido de ser a responsável por assegurar a permanência dos romeiros na cidade, pois
128
somente no último dia das festividades religiosas é que era concedida à benção aos
romeiros. Com o passar do tempo, a Igreja mudou seu hábito e passou a conceder a benção
todos os dias. Isso propiciou a redução do tempo de permanência e do número de
hospedagens dos romeiros, mas, de outro lado, acabou tornando mais fácil fazer com que os
romeiros participassem da Festa do Jubileu, pois se antes muitos não podiam ir por não
poderem se ausentar por um longo período do trabalho, com a benção diária eles passaram
a ter a oportunidade de ir e voltar no mesmo dia. Assim, o tempo de permanência dos
romeiros na cidade diminuiu, mas a quantidade de romeiros aumentou consideravelmente.
a utilização dos meios de hospedagem foi uma terceira forma de manifestação
desse tema, que se refere às alterações na utilização dos meios de hospedagem por parte dos
romeiros, sobretudo em função de outras mudanças ocorridas, como o desenvolvimento dos
meios de transporte, mencionado em dois sentidos: a construção e o desenvolvimento de
meios de hospedagem por parte da Igreja, num contexto em que havia uma alta taxa de
estadia na cidade; e a diminuição da taxa de estadia, a desativação da Romaria
(hospedagem da Igreja) e o crescimento do número de “pousadas” informais, visando
atender à lacuna da oferta de estadia deixada pela saída da Igreja desse ramo de negócio.
(004) Então, por exemplo, a própria Romaria, esse espaço que nós temos aqui, até
a década de 30 não tinha essa infra-estrutura para receber o romeiro. Então, a
Romaria ela foi construída justamente para abrigar o romeiro que vinha, porque
os romeiros ficavam aqui uma semana, o Jubileu inteiro. Hoje, eles vêm de
manhã e voltam à tarde (E5).
4.4.1.2 Os usos e costumes
O tema usos e costumes diz respeito, essencialmente, às mudanças ocorridas em
relação a dois tipos de personagens discursivas: a população residente na cidade de
129
Congonhas e os visitantes (romeiros e barraqueiros, respectivamente) da Festa e da Feira do
Jubileu do Bom Jesus. Evidentemente, outras personagens discursivas – atores sociais,
como os barraqueiros e vendedores ambulantes, ou atores organizacionais e institucionais,
como as empresas, a Igreja e a Prefeitura também contribuem para a modificação dos
usos e costumes tradicionalmente construídos pela e na Festa do Jubileu. Além disso, as
principais mudanças relacionadas a este tema foram: o perfil do público freqüentador da
Feira (e da Festa do Jubileu), as mudanças em termos de suas demandas (por exemplo, os
tipos de produtos consumidos na Feira), a introdução e exclusão de vários gêneros de
produtos e as formas como os diversos atores sociais (romeiros, população local,
comerciantes, etc.) interagem-se nas suas rotinas de atividades.
Como constata a Prefeitura, não houve grandes mudanças no perfil dos
freqüentadores da Festa e, por extensão, da Feira em termos de suas características
sociodemográficas, nos últimos dez anos (DIRETORIA DE TURISMO, 2006). Contudo,
num período de tempo mais dilatado, por exemplo, da década de 1950 até os dias atuais, é
possível identificar mudanças nos hábitos, usos e costumes tanto da população quanto dos
freqüentadores da Festa e da Feira. Várias são as mudanças que podem ser citadas a esse
respeito. Destacam-se aqui as mudanças em termos dos tipos de produtos consumidos na
Feira, mudança essa que se supõe ter ocorrido, parcialmente, em virtude da própria
modificação dos hábitos de consumo da sociedade, como a introdução e exclusão de vários
gêneros de produtos e as formas como os atores sociais se interagem e suas rotinas.
Segundo o discurso oficial da Prefeitura, conclui-se que o perfil do freqüentador da
Festa e da Feira do Jubileu pode ser considerado como
(005) [...] excursionista, que permanece o dia todo na cidade, porém não pernoita,
viaja em grupo, possui renda e nível escolar baixos, com predominância do sexo
130
feminino e faixa etária entre 41 e 60 anos. Freqüenta o Jubileu mais de 10
anos, tendo como principal motivação a devoção. A maioria dos visitantes
desconhece o termo turismo religioso, mas sabe quem esculpiu as figuras dos
Passos. Quanto à avaliação, os serviços de infra-estrutura são considerados bons.
Quase todos os freqüentadores pretendem retornar à cidade, em sua maioria
motivados pela fé (DIRETORIA DE TURISMO, 2005E, p. 49).
(006) A festa é freqüentada por “pessoas de classe média para baixo”. A
facilidade de organizar a festa é porque “o pobre, pessoa humilde, não
trabalho”. São ingênuos. “É um tipo de romeiro muito honesto” (E06).
Uma primeira mudança em termos dos usos e costumes considerada neste estudo foi
a do perfil do público freqüentador da Festa e da Feira do Jubileu. Os discursos oficiais,
principalmente aqueles elaborados pela Prefeitura, que se apóiam em pesquisas realizadas
durante a época de Festa nos anos de 1997, 2005 e 2006, evidenciam que do público
freqüentador da festa 61% possui até a série; 58% tem idade acima de 41 anos; e as
principais ocupações corresponde a profissões de baixa renda (63%), especificamente,
lavradores (25%), donas-de-casa (15%), aposentados (13%) e empregadas domésticas
(10%).
Vale ressaltar que esse perfil traçado pela Prefeitura – público de baixa renda, baixa
escolaridade e de idade adulta conduz ao estabelecimento de uma relação de conteúdos
explícitos (perfil demonstrado acima) e implícitos (hierarquia de necessidades de desejos),
com outro personagem importante: os barraqueiros. Enquanto àquelas personagens
discursivas (freqüentador da Festa) são atribuídos o papel e a responsabilidade de “fazer” a
Festa, de serem as pessoas que, por meio da expressão de sua fé, enchem a cidade e
transformam-na num placo de festividades e comemorações religiosas, às personagens
discursivas “barraqueiros” é atribuída a responsabilidade pela exploração comercial da
Festa, pelo trabalho, geralmente informal, que a sustenta. Enfim, a estas personagens é
atribuída a responsabilidade pelo lado mundano da Festa, o que fica explícito pelas relações
131
de trabalho exercidas por eles durante, as quais são vistas como oportunidades para manter
a sua subsistência.
Esse perfil também é confirmado pelos discursos dos diferentes atores sociais que
participam da Festa e Feira. Para a personagem discursiva Igreja”, por exemplo, (006) “a
Festa é freqüentada por pessoas de classe média para baixo e facilidade de organizar a
Festa porque o pobre, a pessoa humilde, não dá trabalho. São ingênuos. É um tipo de
romeiro muito honesto (E6). Aqui, nota-se que a característica ingenuidade está
explicitamente associada a de baixa renda, o que deixa subentendido a questão de as
pessoas pobres serem menos exigentes, e por isso haveria uma certa facilidade por parte da
Igreja em organizar a Festa religiosa. Além disso, é possível inferir também de modo
implícito o pressuposto de que essa mobilização da personagem “pessoas pobres” é feita no
sentido de justificar a minimização de responsabilidades por parte da Igreja em relação à
organização da Festa.
Um ponto importante a ser ressaltado a partir da análise do perfil sociodemográfico
dos freqüentadores da feira, notadamente classificada por Mott (2000) como uma
instituição econômica formada pela oferta e pela demanda, é que se freqüentadores com
um dado perfil do lado da demanda surge no lado da oferta um conjunto de pessoas para
atender a essa demanda. Assim, para atender à demanda de um público cujo perfil, além de
ser de baixa renda e escolaridade, é também pouco exigente, surge um conjunto de
barraqueiros personagem discursiva recorrente no material analisado que se dispõe a
produzir bens de consumo voltados para atender às necessidades e desejos desse
determinado tipo de público. É assim que a Feira, metonímia utilizada pelo enunciador
(E06) para referir-se ao conjunto de barraqueiros que nela trabalham, adequa-se às
necessidades do público freqüentador, podendo encontrar-se nela:
132
(007) “desde produtos bons a produtos de baixíssima qualidade, atendendo aos
diversos públicos, mas considerando que a característica da Feira é ser
direcionada para um público de baixa e média renda. A Feira extrapola o tempo
da Festa do Jubileu. Inclusive, os moradores da cidade costumam comprar na
Feira após a Festa, pois “coisa que tava vendendo por 20, fica vendendo por 10
[reais]” (E06).
Isso porque a Feira permite aos seus freqüentadores a possibilidade de adquirir
produtos de acordo com os seus orçamentos familiares que, no caso, é de pessoas com
renda familiar de 1 a 3 salários mínimos – e aos vendedores, em sua maioria possuidores de
pequenas fábricas familiares, oriundas de diversos Estados, o escoamento de suas
mercadorias a um baixo preço, que na Feira não fiscalização sobre a emissão de nota
fiscal ou a comercialização de produtos que tenham nota fiscal.
Nessa perspectiva de comércio informal, a Feira vira também um espaço de
oportunidade para alguns dos próprios moradores da cidade aproveitarem o clima de festa e
o afluxo de milhares de pessoas para explorar comercialmente produtos e serviços
informais, considerados como “bicos”, que vão desde a adaptação para o aluguel
temporário e provisório de cômodos de suas residências para os romeiros, passando pelas
casas que criam “cantinas” ou restaurantes populares para atender esse público até os
vendedores ambulantes que oferecem “cafezinho e bolo” aos romeiros que chegam nos
ônibus que vem do interior e aportam na cidade ainda de madrugada (e retornam no mesmo
dia).
Vale observar também, ainda a respeito da mudança dos usos e costumes e dos
produtos, que, de modo implícito subentendido esses elementos mantêm relação com a
identidade da Festa e da Feira, na medida em que eles a representam metonimicamente,
conforme pode ser observado no trecho a seguir. É interessante ressaltar a relação de
133
conteúdos estabelecida entre a mudança de usos e costumes das pessoas, notadamente
marcada pelas vestimentas, e a questão da mudança do tipo de produto comercializado na
feira. Essa relação é estabelecida de forma explícita no trecho (007), mas traz, de modo
implícito, duas questões importantes: a adequação dos produtos e das pessoas, personagem
coletiva mobilizada pelo enunciador, às mudanças do mercado; e o silenciamento sobre as
causas da mudança desse mercado, conforme evidenciado no fragmento abaixo (008).
(008) E a gente vê também a questão do Jubileu. As pessoas vinham [...] a
questão da roupa, do traje. As pessoas vinham de chapéu, de terno, de bengala, as
mulheres com roupa muito bem alinhada, e hoje a coisa está mais aberta. As
pessoas vêm mais informais, de bermuda, chinelo, de calça jeans [...] Então,
quando você uma pessoa alinhada, à moda antiga, você até tira uma foto,
porque é um elemento que se perdeu no tempo e que a gente consegue ver. Então,
assim, as pessoas mudaram. E, obviamente, mudou o mercado. Então, os
produtos que são comercializados são diversificados (E5).
Outra mudança em relação aos usos e costumes dos freqüentadores da Festa e da
Feira da cidade está relacionada ao tipo de produto. No fragmento (009), por exemplo,
deixa-se explícito como os produtos do gênero roupas mudaram de um tipo de fabricação
local e artesanal para um tipo de produto e produção nacional, internacional, conforme
evidenciado pela escolha lexical dos vocábulos fazenda, importado e de fora. Ainda nesse
fragmento é possível identificar a mobilização da personagem discursiva “artesãos”, que,
implicitamente, de modo pressuposto, estaria perdendo espaço para a também personagem
“barraqueiros”, ambos explícitos no discurso.
Mas essa perda de espaço advinda das mudanças não se sem conseqüências. Pelo
contrário, é possível inferir, pela relação de conteúdos entre fazenda/artesanal/artístico e
cultural, que se contrapõe a material importado/ barraqueiro/foco comercial, que, de modo
implícito subentendido, uma descaracterização dos produtos, que antes reuniam
134
características artísticas, culturais e comerciais, e que agora se restringem apenas a suas
características comerciais. Essa mudança afetará diretamente as características da
identitárias da Feira, como será abordado no terceiro capítulo desta análise.
(009) Não. Eram os tecidos, as famosas fazendas, né? Então, hoje você muita
roupa, muito material importado [...] Então, não tem esse foco muito assim
artístico, cultural, não; ele é mais um foco comercial. É óbvio que você encontra
artesãos da cidade que comercializam nas barraquinhas durante o Jubileu, mas a
maioria dos barraqueiros, eles são de fora; são de São Paulo, de Goiás, de Brasília
[...] (E05).
(010) [a Feira] Está bastante diferente, “não tinha tanto produto sofisticado”,
“Aumentou. Com essa crise, as pessoas vêem que a venda no Jubileu é boa por se
tratar de uma feira livre” (E06).
É importante salientar que, apesar do silenciamento que se faz em relação às causas
dessas mudanças, pode-se inferir que a mesma está associada aos aspectos estruturais do
atual cenário econômico do País e, mais especificamente, no plano individual, à
oportunidade de sobrevivência, por meio do comércio na feira. Os atores sociais e
organizacionais recorrem a duas estratégias: a “diversificação” do produto, termo utilizado
eufemisticamente pelo enunciador para designar a entrada de produtos importados,
produzidos em série e de baixa qualidade, que são vendidos na feira; e, de modo mais
amplo, a informalidade legal (NORONHA, 2003) dessa Feira, que permite a
comercialização de produtos artesanais ou industrializados, nacionais ou importados, legais
ou ilegais, livremente nesse espaço, nessa “Feira Livre”, onde livre adquire pelo menos dois
sentidos: um mais literal, associado à esfera produtiva, que se refere à liberdade em termos
de variedade de produtos, ou seja, não restrições quanto ao tipo de produto que nela é
comercializado; e outro, também de modo implícito subentendido, que se refere à isenção
de impostos, uma vez que não controle ou fiscalização sobre os produtos que ali são
comercializados. Em ambos os casos, a omissão da personagem coletiva implícita “Poder
135
Público” em relação ao seu papel de fiscalização e controle é que permite a existência e o
êxito dessas duas estratégias: diversificação de produtos (com ênfase na importação) e
informalidade.
No fragmento (011), enunciado por um representante da Prefeitura de Congonhas
(que é a instituição responsável pela organização da parte pública da Festa e da Feira, ou
seja, da logística, distribuição e ordenamento das barracas, e da legislação sobre as
atividades factíveis na feira, entre outras coisas), observa-se que um distanciamento em
relação às causas dos problemas centrais da Feira, pois essa personagem reconhece a
existência de produtos manufaturados e “utensílios do Paraguai”, mas desloca o eixo de
análise para o ordenamento da atividade, sem questionar a sua pertinência, ou não, da
existência daquele tipo de produto.
Assim, de certa forma, a personagem “Prefeitura” assume, em parte, a
responsabilidade pela falta de planejamento da atividade comercial da cidade, o que inclui a
própria Feira, mas também transfere parte da responsabilidade ao(s) criador(es) do
comércio da cidade. Nesse sentido, por meio de um implícito subentendido, pode-se
verificar que essa parcela de responsabilidade é transferida aos próprios comerciantes,
que são eles próprios que escolhem os espaços que vão ocupar, como fica explícito no caso
específico da Feira.
(011) que a parte da Feira, o comércio da cidade, ele foi criado de uma forma
sem planejamento, sem uma reestruturação. Então, hoje nas barracas a gente vê
produtos importados, né, os famosos utensílios do Paraguai, a gente
artesanato, a gente manufatura, utensílios de uso [...] Então, assim, eles não
têm assim uma separação, não têm uma diferenciação de áreas: onde fica a
gastronomia, onde fica [...] Porque ele foi criado de uma forma assim muito
desordenada (E05).
136
Na análise da Prefeitura, o problema do ordenamento seria resolvido por meio da
separação dos produtos dentro da Feira, isto é, pela criação de espaços específicos para
cada tipo de produto. Esta seria a solução, mas não se questiona (fica silenciado) a validade
do tipo de produto importado ou “pirata”. Dessa forma, o enunciador silencia a respeito da
responsabilidade institucional da Prefeitura quanto ao controle e à fiscalização dos produtos
comercializados na Feira e se atém simplesmente à veiculação de outro conteúdo, a saber, o
problema da disposição e organização das barracas, criando, assim, um efeito ideológico de
sentido, tendendo a chamar a atenção dos seus interlocutores para o fato de que ele veicula
intradiscursivamente, por meio do distanciamento do tema da formalidade das atividades
produtivas e comerciais da Feira, o que é feito por meio do interdiscurso.
4.4.1.3 A infra-estrutura e utilização do espaço
Ao tangenciar intradiscursivamente a questão da utilização do espaço, chega-se ao
terceiro tema desse percurso semântico, que é o da infra-estrutura e utilização do espaço.
Este tema apresenta, como ocorreram com as principais mudanças em termos de infra-
estrutura – ou seja, o que tem sido necessário fazer para adequar a Feira às dimensões que a
nova realidade exige –, o que requer, sobretudo, uma organização racional do espaço. Este
tema incorporou, principalmente, o processo de padronização das barracas desencadeado
pela Prefeitura de Congonhas, com o apoio da Igreja, na locação dos seus espaços para a
montagem das barracas durante a Festa do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de
2007.
De um lado, no trecho (012) pode-se observar como era a infra-estrutura da cidade
antigamente e alguns elementos que se mantêm até os dias de hoje. Vale destacar o
137
implícito pressuposto advindo do verbo ter, flexionado no pretérito imperfeito, que gera a
inferência da mudança de situação. Ou seja, atualmente a cidade de Congonhas tem infra-
estrutura para receber esses romeiros que vêm de todas as partes para celebrar a Festa. Por
outro lado, existem características que são perpetuadas ao longo do tempo, como fica
explícito no próximo fragmento, a partir do vocábulo tradição, que denota a repetição do
hábito de dormir nas barracas por parte dos expositores.
(012) Congonhas não tinha infra-estrutura para receber esses romeiros que
vinham para o Jubileu. Então as pessoas dormiam no alpendre das casas, às vezes
com a mesma tradição de hoje de dormir nas barracas [...] Então, nós chegamos
numa média de 150 mil pessoas. E, assim, a festa, a cidade toda pára. A gente
tem interferência na questão da água, transporte [...] Então a cidade, ela fica às
vezes meio que penalizada, né? Então foi criada uma comissão para reestruturar o
Jubileu, para dar logística para a festa, para verificar a questão de instalação de
banheiros químicos durante o percurso [...] Então nós estamos criando uma
estratégia. O que nós fizemos? As barracas do Jubileu [...] aqui na área da
Alameda, nós tínhamos barracas no meio da Alameda e nas duas laterais. Esse
ano nós vamos colocar somente nas duas laterais, para ver se a gente consegue
deixar o meio mais livre, para o fluxo ficar melhor, ficar uma coisa mais aberta
(E19).
Retomando a idéia de ordenamento espacial como problema a ser enfrentado pela
Prefeitura, a solução apontada de separar os espaços seria viabilizada pela logística do
espaço utilizado pela Feira e da infra-estrutura da Festa do Jubileu. Seguindo esta gica, a
padronização das barracas assume uma importância central como forma de instrumentalizar
e tornar viável essa logística, que, em última instância, iria resolver os problemas de
organização da Feira. Isso porque com a padronização haveria um maior controle da Festa,
das barracas e do espaço por parte da Prefeitura, o que corrobora com a idéia de disciplina
de Foucault (1989) sobre o espaço. Inclusive, a justificativa da Prefeitura é a de que com
maior controle haveria menos danos ao patrimônio histórico do Santuário da Basílica do
Senhor Bom Jesus, que, em parte, é tomado pela montagem das barracas da Feira.
138
(013) Nós estamos padronizando 70% do espaço da Festa toda, que é a área
pública, área da Prefeitura, e a área da igreja, área da Arquidiocese de Mariana.
Porque dos 100% da área toda, 70% será padronizada. Eu posso depois estar te
passando o mero da área geral. Isso equivale a mais de 600 barracas. Agora,
das residências nós temos o estudo topográfico, mas nós não fizemos o projeto
básico, justamente porque a proposta da Comissão é padronizar a área da
Prefeitura e a área da igreja. Então, nós fizemos o estudo topográfico mesmo
da área das residências (E05).
(014) E uma mudança grande que está acontecendo esse ano. É uma tentativa de
padronizar as barracas, a princípio, aqui no Conjunto Histórico, né? Com barracas
padronizadas. Então, o que está sendo alegado [...] Elas foram montadas. As
barracas, inicialmente, elas deram um visual bonito, porque todas com o mesmo
padrão, e cores e tal. Mas depois que os barraqueiros ocuparam as barracas, eles
fizeram uma outra barraca dentro da barraca e transformaram (E07).
De outro lado, os barraqueiros apontam que a padronização das barracas não é a
questão principal de organização da Feira, porque a estrutura antiga das barracas (que era
feita de ripas de madeira) atendia muito bem às suas necessidades e permitia a montagem
de barracas personalizadas de acordo com o tamanho de interesse do barraqueiro. as
barracas padronizadas teriam diversas desvantagens, como a estrutura frágil, que não
agüenta peso, o fato de ser pequena, o fato de ser alugada e de seu valor ser três vezes
superior ao do gasto com a montagem de barracas de madeira.
(015) É, não agüenta peso. Não tem como expor mercadoria, entendeu? Aí, a
gente faz o quê? Eles botam aquelas piraminhas pequenininhas, cobra um
absurdo por cada pirâmide
parece que cobra 150 reais. Ela não serve para a
gente, porque a gente vai ter que gastar dinheiro com madeira para levantar ela de
novo. Aí é quanto gasto? É 150 reais dela, que não serve para nada para a gente...
Não serve para nada. Ela é para... Porque a gente vai ter que gastar com
madeira para poder subir ela para cima para caber as coisas. E a gente tem a outra
no colégio, em cima. Gastamos o quê? Com madeira gastamos quase 150, 200
reais. E vamos pagar nas pirâmides, que não serve para nada para a gente, mais
150 em cada uma. Vai dar o quê? 450 delas três. Aí, é um dinheiro jogado no
mato, que a gente não tem. Então, é por isso que a gente não gosta (E16).
Ainda de acordo com o fragmento discursivo (015), a seleção lexical piraminhas é
utilizada pelo enunciador para desqualificar a barraca padronizada de estrutura metálica,
139
sendo uma metáfora que faz analogia a uma pequena pirâmide. Assim, o fato de ser
pequena e o de ser alugada são mencionados como fatores negativos de sua introdução na
Feira. Além disso, justamente pelo fato de serem padronizadas, os barraqueiros “[...]
fizeram uma outra barraca dentro da barraca e transformaram” (E07), a fim de fazer
adaptações nessas barracas e adaptá-las as suas necessidades, porque “[...] a gente vai ter
que gastar com madeira para poder subir ela para cima para caber as coisas” (E16).
Em suma, nesse percurso semântico, foi possível observar a existência de mudanças
contextuais que ocorrem de acordo com a própria evolução da sociedade e que afetam a
dinâmica da Feira de duas formas: a alteração da dinâmica do fluxo de visitantes mais
especificamente, de romeiros –, que vêm em maior número, mas que permanecem menos
tempo na cidade; e a adequação dos produtos, realizada pelos barraqueiros que têm de se
adequar e vender produtos novos e variados para um público que passa a demandar cada
vez mais produtos diversificados, de acordo com a moda.
Nesse contexto de mudanças, surge, de um lado, a Prefeitura tentando organizar as
mudanças institucionais da Feira, mas sem focar no cerne da questão, que é a definição do
tipo de produto que pode ser comercializado na Feira; e de outro, surgem os barraqueiros,
que têm de adequar-se às mudanças contextuais e fornecer novos produtos para responder a
uma nova demanda, e ao mesmo tempo adequar-se às exigências realizadas pela própria
Prefeitura, que é a responsável pela organização da Feira.
140
4.4. 2 O percurso semântico da espacialidade
No percurso semântico do espaço, diversos foram os temas mencionados pelos
entrevistados em suas narrativas sobre a história da Feira e suas transformações identitárias
e espaciais. Dentre esses vários temas, optou-se aqui por reproduzir aqueles que, além de
serem recorrentes, permitiram reconstruir a variação dos sentidos em que foram usados,
formando um percurso capaz de interpretar e explicar essas variações socioistórico-
culturais ao longo do tempo, como elas foram percebidas e manifestadas pelos principais
atores sociais e organizacionais que participaram e participam da Feira do Jubileu do Bom
Jesus, em Congonhas.
Dessa forma, quatro principais temas explorados aqui foram: a) organização do
espaço, com destaque para o remanejamento espacial da Feira, referindo-se às mudanças,
com a extinção e acréscimo de trechos ocupados pela Feira, quantidade, expansão e
informalidade, hierarquização dos espaços e das barracas, e os tipos de uso e atividades
relacionadas ao espaço; b) fluxos mediados pelo espaço, referente, principalmente aos
fluxos financeiros, à circulação de bens tangíveis e intangíveis e de pessoas no espaço
analisado; c) práticas de apropriação e exclusão elaboradas pelos atores sociais e
organizacionais que atuam na Feira; e d) percepção do espaço que esses atores têm dele.
4.4.2.1 A organização do espaço
Com relação ao primeiro tema, organização do espaço, é importante resgatar um
pouco do espaço utilizado antes e do espaço utilizado hoje, a fim de identificar as possíveis
141
alterações em suas formas, para, em seguida, poder considerar as suas possíveis alterações
em termos de usos. Segundo o entrevistado (E06), que é responsável pelo discurso
institucional da Igreja, no ano de 2007 foi comemorado o 247º Jubileu do Bom Jesus, festa
de caráter religioso que em 1760 teria dado origem à aglomeração de pessoas no entorno da
Igreja e nos espaços públicos da cidade, a partir de quando começaram a surgir, ainda de
maneira desorganizada e informal, os vendedores, que tinham por objetivo atender às
necessidades dos romeiros, tirando daí proveito econômico da situação.
Segundo o entrevistado (E03), desde o seu surgimento, no final da década de 1750,
até hoje o espaço ocupado pelas festividades do Jubileu, o que inclui a Feira, permanece
aproximadamente o mesmo, tendo sofrido algumas pequenas alterações por parte da
Prefeitura nos últimos anos. Esse espaço ia da igreja Matriz de Nossa Senhora Conceição,
no centro da cidade de Congonhas, ligando, em linha reta, pela avenida do Pontilhão,
passando pela praça Dom Helvécio e, em seguida, subindo a rua Bom Jesus até chegar à
Basílica, onde o Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, local das celebrações
religiosas. Essa situação inicial de ocupação do espaço, que se estendeu até
aproximadamente o final da década de 1980 e início da década de 1990, pode ser observada
a partir da figura 4.
142
Figura 4: mapa do espaço ocupado pela Feira da igreja Matriz até a Basílica
Fonte: Programa Monumenta, Prefeitura de Congonhas (2007). Adaptado pelo autor.
