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Arthur Ituassu
1989, UM PAÍS DE CABEÇA PARA BAIXO
O Brasil e a economia mundial no ano da virada –
uma análise política de representações midiatizadas
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Rela-
ções Internacionais da PUC-Rio como requisito parcial para a
obtenção do título de doutor em Relações Internacionais.
Orientadora: Prof. Maria Regina Soares de Lima
Rio de Janeiro
Junho de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310321/CA
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Arthur Cezar de Araújo Ituassu Filho
1898, UM PAÍS DE CABEÇA PARA BAIXO
O Brasil e a economia mundial no ano da virada –
uma análise política de representações midiatizadas
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
da PUC-Rio. Aprovada pela Banca Examinadora abaixo assinada.
Profª. Maria Regina Soares de Lima
Orientadora
Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Profª. Letícia de Abreu Pinheiro
Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Profª. Isabel De Assis Ribeiro de Oliveira
Departamento de Ciência Política - UFRJ
Profª. Angeluccia Bernardes Habert
Departamento de Comunicação Social – PUC-Rio
Prof. Luis Manoel R. Fernandes
Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Prof. Matias Spektor
Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ
Prof. Nizar Messari
Coordenador Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 12 de junho de 2008.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310321/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial
desta obra sem a autorização da universidade, do autor e da orientadora.
Arthur Ituassu
Graduou-se em Comunicação Social Jornalismo na Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 1997 e obteve o título
de mestre em relações internacionais pelo Instituto de Relações Interna-
cionais da PUC-Rio em 2000. Jornalista, foi editor-assistente de Interna-
cional no Jornal do Brasil e editor na Jorge Zahar Editor. Professor da
PUC-Rio desde março de 2000, é também Fulbright Scholar com passa-
gem pela Universidade da Carolina do Sul, além de autor e contributing
editor no site openDemocracy (www.opendemocracy.net).
Ficha Catalográfica
CDD: 327
Ituassu, Arthur
1989, um ps de cabeça para baixo : o Brasil e a economia mundi-
al no ano da virada uma análise política de representações midiati-
zadas / Arthur Ituassu ; orientadora: Maria Regina Soares de Lima.
2008.
191 f. : il. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Relações Internacionais) Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia
1. Relações internacionais Teses. 2. Política externa. 3. Brasil.
4. Economia política. 5. Idéias. 6. Mídia 7. Comunicação. I. Lima, Ma-
ria Regina Soares de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Instituto de Relações Internacionais. III. Título.
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Ao meu filho Rafa que tanto amor me trouxe ao mundo
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Agradecimentos
A minha mestre e orientadora, prof. Maria Regina Soares de Lima.
À professora Letícia Pinheiro pelas contribuições.
Ao professor Luis Manoel Fernandes pelas contribuições.
Aos meus professores e amigos nos departamentos de Comunicação Social e de Engenha-
ria Industrial, bem como no Instituto de Relações Internacionais, todos da PUC-Rio.
A todos na Editora Zahar pelo apoio fundamental.
Aos meus amigos diplomatas e ex-colegas de mestrado Braz Baracuhy e Gustavo Sene-
chal pelas contribuições.
A minha fiel assistente de pesquisa Cristina Zharur.
A minha mulher Ana pelo amor e paciência, sem a qual este trabalho não teria sido pos-
sível.
Aos meus pais, avós e toda a minha família pelo apoio imprescindível de sempre.
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Resumo
Ituassu Filho, Arthur Cézar de Araújo; Soares de Lima, Maria Regina. 1989, um
país de cabeça para baixo: O Brasil e a economia mundial no ano da virada.
Rio de Janeiro, 2008, 191p. Tese de Doutorado. Instituto de Relações Internacio-
nais. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este é um estudo de relações internacionais que pretende analisar a mudança no
perfil de inserção do Brasil no ambiente econômico internacional a partir de 1989, com
um viés analítico focado na influência de certas idéias como constituidoras da ação polí-
tica. A pesquisa se debruça sobre um momento interno e externo crucial de elevada incer-
teza com o intuito de buscar um entendimento maior sobre um processo específico de
transformação da política econômica externa do país. A intenção foi a de se aproximar de
um conjunto-pensamento propagado pela mídia impressa no contexto, onde estão sendo
disseminadas idéias acerca de um novo perfil de inserção econômica internacional do
Brasil. Nesse sentido, procurou-se mostrar como noções de um “mundo em transforma-
ção”, de uma “crise interna” sem precedentes e de uma grave “crise no setor externo” da
economia brasileira, bem como certos alvos políticos-ideológicos construídos em torno
de um certo “isolamento” tradicional do país em relação à economia mundial, dos mode-
los tradicionais de gerenciamento econômico comandados pelo Estado e da própria con-
figuração do Estado e de sua relação com o mercado e a sociedade, tudo isso somado a
idéias-propostas caracterizadas por expectativas específicas de “abertura” e “reforma do
Estado” abriram caminho para posições em prol de uma reforma completa do Estado, en-
quanto apontaram de uma maneira muito forte para a necessidade de um novo perfil de
inserção econômica internacional do país.
Palavras-chave
Relações internacionais, política externa, Brasil, economia política, idéias, mídia,
comunicação
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Abstract
Ituassu Filho, Arthur Cézar de Araújo; Soares de Lima, Maria Regina (Advisor)
1989, A Country Upside Down: Brazil And The World Economy In the Turn-
ing Year. Rio de Janeiro, 2008, 191p. PhD Thesis. Instituto de Relações Interna-
cionais. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This is a work of international relations that intends to study changes in the profile
of Brazil’s integration to the international economy, through a path that reinforces the
influence of certain ideas in the constitution of political institutions. This research takes
into account a crucial domestic and international moment with high levels of uncertainty,
with the intention to better understand a process of transformation in Brazil’s foreign
economic policy. In this sense, this work tries to show that notions of a “world in trans-
formation” and of a domestic crisis without precedent levels opened the way for positions
in favor of a complete reform of the state, while the perception of a continuous crisis in
the foreign sector of the Brazilian economy did point out strongly to the necessity of a
new profile for Brazil’s international economic relations. Also, this research wants to
suggest that political-ideological targets were built dependent on the interpretation of the
crisis, and they were mainly: the idea of a traditional Brazilian “isolation” in its relation
to the international economy; the models of economic management by the state; and the
proper state itself, or how it relates with the market, the world and the Brazilian society.
Finally, this work intents to suggest that Brazil’s new configuration towards international
economy after 1989 was a political product of some ideas concerning more openness to
global markets and the reform of the state itself.
Keywords
International relations, foreign policy, Brazil, political economy, ideas, media,
communication
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Sumário
1. Introdução – Shakespeare e a psicologia da mutabilidade 11
2. A mudança no perfil de inserção econômica internacional do Brasil 13
3. Idéias, relações internacionais, comunicação e o fim da Guerra Fria 31
3.1 Idéias e relações internacionais 39
3.2 Comunicação e relações internacionais 53
3.3 Relações internacionais e o fim da Guerra Fria 56
3.4 A internacionalização inventada 65
4. Ascensão e queda do modelo exportador 66
4.1 Problemas que se perpetuam 77
5. A invenção da internacionalização 97
5.1 Idéias-contexto: interpretações do mundo ao redor 100
5.1.1 A crise no setor externo da economia brasileira 101
5.1.2 A crise do Estado 106
5.1.3 O mundo em transformação 110
5.1.4 O momento 120
5.2 Idéias-alvo: o Estado e os seus modelos de gerência econômica 120
5.2.1 O isolamento 121
5.2.2 Os modelos de gerência econômica 126
5.2.3 O Estado sob a mira de todos 133
5.2.4 Os alvos 141
5.3 Idéias-propostas: abertura e reforma do Estado 141
5.3.1 Mais integração 144
5.3.2 Transformar o Estado 148
5.3.3 Contra as carroças e os marajás 157
5.3.4 Rumo ao século XXI 166
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6. Conclusão 167
7. Referências bibliográficas 174
8. Fontes 181
9. Apêndice 184
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Lista de figuras
Figura 1 - Importações do Brasil em dólar 16
Figura 2 - Investimento Externo Direto no Brasil 21
Figura 3 - Carga tributária em relação ao PIB 83
Figura 4 - Exportações do Brasil em dólar 143
Figura 5 - Charge publicada na Folha de São Paulo 184
Figura 6 – Ilustração publicada na Folha de São Paulo 185
Figura 7 - Charge publicada na Folha de São Paulo 186
Figura 8 - Ilustração publicada na Folha de São Paulo 187
Figura 9 - Ilustração publicada na Folha de São Paulo 188
Figura 10 - Charge publicada na Folha de São Paulo 189
Figura 11 – Charge publicada na Folha de São Paulo 190
Figura 12 – Ilustração publicada na Folha de São Paulo 191
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1. Introdução – Shakespeare e a psicologia da mutabilidade
“Deus, tenha piedade!”
“Acalme-se, é apenas um sonho”.
“Oh, minha covarde consciência, como me afliges!”
1
Depois que vários fantasmas do passado visitam sua tenda, nas margens do campo
de batalha e na véspera da guerra, Ricardo III, na peça de William Shakespeare, acorda
assustado e temeroso do seu mais novo e pior inimigo: a sua consciência. Nesse momen-
to, o rei teme pelo caminho que tomou. A história conta que Ricardo III morre na batalha
do dia seguinte, “caçado como um porco” pelas forças inimigas, não antes sem gritar a
frase célebre: “Um cavalo, um cavalo! Meu reino por um cavalo.”
O sonho de Ricardo III é uma das cenas mais celebradas de Shakespeare. Por mo-
mentos como esse, Harold Bloom, por exemplo, enaltece a shakespeariana como a maior
de todas as obras. “Eu poria a chave para a posição central de Shakespeare no Câno-
ne”, diz Bloom. Segundo o autor, do mesmo modo que Dante ultrapassa todos os outros,
antes ou depois, ao enfatizar uma “imutabilidade última em todos nós, uma posição fixa
que devemos ocupar eternamente”, também Shakespeare “ultrapassa todos os outros no
evidenciar uma psicologia da mutabilidade”. A “psicologia da mutabilidade” define a ca-
pacidade dos personagens de Shakespeare, como Ricardo III em sua tenda, de pensar so-
bre si mesmo e, quem sabe assim, mudar o seu comportamento, o seu rumo, as suas a-
ções. Para o crítico literário, a obra shakespeariana traz a origem “da autotransformação
com base no entreouvir-se a mais admirável das inovações literárias”. (Bloom, 1994,
p.54)
Hoje todos nós andamos por falando a nós mesmos interminavelmente, entreouvindo o que dizemos,
depois meditando e agindo com base no que aprendemos. Isso não é tanto o diálogo da mente consigo
própria, nem mesmo um retorno da guerra civil na psiquê, quanto a reação da vida ao que se tornou ne-
cessariamente a literatura. (…) Shakespeare acrescenta à função da literatura de imaginação, que era
instrução de como falar a outros, a lição mais dominante, se bem que mais melancólica, da poesia: co-
mo falar a nós mesmos. (Bloom, 1994, p.55)
1
Tradução minha de: “Have mercy, Jesu! Soft! I did but dream. O coward conscience, how dost thou afflict
me! The lights burn blue. It is now dead midnight.” (Shakespeare, 1988, p.174.)
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Este estudo trata de um aspecto específico – a política comercial – de uma mudança
generalizada na forma de inserção do Brasil no ambiente político e econômico interna-
cional, ocorrida a partir de 1988/89. O objetivo é analisar essa transformação à luz das
idéias que interpretam, questionam e constituem esse processo. Neste trabalho, sem qual-
quer intenção de antropomorfizar seu objeto, mas apenas de prestar uma analogia, o Bra-
sil é o nosso personagem shakespeareano. O Brasil muda o seu comportamento com rela-
ção ao ambiente internacional a partir de 1989.
Nesse sentido, esta obra se organiza da seguinte forma. No primeiro capítulo, “A
mudança no perfil de inserção econômica internacional do Brasil”, será apresentado e
analisado o objeto escolhido para pesquisa – a transformação. No capítulo 2, a intenção é
contextualizar, apresentar e discutir a forma escolhida para a análise. Também são apre-
sentados argumentos e hipóteses que constituem o objetivo final do esforço aqui empre-
endido. No capítulo 3, “Ascensão e queda do modelo exportador”, faz-se uma contextua-
lização histórica do objeto escolhido. No capítulo 4, está o coração desta obra as análi-
ses interpretativas de representações políticas midiatizadas, produzidas e divulgadas em
1989, e que dizem respeito à relação econômica do Brasil com o mundo. No quinto e úl-
timo capítulo, estão as conclusões que podem ser levantadas de todo esse esforço acadê-
mico.
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2. A mudança no perfil de inserção econômica
internacional do Brasil
No que diz respeito às relações econômicas internacionais do Brasil, tema mais
amplo deste trabalho, ou ao perfil brasileiro de inserção na economia internacional, algo
mudou a partir do final dos anos 1980. O ponto de partida é mais precisamente junho de
1988, quando o governo Sarney toma algumas medidas que tornam mais liberal e aberta a
política comercial brasileira. Ações modestas, é verdade, mas altamente simbólicas. Não
dúvidas, de 1988 para o Brasil se tornou mais aberto ao comércio e às finanças in-
ternacionais, importou e exportou mais, elevou a tradicional participação estrangeira na
economia e estabeleceu acordos comerciais significativos como, por exemplo, o Merco-
sul. A intenção deste capítulo é apresentar o objeto de estudo escolhido para a análise: a
mudança no perfil de inserção econômica internacional do Brasil a partir dos últimos a-
nos da década de 1980, ou seja, no contexto do fim da Guerra Fria e em meio ao processo
recente de globalização econômica.
Originada das propostas feitas pela Comissão de Política Aduaneira no final de
1987, a nova política comercial brasileira de junho de 1988 reduziu tarifas e impostos à
atividade e eliminou alguns regimes especiais de importação. Começava assim a se trans-
formar todo um arcabouço institucional presente mais ou menos da mesma forma, pelo
menos estruturalmente, desde 1957. (Kume, 1990, 1991)
De fato, em 1988 a política de importação brasileira apresentava uma estrutura tari-
fária de alíquotas fixadas nos anos 1950, e a presença generalizada de tarifas com parce-
las redundantes, a chamada “redundância tarifária”.
1
Além disso, incidia sobre a atividade
importadora a cobrança de vários tributos adicionais como o Imposto sobre Operações de
Crédito, Câmbio e Seguro, a Taxa de Melhoramento de Portos e o Adicional de Frete pa-
ra Renovação da Marinha Mercante.
1
A diferença entre a tarifa legal, da legislação, e a tarifa nominal medida pela diferea entre o preço
interno e o preço externo tarifado. Quanto maior a diferença entre a tarifa nominal e a tarifa legal, maior a
redundância.
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E não de tarifas altas vivia o regime comercial brasileiro. As barreiras não-
tarifárias também eram amplamente utilizadas. Vários produtos tinham a emissão suspen-
sa da guia de importação, alguns necessitavam de “autorizações prévias” para importação
(produtos siderúrgicos e bens de informática, por exemplo) e havia quotas anuais de im-
portação para empresas.
Ao mesmo tempo, é importante lembrar, 42 regimes especiais de importação garan-
tiam isenção ou redução de impostos para a atividade. Esse é um ponto importante para
não se ter a impressão errônea de que o país não importava. Como será visto mais para
frente, a importação é um elemento fundamental do processo de industrialização vigente
no Brasil durante quase todo o século XX, e um programa de incentivo às exportações
trabalhou com importações controladas nos anos 1970 e 1980 (Befiex). O que sempre
houve efetivamente foi um controle bastante forte do Estado sobre essa atividade, no sen-
tido de promover a importação que viesse atender as necessidades da indústria, as exi-
gências do Balanço de Pagamentos e não prejudicasse o produtor nacional. Essa era a
chamada importação “estratégica”.
Os regimes especiais de importação, por exemplo, alcançaram quase 67% das com-
pras externas brasileiras em 1985 e faziam com que as tarifas reais e as praticadas fossem
muito diferentes. Em 1984, enquanto a tarifa média para o setor manufaturado era de
90%, a efetivamente paga por quem conseguia importar era de 19%. (Kume, 2003, p.1)
A origem do sistema foi a lei n. 3244, de 1957, que definiu a lista tarifária e criou a
agência de governo encarregada do setor, o Conselho de Política Aduaneira, transforma-
do, em 1979, em Comissão de Política Aduaneira. A Comissão, que em sua última déca-
da consistia de 13 representantes de agências de governo e três do setor privado, delega-
dos das confederações nacionais de indústria, comércio e agricultura, coordenava um sis-
tema onde as alíquotas não reinavam sozinhas. A Comissão tinha o poder de criar os re-
gimes especiais de importação, e esta prerrogativa reduzia ou isentava impostos de im-
portação em função do tipo de produto (alimentos, medicamentos) ou do agente importa-
dor empresas estatais; empresas estrangeiras e nacionais privadas; instituições religio-
sas, de governo, de ensino etc. (Bauman, Canuto e Gonçalves, 2004, p.163-170)
No mesmo sentido estava o plano de Concessão de Incentivos Fiscais e Programas
Especiais para Exportação, conhecido como Befiex, colocado em prática a partir de maio
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15
de 1972. O regime previa às empresas, cujos projetos haviam sido anteriormente aprova-
dos pela Comissão, importar bens de capital, peças, equipamentos, componentes, maté-
rias-primas e outros produtos intermediários “com redução ou isenção de tributos”.
(p.164)
Algumas estimativas apontam que, em meados dos anos 1980, 70% das importa-
ções brasileiras, mesmo excluindo-se a de petróleo, eram feitas com algum tipo de bene-
fício fiscal. (Bauman, Canuto e Gonçalves, p.165) Ou seja, até o fim da década de 1980 o
país importava pouco, mas em especial o fazia sob rédea curta do Estado.
Mesmo controlado, entretanto, o crescimento das importações foi constante. O Bra-
sil terminaria a década de 1970, por exemplo, importando com muito mais vigor que nos
anos 1950. De fato, um intercâmbio mais forte com o mercado internacional nasce em
meados dos anos 1960 por meio das empresas estrangeiras presentes no país, dado que
“as propensões a exportar e a importar para diferentes amostras de empresas estrangeiras
operando no Brasil e no resto do mundo crescem continuamente ao longo do tempo”.
(Franco, 1999, p.31) Em 1966, a propensão a exportar das empresas estrangeiras no Bra-
sil é de apenas 3%, quando a média mundial está em 18,6%. Em 1993, esses números são
de 17% e 40,3%.
a partir de meados dos anos 1960 pode-se perceber um movimento claro de in-
ternacionalização da economia brasileira que vai até o início dos anos 1980, quando a
crise da dívida atacou o Balanço de Pagamentos brasileiro e o país alcançou até mesmo
“níveis de autarquia no que diz respeito à importação de manufaturados” mesmo que
recuperando rapidamente nos anos 1983-84 o crescimento das exportações. (Fritsch e
Franco, 1991, p.1) Com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o
gráfico a seguir representa de forma bastante notória a dinâmica importadora brasileira,
medida em milhões de dólares, elevando-se parcialmente no fim dos anos 1970 mas cres-
cendo de forma significativa a partir de 1988, em especial de 1992:
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Importações do Brasil em dólar 1974-2006
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Sobre as exportações, é possível identificar um perfil baixo entre 1947 e 1967,
quando o valor das vendas ao exterior variou entre US$ 1,1 bilhão em 1949 e US$ 1,8
bilhão, em 1951. Enquanto as exportações brasileiras cresceram apenas 4% de 1953 a
1965, o comércio mundial cresceu em média 20% no mesmo período. A partir de meados
dos anos 1960, no entanto, os volumes aumentam significativamente, passando de US$
2,7 bilhões, em 1970, para US$ 20 bilhões, em 1980; US$ 31 bilhões em 1990 e US$ 73
bilhões em 2003. E não as exportações cresceram como a composição da pauta tam-
bém mudou, tornando-se cada vez mais industrializada. Se em 1970 os industrializados
representavam apenas 25% da pauta, o mesmo tipo de produto contava com 74% das
vendas externas 30 anos depois. (Bauman, Canuto e Gonçalves, 2004, p.159)
A partir da metade dos anos 1960, de fato, a política comercial brasileira conseguiu,
por meio de mecanismos institucionais específicos, proporcionar simultaneamente incen-
tivos às exportações e barreiras às importações, altamente seletivas e controladas pelo
Estado. A partir de 1965, por exemplo, os primeiros incentivos às exportações começa-
ram a ser concedidos sob a forma de isenção de ICM e de IPI nas atividades voltadas para
o mercado externo. Entre 1968 e 1977, os incentivos às exportações de produtos manufa-
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turados como porcentagem do valor FOB exportado passou de 40%, aproximadamente,
para mais de 70%. (Bauman, Canuto e Gonçalves, 2004, p.164)
Apesar do reforço constante mas controlado da internacionalização da economia
brasileira desde meados dos anos 1960, o pontapé inicial de uma série de reformas recen-
tes no comércio e nas relações financeiras internacionais do país foi dado nos últimos a-
nos da década de 1980. Com relação ao comércio, por exemplo, a expressão principal da
mudança foi a redução tarifária. Um processo notório de liberalização comercial começou
a ser implementado em 1988, e ocorreu em três ondas de redução tarifária: a primeira em
1988-89, quando a tarifa média nominal de 57,5% foi reduzida para 32,5%; a segunda,
mais significativa, em 1991-93, quando a mesma tarifa caiu para 13,5%, acompanhada de
redução acentuada das amplas barreiras não-tarifárias à importação; e a terceira em 1994,
ao se reduzir a tarifa média nominal a 11,2%. (Abreu, 2007, p.6)
No que diz respeito às importações, houve nitidamente uma mudança de paradig-
ma. A primeira onda de liberalização eliminou a chamada “redundância tarifária”, a se-
gunda “aboliu praticamente todas as barreiras não-tarifárias, particularmente as proibi-
ções de importação (a famosa lista do Anexo C)”, bem como “as licenças de importação
usadas de forma mais ou menos permanente, desde o final da década de 1940, respalda-
das por exceções previstas no artigo XVIII:b do Gatt (restrições justificadas por proble-
mas relativos ao Balanço de Pagamentos)”. Além disso, foi implementado um significati-
vo cronograma de reduções tarifárias entre os anos de 1991 e 1993, e em 1994 foram fei-
tos ajustes tarifários com o intuito de impor uma disciplina mais rígida aos preços domés-
ticos, durante os primeiros momentos do Plano Real. (Abreu, 2007, p.6-7)
Os primeiros passos foram cautelosos. Na reforma de junho de 1988, o governo
Sarney fixou tarifas menores mas superiores a sua proposta inicial, manteve boa parte da
parcela redundante em voga que iria ser atacada no segundo momento da liberaliza-
ção – e eliminou “apenas parcialmente” os regimes especiais de importação, mantendo-se
assim todo o sistema de barreiras não-tarifárias intacto. (Kume et al, 2003, p.13) Uma
outra análise do momento pôde inclusive concluir que as mudanças de fato pouco signifi-
caram para o grau de proteção à indústria interna. (Kume, 1989)
no início de 1990, o governo Collor anunciou uma série de medidas que altera-
ram de forma profunda o perfil do comércio exterior brasileiro. O primeiro passo logo no
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início do ano foi a abolição da lista de quase 1.300 itens cujas importações eram proibi-
das. Na prática, o fim das proibições ocorreu com a extinção do Anexo C da antiga Ca-
cex, pela Portaria 56, de 16 de março de 1990. A Portaria 259, de maio de 1990, atualizou
alíquotas e um novo sistema de importações, agora somente tarifário, pôde começar a vi-
gorar. Na lista dos liberados estavam automóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos,
produtos químicos, óculos, relógios e brinquedos. Em julho, seguiu-se a extinção dos
programas especiais de importação. Com o fim dos controles administrativos, caberia à
tarifa aduaneira o papel principal no estabelecimento de proteção à indústria. (Kume et al,
2003, p.13)
Meses depois era anunciada a reforma tarifária, pela qual todos os produtos teriam
reduções graduais nas suas alíquotas ao longo de quatro anos, para uma média de 20% (e
não de 40% como vigorava) e um intervalo que não passaria de 0% e 40%. Os níveis tari-
fários aplicados foram: 1) alíquota de 0% para produtos com clara vantagem comparativa
(exportáveis), produtos com elevado custo de transporte internacional, bens sem produ-
ção nacional e commodities com pequeno valor adicionado; b) alíquota de 5%, para pro-
dutos que possuíam esse nível em 1990; c) alíquota de 10%, para produtos agrícolas e
derivados; d) alíquotas de 10%, 15% e 20%, para produtos que, em sua cadeia produtiva,
utilizam insumos básicos com tarifa de 0%; e e) alíquota de 20%, para o restante dos
produtos.
As exceções foram os produtos de informática e com tecnologia de ponta, que ga-
nharam alíquota de 35%; química fina, 30%; automóveis, caminhões e motocicletas,
35%; e produtos de baixa competitividade em relação à concorrência asiática, como os
eletroeletrônicos de consumo, que receberam tarifa de 30%. Em fevereiro de 1992, o go-
verno Collor antecipou as duas etapas finais do cronograma de redução tarifária previstas
para 1993 e 1994, de modo que no segundo semestre de 1993 as importações brasilei-
ras eram apenas controladas por tarifas e em níveis “compatíveis com padrões vigentes
em outras economias em desenvolvimento”. (Kume et al, 2003, p.14-5)
Após o período 1991-93, a introdução do Plano Real intensificou ainda mais a aber-
tura comercial com a intenção declarada de impor mais disciplina aos preços domésticos.
Nesse sentido, foram também antecipadas as quedas nas alíquotas decorrentes da imple-
mentação da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul.
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As principais modificações promovidas em 1994 foram: a) redução das alíquotas do
imposto de importação para 0% ou 2%, sobretudo nos casos de insumos e bens de con-
sumo com peso significativo nos índices de preços, como mecanismo auxiliar no combate
à inflação; e b) antecipação para setembro de 1994 da Tarifa Externa Comum (TEC) do
Mercosul, que vigoraria a partir de janeiro de 1995. Como regra geral, nos casos em que
ocorreria uma elevação da tarifa, em virtude daquela vigente no Brasil ser inferior à a-
provada no Mercosul, foi mantida a menor alíquota. (Kume 2003, p.16)
O Brasil não diminuía unilateralmente as suas tarifas de importação como parti-
cipava de forma ativa em um processo de integração econômica como o Mercosul, onde
“uma queda no nível de proteção era esperada que os parceiros relativamente menos
industrializados procurariam minimizar a perda provocada pelo desvio de comércio em
favor das exportações brasileiras”. (Bernal-Meza, 2002, p.43)
Com números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pode-se notar a a-
centuada tendência de queda verificada na tarifa média nominal
2
que passou de 54,9%,
em 1987, para 10,2%, em 1994, subindo um pouco (para 12,2%) em 1995, e alcançando
14,9% no período 1997-8, o que mesmo com a elevação posterior demonstra uma re-
dução significativa de longo prazo. Da mesma forma, o desvio-padrão das alíquotas pas-
sou de 21,3% em 1987 para 6,4% em 1998 e a amplitude tarifária também se contraiu, de
15,2% a 102,7% em 1987, para 0% a 38,1% em 1998. (Kume et al, 2003, p.19)
Com as reduções tarifárias promovidas no período 1991-3, a tarifa efetiva média
aquela que considera também as tarifas aplicadas sobre os insumos passou de 37%, em
1990, para 15,2%, em 1993. O desvio-padrão dessa medida, também entre 1990 e 1993,
diminuiu de 60,6% para 13,5%.
Como alguns autores concluem:
É notável o alcance das medidas de abertura comercial que foram adotadas gradativamente desde 1988.
As tarifas nominal e efetiva foram substancialmente reduzidas e atingida uma uniformidade maior na
estrutura de incentivos proporcionada pelas tarifas, o que significa menor intervenção governamental na
alocação de recursos. (Kume et al, 2003, p.30)
2
Com base na diferença entre os preços interno e externo.
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20
Uma transformação um pouco diferente da comercial ocorreu na regulação do fluxo
de entrada e saída do Brasil de capitais internacionais. Desde a polêmica nacionalista do
governo Vargas, o investimento direto estrangeiro (IDE) fora um ator importante do de-
senvolvimento industrial brasileiro. De fato, a economia brasileira sempre apresentou um
elevado grau de internacionalização do seu parque produtivo. Em 1991, por exemplo, a
proporção de firmas estrangeiras no valor adicionado da indústria girava em torno de um
terço do total, com uma proporção na exportação manufaturada acima de 40%, em espe-
cial nos setores mais dinâmicos e de tecnologia mais apurada. (Fritsch e Franco, 1991)
Logo a partir dos anos 1950, deu-se o primeiro grande aumento da participação de
capitais estrangeiros na economia brasileira, tanto oficial como privado, estimulado pela
Instrução n.113 da Sumoc e pela Lei das Tarifas, de 1957. A entrada de investimentos
diretos estrangeiros passou de uma média de US$ 13 milhões, em 1947-54, para US$ 102
milhões em 1955-61. (Bauman, Canuto e Gonçalves, 2004, p.417)
O crescimento é contínuo até o início dos anos 1980. Para se ter uma idéia, a por-
ção brasileira no capital estrangeiro que entra em todo o continente latino-americano no
período 1977-80 foi de 5.18 pontos em um total de 8.26 que mede a participação do
continente em relação ao montante global. No entanto, a partir da década de 1980 o de-
clínio é significativo, muito afetado pela crise externa de 1982 e inflacionária. Mesmo
assim, o país retoma um ritmo de crescimento nos investimentos estrangeiros de modo
ainda mais expressivo a partir do Plano Real, em 1994. (Franco, 1999, p.35) O ingresso
médio anual do investimento direto estrangeiro foi pouco maior que US$ 2 bilhões no
período 1990-1994, mas aumentou para US$ 12 bilhões em 1995 e superou US$ 40 bi-
lhões em 2000. A dinâmica geral é muito bem representada no gráfico a seguir.
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Investimento direto externo no Brasil - médias anuais (US$ milhões)
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
1973-77 1978-82 1983-89 1990-1993 1994-1996 1997-1999 2000-2002
Volume
Investimento Direto Externo no Brasil – médias anuais (US$ milhões)
Fonte: Banco Central do Brasil
Em termos mais gerais, o crescimento da mobilidade de capitais nas economias
emergentes a partir dos anos 1970 e 1980 foi resultado da abertura progressiva de canais
através dos quais o comércio de ativos financeiros começa a ocorrer de forma mais livre.
Em especial a partir das securitizações feitas pelo Plano Brady, anunciado em março de
1989 pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos Nicholas Frederick Brady, criando
cerca de US$ 154 bilhões em títulos de países emergentes, “forma-se um mercado secun-
dário de grandes proporções … e os fluxos de capital para países emergentes, sob a forma
de investimentos de bônus e investimentos de carteira, atingem números estratosféricos”.
(Franco, 1999, p.171)
Com relação ao fluxo de investimento em bolsas de valores de países emergentes,
por exemplo, os números mostram uma mudança significativa. Em 1986, vale notar, o
total de investimentos de portfólio feitos por não-residentes em países emergentes foi de
US$ 700 milhões. Em 1993, o valor subiu para US$ 48,5 bilhões. Todo esse processo
afetará o Brasil e um dos efeitos mais notórios da transformação foi a capitalização do
mercado brasileiro, ou seja, o valor total das ações de companhias negociadas em bolsas,
que passou de 13,1%, em 1983, para 102,1%, em 1993. (Franco, 1999, p.171)
De fato, a partir de 1991, o Brasil passou novamente a receber uma quantidade
substancial de recursos externos US$ 3,3 bilhões no período 1990-1 (0,8% do PIB) e
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US$ 8,9 bilhões (2% do PIB) entre 1992 e 1994. Não dúvida que esse novo influxo de
capitais está relacionado à política macroeconômica e à evolução das condições de liqui-
dez internacional. No entanto, também mudanças institucionais explicam o aumento ex-
pressivo do investimento estrangeiro na economia brasileira. Vários caminhos foram a-
bertos à entrada com as legislações para as Sociedades de Investimento, os Fundos de
Investimento, as Carteiras de Valores Mobiliários, os Depository Receipts, os Fundos de
Renda Fixa, os Contratos de Fechamento de Câmbio, a Bolsa de Futuros etc. (Carneiro e
Garcia, 1995)
E não foram apenas as relações comerciais e financeiras do Brasil com o mundo
que se transformaram no período do fim da Guerra Fria. A política externa brasileira
também apresentou uma mudança comportamental significativa no mesmo momento.
Como afirmam Hirst e Pinheiro (1995, p.6) e Lima (1994), em torno do governo eleito
em 1989 havia a idéia de que era preciso modificar rapidamente o perfil internacional do
país.
Dado início ao período de consolidação democrática brasileira, a etapa inaugurada em 1990 correspon-
de, no campo da política externa, à ruptura de um consenso construído a partir de 1974 com base em
uma sólida estrutura burocrática e no apoio das elites políticas e econômicas do país. (Lima, 1994, apud
Hirst e Pinheiro, 1995, p.5)
A idéia é a de que a continuidade do projeto de inserção brasileiro e, por conseguin-
te, de desenvolvimento, como um objetivo-chave que permanece, foi “seriamente com-
prometida por transformações externas e internas que afetaram a sua base de sustentação
e legitimação”. Os novos contextos incluem o reordenamento político do sistema interna-
cional a partir do fim da Guerra Fria, o aprofundamento do processo de globalização, o
esgotamento no Brasil do paradigma vigente de desenvolvimento (e de inserção), e o pro-
cesso brasileiro de redemocratização. (p.6)
Uma questão que este trabalho pretende reforçar diz respeito ao tratamento dado à
interação histórica entre o contexto internacional e brasileiro. Além da tradicional per-
cepção de que a virada interna se constitui entre outras coisas a partir de um movimento
externo anterior, é possível também pensar – por meio das complexas discussões que cer-
cam o tema agente-estrutura o reordenamento interno como parte do processo externo
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de transformação e que assim, por conseguinte, também o constitui. Nesse sentido, o fim
da Guerra Fria não é somente motor das mudanças no perfil de inserção externa do Bra-
sil. As mudanças no perfil de inserção externa são também o fim da Guerra Fria no Bra-
sil.
Ainda que esse tema seja discutido com mais propriedade mais à frente, desde
vale chamar a atenção para os processos de descentralização política, abertura econômica
e acomodação sobre temas internacionais de atrito pelos quais passaram no fim dos anos
1980 não a União Soviética mas também os países do Leste Europeu sob a batuta de
Moscou.
3
Processo semelhante ocorre no Brasil da mesma época nos três terrenos cita-
3
Sobre isso, ver: OYE, Kenneth A. Explaining the End of the Cold War: Morphological and Behavioral
Adaptations to the Nuclear Peace?” in Lebow and Risse-Kappen, International Relations Theory and the
End of the Cold War, pp. 57–84; DEUDNEY, Daniel e IKENBERRY, G. John, “The International Sources
of Soviet Change”, International Security, Vol. 16, n.3, 1991/92, pp. 74–118; WOHLFORTH, William C.
“Realism and the End of the Cold War”, International Security, Vol. 19, n. 3, 1994/95, pp. 91–129;
SCHWELLER, Randall L. e WOHLFORTH, William C. “Power Test: Updating Realism in Response to
the End of the Cold War” Security Studies, Vol. 9, n.2, 2000, pp. 60–108; COPELAND, Dale, “Trade Ex-
pectations and the Outbreak of Peace: Détente, 1970–74, and the End of the Cold War, 1985–1991”, Secu-
rity Studies, Vol. 9, ns. 1/2, 2000, pp. 15–59. BENNETT, Andrew. Condemned to Repetition?: The Rise,
Fall, and Reprise of Soviet-Russian Military Interventionism, 19731996. Cambridge, MIT Press, 1999;
CHECKEL, Jeffrey T., Ideas and International Political Change. New Haven, Yale University Press,
1997; ENGLISH, Robert D. Russia and the Idea of the West: Gorbachev, Intellectuals, and the End of the
Cold War. Nova York, Columbia University Press, 2000; EVANGELISTA, Matthew. Unarmed Forces:
The Transnational Movement to End the Cold War. Ithaca, Cornell University Press, 1999; FORSBERG,
Thomas. “Power, Interests, and Trust: Explaining Gorbachev’s Choices at the End of the Cold War,” Re-
view of International Studies, Vol. 25, n.4, Outubro de 2000, pp. 603–621; HERMAN, Robert G. “Identity,
Norms, and National Security: The Soviet Foreign Policy Revolution and the End of the Cold War,” in
Katzenstein, The Culture of National Security, pp. 271–316; KOLODZIEJ, Edward A. “Order, Welfare,
and Legitimacy: A Systemic Explanation for the Soviet Collapse and the End of the Cold War,” Interna-
tional Politics, Vol. 34, n.2, Junho de 1997, pp. 111–151; KOSLOWSKI, Rey e KRATOCHWIL, Frie-
drich, Understanding Change in International Politics: The Soviet Empire’s Demise and the International
System,” in Richard Ned Lebow e Thomas Risse Kappen, eds., International Relations Theory and the End
of the Cold War. Nova York, Columbia University Press, 1995, pp. 127–166; LARSON, Deborah Welch.
Anatomy of Mistrust: U.S.-Soviet Relations during the Cold War. Ithaca, Cornell University Press, 1997;
LEBOW, Richard Ned. “The Search for Accommodation: Gorbachev in Comparative Perspective,” in Le-
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24
dos, de modo que isso, por si só, reforçaria a necessidade de se produzir estudos com-
parados em torno do fim da Guerra Fria que incluíssem países como Brasil e Argentina,
por exemplo. Quem sabe também a África do Sul é neste momento também que chega
ao fim o regime racista do Apartheid.
De fato, o governo eleito em novembro de 1989 no Brasil assume a responsabilida-
de de atualizar a agenda internacional do país “de acordo com as novas questões e o novo
momentum internacional”; de construir uma agenda positiva com os Estados Unidos
que vinham pressionando Brasília em diversos temas, com especial atenção aos terrenos
comercial e nuclear; e de descaracterizar o perfil terceiro-mundista da política externa
brasileira. (Hirst e Pinheiro, 1995, p.6)
Nesse sentido, procurou-se demonstrar uma postura mais ativa com relação à ques-
tão ambiental, que passou a ser tema de discurso do presidente eleito Fernando Collor de
Mello. Em 9 de fevereiro de 1990, Collor disse na Câmara de Comércio do Brasil em
Londres:
Falo dos temas ecológicos com o sentido de responsabilidade de quem, como governante, tem perfeita
noção da necessidade de políticas corajosas de preservação ambiental, e com o sentimento de um jovem
que quer a Terra limpa.
4
bow e Risse-Kappen, International Relations Theory and the End of the Cold War, pp. 167–186; LEBOW,
R.N. e STEIN, Janice Gross. We All Lost the Cold War. Princeton, N.J., Princeton University Press, 1994;
LÉVESQUE, Jacques, The Enigma of 1989: The USSR and the Liberation of Eastern Europe. Berkeley,
University of California Press, 1997; MENDELSON, Sarah E. Changing Course: Ideas, Politics, and the
Soviet Withdrawal from Afghanistan. Princeton, Princeton University Press, 1998; MUELLER, John E.,
Quiet Cataclysm: Reoections on the Recent Transformation of World Politics. Nova York, HarperCollins,
1995; RISSE-KAPPEN, Thomas. “‘Let’s Argue!’ Communicative Action in World Politics”, International
Organization, Vol. 54, n.1, 2000, pp. 1–40; RISSE-KAPPEN, Thomas. Ideas Do Not Float Freely: Trans-
national Coalitions, Domestic Structures, and the End of the Cold War,” in LEBOW, R.N. e RISSE-
KAPPEN, T. International Relations Theory and the End of the Cold War, pp. 187–222; STEIN, Janice
Gross Political Learning by Doing: Gorbachev as Uncommitted Thinker and Motivated Learner”, in ibid.,
pp. 223–258; e SNEL, Gerard “‘A(More) Defense Strategy’: The Reconceptualisation of Soviet Conven-
tional Strategy in the 1980s”, Europe-Asia Studies, Vol. 50, n.2, 1998, pp. 205–239.
4
Collor de Mello, F. “Discurso na Câmara de Comércio do Brasil em Londres”, in O Globo, 9 fev 1990,
p.6.
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25
No discurso ao Congresso, em 16 de março de 1990, Collor reafirmou o compro-
misso:
Na realidade, diviso, como um dos limites fundamentais ao livre desenvolvimento das forças produti-
vas, a pujança e expansão do mercado: o imperativo ecológico. O cuidado com o meio ambiente, o a-
larme ante o drama ecológico do planeta, não é para nós uma celeuma artificial.
5
Desse momento em diante, foi feito também um esforço para que o país se ade-
quasse minimamente aos padrões internacionais de propriedade intelectual, bem como no
campo da proliferação nuclear. O Brasil não hospedou a Conferência das Nações Uni-
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em junho de 1992 a
ECO-92 –, como assinou o acordo que criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabi-
lidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc) em 1991 e o Acordo Nuclear Quadri-
partite de Salvaguardas (assinado em dezembro de 1991 e aprovado no Senado em feve-
reiro de 1994) com a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea). Ratificou tam-
bém o Tratado para Proscrição de Armas Nucleares na América Latina, mais conhecido
como o Tratado de Tlatelolco (ratificado em agosto de 1994 e posto em prática pelo De-
creto n. 1246, de 16 de setembro do mesmo ano), ingressou no Regime de Controle de
Tecnologia de Mísseis (MTCR), em 27 de outubro de 1995, e consolidou o Mercosul
com o Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991.
6
No caso da lei de Propriedade Intelectual, Hirst e Pinheiro (1995) apresentam as
duas posições que esboçaram o debate da época:
A primeira era a de que a convergência com Washington constituía o caminho para a recuperação da
credibilidade internacional do Brasil; a segunda, a de que o distanciamento de Washington assegurava
ao Brasil um espaço de manobra no sistema internacional, necessário para a defesa dos interesses na-
cionais. (Hirst e Pinheiro, 1995, p.9)
5
Collor de Mello, F. “Discurso ao Congresso”, in O Globo, 16 mar 1990, p.20.
6
Sobre isso, ver: Hirst e Pinheiro (1995) e Lafer (1993).
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26
Deve-se ter em mente que, como afirmam Junior, Cavalcante e Pedone (1993, p.2),
até o fim do governo Sarney a política externa brasileira revelava uma tendência a tomar
posições mais consonantes com aquelas do Grupo dos 77 e, em certa medida, expressava
características da “política externa independente” da era Quadros-Goulart, apresentadas,
por exemplo, no reatamento das relação diplomáticas com Cuba em 1986, nas trocas co-
merciais com o Iraque
7
e na crescente aproximação dos países da América Latina.
Um ponto importante é a questão do acesso à tecnologia que está presente em
grande parte do material de pesquisa analisado neste trabalho. Simultânea à pressão in-
ternacional, especialmente de Washington, por uma conformidade aos padrões na área
das patentes, está a preocupação bastante exacerbada na época com a relativa defasagem
tecnológica do país, percebida de forma quase universal.
Com relação a esse tema, Junior, Cavalcante e Pedone (1993, p.5) afirmam que o
acesso à tecnologia se tornou um “imperativo” da política externa de Collor. Com esse
objetivo em mente, o país passa a querer demonstrar aos seus parceiros comerciais que
estava se adaptando aos regimes da economia internacional, demonstrando seu compro-
metimento: 1) com a institucionalização de uma nova política comercial de tarifas mais
baixas às importações; 2) com a implementação de uma nova política industrial que aca-
baria, por exemplo, com reservas de mercado como a do setor de informática; 3) com a
apresentação de um novo Código de Propriedade Industrial, de grande interesse dos seto-
res químicos e farmacêuticos; 4) com a intenção de iniciar uma privatização gradual de
empresas estatais; e 5) com o desejo de retomar as negociações da dívida externa em um
novo patamar.
Nesse caminho, o governo esperou ganhar a aprovação que levaria o investimento internacional ao país,
aumentando o fluxo de comércio e, no processo, de tecnologia. Criando uma combinação de capital-
investimento/tecnologia-transferência que elevaria a competitividade dos produtos brasileiros de com-
petir externamente: expandindo mercados, consolidando aqueles existentes, aumentando os ganhos
com as exportações, diminuindo a vulnerabilidade do país e alcançando lucros cada vez maiores. (Juni-
or, Cavalcante e Pedone, 1993, p.5)
7
Sobre isso, ver: Fares, Seme Taleb, O pragmatismo do petróleo: as relações entre o Brasil e o Iraque, de
1973 a 2007”, Universidade de Brasília, Instituto de Relações Internacionais, Programa de Pós-Graduação
em Relações Internacionais, 2007.
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27
É bastante forte na literatura a idéia de que o país mudou o seu perfil no cenário in-
ternacional com base na manutenção do objetivo de desenvolvimento nacional, o que te-
ria gerado um período, a partir do fim da Guerra Fria, no qual sua política externa tentou
se acomodar ou se adaptar aos novos tempos, com a intenção de constituir uma ferramen-
ta que ampliasse a competitividade internacional do país, melhorando suas condições de
acesso a mercados, créditos e tecnologia.
8
É nesse sentido, segundo Junior, Cavalcante e
Pedone (1993, p.3), que o governo Fernando Collor de Mello, com o seu Plano de Re-
construção Nacional, incluiu entre as suas principais medidas: o reconhecimento da dívi-
da externa, a gradual liberalização do comércio exterior e do fluxo de financeiro interna-
cional do país, um programa de privatização e redução do Estado, o desmantelamento de
monopólios etc. “Com o objetivo de fazer parte da nova revolução industrial em progres-
so, era então necessário expor o país às forças de mercado.” (Idem)
Um ponto desde importante de ser apontado nessa discussão é o fato de que ha-
via outras opções em jogo além da “adaptação” escolhida sobre a inserção do Brasil na
economia internacional, e que não necessariamente significavam isolamento pelo con-
trário. Como será visto mais para frente, a idéia de um modelo exportador integrado ao
comércio internacional com ampla participação e forte gerenciamento do Estado não es-
tava descartada em 1989. Apenas perde força e poder com a eleição de Collor, represen-
tação política de um paradigma mais aberto, mais avesso à participação estatal e defensor
de uma acomodação internacional mais ampla.
