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o Canadá não constitui uma nação única, a fonte mais importante de
identificação não pode ser a Carta Canadense. No caso dos quebequenses, a fonte
primária de identificação é com a Comunidade Política do Québec, e não com a
Comunidade Federal do Canadá.
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O autor salienta que essa mistura de patriotismo constitucional, induzido
pela Canadian Charter, com um crescente nacionalismo canadense de língua
inglesa, reforçado pela Carta Canadense, criou e expandiu o universo político da
lógica da uniformização, na qual cada fato ou fenômeno social é visto através das
lentes da igualdade formal, obscurecendo variáveis contextuais importantes, tais
como o status diferente do francês e do inglês no Canadá. Uma cultura de
direitos que é levada ao extremo pode impedir a criação de um espaço público
suficientemente aberto para abranger visões diferentes, embora igualmente
legítimas, do que significa pertencer a uma comunidade política. A apropriação
popular do discurso de direitos fora de Québec tem impedido avaliar de forma
abrangente as alegações legítimas de Québec, da mesma forma como o
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Em seu artigo, John Erik Fossum analisa a situação canadense através da análise de dois
modelos contrastantes: a concepção de Taylor de diversidade profunda e a concepção de
Habermas de patriotismo constitucional. De acordo com Fossum, a Carta Canadense promove um
patriotismo constitucional baseado em direitos que confronta com o ideal da diversidade profunda,
delineado por Charles Taylor, requerido pela realização dos objetivos coletivos da província de
Québec, em relação ao reconhecimento lingüístico e cultural. De acordo com o ideal da
diversidade profunda desenvolvido por Taylor, é necessário não apenas reconhecer muitas formas
de diferença, mas também abandonar a noção uniforme de cidadania e aceitar e promover o
pluralismo das formas de identidade cultural, estando aberto a múltiplas concepções de cidadania
que coexistem no mesmo Estado. Para Taylor, o ideal da diversidade profunda requer a política da
diferença, considerada pelo autor como uma reação contra o processo de assimilação das políticas
de dignidade equivalente. Portanto, segundo Taylor, os proponentes da dignidade equivalente
buscam princípios universalmente válidos, mas terminam por promover certos valores culturais
específicos associados a culturas hegemônicas discriminatórias de minorias culturais. A solução
proposta por Taylor, em relação ao status de Québec no Canadá, se baseia no ideal da diversidade
profunda, através do reconhecimento da distintividade quebequense. Neste sentido, os
quebequenses concebem o Canadá em termos dualísticos, porque o Québec é visto como uma
nação distinta dentro da Confederação Canadense, e se opõem à Carta Canadense, argumentando
que ela não promove um patriotismo constitucional viável. Em primeiro lugar, porque a Carta
Canadense foi introduzida sem o consentimento explícito da província de Québec. Em segundo
lugar, a Carta é vista como desnecessária no Québec, pois este possui a sua própria Carta de
Direitos Humanos e Liberdades. Em terceiro lugar, a Carta Canadense não oferece proteções em
relação à distintividade cultural quebequense. Portanto, os direitos individuais previstos na Carta,
para os quebequenses, impedem medidas efetivas para promover a distintividade cultural e
linguística quebequense. Segundo Fossum, a Carta Quebequense oferece maiores proteções aos
direitos da língua francesa e aos objetivos coletivos quebequenses do que a Carta Canadense. Esta,
por sua vez, é mais capaz de conduzir a um patriotismo constitucional habermasiano, em razão da
ênfase em direitos individuais e de sua orientação cosmopolita. FOSSUM, John Erik. Deep
diversity versus constitutional patriotism. Taylor, Habermas and the Canadian constitutional crisis.
In: Ethnicities, vol. 1, n. 2. London: Sage Publications, 2001, p. 179-202.
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