Legenda:
Cinza – área inicialmente ocupada pela
Feira, que se manteve até 1992. Á
Esquerda, no quadrante 2 A está situado o
trecho que ia da Igreja Matriz até o
pontilhão - parte atualmente excluída da
Feira. no quadrante 2 D está situada a
Igreja Basílica do senhor Bom Jesus,
centro das celebrações religiosas.
A
B
C
D
E
1
2
F
3
4
143
A situação inicial teria permanecido supostamente inalterada, segundo vários
entrevistados (E01; E03; E04; E05; E06; E14), ao final da década de 1980. Contudo, a
partir da década de 1990, aproximadamente em 1992, durante o governo municipal do
prefeito Guálter Monteiro, o espaço ocupado pelas festividades e também pela Feira deixou
de existir no centro da cidade, excluindo-se, portanto, o entorno da igreja Matriz até chegar
na praça Dom Helvécio, após o pontilhão da linha férrea que divide a parte baixa (centro da
cidade) da parte alta (periferia da cidade).
A parte excluída está evidenciada no mapa 1, no qual também se pode observar a
parte oficial que restou da Feira e os novos trechos que foram destinados pela Prefeitura
para acomodar aquela parte da Feira e seus barraqueiros que ocupavam o trecho da igreja
da Matriz de Nossa Senhora da Conceição até a Praça Dom Helvécio. Esses novos trechos,
formalmente, são designados pelas ruas Dr. Paulo Mendes (rua paralela à Alameda Cidade
de matosinhos de Portugal), e Dr. Rodolfo, que se estende das costas da Secretaria do
Jubileu (terreno pertencente à Igreja) até a praça Bandeirantes. Além desses trechos
reconhecidos e considerados oficialmente pela organização da Feira (Prefeitura de
Congonhas), a partir das notas de campo foi possível observar a ocupação informal de
outras ruas, seja na alocação de barracas (grifos em cinza no mapa) ou na logística de
fornecimento de equipamentos e de reposição de produtos aos barraqueiros. Essa situação
atual é ilustrada pela figura 5.
144
Figura 5: mapa do espaço ocupado pela Feira atualmente
Fonte: Programa Monumenta, Prefeitura de Congonhas (2007). Adaptado pelo autor.
Legenda:
verde – espaço formal ocupado pela Feira
amarelo – espaço informalmente ocupado
pela Feira
E
D
C
B
A
F
1
2
3
4
145
O trecho (016) resume bem o processo de remanejamento da Feira. Foi enunciado
por um membro da sociedade civil organizada e que atua também como funcionário da
Prefeitura.
(016) Aqui tinha um corredor histórico, que era da igreja do Bom Jesus à igreja
da Matriz de Nossa Senhora Conceição. Eram duas ladeiras que tinham uma
continuidade. Era um corredor. Esse corredor foi interrompido porque a parte do
centro da cidade até à Matriz não são montados mais [...] não é montada mais a
Feira, e as pessoas ainda circulam. Mas o Jubileu ficou [...] em termos de Feira e,
mesmo, de atividade religiosa, ficou mais limitado às partes aqui da Basílica do
Bom Jesus. Então, isso foi uma mudança, porque as barracas, elas atravessavam o
centro por esse corredor histórico e subiam a ladeira da Matriz e iam até na igreja
da Matriz. [...] Hoje, já ficou tudo da ladeira para cá, né? Da praça Dom Helvécio
até aqui em cima. E o Jubileu, a Feira, ela se estendeu pela rua Doutor Paulo
Mendes, que não tinha barracas antes [...] aí, então, acabou. Aumentou para cá. E,
também, ela subiu atrás da igreja e foi para cima também. para cima tem
barraca na praça Bandeirantes [...] Então, ela se estendeu mais ali para cima
(E07).
Esse trecho deixa explícitas as mudanças em termos do remanejamento espacial da
Feira, com a exclusão da parte da Feira que ocupava o centro da cidade, de um lado, e, de
outro, com a extensão da Feira por outras ruas onde a mesma não existia. Outro tema
importante, agora implícito no discurso do enunciador, refere-se à concentração espacial da
Feira atividade econômica e da Festa celebração religiosa do Jubileu apenas no
entorno da Basílica do Senhor do Bom Jesus, contrariamente ao que se poderia esperar em
termos de concentração de poder no entorno da igreja Matriz. A citação “o Jubileu, a Feira,
[...] subiu atrás da igreja [da Basílica]” deixa o implícito subentendido de que a igreja do
Senhor do Bom Jesus teria um papel mais importante do que o da igreja Matriz, visto que o
Santuário do Senhor Bom Jesus é o espaço sagrado que atrai os fiéis e peregrinos até a
cidade. Por isso, a concentração das festividades e da Feira, historicamente, deu-se e
continua a ocorrer, no entorno dessa parte da cidade, palco do início da peregrinação. É
146
importante destacar ainda que no trecho acima ficam silenciadas pelo enunciador as causas
da mudança.
Contudo, o espaço atual ocupado pela Feira, que vai da praça Dom Helvécio, em
cuja seqüência inicia a ladeira do Bom Jesus, e se estende até a praça Bandeirantes,
incluído as ruas adjacentes, formal ou informalmente ocupadas, foi constituído após a
mudança ocorrida entre 1992 e 1993, que se deu por diversas razões, conforme a
mobilização de diferentes personagens discursivas por parte dos entrevistados. Para cada
uma dessas razões os enunciadores atribuem a responsabilidade pela mudança a um
determinado personagem ou a um conjunto de personagens, como pode ser visto nos
fragmentos abaixo (017) e (018).
(017) Durante anos, as barracas eram do centro até a parte alta da cidade. Aí,
depois a cidade foi ficando muito suja, porque estava tendo muito ônibus, e os
barraqueiros aqui e também mal acomodados. Então, a Prefeitura de Congonhas
resolveu limitar a colocação das barracas, tirar do centro, para que o centro não
ficasse muito sujo, muito [...]. Aí começou da ladeira para a parte alta. E é assim
até hoje (E02).
(018) Antigamente, o centro da cidade era lotado de barraca. Com o progresso,
ou expansão das barracas, do número de carro da própria cidade, aí a
Prefeitura cancelou as barracas do centro e concentrou a partir do início da
Matriz. Com certeza, incentivou para a parte de cima. Atingiu a praça
Bandeirantes, a alameda [...] Porque [a Prefeitura] cancelou aqui no centro. A
tendência era ficar mais forte na (Matriz) (E04).
Por exemplo, no fragmento (017) a expressão em negrito “para que o centro não
ficasse sujo”, conduz ao implícito subentendido de que a população da cidade estaria sendo
prejudicada pela existência do excessivo número de barracas implícito pressuposto a
partir das seleções lexicais: “expansão das barracas” (E04), “tomada por barracas” (E03), e
“resolveu limitar a colocação de barracas” no centro da cidade, em virtude da poluição
visual, sonora ou material causada pelas barracas.
147
Nesse sentido, é possível identificar a existência de cinco personagens discursivos
mobilizados no processo de remanejamento do espaço da Feira: população da cidade,
barraqueiros, comerciantes, Prefeitura e romeiros. À personagem implícita “população da
cidade” é silenciada neste fragmento. Mas pode-se inferir que a ela é atribuída o papel de
grande prejudicada pela existência da Feira no centro da cidade, devido a suas
conseqüências, como o impedimento do tráfego das pessoas e a poluição sonora, visual e
ambiental. Assim, a personagem população da cidade é utilizada como justificativa para a
mudança de parte do local de realização da Feira.
O enunciador (E02) utiliza o recurso de transferência de responsabilidade,
recorrendo à utilização da personagem “barraqueiros”, a quem é duplamente
responsabilizada, em primeiro lugar, devido ao fato de ser a produtora da desordem nesse
espaço urbano mediante a sujeira produzida e, em segundo lugar, devido à preocupação da
Prefeitura em relação ao fato de os barraqueiros estarem “mal acomodados”. Contudo, esta
seleção lexical leva a dois implícitos possíveis, um pressuposto, que se refere à necessidade
de uma nova acomodação espacial para esse conjunto de pessoas (e também para a
mitigação do efeito nocivo dessa falta de acomodação em relação à população da cidade); e
outro implícito subentendido, em que essa mal acomodação é interpretada como uma
alteração dos status quo e dos interesses de outras personagens, como os comerciantes da
cidade.
É assim que se chega ao fragmento (019), em que é atribuída explicitamente à
personagem “comerciantes” a responsabilidade pelo remanejamento da Feira, em virtude de
esta (ao ser instalada no centro comercial da cidade) estar afetando economicamente o
comércio formalmente estabelecido e perene da cidade.
148
(019) O perímetro urbano da cidade que era tomado pelo Jubileu continua o
mesmo até hoje. Ele a aumentou para o centro da cidade, mas retornou.
Porque os próprios comerciantes de Congonhas estavam notando que estava
demais porque você pega o mês de setembro, dia 04 de setembro mais ou
menos, começa o movimento, e vai até o dia 22 de setembro. Então, você perde
um mês de venda na sua loja [...] Então, o espaço ia até quase à metade ali da
ponte, onde está a ponte ali. Até ali é Jubileu, até na ponte. As duas beiradas da
ponte eram ocupadas por comerciantes. Então, o que aconteceu? Os
comerciantes, como é da Prefeitura, trouxeram o Jubileu para Ladeira. Só pode
na subida a partir do pontilhão. [...] Então, assim, houve uma acomodação (E03).
Nesse fragmento discursivo, ficam explícitas as razões econômicas pelas quais os
comerciantes teriam pressionado a Prefeitura a “levar” a Feira para depois do pontilhão,
observadas a partir da seleção lexical venda na sua loja, cujo conteúdo semântico está
explicitamente associado ao movimento, também comercial, gerado pela Feira do Jubileu
do Bom Jesus. Ainda a respeito do trecho (019), vale ressaltar a seleção do vocábulo
acomodação utilizado pelo enunciador para referir-se ao processo de cessão parcial das
partes relacionadas de seus interesses, com o intuito de obter uma zona de consenso, ainda
que parcial, em que a convivência seja pacífica. Esse processo de “acomodação” teria sido
resultado da ação institucional da Prefeitura, estimulada por pedidos dos comerciantes que
defendiam seus interesses financeiros e pela população que defendia um espaço urbano
mais limpo e livre para a sua circulação.
Por outro lado, essas várias razões complementares estimuladas por personagens
distintos população residente, transeuntes e comerciantes apontam para a ação de um
mesmo personagem coletivo: a Prefeitura de Congonhas, que teria agido no sentido de
atender a essas várias queixas em relação à Feira e de tomar providências para reduzi-las, já
que seria impossível mitigá-las, pois para isso teria que se acabar com a Feira. É importante
salientar que a visão da Igreja não é mencionada nos discursos sobre o remanejamento do
espaço.
149
Para os feirantes que atuam na Feira mais de quinze anos e que observaram o
impacto dessa mudança em seus negócios, essa mudança de espaço é mencionada de forma
negativa por parte daqueles que perderam os seus espaços anteriormente conquistados, seja
de ordem física ou simbólica. Espaços físicos, como aquelas casas do centro da cidade
cujas fachadas eram ocupadas pela Feira e que perderam essa fonte de renda extra dos
aluguéis ou espaços simbólicos, que são aqueles em que os barraqueiros tinham um certo
status ou uma posição privilegiada antes da mudança de espaço, cuja posição não
conseguiram manter, perdendo-a para outros barraqueiros concorrentes. Essas mudanças
são mencionadas tanto por moradores quanto pelos barraqueiros mais antigos que tiveram a
oportunidade de trabalhar na parte de “baixo” da Feira.
(020) Quando o prefeito disse que não iria deixar colocar barraca ali em frente à
Prefeitura e nem na Matriz, aí a população chiou, principalmente as pessoas que
alugam espaço. Reclamaram, mas tiraram. E aí o pessoal da ponte [...] (E08).
(021) De primeiro era muito bom de trabalhar. A Feira era toda embaixo. Era
bom de trabalhar. Hoje, não. Antes o pagava nada [...] ah, menos barraca.
Tinha uma barraca daquele lado da linha do trem ali. Eu trabalhava ali. E eu
trabalhava com roupa lá. Aquele ao redor da praça, todinho assim, era ali. Era
perto da igreja [Matriz, mas] o povo subia aqui [na Basílica], né? O povo subia,
mas comprava mais tudo lá embaixo (E12).
No trecho (021), o entrevistado deixa explícitas as conseqüências negativas da
mudança de espaço físico ocupado pela Feira, do centro da cidade para a parte alta do
bairro da Basílica (mapa 2). Conforme análise espacial da distribuição das barracas, é
possível inferir que o novo trecho ocupado contribui para uma maior dispersão espacial das
barracas, devido ao tamanho da área abrangida e a sua não contigüidade, ao passo que antes
da mudança, quando as barracas se situaram no centro da cidade, havia uma maior
concentração das mesmas no mesmo espaço (fisicamente menor e mais contíguo). Além
dessa análise, pode-se observar a partir da expressão “antes não pagava nada”, que um
150
implícito pressuposto de que atualmente se paga para expor seus produtos na Feira, o que é
corroborado pelas notas de campo e observação assistemática, as quais revelam que os
feirantes pagam aluguel pelo espaço (m
2
de calçada utilizada), uma taxa de cadastramento
para a Prefeitura (independente do espaço ocupado, seja particular ou público) e, no ano de
2007, foi introduzida a padronização das barracas, em que se cobrou pelo aluguel das
estruturas metálicas das mesmas (ver fotos, 4 e 5).
Figura 6: Foto 268 – montagem das barracas padronizadas
Fonte: tirada pelo autor (04/08/2007).
151
Figura 7: Foto 272 – montagem das barracas padronizadas
Fonte: tirada pelo autor (04/08/2007).
Outra questão importante é expressa pela relação de conteúdos, estabelecida ainda
no trecho (021), “o povo subia aqui [na Basílica]”, “mas comprava tudo embaixo”, em
que o conectivo mas denota a relação de oposição entre o fato de subir para visitar a
Basílica e participar das celebrações religiosas e o fato de comprar produtos na Feira, o que
era geralmente feito na parte baixa da cidade (centro da cidade). A partir dessa relação de
conteúdos, pode-se explorar este fato por meio de pelo menos dois conteúdos implícitos,
ambos ligados à hierarquização do espaço: um pressuposto, referente à localização central
das barracas que se situavam na parte de baixo espaço que antes era visto como o mais
valioso devido, a sua localização estratégica em termos de centralidade devido à passagem
de transeuntes, o que elevava a possibilidade de vendas dos feirantes; e outro implícito,
agora subentendido, relacionado à hierarquização simbólica do espaço, pois enquanto o alto
do morro era visto como (e relacionado à) a parte sagrada, onde se situam a Basílica e as
celebrações religiosas, a parte baixa da cidade (o centro comercial, que fica ao pé da ladeira
152
do Bom Jesus) estava associado à parte mundana/profana do Jubileu, em que as pessoas,
após terem pagado as suas promessas e participado das celebrações religiosas do Jubileu
(evento extraordinário, temporal e simbólico), retornavam a sua realidade cotidiana,
exercendo atividades de lazer, como passear pela Feira ou adquirir algum produto por
necessidade ou desejo.
Ainda com relação ao segundo tema – organização do espaço , foi possível
identificar que o mesmo estava relacionado a quantidade, disposição e hierarquização dos
espaços ocupados pelas barracas, segundo a sua localização e também com relação ao tipo
de uso e de atividades nele realizadas.
Assim, embora não tenha um cadastro exato de quantos e quem são os participantes
da Feira do Jubileu, a Prefeitura estima que atualmente há cerca de 860 barracas (E05), pois
os logradouros públicos alugados para os feirantes do Jubileu, que correspondem a 30% dos
espaços disponíveis da Feira destinados a esse fim, somados aos espaços da Igreja (que
corresponde a 40% dos espaços disponíveis), perfazem um total de 70% dos espaços
ocupados pelos feirantes durante a Feira do Jubileu. Nesses 70% de área da Prefeitura e da
Igreja, que adotou a padronização das barracas de estrutura metálica, estimou-se que
abrigaria cerca de 600 feirantes. Assim, por inferência, pode-se chegar ao número de 857
feirantes que deveriam ocupar os 100% da área delimitada e ocupada pela feira.
(022) Porque dos 100% da área toda, 70% será padronizada. [...] Isso equivale a
mais de 600 barracas (E05).
Apesar disso, estimativas realizadas pelo autor quando da análise da ocupação do
espaço revela que somente no que se refere ao espaço dos logradouros públicos (que são de
responsabilidade administrativa da Prefeitura) houve em 2007 o planejamento para a
153
disponibilização 662m lineares (de comprimento) para o aluguel aos feirantes (Anexo 1).
Assim, houve um aumento de 171,9 metros de espaço oferecido pela prefeitura no ano de
2007 em relação ao ano de 2006 com a incorporação do aluguel das fachadas da Escola
Municipal Cardoso Osório, com 93 metros de comprimento, da Escola Municipal Fortunata
de Freitas, com 61,5 metros, e da expansão da oferta de espaço público para aluguel na
praça Bandeirantes, de 29,5m em 2006 para 56,5m em 2007, ou seja, um incremento de
27m.
Tabela 3: Evolução da porcentagem do espaço ocupado pela Feira por locatário
Ano de 2006 Ano de 2007
Igreja 40% 653,33 m 36,18% 653,33 m
Prefeitura 30% 490 m 36,67% 662 m
Particulares 30% 490 m 27,14% 490 m
Total 100% 1.633,33m 100% 1.805,33m
Fonte: dados da pesquisa
A Igreja, que possuía a maior parte dos espaços destinados ao aluguel a feirantes,
cerca de 40% do espaço ocupado da Feira em 2006, o que equivalia a 653,33m, foi
suplantada pela Prefeitura, que, com o incremento de mais 171,9 m, passou a oferecer
662m para os feirantes em 2007. E, por sua vez, os particulares, que são os moradores da
cidade que têm casas nas ruas tomadas pela Feira do Jubileu também alugam as fachadas
das suas casas, que no seu somatório corresponde a 490 metros, o que se antes era
equivalente ao espaço da prefeitura agora foi reduzido para cerca de 27% do espaço tomado
pela Feira. Assim, no cômputo geral, pode-se inferir que a Feira como um todo ocupa um
total de 1.805,33m de comprimento (o que não corresponde, necessariamente, a sua área).
Essa tendência se mostra crescente, pois segundo os barraqueiros:
154
(023) E nesses quinze anos a Feira aumentou o tamanho [...] Aumentou. E
esse ano é que vai aumentar [mais]. O número de barracas esse ano vai aumentar
mais. Porque São Paulo na 25 foi tirado nos camelôs tudo, no Brás também, Belo
Horizonte também tiraram aqueles camelôs do meio da cidade. eles estão tudo
agora na Festa (E16).
Esse espaço está dividido por metros quadrados (m
2
), da seguinte forma: barracas
cujas dimensões são de 1,5 por 1,5m
2
, barracas de 3 por 1,5 m
2
, barracas de 3 por 2m
2
e
barracas de 3 por 3 m
2
. Estas, geralmente, são as dimensões mais recorrentes, ou seja, que
estão institucionalizadas pela tradição do aluguel dos espaços, por parte tanto dos
locatários quanto dos locadores.
Tabela 4: Dimensões do espaço alugado para as barracas por preço e locatário
Metragem
(m
2
)
Faixa de Preço
cobrada pela Igreja
Faixa de Preço cobrada
pela Prefeitura*
Faixa de Preço
cobrada pelos
Particulares
Dimensões
recorrentes
1,5 x 1,5 R$ 80,00 a 100,00 R$ 30,00 R$ 3.000,00**
1,5 x 2 R$ 4.000,00
3 x 1,5 R$ 130,00 a 150,00 R$ 4.500,00
3 x 2 R$ 180,00 a 200,00 R$ 5.000,00
3 x 3 R$ 250,00 a 300,00 R$ 5.500,00
Dimensões
extraordinárias
Acima de
3x3
Cálculo com média
de R$ 300,00
R$ 450,00
Fonte: dados da pesquisa.
* Prefeitura - de R$ 30,00 a R$ 450,00 dependendo da dimensão e da localização.
**(valores estimados com base nos aluguéis da rua da Ladeira, onde maior concentração de aluguéis de
particulares).
Tabela 5: Espaço ocupado e valor arrecadado com aluguéis na Feira
Porcentagem do
espaço ocupado
Correspondente
em metros
Valor médio
cobrado por metro
em reais
Total Arrecadado
com aluguéis
Espaço pertencente à
Prefeitura
36,67% 662 m R$ 161,31 R$ 106.787,22
Espaço pertencente à
Igreja
36,18% 653,3 m R$ 322,62 R$ 210.767,64
Espaço pertencente
aos moradores
(particulares)
27,14% 490 m R$ 1.000,00 R$ 490.000,00
Total 100% 1.805,33 m R$ 1.483,93 R$ 807.554,85
Estimativa Média R$ 494,64 cobrado
por metro
R$ 344.563,330 de
arrecadação por
setor
Somatório do total arrecadado com os aluguéis pelos 3 atores R$ 807.554,85
Fonte: dados da pesquisa.
155
Apesar disso, é possível encontrar barracas que fogem a essas dimensões, seja pela
própria característica topográfica do terreno, onde um recuo maior (mais profundidade)
em relação à rua, o que permite que os feirantes utilizem esse espaço para armazenagem de
suas mercadorias e/ou para o seu próprio abrigo, situação que é comum para esses feirantes,
a fim de economizarem com os gastos de sua hospedagem e, ao mesmo tempo, tomarem
conta de suas mercadorias, evitando roubos ou perdas por chuvas, etc.
(024) O barraqueiro dorme na barraca. Aqui em casa, que tem muito terreno, tem
muito porão. Então, a maioria [...] aqui a gente deixa dormir um ou dois só, e o
resto dorme no porão. Porque o porão é mais arrumado, tem água, tem chuveiro,
tem tudo lá. Então, assim, aqui é privilegiado. Se chover, por exemplo, eles
carregam a mercadoria para dentro. Tem água [...] mas a maioria dos barraqueiros
passam muito aperto de falta de lugar para guardar a mercadoria (E03).
Figura 8: Foto 350 – barraqueiros dormindo nas barracas
Fonte: tirada pelo autor (07/09/2007)
Tanto a divisão quanto o preço estipulado dos espaços da Feira são calculados com
base em metros lineares (ou “reto”, como comumente é mencionado nas narrativas), isso
156
porque torna-se mais fácil para calcular o valor dos aluguéis, uma vez que os espaços são
pequenos e a utilização convencional do metro quadrado fracionaria o cálculo, dificultando
a sua disseminação e aderência pela população. No trecho (025), narrado por um membro
da comunidade, aparece uma explicação de como é feita a divisão e, simultaneamente, o
cálculo do aluguel dos espaços da Feira.
(025) Por metro no sentido reto, né? Por exemplo, cada barraca [...] da nossa
casa aqui, cada barraca tem mais ou menos um e meio de comprimento por um e
meio de largura. Então, é mais ou menos nessa base. Inclusive os imóveis que são
da Prefeitura é a mesma coisa; dois metros e meio por dois metros, dois metros
por um metro e meio... [e] quase todo mundo é... Porque um passa para
outro... O nosso aqui, como tem muitos anos que são os mesmos... Sabe? É
mais ou menos assim, está na base de mil reais o metro. Igual a minha barraca,
por exemplo, que tem dois metros e meio. Então, vamos supor, de 3 a 4 mil reais.
É muita grana para você alugar um pedacinho (E03).
É importante salientar que essa simplificação do metro no sentido reto não
necessariamente corresponde ao cálculo da área de um determinado espaço (m
2
), pois
aquela medida parece apenas reunir o somatório do comprimento com a largura, enquanto
que esta última utiliza a multiplicação dos dois termos, chegando-se assim a uma maior
precisão do espaço efetivamente ocupado. Contudo, essas duas medidas parecem coexistir,
sendo o cálculo por área adotado pelas instituições, como Igreja, ao passo que o metro no
sentido reto é adotado pelos particulares e a Prefeitura.
Outra questão ainda relativa ao trecho (025) refere-se ao esquema de cálculo dos
espaços ocupados pelas barracas e a sua homogeneidade em termos de adoção por parte dos
locatários, sejam eles particulares ou da Prefeitura. a questão do preço também parece
ser comumente combinada pelos locatários particulares que se situam na rua da Ladeira,
implícito subentendido derivado da seleção lexical o nosso aqui em que também o
implícito pressuposto de que existe o espaço “deles lá”. Assim, o espaço, apesar de
157
particular, está inserido por relação de contigüidade num espaço maior, o coletivo, e por
isso a necessidade de que os particulares residentes na Ladeira cheguem a um consenso
sobre o preço dos aluguéis, a fim de que um não influencie o aluguel do outro, no espaço
nosso aqui, mas que ao mesmo tempo sejam capazes de competir com o deles , na
alocação de espaços.
Esse processo de mudanças e remanejamentos do espaço da Feira não está pronto e
acabado. Pelo contrário, atualmente assiste-se a sua reconfiguração, sendo esta uma das
mudanças possivelmente de maior impacto no cenário atual da Feira, tanto nas suas
características essenciais quanto na sua forma e manifestação. Um exemplo disso pode ser
evidenciado pelo discurso oficial da Prefeitura, que, na organização do Jubileu do Bom
Jesus de setembro de 2007, atuou na disposição dos espaços por meio da exclusão e
inserção de novos trechos para a utilização por parte dos barraqueiros, conforme o
fragmento (018).
4.4.2.2 Os fluxos mediados pelo espaço
O terceiro tema – fluxos mediados pelo espaço remete a questão da circulação de
ativos, bens e serviços por um dado espaço, como assinala Santos (1978) ao analisar o
espaço como constituído de elementos fixos e de fluxos. Nesse sentido, este tema revelou
quais são os principais fluxos existentes na Feira – além daquele já mencionado no percurso
semântico das transformações socioistórico-culturais, que é o fluxo de pessoas. O tema dos
fluxos da Feira girou, essencialmente, em torno da seguinte questão: Quanto a Feira gira
em termos de fluxos financeiros?”
158
Partindo da ausência de qualquer estatística elaborada anteriormente ou fonte de
dados secundários e sem a pretensão de fazer um survey, buscou-se tão-somente, a partir da
narrativa descritiva deste tema, evidenciar a relevância, sobretudo a econômica e a social,
da Feira para os seus diversos participantes sejam eles residente ou visitantes (romeiros
ou feirantes). Assim, toda análise derivada a seguir foi realizada sem nenhuma base
estatística, pois o número de entrevistas realizadas (20) foi estatisticamente insignificante
para a elaboração de uma análise precisa. Contudo, podem-se fazer inferências com base
nas narrativas dos entrevistados, que poderão subsidiar futuras pesquisas que possam
aprofundar essa questão específica.