Nesse sentido, a percepção de que o país mudou seu perfil internacional a partir de
um objetivo continuado de desenvolvimento em novas condições é limitada porque não
explica a opção adotada, apesar de a justificar. O modelo exportador com amplo gerenci-
amento do Estado também prometia incrementar o acesso à tecnologia pelas empresas
brasileiras. De fato, defendia a expansão do comércio internacional como veículo para
tanto, mas um comércio internacional que favorecesse a exportação brasileira e a impor-
tação das indústrias brasileiras, com câmbio depreciado, por exemplo, e facilidades fis-
cais e empréstimos subsidiados.
8
Sobre isso, por exemplo, ver: Junior, Cavalcante e Pedone, 1993; Hirst e Pinheiro, 1995.
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28
Ainda que o país tenha feito o que fez com a intenção de continuar seu desenvolvi-
mento nacional, agora de forma mais integrada à economia internacional, havia pelo me-
nos duas propostas para tanto e, assim, é preciso dar um passo a mais rumo à complexi-
dade do assunto, em busca de uma explicação do porquê de uma opção em detrimento da
outra. Nesse ponto, a intenção deste trabalho é ressaltar o papel das idéias que varriam o
mundo e geravam transformações por todo o planeta, do Leste Europeu à América do
Sul, e que estavam sendo interpretadas, analisadas e adaptadas pela mídia, informando
fortemente a cultura política brasileira em 1989. A intenção será reforçar que as mudan-
ças adotadas em 1989 são produto também da disseminação de certas idéias sobre o país
e o mundo.
O interessante é perceber que não se trata de um movimento isolado do Brasil. Não
a União Soviética vinha desenvolvendo um perfil mais próximo da acomodação, inte-
ressada também em participar da cada vez mais da sociedade e da economia internacio-
nal, como também países como a Argentina se tornaram também mais cooperativos no
mesmo momento. Uma análise comparada das políticas externas brasileira e argentina
após o fim da Guerra Fria pôde, por exemplo, concluir que a superação da ordem bipolar
e a estruturação de uma nova ordem baseada, no campo político, na defesa dos valores
vinculados ao pluralismo democrático e, no econômico, nos preceitos da economia de
mercado, abriu uma série de interrogações e “criou espaços para a estruturação de distin-
tas percepções por parte dos formuladores de política externa”. (Saraiva e Tedesco, 2001,
p.128)
Como afirmam Saraiva e Tedesco (2001, p.128-9), a opção por um processo de in-
tegração de caráter aberto e funcionando como canal de inserção na economia internacio-
nal converteu-se em um mecanismo importante no arco das ações externas do Brasil, bem
como também, e até mesmo antes, da Argentina. Após a posse de Carlos Saúl Menem em
8 de julho de 1989 e no marco das reformulações do momento, a política externa argenti-
na, sendo vista até mesmo como responsável em parte pelos fracassos econômicos do pa-
ís na época, foi questionada dentro de um processo de revisão do modelo “confrontativo”
de inserção externa adotado historicamente por Buenos Aires.
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Nesse contexto, a política externa foi utilizada como um instrumento para estabelecer ou consolidar ali-
anças internacionais que ajudaram a redesenhar e/ou manter as novas relações sociais dosticas. O
primeiro chanceler de Carlos Menem foi Domingo Cavallo, um economista que abraçou o conceito de
“Estado comercial” (trading state) de Rosecrance (1986). As transformões do cenário internacional
foram cruciais para delinear as percepções de Cavallo. A política exterior foi vista como um instrumen-
to para redesenhar o Estado seguindo as novas tendências da ordem mundial. (Saraiva e Tedesco, 2001,
p.129)
A frase do sucessor de Cavallo na chancelaria Guido Di Tella, de que a Argentina
possuía “relações carnais” com os Estados Unidos é bastante representativa do momento.
Para Saraiva e Tedesco (2001, p.130), como no Brasil, as mudanças na política externa
argentina estiveram relacionadas principalmente com a economia doméstica, e seu obje-
tivo principal foi “facilitar o crescimento econômico”. O argumento principal foi o reco-
nhecimento dos Estados Unidos como líder regional e internacional. A Argentina deveria
estabelecer uma boa relação com este país, na medida em que esta relação não prejudi-
casse os interesses materiais da Argentina. (Saraiva e Tedesco, 2001, p.130 apud Escudé
e Fontana, 1998, p.54)
Com relação ao ritmo comparado das transformações no Brasil e na Argentina, é
importante perceber que, diferentemente de no Brasil, a nova percepção da estratégia ex-
terna argentina encontrou aceitação mais imediata na diplomacia de Buenos Aires. Isso
pode ter se dado como função de uma lógica de formulação de política externa que se
concentra sobretudo no vínculo entre a Casa Rosada e a cúpula da Chancelaria argentina,
integrada basicamente por funcionários de origem política, “enquanto o corpo diplomáti-
co de carreira fica afastado deste núcleo” (Ibid, p.130). Além disso, colabora o fato de
que o governo eleito no Brasil em 1989 não foi além de outubro de 1992, com a renúncia
de Collor, atacado por denúncias de corrupção.
Outros dois movimentos impactantes da política externa argentina feitos no mo-
mento e que não podem deixar de ser ressaltados são o restabelecimento das relações di-
plomáticas com o Reino Unido e a participação na Guerra do Golfo. No ramo da política
de segurança mais geral, a Argentina também participou de um grande número de Opera-
ções de Paz das Nações Unidas e tornou-se aliada, extra-Otan, dos Estados Unidos.
(p.133) Isso sem falar nos acordos de não-proliferação que Buenos Aires assinou junta-
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30
mente com Brasília como o Tratado de Trateltolco e o Tratado de Não-Proliferação
(TNP). Além disso, ambos os países, vale lembrar, assinaram o Tratado de Assunção, em
1991.
Não à toa, em relação ao caso brasileiro, a percepção que muitos autores fazem da
época é a de que a política externa de Collor havia rompido com os caminhos tradicionais
adotado pelo país e instaurado, na verdade, uma “crise de paradigma”.
9
Não é tema deste
trabalho o questionamento sobre se havia ou não uma crise de paradigma na época. O fa-
to é que durante o governo Collor as linhas gerais da política externa com base no para-
digma globalista que norteavam o comportamento externo brasileiro havia muitos anos,
em consonância com o arranjo interno desenvolvimentista, deram lugar a uma percepção
que sustentava que o abandono das queixas em relação à economia internacional e uma
aproximação com os EUA, por exemplo, poderiam colocar o Brasil em uma posição de
interlocutor e participante ativo no cenário mundial com vantagens para o desenvolvi-
mento econômico do país. Assim o Brasil procurou modificar o seu perfil internacional
atualizando a agenda de acordo com os novos temas, construindo uma melhor relação
com os EUA e desfazendo o perfil terceiro-mundista, buscando uma inserção externa
mais competitiva que aproximasse o país do Primeiro Mundo (Abdenur, 1994).
É este o objeto mais amplo deste trabalho: as transformações no comportamento
brasileiro em relação ao ambiente internacional no período do fim da Guerra Fria e em
meio ao processo recente de globalização da economia, com especial atenção ao que diz
respeito à inserção econômica do país. A crise doméstica vivida no Brasil, bem como as
mudanças no cenário externo que caracterizam um momento de alto grau de incerteza –
por si não são capazes de explicar a mudança de perfil. É preciso também pensar por-
que algumas soluções foram escolhidas em detrimento de outras, e qual a natureza das
escolhas feitas. Além disso, em relação ao cenário externo, este trabalho procura tratar a
guinada não como um produto da situação lá fora, mas como parte da mesma. Fenômenos
como a globalização e o fim da Guerra Fria não são vistos aqui como causas da transfor-
mação brasileira, mas esta sim como parte integrante de ambos esses processos.
9
Sobre isso, ver, por exemplo: Saraiva e Todesco, 2001, p.145; Ituassu, 1999.
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3. Idéias, relações internacionais, comunicação
e o fim da Guerra Fria
Como foi visto na seção anterior, o objeto de estudo deste trabalho é a mudança no
perfil de inserção do Brasil na economia internacional ocorrida durante o período do fim
da Guerra Fria. No entanto, com o desafio de entender como essa transformação foi posta
em movimento e qual a sua natureza política ou seja, como passa a mediar os embates
políticos, que caminhos permite que sejam tomados, como esclarece posicionamentos etc.
–, a forma escolhida para analisar o tema procurou entender o fenômeno a partir de sua
“linguagem”, das idéias e das representações utilizadas por uma parcela significativa da
mídia impressa durante o processo de interpretação e implementação das transformações.
O objetivo, nesse sentido, foi o de buscar uma compreensão sobre o processo de interna-
cionalização da economia brasileira iniciado a partir do fim dos anos 1980 e integrado às
mudanças no comportamento político do país no exterior como produto de uma lingua-
gem original – nesse contexto “canônica” – que irá informar os debates políticos de então
e subseqüentes, no campo das relações econômicas internacionais do país, ou elas mes-
mas.
Afinal, é preciso entender que a linguagem é usada sobretudo com o intuito de rea-
lizar uma ação. É utilizada para “defender”, “propor”, “sugerir”, “interrogar”, “represen-
tar” etc. Usa-se uma compreensão mais clara das palavras para se alcançar uma compre-
ensão mais clara dos fenômenos. Isso significa que, ao se analisar expressões de conteúdo
político, não é somente possível construir um melhor entendimento da linguagem, mas
sobretudo uma visão mais clara do próprio mundo político, exatamente porque ambos,
em sua essência, não são ou estão dissociados. (Souza Filho, 1992, p.56 apud Austin,
1962, p.138) Este, nesse sentido, é o objetivo deste capítulo: apresentar a forma ideológi-
ca/ideacional sugerida para a análise do objeto estabelecido.
Não à toa o ano de 1989 foi escolhido como alvo de estudo. Ora, em 1989, como
um personagem shakespeariano, a sociedade brasileira definitivamente “falou com si
mesma”. Em meio a uma crise econômica (inflação) e social gravíssima, a transforma-
ções radicais no plano internacional e, principalmente, às primeiras eleições presidenciais
após mais de 20 anos de regime militar, surge um debate de proporções gigantescas sobre
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os rumos da nação. Naquele momento, saíamos da ditadura, da morte de Tancredo Neves
e vivíamos em meio ao caos social e inflacionário do governo Sarney. Lá fora despontava
a mais nova revolução tecnológica, que ajudava a integrar nações e mercados, e desmo-
ronava todo um império que marcou a divisão do mundo em uma arena bipolar por mais
de 40 anos. Ao mesmo tempo, o clima era de campanha no Brasil, e estavam em jogo as
primeiras eleições diretas do novo regime democrático brasileiro.
Não há dúvidas de que 1989 é um ano-chave do período do fim da Guerra Fria. Lo-
go em janeiro puderam-se sentir os ventos da mudança. No dia 11 daquele mês, o Parla-
mento húngaro aprovou uma lei que garantia o direito à livre associação e à assembléia,
minando o monopólio legal da política exercido pelo partido comunista no país.
1
Como
um emissário do governo George Bush, recém-eleito nos Estados Unidos, Henry Kissin-
ger se encontra em 16 de janeiro, em Moscou, com Alexander Yakovlev, considerado o
pilar intelectual de Gorbachev, da Glasnost e da Perestroika. Yakovlev diz a Kissinger
que Gorbachev está preocupado com a aparente relutância da nova administração norte-
americana de seguir em frente com as políticas estabelecidas com Ronald Reagan. Kis-
singer argumenta que as reformas haviam sido até aquele momento “cosméticas”, e que
havia chegado o momento de se discutir a situação do Leste Europeu. A mesma proposta
o enviado norte-americano fez a Gorbachev, no dia seguinte. O líder soviético respondeu
que iria considerar a questão.
Apesar do debate entre as lideranças norte-americana e soviética, as transformações
aconteciam a pleno vapor no Leste Europeu, em 1989. Em 18 de janeiro, por exemplo,
foi a vez da Polônia. Naquele dia, o partido comunista polonês resolve conceder ao bani-
do movimento sindical Solidariedade um período de transição em um processo que deve-
ria levar a associação de uma vez por todas à participação política legalizada, o que viria
a acontecer de fato em 17 de abril.
Para se ter uma idéia da perda do controle da transformação pelas lideranças re-
presentação do alto grau de incerteza da época –, é importante lembrar da entrevista do
assessor de Segurança Nacional do governo dos Estados Unidos Brent Scowcroft veicu-
1
A cronologia a seguir foi reunida pelo Arquivo de Segurança Nacional norte-americano em abril de 1998
para a conferência “O fim da Guerra Fria na Europa, 1989: ‘New thinking’ and New Evidence”.
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lada nos EUA pela rede ABC, em 22 de janeiro de 1989. Nela, Scowcroft afirma que as
intenções de Gorbachev eram desarmar o Ocidente para ganhar tempo e com isso recons-
truir o poder soviético afim de prepará-lo para uma nova “ofensiva mundial do comunis-
mo”.
2
Em 6 de fevereiro, são iniciadas as negociações entre o governo comunista polonês
e o Solidariedade. Ambas as partes chegaram a um acordo anunciado em 5 de abril, que
previa reformas políticas e econômicas, e eleições em junho. O pleito foi realizado e o
Solidariedade venceu 92 dos 100 assentos no novo Senado polonês, bem como 160 dos
161 votos no Congresso postos em aberto. Em 25 de julho, o Solidariedade viria a ser
convidado pelo presidente recém-eleito Wojciech Jaruzelski a participar do governo po-
lonês.
Ao mesmo tempo, nos dias 10 e 11 de fevereiro de 1989, o partido comunista hún-
garo endossa a idéia de multipartidarismo na Hungria. Na Tchecoslováquia, levantes po-
pulares pediam a libertação do líder político Vaclav Havel, que iria acontecer em 17 de
maio. Em 15 de fevereiro, a União Soviética completa a retirada das tropas do Afeganis-
tão. No dia 21, Boris Yeltsin demanda eleições abertas para o Parlamento Soviético, sen-
do eleito em 26 de março com 89% dos votos de Moscou.
Em 6 de abril de 1989, a Rádio Budapeste divulgou que a retirada das tropas sovié-
ticas do país começaria no dia 25 daquele mês e terminaria até o fim de junho. No campo
do desarmamento, Moscou anunciou em 7 de abril a decisão unilateral de cessar a produ-
ção de urânio para fins armamentistas e fechar duas usinas de plutônio.
Nem mesmo regimes mais fechados como o chinês conseguiam ficar livres da onda
transformadora, e em abril de 1989 tem início a manifestação por meio da qual centenas
de milhares de pessoas se reuniriam na Praça Celestial em Pequim, para demandar refor-
mas democráticas no país, e seriam massacradas pelo Exército chinês. No fim de abril,
mil tanques soviéticos deixaram a Hungria o pontapé inicial da retirada do Leste Euro-
peu de 50 mil soldados e 10 mil tanques sob o comando do Kremlin, que duraria dois a-
2
Em 9 de abril, o mesmo assessor afirmaria: “O que estamos vendo neste momentoo evidências de que o
Ocidente venceu.”
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nos. Em 6 de julho, em discurso ao Conselho da Europa em Strasburg, Gorbachev afirma
que a União Soviética não iria deter as reformas no Leste Europeu.
Em 2 de outubro, grandes manifestações contra o comunismo tiveram início em
Leipzig, na Alemanha Oriental. Mais de 70 mil pessoas estiveram nos comícios do dia 9.
No dia 23, eram mais de 200 mil. No dia 7, o partido comunista húngaro se autodissolve,
renomeando-se Partido Socialista e abraçando o socialismo democrático como ideologia,
no lugar do marxismo. No dia 12 de outubro de 1989, o novo governo polonês anuncia
uma série de medidas de combate à inflação e garante que irá levar a frente a introdução
total dos mecanismos e instituições de mercado.
Dois atos simbólicos do governo soviético em outubro de 1989 são representativos
da chamada “acomodação”: o discurso de Shevardnadze no Soviet condenando a invasão
ao Afeganistão como “violadora dos valores humanos” e a declaração do Ministério das
Relações Exteriores soviético que prometia deixar os Estados do Leste Europeu “segui-
rem o seu caminho”, sepultando a doutrina Brezhnev. O porta-voz do Ministério Gennadi
Gerasimov chamou a nova postura de “Doutrina Sinatra”.
Na Alemanha Oriental, o governo de Erich Honecker não resistiu aos protestos e
foi substituído pelo de Ergon Krenz. De Moscou, Gorbachev, em 1
o
de novembro, acon-
selhou Krenz a acelerar as reformas e abrir suas fronteiras, “para evitar uma explosão”.
Em Berlim Oriental, uma manifestação reuniu 500 mil pessoas pela democracia em 4 de
novembro de 1989. Cinco dias depois cairia o Muro de Berlim.
No terreno da economia, também o momento é paradigmático. Mesmo que nesse
caso, certamente, não se trate do ano de 1989 em si, mas de todo o contexto histórico à
sua volta. No que diz respeito à tecnologia, por exemplo, o período é intenso, e não à toa
a questão do “acesso à tecnologia” vai aparecer como uma das mais fortes do momento
tanto no Brasil como também na União Soviética. Além disso, a revolução tecnológica
está amplamente interligada ao processo de integração das economias.
Afinal, as mudanças técnicas do fim do século XX foram bastante propícias ao de-
senvolvimento de uma nova integração econômica mundial.
3
Inovações nos transportes e
3
Este trecho tem como base um texto de Jeffry Frieden traduzido por Bárbara Duarte e com minha edição e
revisão técnica: Frieden, 2008. O original está em: Frieden, 2006, p.392-412.
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nas telecomunicações diminuíram os custos das trocas internacionais. Superpetroleiros e
contêineres baratearam o despacho de cargas por via marítima, e bens, cujos custos de
travessia do Pacífico ou do Atlântico eram proibitivos, tornaram-se cargas comuns. O
preço de embarque de uma tonelada de carga caiu até 75% ao longo do século, e a melho-
ria dos sistemas de refrigeração e de transporte aéreo permitiu aos produtores viabilizar
economicamente a travessia oceânica de produtos como framboesas e rosas. A partir de
1970, com a adoção do jumbo avião a jato capaz de carregar mais de 400 pessoas e a
conseqüente desregulamentação das rotas aéreas, o ato de voar virou despesa comum pa-
ra muitos do mundo industrializado, onde o custo real das passagens aéreas caiu 90% en-
tre 1930 e 2000.
Satélites e cabos de fibra ótica reduziram os custos nas comunicações de longa dis-
tância. Em 1920, um trabalhador médio norte-americano teria que trabalhar três semanas
para pagar por uma chamada telefônica de Nova York a Londres; em 1970, a mesma
chamada custava oito horas de trabalho, e em 2000, cerca de quinze minutos. A internet
ofereceu a milhões de usuários acesso instantâneo a informações do mundo inteiro. Tele-
fones celulares e outros dispositivos sem fio tornaram possível o contato constante entre
colegas de trabalho, familiares e amigos.
Os avanços mais impressionantes do último quarto do século XX ocorreram na mi-
croeletrônica. Em 1950, produtores e consumidores se maravilhavam com o transistor,
componente menor que um selo de postagem que substituiu as antigas válvulas na base
do funcionamento dos aparelhos elétricos. Em meados da década de 1970, uns poucos
milímetros quadrados podiam reunir 2 mil transistores, viabilizando a produção de má-
quinas calculadoras portáteis com mais capacidade do que a armazenada nos computado-
res à válvula da década de 1940, que ocupavam uma sala inteira. No fim do século, cada
microchip suportava mais de um bilhão de transistores e um computador pessoal era
mais potente que qualquer equipamento disponível para as grandes empresas e governos
na década de 1970 a cerca de um centésimo do preço. A miniaturização viabilizou tele-
fones celulares, computadores portáteis e aparelhos de comunicação, entre outras podero-
sas máquinas de pequeno porte.
A computação e as telecomunicações favoreceram a integração econômica interna-
cional pois reduziram os custos das transações comerciais e dos investimentos e também
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os custos de monitoração dos interesses estrangeiros. Ao mesmo tempo, a indústria de
alta tecnologia veio a requerer um grande volume de pesquisa e desenvolvimento, entre
outras demandas relacionadas, cuja rentabilidade passaria a depender da produção e/ou
distribuição em larga escala, o que normalmente só é possível no mercado global.
No caso das finanças, é difícil medir o impacto da revolução tecnológica recente. O
poder dos computadores e o barateamento das telecomunicações tornaram mais fácil e
veloz a movimentação de recursos ao redor do globo e mais difícil para os governos con-
trolar esses fluxos. As telecomunicações modernas agilizaram o acesso aos mercados ex-
ternos, permitindo um crescimento astronômico das transações financeiras internacionais.
No fim do século, o volume diário de operações em moeda estrangeira era de US$ 1,5
trilhão.
Durante os anos de crise entre o início da década de 1970 e o começo da de 1980,
os novos empréstimos internacionais para a América Latina, por exemplo, ganharam ve-
locidade, passando de US$ 0,5 bilhão para US$ 15 bilhões por ano; a dívida da região
com investidores privados passou de menos de US$ 30 bilhões, em 1973, para mais de
US$ 300 bilhões em 1983. Os novos investimentos de multinacionais na América Latina
cresceram também, de US$ 1 bilhão para US$ 5 bilhões de dólares anuais.
Vale lembrar, enquanto a tarifa média mundial em 1940 era de 40% do valor do
produto comercializado, em 1980 o índice cai para 7%. Entre os membros da OCDE,
uma média (não-ponderada) das exportações somadas às importações com relação ao
produto foi 40 vezes maior em 1980 e 1990 que em 1960. (Armijo, 2000, p.5)
A análise do valor das exportações e das importações (a preços corrigidos) das cin-
co grandes economias do mundo mostra com clareza como o comércio internacional de
bens e serviços passa a ocupar um espaço mais relevante nos mercados nacionais no fim
do século XX. Grã-Bretanha, Alemanha, França, Japão e Estados Unidos apresentaram
entre 1970 e 1996 uma elevação no volume das exportações de US$ 25 bilhões para US$
314 bilhões, de US$ 39 bilhões para US$ 570 bilhões, de US$ 23 bilhões para US$ 361
bilhões, de US$ 22 bilhões para US$ 483 bilhões e de US$ 68 bilhões para US$ 793 bi-
lhões, respectivamente.
No caso das importações, o volume de compra passou de US$ 25 bilhões para US$
322 bilhões, na Grã-Bretanha; de US$ 35 bilhões para US$ 550 bilhões, na Alemanha; de
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US$ 22 bilhões para US$ 324 bilhões, na França; de US$ 20 bilhões para US$ 406 bi-
lhões, no Japão; e de US$ 68 bilhões para US$ 906 bilhões, nos Estados Unidos.
Outro fenômeno típico do fim do século e que está ligado ao processo de interliga-
ção das economias nacionais é o da desintegração global da produção. (Feenstra, 1998
p.36). O sistema produtivo ascendente na época é aquele do “tipo Barbie”, por meio do
qual os insumos da boneca plástico e cabelo, por exemplo são produzidos em Taiwan
e no Japão. A montagem é feita em fábricas na Indonésia, Malásia e China. O desenho da
boneca é feito nos Estados Unidos, como também as tintas para a coloração do produto.
O algodão das roupas da boneca é chinês.
4
Além disso, o momento também é importante para a consolidação dos grandes ar-
ranjos regionais como o Nafta, o Mercosul e, principalmente, a União Européia. Os pre-
sidentes José Sarney e Raúl Alfonsin deram origem às negociações que levaram ao Mer-
cosul em 1985, com a assinatura conjunta do Programa de Integração e Cooperação Eco-
nômica Brasil-Argentina. Em 1988, Canadá e Estados Unidos firmaram o acordo de livre
comércio que levaria ao Nafta – o North American Free Trade Agreement entrou em efei-
to, com a presença do México, em 1
o
de janeiro de 1994.
Com relação à Europa, após o Tratado de Roma, de 1957, que criou a Comunidade
Econômica Européia, entraram para o bloco Dinamarca, Irlanda e Grã-Bretanha, em
1973. Seis anos depois, foram realizadas as primeiras eleições para o Parlamento Euro-
peu. Nos anos 1980, foram aceitas as inscrições de Grécia, Espanha e Portugal, e o Acor-
do de Schengen liberalizou as fronteiras dos países-membros descartando entre outras
coisas a obrigatoriedade do passaporte. Em 1986, a bandeira da Europa passou a ser utili-
zada em cerimônias oficiais no continente.
Como definiu Robert Cox:
Durante os anos 1980 e 1990, o termo “globalização” passou a expressar a percepção de uma tendência
dominante na economia política mundial. No seu sentido mais amplo e geral, globalização significa
uma crescente interconexão e interdependência, em escala global. Trata-se de algo multidimensional,
que serve para representar a interconexão nos terrenos da política e da organização da segurança, da e-
4
Além de Feenstra, 1998, outro texto clássico sobre o assunto está em Porter, 1986.
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conomia e do bem-estar, da cultura, da ecologia e dos valores de todo o tipo. (Cox in McGrew (org.),
1997, p.49.)
Em termos de debate político, é impossível medir em números a importância quali-
tativa de uma competição de 22 candidatos à Presidência em um ambiente de crise social
e econômica, e recém-liberado das amarras à expressão e à participação política, em um
contexto de alta transformação e incerteza política e econômica internacional. Nesse sen-
tido, o caminho que este texto procurará seguir daqui para frente não será outro senão o
de se inserir de tentar “fazer parte” no debate político midiatizado em 1989, com o
foco específico no tema das relações econômicas internacionais do país, como forma de
entender os rumos tomados pelo país neste momento, no que diz respeito a sua inserção
econômica internacional.
A intenção aqui é buscar um entendimento mais apurado sobre: 1) como foi conce-
bido, no plano das idéias apresentadas, o processo de transformação (ou ele mesmo); e 2)
qual a natureza política da mudança, sua essência limitadora, que irá informar o campo
das relações econômicas internacionais do país (ou elas mesmas), a partir de então.
Pelo próprio caminho escolhido, nota-se facilmente que a intenção não é a de de-
bruçar sobre um processo de transição de uma maneira deslocada do seu tempo histórico.
Não é o tema central deste texto o que aconteceu no passado, mas como o que estava a-
contecendo foi pensado, representado, interpretado, constituído, percebido, debatido pela
mídia impressa representativa, no momento em que estava acontecendo. Somente assim
seria possível alcançar verdadeiramente um locus onde a sociedade brasileira “falava com
si mesma” em 1989 sobre as transformações do mundo e a forma de inserção do Brasil.
Nesse sentido, o trabalho foi o de reunir artigos e editoriais (representações textuais
midiatizadas) relativos à inserção econômica externa do país e publicados nos dois maio-
res jornais brasileiros da época. Segundo dados do Instituto Verificador de Circulação
(IVC), a Folha teve em 1988 médias mensais de circulação acima dos 400 mil exempla-
res, bem como O Globo que chega perto dos 500 mil exemplares no fim do ano. Apesar
do Estado de São Paulo apresentar no mesmo momento uma circulação aproximada à da
Folha em alguns momentos até mesmo superior –, optou-se pela pesquisa de apenas
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uma mídia paulista, a fim de melhor se equilibrar a representação de interesses regionais
sobre as questões tratadas.
Dessa forma, o foco mais específico da pesquisa a seguir foi o debate político de
1989, abordado por meio de artigos e editoriais publicados nos dois maiores jornais do
país, e que trata da regulação dos intercâmbios internacionais de mercado; comerciais e
financeiros. O objetivo, portanto, foi o de buscar um arcabouço específico de idéias pro-
duzidas em 1989 e recolhidas de artigos de opinião e editoriais da época sobre o perfil de
inserção econômica externa do Brasil não porque 1989 está na origem da transforma-
ção apresentada e a ser estudada, mas também porque trata-se de um ano absolutamente
fundamental no que diz respeito à história internacional recente. Vale lembrar novamente
que em janeiro de 1989 as tropas soviéticas deixam o Afeganistão; em setembro a Hun-
gria deixa o Pacto de Varsóvia; em novembro, cai o Muro de Berlim, símbolo maior da
Guerra Fria; e, em dezembro, vão por água abaixo os regimes comunistas na Tchecoslo-
váquia, na Bulgária e na Romênia. Além disso, o ano é marcado por um debate intenso e
absolutamente plural sobre os rumos do Brasil em função da abertura política recente e da
campanha presidencial composta de 22 candidatos, a primeiro pós-regime militar.
Nesse contexto, a intenção foi a de procurar noções sobre como se pensou o país
em 1989 e a sua relação com o ambiente econômico internacional; como eram respondi-
das as seguintes questões: como esta relação funciona? Por que funciona como funciona?
E como deveria funcionar?
3.1 Idéias e Relações Internacionais
Apesar de muitas vezes tida como própria de um mundo “heterodoxo”, interpreta-
ções político-científicas construídas por meio da análise de idéias são numerosas e produ-
tivas, como qualquer outra corrente do tipo. No campo das relações internacionais, a plu-
ralidade atual da disciplina integra tempos elementos como percepção, identidade, his-
tória, linguagem e cultura. Isso sem mencionar a clássica escola inglesa, que sempre tra-
balhou o tema a partir de uma perspectiva histórica e humanista.
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40
Um trabalho anterior (Ituassu, 2000) teve por base o estudo organizado por Judith
Goldstein e Robert Keohane (1993) sobre o impacto das idéias em variações políticas. Na
tentativa de organizar teoricamente estudos diferentes nesse campo, Goldstein e Keohane
classificaram as idéias em três categorias. Um tipo ideacional mais genérico de interpre-
tação do contexto, por exemplo, é chamado de “visão de mundo”. Como lembrado em
uma outra oportunidade, trata-se de uma proposta bastante semelhante à de Gramsci para
a filosofia di un’epoca.
A filosofia de uma época não è a filosofia de um ou outro filósofo, de um ou outro grupo de intelectu-
ais, de uma ou outra grande parte da massa popular: é uma combinação de todos estes elementos que
produz uma determinada direção, de onde se origina a norma de ão coletiva; é história concreta e
completa (integral). (Gramsci, 1975, p.1255)
Pois bem, a visão de um “mundo em transformação” foi certamente um dos conjun-
tos ideológicos mais fortes presentes no contexto político-econômico brasileiro em 1989,
e que chamou atenção, como não poderia deixar de ser, na pesquisa feita e apresentada a
seguir. A queda do regime comunista e o fim da Guerra Fria, a revolução tecnológica, a
destruição generalizada das amarras ao comércio e às finanças internacionais e o momen-
to renovador do sistema democrático no Brasil e no mundo potencializaram interpreta-
ções múltiplas sobre “o que é a realidade”, “o que é o mundo”, “o que foi”, “como o Bra-
sil está inserido”, “como sempre esteve inserido”, “como deveria estar inserido”.
A partir de uma pesquisa sobre idéias que compuseram a política externa norte-
americana, por exemplo, em um determinado período tido como de suma importância
histórica, quando os Estados Unidos davam seus primeiros passos além terras contíguas,
foi possível perceber como “visões de mundo” tradicionais da cultura política desse país
informam claramente o conteúdo político de suas ações no plano internacional. Noções
como a de “experiência”, “experiência única”, “isolamento” são idéias-chave na constitu-
ição do ato político norte-americano, ao menos no que diz respeito ao plano internacio-
nal. (Ituassu, 2000, p.28-55)
No contexto deste trabalho, será fundamental perceber como visões de mundo
constituem posições políticas específicas sobre a forma da inserção brasileira na econo-
mia internacional. No Brasil de 1989, por exemplo, a idéia de um “mundo em transfor-
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41
mação” serve de base para duas propostas diferentes de internacionalização. Para uma
delas, mais “abertura” e mais comércio exterior se limitam a mais exportação e mais li-
berdade à importação de insumos, equipamentos, bem como mais acesso ao capital es-
trangeiro e à tecnologia. Além disso, é necessário implementar uma política cambial ade-
quada à remuneração da atividade exportadora.
Outra proposta política, no entanto, parte da mesma idéia de “mundo em transfor-
mação” mas defende uma “abertura” que, de fato, é produto de todo um questionamento
sobre o estado do Estado. Nesse contexto, menos Estado significa mais abertura. No ou-
tro, o pleito é por mais Estado em prol de outra abertura. Visões de mundo semelhantes
podem gerar, e constantemente o fazem, propostas políticas diferenciadas.
Outros dois conjuntos de idéias categorizadas por Goldstein e Keohane (1993,
p.139-70) reúnem o que os autores chamam de “princípios” – concepções normativas que
distinguem o “certo” do “errado”, o “justo” do “injusto” e o que definem como “cren-
ças de causa-efeito”, idéias que servem de guia para agentes políticos, normalmente deri-
vadas de um consenso de uma elite reconhecida.
Nessas três formas diferenciadas, as idéias podem influenciar ações políticas como
“mapas de interpretação” a percepção de que não se pode agir senão com base em um
entendimento anterior; como “pontos focais” quando aglutinam posições; e como no-
ções “institucionalizadas” quando passam a ser mediadas e reproduzidas por determi-
nadas instituições. (Idem)
Com esse instrumental em mãos, foi possível, por exemplo, no trabalho anterior
citado, perceber a perigosa atuação de um determinado “princípio” missionário como
“mapa de interpretação” do papel dos Estados Unidos no mundo um produto claro do
contexto da Revolução Americana e, inclusive, reconhecido por uma elite (científica) no
país.
No Brasil de 1989, pode-se perceber, como será visto adiante, que a idéia de “aber-
tura”, por exemplo, o princípio de que “abertura é o certo” aglutinou posições muitas ve-
zes diferenciadas e se institucionalizou a partir do início do governo Collor, tanto na re-
dução unilateral de tarifas quanto na implementação da Tarifa Externa Comum do Mer-
cosul, que torna bastante limitada qualquer intenção de modificação do quadro. Afinal,
um ponto interessante a se ressaltar sobre a capacidade de institucionalização da abertura
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brasileira desse momento é pensar na existência do Mercosul como dependente do respei-
to às tarifas estabelecidas pelo pacto. Afinal, como afirmam alguns autores:
Além do caráter legalista de celebrar o acordo no âmbito da Aladi, o Mercosul tem outra característica
sem precedente na sua política externa comum, com a adoção de uma Tarifa Externa Comum quepela
primeira vez na história dos países envolvidos representou um compromisso externo e uma limitação
às variações de suas políticas em relação às importações. (Baumann, Canuto e Gonçalves, 2004, p.173)
Apesar de bastante eficiente, o modelo de Goldstein e Keohane, no entanto, sobre o
papel das idéias como elementos influenciadores da dinâmica política, é bastante influen-
ciado por uma tradição racionalista. Um problema desse tipo de interpretação, como ar-
gumenta Mark Blyth (2002), é sua sugestão de que idéias geram instituições ao permitir
que os agentes resolvam o problema da ação coletiva, ao mesmo tempo em que afirma
que as próprias instituições reforçam idéias, reduzindo o custo da ação inserida no para-
digma vigente. Como argumentar que idéias geram instituições e, ao mesmo tempo, afir-
mar que instituições podem vir a reforçar certas idéias? Não se trata este de um dilema
típico “do ovo e da galinha”? (ou do agente-estrutura?), pergunta Blyth. (p.25)
No racionalismo, em função da presença de modelos produzidos com base em pres-
supostos do cálculo racional utilitário, a preferência dos agentes é anteriormente definida
(maximizadora). Assim, dado que todas as estruturas sociais e instituições são, e por de-
finição devem ser, reduzíveis ao cálculo de utilidade do indivíduo, nada além e anterior
ao indivíduo existe que não tenha sido posto na posição por outro indivíduo. Dessa for-
ma, fenômenos sociais são intencionais e as instituições, produtos instrumentais utiliza-
dos por indivíduos para maximizar as suas respectivas utilidades. Para os racionalistas, a
estrutura é produto das preferências dos indivíduos. (p.19)
Com isso, a corrente racionalista prevê um equilíbrio no mundo institucional como
resultado de um conflito constante de utilidades postas em um campo de interesses ma-
ximizadores. Uma forma de se pensar a estabilidade seria através da própria instituição,
mas como conceber isso dentro de uma perspectiva em que o objeto é a transformação
institucional? Foi nesse momento, segundo Mark Blyth, que as idéias surgiram como a-
lento para os racionalistas, como explicadoras da transformação e solucionadoras dos
problemas de ação coletiva. A questão, no entanto, é o quanto é eficaz uma teoria das i-
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déias derivada de um modo anterior de análise e através do qual estas possam ser opera-
cionalizadas, no lugar de uma teoria que apenas leve em conta as idéias e não a dicoto-
mia ultrapassada entre idéias e interesses.
O mesmo problema decorre da perspectiva ideacional da escola institucionalista.
Em vez de reforçar os interesses dos indivíduos como maximizadores, os institucionalis-
tas defendem a idéia de que as preferências dos agentes são limitadas pelas instituições.
Assim, para essa corrente, as instituições “estruturam” as preferências individuais. (Blyth,
2002, p.19) Um exemplo desse tipo de estudo foi organizado por Peter Hall (1989), cujo
foco foi a transformação causada pela disseminação internacional de idéias keynesianas
em meados do século XX. Uma proposta clara…
de explicar a relativa vontade dos governos de se engajarem com gastos deficitários durante os anos
1930 ou com o gerenciamento contracíclico da demanda no período do pós-guerra. De traçar e avali-
ar a relativa influência das idéias keynesianas nas políticas de cada nação. E de explorar o modo co-
mo o keynesianismo, como um conjunto mais amplo de idéias simbólicas, se tornou um componente de
coalizão de classe e compromissos políticos que estruturou a economia política do mundo s-guerra.
(Hall, 1989, p.7)
A análise reforça a idéia de que novas idéias são fortes influências quando estão
congruentes com “a estrutura do discurso político”. (p.383) No entanto, em um contexto
de mudança significativa, pode-se esperar exatamente o contrário, o envolvimento de i-
déias transformadoras das instituições, que reinterpretem práticas e políticas e que desafi-
em e subvertam noções e discursos preexistentes. Isso em 1989, como será visto a seguir,
é uma prerrogativa bastante cara à esta análise.
De fato, a intenção deste trabalho é pensar que as idéias têm um papel fundamental
como constituidoras dos interesses que movem a ação que, dessa maneira, não estariam
limitados à “linguagem institucional” ou por cálculos de maximização de utilidades. Co-
mo sugeriu Alexander Wendt, em vez de se tentar pensar por meio de um pré-
estabelecido conteúdo ideológico dos interesses, um pesquisador deve levar em conta as
idéias que os agentes possuem sobre o que é desejado, o que leva o foco “aos esquemas e
às representações por meio dos quais os agentes definem seus interesses”. (Wendt, 1999,
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p.124) Especialmente em situações de alta incerteza, a forma como os interesses são con-
cebidos se modifica drasticamente.
Além disso, dessa maneira, extingue-se a problemática dicotomia entre idéias e in-
teresses como entes separados que durante muito tempo perdurou em estudos políticos
ideacionais, como o de Goldstein e Keohane. O interesse é uma idéia. Caso contrário, as
idéias são tratadas apenas como instrumentos para se atingir um certo interesse pré-
estabelecido, como no caso racionalista, ou somente como elementos que propiciam mu-
danças endógenas ao se adaptarem ao contexto estrutural preexistente, como na sugestão
do institucionalismo histórico onde as idéias, ao se adaptarem à e se disseminarem
pela – estrutura passam a definir novos interesses e, portanto, novas ações políticas trans-
formadoras. Em nenhum dos dois casos é possível pensar em novas idéias que modifi-
quem interesses, constituam novos interesses e revolucionem o contexto institucional si-
multaneamente.
Para tanto, Mark Blyth (2002, 34-44) sugere cinco hipóteses sobre a influência das
idéias nas mudanças institucionais. A primeira sugere que, em períodos de crise, idéias
(não instituições) reduzem a incerteza. A intenção é ressaltar que antes que qualquer mu-
dança institucional seja levada à frente, é preciso que os agentes compreendam o contexto
gerando explicações ideacionais sobre o estado do momento, para depois sim, a partir
dessas, pensar sobre o implementar da ação.
A hipótese número dois afirma que a redução da incerteza é apenas o primeiro pas-
so para a mudança institucional. É preciso depois que as idéias propiciem a ação coletiva
e a construção de coalizões é somente quando as barreiras à ação coletiva são ultrapas-
sadas que pode existir a transformação das instituições. Idéias tornam a ação coletiva
possível ao permitir que os agentes redefinam seus interesses em um ambiente de incerte-
za, mas também a percepção relativa no espectro de ações em meio aos novos posicio-
namentos e rearranjos políticos.
Além disso, idéias devem servir também de armas e suportes com os quais os agen-
tes podem contestar as instituições vigentes. Não somente facilitam a ação coletiva e uma
transformação política radical como são, de fato, pré-requisitos para tanto. Ao especificar
os objetivos da ação política, idéias também provêm os agentes do modo como se atingir
tais objetivos. Com o intuito de substituir as instituições presentes, os agentes devem des-
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legitimá-las contestando as idéias que dão suporte às mesmas. Idéias são armas de trans-
formação de instituições preexistentes precisamente porque estas são o resultado de idéi-
as passadas.
Ainda, seguindo-se ao processo de deslegitimização das instituições vigentes, novas
idéias atuam como base para um plano de ação. Isso significa dizer que novas instituições
são derivadas de novas idéias. Dessa forma, idéias não somente reduzem o grau de incer-
teza, possibilitam a ação coletiva, facilitam a corrosão das instituições existentes anteri-
ormente como também prevêem a forma e o conteúdo das instituições que os agentes de-
vem construir para resolver uma situação de crise.
E, finalmente, após a constituição institucional, idéias tornam possível a estabilida-
de; promovem estabilidade ao longo do tempo gerando convenções que facilitam a coor-
denação das expectativas dos agentes. Em suma, além de informar aos agentes que insti-
tuições estabelecer, também constroem um futuro previsível, cimentando convenções e
práticas geradas no novo arranjo institucional, atuando como mecanismos de reprodução.
Dessa forma, enquanto choques econômicos exógenos e conflitos distributivos in-
ternos podem desestabilizar instituições e gerar níveis altos de incerteza, como claramen-
te é o caso do Brasil de 1989, um equilíbrio institucional instável não gera automatica-
mente um novo arranjo. Qualquer novo estabelecimento institucional deve ser definido,
defendido e implementado, e nada disso é função dada de condições estruturais cambian-
tes, como o Estado-nação não pode ser um produto explicado apenas pela crise do feuda-
lismo. (Spruyt, 1994)
Sem um conjunto de idéias que possam diagnosticar a natureza da incerteza enfren-
tada pelas instituições preexistentes, a mudança institucional a deliberada substituição
de um arranjo de instituições por outro pode ser entendida como “um tiro no escu-
ro”. Ao se entender o papel das idéias na efetivação das mudanças institucionais, resolve-
se esse problema possibilitando ao analista perceber a construção e a destruição da ordem
institucional como um fenômeno seqüencial de redução da incerteza, mobilização, con-
testação, e finalmente substituição e estabilização. (Blyth, 2002, p.45)
De forma semelhante, Tannenwald (2005, p.15) define idéias como “construções
mentais abraçadas por indivíduos”, um conjunto de crenças distintas, princípios e atitudes
que provê orientações gerais para o comportamento e para ações políticas. A autora tam-
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bém as categoriza como ideologias ou sistemas de crenças compartilhadas, idéias de na-
tureza normativa, noções de causa e efeito e prescrições políticas.
A partir das definições, Robert English (2005), por exemplo, pôde sugerir que o
New Thinking na União Soviética contribuiu de forma influente na mudança do compor-
tamento de Moscou em relação ao ambiente externo no fim do século XX. Por meio da
mesma sistemática, Daniel Thomas (2005) apontou para o fortalecimento das questões
relacionadas aos direitos humanos no entendimento da derrocada comunista. Ainda, An-
drew Bennet (2005) pôde mostrar que a mudança na percepção das lideranças soviéticas
sobre a eficiência (ou a ineficiência) do uso da força influenciou a decisão deles de, em
1989, não utilizar o poder militar para manter os Estados do Leste Europeu sob controle.
Idéias podem influenciar a política de muitas maneiras. Podem influenciar no entendimento e na descri-
ção das situações pelos atores. Pode ajudá-los a estruturar o processo de tomada de decisão e também
influenciam diretamente na interpretação dos resultados após a ação. (Tannenwald, 2005, p.17)
Aqui, é importante perceber, está sendo feita uma distinção importante entre cor-
rentes que levam em conta as idéias como elementos endógenos ou exógenos da variação
política. Uma coisa é afirmar que os atores são movidos pelo interesse próprio dentro de
uma rede de conseqüências lógicas, onde as idéias funcionam como “ganchos” em um
processo de racionalidade instrumental. Outra é ter em mente que os atores são movidos
de fato por uma lógica própria de apropriação, onde as idéias possuem um papel autôno-
mo e substantivo na constituição dos interesses e na explicação dos produtos resultados
da ação. Certamente, este trabalho pretende se colocar na segunda opção.
As hipóteses apresentadas por Mark Blyth (2002) e também por Tannenwald
(2005) sobre o papel das idéias nas transformações políticas e institucionais são bastante
propícias a um estudo que pretende analisar um processo de mudança a partir de algumas
idéias geradas em um momento de altíssima incerteza marcado por uma crise interna sem
precedentes e reviravoltas radicais no plano externo.
Não à toa, serão ressaltados neste trabalho três conjuntos de idéias. Um primeiro
idéias-contexto – relativo à interpretação/visão do mundo e onde irá se destacar uma idéia
de “mundo em transformação”, amplamente conectada com o fim da Guerra Fria, a glo-
balização e uma noção de revolução tecnológica; uma idéia de “crise interna”, bastante
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influenciada pelo contexto inflacionário; e outra de “crise no setor externo”, ainda prove-
niente dos tempos da crise da dívida de 1982. Esta é uma classificação que dialoga com a
“visão de mundo” de Goldstein e Keohane, e também com a perspectiva de que idéias são
redutores da incerteza em momentos de crise, de Mark Blyth.
O segundo conjunto de idéias aqui a ser ressaltado reúne os alvos do momento.
Quais são as “idéias-alvos” do contexto? Foi fácil perceber, no contexto das relações e-
conômicas internacionais do país, que um suposto isolamento do país, radicalizado quan-
do chamado de “xenofobia”, bem como os “modelos” exportador e desenvolvimentista e
o Estado, em si, são os alvos principais no Brasil de 1989. A proposta dialoga com a hi-
pótese de Blyth de que idéias podem servir como armas com as quais os agentes podem
contestar as instituições vigentes. Ou seja, como foi dito, não somente facilitam a ação
coletiva e uma transformação política radical como são, de fato, pré-requisitos para tanto.
