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Maria Eugenia Bunchaft
Reconstruindo a idéia de nação:
do Nacionalismo ao Patriotismo Constitucional
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEPARTAMENTO DE DIREITO
Programa de Pós-Graduação em Direito
Rio de Janeiro, dezembro de 2004.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310299/CB
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Maria Eugenia Bunchaft
Reconstruindo a idéia de nação:
do Nacionalismo ao Patriotismo Constitucional
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC-Rio, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito
Constitucional e Teoria do Estado.
Orientador: Professor Antonio Carlos Cavalcanti Maia.
Rio de Janeiro, dezembro de 2004.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310299/CB
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Maria Eugenia Bunchaft
Reconstruindo a idéia de nação:
do Nacionalismo ao Patriotismo Constitucional
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC-Rio, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito
Constitucional e Teoria do Estado. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Antonio Carlos Cavalcanti Maia
Departamento de Direito – PUC-Rio
Orientador
Profª. Gisele Cittadino
Departamento de Direito – PUC-Rio
Prof. Luiz Bernardo Leite Araújo
Departamento de Filosofia – UERJ
Prof. João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do
Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio
Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2004.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310299/CB
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial
do trabalho sem autorização do autor, do orientador e da
universidade.
Maria Eugenia Bunchaft
A autora graduou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro em 2002. Participou do Seminário anual do
GIPED, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, em
8, 9 e 10 de Setembro de 2004.
Ficha catalográfica.
CDD : 340
Bunchaft, Maria Eugenia
Reconstruindo a idéia de nação : do nacionalismo ao
patriotismo constitucional / Maria Eugenia Bunchaft ;
orientador: Antonio Carlos Cavalcanti Maia. – Rio de Janeiro:
PUC-Rio, Departamento de Direito, 2004.
132 f ; 30 cm
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade Católica,
Departamento de Direito.
Inclui referência bibliográfica.
1. Direito – Teses. 2. patriotismo constitucional 3.
Habermas. 4. Identidade nacional. 5. Princípios constitucionais.
6. Constituição I. Bunchaft, Maria Eugenia e. II. Maia, Antonio
Carlos Cavalcanti. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro. Departamento de Direito. IV. Título.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310299/CB
Dedico este trabalho a meus pais, in memorium
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Agradecimentos
Ao meu orientador Antonio Carlos Cavalcanti Maia pelo estímulo e parceria para a
realização desse trabalho.
À Professora Ana Lucia Lyra Tavares, pelas importantes contribuições, gentilmente
oferecidas.
Ao meu irmão Antônio, pelo apoio concedido, sem o qual este trabalho não poderia ter
sido realizado.
A Alexandra, Amílcar, Gláucia, Terezinha, Harley, Adriane, Mônica, Rosa
Wassermann, Hélio Rafael, pelo apoio e amizade.
Ao CNPq e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, e ao seu corpo administrativo, pela
atenciosa dedicação demonstrada.
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Resumo
Bunchaft, Maria Eugenia; Maia, Antonio Cavalcanti. Reconstruindo a idéia de nação:
do Nacionalismo ao Patriotismo Constitucional. Rio de janeiro, 2004. 132 p.
Dissertação de Mestrado - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
Patriotismo Constitucional representa uma forma pós-nacional de
identificação política para sociedades pluralistas. Lealdade aos princípios
constitucionais e às instituições políticas que eles estruturam - portanto identificação
focalizada no status político-legal da cidadania, ao invés do pertencer etnocultural -
pode fornecer a base para uma forma racional de identidade coletiva que supera o
chauvinismo que tem importunado a identificação nacional. A deliberação democrática
fornece o meio no qual os cidadãos podem forjar uma identidade racional coletiva
através da participação em um projeto constitucional democrático que pode se tornar
foco de formas não-chauvinistas de reconhecimento mútuo, solidariedade e apego
afetivo.
Palavras-Chave
Jürgen Habermas; patriotismo constitucional; identidade nacional; constituição;
princípios constitucionais; democracia.
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Abstract
Bunchaft, Maria Eugenia; Maia, Antonio Cavalcanti. Reconstructing the idea of
nation: from Nationalism to Constitutional Patriotism. Rio de janeiro, 2004. 132 p.
Dissertação de Mestrado - Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
Constitutional patriotism represents a postnational form of political
identification for pluralistic societies. Loyalty to democratic constitutional principles
and the political institutions they structure – hence identification focused on the legal-
political status of citizenship rather than on ethnocultural belonging – can ground a
rational form of collective identity that overcomes the chauvinism that have plagued
national identification. Democratic deliberation provides the medium in which citizens
can forge a rational collective identity through participation in a democratic
constitutional project that can become the focus for non-chauvinistc forms of mutual
recognition, solidarity and affective attachment.
Keywords
Jürgen Habermas; constitutional patriotism; national identity; constitution;
constitutional principles; democracy.
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SUMÁRIO
Introdução 9
1-Construindo as identidades nacionais 13
2-Patriotismo Constitucional 28
3-Integração do Conceito de Patriotismo Constitucional nas Culturas Polí-
ticas: Européia, Canadense, Brasileira 47
3.1-Patriotismo Constitucional Europeu 47
3.1.1-A Carta de Direitos Fundamentais da União Européia 55
3.1.2- A Constituição Européia 58
3.1.3-O debate sobre a viabilidade constitucional e a construção da identi-
dade européia 66
3.2-Patriotismo Constitucional Canadense 81
3.3-Patriotismo Constitucional Brasileiro 84
4-Críticas e Argumentos 89
5-A Proposta de Viroli: Patriotismo Republicano 106
5.1-Viroli versus Habermas 118
6-Conclusão 123
7-Referências Bibliográficas 129
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Introdução
Como formação política característica da modernidade, a figura do Estado-
nação tem sido central na reflexão sobre identidade nacional. É certo que a
promoção de um sentimento de pertença coletiva, em formações sociais com um
enquadramento político que não o do Estado-nação, remonta já à época clássica.
No entanto, só mais recentemente, na sequência do processo de democratização
que se seguiu à Revolução Francesa, é que o Estado-nação se impôs como
unidade política e cultural por excelência da modernidade.
Todavia, no contexto atual, quando se trata de encarar a formação de
identidades e de considerar o papel do Estado-nação na promoção de um
sentimento de cultura compartilhada por seus membros (a identidade nacional),
percebe-se que este tem sido alvo de forte contestação no pensamento social mais
recente. Segundo Jürgen Habermas, o conceito pré-político de nação foi
freqüentemente empregado para menosprezar os estrangeiros e para discriminar e
excluir minorias étnicas e culturais.
Neste sentido, em sociedades multiculturais, de acordo com o autor, o plano
da cultura política precisa desacoplar-se do plano das subculturas e de suas
identidades, cunhadas anteriormente à política. A cultura política de um país,
segundo o filósofo, cristaliza-se em torno da Constituição em vigor. Toda cultura
nacional, para Habermas, sob a luz da própria história, amolda em cada caso um
tipo de leitura diferente para os mesmos princípios constitucionais, os quais
também se corporificam em outras constituições republicanas. Em sociedades
multiculturais, uma cultura política cristalizada em torno de um projeto
constitucional pode assegurar uma coesão política e um grau de integração social
capazes de transcender os vínculos de língua, cultura e etnia. Assim, o herdeiro da
Escola da Frankfurt entende, em relação à União Européia, que sua identidade
deve derivar não de um substrato de um povo culturalmente homogêneo, mas do
compromisso dos cidadãos europeus com os princípios da democracia e dos
direitos humanos, gerando uma nova forma de identidade política, sendo esta a
idéia básica do patriotismo constitucional.
No Capítulo 1, pretendemos analisar o processo de construção das nações, e
de como, no contexto da promoção de um sentimento de cultura compartilhada
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por seus membros, o Estado-nação lida com o particularismo, com as diferenças
culturais. Para tal empreendimento, buscamos o embasamento teórico em autores
como Ernest Gellner, Benedict Anderson, Eric Hobsbawn, Stuart Hall e Jürgen
Habermas, na medida em que todos eles consideram as nações e o nacionalismo
como produtos da modernidade, e ao mesmo tempo enfatizam que as ideologias
nacionalistas foram objeto de manipulação por parte de elites políticas. Em
sociedades pluralistas, a construção da identidade com base na nacionalidade vem
sendo considerada um processo em vias de extinção, pois, como afirma
Habermas, a cidadania perdeu o sentido de pertencimento a uma comunidade
cultural, e a herança republicana só pode ser salva na medida em que os cidadãos
participam ativamente do processo político e se identificam com um projeto
constitucional compartilhado.
O Capítulo 2 especifica o conceito de “patriotismo constitucional” , cunhado
por Dolf Sternberger na década de setenta, e que foi desenvolvido por Habermas
em seu debate com os historiadores conservadores alemães na década seguinte,
como uma tentativa de reconstruir a identidade nacional alemã traumatizada pela
herança do Holocausto. Foi nesse contexto que o filósofo desenvolveu o conceito,
argumentando que os cidadãos alemães deveriam desenvolver um outro tipo de
patriotismo, baseado na lealdade aos princípios constitucionais e às instituições
políticas por eles estruturadas, capaz de transcender os limites de cultura, língua e
etnia, e de se opor ao nacionalismo xenófobo consubstanciado na exclusão de
minorias étnicas. Uma importante razão para o surgimento do patriotismo
constitucional foi os aspecto progressivo, liberal e universal da Lei Fundamental
Alemã, concebida como uma resposta direta ao totalitarismo do regime nazista.
O Capítulo 3 aborda a recepção do conceito de patriotismo constitucional nas
culturas políticas européia, canadense e brasileira. No caso da União Européia, o
processo de integração é marcado por um déficit democrático, no qual a
tecnocracia e o elitismo deram origem a uma frágil legitimidade democrática.
Justamente para superar esse défict, Habermas aposta em um patriotismo
constitucional europeu, capaz de ajustar o universalismo dos direitos humanos ao
particularismo das identidades culturais. Nesse sentido, analisaremos como a
Convenção Européia sobre o Futuro de Europa, que elaborou o projeto da
Constituição Européia, representou um passo decisivo na superação do défict
democrático, sendo capaz de mobilizar amplamente a sociedade civil, através de
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sua representação por meio de Organizações Não-Governamentais e debates em
mídia eletrônica, contribuindo para a formação de uma nova identidade européia,
construída em torno de princípios de direitos humanos capazes de inspirar um
patriotismo constitucional europeu.
Nesse capítulo, enfocaremos a situação específica do Canadá, onde não
existe um patriotismo constitucional único e monolítico, devido à existência de,
no mínimo, duas comunidades culturais distintas, cuja existência permeia o debate
constitucional. No caso brasileiro, também há estudos sobre a possibilidade de
integração do conceito de patriotismo constitucional na cultura política do país,
como fator de coesão política capaz de reforçar a identidade nacional brasileira.
No Capítulo 4, denominado “Críticas e Argumentos”, expomos o fato de que
a teoria habermasiana do patriotismo constitucional vem encontrando grande
resistência por parte de teóricos, para os quais tal concepção, como forma de
identidade política, seria incapaz de sustentar a coesão política e social. Nesse
sentido, os nacionalistas cívicos argumentam que princípios universais sozinhos
não podem sustentar uma comunidade política particular, pois a nação seria
definida em termos de linguagem compartilhada, histórias, tradições. Entretanto,
pretendemos demonstrar como a reinterpretação da teoria do patriotismo
constitucional por autores como Justine Lacroix, Ciaran Cronin e Omid Shabani
evidencia que essa teoria não apenas é coerente, como pode se compatibilizar com
o respeito às identidades culturais presentes em uma formação social.
No capítulo 5, iremos analisar a proposta de Maurizio Viroli, que trabalha
com a idéia de patriotismo um pouco distinta do patriotismo constitucional
habermasiano, denominando-o “patriotismo republicano.” O patriotismo
republicano, assim como o patriotismo constitucional, é, acima de tudo, um
sentimento baseado na experiência da cidadania, e não em elementos pré-políticos
compartilhados, derivados do fato de nascer no mesmo território, pertencer à
mesma raça, falar a mesma língua. Entretanto, Viroli considera o patriotismo
constitucional de Habermas como uma versão do republicanismo, considerando-o,
porém, demasiado universalista, carecendo de efetividade. O autor afirma que o
amor à pátria não pode se ligar apenas aos valores universais da democracia,
sendo necessário o recurso a paixões e ao uso da retórica. O patriotismo
republicano, em contraste com o patriotismo constitucional, tem uma ligação mais
forte com o republicanismo e com a identidade nacional. Pretendemos, nesse
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capítulo, realizar uma análise contrastante entre os dois modelos e demonstrar,
através da análise de Omid Shabani, que as críticas de Viroli ao modelo
habermasiano do patriotismo constitucional não se sustentam.
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1- Construindo as identidades nacionais
Grande parte dos estudos sobre nacionalismo e identidade nacional
inscrevem-se em uma perspectiva que procura entender de que modo as narrativas
da nação contribuem para a promoção da homogeneidade cultural no seio do
Estado-nação, reconhecendo-lhes um papel fundamental na construção da
identidade nacional. Entre os autores mais proeminentes, importa destacar os
nomes de Ernest Gellner, Benedict Anderson, Stuart Hall, Eric Hobsbawm e
Jürgen Habermas, que se impuseram como autores de referência quando se trata
de abordar questões sobre identidade nacional ou cultura nacional. Em geral, estes
autores consideram que só a partir de uma análise da nação como artefato cultural,
e portanto como representação, será possível conceituar a identidade nacional e
explicar a sua relevância nas sociedades contemporâneas, especialmente nos
domínios cultural, social e político.
O cerne dos argumentos sustentados por esses autores se baseia no fato de
que o estabelecimento de um sentimento de cultura compartilhada pelos membros
da nação - a identidade nacional - depende, sobretudo, do reconhecimento de um
passado comum (que pode ser o de uma etnia dominante) sustentado por tradições
inventadas ou reapropriadas, mitos fundadores da nação, lendas de tradição oral,
versões oficiais da história, no espaço geograficamente delimitado do Estado-
nação. Os pensadores que integram esta linha de pensamento, socorrendo-se de
fatos da história de nações concretas, procederam a um enquadramento histórico
do fenômeno do nacionalismo e das condições do aparecimento do Estado-nação
que permitiu esclarecer a gênese, a permanência e o alcance da identidade
nacional como forma de identidade coletiva típica da modernidade. A
generalidade dos argumentos sugere que as nações e o nacionalismo são produtos
da modernidade. A nação é, assim, percebida como um artefato cultural que
emergiu de mudanças sociais e políticas associadas a fenômenos como a
burocracia, a secularização, a industrialização e a comunicação de massas no
contexto da época moderna.
De acordo com Gellner, sem um sentimento de identificação nacional, o
sujeito moderno experimentaria um profundo sentimento de perda subjetiva. A
idéia de um homem sem uma nação parece impor uma tensão à imaginação
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14
moderna. Segundo o autor, um homem deve ter uma nacionalidade, assim como
“deve ter um nariz e duas orelhas.”
1
Nesse sentido, Hall ressalta que as
identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são
formadas e transformadas no interior da representação. A nação não é apenas
uma entidade política, mas algo que produz sentidos: um sistema de
representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos legais de uma nação;
elas participam da idéia da nação tal como representada em sua cultura nacional.
Uma nação é uma comunidade simbólica, e é isto que explica seu poder de gerar
um sentimento de lealdade e identidade.
2
As culturas nacionais, leciona Hall, são uma forma distintivamente moderna.
A lealdade e a identificação que na era pré-moderna eram dadas à tribo, ao povo,
à religião, foram transferidas gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura
nacional A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de
alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio
dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e
manteve instituições culturais nacionais, como por exemplo um sistema de
educação nacional. Assim, a cultura nacional se tornou uma característica chave
da industrialização e um dispositivo da modernidade. As culturas nacionais são
compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e
representações. Não há dúvida de que uma cultura nacional apresenta-se como
um discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas
nacionais, ao produzirem sentidos sobre a nação, constróem identidades.
3
Esses
sentidos são contidos em lendas que se contam sobre a nação, memórias que
conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. Mas
como é imaginada a nação moderna? Que estratégias representacionais são
acionadas para construir nosso senso comum sobre o pertencimento ou sobre a
identidade nacional? Como é contada a narrativa da cultura nacional?
Em primeiro lugar, assevera Hall, há a narrativa da nação, tal como é
1
GELLNER, Ernest. Naciones y nacionalismo. Trad. Javier Setó. Madrid: Alianza, 1988, p. 66-
68.
2
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz da Silva. Rio de Janeiro:
DP&A, 2004, p. 48-49.
3
Idem, ibidem, p. 49-50
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15
contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura
popular. Essas fornecem uma série de imagens, cenários, eventos históricos,
símbolos e rituais nacionais que simbolizam e representam as experiências
partilhadas, as perdas, os triunfos que dão sentido à nação.
4
Como membros de tal
comunidade imaginada, nos vemos compartilhando essa narrativa. Ela dá
significado à nossa existência, conectando nossas vidas cotidianas com um
destino nacional que preexiste a nós. Em segundo lugar, há a ênfase nas origens,
na continuidade, na tradição. Uma terceira estratégia discursiva constitui-se por
aquilo que Hobsbawn chama de invenção da tradição. Tradições que parecem ou
alegam ser antigas são muitas vezes de origem bastante recente e algumas vezes
inventadas; um quarto exemplo de narrativa da cultura nacional é a do mito
fundacional, uma estória que localiza a origem da nação, do povo, e de seu
caráter nacional num passado distante.
5
Salienta Anderson que as nações se constituíram como comunidades
imaginadas, por meio de um arsenal de elementos em comum, como: o mito de
origem, heróis, línguas, documentos, folclore. Nesse sentido, utilizaram-se meios
simbólicos e linguísticos na criação de um sentido de lealdade entre os
indivíduos. Para o autor, o século XVIII na Europa teria sido marcado pelo
solapar da hegemonia religiosa e também pelo surgimento do nacionalismo, que
substituiu a continuidade do pensamento religioso. O autor aponta as
comunidades religiosas e os reinos dinásticos como raízes culturais necessárias
para a imaginação nacional.
Sustenta Anderson que nos reinos dinásticos havia uma hierarquia
cosmológica cujo ápice era divino. As concepções básicas a respeito de grupos
4
Nesse sentido, Smith entende por etno-história a visão subjetiva que as gerações posteriores de
um dado conjunto cultural de população têm da experiência dos seu antepassados, reais ou
imaginários: “Essa visão é inseparável daquilo que o historiador e o cientista social denominam
mito. Como já dissemos, ‘mito’ não significa invenção ou pura ficção; falando genericamente, os
mitos - e em particular os mitos políticos - contêm núcleos de fatos históricos, em torno dos quais
proliferam acrescentos de exageros, idealização, distorção e alegoria. Os mitos políticos servem
uma necessidade coletiva, presente e futura. A etno-história, ou mito-história, representa, por seu
turno, uma amálgama de verdade histórica selecionada com idealização, em graus variáveis de
fatos documentados e de mitos políticos, realçando elementos de romance, heroísmo e
singularidade para apresentar um retrato emocionalmente próximo e excitante da história de uma
comunidade, construída e vista na perspectiva das sucessivas gerações de membros da
comunidade.” SMITH, Anthony. Nações e Nacionalismo Numa Era Global. Trad. Carlos Leone.
Oeiras: Celta, 1999, p. 55.
5
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, op. cit., p. 52-54.
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16
sociais eram centrípetas e hierárquicas, e não norteadas por fronteiras e
horizontais.
6
Apesar de toda a grandeza e poder das grandes comunidades
imaginadas religiosamente, sua coerência não deliberada desvaneceu-se
rapidamente depois do final da Idade Média. Dentre as razões da decadência, o
autor exemplifica o efeito, na Europa, das descobertas do mundo não-europeu,
que, de modo preponderante, mas não exclusivamente, alargaram o horizonte
cultural e geográfico e a concepção dos homens sobre as formas possíveis de vida
humana. Em segundo lugar, a decadência do latim demonstra um vasto processo
em que as comunidades sagradas, integradas pelas antigas línguas sagradas,
gradualmente se fragmentavam, pluralizavam e territorializavam.
7
Anderson observa que a possibilidade de se imaginar a nação só surgiu
historicamente quando três conceitos culturais básicos, todos antigos, deixaram
de ter domínio axiomático sobre o pensamento dos homens. O primeiro deles era
a idéia de que uma determinada língua escrita oferecia acesso privilegiado à
verdade ontológica, por ser parcela inseparável daquela verdade. O segundo
conceito que deixou de predominar era a crença de a sociedade ser organizada de
maneira natural, em torno de centros ancorados nas figuras de monarcas divinos,
que eram pessoas diversas dos outros seres humanos, governando por alguma
forma de disposição cosmológica. Neste sentido, as lealdades eram centrípetas e
hierárquicas, porque o governante constituía um ponto central de acesso à
existência divina. Em terceiro lugar, a concepção de temporalidade, em que a
cosmologia e a história não se distinguiam, sendo essencialmente idênticas a
origem do mundo e a dos homens. A decadência lenta dessas certezas
encadeadas, primeiro na Europa ocidental e depois por toda parte, sob o impacto
6
Sintetiza ainda Anderson que o espantoso poder do papado só é compreensível em termos de
uma classe transeuropéia de letrados em escrita latina e de uma concepção do mundo
compartilhada virtualmente por todos, da qual a intelligentsia bilíngüe, mediada entre a língua
vulgar e o latim, servia de mediador entre a terra e o céu. O governo do rei organiza tudo em torno
de um centro elevado. Sua legitimidade deriva da divindade, e não das populações, que afinal de
contas são súditos, não cidadãos. “Na concepção moderna, a soberania do Estado é plena,
categórica e uniformemente atuante sobre cada centímetro quadrado de um território legalmente
demarcado. No imaginar de antigamente, porém, onde os Estados se definiam por centros, as
fronteiras eram porosas e indistintas, e as soberanias fundiam-se imperceptivelmente umas nas
outras. Daí, bastante paradoxalmente, a facilidade com que impérios e reinos pré-modernos eram
capazes de manter seu comando sobre populações enormemente heterogêneas, e muitas vezes,
sequer contíguas, por longos períodos de tempo.” ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência
Nacional. Trad. Lólio de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989, p. 28.
7
Idem, ibidem, p. 24-26.
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17
da mudança econômica, das descobertas sociais e científicas, e do
desenvolvimento das comunicações, causou um grande impacto nas concepções
cosmológicas e na história.
8
Anderson chama ainda a atenção para o modo como o declínio das línguas
sagradas (como o latim) e dos estados dinásticos dissolveu compreensões
cosmológicas, dando lugar não apenas a uma alteração das formas de apreender o
mundo, como ao aparecimento das novas tecnologias de comunicação - a
imprensa diária e a produção literária de massas - que, no contexto de uma
economia capitalista, tornaram possível imaginar a nação.
9
O capitalismo
editorial permitiu que um número cada vez maior de pessoas pensassem sobre si
mesmas, e se relacionassem com outras, de maneira profundamente renovada. O
impulso revolucionário da imprensa capitalista no sentido da utilização das
línguas vulgares deveu-se a três fatores externos, dois dos quais contribuíram
diretamente para o surgimento da consciência nacional. O primeiro deles, e em
última análise, o menos importante, foi uma alteração no caráter da própria língua
latina. O latim que agora se pretendia escrever tornava-se cada vez mais afastado
da vida eclesiástica e da vida cotidiana.
10
Em segundo lugar, o impacto da Reforma, que ao mesmo tempo deveu muito
do seu êxito ao capitalismo editorial. Segundo Anderson, na luta gigantesca para
conquistar o pensamento dos homens, o protestantismo sempre esteve
basicamente na ofensiva, precisamente porque sabia como utilizar o crescente
mercado da imprensa em língua vulgar que o capitalismo criava, enquanto que a
Contra-Reforma defendia o latim.
A coalizão entre o protestantismo e o capitalismo editorial que explorava
8
Idem, ibidem, p. 45.
9
Sendo uma das mais antigas formas de empresa capitalista, a edição de livros era afetada por
toda a busca incessante de mercados do capitalismo. As primeiras gráficas instalaram filiais por
toda a Europa: desse modo criou-se uma verdadeira internacional de editoras, que ignorava as
fronteiras nacionais: “E como os anos de 1500-1550 foram um período de prosperidade
excepcional na Europa, a atividade editorial participou da expansão geral...Naturalmente, os
livreiros preocupavam-se primordialmente em conseguir lucro e em vender seus produtos e,
conseqüentemente, buscavam primeiramente aquelas obras que fossem de interesse para o maior
número possível de seus contemporâneos.” O mercado inicial foi a Europa letrada, a ampla mas
tênue camada de leitores do latim. A saturação desse mercado levou 150 anos. Assim, a lógica do
capitalismo indicava que, uma vez que o mercado de elite estava saturado e havia uma escassez de
dinheiro, as gráficas européias passassem a vender edições baratas em línguas vulgares.
Idem,
ibidem, p.47-48.
10
Idem, ibidem, p. 48.
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18
edições baratas criou rapidamente grandes públicos leitores novos. Não era
apenas a Igreja que abalava seus fundamentos. O mesmo terremoto produziu os
primeiros Estados europeus não dinásticos, na República da Holanda.
11
Com o
processo de secularização e o progressivo afastamento entre o poder dinástico e a
autoridade espiritual que a Igreja lhe conferia, muitos Estados se viram obrigados
a procurar novas formas de validação nacional, ocorrendo assim a criação dos
Estados-nação.
Em terceiro lugar, havia a disseminação de línguas vulgares como
instrumento de centralização administrativa, sendo que a promoção dessas
nguas vulgares ao status de línguas-poder foi fundamental para a decadência da
comunidade da Cristandade. Na Europa pré-imprensa, a diversidade das línguas
faladas era imensa. Mas esses dialetos eram passíveis de se agrupar, dentro de
limites definidos, em um número muito menor de línguas impressas. Para agrupar
línguas vulgares correlatas, nada serviu mais do que o capitalismo, que dentro dos
limites impostos pelas gramáticas e sintaxes, criou línguas impressas,
mecanicamente reproduzidas, passíveis de disseminação pelo mercado.
12
De interesse fundamental para os propósitos deste trabalho é a assunção de
Anderson de que as nações e o nacionalismo, como artefatos culturais, são
sobretudo o resultado da interação entre a fatalidade da diversidade das línguas
humanas com o surgimento da imprensa de massas no contexto do capitalismo,
criando a possibilidade de uma nova forma de comunidade imaginada. As nações,
como comunidades imaginadas, desenvolveram-se como substitutos dos reinos
dinásticos e das comunidades religiosas. O que tornou imagináveis as novas
comunidades foi uma interação do sistema de produção (capitalismo) e das
tecnologias de comunicação com o fato da diversidade lingüística do homem.
13
Outra referência central no debate sobre identidade nacional encontra-se na
obra de Ernest Gellner, que se dedica ao exame dos processos que, no contexto
11
Idem, ibidem, p. 49-50.
12
Idem, ibidem, p. 50-53.
13
O autor não nega, todavia, que, posteriormente, a identificação entre determinadas línguas
vernáculas, por vezes deliberadamente inventadas, com determinados territórios constituiu de fato
o objetivo de movimentos nacionalistas empenhados na divulgação de uma certa forma de
imaginar a nação. O aparecimento de nacionalismos linguísticos e filológicos ao longo do século
XIX e do nacionalismo imperialista que se lhes seguiu, ao longo da primeira metade do século
XX, testemunham claramente os modos como a nação era então narrada e imaginada. Idem,
ibidem, p. 77-123.
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do surgimento de uma sociedade industrial, permitiram explicar a passagem de
culturas populares locais, características das pequenas comunidades das
sociedades agrárias, para uma cultura universal e erudita, promovida e sustentada
pelos mecanismos competentes do Estado-nação. O início da industrialização
significou explosão demográfica, urbanização acelerada, migrações e penetração
de uma economia mundial e de um governo centralizador. A era de transição para
a sociedade industrial estava destinada a ser a era do nacionalismo, um período de
ajuste turbulento em que as fronteiras, tanto políticas quanto culturais, deveriam
modificar-se para satisfazer ao novo imperativo nacionalista que, pela primeira
vez, estava se tornando possível.
14
O autor sustenta que entre os requisitos para funcionamento da sociedade
industrial podemos citar uma alfabetização geral e um grau de sofisticação
numérica, tecnicamente elevada. Os indivíduos devem ser móveis e estar
preparados para passar de uma atividade a outra em um grau de treinamento que
lhes permitirá seguir manuais de instruções das novas atividades industriais,
tornando-se indispensável um sistema educativo. Gellner atribui, com efeito, uma
importância fundamental ao estabelecimento de um sistema de educação universal
e estandardizado, que permitiu não apenas fixar uma determinada língua
vernácula, mas também, e sobretudo, assegurar uma cultura nacional homogênea.
15
Por outro lado, Gellner também analisa uma relação entre Reforma e
nacionalismo, pois a insistência da primeira na alfabetização, sua hostilidade a um
clero monopólico, seu individualismo e seus vínculos com as populações móbeis
14
GELLNER, Ernest. Naciones y nacionalismo, op. cit., p. 60.
15
Ressalta Gellner que a educação propriamente dita, na sociedade industrial, é praticamente
norma geral. Os homens, entregues a um aparato educativo, que é o único capaz de fornecer o
treinamento necessário que requer uma base cultural genérica, adquirem os fundamentos e os
valores que os capacitam para assumir postos na sociedade industrial: Idem, ibidem, p. 56.
No mesmo sentido de Gellner, Smith analisa que a maioria dos governos, desde o fim do século
XIX, viu como uma das principais tarefas a criação, o financiamento e a direção de um sistema de
educação pública de massas, estandardizado, hierárquico, de modo a criar uma força de trabalho
eficiente. O autor associa o nacionalismo às exigências da organização industrial moderna. Esta
perdeu qualquer lastro de relações com papéis restritos, e só encontra a sua solidariedade social em
um tipo determinado de cultura- a alta cultura-ao transformar as culturas baixas, espontâneas e
orais em cultura literária e cultivada: “ Só uma sociedade moderna orientada para o crescimento,
capaz de criar desenvolvimento econômico em grande escala, gera a necessidade de culturas
nacionais altas, e estas últimas só podem ser mantidas por sistemas públicos de educação de
massas estandardizados e dirigidos pelo Estado.” SMITH, Anthony. Nações e Nacionalismo Numa
Era Global, op. cit., p. 32.
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20
urbanas são fatores que anunciam a era nacionalista.
16
O nacionalismo, argumenta o autor, reflete a necessidade objetiva da
homogeneidade cultural. Como já assinalamos, o Estado industrial só pode
funcionar com uma população móbil, alfabetizada, culturalmente estandardizada.
Assim, as populações analfabetas que foram arrastadas de seus antigos guetos
culturais rurais aspiram a incorporarem-se a algumas das plataformas culturais,
com a promessa de possuírem cidadania cultural plena, acesso ao ensino
fundamental e emprego. Mas a maioria das culturas e dos grupos nacionais em
potência entra na era do nacionalismo sem sequer beneficiar-se minimamente. São
legiões de grupos cuja cultura desaparece pouco a pouco, dissolvendo-se em um
maior pertencimento a um novo Estado nacional, que tem sido o destino final dos
grupos étnicos e culturais. Observa Gellner que por trás de cada nacionalismo
efetivo há vários nacionalismos potenciais. Muitos dos potenciais fracassaram ou
renunciaram ao objetivo de consolidar a coincidência entre poder e cultura no
nível estatal.
17
O autor ironiza quando afirma que ter uma nacionalidade não é o
mesmo que ter um nariz ou duas orelhas. A construção da nação é um processo
histórico derivado da afirmação do nacionalismo, o qual não atingiu a humanidade
inteira.
Assim, o nacionalismo é consequência de uma nova forma de organização
social baseada em culturas profundamente interiorizadas e dependentes da
educação, cada uma protegida por seu respectivo Estado. Quando as condições
sociais gerais contribuem para a existência de culturas desenvolvidas,
homogêneas e centralizadas, que penetram em populações inteiras, surge uma
situação em que as culturas unificadas por uma educação bem definida constituem
praticamente a única fonte de unidade com que os homens se identificam
voluntariamente. O nacionalismo, destaca Gellner, é a imposição de uma cultura
desenvolvida a uma sociedade em que até mesmo a maioria da população seja
regida por subculturas primárias. Isso implica a difusão generalizada de um
idioma supervisionado academicamente e codificado segundo as exigências de
uma comunicação burocrática e tecnológica.
18
16
GELLNER, Ernest. Naciones y nacionalismo, op. cit., p. 61.
17
Idem, ibidem, p. 66-68.
18
Idem, ibidem, p. 80-82; Similarmente aos argumentos de Gellner, relativos à homogeneização
cultural, Smith analisa que a construção do Estado, embora possa albergar um forte nacionalismo,
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21
Anderson, por seu turno, considera que as circunstâncias espontâneas em que
se deu a expansão de uma imprensa diária e literária de massas é que tornaram
possível construir imaginativamente comunidades como nações. Em Exodus, o
autor opõe-se declaradamente a Gellner, com o argumento de que foi o nexo
essencial entre o desenvolvimento dos meios de transporte e o desenvolvimento
de uma imprensa de massas que preparou o terreno para que, nos finais do século
XVIII, surgissem os primeiros movimentos nacionalistas. Anderson considera que
estes fatos sugerem, inevitavelmente, a improbabilidade do argumento de Gellner
de que a industrialização constituiu a fonte histórica da emergência do
nacionalismo. A título de exemplo, e para reforçar o seu argumento, Anderson
chama a atenção para o fato de alguns dos países - como Irlanda, Grécia, Hungria
e Polônia - onde despontaram os primeiros movimentos nacionalistas, estarem
bastante longe do que se pode entender por progresso industrial.
19
Cabe ressaltar que tanto Gellner como Anderson, não obstante as diferenças
que os separam, concordam com o papel central que os mass media
desempenham na difusão das narrativas que tornam possível imaginar a nação. No
capítulo em que aborda explicitamente os contributos dos mass media para a
expansão do nacionalismo, Gellner insiste que esses mecanismos não estão
intencionalmente dedicados à difusão de determinadas idéias nacionalistas. Para
Gellner, pouco importa o que os mass media transmitem ou deixam de transmitir,
porque é graças ao alcance e à importância de uma comunicação abstrata,
centralizada e unilateral, que é possível espalhar a idéia nacional e assim proceder
à mobilização de massas. A identificação entre Estado e nação decorreu da força
do movimento nacionalista a partir do século XIX. Este movimento caracterizou-
se pela tentativa de consolidar a nação como comunidade titular do exercício da
não deve ser confundida com o forjar de uma identidade nacional entre populações muitas vezes
culturalmente heterogêneas: “O estabelecimento de instituições incorporadas no Estado não é
garantia de uma identificação cultural de uma população com o Estado, ou de aceitação do mito
nacional da etnia dominante; na verdade, a invenção, pelas elites, de uma mitologia nacional mais
ampla para aumentar a legitimidade do Estado, pode deixar segmentos significativos da população
indiferentes ou alienados. Em muitos dos novos Estados da África ou da Ásia, o poder assimilador
do Estado modernizador não conseguiu evitar protestos étnicos e rupturas, e menos ainda deixar de
elidir fronteiras e culturas étnicas.” SMITH, Anthony. Nações e Nacionalismo Numa Era Global,
op. cit., p. 33.
19
ANDERSON, Benedict. Exodus. In: Critical Inquiry, vol. 20, n. 2, 1994, p. 316-317.
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22
soberania: é exatamente a passagem da soberania estatal, baseada no poder real,
para a soberania nacional. Consolida-se, assim, o princípio da nacionalidade, que
representa a passagem da nação, enquanto unidade étnica, para uma idéia de
unidade política, já que cada nação deveria constituir um Estado.