Assim, a partir das narrativas analisadas no que tange a este tema, podem-se
identificar os seguintes fluxos: o fluxo financeiro gerado pelos aluguéis dos espaços da
cidade; o fluxo financeiro gerado pelos barraqueiros que atuam na Feira e o fluxo
financeiro associado aos gastos com alimentação e hospedagem na cidade. Cada um desses
fluxos envolve elementos tangíveis (alimentação ou produtos adquiridos na Feira) ou
intangíveis (por exemplo, prestação de serviços e aluguéis dos espaços) e remetem a
personagens específicos que são os responsáveis pela ativação dos fluxos ou que se
beneficiam deles.
Por exemplo, no caso do fluxo relativo ao aluguel de espaços para a montagem das
barracas (como foi observado na análise do tema anterior, a organização do espaço),
observou-se que há três personagens responsáveis pelos aluguéis desses espaços: a
Prefeitura, que detém a responsabilidade administrativa de um espaço público e
institucional; a Igreja, que administra um espaço particular, mas também institucional (pois
representa uma instituição); e alguns moradores da cidade (os particulares), que detêm a
administração de espaços privados e individuais.
159
Assim, como foi descrito no item anterior (TAB. 5), o somatório do total arrecadado
com os aluguéis desses espaços pelos três atores sociais e organizacionais (ou institucionais
Prefeitura e Igreja) gira em torno de R$ 807.554,85, considerando-se o período de 4 a 19
de setembro (que é o período pelo qual esses espaços são alugados, independente da
permanência dos locatários durante todo o período). Aqui, uma transferência direta de
divisas para a cidade, já que, excetuando-se a Igreja, que pertence à Arquidiocese de
Mariana, para onde parte do dinheiro arrecadado no Jubileu é revertido, pelo menos 70%
desse montante, referente ao aluguel da Prefeitura e dos particulares, fica na cidade,
contribuindo assim para o aquecimento da economia do município.
o fluxo financeiro associado à comercialização de produtos e serviços na Feira
pode ser apanhada pelas estimativas de arrecadação (faturamento) dos barraqueiros. Com
base nas entrevistas e em alguns dados secundários (embora desestruturados) levantados
pela própria Prefeitura, foi possível inferir (ressaltando-se aqui que sempre tomamos
cuidado para fazer estimativas considerando cenários pessimistas, assim supõe-se que uma
análise detalhada permita obter números que superem os valores aqui estimados) que cada
feirante fatura em média cerca de R$10.000,00 (desconsiderando, obviamente as diferenças
entre os produtos).
Então, partindo da suposição razoável de que cada um dos 1.805 metros possui uma
barraca (o que também, obviamente, é uma estimativa média, pois existem barraqueiros que
ocupam espaços de grandes dimensões, por exemplo, 5x6m, mas que também faturam
muito mais), multiplicou-e esses faturamento médio de R$ 10.000,00 por 1.805, obtendo-se
o total de R$ 18.053.300,00 (milhões de reais), que representa o fluxo de divisas
movimentado pelos barraqueiros durante os quinze dias de duração da Feira.
160
Apenas para se ter uma idéia, esse número equivale a 7,25% do PIB do municipal
referente ao ano de 2002 (que foi de 248.714.000,00) (milhões de reais), e a 14,5% do PIB
do setor de serviços do mesmo ano, que foi de R$ 123.710.000,00 (milhões de reais). É
importante observar que esse dinheiro representa apenas uma parcela do fluxo financeiro
movimentado na Feira e, além disso, não significa que toda essa parcela fica dentro da
própria cidade, uma vez que a maioria dos feirantes (90%) são de outras cidades e, até
mesmo, de outros estados. Assim, apenas uma pequena parcela estima-se, com base nos
dados da pesquisa, que seja por volta de 10%, que são os barraqueiros da cidade –, fica, de
fato, no município, ou seja, R$ 1.805.330,00 (milhões de reais).
Mas ainda falta considerar a questão da arrecadação gerada pelos estabelecimentos
formais e informais de alimentação e hospedagem, que ficam repletos durante as
festividades do Jubileu. Também com base em estimativas, considerou-se para o cálculo da
alimentação os dois principais tipos de “clientes”: os barraqueiros e os romeiros. Dos
1.805m disponíveis para a ocupação por barracas, de onde se inferiu que, em média,
uma taxa de ocupação de uma barraca por metro linear e a existência de pelo menos duas
pessoas trabalhando em cada barraca (um que seria o próprio dono e mais um ajudante,
geralmente um membro da sua própria família), chega-se a uma contingente de 3.611
barraqueiros que ficam na cidade durante os quinze dias do Jubileu. Supondo-se que cada
um faça pelo menos duas refeições ao dia, a um custo unitário de R$ 5,00 a refeição,
durante os quinze dias obtém-se um volume arrecadado de R$ 541.599,00. Esta receita fica
na cidade, pois a maioria dos estabelecimentos (não foi possível identificar todos, pois no
inventário turístico do município não essa discriminação) constitui-se “cantinas”
informais dos moradores que montam em suas garagens e nos cômodas das suas próprias
casas mesas para atender o grande volume de pessoas que chega à cidade e, ao mesmo
161
tempo, aproveitar a oportunidade econômica de complementar a sua renda familiar (fotos
abaixo 7, 8 e 9).
(026) Então, a gente faz uma economia, e eles ganham muito, sim. Agora, esse
mercado que a pessoa faz de comida, que ele também é forte, porque muita gente
tem que almoçar e tem que lanchar, esse daí também a pessoa ganha muito
dinheiro. Tem gente que tira, às vezes, a sala, desfaz da casa, para poder fazer ali
um lugar de alimentação (E01).
(027) Tem pessoas assim que conseguem estar negociando com os barraqueiros a
questão de estar pegando a roupa para lavar, passar [...] Tem cantinas que
negociam com barraqueiros para estar entregando a quentinha nos horário que
eles combinam com o restaurante, com cantineira, né? (E02).
Figura 9: Foto 354 mesas adaptadas na sala de estar de um morador da cidade para servir
alimentação aos visitantes
Fonte: tirada pelo autor (07/09/2007).
162
Figura 10: Foto 356 mesas adaptadas no quarto de casal do próprio morador da cidade para servir
alimentação aos visitantes
Fonte: tirada pelo autor (07/09/2007).
Figura 11: Foto 361 – mesas adaptadas na garagem de um morador da cidade para servir alimentação
aos visitantes
Fonte: tirada pelo autor (07/09/2007).
163
Porém, não é só o fornecimento de alimentação aos barraqueiros que ativa as
“cantinas” populares que surgem e os restaurantes da cidade. Se os barraqueiros geram
movimento por ficarem vários dias na cidade, com os romeiros acontece o inverso: um
grande fluxo de romeiros que fica pouco tempo na cidade, em média de 4 a 8 horas por dia
mas que chega e sai todos os dias na cidade. No ano de 2005 chegou, a um total de 106.880
pessoas, contados do dia 04 ao dia 18 de setembro (DIRETORIA DE TURISMO, 2005e).
Assim, para estimar o cálculo do fluxo financeiro gerado pelo setor de alimentação
por parte dos romeiros, considerou-se aqui que dos 86% dos 106.880 visitantes que
permanecem na cidade de 4 a 8 horas por dia, 91.916,80 pessoas devem consumir pelo
menos uma refeição, cujo custo unitário é de R$ 5,00, o que geraria um montante de R$
459.584,00. Receita esta obtida apenas com a arrecadação em venda de alimentos para os
romeiros. Então, para estimar o total arrecadado no setor de alimentação durante as
festividades do Jubileu, somou-se o que é arrecadado com a venda para os barraqueiros (R$
541.599,00) e para os romeiros (R$ 459.584,00), chegando-se a uma receita superior a um
milhão de reais (R$ 1.001.183,00).
Mas ainda falta um fluxo financeiro a ser mencionado e computado, aquele advindo
da arrecadação com a hospedagem, tanto dos barraqueiros quanto dos romeiros. Com
relação aos barraqueiros, supondo-se que dos 3.610 que permanecem na Feira durante os
quinze dias do Jubileu 50% (ou seja, 1805,5) fique hospedado em pensões familiares”
20
,
20
Esse tipo de equipamneto de hospedagem é o mais popular e também o mais barato. Talvez seja por isso
que é tão procurado na época das festividades do Jubileu, tanto por romeiros, que tradicionalmente vão todo
ano e passam esse costume de geração para geração, quanto para os barraqueiros, que, em virtude de ficarem
muitos dias na cidade e muitos deles viajarem com a família, esposa e filhos, optam por esse tipo de
hospedagem, por ser um meio simples, barato e “familiar” – no sentido de manter os bons costumes.
Geralmente, esses estabelecimentos informais cobram uma tarifa mais baixa do que a dos establecimentos
formais, até mesmo pelo fato de oferecerem menos serviços, alguns deles de qualidade duvidosa e por terem
acomodações precárias. Apesar disso, essas pensões ficam tão cheias que deve-se agendar a sua data de
164
que são aquelas que surgem apenas nesse período e que funcionam de modo informal e é o
meio mais barato de hospedagem, por 15 dias, a R$ 10,00 ao dia, tem-se a soma de R$
270.750,00. Mas não são apenas os barraqueiros que ficam hospedados nessas pensões.
(028) Agora, o pessoal que vem fazer a Feira, ele já vem determinado a ficar
uma semana. Aí, ele ou tem pensionato, que, às vezes, conhece as pessoas [...]
geralmente, fica dentro da barraca, ou dentro da casa da pessoa mesmo (que ele
ligou para deixar o espaço) [...] porque aqui embaixo, por exemplo [...] Então ele
faz uma barraca ali. Ali a pessoa deixa a mercadoria e lota de mercadoria, e ele
dorme ali dentro. E ali também é provador, se você quiser experimentar roupa,
você entra ali e experimenta a roupa ali dentro. Então, ele já aluga a mais,
porque já está dormindo ali, então já está economizando. E onde ele come? Ele
come com as pessoas que são da cidade, que chegam e falam: “Eu estou
fornecendo marmita, todo dia, vem isso e isso”, ou então vem um restaurante lá,
manda a pessoa, vem e oferece, e dá o cardápio: “Vai ter arroz [...]” O PF, vamos
supor, né? eles vão contratando. a pessoa vem com a marmita certinha e
tudo... Ele fica bem alojado. Fica também. Ou então, se ele não quer pagar hotel,
lugar, nem nada, ele vai dormir dentro da barraca e dorme dentro da barraca. E
paga o banho. Isso se for tomar banho. (E01).
Embora sejam os barraqueiros os responsáveis pela maioria da ocupação dos leitos
das pensões que surgem nessa época na cidade, ainda existe um número considerável de
romeiros que também pernoitam na cidade. Para calcular o fluxo desses romeiros, tomou-se
como base nos dados levantados pela Diretoria de Turismo do município, em seu relatório
sobre o Perfil do Romeiro de 2005, que aponta que 5% dos romeiros, de um total de
106.880 entrevistados, permanecem na cidade por pelo menos um dia, o que corresponde a
5.344 pernoites. Se se considera que todas essas pernoites se realizam em pensões
populares, que são aquelas de mais baixo custo, geralmente em torno de R$ 10,00, obtém-
se um total de R$ 53.440,00 movimentados apenas por essas pensões. Somando o que é
arrecadado pelos equipamentos de hospedagem com os dois principais clientes:
barraqueiros e romeiros, chega-se à cifra de R$ 324.190,00 (mil reais).
hospedagem com antecedência, geralmente, até no máximo em julho. Em 2007, o preço médio praticado por
esses estabelecimentos foi de R$ 10,00 por leito por noite (independente se o quarto tiver vários leitos).
165
Assim, somando todos esses fluxos financeiros movimentos pela (e na) Feira, é
possível observar que a economia deste evento é sobremaneira significativa tanto para a
cidade quanto para os diversos atores sociais e organizacionais que participam dele. Isso
porque, conforme a tabela 6, são movimentados cerca de R$ 20 milhões em quinze dias de
evento, ou seja, 8% do PIB do município. Contudo, apenas uma parte desse dinheiro fica
efetivamente na cidade, que 90% dos barraqueiros são de outras cidade e até estados, o
que faz com que eles levem consigo a maior parte desse fluxo financeiros (cerca de R$ 16
milhões) que é movimentado na Feira consigo. Mas ainda sim pelo menos R$ 4 milhões
permanecem na economia da cidade.
Tabela 6: Arrecadação do Jubileu (estimativas para o ano de 2007)
Aluguel das barracas R$ 807.554,85
R$ 490.000,00 Particulares
R$ 210.767,64 Prefeitura
R$ 106.787,22 Igreja
Alimentação R$ 1.001.183,00
R$ 541.599,00 Barraqueiros
R$ 459.584,00 Romeiros
Hospedagem R$ 324.190,00
R$ 270.750,00 Barraqueiros
R$ 53440,00 Romeiros
Comércio da Feira R$ 18.053.300,00
R$ 16.247.970,00 Barraqueiros de fora
R$ 1.805.330,00 Barraqueiros de
Congonhas
Alvará Prefeitura R$ 54.150,00
R$ 30,00/barraca
Estrutura metálica R$ 270.750,00
R$ 150,00/barraca
TOTAL R$ 20.511.127,00
R$ 16.518.720,00 Sai” da cidade
R$ 3.992.407,00 “Fica” na cidade
Fonte: dados da pesquisa.
166
4.4.2.3 As práticas de apropriação-exclusão
O terceiro tema das práticas de apropriação-exclusão refere-se ao modo como
os diversos atores sociais e organizacionais que atuam na Feira se relacionam nesse
contexto, especificamente em termos de apropriação e exclusão de espaços físicos e
simbólicos a fim de garantir a sua construção e permanente reafirmação identitária, por
parte tanto desses atores quanto da Feira em si como um todo, o que retrata a identidade
institucional do evento.
Segundo Staub (2004), as relações espaciais e, mais especificamente, a
territorialidade são estruturadas pelas relações territoriais de inclusão/exclusão e por
entidades precisas: o indivíduo, o outro e o território. Esses elementos estabelecem, por
uma tridimensionalidade relacional e simultânea, a oposição entre indivíduo-outro e as
relações excludentes de interesse indivíduo-território e outro-território.
Para este autor, essa análise seria verificada por meio da palavra do indivíduo que
sempre contém a sua própria (o)posição em relação ao outro. Assim, enquanto uns tentam
conquistar, outros tentam defender, girando sempre em torno da questão da posse e,
portanto, competitiva. Deste modo, é importante delimitar aqui quais são os principais
personagens que aparecem nas narrativas coletadas, a fim de identificar de que forma eles
se relacionam uns com os outros e também com o espaço.
Assim, a partir das narrativas coletadas sobre a história da Feira, foi possível
identificar diversos tipos de práticas de apropriação-exclusão, sempre envolvendo atores
sociais em disputa por um determinado espaço, em busca de sua legitimação em
determinado espaço (físico ou simbólico), em virtude da crença de que este representaria
uma posição privilegiada para que aquele indivíduo (ou indivíduos) que possuisse
167
determinado potencial passível de ser traduzido em real por meio de sua correta exploração.
No caso desta pesquisa, esses espaços são os espaços da cidade e, mais especificamente, os
da Feira.
Assim, vários personagens podem ser identificados aqui. Dentre eles, destacam-se: a
cidade e a Feira, ambos personagens coletivas que entram em constante oposição nos
discursos dos entrevistados, pela disputa pelo espaço urbano; a Prefeitura e a Igreja, ambas
também personagens coletivas e, além disso, institucionais, que deveriam representar,
teoricamente, os interesses de grande parte das pessoas que participam da Feira, seja
trabalhando, fornecendo serviços ou, mesmo, divertindo-se com este evento. nos planos
individual e grupal, a disputa entre os moradores” da cidade pelo espaço da Feira, ou
pela sua proximidade, em virtude dos benefícios econômicos advindos da mesma, e,
também, dentro da Feira, por parte dos barraqueiros que são de Congonhas contra aqueles
que são de fora pela ocupação dos melhores espaços. E, dentre os que são de fora, também
entre si mesmos.
Com relação à disputa territorial, evidenciada pelas práticas de apropriação e
exclusão em relação aos espaços da cidade, pela própria cidade personagem, coletiva e
metonímica que aqui remete ao implícito subentendido dos moradores da cidade como um
todo –, em contraposição à Feira, personagem coletivo, que também funciona como uma
metonímia para se referir aos inúmeros forasteiros que ocupam a cidade na época do
Jubileu para trabalhar e vender seus produtos.
Nas narrativas, é atribuída à personagem feirantes a responsabilidade por modificar
o espaço urbano durante à época do Jubileu. Isso deve-se ao fato de deixar o espaço urbano
intransitável, sujo, além de causar perdas econômicas para os comerciantes que estão
legalmente estabelecidos. Dessa forma, a cidade e a Feira são figuras discursivas que
168
representam personagens mobilizadas de acordo com os interesses que estão em jogo. No
fragmento (029), a personagem Associação Comercial, que representa os comerciantes da
cidade, é mobilizada como sendo a principal prejudicada com a Feira do Jubileu, pois esta
estaria retirando os clientes do comércio da cidade, implícito pressuposto a que se chega a
partir da relação entre os conteúdos “as pessoas compram durante a Festa do Jubileu” e
“não entra dinheiro no comércio”. Além disso, a seleção lexical dinheiro funciona como
uma metonímia para a personagem implícita cliente, que é quem efetivamente deixa de
entrar e adquirir produtos do comércio formal da cidade.
(029) O comércio de Congonhas fica um caos. A Associação Comercial, ela fica
com muitos problemas com os comerciantes da cidade. Por quê? As vendas caem,
né? As vendas, além de caírem, o que acontece? Não entra dinheiro no
comércio [...] Para o comércio de Congonhas, para o comerciante, é ruim. Porque
eles perdem venda. E não perdem nesses 14 dias, não. Porque a festa é em
setembro. Então, tem pessoas que compram muito durante a Festa do Jubileu,
dão cheque pré-datado às vezes até o Natal (E02).
É importante salientar ainda com relação ao trecho acima que os comerciantes de
Congonhas não se importam tanto com as perdas de vendas durante a época do Jubileu. A
questão que se põe aqui são as perdas excessivas, conforme ressaltado em trecho anterior, a
partir da utilização do advérbio “muito”, que estabelece uma relação de conteúdos com a
personagem pessoas, que, por implícito subentendido, são consideradas as pessoas da
cidade e da região, e “até o Natal”, de onde se infere, por implícito pressuposto, a duração
de pelo menos quatro meses em que a renda dessas pessoas fica parcialmente
comprometida com os gastos realizados no Jubileu. Também cabe considerar que não são
todos os comerciantes afetados de igual modo pelo Jubileu, pois muitos deles,
principalmente aqueles ligados aos ramos de alimentação e hospedagem (formal ou
informalmente), são beneficiados pelo acréscimo de pessoas na cidade.
169
Assim, com relação à ocupação do centro comercial da cidade por parte dos
barraqueiros, pode-se ver que a disputa por esse espaço levou a uma readequação do uso do
mesmo, coibindo sua utilização, ainda que de forma temporária, pelos barraqueiros (e a
Feira como um todo), que tiveram de ser alocados em outro espaço, pelo fato de o centro
comercial da cidade representar a zona de influência e de poder dos comerciantes.
(030) Foi reduzido por causa do comércio de Congonhas. Entraram num acordo
com a Prefeitura para reduzir o espaço no centro da cidade. Então, a Feira passou
a ser somente na Ladeira do Bom Jesus, que antigamente era chamada de Rua
Direita. A Rua Direita de Congonhas é a rua chamada Bom Jesus. Então, os
comerciantes de Congonhas acabaram ganhando um espaço melhor (E03).
Outros personagens também são mobilizados para validar o discurso dos moradores
da cidade contra a Feira, conforme pode ser visto no fragmento (031), em que a
personagem coletiva implícita população é considerada prejudicada, seja pela atuação
desorganizada dos barraqueiros, personagem explícita no fragmento (031), a partir do
vocábulo eles, seja pelo enorme fluxo de pessoas de fora que acaba sobrecarregando o
tráfego da cidade.
(031) [...] a cidade fica suja. Na Ladeira, encontra-se resto de prego, resto de
bambu, pedaço de tábua [...] São, na verdade, aquelas barracas assim de lona,
plástico, eles [os barraqueiros] dormem no chão, colchões [...] É uma coisa
assim meio que improvisada, tumultuada. Mas já está se preocupando em fazer
uma coisa assim padronizada, onde possa ter também um banheiro público, onde
eles possam usá-lo com higiene, né? (E02)
(032) Pois é, desde a minha infância que eu vejo é esse movimento [...] tirou do
centro da cidade porque ficava aqui no centro, atrapalhava muito. O trânsito da
cidade aumentou, né? Então, que eu lembro, ele vinha ali da rua [...] (E01).
Ainda nos trechos acima (031 e 032), pode-se observar que os termos a cidade fica
suja, é uma coisa assim meio que improvisada, tumultuada, esse movimento e atrapalhava
muito estão ligados por meio de uma relação de conteúdos ora implícita (no trecho 031) ora
170
explícita (no trecho 032) à personagem barraqueiros (explícita no primeiro e implícita no
segundo trecho). Ambos os trechos silenciam a respeito da quantidade de barraqueiros e
dos efeitos negativos advindos da sua ocupação dos espaços públicos – no caso, se estariam
de fato relacionados ao modo de ocupação, à quantidade de barraqueiros ou a ambos. Em
virtude do que já foi discutido até aqui, supõe-se que a última opção seja a mais adequada.
Mas se a Feira é excluída do centro, ela é incluída em outra parte da cidade, na
periferia, não se trata de uma exclusão total propriamente dita, pois a Feira ainda está na
cidade e a cidade, ainda a quer, visto o enorme fluxo financeiro que arrecada com ela, pois
a sua principal função e, por extensão, metonimicamente, a das pessoas que a compõem,
seria:
(033) Deixar o dinheiro aqui na cidade. Então, é vir aqui em Congonhas,
alimentar, né, que vai suprir o restaurante, então vai trazer dinheiro para ficar
aqui na cidade, né? É o principal (E02).
Vale ressaltar que todos os verbos flexionados, sobretudo, deixar, vir e trazer, em
que a relação se torna explícita, pressupõem que a cidade não possui dinheiro e que seria a
Feira, com o movimento comercial gerado por ela, que a aliviaria dessa situação. Nesse
sentido, a Feira adquire um importante papel econômico e social para as pessoas da cidade,
pois seria uma (ou a única) alternativa que muitas pessoas teriam durante o ano todo para
manter a sua subsistência. Isso fica patentemente comprovado quando se analisa o
desenvolvimento econômico do município e seu histórico atraso em relação aos demais
municípios da região.
21
Assim, não é de se surpreender que, utilizando o discurso do prejuízo para o tráfego
da cidade, alguns setores da sociedade congonhense liderados pelos comerciantes
21
Ver histórico da cidade, p. 112.
171
propusessem uma mudança em relação ao espaço ocupado pela Feira. Mas veja bem:
mudança, readequação, acomodação e acordo são as palavras mais utilizadas nas
narrativas para se referir ao remanejamento espacial da Feira e sua retirada do centro da
cidade. Isso porque, apesar dos “prejuízos” financeiros que ela acarreta para alguns setores
da economia local, todos, inclusive os comerciantes, acabam se beneficiando dela, seja pelo
volume de dinheiro arrecadado seja pela própria atuação direta ou indireta na Feira. Então,
a questão não é se desfazer da Feira mas adequá-la à dinâmica da cidade.
Assim, apenas uma acomodação entre as partes, entre os diversos atores
envolvidos Prefeitura, Igreja, comerciantes, população em geral –, a fim de estabelecer
uma zona de consenso para que haja uma coexistência mais harmônica possível entre
aqueles que exploram e dependem da Feira e aqueles que, a priori, são diretamente
prejudicados pela Feira. Mas não é sempre assim, que muitos comerciantes compram
produtos na própria Feira a fim de os revenderem durante o ano para a população local.
(034) em Congonhas, também, é o seguinte: que os comerciantes, quer dizer, os
comerciários, os caras que vendem no Jubileu, que têm comércio em Congonhas
mesmo, chega mais ou menos para 5h e meia, 6 horas, você pode ver que o
pessoal todo das lojas de Congonhas estão passeando no Jubileu, entendeu?
Quer dizer, eles são comerciários, m interesse em vender mesmo, mas de
tardinha, na hora que acaba o horário deles, eles m para o Jubileu aqui, para
saber se tem alguma novidade. [...] A gente até brinca com eles: “Já vendeu
bastante lá, agora vai comprar aqui, né?” (E19).
Os comerciários marcam e delimitam o seu espaço no centro da cidade e, por
extensão, o da Feira e o dos feirantes. Mas, além disso, eles se apropriam também dos
produtos e das novidades dos próprios feirantes e as revendem durante o ano para a
população da cidade. Assim, uma disputa entre comerciantes e barraqueiros não pelo
espaço físico que ambos irão ocupar – esta é apenas a dimensão mais visível dessa
172
competição –, mas, sobretudo, por mercados consumidores da população da cidade e de
outras cidades vizinhas, como pode ser inferido a partir do fragmento (36).
(035) Tem muito comerciante em Congonhas que no final do Jubileu eles
compram fardos e mais fardos de mercadoria que os barraqueiros não
conseguiram vender. Então, eles negociam. Às vezes, para não voltar com muita
mercadoria, eles vendem para os revendedores de Congonhas, até por um preço
mais acessível e tal (E03).
(036) Eu tenho conhecimento de barraqueiros que chegam aqui dia 5 com uma
carga imensa, e durante a festa eles contratam meninas daqui para irem nas lojas,
venderem nas lojas. E nas cidades vizinhas. Eles ficam rodando nas cidades
vizinhas para vender para os lojistas a própria mercadoria que estão vendendo
para os romeiros. Aí, quando acaba a festa, eles fazem a entrega com o que sobra.
O que não sobra, com certeza, eles voltam e buscam. Tem barraqueiros que vão a
São Paulo duas ou três vezes durante a festa [...] Vêm também para vender como
atacadistas (E04).
(037) De uns vinte anos para os próprios comerciantes compravam produtos
no Jubileu, guardavam nas lojas e vendiam para as pessoas que não compram no
Jubileu. Aí, quando o pessoal descobriu isso, acabou que todas as pessoas
guardam uma graninha para poder gastar no Jubileu. (E08).
Outra disputa recorrente que se em relação às práticas de apropriação e exclusão
dos espaços da Feira diz respeito à luta institucional entre a Prefeitura, responsável pela
organização do espaço público e pela manutenção da ordem pública, e a Igreja, que é a
responsável pelas festividades religiosas e que participa, em parte, da organização
voluntária de ações coletivas ou sociais, como assistência social realizada aos pobres. Mas
a Igreja se limita às obras de caridade e não participa da organização da Feira senão por
meio dos aluguéis de seus espaços (que, no acaso, são espaços privados, pertencentes à
Arquidiocese de Mariana). Um exemplo dessa competição institucional pode ser
identificado pelo preço dos aluguéis dos espaços para a montagem das barracas, em que, de
um lado, a Prefeitura cobra determinados valores, de acordo com a hierarquização tácita
estabelecida a respeito do valor dos mesmos (hierarquização essa que, obedece a ordens
173
como a proximidade em relação à Basílica, pontos centrais em termos de movimentação e
nas esquinas das ruas).
