Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Por uma sociologia da produção e reprodução musical do
presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no
culto
Jacqueline Ziroldo Dolghie
São Bernardo do Campo
2007
id25498343 pdfMachine by Broadgun Software - a great PDF writer! - a great PDF creator! - http://www.pdfmachine.com http://www.broadgun.com
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Por uma sociologia da produção e reprodução musical do
presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no
culto
Jacqueline Ziroldo Dolghie
Tese apresentada em cumprimento às
exigências do Curso de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, para a obtenção do
grau de Doutor
Orientador: Prof. Dr. Leonildo S. Campos
São Bernardo do Campo
2007
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
ads:
BANCA EXAMINADORA
Presidente: Dr Leonildo S. Campos
Examinadora: Drª Sandra Duarte de Souza
Examinador: Dr. Edin Sued Abmanssur
Examinadora: Drª Magali do Nascimento Cunha
Examinadora: Drª Dorothéa Machado Kerr
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
A Giovanna e Henrique, dádivas
graciosas em minha vida
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
AGRADECIMENTOS
A Universidade Metodista de São Paulo, pela oportunidade de formação e de reflexão;
Ao Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos, pela orientação e pelo carinho com que nos
conduziu em todos os momentos desse trabalho;
A Fundação Mary Speers, pela ajuda e incentivo no fomento da produção do
conhecimento;
Ao IEPG e a Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação em Ciências da Religião;
Aos pastores e membros das igrejas locais pelo desenvolvimento da pesquisa de campo;
Aos entrevistados, pela colaboração;
A Cristiane Ribeiro de Mello Araujo, pela prova de amizade;
Aos meus pais e irmãos, pelo constante encorajamento;
Ao meu esposo Wesley, pelo incentivo e pela compreensão.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Por uma sociologia da produção e reprodução musical do
presbiterianismo brasileiro: a tendência gospel e sua influência no culto. Universidade
Metodista de São Paulo. Doutorado em Ciências da Religião. São Bernardo do Campo,
2007.
RESUMO
O culto presbiteriano brasileiro se cristalizou de forma peculiar em relação ao seu estilo
litúrgico. A exclusão de elementos mais ritualísticos somados ás condições de inserção
deram um contorno bem específico a esse culto no Brasil. A sua forma pode ser reduzida a
dois pilares de sustentação: a prédica e a música. A música também se desenvolveu de um
modo peculiar dentro da denominação. Porém, desde início dos anos 90 essa musica
tradicional tem sido abalada com a consolidação do mercado de música gospel. Surgiu
então no Brasil um novo tipo de produção musical, relacionada com o louvor
congregacional, que pelo aspecto emocional e performático, contraria a produção
tradicional. Esse novo modelo de louvor, fomentado pela mídia especializada, pelo
mercado gospel e em acordo com as tendências culturais atuais, tem plena aceitação do
público jovem e dos novos conversos, dificultando a manutenção da tradição. Muitos são os
motivos para tal fato, entre eles a atração que o mercado exerce sobre o jovem presbiteriano
e o papel litúrgico da música nesse culto, que sempre gerou um grande clima de
insatisfação religiosa de alguns subgrupos do laicato. Assim, a produção e reprodução
musical do culto presbiteriano têm sofrido modificações que podem contribuir diretamente
para uma das maiores mutações cúlticas que o presbiterianismo já sofreu desde a sua
inserção entre nós. Esse novo modelo de louvor propiciou uma ruptura com a hinódia
tradicional, que há muito estava se enfraquecendo. Esta tese discute as mudanças
ocorridas na produção e reprodução da música litúrgica do presbiterianismo e a sua
conseqüência direta no perfil desse culto, bem como os motivos que sustentam tais
mudanças, tanto em uma perspectiva micro como macro social.
Palavas-chave: música cúltica, gospel, presbiterianismo, mercado religioso.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. For a sociology of the musical production and
reproduction of the Brazilian presbyterianism: the tendency gospel and the influence in the
cult. Universidade Metodista de São Paulo. Doctorate in Sciences of the Religion. São
Bernardo do Campo, 2007.
ABSTRACT
The Brazilian Presbyterian service has assumed a fixed and peculiar form referring to its
liturgical style. The exclusion of more ritualistic elements, as well as the conditions for
their insertion, gave a very particular outline to the religious service in Brazil. Its shape can
be reduced to two pillars: sermon and music. The music has also been developed in a
peculiar manner within the denomination. Nevertheless, from the early 1990s, traditional
music has been shaken with the fast-growing and consolidation of the gospel music market.
Then, a new format of musical production related to congregational praise emerged in
Brazil, which counteracting with the traditional productions due to its emotional and
performatic aspect. This new model of congregational praise was totally accepted by young
people and new converted ones because it was promoted by the specialized media and the
gospel market and was in harmony with current cultural trends, somehow complicating the
idea of preserving religious tradition. This fact occurred for many reasons, and among
them, we can mention the appeal exerted by the musical market upon Presbyterian youth
and the liturgical role music played in this service, which has always created an atmosphere
of religious frustration for some laic subgroups. Therefore, musical production and
reproduction of Presbyterian service suffered modifications that can contribute directly to
one of the biggest modifications which the Presbyterian service has suffered since its
insertion in Brazil. This new model of congregational praise facilitated the rupture with the
traditional hymnody, which has ever been weakened long ago. The present study deals with
the modifications that occurred in Presbyterian liturgical music production and
reproduction and the direct results on the religious service profile, as well as the motives
that support those modifications on micro and macro social perspectives.
Keywords: religious music, gospel, presbyterianism, religious market.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. Para una sociología de la producción y reproducción
musical del presbiterianismo brasileño: el tendencia gospel y la influencia en el culto.
Universidade Metodista de São Paulo. Doctorado en las Ciencias de la Religión. São
Bernardo do Campo, 2007.
RESUMEN
El brasileño culto presbiteriano ha asumido un formulario fijo y peculiar referido a su
estilo litúrgico. La exclusión de elementos mas ritualisticos, así como las condiciones
para su inserción, dio un contorno muy particular en servicio religioso en Brasil. Su
forma puede reducirse a dos pilares: el sermón y música. La música también ha
desarrollado de una manera peculiar dentro de la denominación. No obstante, de los
tempranos 1990s, se ha agitado la música tradicional con el rápido crecimiento y
consolidación de mercado de música gospel. Entonces ha surgido en Brasil un nuevo
formato de producción musical relacionado a la alabanza colectiva y qué neutraliza la
producción tradicional debido su aspecto emocional y performatico. Ese nuevo modelo
de alabanza colectiva ha sido totalmente aceptado por las personas jóvenes e nuevos
convertidos porque se promovió por los medios de comunicación especializados y el
evangelio comercialice y estaba en la armonía con tendencias culturales actuales que
han complicado la conservación de tradición religiosa. Eso ha ocurrido por muchas
razones, y entre ellos nosotros podemos contar la apelación que el mercado musical
ejerció en la juventud presbiteriana y en papel de la música litúrgica en el servicio
religioso que siempre ha creado una atmósfera de frustración religiosa para el laicado.
Por consiguiente la producción y reproducción musical del culto presbiteriano se han
sufridas modificaciones que pueden contribuir directamente a una de las alteraciones
más grandes del culto presbiteriano subsecuente su inserción en Brasil. Este nuevo
modelo de alabanza colectiva hizo posible la ruptura con el hinodia tradicional que se ha
debilitado en la vida hace tiempo. Esa tesis se trata de las modificaciones que ocurrieron
en la producción y reproducción de la música litúrgica presbiteriana y los resultados
directos en el perfil de servicio religioso, así como los motivos que apoyan esas
modificaciones en el micro y macro perspectivas sociales.
Las palabras claves: m
úsica religiosa, gospel, presbiterianismo, mercado religioso.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 11
PARTE I Referenciais Teóricos e Históricos da Produção Musical Cúltica.......... 27
CAP. 1 UM OLHAR TEÓRICO SOBRE A PRODUÇÃO MUSICAL CÚLTICA..... 29
1.1 O processo dialético das expressões cúlticas objetivadas .............................. 30
1.2 O culto como objeto sociológico.................................................................... 36
1.3 Os processos da produção religiosa................................................................ 40
1.4 A secularização como paradigma teórico na sociologia da religião............... 44
1.5 A religião e a pós-modernidade...................................................................... 52
1.6 O mercado de música gospel: teorias da cultura e comunicação ................... 58
CAP.2
A PRODUÇÃO MUSICAL CÚLTICA DO PROTESTANTISMO.................. 78
2.1 O culto cristão: modelos e princípios............................................................. 79
2.2 A fixação da liturgia cristã: a oposição entre catolicismo e protestantismo... 87
2.3 Os principais modelos cúlticos da Reforma Protestante ................................ 92
2.3.1.O culto luterano..................................................................................... 92
2.3.2 O culto de Zwínglio............................................................................... 94
2.3.3 O culto calvinista................................................................................... 96
2.3.4 O culto anglicano................................................................................. 100
2.3.5 Os modelos de culto na Escócia.......................................................... 101
2.4 Os movimentos litúrgicos da Europa dos séculos 17 e 18 ........................... 102
2.5 O culto norte-americano............................................................................... 108
2.6 A produção musical do protestantismo ........................................................ 111
2.6.1 Os agentes musicais do protestantismo............................................... 113
2.6.2 A música em Lutero ............................................................................ 116
2.6.3 A música em Calvino .......................................................................... 118
2.6.4 A hinódia inglesa................................................................................. 120
2.6.5 A hinódia americana............................................................................ 122
PARTE II Produção Musical do Presbiterianismo Brasileiro .............................. 128
CAP.3 O CULTO PROTESTANTE NO BRASIL..................................................... 129
3.1. Os protestantismos brasileiros: tipologias................................................... 130
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
3
3.2. O protestantismo de missão......................................................................... 133
3.3.Culto protestante de missão e cultura brasileira........................................... 138
3.4 Os modelos cúlticos do protestantismo de missão ....................................... 146
3.4.1 O modelo kalleyano de culto protestante......................................... 146
3.4.2 O modelo avivalista............................................................................. 149
3.4.3 As características do culto antilitúrgico............................................... 151
3.5 A produção musical do protestantismo de missão no Brasil........................ 154
3.5.1 Sarah Kalley e a formação da hinódia protestante brasileira............... 156
3.5.2 A atividade coral.................................................................................. 160
CAP.4 O CULTO PRESBITERIANO NO BRASIL.................................................. 166
4.1 O presbiterianismo no Brasil: inserção e eclesiologia.................................. 167
4.2 O culto presbiteriano: inserção e consolidação ............................................ 171
4.3 A produção musical do presbiterianismo brasileiro..................................... 177
4.4 Os especialistas religiosos do presbiterianismo............................................ 180
4.5 Especialistas e executores: produção e reprodução musical-cúltica da IPB 185
4.6 Uma hinódia não-oficial............................................................................... 188
CAP.5 MÚSICA GOSPEL E A HINÓDIA PROTESTANTE DO BRASIL ............. 193
5.1 A música gospel: considerações iniciais ...................................................... 194
5.2 O gospel americano: origem e desdobramento ............................................ 198
5.2.1- O spiritual........................................................................................... 198
5.2.2 - O gospel americano........................................................................... 201
5.3 Os antecedentes da música gospel do Brasil................................................ 203
5.3.1- Os corinhos......................................................................................... 204
5.3.2- Os cânticos ......................................................................................... 205
5.3.3- A Música Popular Brasileira Religiosa.............................................. 210
5.3.4 A transição: do cântico ao gospel........................................................ 215
5.3.5 O novo conceito: a música gospel....................................................... 228
PARTE III O Mercado de Música Gospel e a Produção Musical do
Presbiterianismo ......................................................................................................... 234
CAP. 6 O MERCADO BRASILEIRO DE MÚSICA GOSPEL................................. 235
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
4
6.1 O marketing religioso e o mercado de música gospel.................................. 237
6.1.1 O neopentecostalismo e o marketing religioso.................................... 237
6.1.2 A demanda do protestantismo histórico: uma análise estratégica....... 242
6.2 Um olhar sobre o mercado de música gospel atual...................................... 251
6.2.1 Os estilos musicais do mercado........................................................... 253
6.2.2 Outros segmentos do mercado............................................................. 258
6.3 O mercado de adoração ................................................................................ 264
CAP. 7 O MERCADO GOSPEL E A PRODUÇÃO MUSICAL CÚLTICA DA IPB281
7.1 O mercado de música gospel e a situação de concorrência religiosa........... 283
7.1.1 O pluralismo religioso: os novos modelos cúlticos oferecidos no
mercado ........................................................................................................ 284
7.1.2 Os shows de adoração e sua relação com a IPB.................................. 289
7.2 A produção musical cúltica da IPB frente ao mercado gospel..................... 294
7.2.1 O desenvolvimento da música no espaço cúltico................................ 295
7.2.2 Tradição e carisma: o confronto entre a prédica e a música................ 298
7.3 A produção musical cúltica da IPB: a divisão da denominação................... 305
7.4 Os modelos cúlticos da IPB.......................................................................... 312
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 334
ANEXOS
Questionário jovens..................................................................................... 353
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
11
INTRODUÇÃO
O nosso objeto de análise é um bem religioso de extrema importância no meio
protestante e presbiteriano: a produção musical-cúltica, ou seja, a música produzida para
o culto religioso. A música sempre esteve presente na vida religiosa do ser humano.
Conforme estudos históricos e antropológicos dos povos chamados primitivos, a música
perpassa toda a experiência religiosa, desenvolvendo técnicas próprias de erudição e
alcançando, hoje, níveis tecnológicos de comunicação massiva. A música é um elo que
permeia as relações comunitárias dos grupos religiosos tanto no sentido de inter-relação
pessoal quanto no da relação comunidade-divindade. Estudar sua produção e
reprodução implica em conhecimentos teóricos interdisciplinares de estética, sociologia,
antropologia, cultura, comunicação, teologia e ciências da religião. Trata-se, portanto,
de um objeto complexo, porque envolve universos distintos, mas que se entrecruzam no
cotidiano da vivência religiosa comunitária.
Assim, surge um ponto importante a ser ressaltado, pois quando falamos em música
cúltica, atrelamos esta produção às condições possíveis para que isso aconteça. Sendo o
culto o espaço onde a produção e a reprodução musical acontece, ele é o lócus
privilegiado da análise, porquanto estabelece tais condições de produção, reprodução e
consumo do bem religioso. Contudo, ao analisarmos o lócus de produção e reprodução,
temos de situá-lo dentro dos contextos sociais e culturais que cercam, constantemente, a
religião. Trata-se, enfim, de estudar a música de um culto específico localizado em
determinada situação social. Logo, examinaremos a música do culto presbiteriano no
Brasil dentro do panorama de mercado religioso no qual a religião protestante encontra-
se inserida.
Aqui, no Brasil, cujo modelo estrutural de culto protestante veio na América do Norte,
os pastores protestantes, sem dúvida, adotaram a consagração de um modelo
antilitúrgico e informal, mas que se consolidou em exclusividade sacerdotal. O
presbiterianismo insere-se nesse quadro maior e não trouxe, em si, nenhuma oposição
ao panorama geral que aqui se implantou. Por esse motivo, torna-se complexo estudar o
culto presbiteriano no país. A problemática existe desde o momento da escolha de
modelo original: por onde começar, Europa ou Estados Unidos? Podemos comparar o
culto presbiteriano brasileiro ao culto calvinista de Genebra do século 16 e, a partir de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
12
então, extrair conclusões de aproximações ou desvios litúrgicos? Devemos trilhar o
caminho do puritanismo calvinista? Ou seguir as tendências dos avivalismos ingleses e
norte-americanos? A tarefa é intrincada, e, dependendo do modelo escolhido como
original, teremos uma conclusão. Os referenciais de originalidade podem ser usados
para legitimar ou desqualificar. Esse é o caso do discurso institucional que busca a
manutenção da tradição calvinista no culto presbiteriano brasileiro, mas de qual
tradição se fala?
Assim sendo, esta análise não defende o modelo original considerado correto, mas,
partindo do método da sociologia compreensiva, tem o intuito de verificar como os
agentes institucionais e os leigos vêem e vivenciam tal questão. Em outras palavras,
importou-nos conhecer os modelos cúlticos tidos como legítimos e examinar os motivos
pelos quais foram legitimados e as conseqüências advindas dessas posturas. O mesmo
tipo de análise cabe para a própria compreensão do que seja culto protestante em solo
nacional. Não questionamos se o conceito é valido ou não: até que ponto uma reunião
em lares pode ser definida como culto? Antes, abordamos o sentido dado pelos agentes
sociais e, com isso, esclarecemos que este trabalho não é teológico ou litúrgico. Essa
abordagem, no entanto, não elimina o senso crítico pessoal ou a discussão litúrgica.
Aliás, todos os autores que utilizamos para compor o cenário sociológico do culto
protestante no Brasil discutiram criticamente sua liturgia. É o caso de Émile Leonard
(2002), Carl J. Hahn (1989), Jaci Maraschin (1996), Prócoro Velasques (1990) e
Antônio G. Mendonça (1990), pesquisadores que ressaltaram o vazio estético e litúrgico
que o culto assumiu no país.
O culto protestante brasileiro sobretudo, o culto presbiteriano tem sofrido alterações
litúrgicas significativas desde as últimas décadas do século 20 e causado muito alarde
no interior do campo. O assunto passou a ser amplamente discutido por quase todas as
igrejas locais pertencentes às denominações protestantes. Ao discutirem-no, as igrejas
voltaram-se à análise de um novo elemento surgido no cenário nacional: a música
gospel. Em outras palavras, o perfil do culto presbiteriano está alterando-se
principalmente em função do tipo de música apresentada em seus diversos serviços
religiosos em todo o país. Essa ligação de alteração do perfil do culto em função da
produção musical gospel tem, a nosso ver, íntima correlação com as próprias
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
13
características do culto implantado no Brasil pelos missionários norte-americanos,
aliadas às condições impostas pelo mercado fonográfico.
O culto presbiteriano que chegou ao Brasil se é que podemos falar em culto
presbiteriano nem sequer discutia as raízes calvinistas na concepção musical. Tal
fenômeno ocorreu por meio do trajeto geográfico e histórico pelo qual passou. Vindo
dos Estados Unidos, o culto presbiteriano sofreu transformações e adaptações comuns
às chamadas igrejas de fronteira, que legitimavam a flexibilidade que o culto
presbiteriano passava a adquirir em território americano. Devido a vários fatores, o
modelo cúltico importado pelo Brasil foi fruto dos movimentos de avivamento e era
composto por um extenso sermão acompanhado de hinos emocionais.
O culto protestante brasileiro estruturou-se, portanto, em apenas duas partes específicas.
Mendonça (1990a, p.181) chamou esse fenômeno de esvaziamento litúrgico, que, por
sua vez, atingiu todas as denominações que aqui chegaram por meio das missões norte-
americanas. Denominamos esse modelo cúltico, que se cristalizou no Brasil de modelo
bipolar, visto que sua estrutura baseia-se em dois elementos: a prédica e a música.
Nessa bipolaridade assumida pelo culto protestante, existia uma subordinação de uma
das partes, a da música, à prédica. Isso acontecia pela característica do culto protestante
em solo brasileiro, isto é, a essência pedagógica e racional. Assim, o sermão constituiu-
se na parte central do culto, pois instruía e ensinava e a música cumpria o papel de
ajudar pedagogicamente a fixação doutrinária. Era o modelo de culto evangelístico que
se impregnou por todo o protestantismo de missão e persiste até hoje. O
presbiterianismo assumiu completamente essa idéia evangelística de culto.
Toda a produção musical-cúltica do protestantismo esteve firmemente calcada na
concepção evangelística e pedagógica. Com o desenvolvimento desse culto protestante
em nosso país, obviamente a atividade musical cresceu, mas, independentemente dos
estilos de produção musical destinados ao culto, a função pedagógica da música
refletiu-se direto sobre as atividades musicais, que desenvolveram um estilo de
apresentação na hora do culto. Sob esse princípio pedagógico, o culto tinha uma
variedade de atividades musicais como o canto congregacional, o canto coral e os
grupos vocais menores. No fim dos anos 50, o campo protestante foi penetrado por
outros grupos musicais intimamente relacionados com a chegada das instituições
paraeclesiásticas, que introduziram, no protestantismo, os chamados corinhos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
14
Essa fragmentação da produção musical no culto propiciou uma relação diferente da
estabelecida até então entre música e prédica. A relação de subordinação da música à
prédica, que sustentava o caráter racional do culto, se enfraquecia. Ora, tal
enfraquecimento da condição de subordinação rapidamente transformou-se em
confronto à medida que a proliferação dos grupos musicais foi sistematicamente
subsidiada pelas organizações paraeclesiásticas, o que, historicamente, aconteceu no
país, sobretudo, nos anos 70 e 80. A nova proposta de música e louvor para os jovens, o
Corinho, e, depois, o Cântico, fomentado pelas instituições paraeclesiásticas,
desenvolveu-se com espantosa rapidez nas décadas posteriores.
Dentre as denominações mais atingidas pela ação das paraeclesiásticas, encontra-se o
presbiterianismo. A nova reprodução musical deste modelo estava concentrada nas
mãos de jovens que recebiam treinamento para formarem grupos e atuarem nos cultos
Como era de se esperar, a reação da ala tradicional da igreja ofereceu resistência a estes
grupos, tentando, por todos os meios, proibi-los de atuarem. O confronto valia-se de
dois argumentos principais: o primeiro relacionado ao estilo musical propriamente dito,
e o segundo, à pentecostalização induzida por tais cânticos.
Não se contesta que, embora a base musical fosse a mesma dos hinos folclóricos do
hinário tradicional, os novos cânticos eram mais alegres, vibrantes e com ritmos mais
marcados. A introdução de novos instrumentos musicais também serviu para alardear
ainda mais o conflito. A guitarra elétrica, o contrabaixo e a bateria eram instrumentos
marginalizados e hostilizados pelo protestantismo brasileiro. A relação com o mundo
secular criou um discurso de inviabilidade do uso de tais instrumentos no louvor a Deus.
A partir de então, o canto congregacional viu-se dividido em uma produção hinódica
oficial, os hinos, e uma produção marginalizada, a dos corinhos e cânticos. Esse clima
de tensão entre a produção oficial e a marginalizada permeou toda a atividade musical
cúltica do protestantismo desde a década de 60 e foi-se intensificando com base na
proliferação de novos modelos musicais.
Destacamos dois pontos dessa condição. O primeiro é que a produção dos cânticos
rompia, parcialmente, com a condição de subordinação da música à predica devido ao
caráter quase totalizante dos novos grupos musicais no culto que deixaram de
assessorar o sermão, passando a agir de maneira independente. Entretanto, havia ainda,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
15
e esse é o segundo aspecto que ressaltamos, uma função pedagógica nesta produção
musical. Ela continuava tipicamente evangelística e tinha por objetivo ensinar.
Porém, seguindo a trilha do corinho e dos cânticos evangelísticos, outro tipo de
produção musical surgiu no cenário protestante: o louvorzão. Esse modelo foi
acompanhado de perto por igrejas autônomas e comunidades que, na década de 80,
proliferavam sobremaneira no país. A ênfase dada ao louvorzão destinava-se aos jovens
já convertidos de diversas denominações que buscavam um encontro para louvar a
Deus. Com o cântico de louvor, a música ganhou uma função totalmente diferenciada
no culto protestante brasileiro: tornou-se o elemento que conduzia à adoração, ao
mistério, à contemplação. Enfraquecia-se, assim, a função pedagógica, e intensificava-
se sua autonomia.
A questão norteadora que buscamos destacar é que o momento de louvor instaurado na
grande maioria das igrejas protestantes locais foi um espaço conquistado, por jovens e
músicos, que não fazia parte da legítima produção musical tradicional dos corais e
hinos. Todavia, por ter sido conquistado em condição de conflito, o se ajustou
plenamente ao culto daí a sua existência quase autônoma ou independente. Talvez, a
forma de confronto tenha sido a única para que os jovens e os cânticos pudessem
obter espaço. Por esse motivo, o culto protestante assumiu uma forma de bricolagem,
o que significa que os elementos não se integram, mas, nitidamente, se contrapõem! E,
em meio a esse contexto litúrgico, o culto sofreu um golpe externo: a consolidação do
mercado de música gospel.
Os jovens de diversas denominações evangélicas, tanto protestantes quanto
pentecostais, tornaram-se o público-alvo desse grande empreendimento mercadológico.
Em termos cúlticos, não é difícil perceber as conseqüências. O jovem presbiteriano, ao
participar dos vários eventos gospel, começou a cobrar a reprodução dos modelos
vivenciados no culto. As equipes de louvor locais, então com o nome de bandas,
reproduziam as músicas mais tocadas nas rádios gospel e não perdiam os inúmeros
lançamentos e gravações ao vivo dos CDs de adoração. Os modelos deste novo
momento são grupos enormes, que têm uma performance inovadora com danças, luzes,
gelo seco e a busca do êxtase espiritual.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
16
Assim, a racionalidade cúltica, princípio norteador do culto protestante e presbiteriano
no Brasil, começou a ser ameaçada pelas produções musicais do mercado gospel. Logo,
a tensão instaurada na área musical acentuou-se, porque, com o mercado de música
gospel, intensificou-se o abandono da condição de produção pedagógica da música que
já havia sido iniciado pelo momento de louvor no culto. Por sua vez, o mercado
ajustava-se às novas demandas do jovem leigo protestante. Nesse contexto é que
formulamos a pergunta-chave deste trabalho: qual a influência da nova tendência gospel
sobre a produção musical cúltica do presbiterianismo brasileiro?
Com isso, traçamos o objetivo principal de verificar em que medida a produção musical
cúltica do presbiterianismo brasileiro tem sido influenciada pelas novas tendências
mercadológicas da música gospel. Formulamos a hipótese de que o mercado gospel, por
oferecer bens musicais ajustados e compatíveis às novas demandas sociais e religiosas,
está causando um deslocamento da centralidade cúltica da prédica para a música, e isto
se deve à nova função que a música assumiu no culto: a de evocar e despertar emoções.
A partir da hipótese traçada, o trabalho debruçou-se em estudar os mecanismos internos
do culto protestante na produção da prática musical e na expansão do mercado de
musica gospel relacionado às novas demandas religiosas. Assim, demarcamos objetivos
específicos: 1) analisar, por meio do método histórico-social, como se deu a construção
dos modelos musicais cúlticos do protestantismo, examinando-os tanto sob a
perspectiva social quanto sob a ótica interna de produção religiosa; 2) analisar o modelo
cúltico do presbiterianismo brasileiro, contextualizando-o com as condições de
implantação do protestantismo no país; 3) estudar a produção musical-cúltica do
presbiterianismo e verificar as condições de produção tanto no âmbito interno quanto
externo ao campo religioso; 4) estudar o mercado de música gospel e identificar os
motivos de seu surgimento e expansão na relação com o campo do protestantismo no
Brasil; 5) analisar a conseqüência do mercado sobre os novos tipos de produção
musical-cúltica do presbiterianismo.
Para buscar a confirmação da hipótese e alcançar os objetivos propostos, apoiamo-nos
em discussões teóricas na área das Ciências da Religião. Contudo, como o trabalho
buscou entender também os mecanismos e as estratégias do mercado de música gospel
utilizamos as contribuições nas áreas da Comunicação e Cultura. Trabalhamos com o
intuito de mostrar que tais campos interagem constantemente. Teoricamente,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
17
distinguimos dois lócus de análise, um interno e outro externo ao campo religioso, que
devem estar relacionados a fim de explicar as novas produções musicais com demandas
e condições internas e externas ao grupo religioso. Inclusive, encontramos a própria
condição do campo religioso, de pluralismo e mercado que, por sua vez, vincula-se às
situações da sociedade contemporânea ou pós-moderna. Portanto, as teorias aqui
expostas pressupõem o constante movimento dialético entre o campo religioso e a
sociedade.
Como o nosso objeto de análise é a música cúltica, as teorias de Pierre Bourdieu (1987)
fundamentaram todo o trabalho. A partir delas, procuramos perceber as condições
internas ao campo que envolviam os agentes de produção. Segundo essa teoria, a
música cúltica é considerada um bem religioso reproduzido durante o culto, no qual é
consumido pelos leigos. As teorias de Bourdieu partem do pressuposto da religião como
produtora de bens simbólicos e, por sua vez, estão calcadas na discussão já realizada por
Peter Berger (1985), que anuncia a nova condição da religião: a de secularização.
Assim, a análise do culto inseriu-se no contexto pós-moderno da religião. Por isso,
quando adotamos alguns conceitos de Bourdieu como especialistas da religião,
produção religiosa e consumo religioso , situamos a discussão na teoria mais
abrangente do mercado religioso de Peter Berger (1985). Esta teorização mostra como a
religião passou a assumir a característica do mercado. Aqui, o mercado religioso
analisado por Berger gerou a possibilidade de pensar a religião como produtora de bens
simbólicos e produto mercadológico. Portanto, a religião assumiu os novos aspectos da
sociedade atual, o que, porém, precisa ser entendido como um movimento social
inerente ao campo, visto que este não se encontra isolado dos novos contextos pós-
modernos. Para mostrar a dinâmica entre a religião e a sociedade pós-moderna,
utilizamos as contribuições de Stefano Martelli (1995).
A teorização de Berger apresenta a discussão do novo cenário em que se encontra a
religião contemporânea, o de mercado e, conseqüentemente, o de pluralismo religioso.
Com isso, deparamo-nos com as novas teorias que fundamentam os estudos da religião
e do mercado. Uma nova geração de sociólogos americanos liderados por Rodney Stark
(1992), George Fink (1992) e Laurence Iannaccone (1988; 1991; 1992) compõe os
teóricos do chamado paradigma do mercado religioso, o qual utilizamos neste
trabalho.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
18
A teoria do mercado religioso faz uma espécie de costura das partes em todo o trabalho.
O seu pressuposto aparece em diversos momentos: quando discutimos o culto como
produção religiosa e produtor de bens simbólicos, as diversas formas de oferecimento
de religiosidades e o mercado de música gospel. Este será abordado não com base
nas teorias da sociologia da religião aqui pontuadas, mas também na relação com as
áreas da comunicação e cultura.
A música gospel é aqui entendida como um produto cultural híbrido (Cunha, 2004). O
híbrido do gospel se revela na sua particularidade de conseguir criar algo novo, o que
chamamos de salto conceitual, a partir da co-presença do novo - enquanto novas
tendências musicais e performáticas - e do velho - enquanto a manutenção de um
mesmo tipo de discurso religioso e moral (Dolghie, 2002). Essa caracterítica híbrida do
gospel também foi analisada a partir da perspectiva de resistência que tal produção pode
significar, dependendo de condições específicas, internamente ao campo religioso.
Além disso, o gospel se insere em um quadro maior que chamamos de hegemonia
cultural. Isso porque o consumo desse bem, não só religioso, mas também cultural, está
atrelado aos meios de comunicação, que, por sua vez, são investigados a partir das
mediações sociais que influenciam a atitude do receptor. Essas idéias encontram
fundamentação teórica nos chamados Estudos Culturais do Centre for Contemporary
Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birminghan na Inglaterra. A partir de tais
considerações, analisamos a formação e a expansão do mercado música gospel, contudo
sempre o ligando às condições do campo religioso e, portanto, utilizando-nos da área
das Ciências da Religião.
Quando falamos em consumo e mercado na sociedade pós-moderna, logo vêm a mente
as teorias marxistas que colocariam tanto a música gospel, quanto seus consumidores,
sob a força da produção capitalista e, dessa forma, teríamos um movimento determinista
em nossa análise. Logo, justificamos a escolha em adotar o conceito de hegemonia
cultural do CCCS ao invés do termo indústria cultural, criado pelos frankfurtianos
que, a nosso entender, denota um determinismo de análise.
A partir de tais referenciais teóricos e sempre buscando alcançar os objetivos da
pesquisa, estabelecemos alguns procedimentos metodológicos para a realização do
trabalho. Além da pesquisa bibliográfica, o trabalho contou com uma extensa pesquisa
de campo realizada ora em igrejas presbiterianas, ora em eventos patrocinados pelo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
19
mercado gospel. Por isso, foi necessário estabelecer um recorte sobre o campo analisado
o presbiterianismo brasileiro , e optamos por estudar especificamente a produção
musical cúltica da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB).
Porém, como nossa hipótese é a de que a produção musical presbiteriana está sendo
influenciada pelo mercado de música gospel, foi necessário outro recorte que se baseou
na presença efetiva deste mercado junto à denominação estudada. Com isso,
delimitamos o exame aos centros urbanos onde o mercado gospel é altamente difundido.
Certamente, o fenômeno do mercado de música gospel é nacional, porque se vale das
novas comunicações massivas; mas, por motivos de viabilidade da pesquisa de campo,
não pudemos observá-lo por todo o país. Assim, fizemos uma amostragem do que está
acontecendo e analisamos os centros urbanos de São Paulo (SP), Londrina (PR) e Belo
Horizonte (MG). O critério foi totalmente aleatório, buscando-se apenas uma
aproximação local para facilitar as observações in loco. Logo, tanto o recorte
denominacional quanto o geográfico deveram-se à viabilidade da pesquisa de campo.
A partir do recorte do campo, utilizamos a observação participativa em algumas igrejas
da IPB e aplicamos uma série de procedimentos locais: a) questionários para os jovens,
escolhidos aleatoriamente após o culto; b) questionários para os músicos das igrejas,
divididos, de acordo com a atividade, em líderes de banda, regentes e
organistas/pianistas; c) entrevistas com pastores e líderes de bandas locais.
A base de nosso trabalho de campo se fez a partir das observações in loco nos cultos
locais. A partir dessas observações construímos tipos puros de modelos cúlticos da IPB.
Esses modelos cúlticos foram buscados em todas as regiões de São Paulo, ou seja, em
todas as zonas: norte, sul, leste e oeste. Procedemos assim, para verificarmos a expansão
do gospel e a sua ifluência no culto da IPB, independente da classe social dos jovens e
das igrejas. Buscamos nesse procedimento verificar os vários formatos de culto, que,
sob nossa hipótese, estariam sendo influenciados pelo consumo gospel. Portanto, o
primeiro procedimento metodológico junto às igrejas foi o de perceber, por meio das
observações, as variedades dos modelos cúlticos.
A partir dos modelos cúlticos construídos é que selecionamos algumas igrejas para a
aplicação dos questionários. Estes não nos ajudaram na construção dos modelos
cúlticos, mas na comparação entre os modelos e o consumo de música gospel e na
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
20
mensuração de qual era a atividade cúltica preferida dos jovens. A vinculação das
entrevistas aos modelos cúlticos foi essencial para que nossa hipótese pudesse ser
intensificada. Isso porque, dados das observações in loco já nos forneciam informações
suficientes para comprovarmos que a música estava assumindo uma preferência em
relação à prédica. Isto pode ser observado nas formas de culto, no tipo de louvor usado,
no número de membros, na interação e na participação das igrejas na hora do louvor.
Entretanto, a aplicação do questionário veio contribuir para a verificação da preferência
da música em relação à prédica, por meio de uma questão específica que buscava
pontuar o que mais agradava no culto.
Assim, como o questionário estava vinculado aos modelos cúlticos, nos utilizamos de
questões principais para a tabulação, que foram usadas no trabalho. Foram elas: Você
ouve rádios evangélicas? Você compra CDs de música gospel? Qual seu estilo
preferido? Você já participou de eventos gospel? De quais eventos gospel você
participou? Indique o que você mais gosta no culto de sua igreja. Caso você goste do
louvor da sua igreja, o que mais lhe atrai nele? Verificação da função do dirigente de
louvor
1
.
Participamos de cultos em 35 igrejas e aplicamos questionários em 20 delas, perfazendo
um total de 1027 questionários respondidos e tabulados. Algumas igrejas não tinham
público jovem e, em outras, muitos pastores permitiram as observações, mas não a
aplicação dos questionários. Quando conseguíamos, sem muitos problemas realizar esse
procedimento, o sigilo da igreja era pedido. Por este motivo, mesmo tendo uma minoria
de pastores que se dispuseram a divulgar o nome de suas igrejas, não trouxemos
nenhum deles neste trabalho. Do mesmo modo, seis, dos oito pastores entrevistados não
quiseram que seus nomes fossem expostos. Desse modo, não nomeamos os pastores
entrevistados, mesmo àqueles que não se opuseram a esse fato, para não causar
constrangimentos a nenhum dos entrevistados. Por esse motivo evitamos, ao máximo,
nos utilizarmos de tais entrevistas. Já os líderes de bandas e outros entrevistados,
mesmo pastores, cujas igrejas não estavam sendo observadas, não se opuseram na
divulgação de seus nomes. Quando nos utilizamos de tais entrevistas, o nome é dado na
primeira vez que o entrevistado é citado e aparece na Bibliografia Final.
1
Vide questionário completo nos anexos finais.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
21
Essa informação do trabalho de campo mostra, logo de início, a situação de conflito
na qual passa a IPB, especificamente na área cúltica. A maioria dos pastores que
entrevistamos e conversamos não tinha posição muito bem definida em relação ao
culto, como se mostrou hostil às igrejas que aderiam um modelo cúltico diferente do
adotado em sua igreja. Essa situação no campo, embora tenha dificultado o acesso às
fontes, mostrou a efervescência e a relevância do assunto que nos propomos pesquisar.
O culto mostrou-se um lócus do poder religioso, um local de conflito e tensões e um
meio de se estabelecerem limites institucionais legítimos.
Como as falas dos pastores foram pouco usadas, devido ao sigilo pedido, utilizamos a
análise do discurso institucional e das outras falas para construirmos o texto. Assim,
buscamos mostrar a tensão entre uma ala mais conservadora da IPB, que se entende
como guardiã da tradição da denominação e uma ala mais liberalizada, articulada por
pastores de igrejas com um culto mais contemporâneo e pelos agentes musicais que se
utilizam da música gospel.
Nesse contexto, a fim de analisarmos o posicionamento oficial da IPB, realizamos um
trabalho de levantamento documental nos dois órgãos institucionais da denominação: o
jornal Brasil Presbiteriano e o Digesto Presbiteriano, sendo este composto por todos os
encaminhamentos enviados ao Supremo Concílio e as devidas resoluções. A partir da
análise histórica da denominação, escolhemos dois períodos: os anos 50 e 60 e após a
década de 90, na qual a formação do mercado de música gospel iniciou-se.
Para cruzar essas informações do campo presbiteriano e examinar o fenômeno das
reuniões coletivas de louvor e adoração, participamos de alguns eventos gospel. Na
realidade, desde o ano de 2000, investigamos por meio de participações in loco tais
eventos. Devido à magnitude dos mesmos, foi impossível a aplicação de questionários
ou entrevistas, e, portanto, trabalhamos com os depoimentos dos participantes e
registros fotográficos.
Pontuados os procedimentos metodológicos, passamos a esclarecer alguns termos
empregados no trabalho a fim de facilitar a compreensão dos mesmos. O primeiro
esclarecimento que trazemos é a constante referência ao protestantismo histórico
brasileiro. Trata-se de uma terminologia sinônima de protestantismo de missão.
Segundo José Bittencourt Filho (2003, p.121) o protestantismo de missão engloba as
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
22
denominações Congregacional, Episcopal, Evangélica Luterana (EUA), Presbiteriana,
Batista e Metodista. Sabemos que o mercado de música gospel influencia todas as
denominações do país e, portanto, todo o protestantismo histórico, mas um trabalho
detalhado de tamanho alcance é muito difícil de ser realizado. De modo, que ao usar o
termo protestantismo histórico queremos mostrar a amplitude do fenômeno que
estudamos - a influência da música gospel na produção musical cúltica - e alargá-lo para
além da denominação estudada. Mas, por outro lado, evitamos o termo mais genérico
evangélico, para que a IPB possa sempre ser contextualizada com o estilo cúltico que
se desenvolveu e se fixou no país, a partir da concepção protestante missionária.
É importante explicar ainda que quando afirmamos que o fenômeno do mercado gospel
é geral ao protetantismo histórico, não estamos com isso dizendo que os meios e
mecanismos da influência da música gospel foram idênticos entre as denominações.
Estas necessitariam ser estudadas de forma individual para que se pudesse analisar os
efetivos movimentos internos que favorecem a influência da música gospel nos
respectivos cultos.
Mesmo evitando o uso do termo evangélico, ele aparece algumas vezes no trabalho,
quando, de fato, queremos mostrar a relação desse campo com o mercado gospel.
Dentro da classificação de igrejas evangélicas, estão as neopentecostais. Este termo já
é notoriamente usado na área acadêmica, e não temos a intenção de desconstruí-lo. No
entanto, o neopentecostalismo é geralmente entendido e analisado como um subcampo
evangélico, cuja maior característica encontra-se no caráter empresarial das igrejas. As
igrejas neopentecostais têm grande repercussão nacional, utilizam-se da mídia, possuem
um corpo sacerdotal altamente hierarquizado e administrativamente recorrem a
estratégias de marketing. Muitas vezes, fazemos referência a estas igrejas e, quando
aplicamos o termo neopentecostal, trazemos implícito todos os pontos que levantamos
aqui.
Contudo, em alguns momentos do trabalho, referimo-nos a igrejas que não estão nessa
categoria, mas também não se enquadram no protestantismo, quer de imigração ou de
missão, ou no pentecostalismo clássico. Basicamente, tais igrejas incorporaram do
neopentecostalismo o novo comportamento religioso de inserção cultural, mas não
adotaram seus posicionamentos empresariais. Por isso, passamos a chamá-las de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
23
comunidades autônomas. Estas não são denominacionais, não possuem filiais e são
igrejas bem menores do que as que usamos na categoria de neopentecostal.
Resta ainda uma última explicação. Como o presente trabalho não é litúrgico, utilizamos
o termo cúltico para fazermos referência à todas as práticas que acontecem nesse
espaço daí, a terminologia música cúltica, que significa música produzida com a
finalidade de ser usada no culto. Evitamos o uso da palavra liturgia, porque
consideramos que esse termo traz o sentido semântico da palavra para a prática cúltica.
Com isso queremos dizer que não conferimos à toda produção cúltica a qualificação de
produção litúrgica. Ao procedermos assim, embora não discutamos a respeito de
liturgia, mostramos o nosso posicionamento do que consideramos litúrgico. A palavra
liturgia provém do termo grego leitourgia, composto pelas palavras ergon, que significa
trabalho, e laós, que significa povo. Na Grécia Antiga, liturgia significava trabalho
público, serviço em prol da cidade. Segundo James White (1997, p. 20), a liturgia podia
significar tanto a realização de um serviço para a cidade quanto o pagamento de
tributos. O termo secular ganhou significado religioso, e o Novo Testamento relaciona a
palavra com o ato cúltico. Nesta concepção, a liturgia seria o serviço cúltico.
Todavia, no cristianismo, esse serviço é realizado por todos uma vez que o sacerdócio é
instituído para todos os conversos. Por essa razão, a liturgia torna-se tão contraditória no
culto cristão: ela seria o exercício, o serviço prático do culto, mas deveria ser realizado
por todos os participantes. Denominar litúrgico um ofício é indicar que ele foi
concebido de modo que todas as pessoas que participam do culto tornem parte ativa na
oferta conjunta do seu culto (White, 1997, p. 20). Veremos, entretanto, que esse
princípio semântico foi perdido em muitos momentos da história do culto cristão.
Assim, pedimos licença aos especialistas na área, porque não poderemos dar a devida
atenção à discussão da liturgia em si - nosso olhar sobre o culto é sociológico. Desse
modo quando usamos a expressão música cúltica ao invés de música litúrgica,
assim o fazemos porque consideramos que a primeira revela o caráter sociológico da
produção religiosa no culto, enquanto a segunda denota o sentido teológico e semântico
do termo. Porém, mesmo tendo claramente esta distinção, não podemos aplicá-la em
todos os casos. É o que ocorre quando, por força de conceitos já fixados historicamente,
precisamos usar as expressão liturgia, elementos litúrgicos ou modelos litúrgicos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
24
Apresentação
Após está breve introdução, passamos a apresentação do trazemos. Estabelecemos a
divisão da tese em três partes distintas. Na primeira, trouxemos os referenciais teóricos
e as considerações históricas do culto protestante. Assim, embasamos as discussões
posteriores que se utilizaram de termos, conceitos, idéias e teorias já pontuadas e
analisadas nesta parte. A análise histórico-social passa pelo desenvolvimento do culto
cristão, apontando a formação do corpo de especialistas religiosos para a produção
cúltica.
Com o advento da Reforma Protestante, inaugurou-se uma nova produção religiosa
cúltica, que precisou ser reestruturada pelos agentes religiosos. Esta nova condição de
produção foi responsável por inúmeros desdobramentos posteriores que originaram
modelos cúlticos conflitantes. Dessa maneira, exploramos a dinâmica da produção
cúltica com o intuito de mostrar que a problemática trazida por essa estrutura é
determinante para o posicionamento do presbiterianismo, até hoje, no que se refere à
produção musical cúltica. Surgiu, aqui, o eixo da análise posterior sobre a contradição
implícita no culto protestante da ausência de um corpo clerical especializado em
música.
Analisamos os principais elementos cúlticos produzidos pelo protestantismo na relação
do culto com as demandas sociais da época. Nisto, mostramos que os principais
modelos de culto protestante foram construídos em condições políticas adversas.
Independentemente destas condições, porém, alguns modelos foram trazidos para o país
e geraram um discurso e uma prática de sacralização. O traçado histórico se fez
notadamente presente, porque, para discutir problemas posteriores ao culto presbiteriano
no Brasil, era necessário conhecer todas as estruturas que lhe conferiram um formato
específico. Essa primeira parte está dividida em dois capítulos. O primeiro, Um olhar
teórico sobre a produção musical cúltica, discute as teorias que serão usadas em todo o
trabalho; o segundo intitulado A produção musical cúltica do protestantismo, enfoca a
formação e a estruturação do culto cristão e analisa os modelos cúlticos protestantes
principalmente da área musical.
A segunda parte do trabalho especifica as condições da produção musical cúltica do
presbiterianismo brasileiro. Partimos da análise do modelo de culto protestante histórico
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
25
implantado no país e de como a produção musical ltica foi formada e fixada. Uma vez
que o protestantismo histórico trouxe uma unidade cúltica entre as denominações,
examinamos, primeiro, a fixação do modelo geral e, no segundo momento, estudamos
como o presbiterianismo apropriou-se deste modelo. Essa discussão divide-se em três
capítulos.
O culto protestante no Brasil é o nome do capítulo três e nele mostramos a formação e a
consolidação do modelo cúltico bipolar do protestantismo brasileiro que está no cerne
da discussão que realizamos. Os modelos cúlticos, o discurso ideológico religioso e a
produção musical do protestantismo foram abordados. A análise sociológica feita até
então sobre a produção cúltica protestante ganhou um novo elemento, a cultura
brasileira. No quarto capítulo, O culto presbiteriano no Brasil, toda a discussão
realizada no capítulo anterior volta-se especificamente para a denominação
presbiteriana, mostrando como o estruturado modelo bipolar foi por ela intensificado. A
produção da música cúltica foi analisada segundo a sua ligação com a cultura local e a
relação com os princípios da denominação. Trabalhamos com o intuito de trazer a
construção da hinódia do presbiterianismo e as contradições inerentes relacionadas tanto
ao produto final quanto aos produtores. Basicamente, foram discutidas as duas fases do
protestantismo e do presbiterianismo no Brasil: a de inserção e de consolidação.
O quinto capítulo, intitulado A música gospel e a hinódia protestante do Brasil, trata
especificamente da produção musical do presbiterianismo a partir de uma hinódia
fixada. Assim, são discutidos os tipos de produção e as dinâmicas específicas entre os
agentes envolvidos. Neste capítulo, aparece a grande tensão na área musical do
protestantismo histórico e do presbiterianismo relacionada a um tipo de produção não
reconhecida como legítima pela denominação. Os dados históricos e as lutas desta
produção musical são traçados com o objetivo de mostrar que a música gospel é
produção do protestantismo brasileiro, porque surgiu na atividade musical
marginalizada por este. Em suma, o capítulo trata de inserir a música gospel na
discussão da hinódia presbiteriana.
A terceira parte do trabalho fecha, enfim, a discuss
ão das variáveis que aparecem no
tema: culto e tendência mercadológica gospel. Como o culto foi discutido na segunda
parte, iniciamos a análise com as discussões sobre o mercado de música gospel. A
separação é indiscutivelmente metodológica, pois mostramos a relação dialética entre as
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
26
tensões na área da hinódia e a formação deste mercado. Desse modo, dividimos esta
parte em dois capítulos. No capítulo seis, denominado O mercado de música gospel,
mostramos como se deu a formação desse mercado no Brasil e quais suas principais
características. O mercado é abordado com base nos conceitos teóricos macro-sociais
que situam a religião nas novas concepções pós-modernas e já introduzem a discussão
com as especificidades do campo brasileiro.
Apenas no sétimo capítulo, O mercado gospel e a produção musical cúltica da IPB,
inserimos o mercado gospel no campo delimitado à Igreja Presbiteriana do Brasil. Aqui,
a análise assume o auge de complexidade, porque para explicar a relação culto-
mercado, todos os elementos históricos, como a questão da negação da cultura local, e
os elementos cúlticos são apresentados na análise do presbiterianismo atual. O enfoque
baseia-se no consumo de uma produção musical específica: a adoração gospel. Este
consumo revela que as novas demandas do jovem presbiteriano não estão mais de
acordo com o que a denominação lhe oferece. A partir de então, levantamos o discurso
institucional da IPB e demonstramos a divisão do campo. Finalmente, construímos três
tipologias de modelos cúlticos presbiterianos atuais com base nas diferentes produções
na área musical cúltica: o culto tradicional-pedagógico, o entusiasta e o
contemporâneo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
27
PARTE I
REFERENCIAIS TEÓRICOS E HISTÓRICOS DA
PRODUÇÃO MUSICAL CÚLTICA
O tema do presente trabalho relaciona a produção musical religiosa com dois espaços.
No primeiro, encontramos a música inserida no contexto de culto protestante e, no
segundo, a análise enfoca o mercado de música gospel, fora das fronteiras eclesiásticas.
Assim, atualmente, a produção e reprodução musical no culto estão vinculadas à
produção e à reprodução do mercado de música gospel. Portanto, para a análise desta
relação, necessitamos de referenciais teóricos para ambos os espaços.
No primeiro momento, trabalhamos com as teorias da Sociologia da Religião que
estudam toda a dinâmica da produção religiosa no culto: agentes produtores, meios de
reprodução e consumo. Contudo, como a religião não pode ser estudada
sociologicamente fora de seu contexto social, também abordamos as teorias
sociológicas que a estudam em um universo social. Logo, trata-se de uma análise que se
inicia no culto, mas se dirige para fora dele, exatamente porque o sujeito que participa
do culto é o mesmo que convive com os novos aspectos da religião na sociedade pós-
moderna.
No segundo momento, apresentamos os referenciais em cultura e comunicação para a
compreensão do que acontece em termos de produção e consumo na música religiosa de
mercado. Neste momento, a intenção é mostrar que a produção da música gospel deve
ser analisada pelos mesmos parâmetros de outra produção musical qualquer, porque se
vale dos meios de reprodução midiáticos e mercadológicos dos bens culturais.
A partir do referencial teórico desenvolvemos uma análise histórico-social do culto
cristão. A partir da configuração protestante, traçamos os pontos primordiais da
produção, reprodução e consumo da música nesse espaço. Com isso, mostramos a
dinâmica das teorias expostas na área das Ciências da Religião e, ao mesmo tempo,
trazemos algumas categorias cúlticas que foram construídas ao longo da história do
culto cristão. As estratégias de produção e reprodução desse produto religioso
necessitam ser analisadas a partir das dificuldades encontradas pelos agentes cúlticos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
28
dessa denominação, que são trazidas aqui um uma construção histórica. O entendimento
do funcionamento cúltico do protestantismo, a partir dos referenciais teóricos expostos,
devem ser compreendidos pela luta que se desenvolveu dentro do campo religioso
cristão.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
29
CAPÍTULO 1
UM OLHAR TEÓRICO SOBRE A PRODUÇÃO MUSICAL
CÚLTICA
O culto é uma das manifestações externas da experiência religiosa, sendo, pois, um
objeto delicado. Relaciona-se tanto com a própria experiência subjetiva e individual
quanto com a experiência comunitária de vivenciar a prática comum. De fato,
entendemo-lo como espaço máximo da demonstração e da vivência religiosa coletiva
(Dolghie, 2005, p.78). Vivência religiosa coletiva parte do pressuposto de que as
manifestações do grupo são conhecidas e interpretadas por todos os que participam a
fim de que as formas de expressão manifestas naquele momento tenham um sentido
único para todos os sujeitos envolvidos. Nisso, encontramos a atribuição de sentido nos
gestos, nas danças, na música, no choro, nas falas, na contrição. São formas de
expressão com um sentido comunitário e que, por isso, ajudam a manter a experiência
religiosa.
O culto é o espaço que propicia a produção de expressões religiosas que têm sentido
para o grupo. Ao mesmo tempo, constitui-se a partir da produção de expressões que
podem torná-lo delimitado em um espaço e tempo. Ou seja, o culto define-se a partir
das próprias expressões que produz, expressões religiosas que podem ser analisadas
porque se manifestam de forma objetiva e externa ao sujeito que vive a experiência
religiosa. Só se pode realizar a análise sociológica nestas expressões objetivadas. A
produção cúltica é objeto da sociologia à medida que esta analisa objetivamente todos
os processos que constituem as produções. Isto é, a sociologia da religião não examina
apenas o tipo de produto que existe em um culto, mas também a maneira como este
produto foi elaborado, qual o sentido que adquire para o grupo e quem, de fato, é
encarregado por tal produção.
Ora, no culto cristão, a música, adquire uma das formas mais elaboradas da expressão
religiosa. A força intrínseca dessa arte proporciona, com muita facilidade, o sentido
comunitário da experiência religiosa. A música estimula corpo e mente e ativa a emoção
e a sensibilidade. O grupo que canta as mesmas canções compartilha das mesmas idéias
e sentimentos e, assim, fortalece os laços comunitários tão essenciais à sobrevivência do
próprio grupo religioso. Assim como outras formas de expressão, a música é uma
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
30
produção cúltica que, dialeticamente, ajuda a construir e definir o culto. Culto e
produção musical cúltica, portanto, são elementos inseparáveis.
Portanto, música cúltica é experiência religiosa objetivada e, apenas nos processos que
envolvem a objetivação, a sociologia pode atuar analiticamente. Desse modo, podemos
falar em uma sociologia da produção e reprodução musical cúltica que analisa todo o
contexto no qual ela acontece, o culto e as instâncias que permeiam essa atividade antes,
durante e depois de sua efetiva realização. As instâncias da atividade cúltica, por sua
vez, interagem com processos que não estão apenas relacionados ao campo religioso,
como doutrina e tendência litúrgica, mas também com outros campos sociais
principalmente, a cultura e a comunicação visto que o culto religioso é a expressão
religiosa. Para que exista expressão comunicável, o grupo religioso utiliza, mesmo sem
pensar previamente, os mecanismos culturais, comunicacionais e, logo, expressivos de
que dispõe.
Assim, passamos à análise dos aspectos tanto internos quanto externos do culto que
interagem com os processos de produção cúltica. Destarte, embora nosso interesse seja
propriamente a produção musical cúltica, todos os outros tipos de expressões religiosas
produzidas no culto passam pelo mesmo processo. Por isso, trataremos da produção
cúltica de forma geral, utilizando-nos dos referenciais da sociologia da religião.
1.1 O processo dialético das expressões cúlticas objetivadas
O culto, antes de tudo, pode ser definido como um ritual. No ritual, estão presentes os
ritos que, interligados de forma coesa e simbólica, dão sentido aos celebrantes. O rito é
a repetição gestual que traz à memória o ato fundador que o originou. Portanto, trata-se
de um movimento que se exterioriza ou a partir de algo subjetivado, a experiência
religiosa, ou pode levar a ela. Nesse sentido, dizemos que o rito é a manifestação
objetivada da religião, e, por conseguinte, o culto também o é. O culto é o espaço no
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
31
qual as experiências subjetivas da religião encontram-se de forma objetivada, ou seja,
ritualística.
Por meio do rito, o indivíduo pode ter uma experiência religiosa ou emocional naquele
momento. O que acontece? O rito foi construído a partir da experiência individual, ou é
o que permite a construção desta experiência subjetiva? Propomos uma resposta
dialética entre os movimentos de exteriorização e interiorização dos ritos, partindo do
princípio de que o ser humano constrói e é construído pela sociedade e todas as suas
formas ideológicas e institucionais.
Peter Berger (1985, pp. 15-41) mostrou esse processo dialético do ser humano com a
sociedade, identificando três divisões dessa dinâmica: exteriorização, objetivação e
interiorização. A exteriorização seria a necessidade antropológica do ser humano,
que não pode ser entendido como um ser que, primeiro, concebe, recebe informações e,
depois, expressa-se com o mundo, nem tampouco como um ser que só concebe idéias
subjetivas de modo totalmente autônomo e, logo em seguida, exterioriza-as. Berger diz
que o ser humano é, desde sempre, exteriorizante, e assim o é por uma essência
antropológica. Ou seja, já nascemos com o ímpeto de nos comunicar, expressar-nos com
o exterior. Nesse processo de interação com o que nos é exterior que o ser humano de
fato se torna humano não um movimento primeiro, mas uma imediata comunicação
com o exterior desde que nascemos. Nessa interatividade, o ser humano cria, transforma
e constrói o mundo em que vive. O fato de ser exteriorizante possibilita que atue sobre a
cultura; aliás, que a construa e recrie. Por tal motivo, a cultura consiste na totalidade
dos produtos do homem. Alguns destes são materiais, outros não (Berger, 1985, p. 19).
A exteriorização é, portanto, aquela natureza antropológica e social que permite ao ser
humano construir seus mitos e ritos, doutrinas e cultos, como formas distintas da
expressão religiosa. As idéias e as linguagens e, aqui, todos os tipos de linguagem são
importantes tais como gestos corporais, palavra e música são construídas pelo ser
humano como forma de exteriorização da religiosidade.
Quando o processo de exteriorização ocorre, o que foi exteriorizado, seja o que for,
torna-se quase autônomo do ser humano que o criou. Em outras palavras, ganha vida
própria, desvinculando-se de seu criador: é o processo de objetivação. Pensemos na lei:
os seres humanos a criam, mas, ao ser exteriorizada, assume uma força e vitalidade fora
do ser humano e age em sua direção, forçando-o a cumpri-la. A objetivação é um
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
32
processo social fortíssimo exatamente porque o que foi construído e idealizado adquire
autonomia em relação ao ser humano como se sempre tivesse existido, bem ali, sem a
presença de quem o criou. Não é difícil perceber tal processo no campo religioso: a
doutrina, exteriorizada pela capacidade humana, torna-se algo fora do ser humano e age
em sua direção, forçando a sua total incorporação. Ou seja, o que foi objetivado, o que
está externo ao indivíduo, compele um movimento de interiorização; é quando o ser
humano absorve, internaliza as idéias, expressões e criações e passa, de certa forma, a
sujeitar-se a elas. O exemplo mais tranqüilo para entender este processo é o da própria
cultura. Desde a infância, os padrões culturais e aqui se inclui, com muita força, o
padrão moral são introduzidos de forma que o comportamento individual, na
realidade, seja o comportamento esperado pelo grupo.
Portanto, se a força é criativa na exteriorização, há uma passividade necessária na
interiorização para que as coisas objetivadas sejam aprendidas e incorporadas. Sem este
processo, não haveria socialização, pois a sociedade é um dos aspectos da cultura no
qual ele se revela de forma mais forte. O ser humano constrói a sociedade e é construído
por ela; por isso, é um ser social. O movimento todo é dialético de maneira que os
processos ocorrem ao mesmo tempo numa total interação sociedade-indivíduo.
No campo religioso, ocorre o mesmo. Quando afirmamos que doutrinas e ritos são
construídos, queremos dizer que ocorrem os processos de exteriorização, objetivação e
interiorização das formas doutrinárias e ritualísticas. A grande questão, e que julgamos
essencial nesse trabalho, é entendermos que essa dinâmica é inerente à vida social do
grupo humano. Isso quer dizer que existe uma necessidade antropológica e social que
permite ao grupo construir as crenças, os ritos e as instituições religiosas. Somente
podemos assumir a postura de analisar tais elementos partindo da premissa da dialética
proposta por Berger. Ou seja, há um construto constante em direções opostas e
dependendo de várias circunstâncias um desses processos poderá ser minimizado ou
maximizado.
Focando a teorização para o culto, notaremos que os ritos que o compõem estão
objetivados e têm a função, quase premeditada, da interiorização. É como um método de
reprodução didática: o rito deve ativar um processo de memória, de lembrança da
experiência religiosa. Sem dúvida, a objetivação e a interiorização são fortes no rito,
porque ele cumpre exatamente o papel de socializar a experiência. A tendência do grupo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
33
religioso, mesmo que inconscientemente, é ativar o processo de interiorização do rito e
enfraquecer o de exteriorização. Na realidade, a religião cumpre, aqui, o que Berger
chamou de papel alienante, porque tem de ocultar do sujeito que as objetivações
doutrinárias e litúrgicas foram por ele construídas e podem, assim, ser mudadas. A doxa
não pode ser alterada sem um golpe fatal a todo o sistema religioso. Foi o próprio
Berger (1985, p.65) que mostrou a grande capacidade que a religião tem de ordenar e
nominar a anomia. A teodicéia é o maior exemplo da força ordenadora da religião, que
consegue, por meio desse recurso, dar sentido às situações limites do ser humano como
doença, sofrimento e morte.
Então, como a dialética ocorre se existe essa tendência alienante na construção da
doutrina religiosa? Independentemente do desejo do grupo, a dialética ocorre. A questão
é que ela pode ocorrer em maior ou menor grau. No caso do cristianismo, os vários
modelos cúlticos tiveram tendências mais ou menos objetivadas, mas sempre haverá,
em todo ato cúltico o princípio dialético relatado por Berger.
No caso do cristianismo, como de ouras religiões fundadas, o rito tem a função de trazer
à memória o líder religioso, do qual se originou o grupo. A objetivação do rito acontece
à medida do processo de institucionalização do movimento, e a sistematização de uma
atividade cúltica faz parte inerente desse processo. O cristianismo pode ser situado na
classificação que Joachim Wach (1990, p. 168) fez como um agrupamento
especificamente religioso. O maior critério desse tipo de grupo é o reconhecimento do
carisma religioso. Mais peculiarmente, isso se dá nas religiões fundadas, que se
desenvolvem a partir da experiência religiosa do fundador ou líder carismático. Este
líder arregimenta discípulos em torno de si, cujos sentimentos de solidariedade e
fidelidade, criam uma nova forma de organização social. Neste agrupamento, a
admissão no grupo requer o rompimento com o passado, processo chamado de
conversão à nova religião. Pode até mesmo significar um rompimento com as atividades
cotidianas, bem como mudanças nas relações sociais e religiosas antes estabelecidas. O
grupo torna-se separado do mundo, no sentido de criar para si novas maneiras de
comportamento, dirigido a partir do líder. Por tal motivo, Wach salientou o caráter
missionário desse tipo de associação religiosa que deseja arrebanhar o maior número
possível de pessoas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
34
O líder carismático, segundo Max Weber (2000b, p. 159), é tido pelo grupo como
dotado de qualidades extracotidianas e, por tal motivo, são-lhe atribuídas características
sobrenaturais ou sobre-humanas. Este líder carismático é o que provê a experiência
religiosa. Os discípulos formam o círculo mais próximo, e a força de coesão do grupo
baseia-se, no momento inicial do movimento, na força livre e autônoma do carisma.
Nesse primeiro momento, há o que Weber (1999, p. 325) chamou de carisma puro.
Em torno dos discípulos, os seguidores da nova religião começam a surgir. O grupo é
estruturado socialmente pela figura do líder a tal ponto de que seu sistema econômico
gira em torno da experiência religiosa. Weber falou sobre o caráter tipicamente
socialista desse início de associação, cujo princípio se faz pela solidariedade e amor
fraternal que unem os discípulos e seguidores em torno da figura carismática.
Com a morte do líder, o grupo sofre a ausência do provedor da experiência, que, então,
tem de ser revivida. É estabelecida uma crise imediata que marcará o surgimento de
uma nova fase do grupo, sofrendo assim, uma transformação estrutural. A unidade e
solidariedade dos discípulos e seguidores encontram-se ameaçadas, e, para a
manutenção do grupo e da experiência religiosa do fundador, acontece uma mudança
radical no carisma. A dominação pura do carisma é rompida, e, nisto, ocorre o processo
de institucionalização por meio da rotinização da experiência carismática. Segundo
Weber (1999, p. 332), as motivações para tal mudança são os interesses do grupo em
transformarem o carisma em uma propriedade permanente da vida cotidiana. Contudo,
com isso, muda-se radicalmente o seu caráter.
A sistematização doutrinária e o culto são as ferramentas mais estratégicas para que a
experiência religiosa possa cristalizar-se. Ou seja, a continuidade da experiência
religiosa se expressa nas formas doutrinárias e cúlticas, sendo o líder fundador
transformado em objeto do culto. Em geral, a sistematização inicia-se com os próprios
discípulos, que são, nessa fase do grupo, as autoridades máximas da religião pré-
concebida (Wach, 1990, p. 172). A partir desta autoridade é que ocorre a formação do
que Wach denominou de irmandade, que se desenvolve em torno de um serviço
religioso organizado, isto é, cada vez mais objetivado. A organização religiosa,
portanto, é o produto da tentativa de perpetuar a experiência religiosa carismática. Não é
difícil percebemos que, no caso do processo de institucionalização, um movimento
muito forte de interiorização tem de ser feito para que a permanência da experiência
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
35
religiosa seja garantida. Culto, doutrina e organização institucional são mais do que
nunca objetivados e interiorizados. Nas palavras de Wach (1990, p. 174):
A irmandade apresenta também desenvolvimento no sentido de
organização eclesiástica com firme crescimento de sua doutrina, culto
e organização, que acabará por transformar em organização objetiva a
que era subjetiva ou pessoal. (O grifo é nosso.)
Com a institucionalização da religião ocorre a fixação da doutrina e da prática cúltica e
surge assim a atividade sacerdotal, responsável pela manutenção da religião em todos os
seus âmbitos. Os sacerdotes tornam-se os guardiões da doutrina e o culto se torna, por
primazia, local da experiência religiosa institucionalizada. Ou seja, a própria doutrina e
a forma de organização religiosa são fixadas no culto, por meio da internalização dos
ritos objetivados. Por isso mesmo a atividade sacerdotal - clerical - se faz presente e
necessária para que o culto aconteça. Weber (2000b, p.294) mostrou essa
característica instrínsica na atividade sacerdotal. O sacerdote é funcionário da
organização religiosa e deve, portanto, manter a doutrina e ajudar na sua assimilação.
Do mesmo modo a existência de lugares de culto, em combinação com algum aparato
material de culto, pode ser considerada a característica do sacerdócio (Weber, 2000b,
p.294).
Com base nessas considerações, estudamos o culto como o resultado de um processo de
objetivação e interiorização a partir de uma religião institucionalmente estruturada. O
culto - ritual estabelecido- significa um tipo de objetivação reforçada. Ao assumirmos
isso, não estamos conferindo caráter pejorativo a tal característica; ao contrário,
acreditamos ser esta a função de todo rito e culto. Queremos sim ressaltar que existem
métodos de construção que se fazem nos dois movimentos e, ainda que a sociologia
detenha-se em aspectos mais objetivados, não ignora o processo de exteriorização, antes
o vê como parte inerente à dinâmica social da institucionalização religiosa. Assim, a
organização religiosa se torna tanto mais objetivada quanto for estruturada sua forma
doutrinária e cúltica
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
36
1.2 O culto como objeto sociológico
O culto e a doutrina são as formas de expressão da religião cristã. Geralmente e na
grande maioria das vezes, ambos são estudados pela teologia e não por meio da análise
sociológica. Isto porque, quando nos deparamos com estudos da religião, dividimos o
assunto geral religião em diversas áreas do conhecimento. Os dois grupos distintos,
segundo Wach (1990, p. 11), são a Teologia e a Ciência da Religião. O primeiro
preocupa-se em normatizar determinada fé. Seriam sistemáticas sua análise e forma de
exposição. O segundo grupo pretende entender a natureza de todas as religiões e
subdivide-se em áreas distintas tais como fenomenologia da religião, psicologia da
religião, história da religião, filosofia da religião e sociologia da religião. Nesta
última, é normal esperar que o agrupamento religioso seja estudado. Pode-se ter uma
idéia do que aqui é sugerido atentando à exposição de Wach (1990, p. 12):
Há numerosos estudos excelentes sobre a história da religião e sobre
sua natureza psicológica, e poucos estudos sistemáticos e
comparativos sobre as formas variadas de expressão da experiência
religiosa. A maioria dos estudos coloca a ênfase principal sobre
formas teóricas tais como mito, doutrina e/ou dogma. Embora estas
sejam importantes, também o é, senão ainda mais, a expressão prática
do culto e nas formas de adoração. Além da doutrina e dos ritos,
um terceiro campo de expressão religiosa que somente agora está
obtendo a devida atenção: o agrupamento religioso, a pertença e a
associação religiosas. Seu estudo individual, tipológico e comparativo
constitui o campo da sociologia da religião.
A citação separa sistematicamente três formas de expressão religiosas: o estudo das
doutrinas, da prática ritual e do agrupamento humano e, portanto, do agrupamento
social. Dentro desta separação, a Teologia privilegia o estudo das doutrinas e dos cultos
que seria a chamada práxis religiosa, enquanto as Ciências Sociais enfocam suas
análises nas organizações sociais oriundas das diferentes religiões. Nessa proposta de
separação, pode existir uma teologia que analise a prática cúltica separada de contextos
sociais específicos, ocorrendo uma análise a partir de um ponto doutrinário pré-
estabelecido. Por outro lado, sabemos que o próprio campo da teologia analisa a prática
cúltica inserindo-a em contextos sociais e culturais, utilizando-se do conhecimento das
ciências sociais. A discussão não está nas posturas teológicas que podem fazer um ou
outro tipo de análise, mas na proposta de fazer uma análise do culto que o parta da
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
37
teologia prática. Desse modo a perspectiva sociológica do culto permite verificar a
dinâmica entre os atores sociais tanto sob o aspecto prático e doutrinal quanto na relação
social dentro e fora do campo religioso.
Queremos dizer, com isso, que o culto é um local de relações humanas, realizado por
seres humanos. O que quer dizer que ele é produzido pelo grupo religioso com o fim de
adorar uma divindade específica. Tal definição sociológica permite que a expressão
prática religiosa seja entendida e analisada por essa área. Assim, tornamos a própria
definição de religião em uma definição sociológica. É, na essência, a idéia básica que
tomamos de Otto Maduro (1983, p. 31), que entende por religião:
...uma estrutura de discurso e práticas comuns a um grupo social
referentes a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou
unificadas) tidas pelos crentes como anteriores e superiores ao seu
ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa
dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados etc.) e
diante das quais se consideram obrigados a um certo comportamento
em sociedade com seus semelhantes.
A definição que tomamos de Maduro é parcial e não tem intenções de englobar todo o
fenômeno religioso. Ela é metodologicamente operacional e procura recolher e
expressar um aspecto das religiões: o aspecto de fenômeno social presente em todo fato
religioso (Maduro, 1983, p. 41). O que significa dizer fenômeno social no fato
religioso? É assumir que toda forma de expressão religiosa, tanto a teórica (doutrinária)
quanto a prática (cultual), realiza-se por meio de convenções humanas e não sagradas.
Aqui, não entramos na discussão sobre a verdade, o divino ou a fé. À parte das
considerações a respeito do fenômeno religioso, a expressão é vivenciadamente
construída entre e por seres humanos. Estamos, assim, analisando o que objetivamente é
produzido a partir da experiência religiosa, formas concretas, culturais e sociais.
Essa definição de religião tem ligação direta com o conceito de campo social,
desenvolvido por Pierre Bourdieu (1983, p.89) de que os campos se apresentam à
apreensão sincrônica como espaços estruturados de posições (...) cujas propriedades
dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independente das
características de seus ocupantes (...) O limite de um campo é determinado pelos
agentes internos, que ajudam a construir a identidade do campo. Mas, de acordo com
Bourdieu isso não é tarefa fácil, ao contrário, o campo é um espaço de luta constante. À
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
38
medida que um campo vai sendo desenhado pelas lutas interna, vai se estruturando e
adquirindo relativa autonomia em relação à outros campos. É a partir dessa dinâmica
que um campo cria suas próprias tradições e valores, nem sempre aceitos por outros. Por
isso Bourdieu (1983, p.89) afirma que exitem leis gerais sobre os campos, como por
exemplo, a luta constante, como leis específicas, próprias de cada campo, que são seus
valores internos.
Esse conceito de campo social, que tem especificidades e peculiaridades internas,
permite abordar o culto como uma produção simbólica e, portanto, cultural e social de
um grupo. Segundo Maduro (1983, p. 70), nenhuma religião opera no vácuo, ou seja,
qualquer religião, o que quer que entendamos por religião é uma realidade situada num
contexto humano específico: um espaço geográfico, um momento histórico e um meio
ambiente social, concretos e determinados. Do mesmo modo, as práticas religiosas
também estão submetidas aos mesmos elementos sociais. Daí, o culto ser uma produção
social porque é submetido às condições sociais e, inclusive, pode agir sobre tais
condições.
Em suma, o culto é uma produção socialmente objetivada de um grupo religioso que se
situa em espaço e tempo social. Mais especificamente, é uma forma objetivada e prática
de expressão religiosa que está em dinâmica constante com fatores internos ao campo
religioso sobretudo, a doutrina e fatores externos, sociais e culturais. Estes, por mais
distanciamento que tenham com o grupo religioso, aparecem nas apropriações
expressivas tais como oratória, música, arquitetura e artes em geral. a relação com a
doutrina é ponto no qual se deseja uma aproximação. até mesmo a noção de que o
culto existe a posteriori da doutrina e como forma legítima de sua expressão prática. Tal
noção, da qual o compartilhamos, ainda é verificada hoje pela grande maioria dos
cristãos, tanto leigos quanto clérigos, e serve para justificar um bloqueio às discussões
que envolvem culto e cultura.
Sociologicamente, não como verificar uma relação determinista entre culto e
doutrina. Nas religiões universais, em que se incluem o judaísmo e o cristianismo,
embora o processo institucional tenha criado mecanismos cada vez mais complexos
para a atividade cúltica, não podemos pressupor que o culto tenha existido somente após
a elaboração doutrinária. Ao contrário, a história, tanto do culto cristão quanto do
judaico, este último antecessor do primeiro, mostra que culto e doutrina foram
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
39
complexibilizando-se ao mesmo tempo. O culto javista, inclusive, mantinha grande
função moral e ética do grupo religioso, preservando a unidade doutrinária, política e
social das tribos
2
. De fato, a própria prática doutrinal, embora não estivesse restrita ao
culto, se fazia também neste espaço.
O que se pode constatar, sem dúvidas, é a inter-relação existente entre culto e doutrina
que, segundo Wach (1990, pp. 37,38) consiste na pequena subordinação do primeiro em
relação ao último. Ele escreveu que aquilo que é formulado na declaração teórica da
realiza-se em atos inspirados religiosamente. Isto não implica em uma ordem de atos,
mas na relação entre eles. Wach declarou a falácia comum de se acreditar que a teoria
é a parte mais significativa ou essencial da religião. Ao contrário, o autor acredita que
o culto seja o elemento que mantenha viva a religião (1990, p. 40).
Algumas noções sociológicas se fazem perceptíveis nessa afirmação. A primeira é que a
vivência da experiência religiosa acontece, comunitariamente, no culto, e, por isso, ele é
um importante elemento para a preservação da religião. Este é inclusive um dos pontos
mais discutidos sobre os chamados cultos televisivos, nos quais não existe a
participação comunitária, inexistindo a idéia de igreja tal como na formulação
sociológica de Emile Durkheim (1989). Embora não possamos debruçar-nos sobre o
assunto, ao menos poderíamos afirmar que, no Brasil, os cultos televisivos fomentam a
idéia da presença física.
Essa vivência comunitária tem um grande papel agregador e unificador: os membros
participantes expressam a mesma fé, tem o mesmo universo sagrado, acreditam na
mesma divindade. Os atos cultuais tendem a favorecer as relações interpessoais,
reafirmando a crença comum de todo o grupo. Em outras palavras, o sentido de pertença
é socialmente vivenciado no ato cúltico. Nas religiões nacionais, a identidade com a
nação é reforçada no momento do culto. No caso de religiões fundadas, é local para
identificações solidárias entre aqueles que escolheram pertencer a determinada religião,
ou seja, o culto cumpre papel agregador para os convertidos.
Assim, ocorre a divisão entre o espaço interno religioso e o externo o mundo , e a
ruptura é esperada para que o indivíduo seja incorporado ao novo grupo. Podemos,
2
Sobre esse assunto, indicamos a leitura da obra As Tribos de Iahweh: Uma Sociologia da Religião de
Israel liberto- 1250-1050 a.C.de Norman K. Gottwald (2004).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
40
então, concluir que o culto cristão tem a dupla função social de promover a integração
do grupo religioso e, ao mesmo tempo, excluir os que não pertencem a mesma religião.
Portanto, une e inclui o grupo religioso internamente e, ao mesmo tempo, torna-se o
espaço que delimita a separação com o mundo o espaço sagrado.
Em certa medida, podemos identificar que, quanto mais nacional for a religião, menos
força de coesão social haverá no culto. Não porque ele não tenha esta força ou
capacidade, mas porque não necessita ser o espaço para tal experiência social. nas
religiões que exigem conversão, quanto mais minoritário for o grupo em relação à
sociedade na qual está inserido, mais o culto exercerá um papel integrador sobre os
membros da religião. No caso do cristianismo, este papel pode ser muito bem percebido
pela transformação que sofreu, de grupo minoritário à religião nacional. Nessa dinâmica
inerente ao culto, constrói-se a relação deste com a sociedade e suas várias instâncias.
Se o culto integra socialmente os participantes, ele o faz de diferentes formas, e,
novamente, essa situação está relacionada com a posição do grupo religioso em relação
às condições extra-campo. O tipo de sociedade atua de forma a estabelecer padrões
sociais de comportamento que são apropriados pelo grupo religioso e constituem os
processos de socialização. Berger já nos mostrou que o ser humano é dialético em
relação à sociedade, está diante de um eterno processo dialético no qual é construído e
constrói, é alienado e ativo, e se socializa neste processo. Com isso, queremos dizer que,
por mais excludente que seja uma religião, há uma socialização com o mundo
inerente ao ser humano da qual ele não tem como fugir: pode negar a sociedade, mas
tem uma função e uma posição social dentro dela: é senhor ou escravo, pertence a um
grupo social definido, tem um grau de instrução ou conhecimento, comunica-se e situa-
se no mundo. É inevitável, portanto, que a posição social dos indivíduos influencie o
culto.
1.3 Os processos da produção religiosa
A partir da perspectiva desenvolvida, trazemos as teorizações de Pierre Bourdieu (1987,
pp. 34-57), sobre a relação das sociedades complexas com o grau de hierarquização de
uma dada religião que se dá por meio da divisão do trabalho religioso. Segundo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
41
Bourdieu, à medida que uma sociedade mantém relações mais complexas, como a
divisão social do trabalho e a divisão do trabalho intelectual, há, no campo religioso,
uma desapropriação da produção religiosa das mãos dos leigos passando para o controle
de um corpo especializado, o clero. O processo, acima de tudo, acompanha o tipo de
sociedade na qual está inserida a religião.
Ora, se o campo religioso complexibiliza-se com a sociedade, o culto sofre o mesmo
processo. Novamente nos deparamos com a doutrina e a práxis cúltica. Ambas, na
realidade, passam pela sistematização e são desapropriadas das mãos dos leigos. A
sistematização teológica é acompanhada pela sistematização cúltica e vice-versa. Nessa
hierarquização do campo religioso, as funções são pré-determinadas, e exigem-se
requisitos para exercícios religiosos específicos. Na grande maioria, os exercícios
religiosos são empreendidos no culto. Nisto, a complexibilidade dos ritos legitima um
grupo especialmente treinado para executá-los: trata-se dos especialistas da religião, ou
seja, a criação de um corpo de especialistas religiosos que está diretamente relacionada
à divisão do trabalho religioso e ao exercício da autoridade religiosa. Este grupo é
formado pelos clérigos em distinção ao grupo dos leigos.
A religião é produtora de um enorme contingente de bens intangíveis e tangíveis, que
podem ser objetivamente analisados, tais como liturgia, símbolos, vestes, discursos,
teologias, e no caso que estudamos, a música cúltica. Ao colocarmos a religião dentro
dessa perspectiva teórica, confrontamo-nos diretamente com a inclusão de categorias
analíticas tais como interesse religioso, trabalho religioso, produção religiosa,
produto religioso e consumo religioso. De imediato, relacionamos estes termos com
concepções mercadológicas e, de fato, estão. Assim, a teorização sociológica abre-se
numa discussão bem mais ampla que pode inverter a posição da própria religião e
colocá-la como produto e não produtora. De fato, ela pode ser considerada como um
produto, mas isso não lhe tira o caráter de campo social produtor de bens simbólicos.
Dentro desse contexto, segundo Bourdieu (1987) e Otto Maduro (1983) há um ponto
crucial em todo o processo da produção religiosa: o produto religioso tem de ser
efetivamente consumido para que a ideologia religiosa seja propagada. Isso significa
afirmar que a cosmovisão produzida pelos especialistas/clérigos, de acordo com a
ideologia religiosa, precisa ser recebida e incorporada pelos leigos. É a esta situação que
denominamos consumo religioso. Para que se efetue o consumo religioso, é necessário,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
42
porém, existir uma relação entre a procura religiosa ligada aos leigos e a oferta
religiosa relacionada ao produto oferecido pelo clero.
Desse modo, o corpo clerical encontra-se em uma posição de constante ajuste da
produção religiosa, delimitado de modo a não descaracterizar a ideologia religiosa da
organização. O corpo clerical precisa observar as demandas dos leigos e adaptá-las, à
medida do possível, às concepções doutrinárias da organização. , nisso, um
mecanismo que assegura a sobrevivência do grupo religioso, o que significa manter os
adeptos vinculados à igreja. Para tal, é necessário que se proporcione o mínimo de
satisfação religiosa, que nunca ocorre de forma total e sim apenas parcial, visto as sub-
divisões que existem tanto no grupo de leigos, como no clero.
Um pressuposto institucional básico para a ocorrência do consumo é que o produto seja
exposto, e que tal exposição seja garantida pela instituição e esteja totalmente sob o seu
controle. Nota-se, então, a necessidade de se criar mecanismos que garantam a
produção, reprodução e difusão dos bens religiosos. Por meio dessas instâncias, os bens
religiosos encontram uma legitimidade sobrenatural, e gera-se o tabu da contaminação,
que proíbe o consumo daquilo que não foi resultado da produção religiosa institucional.
Estas instâncias encontram seu grau de equivalência à sistematização da ideologia
religiosa e podem ser organizadas de diferentes formas.
No cristianismo, as escolas teológicas, as famílias litúrgicas medievais e o culto são
exemplos de instâncias de produção, reprodução e divulgação dos bens religiosos e,
portanto, da música cúltica. No caso das duas primeiras, trata-se de genuínos espaços de
ensino, o local do saber teológico que legitimará a distinção entre leigos e clérigos.
Nestes locais, a ideologia religiosa é ensinada de modo a formar o que Bourdieu (1983)
chamou de capital simbólico. O conhecimento separa os que detêm o capital simbólico e
são treinados e constantemente aperfeiçoados para inculcar nos leigos a cosmovisão
institucional. Contudo, embora os locais de ensino formem especialistas da religião,
também podem fazer surgir novos bens religiosos que se imponham no próprio corpo
clerical, o que está relacionado com os interesses diferenciados que podem existir nos
subgrupos do clero.
Enquanto os locais de ensino são praticamente exclusivos ao clero e, portanto, de
primazia da produção e reprodução religiosas, é no espaço do culto que o consumo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
43
religioso é realizado pelo leigo na maneira mais pura de controle institucional. No culto,
são reproduzidos os discursos teológicos, os símbolos, os sacramentos e as diversas
formas de expressão prática da vida religiosa como cânticos, orações, intercessões e
unções. É nesse terreno que o grupo de leigos consome, por meio da aceitação passiva
das práticas litúrgicas, a ideologia religiosa. É nesse espaço, portanto, que o clérigo
(sacerdote) tem de manter habilmente a satisfação religiosa dos leigos sem prejudicar a
ideologia religiosa da instituição.
Acontece que o culto também é local de produção religiosa, e isso se deve à sua
dialética com a doutrina. Podemos facilmente presumir que a leve subordinação do
culto à doutrina encontre explicação na categoria de reprodução religiosa. Esse processo
é relativamente fácil de ser verificado. Porém, como o culto não está totalmente
submisso à doutrina, surge uma tensão entre as práticas cúlticas e as expressões
doutrinárias. Existe até mesmo a possibilidade de que a prática cúltica seja desviante da
doutrina. Tal situação pode ser exemplificada a partir dos estudos de Mendonça, que, na
obra O Celeste Porvir (1995), mostrou a diferença entre a teologia oficial e a teologia
cantada do protestantismo brasileiro.
Resumidamente, o culto é local da produção e reprodução religiosa que se realiza por
meio de um trabalho religioso baseado no monopólio clerical com a finalidade de
manutenção da instituição religiosa e satisfação parcial dos leigos. No culto, estes são a
ameaça mais latente ao monopólio da produção religiosa por parte dos especialistas,
pois, por motivos de insatisfação religiosa, podem subverter a ordem organizacional e
fazer uso do trabalho religioso, produzindo, com relativa autonomia, bens religiosos
cúlticos que lhe sejam mais agradáveis e com maior eficiência simbólica. Tal questão
está intimamente ligada às demandas sócio-culturais dos leigos e ao tipo de organização
clerical especializada para o culto.
Esta teorização de Bourdieu permite uma aproximação com a atual dinâmica da
produção musical cúltica do presbiterianismo brasileiro. O bem religioso musical
cúltico, foi produzido por um grupo de especialistas, que no caso do presbiterianismo
não está limitado apenas ao clero, como veremos adiante, é e reproduzido no culto.
Acontece, porém, que ao que tudo indica esse bem não está mais ajustado aos novos
interesses religiosos dos leigos. Além disso, o culto presbiteriano no Brasil dispõe de
uma fraca organização clerical especializada em culto. Tais condições, tanto internas ao
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
44
culto, quanto externas, em termos de mudanças de interesses religiosos por parte do
leigo, colocaram o presbiterianismo em uma situação muito difícil em relação ao culto.
A partir das discussões de Bourdieu, é que a análise do culto presbiteriano brasileiro
deve ser realizada considerando-se a dinâmica da produção religiosa, os novos
interesses dos leigos e a manutenção de uma parcial satisfação religiosa destes. Ora, o
pressuposto dessa análise é que os interesses dos leigos podem mudar e por causa disso,
o conflito entre oferta e consumo se realiza.
Essa proposta analítica nos leva para fora do campo religioso, porque os interesses
religiosos dos leigos se transformam devido às suas interações e vivências em outros
campos sociais. Portanto, o que acontece em outros campos pode interferir na demanda
religiosa. Se isso acontece é porque a religião é mais um campo social doador de sentido
e não o único. É por isso que ela, inclusive, necessita dispor de bens simbólicos que
sejam eficientes para satisfazer o grupo de leigos e nisso ela disputa com outros campos
e com ela mesma. Essa situação se faz pela condição de pluralismo religioso, que
segundo Berger é o resultado do processo de secularização pelo qual passou a
sociedade.
1.4 A secularização como paradigma teórico na sociologia da religião
Gostaríamos de ressaltar dois pontos da análise que estamos desenvolvendo: (1º) a
análise da religião como campo organizado na religião de igreja e (2º) o próprio
pressuposto de estratégias institucionais para o monopólio de produção religiosa
inserido no contexto maior da secularização.
Os dois pontos levantados não estão separados, mas tão somente os ressaltamos a fim de
mostrar que não estudamos a religiosidade em nível individual, mas como as
instituições religiosas constroem as possibilidades de experiência com o sagrado e
produzem bens simbólicos que garantem a salvação. Nisso, os pontos ressaltados
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
45
encontram-se sempre unidos: o princípio de secularização, mais do que qualquer outro
paradigma, expõe a instituição religiosa como organização socialmente objetivada, que
mantém a lógica do equilíbrio entre oferta e demanda para sua sobrevivência. Nesse
caso, então, é necessário termos sempre em mente que estamos analisando a forma
institucionalizada e organizacional da religião. A questão de como manter a
sobrevivência da instituição, sem dúvida, está atrelada ao consumo da ideologia
religiosa pelos leigos. Nesse sentido, a dinâmica sempre é dialética, e compreender os
interesses dos indivíduos é imprescindível para que a instituição obtenha êxito.
Contudo, independentemente das demandas dos leigos, a lei interna das organizações
religiosas sempre obedece ao princípio de manutenção da tradição. Este é um princípio
institucional muito forte no campo religioso e que causa uma das grandes oposições
com o indivíduo que vive em constante contato com inovações tecnológicas e mudanças
abruptas dos bens de consumo. Sem dúvida, trata-se de um dos impasses que a religião
cristã, como igreja institucional, enfrenta nos dias atuais.
Não como fugir da dinâmica secular, pós-moderna, fragmentada e extremamente
veloz da sociedade atual; mas, apesar dela, a instituição-igreja tem de garantir sua
sobrevivência. O mecanismo social torna-se, portanto, similar aos mecanismos
estratégicos das instituições seculares. Pensando em termos puros, as instituições
erguem-se contra a autonomia do indivíduo e lutam para que este seja mais adaptado
possível ao sistema objetivado da vida institucional. O mesmo acontece com a
organização religiosa. Se pensarmos na liberdade total do indivíduo dentro da
instituição, estaremos acreditando em uma falácia. Para que qualquer sistema
organizacional sobreviva, é necessário, por mínimo que seja, um roubo da autonomia
individual em favor da autonomia institucional. Sem dúvida, não qualquer tipo puro
na prática: o indivíduo nunca é totalmente autônomo, nem a instituição.
Essa discussão, que aborda o campo da religião e a posição dos sujeitos neste campo,
ora pensando na organização, ora nos sujeitos, ou seja, na dinâmica dialética entre eles,
encontra-se na discussão da secularização. Na realidade, nenhuma teoria sociológica a
respeito da religião pode ignorar tal paradigma, mesmo que seja para refutação total ou
parcial de suas teorizações. Propomos, assim, analisar o paradigma da secularização
para, somente depois, situarmos as novas demandas dos sujeitos religiosos às condições
da sociedade pós-moderna.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
46
Segundo Stefano Martelli (1995), há muitas idéias a respeito das conseqüências da
secularização
3
. Ela é tratada como um fenômeno positivo de libertação do homem, pela
escola marxista, que coloca a religião como alienante. Também é considerada um
fenômeno negativo pelos que contemplam a religião como salvação da humanidade.
Além das questões valorativas, que, na realidade, partem do princípio de uma
secularização empírica, também divisões na forma metodológica de analisá-la. Para
alguns estudiosos, o fenômeno é irreversível e unilateral, ao passo que, para outros, a
secularização sofre reversibilidade, e um fato que comprova tal teoria é o cenário atual
do crescimento da religião nas diversificadas formas que hoje assume.
Há, de fato, muitas teorias sociológicas que estudam a religião na sociedade pós-
moderna a partir dos pressupostos da secularização. Mas, a despeito das variadas
tendências teóricas, Martelli (1995, p. 272) mostrou o aspecto que pareceu se consolidar
tanto na opinião pública quanto nos meios de comunicação: foi a idéia do declínio
irreversível da religião, à qual se contrapunha a ascensão irresistível da modernidade.
Esta idéia já não encontra tantos seguidores, e, atualmente, a sociologia da religião
questiona tal processo secularizante, tido como contínuo, unilateral e evolucionista,
sobre o qual falavam os teóricos modernos e que, por um positivismo acadêmico,
acabaram por impor um fim à religião por meio da secularização.