O terceiro conjunto apresenta as “idéias-propostas”, como, por exemplo, “exportar
mais”, “abertura” e “reforma do Estado”. Algo que novamente dialoga com Blyth, e tam-
bém com Tannenwald, na sua intenção de apontar as idéias como mecanismos-base para
um plano de ação, prevendo a forma e o conteúdo das novas instituições que os agentes
devem construir.
Não dúvidas, assim, de que este estudo dialoga também com todo um questio-
namento contemporâneo presente em diferentes ramos das ciências sociais e trazido à to-
na nas relações internacionais pela chegada das perspectivas construtivistas. Afinal, o que
pode ser um “fato” fora de um contexto conceitual? Como pergunta o construtivismo:
“Por que não podemos dizer que o contexto constitui o fato?” (Puchala, 2003, p.40). A
validade do “conhecimento” pode estar entre a percepção e a “realidade” ou entre as
palavras (as proposições) e o “real”. “Causas” podem ser atribuídas porque não são
observáveis. A conhecida “crise da representação” surge da incerteza com relação a
formas adequadas de se descrever a realidade social e é percebida como um fenômeno da
modernidade (ou da pós-modernidade) ao ser identificada em muitos campos do saber.
Donald Puchala (2003) sugere chamar de “intuição” (e não de “arte”) o produto do
processo de generalização imaginativa constituída a partir de uma longa e variada experi-
ência (história). Semelhante ao que Kant chamou de “lógica transcendental”, a teoria por
“intuição”, em vez de emergir da pesquisa empírica, a suscita. Como afirmava Hedley
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Bull (1966, p.20), não como verificar de forma empírica a validade das imagens cons-
truídas pelos teóricos das relações internacionais, feitas a partir de interpretações subjeti-
vas da realidade. No entanto, o quanto isso limita a possibilidade de fazer ciência ou de
construir “conhecimento” pode diferenciar algumas perspectivas.
As três críticas ao sujeito epistêmico moderno, o sujeito isento, imparcial; ao ob-
jeto epistêmico moderno, que poderia “existir” sem o contexto, sem a “interpretação”; e
ao conceito moderno de signo, que pressupõe a relação de verdade por correspondência
entre o sujeito e o objeto na interpretação da realidade, estão fundamentadas no pen-
samento em geral. O que é aceito como “verdade”, “conhecimento” ou “reflexo da reali-
dade”, em qualquer tempo, será condicionado pelo paradigma conceitual através do qual
a “verdade”, o “conhecimento” ou o “reflexo da realidade” foram perseguidos. (Puchala,
2003, p.47)
Com base no pensamento de Roy Bhaskar, o realismo científico informa o constru-
tivismo com uma abordagem a um mundo que está além daquele da experiência sensori-
al. É preciso desvelar as estruturas (uma “lógica”), apresentando-se uma epistemologia
“a-empiricista” por natureza e se concentrando nos objetos transitivos (transmitidos pelo
sujeito) da ciência, que são criados para representar e dar conta de objetos intransitivos
como as estruturas e as partes do mundo. (Smith, 1996, p.25)
O realismo científico é forte presença na corrente construtivista das relações inter-
nacionais, em especial naqueles autores identificados com a obra de Alexander Wendt,
que define a área do “construtivismo” como aquela que se apóia nos preceitos de que: 1)
a estrutura das associações humanas é determinada primeiramente por “idéias comparti-
lhadas”; e 2) que as identidades e os interesses dos autores são construídos por essas “i-
déias compartilhadas”, não têm nada de “naturais”: Anarchy is what states make of it.
(Wendt, 1992) Como afirma Wendt, o primeiro pressuposto apresenta uma abordagem
“idealista” da vida social; e o segundo, uma percepção “holística” ou “estruturalista”,
percebida na ênfase às forças que emergem da estrutura, também social. (Wendt, 1999,
p.1)
de se deixar claro que o realismo científico se traduz na tentativa de descrever e
explicar as estruturas e os processos do mundo que existem além da percepção empírica.
A perspectiva relativiza os planos da ontologia e da metodologia. No primeiro, afirma
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uma “existência” além da percepção; no segundo, abraça o idealismo. Nesse sentido, tra-
ta-se de uma abordagem social, idealista e holística que procura entender a constituição, e
não a determinação (por “explicações causais”), dos fenômenos, percebidos além do pla-
no empírico e que constituem o mundo.
Além do diálogo com o construtivismo, a perspectiva aqui adotada também se as-
sume bastante influenciada pelos estudos políticos ligados à corrente hermenêutica. Afi-
nal, Gadamer conduz a hermenêutica no sentido de apresentá-la como uma abordagem
que adota um caminho analítico sobre o social com base na história e na linguagem. Com
o argumento central antinaturalista, a hermenêutica vê o mundo social como algo que não
pode ser tratado pela forma como o empirismo e o positivismo em geral sugerem.
Com base em Heidegger e Gadamer, a escola hermenêutica levanta questões onto-
lógicas sobre a natureza do “ser”. No lugar de um “ser” que interpreta o mundo, a herme-
nêutica um “ser” formado por um know-how tácito que é anterior à interpretação dos
fatos. Indivíduos estão inseridos em um círculo hermenêutico, e o mundo pode ser a-
preendido se for visto como uma “rede de significações”. Com uma ontologia diferente, a
de um “círculo hermenêutico”, as epistemologias tradicionais se tornam inapropriadas
para entender e/ou dar sentido às coisas, na medida em que posicionam o sujeito interpre-
tativo como anterior às questões da natureza do “ser”. (Smith, 1996, p.27)
Gadamer ressalta a importância do “fazer parte”. Indivíduos analisam e agem den-
tro do que o filósofo chama de “horizonte”, o que se entende como as crenças (tempo
presente, o que se “acredita”), as pré-concepções (tradição/história) e o “estado da situa-
ção” (contexto), que possibilitam e limitam esses mesmos indivíduos. Para Gadamer, o
“fazer parte” implica noções de “verdade” e de “razão” historicamente constituídas. O
que o filósofo propõe é uma ontologia do “conhecimento”, da “verdade” e da “razão” que
mostra como tais elementos “fazem parte” da história. (Idem)
De uma certa forma, a hermenêutica difere da Teoria Crítica ao não carregar “em
si” um projeto de emancipação, mas, ao mesmo tempo, também não é “pós-moderna” na
medida em que um certo sentido progressista ao “entendimento”. No entanto, isso não
exclui o fato de que a hermenêutica é, em parte, Teoria Crítica, porque em última instân-
cia acredita na emancipação pela razão (não identificada, é claro, com o positivismo),
bem como é “pós-moderna” ao não se constituir anteriormente como um projeto (ou os
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“pós-modernos são em algum sentido “hermenêuticos” dada a ênfase – do “historiador” –
nas particularidades).
O debate está relacionado à posição de Kant no que diz respeito à ciência social na
medida em que o filósofo liberta a razão do dogmatismo e da objetividade empírica do
positivismo (verdade como correspondência). A “libertação” kantiana do Aufklärung,
nesse sentido, possibilita a noção de “ciência na subjetividade” que virá a carregar proje-
tos emancipatórios como os de Karl Marx. De uma certa forma, Kant transforma cientis-
tas sociais em revolucionários, ponto de encontro entre a Teoria Crítica e a hermenêutica.
Afinal, a teoria pode sim mudar o mundo.
Puchala (2003, p.4-7) adota uma perspectiva próxima da hermenêutica ao se colo-
car “buscando um sentido na história das relações internacionais”. Ao mesmo tempo, ao
pensar a relação entre teoria e história, o autor lembra dos preceitos da escola clássica de
Hedley Bull e Adam Watson, onde “o sujeito pode ser entendido em sua perspectiva
histórica”.
Trata-se, segundo Puchala, de um procedimento “indutivo” e também “interpretati-
vo”. A história internacional não pode ser abordada com qualquer expectativa de certeza,
e a “teoria existe para facilitar a interpretação da história”. (p.41)
Vale a pena perceber que tal postura segue a linha que dilui a diferença entre “his-
toriadores” de “cientistas”, ao observar a diferença entre aplicar generalizações à história
e aplicar generalizações com a intenção própria de “deduzir” (“A” determina “B”, “B”
determina “C”, “A” determina “C”) ou, em especial, de “prever” (se “A”, “B”). Nesse
contexto, o propósito de fazer generalizações é o de tornar possível ou fazer com que pos-
teriormente seja possível certos tipos de “interpretações progressivas” que localizem e-
ventos que ainda estejam se desenvolvendo como um todo, as quais a estes mesmos even-
tos pertencem. Dessa forma, a “teoria” ajuda no entendimento dos eventos porque lhes
significado e os contextualiza, no plano da abstração. (Puchala, 2003, p.31-2)
Tal posição se afirma “humanista” na medida em que propõe caminhos para o “co-
nhecimento” senão mediados pela interpretação subjetiva composta de uma combina-
ção qualquer de observações, experiências, intuições e imaginação. Ao mesmo tempo em
que leva em conta que as “interpretações” são também compostas na hermenêutica (re-
flexividade), na medida em que se movem pelo sujeito e pela análise textual produzida
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por elementos cujo “pensamento” e a “ação” constroem a realidade. Neste sentido, ao
estudar a história, o pesquisador começa por criar conceitualmente uma “realidade” na
qual pretende se debruçar (ontologia) e então a “observa”, tendo em si que está ao alcan-
ce da influência e “faz parte” dos eventos que a constituem. (p.39)
Com isso, autores contemporâneos da sociologia histórica atacam a divisão entre
história e ciências sociais. (Little, 1994, p.11) À medida que o cientista social não se co-
loca como um “historicista”, essa diferença claramente se dilui.
Assim, Marx e Weber, por exemplo, são autores que adotaram a análise histórica na
tentativa de entender mudanças sociais de larga escala. Da mesma forma, promoveram
fundações à Teoria Crítica ao se interessarem pela existência de estruturas sociais escon-
didas que frustram algumas aspirações humanas ao mesmo tempo em que premiam ou-
tras, dando um caráter emancipatório ao desvelamento.
Karl Polanyi (1944/2001), em A grande transformação, atua no mesmo plano, por
exemplo, ao afirmar que a idéia emergente, no século 19, de um mercado que se auto-
regula esteve intimamente conectada ao crescente poder do Estado e à sobrevivência de
Estados soberanos dependentes da existência de uma balança de poder internacional, que
se relaciona com perspectivas correntes sobre a natureza do homem e assim segue. Ora,
símbolos e relações perpassam os planos (a natureza dos mercados) doméstico e interna-
cional – a balança de poder.
Essa “sociologia histórica” parte da noção iluminista de Rousseau, Voltaire e Mon-
tesquieu e talvez seu caráter essencialmente emancipatório, aproximando-se da Teo-
ria Crítica –, de que é possível, pela razão/interpretação (hermenêutica), incrementar a
condição humana pelo fazer e refazer, pensar e repensar constante das instituições. Exa-
tamente neste ponto, no entanto, nas concepções específicas da “razão”, os pragmáticos e
hermenêuticos se diferenciam da Teoria Crítica ao afirmar a “verdade” não com uma “re-
ferência político-normativa”, mas em seu papel ordenador da realidade cognitiva. O
pragmatismo, diferentemente da Teoria Crítica, e que irá informar a perspectiva herme-
nêutica, ressalta o “papel” que a “verdade” assume na relação sujeito-objeto-contexto.
(Puchala, 2003, p.49-50)
Este trabalho sai em busca dessa “verdade” hermenêutica, que pode dar significado
aos eventos e contextualizá-los no plano da abstração. A tentativa é a de apreender o
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mundo, “fazer parte”, percebendo-o como um círculo hermenêutico no qual os agentes da
transformação institucional estão inseridos. Este estudo, assim, será uma análise histórica
da política por meio da linguagem, que buscará um processo local inserido em um movi-
mento global de transformação das “idéias compartilhadas”, que podem informar a cons-
trução de novas instituições por meio de suas influências no terreno da política, que pas-
sará a estar, assim, inserida em um novo “círculo hermenêutico” posterior.
3.2 Comunicação e relações internacionais
Com uma análise de mídia (representações midiáticas), de artigos de opinião e edi-
toriais (representações textuais) publicados nos dois maiores jornais do país, Folha de
São Paulo e O Globo, durante o ano de 1989, que tratam de um tema específico da eco-
nomia política brasileira relacionado ao perfil da inserção externa do país, como forma de
se apreender certas idéias envolvidas neste tema e, por conseguinte, parte constituidora
do próprio tema, este trabalho celebra a união de duas tradições: uma de desconstrução da
ortodoxia teórica nos estudos de relações internacionais e outra relativa aos estudos que
envolvem comunicação e política, em especial aqueles que focam nas representações so-
ciais, tais como se materializam na linguagem, “nos processos e nos produtos da comuni-
cação e da cultura midiática”, aos quais se destacam as imagens e os significados constru-
ídos pelos meios e compartilhados na sociedade”. (Pereira, Gomes e Figueiredo 2004,
p.7) Este é o tema desta rápida seção.
O que une as duas escolas, não dúvida, é a abordagem focada na linguagem, no
simbólico, nas idéias, e, como ciência social, historicamente contextualizada. De fato, no
terreno da comunicação, a relação com a política é até mesmo parte de um campo mais
amplo de relação com a cultura. Fazemos porque somos. Como não pensar a idéia de
Roma e do Império Romano na consciência política norte-americana como um forte ele-
mento constituidor da ação dos Estados Unidos no plano histórico internacional?
5
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Sobre isso, ver: Hughes, 1997, p.69-136.
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A idéia dessa forma é analisar a transformação da estrutura que rege ramos especí-
ficos das relações internacionais, como o comércio exterior e o fluxo financeiro, a partir
de “representações” midiatizadas sobre o tema. Assim, a análise se apresenta tanto como
um estudo de comunicação e política, limitado ao campo das relações internacionais,
mais especificamente das relações econômicas internacionais do Brasil em 1989, quanto
segue a orientação de Puchala (2003) de pensar a história das relações internacionais a
partir de representações teóricas das relações internacionais construídas historicamente
sugestão que aqui é adaptada de modo a se pensar um momento histórico das relações
econômicas internacionais do Brasil a partir de representações midiatizadas e assim am-
plamente disseminadas das relações econômicas internacionais do Brasil.
Mas o que são “representações”? Como sugere Veiga França (in Pereira, Gomes e
Figueiredo, 2004, p.13), representações “podem ser tomadas como sinônimo de signos,
imagens, formas ou conteúdos de pensamento, atividade representacional dos indivíduos,
conjunto de idéias desenvolvidas por uma sociedade”. São definidas como “categorias de
pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, explicam-na, justifican-
do-a ou questionando-a”.
A partir da herança de Durkheim, as “representações coletivasdizem respeito aos significados, às ima-
gens, ao quadro de sentidos construídos e partilhados por uma sociedade; são formas estáveis de com-
preensão coletiva que atuam de forma mais ou menos impositiva e têm o papel de integrar a sociedade
como um todo. (Veiga França in Pereira, Gomes e Figueiredo, 2004, p.14)
A partir das representações, assim definidas, pode-se fazer uma “abordagem comu-
nicacional dos fenômenos”, inclusive políticos. (p.13) Nesse sentido, a comunicação de
massa é simultaneamente um fenômeno social e discursivo. Signos são o modo primário
de interação do homem com a realidade. Abordá-los é alcançar o processo contínuo de
produção de significados que constroem a realidade social e seus domínios político, eco-
nômico e cultural. (Jensen in Jensen e Jankowiski, 1991, p.41)
Dessa forma, esta pesquisa assume sua vertente “qualitativa” como um modo de
observação conduzido na direção do fenômeno, e não buscando o seu “distanciamento”.
6
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Sobre o impacto de tal assertiva na prática jornalística, ver: Ituassu, 2005.
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Dialoga com a forma de interpretação própria do “interacionismo simbólico”, através do
qual indivíduos agem com base nos significados que eles mesmos atribuem a objetos e
situações. Também com a “etnometodologia”, a qual afirma que a interpretação deve
buscar as regras que os indivíduos se utilizam de modo a dar sentido à realidade, mas so-
bretudo com um tipo de “etnografia simbólica”, que sai em busca de signos, de represen-
tações novas que tomam o lugar de antigas, dentro do tema da inserção externa do Brasil
na economia internacional, constituindo-na assim a partir de então. (Jankowiski e Wester
in Jenses e Jankowiski, 1991, p.52-66) Pesquisa etnográfica, afinal, em busca de formas
culturais no seu sentido mais amplo.
De fato, à medida que as perspectivas acadêmicas passam a enfatizar a realidade
social como algo que é dependente do “conceito”, as formas mais interpretativas de análi-
se ganham força e as representações passam a ser objetos de entendimento do “ser” e das
identidades. Uma pesquisa recente nos Estados Unidos, por exemplo, pôde constatar que
a qualidade de “Nobel da Paz” acompanha com mais freqüência o nome do arcebispo
Desmond Tutu do que o de Yasser Arafat, mesmo que ambos tenham sido angariados
com o prêmio. (Cunningham, 2003; e Ituassu, 2005)
Segundo a sondagem, feita a partir de um banco de dados nos EUA (Nexis), Des-
mond Tutu é mencionado em mais de 3 mil artigos. Em pelo menos 388 (11%), o nome
vem seguido do título internacional que recebeu em 1984. No caso do militante árabe,
Arafat é citado em quase 100 mil artigos, mas apenas em 177 (0,2%) o nome é acompa-
nhado do termo “Nobel da Paz”. (Idem) No momento em que a idéia de um suposto des-
vio de uma certa “objetividade” no tratamento da questão e na construção social dos per-
sonagens se torna uma falácia, a partir dos questionamentos epistemológicos à objetivi-
dade, o objeto simbólico se torna menos um equívoco subjetivo a ser combatido e mais
um símbolo construído historicamente possivelmente gerador de impactos políticos fun-
damentais.
Trata-se aqui de um trabalho que pretende pensar a comunicação “como troca, inte-
ração, situação comunicacional que circunscreve a relação mediada discursivamente
de sujeitos interlocutores”. A idéia é perceber o terreno como uma “instância de produção
de sentido”. (França, in Pereira, Gomes e Figueiredo, 2004, p.13) vivemos em uma
sociedade quando compartilhamos quadros de sentido, compreensões e idéias que organi-
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zam e dão coerência à vida social. (p.16) Imagens, ícones e símbolos como o Muro de
Berlim, por exemplo, compõem nosso repertório. Não de modo que seja possível encon-
trar uma tradução clara do significado e do impacto de uma representação, não como uma
prática de configurar um sentido, mas sim como um “mapa de possibilidades”, um caldei-
rão cultural e de linguagem no qual os agentes sociais estão inseridos, um conjunto de
sentidos diferentes que se superpõem, se empurram, se juntam, se excluem. (p.18)
Alguns autores falam em “simulacros”: imagens que têm mais força que o real (têm uma existência em
si mesmas, e não remetem ou não precisam se remeter mais à realidade); outras imagens existem
em função da sua relação estreita com a vida social: imagens que criam identidades; imagens que pro-
blematizam e promovem uma leitura da realidade; imagens que ajudam a mudar a realidade e o mundo.
As representações estão intimamente ligadas a seus contextos históricos e sociais por um movimento de
reflexividade elas são produzidas no bojo de processos sociais, espelhando diferenças e movimentos
da sociedade; por outro lado, enquanto sentidos construídos e cristalizados, elas dinamizam e condicio-
nam determinadas práticas sociais. (França, in Pereira, Gomes e Figueiredo, 2004, p.19)
Em consonância com os estudos construtivistas das relações internacionais e das ci-
ências sociais em geral, a comunicação aqui é pensada como um processo em que ima-
gens/representações são produzidas, intercambiadas e atualizadas no bojo das relações
sociais domésticas e internacionais, um processo em que sujeitos interlocutores produ-
zem, se apropriam e atualizam permanentemente os sentidos que moldam seu mundo e,
em última instância, o próprio mundo. O lugar da comunicação, assim, o locus das práti-
cas comunicativas, é um lugar constituinte e o olhar (abordagem) comunicacional é um
que busca apreender esse movimento de constituição. (p.23)
3.3 Relações internacionais e o fim da Guerra Fria
Uma das discussões recentes e marcantes da disciplina de Relações Internacionais
diz respeito às causas da mudança de comportamento da política externa soviética e, por
conseguinte, do fim da Guerra Fria a partir da segunda metade dos anos 1980.
7
Brooks e
7
Uma extensa parte desta literatura encontra-se na Nota 4 deste trabalho.
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Wohlforth (2000), por exemplo, organizaram um debate em torno da polêmica envolven-
do a oposição entre causas materiais e ideológicas (ou ideacionais) do fenômeno. Nesse
contexto, é interessante perceber que os autores caracterizam a segunda escola como a-
quela que concorda com a idéia de que a crise econômica na União Soviética
8
abriu espa-
ço para a mudança. Entretanto, a resposta à situação é “um ato criativo, de fundamento
intelectual, que transforma a história e a leva para novos ventos, e cuja explicação requer
modelos específicos”. (p.5)
Como não poderia deixar de ser, tal discussão tema desta seção é de suma im-
portância para um trabalho que pretende apontar para a influência de certas idéias na
constituição da mudança apresentada: a transformação no perfil de inserção econômica
do Brasil no ambiente internacional, como parte de um movimento generalizado de alte-
ração política no comportamento externo, identificado por sua vez com o contexto do fim
da Guerra Fria. Isso porque as transformações na União Soviética, no Brasil e no Leste
Europeu não são historicamente simultâneas, como também apresentam características
bastante semelhantes em torno de uma relativa acomodação no que diz respeito ao perfil
de inserção externa anterior, mais questionador. Além disso, os temas-chave como refor-
ma do Estado, liberalização, expansão dos mecanismos de mercado, privatização, descen-
tralização política etc. também são os mesmos – apesar de ganharem ênfases e interpreta-
ções particulares em cada contexto nacional. De qualquer forma, fica claro porque os es-
tudos relativos ao fim da Guerra Fria podem trazer uma ampla contribuição para este tra-
balho, em especial quando o fim da Guerra Fria é tratado como um tema no qual os estu-
dos com base em uma abordagem ideacional proliferam.
Nesse sentido, é interessante perceber o que afirmam Brooks e Wohlforth (2000,
p.10) sobre os estudos construtivistas do caso soviético. Para os autores, tais análises re-
forçam a ênfase nas mudanças de identidade na liderança ou na elite da União Soviética,
mudanças estas que teriam levado a uma “reorientação dos interesses mais fundamentais
do país, da oposição e competição com o Ocidente liberal para o desejo de dele fazer par-
te”!
8
Sobre isso, ver: Brooks e Wohlforth (2004).
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57
Praticamente canônico nessa discussão é o trabalho de Koslowski e Kratochwil
(1994, p.216) onde os autores afirmam que mudanças no sistema internacional ocorrem
quando atores, por meio de suas práticas, alteram as regras e as normas que constituem a
interação internacional. Ao mesmo tempo, a reprodução das práticas desenvolvidas pelos
atores internacionais depende da reprodução de certas práticas levadas à frente por atores
domésticos. Assim, transformações fundamentais na política internacional ocorrem quan-
do crenças e identidades de atores domésticos são alteradas, modificando, por conseguin-
te, as regras e as normas que constituem suas práticas políticas. Tal perspectiva não signi-
fica, no entanto, que uma determinação estrutural (de idéias) sobre o ambiente domés-
tico ou vice-versa. Em vez disso, o ponto é “examinar sistematicamente a interação das
estruturas doméstica e internacional dentro de um mesmo paradigma conceitual”. (p.224)
Mark Blyth (2002), por exemplo, tenta buscar na teoria da oferta, no monetarismo
de Milton Friedman, nas teorias de public choice e de expectativas racionais a origem das
idéias que constituíram o movimento de disembedding liberalism dos anos 1990. O fato é
que, diz o autor, “não havia escassez de idéias” para construir novos modelos.
Os efeitos combinados de políticas falhas [no combate à inflação]
9
foi sinalizar aos agentes do mercado
que o Estado havia expandido em demasia o seu papel, bem além dos limites estabelecidos como razoá-
veis nos anos 1940 e 1950. Conseqüentemente, os agentes do mercado reagiram contra essa situação, e
eles viam tal reação como parte de seus direitos fundamentais, passando a tentar substituir a ordem libe-
ral embedded por outra mais sintonizada com seus interesses, ao menos como estes eram interpretados
pelos agentes do mercado neste ambiente de alta incerteza. Para fazer isso, os agentes novamente tive-
ram que se engajar em uma política de idéias. Por sorte, não havia escassez de idéias disponíveis para
tanto. (Blyth, 2002, p. 139)
Para Blyth, tanto no caso da constituição do embedded liberalism de Bretton Wo-
ods quanto no retorno liberal posterior, as idéias não simplesmente proveram interesses
preexistentes de justificativa para a ação. Em vez disso, elas foram bem-sucedidas na cri-
ação de tais interesses entre setores importantes da população que, uma vez promulgados,
puderam ser institucionalizados e seus efeitos perpetuados no tempo e no espaço. (p.151)
9
Outro ponto importante de semelhança com o contexto brasileiro.
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58
Como afirmam Koslowski e Kratochwil (1994), parte do programa de pesquisa
construtivista consiste em dar conta da formação de preferências pela análise do processo
de interação através do qual identidades são formadas e interesses emergem. “O que o
construtivismo, ou neste caso qualquer teoria de ação social, é incapaz de prover é uma
redução consistente e coerente da ação a uma fundação última que supostamente causaria
tudo.” (p.225)
Para reforçar o caso das idéias como fonte de explicação do fim da Guerra Fria,
Koslowski e Kratochwil (1994, p.227) argumentam que enquanto as capacidades relati-
vas da Comunidade Européia, da União Soviética e dos Estados Unidos não se modifica-
ram muito durante os anos que rumavam para 1989, a política internacional foi funda-
mentalmente transformada no espaço deste mesmo ano. Para os autores, o “império in-
formal” soviético ruiu não como uma decisão que teria sido tomada em função de cons-
trangimentos sistêmicos, mas sim como uma escolha de política externa feita em um con-
texto de desenvolvimentos cruciais na política doméstica tanto dos Estados do Leste Eu-
ropeu quanto na própria União Soviética.
Do dia em janeiro de 1989 quando Gorbachev aprovou o plano do general Vojciech Jaruzeski de levan-
tar o embargo ao Solidariedade e chamar os líderes desta organização para participar do governo da Po-
lônia ao 27 de outubro de 1989, quando a União Soviética renunciou à invasão da Tchecoslováquia em
um comunicado no Pacto de Varsóvia, a Doutrina Brezchnev estava em processo de desintegração.
(Koslowski e Kratochwil, 1994, p.233)
Este trabalho pretende de alguma forma sugerir que um processo semelhante ocor-
reu no Brasil, na forma de uma interação com a estrutura que modifica identidades e gera
“novos interesses”. O fato é que, como foi dito, de alguma forma pode-se pensar que a
mudança no perfil soviético, e de outras nações, que levou ao fim da Guerra Fria, não
é semelhante no que diz respeito ao caminho de uma relativa confrontação para uma certa
acomodação, como também é praticamente simultânea à transformação da natureza da
inserção brasileira a partir de 1989. A limitação dos estudos sobre o fim da Guerra Fria
ao comportamento soviético pode transparecer a idéia talvez equivocada de um fenômeno
localizado – o que por outro lado não implica no esvaziamento das peculiaridades de cada
caso.
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59
A partir da noção de interação com o processo histórico estrutural, por exemplo,
Saraiva e Tedesco (2001, p.127-8) apontam para este diálogo como fundamental no en-
tendimento das transformações no comportamento de Brasil e Argentina no fim da Guer-
ra Fria. Para as autoras, ambos os países se inserem definitivamente no fim do século XX
em um processo histórico que começou em 1971, quando o então presidente Richard Ni-
xon suspendeu a convertibilidade do dólar prevista no sistema de Bretton Woods. Dessa
forma, o fim de Bretton Woods teria provocado um crescente movimento de capitais que,
junto com o avanço tecnológico dos anos 1980, deu origem ao processo de globalização
econômica. Neste contexto, “o sistema soviético foi incapaz de seguir esta nova etapa de
desenvolvimento” (Saraiva e Tedesco, 2001, p.127 apud Chomsky, 1992), e tanto Brasil
quanto Argentina mudam seus comportamentos também em diálogo com esse novo con-
texto.
Da mesma forma, ensaios de Kenneth Oye e Richard Herrmann (in Lebow e Risse-
Kappen, 1995) reforçam a noção e a importância do processo histórico mais amplo, lem-
brando que desenvolvimentos importantes na relação Leste-Oeste se deram bem antes de
Gorbachev chegar ao poder em 1985. Para ambos os autores, quando Gorbachev chegou
ao Kremlin, as relações Leste-Oeste estão fundamentalmente estáveis havia pelo me-
nos 23 anos, quando da última ameaça de guerra (a Crise dos Mísseis, em 1962). A partir
desse ponto, as superpotências haviam feito compromissos para evitar a guerra e inici-
ado a implementação de uma série de controles armamentistas e “regras de conduta” que
limitaram a interação e o comportamento estratégico – a détente.
Como afirmam Lebow e Risse-Kappen sobre o trabalho desses autores:
A análise do curso da Guerra Fria sugere que as políticas de Gorbachev iniciaram a fase final da recon-
ciliação que se originou com a morte de Stálin. Gorbachev nunca poderia contemplar ou a ele seria
permitido seguir em frente com reformas domésticas, acordos assimétricos de desarmamento e a liber-
tação do Leste Europeu se ele ou a maior parte do Comitê Central esperassem um Ocidente hostil que
respondesse de forma agressiva a uma visivelmente mais fraca União Soviética. A disposição de Gor-
bachev e seus partidários de fazer concessões unilaterais
10
indica que para eles a Guerra Fria havia fica-
do no passado. Eles estavam se livrando de instituições ultrapassadas que ficaram pelo caminho com o
10
Como foi o caso, por exemplo, das mudanças no regime de comércio internacional no Brasil a partir de
1988/89.
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60
intuito de facilitar a cooperação com os seus antigos adversários e os benefícios que tal postura, espera-
va-se, poderia produzir. (Lebow e Risse-Kappen, 1995, p.4)
Kenneth Oye (Lebow e Risse-Kappen, 1995, cap.3, p.1), em sua interpretação, ca-
racteriza o comportamento de Moscou como um de “realismo prudente” e sugere que ca-
racterísticas do ambiente internacional, em especial o desenvolvimento de armas nuclea-
res e a subseqüente “longa paz sistêmica”, atuaram como uma causa permissiva significa-
tiva para a liberalização econômica e política soviética. A idéia é a de que em condições
de paz sistêmica, os benefícios econômicos derivados da força militar são mínimos. Os
Estados Unidos e a União Soviética estariam assim enfrentando uma vagarosa mas cres-
cente mudança na distribuição internacional do poder militar e econômico. Para os sovié-
ticos, a diferença entre força militar e econômica alcançou proporções críticas e não po-
deria ser atacada senão com uma guinada radical em sua política externa, causando uma
alteração fundamental na ordem do pós-guerra. “Arranjos institucionais existentes chega-
ram a um limite e finalmente se romperam em 1989.” (p.4)
Ainda em termos de processo estrutural, é interessante analisar, no contexto do co-
mércio internacional do Brasil, as mudanças que Franco (1999, p.30-31) aponta a partir
dos seus três “eixos fundamentais do processo de globalização”: 1) o crescimento das fi-
liais de empresas multinancionais/transnacionais – a partir de meados dos anos 1960; 2) a
proliferação de estratégias de outsourcing; e 3) a disseminação de novas formas de inves-
timento internacional. Com o tempo, por força dos três processos descritos, cresce a
“propensão ao comércio para o conjunto das empresas e também para as filiais brasilei-
ras”. Nesse contexto, as restrições às importações vigentes antes da mudança passam a
ser vistas cada vez mais como um motivo crucial, “junto com a instabilidade macroeco-
nômica, para a extraordinária perda de importância do Brasil como receptor de investi-
mento direto estrangeiro”.
Como foi discutido, o ponto em questão não é o de achar uma “origem última” –
o fim de Bretton Woods em 1971, a Crise dos Mísseis de 1962 ou o interesse das empre-
sas multinacionais no Brasil, em uma análise sobre o comércio brasileiro mas sim o de
tentar de alguma forma entender as mudanças como parte de um processo histórico e, em
alguma medida, universal e não isolado. Nesse sentido, é possível pensar 1989 como um
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ano-chave para a chegada desse processo histórico no Brasil e assim o objetivo deste
trabalho é o de analisar a forma como esse processo está, em 1989, sendo “adotado” ou
“adaptado”, na linguagem de Paz (1998), ou interpretado, politizado e institucionalizado,
seguindo Mark Blyth (2002); como ele está sendo filtrado e mediado pela grande mídia
brasileira.
Dessa forma, a perspectiva antiestruturalista de Ned Lebow para as transformações
no comportamento da União Soviética no fim da Guerra Fria torna-se uma referência im-
portante no debate. Afinal, Lebow reforça a noção de que líderes políticos e elites possu-
em entendimentos subjetivos dos ambientes doméstico e internacional que são calcados
nas suas concepções sobre o mundo e suas sociedades, e refletem assim interesses políti-
cos e agendas políticas. Na tentativa de explicar o comportamento de acomodação da U-
nião Soviética de Gorbachev, Lebow especifica as condições externas e internas que po-
deriam impulsionar uma resposta conciliatória, para então sugerir que, para tanto, as lide-
ranças políticas devem estar comprometidas com reformas políticas e econômicas do am-
biente interno cujo sucesso pareça demandar acomodação. (in Lebow e Risse-Kappen,
1995, p.7-8)
Segundo Lebow, a tentativa de Gorbachev de transformar as relações Leste-Oeste
foi motivada em larga escala por seu comprometimento com a reforma doméstica. A Pe-
restroika requeria acomodação com o Ocidente, o que permitiria à União Soviética cana-
lizar seus escassos recursos da produção militar para outros setores e atrair créditos, in-
vestimento e tecnologia de fora. Como na frase de Shevardnadze, ministro das Relações
Exteriores de Gorbachev, o principal objetivo das mudanças na política externa “foi o de
criar as condições externas mais favoráveis possíveis necessárias para nós levarmos à
frente as reformas internas”. (in Lebow e Risse-Kappen, 1995, cap.7, p.4)
Das condições necessárias para a transformação, Lebow sugere que lideranças ten-
derão a buscar políticas conciliatórias para o ambiente internacional quando estiverem
comprometidas com programas domésticos que irão se beneficiar diretamente da acomo-
dação. A segunda condição requer lideranças que estejam conscientes das conseqüências
da confrontação. Ou seja, lideranças tenderão a buscar uma política externa mais conci-
liatória quando acreditam que a confrontação fracassou, que é extremamente custosa, por
exemplo, ou que pelo menos falha em gerar uma perspectiva futura de sucesso. (idem)
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A terceira condição que facilitaria a acomodação, segundo Lebow, é a expectativa
de reciprocidade. Lideranças estarão mais aptas a iniciar políticas conciliatórias quando
acreditam que os adversários estão inclinados a responder de forma positiva, em vez de a
explorar a fraqueza para ganhos unilaterais. Nesse ponto, a análise comparada das políti-
cas de Nikita Khrushchev e Mikhail Gorbachev os dois líderes soviéticos teoricamente
mais comprometidos com a acomodação pode ser bastante ilustrativa da importância da
percepção de reciprocidade. (cap.4, p.6-7)
No mesmo sentido, dentro de uma perspectiva mais construtivista, Risse-Kappen
(in Lebow e Risse-Kappen, 1995, cap.8) argumenta que as explicações para o fim da
Guerra Fria devem ser complementadas necessariamente por abordagens que enfatizam a
interação das influências domésticas e internacionais ao comportamento do Estado, com
ênfase especial no papel de idéias, noções, valores e conceitos estratégicos dado que as
idéias atuam na interação entre o mundo material e as preferências do Estado. (cap.8, p.1)
Também importante é a sugestão de Risse-Kappen de que nem a política externa de
Gorbachev nem a resposta do Ocidente podem ser adequadamente entendidas sem se le-
var em conta as idéias que informavam as lideranças dos dois lados. Para o autor, muitos
dos conceitos associados com o New thinking soviético e com a noção de “segurança co-
mum” foram desenvolvidos por indivíduos atuantes na questão do controle armamentista,
bem como por políticos e pesquisadores da Europa Ocidental envolvidos nos debates re-
lativos ao tema da paz, e transmitidos aos líderes soviéticos por analistas e scholars das
instituições soviéticas. Nesse sentido, é possível pensar que a resposta conciliatória do
Ocidente e a transformação no comportamento soviético em direção à acomodação foram
influenciadas por idéias difundidas “transnacionalmente”. (in Lebow e Risse-Kappen,
1995, cap.8, p.7-8)
Como foi debatido anteriormente, Tannenwald (2005, p.14), ao organizar um de-
bate em torno do impacto das idéias como força influente no processo histórico do fim da
Guerra Fria, define-as como “construções mentais abraçadas por indivíduos – um conjun-
to de crenças, princípios e atitudes que provêm orientação para o comportamento e para
ações políticas”. Em uma análise semelhante a deste trabalho, a autora categoriza quatro
tipos diferentes de idéias: ideologias ou idéias como um sistema compartilhado; crenças
normativas; crenças de causa e efeito; e prescrições políticas.
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Foi a partir desse ponto que Robert English (2005), por exemplo, pôde se dedicar
ao estudo do impacto do new thinking na transformação do comportamento soviético, a-
pontando para o movimento intelectual que desde os anos 1950 e 1960 teria contribuído
para o surgimento da mudança. Da mesma forma, Andrew Bennett (2005) mostra como a
mudança na percepção da liderança soviética sobre a eficiência, ou a ineficiência, do uso
da força influenciou a decisão em 1989 de não utilizar o poder militar do país contra as
revoluções no Leste Europeu.
English (2005) afirma que o processo pelo qual as idéias do new thinking se origi-
naram, foram desenvolvidas e em última instância se transformaram em ações políticas
foi lento e influenciado por forças intelectuais, materiais e sociais. A análise de tal pro-
cesso, diz o autor, mostra claramente a impossibilidade de separar as iniciativas de re-
forma no campo doméstico da acomodação no plano externo. A evolução dos “reformis-
tas” pode ser apenas entendida em um campo social-intelectual mais amplo. (p.44)
Segundo English, o processo pode ser identificado, por exemplo, no discurso secre-
to de Khrushchev feito em 25 de fevereiro de 1956, no 20
o
Congresso do Partido Comu-
nista Soviético. No texto, English (2005, p.47) afirma que Khrushchev desafiou simulta-
neamente os preceitos stalinistas de um mundo dividido e de um Ocidente hostil. Disse
Krushchev na ocasião:
Stálin originou o conceito de inimigo do povo”. Esse termo automaticamente tornou desnecessário
provar o erro ideológico de um homem ou de muitos engajados em uma controvérsia; esse termo tornou
possível a utilização da mais cruel repressão, que violou todas as normas da legalidade revolucionária,
contra todos aqueles que de alguma forma desagradavam Stálin, contra aqueles que eram simplesmente
suspeitos de uma intenção hostil, contra aqueles que tinham má reputação.
11
Nesse sentido, English defende que a crise econômica soviética pode ter sido de fa-
to um importante catalisador da mudança, mas não do caminho tomado pela transforma-
ção. Para tanto, é preciso, segundo o autor, entender como o new thinking defendeu idéias
liberais, criticou o pensamento vigente, atacou práticas políticas e pregou a ocidentaliza-
ção da política interna e externa. (p.67-73)
11
Retirado de: http://www.historyguide.org/europe/khrush_speech.html
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Em suma, é importante perceber que o objeto de estudo escolhido não está inse-
rido em um processo histórico internacional mais amplo como também a sua abordagem
dialoga com outras feitas a partir de outros casos, em especial o soviético. Não estiveram
Brasil, Argentina, União Soviética etc. buscando o mesmo caminho a partir de suas pecu-
liaridades próprias? Assim, é importante pensar: a mudança no perfil de inserção externa
aparece mais como constituidora da transformação mais ampla e menos somente como
um produto a posteriori das alterações do ambiente o que significaria estabelecer uma
identidade anterior aos agentes, anterior à sua própria constituição.
3.3 Relações internacionais e o fim da Guerra Fria
Dessa forma, no tema maior das relações econômicas internacionais do país, a in-
tenção deste trabalho será a de ressaltar por meio da análise do debate público midiatiza-
do sobre o tema definido, no momento estabelecido para interpretação, três conjuntos de
idéias que dizem respeito respectivamente: (1) às idéias-contexto, interpretações do mo-
mento interno e externo feitas no momento; (2) às idéias-alvos, os alvos político-
ideológicos que precisam ser combatidos para a transformação ou manutenção da situa-
ção; e, finalmente, (3) às idéias-propostas, ofertas apresentadas com o intuito de trans-
formar ou de manter a situação. Com isso, serão desenvolvidas três hipóteses ao longo do
texto a seguir.
A primeira diz respeito ao conjunto idéias-contexto e sugere que noções de um
“mundo em transformação” e de uma “crise interna” muitas vezes tida como sem prece-
dentes abrem caminho, em especial, para posições em prol de uma reforma completa do
Estado, enquanto a percepção de “crise no setor externo” da economia brasileira aponta
de uma maneira mais forte para a necessidade de um novo perfil de inserção econômica
internacional do país.
Exatamente porque estão sendo pensadas no momento escolhido para a análise, foi
possível identificar, a partir desses três grandes conjuntos desta “etnografia simbólica”,
duas formas de internacionalização. Uma que irá ser chamada aqui de “internacionaliza-
ção difusa” por se caracterizar por relações menos controladas pelo Estado; e outra a
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ser chamada de “internacionalização centralizada” de fluxos mais controlados pelo Es-
tado. A segunda começa a despontar no fim dos anos 1970, patina sobre a crise da dí-
vida de 1982, ganha impulso no ajuste externo e está na defensiva em 1989, que marca,
de fato, a chegada da primeira ao cenário político nacional, de carona nos questionamen-
tos generalizados sobre a qualidade e a natureza do Estado, questionamentos estes poten-
cializados pelas noções específicas de crise interna e ampla transformação externa. As
duas formas de internacionalizar, “difusa” e “centralizada”, podem ser vistas como fontes
influentes constituidoras do debate que irá informar a disputa política desse ponto históri-
co em diante novamente no que diz respeito ao tema das relações econômicas internacio-
nais do Brasil, ou elas mesmas, como uma representação notória do embate clássico da
economia política entre liberais e intervencionistas.
Além disso, a segunda hipótese desta pesquisa pretende afirmar que, a partir da de-
finição da crise, alvos políticos são construídos em torno de um certo “isolamento” do
Brasil com relação à economia mundial; dos modelos tradicionais de gerenciamento eco-
nômico pelo Estado; e também, e principalmente, em torno da própria configuração do
Estado e de sua relação com o mercado e a sociedade.
Finalmente, a terceira hipótese tem a intenção de ressaltar que a nova configuração
do perfil de integração do Brasil ao ambiente internacional é fruto da conjunção de idéi-
as-propostas constituídas por noções específicas de “abertura” e “reforma do Estado”.
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4. Ascensão e queda do modelo exportador
A escola de samba São Clemente desfilou com sucesso no sambódromo do Rio de
Janeiro no carnaval de 1989, apresentando o enredo Yes, nós temos banana. Em um ano
em que cinco escolas seriam rebaixadas do Grupo Especial para o de Acesso, a São Cle-
mente empolgou o público em dose dupla: com um samba cativante e uma demonstração
de garra e superação na avenida. Em pleno desfile, o eixo do segundo carro alegórico
quebrou, e o Nau do descobrimento não podia mais ser manobrado.
A direção da escola passou as alas para frente do carro, para que a agremiação não
perdesse pontos no quesito harmonia. O terceiro carro, no entanto, Serra Pelada, surgiu
logo em seguida. Foi um momento de apreensão. Não havia espaço suficiente para a pas-
sagem do Serra Pelada, e o Nau do descobrimento teve que ser levado praticamente no
braço até o fim do desfile. A São Clemente terminou o espetáculo aplaudida e se classifi-
cou em 13
o
lugar, apenas uma posição à frente das cinco últimas colocadas.
Naquele carnaval, o samba da escola fora um lamento à situação econômica do pa-
ís, uma mensagem crítica que usava de apelos patrióticos e cujo alvo principal eram as
exportações brasileiras.
Já é hora
Do gigante adormecido despertar
Do jeito que a coisa anda
o pode continuar
A serra que é pelada até no nome
Pelada há muito está
Quero é saber de todo ouro
Onde está nosso “tesouro”
Onde estará?
Quero é saber de todo ouro
Onde está nosso “tesouro”?
O tesouro onde estará?
Parece brincadeira mas não é
O dólar valorizado
E o coitado do Cruzado
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Não pode se envolver na transação
O aço volta manufaturado
Jacaré vira sapato
Lembrando até piada de salão
Exportam até nossa gasolina
Por quantia pequenina
E tamm nosso melhor café
Os craques se mandando de montão
Já está faltando cobra
Pra jogar na nossa seleção
Eu choro, Eu grito
E falo, porque amo meu país
Só podem exportar
A esperança deste povo ser feliz
Além da situação de crise, a letra da música aborda claramente uma percepção a-
cerca do comércio internacional do Brasil. De fato, a primeira impressão é que o samba
faz uma crítica bastante clara à posição de exportador de bens primários. Versos como “o
aço volta manufaturado” e mesmo “o jacaré vira sapato” denotam uma concepção popu-
lar de um país que vive no atraso enquanto seus grandes recursos naturais são mandados
para o exterior. Na verdade, a idéia não condiz com a pauta comercial brasileira da época.
Já havia algum tempo que a venda de manufaturados tinha ultrapassado em importância e
valor a de bens primários.
Segundo dados do Departamento de Desenvolvimento e Planejamento de Comércio
Exterior (Depla), o ano de 1979, dez anos antes do samba, havia sido paradigmático
pelo relativo equilíbrio nas vendas de produtos básicos (43% das transações) e manufatu-
rados (43,6%). A liderança desses últimos, na pauta comercial brasileira, foi, de fato,
consolidada a partir de 1980. Em 1989, o Brasil havia deixado a posição de exportador
agrícola, apesar de ainda depender em larga escala desses produtos no mercado interna-
cional. No momento do samba, o processo de industrialização já havia sido efetivo.