20
Tanto para Gellner como para Hobsbawn, o nacionalismo conduz à criação
da nação, e não o contrário. Segundo Hobsbawn, o fenômeno do nacionalismo, no
século XIX, era encarado como o principal vetor do desenvolvimento histórico. A
combinação entre Estado-nação e economia nacional constitui-se em um fator
central da transformação histórica. Mesmo nos países do Terceiro Mundo, onde a
modelagem teórica do nacionalismo europeu encontrou uma situação real
completamente diversa, o nacionalismo teve mais semelhanças do que diferenças
em relação ao nacionalismo europeu da era liberal. Todos os Estados-nações que
surgiram foram tipicamente unificadores e emancipatórios. Hobsbawm utiliza o
termo nacionalismo, no sentido que Gellner lhe conferiu, assinalando, no entanto,
que Gellner não concedeu a devida atenção à recepção do nacionalismo por parte
da generalidade dos cidadãos; ou seja, ao modo como os indivíduos, que são o
objeto da ação e propaganda levada a cabo pelas elites políticas, governantes ou
ativistas de movimentos nacionalistas, vêem a nação:
Se eu tenho uma crítica séria ao trabalho de Gellner, é sobre sua preferência
pela perspectiva da modernização pelo alto, o que torna difícil uma atenção
adequada à visão dos de baixo. Essa visão de baixo, isto é, a nação vista não por
governos, porta-vozes ou ativistas dos movimentos nacionalistas (ou não
nacionalistas), mas sim pelas pessoas comuns que são o objeto de sua ação e
propaganda, é extremamente difícil de ser descoberta
21
Para um historiador como Hobsbawm, a grande influência exercida sobre a
vida política pelos movimentos nacionalistas, iniciados na segunda metade do
século XIX e desenvolvidos ao longo da primeira metade do século XX foi,
essencialmente, uma conseqüência das tentativas das classes médias educadas
20
Segundo Gellner, o nacionalismo - o princípio das unidades culturais homogêneas como a
fundação da vida política - assegura a imposição de uma cultura homogênea no seio do Estado-
nação. Isto implica, tendo em conta o princípio do nacionalismo, que deve existir uma congruência
entre o nível político (o aparelho estatal que assegura os direitos da cidadania) e o nível cultural (o
grupo de cidadãos que partilha uma mesma cultura), ou seja, constitui-se condição necessária para
o nacionalismo a existência de unidades politicamente centralizadas.
GELLNER, Ernest. Naciones
y nacionalismo, op. cit., p. 64.
21
HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Trad. Maria Paoli. Rio de Janeiro: Paz
e Terra,1991, p. 20.
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23
(jornalistas, professores, burocratas estatais etc.) de disseminarem a idéia nacional
através da promoção e difusão de línguas vernáculas oficiais capazes de assegurar
a identificação da nação com a língua. O surgimento de tais nacionalismos
linguísticos encontra-se claramente associado às mudanças sociais (a resistência
de grupos tradicionais ameaçados pelo aparecimento da modernidade, a
emergência de novas classes que se expandem na esfera urbana dos países
desenvolvidos e a massificação das migrações) e políticas (a imposição de um
aparelho estatal jurídico e administrativo e a expansão da democracia a um
número crescente de países) que criavam assim as condições necessárias para
pensar a nação como uma comunidade imaginada.
22
Hobsbawm finaliza a sua análise da expansão de tais movimentos
nacionalistas sugerindo que, no contexto social e político que se seguiu à I Guerra
Mundial, e designadamente no âmbito do crescimento dos meios de comunicação
de massa modernos, que eram deliberadamente explorados para efeitos de
propaganda política pelos Estados e interesses privados, estabeleceram-se as
condições para uma mobilização de massas eficaz. E deste modo lançaram-se,
então, as bases para o triunfo do fascismo, embora, segundo o autor, não devam
ser negligenciados os esforços consideráveis dos movimentos antifascistas que
prosperaram nesse mesmo período.
23
Acrescente-se ainda que Habermas, na linha dos argumentos sustentados por
Gellner, Hobsbawm e Anderson, defende que o nacionalismo é incapaz de
prosperar como um fenômeno moderno de integração cultural sem o suporte dos
22
A identificação de uma nação com uma língua, segundo Hobsbawn, nos possibilita responder a
determinadas questões: “...o nacionalismo linguístico requer, essencialmente, controle do Estado
ou ao menos o ganho do reconhecimento oficial para a língua. Isso não tem a mesma importância
para todos os estratos ou grupos que vivem dentro de um Estado ou nacionalidade. De qualquer
modo, não são os problemas de comunicação, ou mesmo de cultura, que estão no coração do
nacionalismo da língua, mas sim os de poder, status, política e ideologia.” Idem, ibidem, p. 134.
23
Nesse sentido, Hobsbawn assinala que a identificação nacional adquiriu novos meios de se
expressar nas sociedades modernas, urbanizadas e de alta tecnologia: “Dois deles muito
importantes merecem destaque. O primeiro, que requer poucos comentários, foi o surgimento da
moderna comunicação de massa: imprensa, cinema, rádio. Por esses meios, as ideologias
populistas podiam ser tanto padronizadas, homogeneizadas e transformadas quanto, obviamente,
podiam ser exploradas com propósitos deliberados de propaganda por Estados ou interesses
privados...Entre os ex-beligerantes, o nacionalismo, é claro, tinha sido reforçado pela guerra,
especialmente após a maré de esperança revolucionária ter baixado no início da década de 20. O
fascismo e outros movimentos direitistas foram rápidos em explorar isso, fazendo-o, em primeira
instância, para mobilizar os estratos médios, e outros apavorados com a revolução social, contra a
ameaça vermelha...” Idem, ibidem, p. 170 e 172.
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24
meios de comunicação social. Na sua ótica, o nacionalismo é uma forma de
consciência coletiva que pressupõe uma apropriação reflexiva de tradições
culturais que, tendo sido filtrada pela historiografia, só pode ser difundida através
dos canais dos mass media modernos. A natureza da formação e difusão do
nacionalismo faz deste uma construção artificial particularmente vulnerável à
manipulação ideológica por parte das elites políticas.
24
Em suma, e não obstante
as divergências que possam existir entre os autores aqui analisados, é possível
afirmar que, em última instância, todos eles consideram as nações e o
nacionalismo como produtos da modernidade, ao mesmo tempo que salientam
serem as ideologias nacionalistas altamente suscetíveis à manipulação por
governos e elites políticas.
No pensamento social em geral, e em particular nos estudos sobre
nacionalismo e cultura nacional, a generalidade dos argumentos vem analisar a
asserção de que o estabelecimento de um sentimento de pertença que se possa
dizer comum aos membros do Estado-nação dependeria do sucesso da imposição
de uma cultura nacional uniforme e congregadora, sustentada por instituições
como o exército, o sistema de educação estandardizado, a burocracia civil e as
instituições políticas democráticas. A questão fundamental, e que tem animado
grande parte da reflexão em torno do conceito, é saber como o Estado-nação, no
contexto da promoção de um sentimento de cultura partilhada entre os seus
membros, lida com o particularismo, com formas minoritárias de cultura - enfim,
com a diferença cultural que atua dentro e para além dos seus limites
politicamente definidos. Portanto, existe nas culturas nacionais um processo de
homogeneização que pode ocorrer à revelia das diferenças. Não importa quão
diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça; uma
cultura nacional busca unificá-los em uma identidade cultural, para representá-los
todos como pertencentes à mesma família nacional.
25
24
HABERMAS, Jürgen. Cidadania e Identidade Nacional. In: Direito e Democracia: entre
facticidade e validade. Tomo II. Trad Flavio Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1997, p. 282.
25
Segundo Hall, a maioria das nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por
um longo processo de conquista violenta, baseado na supressão da diferença cultural. O povo
britânico, por exemplo, é constituído por uma série desse tipo de conquistas: céltica, romana,
saxônica, normanda. Cada conquista subjugou povos conquistados e suas culturas, costumes,
línguas e tradições, e tentou impor uma hegemonia cultural unificada. Esses começos violentos,
que se colocam nas origens das nações modernas, têm primeiro que ser “esquecidos”, antes que se
comece a forjar uma identidade nacional mais homogênea.
HALL, Stuart. A identidade cultural na
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25
Assim, em vez de pensarmos as culturas nacionais como unificadas,
deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa
a diferença como unidade ou como identidade. Elas são marcadas por profundas
divisões internas, só sendo unificadas através do exercício de diferentes formas
do poder cultural. Entretanto, segundo Hall, como nas fantasias do eu “inteiro” de
que fala a psicanálise lacaniana, as identidades nacionais continuam a ser
representadas como unificadas. A Europa Ocidental não tem qualquer nação que
seja composta de apenas um povo, uma única cultura ou etnia. As nações
modernas são, todas, híbridos culturais.
26
Não há dúvida de que o elemento de exclusão de minorias culturais é
intrínseco à formação das identidades nacionais. Qualquer formação nacional
pecorre necessariamente o caminho da exclusão da diferença, pois na busca da
homogeneidade nacional são abafadas as demais identidades que eventualmente
com ela conflitem. É justamente contra esse processo de homogeneização e de
exclusão da diferença, promovido pelo nacionalismo, que se insurge Jürgen
Habermas, quando desenvolve sua concepção de patriotismo constitucional.
Preocupado com a integração da diferença de forma não-homogeneizante,
Habermas acredita que a convivência nos limites do Estado só pode ocorrer
através da concepção de uma nação de cidadãos, em contraposição a uma nação
de cultura.
Por outro lado, no espaço homogêneo do Estado-nação fervilha hoje, mais do
que nunca, uma diversidade cultural dificilmente enquadrável no seio de uma
cultura uniforme. Neste sentido, a construção da identidade com base na
nacionalidade vem sendo considerada uma tendência histórica em vias de
extinção, razão pela qual autores sugerem a emergência de novas formas pós-
nacionais de identificação política, tal como a proposta habermasiana do
patriotismo constitucional. Em sociedades pluralistas, a cidadania política perdeu
o sentido de pertencimento a uma comunidade cultural, e a herança republicana só
pode ser salva na medida em que os cidadãos participam ativamente do processo
político e se identificam com um projeto constitucional compartilhado.
27
pós-modernidade, op. cit., p. 59-60.
26
Idem, ibidem, p. 61-62.
27
Nesse sentido, Omid Shabani assinala que o crescente intercâmbio de diferentes nações resultou
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26
Sustenta Habermas que entre os romanos a natio é a deusa da origem e do
nascimento. Ao contrário da civitas, a natio refere-se a populações que ainda não
se organizaram em associações políticas. De acordo com esse uso clássico, as
nações são comunidades que têm a mesma origem, sendo integradas, do ponto de
vista geográfico, através da colônia e da vizinhança, e do ponto de vista cultural,
através da linguagem, dos costumes e das tradições comuns. Mas ainda não se
encontram integradas politicamente através da organização estatal. A nação
mantém este significado durante a Idade Média. Entretanto, no início da
Modernidade, surge um novo uso: a nação como titular da soberania. As
corporações representam a “nação” em face do rei. Desde meados do século
XVIII, ambos os significados - o de nação, no sentido de uma comunidade que
tem a mesma origem, e o de “povo de um Estado” - se entrelaçam. Com Sieyès e
a Revolução Francesa, a “nação” se transforma na fonte de soberania do Estado.
Assim, o significado da nação, que antes era pré-político, transformou-se em uma
característica constitutiva para a identidade política dos sujeitos de uma
comunidade democrática.
28
O filósofo procurou explicar como, na seqüência do processo de
democratização que se seguiu à Revolução Francesa, o termo nação, que até aí
tinha sido utilizado para descrever comunidades de pessoas de ascendência
comum, passou a denominar uma entidade politicamente integrada sob a forma
de organização estatal (o Estado-nação). Para o autor alemão, o nacionalismo
teve uma influência não negligenciável na criação das condições que permitiram
o estabelecimento da cidadania, estando na origem da formação de uma
no fato do pluralismo e da diversidade, tornando o apelo aos laços étnicos extremamente
problemático. Hoje, a diversidade das sociedades complexas requer que a condição do
pertencimento não esteja baseada exclusivamente na herança pré-política, mas nos laços cívicos de
lealdade. Não é uma surpresa, segundo o autor, o renascimento de formas de patriotismo cívico
como resposta ao etnonacionalismo: “A corresponding motif in the rise of interest in civic
nationalism is globalization and its tendency to pressure local boundaries and communalities. In
such context civic patriotism is seen both as consistent with the cosmopolitan tendency of
globalization and as an answer to the rise of nationalism. Despite its recent revival, however, the
idea of civic patriotism goes back to the Enlightenment and to whether the problem of
identification should be decided according to an ethnic or a civic sense of belonging. It presents
itself as an answer to the diremption of the particular bonds of belonging and the universal norms
of modernity.” SHABANI, Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The
Binding Source of Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3,
Florida: Florida State University, 2002, p. 419-420.
28
HABERMAS, Jürgen. Cidadania e Identidade Nacional. In: Direito e Democracia: entre
facticidade e validade, tomo II, op. cit., p. 282.
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27
identidade coletiva que desempenhou um papel funcional na implementação da
cidadania que emergiu da Revolução Francesa.
Esclarece que a cidadania nunca esteve conceitualmente ligada ao
nacionalismo, porque a identidade da nação de cidadãos não se constrói a partir
de elementos étnicos ou culturais comuns, mas sim a partir da práxis dos cidadãos
que exercitem ativamente seus direitos políticos. A identidade da nação de
cidadãos não reside em características etno-culturais comuns, mas sim na prática
de pessoas que exercitem ativamente seus direitos democráticos de participação e
de comunicação. Aqui, a componente republicana da cidadania desliga-se
completamente da pertença a uma comunidade pré-política, integrada através da
descendência e tradições comuns.
29
Entretanto, segundo Habermas, o novo
conceito político de nação trouxe consigo conotações do sentido pré-político, ou
seja, a nação entendida como uma comunidade de mesma origem. Portanto,
mesmo o conceito moderno de nação encontra-se ainda associado à xenofobia, ao
menosprezo pelas demais nações e à exclusão de minorias nacionais, étnicas ou
religiosas.
30
29
Idem, ibidem, p. 283.
30
HABERMAS, Jürgen. O Estado-nação europeu frente aos desafios da globalização: o passado e
o futuro da cidadania. In: Novos Estudos CEBRAP, n. 43. São Paulo, novembro, 1995, p. 90.
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2- Patriotismo Constitucional
O tema do patriotismo constitucional surgiu no contexto alemão-ocidental
do Historikerstreit, consistindo na questão que, durante dois anos, opôs, na
República Federal da Alemanha, intelectuais alemães com relação ao nazismo.
Foi Jürgen Habermas quem promoveu a significação política da controvérsia,
denunciando o neo-historicismo e sua tentativa de reconstruir, após Auschwitz,
uma continuidade histórica da identidade alemã.
31
A adoção inicial do conceito ocorreu no Debate dos Historiadores, no qual
o filósofo lançou um ataque a alguns historiadores conservadores que
propagavam interpretações revisionistas do período nazista, no sentido de
trivializar o significado histórico do Holocausto.
32
Assim, o patriotismo
constitucional alemão significou o orgulho pela superação do nazismo,
estabelecendo uma ordem baseada no Estado de direito e ancorando-a numa
cultura política liberal.
33
O autor alemão desenvolveu o conceito de patriotismo
constitucional como uma nova maneira de fornecer um modelo de identificação
política capaz de superar o nacionalismo, concebendo a identidade nacional
alemã de forma diversa da compreensão neo-historicista alemã.
34
31
HABERMAS, Jürgen. The New Conservatism: Cultural Criticism and the Historian’s Debate.
Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1994, p. 13.
32
Sobre essa questão, Antônio Cavalcanti Maia analisa: “The initial references to the concept of
constitutional patriotism (Verfassungspatriotismus) appear in Habermas’ work during the mid 80’s
in one of his most incisive interventions in the German public sphere: the Historian’s Debate – the
Historikerstreit. At that moment, in ‘the controversy over the attempt by some German historians
to deny the uniqueness of the Holocaust’ , the heir of the Frankfurt school, in his criticism of a
group of conservative historians led by Ernst Nolte (followed by Hillgruber and Stürmer) - that
was trying to trivialize through a historical reinterpretation the significance of the Nazi past in
German history - used the concept of constitutional patriotism coined by the political theorist Dolf
Sternberger.” MAIA, Antonio C. The Idea of Patriotism and its Integration in the Brazilian Legal
and Political Culture. Rio de Janeiro, mimeo, 2003, p. 1-2.
33
HABERMAS, Jürgen. Identidad Nacional y Identidad Postnacional-entrevista com J. M. Ferry.
In: HABERMAS, Jürgen. Identidades Nacionales y Postnacionales. Madrid: Tecnos, 1998, p.
115-116.
34
As intervenções de Habermas no debate social e político alemão fornecem um valioso exemplo
a respeito do que o patriotismo constitucional significou na prática.: “And it was in response to the
claim of neoconservatives that an integral national identity was indispensable for a functioning
democracy that he embraced the idea of constitutional patriotism. Particularly instructive for our
concerns are the arguments in which he fleshed out this idea in addressing the questions of what
responsability Germans should continue to accept for the Nazi atrocities and of how the post-war
orientation of the Federal Republic to the West should be understood.” CRONIN, Ciaran.
Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism. In: European Journal
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29
Em uma conferência pronunciada em 1986, por motivo da concessão do
prêmio Sonning na Dinamarca (Consciência Histórica e Identidade Pós-
tradicional), Habermas reconhece como a experência alemã do pós-guerra tem
permitido questionar a relação natural entre identidade cultural e modelo de
Estado, observando uma certa disposição da comunidade política a identificar-se
com o ordenamento político e com os princípios da Constituição. O nacionalismo
alemão tem subestimado o passado nazista frente à crítica, e isso colocou em
questão sua pretensão de imparcialidade, debilitando a racionalidade de sua
reconstrução histórica.
35
Em finais de 1988, aparece publicada na revista francesa Globe, uma
entrevista de Habermas com Jean-Marc Ferry. O problema do historicismo na
análise do Holocausto é agora um argumento para diagnosticar o estado da
questão no Debate dos Historiadores. O herdeiro da Escola de Frankfurt defende
que sua historicização não basta como método de trabalho. Uma compreensão
contextualizada, do ponto de vista dos agentes do genocídio, é racionalmente
intolerável. Sternberger, a quem Habermas cita, havia dito: “Auschwitz não pode
ser compreendido absolutamente.” Antes de tudo, porque rompe o limite da
dignidade humana e de toda razoabilidade, ao converter o genocídio em um ato
normal, perpetrado como política pública e implicando indiretamente todo o
povo.
A segunda parte da entrevista gira em torno da tensão entre a identidade
coletiva de caráter nacionalista e a identidade pós-nacional fundada nos
princípios universalistas do constitucionalismo moderno. O nacionalismo, que
na Alemanha degenera em darwinismo social e culmina em uma loucura racial,
tem se deslegitimado como fundamento de toda identidade política. Sua
alternativa passa por uma reapropriação crítica do passado e de uma identidade
pós-nacional, formada em torno de princípios universalistas da democracia.
36
of Philosophy, vol. 11, n. 1. London: Blackwell Publishing, april 2003, p. 17.
35
ROSALES, José Maria. Sobre la idea de patriotismo constitucional. In: CARRACEDO, Jo
Rubio; ROSALES, José María; MÉNDEZ, Manuel Toscano. Ciudadania, Nacionalismo y
Derechos Humanos. Madrid: Trotta, 2000, p. 136.
36
Idem, ibidem, p. 136-137. Nessa perspectiva, Habermas cita Dolf Sternberger, que tem
observado na República Federal Alemã um certo patriotismo em torno da Constituição, uma
disponibilidade de identificação com a ordem política e com os princípios constitucionais: “Esta
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30
O filósofo sustenta que a deliberação pública seria o meio através do qual os
cidadãos podem autonomamente transformar sua relação com o passado nazista,
reconstruindo a identidade nacional alemã. É somente através da apropriação
crítica da sua história e da prática do auto-governo que a comunidade política
alemã pode superar a tirania do passado traumático. Ironicamente, as evasões
morais e as revisões históricas advogadas pelos neoconservadores, em nome de
se livrar do passado nazista assegurariam diferentemente que as gerações futuras
continuassem sujeitas à tirania nazista, pois o que é reprimido continuaria a
voltar na forma de anti-semitismo e xenofobia.
Portanto, o herdeiro da Escola de Frankfurt afirma que as democracias
pluralistas devem cultivar uma forma de identificação política pós-nacional,
porque o nacionalismo é prejudicado por uma ambivalência que promove
discriminação na esfera doméstica e auto-afirmação chauvinística nas relações
internacionais. Neste sentido, a lealdade aos princípios constitucionais e às
instituições políticas por eles estruturadas pode gerar uma forma racional de
identidade coletiva que conduz a uma coesão política independentemente de uma
concepção etnocultural de cidadania.
37
De acordo com o autor alemão, a fonte de
sobria identidad política se disocia a sí misma de ese trasfondo de un pasado centrado em términos
de historia nacional. El contenido universalista de una forma de patriotismo cristalizada em torno a
los principios del Estado constitucional democrático ya no se siente comprometido con
continuidades triunfales; es incompatible com una conciencia histórica que, cual si de una natureza
secundaria se tratase, permanece ciega para la profunda ambivalencia de toda tradición...”
HABERMAS, Jürgen. Consciência Histórica e Identidad Postradicional. In: HABERMAS, Jürgen.
Identidades Nacionales y Postnacionales. Madrid: Tecnos, 1998, p. 94.
Assinala Gisele Cittadino, acerca da perspectiva habermasiana, que o filósofo se contrapõe ao
modelo de interpretação construtivista proposto por Dworkin, fundamentado na confiança, nas
tradições e práticas constitucionais americanas. “Habermas recorre a diferentes exemplos
históricos – o nazismo na Alemanha, as síndromes totalitárias em Portugal e Espanha, o socialismo
burocrático no Leste Europeu – para demonstrar que nestes casos é necessário um distanciamento
reflexivo em relação às tradições que conformam identidades. ” Assim, a autora conclui que,
quando já não é possível se apoiar na “confiança antropológica das tradições” , resta apelar para o
patriotismo constitucional. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio
de Janeiro: Lumem Juris, 2000. 223 224. Em relação ao pensamento habermasiano, ver a respeito
cf.: HABERMAS, Jürgen. La necesidad de Revisión de la Izquierda. Trad. de Manuel Redondo.
Madrid: Tecnos, 1996. Sobre o modelo de interpretação proposto por Dworkin cf.: DWORKIN,
Ronald. Freedoms Law. The Moral Reading of the American Constitution. Cambridge: Harvard
University Press, 1996.
37
A defesa de Habermas da distinção entre “etnos” e “demos” reflete-se na sua reinterpretação
discursiva do conceito de soberania popular: “Habermas clearly distinguishes an intersubjective
interpretation of the concept of popular sovereignty from the interpretations of liberalism and
republicanism. Popular sovereignty is neither embodied in the heads of the associated members
nor in legislative, executive, and judicial institutions. In fact, popular sovereignty resists any
concrete embodiment. It is subjectless and anonymous. The self of such a self-organizing legal
community disappears in the subjectless forms of communication that regulate the flow of
opinion- and will-formation whose fallible results enjoy the presumption of rationality. In itself
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31
unidade para os Estados multiculturais consiste na integração política abstrata
que inclui todos os cidadãos, sendo baseada no compromisso com certos
princípios constitucionais e procedimentos. Os cidadãos são politicamente
integrados na base do processo de deliberação política, no qual testam a
legitimidade das normas, com base no princípio do discurso. Este tipo de
integração política, na perspectiva habermasiana, deve ser separado da
integração ética e subcultural no Estado democrático.
Em uma sociedade marcada pela diferença, Habermas recorre à
possibilidade de entendimento dentro de um procedimento democrático para
elaboração das leis. A partir do procedimento, se torna desnecessário um
consenso assegurado pela homogeneidade cultural, já que a formação
democraticamente estruturada de opinião e de vontade permite um entendimento
racional normativo mesmo entre estranhos. Conseqüentemente, a nação de
cultura é substituída por uma nação de cidadãos.
Como não existem mais valores universalmente compartilhados, o
patriotismo constitucional vem substituir o nacionalismo. Ou seja: o Estado-
nação é substituído por um Estado Democrático de Direito que encontra sua
identidade não em características etno-culturais, mas na prática dos cidadãos que
exercitem seus direitos de participação no processo político. É por isso que
Habermas critica o ponto de vista de Taylor, no que se refere à proteção das
identidades culturais.
38
Entende que a perspectiva ecológica de preservação das
espécies não pode ser transposta para o plano cultural. Assim, na perspectiva
habermasiana, os legados culturais não podem ser impostos, nem protegidos,
pois nas sociedades contemporâneas a relação com o estranho não apenas é
inevitável, como também é desejável.
39
this reinterpretation of sovereignty claims nothing more than that communicative power originates
in the interaction between the public sphere and the political system.” TINNEVELT, Ronald.
National Identity and Constitutional Patriotism. The myth of shared values? Texto encontrado na
internet, no endereço http:// www.essex.ac.uk/ECPR/events/jointsessions/paperarchive/turin/ws5.
38
Neste sentido, temos em mente a posição assumida por Charles Taylor em favor do
estabelecimento de normas que se dirigiam à proteção da cultura de origem francesa em Quebec,
no Canadá. De acordo com determinada lei, as crianças descendentes de francófonos não poderiam
ingressar em escolas onde o ensino é feito em inglês. Portanto, o bem socialmente valorizado, que
consistia na língua francesa, merecia primazia, para Taylor. Sobre o tema, cf.: TAYLOR, Charles.
La política del reconocimiento. In: TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la política del
reconocimiento. Trad. Mónica de Neira. México: Fondo de Cultura Econômica, 1993, p. 79 e segs.
39
Segundo Habermas, em sociedades multiculturais, a coexistência eqüitativa das formas de vida
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32
A cidadania nacional vem sendo ameaçada por pressões globais e locais. O
nacionalismo é uma reação típica a sentimentos de identidade nacional ameaçada
pelo processo da globalização. Para Habermas, o termo nação teria um caráter
ambíguo, na medida em que admite dois sentidos contraditórios: republicanismo e
nacionalismo. O primeiro sentido possui um caráter político: diz respeito a uma
nação de cidadãos que participam ativamente do processo político. O segundo
sentido tem um caráter pré-político, dizendo respeito ao aspecto etno-cultural:
uma nação que possui uma história, uma origem, uma língua comum. Pondera o
filósofo que o conceito pré-político de nação “foi com frequência empregado para
hostilizar todas as coisas estrangeiras, para menosprezar as demais nações e para
discriminar ou excluir minorias nacionais, étnicas ou religiosas, especialmente os
judeus.
40
Essa ambigüidade do termo nação pode se revelar como uma ameaça
perigosa para o componente republicano do Estado Nacional, reduzindo a
democratização do sistema político e restringindo a força integrativa da nação à
sua noção pré-política. A tensão entre universalismo e particularismo cultural
pode ser resolvida “desde que os princípios constitucionais de direitos humanos e
da democracia priorizem um entendimento cosmopolita da nação como uma
nação de cidadãos, em detrimento de uma interpretação etnocêntrica da nação
como uma entidade pré-política.”
41
Assevera Antonio Cavalcanti Maia que um aspecto importante do conceito
de patriotismo constitucional reside no seu relacionamento com a concepção de
implica, para cada cidadão, uma chance segura de crescer sem perturbações em seu universo
cultural de origem, e de também poder criar seus filhos nesse mesmo universo: “...significa a
chance de poder confrontar-se com sua cultura de origem - como com qualquer outra -, dar-lhe
continuidade ou transformá-la, ou ainda a chance de distanciar-se com indiferença de seus
imperativos, ou mesmo romper com ela, em uma atitude autocrítica, para viver a partir daí com a
marca deixada por uma ruptura consciente com a tradição ou então com uma identidade
cindida...As culturas só sobrevivem se tiram da crítica e da cisão a força para uma auto-
transformação. Garantias jurídicas só podem se apoiar sobre o fato de que cada indivíduo, em seu
meio cultural, detém a possibilidade de regenerar essa força. E essa força, por sua vez, não nasce
apenas do isolamento em face do estrangeiro e de pessoas estrangeiras, mas nasce também - e pelo
menos em igual medida - do intercâmbio entre eles.” HABERMAS, Jürgen. A Luta por
Reconhecimento no Estado Democrático de Direito. In: HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do
Outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 252.
40
HABERMAS, Jürgen. O Estado-nação europeu frente aos desafios da globalização: o passado e
o futuro da cidadania. In: Novos Estudos CEBRAP, n. 43, op. cit., p. 90.
41
Idem, ibidem, p. 94.
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33
identidade pós-convencional. Este constitui um dos tópicos mais controversos
relativos aos desenvolvimentos teóricos de Habermas. A identidade pós-
convencional está relacionada à teoria da evolução moral que Habermas constrói
utilizando as pesquisas de Jean Piaget e Lawrence Kohlberg.
42
Assim, como a
concepção de moralidade pós-convencional, em Habermas, é compatível com a
idéia de que as democracias contemporâneas podem se organizar em torno de
valores centrais, o patriotismo constitucional deve se ancorar em uma concepção
de cidadania democrática capaz de gerar uma solidariedade entre estranhos, ou
seja, entre indivíduos de culturas diversas.
Leciona Gisele Cittadino, acerca da perspectiva habermasiana, que o poder
administrativo e os mecanismos do mercado restringem e distorcem a rede
intersubjetiva das práticas comunicativas do mundo da vida. Assim, quando o
filósofo aponta para o patriotismo constitucional, ele pretende identificar nos
princípios e no sistema de direitos que integram as constituições uma forma
solidária de integração social, capaz de gerar o primado do mundo da vida sob os
subsistemas do mercado e do poder administrativo.
43
Através da concepção de
42
MAIA, Antonio Cavalcanti. The Idea of Patriotism and its Integration in the Brazilian Legal
and Political Culture. Rio de Janeiro, mimeo, 2003, p. 4; Demonstra Antônio Cavalcanti Maia
que a perspectiva evolucionista de Kohlberg, fulcrada em Piaget, reconhece a existência de três
patamares no processo de desenvolvimento da competência moral: pré convencional,
convencional e pós-convencional. No primeiro nível, o indivíduo se encontra basicamente
centrado sobre ele mesmo. Tal estágio se caracteriza por um ponto de vista egocêntrico e
marcado por uma perspectiva individualista concreta. O indivíduo não leva em consideração os
interesses dos outros, nem reconhece que estes diferem fundamentalmente dos seus. Neste
estágio, a punição e a obediência à autoridade e às regras funcionam não do modo em que se
reconhece a impessoalidade das regras, mas elas são percebidas como provenientes de uma
pessoa concreta. O autor assinala que no segundo nível (convencional), os indivíduos se
encontram normatizados por regras provenientes do grupo social a que pertencem, predominando
o reconhecimento da importância do sistema social e das regras por ele consideradas obrigatórias.
Por fim, no terceiro nível, as decisões prático-morais estão referidas a princípios morais capazes
de obter o reconhecimento unânime por parte dos indivíduos. Assim, as normas perdem sua
autoridade tradicional e requerem justificação mediante o recurso a critérios universais. Há,
portanto, uma orientação ética segundo princípios universais de justiça, que dizem respeito à
reciprocidade e igualdade dos direitos humanos, bem como à dignidade enquanto pessoas
individuais. MAIA, Antonio Cavalcanti. Direitos Humanos e a Teoria do Discurso do Direito e
da Democracia. In: TORRES, Ricardo Lobo(org.). Arquivos de Direitos Humanos. Vol. 2. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000, p. 37.
43
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, op. cit., p. 180; Habermas
identifica como uma das principais patologias da modernidade o processo de colonização do
mundo da vida, através do qual os mecanismos do mercado e do poder administrativo se tornam
hegemônicos e passam a exercer domínio sobre o mundo da cultura e da sociedade não-
institucionalizada. Segundo o filósofo, existe no mundo da vida uma razão comunicativa
constituída por elementos da cultura e por movimentos sociais que se opõem ao processo de
racionalização sistêmica, propondo novas formas de solidariedade e a preservação de um espaço
autônomo e democrático de reprodução cultural e produção de identidade. Entretanto, o conceito
de “mundo da vida” não se traduz no conceito de sociedade civil. Cohen e Arato propõem um
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patriotismo constitucional, Habermas configura a solidariedade como forma de
integração social e revela como os compromissos morais com normas
universalmente válidas - os direitos humanos - podem se vincular aos
compromissos éticos de culturas particulares.
Contra a aparente intransigente no Estado-nação, Habermas afirma a
racionalidade da solidariedade cosmopolita, como a realização do projeto
iluminista. O filósofo declara que, embora os elementos universalistas do Direito
tenham sido invadidos por auto-afirmação particularista, mesmo assim é mais
adequada a identidade de cidadãos do mundo e não a identidade de cidadãos de
um Estado particular. Apresenta o cosmopolitismo como a culminação lógica
dos princípios de Direito no qual o Iluminismo é fundado. O autor alemão
admite que o nacionalismo teve valor no passado, como por exemplo nas lutas
anticoloniais e na construção dos Estados modernos; mas atualmente, enquanto
permanecer como força política, pode se manifestar apenas como algo irracional,
remetendo a uma era dourada antiga de coesão política baseada na identidade
étnica.
44
Habermas está consciente da força histórica do sentimento nacionalista,
como decorrente da sua capacidade de atuar como poder aglutinante, permitindo
aos indivíduos se organizarem em torno de símbolos e ideologias
compartilhadas. Considera que a formação do moderno Estado-nação era
dependente do desenvolvimento de uma consciência nacional promotora do
substrato cultural para a solidariedade cívica. Mas sob condições atuais, o
patriotismo constitucional é necessário para o Estado-nação democrático, se ele
quiser inspirar uma lealdade racionalmente compartilhada por parte dos seus
cidadãos.
45
O filósofo não deseja abolir o aspecto nacional do patriotismo
conceito de sociedade civil, baseado na teoria habermasiana que distingue duas dimensões do
mundo da vida. A primeira diz respeito ao reservatório de tradições imersas na linguagem e nas
tradições culturais utilizadas pelos indivíduos na sua vida cotidiana. A segunda dimensão do
mundo da vida, para os autores, corresponde à sociedade civil, sendo mais institucional, incluindo
as associações comunicativamente reproduzidas, cuja ação é coordenada por processos de
integração social. COHEN, Jean y ARATO, Andrew. Sociedad Civil y Teoría Política. México:
Fondo de Cultura Económica, 2000, p. 482-483.
44
FINE, Robert and SMITH, Will. Jürgen Habermas’s Theory of Cosmopolitanism.
Constellations, vol. 10, n. 4. Oxford: Blackwell, 2003, p. 470.
45
Idem, ibidem, p. 470.
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35
constitucional. Sustenta que o apego popular à idéia de patriotismo
constitucional não pode exaurir o conteúdo racional desse sentimento, pois
também implica um sentido de apego dos cidadãos às suas formas particulares,
nas quais os princípios universais são interpretados e aplicados através de
instituições nacionais. Assinala, ainda, que o universalismo dos princípios legais
se manifesta em um consenso procedimental, incorporado através de um tipo de
patriotismo constitucional inserido no contexto da cultura política historicamente
específica. Assim, a interpretação e aplicação dos direitos difere de nação para
nação, à luz de suas próprias histórias e tradições.
46
O autor alemão ressalta que o patriotismo constitucional tem um conteúdo
racional, pois se baseia nos pilares dos direitos humanos e da participação
democrática. Ele representa um apego compartilhado a procedimentos políticos
que oferecem aos cidadãos a chance de serem autores e destinatários das leis.
Dentro do arcabouço do Estado-nação, essa perspectiva normativa é realizada
através da regulação constitucional da garantia de direitos básicos, criação de
direito positivo em assembléias representativas e uma esfera pública
participativa.
47
Analisando a concepção de patriotismo constitucional, José Maria Rosales
entende ser necessário que o esforço de reflexão coletiva da vida política seja
integrado na experiência de participação cívica na “Constituição viva”. Analisa o
fato de que, acima de qualquer referência, a Constituição alemã de 1949 tem
incluído a cidadania em um projeto de construir uma cultura política
integradora.
48
Neste sentido, como estrutura fundamental e como realização
cívica, a Constituição reflete a gênese e a dinâmica da experiência de
autogoverno e de constituição política da cidadania. São dois momentos
indissolúveis, nos quais a lealdade cívica se manifesta: a construção de um
consenso originário em torno do projeto de comunidade política, e a adesão aos
resultados de sua institucionalização.
49
46
Idem, ibidem, p. 471.
47
Idem, ibidem, p. 473.
48
ROSALES, José Maria. Experiencia constitucional e identidad cívica. In: STERNBERGER,
Dolf. Patriotismo Constitucional. Serie de Teoria Jurídica e Filosofía del Derecho. Bogotá:
Universidad Externado de Colombia, 2001, p. 12.
49
Pondera José Maria Rosales que essa forma de lealdade cívica legitima na prática, o modelo de
associação civil obtido no pacto originário.“La unanimidad em torno al pacto fundacional no lo
convierte, sin embargo, en una referencia inmutable. Su sentido normativo es el de un marco de
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36
Somente quando se manifesta a adesão real dos cidadãos ao projeto
constitucional permite-se reconstruir a cultura cívica através da experiência na
vida constitucional de uma comunidade política. A investigação sobre a cultura
cívica permite correlacionar os efeitos que a participação dos cidadãos na vida
pública exerce sobre o funcionamento de um sistema político.