Berger (1985) é um dos estudiosos que afirma que a religião perdeu o poder de
explicação do mundo, a força de plausibilidade com o fenômeno de secularização. Em
3
O termo secularização sofreu transformações ao longo da história que o levaram a sair do aspecto
semântico para o simbólico. Embora sua origem seja jurídico-política, o termo sofreu intersecção com as
áreas da filosofia, história e sociologia e, na categoria acadêmica, acabou imbuído da pretensão de
interpretar a história ocidental da Idade Moderna. Na língua francesa do século 16, o termo indicava a
passagem de um clérigo regular ao estado laical (leigo). Posteriormente, o conceito foi empregado para
designar o processo de subtração de um território ou instituição da jurisdição e do controle eclesiástico.
Foi na época napoleônica, na Alemanha, por volta de 1800, que o termo foi ampliado, passando a indicar
a perda de direitos e bens religiosos a espoliação de direitos e propriedades da igreja. Nesse período, o
conceito ganhou sentido pejorativo em relação à igreja: o sentido de emancipação da tutela e do controle
da mesma. Foi no século 19 que houve a passagem do campo jurídico-político para o campo filosófico-
ideológico devido a vários fatores tais como o processo de afirmação político e social da burguesia, a
inspiração positivista e o número crescente das diversas associações culturais dispostas a reduzir
drasticamente a influência e controle por parte da igreja nas diversas atividades sociais. Nesse processo de
evolução do conceito para o campo filosófico e ideológico, a secularização chegou até a pós-modernidade
ligada aos processos de laicização, interpretados como autonomia em relação ao campo religioso.
Portanto, ao analisarmos os significados do termo, sempre o encontraremos associado à presença
caracterizada pelo tipo de forma e força da religião na sociedade. Desde já, pode-se perceber que a
secularização questiona a legitimidade social da religião institucional, isto é, da organização religiosa. Em
outras palavras, a secularização indaga sobre a sobrevivência da religião-igreja na sociedade atual e em
que condições se dá esta sobrevivência.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
47
suma, a religião entrou, devido à secularização, em uma crise de credibilidade. Berger
mostra como a religião antes detinha o grande poder de tornar o mundo plausível e,
portanto, ordenar e dar sentido à vida cotidiana e social do indivíduo. Este poder de
plausibilidade foi minimizado pelo processo de secularização.
Nesta teoria bergiana, encontra-se a grande e atual discussão da religião no contexto
mercadológico. Se, como já vimos, a religião produz um contingente de bens
simbólicos, também é produto oferecido no mercado para fornecer sentido e explicações
para a vida. Na lógica de Berger, há, nessa situação, uma perda de eficácia simbólica, e
a religião, porque não mantém mais o poder que tinha, tem de concorrer com outras
instâncias doadoras de sentido. Logo, Berger apresenta a situação de pluralismo
religioso comparável às situações do mercado livre. Incluídas na lógica de mercado, as
igrejas, como instituições que são, precisam criar mecanismos de sobrevivência, e a
oferta de produtos adequados é de extrema relevância para tal. A análise intensifica o
caráter organizacional da religião. Por serem instituições religiosas de monopólio, as
igrejas, embora já se valessem de estrutura burocrática, sobretudo no que se refere às
questões sacerdotais, possuem, hoje, um aparelho burocrático de tal modo desenvolvido
que as nivela entre si e com outras instituições sociais.
O que acontece, nesta religião de mercado, é que o gosto do consumidor entra na
dinâmica para a produção dos produtos. Ou seja, antes do pluralismo, devido ao forte
poder de plausibilidade, o produto não era rejeitado, mas imposto. Agora, o consumo
religioso depende da aceitação do público, indicando a necessidade de que a oferta seja
compatível com as carências leigas. Instaura-se a dinâmica do mercado na qual a
organização oferece bens, almejando que os mesmos sejam consumidos. Para que isso
aconteça, é preciso conhecer e explorar o gosto do consumidor.
Entretanto, precisamos pensar não apenas no foco do consumidor, mas também nos
acordos institucionais que a organização pode fazer para vencer a concorrência. Há uma
constante negociação entre a instituição e o leigo consumidor: a negociação precisa ser
maior, em medida proporcional, à concorrência. Nessa dinâmica, o tipo de reação das
organizações dependerá muito da ideologia e do grupo detentor do capital simbólico; o
corpo clerical é que, de fato, responsabiliza-se pela instituição, e, apenas quando faz
concessões, novos produtos podem surgir no mercado.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
48
Portanto, quando Berger (1985, p.156) classifica uma dinâmica da preferência do
consumidor, mostra que, a partir desta dinâmica, as instituições voltam-se para
conhecer as demandas. Com isso o enfraquecimento do poder da religião estaria,
exatamente na necessidade que as organizações têm, de se ajustarem às demandas.
Caso a organização religiosa ignore as demandas, Berger (1997, p. 43) mostrou que ela
seria um local de minorias cognoscitivas e teria sérios entraves para a sua
sobrevivência institucional. Podemos perceber com essa argumentação que a opção
institucional de não querer entrar em concorrência com outras igrejas pode levar a
organização à falência. Ora, nitidamente o presbiterianismo brasileiro enfrenta na
atualidade a discussão entre ser ou não uma igreja ajustada as condições impostas pelas
demandas dos sujeitos. O grande pluralismo religioso no qual está inserida essa
denominação e as mais variadas ofertas religiosas relacionadas à música-cúltica traz um
impasse para a organização. O seu dilema baseia-se nas estratégias de sobrevivência
institucional.
Esta é uma análise que, embora não identifique secularização com o fim da religião,
deixa esta em grande dilema sob o aspecto institucional. O foco está nas escolhas do
consumidor, e, portanto, a discussão torna-se institucional: organização burocrática e
preferências do consumidor. Nessa perspectiva a tese da secularização gerou a crise da
religião institucional que, por sua vez, é a crise de autonomia e poder de influenciar e
determinar a ideologia religiosa. Pode-se, assim, presumir que com estratégias
adequadas, a sobrevivência institucional da religião também não esteja fadada ao fim.
De fato, Martelli (1995, p. 294) concluiu que a secularização, para Berger, não leva ao
fim da religião institucional, mas a presença simultânea de Igrejas e grupos religiosos,
com resultados abertos e até inesperados. Com o processo de globalização, que
favorece o rápido encontro de culturas e trocas de informações, inclusive as instituições
religiosas podem assumir variadas formas para expressar novas modalidades de
experiência religiosa.
Isso explica, em parte, o surgimento, no Brasil, na última década, de novas organizações
religiosas, acomodadas com os novos desafios da pós-modernidade. Por outro lado, a
realidade brasileira, especificamente dentro do âmbito de pluralismo religioso, ou seja,
pensando-se apenas nos produtos religiosos como doadores de sentido, encontra um
problema com a teoria de Berger no que diz respeito à característica da secularização
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
49
como uma tendência de irrelevância do sobrenatural na sociedade contemporânea
(1997, p. 49). No pensamento bergiano, as igrejas produziriam, em negociação e
adaptação com as preferências leigas, produtos cada vez mais secularizados, que, na sua
concepção, teriam conteúdo cada vez menos sobrenatural (Berger, 1985, p. 157). Em
outras palavras, os consumidores, com a consciência secularizada, prefeririam os
produtos com menos explicação sobrenatural e, portanto, religiosa, do cotidiano. Mas
como explicar, então, o pluralismo de ofertas religiosas ligadas ao sobrenatural? Como
explicar, no Brasil, o crescimento de igrejas cuja procura pelo êxtase religioso é uma
das características mais fortes?
Nesse ponto, aproveitamos as contribuições de Niklas Luhmann (1990) sobre o
pluralismo religioso. Segundo o autor, a secularização caracteriza-se pela
impossibilidade de um sistema interpretativo único. Essa característica iniciou-se com o
processo de perda de poder de plausibilidade da religião, mas não ficou restrita a ela. A
ciência e a política, que, na modernidade, foram a esperança messiânica da humanidade,
também não respondem de forma totalizante aos anseios contemporâneos. Logo, se a
religião perdeu o poder de integridade, de cimento social, que, para Durkheim (1989),
consistia em sua primordial função, nenhuma esfera social conseguiu substituir tal
função totalizante. A pós-modernidade apresenta-se exatamente pela fragmentação do
todo social e da autonomia relativa dos campos. Entretanto, para Luhmann, se, por um
lado, a religião perdeu seu papel de integrar todo o sistema, mantém ainda uma função
essencial de representação simbólica e interage com todos os outros subsistemas,
oferecendo condições de interpretar e dar significado. Isto é, para Luhmann (1982) a
religião tem função interpretativa na sociedade, que, com base na complexidade do
sistema social, vai-se delimitando cada vez mais em um subsistema próprio mais
distanciado de outros subsistemas. A religião tem, assim, a capacidade de interpretação,
um valor interpretativo que não pode ser substituído por outros subsistemas; uma
reserva simbólica que somente a religião pode oferecer.
Nesse sentido, o pluralismo religioso não afetaria esta função interpretativa da religião
na sociedade, mas apenas possibilitaria a escolha entre significados diferentes. A
instituição religiosa é, portanto, quase uma necessidade organizacional a fim de que
exista a condição de gerar significados para os outros subsistemas. Por isso, Luhmann
acredita que a condição da religião na sociedade atual é a condição de religião-igreja:
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
50
somente como subsistema, a religião pode produzir generalizações simbólicas para todo
o sistema social.
Embora encontremos distanciamentos entre as concepções de Berger e Luhmann,
ambos mostram os dilemas vivenciados pela religião institucional ao ter de produzir
interpretações, com o mínimo que seja de plausibilidade, para o indivíduo ou grupo de
indivíduos contemporâneos. Em outras palavras, trata-se de analisar como a instituição
religiosa sobrevive em uma época em que não existe mais uma única explicação
plausível - antes religiosa - das crises existenciais. Se, para Berger, os produtos
religiosos se secularizariam cada vez mais, para Luhmann, a auto-referencialidade do
subsistema religioso ainda lhe permite manter produtos diferentes dos seculares.
Luhmann traz, portanto, a possibilidade de que a religião seja buscada exatamente por
oferecer bens especificamente religiosos. Com isso podemos pressupor que os sujeitos
que vão ao seu encontro tenham um envolvimento com a organização e seu tipo de
produção. Essa possibilidade é analisada, dentro do contexto mercadológico, pelo novo
Paradigma do Mercado Religioso.
Uma nova geração de sociólogos americanos liderados por Rodney Stark, George Fink
e Laurence Iannaccone que, na década de 1990, criaram uma abordagem chamada de
Paradigma do Mercado Religioso, encara esta situação do mercado a partir das
considerações de Berger, mas aponta para outras conseqüências do pluralismo religioso.
Sob este novo paradigma, as instituições religiosas são analisadas, debaixo da ótica
mercadológica, como fornecedoras de produtos para consumo religioso, atuando sob
regras específicas de competição. Na lógica competitiva, o grau de regulação ou
abertura do mercado influencia o nível de mobilização religiosa dos indivíduos. Em
outras palavras, existe uma relação direta entre o grau de regulação do mercado
religioso e os níveis de mobilização religiosa. Por sua vez, estes níveis não são apenas
determinados por demandas dos consumidores, mas também por mudanças nas
condições relacionadas às estruturas dos fornecedores (Iannaccone, 1992b; Finke e
Stark, 1992). Resumidamente, este novo paradigma coloca o olhar sobre as condições
de oferta das firmas religiosas e não nas demandas dos consumidores. As categorias
mais empregadas passam a ser: estrutura organizacional, qualificação do vendedor,
adequação do produto e técnicas de marketing. Esta teorização conclui que o êxito
religioso depende da estrutura organizacional das empresas religiosas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
51
Não aceitamos por completo que o sucesso da instituição religiosa aconteça apenas por
meio do uso correto de estratégias. Antes, acreditamos que o consumo religioso
ocorre quanto oferta e demanda se coadunam. Entretanto, este novo paradigma teórico
expõe uma análise específica das estratégias organizacionais que são de extrema
relevância para o estudo do pluralismo religioso seja entendida como um fenômeno que
pode criar o fortalecimento institucional. Na perspectiva institucional as igrejas podem,
a partir de estratégias eficientes, manter maior vínculo com seus adeptos. Para explicar
tal situação, os estudos de Finke, Stark e Iannaccone (1994) são esclarecedores, porque
apontam para um maior grau de mobilização religiosa nas condições de grande
competição do mercado. Os autores afirmam que o caráter mercadológico das
organizações religiosas não indica o enfraquecimento da religião no nível dos
indivíduos, exatamente porque a submissão é voluntária e não imposta autoritariamente.
Iannaccone (1991, 1992a), por meio de estudos históricos, mostrou que em sociedades
onde ocorre o monopólio religioso, a indiferença religiosa, por parte do indivíduo, é um
fato. Isso se deve à própria condição pós-moderna da sociedade, que não confere força
aos discursos únicos. Sobre essa questão, também Finke e Stark (1992) explicaram os
motivos do enfraquecimento da mobilização religiosa em caso de monopólio. O
primeiro é que, ao se ter uma situação de monopólio, apenas um segmento da sociedade
teria suas necessidades supridas, ou seja, boa parte dos indivíduos daquela sociedade
viveria na situação de insatisfação religiosa por não ter as demandas atendidas. O
segundo motivo estaria relacionado mais com a capacidade institucional de produzir
ofertas. Segundo os autores, o monopólio deixaria a instituição religiosa mais
preguiçosa e acomodada na produção de novos produtos. Tal quadro não condiz com o
sujeito pós-moderno, que busca, incessante e cotidianamente, novas tecnologias e
produtos. Portanto, a situação de monopólio não traz benefícios à instituição religiosa,
porque esta não se encontra em concordância com as novas perspectivas
organizacionais.
Partindo de toda essa construção, Iannaccone (1992) ressalta ainda o fenômeno da
escolha racional no pluralismo religioso, que comprova a maior mobilização dos
adeptos à instituição. Isto é, no pluralismo, há uma possibilidade de escolha por parte do
indivíduo, que adere à determinada religião depois de racionalizar seu
posicionamento pessoal frente ao posicionamento institucional. Obviamente, quando
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
52
essa racionalização acontece, a possibilidade de mobilização é muito maior devido às
afinidades, previamente verificadas, entre o indivíduo e a ideologia institucional.
Iannaccone (1988) mostrou que existe uma microeconomia do sacrifício, que seria a
verificação das variáveis lucro e sacrifício previstas na ideologia institucional. Ou
seja, toda religião tem sanções punitivas e restrições que são formuladas a partir de
doutrina, e estas são balanceadas com os lucros oferecidos, aquilo que retorna ao
sujeito. A escolha racional permite, assim, maior mobilização religiosa porque os
sujeitos podem analisar os custos e os benefícios da organização religiosa.
Neste trabalho, compartilhamos do novo paradigma na idéia de maior mobilização
religiosa em condições de competição de mercado, mas, por outro lado, não
caminhamos segundo o foco de análise na oferta como explicação para o êxito religioso.
Entendemos que o sucesso religioso não se encontra relacionado apenas a estratégias de
marketing. Também não temos uma compreensão de que apenas as demandas criam o
consumo. Ficamos na relação convergente entre a adequação do produto, e isso depende
das estruturas organizacionais às demandas dos consumidores, que exercerão mais
poder sobre as instituições quanto maior for o nível de competição do mercado. Mesmo
não seguindo na íntegra o Paradigma do Mercado Religioso, ele é fundamental para
entendermos a dinâmica organizacional das instituições religiosas e o quanto as suas
estruturas podem dar condições de adequação às demandas, criando sólidas relações de
mobilização religiosa. Desse modo, a análise das demandas é de grande importância.
Para realizá-la é preciso investigar os sujeitos dentro da sociedade contemporânea, ou
seja, da sociedade pós-moderna.
1.5 A religião e a pós-modernidade
Martelli (1995), partindo das considerações de Luhmann, propõe uma solução analítica
para a religião na sociedade pós-moderna. O autor mostra os efeitos perversos da pós-
modernidade, conclui que não se pode mais falar em secularização como um fenômeno
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
53
constante e unilinear e aponta, assim, para o fenômeno que chama de dessecularização.
Para Martelli, uma das características da sociedade atual é que nela convivem
características antigas e atuais, e, portanto, a secularização como contínua
racionalização já não é mais viável frente ao quadro crescente da religião; o autor fala
em eclipse da secularização (Martelli, 1995, p. 271).
Sem dúvida, a Europa e os EUA são os cenários sobre os quais se debruçaram estes
teóricos, incluindo Berger, para as análises sociológicas. O retorno do sagrado na
Europa, principalmente depois da década de 70, e o denominacionalismo protestante
americano foram os palcos para o desenvolvimento das teorias aqui esboçadas.
Entretanto, considerando as formas culturais híbridas favorecidas pela globalização, não
fica difícil perceber que existem demandas universalmente fragmentadas. Ou seja, a
pós-modernidade é algo presente em todo o globo ocidental, e suas conseqüências são
similares a todos os sistemas sociais embora os níveis de experiências possam
apresentar diferentes intensidades. Isso quer dizer que, mesmo com características
religiosas peculiares, as teorias sociológicas da secularização podem ser aplicadas nos
estudos sociológicos do cristianismo no Brasil. As características da sociedade pós-
moderna podem ser verificadas no cotidiano brasileiro, e, nesse caso, as instituições
religiosas do país sofrem a mesma pressão social dos países nos quais se originaram as
teorizações da secularização.
Por tal motivo, as propostas teóricas de Martelli para a análise da permanência da
instituição religiosa na atual sociedade, embora façam referência ao quadro do
catolicismo italiano, muito contribuem para que a relação religião-igreja e
secularização possa ser entendida no Brasil. Partindo do pressuposto de
descontinuidade entre modernidade e pós-modernidade, Martelli (1995, pp. 423, 424)
pontuou cinco efeitos dos fatores macro-sociológicos para o plano micro. São eles: (a) o
fim do sujeito e as modificações na concepção do saber como efeito da especialização e
fragmentação crescentes na pesquisa científica; (b) a aceleração do tempo até o hábito
da novidade técnica como efeito do crescimento autocinético; (c) a desrealização da
realidade como efeito das crescentes possibilidades comunicativas oferecidas pelas
novas tecnologias infotelemáticas; (d) hiperespaço como nova dimensão assumida pelos
espaços presentes nas megalópoles; (e) a crise do eurocentrismo e a multiplicação dos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
54
centros de história do mundo como efeito do fim da rivalidade ideológico-militar entre
Leste e Oeste.
Os pontos, considerados por Martelli como principais para uma caracterização das
condições pós-modernas, afetam toda a estrutura organizacional da religião e também a
produção de produtos religiosos. Por esse motivo, a teoria de Luhmann da religião como
sistema auto-referencial e interpretativo merece consideração ao percebermos que todos
os subsistemas criam para si uma auto-referenciabilidade que se impermeabiliza às
vontades dos sujeitos. A questão é controversa, porque, se os sistemas anulam o
sujeito, este tem condições de formar para si, em um plano subjetivo, os próprios ideais
e buscas. Porém, essa segmentação institucional pode criar um falseamento de
autonomia do sujeito. Este, na realidade, encontra-se sempre impelido a escolher entre
os produtos institucionais, e, portanto, não há autonomia total.
Essa idéia, defendida, sobretudo, pelos teóricos da pós-modernidade como David
Harvey (2005), parece-nos reducionista, mas não pode ser marginalizada ou banalizada.
A crescente autonomização e especialização dos sistemas tornaram o sujeito uma
espécie de consumidor que tem apenas a possibilidade de consumir o que lhe é
oferecido. As novas teorias comunicacionais, entretanto, mostram a possibilidade de
reação do sujeito frente às ideologias colocadas no mercado. Em outras palavras, se, por
um lado, o sistema anula os sujeitos, por outro, estes se valem da condição encontrada
na própria pós-modernidade para buscar autonomia.
O segundo ponto levantado por Martelli está associado à rapidez com que acontecem as
mudanças. O fator que propicia esse fenômeno é o desenvolvimento da técnica, que, à
todo momento, encontra novas alternativas e cria novos produtos para as situações
cotidianas. Esse movimento produz um efeito desistoricizante. A perspectiva de
constante novidade não permite um armazenamento da história: o novo é buscado
sempre.
A comunicação é o grande meio para que o terceiro ponto destacado por Martelli
aconteça: a desrealização. A comunicação em tempo real desloca e desrealiza a
experiência, porque pode ser vivenciada por meios midiáticos, tornando a realidade de
um local numa realidade de todos os que compartilham da informação. A informação
em tempo real permite a multiplicidade de visões de mundos existentes, alterando as
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
55
estruturas de decisões e as relações sociais. A desrealização pode ser notada na obra de
Guy Débord A sociedade do espetáculo (1997), que acentua essa tendência da pós-
modernidade de substituir o real por meio de imagens e símbolos, impossibilitando uma
historicização real. As imagens e símbolos produzem sentimentos simplesmente pelo
que querem dizer e não mais porque fazem referência.
Segundo Frederic Jameson (2004), a complexibilidade do sistema social contemporâneo
produziu um tipo de arquitetura que visa à descentralização do espaço tal qual a
descentralização do sujeito. Stuart Hall (2003a) mostra o sujeito pós-moderno como
fragmentado e descentrado uma vez que se identifica com várias condições culturais. Os
novos espaços permitem a fragmentação, a multiplicidade, a deslocalização e a
desrealização da realidade. As experiências fragmentadas e sobrepostas acontecem nos
mesmos espaços, que, portanto, não delimitam uma única ação ou um único sentimento
por parte do indivíduo.
Enfim, o último ponto é a multiplicação dos centros de história no mundo. Assim como
os sujeitos e espaços, a história não está mais centrada, como o era antes, na Europa.
Não existe mais o sentido evolutivo e unívoco da história; existem histórias em vários
pontos do globo e que são, devido à informação, vivenciadas de forma não-real por
todos os indivíduos. De fato, se pensarmos nessas condições macro-sociais, chegaremos
novamente às considerações de descentralização do sujeito, que se sente inserido, pela
comunicação massiva e quase instantânea, nas várias histórias e culturas.
Essas características macro-sociais, e que terão uma reprodução em vel micro, da
sociedade atual ajudam a compreender o quadro do pluralismo de instâncias doadoras
de sentido. Na presente época, tudo tende a se misturar, sobrepor e fragmentar,
causando novas sensações no indivíduo, e, nessa dinâmica, não possibilidades de se
formar uma leitura única da sociedade. Tudo acontece ao mesmo tempo, e os centros de
acontecimentos são diversos. Esta situação de possibilidades de escolha, deslocamento
das experiências e de fragmentação da identidade acontece em todos os campos da
sociedade, inclusive no religioso.
Essa constatação não tem o objetivo de banalizar o aspecto religioso, mas, ao contrário,
permite explicar que é possível existir demanda pela transcendência junto com as
racionalidades secularizantes da sociedade. Nisto, usamos a hipótese de Martelli de que
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
56
a religião flutua entre a secularização e a dessecularização na sociedade atual, porque
ambos os fenômenos podem acontecer de forma simultânea. Do mesmo modo, as
diferentes ideologias religiosas e os diferentes produtos religiosos mostram-se
coadunados com a situação de multiplicidade e fragmentação contemporâneas. Ou seja,
o pluralismo religioso indica uma perda de plausibilidade totalizante da religião, mas,
por outro lado, expõe a autonomia de um campo com reservas simbólicas ainda
religiosas, mas que não existem mais de forma absoluta e unívoca. A situação de
mercado é a situação institucional, e esse tipo de organização permite que as condições
de identificação e interpretação possam ser suficientemente estruturadas para causar
significados em situações limites da existência humana. Martelli (1995, p. 451) acentua
que a tendência da igreja inserida nesse contexto pós-moderno é de multiplicidade de
linguagens teológicas. Para o autor, esse fato o é negativo, mas constitui um fator
altamente funcional, tanto para a religião institucional como para o sistema social e os
indivíduos nele.
Tendo como hipótese a flutuação da religião entre a secularização e a dessecularização,
Martelli (1995, pp. 458-468) traçou sete cenários nos quais a religião institucional pode
encontrar legitimação para o desenvolvimento atual que alcançou. Gostaríamos de
salientar duas metáforas citadas pelo autor que servem para estudarmos o caso do
protestantismo brasileiro. São elas: a metáfora da eclesiastização do cristianismo e a
metáfora da igreja como complexibilidade.
Ao contrário do que indicavam as profecias iluministas e modernas, o cristianismo não
só não sucumbiu à racionalização, mas também continuou estruturado nos moldes
institucionais de igreja. Embora Martelli lance o olhar para o catolicismo, que usou e
usa várias estratégias adaptativas para manter o primado institucional, o termo
eclesiastização pode muito bem ser empregado pelos novos grupos religiosos cristãos
no Brasil que se valem da forte estrutura organizacional e burocrática, as igrejas
neopentecostais. O surgimento, desde os anos 90, das igrejas neopentecostais causou
alarde nos meios eclesiástico e acadêmico. O nível hierárquico da maioria das
neopentecostais é muito semelhante às hierarquias entre o clero católico, e o sentido de
sacerdócio universal da reforma protestante é minimizado pelos pastores de tais igrejas,
verdadeiros mediadores do sagrado. A teoria de Luhmann permite pensar que a força
interpretativa destas igrejas necessita de uma estrutura institucional e torna-se um
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
57
subsistema especializado. Como tal, a presença dos especialistas é vital. Sendo assim, a
autoridade eclesiástica ainda é mantida e reproduzida no campo católico, guardando-se
os limites nos movimentos neopentecostais do Brasil. A manutenção da religião-igreja
encontra convergência no aumento do grau de organização interna, a saber, a
organização burocrática-clerical.
A metáfora da igreja como complexidade coloca a instituição religiosa em um processo
de constante diálogo entre os indivíduos e as formas internas de organização. Martelli
(1995, p. 464). A complexibilidade interna ao campo religioso baseia-se em sua
capacidade interpretativa da realidade e que, constantemente, sofre questionamentos dos
leigos. Estes, fragmentados em diversos subsistemas, encontram, na religião, a
interpretação plausível para as situações limites. Todavia, o indivíduo, pela
experimentação diversificada, interage com o subsistema interno é assim que se
encontra certa autonomia. A religião institucional convive com a complexibilidade e
adapta-se a ela, respondendo as inquietações do indivíduo frustrado com os efeitos
perversos da modernidade.
A situação de complexidade é a situação empírica da religião institucional. Não mais
possibilidade de reduções, meta-narrativas, interpretações únicas e totalizantes. Na
multiplicidade de instâncias doadoras de sentido, a religião está longe de perder seu
significado de transcendência, mas lança esse tipo produto simbólico a fim de
estabelecer a diferenciação com os outros subsistemas sociais. Assim, o pluralismo de
agências simbólicas garante a diferenciação e possibilita a escolha do indivíduo. A
situação de escolha consiste na perda de poder institucional. Nesse ponto, como
salientou Berger, a religião perdeu a função de integração total da sociedade, o que não
há como, em condição pós-moderna, ser tarefa de qualquer subsistema.
Por esse motivo, não acreditamos que, pela perda do poder de integração e relativa
perda de plausibilidade, a religião ficou reduzida a meras negociações simbólicas. No
nosso entender, a situação de pluralismo delimitou, de forma clara, o que é produto
religioso do que não é e mantém uma reserva simbólica interpretativa queo é
encontrada em outros subsistemas sociais. Com isso, queremos salientar que, embora
admitamos que o pluralismo religioso coloque a religião institucional em uma lógica de
mercado, os bens procurados não são apenas secularizados, mas também religiosos, e,
muitos deles com um grau de transcendência elevado.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
58
Admitir que existem demandas leigas, burocracia organizacional, luta pelo monopólio
da produção religiosa e pluralidade de ideologias religiosas não significa subtrair da
religião seu aspecto religioso. Significa sit-la em um contexto social de pós-
modernidade, multiplicidade de subsistemas auto-referenciais, variedades de campos
sociais semi-autônomos e hipercomplexibilidade social. Implica em entender que as
necessidades humanas não conseguem serem respondidas de forma totalizante e
centrada, porque o próprio sujeito não o é. A dialética é a dinâmica imprescindível
para explicar tal movimento.
Em suma, fazer do culto um objeto sociológico é contextualizá-lo dentro desse novo
aspecto da religião na sociedade pós-moderna. O culto, como local de produção
religiosa, está sempre atrelado à igreja-instituição, que, inserida em uma sociedade
secularizada, compete com outras instâncias simbólicas. Nessa situação, a produção
religiosa cúltica para ser consumida necessita que as ansiedades dos leigos sejam
conhecidas, e, para tal, é preciso entender os contextos sociais que interagem, de forma
dialética, com os gostos e pensamentos. Ao entender os desafios humanos, entendem-se
as demandas que, em tempos atuais, podem ser mais secularizadas ou
dessecularizadas , e a produção é ajustada, dentro dos limites institucionais, para
atender às expectativas dos leigos. Nisso, o movimento retorna ao lócus interno do
campo religioso.
Nesse quadro referencial, notamos que é impossível estar situado em uma sociedade
pós-moderna e não sentir seu impacto e influência. Isso implica dizer que as expressões
religiosas são intersectadas por influências sociais e culturais. Como o objeto que nos
propomos estudar a produção musical cúltica do presbiterianismo brasileiro também
é um bem cultural, a discussão teórica precisará ser traçada, agora, sob o enfoque da
produção cultural na sociedade pós-moderna.
1.6 O mercado de música gospel: teorias da cultura e comunicação
O acesso á música gospel se deve pelos meios de comunicação massivos que tomaram
conta do globo e que, portanto, se constituem em forte característica da pós-
modernidade. A comunicação massiva possibilitou que o consumo da música, de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
59
qualquer gênero, se realize de forma rápida e instantânea, ao mesmo tempo e em
diversos locais. Pensemos então nos dois tipos de consumo: o consumo religioso da
música cúltica e o consumo cultural da música. A instituição pode evitar o consumo
cultural? Ela pode exigir que apenas o seu produto musical seja consumido? Como ela
pode garantir satisfação religiosa ao oferecer um bem que culturalmente não é mais
valorizado? Qual a sua força para isso na sociedade pós-moderna?
Como podemos ver tais questões englobam a atual situação da religião de igreja na
sociedade secularizada e pós-moderna. Nesta, o mercado de bens culturais adquiriu
tamanha força que discussões teóricas na área da cultura e da comunicação se debruçam
para analisá-lo. Partindo do pressuposto que a religião não opera no cuo e, que o
objeto religioso que analisamos é um bem cultural altamente consumido na sua versão
secular, não há como não trazermos para o presente estudo as contribuições teóricas que
auxiliem na compreensão do fenômeno de consumo cultural.
O bem cultural religioso - música gospel - não pode ser entendido fora das categorias
analíticas surgidas nos novos referenciais em estudos da cultura. Esta, por sua vez,
colocada em forma de produto e consumida por meio de serviços e bens se insere nos
estudos de comunicação. Assim, a comunicação e a cultura formam um conjunto de
categorias que se entrecruzam constantemente e a explicação do que acontece com um
campo necessita do conhecimento do outro. Por esta razão, embora as teorias
comunicacionais já existissem em solo norte-americano, antes da chamada Escola de
Frankfurt, iniciaremos nossa explanação por esta escola, pois foi a partir de seu marco
teórico que a cultura começou a ser analisada pelo viés da comunicação.
Pode-se falar em uma cultura? O que está relacionado com esse termo atualmente? Ora,
a cultura, tal como é entendida atualmente, ganhou novos significados a partir de sua
relação intrínseca com a comunicação de massa e a grande força da mídia. Essa relação
foi analisada criticamente por um grupo de estudiosos alemães, cujo período de
produção correspondeu ao período de 1920 a 1960. Os estudiosos da Escola de
Frankfurt, assim denominada pela sua localização, tinham como foco de análise a
discussão da cultura e da comunicação massiva, que se fazia presente de forma bem
forte por toda a Europa, nas propagandas de guerra. Segundo Clóvis Barros Filho e Luís
Mauro Sá Martino (2003, p.191) a condição social da época de avanço do capitalismo e
a ascensão de regimes totalitários, junto com o crescimento da comunicação social,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
60
refletiu de modo negativo nos pensadores frankfurtianos, que analisaram o fenômeno
comunicacional que se estabelecia, segundo uma postura ideológica de combate. Dessa
forma, a preocupação inicial desses pensadores foi denunciar os aspectos negativos da
alegada expansão cultural provocada com o avanço das comunicações.
Os frankfurtianos tinham a preocupação principal foi denunciar os aspectos negativos e
ideológicos da expansão cultural, utilizando-se de bases teóricas marxistas combinadas
ao idealismo estético de Hegel. Essa concepção estética levou o grupo a fazer a
distinção entre a alta cultura e a cultura popular, temendo que a primeira ficasse
destituída de seus valores ao ser veiculada pela comunicação em massa. Assim, a Escola
de Frankfurt temia a destituição dos valores da alta cultura e, ao mesmo tempo, fazia
severas críticas à alienação das massas frente aos novos processos de comunicação que
se estabeleciam. Como parte desata análise de distinção, surgiu um das maiores
contribuições dessa Escola, o conceito de Indústria Cultural, amplamente usado por
Theodor Adorno e Max Horkheimer. Para esses teóricos o avanço do capitalismo
apropriou-se de produções de bens, não só concretos, mas culturais. A cultura, por meio
da grande difusão da comunicação em massa, teria se tornado um produto dessa
Indústria.
Além de conferir a distinção entre cultura erudita e popular, a Escola de Frankfurt via na
comunicação de grande alcance uma forma de manipulação, cujo único objetivo era a
manipulação das massas na obtenção dos bens culturais ditados pelo mercado. Dessa
forma, os meios de comunicação nada mais seriam, senão ferramentas de manipulação
para a manutenção do domínio capitalista, que se fazia pela ostensiva divulgação dos
bens simbólicos da classe dominante. Nessa visão marxista, o receptor era praticamente
anulado diante do poder da comunicação de massa e das regras do mercado de bens
culturais. Disto, essa tendência teórica resultou em um extremo pessimismo frente às
novas formas de comunicação e à cultura, de forma geral. Para Adorno e Horkheimer
(1995) tanto a cultura erudita como a popular perderiam seu valor ao serem adaptadas
pela indústria cultural que visava o consumo de massa. O conceito de cultura passa,
então, a ser entendido a partir dos processos de comunicação e como um produto, como
um resultado, sempre manipulado ideologicamente pela classe dominante.
Dois grandes problemas surgem desse referencial: o primeiro é a condição totalmente
passiva do consumidor/receptor, que denota o movimento determinista de ação. O
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
61
segundo relaciona-se à compreensão de cultura como um produto fechado, pronto, que
pode ser descartado ou consumido. Nas palavras de Adorno e Horkheimer (1995, p.128)
só há duas opções possíveis na Indústria Cultural: participar ou omitir-se. Nessa
perspectiva, a cultura é estática diante das forças produtoras e não faz parte de um
processo dinâmico da vida social.
Foi a partir das teorizações do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) que os
fenômenos culturais e comunicacionais passaram a ser analisados como processos
sociais em si mesmos, desvinculando-se do conceito marxista de super-estrutura. Essa
Escola foi denominada de Estudos Culturais, cujos pesquisadores faziam parte da
Universidade de Birminghan, na Inglaterra. Seu período de maior produção situa-se na
década de 1970, mas desde os anos 50 o novo modelo começava a se formar. Stuart Hall
(2003b, p.131) no início de sua explicação sobre os Estudos Culturais, revelou a
necessidade de rupturas e renovações, com uma clara alusão do papel desempenhado
pelo CCCS:
No trabalho intelectual sério e critico não existem inícios absolutos e
poucas são as continuidades inquebrantadas. Não basta o interminável
desdobramento da tradição, tão caro à historia das idéias, nem
tampouco o absolutismo da ruptura epistemológica, pontuando o
pensamento em suas partes certas e falsas (...) Ao invés disso, o que se
percebe é um desenvolvimento desordenado, porém irregular. O que
importa são as rupturas significativas em que velhas correntes de
pensamentos são rompidas, velhas constelações deslocadas, e
elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama
de premissas e temas. Mudanças em uma problemática transformam
significativamente a natureza das questões propostas, as formas como
são propostas e a maneira como podem ser adequadamente
respondidas.
Dentro desse contexto, na união de dois paradigmas teóricos, estruturalismo e
culturalismo, é que os Estudos Culturais inovaram e passaram a estudar cultura como
um campo em constante modificação e interação com os outros. Hall (2003b, p.157)
mostrou que os Estudos Culturais partiram dos melhores elementos dos paradigmas
culturalistas e estruturalistas, através de alguns conceitos elaborados por Gramsci....
Essa postura permite que a cultura e a ideologia sejam estudadas de modo articulado e
não excludente, proposta central do CCCS.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
62
Uma categoria de Gramsci muito usada pelos Estudos Culturais foi a de hegemonia.
Esse termo foi aplicado à sociologia da cultura por Williams em Marxismo e literatura
(1979). O foco da análise está na constante tensão na luta pelos modos de vida (no
plural) e, contrariando uma visão estruturalista, enfatiza atividade humana e
constitutiva. Por isso o receptor ganha um papel ativo no processo cultural. Willians
rompeu com uma tradição reducionista do marxismo, colocando a cultura como algo
dentro da sociedade, possibilitando assim, o seu estudo com outros campos sociais.
Dessa forma, o conceito de cultura não é mais o de superestrutura, como simples reflexo
das condições e mediações econômicas. Os produtos culturais não são reduzidos pela
imposição econômica, mas, são resultados de relações sociais complexas entre os
receptores e com a própria indústria cultural, também numa perspectiva dialética. Daí o
status que ganha o receptor, não mais sendo encarado como simples instrumento de
manipulação da cultura dominante. Em Williams o receptor tem um papel ativo no
processo cultural (1979, p.113):
O conceito de hegemonia (...) é diferente em sua rejeição do
equacionamento da consciência com o sistema formal articulado que
pode ser, e habitualmente é, abstraído como ideologia. Não exclui, é
claro, os significados, valores e crenças formais e articulados, que
uma classe dominante desenvolve e propaga. Mas (...) não reduz a
consciência a eles. Vê, ao contrário, as relações de dominação e
subordinação como efeito de saturação de todo o processo de vida (...)
A hegemonia é, então, o apenas o vel articulado de ideologia,
nem são suas formas de controle apenas a vistas habitualmente como
manipulação ou doutrinação. É todo um conjunto de práticas e
expectativas sobre a totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição
de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo.
A noção de hegemonia cultural torna a análise da comunicação mais complexa, menos
reducionista e possibilita que as interações agente-agente e agente-meio possam existir.
O conceito de hegemonia se faz eficiente na discussão do mercado cultural, porque não
nega o caráter ideológico da cultura dominante, mas permite a análise da resistência por
parte do receptor. Esse é um grande marco teórico porque, não sendo determinista,
analisa as situações sociais reais e não abstraídas com a comunicação.
Partindo desse pressuposto, ao analisar o mercado de música gospel, seria muito
reducionista e simplista afirmar que os meios de comunicação que veiculam suas
programações, criariam, sem motivos nenhum, um desejo artificial a um determinado
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
63
grupo social. Se assim entendêssemos a força da mídia negaríamos as necessidades reais
e legítimas das pessoas, que podem, sem dúvida, serem distorcidas pela indústria
cultural, mas não podem por ela, serem anuladas.
Em suma, a concepção de hegemonia cultural não tira o caráter dominante da
comunicação, a sua força na manipulação, mas incorpora as condições do receptor e
mostra que, dependendo dos contextos, ele pode reagir de diferentes formas. Esse olhar
teórico desvia o foco da análise, o tira dos processos de produção e o coloca nos
processos de consumo, ou, pensando-se no campo da comunicação, nos processos de
recepção, o que foi feito por Stuart Hall (2003b, pp.387-404), quando criou o modelo de
análise codificação/decodificação. Hall afirma que o signo não está preso a um
significado. Nisto a mensagem é emancipadora, porque escapa de um controle total de
interpretação. Isso quer dizer que existem outras leituras possíveis para uma mesma
mensagem, e nisto encontramos possibilidades distintas da decodificação, que por sua
vez, implica em um papel ativo do receptor na mídia.
As possibilidades de decodificação são colocadas como posições ideais típicas e são: (1)
posição hegemônica dominante, quando a leitura preferencial é totalmente apropriada
pelo receptor e assim ele se mantém dentro do código dominante; (2) código negociado,
que traz a possibilidade de posições diversas que questionam em parte a mensagem, e,
portanto, não realizam a leitura preferencial; (3) código de oposição, quando o que era
normalmente lido de maneira negociada começa a ter um caráter contestatário. Neste
último caso se trava de uma política de significação, a luta no discurso.
Ao colocar as três possibilidades de decodificação, Hall mostra, nos dois últimos
processos, uma dinâmica de tensão e luta. De fato, o foco na possibilidade das
resistências às manipulações e imposições culturais/comunicacionais é a questão chave
da grande teorização de Hall. Embora o modelo codificação/decodificação seja
estabelecido por meio de um estudo de audiência e, portanto, relacionado ao discurso
televisivo, ele pode ser aplicado de forma extensiva, tanto em perspectivas macro-
sociais como micro-institucionais. Insere-se nessa possibilidade de análise tanto os
discursos institucionais, como os meios massivos de propagação e difusão de culturas
dominantes. Em ambos os casos o que se tem é uma intenção, por parte do produtor, de
que a mensagem tenha um significado desejado. Sobre essa possibilidade de reações
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
64
distintas é que analisamos o fenômeno do mercado de música gospel. Embora a mídia
especializada colabore muito para o consumo, ela não o determina.
Na mesma direção, Jesús Martin-Barbero, inicia na década de 1980 essa linha de análise
comunicacional na América Latina. A sua busca para entender o comportamento do
consumidor é a compreensão das mediações e o dos meios. A mediação seria todo o
espaço social, e as outras formas de comunicação que se colocam entre a mensagem e o
receptor. Há inúmeros elementos e expressões cotidianas que se fazem presentes, como
crenças, anseios, dificuldades e que são fatores importantes para a compreensão da
mensagem. Ou seja, se o receptor tem um papel ativo na decodificação, esta se realiza
de uma forma ou de outra, em detrimento de várias condições sociais, culturais,
políticas e até religiosas.
Martin-Barbero (2003, p.281) propõe mudar o foco da análise dos meios para as
mediações para estudarmos exatamente o que durante muito tempo ficou incógnita - a
distância entre as ofertas da indústria e os modos de apropriação e conduta. Ele destacou
a apropriação das mensagens com bases nas relações de poder e nas produções de
sentido, vinculadas às condições sociais. Segundo Barbero (2003, p.292):
Se ao modelo semiótico, à analise centrada em mensagens e códigos,
faltou um arsenal de conceitos capaz de abarcar o campo e demarca-lo
sem amálgamas, a delimitação operada pelo modelo informacional
deixou de fora coisas demais. Não somente a questão do sentido, mas
também a do poder. Fica de fora toda a gama de perguntas que vêm da
informação como o processo de comportamento coletivo. Fica de fora
o conflito de interesses em jogo na luta por produzir, acumular ou
vincular informações e, por conseguinte, os problemas da
desinformação e do controle.
As condições sociais do receptor são, portanto, para análise de Martin-Barbero, a
condição que perpassa a re-ação deste à mensagem. Não se trata apenas de isolar o
momento da decodificação, da recepção, mas inserir este momento em um conjunto de
dados e informações que possibilitem analisar quais as condições sociais para que uma
mensagem seja entendida de um ou outro modo. Nitidamente o poder e suas formas
aparecem também na recepção e não no momento de produção. O poder aparece na
tentativa de organização das culturas. Os processos de comunicação, portanto, são
recebidos e sofrem interações por condições culturais específicas de grupos nos quais os
indivíduos se situam.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
65
O estudo da cultura, por sua vez, mostra que algo novo está acontecendo, a
possibilidade de rebeldia e resistência. Por isso Martin-Barbero (2003, p.297) ao
constatar que o cultural mostra novas dimensões do conflito social, afirma a necessidade
de pensar os processos de comunicação a partir da cultura, e não das disciplinas e
meios. Para o autor isso significa romper com a redução da problemática da
comunicação com as condições das tecnologias. Assim, Martin-Barbero (2003, p.299)
mostra como os processos que conferem significados - os culturais - são importantes
mediadores para a análise da comunicação:
Abre-se assim ao debate um novo horizonte de problemas, no qual
estão redefinidos os sentidos tanto da cultura quanto da política, e do
qual a problemática da comunicação não participa apenas a título
quantitativo os enormes interesses econômicos que movem as
empresas de comunicação- mas também qualitativo: na redefinição de
cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza comunicativa.
Isto é, seu caráter de processo produtor de significações e não de mera
circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um
simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem,
mas também um produtor.
Ao referir-se às relações políticas, Martin-Barbero fala de relações de poder e o coloca
nas batalhas travadas no campo econômico e no terreno do simbólico (2003, p.296).
Nisto a aproximação com Pierre Bourdieu (1987; 2000) é nítida e permite entender a
apropriação cultural e simbólica com o jogo de interesse e poder. O processo de
consumo simbólico, que é considerado o lugar de uma luta, o se restringe à posse
dos objetos, mas à discussão dos usos que lhes conferem forma social e nos quais estão
inseridas as demandas. A luta é contra as formas de poder que reprimem a apropriação
dos bens e determinam aqueles que devem ser consumidos.
Como podemos verificar, Martin-Barbero, busca uma compreensão das mediações que
nas quais estão situados os sujeitos que possibilitam os arranjos significativos dos bens
consumidos. Assim, o consumo de um bem simbólico não é analisado só na perspectiva
do poder relacionado à produção, mas na ótica do consumidor, que trava a luta pela
apropriação desse bem. Novamente as mediações, como condições sociais, darão o
ritmo de tal luta que estará diretamente ligada com as demandas reprimidas e os
dispositivos de ação do grupo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
66
Desse modo, o consumo de música gospel pelos jovens do protestantismo histórico tem
que ser analisado não apenas como uma condição de consumo cultural massivo e
hegemônico. Esse consumo pode significar que novas leituras simbólicas estão sendo
realizadas nesse campo, não mais comandadas pelos detentores da produção religiosa
oficial. Assim, internamente ao campo, e esse seria a mediação, o consumo de música
gospel pode significar uma luta no terreno simbólico, onde ocorre a desapropriação dos
antigos valores da hinódia tradicional e novos são inseridos.
A apropriação de alguns elementos pode ser entendida como uma apropriação
subversiva, que não apenas faz uso, mas que faz a adaptação do elemento e, deste modo,
pode rearticular de outra forma o significado simbólico. Os novos, na realidade são
tomados como novos, porque necessariamente não precisam apresentar nada de novo,
apenas são revestidos de novas significações desejadas. Portanto, não é o tipo de música
que importa no consumo, é a atribuição de significado que interessa. Para compreender
o consumo de música gospel não basta pontuar os estilos musicais e até teológicos de tal
produção, é preciso existir uma preocupação em perceber as motivações
comportamentais que levam ao consumo. O foco não está no produto, mas no sujeito e
nas mediações.
Não como fugir, quando falamos em hegemonia cultural, de duas concepções
bastante usadas, de forma quase apologética, e que são interligadas pelo sentido
ideológico que carregam: cultura popular e cultura nacional. O primeiro termo, de forma
geral, se encontra associado ao segundo nas análises puristas dos folcloristas que,
obviamente, lutam pela preservação de uma identidade folclórica, que por sua vez está
quase sempre ligada ao espaço rural.
Hall (2003b, pp. 246-263), afirmou que cultura popular é o terreno onde as
transformações o operadas (2003, p.249). Com isso Hall mostra que a cultura
popular sofre transformações continuamente, ou seja, sofre o processo de incorporação
de novos elementos, que passam a ser considerados como populares. Pelo mesmo
processo pode existir a resistência à incorporação de elementos estranhos, como a
contenção, de não se deixar substituir elementos específicos já existentes. O que se pode
ver na história é uma constante renovação/transformação da cultura popular.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
67
Inseridos em um contexto de revolução tecnológica, que redimensionou as formas de
comunicação, seria impossível discutir cultura popular sem considerar a monopolização
das indústrias culturais na produção dos bens culturais, e que se utilizam da
comunicação para estender seu domínio. Portanto, é necessário entender a cultura
popular na sua dinâmica com a indústria cultural, ou seja, nas relações das classes
populares com as instituições da produção cultural dominante.
Mas, se a análise de Hall parte da observação das transformações na cultura popular,
que estão atreladas às condições de uma força dominante, cabe a indagação do que o
autor considera por popular. Nesse ponto é que sua proposta se completa. A própria
definição de popular está atrelada á condição de luta. De forma geral, o popular esta
ligado à uma classe ou à classes específicas as classes dos trabalhadores, mas o termo
é usado como um campo de observação, onde quase sempre se esquece a associação à
classe. Para entendermos essa problemática, traremos as palavras de Hall (2003b,
p.262):
O termo popular guarda relações muito complexas com o termo
classe(...) Falamos de formas específicas de cultura das classes
trabalhadoras, mas utilizamos o termo mais inclusivo, cultura
popular para nos referimos ao campo geral de investigação. É obvio
que o que digo aqui faria pouco sentido sem uma referência a uma
perspectiva de classe ou à luta de classe. Mas também é obvio que
não existe uma relação direta entre uma luta classe e uma forma ou
prática de cultura particular. Os termos classe e popular estão
profundamente relacionados entre si, mas não o absolutamente
intercambiáveis. A razão disso é evidente. Não existem culturas
inteiramente isoladas e paradigmaticamente fixadas, numa relação de
determinismo histórico, a classes inteiras (...) as culturas de classes
tendem a se entrecruzar e a se sobrepor num mesmo campo de luta. O
termo popular indica esse relacionamento um tanto deslocado
entre a cultura e as classes. ( grifo é nosso)
Assim, quando utilizamos o termo popular a diferenciação se faz entre os que detêm e
os que não detêm o poder; nas palavras de Hall as forças populares versus o bloco de
poder. Essas forças populares não são encontradas apenas em uma classe específica,
antes suas práticas são intercambiadas constantemente. Hall, ao conceber que o
popular é o próprio campo onde as batalhas se travam, desconstrói algumas
concepções de cultura popular, que gostaríamos de trazer aqui, porque de certa forma,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
68
tais concepções interferem nos discursos mais comuns sobre o consumo de música
gospel.
O primeiro significado criticado por Hall é aquele que relaciona popular com a
definição comercial de mercado. Isto é, se diz que algo é popular quando é intensamente
consumido pelas massas. Essa noção está diretamente ligada à teoria de Frankfurt, que
coloca o povo debaixo de total manipulação dos meios de comunicação e associa
popular à massa. Hall faz duas restrições a essa concepção. A primeira está relacionada
com o que acabamos de dizer: o autor não acredita em total passividade de todos os
sujeitos e grupos sociais em relação à dominação cultural e comunicacional. Segundo
ele, para que isso pudesse acontecer, as massas deveriam viver em um estado total de
falsa consciência, termo esse, aliás, muito questionado por Hall em outros estudos.Tal
fato nos levaria para uma análise determinista.
Outra restrição ao significado de popular ligado ao consumo, se faz na contra-posição,
implícita nessa concepção, da existência de uma cultura livre e autônoma das forças
dominantes.Esta seria a cultura íntegra e autêntica da classe trabalhadora esse último
termo inclusive, é questionado por Hall, por não trazer uma concepção única de
significado! Hall (2003, p.254) é enfático ao opor-se a essa idéia e declara: Quero
afirmar o contrário, que não existe uma cultura popular íntegra, autêntica e autônoma,
situada fora do campo de força das relações de poder e de dominação culturais e,
complementa sua crítica: o estudo da cultura popular fica se deslocando entre esse dois
pólos inaceitáveis: da autonomia pura ou do total encapsulamento.
No mesmo sentido, Jesus Martin-Barbero (2003, p.321) critica as análises culturais que
tentam criar uma idéia de popular desvinculada das forças que operam sobre esse
campo:
Continuar pensando o massivo como algo puramente exterior ao
popular(...) só é possível hoje, a partir de duas posições. Ou a partir
das posições dos folcloristas, cuja missão é preservar o autêntico, cujo
paradigma continua a ser o rural e para os quais toda mudança é
desagregação, isto é deformação de uma forma voltada para a sua
pureza original. Ou a partir de uma concepção de dominação social
que não pode pensar o que produzem as classes populares senão em
termos de reação às induções da classe dominante. O que essa duas
posições poupam é a história: sua opacidade, sua ambigüidade e a luta
pela constituição de um sentido que essa ambigüidade recobre e
alimenta.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
69
A segunda concepção de popular, que trazemos para a análise, é descritiva e se refere
a todas as coisas que o povo faz. Seria o que definiria seu modo característico de vida.
Hall critica o teor simplista e abrangente dessa concepção, que não mostra e nem
discute as possíveis apropriações e exclusões do popular. Ou seja, essa noção não faz
uma distinção analítica de como as práticas chegaram a ser consideradas populares. Para
isso seria preciso analisar tais práticas e suas relações com forças e poderes externos,
que na realidade, detêm o poder de dizer o que é ou não popular.
A terceira forma de conceber cultura popular é a compartilhada por Hall. Essa definição
considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas
condições sócias e materiais das classes específicas (2003b, p.257). Essa definição tem
um caráter descritivo, mas inclui as relações sociais nas práticas específicas. Com isso o
essencial da análise fica focado na tensão dialética entre cultura popular e cultura
dominante. Nesse prisma, o importante não é discutir as práticas enquanto tais, ou seja,
nos seus conteúdos, mas nas relações de força e de subordinação; em outras palavras, na
relação entre a cultura e a hegemonia.Tal compreensão da cultura permite analisar as
mudanças de conteúdos das práticas, a partir do poder e da luta. Ou seja, um trânsito
entre a cultura popular e dominante. Elementos podem ser rebaixados e migrarem para o
lado popular, ou outros podem alcançar um valor dominante e irem para o outro lado.
Isso se dá por meio da luta cultural. Segundo Hall (2003b, p.259) essa luta pode assumir
diversas formas: incorporação, distorção, resistência, negociação ou recuperação.
Como o movimento é dialético, nunca vitória definitiva. As rupturas de hoje podem
se tornar valores dominantes de amanhã, instituídos pelo novo poder dominante. Nisso
Hall conclui que é equivocado o pressuposto de se buscar as origens das formas
culturais populares. Não existe um princípio puro, porque a luta e as trocas sempre
existiram. A cultura popular é sempre o campo de tensão, o local onde a batalha cultural
acontece.
A mesma concepção do popular aparece em Martin-Barbero (2003, p.278), que propõe
uma nova categoria para fugir do paradigma folclorista do rural, a de popular urbano.
Analisando a cultura popular na América Latina, Martin-Barbero mostrou que começa
a surgir uma nova percepção sobre o popular como trama, entrelaçamento de
submissões e resistências, impugnações e cumplicidades.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
70
Essa concepção de luta no campo cultural nos remete às considerações de Pierre
Bourdieu (2000) que repousam sobre as lutas simbólicas travadas entre as classes nesse
campo. Bourdieu mostra que o campo cultural, parcialmente autônomo, tem os
especialistas que produzem a cultura. Esta está sempre relacionada com a classe e dessa
forma se constrói o capital cultural de um grupo. A própria noção de classe social é
construída a partir do acúmulo dos determinados capitais. Todos os tipos de capitais, a
saber, o econômico, o social, o cultural e o simbólico estão em constante interação entre
si. Falar, portanto, de cultura dominante, é falar de classe dominante, não no sentido
econômico, mas no sentido de que é essa classe que detém o poder de dizer o que bom
ou ruim, feio ou belo. Ou seja, a cultura dominante tem o poder de impor um padrão de
gosto.
Os gostos (2000) funcionam simultaneamente como fatores de integração, mostrando a
pertença a uma classe social. Portanto o gosto agrega e exclui. Ele mostra quem
pertence à classe e quem não faz parte dela. A cultura dominante tende sempre a impor
um padrão de gosto como legítimo, enquanto desqualifica os outros. O que Bourdieu
mostra é que, tanto a baixa burguesia, quanto a burguesia em ascensão, procurará
incorporar os gostos da cultura dominante. Essa classe mediana, portanto, tenta imitar
os processos culturais e coptar para si o que é legitimado pelos dominantes.
Bourdieu insere essa discussão baseado na hierarquização dos bens culturais. É o que
permite hoje distinguir a música erudita dos outros estilos que não cabem nesse
conceito. Ou seja, há uma classe nobre de bens culturais, tais como música clássica,
pintura, escultura, literatura e teatro, bem como esportes mais finos e requintados como
o golfe. Em abaixamento hierárquico, existem os bens e as práticas culturais menos
nobres como cinema, jazz, fotografia, pequenos romances, história em quadrinhos e
futebol. A partir dessa separação, existem outros níveis de distinção. No meio da música
clássica, por exemplo, pode se notar um gosto popular (Pour Elise de Beethoven),
médio (Rhapsody in Blue), ou um gosto totalmente distinto (O cravo bem temperado de
Bach).
Essa distin
ção pelo gosto é construída a partir do acúmulo dos capitais adquiridos pelas
classes sociais e pelo hábitus cultural. Os gostos são facilmente incorporados pelo
hábitus que segundo Bourdieu (2000, p.477) formam classificações originárias e
orientam as práticas, por menores que sejam. Esse hábitus portanto, esconde que
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
71
existem dispositivos que constroem um gosto como legítimo. Esse é o poder do hábitus:
a repetição automática de valores pré-concebidos e considerados como certos. Por isso
Bourdieu (2000, p.477) declara que o gosto é uma disposição adquirida, para
diferenciar e apreciar’”. A mudança de gosto em um determinado grupo significa
então, que houve uma luta entre antigos hábitus e a incorporação de novos. Surgem
novas disposições de apreciação com novos julgamentos, contudo isso não acontece
sem um profundo conflito entre as forças
Se a cultura popular não pode ser entendida como algo puro e que delimitaria uma
condição autônoma de práticas de classes sociais, de igual modo, a cultura nacional não
pode ser entendida como uma cultura totalmente autônoma. Novamente o grande marco
teórico para discutirmos essa questão foi desenvolvido por Stuart Hall. Como vimos, a
autenticidade e autonomia de uma cultura são traços impossíveis de serem assinalados,
ao trazermos em mente as relações de troca entre culturas. Sem dúvida, a troca sempre
existiu, mais a novidade se encontra na ampliação dessa possibilidade pelos dispositivos
comunicacionais da atualidade.
Se recortarmos apenas o presente momento, ficaria, em certo sentido, fácil compreender
que as culturas nacionais já não se encontram em sua forma pura. Entretanto, a analise
se Hall (2003b, p. 25) mostra que a mistura de culturas diferentes é mais antiga do que
parece, o que torna a busca de uma autenticidade nacional um problema que geralmente
leva à equívocos. Em que lugar estaria a cultura pura, que não sofreu nenhum processo
de assimilação ou resistência? Partindo do fenômeno diaspórico, Hall mostra como a
busca a autenticidade pode se perder em muitos caminhos. Tal concepção de identidade
nacional, porque se relaciona com hereditariedade e local, esta construída sobre o
pressuposto de pureza étnica
4
, o que para Hall se constitui em um mito.
4
O problema da pureza étnica foi analisado por Weber (2000b. p269) quando ele estudou o
nascimento da idéia de coletividade étnica. Segundo o autor, a idéia de etnicidade pura é construída
socialmente, por diversos motivos dependentes de condições específicas. Geralmente essa crença na
afinidade sanguínea de origem pode ter força para construir uma comunidade. Weber mostrou o quanto a
lembrança de uma colonização, ou de emigrações individuais, pode ser importante fator para a busca de
uma legitimação da unidade étnica. As diferenças com outros grupos o fundamentais para a construção
do sentimento de unidade porque o sentido de identidade se faz na relação interna e externa. Dessa forma,
alguns elementos são repudiados pelo grupo e esses elementos são relacionados a outros povos
enquanto os elementos internos tornam-se motivos de honra e dignidade. Uma série de proibições é
constatada, como no caso da proibição do casamento entre povos diferentes, baseando-se na pureza
étnica. Para Weber não importa se, de fato, existe ou não a comunidade de sangue, o importante é que o
grupo assim se identifique. A idéia da comunidade étnica cria força política para o grupo e as relações
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
72
Segundo Hall (2003b, p.29):
Possuir uma identidade cultural, nesse sentido é estar primordialmente
em contato com um núcleo imutável e atemporal, ligando ao passado
o futuro e o presente numa linha ininterrupta. Esse cordão umbilical é
o que chamamos de tradição, cujo o teste é o de sua fidelidade às
origens, sua presença consciente diante de si mesma, sua
autenticidade. É, claro, um mito com todo o potencial real dos
nossos mitos dominantes de moldar nossos imaginários, influenciar
nossas ações, conferir significado às nossas vidas e dar sentido à nossa
historia.
Ao pressupor uma origem cultural imprecisa e deslocada, Hall mostra a experiência
específica do Caribe a qual transportamos para o Brasil. Se, de fato a pureza étnica é um
mito, ele constrói significações tão fortes, que permitem ao grupo encontrar uma
unidade na diversidade. Nesse sentido é que entendemos a tão aclamada busca de uma
identidade nacional brasileira, cuja origem já é miscigenada, hibrida.
Martin-Barbero (2003, p.271) analisou a questão da mestiçagem na América Latina que
necessita ser reconhecida não como algo que aconteceu no passado, mas que está
presente no cotidiano, que é àquilo mesmo que nos constitui, que não é só um fato
social e sim razão de ser, tecido de temporalidades e espaços, memórias e
imaginários.... Em um espaço tão miscigenado, o etnocentrismo aparece com força nos
discursos ideológicos, como uma tentativa de manutenção de coesão de forças. Porém,
afirma Martin-Barbero (2003, p.275) a afirmação étnica está camuflada, obstaculizada
pelos pré-conceitos , os pressupostos de um etnocentrismo que penetra com igual força
no discurso do antropólogo e no do militante político, sobre o qual se apóia
secretamente nossa própria necessidade de segurança cultural
Por esse motivo, a identidade nacional foi mais difícil de ser construída no Brasil e
encontrou concepções diferentes em vários períodos da história. Renato Ortiz (1994, p.
8) ao mostrar as diversas maneiras como a identidade nacional e a cultura brasileira
foram analisadas, afirmou que a problemática da cultura brasileira tem sido, e
permanece até hoje, uma questão política, concluindo que na verdade, falar em
cultura brasileira é falar em relações de poder.
associativas são importantes para manter uma unidade de identificação. O exemplo de povo que Weber
usa para sua análise de construção étnica é o mesmo usado por Hall: a história do povo Judeu.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
73
Isso nos remete à batalha cultural! Ao mostrar os vários momentos históricos que
tentaram definir a identidade nacional e a sua legítima cultura, Ortiz mostrou que essas
concepções sempre foram produzidas por uma política que tentava impor seu poder. O
autor termina a sua obra declarando que são os interesses que definem os grupos
sociais que decidem sobre o sentido da reelaboração simbólica desta ou daquela
manifestação (1994, p.142). É necessário então entender cultura nacional sempre como
uma construção simbólica, inscrita em um campo de relações de poder de quem pode
dizer o que é ou não nacional.
Se esse fenômeno se acentua no Brasil, por sua característica de miscigenação, tanto
mais esse discurso de autenticidade cultural enfrenta problemas na contemporaneidade.
Novamente os meios de comunicação são trazidos para interarem a lógica, por
vincularem o fenômeno conhecido por globalização. Esse período de intensa
globalização é marcado por uma característica que Hall (2003b, p.36) chamou de
transnacional no sentido de que existem fenômenos globais de interação como
interesses de empresas transnacionais, a desregulamentação dos mercados mundiais e
do fluxo global do capital, as tecnologias e sistemas de comunicação que transcendem e
tiram do jogo a antiga estrutura do Estado-Nação. Essa nova fase pontuada por Hall
não encontra mais um centro cultural. Ele está descentrado, assim como o sujeito (Hall,
2003a). As formações supra-nacionais podem ser exemplificadas como a União
Européia e o Mercosul. Dentro deste quadro há uma erosão progressiva da soberania
nacional, e perante essa posição Hall afirma, por exemplo, que até mesmo a posição
hegemônica dos Estados Unidos está relacionada com o seu papel e ambições globais.
A transnacionalização es ligada a uma outra característica da globalização cultural,
que é a desterritorialização. A rapidez da comunicação proporciona que as experiências
culturais sejam vivenciadas em espaços que lhe eram estranhos. Dessa forma, afrouxa-
se a relação entre a cultura e o local. O hibridismo se torna inevitável pelo deslocamento
do espaço, porque não só há a possibilidade do deslocamento da cultura, como a
vivência de culturas sobrepostas. A condição miscigenada do Brasil propicia ainda mais
que a desterritorialização aconteça dentro de seus limites. A mestiçagem é a
convivência do híbrido e é sobre essa perspectiva miscigenada que Martin-Barbero
(2003, p.271) torna pensável a vigência cultural de diferentes identidades, como o
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
74
indígena no rural, o rural no urbano e o folclore no popular. Essas diferenças culturais
se tornam vivenciadas ao mesmo tempo e em espaços diferentes.
O conceito de hibridismo se torna, então, mais do que necessário para entender a
situação da contemporaneidade global e para entender a condição nacional de
convivências culturais múltiplas. O híbrido faz referência a essa mistura inevitável, pela
condição contemporânea, das culturas diferentes espalhadas por todo o globo, e que se
tornam conhecidas, apropriadas e re-significadas por grupos sociais por meio da
velocidade da informação midiática. O híbrido é o produto cultural da pós-modernidade,
ele revela as posições paradoxais das culturas e da ação comunicacional. Hall (2003b,
p.15) ao trabalhar a relação entre os meios de comunicação e a cultura, mostrou a
natureza intrinsecamente híbrida de toda a identidade e das identidades diaspóricas em
especial. É o novo fenômeno, enfrentado pelos teóricos, da inevitável mistura cultural.
Em meio a emaranhados de informações, as sociedades locais se tornam,
paradoxalmente, mais fragmentadas em culturas e mais homogeneizadas globalmente.
Esse quadro, de difícil análise, não pode mais ser visto com uma visão
compartimentada. É nesse sentido que a proposta de novo conceitos, que não neguem o
caráter hegemônico da globalização nem seus efeitos de subordinação, devem surgir
para que o homogêneo e o heterogêneo, o novo e o velho, possam ser avaliados a partir
das novas vivências sociais cotidianas. Canclini utiliza o conceito de hibridismo para
analisar os aspectos culturais da América Latina. O autor, não só mostra a
inevitabilidade do processo de hibridação, como a necessidade de referencias teóricos
que dêem conta dessa nova perspectiva na análise da cultura(2003, p.19):
Assim como não funciona a oposição abrupta entre o tradicional e o
moderno, o culto, o popular e o massivo não estão onde estamos
habituados a encontrá-los. É necessário demolir essa divisão em três
pavimentos, essa concepção em camadas do mundo da cultura, e
averiguar se sua hibridação pode ser lida com as ferramentas das
disciplinas que os estudam separadamente: a história da arte e a
literatura que se ocupam do culto; o folclore e a antropologia,
consagrados ao popular; os trabalhos sobre comunicação,
especializados na cultura massiva. Precisamos de ciências sociais
nômades, capazes de circular pelas escadas que ligam esses
pavimentos. Ou melhor: que redesenhem esses planos e comuniquem
os níveis horizontalmente.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
75
Ora, o olhar transdiciplinar não pode ser ingênuo. Canclini (2003, p.19) completa seu
pensamento, construindo uma hipótese da qual partilhamos: esse novo olhar sobre os
circuitos híbridos pode revelar processos políticos. Em outras palavras, o estudo do
processo de hibridação não se trata apenas de verificação de como o artesanato subsiste
com a indústria. A análise também deve investigar o convívio da busca da ética
igualitária em uma crescente desigualdade de direitos, o liberalismo religioso
convivendo com o fundamentalismo, os movimentos sociais democráticos convivendo
com despotismo e paternalismo. Assim, coloca o autor, encontramos no estudo da
heterogeneidade cultural uma das vias para explicar os poderes oblíquos que misturam
instituições liberais e hábitos autoritários. A ciência social nômade possibilita o
entendimento do comportamento social contemporâneo nas suas mais variadas esferas.
A proposta de Canclini é que os campos não sejam departamentados, porque os
fenômenos não o são.
Partindo de uma proposta de descompartimentalização das áreas é que propomos que a
música gospel e o mercado dessa música sejam analisados por referenciais teóricos no
campo da cultura e da comunicação e não das ciências da religião. Analisar a música
gospel dentro desse olhar interdisciplinar é entendê-la como um bem que além de
religioso é também cultural e que, portanto, sofre os mesmos processos culturais e
comunicacionais da contemporaneidade. Por tal motivo os conceitos usados aqui de
hegemonia cultural, hibridismo cultural, cultura massiva e mediações, nos auxiliam na
análise desse fenômeno.
A música gospel é um produto cultural híbrido, o que afirmou Magali Cunha (2004),
e como tal mostra uma nova feição da música evangélica. Nesse princípio de hibridismo
encontramos o novo produto! Esse novo produto foi o encontro de estilos seculares e
religiosos, do novo e do velho, que resultou no formato que permite atualmente
distinguí-lo. Entendemos que o caráter interno ao campo religioso permite que
encontremos a categoria de hibridismo também na reapropriação dos significados do
que era a música evangélica. O traçado histórico da hinódia protestante brasileira
permite verificar que a nova configuração ou o novo produto gospel é fruto de lutas e
tensões, e, portanto, de reapropriações de significados. Por tal motivo a mesmo o
caráter de resistência da noção de hibridismo pode ser usada, quando o olhar se volta ao
espaço interno do campo religioso.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
76
Devido ao caráter histórico de conflitos e resistências na área da hinódia é que o
conceito de hegemonia cultural também se faz presente. Esse conceito permite que
entendamos o consumo de música gospel, não como algo puramente passivo por parte
dos consumidores, mas como um consumo de resistência e de oposição aos poderes que
podem ditar a configuração de uma genuína música evangélica. Não se trata de uma
indústria cultural que domina de forma totalizante os sujeitos. Antes, as dinâmicas se
tornam misturadas e complexas e dessa forma, a aparente passividade perante a força
midiática e mercadológica é desvelada, mostrando que outros movimentos, sutis ou
mais abruptos, que permitem uma releitura do consumo.
Em outras palavras, se há um quadro hegemônico de uma cultura norte-americana que
se impregna no consumo da atual música evangélica, também um quadro interno ao
campo que permite que a apropriação desse bem seja uma tomada de posição diante de
poderes oblíquos situados no campo religioso. Nesse sentido o consumo passa a ser uma
escolha. Sem dúvida, a força do mercado é hegemônica, mas exatamente nesse conceito
é que podemos entender os posicionamentos dos sujeitos. Na utilização do termo
hegemonia podemos ainda perceber que as forças culturais hegemônicas sempre
existiram na hinódia evangélica brasileira. Nesse contexto, a condição de consumo
massivo de um bem como a música gospel pode revelar outras situações que não uma
pura passividade do consumidor.
Podemos falar que apenas as condições massificantes e alienantes do espetáculo de
massa estão presentes no amplo consumo da música gospel? Pode existir nesse
processo algum tipo de resistência do consumidor às formas tradicionais da produção
musical? Acreditamos que o consumo de música gospel pode revelar situações variadas.
Por isso, nossa proposta é que o mercado gospel seja analisado, não apenas pelos meios
de produção, mas a partir de outro conceito que trazemos aqui, o de mediação. A
mediação do campo religioso torna-se ponto de análise substancial para que o consmo
gospel seja analisado. Se as mediações são os espaços entre a comunicação e o receptor,
podemos supor que entre as muitas mediações sociais, a igreja se constitui em um forte
espaço que cumpre esse papel. Assim a condição do campo religioso, especificamente
da instituição igreja, deve ser trazido à análise para que o consumo de música gospel
possa analisado em todas as suas variáveis. Desse modo não incorremos em uma análise
reducionista e determinista.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
77
Cremos, que à essa altura da exposição teórica, ficou claro que as questões culturais e
comunicacionais que envolvem o consumo de bens simbólicos devem ser analisadas
não apenas na perspectiva da produção produtores e produto mas na perspectiva da
luta simbólica que privilegia a possibilidade de resistências e subversões, que por sua
vez estão perpassadas pelas condições dos espaços sociais - as mediações.
Isso posto, fica então a necessidade de verificar, dentro do campo religioso, quais os
agentes detentores de uma produção legítima, quais as batalhas simbólicas travadas e
acima de tudo, como a produção musical se construiu nesse campo de batalha. Sendo a
produção que analisamos uma produção cúltica, no sentido de que é um bem religioso
oferecido no momento de culto, cabe entender os processos e os conteúdos desse espaço
social. Nisso a discussão recai para uma análise histórico-social que ajuda na
compreensão de como as estruturas cúlticas do cristianismo foram estruturadas a partir
das tensões e lutas do campo. Tais discussões serão trazidas no próximo capítulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
78
CAPÍTULO 2
A PRODUÇÃO MUSICAL CÚLTICA DO
PROTESTANTISMO
Para entendermos a produção musical cúltica do presbiterianismo brasileiro, tarefa que
propomos realizar neste trabalho, não basta apenas uma análise do tipo de produção que
ocorre atualmente, antes, necessitamos perceber todas as condições que ajudaram na
construção e fixação de um tipo ideal de música para esse culto. Se o culto é o espaço
legítimo da produção e reprodução religiosa de determinada igreja, tal produção é
resultante do trabalho e serviço religiosos dos especialistas que determinam, por meio
do poder religioso, o que pode ou não ser elemento e expressão cúltica. Tais
especialistas confrontam-se continuamente, em maior ou menor intensidade, com
tensões referentes às insatisfações religiosas oriundas das subdivisões internas no clero
e no grupo de leigos tensões estas estabelecidas a partir da interação do culto com
demais subcampos religiosos e dele com a sociedade. Em outras palavras, é necessário
entender como e por que motivos o culto presbiteriano assumiu uma forma determinada
e, no caso específico, uma música cúltica especificada.
Os conflitos, reações e tensões existentes no campo religioso europeu após o advento da
Reforma Protestante foram situações condicionantes para a configuração de um modelo
de culto presbiteriano. Assim, faz-se necessário contextualizar a discussão sobre
produção musical cúltica do presbiterianismo partindo de seus elementos constituvos,
para então, apreendermos o universo simbólico das falas e práticas atuais. Por isso
buscamos uma análise histórico-social do culto protestante, que efetivamente nos leva
para a oposição latente entre idéias de culto: a católica e a protestante. Em outras
palavras, ao pesquisarmos historicamente os motivos de determinadas configurações
cúlticas do presbiterianismo, percebemos que elas estavam relacionadas com fatores de
oposição às práticas cúlticas cristãs da época em questão. Nisso a discussão recai na
concepção de culto cristão de cada grupo religioso. Chegamos então a gênese desse
processo histórico, o culto cristão.
O que é um culto cristão? Como identificá-lo? Embora nossa busca seja um
levantamento histórico-social do culto cristão, é preciso inicialmente tentar defini-lo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
79
Falamos tentar porque a tarefa extata seria buscar uma delimitação inicial, do que
propriamente uma definição. Isto porque as concepções do que seja um culto cristão
foram mudando no devenir histórico, e hoje, no Brasil, algumas noções que estavam
ligadas intimamente ao termo precisam ser alargadas ou, ao contrário, abandonadas.
Destarte, embora a tarefa de uma definição seja difícil, o culto cristão não pode ser
analisado no aspecto sociológico sem que um mínimo de preceitos religiosos seja
pontuado. Isso se faz necessário, porque é preciso delimitar o objeto da análise. Em
outras palavras, antes de qualquer procedimento analítico, temos que entender o que é
um culto cristão e quais os elementos constitutivos dele. Este procedimento, entretanto,
parte mais de uma abstração genérica do que de uma prática cúltica. Isso posto,
passamos a analisar alguns elementos estruturantes do culto cristão que geraram
princípios gerais desta prática religiosa.
2.1 O culto cristão: modelos e princípios
O culto cristão teve um desenvolvimento litúrgico extraordinário tanto no
sentido de acréscimos rituais quanto na organização clerical para o exercício do trabalho
religioso cúltico. Ao buscarmos os motivos de tamanho grau de desenvolvimento e
especialização, encontramos as variadas escolas litúrgicas, oriundas de uma gênese
sincrética que incluía elementos do cristianismo primitivo, concepções e peças litúrgicas
judaicas e elementos advindos do paganismo da época. Não nos ocuparemos de tais
pormenores, mas queremos introduzir a ligação pertinente entre o culto cristão e o culto
judaico. A ligação se faz em dois âmbitos: no sentido do culto e no uso de elementos
litúrgicos. Carmine Di Sante (2004, p. 7), buscou mostrar a liturgia judaica no seu
vigor original, para que cada um judeu ou cristão possa compreender o quanto
Jesus e a comunidade primitiva são dela dependentes . Também, William D. Maxwell
(1963) e J. J. Von Allmen (1968) demonstraram a estreita relação do culto cristão com o
culto judaico.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
80
Tal fato é cil de ser explicado, visto que o cristianismo reivindica a continuidade da
religião judaica. Jesus Cristo era judeu e freqüentou o templo em Jerusalém, bem como
as sinagogas espalhadas por toda Israel. Estes locais cúlticos também foram
freqüentados pelos judeus convertidos ao cristianismo durante muito tempo. Podemos,
então, pressupor que as práticas cúlticas judaicas, tanto da sinagoga quanto do templo,
não causavam constrangimento para a instalação da nova fé. Os novos elementos do
culto cristão foram fundidos com os elementos do culto sinagogal, e parece que este fato
não causou nenhum alarde. Portanto, o judaísmo ofereceu aparato cúltico ao
desenvolvimento do culto cristão e era receptivo, no sentido simbólico-formal, às novas
propostas do cristianismo. Por isso é que Di Sante (2004, p. 14) considera que as
categorias cristãs são, em sua origem, judaicas.
O Novo Testamento está repleto de circunstâncias que apresentam a prática religiosa
judaica da época como as festas, as orações, os costumes e a prática cúltica tanto no
templo quanto na sinagoga. Conforme escreveu Di Sante (2004, p. 19), esses
testemunhos das escrituras são mais indicativos do que descritivos. Ou seja, sabemos,
pela leitura dos evangelhos sinóticos, que Jesus Cristo e seus discípulos participavam de
toda forma de religiosidade do judaísmo da época. Mas, os termos referentes a qualquer
acontecimento dessa espécie não são explicados e descritos, porque pressupõem um
entendimento implícito do leitor. Assim, palavras como páscoa, sábado, templo,
sinagoga, oração, que aparecem nas escrituras do Novo Testamento, tinham um
sentido totalmente estruturado e compreendido pelos primeiros cristãos, que estavam
envolvidos com a religião judaica. Por esse motivo, as escrituras não dão detalhes que
expliquem as diferenças cúlticas da sinagoga e do templo, a descrição ritualística das
festas religiosas ou o lugar da oração na vida litúrgica do judeu. Portanto, é necessária
uma busca e uma análise dos elementos que compunham a realidade prática religiosa do
judeu na época de Jesus, para saber quais eram os modelos litúrgicos dos primeiros
cristãos.
Mas, o que dizer dos não-judeus que se converteram ao cristianismo? Houve alguma
influência cultual de suas antigas religiões? Sem dúvida influência houve, mas não
temos como avaliar em que medida essa questão porque as fontes de que dispomos para
estudo foram escritas dentro de um contexto judaico e não pagão. A alusão simbólica a
termos usados no Novo Testamento sempre é feita em relação aos elementos do
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
81
judaísmo, como por exemplo, a figura de Cristo como cordeiro, as discussões
paulinas sobre a lei e a graça, a circuncisão ou não, etc. Tais categorias são
judaicas, o que está de acordo com uma religião que se diz herdeira do judaísmo, e não
há como avaliá-las a não ser dentro de um universo significativo dessa religião.
Em suma, para entender o culto cristão é preciso buscar suas origens nos dois modelos
judaicos da época de Jesus: o da sinagoga e o do templo. A respeito do culto do templo,
o Antigo Testamento (A.T.) é repleto de informações. O modelo cúltico do templo
significava a fixação do local, de tempos para festas e sacrifícios e de regras
ritualísticas, realizadas por um corpo clerical dividido entre levitas e sacerdotes. Por
outro lado, o A.T. traz poucas referências que possam dar informações precisas de como
se desenvolveu o culto sinagogal. Embora se saiba que sua grande atividade ocorreu no
período intertestamentário, não dados exatos sobre as origens da sinagoga. Segundo
Humberto Porto (1977, p. 55), a opinião mais provável é que a sinagoga começou a
existir na Babilônia, durante o exílio, como substitutivo do serviço do templo, ou talvez
como imediata necessidade para os exilados se reencontrarem. O mesmo autor colocou
a data do retorno do exílio, relatado no livro de Esdras, como um possível início para a
prática do modelo de culto sinagogal, mas reconheceu existirem outras especulações
teóricas a respeito
5
.
Michael Tilly (2004, p. 90) esclareceu que o termo sinagoga era usado fora do judaísmo
para designar a reunião social ou religiosa de membros de todo o tipo de associação,
mas dificilmente era aplicado a um determinado prédio ou até a um tipo de prédio. Em
hebraico, a palavra sinagoga significa casa ou local da assembléia. Na Septuaginta, o
termo faz referência tanto à reunião de homens em assembléia destinadas a decisões em
geral quanto à reunião religiosa. Ou seja, a palavra sinagoga tem o sentido de reunião,
assembléia, não precisando ser especificamente religiosa nem tampouco cúltica. O
termo foi reapropriado pelo judaísmo e ganhou conotação religiosa, mas, como no
5
A tradição rabínica defende a idéia de que a sinagoga é bem mais antiga ao período exílico, remontando
suas origens a Moisés (Targum Pseudo-Jônatam, ref. a Êx 18, 20). Para Tilly (2004, p. 93), a
argumentação rabínica quer mostrar a natureza filosófica do judaísmo, tentando estabelecer a reunião
sinagogal como uma reunião esporádica que acontecia em todas as tribos de Israel. De fato, o termo
sinagoga pode ser encontrado em fontes que datam do período anterior ao exílio, em Êxodo 11:16 e
Neemias 8:1-8, em que a palavra aparece relacionada ao culto de comunidades locais. Portanto, não
condições de estabelecer uma data precisa do surgimento da sinagoga, nem tampouco quais os propósitos
originais dessa reunião. Entretanto, todos os estudiosos do campo não negam que o exílio foi o momento
em que tala prática cúltica ganhou notoriedade devido às circunstâncias específicas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
82
sentido original da palavra, significa mais a reunião entre os indivíduos do que o local
da reunião, cujo exemplo claro desse último significado é encontrado no templo.
Contudo, mesmo não existindo uma data precisa dessa prática cúltica, é sabido que ela
foi altamente desenvolvida no período exílico e trazia uma liturgia baseada no ensino
das leis, que era transmitido por homens conhecedores da mesma, os rabinos. Tilly
(1997, p. 92) salientou bem que a leitura da Torá, como elemento fundamental do culto
sinagogal, ganhou sua forma atual uniforme não antes do século V a.C.. O
fortalecimento do modelo cúltico sinagogal significou, em parte, um desdobramento dos
ritos do templo. Com o culto sinagogal, foi possível estabelecer o ensino de forma
isolada, separada dos sacrifícios do templo.
No tempo de Jesus Cristo o culto no templo continuou centralizando os sacrifícios e as
festas, mas o reconhecimento popular tendeu para o culto na sinagoga. Não como
sabermos claramente o motivo da preferência popular pelo culto sinagogal. Talvez, o
período exílico, que propiciou a diáspora dos judeus, tenha favorecido o afastamento
dos rituais do templo que permaneciam mais como herança histórica da antiga tradição.
Além disso, podemos supor um afastamento do clero em relação às massas populares.
De qualquer forma, os dois modelos cúlticos existiam na prática judaica no tempo de
Jesus. Basicamente, a diferença que nos interessa aqui é que, enquanto, no templo, havia
a necessidade do sacerdócio oficial para a realização do culto, na sinagoga, os escribas é
que se incumbiam de direcionar as reuniões, o que permitia maior participação dos
leigos. Di Sante (2004, p. 42), escrevendo sobre a sinagoga, afirmou seu caráter mais
popular:
É certo porém, que ao lado do culto no templo, exercido pela classe
sacerdotal e distante das exigências populares, se firmou depois da
época do exílio, uma outra forma de culto, não sacerdotal e
democrática, baseada não mais no sacrifício, mas sobre a prece e sobre
a Torá. É esta nova forma de culto (...), que acabará firmando-se e
impondo-se como a expressão mais verdadeira da liturgia hebraica, e
que no primeiro século da era cristã pode ser considerada como
suficientemente estruturada.
Di Sante (2004, p. 188) definiu tr
ês principais características da sinagoga. A primeira
chamou de laicidade. O sentido de laicidade foi atribuído pelo autor, porque, na
sinagoga, os ofícios cúlticos, como a leitura da Torá ou entonação de um hino, podiam
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
83
ser realizados por qualquer homem que tivesse no mínimo 12 anos de idade. Disso,
resulta a segunda característica apontada pelo autor que é o sentido de igualdade. Na
sinagoga, não existia hierarquia, porque todos tinham os mesmos direitos e deveres. A
terceira característica refere-se ao agrupamento. Para sua realização, era necessário um
mínimo de dez homens adultos (minyan). Esta era a única condição para a celebração do
culto sinagogal realizado diariamente.
Os elementos constitutivos do culto sinagogal eram as tradições antigas, que tiveram um
papel decisivo na legitimação e no desenvolvimento de uma identidade do povo hebreu
ao redor da divindade de Javé: a de povo escolhido que tem uma aliança com seu Deus.
Do ponto de vista estrutural, a liturgia sinagogal comportava a tradição histórica na
forma de preces, bênçãos, cânticos, recitação, responso e na leitura da Torá. Todo o
sentido religioso encontrava-se atrelado à tradição, autenticando Israel como nação
eleita de Javé. A manutenção dessa prática foi fundamental para conferir ao culto
sinagogal um princípio histórico que foi transplantado para o culto cristão.
Mas, se por um lado a estrutura do culto sinagogal traz a presença da tradição e da
aliança do povo judeu, os ritos sacrificiais sofreram um enfraquecimento de seu valor
nesse modelo cúltico. Ocorreu uma racionalização do culto, o que estimulava o
entendimento: as lembranças históricas dos feitos de Javé determinavam as relações da
aliança e ativavam a moral do povo sem que se precisasse recorrer aos ritos sacrificiais.
Nesse contexto fez-se a separação entre os ritos orais e os sacrificiais.
A racionalização do culto sinagogal implicou no enfraquecimento simbólico dos ritos
sacrificiais, não em sua extinção, mas na priorização da palavra falada, recitada ou
cantada em detrimento de outros tipos de ação como gestos, unções, oblações e
ofertas. Esta tendência racionalizante foi outro ponto apropriado pelo culto cristão. Ela
pode ser notada na leitura e interpretação dos evangelhos sinóticos que dão indicações
de subjetivações significantes para o culto, onde todos os simbolismos judaicos foram
reinterpretados à luz do Messias. O sentido racionalizante pode ser percebido na própria
concepção de templo, local de primazia para a função sacerdotal, apresentado como o
âmago subjetivo do ser humano: o templo do Espírito Santo. Como conseqüência, o
culto foi desvinculado de um local restrito: Mas vem a hora e chegou em que os
verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade (Jo 4:23). A
espiritualização total do templo, do sacerdócio e dos ritos pode ser percebida em 1
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
84
Pedro 2:5: Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa
espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais
agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo (o grifo é nosso).
Templo, sacerdote e sacrifício se transformaram em elementos subjetivos para o
cristianismo, cujo ápice da racionalização se encontra na dupla função de Cristo: a de
sumo-sacerdote e a de cordeiro. Na carta aos Hebreus, capítulo 10, o autor fala
incessantemente sobre os ritos sacrificiais do Antigo Testamento e compara o exercício
sacerdotal que se apresentava dia após dia a oferecer o serviço sagrado e a oferecer
muitas vezes o mesmo sacrifício (v. 11) com o ofício sacerdotal de Cristo, que
ofereceu para sempre um único sacrifício (v. 12). O fundamento básico do culto
cristão, portanto, é o sacrifício de Cristo que, por sua vez, suplantou todos os sacrifícios
até então que não puderam remover os pecados do povo.
Em outro texto, agora em Pedro 1:19, a idéia de sacrifício se completa, porque Cristo foi
considerado o cordeiro sem defeito e sem mácula. Assim, os ritos sangrentos javistas
foram substituídos por um único rito, que se realizou por intermédio de Cristo,
considerado, ao mesmo tempo, o cordeiro oferecido em sacrifício e sumo sacerdote que
o realiza (Hb 8:3). Este sacrifício perene de Cristo passou a simbolizar uma nova
aliança entre Cristo e seus adoradores. Tal como no culto judeu, que trazia a tradição
histórica mostrando a aliança entre a divindade e o povo, o culto cristão fundamenta-se
na noção histórica de reviver a nova aliança consumada no sacrifício. Segundo Von
Allmen (1968, p. 21) o sentido profundo do evento litúrgico (...) consiste em
recapitular a história da salvação. Este sentido é teologicamente entendido como
anamnese. Logo, o culto cristão baseia-se em um ato memorial de sacrifício.
O ato memorial do sacrifício foi instituído durante a Última Ceia (I Cor 11:24), e, por
isso, a eucaristia é, por excelência, o fundamento do culto cristão sobre o qual se
desenvolvem outros ritos. Segundo White (1997, p. 176), a eucaristia tem as raízes em
concepções judaicas muito enraizadas na Palestina de Jesus. Esse ato conseguiu unir
ritos dos três locais mais importantes da vida religiosa judaica: o templo, a sinagoga e a
família (refeições familiares). São eles: os ritos sangrentos dos cultos sacrificiais do
templo, unificados no sacrifício de Cristo, as orações sinagogais, que deram forma para
a oração eucarística cristã e a reunião em torno da refeição que, segundo o autor, era
sempre um evento sagrado. É ao redor deste ato memorial que a história da salvação
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
85
perpetua-se, e assim, passado, presente e futuro mesclam-se na ação cúltica. Segundo
Von Allmen (1968, p. 35), O culto é, por conseguinte, a recapitulação da história da
salvação, na medida em que atualiza o passado, antecipa o futuro e glorifica o presente
messiânico.
A partir desse fundamento constitutivo do culto cristão desdobramentos que podem
ser compreendidos como princípios desse modelo. O mais imediato é que a comunidade
cúltica forma-se por aqueles que já são convertidos à religião. Teologicamente, o
elemento que traz o vínculo do indivíduo com o grupo, e, conseqüentemente, com a
prática cúltica, é o batismo. O batismo é a única condição para a participação da
eucaristia. As religiões fundadas, como no caso do cristianismo, estão baseadas na livre
adesão, e, assim, o batismo cumpre esse papel de legitimar a adesão do indivíduo ao
grupo.
Nesse sentido o culto também traz à tona outra categoria, a ekklesia, que representa a
assembléia do povo salvo.
6
Segundo Von Allmen (1968, p.48) ekklesia significa
povo reunido por iniciativa de Deus (...) para encontrar-se com o seu Senhor, para
adquirir identidade própria, para confessar-se povo particular. De acordo com essa
definição a igreja é reunida por iniciativa de Deus. A ligação com o sentido de já
pertencer à comunidade é enfocada nessa perspectiva. Em síntese, tal afirmação indica
que o culto cristão é, antes de tudo, uma resposta humana à ação divina
7
. Ele seria uma
devoção realizada a partir do reconhecimento da atuação do divino na vida pessoal e
comunitária. Esse sentido teológico do culto cristão reafirma a posição sociológica de
que o culto é um espaço, geográfico e temporal, de uma comunidade específica, com
experiências religiosas comuns.
Portanto, o sentido de comunidade cúltica es relacionado com o princípio de
identidade religiosa. A discussão que parece puramente teológica traz à luz uma
dinâmica extremamente social a dinâmica da inclusão e exclusão. O grupo religioso
tanto inclui quanto exclui, e isso é algo inerente à perspectiva existencial da igreja na
sociedade. Não há como se identificar como igreja cristã sem separar ou excluir. No ato
6
O termo ekklesia também foi reapropriado pelo o campo religioso. Ele denotava simplesmente uma
reunião específica para serem tratados assuntos em comum.