É interessante perceber, no entanto, no enredo da São Clemente, que as vendas do
país ao exterior no fim dos fatídicos anos 1980 eram amplamente percebidas como explo-
ratórias. A idéia popular da época era a de que o melhor ia para fora, enquanto aqui den-
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tro a situação estava preta. Alguns empresários ficavam ricos, mas o bolso do brasileiro
minguava com a inflação e as desvalorizações cambiais sucessivas. Vale lembrar que a
renda per capita brasileira de 1989 era praticamente a mesma de 1980.
Tal percepção negativa das exportações não vinha do nada. De fato, tinha uma ori-
gem clara no plano de reequilíbrio das contas externas brasileiras implementado no início
dos anos 1980. Naquele momento de instabilidade no ambiente econômico internacional,
decorrente da alta dos juros externos e dos choques no preço do petróleo, o argumento em
prol do desenvolvimento das exportações, até mesmo com contração severa das importa-
ções, se consolidou como uma solução ao problema da falta de moeda estrangeira neces-
sária para o país arcar com seus compromissos externos. O modelo deu certo no que diz
respeito ao seu objetivo de alavancar as vendas externas brasileiras, mas foi ao menos
simultâneo a todo um processo gravíssimo de deterioração social e da moeda. (Carneiro e
Modiano in Abreu (org.), 1990, p.323-346)
Vale chamar atenção para o fato de que a saída adotada estava em consonância não
com as necessidades do país, mas também com um paradigma em moda na época
fruto do sucesso de países como Japão, Coréia do Sul e Alemanha. Além disso, o projeto
foi implementado em negociação com o FMI, representada pelas famosas “cartas de in-
tenção”, produzidas após os choques no Balanço de Pagamentos brasileiro do início dos
anos 1980.
O problema sentido na carne era a escassez de moeda forte. Havia chegado ao fim a
disposição dos credores internacionais de financiar um ajuste de longo prazo e de cunho
expansionista, como fora levado à frente pelo ministro Delfim Netto em 1979. As cartas
de intenções que o país fez ao FMI deixam clara a sua obrigação de implementar um pro-
grama mais rígido que incluísse custos internos a uma economia altamente indexada e
ainda em processo de industrialização, plenamente expansionista e comandada em grande
escala pelo Estado. Em campanha na primeira eleição democrática à Presidência depois
do regime militar, Fernando Collor de Mello várias vezes tocou nesse assunto, criticando
os acordos da dívida feitos no início da década, o fez não na campanha como também
depois de eleito. Em um discurso na Câmara Brasileira de Comércio em Londres, em fe-
vereiro de 1990, Collor afirmou que:
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Para os países em desenvolvimento de modo geral, ou especialmente para a América Latina, o esforço
exigido pelo pagamento da dívida não deixou de produzir conseqüências econômicas cada vez mais
graves, e nem de nos aproximar perigosamente do limiar da ruptura social.
1
A questão tinha origem no desequilíbrio do Balanço de Pagamentos brasileiro. A
conta dos serviços da dívida puxava a contabilidade para o vermelho, e isso se tornou gri-
tante em um momento de escassez do crédito internacional e alta taxa de juros. De fato, a
conseqüência advinha do próprio modelo antigo de industrialização e/ou desenvolvimen-
to e, até mesmo por isso, a dívida estava em grande parte nas mãos do Estado.
Para um trabalho que tem como foco de estudo a abertura brasileira, caracterizado-a
como um processo de internacionalização da economia e de ruptura em relação ao passa-
do, torna-se prioritário conhecer primeiro o que havia antes, o modelo de política econô-
mica vigente anteriormente. Nesse sentido, é preciso se debruçar sobre a política econô-
mica anterior ao paradigma adotado a partir de 1988/89, ou seja, a do período relativo ao
“desenvolvimentismo”.
Qualificar um período como “desenvolvimentista” obedece a um consenso genera-
lizado que divide a história econômica brasileira em três momentos distintos e relaciona-
dos à dinâmica da economia internacional. Aproximadamente, estes momentos são: 1) o
período liberal-agrícola, até aproximadamente os anos 1930; 2) o desenvolvimentista, dos
1930 até o fim dos anos 1980; e 3) o da internacionalização ou globalização, que toma
corpo a partir da abertura comercial do governo Fernando Collor de Mello (1990-2) e se
consolida com a desregulamentação financeira e a apreciação da moeda do Plano Real
(1994). Cada um desses momentos significou (e ainda significa) um determinado arranjo
institucional da economia que está relacionado ao ambiente internacional e ao mesmo
tempo é justificado como a forma mais adequada, no período correspondente, a propiciar
benefícios materiais à população.
No que diz respeito ao modelo intermediário, os anos 1950 são paradigmáticos.
As décadas de 30, 40 e 50 são o período básico de implantação do sistema industrial
brasileiro”, afirma Bielschowsky (1988, p.5), logo no início do seu clássico Pensamento
1
F.C. de Mello, “Discurso na Câmara de Comércio do Brasil em Londres”. Reproduzido em O Globo, 9
fev 1990, p.6.
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70
econômico brasileiro. De fato, analisar a política econômica deste período é abordar os
aspectos fundamentais do processo de industrialização do país, com base no conceito-
chave do “desenvolvimentismo”.
“Desenvolvimentismo” é o ponto focal que organiza o pensamento econômico dos
anos 1950. Ao redor do tema, questionavam-se os princípios clássicos/ortodoxos da eco-
nomia política da época. A corrente “desenvolvimentista” apoiava a idéia de um plane-
jamento industrializante como via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento
como forma de superação da “condição periférica”. A partir da premissa de que não havia
como alcançar a industrialização por meio das “forças espontâneas” do mercado; era pre-
ciso que o Estado o tomasse para si, fizesse o “planejamento”.
2
O “planejamento” assim passou a definir a prioridade de alocação, objetivando a
expansão de determinados setores e os instrumentos de promoção dessa expansão: a polí-
tica industrial. Nesse processo, o Estado ordena a execução do plano, captando e orien-
tando recursos financeiros. Além disso, promove os investimentos diretos naqueles seto-
res considerados “estratégicos”, em especial onde a iniciativa privada é insuficiente.
Trata-se de uma proposição política para países subdesenvolvidos, a de se indus-
trializar como meio de superar a pobreza e a “dependência”, e de fortalecer a “soberania”
e a “autonomia”, no lugar da “interdependência” anterior, dos tempos da Era de Ouro do
capitalismo global.
Além da conveniência da intervenção do Estado como forma de se superar a condi-
ção material periférica do país, a industrialização desenvolvimentista informava as rela-
ções econômicas internacionais com controles e regulações sobre o comércio exterior e o
investimento estrangeiro. “Independência” e “interdependência”, desta forma, constituí-
ram um debate muitas vezes permeado de ideais de soberania com graus diferentes de
nacionalismo.
3
2
uma imensa literatura sobre este tema. Para um resumo do pensamento, destaca-se a obra: R. Biels-
chowsky, 1988.
3
Para uma discussão sobre planejamento e soberania, ver: Jaguaribe, 1958. Ver também: Ituassu, 1999.
Nos anos 1960, essa discussão vai acabar sendo incorporada pela chamada “política externa independente”;
sobre isso, ver: Dantas, 1962.
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71
De fato, o principal ataque contra a ortodoxia até então vigente, e que na Europa
perderia espaço para a “revolução keynesiana” e as socialdemocracias,
4
tinha como alvo
os princípios do livre comércio, interno e externo, e da eficiência da alocação de recursos
pelo mercado. Com isso, sustentava-se a intervenção direta do Estado na economia, e tan-
to quanto o “planejamento”, o “protecionismo” assume o seu papel em todo o processo.
Vale lembrar, a noção de centro-periferia é fundamental para o pensamento da Co-
missão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da ONU muito influente na e-
conomia política dos anos 1950 na América Latina. A dicotomia é empregada, na prática,
para descrever o processo de difusão do progresso técnico na economia mundial e expli-
car a distribuição dos ganhos. A disparidade entre centro e periferia, pela visão, se acirra
de forma crescente na tendência do primeiro reduzir a taxa de expansão do consumo de
produtos primários à medida que prossegue o progresso poupador dos mesmos.
Em meio a isso, a Segunda Guerra Mundial e as crises econômicas dos anos 1930
abriram as portas para um novo padrão histórico de desenvolvimento voltado “para den-
tro”, representado e impulsionado pelo maior protecionismo no centro, pela demanda li-
mitada por produtos primários e pelo menor coeficiente de importação dos Estados Uni-
dos. Todo esse arcabouço de idéias e percepções se confirmou durante a guerra e depois,
quando a indústria latino-americana tornou-se fonte de emprego e consumo de uma cres-
cente parte da população.
O processo comandado pelo Estado teve como primeiro passo a substituição de im-
portações no setor de bens finais não-duráveis, bens de consumo, incentivada pela impor-
tação de bens de capital e intermediários. Como afirma um trabalho bastante citado sobre
esse ponto, o processo acarreta uma mudança na composição das importações e não uma
redução de seu volume. (Tavares, 1972, p.39)
Déficits, nesse caso, são vistos tanto como estímulos originais para as atividades de
substituição de importações ou seja, o impulso gerado pela necessidade de “cobrir o
déficit” quanto uma barreira dinâmica à continuidade do processo, limitando as com-
pras externas. A capacidade de gerir essa contradição dependeria, assim, do peso dos re-
4
Bielschowsky, 1988., p.14. Sobre a revolução keynesiana” na Europa, ver: Hall (org.), 1989; Blyth,
2002; e Frieden, 2006, p.229-52.
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72
quisitos de importação advindos das mudanças da estrutura produtiva, do grau de diversi-
ficação da economia e do tamanho do mercado interno. Não é à toa que tal situação tenha
produzido mecanismos de controle direto sobre as compras internacionais do país, tanto
quanto uma explosão do débito externo nacional.
Uma das funções do “planejamento” era exatamente a de gerenciar o desequilíbrio
externo, em especial nos primeiros momentos, quando este é mais acentuado. O Estado,
assim, procura estabelecer “déficits razoáveis” com a coordenação da expansão das ativi-
dades industriais. Além disso, vale lembrar, o Estado, no seu próprio processo dispendio-
so de auto-implementação e estruturação, também cobre a falta de poupança interna que
poderia prejudicar a industrialização com uma seleção cuidadosa dos setores a serem
beneficiados. O quanto isso não acabaria por gerar uma prática que reproduz um Estado
seletivo e, conseqüentemente, não-público, ainda é um tema a ser posteriormente discuti-
do. Por ora, é preciso alentar para o fato de que era possível, para o gerenciamento, esti-
mar a capacidade de importação, na base de uma hipótese geral sobre a demanda externa
de produtos primários, para então depois calcular o grau de substituição de importações
que a taxa de crescimento desejada poderia exigir. Nesse modelo, a diferença entre a ne-
cessidade e a capacidade de importar é representação fiel da dinâmica deficitária no que
diz respeito às relações econômicas internacionais do país.
Na verdade, fora preciso mudar os arranjos de mercado por meio da ação estatal. Se
os excedentes de capital e mão-de-obra fossem utilizados nas atividades exportadoras, os
termos de intercâmbio fatalmente se deteriorariam. Nesse sentido, para os desenvolvi-
mentistas, o melhor emprego dos recursos era a indústria. Como afirmou a Cepal e seu
principal expoente, o economista argentino Raúl Prebisch, se o desenvolvimento espon-
tâneo da indústria é impraticável e “antieconômico”, para contrabalançar as diferenças de
produtividade restaria a proteção, por meio de tarifas alfandegárias ou de subsídios.
Trata-se de uma teoria que pretendia mostrar a superioridade da absorção do excedente
em atividades modernas de mercado interno, independentemente do alto custo da opera-
ção. Na verdade, o “protecionismo” desejava evitar o equívoco “natural” da alocação de
recursos nos setores (agrícolas) exportadores. (Couto, 2007)
A partir de 1949, portanto, surge um novo posicionamento em relação às compras
externas, e o sistema de licenças prévias passou a ser utilizado como um instrumento
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consciente em favor da substituição das importações locus clássico da economia políti-
ca onde idéias se tornam mudanças institucionais.
Nesse momento, taxas de câmbio sobrevalorizadas e medidas discriminatórias à
importação de bens de consumo não-essenciais e/ou daqueles com similar nacional resul-
taram em um estímulo considerável à implantação interna de indústrias substitutivas.
Com a industrialização planejada, a produção de bens de consumo que ainda não eram
produzidos dentro do país passa a contar com um incentivo cambial duplo. No lado do
preço, eram favorecidas as compras desses setores. No campo da proteção, desestimula-
va-se a compra do produto equivalente importado. Essa foi basicamente a fase da imple-
mentação das indústrias de aparelhos domésticos e outros artefatos de consumo durá-
vel.(Vianna in Abreu (org.), 1990, p.105-22)
O grande surto importador de 1951/52, por exemplo, deu-se nesse contexto como
função dos subsídios em pauta, associados a preços relativos artificialmente mais baratos
para bens de capital, matérias-primas e combustíveis. O protecionismo atuou impondo
restrições à importação de bens competitivos, ao mesmo tempo em que a taxa de câmbio
tendeu a alterar a estrutura das rentabilidades relativas, estimulando a produção para o
mercado doméstico em comparação com a produção para a exportação. Tratava-se de um
modelo “voltado para dentro”, diferente da variação “voltada para fora” do modelo ex-
portador posterior. Vale notar que o crédito à indústria explode no fim dos anos 1940, em
especial por meio do Banco do Brasil, crescendo 38% em 1947, 19% em 1948, e 28% em
1949. (p.116)
Nesse sentido, o governo Juscelino Kubitschek, em especial, caracterizou-se por
um comprometimento integral do setor público com uma política de desenvolvimento, no
qual o Plano de Metas foi a principal plataforma. Naquele momento, a economia cresceu
a taxas aceleradas, com razoável estabilidade de preços e em meio a um ambiente político
aberto e democrático, e o câmbio foi um instrumento prioritário de política econômica.
As manipulações da taxa de câmbio e a imposição de quotas, tarifas e impostos de impor-
tação e exportação formavam o conjunto principal de estratégias operacionais. Na verda-
de, a evolução da economia brasileira na década de 1950 e até meados da década de 1960
foi marcada por modificações profundas na política cambial, e cada uma dessas altera-
ções constitui um marco decisivo no processo de desenvolvimento do país e, simultane-
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amente, de suas próprias relações econômicas internacionais, com um regime de taxas
múltiplas vigorando até 1957.
5
Além dos regimes cambiais, o país passou a experimentar também as leis de incen-
tivo à entrada de capital, como a Lei 1807, de 1953-54, uma vitória dos favoráveis à par-
ticipação do capital estrangeiro em detrimento dos nacionalistas mais ferrenhos. Na ver-
dade, tais medidas tinham como intenção lidar com um problema crônico do processo,
exposto anteriormente. A progressiva diminuição das receitas de exportação de bens pri-
mários somada à intensificação do processo substitutivo comprometia o poder do setor
público de orientar o processo de industrialização. A única solução viável, dessa forma,
seria a entrada líquida de capitais, de modo a compensar o desequilíbrio no balanço de
pagamentos, a não interromper a importação de bens essenciais e, ao mesmo tempo, a
manter a taxa de investimentos requerida pela continuação do processo.
A regulamentação definitiva do câmbio foi efetivada em 1954, quando outros seto-
res, além daqueles definidos na lei 1807 (energia, transportes e comunicação), foram qua-
lificados a receber tratamento cambial favorecido. Estes setores eram selecionados pela
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), com base no critério do “interesse pa-
ra a economia nacional”. A Instrução 113 da Sumoc, por exemplo, de 17 de janeiro de
1955, incluía na lista de setores favorecidos praticamente todos aqueles ramos industriais
que não fossem, a critério da instituição, qualificados de “notoriamente supérfluos”. (O-
renstein e Sochaczewski in Abreu (org.), 1990, p.171-95)
Com a reforma cambial de agosto de 1957, o governo teve como objetivo simplifi-
car o sistema de taxas múltiplas, de cinco categorias para apenas duas: geral e especial.
Na primeira, eram importados matérias-primas, equipamentos e bens genéricos que não
contassem com oferta interna suficiente. Pela categoria especial, eram importados os bens
de consumo restrito e os bens cujo suprimento fosse satisfatório ao mercado interno. A-
lém disso, no entanto, havia também a chamada “categoria preferencial”, que dava trata-
mento privilegiado ao papel, trigo, petróleo, aos fertilizantes e equipamentos industriais.
5
As referências aqui são: S.B. Vianna, “Duas tentativas de estabilização: 1951-1954”; D.M. de Pinho Neto,
“O interregno Café Filho”; e L.O. Orestein e A.C. Sochaczewski, Democracia com desenvolvimento:
1956-1961”, todos em: Abreu (org.), 1990, p.123-96.
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Uma das principais idéias implícitas na reforma de agosto de 1957, que incluía tari-
fas protecionistas de até 150% implementadas pelo Conselho de Política Aduaneira, foi
acelerar a substituição de bens de capital, diminuindo-se a ênfase dada em anos anteriores
à substituição de bens de consumo. Dessa forma, alguns bens de capital foram incluídos
na categoria especial (o que tornou a sua importação mais cara), enquanto taxas favorá-
veis foram mantidas para a importação (com ou sem cobertura cambial) dos chamados
bens de capital-capital: produtos intermediários, matérias-primas, todo o tipo de material
necessário à produção de equipamentos. De fato, a indústria de bens de capital cresceu à
taxa de 26,4% ao ano entre 1955-60, em grande medida devido ao comportamento dos
setores de equipamentos de transporte. Nesse sentido, de um ponto de vista mais amplo, a
reforma de 1957 implicou um aprofundamento no processo de substituição de importa-
ções, na medida em que se alcançavam estágios mais avançados de industrialização. (i-
dem)
Mas não era a economia que crescia, os problemas que se radicalizariam na dé-
cada de 1980 também já tomavam corpo. Se no período 1957-61, o Produto Interno Bruto
brasileiro se elevou à taxa anual de 8,2%, o que significou um aumento da renda per capi-
ta de 5,1% ao ano, a inflação média no mesmo período foi de 22,6%. Além disso, os for-
tes déficits no Balanço de Pagamentos geravam reduções abruptas no coeficiente de im-
portação e o preço do café passou a cair de forma constante a partir de 1955. (idem)
Igualmente negativo foi, por exemplo, a total ausência de definição dos mecanis-
mos de financiamento que seriam utilizados para viabilizar o Plano de Metas no governo
JK. Se a elevação da carga tributária poderia ter sido uma solução, a proposta encontrava
forte resistência no Congresso da época e preferiu-se, de fato, um tipo de “financiamento
inflacionário” com a expansão da base monetária. Ao tentar comprimir a despesa e dimi-
nuir o déficit, sem prejudicar o ritmo de crescimento da economia, planejava-se um corte
de gastos correntes mantendo-se inalterados os investimentos. Na prática, no entanto, a-
contecia o inverso: o governo, incapaz de conter os gastos correntes - basicamente os de
pessoal - acabava por cortar gastos de investimento. (idem)
Em 1958, houve uma tentativa de conter o processo expansionista com a implemen-
tação do Programa de Estabilização Monetária (PEM). De fato, a partir de 1960, procu-
rou-se limitar a expansão dos meios de pagamentos no nível necessário para o ritmo de
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crescimento do produto real, com vistas a assegurar um grau razoável de estabilidade nos
preços internos e de reequilíbrio no Balanço de Pagamentos.
A estratégia gradual do PEM, no entanto, não deu certo, e no final de dezembro de
1962 foi apresentado, o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elabora-
do e chefiado por Celso Furtado, ministro extraordinário para o Desenvolvimento Eco-
nômico. O objetivo era responder em especial à deterioração externa e à aceleração infla-
cionária. Apesar de produzido por Furtado, um influente economista brasileiro ligado à
tradição da Cepal, o plano se caracterizava por um diagnóstico bastante ortodoxo da ace-
leração inflacionária no Brasil, enfatizando o excesso de demanda via gasto público como
sua causa mais importante.
O Plano Trienal de Furtado previa corte de subsídios com correção de preços defa-
sados, como o do trigo e dos derivados do petróleo; redução do déficit público, controle
da expansão do crédito ao setor privado; e aumento do depósito compulsório dos bancos
de 24% para 28%, além do escalonamento da dívida externa. O Plano Trienal e as nego-
ciações internacionais foram amplamente atacados por setores de esquerda, que denunci-
avam o caráter recessivo da política econômica e a submissão dos interesses nacionais
aos dos Estados Unidos. Mais tarde, no fim de abril, o governo João Goulart deu os pri-
meiros sinais de haver desistido de seus esforços de conciliação dos objetivos estratégicos
das chamadas “reformas de base” à estabilização econômica. (Abreu in Abreu (org.),
1990, p.197-212)
Com a pressão política, os subsídios à importação de trigo e petróleo foram reto-
mados, juntamente com um aumento de 60% ao funcionalismo público. O salário mínimo
foi reajustado em 56,25%, o nível de empréstimo subiu expressivamente, mas a economia
sofreu uma ampla desaceleração. Se o crescimento do PIB brasileiro foi de 6,6% em
1962, foi de 0,6% em 1963. (idem)
Apesar dos problemas, o projeto brasileiro de desenvolvimento seguiu em frente e
mostrou resultados, de modo geral, pelo menos até o final dos anos 1970. O Brasil entrou
no rol das dez maiores economias do mundo, saindo em poucas décadas de uma situação
dependente da exportação de produtos agrários para uma das mais importantes nações
industriais do planeta. O processo per se iria se romper no início da década de 1980,
muito atacado em quatro frentes fundamentais, conseqüências indesejadas do salto indus-
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trializante brasileiro: dívida externa, baixa produtividade, concentração de renda e infla-
ção.
4.1 Problemas que se perpetuam
Como não poderia deixar de ser, os problemas que apareceram de forma radical no
fim dos anos 1980 têm origem histórica. Como se sabe, a economia brasileira no momen-
to que antecede o processo de industrialização fora um ambiente bastante centrado nas
poucas atividades para a exportação, em especial no setor cafeeiro, “com baixo grau de
diversificação e com complementaridade intersetorial e integração vertical bastante redu-
zidas”, para usar a linguagem dos economistas. (Fritsch in Abreu (org.), 1990, p.31-72)
Com relação a esse modelo com base numa economia especializada em produtos
primários, um dos problemas mais apontados pela literatura especializada é a chamada
“inelasticidade da demanda”, dado que, para determinados produtos, a procura não cresce
na mesma medida do aumento da renda. Entre 1920 e 1929, por exemplo, o PNB norte-
americano cresceu de US$103,6 bilhões para US$152,7 bilhões (a preços constantes), o
que representa um aumento de renda real per capita de mais de 35%. Simultaneamente, o
consumo de café se manteve praticamente estável. (idem)
A inelasticidade do produto primário deve ser ressaltada dado o impacto que gera
sobre a capacidade do país de importar, o que complica a situação no que diz respeito às
necessidades advindas do processo de industrialização. As atividades de produtividade
mais elevada as exportações lidavam com um aumento muito baixo de consumo. A
tese clássica sobre o momento é a de que o aporte de capital no setor cafeeiro, por exem-
plo, que poderia gerar uma elevação na produção deste produto, também produziria, con-
seqüentemente, uma queda nos seus preços com muito pouco aumento do consumo,
que o produto é “inelástico”, reduzindo-se assim a renda proveniente da exportação. (Fur-
tado, 1974; e Franco e Fritsch, 1988)
Ao mesmo tempo, os períodos de crise da economia norte-americana e mundial a
partir de 1893 também empurraram o preço dos produtos primários para baixo. Para se
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ter uma idéia, o valor médio da saca de café exportada em 1893 era de 4,09 libras; em
1896, de 2,91 libras; em 1899, de 1,48 libras.
6
Em geral, citam-se quatro influências geradas pelos vários desequilíbrios do mode-
lo agrícola ao processo de industrialização do país: o desemprego; a deterioração crescen-
te nos termos internacionais de troca; o desequilíbrio externo; e a inflação. No que diz
respeito ao desemprego, o fenômeno surge da incapacidade das atividades de exportação
de absorver o excedente de mão-de-obra. Além disso, como notoriamente apontou Raúl
Prebisch, uma das peculiaridades do desenvolvimento tardio é o uso de tecnologia impor-
tada, muitas vezes de natureza capital-intensiva, em regiões onde a produção trabalho-
intensiva seria mais adequada, como ocorreu nas industrializações de vanguarda. Na Grã-
Bretanha, o uso da tecnologia e o próprio padrão de consumo se desenvolveram em con-
sonância com o processo de industrialização, o que não acontece no caso dos processos
tardios.
7
Além disso, também nos casos mais antigos, o uso da tecnologia abre vagas nos se-
tores de desenvolvimento de máquinas, que oferecem novas oportunidades de trabalho.
Não é necessário dizer que isso também não ocorre nos países de industrialização tardia
ou periférica, que ainda precisariam de tempo para chegar ao estágio da produção de bens
de capital.
Sobre a chamada deterioração dos termos de troca, este fenômeno está diretamente
relacionado ao problema da inelasticidade da demanda pelos produtos “tipo exportação”
da Primeira República. Como havia grande excedente de mão-de-obra e como era muito
lenta a expansão da demanda internacional por bens primários, a pressão para baixo sobre
salários e preços na periferia se fortalecia. Tal situação acentuaria o desequilíbrio externo
à medida que, novamente, aumentava-se a exigência de importações ligadas ao processo
de industrialização. Por muito tempo, afinal, mesmo nos anos da industrialização, a oferta
de moeda estrangeira às economias periféricas continuou a depender da exportação de
bens primários.
6
Sobre isso ver: Jaguaribe e Leston, 1968; e Singer, 1974.
7
Sobre isso ver: Prebisch, 1949; e Bielschowsky, 1988, p.18-9.
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79
Dessa forma, não havendo nada no sistema que assegurasse uma relativa propor-
cionalidade entre o crescimento interno da demanda por importações e a própria capaci-
dade de importar, o desequilíbrio externo cresce de forma constante ao longo do proces-
so. O mesmo desequilíbrio externo que vai fechar as portas da economia brasileira nos
anos 1980.
Tal vazio acabou gerando dois fenômenos distintos. Um deles foi o embate ideoló-
gico entre nacionalistas contrários à participação do capital estrangeiro na industriali-
zação e ligados intimamente à noção de “soberania”; e os não-nacionalistas — favoráveis
à participação estrangeira mais livre no mercado brasileiro. Para os nacionalistas mais
radicais, o débito era a representação clara da exploração externa ou simplesmente uma
política de alinhamento equivocada.
8
Com o tempo, o capital estrangeiro acabou se tornando imprescindível, mas muito
do intervalo de renda gerado pelo desequilíbrio externo foi, vale lembrar, preenchido pelo
Estado, o que suscitou um desequilíbrio fiscal fortíssimo, abriu as portas para que a auto-
ridade política se apoderasse de boa parte da renda onde pode estar o problema crônico
da corrupção no Brasil – e turbinou a famigerada hiperinflação, outra mazela dos 1980.
Ao fim do ano de 1980, o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos brasi-
leiro, oriundo do alto nível de endividamento que incidia sobre a conta de serviços da dí-
vida externa, foi de US$12,8 bilhões, gerando uma queda nas reservas do país para o
montante perigoso de apenas US$3 bilhões. Este é um ponto fundamental da política e-
conômica brasileira, com conseqüências às relações econômicas internacionais do país.
Nesse momento, o governo brasileiro, nos últimos suspiros do regime militar, se obri-
gado interna e externamente a implementar um ajuste nas suas contas com o exterior.
Como foi dito, o novo ambiente internacional oriundo da flutuação do dólar, dos
dois choques de petróleo e da alta generalizada dos juros não propiciava a continuidade
do papel planejador do Estado necessário ao paradigma de política econômica vigente no
país e, conseqüentemente, ao próprio modelo de integração do Brasil à economia interna-
cional. É nesse contexto que as linhas gerais da política macroeconômica brasileira pas-
sam a ser ditadas pela disponibilidade de financiamento externo, onde a escassez é cober-
8
Uma discussão clássica sobre o nacionalismo brasileiro está em: Jaguaribe, 1958.
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ta pela capacidade de exportação do país. (Carneiro e Modiano, in Abreu (org.), 1990,
p.323-46) É nesse momento que o samba da São Clemente de 1989 dialoga com, e assim
“representa”, um problema político econômico às relações econômicas internacionais do
Brasil no início da década.
O viés fica claro quando se analisa o Programa para o Setor Externo de 1983, base
para um acordo com o FMI. Os objetivos básicos do plano foram um crescimento das ex-
portações de 9,5% e uma redução das importações de 17%, o que produziria um saldo
comercial de US$6 bilhões, montante que seria responsável pelo pagamento dos juros da
dívida externa brasileira e se possível, também, por uma elevação das reservas interna-
cionais do país. (idem)
Uma novidade do plano consistia exatamente na contenção das importações. Os in-
vestimentos relacionados à exploração de petróleo, por exemplo, à substituição de ener-
gia na indústria e no transporte, à substituição de insumos básicos e nas atividades volta-
das para a exportação estavam presentes na lista de prioridades do Estado brasileiro no
terceiro Plano de Desenvolvimento Nacional, de 1979, apesar dos repetidos anúncios da
época de cortes no orçamento público, como forma de lidar com a já ameaçadora inflação
do momento. De fato, a idéia que põe lado a lado gastos públicos e inflação ainda era der-
rotada com folga pelos argumentos desenvolvimentistas, que defendiam a proposta de
que a solução para os desequilíbrios correntes estaria no longo prazo, no aprofundamento
do processo, com a especificidade de que o problema externo deslocava agora uma parte
razoável do orçamento para o setor exportador. É nesse sentido que muitas vezes o mode-
lo exportador pode ser percebido como um paradigma de continuidade ao processo de
industrialização. Muitos princípios são os mesmos, como, por exemplo, o planejamento
estatal e o controle cambial.
Se de um lado da moeda havia as exportações, para resolver a crise dos primeiros
anos 1980, o outro caminho de saneamento dos desequilíbrios macroeconômicos brasilei-
ros passava pelas tentativas de controle das despesas públicas, muito mais difícil politi-
camente de ser implementado. Uma das saídas encontradas naquela época foi o aumento
da tributação, de 55%, por exemplo, no período 1981-82. Os limites à expansão do crédi-
to e do consumo se traduziam nas novas alíquotas do Imposto sobre Operações Financei-
ras, o IOF, que passou de 15% para 25%, no mesmo período, e subiu para 15% no caso
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de bens importados pela Zona Franca de Manaus. Neste caso, em especial, pôde ser per-
cebida uma significativa queda no poder de compra desses produtos, que era potenciali-
zada pelas sucessivas desvalorizações cambiais.
Com as medidas para contrair o crédito e o consumo, as importações, como era es-
perado, despencaram. Mesmo assim, no entanto, o déficit de conta corrente de 1982 foi
alimentado pelos US$ 2,2 bilhões de pagamento de juros da dívida externa, tornando o
problema crônico do Balanço de Pagamentos virtualmente independente do montante im-
portado. A partir desse momento, o déficit em conta corrente estará descolado das impor-
tações, ligado prioritariamente à administração da dívida externa. Em setembro de 1982,
quando o vermelho nessa rubrica acumulava US$ 16,3 bilhões, o país iniciou conversa-
ções com o FMI. (Dias e Modiano in Abreu (org.), 1990, p.328)
Foi então que, em 6 de janeiro de 1983, o governo brasileiro, sob a Presidência do
general João Batista Figueiredo, submeteu a primeira carta de intenções ao Fundo Mone-
tário Internacional (FMI). De fato, a conta da recessão, somada ao escândalo da bomba
no Riocentro, havia batido nas portas do Planalto nas eleições de 15 de novembro de
1982, quando a oposição formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) elegeu 10 governadores nos principais
estados do país.
Ao todo, sete cartas de intenções foram negociadas com o FMI na época, demons-
trando uma dificuldade expressa na resistência à alocação de custos no ambiente interno,
o que minava as bases do regime militar em decadência. Tratava-se, é preciso dizer, de
uma economia altamente indexada e cujo setor público respondia por 30% a 50% do in-
vestimento total. (idem)
Dessa forma, foi negociado um teto de US$ 6,9 bilhões para o déficit na conta cor-
rente do país, o que exigia, como forma de compensação ao pagamento de juros, um su-
perávit comercial de US$ 6 bilhões. Nesse momento, o comércio internacional brasileiro
deixa efetivamente a posição de instrumento do processo de industrialização e passa a
servir, de fato, ao cumprimento das obrigações internacionais do país, claramente repre-
sentadas pelos custos impostos pela dívida externa. É nesse ponto, por conseguinte, que
as exportações assumem um papel não mais ligado à capacidade de importar, que agora,
diferentemente da época “desenvolvimentista”, se amplamente reprimida e não so-
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82
mente controlada pela atuação do Estado, mas à geração de moeda estrangeira. Esta se-
ria absorvida basicamente pelo Estado, dado que grande parte da dívida era estatizada,
potencializando-se assim o controle da autoridade sobre o câmbio, na forma, ou seja, no
preço que melhor lhe convier.
O acordo previa que o superávit comercial brasileiro resultaria de um aumento de
12% das exportações e de uma redução de US$ 2,5 bilhões nas importações, em relação
ao ano de 1982. Com relação à inflação e à situação interna, o governo brasileiro prome-
tia um aumento dos preços de “apenas” 78%, uma meta que seria alcançada por meio da
contração dos gastos públicos. (idem)
em meados de 1983, dois caminhos argumentativos sobre os percalços vividos
pela economia brasileira e as formas de solução para a crise são apresentados de forma
clara. Um deles é a relação entre Estado e inflação. Esta é uma proposição que aparece
quase como uma semente nos primeiros anos da década de 1980 e que vai se fortalecer ao
longo dos 10 anos seguintes, com a própria potencialização do processo inflacionário.
Esse é um ponto importante, mesmo no que diz respeito às relações internacionais
do país. Vale perceber que, pelo menos no Brasil, o argumento que ataca à presença do
Estado na economia se constrói concomitantemente ao da abertura para o mercado inter-
nacional – via diminuição das imposições tarifárias, redução do controle sobre o câmbio e
diluição das restrições ao capital estrangeiro, fortes após a Constituição de 88. Esse arca-
bouço de mudanças que envolvem o ambiente internacional, por conseguinte, significou
uma outra forma completa de relação do país com o mundo, em especial no que diz res-
peito à economia.
Outro ponto relevante, ainda nessa questão, diz respeito à natureza dessa retirada do
Estado da economia. Se por um lado, essa redução do papel do Estado na regulação do
mercado vai significar um esvaziamento do controle direto sobre muitos setores – como é
claro no caso das privatizações, por exemplo –, por outro, não será representada por uma
diminuição efetiva do tamanho do Estado, em consonância, inclusive, com o mesmo pro-
cesso ocorrido nos países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvi-
mento econômico (OCDE).
Com os dados da própria organização, para o intervalo histórico de 1960 a 1994,
percebe-se que tanto os gastos quanto as dívidas dos Estados nacionais estão em franca
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ascendência, com um representativo intervalo de redução dos débitos no limiar dos anos
1990. (Garrett, 2005, p.16-7) Também no Brasil, com dados do Instituto de Pesquisa E-
conômica e Aplicada, o Estado não diminuiu de tamanho com as privatizações e a abertu-
ra, digamos, a partir do Plano Real (1994). Pelo contrário, e prova disso é a sua crescente
tributação representada no gráfico a seguir – mesmo em governos com perfis diferenci-
ados como os de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e Luis Inácio Lula da Silva
(2003-2011). Em 2006, segundo dados do IBGE, a carga tributária ultrapassou os 38% do
PIB. Entre 2002 e 2006, em valores atualizados pelo IPCA, os gastos públicos do gover-
no federal subiram 32,5%, de R$ 311 bilhões para R$ 412 bilhões.
9
(Fonte: Ipeadata)
Além da redução do “Estado inflacionário”, o outro caminho argumentativo que
ganha força como um dos competidores principais para servir de paradigma-solução à
crise que vinha desde os primeiros anos da década é o das exportações com base nos
modelos coreano, alemão e japonês.
10
Argumentos diferentes sobre a natureza da crise e sua solução convivem no Brasil
de 1989. Os problemas do estrangulamento externo e da hiperinflação não são suficientes
9
P. Duarte, H.G. Batista e G. Camarotti. “Provisória e dispensável”, in O Globo, 11 ago 2007, p.3.
10
Tambémo chinês, na época, e, em alguns momentos, o norte-americano.
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para explicar por si a natureza do modelo institucional mais aberto ao mercado interna-
cional e com um controle mais reduzido do Estado sobre a economia, políticas que o país
adota em especial a partir de 1989 mesmo que isso não signifique uma redução do ta-
manho, ao menos em capital, do Estado-nação brasileiro. A abordagem sobre o problema
do estrangulamento externo pela via do aumento das exportações e contração das impor-
tações vinha reforçada do influente “modelo exportador” da época, simbolizado pelos
sucessos de Japão, Coréia do Sul e Alemanha. Como será visto mais tarde, o aprofunda-
mento desse modelo é uma proposta de peso para a solução da grande crise dos anos
1980 no Brasil, modelo este que será, pelo menos de início, derrotado por um outro para-
digma ideológico-institucional com a eleição de Fernando Collor de Mello,
11
mas que
certamente se mantém como um leitmotif forte e ativo no debate político econômico re-
cente da história brasileira, com as suas próprias características ligadas às especificidades
do tempo histórico.
As medidas acordadas com o FMI em 1983 mostram claramente a força significa-
tiva do paradigma político-econômico do tipo exportador, não pelos subsídios progra-
mados quanto pelas desvalorizações do cruzeiro superiores à taxa mensal de inflação em
um ponto percentual – um mecanismo institucional acordado com o Fundo que protegia o
exportador da apreciação real do câmbio congelado, produzida pela inflação e a desvalo-
rização de facto da moeda. Em 21 de fevereiro de 1983, foi inclusive abandonado o “gra-
dualismo” estabelecido anteriormente e a moeda brasileira sofreu uma depreciação pon-
tual de 30%. De março a novembro de 1983, o câmbio brasileiro sofreu uma desvaloriza-
ção de 140% (para uma taxa de inflação para os mesmos 12 meses de 149%). (Carneiro e
Modiano in Abreu (org.), 1990, p.323-46)
O ajuste externo fora alcançado com os custos da recessão interna, da queda do sa-
lário real e da desvalorização cambial. Ao mesmo tempo, o período inicial do plano foi
marcado por um respiro dos juros internacionais, enquanto a economia norte-americana
dava sinais de retomada do crescimento. Nesse contexto, durante o ano de 1983, as ex-
portações subiram 7,3%, 21% acima da meta estipulada, e as importações brasileiras caí-
11
E talvez também na implementação do real com apreciação cambial pós-1994.
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ram em US$ 4 bilhões, acima dos US$ 2,5 bilhões programados, passando de 21,5% para
6,8% do PIB.
De fato, os resultados foram fruto direto do controle governamental sobre o câmbio
e o comércio internacional do Brasil, no sentido de gerar dólares que contemplassem o
desequilíbrio no Balanço de Pagamentos brasileiro. Ajudavam ainda a contração da de-
manda interna e também o programa de investimentos pós-1975, que começava então a
dar resultados e fora responsável por uma redução crescente do coeficiente de importa-
ções. O raciocínio era claramente o de aumentar o preço externo de produtos que vinham
de setores complementares à indústria, incentivando-se assim a sua produção, até mesmo
com subsídios e/ou financiamentos, e obtendo uma maior oferta interna destes bens. (i-
dem)
O ajuste externo do início dos anos 1980, nesse sentido, se constituiu claramente
com um “modelo exportador” que, por um lado, alavancou alguns setores que mais tar-
de, no fim da década, serão atacados sob o argumento da ineficiência mas que, por ou-
tro lado, gerou ou foi simultâneo a crises gravíssimas no plano interno, suscitando na é-
poca uma idéia popular bastante negativa em torno das exportações, representada nova-
mente no samba da São Clemente.
As vendas externas brasileiras assim serão atacadas e defendidas no fim da década,
inclusive como tema de campanha eleitoral – a primeira do mais recente regime democrá-
tico brasileiro. Nesse debate, foi exatamente contra o modelo pautado pelas exportações
que Fernando Collor de Mello escreveu no jornal O Globo, em meados de 1989, seis me-
ses antes de ser eleito presidente:
A dimensão da crise por que passa o Brasil nos últimos anos, de natureza moral, social, política e eco-
nômica, tem, infelizmente, provocado a polarização ideológica a respeito de temas importantes de
uma forma que obscurece o debate e em nada contribui para a solução dos graves problemas nacio-
nais.
12
No texto acima, a “polarização ‘ideológica’” que o candidato gostaria de eliminar
girava precisamente em torno do posicionamento favorável ou contrário ao chamado
12
F.C. de Mello, “O novo papel das exportações”, in O Globo, O País, 31 mai 1989, p.3.
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86
“modelo exportador”.
13
De um lado estavam os que exaltavam o paradigma exportador
com os modelos da época, como a Alemanha, o Japão, a Coréia do Sul etc. Carlos Tava-
res de Oliveira, por exemplo, era um porta-voz importante dessa posição e falava em no-
me da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Em 16 de março de 1989, por exemplo, assinando como consultor de Comércio Ex-
terior da CNC, Oliveira criticou no jornal O Globo algumas medidas que vinham sendo
tomadas no fim do governo Sarney contra benefícios gozados pelos exportadores:
Logo no início do ano [1989], havia continuado a temporada de caça à exportação (ou aos exportado-
res), com o corte vertical nas verbas para os financiamentos da Cacex. No mundo moderno – onde todos
os países procuram enriquecer e se desenvolver colocando parte de sua produção no mercado externo
o crédito, juntamente com a taxa de mbio, são os instrumentos lidos para estimular as exportações.
… Como se não bastassem essas doses mortíferas contra a exportação desenha-se, agora, o congelamen-
to da taxa cambial, o qual, como ocorreu no Plano Cruzado, causairrecuperáveis prejuízos ao setor
externo.
14
Crédito; depreciação cambial constante acompanhando a inflação, isenção de im-
postos e a retração do mercado interno favoreciam as exportações brasileiras, como pre-
visto pelo ajuste externo do início da década. Ao fim dos anos 1980, no entanto, os bene-
fícios e o próprio setor começam a ser atacados. Há, inclusive, nesse ponto, uma discus-
são interessante acerca do congelamento cambial. É fácil perceber que posições am-
plamente antagônicas no que diz respeito ao câmbio. A constante desvalorização é favo-
rável às exportações mas também, para outros, inflacionária. É exatamente sobre esse
ponto que a experiência inflacionária se torna fundamental e o Plano Cruzado, paradig-
mático. Afinal, trata-se de um plano de contenção à inflação com congelamento de pre-
ços, incluindo o do câmbio. O próprio Plano Real, posterior, será amplamente reconheci-
13
No mesmo discurso, Collor exemplifica a situação na qual a condenável “polarização ‘ideológica’” obs-
curece a solução com o debate relativo às exportações. “Um exemplo disto é a discussão a respeito da op-
ção por um modelo exportador”, afirmou no texto. [grifos meus]
14
C.T. de Oliveira, “Barreiras internas às exportações”, in O Globo, Economia, 14 mar 1989, p.23.
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87
do pelo congelamento do câmbio, e ainda numa taxa bastante apreciada, completamente
desfavorável ao setor exportador.
15
Além disso, está claro também que cada uma das posições prevê um tipo específico
de inserção econômica no plano internacional. Cada uma delas suscita um modelo pró-
prio de relações econômicas internacionais e, por conseguinte, base para as próprias rela-
ções internacionais do país. O aprofundamento do modelo exportador e a abertura com
liberalização das importações implicam relacionamentos econômicos com o mundo com-
pletamente diferentes. No mínimo, com políticas cambiais e estrutura tarifária totalmente
diferenciadas, o arcabouço institucional que põe em prática o plano ideológico.
É exatamente nesse debate que Fernando Collor de Mello se posiciona com o artigo
publicado em maio de 1989. O então candidato a Presidência inicia a discussão sobre o
papel das exportações relacionando o problema à questão da dívida externa: “Discutir o
papel das exportações nos remete à questão da dívida externa”, afirmou.
16
O Estado brasileiro respondeu à crise da dívida externa na década de 80 com a promoção de um ajuste
ortodoxo na forma preconizada pelo FMI. Neste quadro, a necessidade de geração de superávits comer-
ciais passou a ser vista como uma prioridade inquestionável.
17
Collor expôs a opção por honrar o serviço da dívida por meio do estímulo às vendas
externas e pela contração das importações, para depois criticar: “Houvesse uma renegoci-
ação mais firme ainda que não necessariamente conflituosa a geração de superávits
não seria tão premente.” Além disso, Collor argumenta contra a idéia de que tal modelo
favorecedor das exportações induziria ao crescimento, noção muito utilizada na época.
Não como negar que dadas as características estruturais da economia brasileira, a geração de ex-
cedentes comerciais tem sido até agora incompatível com a retomada do crescimento. A queda do PIB
em 1988 simultaneamente ao excepcional desempenho das exportações é suficiente para colocar em
dúvida o potencial de alavancagem das exportações.
18
15
Sobre isso, ver: Franco, 1999, p.117-52.
16
F.C. de Mello, “O novo papel das exportações”, in O Globo, O País, 31 mai 1989, p.3.
17
Idem.
18
Idem.
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88
A idéia é reforçada com o argumento de que a “dimensão absoluta” dos setores tra-
dicionalmente exportadores seria pequena na estrutura industrial brasileira e que as ex-
portações, de fato, funcionariam com base em “estímulos exógenos: incentivos fiscais,
creditícios, baixa relação salário/câmbio.”
Se os salários não estivessem em níveis historicamente reduzidos mesmo dentro dos tolerantes pa-
drões brasileiros e na ausência de um vasto programa de benefícios oficiais que pressionam o déficit
público e a inflação, é forçoso reconhecer que o superávit brasileiro seria sensivelmente menor que os
US$ 18 bilhões de 1988.
19
Ao mesmo tempo, diz o candidato, “os itens da pauta de exportação tendem a com-
petir diretamente com a capacidade de absorção doméstica”. A idéia é a de que, em mo-
mentos de crise, o mercado externo atua como alternativa à contração da produção, mas,
com a recuperação, “as vendas externas são rapidamente trocadas pelo mercado brasilei-
ro”. Nesse sentido, afirma Collor: “O aumento das exportações é, antes de ser uma solu-
ção, apenas um sintoma da crise.”