La participación civil es, por esta razón, índice de las preferencias valorativas y
de los intereses de los individuos. Aun sin ser el único factor que explica la
legitimación social de un régimen, la cultura cívica refleja el potencial
legitimador de la experiencia de participación política, sin duda por la dinámica
de responsabilización que genera en los ciudadanos. En las democracias ésta es
una de sus condiciones vitales. Si la confrontamos con la idea de Constitución
como proceso de autogobierno civil, puede entonces inferirse que el
constitucionalismo democrático, en su sentido pleno, ha de ser garante de un
modelo participativo de ciudadania.
50
O autor analisa que a idéia de lealdade cívica compreende de maneira
indissolúvel duas dimensões: uma emotiva e outra racional. A lealdade cívica
significa uma adesão racional e emotiva à nação e à Constituição. Existe,
portanto, uma identidade nacional (referida à experiência do nacionalismo) e
uma identidade constitucional, sendo que ambas as manifestações não se
excluem entre si e podem complementar-se. “Como se medie la distancia entre la
dimensión emotiva de la lealtad cívica y la experiencia de la política permitirá
apreciar las diferencias entre nacionalismo y patriotismo o, más en concreto,
entre nacionalismo y republicanismo cívico.”
51
O filósofo espanhol utiliza-se do argumento de Smith, segundo o qual deve-
se entender a identidade nacional tanto como uma identidade cultural quanto
como uma identidade política, na medida em que a identidade nacional incorpora
seus antecedentes étnicos e culturais em sua configuração especificamente
reglas que oriantan la construcción del sistema de instituciones.” Idem, ibidem, p. 15.
Em um admirável trabalho sobre o significado da Constituição, Hanna Pitkin analisa os termos
precisos do debate sobre a lealdade constitucional. Distingue Pitkin dois sentidos na idéia da
Constituição. De acordo com o primeiro sentido, a Constituição é o marco normativo básico da
vida civil, na medida em que constitui os cidadãos como uma unidade política. Entretanto, essa
Constituição não é definitiva. A Constituição de uma comunidade política é também um processo
permanente de experiência civil, de participação cidadã na vida política, isto é, na vida da
Constituição. PITKIN, Hanna. The Idea of a Constitution. In: Journal of Legal Education, 37,
Washington: Georgetown University Law Center, 1987, p.167-169.
50
ROSALES, José Maria. Experiencia constitucional e identidad cívica. In: STERNBERGER,
Dolf. Patriotismo Constitucional, op. cit., p. 15-16.
51
Idem, ibidem, p. 27.
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37
política.
52
A identidade nacional e a identidade constitucional geram a adesão dos
cidadãos às instituições políticas e aos princípios constitucionais, promovendo
assim uma coesão política em sociedades multiculturais. Em decorrência da
configuração plurinacional dos Estados modernos, a coesão cívica das
comunidades políticas se produz como o resultado de um complexo processo de
articulação de diferença. No marco das instituições do Estado constitucional, o
elemento que dá coesão às identidades não é de natureza etnocultural, e sim,
político ou contratual.
53
Rosales estabelece algumas diferenças entre patriotismo e nacionalismo.
54
A primeira vem determinada pelo papel que a decisão racional e livre do cidadão
estabelece na configuração da lealdade coletiva: pré-convencional ou
convencional (adaptando a terminologia de Kohlberg), no caso do nacionalismo
e pós-convencional, no caso do patriotismo. A segunda diferença remete à
própria objetivação de cada tipo de lealdade. Para o autor, se a lealdade
nacionalista se estabelece em torno da idéia de povo, ou seja, em torno da
história e cultura de um grupo etnicamente identificado e homogêneo, a lealdade
patriótica se consolida em torno de um sistema de instituições que deve ser
construído.
55
O patriotismo, a virtude cívica por excelência, se produz sobre a
base da adesão emotiva e racional a um sistema político, que é produto de um
acordo da comunidade. O autor observa relativamente à lealdade nacionalista
que os laços de solidariedade não se criam pela participação em uma linguagem
comum, ou por laços de sangue, mas a partir da participação em um legado
52
SMITH, Anthony. National identity. London: Perguin, 1991, p. 1-18, apud ROSALES, José
Maria. Experiencia constitucional e identidad cívica. In: STERNBERGER, Dolf. Patriotismo
Constitucional, op. cit., p.16.
53
ROSALES, Jose Maria Experiencia constitucional e identidad cívica. In: STERNBERGER,
Dolf. Patriotismo Constitucional, op. cit., p. 31.
54
De acordo com a formulação de Walker Connor, o patriotismo representa uma adesão
emocional ao próprio país e suas intituições políticas, enquanto o nacionalismo é o próprio povo,
o próprio grupo etno-nacional. Segundo o autor, o patriotismo, como adesão à Constituição, e o
nacionalismo, como adesão à tradição cultural, constituem, portanto, duas dimensões básicas da
identidade cívica. CONNOR, Walker. Ethnonationalism: the quest for understanding. Princeton:
Princeton University Press, 1994, p. 195-209.
55
ROSALES, José Maria. Sobre la idea de patriotismo constitucional. In: CARRACEDO, José
Rubio; ROSALES, José María; MÉNDEZ, Manuel Toscano. Ciudadania, Nacionalismo y
Derechos Humanos, op. cit., p. 142-143.
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38
cultural comum.
56
Porém, afirma Rosales, nessa contribuição ao imaginário coletivo nem
todos os indivíduos e setores sociais sentem igualmente sua lealdade à nação,
pois o que põe em jogo a sua lealdade é a sua participação real no poder político.
O nacionalismo constrói, assim, uma argumentação que oferece uma solução
política ao pluralismo cultural, porém nem toda comunidade cultural pode
reivindicar o direito à autodeterminação, estabelecendo a questão da identidade
em termos de um acesso desigual ao poder.
57
O autor afirma a existência de uma tensão entre o modelo nacionalista e o
patriótico. A tensão entre ambos os modelos não tem podido manter-se
indefinidamente sem custos políticos e democráticos consideráveis, pois o
modelo étnico de nacionalidade minava o universalismo próprio da cidadania
democrática, que desde o século XVIII tem sido assumida pelo
constitucionalismo liberal. Seu déficit de universalidade tem sido corrigido pelo
notório desenvolvimento do Estado de bem-estar social, criado em um sistema
redistributivo considerado universalista. Por outra parte, o modelo étnico
contradiz o espírito contratualista do regime republicano e impede a adoção de
políticas integradoras em face da demanda crescente de inclusão política
realizada pela população de imigrantes.
58
O patriotismo constitucional, segundo
Rosales, se educa através da participação cidadã na vida política. Somente em
um regime participativo pode-se gerar esse tipo de lealdade cívica, que se
configura como uma alternativa ao nacionalismo. A diferença reside na sua
capacidade de abertura a um universalismo de direitos fundamentais, que se
constróem através da Constituição.
59
56
Idem, ibidem, p. 142-143.
57
Idem, ibidem, p. 143.
58
Desde a perspectiva do Estado constitucional, o povo aparece descrito como o conjunto da
cidadania, cujo vínculo de união não é étnico, e sim político. O Estado tem uma origem contratual,
como também o tem a Constituição, que orienta, enquanto marco normativo, toda a construção do
edifício de instituições do Estado. Mas não são duas perspectivas incomunicadas entre si. Na
realidade, nacionalismo e constitucionalismo experimentaram uma fusão inicial com a Revolução
Francesa, quando o termo nação se converte em elemento constitutivo da identidade política dos
cidadãos de uma comunidade democrática. A leitura de Sternberger e, posteriormente, a de
Habermas questionam a viabilidade democrática do nacionalismo por si só e, neste sentido, o
patriotismo constitucional representa uma alternativa razoável de identidade política:
supranacional e ao mesmo tempo compatível com o pluralismo de identidades
nacionais, em uma
linha similar ao overlapping consensus de Rawls. Idem, ibidem, p. 142-145.
59
ROSALES, José Maria. Experiencia constitucional e identidad cívica. In: STERNBERGER,
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39
No final da década de setenta, Dolf Sternberger sustentou que a Lei
Fundamental Alemã teve a virtude de transformar os sentimentos dos cidadãos
alemães, suscitando admiração e respeito entre a população e contribuindo para o
desenvolvimento de um segundo patriotismo fundado politicamente na
Constituição.
60
Assim, o texto constitucional tem inspirado uma nova forma de
identidade coletiva, pluralista e integradora, capaz de aglutinar a sociedade
alemã, traumatizada pela barbárie do nazismo, em torno da tarefa de construir
uma cultura política democrática.
Por outro lado, a Constituição tem se consolidado também como o símbolo
de esperança para a reunificação do povo alemão. Como Sternberger assinala,
esse espírito constitucional tem contribuído para transformar a vida pública e
devolver à normalidade o exercício das liberdades. De modo lento e persuasivo,
os cidadãos têm formado uma nova consciência coletiva, uma nova identidade
constitucional. O autor contrasta a relevância das tradições nacionalistas e
republicanas como alternativas não excludentes da educação para a identidade
cívica. Sua análise permite transcender o âmbito da experiência constitucional
alemã, aprofundando a argumentação em defesa de um republicanismo cívico,
em termos cosmopolitas. A argumentação conjuga dois momentos: a
experimentação de formas participativas que reativam o modelo da cidadania
democrática e a educação de uma forma de lealdade ao sistema de instituições,
ou seja: a constituição básica de uma nova forma de experiência política.
Em 1982, Sternberger pronuncia um discurso, de novo com o título de
Verfassungspatriotismus, onde retoma e amplia de maneira considerável as
Dolf. Patriotismo Constitucional, op. cit., p. 40-41.
60
Um motivo fundamental para o surgimento do patriotismo constitucional foi o aspecto
democrático e universal da Constituição Alemã, concebida como uma resposta direta ao
totalitarismo do regime nazista. Nesse aspecto, é oportuno o posicionamento de Sternberger:
“Todavía hoy sufrimos y todavía hoy esperamos. Desde entonces ha crecido en el sentimento
nacional una clara conciencia de la bondad de esta ley fundamental. La Constitución ha salido de
la penumbra que se encontraba al nacer. En la medida en que gana vida, al surgir actores y
acciones vigorosos de las simples normas, y en tanto se vivifican los órganos que delineaban cómo
debemos utilizar nosotros mismos las libertades que allí se garantizaban, aprendemos a movernos
con y dentro de este Estado. Pues bien, en esa medida se ha formado de manera imperceptible un
segundo patriotismo, que se funda precisamente en la Constitución. El sentimento nacional
permanece herido y nosotros nos vivimos en una Alemania completa. Pero vivimos en la
integridad de una Constitución, en un Estado constitucional completo y esto mismo es una especie
de patria.” STERNBERGER, Dolf. Patriotismo Constitucional (1982). In: STERNBERGER, Dolf.
Patriotismo Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2001, p. 85-86.
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40
idéias do seu artigo anterior. Assinala Rosales, acerca da posição de Sternberger,
que existe uma vinculação entre a participação política e a formação da
consciência patriótica:
Recuerda una vez más que bajo la idea del patriotismo constitucional subyace el
reconocimiento del papel pedagógico de la constitución en la vida política, no
sólo como referencia ordenadora de su sistema de instituciones sino al mismo
tiempo como referencia normativa en continua y abierta interacción con la vida
política de una sociedad, de la que acaba por ser, en buena medida, tanto su
reflejo como su proyecto.
61
No Terceiro Reich, leciona Sternberger, o sistema ditatorial do Partido
Nacional-Socialista se caracterizou pela utilização de mecanismos simbólicos,
baseados em bandeiras e hinos, que conduziram à manipulação ideológica do
nacionalismo.
62
O autor conclama os amigos da Constituição, os amigos do
patriotismo, a formarem, diante dos inimigos da Constituição, a parte mais forte,
devendo manifestar-se de maneira clara e contundente.
Em relação ao pensamento habermasiano, assevera Craig Calhoun que a
idéia do patriotismo constitucional é uma importante concretização de um
cosmopolitismo mais geral e cada vez mais difundido.
63
Habermas, pondera o
autor, enfatiza que a Constituição fornece uma referência para uma discussão
pública e um conjunto de normas procedimentais para organizá-la e orientá-la
para fins justificáveis.
Os conteúdos específicos de qualquer concepção de vida digna podem
variar, e a as sociedades modernas sempre admitirão uma multiplicidade de tais
concepções. O patriotismo constitucional, sustenta Calhoun, não endossa
nenhuma dessas concepções, e sim um compromisso com a justificação de
61
ROSALES, José Maria. Experiencia constitucional e identidad cívica. In: STERNBERGER,
Dolf. Patriotismo Constitucional, op. cit., p. 47.
62
Nesse sentido, o filósofo assinala: “Se cantaba todavía ‘Alemania, Alemania sobre todo’, pero
luego seguía el himno del partido, ‘La bandera en alto, las filas bien cerradas’, y así aparecía la
vieja bandera reatauradora negra-blanca-roja acoplada al nuevo emblema ideológico de la cruz
gamada, en una oscura coalición. Todavia era nacionalismo, pero partidarista, y bajo el rugido de
la rabiosa concepción del mundo perecieron ambos: tanto la Constitución como el patriotismo.”
STERNBERGER, Dolf. Patriotismo Constitucional (1982). In: STERNBERGER, Dolf.
Patriotismo Constitucional, op. cit., p. 93.
63
CALHOUN, Craig. Constitutional Patriotism and the Public Sphere: Interests, Identity, and
Solidarity in the Integration of Europe. In: GREIFF, Pablo de and CRONIN, Ciaran (eds.).
Transnational Politics. Cambridge: MIT Press, 1999, p. 4.
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41
decisões coletivas e o exercício do poder em termos justos. “It is thus compatible
with a wide range of specific constitutional arrangements, and to a varying
balance between direct reference to universal rights and procedural norms and
more specific political culture.”
64
Observa Calhoun que a idéia central, tanto do cosmopolitismo como do
patriotismo constitucional, é a imagem do “mau nacionalismo”. A Alemanha
nazista é um paradigma, mas exemplos mais recentes do nacionalismo sérvio de
Milosevic também informam essas teorias. No cerne de cada exemplo existe uma
solidariedade étnica que triunfa sobre os valores liberais e se transforma em
violência. O autor analisa que os defensores de uma Europa pós-nacional acabam
igualando nacionalismo ao etnonacionalismo. Algumas nações têm empregado
retóricas étnicas, mas elas são, segundo Calhoun, produto de uma participação
cultural e política compartilhada, e não apenas heranças culturais. Portanto,
adverte o autor, tratar o nacionalismo como relíquia de uma ordem antiga, um
tipo de expressão irracional, é deixar de ver o poder contínuo do nacionalismo
como formação discursiva, negligenciando o papel que as solidariedades
nacionalistas continuam a produzir no mundo.
65
A formulação habermasiana, postula Calhoun, tende a igualar nacionalismo
a etnonacionalismo. É certo que a retórica nacionalista freqüentemente invoca a
noção pré-política de povo como base para a legitimação política. Entretanto,
basear-se em uma imagem negativa leva Habermas a negligenciar a importância
do imaginário nacionalista na implementação de políticas democráticas.
66
Tomando o nacionalismo étnico como modelo, o herdeiro da Escola de Frankfurt
trata como equivalente a exclusão étnica a tentativa de basear a unidade européia
em um sentido de povo homogêneo. O filósofo vê a nação de cultura como
necessariamente uma questão de semelhança cultural pré-estabelecida, e não
como uma criação ativa de engajamento público. O autor alemão, de acordo com
Calhoun, acredita que a esfera pública produzirá um compromisso racional que
64
Idem, ibidem, p. 4.
65
Neste sentido, segundo Calhoun, não se pode negar o poder que o nacionalismo desempenhou
na construção do imaginário social “As a result, nationalism is not easily abandoned even if its
myths, contents, and excesses are easily debunked. Not only this, the attempt to equate nationalism
with problematic ethnonationalism sometimes ends up placing all “thick” understandings of
culture and the cultural constitution of political practices, forms, and identities on the nationalist
side os the classification.” Idem, ibidem, p. 5.
66
Idem, ibidem, p. 6
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possa substituir a cultura pré-estabelecida como base para a identidade política.
67
O patriotismo constitucional de Habermas tenta estabelecer uma
comunidade política na base de um universalismo normativo. Calhoun questiona
se tais comunidades organizadas por bons princípios alcançariam uma
solidariedade suficiente para garantir coesão entre seus membros. Não há razão
intrínseca para o patriotismo constitucional não funcionar na escala européia,
mas há uma questão quanto a ele poder se sustentar sozinho, como fonte
adequada de participação e compromisso mútuo.
68
Entende Calhoun que o exemplo americano poderia informar um excelente
exemplo de sentido forte de patriotismo constitucional:
The idea of a basic law (especially a written document) would be complemented
first by the Arendtian notion of founding. This idea of constitution as world-
making would clarify the role of the social imaginary.
69
Para o autor, a noção da Constituição como um arcabouço legal precisa ser
complementada pela noção da Constituição como criação de relações sociais
concretas (solidariedade das redes sociais e laços de compromisso mútuo) e de
instituições. Calhoun salienta que esse conceito expandido de Constituição seria
muito mais rico que a concepção habermasiana de patriotismo constitucional.
70
Analisando a perspectiva habermasiana, Ciaran O’Kelly afirma que o
patriotismo constitucional resolve muitos dos problemas de integração com os
quais os imigrantes se deparam quando chegam em uma sociedade nova.
71
O
autor argumenta que o patriotismo constitucional não é apenas um nacionalismo
67
Idem, ibidem, p. 10
68
Idem, ibidem, p. 12.
69
Idem, ibidem, p. 7.
70
Idem, ibidem, p. 8.
71
O patriotismo constitucional, à diferença do nacionalismo, apresenta uma sensibilidade inclusiva
para as diversidades culturais e a integridade das formas de vida coexistentes em uma sociedade
multicultural, dentro de uma cultura política comum: “As Habermas says, constitutional
patriotism is based on the idea that republican ‘collective forms of freedom’, can cut their
‘umbilical links to the womb of the national consciousness of freedom.’ It is important to note that
constitutional patriotism is neither instrumental nor is it purely calculating. It is not based on
individual calculations of interest. It contains an attachment to the republican constitution. That
said, instead of rooting constitutional patriotism in affections for the constitution as such,
Habermas is seeking to undermine the sorts of affectionate bonds that characterise nationalism. So,
instead of promoting civic nationalism, Habermas produces quite a different effect. As Patchen
Markell puts it, constitutional patriotism is a ‘habit or practice that refuses or resists the sorts of
identifications that nationalism relies on.” O’KELLY, Ciaran. Constitutional Patriotism,
Immigration and Obligations. Texto disponível na internet, no endereço http://www.
psa.ac.uk/cps/2003/Ciaran, p. 11-12.
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cívico. Ele deve ser compreendido não apenas em termos do relacionamento
entre os cidadãos e o Estado, mas como um certo tipo de relacionamento
específico. Relacionamentos sociais racionalizados são caracterizados por
ligações específicas entre razão social e o ajustamento dos processos cognitivos
dos cidadãos. Ou seja: viver em uma sociedade democrática requer o exercício
da razão pública. Assim, de acordo com O’Kelly, o patriotismo constitucional
parece mais gentil aos imigrantes do que o nacionalismo. Afinal, não lhes imporá
o fardo de ou sobreviverem em uma nação à qual jamais pertencerão, ou serem
assimilados por uma nação à qual podem não querer pertencer.
72
O esquema habermasiano, postula O’Kelly, envolve um sistema de
cidadãos que consideram a si próprios como autores das leis às quais estão
sujeitos. Esta autoria está enraizada em um laço comum, que não é o
nacionalismo. Diferentemente, está enraizada na afeição pelo conteúdo
republicano da Constituição. Com base na abordagem alemã sobre imigração e
nas auto-concepções que ela revela, podemos ver o elo entre esta questão e o
patriotismo constitucional. A idéia de nação de cultura está em oposição à idéia
constitucionalmente patriótica de que a nação não pode ser étnica, mas deve ter
outra base decorrente do processo democrático. Assim, leciona o autor, afastar-se
desta auto-imagem nacional é um componente fundamental para trazer os
imigrantes de volta ao universo político.
73
Por fim, dentro desta análise, é interessante observar como há convergências
entre o pensamento habermasiano e a perspectiva do constitucionalista espanhol
Pablo Lucas Verdu. Este autor desenvolve uma interessante abordagem sobre o
que ele denomina de “sentimento constitucional”, que em muito se assemelha à
idéia de patriotismo constitucional desenvolvida por Habermas. Salienta o autor
que na medida em que o ordenamento constitucional é capaz de suscitar ampla
adesão a suas normas e suas instituições, então este ordenamento é algo vivo,
nutrindo-se de suas próprias interconexões, de interpretações e do sentimento
72
Idem, ibidem, p. 13; Ressalta Habermas que só é possível esperar dos imigrantes que eles se
disponham a arraigar-se na cultura política de sua nova pátria, sem que por isso tenham de
renunciar à forma de vida cultural de origem. “O direito à autodeterminação democrática
certamente contém em si o direito dos cidadãos a insistir no caráter inclusivo de sua própria
cultura de origem; isso protege a sociedade contra o perigo da segmentação - contra a exclusão de
subculturas estrangeiras ou a dissolução separatista em diversas subculturas sem quaisquer
vínculos.” HABERMAS, Jürgen. A Luta por Reconhecimento no Estado Democrático de Direito.
In: HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 258.
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constitucional.
74
Compreende o autor que o sentimento constitucional não ataca nem
menospreza a segurança jurídica. Ao contrário, fortalece-a e aprofunda-a
socialmente.
75
O sentimento constitucional se faz presente em países com forte
tradição democrática. Sua falta de presença ativa em ordenamentos
constitucionais revela precisamente que ele se encontra em um processo de crise,
pois inexiste adesão por parte dos cidadãos. Quando uma Constituição suscita
amplo e profundo sentimento constitucional, produzindo adesão social, surge
uma interconexão de Estado e sociedade civil. Analisa Verdu que o sentimento
constitucional não é uma emotividade instintiva, mas comunitária, que suscita
adesão, não apenas dos operadores do Direito, mas também dos cidadãos. A idéia
de sensibilidade jurídico-constitucional é uma atividade constante, manifesta e
efetiva.
Para Verdu, o sentimento constitucional se efetivou em todos os países que
lutaram por sua independência: os Estados Unidos, os territórios descolonizados
depois da Segunda Guerra Mundial. A expressão do poder constituinte deriva,
nos países democráticos, de uma vontade popular que sente a imperiosa
necessidade de configurar, mediante a institucionalização constitucional, sua
existência política.
76
O autor assevera que a moderna doutrina da Constituição já não pode ser
apenas produto da intelecção constitucional, de modo que a explicação das
73
O’KELLY, Ciaran. Constitutional Patriotism, Immigration and Obligations, op. cit., p. 15.
74
VERDU, Pablo Lucas. El Sentimiento Constitucional. Madrid: Reus S.A, 1985, p. 7.
75
Adverte Verdu que existe um conjunto de críticas à idéia de “sentimento constitucional”. A
primeira delas alega que o “sentimento constitucional” é um assunto que diz respeito à psicologia
social, à ciência política, porém é alheio ao Direito Constitucional. Argumenta-se, também, que
dar relevância ao “sentimento constitucional” compromete o princípio da segurança jurídica e o
Estado de Direito. Idem, ibidem, p. 7.
76
Assim, todo processo constituinte parte de um momento volitivo, passionalmente sentido, que
produz uma racionalização jurídico-política: a Constituição.
“El poder constituyente, su proceso y
su resultado son conceptualizaciones técnico-jurídicas de un hecho natural: el deseo sentido por
una comunidad de tener y estar-en Constitución...Constituirse es un proceso natural, que aquí se
reelabora y orienta, racionalmente, mediante el derecho. El acto de constituirse una comunidad en
forma jurídico-política (Constitución), arranca de una decisión y toda decisión, junto a sus
aspectos reflexivos, lleva un acento emocional. Tal decisión y producto de la voluntad, por mucho
que se racionalice, es sentida, deseada vitalmente y compartida por muchos. Luego habrá que ver
si el resultado, la Constitución, suscita o no la adhesión que implica el sentimiento constitucional,
es decir, si el deseo vehemente de tener y estar en Constitución logra convivir con la razón dentro
y conforme a la Constitución.
.”
Idem, ibidem, p. 68
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conexões normativo-institucionais de “estar na Constituição” nunca podem perder
de vista as motivações emocionais de “ter a Constituição” e de conviver conforme
a Constituição. Em princípio, o sentimento constitucional consiste na adesão às
normas e instituições fundamentais de um país, porque se estimam que sejam boas
e convenientes para a integração social:
Por consiguinte, el sentimiento constitucional tiende a persistir apesar de su
labilidad, es espontáneo - aunque estimulado por el contexto, por el ambiente
ideológico y la situación sociopolítica -,es público y representativo y muestra,
además, cierta expansividad.
77
Todo governo e toda Constituição, pondera Verdu, são resultados de forças e
tendências que impulsionam os homens a se reunirem em comunidades orgânicas
e conjugarem esforços para um fim comum. Entre as muitas analogias que
encontramos entre a lei no mundo físico e a lei no mundo moral, nenhuma é mais
familiar que a astronomia newtoniana, a qual aponta para as forças que operam
no sistema solar. Uma força atrai os planetas em direção ao Sol, como centro do
sistema, e a outra os impulsiona a escapar no espaço. Do mesmo modo, no
âmbito político, podemos assinalar a tendência que move os homens a formarem
uma comunidade política, através de uma força centrípeta, e outra tendência que
os impulsiona a romper com aquela comunidade e a dispersarem-se, através de
uma força centrífuga. Assim, observa o autor, é objetivo de uma Constituição
favorecer, ao máximo, as tendências centrípetas e, ao mínimo, as centrífugas:
Entre los objetivos de la Constitución, señala el mantenimiento del Estado
frente a la revuelta o la sucesión, crear una buena maquinaria para lograr la
cohesión entre sus partes y el centro y apelar a todo motivo de interés y de
sentimiento que que pueda llevar a todos los sectores del pueblo a desear
permanecer unidos bajo el gobierno.
78
Afirma Verdu que a interpretação constitucional interessa não apenas aos
operadores do Direito, mas também aos cidadãos, na medida em que estes tenham
uma preocupação cívico-política perante a Constituição e a sintam como sua, pois
os problemas de hermenêutica constitucional conectam com amplos setores da
77
Idem, ibidem, p. 72.
78
Idem, ibidem, p. 75.
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sociedade civil.
79
79
Sintetiza Verdu que o sentimento constitucional decorre do fato de que as Constituições, que
apontam metas sociais ambiciosas, exigem dos cidadãos uma elevada consciência ou religiosidade
civil: “En toda comunidad política el respeto de los valores fundamentales se basa sólo
parcialmente en la fuerza, en el temor o en la sanción. Tales valores descansan en gran medida en
convicciones espontáneas o en tradiciones asumidas, en un consenso difuso, en una conciencia
civil. A falta de ella, las sanciones jurídicas acaban por no ser eficaces.” Idem, ibidem, p.130.
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3-Integração do conceito de patriotismo constitucional nas
culturas políticas européia, canadense e brasileira
3.1. Patriotismo constitucional europeu
Se, nos anos oitenta, as reflexões de Habermas sobre o patriotismo
constitucional estavam relacionadas com o Debate dos Historiadores, no qual se
discutiu a reconstrução de uma identidade alemã, já nos anos noventa o autor irá
propor um projeto filosófico mais ousado: um patriotismo constitucional
europeu. O filósofo cita a Suíça e os Estados Unidos como valiosos exemplos de
sociedades que, não obstante a heterogeneidade cultural, alcançaram elevado
nível de coesão política através de um projeto constitucional democrático.
Sustenta Habermas que os exemplos de sociedades multiculturais como a Suíça e
os Estados Unidos demonstram que:
uma cultura política na qual estão enraizados princípios constitucionais não tem
de modo algum que estar baseada no fato de todos os cidadãos partilharem uma
língua comum ou a mesma origem étnica ou cultural. Ao invés, a cultura
política deve servir de denominador comum para um patriotismo constitucional
que simultaneamente aguça uma consciência da multiplicidade e integridade das
diferentes formas de vida que coexistem numa sociedade multicultural.
80
Oficialmente, falam-se na Suíça quatro idiomas: o alemão, o francês, o
italiano e o reto-romano, embora a Constituição só reconheça as três primeiras
como línguas oficiais. A cultura do país também não é única, mas diversa, rica e
contraditória. A democracia direta dos cantões e o projeto constitucional
compartilhado seriam o traço político unificador de todos os cidadãos. A
participação direta constitui um elemento fundamental da administração
municipal. Todos os cidadãos adultos estão autorizados a participar nas
assembléias municipais e nas votações populares que permitem deliberar sobre os
assuntos de índole municipal. Na Suíça, a prática do referendo é um elemento
integrante da democracia: as votações populares, que podem ocorrer em nível
municipal, cantonal ou federal, permitem que a opinião pública tenha uma
80
HABERMAS, Jürgen. Citizenship and National Identity: Some Reflections on the Future of
Europe. In: BEINER, Ronald(ed.). Theorizing Citizenship. New York: State University of New
York Press, 1995, p. 264.
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participação direta no processo de decisão política.
A concepção de patriotismo constitucional no âmbito europeu revela-se
como fundamental em um contexto no qual a cidadania nacional tem sido abalada
pela formação de instituições supranacionais, que se desenvolvem com rapidez
surpreendente. É importante a recepção do conceito no âmbito europeu:
relativizar as identidades nacionais em favor de um patriotismo constitucional
capaz de transcender etnias, línguas, culturas.
Habermas reflete sobre as expectativas dos “europeus de primeira hora”, que
se empenharam ativamente pela união política da Europa no pós-guerra,
defendendo os “Estados Unidos da Europa”, e dos europeus atuais, que se vêem
confrontados com a tarefa de dar continuidade a esse projeto.
81
Assim, o herdeiro
da Escola de Frankfurt se refere ao livro recente de Larry Siedentop, que constitui
o exemplo típico de uma mentalidade mais próxima das preocupações do
Presidente francês Jacques Chirac sobre a União Européia, citando-o:
Um grande debate constitucional não precisa envolver, necessariamente, a
promessa de que o Federalismo é o melhor resultado desejável para a Europa.
Ele pode revelar simplesmente que a Europa encontra-se em um processo de
busca de uma nova forma política, algo que ultrapassa os limites da simples
confederação, porém fica aquém de uma federação-uma associação de Estados
soberanos que concentram sua soberania em áreas extremamente restritas, uma
associação que não deve pretender a posse do poder coercitivo para agir
diretamente nos indivíduos à maneira das nações-estado.
82
Habermas analisa criticamente o posicionamento de Siedentop, entendendo
que o autor não enfrenta bem a questão quando se queixa das falhas de um debate
constitucional que atinja os sentimentos e a capacidade imaginativa dos povos
europeus. O autor alemão, ao analisar a situação européia, conclui que a mesma
não pode ser comparada à dos Federalistas ou à dos membros da “Assembléia
Nacional”. Para o filósofo, o desafio não consiste tanto em tentar encontrar algo
novo, mas em transportar as grandes conquistas do Estado nacional europeu para
outro formato que ultrapassa as fronteiras nacionais.
O herdeiro da Escola de Frankfurt pondera que, devido à materialização das
garantias do Estado de Direito, a discussão sobre o futuro da Europa “depende
81
HABERMAS, Jürgen. Era das transições. Trad. e introdução Flávio Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 123.
82
SIEDENTOP, Larry. Democracy in Europe. Londres, 2000, p.1, apud HABERMAS, Jürgen.
Era das transições, op. cit., p.121-122.
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menos das elucubrações dos juristas ou dos jusfilósofos do que dos discursos
altamente especializados e ramificados dos cientistas da área de Economia e das
Ciências Sociais...”
83
Defende, entretanto, o peso simbólico do debate
constitucional, analisando que a Europa, por constituir uma comunidade política,
não pode sedimentar-se na consciência dos seus cidadãos apenas como uma
comunidade apoiada no euro, pois “o acordo intergovernamental de Maastricht
não possui a força simbólica de um ato de fundação política”
84
O autor alemão observa que as recentes apelações efetuadas por Rau e
Schroeder para dar um forte impulso à Constituição Européia encontraram
reações céticas por parte da Grã-Bretanha, da França e da maioria dos Estados-
membros. Entende que, perante a grande mobilização política para a construção
de um Estado de Estados-nação, faz-se necessária uma mobilização política com
fins normativos e, neste sentido, um processo de elaboração constitucional tem
sido a resposta a situações de crise.
85
Segundo o filósofo, a Constituição Européia
intensificaria a capacidade de os Estados-membros da União atuarem
conjuntamente, sem prejudicar o curso das medidas que se poderiam adotar:
En la medida en que buscan una nueva regulación concreta de la economía
global, que contrarreste las consecuencias económicas, sociales y culturales no
deseadas, las naciones europeas tienen una razón para construir una unión más
fuerte, com mayor influencia internacional.
86
Analisando a perspectiva habermasiana, Fine e Smith lecionam que as
instituições cosmopolitas podem ter boas condições para proteger direitos
individuais, mas não é claro que possam garantir a base democrática da
legitimidade. Questionam-se as pressuposições de que os cidadãos podem se
engajar em políticas democráticas em nível cosmopolita, como meio de realizar
um sentido compartilhado de solidariedade, diferentemente de um grupo de
Estados poderosos agindo no interesse dos direitos individuais sem uma
83
HABERMAS, Jürgen. Era das transições, op. cit., p. 123-124.
84
Idem, ibidem, p. 152.
85
HABERMAS, Jürgen, Por qué Europa necesita una Constitución. Texto encontrado na internet
no endereço http://www. newleftreview.net/PDF articles/Spanish, p. 6-8.
86
Idem, ibidem, p. 9.
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legitimidade democrática.
87
Habermas reconhece a dificuldade de vislumbrar a
democracia no nível cosmopolita. Há dificuldades, como problemas
representativos (como estabelecer um sistema partidário cosmopolita e uma
assembléia deliberativa), problemas de cumprimento da lei (como assegurar que
os atores estatais cumpram a legislação cosmopolita) e problemas de
legitimidade (como fazer com que as pessoas se identifiquem com as instituições
cosmopolitas, aceitem
Em face das dificuldades em conciliar o cosmopolitismo com a democracia,
suas decisões e respeitem os outros membros como cidadãos iguais).
88
O filósofo
procura aplicar a concepção de patriotismo constitucional à União Européia. Tal
movimento permite reter a idéia de que as condições contemporâneas necessitam
de uma soberania transnacional, sem cair nos perigos do cosmopolitismo abstrato
e utópico. Nesse contexto transnacional, observam Fine e Smith, o autor alemão
modela o patriotismo constitucional por estender à Europa um sentido de
identidade compartilhada, que deve ser realizada, caso se objetive uma ação
política e efetiva.
89
O herdeiro da Escola de Frankfurt argumenta não ser possível nivelar as
identidades nacionais das nações-membros, nem dissolvê-las um uma nação da
Europa. Mas políticas redistributivas positivamente coordenadas devem nascer
de uma formação de vontade democrática européia, e isso não pode acontecer
sem a base da solidariedade. A forma de solidariedade civil, limitada até agora
ao Estado-nação, precisa se expandir para incluir todos os cidadãos da União, de
forma, por exemplo, que suecos e portugueses estejam dispostos a se
responsabilizarem uns pelos outros.
90
Os argumentos políticos de Habermas, em relação ao projeto político da
União Européia, dizem respeito às forças sistêmicas da globalização, ao
desenvolvimento de formas apropriadas a uma composição cada vez mais
multicultural dos Estados-nação da Europa e à consolidação de uma cultura
cívica européia contra o nacionalismo étnico. Pondera o filósofo que as políticas
transnacionais são uma resposta à inabilidade do Estado-nação em realizar a
87
FINE, Robert and SMITH, Will. Jürgen Habermas’s Theory of Cosmopolitanism. In:
Constellations, vol. 10, n. 4. Oxford: Blackwell, 2003, p. 473.
88
Idem, ibidem, p. 475.
89
Idem, ibidem, p. 475.
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liberdade dos cidadãos, devido à flexibilidade do capital global. Uma outra
justificativa pela qual Habermas defende o cosmopolitismo decorre do fato de
argumentar ser a União Européia portadora de valores universais. O autor alemão
apresenta a Europa como foco de solidariedade, permitindo que políticas
redistributivas do Estado de Bem-Estar Social sejam recuperadas e estendidas por
toda a Europa, que seria o locus dos direitos humanos e da indignação contra suas
violações. A União Européia seria uma trama fechada de políticas deliberativas,
orientações valorativas cívicas e concepções compartilhadas de justiça,
promotoras de uma base através da qual os cidadãos podem ver a si próprios
como membros de uma comunidade internacional.