Implicitamente, supõe-se haver uma disputa em termos de arrecadação, um
movimento da Prefeitura no sentido de aumentar os espaços da Feira
(038) Os barraqueiros pagam, começa a distribuição dos locais bem antes, eles
ligam e deixam agendado. Na verdade é Dar uma ajuda pelo espaço que eles
ocupam e pelas barracas que usam. [...] a padronização, como eles teriam que
pagar pela deles, que ainda teriam o trabalho de transportá-las, então a
padronização vem ajudá-los já que diminui a dificuldade até do transporte, além
de ajudar na organização da feira. Por isso os preços cobrados [...] A Prefeitura
o preço deles e nós damos um preço menor [...] muito trabalho organizar,
mas é recompensador. (E06).
É importante observar que o discurso da Igreja tende a colocá-la sempre numa
posição de auxílio aos outros, de favorecimento alheio, como pode ser visto pela excessiva
seleção lexical do verbo ajudar; mesmo nas relações comerciais este verbo é utilizado para
justificar a cobrança de determinados valores pelo aluguel dos espaços destinados às
barracas. Na frase “A Prefeitura dá o preço deles e nós damos um preço menor”, o
enunciador coloca-se, e também a instituição a que representa, a Igreja, num ponto
diametralmente oposto em relação a personagem coletiva Prefeitura. Enquanto esta seria
marcada pela racionalidade instrumental da ordem pública, alugando os espaços visando à
obtenção de arrecadação para a máquina pública, a Igreja se coloca como orientada por um
ideal de bondade e de caridade, despreocupada com questões financeiras e sim em ajudar o
outro, em atenuar as dificuldades dos trabalhadores.
Mas se a Igreja não está preocupada em arrecadar, por que ela orienta o preço dos
seus espaços públicos pelo preço praticado pela Prefeitura? Se há, de fato, uma real
intenção apenas em ajudar o próximo e se os preços cobrados pelos aluguéis se justificam
tão somente a fim de cobrir as despesas incorridas pela Igreja (que não possui nenhum ônus
174
em relação à organização da Feira, apenas das cerimônias religiosas, que são
tradicionalmente realizadas, independente do número de fiéis) por que há uma preocupação
com a competição no aluguel dos espaços?
Como não existem evidências de que a oferta de espaços é maior do que a procura, a
estratégia adotada pela Igreja de reduzir os preços cobrados pelo aluguel de sua área não
tem relação com a competição, mas legitima a sua cobrança com base em uma referência
qualquer, que no caso em questão, é a Prefeitura que é outro ator institucional que age,
teoricamente em benefício da população. Nesse sentido, a estratégia utilizada pela Igreja
soa como uma forma de se isentar perante a sociedade, mostrando que ela não tem
preocupações econômicas, o que seria evidenciado pelo baixo valor dos alugueis dos
espaços. É interessante ressaltar que fica silenciado porque a Igreja não se compara ao valor
cobrado pelos alugueis particulares.
Contudo, o que se infere dessa questão é que a seleção lexical recompensador
utilizada no trecho (038) revela pelo menos dois implícitos: um pressuposto, que diz
respeito ao fato de a Igreja ser recompensada, no plano tanto imaterial, ou seja, da sua fé,
pela ajuda aos outros, quanto material, pois sem a entrada de recursos financeiros seria
inviável a realização de suas diversas obras de caridade e, até mesmo da organização da
cerimônia religiosa do Jubileu.
o implícito subentendido a que se chega é que o “recompensador” seria o fato de
que, além de atrair uma multidão de fiéis para celebrar as festividades religiosas do Jubileu
anualmente, o que mostraria a influência que ainda tem sobre boa parcela da sociedade, a
Igreja arrecadaria uma volumosa recompensa (ou contrapartida) pelos seus atos praticados
em benefício dos outros, conforme explícito no fragmento (039).
175
(039) A Igreja, ela tem uma arrecadação, que talvez nem eles vão ter coragem de
falar quantos eles ganham mesmo, isso não é coisa de esconder, porque cada
romeiro que entra ali na Basílica, é igual a gente quando vai à Aparecida, tem que
dar um trocadinho mesmo. E o romeiro (dá o dinheiro), e esse dinheiro é levado
para a secretaria. Essa secretaria é que faz a coordenação de todo esse dinheiro.
Então, se aumentou ou se diminuiu, a gente não pode ter nem idéia se
aumentou. Mas eu acredito que aumentou, porque se aumentou o número de
gente (E04).
A despeito disso, o que se verifica é que até 2006 a Igreja era a segunda maior
arrecadadora em termos financeiros com o aluguel dos espaços para os barraqueiros, devido
à grande quantidade de imóveis que ela possui, sobretudo no entorno da Basílica do Senhor
Bom Jesus (onde ocorrem as celebrações religiosas) e no seu entorno da Feira, o que lhe
propicia vários metros de fachada a serem alugados e, também, ao fato de seus espaços
estarem mais próximos à Basílica onde ocorre o maior fluxo de pessoas, o que,
conseqüentemente, aumenta a probabilidade de vendas e torna, portanto, os aluguéis desses
espaços mais caros.
Porém, não é apenas no plano institucional que se dão as disputas pelos espaços e as
práticas de exclusão e inclusão territorial. No âmbito interno da Feira, ou seja, na sua
dimensão intra-organizacional, também é possível verificar uma disputa entre os próprios
barraqueiros. Isso ocorre em virtude do seu posicionamento nos espaços mais privilegiados
dentro da Feira, aqueles onde a possibilidade de vendas é maior devido a sua localização (o
que, conseqüentemente, influi no preço do seu aluguel) e à tentativa de adquirir um
monopólio espacial, ou seja, de evitar que concorrentes atuem num determinado espaço ao
seu redor. As disputas por espaços dentro da Feira ocorreriam por meio do emprego de
práticas de exclusão e inclusão, ou práticas de territorialidade (AGNEW, 1994; SANTOS,
1979).
176
No espaço interno da Feira, esses dois elementos a hierarquização dos espaços e a
fuga da concorrência é que seriam os dois principais pilares da organização e mediação
dessa disputa. Antes de abordá-los, é importante verificar quais são os principais
personagens que aparecem nas narrativas enunciadas pelos entrevistados: de um lado,
surgem os barraqueiros de fora da cidade; de outro lado, os barraqueiros da própria cidade.
Esses dois grupos seriam mediados pelos arrendatários dos espaços, que no caso da Igreja e
da Prefeitura, que juntas arrendaram um total de 73% do espaço da Feira em 2007, são
encarregados de alugar os espaços pelos preços cobrados sem fazer distinção de um
locatário para o outro.
No caso dos particulares, esse aluguel é tratado diretamente com os proprietários.
De um lado, a questão fica mais complexa pelo fato de que cada proprietário escolhe o seu
locatário, mas, de outro, como essa é uma prática tradicional e centenária na cidade, os
proprietários e os arrendatários acabam constituindo laços de amizade e de confiança,
sendo praticamente os espaços reservados para os mesmos barraqueiros de um ano para o
outro, tendo barraqueiros que fazem isso mais de quinze ou vinte anos, os quais quando
morrem, deixam seus filhos em seus lugares, mantendo assim, uma tradição comercial e
relacional com a cidade e com os proprietários das fachadas de aluguel.
(040) E são tradicionais. muitos e muitos anos que eles ficam naquele
mesmo ponto. Até o romeiro, parece que ele decora a posição de determinada
barraca. A gente que mora em Congonhas tem uma noção: Em tal casa,
na frente de tal casa está tal mercadoria”. O barraqueiro que ficou naquela
casa é o mesmo que vai ficar no outro ano, porque eles já fazem um compromisso
amigável de confirmação. É o caso que eu te falei do meu lote. Eu aluguei e
estou sabendo que eles estão vindo mesmo no próximo ano. O que ele tem que
fazer? Me confirmar (E04).
177
Vale ressaltar que a própria relação comercial contribui para configurar a
organização do espaço e sua percepção por parte dos atores sociais, como fica evidenciado
no trecho em negrito.
Com relação à hierarquização, vale ressaltar que os espaços principais e mais caros
são aqueles da rua da Ladeira, que sai do centro da cidade e segue em linha reta até a
Basílica. Essa rua é praticamente tomada em toda a sua extensão por moradores da cidade,
convertendo-se, assim, seus terrenos e fachadas em aluguéis para os seus proprietários.
Nessa parte da Feira, os aluguéis são tradicionalmente acordados com os proprietários,
que geralmente mantêm os mesmos locatários de um ano para o outro. Aqui, a locação se
dá por dois critérios: preço e tradição.
um sentimento de apropriação relacionado e expresso pela própria tradição,
parecendo quase que uma heresia o ficar no mesmo lugar para o barraqueiro. Já para o
locatário romper com um locatário antigo implica a dúvida, econômica e psicológica, diante
da confiabilidade do novo locatário: Será que vou receber dele? Será que ele é confiável e
não irá me expor (nem a minha família) ao risco?
(041) Nós adquirimos essa casa em 1970 e mudamos definitivamente em 74.
Mas de 70 a [...] são uns 4 anos, na época da festa, não só o Jubileu, mas também
a Semana Santa, a gente vinha para Congonhas. Então, de 70 a 2007, já tem
seus quase 40 anos. Quando nós chegamos para essa casa, nós já recebemos a
casa com uma vasta clientela. Igual eu te falei. s chegamos, nós já recebemos
uma determinada clientela. E fomos conservando essa clientela. Hoje nós temos
fregueses que nós praticamente pegamos como criancinhas e já são até pais.
Adolescente, foi crescendo, crescendo, e está num ponto que hoje faz a
introdução. Para você ter idéia, eu tenho fregueses que às vezes o avô manda o
neto me procurar e fala: “Não cobra nada do meu neto, que o dia que eu for aí, eu
lhe pago”, de tanta confiança que a gente tem um com o outro (E04).
(042) A frente da minha casa aqui tem mais de 30 anos que são os mesmos. Eles
ligam, telefonam [...] Em julho, mais ou menos, junho, julho, eles ligam para
reservar: “Nós vamos e tal”. E aqui, no nosso caso aqui, são sete barracas, que
ficou um cara só; uma pessoa só que aluga tudo (E03).
178
No caso dos demais espaços, em que a alocação, além do preço, dá-se também pela
fuga da concorrência, os mediadores desse aluguel que irão alocar as barracas têm um papel
central na organização da Feira, da concorrência (e também, possivelmente, sobre o retorno
financeiro dos barraqueiros), pois
(043) o próprio senhor que aluga para o padres, ele já tem esse conhecimento e é
ele que vai alugar para o pessoal de Congonhas também. Então, ele já fala:
Aluguei tal lugar para o povo de Aparecida”. “Não, então me coloca em
outro lugar”. [...] O pessoal de Congonhas fica bem próximo à Basílica. Porque
o sujeito, o rapaz que aluga para a Basílica é amigo deles. E o valor é o mesmo.
Então vai concentrar tudo pertinho da Basílica. A primeira barraca da
Basílica já é pessoal de Congonhas (E04).
O trecho (043) é muito rico em termos da análise dessas práticas de
apropriação/exclusão, pois nele surge de modo explícito a personagem “senhor que aluga
para os padres”, de onde, por implícito pressuposto, infere-se que o espaço a ser alugado é
da Igreja para se referir ao encarregado da Igreja para organizar o espaço pertencente a
esta e cobrar os aluguéis.
Nesse trecho, o enunciador utiliza o recurso da polifonia para legitimar o seu
discurso, transferindo a responsabilidade para os personagens por ele enunciados, os quais
(encarregado pelo aluguel da Igreja e barraqueiros de Congonhas) têm a função de se
aproximar da realidade. A relação de conteúdos entre “aluguei tal lugar para o povo de
Aparecida” e “então me coloca em outro lugar”, deixa o implícito subentendido de que
um temor da concorrência por parte dos barraqueiros de Congonhas em relação ao povo de
Aparecida (personagem explícito que se refere aos barraqueiros de Nossa senhora de
Aparecida). Esse temor é silenciado no trecho (043), mas aparece explícito em outro trecho.
No trecho (043) fica explícita a relação de favorecimento dos barraqueiros de
Congonhas (“pessoal de Congonhas) por parte do encarregado dos aluguéis da Igreja
179
(“senhor que aluga para os padres”), que é motivada pelo tema também explícito da
amizade. Ou seja, em nome dessa amizade é que um favorecimento, pois “o valor é o
mesmo”, escolha lexical que é utilizada para justificar aquele favorecimento pessoal e o
fato que deriva disso, o favorecimento coletivo aos barraqueiros de Congonhas. Esse último
pode ser percebido pela relação de conteúdos entre o implícito “a primeira barraca [...] é
[...] de Congonhas” e “concentra tudo pertinho da Basílica”, de onde se extraem dois
implícitos importantes: um pressuposto, o de que uma política de concentração espacial
de pessoas de uma mesma característica em determinados lugares a partir de uma dada
definição (que, no caso, é a definição da primeira barraca); e o implícito subentendido de
que essa primeira barraca alugada para o pessoal de Congonhas levará à apropriação desse
espaço no entorno da Basílica, que é um espaço privilegiado pela sua localização e seu
volume de pessoas, por parte dos barraqueiros de Congonhas. Conseqüentemente, a
exclusão dos barraqueiros que são de fora desse espaço, que uma política de defesa
dos melhores espaços para aqueles que são da cidade, numa tentativa de colocar quem é da
cidade nos melhores espaços, para lhes dar maiores chances de negócios e, com isso manter
uma parcela maior do fluxo financeiros que é gerado na Feira dentro da cidade.
O tema explícito do temor, que remete ao tema implícito da concorrência, que antes
tinha sido silenciado naquela passagem da narrativa, agora se torna explícita por meio dessa
explicação, em que o entrevistado relata o processo de comercialização dos barraqueiros de
Congonhas. No trecho (044), o personagem mobilizado “eles” refere-se aos barraqueiros de
Congonhas, revendedores de pequena escala, que trabalham com a revenda de artigos
religiosos, tema explícito em “comércio religioso” entre esses e a personagem “atacadista
de Aparecida”, que, por sua vez, seria revendedores de grande escala. Se no fragmento
anterior uma exclusão dos “barraqueiros de fora” dos locais nobres arrendados pela
180
Igreja e um favorecimento dos barraqueiros de Congonhas, no fragmento (044) o que se
verifica é uma inclusão dos barraqueiros de fora na Feira, mas por intermédio dos
barraqueiros da cidade.
(044) [...] eles vão até Aparecida, chegando em Aparecida. Eles compram as
mercadorias e trazem para eles venderem aqui. Esse é o povo de Congonhas que
vão a Aparecida e compram. Durante a Festa, é o contrário. O próprio atacadista
de Aparecida é que vem de para vender para eles. Eles o têm o custo e nem
o trabalho de ir em Aparecida buscar. [...] é o comércio religioso. Esse
religioso que eu falo, junto com o Paraguai. O que de mercadoria do
Paraguai vindo de Aparecida... Muita quantidade. Muita quantidade. Paraguai que
eu falo também [...] porque a gente acostumou a falar Paraguai, mas é a
pirataria. Que é feita na região de Aparecida (E04).
O receio da concorrência se em virtude de os barraqueiros de Congonhas
revenderem os produtos dos barraqueiros de Aparecida, tanto na época da Feira quanto fora
desse período. Assim, o que se observa por meio da relação de conteúdos “eles vão até
Aparecida” e “durante a festa é o contrário”, é que fica implícito subentendido que - apesar
do contexto econômico concreto, onde predomina a relação de competição entre os agentes,
mas - também espaço para a potencialização dos ganhos por meio de parcerias
oportunistas entre os barraqueiros de Congonhas e os de Nossa Senhora de Aparecida, a
qual se em âmbito comercial que se estende durante o ano, além da festa, implícito
pressuposto derivado de “eles vão [...] e durante a festa”, ou seja, ela ocorre tanto antes e
depois da festa quanto durante a mesma. Mas durante o ano, em que a ausência dos
concorrentes e fornecedores de Aparecida na cidade, pode-se supor que os barraqueiros de
Congonhas consigam revender os produtos adquiridos com relativa facilidade, que não
há uma concorrência direta em termos de produto e preço. Porém, durante o Jubileu,
quando os barraqueiros de Nossa Senhora de Aparecida chegam à cidade para vender os
181
seus produtos também, torna-se necessário que os dois tipos de barraqueiros se situem
longe uns dos outros para que eles consigam efetuar as suas vendas.
(045) porque eu tenho preço de fabricante. Fabricante tem preço, né? Se
tiver uma barraca vendendo por dez, eu posso abaixar a minha e vender por oito,
preço de custo, que é esse preço, né? (E16).
Automaticamente, os próprios barraqueiros de Congonhas buscam uma
localização de suas barracas distante da localização das barracas de quem vem de Nossa
Senhora de Aparecida, pois como os de Congonhas são revendedores, obviamente eles
necessitam adicionar uma determinada margem de lucro para que seu negócio se torne
economicamente viável. Mas, além disso, a questão da técnica de venda que diferencia
os barraqueiros de Congonhas dos de Aparecida, pois estes “são especialistas em depenar o
romeiro”, conforme o fragmento abaixo.
(046) Geralmente, alugam numa área onde eles vão ficar distantes do pessoal de
Aparecida, por causa da técnica que o pessoal de Aparecida tem de comércio. E o
pessoal daqui é mais humilde. Talvez não tem muita facilidade de [...] de chamar
atenção não, de fazer bom negócio. E isso o pessoal de Aparecida faz qualquer
coisa. Eles não deixam o romeiro sair. São especialistas em depenar o romeiro.
(risos). Mas eles são bons negociantes. E o pessoal de Congonhas prefere ficar
longe deles (E04).
No trecho (046), o uso do vocábulo depenar, que denota o sentido da ação de
extrair tudo aquilo que o outro tem. Mas é interessante o sentido metafórico em que é
utilizado, pois o personagem romeiro é colocado em uma situação de inferioridade, como
se fosse uma presa solta num terreno cheio de predadores que estão disputando a sua
captura, à captura do seu dinheiro. Esses predadores seriam os barraqueiros: de Congonhas
ou de fora.
182
Outro ponto importante é a comparação entre os barraqueiros de Congonhas e os de
Aparecida, em que a estes é atribuída a superioridade comercial (e concorrencial, como
foi visto) e técnica, pois “são bons negociantes”. E como os barraqueiros de Congonhas são
“mais humilde[s]” e “não têm muita facilidade [...] de chamar a atenção”, eles não
conseguem se destacar em relação aos seus concorrentes, e por isso preferem ficar longe
deles. Nesse sentido, uma subversão da própria lógica de apropriação/exclusão antes
dominante. Pois embora os barraqueiros de Congonhas sejam favorecidos na ocupação dos
espaços alugados na Feira, eles mesmos buscam se distanciar dos seus concorrentes em
virtude se sua fragilidade concorrencial, que revendem os mesmos produtos de seus
concorrentes e a um preço mais elevado. Assim, uma auto-exclusão dos barraqueiros de
Congonhas, a fim de, ao menos parcialmente, obter algumas vendas para os públicos que
freqüentam os outros pontos da Feira e que talvez não consigam ou o vejam os seus
barraqueiros de Aparecida. Mas, de qualquer forma, o comércio, sobretudo de artigos
religiosos e, em grande parte, de produtos falsificados (“pirataria”) dá-se entre os
barraqueiros de Congonhas e de Nossa Senhora de Aparecida.
Mas na Feira a maior parte dos barraqueiros vem de fora, e se quem domina a cena
no setor de produtos falsificados e artigos religiosos é o pessoal de Nossa Senhora de
Aparecida. Isso se repete no que se refere aos outros setores da Feira.
(047) Mas 90% do assunto aqui a procedência é do Brás. Do artigo calçado,
roupas, e assim por diante. O artigo religioso é Aparecida; brinquedo é Belo
Horizonte; malharia é Juiz de Fora; fruta é Belo Horizonte [...] Tem um comércio
muito grande de fruta: maçã, uva [...]. E o pessoal daqui mesmo fica mais com
a parte de alimentação. É o mínimo de pessoas que trabalham com artigos
religiosos (E04).
(048) Mas a parte de comércio é muito forte e está cada vez mais forte, porque o
comerciante que vem aqui é o pequeno comerciante, aquele é mais sacrificado,
aquele cara que tem uma fabricazinha em São Paulo, em Santa Catarina [...]
Então, assim, eles m de feira em feira, para tomar meios de vendas para o
produto deles (E03).
183
(049) Eu sou de fora da cidade. Eu sou de Belo Horizonte. Eu moro em Belo
Horizonte, tenho uma fábrica , fabrico lá, vendo para a Feira de Belo
Horizonte, a Feira da Afonso Pena. E, além de atender a Feira da Afonso Pena, eu
ainda trabalho para cá também (E18).
No trecho (049), identifica-se que o tipo de produto está concentrado em
barraqueiros de uma dada procedência e fica explícito que, em contraposição aos artigos
religiosos, que são a minoria dos objetos comercializados na Feira, a grande maioria de
barraqueiros é de um bairro da cidade de São Paulo, mais especificamente de um pólo
industrial, o Brás. É justamente na Feira que esse pólo de pequenas fábricas encontra
espaço para desaguar as suas mercadorias populares, pois a Feira reúne características
ideais para isso: demanda verificada, grande fluxo de pessoas, proximidade do centro
produtor e, o mais importante: zona livre de impostos, pois como não fiscalização sobre
esses produtos que são ali comercializados, não controle do Estado sobre a arrecadação
de impostos. Como isso, essas pequenas fabriquetas do interior de vários estados encontram
um terreno fértil para a prosperarem, já que essa ilegalidade é o que permite, em muitos
casos, a sobrevivência econômica dessas empresas.
4.4.2.4 A percepção do espaço
No quarto e último tema deste percurso semântico
a percepção do espaço –,
tratou-se das características espaciais, como a organização do espaço, e que manifestam as
conformações simbólicas e ideológicas que legitimam e justificam uma dada organização
(ou desorganização) do espaço. Este tema faz parte simultaneamente do discurso religioso e
184
do discurso econômico, que se misturam e se alternam nessa grande narrativa da história da
Feira, funcionando como uma ponte que liga os três percursos semânticos: das
transformações socioistórico-culturais, da espacialidade e da identidade. Por razões
didáticas, optou-se por trabalhá-lo aqui para evitar repetições (embora esse tema apareça
sempre, ainda que de maneira implícita, nos demais percursos semânticos).
No fragmento discursivo abaixo (050) pode-se observar a percepção de como o
espaço era organizado anteriormente à mudança em que a Feira cruzava a cidade, indo de
um lado da Igreja Matriz da Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade, descendo o
morro em linha reta e cruzando o pontilhão até chegar à Praça Dom Helvécio onde
começava a subir a rua da Ladeira ia até a Igreja da Basílica do Senhor Bom Jesus do
Matosinhos. A esse tipo de organização espacial (conforme evidenciado no item 4.4.2.1) o
enunciador chama de corredor histórico, justamente pelo fato de ir de uma igreja a outra
passando pelo centro histórico da cidade. Mas além dessa área ocupada antigamente, até
início da década de 1990, um outro tipo de organização, aquela formada por produtos,
onde a seleção lexical “do lado de lá” é utilizada para se referir a parte da Feira que
ocupava o entorno da Igreja Matriz de Congonhas. Parte essa que é associada aos produtos
do gênero alimentício, explicitamente designados pelo alho e pela figura metonímica
“alimentação” de um modo geral. Vale ressaltar a utilização do vocábulo “aglomeravam”,
que deixa de modo implícito, pressuposto, a organização espontânea, ou seja, sem nenhuma
intervenção direta da prefeitura sobre essa organização. Dessa forma, a percepção ligada ao
espaço anteriormente ocupado está ligada ao tipo de uso e de produtos que das barracas que
se instalavam nele. É possível inferir, por meio de um implícito subentendido, que já
naquela época essa organização tácita que se estabelecia no espaço da Feira estava
relacionada com o valor agregado dos produtos, sendo os espaços mais próximos da
185
Basílica do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos os mais valorizados e por isso ocupado
pelos produtos de maior valor. Enquanto que no outro extremo se concentravam os
produtos de baixo valor agregado, como os gêneros alimentícios de um modo geral.
Produtos esses mais voltados para os residentes da cidade e, que não necessariamente os
visitantes iriam comprar.
(050) Porque as barracas, elas atravessavam o centro, por esse corredor histórico
e subiam a ladeira da Matriz e iam até na igreja da Matriz. Desse lado de você
tinha outros artigos. De certa forma, as pessoas se aglomeravam assim por
artigos, né? Por exemplo, os vendedores de alho, eu lembro que do lado de
você encontrava mais facilmente o alho, às vezes, alimentação [...] (E07).
Se a percepção do espaço antes estava associada a sua organização informal,
estabelecida pelos próprios barraqueiros, a percepção recente do espaço da Feira (após a
mudança) evidencia que os outros produtos que estavam na área que deixou de ser ocupada
pela Feira passaram a integrar o espaço perto da Basílica. Mas isso não ocorreu de qualquer
forma, de um lado a organização espontânea ou a “aglomeração” por parte dos próprios
barraqueiros continuou a existir, só que agora organizada não por setores, mas sim em
função da região de origem dos barraqueiros o que não necessariamente exclui a
possibilidade de a maioria deles atuarem num mesmo setor, mas pressupõe a existência de
diversidade dentro dos produtores de uma mesma região.
(051) Nas proximidades da Basílica, até para a gente ter um desenho. Eu
não sei se a área das palmeiras será alugada esse ano. Eu não sei. Mas na área das
palmeiras uma concentração de barraqueiros vindo de Goiânia. Toda a turma
de Goiânia fica nas proximidades das palmeiras. Depois, você pega a frente, o
passeio do Cardoso Osório, que é uma escola, lá está localizado mais o pessoal do
Brás. Logo aqui na rua paralela, perto da minha casa, é esse passeio, fica mais o
pessoal do Brás. Então, sem querer, fazer a separação. Outro fato curioso [...] Na
Alameda, fica o pessoal de Goiânia e São Paulo. O início é Goiânia. A Ladeira é
o atacadista maior, geralmente é o barraqueiro dono de loja, que vem de São
Paulo. Praticamente ninguém [daqui de Congonhas fica na (Ladeira)]. A Rua
Aleijadinho é praticamente dominada pelo pessoal de Aparecida. A curiosidade é
o pessoal de vasilhames, plásticos e alumínios, que geralmente fica na ponta da
Festa, ou em cima ou embaixo. Por quê? Porque o romeiro deixa para comprar
186
por último, porque é material maior. Por exemplo, balde, vasilha de plástico,
alumínio, caldeirão [...] material grande. Eles deixam para comprar na hora de ir
embora. Então, eles já ficam na ponta da festa. Não, não sei. O pessoal de
alumínio, que é o barraqueiro ambulante, é o pessoal do Norte. Agora, de qual
estado que é que tem o alumínio eu não sei de onde é, não. Mas é esse pessoal
nordestino que fica vendendo de mão em mão, né? [...] (E04).