7
Autores de tradições teológicas distintas concordam com essa idéia, e, a título de exemplo,
pontuamos Peter Bruner, teólogo luterano; Georg Florovsky, teólogo ortodoxo e Jean-Jacques Von
Allmen, teólogo reformado.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
86
de exclusão, que é socialmente explicado, a teologia fixa suas regras e impõe limites ao
campo, orientando e separando os que são cristãos dos que não o são. Logo, o culto
consiste na celebração realizada pela igreja, que, por sua vez, é delimitada pela inclusão
dos conversos, os que foram batizados. Esse é o limite que contrapõe o espaço religioso
do espaço cotidiano; é o processo de ruptura.
Pode-se pensar que o culto gera a separação, colocada por Durkheim (1989), de
sagrado e profano. O culto, nesta perspectiva, é o espaço sagrado, que separa a
comunidade do mundo e agrega internamente os indivíduos. Por isso é que Von Allmen
(1968, p. 48) considerou a tendência teológica missionária, de tornar o culto um local de
evangelismo, como uma distorção de seu princípio: Essa é a razão porque,
contrariamente à pregação missionária, o culto não é público: os que o celebram são os
que passaram pelo batismo.
Mas a anamnese também é vivenciada por outros ritos que trazem sempre à lembrança a
salvação em Jesus Cristo. Nisto, encontramos o rito oral do culto cristão herdado do
judaísmo. O princípio de recordar os feitos da divindade, pela exposição das escrituras e
cânticos, é outro modo de estender temporalmente a obra de salvação. Deparamo-nos
novamente com o sentido histórico do culto cristão, herdado do judaísmo, que perpetua
as ações de Jesus Cristo. Mas o é apenas essa a função que cumpre a leitura das
Escrituras: aqui se encontra o princípio doutrinário do culto cristão, que, tal como o
antigo culto javista, instrui moralmente a comunidade. O culto cristão, portanto,
também é normativo.
Assim, a anamnese do sacrifício de Cristo reúne em torno de si um povo que adora e é
doutrinado no espaço e tempo cúltico. Nisto encontramos o fundamento constitutivo e
os princípios básicos do culto cristão que delimitam sua especificidade. A partir desses
princípios, o culto cristão utiliza vários elementos, tanto próprios, quanto oriundos de
outras religiões, para suas formas de expressões ritualísticas. Se os princípios encontram
certa convergência de pensamento, os elementos utilizados para expressá-los causam
diferenças litúrgicas extremadas. A história do cristianismo revela que, por muitas
vezes, os princípios fundamentais do culto perderam-se entre as dinâmicas eclesiásticas
e políticas das épocas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
87
De forma geral, o que a história revela é o fortalecimento de alguns fundamentos
ativados em expressões litúrgicas que se diferem. Os elementos litúrgicos utilizados
baseiam-se em interpretações teológicas que determinam a priorização de uma
tendência. Assim, os espaços, os utensílios, o tempo, os elementos naturais e as
expressões foram e são empregados de formas diferentes de acordo com o que se deseja
enfatizar. Estamos em um terreno no qual é impossível separar a teologia da prática
cúltica. Mas é importante lembrarmos que não consideramos o culto como um mero
resultado teológico; antes, acreditamos na dialética entre a teologia e o culto. Para nós
foi exatamente essa dinâmica dialética que gerou, na história do cristianismo, grandes
tensões em todas as épocas.
2.2 A fixação da liturgia cristã: a oposição entre catolicismo e protestantismo
Embora o Novo Testamento não especifique as práticas litúrgicas do culto, indícios
de que o caráter democrático da sinagoga tenha sido uma realidade entre os primeiros
cristãos. A ausência de uma doutrina fixa fez com que a dialética das construções rituais
e doutrinárias se estabelecesse de forma mais enfática no culto das primeiras eras do
cristianismo. As reinterpretações religiosas deveriam ganhar novos ritos, que
trouxessem novos significados. Dialeticamente, à medida que se intensificavam os ritos,
a teologia era incorporada, de modo que o culto se tornara o local onde a nova doutrina
se disseminava e enraizava.
É claro que a ausência de liturgia fixa estava relacionada com a posição na qual se
encontrava o cristianismo dos primeiros séculos, de não ser ainda a religião institucional
do império romano. Todavia, o próprio caráter racionalizante e subjetivo do
cristianismo, observado nos evangelhos sinótico, encontra-se em oposição ao
estabelecimento de liturgias muito fixas e, por conseqüência, à presença de um corpo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
88
clerical altamente hierarquizado
8
. Nesse ponto, a dinâmica do culto cristão se faz
paradoxal: a teologia cristã pressupõe o sacerdócio universal dos crentes, mas o
exercício cúltico pressupõe a existência do sacerdote (Weber, 2000b, p.294). Eis uma
contradição implícita na função sacerdotal no cristianismo que, embora legitimada pelo
ofício cúltico, tem de abrir amplamente as participações dos leigos para que sua
essência o seja perdida. Os processos de objetivação e a interiorização dos ritos são
freqüentemente questionados pela racionalização implícita no exercício do culto cristão.
Todavia é impossível existir culto sem um mínimo de objetivação e interiorização ritual
e, em tempos específicos e por razões circunstanciais, as forças, leigas e clericais,
operam de forma irregular, e a liturgia tende à extremos de objetivação ou subjetivação
ritualísticas. Em ambos os extremos, o exercício sacerdotal se realiza, mas com
condições bem distintas.
Por isso, os processos que envolveram os desdobramentos litúrgicos do culto cristão
foram os mais diversos. Somente com um estudo detalhado da história deste culto é que
conseguiríamos pontuar todas as mudanças e tendências litúrgicas que, a partir dos
elementos básicos encontrados no Novo Testamento, estruturaram-se como prática
cúltica. Infelizmente, não poderemos empreender tal estudo neste trabalho. Todavia, é
importante atentarmos ao movimento de clericalização pelo qual passou o culto cristão,
desde sua institucionalização com Constantino, sofrendo o processo de expropriação da
produção religiosa dos leigos que, no século 15, já estava totalmente transferida para as
mãos dos clérigos. A missa medieval, principalmente no modelo da Missa Maior
9
,
significou o auge da clericalização da prática cúltica. Nas palavras de Maxwell (1963, p.
83) durante a Idade Média: a missa se converteu cada vez mais em um espetáculo, no
tempo que o rito era quase todo inaudível. A atenção (dos leigos) estava toda focada
quase que exclusivamente na ação visível. Segundo o autor, a prática das orações
8
Alguns livros do Novo Testamento indicam o que escrevemos. Em I Cor.14:26 a idéia de uma
democratização da prática cúltica é facilmente verificada na expressão do autor: ...um tem salmo, outro
doutrina, este traz revelação.... . O sentido de sacerdócio enquanto grupo separado para o trabalho cúltico
também é enfraquecido no livro de Hebreus, que difunde a concepção de sacerdócio universal.
9
A missa maior era o modo tipicamente pontificial da celebração eucarística. Era uma missa cantada,
celebrada por um bispo e assitida por vários clérigos, hierarquicamente diáconos, subdiáconos e
servidores. Para a celebração era necessária a presença de cantores especializados para entoarem as partes
dos corais. Na falta de especialistas cantores e ministros assitentes, celebrava-se a missa menor, na qual o
celebrante detinha a maoria das funções, necessitando apenas de um ou dois assistentes. A missa menor
era recitada e não cantada. As orações em ambas eram inaudíveis à congregação, sendo compreendidas
apenas pelos clérigos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
89
sussurradas, a separação demarcada arquitetonicamente entre clérigos e leigos, os
cantores que faziam o responso no lugar da congregação e a diferença entre uma missa
pontifical e uma popular mostram o quanto a liturgia romana perdera o significado.
Nesse processo de expropriação da produção cúltica dos leigos, o corpo clerical tornou-
se cada vez mais especializado, distanciando-se e diferenciando-se do povo. Como um
exemplo que nos interessa particularmente, citamos a música, que foi uma prática
cúltica de extrema importância exercida por um tipo de especialista clerical que se
desenvolveu prodigiosamente no culto cristão, o cantor
10
. Embora a música não tenha
sido a única prática a tomar conta da complexidade litúrgica medieval, assinalamos que
a produção musical litúrgica teve grande participação na alta especialização e
complexidade litúrgica. Os clérigos músicos se tornaram altamente especilizados nessa
arte e a produção musical cristã seguia normas de composições elaboradas e fixadas.
Nisso o catolicismo mantinha toda a produção ltica restrita ao grupo de sacerdotes de
religião.
Em termos de constituição o culto cristão católico se baseou na centralidade eucarística
e estrututalmente se dividia em duas partes: a liturgia da palavra e a liturgia da
eucaristia, esta última somente para os batizados. Se pensarmos nos princípios
básicos do culto cristão a forma estrutural desse modelo parece equilibrada. Segundo
Maxwell (1963, p.50) o grande problema do catolicismo, mais especificamente no
ocidente, foi a complexibilização da liturgia da eucaristia a tal ponto que ela se tornou
incompreendida pelo povo
11
. Em suma, o que houve, desde a institucionalização da
religião cristã até o culo 15, foi uma constante especialização dos processos
produtivos e reprodutivos do culto cristão, de tal modo que a liturgia tornou-se somente
para os clérigos, desvinvulnado-se do seu próprio sentido semântico.
10
Destacamos nesse contexto o início da clericalização musical com o papa Gregório Magno, que
inaugurou o sistema musical conhecido como canto-chão ou canto-gregoriano, especificamente para
o culto. O canto chão tinha regras bem definidas e austeras e foi um marco na tradição cúltica do
cristianismo.
11
Indicamos a leitura de William D.Maxwell (1963) para a compreensão do desenvovlimento litúrgico do
culto cristão. O autor, a partir de fontes documentais, traz exemplos de liturgias modificadas no decorrer
da história, realizando uma análise comparativa entre elas, que permite verificar o que chamamos de
desenvolvimento da complexibilidade litúrgica.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
90
Todavia, o catolicismo, altamente hierarquizado e com uma estrutura cúltica complexa,
recebeu um embate profundo no início do século 16 com a Reforma Protestante
12
. As
concepções teológicas dos reformadores o eram únicas, mas similares quanto à
oposição que faziam à acentuada ignorância religiosa do povo. Por tal motivo, um dos
marcos principais do Protestantismo foi a tradução da Bíblia em ngua vernácula e a
mudança da forma de realização do culto. O modelo cúltico do catolicismo era
questionado principalmente pela exclusão do povo. Para este, em última instância, ir à
missa era o que importava, porque não havia nela algo que fosse compreendido a não
ser o próprio dever religioso de estar. Foi contra essa postura religiosa e,
conseqüentemente cúltica, que se levantaram os reformadores. Em um sentido geral,
mesmo tendo modelos diferentes, a Reforma marcou uma nova forma de culto: o culto
entendido pelos fiéis. Acima de tudo, buscava-se a compreensão do que era o culto e o
que representava cada ato desta cerimônia religiosa.
Mas, o pensamento protestante, que não se limitava a Lutero, buscava não uma
reforma do cristianismo, mas também uma ruptura com catolicismo e suas práticas
religiosas, consideradas, pelos reformadores, como supersticiosas, hereges e malignas.
De fato, não há como negar, que o culto cristão medieval assumiu uma forma puramente
clerical em seu serviço, desconsiderando, por completo, o povo leigo que ia à missa. O
que aconteceu foi que o protestantismo ao opor-se radicalmente ao modelo cúltico
católico assumiu uma posição antilitúrgica, que resultou em um esvaziamento
ritualístico de seu culto. Quase todos os ritos foram abandonados; elementos, expressões
e locais foram substancialmente eliminados. Mesmo a eucaristia e o batismo,
sacramentos mantidos pelo protestantismo, sofreram uma perda significativa de
expressão simbólica na maioria das igrejas. Se o culto católico havia-se tornado um
culto clerical, exacerbado em ritos distantes do povo, o protestantismo, por outro lado,
teve consideráveis perdas cúlticas ao abandonar uma tradição ritualística.
12
Martinho Lutero (1483-1546) foi o grande personagem da Reforma Protestante. Ele foi um monge
agostiniano que se revoltou contra o abuso do clero católico, dentre outras coisas, ao pagamento de
indulgências imputado ao povo. A luta de Lutero teve seu marco histórico quando ele fixou suas noventa
e cinco teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517. O movimento
ganhou adeptos por toda a Alemanha e contou com a força política e econômica dos príncipes, que
desejavam a independência da Igreja Católica. Lutero, entretanto, não foi o único reformador de seu
tempo. Na Suíça surgiram outros movimentos contra o papado, cujo pioneiro foi Ulrico Zwínglio (1484-
1531). Tais movimentos, cujos centros foram Alemanha e Suíça, propiciaram que a Reforma Protestante
fosse difundida por toda a Europa, sendo o século 16 marcado pelas lutas e perseguições religiosas
advindas do rompimento com a hegemonia católica. Igrejas protestantes surgiram por todo o continente
europeu, divulgando a nova religiosidade cristã e difundindo seu ensino religioso.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
91
Ao proceder desse modo, o protestantismo deslocou a centralidade do culto da
eucaristia para a pregação da palavra, a prédica. Jean-Paul Willaime (2002, p. 46)
afirmou que, no protestantismo, a prédica foi colocada no centro do dispositivo pelo
qual essa tradição religiosa leva a presença da divindade aos fiéis.... James White
(1997, p. 11), na mesma direção, declarou que a Reforma aboliu as partes da missa e,
aos poucos, foi substituindo a centralidade litúrgica da eucaristia pela liturgia da
palavra. De fato, mesmo contrariando o pensamento dos principais reformadores,
Lutero e Calvino, a eucaristia, no culto protestante, perdeu a eficiência simbólica que
sempre teve na história do culto cristão e, em casos específicos, foi colocada em
segundo plano.
Entretanto, ao tornar-se tão radical contra seu oponente, o culto protestante acabou por
fazer o que sempre contestou e tornou-se um script rígido que tolhia a liberdade e a
criatividade litúrgica. A diferença básica entre os dois scripts de culto o católico e o
protestante é que, no último, a rigidez se fazia pelo viés negativo da proibição: tudo
que lembrava o culto católico era proibido. Do mesmo modo, mesmo se opondo a alta
clericalização católica, os sacerdotes continuaram a existir distintamente dos leigos, no
protestantismo. Os pastores-teólogos assumiam o novo formato do corpo clerical, que
mantinha, como no catolicismo, o poder de determinar a produção religiosa.
Tudo o que rapidamente vimos até aqui foi um esboço bem geral da concepção
protestante de culto. Mas, se essa era a idéia geral do protestantiso, não faremos justiça
à história do culto protestante se, pelo menos, não esboçarmos alguns de seus principais
modelos, que representam pensamentos de admiráveis teólogos da época. Infelizmente,
não há como pontuar, mesmo que de forma breve, todas as liturgias ou modelos de culto
que se instalaram pela Europa protestante. Por outro lado, não há como falar em apenas
um modelo cúltico, porque todos tinham interferências que podiam resultar em
incorporações ou abandonos de certas práticas. Por esse motivo nos empenhamos em
fazer um breve resumo dos principais modelos cúlticos do protestantismo. Cabe, antes
de expô-los, salientar que embora tenham sido motivados por posicionamentos
teológicos, nem sempre foram resultado apenas dessa área. Condições peculiares como
guerras, perseguições e política estiveram entrelaçadas, nos primórdios do
protestantismo europeu, de forma que posições cúlticas nem sempre eram derivadas
apenas de concepções teológicas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
92
2.3 Os principais modelos cúlticos da Reforma Protestante
De forma geral todos os modelos cúlticos protestantes ergueram-se na perspectiva de
fazer do ato cúltico um ato compreendido por todos, não apenas pelos clérigos.
Basicamente, os modelos influenciaram-se mutuamente, formando grupos de
preferências definidos. O luteranismo alemão e o anglicanismo inglês ficaram mais
perto das tendências litúrgicas, enquanto o calvinismo, que influenciou, sobretudo, a
Suíça e a Escócia, afastou-se o máximo possível dos modelos ritualísticos. As regiões
eram marcadas pelos pensamentos de seus principais reformadores e suas posturas em
relação ao que se deveria abandonar do catolicismo.
2.3.1.O culto luterano
William D.Maxwell (1963, p. 91), ao iniciar a análise dos ritos luteranos, afirmou que
em Lutero contradições extremadas. Esta afirmação deve ser explicada pelo
posicionamento contraditório entre o que ele pensava sobre o culto e o que de fato
realizou. Em comparação com outros reformadores, Lutero pouco inovou no aspecto
cúltico. O culto luterano ainda manteve muitos elementos católicos, e a crítica de
Maxwell (1963, p. 93) é que, em sua Formula Missae, de 1523, Lutero apresentou uma
mera versão da missa romana, como substituição.
Se suas idéias parecem contraditórias às práticas, isso pode ser conseqüência de uma
tentativa de reformulação não radical que deveria ser realizada em tempo mais longo e
de tal maneira que pudesse ser digerida pelos leigos. A preocupação em não cometer
o erro do catolicismo, de impor uma rigidez ao culto, é um traço que pode ser apontado
em Lutero. Talvez, por essa razão, uma mistura entre a conservação e a inovação da
missa católica. Gordon W. Lathrop (1994, p. 124) mostrou tal tendência conservadora
de Lutero em relação ao culto, vinculando esse posicionamento às características
culturais da época da Reforma.
Para o autor, Lutero vivia a tensão de um conflito cultural e procurou estabelecer uma
linha mediana como alternativa. Esse fato fica mais claro quando lembramos a origem
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
93
católica de Lutero, que, provavelmente, encontrava nos ritos significados dos quais não
desejaria se desvencilhar. Seu discurso preconizava a reforma e não o abandono da
missa romana. Lathrop (1997, p. 124) apontou algumas preocupações litúrgicas de
Lutero que demonstram seu apego e seu conflito cultural:
Sua ardente recomendação do modelo da missa ocidental e os ritos
batismais, do lecionário e o ano eclesiástico, das matinas e speras,
do Te Deum e a litania, das traduções dos hinos latinos (...) e sua
defesa das imagens, gestos e ornamentos eclesiásticos (...) mostram a
profundidade de seu conflito cultural.
Ao mesmo tempo em que buscava a preservação de alguns elementos, Lutero era
radicalmente contra outros, como a dramática e extensa espetacularização da eucaristia,
o excesso de cerimonial e a música demasiadamente elaborada. Para Lutero, o centro do
culto deveria ser a eucaristia, para a qual fez a proposta litúrgica de comunhão entre os
leigos. A fim de ter esse caráter, o serviço cúltico precisaria ser inteligível; daí, a
inovação da proposta. O culto e todos os elementos e ações que nele se desenrolavam
precisariam ser entendidos pelo leigo. Lutero temia um culto mecânico, sem
entendimento e afastado daqueles que o praticavam.
Por esse motivo é que receou trazer novidades que fossem totalmente estranhas ao povo.
Ele pediu cautela e moderação aos ministros e não fixou nenhum modelo litúrgico de
forma absoluta para as igrejas da Alemanha (Hahn, 1989, p. 91). Essa era uma
característica de Lutero: a situação de certa autonomia cúltica que ele conferiu aos
ministros, os quais, por sua vez, deveriam estar atentos às condições culturais e
religiosas de cada região.
Embora suas críticas fossem severas à falta de compreensão da missa, seus cultos
mantinham muitas partes em latim, que, com o tempo, foi abolido por seus seguidores, e
o uso de elementos simbólicos como luzes, velas e incensos. A grande contribuição de
Lutero foi a ampliação e o aprofundamento do espírito de adoração, dando à
congregação uma parte mais inteligível nos ritos e possibilitando, assim, que os leigos
soubessem o significado das partes do culto.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
94
2.3.2 O culto de Zwínglio
O culto de Zwínglio é um modelo que pode ser considerado antagônico à proposta de
Lutero. Este tentou uma reforma da missa, enquanto o primeiro baseou-se em um
rompimento total. Maxwell (1963, p. 107), ao estudá-lo, concluiu que o rito zwingliano
pode ser considerado como a menos satisfatória de todas as liturgias reformadas.
Contudo, seu pensamento influenciou alguns teólogos, que, imbuídos da luta contra
tudo o que parecesse romano, endossaram seu radicalismo.
Segundo Justo Gonzalez (1989, v. 6, p. 89), Zwínglio foi um reformador muito distinto,
pois nele os princípios reformadores, o sentimento patriótico e o humanismo se
conjugaram em um programa de reforma religiosa intelectual e política. Com essa
afirmação, Gonzalez aponta para uma diferença fundamental entre ambos os
reformadores: em Lutero, a experiência religiosa que o levara à Reforma foi mística,
enquanto, em Zwínglio, tal experiência foi intelectual.
Grande intelectual e exímio músico, Zwínglio deixou sua vida de estudos e tornou-se
clérigo em 1506. Entretanto, questionava constantemente os dogmas e práticas da Igreja
Católica, ao passo que, quando foi instituído Cura de Zurique, adotou preceitos
diferentes do catolicismo e foi apoiado pelo governo local. Sua chegada a Zurique
corresponde aos períodos de turbulência alemã causados pela Reforma Luterana.
Gonzalez (1989, v. 6, p. 91) concluiu que as idéias de Zwínglio foram autônomas das
idéias luteranas, e que sua reforma foi uma reforma paralela a da Alemanha, que logo
começou a estabelecer contatos com ela, cuja origem, porém, era independente.
A teologia de Zwínglio, ainda que tivesse muito em comum com a de Lutero, divergia
da mesma em alguns aspectos. Ele era extremamente racionalista em sua perspectiva
teológica, traço da formação humanista. Tal postura refletiu-se diretamente no culto,
que se tornou extremamente didático em todas as suas partes. De acordo com Gonzalez
(1989, v. 6, p. 95), o racionalismo de Zwínglio mesclava-se com elementos do
neoplatonismo cristão de séculos anteriores, sendo o mais notável destes elementos a
tendência a menosprezar a criação material e estabelecer um profundo contraste entre
ela e as realidades espirituais (o grifo é nosso). Essa concepção foi decisiva para o
modelo de culto: a ênfase estava no racionalismo, encontrado na experiência subjetiva e
não nos atos exteriores, que, por sua vez, não tinham nenhuma eficácia na vida
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
95
religiosa. Desse modo, o culto deveria ser desprovido de formas exteriores que
pudessem deslocar o sentido racional do evangelho.
Havia, portanto, uma diferença básica entre Zwínglio e Lutero que originou, no
protestantismo, duas vertentes cúlticas bem distintas. Lutero procurava, por meio dos
ritos, criar dispositivos para a compreensão religiosa. Para ele, os ritos tinham uma
função didática e não gica, mas estavam presentes no culto, porque eram dotados de
significado. Em Zwínglio os ritos não podiam nem mesmo existir, porque desviavam a
racionalidade do momento do culto. Esse posicionamento, por exemplo, distanciou-o
muito da noção da centralidade da eucaristia, porque o reformador, diferentemente de
Lutero, não via na Ceia, em si mesma, um meio de graça ou uma norma de culto
estipulada pela igreja primitiva (Maxwell, 1963, p. 101). Houve uma racionalização do
aspecto místico da eucaristia e, por isso, não existia ênfase à comunhão freqüente.
Seu maior ataque foi ao cânon da missa romana, que considerava incoerente em
conteúdo e estilo. Porém, seu marco maior, em termos de práticas litúrgicas, foi a
proibição da música. Em 1525, na publicação do primeiro rito de alemão de Zurique, a
música foi abolida e substituída pela recitação dos salmos e cânticos. Essa prática
cúltica não perdurou por muito tempo, e, no final do século 16, o culto zwingliano já
havia introduzido os salmos e hinos cantados em sua ordem.
Contrário ao mistério que pode ocorrer durante o culto, Zwínglio dissipou o que sobrara
no protestantismo como meio de se obter um mínimo de emoção. A negação à música
mostra uma linha de pensamento que o aproxima de Calvino: o medo de que ela
obscureça, pela linguagem estética, a mensagem a ser ensinada. O elemento estético
aqui representa o trivial, o supérfluo, o descartado e o indesejado. Essa posição
pressupõe que a expressão religiosa possa realizar-se fora do contexto cultural, como
uma forma pura, não intersectada por outras instâncias da expressão humana. O
grande questionamento passa a ser, então, como obter prática cúltica desprovida de
formas de expressão. Parece que, em Zwínglio, a resposta veio favorecendo uma forma:
a forma didática e racional.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
96
2.3.3 O culto calvinista
Francês, Calvino teve contato com o protestantismo provavelmente por meio dos
humanistas com quem estudava. Ele é considerado o maior sistematizador da teologia
reformada, e a obra As Institutas é seu grande legado para as igrejas protestantes de todo
o mundo. Conceitos teológicos e práxis encontram-se minuciosamente elaborados nesta
coletânea, e mesmo aqueles que não são calvinistas reconhecem o valor acadêmico da
obra.
A França vivia uma instabilidade político-religiosa muito grande na época de Calvino, e
tal instabilidade, como mostra a história, foi responsável por muitas perseguições e
guerras internas entre católicos e huguenotes nome pelo qual eram chamados os
protestantes do país. O monarca Francisco I tinha atitudes ambíguas em relação ao
protestantismo na França, que crescia, independentemente disso, pelos diversos contatos
feitos pelos franceses que saíam do país para estudar. A política oscilante de Francisco I
fez com que muitos franceses se exilassem, e Calvino encontrou-se em tal situação no
ano de 1534. Deixando na França, a caminho de Estrasburgo, passou por Genebra e
se fixou por insistência do teólogo reformado Guilherme de Farel, que pediu sua ajuda
para propagar a nova fé na cidade.
Após cinco anos em Genebra, Calvino saiu da cidade por desentendimentos com os
burgueses locais e instalou-se em Estrasburgo, onde se deparou com um grupo de
exilados franceses. Estes foram entregues aos seus cuidados pelo reformador que lá se
encontrava, Martin Bucer. Foi ali que Calvino fez a segunda edição das Institutas, em
1539, produziu a primeira liturgia francesa e traduziu salmos e hinos para a sua língua
natal. Em meados de 1941, Calvino, a pedido do governo, retornou para Genebra e, ao
chegar lá, uma de suas primeiras ações foi redigir as Ordenanças Eclesiásticas, que,
aprovadas pelo governo genebrino, estabelecia, dentre outras coisas, que o governo da
Igreja ficaria nas mãos do Consistório, formado por cinco pastores e 12 leigos. Com isso
Calvino instaurou uma nova forma de governo no protestantismo; o governo
representativo composto igualmente por clero e leigos. Embora houvesse a
possibilidade de uma democracia no Consistório, a influência e autoridade de Calvino
eram grandes o suficiente para que este órgão aceitasse suas ordenanças sem
questionamentos. O maior problema de Calvino eram os intermináveis conflitos do
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
97
Consistório com o governo de Genebra e com a ala da alta burguesia que questionava
seus métodos e sua rigidez.
A grande luta de Calvino com os magistrados genebrinos estava diretamente
relacionada com suas concepções teológicas do culto e referia-se à questão da
eucaristia, que, para o reformador, era um momento que deveria estar presente em todo
culto conforme o modelo da Igreja Primitiva. Calvino não obteve êxito em sua intenção
e teve de se contentar não sem conflitos com a data fixada em apenas quatro
domingos por ano para a realização da Ceia. Ainda assim, sua ênfase cúltica era mostrar
a importância do sacrifício e da comunhão à igreja. Seu objetivo principal no culto era o
retorno às práticas da Igreja Primitiva e a maior fidelidade ao modelo descrito no Novo
Testamento.
Em Estrasburgo, local onde produziu a primeira liturgia, Calvino adaptou-se ao modelo
já seguido pelos franceses que estavam; o modelo de Martins Bucer. Bucer tinha uma
liturgia intermediária entre a de Lutero e a de Zwínglio. Até ser superintendente em
Estrasburgo, no ano de 1530, havia, predominantemente, uma liturgia luterana na
cidade. Entretanto, influenciado por Zwínglio, Bucer fez revisões radicais no modelo
luterano.
Maxwell (1963, pp. 120, 121) indicou as principais mudanças realizadas por Bucer na
missa luterana e mostrou-se crítico à maioria das revisões que, segundo ele,
empobreceram a liturgia. As orações aumentaram, mas se tornaram didáticas pela busca
da inteligibilidade e racionalidade no culto; desapareceu a maior parte das respostas da
congregação, ficando praticamente apenas o amém; as músicas foram eliminadas,
restando apenas o texto recitado em prosa e verso; todos os dias dos santos foram
eliminados, e as vestimentas clericais foram abolidas. Tais mudanças tornaram o culto
cansativo, extremamente didático e muito racional. Segundo Maxwell (1963, p. 123), o
rito de 1539 de Bucer, intitulado Psalter mit alter Kirchenunbung, foi muito importante
para a história das liturgias reformadas, porque dele derivam os ritos e serviços
calvinistas e escoceses.
O modelo usado por Calvino em Estrasburgo foi ligeiramente simplificado e usado,
depois, em Genebra, onde a prática cúltica anterior baseava-se no modelo de Farel,
também influenciado pelo modelo zwingliano. No modelo proposto por Farel, o culto
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
98
tinha a finalidade quase única de ensinar a Palavra de Deus. Portanto, os dois modelos
cúlticos de Calvino, o de Estrasburgo e o de Genebra, foram adaptações de cultos, cuja
influência racionalista e didática de Zwínglio se fazia presente. Não é possível afirmar
se Calvino aceitou e adaptou-se às condições do culto de Bucer e de Zwínglio ou se, de
antemão, concordava com esses modelos. Tendo Calvino respeitado as tendências
regionais que encontrou, não podemos deixar de relacioná-las ao seu próprio
pensamento, que, por certo, facilitou a adaptação dos modelos.
Ao verificarmos o que John Leith (1997, pp. 286-288) chamou de princípios básicos do
pensamento de Calvino a respeito do culto, encontramos algumas semelhanças entre ele
e o pensamento de Zwínglio. De acordo com Leith, são quatro os princípios do culto em
Calvino: 1) integridade bíblica e teológica; 2) ênfase na inteligibilidade; 3) liturgia a
serviço da edificação; 4) simplicidade litúrgica. O primeiro princípio pontuado por Leith
parece-nos extremamente abrangente, mas, analisando-o com base em outros princípios,
pode indicar uma rejeição a elementos que não o bíblicos. Desse modo, o pensamento
de Calvino aproxima-se muito mais do pensamento de Zwínglio do que do de Lutero.
Isso pode ficar mais nítido quando verificamos os princípios de inteligibilidade e
simplicidade que, de modo muito especial, levam à discussão dos elementos estéticos do
culto, como a beleza da música ou da arquitetura. Assim como em Zwínglio, tais
elementos, para Calvino, seriam obstáculos à verdadeira adoração, que deveria ser pura
e incontaminada por formas humanas.
A tendência zwingliana e calvinista de separar expressão humana e ação divina é notada
em vários teólogos e estudiosos do culto. A conclusão de Leith sobre o culto de Calvino
mostra a separação que o autor faz entre a expressão humana e o culto, provavelmente
resultado da influência do pensamento calvinista. Leiht (1997, p. 286) escreveu: Todo
verdadeiro culto é modelado, não pelos desejos humanos, mas pela manifestação que
Deus faz de si mesmo. Esse tipo de concepção de culto, como atividade que não pode
ser humana, tira-lhe todo o caráter expressivo, uma vez que expressão é ação humana, e,
ao mesmo tempo, enfatiza a compreensão bíblica, já que a Palavra revelada é ato divino
recebido pelo homem.
Esse é um ponto crucial no culto calvinista: nada da liturgia poderia desviar a atenção
ou atrair os sentidos a não ser aquilo que Deus desejava fazer. Dessa maneira, Calvino
fez inúmeras simplificações litúrgicas, despojou o culto de qualquer rito pomposo,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
99
simplificou a música cantada tornando-a monofônica e não aceitou nenhum tipo de
ostentação arquitetônica, como templos com entalhes artísticos ou ornamentados. O
culto calvinista, partindo de seus pressupostos básicos, teve características muito fortes
que o acompanharam em seu percurso.
A liturgia de Calvino primava pela centralidade da prédica. O reformador considerava
os ministros como sendo a boca de Deus e o sermão como sendo a palavra de Deus
(Leith, 1997, p. 198). A eucaristia exercia papel fundamental, mas, uma vez que os
magistrados genebrinos não permitiram a realização da ceia em todos os cultos, Calvino
não de realizar sua intenção litúrgica. Sobre esses dois elementos, Maxwell (1963, p.
139) escreveu:
Para Calvino os meios de graça eram dois e consistiam tanto na
Palavra como nos sacramentos. O ministério era um ministério de
palavra e dos sacramentos a tarefa e ofício de um ministro não
consistia somente em predicar e instruir, mas também em celebrar
todas as semanas a Ceia do Senhor e ensinar e instigar a congregação
a comungar semanalmente.
Leith (1997, p. 302), a respeito da postura de Calvino em relação à eucaristia e à
palavra, mostrou o quanto o reformador priorizava o elemento didático e racional do
culto:
Calvino, entretanto, concordou com o culto de pregação, sem os
sacramentos. Ele nunca teria concordado com os sacramentos sem que
houvesse a pregação e o ensino. As palavras pronunciadas na pregação
e no ensino eram necessárias para a inteligibilidade do culto e,
particularmente, dos sacramentos. O caráter pessoal e responsável do
culto tinha de ser mantido contra o elemento mágico que deixa de lado
a decisão pessoal e a responsabilidade.
A influência de Calvino foi grande por toda a Europa. Maxwell (1963, p. 142) relatou
que seu culto converteu-se em modelo para as igrejas calvinistas na França, Suíça,
Alemanha do Sul, Holanda, Dinamarca e outros lugares. Embora existissem variantes
locais todas as igrejas calvinistas européias seguiram a mesma família litúrgica
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
100
2.3.4 O culto anglicano
A igreja protestante da Inglaterra desenvolveu uma liturgia única na história do culto
cristão protestante. Segundo Maxwell (1963, p. 169), a igreja inglesa tinha uma teologia
calvinista e uma prática luterana, o que lhe conferiu esse aspecto cúltico peculiar. Sua
maior contribuição para o culto foi o Livro de Oração Comum, de 1549, usado por
vários países, influenciando os modelos litúrgicos de muitas igrejas.
Segundo Jaci Maraschin (1996, p. 47), em nenhuma parte do mundo reformado
apareceu com tanta coerência e beleza, obra semelhante ao primeiro Livro de Oração
Comum.... Para Maraschin, a produção do Livro equivale ao aparecimento da obra
teológica de Lutero, na Alemanha, e de Calvino, na Suíça e na França. Por isso,
Maraschin afirma que a Reforma Anglicana foi essencialmente uma reforma litúrgica.
A Reforma foi possível na Inglaterra após 1536, quando, por meio das Conferências
Anglo-Luteranas, Henrique VIII permitiu o acesso à teologia luterana. Com sua morte,
em 1547, Eduardo VI intensificou as idéias protestantes e incumbiu o então Arcepisbo
Cranmer a promover reformas na missa. Dois anos depois, o Livro de Oração Comum já
estava elaborado.
O Livro de Oração Comum significou o início de novas práticas religiosas no culto que
privilegiavam, dentre outras coisas, o culto na língua vernácula e a contextualização dos
ritos cristãos. Essa contextualização se deu principalmente pelo uso de alguns elementos
medievais que foram adaptados para a Inglaterra. O maior exemplo é a tradução para o
inglês de alguns cantos gregorianos realizada pelo músico anglicano Merbecke, que, ao
mesmo tempo, valorizava a tradição musical cristã e caminhava com o princípio de
inteligibilidade cúltica da Reforma. Resumidamente, o Livro preservava o caráter das
coletas, revisava profundamente o cânon e mantinha a Santa Ceia como parte essencial
do rito. Entre todos os modelos de culto do protestantismo, o culto anglicano era o mais
extenso e complexo liturgicamente embora a participação da congregação fosse grande.
Hahn (1989, p. 80) escreveu que a influência da Formula Missae de Lutero no Livro
inglês mostra que ele se constitui de fato numa liturgia reformada. O uso do Livro era
uma exigência política contra o romanismo estabelecida pelo Ato de Uniformidade.
Este Ato foi o centro das polêmicas posteriores sobre o uso ou não do livro. Partidos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
101
opostos iniciaram confrontos litúrgicos que discutiam, antes de tudo, a falta de liberdade
que o Ato proporcionava.
Por pressões extremistas, o primeiro livro não chegou a ser usado, e, assim, um segundo
livro, com uma drástica revisão, foi feito em 1552, eliminadas muitas partes da primeira
versão. Nesta versão, foi retirada a palavra missa do título, e aboliram-se as vestimentas
eucarísticas, alguns momentos musicais e de oração. A terceira revisão, a de 1559, teve
alterações ligeiras como a permissão das vestes eucarísticas e a restauração de algumas
orações. Depois de um período no qual a Inglaterra adotou o Diretório de Westminster,
o Livro de Oração Comum voltou a ser usado em 1662 na tradição da Igreja Anglicana
com uma nova revisão, que só foi alterada em 1928.
De determinada maneira, a Inglaterra ficou bem distanciada da proposta luterana de
conceder certa autonomia as igrejas locais. Independentemente da proposta litúrgica do
Livro de Oração Comum, o absolutismo com que foi imposto e a força dos governos
monárquicos fizeram com que ele não fosse bem-aceito em outros lugares da Europa.
Não como entender esse absolutismo anglicano se não o situarmos no contexto
político da Inglaterra, país que lutava veementemente contra o romanismo, ameaça
constante que sempre encontrava governos que lhe permitiam voltar como o
conhecido caso da rainha Maria, que, proibindo o uso do segundo Livro de Oração,
restabeleceu a missa romana por toda a Inglaterra.
2.3.5 Os modelos de culto na Escócia
A legalização da Reforma na Escócia só aconteceu em 1560. Nessa época, o livro usado
era o de Eduardo VI, rei da Inglaterra, até ser substituído pelo Livro de Jonh Knox. Este
foi expulso de Frankfurt, em 1555, e partiu para Genebra, onde ficou à frente de um
grupo de exilados ingleses. Lá, teve contato com o culto genebrino, o qual muito o
entusiasmou. Ainda em Frankfurt, fez uma ordem de culto calvinista que continha
ordens para celebração da Ceia, cerimônia de casamento, administração de batismo,
ordenação de ministro, visitação de enfermos e sepultamento. No final, o livro continha
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
102
o catecismo de Calvino e alguns salmos metrificados em inglês que, com o passar dos
anos, foram aumentando até chegar à versão completa do saltério genebrino.
O livro foi publicado em Genebra e, segundo Maxwell (1963, p. 146), deriva
diretamente do manual de culto de Calvino, embora tenha muitas evidências de um
espírito independente. A eucaristia tinha uma composição mais próxima do modelo
católico, e a liturgia da palavra, mesmo dividida em poucas partes, era mais extensa do
que as outras liturgias reformadas. Seu estilo influenciou a Escócia.
Embora o modelo de Knox tenha sido usado por quase 80 anos na Escócia, havia muitas
divergências sobre as formas de culto pelos partidos da Reforma. Alguns desejavam
uma aproximação maior com o Livro de Oração Comum, usado na Inglaterra, enquanto
outros o repudiavam totalmente. Entretanto, não é possível falar apenas em diferenças
de opiniões litúrgicas; talvez, nem mesmo teológicas. As lutas sobre liturgia envolviam
questões políticas e sociais específicas de cada região.
Movimentos extremados surgiram por toda a Europa, enquanto a Reforma expandia-se,
e foram moldando os cultos protestantes regionais a partir dos principais modelos. A
Escócia foi o palco onde muitas tensões político-religiosas aconteceram, e, assim, o
culto sofreu diretamente essa situação de confronto. em um período mais distante do
início da Reforma de Lutero, estes movimentos acabaram por influenciar o culto
protestante de forma geral, por toda a Europa, mudando alguns enfoques originais e
conferindo novos formatos litúrgicos.
2.4 Os movimentos litúrgicos da Europa dos séculos 17 e 18
Como vimos, a Reforma Protestante gerou vários modelos de culto que variavam
segundo a concepção teológica dos reformadores, e, assim, as regiões européias
acabaram criando certa autonomia litúrgica. Se, por um lado, podemos encontrar a
diferenciação regional ligando os locais à ação dos reformadores da região, por outro, as
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
103
características litúrgicas locais não se baseavam apenas em concepções teológicas, o
que quer dizer, religiosas. As liturgias protestantes foram influenciadas pelas condições
e posicionamentos políticos dos países europeus. Por muitas vezes, uma posição
litúrgica era assumida para garantir o poder local, conferindo-lhe autoridade política. As
infindáveis discussões de Calvino com os magistrados genebrinos, por exemplo,
mostram como influências políticas acabaram por determinar um modelo cúltico que,
mesmo depois de resolvidos os dilemas continuou a ser empregado, porque passou por
um processo de assimilação cultural. Portanto, a história do culto europeu,
principalmente nos primeiros séculos do protestantismo, não denota puro dilema de
práxis teológica. Antes, as resistências e os atos absolutistas de imposições litúrgicas
estavam perpassados por condições de poder.
Na realidade, o protestantismo passava por condições difíceis por romper com uma
condição dominante do campo religioso, o catolicismo. Por isso mesmo, entende-se que
o culto era o reflexo e a vivência de tais condições. Ele se tornara também uma forma de
resistência, quer entre uma situação de oposição ao catolicismo, quer como uma postura
de afirmação de concepções mais específicas das condições políticas locais.
A partir dos principais modelos cúlticos, versões e adaptações foram feitas em relação
aos posicionamentos com os modelos praticados. Movimentos antilitúrgicos, resultantes
de posicionamentos teológicos, surgiram pela Europa nos séculos 16 e 17. Entre eles, os
que mais influenciaram os cultos locais foram o puritanismo inglês, o pietismo e o
racionalismo alemão.
O puritanismo se impôs fortemente na Inglaterra contra o uso do Livro de Oração
Comum, mas a resistência não se iniciou com o modelo proposto pelo livro, mas sim
com a imposição de seu uso. Podemos identificar um foco de resistência pelo grupo
puritano dos escoceses que iniciou uma revolta quando Carlos I, em 1636, determinou
que a Escócia não mais usasse o modelo desenvolvido a partir de Jonh Knox, mas que
adotasse, em unanimidade, o Livro anglicano. Os puritanos, que podiam ser encontrados
em dois tipos de igrejas, nas presbiterianas e nas independentes (que, depois, receberam
o nome de congregacionalistas), uniram-se contra a ordem de Carlos I. Para eles, a
aceitação da imposição de Carlos I significaria a subordinação da Escócia à Inglaterra,
e, assim, a revolta puritana aliou-se ao Parlamento para confrontar a autoridade de
Carlos I. A luta se tornara política.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
104
Nesse contexto, o Sínodo de Westminster foi formado: o Parlamento pediu que um
grupo de teólogos e leigos instruídos se reunisse para pontuar as principais questões
teológicas e decidir uma forma eclesiológica para as igrejas da Inglaterra e Escócia. O
Sínodo acabou por decidir-se pelo modelo presbiteriano de governo, produziu uma
Confissão de e criou um modelo para orientação litúrgica, o Diretório de
Westminster. Este modelo era muito próximo ao modelo usado pelos escoceses, o
modelo de Knox, e por tal motivo, não foi muito usado nos cultos escoceses. De fato, o
Diretório tinha uma clara intenção: criar uma unidade que não fosse a imposta pelo
livro de Carlos I.
Sobre o Diretório, Maxwell (1963, p. 102) escreveu que significou uma amálgama e
um compromisso com certa unidade. O Diretório, relatou Hanh (1989, p. 108), foi
produzido com um padrão de uniformidade mínima de liturgia para as igrejas nacionais
da Inglaterra, Gales, Irlanda, Escócia, assim como para a Episcopal e Independente.
Leith (1997, p. 306) relatou que uma das questões levantadas pelo Sínodo foi que o
Livro de Oração Comum não privilegiava a palavra nem o ensino. Por isso, o Diretório
tinha a intenção de trazer esse elemento para o centro do culto, constituindo-o em seu
principal momento. É marcante, na liturgia do Diretório, o lugar concedido à leitura e à
pregação. O estilo é bem simples e aproxima-se dos modelos puritanos. O Diretório foi
usado pelo presbiterianismo de fala inglesa durante três séculos.
Outra tentativa puritana que criar um modelo que, ao mesmo tempo, agradasse aos
puritanos e afastasse o modelo anglicano veio diretamente da Inglaterra, com Richard
Baxter. Conhecida como a Liturgia de Savoy, por ter sido apresentada na Conferência
de Savoy, este modelo seguia as linhas do Diretório, mas, aparentemente, nunca foi
usado. Produzido em 1661, o modelo de Baxter foi sufocado pela imposição do uso do
Livro de Oração Comum por Carlos II. Novamente, houve muita reação por parte do
partido dos não-conformistas, e nenhum modelo cúltico foi adotado, apenas a negação
do ato absolutista tomou conta deste grupo.
O Diretório foi usado na Escócia apenas no início de 1700, como forma de resistência à
união dos parlamentos. Por tal motivo, Hahn (1989, p. 106) declarou que o Diretório
tornou-se a Escócia na época em uma espécie de salvaguarda e brado de guerra contra
o perigo de ser engolida pela Inglaterra. Como pode ser notado a Escócia teve uma
postura litúrgica que foi construída em meio às lutas internas, e todas as imposições de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
105
modelos cúlticos que sofreu tiverem uma conotação de posições dominantes. Por isso,
os escoceses desenvolveram aversão às formas fixas de liturgia, e tal pensamento
passou a ser fortemente difundido pelos imigrantes que foram para os Estados Unidos.
Hahn (1989, p. 108) afirmou que, no final do século 18, o culto escocês era desnudo e
o sermão tornara-se tudo. Paulo Anglada (1997, pp. 14, 15) relatou:
No século XVII dezenas de teólogos e pastores puritanos escoceses e
ingleses dos mais expressivos (...) escreveram tratados e outros tipos
de escritos defendendo e aplicando o princípio regulador do culto,
condenando a imposição de cerimônias, festividades religiosas, gestos
e símbolos não fundamentados nas Escrituras.
Essa atitude antilitúrgica dos puritanos influenciou principalmente o presbiterianismo,
motivo pelo qual, na maioria das vezes, tal posicionamento é chamado de puritano-
calvinista. Desse modo, o culto calvinista, já desprovido de valores estéticos, afastou-se
ainda mais dos rituais simbólicos, criando aversão por tudo o que não estivesse
explicitado nas Escrituras. Enquanto, para Lutero, os ritos eram analisados para a
verificação se não confrontavam as Escrituras, no puritanismo-calvinista, o que não
estivesse na Bíblia não poderia ser produzido de forma ritualística. Era o Princípio
Regulador do Culto, que estabelecia um pré-julgamento de elementos não encontrados
na Bíblia como impróprios para o uso cúltico. A atitude dos puritanos foi acentuada
pelo Sínodo de Westminster, mas não foi criada por este.
Mesmo não encontrando tantas tensões como na Inglaterra, por ter adotado um política
litúrgica mais flexível, a Alemanha também sofreu drásticas alterações no culto
protestante. No início do século 19, o culto alemão se encontrava desprovido dos
sacramentos, tornando-se extremamente racional e didático. Essa situação foi
desenvolvida historicamente após a Guerra dos Trinta Anos, que trouxe conseqüências
terríveis à nação como pobreza, doenças e ignorância às novas gerações. Os pastores
protestantes foram mortos ou se encontravam em condição semelhante à da maioria, de
extrema pobreza e dificuldades para o desenvolvimento de seus ministérios.
Um dos grandes problemas enfrentados pelo clero protestante da época foi sanar a
grande superstição da geração pós-guerra. Para trabalhar com essa situação, o culto
legalista tornou-se um paliativo. A liberdade luterana foi quase esquecida por parte dos
ministros. Estes não encontravam outra solução para reeducar religiosamente o povo a
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
106
não ser por sanções proibitivas e mecanismos de controle, alterando significativamente
o sentido próprio da existência do culto. As palavras de Hahn (1989, p. 96)
exemplificam a situação: O escolasticismo clerical e a burocracia governamental
reduziram a vida da Igreja e o culto a níveis mecânicos. A Igreja tornou-se mais e mais
um departamento do governo civil, com multas pela falta de freqüência aos cultos.
Diante da situação de rígido controle sobre o culto, grupos oposicionistas levantaram-se
para pedir liberdade litúrgica. O pietismo alemão foi um dos movimentos que
reivindicou uma nova proposta de modelo cúltico e buscou uma religiosidade mais
subjetiva e menos controlada pela Igreja. Seu principal líder foi Phillip Jacob Spener,
que, em 1675, publicou o Pia Desideria (Desejos Pios) contendo propostas de reformas.
Embora esse movimento não tenha causado cismas, originou uma prática além do culto
da igreja: a de reuniões nos lares durantes as tardes de domingo. Nestas reuniões, lia-se
a Bíblia, discutia-se o cotidiano das pessoas e orava-se. Enfim, buscava-se um momento
mais íntimo e pessoal que não poderia ser obtido nos cultos de extrema rigidez. Os
líderes de tais reuniões eram leigos e recebiam instruções teológicas para desenvolvê-
las. Rapidamente, o modelo se espalhou por toda a Europa, e o pregador leigo foi a
figura de maior destaque do movimento.
Além do pietismo, o culto alemão sofreu a influência do racionalismo alemão. Embora
o racionalismo fosse uma idéia espalhada por toda a Europa, foi na Alemanha, no final
do século 18 e início do 19, que esse movimento afetou a prática cúltica. Segundo Hahn
(1989, p. 97), o racionalismo fez dura oposição ao conceito de naturalismo e à idéia de
revelação real de Deus. Ainda que não caiba aqui a discussão dos desdobramentos
teológicos desta idéia, o fato é que o culto adquiriu um caráter maior de racionalidade.
Como vimos, a noção de racionalidade está ligada às concepções humanistas, e, desde
Zwínglio, essa influência pode ser notada no culto. Contudo, na Alemanha, o culto
luterano havia se guardado devido à forte presença dos ritos sacramentais e outros
elementos permitidos por Lutero.
Depois da Guerra dos Trinta Anos, a busca de uma racionalidade no culto já pode ser
notada na Alemanha, porque esse momento deveria ser, acima de tudo, um momento de
reeducação. Razão e didática são inseparáveis, uma vez que a primeira encontra seu
exercício na atividade cognitiva dos agentes. É fácil perceber, então, que a conseqüência
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
107
imediata do culto racional foi o foco no sermão altamente elaborado e no abandono de
elementos que pudessem ser relacionados com o mistério e a adoração.
Esses movimentos litúrgicos da Europa que tiveram, basicamente, suas ações nos
séculos 17 e 18, criaram certa homogeneidade no culto que foi intensificada ainda mais
com os movimentos avivalistas, que trouxeram um novoelemento ao culto: a emoção.
Tais movimentos tiveram dois focos: a Inglaterra e os Estados Unidos.
Na Inglaterra, o movimento avivalista teve como líder John Wesley (1703-1791),
ministro anglicano que buscava uma reforma interna na igreja inglesa. Sem pretensões
de cisma, o movimento wesleyano acabou por fundar uma nova igreja, a Metodista. A
Inglaterra do século 18 vivia as conseqüências da Revolução Industrial, que gerou
desempregos e miséria a toda a nação. Segundo Duncan Alexander Reily (1991, p. 14),
a religião na Inglaterra havia se tornado formal, moralista e inerte, gerando uma erosão
doutrinária que teve como conseqüência a decadência moral do povo: leis cruéis e
discriminatórias aos pobres; esportes bárbaros e desumanos; negligência aos pobres e
marginalizados; alcoolismo, imoralidade aberta, etc.
Nesse quadro, Wesley preconizou um avivamento no sentido de que a Igreja exercesse
um papel que não fosse meramente formal na vida social da Inglaterra. Seu movimento
sofreu influências do puritanismo e do pietismo e enfatizava a experiência pessoal da
conversão e da santificação. Wesley era compositor e pregador e realizava seu
ministério em reuniões informais que aconteciam em salões ou praças públicas. Após
um sermão de intenso apelo pessoal, os hinos de Wesley e de seu irmão, Charles
Wesley, reforçavam o apelo à vida de santificação e tocavam profundamente os
presentes. Estas reuniões metodistas tornaram-se um modelo próprio no qual a emoção
era o principal elemento. Embora não existisse a intenção litúrgica de renovação, elas
acabaram por criar um tipo específico de culto muito usado na América e,
posteriormente, no Brasil.
Atingida por movimentos que acabaram por romper com a tradição litúrgica anglicana,
a Inglaterra sofreu, no século 19, o que Maraschin (1996, p. 30) chamou de
reavivamento litúrgico e musical. O chamado Movimento de Oxford pretendeu restaurar
as antigas formas tradicionais mais vinculadas ao culto católico, resgatando os ofícios
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
108
latinos e o uso do canto-chão. De fato, se a Europa viu uma espécie de declínio litúrgico
nos séculos 18 e 19, houve um retorno aos modelos mais tradicionais posteriormente.
2.5 O culto norte-americano
O primeiro ofício protestante realizado na América do Norte foi em 1579, na costa oeste
da Califórnia, pelo capelão Francis Fletcher, que se utilizou do Livro de Oração
Comum. Segundo Hahn, (1989, p. 113), o livro inglês sempre esteve por detrás do culto
nos EUA, não pelo uso, mas porque os não-conformistas que foram para o novo país
traziam sempre à mente a sua relação, nada favorável, a esse livro. Porém, o novo
território modificou consideravelmente as estruturas tradicionais do culto protestante.
As condições de fronteira legitimavam a flexibilidade dos modelos cúlticos, e as
discussões, que não eram poucas, chegavam a conclusões abertas, recomendando a
observação das circunstâncias. Não dúvidas de que o diálogo com o ambiente abalou
profundamente os modelos litúrgicos europeus.
Além das condições especiais encontradas nos Estados Unidos, muitos imigrantes que lá
chegaram levaram consigo as influências do movimento puritano. Hahn (1989, pp. 114,
115) observou que muitos destes puritanos ingleses entraram na América entre 1628 a
1640 e tornaram-se congregacionalistas na forma de governo embora calvinistas na
doutrina.
Os puritanos dos EUA, no entanto, distinguiam-se por um espírito missionário, uma
noção de que eram imbuídos da tarefa de estabelecer um modelo puritano onde existisse
possibilidade. Tal concepção ficou conhecida como Destino Manifesto. Assim, eles se
tornaram o núcleo do american way of life. Estes puritanos adotavam um estilo de culto
influenciado pelo Diretório de Westminster e pela Liturgia Calvinista de Genebra.
Durante um bom tempo o Livro de Oração Comum exerceu influência junto a outros
modelos. Contudo, seu uso foi abandonado com o tempo, ficando praticamente um
estilo puritano de liturgia imperando sobre o culto norte-americano.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
109
Se na Inglaterra e Escócia, os puritanos tinham conseguido uma reação desfavorável
aos modelos litúrgicos mais elaborados, nos EUA essa situação agravou-se por motivos
circunstanciais como as condições sociais da fronteira, as condições políticas da Europa,
que provocaram um êxodo para o novo território, os movimentos teológicos e a falta de
ministros para o ofício cúltico. As reuniões que discutiam os aspectos do culto
protestante determinavam que os modelos cúlticos fossem observados, mas com muita
cautela em relação ao ambiente. O culto presbiteriano sofreu grande influência dessa
flexibilidade americana, e Hahn (1989, p. 117) declarou que o Diretório de
Westminster, informalmente adotado, tinha a ressalva de ser observado onde as
circunstâncias permitissem e a prudência cristã recomendasse.
Talvez, os EUA pudessem ter seguido os acontecimentos europeus posteriores e
assimilado os modelos tradicionais das liturgias protestantes. Entretanto, a América,
nessa situação de adaptabilidade litúrgica, presenciou outro embate sobre o culto.
Caminhando na sua marcha para o oeste nas colônias inglesas, o culto, já flexível às
condições de fronteiras, recebeu a influência direta dos movimentos de reavivamento
13
.
Estes reavivamentos americanos historicamente começam em 1734 com Jonathan
Edwards
14
e ganharam força com a chegada de George Whitefield
15
, da Inglaterra. A
teologia desse primeiro momento do avivalismo norte-americano ainda era calvinista,
mas, aos poucos, passou a enfatizar a maior liberdade e autonomia do sujeito no
processo de salvação.
Em um segundo momento, já no século 19, a predominância teológica tinha se tornado
arminiano-avivalista
16
. Era a época da Era Metodista
17
. O metodismo foi a religião que
trabalhou rumo às novas ocupações no território americano. O movimento metodista
ganhou um reforço maior ainda, nos Estados Unidos, ao apelo pessoal de conversão e
13
Sobre esse assunto, indicamos a leitura dos livros A religious history of the american people, de Sydney
Ahlstrom (1973), e Revivalism in America, de Willian Sweet (1944).
14
Jonathan Edwards (1714-1770) era pastor congregacional norte-americano.
15
George Whitefield (1703-1770) era um teólogo calvinista, mas influenciado pela prática metodista de
pregação. Foi missionário nos EUA e liderou o primeiro reavivamento das igrejas do país junto com
Jonathan Edwards. Sobre sua biografia, indicamos a leitura de George Whitefield: the life of the great
evangelist of the eigteenth-century revival, de Arnold A. Dallimore (1975).
16
O termo arminianismo vem do nome Jakobus Arminius (1560-1609). Arminius era teólogo
reformado holandês e foi grande crítico da teologia calvinista sobre a predestinação. Ele enfatizava o
livre-arbítrio na salvação. As teologias avivalistas muito se baseavam na idéia de Arminius e, por tal
motivo, empenhavam-se sobremaneira para convencer o indivíduo de sua condição pecaminosa. Na
prática, essa atitude resultou nos extensos sermões dos pregadores avivalistas.
17
Indicação histórica de J.Gould Hayman, History of the methodist revival (s/d).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
110
santificação, e o resultado cúltico foi a ênfase nos sermões emocionais. Assim, o culto
norte-americano, que já se mantinha distante dos parâmetros litúrgicos da Europa,
sofreu o embate dos avivamentos e tornou-se um modelo que basicamente privilegiava
os sermões emocionais, acompanhados por hinos também emocionais.
Nesse cenário de avivamentos, os camp meetings (acampamentos) também
influenciaram os modelos cúlticos. No começo, eram realizados com o objetivo de
reuniões para oração, cânticos e pregação, mas logo se transformaram em locais para
evangelização. Essa prática, inicialmente usada por presbiterianos e metodistas, ficou
depois restrita às igrejas metodistas. Segundo Velasques (1990, p. 85), predominavam
nestas reuniões manifestações emocionais violentas. As manifestações emocionais e o
estilo informal dos acampamentos influenciaram os modelos cúlticos americanos. A
idéia de evangelismo partia essencialmente de tocar as emoções humanas por sermões e
cânticos emocionais. O estilo do Movimento Metodista, que se prolongou até meados
do século 19, foi, de fato, o que conseguiu romper radicalmente com o culto europeu,
indo além da expectativa de ajuste às condições de fronteira.
Inserido em todos esses fatos e circunstâncias, o culto norte-americano não teve, como
nos exemplos europeus, modelos litúrgicos que privilegiassem os sacramentos e os ritos
mais objetivados. As igrejas luteranas e anglicanas, pela origem mais ritualística de seus
cultos, não sofreram tantos abalos quanto as outras denominações, mas, mesmo assim,
tiveram de adaptar-se às novas condições.
Todas as novas situações norte-americanas deram um contorno específico ao culto. Um
aspecto importante que colocamos em ressalva é a homogeneização dos cultos, muito
embora o protestantismo norte-americano tenha se baseado no denominacionalismo
excessivo
18
. O denominacionalismo teve muitas características, e uma delas foi a união
interdenominacional para uma ação em comum: a ão missionária. Um paradoxo é
visível nesse contexto norte-americano: embora seu campo protestante fosse bem
fragmentado, os modelos cúlticos não divergiam muito. Essa situação devia-se à
influência de teologias avivalistas que conferiam um caráter difuso às denominações
18
Para estudar o denominacionalismo norte-americano, indicamos a leitura de Nieburh: As origens
sociais das denominações cristãs. Nesta importantíssima obra, o autor mostra as divisões
denominacionais da América do Norte e como as questões sociais, específicas às condições desse país,
ajudaram na construção dessas denominações. Ainda sobre a estrutura denominacional do protestantismo
americano, indicamos a obra American protestantism, de Winthrop Hudson (1961).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
111
específicas. Esse amálgama cúltico é uma característica presente nos missionários norte-
americanos que chegaram ao Brasil.
Com um culto não-litúrgico ao extremo, o que aconteceu com a produção musical?
Seguindo a tendência cúltica, a produção musical do protestantismo norte-americano foi
influenciada pelos movimentos de avivamento e pelo forte apelo evangelístico
resultante. Em termos estilísticos, seu desenvolvimento ocorreu a partir da hinódia,
embora o saltério tenha sido usado inicialmente nos Estados Unidos. Esses modelos
foram as grandes produções musicais do protestantismo, as quais passamos a explicar.
2.6 A produção musical do protestantismo
O catolicismo tentou criar uma produção musical religiosa pura, ao criar escolas
especificas para essa arte, destinada à uma parte especializada do clero. O resultado
dessa tentativa foi o canto-chão, que significou a criação e a separação de um estilo
técnico e formal para o canto religioso. Acontece, porém, que o canto-chão utilizou
modos musicais gregos para a constituição melódica dos cânticos. O que dizer então?
Existe uma música genuinamente religiosa? Ora, é premissa deste trabalho que
nenhuma forma de expressão religiosa seja pura. Ao contrário, afirmamos que todas as
expressões cúlticas estão inseridas em um contexto social e cultural. Entretanto, a
despeito de opiniões, a discussão de uma genuína música sacra se faz presente no
campo religioso protestante.
De fato, todas as religiosidades cristãs buscaram um protótipo de música que pudesse
ser separada para o ofício cúltico. Embora essa concepção encontre sua versão
institucional com o catolicismo, torna-se mais complexa no protestantismo, porque,
neste, houve a negação de um estilo musical já consagrado como sacro. Aliás, o
protestantismo dessacralizou diversos elementos e expressões cúlticas do catolicismo.
Então, como voltar a sacralizar a música? De fato, Lutero não manteve tal discussão.
Ele não sacralizou a música, mas a colocou apenas como expressão religiosa. Assim, a
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
112
Reforma Protestante abriu o leque da discussão, ao possibilitar que determinadas
melodias profanas fossem cantadas com letras do Evangelho. Desse modo, a música
não era mais sacra, mas se tornara religiosa. E o que significa isso? Qual o critério para
identificar uma música religiosa?
Maraschin (1983, p. 15), ao deparar-se com essa questão, afirma que a definição de
música religiosa não passa pelos aspectos estilísticos, mas sim pela mensagem
referencial dessa produção. O autor escreveu:
Que é música sacra? É a sica na qual a mensagem referencial e a
emotiva tornaram-se mais importantes para determinado grupo social
do que a estética. Nesse caso, sica sacra ou religiosa, é menos
música e mais sacra. Em outras palavras, o referencial passa a
adquirir tamanha importância que já não é a mensagem estética a
determinante, mas o texto que a acompanha.
A referência feita à música sacra é a mesma feita à música religiosa. Maraschin deixa
clara a preocupação extrema com a mensagem poética, e, portanto, teológica, da música
religiosa esta é a parte que a distingue da que não é. A partir de uma referência poética
é que o estilo musical passa a ser questionado. Nasce da tentativa de criar um tipo
puro de música religiosa estilisticamente distinta.
Portanto, iniciando-se no princípio da mensagem referencial teológica, a preocupação
estética vinha em segundo plano. Entretanto, é nesse segundo plano que a produção
musical ganhou maior discussão no protestantismo. A teologia estava e está sempre
iminente nas composições musicais. Era a parte divina revelada. Mas o estilo musical
dependia, em grande escala, das tendências e conhecimentos culturais dos compositores.
Na falta de um modelo musical clerical, o protestantismo viu-se cada vez mais atrelado
no emaranhado de idéias e tendências valorativas de seus pensadores. Dessa forma, as
distinções entre os reformadores geraram estilos próprios para a música. O que se vê,
entretanto, é que, a despeito das inúmeras tentativas, a música religiosa não encontrou
uma forma pura e totalmente autônoma das culturas.
A falta de um modelo clerical n
ão trouxe conseqüências apenas nas posições
diferenciadas em relação à produção musical. Essa situação gerou um problema interno
no monopólio clerical da produção religiosa. Algumas perguntas se tornam inevitáveis:
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
113
qual a autonomia do produtor musical do protestantismo? Ele pode ser considerado um
especialista religioso? Qual a posição desse agente musical no campo religioso?
2.6.1 Os agentes musicais do protestantismo
Em primeiro lugar, cabe uma discussão sobre o que chamamos de agente musical. Ele é
qualquer indivíduo, independente do grau de especialização, que opera alguma ação
musical durante o culto. Esse tipo de serviço é tipicamente religioso. Ou seja, um
músico protestante pode desempenhar sua função profissional e o ser um agente
musical. Nesse caso, ele trabalharia secularmente com música, mas não desenvolveria
nenhuma atividade cúltica nesse sentido. Por outro lado, um indivíduo o-profissional
na área pode, geralmente por condições inatas, desenvolver uma atividade musical no
culto, sendo caracterizado, assim, como agente musical. Embora a distinção pareça sem
efeito, traz a delimitação espacial cúltica da atividade musical.
O culto medieval do catolicismo tinha criado uma especificação clerical que era a de
músico. Os clérigos músicos detinham o monopólio da produção musical. O clero era de
fato quem detinha o capital e produzia os mais variados bens religiosos, inclusive a
música. Acontece que o protestantismo não se preocupou com a formação de clérigos
especializados em música. Sua preocupação inicial foi essencialmente teológica, e essa
foi a única preparação e formação dos ministros protestantes. Assim, a separação entre
leigos e clero ocorreu, no protestantismo, pela distinção do versado em teologia, o
pastor, a partir do acréscimo de conhecimento teológico, ou seja, do acúmulo de
conhecimento de um lado e da ignorância leiga de outro. Esse conhecimento teológico
do clérigo protestante permitia-lhe e ainda permite dizer que tipo de produção
musical era adequada ao culto. Em outras palavras, o teólogo determinava o que era
música litúrgica e, de forma geral, sua concepção teológica interferia na produção.
Sabemos, entretanto, que a produção musical é, acima de tudo, produção cultural, e, por
tal motivo, é impossível não existir ligação de culturas musicais locais com o que é
produzido para o culto. Quando Gregório Magno quis criar uma música para o culto,
usou toda a concepção da época de resgate das idéias filosóficas gregas, as quais eram
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
114
colocadas sobre o ápice do saber. Assim, o canto-chão representava, na música da
igreja, o fascínio pela cultura grega. De igual modo, a história da música mostra o
desenvolvimento incrível de formas religiosas e seculares que se mesclavam
continuamente durante toda a Idade Média até a Renascença. Isso tudo quer dizer que,
de acordo com as teologias e as regiões, a música religiosa ganhava contornos
específicos. Mais ainda, isso quer dizer que, de acordo com o pensamento teológico
sobre determinada cultura local, é que a produção se realizava.
Com a Reforma, não foi diferente, e a esse fato deve-se somar a atitude anticatólica, que
rejeitava as formas musicais eruditas produzidas para a missa. O anti-catolicismo tinha
timbres diferentes, como já vimos, e nisso se inclui mais uma variável às possibilidades
de produção. De fato, por uma série de fatores, a música ganhou no protestantismo uma
gama de variações locais e denominacionais. No entanto, independentemente das
circunstâncias, era uma produção que dependia da ação leiga.
Desse modo, o que se viu formar na área musical do protestantismo foi que, embora o
teólogo tivesse a legitimação de dizer o que deveria ser produzido, o era especialista
musical e precisava da ação de um agente externo ao círculo de produtores. Sem dúvida,
essa situação não acontecia em todos os casos, sendo o maior exemplo o do próprio
Lutero, compositor de vários hinos alemães conhecidos até hoje. Mas, tal fato, acontecia
com a maioria das liturgias protestantes, e, dessa forma, embora o protestantismo
tivesse tido uma preocupação até mesmo rígida com a questão da música, em alguns
casos o seu clero não era preparado para dar conta de tal produção.
No início do século 16, isso não pareceu problemático, mas os desenvolvimentos
posteriores mostraram que essa situação foi cara ao culto protestante. Os primeiros
reformadores e as principais igrejas locais contavam com músicos gabaritados e de alta
qualidade para produzirem o que era pedido. O problema foi com a continuidade dessa
tradição de qualidade, quando o protestantismo saiu do continente europeu. Se a
escassez de pastores já contribuía negativamente para o desenvolvimento do culto, a
ausência de músicos era ainda maior e provocou danos nocivos à liturgia.
Não como detectar um motivo para a não-formação musical para o clero protestante.
Isso pode parecer positivo, uma vez que coloca a participação leiga como efetiva para
que o culto aconteça. E de fato, isso acontece de certo modo não com a produção,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
115
mas também e principalmente com a reprodução musical nos cultos, realizada na
maioria das vezes pela congregação. Porém, no âmbito da produção musical litúrgica,
há muitas restrições à participação do leigo. Este é o executor e não o produtor. Para que
a produção ocorra de acordo com a vontade do clero, que determina os limites estéticos
mesmo sem dominá-los, o agente musical leigo tem de estar com o habitus litúrgico
totalmente incorporado. Caso contrário, haverá um tipo de resistência às características
típicas dos grupos distintos, clero e leigos. Essa é uma contradição interna à produção
musical cúltica do protestantismo.
Não temos como mostrar o que essa situação causou e tem causado no protestantismo
europeu. Talvez lá, por questões teológicas e principalmente culturais, a participação
leiga seja totalmente harmonizada com o tipo de produção formatada pelo clero.
Paralelamente à produção musical católica, que no século 16 baseava-se essencialmente
no Canto Gregoriano e na Polifonia Vocal, o protestantismo europeu, libertando-se dos
princípios pedagógicos de Lutero e Calvino, produziu formas musicais consagradas pela
história como corais, motetos, missas, cantatas, paixões, oratórios, salmos, hinos e
antífonas.
Contudo, mesmo o protestantismo tendo esse legado musical na história que por
diversos momentos, inclusive, ditou tendências estéticas, seus exímios produtores não
eram especialistas cúlticos. Basicamente, os músicos protestantes eram reconhecidos
pela técnica no meio secular e aproveitados para a produção religiosa. O queremos
enfatizar não é a produção musical em si, mas o sentido inverso que o processo de
produção religiosa assume nessa área. No protestantismo, a produção musical religiosa
saiu das mãos dos clérigos e passou a depender do trabalho religioso leigo. Trata-se,
portanto, de um terreno onde as possibilidades de tensões e insatisfações tornaram-se
maiores.
De qualquer forma, não temos a intenção de pontuar lutas específicas, mas mostrar a
contradição nesta área do culto que, dependendo de condições internas e externas ao
campo, pode resultar em grandes tensões. Por enquanto, levantamos apenas uma
questão dessa tensão, procurando detectar sua gênese estrutural.
Os diferentes modelos cúlticos utilizaram-se de estilos musicais que, como nos
modelos, influenciavam-se mutuamente. Neste trabalho, abordaremos duas grandes
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
116
concepções musicais protestantes, a hinódia e a salmódia, porque ambas influenciaram
a produção musical norte-americana e, posteriormente, a brasileira. O anglicanismo é
um caso à parte, que, com certeza, mereceria destaque, mas infelizmente o temos
como fazer uma explanação desse caso específico
19
. As duas tradições aqui esboçadas
foram responsáveis por quase todos os desdobramentos musicais posteriores do
protestantismo tanto no aspecto de concepções quanto em estilos musicais.
2.6.2 A música em Lutero
Não há como falar em música no protestantismo sem falar em Martinho Lutero. Neste, a
música tornou-se um poderoso instrumento de divulgação da nova igreja reformada. O
primeiro estilo musical reformado e que influenciou outros estilos musicais foi o Coral.
Martinho Lutero foi o criador deste estilo harmônico que se opunha ao estilo polifônico
dos corais católicos. O coral de Lutero caracterizava-se pela língua vulgar (ao invés do
latim), pela métrica versificada e silábica, cantado em uníssono e a capela. O Coro tinha
a finalidade de acompanhar a congregação, mantendo-a fiel à música cantada. Embora a
simplicidade musical fosse buscada para que o texto cantado pudesse ser compreendido,
Lutero não se opunha à arte musical, mas a considerava como uma graça dada por Deus
e que, por tal motivo, servia muito bem para expressar louvor a Ele.
Martinho Lutero apropriou-se tanto de hinos latinos e medievais, todos traduzidos para
o alemão, até canções populares da época, cuja letra era substituída por uma religiosa.
Henriqueta Braga (1958, p. 19) transcreveu o texto escrito por Lutero em uma coletânea
publicada em 1571, na qual, junto ao título, vem a expressão que demonstra a função da
música nas mãos do reformador:
Canções de rua, canções de cavaleiros, canções montanhesas,
transformadas em canções cristãs e morais para fazer desaparecer com
o tempo o mau hábito que se tem de cantar cançonetas ligeiras nas
ruas, nos campos e em casa, substituindo-as pelos belos textos
espirituais e honestos que aqui se encontra.
19
Sugerimos a leitura do livro de Jaci Maraschin A Beleza da Santidade, que traz especificamente os
desenvolvimentos da música na Igreja Anglicana.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
117
Então, qual a diferença entre a música sacra e a profana na visão de Lutero? Com a
intenção de fazer o povo cantar a nova fé, Martinho Lutero valeu-se de diferentes estilos
musicais, cujas letras determinavam a sacralidade. Portanto, desde o início da música
protestante, podemos notar a presença marcante das canções populares lado a lado com
músicas mais complexas e eruditas. Também sobre esse fato, escreveu o hinólogo
Edmund Keith (1960, p. 58), que afirmou que Martinho Lutero:
(...) deu ao povo alemão não somente a Bíblia na sua própria língua,
mas o hinário também, e estas duas contribuições foram mais
poderosas contra a Igreja Católica do que todos os seus sermões e
teses... Ele cria que a música era uma dádiva boa e benévola de Deus e
não hesitou em usar qualquer melodia ou cântico digno nos seus
cultos.
Compositor de vários hinos, Lutero não se opôs à criatividade musical, antes delegou ao
protestantismo a origem da hinódia, que inevitavelmente se desenvolveu posteriormente
em outros estilos musicais. Como vimos, Lutero não tinha uma postura radical contra o
culto católico. Deste, aboliu apenas o que, segundo seu critério, estava contra os
princípios bíblicos e assim procedeu com a música católica, substituindo-a, uma vez que
se apresentava em uma difícil arte do contraponto e estava nas mãos apenas dos clérigos
que dominavam essa técnica. Lutero trabalhou harmonicamente com a música e levou-a
novamente para o seu local de origem, a congregação, que, por sua vez, era ajudada a
cantar pelo coral.
Aos poucos, o coral foi-se desenvolvendo musicalmente, resultando em uma
harmonização a quatro vozes, com a melodia no soprano e acompanhamento do órgão.
O estilo ganhou tanta complexidade musical que, em meados do século 17, o coro, que
tinha a função de acompanhar a congregação, foi substituído pelo órgão e, a partir de
então, reproduzia, sozinho, as obras musicais mais elaboradas. O coral passou a
designar uma série de peças instrumentais os Corais para Órgão, que variavam
desde a harmonização para acompanhar o canto congregacional (Choralsatz für Orgel),
até os Prelúdios Corais (Choralvorspiele), que tiveram o apogeu nas mãos de J. S.
Bach.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
118
2.6.3 A música em Calvino
A idéia de Calvino sobre a música foi bem diferenciada das concepções de Lutero.
Deste, Calvino compartilhava a necessidade de simplicidade musical e participação
congregacional nos cânticos litúrgicos em língua vernácula. Mas, enquanto Lutero
admitia que a beleza da música deveria ser usada para expressar o louvor a Deus,
Calvino temia que os valores estéticos da beleza musical pudessem desviar o objetivo
do culto, que era a adoração a Deus.
Não podemos deixar de estabelecer uma relação entre o pensamento de Calvino e o de
Zwínglio. Ambos primavam por um culto desprovido de elementos estéticos, seja na
música, na arquitetura, na pintura e nas vestimentas. Assim, o temor do desvio da
atenção era a principal justificativa para que asica instrumental e a harmonia fossem
banidas do modelo cúltico calvinista. Os princípios do culto calvinista, como
simplicidade e inteligibilidade, são idéias que perpassam sua postura em relação à
música. A postura racional é buscada em todos os momentos, inclusive no ato de cantar.
Nas Institutas
20
, obra magna de Calvino, ele demonstra os perigos da beleza musical e
revela como o canto pode servir para ajudar no fervor religioso:
E quanto ao costume de cantar nas igrejas sobre o qual quero dizer
algumas palavras , não somente consta que é muito antigo, mas
também foi usado no tempo dos apóstolos, como claramente se pode
lembrar do que disse São Paulo: Cantarei com a boca, mas também
com o entendimento (I Cor. 14:15). E aos Colossenses: Ensinando e
exortando uns aos outros, cantando com ação de graças em vossos
corações ao Senhor, com salmos, hinos e cânticos espirituais (Col.
3:16). A primeira passagem manda que cantemos com a voz e com o
coração; a segunda fala sobre as canções espirituais com que os fiéis
edificam uns aos outros. (...) E certamente, se o canto se acomoda a
essa gravidade que convém à vista de Deus e dos anjos, não somente é
um ornamento que dá maior graça e dignidade aos atos sacros, mas
também serve para incitar os ânimos ao verdadeiro zelo e ardor ao
orar. Contudo, impõe-se diligentemente guardar que não estejam os
ouvidos mais atentos à melodia que a mente ao sentido espiritual das
palavras. (...) Portanto, usado com moderação não há dúvidas que o
canto é uma prática muito útil e santa. E, ao contrário, todos os cantos
e melodias compostos unicamente para deleitar o ouvido como são
os madrigais, contrapontos e toda a música a quatro vozes que os
papistas chamam de ofícios divinos, de nenhum modo convêm à
majestade da Igreja e não se podem cantá-los sem desagradar
sobremaneira a Deus.
20
Institucion de la religion cristiana (1967), III, XX. 32, p. 702; tradução nossa.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
119
Analisando as palavras de Calvino, notamos que sua busca de racionalidade e
simplicidade musical está calcada em uma postura anticatólica. O catolicismo tinha
privilegiado exaustivamente os estilos técnico-musicais, principalmente o contraponto,
os quais Calvino rejeitava. Até mesmo o coral luterano foi criticado e abolido a
música a quatro vozes não servia para adorar a Deus. Sua proposta era uma
simplicidade tal que a palavra cantada fosse ressaltada. A melodia cumpria a função de
levar o Evangelho, mas não podia nunca ser mais bela do que ele. A proposta musical
de Calvino era de uma música em uníssono e sem acompanhamento instrumental.
Mas, além dos princípios cúlticos citados, a simplicidade e a inteligibilidade, Calvino
privilegiava a centralidade da palavra. Por isso, o que poderia ser cantado estava
exclusivamente nas Escrituras: os salmos. Apenas estes serviam para a música cúltica,
porque eram a própria Palavra de Deus. Calvino (1999, p. 33) os colocou como uma
analogia de todas as partes da alma, ressaltando que não sequer uma emoção da
qual alguém porventura tenha participado que não esteja aí representada como um
espelho. Os salmos eram, portanto, para Calvino, uma obra completa para expressar
todos os sentimentos da alma humana. Dessa forma, o homem não necessitaria de
nenhuma outra forma de expressão de seus sentimentos que já não estivesse descrita na
Bíblia. Assim, os salmos foram metricamente musicados e formaram um novo tipo de
composição musical do protestantismo, a salmódia.
Em 1539, Calvino publicou o Saltério Genebrino, com 150 salmos metrificados; livro
que, a seu pedido, contou com o preparo musical de compositores famosos da época,
tais como Claudio Goudimel, Claudino Lejeune, Luís Bourgeois, Clement Marot e
Teodoro de Beza. Seguindo os mesmos passos do Coral Luterano e opondo-se às
prerrogativas de Calvino, não tardou a surgirem edições com as melodias harmonizadas.
Braga (1958, p. 24) destacou Claudio Goudimel (1510-1572), que trabalhou por três
vezes os 150 salmos nas formas musicais de contraponto a quatro vozes, harmonia a
quatro vozes e moteto.
Sendo considerado o modelo da música sacra protestante, o Saltério Genebrino tornou-
se, rapidamente, muito popular e influenciou consideravelmente os saltérios posteriores
na Inglaterra, Escócia e América. Estes países ficaram quase 200 anos tendo como única
forma de canto congregacional: os salmos. Muitos foram os saltérios publicados nesse
espaço de tempo, alguns mais ou menos usados; mas, de qualquer maneira, mostraram a
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
120
influência do ideal calvinista no canto congregacional. Keith (1960, p. 76) relatou 326
versões de saltérios publicados até 1886. Entretanto, mesmo com tanta força inicial, os
saltérios foram substituídos pela hinódia ou cantados, mas não com exclusividade.
2.6.4 A hinódia inglesa
Até meados do século 17, a Inglaterra, que posteriormente influenciou a salmódia
americana, sofreu pouca influência da hinódia alemã de Lutero. Em contrapartida, a
prática da versificação dos salmos tornou-se muito difundida e contou com várias
tentativas de adaptação em métrica inglesa. A Versão Antiga, primeiro saltério inglês,
publicado em 1562, de Thomas Sternhold e J. Hopins trouxe pobreza literária e musical.
Tentativas de melhorias foram posteriormente feitas e geraram dois outros saltérios
mais difundidos: Saltério de Rous (1641) e a Versão Nova (1696) de Nahum Tate e
Nicolau Brady, este último marcando a passagem da salmódia para a hinódia.
A passagem da salmódia para a hinódia moderna, com a forma do hino que hoje
conhecemos, não foi simples e nem fácil. Fatores, como a versão musical e literária
inferior dos saltérios ingleses, a prática do lining-out
21
e a falta de contextualização dos
salmos às realidades do cristão inglês, exigiram a mudança. Igrejas independentes (não
anglicanas) foram as pioneiras na elaboração da hinódia, que teve em Isaac Watts
22
(1674-1748) o grande impulso para se alicerçar definitivamente nos cultos protestantes
ingleses. Enquanto a igreja oficial lutava contra a nova forma litúrgica do canto
congregacional, hinistas de outras denominações, como a batista e congregacional,
produziam milhares de hinos que, até hoje, perduram nos hinários modernos do
protestantismo mundial.
O tipo de hinódia proposta por Isaac Watts apresentava a possibilidade de expressão
pessoal do compositor, suas interpretações, reflexões e pensamentos, libertando-o da
21
O pastor da igreja designava uma pessoa para ler, linha por linha, o salmo a ser cantado. A congregação
seguia cantando, linha por linha, em tons mais graves. Tal prática foi iniciada para ajudar aqueles que não
sabiam ler e foi difundida na Escócia e América
22
Isaac Watts é conhecido como o pai da hinódia inglesa. Clérigo da Igreja Anglicana, tornou-se,
posteriormente, pastor da Igreja Congregacional. Compôs mais de 600 hinos, alguns ainda cantados
inclusive no Brasil.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
121
tradução literária da Bíblia. Outros passos anteriores tinham sido tomados na direção
da hinódia, como a introdução de paráfrases bíblicas neotestamentárias, numa tentativa
de ajustamento dos salmos de Davi ao cristianismo. Nas palavras de Keith (1960, p. 86),
era a intenção de fazer Davi falar como um cristão.
Com a hinódia estabelecida pelas igrejas independentes, a Inglaterra viu esse estilo
desenvolver-se fortemente no Movimento Metodista de reavivamento espiritual. A
produção musical do período de reavivamento foi enorme, pois somente Charles Wesley
escreveu cerca de 6 mil hinos. John Wesley, além de pregador fervoroso, também foi
poeta e músico. Escreveu hinos próprios, traduziu muitos outros e trabalhou
exaustivamente nas poesias do irmão, tanto na compilação quanto em algumas
adaptações. A efervescência da produção hinódica estava à tona, mas a Igreja Anglicana
não abraçou a causa dos irmãos Wesley e rejeitou a produção musical de tal movimento.
Todavia, a Inglaterra caminhava com os hinistas independentes, a maioria, influenciada
pelo movimento de reavivamento, e contando com um número cada vez maior de
dissidentes da igreja oficial. Nomes como os de John Newton e William Cowper,
párocos de uma igreja em Olney e produtores do hinário Olney Himns, estimulavam
cada vez mais a composição de hinos. Tal época, como era de se esperar, de tão grande
produção de hinos, contou com nomes de bons e maus compositores.
Outro movimento, este dentro da Igreja Anglicana, que marcou a música protestante
inglesa foi o já citado Movimento de Oxford, que restaurou a hinódia latina,
baseando-se nas descobertas de hinos não traduzidos ou, simplesmente, ignorados na
compilação do Livro de Oração Comum. Essa descoberta trouxe à vista um tesouro de
hinos antigos, gregos e latinos e despertou o gosto da igreja oficial pelo hino. Esse
movimento, também conhecido como Movimento Litúrgico, deu oportunidade para
que composições mais eruditas de hinos começassem a fazer parte na liturgia da igreja
oficial. De fato, o Movimento de Oxford restringiu-se à reforma litúrgica da Igreja
Anglicana, não sendo aproveitado pelos outros movimentos que se valiam das
composições mais populares e de uma teologia voltada para o evangelismo.
Dentro do campo da hinologia, a produção hinística da Inglaterra encontra-se dividida
em nomes como: Movimento Evangelístico, que se caracteriza pela produção musical
do movimento metodista, Movimento Romântico, já no século 19, marcado pela
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
122
Congregação de Olney e hinistas posteriores que tentaram seguir seu exemplo, e o
Movimento de Oxford.
O que podemos concluir, com base nos historiadores desses movimentos, é que a
hinódia inglesa teve, como em toda época da música sacra, a influência da música
popular. Os hinólogos afirmam que o tipo de música mais popular achava-se
diretamente ligada aos movimentos de evangelismo e avivamento, que tinham a
produção musical voltada para as massas, para o grande emocionalismo e eram
musicalmente mais pobres e inferiores. São os convencionalmente chamados hinos
folclóricos ou hinos evangelísticos, marginalizados pela maioria absoluta dos
hinólogos.
Esta hinódia inglesa mais popular, influenciada pelo carol, teve seu maior
desdobramento na América do Norte. Na verdade, o carol, canção de caráter jubiloso
originalmente acompanhado de danças, deu origem a dois gêneros de cânticos; um de
caráter mais alegre e jubiloso, mais próximo do hino, e outro de caráter mais rico,
dando origem às baladas românticas. Contudo, em que vel se deu essa contribuição
popular é difícil dizer, pois, como os hinos populares foram sempre marginalizados, a
falta de informações não permite uma verificação adequada dessa influência. Entretanto,
ela existiu e até hoje permeia e influencia a produção musical protestante. Segundo
Simei Monteiro (1991, p. 27): não é difícil perceber a aproximação estilística entre
muitos cânticos religiosos populares, ou seja, entre carols e baladas ou canções
românticas. Esta influência popular se dá, com mais ênfase, principalmente no
território que mais se mostrou favorável à efervescência dos movimentos avivalistas: a
América.
2.6.5 A hinódia americana
Embora o hino luterano tenha sido trazido à América pelos colonos de língua alemã
instalados na Pensilvânia por volta de 1700, não influenciou a produção hinística
americana posterior. Talvez a questão da língua, associada à tendência de fechar-se em
uma colônia separada, fez com que a hinódia alemã não se difundisse entre outros
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
123
colonos. O próprio hinário de John Wesley, feito para a Igreja Anglicana em Charleston,
em 1739, influenciado diretamente pelo grupo de colonos moravianos alemães, não teve
uso e logo caiu no esquecimento. Desse modo, foi a salmódia métrica, trazida pelos
colonos ingleses, que deu a base para a produção hinística americana.
Usando as versões inglesas dos saltérios já existentes, os colonos foram produzindo, aos
poucos, saltérios próprios. O primeiro destes saltérios foi conhecido como Bay Psalm
Book (Saltério da Baía), publicado em 1640 e feito por Richard Mather e Jonh Eliot. Foi
publicado 27 vezes e tornou-se o livro de louvor mais usado na América.
Contudo, a luta pela sobrevivência na nova terra fez com que a preocupação inicial de
alguns poucos músicos e poetas da primeira geração de colonos fosse esquecida. O
canto congregacional americano teve, no período seguinte a essa geração, um nível de
empobrecimento musical devido a fatores tais como a prática do lining-out, trazida da
Inglaterra, e o uso do Saltério da Baía, que trazia consigo problemas métricos com as
traduções diretas do hebraico.
O período de transição da salmódia para a hinódia aconteceu de forma lenta na
América. Os hinos de Watts, publicados pela primeira vez em 1707, passaram por mais
de uma geração antes de serem aceitos. O fato decisivo para a incorporação do hino no
país se deu com o Grande Despertar de 1740. Como visto, esse movimento de
reavivamento espiritual ocorreu quase simultaneamente aos movimentos de
reavivamento na Inglaterra. Começou em 1734, em Northampton, com o puritano
Jonathan Edwards, mas, apenas com a chegada do avivalista inglês George Whitefield,
os Estados Unidos conheceram o novo sistema de louvor de Watts.
De 1740 a 1800, a América conheceu uma grande fase de movimentos de avivamento
espalhados por todo o país. Nesse mesmo período, a produção musical, fortemente
firmada no hino, contava com a influência de tais movimentos e de suas teologias. Na
fase posterior ao movimento avivalista, já fora dos moldes calvinistas, a salvação era
oferecida a todos, e o pregador, a serviço de tal teologia, tinha a função de levar os
ouvintes ao arrependimento. Para isso se valia de um clima de intensidade emocional
que levava as pessoas a experiências de êxtases tais como choros, desmaios, transes, etc.
Esse tipo de teologia e movimento favoreceu uma produção musical com o mesmo tipo
de apelo emocional. Os hinólogos relatam a simplificação melódica e a influência
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
124
popular destas composições musicais. Portanto, os movimentos de avivamento, tanto na
Inglaterra quanto na América, foram responsáveis diretos pela produção hinológica
folclórica ou evangelística.
A influência dos acampamentos (camp meetings) também contribuiu para uma produção
musical de caráter popular. Quando os acampamentos tornaram-se reuniões para
evangelismo com o foco no sermão emocional, a música seguiu a mesma tendência,
favorecendo a informalidade e a emoção. Segundo Keith (1960, p. 163):
Uma das características salientes dessas conferências era o canto
animado, com músicas muitas vezes compostas espontâneamente (sic)
pelo pregador sob a influência de sua mensagem, e lined-out para o
povo entusiasmado. O estilo do cântico dos acampamentos era o da
balada, com o refrão ou o côro (sic) como o elemento predominante.
Outros movimentos aproveitaram o estilo do hino popular tais como a Associação Cristã
de Moços
23
, considerada uma entidade precursora do hino evangelístico. É difícil a
separação do hino folclórico do evangelístico, pois obviamente este último se refere a
uma intencionalidade buscada pelo reavivamento do século 19. Mas é preciso entender
que, nesse momento histórico, a hinódia popular, chamada de folclórica, ganhou
componentes novos na letra e na simplificação musical. Keith (1960, p. 165) fez uma
distinção, não muito clara, do hino evangelístico, ligando-o às baladas e aos hinos
folclóricos, usando as seguintes palavras: Foi então das 'baladas sacras' dos dias
coloniais, dos 'hinos folclóricos' dos acampamentos e das coletâneas das escolas
dominicais que surgiu o hino evangelístico da Associação Cristã de Moços. Ora a
Associação Cristã de Moços, citada pelo autor, também buscava o avivamento religioso
e o evangelismo das massas. Muitos evangelistas estavam ligados a essa associação;
dentre eles, merecem destaque Dwight L. Moody
24
(1837-1899), parceiro inseparável de
23
A Associação Cristã de Moços é uma associação interdenomincaional fundada em 6 de junho de 1844
em Londres, Inglaterra. O propósito da associação era promover o estudo e a meditação bíblica. A ACM
foi para os Estados Unidos no contexto dos movimentos de reavivamentos e foi trazida para o Brasil, no
final do século 19 e início do 20, pelas empresas missionárias norte-americanas. Para detalhes sobre sua
atuação no Brasil, indicamos a tese de Ary de Camargo Segui: A relação entre a religião e a educação
física na ACM de São Paulo (1998).