91
Entretanto, o herdeiro da Escola de Frankfurt assinala que a construção
democrática da integração européia enfrenta grandes dificuldades. Trata-se do
chamado déficit democrático, que pode ser resumido ao fato de os cidadãos não
disporem de meios efetivos para debaterem as decisões européias e
influenciarem os processos políticos de tomada de decisão.
92
As instituições
transnacionais possuem pouca legitimidade aos olhos dos cidadãos. As novas
organizações emergem cada vez mais distantes da base política, tal como a
burocracia em Bruxelas. Justamente para superar esse défict democrático,
Habermas aposta em um patriotismo constitucional europeu, que transcenda os
limites do Estado-nação, capaz de ajustar o universalismo dos direitos humanos
ao particularismo das identidades culturais.
Asseveram Fine e Smith que esse déficit surge porque não há maneiras
efetivas de deliberação democrática em nível transnacional.
93
O dilema é: se as
instituições transnacionais não podem competir com a legitimidade democrática
90
Idem, ibidem, p. 475-476.
91
Idem, ibidem, p. 482.
92
Habermas entende que esse déficit democrático dos processos políticos de tomada de decisão no
âmbito europeu e a ausência de possibilidade de participação produzem desconfiança nos cidadãos
europeus: “Claus Offe ha sintetizado los temas que despiertan temores dentro de las diferentes
naciones, y que provocan las rivalidade entre ellas: asuntos relativos a la redistribución
presupuestaria, a la inmigración y los flujos de inversión que se producen entre los diversos
Estados, a las consecuencias económicas y sociales de la competitividad intensificada entre países
con diferentes niveles de productividad, etc” HABERMAS, Jürgen, Por qué Europa necesita una
Constitución, op. cit., p. 12.
93
FINE, Robert and SMITH, Will. Jürgen Habermas’s Theory of Cosmopolitanism. In:
Constellations, vol. 10, n. 4, op. cit., p. 475.
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das decisões nacionais, então seu poder aglutinante está enfraquecido, carecendo
de processos democráticos de formação de opinião e vontade.
94
Nesse sentido, o
Parlamento europeu exerce uma função meramente figurativa, pois encontra-se
destituído da titularidade legislativa comunitária e de qualquer participação na
elaboração da normatividade supranacional. Como único órgão de representantes
populares, emite pareceres de caráter eminentemente consultivo, que em nada
interferem na política decisória da União Européia.
95
A resposta que Habermas ao problema do défict democrático nos corpos
transnacionais se baseia na teoria da democracia deliberativa que ele
originalmente delineou para os corpos democráticos nacionais. De acordo com
essa teoria, a legitimidade democrática ocorre em dois momentos: nos processos
formais de formação de vontade que ocorrem nos corpos representativos, e nos
processos informais de formação de opinião que ocorrem fora das instituições
formais e dentro das associações da sociedade civil. Para que os procedimentos
formais não fiquem desligados da vida pública, Habermas observa que precisa
haver uma interação criativa das duas esferas. A sociedade civil deve ser capaz
de influenciar os processos de formação de opinião e vontade e sua influência
deve ir além dos meios formais de participação nas eleições.
96
Salienta o filósofo que a participação institucionalizada de organizações
não-governamentais nas deliberações dos sistemas de negociação internacionais
fortaleceria a legitimidade do procedimento, na medida em que processos de
decisão transnacionais poderiam ser tornados mais transparentes para as esferas
públicas nacionais e reconectados aos processos de tomada de decisão em nível
popular. Se os corpos de tomada de decisão são sensíveis a uma racionalidade
comunicativa gerada no nível da sociedade civil transnacional, então, ao menos,
momentos essenciais de legitimidade democrática serão encontrados. Pode haver
um sentido no qual o desenvolvimento de uma sociedade civil européia, separada
das instituições representativas, aprimoraria o sentido de desapego que
caracteriza o relacionamento entre cidadãos europeus e políticas européias.
97
94
Idem, ibidem, p. 475.
95
Idem, ibidem, p. 476.
96
Idem, ibidem, p. 476.
97
Observam Fine e Smith que para desempenhar um papel dentro das organizações da sociedade
civil transnacional, seria necessária uma gama de habilidades, desde fluência em diferentes
línguas até o reconhecimento das diferentes tradições nacionais, que se limitaria a um
pequeno e
limitado grupo
de cidadãos educados e politicamente engajados dentro de cada Estado-nação. Os
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O autor alemão critica o posicionamento dos eurocéticos, que rejeitam uma
Constituição Européia com o argumento de que não existe um povo europeu. De
acordo com essa visão, falta um sujeito necessário de um processo
constitucional, portanto o singular coletivo do povo que poderia constituir-se a si
mesmo como uma nação de cidadãos:
Ho criticado esta tesis de la “no demos” tanto em el terreno empírico como
conceptual. Una nación de ciudadanos no debe confundirse com una comunidad
de destino configurada por un origen, un lenguaje y una historia comunes. Esta
confusión no capta el carácter voluntarista de una nación cívica, la identidad
colectiva de aquello que existe sin ser independiente ni anterior al proceso
democrático del que surge.
98
Assim, neste constraste entre a nação de cidadãos e a nação étnica, reflete-
se a grande conquista do Estado nacional democrático, que conseguiu criar,
através do status da cidadania, uma solidariedade inteiramente nova, abstrata,
legalmente mediada entre estranhos. Habermas analisa que as diretivas européias
afetam setenta por cento das disposições dos organismos nacionais, porém
carecem de uma apresentação séria diante de uma opinião pública atenta e
cautelosa, e de um processo de definição de objetivos naqueles âmbitos
nacionais, que hoje em dia só são acessíveis aos portadores de um passaporte
aéreo.
99
O filósofo acredita que a integração social promovida pela Constituição
Européia depende de um processo democraticamente estruturado, associado a um
contexto comunicativo capaz de gerar uma solidariedade entre estranhos. Neste
sentido, destaca algumas circunstâncias empíricas necessárias para que o projeto
constitucional europeu conduza a um processo de formação de identidade além
das fronteiras nacionais. As circunstâncias são, por exemplo, a emergência de uma
sociedade civil européia, a construção de uma esfera pública de alcance europeu e
autores concluem que uma sociedade civil desse tipo poderia não estabelecer uma crença geral na
legitimidade dos procedimentos transnacionais, que Habermas procura. De qualquer forma,
Habermas quer evitar o pessimismo ao nos encorajar a repensar idéias como representação,
identidade nacional, sociedade civil e esfera pública, que se originaram do nível nacional, podem
ser reaplicadas ao nível transnacional. Mas, ironicamente, segundo Fine e Smith, ele corre o risco
de sabotar os mesmos valores que pretende promover, ou seja, aqueles que dão apoio à forma
democrática da vida política, na medida em que defende uma solução européia transnacional, a
qual, segundo seu próprio relato pode não assegurar o mesmo grau de legitimidade democrática
do Estado-nação. Idem, ibidem, p. 477-478.
98
HABERMAS, Jürgen, Por qué Europa necesita una Constitución, op. cit., p. 13.
99
Idem, ibidem, p.11-12.
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a formação de uma cultura política que possa ser compartilhada por todos os
cidadãos europeus. Portanto, Habermas declara:
...o próximo impulso no sentido da integração numa socialização pós-nacional
não depende do substrato de algum povo europeu, mas de redes de
comunicação, de uma opinião pública política de alcance europeu, enfronhada
numa cultura política comum, sustentada por uma sociedade civil com
associações de interesses, organizações não-governamentais, iniciativas e
movimentos cívicos, e que seja assumida pelas arenas nas quais os partidos
políticos possam se referir imediatamente às decisões das instituições européias,
para além das alianças de bancadas, até chegarem a ser um sistema partidário
europeu.
100
Acentua que estes pré-requisitos funcionais de um projeto de União
Européia constituída democraticamente lançam pontos de convergência entre
processos realmente complexos.
101
Assim, o centro da política se deslocaria das
capitais nacionais aos centros europeus, não só por meio de atividades de lobbies
e corporações mercantis, como também através de partidos, sindicatos de
trabalhadores, associações cívicas ou culturais, grupos de interesse, movimentos
sociais, dentro de um espaço público europeu. Somente se poderia remediar o
déficit democrático através de um patriotismo constitucional europeu associado a
uma esfera pública em escala européia.
Trata-se de uma rede através da qual os cidadãos de todos os Estados-
membros tenham a oportunidade de tomar parte em um processo de
comunicação política concreta. A legitimação requer, por um lado, o contato
entre a deliberação institucional e o processo de tomada de decisão dentro dos
parlamentos, dos tribunais e organismos administrativos e, por outro, um
processo inclusivo de comunicação informal de massas. A infra-estrutura de
comunicações na esfera pública democrática visa converter problemas sociais
relevantes em temas de preocupação, permitindo ao público em geral se
100
HABERMAS, Jürgen. Inserção-inclusão ou confinamento? In: HABERMAS, Jürgen. A
Inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 176.
101
Essa convergência, entretanto, depende do efeito aglutinante de uma Constituição: “Una
constitución europea no sólo haría manifiesto el desplazamiento de poderes que ya ha tenido lugar.
También permitiría e impulsaría desplazamientos sucesivos. Una vez que la Unión Europea ganara
autonomía financiera, la Comisión asumiera las funciones de un gobierno y el Consejo se
convirtiera en algo parecido a una segunda cámara, el Parlamento europeo atraería más la atención
sobre el ejercicio fundamentado y más ostensible de competencias, que ya son notables. En un
principio, no serían necesarios plenos poderes presupuestarios. ” HABERMAS, Jürgen, Por qué
Europa necesita una Constitución, op. cit., p. 14.
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55
preocupar ao mesmo tempo com os mesmos temas, tomando uma posição
positiva ou negativa diante das notícias e opiniões.
102
Mas a tarefa de construir uma identidade européia não é fácil. O problema
principal, quando falamos em construção de uma identidade européia e no papel
da cidadania, está no fato de os cidadãos não terem tido uma participação
decisiva na integração européia. Há um conceito de cidadania desenvolvido de
cima para baixo, sem o esforço social dos cidadãos. Tal déficit de legitimação
indicava não estar o empreendimento europeu claramente justificado, no que se
refere às crenças e expectativas dos cidadãos. A tecnocracia e o elitismo do
início do processo de integração européia deram origem a uma frágil
legitimidade democrática, intensificada com o decorrer do tempo.
103
Entretanto, no caso europeu, os direitos humanos têm tido um papel
claramente significativo no processo de integração européia e de superação do
déficit democrático, desenvolvendo-se de forma irreversível nas últimas décadas,
tanto política quanto legalmente. Dois passos fundamentais desse processo de
integração foram a proclamação da Carta de Direitos Fundamentais da União
Européia, instrumento desenvolvido entre dezembro de 1999 e setembro de
2000, e a Convenção Européia sobre o Futuro da Europa, que elaborou o atual
projeto da Constituição Européia.
3.1.1-A Carta de Direitos Fundamentais da União Européia
A Carta de Direitos Fundamentais foi integrada à Parte II da Constituição
Européia. Foi criada em dezembro de 2000 e representou um passo decisivo no
sentido da constitucionalização européia. Através dessa Carta, os Estados
membros assumem o compromisso de fazer, da Europa, a Europa dos cidadãos, e
se dizem sujeitos de uma nova ordem jurídica que coloca o cidadão europeu no
102
Idem, ibidem, p. 17.
103
Constata-se a existência desse déficit desde os primeiros atos da integração regional européia,
uma vez que seus idealizadores - Jean Monnet e Schumann - estavam claramente influenciados
pela teoria funcionalista, de acordo com a qual busca-se o sucesso do funcionamento do sistema,
independentemente da existência de participação democrática. NEUSTEIN, Fernando Dantas e
SILVA, Beatriz Pereira da. O Princípio da Primazia do Direito Comunitário e o Défict
Democrático na União Européia. In: PIOVESAN, Flavia (org.). Direitos Humanos, Globalização
Econômica e Integração Regional.o Paulo: Max Limonad, 2002, p. 377.
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centro de suas realizações.
104
O capítulo dedicado à cidadania compõe-se de oito artigos, que estabelecem
os direitos do cidadão europeu: direito de eleger e ser eleito nas eleições para o
Parlamento Europeu; direito de eleger e ser eleito nas eleições municipais;
direito a uma boa administração; direito de acesso aos documentos públicos;
direito de apresentar petição ao Parlamento Europeu, liberdade de circulação e
permanência, e proteção diplomática e consular. Há uma democratização da
União através de procedimentos comunitários que atendem às demandas do
cidadão europeu. Assim, a Europa, não obstante a diversidade cultural, está
sendo capaz de construir uma cultura política comum.
Em seu artigo, John Erik Fossum procura reconstruir a filosofia subjacente à
Carta de Direitos Fundamentais, mediante a análise de dois modelos
contrastantes: o de uma diversidade profunda, delineada por Charles Taylor
105
e
o de um patriotismo constitucional. O texto do Preâmbulo deixa claro que a
Carta é inspirada em um patriotismo constitucional consubstanciado em direitos
e enfatiza que estes direitos podem promover um sentido de lealdade entre os
povos europeus. A abordagem filosófica inspirada em um patriotismo
constitucional é evidente no preâmbulo da Carta e em muitas das suas provisões.
Esta abordagem está enraizada em um conteúdo ético, particularmente através de
um compromisso com os direitos sociais e com a solidariedade social, como
parte da estrutura sócio-econômica da comunidade européia. Muitas provisões,
na Carta, falam de solidariedade. Esse compromisso com a solidariedade indica
uma disposição de ir além de valores universais e promover um sentido de
identidade européia. Dentro de um cenário de ampla cooperação e interação, as
lealdades nacionais podem se transformar e se tornar mais inclusivas em relação
às diferenças.
106
104
Neste aspecto, a Carta completa a vertente econômica da integração européia com a união
política, democrática e social. Ela estabelece no art. I-8 o conceito de cidadão da União Européia:
“ Possui a cidadania da União todo nacional de um Estado-membro. A cidadania da União
acresce à cidadania nacional, não a substituindo.” Assim, a cidadania nacional e a européia são
complementares e não se excluem entre si.
105
A respeito do conceito de diversidade profunda, cf.: TAYLOR, Charles. La política del
reconocimiento. In: TAYLOR, Charles. El multiculturalismo y la política del reconocimiento, op.
cit., p. 79 e segs.
106
FOSSUM, John Erik. The European Union in Search of Identity. In: European Journal of
Political Theory, vol. 2, n. 3. London: Sage Publications, 2003, p. 326-336.
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Em termos legais, a Carta é mais que uma declaração de intenção e pode
ser vista como pioneira para a promoção de um patriotismo constitucional
europeu inspirando uma sensibilidade inclusiva para as diferenças culturais. Ela
representou um passo fundamental para o desenvolvimento de um
constitucionalismo europeu, que culminou na Convenção Européia sobre o
Futuro da Europa. Os valores aos quais a Carta apela são de orientação
universalista, mais do que reflexiva de uma cultura européia particular, muito
embora sejam contextualizados. A ênfase na solidariedade e nos direitos sociais
europeus contribui para criar um forte sentido constitucionalmente patriótico.
Observa Fossum que o Preâmbulo revela ser a Carta aberta a muitas formas
de diversidade, além da diversidade nacional proposta pelos Estados-membros.
Mas não é claro se a referência à diversidade das culturas e tradições dos povos
da Europa incluiria nacionalismos minoritários. Portanto, há uma ambigüidade
no texto do Preâmbulo, relativamente à diferença cultural nele incluída. O
Preâmbulo fala da necessidade de conciliar a busca de valores comuns com a
proteção da diversidade. Os valores universais referidos são: dignidade humana,
liberdade, igualdade e solidariedade, sendo que o Preâmbulo procura situá-los
em um contexto institucional mais amplo. Esses valores não são meramente
garantidos pela Carta, mas são o resultado das tradições constitucionais comuns
dos Estados-membros, do Tratado da União Européia, da Convenção Européia
de Direitos Humanos e de outras obrigações internacionais dos Estados-
membros. Tais valores evocam um forte universalismo, embutido no valor
fundacional a que a União Européia apela e na qual tenta se situar.
107
O texto do Preâmbulo e seu exemplo revelam que a Carta não é escrita no
espírito da diversidade profunda delineada por Charles Taylor. O ponto
fundamental da Carta é a afirmação de um conjunto de valores e princípios
comuns, sobre os quais a fundação a Europa se fundou. Embora o Preâmbulo
fale no respeito à diversidade e às identidades nacionais, estas devem se conciliar
com valores universais comuns. O espírito da Carta, assevera Fossum, visa
promover a cooperação através da integração constitucional cada vez mais
próxima, e não no espírito de uma promoção ativa da diferença e diversidade. Ou
seja: as provisões da Carta protegem a diferença, mas não implicam promoção
107
Idem, ibidem, p. 331.
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58
ativa de diversidade cultural.
108
Díaz-Picazo assinala que os Chefes de Estado e de Governo, reunidos em
dezembro de 2000, acordaram em não dar à Carta valor juridicamente
vinculante, devido à forte oposição de certos Estados-membros (Reino Unido,
Suécia), que não apenas têm se mantido alijados da idéia de supralegalidade
inerente a toda declaração de direitos, como também desconfiam do caráter
federalizante e uniformizador de uma Carta de força obrigatória.
109
Leciona o autor que a Carta de Direitos Fundamentais, não obstante a falta
de valor juridicamente vinculante, constitui um passo muito significativo para a
construção de uma autêntica democracia constitucional em escala continental,
tratando-se de um antídoto àqueles que pensam ser um regime democrático
dependente de uma prévia homogeneidade cultural.
110
De qualquer forma, essa
problemática relativa à existência ou não de caráter vinculante da Carta ficará
resolvida com a sua incorporação na parte II da Constituição Européia.
3.1.2-A Constituição Européia
A Convenção Européia, que elaborou o projeto da Constituição Européia, na
qual participaram 105 representantes dos Estados-membros, se desenvolveu em
sessões contínuas durante um ano e meio, e ocorreu com ampla mobilização da
108
Idem, ibidem, p. 332. De acordo com o ideal da diversidade profunda desenvolvido por Taylor,
é necessário não apenas reconhecer muitas formas de diferença, mas também abandonar a noção
uniforme de cidadania e aceitar e promover o pluralismo das formas de identidade cultural,
estando aberto a múltiplas concepções de cidadania que coexistem no mesmo Estado. Para Taylor,
o ideal da diversidade profunda requer a política da diferença, considerada pelo autor como uma
reação contra o processo de assimilação das políticas de dignidade equivalente. Salienta Taylor
que os proponentes da dignidade equivalente buscam princípios universalmente válidos, mas
terminam por promover certos valores culturais específicos associados a culturas hegemônicas
discriminatórias de minorias culturais. FOSSUM, John Erik. Deep diversity versus constitutional
patriotism. Taylor, Habermas and the Canadian constitutional crisis. In: Ethnicities, vol. 1, n. 2.
London: Sage Publications, 2001, p. 179-202.
109
DÍEZ-PICAZO, Luis Maria. Constitucionalismo de la Unión Europea. Madrid: Civitas, 2002,
p. 22; Nesse sentido, Carrillo entende que a Carta de Direitos Fundamentais não se limita a um
conjunto de exortações morais e políticas, pois é um instrumento de inegável eficácia jurídica, que
fixa critérios para valorar a legitimidade da atuação de todos os poderes públicos da União
Européia. Irá, portanto, operar na Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias, expressando as tradições constitucionais comuns dos Estados-membros e os princípios
gerais do Direito Comunitário em matéria de Direitos e Liberdades. CARRILLO Salcedo, Juan
Antonio. Notas sobre el significado político y jurídico de la Carta de los Derechos Fundamentales
de la Unión Europea. In: Revista de Derecho Comunitario Europeo, n. 9, jan/jun 2001, p. 25-26.
110
DÍEZ-PICAZO, Luis Maria. Constitucionalismo de la Unión Europea, op. cit., p. 24-25.
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59
sociedade civil, apresentando-se como uma alternativa na superação do déficit
democrático. O prefácio do projeto constitucional refere-se ao fato de, por estar a
União Européia em “uma encruzilhada decisiva da sua existência, o Conselho
Europeu reunido em Laeken (Bélgica) em 14 de dezembro de 2001 convocou a
Convenção Européia sobre o Futuro da Europa.”
A Declaração de Laeken questiona a finalidade do projeto comum europeu,
através de três perguntas significativas: como aproximar os cidadãos do projeto
europeu e das instituições européias? Como estruturar a vida política e o espaço
público europeu na União ampliada? Como fazer com que a União se converta
em fator de estabilidade e em modelo no novo mundo multipolar? Destaca
Aldecoa que estas perguntas assumem que a finalidade da Constituição Européia
é criar uma organização política, legítima e democrática, próxima aos cidadãos.
111
Vale ressaltar que a Constituição a ser promulgada decorreu de uma assembléia
constituinte instalada na forma de Convenção, o que representa uma inovação em
relação aos conceitos de assembléia constituinte, apresentando um caráter
original. Segundo o autor, a peculiaridade do método da Convenção reside em
sua natureza híbrida, tanto de conferência intergovernamental antecipada como
de parlamento constituinte.
112
A Convenção Européia reuniu representantes dos governos nacionais, dos
parlamentos nacionais e das instituições da União e do Parlamento Europeu, com
a participação da sociedade civil através de sua representação por organizações
não-governamentais e debates em mídia eletrônica, o que indica esse processo
como um exemplo de espaço público e de fortalecimento da legitimidade
democrática.
113
A novidade do método de construção constitucional é o Foro da Sociedade
Civil, bem como sua participação nos trabalhos da Convenção, através da
informação regular dos trabalhos e sua contribuição nos debates, reconhecendo-
se, portanto, a importância da sociedade civil no processo constituinte. A
transparência do método utilizado pela Convenção tem excepcional relevância,
111
LUZÁRRAGA ALDECOA, Francisco. Una Europa: Su Proceso constituynte 2000-2003. La
Innovación Política Europea y su Dimensión Internacional. La Convención, el Tratado
Constitucional y su Política Exterior. Madrid: Editorial Bilioteca Nueva, 2003, p.22.
112
Idem, ibidem, p. 30.
113
RIBAS, José (org). A Constituição Européia. O projeto de uma Nova Teoria Constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 105-106.
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pois foi um exemplo de publicidade e democracia, demonstrando os esforços de
elaborar uma Carta visível aos olhos dos cidadãos europeus, e expressando, de
maneira clara e sensível, os valores fundamentais da União Européia, e
superando a tecnocracia e o elitismo do início do processo de integração.
Expressa-se, assim, a perspectiva habermasiana de participação
institucionalizada de organizações não-governamentais nos processos de
deliberação dos sistemas de negociação internacionais, o que fortalece a
legitimidade do procedimento, na medida em que processos de decisão
transnacionais tornam-se mais transparentes para as esferas públicas nacionais e
são reconectados aos processos de tomada de decisão em nível popular.
De qualquer forma, pondera José Ribas, é recente a idéia de conferir poder
constituinte à categoria da Convenção, sendo algo que começa a ser
desenvolvido em 2001, com a elaboração da Carta de Direitos Fundamentais da
União Européia.
114
O Preâmbulo do projeto constitucional afirma que a
Constituição Européia é o resultado da vontade dos povos europeus. Todavia,
encontra-se em contradição com o artigo I-1 da Constituição Européia, que
declara ser a União Européia o resultado tanto da inspiração da vontade dos
cidadãos como dos Estados da Europa. Neste sentido, esse artigo enfraquece a
concepção de povos europeus declarada no Preâmbulo. Este, por sua vez,
expressa uma significativa identidade cultural quando declara ser a Europa “um
continente portador de uma civilização”, revelando o desejo de aprofundar o
caráter democrático e transparente de suas instituições.
O núcleo do valor dos Direitos Fundamentais, oriundo do legado de pós-
1945, está consagrado no artigo I-2, que consubstancia a consolidação dos
valores desenvolvidos na segunda metade do século XX. Por outro lado, de
acordo com o artigo I.7, a União Européia procurará aderir à Convenção
Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais. Estatui, ainda, que os Direitos Fundamentais, garantidos pela
citada Convenção Européia para Proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, e resultantes das tradições constitucionais comuns aos
114
José Ribas analisa que, com base na experiência da Carta de Direitos Fundamentais, o processo
de Convenção foi por decorrência aplicado na elaboração do projeto da Constituição Européia:
“Não obstante, reiteramos que a Convenção se reveste de um caráter de poder constituinte, no qual
tanto a sociedade civil européia, pela expressão da cidadania, quanto os Estados-membros
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Estados-membros, fazem parte do direito da União, como princípios gerais.
Os 25 chefes de Estado e de governo da União Européia assinaram, em 29
de Outubro de 2004, a Constituição da Europa unificada, em uma cerimônia
realizada no Capitólio de Roma, sede da prefeitura da capital italiana. O chefe do
governo espanhol, Jose Luis Zapatero, celebrou o grande passo, afirmando ter
representado um grande avanço no caminho da construção da unidade política da
União Européia. Apresenta-se, então, o problema da ratificação da Constituição
Européia, já que muitos países têm intenção de realizar referendos, o que pode
ser um risco de voto contrário à Constituição e um forte revés para a integração
européia. França, Reino Unido, Espanha, Irlanda, Dinamarca, Luxemburgo,
Holanda, República Tcheca e Bélgica já decidiram pela consulta popular. Entre
estes países, os que mais preocupam são França e Reino Unido-devido ao
tradicional ceticismo britânico em relação à União Européia e à divisão entre os
socialistas na França, onde o plebiscito só seria realizado no fim de 2005. Quatro
países já ratificaram a Constituição: Hungria, Lituânia, Eslovênia (por meio de
votação no legislativo) e a Espanha, esta última através de plebiscito. Para o
governo espanhol, entusiasta da construção européia, a mensagem é clara: a
adoção da Constituição aprofundará a transição da integração econômica para a
política.
Ressalta J. Martin y Pérez de Nanclares que o Parlamento Europeu será a
instituição mais beneficiada com a Constituição Européia. Reforçando sua
posição institucional, se reconhece explicitamente que exercerá, juntamente com
o Conselho, as funções legislativa e orçamentária, assim como funções
consultivas e de controle.
115
Por outro lado, há uma participação dos parlamentos
nacionais no processo legislativo comunitário, através de um mecanismo de
controle do princípio da subsidiariedade. Desta forma, a Comissão está obrigada
a remeter todas as suas propostas legislativas aos parlamentos nacionais dos
Estados-membros e ao legislador comunitário (Conselho e Parlamento Europeu).
Essas alterações institucionais refletem a necessidade de reforçar a legitimidade
democrática do projeto europeu, através de instituições transparentes e eficazes,
com a participação dos parlamentos nacionais, de forma a construir um espaço
encontram-se representados para a formação da Constituição Européia.” Idem, ibidem, p. 108.
115
NANCLARES, J. Martin y Pérez de. El Proyecto de Constitución Europea: reflexiones sobre
los trabajos de la Convención. In: Revista de Derecho Comunitario Europeo, n. 15, ano 7, mai/ago
2003, p. 557.
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público europeu.
116
Postulam Erik Oddvar Erikssem e John Erik Fossum que durante o
debate na Convenção Européia ficou claro que aqueles que criticavam a União
Européia, em termos de legitimidade, não concordavam, nem enfatizavam os
mesmos aspectos. O mesmo ocorreu no debate acadêmico: alguns se
preocupavam com os custos e com a eficiência, outros com a tecnocracia e com a
falta de participação popular, outros com a ausência de um sentido de identidade,
e outros com os defeitos legais-institucionais. Em seu artigo, os autores
estabelecem três estratégias como soluções possíveis para os problemas da
legitimidade da União Européia e analisam em qual delas se baseia o projeto da
Constituição Européia. A primeira estratégia se baseia na regulação eficiente do
mercado, derivando a legitimidade de uma cidadania econômica estreita. Essa
estratégia se baseia em uma lógica instrumental, relacionada com a necessidade
de resolver os problemas dos Estados-membros associados a globalização
econômica, migrações multiétnicas, problemas de meio-ambiente, crimes
internacionais.
117
A segunda estratégia enfatiza a necessidade de autocompreensão coletiva
dos europeus, tornando a Europa uma comunidade baseada em valores, fundada
em uma identidade comum européia. A proposta de tal estratégia é formar um
demos europeu, de maneira a permitir à Europa resolver seus problemas de
legitimidade. Essa visão concebe a Europa como uma comunidade na qual
diferentes formas de lealdade e identificação nacional devem ser harmonizadas.
O sucesso da União Européia depende do desenvolvimento de uma identidade
compartilhada e de valores que integrem as diferentes concepções de vida digna
e uma gama diversa de interesses sociais.
118
Tal estratégia enfatiza que a
democratização só é possível se o povo da Europa tiver a capacidade de discutir
quem ele é e quais são os seus objetivos comuns. Ou seja: a democracia seria um
lugar de deliberação sobre valores comuns e de estabelecimento de laços de
solidariedade. A identidade, nessa perspectiva, é reproduzida através de um
processo hermenêutico de reflexão e deliberação, no qual os membros alcançam
116
Idem, ibidem, p. 551.
117
ERIKSEN, Erik Oddvar and FOSSUM, John Erik. Europe in Search of Legitimacy: Strategies
of Legitimation Assessed. In: International Political Science Review. Vol. 25, n. 4. London: Sage
Publications, October, 2004, p. 436.
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um entendimento de quem são e do que querem. A proposta dessa estratégia é
revitalizar tradições, memórias e valores europeus, como uma forma de fornecer
uma base sólida para a integração.
119
Uma opção para essa estratégia seria revitalizar os valores humanistas e
cristãos, que podem servir como alicerce para o desenvolvimento de um sentido
profundo de comunidade. Tanto a Convenção que elaborou a Carta de Direitos
Fundamentais da União Européia, como a Convenção sobre o Futuro da Europa
discutiram a questão da herança religiosa. O penúltimo projeto de Preâmbulo da
Carta fazia referência à herança religiosa, encontrando, porém, grande oposição
de França, Bélgica, Reino Unido e países nórdicos. A versão oficial do
Preâmbulo não contém a referência religiosa, mas se refere à “ herança espiritual
e moral” da Europa. Portanto, ressaltam Erikssem e Fossum, há problemas
normativos nessa estratégia, pois o desenvolvimento de uma base cultural de
inclusão pode entrar em conflito com direitos humanos universais. Os autores
concluem que tanto a primeira como a segunda estratégia são problemáticas.
120
A terceira estratégia se baseia em uma lógica comunicativa e visa tornar a
Europa uma união política constitucionalmente democrática, baseada em um
conjunto de direitos políticos e civis e procedimentos democráticos de tomada de
decisão que permitam aos cidadãos reconhecerem a si próprios como co-autores
das leis.
121
Assim, o processo político de tomada de decisão deve estar atento a
uma gama de opiniões populares: europeus e não-europeus, movimentos
transnacionais, organizações não-governamentais, corpos supranacionais. A
democracia, portanto, deve ser concebida não apenas como um arranjo
organizacional, mas como um princípio de legitimidade, isto é, um procedimento
que estabeleça os meios de se alcançar decisões legítimas. Nessa perspectiva,
somente a deliberação pode alcançar a legitimidade democrática, sendo o meio
para alcançar o que é bom, certo e justo na esfera política.
122
Assinala Habermas que são válidas as normas de ação às quais os
possíveis afetados, enquanto participantes de um discurso racional, podem dar o
seu consentimento válido. De acordo com a teoria do discurso, uma norma
118
Idem, ibidem, p. 436-437.
119
Idem, ibidem, p. 443.
120
Idem, ibidem, p. 441.
121
Idem, ibidem, p. 436.
122
Idem, ibidem, p. 445.
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somente pode pretender validade se decorrer de um dabate livre e aberto.
123
Portanto, Erikssem e Fossum partem dessa perspectiva habermasiana para
concluir que o espaço público tem uma importância fundamental para a
construção da democracia na União Européia, cujas decisões governamentais
afetam profundamente tanto os cidadãos como os Estados-membros. Os autores
analisam que as deliberações emanadas do espaço público são elaboradas,
transformadas e testadas por um conjunto de direitos individuais e arranjos
procedimentais, promovendo um sentimento de lealdade entre povos e um
patriotismo constitucional europeu.
Erikssem e Fossum exemplificam como expressão dessa terceira estratégia
a ampliação das competências do Parlamento Europeu, prevista no projeto da
Constituição Européia. Outras medidas institucionais incluiriam o uso de
referendos e outros métodos que objetivem ampliar o papel da esfera de
deliberação pública. Os autores concluem: um sentido comum de identificação
européia pode ser criado através de processos deliberativos, significando que o
demos pode ser elaborado através de meios políticos. Não pode haver um demos
europeu sem uma democracia européia.
124
Podemos afirmar que o método utilizado pela Convenção Européia, capaz
de gerar ampla mobilização da sociedade civil (através de sua representação por
meio de ONGs e debates em mídia eletrônica), indica que a Constituição
Européia está sendo elaborado através de procedimentos de deliberação
discursiva, permitindo aos cidadãos europeus reconhecerem a si próprios,
simultaneamente, como autores e destinatários do projeto constitucional, o que,
por si só, é capaz de gerar solidariedade entre estranhos e coesão política.
Portanto, a Constituição Européia poderá inspirar um patriotismo constitucional
123
Leciona Marcelo Campos Galuppo que, de acordo com o princípio habermasiano do Discurso
(D), são válidas as normas de ação com que possam concordar todos os possíveis envolvidos,
enquanto participantes de discursos racionais, significando que serão válidas as normas jurídicas
cujos destinatários participem de sua elaboração. O autor diferencia o princípio (D) do princípio
(U): “ Enquanto o princípio do discurso refere-se aos procedimentos de elaboração da norma, o
princípio da universalização refere-se às consequências de sua assunção...Mas ao contrário de
Kant, em Habermas esse princípio implica um procedimento dialógico de produção de normas
jurídicas. Esse procedimento refere-se ao princípio do discurso e diz que uma norma só é válida se
puder contar com a aprovação de todos os envolvidos que participem de produção da norma.”
GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e Diferença. Estado democrático de Direito a partir do
pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentus, 2002, p. 137-139.
124
ERIKSEN, Erik Oddvar and FOSSUM, John Erik. Europe in Search of Legitimacy: Strategies
of Legitimation Assessed. In: International Political Science Review. Vol. 25, n. 4, op. cit., p. 446-
448.
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europeu, uma nova forma de identidade pluralista e integradora, capaz de
aglutinar a sociedade européia em torno da tarefa de construir uma cultura
política democrática.
Por outro lado, a inclusão da Carta de Direitos Fundamentais na parte II
da Constituição testemunha um sinal significativo da consagração da terceira
estratégia. Para a Carta ser plenamente efetiva, segundo Fossum, o projeto da
Constituição teria de reformar a estrutura institucional da União Européia. A
proposta da Carta visa tornar os direitos já existentes mais visíveis aos olhos do
cidadão europeu, não adicionar novos direitos, já que faz menção a uma ampla
gama de fontes, incluindo a Convenção Européia de Direitos Humanos, as
tradições constitucionais nacionais e a Carta Social Européia.
125
Resta assinalar que a Constituição Européia se baseia em um compromisso
com valores universais compatíveis com o reconhecimento das identidades
nacionais dos Estados membros. Assim, a Carta Magna consagra um patriotismo
constitucional europeu com uma sensibilidade inclusiva para as diferenças
culturais. Nesse aspecto, como afirma Cronin, o patriotismo constitucional pode
funcionar como o meio pelo qual os membros dos diversos subgrupos culturais e
religiosos venham a se identificar com um projeto constitucional compartilhado,
desde que este seja compatível com igual reconhecimento de suas culturas e
identidades distintas.
126
Esse compromisso se expressa, no projeto da
Constituição Européia, através da previsão da participação dos parlamentos
nacionais no processo político de tomada de decisão, no nível da União
Européia, mediante o controle do princípio da subsidiariedade.
127
3.1.3-O debate sobre a viabilidade constitucional e a construção da
125
Idem, ibidem, p. 450.
126
CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy. London: Blackwell Publishing, vol 11, n.1, april 2003, p. 11.
127
ERIKSEN, Erik Oddvar and FOSSUM, John Erik. Europe in Search of Legitimacy: Strategies
of Legitimation Assessed. In: International Political Science Review. Vol. 25, n. 4, op. cit., p. 452;
Em relação ao princípio da subsidiariedade, conforme assinala Maria Teresa de Cárcomo Lobo, o
art. 5° do Tratado da União Européia estabelece que, nos domínios que não são das suas
atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas e na medida em que os objetivos de uma
determinada ação podem ser mais bem alcançados em nível comunitário. Nos termos do Protocolo
30, anexo ao Tratado da Comunidade, o princípio da subsidiariedade constitui um conceito
dinâmico que deve ser aplicado à luz dos objetivos enunciados no Tratado. LOBO, Maria Teresa
de Cárcomo. Manual de Direito Comunitário. Curitiba: Juruá, 2001, p. 131.