É importante observar que no fragmento (051) a percepção do espaço, evidenciada
por um entrevistado, está associada a sua organização e disposição de barracas, segundo a
origem dos barraqueiros e o tipo de produto comercializado. Estas duas características
parecem ser elementos ancorados da representação da organização do espaço junto aos
freqüentadores da Feira, de modo geral, uma vez elas representariam metonimicamente
uma forma de leitura e inteligibilidade do mesmo. Tal inferência pode ser corroborada pelo
fragmento (052), em que a explicação utilizada pelo enunciador está explicitamente
associada à organização do espaço, pois “o mesmo barraqueiro monta ali, vende o mesmo
produto naquele mesmo local”. Assim, o espaço se mostra como uma forma de aprender as
próprias características da Feira como um todo, de sua “sistemática” – seleção lexical
utilizada para fazer referência metafórica ao funcionamento.
(052) A Festa do Jubileu, a Feira, né, comercial do Jubileu, ela tem assim uma
sistemática que todo ano parece que está igual. Se você quer uma leitura no
geral, parece que todo ano ela é igual. Às vezes, o mesmo barraqueiro monta
ali, vende o mesmo produto naquele mesmo local, sem estar: “Esse ponto de
fulano, esse ponto é de beltrano”. Então, tem o nome das pessoas que m.
Então, assim... E com essa questão agora dos importados, então a gente que
está tendo esse redimensionamento nesse sentido. Mas, assim, o espaço, o fluxo,
parece que a gente está num ano, vai para o outro, parece que a festa é a mesma
(E05).
187
Figura 12: mapa do espaço ocupado pela Feira atualmente segundo origem e produto
Fonte: Programa Monumenta, Prefeitura de Congonhas (2007). Adaptado pelo autor.
Legenda:
Amarelo: área das Palmeiras origem: Goiânia; produto:
vestuário;
Caqui: área do passeio do colégio Cardoso – origem: Brás
(SP); produto: variedades, artigos pirateados como CD’s e
tênis;
Verde claro: área do final das Palmeiras origem: São Paulo;
produto: variedades e pequenas peças de vestuário;
Marrom: rua Aleijadinho origem: Nossa Senhora de
Aparecida; produto: artigos religiosos e pirataria;
Vermelho: rua da Ladeira e praça Santo Afonso – origem: São
Paulo; produto grandes confecções de roupas (jeans, malharia),
brinquedos importados e tênis;
Azul: extremidades da Feira: origem: não identificada
(nordeste), pessoas da cidade; produto: ferramentas e utensílios
de alumínio, e alimentação – respectivamente.
188
Se, de modo geral, a leitura da organização do espaço (e sua representação) é a
forma que as pessoas têm tornar inteligível a sua relação com o espaço; isso não quer dizer
que a organização espacial represente, de fato, uma organização de sua sistemática. Isso
porque, enquanto para uns a percepção da Feira como um todo, e de sua sistemática, não
necessariamente reflete a mesma “organização” que se tem da percepção espacial. No
fragmento (053), por exemplo, o enunciador, partindo de uma observação da Feira com
base no seu modo de funcionamento, defende que as várias ações dos atores sociais sobre o
espaço nem sempre estão coordenadas, o que se traduz na desarticulação entre elas e,
conseqüentemente, em ações que se contrapõem e desorganização tanto a Feira quanto a
Festa do Jubileu. Vale ressaltar que o imbricamento explícito no fragmento (053), em que a
percepção do enunciador mescla a Festa, a Feira e o espaço. Ao defender a sua idéia de
desorganização, inicialmente, ele se refere à Festa, a fim de englobar todos os fluxos de
ações que se desenrolam durante o Jubileu, englobando assim a Feira e seu espaço. Esse
imbricamento é expresso pela relação ambígua entre Festa e Feira, pela relação entre Feira
e espaço, que é metaforizada e metonimizada pela manifestação de ações sociais no espaço.
Mas para evidenciar e justificar o seu argumento, o enunciador recorre a desorganização da
Feira, por meio da seleção lexical dos vocábulos padronização, barracas, topografia,
pedaço de ripa, estacionamento, desorganização na hora de ir, de subir a ladeira, etc. por
meio dessa crescente enumeração de apostos, chega-se ao implícito pressuposto, de que os
mesmos estão relacionados ao espaço e à sua falta de organização, o que, em última
instância, seria uma responsabilidade da Prefeitura, personagem explícita responsável pela
organização da parte profano da Festa – ou seja, da Feira.
(053) Eu considero como a Festa mais desorganizada que eu já vi na minha vida.
[...] A Prefeitura quer padronizar as barracas de toda maneira. Muito legal isso aí,
189
que a topografia da cidade não vai oferecer tanta condição de padronização.
Então, ainda há aquelas barracas com lona, com plástico, com papelão, com
pedaço de bambu, com pedaço de ripa, com [...] tudo, para proteger e montar a
barraca. Então essa é uma desorganização. Desorganização no estacionamento. É
um transtorno para o povo estacionar os carros. Desorganização na hora de ir...
que é terminada as missas, tumulto de gente descendo pela ladeira. Deviam fazer
um sistema que nem Aparecida, que tem a divisória e a passarela. Mão e contra
mão. O povo desce, [...], tem hora que não vai nem para frente e nem para trás, de
tanta gente. Então, essa é uma desorganização. Nos últimos dias, depois que
termina a festa, os padres pecam; termina dia 14, não vêm nem um padre mais na
cidade. Os romeiros continuam vindo. No dia 15, por exemplo, com 20 mil
pessoas, tem uma missa às 6h e meia da manhã, depois não tem nenhuma
missa mais, nenhum padre para dar atenção para os romeiros (E04).
Além da responsabilização da personagem Prefeitura, no que tange à parte profana
da Festa, o enunciador também responsabiliza a Igreja, que é responsável pela organização
da parte religiosa do Jubileu, conforme pode ser observado a partir da ausência de padres na
cidade após o término da Festa. Por outro lado, ao se considerar os fatos que ocorrem na
Festa e na Feira, a percepção se pauta não no espaço, mas no evento, na sua temporalidade
e na sua freqüência, conforme implícito subentendido a que se chega, a partir de grandes
fatos, sempre, dia inteiro e dificilmente acontece um fato.
(054) Eu falo que é uma bagunça organizada é porque não acontecem grandes
fatos assim, sabe? Igual, por exemplo, você vai no centro de uma cidade grande
igual Belo Horizonte, tem sempre um assalto, tem sempre um nego correndo, um
nego querendo passar a perna no outro, não sei o que e tal. E tem muitos carros
buzinando. Aqui não, é bem silenciosa, é bem calma, sabe? O povo sobe e desce
o dia inteiro. Então, dificilmente acontece um fato assim de uma pessoa sair
correndo. Todo mundo até fala que isso é parte da parte religiosa (E03).
Se, por um lado, a percepção da Feira está associada ao espaço, e a da Festa como
um todo está associado à sua sistemática, quando mencionada por parte dos participantes da
Feira e dos moradores da cidade; para os barraqueiros a percepção da Feira está relacionada
ao espaço, físico e simbólico, no qual ela se insere e também ao significado do espaço
190
como meio de sobrevivência, o que fica explícito quando se menciona as outras Feiras das
quais eles participam.
No fragmento (055), também enunciado por um feirante, observa-se que a imagem
negativa que se tem da Feira após a sua mudança de espaço está relacionada com fato de
mais pessoas estarem participando a cada ano, o que interferiria diretamente nas receitas
geradas pelo negócio. Esse aspecto será explorado com mais detalhes no percurso
semântico da identidade, onde será abordada a questão da informalidade da Feira e sua
relação com as estratégias de sobrevivência dos feirantes.
(055) Ah, piorou por causa das mudanças, né, que foi mudando, mudando. Essas
barraquinhas encheu. É muito movimento de barraquinhas. Aí, o [retorno
do] nosso negócio varia de ano para ano (E15).
(056) Só a mudança mais ruim que a gente achou foi botar aquela pirâmide. Todo
mundo achou. Ninguém está gostando. A gente não gosta, sabe por quê? Porque é
pequena. Como que vai botar uma piraminha que é desse tamanho, do meu
tamanho, como que vai expor mercadoria? Não agüenta peso [...] A única coisa
ruim, foi a mudança que fizeram. Se fizessem umas pirâmides que servissem para
a gente, que fossem altas, a gente ficava satisfeito, mas é uma coisa que não vale
nada (E16).
no que se refere à percepção do espaço no seu sentido simbólico, pode-se inferir
que o espaço da Feira é representado e manifestado como um espaço de sobrevivência. Um
espaço que está ligado à forma de sustento do barraqueiro e de seu grupo familiar. É da
Feira e, na Feira, que eles extraem o seu sustento. Tanto que os barraqueiros não participam
de apenas uma feira, mas de várias. Nesse sentido, eles são considerados como
profissionais desse ramo de negócio. Inclusive já há um calendário de feiras que eles
seguem durante o ano, como fica evidente no fragmento (057).
(057) Trabalho em Conceição do Mato Dentro, trabalho em Bocaiúva, trabalho
em Iguape, São Paulo, trabalho em Machado, trabalho em Três Pontas, trabalho
em Catalão, em Goiás, e trabalho em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. [...] Os
outros vão passando, né, falando que tem feira em tal lugar, tal lugar e a gente vai
191
seguindo o roteiro. E como sobra produto, porque ainda vai chegar uma “carrada”
aí. daqui eu já vou para outra, tem que ter bastante mercadoria. Eu vou para
Catalão [...] tudo na minha vida é essa festinha, né? Porque se sobrevive dela.
E para mim é muito bom, eu gosto de trabalhar em festinha é aqui que dá pra
mim sobreviver.
Segundo informações coletadas junto com os entrevistados, foi possível traçar um
calendário de feiras que ocorre durante o ano e das quais a maioria deles participa,
conforme tabela 7.
Tabela 07: Calendário de Feiras mencionado pelos participantes
Período de Realização Nome da Festa Local
20 de janeiro Festa de São Sebastião Bambuí (MG)
21 de abril a 1 de maio Festa das Rosas na Basílica de São Jo Barbacena (MG)
1ª semana de maio Festa de São Benedito Angra dos Reis (RJ)
2ª semana de maio Festa de Nossa Senhora de Fátima Brasília (DF)
13 a 24 de junho Festa do Jubileu do Bom Jesus de
Matosinhos
Conceição do Mato Dentro
(MG)
22 de junho a 1º de julho Festa de Trindade Trindade de Goiás (GO)
Última semana de julho
(duração de dez dias)
Festa de Santa Rita Parati (RJ)
1ª quinzena de julho Festa do Senhor do Bonfim Bocaiúva (MG)
8 a 12 de agosto Festa de São Lourenço (MG) São Lourenço (MG)
6 a 15 de agosto Festa de Nossa Sra. da Abadia de Água
Suja
Uberlândia (MG)
Última quinzena de agosto Festa de São Benedito Machado (MG)
Durante o mês de agosto Festa do Bom Jesus na Paróquia Nossa
senhora das Neves
Iguape (SP)
Da última semana de setembro
ao dia 7 de outubro
Festa de Nossa Senhora do Rosário Porto Paranaguá (PR)
Em 14 de novembro Romaria de Nossa Senhora da Aparecida Passo Fundo (RS)
Fonte: dados da pesquisa.
É importante observar que todas as festas são de caráter religioso e que em todas
a realização de Feiras, nas quais são comercializados produtos com a grande quantidade de
fiéis e romeiros que se destinam a essas festividades. No caso, específico da Feira do
Jubileu do Bom Jesus de Congonhas, existem características particulares como a sua
antiguidade, tradição e quantidade de romeiros que a ela se destinam, o que a salienta em
192
relação às demais. Contudo, de modo geral, é possível estabelecer uma relação entre essas
feiras, e mais especificamente entre o espaço simbólico dessas feiras, no que tange a sua
interpretação por parte dos barraqueiros.
Para eles a Feira do Jubileu do Bom Jesus de Congonhas tem um espaço particular
que é representado simbolicamente como o seu meio de sustento. Vale salientar que há uma
sobreposição entre as categorias (representação da) Feira e (representação do) espaço, em
que, por vezes, a representação de ambas se confunde justamente pelo fato de ser num
determinado espaço que o evento feira se manifesta, sendo, portanto, a quase que
indissociável a representação dos dois.
Ainda no trecho (057) é possível observar que a seleção lexical trabalhar em
festinha, refere-se, de modo implícito pressuposto, às várias feiras das quais o enunciador
participa durante o ano. Mais especificamente termo festinha é mencionado como metáfora
do espaço, em que o barraqueiro retira o sustento para si e sua família.
De um modo geral, neste percurso semântico foi possível observar como o espaço
físico e simbólico possui uma dinâmica específica, cuja leitura e análise, por meio das
categorias propostas, revelaram que a dimensão da espacialidade está intimamente
relacionada com a dinâmica da identidade da Feira, uma vez que exprime concretamente a
forma pela qual determinadas relações sociais e organizacionais se manifestam espaço-
temporalmente, o que contribui para a construção de uma narrativa identitária dessa
instituição.
193
4.4.3 O percurso semântico da identidade
Como a questão da espacialidade foi abordada no capítulo anterior, por opção
teórico-metodológica, agora serão abordados os outros elementos que tradicionalmente
fazem parte de análise do conceito de identidade, embora, na maioria das vezes, tenham
sido considerados de forma parcial ao longo da análise. No seu conjunto, a espacialidade
agregada aos tradicionais elementos de análise, a partir de agora analisados, formam uma
proposta teórica de análise da identidade, defendida por esta dissertação.
O percurso semântico da identidade da Feira, conforme explicitado na seção 4.4
(p.121) foi constituído dos seguintes temas: a) centralidade, referindo-se às características
centrais dessa instituição, o que estaria por trás da sua essência ou sua natureza per se; b)
distintividade da Feira, referindo-se basicamente, ao modo como os atores sociais e
organizacionais participantes e constituintes da Feira se referiam a essa Feira e,
interdiscursivamente, a outras Feiras, no sentido de ressaltar as suas características
particulares que a difere das demais; e (c) temporalidade, referindo-se ao modo como a
Feira se manteve ao longo do tempo, e as características que contribuíram para essa
manutenção.
4.4.3.1 A centralidade
Com relação ao segundo tema, o da centralidade, o que se observou nas narrativas
dos entrevistados, em primeiro lugar, foi a confirmação e defesa do caráter comercial da
194
Feira, sendo esta justificada das mais diversas formas: desde o aproveitamento das
oportunidades econômicas oriundas da grande concentração de pessoas à necessidade de
sobrevivência mediada pelo trabalho informal nesta Feira.
Em segundo lugar, verificou-se, como assinalavam Albert e Whetten (1985) em
seu estudo seminal sobre o assunto, que no caso estudado aqui parece haver uma mistura
entre a identidade da Feira a identidade do evento religioso, da Festa do Jubileu do Senhor
Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas. Isso porque se, de um lado, existe a centralidade
do comércio no que tange à natureza intrínseca de funcionamento e existência de uma feira
qualquer; de outro lado, essa centralidade comercial precisa ser justificada e legitimada por
uma determinada motivação correspondente e complementar dessa ação social racional
com relação a fins. Ou seja, outros atores sociais precisam desempenhar ações sociais,
racionais ou não, que entrem em contato com as primeiras e as façam existir.
No trecho (058) As pessoas vêm por devoção, por [...] Depois elas vão fazer
compras”. Aqui, há o implícito pressuposto de que a personagem “as pessoas” se refere aos
moradores da cidade e aos romeiros, pois, por uma relação implícita de conteúdos, somente
esses dois grupos (ou seja, os consumidores) poderiam “fazer compras” de produtos de um
outro grupo: “os barraqueiros” personagem que aparece implícita nesse trecho. Além
disso, vale destacar que aqui fica explícita a motivação desses dois grupos de pessoas que
vão ao Jubileu: primeiro, a fé, e em seguida, o que necessariamente precisa acontecer, fazer
compras. Ou seja, a seleção lexical “depois” deixa de forma explícita a relação de
conteúdos entre as duas orações, em que a segunda está subordinada à primeira, e não quer
dizer que necessariamente ocorra, mas, ao mesmo tempo, gera uma efeito semântico de
complementaridade e continuidade de ações, o que corrobora o argumento de que uma
195
sobreposição entre a identidade (dependente) da Feira em relação à identidade
(independente) da Festa do Jubileu.
Aqui, pelo menos dois elementos foram identificados como possíveis motivadores
dessas ações: o reconhecimento da necessidade real por determinados tipos de produtos (ou
demanda por bens); e/ou o reconhecimento de uma necessidade de fruição (demanda por
lazer) que não necessariamente se finda no consumo. Assim, a centralidade da Feira, do
ponto de vista antropológico (enquanto um fenômeno que se estende além do mero caráter
comercial), envolve também a sua função de lazer, parte correlata e integrante às
festividades religiosas, pois funciona como um equipamento de suporte às mesmas.
No trecho (059), a centralidade da Feira, a sua razão de ser, a sua natureza intrínseca
(como se isso existisse por si só), é manifestada pelo enunciador a partir da motivação das
pessoas que se dirigem à cidade de Congonhas na época do Jubileu. No fragmento (059)
algumas questões relacionadas à centralidade da identidade da Feira são evidenciadas a
partir das narrativas dos entrevistados. Em primeiro lugar, fica explícita a divisão dos
participantes da Festa em dois grandes grupos de pessoas: de um lado, a personagem
coletiva implícita no fragmento (059), população da cidade; e, de outro, está explícita a
personagem, também coletiva, visitantes (pessoas de fora da cidade).
(059) Olha, 90% vem por causa da festa, 10% por causa do comércio. Talvez aí,
[...] essa porcentagem de comércio associa 50% que vem fazer os dois; vem
pelo aspecto religioso e vem pelo aspecto comercial (E04).
Desse segundo grupo ainda se faz uma nova divisão em dois grandes grupos, de
acordo com a motivação principal de cada um, como está explícito no fragmento: de um
lado, aqueles que vão à cidade motivados pela festa religiosa – personagem implícito
196
romeiros –; de outro, aqueles que se dirigem à cidade motivados pela oportunidade de
trabalhar na Feira, e com isso obter algum tipo de ganho econômico personagem
implícito barraqueiros –, implícito subentendido derivado de “por causa do comércio” e
“pelo aspecto comercial”. Mas é necessário identificar um terceiro tipo de motivação:
aqueles que vão para fazer compras na Feira. Mas nesse caso não um personagem
corresponde especificamente para essa motivação, sendo que ela abarca tanto uma parcela
dos moradores da cidade quanto uma boa parcela dos romeiros que vão a cidade movidos
pela fé (em primeiro lugar, ainda que possa haver outra motivação também subjacente).
Assim, extraem-se do trecho abaixo as personagens discursivas: a) moradores da
cidade, que freqüentam a festa religiosa, os que freqüentam apenas a Feira e aqueles que
freqüentam os dois; b) romeiros, que freqüentam a festa religiosa e os que freqüentam a
festa e a Feira; c) barraqueiros; d) os vendedores ambulantes (personagem do trecho 060).
No caso dos barraqueiros, a motivação baseada na racionalidade econômica está implícita
de modo pressuposto no conteúdo do trecho (060) “ele [feirante] es no comércio
informal”. Ou seja, se se está no comércio, o que prevalece é a racionalidade econômica
dos negócios e, portanto, a necessidade de se obter lucro. A partir desse mesmo conteúdo
citado acima, é possível extrair também outro implícito, pressuposto, de que esse lucro
obtido é por meio da informalidade, da estratégia de sobrevivência organizacional utilizada
pelos “comerciantes” e da estratégia de sobrevivência pessoal dos “ambulantes” em virtude
da elevada carga de impostos que emperra a abertura de empresas e a comercialização
formal de seus produtos no plano organizacional e, também, da elevada taxa desemprego
que afeta o plano individual. Ambas essas interpretações são derivadas, de modo implícito
subentendido, do conteúdo “no cenário nacional hoje, o mercado informal está crescendo
muito”.
197
A racionalidade econômica dos barraqueiros que participam da Feira e que, no seu
conjunto, compõem a Feira é justificada pelo comércio informal, pois é justamente essa a
característica da Feira (e das feiras de um modo geral, tanto o é que se chamam feiras
“livres” [de impostos]) é a ausência de impostos sobre as mercadorias que ali são
comercializadas, implícito pressuposto derivado de “sem pagar pelo menos um alvará”.
Essa ausência se pela falta de controle do fluxo de pessoas e do volume de produtos
que são comercializados; pelo tipo de produto comercializado (geralmente, naturais,
manufaturados ou industrializados mas de baixo valor agregado, e falsificados), e pelo tipo
de público a que esses produtos se destinam, que geralmente, são pessoas de baixa renda,
característica essa também verificada pela pesquisa Perfil do Romeiro da Diretoria de
Turismo da Prefeitura Municipal de Congonhas, de 2005. Implícitos, pressuposto derivado
de não tem como quantificar (060); subentendido derivado de objetos populares (061) e
desse grupo (061).
(060) Na realidade, todo feirante, ele está no comércio informal. Mas tem
aqueles que m e que nem montam barraca. Eles são ambulantes mesmo; ficam
carregando rede, carregando [...] vendendo agora, cerveja, refrigerante... Então,
esses não têm nem como contar, né? E a gente sabe que no cenário nacional,
hoje, o mercado informal está crescendo muito, né, tem um crescimento muito
grande. Então, assim, os que são comerciantes mesmo, os comércios populares,
que têm as barraquinhas, a gente tem um número mais ou menos assim
mensurado. Agora, os que vêm sem nem dar [...] sem pagar pelo menos um
alvará, a gente realmente não tem como quantificar, não (E05).
(061) Então, a gente mais de 50, quase 70% das pessoas que vêm, o nível de
escolaridade é baixo. Então, são pessoas assim que até os sonhos de consumo
não são tão altos também. Então, atende às necessidades desse grupo. Então, são
preços acessíveis... É o famoso “três por dez”. Então, às vezes, uma peça de
roupa que você compra em uma loja convencional por 20, 30 reais, você compra
três peças por 10 reais. Então, as pessoas têm escolaridade baixa. A maioria são
domésticas, agricultores [...] Então, são pessoas que não têm um sonho de
consumo muito grande. Então, os objetos populares, os produtos populares que
são comercializados atendem à demanda deles. Então, eles vêm realmente à
procura desses produtos (E20).
198
No trecho (061), o enunciador ainda revela que tanto o tipo de barraqueiro quanto o
tipo de cliente, seja ele morador da cidade ou romeiro, estão de acordo com o tipo de
produto que é comercializado na Feira. Ou seja, o próprio espaço em que a Feira se insere,
a saber, o contexto das festividades religiosas do Jubileu do Senhor Bom Jesus, por atrair
um público freqüentador de baixa escolaridade, baixa qualificação profissional e de baixa
renda, por sua vez, faz com que surja uma oferta condizente com esse tipo de público e que
seja capaz de atender às suas necessidades.
É interessante como o enunciador utiliza várias expressões eufemísticas, como
“sonhos de consumo o são altos”, “loja convencional”, “preços acessíveis” e “objetos
populares”, dentre outras para qualificar o tipo de comércio que se instala na Feira, o tipo
de produto ali comercializado e o tipo de cliente desses produtos, deixando de maneira
implícita subentendia a sua exclusão (ou não pertencimento) a esse grupo. Além de
servirem para classificar e qualificar a Feira e seus participantes e produtos, e, ao mesmo
tempo, como uma forma de o enunciador se afastar dela, um outro efeito semântico
criado por essa estrutura, que é legitimar a existência da Feira. Ou seja, a partir do
momento em que o enunciador coloca a sua função social de abastecer de produtos as
famílias de baixa renda, que sem essa opção possivelmente não teriam outra alternativa de
consumo, a Feira enquanto uma instituição econômica (MOTT, 2000) adquire também uma
legitimação social dada por e orientada para um determinado grupo social.
Outra questão interessante a ser ressaltada é a oposição discursiva entre as figuras
loja convencional e Feira do Jubileu, que aparece implícita no trecho (057). A própria
escolha do vocábulo convencional denota a sua conformidade em relação aos padrões
comerciais exigidos e estabelecidos como “o esperado de qualquer comércio”. Além disso,
de forma implícita subentendida, o convencional” no caso acima tem a função de designar
199
um tipo de comércio indistinto, comum, em que as lojas não têm um grande diferencial
umas em relação às outras, sendo esperado um tipo de produto ou uma determinada forma
padrão de relacionamento dos clientes com a loja. Nesse caso, ainda fica explícito que essa
loja se convenciona ou se torna padrão em relação aos preços. A loja convencional seria
aquele na qual os preços variariam de 20 a 30 reais, pois há, além da margem de lucro
retirada pela empresa, uma série de impostos municipais, estaduais e federais, o que,
conseqüentemente, eleva o preço final do produto. Em oposição a esse tipo de comércio,
surge o comércio alternativo promovido pela Feira do Jubileu figura discursiva implícita
no referido trecho –, que, por ser não-convencional, ou seja, não se sujeitar a convenções,
não se padronizar, não se enquadrar nas regras propostas e estabelecidas pelo comércio
formal (ou convencional), teria a capacidade de se diferenciar em termos competitivos em
relação ao primeiro tipo de comércio. Essa diferenciação se daria, sobretudo, pelo fator
preço, uma vez que as barracas da Feira, por não serem convencionais (e esse convencional
é aqui entendido, por implícito subentendido, como sinônimo de formal) ou formais, pois
se na loja convencional os produtos são vendidos a 20 ou 30 reais, na Feira são três peças
por 10 reais, economia essa que serve para abastecer famílias inteiras que fazem as suas
compras na Feira do Jubileu.
Mas o que faz a Feira do Jubileu ter preços tão baixos? A resposta a essa questão,
que fica silenciada no trecho acima, pode ser interpretada, por meio de dois implícitos
subentendidos: a) o de que a atividade não convencional é sinônimo de atividade informal;
e b) o de que os barraqueiros conseguem diminuir os seus preços por serem produtores e
com isso eliminar os atravessadores que inflacionariam os preços dos produtos até que
esses chegassem as lojas para serem revendidos aos consumidores finais, conforme coloca
o entrevistado no trecho (062): porque eu tenho preço de fabricante. [...] Se tiver uma
200
barraca vendendo por dez, eu posso abaixar a minha e vender por oito, preço de custo
[...](E16).