24
Moody era um evangelista leigo que se sobressaiu na atuação em escolas dominicais da cidade de
Chicago (EUA). Em 1861, foi residir na Inglaterra e viajava constantemente entre os dois países,
promovendo reuniões de avivamento. Para saber mais sobre sua atuação e as influências posteriores de
sua teologia e modelo de pregação avivalista, indicamos as leituras de Dwight Moody: American
evangelist, de James F. Findlay (1969) e A vida de Dwight Moody: evangelista e pregador leigo, de Paul
Eugene Buyers (1940).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
125
Ira D. Sankey (1840-1908), compositor de hinos evangelísticos de sucesso. Em outras
palavras, os hinos evangelísticos utilizavam um repertório popular e folclórico que fosse
conhecido pelas massas que se desejavam alcançar.
Um dos primeiros hinários evangelísticos foi publicado por Phillip P. Bliss denominado
Cânticos Sacros. A produção tinha a intenção de servir às necessidades do novo tipo de
evangelismo que se instaurou nos Estados Unidos. Simultaneamente, Ira Sankey fazia
sucesso como solista na Inglaterra, interpretando canções do hinário de P. Bliss e de sua
autoria, estas sendo publicadas na Inglaterra em forma de panfleto e, posteriormente nos
EUA, com grande sucesso em todas as denominações protestantes destes países.
Hinários como o de Bliss e Sankey, que obtiveram sucesso imediato, propiciaram
composições do mesmo gênero e publicações de hinários evangelísticos posteriores.
Muitos foram os cantores dessa época que, seguindo o modelo de Bliss e Sankey, indo
de igreja em igreja, ajudaram a implantar, definitivamente, na liturgia de várias
denominações protestantes, o cântico evangelístico, geralmente em forma de solo. Keith
(1960, p. 167) descreveu a conseqüência desse fato:
O imenso sucesso pecuniário da série de 'hinos evangelísticos' trouxe
uma inundação de imitações inferiores cuja qualidade ficou reduzida a
um nível extremamente baixo (...) O hino evangelístico, afinal de
contas, tem de repousar sobre os seus méritos individuais e não pode
ser condenado em massa.
O quadro descrito até aqui mostra uma produção de hinos destinada especificamente a
um objetivo o evangelismo vigente na época. É certo que um movimento religioso,
seja ele qual for, necessita de uma produção musical própria que consiga incorporar
expressivamente o novo tipo de religiosidade que pressupõe. Em outras palavras, a
expressão musical religiosa estará sempre atrelada ao tipo de religiosidade que
representa. Como, então, evangelizar as massas sem cantar a música do povo? Assim,
entende-se, num primeiro momento, que os movimentos de avivamento e os grupos e
associações evangelísticas que surgiram nos Estados Unidos, no século 19, eram grupos
que se sentiam compelidos a pregarem salvação e arrependimento ao maior número de
pessoas. Por esse motivo, a pretensão musical desses movimentos não poderia estar
calcada em valores estéticos clássicos e eruditos, distantes do público a que se
destinavam, mas sim nas novas massas de consumidores. É dessa forma que se explica a
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
126
estreita relação do popular com a simplificação musical criticada arduamente pelos
hinólogos.
Nessa mesma direção, Braga (1961, p. 27) descreveu a relação dos hinos evangelísticos,
enfatizando o caráter simplista de tais composições:
No século XIX ao calor dos movimentos reavivalistas de Moody,
Spurgeon, Torrey e outros, despontou uma nova classe de peças de
singela contextura, os chamados Hinos Evangelísticos (Gospel
Hymns) especialmente compostos por Phillip P. Bliss, James
McGraham, Ira D. Sankey, George Stebbins, Fany Crosby e muitos
mais, destinadas às massas populares. Não se trata, como se poderia
julgar à primeira vista, de uma decadência de produção. Verifica-se,
antes, que a sua simplicidade foi determinada pela natureza do
trabalho a que se destinava pregações a grandes auditórios
heterogêneos nos mais variados locais, como galpões, tendas, praças
públicas. Hoje ainda, como na época que surgiram, continuam esses
hinos a terem direito de sobrevivência, sob a condição de serem
rigorosamente utilizados nas ocasiões oportunas.
O interessante, nesta citação, é a relação quase sinônima que Braga faz dos hinos
evangelísticos com os hinos gospel. Não se trata da produção musical gospel tal como
hoje é conhecida, mas era um momento embrionário no qual a grande influência do
spiritual já se fazia presente nas composições hinísticas do revival americano. Foi na
virada do século 19 que a música gospel surgiu, já como um resultado do movimento de
reavivamento e como um desenvolvimento posterior do spiritual, o que veremos em
outra parte deste trabalho.
Como pudemos ver, o protestantismo nos legou variadas possibilidades de modelos
cúlticos e uma apropriação das músicas regionais e populares. Sem dúvida, as inovações
cúlticas foram motivadas por concepções teológicas, que, por sua vez, podiam estar
atreladas a condições políticas. Assim, política e culto estiveram sempre em diálogo e
construíam limites de poder. As várias concepções teológicas e as diversas condições
políticas e sociais originaram cultos distintos e que sofreram variações de acordo com a
época.
A produção musical, por sua vez, também foi moldada com todas essas variáveis
teológicas e sociais. Nem sempre, entretanto, a música manteve-se fiel aos princípios
que a originaram de determinado modo. Nisso encontramos o princípio dialético entre o
culto e a doutrina, no qual não aconteceu sempre a subordinação do primeiro à última.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
127
Dentre as variações de modelos cúlticos, a América do Norte foi um terreno de
processos sincréticos de diversos modelos, adaptados a condições não-conhecidas na
Europa. Esse sincretismo cúltico é o que veio para o Brasil e aqui se deparou com novas
condições que lhe deram peculiaridades distintas. Da mesma forma, a produção musical
do protestantismo brasileiro, instalada num ambiente paradoxal, sofreu processos
específicos e buscou seus caminhos nem sempre autóctones. É o que veremos no
próximo capítulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
128
PARTE II
PRODUÇÃO MUSICAL DO PRESBITERIANISMO
BRASILEIRO
A partir da contextualização do culto presbiteriano no universo do protestantismo, o
foco de análise se direciona agora para o presbiterianismo em solo brasileiro. Como os
principais conceitos das características cúlticas protestantes européias e norte-
americanas já foram desenvolvidas em capítulo anterior, nos detemos em buscar os
conflitos que tais concepções tiveram no país. A condição do protestantismo em geral,
nos primórdios de sua inserção, afetou os processos produtivos da música cúltica do
presbiterianismo brasileiro. Por esse motivo desenvolvemos um capítulo sobre o
protestantismo em solo brasileiro, mostrando o modelo cúltico que aqui se instalou e a
função da música neste. Depois disso a análise recai sobre o culto presbiteriano e mostra
como a denominação, por meio de dinâmicas internas e externas, incorporou o modelo
musical cúltico do protestantismo, gerando assim sua hinódia oficial.
Por fim, uma produção musical não-oficial do presbiterianismo brasileiro é analisada.
Dessa produção surge a música gospel. A produção de um novo bem musical, com
características distintas do produto original do período de inserção, se fez perante muita
luta e conflito interno no presbiterianismo. Devido a tais conflitos, muitos deles ainda
não resolvidos, a produção musical sai do meio protestante, direcionando-se para o
mercado fonográfico. A condição mercadológica do gospel torna-se inerente na própria
definição desse bem. Assim, fechamos esta parte do trabalho com o capítulo que mostra
esse movimento da música gospel: de sua gênese interna ao protestantismo até sua
expansão ao mercado fonográfico.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
129
CAPÍTULO 3
O CULTO PROTESTANTE NO BRASIL
O catolicismo e o protestantismo criaram duas tendências opostas de culto cristão. A
complexidade litúrgica do primeiro converteu-se em reação anti-ritualística no segundo.
Apesar de Lutero não ter pretendido realizar o desmanche litúrgico do culto cristão, o
protestantismo acabou por efetuá-lo. Entre conflitos políticos e teológicos, o culto
protestante sofreu perdas rituais. Idéias diversas fomentaram novos modelos que
desvalorizavam os ritos em prol da concepção do entendimento. Não é difícil entender o
motivo amplo que acabou por orientar essa prática cúltica: a Reforma queria destituir os
mediadores do sagrado e devolver o conhecimento religioso ao povo. Assim, o culto
tornou-se o lugar no qual a busca deste conhecimento era constantemente acionada.
Entretanto, a despeito de suas pretensões, o protestantismo gerou um novo clero. Os
leigos apenas se adaptaram às novas formas cúlticas produzidas e reproduzidas pelos
novos especialistas. Em outras palavras, os leigos passaram a legitimar, por meio do
consumo religioso, outra produção advinda do novo especialista, o pastor-teólogo. O
novo clero, com idéias bem diferentes do clero católico, produziu novos valores assim
que destituiu os antigos. A palavra tornou-se o novo paradigma religioso para a
salvação disponibilizado por que detinham o capital teológico.
O protestantismo, dessa maneira, trouxe consigo um dilema na produção cúltica. Nesse
contexto, viu surgir em seu meio tendências leigas, conferindo ao culto protestante
um caráter mais leigo e informal caracterizado pelo teor cada vez mais anti-ritualístico.
Assim, se por um lado, os leigos do pietismo alemão e os pregadores leigos do
metodismo na América proporcionaram a desclericalização do protestantismo, por
outro, não havia proposta cúltica em tais movimentos a o ser a exaustiva pregação da
palavra, o ensino e o estudo. Nas denominações atingidas por estas tendências, o culto
cada vez mais se esvaziava de significação e mistério.
O resultado foi que os pastores protestantes continuaram exercendo domínio sacerdotal
no exercício cúltico. Na realidade, a tendência antilitúrgica acabou por legitimar a
atividade exclusivamente sacerdotal: a prédica. Assim, com a priorização da prédica no
culto protestante, aumentava-se a exclusividade dessa produção, gerando a
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
130
exclusividade sacerdotal e sua autoridade diante do leigo. Se, conforme salientou Jean-
Paul Willaime (2002, p. 46), a prédica é o mecanismo que traz a presença da divindade,
o pastor tornou-se o mediador exclusivo desta presença. Por esse motivo é que James
White (1997) escreveu que o protestantismo priorizou apenas um rito, o rito da palavra.
O sacerdócio protestante habilitou-se para desenvolvê-lo e criou o monopólio dessa
produção. Logo, paradoxalmente, o conhecimento libertou o leigo das mãos de um clero
e colocou-o nas mãos de outro, que encontrava legitimidade não mais na celebração dos
ritos, mas na destreza da oratória.
Isto posto, trazemos a afirmação de que não há culto que não seja realizado por meio do
monopólio da produção religiosa. Mesmo quando observamos o exemplo norte-
americano, no qual tendências leigas e avivalistas conferiram o contorno formal ao
culto, não há como excluir a atividade sacerdotal que legitima e concede status de
religioso a determinado contexto estrutural. Em outras palavras, mesmo quando o culto
assume o leigo como agente importante para a realização, a autoridade que referenda tal
posicionamento é a sacerdotal. Resta-nos, então, conhecer quais foram os modelos de
culto protestante transplantados para o Brasil.
Nestes modelos, a unidade cúltica era característica do tipo de protestantismo de missão
que se fixou no país. Ou seja, para entendermos o culto presbiteriano brasileiro,
buscamos encontrar o modelo que o inspirou no protestantismo instalado e conhecido
como protestantismo de missão. Essa tipologia foi e ainda é muito usada,
caracterizando a fase de inserção protestante no país. Contudo, do protestantismo pode
ser ampliado e conceituado como campo evangélico. Atualmente, a configuração deste
último possibilitou a criação de novas tipologias internas.
3.1. Os protestantismos brasileiros: tipologias
Quando falamos em protestantismo no Brasil, parece que estamos tratando de um
fenômeno em bloco. Tal impressão é justificada por um tipo de protestantismo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
131
missionário que se instalou no país, mas foi posterior a três fases protestantes
25
. Apenas
no século 19, a presença do protestantismo se fez definitiva, mas a presença inicial foi
classificada em duas grandes categorias: protestantismo de missão e protestantismo de
imigração. Tal distinção entre ambos os protestantismos foi defendida, dentre outros
estudiosos do campo, por Émile Leonard (2002), Duncan Reily (2003), Antonio G.
Mendonça (1995), Prócoro Velasques (1990) e José Bittencourt Filho (2003). Este, por
ter realizado a pesquisa depois dos outros, conseguiu elaborar tipologias do campo
evangélico até os anos atuais, classificando-o de forma bem ampla.
Bittencourt (2003, pp. 121-124) fala em tipologia do protestantismo brasileiro, mas
alarga a delimitação do campo e considera as igrejas pentecostais, por exemplo, como
protestantes, por serem estas evangélicas e não católicas. O interesse em abordarmos
Bittencourt é a distinção que o autor faz entre as novas tendências protestantes. Assim,
apresentaremos um resumo das tipologias propostas pelo autor, que, forma geral, usa as
seguintes:
a) protestantismo histórico ou de missão, que reúne as denominações que são
resultantes de empreendimentos missionários das igrejas norte-americanas. As
denominações que formam esta tipologia são as igrejas Congregacional, Presbiteriana,
Batista, Metodista, Episcopal e Evangélica Luterana (Estados Unidos)
26
;
25
No período de 1557 a 1560, ouve a primeira tentativa de colonização protestante que resultou em
fracasso. Esta tentativa pioneira começou com a chegada da expedição de Villegaignon, em 1555,
trazendo consigo huguenotes calvinistas, que pretendiam fundar a França Antártica e construir um lugar
onde o culto reformado pudesse ser praticado livremente. Entretanto foi frustrada devido a perseguição
aos calvinistas pelo catolicismo. A segunda tentativa de implantação do protestantismo no Brasil ocorreu
durante a dominação Holandesa, no século 17, de 1630 a 1645. Durante esse período, reformados
holandeses estabeleceram-se no nordeste, principalmente em Pernambuco. Contando com o incentivo de
Mauricio de Nassau, a primeira Igreja Reformada Holandesa foi organizada no país. O século 18 foi
marcado pela presença das visitações do Santo Ofício no Brasil. Estrangeiros foram proibidos de entrarem
no país a não ser à serviço da Coroa ou da Igreja. Nesse período, até a vinda da família real, não houve
mais protestantes ou protestantismo no Brasil. Foi com a presença da Família Real e a abertura dos portos
às nações amigas que protestantes anglo-saxões começaram a chegar e estabelecer-se no Brasil. Assim,
por questões políticas entre Portugal e Inglaterra, a hegemonia católica foi sendo reduzida pouco a pouco
no país, abrindo espaço para que protestantes de diversos paises aqui se instaurassem. Até mesmo a
constituição teve que rever questões relacionadas à religião, sendo que, de 1824 a 1891, foram revistos
temas como culto, casamento, enterro e batismo de protestantes. As denominações luteranas e anglicanas
foram as que mais progrediram nessa faze de imigração. De forma geral, suíços, franceses e alemães
fixaram-se no sul do país e formaram o grupo protestante com culto próprio, na língua natal, o que
corresponderia a um terceiro momento do protestantismo no Brasil, o primeiro que conseguiu de fato
instalar-se definitivamente.
26
Embora utilizemos a tipologia protestantismo de missão, por muitas vezes substituído por
protestantismo histórico ou tradicional, as denominações desse grupo que mais são influenciadas pelo
mercado de música gospel são a presbiteriana (IPB e IPI), a metodista e a batista.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
132
b) protestantismo de imigração, composto pelas igrejas que se radicaram no país a partir
dos ciclos migratórios ao longo do século 19. Formam esta tipologia as igrejas
Anglicana, Confissão Luterana (Alemã) e as várias Igrejas Reformadas da Holanda,
Armênia, Suíça e Hungria;
c) pentecostalismo clássico, que inclui as igrejas de origem missionária norte-
americana, vinculadas ao movimento pentecostal original, que se instalaram no país a
partir do início do século 20. Fazem parte deste grupo as igrejas Assembléia de Deus,
Congregação Cristã e a Igreja do Evangelho Quadrangular;
d) pentecostalismo autônomo, que engloba as denominações nascidas no Brasil cujas
características são bem peculiares a cada igreja local. Seu traço marcante é a constante
cisão e, conseqüentemente, o aparecimento de novas igrejas. Praticamente, o
crescimento deste grupo ocorreu a partir dos anos 80. Podemos colocar nesta tipologia
igrejas como a Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Deus é Amor, Nova
Vida, Sara a Nossa Terra;
e) neodenominacionalismo, grupo representado por igrejas protestantes dissidentes do
protestantismo histórico que sofreram um movimento carismático interno
cronologicamente situado a partir de década de 60. Segundo Bittencourt, a
intransigência das autoridades tradicionais excomungou tais movimentos de dentro de
suas igrejas, resultando em cisões. A partir de 1980, porém, o carismatismo não
encontrou uma força o coesa nas igrejas históricas, o que resultou na convivência do
protestantismo histórico com grupos carismáticos. As congregações oriundas do
rompimento com as históricas foram, dentre outras, a Batista Renovada, Metodista
Wesleyana, Presbiteriana Renovada, Presbiteriana Independente Renovada,
Congregacional Independente e várias outras igrejas menores que não pretendem
expandir-se institucionalmente;
f) seitas, originárias de movimentos norte-americanos tais como Testemunhas de Jeová
e Adventistas.
De fato, as tipologias de Bittencourt dão o mesmo nome evangélico a igrejas que não
são reconhecidas como protestantes por outros pesquisadores. Independentemente de
concordarmos ou não com essa proposta, algo essencial é revelado nesta tipologia: a
pluralidade do campo religioso cristão não-católico no Brasil. Segundo Bittencourt
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
133
(2003, p. 123), essa variedade indica que não existem apenas as igrejas tradicionais de
um lado e as pentecostais de outro. Entre essa distância, variedades plurais que
podem ser inseridas.
Acontece que esta pluralidade não é nova, mas veio da concepção denominacionalista
dos Estados Unidos desde o período de inserção do protestantismo missionário.
Entretanto, a pluralidade denominacional tem um percurso histórico contraditório. No
início, o denominacionalismo missionário gerou a homogeneização do campo. No
entanto, passou a revelar diversidades até mesmo dentro da mesma denominação. Tais
fenômenos fazem parte de uma mesma estrutura que se mostra em versões
aparentemente contraditórias. A estrutura a que nos referimos encontra-se na tipologia
do protestantismo de missão, mas, de forma geral, alastra-se, nos dias atuais, a outros
tipos evangélicos de igrejas, conferindo a esse campo um aspecto de diversidade que,
contudo, não pode ser delimitado pela instituição denominacional. Assim, quando
falamos em presbiterianismo, não é possível encontrarmos apenas um modelo, fato que
tem origem exatamente no processo inverso do protestantismo histórico, que consistia
numa homogeneização de teologia e culto entre as denominações.
3.2. O protestantismo de missão
O protestantismo missionário foi fomentado pelas várias organizações missionárias
norte-americanas
27
, que, endossando o pensamento evangelístico da época, contavam
também com a ideologia do Destino Manifesto. Este conseguia juntar a motivação geral
do protestantismo, que era a evangelização, com a religião civil dos Estados Unidos.
Assim, transportava-se para o Brasil o sonho americano, que não consistia apenas na
pregação do evangelho, mas também na implantação das concepções morais daquele
27
Sugerimos a leitura de Mendonça (1990, p. 31) para conhecimento das organizações missionárias tanto
nos Estados Unidos quanto fora dele. È bom lembrar que o século 19 foi marcado pelo crescimento e pela
proliferação de agências missionárias por todo o mundo, incluindo a Inglaterra e a Alemanha. Além do
caráter mundial, as agências também tinham um caráter de extensão denominacional. Todas as
denominações do protestantismo do século 19 tiveram representantes nesta área de evangelização.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
134
país. Segundo Mendonça (1990b, p. 31), tratava-se, de fato, da transposição do estilo
de vida americano, cujos componentes principais eram patriotismo, racismo e
protestantismo. Em suma, o protestantismo de missão trouxe consigo todas as tensões,
tanto teológicas quanto sociais, da religião civil norte-americano.
As denominações aqui instaladas
28
, portanto, tiveram certa unidade teológica e
ideológica. Logo, se, de certo modo, o protestantismo de imigração tivesse algumas
das fronteiras denominacionais rompidas, foi com o protestantismo de missão que
teologia e culto constituíram modelos únicos para as denominações protestantes no
Brasil. A diferença entre elas era o sistema organizacional. Segundo Mendonça (1995,
p. 190), as igrejas protestantes mantinham os sistemas organizacionais, mas praticavam
com uniformidade a teologia dos avivamentos e da era metodista nos Estados Unidos.
Ele declarou: Sob o ponto de vista formal, congregacionais, presbiterianos, metodistas
e batistas transplantaram para o Brasil o protestantismo típico norte-americano.
Para entender o protestantismo de missão, é necessário compreender o clima de
diversidade teológica do protestantismo norte-americano da época. Mendonça (1990c,
p. 136) relatou que o protestantismo no Brasil foi a ponta das lutas teológicas que se
travaram nas igrejas mães.... Em outro texto, o mesmo autor (Mendonça, 1990b, pp.
32, 33) escreveu que, basicamente, a teologia dominante do período missionário era a
dos reavivamentos metodistas norte-americanos. A diversidade teológica resultou na
construção de uma unidade nessa área.
Nos avivamentos, imperava teologicamente um mecanismo de salvação que incluía a
consciência da culpa do pecado seguido pela ação voluntária de conversão.
Posteriormente à salvação, existia o chamado processo de santificação, que exigia do
novo convertido o afastamento do cotidiano pecaminoso no qual estava inserido antes.
A teologia era arminiana e privilegiava o convencimento do pecado para a salvação. O
Destino Manifesto dava o tom ao estilo teológico do missionarismo e sustentava a
proposta de construção do Reino de Deus na Terra. Era, portanto, necessário salvar os
perdidos e construir um mundo marcado pela moral cristã, e, nesse sentido, a construção
do Reino confundia-se com a expansão e propagação do estilo de vida norte-americano.
A nação americana seria a escolhida por Deus para a realização do projeto. Contudo, se
28
Para saber a cronologia histórica da instalação das denominações do protestantismo de missão, bem
como do campo evangélico no país, sugerimos a leitura de Émile Leonard (2002) e Duncan Reily (2003).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
135
não havia dúvida de qual era o povo eleito para a propagação e construção do Reino, as
vertentes teológicas para a implantação desse projeto eram distintas, estando o
calvinismo muito enfraquecido.
Segundo Mendonça, (1990c, p. 137), o projeto de construção do Reino passou a ser
questionado, no segundo momento dessa concepção, a partir da desconfiança da
capacidade humana de realizá-lo. A presença da guerra sempre fez com que surgissem
questionamentos da capacidade humana, e foi o que aconteceu na América do Norte por
conta da Guerra Civil (1861-1865). Com a descrença na capacidade humana, o pietismo
e o escolasticismo acabaram por ser, nesse contexto, visões teológicas que amenizavam
o problema ao mesmo tempo em que afastavam as igrejas das questões sociais e
políticas do momento, tão caras à sociedade norte-americana.
Em resumo, podemos verificar, então, a existência de duas tendências na teologia das
missões: uma que acreditava na capacidade humana para a construção do Reino de Deus
na Terra e outra que se tinha desencantado dessa possibilidade. O milenismo era o
elemento teológico que interagia com as duas concepções: a primeira inseria-se na
concepção pós-milenista, enquanto a segunda baseava-se no pré-milenismo. Mendonça
considera-os duas faces da mesma moeda, ou seja, dois lados de uma mesma ideologia.
Talvez, por esse motivo, tal diferença teológica não tivesse tido tanto peso no
protestantismo de missão.
Aqui no país, o pré-milenismo, junto ao pietismo e ao escolasticismo, são, segundo
Mendonça (1990c, p. 138), a base da mensagem missionária. Tais elementos teológicos
são importantíssimos para entendermos a posição do protestantismo de missão no
Brasil. O pré-milenismo favorecia a esperança focada no porvir celestial; o
escolasticismo propiciava a não-reflexão teológica, uma vez que a deveria ser
consolidada por sistemas doutrinários conhecidos; enfim, o pietismo buscava uma
experiência religiosa subjetiva e individualista. Tendo como base a mensagem avivalista
de arrependimento e santificação, o protestantismo de missão, segundo Mendonça
(1990c), teve uma característica de conversionismo individualista e foi responsável
pela idéia de afastamento entre igreja e cultura, alienação social e individualismo.
Tais aspectos do período de inserção do protestantismo de missão ainda são encontrados
nas igrejas hodiernas e, de certo modo, foram intensificados com outras concepções
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
136
teológicas como o fundamentalismo
29
e o evangelicalismo que, a partir de 1930, fizeram
parte do protestantismo histórico no Brasil. Os dois movimentos surgiram quase que
simultaneamente no Brasil.
Para Velasques (1990b, p. 150), o fundamentalismo é acima de tudo ideológico,
enquanto o evangelicalismo é espiritualista e moralista. O primeiro é herdeiro do
calvinismo puritano, enquanto o segundo é arminiano-pietista, na linha dos
avivamentos. De novo, calvinismo e arminianismo mesclam-se no protestantismo
histórico, agora, na década de 20, em novas formas religiosas. Nos Estados Unidos,
pietismo e puritanismo influenciaram-se, e a versão encontrada no Brasil seguiu a
mesma tendência. Fundamentalismo e evangelicalismo compartilham de elementos
tanto puritanos quanto pietistas. Assim, houve uma espécie de sincretismo entre essa
duas versões, e é possível falar em denominações que partilham de ambas as tendências,
quer de forma a confrontá-las, quer de modo a conviver pacificamente com ambas. Esse
dois movimentos geraram um resultado único para o protestantismo histórico:
reforçaram um protestantismo baseado no individualismo e alienado socialmente.
Assim, as tendências pietistas e puritanas estabeleceram-se no protestantismo
missionário no Brasil. No início do século 20, o protestantismo viu uma avalanche de
teologias que priorizavam o conversionismo individualista e a separação do mundo
social e cultural. A força desses movimentos teológicos estava nas estratégias das
organizações missionárias e posteriormente, nas décadas de 1950 e 1960, nas
organizações paraeclesiásticas
30
. Ambas norte-americanas, com profundo sentimento
29
O fundamentalismo teve como marco referencial, no Brasil, a obra de Alfredo Borges Teixeira
Maranata, em 1921, sendo intensificado, em 1940, com a presença do fundamentalista Carl MacIntyre.
Dentre as várias conseqüências desse movimento, destacamos: fé passiva, voltada para o a-histórico e em
busca de sinais, dogmatismo escolástico, autoritário e conservador sem diálogo com o mundo social.
30
As organizações ou instituições paraeclesiásticas o organizações evangelísticas e trabalham com a
tendência do interdenominacionalismo. Este, por sua vez, pressupõe o convívio, para estudos e práticas
cúlticas, de várias denominações protestantes. As paraeclesiásticas contam com o trabalho de
missionários enviados por diversas denominações e com uma estrutura interna baseada na divisão de
ministérios. A parceria entre as denominações e as paraeclesiásticas ainda é muito forte no protestantismo
histórico do país. Congressos, seminários, acampamentos e projetos missionários o algumas das
atividades desenvolvidas por esta parceria. Das paraeclesiásticas que chegaram ao Brasil nos anos 50 e
60, destacamos as três principais. A primeira é a Organização Palavra da Vida, que chegou ao país em
1957 com os missionários Ari Bolback e Haroldo Heimer, que iniciaram seus trabalhos com a formação
do acampamento em Atibaia, SP. Desde 1965, conta com um instituto bíblico transformado em seminário
teológico. Atualmente, tem sede em Atibaia, São Paulo, e filiais nos outros estados brasileiros.
Informações pelo site:
www.opv.org.br
. A segunda é a Mocidade Para Cristo (MPC), integrante do
ministério Youth for Christ International. Estabeleceu-se definitivamente no Brasil, na cidade de
Campinas, São Paulo, em 1952, com o pastor Donald Philis, evangelista e avivalista. Atualmente, sua
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
137
ideológico, e empreendedoras de um interdenominacionalismo típico do protestantismo
histórico brasileiro. Por tal razão, Mendonça (1990c, p. 143) declarou que tais
organizações paraeclesiásticas nunca tiveram interesse na formação de Igrejas. Seu
objetivo sempre foi ideológico...
Mendonça (1990, p. 143) conclui:
A mentalidade protestante é isolacionista e anticultural, antipolítica e
passiva sob o ponto de vista religioso. Daí sua ausência na cultura. No
cotidiano o protestante é ambivalente: refugia-se numa ética negativa
para manter a auto-identificação e suprimir a ausência de princípios
dinâmicos. O comportamento do protestante está enraizado na sua
teologia. Até hoje ele não conseguiu superar a dialética radical entre o
liberalismo do século XIX e o pietismo individualista e apocalipsista.
A mensagem protestante torna-se, assim, cada vez mais inviável.
Outras mensagens a ultrapassam. Cremos residir aí a razão de sua
crise atual.
A citação demonstra a análise crítica de Mendonça com relação à mensagem do
protestantismo histórico no país. Os resultados das teologias foram, inevitavelmente, a
consolidação de um protestantismo que não reconhece a cultura local em que está
inserido e não se faz notar socialmente. Em outras palavras, tornou-se um gueto, um
local diferenciado e desconhecido da sociedade. Nas palavras finais da citação, a frase
chama a atenção para uma característica dos anos 70: a crise do protestantismo. Torna-
se relativamente fácil perceber que uma religião hermética passaria por tal situação,
ainda mais quando o mundo externo caminhava com propostas cada vez mais
dinâmicas. Por esse motivo, acreditamos que o surgimento de novos movimentos
religiosos no país, a partir da década de 70, tenha encontrado efervescência exatamente
no estado de crise afirmado por Mendonça. Podemos mesmo falar em insatisfação
religiosa proporcionada pelo isolacionismo anti-cultural proposto pelo protestantismo.
Outros motivos podem ser elencados para estudar o fenômeno do crescimento desses
novos movimentos religiosos, mas o isolacionismo é o que nos interessa no presente
estudo. Por quê? Porquanto não podemos falar em culto sem falar em cultura. Então, a
sede localiza-se na cidade de São Paulo, e a organização tem mais de 30 modelos de ministérios
espalhados por todo o país. Informações pelo site:
www.mpc.org.br
. A terceira é a SEPAL, Serviço de
Evangelização para a América Latina, que faz parte da missão internacional O.C.I. Ministries,
estabelecida no Brasil desde a década de 60. A SEPAL realiza encontros regionais e seminários, promove
reciclagem e coordena equipes de pastores que se ajudam mutuamente. Informações pelo site:
www.sepal.org.br
.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
138
indagação que colocamos é a seguinte: até que ponto o protestantismo missionário teve
força simbólica para manter-se afastado dos elementos culturais que tanto desprezava?
Imediatamente, surge outra dúvida: o que o fortaleceu para manter os elementos da
cultura local afastados da manifestação cúltica?
Para resolver tais questões, temos de percorrer um longo caminho, que, na realidade,
será desenvolvido em todo o trabalho. É preciso contrapor o modelo isolacionista da
inserção e início do século 20 com os fatos histórico-sociais do campo religioso
evangélico brasileiro que mudaram a configuração até então existente a partir dos anos
80. Trata-se de buscar o modelo cúltico protestante e os motivos pelos quais ele assumiu
tal formato, pois, ao procedermos desse modo, encontraremos sentido para as
posteriores inclusões edificadas sobre a mesma base. A fim de prosseguirmos com a
análise, propomos, então, um estudo da cristalização de um modelo cúltico, ou seja, a
primeira estrutura cúltica protestante no país, relacionando o diálogo existente entre os
modelos originários com a cultura local.
3.3.Culto protestante de missão e cultura brasileira
Se a teologia do protestantismo de missão era homogênea e sob forte tendência dos
avivalismos norte-americanos, o culto também o era sem dúvida. Não podemos
esquecer que a flexibilidade dos modelos litúrgicos caracterizava o culto norte-
americano, e essa situação foi trazida para com os missionários. Assim, no
movimento dialético entre culto e doutrina, a prática cúltica no Brasil contribuiu para a
cristalização de uma teologia similar entre as denominações no país.
De forma geral, o culto que se implantou no país foi fielmente um reflexo da teologia
missionária, ajudando a consolidá-la. Logo que chegou, esta teologia, ideologicamente
construída sobre o Destino Manifesto, identificou a cultura local e a religiosidade
encontradas com a noção de demonização. O inimigo único o catolicismo deveria
ser expurgado da nação a qualquer custo. Tal empreendimento missionário possibilitou
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
139
ainda mais a união de cultos e teologias denominacionais que já vieram enfraquecidos
para cá. É notável a aversão à religiosidade brasileira por parte dos missionários
protestantes, bem como pelo protestantismo de imigração.
Basicamente, o isolacionismo e o conversionismo individualista intensificaram a
rejeição do modelo encontrado. O que dizer? A religião católica, no Brasil, permitiu o
sincretismo com os elementos afros e indígenas. Tratava-se, antes de tudo, de um marco
cultural. Foi nessa linha de argumentação que Bittencourt (2003) traçou o modelo da
Matriz Religiosa Brasileira, esta em diálogo constante com as características culturais
da nação. Assim, cultura e religiosidade típica brasileira encontraram, no protestantismo
isolacionista, um inimigo com força ideológica.
Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil (2002, pp. 149-151), trouxe dois
trechos de visitantes protestantes que aqui estiveram, Kidder e Thomas Ewbank, que
comentaram sobre as formas cúlticas da religiosidade, chamada por eles de nativa.
Holanda assim escreveu (2002, p. 151):
Em verdade, muito pouco se poderia esperar de uma devoção que,
como esta, quer ser continuamente sazonada por condimentos fortes e
que, para ferir as almas, há de ferir primeiramente os olhos e os
ouvidos. Em meio do ruído e da mixórdia, da jovialidade e da
ostentação que caracterizam todas essas celebrações gloriosas,
pomposas e esplendorosas, nota o pastor Kidder, quem deseje
encontrar, já não digo estímulo, mas ao menos lugar para um culto
mais espiritual, precisará ser singularmente fervoroso. Outro
visitante, de meados do século passado, manifesta profundas dúvidas
sobre a possibilidade de se implantarem algum dia, no Brasil, formas
mais rigoristas de culto. Consta-se que os próprios protestantes logo
degeneram aqui, exclama. E acrescenta: É que o clima não favorece a
severidade das seitas nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo
jamais florescerão nos trópicos.
A citação de Holanda revela traços marcantes da forma de expressão religiosa brasileira,
que, na data referida, já se encontrava oficialmente sincrética. A partir deste texto, um
forte contraste é notado entre o culto protestante e o culto católico brasileiro: o caráter
festivo das celebrações cúlticas e o rigorismo do culto puritano contra a liberdade de
expressão.
Todavia, é interessante notar que, se o protestantismo de missão tinha aversão à
religiosidade e à cultura nativa, havia, em ambos protestantes e nativos , pelo menos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
140
dois elementos comuns: o individualismo e o anti-ritualismo. O primeiro elemento é
uma das características mais ressaltadas do brasileiro, que, segundo o estudo de Holanda
(2002), foi herdada de seu colonizador. Tipicamente individualista, o brasileiro
preocupa-se com suas condições e desvia o olhar da coletividade e da ação social para si
mesmo. O segundo elemento, a aversão ao ritualismo, encontra-se profundamente
ligado ao primeiro. No caso do brasileiro, graças à condição de extrema individualidade,
não se apóia em condições ritualísticas em nenhum momento de sua existência. Holanda
(2002, p. 151) declarou que no fundo, o ritualismo não nos é necessário.
Em um primeiro momento, estes traços comuns podem significar um entrosamento
entre as características culturais do brasileiro e as propostas cúlticas e teológicas do
protestantismo. Entretanto, situados nos contextos histórico-sociais do país, passam a
significar um intimismo e uma liberdade na religião contrários à moral puritana e a não-
formalidade pietista. Somados aos outros aspectos, tais como a falta de disciplina na
vida íntima e a falta de domínio e projeção social da personalidade, o individualismo e o
anti-ritualismo possibilitam que o brasileiro seja, de acordo com as palavras de Holanda
(2002, p. 151), livre, pois, para se abandonar a todo o repertório de idéias, gestos e
formas que encontre em seu caminho, assimilando-os frequentemente sem maiores
dificuldades. Nada mais nocivo ao culto protestante! De fato, a individualidade e o
anti-ritualismo propiciaram ao brasileiro assimilar, sem traumas, as variadas formas que
compõem o modelo sincrético de sua religiosidade
31
.
Holanda destacou as características pontuadas sempre em relação ao tipo de catolicismo
aqui praticado. Diferente da linha de Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre, que discute a
origem do sincretismo religioso oriundo das religiosidades dos negros, índios e brancos,
Holanda descreveu uma religião oficial, moldada sobre as especificidades nacionais.
Sua análise, portanto, o focaliza o embate entre as religiosidades étnicas distintas e o
31
Mendonça (1988, p. 42) mostra que existe uma dificuldade em definir religiosidade e religião. Segundo
ele, a religiosidade nem sempre está relacionada a uma religião organizada e instituída. Ele definiu
religiosidade como a sensação generalizada de que o mundo está sujeito a poderes ameaçadores da
ordem (...) sejam de amplitude universal ou simplesmente localizados no espaço e no tempo, estes quando
se referem a grupos humanos isolados sócio e geograficamente. No mesmo texto, Mendonça apresenta
uma segunda definição de religiosidade, que seria a existência na consciência daqueles traços culturais
de crença em poderes benéficos e maléficos que, de alguma forma, regem a vida nos mínimos detalhes e
que podem estar subjacentes na aceitação de qualquer religião organizada, introduzindo nelas
modificações. Na segunda definição, Mendonça relaciona a religiosidade com a crença culturalmente
construída e que pode, inclusive, interferir nas religiões organizadas. Tal definição de religiosidade é a
que empregamos aqui e que foi muito bem explorada por Bittencourt (2003).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
141
processo no qual o sincretismo foi-se estruturando. Abandonando essa discussão,
Holanda indicou o resultado dos entraves entre as religiosidades específicas das etnias e
a dominação que a religião oficial exerceu sobre tais formas. A importância dessa
análise é a percepção concedida pelo autor de uma religião oficial que mantém as
características culturais do povo e que por esse motivo é chamada de nosso velho
catolicismo.
O velho catolicismo é enfocado no capítulo em que Holanda examina uma das mais
brilhantes categorias culturais do brasileiro: a cordialidade
32
. O homem cordial
manifestava-se também pela religiosidade. Trata-se, portanto, de um aspecto cultural de
grande relevância que permeou toda a relação do brasileiro com o sagrado e com a
divindade. A cordialidade produziu os aspectos intimistas e anti-ritualísticos que estão
entrelaçados com a expressão religiosa o culto.
A crítica de Holanda afirma que o apego íntimo à divindade que, no catolicismo,
inclui incontáveis santos distanciou o brasileiro de uma religiosidade profunda. Em
suas palavras, Essa aversão ao ritualismo conjuga-se mal (...) com um sentimento
religioso verdadeiramente profundo e consciente (2002, p. 150). Por que o anti-
ritualismo causaria uma superficialidade religiosa? Segundo Holanda, a cordialidade do
brasileiro lhe é superficial; deve-se ao fato de não suportar um encontro consigo mesmo.
A autocrítica, a reflexão e a auto-análise não lhe são conhecidas. Ao contrário, ao
transformar os estranhos em amigos e os santos em velhos conhecidos que descem do
altar para dançar, o homem cordial afugenta-se de si mesmo.
Ligado a essa característica, o culto tornou-se o local que, por primazia, desviava a
reflexão consciente, a autocrítica e a reflexão. Por tal motivo, a ostentação e a pompa
eram elementos priorizados nas reuniões religiosas. Assim, o anti-ritualismo não
significa a ausência de elementos festivos ou estéticos que podem muito bem ser
usados liturgicamente , mas, ao contrário, o esvaziamento de significados profundos e
conscientes nestes elementos. Em outras palavras, os elementos estéticos poderiam estar
presentes, mas não significavam nada mais do que bela exteriorização de afetos e
apegos, desviantes da conscientização.
32
Quinto capítulo do livro Raízes do Brasil, intitulado O homem cordial (Holanda, 2002, pp. 141-151).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
142
Somado a toda a cordialidade, o individualismo também contribui em termos de efeitos
cúlticos. Ora, o rito é, antes de tudo, agregador. Ele reúne o grupo em torno de um
significado. No catolicismo brasileiro, porém, o é isso o que encontramos, mas uma
sucessão de imagens e fatos apresentados de forma superficial. Isso quer dizer que os
ritos não refletem a principal função do culto de agregação e identificação. Por tais
motivos, Holanda (2002, p. 150) declarou a falta de força religiosa na construção de
uma moral social:
A uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido íntimo das
cerimônias do que ao colorido e à pompa exterior, quase carnal em
seu apego ao concreto e em sua rancorosa incompreensão de toda
verdadeira espiritualidade; transigente, por isso mesmo que pronta a
acordos, ninguém pediria, certamente, que se elevasse a produzir
qualquer moral social poderosa. Religiosidade que se perdia e se
confundia num mundo sem forma e que, por isso mesmo, não tinha
forças para lhe impor sua ordem. Assim, nenhuma elaboração política
seria possível senão fora dela, fora de um culto que só apelava para os
sentimentos e os sentidos e quase nunca para a razão e vontade. (O
grifo é nosso.)
O que encontramos nesta citação? A consolidação de um culto que apelava para as
emoções, a superficialidade e abandonava a razão e a vontade. Bem parece ser um
discurso puritano-calvinista, mas temos de tomar cuidado quando lemos tais
características em Holanda. De novo, reforçamos a idéia da cordialidade, que, por sua
vez, está vinculada ao individualismo e ao anti-ritualismo do brasileiro. Embora
Holanda pouco discuta sobre religião, é clara a crítica a um catolicismo que pouco fez
para os seus. Não havia nele força social. Contudo, se a prática deste catolicismo era
assim, já havia sido assimilada pela cultura popular em todas as suas instâncias sociais e
políticas. Logo, a crítica recai sobre a superficialidade das relações cordiais do
brasileiro.
O que dizer? O catolicismo adaptou-se à cultura local? Não dúvidas. O problema
consiste em não reduzirmos o conceito de cultura popular apenas às adaptações ou
rejeições da religião dominante. Sabemos que o espaço de luta é mais amplo. Porém, ao
relacionarmos cultura e catolicismo, observamos que este assimilou, de forma muito
flexível, alguns traços dos que pretendia doutrinar. Fato é que o catolicismo encontrava-
se totalmente submerso nas características culturais dos brasileiros e não teve, ou não
quis ter, muita força para alterar seus principais traços. Afirmar que o catolicismo estava
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
143
aliado à cultura é dizer, nas palavras de Bittencourt (2003, p. 41), que ele aceitou, sem
problemas, a presença e influência da Matriz Religiosa Brasileira, sendo que esta,
prossegue o autor, nunca representou um problema a ser enfrentado; quando muito
representou apenas uma dificuldade a ser contornada sutilmente.
Mas o que é a Matriz Religiosa Brasileira segundo Bittencourt? Um núcleo básico de
religiosidade formado a partir do sincretismo de elementos encontrados nas religiões
específicas das etnias
33
. Este núcleo é o resultado do encontro das diversas religiões sob
o fenômeno da mestiçagem. Ele influenciou não a religiosidade do brasileiro, mas
também traços de sua cultura e personalidade nas várias áreas da sociedade e do
cotidiano. Portanto, para explicar quais elementos compõem a Matriz, Bittencourt
recorre à idéia de sincretismo. O caminho percorrido para a formação da Matriz é o da
formação histórica da nacionalidade:
Com os colonizadores chegam o catolicismo ibérico
(reconhecidamente singular) e a magia européia. Aqui se encontram
com as religiões indígenas, cuja presença i impor-se por meio da
mestiçagem. Posteriormente a escravidão trouxe consigo as religiões
africanas que, sob determinadas circunstâncias, foram articuladas num
vasto sincretismo. No século XIX, dois novos elementos foram
acrescentados: o espiritismo europeu e alguns poucos fragmentos do
Catolicismo romanizado (Bittencourt, 2003, p. 41).
A religião oficial do país, o catolicismo, soube, assim, conciliar os elementos passíveis
de convivência com seu sistema religioso. Para consolidar-se, era necessário que o
catolicismo permitisse uma recapitulação constante dos seus ritos e dogmas. A
criatividade do brasileiro e sua liberdade no manuseio e adaptações dos símbolos
possibilitaram a criação de novos modelos religiosos, e, conseqüentemente, novos
modelos cúlticos. Esse processo, fortemente sincrético, acabou por interferir também na
produção cultural.
Em outras palavras, o sincretismo religioso, ajudou a construir uma cultura brasileira
ao mesmo tempo em que deu formato à religião oficial. Dentre todos os elementos
religiosos que constituíram essa matriz, os que nos interessam estão relacionados com a
33
Outros estudiosos se debruçaram sobre o mesmo objetivo de construir uma caracterização da
religiosidade brasileira. Dentre eles, destacamos André Droogers (1987, p 62-87), que trabalhou com a
categoria de religiosidadenima, que segundo o autor seria um substrato mínimo que se apresenta em
todas as religiões brasileiras.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
144
expressão dessa religiosidade. Bittencourt (2003, p. 42) chega a falar de uma criação
de identidade efetuada por meio de mediações simbólicas capazes de manter o vínculo
com as entidades ancestrais que lhes deram origem, trazidas para o presente por
intermédio dos ritos e das festas de caráter religioso. Em suma, o processo de
construção de identidade cultural, ou na controversa categoria de identidade nacional,
forjava-se com a construção de uma matriz religiosa que se revelava em suas formas de
expressão.
Não ficou difícil, portanto, para os missionários que aqui chegaram encontrar o seu
oponente: o catolicismo significou toda a encarnação do mal tanto da religiosidade
quanto dos costumes locais. Culto e moral, religião e frouxidão ética eram termos
usados conjuntamente nos documentos dos missionários protestantes. O anti-
catolicismo tornou-se marcante no estilo dos primeiros missionários e em muitos de
seus documentos; o culto católico era uma aberração para a mente protestante. Para o
protestantismo, o catolicismo não conseguia libertar o povo de sua condição, mas, ao
contrário, reproduzia, nos cultos, as características dos nativos incompatíveis com o
cristianismo. Um excerto da carta do capelão inglês Boys (In: Reily, 2003, p. 55),
datada de 1819, revela o pensamento protestante da época. O culto é o ponto de onde
surge a crítica ao catolicismo e aos nativos:
Os católicos romanos aqui em todo o seu culto ainda o mais
insensatos que os chineses. (...) O espetáculo de suas ridículas
cerimônias ou melhor, a forma vergonhosa na qual nossa pura e
santa religião se exibe aqui, e os 80 mil escravos que formam uma
parte da população desta cidade, que não parecem ter mais
probabilidade de serem libertados da sujeição do pecado e a Satanás
que dos grilhões da escravidão: o espetáculo destas coisas, afirmo,
torna este lugar, no meu modo de pensar, um dos mais miseráveis do
mundo.
Praticamente, as atitudes foram de rejeição às formas de expressão religiosa do
brasileiro por associá-las à imoralidade. Não faltaram críticas ao comportamento ético
que se via no país
34
. A condição do Brasil, nesse período anterior à República, era, sem
dúvida, muito estranha para aqueles que praticavam a busca da santificação, como se
pregava nos avivamentos da Inglaterra e EUA. De igual modo, a condição de vida do
34
Sugerimos a leitura da obra História Documental do Protestantismo no Brasil, de Duncan Alexander
Reily. O autor selecionou inúmeros trechos de cartas dos missionários da época em questão que, por sua
vez, faziam severas críticas à vida cotidiana, política e moral do brasileiro.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
145
brasileiro, com suas frouxidões morais, também eram repugnantes aos protestantes
imigrantes europeus que vivenciaram a influência do puritanismo e do pietismo.
Nesse cenário, o racionalismo conseguiu ser o contraponto mais estratégico para que
não houvesse onimo de identificação com a cultura local. O culto que representava a
religiosidade do povo brasileiro era emocional, pomposo, espetacular, festivo, intimista
e, portanto, desviava a ação consciente, significava a síntese da religião nativa que se
devia expurgar. O culto missionário, ao contrário, pretendia ser um culto racional, que
convenceria as mentes do pecado. Nesse aspecto, parece-nos que o protestantismo
desejou ser diferente, exógeno, para a nação que pretendia ganhar para Cristo. Sua
atitude cúltica revelava tal intenção objetiva ao manter afastados todos os elementos que
lembrassem as práticas cúlticas cristãs locais.
Como o catolicismo era a religião formal da nação, o ataque ao inimigo comum era
um discurso plenamente satisfatório, além de conter o escape teológico para que o
diálogo com a cultura não necessitasse ser discutido na expressão do culto. Dessa
forma, se o catolicismo tinha-se tornado a própria identidade cultural da nação, o
protestantismo de missão, por sua vez, gerou tamanha rejeição à cultura brasileira que
esta acabou por se tornar um elemento constitutivo da identidade evangélica
(Bittencourt, 2003, p. 43).
Entretanto, como pode existir um culto que se estabeleça em um povo sem considerar
suas expressões culturais? Pensamos que, sobre esse aspecto, duas coisas
surpreendentemente convergiram naquele momento histórico: a ideologia dominante de
uma nação que queria impor sua religião contra o grande individualismo alienante
daquele que se pretendia dominar. Cada modelo cúltico trazido para pelos
missionários de diferentes denominações continha a questão da hegemonia cúltica.
Contudo, não podemos supor que estes modelos, por si só, seriam capazes de manter,
com tamanha força, essa posição anticultural. Foi exatamente porque existia uma
típica religião individualista e anti-ritualista no país que tais modelos ganharam força
em solo nacional. Somente a partir de tais considerações, cabe a análise dos modelos
cúlticos que influenciaram a estruturação do culto do protestantismo histórico no país.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
146
3.4 Os modelos cúlticos do protestantismo de missão
Segundo Mendonça (1990a, p. 175), os reavivamentos americanos é que dariam, de
fato, a característica típica do culto protestante importado pelo Brasil: um sermão
acompanhado de hinos e muita emoção. A ausência de outros elementos litúrgicos que
não fossem pregação e música foi o traço mais forte destes cultos, o que conferiu às
denominações protestantes da América do Norte um aspecto de semelhança cúltica. Tal
característica foi fortemente incorporada pelos missionários americanos que aqui
chegaram, e, assim, desenvolveu-se vigorosamente, no culto protestante em solo
brasileiro, o que Mendonça (1990a, p. 181) chamou de esvaziamento litúrgico.
Essa redução litúrgica do culto protestante no Brasil atingiu todas as denominações que
aqui chegaram por meio das missões norte-americanas. Hanh (1989) falou sobre a
unidade do culto protestante no Brasil para descrever o fenômeno de similaridade
entre as diferentes denominações protestantes aqui estabelecidas. Porém, deixou de fora
da análise as igrejas luteranas e anglicanas, cujos cultos mantêm a liturgia tradicional;
nesse sentido, somente as outras denominações metodistas, congregacionais,
presbiterianas e batistas assumiram formas semelhantes de culto no Brasil. Ora, esta
unidade segundo as palavras de Hanh ou similaridade cúltica, além de ser
praticada nos Estados Unidos e legitimada pelo interdenominacionalismo teológico do
pensamento missionário, encontrou respaldo na grande frente de trabalho iniciada por
Robert Kalley e seguida de perto pelos missionários que chegaram depois.
3.4.1 O modelo kalleyano de culto protestante
Conforme vimos, o aspecto estabelecido nos cultos norte-americanos pelos
reavivamentos, somado a todo o contexto histórico-social do Brasil, contribui para a
expressão cúltica do protestantismo brasileiro. Entretanto, o culto protestante também
deve seu estilo à grande influência do casal Sarah e Robert Kalley
35
. Ao levantar as
35
Robert Reid Kalley (1809-1888), médico escocês ordenado pastor pela Sociedade Missionária de
Londres em 1839, e sua esposa, Sarah Kalley, chegaram ao Brasil em10 de maio de1855. Em 19 de
agosto do mesmo ano, Sarah Kalley iniciou as atividades da Escola Dominical em terras brasileiras.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
147
características do culto protestante brasileiro, Hahn (1989, pp. 132-152) conseguiu
mostrar o princípio leigo e informal que o fundamentou e era peculiar ao estilo dos
Kalley; sobretudo, de Robert Kalley.
Mendonça (1990a, p. 176) concluiu que: (...) a própria formação teológica e as
condições peculiares da ordenação desse missionário fizeram com que ele produzisse
um conceito essencialmente leigo de culto. Este culto, essencialmente leigo, era
realizado em lares, campos, lugares improvisados e, por motivos históricos e
circunstanciais, não possuía elementos simbólicos mais fortes. O modelo de Kalley era,
sem dúvida, uma forte estratégia para a evangelização pretendida, mas o chegava a
ser uma prática cúltica no sentido exato da palavra. Reunindo-se com famílias que
abriam seus lares, os cultos, segundo relatos dos missionários, tinham a presença quase
exclusiva da leitura bíblica e da entonação de hinos; enfim, eram cultos domésticos
(Hahn, 1989, pp. 132-152).
Esse modelo leigo de culto protestante cristalizou-se historicamente por motivos
diversos tais como a falta de pastores para o campo missionário, a força do modelo de
culto norte-americano, as questões legislativas e o aspecto interdenominacional que
tomava conta do espírito dos missionários norte-americanos que chegavam ao país.
Além disso, esse modelo leigo e doméstico de culto contribuía para outra concepção de
Kalley, a da racionalidade do evangelho.
Segundo Hahn (1989, pp. 132-152), Kalley tinha a mentalidade de que as verdades do
evangelho precisavam ser apresentadas de forma racional, e sua teologia era uma
mistura de pietismo e racionalismo. Ele trabalhava em artigos e traduções, mostrando
sempre a íntima ligação da cristã com a razão. Assim, o modelo cúltico de Kalley
privilegiava a questão racional e foi seguido pelos missionários posteriores. A
concepção teológica de evangelização dos missionários, somada à concepção racional
de Kalley, fortalecia ideologicamente o combate à falsidade do catolicismo. O modo
eficaz de realizar tal tarefa era expor, lógica e racionalmente, a falácia da religião
hegemônica do país. O objetivo central do culto passou a ser, então, o convencimento
de que a nova religião trazia a verdade!
Se essas questões podem ser consideradas circunstanciais, não como não vinculá-las
às tendências anteriormente desenvolvidas nos movimentos ocorridos após o século 16
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
148
na Europa. O puritanismo, o pietismo e o racionalismo foram movimentos europeus que
já tinham causado muitos transtornos às liturgias mais fixadas. O protestantismo
europeu, de certa forma, reavaliou, em tempo posterior a estes movimentos, suas
condições cúlticas, buscando outros caminhos não tão radicais. Entretanto, importadas
para a América do Norte e de para o Brasil, as tendências antilitúrgicas não
encontraram o mesmo futuro. Portanto, o culto kalleyano não pode ser considerado
como um modelo que, sozinho, ajudou a estabelecer o despojamento litúrgico. Ao
contrário, preferimos caminhar no sentido de situar Robert Kalley em circunstâncias
cúlticas que lhe eram visíveis e conhecidas e que, a partir de seus pressupostos e
situações individuais, foram revigoradas. O culto kalleyano retratava uma síntese das
tendências antilitúrgicas: era leigo, informal, doméstico e racional.
Sobre o que acontecia nesses cultos, os registros de diários de missionários como Robert
Kalley, Simonton, Blackford e outros mostram a presença eficaz do ensino doutrinário
da nova religião que se instalava no país e poderia ser aplicado pelo pastor missionário
ou, na ausência deste, por um leigo que lia trechos da Bíblia (Hahn, 1989). Estes
registros contêm, na esmagadora maioria, apenas relatos de leituras bíblicas, algumas
orações e cânticos. Assim sendo, podemos concluir que esses cultos domésticos eram,
na realidade, reuniões para o ensino do evangelho. Em termos litúrgicos se é que
podemos usar tal palavra , a conseqüência posterior seria a grande preocupação com a
importância e o espaço da prédica no culto protestante brasileiro.
Esse modelo simplista de culto que se fixou no país tem de ser analisado por dois
aspectos que se misturam no panorama nacional: não Kalley já havia instaurado o
culto doméstico no Brasil com sucesso, mas também o próprio modelo norte-americano
negligenciava as demais partes litúrgicas. Portanto, a matriz cúltica do protestantismo
brasileiro, quer a partir das reuniões dos Kalley, quer a partir do modelo dos
reavivamentos, era a da música assessorando a palavra os dois elementos que
forneciam a estrutura do culto protestante no Brasil.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
149
3.4.2 O modelo avivalista
Essa estrutura bipolar música e prédica compôs a versão final do culto protestante
no país. Não como deixar de vincular o modelo bipolar da Era Metodista nos EUA,
caracterizada pelo formato do extenso sermão assessorado por cânticos! Contudo, a
racionalidade de Kalley se fez notar de maneira decisiva. Enquanto, nos avivamentos,
sermão e música eram meios de levar o povo à emoção, ambos os elementos fariam o
contrário das linhas avivalistas no Brasil. Prédica e música tinham função racional e
didática.
Se, nos avivamentos, o longo sermão, sempre emocional, era assessorado pela música
com tendências populares e também emocionais, no Brasil, o modelo foi copiado, mas a
intenção, substituída. A música religiosa estava, aqui, a serviço do elemento menos
emocional do culto: o sermão pedagógico. De fato, ao que tudo parece, o pressuposto
racional de Kalley conviveu, sem nenhum conflito, com as teologias e as formas
musicais mais populares dos avivamentos estudinenses; em outras palavras, um
pressuposto racional desenvolvido em moldes avivalistas!
Se, no princípio, esse fato não gerou conseqüências maiores ao culto, os
desenvolvimentos posteriores revelam que tal situação consolidou-se em contradição
interna manifesta, principalmente, nas últimas décadas. O fervor avivalista não foi
trazido pelos missionários, mas a teologia e o modelo cúltico tiveram a nítida influência
desses movimentos. Segundo Velasques (1990a, p. 100), a causa da ausência de emoção
no culto deu-se por motivos circunstanciais existentes no país:
O fervor avivalista dos acampamentos e dos apelos emocionais dos
pregadores metodistas da primeira metade do século XIX, nos Estados
Unidos, não chegou a ser aqui implantado. As condições sociais do
povo eram completamente ignoradas pelos missionários, a legislação
brasileira dificultava o trabalho de proselitismo (também a construção
de templos), a hostilidade do clero católico romano era muito grande e
a língua portuguesa não era dominada pelos missionários, o que quase
impossibilitava a comunicação com o povo.
Embora todas as considerações de Velasques possam ser comprovadas historicamente, e
sua lógica em encadeá-las para que o fervor avivalista não tivesse sido implantado aqui
seja pertinente, acreditamos existir a confluência de mais dois elementos para a
explicação desse fato: a negação da Matriz Religiosa Brasileira, que trazia em si uma
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
150
forte presença emocional, e a intensificação da racionalidade do culto, incorporada pela
prática dos cultos domésticos.
Contudo, não é possível simplesmente descartar algum tipo de elemento mais
emocional. Se as mentes precisavam ser doutrinadas, os corações também necessitavam
de um afago religioso. Isso pode ser apenas pensado hipoteticamente. Não há relatos de
grandes emoções como choro ou alegria exagerada nos cultos brasileiros. Ao contrário,
os registros dos missionários e pesquisas dos estudiosos citados neste trabalho
revelam uma conduta que varia entre a negação e a moderação dos elementos
emocionais.
Mendonça (1990a, p. 189) relata que, na primeira fase do protestantismo no Brasil, o
pietismo funcionava como uma alavanca sentimental para mover as vontades, que
preguiçosas, não respondiam ao apelo da razão. em um segundo momento,
Mendonça mostra que o resquício emocional no culto havia sido totalmente extinto:
Havia pouca gente para converter por isso a carga emocional já não
era essencial; o importante era reforçar as convicções intelectuais dos
fiéis e fazer com que permanecessem na Igreja. Neste sentido, o
conteúdo emotivo do culto, embora secundário, acabou sendo cada
vez menor, se é que em muitas circunstâncias não desapareceu
completamente. É por isso que Emile-G. Léonard, observando nossas
Igrejas na passagem da década de 1940 para a de 1950, disse que os
protestantes brasileiros vão a Igreja para aprender.
Essa idéia nos remete ao período posterior da estrutura bipolar do culto, que, a partir
desse formato, transformou-se em um modelo que conseguiu englobar tudo o que foi
pontuado: o modelo didático e pedagógico. Por isso mesmo, os evangélicos dirigem-se
para os cultos pensando no que vão aprender. O que notamos, assim, é que o modelo
kalleyano cristalizou-se no país a ponto de, nos anos 30 e 40, a racionalidade ter-se
intensificado no culto. A inicial concepção de convencimento racional levou à
inevitável concepção pedagógica analisada por Leonard (2002,p.146), que relatou:
Esse corpo (social e eclesiástico), que é propriamente a igreja, teria
como divisa, para um protestante europeu, adorar e orar. Para o
brasileiro e não procuraremos saber se se trata aqui de um traço
americano ou apenas de juventude espiritual essa divisa será
aprender e trabalhar. A expressão que designa, na Europa, a
suprema finalidade da igreja é a de culto (ou seus equivalentes); no
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
151
Brasil é trabalho, expressão empregada mesmo pelas denominações
menos ativistas, como a episcopal.
Assim, os modelos kalleyanos e avivalistas mesclaram-se no Brasil, originando um
típico culto de missão ou, se preferirmos, culto evangelístico, que acabou por
impor, já na segunda fase, uma conduta tipicamente ativista de trabalho ligada, por sua
vez, à idéia pedagógica de culto. O culto havia-se firmado sem mistério ou adoração. Se
podemos encontrar a justificativa para esse tipo de modelo cúltico no primeiro momento
de inserção, o que fica muito difícil de explicar são os motivos que levaram à
perpetuação dessa prática. Tal dúvida se faz presente em Mendonça (1990a, p. 177),
quando o autor declara:
O que nos leva a uma série de indagações é o fato de não terem as
igrejas, já estabilizadas e com a liberdade religiosa introduzida pela
república, conseguido superar o que se poderia chamar de fase
transitória para ir aos poucos recuperando e introduzindo formas de
culto mais elaboradas, mesmo tradicionais, que impedissem o crítico
esvaziamento a que chegaram.
Uma possível resposta a essa indagação não poderia ser encontrada no isolacionismo
conversionista? Ao fazer da negação cultural um princípio de identidade, o
protestantismo não deveria guardar as formas cúlticas que contribuíam para esta
negação? Sem dúvida, muitas especulações podem ser feitas, mas acreditamos que a
posição anticultural do protestantismo seja base para especulações posteriores. O fato é
que esse modelo inicial fixou-se no país e resultou no modelo antilitúrgico que existe,
até hoje, nas denominações históricas do protestantismo brasileiro, mantendo
características específicas e criando o convívio contraditório entre alguns elementos.
Veremos as principais características presentes no culto protestante no que chamaremos
de segunda fase do culto protestante histórico no Brasil.
3.4.3 As características do culto antilitúrgico
Como vimos, o primeiro momento do culto protestante no Brasil na fase de inserção
acabou por consolidar um tipo de culto antilitúrgico que se perpetuou até os dias atuais.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
152
Velasques (1990b, pp. 159-168) pontuou cinco características do culto antilitúrgico do
protestantismo histórico no Brasil, o que chamou de crítica do culto protestante
brasileiro. O notório desta análise é retratar os traços encontrados no culto protestante
dos anos 60 e 70. Apresentamos, então, uma síntese da reflexão de Velasques com o
intuito de mostrar que tais características foram consolidadas a partir dos modelos
originais trazidos para o Brasil.
Partindo da categoria de protestantismo não-litúrgico, Velasques apontou as principais
características encontradas, a saber: a centralidade da prédica, que aboliu o mistério do
traço inscrito na essência do culto cristão; a estratificação da linguagem devido ao
temor da invasão e contaminação com o mundo; a função de serviço à dominação
cultural americana e anglo-saxã; a ostensiva laicização, caracterizada desde as suas
origens e permanentemente realimentada por organizações paraeclesiásticas, e o duplo
objetivo de conversão e santificação. Um olhar atento pode ligar esses aspectos ao que
viemos analisando até aqui.
A centralidade da prédica no culto protestante é fato que não necessita mais ser
explicado. No Brasil, a negação aos pomposos cultos católicos, que resultou em um
culto que priorizava excessivamente a racionalidade, reforçou ainda mais essa
tendência. Segundo Velasques, a conseqüência direta da centralidade da prédica foi a
abertura total do culto. O autor ressaltou que o culto teve que se tornar totalmente
aberto, o que é em si, um princípio desviante da própria concepção de culto. Em um
culto aberto há cada vez menos sentido existirem símbolos litúrgicos, e os elementos de
mistério são eliminados definitivamente.
Essa primeira crítica ao culto protestante, portanto, está diretamente relacionada com a
essência do que seja o culto cristão. Liturgicamente inferimos que os atos sacramentais,
como, por exemplo, a Ceia Eucarística, perderam totalmente o sentido que lhes era
atribuído. Nas palavras de Velasques (1990b, p. 161), o espaço litúrgico é sacrificado
no altar da argumentação.
A segunda crítica de Velasques, a respeito da estratificação da linguagem no culto,
relaciona-se com o problema da relação do protestantismo com a cultura local. A
linguagem é uma das formas mais vívidas de expressão cultural. A estratificação da
linguagem no culto mostra que este não se mantém atrelado à dinâmica cultural, quer
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
153
em âmbito local, quer em âmbito macro-social. Neste último, a estratificação revela a
dificuldade do protestantismo brasileiro em passar da modernidade para a pós-
modernidade. De acordo com Velasques (1990b, p. 161), a linguagem usada nos cultos
protestantes da década de 70 ainda era a dos puritanos e pietistas dos séculos 17 e 18.
Os jargões protestantes mostravam o quanto essa religião permaneceu hermética às
mudanças culturais globais. Do outro lado da moeda, a estratificação da linguagem
demonstra que a negação da cultura local ainda era um ponto sico da identidade
protestante.
O terceiro traço do culto protestante no Brasil é a submissão à dominação cultural.
Velasques (1990b, p. 163) mostra que o protestantismo foi elaborado, na Europa,
sempre em diálogo com as regiões e nacionalidades. No entanto, perdeu esse caráter
aqui. De fato, segundo o autor, o protestantismo brasileiro incorporou a ideologia do
Destino Manifesto: Religião e cultura protestantes proclamavam assim sua
superioridade em face do catolicismo de nações decadentes. Essa questão inicial criou
raízes tão profundas no culto protestante brasileiro, que qualquer elemento cultural era
rapidamente considerado como heresia e afastado do culto.
A ostensiva laicização, incansavelmente empregada na inserção do protestantismo,
possibilitou a condição de destaque ao líder leigo e, ao mesmo tempo, inibiu o exercício
do pastorado. A crítica de Velasques é dirigida no sentido de se perpetuar uma
laicização do culto ao invés de se estruturar um corpo clerical com genuína capacidade
para essa prática. Tal característica foi ainda mais intensificada pelas instituições
paraeclesiásticas, que se dedicavam ao ensino e preparo dos leigos. A estratégia
mantinha, de certo modo, o enfraquecimento denominacional das igrejas protestantes
históricas.
A quinta característica cúltica criticada por Velasques fecha basicamente a análise,
porque pressupõe um retorno ao primeiro ponto. Sua crítica é sobre o duplo objetivo do
culto protestante: conversão e santificação. Recorremos à idéia do fechamento, porque
consideramos os aspectos pontuados pelo autor amarrados na forma de um círculo
vicioso. Ou seja, ao trazermos o duplo objetivo do culto, percebemos que eles estão
relacionados com o princípio de racionalidade encontrado na primeira característica
criticada por Velasques. Isto é, para conseguir praticar o proselitismo que busca, o culto
tem de convencer as mentes do pecado e, depois, isolar o convertido dos processos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
154
culturais locais, procedimento conhecido como santificação. Tanto para o
convencimento quanto para a santificação, que, por sua vez, consiste em uma
doutrinação isolacionista, a centralidade da prédica e a racionalidade que permitem
realizá-los. O círculo está fechado!
3.5 A produção musical do protestantismo de missão no Brasil
O primeiro culto realizado no Brasil, em 10 de março de 1557, na baía de Guanabara foi
conduzido por huguenotes franceses
36
. Muito provavelmente, os cultos da primeira
tentativa de inserção protestante no país entoavam o saltério genebrino de Calvino. Na
segunda tentativa de fixação no Brasil, entre 1630 a 1645, os protestantes que aqui
chegaram eram holandeses, e, por isso, a música cúltica repousava nas duas tradições
protestantes: a luterana e a calvinista. O mesmo repertório desta segunda tentativa deve
ter acompanhado o protestantismo de imigração. Nos três casos, a reprodução musical
baseava-se na salmódia e na hinódia do protestantismo europeu.
Contudo, em cada fase, os desenvolvimentos musicais e litúrgicos foram transportados
para cá. Assim, é possível pensar em um tipo de produção e reprodução musical
protestante tipicamente européia. Infelizmente, não existem relatos históricos
específicos sobre a música cúltica destes momentos protestantes no país. Henriqueta
Braga (1961, p. 63) concluiu que as duas tradições musicais protestantes foram trazidas
desde o período holandês. Ela ressaltou que, muito provavelmente, a salmódia calvinista
já deveria ser cantada a quatro vozes nesse período, porque já era uma prática do
protestantismo holandês.
Mas a produção musical protestante que se fixou no país foi a que veio com o
protestantismo de missão. Assim, como a teologia trazida pelos missionários era a dos
avivamentos, o mesmo se aplicava à música entoada congregacionalmente. Isso quer
36
Huguenote era o nome atribuído aos calvinistas franceses.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
155
dizer que a produção musical que se consolidou no país foi a baseava nas hinódias
inglesas e norte-americanas.
No período de inserção do protestantismo de missão no Brasil, a hinódia americana já se
caracterizava por ser folclórica e evangelística, o que, segundo Edmund Keith (1960, p.
163), fazia parte da tendência avivalista. Esta hinódia norte-americana avivalista tornou-
se a genuína música protestante do país.
Os hinos entoados na era metodista dos Estados Unidos afastavam-se das tendências
mais litúrgicas do protestantismo e, principalmente, do presbiterianismo europeu, cuja
tradição musical era calcada na salmódia. O hino evangelístico tinha basicamente duas
funções, a de evangelização propriamente dita e a de intensificar o emocionalismo dos
encontros avivalistas. Sermão e música eram emocionais.
Entretanto, o culto protestante no Brasil não era emocional, mas, ao contrário,
distanciava-se desse aspecto por relacioná-lo com a religiosidade local. Assim, se já
existia uma contradição em usar um modelo cúltico de grande emocionalismo de forma
racional, ainda mais contraditória ficava a situação de entoar as músicas desses cultos.
Ora, embora o molde do culto fosse avivalista, a prédica continha outro formato, o
racional. Mas e as canções? Foram substituídas? Não. As letras foram traduzidas, e as
melodias, mantidas. Portanto, houve um aproveitamento teológico e estilístico das
canções avivalistas americanas.
Nesse ponto, reside o que consideramos primordial para entender o modelo cúltico
bipolar do protestantismo: os dois elementos são contraditórios. Ao analisarmos a
função dos hinos avivalistas e evangelísticos, veremos que auxiliavam um sermão
caloroso e emocional dos avivamentos, facilitando a conversão e fomentando até
mesmo o êxtase religioso. Contraditoriamente, a hinódia avivalista estava, aqui no
Brasil, a serviço do elemento menos emocional do culto: o sermão racional-pedagógico.
Logo, quando o culto protestante histórico manteve, como base de sua estrutura
litúrgica, um elemento originariamente emocional, guardou, dentro de si, algo que
potencialmente poderia destruir sua maior característica, a racionalidade. Por isso,
uma intrínseca contradição entre o modelo musical usado e sua função cúltica.
Dessa maneira, restou à hinódia avivalista no Brasil cumprir apenas uma função
pedagógica. Era preciso convencer, e a música ajudava nesse processo. Os cultos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
156
domésticos valiam-se dessa estratégia bipolar, a qual deu resultados positivos. O sermão
explicava, e a música reforçava e auxiliava a mensagem. Sem dúvida, a mensagem
musical era a que mais facilmente se impregnava na mente e nos ouvidos dos indivíduos
reunidos nos lares.
A falta de ministros também contribuiu para que a música se tornasse pedagógica e
auxiliadora da mensagem. Algumas igrejas, cujo espaço físico poderia ser o mais ínfimo
possível, tinham contato com o pastor mensalmente ou apenas duas ou três vezes ao
ano. Este não ensinava a Bíblia, mas também os hinos. Era um meio eficiente de
doutrinação. A presença dos hinos na vida das igrejas era uma prática agradável e que
garantia o ensino religioso.
A prática musical do protestantismo consolidou-se, portanto, sobre a hinódia avivalista
norte-americana. Assim como no culto, existia, na produção musical do protestantismo,
uma unidade central de sua hinódia. Ou seja, as várias denominações do país cantavam
o mesmo repertório quando muito variado, outra canção com o mesmo estilo e
teologia. De forma geral, podemos recorrer à tipologia hinódia avivalista para falar de
tal homogeneização, mas o núcleo central dessa unidade musical contou com o brilhante
trabalho da missionária Sarah Kalley, esposa de Robert Kalley.
3.5.1 Sarah Kalley e a formação da hinódia protestante brasileira
Logo, como o culto do protestantismo teve o modelo original com Robert Kalley, foi
com Sarah Kalley, sua esposa, que o modelo hinódico do protestantismo brasileiro
estruturou-se
37
. Entre as várias atividades que Sarah desenvolvia, duas merecem
destaque: o ensino e a música. A ligação entre elas era grande, e Sarah, por meio das
atividades da escola dominical, conseguiu realizar no país o início dos estudos musicais
no protestantismo. Henriqueta Braga (1961, p. 109) acreditava na possibilidade de que
os primeiros hinos em português cantados no Brasil tenham sido entoados nas escolas
37
Recomendamos o trabalho de doutoramento de Douglas Nassif Cardoso Sarah Kalley: professora,
missionária e poetisa para mais detalhes da vida dessa personagem de extrema importância na inserção
do protestantismo missionário no Brasil. Sobre sua atividade especificamente musical, o mesmo autor
publicou o livro Convertendo através da música: a história dos salmos e hinos, que foi um dos capítulos
de sua tese de doutorado.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
157
dominicais dirigidas por Sarah. A hipótese de Braga era que tais hinos haviam sido
compostos na Ilha da Madeira por Robert Kalley.
Sua atuação na área musical foi marcante: ela traduzia, compunha, ensinava e adaptava
diversos hinos aos brasileiros. As melodias, pela cadência simples, deviam ser
facilmente incorporadas pelo grupo de fiéis e, assim, estes hinos ajudavam
pedagogicamente na fixação doutrinária dentro e fora do culto. Nesse trabalho, Sarah
não se preocupava com a originalidade musical. Suas adaptações causam certo
estranhamento por parte dos musicistas. Em entrevista cedida a Douglas Nassif Cardoso
(2005, p. 58), Simei Monteiro declarou que chama a atenção como ela (Sarah) traduz
um hino de Isaac Watts, o pai da hinódia inglesa, fazendo profundas modificações no
texto original.
Do mesmo modo, Sarah procedia com os poemas de sua autoria. Muitos deles eram
encaixados em melodias já existentes, obviamente européias e americanas, e, por
vezes, algumas traduções eram colocadas em melodias diferentes das compostas
originalmente. As adaptações de Sarah Kalley mostravam a total liberdade que ela
encontrava para atuar em solo nacional.
Ainda que não existam registros específicos, os hinos ensinados por Sarah Kalley
foram, provavelmente, durante décadas, as únicas fontes hinódicas do protestantismo de
missão no Brasil. A partir de sua dedicação à área musical, surgiu a compilação de um
hinário protestante brasileiro, o Salmos e Hinos. A primeira edição do hinário, usada por
Sarah no Brasil, foi editada em Londres, em 1855, antes de chegar ao país (Cardoso,
2005, p. 21). Em 1861, foi feita a primeira edição brasileira, que continha o total de 50
hinos. A primeira edição de Músicas Sacras data de 1869 e já passou a trazer 100 hinos,
incluindo músicas para crianças e coro. Após o falecimento de Robert Kalley, o filho
adotivo do casal, João Gomes da Rocha encarregou-se, com a mãe, das edições
posteriores respectivamente 1889, 1899, 1919; a última englobava 608 hinos além de
antífonas, canto-chão e índices (Monteiro1991, p. 28).
A análise deste hinário, desenvolvida na obra O celeste porvir, de Antonio Gouvêa
Mendonça, pode levantar pistas para o exame da produção musical protestante
posterior. Segundo Mendonça (1995, p. 192), o Salmos e Hinos representa o mais
significativo repositório da protestante no Brasil. É um compêndio de teologia para
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
158
ser cantado. Mas qual teologia? E com que música? Mendonça (1995, p. 225)
demonstrou a convivência das várias tendências teológicas tradicionais do
protestantismo de missão no mesmo hinário e classificou-as como protestantismo
pietista, peregrino, guerreiro e milenarista.
Não como negar que as teologias que influenciaram as organizações missionárias
norte-americanas estavam presentes no mesmo hinário. Assim, se o culto já era um local
de convivência de tendências teológicas sincréticas do missionarismo, a hinódia
intensificou tal prática. Por isso, Mendonça citou a dificuldade de classificação
encontrada na análise dos hinos: quase todos sincréticos teologicamente e com aspecto
individualista. Para mostrar, com maior clareza, o que estamos afirmando,
reproduziremos um trecho de Mendonça (1995, p. 223) que resume sua análise
teológica de Salmos e Hinos:
Na grande maioria dos hinos cristológicos está implícita a teologia do
amor de Deus, central nos movimentos de avivamento, outro
notório afastamento do calvinismo original.
Cerca de setenta c
ânticos se referem à penitência (confissão de
pecados) e ao convite ao pecador para a conversão. Mais de 130
referem-se ao sacrifício expiatório na cruz (morte de Deus-Filho),
acentuando o teor dramático da pregação dos avivamentos e muito
coloridos e adocicados pelo espírito pietista da exacerbação do
sofrimento físico e moral de Cristo, seus ferimentos, sangue e pelo
quase erotismo no tratamento de temas como amizade e amor íntimos
com Jesus (amante, esposo, esposa, gozo, etc). Os temas de vida
futura (céu, vida no além, negação do mundo) são enfatizados em
cerca de cem cânticos. Outra coisa que surpreende é que o tema
crucial do cristianismo que é a ressurreição, ainda mais em se
tratando de uma religiosidade essencialmente cristológica, ocupa um
espaço relativamente pequeno: cerca de dez cânticos. Nota-se, por
fim, um extremo individualismo; a maioria absoluta dos cânticos é
disposta na primeira pessoa do singular. Não se sente o coletivo, o
sentido de povo como predominante.
Sobre a parte musical dos Salmos e Hinos, Mendonça (1995, p. 221) afirmou que os
hinos selecionados para compor esse hinário retratam o estilo musical dos movimentos
de avivamento a partir de Sankey e Moody, ou seja, hinos inspirados em melodias
populares:
O exame dos Salmos e Hinos mostra que na sua composição final,
salvo a coleção dos salmos metrificados, em número de 25, e algumas
outras composições que apontam para o protestantismo clássico, o
restante que compõe a maioria absoluta da coleção mostra
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
159
sensivelmente sua origem avivalista e missionária dos grandes
avivamentos protestantes.
Cardoso (2005, pp. 56, 57) mostrou a origem melódica dos 53 hinos que Sarah traduziu
para o português. De acordo com a pesquisa de Cardoso, Sarah teve um gosto eclético
na escolha dos hinos e traduziu desde clássicos europeus até hinos gospel. Entretanto, se
havia um ecletismo musical em Sarah, a ênfase teológica foi mantida.
Contudo, embora seu gosto eclético tenha-lhe permitido incorporar algumas canções
clássicas européias nos Salmos e Hinos, segundo Cardoso (2005, p. 59), a inclusão de
autores como Fanny Crosby (1820-1915) e Ira David Sankey (1840-1908) denunciam
uma identificação com os hinos avivalistas utilizados nas igrejas Holiness e nas
campanhas evangelísticas de Moody. O autor destaca o acréscimo de uma estrofe no
hino de Fanny Crosby, Desejos da Alma, no qual Sarah parece desejar que o
avivamento americano chegue ao Brasil:
Maravilhas soberanas
Outros povos v
êm;
Oh! Derrama a mesma ben
ção
Sobre n
ós também.
Cardoso (2005, p. 60) fala no deslocamento, na compilação dos Salmos e Hinos, da
música clássica para os hinos gospel, caracterizado pela edição de 1877. Em suma,
podemos dizer que tanto a teologia quanto a música dos Salmos e Hinos foram de
origem avivalista e encontraram boa aceitação e assimilação em nosso país.
A análise realizada até aqui nos permite destacar dois aspectos que consideramos
normativos para toda a produção hinódica posterior do protestantismo no Brasil: a
despreocupação com a originalidade musical e a presença marcante da teologia
evangelística e individual dos avivamentos. Essas tendências seguirão todo o estilo
musical e teológico dos hinários posteriores a Salmos e Hinos
38
e, depois, dos chamados
corinhos e cânticos espirituais.
38
Para dados históricos dos hinários posteriores, indicamos a obra de Simei Monteiro O cântico da vida
(1991).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
160
3.5.2 A atividade coral
Nessa primeira grande fase de consolidação do culto protestante no Brasil que
situamos desde a chegada do protestantismo de missão até cada de 1930 , a música
exercia um papel de auxiliadora, mais ou menos emocional não importa da prédica.
Assim, o culto protestante que aqui se estabeleceu assumiu a característica da distinção
dualista de atividades: ora se aprendia, ora se cantava, ficando os demais elementos
litúrgicos esvaziados de significado e com uma execução quantitativamente inferior.
O aparato musical do protestantismo foi-se desenvolvendo, e outros hinários, todos
baseados no núcleo central de Salmos e Hinos, foram compilados e editados. A hinódia,
mesmo já havendo publicações específicas para as denominações, era basicamente a
mesma e, ao mesmo tempo em que avançava, outra atividade musical desenvolvia-se no
seio da igreja protestante: a atividade coral.
Braga (1961, p. 115) relacionou a segunda publicação de Salmos e Hinos com Música
Sacra, de 1869, com uma atividade musical desenvolvida por Sarah Kalley e concluiu
que tal publicação deveria supor a presença de um coral. Sabemos que Sarah Kalley
desenvolvia o ensino nas escolas dominicais, onde também ensinava música para as
crianças. Contudo, a constituição de um coro que, em 1869, tivesse conhecimento de
leitura musical e fosse atuante nos cultos domésticos não é fato que podemos afirmar
com precisão. O primeiro relato de um coro organizado e com participação ativa nos
cultos foi mencionado pela mesma autora e data de 1876, na Igreja Evangélica
Fluminense
39
, que, na época, estava aos cuidados do rev. João Manuel Gonçalves dos
Santos. Braga (1961, p. 116) informou que, durante 28 anos, esta igreja teve atividades
musicais que incluíam a efetiva participação do coro no culto e aulas de música.
Mendonça (1990, p. 190) também relacionou a publicação da música de Salmos e Hinos
com a possibilidade da existência de um coral e mostrou um momento que poderíamos
identificar como a passagem para a consolidação dessa prática musical no culto:
Não se sabe quando o canto coral (...) foi introduzido nas Igrejas
brasileiras. É de supor que tenha sido desde os primórdios, uma vez
que em suas primeiras edições o Salmos e Hinos com música trazia
melodias escrita para quatro vozes. No interior do estado de São
Paulo, pastores ensinavam a grupos de pessoas vocalmente bem-
dotadas alguns hinos do Salmos e Hinos, tradicionalmente cantado em
39
Igreja fundada por Robert Kalley, em 1858, no Rio de Janeiro.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
161
uníssono, a quatro vozes. Mas esse tipo de cântico constituía um
elemento estético e não um componente do culto.
De qualquer forma, mesmo sem uma precisão do início das atividades corais, Dorotéa
Kerr e Samuel Kerr
40
afirmam que esta atividade compôs ao lado do canto
congregacional uma das marcas dos evangélicos no Brasil. Eles escreveram que, desde
os anos 30, já existiam escolas de música em torno dos seminários teológicos com o
objetivo focalizado na educação de líderes musicais e na criação de coros locais.
Podemos mesmo afirmar que o coral foi o primeiro elemento musicalmente elaborado
do culto protestante brasileiro.
Embora não tenhamos uma exatidão de quando tal atividade começou provavelmente,
nos primórdios do hinário Salmos e Hinos, ainda com Sarah Kalley , conseguimos
detectar a época da consolidação efetiva do coral no culto protestante a partir da
constatação de uma produção musical específica para esse fim, as duas coletâneas
Coros sacros e Os céus proclamam.
Compilada pelo batista Arthur Lakschvitz, Coros sacros foi publicado em 1931 e
amplamente usado por todas as denominações protestantes do Brasil. Porém, a atividade
coral desenvolveu-se sobremaneira com a missionária presbiteriana Evelina Harper
41
.
Segundo Mendonça (1990a, p. 193) foi grande a influência de Evelina Harper no
desenvolvimento de um novo estilo da música coral no Brasil. Sua obra, que começou
na década de 40, foi continuada por João Wilson Faustini, que, em 1958, lançou o
primeiro volume da coletânea Os céus proclamam. Tal coletânea marcou uma forte era
do coral nas igrejas protestantes e, principalmente, nas presbiterianas. Encontros de
40
KERR, Dorotéa e KERR, Samuel. In:
www.organistasbrasil.triang.net/edicao14.htm
. Acessado em
24 de setembro de 2005.
41
Evelina Harper, nascida em Des Moines, no estado de Iowa, em 15 de março de 1899, era esposa do
missionário Charles Roy Harper, natural do estado do Kansas e nascido em 15 de março de 1895. O casal
de missionários era membro da antiga Missão Presbiteriana do Brasil Central e, a mando desta, em 1925,
realizou seu primeiro trabalho nas regiões do Mato Grosso. Ambos eram músicos: ele tocava piso, e ela,
harmônio. Em 1927, foram enviados para o Instituto José Manoel da Conceição (JMC) em Jandira. O
JMC tinha o objetivo de preparar a liderança das igrejas evangélicas e, em 1928, inaugurou o Curso
Universitário José Manoel da Conceição. Roy e Evelina eram professores do Curso Universitário; ele
ensinava grego e hebraico, e ela lecionava inglês e música. Seu brilhante trabalho na área deveu-se à
criação da Caravana Evangélica Musical (CEM). Viajando pelo país, o CEM proporcionava a
propagação da música evangélica por meio de coros organizados com os alunos do JMC. Por esse
programa, muitos músicos, regentes e organistas eram preparados para atuarem nas igrejas. Evelina
esteve à frente do CEM até 1952, ano em que Roy assumiu a tesouraria do Instituto Mackenzie, em São
Paulo. O casal retornou aos Estados Unidos em 1962.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
162
corais e seminários de música passaram, gradativamente, a fazer parte da rotina de
programações para regentes e coralistas de igrejas locais que dispunham de recursos
econômicos e potencial humano. Infelizmente, conforme relatou Braga (1961, p. 116),
a atividade coral não foi desenvolvida de maneira uniforme em todas as denominações
protestantes do Brasil, existindo diferenças enormes entre as igrejas locais.
Uma das maiores conseqüências desse período de desenvolvimento da atividade coral
acabou sendo o apelo a busca de profissionalismo e capacitação musical para os agentes
envolvidos. Ainda hoje, existe essa preocupação, e os cursos para regentes e capacitação
de coralistas continuam resistindo a outras demandas musicais. Na trilha dessa tradição,
foi fundada a Sociedade Evangélica de Música Sacra, a SOEMUS
42
, em 18 de agosto
de 1990, com o objetivo de desenvolver a atividade musical no culto. Essa instituição
interdenominacional nasceu a partir da iniciativa de um grupo de leigos, e, por isso
mesmo, todo trabalho que realiza é voluntário.
Notadamente, a SOEMUS patrocina cursos e seminários e estimula o surgimento de
novos grupos corais, tendo um amplo trabalho na edição de obras. Desde 1988, realiza
os seminários Música e Adoração, que, dentre todas as suas atividades, é a que mais tem
atraído interessados das igrejas evangélicas que ainda mantêm a atividade coral. Sem
dúvida, nestes cursos, ainda desigualdade de especialistas musicais das igrejas. Nem
todas as igrejas investem na formação e qualificação musical de coralistas e regentes,
sendo, portanto, a atividade da SOEMUS minimizada pelas condições do campo
protestante.
Porém, a atuação do coral no culto, embora esteticamente representasse um avanço para
o culto brasileiro, não significou avanços litúrgicos. O motivo desse desvio de função
42
Realizamos trabalho de campo em reuniões da SOEMUS durante o ano de 2006. Segundo informações
do atual presidente, a SOEMUS administra todo o acervo de publicações do Rev. João Wilson Faustini
que consta na coletânea Os us Proclamam, em 5 volumes, músicas corais avulsas para Natal, Páscoa e
demais temas do calendário litúrgico, para casamento e evangelização. Dentre os vários trabalhos
editoriais que fez, editou os dez volumes da coletânea Ecos de Louvor e tem reeditado diversas músicas.
Em 1996, lançou a 2ª edição revista e ampliada do livro Música e Adoração, de autoria de J.W.Faustini, e
Hinos Tradicionais de Natal. Em 1997, lançou a coleção Louvemos a Deus, que hoje consta de três
volumes. Em 2000, lançou a série Música e Adoração, com 11 músicas avulsas e, em 2001, a coletânea
25 Hinos Novos para um Novo Dia e a série Laudamus, com sete hinos avulsos para coral. Desde 1999,
tem produzidos CDs com a agravação do Culto de Encerramento dos Seminários de Música e Adoração.
A SOEMUS é uma pessoa jurídica composta administrativamente por uma Diretoria, um Conselho de
Administração e um Conselho Fiscal. É mantida por ofertas, doações, vendas de livros e partituras e pelo
produto dos eventos que promove. No ano de 2006, lançou a publicação de um periódico com
informações sobre suas programações e discussões gerais à respeito da música erudita nas igrejas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
163
não pode ser explicado apenas pelas circunstâncias brasileiras, mas deve ser inserido no
contexto de alguns modelos litúrgicos protestantes europeus que não usaram, desde os
primórdios, a música coral como atividade litúrgica. De modo geral, as igrejas
protestantes que não eram de tradição luterana aboliram a prática coral. Temos o
exemplo dos cultos calvinistas e da extremada posição de Zwínglio.
Todavia, qual seria a função do coral no culto? Está relacionada com a utilização
inicialmente feita pela igreja católica do responso litúrgico. Em Lutero, a atividade
inicial do coral tinha a função de acompanhamento congregacional substituído, depois,
pelo órgão. Neste exemplo, a função era ajudar no canto congregacional e, ao mesmo
tempo, conferir-lhe beleza. No primeiro caso, a prática coral conduzia, de forma estética
e litúrgica, a congregação nas respostas ao dirigente do culto. Portanto, o coral tinha,
acima de tudo, papel ritualístico, pois permitia a expressão coletiva da adoração.
Mendonça (1990a, p. 191) escreveu sobre essa proeminente função do coral:
Em suma, o coral tem função primária de interpretação coletiva de
sentimentos que se introduz nos interstícios litúrgicos, marcando a
passagem de uma parte a outra do culto sem que haja solução de
continuidade. O coral, sendo expressão coletiva, é expressão por
natureza anônima. A posição e a participação do coral no culto deve
(sic), desse modo, ser discreta. O ornato que ele pode representar,
embora contributivo para o embelezamento do culto, não é em si
primordial, mas secundário.