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identidade européia
Díez-Picazo analisa que a idéia de cidadania européia nos tratados
constitutivos da União Européia tem um valor predominantemente simbólico.
Trata-se de engendrar o embrião de um futuro demos europeu: para haver uma
União Política é necessária a existência de um povo, e a afirmação solene da
cidadania européia pode ser um passo importante para a configuração de um
povo supranacional. O autor conclui que a existência de um povo dotado de um
mínimo de identidade e coesão quanto a certos valores fundamentais não
depende apenas do reconhecimento formal de direitos políticos, pois sua
efetividade depende de haver espaço suficiente para esses direitos serem
exercidos. Assim, sem um fortalecimento e uma verdadeira democratização das
instituições da União Européia, dificilmente poderá consolidar-se um povo
europeu. Portanto, a cidadania européia é uma condição necessária, porém não
suficiente para o surgimento de um demos europeu.
128
Alguns autores argumentam que falta-lhe um pressuposto indispensável para
a democracia européia se apresentar como algo mais que um aparato jurídico: um
povo europeu. A idéia de que a democracia não pode funcionar sem uma base
popular suficiente se expressou na sentença de 12 de outubro de 1993, na qual o
Tribunal Constitucional Alemão se refere à necessidade de um mínimo de coesão
política entre os cidadãos como pressuposto para a democracia. Nesse sentido, o
argumento se basearia no fato de a União Européia não poder converter-se em
uma espécie de macro-Estado, por não ser uma macro-nação. Ou seja: a
democracia só poderia funcionar onde existe uma prévia realidade nacional, pois
somente aqueles que compartilham um núcleo de tradições e valores estariam em
condições de organizar sua vida democraticamente.
129
Neste aspecto, Díez-Picazo rechaça o posicionamento de que o processo
de integração européia encontra seu limite na ausência de uma realidade nacional
homogênea. Argumenta no sentido de as estruturas políticas criarem os vínculos
de coesão e solidariedade: “ ... la legitimación del poder político, por liberal-
democrática que sea la forma que éste adopte, no puede realizarse por medios
128
DÍEZ-PICAZO, Luis Maria. Constitucionalismo de la Unión Europea, op. cit., p. 62-63.
129
Idem, ibidem, p. 71-72.
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67
puramente racionales, sino que necesita también de los sentimentos.”
130
O autor
defende a teoria habermasiana do patriotismo constitucional, argüindo que a
democracia requer, entre outras coisas, adesão emocional por parte dos
cidadãos.
131
Essa discussão também ensejou, entre Dieter Grimm e Habermas, um
interessante debate sobre a viabilidade de uma Constituição para a Europa, em
artigo escrito no início da década de 1990, logo após o Tratado de Maastricht ter
apontado para a transformação do Mercado Comum em uma comunidade
política. Grimm se opõe à realização desse empreendimento, por vários motivos.
Em primeiro lugar, não haveria na União Européia uma legitimidade
democrática, mas tão-somente uma legitimidade de natureza técnico-econômica,
havendo, portanto, um déficit democrático estrutural. Ressalta que o fundamento
jurídico de um Estado é a Constituição, enquanto que o tratado seria o
fundamento jurídico das instituições internacionais. Nesse sentido, só existem
duas opções: ou a Constituição preexiste na forma de tratado, ou este não pode
ter a pretensão de avançar rumo à Constituição.
132
Por outro lado, a União Européia não seria tradicionalmente uma instituição
internacional, e sim uma nova instituição onde se estabelece a transferência de
direitos de soberania aos Estados-membros. Existiria, portanto, um déficit
democrático intransponível, pois sua legitimidade decorreria menos da
deliberação popular, através do parlamento, do que dos Estados-membros (por
meio do Conselho Europeu). Além disso, a União Européia se caracteriza menos
como uma federação constitucional de povos e mais como uma federação de
Estados nacionais, o que retiraria de suas instituições a legitimidade
domocrática.
133
Grimm compara a Constituição Européia com aquelas elaboradas na França
e nos Estados Unidos do século XVIII, entendendo que a única semelhança é o
uso do mesmo termo, tendo em vista que estas se referem a Estados Nacionais,
enquanto que a primeira se refere a uma união de Estados, que se originou de
130
Idem, ibidem, p. 77.
131
Idem, ibidem, p. 77-78.
132
GRIMM, Dieter. Una Costituzione per l’Europa? Trad. para o italiano de Leonardo Ceppa,
Fabio Fiore e Gabriela Silvestrini. In: ZAGREBELSKY, Gustavo; PORTINARO, Pier Paolo;
LUTHER, Jorg. Il Futuro della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996, p. 341.
133
Idem, ibidem, p. 341.
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tratados internacionais. O déficit democrático dos tratados e do tratado instituidor
da União Européia impediria que o tratado que se apresenta como a Constituição
da Europa fosse compreendido dentro dos padrões clássicos de uma verdadeira
carta constitucional. Assim, a Constituição Européia teria um caráter totalmente
diverso das Constituições francesa e norte-americana, cujas funções seriam
determinar o povo como sujeito e soberano do poder estatal que deveria exercer
o poder político. Deveria haver, portanto, uma correspondência entre
Constituição e Estado Nacional. Por esta razão, seria difícil estabelecer esta
correspondência entre a União Européia e uma Constituição, pois a União não é
um Estado, e sim uma união de Estados nacionais, ainda que tenham sido
conferidos à União poderes que eram antes de competência exclusiva dos
Estados. O autor assinala, ainda, que os poderes de soberania que a Comunidade
Européia exercite no interior dos Estados-membros não são, todavia,
disciplinados por seus direitos constitucionais.
134
Adverte Grimm que faltaria à União Européia o substrato social necessário
para atingir a unidade política própria de um Estado e o pleno domínio de sua
Constituição. Por outro lado, ele entende como evidente a falta de legitimidade
popular, pois as decisões mais importantes da União são tomadas pela Comissão
e pelo Conselho Europeus. O autor postula que o Parlamento Europeu, que
representa os interesses dos cidadãos europeus, não forma o centro de comando
da mediação democrática, pois se limita apenas ao poder de veto. O parlamento,
enquanto representação eletiva, dispõe de uma legitimação democrática direta,
mas tem pouca influência.
135
Grimm não acredita na possibilidade de uma União Européia
substancialmente democrática, pois faltariam uma rede de ONGs e um sistema
de comunicação de massa que permitisse a difusão de uma opinião pública
européia.
136
Por outro lado, a democracia real não poderia se desenvolver em um
ambiente em que os indivíduos não possam se comunicar, sendo a língua comum
um fator fundamental. Conclui que a União Européia teria o caráter de uma
federação de Estados, e nesse sentido não poderia ter uma Constituição, mas
apenas uma instituição por meio de um tratado.
134
Idem, ibidem, p. 349.
135
Idem, ibidem, p. 354-355.
136
Idem, ibidem, p. 358-359.
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69
Habermas estabeleceu um diálogo com Grimm, concordando com algumas
de suas críticas, mas fazendo objeções. Em primeiro lugar, Grimm teria descrito
as alternativas de modo incompleto. O herdeiro da Escola de Frankfurt
argumenta que a criação da União Européia ocorre em um plano mais amplo, não
o do nível nacional, mas o dos imperativos da globalização, que desnacionalizam
as economias e forçam os Estados, para não perderem competitividade no plano
internacional, a aceitarem reduções em sua soberania a fim de garantir sua
própria sobrevivência. O filósofo entende haver um interesse maior, não
compreendido por Grimm, para que os Estados-nacionais, em um contexto de
globalização, queiram a União Européia como o melhor caminho para proteger
seus interesses.
137
Por outro lado, o filósofo o concorda com o posicionamento de Grimm,
segundo o qual somente se existisse um povo europeu seria possível uma
Constituição Européia. Entende que as diversidades entre os nacionais não
podem ser consideradas um obstáculo maior do que as diversidades já existentes
dentro dos Estados nacionais. Em relação ao obstáculo da língua comum,
Habermas compreende-o como superável, pois o nível de educação na Europa já
confere aos europeus o uso de outras línguas além das nacionais. Além disso, a
vontade política dos europeus de encaminhar o processo constitucional
apresenta-se forte o suficiente para induzir um contexto comunicativo comum às
práticas políticas, permitindo a realização da democracia no espaço público
europeu.
138
Segundo Habermas, existiu uma verdadeira vontade popular no
sentido de os Estados nacionais se moverem em direção à União, sendo tal
vontade suficiente para considerar a União não só uma União de Estados, mas
também uma União dos povos europeus.
Justine Lacroix analisa o fato de que a crescente legitimação das
instituições européias criadas pelos Tratados de Maastricht e de Amsterdã parece
ser paralela a uma diminuição da legitimação da integração européia aos olhos
do público. Trata-se da dimensão subjetiva do déficit democrático. Isto é
marcado por um abismo cada vez maior entre o que Michael Walzer chama de
137
HABERMAS, Jürgen. Una Costituzione per l’Europa? Osservazioni su Dieter Grimm. Trad.
para o italiano de Leonardo Ceppa, Fabio Fiore e Gabriela Silvestrini. In: ZAGREBELSKY,
Gustavo; PORTINARO, Pier Paolo; LUTHER, Jorg. Il Futuro della Costituzione. Torino:
Einaudi, 1996, p. 371-372.
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70
comunidade moral (uma união cultural e social na qual os indivíduos são unidos
por entendimentos compartilhados) e uma comunidade legal (que define o
alcance das medidas políticas que impõem obrigações legais a uma comunidade
de cidadãos).
139
Walzer, segundo Lacroix, enfatiza que se a superposição desses
dois grupos não é completa, as pessoas começam a questionar a legitimidade da
União na qual vivem, sendo este o caso da União Européia. Quase meio século
de integração mostra que a unificação das sociedades não é suficiente para criar
uma consciência política comum. Apesar da crescente interdependência objetiva
dos países europeus, as filiações objetivas, em grande parte, permanecem ligadas
ao nível nacional.
140
Dois teóricos políticos, Richard Bellamy e Dario Castiglione, têm
recentemente tentado extrapolar a dicotomia conceitual entre liberais e
comunitários acerca da questão européia. Eles distiguem entre cosmopolitas e
comunitários.
141
Os primeiros afirmam que vivemos em uma sociedade global
que deveria ser governada de acordo com princípios universais de Direito e
justiça. Os segundos defendem as alegações da comunidade e negam que
princípios morais tenham peso fora dos contextos sociais e políticos que lhes dão
caráter e força.
142
Dentro da categoria dos cosmopolitas, distinguem duas
possíveis visões da União Européia: os supranacionalistas, que clamam por uma
Europa federal concebida como um grande Estado-nação; e a dos pós-
nacionalistas, que consideram o movimento em direção a princípios federais
138
Idem, ibidem, p. 375.
139
Sobre o conceito de comunidade moral e legal cf.: WALZER, Michael. Sphères de Justice.
Paris: Seuil, 1997.
140
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 1.
Oxford: Blackwell, 2002, p.944-945.
141
Sobre a perspectiva cosmopolita, Lacroix se refere aos seguintes autores: Jean-Marc Ferry e
David Held e como representantes do pensamento comunitário, a autora cita: David Miller e
Michael Walzer. Ver a respeito cf.: FERRY, Jean-Marc. Pertinence du post-national. In:
LENOBLE, J. and DEWANDRE, N. (eds). L’Europe au soir du siècle. Identité et démocratie.
Paris: Esprit; HELD, David. Democracy and Global Order. From the Modern State to
Cosmopolitan Governance. Cambridge: Polity, 1995; MILLER, David. On Nationality. Oxford:
Clarendon, 1995; WALZER, Michael. Thick and Thin: Moral Argument at Home and Abroad.
Notre-Dame: Notre-Dame University Press, 1994.
142
BELLAMY, R. and CASTIGLIONE, D. Between Cosmopolis and Community: Three Models
of Rights and Democracy within the European Union. In: ARCHIBUGI, Daniele; HELD, David
and KOLHER, Martin (eds.). Re-imagining Political Community. Oxford: Polity, p. 152.
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como uma alternativa ao Estado soberano unitário.
A segunda categoria (a dos comunitaristas) inclui os eurocéticos
conservadores (que pensam em termos políticos estreitos e concebem a nação
em termos quase étnicos) e os nacionalistas cívicos, que tendem a ser de
esquerda e são influenciados por noções republicanas relacionadas com a
participação democrática. Portanto, Bellamy e Castiglione identificam quatro
possíveis abordagens para a Europa: a supranacional e a federalista pós-nacional,
ambas surgindo do campo cosmopolita; e a étnica e a nacionalista cívica,
surgindo do campo comunitário.
143
Sobre esta tipologia estabelecida, os autores
descartam de seus argumentos as opções rígidas do supranacionalismo e do
nacionalismo étnico, porque a linha neofuncionalista federalista superestima
muito a integração das forças globais e a capacidade das pessoas de transferir
suas lealdades. Os eurocéticos, por sua vez, com suas tendências xenófobas,
desconsideram as novas realidades globais. A síntese proposta por Bellamy e
Castiglione se apóia em duas variantes leves do nacionalismo cívico e do pós-
nacionalismo.
Alegam os autores que um cosmopolitismo puro não pode manter sua
promessa, porque o reconhecimento apropriado de direitos básicos depende de
serem especificados e estabelecidos em uma dada sociedade. Ele desconsidera o
fato de que um senso de comunalidade e de obrigação mútua é condição
necessária para a justiça política e social. Por outro lado, para os autores, um
simples comunitarismo não é satisfatório, porque desconsidera a multiplicidade
de afiliações comunitárias e subestima as novas realidades sociais e econômicas
da globalização.
144
Conseqüentemente, de acordo com Lacroix, eles optaram por um terceiro
caminho que tornasse possível combinar um sentido comunitário de apego com o
respeito cosmopolita pela diversidade. A União Européia funcionaria, para
Bellamy e Castiglione, como uma união de nações, com um forte consenso
143
Idem, ibidem, p. 162.
144
Realmente, para Bellamy e Castiglione, tanto o cosmopolitismo como o comunitarismo têm
dificuldades em lidar com o crescente pluralismo das nossas instituições políticas de diferentes
formas, sendo que cada um arrisca o conjunto prevalente de princípios como se simplesmente
refletisse os ideais e interesses dos grupos hegemônicos: “Cosmopolitans risk an imperialism of
the dominant view of liberal values, communitarians a relativism that endorses the highly illiberal
practices of certain national ruling classes.” BELLAMY, R. De-segregating Democracy: Whose
Europe? Which Community. In: Liberalism and Pluralism. London: Routledge, 1999, p. 197.
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acerca de questões fundamentais e de alguns elementos de identidade comum. A
escolha traria uma luz à natureza institucional da União Européia. Hoje em dia,
tanto cosmopolitas como comunitários estão insatisfeitos com sua forma. Os
primeiros clamam por mais supranacionalidade, enquanto os últimos consideram
que a perda de soberania nacional já foi longe demais.
145
Mas tanto os comunitários como os cosmopolitas vêem a União Européia
como um arranjo desorganizado que envolve uma mistura de elementos
nacionais, intergovernamentais e supranacionais. Lecionam Bellamy e
Castiglione que a escolha de um comunitarismo cosmopolita revelaria esse
caráter complexo e intermediário da União Européia como sendo coerente e
legítimo. Como uma entidade híbrida, demonstrando características tanto de uma
comunidade supranacional como de uma confederação de Estados, a União
Européia, segundo os autores, usa justificações normativas de tipos tanto
comunitários como cosmopolitas. Ela incorpora certo número de instituições
supranacionais dedicadas à promoção de uma nova ordem constitucional
européia, que tem supremacia sobre as leis nacionais. O cosmopolitismo
comunitário reconheceria tanto a validade de certas normas gerais quanto a
necessidade de ações coletivas supranacionais em áreas específicas, e ao mesmo
tempo reconheceria que essas obrigações não precisam ser do mesmo tipo para
todos os envolvidos, nem requerem a adoção de uma totalidade de sistema
unificado.
146
Diferentemente, o comunitarismo cosmopolita emergiria, segundo Bellamy,
a partir das diferentes perspectivas dos vários participantes e do diálogo que
ocorreria entre eles. Esse comunitarismo cosmopolita é, portanto, caracterizado
por um esquema republicano de diálogo constitucional, no qual as diferentes
comunidades entrariam em acordo sobre suas respectivas posições. Em contraste
com Habermas, o autor entende que ajustamentos entre diferentes culturas etno-
comunitárias não ocorrem em torno de um núcleo compartilhado. Contudo,
145
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5,
op. cit., p. 952-953.
146
BELLAMY, R. and CASTIGLIONE, D. Between Cosmopolis and Community: Three Models
of Rights and Democracy within the European Union. In: D. Archibugi, D. Held and M. Kolher
(eds.). Re-imagining Political Community. Oxford: Polity, p. 152, apud LACROIX, Justine. For a
European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, op. cit., p. 953.
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assevera Bellamy, a integração política não se constrói a partir de uma cultura
européia pré-existente, nem de um conjunto de valores. Ao contrário, o
desenvolvimento político e o cultural se constróem simultaneamente, à medida
que trocas recíprocas entre diferentes comunidades de diferentes tipos promovem
uma perspectiva mais cosmopolita e ajudam a elaborar novas formas políticas.
147
A análise de Bellamy e Castiglione, destaca Lacroix, constitui uma
tentativa de estudar as implicações da discussão política para o debate europeu.
Entretanto, segundo Lacroix, a originalidade de suas abordagens não esconde o
caráter duvidoso de suas tipologias e seus resultados. Tanto nacionalistas como
supra-nacionalistas consideram a nação como o horizonte definitivo da
democracia, ou dentro das fronteiras do Estado-nação, ou dentro das fronteiras
da Nação Européia. Realmente, se considerarmos a identidade nacional como a
única base real para a comunidade democrática, teremos duas opções: a primeira
é ver a federação como meramente um conjunto de várias comunidades; a
segunda é tentar construir uma comunidade federal que suplante as comunidades
de identidade.
148
O terceiro caminho proposto por Bellamy e Castiglione, na opinião de
Lacroix, não é tão original como poderia parecer à primeira vista e inclui alguns
erros em sua interpretação do patriotismo constitucional. Primeiro, não
encontramos diferenças entre o modelo do comunitarismo cosmopolita e o
modelo pós-nacional. O primeiro deveria emergir, pondera Bellamy, das
perspectivas diversas dos vários participantes e do diálogo que ocorreria entre
eles. O segundo deveria emergir do processo de deliberação aberta entre as
culturas nacionais em um espaço público comum. Como já demonstramos, o
patriotismo constitucional não implica uma cultura política única, mas uma
cultura política compartilhada, elaborada a partir do processo de deliberação entre
as tradições nacionais distintas. O patriotismo constitucional tem um papel
147
BELLAMY, R. De-segregating Democracy: Whose Europe? Which Community. In:
Liberalism and Pluralism, op. cit., p. 208.
148
Observa Lacroix, em relação à tipologia dos autores, que sua escolha inclui tanto os
supranacionalistas como os pós-nacionalistas na mesma categoria (dos cosmopolitas),
desconsiderando o fato de que o que divide mais essas duas concepções pode ser mais do que o
que as une. “The theoretical debate on European identity can not be reduced to an opposition
between pro- and anti-Europeans. Indeed, it opposes less the pro-europeans (all identified by
Bellamy and Castiglione as cosmopolitans) to the anti-Europeans (all identified as
communitarians) than the nation-state centric view to the post-nationalists.” LACROIX, Justine.
For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5, op. cit., p. 953-954.
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crucial no processo de deliberação e confrontação das várias culturas nacionais
envolvidas na União Européia.
149
Por outro lado, argumenta Lacroix que a escolha de um caminho
intermediário, tal como o comunitarismo cosmopolita, deixaria aberta a questão
de um princípio definitivo de identidade para a União Européia: “It says nothing
about the key issue of this debate-that of deciding if nationality is a social fact
that sometimes can have an instrumental value in fostering the democratic virtues
or whether it has an intrinsic ethical value.”
150
Postula a autora que tanto o patriotismo constitucional como o
contratualismo liberal compartilham um compromisso com a ordem
constitucional e procuram minimizar a dependência de valores contestados em
resposta aos desafios do pluralismo. No entanto, para Habermas, a concepção
liberal, sozinha, não é suficiente para assegurar a estabilidade da democracia
liberal, e deve ser suplementada por uma cultura política de apoio. A comunidade
política pela qual ele clama não encontra sua identidade em laços étnicos ou
culturais, nem em um consenso liberal sobreposto, mas na prática dos cidadãos
que ativamente exercitem seus direitos de participação e comunicação.
Portanto, o desenvolvimento de um patriotismo constitucional baseado em
uma cultura política compartilhada se refere a um modelo de consenso por
confrontação, distinto do consenso sobreposto rawlsiano, como sendo o resultado
de um debate aberto, público e democrático. É claro, portanto, que essa cultura
política não emergirá espontaneamente. É por isso que o processo legitimador da
integração européia deve, de acordo com Habermas, ser apoiado tanto pela
emergência de um sistema de partidos europeus, como de uma sociedade civil
européia formada em torno de grupos de interesse e ONGs.
151
O patriotismo constitucional é diferente não apenas do consenso sobreposto
rawlsiano, como também da versão específica de “demos” múltiplos, advogada
149
Idem, ibidem, p. 954.
150
Acima de tudo, para Lacroix, a interpretação da posição cosmopolita proposta por Bellamy e
Castiglione freqüentemente parece uma mera caricatura. Segundo eles, os cosmopolitas acreditam
que a democracia tem um uso essencialmente instrumental, como meio que permite aos indivíduos
expressarem e protegerem seus interesses vitais ao controlarem decisões que afetam suas vidas.
Mesmo se essa opinião tiver alguma relevância para alguns autores liberais, ela não pode ter valor
para Habermas, cuja posição é claramente diferente da de outros liberais, pelo significado crucial
que concede ao processo democrático. Realmente, o patriotismo constitucional não poderia ser
reduzido a uma mera lealdade a princípios liberais. Idem, ibidem, p. 955.
151
Idem, ibidem, p. 955.
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75
por Weiler. Para esse autor, a União Européia permaneceria como uma união
entre povos distintos.
152
Entretanto, para os proponentes do patriotismo
constitucional, a adoção de uma Constituição responde à necessidade simbólica
que eles vêem em relação à emergência de um demos europeu, além dos Estados-
nação. Os cidadãos da Europa não considerarão a si próprios como membros de
um único corpo político até que votem por uma Constituição comum. O
patriotismo constitucional, portanto, reconhece que o demos deve ser tanto
político como plural, a fim de permitir espaço para as identidades
compartilhadas.
153
Entretanto, Bellamy e Castiglione entendem que a perspectiva pós-nacional
é muito fraca para gerar lealdade e coesão a uma comunidade política particular.
Lacroix, segundo os autores, alega que Habermas defende uma visão
compartilhada e européia de direitos e democracia na qual os múltiplos demos do
povo europeu dão lugar a um único demos. Entretanto, asseveram Bellamy e
Castiglione, apesar de os Estados-membros compartilharem um vago conjunto de
valores liberais-democráticos, eles freqüentemente os interpretam de maneiras
diversas. Por exemplo, diferem sobre a interpretação do direito à privacidade, as
formas de tolerar diferenças religiosas, a visão da dignidade humana - o que
reflete suas distintas culturas políticas.
Essas diferenças m vindo à tona em debates entre a Corte Européia de
Justiça e as Cortes Constitucionais dos Estados-membros, nos casos que lidam
com política de linguagem, aborto etc. Habermas, ressaltam os autores, tem
exagerado muito o grau de convergência de valores dentro da União Européia,
como também até que grau podem ser separados valores políticos e nacionais.
Recentemente, o filósofo, advertem os autores, tem tacitamente admitido algumas
dificuldades ao expressar preocupações em relação a saber até que ponto a União
Européia pode ser expandida sem minar sua cultura européia comum, notando
que existem diferenças entre países britânicos e escandinavos em certas
questões.
154
152
WEILER, J. H. Federalism and Constitutionalism: Europe’s Sonderweg. Jean Monnet
Working, paper n. 10, www.jeanmonnetprogram.org/papers/00/001001.html
., p. 6.
153
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n.
5, op. cit., p. 955-956.
154
O fato é que, segundo Bellamy e Castiglione, a Europa é muito mais diversa e diferenciada do
que Habermas admite. O desejo de impor uma cultura política européia comum constrangiria sua
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As abordagens de Bellamy e Castiglione se originam de pontos de partida e
de conclusão diferentes da perspectiva habermasiana; isto porque, como fator-
chave para o constitucionalismo europeu, não enfatizam mecanismos legais, mas
sim estruturais, mais particularmente o balanço e a separação de poderes
produzidos por uma mistura única, na União Européia, de mecanismos
intergovernamentais e supranacionais de tomada de decisão. É essa pluralidade
de demos e de sistemas legais, segundo os autores, que tem legitimado e
promovido a integração européia. O resultado não tem sido um movimento em
direção a uma utopia idealista pós-nacional, baseado no consenso do que seja
justo ou bom, mas uma desnacionalização do nacionalismo, que deriva de uma
Constituição neo-republicana, mista e balanceada. Em conseqüência, tem havido
um processo de acomodação mútua, produzindo modificações de exclusões
mútuas, cooperações e - o mais importante nesse contexto - a aceitação de
diferenças importantes.
155
De fato, o desenvolvimento de uma política comum dentro da União
Européia não resultou da convergência em uma política comum, mas de
confrontos entre a Corte Européia de Justiça e as Cortes dos Estados-membros,
onde os últimos afirmaram o direito de ser diferentes. Esses compromissos
também se repetiram na Convenção da Carta de Direitos Fundamentais da União
Européia. O envolvimento de múltiplos demos também tem sido um fator
importante para assegurar a flexibilidade da abordagem que leva em
consideração a diversidade de circunstâncias sociais e econômicas dos Estados-
membros.
Nessa perspectiva, observam Bellamy e Castiglione, movimentos em
direção a uma Carta de Direitos e a uma Constituição podem ter um valor
simbólico, mas não vêm sem custos. Correm o risco de ser exercícios puramente
retóricos, desde que a União Européia já tem desenvolvido uma jurisprudência
de direitos e tratados. Por outro lado, podem indiretamente minar algumas das
realizações da integração da União Européia, cujo progresso é talvez mais bem
assegurado através de um diálogo constitucional que tem levado a um crescente
diversidade e, em muitos aspectos, teria consequências negativas: “Unwittingly, his proposals
promote the very talk of an ethnic Europe he seeks to avoid, offering a spurious legitimacy as
necessary to retain an allegiance to putatively common constitutional values.”
BELLAMY, R. and
CASTIGLIONE, D. Lacroix’s European Constitutional Patriotism: A Response. In: Political
Studies, vol. 52, n. 1. Oxford: Blackwell, 2004, p. 189-190.
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sentido de respeito mútuo e reconhecimento, combinando tanto diversidade
como uma união de povos.
156
Em relação à discussão sobre a viabilidade do projeto da Constituição
Européia, Gaudreaut-Des Biens analisa a necessidade de conferir uma forma
tangível e um significado à dimensão aspiracional do projeto constitucional
europeu. O principal objetivo subjacente ao projeto constitucional não é tanto
racionalizar os mecanismos fundacionais da ordem européia, mas criar um
instrumento que seja suficientemente aspiracional para induzir os cidadãos de
diversas culturas a se identificarem com ele, enquanto cidadãos europeus - e não
meramente residentes de um país geograficamente localizado em uma entidade
burocrática chamada União Européia.
157
Isso levanta a questão de até onde um
projeto constitucional, internalizado pelo povo europeu, poder promover uma
concepção ampla de cidadania. Argumenta o autor que as dificuldades são
grandes, especialmente em sociedades federadas, caracterizadas por uma
pluralidade de comunidades etno-linguísticas territorializadas.
158
Assinala o autor que um projeto que procure dar uma estrutura
constitucional a tal sociedade deve tirar as consequências necessárias da presença
da dimensão federal. No caso da Europa, as dificuldades aumentam quando a
configuração da união política reflete-se em uma configuração sociológica.
Conflitos de legitimação e lealdades surgirão, assim como a concorrência pela
conquista da lealdade dos cidadãos. No sistema de governo de vários níveis,
esses diferentes níveis de governo podem apresentar obrigações conflitantes
para os cidadãos, que podem se sentir divididos entre as diferentes lealdades:
As well, membership to the highest level may perceived as conditional to
membership to the primary level, to such an extent that, in the case of the
155
Idem, ibidem, p. 190-191.
156
Idem, ibidem, p. 191.
157
GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François. The challenge of maintaining a federal
culture:canadian musings on the legal and political dynamic of the european constitutional
project. Texto encontrado na internet no endereço http://www.
fedtrust.co.uk/uploads/constitution/desbiens.pdf., p.16.
158
Uma sociedade federal pode existir onde não exista um regime constitucional federal, e tal
regime pode existir onde não exista uma sociedade federal. Mas a dimensão federal da sociedade
provavelmente afetará as dinâmicas políticas e constitucionais naquela sociedade e, mais
especificamente, a configuração de um debate pré-constitucional parece estar acima de qualquer
dúvida. Idem, ibidem, p. 17.
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78
European Union, citizens may understand their EU citizenship in a parasitic or
secondary way.
159
É mais provável que isso ocorra em uma sociedade federal, qualquer que
seja sua estrutura constitucional, especialmente naquelas onde a participação
política se sobrepõe à participação etno-cultural. Em relação à elaboração de um
projeto constitucional para uma sociedade verdadeiramente federal, o modelo
que mais tem chamado a atenção nos últimos anos, especialmente na Europa, é o
do patriotismo constitucional. De acordo com o autor, ao invés de fundamentar a
lealdade em determinantes etno-culturais, o patriotismo constitucional surge em
um nível mais avançado: o dos direitos.
160
O autor sustenta que o principal interesse do patriotismo constitucional está
em sua aspiração pós-nacional, a qual parece ser uma pre-condição para
sociedades federais. No patriotismo constitucional, analisa o autor, a maior fonte
de solidariedade é a Constituição, vivida e apropriada pelos cidadãos, qualquer
que seja o seu background pré-político. Contudo, esse modelo pressupõe uma
comunidade de interesses suficientemente forte para sustentar uma solidariedade
baseada na lei.
161
Exatamente nesse ponto, analisa o autor, o patriotismo
constitucional pode encontrar problemas. Neste sentido, vale a pena transcrever
um trecho de um artigo recentemente publicado no Daily Telegraph:
Can’t the French, the Italians, the Latvians and the rest see that, from the British
point of view, they are foreigners-just as we are foreigers to them? Any foreign
policy formulated in Brussels, based on the idea that the interests of all 25
nations of the EU are identical, must surely be based on a lie.
162
159
Idem, ibidem, p. 17.
160
Como John Erik Fossum resume muito bem, os cidadãos são ligados uns com os outros não por
laços tradicionais pré-políticos, mas pela adoção de valores democráticos e de direitos humanos.
Portanto, as diferenças pré-políticas devem ceder a outra identidade que é elaborada pelos
cidadãos através das experiências concretas e práticas no arcabouço que reforça a identidade
baseada em direitos.
FOSSUM, John Erik. The European Union in Search of an Identity. In:
European Journal of Political Theory, vol. 2, n. 3, op. cit., p. 319.
161
GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François. The challenge of maintaining a federal culture:
canadian musings on the legal and political dynamic of the european constitutional project,
op.cit., p. 19.
162
UTLEY, T. Talking Euro-nonsense in the war for hearts and bottoms. In: The Daily Telegraph.
London: May 7, 2004, p. 24, apud GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François. The challenge of
maintaining a federal culture: canadian musings on the legal and political dynamic of the
european constitutional project, op.cit., p. 19.
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Esta citação aponta outro fator que freqüentemente colabora para criar a
percepção de proximidade, seja ela imaginada ou claramente falsa. Tal fator é a
lealdade a uma comunidade etno-cultural particular, a qual, no caso da Europa,
freqüentemente se sobrepõe a uma comunidade nacional, e mais freqüentemente,
ao Estado. Porém, enquanto o modelo de patriotismo constitucional incita o povo
a transcender suas diferenças, de maneira alguma desencoraja ou proíbe a
expressão das diferenças. Do ponto de vista do patriotismo constitucional, o
problema não é a diversidade, desde que ela se expresse na medida do respeito
aos direitos humanos.
163
Contudo, adverte Gaudreault-Des Biens que o locus onde esta diversidade
etno-cultural se manifesta não é sempre o mesmo. Na verdade, há um elemento
de imprevisibilidade quanto ao modo como as lealdades etno-culturais se
manifestam. Essa imprevisibilidade torna difícil limitá-la em uma pequena caixa
conceitual, uma vez que tais lealdades nem sempre funcionam ao longo de uma
linha racional.
164
O patriotismo constitucional sustenta que os cidadãos são
ligados pela adoção de valores democráticos e direitos humanos. Entretanto, o
autor indaga: são esses valores suficientes para legitimar um nível mais alto de
integração política e promover a unidade da comunidade política mais ampla?
Alguns teóricos têm argumentado que os valores compartilhados não são
suficientes para promover unidade e coesão política.
165
No Canadá, leciona Gaudreault-Des Biens, os cidadãos provavelmente
compartilham um considerável número de valores com os americanos, havendo
uma adesão comum à democracia e aos direitos humanos; mas de forma alguma
163
GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François, The challenge of maintaining a federal culture:
canadian musings on the legal and political dynamic of the european constitutional project,
op.cit., p. 20.
164
No entanto, se pensarmos nos mecanismos pelos quais a diversidade é garantida no nível
institucional, através da aplicação do princípio da subsidiariedade, é fácil observar que tal
princípio é geralmente compreendido de forma a considerar a proximidade em termos racionais.
“But, still, the constitutional patriotism model must acknowledge that some choices that citizens
make about identity or citizenship, or some of their perceptions about how a political community
is best governed, and especially about which level of government should be responsible for what,
are sometimes informed by logics that stand outside of the parameters of this model. In that
process, which I have described as one of ‘identitization’, questions that seem to appeal first and
foremost to functional concerns, or that do not prima facie carry any identity load, become
‘identitized’, which help them mutate into fundamental issues.” Idem, ibidem, p. 20-21.
165
Idem, ibidem, p. 21.
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80
esse compartilhar leva a qualquer forma de integração política. Ou pelo menos
não pode, sozinho, levar automaticamente a tal integração. Tanto teórica quanto
praticamente, a integração é sempre relacionada a um sentido de
responsabilidade recíproca em relação ao “outro” específico, de tal maneira que
o outro receba algum tipo de prioridade como “outro” politicamente significante.
Nesse sentido, o autor levanta a seguinte questão: “And why is it this one and not
another one? Moreover, assuming that I am willing to partake in a rights-based
community, why privileging this rights-based community rather than another
one?”
166
O autor continua a questionar acerca da necessidade de alcançar a
integração política européia, em vez de buscar uma integração fundada na mera
pacificação ou no livre comércio. Por que os britânicos deveriam privilegiar a
integração política com a Europa, ao invés de com os países do Commonwealth?-
questiona Gaudreault-Des Biens. Em que medida eles são mais unidos ao
continente europeu do que aos americanos e australianos, com quem
compartilham uma língua, uma tradição legal e um número enorme de
referências culturais? Como pode o patriotismo constitucional, o qual pode ser
compreendido como a busca de uma nova forma de nacionalismo cívico, ser
solidamente fundamentado além de uma mera participação em uma comunidade
baseada em direitos?
167
Essas questões, entende o autor, levantam o problema da relativa estreiteza
do modelo de patriotismo constitucional europeu. O autor admite que essa
relativa falta de consistência possivelmente permite uma apropriação ampla do
modelo, na medida em que propõe um mínimo em torno do qual o consenso
provavelmente pode emergir. Mas isso não é suficiente, ressalta o autor. Como
esperar que os cidadãos de todos os backgrounds formem uma identidade pós-
nacional estritamente na base dos direitos conferidos pela Constituição?
168
Se o patriotismo constitucional implica uma apropriação da Constituição
pelos cidadãos, esse processo pode ser multifacetado, e o locus da apropriação
pode variar. Assevera Gaudreault-Des Biens que pode haver um conjunto de
direitos constitucionais que oferecem um trampolim para a elaboração de uma
166
Idem, ibidem, p. 21-22.
167
Idem, ibidem, p. 22.
168
Idem, ibidem, p. 22-23.