Mas se a Feira, com a centralidade de sua função econômica, ocorre para os
diversos atores que dela participam barraqueiros e o público consumidor, seja ele
residente na cidade ou romeiro –, o que fica claro é que essa função econômica da Feira
tem sentido e razão de ser por criar um espaço de consumo alternativo ao que é
“convencional”, que adquire uma razão própria de existência: a de atender economicamente
a demanda por produtos de um público específico que de outra forma, em outro espaço de
consumo, não teria oportunidade de satisfazer a sua demanda de consumo. É esse o sentido
econômico (já que cumpre o papel de intermediação de bens entre produtores e
consumidores) e social (criar um espaço diferenciado de consumo onde se abre mão de
determinadas regras oficiais e legais, como a fiscalização e a cobrança de impostos, a fim
de que a demanda reprimida de um determinado tipo de público possa ser atendida) que a
Feira adquire enquanto elemento que confere a sua centralidade, pois ela não é um espaço
de consumo qualquer; ela tem uma finalidade social específica, pois senão ela não se
justifica” (E01).
(063) Nós da cidade queremos comprar um produto bom e com o primeiro mais
barato, porque senão não justifica. que existe esse comércio, é para
realmente negociar boca a boca ali. E para a gente da cidade é negócio. Porque
você compra mercadoria excelente, com preço ótimo [...] Às vezes, tem famílias
inteiras que compra roupa para as crianças até um ano; o compra no
mercado. É verdade, compra, e aquela roupa dura até a volta do Jubileu.
Então, o pai de família que tem muitos filhos ele está economizando bastante.
E para o jovem também, que é calça jeans, blusinha de malha que é três por dez. e
então, é um negócio excelente. (E01).
No trecho (063) o enunciador se refere explicitamente à questão colocada acima: a
Feira enquanto um espaço alternativo de consumo, em que é atribuída a ela a característica
201
de fornecer “um produto bom e [...] mais barato”, do que por implícito pressuposto aquele
que se pode encontrar em uma “loja convencional”. A partir da relação entre “um produto
bom e [...] mais barato” e “porque senão não justifica”, fica patente o traço distintivo
subjacente que se faz presente na centralidade da racionalidade econômica da Feira. Ou
seja, não basta ser um tipo de comércio qualquer, pois se for assim existem vários
estabelecimentos comerciais permanentes na cidade de Congonhas e em outras cidades,
sendo desnecessário que exista uma Feira, se ela for vender tudo aquilo que se vende
naqueles estabelecimentos comerciais e/ou da mesma forma. Assim, o acento que se coloca
na questão da centralidade da identidade da Feira é justamente marcado pelo seu
qualificativo: comércio informal, o que irá justificar e, até mesmo, legitimar a sua
existência.
Ainda no trecho (063), vale ressaltar a expressão “já que existe esse tipo de
comércio”, enunciado pelo entrevistado, pois nela não se questiona a pertinência, coerência
ou legalidade dele. Essa expressão “já que existe” leva ao implícito pressuposto de que o
enunciador se afasta da responsabilidade de compactuar com ele, de compactuar com a
ilegalidade da informalidade, preferindo deixar a cargo do interlocutor a competência de
encontrar alguém a quem atribuir essa responsabilidade. Uma vez que esse tipo de
comércio é dado e que não cabe questioná-lo, o que o enunciador propõe
interdiscursivamente ao seu interlocutor é a legitimação desse tipo de comércio. E, uma vez
aceito e legitimado por parte do interlocutor, em seguida vem (mais uma vez) a justificativa
(social) para a sua existência “tem famílias inteiras que compra roupa”, “e aquela roupa
dura até a volta do Jubileu”, e “o pai de família que tem muitos filhos ele está
economizando bastante” estabelecem entre si uma relação de conteúdos implícitos de modo
pressuposto de que existe um grande número de pessoas que dependem desse comércio
202
informal da Feira e que realizam as suas compras de determinados tipos de produtos
somente nesse espaço alternativo de consumo. Além disso, de modo subentendido, infere-
se que a roupa adquirida dura até o Jubileu do próximo ano porque é somente nesse espaço
que os pais irão reabastecer os guarda-roupas de seus filhos, pois não podem fazê-lo nas
lojas convencionais durante o ano.
A centralidade do comércio informal da Feira está tão enraizada nas pessoas que
foi criada uma metáfora para o comércio informal realizado na Feira do Jubileu: o
“ShoppingLeu”, cuja fácil decomposição em “Shopping” e “Leu” (abreviação de Jubileu)
permite identificar a composição do caráter central da Feira: o comércio popular ou
informal. A palavra shopping, que vem do inglês “shop” (loja) e remete a “compras”, serve
para designar explicitamente o caráter de centro comercial da Feira. Além disso, aqui
pelo menos dois implícitos: um pressuposto, que se refere a um espaço artificial criado para
o consumo, porém no caso da Feira questão de este espaço ser de caráter temporário,
como se verá a seguir; e um subentendido, de que uma tentativa de rebuscamento
lingüístico do nome para um local (Feira do Jubileu do Bom Jesus), a fim de criar uma
valorização desse espaço ao associá-lo a uma imagem (tradicionalmente) positiva. Isso é
criado pelo efeito semântico da palavra shopping, termo estrangeiro usualmente associado a
um espaço requintado, com lojas caras e produtos de qualidade a um espaço “popular”,
como o da Feira. Por sua vez, o vocábulo Leu é uma abreviação do nome da Feira do
Jubileu do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas. Esta, por sua vez, pode ser
vista como uma metonímia (parte) do Jubileu (todo), que este incorpora tanto as
manifestações religiosas quanto as de cunho profano, como a própria Feira.
Assim, o neologismo criado “ShoppingLeu” é uma invenção lingüística para
designar um espaço próprio, com características próprias, que une sincreticamente o
203
sagrado e o profano, o lado comercial do trabalho e o do lucro vendendo o que quer que
seja, mas também o lazer que se fazer desse e nesse ambiente que se torna e fornece uma
atração para os moradores da cidade e seus visitantes. No trecho (064), aparece de modo
explícito o porquê do neologismo: a função substitutiva que a Feira tem em relação ao tipo
de comércio convencional, onde, supostamente, as pessoas iriam comprar caso não
houvesse a Feira. Essa função substitutiva fica explícita, pois eles (os consumidores)
“deveriam comprar [coisas] durante o ano no comércio [...] e deixam para comprar na
época da Feira”. Nesse trecho, fica silenciado o porquê dessa opção, mas esse
silenciamento do enunciador já foi discutido e evidenciado anteriormente.
no fragmento (065), a relação de conteúdos estabelecida entre a seleção lexical
pessoas humildes e é a oportunidade para eles estarem fazendo as suas compras identifica
mais uma vez o caráter da Feira voltado para as pessoas de baixa renda, e daí sua função
social implícito subentendido; e além disso, a questão da ocasião única e exclusiva que
essas pessoas tem para fazer as suas compras, implícito pressuposto derivado de “é a
oportunidade” ou seja, não outra durante o ano. Ainda no trecho (060) outra
explicação para o neologismo. Esta é dada pela analogia que o enunciador faz entre os tipos
de produtos adquiridos pelos consumidores e aqueles produtos que são comumente
comercializados em shoppings. Ou seja, a Feira se parece (e tem a função de) com um
shopping devido ao fato de comercializar os mesmos produtos. É importante ressaltar mais
uma coisa nesse fragmento, a influência que a centralidade do comércio tem sobre as
festividades do Jubileu como um todo, pois, mais uma vez, o recurso lingüístico da
metonímia é utilizado pelo enunciador para se referir ao Jubileu como um todo, incluindo
as festividades, em um shopping. Isso pode ser observado pelo influxo comercial adquirido
204
pela Igreja, que, além das doações que são arrecadadas, também participa do aluguel de
espaços na própria Feira e parece estimular o crescimento dessa parte profana da festa.
(064) Porque o povo que vem é outro tipo, né? O pessoal quer comprar roupa,
quer comprar sapato, quer comprar guarda-chuva, panela [...] relógio. São as
coisas que eles deveriam comprar durante o ano no comércio [...] no
shopping, e deixam para comprar na época da Feira (E19).
(065) Esses romeiros que vêm, pessoas humildes, que fazem a sua economia
durante o ano, é a oportunidade para eles estarem fazendo as suas compras.
São pessoas humildes mesmo. Elas compram as coisas [...] para durante todo o
ano. Compram suas lembrancinhas para levar para o Natal, compram calçados
para as crianças, brinquedos, essas coisas assim parecendo meio Paraguai,
entendeu? Então, é shopping mesmo. Elas compram presentes de shopping.
Assim, o nosso Jubileu virou um Shoppingleu, né? A gente fala: “Compra no
Shopping do Jubileu” (E02).
(066) Ah, todos eles vendem bem. Todos eles vendem bem. Porque se não
vendesse, não vinha todos os anos, né? O pessoal vem para porque faz um
bom negócio. Se não fizesse, não vinha, porque pelo preço do terreno [...] Olha,
o pessoal colocou o nome do Jubileu de Shoppingleu. Chamam a nossa
feirinha de shopping, né? (E16).
(067) A festa que é o lado religioso, né? Mas a Feira, ela foge um pouco a parte
que era do religioso, apesar de que... atender um pouco nessa área também; você
pode comprar artigos religiosos. Mas ela é mais mesmo na questão econômica, eu
acho. E tem o aspecto lazer também. Tem pessoas que têm prazer em fazer
compra. É um grande shopping ao ar livre, né? Então, as pessoas sobrem, e
descem, e escolhem preços, e deixam para comprar. As pessoas da cidade, por
exemplo, as que permanecem na cidade, não compra de cara; ele faz uma
pesquisa, pechincha, ele espera mais uns, que os preços vão baixar. Então, tem
essa questão. E tem também o aspecto de lazer, porque vêm parques, vem os
circos [...] (E07).
Vale ressaltar ainda que a Feira também tem uma função social, a de lazer, o que é
inclusive expresso de forma explícita pela ordem cronológica de atividades que são
realizadas durante as festividades do Jubileu: primeiro, as pessoas se dirigem à igreja para
rezar e fazer sés votos; em seguida, quando elas saem da igreja e retornam ao universo
profano, elas se dirigem a Feira, por onde passeiam, observam as novidades, conversam e
se atualizam como se pode observar no fragmento (068).
205
(068) Eles vêm primeiro pela devoção, pela fé, e depois que eles rezam, cumprem
as suas promessas, eles vão fazer compra (E05).
Ainda com relação ao neologismo, é interessante ressaltar a contradição enunciada
pelo entrevistado (E16) ao mencionar os dois conteúdos distintos e aparentemente opostos
para se referir a um mesmo elemento: a figura discursiva Feira. De um lado, está a escolha
lexical “Shoppingleu”; e de outro, a “nossa feirinha”. Aqui uma contradição semântica,
pois o termo shopping remete à idéia de um grande centro comercial constituído de várias
lojas (formalmente estabelecidas); de outro lado, o vocábulo feirinha sugere, em termos
concretos (implícito pressuposto), uma diminuta expressão da Feira do Jubileu e em termos
simbólicos (implícito subentendido) a sua insignificância em relação aos outros espaços
comerciais. Insignificância essa que pode estar associada ao fato de ser informal.
Há aqui um jogo de responsabilidades entre os personagens que aparecem no
fragmento (066): de um lado, os feirantes, posição na qual ele mesmo se coloca ao enunciar
o pronome possessivo na pessoa do plural (“nossa”) para se referir à Feira, assumindo
uma postura de aproximação e de responsabilidade em relação à Feira no caso, uma
“feirinha” sem muita importância, como outra qualquer; de outro, a personagem coletiva
indeterminada “o pessoal” é mobilizado no discurso, a quem é atribuída a responsabilidade
de ter criado o neologismo para a Feira. Assim, de modo implícito subentendido, infere-se
que esse processo é aproximado e atribuído aos moradores da cidade e romeiros. Os
feirantes demarcam a Feira enquanto tal e, ao invés de usar recursos lingüísticos para
aproximar a feira de outros espaços de comerciais, preferem marcar e acentuar a identidade
de Feira, pois essa identidade está marcada pela temporalidade, pela ambigüidade, pela
efemeridade, pela falta de controle e, sobretudo, pela informalidade, que, na realidade, é o
206
grande diferencial e a estratégia desses atores sociais e da instituição em si mesma por
pressupor e legitimar isso, para a sua sobrevivência comercial e pessoal.
Essa questão é retomada no segundo tema deste capítulo – o da distintividade –, que
se refere às características únicas e exclusivas de uma determinada organização ou
instituição. Aqui, no caso específico deste estudo, o da Feira do Jubileu. A grande questão
que se coloca então é: O que difere esta (organização) instituição das demais a que se
assemelha, ou poderia se assemelhar?
4.4.3.2 A distintividade
Três foram as variações semânticas em termos de caracterização da distintividade da
Feira: a feira enquanto espaço de comércio/consumo, em que o elemento caracterizador da
diferença é a informalidade, evidenciada e legitimada pelo tipo de público e produto; a
feira em relação às outras feiras (espaços de comércio/consumo informais), em que o
elemento diferenciador se pauta pela sua especificidade religiosa, pois a identidade da
Feira está imbricada à da festa religiosa: o Jubileu, festa religiosa que atrai um grande
contingente de pessoas (esse é o objetivo de a feira estar onde tem cliente), mas é o Jubileu
o que diferencia esta Feira das demais, inclusive pela sua magnitude em poucos dias; e a
feira religiosa em relação a outras feiras religiosas, em que aparece outro elemento
caracterizador da distintividade da Feira, ou seja, é sua relação espacial –,não é a feira
de qualquer Jubileu do Bom Jesus, mas a do Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos de
Congonhas, inferindo-se daí o estabelecimento de uma relação interdiscursiva de oposição
à Feira (e às comemorações religiosas) de mesmo nome de Portugal, que, inclusive, gerou
207
essas festividades no Brasil, e também às demais feiras e comemorações religiosas de
mesmo nome que ocorrem no próprio País. Assim, o traço distintivo marcado pela
especificação do lugar é, em si, também um elemento de diferenciação e que contribui para
a construção de uma identidade própria e específica da Feira em questão.
Se se observar atentamente, todas essas três variações semânticas já estão contidas
no seu próprio nome: Feira do Jubileu do Senhor do Bom Jesus do Matosinhos de
Congonhas (MG). Essa seqüência de apostos especificativos é o principal traço distintivo
de identidade, como mostra Ester (2005), pois a utilização de predicativos é uma estratégia
discursiva que visa sempre incluir o indivíduo em um determinado grupo, vinculá-lo,
estabelecer associação que o caracteriza, que o singularize perante os demais que lhe são
semelhantes. Essa estratégia de inclusão pode ocorrer de diversas formas, por exemplo: a
designação de um nome próprio (“ShoppingLeu”); a própria posição social em que um
indivíduo (ou grupo) se insere e os próprios papéis sociais que ele assume, o que irá
contrastá-lo dos demais de posições diferentes; e uma determinada região geográfica, que
irá particularizar o elemento a ser identificado em função dessa sua especificidade única.
No caso específico desta análise, como foi visto anteriormente, a construção de um
nome parece uma estratégia utilizada por um conjunto de atores sociais para identificar (e
se identificar com) de forma positiva a Feira e, com isso, estabelecer uma qualificação que
a particularize e a distinga das demais, enraizando a sua identidade no solo do local. Mas
outra estratégia discursiva de identificação interessante é aquela que se refere ao próprio
nome oficial da Feira do Jubileu do Senhor do Bom Jesus do Matosinhos de Congonhas,
que, por si só, atribui uma caracterização e identificação da Feira pelo uso de vários
predicativos, que, em última instância, culminam com a sua vinculação a uma determinada
208
região geográfica, a um lugar específico a cidade de Congonhas e mais do que isso ao
Santuário da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.
Assim, em primeiro lugar, tem-se o traço distintivo dessa Feira marcado pela
criação de um espaço alternativo de comércio e de consumo para atender à necessidade de
uma demanda específica como foi ressaltado no subitem anterior. Esse espaço, como
visto, caracteriza-se pela sua oposição em relação aos demais espaços de comércio e
consumo, tidos como espaços ou “lojas convencionais”. Enquanto estas seriam
caracterizadas pela sua adequação formal às convenções sociais e econômicas, e às
legislações comerciais, sobre o que pode e deve ser feito (e, nesse sentido, o convencional
significa regrado), por sua vez, o espaço alternativo da Feira inserer-se de modo opositivo
aos espaços convencionais, sendo marcado, portanto, pela ausência de adequação formal às
convenções sociais e econômicas, e, mais especificamente, à legislação comercial.
Essa pequena recapitulação do que foi analisado anteriormente serve para situar a
questão de esse espaço “Feira” ser marcado pelo seu traço distintivo de informalidade, a
qual tem caráter econômico, mas possui traços de ilegalidade, que no Brasil a
informalidade econômica é quase que sinônimo de ilegalidade jurídica (NORONHA,
2003). Porém, como assinala este mesmo autor, a informalidade (ou ilegalidade) não
necessariamente está associada à reprovação social. Pelo contrário, em alguns casos,
sobretudo onde ocorre a chamada “semi-economia”, a informalidade possui uma aceitação
social, que lhe confere um status de validade social (ou seja, é socialmente vista como
correta), legitimando a sua existência. Esse é o caso da Feira, em que a informalidade
econômica é reconhecida por todos os atores sociais e organizacionais que participam dessa
instituição (população da cidade em geral, moradores que alugam as suas fachadas,
romeiros, barraqueiros, vendedores ambulantes, Igreja, Prefeitura, etc.). Mas ela é vista sob
209
um olhar de aceitação social, o que lhe confere validade e legitimidade, pois um sentido
em sua existência, o que a justifica.
Assim, retomando o fragmento (063) em que fica explícita a aceitação da Feira e da
sua legitimação (“já que existe esse comércio”) informal, onde se pode comprar um produto
bom a baixo preço, é esperado e exigido que a Feira funcione como esse centro
abastecedor, porque senão não justifica” (E01). Assim, a aceitação da Feira, com sua
legitimação, dá-se em virtude da “oportunidade de comprar mais barato” (E02) que ela
fornece aos seus participantes, que foi identificado e descrito como um público, em sua
maioria, constituído de pessoas de baixa renda. Nesse sentido, a questão da informalidade,
tema ora implícito, ora explícito nas narrativas, aparece geralmente expressa de forma
metonímica pelo preço dos produtos, pelo fato de que este pode ser (e é) reduzido em
função dos baixos custos de produção derivados do não pagamento de impostos.
Nos trechos (069) e (070), aparece essa lógica do comprar barato, remetendo-se ao
tema explícito do enunciado que é o preço, mas, ao mesmo tempo, refere-se ao tema
implícito informalidade, pois, por uma relação de conteúdos implícitos e explícitos no
fragmento, observa-se que fica implícito, de modo subentendido, que o preço pode ser
tão baixo a ponto de desbancar o comércio convencional da cidade porque algum fator de
produção é menor do que o destes últimos. Nesse sentido, chega-se à questão do não
pagamento de impostos, o que faz com que o preço desses produtos comercializados na
Feira possam ser vendidos a um preço muito mais baixo, que esse fator de produção
“custos com impostos” não é somado ao preço final do produto.
As escolhas lexicais “esse mercado barato” e “só que tem que o preço é bem
melhor” revelam, de modo implícito subentendido, que o preço desses produtos só pode ser
tão baixo devido ao seu caráter informal. O conteúdo “esse mercado barato”, por exemplo,
210
estabelece uma relação interdiscursiva direta com a figura discursiva implícita “mercado
caro”, que se refere, por implícito subentendido, às lojas convencionais que atuam no
mercado formal. No trecho (070), o conteúdo discursivo “só que tem que o preço é bem
melhor, é bem mais em conta” é o traço subjacente distintivo explícito da característica
distintiva da Feira em relação aos demais espaços de comércio e consumo que lhe são
semelhantes. A seleção lexical “só que” estabelece a relação de distinção, de modo
explícito, entre a Feira, que tem preços baixos e os outros espaços de comércio
(“supermercado” e “loja”). Nos demais aspectos, a Feira seria igual ou semelhante a
“qualquer supermercado” ou “loja” de uma “cidadezinha melhor”, mas no que se refere ao
preço a Feira do Jubileu é diferente: os preços são mais baratos, justamente pelo seu caráter
de espaço de comércio informal.
(069) O pessoal da cidade fica dividido. Porque é fácil a gente chegar ali e ter
uma benção, e é difícil às vezes a gente ter esse mercado barato. Então, a gente
da cidade aproveita para ganhar dinheiro, aproveita para receber a benção, para
confessar [...] e ter oportunidade para ganhar dinheiro. A cidade ganha dinheiro.
a gente conhece o mercado da cidade, já... Né? Então, quando chega assim,
vem o Jubileu: “Ah, então tá, vou aproveitar para fazer umas compras”. Sabe
quando guarda aquele dinheiro para poder comprar? As pessoas tiram férias para
vender cafezinho, né, durante o Jubileu [...] Eu acho que é o principal objetivo é
mais comércio mesmo (E01).
(070) Por exemplo, o que você encontra para comprar aqui, você encontra em
qualquer supermercado, em qualquer loja que você vai numa cidadezinha melhor.
Você encontra esses produtos todos, que tem que o preço é bem melhor, é
bem mais em conta, e você encontra em grande quantidade para você
escolher à vontade e a qualidade, igual eu te falei, é muito boa, são feitos em
fabriquetas pequenas mas conceituadas. Então, assim, eu acredito que o povo
vem mesmo pela parte religiosa e, é claro, o lazer, e a compra faz parte da
própria estrutura que é montada (E03).
Ainda sobre a questão da informalidade, vale ressaltar que a mesma tem crescido na
Feira por causa de um outro tipo de informalidade: o das relações de trabalho implícito
subentendido gerado a partir das seleções lexicais “desemprego” e ser camelô”. Assim, a
211
informalidade nas relações de trabalho (e a conseqüente falta de segurança financeira e
psicológica gerada no trabalhador) estaria contribuindo para reforçar a informalidade
produtiva (no setor de produção e distribuição) da Feira, aumentando, o o número de
participantes da Feira mas também a quantidade de espaços demandados para que esses
novos atores sociais e organizacionais possam atuar na Feira, comercializar seus produtos.
Essa relação implícita, de modo pressuposto, de conteúdos pode ser facilmente ratificada se
se observar o aumento na oferta de espaços públicos para aluguéis de barraqueiros que a
Prefeitura realizou de 2006 para 2007, e a crescente constatação da expansão da Feira por
áreas que ocupadas anteriormente na cidade (ver mapa da Feira).
No fragmento (071), estão explícitas as estratégias utilizadas pelos novos
integrantes da Feira a cada ano (os “desempregados”) que compram produtos dos
“atacadistas” (personagem explícito no texto) para revenderem na Feira, atuando então
como “vendedores ambulantes”, pois assim eles não pagariam os aluguéis dos espaços
destinados às barracas. Ainda nesse trecho, fica explícito que esse tipo de comércio é
incentivado pelos atacadistas pois eles estariam ganhando duplamente: com a venda de
suas barracas montadas nos espaços alugados da cidade e também com a revenda feita
pelos vendedores ambulantes na Feira. De qualquer forma, é atribuída à personagem
atacadistas a responsabilidade por incentivar a atuação dos vendedores ambulantes na Feira
(e com isso o crescimento da informalidade na Feira), pois ambos, mas sobretudo os
atacadistas, estariam ganhando com essa atividade. Já a responsabilidade pelo desemprego
(outro elemento responsável pelo crescimento da Feira) fica silenciada no trecho abaixo.
(071) O desemprego está fazendo a Feira crescer. Desemprego faz a Feira
crescer. Por quê? Uma pessoa que está desempregado tenta ser um camelô.
[...]. De uns anos para cá, o mero de camelô está aumentando a cada dia. Nós
recebemos um 20 ônibus, todos lotados de camelô. Vem, traz a sacolinha deles
212
mercadoria, vende. O atacadista já sabe disso. O atacadista vem atrás deles,
porque na hora que eles vendem a mercadoria deles, eles vão no atacadista e
renovam a mercadoria. Então, o objetivo do atacadista [...] É incentivar eles a
vender, porque eles estão ganhando. Se a mercadoria tiver uma aceitação e
vender, ele sabe que o atacadista vai estar aqui para vender para ele. Aí, ele
renova a mercadoria. Então, está crescendo (E04).
com relação à característica religiosa das festividades do Jubileu, contexto a
partir do qual se insere a referida Feira, observa-se que este também é um elemento
diferenciador de sua identidade. Como já comentavam Albert e Whetten (1985) em seu
trabalho seminal sobre identidade organizacional, a identidade de uma organização ou
instituição, muitas vezes, pode ser ambígua ou estar baseada em características de dois ou
mais tipos de instituições diferentes, e por isso são, aparentemente contraditórias e baseiam-
se na de outra organização ou instituição. Tal fenômeno é denominado pelos autores de
“identidades duais” (ou “identidades múltiplas”, no caso de envolverem características
diferentes de mais de um tipo de organização) e refere-se à tendência de ao longo do tempo
as organizações passarem por processos de substituição ou aquisição (sendo estes mais
comuns) de características identitárias distintas daquela de seu ramo inicial de atividade
(ALBERT; WHETTEN, 1985). Os autores citam o exemplo de uma igreja que tem seus
valores centrais baseados na fé, mas passa a organizar-se adotando as regras comumente
utilizadas por organizações econômicas.
Nesse sentido, que se identificar aqui a existência de duas organizações, ou
instituições (como se prefere denominar aqui), que têm crenças e orientações em termos de
sua organização estrutural-material e simbólico-ideológica distintas, mas que estão
associadas e parcialmente se interpenetram no caso estudado. De um lado, encontra-se a
Igreja, cuja orientação organizativa (valores centrais) pauta-se na construção de um
213
universo simbólico baseado na e que funda o movimento de atração de pessoas para o
culto das festividades religiosas que são realizadas durante o Jubileu na cidade; de outro,
encontra-se a Feira, cuja orientação organizativa (valores centrais) pauta-se na construção
de um universo simbólico baseado na racionalidade econômica, fundamento que legitima e
orienta a condução dos negócios e do comportamento dos atores sociais e organizacionais
na Feira. Mas essa racionalidade econômica surge de modo imbricado, complementar e
justaposto à do universo simbólico da que orienta as festividades religiosas, pois
justamente nesse evento religioso de grande magnitude a oportunidade econômica de atuar
preenchendo as necessidades e apoiando-o. É justamente nessa lacuna de
complementaridade que se a inserção da racionalidade econômica da Feira. Assim, esta
surge de modo dependente e complementar ao evento religioso. Como conseqüência, este
evento servirá de parâmetro para a construção da identidade institucional desta Feira,
servindo como um predicativo que irá diferenciá-la dos demais tipos de feiras.
No trecho (072), fica explícita, a questão de como o “Jubileu”, figura discursiva que
é antropomorfizada pelo enunciador, desenvolve uma “retórica barroca” que envolve os
lados espiritual e material. Dessa forma, o Jubileu é colocado pelo enunciador como “o
todo” que compreende tanto a parte espiritual, que concerne às celebrações religiosas que
são realizadas pela Igreja, quanto a parte material, que diz respeito às relações comerciais
de apoio à organização dessas festividades religiosas e também à circulação de bens de
consumo para o pessoal de baixa renda que freqüenta a feira.