20
Equacionado o problema, Fernando Collor de Mello sugere caminhos alternativos,
“heterodoxos”, no sentido de garantir “transformações profundas que libertem as expor-
tações brasileiras da dependência de incentivos oficiais e da retração da demanda inter-
na”. Para que passem a expressar “o reflexo de nossa pujança. E não de nossas dificulda-
des.”
21
De fato, os partidários do “modelo exportador” e de seu aprofundamento chegaram
a 1989 na defensiva. No final do governo Sarney, por exemplo, os exportadores de
produtos semi-elaborados passaram a pagar aos estados o Imposto de Circulação de Mer-
cadorias e Serviços (ICMS), autorização de cobrança garantida na Constituição de 88.
Além disso, o Adicional de Tarifa Portuária (ATP) criado pela lei n.7.700 de 21 de de-
19
Idem.
20
Idem.
21
Idem.
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89
zembro de 1988 aumentou os custos desse tributo em 50% ao setor exportador, segundo a
própria categoria:
Com essa majoração, as despesas portuárias com o complexo da soja, por exemplo, nos portos de San-
tos, Paranaguá e Rio Grande, passaram a custar em dia US$ 10 por tonelada. Enquanto isso, em nos-
sos principais concorrentes, a Argentina e os Estados Unidos, essas despesas ficam em apenas US$ 5,03
e US$ 3,40 a tonelada, respectivamente. Ainda nesta área, no mês passado em pleno Plano Verão o
Ministério do Trabalho autorizou elevação absurda chegando até 700% - da remuneração das jornadas
extras de trabalho nos portos.
22
O setor também entrou 1989 reclamando dos cortes nos financiamentos, em especi-
ais daqueles administrados pela antiga Cacex. A Carteira de Comércio Exterior do Banco
do Brasil S.A., que cuidava do licenciamento de exportações e importações, bem como
do crédito ao comércio exterior, foi criada em 1953 por Getúlio Vargas no lugar da Car-
teira de Exportação e Importação do Banco do Brasil. A agência, de fato, acaba sendo
desativada em 1990, durante o primeiro ano do governo Fernando Collor de Mello, tendo
suas funções dividas entre a Secretaria do Comércio Exterior do Ministério do Desenvol-
vimento, Indústria e Comércio Exterior, a Agência de Promoções de Exportações e Inves-
timentos (Apex) e o próprio Banco do Brasil.
O ataque às exportações vinha também de uma linha mais sofisticada de argumen-
tação, com base numa discussão mais própria do campo da economia. A idéia se origina,
novamente, da relação entre os dois grandes problemas do Brasil na época: a dívida ex-
terna e a inflação, que assim passam a ser percebidas como fenômenos de uma mesma
distorção estrutural.
23
A interpretação se constrói a partir do impacto negativo do serviço
da dívida no combate à inflação. Um editorial do jornal Folha de S. Paulo de fevereiro de
1989 é bastante claro nesse ponto:
22
C.T. de Oliveira, “Barreiras internas às exportações”, in O Globo, Economia, 14 mar 1989, p.23.
23
Sobre isso, ver: Folha de São Paulo, “Em defesa das exportações”, Opino, 29 fev 1989, p.A2.
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90
A necessidade de geração de superávits comerciais força a constante desvalorização cambial da moeda
brasileira frente ao dólar. Por sua vez, o custo crescente da moeda externa pressiona os preços dos pro-
dutos com componentes importados.
24
A proposição continua, afirmando que os superávits comerciais brasileiros em um
ambiente de dívida altamente estatizada também geravam expansões monetárias signifi-
cativas que realimentavam a espiral inflacionária, produzidas pela autoridade para adqui-
rir o nível de moeda estrangeira necessário para contemplar os compromissos financeiros
no exterior.
A inflação atacou a economia brasileira desde o início dos anos 1980. O índice a-
cumulado de 12 meses em dezembro de 1983 atingira os 211%, sem falar no choque
dos preços alimentícios de 335,8% do mesmo ano. (Carneiro e Modiano in Abreu (org.),
1990, p.323-46) Ao mesmo tempo, os gastos públicos se mostravam absolutamente des-
controlados, com a chamada “indexação do serviço da dívida pública”. Apenas três meses
após a aprovação formal do primeiro acordo com o FMI, a instituição suspendeu o aporte
de US$ 2 bilhões em função do fracasso do governo brasileiro em obter uma redução pro-
jetada para os déficits públicos nominais.
A contração da demanda interna que propiciava as exportações não garantia o
enfraquecimento do processo inflacionário, o que tornava o descontrole das finanças pú-
blicas o próximo alvo. Nesse contexto, houve uma retração histórica do PIB de 1983,
medida em 5,2% pelo IBGE em relação ao ano anterior; bem como uma queda de 7,5%
do emprego, uma redução de 19% no setor de bens de capital, e de 5% no de bens não-
duráveis. A renda per capita brasileira despencou 11% entre o pico de 1980 e a depressão
de 1983. (idem)
É enganoso, no entanto, como foi dito, pensar que a crise seria por si suficien-
te para explicar a forma que a economia brasileira tomou após o fim do modelo vigente
pelo menos desde os anos 1940, talvez, naquele momento, adaptado para a via exportado-
ra como uma primeira forma brasileira de internacionalização. No que diz respeito ao
debate de 1983, de um lado havia os que argumentavam contra a proteção efetiva e tradi-
cional do mercado à concorrência e aos produtos externos, o que estaria sucateando o
24
Idem.
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91
parque industrial brasileiro. Protestavam também contra a “industrialização artificial e
ineficiente”. Tal posição, no entanto, perdeu força exatamente quando, sob impulso con-
tínuo da demanda internacional, alguns setores mostraram “recuperação vigorosa” logo
no primeiro semestre do ano seguinte: 1984. (idem)
Somente no primeiro semestre, as exportações de aço aumentaram 40%, aprovei-
tando-se do surto de importações que levou os Estados Unidos a aumentarem suas impor-
tações da América Latina nos primeiros cinco meses de 1984, em comparação com o
mesmo período do ano anterior, a uma taxa superior a 50%. As exportações de manufatu-
rados responderam ao reaquecimento do comércio mundial, liderado pela recuperação
norte-americana, estimulando a demanda no setor industrial e, via efeito multiplicador
interindustrial, no resto da economia. (idem)
No embalo da recuperação, o setor de bens de capital cresceu 14,8%, impulsionado
pela demanda derivada de setores agrícolas e de produtos de exportação e o PIB se ele-
vou em 5,7% em 1984. Nada iria mudar tão facilmente: exportações e inflação foram
marcantes em 1984. Nesse momento, o superávit comercial brasileiro acumulou US$
13,1 bilhões, superior aos US$ 9 bilhões acordados com o FMI e em US$ 3 bilhões a
conta líquida com juros, aumentando as reservas nacionais. (p.341)
O argumento em prol de um modelo planejado de incentivo às exportações saiu en-
tão fortalecido. Segundo Carneiro e Modiano (in Abreu (org.), 1990), o resultado positivo
do Balanço de Pagamentos brasileiro de 1984 comprovou determinadas teses acerca do
ajustamento externo. Uma delas: a importância do comportamento das exportações para
um ajustamento externo não-recessivo. Outra: mostrou que a estratégia de longo prazo
seguida depois do primeiro choque do petróleo estava “pagando dividendos” com um
crescimento substancial do PIB, acompanhado de uma redução do coeficiente de impor-
tação para 6,3% do PIB, bem como de um aumento do coeficiente de exportação para
12,3% do PIB. (idem)
O modelo estava a pleno vapor e a Nova República tomaria posse após o ajuste ex-
terno feito entre 1981 e 1984. A geração de superávits comerciais equilibrou a conta cor-
rente do balanço de pagamentos brasileiro. Porém, o ajuste foi acompanhado de um plano
recessivo interno; da redução do investimento público (em uma economia altamente de-
pendente deste); da aceleração das desvalorizações cambiais; da elevação da taxa de ju-
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92
ros; da correção de preços em prol dos exportados etc. Inflação, exportação, indexação e
desequilíbrio das finanças públicas serão, daqui para frente, até 1989, a tônica do debate e
alvos de sucessivos projetos de estabilização que se substituíram até o Plano Real de
1994, passando, nesse meio tempo, pela abertura de Fernando Collor de Mello, iniciada
em maio de 1990.
É nesse sentido que o ano de 1989 pode ser visto como paradigmático na consoli-
dação de determinadas idéias vitoriosas sobre a crise, que será amplamente vinculada ao
modelo de desenvolvimento anterior. Também é um ano-chave no encaminhamento do
novo arranjo a ser adotado, com a constituição do próprio debate que informará as posi-
ções políticas desse ponto em diante, posições estas que dizem respeito à política econô-
mica brasileira e às relações econômicas internacionais do país.
É nesse contexto também que o tema da inflação se torna um ponto fundamental da
análise aqui proposta. Não porque foi um fenômeno marcante do período delimitado
para interpretação mas também porque a espiral inflacionária gerou uma cisão bastante
clara entre “desenvolvimentistas” e “ortodoxos/conservadores”.
25
Não dúvidas de que
os primeiros não poderiam conseguir colocar seus planos em prática planos estes que
envolviam simultaneamente uma atuação bastante direta do Estado se estivessem fis-
calmente presos aos parâmetros ortodoxos de despesa pública, em prol da estabilidade da
moeda.
Exatamente no que cabe à inflação, para além da expansão fiscal levada à frente pe-
lo Estado tanto no que diz respeito ao processo de industrialização, quanto também à
própria formação do aparelho estatal –, a interpretação mais influente durante o momento
desenvolvimentista foi a estruturalista (Bielschowsky, 1988), ou seja, a idéia de que polí-
ticas de estabilização não são capazes de resolver o problema da deterioração dos preços
e ainda acabam por atrapalhar o crescimento o mesmo debate que durante o período do
ministro Delfim Netto favoreceu a continuidade da expansão no lugar da retração custosa
a ser negociada com o FMI.
A própria polêmica sobre a inflação será peça-chave no debate de 1989 exatamente
porque coloca dois arranjos diferenciados em confronto em um momento de ampla crise
25
Sobre este ponto, ver: G.H.B. Franco, “Auge e declínio do inflacionismo no Brasil”, in Giambiagi, 2004.
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e incerteza. Impulsionada pela indexação garantida pelo próprio Estado, a partir da se-
gunda metade dos anos 1970, a inflação brasileira chegou ao fim do século XX com pa-
tamares supersônicos. Entre os 182 meses de abril de 1980 a maio de 1995 a correção dos
preços chegou a 20.759.903.275.651%. (Franco, in Giambiagi, 2004)
O debate inflacionário, da mesma forma, está atrelado à questão cambial. Basta
lembrar do editorial do jornal Folha de S. Paulo em 28 de fevereiro de 1989: “O custo
crescente da moeda externa pressiona os preços dos produtos com componentes importa-
dos”.
26
A inflação e as desvalorizações constantes alimentavam-se mutuamente, institu-
cionalizadas na política econômica brasileira pela indexação e pelo ajuste externo de su-
perávits comerciais implementado a partir do início da década.
Ao mesmo tempo, novamente é interessante notar que, durante os conturbados anos
1980, o fenômeno da inflação não está apoiado no crescimento. Ao longo desses anos, a
instabilidade internacional gerou altos e baixos nas economias nacionais, em especial na
América Latina. O decréscimo do PIB brasileiro de 1983 em relação ao ano anterior e o
impulso de 1984 são parte de uma média final que aponta praticamente para a manuten-
ção da renda per capita brasileira entre 1980 e 1989 e para um decréscimo de 6.6% do
PIB por habitante de toda América Latina.
27
A inflação, por outro lado, alcançou os 500% de média na região entre 1980 e
1988, tendo o Brasil experimentado uma alta dos preços na ordem de 800%, atrás apenas
dos monstruosos números de 7.800% na Nicarágua, e 1.300% no Peru. Em sete dos 20
países da América Latina, entre eles o Brasil, os preços quase duplicaram em apenas dois
anos, 1987 e 1988. (idem)
Sobre o tema, um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 28 de fevereiro
de 1898 e de autoria do então deputado federal José Serra divide, na época, as correntes
de economia política em disputa pela interpretação e solução do problema da inflação. De
um lado do debate, segundo Serra, estavam os chamados “ortodoxos mais exaltados e
emotivos”, críticos do controlismo estatal. Do outro, os partidários da manutenção e
26
Folha de S. Paulo, “Em defesa das exportações”, Opinião, 28 fev1989, p.A-2.
27
J. Serra, “A economia do engano”, in Folha de São Paulo, Opinião, 6 jun 1989, p.A-3.
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mesmo do aprofundamento do modelo vigente, que culpavam o estrangulamento externo
e a dívida.
Economistas ortodoxos mais exaltados e emotivos encaram esses resultados [inflacionários] como fruto
exclusivo da inépcia das políticas econômicas governamentais, embebidas no caldo da cultura do popu-
lismo e do controlismo estatal. Outros, simetricamente, responsabilizam exclusivamente o chamado es-
trangulamento externo, decorrente do peso da dívida, agravado ao máximo pelos elevados juros interna-
cionais de 1978-84 e pelo novo choque do petróleo de 1979-80 (entre 1978 e 1981-82 as taxas de juros
praticamente dobraram).
28
O debate era claramente constituído por aqueles que pregavam a manutenção e
mesmo o aprofundamento do modelo vigente e outros que aproveitavam o momento de
crise e incerteza para questionar o paradigma dominante da política econômica. Procu-
rando não se identificar com a ortodoxia de “exaltados e emotivos”, Serra aponta para o
problema que o modelo vigente vinha enfrentando com a crise internacional e os acordos
feitos com o FMI, o que vai custar caro à imagem da instituição daí em diante.
Não como ignorar o brutal impacto da dívida na desorganização das finanças públicas, nas mu-
danças inflacionárias de preços relativos e no comprometimento da poupança destinada ao investimen-
to. Tal impacto pode ser avaliado pelo esforço dos países da região em exportar mais, importar me-
nos e pagar os serviços da dívida.
29
É importante perceber que a relação entre inflação e dívida externa, que acaba por
chamar atenção para as exportações, é um componente de peso do debate político eco-
nômico de 1989. Naquele momento, por exemplo, para Serra, o modelo vigente durante a
década de 1980 na América Latina gerou um mecanismo muito simples de transferência
de recursos.
Entre 1980 e 1988, o volume das exportações latino-americanas aumentou 56% e o das importações de-
clinou 13%. No caso do Brasil, o esforço foi sensacional: enquanto o volume de exportações pratica-
mente duplicou o de importações caiu 35%. Tais esforços não comoveram nem muito menos reabriram
28
Idem.
29
Idem.
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95
o mercado internacional de crédito e foram consumidos pela evolução desfavorável das relações de tro-
ca principalmente pelas transferências de recursos ao exterior [que] expressam a remessa de lu-
cros e o pagamento de juros menos os ingressos líquidos de capitais. no ano passado, as transferên-
cias equivaleram 29 bilhões de lares; entre 1982 e 1988 atingiram um total acumulado de 179 bilhões
de dólares. (idem)
O cenário é de inflação, não-crescimento da renda e altas transferências ao exterior,
o que certamente vai abrir espaços para outras idéias de política econômica acompanha-
das de novas abordagens para as relações econômicas internacionais do país, para além
do modelo vigente.
Portanto, a inflação é uma dimensão fundamental de qualquer discussão que diga
respeito à economia política do Brasil no fim dos anos 1980, entre outras coisas porque
envolve também um debate sobre o papel do Estado na sua relação com o mercado, o
que, por conseguinte, ganha uma dimensão internacional clara ao se perceber que o mo-
delo exportador, pelo menos na forma implementada no Brasil após a crise dos primeiros
anos 1980, pressupõe um papel bastante forte no que concerne ao planejamento estatal da
economia. As metas superavitárias da balança comercial brasileira acordadas com o FMI
são uma grande prova do amplo controle do Estado sobre o comércio internacional. Nes-
se sentido, é interessante perceber que se o problema da inflação é associado a uma ima-
gem de um Estado perdulário e onipresente onde impera a corrupção –, o modelo de
internacionalização via exportação é visto como um produto dessa estrutura.
Tal paradigma é atacado por uma série de novas idéias, em ampla ligação com o
mundo, que pregam a redução do papel do Estado na economia Estado ineficiente, pe-
sado, gastador e corrupto. Embutida também estará uma nova opção de relações eco-
nômicas internacionais do país, na medida em que se substitui o modelo exportador e a
depreciação constante do câmbio por uma abertura maior no que diz respeito às importa-
ções e pelo congelamento cambial, que mais tarde receberá a rubrica “estabilidade”, in-
clusive com momentos de forte apreciação.
Ainda, vale chamar atenção para o fato de que a mudança, assim, se torna paradig-
mática em relação à história econômica brasileira exatamente porque uma série de con-
ceitos do gerenciamento político econômico, que ainda se mantinham e vinham coman-
dando o processo de internacionalização da economia, são substituídos por outros ar-
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gumentos vencedores no debate sobre a crise que envolveu o país durante toda a década
de 1980, debate este que aflora de forma bastante clara durante o ano em que foram dis-
putadas as primeiras eleições diretas para presidente depois de mais de 20 anos: 1989;
ano que marca também o fim das experiências comunistas na Europa. Não o que abre a
internacionalização brasileira, mas certamente o ano que muda a internacionalização.
Em janeiro de 1989, quando Maílson da Nóbrega assume o Ministério da Fazenda e
põe em prática o seu plano Verão – a terceira tentativa de combater a inflação do governo
José Sarney a correção de preços está no patamar de 36,5% ao mês. Quando Fernando
Collor de Mello é eleito em novembro de 1989 a inflação atinge a marca mensal de 45%.
Em março, quando inicia o plano Collor, está em 80% ao mês.
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5. A invenção da internacionalização
Apesar de produzido para representar o centenário da Proclamação da República, o
samba da escola vencedora do carnaval carioca de 1989 Liberdade, liberdade! Abre as
asas sobre nós! é simbólico do momento pelo qual passava o Brasil, a caminho de suas
primeiras eleições diretas para presidente depois de 20 anos de regime militar, e o mundo,
com a derrocada do sistema comunista na União Soviética e seus arredores.
Liberdade!, Liberdade!
Abre as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz, mas eu digo que vem
Vem, vem reviver comigo amor
O centenário em poesia
Nesta pátria mãe querida
O império decadente, muito rico incoerente
Era fidalguia e por isso que surgem
Surgem os tamborins, vem emoção
A bateria vem, no pique da canção
E a nobreza enfeita o luxo do salão, vem viver
Vem viver o sonho que sonhei
Ao longe faz-se ouvir
Tem verde e branco por
Brilhando na Sapucaí e da guerra
Da guerra nunca mais
Esqueceremos do patrono, o duque imortal
A imigração floriu, de cultura o Brasil
A música encanta, e o povo canta assim e da princesa
Pra Isabel a heroína, que assinou a lei divina
Negro dançou, comemorou, o fim da sina
Na noite quinze e reluzente
Com a bravura, finalmente
O Marechal que proclamou foi presidente
Liberdade!, Liberdade!
Abre as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
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Seja sempre a nossa voz,
Liberdade!, Liberdade!
Abre as asas sobre nós
Os tamborins da Imperatriz Leopoldinense abriam assim 1989, o ano político por
excelência, até no carnaval. Em 15 de novembro, o país escolheria dois candidatos que
iriam disputar o segundo turno das eleições presidenciais, em 17 de dezembro. Em 15 de
março de 1990, tomaria posse o primeiro presidente eleito democraticamente em 20 anos.
As mudanças políticas foram acompanhadas de transformações também no campo
econômico, interna e externamente. Como escreveu Eric Hobsbawm (1994, p.537), “fal-
tava inteiramente ao mundo da década de 1990 qualquer sistema ou estrutura internacio-
nal”. O historiador britânico lembra das dezenas de Estados territoriais “sem qualquer
mecanismo independente para determinar suas fronteiras” surgidos a partir de 1989.
Onde estava o consórcio de grandes potências que antes estabelecia, ou pelo menos ratificava, fronteiras
contestadas? Onde estavam os vencedores da Primeira Guerra Mundial que supervisionavam o novo de-
senho do mapa da Europa e do mundo, fixando uma linha de fronteira aqui, insistindo num plebiscito a-
li? (Onde, na verdade, estavam aquelas conferências internacionais de trabalho tão conhecidas dos di-
plomatas do passado, o diferentes das breves conferências de cúpula para fins de relações públicas e
sessões de fotos que agora tomavam o seu lugar?) (Hobsbawm, 1996, p.538)
De um lado, ruiu o comunismo soviético e, junto com ele, a tentativa de sustentar a
economia na propriedade universal pelo Estado dos meios de produção e no planejamento
centralizado estatal. Do outro lado, “a contra-utopia oposta à soviética também se achava
demonstravelmente em bancarrota”. (p.543)
Esse ambiente de questionamento das ideologias e do próprio papel do Estado e da
política passava no Brasil pela crise econômica da “década perdida” e da hiperinflação,
bem como pelo ambiente político marcado pela primeira campanha presidencial no país
após o regime militar. De 1989 para 2007, no momento em que este texto está sendo es-
crito, muita coisa mudou, e de alguma forma o fim dos anos 1980 é paradigmático como
fornecedor de linguagem ao debate político e econômico posterior.
No que diz respeito ao comércio exterior, é bastante representativa o fim à proibi-
ção da importação de 131 produtos, anunciada em 4 de maio de 1990, pelo governo re-
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cém-eleito Fernando Collor de Mello. Como mostra matéria do jornal O Globo, no dia
seguinte ao anúncio, a impressão vigente era de que a medida se tratava do “primeiro
passo para a liberalização do comércio exterior”.
1
O Ministério da Economia começou a colocar em prática a nova política de comércio exterior, ao divul-
gar ontem a Portaria 259, que atualiza tarifas de 131 produtos até agora com a importação proibida. Na
lista de liberados estão automóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, produtos químicos, óculos, re-
lógios e brinquedos.
2
Traçava-se um novo caminho para as relações econômicas internacionais do país.
De onde vem essa mudança? Qual a sua natureza? Como afirmado anteriormente, a mu-
dança institucional não pode ser explicada apenas pela incidência de crise. É preciso tam-
bém entender como a crise é interpretada e quais os alvos e as propostas que surgem ori-
ginadas e dependentes das interpretações.
Apresentado o objeto e seu contexto histórico, a forma estabelecida de análise, bem
como os objetivos do trabalho, passa-se agora, neste capítulo 5, para a pesquisa propria-
mente dita. Dessa forma, este se divide em três seções fundamentais. A primeira (5.1)
trata da percepção do momento, basicamente de como o momento é percebido pela mídia
representativa no momento, trata do que vem sendo chamado neste trabalho de “idéias-
contexto”. Em seguida, como clara é a noção de crise, tanto interna quanto nas relações
econômicas internacionais do país, a segunda seção (5.2) procura identificar as “idéias-
alvos” que estão sendo apontadas como culpadas da situação. A terceira (5.3) faz uma
arqueologia simbólica das soluções apresentadas, sai em busca do “o que fazer?”, das i-
déias-propostas”, todas em um ambiente, como foi visto, de crise e incerteza generaliza-
das. A intenção, ao fim, é construir um entendimento, a partir deste tipo de interpretação,
de como aterrissam e são digeridos pela mídia no Brasil o fim da Guerra Fria e a globali-
zação dos mercados, e o que isso pode significar para o comportamento do país no ambi-
ente internacional, em especial no terreno da economia.
1
O Globo, “Governo põe fim à proibição de importar”, Economia, 5 mai 1990, p.22.
2
Idem.
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100
5.1 Idéias-contexto: interpretações do mundo ao redor
O primeiro passo do caminho analítico aqui proposto sobre o período escolhido
passa pela interpretação do momento feita no momento. Qual é a interpretação do mo-
mento, no momento? Como o mundo está sendo interpretado no Brasil em 1989? Como a
situação brasileira era vista? Como era pensada a forma de integração do Brasil à econo-
mia mundial? É importante perceber que não se trata de uma interpretação deslocada
quando muitas vezes uma racionalidade própria de outro tempo se sobrepõe ao pensa-
mento histórico. Aqui, a exatidão dos números não importa, mas sim como o objeto a
relação econômica do Brasil com o mundo está sendo interpretado no seu próprio mo-
mento histórico.
Este primeiro salto analítico se decompõe em três subseções. A primeira diz respei-
to à crise do Brasil na sua relação com a economia mundial, representada pela sombra da
“crise cambial”, que pairava aterrorizando o país desde o pico do início da década. A se-
gunda é relativa à própria crise interna brasileira em seus múltiplos aspectos, a noção de
que o país havia atingido uma crise “sem precedentes”, representada na inflação, na cor-
rupção, na falência dos serviços públicos, no ataque aos servidores públicos. A terceira
aborda a idéia de um “mundo em transformação”, onde está o fim dos regimes comunis-
tas, a derrocada do Pacto de Varsóvia, os processos de integração comercial multilaterais
e em blocos, o boom tecnológico industrial.
Sobre a primeira, vale perceber que a percepção de uma crise cambial leva o de-
bate diretamente para a polêmica das exportações e da participação do capital estrangeiro
na economia brasileira, relativamente restringido na Constituição de 88. Na segunda, a
idéia que prevalece é resultado de um momento que combina crise extremada e as primei-
ras eleições presidenciais democráticas no país após 20 anos de regime militar, o que re-
força a noção de quebra de paradigma, ou seja, de que era necessária uma transformação
total e irrestrita, no que diz respeito à relação do Estado com o mercado e mesmo com a
sociedade em geral. Nesse sentido, a própria interpretação da crise o que é? de onde
vem? etc. – limita e constrói, ao mesmo tempo, a transformação.
Na terceira seção, percebe-se que não a crise interna limita e constrói a transfor-
mação, a percepção do momentum externo também o faz. Em 1989, a Hungria deixou o
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101
Pacto de Varsóvia, permitindo aos seus cidadãos ir e vir do Ocidente. No mesmo ano,
Estados Unidos e Canadá acordaram o acordo que levaria ambos os países até o North
American Free Trade Agreement, a Europa seguia em frente a passos largos rumo a Uni-
ão, o milagre asiático exportador florescia, a tecnologia quebrava barreiras de forma pa-
radigmática, como as de comunicação e integração industrial. Tudo ao mesmo tempo a-
gora: necessidade de integração, acesso à tecnologia, mais liberdade à participação do
capital estrangeiro na economia, à iniciativa privada, globalização, fim do comunismo,
democracia. As interpretações da mudança são, sem dúvida alguma, uma força influente
fundamental de transformação política ainda mais em momentos de crise extrema e in-
certeza generalizada.
5.1.1 A crise no setor externo da economia brasileira
Uma das primeiras e grandes preocupações instaladas desde o início do ano de
1989 disse respeito à possibilidade de uma crise cambial. O trauma do início da década
ainda não havia arrefecido. Um editorial do jornal O Globo, por exemplo, publicado em
30 de janeiro de 1989, afirmou: “O câmbio tem sido o fator que desencadeou a maioria
das crises econômicas na história econômica recente do Brasil (pode-se até dizer, sem
exagero, que o País ainda não se recuperou do ataque de 1982”.
3
O Brasil vivia desde o
início da década sob a ameaça de uma nova crise cambial. O ajuste da taxa de câmbio
para baixo impulsionara as exportações, mas o programa antiinflacionário (plano Verão)
exigia parâmetros mais fixos do preço da moeda, o que não conseguia ser alcançado com
o descontrole das finanças públicas. “Embora haja o compromisso do Presidente da Re-
pública de que as despesas do Governo ficarão equilibradas com a receita, os agentes não
parecem acreditar no controle monetário”, diz o mesmo editorial de O Globo.
Esse tipo de interpretação unia as questões do câmbio, da inflação e do déficit pú-
blico, mostrando de forma bastante clara uma ligação entre objetos do ambiente político
econômico interno (inflação e déficit público) e das relações econômicas internacionais
3
O Globo, “Torneiras fechadas”, 30 jan 1989, p.4.
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102
do país (câmbio). Esse ponto inclusive tornou-se bastante influente após o Plano Cruza-
do, quando se difunde a idéia de que o congelamento per se não é suficiente para garantir
a estabilidade de preços, é preciso também controlar o déficit público e estabilizar o pre-
ço da moeda.
4
A crise nas relações da economia brasileira com o mundo era intimamente ligada ao
estrangulamento externo do início da década. Em artigo de 16 de julho, Hermann Wever,
presidente da Siemens e vice-presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimen-
to da Indústria de Base, ressalta o tema ao analisar problemas como a queda do investi-
mento europeu no Brasil:
É bastante claro que a eclosão do problema da dívida externa dos países em desenvolvimento em se-
tembro de 82, com o conseqüente estancamento do fluxo de novos capitais de empréstimos e concomi-
tante aumento do custo do pagamento do serviço da dívida, foi fator inibidor do crescimento econômico
nos últimos anos.
5
Nisso concordavam direita e esquerda. É exatamente o que diz Maria da Conceição
Tavares em um artigo de 2 de agosto, na Folha de S. Paulo. No texto, a autora chama a
atenção para as “mudanças dramáticas das condições de financiamento externo a partir do
período 1979-82”, como um consenso em relação à “raiz da aceleração inflacionária o-
corrida na década de 80” na América Latina.
6
É a partir desse ponto, como bem afirma
Tavares, que as divergências começavam. Divergências essas que abriam um espectro
entre os que apontavam para o Estado como culpado e pregavam a integração e um outro
lado que preferia adotar a defesa de uma postura mais independente com o acúmulo com-
pulsório de reservas e renegociação posterior dos serviços da dívida.
7
4
No mesmo editorial de 30 de janeiro de 1989, O Globo diz: O economista Francisco Lopes [um dos pais
do plano Cruzado], afirmou, no laamento do seu livro, há poucos dias, que o congelamento de preços não
é âncora suficientemente capaz de garantir a estabilidade de preços”. (O Globo, Torneiras fechadas”, 30
jan 1989, p.4.)
5
H. Wever, “Um círculo vicioso”, in O Globo, 16 jul 1989, p.4.
6
M. da C. Tavares, “Sem reservas não chegaremos lá”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 2 ago 1989, p.A-3.
7
Idem.
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103
Em editorial de 22 de janeiro “Renegociar a dívida” a Folha de S. Paulo tam-
bém ressalta o “papel das constrições externas a um programa de desenvolvimento sus-
tentado e de estabilidade monetária”.
8
Não dúvida de que a questão da dívida externa, tal como é entendida tradicionalmente pelos credo-
res, vem conduzindo o país a uma situação insustenvel. Trata-se de articular um esforço sério no rumo
de sua redefinição e mesmo algumas autoridades importantes dos países desenvolvidos têm reco-
nhecido,muito, a importância de saídas criativas para o problema.
9
A questão era vista como algo que, mesmo tendo passado o pico do início da déca-
da, ainda atormentava o sono dos brasileiros. Em um editorial de 27 de julho de 1989, a
Folha de São Paulo apontou para a incapacidade do governo Sarney, em seu último ano,
de lidar com o problema da dívida:
As dificuldades enfrentadas pelo Brasil na tentativa de acertar um acordo de transição com o FMI sur-
gem como decorrência previsível do descrédito do atual governo. A incapacidade do Executivo e do
Congresso em tomar iniciativas que apontem para uma redefinição mais ampla da economia brasileira
se reflete, assim, em novos e angustiantes focos de pressão no setor externo, tendendo a agravar ainda
mais os obstáculos à retomada do desenvolvimento e à estabilização da moeda.
10
O “estrangulamento externo” foi um ponto comum de partida para construções in-
terpretativas do momento (e sobre o momento), bem como para propostas políticas de
mudança institucional. Em 1
o
de junho, o recém-empossado presidente da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, Paulo Manoel Protásio, publicou um artigo em O Globo no
qual procurou fazer uma “revisão” do “modelo exportador” então vigente, segundo ele
adotado para se combater as mazelas trazidas pela crise do petróleo e da dívida externa.
11
8
Folha de S.Paulo, “Renegociar a dívida”, Opinião, 22 jan 1989, p.A-2.
9
Idem.
10
Folha de S. Paulo, “País em descrédito”, Opinião, 27 jul 1989, p.A-2.
11
A crise do petróleo e da dívida externa obstruiu o caminho da nossa economia(P.M. Protásio, “‘O mo-
delo exportador’ revisitado”, in O Globo, O País, 1 jun 1989, p.5).
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Devemos recuperar o sentido real das exportações brasileiras. Nada mais representa do que nossa capa-
cidade de gerar divisas para a importação de bens, serviços e tecnologia, os quais o temos vocação ou
capacidade de produzir internamente. O mercado externo significa eficiência, significa mercado em ex-
pansão, demanda externa para os nossos produtos agrícolas e industriais, traduzindo-se em economia de
escala reduzindo os preços para o consumidor brasileiro.
12
De fato, o debate sobre o papel das exportações ganhou destaque após a crise do i-
nício dos anos 1980. O modelo exportador estava na defensiva em 1989.
Não à toa, Protásio escreve em defesa das exportações e do modelo exportador:
“Culpar o dinamismo das exportações é disparar para o lado errado”, afirmou.
13
De fato,
o ataque interno às vendas externas do país, representado no samba-enredo da São Cle-
mente daquele ano, associava “exportações” e “modelo exportador” a uma posição que
defendia graus maiores de abertura e integração da economia nacional com o mercado
internacional. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que enquanto as exportações cres-
ciam volumosamente a situação interna era de crise extremada. O modelo exportador po-
de ter reequilibrado parcialmente as contas externas, como afirmam Carneiro e Modiano
(in Abreu, 1990, p.323-46), mas não conseguiu de forma alguma lidar com a inflação
até porque não era este o seu alvo.
Da mesma forma, um argumento invertido chamava a atenção para a “xenofobia”
da bandeira antiexportadora.
A volta da xenofobia no setor externo e da caça às bruxas das exportações ironicamente redundará na
perda de décadas de restrições internas pagas principalmente pelo consumidor brasileiro.
14
Sobre esse ponto, vale lembrar da posição explicitada pelo então candidato Fernan-
do Collor de Mello sobre o tema, em artigo publicado em O Globo, em 31 de maio de
1989. Nesse contexto, Collor se posicionará contra a “xenofobia” no que diz respeito ao
setor externo mas também contra o próprio “modelo exportador”. Como afirmou na épo-
12
Idem.
13
Idem.
14
Idem.
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105
ca: “O aumento das exportações é, antes de ser uma solução, apenas um sintoma da cri-
se.”
15
Fica claro, portanto, que caminhos diferenciados foram passíveis de serem forma-
dos a partir do mesmo ponto de origem: o estrangulamento externo. Trata-se de um deba-
te sobre a forma da integração. Nesse ringue ideológico que discute e acaba por constituir
as relações econômicas internacionais do país, o “modelo exportador”, atacado tanto pela
“xenofobia” quanto pela crítica à forte intervenção do Estado no mercado, se torna um
alvo em potencial de outras idéias, outras opções de integração. Aquele breve momento
da internacionalização pelo “modelo exportador” seria colocado de lado, mas não descar-
tado.
Nesse sentido, por exemplo, na defesa do modelo exportador contra a xenofobia,
estava o consultor de comércio exterior da Confederação Nacional do Comércio, Carlos
Tavares de Oliveira. Quando da grande viagem ao exterior que o recém-eleito presidente
Fernando Collor de Mello fez antes de tomar posse, o especialista sugeriu que Collor, na
Alemanha Ocidental, obtivesse dados sobre “o esquema básico de exportação e prosperi-
dade” seguido por esse país.
Como se sabe, a RFA [República Federal da Alemanha] coloca no mercado externo cerca de 35% da
sua Produção Interna Bruta-PIB, o que a levou, em 1968, a conquistar o título de maior exportador
mundial com US$ 323 bilhões. O Brasil, com apenas 10% deste total, vende para o exterior cerca de
10% do seu PIB, percentual que muitos acham demasiado.
16
O caminho da internacionalização, aqui, tem como alvo principal a regulamentação
sobre a participação do capital estrangeiro na economia, vista como restringida pela
Constituição de 88. Vale perceber inclusive o paralelo com a União Soviética, que ganha
força transformadora nas interpretações do contexto internacional da época: “Ao contrá-
rio da atrasada legislação brasileira, o capital externo pode ter maioria em qualquer em-
presa soviética, inclusive para exploração de petróleo e da informática”. O mesmo caso é
citado com o exemplo da China, que fez uma “espetacular abertura ao capital estrangei-
15
F.C. de Mello. “O novo papel das exportações”, in O Globo, O País, 31 mai 1989, p.3.
16
C.T. de Oliveira, “Viagem do Presidente Collor”, in O Globo, 28 dez 1989, p.27.
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106
ro”, decretada havia 10 anos. Além disso, o presidente também deveria conhecer “o es-
quema de apoio governamental à construção naval”, implementado pelo Japão.
17
Nessa
linha argumentativa, no entanto, como irá ficar mais claro no decorrer deste trabalho, a
integração tem bases diferentes daquela em torno da redução do grau de intervenção e
regulação do mercado pelo Estado o que desmistifica a associação obrigatória entre a
liberalização internacional e o enfraquecimento do papel do Estado sobre a economia
como foi sugerido, o projeto desenvolvimentista tinha sua forma própria de internacio-
nalizar. Mais integração não necessariamente significa menos Estado.
5.1.2 A crise do Estado
A crise cambial foi apenas uma das facetas de um “estado das coisas” percebido de
forma generalizada como absolutamente calamitoso, o que, somado ao ambiente de cam-
panha, na reta final da primeira eleição presidencial do país em mais de 20 anos, suscita
uma idéia clara de que o momento é paradigmático e é preciso gerar uma mudança com-
pleta de rumo. Nesse sentido, escreve o então deputado federal Fernando Gasparian
(PMDB-SP), em 2 de março de 1989: “Já hoje ninguém ignora que o Brasil atravessa a
pior crise de sua história”.
18
Naquele momento, o PIB brasileiro vinha de um baixíssimo
histórico de crescimento, “2,4%a.a. entre 1980 e 1988”, o que gerou a taxa de “somente
0,2%a.a.” no crescimento da renda per capita no mesmo período, quando a inflação mé-
dia anual chegou a 272%, “com o pico de 994% em 1988 (IGP-DI)”.
19
Logo em 1
o
de janeiro, a Folha de São Paulo, em editorial, chamou atenção para o
ambiente de crise:
Os dois últimos trimestres de 1988 foram capazes de reverter a queda que vinha se verificando nos dois
anos, anteriores, superando, ainda que timidamente, as tendências contracionistas observadas até mea-
17
Idem.
18
F. Gasparian, “O fracasso das elites”, in Folha de S. Paulo, 2 mar 1989, p.A-3.
19
Idem.
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107
dos de 1988. Mesmo assim, o ano que se encerra marca a pior performance da economia brasileira des-
de 1983.
20
O ano de 1988 terminava com uma queda no PIB per capita de 1,9%. A década
chegava ao fim com uma taxa de investimento de 18%, bastante baixa se comparada com
o pico acima dos 27% alcançado em meados dos anos 1970. Como afirmou a Folha na
época, tratava-se da “estagnação crônica causada pelas limitações [inflacionárias] da o-
ferta”.
21
A simultaneidade entre a crise, a transformação no mundo e as eleições geram uma
percepção fortíssima de mudança de rumo, instalada na percepção política da época. “A
eleição presidencial de 15 de novembro assume uma particular importância por causa
da enorme crise em que está mergulhado o nosso país”, escreveu o jurista Márcio Tho-
maz Bastos em artigo publicado na Folha em 13 de fevereiro.
22
Para Thomaz Bastos, a crise estava representada pela inconclusão “do trabalho
constitucional” de 1988, pela “falência dos servidores públicos de uma forma geral”, ou
seja, pelo fato de que “o Estado não consegue mais assegurar a ordem pública dentro do
princípio da igualdade de todos perante a lei”, e, além disso, pelo problema que diz res-
peito “ao tamanho e às características que o Estado adquiriu entre nós, e que exigem uma
reavaliação a fundo do seu papel”.
23
A crise gerava também uma sensação de descaminho, de uma nação sem rumo. A
percepção está muito bem representada em um editorial da Folha, sobre o encontro do
Fórum Nacional realizado em São Paulo. Segundo o jornal paulista, o “diagnóstico unâ-
nime a que chegaram os participantes” foi de “um país sem projeto”.
24
O texto é bastante significativo no que diz respeito à idéia de que era preciso trans-
formar o paradigma dominante na relação entre o Estado e o mercado, vigente “a partir
de 1930”.
20
Folha de S.Paulo, “A estagnação brasileira”, Opinião, 1 jan 1989, p.A-2.
21
Idem.
22
M.T. Bastos, “De olho no ano 2000”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 13 fev 1989, p.A-3.
23
Idem.
24
Folha de S. Paulo, “País sem projeto”, Opinião, 25 fev 1989, p.A-2.
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108
A crise do atual modelo de intervenção governamental sobre a economia manifesta-se com clareza, à
medida que se esgotou o potencial investidor do poder blico, o papel de incentivador do desenvolvi-
mento econômico que este teve a partir de 1930.
25
O desgaste não se dava apenas no terreno do incentivo e do investimento. Havia to-
do um cenário de corrosão no campo de atuação do serviço público, cenário este explora-
do e reforçado com vigor na campanha de Fernando Collor de Mello, o “caçador de ma-
rajás”, bem como de políticos, partidos, altos funcionários públicos, empresários subsidi-
ados etc.
26
Em 27 de março, João Gilberto Lucas Coelho, membro do PSDB que havia sido
deputado federal (PMDB-RS), afirmou sobre a crise da atuação pública brasileira, em
artigo publicado na Folha de S. Paulo:
Uma grande parte dos servidores públicos perdeu completamente a noção de suas funções. Consideram-
se empregados de presidente, governador ou diretor, todos estes meros intermediários ou gerentes da
coisa blica. Ou seja, comprometeu-se a essencial visão da função blica, como patrimônio a serviço
de toda uma coletividade.
27
É importante perceber que se trata de uma discussão fundamental do debate mais
amplo sobre o papel do Estado. Não à toa, uma simultaneidade entre a percepção de
crise no setor público e a discussão sobre a natureza de sua atuação. O reforço da primei-
ra idéia é combustível para o segundo debate.
E o tema não era só a economia. O ano de 1989 era o último dos cinco da Presidên-
cia de José Sarney, vice de Tancredo Neves que fora eleito indiretamente mas morrera
doente antes de tomar posse. Tratava-se de o primeiro governo civil após 20 anos de re-
gime militar, durante o qual uma nova Constituição fora promulgada.
Como escreveu um editorial do jornal O Globo em 21 de agosto, Sarney havia ado-
tado uma “diretriz conciliatória” de governo.
25
Idem.
26
Sobre isso, ver: Vieira, 2006.
27
J.G.L. Coelho, “Imprecisões brasileiras”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 27 mar 1989, p.A-3.
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Hoje somos um País em que as liberdades estão asseguradas; em que lideranças de todos os segmentos
da sociedade participam dos debates sobre o destino nacional; em que a censura foi abolida; em que mi-
lhares de greves se desencadearam Um País em que se vem realizando, a cada ano, eleições livres e
diretas. Em que se identificam civis e militares; em que a palavra dos Ministros militares é tratada como
opinião política e não como pronunciamento ou ameaça. Em que todos as matizes ideológicas assumi-
ram expressão partidária.
28
Era um novo contexto de liberdade da expressão política. Mas era também caótico
no “âmbito administrativo”, fruto da “manutenção de uma herança de distorções provin-
das do regime anterior e baseadas num falso diagnóstico das causas da crise econômica-
social”.
29
Trata-se de um ambiente onde a inflação se tornara “invencível”, os serviços
públicos se desagregavam “por falta de recurso”, ao mesmo tempo em que as empresas
[estatais] responsáveis pela infra-estrutura de energia, transportes e comunicações esta-
vam “ameaçadas de colapso”.
30
Trata-se de um momento-chave político e econômico para o país que leva o debate
diretamente para as questões relativas ao Estado. A discussão aparece com ênfase em ou-
tro editorial da Folha de São Paulo, de 13 de setembro, vale dizer: no mesmo momento
em que se noticiava a decisão da Hungria de romper unilateralmente o acordo que manti-
nha com a Alemanha Oriental com o objetivo de impedir a fuga de cidadãos húngaros
para o Ocidente, instaurando uma crise profunda no Pacto de Varsóvia. O texto da Folha
foi representativamente intitulado “Estado contra Estado”:
Cabe registrar, em meio ao choque de interesses entre áreas do próprio setor público, a crise do Estado
em seu conjunto aparece com especial evidência Não se resolvea série de dificuldades e estrangu-
lamentos criados pelos subsídios estatais e pela ineficiência do setor público sem uma reforma profunda
em todo o padrão de interferência do Estado na economia.
31
28
O Globo, “O Julgamento de Sarney”, 21 ago 1989, p.1.
29
Idem.
30
Idem.
31
Folha de S. Paulo, “Estado contra Estado”, Opinião, 13 set 1989, p.A-2.
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110
A tônica do debate passava pela redemocratização, crise e necessidade de mudança.
Tratava-se de um “momento crítico de transição política e econômica”, como de forma
representativa escreveu Leo Wallace Cochrane Júnior, então presidente das duas princi-
pais associações dos bancos brasileiros (Febraban e Fenaban), na Folha de São Paulo, em
7 de julho de 1989:
A economia não cresce, o capital estrangeiro está fugindo, vivemos à beira da hiperinflação, a taxa lí-
quida de investimento (descontada a depreciação) é quase nula, a dívida externa volta a ser o antigo fan-
tasma. Mais do que isso, o cidadão está pessimista quanto ao futuro, as organizações políticas e sociais
se perdem em conflitos estéreis, e a nação esqueceu-se de como crescer.
32
Nesse contexto, passado o processo de redemocratização, a “agenda mínima” para
se lidar com a crise incluía “a resolução do binômio déficit público-inflação, novas for-
mas de integração do Brasil na economia internacional (na área de comércio e de capi-
tais) e um aumento expressivo da eficiência da máquina burocrática”.
33
Tudo dentro de
um quadro de “intensas transformações tecnológicas” e de “crescente integração da eco-
nomia mundial”.
34
5.1.3 O mundo em transformação
Simultânea às idéias de que o país vivia instável no que dizia respeito às suas rela-
ções econômicas internacionais e de que estava à beira de um abismo e que precisava ur-
gentemente de uma mudança de rumo, está a percepção sobre as próprias transformações
ocorridas no ambiente internacional. Um editorial da Folha de São Paulo de 4 de janeiro
“O isolamento do Brasil” é bastante representativo desse ponto, ao menos no caso
específico dos processos de integração econômica em curso. “A tendência de liberaliza-
ção econômica, que no último dia de 1992 encontrará seu apogeu com a integração euro-
32
L.W. Cochrane Júnior, “Coragem para mudar”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 7 jul 1989, A-3.