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81
identidade mais ampla; no entanto, outras dimensões da mesma Constituição
podem servir ao mesmo propósito, embora em uma direção diferente. Uma
Constituição, analisa o autor, pode oferecer diferentes locus de identificação, os
quais podem dar lugar a formas concorrentes de patriotismo constitucional. Esta
pode ser uma distorção de teoria de Habermas do patriotismo constitucional, mas
também pode ser caracterizada como uma pluralidade de significados do modelo,
de forma a reconhecer uma imprevisibilidade da apropriação constitucional e do
tipo de patriotismo que pode surgir. Nesse sentido, o exemplo canadense é
particularmente instrutivo.
169
3.2- Patriotismo Constitucional Canadense
No Canadá, não existe um único e monolítico patriotismo constitucional,
apesar de existir na Constituição um capítulo de Direitos e Liberdades. Isso se
deve à presença de, ao mínimo, duas comunidades nacionais distintas, que não
são formalmente reconhecidas pela Constituição, mas cuja existência permeia o
debate constitucional. Essas comunidades são Québec e o Canadá fora de
Québec. O foco de patriotismo constitucional dos quebequenses e aquele dos
canadenses fora de Québec é substancialmente diferente. Enquanto os últimos
têm uma relação harmoniosa com a Carta de Direitos e Liberdades (incorporada
à Constituição)
170
e funcional com o federalismo, com os primeiros ocorre o
contrário.
Para a maioria dos quebequenses, especialmente os francófonos, o
patriotismo constitucional é centrado naquelas provisões da Constituição que
169
Idem, ibidem, p. 23-24.
170
Destaca Gisele Cittadino que o Canadá instituiu em 1982, como parte integrante de sua
Constituição, uma declaração de direitos – a Carta de Direitos e Liberdades – destinada a proteger
os direitos fundamentais de todos os cidadãos canadenses. “Com efeito, esta declaração de direitos
assegura um conjunto de direitos e liberdades individuais (liberdade religiosa, liberdade de
expressão, direito ao devido processo etc.), tanto quanto um tratamento igualitário para todos os
cidadãos, proibindo práticas discriminatórias em razão de raça, sexo ou religião. Ao mesmo tempo,
estes direitos individuais e as exigências de tratamento igualitário constituem base para a revisão
judicial (judicial review) da legislação canadense em qualquer nível de governo. No entanto, ainda
que o Tribunal Supremo do Canadá possa declarar a inconstitucionalidade de leis que violam a
declaração de direitos, o instituto do judicial review é limitado por uma cláusula constitucional – a
chamada cláusula do “não obstante” ( notwithstanding clause) - , segundo a qual o Parlamento ou
as Assembléias Provinciais podem instituir legislações imunes à revisão judicial, durante um certo
período. Foi com base nesta cláusula que algumas leis relativas à proteção cultural dos franco-
canadenses foram promulgadas em Québec: a lei que os proíbe de matricular seus filhos em
escolas de língua inglesa...” CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, op.
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enaltacem o federalismo. Embora não seja constitutivo da sua identidade distinta,
o federalismo baseado na concepção estreita de exclusividade jurisdicional é
visto como uma forma de proteger essa identidade. Isso explica que sejam
percebidos diferentemente em Québec e nas outras províncias, os desacordos
entre o governo federal e as províncias, em relação ao nível de governo que
deveria exercer responsabilidade sobre certos tipos de programas. Também
explica por que algumas posições tomadas sucessivamente pelo governo de
Québec refletem o fenômeno da proteção à identidade, às vezes ao ponto de
revelar uma forma de narcisismo de pequenas diferenças.
171
A identidade dos quebequenses é informada por uma consciência de não
apenas formarem uma pequena nação, mas também de representarem um tipo de
anormalidade constitucional, mas não significa que eles não valorizem a
Canadian Charter of Rights and Freedoms. Eles adotam os valores da Charter e
se baseiam neles em sua disputa com o governo. Contudo, realmente não
aceitaram os meios pelos quais a Carta foi integrada à Constituição Canadense -
isto é, sem o consentimento do governo de Québec. Portanto, embora
compartilhem as mesmas preocupações dos demais canadenses sobre a proteção
dos direitos individuais, muitos quebequenses não adotam uma visão uniforme
de cidadania que, segundo eles, a Carta Canadense incorpora.
172
Para muitos dos quebequenses, a Carta Canadense foi um instrumento
usado para trivializar as características distintas de Québec em uma política
canadense mais ampla. Afirma o autor que os quebequenses francófonos têm
somente uma relação funcional com a Carta. No nível simbólico, eles dão mais
valor à sua própria Charter of Human Rights and Freedoms quebequense, um
documento progressista anterior à Canadian Charter. Esta tem tido um impacto
muito mais significante na identidade política dos canadenses fora de Québec,
que se tornou fonte de orgulho, paixão, e de um sentido forte de patriotismo
constitucional. Apenas fora de Québec a Carta Canadense é base de uma
identidade mais profunda e serve como vetor de identificação política. Mas como
cit., p. 195.
171
GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François, The challenge of maintaining a federal culture:
canadian musings on the legal and political dynamic of the european constitutional project,
op.cit., p. 24.
172
Idem, ibidem, p. 24-25.
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83
o Canadá não constitui uma nação única, a fonte mais importante de
identificação não pode ser a Carta Canadense. No caso dos quebequenses, a fonte
primária de identificação é com a Comunidade Política do Québec, e não com a
Comunidade Federal do Canadá.
173
O autor salienta que essa mistura de patriotismo constitucional, induzido
pela Canadian Charter, com um crescente nacionalismo canadense de língua
inglesa, reforçado pela Carta Canadense, criou e expandiu o universo político da
lógica da uniformização, na qual cada fato ou fenômeno social é visto através das
lentes da igualdade formal, obscurecendo variáveis contextuais importantes, tais
como o status diferente do francês e do inglês no Canadá. Uma cultura de
direitos que é levada ao extremo pode impedir a criação de um espaço público
suficientemente aberto para abranger visões diferentes, embora igualmente
legítimas, do que significa pertencer a uma comunidade política. A apropriação
popular do discurso de direitos fora de Québec tem impedido avaliar de forma
abrangente as alegações legítimas de Québec, da mesma forma como o
173
Em seu artigo, John Erik Fossum analisa a situação canadense através da análise de dois
modelos contrastantes: a concepção de Taylor de diversidade profunda e a concepção de
Habermas de patriotismo constitucional. De acordo com Fossum, a Carta Canadense promove um
patriotismo constitucional baseado em direitos que confronta com o ideal da diversidade profunda,
delineado por Charles Taylor, requerido pela realização dos objetivos coletivos da província de
Québec, em relação ao reconhecimento lingüístico e cultural. De acordo com o ideal da
diversidade profunda desenvolvido por Taylor, é necessário não apenas reconhecer muitas formas
de diferença, mas também abandonar a noção uniforme de cidadania e aceitar e promover o
pluralismo das formas de identidade cultural, estando aberto a múltiplas concepções de cidadania
que coexistem no mesmo Estado. Para Taylor, o ideal da diversidade profunda requer a política da
diferença, considerada pelo autor como uma reação contra o processo de assimilação das políticas
de dignidade equivalente. Portanto, segundo Taylor, os proponentes da dignidade equivalente
buscam princípios universalmente válidos, mas terminam por promover certos valores culturais
específicos associados a culturas hegemônicas discriminatórias de minorias culturais. A solução
proposta por Taylor, em relação ao status de Québec no Canadá, se baseia no ideal da diversidade
profunda, através do reconhecimento da distintividade quebequense. Neste sentido, os
quebequenses concebem o Canadá em termos dualísticos, porque o Québec é visto como uma
nação distinta dentro da Confederação Canadense, e se opõem à Carta Canadense, argumentando
que ela não promove um patriotismo constitucional viável. Em primeiro lugar, porque a Carta
Canadense foi introduzida sem o consentimento explícito da província de Québec. Em segundo
lugar, a Carta é vista como desnecessária no Québec, pois este possui a sua própria Carta de
Direitos Humanos e Liberdades. Em terceiro lugar, a Carta Canadense não oferece proteções em
relação à distintividade cultural quebequense. Portanto, os direitos individuais previstos na Carta,
para os quebequenses, impedem medidas efetivas para promover a distintividade cultural e
linguística quebequense. Segundo Fossum, a Carta Quebequense oferece maiores proteções aos
direitos da língua francesa e aos objetivos coletivos quebequenses do que a Carta Canadense. Esta,
por sua vez, é mais capaz de conduzir a um patriotismo constitucional habermasiano, em razão da
ênfase em direitos individuais e de sua orientação cosmopolita. FOSSUM, John Erik. Deep
diversity versus constitutional patriotism. Taylor, Habermas and the Canadian constitutional crisis.
In: Ethnicities, vol. 1, n. 2. London: Sage Publications, 2001, p. 179-202.
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narcisismo de Québec sobre as pequenas diferenças tem justificado a cegueira
caprichosa em relação às preocupações legítimas dos outros canadenses.
174
Gaudreault-Des Biens ressalta que, no Canadá, uma legitimação
intersubjetiva do patriotismo constitucional implicaria a adesão a um conceito
tênue de identidade, que permitiria o reconhecimento constitucional possível,
mas não necessário, da multiplicidade de maneiras autênticas de “ser canadense.”
A experiência canadense mostra que um instrumento baseado em direitos
relativamente neutro como a Canadian Charter, capaz de promover o
patriotismo constitucional dos cidadãos, pode ser apropriado por maneiras que
não são conduzidas à expressão de múltiplas autenticidades.
Assim, postula o autor, no contexto da reflexão sobre o projeto
constitucional europeu, deve-se notar que, ao menos no nível simbólico, a
Constituição corre o risco de ser tratada como uma “self-service station”.
Gaudreault-Des Biens conclui que o patriotismo constitucional não seria tão
inequívoco como é freqüentemente apresentado. Pode ser relevente lembrar as
recentes dificuldades canadenses acerca do reconhecimento da assimetria
constitucional, razão pela qual, segundo o autor, devemos ficar alerta aos efeitos
do discurso político de apropriações potencialmentes distorcidas de instrumentos
designados para estimular o patriotismo constitucional.
175
3.3. Patriotismo Constitucional Brasileiro
Sustenta Luís Roberto Barroso que na acidentada trajetória institucional do
Estado brasileiro, o elevado número de Constituições, que conduziu à média de
174
GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François. The challenge of maintaining a federal culture:
canadian musings on the legal and political dynamic of the european constitutional project,
op.cit., p. 29. Em sentido contrário, Shabani entende que na sociedade pós-convencional
canadense, o ideal do patriotismo constitucional pode e deve guiar a negociação política dos
anglófonos, francófonos e povos nativos, e criar um regime justo de associação política. “ Hence,
while there is a historical context that grounds the Canadian political identity, the diversity and
the developmental maturity of its political forces both enables and requires us to surpass
particularistic criteria of membership in favor of a universal criterion of rights.” SHABANI,
Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of Citizenship in
Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3. Florida: Florida State
University, 2002, p. 438.
175
GAUDREAULT-DES BIENS, Jean François. The challenge of maintaining a federal culture:
canadian musings on the legal and political dynamic of the european constitutional project,
op.cit., p. 29-30.
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uma a cada vinte anos, não diluiu sequer a quantidade de emendas e remendos,
de boa ou má inspiração. Neste aspecto, a descontinuidade institucional é um
empecilho à cristalização de um sentimento constitucional, resultado do
entranhamento da Carta Magna na vivência diária dos cidadãos, que criaria uma
“consciência comunitária de respeito e preservação, como um símbolo superior,
de valor afetivo e pragmático. ”
176
Não obstante a Constituição de 1988 tenha tido a virtude de espelhar a
reconquista dos direitos fundamentais, simbolizando a superação de um projeto
autoritário da ditadura militar, a fragmentação do itinerário constitucional em
copiosas emendas e a falta de efetividade dos direitos sociais impediram o
florescimento de um verdadeiro patriotismo constitucional. De acordo com
Barroso, a Constituinte de 1988, transformada em espaço de luta política,
produziu um documento que sofre em demasia o impacto de certas modificações
conjunturais. Além disso, há no Brasil uma crônica compulsão dos governantes a
modificar a Constituição para fazê-la à imagem de seus governos, uma espécie
de narcisismo constitucional.
177
Entretanto, a Constituição de 1988, com suas virtudes e imperfeições, teve
o mérito de criar um ambiente propício à difusão de um patriotismo
constitucional, ainda tímido, mas que inspirou uma nova forma de identidade,
pluralista e integradora, capaz de aglutinar a sociedade brasileira, traumatizada
por décadas de autoritarismo, em torno da tarefa de construir uma cultura política
democrática. Consagrou direitos fundamentais sociais, em decorrência de uma
demanda social, democrática e radical que se expressou por meio de movimentos
sociais, que conseguiram convencer o Congresso Constituinte, no sentido de sua
constitucionalização. São, portanto, expressão de uma luta árdua, que não acabou
na promulgação da Constituição de 1988. Como afirmou Hanna Pitkin, a
Constituição é também um processo permanente de experiência civil, de
participação cidadã na vida política.
178
Portanto, a luta agora é pela efetivação
dos direitos fundamentais, isto é, pela concretização das normas constitucionais
no mundo dos fatos e na vida das pessoas, pois somente assim alcançaremos um
176
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 48.
177
Idem, ibidem, p. 321.
178
PITKIN, Hanna. The idea of a Constitution, op. cit., p. 14.
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sentido forte de patriotismo constitucional.
179
Quanto à problemática relativa à efetivação dos direitos fundamentais, vale
a pena ressaltar que não há efetividade possível da Constituição, nem patriotismo
constitucional, sem uma cidadania participativa. Barroso analisa que, por
intermédio da atuação dos diferentes organismos da sociedade civil, articulam-
se, muitas vezes, poderosos instrumentos para a exigência do cumprimento da
Constituição. Esta fiscalização participativa do cidadão se estende desde a
pequena ação comunitária até as grandes arregimentações, que despertam e
influenciam a opinião pública.
180
A atuação da sociedade civil, decisiva para a efetivação ampla dos direitos
constitucionais, ocorre predominantemente em um plano metajurídico. A
Constituição institucionalizou mecanismos importantes de participação
processual de entidades representativas, como associações, sindicatos e partidos
políticos. Podemos citar, por exemplo, o impeachment do ex-presidente
Fernando Collor. Em 29 de Setembro de 1992, a Câmara dos Deputados,
apreciando requerimento apresentado pelos presidentes da OAB e da ABI,
aprovou a abertura de processo por crime de responsabilidade contra Collor, com
margem de 441 votos a favor, resultando no afastamento do Presidente do cargo.
O desfecho exemplar do episódio fortaleceu o sentimento de patriotismo
179
Observa Gisele Cittadino que o processo de concretização da Constituição e de efetividade dos
direitos fundamentais depende da capacidade de controle, por parte da comunidade, das omissões
do poder público. E são os institutos processuais destinados a controlar diretamente essas omissões
- mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão – que viabilizam a
participação jurídico-política do cidadão: “O mandado de injunção e a ação de
inconstitucionalidade por omissão são os institutos acolhidos na Constituição Federal que melhor
viabilizam, na prática, esta idéia de comunidade de intérpretes. A efetividade das normas
constitucionais protetoras dos direitos sociais depende do grau, maior ou menor, da participação e
da adesão da cidadania em torno do ideário constitucional e da vigilância dos seus destinatários...O
mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão são institutos associados,
exatamente, à obrigatoriedade de ações normativas por parte do poder público, pois visam
exatamente garantir o cumprimento de preceitos constitucionais ainda não integrados por normas
regulamentadoras que devem ser produzidas através da atuação direta do Poder Legislativo e/ou
Executivo.” CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, op. cit., p. 50-51.
180
Pondera Luís Roberto Barroso que a fase mais radical do autoritarismo político no Brasil
coincidiu com o surgimento de uma nova força política, difusa, atomizada, organizada
celularmente, mas importantíssima: a sociedade civil. “Diante da obstrução dos canais
institucionais de participação política-notadamente os partidos políticos-fortaleceram-se e
multiplicaram-se as entidades de organização setorial. Assim, graças à atuação de organismos
como a Ordem dos Advogados e algumas entidades científicas e religiosas (v.g., SBPC, CNBB),
vieram progressivamente somar-se outras associações profissionais, as comunidades eclesiais de
base, os sindicatos revitalizados, os movimentos de moradores de um determinado distrito ou
bairro, de negros, de mulheres, de preservação de meio ambiente, de mutuários do sistema
financeiro de habitação etc., sintetizando interesses gerais ou reivindicações de minorias. Mais
recentemente têm-se multiplicado as organizações não governamentais.” BARROSO, Luís
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constitucional e revigorou as instituições políticas do país.
Não há dúvida de que a Constituição de 1988 foi capaz de superar as
patologias herdadas do período militar, inspirando uma atitude de adesão e
afeição em relação à Lei Maior. Instrumentalizou a travessia de uma longa
ditadura de quase um quarto de século rumo a um Estado democrático de direito.
O surgimento de um sentimento constitucional no Brasil, segundo o Barroso, é
algo que merece ser celebrado:
Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito e
até um certo carinho pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É
um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se
manteve em relação à Constituição. E para os que sabem, é a indiferença, não o
ódio, o contrário do amor.
181
O contexto constitucional brasileiro, entretanto, é diferente dos contextos
alemão, europeu e canadense. No caso da Alemanha, os laços nacionais
historicamente eram fortes, o que conduziu a uma exacerbação do nacionalismo
e, conseqüentemente, ao Nazismo. No contexto brasileiro, diferentemente, temos
um país com uma composição étnica híbrida, marcado por grandes diferenças
regionais, que não consolidou seus laços nacionais de identidade. Portanto, a
integração do conceito de patriotismo constitucional na cultura política brasileira
não tem a pretensão de substituir o nacionalismo, pois o nacionalismo brasileiro,
diferentemente do alemão, nunca foi xenófobo, mas integrador, permitindo a
convivência entre as diversas etnias.
182
Analisando o contexto brasileiro, Antonio Cavalcanti Maia entende que o
patriotismo constitucional, estando livre das ambiguidades do nacionalismo
tradicional, poderia reforçar a coesão republicana.
183
No Brasil, assinala o autor,
Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 129-130.
181
Idem, ibidem, p. 322.
182
Lambert, analisando o caso brasileiro, entende que o nacionalismo teria um papel fundamental
na construção da identidade nacional brasileira, sendo o elo de ligação entre os dois Brasis, com
diferentes graus de desenvolvimento: “...ao invés de serem separadas por barreiras de língua ou de
religião e divididas por ódios de nacionalismos opostos, a sociedade arcaica e a sociedade
progressista estão unidas pelos elos da mesma lingua e da mesma história e pela comunhão do
mesmo nacionalismo. São duas sociedades que querem se fundir e não se separar ” LAMBERT,
Jacques. Os dois Brasis. 10. ed. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1978, p.192.
183
MAIA, Antonio C. The Idea of Patriotism and its Integration in the Brazilian Legal and
Political Culture. Rio de Janeiro, mimeo, 2003, p. 8-9.
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a globalização funciona como uma força centrífuga que contribui para
enfraquecer os laços de identidade nacional. Assim, a integração do conceito de
patriotismo constitucional no contexto brasileiro poderia funcionar como uma
força centrípeta, um fator de coesão política, capaz de reforçar a identidade
nacional brasileira, mas sem a pretensão de superar o nacionalismo.
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4-Críticas e Argumentos
A correspondente transformação do nível de sociedade toma a forma de
transição da sociedade convencional para a pós-convencional, na qual princípios
universalistas desenvolvem forças estruturadoras para a sociedade como um todo,
na forma de direitos humanos básicos.
184
A única fonte de legitimação política,
assinala Habermas, é a soberania popular, efetivada através de direitos civis e
políticos incorporados nos sistemas legais das democracias constitucionais. A
identidade coletiva atualmente pode ser concebida de forma reflexiva, de tal
maneira a ser fixada na consciência de chances iguais e universais de participar
em um tipo de processo comunicativo no qual a formação da identidade se torne
um processo contínuo de aprendizagem.
Se o patriotismo constitucional fornece uma alternativa viável ao
nacionalismo, esta concepção deve, ao menos, superar três das maiores críticas
que lhe têm sido feitas: a de não poder ancorar lealdades específicas; a de
tacitamente pressupor identidades culturais substantivas; a de basear-se em uma
distinção insustentável entre identidades e culturas políticas e subpolíticas.
Alguns críticos têm questionado se a idéia de patriotismo constitucional baseado
em uma lealdade à Constituição é realmente coerente, ou, pressupondo-se que
seja, se poderia inspirar uma união suficientemente forte para preservar a
unidade e estabilidade do Estado democrático.
185
De uma forma ou de outra, essas objeções questionam se o patriotismo
constitucional alcança um balanço apropriado entre o universalismo dos
princípios e o particularismo das identidades e uniões. Alega-se também que o
patriotismo constitucional seria pouco consistente e sem vida para inspirar união
genuína e solidariedade. Críticos têm questionado a idéia de Habermas de que a
integração política pode ser separada da integração subcultural, por ser simplista,
já que os sistemas legais e políticos não podem ser culturalmente neutros.
186
184
CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy. London: Blackwell Publishing, vol 11, n. 01, april 2003, p.7.
185
Idem, ibidem, p. 1.
186
Idem, ibidem, p. 5.
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90
Leciona Ronald Tinnevelt que a teoria do nacionalismo liberal de Kymlicka
seria um exemplo de posicionamento crítico à teoria habermasiana do patriotismo
constitucional. O autor ressalta que essa teoria não rejeita a necessidade de um
consenso sobre princípios políticos e valores constitucionais.
187
Nesta perspectiva,
valores compartilhados são o pré-requisito para a unidade no Estado multicultural.
Mas os princípios de liberdade e igualdade, salienta Kymlicka, não são suficientes
para criar uma unidade social estável:
It tends to neglect the fact that nationality is an inescapable fact of political life.
The forward-looking commitment to universal principles should therefore be
balanced with a backward-looking emphasis on the importance of societal
cultures and national identities. Universal principles need to be instantiated in
the specificity and particularity of a concrete historical context. Common
language and a common history function as a way of defining and unifying this
particular society of free and equal citizens.
188
O problema, adverte Tinnevelt, decorre do fato de Kymlicka não explicar a
relação entre valores compartilhados, identidade compartilhada e acomodação
política. Ele tende a negligenciar a importância das instituições políticas na
formação das identidades nacionais. Kymlicka menciona brevemente a idéia de
diálogo constitucional como uma resposta possível, mas não a discute em grandes
detalhes e parece ignorá-la em sua obra, o que, de acordo com Tinnevelt, constitui
um sério defeito na sua teoria.
189
Tinnevelt analisa que, assim como o nacionalismo cívico, o patriotismo
constitucional parece estar baseado no mito da neutralidade etnocultural do
Estado. Mas, se tal afirmação é verdadeira, assevera o autor, temos de questionar a
razão da sua existência. Assim, como Kymlicka tem demonstrado, não se pode
despolitizar completamente as identidades etnoculturais ou retirá-las da esfera
política. A identidade cultural, nesse sentido, corresponde a um componente
inevitável de qualquer tentativa de unir o Estado multicultural.
190
Assevera Tinnevelt que os cidadãos não são leais a princípios constitucionais
187
KYMLICKA, W. Multicultural Citizenship. A liberal theory of minority rights, Oxford: Oxford
University Press, 1995, p. 187, apud TINNEVELT, Ronald. National Identity and Constitutional
Patriotism, op. cit., p. 19.
188
TINNEVELT, Ronald. National Identity and Constitutional Patriotism, op. cit., p. 19.
189
Idem, ibidem, p. 20.
190
Idem, ibidem, p. 22.
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91
existentes no vácuo, mas a princípios incorporados em uma comunidade histórica
específica.
That is why Habermas repeatedly points to the fact that “constitutional
patriotism’s ties to these principles have to be nourished by a heritage of
cultural traditions that is consonant with them.
191
Essas tradições culturais funcionam como uma base motivacional,
assegurando a lealdade a princípios constitucionais. Os valores políticos da
cidadania democrática não são relacionados a um tipo abstrato de liberdade e
igualdade, mas são os valores de um povo concreto que nasceu de uma
comunidade particular, com uma história e tradição específicas. Mas isso não
significa que o tipo de solidariedade, que garante a unidade nos Estados
multinacionais, seja baseada na cultura nacional. A integração política que une os
cidadãos assegura a lealdade a uma cultura política comum.
192
A interpretação de Habermas sobre a autoconstituição democrática de um
Estado constitucional pode demonstrar a importância das instituições políticas na
formação das identidades nacionais. É necessário explicar, observa Tinnevelt, a
conexão entre valores políticos e identidades etnoculturais. O sistema legal
permanece neutro em relação aos diferentes grupos etnoculturais. Mas que tipo de
neutralidade pode ser esta? Neste sentido, o sistema legal não pode ser eticamente
neutro, pois, de acordo com Habermas, é eticamente impregnado, relacionando-se
com o discurso ético-político dos cidadãos. Mas permanece neutro sob um
aspecto: em relação às auto-compreensões e concepções de bem dos diversos
grupos culturais. É através dessa neutralidade que a cidadania democrática pode
191
Idem, ibidem, p. 22.
192
Esta cultura está enraizada na interpretação dos princípios constitucionais no contexto histórico
de uma comunidade legal concreta: “Or put differently, a shared political culture is rooted in the
interpretation of the basic rights that are inscribed in the legal medium. The sort of solidarity that
is supplied by this kind of political culture revolves around a common recognition of ourselves as
members of a historical political association committed to the constitution we made and continue
to remake through the generations. In other words we recognize ourselves as participants to the
constitutional conversation of a concrete political association. This reading of constitutional
patriotism has an important consequence for Kymlicka’s backward-looking emphasis on societal
cultures and national identities. In contrast to Kymlicka we must say that the ethical-political
understanding of citizens can not be taken as a historical-cultural a priori that makes democratic
will-formation possible, but rather as the fluid content of a circulatory process that is generated
through the legal institutionalization of citizens’ communication.” Idem, ibidem, p. 22-23.
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estabelecer uma solidariedade abstrata, legalmente mediada, entre estranhos.
193
Nesse sentido, a formação democraticamente estruturada de opinião e de vontade
fornece o meio para a integração social entre indivíduos de culturas diversas.
As concepções sobre a falta de uma identidade européia, ou mais
precisamente sobre a falta de uma identificação cívica com o esforço europeu,
tem suscitado duas respostas. A primeira sustenta que a integração européia
forneceria uma oportunidade de renovação profunda das categorias do
pensamento político, permitindo a dissociação entre ordem jurídica da
comunidade política e ordem cultural das identidades nacionais. Portanto, esse
ponto de vista é adotado em favor de um patriotismo constitucional europeu,
relacionado à idéia de identidade pós-nacional. A segunda posição, a dos
nacionalistas republicanos, sustenta que princípios universais são incapazes de
estabelecer uma identidade política, na medida em que esta deve ser sustentada
por uma força prevalente através da internalização da tradição nacional e da
cultura comum substancial.
194
Bellamy e Castiglione entendem que somente uma combinação dessas duas
posições poderia lidar com a natureza mista da arquitetura européia, criando
uma síntese atrativa chamada comunitarismo cosmopolita.
195
É contra esse
caminho intermediário que se insurge Justine Lacroix, dedicando boa parte do
seu artigo a uma crítica aos mencionados autores. Diferentemente, demonstra a
autora, o desafio comunitarista pode ser mais bem atendido através da elucidação
do conceito de patriotismo constitucional. A autora apresenta dois paradigmas de
identidade política que surgem no debate europeu: o paradigma universal do
patriotismo constitucional e o paradigma comunitário do nacionalismo cívico.
196
Para os defensores do patriotismo constitucional, a democracia não precisa de
qualquer identificação com uma identidade cultural ou histórica. Ela deve
aprimorar a coexistência e a cooperação entre as diversas identidades pré-
193
Idem, ibidem, p. 23-24
194
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5,
op. cit., p. 945.
195
BELLAMY, R. and CASTIGLIONE, D. Between Cosmopolis and Community: Three Models
of Rights and Democracy within the European Union. In: ARCHUBUGI, Daniele; HELD, David
and KOLHER, Martin (eds.). Re-imagining Political Community, op. cit., p. 152.
196
Idem, ibidem, p. 945.
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93
políticas.
Ressalta Lacroix que a identidade baseada no próprio fato de pertencermos
a uma comunidade cultural, histórica e particular não constitui base suficiente
para a cidadania. Quaisquer que sejam nossas razões para nos apegarmos a
nossas comunidades nacionais ou regionais, essas lealdades não são suficientes
para estabelecer uma identidade política. A cidadania democrática não está
enraizada no nacionalismo: os laços sociais nos Estados democráticos devem ser
legais, ao invés de históricos, culturais e geográficos.
197
Em oposição direta ao expoente do patriotismo constitucional, os
republicanos nacionalistas e os nacionalistas cívicos consideram a nação como o
horizonte definitivo da identidade política. Para esses autores, a dissociação
entre integração política e integração cultural seria um absurdo. Eles reconhecem
que as democracias modernas são definidas por princípios universais, mas
duvidam que os laços da unidade social criados pelo patriotismo constitucional
sejam suficientemente fortes para a comunidade política alcançar alguns de seus
objetivos centrais.
198
Nesse aspecto, o ethnos só pode ser transformado em demos em nível
nacional, o único nível onde os valores de liberdade, responsabilidade cívica e
justiça política adquirem um significado verdadeiro. Os nacionalistas cívicos
argumentam que princípios universais, por si sós, não podem sustentar uma
comunidade política particular. Se quisermos que a democracia sobreviva,
argumentam, nós precisamos imbuí-la de fortes sentimentos e emoções
envolvidos na tradição nacional.
199
197
Vale a pena enfatizar que, segundo Lacroix, o paradigma universal do patriotismo
constitucional informa a concepção oficial atual da União Européia. Em ambos os tratados
europeus, dificilmente se encontram quaisquer referências a comunidades culturais para descrever
a comunidade política européia. O artigo 6 do Tratado da União Européia estabelece que: “A
União é fundada nos princípios de liberdade, democracia, respeito aos direitos humanos,
liberdades fundamentais, e a regra da lei, princípios que são comuns aos Estados-membros.” Idem,
ibidem, p. 946.
198
Críticos do patriotismo constitucional, como Margaret Canovan, têm a preocupação de que o
espírito cosmopolita do conceito termine por desconsiderar lealdades particulares e identidades
concretas dos sujeitos que os unem como compatriotas. A oposição à idéia de patriotismo
constitucional deriva da preocupação de que ele desconsidere a diversidade de identidades
particulares que lhe são anteriores. CANOVAN, Margaret. Patriotism Is Not Enough. British
Journal of Political Science, vol. 30, n. 3. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p.
413-432.
199
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5,
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94
A nação, sustentam esses autores, seria definida em termos de linguagem
compartilhada, histórias, tradições ou algumas combinações que possibilitem a
aquisição da participação por pessoas que carecem dessas características, mas
que escolhem abraçá-las. Isso difere da concepção cívica de participação da
comunidade política como baseada na lealdade a princípios constitucionais:
According to the civic nationalists, human beings are made up of passions as
much as reason. This is the paradox on which modern democracy is founded:
even if it belongs to the rational sphere, it has no choice, if it wants to survive,
but to use the language of ethnicity, history, mythology.
200
Assim, para os nacionalistas cívicos, a democracia pura vislumbrada na
identidade pós-nacional seria realmente muito frágil, porque estaria privada de
fortes emoções associadas com as peculiaridades culturais e históricas. Por isso,
a separação entre esferas políticas e nacionais ameaçaria o próprio processo
democrático. Neste sentido, se a política democrática não tomar uma posição
acerca de assuntos de identidade cultural, pode terminar sendo monopolizada por
movimentos anti-democráticos tais como a Frente Nacional Francesa de Direita.
Portanto, um nacionalismo republicano seria a única maneira de resistir a todas
formas de etnocentrismo e nacionalismo.
201
O primeiro argumento de Margaret Canovan se baseia no seguinte fato: o
projeto de evitar os efeitos danosos do nacionalismo, baseando o Estado em
valores compartilhados, não se sustenta, pois uma cultura política baseada em
op. cit., p. 946-947.
200
Idem, ibidem, p. 947; Laborde argumenta que o ethos democrático do patriotismo cívico é
mais receptivo a questões de inclusão cultural do que o patriotismo constitucional neutralista,
partindo do ponto de vista de que nenhuma esfera pública dos Estados democráticos liberais pode
ser culturalmente neutra. Ela expressa as heranças particularistas feitas de um complexo de
tradições, línguas, símbolos nacionais, histórias compartilhadas. Assim, o patriotismo cívico
toma como ponto de partida a não-neutralidade do espaço público e, em contraste com o
patriotismo constitucional neutralista, leva a sério a importância da mediação cultural entre os
cidadãos e suas instituições. LABORDE, Cecil. From Constitutional to Civic Patriotism. In:
British Journal of Political Science, vol 32. n. 4. Cambridge: Cambridge University Press, 2002,
p. 606-607.
201
Devemos ressaltar que os nacionalistas cívicos não tentam promover um modelo unânime de
democracia. Ao invés, a homogeneidade cultural relativa é, do seu ponto de vista, a condição para
a democracia deliberativa, uma vez que acordos e deliberações são mais prováveis entre pessoas
que se identificam fortemente umas com as outras. Assim, o patriotismo constitucional, por si só,
seria insuficiente para gerar um tipo de confiança social necessária para que o processo de tomada
de decisão democrática torne os acordos possíveis.
LACROIX, Justine. For a European
Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5, op. cit., p. 947.
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95
princípios liberais requer uma socialização coercitiva dos cidadãos. A autora
explica que, em razão de um mundo cada vez mais multicultural, não podemos
assumir que um consenso em torno de princípios democráticos seja
automático.
202
A plausibilidade dessa alegação, assinala Omid Shabani, não pode
nos afastar do fato de que a fonte aglutinante da Constituição surge precisamente
da necessidade de encontrar uma norma política associativa que seja abstraída
das diferenças concretas das sociedades pluralistas, de forma que tal abstração
torne possível a diversos grupos se reunirem como cidadãos, em virtude de
estarem sujeitos à mesma Constituição. A real possibilidade de dissenso com
respeito aos princípios democráticos requer uma condição cívica a priori, na
qual os membros dos diversos grupos culturais são relacionados uns com os
outros através da Constituição.
203
Na segunda parte do seu artigo, Shabani propõe uma forma mais radical de
patriotismo constitucional. Para isso, o autor postula que a versão habermasiana
de patriotismo constitucional deveria ser lida não meramente como uma
substituição da identidade convencional por uma pós-convencional, mas como
um processo aberto de formação de identidade que permite um relato flexível da
identidade consistente na diversidade e no pluralismo do mundo moderno.
Advogados do patriotismo constitucional têm argumentado que o conceito é
capaz de acomodar diferenças e pluralidades desde que os cidadãos estejam
socializados em uma cultura política comum de valores democráticos liberais.
204
Lacroix inicia a sua defesa em favor do patriotismo constitucional
desafiando três das maiores críticas que têm sido levantadas contra ele. Em
primeiro lugar, diz-se que o patriotismo constitucional não tem existência real
fora da mente dos filósofos, porque as pessoas não podem se identificar
simplesmente com princípios abstratos. Muitos teóricos políticos, incluindo
alguns que se autodescrevem como liberais, expressam um profundo ceticismo
quanto aos laços cívicos voluntários fornecerem ou não alguma base sólida para a
202
CANOVAN, Margaret. Patriotism Is Not Enough. In: British Journal of Political Science, vol.
30, n. 3, 2000, p. 413-430.
203
SHABANI, Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3, op. cit., p. 423.
204
Idem, ibidem, p. 423.
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96
estabilidade política. Patriotismo constitucional, portanto, para esses teóricos, é
considerado sem consistência.
205
Contudo, como afirmou Jean-Marc Ferry, se o patriotismo constitucional
não existe, sendo tão frio e abstrato, isso significaria que o amor à justiça política
não existe, nem o amor pela liberdade.
206
No entanto, segundo Lacroix, podemos
lembrar muitos exemplos de políticos que deliberadamente decidiram que o
compromisso com princípios universais deveria suplantar o senso de pertencer a
uma comunidade nacional, e de muitas pessoas que arriscaram suas vidas na
guerra, em nome de princípios compartilhados, e não de uma nacionalidade
compartilhada, raça, língua etc.
207
Os nacionalistas cívicos alegam que o patriotismo constitucional não tem
significado prático fora de alguns poucos círculos intelectuais e parece estar bem
próximo tanto do senso comum, como dos sentimentos populares comuns. Um
exame mais preciso, sustenta Lacroix, revela que este argumento é tão elitista
como mentiroso. É elitista, pois implica que pessoas comuns não são
suficientemente educadas para se apegarem a princípios abstratos que estejam
dissociados de suas tradições nacionais. E veremos que é falso, se lembrarmos,
por exemplo, as manifestações que ocorreram em várias cidades européias em
fevereiro de 2000, para protestar contra a inclusão dos membros da FPO no
governo austríaco. Nessa data, analisa a autora, pudemos ver milhares de pessoas
caminhando nas ruas para alegarem seus compromissos com princípios
universais da democracia e para condenarem o que estava ocorrendo, não nos
seus países, mas em outros países europeus. Se o patriotismo constitucional não
tivesse qualquer significado prático além das fronteiras da nação, esse evento não
teria significado político, mas somente uma dimensão privada ou psicológica.