Contudo, no culto protestante brasileiro, o desvio da função litúrgica do coral foi nítido.
Essa atividade musical acabou por incorporar todo o discurso anticultural, racional e
pedagógico e, assim, não contribuiu para o que poderia significar um desenvolvimento
na área litúrgica. A crítica de Mendonça (1990, p. 192) é que a prática do canto coral
no culto brasileiro generalizou-se como um erro litúrgico a mais, porque não cumpria a
função litúrgica, mas apenas a de embelezamento estético. Isso se deve principalmente
ao fato de que o coral não auxiliava no canto congregacional ou possibilitava as pontes
entre os momentos litúrgicos do culto.
No Brasil, a prática coral basicamente se define pela apresentação no culto. A
congregação senta-se para ouvir o coral cantar, e, muitas vezes, o momento não é
apropriado, criando ainda mais fragmentação no culto. Em ambos os casos, a atividade
coral sofre uma distorção de suas funções. Esta prática ainda é idêntica nas igrejas
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
164
protestantes do Brasil
43
e, muito provavelmente, foi o modelo para posterior
desenvolvimento da música vocal. Mendonça (1990a, p. 192) percebeu o início de um
movimento que não retrocedeu desde então:
(...) esse entrave que o coral representa é, na maioria das Igrejas, ainda
agravado pelos numerosos conjuntos vocais que voluntariamente se
organizam e exigem espaço no culto. O que se vê, com freqüência,
além do que se devia esperar, é o culto se transformar em espetáculo
lítero-musical em que o fiel é mero espectador.
O que nos mostra esta citação? O primeiro ponto que destacamos é o surgimento de
numerosos conjuntos vocais citados por Mendonça. Supostamente, eram grupos que
faziam arranjos mais livres e improvisados dos corais. O segundo aspecto é que tais
grupos vocais mantiveram a característica antilitúrgica de apresentação. Ou seja, o tipo
de prática coral acabou por influenciar as demais atividades musicais que trabalhavam
com a música vocal. Por fim, trazemos um terceiro ponto de análise: a fragmentação do
espaço cúltico pela atividade musical. Assim, temos a estruturação de um modelo
cúltico em que a bipolaridade prédica e música assumiu uma característica
fragmentária e totalmente antilitúrgica, porque impedia a participação dos fiéis. Estes
ouviam a pregação e a música.
Basicamente, portanto, a produção musical protestante constituiu-se em um subcampo
bem-definido dentro do campo, com duas atividades musicais específicas: os hinos
congregacionais e o coral. Independentemente das condições musicais das igrejas locais,
quase todo culto protestante continha esses dois modelos musicais. Ambos mantinham a
função pedagógica e auxiliadora da música no culto. A diferença entre os modelos é que
o coral assumia sempre o formato de apresentação, enquanto os hinos eram entoados
congregacionalmente.
Logo, o modelo de culto protestante histórico que se fixou no Brasil utilizou uma
estrutura bipolar, cujas bases eram a prédica e a música. Ambas as partes tinham função
pedagógica, o que levou o culto protestante em geral ao afastamento da noção de
mistério e adoração. Nesta estrutura bipolar, a música cumpria a função auxiliadora da
prédica com o objetivo de preparar as mentes e ressaltar a mensagem. Foi nesse
43
Esse fato foi constatado pela realização do trabalho de campo. Em todas as igrejas que estivemos e que
ainda mantinham a atividade coral, a característica única era a de apresentação.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
165
contexto que o presbiterianismo viu-se inserido, e todo o campo do protestantismo
histórico adotou o modelo bipolar. Entretanto, embora a similaridade do campo
protestante seja grande, existem considerações específicas que devem ser ressaltadas na
análise do culto presbiteriano, para a compreensão do que ocorre nas atuais condições.
É esta análise que nos propomos a fazer agora.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
166
CAPÍTULO 4
O CULTO PRESBITERIANO NO BRASIL
Quase tudo o que foi discutido sobre teologia e culto do protestantismo de missão vale
para a análise do presbiterianismo, nome dado às igrejas oriundas do calvinismo
europeu do século 16. Isso é possível devido à unidade teológica e cúltica implantada
pelo protestantismo missionário no país. Porém, especificamente nessa denominação, tal
característica de unidade causa muito estranhamento e chega a ser contraditória. Afinal,
a teologia pietista-arminiana e o modelo cúltico, baseado na hinódia avivalista, são
elementos que fazem oposição às concepções calvinistas. De fato, no primeiro período
da Igreja Pesbiteriana no Brasil, a fidelidade ao nome presbiterianismo existiu
mesmo no tipo de governo eclesiástico. Assim, todas as concepções teológicas e cúlticas
do protestantismo de missão foram vivenciadas pelo presbiterianismo brasileiro e
ganharam um caráter mais contraditório nesta denominação.
Como a Igreja Presbiteriana viu-se inserida neste contexto de unidade cúltica, cujo
modelo é arminiano e avivalista? Para obtermos a resposta, cabe lembrar que o
presbiterianismo que chegou ao Brasil não foi o modelo genebrino original, mas um
modelo já adaptado às condições norte-americanas. Trata-se de um momento do
presbiterianismo brasileiro que chamamos de inserção. Todavia, o modelo cúltico
presbiteriano já se encontrava estruturado e consolidado na segunda fase do
protestantismo no Brasil que, segundo Carl J. Hahn (1989) e Émile Leonard (2002),
situa-se em meados dos anos 30.
Neste capítulo, analisaremos as duas fases do culto presbiteriano: o período de inserção
e o de consolidação. Como as características do modelo cúltico dos anos 30 encontram-
se presentes em meados dos anos 70, de acordo com as pesquisas de Antonio Gouvea
Mendonça (1990a) e de Prócoro Velasques Filho (1990 b), estendemos essa fase até o
final dessa década e meados da seguinte. Assim procedemos, tendo em mente distinguir
as fases do culto presbiteriano, cujo modelo básico é o culto pedagógico e racional do
protestantismo de missão, que confere à música cúltica uma função de ensino,
auxiliadora da prédica. no início dos anos 90, a atividade musical cúltica do
presbiterianismo não se configura mais com a mesma função pedagógica. Trata-se de
um novo momento do culto presbiteriano que veremos em outros capítulos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
167
Como o presbiterianismo no Brasil sofreu seu primeiro cisma em 1903, achamos
conveniente situar as discussões que envolvem a segunda fase do culto na Igreja
Presbiteriana do Brasil (IPB). Isto não se apenas por uma simples distinção, mas
também porque as duas maiores representantes do presbiterianismo brasileiro, a IPB e
sua dissidente, a Igreja Presbiteriana Independente (IPI), tiveram posições contrastantes
sobre culto e hinódia em muitos momentos históricos.
4.1 O presbiterianismo no Brasil: inserção e eclesiologia
O presbiterianismo que chegou ao Brasil foi o presbiterianismo norte-americano. O
missionário Ashbell Green Simonton (1833-1867) pertencia à Igreja Presbiteriana do
Norte e chegou ao país em 12 de agosto de 1859. Segundo Duncan A. Reily (2003, p.
129), os feitos realizados em seu curto período como missionário apenas oito anos por
conta do falecimento prematuro foram impressionantes:
(...) Simonton e seus colegas conseguiram uma lista impressionante de
realizações durante os oito anos de seu trabalho no Brasil: a fundação
de uma Igreja no Rio de Janeiro (12/1/1862); a fundação do primeiro
jornal evangélico no Brasil, a Imprensa Evangélica (5/11/1864); a
organização do primeiro presbitério, do Rio de janeiro (16/12/1865); e
ainda a fundação do primeiro seminário teológico, no Rio de Janeiro
(14/5/1867).
Simonton foi enviado ao Brasil pela Igreja Presbiteriana do Norte, a PCUSA. Um ano
mais tarde, chegava ao país o segundo missionário da denominação, Alexander Latimer
Blackford, casado com a irmã de Simonton, e que, depois de sua morte, assumiu a
missão presbiteriana.
Nos Estados Unidos, o presbiterianismo sofria uma forte tens
ão, que o dividia em duas
correntes voltadas a questões teológicas e políticas. O conflito interno havia-se iniciado
por conta da oposição da Velha Escola e da Nova Escola. Esta apoiava a causa libertária
dos escravos e tendia ao avivamento além de posicionar-se, de bom grado, a união com
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
168
os congregacionalistas. Tal oposição de idéias resultou na divisão formal, que aconteceu
em 1837, criando-se, assim, a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América
(PCUSA) e a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos (PCUS). A primeira representava
o presbiterianismo do Norte, com tendências antiescravistas, enquanto a segunda
representava os presbiterianos do Sul.
Somente no ano da morte de Simonton, 1867, é que a Igreja Presbiteriana do Sul enviou
missionários para cá, dentre outros motivos, pela possibilidade de encontrar uma
política escravista. Os primeiros missionários desta igreja foram George Nash Morton e
Edward Lane, que se instalaram em São Paulo. Com a permissão das Juntas
Missionárias das respectivas igrejas, ocorreu a fusão, em 1888, das duas tendências
presbiterianas a fim de formar uma única igreja nacional, a Igreja Presbiteriana do
Brasil (IPB).
Os conflitos teológicos dos Estados Unidos, intensificados pelas condições políticas do
país, foram sentidos tamm pelo presbiterianismo. A oposição entre a Velha Escola e a
Nova Escola era resultado de um campo conflituoso que não se restringia apenas ao
presbiterianismo. Dessa forma, como falar sobre a teologia do presbiterianismo
missionário se as igrejas oriundas do protestantismo de missão, nas quais está inserida a
denominação presbiteriana, tinham um sincretismo teológico, cuja tendência maior era
pietista-arminiana? Por tal motivo, a teologia presbiteriana implantada no Brasil teve
como pressuposto a unidade teológica do protestantismo de missão. Essa posição do
presbiterianismo em relação ao campo protestante é a chave para compreendermos o
presbiterianismo brasileiro.
O problema da unidade teológica, no presbiterianismo, deve-se ao fato de o calvinismo
ter convivido com elementos arminianos e avivalistas como a ênfase na conversão
individual por meio da experiência religiosa e a idéia do processo de santificação.
Assim, o presbiterianismo brasileiro afastou-se do pensamento de Calvino. Hahn (2002,
p. 146) mostra essa característica no presbiterianismo brasileiro:
Do ponto de vista doutrinal, o calvinismo que acreditavam (os
missionários) difundir era uma diluição de diluições anteriores; o
presbiterianismo americano já era ele mesmo uma adaptação do
presbiterianismo britânico, que por sua vez, através de um século de
lutas contra o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado
longamente do pensamento de Calvino.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
169
A grande contribuição do presbiterianismo, em solo nacional, foi a constante
preocupação com a educação, o que reforçava o aspecto de construção de reino do
Destino Manifesto. Os presbiterianos acreditavam na educação como meio de inserir
uma moral desejada na sociedade. Com isso, estaria a igreja preparando os corações e as
mentes para o Evangelho. O Mackenzie College
44
foi o grande investimento educacional
da denominação no país.
Segundo Mendonça (1990b, p. 35), a Igreja Presbiteriana foi a que mais cresceu no
século 19, sendo a primeira igreja protestante a obter autonomia formal das igrejas
norte-americanas. O Sínodo da IP foi organizado em 1888 e contou com quatro
presbitérios e 60 comunidades locais.
O governo eclesiástico do presbiterianismo encontra-se em um modelo intermediário de
organização. Segundo Hahn (2002, pp. 289, 290), duas tendências eclesiásticas geraram
os três modelos existentes no Brasil entre as igrejas protestantes. O primeiro visa a uma
igreja mais organizada, hierarquizada e com caráter administrativo bem consolidado. O
segundo seria o de uma igreja mais flexível, que se acomodasse a todas as diferenças
locais e pessoais, preocupada sempre em fazer prevalecer o espírito sobre a instituição.
A partir de ambos os modelos, surgiram três tipos de regime eclesiástico: o episcopal,
favorável à administração e à hierarquização e que, portanto, é centralizador e
totalitário, o congregacional, que reconhece a autonomia das igrejas locais e, por isso, é
descentralizador e o presbiteriano, cujo tipo de modelo é federalizado.
O modelo presbiteriano pressupõe um grupo de líderes locais divididos em diáconos e
presbíteros. Os primeiros cuidam da atividade diaconal propriamente dita como
distribuição de cestas básicas, cuidados com o templo, recolhimento de ofertas,
assessoria nas visitas, etc. Os presbíteros formam, junto ao pastor, o conselho local da
igreja no qual são tratados assuntos teológicos, litúrgicos e disciplinares. A igreja,
diferente das congregacionais, não participa das decisões locais tomadas por este
conselho, que, por sua vez, é representativo, pois tanto diáconos quanto presbíteros são
votados pela igreja para atuarem em um tempo fixo de atividade. As igrejas locais
44
Para aprofundamento da história do Mackenzie e sua relação com a Igreja Presbiteriana, indicamos as
leituras das tese de doutoramento: Mackenzie College e o ensino superior brasileiro: uma proposta de
universidade, de Osvaldo H. Hack (2001), e Mackenzie em movimento: conjunturas decisivas na história
de uma instituição educacional, de Marcel Mendes (2005), e o livro Religião, educação e progresso, de
Antonio Máspoli de Araújo Gomes (2000).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
170
compõem o presbitério, que, reunido, forma o sínodo. A última instância hierárquica da
Igreja Presbiteriana é o Supremo Concílio, ou Assembléia Geral, órgão que reúne
representantes dos diversos sínodos. Em todas as instâncias representativas, existem, ao
mesmo tempo e com o mesmo poder de decisão, pastores e presbíteros.
A representatividade gerou ao presbiterianismo brasileiro uma burocracia alta e formal,
fato este criticado por Hahn (2002, p. 290). O autor enumera as minúcias de
documentos entre as sociedades internas da igreja, as atas extensivas e a formalidade da
escrita. Em cada sociedade interna crianças, adolescentes, jovens, homens e senhoras
, há um estatuto, e são eleitos os respectivos presidentes, vices, secretários e
tesoureiros. Ou seja, todas as instâncias da igreja são representativas e burocraticamente
dirigidas. Isto confere um caráter de extremada organização e direção leiga à vida da
igreja. Nesse quadro, os presbíteros, por participarem de escalões superiores e fora das
igrejas locais, gozam de elevado prestígio, respeito e poder.
Tal característica eclesiástica da igreja presbiteriana provoca sérios entraves para a
unidade da denominação. Hahn (2002, p. 305) afirmou que entre o institucionalismo
episcopal (...) e o congregacionalismo individualista, as igrejas presbiterianas
constituem posição média, notavelmente organizada, mas bastante difícil de se
conservar. A autonomia parcial das igrejas locais pode ser levada a uma maior
interação com os membros, caracterizando um diálogo entre representados e
representantes, com a centralidade totalitária das decisões nas os do conselho,
desviando-se, então, o sentido de representatividade. É comum que, em casos de
conflitos internos, o conselho assuma uma função mais autoritária. Assim, a dominação
burocrática toma aspectos mais democráticos ou despóticos, legitimando seu
posicionamento em nome da manutenção do bem-estar da vida comunitária. Essa
situação potencializa a fragmentação do campo presbiteriano, ao mesmo tempo em que
pode intensificar conflitos tanto locais,quanto entre as comunidades.
Desde 1903, a unidade da Igreja Presbiteriana não resistiu às tensões internas. O
primeiro cisma ocorreu por questões que envolviam posicionamentos a respeito da
autonomia nacionalista e da presença da maçonaria na igreja. Desta cisão, originou-se a
divisão da igreja em Igreja Presbiteriana do Brasil que ficou com a maior facção e
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
171
Igreja Presbiteriana Independente, parte questionadora de todo o processo
45
formada
pelo líder Eduardo Carlos Pereira e mais sete ministros da igreja
46
.
Atualmente, o presbiterianismo brasileiro encontra-se dividido em Igreja Presbiteriana
do Brasil (IPB), a primeira, da qual saíram as outras denominações, Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil, Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil, Igreja
Presbiteriana Fundamentalista do Brasil, Igreja Presbiteriana Renovada e Igreja
Presbiteriana Unida.
4.2 O culto presbiteriano: inserção e consolidação
O culto presbiteriano no Brasil, em comparação com o culto
presbiteriano reformado e calvinista de outras partes do mundo, é
pobre.
Esta frase, dita pelo historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil, o reverendo Alderi de
Souza Matos
47
, resume o aspecto cúltico do presbiterianismo brasileiro ao mesmo
tempo em que o insere no esvaziamento litúrgico do protestantismo de missão. A
unidade teológica gerava a unidade cúltica. Aqui, no Brasil, o presbiterianismo agregou
valores que não eram seus e quase transformou o culto em uma inversão de seus
fundamentos teológicos. Os missionários presbiterianos que chegaram ao país
vivenciaram o clima teológico e cúltico dos avivamentos. Eram pessoas simples, vindas
de cidades pequenas ou zonas rurais dos Estados Unidos que, ao chegarem, fixaram-se
também em regiões afastadas das grandes cidades, nas zonas rurais, não tendo
conhecimento de grandes aparatos litúrgicos (Matos, 2005).
45
Por motivos metodológicos, não discutiremos o processo que originou a cisão. Indicamos a leitura
preliminar sobre o assunto em Hanh (2002, pp. 145- 183).
46
Os pastores que saíram da igreja, liderados por Eduardo Carlos Pereira, foram: Alfredo Borges, Bento
Ferraz, Caetano Nogueira Junior, Ernesto Luiz de Oliveira, Othoniel Motta e Vicente Themudo Lessa.
47
MATOS, Alderi de Souza. Entrevista realizada em maio de 2005 a Jacqueline Z. Dolghie.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
172
Dessa maneira, tanto os missionários quanto o povo que se pretendia evangelizar eram
pessoas simples, e a elaboração de um culto mais formal não cabia em tais
circunstâncias. De fato, a formalidade litúrgica poderia vir a ser até um impedimento
para que o presbiterianismo se expandisse pela zona rural. Essa situação, entretanto,
perpetuou-se, e, na migração da zona rural para a urbana, houve o conservadorismo de
um modelo passageiro. Ela passou a ser tradição! Por quê?
As variadas respostas que podem surgir sempre ficarão em dívida com as minúcias da
história infelizmente, no caso citado, minúcias de uma história não-contada. Sua
construção se pela costura de informações fragmentadas de um ou outro historiador
do presbiterianismo brasileiro. Aliás, foi um deles, Alderi Matos, que nos falou a
respeito da escassez de pesquisas que tratam especificamente do culto presbiteriano no
Brasil. Para ele, isso é sintomático, porque mostra que o culto nunca foi assunto de
relevância para a denominação. Ao que tudo indica, as intermináveis discussões sobre
liturgia e música entre os calvinistas europeus não chegaram ao Brasil.
O trabalho pioneiro que conseguiu pontuar algumas características sobre o culto entre os
primeiros missionários presbiterianos no país foi, sem dúvida, o de Carl J. Hahn. O
autor trabalhou com enxertos de cartas, diários e documentos dos missionários. Nestes,
analisados por Hahn, pode-se observar a ausência de uma discussão específica sobre
culto e música. Na maioria esmagadora, missionários como Simonton e Blackford
registraram a leitura e o ensino bíblico das reuniões que faziam.
Segundo Hahn (1986, p. 165), Simonton fez descrições muito breves sobre o culto, o
que obscurece o conhecimento de sua prática. O missionário registrou, em seu diário,
por exemplo, que, devido à sua dificuldade de entoar os cânticos, usou o Livro de
Oração Comum. Fez referência ao fato, mas não deu detalhes sobre quanto tempo
adotou essa prática. Encontramos, neste registro, o que foi ressaltado diversas vezes:
o despreparo dos pastores de arcarem com todos os momentos do culto e a falta de
especialistas para ajudá-los.
Todavia, outro detalhe chama-nos a aten
ção: o contato de Simonton com Robert Kalley.
Em seu diário, datado de 11 de abril de 1860, Simonton mencionou ter ficado na casa
dos Kalley, em Petrópolis, e participado de seus cultos domésticos. No relato, ressaltou
a simplicidade dos discursos de Robert Kalley, algo que lhe chamou a atenção.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
173
Provavelmente, todo o estilo do culto doméstico, de extrema singeleza e simplicidade,
agradou a Simonton.
Até mesmo sobre a data de organização da primeira Igreja Presbiteriana no Brasil, 12 de
janeiro de 1862, dia do primeiro batismo e da primeira Ceia, não se encontra registro da
ordem do culto. Hahn (1986, p. 166) atentou ao detalhe de que não havia ainda, na
América do Norte, o Livro de Ordem Comum, copilado mais tarde. Nesse período, a
tradição americana usava uma versão adaptada do Diretório de Westminster. É muito
provável que tenha sido este o livro de ordem que Simonton usou no primeiro culto
oficial da Igreja Presbiteriana no Brasil. Em linhas gerais, por não haver como
especificar o que acontecia, os cultos de Simonton eram praticamente leitura e estudos
bíblicos. Hahn (1986, p. 166) descreve o método de trabalho de Simonton: os contatos
de Simonton eram feitos através de lições de inglês e sua congregação das tardes de
domingo era composta por seus alunos e a hora do culto se constituía no estudo do
Evangelho de Mateus
Blackford, da mesma forma que Simonton, não deixou registro de ordem de culto, ou
qualquer ordem litúrgica que eventualmente acontecesse. Hahn (1986, p. 168) chega a
dizer que sua contribuição para o culto tem de ser detectada no que ele não registrou e
no que ele escreveu. A personalidade de Blackford, para Hahn, pode revelar suas
contribuições cúlticas. A adaptabilidade às condições de fronteira nos Estados Unidos e
no Brasil e a cooperação com os anglicanos indicavam uma abertura às idéias da Nova
Escola, embora Blackford tivesse forte apego aos princípios da Velha Escola. Mais uma
vez, caracteriza-se a convivência, quase sincrética, de posições teológicas diferentes!
Blackford, assim como Simonton, teve contato com o tipo de culto realizado por Kalley,
e, assim, o modelo de culto kalleyano difundiu-se entre os primeiros missionários
presbiterianos. Havia um trânsito comum entre freqüentadores dos cultos presbiterianos
e os de Kalley que, muito provavelmente, provocou aproximações entre os modelos
que, de certo modo, eram bem similares.
Tanto em Kalley quanto em Simonton e Blackford, a prega
ção era a parte mais
importante do culto. O ensino era fundamental, e, com os missionários presbiterianos,
isso aparece na forma de exclusão dos outros elementos. Eles poderiam ter existido e
não terem sido registrados? Ou será que o culto, de fato, não continha muito mais do
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
174
que leitura, sermão e uma breve oração? Independentemente do que tenha ocorrido, a
despreocupação em registrar adequadamente os momentos do culto foi um fator
desencadeante para a consolidação do modelo pedagógico no presbiterianismo.
Foi com um brasileiro, o reverendo Modesto P. B. Carvalhosa, segundo pastor
presbiteriano ordenado no Brasil, que o culto presbiteriano brasileiro teve seu Manual
de Culto. Segundo Hahn (1986, p. 197), Sua preocupação era que a sua própria igreja,
a Igreja Presbiteriana do Brasil, participasse da redescoberta de suas raízes reformadas
não somente na doutrina, mas no culto. Carvalhosa estava em sintonia com as
discussões tanto européias quanto norte-americanas a respeito de um retorno às raízes
calvinistas no culto. Atento aos debates praticamente desconhecidos dos outros
missionários, compilou e preparou o primeiro Manual de Culto para uso da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Este manual destinava-se principalmente aos leigos que
assumiam o trabalho de pregação pelas igrejas presbiterianas do país. A primeira edição
foi em 1874, e mais três foram feitas antes de sua morte. A quinta edição, datada de
1924, saiu meses depois. Foi a primeira grande contribuição ao culto presbiteriano
brasileiro embora Carvalhosa tenha-se valido apenas de material norte-americano.
Não podemos esquecer a aversão à cultura local, o que, provavelmente, desde os
primórdios, impediu que o culto presbiteriano tivesse alguns pontos em comum com as
formas de expressão religiosas usadas no país. A escolha do material feita por
Carvalhosa é compreensível considerado o período da confecção do manual. Contudo,
conforme salientou Alderi Matos em entrevista, é intrigante que, desde então, não
tenha havido a produção de material muito diferente do que o de Carvalhosa.
No prefácio do Manual (1892, pp. 18, 19), Carvalhosa mostra como as igrejas que não
tinham um ministro oficial deveriam prosseguir:
As congregações que não possuem um ministério regular ainda assim
devem se reunir aos domingos para o culto a Deus.
O culto dever
á ser dirigido pelos presbíteros e na ausência destes
pelos diáconos.
Onde n
ão houver nem presbíteros nem diáconos, algum dos membros
da congregação deverá ser escolhido pela congregação para servi-la.
(...) As formas de culto apresentadas são especialmente preparadas
para orientar aqueles que não estão habituados a dirigir um culto
público. A ordem é geralmente observada nas igrejas presbiterianas do
Brasil.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
175
(...) O povo deverá ficar de durante as orações. A pessoa que dirige
o culto deverá dar início ao mesmo dizendo invoquemos ao Senhor
nosso Deus.
Depois das instruções iniciais, há uma ordem de culto, que resumimos:
- oração de invocação que deve ser lida pelo dirigente;
- hino (convite ao louvor com a frase
Cantemos em louvor a Deus o hino...);
- leitura bíblica (relacionada ao sermão);
- ora
ção de graças, de intercessão e de súplica lida pelo dirigente (muito parecida com as orações de
Knox e Calvino);
- hino escolhido pelo dirigente com a fala que o antecede:
Vamos continuar nosso culto cantando o
hino...;
- leitura do serm
ão (livros de sermões podiam ser obtidos nas livrarias);
- oração lida pelo dirigente;
- momento de oferta com a entoa
ção de um hino;
- ora
ção;
- leitura da b
ênção araônica (a nota esclarecia que a leitura com as mãos alçadas podia ser feita por
ministros).
O Manual de Culto de Carvalhosa confirma a falta de ministros para o exercício cúltico,
o que acabou por acentuar o caráter leigo do mesmo. Como o Manual destinava-se os
leigos, não foi adotado pela igreja. O Diretório do Culto Divino uma adaptação
brasileira da revisão americana do Diretório de Westminster, parte III foi adotado
oficialmente e incorporado à Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil. Carvalhosa
trabalhou na comissão responsável pela elaboração do Diretório de Culto e foi
responsável pela revisão e adaptação do texto às circunstâncias brasileiras. Embora o
Diretório fosse uma adaptação da adaptação, porque considerava a flexibilidade
encontrada nos Estados Unidos, demonstrava a ligação entre o presbiterianismo
brasileiro e o Sínodo de Westminster.
Assim, encontramos a acentuação do caráter antilitúrgico do protestantismo de missões
no presbiterianismo. Além das questões relativas à cultura brasileira e às condições
norte-americanas, o presbiterianismo enfatizava ainda mais a proibição de símbolos e
elementos no culto com base na herança reformada-puritana de Westminster. Este
sínodo representou uma aversão às práticas litúrgicas formais da Reforma Protestante e
encontrou, no calvinismo, forte aliado à sustentação de um culto não formalizado
previamente. Todavia, além da negação à formalização cúltica, Westminster indicou a
antipatia pela cultura local e por todas as suas formas de expressão. Fundamentados no
Princípio Regulador do Culto, os puritanos e calvinistas da época baseavam-se no
princípio estritamente bíblico para a incorporação de elementos ao culto.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
176
Portanto, o presbiterianismo brasileiro definiu sua atividade cúltica a partir do Princípio
Regulador do Culto, que aboliu o uso de práticas, símbolos ou qualquer espécie de
elemento que não estivessem na Bíblia. Segundo Paulo Anglada (1999, p. 18), A
herança reformada, calvinista escocesa e puritana legada aos presbiterianos tornou-os
particularmente empenhados na purificação do culto. Esta purificação do culto
significou, no Brasil, o repúdio às formas de expressão culturais e católicas. Se o
protestantismo já o fizera, o presbiterianismo brasileiro tomou essa tarefa com mais
afinco.
Hahn (1986, p. 315) relatou o triste destino do culto presbiteriano na segunda fase do
protestantismo histórico no país, que o autor situou a partir dos anos 30. Neste período,
as denominações protestantes já começavam a criar discursos de identidade na tentativa
de se diferenciar na unidade teológica e cúltica. Mesmo assim, a presença da
Confederação Evangélica no Brasil ainda era fator de agregação. Desta confederação,
inclusive, surgiu o Hinário Evangélico
48
, que representava a prática costumeira do
interdenominacionalismo na hinódia. A chegada, nos anos 50, das instituições
paraeclesiásticas também contribuiu para a manutenção da unidade protestante no Brasil
cuja influência, na área cúltica, foi muito grande.
Essa segunda fase do presbiterianismo contou com pouquíssimos, ou nenhum, avanços
no culto. Segundo Hahn (1986, p. 318), os conflitos internos no presbiterianismo, que já
estava dividido entre IPB e IPI, e os conflitos com as igrejas americanas, foram fortes
fatores que auxiliaram para a estagnação do culto nessa denominação. Dentre as
pouquíssimas discussões sobre liturgia, Hahn citou o uso de um Livro de Oração, de M.
P. Talling, em 1911, no Seminário de Campinas e as discussões relativas à Ceia como o
uso de cálices individuais ou coletivos. Basicamente, o culto manteve os mesmo
aparatos: o Manual de Carvalhosa, O Diretório de Culto, baseado no Diretório de
Westminster, e o uso da hinódia dos Salmos e Hinos.
48
Segundo Monteiro (1991, p. 28), o Hinário Evangélico originou-se dos esforços da Confederação
Evangélica do Brasil para unificar a então hinódia em uso nas igrejas evangélicas do país. Foram reunidos
cânticos dos hinários Salmos e Hinos e Cantor Cristão.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
177
4.3 A produção musical do presbiterianismo brasileiro
O aparato litúrgico do presbiterianismo estava baseado em modelos que inspiravam uma
preferência antilitúgica. Dessa forma, não ocorreu a sistematização litúrgica do culto
presbiteriano, e, até mesmo, uma contraditória hinódia arminiana passou a fazer parte da
atividade. A área da hinódia contou ainda menos com uma sistematização da
denominação. O presbiterianismo brasileiro manteve inalterada a hinódia kalleyana na
atividade musical dos cultos, o que mostra a força da produção de Sarah Kalley ou por
que não dizer da hinódia avivalista no protestantismo brasileiro. Ignorando por
completo o teor arminiano e avivalista desses hinos, a Igreja Presbiteriana adotou o
hinário sem exceções e legitimou-o como hinódia oficial. Dois pontos merecem
destaque nesse posicionamento.
O primeiro é o fato de que o presbiterianismo brasileiro ignorou a salmódia calvinista.
Essa produção foi originalmente usada por Calvino e já tinha se enfraquecido até
mesmo na Europa, no tempo da inserção do protestantismo no Brasil. Entretanto, não
como entender o abandono total da prática genuinamente calvinista nos cultos
presbiterianos brasileiros. Afinal, um dos princípios de Westminster e, portanto, dos
reformados puritanos é a condenação à ação humana no culto. A salmódia, embora
tivesse sido flexibilizada na própria Europa, não era um ponto a ser descartado, visto
que assegurava a Bíblia como o único critério para a incorporação de elementos na
prática musical do culto. Nos Estados Unidos, os presbiterianos usavam tanto a
salmódia quanto a hinódia, mas, no caso dos missionários presbiterianos, a tradição do
saltério genebrino nunca chegou a ser praticada. A riqueza musical da salmódia
calvinista, pois o saltério foi composto por músicos franceses de alta qualidade, e a
riqueza teológica do livro de Salmos foram simplesmente ignoradas no culto
presbiteriano brasileiro em todas as suas divisões.
O segundo ponto merece uma análise mais crítica e refere-se ao tipo de hinódia adotada
no Brasil. De acordo com Mendonça (1995, pp. 211-239), o culto presbiteriano
curiosamente usava o Salmos e Hinos e cantava, sem qualquer conflito teológico,
muitos hinos de inspiração arminiana. Se o uso da hinódia em lugar da salmódia não
causou conflitos entre os missionários presbiterianos ou tampouco alguma indignação
posterior por parte da denominação, o que dizer do tipo hinódico arminiano adotado no
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
178
país? Essa contradição é latente e, a nosso ver, gerou as mais profundas confusões no
meio desta igreja. Em um primeiro momento, a adoção dessa hinódia foi justificável; ao
que parece, a popularidade dos Salmos e Hinos tomara conta de toda a denominação no
país.
Segundo Alderi Matos, houve um esforço, entre os missionários presbiterianos, de
produzir uma hinódia calvinista. Trata-se de um hinário calvinista com mais de 600
hinos compilados, em 1888, por John Bowe, missionário da Igreja do Sul que morava
no Triângulo Mineiro. Bowe contou com a ajuda de um missionário da Missão
Presbiteriana do Norte, James Hilston pastor da IP do Rio de Janeiro , que lhe fez
livros de poesias religiosas para serem escolhidas e usadas nos cultos presbiterianos. O
hinário foi publicado apenas com as poesias e continha uma sugestão da melodia que
poderia ser usada em várias delas. Talvez, por essa razão, o hinário nunca foi adotado
pela denominação.
O próprio historiador não entende porque então, que tendo um hinário bem maior que
os Salmos e Hinos, e com teologia calvinista a igreja optou pelos Salmos e Hinos?.
Muitos fatores podem ter influenciado tais como a falta de uma edição com partituras
ao passo que Salmos e Hinos já estava com a publicação musicada, o conhecimento dos
hinos, que certamente levavam muito tempo para serem aprendidos, a veiculação e a
rapidez de publicação do hinário de Sarah Kalley. Sejam quais forem as dificuldades
pontuadas para que o hinário calvinista não fosse adotado, permanece a dúvida se a
denominação, de fato, importava-se com o que era cantado desde que não tivesse
nenhuma semelhança com os ritmos e melodias brasileiras. Todavia, por que, em uma
fase posterior do presbiterianismo, a IPB não tentou reestruturar sua hinódia? Por mais
que, nesse período, a atividade coral se desenvolvesse, os mesmos paradigmas musicais
se mantiveram, e a hinódia, entoada congregacionalmente, não foi questionada.
Basicamente, a atividade coral na IPB foi popularizada nas igrejas locais graças ao
trabalho de Evelina Harper e, posteriormente, de J. W. Faustini que, embora
presbiterianos, aproveitaram recursos e programações interdenominacionais como a
SOEMUS. O presbiterianismo conhece a prática coral em seus cultos desde o final do
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
179
século 19. Segundo Dorothéa Kerr e Samuel Kerr
49
, tal atividade já existe na
denominação desde 1876, quando o pastor Antonio Pedro Cerqueira Leite organizou o
primeiro coral evangélico do Brasil na Igreja Presbiteriana de Sorocaba. O mais
interessante é que este mesmo pastor havia sido aluno do seminário fundado por
Simonton, no Rio de Janeiro, em 1867, o Seminário Teológico da Corte. Segundo os
autores,
...nesse seminário, iniciou-se também ensino musical para os futuros
pastores que iriam conduzir a atividade missionária dos presbiterianos.
As aulas de solfejo foram as primeiras a serem criadas, inaugurando
assim a tradição, hoje não mais existente, de que os pastores deveriam
receber algum treinamento musical (o grifo é nosso).
Em suma, a música cúltica oficial da IPB, ou seja, a que foi considerada a hinódia
oficial, estava fortemente vinculada às concepções de culto de missão que aqui se
instalou. Estas concepções eram pedagógicas e racionais, e, assim, a produção musical
estabeleceu-se a partir de uma função de apoio pedagógico ainda que,
contraditoriamente, mantivesse a teologia e o estilo dos avivamentos norte-americanos.
Essa produção musical sofreu o mesmo processo de cristalização pelo qual passou o
culto. Ou seja, embora os modelos musicais usados pudessem ser considerados
passageiros e específicos de tendências avivalistas e evangelísticas, eles se perpetuaram
no Brasil. Mendonça (1995, p. 221) mostrou como esse engessamento musical foi,
provavelmente, uma especificidade brasileira, considerando muito atrativa a hipótese
de que o protestantismo brasileiro seja talvez o último reduto de um momento histórico
do protestantismo mundial a conservar vivos os cânticos dos avivalismos e do
movimento missionário.
Sem dúvida, o engessamento dessa hinódia revela a estratificação da linguagem
(Velasques, 1990a, p. 159) no culto protestante. Os mesmos hinos, com os discursos
teológicos do pietismo e puritanismo, ainda são entoados em várias igrejas evangélicas
do país. É como se, ao cantá-los, a história fosse trazida de volta. É o eterno passado
que impede a vivência do novo. Contudo, a estratificação da linguagem contribui
também para que a dominação cultural seja realizada, porque, ao fixar uma linguagem
de forma perene, o grupo religioso convive apenas com um tipo de cultura. No caso, a
49
Fonte: google
www.organistasbrasil.triang.net/edicao14.htm
. Texto em cache acessado em 24 de
setembro de 2005
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
180
hinódia do presbiterianismo brasileiro traz consigo a violência simbólica à cultura local
provocada pelo protestantismo de missão. Logo, ao consumir liturgicamente tal
produção, o grupo religioso legitima a hegemonia cultural norte-americana e aliena-se
do diálogo com a própria cultura musical.
Ora, o isolacionismo do período de inserção alimentou a constante separação dos novos
conversos do modo de vida cultural do país por meio do discurso teológico da
santificação. Como apoio pedagógico, a hinódia deveria convencer o indivíduo do
pecado e separá-lo de seu mundo cotidiano nada mais eficaz para isso do que a
negação da cultura local. Desse modo, a identidade hinódica do presbiterianismo
brasileiro construiu-se a partir da negação da identidade nacional da música popular
brasileira e da aceitação da hegemonia cultural norte-americana.
4.4 Os especialistas religiosos do presbiterianismo
A teoria de Bourdieu (1987) esclarece que toda instituição religiosa tem um grupo de
especialistas encarregado de sua produção, e, nesta, inclui-se a produção cúltica. Quem
compõe este grupo na Igreja Presbiteriana?
No caso específico do presbiterianismo, existe um problema em relação ao corpo de
especialistas, grupo que é formado por leigos os presbíteros regentes e por clérigos
os presbíteros docentes, ou seja, os pastores. Ora ,o pastor-teólogo mantém a autoridade
e o poder religioso baseado no conhecimento teológico, e os presbíteros são legitimados
pelo sistema de eleição que ocorre nas igrejas locais. A diferença entre presbíteros e
pastores fundamenta-se na sacerdotização da atividade pastoral; após o curso de
teologia designado pela organização, os pastores são empossados e passam a exercer
uma liderança espiritual sobre a igreja.
A diferen
ça básica entre esses dois tipos de presbíteros está na distinção entre o saber
sagrado e a ignorância profana, distinção feita por Bourdieu (1987) entre sacerdotes
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
181
e leigos. No presbiterianismo não como falar de um sacerdócio puro. Seu caráter
leigo de administração lhe confere uma situação peculiar na qual os leigos e o pastor
sacerdotalizado, assumem a liderança da igreja e detêm o capital religioso. Contudo
uma diferença entre pastor e presbítero em função do saber sagrado do primeiro.O
pastor presbiteriano exerce sua autoridade com base neste saber, que lhe confere uma
aura de mistério. Contudo, dada a alta ingerência dos presbíteros regentes sobre a vida
da igreja, o saber sagrado é muitas vezes banalizado perante o conselho. Em todo caso,
o conselho usa a estratégia de afastar, o quanto for possível, o saber teológico dos
leigos, colocando-se como órgão genuíno para os questionamentos relacionados à área.
Isso pressupõe uma distribuição desigual de capital religioso entre dois tipos de leigos
na denominação: os presbíteros e os demais. Assim, o corpo de especialistas do
presbiterianismo é composto por uma liderança leiga e pelo pastor com status clerical.
Logo, o grupo de especialistas cúlticos da Igreja Presbiteriana detentores do capital
religioso encontra-se no governo.
Estrategicamente, a figura do pastor é realçada no meio deste grupo, porque seu status é
sacerdotal e garante uma maior legitimação de sua atividade. Em outras palavras, ele
tem uma força simbólica muito maior na igreja, a força sagrada. Entretanto, mesmo
tendo a atividade clericalizada, o pastor presbiteriano é relativamente subordinado aos
demais especialistas. É a pica figura weberiana do sacerdote que se encontra como
funcionário da organização religiosa. Ou seja, o pastor está submisso, em grande parte,
aos órgãos hierárquicos da denominação compostos por presbíteros regentes. Na própria
igreja, o conselho local pode, dependendo das condições, intervir no trabalho pastoral.
Cabem, nesse momento, as considerações weberianas sobre o sacerdote. Segundo
Weber (2000b, p. 294), o sacerdócio pode ser caracterizado por mais de uma forma, e
resumimos aqui as que consideramos mais decisivas para a nossa análise:
1-a característica da existência de lugares de culto em combinação com algum aparato
material para esse fim;
2-a circunst
ância de um exercício de funcionário no sentido de desempenhar um papel a
serviço da associação, independentemente do tipo de relação associativa;
3-a capacitação de um saber específico correspondente ao conhecimento de uma
doutrina fixamente regulada que passa a ser sua qualificação profissional.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
182
Em outras palavras, o pastor é considerado sacerdote da igreja e pico funcionário
burocrático, devendo, assim, cuidar da ideologia institucional. Em suma, pelo fato de
ser funcionário da Igreja Presbiteriana, o pastor deve manter a tradição da denominação
e controlar, por meio da função sacerdotal, os desvios doutrinários com os conselhos.
Entretanto, o próprio Weber (2000b) advertiu que as tipologias de sacerdote, profeta e
mago só têm um caráter puro teoricamente. Isso quer dizer que o pastor também pode
atuar com posturas mais proféticas e até mesmo mágicas desempenhadas por meio da
dominação carismática. Isso pode acontecer devido às circunstâncias tanto internas
quanto externas à organização religiosa.
Contudo, para ser um genuíno guardião da ideologia institucional, papel fundamental do
sacerdócio, o sacerdote tem de submeter-se aos limites designados pela organização.
Nesse caso, o carisma não é bem-vindo, porque, mesmo quando exercido para a
manutenção da ortodoxia, essa atividade baseia-se em um tipo de dominação pessoal.
Em um sistema burocrático como o presbiterianismo, a dominação pessoal é uma
constante ameaça que precisa ser evitada. Sob esse aspecto, ocorre uma estratégia
discutida por Bourdieu (1987): a economia de carisma.
A economia de carisma está relacionada ao tipo de instituição burocrática da qual o
sacerdote é funcionário. Nesse processo, está implícita a idéia de transformar a atividade
sacerdotal em atividade cotidiana. Independentemente das qualificações exigidas para a
atuação clerical, a tendência será sempre sistematizar essa ação e, assim, banalizá-la.
Portanto, com esta estratégia, o sacerdote tem o carisma reprimido em prol de sua
ligação com os deveres institucionais, o que pode gerar um dilema constante no
exercício sacerdotal. Desse modo, a organização religiosa evita o surgimento de
produções indesejáveis pelos próprios pastores. Resumindo, a economia de carisma
pressupõe a inexistência de teologias concorrentes no mesmo corpo clerical e a
banalização da atividade sacerdotal.
No caso do presbiterianismo, com a ingerência constante do conselho sobre a atividade
pastoral, esta se encontra mais banalizada do que em outras denominações clericalmente
hierarquizadas. De certo modo, até mesmo a prática histórica da realização de cultos
sem a presença de um sacerdote contribuiu para que a banalização pastoral acontecesse,
visto que a organização do aparato de culto é um pressuposto para o exercício
sacerdotal. Exatamente na atividade cúltica, o pastor presbiteriano enfrenta maiores
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
183
entraves devido ao governo eclesiástico da igreja. Vejamos: a atividade sacerdotal tem
de manter a tradição da organização a que serve e, ao mesmo tempo, atentar às
demandas leigas para a manutenção do grupo e, por conseguinte, do poder. Segundo
Weber (2000, p. 313):
Quanto mais especificamente congregacional o caráter da
organização, tanto mais a posição poderosa dos sacerdotes enfrenta a
necessidade de ter em conta, no interesse da conservação e propagação
do grupo de adeptos, as necessidades dos leigos. Em certo grau, no
entanto, essa situação é comum a todo tipo de sacerdócio. Para manter
sua posição de poder, freqüentemente tem que condescender, em alto
grau, às necessidades dos leigos.
Isto é, na atividade sacerdotal, o pastor precisa intermediar o que desejam os leigos e o
que permite a instituição. Acontece que, no presbiterianismo, a instituição não lhe
oferece uma sistematização cúltica para que ele tenha um referencial institucional sólido
e, a partir deste, parâmetros para atender, em certa medida, as necessidades dos leigos.
No caso da IPB, essa situação é latente. A igreja mantinha, até o ano de 2006, os
Princípios de Liturgia do Manual Presbiteriano, que foi promulgado em 20 de julho de
1950. O capítulo III dos Princípios de Liturgia dita as seguintes considerações a respeito
do culto público:
Art. 7º - O culto público é um ato religioso, através do qual o povo de
Deus adora o Senhor, entrando em comunhão com Ele, fazendo-lhes
confissão de pecados e buscando, pela mediação de Jesus Cristo, o
perdão, a santificação da vida e o crescimento espiritual. É ocasião
oportuna para proclamação da mensagem redentora e congraçamento
dos crentes.
Art. 8
º- O culto público consta ordinariamente de leitura da Palavra
de Deus, pregação, cânticos sagrados, orações e ofertas. A
ministração dos sacramentos, quando realizada no culto público, faz
parte dele. (O grifo é nosso.)
Estas são as únicas considerações, em todo o Manual, a respeito do culto e de suas
partes. O mesmo Manual, no que se refere à Constituição da Igreja, capítulo IV,
Seção 2ª, artigo 31, parágrafo d, aponta que, dentre outras funções privativas, é dever do
ministro: orientar e supervisionar a liturgia na igreja de que é pastor. Isso implica que
a liturgia é de responsabilidade única do pastor, ficando, portanto, a critério deste, como
trabalhar com os cinco pontos que devem ser abordados no culto.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
184
A despreocupação com o culto não podia se mais notável! A IPB não formula
delimitações claras sobre a atividade litúrgica, deixando sua supervisão nas mãos do
pastor, com o agravante de não lhe passar conteúdos necessários para tal atribuição.
Esse quadro foi considerado pelo rev. Alderi Matos como extremamente
desconfortável para a grande maioria dos pastores presbiterianos, concluindo:
Eu achava que o nosso culto devia ser mais estruturado, não como o
culto católico onde tudo é pré-determinado, tudo é pré-estabelecido
nos mínimos detalhes e o povo fica repetindo o que está no papel...
mas que a gente podia ter um pouco mais de coisas estruturadas e não
deixar o culto tão informal, tão a cargo do pastor.
Sobre o mesmo assunto, o presidente de um presbitério da IPB de São Paulo falou-nos
que os seminários, embora ofereçam uma disciplina sobre liturgia, não preparam o
pastor para a responsabilidade que tem em relação ao culto: Nós aprendemos na raça.
É no dia-a-dia da igreja que vamos saber como elaborar um culto
50
.
Dessa forma, a denominação trata dos assuntos cúlticos pelo antigo método
conhecido do protestantismo histórico: pelo viés da negação. As medidas do Supremo
Concílio em relação ao culto
51
, na época de sua consolidação, foram vagas e
causavam preocupação quando pudessem provocar cismas. Como o governo
eclesiástico do presbiterianismo é mediador entre o episcopado e o congregacionalismo,
os governos locais podem assumir atitudes distintas em relação ao culto, e o
posicionamento do pastor torna-se determinante nessa dinâmica. Assim, instaura-se uma
difícil relação entre conselho local e pastor, fomentada pela estrutura do governo
eclesiástico da igreja.
50
Entrevista realizada em fevereiro de 2006 em São Paulo. O referido pastor pede que sua identidade seja
mantida em sigilo, pois já teve inclusive brigas com o presbitério devido aos assuntos culto e louvor.
51
Vide no Digesto Presbiteriano as resoluções que abrangem as decisões do Supremo Concílio. Ao
buscarmos as resoluções específicas sobre o culto, à procura do assunto culto e liturgia, apareceram
apenas situações trazidas por presbitérios para serem solucionadas pelo SC. Na maioria das vezes, eram
discutidos pequenos incidentes que causavam confusão como, por exemplo, o uso de velas e paramentos e
outros assuntos do gênero. Nos registros posteriores a 1950, o SC adverte para que os Princípios de
Liturgia sejam seguidos nas igrejas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
185
4.5 Especialistas e executores: produção e reprodução musical-cúltica da IPB
O pastor presbiteriano é responsável pela liturgia e encontra-se na situação de manter a
tradição da igreja, sob a supervisão do corpo administrativo, mas também tem a tarefa
de negociar com as demandas leigas. Contudo, embora seja o responsável pela liturgia,
o pastor não é o único dirigente das atividades cúlticas. A bipolaridade da estrutura
cúltica do presbiterianismo, baseada na prédica e na música, fez com que duas
personagens aparecessem com destaque: a do pastor e a do agente musical. Acontece,
porém, que o último não é nenhum tipo de especialista da denominação: não faz parte
do corpo clerical e não faz parte do quadro de presbíteros que compõem a direção e o
controle da organização.
Mas, então, quem determina os limites e as normas da produção musical cúltica do
presbiterianismo? Que papel desempenha o músico leigo? Ora, a dinâmica da produção
musical corresponde à dinâmica da produção dos bens religiosos. Na realidade, a
música religiosa, e, no contexto bem específico, a musica cúltica, é uma produção
simbólica do campo religioso e, por isso, mantém as mesmas leis no processo de
produção. Desse modo, os especialistas, no desejo de manter intacta a tradição, criam
uma dimensão sócio-cognitiva do estereótipo de música religiosa que, na prática, é
incorporada pelo grupo por uma espécie de habitus musical.
Segundo Bourdieu (1983, p. 240), o habitus caracteriza-se por disposições adquiridas,
as maneiras duráveis de ser ou de fazer.... Ora, os especialistas precisam que o habitus
seja eficazmente mantido, o que significa que há toda uma estrutura de educação
religiosa para o controle das percepções e atribuições de sentido. Segundo Clóvis Barros
Filho e Luis Mauro Sá Martino (2003, p.64) a incorporação do hábitus se encontra
associada ao conceito de repetição. Por esse motivo é que os autores chegam a
conclusão que nem sempre o saber prático é conscientemente aprendido e aplicado.
Isso porque, a observação de uma seqüência de ação gera, espontaneamente, expectativa
dessa mesma seqüência.
Portanto, os detentores do capital religioso, que têm o poder de dispor de mecanismos
para inculcar o hábitus musical, podem gerar uma educação formal e por meio dela
reproduzirem um modelo ideal de hinódia, mas, também podem, pela repetição dessa
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
186
produção, contribuírem para a inculcação do modelo. Nesse último caso, a repetição de
um tipo de hino no culto propicia a manutenção e incorporação do hábitus musical
Portanto, nesse processo de incorporação do hábitus pode existir não a passividade,
mas uma incorporação após um aprendizado consciente e refletido por parte do
indivíduo. De fato, Bourdieu explica que o hábitus não é um modelo que pode ser
confundido com a alienação, mas que, por outro lado, não pode ser entendido sem a
internalização dos gostos e padrões sociais e morais, que, de certa forma, não precisam
de um estudo reflexivo para serem incorporados dentro de um mesmo campo. Aliás, tais
gostos e padrões formam um referencial social de conduta que identifica o campo social
e delimita seus limites em relação aos outros. Como o gosto musical do leigo não é
delineado apenas pelo campo religioso, antes interage com condições sociais,
econômicas e culturais, a ameaça de ruptura com um modelo idealizado pela tradição é
constante, o que justifica um maior controle institucional nessa área.
Em suma, sempre haverá um grupo de especialistas que ditará a forma da música
cúltica, e todo o campo religioso tenderá a incorporar tal modelo como legítimo. No
caso do presbiterianismo, os presbíteros regentes e os pastores são quem detém o poder
de dizer a forma ideal da música cúltica, e isso se refere tanto ao estilo musical quanto à
sua função litúrgica. Em outras palavras, os especialistas da denominação monopolizam
o tipo de produção musical cúltica da igreja. Foi desse modo que, a despeito das origens
avivalistas e folclóricas, a hinódia inicial do protestantismo de missão no Brasil tornou-
se a verdadeira e genuína música sacra da Igreja Presbiteriana do Brasil e, assim, a
única considerada litúrgica. Isto é, os especialistas da IPB incorporaram essa produção e
a tiveram como genuinamente presbiteriana.
Entretanto, a atividade musical da IPB é exercida por agentes musicais leigos que
executam as determinações do grupo de especialistas. Tais agentes musicais estavam
divididos em dois grupos distintos na segunda fase da igreja no Brasil. A divisão se
dava entre os músicos profissionais/eruditos e os músicos leigos. O primeiro grupo era
formado, como ainda o é, por profissionais que atuavam na regência de grandes corais,
como coralistas e solistas, e organistas, que acompanhavam as grandes peças musicais
dos corais e colaboravam no acompanhamento instrumental do canto congregacional.
Este grupo, imbuído de boa vontade e muita qualidade musical, por ser composto de
profissionais da área, garantia uma reprodução de qualidade da hinódia oficial da igreja,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
187
divida em hinódia congregacional e atividade coral, esta contando com erudição do
repertório quando nas mãos destes profissionais.
No entanto, para exercer essas mesmas atividades musicais, a IPB contava com o agente
musical profissionalmente leigo. Este era o indivíduo que, devido às habilidades
naturais, encarregava-se da música na igreja, mas não possuía nenhum tipo de
qualificação na área. As poucas escolas de música colocadas ao lado de seminários para
instruir basicamente nessa arte
52
não foram suficientes para qualificar a atividade
musical na IPB. Além do mais, estes cursos eram pouco incentivados pelas igrejas
locais, que, sozinhas, precisavam investir financeiramente em tal recurso. Na grande
maioria, isso ficava a critério do agente musical, que também contava com sua condição
econômica para poder aperfeiçoar-se na área.
Não podemos esquecer que presbiterianos de destaque como Evelina Harper e João
Wilsom Faustini trabalharam arduamente na área musical, mas os trabalhos não
alcançaram âmbito denominacional, crítica inclusive feita pelo próprio Faustini. Um dos
maiores expoentes da hinódia protestante do país, ele nos declarou a oposição clara
entre a preparação teológica para a prédica e o total despreparo na música
53
:
Um pastor leva anos para aprender a construir o sermão. Ele estuda,
faz seminários, é treinado. Mas, e os músicos? Eles não são
preparados, são leigos na sua atividade. Não interesse em passar a
mesma seriedade que a gente encontra no sermão. Os grupos ensaiam
meia hora antes do culto e está tudo bem.
Nesse sentido, a atividade coral na IPB caminhava de forma totalmente
interdenominacional e contava com as programações desenvolvidas para todo o campo
evangélico, não havendo nenhum incentivo diferente para esta atividade, que continuou
sendo desigualmente distribuída entre as igrejas locais. A hinódia congregacional
também não recebeu incentivos da IPB. Desde os Salmos e Hinos até o presente
momento, uma única tentativa de adaptação do hinário foi realizada em 1981, época em
52
Sobre o período em questão, destacamos a citada organização do curso livre de música no antigo
Instituto José Manoel da Conceição, em Jandira, sob a responsabilidade de Evelina Harper. em tempos
atuais, a IPB contou com outros cursos. Na década de 9,0 foi organizado o Bacharelado de Música Sacra,
sob a responsabilidade de Parcival Módolo, no Seminário José Manoel da Conceição, na cidade de São
Paulo, cuja atividade foi encerrada em 2004. No Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro, foi
organizado, em 1990, o Bacharelado em Música Sacra sob a coordenação de Célia Campelo.
53
FAUSTINI, João W. Entrevista realizada em São Paulo em 26 de novembro de 2006.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
188
que foi feito, então, o Hinário Presbiteriano: Novo Cântico. Alderi de S. Matos criticou
duramente o trabalho: Os mesmos hinos foram mantidos, apenas com uma ou outra
mudança de letra, que não significou muito. A única coisa que aconteceu é que o nome
foi mudado.
Portanto, a bipolaridade cúltica da IPB caminhou, por um lado, com a preparação cada
vez mais eficiente do orador e, por outro, com a despreocupação institucional em
sistematizar a atividade musical e conceder preparo adequado ao agente musical,
executor da produção exigida pelos especialistas.
4.6 Uma hinódia não-oficial
Conforme vimos, a hinódia da IPB usou a hinódia do protestantismo brasileiro, que, por
sua vez, teve como base a composição de canções populares, fáceis melodicamente e
harmonicamente. Partindo dessa formação, seria viável que a hinódia da IPB se
expandisse com a agregação de outros valores musicais populares que poderiam estar
vinculados aos países de origem e ao Brasil. Ou seja, novas canções populares norte-
americanas e inglesas poderiam ser assimiladas, adaptadas e introduzidas na hinódia
oficial da igreja. Outra possibilidade de expansão da hinódia seriam acréscimos
musicais feitos a partir de composições de canções brasileiras, algo totalmente coerente
com o sentido popular e folclórico dos hinos tradicionais. Nenhuma destas
possibilidades, porém, conseguiu ser inserida na hinódia oficial da IPB.
Esta hinódia fechou-se e se estratificou em um tipo específico de música e, contrariando
sua essência, não reconheceu mais nenhuma produção de caráter popular. Isso
aconteceu, porque o grupo de especialistas que se consolidou no país após o primeiro
período não atribuiu à hinódia aqui estabelecida valores populares, mas apenas valores
sagrados. Como vimos, isso está aliado à condição de hegemonia cultural. Em outras
palavras, para os especialistas da IPB, a hinódia oficial não traz nenhuma referência aos
valores culturais do país; encontra-se fora da cultura. Além disso, a cultura brasileira
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
189
encontra muitos de seus valores calcados nas religiões africanas, expressas no
catolicismo sincrético encontrado aqui pelos primeiros missionários.
Portanto, a consolidação da hinódia norte-americana significou a rejeição dessa cultura
considerada herege e demoníaca. O processo ocorreu pela sacralização de uma cultura e
demonização da outra. Sendo assim, houve uma estranha sacralização de outros
elementos culturais, que não os nossos, na consolidação da hinódia da IPB. É por isso
que esta hinódia mantém-se fechada às novas produções musicais que porventura fujam
aos antigos hinos trazidos pelos missionários norte-americanos.
O problema gerado por esse posicionamento foi que a hinologia acompanhou a posição
ortodoxa da igreja. Assim, fez-se uma contradição na análise hinológica na IPB: ela
negou a produção popular como hinódia ao sacralizar uma cultura específica e temporal.
A hinologia, como ciência que estuda a hinódia, deveria manter-se o mais longe
possível das considerações ortodoxas a fim de que toda a produção musical de
determinado grupo religioso pudesse ser analisada. Contudo, segundo afirmou Monteiro
(1991, p. 9), em uma dura crítica à hinologia, ocorre com esta o que, por muitas vezes,
acontece com a história oficial e muitos aspectos importantes deixam de ser levados
em conta porque certos movimentos são considerados marginais e, portanto, não cabem
em estudos especializados. Com isso, a hinologia torna-se uma ciência manca,
obscurecida por preconceitos e que não permite um estudo aprofundado de questões que
poderiam dar novos direcionamentos e rumos a outras perspectivas.
Na realidade, o problema da hinologia encontra-se até mesmo no conceito do que seja o
hino, conceito este que causa polêmicas e especulações na hinologia, porque um
impasse em defini-lo. Talvez, essa dificuldade inerente de definição seja a matriz que
justifique as especulações excludentes. Pensemos: o que é o hino? Como ele pode ser
definido de modo a separar aquele que é daquele que não é? A igreja cristã tenta, desde
os primórdios, explicar a distinção feita no texto bíblico de Efésios 5:19 entre salmos,
hinos e cânticos espirituais. A polêmica teológica gerou estudos e controvérsias
desde cristãos primitivos, passando pelos concílios e chegando ao protestantismo.
A discussão sobre o real significado da palavra hino ainda não foi esgotada, e essa
questão ficou mais complexa a partir da incorporação de novos estilos musicais ao
culto. Entretanto, reconhecer a dificuldade da distinção não justifica a posição de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
190
pesquisas hinológicas mais classistas, as quais, imbuídas de preconceitos, criaram uma
espécie de tipo ideal de hino, que exclui o modelo de produção musical de origem
mais popular. Monteiro (1991, p. 24) aponta para tal questão:
Aliás, toda pesquisa hinológica feita até agora está comprometida com
certo conceito de hino que sempre, ou quase sempre, é definido sob
critérios de hinólogos que não aceitam como objeto de estudo a
totalidade do acervo de cânticos da Igreja Cristã. Ignoram a produção
de origem popular como, por exemplo, os gospel hymns, ou os
choruses. Autores como McCutchan tentam conceituar hino a partir
de qualidades totalmente arbitrárias e constroem, desse modo,
imagens e conceitos de hino ideal ou de bom hino, supostamente
donos de qualidades de reverência, sinceridade, dignidade, beleza,
simplicidade e verdade.
A crítica de Monteiro é a mesma feita neste trabalho. O estilo musical mais ou menos
popular não pode determinar, sozinho, o que é ou não um hino. Se assim fosse,
negaríamos boa parte dos hinários protestantes brasileiros! O desenvolvimento mais
popular de uma música religiosa não a desclassifica como hino. Esse posicionamento é
central para entender que existe algo mais do que estilo musical definindo o que é
legitimamente um hino: esse conceito está atrelado ao princípio do monopólio da
produção religiosa.
O grupo de especialistas da IPB legitima a produção musical oficial da igreja,
classificando-a como hinódica. Dessa forma, a IPB causa uma severa e polêmica
diferenciação entre hino, que seria a música genuinamente religiosa e litúrgica
apresentada nos diversos hinários do país, e o não-hino, a produção que não faz parte
dos hinários tradicionais e que, mesmo em uma escala mínima de aceitação como
música religiosa, não serve como produção litúrgica.
Porém, se nos dois primeiros períodos da Igreja Presbiteriana do Brasil, a hinódia
kalleyana e a atividade coral foram estabelecidas como genuinamente presbiterianas,
surgiu outra produção musical na igreja em meados dos anos 50. A partir da década de
70, o campo musical do protestantismo histórico inteiro e, portanto, da IPB, viu-se
frente aos conflitos na área hinódica das igrejas por conta dessa produção. A nova
hinódia, que não se valia do núcleo central de Sarah Kalley nem da atividade coral
mais erudita, crescia no campo presbiteriano e foi altamente repudiada pelos
especialistas da denominação. Todavia, apesar das resistências, esta produção conseguiu
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
191
espaço no culto, e o agente musical não-erudito foi o que mais se destacou nesse
momento histórico.
O conflito entre as duas produções musicais está relacionado com o que Bourdieu
(1987) chamou de produção de heresias. De acordo com o princípio de monopólio da
produção religiosa, o grupo de especialistas sempre tenderá a considerar herege a
produção que não lhe pertence. Em outras palavras, tudo o que fuja ao estereótipo de
música estabelecido pelos especialistas será considerado produção musical herege.
Quando isso acontece, a ortodoxia se fortalece para impor os limites institucionais da
denominação.
Como os que desempenhavam a atividade musical na IPB eram leigos, a tensão tornou-
se maior, e a instituição enfrentou, como ainda enfrenta, muitas dificuldades para
contornar a situação. Isso porque a tensão instaurada não foi apenas entre demandas
leigas e produção institucional, mas também entre os especialistas e os executores da
produção. O agente musical leigo passou a rejeitar o padrão musical imposto pelos
especialistas.
Resumidamente, portanto, o presbiterianismo brasileiro estruturou seu modelo cúltico
sobre características muito peculiares. Se o protestantismo caminha, desde os
primórdios, com contradições que lhe são caras a respeito do culto, a própria noção de
culto é contraditória aqui no Brasil. Mais difícil ainda torna-se estudar este conceito, já
desviado de seus princípios originais e aliado a uma denominação específica, o
presbiterianismo que, no país, consolidou-se de forma atípica do modelo europeu
calvinista devido à sua trajetória via Estados Unidos.
Aqui, a tarefa única era a conversão, e, assim, o culto foi deixado em segundo plano,
revelando uma despreocupação institucional em sistematizar essa área de grande
vivência religiosa. O mesmo aconteceu com a música, que embora contasse com certo
desenvolvimento, não obteve a sistematização de sua atividade pela denominação
atividade esta que se fez e ainda faz por leigos, os quais, muitas vezes, não são
qualificados musicalmente. Entretanto, independentemente das qualificações técnicas
do agente musical, o espaço cúltico foi dividido pelo pastor, responsável pela prédica, e
pelos agentes musicais, encontrados nas formas de serviços musicais adotados pela
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
192
igreja presbiteriana: a atividade coral que foi-se fragmentando em outras atividades
menores como grupos vocais e a hinódia congregacional.
Assim, a produção cúltica presbiteriana estava, ao mesmo tempo, dependente de um
corpo sacerdotal que se fez altamente especializado na prédica e de um corpo
duplamente de leigos: leigos por exclusão do sacerdócio e leigos na aquisição da técnica
musical necessária para o desempenho de sua função. Essa característica gerou
conseqüências para a área musical do campo que se viu despreparada para receber um
novo tipo de produção musical a partir dos anos 70, a dos corinhos e cânticos
espirituais. É na hinódia não-oficial que encontramos o desenvolvimento da música
gospel, assunto que veremos no próximo capítulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
193
CAPÍTULO 5
MÚSICA GOSPEL E A HINÓDIA PROTESTANTE DO
BRASIL
A música gospel é o mais novo produto musical do campo evangélico brasileiro.
Usamos o termo evangélico, porque essa produção de fato contagiou tanto as igrejas
protestantes quanto as pentecostais e neopentecostais. Essa situação de expansão de um
tipo de produção musical não é nova no Brasil. Aqui, o protestantismo de missão trouxe
consigo tal homogeneização do campo, que teologias e cultos dificilmente podiam ser
atribuídas a apenas uma denominação. Da mesma forma, a hinódia desse protestantismo
foi consolidada de forma a ser caracterizada também pelo aspecto de unidade. Um
modelo cúltico e um modelo musical tomaram conta das denominações do país na
primeira fase do protestantismo brasileiro, a de sua inserção.
Esse primeiro momento histórico foi cristalizado, e, em uma fase posterior, culto e
hinódia protestantes ainda se baseavam nos valores da fase de instalação do
protestantismo de missão. Não faltaram críticas e questionamentos. Culto e hinódia
mostraram-se servidores da cultura americana, mantendo os elementos culturais
brasileiros à distância, com a retórica da heresia. A análise hinológica acompanhou a
ortodoxia e firmou-se de maneira preconceituosa e excludente no Brasil. Apenas a
produção musical desenvolvida a partir de um núcleo comum, da fase de implantação,
foi considerada litúrgica. Criava-se, assim, a diferenciação entre hinódia oficial e
hinódia não-oficial.
Todavia, a despeito da marginalização e da negação de reconhecimento, a produção
musical não-oficial desenvolveu-se sobremaneira dentro do campo do protestantismo
histórico, incluindo neste, o presbiterianismo. Esta produção, que passamos a analisar,
será aqui assumida como hinódia do protestantismo brasileiro. Colocado de forma
resumida, este trabalho considera como produção hinódica do protestantismo histórico,
e, especificamente, do presbiterianismo, toda produção musical realizada por agentes
deste campo. Nisto se faz um pressuposto analítico importante a ser ressaltado: o
posicionamento, do presente trabalho, de tratar a música gospel como parte integrante
da hinódia protestante em solo brasileiro.
Esse posicionamento é hinológico e sociológico. Hinológico, porque entendemos que,
por ser a produção hinódica protestante no Brasil calcada em valores estéticos mais
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
194
populares, a música gospel pode, por razões estilísticas, ser parte integrante desta
hinódia brasileira. No entanto, caracterizar gospel como hino é também uma questão
simbólica. Nesse âmbito, a discussão é sociológica e permite aproximar produção
religiosa e poder religioso. Assim, abordaremos a trilha histórica das raízes da música
gospel no Brasil, sempre trazendo a relação de conflito entre as duas hinódias, a oficial
e a não-oficial. Logo, trata-se de uma análise, no primeiro momento, que se faz
internamente ao campo religioso.
O primeiro aspecto a ser observado é que a música gospel brasileira não tem relação
com o estilo musical do gospel americano originado dos spirituals. Daí, ganharem
sentido perguntas como estas: o que é música gospel no Brasil? Por que o nome gospel?
Quais os fatores responsáveis para a sua existência? Qual o seu lócus na hinódia do
protestantismo brasileiro? Tais perguntas auxiliam o que se pretende neste capítulo, a
saber, uma definição do que seja música gospel no Brasil e sua posição no campo do
protestantismo brasileiro. A intenção é caracterizar a música gospel como uma produção
religiosa do protestantismo brasileiro e, que, portanto, faz parte de sua hinódia, aqui
chamada de hinódia não-oficial. Se a produção da música gospel pode ser considerada
uma produção do protestantismo, nele também são encontrados elementos que ajudaram
na gênese do mercado fonográfico desta música. Para provar tal argumentação, são
mostrados os antecedentes do gospel, localizados no campo protestante do Brasil que,
desde os anos 50, alimentam uma construção musical paralela à tradicional.
5.1 A música gospel: considerações iniciais
O que é música gospel no Brasil? O que vem à mente das pessoas quando empregam a
palavra gospel? Em que pensamos quando ouvimos ou falamos em gospel? Para
responder tais questões, será necessário pontuar o tipo de produção musical do gospel
numa tentativa de identificação estilística com o termo. Contudo, a definição do que
seja a música gospel será construída ao longo do capítulo, porque as condições
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
195
históricas e atuais, dentro e fora do campo religioso protestante, são primordiais para
que a definição se revele fundamentada.
O termo gospel não se limita à música propriamente dita e foi tratado por Ricardo
Mariano (1999, p. 13) como um movimento devido às proporções com que atingiu os
jovens evangélicos do país e passou a simbolizar um novo estilo de ser crente. O autor
declarou que o gospel é um movimento que veio para ficar, cuja importância ultrapassa
a sua natureza musical. Magali Cunha (2004, p. 144) explorou o movimento em sua
função comunicacional e caracterizou-o como uma cultura gospel:
(...) o gospel não se restringe a um movimento musical; ele tem, sim,
na música um elemento forte, articulador, mas é muito mais do que
isso. O que ocorreu nos anos 90 no Brasil foi uma explosão do gospel
como um movimento cultural religioso (o grifo é nosso) de um modo
de ser evangélico, com efeitos na prática religiosa e no
comportamento cotidiano. Passou-se a experimentar vivências
religiosas combinadas em contextos socioculturais os mais variados, o
que torna possível uma unanimidade evangélica não planejada sem
precedentes na história do protestantismo no Brasil. Essas vivências
são expressas por meio da música, do consumo e do
entretenimento.(...)
As palavras de Cunha e Mariano apontam-nos algo em comum: em ambas as
perspectivas, o gospel é tratado como um movimento, cuja maior expressão se faz por
meio da música. Em outras palavras, o elemento principal, mas não o único, deste novo
estilo ou cultura evangélica é a música. No entanto, Cunha (2004) mostrou que há algo
mais do que música. Há um estilo de vida, de consumo, de se ver o mundo. O
movimento gospel inaugurou uma nova forma de ser evangélico.
Relacionado com esse movimento comportamental trazido pelo gospel, está o
surgimento no Brasil, na década de 90, de grandes denominações neopentecostais, as
principais instituições religiosas que fomentaram o estilo musical em questão. Como,
então, afirmar ser a música gospel uma produção religiosa do protestantismo histórico?
Explica-se: o início de toda a produção musical que levou ao gospel estava concentrada
no protestantismo tradicional, mas foi cooptada pelas igrejas neopentecostais. Assim, é
coerente uma definição que situe a música gospel como uma produção religiosa do
protestantismo posteriormente cooptada e adaptada pelo neopentecostalismo brasileiro.
As revistas especializadas entendem por música gospel composições evangélicas no
sentido específico da letra dos mais variados estilos musicais, tais como rock, reaggae,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
196
funk, rap, samba, axé, pagode, balada, sertanejo e assim por diante. Especificamente, o
uso do nome gospel foi popularizado na década de 90 e teve relação direta com o
surgimento e a atuação da Igreja Apostólica Renascer em Cristo (Renascer), como já
tivemos a oportunidade de estudar (Dolghie, 2002). A Renascer patenteou a marca no
Brasil e criou um contingente de produtos gospel: Gospel Records, Revista Gospel, TV
Gospel e outros. A atuação desta igreja foi muito importante para a constituição de um
mercado fonográfico brasileiro que abrangesse a juventude evangélica. O mercado
firmou-se definitivamente no país, e aqui encontramos a caracterização da música
gospel que é exatamente a sua concepção mercadológica. Assumimos o pressuposto de
que a música gospel é uma produção do protestantismo e do neopentecostalismo, cuja
característica distintiva está na relação intrínseca com o mercado.
Embora a atuação da Renascer tenha sido primordial para a divulgação do termo
gospel e a formação do mercado, novamente apontamos para a observação interna ao
campo do protestantismo brasileiro, que, devido às condições de luta interna na área
musical, favoreceu a formação deste mercado. Vale lembrar, entretanto, que a
motivação interna ao campo religioso não bastaria, por si só, para a formação do
mercado de música gospel. Outros fatores externos favoreceram seu surgimento. Isso
posto, lembramos que, neste capítulo, trazemos um recorte metodológico que permite
dirigir a discussão com vistas às condições internas na área hinódica do protestantismo
brasileiro. Até mesmo o desenvolvimento de uma hinódia não-oficial está atrelado às
demandas externas, sociais e culturais. Porém, analisaremos primeiro a dinâmica interna
ao campo que resultou no surgimento de posicionamentos conflitantes entre as
demandas leigas e a produção oficial.
Para mostrar a participação tanto do protestantismo quanto do neopentecostalismo na
produção da música gospel e do mercado religioso desse bem, analisaremos os papéis
desempenhados por cada um deles no processo. Antes, contudo, convém analisar o
modelo inspirador do mercado de música gospel no Brasil e o modelo fonográfico de
música evangélica norte-americano.
H
á uma questão complexa entre o mercado brasileiro e o norte-americano. A
complexidade começa com o uso do termo gospel. Nos Estados Unidos, representa
estilo musical, que, por sua vez, gera um mercado fonográfico específico. Entretanto, no
Brasil, o conceito música gospel refere-se a uma variedade enorme de estilos musicais.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
197
Aqui, portanto, o termo relacionou-se com o mercado e desvinculou-se do estilo
musical. O termo gospel, traduzido, significa falar de Deus, cuja expressão
correspondente no Brasil poderia ser simplesmente música evangélica. A música
evangélica é a que fala do evangelho; então, por que usar a palavra norte-americana?
Aqui se revela a questão da hegemonia cultural norte-americana. O termo foi usado
como um salto conceitual, realizado sobre a hinódia não-oficial do protestantismo
brasileiro e que revela o status que se desejava atingir com a produção musical
evangélica: o status da música gospel americana. Ao revelar o status, é revelada a
hegemonia cultural.
No Brasil, o termo gospel foi reaproveitado para mostrar o status mercadológico que a
música gospel adquiriu nos Estados Unidos. De fato, quando aliamos a música gospel
ao mercado, unimos duas características do que acontece sob a égide da cultura norte-
americana. Primeiro, a concorrência secular de um estilo musical evangélico, o gospel;
segundo, um mercado específico de música evangélica, que tem diversidades musicais
estilísticas, o Contemporary Church Music CCM (Música Cristã Contemporânea). A
música cristã norte-americana, CCM, movimenta um mercado fonográfico para os
evangélicos e foi referência para o modelo implantado no Brasil. Nos EUA, bandas
evangélicas dos variados estilos musicais, grupos de louvor e adoração e cantores
solistas já fazem sucesso muito tempo, praticamente desde o início dos anos 80, e
têm repercussão mundial. Nomes como Ministério Hosana Music, Doe Moem, Ron
Kenolly, Michel Smith e diversas bandas de rock e outros estilos musicais, já veteranos,
compartilham a fama com novos artistas gospel que surgem a cada ano. Este mercado
fonográfico da música evangélica nos EUA tem relação histórica com o estilo musical
gospel e sua posterior comercialização em meios seculares. No entanto, música gospel e
CCM são produtos distintos nos EUA. O primeiro caracteriza-se por um estilo musical
disponibilizado em meios seculares, enquanto o segundo faz referência a um mercado
evangélico, com um público específico cristão e que possui uma variedade de estilos
musicais. O que os une é a relação com o mercado fonográfico. Por isso, para uma
melhor compreensão da situação americana, é preciso buscar as origens do estilo
musical gospel e a sua relação com o campo protestante daquele país.
Portanto, sem uma análise cuidadosa, o termo pode causar confusão! Isso porque está
relacionado com um estilo musical da música norte-americana, estilo que se libertou
historicamente do campo religioso e compete mercadologicamente com outros estilos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
198
musicais. Todavia, no Brasil, o conceito música gospel refere-se a uma variedade
enorme de estilos musicais. Melhor dizendo, o termo é amplo demais e precisa ser mais
bem-conceituado.
5.2 O gospel americano: origem e desdobramento
O gospel americano é um estilo musical derivado do spiritual dos negros escravizados
dos Estados Unidos. O spiritual, por sua vez, encontra-se intimamente ligado à hinódia
inglesa trazida pelos missionários protestantes europeus e difundida como estilo
predominante nos EUA. Ou seja, o gospel americano se deu como um desenvolvimento
posterior da música negra cristã, que, em contato com a hinódia anglo-saxã, originou o
spiritual. Este estilo musical foi a base para diversos estilos seculares como o ragtime, o
blues e o jazz, e para as músicas religiosas do movimento de reavivamento do século 19
nos EUA.
5.2.1- O spiritual
O estilo musical denominado spiritual está relacionado diretamente com a produção
musical dos negros escravos dos EUA
54
, que produziam uma música capaz de expressar
fé, sentimento, realidade e esperança dos afro-descendentes. O spiritual, com o
worksong, eram as únicas expressões permitidas ao negro escravo do sul dos EUA, no
início do século 19, porque os escravos eram proibidos de usar seus instrumentos
tradicionais, como tambores e flautas, sob a alegação de que isso poderia levá-los a
lembrar-se da África, incitando-os a revoltas. Tal proibição fez os negros
desenvolverem um tipo de canção, que era entoada enquanto trabalhavam nos campos e
tinha por base um solo com a resposta do coro, ritmando o trabalho pesado: eram os
54
Os dados históricos da música dos negros sulistas dos EUA foram baseados em Herzhaft (1989) e
Oderigo (1962).
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
199
worksongs. Com a evangelização dos negros escravos, estes adaptaram as canções
européias dos brancos que, com o sincretismo de elementos africanos, originou o
spiritual. Herzhaft (1989:19) observou que com uma considerável capacidade de
adaptação, os escravos negros transformaram os hinos batistas e metodistas em cantos
que misturavam as origens africana e européia e que se espalharam pelo mundo inteiro
sob o nome de negro-spiritual.
No spiritual, os negros davam um sentido muito particular aos temas bíblicos
relacionados à libertação do povo hebreu, cativo no Egito, que era associado à raça
negra, por sua vez, oprimida e escravizada pelos brancos americanos. Assim, enquanto
cantavam, clamavam por liberdade e referiam-se à terra natal. Desse modo, mesclava-se
a profunda tristeza pela opressão dos brancos com a alegria fervorosa pela espera do
paraíso no negro-spiritual. Os dois tipos de canção marcaram profundamente as
expressões do negro escravizado e iniciaram um marco cultural do negro americano.
Com o fim da guerra civil e a ocupação do sul pelos nortistas, o desmembramento das
grandes fazendas mudou a estrutura da exploração agrícola. Os negros deixaram de ser
escravos e transformaram-se em empregados ou arrendatários. Da mesma forma que as
fazendas se dividiram em pequenos pedaços de terra, o canto do grupo também se
dividiu e foi, aos poucos, sendo substituído pelo canto solitário do cultivador, o holler.
Contudo, nem todos os negros permaneceram no trabalho agrícola. Iniciou-se, assim,
uma corrente de migração contínua das plantações para as cidades, onde eles
procuravam trabalho como operários em pequenas fábricas, ou nas proximidades como
lenhadores, mão-de-obra para obras de grandes construções como estradas de ferro e
outras atividades. Com o tempo, foi-se formando um subproletariado, com pouca
condição de disputa com o homem branco, culto e estudado. Os grandes grupos de
negros, espalhados pela distribuição das terras, voltaram a reunir-se, como miseráveis,
morando em cabanas, às portas das cidades. Foi nesse contexto que os worksongs
ressurgiram.
O crescimento do subproletariado negro fez crescer uma infinidade de casas de
divertimentos como salas de jogos, prostíbulos e lojas de bebidas, nas quais a música
sempre tinha espaço privilegiado. Surgiu, então, uma categoria social entre os negros: o
músico. Este poderia ser funcionário de algum estabelecimento onde tocava no piano
temas trazidos dos campos ou baladas americanas muito em voga nas cidades do norte.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
200
Por outro lado, fora dos estabelecimentos, uma espécie de músico, chamado songster,
proliferou-se sobremaneira nessa situação. Freqüentemente, o songster era um mau
negro, inapto para o trabalho manual por alguma deficiência física, uma espécie de
menestrel que caminhava de vilarejo em vilarejo, divertindo, enquanto buscava um
pouco de comida, pouso ou bebida.
Mas, com a evacuação das tropas do norte, estacionadas no sul, em 1877, a condição de
vida do negro ficou ainda pior. As perseguições racistas rapidamente se espalharam por
todo o sul do país. Grupos extremistas do sul, como a Ku Klux Klan, começaram a gerar
um número assombroso de linchamentos de negros. Tal situação adversa contra o negro
foi crescendo progressivamente, tanto que, no final do século 19, a maior parte dos
estados sulistas tinha adotado legislações constitucionais negando qualquer direito
político ao negro. Segundo Herzhaf (1989), em 1896, as leis segregacionistas foram
consideradas constitucionais, e, assim, o negro não podia mais ter acesso a qualquer
recinto ocupado por brancos.
Nesse cenário social, por volta de 1895, seitas religiosas negras surgiram como formas
de resistência à opressão e afirmação da cultura negra. Elas floresceram em todo o sul e
sudoeste do país. Assim, ao som do gospel song, herdeiro direto do spiritual,
desenvolveu-se a idéia que de o homem negro é melhor que o homem branco, na
tentativa de resgatar a cultura e a identidade desprezadas pelo branco americano.
Líderes religiosos, os preachers negros, eram notáveis na habilidade com que
inflamavam os cultos. Eram, na maioria, pregadores músicos que conduziam a
congregação a êxtases e grande emocionalismo.
Nestes cultos, o pregador negro funcionava como solista, e a congregação, como um
coro que respondia de maneira fervorosa, criando um esquisito e original contraponto de
vozes, muito próximo da textura polifônica usada no jazz clássico. Os tipos de
exclamações que eram feitas nas pausas do canto são características de diversos ramos
da música negra americana, dentre elas o blues e o jazz, e serviam para dar ao pregador
tempo de elaborar mentalmente a seqüência da exposição. Exclamações como ah-a-a!,
sim, Senhor, amém, louvemos ao Senhor, aleluia, sim, sim! criavam o
ambiente fervoroso induzido pela pregação. O efeito que o sermão produzia independia
de seu conteúdo, mas dos timbres, matizes e as inflexões produzidas pelo pregador.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
201
Desse modo, mesmo com frases sem nenhum sentido, ele podia levar a congregação a
um estado de transe e êxtase espiritual.
Os songsters e os pregadores, ambos músicos, desenvolviam um papel social importante
na preservação e identificação da cultura dos negros sulistas. A integração entre eles era
total: o songster cantava nos cultos, e o pregador dançava nos vilarejos. Geralmente, um
bom músico tornava-se pregador. Era como uma ascensão social. Assim, o gospel, tal
como o spiritual, cantava no ritmo de um povo, sobre este povo e para este povo.
Popular e sacro não encontravam seus limites tão bem delineados, porque ambos eram
instrumentos de sobrevivência de uma cultura. A prova disso é que o negro spiritual
influenciou diretamente uma série de gêneros populares da música americana como o
blues, jazz, soul, rock and roll, pop, folk e country.
5.2.2 - O gospel americano
Contudo, foi no início do século 20 que o gênero gospel firmou-se tal como o
conhecemos hoje. Seu mais importante pioneiro foi Charles A. Tindley (1851-1953),
que produziu muitas canções no primeiro decênio do século 20 e influenciou
diretamente as composições de Thomas A. Dorsey (1899-1991), considerado o pai do
movimento gospel (Spencer, p. 1994). Dorsey era filho de pastor e foi fortemente
influenciado pelos hinos de Watts, o blues e o jazz. Desde jovem, compunha e
acompanhava nomes talentosos do blues e teve contato com as composições de Tindley.
Abandonando as letras seculares, Dorsey passou a compor apenas música religiosa, mas
o contato com o blues e o jazz influenciou suas novas composições de forma marcante.
Com toda a sua experiência musical, ele intensificou o gênero, criou e dirigiu vários
corais gospel e escreveu mais de 500 canções do gênero.
O gospel de Dorsey era marcado pela mistura de música religiosa spirituals e hinos
e de música secular jazz e blues. As igrejas tradicionais condenaram o novo estilo
musical pelo sincretismo com o profano, mas, mesmo assim, o gênero ganhou força, e, a
partir das décadas de 30 e 40, o gospel, típico da cultura negra americana, já extrapolava
sua condição religiosa se bem que essa nunca foi sua única condição! Nomes
reconhecidos por todo o mundo mostram a força do novo estilo musical que se
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
202
propagava. Dentre muitos, podemos citar: Mahalia Jackson, Sallie Martin, Clara Ward,
James Cleveland e outros, com numerosos grupos vocais tais como The Caravans, The
Mighty Clouds of Joy, The Blues Chips e Harmonettes.
Nos anos 50, a música gospel estava secularizada e representava a força da cultura
negra. Não faltaram grupos gospel locais que copiavam os grandes nomes do gênero, e,
dessa forma, a popularidade do gospel cresceu sobremaneira. As gravadoras talvez
tenham sido as mais eficazes ferramentas para que esse fenômeno extrapolasse as
igrejas. O status que a música gospel ganhava no meio secular também mostrava a
ascensão social da cultura negra em solo norte-americano, sendo a mola propulsora para
o crescimento espetacular desse gênero musical. A música gospel passou a ser
reconhecida, não mais como música religiosa, mas como música da cultura negra norte-
americana e totalmente integrada à música secular. Em outras palavras, o gospel
americano é hoje um segmento musical. A maior prova de sua integração com a cultura
americana é o fato de esse estilo concorrer à premiações seculares como qualquer outro
gênero musical. O Prêmio Grammy, que premia os melhores músicos do país, inclui o
segmento gospel, o que mostra seu alcance secular.
Com tal proliferação e ampliação, o gospel fragmentou-se em variações musicais, e hoje
o Grammy aponta seis especificações para premiação: gospel rock, gospel pop, gospel
sulista, gospel soul tradicional, gospel soul contemporâneo, coral gospel. Tal fato
aponta para uma amplitude de extensão desse gênero musical que pode indicar o
cumprimento de uma função não só religiosa, mas também social. A ascensão do gospel
é a ascensão do negro. Este é um dos principais motivos pelos quais o gospel, mesmo
com todas as ramificações, ainda mantém uma produção-reprodução estilística original.
No cenário atual norte-americano, se, por um lado, existe a secularização de um estilo
musical religioso, que alimenta uma fatia do mercado fonográfico americano, por outro
lado, há o próprio mercado fonográfico religioso representado pela Contemporary
Church Music CCM. A música religiosa evangélica ganhou, nos dois movimentos,
uma caracterização de mercado fonográfico. Resumindo, é preciso distinguir o gênero
musical gospel, segmento do mercado fonográfico secular, do mercado fonográfico
religioso, que contempla diversos gêneros musicais. Embora a distinção não seja tão
clara até nos EUA, é fundamental para que se entenda a música gospel do Brasil. Isto
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
203
porque, no Brasil, a música gospel encontra a sua característica no mercado religioso e
não faz referência a apenas um estilo musical.
Portanto, a música gospel do Brasil encontra suas referências de estilos e mercado
no modelo norte-americano da CCM, e o termo foi patenteado no Brasil para
caracterizar a produção atual da música evangélica. Aos verificarmos o modelo
americano seguido e a força simbólica buscada no nome gospel, cabe a pergunta: quais
os antecedentes dessa produção musical no Brasil? Ela veio de um contexto sócio-
religioso brasileiro ou é puramente cópia da CCM americano?
5.3 Os antecedentes da música gospel do Brasil
A música gospel disseminada no Brasil é uma produção religiosa do protestantismo
brasileiro, mas não se exclui, por conta dessa afirmação, a cópia do modelo americano
de produção musical. Muito menos se pode afirmar que o campo protestante, sozinho,
foi capaz de tal produção. Em outras palavras, a análise da produção da música gospel
não se restringe apenas ao campo do protestantismo. Contudo, afirmamos que o estilo
embrionário desta produção se encontrava neste campo, na chamada hinódia não-
oficial. Ora, entendemos por hinódia toda a produção musical do campo, quer dentro
dos moldes eruditos, tradicionais ou não-oficiais. Nesta última, está, histórica e
sociologicamente, a gênese da atual música gospel. A forma e as condições de
existência desta hinódia contribuíram, como fatores internos ao campo protestante, para
o desenvolvimento da música e do mercado gospel. Para entendermos como se deu esse
processo, trilharemos o percurso de dois conceitos de grande significação simbólica no
protestantismo brasileiro
55
: os corinhos e os cânticos. Foi exatamente a partir dos
55
Podemos facilmente identificar a proliferação dos corinhos e cânticos em todo o campo evangélico
brasileiro. De certo modo, o termo evangélico seria mais abrangente e mostraria a amplitude da
produção e reprodução musical desse período histórico. Contudo, ainda assim, preferimos focar essa
situação no protestantismo histórico, ou seja, no protestantismo missionário, porque a música gospel tem
uma relação direta com as denominações históricas visto o grande mero de bandas e compositores
destas denominações. Outro motivo pelo qual optamos pela análise delimitada ao campo do
protestantismo histórico é que o pentecostalismo clássico subcampo que estaria abaixo do termo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
204
corinhos e dos cânticos, que a música gospel foi ganhando configuração até o
surgimento de um novo conceito de música religiosa no Brasil.
5.3.1- Os corinhos
Quanto aos corinhos, pode-se afirmar que, apesar de serem elaborados dentro dos
moldes das cantigas americanas, representaram a primeira tentativa no Brasil, pelo
menos de que se tem relato, de ruptura com o modelo convencional dos hinários
tradicionais. Datando dos anos 50, essas cantigas faziam parte de uma produção musical
autônoma, usadas principalmente para encontros, reuniões e congressos de jovens e, em
algumas igrejas, nas escolas dominicais. Éber Lima (1991, p. 48) registrou que os
corinhos chegaram ao Brasil nos anos de 50 e 60 e alcançaram o apogeu no período da
ditadura militar pós-64. Eles foram trazidos e inseridos no Brasil por instituições
paraeclesiásticas como a Organização Palavra da Vida e a Mocidade Para Cristo
(MPC).
Dentre as muitas atividades evangelísticas que desempenhavam as paraeclesiásticas,
elas tinham o objetivo de trabalhar com a juventude. Todas as organizações realizavam
encontros de jovens, retiros espirituais e acampamentos, nos quais imperava o novo
estilo musical das canções norte-americanas. Os ambientes eram muito mais informais
do que o ambiente de culto, visto que o objetivo destas instituições era o de
evangelização. O discurso desses encontros ainda se baseava no velho conversionismo-
isolacionista e da santificação que estimulava os jovens a uma vida regrada moralmente
e afastada da cultura mundana. Como trabalhavam com o interdenominacionalismo, não
demorou muito para que o estilo informal e descontraído das reuniões de jovens fosse
trazido para o culto. Isso se deu principalmente pela inserção das canções utilizadas nos
encontros específicos.