(072) É engraçado porque, ao mesmo tempo, tem em cima, está um oásis,
que seria o Senhor Bom Jesus lá, a igreja, né? E aquele lado humano, as pessoas
ali (contam) seu pecados, [...], a questão material, e você vai em busca do
espiritual. E, às vezes, você está no espiritual e desce para o material, sabe?
Então, é uma questão assim [...] o Jubileu, ele é uma retórica barroca mesmo.
Porque você está rezando, pedindo e agradecendo, e você sai daquele ambiente
e (entra) num ambiente diferente, das barracas, negócio de [...] Vo está
214
naquele meio religioso e você entra no profano, e você está no profano e entra
no religioso (E08).
Assim, de acordo com este enunciador, a Feira é colocada como parte integrante do
Jubileu, e por extensão ela contribui para a formação de sua identidade, assim como recebe
influência das características religiosas deste evento. É justamente nesse sentido que se dá a
retórica, como uma via de mão dupla, em que o lado espiritual (valores centrais da
organização Igreja) e o lado material (valores centrais da organização Feira) tangenciam-se
e estabelecem a co-construção de uma identidade dual e sincrética para o evento Jubileu do
Bom Jesus. Essa interpretação está parcialmente explícita no conteúdo “o Jubileu, ele é
uma retórica barroca mesmo”, em que o termo barroco conduz ao implícito pressuposto
dessa relação dialética e complementar entre sagrado e profano.
De outro lado, essa interpretação está baseada na relação estabelecida pelos
conteúdos: “Você está naquele meio religioso e você entra no profano, e você está no
profano e entra no religioso”, em que fica implícita, de modo pressuposto, essa via de mão
dupla na construção da identidade que se articula pela interação dos atores sociais com
esses dois espaços que se tangenciam. Mas também um implícito subentendido, que se
refere à questão do próprio espaço, em que “lá em cima”, que está por implícito
pressuposto associado à parte mais elevada do Jubileu e é onde se localiza o Santuário,
refere-se a ao lado espiritual, espaço tido como sagrado, e à sua superioridade em relação à
ordem material da Feira. Esta, inclusive, que se situa no entorno da Igreja, abarca
justamente a parte imediatamente inferior, tanto em sentido literal (topográfico) quanto em
sentido conotativo de sua ordem material e seus valores orientados pela e para a
racionalidade econômica. Essa lógica estaria em relação de inferioridade com a ordem
215
religiosa da Igreja Católica. Assim, enquanto a Igreja, com sua ordem espiritual superior, é
associada às seleções lexicais em cima, Igreja, espiritual, para se referirem à parte das
celebrações religiosas que se concentram espacialmente na Igreja Basílica do Senhor do
Bom Jesus de Matosinhos, a figura discursiva Feira é associada às seleções lexicais: lado
humano, profano, desce para o material.
(073) Eu acho que a Feira é o lado humano mesmo. E a Basílica é o espiritual.
Então, se pudesse unir os dois espaços: o lado humano, com toda questão, com
todos os seus problemas, com todas as suas carências, com toda aquela fantástico
troca de cultura, e o lado espiritual, que é mais transcendental [...]. (E20)
No trecho (073), se pudesse unir os dois espaços leva ao implícito pressuposto de
que isso não pode ser feito. Mas se a união desses dois espaços não pode ser
complementarmente, isso não quer dizer que não haja uma relação entre eles. Essa relação é
de forte complementaridade, em virtude tanto de sua contigüidade ou seja, ao passo que
você sai de um desses espaços, voentra no outro –, como de sua interdependência: a
Feira só existe porque uma enorme concentração de pessoas, o que justifica a sua
instalação, com vistas a extrair algum benefício econômico. Por outro lado, a própria
celebração religiosa do Jubileu depende da infra-estrutura que a Feira e o comércio que gira
em torno dela como um todo permitem abrigar, alimentar e fornecer oportunidade de lazer
e de sociabilidade para as pessoas que se destinam à cidade.
Outro elemento que contribui para a diferenciação da identidade da Feira é a sua
própria localização geográfica, ou seja, o espaço físico e social no qual ela está inserida, a
saber, no entorno da Basílica do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas. Esse
espaço é um santuário religioso tombado pela UNESCO como Patrimônio Cultural da
Humanidade, em 6 de dezembro de 1985, título que a partir de 2001 passou a se chamar
“Patrimônio Cultural Mundial”, que é justamente o que atrai a multidão de romeiros que
216
vão à cidade depositar seus votos e pagar as suas promessas. É por causa desse espaço que
a confluência de tantas pessoas, o que, por sua vez, gera a Feira e a sua identidade. Se a
Feira fosse em outro lugar, não teria essa mesma expressão, o que é confirmado pela
tradição do Jubileu do Bom Jesus de Congonhas, conforme está explícito no fragmento
(074).
O fragmento (074) faz um apanhado de todas as principais características da Festa e
da Feira do Jubileu do Bom Jesus de Congonhas, evidenciando essa mútua relação entre a
Festa e a Feira, e, mais especificamente, como o Jubileu (o que inclui a Festa e a Feira) se
difere dos outros Jubileus que existem no País. O primeiro passo para se fazer essa
distinção é por meio do predicativo “de Congonhas”, que é atribuído à celebração religiosa
do Jubileu do Bom Jesus que acontece em vários lugares do País e do mundo, pois, como o
próprio enunciador explica por meio do aposto colocado e sua narrativa: “é uma tradição
religiosa portuguesa”.
Em torno dessa primeira qualificação é que o enunciador vai enumerando outros
predicativos que, assim como o primeiro, teriam a função de corroborar para a distinção e
conseqüente identificação do Jubileu de Congonhas, tanto na sua parte profana quanto na
sua parte religiosa, como um evento diferente dos demais Jubileus comemorados no País e
no mundo. Assim, a recorrente utilização de predicativos como: “festa de um afluxo muito
grande de pessoas”, “o movimento é muito grande”, “é uma feira de quase um mês”, “o
arcebispo, ele está sempre presente no último dia” e “um dos roteiros religiosos maiores
que tem no país” remete a características peculiares, como a quantidade de pessoas e sua
alta rotatividade e o tempo de duração do Jubileu. Também, a grandiosidade da
comemoração em relação às outras, que consegue atrair a presença de pessoas
217
renomadas, como o arcebispo, personagem discursiva que é mobilizada com o intuito de
legitimar a narrativa do enunciador.
(074) Essa Feira, ela é uma feira [...] A Festa, né, do Jubileu de Congonhas, ela é
uma festa de um afluxo muito grande de pessoas, que talvez as outras feiras
não tenham esse afluxo tão grande. As barracas são montadas mais ou menos
pelo dia 4 e permanecem até o dia 20. Às vezes, até mais. Então, é praticamente
um mês. E o movimento é muito grande. Essa devoção ao Bom Jesus ela
acontece na Bahia, aqui em Minas [...] em vários lugares. É uma tradição
portuguesa. Mas a festa do Bom Jesus de Congonhas é uma das maiores
devoções do País. Então, é uma festa muito grande. Para você ter idéia, o
arcebispo, ele está sempre presente no último dia [...] É uma devoção. A
devoção ao Bom Jesus. Ela é uma das romarias, um dos roteiros religiosos
maiores aí que tem no País (E07).
(075) O Jubileu acontece no espaço mais privilegiado da cidade, que é [...] o
Santuário da Basílica do Senhor Bom Jesus e seu entorno, né? E que é um lugar
sem igual [...] Se a Feira fosse em outro lugar, com certeza, ela não teria a
mesma expressão, né? (E19).
Uma última questão a ser ressaltada na análise desse trecho é a relação de conteúdos
implícitos e explícitos entre “Essa devoção ao Bom Jesus ela acontece na Bahia, aqui em
Minas [...] em vários lugares” e “Mas a festa do Bom Jesus de Congonhas é uma das
maiores devoções do País, a qual leva ao implícito pressuposto de que, apesar de existirem
várias festas dessa natureza, a que é realizada em Congonhas se destaca das demais. Há,
ainda, o implícito subentendido derivado da escolha lexical “devoções”, que além do seu
sentido literal referente à fé, tem o sentido metonímico relacionado à própria manifestação
religiosa como um todo. Novamente, o volume, em termos numéricos de pessoas que
participam desta festa religiosa e de sua feira, e a sua grandiosidade, em termos de
relevância e significado, são mencionados novamente em “um dos roteiros religiosos
maiores que tem no país”. Vale ressaltar que a expressão “roteiros religiosos” estabelece
uma relação interdiscursiva com o tema do comércio, pois infere-se aqui, de modo
implícito pressuposto, aos itinerários comercializados pelas agências de viagens.
218
No fragmento (075), as escolhas lexicais “privilegiado” e “lugar sem igual”
denotam a importância que esse espaço físico tem para a cidade e para aqueles que o
freqüentam. Mais do que isso, de modo implícito pressuposto, pode-se associar essas
expressões ao fato de esse espaço ocupado pelas festividades religiosas e pela Feira ter sido
considerado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade, revelando assim o seu
valor intrínseco para todos aqueles que fazem parte dela. Já a seleção lexical “mesma
expressão”, utilizada para se referir a sua magnitude e importância, que seria diminuída
caso a Feira fosse realizada em outro espaço, deixa de modo explícito a relação entre o
espaço ocupado pela feira, que é denominado de Santuário e é simbolicamente considerado
como um espaço nobre devido a sua “aura” religiosa, o volume de pessoas que ali aportam
e, por extensão, a ocupação desse espaço “privilegiado” pela feira de modo a explorar as
oportunidades econômicas associadas a essa manifestação cultural.
Assim, de modo geral, a questão da distintividade englobou os temas e seus
significados no que diz respeito a três principais formas de caracterização, identificação e
diferenciação da feira: numa primeira instância, focando a questão da informalidade como
elemento diferenciador da Feira em relação às outras feiras que lhe são semelhantes; numa
segunda instância, observou-se o caráter religioso do Jubileu e o modo como a Feira se
associa a essa temática a fim de diferenciar-se; e, por fim, observou-se como os próprios
espaços da cidade e do Santuário influem sobre as características distintivas da Feira. Tais
características têm se mantido ao longo do tempo, apesar de ter havido várias pequenas
mudanças ao longo de sua história, como será visto no próximo item.
219
4.4.3.3 Temporalidade
O tema da temporalidade, mencionado em termos das características mais ou
menos estáveis da Feira em relação ao longo do tempo, enfocou, sobretudo, aqueles
elementos que contribuíram para a reafirmação dessas características, como a devoção que
move as pessoas e, no que tange à feira, a sua característica de abastecimento das
populações de baixa renda.
Assim, pela análise desse tema foi possível observar, por meio das narrativas, um
jogo discursivo entre aqueles elementos mais ou menos estáveis, que tinham uma tendência
de se manter ao longo do tempo, e aqueles elementos que sofreram modificações. Desse
jogo, a questão da temporalidade foi manifestada em três principais sentidos durante a
análise das narrativas. No primeiro sentido, foi observado como a Feira tem se mantido ao
longo dos anos. O sentido implícito subjacente adquirido por esse tema é o da tradição. Em
um segundo momento, observou-se como a Feira mudou ao longo do tempo, e nesse
sentido o tema da temporalidade apresenta-se numa variação semântica que remete à
evolução. Por fim, outra forma pela qual a questão da temporalidade aparece nas narrativas
sobre a história da Feira é a resistência à mudança, que denota um movimento oposto ao de
mudanças ao longo do tempo, e ao contrário, tenta promover a manutenção das
características já consolidadas e consideradas como estáveis.
No fragmento (076), o tema da temporalidade da Feira é manifestado pela sua
capacidade de manter e cumprir as suas funções centrais, ou seja, atender aquelas pessoas
que dela dependem e participam, direta ou indiretamente. A escolha lexical do vocábulo
continuidade denota a manutenção de suas características e deixa implícito, de modo
pressuposto, que tais características tinham sido elaboradas ou manifestadas em um
220
momento anterior (ou inicial). Essas características, como visto, remete as suas funções
econômicas e sociais. Mas, além disso, são especificadas de modo explícito pelo
enunciador ao revelar em seu discurso as necessidades que são atendidas: as de caráter
comercial, pois as pessoas, personagem coletiva que engloba moradores e visitantes da
cidade, dirigem-se à Feira com o principal intuito de comprar.
A fundação desse evento religioso traz como conseqüência à sua volta o comércio
de bens e produtos. Como fica explícito no trecho (077), em que a expressão “seu contorno
de comércio” adquire um duplo sentido, um implícito pressuposto que remete ao contorno
em termos do espaço físico e social, no qual, em virtude do evento religioso fundador,
haveria uma aglomeração de pessoas, o que, por sua vez, desencadearia o desenvolvimento
do comércio como um meio de suporte ao atendimento das necessidades daquelas pessoas.
De outro lado, também um implícito subentendido, que remete ao fato de a Igreja ter o
seu contorno de comércio”, pois, apesar de estar fundamentada em seu núcleo com o
caráter da religiosidade, desenvolveria também para a parte externa ao seu núcleo (ou
mundana) outras características no caso, comerciais –, como forma de relacionar-se com
essa realidade mundana.
Mas ambas as interpretações não são mutuamente excludentes, pois a Igreja, por
meio de seus eventos religiosos pode gerar as bases iniciais para a implantação de um
comércio, assim como também pode dele tomar parte, como é o caso deste estudo, em que
ela gera o fato religioso, evento inicial aglomerador de pessoas, assim como se insere nessa
lógica comercial e concorrencial por meio da locação dos seus espaços para os feirantes
além das outras atividades, de cunho propriamente religioso, que são cobradas, como
missas e dízimos. Mais adiante, o enunciador deixa explícito em seu discurso que, de fato,
o que gera o comércio é a própria aglomeração de pessoas, o que pode ser evidenciado pela
221
relação implícita de conteúdos Igreja, casamento, clube, baile e o termo aglomeração de
pessoas; em que essas figuras funcionam como elementos que propiciariam as bases para
essa aglomeração. Daí é que decorreria o fato comercial.
(076) Eu acho que a Feira tem uma continuidade, sabe? Às vezes, as pessoas
falam que não, mas a Feira tem uma continuidade, sim. Porque ela continua
atendendo as pessoas. As pessoas guardam dinheiro para comprar nessa época,
e o comércio aqui e nas cidades vizinhas fica pior nessa época. (E07).
(077) “90% vêm aqui por causa da religião [...] Agora, igual eu te falo, toda
história religiosidade tem o seu contorno de comércio. Não tem a menor
dúvida. Se vo tem uma igreja e a igreja funciona com casamento, tem um
pipoqueiro na porta da igreja, tem um vendedor de não sei o quê, tem algodão-
doce, tem um pequeno comerciante que tem uma [...] Aqui em Congonhas tem
muito disso, um carro pequenininho, um italiano aí, da Fiat, que abre a traseira e
tem uma lanchonetezinha armada, e tem muito em porta de igreja, de
casamento, etc. E não é isso. Votem um baile, por exemplo, um clube que
tem baile, não sei o que, sempre na porta tem alguém vendendo alguma coisa. Na
verdade, é em toda a aglomeração de pessoas, né? (E03).
Dessa forma, observa-se que um acoplamento entre as identidades do evento
religioso (Festa do Jubileu) e do evento comercial (Feira do Jubileu), pois ambos
compartilham não apenas do mesmo espaço, mas também de características comuns, que se
sobrepõem e se tangenciam, sendo diferenciadas pelas suas características centrais em
termos da finalidade, da razão de ser de cada um deles.
Nos fragmentos (078) e (079), a questão da temporalidade é expressa ora de modo
explícito, ora de modo implícito, pelo termo tradição. Mas note-se que a tradição aqui, cuja
manutenção remete a um conjunto de características historicamente anteriores e
fundadoras, é explicitamente associada ao evento fundador de cunho religioso: o Jubileu do
Bom Jesus do Matosinhos de Congonhas.
Nos três fragmentos a seguir as escolhas lexicais tradição, rotina, cultura, esperam
e levar isso adiante reforçam a questão da temporalidade, por meio da construção de
222
racionalizações que justificam e legitimam a manutenção dessa ordem. Dentre essas
justificativas, cabe destacar: o fundamento religioso, que é o fato gerador desse evento
inicial; o fundamento comercial de existência da própria feria e sua necessidade de atender
aos diversos participantes; e o fundamento cultural, que diz respeito à habitualização e
institucionalização do evento “Festa do Jubileu”, assim como, por extensão, da própria
Feira, por parte dos seus participantes, sobretudo dos moradores da cidade.
(078) Ela [a Festa] está bem entranhada na cultura da cidade. Então, as pessoas
esperam a Festa do Jubileu. É como se fosse uma rotina do mês de setembro
para as pessoas. Então, muitas pessoas esperam o Jubileu, a festa, para poderem
ganhar o seu dinheiro, alugar a sua casa [...] que é um valor considerável, um
valor altamente positivo. Então, gera uma renda muito grande na cidade (E19).
(079) Para a cidade, questão da tradição, a questão de receber, da receptividade,
a questão religiosa, a questão das pessoas estarem [...], a questão de estar levando
essa tradição adiante, em termos assim... é uma questão cultural da nossa
cidade [...] (E02).
Se, de um lado, a Feira mantém-se constante em termos de suas características
centrais e de seu fundamento econômico, de outro, isso não quer dizer que ela não sofra
interferências e modificações em sua forma ao longo do tempo. Essas interferências e
modificações vêm ocorrendo gradativamente, de maneira parcial e a despeito de serem
justificadas pela atualização contextual, sobre alguns dos elementos centrais da própria
Feira, por exemplo, seus próprios produtos. Como pode ser visto no trecho (080), apesar da
manutenção do caráter comercial da Feira, antigamente era comum que até os produtos
comercializados tivessem relação com a característica religiosa da festa do Jubileu ou então
fossem mercadorias de gêneros alimentícios e produtos domésticos e de trabalho, como
panelas e ferramentas. Atualmente, esses produtos tradicionais têm sido gradualmente
substituídos por outro tipo de produtos: “piratas” ou contrabandeados, vulgarmente
223
entendidos como mercadoria do “Paraguai”, o que fica explícito em “na área de mercadoria
era muito comum só o artigo religioso. Hoje, a mercadoria é do Paraguai”.
Com base nesses elementos, a mudança de produtos, que, assim como o próprio
espaço da Feira, ainda encontra-se em processo de transformação, conduz à inferência de
que outras mudanças estariam ocorrendo na Feira. A primeira seria a perda de espaço ao
longo dos últimos anos da tradição religiosa para o interesse econômico e o lazer. A
segunda mudança seria a própria modificação parcial no perfil do público freqüentador da
feira e da Festa do Jubileu, o que estaria levando à modificação da Feira e dos produtos nela
comercializados. No fragmento (081), uma ratificação dessa interpretação, sobretudo no
que se refere à mudança no perfil dos freqüentadores da Feira, pois, explicitamente,
assume-se que as necessidades e os costumes das pessoas estariam sendo modificadas ao
longo do tempo, levando, conseqüentemente, à modificação na própria Feira e nos seus
produtos no sentido de atender à demanda do seus freqüentadores.
(080) A tradição religiosa é a maior. Eu acho que ela vem perdendo assim um
pouco do sentido. Vem perdendo. Antigamente, o povo vinha com sentido
religioso mesmo. Nos últimos anos, ela não é tão religiosa. [...] está vindo
mais a passeio. A área de mercadoria era muito comum o artigo religioso.
Hoje, a mercadoria do Paraguai [...] é, é do Paraguai mesmo, dominou as
barracas. Parece que já vem alguém até do Paraguai (E04).
(081) De acordo com que o tempo vai passando, as prioridades são outras. Os
costumes vão mudando, as necessidades vão mudando. Então, aquilo que antes...
que era um tipo de vida, se mais roupa que vendia, ou era mais [...] Talvez fosse
mais alimentação. Não sei, talvez fosse mais alimentação. Porque a pessoa tinha
que ficar aqui mesmo, não dava para ir de manhã, assistir a missa e voltar. Então,
em função disso, eu acho que talvez da alimentação [...] eu acho que muda. A
tendência é os produtos mudarem, a característica do que é vendido nas
barracas. Hoje, tem mais coisa do Paraguai mesmo do que era. Muita roupa,
sobrinha, guarda-chuvas, CD’s, [...] (E08).
Mas se Feira e seu espaço estão em processo de mudança, vale ressaltar que a
mesma não ocorre num vácuo. Pelo contrário, um conjunto de atores sociais e
224
organizacionais que possuem interesses, tanto na mudança quanto na manutenção de suas
características ao longo do tempo. Talvez por ser uma instituição bicentenária seja mais
difícil operar mudanças institucionais na Feira. Se, de um lado, uma forte tendência à
modificação e adaptação no que diz respeito aos feirantes que comercializam seus produtos
na Feira; de outro, uma tendência à estagnação e à repulsão de mudanças que afetam a
ordem institucional da Feira por parte dos moradores da cidade, conforme é evidenciado
nos fragmentos (082).
(082) As pessoas são resistentes à mudança. Então a gente tem que trabalhar
mesmo com o olhar de cada um, e isso é uma ação que leva tempo. E a gente tem
que ter uma preocupação muito grande também, porque a gente está trabalhando
com uma Feira de mais de 200 anos. E envolve não o comércio, mas a
religião, a devoção, a [...] porque eu ouvi dos moradores: “Vocês vão acabar
com o Jubileu”. E a gente fica muito apertado, porque nós estamos mexendo
numa coisa que é um patrimônio local, um patrimônio de fé. Então, eu já passei
noites sem dormir: “Será mesmo que eu vou acabar padronizando essa festa? Será
que eu estou no caminho certo?” E eu, como grande religiosa que sou, fui lá pedir
o Bom Jesus para me ajudar: “Como que nós vamos proceder?” Mas a nossa
preocupação foi a seguinte: quando a gente viu que os barraqueiros que
sempre vieram, alugaram seus espaços e se tivesse oferta de mais espaço, a
gente alugaria o dobro de espaço, eu vi que a gente o estava acabando
com a festa. Pelo contrário, a gente está cuidando da Festa (E05).
Dessa forma, nesse percurso semântico foi possível observar como a identidade da
Feira está construída e assentada sobre a dimensão do espaço. Nesse percurso semântico,
retoma-se o que foi discutido no percurso semântico anterior – o da espacialidade –,
enfocando, sobretudo, como o aspecto do espaço está relacionado com a construção
identitária da Feira.
Isso é corroborado por outros temas que foram analisados, como o da centralidade,
o da distintividade e o da temporalidade. Todos esses três temas estão relacionados com a
dimensão do espaço. O tema da centralidade, por exemplo, que revela que a essência da
Feira é o seu caráter comercial, traz de modo subjacente a sua relação com o espaço, pois é
225
este que contribui para que a Feira se concretrize em sua essência e permita que ela atenda
a seus objetivos.
Além disso, esse elemento o espaço é também o que diferencia a Feira tanto de
outros espaços de produção, comercialização e consumo, quanto de outras feiras. Isso
porque o espaço da Feira do Jubileu está ancorado na dimensão simbólica do espaço que a
suporta. É o espaço, envolvido pela dimensão religiosa do evento, que faz com que as
pessoas se desloquem para lá, e não para outros lugares. E, por extensão, é esse enorme
fluxo de pessoas que faz com que esse mesmo espaço adquira uma relevância também
econômica, pois um enorme contingente de clientes em potencial para qualquer tipo de
produto.
É também o espaço que adquire uma característica de inalterabilidade, ou de
manutenção de suas características originais, por meio da tradição que reforça a sua
perpetuação ao longo isso, talvez, pelo fato de que a religiosidade assegurar uma certa
resistência à mudança dos hábitos e, por extensão, da própria dinâmica na Feira, que é
afetada parcialmente por isso. Em síntese, o percurso semântico da identidade corrobora
com toda a análise desenvolvida até então sobre a dimensão espacial e a influencia do
espaço na construção da identidade.
226
5. CONCLUSÃO
Com o intuito de atender ao objetivo proposto nesta pesquisa a saber, analisar e
interpretar como se arquiteta a relação entre o espaço, físico e simbólico, e a construção
da identidade institucional da Feira do Jubileu do Bom Jesus, realizada na cidade de
Congonhas (MG) –, buscou-se delimitar um corpus teórico e um esquema metodológico de
análise compatíveis que permitissem a averiguação do tema.
Nesse sentido, optou-se pelo estudo da identidade a partir de uma perspectiva
institucional, em que a Feira, enquanto evento regular e com um padrão de atividades de
regras e comportamentos mais ou menos estáveis ao longo do tempo e, aceitos e
legitimados, foi considerada como uma instituição. Embora tenha-se optado por esse nível
de análise, é válido relembrar que não foram deixadas de lado as considerações a respeito
da influência dos atores sociais e organizacionais na configuração desse padrão
institucional de análise. Mas como é impossível abordar todas as facetas de um mesmo
fenômeno simultaneamente à escolha pelo nível institucional, na perspectiva pós-
estruturalista de análise, permitiu enxergar a Feira por meio da metáfora de organização
como superpessoa, onde interação dos diversos atores individualmente, articulada por suas
narrativas, permitiu enxergar o processo de constituição e de construção de uma narrativa
institucional da própria Feira.
Foi possível perceber como a Feira “age” e quais são os seus movimentos, ou
melhor, como os diversos atores sociais e organizacionais têm agido na Feira e, como suas
ações têm configurado padrões que reificam e legitimam as características da Feira ou
padrões novos que modificam as suas características ao longo do tempo. Nesse sentido, a
227
partir de uma perspectiva autobiográfica foi possível identificar a trajetória da Feira, seus
dilemas e as formas que ele tem tomado. Dessa forma, buscou-se considerar a influência
das ações individuais e organizacionais de análise por meio dos discursos e da narrativa
analítica que se construiu a respeito da Feira.
Assim, com relação às questões norteadoras deste estudo:
1. Quais são as principais mudanças ocorridas na identidade institucional da Feira ao
longo do tempo?;
2. Quais são as principais mudanças ocorridas no espaço físico e simbólico da Feira do
Jubileu do Bom Jesus?;
3. Como se relacionam as transformações ocorridas no espaço, físico e simbólico, com as
mudanças de identidade institucional da Feira ao longo do tempo?
Inicialmente, pode-se identificar que houve um conjunto de mudanças que
ocorreram ao longo do tempo na Feira, dentre as quais destacam-se: as mudanças em
relação ao espaço da Feira, que propiciou uma reconfiguração de sua dinâmica a partir da
valorização e desvalorização de espaços físicos da própria Feira; as mudanças nos hábitos e
costumes da população residente na cidade e também dos visitantes da Feira; e as mudanças
no que se refere ao contexto socioistórico-cultural, entre outras. No seu conjunto, essas
mudanças propiciaram uma reconfiguração da dinâmica Feira, sobretudo por meio do
contingente de pessoas que passaram a participar dela e também pela forma como espaços
passaram a ser ocupados e disputados na Feira e na cidade, corroborando as idéias
defendidas por Pimentel, Carrieri e Leite-da-Silva (2008), para quem a identidade está
relacionada à dinâmica dos grupos sociais e dos espaços por eles ocupados.