208
Lacroix afirma que o patriotismo constitucional nunca negou a importância das
205
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n.
5, op. cit., p. p. 949.
206
FERRY, Jean.-Marc. Devonens des patriotes européens. Le monde des débats, 23, March, p.
21, apud LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol
50, n. 5, op. cit., p. 949.
207
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n.
5, op. cit., p. 949
208
Idem, ibidem, p. 949.
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identidades locais, nacionais, regionais. De acordo com Habermas, o patriotismo
constitucional simplesmente alega que o motivo fundamental para nosso apego
à comunidade política não é de caráter pré-político, mas sim a adesão aos
princípios universais dos direitos humanos e da democracia.
209
De acordo com a segunda crítica, o patriotismo constitucional seria um
ideal alienado, isolado das realidades históricas. Essa crítica, salienta Lacroix,
desconsidera o fato de que o patriotismo constitucional nasceu e evoluiu
fortemente conectado com a história, iniciando-se no Debate dos Historiadores, o
qual, por dois anos, opôs duas escolas da intelectualidade alemã, em relação ao
tema do nazismo.
210
Nesse contexto, Habermas argumentou que o Estado-
nacional democrático alemão poderia ser elaborado através de uma confrontação
crítica com o passado. O patriotismo constitucional não implica uma negação do
legado histórico particular que a República Alemã herdou, mas uma postura
crítica em relação à própria identidade nacional. Isso é especialmente importante
na União Européia. A auto-percepção européia difere na maioria das nações, no
sentido de que elas não emergiram de um conflito militar, mas das lições
aprendidas das duas guerras. Não foi nem uma vitória militar, nem uma derrota
heróica, mas os prejuízos da guerra que fizeram nascer a idéia da integração
européia. Como Jean-Marc Ferry argumentou, o patriotismo constitucional se
baseia no relacionamento crítico de uma pessoa com sua própria história.
211
É justamente nessa dimensão crítica que podemos entender a singularidade
da identidade européia, quando comparada com as identidades nacionais. A
identidade européia difere da identidade nacional no sentido de ser, desde o
começo, fundada na lembrança permanente de conflitos e divisões internas, no
sentido da responsabilidade pelos crimes cometidos no passado. O patriotismo
constitucional requer que os Estados e as pessoas se afastem da memória
autocentrada nacional, com uma atitude autocrítica que reconheça os crimes
cometidos no passado.
212
209
Idem, ibidem, p. 949-950.
210
Idem, ibidem, p. 950.
211
FERRY, Jean-Marc. M. La question de l’Etat européen. Paris: Gallimard, 2000, p. 168.
212
Idem, ibidem, p. 177.
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Alguns autores têm alegado que o patriotismo constitucional só faz sentido
no contexto alemão, onde pode ser visto como uma maneira de deslocar a
identidade nacional de suas formas étnicas e raciais, em direção a um
compromisso com um conjunto de princípios consagrados pela Constituição do
pós-guerra. Assim, o patriotismo constitucional poderia ser apropriado pelos
alemães, em razão de sua história particular, mas não por outras nações, como,
por exemplo, o Reino Unido, onde princípios liberais surgiram da evolução
histórica. Lacroix contra-argumenta a esse posicionamento, alegando que
histórias recentes britânicas ou francesas podem ser menos trágicas que a alemã,
mas também possuem seus lados obscuros.
213
A terceira crítica, segundo Lacroix, declara que o projeto constitucional
persegue uma estratégia de completo isolamento de políticas e cultura que não se
sustenta.
214
Esse argumento não reconhece que um dos objetivos do patriotismo
213
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n.
5, op. cit., p. 950-951.
214
Idem, ibidem, p. 951; Em seu artigo, Cecil Laborde avalia se o patriotismo constitucional tem
sucesso em conciliar a legitimidade democrática com a diversidade cultural. Embora seja
simpático à idéia de patriotismo constitucional, o autor argumenta que a estratégia de um
isolamento entre política e cultura é auto-derrotante. É defeituosa nos aspectos da legitimidade e
da inclusividade. Isso por que, afirma o autor, o patriotismo constitucional não leva a sério a
necessidade de mediação cultural entre cidadãos e suas instituições. Essa necessidade, argumenta
o autor, é mais bem acomodada através de uma forma mais cívica de patriotismo, que reconhece
o papel das culturas políticas particularistas para embasar princípios universalistas. Laborde
entende que o patriotismo cívico é mais radical do que o patriotismo constitucional neutralista,
enfatizando a necessidade de preservar iniciativas cooperativas existentes e requer que as culturas
políticas sejam democraticamente escrutinizadas e reformadas em uma direção inclusiva. Ele
promove uma identidade política que a torna compatível com uma variedade de crenças, mas
cuja forma particularista justifica o compromisso dos cidadãos com as instituições específicas. O
autor procura demonstrar as limitações das duas interpretações dominantes de patriotismo
constitucional (crítica e neutralista), pois ambas negligenciam a idéia central de Habermas, em
relação ao papel das culturas políticas particularistas para embasar princípios universais. Patriotas
constitucionais neutralistas têm sido mais fiéis às intenções originais de Habermas de conciliar
inclusão social com legitimidade política. Esses autores têm negligenciado a dimensão
deliberativa do patriotismo constitucional e subestimado o papel da cultura política em fornecer
apoio à solidariedade social. Isso ocorre porque a versão neutralista do patriotismo constitucional
interpreta literalmente a idéia habermasiana de separar integração política e cultural. Eles não
têm resolvido satisfatoriamente a questão da articulação entre princípios universalistas e culturas
particulares, e são relutantes em discutir em que grau o apego particularista poderia ser
legitimamente promovido, por receio de que o apego ao particularismo seja uma concessão ao
liberalismo. A versão crítica do patriotismo constitucional, por sua vez, tem se concentrado no
potencial radical do patriotismo constitucional como uma força subversiva que procura
desestabilizar as identidades nacionais hegemônicas. Derivando da defesa de uma identidade pós-
nacional de Habermas e sua teoria discursiva da democracia, eles chamam atenção para a
natureza cambiante das identidades e os resultados conflituais das políticas de reconhecimento.
De acordo com esses autores, os cidadãos deveriam positivamente abraçar a diferença e combater
os apelos discriminatórios de identidades fechadas, através de um engajamento reflexivo,
autocrítico com os outros, em fóruns democráticos de deliberação. LABORDE, Cecil. From
Constitutional to Civic Patriotism. In: British Journal of Political Science, vol 32. n. 4, op. cit., p.
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constitucional é promover uma cultura política compartilhada. Ao invés de negar
a importância das peculiaridades nacionais, essa cultura política compartilhada
deve emergir do processo de confrontação e deliberação entre as várias culturas
nacionais envolvidas na União Européia. O projeto europeu requer um mútuo
reconhecimento das várias subculturas políticas que o constituem, levando a uma
abertura gradual das opiniões públicas nacionais umas às outras, através de
debates públicos.
215
É por isso que a União Européia não tem sido construída com base na
subordinação das entidades que a compõem. O caráter natural da nação tem sido
colocado em oposição ao caráter artificial da União Européia, desconsiderando o
fato de que as nações, em sua maioria, foram construídas por artifícios de força e
invenção de tradições. Assevera Lacroix que a Europa, como comunidade
política fundada em ideais pacíficos, não tem a ambição de substituir os laços
nacionais. Diferentemente, na futura União Européia, os mesmos princípios
teriam que ser interpretados do ponto de vista das diferentes tradições nacionais.
A tradição nacional de cada pessoa teria que ser apropriada de tal forma que
fosse relativizada pelo ponto de vista de outras culturas nacionais.
216
Na mesma linha de raciocínio de Lacroix, Shabani entende que somente
dentro da comunidade política dos patriotas as diversas alegações das
identidades particulares, que demandam certos direitos e reconhecimento de
grupos, encontram significado. Leciona o autor que a aspiração do patriotismo
952-957.
215
LACROIX, Justin. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5,
op. cit., p. 951.
216
Idem, ibidem, p. 951; Foi a sua preocupação com a legitimidade democrática que levou ao pós-
nacionalista habermasiano Jean-Marc Ferry a elaborar uma interpretação mais cívica de
patriotismo constitucional, que se baseia em uma confrontação crítica das culturas nacionais, em
um espaço público europeu, através de práticas deliberativas. Assim, o patriotismo constitucional
não seria um simples consentimento a princípios jurídicos, mas a disposição de refletir
criticamente sobre os componentes éticos das identidades históricas da Europa. Somente assim
uma cultura democrática compartilhada, em uma Europa pós-nacional, emergiria. Esse
posicionamento diz respeito a uma preocupação com a legitimidade das instituições políticas, que
devem ser percebidas pelos cidadãos como fóruns democráticos de autogoverno, onde os debates
sejam inclusivos e abrangentes e onde as decisões públicas sejam justificadas. Assim, o
funcionamento da esfera pública exigiria mais do que um compromisso compartilhado com
princípios universais, algo que motivasse os cidadãos a se sentirem engajados nesse processo
deliberativo. LABORDE, Cecil. From Constitutional to Civic Patriotism. In: British Journal of
Political Science, vol 32. n. 4, op. cit., p. 601.
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constitucional é de raiz kantiana. A idéia é construir instituições democráticas
que protejam os direitos de todos os cidadãos, independentemente de etnia, raça,
língua.
217
O autor rejeita o posicionamento de Grimm (segundo o qual, enquanto
não existir um povo europeu que seja suficientemente homogêneo, não deveria
haver uma Constituição), utilizando-se do argumento habermasiano segundo o
qual a solidariedade que toma forma nos Estados constitucionais é abstrata,
legalmente mediada entre estranhos, e não étnica.
Pondera Shabani que críticos como Canovan argumentam que a razão de as
instituições da União Européia serem notoriamente fracas decorre do fato de a
Europa não possuir uma história específica de Estado-nação.
218
Ele contra-
argumenta a essa alegação, afirmando que a cultura política do país - cristalizada
em torno da Constituição – é capaz de fornecer aos cidadãos uma dupla
identidade: pertencer simultaneamente a um acordo constitucional e a uma
concepção específica de vida digna.
219
Respondendo a críticas, Habermas enfatiza que os princípios constitucionais
não devem ser compreendidos como abstrações morais, mas como princípios
jurídicos que definem os direitos constitutivos da cidadania. Eles podem
construir as identidades dos cidadãos, contanto que sejam incorporados nas
culturas legais e políticas.
220
E uma vez que o status de cidadania se enraizou às
culturas políticas e legais das democracias constitucionais, a democracia pode,
ela própria, elaborar as identidades dos cidadãos enquanto vai gradualmente se
desfazendo da sua dependência histórica da concepção ambivalente de nação.
Com a transição para sociedades pós-convencionais, a formação da identidade
coletiva não pode mais se basear em visões de mundo compartilhadas, mas deve
217
SHABANI, Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3, op. cit., p. 423-
424.
218
Idem, ibidem, p. 425; Segundo Shabani, Canovan insiste que a afirmação dos patriotas
constitucionais, de que o Estado constitucional fornece uma cobertura imparcial para os diversos
grupos nacionais e étnicos, desconsidera o cimento político fundamental que une o Estado, ou
seja, o povo. O fato de a participação política estar baseada em laços naturais é uma verdade
empírica. Mas a pressuposição de que, como resultado da globalização e da crescente diversidade,
deveria ser encontrado um novo critério para a inclusão é uma alegação normativa que, para
Canovan, tenta ir além da verdade empírica. Idem, ibidem, p. 426.
219
Idem, ibidem, p. 425.
220
CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy, vol. 11, n. 1, op. cit., p.4.
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101
se focalizar nos procedimentos através dos quais indivíduos, coletivamente,
geram representações de sua identidade.
Sustenta Ciaran Cronin, acerca da posição habermasiana, que os indivíduos
não deixam de se identificar com seus desejos e projetos, mas passam a vê-los
em uma perspectiva abrangente que lhes permite refletir criticamente sobre suas
uniões e compromissos, sem ter que negar as pessoas que são.
221
Analogicamente, a transição para sociedades pós-tradicionais não significa que
os membros das sociedades modernas devam parar de sentir fortes ligações
afetivas com sua história e sua cultura, ou compromisso com tradições nacionais
distintivas. Mas quando o poder crítico transformador das normas imparciais de
justiça se faz sentir, essas uniões e compromissos perdem seu caráter
inquestionável e os limites da comunidade política se tornam permeáveis a novas
tradições, e abertos a novas interpretações de identidades compartilhadas.
222
Tanto Shabani como Cronin respondem às críticas do patriotismo
constitucional através de argumentos formulados do ponto de vista da
democracia deliberativa, que advoga um entendimento discursivo de política
compartilhada, capaz de promover um senso cívico de patriotismo. Entende
Cronin que a democracia deliberativa pode funcionar como o meio através do
qual membros dos diferentes subgrupos venham a se identificar com um projeto
constitucional compartilhado e sua cultura, contanto que esse projeto seja
compatível com igual reconhecimento de suas identidades e culturas distintas.
Uma identidade coletiva fundamentada em um projeto constitucional
compatilhado pode conquistar a lealdade dos membros dos diversos subgrupos
religiosos e culturais, sem destruir suas culturas e identidades distintas, dentro de
uma cultura política comum que transcenda suas diferenças.
223
Ressalta Shabani que a construção do Direito, produzido através de
procedimentos de formação democrática de vontade, como fonte pós-metafísica
de legitimidade, por si só, gera solidariedade como forma de integração social.
224
221
Idem, ibidem, p. 9.
222
Idem, ibidem, p. 9.
223
Idem, ibidem, p. 11.
224
O autor explica que o processo democrático de deliberação discursiva promove um sentido de
solidariedade entre os participantes, sem a necessidade de apelar para um ethnos unificador.
Dentro da Constituição, as lei abstratas não necessitam homogeneizar os diferentes grupos sociais
e violar sua autonomia. Ao invés, elas são formuladas para facilitar a coexistência das diferenças
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102
De acordo com Habermas, através dos processos de deliberação discursiva, os
cidadãos dos Estados democráticos reconhecem a si próprios, simultaneamente,
como autores e destinatários dos princípios constitucionais, inspirando um
sentimento de solidariedade entre indivíduos de diversos backgrounds.
225
A idéia-chave da concepção de democracia deliberativa, observa Cronin, se
baseia no fato de as autonomias pública e privada serem tratadas co-
originariamente, pois a democracia deve ser compreendida em termos da
realização dos direitos básicos dos cidadãos através da lei. Segundo o princípio
da co-originalidade das autonomias privada e pública, nem os direitos da
autonomia privada, que estabelecem o papel da lei, nem os direitos da autonomia
pública, que conferem ao sistema legal a forma democrática, podem ter primazia
uns sobre os outros. A democracia não é possível a menos que os cidadãos
tenham proteções legais que lhes permitam participar livre e abertamente em
eleições e debates públicos sobre propostas legislativas controvertidas.
226
O elemento necessário para a prática da democracia deliberativa é, de
acordo com Shabani, uma cultura política compartilhada de participação e
comunicação dentro do arcabouço da lei. A integração política dos cidadãos
assegura a lealdade à cultura política comum, que está enraizada na interpretação
dos princípios constitucionais a partir da perspectiva da experiência histórica das
nações.
227
O que permite o patriotismo constitucional, portanto, é a promoção de
dentro de comunidade política, tornando as negociações possíveis e promovendo a autonomia
individual. De acordo com o modelo de patriotismo constitucional de Habermas, a Constituição
reflete a diversidade, na medida em que a prática de construção da Constituição tem por objetivo
proteger as diferenças culturais através dos direitos. SHABANI, Omid Payrow. Language Policy
and Diverse Societies. In: Constellations, vol. 11, n. 2. Oxford: Blackwell, 2004, p. 203.
225
SHABANI, Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3, op. cit., p. 439.
226
CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy, vol. 11, n. 1, op. cit., p. 10.
227
Destaca Shabani que o objetivo dos princípios abstratos do patriotismo constitucional é permitir
que a demanda unitária da cultura majoritária seja separada das demandas das culturas
minoritárias, ao promover uma cultura política que inclua ambas. Essa separação toma a forma de
um processo discursivo aberto, no qual os atores políticos deliberam à luz de suas histórias
concretas. O resultado é um patriotismo constitucional, onde os valores políticos, como
estabilidade e legitimidade política, emergem dos entendimentos comunicativos dos cidadãos
como uma política compartilhada, ao invés de uma identidade nacional compartilhada. As práticas
comunicativas de deliberação política são abertas aos cidadãos de diferentes backgrounds, sem os
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103
um procedimento de deliberação pública, através do qual cidadãos livres e iguais
vêm a reconhecer uns aos outros como compatriotas, ligando-se pelo exercício
dos direitos de participação e comunicação em um projeto constitucional
comum. Dentro da Constituição, as leis abstratas não são planejadas para
homogeneizar as diferenças, mas para facilitar a coexistência das diferenças
dentro da comunidade política. Assim, direitos abstratos são preenchidos de
acordo com as particularidades da associação política concreta, pois cada cultura
nacional desenvolve uma interpretação distinta desses princípios
constitucionais.
228
Ciaran Cronin questiona: como pode uma identidade coletiva se tornar
fonte de identificação e lealdade para seus cidadãos sem minar sua autonomia
individual? Concepções nacionalistas de patriotismo são incompatíveis com
autonomia individual, na medida em que autorizam o Estado a fazer demandas
categóricas a seus sujeitos, sem considerar suas necessidades e interesses
individuais. A expectativa patriótica de que os cidadãos façam sacrifícios pelo
bem da coletividade só é defensável se emana de uma organização política cujo
propósito primário é assegurar os direitos individuais dos seus cidadãos. A
tensão latente entre direitos individuais e deveres para com a coletividade
pode ser superada se a última for compreendida como advinda da prática através
da qual os cidadãos realizam seus direitos em comum. Tal relato é fornecido pela
concepção de democracia deliberativa de Habermas, como a prática através da
qual cidadãos conferem direitos uns aos outros.
229
A concepção procedimental da democracia como realização simultânea das
autonomias pública e privada é informada por um modelo comunicativo de
fechar na uniformidade de uma comunidade homogênea. O caráter inclusivo de tais laços cívicos
transforma os diferentes sentimentos de identidade individual em um sentido de solidariedade de
compatriotas, sem negar a diversidade. Portanto, uma cultura política promovida pelo patriotismo
constitucional pode acomodar e incluir a diferença. SHABANI, Omid Payrow. Language Policy
and Diverse Societies. In: Constellations, vol. 11, n. 2, op. cit., p. 203-204.
228
SHABANI, Omir Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3, op. cit., p. 439-
440.
229
CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy, vol. 11, n. 1, op. cit., p. 10.
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validade normativa que confere à deliberação pública um papel central na
legitimação do sistema legal-político. A validade das normas legais e, portanto,
sua capacidade de obter aprovação aos olhos dos seus destinatários, consiste na
sua universalização com respeito às necessidades e interesses de todos os
afetados. A legitimação do processo legislativo é determinada pela pressuposição
de que seu resultado é válido, na medida em que acomoda plenamente os
interesses de todos os afetados, e portanto pelo grau em que esteja aberto a
influenciar debates públicos onde todos os grupos interessados idealmente
tenham iguais oportunidades de formar uma opinião pública.
230
Para Habermas, o movimento em direção à maior abstração na
Constituição, que surge em face da expressão do multiculturalismo e da
globalização, é expressão da cultura política de um país, e deve ser separado do
nível da integração cultural. Essa separação toma a forma de um eterno
procedimento discursivo preenchido por atores políticos de acordo com sua
história concreta. O resultado é um patriotismo cívico no qual os valores
políticos emergem dos entendimentos comunicativos dos cidadãos de uma
cultura política compartilhada, em oposição à identidade etno-cultural. Shabani
conclui que o reconhecimento de condições pós-metafísicas da nossa vida requer
que concebamos o ideal da solidariedade como um pertencer político,
envolvendo um projeto de apropriação de um conjunto de leis universais, de
acordo com a deliberação entre sujeitos concretos dentro de uma cultura política
comum.
231
Mas, assinala Cronin, enquanto a teoria do patriotismo constitucional rejeita
a pressuposição de que a identificação política deve ser baseada na crença de
uma identidade cultural pré-política compartilhada, ela presume que o projeto
constitucional democrático deve ser enraizado nas tradições e valores das
comunidades políticas particulares, se pretendem assegurar a lealdade dos
membros dessas comunidades.
232
Contudo, a principal questão, para nossos
230
Idem, ibidem, p. 11.
231
SHABANI, Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3, op. cit., p. 443.
232
As tradições e valores em questão não são vistos com um conteúdo fixo, contudo, mas abertos a
transformações por meio do discurso democrático: “
..they retain their vitality and meaning for
members by being continually reinterpreted both in response to specific political challenges, such
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propósitos, é analisar se uma identidade fundada em um projeto constitucional
democrático pode inspirar formas de identificação e patriotismo com poder
integrativo comparável ou superior ao daquela baseada na crença na
nacionalidade compartilhada. Cronin conclui que uma vez que os cidadãos vêem
a si próprios como engajados em uma prática compartilhada de autogoverno, esta
prática pode se tornar fonte de identificação mútua e de solidariedade, mesmo
quando os cidadãos estão divididos por classe, cultura e religião.
233
Algumas das declarações de Habermas dão a impressão de que a transição
para sociedades pós-convencionais implica uma quebra radical com as tradições
políticas nacionais. Realmente, o termo pós-nacional sugere que as democracias
constitucionais devem perder todas as suas peculiaridades culturais nacionais, se
pretendem acomodar plenamente o pluralismo cultural e religioso e dar as costas
a seu passado chauvinista. Assim, Cronin sugere que a cultura política
constitucional seja vista como “pós-nacionalista”, ao invés de “pós-nacional” , no
sentido de que rejeitaria interpretações chauvinistas de identidade nacional,
enquanto preserva características nacionais distintivas.
234
as integrating minorities or immigrants, and to cultural developments not directly related to
politics, such as those in the arts. ” CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In
Defence of Constitutional Patriotism. In: European Journal of Philosophy, vol. 11, n. 1, op. cit., p.
12.
233
Idem, ibidem, p. 13-14.
234
Idem, ibidem, p. 15-16.
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5-A Proposta de Viroli: Patriotismo Republicano
Maurizio Viroli trabalha com uma idéia de patriotismo um pouco distinta do
patriotismo constitucional habermasiano, denominando-o patriotismo
republicano. O patriotismo republicano, assim como o patriotismo
constitucional, também se apóia nos princípios do ordenamento jurídico, tendo,
contudo, uma ligação mais forte com a tradição republicana e a identidade
nacional. Por tradição republicana, Viroli se refere às repúblicas italianas da
Idade Média, que difundiam na população um forte senso de virtude cívica, e à
tradição republicana de pensamento político derivada de Cícero e Maquiavel.
O autor recorre à distinção romana entre patria e natio para diferenciar o
patriotismo do nacionalismo. Salienta Viroli que a vitória ideológica da
linguagem do nacionalismo relegou a linguagem do patriotismo à margem do
pensamento político contemporâneo. No entanto, quando as pessoas se engajam
em lutas pela liberdade, quando precisam enfrentar a tarefa de reconstruir suas
nações depois de experiências de guerra e de regimes totalitários, os teóricos são
capazes de recuperar os elementos da velha linguagem do patriotismo sobre a
retórica predominante do nacionalismo. Em muitos casos, eles sugerem um
caminho intelectual a ser seguido para reconstruir a linguagem do patriotismo
sem o nacionalismo.
235
Um dos exemplos mais importantes da redescoberta da
linguagem do patriotismo, de acordo com Viroli, pode ser encontrado nos
escritos do italiano antifascista Carlo Rosselli. Este observou que a atitude dos
socialistas italianos, de ignorar o mais alto valor da vida nacional, era um sério
erro político. Mesmo que eles fizessem isto para combater formas degeneradas
de devoção à pátria, suas políticas ajudaram outros partidos a basearem seus
sucessos na exploração de mitos nacionais.
236
235
VIROLI, Maurizio. For Love of Country. An Essay on Patriotism and Nationalism. Oxford:
Clarendon Press, 1995, p. 161.
236
Para Rosselli, os socialistas não conseguiram compreender que o sentimento nacional não é
uma construção teórica abstrata, mas uma paixão genuinamente humana, que é particularmente
forte em países como Itália e Alemanha, que alcançaram sua independência nacional mais tarde.
Ao invés de tentar substituir o sentimento nacional pelo internacionalismo, deveriam tentar
purificá-lo de qualquer conexão com controle estatal, nacionalismo, imperialismo e todos os
mitos da primazia nacional, e transformá-lo em uma força política construtiva que funcione para
a unidade da Europa. Rosselli estabelece uma distinção entre patriotismo e nacionalismo. Ele
identificou o primeiro como reivindicações pela liberdade baseada no respeito pelos direitos das
outras pessoas; e o segundo, com políticas adotadas por regimes reacionários. Ambas as
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Para ter seu próprio patriotismo, os antifascistas precisaram de uma idéia de
pátria radicalmente diferente daquela usada pela demagogia fascista. Nossa
pátria coincide com o mundo moral e com a pátria de todos os homens livres,
além de possuir outros valores: dignidade, liberdade, justiça, trabalho. Os
antifascistas também se apresentam como promotores da nação e exaltam a
Itália, mas sua nação tem sido uma nação livre e aberta no sentido da Europa e
do mundo. Sua Itália incorporou o melhor do país: a Itália de Mazzini, Garibaldi,
Pisacane, dos italianos civilizados, dos camponeses, dos trabalhadores e dos
intelectuais que mantiveram sua integridade. Neste sentido, sustenta Rosselli,
podemos dizer alto e com orgulho que nós somos traidores da pátria fascista,
porque somos leais a outra Itália.
237
Poucos anos mais tarde, leciona Viroli, outra pensadora antifascista
encontrou um caminho para a descoberta e a reformulação dos temas da
linguagem do patriotismo: em 1943, Simone Weil escreveu L’ Enracinement.
Weil propôs uma reiterpretação do patriotismo que aborda a necessidade de um
enraizamento cultural e espiritual que não torne o amor à pátria uma
identificação cega ou o orgulho pela exclusividade da própria nação. O
patriotismo torna os cidadãos exigentes em relação ao seu próprio país. Ele os
encoraja a encontrar, na história de seu próprio país, razões para o
fortalecimento, como o compromisso com a liberdade. O patriotismo nos permite
manter os olhos claramente fixados no passado, no presente e no futuro de nosso
país, enquanto permanece espiritualmente perto dele.
O resultado é o amor à pátria na sua forma mais pura: o amor que não vem
da admiração pela grandeza e pela glória do país, mas da percepção de
fraquezas e fragilidades. A escolha, portanto, é entre patriotismo de grandeza e
patriotismo de compaixão. Trata-se, segundo Weil, de dois tipos de patriotismo,
ou seja, duas maneiras distintas de amar a pátria, que são incompatíveis entre
si.
238
A compaixão, assevera Viroli, é uma característica distintiva do patriotismo
ideologias abordam sentimentos nacionais e desencadearam paixões poderosas. Por essa razão, o
autor acredita que essas ideologias deveriam ser colocadas uma contra a outra. Ou seja:
antifascistas deveriam colocar o patriotismo no centro do seu programa, pois a revolução
antifascista é um dever patriótico. ROSSELLI, Carlo. Socialismo Liberale. Turin, 1979. Trans.
Liberal Socialism. Princeton: Nadia Urbinati, 1994, p. 123, apud VIROLI, Maurizio. For Love
of Country, op. cit, p. 161.
237
Idem, ibidem, p. 161-162.
238
WEIL, Simone. L’Enracinement: Prélude à une déclaration des devoirs envers l’être humain.
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republicano. O patriotismo da compaixão nos permite manter os olhos fixados
tanto nas nossas grandezas, como nas nossas misérias: “it does not diminish
when we confront our country’s crimes, scandals, injustices, cruelties, mistakes,
falsehoods; it simply suffers more.”
239
No republicanismo clássico, o amor ao país era um amor caridoso da
república (caritas republicae) e dos cidadãos (caritas civium). O conceito de
caritas passa das fontes romanas aos escritores da Idade Média que apoiaram o
autogoverno das comunidades locais. O amor à pátria cresce enraizado na
caridade, que não coloca bens privados acima de bens público, sendo a afeição
específica por uma república e seus cidadãos. Ele é encontrado especialmente
entre cidadãos de repúblicas livres que compartilham coisas importantes: leis,
liberdade, amigos e inimigos, memórias de vitórias, praças públicas, esperanças
e medos. A caritas republicae (caridade direcionada ao bem comum) dá aos
cidadãos a força para desempenharem seus deveres cívicos, e dá aos governantes
a coragem para cumprirem suas obrigações freqüentemente onerosas em defesa
da liberdade comum. É possível compreender o significado de uma passagem
dos discursos de Maquiavel na qual, depois de um ataque radical à religião cristã,
ele observa que o cristianismo, se corretamente compreendido, permite-nos a
exaltação e a defesa da pátria. Ele deseja que a amemos e estejamos preparados
para defendê-la. Maquiavel reconhece que a existência de um patriotismo cristão
está permeado de temas romanos.
240
No século XVIII, a linguagem do patriotismo toma um significado distinto,
embora totalmente consistente com a concepção clássica de caritas republicae e
caritas civium. Pátria, quando lemos na Enciclopédia, não significa o lugar onde
nascemos, mas um Estado livre do qual nós somos membros e cujas leis
Paris, 1949, apud VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 162-164.
239
O patriotismo da compaixão, segundo Viroli, é um poderoso antídoto aos nacionalistas, que
pregam a necessidade de defender a cultura e a história do país como valores a serem
recuperados e defendidos inteiramente, como bens a serem cultivados por causa das suas
peculiaridades nacionais. Como os patriotas, os nacionalistas também se sentem ligados à história
de seu país. Contudo, eles não vêem nenhuma fragilidade ou razão para vergonha: divindade e
glória estão em todo lugar, em qualquer momento. A cultura de sua nação aparece para eles,
como uma riqueza ameaçada pela invasão política e cultural dos estrangeiros. VIROLI, Maurizio.
For Love of Country, op. cit, p. 165.
240
MACHIAVELLI Niccolò. Discourses on Livy. Chicago: University of Chicago Press, 1996,
apud VIROLI, Maurizio. Republicanism. New York: Hill and Wang, 2002, p. 79-81.
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protegem nossa liberdade e felicidade. Os escritores políticos do Iluminismo
usaram a palavra pátria como sinônimo de república, porque acreditavam que a
verdadeira pátria só poderia ser uma república livre. Esta identificação resumia a
idéia de que, sob o domínio de um déspota, os cidadãos estão desprotegidos e não
podem participar da vida pública - ou seja, não têm pátria.
241
Para os escritores
políticos do século XVIII, o amor à pátria não é um sentimento natural, mas um
sentimento artificial a ser promovido por leis, bom governo e participação na vida
pública. Para esses autores, não pode haver patriotismo sem liberdade, liberdade
sem virtude, virtude sem cidadãos. A pátria está na relação entre o Estado e seus
membros; quando essa relação muda ou falha, a pátria deixa de existir.
242
Benedetto Croce observou, em 1943, depois da queda do regime de
Mussolini, que os italianos redescobriram a palavra liberdade, mas não
recuperaram a palavra que tinha sido no passado companheira natural da
liberdade: pátria. Isso ocorreu, ressalta o autor, porque o patriotismo tinha sido
suplantado pelo nacionalismo. Embora os fascistas tivessem acusado os seus
oponentes políticos de antinacionais, ao invés de antipatrióticos, a propaganda
conseguiu confundir os dois diferentes conceitos de nacionalismo e patriotismo,
assim como os diferentes sentimentos associados a eles. Como resultado, a
repugnância legítima ao nacionalismo gerou hesitação e relutância em falar de
pátria e de amor à pátria. Como destaca Croce, o amor à pátria deve ser usado
contra o nacionalismo cego e estúpido, porque não é semelhante a ele, mas
oposto. O amor à pátria é uma concepção moral que nos ajuda a dar a nossos
ideais mais nobres e a nossos deveres mais austeros, uma forma particular e um
conteúdo. Ao lutar pela nossa pátria, nós lutamos por toda humanidade.
243
A crítica de Viroli ao nacionalismo se assemelha à perspectiva
habermasiana, quando argumenta que a linguagem do patriotismo ainda é usada
241
VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 82.
242
Idem, ibidem, p. 83.
243
Como ideal moral, Croce afirma que a pátria está intimamente ligada à idéia de liberdade.
Segundo o autor, quando lamentamos a perda de nossa dignidade como cidadãos, estamos
lamentando as dores e humilhações que a Itália sofreu. Se o amor à pátria renascesse no coração
dos italianos, conclui Croce, os partidos políticos encontrariam a base para um sentido de
compromisso comum a um ideal superior que é necessário para um conflito democrático leal. O
patriotismo, quando bem compreendido, é fundado em uma sociedade dinâmica, aberta, liberal. A
discussão entre patriotismo e nacionalismo a que Croce se refere também emerge na discussão
contemporânea. CROCE, Benedetto. Una parola desueta: l’amor di patria. Bari, 1944, apud
VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 168-169.
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para sustentar o compromisso com o ideal da república, enquanto a linguagem do
nacionalismo é empregada para evocar homogeneidade cultural, étnica e
religiosa. Na Alemanha, segundo Viroli, o nacionalismo se afirmou contra o
espírito republicano e mais tarde envolveu aberrações racistas que justificaram o
Holocausto. Em 1945, a palavra nação significou unidade e purificação a ser
atingida através da expulsão e do confinamento dos inimigos do povo.
244
A unidade etnocultural pode ser traduzida em solidariedade cívica, se a
cultura da cidadania for reerguida sobre ela, ou melhor, se o sentido de pertencer
a uma cultura comum for traduzido na cultura da cidadania. Segundo Viroli, ao
invés de recuperar a homogeneidade etnocultural, nós deveríamos criar
mudanças políticas para educar os cidadãos democráticos. E os meios políticos
usados deveriam ser aqueles sugeridos por patriotas republicanos: bom governo
e participação bem ordenada em muitas instâncias da sociedade civil e no
processo político de tomada de decisão. Políticas democráticas não necessitam
de uma unidade etnocultural; elas necessitam de cidadãos compromissados com
a forma de vida da república. Entretanto, enquanto Habermas e seus críticos têm
discutido o patriotismo de uma perspectiva política, outros acadêmicos têm
enfatizado que o patriotismo deve ser compreendido como uma lealdade a
valores morais compartilhados e à cultura de uma comunidade particular.
245
Enquanto Alaisdair MacIntyre defende o valor do patriotismo como
lealdade a uma cultura particular, outros teóricos argumentam que o único
patriotismo possível em sociedades multiculturais é o patriotismo baseado nos
valores da república. A sociedade americana, por exemplo, não dispõe da
unidade cultural, étnica e religiosa que os nacionalistas desejam. O único tipo de
compromisso compatível com o pluralismo da sociedade americana é o
compromisso com a república, ou seja, um patriotismo que não é baseado em
sangue, religião, tradição ou território. O patriotismo significa cidadania
244
VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 168-169.
245
Para MacIntyre, o patriotismo envolve uma lealdade que não é alheia à própria nação particular,
mas que envolve características, méritos e realizações da própria nação. Segundo Viroli, a
interpretação de MacIntyre sobre o patriotismo acaba se revelando como nacionalismo. Os valores
fundamentais a serem preservados são a autenticidade da história de nação e os laços culturais
comuns. Para obter a lealdade patriótica, o país não precisa ser particularmente justo, nem garantir
liberdade política e civil dos cidadãos, desde que mantenha viva sua identidade cultural e histórica
e laços comunais. MacINTYRE, Alaisdair. Is Patriotism a Virtue? Lindley Lecture, University of
Kansas, 1984, apud VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 176.
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democrática, descrevendo um amor à república que os cidadãos sentem como sua
própria responsabilidade e sua própria criação. Um amor essencialmente político,
que se traduz nas práticas de participação democráticas. Participação direta na
vida da comunidade é, para Alexis de Tocqueville, a única maneira de fazer os
cidadãos se sentirem parte da república, pois o espírito cívico é o resultado do
exercício de direitos políticos.