Mas o que é um corinho? Segundo João Wilson Faustini (1973, p. 15), os corinhos são
cânticos de cunho evangelístico, que se caracterizam por uma estrutura melódica
evangélico teve um desenvolvimento musical muito diferente das denominações históricas. Somente
com o surgimento do neopentecostalismo é que as aproximações entre protestantes históricos e
pentecostais puderam ser percebidas na área musical, pela situação de mercado que passou a imperar
desde então.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
205
simples e intuitiva, de pequena extensão, com o conteúdo emocionalista. Essa
descrição não parece muito distante da dos cânticos evangelísticos dos Estados Unidos
que, na primeira metade do século 20, tornaram-se hinos tradicionais do protestantismo
brasileiro. Contudo, seu estilo extremamente fácil, em comparação ao dos hinos
tradicionais, longos e mais difíceis de serem memorizados, tornou-o o preferido das
igrejas. Por sua vez, estes corinhos eram geralmente curtos, possuíam ritmos mais
animados e eram memorizados facilmente. Daí porque, rapidamente, os corinhos
tornaram-se uma marca registrada dos acampamentos, reuniões de jovens e escolas
dominicais.
No entanto, os primeiros corinhos, seguindo o que aconteceu com os hinos, eram
traduções e adaptações de canções americanas, que aos poucos foram servindo de
modelo para composições brasileiras. A teologia desses novos cânticos, acompanhava a
teologia das paraeclesiásticas, que, por sua vez, não era muito diferente da teologia
missionária do período da inserção protestante no Brasil. Assim, características como
pietismo, individualismo, salvação pessoal e apelo emocional continuaram a constituir o
conteúdo dos novos cânticos. A maior novidade foi a introdução do violão, que
acentuou um novo modo de cantar que, embora não fugisse da balada norte-americana,
tinha um caráter mais alegre e marcado ritmicamente. A letra inserida a seguir uma
idéia do estilo poético do corinho, cuja característica principal é a extrema simplicidade.
Santo Espírito
Autor desconhecido.
Santo Esp
írito enche a minha vida
Pois por Cristo eu quero brilhar
Santo espírito enche a minha vida
Usa-me
às almas a salvar
Aleluia, aleluia, aleluia dou a Cristo Rei
5.3.2- Os cânticos
Seguindo o estilo americanizado de canção popular, pode-se entender o cântico como
um desenvolvimento do corinho. O caminho aberto pelas organizações
paraeclesiásticas começou a ser trilhado também por um número cada vez maior de
grupos musicais evangélicos na maioria interdenominacionais. Os grupos de base, que
tinham certo status entre os jovens, geralmente patrocinados por instituições
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
206
paraeclesiásticas ou até pertencentes a elas, incumbiram-se de levar até as igrejas o
clima e o estilo das reuniões dos jovens.
Estes grupos iam de igreja em igreja, tais quais os cantores solistas do movimento
evangelístico dos EUA, e levavam o estilo de cântico e louvor às diversas
denominações. Em geral, ofereciam-se oportunidades apenas em reuniões ou cultos de
jovens, nos quais todas as partes eram realizadas pelos componentes dos grupos. Na
década de 70, o estilo foi fortemente incorporado à cultura dos jovens protestantes.
Antonio Gouvêa Mendonça (1977, p. 5) mostrava, na época, a preocupação com a
prática e a teologia desses movimentos jovens, que se inseriram em quase todas as
denominações protestantes brasileiras, com maior ênfase nas presbiterianas, metodistas
e batistas:
Refiro-me à proliferação de grupos de jovens que, com os mais
variados nomes e siglas, formam-se no interior das igrejas a fim de,
inicialmente ao menos, participarem de modo ativo nos serviços
religiosos. Mas na medida em que se firmam e ganham certa
experiência, expandem sua ação fora da própria igreja local, tornando-
se alguns deles disputados ao ponto de terem suas agendas ocupadas
com meses de antecedência. A gênese histórica desses grupos reside
em certa organização para-eclesiástica de origem estrangeira dedicada
a acampamentos evangelísticos de jovens que, além dos
acampamentos propriamente ditos, organiza equipes para atividades
no interior das igrejas nativas, receptivas a novidades e liberais quanto
ao ritual e à pregação. A característica dessas equipes é estarem
preparadas para tomar conta de todo o culto: música, orações, prédica
e testemunho. Tudo novidade para o tradicionalismo das igrejas:
música jovem no ritmo, nos instrumentos e na letra (simples e
geralmente apelativas no sentido evangelístico), na prédica sempre
curta e de tom evangelístico-emocional e sem nenhum conteúdo
teológico elaborado e no testemunho (novidade total nas igrejas
tradicionais).
O que acontecia é que as organizações paraeclesiásticas investiam fortemente na
formação de grupos musicais com membros originários de várias denominações
protestantes. Foi nesse contexto que surgiram grupos como Vencedores por Cristo e
Jovens da Verdade, ambos fundados em 1968.
O primeiro nasceu do trabalho missionário de Jaime Kemp, pastor filiado à Sepal. O
objetivo era o estabelecimento de uma evangelização que se utilizaria da música como
veículo principal. Assim, a Missão VPC criou um programa de discipulado, com jovens
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
207
de várias denominações, realizado em um período de três meses. Os jovens recebiam
treinamento bíblico e musical, participavam constantemente de grupos de oração e
tinham de manter um ambiente de comunhão. Depois dessa parte teórica, separavam 20
dias para uma tur, na qual se apresentavam em vários estados do país e, por fim, nas
igrejas dos participantes. É claro que tais grupos, como bem salientou Mendonça, eram
preparados para desenvolverem, sozinhos, todas as parte do culto. Recebiam
treinamento para falar, dar testemunho pessoal, orar e cantar. O modelo, tipicamente
evangelístico, instaurou-se no momento do culto. Aliás, cabe lembrar que o culto
protestante histórico tinha uma função evangelística de sorte que tal característica foi
amplamente ressaltada nesse período, então sob um novo formato que contava com a
participação dos jovens leigos.
No mesmo contexto evangelístico, surgiu o grupo Jovens da Verdade. O JV nasceu em
março de 1968 no colégio JMC, em Jandira, estado de São Paulo. Os fundadores do
grupo foram dois jovens da IPI, Jasiel Botelho e Josafá Vasconcelos, que, com outros
estudantes do JMC, formaram o grupo musical. Uma das atividades do grupo consistia
na visitação às igrejas, onde se apresentavam musicalmente, davam testemunhos
individuais e faziam breves pregações. Além dessa atividade, o JV realizava cultos ao ar
livre, semanalmente, no Largo da Misericórdia, em São Paulo. O mesmo modo de
apresentação estava presente nesses encontros: música, pregação e testemunho eram os
elementos-chaves destes cultos. Cabe notar que caravanas de jovens protestantes iam
assistir às apresentações ao ar livre. Assim, não só o grupo visitava as igrejas locais,
mas também os jovens de tais igrejas participavam dos cultos evangelísticos. A imitação
de tal modelo tornou-se inevitável.
Outra instituição paraeclesiástica também foi responsável por um grande
desenvolvimento musical dentre os jovens protestantes: a Organização Palavra da
Vida. Assim como os outros modelos, a PV mantinha um ministério específico para
cursos de música, o EMME. Eram cursos com duração semestral para jovens de várias
denominações, arregimentados a partir de uma seleção prévia. Não se tratava de
modelos de louvor congregacional, mas, sim, de apresentação de grupos vocais.
Entretanto, a PV difundia também o estilo dos cânticos congregacionais nos
acampamentos e reuniões de jovens que realizava.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
208
O grupo EMME, ao final do treinamento, apresentava cantatas jovens em diversas
igrejas de todo o país, utilizando recursos visuais e o play-back. Este foi um recurso
técnico muito difundido nesse período para o acompanhamento de solistas ou grupos
vocais. Os play-backs simbolizavam a ruptura total com os tradicionais órgãos das
igrejas. Eles eram fitas cassetes que traziam toda a instrumentação orquestral, típica do
estilo norte-americano hollywoodiano. Assim, além da difusão do estilo musical e da
teologia, os play-backs garantiam também a reprodução dos arranjos norte-americanos.
A proliferação de grupos foi intensa com as estratégias paraeclesiásticas. Grupos como
Vencedores por Cristo, Elo, Som Maior, Jovens da Verdade, Logus, etc. divulgavam
seu trabalho em várias denominações e foram exemplos para um infindável contingente
de grupos menores, interdenominacionais e locais, que surgiram a partir de meados dos
anos 70.Nessa altura, o então chamado cântico, que podemos situar como uma
segunda geração do corinho, tinha uma estrutura musical mais desenvolvida se
comparada com a de seu precursor. Letra e música já não eram tão curtas, e o estilo
formal muito se parecia com o próprio hino oficial, com um mínimo de dois ou três
versos intercalados por um refrão. O número de instrumentos musicais foi aumentado:
violão, contrabaixo, percussão e teclado, havendo grupos que inseriam instrumentos
rústicos e sons experimentais tirados de baldes (contra-balde), serrote e garrafas.
O estilo musical ainda estava preso ao norte-americano, mas duas coisas aconteceram
nesse período: o surgimento de músicos brasileiros que iniciaram a carreira de
composição, como, por exemplo, o JV, e o início de composições estilisticamente
brasileiras. No último exemplo, o VPC timidamente deu início a uma proposta de
composição de música brasileira. Embora teologicamente o grupo não representasse
nenhuma novidade, ritmos brasileiros como o baião, por exemplo, começavam a ser
explorados. Contudo, ainda assim, a influência norte-americana era marcante. O cântico
descrito abaixo era cantado em quase todas as denominações:
Glória p'ra sempre
Gl
ória p'ra sempre
Ao Cordeiro de Deus,
A Jesus, o Senhor,
Ao Le
ão de Judá,
À raiz de Davi, que venceu,
E o livro abrir
á
O c
éu, a terra e o mar
E tudo o que neles h
á
O adoraram e confessar
ão:
Jesus Cristo
é o Senhor
Ele
é o Senhor, Ele é o senhor,
Ressurreto entre os mortos
Ele
é o Senhor
Todo joelho se dobrar
á,
Toda l
íngua confessará:
Que Jesus Cristo
é o Senhor.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
209
Tanto os corinhos quanto os cânticos representaram simbolicamente uma confrontação
com a hinódia tradicional. Afirmamos que o confronto foi simbólico, porque os modelos
musicais bem como os meios de divulgação ainda eram os norte-americanos. As
instituições paraeclesiásticas disseminavam a alienação social e cultural entre os jovens
evangélicos de todo o país. O caráter interdenominacional destas instituições
permanecia em conformidade com os primeiros moldes das organizações missionárias
que chegaram ao Brasil no fim do século 19. No período de inserção e, posteriormente,
já nos anos 30, o protestantismo de missão caracterizava-se pela negação à cultura local,
pelo individualismo e pelo distanciamento das questões sociais. A partir da introdução
dos Corinhos e Cânticos, a juventude protestante do país vivia a mesma situação
56
.
Entretanto, houve uma ruptura interna ao campo protestante com os antigos padrões
musicais da tradicional hinódia. Alderi Matos, em seu depoimento, mostrou o que foi
sentido pelos agentes do campo em relação ao surgimento dos corinhos e cânticos. Ele
declarou: Quando os corinhos chegaram, eles não eram os hinos cantados pelos nossos
pais, pelos nossos avós, eles simbolizavam uma ruptura com o passado.
Ora, a organização religiosa entra, assim, na dinâmica de negociar a nova produção com
a ideologia institucional. É nesse momento que as adaptações e introduções são
realizadas de modo a atender as demandas leigas e manter a força institucional. Embora
não tenhamos como avaliar de que maneira isso foi realizado em todas as denominações
protestantes históricas, na IPB tal dinâmica institucional foi confusa. A IPB utilizou
todos os novos recursos musicais disponíveis pelas paraeclesiásticas.
Em São Paulo, as instituições Palavra da Vida e Jovens da Verdade e a Missão VPC
faziam muito sucesso dentre os jovens presbiterianos, e muitos destes eram cedidos pela
denominação para participarem dos programas de discipulado e preparação musical. Por
outro lado, não houve um posicionamento da Igreja de forma a inserir a nova produção
no culto que se realizava. O que houve foi uma autonomia vigiada nas igrejas locais,
que, à medida das demandas dos jovens, inseriam os novos cânticos no culto. Segundo
56
Indicamos a leitura da dissertação de mestrado intitulada A canção de fé no início dos anos 70:
harmonias e dissonâncias, de Laan Mendes de Barros (1988). Nessa pesquisa, Barros mostra o caráter
alienante do grupo Vencedores Por Cristo (VPC) e como esse tipo de produção musical acabou por
dissipar-se por todas as denominações protestantes do país. Dentre as muitas críticas do autor, ele mostra
o VPC aliado aos slogans governamentais da época da ditadura militar no país.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
210
Alderi Matos: as questões eram mais locais e não chegavam aos concílios maiores da
Igreja, a não ser em casos extremos onde a coisa se pendia para um lado pentecostal .
As palavras de Matos permitem-nos fazer duas considerações. A primeira é a percepção
da formação de uma retórica institucional na IPB, que relaciona os novos modelos
musicais com o pentecostalismo. Esse discurso institucional é muito presente, hoje em
dia, na IPB e legitima discussões sobre bater palmas, levantar as mãos e outras coisas do
gênero. Aqui, o termo pentecostal não é fiel ao seu sentido, mas mostra o início de
uma tendência que não saiu mais do culto presbiteriano: a busca da emocão na hora do
louvor congregacional. Este emocionalismo era típico nas apresentações dos grupos
musicais uma vez que estes eram treinados por missionários norte-americanos com
tendências avivalistas. Ora, o mesmo teor avivalista foi trazido pelos missionários
americanos no período de inserção do protestantismo no país. Entretanto, por diversas
razões, o culto fixou-se de maneira racional. Todavia, não podemos esquecer, o modelo
cúltico era avivalista, assim como a produção musical. Com a nova investida
evangelística dos EUA sobre o Brasil nos anos 50, o culto acabou por revelar sua
aproximação com os movimentos avivalistas.
Porém, o esvaziamento litúrgico do culto (Mendonça, 1990a) foi responsável pela
desarticulação sobre a qual esse assunto foi discutido. O depoimento de Alderi Matos
revela um segundo ponto muito importante em relação ao posicionamento da IPB. Sua
fala comprova a continuidade da despreocupação com estudos e discussões sobre
liturgia e culto. Novamente, as posições eram tomadas pelo viés negativo. Ou seja,
apenas quando posições extremadas, que ameaçavam a ideologia institucional,
aconteciam, é que a igreja posicionava-se em suas instâncias superiores. O próprio
Mato, a partir de nossa constatação, exclamou: De fato, não me lembro de ter existido
um grande congresso ou estudo sobre culto na IPB.
5.3.3- A Música Popular Brasileira Religiosa
Como se pode perceber, a novidade foi a grande marca dessa época. Não faltou
resistência, como era de se esperar, ao tipo de movimento musical que se infiltrou nas
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
211
igrejas protestantes. O grupo guardião da tradição fez tanto alarde quanto as guitarras e
baterias da nova geração, mas não foi esse movimento que ele teve de combater. Isso
porque, em oposição a uma hinódia calcada em valores americanos e não-nacionais, um
tipo de reação veio sob a forma de canções de engajamento social, gerando um novo
estilo de música no campo protestante. Tal movimento, denominado por alguns de seus
participantes como MPBR Música Popular Brasileira Religiosa era fruto da
politização da juventude estudantil de classe média e, posteriormente, da teologia da
libertação
57
. A MPBR, tal como os corinhos, também fez muito estrondo nos ouvidos
mais conservadores. Na época, nomes como Jaci Maraschin, Simei Monteiro, Daniel V.
Ramos, Flávio Irala, Hermes M. Rangel, Laan Mendes de Barros, Sérgio Marques
Lopes, Ernesto Barros Cardoso, Valdomiro Pires de Oliveira e grupos como Novo
Alvorecer e CAFÉ, além de outros representaram o movimento, que buscou a inserção
de valores nacionais na música protestante brasileira.
Ao buscarmos as raízes históricas deste movimento nacionalista, chegamos a um grupo
de poetas e músicos dos anos 70 que se reuniam no campus da Faculdade de Teologia
Metodista em Rudge Ramos, na residência de Nora Buyers. Segundo relato de
Maraschin, a porta da casa de Norma nunca se fechava para os músicos que sempre
se reuniam; ela foi a grande mecenas incentivadora dos músicos. Prova disso é que,
sob o seu patrocínio, o primeiro livro dessa produção foi editado em 1974, A Nova
Canção. Porém, a produção era muito desigual tanto no sentido estético quanto
teológico, e havia, ainda, certa influência americana nas canções e teologias muitas
vezes contraditórias entre elas. Na realidade, esse grupo de músicos, jovens
compositores dos anos 70, inspirou-se em pioneiros que já faziam sica religiosa
brasileira, pois essa tendência nacionalista data de meados dos anos 50 e veio de
diferentes lugares e naturezas. A onda nacionalista ganhou adeptos com gravações de
músicas, que, ao chegarem ao Brasil em 1960, traziam elementos folclóricos dos países
de origem; dentre elas, a Misa Criolla, de Ariel Ramirez, inspirada no folclore
argentino, a Missa Luba, produzida no Congo e a Mass of five melodies, de origem
inglesa. De certa maneira, informou Maraschin, essas missas incomodaram os músicos,
inclusive o próprio depoente, e levou-os a levantarem a questão do uso do folclore
nacional para a música litúrgica protestante. Dessa forma, composições individuais
57
Os dados históricos do movimento MPBR foram cedidos em entrevistas que realizamos com dois de
seus representantes, Jaci Marashin e Valdomiro Pires de Oliveira, em agosto de 2001, em São Paulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
212
surgiram com mais força, e poetas, como João Dias de Araújo, com textos
teologicamente voltados para problemas sociais ligados à ação social dos cristãos,
apresentavam uma temática que apareceu em cânticos como Que estou fazendo se sou
cristão? e Megalópolis. Além disso, músicos como Umberto Cantoni, em 1968,
prenunciavam o movimento que se estabeleceu como tal na década seguinte.
Entretanto, essa questão tornou-se ainda mais importante em 1972, quando a
Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, a ASTE, realizou, em São Paulo,
um simpósio que debatia o uso da música brasileira na liturgia das igrejas protestantes.
Esse evento foi a primeira tentativa de discutir e tomar consciência da presença da
música popular na liturgia. Posteriormente, a ASTE realizou outros simpósios com a
mesma centralidade temática em 1977, no Recife, onde foram convocados professores
de música dos seminários teológicos evangélicos; em 1979, no Seminário Teológico
Batista, no Rio de Janeiro; em 1981, em São Paulo, cujo resultado foi a publicação, em
meados de 1982, do cancioneiro A canção do Senhor na terra brasileira, com canções
de Simei Monteiro e Jaci Maraschin. Além da ASTE, outros grupos e entidades
promoviam encontros para debater a música litúrgica nacional; dentre eles, a CNBB e o
CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação).
A obra que melhor mostra o espírito da tendência nacionalista é O novo canto da terra,
trabalho que teve Maraschin como grande incentivador. Em 1985, na sua residência em
Campos do Jordão, ele reuniu músicos e poetas engajados no movimento, que
ficaram cinco dias, gravando suas composições. Esse material foi, posteriormente,
escrito em partituras por Marco Antonio Bernardo e Wagner Amorisini, ambos ligados
à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Depois de uma revisão
musical e teológica realizada por um grupo pré-estabelecido, as composições foram
selecionadas e chegaram ao total de 199 cânticos. Contando com o apoio financeiro da
Paróquia da Trindade de Nova York, estas canções foram publicadas em 1987 pela
IAET Editora do Instituto Anglicano de Estudos Teológicos.
Uma análise das letras destas canções revela o quanto eram um protesto contra a hinódia
folclórica americana, instalada em nosso país desde a era missionária. Essa reação era
tanto no aspecto musical, rítmico e melódico, quanto no aspecto teológico, indo contra o
forte individualismo e a alienação social das letras dos cânticos importados. A fonte
inspiradora das poesias era a teologia da libertação, e podemos mesmo dizer que, se
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
213
quiséssemos resumir esse movimento, poderíamos colocá-lo sobre um grande pilar de
reação à música e à teologia americana, que, segundo o grupo da MPBR, nada tinham
em comum com a realidade social brasileira. Segundo depoimento de Valdomiro Pires
de Oliveira, poeta da MPBR, a idéia era de total protesto e reação aos cânticos
'enlatados' da Palavra da Vida e outras organizações que seguiam o mesmo estilo de
louvor norte-americano.
Bênção da Mesa
Letra e m
úsica: Jaci Maraschin
Senhor te damos gra
ças
porque em volta desta mesa
renova-nos a for
ça
de lutar contra a pobreza.
Transforma a nossa gula,
a nossa sede de abastan
ça,
num novo sentimento
de justi
ça e de esperança.
Senhor, que os nossos pratos,
numa terra dividida,
um dia se dividam
numa terra reunida.
Perdoa-nos, agora,
nesta injusta refei
ção,
at
é que a terra inteira
se alimente do teu p
ão.
Saudade da Pátria (Salmo 137)
Letra: Valdomiro Pires de Oliveira
À roda dos cafezais,nas capelas e quintais,
à roda dos currais,nas praças e catedrais
nos sentamos a chorar.
Choramos a pensar
que o tambor, a flauta-pan e a viola,
que o berimbau, o pandeiro e o viol
ão,
que o reco-reco, o tri
ângulo e a craviola
s
ão instrumentos brasileiros,
que na hora do c
ântico do Senhor, ficam de
fora...
E o nosso louvor n
ão é nossa canção:
n
ão é um samba, uma modinha,
um chorinho nem um bai
ão.
Elevamos sim,elevamos ao Senhor
o c
ântico impingido pelos opressores:
no seu ritmo, com a sua instrumenta
ção...
N
ão temos uma identidade
nem na hora da devo
ção.
N
ão somos independentes
nem na hora mais pungente.
At
é quando?
At
é quando vamos entoar ao Senhor
um c
ântico estranho na terra brasileira?
At
é quando seremos um povo carbono?
At
é quando seremos uma Igreja copiada?
Quando vamos acordar esse sono,
cair do ber
ço e seguir este verso?
Se nos esquecermos de ti,
ch
ão roxo, chão preto...
Ch
ão do coração...
Que de uma feita,
nos resseque a m
ão direita!
Se n
ão preferirmos a canção brotada
desse ch
ão menino, brasileiro, latino,
que a nossa l
íngua apegue-se ao paladar
e que n
ão possamos mais cantar!
Porém, esse tipo de cântico mais engajado socialmente, que trazia elementos da cultura
brasileira, não encontrou lugar para florescer no espaço litúrgico protestante. Na
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
214
verdade, encontrou sim bloqueios e resistência de várias partes. A primeira barreira
enfrentada foi a dos próprios jovens, que, na maioria, preferiam o estilo rock-balada, já
apreciado secularmente, ao estilo nacional proposto. O depoimento de Valdomiro Pires
de Oliveira demonstra esse fato: Tínhamos espaço apenas nos encontros jovens, mas
somente a juventude mais intelectualizada, mais aberta, comprou a idéia. Isso se
relaciona com as tendências culturais americanas que impregnavam o gosto dos jovens
brasileiros, por meio de um mercado cultural, já bem consolidado no Brasil, da música
americana.
A segunda barreira, talvez a mais forte, partiu da liderança tradicional do protestantismo
brasileiro, que determinava os padrões do que era ou não permitido. Para esses líderes, o
ritmo e a melodia nacional traziam como problema a conotação mundana e profana.
Assim, jamais um samba poderia ser cantado, porque lembraria carnaval e escola de
samba. Segundo tal raciocínio, não cabe sequer a argumentação da gênese folclórica
européia e norte-americana dos hinos tradicionais que formam os hinários protestantes
brasileiros, pois, afinal de contas, eles não representam um tipo de mundanização
referente à nossa cultura. Isso acontece porque os valores culturais da hinódia oficial
estão baseados nas culturas populares da Inglaterra e dos Estados Unidos,
desconhecidas dos brasileiros.
No entanto, não foi só a questão do estilo musical, propriamente dito, mas a mensagem
de tais cânticos, que também preocupou os conservadores. O próprio Maraschin (1983,
p. 21) constatou que a nova letra era também dependente da nova teologia da
libertação. E a teologia da libertação não tinha passagem livre na maioria das igrejas
evangélicas. Dessa forma, o movimento, frente a tantas oposições, foi-se dissolvendo
como tal. Em depoimento, Maraschin descreveu o fim do movimento, atrelando-o ao
que interpretou como final da teologia da libertação:
Nós ficamos sem rumo. A teologia da libertação é que nos dava o
rumo. Sabíamos o que fazer: era trabalhar pala libertação do oprimido,
do pobre, tínhamos esperança que isso seria possível (...) Mas, quando
a teologia da libertação fechou, eu também fechei, não tenho mais
inspiração.
Contudo, nem todas as composições nacionalistas pararam. Talvez, a grande mola
propulsora, a teologia da libertação, tenha conseguido, pelo menos, abrir um árduo
caminho para músicos e poetas mais engajados, pois grupos e músicos, de várias
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
215
denominações, ainda fazem MPBR. A questão é que, agora, o movimento retraiu-se, e,
conseqüentemente, os pontos de reação são isolados. Embora o movimento tenha
recuado, a liturgia protestante foi abalada. Como resultado, muitas igrejas começaram a
questionar as próprias liturgias. Foi o caso do Projeto Canteiro, da Igreja Presbiteriana
Independente, que tinha como objetivo a publicação de cânticos nacionais para serem
divulgados e cantados congregacionalmente, com o intuito de formarem, em 2003, data
do centenário dessa denominação, um hinário nacional com as músicas que
apresentassem maior preferência. Entretanto, as publicações iniciadas em 1989 tiveram
fim na sexta edição. Mesmo assim, o novo hinário da IPI incorporou canções do
Canteiro.
Porém, qual o motivo da não-incorporação da MPBR no culto protestante? Seria a velha
discussão sobre o profano (popular) e o sagrado? Então, como explicar que ritmos
populares como pop ou rock tenham ganhado espaço litúrgico em várias denominações
do protestantismo brasileiro? Que motivos nos poderiam apontar para tal fato? Alguns
pontos, bem gerais, podem conduzir-nos a uma explicação da não-incorporação da
MPBR. São eles: a resistência do tradicionalismo, a forte propagação de outro estilo de
cântico nos movimentos jovens que contava com o apoio moral e financeiro de
organizações paraeclesiásticas, a falta de músicos habilitados nos ritmos nacionais,
muito diferentes daqueles executados tradicionalmente nas igrejas, o enfraquecimento
da teologia da libertação, a falta de recursos e de divulgação, a indústria cultural
americana fortemente difundida no país.
Nesse sentido, a produção musical nacionalista não conseguiu atrair um número muito
grande de consumidores. Por outro lado, algumas igrejas neopentecostais, na década
de 80, como a Renascer em Cristo, por exemplo, investiram estrategicamente no outro
tipo de canção, que interagia com as teologias dos novos movimentos religiosos e
identificava-se plenamente com a música comercial secular dos jovens brasileiros.
Desde então, a MPBR começou a perder para o gospel! É isto o que analisaremos a
seguir.
5.3.4 A transição: do cântico ao gospel
O cântico, já consolidado e até mesmo incorporado em boa parte das igrejas tradicionais
brasileiras, foi o antecessor direto do gospel. Por isso, podemos caracterizar o gospel
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
216
como a terceira geração dos corinhos no Brasil uma vez que a música gospel
estabeleceu-se como tal somente na década de 90, mas, ainda assim, de forma
embrionária e ligada ao neopentecostalismo. Isso posto, pode-se dar andamento a
análise da hinódia não-oficial e, desse modo, explicar o gospel como a terceira geração
dos corinhos.
A música gospel firmou-se como tal, nos anos 90, quando a Igreja Renascer em Cristo
patenteou a marca gospel e começou um amplo trabalho de divulgação na mídia. Para
a compreensão do que difere o gospel de seu antecessor, o cântico, é necessário
conhecer o processo musical das canções dos anos 80 e 90 que marcaram o período de
transição desses estilos.
Para uma melhor análise, a produção musical autônoma destas décadas será dividida
em, pelo menos, duas linhas gerais como o o cântico evangelístico, falando de
conversão, arrependimento, amor de Deus, e o cântico de adoração, cujas letras
exaltam Deus Pai como poderoso, terrível, majestoso e Deus Filho como salvador e
libertador de pecados e opressões. O cântico evangelístico, entoado fora dos templos,
em escolas, faculdades, praças e teatros, foi o que encontrou maior resistência por parte
das igrejas, porque seu estilo musical costumava ser mais ritmado e inaceitável nos
meios tradicionais. Além disso, as letras eram contextualizadas, o que feria o princípio
de estratificação de linguagem do culto protestante.
Novamente, as instituições paraeclesiásticas foram responsáveis pelo estilo
evangelístico das reuniões dos jovens. No momento histórico dos anos 80, a que mais se
destacou foi a missão Mocidade Para Cristo. A MPC alcançou o auge nestes anos, nos
quais realizava, por todo o país, reuniões semanais ou quinzenais para jovens, com
estudos bíblicos e muita música. A maior estratégia para a realização dos encontros
evangelísticos foi a criação, em 1972, em Belo Horizonte, do Clubão. O Clubão tinha
a intenção de reunir os clubinhos bíblicos realizados nas escolas, para, juntos, estudarem
a Bíblia com um direcionamento. Por estranho que pareça, a atividade destina-se
reconhecidamente para os já convertidos, mas, a partir do Clubão, criou-se uma nova
estratégia da formação de grupos e apresentações de shows nos espaços das escolas com
o objetivo de atrair jovens não convertidos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
217
Em depoimento, Mauro Araújo
58
contou-nos sobre as várias apresentações que sua
banda fazia nas escolas. Eles mesclavam músicas evangelísticas, algumas composições
da própria banda, com a apresentação de músicas seculares. A pequena pregação era
feita por algum pastor ou missionário do Clubão, e os jovens convertidos em tais
reuniões passavam automaticamente a participar dos encontros.
Mas a idéia de evangelização foi, de certo modo, enfraquecendo-se entre os jovens.
Parece-nos que, de fato, o que sempre existiu foi a presença maciça de jovens já
convertidos em tais reuniões. O cântico evangelístico foi o precursor do cântico de
entretenimento. Este é um cântico contextualizado para o jovem e fala sobre problemas
específicos: seus medos, insegurança, drogas. É também um tipo de cântico que pode
ser considerado doutrinário, pois trata de assuntos peculiares aos jovens a partir do
posicionamento bíblico.
Assim, no período dos anos 80, consolidou-se um tipo de cântico que não buscava o
louvor congregacional, mas era produzido diretamente para o público de jovens
protestantes. A MPC também se desatacou com a criação do Som do Céu, realizado
anualmente em Belo Horizonte, no acampamento da MPC. Nesse encontro, que
geralmente durava um final de semana, várias bandas, com estilos musicais variados,
concentravam-se em uma espécie de acampamento e atraíam centenas de jovens de
diversas denominações históricas. De quartetos vocais, cantando estilo MPB, a rock
pesado, bandas pop, solistas e grupos do estilo VPC da década de 70, o Som do Céu
erguia seu local de apresentações em uma estrutura de circo e impregnava os jovens
com música evangélica quase todo o dia. As palestras eram voltadas para o louvor, e já
se fazia presente a gênese dos fãs-clubes. Parece-nos que esse momento buscava uma
mobilização e concentração de músicos de diferentes calibres e estilos à procura do
reconhecimento direto do público.
Porém, embora esse tipo de reunião e concentração de músicos tenha se tornado muito
difundida nos anos 80, o estilo de reunião escapava da hegemonia das organizações
paraeclesiásticas. Paralelamente às programações promovidas por tais organizações,
houve, nos principais centros urbanos do país, o surgimento de comunidades
58
ARAÚJO, Mauro, Entrevista concedida em outubro de 2005 em o Paulo. O entrevistado pertencia à
banda Louvor, Arte e Companhia, que ganhou o primeiro Festival Gospel patrocinado pela Renascer.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
218
alternativas, que fomentavam a produção dos cânticos de entretenimento e dos cânticos
de adoração.
Estas comunidades alternativas tinham por objetivo principal cooptar novos jovens para
o meio religioso por meio da fomentação de outro estilo musical: o rock. Tais
comunidades, como por exemplo, a mais famosa delas, em São Paulo, a Igreja Cristo
Salva, foi fundada, em 1975, por Cássio Colombo e atraía até jovens de outros estados.
As reuniões do tio Cássio, como era conhecido, eram freqüentadas por jovens não
evangélicos, muitos deles drogados, e por evangélicos, que se sentiam com plena
liberdade de expressão por não sofrer nenhum tipo de censura quanto à aparência, ao
comportamento e à preferência musical.
Aliás, a maioria dos jovens freqüentadores de tais reuniões era formada por roqueiros,
evangélicos ou não, mostrando que a juventude evangélica tinha suas preferências
iguais aos de sua geração independentemente da fé que professava. Estas reuniões eram
carismáticas, pois contavam com manifestações místicas como a glossolalia e a
revelação, o que favorecia o aspecto fervoroso e emocional. Com isso, os jovens viviam
um clima de intensa liberdade, e as experiências individuais e espirituais eram trocadas
sem nenhum limite doutrinário. Sem dúvida, estas reuniões foram os principais
instrumentos para a divulgação do rock no meio dos jovens protestantes além de serem
uma estratégia de evangelismo. Um dos participantes da Comunidade Raízes, de São
Caetano do Sul, falou-nos sobre a música e o estilo da reunião, que acontecia na
residência de um dos líderes da comunidade, todos jovens e roqueiros
59
:
A gente se encontrava na casa do Edicir (líder do grupo), só rolava
rock pesado. A reunião era feita na laje de cima e aparecia gente de
tudo quanto é lugar. (...) a gente dançava, trocava experiência de vida,
(...) Eu que era roqueiro e perdidão no mundo, comecei a encontrar
Jesus ali (...) Depois de algum tempo eu tocava na banda e a gente fez
até algumas apresentações em escolas e teatros de São Caetano.
Em tais comunidades, era freqüente a presença de grupos musicais do protestantismo
tradicional. Por tal motivo, a grande liberdade e informalidade, tanto na forma estilística
da música quanto na expressividade religiosa, foram influenciando os grupos locais que
tinham atuação musical direta nos cultos de suas igrejas. Estes grupos, na realidade,
aproveitavam as reuniões religiosas em busca de espaço lúdico sem a interferência de
59
KERR, Paulo Péricles. Entrevista realizada em julho de 2001,em São Paulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
219
suas igrejas locais ou das instituições paraeclesiásticas, cujo discurso não agradava
tanto assim. Os jovens saíam de suas igrejas locais e iam, em uma espécie de caravana,
para os salões, garagens ou casas nas quais as reuniões aconteciam
60
. A princípio,
podemos ter a impressão de que a presença de grupos tradicionais nas reuniões de
cristãos roqueiros nada influenciou no culto das igrejas dos mesmos, uma vez que estas
reuniões eram acontecimentos que não tinham como finalidade a prática cúltica. Eram
reuniões de evangelismo, comunhão, apresentações e, muitas vezes, puro
entretenimento. No entanto, acreditamos que o contato com o estilo musical e a
informalidade de tais reuniões influenciava os jovens, mesmo que de forma indireta,
ajudando a fomentar sua insatisfação religiosa com a área litúrgico-musical de suas
respectivas igrejas. Em outras palavras, embora houvesse um senso comum de que tais
reuniões não eram cultos, a agradável sensação de identificação com a forma de reunião
distanciava o jovem cada vez mais do estilo formal da liturgia das igrejas tradicionais,
aumentando a tensão nessa área.
A aparição de bandas que gravavam discos e alcançavam fama com o estilo musical do
rock foi o marco para que a tendência musical saísse dos limites das comunidades
alternativas. Dentre elas, uma que merece destaque especial e que, por várias revistas
especializadas, é apontada como precursora do gospel no Brasil é a banda Rebanhão.
Esta banda foi formada nos anos 80 por Pedro Bracconot e Carlinhos Félix, que, a partir
de 1990, seguiu carreira solo e hoje é conhecido internacionalmente, realizando shows
com artistas gospel internacionais. O estilo da banda era arrojado para a época:
vestimentas irreverentes, instrumentação diferente como a guitarra com som distorcido
e o estilo musical do pop-rock. O grupo gravou, até 1994, oito discos, dois deles em
gravadoras seculares como a Polygram e a Continental. Seus integrantes eram de igrejas
diferentes, Presbiteriana e Nova Vida, seguindo a tendência interdenominacional dos
primeiros grupos.
A partir do exemplo do Rebanhão, formaram-se outros grupos e bandas de pop e rock
evangélico, seguindo a linha despojada e arrojada da banda pioneira. Ocorria o
60
Conversamos e entrevistamos integrantes das equipes de louvor das igrejas visitadas e que hoje se
encontram na faixa etária dos 40 anos, buscando entender o percurso musical destas pessoas. Todos os
entrevistados tiveram em comum a história da presença nas reuniões do Tio Cássio ou em outras
comunidades alternativas, como as que citamos no texto. Dentre os entrevistados, destacamos Marcos
Pontes, atual baterista de uma IPB em São Paulo, Wagner Carminatti, atual guitarrista e dirigente de
louvor de uma IPB em São Paulo, e Michelle Romera, atual tecladista e dirigente de louvor da IPB em
São Paulo. Os depoimentos foram coletados em vários períodos, englobando julho de 2005 a setembro de
2006, após a observação dos cultos nas igrejas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
220
rompimento com o estilo tradicional não quanto à questão musical, que trazia, pela
primeira vez, o pop-rock na música evangélica, mas também na postura mais
liberalizada em relação aos usos e costumes e à forma de apresentação. Tanto o estilo
musical quanto o visual já apresentavam certa aproximação com as bandas seculares.
Assim, a mensagem referencial assumia um papel mais importante para identificar a
música como evangélica. Nos anos posteriores, várias bandas de rock evangélico e
outros estilos musicais surgiram no cenário da música evangélica. A propagação ainda
se fazia basicamente por meio da venda de LPs e reuniões com o objetivo de divulgar os
novos estilos musicais.
Por meio de reuniões como estas, os antigos acampamentos, em que os cânticos jovens
apareciam em um momento, foram substituídos por encontros que tinham a reprodução
musical como objetivo central. As bandas e cantores tornaram-se mais importantes do
que os palestrantes e os temas escolhidos para as reuniões e acampamentos. Assumia-se
o lúdico como o fator mais importante destes encontros.
Não podemos esquecer que o lúdico faz parte do aspecto da vida humana, sendo um
dos elementos essenciais da sua existência (Glaber, 1999, p. 27), e a religião traz essa
idéia. Conforme relatou Mendonça, o lúdico também faz parte da expressão religiosa.
Nas religiões institucionalmente organizadas, o lúdico sofre um processo de
expropriação. Segundo Mendonça (1970, p. 33), O rearranjo do campo religioso
transtorna, até certo ponto as espontaneidade do lúdico religioso que sofre uma relativa
regulamentação e compartimentação. Dependendo da religião, o lúdico estará presente
com mais ou menos controle, ou totalmente eliminado, condição esta em vigor no
protestantismo, no qual foi expulso do culto por completo, havendo, assim, o que Peter
Berger (1985, p. 139) chamou de redução dos conteúdos religiosos. Nesse contexto, a
produção de reuniões musicais onde a presença do lúdico é marcante contraria uma
tendência protestante e, por tal motivo, gera problemas ao campo.
Muitos eventos que podem ser caracterizados como lúdicos surgiam pelos principais
centros urbanos do país, cujo público contava com grande participação da juventude do
protestantismo histórico. Assim, festivais de música, encontros de louvor, concurso e
vários outros tipos de eventos que tinham por objetivo a reunião dos estilos musicais
fomentavam a descontração e a informalidade entre os jovens. O rock pesado não era a
preferência geral, mas fazia parte dessas reuniões, e outros estilos de ritmos brasileiros
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
221
também não faltavam. As bandas seculares dos anos 80 e 90 no Brasil marcaram a
influência estilística dos novos grupos da época e, por isso, o pop destacou-se nesse
momento de transição dos nticos evangélicos. É importante observar que o
neopentecostalismo, como um fenômeno de abertura musical, ainda não era citado, e as
reuniões e encontros, que se reconheciam como puramente musicais, não tinham
ligações com o carismatismo ou pentecostalismo. Em outras palavras, os tradicionais,
mesmo que de forma inconsciente, organizavam-se para distribuir sua produção entre
um público-alvo que já se fazia bem fiel. O evangelismo de jovens no país se utilizava
do lúdico e da descontração. Nele, os jovens, músicos e consumidores encontravam
meios de entretenimento.
Paralelamente ao rock evangélico e a essa gama de programações para entretenimento
religioso, outro grande bloco dos Cânticos prosperava nos anos 80 e início dos 90.
Trata-se dos cânticos de louvor e adoração. Eram, inicialmente, traduções de canções
americanas, mas, aos poucos, constituíram-se uma produção de músicos evangélicos
brasileiros. Esses estilos musicais foram, embora com resistência, os que conseguiram
maior penetração na liturgia do protestantismo histórico. Aqui, como nas comunidades
alternativas e encontros de música, a forma de distribuição da produção musical era a
reunião interdenominacional, para a qual iam os jovens tradicionais. no início dos
anos 90, era comum a compra de LPs de louvor para que os novos cânticos fossem
tirados pelos grupos das igrejas locais. Segundo o depoimento de Wagner
Carminati
61
, da IPB, podemos perceber que a distribuição desta produção de louvor
ocorria em dois momentos distintos:
A gente ia em algumas reuniões (de louvor), antes era no CPP (local
em que a Comunidade da Graça se reunia toda 2ª feira), depois foi a
Bíblica da Paz. Era bom quando todo o grupo podia ir junto. Mas,
para tirar os cânticos, não tem jeito, tinha que ouvir o disco. Lembro
que a gente trazia as fitas gravadas de casa e tocava para todo o grupo
no começo do ensaio, aí cada um ia tirando o seu instrumento e a sua
voz. Hoje está melhor, porque a gente pega as cifras da internet e só
tem o trabalho de ouvir bem o arranjo.
O depoimento aponta para algo comum aos vários grupos locais: eles freqüentavam as
reuniões de louvor, compravam os LPs e, algumas vezes, as partituras cifradas e
tentavam reproduzir, o mais fielmente possível, o que escutavam e vivenciavam em tais
61
Carminatti, Wagner. Entrevista realizada em julho de 2005, em São Paulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
222
reuniões. Como na década de 70, os grupos musicais jovens inovavam em tudo: houve
uma mudança de repertório e comportamento ao mesmo tempo em que novos
instrumentos musicais foram introduzidos.
Os primeiros nomes que, já no fim dos anos 80, destacavam-se no louvor
congregacional são os de Adhemar de Campos e Asaf Borba. O estilo musical mais
ritmado criava uma espontaneidade no louvor e levava o corpo (é claro, apenas os de
alguns) à movimentação. Suas composições geralmente falavam em guerra e vitória, e o
estilo não podia ser mesmo de outra forma a não ser de uma música vibrante e alegre.
Nós mesmos participamos de um acampamento presbiteriano realizado Guarulhos, em
1991, onde, ao som da música O nosso general é Cristo, a platéia foi convidada a ficar
marchando no lugar antes de começar a cantar. A liberdade corporal se fez presente em
meio à liderança leiga, presbíteros e grupos mais conservadores, que, atentos à
movimentação não a contestaram talvez por tratar-se de um lugar informal.
O novo estilo mais alegre de cânticos de louvor convivia com o estilo mais
contemplativo e introspectivo que, geralmente, eram traduções americanas. Porém, o
que de fato marcou esse período de transição foi a inclusão de cânticos mais alegres no
culto que permitiam os gestos, as palmas e, às vezes, até alguma coreografia.
Colocamos como exemplo o cântico abaixo:
Homem de Guerra
Letra e m
úsica: Adhemar de Campos
Homem de guerra
é Jeová
Seu nome
é temido na Terra
A todos os seus inimigos venceu
Deus grande e terr
ível em louvores
Quem
é como o senhor
Entre os deuses sobre a Terra?
Que me livra do mal, que me d
á poder
Para guerrear
Como cantar uma letra assim se não for com uma melodia alegre e vibrante? Como
cantar que tenho poder para guerrear, segurando o hinário e permanecendo formalmente
parado sem se mover? Fica fácil perceber que as comunidades, ao distribuírem essa
produção de cânticos, também promoviam uma característica que muito incomodava os
mais tradicionais: a informalidade no louvor. Acreditamos que foi nessa época que o
chamado momento de louvor, introduzido nos cultos das igrejas históricas, recebia a
função de ser um momento mais alegre e festivo: o momento dos jovens. Assim, o tom
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
223
celebrativo do momento de louvor é uma característica que pode historicamente ser
encontrada no final dos anos 80 e início dos 90 não que não existisse anteriormente,
mas, neste período, a divulgação da celebração foi realçada.
Assim, se, desde os anos 70, Mendonça (1977, p. 5) já denunciava os jovens que tinham
um momento quase autônomo de participação no culto, este momento estava então
estruturado liturgicamente na maioria das igrejas do protestantismo histórico do país. É
difícil perceber uma data precisa de quando tal fato se realizou, mas o momento de
louvor se impôs à liturgia protestante com tamanha força que, ainda hoje, é difícil
desvincular a idéia de que o louvor só deve acontecer neste momento. Daí, a dificuldade
de desvencilhar a idéia do louvor da participação dos jovens no culto. Parece-nos que o
estilo festivo e descontraído deste momento é uma característica que ajuda na
construção dessa relação.
Portanto, o momento de louvor não apareceu do nada, não veio sozinho, nem foi cópia
do que havia em outras igrejas. Muito pelo contrário, refletia uma árdua negociação
entre as demandas dos jovens das igrejas tradicionais e a ideologia institucional da
igreja. As demandas já existiam há muito, e o acesso aos mais variados meios de
distribuição da nova produção musical não-oficial favoreceu a abertura por parte de
algumas igrejas para esse momento. A abertura não significou apenas ter um momento
de louvor, pois este veio acompanhado pela inserção de ritmos e instrumentos. Desse
modo, o protestantismo viu-se dividido em igrejas locais que se modernizavam com
microfones, mesas de som, retro-projetores, teclados e baterias, enquanto outras
combatiam, e ainda combatem, tais inovações com extremo vigor. Tal fato pode ser
comprovado a partir do trabalho de campo que realizamos em diversas igrejas da IPB.
Entretanto, para não generalizar a questão, trazemos o ocorrido em uma reunião do
Presbitério Paulistano na qual duas igrejas pediam a liberação do uso de palmas no
momento de louvor, enquanto as outras enfatizavam o caráter pentecostal dessa
prática
62
. O momento de louvor e seu estilo celebrativo causaram divisão nas
comunidades protestantes brasileiras em relação à produção musical cúltica e,
conseqüentemente, à área da liturgia. Depois disso, as coisas não voltariam mais ao
estágio anterior.
62
Trabalho de campo em reunião realizada na IPB de Vila Formosa, São Paulo, em maio de 2003.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
224
O conflito entre as partes por causa do culto deu-se desde posturas extremas de
proibição do uso de cânticos no culto até aceitação completa do estilo. Desse modo,
muitos modelos de louvor foram criados. Algumas igrejas aceitaram, com poucas
ressalvas, as inovações, tolerando o uso da bateria e das palmas durante o louvor. Outras
proibiram totalmente o uso de qualquer instrumento de percussão e não toleraram o
acompanhamento congregacional com palmas. Em algumas, passaram a existir apenas o
violão e o piano, com um grupo de jovens à frente liderando o cântico, sem nenhum
apoio tecnológico de som. Mesmo nas igrejas onde o momento de louvor era uma
realidade cúltica, a questão da música para os jovens sempre provocava discussões.
Sem dúvida, o rock foi o grande vilão da história, com reações mais radicais por parte
das lideranças conservadoras. Este estilo chegou a ser denominado música feita pelo
diabo. Em discursos mais amenos, o rock era considerado desviante da moralidade e
relacionado diretamente com o uso de drogas. Mas, em todo caso, o rock em si não foi a
principal discussão que permeou a legitimação litúrgica dessa inovação cúltica. A
discussão era focada no uso da bateria e na descontração do louvor.
O caráter celebrativo do louvor, responsável pela criação da informalidade expressiva,
era frequentemente acusado de induzir uma corporeidade sensual. Hélio Menezes
Silva
63
, da Igreja Batista Fundamentalista, escreveu um texto direcionado às igrejas
protestantes nos quais pontua 12 razões pelas quais igrejas centradas na Bíblia devem
repudiar palmas, ritmos e instrumentos dançantes, balanços e danças. O autor
relacionou o uso de palmas e a movimentação corporal com sensualidade e utilizou-se
de vários trechos bíblicos para provar que o uso de cânticos ritmados e celebrativos não
estão legitimados pela palavra de Deus. Em várias de suas colocações, o termo
sensual, ou algum adjetivo vinculado, acompanha a ação de bater de palmas ou mover
o corpo: (...) o sensual bater de palmas pela congregação..., sensualmente marcar
ritmo de músicas dançáveis..., ...músicas dançáveis com incendiárias palmas
ritmando-as.... Assim, o protestantismo, desde a introdução dos Corinhos e Cânticos,
tem tentado criar discursos que legitimem a proibição das novidades musicais nos
cultos. As novas canções foram tratadas de diferentes formas, dependendo do que se
buscava refutar. Foram taxadas de pentecostais, mundanas, sensuais e até demoníacas.
63
SILVA, Hélio Menezes. Palmas, ritmos e instrumentos dançantes; balanços; danças; etc In:
www.SolaScriptura.com.br
TT/ LiturgiaMusicaLouvorCulto.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
225
Não descartamos as motivações teológicas de tais posicionamentos, o que inclusive não
cabe discutir no presente trabalho. Todavia, o monopólio institucional da produção
religiosa é, sociologicamente, o motivo de tantas especificações pejorativas, às vezes até
contraditórias, imputadas sobre os novos cânticos. O depoimento do historiador da IPB
Alderi Matos revela toda a dinâmica do monopólio da produção religiosa. Quando
perguntamos sobre o motivo dos conflitos na área de louvor na IPB, Matos declarou:
O movimento da mocidade presbiteriana sempre gerou muita
insegurança nos líderes. Os líderes sempre tiveram muito medo do que
os jovens podiam fazer. Os jovens podiam trazer muitas inovações
para dentro da igreja, os jovens podiam contestar certos aspectos da
autoridade dos líderes e eles (os líderes) achavam que a música era um
instrumento para isso.
Notadamente, vemos a assimilação do louvor com os jovens que representam a ameaça
leiga ao monopólio da produção musical. Os pastores e presbíteros vêem, na
conservação da produção tradicional, a manutenção do poder religioso. A discussão está
focalizada, portanto, na dinâmica sociológica da produção religiosa, que envolve as
discussões do poder religioso.
Poderíamos enumerar vários exemplos de pessoas e situações que repudiaram o uso de
estilos de louvor mais alegres e ritmados nas igrejas. Além do mais, essas críticas não se
originaram apenas dos líderes clérigos e leigos mais tradicionais, mas também do
subcampo erudito da música litúrgica. Neste, as novas bandas representavam o
popularesco barato e descartável da cultura secular pop. Afinal de contas, o gosto das
massas chegara à igreja! A discriminação dos próprios músicos acentuou mais ainda a
diferença nos momentos do culto. O coral e os hinos passaram a representar a música
sacra genuína e de qualidade estilística musical, enquanto o momento de louvor era o
pão e circo das massas. Nesse contexto, as considerações de Bourdieu (2000) sobre a
formação do gosto são de grande valia. Os especialistas da cultura erudita são
legitimados pelo próprio grupo erudito. Somente a produção destes especialistas pode
ser considerada de bom gosto esteticamente falando. Cria-se, assim, uma distinção entre
os grupos sociais a partir da construção do gosto. Essa dinâmica social, muito vinculada
às classes sociais, é reproduzida no campo religioso, no qual as condições de classe
também são sentidas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
226
Em uma palestra que tivemos a oportunidade de realizar, cujo assunto era o louvor atual
nas igrejas protestantes, uma professora de música clássica, presbiteriana independente,
quase em um acesso de indignação à nossa fala, declarou: É preciso esclarecer que o
que você chama de músico não é músico de verdade. Ela se referia aos grupos musicais
de jovens encarregados de boa parte da liturgia do culto. Entretanto, a função musical
destes não era, como ainda não é, reconhecida pelo subgrupo erudito como uma função
musical e litúrgica. A distância entre o campo erudito e o campo popular se reproduz
internamente na igreja, e, dessa forma, com poucas exceções, o jovem -se cada vez
mais afastado do que considerava ser o bom gosto musical.
Resumindo, nos locais onde houve alguma aceitação dos cânticos, foi porque um
processo de tensa negociação substituiu a guerra entre as partes. Isto significa duas
coisas: primeiro, que o gosto musical dos jovens foi sendo inserido no culto, mas nunca
sem conflitos. Segundo, que as negociações cúlticas não passavam pelas discussões do
papel litúrgico da música. Aliás, não podemos esquecer que a despreocupação musical
sempre foi característica da liderança sacerdotal do protestantismo brasileiro. Desde
Sarah Kalley, a produção musical dos leigos era introduzida ou rejeitada sem que
houvesse uma postura capaz de definir o que se desejava como produto. Com a inserção
dos cânticos, não foi diferente. Se, por um lado, houve resistência, por outro, o
momento de louvor foi incluído como uma bricolage, um momento isolado na liturgia
do culto. Parcival Módulo
64
chamou este momento de parênteses do culto. Em
entrevista
65
, um pastor da IPB declarou desconfortavelmente: ...Eu tento fazer uma
liturgia mais consciente, comemorar as datas, mostrar que o culto todo é um momento
de louvor... Mas não teve como, não consegui tirar a equipe dos jovens, eles estão ,
com o momento de louvor deles. A entrevista tratava de uma questão atual do culto,
mas a fala do pastor retrata uma realidade construída mais de duas décadas que
impregnou o modelo do culto protestante em geral.
O relato de Marcos Pontes
66
, ex-membro da IPB e atual membro da IPI, mostra o outro
lado, o da posição dos jovens que enfrentaram a resistência de pastores e lideranças
oficiais. Em 1991, Marcos sentia-se tolhido em fazer aquilo de que mais gostava: tocar
64
Pequena biografia e fonte internet.
65
Entrevista realizada em São Paulo, em maio de 2006. O entrevistado pediu sigilo do seu nome e da sua
igreja.
66
Pontes, Marcos. Entrevista realizada em agosto de 2005.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
227
bateria. O conselho da igreja já havia proibido publicamente o uso de palmas e
instrumentos rítmicos durante o culto oficial. O recém-estruturado grupo de louvor
começou a realização de uma campanha, com cantinas após o culto, e conseguiu
comprar a aparelhagem de som como microfones, mesa de som e teclado, guitarra,
baixo e violão. Como a igreja tinha um piano, o grupo engenhosamente utilizou o
teclado como acompanhamento de percussão. Assim, a música era acompanhada, e a
presença física da bateria não era necessária. No entanto, afirmou o depoente:
...Os presbíteros ficaram confusos, todo mundo começou a levantar o
pescoço (risos) para ver se tinha algum instrumento diferente no grupo
(...). No final do culto o pastor me perguntou o que eu fazia batendo
dois dedos naquele teclado e eu quase morri de tanto rir. Depois disso
comecei a tocar no teclado todo domingo, até que compramos uma
bateria eletrônica, daquela portátil e comecei a tocar nela sem pedir
para ninguém. fomos roubados, levaram todo o equipamento de
som. Começamos a cantina de novo (...) só que dessa vez compramos
uma bateria de verdade! Depois de muita briga com o conselho eles
liberaram, porque a mocidade conseguiu eleger um presbítero que
comprava a nossa idéia. Sei que o conselho ainda proíbe as palmas,
mas essa já é outra briga que a moçada de lá tem que encarar.
O confronto perpassa toda a fala do entrevistado. Segundo ele, o grupo persistiu em seu
objetivo, que, com muita briga, foi realizado embora não por completo, pois não houve
a liberação de palmas. No caso de Pontes, a migração para outra igreja aconteceu por
causa da rigidez do conselho em relação ao louvor. A igreja para qual ele foi, não tem
reservas quanto ao uso de palmas, bateria, e ocorrem até danças na hora do louvor.
Esse cenário constata a existência da diversidade de estilos de culto, o que representa
certa autonomia das igrejas locais e um silêncio oficial das denominações. Cabe
recordar que o governo eclesiástico presbiteriano não delega autonomia às igrejas locais
uma vez que estão vinculadas a órgãos superiores. As comunidades estão filiadas aos
presbitérios, e as decisões destes acarretam diretamente a prática cúltica local. Muitas
vezes, os pastores locais, que detêm a responsabilidade da liturgia, não compartilham
das decisões dos presbitérios, mas as acatam por estarem legitimadas estatutariamente.
É possível afirmar que o campo religioso protestante ainda está se reestruturando às
novas demandas musicais dos jovens e não consegue articular um discurso único a
respeito do assunto. No entanto, independentemente de posturas mais radicais, os
cânticos ganharam espaço, embora de formas desiguais, nas igrejas protestantes
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
228
históricas. As presbiterianas não conseguiram ficar fora de tal situação, e seu governo
eclesiástico dificulta, ainda mais, a posição pastoral das igrejas locais.
Nesse contexto, já bem tenso e de difícil negociação, o cântico ganhou, nas mãos hábeis
do especialista de marketing e líder da Igreja Renascer em Cristo, Estevam Hernandes,
o salto conceitual e transformou-se em música gospel. Esta foi o carro-chefe na
atuação da Renascer no cenário religioso do Brasil.
5.3.5 O novo conceito: a música gospel
Até aqui, averiguou-se que, sendo o gospel uma produção hinódica do protestantismo
brasileiro, está localizado na hinódia não-oficial e teve como antecedentes os corinhos e
os cânticos fomentados por instituições paraeclesiásticas e, posteriormente, por
comunidades religiosas autônomas. Assim, no início deste capítulo, discutimos a
afirmação de que a música gospel é uma produção religiosa do protestantismo histórico.
Até então, nossa preocupação foi comprovar tal afirmação. Para isso, foram usados
conceitos como demandas, hinódia não-oficial, resistência, insatisfação
religiosa, ideologia institucional dentre outros. Eles, com base nas teorias de
Bourdieu (1987; 1983), serviram metodologicamente para exemplificar a tensão interna
na área musical, que entendemos como uma arena para a luta pelo monopólio da
produção religiosa. A partir do pressuposto teórico de que há uma constante luta interna
no campo religioso, constatou-se a existência de uma produção musical marginal, que,
nesse primeiro momento, é suficiente para provar que os antecedentes do gospel não
vieram de fora do campo religioso protestante, mas se desenvolveram internamente, em
um contexto de confronto e luta pela busca de legitimação na produção musical.
Também afirmamos que a música gospel é igualmente produto do neopentecostalismo.
Com base nessa afirmação, continuaremos a tarefa de investigar a música gospel em seu
processo de construção no cenário musical-religioso brasileiro.
Todo trabalho religioso tem a tarefa de transformar a visão de mundo que o grupo
religioso tem em um código entendível. Portanto, é bastante fácil compreender que uma
instituição religiosa separe o que é genuinamente religioso, santo, do que não é
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
229
religioso, impuro. Ora, nisso está o segredo do processo de socializar e inculcar o
habitus e a contenção do capital simbólico do grupo religioso. Acontece que a
convivência com outros grupos e instâncias sociais possibilita troca de experiências,
interiorização de padrões comportamentais e até sentimentos que não são puramente
religiosos. Nesse movimento dialético de socialização, o confronto entre o novo
religioso e o tradicional religioso torna-se inevitável. Mais confronto haverá quanto
mais contato o indivíduo religioso tiver com os diversos e cada vez mais fragmentados
campos sociais.
Ora, toda instituição religiosa normalmente tende à preservação de sua doutrina, o que
implica na preservação do habitus e na manutenção do capital religioso acumulado.
Isso, entretanto, pode ocorrer de forma diferente, dependendo, em grande medida, do
tipo não só de teologia, mas também da eclesiologia adotada pela instituição. É aqui que
podemos localizar dois modelos institucionais de religião que, no Brasil, encontram-se
em contradição em termos de concepções ideológicas e com relação aos os outros
sistemas simbólicos: o neopentecostalismo e protestantismo tradicional. Este, como já
vimos, firmou-se no Brasil como um gueto social, criando o discurso da
incompatibilidade entre a cultura local e a vida religiosa. Ao contrário, o
neopentecostalismo buscou sua identidade religiosa exatamente na aparência secular, a
qual, para esse grupo, não deve ser vista como heresia ou algo impuro. Esse tipo de
visão religiosa de mundo, que gerou a conseqüência direta de um novo comportamento
dentro do campo evangélico no país, atraiu a atenção de pesquisadores, que apontaram a
tendência amigável desse grupo religioso com as questões da vida social, cultural e
econômica.
Leonildo S. Campos (1999, p. 136) apontou como essa transformação iniciou-se no
campo do pentecostalismo:
O pentecostalismo está abandonando uma ética de desvalorização do
mundo e voltada para objetivos extra-mundanos, uma escatologia
apocalíptica e uma moralidade subjetiva, optando pela idéia da
aceitação de que é natural a fluição (sic) das riquezas da vida, da
saúde, da prosperidade, e de todas as coisas boas da existência. (O
grifo é nosso.)
Ricardo Mariano (1999, p. 211) também identificou a mudança comportamental dentro
do pentecostalismo e mostrou que os novos pentecostais não querem mais ser
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
230
discriminados ou estereotipados como se fossem ETs. Eles almejam obter aceitação
e respeitabilidade sociais. Esta mudança também foi conceitual e não
comportamental. O conceito de ser cristão não passa mais pelos antigos padrões
religiosos do pentecostalismo clássico, que, por sinal, era o mesmo ou até mais
exacerbado do que do protestantismo histórico quanto à negação da cultura e da vida
social. Ao invés disso, os neopentecostais desejam a inserção na vida social do país,
procurando construir uma nova identificação com os outros campos sociais de diálogo e
aproximação.
Portanto, há uma nova intenção de buscar a aproximação e o diálogo com a sociedade e
a cultura. Nesse processo, a música assume também os aspectos estéticos que circulam
fora do campo religioso. Em tal cenário de mudança comportamental objetivamente
construída, Estevam Hernandes percebeu a possibilidade de lançar um conceito que, em
si, trouxesse a inter-relação igreja-mundo: o gospel. Nesse sentido, o salto conceitual
da música gospel revela a intenção de um ajuste às tendências externas do campo
religioso e baseia-se nas novas demandas internas de inserção social.
Mas o que fez Estevam Hernandes? Percebendo a demanda religiosa na área da hinódia
tradicional, ele atraiu milhares de jovens insatisfeitos com a condição litúrgico-musical
de suas igrejas por meio de eficientes propagandas e realizações de eventos gospel na
cidade de São Paulo. Não se tratava mais do velho conhecido Cântico, mas, ao
contrário, o Gospel era inovador, fomentava a liberdade, o lúdico e a descontração. Em
outras palavras, valendo-se de estratégias de marketing, Hernandes adaptou um antigo
produto musical, transformando-o em um novo conceito que trazia em si uma conotação
desvinculada da idéia cafona de ser crente. Tratava-se, na verdade, de uma mudança
comportamental.
Por que afirmamos isso? Porque, se formos pontuar o que distingue o Gospel do
Cântico, veremos que os pontos levantados estarão relacionados diretamente com a
relação de aproximação estética e cultural com o secular. Assim, numa tentativa de
identificação da música gospel em relação ao que lhe é peculiar e, portanto, diferente
das outras produções musicais que a antecederam, a sua principal característica seria a
configuração totalmente secularizada dos grupos musicais.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
231
Sob esse aspecto, as novas bandas gospel distanciaram-se das antigas bandas de versões
evangélicas quer pela aparência ou pelo estilo performático, pois, enquanto estas faziam
questão de opor-se ao estilo mundano, próprio, segundo eles, das bandas seculares, as
bandas gospel usavam exatamente a aproximação com o secular. Assim, elementos
como vestimentas, performance de apresentações e aparato técnico deixaram de
distinguir o que é ou não evangélico. Em outras palavras, os limites e fronteiras foram
rompidos, mantendo-se apenas um elemento capaz de distinguir uma banda gospel de
uma secular: a letra evangélica.
É dentro dessa similaridade com o secular que todos os estilos musicais passaram a ser
considerados próprios para a música evangélica. Ora, o rock e a balada romântica
eram conhecidos no meio jovem protestante; os ritmos mais brasileiros já eram
buscados em composições desde os anos 70; e o sertanejo já era velho companheiro do
pentecostalismo. Entretanto, a música gospel incorporou não estes estilos musicais,
mas também abriu a possibilidade para novos ritmos que até então não haviam sido
utilizados na música evangélica como o axé, o Olodum, o funk, a Timbalada e outros.
Bandas dos mais variados estilos musicais surgiram, e ainda surgem, no cenário
protestante e trazem todo o aparato performático necessário para acompanhar o estilo
que cantam. Assim, as bandas de rock trazem roqueiros vestidos de roqueiros, os grupos
de axé exibem os passos do ritmo com grupos de danças, os sertanejos românticos são
apaixonados nas apresentações, e não falta nenhum estilo. Nesse sentido é que temos
afirmado que o estilo de composição musical, em si, o é o centro do conceito gospel,
mas conseqüência direta da aproximação do secular. Os próprios espaços nos quais
ocorrem as apresentações gospel ajudam a criar o clima de similaridade com o secular,
pois são espaços seculares tais como estádios, praças públicas ou locais adequados para
shows como danceterias, bares e cafés.
Por isso é que as estratégias iniciais de difundir a música gospel ocorreram em espaços
seculares: eles proporcionavam simbolicamente a fusão entre o religioso e o secular
além de visibilizar a produção musical. O gospel tornou-se o retrato fiel das tendências
seculares e reproduzia-se em instâncias seculares como rádios, gravações ao vivo de
CDs, programas em estádios e apresentações de bandas em boates. As estratégias da
Renascer em Cristo para a divulgação do conceito estavam firmadas nesse novo
comportamento. As estratégias de Hernandes já se faziam presentes na montagem de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
232
uma forma específica de divulgação da música gospel. Pudemos, em outro texto,
demonstrar seus principais pontos de atuação, que foram:
"Terça-Gospel" no Dama Xoc: início da divulgação da música gospel
no meio secular. Já efetuava a divulgação do nome gospel como algo
diferente de evangélico, ao mesmo tempo em que diferenciava o
tratamento do músico, com ênfase no profissionalismo, e atra o
jovem evangélico com uma opção de entretenimento gospel.
Evangelismo de Segunda-feira na Renascer Sede, em 1990: lotava a
Renascer Sede com cerca de 8 mil jovens. Lançou o evangelismo-
show, ou o evangelismo-entretenimento. Atraía, nesse evento, os
músicos que tinham o interesse de se apresentar ao mesmo tempo em
que arrebanhava os jovens convertidos nas reuniões, formando um
público específico para o gospel, que se somaria aos jovens já
evangélicos.
Arrendamento da primeira rádio, a Imprensa Gospel, em 1990:
inovação na programação, dando ênfase à música gospel com o
objetivo de alcançar o público jovem. Grande reforço na propaganda
dos novos e antigos músicos, bem como na divulgação dos trabalhos
da Renascer e dos lançamentos da Gospel Records.
"I Festival de Música Gospel de Novas Bandas": um trabalho com o
objetivo de descobrir novos talentos que, posteriormente, seriam
lançados no mercado pela Renascer por meio da rádio e da Gospel
Records.
"SOS da Vida", 1991: primeiro show gospel no Brasil, com as
dimensões alcançadas (Ginásio da Ibirapuera lotado). A partir de
então, o show passou a ser realizado anualmente, contando sempre
com participações internacionais da sica gospel e investimento de
empresários seculares. Trata-se de uma forte frente de divulgação do
gospel e da Igreja Renascer.
"Marcha para Jesus": a maior reunião, em termos numéricos, de
evangélicos do país (...). Tornou-se a maior concentração das mais
variadas "tribos musicais" do gospel (Dolghie, 2002, p. 116).
Dessa forma, os jovens insatisfeitos com a tensão interna do campo protestante,
sentiram-se atraídos pelas novas possibilidades que se abriram. Os eventos gospel eram
freqüentados por jovens de várias denominações do protestantismo brasileiro, fato,
aliás, que não é novo. Tal como ocorrera com as paraeclesiásticas e, depois, com as
comunidades autônomas, os jovens passaram a ir aos grandes estádios, às marchas, às
boates e aos shows nacionais e internacionais.
Além dessa característica visível de aproximação com o secular, que pode ser analisada
de dois modos, estilo de apresentação e estilo musical, a música gospel, assim como os
seus antecessores, pode ser bifurcada em sua produção: música para evangelismo-
entretenimento e música para louvor e adoração. Neste último nero, veio substituir o
espaço de louvor no culto ocupado pelos antigos grupos musicais de jovens. Agora, as
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
233
bandas gospel de adoração são referências para um novo estilo de louvor associado ao
espetáculo, ao show, ao lúdico e ao emocionalismo. Portanto, outra característica da
música gospel, ressaltada aqui, é a condição litúrgica, pois, além de atender o
consumidor jovem por meio dos mais variados estilos musicais e performáticos de
novas bandas, atende, também, à necessidade desse mesmo público na nova forma de
expressão religiosa, a adoração. Esta é o ponto nervoso da relação do protestantismo
com a música gospel, e, por isso, trabalharemos especificamente com o que
chamaremos de adoração gospel. Antes, porém, dessa análise específica, precisamos
entender em que contexto houve o desenvolvimento desse tipo de produção cúltica: o
contexto mercadológico.
Desde o início deste capítulo, procuramos relacionar a música gospel com o mercado de
música gospel. De fato, a condição mercadológica desse bem é sua principal
diferenciação. A princípio, admitimos que esta característica fosse a semelhança com o
secular, e, de fato, o é. Acontece, porém, que tal semelhança com o secular faz a ligação
entre música gospel e mercado, e é isto o que possibilita a divulgação, distribuição e
venda desse produto por todas as denominações evangélicas do país. Por tal motivo,
pode-se afirmar que o conceito gospel surgiu com estratégias de formação de um
mercado voltado para esse bem. A condição mercadológica, como produto oferecido e
acessível a todos, é intrínseca à música gospel. Nesta altura, seria conveniente
completar a definição de música gospel identificando-a como uma produção religiosa
do protestantismo e do neopentecostalismo brasileiro que se caracteriza pela condição
litúrgico-musical para o culto religioso e pela condição de entretenimento e consumo
autônomo direto ao público. A partir dessa definição, fica claro que, a fim de
compreender todo o processo de produção, reprodução e consumo da música gospel,
temos de entender a dinâmica mercadológica desse bem religioso. Por isso, o próximo
capítulo apresenta as estratégias de formação e a consolidação do mercado de música
gospel no Brasil.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
234
PARTE III
O MERCADO DE MÚSICA GOSPEL E A PRODUÇÃO
MUSICAL DO PRESBITERIANISMO
A música gospel embora tenha se construído no próprio campo protestante saiu deste e se
projetou para fora do domínio institucional. Isso se fez à medida da formação de um
mercado específico para esse bem religioso: o mercado de música gospel. Não como
falar em música gospel sem situá-la nesse novo espaço de produção e reprodução musical.
O mercado tem suas próprias leis e por isso não se prende a nenhum tipo de controle
institucional. Com isso, devido ao grande consumo de música gospel por meio dos jovens
presbiterianos, essa denominação se confrontada pelas novas situações advindas com o
mercado. Nisso o maior conflito entre a IPB e o mercado de música gospel se faz na área da
produção musical cúltica, devido a um novo tipo de produção direcionada para o louvor,
que acaba por mudar significativamente o culto presbiteriano. Nessa última parte do
trabalho analisamos o mercado de música gospel e sua influência sobre a produção musical
cúltica presbiteriana. Dividimos essa análise em dois capítulos. No primeiro analisamos o
mercado e sua dinâmica própria e no segundo mostramos os pontos de conflito existentes
entre as novas tendências musicais gospel e o culto da Igreja Presbiteriana do Brasil
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
235
CAPÍTULO 6
O MERCADO BRASILEIRO DE MÚSICA GOSPEL
Os cânticos protestantes, associados às novas tendências da religiosidade neopentecostal,
possibilitaram o surgimento de um novo produto musical evangélico: a música gospel.
Temos procurado apresentar a música gospel relacionada com o aspecto secular e aliada ao
mercado desse bem. Assim, queremos, agora, analisar a formação do mercado de música
gospel e como foi possível seu surgimento no Brasil. Já tivemos oportunidade de refletir
sobre a ligação da música gospel com a Igreja Renascer em Cristo (Dolghie, 2002). Nesse
sentido, a Renascer valeu-se das condições do campo neopentecostal, como do campo
protestante histórico, para consolidar seu objetivo: formar um mercado de música gospel no
Brasil.
Mas o que é o mercado de música gospel? Para nós, toda produção simbólica, cujo
monopólio do trabalho religioso seja oriundo de um grupo de especialistas, gera, dentro do
sistema religioso do qual faz parte, a possibilidade da produção e do consumo. No entanto,
essa terminologia é recente e, talvez, mostre a força que o mercado tem na sociedade
contemporânea, o que faz com que todos os tipos de bens se transformem em mercadoria.
De qualquer modo, a teoria da produção e consumo de bens religiosos encontra sua base no
paradigma da secularização, discutido por Berger (1985), que coloca a religião dentro do
mercado, possibilitando situá-la como produtora de bens simbólicos. Na teoria de Berger,
há um enfraquecimento simbólico da religião por não ter mais o controle hegemônico da
produção do nomos social. Entretanto, nesse quadro de pluralismo, a religião, dentro do
âmbito institucional, produz uma quantidade significativa de bens simbólicos, consumidos
pelos fiéis que aderem a uma ou outra forma de religiosidade. Isso quer dizer que,
independentemente da força social da religião, toda produção religiosa tem por objetivo
gerar o consumo de doutrinas, ritos, liturgias, costumes. Enfim, tudo está inserido no
contexto de produção-consumo.
Como, então, afirmar que a música gospel não pode ser desvinculada de sua característica
mercadológica? Não seria esta característica algo comum a todo produto religioso uma vez
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
236
que todos são destinados ao consumo? Neste ponto, cabe uma explicação da distinção que
fazemos em relação à sica gospel: estar atrelada a uma lógica de mercado significa dizer
que essa produção musical religiosa é produzida fora dos âmbitos institucionais e oferecida
secularmente, como qualquer outra produção musical, em um espaço de comercialização
específico para este bem. Por isso, o mercado de música gospel abrange a oferta direta ao
público, não tendo, necessariamente, de passar pelo espaço institucional das igrejas.
Assim, a relação produção-consumo, quando aplicada à religião, é ampliada e inserida em
um contexto de livre escolha do produto por parte do consumidor isto porque a gama de
segmentos produzida não precisa estar ligada à ideologia religiosa institucional. Muito pelo
contrário, a produção é oferecida nos mais diversos locais de comércio varejista, como lojas
especializadas, redes de supermercado e Internet, distante do espaço institucional. Porém,
estamos referindo-nos a um consumo que vai além do aspecto religioso, pois também
envolve o comércio de bens culturais, cuja relação econômica de compra e venda
estabelece uma nítida diferença com o consumo religioso institucional. Portanto, todos os
mecanismos que envolvem os processos normais de comercialização de um produto
musical a propaganda, a distribuição, os pontos de vendas, os meios de reprodução
estão presentes quando utilizamos o conceito mercado. Neste sentido, o mercado de
música gospel relaciona-se com essa condição última que destacamos de não ser controlado
pela igreja. É claro que isso que não quer dizer que as igrejas estejam impossibilitadas de
colocar seus produtos musicais em circulação neste mercado, mas, ao assim procederem,
acabam por obedecer às leis mercadológicas.
É aqui que temos de inserir a Igreja Renascer em Cristo, ressaltando seu papel na formação
do mercado de música gospel. Sendo esta igreja um das principais produtoras desse bem
religioso, ela trabalhou objetivamente para conseguir lançar seu produto em um espaço de
projeção secular e comercial. Foi assim que a Renascer contribuiu para a formação e a
consolidação de um mercado de música gospel, valendo-se de estratégias de marketing para
alcançar sua meta.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
237
6.1 O marketing religioso e o mercado de música gospel.
Atualmente, podemos falar em marketing religioso, porque o conceito abriu-se, e todo
planejamento sistemático para obtenção de um fim específico, que determine um público-
alvo e um resultado previsível, pode ser considerado uma estratégia de marketing (Richers,
1994, p.18). Desse modo, qualquer tipo de produto oferecido, bem como qualquer
sistematização de público ou resultados, entra na definição mais abrangente de marketing.
Nessa classe, podemos incluir a campanha social de um hospital que vise à distribuição de
remédios a um determinado grupo; pode ter um planejamento de marketing para que os
resultados sejam os mais previsíveis e satisfatórios possíveis. Do mesmo modo, as igrejas
ou os partidos políticos podem valer-se de um planejamento de marketing mesmo que não
objetivem o lucro econômico. Para haver marketing, não é o objeto que importa, mas a
racionalização de resultados. Por isso, uma igreja que se vale de uma sistematização lógica,
buscando produzir bens direcionados a um público-alvo, sejam tangíveis ou intangíveis,
entra na lógica do marketing moderno.
6.1.1 O neopentecostalismo e o marketing religioso
A relação entre o neopentecostalismo e o marketing religioso foi estudada por Leonildo S.
Campos (1997), que constatou a impossibilidade de analisar tal fenômeno de forma
puramente comercial, sem vinculá-lo aos aspectos sócio-culturais da sociedade atual. O
autor mostra que o marketing traz consigo a força homogeneizadora do mercado sobre a
religião no mundo ocidental. Assim, isso faz com que a religião não só se utilize do
mercado para vender seus bens, mas se transformasse, ela mesma, numa mercadoria
vendável no mercado (Campos, 1997, p.175). Em suma, o mercado religioso não é um
fenômeno comercial, que tira da religião o seu aspecto puramente religioso, mas faz parte
de uma nova lógica do pluralismo religioso da sociedade contemporânea. Por tal motivo, o
mercado e o marketing religiosos não podem ser tratados de forma pejorativa; antes, devem
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
238
ser entendidos como uma ação situada socialmente. Campos (1997, p. 204) chamou a
atenção para esse aspecto da sociedade atual, com a atomização de agentes e instituições
religiosas que fez com que o caminho para o marketing surgisse como uma opção prática
de sobrevivência e não, como resultado de um conjunto de discussões teóricas e de um
cálculo racional
67
.
A sobrevivência sobre a qual nos fala o autor remete-nos, novamente, ao conceito de
secularização de Berger. Ou seja, as igrejas, como instituições religiosas que são, não
produzem bens de salvação, mas também necessitam divulgar tal produção por meio do
marketing, atraindo, assim, o maior número possível de consumidores. Contudo, como já
escreveu Campos, embora o marketing defina-se como uma ação objetiva, a sua busca não
foi tão objetiva. Esta busca foi o resultado de condições culturais e sociais específicas de
nossa época, que traz como realidade factível a grande produção e o consumo de bens
simbólicos e culturais. As igrejas neopentecostais foram as que trouxeram para o campo
religioso essa realidade e especializaram-se da produção de novos bens religiosos, indo ao
encontro de uma tendência da época atual.
Por outro lado, há necessidade de recordar que estas igrejas, em sua mudança
comportamental com relação à cultura local, utilizam todos os meios de comunicação
disponíveis para a divulgação de seus produtos, e isso se faz pelos meios não-religiosos, a
saber, os seculares. Isto projeta a produção religiosa para fora do âmbito puramente
institucional, o que é uma intenção objetiva das neopentecostais. Ao procederem dessa
forma, projetam-se para a sociedade e se incluem socialmente; conseguem visibilidade
social. Foi assim que a Renascer em Cristo utilizou-se do marketing, não estendendo um
produto para fora de suas paredes, mas para se projetar socialmente por meio deste produto.
Sem a compreensão de tal dinâmica, seria difícil explicar o que leva uma igreja a criar a
possibilidade de concorrer com seu produto. Em outras palavras, se o mercado de música
gospel propicia a concorrência fonográfica evangélica, também possibilita a projeção social
e secular da igreja que contribuiu para a sua formação.
67
Para os que desejarem conhecer mais sobre marketing religioso no neopentecostalismo, indicamos a leitura
da obra Teatro, templo e mercado (1997) do autor citado, Leonildo Silveira Campos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
239
Desse modo, a Igreja Apostólica Renascer em Cristo (Renascer) encontrou, na produção e
distribuição do gospel, a sua peculiaridade, tornando-se uma igreja de destaque a década de
90 em São Paulo. A fim de projetar seu principal produto e criar um mercado para ele, a
Renascer valeu-se de estratégias de marketing, cujo líder, Estevam Hernandes, fez questão
de tornar público. Neste trabalho, não analisaremos tal processo com maior destaque, mas
achamos conveniente, pela proposta da presente pesquisa, mostrar o ponto de partida das
ações estratégicas de marketing do presidente da Igreja, Estevam Hernandes, que se torna
claro em uma entrevista concedida à revista CCM Brasil Magazine. Nela, ele explicou, com
categorias de mercado, os motivos que o levaram a explorar esse novo segmento musical
(Foffu, 1999, p.26):
Foi vendo e constatando alguns aspectos. Primeiro: a baixa qualidade da
música. Segundo: a falta de credibilidade e a despreocupação em ter um
produto adequado para que extrapolasse as fronteiras do segmento
evangélico e, efetivamente, que nós tivéssemos na música um instrumento
de evangelismo, estabelecendo uma música mais direta para um
determinado público alvo (sic). Essa foi a nossa preocupação inicial,
quando nós assumimos a direção da rádio Imprensa FM. (O grifo é
nosso.)
Já em outra parte da entrevista, Hernandes complementou:
Eu acho que dentro do sentimento que tinha no nosso coração, nós
passamos a observar algumas coisas e, juntamente com o bispo Abbud
(bispo da Igreja Renascer em Alphaville), começamos a olhar o conceito
de música gospel (grifo nosso). Na época, até o Nelsinho Motta (produtor
musical e apresentador do programa Manhattan Connection do Canal
GNT) já falava que um dos fenômenos que poderia concorrer em termos
musicais, depois de alguns outros fenômenos como o Rock, o Sertanejo e
algumas outras coisas, poderia ser o Gospel, porque ele tinha
características de alcançar o mercado e atender à sociedade como um
todo. E então nós partimos agressivamente para isso.
Os termos usados por Henandes, tais como produto adequado e público-alvo, mostram
a incorporação do marketing como ferramenta estratégica para alcançar o objetivo de
extrapolar as fronteiras do segmento evangélico. O que significa isso senão a intenção dos
religiosos de se projetarem para além dos limites convencionais reservados para a religião
em um mundo secular? Essa ampliação realizou-se no gospel. A capa da revista da qual
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
240
extraímos os trechos citados traz a foto de Estevam Hernandes com a frase que mostra a
inserção cultural que o novo conceito proporcionou: Ele colocou o gosple no topo da
música brasileira
Ilustração 1 - Capa da revista CCM Brasil Magazine de Outubro de 1999
A intenção de alcançar o mercado secular também foi expressa pelo então radialista da
Gospel FM, Duda Baguera, que, em entrevista, mostrou toda a sua expectativa de ver a
música gospel atingir os meios de comunicação e mídia seculares:
Estamos na terceira geração de músicos que vendem seu produto. Eu falo
de uma primeira geração de solistas, que depois do culto vendia seus
discos (...) já a segunda geração trouxe as bandas, que eram os grupos
como Vencedores (...) essa terceira geração é o gospel e está sendo
reconhecida de uma forma legal, fazem shows, são profissionais e tudo
mais. Mas ainda estão atrás do mercado e das tendências. O rock do
Oficina e do Resgate ainda está um pouco atrás do rock das bandas
nacionais. Eu creio que isso vai crescer e a quarta geração vai produzir e
ditar as tendências em pé de igualdade com bandas seculares, vai dividir o
mesmo mercado. Hoje nós estamos vivendo o que aconteceu nos EUA
20 anos atrás. Atualmente os músicos cristãos concorrem lado a lado
com os que não são (...) O gospel foi um divisor de águas sem dúvida,
porque os grupos ganharam visibilidade e mostraram pra a galera que não
são ETs coisas assim, mas ainda falamos de números como setenta mil,
cem mil, e isto não significa nada. Quem vende muito, vende 150 mil e é
muito pouco ainda (...) temos potencial para crescer e entrarmos em rádios
comuns, programas de TV e tudo mais.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
241
Outro exemplo de como a projeção secular foi (e ainda é) uma forte idéia no mercado
gospel encontra-se no primeiro número da revista Show Gospel: O guia da música
evangélica, de 2000. Trata-se de uma revista setorizada, específica para empresas, agentes
promocionais e artistas que visam à atuação no mercado de música gospel. O editorial da
primeira revista mostrava a intenção de expandir o mercado e sair do âmbito religioso:
Show Gospel nasceu com o objetivo de mostrar o que acontece neste -
pode-se dizer- gigantesco setor. Artistas que antes tinham suas notícias
restringidas a publicações vinculadas à esta ou àquela igreja, agora
poderão ser divulgados num veículo comprometido apenas com a missão
de mostrar o profissionalismo deste mercado que cresce a passos largos no
Brasil e no mundo. (...) Show Gospel chegará às mãos de todos os
profissionais envolvidos com o mercado: lojistas, radialistas,
organizadores de eventos, empresários, agentes, jornalistas, produtores de
programas de TV, casa de shows, igrejas, pastores... Enfim pessoas que
compram discos, realizam eventos ou promovem shows. Mais: como não
encaramos o gospel como um gênero restrito apenas aos meios
evangélicos, também enviaremos a publicação para setores do mercado
do entretenimento não ligados a igrejas(o grifo é nosso): principais
lojistas, agentes, empresários artísticos, organizadores de eventos,
radialistas e produtores de TV. (...) se o seu artista ou sua empresa não
constam em nossas páginas (matérias ou listagens), entre em contato
conosco, que teremos o maior prazer em publicar sua informação na
próxima edição (...) E que Deus abençoe a todos.
O editorial de Show Gospel mostra que a idéia inicial para a formação de um mercado
fonográfico evangélico foi seguida de perto por todos os agentes que se envolveram no
mercado. Sem dúvida, o novo conceito gospel criou condições para que isso acontecesse.
Em outras palavras, a música gospel possibilitou a projeção secular da música religiosa, e
isso se deu por meio de um mercado que viabilizou a divulgação, em meios religiosos e
seculares, da nova produção musical. Esta estratégia de divulgação do gospel em meios
seculares foi a que mais atendia às necessidades de visibilidade social buscadas pelos
neopentecostais.
Porém, não foi só pensando na demanda neopentecostal que Hernandes estruturou seu
plano de marketing. É possível que ele tenha e tivesse fortes razões para apostar que o
consumo de música gospel também se realizaria no campo do protestantismo tradicional
até porque lhe pareceu ser este campo portador de uma demanda reprimida e,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
242
conseqüentemente, uma insatisfação religiosa. Portanto, se por um lado, havia uma clara
demanda no grupo dos novos pentecostais, por outro havia uma nítida insatisfação religiosa
no campo protestante histórico, atingindo grupos específicos de leigos, músicos e
consumidores.
Parece-nos, além disso, que o consumo de música gospel pelo público protestante mostra
que uma mudança comportamental atingiu parte do pentecostalismo tanto quanto do
protestantismo tradicional. Não teria o jovem protestante a necessidade de inserção social?
Será que a separação entre igreja e mundo, articulada pelo protestantismo tradicional dentro
de uma sociedade globalizada, ainda consegue ser um discurso religioso eficiente? O
músico protestante não necessitava do reconhecimento de sua produção? Ora, foi
percebendo também a demanda dos jovens protestantes que Hernandes conseguiu oferecer
um produto adequado aos anseios então existentes. Em termos de marketing, ele captou o
nicho mercadológico comum nos campos aqui analisados: o pentecostal, neopentecostal e
protestante histórico.
6.1.2 A demanda do protestantismo histórico: uma análise estratégica
A insatisfação religiosa, na área litúrgica do protestantismo histórico, não se dava apenas
no âmbito do consumo religioso. De fato, uma tensão permanente foi criada no processo de
produção musical cúltica do protestantismo. A produção musical realizada por leigos, que,
no Brasil, corresponde a um duplo aspecto, gera uma possibilidade de articulação das
forças leigas que se opõem à hegemonia da produção religiosa por parte dos clérigos. Estas
forças de oposição caracterizaram-se, no Brasil, em um tipo específico de produtor musical:
o agente musical popular. Como já visto, o campo musical do protestantismo brasileiro
encontra-se dividido entre a música sacra clássica e a música produzida à margem da
hinódia tradicional. Essa bi-polaridade da área musical acentuou as discussões do que podia
ou não ser utilizado como música cúltica. Os músicos eruditos do protestantismo brasileiro,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
243
possuidores de um hábitus musical próprio, sempre se mantiveram em acordo com o
discurso tradicional que afastava as tendências musicais que seguiam a trilha dos corinhos.
A história da produção musical cúltica mostrou-nos a inserção dos estilos musicais mais
populares no culto, mas como resultado da luta de duas esferas musicais distintas. Apesar
de estarem no culto, os cânticos continuavam não agradando, e a produção ainda era
relacionada à desqualificação ou à inadequação para uso cúltico. Portanto, se houve um
espaço cúltico para tal produção, esta ainda era simbolicamente marginalizada, e o que
dominava era uma espécie de tolerância prática permeada pela luta simbólica. Neste
contexto, os agentes musicais sentiam-se desmotivados e confrontados tanto pela
instituição quanto pelos músicos eruditos.
Tal quadro gerava um descontentamento duplo relacionado tanto com a condição da
produção quanto com o tipo de produção. No primeiro caso, o descontentamento era
abrangente e vinculava-se ao descaso da denominação pelo músico. A sua produção,
embora fosse uma produção genuinamente religiosa, não lhe conferia o status de
especialista religioso. Além disso, o não-reconhecimento de sua importância traduziu-se em
anos de despreocupação com o preparo técnico de músicos e com a falta de incentivo ou
ajuda financeira das igrejas para o exercício dessa tarefa cúltica. No entanto, sua presença
sempre foi marcante em toda a história do culto protestante brasileiro. Não podemos deixar
de mencionar os órgãos institucionais das igrejas protestantes que cuidam da produção da
hinódia tradicional. Tais órgãos são antigos na história do protestantismo em solo nacional,
mas tratavam e ainda tratam de uma produção musical específica e não oferecem a
discussão para a produção musical não-oficial.
O segundo ponto de descontentamento do agente musical dos corinhos e cânticos diz
respeito à exclusão do tipo de produção musical que ele realizava. A sua produção foi
rejeitada como produção cúltica e, se, em algum aspecto o músico tradicional e erudito
tinha destaque na comunidade, tal fato não acontecia com os músicos que tocavam e
cantavam os cânticos. Ainda hoje, encontramos o nítido exemplo do que falamos. Em uma
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
244
das igrejas visitadas
68
, o pastor revelou-nos que o grupo de louvor que participara do culto
daquela noite não era bem uma equipe de louvor, mas apenas o grupo da mocidade, que
tocava todo terceiro domingo no culto. Em contrapartida, aquela congregação paga
salários de R$1.500,00 para o pianista e o regente, que são os músicos oficiais da igreja.
A distinção tem raízes históricas e mostra o quanto a produção do chamado momento de
louvor ainda é marginalizada. Ora, se a produção é marginalizada, logo o músico produtor
também o é.
Nesse exemplo, o agente musical em questão reproduz as músicas que não fazem parte do
repertório tradicional. Entretanto, se a condição deste agente já era difícil no protestantismo
tradicional, ainda mais a condição do compositor musical, cuja criatividade era tolhida, e
não tinha direito a discutir ou interferir na "desejada" produção musical do grupo
dominante. Quase sempre, as composições populares, geralmente caracterizadas pelo estilo
pop ou rock balada, eram rejeitadas no momento cúltico. O resultado foi a criação de um
espaço fora da instituição destinado à divulgação e ao consumo de tais produções.