33
Idem.
34
Idem.
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111
péia,
35
também começa a se firmar nos países americanos”, diz o editorial, que mais a
frente afirma categoricamente: “Neste sentido, é preciso uma profunda reflexão acerca da
inserção do Brasil no contexto mundial.”
36
O tema do texto foi o North American Free Trade Agreement (Nafta). Estados Uni-
dos e Canadá haviam assinado o tratado, em vigor desde 1
o
de janeiro de 1989, que de-
terminava a redução progressiva das barreiras comerciais entre os dois países até sua
extinção total em um prazo de 10 anos. Nesse contexto, a Folha de São Paulo chama a
atenção também para Israel, que havia acabado de “firmar acordos com a Comunidade
Econômica Européia”. Tratava-se de uma “orientação econômica” que fatalmente, para o
texto, se tornaria “dominante em todo mundo nas próximas décadas” e ameaçava o Brasil
“de se transformar numa economia ainda mais periférica”.
37
Mas não a idéia em torno da formação dos blocos econômicos internacionais
servia de trampolim para a defesa de um grau maior de integração, também um grande
componente do “mundo em transformação” foi o combate ao protecionismo, tema de
uma série de artigos de José Guilherme Merquior, por exemplo, nas edições de domingo
de O Globo, em março de 1989. Vale lembrar que esta não é uma discussão apenas tarifá-
ria. Em termos mais abrangentes, disse respeito ao papel do Estado na regulação do mer-
cado, na economia. Nesse momento faz-se indissolúvel a união entre os debates sobre a
presença do Estado na economia e o seu grau de integração ao mercado internacional.
Sobre o “protecionismo” que reinou junto com o “planejamento” ao longo do
processo de industrialização desenvolvimentista –, o argumento desenvolvido por Mer-
quior com base na crítica de Jagadish Bhagwati escolheu como alvo “a qualidade inibitó-
ria” que a forte atuação do Estado na economia parecia suscitar.
38
Para o autor: “A prote-
ção é ruim, conforme demonstrado no campeonato das industrializações pelo êxito espe-
tacular dos países de comércio liberalizado, em contraste com os que insistiram no prote-
cionismo.”
35
Referência à data de efetivação do Tratado de Maastricht, que formaliza a União Européia (UE).
36
Folha de S. Paulo, “O isolamento do Brasil”, 4 jan 1989, p.A-2.
37
Idem.
38
J.G. Merquior, “Protecionismo (II)”, in O Globo, O País,19 mar 1989, p.5.
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Sobre a qualidade da atuação estatal, Merquior, ainda com base em Bhagwati, dife-
rencia “promoção” de “proteção”. Nesse sentido, a promoção, definida como o apoio go-
vernamental mediante subvenção que não discrimina à abertura ao comércio exterior, é
considerada “altamente positiva”. Mantém-se a “promoção” e esvazia-se a “proteção”, o
que favorece uma abertura mais elevada dos mercados nacionais: “Nesta véspera de
1990, as atitudes em favor do livre comércio vão sendo estimuladas pelo evidente sucesso
econômico das liberalizações efetivadas nos últimos decênios.”
39
Não encontro melhor maneira de concluir estas notas do que reproduzindo a bela citação que ele
[Bhagwati] foi buscar em Pareto: “Uma medida protecionista proporciona amplos benefícios a um pe-
queno número de pessoas, e causa apenas uma pequena perda a um grande mero de consumidores.
Essa circunstância é que torna fácil adotar medidas protecionistas.”
40
Nessa visão, a diferenciação entre “proteção” e “promoção” qualificaria a atuação
do Estado na economia. “Há estados que orientam mais do que inibem os agentes eco-
nômicos, e Estados que inibem mais do que norteiam.”
41
Assim, servem como modelo as
nações asiáticas. “O miolo do sucesso do capitalismo asiático é que, de maneira geral,
os governos dos ‘dragões’, como a Coréia do Sul e Taiwan, preferem usar prescrições em
vez de proscrições.”
42
Promoção, mas, vale notar, não necessariamente esvaziamento da atuação estatal.
Sobre outra nação-modelo, o Japão, Merquior apresenta o debate da época entre Milton
Friedman e Jargadish Bhagwati, favorecendo o segundo.
Num painel em que ambos participaram, Friedman caracterizou o Japão como um esplêndido exemplo
de superioridade do mercado puro sobre a ação econômica do Estado. Bhagwati replicou que, no Japão,
a famosa mão invisíveldo mercado se combina lindamente com uma visibilíssima presença da mão
39
Idem.
40
Idem.
41
J.G. Merquior, “Protecionismo (I)”, in O Globo, O País, 12 mar 1989, p.5
42
Idem.
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113
do governo. A diferença é que se trata de um planejamento superinteligente e não de um dirigismo bur-
ro, sem que o Estado atue como antítese da racionalidade econômica.
43
O mesmo caminho é traçado pela análise histórica. Em um artigo de 25 de junho,
na Folha de São Paulo, o embaixador Rubens Ricupero, representante do Brasil nas ne-
gociações do Gatt, ressalta que a partir de 1982 o “discurso brasileiro” apontou para a
crise mundial “como explicação parcial da sua própria crise”.
44
No entanto, as economias
industrializadas atravessavam havia seis anos ininterruptos, ou seja, desde 1983, “uma
fase dourada” após as “turbulências dos anos 70”.
45
Nesse sentido, diz o texto, “ao con-
trário dos anos 50 e 60, quando o Brasil crescia junto com o mundo e em parte carregado
por ele”, o país estava naquele momento estagnado “ou regredindo”, denotando uma dis-
cussão clara acerca da natureza da integração com o mercado internacional.
Dessa forma, a sociedade em geral é tida como que necessitando de uma “adapta-
ção” a um “novo contexto”.
No Brasil alguns acreditam estarmos ainda na segunda metade da década de 50, quando, tendo-se com-
pletado em 1954 a recuperação econômica da Europa, as firmas européias e americanas se lançaram a
uma intensa competição para assegurar-se posições no interior de mercados de países praticantes da po-
lítica de substituição de importações.
46
A diferença, diz o texto, é que em 1989 o comércio internacional repetia “os melho-
res anos do pós-guerra” e se revelava “um dos fatores dinâmicos” que vinha impulsio-
nando a economia mundial.
47
A interpretação era a de que os ganhos dessa nova dinâmica
estavam concentrados nos três grandes parceiros mercantis Alemanha, Japão e Estados
Unidos –, mas havia também os quatro tigres asiáticos e “um ou outro fora da Ásia”, co-
mo o Brasil. As “sombras”, no entanto, capazes de “inverter” a tendência de expansão
eram: o protecionismo, a formação dos blocos regionais ou bilaterais, o unilateralismo
43
Idem.
44
R. Ricupero, “O cenário mundial e o Brasil”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 25 jun 1989, p.A-3.
45
Idem.
46
Idem.
47
Idem.
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agressivo, a tentação do comércio administrado. Era preciso seguir em frente com a ex-
pansão do comércio internacional.
48
A percepção era clara de que os movimentos da economia global guardavam uma
mudança, uma transição. Como demonstra um texto – “Liberdade para os estaleiros” – de
Newton Figueiredo, diretor de Planejamento e Investimentos da Cia Paulista de Comércio
Marítimo, publicado em O Globo, em 23 de fevereiro, a forte e presente ameaça de “ficar
para trás”, nesse contexto, “não fazer parte”, gerava a perspectiva de danos irreversíveis:
“Nessa fase de transição, as perdas de posição no mercado, em decorrência da ausência
de atualização tecnológica e da redução do nível de competitividade serão irrepará-
veis.”
49
No momento, a questão tecnológica e o problema da integração ao mercado inter-
nacional se fundem. Não à toa, Newton Figueiredo se mostra fortemente contra a “cres-
cente e exagerada nacionalização” da atividade industrial, no caso, no setor da marinha
mercante.
A questão crucial do custo da construção naval no Brasil está ligada aos custos dos materiais e compo-
nentes agregados aos navios que, no País, participam com 60% do custo total. A exceção do aço, todos
os materiais e componentes têm, em sua maioria, o dobro ou o triplo do custo do elemento importado.
50
Entre o país e o mundo do acesso à tecnologia e da integração ao mercado interna-
cional está o “protecionismo”. “A condição de excessiva proteção para quase todos os
itens nacionais não está coerente com o estágio atual da indústria e da economia brasilei-
ra. Há que ser repensada a proteção”, afirmou Newton Rodrigues.
51
Este é um momento em que muito se mistura: necessidade de integração, acesso à
tecnologia, ao capital externo, mais liberdade à iniciativa privada, globalização, o fim do
comunismo. “O próximo presidente terá que recolocar o Brasil como participante do pro-
cesso de globalização da economia”, escreveu em 1
o
de outubro o presidente da Rhodia
48
Idem.
49
N. Figueiredo, “Liberdade para os estaleiros”, in O Globo, 23 fev 1989, p.25.
50
Idem.
51
Idem.
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do Brasil, Edson Vaz Musa, na Folha. “As cabeças pensantes sabem que o país ou cami-
nha para uma efetiva integração no comércio mundial ou se condena a permanecer como
um mercado secundário”, completou. “E essa integração também quer dizer menores res-
trições ao capital externo e maior liberdade à iniciativa privada”.
52
No campo do acesso à tecnologia, o modo como foi levantado o caso dos defensi-
vos agrícolas é paradigmático, unindo integração e progresso:
Temos condições de fabricar tudo, gerar tecnologia e nos equiparar aos países mais desenvolvidos? Não
a curto prazo. Um exemplo: na Europa, está em fase piloto a produção de um novo defensivo. Se
necessário apenas um grama desse defensivo para combater pragas em um hectare plantado. Hoje, no
Brasil, ainda se utilizam defensivos cuja aplicação média por hectare chega a 3 mil gramas. Uma conse-
qüência clara desse avanço é de que a necessidade de produção pode ser reduzida em 3 mil vezes. Ou
seja, uma planta menor, mas altamente sofisticada e de extrema segurança. Além de cara. O Brasil vai
ter condições de desenvolver e fabricar aqui esse defensivo? Não seria melhor importar, aproveitando a
realidade da economia de escala?
53
O “mundo em transformação” tem muitas utilidades no discurso político, serve in-
clusive para criticar determinadas posições. Em editorial de 29 de setembro, por exemplo,
a Folha de São Paulo ataca “as esquerdas”, representadas nas campanhas para presidente
dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola, apontando nestas uma tendên-
cia “para a irracionalidade e o anacronismo”. A interpretação da mudança externa (re)de-
fine posições no espectro político interno.
Enquanto a URSS de Gorbatchev procura agilizar sua estrutura econômica, inclinando-se mais e mais
para os mecanismos de mercado, a esquerda brasileira parece inscrever-se no círculo restrito dos que, de
Cuba à Albânia, são os últimos a defender um modelo ultrapassado pelo tempo.
54
A partir desse ponto, volta-se à discussão direta sobre o papel do Estado:
52
E.V. Musa, “O caminho é único”, in Folha de S.Paulo, Opinião, 1
o
out 1989, p.A-3.
53
Idem.
54
Folha de S. Paulo, “Monopólio do atraso”, Opinião, 29 set 1989, p.A-2.
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inúmeras formas de promover uma mudança no papel do Estado; estratégias de privatização podem
contemplar, por exemplo, a participação dos trabalhadores no controle acionário das empresas. A rever-
são de um sistema baseado na tutela do Estado sobre a economia pode dar lugar a um modelo liberal
clássico ou a um reforço do seu papel de promotor da justiça social.
55
No caso da crise dos regimes comunistas, o contexto é trazido para se afirmar a i-
nadequação do controle excessivo do Estado sobre a economia – o que é parte de todo um
questionamento mais amplo sobre a relação do Estado com a sociedade. Nesse conjunto,
está o debate sobre a liberalização financeira e comercial, as relações econômicas inter-
nacionais do país a forma de inserção econômica e/ou as suas próprias relações inter-
nacionais.
É nesse sentido que Roberto Campos escreve em O Globo, em 10 de setembro de
1989, quando afirma que “a estrondosa falência do regime comunista tornou possível
desenhar nos países em desenvolvimento cenários sócio-econômicos e políticos menos
problemáticos”.
56
As greves de Gdansk, de 1980, deram origem ao poderoso movimento Solidariedade, abalando a Polô-
nia, país-chave no quadro do militarismo soviético; o avanço da economia de mercado na Hungria reve-
lou sob outro prisma a falácia administrativa dos partidos comunistas que ocuparam o poder no Leste
europeu, depois da II Guerra Mundial; na Tchecoslováquia, manifestações populares, sob a bandeira das
reivindicações políticas liberais, propagaram desde a Primavera de Praga a descrença no regime salva-
cionista; na China continental, os próprios dirigentes comunistas proclamaram o sepultamento da dou-
trina marxista quem mais que os mineiros soviéticos precisaria de sabão para retirar o que im-
pregna sua pele?
57
A expressão da transformação global na América Latina, nesse sentido, seria a der-
rocada dos modelos de desenvolvimento cepalistas vigentes desde o fim da Segunda
Guerra Mundial. Percebido como país pioneiro, o Chile reduzia os índices inflacionários
e os graus de estatização da economia ao mesmo tempo em que “florescia a economia de
mercado”. No México, Salinas empreendia uma política de controle de gastos públicos
55
Idem.
56
R. Campos, “Cenário do último decênio do século”, in O Globo, 10 set 1989, p.7.
57
Idem.
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com privatização de grandes empresas estatais, promovendo “ampla abertura” para o ex-
terior, “facilitando o ingresso de investimentos estrangeiros”. Na Venezuela, Carlos An-
drés Peres surpreendia seus “acólitos estatizantes” com um programa de recuperação que
impôs “o realismo cambial, o equilíbrio orçamentário, a negociação do acordo com o
Fundo Monetário Internacional e a procura de fórmulas de convivência com os credores
externos”.
58
Não é este um modo de acomodação?
A Bolívia debelou uma inflação que chegou a 24 mil por cento ao ano, enquanto a Argentina de Carlos
Menem anuncia um vasto programa de desestatização, que abrange as ferrovias, a Yacimentos Petroli-
feros Fiscales (a Petrobrás de lá), a grande empresa estatal de telefones e outras. No Peru, as massas de-
cepcionadas nos últimos quatro anos com os resultados da administração de Alan Garcia Perez, acla-
mam o escritor liberal Mario Vargas Llosa como o futuro presidente do país.
59
“Que dizer do Brasil?”, pergunta Roberto Campos. A associação entre a falência
dos regimes comunistas, as crises econômicas nos países da América Latina nos anos
1980 e as próprias transformações em andamento em algumas nações da região são
idéias que ressoam com força em um país que vive o debate e a expectativa de uma elei-
ção presidencial – a primeira depois de 20 anos de regime militar – e uma crise interna de
diversas facetas, como a “falência do setor público”, a “crise do Estado”, a (hi-
per)inflação etc.
Em nosso país, o extremado intervencionismo no domínio econômico provocou a falência do Estado
A alternativa, no Brasil, não é a instauração de um governo de esquerda, mas a aplicação rigorosa de
um choque de liberalismo.
60
A derrocada dos regimes comunistas acompanha e reforça os argumentos favorá-
veis a uma transformação do Estado como organizador da vida social e econômica, onde
estará contida a liberalização comercial e financeira da época. A idéia fica ainda mais cla-
58
Idem.
59
Idem.
60
Idem.
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118
ra em outro texto de Roberto Campos, de 31 de dezembro de 1989, fazendo uma avalia-
ção do ano “admirável internacionalmente”.
61
A miserável performance econômica que está na raiz do colapso da planificação centralista na Europa
Oriental documenta algumas verdades o simples como chocantes: sem lucro não eficiência de ges-
tão; sem incentivos individuais, destrói-se a ética do trabalho; sem o direito a propriedade, o agricultor
tem pouco ânimo para produzir; sem preços formados no mercado e o ditados pelo burocrata, os re-
cursos são desperdiçados e o consumidor fica frustrado.
62
A transformação da experiência alheia em questão interna, ou seja, a paralelização
de contextos e crises, surge da idéia subentendida de que um mal comum, a regulação
excessiva do mercado, produtor de ambas as mazelas. Essa noção somada à percepção
generalizada de crise torna-se um motor poderosíssimo de transformação. “Enquanto não
chegarem ao Brasil os ventos da economia de mercado, só nos resta esperar que os estato-
latras não estejam afanosamente preparando o seu próximo erro.”
63
O interno e o externo se misturam, como bem mostra um editorial da Folha de São
Paulo de 6 de outubro de 1989:
Privatização ampla, racionalização do sistema tributário, fim de subsídios para empresas em estado pré-
falimentar, liberdade para a aplicação dos lucros, estímulo à competitividade: o essas as linhas gerais
de um pacote econômico que não foi imaginado por Margaret Tatcher, a ultra-ortodoxa governante bri-
tânica, mas proposto por Mikhail Gorbachev, no empenho de aprofundar significativamente a política
de perestroika empreendida na União Soviética.
64
O momento possibilita inclusive o questionamento sobre as terminologias políticas
“esquerda” e “direita”, abrindo espaço para que agentes possam se denominar “de es-
querda” sem que isso os impeça de apontar para os problemas de uma burocratização ex-
cessiva. Diz a Folha:
61
R. Campos, “Annus mirabilis…”, in O Globo, 31 dez 1989, p.8.
62
Idem.
63
Idem.
64
Folha de S. Paulo, “Inimigos da perestroika”, Opinião, 6 out 1989, p.A-2.
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interessará a um reduzido grupo de militantes partidários, sem vida, a discussão de se, com essas
medidas, Gorbachev pode ser considerado “de esquerda” ou se merece a qualificação de “direitista”; se-
ria assunto de demorados debates, certamente, a questão de se, a continuar esse processo, a União Sovi-
ética deva ser qualificada de “socialistaoucapitalista” ou qualquer outra denominação que se prefi-
ra adotar. O fetichismo das terminologias talvez corresponda, apenas, à vulgaridade doutrinária de al-
gumas correntes de opinião. Nada impede que uma política desburocratizante seja acompanhada de um
fortalecimento do papel redistributivo do Estado; que uma estratégia de privatização seja acompanhada
de maior participação dos empregados nos lucros; esquerda” e “direitao conceitos que não têm por
que se referir exclusivamente às atitudes diante da presença do Estado no setor produtivo.
65
Crise interna, transformação externa, um momento radical de incerteza, referências
sendo postas abaixo e outras tomando o seu lugar. Próximo do fim do ano, Fernando
Henrique Cardoso aponta para a inflação, as dívidas “interna e externa, [que] continu-
am pressionando as finanças públicas” –, o desgoverno e a desigualdade social como “os
reais desafios que o país enfrentará”. Ao mesmo tempo, afirma, “é preciso reconhecer
que o que aconteceu no plano internacional foi simplesmente espantoso”.
66
O “socialismo real” e outro não existiu caiu a golpes de martelo no muro de Berlim e a golpes de
fuzil na heróica Romênia. Esta realidade precisa ser encarada de frente pelos políticos e intelectuais bra-
sileiros, sobretudo pelos que quiserem honrar sua condição de progressistas.
67
Na situação do poeta francês René Char após os anos de Resistência na Europa
“Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento”
68
–, Fernando Henrique Cardo-
so (re)traça o caminho político brasileiro. Não será a Luiz Inácio Lula da Silva que FHC
se refere como “guardião puritano da ortodoxia progressista”?
É diante deste quadro novo que as forças políticas devem recomeçar a caminhada, com os pés no chão,
sem grandes ilusões e sem covardia. Sem esta atitude renovadora nossa política continuacom esse ar
provinciano E quem se arrogar ares de guardião puritano da ortodoxia progressista (assim como da
65
Idem.
66
F.H. Cardoso, “Desafios futuros”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 28 dez 1989, p.A-2.
67
Idem.
68
Apud. Arendt, 1999, p.28.
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120
conservadora) arriscapassar por bufão e o poderá expulsar os “vendilhões do templo” porque nin-
guém sabe mais que mito colocar no altar.
69
5.1.4 O momento
Dessa forma, está claro que era notória a percepção de uma crise cambial a qual-
quer momento, o que levava o debate relativo a este tema às discussões sobre a dívida, o
modelo exportador e as exportações, bem como sobre a participação do capital estrangei-
ro na economia brasileira. No mesmo sentido, prevalecia a idéia/o desejo forte de trans-
formação, resultado de um momento que combina crise extrema e as primeiras eleições
presidenciais democráticas no país após 20 anos de regime militar. Nesse contexto, as
mudanças alcançam o campo da relação do Estado com o mercado e com a sociedade em
geral. Da mesma forma ocorre com o “mundo em transformação” do fim dos regimes
comunistas e dos processos de integração comercial.
A própria interpretação da crise/do momento/da mudança lá fora – o que é? de onde
vem? etc. limita e constrói, ao mesmo tempo, a transformação aqui dentro. Como foi
dito, as interpretações da crise, da mudança, do momento em geral são um fator impor-
tante e servem de base para a construção da transformação política, da mudança institu-
cional – ainda mais em momentos de crise extrema e incerteza aguda, como 1989.
5.2 Idéias-alvos: O Estado e os seus modelos de gerência econômica
Como afirmado anteriormente, a intenção agora passa a ser a de identificar os alvos
do momento e perceber de que forma os mesmos estão sendo atacados na mídia represen-
tativa. O objetivo desta seção, nesse sentido, é buscar e analisar os focos ideológicos que
centralizam os ataques políticos no contexto estabelecido para análise.
Assim, foi possível identificar três tipos diferenciados de alvos: 1) o primeiro deles,
o “isolamento”, surge como alvo de toda uma corrente que percebe, no momento, um
69
Idem.
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121
comportamento generalizado ofensivo ao comércio exterior, bem como de algo caracte-
rístico de um “modelo” anterior. O ataque ao “isolamento”, não dúvidas, constitui-se
em uma relação clara com o “mundo em transformação”, com o que está acontecendo “lá
fora”. Até aqui, é importante perceber, ainda há consenso entre os modelos de internacio-
nalização apresentados, o de que é necessário mais participação no comércio internacio-
nal.
O segundo alvo em voga é um suposto “modelo” específico, que pode ser entendi-
do de forma bastante diferenciada. Pode ser, por exemplo, percebido no ataque ao “mode-
lo exportador” adotado após a crise da dívida e a um “modelo” entendido como “tradi-
ção”, por meio de uma referência direta ao passado, a um modelo passado o “modelo
desenvolvimentista”.
O terceiro alvo e campeão de popularidade negativa é o Estado, identificado clara-
mente na ofensiva generalizada à qualidade e ao arranjo institucional corrente do setor
público.
É importante salientar que Judith Goldstein e Robert O. Keohane (1993, p.17), em
Ideas and Foreign Poliy, apresentam uma sugestão parecida quando afirmam que algumas
idéias podem servir no processo da ação política como “pontos focais”. Entretanto, dife-
rem do caminho aqui proposto ao limitarem esses “pontos focais” a “soluções”, opções
de escolha no debate ideológico. Aqui estarei tratando de “pontos focais” como alvos,
não como “soluções”. A “solução” ainda não surgiu como objeto de análise e será tema
do capítulo seguinte.
5.2.1 O isolamento
Um dos alvos principais apontados e percebidos em 1989 como responsáveis pela
situação de crise no Brasil foi o “isolamento”, a noção de que o Brasil mantinha uma pos-
tura contrária a uma participação mais ativa no comércio mundial. A idéia vinha tanto de
agentes que reclamavam mais acesso a tecnologia e insumos mais baratos e de melhor
qualidade, como de toda uma corrente que defendia as exportações como o principal veí-
culo de desenvolvimento econômico para o país naquele momento. Sobre esse segundo
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122
tipo de ofensiva, é preciso lembrar que as exportações ganharam um peso bastante ex-
pressivo no ajuste externo após a crise da dívida do início da década de 1980, mas vi-
nham sofrendo ataques tributários de um Estado fiscalmente falido e políticos, gera-
dos por uma situação de crise que o modelo vigente não conseguia arrefecer.
Dessa forma, o caminho pró-exportador, apesar de ser também um movimento de-
fensor de um grau maior de internacionalização, ataca o “isolamento” gerado naquele
momento pelo movimento antiexportador, que tinha viés percebido como “xenófobo” e
fora influente na Constituição de 1988 e no samba enredo da São Clemente, no Carnaval
de 1989.
O caminho pró-exportador previa incentivos estatais, mais acesso ao capital externo
e facilidades na importação de meios de produção, e, se possível, meios de produção ape-
nas. Nessa linha está, por exemplo, o texto de Jacques Eluf, membro do Conselho Supe-
rior de Comércio Exterior da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp), publicado em 18 de janeiro de 1989, no jornal O Globo. No artigo intitulado “Er-
ro que pode ser fatal”, Eluf qualifica o comércio exterior como “fonte de riqueza e pro-
gresso” e protesta contra os bem-sucedidos ataques (tributários) ao modelo exportador
que vinham sendo então implementados.
Estas considerações m a propósito da sanha tributária que tomou conta do Governo. De um lado, a
preocupação da administração federal, que está procurando corrigir os erros da reforma tributária apro-
vada pela Assembléia Constituinte mediante a imposição de novos tributos e a eliminação de incentivos
fiscais e creditícios que antes beneficiavam as exportações; de outro lado, a ameaça de Governos esta-
duais de tributarem com o novo ICM as exportações de produtos semimanufaturados, colocando em ris-
co a capacidade de competição nos mercados internacionais de mais de US$12 bilhões de nossas expor-
tações.
70
O raciocínio era voltado para o setor exportador. Segundo Eluf, a própria crise dos
anos 1981-1982 deu-se em função dos problemas externos, que contiveram o avanço das
exportações brasileiras. “Foi principalmente a queda das exportações em 1982 que apro-
fundou a crise no Brasil em 1983, produzindo recessão e desemprego”, afirmou.
70
J. Eluf, “Erro que pode ser fatal” in O Globo, 18 jan 1989, p.4.
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123
Em compensação, quando em 1984 as exportações passaram de US$ 22 bilhões para US$ 27 bilhões,
com um aumento de 23 por cento, a economia brasileira (PIB) cresceu 5,7 por cento e a taxa de desem-
prego caiu para cerca de 4 por cento.
71
Ainda segundo o autor, no período de 1985-86 as autoridades “voltaram as costas
para a exportação” e o resultado “dessa política equivocada foi a queda das exportações
para US$22 bilhões em 1986”, que iria “transbordar na perda do impulso do crescimento,
a partir de 1987”.
72
Em seguida, em 1988, somou-se o problema da “deterioração da situ-
ação política, os desmandos da administração pública, o descrédito do Governo, a infla-
ção galopante e a retração dos investimentos”, que produziram “uma recessão made in
Brazil que deveria lançar a economia brasileira no caos econômico e no desemprego mais
penoso”, se não fossem as exportações.
Surgiram então as exportações, que passaram de US$ 26 bilhões para US$ 33 bilhões anuais, com um
crescimento de 27 por cento: por isso, milhões de trabalhadores brasileiros continuaram trabalhando e
não perderam seus empregos. Graças às exportações.
73
Tratava-se, como foi dito, de uma internacionalização pelo modelo asiático, um
modelo “de progresso e desenvolvimento via comércio internacional”:
Um exemplo de progresso e desenvolvimento, via comércio internacional, é o do Japão, economia que
permaneceu fechada e isolada do resto do Mundo por vários culos. Em 1950 a menos de quatro dé-
cadas, portanto o Japão exportava apenas US$ 150 milhões: 50% menos que o Brasil, aquela época
com cerca de US$ 1,3 bilhão de exportação. A abertura do Japão para os mercados internacionais deu
um extraordinário desenvolvimento à economia japonesa que, hoje, exporta US$ 80 bilhões e registra o
segundo maior produto interno do Mundo. E o que se poderia dizer do exemplo que todos os dias nos
vem de Coréia, Cingapura, Formosa e outros países do Leste Asiático?
74
71
Idem.
72
Idem.
73
Idem.
74
Idem.
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124
No raciocínio, as importações têm somente o papel de favorecer “a criação de no-
vos meios de produção, ao mesmo tempo em que trazem, embutido, um fluxo de conhe-
cimento científico e tecnológico que acaba sendo absorvido ou copiado (sic) pela indús-
tria nacional”.
75
Vale perceber que a corrente aborda o problema da tecnologia apontado
anteriormente, reclamando das dificuldades de acesso ponto que está em consonância
também com os defensores de uma internacionalização pela via da diminuição da presen-
ça do Estado na economia, que também querem “mais comércio internacional”, mesmo
que a partir de um modelo de inserção diferenciado.
Não dúvida de que as exportações se tornaram forte mecanismo de geração de
riqueza após a crise do balanço de pagamentos do início dos anos 1980, mas, ao mesmo
tempo, e não à toa, as vendas externas também se transformaram em um alvo notório de
tributação por parte de um governo com problemas fiscais. Além disso, as exportações
também foram atacadas como “inflacionárias”, e, em sua defesa, argumentava-se contra o
que poderia ser percebido como uma tendência brasileira ao isolamento, à xenofobia.
Bastante representativo dessa perspectiva são os artigos da época de Carlos Alberto
de Oliveira em O Globo, falando em nome da Confederação Nacional do Comércio. Em
janeiro de 1989, ao comentar o impacto positivo das exportações na economia norte-
americana, Oliveira escreveu:
É contristador verificar que, enquanto nos EUA e, de resto, em outros países adiantados a exporta-
ção é incentivada e considerada atividade prioritária, entre s ocorre o inverso. Em sua irresistível sina
de andar na contramão da história, o Brasil passou a tratar a exportação como se fosse a principal
fonte de seus males, a começar pela inflação. Na ânsia de desestimular e comprimir as exportações,
foram cortados os seus créditos vitais e estão sendo criados impostos estaduais sobre as vendas ao exte-
rior.
76
O argumento contrário ao “isolamento” e de cunho pró-exportador também foi
construído com bases sofisticadas. “Qualquer que seja a estratégia escolhida pelo Brasil,
o comércio exterior terá uma função importante”, escreveram os economistas Mario Hen-
75
Idem.
76
C.T. de Oliveira, “Exportação impulsiona economia dos EUA”, in O Globo, 12 jan 1989, p. 21.
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125
rique Simonsen, Fernando de Holanda Barbosa, Antonio Salazar de Brandão e Clóvis de
Faro, no artigo “O ICM e a Política de Comércio Exterior”, publicado em O Globo, em 8
de janeiro de 1989.
77
Segundo os autores, a necessária modernização do parque industrial brasileiro exi-
giria uma elevação da penetração de importados no setor de insumos e bens de capital.
Como isso não poderia ser feito pela via do endividamento, em função da recente crise da
dívida externa: “Resta-nos, como alternativa, o crescimento das exportações.”
78
Nesse
sentido, mais uma vez é atacada a possibilidade dos estados da Federação cobrarem im-
postos das vendas ao exterior, permitida a partir da Constituição de 88: “Tal dispositivo
está na contramão da formulação de uma política comercial para enfrentar os desafios do
crescimento brasileiro”, escreveram.
O imposto sobre a exportação foi também assunto do presidente da Associação Na-
cional dos Fabricantes de Papel e Celulose, Horácio Cherkassky, que em fevereiro de
1989 escreveu um artigo publicado em O Globo, protestando contra essa e outras medi-
das contrárias ao comércio exterior, como sinônimo de exportações.
A tributação dos produtos chamados “semi-elaborados” pelo Confaz acabará por afetar uma vasta gama
de itens responsáveis por boa parte do ingresso de divisas em nossa diversificada pauta de exportação.
Isso, justamente com barreiras internas, como a redução dos financiamentos à exportação via Finex no
desmonte orçamentário e o projeto aprovado pelo Senado que institui uma tributação de 50% sobre
mercadorias importadas ou exportadas será desastroso para o Brasil na medida que reduz o poder de
competitividade dos produtos de exportação manufaturados ou agrícolas.
79
Novamente, em março, Carlos Tavares de Oliveira, falando em nome da Federação
Nacional do Comércio, ataca os impedimentos institucionais ao comércio internacional
brasileiro. Desta vez, o modelo era o chinês. Em artigo publicado em O Globo, o autor
defende uma determinada forma de “abertura” da economia a partir das posturas adotadas
por Pequim já havia dez anos.
77
M.H. Simonsen et. all. “O ICM e a Política de Comércio Exterior” in O Globo, Economia, 8 jan 1989,
p.44.
78
Idem.
79
H. Cherkassky, “Imposto x exportação”, in O Globo, 7 fev 1989, p.4.
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126
Às speras do seu décimo aniversário, a política de abertura da economia chinesa, idealizada por Deng
Xiapoing, continua, em seu conjunto, a apresentar saldos favoráveis, com a excepcional elevação do ní-
vel de vida da população.
80
A fórmula da internacionalização proposta nessa perspectiva pode ser facilmente
percebida na identificação do “outro”: “A base do revolucionário programa chinês que
antecedeu em sete anos a perestroika de Gorbatchov foi, evidentemente, a entrada de
investimentos estrangeiros e o estímulo ao comércio exterior, em particular às exporta-
ções.” Livre acesso ao capital externo, incentivo às exportações e apoio às importações
de bens de capital e insumos, com acesso à tecnologia externa, resumem a fórmula.
5.2.2 Os modelos de gerência econômica
O ataque a um suposto “modelo” vigente assume pelo menos duas facetas diferen-
tes. Pode ser percebido na ofensiva contra o modelo exportador adotado após a crise da
dívida e/ou na ofensiva contra um “modelo” entendido como “tradição”, por meio de uma
referência direta ao passado, ao “modelo desenvolvimentista”.
Na primeira corrente, o jurista Dalmo Dallari escreveu, na Folha de São Paulo, em
29 de abril:
O sistema autoritário lançou o Brasil numa situação de dependência nunca sofrida antes na história bra-
sileira. Misturando-se ingênuo sonho de grandeza e uma busca imoral de vantagens pessoais, foi cons-
truída a brutal vida externa, que hoje governa o Brasil. Alguns supostos gênios da economia, usando
linguagem recheada de expressões em inglês ou latim, entregaram a alma brasileira em troca de dólares
“para promover o rápido desenvolvimento econômico”. Com isso transformaram a especulação finan-
ceira, sem respaldo numa real produção de riqueza, no melhor negócio do Brasil. E para obter mais di-
nheiro e dar mais garantia aos agiotas internacionais passaram a forçar a produção para a exportação,
mandando para o exterior aquilo que é essencial para que os brasileiros vivam com um mínimo de dig-
nidade. (…) Essa é a herança do autoritarismo, a causa imediata do caos econômico e da instabilidade
80
C.T. de Oliveira, “China consolida abertura econômica”, in O Globo, Economia, 23 mar 1989, p.19.
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política e social em que o Brasil está vivendo. É preciso que os brasileiros tomem consciência disso e se
convençam de que é possível e necessário definir novos padrões de convivência.
81
Posto como herança do passado autoritário, um dos alvos de Dalmo Dallari é cla-
ramente o modelo de equilíbrio externo implementado após a crise da dívida. O mesmo
ataque faz também o então deputado federal José Serra. Em artigo publicado na Folha de
São Paulo, em 6 de junho, Serra desacredita um argumento tradicional o de que a dívi-
da externa seria “fácil de pagar”, dado que a ampliação da capacidade produtiva gera “os
recursos necessários para cobrir os juros” futuros.
82
Segundo o autor, este seria o caso se “as taxas de juros fossem compatíveis com
a rentabilidade dos investimentos” e isso teria ocorrido somente até 1978. A partir de en-
tão tem início uma alta contínua dos juros, chegando a triplicar depois de 1983. O resul-
tado, para o economista, foi um aumento de dois terços do estoque do débito brasileiro
entre 1978 e 1982. Além disso, “as maxidesvalorizações cambiais em fim de 1979 e co-
meço de 1983 elevaram fortemente, em cruzeiros, o peso da dívida externa”.
83
Com isso,
produziu-se uma economia sem crescimento e um governo devedor, faminto por dólares
e por arrecadação, e que está constantemente entre as opções de cortar gastos ou se endi-
vidar.
84
É interessante perceber que o modelo então vigente constituído após a crise da dí-
vida, o “modelo exportador”, não só recebe ataques pelo caminho da reforma do papel do
Estado, mas também, mais à esquerda, pelo seu perfil escoador de divisas para o exterior
e negociado com os credores por intermédio do Fundo Monetário Internacional. A posi-
ção, neste caso, é novamente bem representada no artigo de Maria da Conceição Tavares,
publicado na Folha de São Paulo, em 2 de agosto de 1989.
Vale chamar a atenção para o fato de que a autora parte de um “consenso”, de que
“a raiz da aceleração inflacionária ocorrida na década de 80 (…) está relacionada com a
81
D. de A. Dallari, “Herdeiros do autoritarismo”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 29 abr 1989, p.A-3.
82
J. Serra, “A economia do engano”, in Folha de São Paulo, Opinião, 6 jun 1989, p.A-3.
83
Idem.
84
Idem.
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128
mudança dramática das condições de financiamento externo a partir de 1979-82”, para
então fazer suas críticas ao modelo:
As divergências começam a aparecer quando se examina a seqüência de eventos que levaram a esse a-
gravamento: a estatização da dívida externa, mesmo quando de origem privada; as políticas de ajuste or-
todoxas, que implicaram transferência de recursos para o exterior; o aumento do endividamento interno
por políticas monetárias ativas, com juros altíssimos; e as desvalorizações cambiais sucessivas. Tudo is-
to conduziu à insolvência financeira do Estado, agravada por uma crise fiscal decorrente da própria ace-
leração inflacionária.
85
Além de atacar o modelo adotado após a crise da dívida externa brasileira – através
de uma postura mais rígida, acumuladora de reservas, e percebendo esta acumulação co-
mo passo obrigatório a ser dado no momento anterior às negociações com os credores e o
FMI –, a economista também parte para a ofensiva contra as soluções redutoras do Esta-
do. Mais uma vez, tal posição torna clara a idéia de que a crítica ao paradigma vigente e a
própria interpretação do ambiente não são suficientes para explicar a trilha posteriormen-
te adotada, especialmente em momentos de alta incerteza. Muitas propostas diferentes
para o futuro atacam simultaneamente o modelo presente e digladiam entre si no objetivo
de se tornarem vitoriosas no debate, e assim constituem a linguagem que formará e mol-
dará as instituições no tempo histórico.
O consenso desaparece completamente quando se discute os procedimentos para in-
terromper a crise e operar políticas de estabilização eficazes. “Em desespero pelo fracas-
so dos planos heterodoxos de estabilização, muitos economistas progressistas aderiram à
tese do reequilíbrio orçamentário das finanças públicas, propondo inclusive a geração de
um superávit fiscal primário e a privatização de empresas estatais.”
86
Muitas vezes, o ataque foi ao “modelo” geral como estão organizadas as coisas, on-
de se incluíam as exportações. A percepção era clara de que a crise da dívida externa bra-
sileira produziu um paradigma organizacional que, para muitos, era o alvo principal da
condição trágica da nação naquele momento. Esta ofensiva articula noções como a de
85
M.da C. Tavares, “Sem reservas não chegaremos lá”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 2 ago 1989, p.A-3.
86
Idem.
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129
“soberania”, “patriotismo”, “nacionalismo”, bem como uma idéia do próprio “internacio-
nal”, já que muitas vezes embute cargas simbólicas a instituições internacionais, como ao
FMI, por exemplo, aos “banqueiros internacionais” etc. vindas tanto de Fernando Col-
lor de Mello como de setores mais críticos à esquerda.
Nesse contexto, é interessante perceber a posição adotada pelo então deputado fe-
deral Vilson de Souza (PSDB-SC), publicada na Folha, em 15 de agosto de 1989, no tex-
to: “Os entraves ao desenvolvimento nacional”. O deputado inicia o seu argumento enal-
tecendo o crescimento da economia brasileira nos períodos 1948-61 (7,1%a.a.) e 1967-80
(8,3%a.a.). Em ambos os ciclos, segundo o autor, o Brasil experimentou práticas muito
claras de juros baixos, que favoreceram os investimentos. Nesse sentido, a política de “ju-
ros extorsivos” praticada no fim dos anos 1980 pelo governo José Sarney, como parte de
um programa de ajuste externo e interno…
Nada mais faz do que tornar permanente o antigo processo de exploração colonial. Na verdade, acober-
tados pelo manto das teorias monetárias, estes senhores o passam de agentes subservientes dos inte-
resses colonizadores e predatórios contra os interesses do seu próprio povo. Em síntese: são traidores da
nação. Submetem 140 milhões de brasileiros ao arrocho salarial para atender aos interesses despudora-
dos dos banqueiros internacionais, que em hipótese alguma admitem uma grande potência ao sul do E-
quador.
87
A crítica ao modelo, no entanto, não significava apenas um ataque ao chamado
“modelo exportador”. Havia também, por exemplo, a crítica a um modelo mais geral de
organização feita com base em uma referência clara ao passado, algo que notoriamente
incluía um questionamento da situação institucional do Estado. Vale perceber que, nesse
contexto, a percepção de um mundo em transformação vista anteriormente atua de forma
bastante influente. “A excessiva presença do Estado no campo econômico tem provocado
grandes distorções no mundo, em geral, e no Brasil em particular”, afirmou o então depu-
tado federal Francisco Dornelles, na Folha de São Paulo, em 24 de abril daquele ano.
88
87
V. Souza, Os entraves ao desenvolvimento nacional”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 15 ago 1989, p.A-
3.
88
F. Dornelles, “O PFL e a eleição presidencial”, in Folha de São Paulo, Opinião, 24 abr 1989, p.A-3.
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130
A tentação estatista alcançou democracias ocidentais estáveis e também países em desenvolvimento, re-
fletindo-se em decisões políticas estatizantes e limitadoras da atuação da iniciativa privada. As lições da
história recente, contudo, estão determinando que países de todas as latitudes e de todos os hemisférios
se movam, na atualidade, em direção oposta. O mundo ocidental e oriental experimenta uma tendência
poderosa rumo à proclamação da liberdade econômica e do respeito à livre iniciativa, como molas-
mestras do progresso material, social e intelectual da humanidade.
A crise do Estado é muitas vezes tratada a partir da idéia de participação excessiva
na economia, algo decorrente de um “modelo” anterior. Um editorial da Folha de São
Paulo, de 12 de setembro de 1989 é bastante representativo desse ponto. Diz a Folha:
O modelo de participação do Estado na economia brasileira tornou-se um estorvo para o desenvolvi-
mento. Cartórios empresariais procuram manter subsídios e incentivos. O poder público afastou-se de
suas tarefas essenciais, como saúde e educação. É desnecessária a intervenção estatal em áreas como te-
lecomunicações, energia elétrica, estradas e armazenamentos.
89
No caso específico do ataque ao modelo vigente pelo caminho da desestatização, é
importante notar novamente que a idéia é posta como que em consonância com os desen-
volvimentos do ambiente internacional.
A sociedade brasileira, sob o peso de estrangulamentos econômicos talvez sem paralelo na história do
país, e em meio a um ambiente internacional onde os mitos do estatismo o rapidamente desvelando
sua completa ruína, tede passar por um rápido processo de aprendizado e de adaptação ou será con-
denada ao atraso absoluto e à crônica crise social.
90
O ataque simultâneo ao Estado e ao “modelo” era frontal. Em outubro de 1989, por
exemplo, a Folha publicou uma série de reportagens intitulada “Menos governo, menos
miséria”, tema inclusive de seu editorial do dia 3:
Seria extremamente difícil, pelas próprias dimensões de que se reveste o fenômeno, esgotar todos os
dados e evidências que comprovam a perversidade social e econômica do Estado brasileiro. A série
89
Folha de S. Paulo, “Desafio da estatização”, Opinião, 12 set 1989, p.A-2.
90
Idem.
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131
“Menos governo, menos miséria” que esta Folha vem publicando desde domingo, recenseia, entretanto,
alguns números que, por si s, ilustram com eloqüência insofismável o grau das distorções, dos escân-
dalos, das violências que se cometeram em nome de um modelo de desenvolvimento fundamentado na
concentração de renda, nos entraves à iniciativa privada, no cartorialismo, no favorecimento, na irres-
ponsabilidade e na fisiologia.
91
Segundo o jornal, o Estado brasileiro era um que se dedicava “a subsidiar a inefici-
ência dos que vivem à sombra do poder”, que se baseava “no jogo de interesses fisiológi-
cos, superdimensionando um funcionalismo para o qual é incapaz de, exigindo produtivi-
dade, prover de salários adequados”, cujo papel na redistribuição de renda e no atendi-
mento às carências básicas da população se prestava “a comparações vergonhosas com
países que vivem em um estágio de desenvolvimento muito mais incipiente que o do Bra-
sil”, um Estado que tinha “no labirinto de regulamentações e no inferno burocrático a raiz
de um processo de corrupção e de ineficácia que o contamina em todas as suas instân-
cias”.
Um Estado que, incapaz de financiar investimentos em infra-estrutura, incapaz de promover a justiça
social, resistente às tímidas tentativas até agora feitas no sentindo de maior controle sobre seus gastos,
ameaça entrar no colapso total da hiperinflação, arrastando consigo a sociedade em seu conjunto.
92
Vale ressaltar que o texto chama a atenção para o campo das relações comerciais do
Brasil com o mundo: “O controle do comércio exterior é feito por 74 diferentes órgãos
governamentais.” Dessa forma, fica claro que o ataque ao “modelo econômico” é simul-
tâneo a um ataque ao Estado, bem como a uma ofensiva contrária aos níveis de sua pre-
sença no mercado, e pregando a sua relativa retirada. Muitas vezes é possível perceber,
inclusive, uma certa postura progressista de viés antiestatal o que desmistifica qualquer
suposta necessidade de se alinhar obrigatoriamente o progressivismo ao estatismo. Diz a
Folha:
91
Folha de S. Paulo, “Miséria de uma campanha”, Opinião, 3 out 1989, p.A-2.
92
Idem.
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132
A comparação entre os recursos envolvidos nos dois setores [social e estatal] demonstra, acima de tudo,
o extremo descaso com que o poder público, ao longo de décadas de um modelo econômico em vias de
colapso, tratou as necessidades mais urgentes da população. Ilustra-se, dramaticamente, a distorção de
um sistema em que o Estado intervém com máximo vigor na área produtiva desenvolvendo o espetá-
culo angustiante de sua irracionalidade econômica, e se mostra completamente incapaz de promover, na
área de saúde, educação e saneamento, iniciativas básicas de atendimento às necessidade sociais.