Com relação às mudanças no espaço físico, observou-se, além da reorganização do
espaço ocupado pela feira, que ia da igreja da Matriz à da Basílica, houve também a
228
mudança em relação à padronização das barracas e à reorganização interna da Feira nos
últimos anos (sobretudo com o aumento de espaços a serem ofertados para o aluguel de
barraqueiros atendendo à demanda e ao crescimento da Feira). No que se refere ao espaço
simbólico da Feira, ou seja, à percepção que as pessoas têm dele, observou-se que a Feira e
o espaço do entorno do Santuário da Basílica do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, que é
ocupado por ela tem duas acepções: de um lado, ele é concebido como espaço sagrado, das
festividades do Jubileu; de outro, o seu entorno, que é ocupado pela Feira, é tido como
espaço profano, de satisfação das necessidades materiais.
Ambos parecem conviver harmoniosamente como espaços e dimensões simbólicas
complementares, pois o espaço da Feira, se é profano, o é porque é o lado humano da Feira,
o lado material. É nesse sentido que a o espaço Feira adquire o significado de um espaço
informal, da microeconomia precária, marginal e esporádica. Mas também, por seu turno,
leva à Feira a adquirir um sentido de sobrevivência. Contudo, apesar de não materializada
ainda, parece existir uma mudança em curso que é a de expansão e de valorização da
acepção mundana do espaço da Festa e da Feira do Jubileu. Isso porque, com a
intensificação de pessoas que se dirigem à cidade com o intuito único e exclusivo de
comercializar seus produtos, aliado à crescente onda de vendedores ambulantes que vêem
na Feira um espaço de economia informal em que eles podem inserir-se facilmente, já que
não formas de controle, uma tendência à incorporação de pessoas nesse espaço da
Feira que está dissociada de qualquer manifestação religiosa, o que tende a contribuir para a
mudança, no longo prazo, do caráter da Feira, tornando-o exclusivamente comercial.
Por fim, observou-se que as transformações ocorridas no espaço físico e simbólico
se relacionam com a identidade da Feira, pois esta, enquanto uma instituição econômica,
precisa operar em um determinado espaço, a fim de atingir seus objetivos. No caso
229
específico, em um espaço que atraia público para seus produtos. É nesse sentido que ela se
insere no entorno do Santuário da Basílica do Jubileu do Senhor Bom Jesus do Matosinhos,
em Congonhas (MG), que, por ser um espaço religioso tradicional, atrai milhares de
pessoas para peregrinação. É justamente nesse sentido que a identidade (essencialmente
comercial) da Feira se acopla à da Festa do Jubileu, tanto material quanto simbolicamente,
no sentido de aproveitar essas oportunidades, fornecendo até mesmo, num primeiro
momento, produtos de caráter religioso.
Com o passar do tempo, verificou-se que a Feira consolidou seu aspecto central de
instituição comercial, embora esteja ancorada num tipo específico, voltado para o
abastecimento de famílias de baixa renda e para a geração de atividades e ocupações
temporárias informais, que lhe permite uma aproximação com o universo simbólico da
Festa, pois envolve a questão da sobrevivência material, enquanto que esta última se
relacionaria com a sobrevivência espiritual.
Nesse sentido, uma representação identitária do espaço da Feira torna-se comum
nos discursos e na narrativa construída: a da Feira enquanto um espaço de sobrevivência,
que se articula em dois níveis: o individual e o organizacional. No nível individual,
observa-se a existência de uma pluralidade de atores sociais que interagem das mais
diversas formas utilizando estratégias como o domínio de um determinado espaço, por
exemplo, o das fachadas de suas casas, que se transforma em moeda de troca e é alugado
aos barraqueiros e táticas como o aproveitamento de oportunidades temporais, por
exemplo, a época do Jubileu em que a cidade está repleta de visitantes, para a venda de
salgados, pedaços de bolo, cafezinhos, picolés e sucos, entre outros – como forma de
exercer alguma atividade marginal que lhe seja uma fonte de renda, ainda que temporária,
contribuindo para a sua subsistência.
230
No plano organizacional, essa percepção do espaço enquanto espaço de
sobrevivência também é vista como uma forma de sobrevivência, que por parte dos
atores organizacionais no caso, as inúmeras organizações formais ou informais que os
barraqueiros representam. A sobrevivência desses atores organizacionais está atrelada à
possibilidade que esse espaço oferece de escoamento da produção, sem a emissão de nota
fiscal (e o conseqüente recolhimento de impostos), a um preço baixo. Isso, por sua vez,
permite (ou prolonga) a existência de várias organizações (formais ou informais) que de
outra forma não conseguiriam sobreviver no mercado da economia formal, competindo
com outras empresas, seja pelo baixo valor agregado de seus produtos, seja pela utilização
de técnicas rudimentares, seja pela ausência de alcance de economia em escala. Dessa
forma, o espaço da Feira funciona como uma “válvula de escape”, que abriga a economia
informal, como um meio de permitir que centenas de milhares de microorganizações
fechem suas portas e destitua seus proprietários das poucas (ou única) oportunidades de
geração de emprego e renda para si próprios e sua cadeia de fornecedores. Assim, a Feira
enquanto um espaço de sobrevivência organizacional é também um espaço político pois, a
despeito de seu caráter de ilegalidade, a economia informal se reveste de um caráter de
legitimidade, sendo vista e aceita com uma alternativa viável para o problema do
desemprego da falta de renda.
Assim, as organizações inseridas nesse contexto sobrevivem dessa forma por causa
desse espaço econômico e político que lhes é criado, que permite a sua manutenção e
desenvolvimento, o que é corroborado pela existência de um calendário anual de feiras, das
quais boa parte dos barraqueiros participa a fim de escoar sua produção. Num sentido mais
amplo, que extrapola essa Feira, pode-se inferir que essa percepção do espaço da Feira
como um espaço de sobrevivência pode ser atribuída a outras feiras, já que nessas outras
231
também a participação de grande parte dos mesmos barraqueiros, que se utilizam desses
espaços das feiras como uma tática econômica para vender seus produtos, que, muitas
vezes, eles não dispõem de um lugar próprio, isto é, do seu próprio espaço de venda.
Em síntese, o que se observou nas narrativas dos entrevistados, em primeiro lugar,
foi a confirmação e defesa do caráter comercial da Feira, sendo esta justificada das mais
diversas formas, como aproveitamento das oportunidades econômicas oriundas da grande
concentração de pessoas e a necessidade de sobrevivência mediada pelo trabalho informal
nessa Feira. Em segundo lugar, verificou-se, como assinalavam Albert e Whetten (1985)
em seu estudo seminal sobre o assunto, que no caso estudado aqui parece haver uma
mistura entre a identidade da Feira, a identidade do evento religioso e a identidade da Festa
do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas.
Se, de um lado, existe a centralidade do comércio no que tange à natureza intrínseca
de funcionamento e à existência de uma feira qualquer; de outro, essa centralidade
comercial precisa ser justificada e legitimada por uma determinada motivação
correspondente e complementar dessa ação social racional com relação a seus fins. Ou seja,
outros atores sociais precisam desempenhar ações sociais, racionais ou não, que entrem em
contato com as primeiras e façam-nas existir. Aqui, pelo menos dois elementos foram
identificados e apontados como possíveis motivadores dessas ações: a existência da
necessidade real por determinados tipos de produtos (ou demanda por bens); e/ou a
existência de uma necessidade de fruição (demanda por lazer) que não necessariamente se
finda no consumo. Assim, a centralidade da Feira, do ponto de vista antropológico
(enquanto um fenômeno que se estende além do mero caráter comercial) envolve também a
sua função de lazer, parte correlata e integrante às festividades religiosas, pois funciona
como um equipamento de suporte às mesmas.
232
Então, a pergunta que se faz é a seguinte: As comemorações religiosas não
existiriam sem a Feira funcionando como um equipamento de suporte, seja comercial seja
de lazer? A resposta que nos parece mais adequada a esse questionamento seria: sim. A
Festa religiosa existiria independente da Feira, mas o contrário não é verdadeiro, porque é
justamente essas festividades religiosas que ancoram a Feira e dão sentido a sua existência,
sendo a identidade desta, portanto, complementar e dependente daquela, como se fosse
mutualística.
Nesse sentido, o espaço adquire uma capacidade de associação dos dois elementos
aparentemente opostos. É o espaço que permite a aproximação deles e que efetua a
interface mutualística do sagrado e do profano, mostrando que porque a Festa religiosa
poderia existir independente da Feira, pois a motivação central dessa ação social dos
romeiros é a fé. Mas, possivelmente, não seria uma Festa religiosa tão grande e repleta de
pessoas, justamente pela ausência de meios materiais e equipamentos de suporte que
servissem às pessoas durante o seu período de estadia na cidade, sobretudo quando a
benção da Igreja se dava apenas no último dia, o que obrigava os romeiros a ficarem na
cidade de oito a dez dias. Então, possivelmente, muitos não conseguiriam ficar durante todo
esse período se não houvesse a Feira, e tudo o que gira nela e em torno dela como suporte a
esses romeiros. É nesse sentido que se fala aqui em identidades mutualísticas, pois ambas
convivem em um mesmo espaço de forma não excludente, chegando, até, a contribuir cada
uma para o fortalecimento e expansão da outra identidade institucional.
Outra característica importante do fenômeno observado, que inclusive o distingue
de um mercado é o seu caráter temporário e regular. Embora seja um evento, e enquanto tal
temporário, sua regularidade cria uma dinâmica própria no uso e ocupação dos espaços da
cidade ocupados pelas feiras. Esses, geralmente, possuem outro tipo de uso principal, sendo
233
o uso destinado à feira apenas um uso secundário. Essa ausência de um espaço próprio é
um elemento central na análise das feiras, pois para que elas possam ocorrer, há,
conseqüentemente, uma apropriação, ainda que temporária, do espaço físico antes
destinado a outro uso. Essa é uma questão que possivelmente influi na dinâmica da
construção identitária de uma feira, pois essa apropriação temporária para ser regular
(freqüente) necessita criar um vínculo com o espaço e com os demais participantes da
Feira, senão perde-se o sentido de coesão e de pertencimento a Feira.
Em síntese, o que se verificou foi que a feira surgiu em decorrência de uma
celebração religiosa, como um evento para dar suporte à mesma e ao mesmo tempo gerar
uma oportunidade de ganho econômico a partir do lazer ou devoção expresso pelas ações
de outros indivíduos. Dessa forma, quando a Feira foi criada já havia outras formas de
abastecimento na cidade, sendo, portanto, a sua função comercial estritamente marginal
naquele contexto. Naquele período, supõe-se que a Feira estivesse mais voltada e
fortemente influenciada pela religiosidade marcante do nascimento das festividades
religiosas do Jubileu. Seus produtos eram relacionados aos temas religiosos, como santos e
velas. Mas, aos poucos outros artigos foram sendo introduzidos na Feira, principalmente
produtos de “suporte” à permanência dos visitantes na cidade como, por exemplo,
alimentação. Dessa forma, com o passar do tempo a essência comercial da Feira tornou-se
mais saliente e visível embora estive sempre associada à religiosidade sedimentando-a,
então, enquanto uma instituição comercial e, portanto habilitada a venda de qualquer tipo
de produto. A Feira então, sobretudo no século XX, se transforma em um cento de
comercial de abastecimento da cidade e da região, o que pode ser corroborado pela
expressiva quantidade de pessoas que participam ou dependem, direta ou indiretamente, da
tanto na cidade quanto pessoas de outras cidades e Estados e que garante a fonte de renda
234
de maior parte das pessoas que participam dela, e no caso dos residentes da cidade garante
uma renda por boa parte do ano. Hoje, a Feira, embora ainda esteja associada ao espaço
religioso da celebração das festividades, é vista como um enorme centro comercial, um
shopping, o ShoppingLeu, que a céu aberto. Assim, as mudanças no espaço, efetuadas
pelas práticas dos atores sociais, ao seguirem o curso de suas ações, se traduzem em
processos de objetivação e subjetivação, que vão corroborar para a manutenção ou
mudança da ordem institucional vigente e, com isso, influenciar os demais aspectos da
identidade, como a centralidade, a distintividade e a temporalidade.
Com relação ao esquema teórico de análise, foi possível evidenciar que uma
constante sobreposição e relação entre os temas abordados nos três percursos semânticos
em especial, no percurso da espacialidade e no da identidade, pois seus temas mantêm
relações diretas e, às vezes, de difícil separação. Um exemplo disso é a verificação de
vários excertos em que os temas de centralidade, distintividade, temporalidade se
entrelaçam com o percurso da espacialidade, sobretudo com o tema da percepção do
espaço, por exemplo, nos fragmentos (075), (076), (077) e (078).
Nesse sentido, este estudo buscou contribuir com a inserção da dimensão espacial
enquanto categoria analítica do fenômeno social da identidade para os estudos
organizacionais. Essa inserção havia sido apontada por vários autores como Vergara e
Vieira (2003), Carrieri e Pereira (2003), Staub (2004) e Gomes-da-Silva (2006), sobretudo
a partir das concepções de vários estudiosos do campo da geografia, como Santos (1979),
Lefebvre (1991) e Soja (1998). Portanto, essa seria apenas uma confirmação da relevância
do tema para os estudos no campo organizacional a partir de uma observação empírica.
Contudo, a proposta de contribuição que se pretende deixar para os estudos
organizacionais vai além da consideração da dimensão do espaço enquanto uma categoria
235
analítica. O que este estudo aponta, e o que se propõe aqui, é uma revisão parcial do
conceito clássico de identidade organizacional proposto por Albert e Whetten (1985), por
meio da incorporação de uma nova categoria conceitual: a espacialidade. Esta categoria,
como proposta inicial (ver figura 3, p. 91), poderia ser definida como aquilo que se
manifesta fisicamente no espaço, por meio de objetos e sistemas de ação e, simbolicamente
por meio de sua representação mental. Seria operacionalizada pela verificação das seguintes
categorias: a) organização espacial como estão organizados os objetos e os sistemas de
ação num dado espaço físico; b) a circulação de fluxos – qual é a dinâmica que está por trás
da organização dos objetos e sistemas de ação que organizam o espaço; c) práticas de
apropriação-exclusão – que representariam no plano do espaço físico a ordem dominante na
organização do espaço e, no plano simbólico, a dimensão política e afetiva da
materialização dessa ordem, isto é, como e por quem o espaço é usado e apropriado e o que
e quem estão alijados daquele espaço como conseqüência do processo de uso e apropriação;
e, d) a própria percepção do espaço enquanto dimensão simbólica e ideológica
propriamente dita que refletiria o modo pelo qual os indivíduos lêem, interpretam e
interagem com o espaço. Esta dimensão simbólica, ou percepção do espaço, está em
conexão direta com a noção de espaço representacional de Lefebvre (1991).
Assim, a espacialidade seria mais uma dimensão conceitual e analítica do conceito
de identidade organizacional, que, por sua vez, poderia ser redefinido da seguinte forma:
Identidade é aquilo que é central, ou seja, que representa a finalidade essencial do grupo
social, a sua razão de existir; distintivo, isto é, que permite ao grupo social (ou
organizacional) se distinguir dos outros grupos que lhes são semelhantes (em parte, devido
a sua característica central); temporal, que se refere ao fato de ter uma relativa estabilidade
temporal a ponto de fornecer uma coerência histórica ao grupo; e espacial, que diz respeito
236
à forma de manifestação física e concreta pela qual essa identidade se expressaria, seja pela
sua manipulação do espaço físico, por meio de estratégias de apropriação e territorialidade,
seja pela sua manifestação simbólica (mas que, em última instância, contribuiria para
ordenar a ordem material) manifestada pela percepção do espaço e pelas formas de
interação e veiculação de idéias e imagens sobre ele.
Contudo, obviamente esta proposição teórica de conceituação e análise da
identidade organizacional não é definitiva. Pelo contrário, apenas inicia-se aqui um possível
caminho para a exploração do tema que, certamente, requererá a realização de diversos
estudos posteriores. O que se fez até aqui foi identificar a uma lacuna nos estudos sobre
identidade, a saber: a idéia de sua construção no vácuo, ou seja, sem necessariamente estar
inserida num determinado espaço, que por sua vez estaria inserido num contexto mais
amplo.
Assim, reconhece-se aqui que este estudo possui várias limitações, dentre as quais
podem-se destacar: as aproximações e generalizações analíticas realizadas a partir desse
estudo de caso único; a limitação em termos de quantidade e possível seleção dos sujeitos
de pesquisa, que eventualmente, pode ter contribuído para enviesar a análise; e a
necessidade de validação desse novo esquema teórico de análise.
Com relação ao estudo de caso único, a opção metodológica se mostrou adequada
ao aprofundamento da questão do estudo da identidade. Contudo, como recomenda Yin
(1989) somente as generalizações analíticas devem ser consideradas a partir desse método,
uma vez que o mesmo não fornece subsídios para generalização dos resultados a todo um
conjunto de casos semelhantes sobre o mesmo tema. Nesse sentido, faz-se necessária uma
comparação múltipla e sistemática com outros estudos de caso a serem realizados em
futuras pesquisas.
237
Com relação à quantidade e forma de seleção dos sujeitos de pesquisa é preciso ter
em mente que um pré-requisito para a realização das entrevistas durante a pesquisa de
campo é a abertura e disposição dos possíveis entrevistados, o que não ocorreu em diversas
vezes. No caso dos barraqueiros, muitos se recusaram a participar do estudo por receio de
que o valor arrecadado de em suas vendas pudesse ser alvo de fiscalização por parte da
prefeitura ou de outros órgãos públicos. No caso dos participantes da comunidade e da
prefeitura houve um grande número de entrevistados devido à sua abertura e receptividade.
no caso da Igreja, depois de muitas tentativas conseguiu-se apenas uma conversa rápida
e informal com o padre, que é o responsável pela organização das festividades religiosas,
sem permissão para gravação, sendo sua fala anotada pelo pesquisador e imediatamente
transcrita após a conversa. Vale ressaltar aqui que nenhum visitante foi entrevistado, ou
seja, a identidade do ponto de vista externo, percebida pelos não membros da Feira não
totalmente observada.
Por fim, ainda existe uma limitação em termos da proposição desse esquema teórico
de análise da identidade, com a agregação da dimensão espacial de análise. Nesse sentido,
por ser apenas uma proposição torna-se necessária a realização de novos estudos, tanto
qualitativos quanto quantitativos, que envolvam esse esquema teórico a fim de verificar se
o seu potencial explicativo, de fato, contribui para o campo dos estudos organizacionais e,
em especial, para a análise dos estudos de identidade organizacional e institucional.
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de Análise do Discurso (FALE/UFMG), 1998. p. 13-38.
253
APÊNDICES
A - Roteiro de Entrevista
1) 1. Como você participa da Festa do Jubileu do Bom Jesus?
a) Organiza a Festa e a Feira (Igreja e Prefeitura);
b) Expõe produtos na feira (barraqueiros);
c) Aluga a casa, os quartos ou a fachada de sua casa;
d) Presta serviços (alimentação, comércio ambulante, cafezinho, bares e lojas);
e) Apenas assiste às cerimônias religiosas.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Para respostas b, c, d
2) Há quanto tempo você trabalha aqui? Conte-me um pouco de sua trajetória na Feira
até hoje?
3) A sua família participa do seu negócio? Como? Quantos? Quem? Desde quando?
Por quê?
4) Quais foram as principais mudanças que ocorreram na Feira do Jubileu do Bom
Jesus desde que você começou a trabalhar nela?
5) As mudanças que ocorreram na Feira influenciaram seu negócio? De que forma?
6) É você mesmo que produz e os produtos comercializados aqui?
7) Você fez alguma mudança no modo de tocar seus negócios (barraca)? Por quê?
8) Fale sobre os concorrentes e clientes da Feira.
254
9) Qual a importância dos turistas em relação às vendas de sua barraca?
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
10) Qual a imagem que você tinha da Feira antes? E hoje qual é?
11) Qual a importância que a Feira tinha dentro da cidade antigamente? E hoje?
12) Se você pudesse resumir a Feira em uma palavra, o que você diria?
13) Se você pudesse dividir a Feira em fases, quais seriam essas fases? O que as
caracterizariam?
14) O que mais te marcou em cada fase da Feira?
15) Como tem sido a atuação da Prefeitura na gestão da Feira? E antes como era?
16) O fato de ser uma Feira religiosa (Jubileu do Bom Jesus) determina o seu local?
17) O que você acha que aconteceria se a Feira mudasse de lugar?
18) As modificações que ocorreram no espaço da Feira alteraram alguma(s) de suas
características (centrais)?
B - Roteiro para Análise do Discurso
1. Estratégias de persuasão
- Seleção lexical
- mobilização de personagens
- relação conteúdos explícitos versus Implícitos
- silenciados
255
2. Os principais temas e figuras (explícitos ou implícitos)
3. Os principais percursos semânticos
4. Outros aspectos relevantes da semântica discursiva
5. Metáforas e metonímias
6. Os principais aspectos da sintaxe discursiva
7. O(s) discurso(s) presente(s) nas narrativas
8. Principais aspectos ideológicos defendidos e combatidos nesse(s) discurso(s)
9. Posição do(s) discurso(s) na sociedade atual
10.Outros aspectos discursivos relevantes
256
ANEXOS
Metragem e Arrecadação Municipal com o Aluguel de Logradouros Públicos 2006 (Anexo 01)
Logradouro Público Metragem Valor/Metro Valor Total Previsto Valor Recebido Valor a Receber Total
Pç Dom Helvécio 24,8
350
8680
8680
0
8680
Pç São José (passeio com plato) 15
450
6750
5750
1000
6750
Pç São José (passeio) 38,8
350
13580
12580
1000
13580
Frente do Museu 20
250
5000
5000
0
5000
Palmeiras 84
150
12600
12600
0
12600
Palmeiras 30,5
130
3965
3965
0
3965
Palmeiras 130
120
15600
15600
0
15600
Palmeiras 39
70
2730
1540
1190
2730
Dr. Paulo Mendes 9
150
1350
1350
0
1350
Dr. Paulo Mendes 35
100
3500
3500
0
3500
Dr. Paulo Mendes 28,5
70
1995
1995
0
1995
Dr. Paulo Mendes 6
50
300
300
0
300
Pç Bandeirantes 29,5
30
885
885
0
885
Total
490,1
2270
76935
73745
3190
76935
Metragem e Arrecadação Municipal com o Aluguel de Logradouros Públicos 2007 - estimativa para 2007 (Anexo 02)
Escola Mun. Cardoso Osório 93
250
23250
Escola Mun. Fortunata de Freitas 61,5
150
9225
Pç Bandeirantes 56,5
30
1695
Pç São José 75
400
30000
Frente do Museu 20
250
5000
Dr. Paulo Mendes 170
90
15300
Palmeiras 186
120
22320
662
1290
106790
Fonte: Departamento de Fiscalização Fazendaria. Congonhas 26 de outubro de 2006.
257
Características Sócio-demográficas dos entrevistados (Anexo 02)
NOME
GÊNERO
SEXUAL
IDADE
(em anos)
TEMPO DE PARTICIPAÇÃO
NA FEIRA (em anos)
DE QUE FORMA PARTICIPA DA FEIRA
SETOR DE ATUAÇÃO
NA FEIRA
1) S. S.
Feminino
45 45 (desde que nasceu)
Representante de um órgão público da prefeitura na área de
cultura. Responsável pelo acervo histórico e cultural local.
(Também participa individualmente como morador).
Não se aplica
2) U.
Feminino
55
3 (Há três anos alugam a loja e a
fachada do imóvel, pois
mudaram para esse local
recentemente. Já a participação
na Feira é feita individualmente
por cada participante da
associação. Esta última não tem
uma barraca própria).
Representante de uma Associação Civil, sem fins
lucrativos, de Artistas e Artesãos da comunidade. Participa
de três formas: a) aluga o espaço da fachada de sua calçada
para os barraqueiros; b) aluga também a sua própria loja
(onde fica o centro de artes) para os barraqueiros; e vende
os seus produtos artesanais na Feira. (Também participa
individualmente como morador).
Produtos artesanais locais
(artesanato em pedra
sabão, rendas, colchas e
toalhas bordadas e
brincos).
3) P. O.
Masculino
56 23
Atualmente apenas como morador e freqüentador. Antes
ocupava um cargo público na prefeitura.
Não se aplica.
4) L. G.
Masculino
50 40 Comerciante da própria cidade.
Hospedagem e
alimentação (ambos
informais).
5) A. A.
Feminino
40 30
Representante de um órgão público da prefeitura na área de
turismo e cultura. Atualmente é co-responsável pela gestão
e organização da parte “profana” do evento, isto é, da Feira.
Atua, sobretudo, na questão logística de organização e
distribuição do espaço.
Organização da Feira.
6) P. R.
Masculino
78 30 Responsável pela organização da parte religiosa da festa.
Organização da Festa
religiosa.
7) Z.K.
Masculino
56 56 (desde que nasceu)
Atua em um órgão público da prefeitura na área de cultura.
Auxilia na organização da Feira. (Também participa
individualmente como morador).
Organização da Feira.
8) L.C.
Masculino
40 40 (desde que nasceu)
Atua em um órgão público da prefeitura na área de cultura.
Auxilia na organização da Feira. (Também participa
individualmente como morador).
Organização da Feira.
9) P. T.
Masculino
43 43 (desde que nasceu)
Representante de uma das entidades de classe dos
comerciantes da cidade.
Não se aplica.
10)B. F.
Feminino
68 20 Barraqueira de São Paulo.
Alumínios em Geral
(panelas, frigideiras,
258
bules, etc.)
11)B. F.
Feminino
56
15 (desde que se tornou
desempregada).
Barraqueira de São Paulo. Ex-bancária que foi demitida e
acabou entrando para o comércio informal como meio de
subsistência.
Roupa infanto-juvenil.
12) B.F.
Feminino
60 30 Barraqueira de São Paulo.
Antigamente vendia
roupas. Hoje trabalha com
bijouterias e arranjos em
geral.
13) B. F. Masculino 38 2 Barraqueiro de Belo Horizonte (MG). Roupas jeans.
14) B. F. Masculino 46 20 Barraqueiro de Fora. Alumínios em geral.
15) B. F. Masculino 58 30 Roupas indianas. Roupas
16) B. F.
Masculino
60 15
Barraqueiro de Balneário Camboriú (SC). Tem fábrica em
Santa Catarina e em Ibitinga.
Roupas estampadas.
17) B. F. Masculino 49 07 Barraqueiro do Brás, em São Paulo. Roupas de modo geral.
18) B. F.
Masculino
65 40 Barraqueiro de Belo Horizonte.
Artesanato em pequena
escala.
19) B. F. Feminino 42 6 Barraqueiro de Congonhas. Produtos importados
20) B. G.
Masculino
49 26 Barraqueiro de Congonhas.
Artigos religiosos
(revenda)
B. F. – Barraqueiro de Fora da cidade.
B. G. – Barraqueiro de Congonhas.
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