O quadro parece antagônico, porque, novamente, podemos falar sobre o descaso com tal
produção musical, que representa uma ameaça à produção tradicional. O protestantismo
não se mobilizou para entender a nova produção, inserir o músico no contexto cúltico ou
dar-lhe condições musicais melhores. Ou seja, a produção hinódica não-oficial só era
lembrada quando incomodava. Essa condição especial de descaso causou um tipo de
comportamento envolvendo todos os agentes quer fossem clérigos, músicos ou leigos em
geral. Tal situação gerou uma insatisfação religiosa nesse subgrupo de leigos muito bem
percebida por Estevam Hernandes.
Ao conceder ao músico o status de levita
69
, liberdade estilística e possibilidade de
profissionalismo, a Renascer atendeu ao desejo de reconhecimento desse grupo. Na
realidade, o reconhecimento aconteceu tanto dentro quanto fora da igreja. No primeiro
68
Entrevista realizada após a observação do culto, em junho de 2006. O pastor não permitiu que a igreja fosse
identificada.
69
O termo levita é usado, no Antigo Testamento, para referir-se a uma tribo de Israel, a Tribo de Levi, cujos
homens, a partir de certa idade, eram destinados e separados para todo tipo de serviço no Templo. Dentre os
variados serviços, encontrava-se a música. O termo começou a ser explorado no meio neopentecostal e
confere ao músico a mesma atribuição de 'separado' para o serviço. Trata-se, portanto, de um grupo com
função específica dentro da igreja estabelecida segundo critérios teológicos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
245
nível, mesmo com liberdade estilística, o músico ainda está a serviço dos especialistas que
buscam sempre oferecer o produto adequado à demanda. Todavia, mesmo assim, o músico
ganhou uma posição privilegiada no culto. Nas igrejas neopentecostais, os líderes das
equipes recebem o nome de ministros de louvor ou adoradores e são responsáveis por
grande parte do culto. Assim, não apenas os compositores ganharam prestígio, mas os
agentes musicais que reproduzem as mais variadas canções de louvor puderam ter um lugar
de destaque na liturgia. O que aconteceu nos cultos neopentecostais teve repercussão no
mercado, e o estilo gospel de adoração acabou reproduzindo-se em vários DVDs e CDs e já
representa uma grande fatia do consumo evangélico. Embora as igrejas protestantes ainda
estejam em negociação com o que o mercado oferece, o fator preponderante é a
importância atribuída ao louvor, e, em conseqüência, aos músicos responsáveis por esse
momento. Mesmo que não exista um reconhecimento interno na igreja, há uma força de
mercado atestando a importância do louvor.
Já fora do espaço cúltico, os compositores têm a possibilidade de crescimento profissional
que lhes confere um reconhecimento direto do público sem intermediação dos especialistas
das igrejas. Eles se tornam verdadeiras estrelas da música gospel. Tal fato é notado nos
grandes eventos de gravação e lançamento de CDs e shows, realizados por todo o país, que
atraem o público jovem de várias denominações protestantes históricas, pentecostais e
neopentecostais, cuja motivação é o grupo musical que se apresenta, ficando a igreja de tal
grupo em segundo plano ou, até mesmo, incógnita. Pode-se interagir nessa lógica e apontar
a submissão do músico às condições do mercado. Sem dúvida, ele está ligado a esse fato.
Todavia, a discussão que estabelecemos aqui é a insatisfação religiosa do músico leigo, que
não via no campo o reconhecimento de seu trabalho. Portanto, nesse sentido, o mercado
atraiu e atrai tais músicos que não conseguiram projeção dentro de sua igreja ou
denominação e lhes confere tal possibilidade. O sucesso ou não depende de sua interação
com o público, e aí, sem dúvida, o mercado faz a mediação.
O reconhecimento da condição do músico foi um fator significativo, na estratégia da
Renascer, para a formação do mercado de música gospel. Nas revistas especializadas, é
possível localizarmos muitas declarações de músicos que atestam essa afirmação.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
246
Reproduziremos abaixo o que Simion (Foffu, 1999:26), ex integrante do Katsbarnéa, falou
sobre o assunto:
A música gospel cresceu de uma forma impressionante. Atualmente, são
tantas gravadoras, rádios, a mídia cresceu, e isso é muito bom. Os músicos
estão mais bem preparados e viajam por todo o Brasil. Hoje, o músico se
profissionalizou e apresenta um trabalho de qualidade (...) O músico
gospel tem que ganhar, porque a quem honra, honra, e o dinheiro que a
gente ganha ajuda na compra de melhores equipamentos, ajuda a fazer
produções mais bem cuidadas e, conseqüentemente, shows e discos
melhores para o público.
O outro subgrupo de leigos que a Renascer analisou foi o dos jovens, e, neste grupo, dois
nichos mercadológicos foram explorados: a insatisfação litúrgico-musical e a insatisfação
do discurso que separava a cultura do mundo da igreja. Neste último, o ponto crucial para
entender o descontentamento é o fator social. Seguindo a tendência de visibilidade social e
abandono da atitude ascética e contracultural das igrejas neopentecostais, o jovem cristão
buscou, na música gospel, uma interação com o mundo secular. Tal necessidade de inserção
social, aliada ao desejo de sentir-se pertencente a algum tipo de grupo social, foi
proporcionada pela música gospel, que pode, assim, satisfazer os desejos dos jovens.
O protestantismo tradicional, que mantinha o discurso segundo o qual a igreja estava em
oposição ao mundo, conseguiu, por um período de tempo, que esse hábitus fosse
incorporado sem resistência. Não podemos atribuir apenas ao campo protestante a
incorporação desse comportamento, porque isso se deu por condições culturais específicas
hoje superadas. A juventude atual vive em um mundo marcado pelas novas tecnologias nos
meios de comunicação, dos quais emerge uma cultura de massa popular. A convivência
social passou a depender do acesso a estes novos meios de comunicação. Assim, o discurso
do protestantismo tradicional, de afastamento das coisas do mundo secular, tornou inviável
a socialização do jovem com os diversos grupos sociais nos quais está inserido.
Logo, o jovem passou a ter uma prática social esquizofrênica caracterizada por um tipo de
comportamento na igreja e outro fora dela. Quando os jovens, articulados entre si, iam a
lugares com programações próprias para sua faixa etária, ouviam aquilo que lhes era
proibido na igreja. Tal hiato entre o que era vivenciado no cotidiano e o que a igreja
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
247
permitia vivenciar já é antigo, mas se acentuou demasiadamente nos anos 90. O discurso do
isolacionismo cultural do protestantismo histórico criou este distanciamento, que ficou
maior devido às novas condições de comunicação do mundo contemporâneo.
O jovem está inserido na cultura local, recebe novas informações a cada minuto, está
conectado nos sites de relacionamento, canais de bate-papo e todo tipo de interação
comunicativa do momento. A cultura massiva, veiculada pelos novos meios de
comunicação, é a principal fonte de informação. Segundo Roxana Morduchowicz (2003,
p.12) a televisão, o cinema, a música, o rádio e as novas tecnologias afetam e influenciam
sobre a maneira em que os jovens percebem a realidade e interagem com o mundo.
Morduchowicz (2003, pp. 29, 30) descreveu a ligação que existe atualmente entre a cultura
jovem e a cultura popular, mostrando que o jovem configura-se como tal a partir do contato
com a cultura popular, a freqüência em determinados lugares, o consumo e o acesso a bens
simbólicos e culturais considerados típicos da idade. É como se a identidade fosse
construída a partir de sua relação com a cultura popular. Nesse sentido, Giroux (1996)
propõe exatamente a construção da identidade juvenil nos espaços da cultura popular,
porque são nestes espaços que acontecem as relações com outros da mesma idade. O jovem
tem, portanto, ligação direta com a cultura popular.
Nesta relação de identificação, o jovem desempenha o que Morduchowicz (2003, p. 30)
chamou de visibilidade como ator social. O capital cultural que um jovem tem é
importante para que o mesmo defina suas possibilidades de atuação dentro do ambiente
social. Este capital cultural é medido conforme o consumo de bens simbólicos e culturais.
O consumo abrange desde o usufruir das possibilidades que as novas tecnologias oferecem,
a participação em eventos específicos ou a compra de roupas e músicas da moda. Em outras
palavras, o consumo de capital cultural revela a aquisição de bens tangíveis e intangíveis
os últimos encontram na música um grande aliado para a construção de uma identidade
grupal. As tribos musicais oferecem o exemplo dessa afirmação.
Bernard Rosenberg e David White (1975, pp. 474, 475) também mostraram a relação da
identificação do jovem com a música popular, sendo o seu consumo uma ação que lhe
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
248
permite identificar-se com algum grupo social de sua idade. O adolescente e o jovem têm
duas atitudes distintas em relação ao tipo de música que lhes é oferecida:
... uma de maioria, que aceita a imagem adulta com pouco ou nenhum
espírito crítico, e outra minoria, em que o encapsulados temas
socialmente rebeldes. (...) a maioria dos adolescentes que constitui a
categoria majoritária tem um gosto não discriminativo pela música
popular; raras vezes expressam eles preferências bem articuladas. Formam
o público das maiores estações de rádio, das orquestras 'de nome', dos
cantores famosos, da parada de sucesso, e assim por diante. As funções da
música para esse grupo são sociais - a música lhes proporciona assunto
para falar ou brincar com os amigos; uma oportunidade para espírito de
competição na avaliação das melodias que se tornaram sucessos,
acompanhada de uma falta de interesse pela maneira de como realmente
são feitos os sucessos; uma oportunidade de identificação com os cantores
famosos ou dirigentes de orquestras como 'personalidades', com diminuto
interesse do próprio meio do rádio.
Estando a cultura vinculada cada vez mais à comunicação, a tensão no campo protestante
aumentava segundo o desenvolvimento dos meios de comunicação. Captada por Estevam
Hernandes, tal questão foi resolvida, porque o gospel proporcionou a liberação psicológica
para o consumo de bens simbólicos e culturais, que, embora idênticos aos estilos seculares,
mantinham o discurso religioso. Não o consumo, no sentido puramente comercial de
comprar CDs, mas também a participação nos shows e diversos espetáculos gospel,
inseriram o jovem na cultura secular, possibilitando a identificação do mesmo com tribos
urbanas sem tirar-lhes o aspecto da religiosidade. Esta possibilidade ocorre por meio do
entretenimento proporcionado pelo mercado de música gospel. Da mesma forma que o
mercado deu ao músico a oportunidade de profissionalização, ofereceu ao jovem a
possibilidade de entretenimento social, o entretenimento gospel. A insatisfação religiosa
dos jovens fazia-se presente, porque, além de não poderem freqüentar lugares comuns a
outros da mesma faixa etária como bares, danceterias e shows, as igrejas protestantes não
lhes ofereciam opções de entretenimento que proporcionasse essa aquisição cultural.
O entretenimento gospel assume, então, formas semelhantes ao entretenimento secular. Não
se percebe mais visualmente quem é ou não crente, fato muitíssimo comentado e atacado
pelo discurso oficial das igrejas tradicionais. A gritaria na espera por determinadas bandas
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
249
assemelha-se ao estado de euforia de fãs. Tudo isso, no entanto, debaixo do grande guarda-
chuva gospel, torna-se permitido e até incentivado.
Entretanto, a insatisfação dos jovens não se referia apenas ao aspecto social, mas também
era litúrgica, embora as demandas reprimidas nessa área estejam diretamente relacionadas à
cultura. Já constatamos que a insatisfação religiosa dava-se na proibição do tipo de música
ligada aos gêneros populares como cântico congregacional. Assim, na igreja, o jovem era
obrigado a cantar aquilo de que não gostava e proibido de cantar algo que lhe fosse
agradável e culturalmente acessível. A principal estratégia da Renascer em Cristo foi
colocar esta música, que sempre foi produzida à margem da hinódia oficial, como central e
oficial em sua liturgia. Dessa forma, o culto da Renascer adotou completamente o estilo da
música popular ao mesmo tempo em que renunciou a antiga e tradicional hinódia
protestante, criando, assim, um novo produto litúrgico. Porém, a grande estratégia não foi
criar um produto litúrgico para o culto, mas sim um produto litúrgico para o mercado.
A música para louvor, ou, como podemos chamar, o canto congregacional, era reproduzida
em lugares específicos, reuniões que atraíam jovens de rias denominações. No entanto,
detectando um público consumidor desse gênero, a Renascer ampliou o espaço do louvor,
colocando-o no mercado. Não havia como tal tipo de música não ser consumido, uma vez
que, há décadas, a produção de cânticos de louvor era prestigiada por jovens de todas as
denominações protestantes do país. As demandas que estavam associadas à liberação
corporal, como bater palmas e mexer o corpo ritmadamente, à busca da emocionalidade e à
variação de estilos musicais foram amplamente atendidas em cultos neopentecostais que,
hoje, valem-se do estilo gospel. Mas uma diferença primordial é que, agora, os diversos
CDs e DVDs de louvor e adoração permitem que a expressão religiosa seja liberada
totalmente das instâncias de controle que existem no culto.
Tanto na variação de estilos musicais quanto na busca da emoção, encontramos uma
ligação bem nítida com a música popular. O distanciamento entre o gospel e a hinódia
oficial aumentava devido ao grande acesso dos jovens aos novos estilos musicais, cada vez
mais híbridos, fruto de uma cultura globalizada (Hall, 2003). Neste mundo de grande
profusão de culturas híbridas, o purismo da identidade musical tradicional já não
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
250
conseguia sustentar a fidelidade à tradição. A igreja passou a ser semelhante a um museu,
estranha ao jovem, aos seus sentidos treinados pelos novos meios de comunicação. O que
poderia significar cantar uma produção hinódica do século 19? Qual a identificação que o
jovem atual poderia ter com aquela produção musical? As infindáveis possibilidades de
combinação melódicas e rítmicas, as sintetizações de sons e os novos recursos de
instrumentos e aparelhagens tornaram os hinos tradicionais, acompanhados com órgão ou
piano, desprovidos de significado para as novas gerações. Nesse aspecto, o protestantismo
brasileiro permaneceu no passado, enquanto a sua juventude acompanhou as evoluções
tecnológicas e culturais da sociedade em que vive.
No entanto, é preciso evitar uma discussão pejorativa do gosto musical do jovem
evangélico brasileiro. O fato evidente do consumo de uma música comercial é notório, mas
a discussão dos caminhos da cultura musical brasileira necessita de um espaço próprio. O
fato é que o mercado de música gospel encontrou demandas religiosas e sociais nos meios
tradicionais. Abriu-se, por conseguinte, uma infinidade de subgrupos musicais para atender
aos mais variados subgrupos de jovens evangélicos que, até essa ocasião, não tinham a
possibilidade de aliarem religiosidade a gosto musical. As várias tendências musicais
revelam diversas identificações dos jovens evangélicos com grupos sociais específicos.
As considerações levantadas até o presente momento mostram que as demandas do
protestantismo histórico contribuíram, em grande medida, para a formação do mercado de
música gospel no Brasil mercado que, por sua vez, mesmo tendo uma demanda de jovens
tradicionais, ainda é repudiado pela maioria das igrejas protestantes históricas, que
enxergam o consumo de música gospel como mero fenômeno de consumismo materialista.
Entretanto, as motivações para o consumo não são puramente materialistas, mas, ao
contrário, revelam uma demanda religiosa cujas raízes podem ser encontradas no início da
inserção do culto protestante em nosso país. Naquele momento, as circunstâncias eram
totalmente diferentes, mas, com o passar do tempo, a tradição não liberou a produção
musical, que continuou idealizada pelas mesmas condições iniciais já não mais existentes.
Percebendo tais demandas, Estevam Hernandes, com a habilidade de um especialista em
marketing, conseguiu atrair um público fiel para consumir o novo produto lançado no
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
251
mercado. Contudo, apesar da grande contribuição da Renascer, o mercado ganhou dinâmica
própria e acabou deslocando-se da igreja tanto que os lançamentos de música gospel por
parte da Renascer representam hoje apenas uma pequena fatia do que movimenta um
gigantesco mercado fonográfico da música evangélica.
6.2 Um olhar sobre o mercado de música gospel atual
A concorrência com o mercado secular ainda não aconteceu da mesma forma que nos
EUA, mas a formação de um público segmentado e cada vez mais fiel é facilmente
comprovada por meio da análise do crescimento do mercado. Há rádios evangélicas para
todos os gostos e faixas etárias. Podemos citar, por exemplo, a diferença de programações e
estilos musicais entre a Rádio Cidade Gospel e a Rádio Aleluia. Na primeira, os jargões
estão voltados para as gírias seculares dos jovens, e o estilos musical predominante é o Hip-
Hop. Já na Rádio Aleluia, a linguagem é mais restrita ao meio evangélico, e os estilos
musicais mais tocados são os regionais. Do mesmo modo, as gravadoras se diferenciam
pelos produtos musicais que colocam no mercado, e as mais famosas, como a MK, a
Gospel Records e a Line Records, fazem sucesso nas vendas com os principais artistas
gospel do momento.
Se as estrelas do mundo gospel ainda podem ser pontuadas, assim como se dá no mercado
fonográfico secular, já não mais como pontuar o número de músicos e bandas que
surgem a cada momento no mercado. Há público para todos os gostos musicais, e muitos
buscam o sonho de sair do anonimato para a projeção da vida artística. Repete-se no campo
do mercado religioso o que acontece no mercado secular. A facilidade para alugar um
estúdio e gravar o próprio CD favorece o crescimento das produções autônomas.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
252
Os novos meios de comunicação foram rapidamente absorvidos pelo mercado e são um
eficiente canal de distribuição das produções musicais. Em uma busca pela internet, dentre
os sites que disponibilizam cifras musicais, o gospel é colocado como um dos muitos
estilos musicais. Atendendo pela chamada gospel, é possível encontrar sites que
oferecem serviços desde cifras musicais, estudos na área de louvor e bares para
confraternização. Nos sites, quase todas as bandas mais famosas têm disponibilizado as
letras e cifras de suas composições e o histórico do grupo. Até grupos antigos no cenário
religioso protestante, como os Vencedores por Cristo, estão em sintonia com os novos
meios de informação e utilizam-se da estratégia online para divulgação de CDs e
apresentações
70
. Por e-mail, é possível receber os anúncios das gravadoras mostrando os
últimos lançamentos em CD. O mercado acompanha todas as tendências e expande-se por
meios eficazes de comunicação.
Nada falta, nem mesmo as famosas premiações. Por exemplo, o Troféu Talento é o prêmio
da categoria gospel que, anualmente, divulga, pela mídia especializada, a lista das
principais bandas e solistas do mundo da música gospel nacional. Isso indica que o
mercado de música gospel criou regras próprias, assimilando o modelo secular.
Ilustração 2 - Cartaz 10º Troféu Talento (imagem retirada da página
http://a248.e.akamai.net/f/248/9021/1d/www.shoptime.com.br/imagens/produtos/165/166218.jpg)
70
Site: www.vencedoresporcristo.com.br
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
253
6.2.1 Os estilos musicais do mercado
Quais são, no entanto, as tendências musicais do mercado? Visto a expansão do fenômeno,
torna-se impossível resumir as várias tendências teológicas e estilísticas da música gospel.
As bandas atuais tratam dos mais variados assuntos. Os enfoques são diversos, seguindo,
geralmente, a tendência poética do gênero musical secular. Ou seja, se o estilo sertanejo
fala de amor, a estrutura musical costuma ser usada para falar apaixonadamente do amor
por Jesus ou vice-versa. O funk, que fomenta violência, fala da paz encontrada em Jesus e
assim por diante. Sem dúvida, é um modo eficiente de incorporar o estereótipo dos vários
estilos populares e conseguir relacionar os temas seculares com o discurso do evangelho.
Há, também, estilos musicais mais contextualizados, mas, embora já haja referencial para
problemas sociais como fome, violência, drogas, política, etc., a saída para tais condições é
colocada apenas em Jesus Cristo. Desse modo, as letras, que se iniciam com um discurso
aparentemente engajado, terminam com uma solução quase mágica: a intervenção de Jesus
Cristo. De forma geral, há um grande enfoque na subjetividade pessoal e na experiência
individual com Cristo. Enquanto as músicas mais engajadas são tocadas em estilos musicais
como rock dos anos 70, rock atual, funk e rap, o estilo sertanejo-romântico, a balada e o
pop rock tratam de assuntos mais subjetivos.
Outro estilo musical que seguiu a trilha dos roqueiros dos anos 70 e 80 é o underground,
consumido por um público bem específico que engloba as diferentes tribos musicais
urbanas. Shows em lugares menores e comunidades para este público são freqüentados
assiduamente, e até mesmo tribos inimigas convivem. Vestidos de negros, tatuados, cheios
de piercings pelo corpo e com os cabelos que distinguem a tribo cabeludos, carecas,
pontiagudos , os jovens evangélicos assumem sua identidade musical e liberam-se
totalmente no consumo desse estilo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
254
Ilustração 3 - CD Sepultura da Banda Skymetal
Até mesmo o público infantil tem um produto específico. Este segmento de mercado
despertou quase todas as gravadoras para uma produção específica de CDs e DVDs. As
produções abrangem uma faixa etária que vai desde os mais pequeninos até os mais
juvenis, e artistas de todos os níveis estão produzindo para este público. Alguns, como
Mara Maravilha, que já trabalhava secularmente com este segmento, entraram no mercado
gospel com uma produção específica dirigida ao público infantil enquanto outros, como,
por exemplo, Ana Paula Valadão, cuja produção encontra-se no segmento de louvor,
expandiram suas possibilidades e também começaram a produzir para tal audiência. As
músicas não inovaram em nada os já conhecidos estilos seculares, e toda a forma de
apresentação contida nos DVDs segue um modelo tradicional que faz sucesso entre o
público infantil. A confiança em um Pai amoroso e a certeza de um amigo que sempre está
por perto Jesus , são temas comuns. As histórias bíblicas são reproduzidas, só que, ao
invés do antigo modelo evangélico, agora são encenadas com coreografias, danças e muito
movimento.
Ilustração 4 - exemplo de CDs infantis
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
255
Exemplificar tudo o que se tem no mercado é impossível dada a enorme quantidade e
diversidade de bandas e solistas em todo o país. Descrever as tendências, de forma a não
deixar algum gênero musical esquecido, também é uma tarefa impossível. No entanto, a
abrangência do mercado pode ser percebida com mais clareza quando comparamos gêneros
musicais completamente diferentes um do outro. Todos os exemplos aqui apontados, de
forma bem generalizada, apenas mostram a variedade de possibilidades que o mercado
oferece. Em outras palavras, há produtos específicos para públicos específicos, e isso inclui
diferenças culturais, religiosas e sociais. Até o momento, as produções musicais a que nos
referimos estão no que denominamos gênero do entretenimento. Este gênero pode ser
comparado ao que, nos anos 70, era conhecido como música para evangelismo. Não
dúvida de que ela pode mesmo cumprir este papel visto que os ritmos são seculares e
atraem o consumidor não evangélico. Entretanto, não como falar em evangelismo se o
que encontramos são jovens evangélicos que consomem os CDs e os shows. Mesmo em
espaços onde existe uma curta pregação visando à conversão por exemplo, em reuniões
de tribos underground , o consumo evangélico comprova que o que é uma produção
para os já convertidos.
Ao compararmos todos os estilos musicais, encontramos a similaridade com o secular.
Assim, tal como neste meio, o tipo de mensagem se acha vinculado ao estilo musical. Por
isso, achamos conveniente a análise de alguns gêneros bem distintos e atuantes no mercado
gospel. Para exemplificar o descrito, selecionamos canções dos estilos especificados.
A música que descrevemos a seguir é de autoria do compositor da banda Apocalipse 16,
grupo de rap formado em 1996. O nome Apocalipse 16 foi a maneira mais direta de mostrar
as tendências das letras, que falam sobre o fim do mundo, a decadência humana, o
julgamento perante as obras e a misericórdia de Deus, que pode ser a última chance de
salvação. Os jargões, as concordâncias erradas e o estilo de improvisação do rap foram
integralmente mantidos. O Apocalipse 16 toca em bailes de rap seculares e já gravou dois
CDs gospel.
Ho! Ho! Ho! Tô na paz do Senhor
Letra e música: Pregador Lou
Gênero entretenimento: rap
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
256
Eu tenho um plano morô
Eu tô na paz do Senhor. Manda bala !
Há! Há! ... Há! Há!
Oh! Oh! Fiquem firmes (4x)
Ho! Ho! Ho! Eu tô na paz do Senhor (4x)
Vou acenando a mão, a paz do Senhor (3x)
A paz do Senhor, paz do Senhor
Meu verso é eficaz para desfazer as obras do perverso
Meu incentivo é que você vá para o caminho inverso
Eu te peço ame a si próprio
Eu te peço ame ao seu próximo
Aí é que o negócio é de irmão pra irmão
E não tem vacilação
Mesmo com uma pá de problema
Digo que a vida pode ser bela
A paz não é um sonho ao qual ele deixa de sonhar com ela
Construa-a com suas próprias mãos
Ô meu nego, a sua liberdade custa o sangue de outras mãos
Mas ainda hoje tem uns maluco que deixa brecha
Não escutam o que eu falo
E volta a ser escravos, há!
Roubam bancos, roubam carros
E o castigo pro furto é duro
Mas que Deus possa aliviá-los e guiá-los
No caminho para a nova Jerusalém
Só assim encontrarão a verdadeira paz, amém.
Amém! Amém!(...)
Gravada no oitavo CD do Renascer Praise, inserimos esta música nesses exemplos
exatamente para mostrar a diversidade estilística e a relação do estilo musical com a poética
evangélica. O estilo poético do sertanejo romântico pode ser notado na linguagem, quase
erótica, e extremamente romântica. Trata-se de uma canção de amor para Jesus.
Eu amo te amar
Letra: Sônia Hernandes / Marcelo Aguiar
Música: Marcelo Aguiar / Esdras Gallo
Sertanejo-romântico
Eu não conheço o teu rosto
Mas te reconheço em todo lugar
Nunca toquei em tuas vestes
Mas sinto o teu perfume no ar
Não sei como é a tua voz
Mas o som dela me guia
Eu não consigo viver sem você
Na minha vida
Que amor é esse
Que se move dentro de mim
Me alcançou com perdão
Intensamente me atraiu
Impossível estar distante
Desse amor que me cerca
Eu amo, eu amo, te amar Senhor
Eu amo, eu amo, eu amo, te amar Senhor
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
257
O próximo exemplo é de um estilo de rock pesado, o heavy metal. A banda Skymetal tem
o aspecto de qualquer banda secular do gênero. As letras revelam a realidade dos roqueiros
viciados e que são tratados como perdidos no mundo. Os termos usados para mostrar tal
realidade são densos, como vida maligna, podridão, maldição e sepultura, e a
alusão ao inferno é constante.
Sepultura
Letra: Lúcio Rodrigues
Música: Luiz Rodriguez e Rafael Daher
Mortos, insanos, corrompidos,
Sua alma foi entregue a satã.
Destinado a sofrer na morte eterna,
Insuportável será o seu fim.
Destruídos serão todos aqueles
Que servem a um deus de imundícia
Causador da dor da humanidade,
Condenado eternamente ao inferno
Sepultura (4x)
Cova aberta, a sepultura te espera,
Pois é onde começa toda dor,
Se arrependa dessa vida de pecado
E se entregue ao único Senhor
O último exemplo faz parte do gênero infantil. A música escolhida é do ministério Diante
do Trono, que lançou no mercado materiais escolares e brinquedos dos personagens da
Turminha Diante do Trono. Entre as animações dos personagens com Ana Paula Valadão,
as músicas são apresentadas sempre com crianças dançando e fazendo backing vocal. Este
exemplo é de um alegre rap, com crianças diferentes fazendo solo em cada estrofe.
Inimigo do mal
Letra: Ana Paula Valadão
Eu sou amigo de Deus, sou inimigo do mal
Eu sou amigo de Deus!
Refrão:
Um amigo de Deus é inimigo do mal
Um amido de Deus é um vencedor
Um amigo de Deus é inimigo do mal
Eu sou amigo de Deus!
Estrofes:
Pra ser amigo de Deus preciso abandonar
As coisas feias desse mundo que me fazem pecar.
Eu vou lutar e me esforçar e não vou desistir,
Eu sei que o Senhor vai me ajudar a resistir.
O inimigo de mansinho tenta enganar
Não seja bobo você tem que vigiar
Nas brincadeiras, vídeo-games, em qualquer
canção,
Fique atento, se levante e diga não!
E você colega preste bem atenção,
Não de bobeira na frente da televisão.
O que não vale é bicho feio pra assustar você,
Escolha bem o que você assiste na TV!
Não quero em nada me minha vida que me faça
pecar,
De meu Jesus eu não quero me afastar.
Eu sei que Ele perdoa toda vez que eu erro,
Mas não quero me esquecer, eu quero alegrar!
E a mentira? Ta por fora!
E a inveja? Ta por fora!
E a violência? Ta por fora!
E o palavrão? Ta pos fora!
E a desobediência? Ta por fora!
E todo mal? Ta por fora!
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
258
As variedades de estilos não se esgotam. Por tal motivo, o mercado só tende a crescer. Cada
vez que estilos seculares fazem sucesso, o mercado pode dentro dos limites do tolerado
pelo evangélico apropriar-se dos mesmos e produzir para o próprio público, que está
acostumando-se a consumir seus gostos atrelados à sua visão religiosa do mundo.
6.2.2 Outros segmentos do mercado
Como vimos, o mercado de música gospel pode ser entendido como um espaço de difusão
da música gospel, com tudo o que pode ser proporcionado por esse bem, fora dos âmbitos
institucionais. Contra essa idéia, pode-se argumentar, e com toda razão, que as instituições
religiosas, sobretudo as neopentecostais, valem-se muito do mercado para propagação de
seus bens, e que, portanto, o mercado lhes serve. Nesse caso, o mercado de música gospel
serviria mais como propagação de bens institucionais do que autonomia em relação às
instituições religiosas. Acreditamos que as duas possibilidades não são excludentes, e que o
mercado proporciona, ao mesmo tempo, uma autonomia da instituição, porque põe à
disposição do fiel vários produtos que não são oferecidos por sua igreja e um serviço às
instituições, que podem utilizá-lo a fim de propagar sua produção.
A última idéia revela a existência de uma situação de pluralismo e, consequentemente,
concorrência religiosa. As instituições religiosas travam uma verdadeira batalha no âmbito
das produções simbólicas, lançando os mais variados produtos, com a intenção de atrair os
fiéis. Porém, ao procederem dessa forma, criam a possibilidade de que seus produtos se
desvinculem das instituições que os produziram.
Por isso, cada vez mais, o mercado gospel está convivendo com profissionais não
evangélicos, que perceberam a fidelidade do público, desejoso de encontrar um produto
que o identifique como evangélico. Muito há de revelador nesta constatação, pois o que
vemos é um novo comportamento do campo evangélico buscando uma infinidade de bens
simbólicos que lhe possibilitem uma identificação com a religiosidade. Por tal motivo, o
fenômeno do mercado de bens religiosos não se restringe à música gospel embora o
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
259
comércio deste produto tenha proporcionado uma expansão mercadológica de outros
produtos. O mesmo processo de sair das paredes da igreja e ir para o mercado secular
ocorrido com a música, acontece agora com uma gama variada de produtos que, antes,
encontravam seus meios de distribuição nos salões das igrejas ou em reuniões específicas.
As livrarias foram as pioneiras na distribuição de produtos especificamente evangélicos
fora dos templos e circuitos nitidamente religiosos. Contudo, os meios de divulgação eram
restritos ao campo religioso, e não havia ainda um mercado de bens religiosos tal como
hoje encontramos. Os livros, assim como a música, eram produtos que tinham um objetivo
religioso: capacitar, preparar ou consolar a vida do fiel. Entretanto, o consumo de produtos
evangélicos ampliou-se, não existindo mais a necessidade de uma função religiosa para que
o produto seja adquirido. A inserção cultural proporcionada pelo novo comportamento do
neopentecostal acentuou a procura por bens simbólicos que permitem a identificação
religiosa incorporada com a cultura secular. Este fato pode ser constatado com a Expo
Cristã A Feira do Consumidor Cristão, realizada anualmente desde 2001, com a
exposição de uma gama de produtos destinados aos evangélicos.
A Expo Cristã revela uma nova relação do consumo religioso, que tal como na música
gospel, baseia-se muito mais na relação direta produto-consumidor do que na relação
igreja-leigo. Esse quadro tem assustado os mais conservadores, que encontram apenas uma
explicação, verdadeira mas reducionista, do lucro que o mercado proporciona. De fato, não
há como não pensar no giro de capital que uma feira realizada em pavilhões do Anhembi
na cidade de São Paulo pode proporcionar. O espaço escolhido, um dos mais usados por
expositores da área comercial, mostra a força lucrativa e rentável que os produtos religiosos
podem oferecer. Utilizando-se de espaços e lógicas comerciais seculares, toda espécie de
serviço e bem religioso é oferecida, desvinculando-se da distribuição restrita da instituição
religiosa e possibilitando uma relação totalmente pacífica com comerciantes de outros bens
não religiosos.
Os bottoms, camisetas, bonés e pulseiras que estampam a fé em Jesus Cristo estão expostos
junto com revistas e jornais especializados, confecções e editoras. Sem dúvida, o número de
stands da feira é majoritariamente de gravadoras, rádios e distribuidoras musicais, mas se
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
260
encontram até perfumes ungidos e degustação de vinho para a Santa Ceia ou Eucaristia.
Além do aquecimento interno do mercado evangélico, o produto evangélico passa a ser
confeccionado e distribuído por agências não evangélicas. Na Feira de 2005
71
, constatamos
editoras, livrarias e confecções seculares que trabalham com o segmento gospel como uma
linha de produtos específicos. Pode ser esse o caminho sonhado com a concorrência
secular? De qualquer forma, tal situação denota que o consumo dos produtos
evangélicos/gospel já foi sendo percebido pelo mercado secular como uma fatia lucrativa.
O Jornal Viver Cristão (2004), anunciava a 3ª Expo Cristã na primeira página, trazendo a
chamada: Mercado Abençoado: Evangélicos movimentam 500 milhões por ano e são
responsáveis pela geração de mais de um milhão de empregos. Na reportagem de capa, o
jornal anuncia um público esperado de 70 mil pessoas para aquele ano e mostra como o
investimento no segmento evangélico passa a ser um negócio lucrativo:
Mesmo em tempo de recessão, o mercado é uma fatia da economia
brasileira que não pára de crescer. o povo cristão totaliza 30 milhões
de pessoas, que movimentam por ano 500 milhões de reais. Sem falar que
em todo o país existem mais de 150 mil templos, a maioria deles com
livrarias anexas. (...) Diante dessa realidade, o mercado cristão
caracteriza-se por um público fiel e constante, e os produtos destinados ao
mercado estão cada vez mais em alta. Atendendo a diferentes gostos e
estilos, são oportunidades de bons negócios para convertidos e
interessados no segmento
72
.
Os evangélicos estão cada vez mais satisfeitos com as novas oportunidades oferecidas pelo
mercado, que possibilita o acesso com mais facilidade aos bens religiosos. Os interessados
no segmento percebem que a religião pode ser incorporada aos negócios e que lhe oferece
um público fiel e constante. A lógica mercadológica está fechada, e os bens religiosos
escapam das mãos dos produtores oficiais, porque os mesmos já não detêm a exclusividade
de sua produção e circulação.
Embora não haja como negar o aspecto comercial que perpassa todo o mercado, o consumo
não se realiza apenas por uma questão materialista, mas, ao contrário, existe uma motivação
71
Trabalho de campo realizado no local.
72
Jornal Viver Cristão, setembro de 2004 ano I- n.8, p.4.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
261
religiosa em adquirir tais bens. Perguntando a uma jovem senhora da IPB
73
sobre o que
achava da Expo Cristã, a resposta foi taxativa: Graças a Deus temos um lugar onde
podemos comparar aquilo que é do agrado de Deus e que vai edificar nossos filhos. A
jovem fazia referência aos produtos da Turminha Diante do Trono e estava comprando
cadernos com a capa dos personagens da Turminha para a filha de 10 anos. Continuou sua
fala: Veja a bênção: minha filha não precisa ir à escola com cadernos com aquelas
modelos de mini-saia e blusinhas decotadas e apertadinhas ou com a turma da
Rebelde
74
.
Assim, podemos separar blocos de produtos
75
que se destinam a públicos e a motivações de
consumo distintas. Há os produtos específicos para as igrejas relacionados com o serviço ou
o espaço físico produtos como bancos, cadeiras de vários modelos, púlpitos, togas para
corais e assim por diante. Além destes, o oferecimento de objetos judaicos para adornarem
as igrejas é uma tendência de mercado associada a determinadas igrejas neopentecostais e a
novos estilos de louvor.
Todo tipo de serviço para a realização de eventos e produções, tais como arranjadores, artes
gráficas, assessoria de imprensa e fonográfica, barracas e coberturas para apresentações,
brindes, bufês, distribuidoras, duplicadores de CDs, efeitos especiais, espaços para shows,
estúdios, filmagens, fotografia, geradores, instrumentos musicais, luz e som, marcas e
patentes, masterização, móveis para camarins, palcos, produção de vídeo, produção visual,
segurança, técnico de som, telões, transporte terrestre e aéreo, trios elétricos, web design,
workshop, montagem de sites e outros, é oferecido nos vários stands espalhados nos
corredores.
73
O depoimento foi realizado no stand do Ministério Diante do Trono, em 16 de setembro de 2006, na 5ª
Expo Cristã. A depoente foi membro da Renascer em Cristo e, no momento, freqüentava a igreja IP Jardins,
em São Paulo.
74
Novela mexicana transmitida pela rede SBTno ano de 2006.
75
Criamos essa separação de produtos com base nas três feiras consecutivas que visitamos desde 2004.
Trouxemos, neste trabalho, os exemplos encontrados na mais recente feira de que participamos, a 5ª Expo
Cristã, realizada de 12 a 17 de setembro nos pavilhões branco, verde e vermelho do Expo Center Norte.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
262
Ilustração 5 - Bandeirantes fono gráfica - duplicação de CDs Fotos da 5ª Expo Cristã
Outro tipo de serviços, voltado especificamente para os líderes das igrejas é outra tendência
de mercado. Nessa categoria, encontramos: serviços na área de música, desde arranjos até
cursos de adoração; cursos para ministérios específicos, como de evangelismo, infantil e
dança; aluguel de espaços com infra-estrutura para congressos e acampamento; realização
de congressos por organizações paraeclesiásticas e seminários teológicos com o foco de
discussão na área de ensino e seminários e conferências visando à capacitação de líderes e
pastores. Este último foi o destaque da Expo Cristã. A capa da Revista Igreja mostra que
o mercado está investindo em uma mídia que aposta no lado empresarial e administrativo
dos pastores. A chamada da capa diz: com motivação: Cada vez mais líderes
participam de seminários e conferências de treinamento. Completando a chamada:
demanda por eficiência aumenta sem parar; pregadores usam recursos motivacionais;
ministérios especializam-se em treinamento. Parece-nos que o mercado assumiu, sem
reservas, a concorrência institucional religiosa e oferece estratégias empresariais para as
igrejas.
Ilustração 6 - Foto do stand da Oficina de Evangelização na 5ª Expo Cristã
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
263
O outro bloco contém produtos que não têm especificidade religiosa, mas criam os laços de
identificação evangélica. São produtos que apenas inserem o rótulo de gospel ou evangélico
e são oferecidos direto ao público. Nessa categoria, encontramos: camisetas, bonés,
bijuterias, agendas, produtos escolares como cadernos, canetas, lápis borrachas, perfumes,
porta-jóias, brinquedos, decoração para festa, artesanatos em geral e produtos de limpeza.
Há também o oferecimento de serviços não-religiosos, mas que trazem a identificação
evangélica, como, por exemplo, temporadas em hotéis com programações evangélicas,
incluindo a monitoria infantil e passeios em navios a vários pontos turísticos nacionais e
internacionais que incluem no pacote a realização de shows com artistas gospel e cultos
durante a viagem.
Ilustração 7 - Fotos de produtos oferecidos na 5ª Expo Cristã
Obviamente, encontramos os bens específicos para uso religioso que são a parte da
literatura e da música. Tais produtos são oferecidos diretamente ao público e movimentam
o maior número de pessoas na feira. Os stands das livrarias e gravadoras são lotados, e a
diversidade é característica marcante nas duas áreas. produtos para todos os tipos de
gosto. Na literatura, é possível encontrar livros de auto-ajuda, ficção evangélica e versões
variadas da Bíblia para mulheres, crianças, surfistas, jovens e demais blicos. Na área da
música, todos os estilos musicais encontram-se representados na feira. Até mesmo grupos
antigos como o VPC e produções da hinódia tradicional, como Arautos do Rei, estão
dividindo o espaço com as estrelas gospel.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
264
Ilustração 8 Fots de stands da 5ª Expo Cristã
O que existe por detrás desse comércio? A resposta parece estar ligada à busca de
visibilidade social que marcou a mudança de comportamento do evangélico, a partir da
entrada das igrejas neopentecostais no cenário religioso brasileiro. Existe um consumo que
mais pode ser definido como simbólico do que materialista. O que se procura não é um
produto específico, mas sim uma identificação religiosa com o que se está consumindo. Se
não existem objetos sacros, todos os objetos podem ser incorporados no consumo, o que
quer dizer que todos os objetos podem ser sacralizados. Todos podem oferecer uma ligação
simbólica com a religião contanto que carreguem a simples frase como Deus é Fiel ou o
nome Jesus Cristo. A identificação se faz imediatamente, e o consumo traz uma sensação
de pertença, que pode ser socializada, porque não utiliza meios excludentes. Colin
Campbell (2001) mostrou que a sociedade consumista atual, não consume por uma
motivação puramente materialista. Segundo o autor, o consumismo se insere em um quadro
maior da constante busca pelo prazer, que está não no objeto em si, mas no que ele pode vir
a significar. Sua análise é extremamente útil para explicarmos o consumo de um tipo
específico de mercado que está em crescimento no Brasil, o mercado da adoração.
6.3 O mercado de adoração
As visitas à Feira do Consumidor Cristão trouxem-nos elementos para um exame mais
exaustivo do mercado de música gospel, que deve ser situado junto ao mercado religioso
evangélico, pois este é um fenômeno mais amplo do consumo religioso. Dentro deste
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
265
mercado mais amplo, procuramos elaborar uma lista de produtos evangélicos que têm uma
função social de identificação com o grupo religioso sem criar o isolamento com a
sociedade e as diversas culturas locais. Praticamente, há uma fusão de elementos seculares
com elementos religiosos na qual os primeiros dão a forma ao produto enquanto os últimos
cuidam do conteúdo da mensagem. O mesmo acontece com a música gospel, que, ao ser
lançada no mercado, utiliza formas estilísticas seculares, mas mantém o conteúdo poético,
ou seja, a mensagem religiosa.
Entretanto, é preciso distinguir a variada produção musical do mercado, e, quando falamos
de variações, não nos limitamos à condição estilística, mas à significação simbólica do
produto. Como vimos, o mercado musical gospel oferece tanto o entretenimento quanto o
produto cúltico: a canção congregacional, que é o cântico de louvor. Este tem mobilizado o
mercado e atingido o maior número de consumidores protestantes. Na pesquisa que fizemos
junto a IPB, quase 90% dos jovens consomem música gospel e, dentre estes, mais de 85%
são música de adoração.
A maior atração das feiras, que ocorrem desde 2001, tem sido a música gospel. No centro
da exposição, os gigantescos stands das mais famosas gravadoras gospel expõem seus
artistas, que distribuem autógrafos e deixam-se fotografar com os fãs. As filas são longas, e
a expectativa dos consumidores pode ser comparada com o fenômeno similar no campo da
música secular. Os músicos distribuem sorrisos, as gravadoras vendem os CDs
autografados, e os telões exibem os shows dos mais famosos. Muitas revistas
especializadas, espalhadas pelos stands, trazem as novas tendências do mercado, entrevistas
com músicos e bandas tanto nacionais quanto internacionais, listagem de serviços,
propagandas de gravadoras, etc. Folhetos dos mais variados anunciam shows de música por
todo o país, congressos de adoração e estudos direcionados à técnica musical. Não faltam
também stands com aparelhagem de som e instrumentos musicais, e ocorrem shows
simultâneos por toda a exposição.
Não podemos limitar o mercado de adoração à Feira do Consumidor Cristão, mas esse
espaço tornou-se um exemplo do que acontece no campo, porque condensa as tendências e
mostra as diversidades dos produtos musicais. Em termos de louvor, o mercado inovou com
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
266
os chamados ministérios de adoração. Agora, não são mais as bandas que têm o
reconhecimento junto ao público. Essa nomenclatura foi abandonada, para ser substituída
pelo qualitativo de ministério, que tem um simbolismo muito mais forte em relação ao
termo adoração. Os dois são basicamente elementos encontrados no culto; aliás, termos
que se referem à própria noção de culto adoração e ao próprio exercício cúltico -
ministério. Uma das diferenças ressaltadas pelos grupos que formam os ministérios, e
inclusive pelo público, é que os músicos, ao contrário das bandas gospel, não são artistas,
mas ministros. O termo remete-nos à tendência neopentecostal de denominar o exercício
musical como exercício levítico, ou seja, denominar o músico de levita. Assim, o sucesso
comercial não é buscado pelos ministérios segundo o discurso dos mesmos. Tal fato,
entretanto, é contrastado na Expo Cristã, onde os ministros distribuem autógrafos aos fãs
que toleram filas imensas para consegui-lo. O depoimento a seguir mostra a fusão
(confusão?) entre o mercado e a religião, o espetáculo e o louvor. Ao perguntarmos qual o
motivo de pedir um autógrafo a Aline Barros, a estudante de 19 anos relatou: Ela é uma
bênção, sou ministrada quando ouço ela cantar, quero um autógrafo e uma foto com ela,
para registrar esse momento para sempre
76
.
Essa aparente confusão entre o que é adorar e o que é a vida profissional tem preocupado
alguns cantores gospel no Brasil. Embora, estejam vendendo seus produtos cada vez mais,
os discursos tendem a afastar a idéia do consumo, do sucesso e da fama.
Músicos renomados e que, desde os anos 80, já atuavam no meio musical evangélico são os
que mais se preocupam com a forte tendência de profissionalização. Uassyr (Vencedores
por Cristo) declarou em entrevista a CCM Magazine (Foffu, 1999, p.26):
Agora, a coisa cresceu tanto, que se tornou um tanto quanto perigoso,
porque tem banda chegando e gravando sem nenhum compromisso com
uma igreja e, no fim, a gente não sabe quem é sério e quem não é. Tem de
verificar quem está aí só para faturar.
Na mesma linha, João Alexandre, compositor e arranjador que atua desde a década de 80,
afirmou na mesma entrevista: a música está profissional, mas ao meu ver, até demais,
porque acabou virando um mercado como outro qualquer(Foffu, 1999, p.28)
76
Trabalho de campo realizado na 4ª Expo Cristã em setembro de 2005, Pavilhão , em São Paulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
267
Entretanto, a despeito dos temores, o gênero tem criado musas, estrelas e pop stars, fato
inevitável pelo tipo de mídia e atuação em um mercado fonográfico. Altamente explorados
na Feira de 2005, os stands dos ministérios de adoração ganharam uma ênfase significativa,
mostrando como a tendência do estilo adoração tem crescido no mercado. Esta feira trouxe
a novíssima Rua da Adoração uma rua específica para a exposição de stands dos
Ministérios de Adoraçãoconsagrados pelo público evangélico. É a simbiose total entre
o louvor e o mercado.
Ilustração 9 - Fotos da Rua da Adoração da 4ª Expo Cristã
No site, o slogan da Rua da Adoração era o seguinte: mais de 3.000 pontos de venda; mais
de 10.000 orquestras em igrejas; mais de 10.000 igrejas com ensino de música, mais de
100.000 corais, bandas e grupos de louvor; mais de 1.000.000 de pessoas ligadas
diretamente à música; mais de 150.000.000 de cristãos (sic)
77
. Percebe-se que o público-
alvo é o que atua musicalmente dentro das igrejas, ou seja, na atividade cúltica, mas que
passa pela lógica do mercado.
Os números revelam a preocupação que as igrejas evangélicas sempre tiveram com relação
à atividade musical. Daí, a grande repercussão que o novo estilo gospel de adoração tem
causado em todas as igrejas, é claro, por intermédio da mídia, mas se valendo de uma
antiga tradição. O mercado, portanto, ao usar um slogan como este, mostra que seu alvo
baseia-se em uma tradição antiga do protestantismo brasileiro: o uso da música no culto.
Ao analisar como essa experiência religiosa acontece no campo evangélico, podemos
77
Site www.supergospel.com.br acessado em 6 de setembro de 2005.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
268
perceber um caminho que explica o grande consumo da música de adoração: ela sempre foi
um produto cúltico institucional do protestantismo. Com essa afirmação, pensamos de
forma comparativa com outros produtos religiosos que não são tão consumidos pelo
público protestante e que, assim, não causam tantos problemas às igrejas locais.
Pensemos, por exemplo, nos óleos ou nos artefatos judaicos. Podemos ampliar nossa noção
de consumo e pensar no número de protestantes históricos que freqüentam lugares cuja
glossolalia é fator principal ou nos cultos de cura interior, nas vigílias nos montes e nos
cultos de quebra de maldição. Se todos estes serviços religiosos estão disponibilizados no
mercado, a diferenciação com a música é substancial. Todos são estranhos à prática
protestante, mas a música é velha conhecida. Em uma palavra bem simples, o protestante
gosta de cantar! Logo, os ministérios de adoração representam o terreno mais conflitante
entre o protestantismo e o mercado de música gospel.
A produção do gênero adoração é basicamente de igrejas neopentecostais e comunidades
autônomas, assim os ministérios se encontram diversificados em tendências estilísticas e
poéticas. Uma pesquisa rápida pela internet pode dar uma idéia do universo do gênero
gospel. Na busca pelo nome ministério de adoração, é possível identificar mais de 200 mil
sites que disponibilizam diversas informações como datas de shows, letras e cifras de
canções, salas de bate-papo, estudos de adoração, etc.
78
Os nomes de ministério de
adoração geralmente se encontram ligados a termos qualitativos como adoradores
apaixonados, adoradores extravagantes, guerreiros adoradores, adoração profética.
Na última feira pesquisada, a Expo Cristã de 2006, pudemos encontrar mais de 30 stands de
ministérios de adoração, cujos nomes mais divulgados são entre outros:Adoração e
Adoradores, Aliança do Tabernáculo, Casa de Davi, Clamor pelas Nações, Diante do
Trono, Filhos do Homem, Adoração Profética, Unção Profética, Toque no Altar, Paixão,
Fogo e Glória
Os ministérios mostram, acima de tudo, tendências e formas de adoração diferentes quanto
ao aspecto teológico. Ou seja, existem diferentes concepções do que seja adoração e o que
ela engloba. Para alguns ministérios, adoração é um ato profético. Podemos colocar como
78
Pesquisa realizada pelas palavras ministério + adoração na internet do Brasil; acesso em 20 de setembro de
2006.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
269
linha de frente desta concepção o ministério Adoração Profética da pastora Ludmila
Ferber, do Rio de Janeiro. Sua teologia é basicamente a teologia da vitória e da batalha
espiritual. As letras atingem direto o sujeito que necessita de uma bênção específica
como um milagre, uma cura, um emprego. Praticamente a exaltação a Deus é realizada
depois de priorizar-se a ação sobrenatural na vida do fiel. A pastora fala entre as músicas,
de forma bem diferente do estilo de mini-sermão, como se estivesse tendo revelações
miraculosas para o público presente ou sendo usada por Deus para transmitir Sua
mensagem. O exemplo a seguir é típico desta última possibilidade:
Calma!
Calma, não tenha medo
Confia em Mim, que Eu Sou a tua fortaleza
Existe um lugar seguro dentro do meu coração
Que você pode se esconder, guardado em minha unção
No tempo da calamidade
Ela não te alcançará
No meio de uma tempestade
A chuva só virá pra abençoar
Eu te levanto por cabeça, filho Meu
E não por cauda
Em meio a crise te sustento
E te faço prosperar
Calma, não se desespere a tua alma
Você chegou até aqui
Calma, não te deixarei desistir
Outro representante do gênero adoração é David Quinlan. Holandês, casado com uma
brasileira, Quinlan desenvolve um estilo de adoração intimista. O nome de seu ministério,
Paixão, fogo e glória, dá a noção do caráter de sua concepção. O slogan do ministério
Seja um adorador radical também indica uma realidade nas apresentações ou
ministrações de Quinlan. O público emociona-se com as declarações de amor feitas a Jesus
e se expressa com choro e movimentos corporais como se encurvar, abraçar-se, levantar as
mãos e balançar-se de olhos fechados. A igreja tem um propósito determinado, o de adorar,
e há uma posição radical de que o louvor aplacará as forças malignas. A letra do CD
gravado ao vivo em São Paulo, em 2006, mostra a igreja cristã como a noiva apaixonada e
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
270
fascinada pelo esposo, enquanto que no outro exemplo transparece a relação de intimidade
individual com Jesus.
Este é o som da tua noiva
Este é o som da tua noiva
Este é o som da tua igreja
Apaixonada, fascinada. Por Ti.
Vem Jesus e toma o teu lugar
Vem Jesus, vem dançar
Corações apaixonados
Corações entrelaçados
O meu e o teu, meu amado e eu
Estou apaixonado
Estou apaixonado (3x)
Por ti Jesus
Jesus meu amor maior (3x)
E Ele vem saltando pelos montes (3x)
Pra me encontrar
E eu vou saltando pelos montes (3x)
Pra Ti encontrar
O ministério Clamor pelas Nações tem um estilo bem específico, cujas letras falam sobre a
estagnação da Igreja de Cristo, que não cumpre seu papel de testemunha na Terra. O eixo
básico é a expressão de amor ao próximo, na manifestação da Igreja, assumindo seu papel
de levar a salvação. Embora a temática seja bem diferenciada, em termos de não buscar
apenas um estilo contemplativo de adoração, não existe contextualização social das letras,
ficando esse caráter da obra da igreja em um plano mais subjetivo e espiritual. Escolhemos
dois exemplos que darão bem essa noção:
Você não vê?
Você não vê?
As pessoas se afundarem
Quem se importa, se elas se afogarem?
Porque tanta indiferença
Com um mundo perdido?
Não feche os seus olhos
Fingindo ser um cristão!
Oh! Me abençoe!
É tudo o que sempre ouço
Não há lágrimas, não há dor
Nem mesmo um clamor
Mas Ele chora, Ele sangra, Ele clama por ti
E você só se importa
Em participar de um mover!
Ele traz pessoas a tua porta
Mas você não se importa
Dá um sorriso e diz:
Vá em paz Deus te abençoe(....)
Outros ministérios recorrem a instrumentos judaicos e incorporam o status religioso dos
levitas guerreiros do Antigo Testamento. Os ministérios Casa de Davi e Toque no Altar são
exemplos da aproximação com tais levitas. No stand, os objetos judaicos são expostos junto
com os CDs e os telões que reproduzem os shows. As letras são marcadas pela festividade e
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
271
reconhecimento do poder de Deus, muitas abordando a restauração do Israel do Antigo
Testamento uma temática muito comum nos outros ministérios e cânticos mais antigos!
As virgens dançarão
Em toda a terra se ouve um som de alegria e de festa
Tens restaurado a tua noiva e adornado com tua glória
Cantaremos e dançaremos com os que cantam e te adoram
Gritaremos e saltaremos em tua presença, Oh Senhor
As virgens dançarão, pos jovens dançarão
Os velhos dançarão, diante de ti
Transformará as lágrimas em riso
Transformará a tristeza em baile
Derramará até transbordar o óleo da alegria
De todos os estilos presentes nos ministérios, a adoração contemplativa é a que faz mais
sucesso no meio protestante histórico. Trata-se de uma ênfase dignificar a Deus,
enumerando Seus atributos, relatando Seus feitos, engrandecendo Seu nome. A temática da
alegria e da reunião festiva também é trazida, e o louvor assume uma possibilidade de
ritmos que vão desde os mais agitados até as antigas canções melodramáticas americanas.
No início dos anos 90, esse cenário tinha como destaque a atuação da banda Renascer
Praise. Praticamente sua teologia era voltada para uma vida de vitória, e diversos ritmos
brasileiros foram explorados, como, axé, forró, frevo, sertanejo e samba-canção. Há, no
Renascer Praise, uma característica que a distingue de quase todos os outros ministérios: o
requinte de suas apresentações.
Na realidade, foi o Renascer Praise que inovou a adoração no Brasil com estilo
performático, altos investimentos em tecnologia de ponta em matéria de equipamentos e
palco, escala de músicos, profissionais, utilização de orquestra, coral e bailarinos, por
exemplo. Tudo isso proporcionou que o louvor se apresentasse em forma de show, criando
o que denominamos de show cúltico. Basicamente, seu estilo busca uma similaridade com
o ministério Hosana Music, dos Estados Unidos, cujo principal líder é o conhecido ministro
Ron Kenoly. Com DVDs e CDs consumidos por todo o mundo, Ron Kenoly uniu o
espetáculo e o culto em um momento, utilizando, para isso, músicos altamente
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
272
gabaritados e performances de palco. O Renascer Praise seguiu a linha norte-americana
que já marcava sucesso internacional.
Com o estilo de louvor altamente estetizado, privilegia a emoção, recorrendo à estratégia
já usada por Frank Sinatra de elevar o ânimo do público no início da apresentação, com
músicas mais ritmadas e que, em geral, falam sobre a batalha espiritual e a inevitável
vitória em Jesus, e, depois, utilizar músicas mais tranqüilas, buscando uma atitude de
introspecção que seria a percepção de adoração contemplativa. Iniciando suas atividades
em 1992 e liderado pela bispa Sônia Hernandes, o Renascer Praise tem, até o ano de
2006, 15 CDs gravados, sendo uma de suas gravações, a de 2000, realizada em Israel. Duas
letras distintas podem mostrar a diferença dos momentos na apresentação:
Vontade
Vontade de ouvir a Tua voz
Vontade de pegar na Tua mão
Vontade de abrir o coração
Pra receber a Tua paz
Simplesmente ser adorador
Buscando do meu Deus aprovação
Simplesmente como um filho Teu
Viver pra Te glorificar, Senhor
Há momentos em que o louvor
É a melhor das orações
Eu te louvo, te louvo,
Te louvo Deus de amor
Eu te louvo, te louvo...
Eu te amo, te amo...
Eu te exalto, te exalto...
Eu te adoro, te adoro...
Te amo Deus de amor
Te exalto Deus de amor
Te adoro Deus de amor
Muito consumido pelos jovens protestantes na década de 1990, o Renascer Praise perdeu
posição no mercado de adoração para um ministério surgido em meados dos anos 90, o
Ministério Diante do Trono, da Igreja Batista da Lagoinha, de Minas Gerais. Esta Igreja,
dissidente da Convenção Batista Brasileira, tem uma linha carismática e, desde os anos 90,
tem crescido significativamente.
Ana Paula Valadão Bessa é filha do pastor- presidente da igreja, Márcio Valadão, e líder do
ministério de adoração, que se projetou nacionalmente após o grupo ter feito um curso de
adoração na Faculdade da Igreja Australiana HillSong. O ministério Hillsong foi o grande
inspirador do estilo de adoração do Diante do Trono, cuja adoração é conduzida, como em
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
273
todos os outros grupos, de forma altamente carismática, por Ana Paula. No momento da
apresentação, ela realiza uma prática ritual que classifica como ministração de cura e
libertação. Em todas as gravações ao vivo dos CDs, um momento no qual são
proferidas palavras de cura. No oitavo CD, gravado ao vivo em Minas Gerais, a
ministração fala, dentre outros problemas que afligem o ser humano, sobre cura,
restauração de casamentos, restituição de visão para os cegos, libertação das drogas. Entre
uma música e outra, e sem que os instrumentos parem de tocar, Ana Paula consegue, com
extraordinária habilidade, levar o público a um estado muito próximo do êxtase.
O aspecto performático também é altamente produzido. Como a linha já iniciada pelo
Renascer Praise, o Diante do Trono tem alta produção técnica em cenário, equipamentos,
palco, músicos, inclusive com instrumentos de orquestra e bailarinos. O grupo tem sido
referência para os músicos das igrejas evangélicas, alcançando recordes no meio tradicional
de consumo de CDs e participações em shows. Seu estilo de apresentação iguala-se ao do
Renascer Praise, que, por sua vez, segue uma linha internacional. Contudo, diferente deste,
não se utiliza dos ritmos brasileiros, restringindo-se, basicamente, à balada romântica, mais
ritmada em algumas canções cuja letra exalta a reunião festiva do povo de Deus. A grande
inovação na ministração é o uso de uma espécie de improvisação musical, um tipo de
salmodiar no qual a líder convida o público a participar, e este, embalado pelos cantores,
inicia um estranho coro com letras e melodias improvisadas.
As letras variam entre diversas temáticas que podem ser mais subjetivas ou textos retirados
da Bíblia, principalmente do Antigo Testamento. A diversidade de assuntos tratados pode
ser a explicação do acolhimento protestante. É possível escalar músicas específicas que
combinam muito bem com o tipo de culto protestante do país. Para os que mantêm a idéia,
um tanto reducionista, de que a música gospel é uma típica produção neopentecostal, o
ministério Diante do Trono quebra esse senso comum ao apresentar uma teologia do
protestantismo histórico que aborda a onipresença de Deus ao mesmo tempo em que mostra
que Ele será louvado apesar das dificuldades presentes. Acreditamos que essa postura
teológica, somada aos fatores citados, contribui diretamente para o consumo e o
aproveitamento das composições nos cultos protestantes.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
274
Tempo de festa
Este é um tempo de festa
Este é um tempo de louvor
Pra celebrar Aquele que primeiro nos amou
Transformou nosso choro em riso
Nos deu novas vestes de louvor
Pra celebrar Aquele que primeiro nos amou
Nos tirou do império das trevas
E nos deu perdão e paz
Arrancou todas as feridas
Nos fez felizes demais
Festa, alegria
É uma dança de celebração
Ao único digno
Jesus. Seu nome é Jesus
Festa, alegria
É um povo que se reúne aqui
Diante do trono
Do Rei, do Rei dos reis
Seu nome é Jesus(...)
Ainda existe uma cruz
Quem quiser vir após mim negue-se a si mesmo
Quem quiser me seguir tome a sua cruz
Dia pós dia negue-se a si mesmo, dia pós dia tome
sua cruz
Quem quiser vir a mim negue-se a si mesmo
Ainda existe uma cruz pra você carregar
Não se deixe enganar a porta é estreita
O caminho é árduo pra você trilhar
Não se deixe enganar, ainda existe uma cruz
Ainda existe um preço a pagar
Quem achar a sua vida a perderá
E quem perder sua vida por amor de mim, a
encontrará
Dia após dia negue-se a si mesmo, tome a sua cruz
Quem perder sua vida por amor de mim a
encontrará
Ainda existe uma cruz, ainda existe um morrer
Ainda existe uma cruz, uma batalha a vencer
Ainda existe uma cruz
Os exemplos dados registram um recorte das tendências que, de modo algum, não são
excludentes. Um ministério que privilegia a batalha espiritual não tem problemas em
cantar um louvor intimista, e vice-versa. Entretanto, as diferenças apontam para
preferências teológicas e demandas religiosas específicas. Esta ênfase no louvor, que o
privilegia como experiência, pode ser explicada pelo simples fato de que, sendo a música
um bem cultural, é o elemento mais explorado pelo mercado. Não descartamos essa idéia,
mas existe, nas falas, o senso comum de que um novo avivamento paira sobre a nação e
realiza-se por meio da renovação no louvor, que, por tal motivo, assume uma característica
profética. Essa tendência pode ser vista pelas inúmeras letras que enfocam o avivamento da
nação. Tal discurso, que pode ser fomentado pela indústria da adoração, encontra guarida
no meio tradicional. Isso tem uma explicação religiosa, ou seja, uma motivação religiosa
que pode ser ligada à segunda característica: a busca de elementos emocionais na religião.
Eliminando o protestantismo tudo o que possa desviar a racionalidade, que outro elemento
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
275
conduziria à emoção senão a música? Assim, parece-nos possível afirmar que a música é
um meio de encontrar a emoção reprimida pelo protestantismo.
Todavia, embora existam diferenças entre os ministérios, podemos pontuar características
comuns. São elas: 1) a ênfase no louvor como uma das mais perfeitas expressões religiosas;
2) a emoção como marca da experiência; 3) a condução carismática; 4) a autonomia do
momento de louvor; 5) a estetização do momento; 6) o lúdico como forma de expressão
religiosa.
Todos esses elementos puderam ser apropriados pelo louvor principalmente com o
deslocamento do local da adoração, que permitiu transformar o palco em um púlpito móvel,
com a diferença primordial de que a música, e não a prédica, passou a ser o centro da
experiência religiosa. Isso acontece no que denominamos de shows de adoração. Nestes
a condução carismática da adoração está relacionada a essa demanda emocional, mas não se
esgota nela. O carisma do ministro de louvor pode representar, entre muitas coisas, a busca
de elementos mágicos dispensados pelo protestantismo histórico. Acima de tudo, o ministro
é o ungido de Deus que não representa embora isso, de fato, não aconteça a
instituição e seus controles. Por meio dessa condução é que o momento de adoração torna-
se carismático.
Neste momento, como em todo culto evangélico, a palavra não é dispensada, mas falada,
salmodiada e invocada pelas formas mais carismáticas e emocionais. Além do mais, em
meio a tudo isso, há orações e confissões, ao som dos instrumentos, choro, arrependimento
e ações de graça. Seguindo o estilo carismático, as curas e os milagres são aclamados como
realizados ainda que não apareçam! O culto em forma de espetáculo fecha seu circuito. O
show de adoração é totalmente autônomo em sua possibilidade litúrgica. Não é um
momento do culto, como sempre foi entendido na história do culto brasileiro, mas o próprio
culto, um novo estilo de culto que se realiza fora do âmbito da igreja.
Tal realidade litúrgica no show pode ser explicada com um elemento que vincula o
espetáculo ao culto: o elemento estético, que fornece coesão e possibilidade de unir os
momentos, criando a sensação de dramatização acima de tudo litúrgica, pois necessita do
público como agente interativo e não observador. Nisso, a relação com a estetização é
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
276
inevitável. Tal como no drama, a liturgia aqui é, antes de tudo, um momento prazeroso, que
proporciona satisfação.
O consumo desse novo estilo de louvor, e entendemos consumo no seu sentido ampliado
referente à participação em tais eventos, pode estar aliado não à força do mercado e as
demandas religiosas reprimidas, mas também a um novo comportamento de consumo de
bens culturais na sociedade contemporânea. Esse comportamento foi chamado por
Campbell (2001) de hedonismo imaginativo.
O hedonismo é a chave para entender uma mudança de comportamento já identificada no
início da revolução de consumo da modernidade, na qual os bens culturais assumem
destaque pela sua notória força de presença em relação à épocas anteriores. Para
Campbell(2001, p.74) o crescimento do consumo de bens culturais está relacionado com a
busca de prazer. Esse, por sua vez, está relacionado não com a matéria do objeto, mas com
a qualidade da experiência, com a sensação que o produto pode oferecer (2001, p.91). A
sensação é o resultado de reações de estímulos sensoriais, dentro os quais, a emoção
introjetada tem grande participação.Além disso Campbell mostra a grande capacidade
imaginativa que o sujeito contemporâneo desenvolveu, graças a sua capacidade psíquica
atual de subjetivar a emoção. Com isso, o prazer encontrado nas sensações é
imaginativamente intensificado. Nisto encontramos, portanto, o hedonismo imaginativo do
sujeito contemporâneo.
Assim Campbell (2001, p.115) afirmou que o hedonista contemporâneo é um artista do
sonho, que as habilidades psíquicas do homem moderno tornaram possível. Existe uma
conseqüência primordial nesta capacidade contemporânea, que é de criar uma ilusão que
se sabe falsa, mas se sente verdadeira. Este comportamento hedonista se traduz em um
tipo de consumo que não pode propiciar a satisfação do desejo, porque tão logo aconteça, a
experiência se torna real, e esta situação de real não pode proporcionar os prazeres do
devaneio. Diante desse fato, o consumo é constantemente ativado, não sendo a realização
de fato algo importante, ao contrário o devaneio e o sonho é que proporcionam maior grau
de prazer.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
277
Acontece que os estímulos sensoriais que causam prazer nas sensações podem ser
intensificados com estímulos externos. Dentre dos variados estímulos externos , Campbell
(2001, p.99, 100) mostrou a importância da dimensão estética. Esta possibilita o aumento
dos estímulos sensoriais. Dentro desse encadeamento de idéias, o estímulo estético pode
ajudar o sujeito contemporâneo na produção do devaneio.
Dessa forma, o show de adoração pode, pela sua característica altamente estetizada,
contribuir para a produção do devaneio. É assim que entendemos, por exemplo as
incessantes ministrações de cura e libertação nesses shows. O prazer está no sonho de
alcançá-las e não na realização das mesmas. Aumenta-se o estímulo estético, aumenta-se o
sonho e conseqüentemente o prazer. Dessa forma, estetização, emoção e devaneio formam
um conjunto de elementos discutidos por Campbell que justificam o alto grau de consumo
de música de adoração. Esse tipo de consumo simbólico se encontra em acordo com a nova
sociedade do espetáculo em que vivemos.
O lúdico também contribuiu para a intensificação de sensações. A interação lúdica é, sem
dúvida, facilitada pelos espaços abertos e seculares logo, não-institucionais onde os
shows de adoração acontecem, mas não está atrelada ao espaço uma vez que muitas igrejas
apresentam a mesma característica. Porventura, o momento de louvor como celebração e
espaço para a juventude no culto não significaria uma presença encoberta do lúdico no
culto protestante?
Em suma, totalmente adaptado ás novas exigências do sujeito contemporâneo, o mercado
de adoração, por meio dos shows, propiciou uma padronização sobre a produção musical
para o louvor. Essa produção é lúdica, espetacular e emocional. Com isso um novo modo
de louvor e adoração é instaurado no campo evangélico e, nesse sentido, os shows são
autênticos espaços da experiência religiosa, que se vê ampliada nas suas formas de
expressão.
Nesse novo espaço da experiência religiosa existe um princípio de deslocamento e de
desterritorialização. No catolicismo, as festas populares traziam essa perspectiva. No
protestantismo, os movimentos avivalistas já propunham a experiência religiosa coletiva
fora das igrejas e com as instituições paraeclesiásticas dos anos 50 e 60, esse fenômeno se
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
278
cristalizou no país. Entretanto, em todos esses exemplos havia obviamente a limitação de
recursos, devido às particularidades das épocas e locais onde aconteciam tais experiências.
Já nos shows de adoração, a tecnologia de comunicação reforça e amplifica a experiência
religiosa. Desse modo, o que é vivido na Austrália é, quase que em tempo imediato,
reproduzido no Brasil e assim, há uma força de padronização muito maior operando no
mercado por meio da desterritorialização da experiência. Na linguagem dos grupos
religiosos esse fenômeno comunicacional é tratado como uma mesma unção derramada
sobre os diversos continentes do globo. Assim, se o deslocamento da experiência existia
em tempos anteriores, a desterritorialização se dá agora em âmbito maior, ou seja na
perspectiva global.
Nisso existe no show de adoração três discussões a serem realizadas no campo da cultura e
comunicação. São elas referentes ao caráter cultural híbrido da produção musical, o caráter
hegemônico do mercado e as mediações. O hibridismo se revela em vários momentos do
show gospel e se realiza na desterritorialização das experiências culturais, relacionadas com
a produção musical. Stuart Hall (2003) mostra a impossibilidade do purismo musical na
contemporaneidade. A partir de suas considerações a música nacional não pode mais ser
entendida no sentido antigo de uma identidade que remete a um núcleo comum, rígido e
estático. Assim, não podemos aqui falar de uma cultura puramente nacional ou puramente
norte-americana. A partir do pressuposto da hibridação musical podemos entender o
cruzamento de estilos musicais, que se valem dos mais variados recursos técnicos
disponíveis por meio da tecnologia. Assim, o híbrido se caracteriza tanto na junção de novo
e do velho, ou seja no aproveitamento dos novos recursos tecnológicos em antigas
produções, como na convivência de culturas musicais diferentes.
Mas o caráter híbrido do show de adoração não se revela apenas na produção estilística
musical. Especificamente na música gospel tivemos a oportunidade de mostrar que ela
traz o antigo discurso religioso revestido nas novas formas musicais, similares as seculares
(Dolghie, 2002, p.110). No mesmo sentido, Magali Cunha (2004) enfatizou o caráter
híbrido do movimento gospel, exatamente porque ele se vale de antigos valores
protestantes, como o discurso pietista, mas com uma roupagem nova, que se apropriou de
novos valores tanto culturais como religiosos.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
279
Outro aspecto de hibridismo do show de adoração se revela no convívio entre o culto e o
show. De fato, não como falar em show no sentido purista, muito menos em culto. Por
esse motivo foi que propomos a tipologia show de adoração para conceituarmos esse
momento. Ela mostra a união de dois espaços próprios e distintos que, são explorados ao
máximo nesse convívio e que não podem mais ser analisados de forma separada. Isso
porque não como delimitar os espaços para dizer se o culto se vale de aspectos do show
ou vice versa. O que temos é um novo formato tanto de show, como de culto. Portanto, ao
falarmos de show de adoração, já não cabe a delimitação tradicional do momento de
adoração e do momento do culto. Por isso mesmo os shows serão incorporados nas práticas
cúlticas de muitas igrejas. Nesse contexto, a atuação carismática do ministro de adoração é
também atuação performática, e não conseguimos detectar qual delas está em primeiro
plano nos shows de adoração. Isso somente pode ser entendido pelo hibridismo que
caracteriza esse momento.
Contudo, é importante iserirmos na discussão a questão da hegemonia cultural. É inegável
que os shows gospel brasileiros incorporaram as culturas hegemônicas da música norte-
americana. O mesmo estilo musical, salvo raras exceções onde ritmos como axé e samba
aparecem, é veiculado inclusive com as mesmas formas dos shows internacionais. Este fato
não é nem um pouco camuflado, ao contrário, as bandas e músicos buscam nos modelos
internacionais um padrão a ser seguido. Entretanto, sem negar o caráter hegemônico do
mercado, é necessário entender o campo protestante como uma mediação desse consumo.
Consumir adoração gospel não significa romper com antigos padrões impostos pelas igrejas
tradicionais? Ora, se a hegemonia existe, não é a hinódia oficial do protestantismo
brasileiro, toda ela, calcada nos antigos valores norte-americanos? Assim, o consumo da
adoração gospel deve ser entendido pelas mediações, o que quer dizer, pelas denominações
religiosas das quais provêm os jovens consumidores desse produto.
O mercado, portanto, não envolve apenas um puro consumismo de música, mas também
revela uma demanda sócio-religiosa. Mas, diante dessa constatação, como fica o culto
presbiteriano no Brasil? Como essa Igreja reage às produções musicais oferecidas pelo
mercado e que são consumidas por uma nova geração de leigos? Sendo a música um bem
religioso tão forte nessa denominação, o mercado de música gospel tem afetado
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
280
diretamente o perfil do culto presbiteriano. Entretanto essa questão não está vinculada
somente aos aspectos relacionados ao mercado, mas também por condições peculiares
dentro dessa denominação. Essas questões serão analisadas no próximo capítulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
281
CAPÍTULO 7
O MERCADO GOSPEL E A PRODUÇÃO MUSICAL
CÚLTICA DA IPB
A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) tem sofrido alterações litúrgicas importantes devido
ao fenômeno do mercado de música gospel. No entanto, o consumo da sica gospel não
pode desvincular-se da insatisfação religiosa desse subcampo do protestantismo histórico
que sempre marginalizou as produções musicais dos Corinhos e dos Cânticos, antecedentes
ao Gospel. Nesse sentido, podemos afirmar que a produção da música gospel é também
produção do protestantismo. Conforme observado, esta produção ocorreu nas condições de
resistência e luta pelo exercício de uma produção musical que fosse reconhecida como
legítima. Os especialistas da produção religiosa geraram estratégias para a manutenção de
um tipo de produção, usando a força da ortodoxia e criando o discurso da produção
herege.
Entretanto, as discussões sobre a inserção de uma produção musical não-oficial no culto não
encontraram uma resposta única em toda a IPB. Assim, a tensão na denominação não
conseguiu deter a produção autônoma dos cânticos que se tornava cada vez maior. Embora
com tendências diferentes, estes cânticos estavam diretamente ligados aos movimentos
jovens que tinham em comum o descontentamento com a música litúrgica oficial. Sob um
clima de conflito, alguns destes cânticos, após muita resistência, conseguiram ser
incorporados ao canto congregacional de algumas igrejas locais. É claro que a aceitação não
foi de forma total pelo público desta igreja e, por isso, continuou gerando situações de
descontentamento e conflitos.
Nesse completo cenário de contradições, tensões e descontentamentos na área musical da
IPB e do campo protestante histórico em geral, igrejas neopentecostais e comunidades
alternativas romperam com os sistemas musicais tradicionais e colocaram fim à histórica
discussão. Essas novas denominações encabeçaram a produção musical marginalizada pelo
protestantismo tradicional e transformaram-na em hinódia oficial. É nesse sentido que a
música gospel tem a produção dividida em dois campos: o protestante e o neopentecostal.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
282
No primeiro, encontra-se embutida nas tendências populares e timidamente seculares da
hinódia não-oficial. A partir daí, os grupos alternativos, que inovavam em termos
musicais e simbólicos, foram potencialmente usados pelo neopentecostalismo. Logo, a
produção existente ganhou força, e houve o salto conceitual; esta, sim, foi a produção
simbólica do neopentecostalismo. Em outras palavras, o neopentecostalismo propiciou o
salto conceitual do Cântico ao Gospel ao inserir tal produção musical no mercado e na
mídia. Contudo, as igrejas neopentecostais não chegariam a esse formato de produção se
esta já não estivesse sendo engendrada, de algum modo, no interior do campo protestante.
Até aqui, a análise restringe-se ao campo religioso evangélico, sendo-lhe interna. No
entanto, os próprios referenciais teóricos em Ciências Sociais e Religião utilizados neste
trabalho apontam para a concepção de campo religioso como campo com autonomia parcial
relativamente autônomo. Isso implica na influência recíproca e permanente sobre as
variadas esferas sociais, e, assim, é possível reconhecer que o tipo de produção musical
gospel e toda a força simbólica que tal produto representa têm ligação direta com outras
esferas da vida social e, de maneira mais abrangente, com as novas tendências pós-
modernas.
As experiências religiosas privilegiadas na pós-modernidade são aquelas que despertam
sensações, emoções e sentidos. A música gospel pode oferecer tudo isso. Na realidade, sua
ligação com o mercado gospel é que tem a capacidade de fazê-lo. Nesse sentido, a produção
musical gospel está adaptada às novas condições da religião na sociedade atual: a condição
de produto e de produtora de bens simbólicos. A formação do mercado de música gospel,
portanto, atende as demandas leigas, coadunadas com as demandas do sujeito
contemporâneo. Nesse ínterim, a tensão que existia no presbiterianismo e protestantismo
histórico em geral aumenta visto que a novidade que ameaça a tradição ganha a força do
mercado e da comunicação massiva. Assim sendo, ao tratarmos de música gospel e culto
presbiteriano, pressupomos o diálogo do campo religioso com a sociedade, a cultura e a
comunicação.
Desse modo, a insatisfação religiosa litúrgica também está aliada às transformações externas
ao campo religioso nas áreas políticas, sociais, culturais e comunicacionais. Nesse processo,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
283
existe o agravante de que as novas formas de produção cultural, tanto no sentido técnico
quanto simbólico, vão de encontro à tendência perpetuante das tradições cúlticas. Por isso, a
tentativa de perpetuação da tradição torna-se cada vez mais ameaçada à medida que a
velocidade e a influência midiática-comunicacional intensificam-se na sociedade hodierna.
Estamos diante, portanto, do entrecruzamento de vários fatores que mostram a
complexidade do fenômeno cúltico estudado; as novas produções musicais-cúlticas da IPB.
7.1 O mercado de música gospel e a situação de concorrência religiosa
Quando nos referimos ao mercado de música gospel, estamos, na realidade, falando sobre o
mercado de bens religiosos. Duas análises fazem-se presentes nesse contexto: a análise
macro, que apresenta as teorizações do mercado religioso e sua conseqüência, o pluralismo
religioso, e a análise específica de uma fatia do mercado de música gospel, o mercado de
adoração. De fato, caminhamos no sentido de mostrar que essas são circunstâncias que
abalam as estruturas cúlticas do presbiterianismo, porque perpassam a condição institucional
da IPB, e a prática cúltica do canto congregacional.
Logo, quando analisamos o mercado de música gospel, entramos na discussão tanto do
pluralismo religioso quanto das tendências pós-modernas na área de cultura e comunicação.
Tudo isso, porém, deve ser entendido em diálogo com o contexto brasileiro e com a
estrutura cúltica da IPB no Brasil, cujo modelo fixou-se na bipolaridade cúltica da prédica e
da música e na caraterística pedagógica inerente ao culto.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
284
7.1.1 O pluralismo religioso: os novos modelos cúlticos oferecidos no mercado
Atualmente, o campo religioso brasileiro encontra-se em uma situação de pluralismo
religioso nunca antes vivenciada. José Bittencourt Filho (2003, p. 39) escreveu que mais do
que nunca, o pluralismo religioso brasileiro está a exigir um esforço concentrado para ser
compreendido. O autor propõe que a compreensão do fenômeno ocorra a partir da tipologia
da Matriz Religiosa Brasileira. Ou seja, Bittencourt analisa a proliferação dos novos
movimentos religiosos, relacionando-os com elementos da Matriz e demonstra que a adesão
a tais movimentos está vinculada à presença de elementos da religiosidade brasileira. Não
temos como intuito a análise dos novos movimentos religiosos, mas constatamos que não
podemos falar em mercado de música gospel se não o compreendermos como um produto
lançado pelos novos movimentos religiosos do campo evangélico do país, as igrejas
neopentecostais. Segundo Bittencourt, estas novas igrejas, por conterem elementos da
Matriz, arregimentaram protestantes históricos descontentes com a posição isolacionista e
também ganharam adesões oriundas de diversas outras religiões do país.
Uma das primeiras características que vemos em tais comunidades é a abertura ao diálogo
com a cultura local. A partir daí, outros elementos da religiosidade brasileira aparecem,
porque não existe mais o discurso do protestantismo histórico de negação, heresia ou
demonização da cultura. Isto é, a inserção social e cultural que os neopentecostais desejaram
foi um caminho aberto para a incorporação dos elementos da Matriz. Dessa maneira, o culto
destas igrejas também se correlata com as formas de expressão usadas na religiosidade
brasileira e encontradas na matriz religiosa. Em suma, o culto entrou em diálogo com a
cultura e tornou-se mais dinâmico, atraindo um público desejoso em ter, no momento,
acesso às novas ofertas cúlticas ajustadas às condições sociais e culturais.
Ora, o culto neopentecostal apresenta-se de modo bem diferente do protestantismo histórico.
Nele, como já pesquisou Leonildo S. Campos (1997), uma simbiose entre o espetáculo e
o culto propriamente dito. É quase uma anti-proposta do culto protestante histórico;
sobretudo, do presbiteriano. Sacralização de espaços e objetos, estetização, emocionalismo e
magia compõem sincreticamente este tipo de culto, que usa a música como elemento mais
forte de emoção. É a proposta do culto-espetáculo e do culto-show! Nada poderia ser mais
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
285
ofensivo à concepção cúltica e litúrgica do presbiterianismo, que herdou, do modelo
kalleyano, o princípio da racionalidade.
A forma de expressão cúltica das igrejas neopentecostais é muito semelhante ao que foi
descrito por Sérgio Buarque de Holanda (2002) como espetacularização e pomposidade dos
ritos entre os brasileiros dos tempos do Império. O apego intimista à divindade também é
algo marcante nestas igrejas e muito se assemelha ao tipo de prática religiosa do brasileiro.
Além disso, os diversos cultos sobre temas específicos libertação, finanças, família,
prosperidade, empresários, vida sentimental e outros mostram a aproximação com a
atividade mágica de coação sobre a divindade. A relação das neopentecostais com a magia é
um fato a ser ressaltado. As orações pastorais logo se transformam em coações mágicas, nas
quais se exigem atitudes determinadas da divindade. E as unções com óleo típicas do
catolicismo e então incorporadas ao culto neopentecostal? E as imposições de mãos? O que
dizer? O neopentecostalismo utilizou-se de todas essas expressões cúlticas que haviam sido
rechaçadas pelo protestantismo histórico.
Dentre todas as inovações dos cultos neopentecostais, a área musical é a que mais tem
afetado o presbiterianismo em termos de concorrência religiosa. Isso porque a música
utilizada por essas igrejas foi a da hinódia não-oficial do protestantismo histórico. Tal
produção, portanto, é familiar aos ouvidos do leigo presbiteriano, que passa a ser
acrescida de novos elementos: o lúdico, o espetáculo e a emoção. Segundo Berger (1963),
como característica do pluralismo religioso, há a uma padronização de bens religiosos. As
igrejas sentem-se compelidas a padronizar seus produtos com a finalidade de adequá-los às
demandas e, por conseguinte, manter-se no mercado. Assim, a música gospel é padronizada
principalmente na versão de adoração lúdica, espetacular e emocional!
O consumo da adoração gospel e lembramos que também entendemos por consumo a
presença a cultos e shows de adoração revela a adequação desse bem às demandas leigas.
Logo, a fim de que uma organização religiosa obtenha êxito na produção de louvor
congregacional, é necessário que se ajuste a esse novo perfil, altamente difundido pelo
mercado. Contudo, não podemos esquecer que, se houve uma expansão massiva desse bem
religioso, tal se deve ao fato de ter sido lançado no mercado pelas igrejas neopentecostais,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
286
merecendo destaque a Igreja Renascer em Cristo. Isso quer dizer que as igrejas passaram a
lançar no mercado de música gospel o produto musical gerado por seus cultos. A partir de
então, a instituição religiosa, embora não consiga controlar o consumo dos membros, pode
aproveitar-se desse espaço.
Nessa dinâmica entre mercado e igrejas, a padronização tem de ser contrabalançada para que
a instituição não desapareça no ato do consumo. Para isso é necessário que ocorra uma
estratégia que Berger (1963) chamou de modificações marginais. Ou seja, se a adoração é
padronizada, as igrejas aproveitam situações marginais para se diferenciar e permanecer na
concorrência mercadológica. Muitas ações podem ser exploradas tais como infra-estrutura
da igreja, utilização da mídia, forma da liturgia, tipo de espaço e a que se destina seu uso. A
Bola de Neve Church, em São Paulo, pode ser um grande exemplo do que afirmamos. Tendo
uma adoração padronizada pelo mercado, esta igreja atua sobre um público diferenciado: os
surfistas. Assim, embora a padronização da adoração seja visível, uma vez que é
performática e carismática, a igreja renova no estilo musical, com preferência pelo reggae,
com linguagem diferenciada própria para surfistas, e na utilização do espaço que, bem
arrojadamente, traz no palco o púlpito em forma de prancha de surfe. Tudo isso são
diferenciais que conferem ao produto adoração identificação com a igreja.
Todavia, no processo de padronização, a ideologia institucional, ou, em outras palavras, a
ideologia denominacional, enfrenta uma delicada situação, pois tem de manter a ideologia e,
ao mesmo tempo, atender às demandas. A situação de pluralismo é, acima de tudo, uma
situação de concorrência entre instituições religiosas e, assim, de concorrência
denominacional. Na realidade, o pluralismo religioso exige uma estratégia organizacional
baseada no posicionamento institucional a fim de que a igreja mantenha-se no mercado.
Acontece que esta situação existe independentemente da vontade da igrejas. Esse é o dilema
enfrentado pela IPB, porque boa parte da liderança da denominação não aceita a
concorrência religiosa como fato
79
.
79
Pouquíssimos pastores admitem a situação de concorrência religiosa. Para a grande maioria, o fenômeno de
relação da igreja com o mercado é tido como um desvio das coisas de Deus. Somente dois pastores, ambos de
São Paulo, admitiram essa idéia e declararam a intenção objetiva de concorrência, sem considerá-la uma
atitude pejorativa. Um deles, que nos concedeu licença para divulgar seu nome, o pastor Jonathan Jr., veio de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
287
Ao proceder assim, a IPB cria uma barreira maior ainda às tentativas de negociação com
expressões cúlticas mais ligadas à religiosidade brasileira. Fugindo à padronização, a oferta
musical desta denominação mantém-se dentro dos padrões antigos e não atende às
expectativas dos leigos mais jovens. Por tal motivo, a presença de jovens presbiterianos em
shows de adoração é marcante. Dentre o público jovem
80
, 82% já participou de algum
evento gospel, sendo que, dentro deste percentual, mais de 80% foi a algum show de
adoração
81
. Como já visto, a compra de CDs do gênero é altíssima entre os jovens
presbiterianos e ultrapassa os 85% dos consumidores de música gospel da denominação.
É importante observarmos que a adesão às novas formas de religiosidade das igrejas
neopentecostais, como afirmou Bittencourt, ocorre a partir da aproximação com formas de
expressões usadas na religiosidade brasileira tais como espontaneidade, intimismo, magia e
espetacularização. A padronização da adoração gospel é realizada pela grande maioria das
neopentecostais, e esse modelo, a nosso ver, também se relaciona com a religiosidade
brasileira sobretudo, quanto ao caráter festivo e lúdico. Parafraseando Holanda, a
divindade é convidada para dançar e cantar com os jovens consumidores da música gospel
de louvor e adoração.
Entretanto, sem anularmos a teoria de Bittencourt, há elementos que otimizam o consumo da
adoração gospel nos cultos e podem ser explicados a partir de considerações globais e não
apenas locais. Pelo menos, dois fenômenos atuais que ocorrem no campo religioso aparecem
nesse contexto: a estetização do culto e a eclesiasticização da religião. Embora estejam
circunscritos ao campo religioso, inserem-se no processo de diálogo com as novas propostas
sociais contemporâneas.
Se tais fenômenos podem ser separados de forma tão simples no texto, na prática cúltica
estão estreitamente relacionados e intersectam-se constantemente. A estetização do culto,
categoria usada por Jean Paul Willaime (2002), já se encontrava presente no velho
uma tradição pentecostal e é mantido pela Redimer Presbiterian Church, que tem por objetivo a implantação
de igrejas em centros urbanos voltadas para um público específico de empresários e profissionais autônomos.
80
Faixa etária que corresponde a adolescentes, jovens e jovens adultos entre 14 e 30 anos de acordo com
questionário aplicado. Vide anexo 1.
81
Pesquisa realizada nas igrejas que visitamos ao longo de 2005 e 2006. O questionário aplicado encontra-se
no anexo deste trabalho.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
288
catolicismo analisado por Holanda (2002), mas, apesar disso, é uma tendência mundial.
Guy Débord (1997) apontou a característica da sociedade pós-moderna de exatamente
constituir-se na sociedade do espetáculo. Esta característica, por sua vez, encontra-se
relacionada com o que Martelli (1995) chamou de desrealização da realidade. Ou seja, na
espetacularização, a realidade é substituída por imagens e símbolos que produzem sensações
e sentimentos independentemente de sua ação real. A estetização é um desvio da função do
rito na liturgia e não se apresenta mais organizada com símbolos referenciais, mas com
plasticidade estética, que, como o nome já diz, é auto-referente.
Junto à espetacularização do culto, é possível falar na clericalização que ocorre nesse
espaço. Ora, o protestantismo sempre enfrentou um impasse nessa área ao delegar a leigos
o ofício cúltico. A solução imediata para o problema encontrou-se na criação de estratégias
destinadas a sacramentar e sacerdotizar o pastor-teólogo, que, de fato, realizava, de modo
exclusivo, o principal e quase único rito do culto protestante, o rito da palavra.
Entretanto, nas igrejas neopentecostais, o pastor assume outras funções além da de pregador.