93
Outro ponto relacionado à questão diz respeito à proteção que o Estado conferia
tanto com relação à concorrência externa sob o argumento da “indústria infante” do
processo de industrialização “desenvolvimentista” – como também à própria falta de con-
corrência interna, muitas vezes representada pelos monopólios estatais e no rígido
controle sobre as importações. Apesar de semelhantes, o ataque ao “protecionismo” co-
mercial, por exemplo, se difere da ofensiva ao “isolamento", dado que é possível defen-
der a “abertura” sem que isso signifique necessariamente uma postura antiprotecionista
como visto na defesa da internacionalização via exportações.
Além disso, é verdade que muitas vezes a crítica ao isolamento é feita com base em
uma referência passada, em um suposto modelo passado, mas é também, como foi vis-
to, produzida a partir de uma situação “recente” antiexportadora. Ao mesmo tempo, o te-
ma dialoga também com os ataques ao Estado em função das questões que levanta acerca
do monopólio estatal de alguns setores, escolhidos para a “proteção governamental”.
Nesse sentido, retirada do Estado é sinônimo de redução da proteção.
Em texto publicado na Folha de São Paulo, em 22 de março de 1989, Jorge Simeira
Jacob empresário, ex-presidente da Associação Brasileira de Bancos Comerciais
(ABBC) exalta o samba enredo da Imperatriz, “Liberdade! Liberdade! Abre as asas so-
bre nós”, para atacar a excessiva presença “protetora” do Estado brasileiro no mercado. O
texto celebra a capacidade das escolas de samba, exaltando a inovação, o aprimoramento
e o trabalho dos grupos envolvidos.
O desafio de colocar na avenida, como algumas fazem, rigorosamente no horário, seguindo fielmente
um enredo, harmonizando vestimentas, canto, dança, acrobacia; considerando constituir-se de uma mul-
tidão desigual, na condição econômica e social, monoliticamente unida por um ideal comum, único, é
93
Idem.
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133
um verdadeiro milagre. Como organização é uma tarefa de complexidade superior ao lançamento de um
satélite artificial.
94
Ao mesmo tempo, o autor aponta para o combustível de toda essa empreitada: “a
liberdade”.
Por serem livres é que podem inovar. Por terem concorrência tamm livres é que m de inovar. Na
competição o que prevalece é o resultado, a conquista da opinião pública. Dela provém motivação à
busca da excelência, ambição de desempenho possível enquanto puderem decidir livremente sobre o
seu destino. (…) Está a receita para o sucesso: deixar que as pessoas e os grupos tomem conta das su-
as vidas. A anti-receita seria declarar que “a escola de samba é nossa” e criar para protegê-la um
“INPS” (Instituto Nacional de Proteção ao Samba). Os que não acreditam no perigo desta ameaça mere-
cem ser lembrados dos resultados de todas as atividades que feneceram por terem sido colocadas sob a
“sábia” e poderosa proteção governamental.
95
No caso dos alvos, tudo se mistura. Atacar o excessivo controle do Estado sobre a
economia é atacar o próprio Estado, o modelo de organização político-econômico e suas
bases como, por exemplo, a proteção governamental. Nesse sentido é que a abertura co-
mercial pode ser claramente percebida como parte de um processo de reformulação mais
geral do papel do Estado na sua relação com a sociedade brasileira e o mundo.
5.2.3 O Estado sob a mira de todos
Em 1989, o Estado é o campeão dos alvos escolhidos pelas correntes político-
ideológicas em disputa até porque os próprios ataques ao “isolamento” e ao “modelo”
são muitas vezes, como visto, formas indiretas de ataque ao seu comportamento, consoli-
dado ideológica e institucionalmente. Em 24 de abril, por exemplo, na Folha de São Pau-
lo, o então deputado federal Francisco Dornelles analisou a eleição presidencial daquele
ano apontando “o grande confronto de idéias” sobre “a excessiva presença do Estado no
94
J.S. Jacob, “A escola de samba é nossa”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 22 mar 1989, p.A-3.
95
Idem.
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134
campo econômico”, algo que estaria “provocado grandes distorções no mundo, em geral,
e no Brasil em particular”.
96
O Estado, ao assumir funções de empresário, ativa um processo perverso de centralização das decisões
econômicas e políticas, que representa um efetivo e grave risco para as liberdades públicas e para a au-
tonomia das entidades que integram a sociedade. O Estado centralizador impede o florescimento da e-
conomia de mercado, instrumento pelo qual uma sociedade define suas preferências, em um regime de
liberdade. O Estado centralizador inevitavelmente acaba no Estado burocrático, onde um imenso e pe-
sado corpo de funcionários substitui erroneamente o mercado, decidindo pela própria sociedade o que e
como produzir. O “Estado-empresário”, como é o caso do Brasil, representa para a sociedade que paga
a conta uma estrutura gigantesca e perversa.
97
É importante perceber que o ataque ao Estado em geral muitas vezes se faz repre-
sentado por uma ofensiva contra o “setor público”, que incluía, claro, as empresas estatais
e os funcionários públicos, em baixa estima naquele momento. Em um editorial de 11 de
julho de 1989, a Folha de São Paulo faz uma crítica ao modelo de atuação do Estado na
economia ao mesmo tempo em que prega a necessidade do país de atrair capitais, ou se-
ja, de estar mais aberto ao ambiente financeiro internacional.
O artigo faz uma análise do papel geral do “setor público” a partir dos problemas
no campo siderúrgico, que posteriormente viria a ser privatizado. A questão se inicia com
a defasagem do preço do aço no mercado interno em relação aos parâmetros internacio-
nais, parte da campanha das empresas estatais de conter o ímpeto inflacionário. “O preço
do aço no mercado interno acumula um atraso de 30% desde 1980: uma tonelada de aço
está custando US$730 no mercado internacional e apenas US$440 no mercado interno.”
98
Segundo o jornal, tal política resultaria numa redução drástica do investimento
das empresas estatais, das quais a economia brasileira era extremamente dependente. “A
capacidade de investimento com recursos próprios e de terceiros diminuiu ao longo da
96
F. Dornelles, “O PFL e a eleição presidencial”, in Folha de São Paulo, Opinião, 24 abr 1989, p.A-3.
97
Idem.
98
Folha de S. Paulo, “Atrais capitais”, Opinião, 11 jul 1989, p.A-2.
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135
década a ponto de muitas delas precisarem de recursos do Tesouro para pagar despe-
sas de custeio.”
99
Até quando as empresas estatais poderão continuar servindo para refrear o ímpeto inflacionário sem se
tornar obsoletas, e assim inviabilizar definitivamente a esperança de recuperação econômica? (…) Uti-
lizadas para cobrir o déficit no balanço de pagamentos (…), essas empresas assumiram um ônus finan-
ceiro que ultrapassa de longe a sua capacidade de pagamento.
100
Nesse sentido, segundo o editorial, são necessárias “operações de saneamento a to-
do o setor público empresarial” e uma transformação positiva no campo da “absorção de
recursos estrangeiros”, com o objetivo de “atrair o máximo possível de poupança e tecno-
logia, independente da sua forma; créditos comerciais e investimentos diretos”.
101
O ataque ao Estado, como foi dito, também poderia referir-se ao funcionamento
do setor público em geral e mesmo mais diretamente ao “funcionalismo público”. Jurista,
Thomaz Bastos analisou na época “a ordem pública”, que, segundo o autor, era “arbitrá-
ria e injusta, apenas às custas dos mais fracos”.
102
A falência dos serviços públicos, perpetuando a impunidade e semeando a insegurança, criando uma de-
sordem real sob a fachada de uma ordem aparente, é hoje uma das grandes ameaças à consolidação do
processo democrático, porque leva ao descrédito das autoridades públicas e cria campo fértil para a de-
magogia dos que andam em busca de bodes expiatórios.
103
Em seguida, o texto ressalta de modo claro o seu verdadeiro alvo: “O problema do
Estado.”
É interessante perceber que não a partir de idéias e interesses econômicos vinha
sendo feito o ataque ao Estado. O mesmo questionamento é produzido pela via do orde-
99
Idem.
100
Idem.
101
Idem.
102
M.T. Bastos, “De olho no ano 2000”, in Folha de S.Paulo, Opinião, p.A-3.
103
Idem.
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136
namento jurídico. Embutida novamente está até mesmo a crítica ao modelo exportador,
porque são alvos notórios os incentivos e os subsídios ao “setor privado”.
O Estado no Brasil, sobretudo a partir de 1930 teve papel importante na criação de uma infra-estrutura
econômica, sem a qual não teríamos o nosso parque industrial, a interligação do território (estradas, te-
lecomunicações) e alguns serviços básicos, embora precários em muitos casos. Embora com enormes
distorções, o Estado conseguiu beneficiar parcelas importantes da comunidade nacional. (…) Mas um
dos cios de origem desse modelo a apropriação por grupos privados da poupança nacional agra-
vou-se ao longo do tempo apresentando hoje níveis alarmantes. A tal ponto que o Estado, por essa e ou-
tras razões, tem hoje uma fraca capacidade de investimento, ou seja, não consegue mais cumprir o papel
de 10 ou 20 anos atrás. É preciso, sim, diminuir o tamanho do Estado, mas em benefício de todos, a
começar pelas grandes maiorias. Por isso, o corte drástico do ficit público passa necessariamente pelo
corte de subsídios e incentivos ao setor privado. (…) Diminuir o tamanho do Estado significa ao mesmo
tempo fazê-lo voltar-se para os setores de saúde, educação e pesquisa e reinstaurar ao país a racionali-
dade econômica.
104
Simultaneamente ao ataque conceitual ao Estado vinha a ofensiva orçamentária. E-
liana Cardoso, com as credenciais de doutora em economia pelo Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, cobra do Executivo brasileiro o corte imediato do déficit fiscal, visto
como motor da crise hiperinflacionária. Segundo a autora, as experiências dos planos
Cruzado e Bresser foram exemplos claros de que “a inflação não se cura com controle de
preços”. Como discutido anteriormente, este foi um ponto importante na mudança de
agenda no que diz respeito à inflação o desvio do foco dos preços para o Estado, o que
acaba por somar-se às ofensivas antiestatais do fim da década de 1980.
O único caminho que permite recompor o equilíbrio macroeconômico é o corte do déficit fiscal. Exis-
tem apenas três maneiras de se cortar o déficit: cortar gastos, aumentar impostos e repudiar a dívida.
Medidas razoáveis poderiam combinar a suspensão da construção Norte-Sul, garantindo a credibilidade
do compromisso do governo com o reequilíbrio do orçamento; a demissão de 60 mil funcionários con-
tratados sem concurso; o corte de subsídios fiscais e creditícios; e a suspensão provisória do serviço da
dívida externa, que seria renegociada pelo governo eleito em novembro.
105
104
Idem.
105
E. Cardoso, “Brasil urgente”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 29 mar 1989, p.A-3.
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137
O “Estado”, ou melhor, a “crise do Estado” é exatamente o tema do ex-ministro da
Fazenda Luiz Bresser Pereira em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 1
o
de junho
de 1989. O autor, que se tornou uma referência forte no debate da administração pública,
apontou para a mudança que houve entre o “papel [do Estado como] estruturador e fo-
mentador do desenvolvimento brasileiro entre os anos 30 e os anos 70” para o Estado
como “obstáculo ao desenvolvimento econômico do país” a partir dos anos 1980.
106
Para Bresser Pereira, no entanto, não se trata de apontar para a “ineficiência intrín-
seca” do Estado, como faz a “interpretação neoliberal de muitos dos nossos empresários”,
a “teoria dos ideólogos conservadores”. Segundo o texto, a precariedade passa pela crise
fiscal.
A causa fundamental da presente ineficiência do Estado está no fato de que o Estado brasileiro, hoje,
vive uma grande crise financeira, uma grande crise fiscal. Diretamente explicada pela vida externa
e pelo populismo desenvolvimentista interno.
107
A crise fiscal, vale perceber, serve para representar o excesso: “No caso brasileiro”,
a crise fiscal atual é tipicamente uma manifestação provocada “pela expansão desordena-
da e exagerada do Estado”, afirma Bresser Pereira.
108
Ao mesmo tempo, percebe-se cla-
ramente uma tentativa de diferenciação deste ataque de outra “conservadora”, “neolibe-
ral”, constituindo caminhos diferentes de pensamento e, por conseguinte, de instituciona-
lização. Ao reafirmar que o mercado “é criado e regulado pelo Estado”, Bresser Pereira
defende:
Estamos agora no momento de diminuição. Trata-se de um fenômeno mundial que no Brasil tem uma
validade redobrada, dada a dimensão da crise fiscal brasileira. Nós interviemos demais, quebramos o
Estado, ou deixamos que quebrasse, e agora temos que saneá-lo, reorganizá-lo, reduzindo o grau de in-
106
L.B. Pereira, Explicações alternativas para a crise do Estado”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 1
o
jun
1989, p.A-3.
107
Idem.
108
Idem.
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138
tervenção, e ao mesmo tempo teremos que definir suas novas tarefas, no quadro de uma nova estratégia
de desenvolvimento.
109
É importante ressaltar que na argumentação embutida uma ofensiva à forma da
relação entre o Estado e as empresas nacionais, que se refere ao problema da crise fiscal
por meio dos incentivos e subsídios proporcionados. “O setor privado, que também esta-
va bastante endividado até 79, continuou recebendo todos os subsídios e incentivos a que
estava acostumado e mais vantagens adicionais entre 81 e 83”, afirma o ensaio de Bresser
Pereira.
110
Além disso, isso significa dizer que a redução do Estado pode ser levada à
frente por meio da diminuição de subsídios dados ao mercado – o que, mais uma vez, não
condiz com a plataforma da internacionalização via exportações. Nesse sentido, Bresser
Pereira se posiciona de forma diferenciada em relação aos industriais exportadores e se
aproxima do argumento antiestatal:
O endividamento externo dos anos 70, o ajustamento em benefício das empresas privadas no início dos
anos 80, o desenvolvimento e o distributismo populistas que se agravaram depois da redemocratização,
a manutenção de subsídios e incentivos fiscais que perderam qualquer funcionalidade todos expandi-
ram o Estado de forma cada vez mais perversa, cada vez mais distorcida.
111
Vale repetir, é na onda antiestatal que navega a abertura comercial. Não à toa, o
presidente das principais associações de bancos brasileiros Leo Wallace Cochrane Júnior
escreveu, na Folha de São Paulo, em 7 de julho:
Todos sabem que precisamos urgentemente de um programa de governo (…) centrado em torno de uma
agenda mínima que deve incluir obrigatoriamente a resolução do binômio ficit público-inflação, no-
vas formas de inserção do Brasil na economia internacional (nas áreas de corcio e de capitais) e um
aumento expressivo da eficiência da máquina burocrática.
112
109
Idem.
110
Idem.
111
Idem.
112
L.W. Cochrane Júnior, “Coragem para mudar”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 7 jul 1989, A-3.
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139
Não à toa, a presença do Estado na regulação da economia também é questionada.
Ainda em julho, a Folha promoveu um debate de artigos em torno da pergunta: “Você
acha que o tema mais importante da campanha presidencial é o da presença do Estado na
economia?”
É exatamente o debate em torno do Estado que torna o ano de 1989 especial e re-
presentativo no que diz respeito às possibilidades originárias de constituição desse novo
Estado, que inclusive se apresenta após 20 anos de ditadura militar. No amálgama com-
plexo de opções que florescem no momento estão diferentes opções de relacionamento
entre o Estado e o mercado brasileiro e o internacional, diferentes “aberturas”, formas de
integração com a economia internacional, em suma, diferentes Estados. Esta é a lingua-
gem que compõe a ação política, a mudança institucional, escrevendo-a na partitura do
tempo.
Sobre a questão, o então deputado federal César Maia (PDT-RJ) afirmou que “era
natural e esperado que a discussão acerca do Estado ganhasse prioridade no debate eleito-
ral”.
113
Nesse contexto, César Maia alerta contra a corrente que, segundo ele, estaria se
aproveitando da crise do Estado para objetivos oportunistas, em clara referência à plata-
forma Fernando Collor de Mello.
Não é a mesma coisa discutir a estruturação do Estado como instrumento de privatização da coisa pú-
blica, em toda a sua complexa teia de concessões, ou tratá-lo na simples esfera do moralismo. Não é a
mesma coisa discutir a crise fiscal na compreensão dos mecanismos que precipitaram os impasses das
dívidas interna e externa, ou reduzir o problema ao custeio e ao salário de servidores. o é a mesma
coisa analisar as teias de incentivos e subsídios, fiscais, creditícios, e os preços públicos rebaixados,
como elementos integrantes do processo de acumulação do capital por parte de um empresariado carto-
rial, ou falar superficialmente da privatização como uma espécie de panacéia sem doutrina.
114
Sobre a mesma questão, o professor Ives Gandra da Silva Martins apontou o Estado
“deformado e gigantesco” como “o principal elemento a ser combatido pelo futuro presi-
dente”.
113
C. Maia, “Prioridades reais e aparentes”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 22 jul 1989, p.A-3.
114
Idem.
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140
Todos os outros problemas (desníveis sociais, inflação, distribuição de riqueza, redução dos inves-
timentos, dívida externa e interna etc.) são efeitos de uma causa, que, se o combatida, também torna
impossível o combate às suas conseqüências.
115
Mesmo quem não ataca o Estado por si, acaba por fazê-lo ao criticar os objetivos
em voga pelos quais o Estado trabalha, denotando assim um sentido de transformação das
condições presentes. É nesse sentido que o jurista Dalmo de Abreu Dallari escreveu:
O que existe na realidade, mesmo onde o capitalismo e a livre iniciativa são mais louvados, é a partici-
pação maior ou menor do Estado, variando a forma e a intensidade de sua interferência, precisamente
em função dos objetivos que predominarem em cada momento. O mesmo empresário que recusa a inter-
ferência do Estado quando pretende que seus lucros sejam ilimitados e que suas atividades fiquem livres
de qualquer controle, exige o auxílio do Estado para enfrentar um concorrente estrangeiro, para proteger
seus direitos e até seus privilégios ou para apoiar de alguma forma seu empreendimento econômico.
116
Vale chamar a atenção para a presença da questão em torno do “auxílio do Estado
para enfrentar um concorrente estrangeiro”, bastante representativa da forma como as re-
lações econômicas internacionais do país se inserem no debate intenso em torno da quali-
dade institucional e do próprio papel do Estado na sua relação com a sociedade, em plena
eleição presidencial e após 20 anos de regime militar.
Trata-se de um debate que absorve todas as esferas da relação entre o Estado e a
sociedade e é nesse conjunto de discussões que se insere o novo perfil de comércio in-
ternacional, como parte, por exemplo, de um espectro mais amplo de mudanças. Em 2 de
outubro de 1989, um editorial da Folha afirmou:
Quantifica-se, de um lado, a massa imensa de verbas que seriam necessárias para começar uma ação de
combate efetivo às carências sociais existentes no Brasil. De outro, o patrimônio gigantesco de uma
estrutura estatal imobilizada na ineficiência e na irracionalidade econômica.
117
115
I.G. Martins, “A inflação federativa”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 22 jul 1989, p.A-3.
116
D. de A. Dallari, “O Estado-instrumento”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 22 jul 1989, p.A-3.
117
Folha de S. Paulo, “Desperdício e carência”, Opinião, 2 out 1989, p.A-2.
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141
5.2.4 Os alvos
Em geral, o grande alvo ideológico disseminado pela mídia representativa da época
é o “Estado”. Este, no entanto, aparece em várias roupagens diferentes e é atacado por
linhas de pensamento completamente diferenciadas. Os defensores da exportação como
motor do desenvolvimento atacam o Estado que, no momento, lhe causa entraves. Os
mesmos entraves que Merquior critica na diferenciação entre “promoção” e “proteção”,
atacando o modelo protecionista. Ambos, no entanto, não condenam a “promoção” estatal
no mercado.
Outros, sim. Para alguns, o Estado perdulário, gastador, deficitário, ineficiente é a
origem de todos os males, e é preciso reduzir a presença do Estado até mesmo na socie-
dade em geral. O seu extenso alcance gera corrupção e endividamento insustentável. Re-
tirar o Estado, por esse caminho, significa também esvaziar as subvenções e a proteção
tarifária estabelecida.
5.3 Idéias-propostas: abertura e reforma do Estado
Em 16 de fevereiro de 1989, nas páginas de O Globo, Carlos Tavares de Oliveira,
consultor de comércio exterior da Confederação Nacional do Comércio, reclamou do
samba enredo da São Clemente, naquele ano: “Yes, nós temos banana”, citado anterior-
mente nesta obra.
Mais recentemente, como não podia deixar de acontecer, a crítica à exportação chegou ao carnaval.
Uma das importantes escolas de samba escolheu como tema central da sua música-enredo uma acerba
condenação à remessa para o exterior do “tesouro” brasileiro.
118
Como já foi dito, Carlos Tavares de Oliveira talvez fosse, na época, o principal por-
ta-voz de uma corrente que vinha defendendo não a manutenção do padrão exportador
adotado após a crise da dívida brasileira do início dos anos 1980, como até mesmo seu
118
C.T. de Oliveira, “Guerra à tolice”, in O Globo, 16 fev 1989, p.29.
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aprofundamento. Em 1989, no entanto, apesar de se juntar aos ecos em prol da “abertura”
uma determinada forma de abertura –, tal modelo vinha se defendendo de toda uma
campanha contra, inserida na questão da dívida externa e que transformava as exporta-
ções em um símbolo de um país curvado a um exterior mais poderoso.
Além disso, como visto, as exportações vinham sendo atacadas também pelo seu
caráter inflacionário. Afinal, o “modelo exportador” adotado nos anos 1980 amenizou o
desequilíbrio externo mas foi incapaz de lidar com os gravíssimos problemas internos do
país, como a inflação, por exemplo.
Ao mesmo tempo, o governo, na ânsia dos desequilíbrios fiscais, vinha impondo
uma rédea mais dura às transações comerciais, inclusive com metas de redução de supe-
rávit, bem como reduzindo subsídios e esvaziando o interesse depreciativo da moeda.
Ambas as medidas se somavam aos novos impostos estaduais que incidiam sobre as ven-
das externas do país, aprovados na Constituição de 88, e que foram percebidos como uma
ofensiva clara ao paradigma estatal-exportador vigente desde o desequilíbrio externo do
início da década.
Exportar é sem dúvida uma proposta que está sendo colocada em 1989 para a eco-
nomia brasileira. Além de estar intimamente ligada às relações econômicas internacionais
do país, a proposta abraça as idéias de “abertura”, rechaça a “xenofobia”, versão radical
do “isolamento”, mas, é importante notar, de forma alguma condena o controle tradicio-
nal do Estado sobre a economia. Tal é o caminho que está sendo atacado em um plano
mais “popular” pela noção de que “exportar” significa ceder ao estrangeiro o que de
melhor no país, idéia esta também relacionada com a percepção de que o estrangeiro,
mais forte, vinha “sugando” os recursos nacionais, o que apresentava ampla inter-relação
com a questão da dívida externa.
O mesmo ponto, no entanto, vinha sendo atacado também por um viés “antiestatal”
que afirmava: (1) a incapacidade deste tipo de organização econômica (estatal-
exportadora) de lidar com a situação de crise corrente; (2) a potencialidade, inclusive, do
mesmo modelo, de alimentar a própria crise dado o seu caráter inflacionário, por exem-
plo; bem como (3) o anacronismo frente ao “mundo em transformação”.
É preciso entender que de uma certa forma, o modelo exportador havia sido uma
forma de internacionalização da economia brasileira. Como mostra o gráfico a seguir, a
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143
trajetória ascendente das exportações brasileiras na virada do século se inicia antes até da
crise da dívida, em meados dos anos 1970, como resposta da última fase próspera do mo-
delo industrializante via substituição de importações: o “milagre econômico”. Vale lem-
brar, 1973 foi “o ano em que o Brasil cresceu 14%”. A taxa brasileira de crescimento das
exportações no período 1968-73 foi de 24,6%, bastante superior ao valor atingido no pe-
ríodo 1964/67, 4,1%.
O que irá se apresentar em 1989 são tipos variados de internacionalização. Em es-
pecial uma com forte sentido antiestatal.
Nesse sentido, esta seção pretende lidar com o terceiro e último passo no entendi-
mento do processo recente de mudança no perfil de inserção econômica do Brasil. A i-
déia aqui é identificar as principais propostas que estão sendo feitas à economia brasileira
no momento. E, nesse contexto, duas vias conjuntas se ressaltam de forma transparente: a
da transformação do Estado e a da abertura.
No âmbito desses dois caminhos, é importante perceber, as correntes exportadora e
antiestatal são aliadas na idéia de mais comércio apesar de diferirem quando se trata do
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144
tipo de comércio defendido. Além disso, as duas posições também são relativamente fa-
voráveis a um acesso maior ao capital estrangeiro e à tecnologia importada.
Se uma aliança nesses temas mais gerais, as mesmas duas correntes (difusa e
centralizada) adotam posições e abordagens diferenciadas sobre a oferta de bens importa-
dos, a ação do Estado no mercado, a política cambial, por exemplo. Trata-se de um deba-
te entre diferentes arcabouços de economia política com propostas diferenciadas de inter-
nacionalização.
Antes de começar, é importante ressaltar que a seleção feita para esta seção apre-
senta alguns argumentos apresentados no início de 1990. Isso se deve, em especial, ao
intervalo entre a eleição de Fernando Collor de Mello, em 15 de novembro, e sua posse,
em 15 de março prática posteriormente anulada exatamente pelo longo hiato de gover-
nabilidade que deixava ao país. Durante esses três meses prevaleceu claramente, como
não poderia deixar de ser, a intenção de se pressionar/convencer Collor o que também
explica a forte incidência aqui de posicionamentos políticos produzidos no fim de 1989 e
início de 1990, inclusive do próprio presidente eleito. Neste período, Collor começa a a-
presentar à nação, sem a pressão do contexto eleitoral, o que ele realmente pensa sobre o
que deve ser feito, o tema da seção que aqui se segue.
5.3.1 Mais integração
Um momento bastante representativo da força consensual em torno da “abertura da
economia brasileira” foi o questionário implementado pela Folha de São Paulo aos can-
didatos à Presidência brasileira e comentado em editorial do mesmo jornal, em 1
o
de no-
vembro de 1989, não à toa intitulado “Retórica liberal”. Segundo a Folha: “Com poucas
variações, um razoável consenso parece percorrer as opiniões dos candidatos sobre a
questão da abertura comercial.”
119
No questionário, o tema do acesso ao capital estrangeiro também está no topo da
pauta. “Mesmo Lula e Brizola têm o hábito de não se dizer contrários, em tese, ao capital
119
Folha de S. Paulo, “Retórica liberal”, Opinião, 1 nov 1989, p.A-2.
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145
estrangeiro, do mesmo modo que Covas, Ulysses, Maluf ou Afif”, afirmou a Folha, ao
mesmo tempo em que reforça “maior integração tecnológica com a economia internacio-
nal, a idéia de uma diminuição das barreiras alfandegárias e a crítica a sistemas de reserva
de mercado”.
120
Na virada do ano, em 20 de janeiro de 1990, no jornal O Globo, Augusto do Règo
Bayan, presidente da Federação das Associações Comerciais, Industriais e Agro-Pastoris
do estado do Rio de Janeiro, também aproveitou o momento para pedir menos restrições
ao capital estrangeiro.
A retomada do nosso desenvolvimento se fará antes pela consciência do novo papel do empresário no
processo democrático que vivemos, restaurando-se a confiança dos contribuintes no sistema fiscal, am-
pliando-se o direito de cidadania e encorajando-se empreendedores, autônomos, pequenos, médios e
grandes empresários nas atividades econômicas que por vontade própria escolham reabilitando-se a mo-
eda, incorporando-se o País às práticas da competição internacional, abrindo-se oportunidades de inves-
timento aos capitais, venham de onde vierem, com seu potencial de emprego, divisas e de tecnologia.
121
Em editorial de 24 de julho de 1989, O Globo também segue o caminho da abertu-
ra. Produzido em protesto às pressões do “Primeiro Mundo” para mais abertura no Brasil
e, em geral, nas economias médias em desenvolvimento, o texto enaltece a opção, segun-
do o jornal, já feita pelo país no ano anterior, em 1988.
No ano passado, essa nova postura começou a ser colocada em prática: as tarifas aduaneiras diminuí-
ram, a lista de produtos com importações suspensas foi cortada pela metade e quase todas as barreiras
administrativas e burocráticas foram eliminadas (ao ponto de as agências da Cacex expedirem guias de
importação em 48 horas).
122
O jornal pede que a pressão política por mais abertura seja substituída por financi-
amentos à importação, contextualizando a mudança do comportamento brasileiro em re-
lação ao comércio internacional. Ressalta que fortes restrições às importações foram cria-
120
Idem.
121
A. do R. Bayan, “O que tem de dar certo”, in O Globo, 20 jan 1990, p.4.
122
O Globo, “Lógica do comércio exterior”, O País, 24 jul 1989, p.4.
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146
das a partir de 1974, como produto do primeiro choque do petróleo, que impôs problemas
ao Balanço de Pagamentos do país.
Para estimular a produção interna de itens que pesavam na balança comercial matérias-primas, bens
intermediários, componentes, quinas e equipamentos –, o Brasil elevou as tarifas aduaneiras e foi
criando uma série de barreiras burocráticas para dificultar as importações aoximo.
123
Posteriormente, como afirma o jornal, a crise da dívida externa, em 1982, gerou
“uma escalada de restrições para a suspensão de importações de um grande número de
itens considerados não-essenciais”, tudo isso respaldado pelas leis internacionais e as re-
gras do Gatt, que permitiam a qualquer país que suspendesse importações quando seu ba-
lanço de pagamentos encontrava-se “fortemente desequilibrado”. Com a maturação do
processo de substituição de importações que então abraçava o setor de bens de capitais
–, o país “não deixou de importar inúmeros produtos como passou a ter excedentes
para exportar, pois o mercado interno apresentou o crescimento negativo previsto para o
período”.
124
O processo de substituição chegou ao exagero de a indústria importar 5% do valor de todas as má-
quinas, peças e componentes que utilizava, percentual semelhante ao de economias que atravessaram
longos períodos de fechamento, como a Espanha franquista ou a Albânia stalinista. Mas as autoridades
brasileiras acabaram por perceber que os mega-superávits que o País estava acumulando na balança
comercial o deveriam servir apenas para cobrir os encargos da dívida externa, mas para possibilitar
importações capazes de reduzir os custos internos na compra de componentes e equipamentos para mo-
dernizar e aumentar a produtividade do parque industrial.
Tal argumentação vai ao encontro da plataforma exportadora, e é nesse sentido que
a “abertura”, como foi sugerido, ganha uma força dupla de apoio, tanto por um viés
mais exportador quanto por outro mais antiestatal, ambos com perspectivas bastante dife-
renciadas de internacionalização. A expressão “mais comércio internacional”, em 1989,
123
Idem.
124
Idem.
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147
que atua sobre a constituição das relações econômicas internacionais do país, tem, na é-
poca, como não poderia deixar de ter, vários significados.
Em janeiro de 1990, o jornal O Globo volta mais uma vez ao tema da abertura, e-
naltecendo o fim do “similar nacional”.
O Brasil precisa deixar de ser o país do “similar nacional” – expressão que, assim como “produto sur-
fluo”, se tornou um instrumento de defesa dos cartórios que se instalaram em nossa economia para se
tornar o país da eficiência e da produtividade. O similar nacional deve ser o produto que, pela sua quali-
dade e preço, desestimulará qualquer importação, e não o contrário, como tem sido até hoje: o produto
que o precisa ser aperfeiçoado nem barateado porque o enfrenta mais que uma simulação de con-
corrência.
125
O então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
Mário Amato, também toca no tema da abertura, em artigo publicado na Folha, em 25 de
agosto de 1989. Para o presidente da Fiesp, o Brasil precisava, do novo presidente, de um
compromisso com a “modernidade”:
Parece óbvio que o maior ou menor compromisso com a modernidade é que vai determinar que país se-
remos no século XXI”, sem abrir mão de definir o que realmente significa o que chamou de “palavra-
chave do futuro. (…) Essa postura implica, por exemplo, reconhecimento da interdependência do mun-
do capitalista, que se deve traduzir numa política de maior integração do Brasil com seus parceiros eco-
nômicos. Numa palavra, maior abertura ao capital estrangeiro. Desnecessário insistir nessa obviedade:
não temos poupança suficiente para financiar nosso desenvolvimento, necessitamos ter acesso às mais
modernas tecnologias, condição indispensável à consolidação de uma indústria realmente competiti-
va.
126
O líder industrial apresenta inclusive uma perspectiva de abertura que inclui impor-
tações em competição no mercado interno com os produtores nacionais, posicionando-se
de forma radical em sentido contrário ao tradicional protecionismo do modelo desenvol-
vimentista.
125
O GLOBO, “Sinais de amadurecimento”, O País, 17 jan 1990, p.4.
126
M. Amato, “Modernizar – verbo impositivo”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 25 ago 1989, p.A-3.
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148
Abrir nosso mercado à importação pode ser hoje a forma eficaz de contribuir para aperfeiçoar e moder-
nizar o nosso sistema produtivo, na medida em que nos forçará a sermos mais competentes. Uma con-
trapartida lógica ao magnífico desempenho que vimos mantendo nas exportações.
127
Exportar, abrir-se para o mercado internacional, liberar o acesso ao capital estran-
geiro, flexibilizar o regime importador, todas são idéias de peso que ganham a dimensão
de receituário para o Brasil sair da crise que perdurou ao longo de toda a década de 1980.
Tais são argumentações que constituem toda uma nova relação econômica do país com o
exterior e novas relações internacionais. Mas tudo isso, entretanto, para muitos, é uma
parte apenas de todo um questionamento mais estrutural sobre a natureza do Estado. As
lideranças no Brasil de 1989 repensaram a constituição do país como comunidade políti-
ca.
5.3.2 Transformar o Estado
O ano de 1989 no Brasil se caracterizou fortemente por um questionamento relativo
à natureza do Estado e, em especial, ao seu papel na economia, ao seu posicionamento
nas relações de mercado. Para muitos, sair da crise dos anos 1980, que se aprofundava na
virada da década com índices altíssimos de inflação e baixíssimos de crescimento da ren-
da, significava redefinir a qualidade do Estado.
Por exemplo, logo em 1
o
de janeiro de 1989, a Folha de São Paulo publicou em seu
Caderno de Economia trabalhos em torno do que fazer para o país superar a crise que
ameaçava perdurar pelos anos 1990. Em editorial do mesmo dia, o jornal listou providên-
cias como a renegociação da dívida externa, o equacionamento da dívida interna, o equi-
líbrio orçamentário do setor público, a redução da presença do Estado na economia, o re-
forço da autoridade monetária, a reforma industrial e a geração de “novos processos tec-
nológicos”.
128
127
Idem.
128
Folha de S. Paulo, “A estagnação brasileira”, Opinião, 1 jan 1989, p.A-2.
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149
Mais além, no que diz respeito ao redimensionamento político do país, o jurista
Márcio Thomaz Bastos, também na Folha, em 13 de fevereiro, aponta com veemência as
necessidade de se reduzir o tamanho do Estado e cortar o déficit público. Nesse momen-
to, muito em voga está a associação entre redução e “desprivatização”. Diminuir o Estado
significa aqui “desprivatizá-lo” – ou esvaziá-lo do controle exercido por particulares.
Diminuir o tamanho do Estado, desprivatizá-lo e reduzir a sua ingerência na vida dos cidadãos é algo
que se entende, do ponto de vista democrático, com igual esforço no sentido de fortalecer a socieda-
de civil e seus instrumentos de representação. Só assim entraremos com odireito no ano 2000.
129
Além disso, é importante perceber que não se trata somente de “transformar o Esta-
do”, mas também, e mais complexo, de modificar a relação deste com os diferentes seto-
res da sociedade, como, por exemplo, o empresarial. Nesse sentido, se inter-relacionam
os caminhos da abertura e da reforma da autoridade, quando mais relações econômicas
internacionais significam não mais acesso ao capital externo, mas também menos pro-
teção à indústria nacional. Não à toa, escreve Thomaz Bastos: “É preciso que o empresa-
riado nacional aprenda a viver sem as “benesses” do Estado.”
130
A visão de um jurista, como foi percebido outras vezes em argumentos apresenta-
dos por Dalmo Dallari, certamente suscita um questionamento importante relativo ao
processo de abertura econômica no Brasil: se este de fato não esteve o tempo todo, em
um plano mais macro, interligado à crise de regimes políticos mais centralizados identifi-
cada com o fim da Guerra Fria. Como no Leste europeu, é possível aqui vislumbrar a i-
déia de que a relativa abertura econômica experienciada pelo Brasil a partir do período
88/89 foi um dos produtos da derrocada política, naquele mesmo momento, de sistemas
mais fechados de governo, parte específica e peculiar de um mesmo processo: o fim da
Guerra Fria. De uma forma estrutural, o período pode ser claramente visto como um em
que ordens políticas e, conseqüentemente, regimes econômicos desmoronam.
129
M.T. Bastos, “De olho no ano 2000”, in Folha de S.Paulo, Opinião, p.A-3.
130
Idem.
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150
Como bem representa o texto de Márcio Thomaz Bastos, em 1989, o foco do pro-
blema era o Estado, em um momento no qual o país caminhava para a sua primeira elei-
ção direta para presidente em mais de 20 anos:
O problema refere-se ao tamanho e às características que o Estado adquiriu entre nós, e que exigem uma
reavaliação a fundo do seu papel. Fala-se muito hoje em modernização e em preparação do Brasil para o
próximo século que se aproxima e, a nosso ver, isto inclui necessariamente o problema do Estado.
131
Um artigo do então deputado federal Francisco Dornelles (PFL/RJ), publicado pela
Folha, em 24 de abril de 1989, também é bastante representativo da idéia de que um grau
maior de abertura econômica, de fato, foi produto de um processo de desmoronamento de
uma autoridade política mais fechada e centralizadora, em consonância com outros pro-
cessos semelhantes experimentados, naquele momento, ao redor do planeta, caracterizan-
do o período histórico do fim da Guerra Fria. Escreveu o então deputado: “A escolha do
próximo presidente da República encerra em sua essência uma opção fundamental entre o
aprimoramento do Estado democrático e a aventura na direção de um estatismo absolutis-
ta.” O caminho é o do “aprimoramento do Estado democrático”.
O Estado centralizador inevitavelmente acaba no Estado burocrático, onde um imenso e pesado corpo
de funcionários substitui erroneamente o mercado, decidindo pela própria sociedade o que e como pro-
duzir. O “Estado-empresário”, como é o caso do Brasil, representa para a sociedade que paga a conta
uma estrutura gigantesca, de um custo social alto e perverso (…) A tentação estatista alcançou demo-
cracias ocidentais estáveis e também países em desenvolvimento, refletindo-se em decisões políticas es-
tatizantes e limitadoras da atuação da iniciativa privada. As lições da história recente, contudo, estão de-
terminando que países de todas as latitudes e de todos os hemisférios se movam, na atualidade, em dire-
ção oposta. O mundo ocidental e oriental experimenta uma tendência poderosa rumo à proclamação da
liberdade econômica e do respeito à livre iniciativa, como molas-mestras do progresso material, social e
intelectual da humanidade.
132
No que diz respeito a um terreno puramente econômico, se é que tal é possível, a
idéia central gira em torno da necessidade de uma reforma fiscal. “Cabe ao presidente
131
Idem.
132
Idem.
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151
cumprir o que prometeu, reduzindo a máquina pública, controlando gastos e fiscalizando
o pagamento dos impostos”, afirmou a professora Eliana Cardoso, na Folha, em 29 de
março de 1989. Mesmo a mais pura das intenções econômicas, no entanto, resvala no
terreno político, e, para a economista, o não-desenvolvimento de um processo de redução
financeira do Estado processo este caracterizado como “o único caminho que permite
recompor o equilíbrio macroeconômico” levaria nada mais, nada menos, do que à volta
de um regime do tipo militar. Em 1989, abertura política e econômica são faces da mes-
ma moeda.
Cabe ao governo evitar o desastre econômico sem precedentes que se delineia no horizonte. Mesmo
num ano de eleições, os interesses de longo prazo do país devem sobrepor-se aos fins eleitorais mais
imediatos. Mesmo porque, a continuarmos na presente trajetória, o resultado das eleições de 1989 será
um golpe militar, pelo qual o presidente e seus conselheiros terão de se responsabilizar.
133
Um editorial do jornal O Globo de 17 de janeiro de 1990 é bastante claro ao inter-
relacionar reforma do Estado com uma economia mais livre, como forma de alívio para a
crise em que se encontrava o país. Ao comentar as propostas apresentadas pela equipe
econômica coordenada por Zélia Cardoso de Mello ao presidente eleito Fernando Collor,
escreveu O Globo que tais medidas vinham para “romper com os preconceitos que nos
últimos anos se constituíram em obstáculos para o desenvolvimento da economia brasi-
leira”.
134
A primeira proposta a ser tratada foi a privatização “uma maneira de tornar as a-
tuais estatais em companhias mais dinâmicas (e menos dependentes do Erário), além de
levantar recursos que o Estado necessita para cobrir seu imenso déficit crônico”. Ainda
sobre a privatização, diz o jornal, chamando a atenção para um componente fundamental
da abertura, é “salutar” que a equipe “não tenha excluído o capital estrangeiro desse pro-
cesso”.
135
133
E. Cardoso, “Brasil urgente”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 29 mar 1989, p.A-3.
134
O Globo, “Sinais de amadurecimento”, O País, 17 jan 1990, p.4.
135
Idem.
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152
Finalmente, é celebrada uma reforma cambial que reduza o controle sobre o merca-
do de câmbio vítima da escassez de moeda estrangeira ou da voracidade do Estado-
nação endividado –, o que poderia impulsionar o comércio exterior brasileiro.
136
O comércio exterior brasileiro marcha para um fluxo anual da ordem de US$ 60 bilhões anuais. Tem
potencial para crescer mais mas vê-se limitado por um mbio administrado, geralmente não confiável
– e o comércio exterior depende de regras estáveis e duradouras.
137
Ao mesmo tempo, e antes de tudo, há de ficar clara a intenção do governo “de equi-
librar de forma permanente suas contas”. Um novo Estado, uma nova regulação, uma no-
va configuração política:
É tudo, em suma, uma questão de amadurecimento tanto no comando da economia como no compor-
tamento dos agentes econômicos (...) É de se esperar que, na política econômica do próximo Governo, o
comércio exterior o seja encarado apenas como um gerador de divisas para ajudar no serviço da dívi-
da externa.
138
Luiz Bresser Pereira, em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 1
o
de junho
de 1989, também vai direto ao problema do Estado para refletir sobre o momento político
econômico brasileiro de então.
O Estado teve um papel estruturador e fomentador do desenvolvimento brasileiro entre os anos 30 e os
anos 70. Suas funções estavam sempre mudando, as formas de intervenção variaram a cada década, mas
sempre seu papel foi decisivo na promoção de um desenvolvimento econômico que nesse período foi
realmente muito grande em termos comparativos mundiais. Entretanto, a partir dos anos 80 o Estado
transforma-se em um obstáculo ao desenvolvimento econômico do país.
139
136
Idem.
137
Idem.
138
Idem.
139
L.B. Pereira, Explicações alternativas para a crise do Estado”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 1 jun
1989, p.A-3.
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153
Como foi lembrado anteriormente, havia, para Bresser Pereira, duas formas de in-
terpretar a “crise do Estado”. Uma forma, mais “neoliberal”, que, para o autor, tinha a-
poio em partes do empresariado e defendia a idéia da “ineficiência intrínseca do Estado”,
e outra, que apontava para o problema da crise fiscal. Ambos, no entanto, previam basi-
camente a solução de sempre naquele momento: a redução/revisão do Estado e/ou da atu-
ação do Estado.
A crise do Estado brasileiro é obviamente uma crise fiscal que pode ser diretamente explicada pela dí-
vida externa e pelo populismo desenvolvimentista interno (…) É tipicamente uma manifestação das dis-
torções cíclicas provocadas pela expansão desordenada e exagerada do Estado (…) É importante, por-
tanto, acentuar o caráter cíclico da intervenção estatal Estamos agora no momento de diminuição.
Trata-se de um fenômeno mundial que no Brasil tem uma validade redobrada, dada a dimensão da crise
fiscal brasileira. s interviemos demais, quebramos o Estado, ou deixamos que quebrasse, e agora te-
mos que saneá-lo, reorganizá-lo, reduzindo o grau de intervenção, e ao mesmo tempo teremos que defi-
nir suas novas tarefas, no quadro de uma nova estratégia de desenvolvimento.
140
Toda essa transformação não surge assim incólume à influência da tradição. Não à
toa, um editorial da Folha de São Paulo de 6 de julho de 1989 foi intitulado “A força do
passado”. Em referência ao contexto argentino, para tratar de pressões impedidoras da
reforma supostamente necessária, o alvo principal do texto era, nada mais, nada menos
que o Estado. Diferentemente do contexto de 2006, em 1989 a privatização está elegendo
governantes no Brasil.
A reação de setores do peronismo aos intuitos privatizantes do presidente eleito da Argentina Carlos
Menem mais uma vez parece compor uma situação onde os fenômenos em curso no país vizinho ga-
nham quase imediata relevância para o debate brasileiro. A crise do setor blico ameaça (…) as duas
economias com semelhante vigor; o risco, numa conjuntura de hiperinflação, é simplesmente o de uma
total ruptura das instituições e da mais avassaladora turbulência social.
141
É interessante notar que a Folha chama a atenção para o embate de idéias do mo-
mento, que ocorre tanto no Brasil quanto na Argentina e em muitos outros países do pla-
140
Idem.
141
Folha de S. Paulo, “A força do passado”, Opinião, 6 jul 1989, p.A-2.
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154
neta, em especial naqueles em processo de desenvolvimento, oriundos do Segundo Mun-
do, ou de regimes políticos mais fechados e centralizados. Sobre a reação de certos seto-
res do peronismo ao processo de privatização de empresas estatais desencadeado pelo
governo Carlos Menem, a Folha escreveu: “Não é sem traumas que se abandona, num
quadro de mais aguda emergência, um conjunto de convicções, de dogmas e de argumen-
tos que sustentou, durante décadas, a ação de um partido político.”