246
Os cidadãos comuns não têm uma cultura comum, mas participam
ativamente do governo da sociedade e estão acostumados a ver a prosperidade
geral e o bem comum como sua obra. No patriotismo republicano, a
identificação com a política é obtida através de meios políticos. A idéia
republicana da virtude cívica parece funcionar na América do século XIX: se a
pátria trata os cidadãos justamente, se ela lhes permite participar na vida pública,
eles a considerarão como seu bem comum e a amarão com paixão. O patriotismo
republicano, ao menos no solo americano, é uma tradição muito viva. Foi ele que
alimentou o sentido de ultraje que motivou os americanos a reagirem contra as
violações de Nixon. Esse sentido de revolta era baseado em uma ligação
particular, isto é, em uma identificação ampla com o modo de vida americano
definido como um compromisso com certos valores, articulado na Declaração de
Independência e no discurso de Lincoln.
247
O patriotismo republicano enfatiza principalmente a participação política.
Sua preocupação primária não era a liberdade negativa, no sentido moderno, e
proteção dos direitos individuais, mas a participação no auto-governo. A
participação política reforça os laços da lealdade cívica, um sentido de história
comum e de pertencer a uma entidade política que constitui a essência do
patriotismo. Este cresce em uma república que permite e encoraja o auto-governo
democrático. Para ser amada pelos cidadãos, a república não pode tolerar
discriminações e privilégios, e deve permitir aos cidadãos participarem da vida
pública. A ênfase na cidadania não é motivada apenas pelo argumento de que a
soberania popular garante que as leis visem o bem comum, mas também que a
participação política direta reforce a ligação com a república.
246
TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. New York: Harper & Row, 1969, p. 237-
240, apud VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 178-181.
247
VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 182-183.
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112
Corretamente compreendida, a virtude cívica é o amor à república ou à
pátria expressado como vigor moral que permite que os cidadãos ajam pelo bem
comum e resistam aos inimigos da liberdade comum. Como toda virtude, a
virtude cívica exige sacrifício. Ela pode enriquecer a vida privada, sem dissolver
o compromisso público. As ações requeridas dos cidadãos pela a virtude cívica
são maiores que as realizações da vida privada. Embora a virtude cívica seja
compreendida como uma arena pública, ela afeta profundamente os custos da
vida privada dos cidadãos. De fato, a virtude cívica é uma arma contra os
poderosos que não querem aceitar a autodisciplina e a moderação que a vida
civil requer.
248
Pondera Viroli que a unidade social, cultural e religiosa dos antigos não
pode ser reproduzida no mundo moderno, mas isso não significa que a virtude
cívica seja inatingível. Os cidadãos modernos podem amar a república, se ela
proteger sua liberdade, encorajar a participação política e ajudá-los a lidar com
dificuldades da condição humana. Embora menos ardente, o amor político dos
cidadãos modernos pode ser suficiente para sustentar a república e a liberdade
comum. Existem, segundo o autor, dois caminhos para a virtude cívica: o
caminho da homogeneidade e o caminho da liberdade. Nosso caminho deve ser o
da liberdade, isto é, o caminho político. Nós não precisamos que os cidadãos
estejam dispostos a oferecer suas vidas para proteger a unidade religiosa e
cultural de seu país. Nós precisamos, ao invés, que os cidadãos sejam capazes de
se mobilizar quando um ou muitos cidadãos são vítimas de injustiça ou
discriminação, quando leis injustas são elaboradas, ou quando princípios
constitucionais são violados.
249
O patriotismo republicano, assim como o patriotismo constitucional, é,
acima de tudo, uma paixão baseada na experiência da cidadania, não em
elementos pré-políticos compartilhados derivados do fato de nascer no mesmo
território, pertencer à mesma raça, falar a mesma língua. Os teóricos republicanos
acreditam que este tipo de ligação não é suficiente para gerar patriotismo no
coração dos cidadãos, pois uma verdadeira pátria só pode ser uma república livre.
Eles também alegam que o amor ao país não é um sentimento natural, mas uma
248
Idem, ibidem, p. 183-184.
249
Idem, ibidem, p. 185.
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113
paixão que precisa ser estimulada através de leis, de um bom governo e da
participação dos cidadãos na vida pública.
250
Os patriotas republicanos e os nacionalistas discordam na questão central
sobre o que a pátria significa. Os últimos atacam o princípio republicano de que
somente a república autogovernada é uma nação. Eles também discordam quanto
ao amor à pátria poder gerar lealdade entre os cidadãos. Mas os patriotas
republicanos consideram o amor ao país uma paixão instigada e constantemente
reforçada por meios políticos. Assim, enquanto a pátria dos republicanos é uma
instituição política, a nação dos nacionalistas é uma criação natural.
251
Mesmo uma teórica moderna como Amy Gutmann, que aceita a visão do
patriotismo republicano como antinacionalista, considera que a posição de Viroli
não deixa de ter perigos, por causa da sua supervalorização da república com os
indivíduos que a constituem. A idéia da subordinação do indivíduo à sociedade,
argumenta, é intrínseco ao patriotismo republicano. Segundo a autora, a má
conseqüência do patriotismo republicano decorre do fato de ensinar que o patriota
deve preferir infligir injustiça a sofrê-la. Alega que a história mostra que o
patriotismo, com poucas exceções, sempre serviu a causas estúpidas ou
irracionais. Os pensamentos e sentimentos que formaram a liberdade
constitucional moderna e a sustentaram sempre foram universalistas, e não
patrióticos.
252
Entretanto, argumenta Viroli, pessoas motivadas pelo patriotismo
republicano têm contribuído grandemente para o nascimento das democracias
constitucionais modernas. O patriotismo republicano inspirou os americanos que
lutaram pela independência, a Revolução Francesa e muitos partisans da
resistência italiana que acreditavam ser a luta contra Mussolini um dever
patriótico. Em cada um desses casos o patriotismo teve uma conotação particular,
um sentido de que os patriotas amaram a liberdade de seu próprio povo. Por outro
lado, afirma Viroli, o patriotismo é capaz de atravessar fronteiras nacionais, pois
250
VIROLI, Maurizio. Republicanism. New York: Hill and Wang, 2002, p. 13-14.
251
Idem, ibidem, p. 15.
252
GUTMANN, Amy. Democracy and its Discontents. In: AUSTIN, Sarat and VILLA, Dana
(eds.). Liberal Modernism and Democratic Equality: George Kateb and the Practice of Politics.
Princeton: Princeton University Press, 1996, apud VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p.
15-16.
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é mais forte que as diferenças culturais.
253
Uma pessoa que ama a liberdade de seu próprio país também ama e respeita
a liberdade de outros povos e tem o compromisso de defendê-la. Viroli contra-
argumenta a Gutmann, alegando que é totalmente impossível viver livremente em
uma república que não é livre e entre pessoas que não são livres. Assim, os
defensores do patriotismo republicano encorajam os cidadãos a considerarem a
liberdade comum como o mais alto valor, indicando os meios mais seguros para
proteger a liberdade individual, sem escravizar o indivíduo ao Estado. De acordo
com Viroli, se ensinarmos esse tipo de patriotismo aos jovens, teremos uma boa
chance de educá-los como bons cidadãos.
254
O problema da virtude cívica, isto é, o interesse dos cidadãos no bem
público, nos traz a questão do patriotismo. Há séculos, escritores republicanos
têm alegado que a paixão principal que dá poder à virtude cívica é o amor à
pátria. Dada a importância do problema, não é de surpreender que a literatura
republicana seja muito rica em referências ao patriotismo. Mas em tempos
modernos, a maioria dos teóricos neo-republicanos não tem dado a este problema
atenção que merece.
255
Os conceitos de bom governo e participação na vida
pública são as raízes do patriotismo, o que conduz à idéia de que o patriotismo
floresce em uma comunidade autogovernada. Neste sentido, Tocqueville, em
“Democracia na América”, descreve o patriotismo que encontrou nas cidades da
Nova Inglaterra, argumentando que o patriotismo não dura muito em um país
subjugado. O nativo da Nova Inglaterra é ligado ao seu país não por ter nascido
lá, mas porque vê a cidade como uma coorporação livre e forte da qual ele é
parte e pela qual vale o esforço de tentar dirigi-la.
256
Escritores políticos clássicos diferenciam entre nacionalismo e patriotismo
republicano. Eles usam diferentes termos para descrever essa distinção: patria e
natio. Tanto a patria como a natio estabelecem laços entre os indivíduos, mas os
laços estabelecidos pela patria são mais fortes que os laços estabelecidos pela
natio, conforme Cícero. Os patriotas republicanos consideram as instituições
políticas republicanas, e a forma de vida baseada nelas, como o mais alto valor
253
VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 16.
254
Idem, ibidem, p. 16-17
255
Idem, ibidem, p. 79.
256
TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. New York: Harper & Row, 1969, p. 237-
240, apud VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 83-84.
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político; nacionalistas, por sua vez, colocam a identidade étnica e religiosa no
primeiro plano. Existe também uma distinção artificial do amor ao país. Para os
republicanos, o amor ao país é um sentimento artificial que requer encorajamento
constante e uso de meios políticos, bom governo e participação na vida pública.
257
Para os nacionalistas, em contraste, o amor ao país é uma emoção natural que
cresce forte e deve ser protegida da assimilação cultural.
Entretanto, a república não é puramente política, distinta da nação, entendida
como uma realidade cultural. A república, sendo uma ordem política e uma
maneira de vida, é também uma cultura. Maquiavel fala de uma vida livre; outros
definem a república como uma certa vida da cidade. Portanto, o patriotismo
republicano também tem um significado cultural: é uma paixão política baseada
na experiência da igualdade republicana e um amor a uma certa cultura, embora
não atribua grande valor ao fato de nascer em um dado território, pertencer a um
mesmo grupo étnico, falar a mesma língua. Estão errados aqueles que alegam que
o patriotismo republicano não pode dar uma resposta válida aos problemas da
coesão política nas sociedades contemporâneas, por ser puramente político, pois o
patriotismo republicano não usa meios puramente políticos.
258
O patriotismo republicano difere do nacionalismo étnico e do cívico. Em
contraste com o primeiro, reconhece que não há valor político e moral na
homogeneidade étnica do povo, enquanto reconhece a importância política dos
valores da cidadania, que são totalmente incompatíveis com qualquer forma de
etnocentrismo. Em contraste com o nacionalismo cívico, proclama lealdade não a
princípios culturais, mas a leis, constituições e formas de vida das repúblicas
específicas. Somente verdadeiras políticas republicanas podem trazer o
renascimento da cultura cívica nas sociedades modernas, sem a ajuda da
homogeneidade cultural.
259
Analisando as instituições e os costumes da primeira grande república do
mundo moderno, Tocqueville elogiou a separação entre Igreja e Estado, mas
escreveu que o que importava mais na América não era o fato de todos os
cidadãos professarem a mesma religião, mas terem alguma religião. Argumenta
que a América, onde a religião tem um grande poder sobre o povo, é a nação mais
257
VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 86.
258
MACHIAVELLI, Niccolò. Discourses on Livy. Chicago: University of Chicago Press, 1996,
apud VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 86-87.
259
VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 89-90.
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iluminada. Foi a liberdade política, segundo ele, que tornou a religião necessária,
duvidando que os homens possam apoiar ao mesmo tempo a independência
religiosa completa e a liberdade política. Maquiavel e Tocqueville chegaram à
mesma conclusão: as repúblicas têm uma necessidade especial de religião para
orientar os seus cidadãos nas suas vidas morais e para difundir um senso de dever
que os levará a respeitar as leis e a desempenhar suas obrigações cívicas. Destaca
Viroli que os argumentos de Maquiavel têm uma importante verdade: a crença
religiosa e o temor a Deus penetram nos corações dos indivíduos e guiam suas
ações. Mas, segundo Tocqueville, há uma segunda força, o patriotismo, que
penetra nos corações e leva as pessoas a agirem de uma forma duradoura.
260
Tocqueville afirma que patriotismo e religião são as únicas coisas no
mundo que levam o conjunto dos cidadãos a marchar persistentemente em
direção ao mesmo objetivo. Em resposta à visão de Tocqueville, de que é
impossível viver livre sem o apoio das certezas da religião, Viroli acredita que a
liberdade política tem mais necessidade de um sentido de dúvida, próprio da alma
laica, do que das certezas da fé religiosa. Liberdade política necessita de pessoas
que tenham uma forte visão sobre valores políticos e morais e com igual paixão
acreditem nesses valores e experimentem-nos não como verdades absolutas, mas
como escolhas possíveis entre outras escolhas.
261
O maior problema que as políticas republicanas enfrentam, para Viroli,
permanece a questão de encorajar e difundir a virtude cívica. Se queremos que os
cidadãos amem a república e as leis, então estas devem proteger igualmente a
260
TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. New York: Harper & Row, 1969, p. 237-
240, apud VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 91.
261
VIROLI, Maurizio. Republicanism, op. cit., p. 92-93. Viroli entende que a república ética
encontra significado e beleza em um compromisso para preservar a vida cívica. Ela não reduz a
vida privada do cidadão, subordinando-a à vida pública, mas vê as várias dimensões da vida
complementando-se umas às outras. Ela encontra um caminho de dar à vida individual um
significado que não termina com a morte, mas que continua depois de nós, nas memórias dos
outros. Precisamente porque rejeitam a certeza de dogmas, as políticas laicas e as repúblicas têm
uma grande necessidade de memória e comemoração. A memória é um meio poderoso para
encorajar a virtude cívica. As repúblicas democráticas que mais assiduamente defendem a
separação entre Igreja e Estado têm um especial compromisso em celebrar sua própria história.
Quando comemoramos um remoto episódio de resistência à tirania ou luta pela liberdade; quando
falamos de homens e mulheres que contribuíram para a república, podemos despertar nos corações
dos participantes um senso de obrigação moral e educação cívica para construção da república.
Viroli acredita que o republicanismo tem recursos históricos e morais para engendrar um
entusiasmo cívico, sem a revelação da fé. Ou encontramos uma forma de reforçar políticas
republicanas, ou teremos que nos resignar a viver em nações cujos governos são controlados por
espertos e arrogantes. Idem, ibidem, p. 94-95.
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todos, sem oferecer privilégios aos poderosos nem discriminação contra os
fracos. O patriotismo republicano ensina que, para preservar a forma de vida
civil e a ordem política na qual as leis são respeitadas, é necessária severidade na
punição dos cidadãos que cometeram crimes graves, especialmente aqueles que
são cidadãos importantes e poderosos.
262
Por outro lado, o patriotismo cívico é encorajado pela justiça e pela
participação no autogoverno. Escritores políticos republicanos têm enfatizado
que os cidadãos associados à comunidade autogovernada participam de debates,
expressam opiniões em conselhos públicos, sentem o bem público como algo
que lhes pertence. Neste sentido, as instituições da república são públicas e não
pertencem a um indivíduo singular. Quando elas se tornam privadas, dizemos
que a república está corrupta, ou não é mais uma res publica. Se quisermos
fortalecer a participação política e o espírito cívico, deveríamos dar às cidades e
prefeituras o poder de tomar decisões importantes na vida da coletividade.
Quanto maior o poder das instituições locais, maior atração elas exercerão sobre
cidadãos preocupados com seus próprios interesses, ansiosos por se distinguirem,
provocarem admiração e exercerem influência.
263
Homens e mulheres aprendem a cidadania quando vão a reuniões de
sindicatos, participam de grupos esportivos, se tornam membros de partidos
políticos - e todas essas práticas ocorrem em contextos que são culturalmente
densos. Ressalta Viroli que o tipo de solidariedade que devemos ter, como
objetivo da cidadania, é cultivado não por meio de princípios políticos
universais, como pretende Habermas, nem através do reforço da homogeneidade
cultural de diferentes grupos, mas pelo encorajamento das muitas tradições
cívicas dentro dos diferentes grupos. Dissociar os indivíduos da participação
cívica, mantendo-os apenas dentro da esfera da família acaba inclinando-os a dar
ouvidos a demagogias nacionalistas.
264
As instituições democráticas sofrem hoje de um sério mal, uma falta de
paixão, compromisso e lealdade que afeta, de forma diversa, diferentes países
democráticos. Acadêmicos americanos falam do colapso do engajamento cívico.
Cientistas políticos europeus falam de uma Europa sem paixão. Paixão,
262
Idem, ibidem, p. 97.
263
Idem, ibidem, p. 101.
264
Idem, ibidem, p. 102.
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compromisso e lealdade parecem ter abandonado a democracia e ter seguido as
demagogias nacionalistas. O patriotismo republicano, para Viroli, deveria ser
proposto em países multiculturais como uma nova visão política de um ethos
cívico, que reconecta as palavras liberdade e responsabilidade. Para alcançá-las,
o republicanismo deve manter sua identidade política e cultural distinta e
permanecer fiel a seus princípios.
5.1- Viroli versus Habermas
Assevera Viroli que Habermas separa a concepção do patriotismo
constitucional do republicanismo, que o filósofo considera uma tradição
intelectual derivada de Aristóteles, concebendo a cidadania como participação
em uma comunidade ética e cultural autogovernada. Idêntico, nesse aspecto, ao
comunitarismo contemporâneo, o republicanismo, para Habermas, é uma
doutrina que considera os cidadãos como partes plenamente integradas na
comunidade, a ponto de cada pessoa só poder desenvolver sua identidade pessoal
dentro das instituições e tradições políticas comuns. Para Habermas, essa teoria
de cidadania não pode funcionar em sociedades altamente pluralistas e não pode
oferecer um fundamento para o patriotismo da nação de cidadãos.
265
Viroli analisa que a interpretação do republicanismo como uma tradição
intelectual derivada de Aristóteles é um erro histórico grosseiro. As teorias
republicanas de cidadania e patriotismo devem muito mais a autores
republicanos romanos do que a Aristóteles. Se qualquer pessoa estudasse
diligentemente os textos dos teóricos humanistas italianos sobre a comunidade
autogovernada, assim como os dos juristas que reconstruíram a teoria da
cidadania, ficaria claro, segundo Viroli, que essas teorias derivam quase
totalmente de fontes romanas. Para os teóricos republicanos, cidadania não
significa participação em uma comunidade cultural e ética autogovernada, mas o
exercício de direitos civis e políticos pelos membros da república, sendo esta
uma comunidade política que permite aos indivíduos viverem juntos em justiça e
liberdade, sob a proteção da lei. Amar o próprio país, para os escritores
republicanos, significa amar a república, isto é, a liberdade, as leis comuns e a
265
VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 170.
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igualdade civil e política que a torna possível.
266
A teoria do patriotismo constitucional de Habermas, postula Viroli, foi
criticada por Enrico Rusconi em um livro que se tornou importante para um
debate, na Itália, sobre o significado da identidade nacional. Habermas, segundo
Rusconi, desconecta cidadania dos aspectos históricos e culturais da nação. De
acordo com o autor, a cidadania das sociedades modernas democráticas floresce
dentro dos elementos étnicos e culturais, e não contra eles, pois a nação de
cidadãos não é oposta à cultura nacional, mas surge dentro dela. Uma
interpretação correta do patriotismo constitucional deveria, portanto,
compreender a solidariedade cívica como conseqüência do reconhecimento de
pertencer a uma cultura e história comuns. Contra o esforço habermasiano de
desconectar cidadania e nacionalidade, Rusconi enfatiza que as pessoas se tornam
cidadãs dentro e por meio da história e cultura nacional.
267
Se nos basearmos em razões universalistas, argumenta Rusconi, como
Habermas faz, sem recorrermos a argumentos ligados à história comum, nós não
compreenderemos ou encorajaremos a solidariedade cívica, pois a cultura
política não pode existir senão enraizada nas tradições nacionais. Sustenta o
autor que a lealdade cívica e a cidadania de que a democracia precisa, para
funcionar, não surgem simplesmente de princípios universalistas, mas requerem
uma identificação com uma comunidade cultural concreta. A nação democrática,
para Rusconi, é baseada nos laços de cidadania motivados por lealdades e
memórias compartilhadas, originadas das raízes culturais e de boas razões
políticas para viver juntos. É tanto um demos - participação voluntária na
comunidade política - quanto um ethnos - ligação a raízes culturais e históricas
compartilhadas.
268
Viroli concorda com Rusconi quando este afirma que a democracia
necessita de virtude cívica por parte dos cidadãos. Entretanto não acredita que
ela necessite do tipo de virtude cívica que Rusconi defende. Como este disse, a
virtude cívica da lealdade e solidariedade se baseia tanto em raízes etno-culturais
como em boas razões políticas para sustentar a democracia. Mas, de acordo com
Viroli, se queremos uma cidadania democrática mais forte, nós precisamos
266
Idem, ibidem, p. 170-171.
267
RUSCONI, Gian Enrico. Se cessiamo di essere una nazione. Bologna, 1993, p. 127, apud
VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 172-173.
268
VIROLI, Maurizio. For Love of Country, op. cit., p. 172-173.
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simplesmente de um patriotismo, e devemos reduzir, ao invés de invocar, a
identificação com valores etnoculturais.
269
O autor entende que não deveríamos reforçar a unidade etno-cultural, mas
nos focalizarmos nos valores políticos da cidadania democrática e defendê-los
como valores que são parte da cultura do povo. A identidade política e a cultural,
na verdade, são interligadas. A identidade cultural tem um significado político,
enquanto a identidade política é também cultural. Leciona Viroli que a memória
histórica do povo, sendo um componente fundamental da cultura comum, é
múltipla, controversa e aberta a reinterpretações que são orientadas
politicamente.
270
Ao mesmo tempo, os valores políticos da cidadania democrática que os
cidadãos compartilham não são construções universalistas, mas são vividos
como valores culturais. Identidade política e valores se sobrepõem, e muitas
combinações são possíveis. Para se distanciar do nacionalismo alemão,
Habermas torna a cidadania o mais universal e política possível; para evitar a
abstração da posição habermasiana, Rusconi quer tornar a cidadania o mais
nacional possível. Salienta Viroli que ambos vão longe demais, em direções
opostas. Nenhum dos dois consegue indicar a linguagem do patriotismo, que
conecta o amor político à república com a ligação à identidade cultural.
271
Para Viroli, o patriotismo constitucional de Habermas não rompe com a
tradição republicana, mas é, ao invés, uma nova versão dela. Ele não apenas
reafirma o cânone do patriotismo republicano de que o amor ao país significa
acima de tudo, amor à república. Também reconhece, com alguma vacilação
conceitual, que a república é ou deveria ser objeto de amor dos cidadãos em sua
própria república particular; amor não apenas às intituições democráticas, mas às
instituições que foram construídas em um contexto histórico particular e são
ligadas ao modo de vida dos cidadãos daquela república particular.
272
Assim como o patriotismo constitucional, o patriotismo republicano
estabelece uma distinção entre o ideal político da nação de cidadãos e a
concepção de povo como uma comunidade pré-política de linguagem e cultura.
273
269
Idem, ibidem, p. 173.
270
Idem, ibidem, p. 173.
271
Idem, ibidem, p. 174-175.
272
Idem, ibidem, p. 171-172.
273
PEÑA, Javier. La Ciudadanía Hoy: Problemas y Propuestas. Valladolid: Universidad de
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Ao invés de invocar a identificação com valores etnoculturais, Habermas e Viroli
pretendem uma identificação baseada em uma cultura política participativa.
Entretanto, Viroli defende um patriotismo enraizado que é oposto à perspectiva
habermasiana do patriotismo constitucional, pois se baseia em uma forte
vinculação aos princípios universalistas inscritos no horizonte cultural de uma
determinada forma de vida, reconhecendo a necessidade do uso de uma retórica
política mais enfática na construção de valores políticos comuns e no
favorecimento da causa republicana. O patriotismo de Viroli descreve o amor ao
seu país como um amor apaixonado dos cidadãos por suas instituições
republicanas e formas de vida, e permanece particular, embora possa facilmente
ser traduzido em solidariedade ativa com outras pessoas.
Viroli avalia o patriotismo constitucional de Habermas como demasiado
universalista. Argumenta que o amor à república não pode ser apresentado como
um apego aos valores universais da democracia. Os cidadãos do Estado derivam
sua identidade da forma de vida comum, das instituições da res publica e do
apego aos valores universais da democracia, tais como encarnados na história e
nas instituições políticas do país. Entretanto, entendemos que deve ser rejeitada a
objeção de Viroli, de que princípios universais compartilhados não seriam
suficientes para os cidadãos se identificarem com suas instituições, porque eles
seriam muito abstratos e gerais. Como afirma Shabani, os cidadãos reconhecem a
si próprios como autores dos princípios universais de direitos humanos que a eles
se aplicam, o que, por si só, é capaz de gerar coesão política e um sentido de
solidariedade entre compatriotas. Além disso, os argumentos de Viroli não se
sustentam porque, como assinala Habermas, os princípios universais de direitos
humanos serão interpretados de acordo com a perspectiva da experiência histórica
e das particularidades da cada nação.
274
Contrariamente às idéias românticas de
Viroli sobre identidade e virtude cívica, observa Shabani, a intimidade política
necessária para promover um sentimento de republicanismo cívico requer um
patriotismo constitucional associado a uma democracia deliberativa através dos
Valladolid. Secretariado de Publicaciones e Intercambio Editorial, 2000, p. 204.
274
SHABANI, Omid Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n. 3, op, cit., p. 432.
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quais os cidadãos reconheçam a si próprios nas leis e instituições do Estado no
qual vivem, o que se torna possível através de procedimentos de deliberação
pública e participação nas instituições democráticas e no processo político de
tomada de decisão.
275
275
Idem, ibidem, p. 433.
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6-Conclusão
Autores como Anderson, Gellner, Hobsbawn, Smith e Hall procuraram
analisar de que modo as narrativas da nação contribuem para a promoção da
homogeneidade cultural no seio do Estado-nação, reconhecendo-lhes um papel
fundamental na construção da identidade nacional. Anderson chama a atenção
para o modo como o declínio das línguas sagradas (como o latim) e dos Estados
dinásticos dissolveu entendimentos cosmológicos, dando lugar a uma alteração
das formas de apreender o mundo. Por outro lado, o aparecimento das novas
tecnologias de comunicação (a imprensa diária e a produção literária de massas) e
o surgimento de línguas vernáculas, no contexto de uma economia capitalista,
tornaram possível imaginar a nação.
276
Entretanto, nas sociedades pós-convencionais, é necessário reconstruir a
idéia de nação, desvinculando-a de elementos pré-políticos e relacionando-a a
uma nova forma de identidade baseada na lealdade aos princípios constitucionais
e às instituições políticas por eles estruturadas. Todos os autores supracitados
consideram as nações e o nacionalismo como produtos da modernidade, ao
mesmo tempo que salientam serem as ideologias nacionalistas altamente
suscetíveis à manipulação ideológica, por parte de governos e elites políticas.
Entende Habermas que o conceito pré-político de nação foi empregado para
menosprezar as demais nações, hostilizar os estrangeiros e discriminar e excluir
minorias étnicas e culturais, especialmente os judeus.
277
É justamente contra esse
processo de homogeneização e de exclusão da diferença, promovido pelo
nacionalismo, que se insurge o filósofo, quando desenvolve sua concepção de
patriotismo constitucional.
Por outro lado, em sociedades multiculturais, como não existem mais valores
universalmente compartilhados, a construção da identidade com base na
nacionalidade vem sendo considerada um processo histórico em vias de extinção.
Para Habermas, a cidadania perdeu o sentido de pertencimento a uma comunidade
cultural, e a herança republicana só pode ser salva na medida em que os cidadãos
276
ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional, op. cit., p. 47-48.
277
HABERMAS, Jürgen. O Estado-nação europeu frente aos desafios da globalização: o passado e
o futuro da cidadania. In: Novos Estudos CEBRAP, n. 43, op. cit., p. 90.
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124
participam ativamente do processo político e se identificam com um projeto
constitucional compartilhado. Em sociedades pluralistas, uma cultura política
cristalizada em torno de um projeto constitucional pode assegurar uma coesão
política e um grau de integração social capaz de transcender os vínculos baseados
em língua, cultura e etnia.
Shabani explica que o processo democrático de deliberação discursiva,
associado ao patriotismo constitucional, promove um sentido de solidariedade
entre os participantes, sem a necessidade de se apelar para um ethnos unificador.
Dentro da Constituição, as lei abstratas não necessitam homogeneizar os
diferentes grupos sociais e violar sua autonomia. Diferentemente, elas são
formuladas para facilitar a coexistência das diferenças dentro da comunidade
política, tornando as negociações possíveis e promovendo a autonomia individual.
De acordo com o modelo de patriotismo constitucional de Habermas, a
Constituição reflete a diversidade, na medida em que a prática de construção da
Constituição tem por objetivo proteger as diferenças culturais através dos
princípios de direitos humanos que possuem uma sensibilidade inclusiva para a
diversidade.
278
Em relação à União Européia, Habermas compreende que a construção de
uma identidade não depende de um substrato de um povo culturalmente
homogêneo, mas de um patriotismo constitucional europeu associado a uma esfera
pública européia, ou seja: do compromisso dos cidadãos com os princípios da
democracia e dos direitos humanos consagrados na Constituição Européia, de
redes de comunicação, de uma opinião pública política de alcance europeu,
enfronhada em uma cultura política comum, sustentada por sociedade civil com
associações de interesses, organizações não-governamentais, iniciativas e
movimentos cívicos.
279
O método utilizado pela Convenção Européia, gerando ampla mobilização da
sociedade civil (através de sua representação por meio de ONGs e debates em
mídia eletrônica), indica que a Constituição Européia foi elaborada através de
procedimentos de deliberação discursiva, permitindo aos cidadãos europeus
278
SHABANI, Omid Payrow. Language Policy and Diverse Societies. In: Constellations, vol. 11,
n. 2. op. cit., p. 203.
279
HABERMAS, Jürgen. Inserção-inclusão ou confinamento? In: HABERMAS, Jürgen. A
Inclusão do Outro, op. cit., p. 176.
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reconhecerem a si próprios, simultaneamente, como autores e destinatários do
projeto constitucional, o que, por si só, é capaz de gerar coesão política e
solidariedade entre indivíduos de diversos backgrounds. Não obstante a
diversidade cultural européia, os cidadãos são ligados uns com os outros não
apenas por laços tradicionais pré-políticos, mas principalmente pela adoção de
valores democráticos e de direitos humanos. Portanto, a Constituição Européia
está sendo capaz de inspirar um patriotismo constitucional europeu, através de
uma nova forma de identidade pluralista e integradora, capaz de aglutinar a
sociedade européia em torno da tarefa de construir uma cultura política
democrática.
Resta assinalar que a Constituição Européia se baseia em um compromisso
com valores universais compatíveis com o reconhecimento das identidades
nacionais dos Estados membros. Neste sentido, consagra um patriotismo
constitucional comprometido com uma sensibilidade inclusiva para as diferenças
culturais. Na mesma linha de raciocínio de Shabani, Cronin assinala que o
patriotismo constitucional pode funcionar como o meio pelo qual os membros
dos diversos subgrupos culturais e religiosos venham a se identificar com um
projeto constitucional compartilhado, desde que este seja compatível com o igual
reconhecimento de suas culturas e identidades distintas.
280
Esse compromisso se
expressa, no projeto da Constituição Européia, através da participação dos
parlamentos nacionais no processo político de tomada de decisão, no nível da
União Européia, através do controle do princípio da subsidiariedade.
281
No contexto brasileiro, a Constituição de 1988, com suas virtudes e
imperfeições, teve o mérito de criar um ambiente propício à difusão de um
patriotismo constitucional, ainda tímido, mas que está inspirando uma nova
forma de identidade capaz de aglutinar a sociedade brasileira, traumatizada por
décadas de autoritarismo, em torno de um compromisso político com os direitos
fundamentais. A luta, agora, é pela efetivação desses direitos, isto é, pela
concretização das normas constitucionais no mundo dos fatos e na vida das
pessoas, pois somente assim alcançaremos um sentido forte de patriotismo
280
CRONIN, Ciaran. Democracy and collectice identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy, vol. 11, n. 1, op. cit., p. 11.
281
ERIKSEN, Erik Oddvar and FOSSUM, J. Erik. Europe in Search of Legitimacy: Strategies of
Legitimation Assessed. In: International Political Science Review. Vol. 25, n. 4, op. cit., p. 452.
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constitucional.
Como analisamos, a maioria das críticas por parte de teóricos parte do
pressuposto de que o patriotismo constitucional, como forma de identidade
política, seria incapaz de sustentar a coesão social. Os argumentos dos
nacionalistas cívicos, baseados no fato de que princípios universais sozinhos não
poderiam sustentar uma comunidade política particular, sendo a nação definida
em termos de linguagem compartilhada, histórias e tradições, foram muito bem
contestados por Cronin e Lacroix, através de uma reinterpretação da teoria
habermasiana do patriotismo constitucional. Realmente, a idéia original de
Habermas, que surgiu no Debate dos Historiadores era superar o nacionalismo,
como forma de identificação política, pois tratava-se de superar a herança do
Holocausto.
O conceito de patriotismo constitucional foi desenvolvido por Habermas,
em seu debate com os historiadores conservadores alemães, como uma tentativa
de reconstruir a identidade nacional alemã traumatizada pela herança do
nazismo. Foi nesse contexto que o filósofo desenvolveu o conceito,
argumentando que os cidadãos alemães deveriam desenvolver um outro tipo de
patriotismo, fundado politicamente na Constituição, capaz de transcender os
limites de cultura, língua e etnia, e de se opor ao nacionalismo xenófobo.
Segundo o autor alemão, a formação dos Estados nacionais sob o signo do
nacionalismo foi quase sempre acompanhada de sangrentos rituais de limpeza e
sempre submeteu novas minorias a novas repressões.
Portanto, Habermas pretendia separar o ideal político da nação de cidadãos
da concepção de povo como uma comunidade pré-política de cultura,
estabelecendo uma distinção entre integração política e integração cultural, o que
ensejou diversas críticas. Em verdade, o próprio Habermas é ambíguo, pois
algumas das suas declarações dão a impressão de que a transição para sociedades
pós-convencionais implicaria uma quebra com as tradições nacionais e uma
separação radical entre integração política e integração cultural. Neste sentido, a
ambigüidade é evidente quando o filósofo afirma que os princípios
constitucionais serão interpretados de acordo com a perspectiva histórica e
cultural de cada nação.
Entretanto, através de uma reinterpretação da teoria do patriotismo
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constitucional comprometida com a sua dimensão deliberativa, autores como
Cronin, Lacroix e Shabani enfrentam as críticas formuladas, contra-
argumentando que o patriotismo constitucional apenas procura relativizar o
nacionalismo, negando as interpretações xenófobas de identidade nacional, mas
pode se compatibilizar com o respeito às identidades nacionais distintivas. Como
argumentou Lacroix, ao invés de negar a importância das peculiaridades
nacionais, como alegam os críticos, um dos objetivos do patriotismo
constitucional é promover uma cultura política compartilhada através do
processo de confrontação e deliberação entre as várias culturas nacionais
envolvidas na União Européia.
282
Cronin, por sua vez, esclarece que uma
identidade coletiva fundamentada em um projeto constitucional compartilhado
pode conquistar a lealdade dos membros dos diversos subgrupos religiosos e
culturais, sem destruir suas culturas e identidades distintas, dentro de uma cultura
política comum que transcenda suas diferenças.
283
Do mesmo modo, as objeções de Viroli de que princípios universais
compartilhados não são suficientes para os cidadãos se identificarem com suas
instituições porque eles seriam muito abstratos e gerais, não se sustentam. Como
afirma Shabani, os princípios universais de direitos humanos serão interpretados
de acordo com as particularidades da associação política concreta, pois cada
cultura nacional desenvolve uma interpretação distinta desses princípios
constitucionais.
284
Finalmente, assinalamos que, através de procedimentos de
deliberação discursiva, os cidadãos se identificam com um projeto constitucional
compartilhado, reconhecendo a si próprios como autores e destinatários dos
princípios de direitos humanos que a eles se aplicam, o que, por si só, é capaz de
gerar coesão política. A deliberação democrática, portanto, é o meio pelo qual os
cidadãos podem construir uma identidade racional coletiva, através da
participação em um projeto constitucional democrático que pode se tornar fonte
de formas não chauvinistas de reconhecimento mútuo e solidariedade entre
282
LACROIX, Justine. For a European Constitutional Patriotism. In: Political Studies, vol 50, n. 5,
op. cit., p. 950-951.
283
CRONIN, Ciaran. Democracy and collective identity: In Defence of Constitutional Patriotism.
In: European Journal of Philosophy, vol. 11, n. 1, op. cit., p. 11.
284
SHABANI, Omir Payrow. Who’s Afraid of Constitutional Patriotism? The Binding Source of
Citizenship in Constitutional States. In: Social Theory and Practice, vol 28, n.3, op, cit., p. 439-
440.
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cidadãos de diversos backgrounds, de forma a reconstruir imaginativamente a
identidade nacional.
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