142
Segundo o jornal, o mesmo embate no Brasil estaria claramente representado pelo
protesto de setores do PSDB contra Mario Covas no Senado, quando este se despediu da
Casa e lançou o seu programa de governo como candidato à Presidência pelo partido,
proferindo o seu famoso discurso em que afirmou a necessidade de um “choque de capi-
talismo” no Brasil.
Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem
justificativas ou utilidades comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. O Brasil não preci-
sa apenas de um choque fiscal, precisa também de um choque de capitalismo, um choque de livre ini-
ciativa, sujeita a riscos e não apenas prêmios.
143
Tentando convencer o país a se libertar do seu passado, o editorial da Folha de 6 de
julho de 1989 reconhece o “papel importante no desenvolvimento brasileiro” de empresas
estatais como a Petrobrás e a CSN, mas afirma: “Se ser hoje de ‘esquerda’ é o mesmo do
que em 1950, perde-se completamente a pertinência com os problemas da realidade con-
creta.” Para então constituir outro campo político-simbólico, apresentando, inclusive, um
novo modelo de polarização para o momento:
Toda uma discussão merece ser feita sobre o papel do Estado na economia; várias alternativas de priva-
tização podem ser delineadas; as dimensões desse processo devem ser discutidas; espaço para deba-
ter entre um modelo de economia estritamente liberal e o de um “welfare state” modernizado que não
necessariamente presume uma intervenção direta do Estado na área produtiva. O apego a fórmulas fei-
tas e a preferências doutrinárias ultrapassadas vai inviabilizando, entretanto, o próprio debate; discute-se
no vazio, com os olhos voltados para o passado; teme-se uma perda de identidade é o caso, mas uma
142
Idem.
143
M. Covas, “Programa de governo”, DCN2, 29 jun 1989, p.3205.
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155
vez, dos peronistas na Argentina assim como o dos partidos de esquerdano Brasil -, e o que se acaba
perdendo, com isto, é o próprio sentido do desenvolvimento histórico mais recente.
144
Claramente, como foi antes apontado, tal apresentação argumentativa é, naquele
momento, parte conjunta de um sentimento universal de crise interna e transformação
externa:
Em meio a uma crise profunda, que ameaça extinguir as próprias condições de sobrevivência econômi-
ca do país num mundo em frenética competição; em meio às ameaças mais vivas de um colapso hipe-
rinflacionário capaz de devastar a própria democracia, setores relevantes de opinião mergulham num
passado romântico e, com a mais clara falta de alternativas e de responsabilidade histórica, combatem
qualquer tentativa de mudança; e mesmo os intuitos mais tímidos ou condicionais de renovação ideoló-
gica se vêem, assim, envolvidos no preconceito, no obscurantismo e na fantasia.
145
O “choque de capitalismo” proposto por Covas também foi assunto de artigo escri-
to por Fernando Henrique Cardoso, na Folha, em 6 de julho de 1989. Cardoso, no texto,
procura se colocar em uma posição afastada do que chama de um “liberalismo de remen-
do”, mas, ao mesmo tempo, se mostra amplamente favorável a toda uma reforma do Es-
tado que reduzisse sua atuação, por exemplo, nas “áreas de produção direta que não lhe
são próprias”. Escreveu Fernando Henrique Cardoso:
Covas, no discurso, não teve meias palavras: é preciso um choque de capitalismo. Como? Favorecendo
o investimento produtivo, retirando o Estado das áreas de produção direta que não lhe são próprias, aca-
bando com os cartórios e com os subsídios que usam os impostos (elevados) pagos pelos que mais pre-
cisam de recursos para dar aos privilegiados do regime, e assim por diante.
146
Ao mesmo tempo, Cardoso também apresenta um novo paradigma, ou “sistema”,
para o debate político a partir de então. Um que seja visto como um contraponto consen-
sual ao modelo anterior, “herdeiro direto do período militarista”.
144
Folha de S. Paulo, “A força do passado”, Opinião, 6 jul 1989, p.A-2.
145
Idem.
146
F.H. Cardoso, “A novidade dos choques”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 6 jul 1989, p.A-2.
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O país está se transformando numa vala comum de desesperados (inclusive de produtores desesperados
como, especialmente, os do campo) explorada por “rentiers” da vida pública e especuladores impro-
dutivos. Tudo isso com a cumplicidade dos que não querem (e alguns que o conseguem) tomar medi-
das para quebrar este “sistema”, herdeiro direto do antigo “sistema”, do período militarista recente, cuja
colaboração para a estatização da economia e para a concentração da renda nunca é de mais recordar.
(…) Não será cil produzir esse choque de modernidade não apenas econômico, mas também social. E
isso não se fará se as forças políticas que estão contra o novo “sistemamantiverem-se isoladas umas
das outras, felizes em seu espndido isolamento e ainda por cima desconfiando de que cada força que
queira somar, se não for “pura”, apenas contamina os que querem mudar as coisas.
147
A maré de mudança era ampla. Incluía tanto Mario Covas quanto o presidente da
Federação Nacional dos Bancos, Leo Wallace Cochrane Júnior. Este, em 7 de julho de
1989, publicou um artigo na Folha no qual prega uma total “reforma do setor público”,
para que depois o país possa “pensar com objetividade nas novas formas de participação
brasileira nos fluxos internacionais de bens e de capitais, dentro de um quadro de intensas
transformações tecnológicas e de crescente integração da economia mundial”.
Todos sabem que precisamos urgentemente de um programa de governo, se quisermos sair do atoleiro
atual, centrado em torno de uma agenda mínima que deve incluir obrigatoriamente a resolução do bi-
nômio déficit público-inflação, novas formas de inserção do Brasil na economia internacional (nas áreas
de comércio e de capitais) e um aumento expressivo da eficiência daquina burocrática.
148
O ano de 1989 reúne na mídia representativa um amplo questionamento sobre o Es-
tado, em meio a um ambiente radical de crise interna e de transformação externa. Nesse
sentido, a dúvida colocada sobre a natureza do Estado abre espaço para redefinições no
que diz respeito à relação desta própria com a sociedade em geral em uma nova confi-
guração não mais caracterizada por um regime político fechado e centralizado bem co-
mo com o mercado, onde os conceitos vigentes ao longo do processo de industrialização
via substituição de importações não mais gozavam de unanimidade, pelo contrário, havi-
am se tornado alvos tidos como impedidores de uma dinâmica econômica mais positiva.
147
Idem.
148
L.W. Cochrane Júnior, “Coragem para mudar”, in Folha de S. Paulo, Opinião, 7 jul 1989, p.A-3.
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É nesse sentido que 1989, em meio a esse contexto e marcado por um amplo debate
estabelecido ao redor das eleições de novembro, é um ponto fundamental constituidor do
debate político econômico posterior e atual, e, por isso, conseqüentemente, das próprias
relações econômicas internacionais do país.
5.3.3 Contra as carroças e os marajás
As idéias de Collor estão em consonância com aquelas apresentadas até então como
disseminadas pela mídia representativa no Brasil em 1989. Ora, o foco principal de Col-
lor em 1989 era, sem dúvida alguma, o Estado. “O ponto de partida será a reforma do Es-
tado”, afirmou em discurso na Câmara de Comércio do Brasil, em Londres, em 9 de feve-
reiro de 1990, quando falava como presidente eleito, a tomar posse em 15 de março. O
argumento vitorioso na eleição denota uma nítida discussão acerca da natureza do Estado,
típica de um ambiente que experimentava um momento de transição de regimes políticos.
Afirmou Collor, na ocasião:
De fato, a construção do Estado brasileiro vem incorporando ao longo da história distorções graves. A
tendência que vem do período colonial é a de que o Estado se constitua em centro único de poder no Pa-
ís, controlando e bloqueando a manifestação das forças da sociedade. Neste processo, o aparelhamento
do Estado se auto-reproduz, se agiganta e entra em atividades típicas da esfera privada, ao mesmo tem-
po em que perde eficiência nas que o próprias do poder público. A hipertrofia burocrática termina por
enfraquecer o Estado, que não tem recursos, não tem prestígio, não tem autoridade e, portanto, não é
respeitado.
149
Mas o que significa “reformar o Estado”? É importante perceber neste ponto como
o processo de liberalização da economia brasileira adotado a partir de 1989, tanto no pla-
no interno quanto no externo, constitui parte de um quadro mais amplo de redefinição da
política. Sob o manto da “reforma do Estado” está tanto o combate à inflação, pela via da
149
F.C. de Mello, Discurso na Câmara de Comércio do Brasil, Londres, 8 fev 1990, publicado in O Globo,
9 fev 1990, p.6.
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reorganização das finanças públicas, quanto a idéia de “uma incorporação mais ampla à
economia mundial”. Afirmou Collor:
Ao reformar o aparelho estatal, estaremos enfrentando o aspecto mais imediato da crise a inflação.
Fazem parte de nossa estratégia nesse combate do fenômeno inflacionário e a estagnação como um to-
do: um rigoroso ajuste fiscal, com vistas a diminuir o déficit blico e acabar com o desequilíbrio or-
çamentário; um processo de desregulamentação e liberalização paulatina da economia que facilite a ex-
pansão do setor privado, o estímulo à concorrência, a assimilação dos frutos do avanço tecnológicos; e,
por fim, uma incorporação mais ampla e competitiva à economia mundial.
150
De fato, a idéia é a de uma reestruturação ampla e irrestrita nas relações do Estado
com as sociedades brasileira e internacional, inclusive com a incorporação do discurso
relativo ao meio ambiente.
151
Collor, naquele momento, representava a linha de frente de
um questionamento sobre os modelos “desenvolvimentista” e “exportador”, que previam
determinados arranjos para o ambiente interno (incentivo às exportações, por exemplo) e
externo (contenção das importações). Um novo paradigma significava também novas re-
lações internacionais:
Do início dos anos 80 para cá, a questão da dívida vem despertando cada vez menos atenção da opinião
pública, e da maior parte dos grupos de interesse das sociedades desenvolvidas. O problema quase dei-
xou de ser notícia nesta parte do Mundo. Esse relativo esquecimento dever-se, suponho, mais a consi-
derações de ordem jornalística, do que a motivos históricos concretos. Digo isso porque, para os países
em desenvolvimento de modo geral, e especialmente para a América Latina, o esforço exigido pelo pa-
gamento da dívida não deixou de produzir conseqüências econômicas cada vez mais graves, e nem de
nos aproximar perigosamente do limiar da ruptura social. (…) Nas nações em desenvolvimento, e muito
especialmente na Arica Latina, vai-se consolidando a sensação de estarmos confinados e esquecidos,
salvo quando envolvidos em alguma questão de interesse das sociedades desenvolvidas. (…) O Brasil
se recusa a ser nação confinada em meio às oportunidades e desafios da cooperação internacional. Dese-
ja participar ativamente do intercâmbio de experiências com outros povos. Orgulhoso de sua identidade,
150
Idem.
151
Neste mesmo discurso, Collor afirma: Tenho clara consciência do alcance do drama ecológico. Não
vejo sua solução como tarefa do Governo, mas na verdade como trabalho de uma geração. A poluição é
herança que recebemos de nossos antepassados e corresponde a um modelo de desenvolvimento que traz
altos custos para a vida na Terra. O modelo está esgotado. É preciso corrigi-lo, e de maneira profunda”.
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159
buscará, como sempre, a colaboração franca e igualitária com seus parceiros. Sua atitude é de diálogo e
solidariedade num Mundo cada vez mais revigorado pelo ideal de liberdade e pelo imperativo da paz.
152
Prega-se um novo modelo de desenvolvimento, e, conseqüentemente, um novo
paradigma na relação com a sociedade, o mercado, o próprio meio ambiente. Em entre-
vista coletiva concedida em 14 de fevereiro de 1990, Collor afirma tratar-se de um “pro-
jeto de reconstrução nacional”.
153
Milhares e milhares de brasileiros (…) que se transformarão em operários da reconstrução nacional jun-
to com o Presidente da República, para que nós não mais permitamos que exista na nossa sociedade es-
ses aproveitadores que querem retirar tudo do Estado e da Nação brasileira sem lhes dar nada em tro-
ca.
154
O ataque às “elites”, colocadas como alvo do discurso vencedor, se pela via da
relação destas com o Estado, e a perduração desta relação é tomada como uma causa fun-
damental dos problemas econômicos e sociais do país.
Uma parte das elites (…) faz com que uma situação atinja à beira do caos absoluto, como essa que nós
estamos vivendo. São aquelas elites favorecidas pelas benesses do Estado. São aquelas elites agarradas
às vantagens que o Estado lhes possa conceder. São as elites que não são competitivas, que se escondem
atrás de cartórios para impedir que seja vista a sua incapacidade, a sua falta de condição de gerenciar o
seu próprio negócio. São os ineficientes, o os acovardados diante da realidade nacional, são os aco-
vardados diante da lei da competição, das leis da economia de mercado.
155
Vale chamar atenção para o fato de que a relação entre o Estado e as “elites”, tida
como perversa, inclui a proteção gerenciada pelo poder público, inclusive proteção no
que diz respeito à oferta internacional. Nesse sentido, a redefinição na qualidade do Esta-
do necessariamente deve incluir, pelo menos, um movimento relativo de desproteção in-
152
Idem.
153
F.C. de Mello, entrevista coletiva concedida em 14 de fevereiro de 1990, publicada na íntegra em O
Globo, “Vou declarar guerra à inflação”, 15 fev 1990, p.8-9.
154
Idem.
155
Idem.
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160
terna. Não à toa, as “elites” são “os acovardados diante da lei da competição, das leis da
economia de mercado” nota-se, uma inversão do discurso tradicional antiliberal do pe-
ríodo desenvolvimentista, afinal, nesse contexto, os favoráveis às “leis da economia de
mercado” são as “elites”.
Em 1989, ao contrário, atacar as “elites” é favorecer as “leis de mercado”. Nesse
terreno, plantou-se a semente da liberalização da economia brasileira, inclusive sua rela-
tiva e crescente abertura ao ambiente internacional. É esse o campo onde são tratados te-
mas como a reserva de mercado e o acesso à tecnologia, por exemplo. Sobre o tema da
reserva, Collor afirmou:
Eu sou, por princípio, contrário a qualquer tipo de reserva seja ela de que natureza for. Eu acho que isso
impede o país de se tornar competitivo, porque, nos moldes em que essas reservas são concedidas, elas
premiam, isto sim, a ineficiência e escondem a incompetência. Quando eu afirmei que os nossos carros,
fabricados no Brasil, eram verdadeiras carroças, se comparados aos carros inteligentes do mundo de-
senvolvido, alguns entenderam. Outros acharam que eu estava criticando a indústria automobilística.
Coitadinha da indústria automobilística, não é? o há reserva de mercado para a indústria automobilís-
tica, mas todos nós sabemos que eles próprios estabelecem as regras que geram o setor e impedem ou-
tros de virem para o nosso mercado. (…) Mas os carros são verdadeiras carroças, talvez o por culpa
dos fabricantes, e eu tenho que dar razão a eles, mas sobretudo por falta de acesso à tecnologia. Em
relação, então, à questão de reservas, seja elas de que natureza forem, eu sou por princípio contra qual-
quer tipo de reserva.
156
O discurso de posse de Fernando Collor de Mello, “Projeto de reconstrução nacio-
nal”, proferido em 15 de março de 1990, no Congresso, é certamente um símbolo bastan-
te representativo da idéia de “o que fazer?”, naquele momento. O presidente eleito, ao
tornar público o seu programa de governo, apontou a inflação como alvo “número um”,
pregou a “reforma do Estado”, a “modernização econômica” e uma nova racionalização
do setor público, a fim de se combater o “carnaval de gastos, das emissões e preços”.
Collor defendeu a “economia de mercado” e atacou a discriminação do capital estrangei-
ro.
156
Idem.
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161
A primeira parte do discurso, não à toa, foi dedicada à transição democrática. Col-
lor, como o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o regime militar, enaltece a
democracia e o respeito aos Poderes.
A transição democrática brasileira, que culminou nas eleições presidenciais do fim do ano passado, teria
sido inconcebível sem a vitalidade do Congresso, logo convertido em Assembléia Constituinte, por to-
dos conduzida com vigor cívico, e que, graças ao trabalho diligente do relator, trouxe-nos texto fecundo
e inspirador. Teria sido inconcebível, também, sem a severa vigilância do Judiciário, que através do
Tribunal Superior Eleitoral, exemplarmente presidido por um Ministro do Supremo Tribunal Federal,
organizou de modo o correto e transparente o pleito que restituiu ao povo brasileiro o direito de esco-
lher seu governante. Nem poderia ela, a transição democrática, chegar a termo sem tropeços institucio-
nais se não houvesse firme vontade nacional.
157
O momento é praticamente o pontapé inicial do regime democrático brasileiro pós-
autoritarismo militar, e isso de alguma forma de se refletir na abertura econômica, co-
mo um produto de toda uma reformulação na natureza do Estado. Esse mesmo processo,
sem dúvida alguma, é então relacionado com os movimentos transformadores do cenário
internacional, como a queda dos regimes comunistas europeus.
Nesse sentido, vale a pena entender a reformulação do Estado brasileiro, e, como
produto desta, a abertura comercial e financeira com o exterior, ou seja, as novas relações
econômicas internacionais do país, dentro do contexto maior do fim da Guerra Fria.
Meu primeiro compromisso inalterável é com a democracia. Ao restaurá-la no Brasil, reatamos com o
melhor da nossa tradição de direito, liberdade e justiça. Mas procurando, a partir de agora, o só man-
-la como aprimorá-la, não honrá-la como enriquecê-la, estaremos colocando o Brasil na vanguarda
de um processo histórico de escala inédita. Pois o que estamos vivendo, neste fim do século XX, é uma
era de democratização. Um a um, vão ruindo os autoritarismos; em toda parte, vão assomando as liber-
dades. O Brasil, uma das maiores democracias do mundo, o pode senão figurar à frente desse movi-
mento universal de libertação da humanidade e de generalização da inestimável prática do autogoverno,
do estado de direito e da estrita observância dos direitos humanos.
158
157
F.C. de Mello, “Projeto de reconstrução nacional”, 15 mar 1989, discurso de posse:
http://www.collor.com/discursos1990_001.asp
158
Idem.
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162
Nesse sentido, fica claro que é feita uma associação entre liberdade política e liber-
dade econômica, pela qual a chegada da primeira implica necessariamente em um aumen-
to relativo da segunda, com amplas referências no discurso e na prática ao plano externo,
que vivenciava o fim dos regimes comunistas, no Leste, e também às reformas de Estado,
no Oeste; o fim da Guerra Fria e o início dos movimentos globalizantes do fim do século
XX. Não seria difícil, assim, colocar o Brasil como parte desse processo estrutural maior.
O contexto brasileiro de 1989 ressaltou idéias como “transição democrática”, “re-
forma do Estado”, “mais liberdade econômica” e às associava às questões da divisão so-
cial, da miséria, da corrupção (os marajás”) e, o alvo “número um” de Collor, da inflação.
Tudo passa pela transição democrática, pela reforma do Estado e pela liberdade econômi-
ca, em especial a inflação.
A inflação nos desorganiza e nos desmoraliza. Ela é, sabidamente, o imposto mais cruel. É uma agres-
são permanente aos assalariados, ou seja, à maioria da nossa gente. Pois são justamente as camadas
mais pobres que não conseguem defender-se dela recorrendo a outras moedas. A inflação é, além disso,
um enorme fator da desmoralização. Desmoralização interna, pelo aviltamento do salário e o despudor
da especulação desbragada. Desmoralização externa, pelo continuo desgaste da imagem internacional
do Brasil. Um país que admite conviver para sempre com a ciranda inflacionária pode ser respeitado pe-
lo seu tamanho e potencial, nunca por seu desempenho efetivo. Nada repugna mais ao espírito de cida-
dania que a corrupção, a prevaricação e o empreguismo. Bem sabem Vossas Excelências que fiz da luta
pela moralidade do serviço público um dos estandartes de minha campanha. E assim fiz porque senti,
desde o primeiro momento, quando ainda governador, a profunda, a justa revolta do povo brasileiro, de
Norte a Sul, nas cidades e nos campos, em todas as classes sociais, contra aqueles que, ocupantes de
cargos blicos, desservem o Estado pelo mandonismo ou absenteísmo, o proveito próprio, o nepotis-
mo, ou simplesmente a ociosidade remunerada, com o dinheiro do contribuinte, por conta de funções
supérfluas, fruto da infatigável imaginação fisiológica dos que insistem em conceber o estado como ins-
trumento de ganho pessoal ou familiar.
159
Como “mal número um” do país, a inflação está intimamente ligada à natureza do
setor público, que assim necessita de reformas profundas:
159
Idem.
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163
Farei realizar rigoroso levantamento e racionalização do setor público, como prova do meu respeito e
homenagem aos verdadeiros servidores, aos que se dedicam zelosa e meritoriamente às tarefas do Esta-
do, e que não devem jamais ser confundidos com os que se locupletam de cargos miríficos e salários
mirabolantes, sem nenhuma contrapartida social. Conduzirei um governo que fará da austeridade, ao la-
do da eficiência, a marca constante da atuação do Estado e um motivo de orgulho do funcionalismo fe-
deral. (…) O propósito imediato de meu governo, Senhores, a meta mero um de meu primeiro ano de
gestão, não é conter a inflação: é liquidá-la. Concentrarei todas as energias do Executivo, pedirei todo o
apoio do Congresso para erradicar definitivamente da economia brasileira a erva daninha da inflação,
nossa velha indulgência com a ria emissionista e o ficit público. Minha presidência jogatudo na
vitória contra esse câncer social, esse obstáculo intolerável à retomada decisiva do nosso desenvolvi-
mento econômico e humano.
160
O Estado é o foco político principal do momento, e reformá-lo, uma prioridade. Se-
ria impossível pensar o processo de internacionalização da economia brasileira a partir
desse momento sem contextualizá-lo nesse ambiente.
Conhecem Vossas Excelências a agenda de medidas básicas com que encetarei nossa estratégia de ex-
termínio da praga inflacionária. Não poderemos edificar a estabilização financeira sem sanear, antes de
tudo, as finanças do Estado. É imperativo equilibrar o orçamento federal, o que supõe reduzir drastica-
mente os gastos blicos. Para atingir o equilíbrio orçamentário, é preciso adequar o tamanho da má-
quina estatal à verdade da receita. Mas isso não basta. É preciso, sobretudo, acabar com a concessão de
benefícios, com a definição de privilégios que, independentemente de seu mérito, são incompatíveis
com a receita do Estado. No momento em que lograrmos esse equilíbrio - o que ocorrerá com certeza -
teremos dado um passo gigantesco na luta contra a inflação, dispensando o frenesi das emissões e con-
trolando o lançamento de títulos da dívida pública.
161
A inflação demanda a reforma do Estado que produz a abertura econômica. A
transformação da “perversão estatal” corre em direção à economia de mercado e à libera-
lização.
Tudo isso, Senhores Congressistas, possui como premissa maior uma estratégia global de reforma do
Estado. Para obter seu saneamento financeiro, empreenderei sua tríplice reforma: fiscal, patrimonial e
160
Idem.
161
Idem.
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164
administrativa. A dura verdade é que, no Brasil dos anos oitenta, o Estado não comprometeu suas a-
tribuições, mas perdeu também sua utilidade histórica como investidor complementar. O Estado não a-
penas perdeu sua capacidade de investir como, o que é ainda mais grave, por seu comportamento erráti-
co e perverso, passou a inibir o investimento nacional e estrangeiro. (…) Essa perversão das funções es-
tatais - agravada por singular recuo na capacidade extrativa do Estado - exige que se redefina, com toda
a urgência, o papel do aparelho estatal entre nós. Meu pensamento, neste ponto, é muito simples. Creio
que compete primordialmente à livre iniciativa - não ao Estado - criar riqueza e dinamizar a economia.
Ao Estado corresponde planejar sem dirigismo o desenvolvimento e assegurar a justiça, no sentido am-
plo e substantivo do termo. O Estado deve ser apto, permanentemente apto a garantir o acesso das pes-
soas de baixa renda a determinados bens vitais. Deve prover o acesso à moradia, à alimentação, à saúde,
à educação e ao transporte coletivo a quantos deles dependam para alcançar ou manter uma existência
digna, num contexto de iguais oportunidades - pois outra coisa não é a justiça, entendida como dinâmica
social da liberdade de todos e para todos.
162
A reforma do Estado, assim, implica novas relações internacionais para o país, onde
ataca-se a presença dirigista da autoridade política, propõe-se uma abertura maior da na-
ção ao capital estrangeiro e ressalta-se a necessidade de um intercâmbio tecnológico e
comercial mais amplo com o exterior.
Entendo assim o Estado não como produtor, mas como promotor do bem estar coletivo. Daí a convicção
de que a economia de mercado é forma comprovadamente superior de geração de riqueza, de desenvol-
vimento intensivo e sustentado. Daí a certeza de que, no plano internacional, são as economias abertas
as mais eficientes e competitivas, além de oferecerem bom nível de vida aos seus cidadãos, com melhor
distribuição de renda. Não abrigamos, a propósito, nenhum preconceito colonial ante o capital estran-
geiro. Ao contrário: tornaremos o Brasil, uma vez mais, hospitaleiro em relação a ele, embora, é claro,
sem privilegiá-lo. Não nos anima a idéia de discriminar nem contra nem a favor dos capitais externos,
mas esperamos que o falte seu concurso para a diversificação da indústria, a ampliação do emprego e
a transferência de tecnologia em proveito do Brasil.
163
Em síntese, a “modernização econômica”, que implica “privatização e abertura”,
reúne a “liberdade política, reconquistada com a transição democrática, com a mais am-
pla liberdade econômica”, que prevê menos inflação e menos corrupção.
162
Idem.
163
Idem.
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165
A privatização deve ser completada por menor regramento da atividade econômica. Isto incentiva a e-
conomia de mercado, gera receita e alivia o ficit governamental, sustentando melhor a luta antiinfla-
cionária. Isto faz com que a corrupção ceda lugar à competição.
164
Todo esse espectro de reformas também significava um novo posicionamento do
Brasil no cenário internacional, onde “o poder monolítico, as estruturas dirigistas e os
resíduos autoritários estão na defensiva”. Um contexto no qual “novas áreas se preparam
para adotar as leis da economia de mercado, com democracia, respeito pelos direitos hu-
manos e cultura da liberdade”. Afirmou o presidente eleito: “Diante dessas transforma-
ções que aceleram o tempo histórico, é preciso buscar fórmulas novas de inserção do país
no mundo.” Nesse momento, chega-se à abertura:
O Brasil estaaberto ao mundo. Queremos integração, crescente e competitiva. A diplomacia atuará,
de forma intensa, no plano bilateral e coletivo, buscando a cada momento formas novas de cooperação,
seja no campo da economia, seja em ciência e tecnologia, seja no diálogo político. O momento é único
na história do País e do mundo, e o papel da ão diplomática é estratégico para aproximar a nação dos
tempos novos em que vivemos. A impressionante dinâmica das mudanças ora em curso no cenário in-
ternacional torna mais grave o risco de cairmos numa situação de confinamento e marginalização. A es-
se espectro devemos contrapor a clareza de nosso projeto e de nosso desempenho. É imperioso abdicar
do discurso estéril e irrealista, do pseudo-nacionalismo que induz ao isolamento, da desconfiança, da i-
lusão míope de auto-suficiência. Temos, ao contrário, que demonstrar com fatos o potencial e a pujança
do Brasil. É preciso que o mundo se convença da necessidade de abrir as portas ao Brasil, e que possa-
mos acreditar na conveniência de nos abrirmos ao mundo.
165
E mais uma vez, a experiência externa do fim da Guerra Fria é ressaltada, agora em
um paralelo ainda mais claro com os processos vividos no Leste Europeu:
A bita, inesperada e positiva evolução do Leste Europeu, que aplaudimos com toda nossa sinceridade
de democratas, representa um fator a mais para que nos capacitemos da absoluta necessidade de uma in-
164
Idem.
165
Idem.
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166
tegração competitiva do Brasil na economia mundial. País de posse de um parque industrial completo
e integrado, pode o Brasil marchar tranqüilo para a experiência da abertura de sua economia.
Novas relações internacionais, econômicas e políticas; integração como “vocação”:
A palavra de ordem do meu governo, no plano internacional, é uma: o Brasil não aceita ficar a rebo-
que do processo de transformação mundial. O único caminho apontado pelo interesse nacional é a inte-
gração gradual, mas constante e segura, a plenitude do processo econômico. Essa é a realidade dos paí-
ses mais desenvolvidos do planeta. Essa é a real vocação do Brasil.
166
5.3.4 Rumo ao século XXI
Em suma, as propostas principais apresentadas na e disseminadas pela mídia im-
pressa representativa giravam em torno de dois pólos: internacionalizar a economia e re-
formar o Estado. Entretanto, estavam em jogo projetos diferentes de internacionalização e
de reforma do Estado, jogo este que constituirá o debate relativo à política econômica
externa brasileira a partir deste momento, quando o paradigma internacionalizante se
consolida. De um lado, “internacionalizar” significava mais exportações, mais importa-
ções de componentes da produção industrial e acesso ao capital estrangeiro, e, nesse ca-
minho, reformar o Estado certamente significa redução da carga tributária à produção, em
especial àquela exportadora, e de modo algum esvaziamento dos mecanismos estatais de
financiamento ao setor produtivo, bem como política cambial adequada à atividade ex-
portadora.
Do outro lado, “internacionalizar” significa menos Estado nas relações de mercado,
internas ou externas, significa mais produtos estrangeiros, mais concorrência, menos pri-
vilégios protecionistas ao produtor nacional, menos privilégios ao capital nacional (em
relação ao externo), esvaziamento amplo do papel ativo do Estado na economia, tudo isso
como um produto de uma reforma completa do Estado. Além disso, política cambial ade-
quada para o controle inflacionário e restrições mais rígidas sobre a política fiscal.
166
Idem.
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6. Conclusão
A conclusão mais clara ao fim de todos esses anos que envolveram a construção
desta pesquisa é a de que o objetivo principal do início ao fim da empreitada foi o de se
aproximar de uma parte do pensamento social brasileiro onde estão idéias de forte
influência sobre as decisões acerca do perfil de inserção do Brasil no ambiente
internacional.
Para tanto, 1989 é um ano muito peculiar. Em 1989, ruíram os regimes comunistas
da Polônia, da Hungria, da Tchecoslováquia e da Alemanha Oriental, bem como o Muro
de Berlim, para ficar apenas na superfície dos fatos.
1
As revoluções se sucederam de
modo teoricamente surpreendente, sem uma reação mais dura de Moscou. O Kremlin,
pelo contrário, muitas vezes incentivou – como no caso da Alemanha Oriental – a
implementação de reformas nos seus países-satélites, demonstrando com essa e outras
posições que procurava romper com a chamada Doutrina Brezhnev, bem como com as
heranças do passado stalinista.
Foi interessante perceber, por exemplo, que toda essa situação no ambiente
internacional foi interpretada no Brasil e disseminada na grande mídia como
demonstração da ineficiência dos controles mais rígidos do Estado em especial sobre a
economia –, que eram vistos, ao menos na época, como uma herança clara do regime
autoritário militar. Nesse momento de conjunção da transformação internacional com a
primeira eleição direta para presidente no Brasil em mais de 20 anos, o Estado foi
apontado como a origem de todos os males. Era preciso reduzir o seu alcance.
Mas 1989 não foi somente o desmoronamento do comunismo e da Guerra Fria,
naquele momento a revolução tecnológica e a integração dos mercados internacionais
despontavam como grandes sensações do momento. Nesse contexto, o Brasil vinha ainda
se debatendo com a crise da dívida de 1982 e com os limites impostos pelos problemas
no Balanço de Pagamentos. O modelo exportador gerava alguns benefícios e resultados
positivos ao setor externo da economia brasileira, mas a inflação e o caos social não
davam trégua.
1
Por esse motivo, uma boa linha de pesquisa em comunicação e relações internacionais pode ser analisar as
representações midiatizadas dos fatos históricos do ambiente internacional em 1989.
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168
E, de fato, o Brasil mudou o seu perfil de inserção a partir de 1989, em especial no
que diz respeito aos fluxos internacionais de mercado. O país, sob pressão, abandonou as
prerrogativas do Gatt e reduziu unilateralmente as tarifas de importação de modo
substantivo a partir de 1988/89. Os novos temas – como o meio ambiente e a propriedade
industrial – foram inseridos na agenda. O intercâmbio financeiro com o mundo foi
regulamentado. O Brasil fechou acordos comerciais e consolidou o Mercosul também
acompanhando uma tendência mundial de formação de acordos regionais, como o Nafta e
a União Européia. Apesar da forte característica estratégica da política externa brasileira
em relação ao Mercosul, o acordo regional no primeiro momento denota um período de
acomodação e cooperação entre as duas rivalidades do Cone Sul, e tanto Brasil quanto
Argentina reduziram as suas posições de conflito na área nuclear e de mísseis.
O ano de 1989 é sem dúvida revolucionário no Brasil e no mundo, e isso o
transforma em um caso em potencial de estudos em busca de algum tipo de “pensamento
social” de “cultura política” neste trabalho constituído por um conjunto de
representações textuais midiatizadas e produzidas na época. Nesse sentido, reuniu-se uma
amostragem do que foi escrito como opinião sobre o perfil de inserção do Brasil no
mundo em 1989.
O foco na economia se deu também por uma série de razões que vão além da
escolha pessoal do pesquisador. De uma certa forma, de fato o que mais mudou a partir
de 1989 foram as relações econômicas internacionais do país, que sem dúvida alguma se
tornou mais integrado aos mercados mundiais a partir de então. Não à toa, o tema foi
consensual entre as lideranças mesmo que as próprias lideranças não estivessem em
consenso sobre a forma de se ampliar a integração. Ampliar a integração era consensual
em 1989, ao menos dentro do conjunto-pensamento midiatizado na época.
Ao mesmo tempo, o contexto é rico na produção de representações de como o país
deveria se inserir na economia mundial de modo a superar a condição não só de crise mas
também periférica da população em termos materiais. Esse, por definição, é um lugar
abundante para estudos que unam relações internacionais e o desenvolvimento, como foi,
em última instância, uma das pretensões deste trabalho.
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Da mesma forma, esta pesquisa procurou dar continuidade a trabalhos anteriores
2
onde questões de política externa e relações internacionais são analisadas pelo caminho
das idéias, trazendo o esforço desta vez para o contexto brasileiro. Essa postura parte de
ao menos uma certeza: a de que a decisão não pode ser tomada sem uma linguagem
anterior, que a constitui, e isso é mais notório em momentos de altíssima transformação,
crise e incerteza, como foi 1989.
Além disso, outro produto do esforço aqui empreendido foi a conjunção espontânea
entre a heterodoxia do campo teórico das relações internacionais e os estudos de
comunicação com base na análise de representações, em especial aqueles que focam nas
representações sociais como estas se materializam na linguagem, “nos processos e nos
produtos da comunicação e da cultura midiática”, aos quais se destacam as imagens e os
significados construídos pelos meios e compartilhados na sociedade”. (Pereira, Gomes e
Figueiredo, 2004, p.7) Nesse campo, vale apontar para a necessidade, que esta obra
reforça, do pluralismo comunicativo como forma de se ampliar as possibilidades da
democracia. Quando mais a comunicação estiver concentrada, mais limitado será o
debate político.
Nesse contexto e com esse instrumental à mão, foram identificadas na mídia
representativa três idéias principais que definem o momento (idéias-contexto): uma de
crise nas relações econômicas do Brasil com o mundo, que pairava sobre o país desde o
início da década; outra de uma crise interna sem precedentes, de um esgarçamento total
das regras políticas, sociais e econômicas; e uma terceira de um “mundo em
transformação”, com a revolução tecnológica, a integração dos mercados, a proliferação
de novos regimes democráticos e o fim da Guerra Fria.
Ao mesmo tempo, as idéias de uma crise sem precedentes e de um mundo em
completa transformação serviram de base para o ataque generalizado ao Estado que
praticamente dominou o debate público impresso no Brasil de 1989. Nesse momento, o
passado desenvolvimentista e mesmo exportador é questionado. Os privilégios e a
corrupção são temas correntes. O Estado protege empresas e um mundo de funcionários
públicos ineficientes. Financia marajás e manda para o exterior as riquezas do país. O
2
Como, por exemplo: Ituassu, 2000, 2001, 2002.
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170
Estado produz a incontrolável inflação e está na defensiva no mundo inteiro, inclusive
nos países comunistas.
O ataque ao Estado vinha de todos os lados, tanto de quem defendia menos
regulação da economia quanto de quem, de forma progressista, alertava para a tomada do
setor público brasileiro por interesses particulares, a sua “privatização”. Para eles,
diminuir a presença do Estado significava “desprivatizá-lo”. Como escreveu Márcio
Thomaz Bastos:
O problema refere-se ao tamanho e às características que o Estado adquiriu entre nós, e que exigem uma
reavaliação a fundo do seu papel. Fala-se muito hoje em modernização e em preparação do Brasil para o
próximo século que se aproxima e, a nosso ver, isto inclui necessariamente o problema do Estado.
3
Uma idéia forte foi a de que era preciso tirar o Estado da frente para não se ficar
para trás. Assim, três alvos principais dominaram: o isolamento, ou seja, uma suposta
postura tradicional do Brasil refratária à participação na economia internacional; os
modelos de gerência econômica: o modelo exportador, forte desde a industrialização da
pauta brasileira a partir dos anos 1970 e da crise da dívida no início da década de 1980, e
o modelo desenvolvimentista tradicional que perdurou no país ao longo praticamente de
todo o século XX (1930-1989)
4
; e, por último, o Estado, o Estado per se, na forma como
atuava e estava constituído no Brasil, vista muitas vezes como uma herança do período
autoritário e sob pressão da associação ressaltada na época entre liberdade econômica e
liberdade política. A predominância do Estado como alvo é tamanha, que percebe-se a
sua presença mesmo nos dois primeiros alvos citados. Afinal, o “isolamento” é visto na
maior parte das vezes como produto do modelo desenvolvimentista voltado “para dentro”
e estatizante.
Os consensos, no entanto, chegavam mais rarefeitos ao terreno das propostas, onde
se destacaram os temas da “abertura” e da “reforma do Estado”. Para muitos, ainda
defensores do modelo exportador, o Brasil deveria se integrar mais ao comércio
internacional, mas de uma forma que apoiasse primordialmente a atividade exportadora,
3
M.T. Bastos, “De olho no ano 2000”, in Folha de S.Paulo, Opinião, p.A-3.
4
É interessante pensar o período 1930-1989 em relação ao 1914-1989 que caracteriza o “breve século XX”
de Hobsbawm. Longe dos conflitos militares da Europa, o “breve século XX” brasileiro é pautado pela
economia.
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com a importação de máquinas, equipamentos e insumos tecnológicos necessários, com
financiamentos subsidiados, isenções tarifárias e câmbio favorável. Esse tipo de
internacionalização (internacionalização centralizada), no entanto, se mostrava ainda
muito dependente de um papel ativo do Estado, e perde espaço com o fortalecimento da
idéia de reforma.
Não à toa, Fernando Collor de Mello, ainda em campanha, publica um texto em O
Globo onde sugere caminhos alternativos no sentido de garantir “transformações
profundas que libertem as exportações brasileiras da dependência de incentivos oficiais e
da retração da demanda interna”. Para que passem a expressar “o reflexo de nossa
pujança. E não de nossas dificuldades.”
5
É na conjunção entre “abertura” e “reforma do
Estado” que se constituirá o novo perfil de inserção econômica do Brasil no mundo em
transformação de 1989.
Collor se situará em uma posição distante da “xenofobia” que produz ataques à
participação do Brasil no comércio internacional, visto pela corrente como uma atividade
exploratória de agentes internacionais como os grandes bancos e o FMI, mesmo que o
presidente tenha estes na mira quando trata da necessidade de renegociação dos
parâmetros da dívida. Afinal, eleito, Fernando Collor afirmou em Londres, em fevereiro
de 1990:
Para os países em desenvolvimento de modo geral, ou especialmente para a América Latina, o esforço
exigido pelo pagamento da dívida não deixou de produzir conseqüências econômicas cada vez mais
graves, e nem de nos aproximar perigosamente do limiar da ruptura social.
6
Collor, no entanto, se posicionará também contra o modelo exportador e o seu
aprofundamento, e bastante favorável a uma reforma radical do Estado. Como
representativamente afirmou no mesmo discurso em Londres:
De fato, a construção do Estado brasileiro vem incorporando ao longo da história distorções graves. A
tendência que vem do período colonial é a de que o Estado se constitua em centro único de poder no
País, controlando e bloqueando a manifestação das forças da sociedade. Neste processo, o
aparelhamento do Estado se auto-reproduz, se agiganta e entra em atividades picas da esfera privada,
5
F.C. de Mello, “O novo papel das exportações”, in O Globo, O País, 31 mai 1989, p.3.
6
F.C. de Mello, “Discurso na Câmara de Comércio do Brasil em Londres”. Reproduzido em O Globo, 9
fev 1990, p.6.
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ao mesmo tempo em que perde eficiência nas que são próprias do poder blico. A hipertrofia
burocrática termina por enfraquecer o Estado, que não tem recursos, não tem prestígio, não tem
autoridade e, portanto, não é respeitado.
7
Nesse momento, a “reforma do Estado” está associada à integração, ainda mais
quando é percebida como atrativa ao investimento internacional. De fato, em 1989 estão
sendo definidos os novos contornos do embate entre intervencionistas e liberais sobre o
perfil de integração do país à economia internacional.
Neste trabalho também foi, por exemplo, interessante perceber que alguns estudos
sobre a União Soviética no fim da Guerra Fria apontam para uma “acomodação” no
comportamento externo como forma de garantir suporte para as reformas internas
(Lebow in Lebow e Risse-Kappen, cap.7) e/ou de conseguir participar da comunidade
internacional a fim de obter certos benefícios, ressaltando que o custo de permanecer fora
do sistema na posição de enfrentamento militar passou a ser visto em Moscou como um
problema, na relação com os benefícios econômicos de participar! (Kenneth Oye in
Lebow e Risse-Kappen, cap.3)
“Participar” é uma palavra interessante usada também por Fernando Collor de
Mello. Disse o presidente recém eleito no discurso proferido na Câmara de Comércio do
Brasil, em Londres, em 8 de fevereiro de 1990:
O Brasil se recusa a ser nação confinada em meio às oportunidades e desafios da cooperação
internacional. Deseja participar ativamente do intercâmbio de experiências com outros povos.
Orgulhoso de sua identidade, buscará, como sempre, a colaboração franca e igualitária com seus
parceiros. Sua atitude é de diálogo e solidariedade num Mundo cada vez mais revigorado pelo ideal de
liberdade e pelo imperativo da paz.
8
Ou como afirmou o presidente da Rhodia do Brasil, Edson Vaz Musa, na Folha, em
1
o
de outubro de 1989: “O próximo presidente terá que recolocar o Brasil como
participante do processo de globalização da economia.”
9
De alguma forma, pode-se pensar em um paralelo entre as acomodações relativas
de Brasil e União Soviética durante o período do fim da Guerra Fria. Mesmo que as
7
Idem.
8
F.C. de Mello, Discurso namara de Comércio do Brasil, Londres, 8 fev 1990, publicado em O Globo, 9
fev 1990, p.6.
9
E.V. Musa, “O caminho é único”, in Folha de S.Paulo, Opinião, 1o out 1989, p.A-3.
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questões em pauta sejam específicas de cada um dos países e de cada uma das situações:
a crise da dívida, a ameaça de uma constante crise no Balanço de Pagamentos e a
necessidade de renegociar os parâmetros de pagamento do débito externo no Brasil; e o
enfrentamento da Guerra Fria para os soviéticos, o fardo de carregar tamanho dispêndio
de recursos. O fato é que, em um certo sentido, a percepção disseminada de uma crise
constante nas relações econômicas internacionais do Brasil e a situação apresentada de
crise econômica e social sem precedentes certamente abriram caminho para uma
transformação no perfil de inserção do país na economia mundial.
Finalmente, é importante aqui chamar a atenção para a importância do debate
público na constituição das ações políticas. Como afirma o pensador indiano Amartya
Sen, “a discussão pública – somada ao voto e às eleições – é parte do coração de qualquer
democracia”, como apontam os trabalhos de John Stuart Mill, John Rawls e Jurgen
Habermas. (Sen, 2005, p.81 e 182) Nesse sentido, pode-se afirmar, como foi dito:
menos livre é o país cuja comunicação é concentrada.
Do alto do fim de 2007, é possível olhar para 1989 e pensar o ano como ponto de
origem e “invenção” de uma tradição recente de internacionalização na economia política
do Brasil. Como definiu Hobsbawm (in Hobsbawm e Ranger, 1983, p.1): uma tradição
inventada se constitui como uma série de práticas, governadas por regras aceitas e rituais
ou eventos de natureza simbólica, cuja intenção é reforçar certos valores e normas ou
padrões de comportamento por repetição. Nesse contexto, o único risco de olhar para trás
é o de encontrar a nós mesmos.
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184
Apêndice
Charge publicada na Folha de São Paulo, em 1º de janeiro de 1989, mostra o pessimismo
vigente sobre a situação do país na época e as perspectivas para o futuro.
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185
Ilustração que acompanha o texto de Dalmo Dallari, “Herdeiros do autoritarismo”, publi-
cado na Folha de São Paulo, em 29 de abril de 1989.
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186
Charge publicada na Folha de São Paulo, em 6 de julho de 1989 ironiza a capacidade
brasileira de cumprir com seus compromissos financeiros internacionais.
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187
Ilustração que acompanha o texto de Rubens Ricupero, “O cenário mundial e o Brasil”,
publicado na Folha de São Paulo, em 25 de junho de 1989.
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188
Ilustração que acompanha o texto “Sem reservas não chegaremos lá”, de Maria da Con-
ceição Tavares e publicado na Folha de São Paulo, em 2 de agosto de 1989, representan-
do um embate entre o país (menor) e o sistema internacional.
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189
Ilustração que acompanha o artigo “Modernizar”, de Mario Amato, então presidente da
Federação das Indústrias de São Paulo, publicado na Folha de São Paulo em 25 de agosto
de 1989.
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190
Charge publicada na Folha de São Paulo, em 25 de novembro de 1989, demonstrando o
descrédito do governo Sarney no fim do seu mandato.
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191
Ilustração que acompanha o texto de César Maia, “Prioridades reais e aparentes”, publi-
cado na Folha de São Paulo, em 22 de julho de 1989, e produzido em resposta à pergun-
ta: “Você acha que o tema mais importante da campanha presidencial é o da presença do
Estado na economia?”.
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