Nesse processo, há uma espécie de catolicização dessa personagem, que se transforma em
mediador do sagrado. Havendo sacerdócio, a hierarquização do clero. Por esse motivo é
que a clericalização do culto relaciona-se com uma das metáforas utilizadas por Martelli
(1995) no desenvolvimento da religião institucional: a de sua eclesiasticização, na qual as
funções do pastor passam a ser mais especializadas. Por isso, quase todas as igrejas
neopentecostais que se utilizam do modelo de adoração gospel tem pastores designados
para assumir essa área. Isso é, com a presença do novo tipo de louvor, surgiu também a
presença de um clérigo especializado na realização de tal prática.
Além desses dois fenômenos pertinentes ao campo religioso, a busca da emoção é outra
característica marcante nos cultos neopentecostais, e essa atitude aproxima-se do
comportamento hedonista pós-moderno, analisado por Campbell (2001). Não podemos
esquecer que, segundo o autor, os estímulos estéticos aumentam a capacidade sensorial de
produzir sensações, que estão diretamente relacionadas com a emoção. A produção do
devaneio é estimulada, consistindo na manutenção da busca do milagre e da capacidade de
construir uma realidade não-existente. A espetacularização do culto facilita o
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
289
desencadeamento emocional que leva a esse processo. Com isso, aproximamo-nos da
desrealização proporcionada pelo espetáculo, visando a favorecer que o real não seja sentido
nem tampouco importante. Em outras palavras, o real não precisa ser concretizado. Ora, não
é isso exatamente o que acontece em muitos cultos neopentecostais? O que faz com que,
semana após semana, as pessoas busquem a prosperidade, a saúde e o sucesso já prometidos,
mas, em muitos casos, não alcançados? A contínua busca do milagre e do sobrenatural
independentemente de sua realização. Logo, o culto passa a ser o local do consumo
hedonista e da produção do devaneio, processo semelhante com o que acontece nos shows
de adoração.
7.1.2 Os shows de adoração e sua relação com a IPB
Já sabemos que o mercado produziu, com muito sucesso, um novo tipo de louvor coletivo e
interdenominacional, os shows de adoração. Independentemente da posição da IPB e de
outras igrejas protestantes históricas em relação aos novos modelos de louvor, eles estão
conquistando o espaço do mercado e das igrejas. Na revista Consumidor Cristão
82
, a
reportagem Revolução em sintonia com Deus (2005, p. 78) mostra a atual importância que
o louvor adquiriu em todas as igrejas evangélicas do país. O texto inicial da reportagem
afirma que:
(...) o movimento de louvor e adoração constituiu uma das maiores
revoluções que a Igreja Evangélica brasileira tem experimentado na sua
centenária trajetória (...) O movimento surgiu com tal força que tem
relegado a um segundo plano, quando não ao esquecimento completo, os
clássicos hinos evangélicos que inspiraram a fé de gerações anteriores. E
tem servido de mola para impulsionar a indústria fonográfica evangélica.
Hoje os CDs de adoração são os incontestes campeões de preferência,
principalmente entre os jovens evangélicos.
No mesmo artigo, o subt
ítulo revela que houve uma mudança comportamental em relação ao
tipo de consumo de música gospel, cuja nova preferência está no gênero adoração: Louvor
82
Consumidor Cristão, ano IV, n. 40, pp. 78- 83, 2005.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
290
e Adoração é o preferido pelas igrejas e tem mudado até o comportamento dos crentes e das
gravadoras. Já em outra parte, a reportagem traz o depoimento de Asaph Borba, compositor
renomado no meio evangélico de cânticos de louvor desde os anos 70, que afirma ser esse
um movimento instaurado em todo o país e chama-o de mover de Deus, concluindo:
Enquanto houver Igreja, haverá esse mover (p. 78).
Como todo campo evangélico do país, a IPB acabou por incorporar, com significativos
diferenciais, esse movimento de louvor e adoração que impera no meio evangélico. Não
podemos esquecer que, se hoje existe a força do mercado sobre a igreja, a relação entre
ambos é dialética e deve ser abordada todo tempo neste trabalho. Por isso, quando
afirmamos que o mercado está influenciando o culto da IPB, pressupomos que o próprio
mercado nasceu de demandas leigas desta denominação.
Mas, então, quais as influências dessa nova tendência gospel de louvor nos cultos
presbiterianos? Independente do que é incorporado nos cultos, é importante ressaltarmos
que nesses espaços de louvor e adoração coletivos sempre uma intensificação das
experiências. Nos cultos, mesmo nos neopentecostais, existe o controle institucional, assim,
o show de adoração pode proporcionar sensações não encontradas no espaço cúltico. Por
isso mesmo, o mercado aquece também a venda dos CDs de adoração que, por serem
gravações ao vivo dos shows, reproduzem o êxtase e a euforia desses momentos.
Um dos aspectos do show e que pode influenciar no culto presbiteriano está relacionado
com a atuação do dirigente do louvor. Nos shows de adoração, o der do grupo, o chamado
ministro de adoração, exerce uma dominação carismática sobre o público. Prega,
profetiza, ministra a cura e a libertação de opressão maligna. Acontece, porém, que, tal
como nos cultos neopentecostais, as curas e ministrações nem sempre são visíveis, mas,
independentemente disso, o público sente profunda emoção e vivencia tais fatos como se
fossem reais
83
.
83
Cabe registramos que, ao analisar sociologicamente este fenômeno, não lhe conferimos qualquer atribuição
de valor. A fé no acontecimento de milagres e a crença nas ministrações proféticas não são elementos que
podem ser abordados em uma análise sociológica. Por isso, dizer que um grupo religioso produz o sonho ou
devaneio em reuniões coletivas de louvor, o lhe tira o caráter especificamente religioso. Lísias Negrão
(2000) já aconselhou que os cientistas da religião devem evitar a armadilha de descaracterizar determinadas
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
291
Outro ponto a ser ressaltado é o tipo de experiência proporcionada pelos shows. A alta e
requintada performance espetacularizada proporciona que o show aconteça na interação
público-banda. Com isso, a participação é mais enfatizada. Os jovens presentes interagem
com as bandas que se apresentam com todo tipo de manifestação. Nisso outro ponto que
destacamos é a ampla liberdade de expressão em tais eventos, que inclusive gera um
sincretismo entre a adoração e o lúdico. Assim, descontração, louvor e emoção compõem
hibridamente tais espaços de show, freqüentados pelos jovens presbiterianos do país.
Ora, se a dinâmica entre mercado e igreja é dialética, como fica a situação do culto
presbiteriano? Este culto encontra-se em uma situação muito difícil, porque, a fim de
satisfazer as demandas da área musical-cúltica, tem de negociar com tendências que fogem à
antiga versão de culto pedagógico e racional, modelo típico do puritanismo calvinista. Não
podemos esquecer que, na circunstância de mercado e, conseqüentemente, de pluralismo
religioso, a escolha racional (Iannaccone, 1992) é um dos fatores que contribui para a
adesão institucional. Na realidade, esta escolha, segundo esclarece Iannaccone, não precisa
ser tão racional no sentido exato da palavra, mas tem como princípio uma maximização
dos comportamentos. Iannaccone (1992, p. 123) esclarece que o aspecto definidor da teoria
racional é sua suposição de comportamento maximizado. Indivíduos pesam os custos e
benefícios antecipados de suas ações e agem deste modo para maximizar benefícios
líquidos
84
. Nesse contexto, a microeconomia do sacrifício pode ser o ponto crucial
enfrentado pelo presbiterianismo. Para toda a nova geração, que tem, a seu dispor, uma
variedade de igrejas coadunadas com as tendências contemporâneas e culturais, por que o
presbiterianismo atrairia? Qual seria o lucro em participar de tal denominação?
A rigidez moral exigida pelo presbiterianismo, e, de modo geral, por todo o protestantismo
histórico, também se encontra em muitas igrejas neopentecostais e comunidades menores.
Podemos supor que existe um mesmo grau de sacrifício nessa área, por parte dos jovens em
todo o campo evangélico do Brasil. Daí, inclusive o hibridismo do Gospel: as novas
produções musicais continuaram trazendo os antigos valores morais e rígidos do
religiões como se estas o o fossem. O autor fazia referência à inserção de algumas igrejas no mercado e à
utilização do marketing religioso. Em suma, vale lembrar que, sociologicamente, só podemos examinar os
fatos objetivados e passíveis de uma análise teórico-científica.
84
Tradução da autora.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
292
protestantismo. Tivemos oportunidade de mostrar isso, ao analisarmos o emprego inicial da
música gospel pela Renascer em Cristo. Ao mostrarmos a nova formatação da música gospel
afirmamos que: o aspecto moral do discurso das igrejas era mantido e dessa forma drogas,
sexo, prostituição, bebida, jogo e assim por diante, eram combatidos, porém com uma forma
nova de linguagem(Dolghie, 2002, p.110).
Assim, o Gospel enfoca a rigidez moral que condena o sexo fora do casamento, drogas,
bebedeiras e outras práticas do gênero. Tal como nos Cânticos, a vida de santificação
também é o tema. Contudo, se o neopentecostalismo e as comunidades alternativas exigem
esse comportamento, oferecem em troca a possibilidade de inserção cultural do jovem,
promovendo programações para que isto aconteça. Por tal razão, muitas igrejas patrocinam
as atividades oferecidas pelo mercado gospel.
Gostaríamos de exemplificar tudo o que estamos relatando a partir de algumas referências
de um trabalho de campo realizado em um show de adoração em São Paulo
85
. A banda
Hillsong, da Austrália, era a maior atração do evento. O show ocorreu no Estádio da
Portuguesa, contando com um público de 40 mil pessoas, e foi patrocinado pelas igrejas
Batista da Lagoinha, Bola de Neve e Renascer em Cristo. Durante as seis horas de espera na
fila, para entrar no estádio, não verificamos nenhum tipo de inconveniente pico de
aglomerações como esta. Não presenciamos bebidas alcoólicas, mas apenas refrigerantes
compartilhados pelos grupinhos que se formavam. Havia caravanas de vários estados do
país como Paraná, Brasília, Mato Grosso e grupos do interior de São Paulo como Araras e
Araçatuba. Nas conversas de que participamos e que ouvimos, havia uma mistura de antigos
jargões piedosos do protestantismo histórico com a inclusão dos novos jargões do mercado.
Assuntos típicos de vida consagrada, e o jargão de irmãozinho eram tratados com
discussões sobre a performance dos grupos que atuariam, os nomes dos músicos da banda da
Austrália, a participação do Ministério Diante do Trono, sua ligação com a Hillsong e outros
mais. Ou seja, percebemos um público que, na fala e prática social, revelou-se com um
85
Show realizado em 23 de setembro de 2006 no Estádio Canindé (Estádio da Portuguesa) em o Paulo. O
trabalho de campo foi realizado das 13 horas à meia-noite e meia. A abordagem consistiu na interação com os
grupos que estavam nas filas esperando a abertura do portão. Como o mesmo foi aberto depois das 18 horas,
mantivemos contato com os jovens por quase seis horas. Durante o show, tivemos a oportunidade de verificar
o comportamento dos grupos diante das três bandas que se apresentaram: Diante Do Trono, Hillsong e
Renascer Praise, registrando fotograficamente o evento.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
293
padrão moral típico do protestantismo, mas liberado em relação à inserção social e cultural
pertinente à sua idade.
Na hora do show, a padronização do louvor e adoração apareceu fortemente. Em um
primeiro momento, houve muita oração com o apóstolo Rina, da Bola de Neve. Em seguida,
o Ministério Diante do Trono conduziu a adoração com grande entusiasmo e emoção. Os
jovens choravam, cantavam com as mãos levantadas, dançavam, batiam palmas e
assoviavam. O espetáculo ocorria pela performance do grupo, pelo visual do palco e pelas
coreografias, no mesmo padrão das bandas seculares. Na apresentação da banda australiana
Hillsong, o clima foi de total euforia. Era como presenciar um fã-clube gritando junto de
seus ídolos.
Enganosamente, pode-se supor que o público era apenas neopentecostal, mas, assim como
aconteceu com o Cântico e com as comunidades de roqueiros dos anos 80, a participação
dos jovens do protestantismo histórico era um fato. Pontuamos as denominações tradicionais
das quais tivemos oportunidade de colher depoimento antes do início do show: Assembléia
de Deus do Bom Retiro, Assembléia de Deus (PR), Batista Ágape, IPI do Ipiranga, IPB de
Campinas, IPB de Higienópolis, IP Jardins, IPB de Vila Mariana e IPB de Alphaville. Além
destas, outras igrejas neopentecostais e autônomas compunham o público presente. Na hora
do show, o apóstolo Rina fez uma pequena identificação das igrejas presentes, pedindo para
que o público se manifestasse. A presença de todas as denominações históricas pôde ser
constatada então.
O que podemos concluir? Se as igrejas neopentecostais e as comunidades menores oferecem
aos jovens toda possibilidade de inserção cultural aliada à busca de experiência religiosa, o
que dizer das tradicionais, que lhe negam essa condição? Como fica a reprodução desse
modelo de adoração nos cultos tradicionais? Com a possibilidade de acesso aos shows de
adoração, por parte de todos os jovens evangélicos do país, a manutenção desses cultos
encontra-se cada vez mais ameaçada. É o que ocorre com o culto da IPB. Embora a ala
tradicional da igreja rejeite a adoração gospel, o consumo do produto, por parte dos jovens
leigos, escapa de sua ingerência e acentua a tensão, existente há décadas, na área hinódica da
denominação.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
294
Assim, entendemos que a insatisfação religiosa do leigo presbiteriano, na área cúltica e
musical, pode provocar a migração para outras instituições que apresentem teologias
similares, mas ofereçam um produto musical mais contextualizado. Essa situação também é
vivenciada pela IPB também no âmbito interno. Isso acontece, porque, na falta de unidade
cúltica, algumas igrejas mais liberadas na área musical atraem um maior número de jovens,
que migram de outras igrejas da mesma denominação. Há um princípio de custo-benefício
nesse trânsito. Resumindo, a oferta e a demanda ajustam-se na adesão institucional religiosa.
No entanto, as próprias discussões de Iannaccone (1992) podem mostrar um trânsito ainda
contido da IPB para outras denominações, pois, ainda que exista o princípio de escolha
racional, o consumidor convive com um risco, que pode ser atenuado em termos de
expectativa, pela credibilidade da instituição. De acordo com as palavras de Iannaccone
(1992, p. 126), pode-se predizer a emergência de instituições e harmonizações designadas
para aumentar a informação e reduzir a probabilidade de fraude
86
. Logo, é possível que a
IPB consiga segurar ou minimizar a migração de jovens insatisfeitos para outras
denominações. A confiança da seriedade da instituição é um dos fatores que contribui nessa
situação. Por outro lado, a abertura de algumas igrejas locais aos estilos mais próximos do
louvor e adoração do mercado pode provocar uma migração interna na denominação.
7.2 A produção musical cúltica da IPB frente ao mercado gospel
Qual é, de fato, o posicionamento da IPB frente ao mercado de adoração? Como ele tem
interferido na produção musical cúltica da denominação? Sabemos, e isso é teoricamente
sustentado, que não como o culto presbiteriano deixar de sofrer algum tipo de influência
deste mercado. Isso está implícito nas relações entre os campos da religião e da cultura em
86
Tradução da autora.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
295
tempos de pós-modernidade e secularização. A questão consiste, assim, em verificar a
medida na qual o modelo do culto presbiteriano, na especificidade da IPB, está sofrendo
transformações advindas da adoração gospel.
Para respondê-la, é imprescindível reconhecer que, embora as influências existam por força
da situação mercadológica, o modelo cúltico do presbiterianismo no Brasil também é
responsável pelas transformações internas nesse culto. A condição de um tipo de culto ideal,
somada às circunstâncias históricas de luta na área hinódica e às novas demandas leigas, deu
um aspecto heterogêneo à denominação. Basicamente, o que se vive hoje é um embate entre
a produção musical do culto e a racionalidade buscada por meio da prédica. Todo esse
quadro não se formou apenas por circunstâncias atuais, mas foi conseqüência de rios
processos internos à denominação. As dinâmicas da produção e reprodução religiosas da
teorização de Bourdieu (1987) são extremamente eficazes para compreendê-lo. À luz dessa
teoria, trazemos a análise da produção cúltica da IPB, recapitulando alguns de seus pontos
principais.
7.2.1 O desenvolvimento da música no espaço cúltico
No cenário em que se desenvolveu o culto protestante histórico, a música era uma
auxiliadora à mensagem que deveria ser transmitida e ensinada. É importante atentarmos
para o fato de que, embora o modelo de culto protestante no Brasil fosse semelhante ao
modelo dos reavivamentos, não compartilhava da categoria de emocionalismo. Em outras
palavras, o protestantismo adotou o modelo estrutural dos cultos dos reavivamentos, mas
não o usou do mesmo modo. O culto protestante histórico firmou-se no princípio
pedagógico e racional, e o presbiterianismo veio intensificar ainda mais esse caráter. Dessa
forma, podemos concluir que o culto brasileiro precisava, em seu esvaziamento litúrgico,
apenas de dois agentes específicos para se realizar: o orador e o músico. Ora, nas condições
brasileiras, as duas principais e quase únicas funções litúrgicas podiam ser realizadas por um
só agente cúltico.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
296
No início da inserção do protestantismo, o leigo desempenhava ambas as atividades em
tempos de ausência dos pastores que precisavam ir de cidade em cidade, fazenda em
fazenda, para promover a religião. Todavia, à medida que o trabalho missionário foi-se
solidificando, e o número de pastores aumentando, o leigo foi substituído na dupla função
que exercia. Acreditamos ser comum, na época, que pastores fossem oradores e cantores nos
cultos que ministravam, principalmente quando entendiam um pouco de música e
conseguiam puxar
87
os hinos. Contudo, no desenvolvimento do culto, surgiu, como era de
se esperar, um aparato musical mais técnico e específico nas igrejas protestantes de modo
geral que começou a dificultar a atuação do pastor nessa área, gerando, assim, a necessidade
de um especialista musical.
Infelizmente, as condições de desenvolvimento musical no culto não foram iguais, e sempre
houve, no Brasil, uma deficiência muito grande da presença do especialista musical nas
igrejas de menor porte econômico e social. Nestas, o ofício era realizado por irmãos com
vocação e muita boa vontade em servir a igreja local. Esse último exemplo foi o que mais
cresceu no protestantismo histórico do país. Com a deficiência de especialistas musicais e o
acúmulo crescente de atividades realizadas pelo pastor, a distinção ocorreu naturalmente. A
grande maioria dos leigos não especializados em música detinha a função musical, e o
pastor era o responsável absoluto da prédica. Assim, a subordinação da música à prédica
refletia-se no exercício de funções desempenhadas pelo leigo em subordinação ao pastor-
teólogo.
Desde então, o espaço cúltico vem sendo dividido pelo pastor, responsável pela prédica, e
pelos agentes musicais, divididos em várias formas de atuação: corais, grupos vocais,
grupos musicais de condução congregacional de cânticos, grupos e solistas que se
apresentam com play-back e outros. Não é difícil perceber que, com tamanha variedade de
produção musical no culto, a relação de subordinação da música à prédica foi-se
enfraquecendo, o que rapidamente se transformou em confronto. Isso se acentuou à medida
que a proliferação de novos grupos musicais foi sendo sistematicamente subsidiada pelas
organizações paraeclesiásticas na produção do Corinho e do Cântico.
87
O termo é usado, ainda hoje, em algumas igrejas e significa dar o tom da música, iniciar o canto, para que,
depois, a congregação entre cantando junto.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
297
Com base nesse novo formato, o modo mais eficaz de combater um possível
enfraquecimento da prédica foi, obviamente, o apelo à tradição. Assim, a música que não
servia aos propósitos da prédica passou a ser marginalizada pela liturgia oficial. Os hinos,
oriundos dos vários hinários evangélicos que seguiam a tendência dos Salmos e Hinos,
formavam a hinódia oficial do protestantismo brasileiro, porque legitimavam o caráter
racional da prédica. Contudo, as novas produções musicais, marginais à hinódia oficial, não
retrocederam e sempre tiveram um público que as reconheceu como cúlticas. Dessa forma, a
tensão entre o hino oficial e o Cântico retratava também a tensão entre a música e a prédica
devido à relação de subordinação da primeira à segunda.
Na década de 90, com a chegada das igrejas neopentecostais e das rias comunidades
evangélicas alternativas, a tensão entre a prédica e a música tornou-se maior, porque o
músico leigo passou a ganhar o status de levita nestas igrejas. A atuação do agente
musical podia acontecer de duas formas: como um leigo diferenciado ou sacerdote da
instituição incorporado ao corpo clerical. Com a proliferação e a expansão do mercado de
música gospel, o agente musical deu um salto rumo ao reconhecimento de sua atividade, que
não mais estava atrelada apenas à instituição religiosa.
Assim, os músicos, ora denominados levitas, ora artistas gospel, passaram a revezar-se
entre cultos e shows. O trabalho sempre voluntário nas igrejas mescla-se aos cachês
cobrados para a realização de shows. Já ganhando um status de levita e o reconhecimento
direto do público, o mercado de adoração proporcionou uma inversão entre a antiga relação
de subordinação da musica à prédica. Nos shows de adoração, a prédica é que serve como
auxiliadora da música, e a figura do ministro de louvor e adoração torna-se totalizante,
porque consegue atuar sozinho nas diversas áreas religiosas, como oração, intercessão,
profecia e assim por diante.
Dentro de sua atuação, o agente musical, que realiza a função de ministro de adoração,
realiza uma atividade carismática e performática que lhe garante total domínio de palco e
sobre o público. Portanto, seu tipo puro pode ser construído pela junção dos seguintes
elementos: carisma e performance. A reprodução desse modelo de agente musical é
realizada nos inúmeros encontros e congressos destinados aos ministros de louvor
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
298
organizados por muitas igrejas e organizações autônomas. Assim, o mercado de música
gospel ajudou na quebra do princípio de submissão da música à prédica ao conferir ao
músico uma autonomia de produção frente à igreja. É claro que as leis do mercado
interferem e determinam o tipo de produção do músico gospel, mas o que estamos tratando
aqui é sua autonomia em relação à instituição religiosa.
Assim sendo, se o presbiterianismo conseguiu manter, com certa dificuldade, a supremacia
da prédica no culto, foi golpeado pelas novas tendências de louvor e adoração do mercado
de música gospel. Por isso, a incorporação de um novo estilo de louvor é interpretada como
ameaça marcante nas igrejas presbiterianas de todo o país. A atuação do dirigente de louvor
no culto é cada vez mais influenciada pelo novo padrão de adoração, e, por conseguinte, ele
consegue ter controle sobre todas as partes do culto caso necessário. Nessa situação,
acontece uma dinâmica de poder, muito interna e específica na estrutura bipolar do culto,
nas atividades da prédica e da música. Trata-se de um embate entre essas duas partes do
culto que, embora já vinha sendo travado há pelo menos três décadas, agora está inserido
num contexto de liderança carismática dentro do culto.
7.2.2 Tradição e carisma: o confronto entre a prédica e a música
Entendemos que o conflito cúltico que está acontecendo neste momento histórico em que
vive o presbiterianismo vincula-se ao jogo de poder existente entre os agentes principais
para a realização do culto: o pastor e o músico. Obviamente, trataremos de classificá-los de
forma pura, utilizando não só a tipologia, mas também o método weberiano. Assim, temos o
embate entre a prédica, assumida pela figura do pastor, e a música, especificamente a de
adoração, representada pelo músico. O pastor, na atuação sacerdotal de funcionário da
instituição religiosa, exerce um domínio tradicional que vem sendo confrontado pela
liderança carismática do momento de louvor exercida pelo músico
88
.
88
É importante ressaltar que esta tipologia distinta está sendo realizada a fim de analisar as questões
completamente atuais do contexto de culto presbiteriano no Brasil. Isso porque a música pode ser servidora do
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
299
Porém, por que a prédica é apontada como meio de dominação tradicional? Tal ligação
pode ser feita a partir da função que essa atividade assumiu no contexto do culto protestante,
principalmente no presbiteriano. Ao analisá-la sociologicamente, Willaime (2002, p. 43)
disse que esse estudo (...) não se limita, no entanto, ao estudo de como ela é recebida, mas
analisa também suas condições de enunciação e a encara como uma prática discursiva
específica. As condições de enunciação revelam três características importantes da prédica:
a institucional, a comunitária e a ritual. Dependendo de condições específicas, a prédica
pode tender a realçar uma destas características.
Segundo Willaime (2002, p. 46), a função maior da prédica, no culto protestante, é trazer a
presença da divindade:
Na tradição protestante, foi muitas vezes acentuado que a prédica ocupa
um lugar essencial no dispositivo de culto. Não queremos dizer, em nome
da idéia que faríamos da essência do protestantismo, que deva ser
obrigatoriamente assim, mas queremos somente sublinhar que, no
protestantismo, a prédica foi colocada no centro do dispositivo pelo qual
essa tradição religiosa leva a presença da divindade aos fiéis: é uma
verdade histórica e isso corresponde à forte valorização que teólogos
protestantes e fiéis atribuem tradicionalmente a esse elemento do culto
protestante.
Estando a prédica no centro do dispositivo que leva a presença da divindade aos fiéis, torna-
se indispensável para que o culto aconteça. Portanto, para o protestante, a presença divina
encontra-se na própria palavra, é a religião da Sola Scriptura. Logo, constatamos a íntima
ligação da prédica com a teologia. Ora, a prédica, sendo totalmente atrelada à teologia, traz
em si a visão de mundo construída por um grupo religioso e constantemente veiculada na
hora do sermão. A partir daí, concluímos que a prédica assume uma função quase sempre
institucional, porque é servidora da teologia que determina a doutrina religiosa do grupo. O
culto protestante brasileiro, sendo estritamente voltado ao ensino, reforça ainda mais o
caráter institucional da prédica.
poder institucional, assim com a prédica pode ser utilizada de forma carismática,quando assume sua função
profética (Willaime, 2002). Contudo, o contexto atual da função da música no culto da IPB passa pela
discussão do mercado de adoração e neste a música de adoração assume função carismática. Portanto,
propormos uma tensão entre as duas formas puras a partir de tal contexto histórico. As dinâmicas e forças
envolvidas nesse processo atual podem ser atenuadas dependendo de desenvolvimentos posteriores na
denominação.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
300
A importância atribuída à prédica e à teologia tem como conseqüência a importância
atribuída ao pastor-teólogo: o representante legítimo que pode dispor desse elemento
fundamental no culto. É nesse sentido que a função do pastor aproxima-se mais do tipo puro
de dominação tradicional; ele tem nas mãos o dispositivo mais institucional da organização.
Sua legitimação, segundo Weber (2000, p. 141), é (...) baseada na crença cotidiana da
santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude
dessas tradições, representam a autoridade. A tradição do protestantismo é a tradição da
Sola Scriptura, ou seja, do conhecimento teológico.
Em momentos de ameaça à organização religiosa, a função institucional da prédica é
ativada, e o pastor assume o exercício da dominação tradicional. Ora, esse é o quadro atual
da IPB, visto que o novo modelo musical adotado no momento de louvor de algumas igrejas
presbiterianas intimida o caráter racional da denominação. Por que isso acontece?
Exatamente porque a nova produção proporciona momentos de emocionalismo no culto
conduzido de forma carismática pelo dirigente, que, nas devidas proporções, reproduz a
padronização da adoração gospel. Sua atuação carismática é legitimada pelo público
freqüentador de tais eventos, e, desse modo, a dominação carismática se faz presente no
momento de louvor.
A legitimação do público pode ser notada em algumas igrejas onde o dirigente de louvor
recebe o título de ministro de louvor, o que é uma inovação para a denominação
89
. A
figura do ministro de louvor, ou do dirigente de louvor, é reconhecida como uma pessoa
especial e vocacionada por Deus. Nas igrejas onde o momento de louvor e adoração
aproxima-se da padronização do mercado, quase 70 % do público jovem pesquisado
considera que o dirigente tem uma função espiritual e não apenas musical na hora do
culto. O termo mais usado para expressar o reconhecimento deste líder, como dotado de
poder sobrenatural, é unção. É assim que o blico manifesta suas comparações entre os
ministérios e seus líderes, classificando-os em mais ou menos ungidos. Em outras palavras,
89
A figura do ministro de louvor já existe, muito tempo, na Igreja Batista. Nesta denominação, a arte
musical sempre foi muito desenvolvida, e os músicos que trabalham na igreja recebem um alto preparo técnico
e teológico. Cursos, seminários e faculdades compõem as possibilidades oferecidas pela instituição. A
denominação acompanhou as mudanças no campo religioso brasileiro e, atualmente, além de manter a
tradicional Faculdade de Música Sacra, oferece o curso Gestão em Ministério de Louvor e Adoração pela
Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
301
o grupo reconhece que o ministro de louvor é portador de uma unção espiritual que o
diferencia dos demais: ele pode profetizar, libertar e curar enquanto ministra o louvor. A
dominação carismática é inegável e, nesse caso, está baseada na veneração extra-cotidiana
da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta
revelada ou criada (Weber, 2000, p. 141).
No contexto analisado, existe uma nítida separação entre o exercício dos tipos de dominação
no culto. No caso da IPB, a ação carismática do dirigente de louvor é uma constante ameaça
ao poder do pastor e, conseqüentemente, da prédica, no culto presbiteriano. O que houve foi
que uma nova produção musical, que já não era bem-vista sob a ótica institucional, ganhou a
força de uma liderança carismática. Ou seja, se, em determinado momento histórico, o
pastor viu-se dividindo o espaço cúltico com as equipes de louvor, agora, passou a conviver
com a ameaça do louvor carismático.
Entretanto, se nos referimos a tipos de dominação, é porque existe legitimação do grupo. Os
leigos mais jovens são, sem dúvida, os que estão legitimando essa liderança carismática do
músico-leigo. Se isso acontece é porque a força do modelo de culto tradicional, baseado na
prédica racional, está enfraquecendo-se perante esse público. Isso se relaciona com a busca
em satisfazer as demandas específicas deste grupo que, por sua vez, estão inseridas nos
contextos da sociedade contemporânea. O discurso racional está debilitado nos tempos
atuais. O sujeito contemporâneo, sobretudo o jovem, não se contenta mais com o saber
racionalizado, mas deseja sentir, tocar, reagir emocionalmente. Na adoração gospel, ele é
convidado a reagir e não apenas a escutar e pensar. As reações individuais são
desencadeadas de tal forma que, sem elas, o espetáculo não se concretiza. Sem a reação do
público, não o louvor, e, por esse motivo, o publico é estimulado a reagir. A palavra
perde a força diante do espetáculo; trata-se da palavra humilhada sobre a qual nos falou
Jacques Ellul (1984); a sociedade do espetáculo analisada por Guy Débord (1997). É a
prédica enfraquecida diante do louvor espetacularizado e emocional!
Portanto, existe, por questões externas ao campo religioso, um enfraquecimento simbólico
da prédica que gera a debilitação do poder religioso do pastor-teólogo. Por outro lado, as
mesmas tendências atuais priorizam o espetáculo, e, conseqüentemente, no campo religioso
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
302
do presbiterianismo, propiciam o exercício da dominação carismática e, assim, do poder
religioso do leigo. Dessa forma, o mercado de música gospel, por estar coadunado com as
tendências sociais e culturais da atualidade, está mudando a prática religiosa dos leigos e
inculcando-lhes um novo habitus. Nesse contexto, o músico leigo, que sempre esteve dentro
dos limites estabelecidos pelos sacerdotes, ganha cada vez mais autonomia e busca o poder
de modificar as bases do pensamento religioso do público leigo. Logo, os dois tipos de
dominação, tradicional e carismática, entram em confronto na concorrência pelo monopólio
do poder religioso.
É bom esclarecermos que a luta ou concorrência pelo poder não acontece de maneira
totalmente consciente pelos agentes sociais envolvidos. Otto Maduro (1983, p. 18) adverte-
nos sobre o fato da ação inconsciente dos atores sociais envolvidos na luta pela legitimidade
da produção religiosa. Assim também se procede nas circunstâncias analisadas aqui. Não se
trata apenas de jogos de poder no sentido banal que tal expressão pode assumir. O que
acontece é que os atores sociais são envolvidos em tramas próprias do campo em que estão
inseridos, de tal forma e com tal complexibilidade, que as ações não podem ser
caracterizadas como ações pessoais. Essa idéia baseia-se na concepção de campo social,
de Bourdieu, como um espaço de luta constante.
7.2.3. A nova função da música no culto da IPB
Ora, desde os anos 70, a música tenta assumir uma função diferente no culto, buscando não
se restringir à condição de auxiliadora da prédica. Isso já se fazia notar na presença dos
grupos musicais que conseguiam atuar em todas as áreas do culto. Portanto, tal situação não
só foi reforçada pelo mercado, mas também intensificada pela ação carismática. A respeito
dessa autonomia dos agentes musicais no culto da IPB, Alderi Matos
90
declarou em
entrevista:
90
Entrevista realizada em maio de 2005, em São Paulo, no Centro de Pos-Graduação Andrew Jumper, no
campus da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
303
A gente vê em muitas igrejas presbiterianas as chamadas equipes de
louvor ou os dirigentes do louvor assumirem a direção de uma parte
desproporcional do culto. Esse é um problema muito sério para os
pastores. Tradicionalmente quem sempre foi responsável pela liturgia, e
que está inclusive na constituição de nossa igreja, é o pastor. A liturgia
inteirinha e principalmente o sermão sempre tem que ser sob a supervisão
do pastor e agora nós temos a figura desses dirigentes de cânticos,
dirigentes de louvor que acabam tendo mais controle do culto e exercendo
uma influência maior nas nossas práticas de culto do que os próprios
pastores. Alguns pastores aceitam isso tacitamente, eles acabam se
rendendo por questões pragmáticas. Eles não querem ofender os jovens,
desagradar os jovens, para que eles não saiam das igrejas e eles percam
membros por causa disso. Além disso eles percebem que esse tipo de culto
contribui para aumentar os membros de sua igreja (grifos nossos).
As palavras de Matos mostram a luta pelo espaço cúltico entre pastores e músicos e o poder
destes, pois conseguem influenciar mais as práticas cúlticas do que o pastor. Essa influência
ocorre, porque o novo momento de louvor está em acordo com as novas tendências da
sociedade. As palavras de Matos foram endossadas por outros pastores, que se sentem
desconfortáveis com o poder que os dirigentes de louvor vêm adquirindo no culto. Os
pastores mais flexíveis ao tipo de atividade do agente musical também não se sentem
totalmente confortáveis com a situação, visto que o momento de louvor pode assumir um
papel mais importante do que a prédica, fato que constatamos na pesquisa de campo.
Em muitas igrejas locais, o sermão e o momento de louvor estão empatados na preferência
dos leigos. Esse percentual é encontrado na maioria das IPBs, cujo modelo cúltico ainda é o
dos anos 90, com a inserção do momento de louvor no culto junto à manutenção dos hinos
tradicionais. Em contrapartida, em igrejas com um momento de louvor mais próximo à
padronização do mercado, o momento de louvor é a preferência de 70% desse mesmo tipo
de público, enquanto a prédica encontra-se com a preferência de apenas 15%. Isso quer dizer
que um novo perfil de leigos não a prédica como a parte mais importante do culto; antes,
confere ao louvor tal atribuição, o que indica um processo de deslocamento da centralidade
do culto da prédica para o momento de louvor. Ora, que tipo de produção musical existe
neste momento? Uma produção autônoma, porque não faz referência à predica e pode atuar
inclusive nas diversas áreas cúlticas e carismática, mediante ao novo modo de condução dos
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
304
dirigentes. Esta é a maior influência do mercado de música gospel sobre a produção musical
cúltica da IPB produção esta que está tornando-se central, autônoma e carismática!
No quadro abaixo, mostramos a configuração total da pesquisa, que comprova a preferência
pelo momento de louvor no culto:
Preferência
0
20
40
60
80
louvor prédica outros
Percentuais
Sob a perspectiva que analisamos, cabe o exemplo de uma das igrejas pesquisadas onde
pudemos constatar um percentual alto de jovens e adultos no culto que ultrapassava os 50%
dos presentes. Após o culto, um dos presbíteros informou-nos que, nas reuniões do conselho
realizadas para a aceitação de novos membros, 100% dos que estavam entrando na igreja
naquele ano relataram optar por lá permanecer por causa do louvor. O momento de louvor a
que assistimos durou mais de meia hora, período no qual a dirigente proferiu palavras de
cura de opressões e restauração espiritual e orou entre os cânticos
91
. Esse quadro
mostra, inclusive, a autonomia da dirigente.
Resumindo, os resultados da pesquisa de campo, assim como a observação dos novos
modelos cúlticos da IPB, indicam que o momento de louvor está cada vez mais em destaque
no culto. Tal constatação contraria a ideologia institucional da denominação, que deseja
manter a tradição do modelo cúltico histórico. Entretanto, pelo caráter eclesiológico do
91
Trabalho de campo realizado em maio de 2004.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
305
presbiterianismo, a denominação convive com a pluralidade de opiniões e posições dos
pastores, presbíteros e leigos.
7.3 A produção musical cúltica da IPB: a divisão da denominação
Já vimos que a IPB tem resistido às novas demandas do louvor e adoração congregacional.
Contudo, quais têm sido suas estratégias institucionais para contê-las? Basicamente, o
assunto é tratado em instâncias locais e, com algumas exceções, chega a ser discutido pelos
órgãos mais altos na hierarquia burocrática. É o caso, já relatado por Alderi de Sousa Matos,
de abordar o assunto em concílios menores e presbitérios apenas quando problemas que
não conseguiram ser solucionados nas instâncias inferiores. Isso acontece, porque, conforme
percebemos, a constituição da Igreja delega ao pastor a responsabilidade e supervisão da
liturgia da congregação que pastoreia. Diante de pedidos e solicitações na área de culto e
música, o órgão superior da Igreja, o Supremo Concílio (SC), sempre lembra a
responsabilidade pastoral pela liturgia, contrapondo-a com os princípios de Westminster que
devem dar os devidos parâmetros para a ação pastoral.
A opinião oficial da igreja é divulgada pelos órgãos institucionais como o Digesto
Presbiteriano
92
e o jornal Brasil Presbiteriano. Neste
93
, segundo o artigo intitulado
Diretrizes sobre a adoração litúrgica (2006, p. 8), o início da matéria traz a orientação do
capítulo 21 da Confissão de Fé de Westminster que declara:
A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania
sobre tudo que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido,
amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a
alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus
é instituído por Ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada que
92
Todo o Digesto Presbiteriano é encontrado em www.executivaipb.com.br/digesto.
93
O Brasil Presbiteriano, abril de 2006, pp. 8, 9.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
306
não deve ser adorado segundo imaginações e/ou invenções dos homens ou
sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível ou de
qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras. (O grifo é
nosso.)
Ora, a partir dessa consideração, que proíbe o uso de qualquer representação que não esteja
na Bíblia, a IPB mantém a postura, desde o período de inserção do protestantismo de missão
no Brasil, de não considerar a intervenção das expressões culturais no culto. Muitos pastores
da denominação têm posição contrária e, tal como em Lutero, afirmam que o que não é
condenado pela Bíblia pode ser utilizado no culto. Assim, os posicionamentos são
contraditórios na mesma denominação. No mesmo artigo, enquanto o reverendo Ashbell
Simonton, na famosa discussão sobre o uso de instrumentos na igreja, recomenda
moderação a fim de se evitarem excessos (p. 9), o pastor revela não concordar com a
tendência atual de se tocarem os variados estilos musicais com o objetivo de evangelização e
mostra, por meio do seu depoimento, como o afastamento da cultura ainda rege muitas
discussões litúrgicas da IPB. O reverendo declarou: O critério de avaliação nunca deveria
ser o gosto musical do ser humano, afetado por influências culturais e sociais contaminadas
pelo pecado
94
.
Entretanto, no mesmo artigo, o reverendo Ricardo Mota declarou ser a liturgia
responsabilidade do pastor, que precisa entender a extensão do território nacional, com seus
diferentes usos e costumes. O pastor deve saber lidar com a pluralidade cultural que temos
vivendo em um mesmo país (sic), É possível mantermos a unidade mesmo na diversidade e
pluralidade em que estamos inseridos. As posições sobre culto e cultura mostram-se
divididas. Ceder ou não às pressões externas é o grande dilema da IPB.
Institucionalmente, a IPB tem uma comissão responsável por cuidar de assuntos específicos
na área musical: trata-se da Comissão de Hinologia, Hinódia e Música, antiga Secretaria
Geral de Música e Comissão de Liturgia, organizada em 1999 e formada por cinco
membros e três suplentes, todos com formação na área de música. Segundo o Brasil
94
O Brasil Presbiteriano, abril de 2006, p. 9.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
307
Presbiteriano
95
, esta comissão tem por objetivo fazer com que se mantenha a intenção
educativa ao preservar cantos tradicionais (o grifo é nosso).
A necessidade da função antiga dos hinos está relacionada, segundo o mesmo artigo (2006,
p. 9), com a preservação da identidade da denominação. Extraímos um trecho da matéria
que mostra o quanto a música pedagógica torna-se importante para assegurar o modelo
cúltico tradicional do presbiterianismo:
Segundo o pastor (Ashbell Simonton) na IPB entende-se a tradição
erudita como a herança deixada pelos precursores do movimento
evangélico brasileiro, os quais transplantaram a hinódia de seus países
traduzida. Simonton lembra ainda que a música sacra tradicional é
entendida como aquela que vem sendo cantada há, pelo menos, duas
gerações, e cujo estilo musical é aceito pela geração mais velha sem causar
perplexidades(...) O pastor (Simonton) explica que o Supremo Concílio da
IPB tem atuado na orientação pastoral e administrativa dos concílios
menores com relação aos Princípios de Liturgia. Segundo Simonton, a IPB
tem trabalhado no intuito de guardar a herança e o legado transmitido por
outras gerações, expressas em cânticos que preservam seu passado
histórico e sua identidade (...) A intenção educativa (da música) pode ser
sentida através da retenção dos cantos das várias partes do culto, que ajuda
os fiéis a compreendê-la melhor e reter mais eficiente a mensagem cristã
(os grifos são nossos).
A denominação reconhece, portanto, que um enfraquecimento da música pedagógica no
culto e, em conseqüência, um desarranjo da estrutura cúltica, o que causa transtornos
internos. Sobre isso, o Digesto Presbiteriano SC 1994 - Doc 4 traz o encaminhamento de
um presbitério sobre a necessidade de orientação da Igreja sobre liturgia e música,
informando, por exemplo, que:
1) estamos vivendo um momento de confusão litúrgica em alguns
seguimentos da igreja, notando-se carência de orientação sábia, urgente e
segura;(sic)
(...)
4) constata-se o afastamento das faixas etárias jovens e adolescentes da
igreja com alterações que não procedem, mas denunciam a falta de
doutrinação propedêutica destas idades;
5) configura-se, conseqüentemente, a irrelevância da música sacra, que
sendo precioso instrumento litúrgico, docente e evangelístico, deixa de
exercer aquele papel importante em nossa amada igreja.
95
O Brasil Presbiteriano, abril de 2006, p. 9.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
308
Após a exposição dos problemas encontrados na área litúrgica, o presbitério sugere:
(...)
2) estruturação da função, do lugar e do desempenho do Ministro de
música na IPB, para que este ministério, que vem sendo adotado em
algumas igrejas, à semelhança do que acontece em outras denominações,
venha a se implantar de modo correto.
A segunda sugestão do documento é reveladora, porque constata que, desde 1994, o ministro
de louvor já era uma realidade na IPB. A preocupação do presbitério em estruturar essa
atividade revela o que já falamos exaustivamente neste trabalho: a falta de sistematização
institucional nessa área. Por certo, o presbitério que encaminhou o documento buscava um
maior controle da atividade desses agentes, mas, mesmo assim, é notável que a resolução do
SC nada tenha instruído a respeito, resolvendo encaminhar as sugestões para os Concílios,
Juntas, Comissões ou Secretarias Gerais da IPB.
No mesmo sentido, outro documento encaminhado ao Supremo Concílio, já no ano de 2006,
apresenta a proposta de normatizar a atuação do músico na igreja. Todavia, a contradição em
manter a atividade musical cúltica da igreja nas mãos do leigo persiste em tempos atuais.
Parece-nos que a questão do poder religioso é inerente a esse fato, porque, ao conferir ao
agente musical leigo, uma sistematização e uma normatização de sua atividade, ele estaria
sendo acoplado ao grupo de especialistas. Assim, a máxima da igreja de que o pastor é o
responsável pela liturgia mostra o monopólio da produção religiosa e mantém a posição de
submissão do músico. Em última instância, isso significa simbolicamente manter a atividade
musical subordinada à prédica. Afinal, por que deveria ter o músico um reconhecimento
institucional de sua função se ela é auxiliadora da mensagem? Se a centralidade do culto é a
prédica, apenas o predicante deve ter o status de especialista religioso e, portanto, garantir
que todos os outros atos do culto colaborem para isso.
Sobre o que afirmamos, o Digesto SC-2006 Doc 121 é esclarecedor. Neste, o Supremo
Concílio analisa documentos anteriores, cuja ementa solicita o reconhecimento da função
de Bacharel em Música Sacra. Os considerandos do SC relatam:
1) a importância do curso de Bacharel em Música Sacra para o incremento
da qualidade da música nos cultos;
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
309
2) a competência dos conselhos das igrejas para nomear pessoas para
coordenarem esta área da igreja, atribuindo remuneração ou não;
3) que um reconhecimento oficial, como o que é proposto, quase
equivaleria a se criar um novo ofício na igreja, além dos ofícios de pastor,
de presbítero e de diácono.
A partir de tais considerações, o Supremo Concílio resolve não atender a solicitação. A
terceira consideração demonstra o que discutimos, pois o SC nega o status institucional e
administrativo ao músico, e a primeira consideração mostra que tal negação e
reconhecimento independem do tipo de produção musical desempenhada.
Assim, a tensão entre música e prédica pode ser percebida nas resoluções do Supremo
Concílio da IPB que não conferem ao músico a possibilidade de incorporação ao grupo de
especialistas. Na realidade, a tensão não se refere apenas ao confronto música e prédica ou
aos modelos musicais propriamente ditos, mas também, conforme vimos, está
primordialmente vinculada ao modelo de culto presbiteriano que impõe uma função
pedagógica da música. Como a pedagogia do culto revela-se na atividade da prédica, tudo
precisa estar atrelado a essa ação. Assim, o pastor-teólogo, que tem a função sacerdotal
relacionada à instituição, é o que proporciona a racionalidade do culto e tem de garantir que
esse elemento racional não seja perdido, controlando, assim, a atividade musical. Por tal
razão, a música não pode ganhar nenhum status que venha a colocá-la numa situação de
igualdade com a prédica. Contraditoriamente, entretanto, a IPB possibilita que sua atuação
tome rumos não-institucionais ao impedir este status ao agente musical.
Em suma, a denominação busca, na tradição hinódica oficial, pedagógica e racional, a
manutenção do modelo do culto presbiteriano. Por isso, a manutenção da hinódia oficial,
tanto nos hinos congregacionais quanto na atuação do coral, é imprescindível para manter a
função pedagógica da música de auxiliadora da prédica. Ora, conservando-se a função
pedagógica racional, conserva-se o modelo tradicional.
Entretanto, a despeito das posições tradicionais reveladas pelas decisões do Supremo
Concílio, nota-se que estas não conseguiram criar um consenso na denominação. Os
presbitérios assumem posturas bem diferentes. Uns se declaram mais abertos e flexíveis à
incorporação de novos modelos de louvor, enquanto outros se mostram radicalmente contra
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
310
qualquer mudança nesse sentido. Se não há unidade de opiniões entre os sínodos (reunião de
presbitérios), não tampouco consenso de idéias no mesmo presbitério. Este é o caso do
Presbitério X da IPB em São Paulo que, em maio de 2003, ajuntou-se, em reunião
extraordinária, com os representantes das igrejas locais para discutir o procedimento de
bater palmas durante o louvor.
O assunto foi levantado por duas das igrejas, cujo rol de membros contava com um grande
número de jovens que inclusive participavam ativamente das programações do mercado
gospel como a Marcha Para Jesus
96
. Elas solicitavam, ao presbitério, a liberação de palmas
durante o louvor. Os pastores solicitantes tiveram a oportunidade de levar considerações
teológicas para fundamentar seus pedidos. Do outro lado, pastores contrários ao
procedimento das palmas também apresentaram argumentações teológicas. Basicamente, as
duas vertentes baseavam-se na discussão do Princípio Regulador do Culto. Depois de um dia
inteiro de discussão, dividido em exposição de temáticas anteriormente solicitadas e na
abertura para perguntas pelos presbíteros presentes, o presbitério chegou a admitir que o uso
de palmas poderia contribuir para a heresia e, assim, manteve a proibição desse uso nos
cultos públicos.
As duas igrejas que defendiam o uso de palmas no louvor cantavam, quase exclusivamente,
o Gospel, tinham e ainda têm bandas equipadas com instrumentos e aparatos técnicos de
última geração e estendiam o momento de louvor por quase meia hora. Além disso, uma das
igrejas patrocinava, uma vez por mês, o sábado gospel, no qual participavam músicos
reconhecidos nacionalmente como Mara Maravilha. Nestes sábados, as apresentações das
bandas da igreja contavam com clima de show e muita descontração. Não faltavam nem
mesmo gelo seco e luzes. Contraditoriamente, o presbitério proibiu o uso de palmas no
culto, mas não interferiu nas reuniões que aconteciam fora dele. Provavelmente, a idéia de
que aquele não era um espaço de culto sustentava a posição do presbitério, mas, em tais
encontros, o modelo do mercado gospel fortalecia-se cada vez mais entre os jovens da
igreja.
96
Uma das igrejas das igrejas solicitantes ,na Marcha para Jesus de 2003 fez camisetas para os jovens,
identificando a denominação e igreja local.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
311
Podemos notar essa falta de unidade da IPB, exemplificando, mais uma vez, o trabalho de
campo realizado no show com a banda Hillsong em São Paulo. Durante nossas conversas
pela extensa fila que se formava fora do estádio, encontramos dois pastores da IPB de São
Paulo acompanhando a mocidade de suas igrejas. Segundo o depoimento de um deles, sua
igreja havia-se programado antecipadamente para o evento, e inclusive houve propaganda
interna.
Em outro presbitério de São Paulo, constatamos a conseqüência de uma cisão local por
motivos relacionados ao momento de louvor. Segundo depoimento dos membros que
permaneceram fiéis à denominação após o cisma, o antigo pastor estava adotando uma
liturgia pentecostal por meio do momento de louvor, no qual eram permitidas até danças.
Entretanto, com sua transferência para outro presbitério e o envio de um pastor mais
tradicional para a igreja, a liturgia sofreu uma transformação radical. A equipe de louvor e o
novo pastor não tinham a mesma concepção, e os conflitos foram inevitáveis. Na entrevista
concedida pelo co-pastor da igreja
97
, este nos relatou a discussão que teve com o dirigente
de louvor. Segundo o depoente, o líder teria ameaçado o pastor ao dizer-lhe que o momento
de louvor era o que fazia o culto acontecer.
Após tal discussão, na qual não houve acordo entre as partes, a banda desligou-se da igreja e
levou consigo mais da metade dos membros. Como a visitamos logo após essa divisão, o
pastor não sabia dizer o paradeiro dos membros que se retiraram com a equipe de louvor.
Naquele domingo, havia uma pequena banda composta por um guitarrista, um tecladista e
um baterista, todos de uma igreja vizinha neopentecostal que estavam ajudando a igreja que
ficara sem músicos. Nessa situação, notamos que existia um número de leigos descontentes
com o louvor mais carismático da igreja. Embora os pastores não tivessem tido tempo para
estruturar um novo modelo cúltico, a esposa de um presbítero da igreja declarou o que
estava sentindo, dizendo: Finalmente, teremos liturgia nessa igreja.
No caso de ocorrer divisão de opinião entre os leigos, quando esta é mais ou menos
igualitária, geralmente a demanda conservadora sai vencedora, pois está legitimada pela
tradição institucional. Nessas situações, o trânsito religioso é inevitável, e muitos dos
97
Entrevista realizada na própria igreja após participação no culto, em maio de 2006, na cidade de São Paulo.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
312
descontentes encontram o que buscam em termos de culto em outras denominações. No
entanto, quando as demandas leigas não são tão opostas à posição pastoral, podem encontrar
modelos intermediários desde que o conselho local lhes ofereça algum tipo de apoio.
Ora, se todas essas situações diferentes ocorrem, não podemos esquecer que, nas igrejas
locais, existe uma variedade de demandas leigas em geral separadas por faixa etária e novos
adeptos. Sem dúvida, a divisão de opiniões dos especialistas da IPB, representados pelas
instâncias administrativas da igreja, revela a divisão de opiniões dos leigos. Ou seja, além
das novas demandas, há também aqueles que ainda preferem o modelo tradicional de culto.
Para esse grupo conservador, as novas tendências de louvor são consideradas desviantes do
presbiterianismo e ligadas à pentecostalização.
Esses exemplos mostram como a denominação está dividida e, às vezes, toma atitudes
antagônicas. O governo eclesiástico, as tendências leigas e a luta pela manutenção do
monopólio da produção cúltica são fatores que justificam tal quadro. Com a divisão de
opiniões, a diferenciação dos modelos cúlticos, que por sua vez, estão baseados
basicamente pelos diversos modelos de produção musical cúltica. Resta, então, analisar
quais modelos estão sendo adotados nos cultos da IPB. Categorizamos os modelos cúlticos a
partir da produção musical e, para isso, utilizamos o método weberiano da construção dos
tipos puros.
7.4 Os modelos cúlticos da IPB
Os modelos cúlticos que apresentamos foram construídos a partir da função dos elementos
prédica e música e, conseqüentemente, da dinâmica dos agentes envolvidos nessas
atividades. Isso quer dizer que focamos nossa análise nessas duas áreas do culto e deixamos
as demais atividades em segundo plano. Por exemplo, não nos detivemos em explicar o rito
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
313
da Santa Ceia ou os procedimentos realizados no batismo. Nossa análise restringiu-se
unicamente à verificação da função da música no culto, ou seja, importou-nos diagnosticar
qual a função que desempenha. Por isso, não nos importamos com os modelos de ordem de
culto, mas com a verificação do tipo de atividade musical existente na igreja e com o tipo de
momento de louvor comparado ao o modelo padronizado pelo mercado gospel.
Construímos os tipos puros de culto a partir da construção de tipos puros de louvor
congregacional e conseguimos empregar tal metodologia, porque, embora as funções da
prédica e da música estejam passando por mudanças, a estrutura bipolar ainda é mantida.
Em outras palavras, música e prédica continuam sendo os elementos básicos e estruturais do
culto presbiteriano no Brasil. Esse fato mostra que, apesar de os cultos neopentecostais
terem oferecido uma variedade de novos elementos litúrgicos, o culto presbiteriano não os
incorporou. O modelo do culto presbiteriano foi abalado por um elemento que já lhe era
familiar: a música.
Dessa forma, encontramos três tipos puros de culto na IPB: o culto tradicional-pedagógico,
o culto entusiasta e o culto contemporâneo. O culto tradicional- pedagógico é o culto solene,
que mantém as atividades musicais dos hinos oficiais no canto congregacional, do momento
de louvor e da participação do coral. O sermão constitui a parte mais enfatizada, e pode ser
notada uma divisão maior nas partes do culto. Ou seja, a ordem cúltica estabelece uma
interação entre leitura bíblica, canto congregacional, momentos de oração silenciosa como
intercessão e confissão, oração audível, geralmente feita pelo pastor ou presbítero, oferta,
apresentação do coral, e, entre essas partes interligadas, aparece o bloco do momento de
louvor. Geralmente, antes do sermão, a equipe de jovens dirige alguns cânticos
congregacionais, cujo repertório desmembra-se entre canções antigas dos anos 80 e 90 e
novas canções de adoração cuja preferência está de acordo com os outros modelos cúlticos
e traz canções de artistas e bandas famosas do mercado gospel como Marcos Witt, Vineyard
e Diante do Trono, por exemplo.
Em tais igrejas, o momento de louvor é uma espécie de bricolagem, pois, desde o início do
culto até o louvor, a igreja tem pequenos momentos em que se coloca de pé, senta para ouvir
o coral, levanta-se para cantar, lê responsivamente a Bíblia, ora e assim por diante. Ou seja,
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
314
até o momento de louvor, o culto desenvolve um tipo de dinâmica interrompida bruscamente
para que o louvor seja realizado. Neste momento, que dura uma média de 15 minutos, a
congregação fica de pé, entoando os cânticos geralmente, três ou quatro e, depois, ouve
o sermão, que dura entre 30 a 40 minutos.
Os grupos musicais têm um número de instrumentos reduzido em relação aos outros
modelos cúlticos; basicamente, piano, violão, guitarra e baixo são os instrumentos
utilizados. Notadamente, não a chamada condução de louvor. Os cânticos são
simplesmente cantados um após o outro sem nenhum tipo de conexão entre eles. Por isso
mesmo, o dirigente do louvor não exerce nenhuma ação carismática, mas apenas auxilia o
canto congregacional. Não há nenhum tipo de expressão congregacional mais emotiva;
antes, o culto todo se encontra no típico estado de racionalidade e solenidade.
Foi neste modelo de culto que encontramos o maior número de apresentações de grupos
vocais divididos entre grupos a capela, com uso de play-back, de jovens, adolescentes,
corais masculinos e corais de senhoras. Ou seja, a atividade musical é grande, mas está
dentro da antiga função pedagógica e racional. Em igrejas de maior porte econômico, o coral
destaca-se pela qualidade e participação no culto que pode chegar até cinco ou seis
apresentações. Nestas igrejas, a diferença de aparato técnico entre o coral e a equipe de
louvor foi o que mais nos chamou a atenção. Nesse sentido, 90% dos regentes e pianistas
são pagos pela atuação no culto, enquanto 0% da equipe de louvor recebe esse tipo de
incentivo
98
.
Os dados mostram a preferência por um tipo de produção musical ainda vinculada aos
antigos padrões clássicos e de apoio pedagógico. Nas igrejas com renda média, o coral não
tem o mesmo brilho participativo, mas a divisão de pequenos grupos musicais também
acontece. Nestas igrejas, o agente musicalmente leigo é que desempenha tais atividades;
logo, a diferença de produção está, obviamente, na qualidade da apresentação e no
repertório. Comprovando o que foi dito em todo o trabalho, estes músicos não-
profissionais não recebem nenhum tipo de incentivo da igreja da mesma forma que os
ministros de louvor.
98
O questionário aplicado aos músicos encontra-se no anexo 2.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
315
A presença de jovens nessa igreja é baixa, e, basicamente, o percentual está entre 10% e
20%. Trouxemos os dados relacionados à parte preferida do culto nesse modelo:
Preferência
0
10
20
30
40
50
60
louvor prédica outros
Percentuais
Dentro do momento de louvor, demonstramos o grau de importância dado pelos jovens em
relação aos itens pesquisados.
O que mais gosta do momento de louvor
0
10
20
30
40
50
60
70
Estilo Musical
Técnica do Grupo
Ministração do
Louvor
Liberdade de
Expressão
Espiritualidade do
Grupo e Dirigente
Experiencia
Religiosa/Espiritual
Percentuais
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
316
O culto entusiasta difere-se do tradicional-pedagógico, na área musical, fundamentalmente
por dois fatores: pela reduzida participação da atividade do coral e de grupos vocais menores
e pelo momento de louvor, com mais recursos técnicos, vibrantes e alegres. Por tal motivo, o
culto já não tem caráter solene, o que acaba sendo salientado ou não pela postura individual
do pastor e não pelo modelo cúltico.
O número de leitura bíblica, orações e hinos tradicionais é menor, o que confere um caráter
menos fragmentado ao culto. Em muitas igrejas, já não mais a participação do coral, e o
número de conjuntos vocais é muito reduzido por terem sido substituídos pelas bandas de
louvor. Isso faz com que a música mais entoada seja a de louvor e adoração. De fato, nesse
modelo de culto, este momento é alargado, podendo chegar aos 30 minutos. Embora exista
ainda um caráter de bricolagem no momento de louvor, ele é substancialmente enfraquecido
pela diminuição de outras partes do culto. Assim, louvor e sermão basicamente dividem o
espaço do culto.
O momento de louvor já se aproxima da padronização do mercado de adoração. O
repertório é composto, basicamente, das bandas nacionais e internacionais de adoração, e
muitos cânticos antigos não são mais cantados. A busca em estar sempre atualizado com o
mercado foi fato constatado em 100% dos líderes de louvor pesquisados
99
. Seguindo a
mesma tendência de atualização, a condução do louvor é mais vibrante, emocional e
entusiástica. ministrações entre as músicas nas quais o dirigente uma série de
coordenadas para a congregação sem que a mesma pare de cantar. Expressões como:
Levante as mãos aos céus, Profira palavras de adoração ao Senhor, O Senhor vai fazer
maravilhas esta noite no nosso meio, Adore ao Senhor verdadeiramente, Feche seus
olhos e outras semelhantes são pronunciadas pelo dirigente durante o louvor sem a
interrupção musical. Na congregação, já se podem ver as expressões coordenadas pelo
dirigente acontecerem, embora com ressalvas entre os mais idosos. Os movimentos
corporais são midos, mas existem, e uma espécie de coreografia intimista pode ser notada.
As palmas já são liberadas em quase todas as igrejas que adotam esse modelo.
99
Questionário contido no anexo 3.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
317
O número de instrumentos é um pouco maior em relação ao culto tradicional. A bateria é a
grande atração. Além dela, guitarra, contrabaixo, teclados (às vezes, mais de um), violão e
instrumentos de percussão são os mais usados. Naturalmente, em igrejas de renda mais
baixa, a qualidade dos instrumentos não é a mesma, mas a diversidade se mantém. A
distinção da condição econômica revela-se no uso da tecnologia. Desse modo, algumas
igrejas já utilizam o Data Show, gravam o culto, têm microfones sem fio, retorno sonoro
individual e mesa de som de última geração. Outras ainda utilizam o retro-projetor,
microfones com fio e antigos retornos no palco. Entretanto, o repertório e o estilo de
condução do momento de louvor não mudam significativamente.
No culto entusiasta, o dirigente de louvor já se encontra em uma posição de liderança
carismática no culto. Em muitas igrejas, inclusive é chamado de ministro de louvor. Sua
função é dividida entre auxiliar o canto congregacional e participar da atividade espiritual de
conduzir a igreja em adoração. O grupo religioso reconhece isso no dirigente ou ministro,
e a atribuição de unção é que classifica sua espiritualidade. A partir desta atuação mais
carismática do dirigente, a experiência religiosa vivenciada no louvor também se
intensifica: 40% dos pesquisados afirmaram ser a parte que mais lhes agrada no louvor.
Oque mais gosta do momento de louvor
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
E
s
t
i
l
o
M
u
s
i
c
a
l
T
é
c
n
i
c
a
d
o
G
r
u
p
o
M
i
n
i
s
t
r
a
ç
ã
o
d
o
L
o
u
v
o
r
L
i
b
e
r
d
a
d
e
d
e
E
x
p
r
e
s
s
ã
o
E
s
p
i
r
i
t
u
a
l
i
d
a
d
e
d
o
G
r
u
p
o
e
D
i
r
i
g
e
n
t
e
E
x
p
e
r
i
e
n
c
i
a
R
e
l
i
g
i
o
s
a
/
E
s
p
i
r
i
t
u
a
l
Percentuais
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
318
Outro aspecto de aproximação com a padronização do mercado é a autonomia do momento
de louvor totalmente presente no modelo cúltico em questão. O dirigente de louvor tem a
condição de atuar em todas as partes do culto. O aparato tanto tecnológico quanto musical
ajuda-o nessa tarefa. As bandas são mais treinadas e estão em sintonia com o que o dirigente
ministra. Por exemplo, quando há orações mais intimistas durante o louvor, a banda
corresponde musicalmente a essa ação do dirigente, abaixando volume sonoro e diminuindo
a complexidade dos arranjos. A autonomia também acontece, porque, neste momento, todas
as partes do culto são ativadas. O momento de louvor entusiasta contém oração, sermão,
profecia e louvor, e o reconhecimento do agente musical é muito maior do que no modelo
tradicional.
Inserimos os gráficos comparativos sobre a preferência entre o momento de louvor e o
sermão, onde percebe-se um tímido deslocamento da parte principal do culto:
Preferência
0
10
20
30
40
50
60
louvor prédica outros
Percentuais
Todavia, a máxima aproximação com a padronização dos shows de adoração encontra-se no
culto contemporâneo. Neste, o momento de louvor assumiu totalmente o estilo dos shows; é
carismático e performático. O culto está dividido basicamente em sermão e momento de
louvor. As partes do culto, tais como oração, intercessão e oferta, não acontecem de forma
separada, mas estão inseridas no louvor. Ou seja, elas são ligadas pelos cânticos de louvor e
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
319
pela condução do ministro. Aos instrumentos conhecidos, somam-se os da família de
sopros. Os vocais são divididos em um grupo principal, que ajuda o ministro, e um grupo
maior, que desempenha uma função harmônica de coral. Os grupos de dança também
incrementam a ocasião, grande novidade no culto contemporâneo.
Aliás, as atividades culturais das igrejas que adotam este modelo cúltico são muito intensas.
Abrangem grupos de teatro, grupos de dança para várias idades e de diversos estilos além de
contar com inúmeras bandas tanto de louvor quanto de entretenimento. Encontramos até
mesmo banda presbiteriana de heavy metal
100
. Assim, além dos cultos espetaculares,
os jovens têm acesso a uma variedade de opções culturais externas, tudo patrocinado pela
igreja local. Não dúvida de que a demanda do jovem contemporâneo é atendida nestas
igrejas. Isso pode ser notado em dois aspectos: no primeiro, pelo número percentual da
participação dos jovens nos cultos contemporâneos. Eles perfazem mais de 50% da presença
geral. O segundo aspecto vincula-se ao tamanho destas igrejas, que geralmente fazem mais
de um culto por domingo, pois os templos ficaram pequenos para atender ao público,
indicando o crescimento. Portanto, o culto contemporâneo atende às novas demandas da
sociedade pela incorporação das produções musicais de adoração.
Mais do que nunca, a autonomia do momento de louvor é visível. A condução no ministro
de adoração é altamente carismática, mas o que se acentua, neste modelo, é sua atuação
performática, porque a apresentação das bandas também o é. Ou seja, o ministro de louvor
consegue intensificar a atuação carismática, proporcionando maior experiência religiosa por
meio da estetização. A pesquisa revelou que a ministração, a experiência religiosa, o estilo
musical e a técnica do grupo formam um conjunto de preferências no momento de louvor,
como verificamos no gráfico.
100
Banda Vestigium Dei da IPB de Londrina, Paraná.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
320
O que mais gosta no momento de louvor
0
10
20
30
40
50
60
70
Estilo Musical
Técnica do Grupo
Ministração do
Louvor
Liberdade de
Expressão
Espiritualidade do
Grupo e Dirigente
Experiencia
Religiosa/Espiritual
Percentuais
Esse momento de louvor é a parte do culto preferida pelo jovens. A pesquisa revelou um
percentual comparativo deste momento com o momento do sermão.
Preferência
0
20
40
60
80
louvor prédica outros
Percentuais
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
321
Sem dúvida esses dados mostram que o culto contemporâneo traz ao pastor e a própria
instituição um risco.Por isso, uma tendência de cooptar clericalmente a atividade
carismática e performática do louvor. Em quase todas as igrejas que adotam este modelo
cúltico, o responsável pelo louvor é um pastor, ou um seminarista, designado para exercer
tal função. Curiosamente, no entanto, o pastor do louvor não tem, necessariamente que ter
formação musical, sua atuação é focalizada na direção congregacional do louvor. Diga-se,
direção carismática do louvor.
Assim, o que acontece é que a função carismática do ministro de louvor foi cooptada pelo
corpo clerical da igreja, mas o agente musical, em todas as suas formas de atuação no culto,
ainda não conseguiu ter reconhecimento institucional. O reconhecimento se faz em um tipo
de agente musical: o dirigente do louvor. Isso revela que o momento de louvor e o novo tipo
de liderança exercida foram estrategicamente colocados debaixo do poder institucional.
Embora, os instrumentistas e demais cantores tenham sido negligenciados nessa ação
institucional, a presença do pastor liderando o momento de louvor, acabou por finalizar com
a tensão gerada pela marginalização de um tipo de produção musical não oficial. Esta agora
se tornou oficialmente produção cúltica.
Com essa estratégia, evita-se o conflito entre os tipos de dominação religiosa e elimina-se a
concorrência com o sacerdote, porque tanto a música quanto a prédica são dirigidas por ele.
Por tal motivo, mesmo a exorbitante diferença entre a preferência do louvor de 70% em
relação à predica em 15% não representa uma ameaça ao sacerdócio. Sem dúvida, a
dominação tradicional vinculada à prédica está enfraquecida, mas o carisma é usado
institucionalmente.
Com isso, podemos verificar a dinâmica interna do culto da IPB que é reveladora, porque
mostra a inevitável discussão do poder religioso dentro do campo e a relação da religião
com outros campos sociais. Demandas leigas e conflitos internos são o que confere
complexidade à situação cúltica atual da IPB. A sua produção musical, notadamente
transformada em vários aspectos, é a grande responsável pelo estabelecimento de um novo
modelo cúltico, contrário ao antigo princípio pedagógico e racional. A influência do
mercado de música gospel, principalmente no gênero louvor e adoração, é comprovada pela
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
322
incorporação do modelo padronizado. A prédica diminui seu poder de ser o centro do culto
que proporciona a experiência religiosa. Cada vez mais, um novo público de jovens vai à
igreja para louvar e não para aprender. Essa mudança de comportamento em relação ao culto
se revela proporcional à medida da incorporação das novas tendências musicais gospel. A
título de comparação trazemos os resultados dos três tipos de culto analisados:
Comparativo de Preferências
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Louvor Prédica Outros
Percentuais
Culto Tradicional
Culto Entusiasta
Culto Contemporâneo
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
323
Comparativo do que mais gosto no momento de louvor
0
10
20
30
40
50
60
70
E
s
t
i
l
o
M
u
s
i
c
a
l
T
é
c
n
i
c
a
d
o
G
r
u
p
o
L
i
b
e
r
d
a
d
e
d
e
E
x
p
r
e
s
s
ã
o
E
s
p
i
r
i
t
u
a
l
i
d
a
d
e
d
o
G
r
u
p
o
e
D
i
r
i
g
e
n
t
e
E
x
p
e
r
i
e
n
c
i
a
R
e
l
i
g
i
o
s
a
/
E
s
p
i
r
i
t
u
a
l
Percentuais
Culto Tradicional
Culto Entusiasta
Culto Contemporâneo
Contudo, conforme escreveu Otto Maduro (1983, p. 137):
Nem a procura religiosa, nem a produção religiosa nenhuma delas por si
só pode provocar o consumo religioso; este é resultado, única e
exclusivamente, da convergência de uma procura religiosa insatisfeita com
a oferta do produto adequado a esta procura. Sempre e somente se
ocorrerem essas duas condições, ocorrerá consumo religioso.
Logo, o consumo religioso da adoração gospel revela a conformidade entre o produto
oferecido pelo mercado e a demanda leiga dos jovens presbiterianos. Em suma, o mercado
obteve êxito, pois atendeu às demandas, antigas no meio presbiteriano, na área musical
cúltica. Ora, assim, voltamos ao pressuposto de todo este trabalho: a relação dialética entre o
mercado de música gospel e o culto presbiteriano. Se, hoje, o mercado é uma ameaça à
tradição cúltica, foi esta que possibilitou sua formação e força.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
324
CONCLUSÃO
O tema do presente trabalho relaciona duas variáveis de extrema complexidade analítica: a
produção musical cúltica do presbiterianismo e as novas tendências da música gospel. A
produção musical do presbiterianismo sempre teve, desde os primórdios, em Calvino, uma
função essencialmente pedagógica e racional, características também desse culto. Por outro
lado, a outra variável a tendência gospel caracteriza-se pela proposta contrária à
concepção calvinista. O mercado gospel promove e fomenta a música evangélica como
genuíno meio para se alcançar uma satisfação estética, emocional e lúdica. Entretanto,
embora as distâncias simbólicas sejam enormes entre a produção da música cúltica
presbiteriana e da música gospel, ambas se encontram em sintonia com as demandas
específicas de suas épocas e contextos religiosos.
Não como negar que a proposta calvinista, de tamanha rigidez e austeridade, não
estivesse atrelada às condições do protestantismo europeu de seu tempo inserido no contexto
religioso e político da Reforma. Assim, as propostas cúlticas relacionavam-se com as novas
demandas racionais da modernidade e estavam ajustadas às condições do campo religioso do
protestantismo, que necessitava veicular e propagar seus novos bens religiosos, numa árdua
campanha contra os exageros místicos do catolicismo. Nesse panorama, a proposta de culto
e da produção musical cúltica de Calvino cumpria os propósitos da nova religião. O culto
revelou, portanto, a confluência do humanismo racional de Calvino, típico da época, como a
ostensiva doutrinação do protestantismo contra o misticismo e o ritualismo católico. O
modelo de culto pedagógico e racional foi o resultado obtido. Neste modelo, a música não
poderia desempenhar outro papel a não ser o de doutrinação e racionalização.
Ora, da mesma forma, não podemos afastar o mercado de música gospel das novas
condições sociais, culturais e comunicacionais da contemporaneidade. Estas, causadas por
uma série de fatores dentre eles, o alto desenvolvimento tecnológico, a comunicação
massiva e o hibridismo cultural proporcionam novos comportamentos aos sujeitos. Na
mesma lógica, a religião situa-se em um novo contexto de mercado e, conseqüentemente, de
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
325
pluralismo religioso. Trata-se de um novo momento histórico no qual o campo religioso
assume novos princípios e valores como qualquer outro campo social. A religião não opera
isoladamente na sociedade, o que, independentemente de sua vontade, permite que ela tenha
apenas autonomia parcial em relação a toda a sociedade. Nisto, o mercado de música gospel
representa o novo contexto religioso da sociedade brasileira contemporânea. Portanto, os
bens musicais oferecidos neste mercado são totalmente ajustados aos novos desejos dos
indivíduos e às novas condições sociais. Sem pressupor um movimento determinista, a
produção religiosa não pode ser desligada das circunstâncias que a cercam.
Assim, é possível que duas produções musicais o distintas possam relacionar-se? Ora, não
só se relacionam, mas também interagem uma com a outra. Isso porque o presbiterianismo
brasileiro e o mercado de música gospel estão socialmente localizados no mesmo contexto.
Ou seja, se houve um período que justificou um tipo de produção musicalcúltica formatada
em determinados princípios, esta produção, seja ela como for, passou a ser confrontada e
adaptada às novas condições sociais, culturais e religiosas. Em outras palavras, a produção
musical presbiteriana não conseguiu isolar-se das outras produções religiosas nem musicais.
Em tempos de globalização, transnacionalização, desterritorialização e hibridismo, mais
difícil se torna a possibilidade de isolamento.
Acontece, porém, que o presbiterianismo não deseja a interação com as novas produções
musicais do mercado gospel, posição esta calcada exatamente na oposição de princípios
entre as produções musicais em questão. Assim, o discurso da identidade presbiteriana é o
que legitima o afastamento da IPB das novas produções musicais gospel. Ou seja, o
presbiterianismo procura manter intacta a produção musical pedagógica e racional proposta
pelo calvinismo.
Contudo, no caso específico desta denominação no Brasil, tal discurso torna-se
insustentável, porque a própria prática musical do presbiterianismo instalado aqui, na época
da inserção missionária, não era pura. Ignorando por completo essa situação, e
contrariando todas as tendências contemporâneas da cultura, a IPB ergue-se contra a força
hegemônica do mercado de música gospel e desqualifica-o religiosamente, tal como fez com
a cultura e a religiosidade brasileira, negando o diálogo com a cultura e a sociedade. Trata-
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
326
se de não contaminar a religião verdadeira! A questão é que o isolacionismo proposto pela
denominação é cada vez mais impossível de acontecer visto que o mercado de música
gospel propicia a proliferação de diversas produções musicais por meio da comunicação e
da mídia.
Assim, o mercado de música gospel foi-se inserindo na cultura religiosa do jovem
presbiteriano, conferindo-lhe um novo comportamento e habitus musical. Contudo, o
consumo gospel ocorre entre os jovens presbiterianos, porque as novas ofertas musicais
correspondem às demandas dos leigos. Com isso, encontramos a insatisfação religiosa do
jovem presbiteriano na área musical causada pela situação de isolacionismo cultural e social
que lhe foi imputada.
Ora, o desenvolvimento de uma hinódia marginalizada à oficial indicava a insatisfação na
área litúrgica que passou a ser intensificada pela inesgotável possibilidade de acesso ao
mercado gospel. Historicamente, a música, no culto protestante, de apenas auxiliadora do
sermão foi aos poucos ganhando espaço próprio e, assim, criando uma situação de conflito
interno que pode ser fortalecida ou enfraquecida dependendo de variáveis internas e externas
ao campo religioso. O mercado de música gospel acelerou e intensificou o consumo
religioso desse bem, mas não o criou. Logo, a insatisfação religiosa dos jovens protestantes
ao modelo hinódico tradicional, que crescia cada vez mais devido às mudanças de gosto e à
necessidade de pertença cultural com um grupo específico, encontrou, no mercado gospel,
mais uma força para confrontar a produção tradicional.
Por essa razão, o crescimento do mercado de música gospel, nas mais variadas concepções,
atingiu, de forma veemente, o presbiterianismo brasileiro. Mas, se o mercado não criou a
demanda, com certeza acentuou a insatisfação com a denominação. Tal intensificação de
descontentamento revela-se de forma mais imediata no culto devido ao desenvolvimento de
um mercado específico de música cúltica: o mercado de adoração.
Ora, nos shows freqüentados pelos jovens presbiterianos, vários tipos de ritmos e
performances são possíveis. As grandes reuniões em espaço público ora realizadas por
igrejas específicas, ora por bandas de louvor autônomas, mobilizam milhares de jovens que
se expressam livremente com danças, choro, palmas, glossolalia e revelações em meio ao
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
327
louvor e à adoração. A sensação de grande liberdade, a expressão de emocionalismo e o
elemento estético do lúdico destes eventos tornam-se inatingíveis no culto tradicional
presbiteriano, e, por causa disso, há cobrança da inserção desses elementos no culto.
A força que assume a cobrança pela mudança litúrgico-musical está relacionada à força do
mercado e à sua capacidade de infiltração na vida cotidiana dos jovens, uma vez que o
público jovem não freqüenta tais espaços livremente, mas também, por meio do mercado
de música gospel, leva para casa sua banda ou cantor favorito. Leva também seu louvor
favorito! A possibilidade de escolha é riquíssima, e o consumo de CDs dos grupos de
Ministérios de Adoração é enorme. Em suma, os bens oferecidos no mercado fomentam
continuadamente a insatisfação religiosa na área musical cúltica.
Que o mercado é uma nova realidade na vida religiosa do protestantismo não se pode negar.
Essa realidade existe independentemente da vontade desse campo, tão ávido em
desqualificar o fenômeno. Não mais como pensar a instituição sem levar em conta as
forças que operam no mercado. Por mais que o presbiterianismo, assim como as instituições
religiosas do protestantismo tradicional, resista a esta situação, e por mais que as igrejas
optem por condições limites em relação ao mercado como ignorar sua existência ou criar o
discurso da contaminação , ele se faz presente na realidade de boa parte dos fiéis que se
sentam, todo domingo, nos bancos de seus templos.
Todavia, ao nos referirmos à força do mercado, voltamos ao consumo religioso que lhe
confere tal força! Ora, qual tem sido o maior bem musical consumido pelo público
presbiteriano? Não é, porventura, exatamente a produção musical cúltica de louvor e
adoração, cujas características são o alto emocionalismo e a experiência carismática? Não é
esta produção o modelo oposto do presbiterianismo? Portanto, estamos diante de um
fenômeno que, embora se intensifique pelas possibilidades e ofertas do mercado de música
gospel, encontra a origem na própria denominação, especificamente na área cúltica. O que
existe é um alto grau de insatisfação com a função pedagógica e racional do culto.
Por muitas vezes, na história do protestantismo brasileiro, a IPB esteve diante de
movimentos carismáticos que também ameaçaram desestabilizar seu princípio racional. A
denominação conseguiu, com certo sucesso, manter as muitas concepções mais pentecostais
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
328
e carismáticas longe da igreja e de seus cultos. Entretanto, a existência de um mercado de
música gospel modificou tal situação. Se o presbiterianismo conseguiu evitar a glossolalia e
a cura nos cultos, estes foram golpeados pelas novas tendências de louvor e adoração do
mercado de música gospel.
Esta situação leva-nos a identificar o novo inimigo da IPB: não mais a glossolalia do
pentecostalismo clássico ou as curas milagrosas do Movimento de Tendas
101
, mas a
adoração gospel do mercado fonográfico evangélico. Diante disso, em nome da tradição e
a fim de legitimá-la, o poder institucional tenta inibir as forças deste mercado totalmente
nocivas às tradições históricas da denominação. Dá-se o caminho normal do exercício de
poder, que já se é esperado por denominações do protestantismo histórico: com a ameaça
externa, constrói-se uma unidade ideológica fortemente baseada na racionalidade típica
dessa religião. Assim, o discurso institucional ergue-se no sentido de identificar o mercado
de música gospel como alienante, massivo, passageiro, desviante da sã doutrina e,
portanto, ilegítimo.
Acontece, porém, que se o discurso institucional é tão claro e enfático, a situação se revela
bem diferente na prática. A Igreja Presbiteriana do Brasil não tem unidade de pensamento
sobre o mercado de música gospel. De certo modo, a crítica ao tratamento mercadológico
dos bens religiosos encontra eco de unidade na denominação. Logo, o bem religioso
oferecido pelo mercado divide as opiniões. Muitas igrejas locais e presbitérios têm-se valido
dessas novas produções de adoração gospel, cujo modelo foi padronizado pelo mercado.
Tais posturas podem ser explicadas pela necessidade de manter a denominação na
concorrência religiosa. Trata-se de uma dinâmica própria ao campo religioso no novo
contexto no qual está inserido. Entretanto, o fato que causa espanto não é a incorporação ou
101
O Movimento de Tendas, também conhecido como Cruzada Nacional de Evangelização foi trazido ao
Brasil no final dos anos 40 por Harold Willians e Raymond Boatrigth, missionários da International Church of
the Foursquare Gospel (Igreja do Evangelho Quadrangular). O movimento levava uma mensagem de
avivamento espiritual e de cura divina. No início as reuniões eram realizadas em igrejas protestantes históricas,
em São Paulo e Paraná. Contudo atraindo multidões e o interesse da imprensa, essas campanhas de cura divina
começaram a gerar conflitos internos nas igrejas históricas, que reagiram fechando as portas ao movimento.
Diante disso, os pregadores da cura divina passaram a realizar as suas reuniões em tendas de lona; por esse
motivo foram apelidados de tendeiros e o movimento ficou conhecido como movimento de tendas de lona
ou movimento das tendas (Dolghie, 2002, p.17)
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
329
a rejeição à padronização da adoração gospel, mas sim a tida divisão de opiniões na
denominação.
A antiga unidade cúltica que se via não no presbiterianismo, mas também em todo o
protestantismo de missão, transformou-se em total heterogeneidade dentro da denominação.
Esse fato não aconteceu apenas em âmbitos maiores, como em presbitérios e nodos, mas
em igrejas próximas de um mesmo presbitério. É impossível identificar a denominação IPB
pelo culto. Não é o caso, aqui, de verificar pequenas distinções como bater palmas ou não no
louvor, ter atividade coral, usar o hinário, priorizar determinados repertórios musicais ou ter
mais ou menos momentos de leitura bíblica e oração. A questão é que alguns modelos o
totalmente antagônicos, conferindo à denominação um aspecto de total instabilidade.
Esse cenário não pode ser compreendido apenas pelas condições atuais de mercado,
pluralismo religioso e demandas mais carismáticas. Ele foi formado graças ao
posicionamento interno da instituição de sempre dialogar com as condições externas pelo
viés da negação. Ora, não é a música cúltica de louvor motivo de tensão décadas? Quais
as estratégias para que essa tensão seja solucionada? Quando a IPB contrapôs sua produção
musical, que entendia como genuinamente calvinista, com as inúmeras produções
marginalizadas dentro da igreja, seu posicionamento institucional ocorreu pelo confronto e
não pela orientação.
Além disso, qual a ingerência das decisões oficiais do Supremo Concílio nas igrejas locais?
Ora, ao conferir a responsabilidade do culto ao pastor, a IPB enfraqueceu seu poder de
decisão institucional e, ao mesmo tempo, possibilitou que conflitos locais entre pastores,
presbíteros e leigos fossem constantemente vivenciados. O próprio tipo de governo local,
não em sua estrutura, mas no grau de representatividade, pode influenciar as decisões sobre
as práticas cúlticas. O pastor pode ser mais centralizador e ter em os o controle do
conselho, ou, ao contrário, estar totalmente submetido às suas decisões. No mesmo
raciocínio, o próprio conselho local pode ter um caráter mais ou menos representativo; uma
atitude mais democrática e levar à discussão os desejos e as insatisfações da congregação ou
de um grupo específico, ou, ao contrário, ignorar por completo a situação do leigo. Essas
questões podem mostrar a dificuldade denominacional em tratar questões de insatisfação
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
330
leiga. Por causa da condição interna, a IPB se atualmente em fragmentação cúltica. Sem
dúvida, existem tendências mais fortes, mas a resolução dos impasses parece envolver uma
complexidade muito grande.
Portanto, a Igreja Presbiteriana do Brasil, como instituição religiosa, enfrenta o dilema de
ceder ou não às novas propostas musicais-cúlticas do mercado de sica gospel,
especificamente do mercado de adoração. O alto percentual de jovens consumidores de
música gospel da denominação torna essa tarefa mais difícil ainda. Assim, a situação da
denominação assemelha-se muito à de seu sacerdote: para manter seu domínio, tem de ceder
aos desejos dos leigos. As estratégias eficientes para permanecer no mercado, numa situação
como essa, seriam a incorporação do produto de louvor e adoração padronizado e a adição
de diferenças marginais que lhe conferissem uma identificação denominacional. Contudo,
tais estratégias não são bem-vindas nos meios mais conservadores da igreja, e, somando-se a
esse fato, encontra-se a difícil forma de lidar com a situação frente ao sistema de governo
adotado pela igreja. Por todas essas especificidades da denominação, a atual condição do
culto da IPB causa extremos conflitos, e a falta de consenso é geral.
A falta de unidade é revelada na diversidade de modelos cúlticos encontrados. Porém,
embora possamos falar em modelos cúlticos diferentes, há uma tendência opositora ao culto
tradicional que se revela exatamente na transformação da função da música, aproximando-a
do modelo de adoração do mercado. Neste modelo, a antiga bipolaridade prédicamúsica é
mantida, mas o caráter racional do culto está sendo perdido. Não podemos esquecer que o
modelo de adoração padronizado pelo mercado gospel é o modelo da adoração lúdica,
espetacular e emocional que oferece, aos seus consumidores, a possibilidade da experiência
religiosa baseada na sensação, emoção e nos devaneio e não na racionalidade.
Este modelo de adoração, ao ser incorporado parcialmente pela IPB, alterou em muito a
antiga função da música no culto presbiteriano. Ela não é mais auxiliadora da mensagem
nem cumpre papel pedagógico; ao contrário, tornou-se independente da prédica e
proporciona o emocionalismo ao culto. Nisto, atende às novas demandas religiosas ávidas
por experiências emocionais e não racionais. Ora, a centralidade do culto presbiteriano, pela
sua inexorável busca de racionalidade, sempre foi a prédica, porque nesta se encontra o
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
331
dispositivo para a experiência religiosa do protestante: a da Sola Scriptura. Mudando-se a
demanda religiosa, a experiência religiosa emocional e sensorial passa a ser buscada. Como
a música é o elemento que proporciona tal experiência, passa a ser o dispositivo central do
culto. Cabe dizer que a hipótese central deste trabalho, que propunha um processo de
inversão na centralidade do culto presbiteriano no Brasil da prédica para a música, é assim
constatada. Ressaltamos que, de fato, isso se encontra em processo de deslocamento. Logo,
em muitos cultos, o sermão e o momento de louvor são igualmente importantes, ao passo
que, em outros, a música é preferida em detrimento da prédica.
No entanto, mesmo reconhecendo que todo esse novo quadro existe a partir das novas
demandas religiosas, cabe a indagação de por que outros elementos e ações igualmente
carismáticas, estetizadas e emocionais não influenciaram o culto da IPB. Sobre isso,
gostaríamos de destacar ainda alguns pontos que julgamos relevantes. O primeiro diz
respeito à atividade totalmente leiga do agente musical no culto presbiteriano. Como vimos,
o momento de inserção do culto histórico no Brasil acabou por consolidar uma estrutura
litúrgica de bipolaridade, uma vez que este culto não trouxe elementos litúrgicos mais
elaborados e com apropriações simbólicas típicas da construção de rituais. O modelo de
esvaziamento litúrgico cristalizou-se no país e se efetivou na prática cúltica do
presbiterianismo; a falta de modelo foi o modelo sacralizado.
Entretanto, mesmo se baseando em dois elementos, a prédica e a música, esta foi entregue
nas mãos de leigos não especializados e que não foram preparados pela igreja para o
exercício da atividade. Embora o quadro não fosse novo em termos de protestantismo,
porque este nunca contou com o músico-clérigo, a situação agravou-se no Brasil uma vez
que o culto fundamentava-se na bipolaridade prédica-música. Como, então, abandonar o
preparo especializado de um elemento com tamanha força cúltica? O que houve foi o
descompasso entre a preparação cada vez mais efetiva dos teólogos/pastores e o quase
abandono do agente musical/leigo. Assim, surgiu grande contradição no culto brasileiro: o
aparato musical que assessorava a prédica foi desenvolvido por um grupo de leigos com
pouca qualificação musical e quase nenhuma qualificação teológica.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
332
Ou seja, o despreparo de um corpo de especialistas na produção desse bem tão importante
no modelo estrutural bipolar do culto pode ter ajudado na formatação do panorama atual em
que se encontra o culto presbiteriano. Com a concorrência externa ao presbiterianismo, os
músicos, não preparados pela instituição, facilmente se rendem aos novos modelos de louvor
propostos. Por outro lado, os especialistas da denominação não dispõem de produtores
institucionais de música cúltica, o que força a flexibilização do agente musical para a
manutenção dessa atividade. Com isso, a influência do mercado de música gospel atingiu,
sem muita dificuldade, a desestruturada área musical do presbiterianismo.
Outro ponto que justifica a assimilação dos novos modelos de louvor e adoração mais
carismáticos no culto da IPB vincula-se a um fator histórico: a presença dos hinos
avivalistas que se constituiu inclusive em sua hinódia oficial. A hinódia do presbiterianismo
sempre esteve ligada a movimentos avivalistas. A presença desta hinódia em um culto que
se autodenomina puritano-calvinista é contraditória, o que acabou por acobertar uma
emoção contida que, por demandas externas, foi revelada e tomou corpo. Assim, a presença
desse tipo de hinódia avivalista e tipicamente arminiana, sobrecarregada de jargões
emocionais, intimistas e individualistas, pode ter propiciado que a emoção surgisse
exatamente na prática do canto congregacional. Os novos momentos carismáticos de louvor
e adoração parecem finalmente ter feito justiça ao tipo de modelo musical avivalista que se
cristalizou no culto presbiteriano. A questão é que a emoção desta produção, que havia sido
contida pelo modelo racional, ganhou força externa e explodiu, ganhando legitimação dos
presbiterianos. Dessa forma, como proibir os jovens de participarem de shows de adoração e
continuarem cantando o avivalismo de Fanny Crosby?
Nesse mesmo sentido, a hegemonia cultural norte-americana, tão criticada no mercado
gospel, já se encontrava, desde os primórdios de tal denominação, no país e cristalizou-se no
culto presbiteriano pela incorporação, sem reservas, de sua hinódia. A tradição do
interdenominacionalismo também ficou inalterada nas novas propostas de show de
adoração. Essa tradição é velha conhecida do presbiterianismo tanto pelas agências
missionárias do período de inserção no Brasil quanto pela intensiva atuação das
organizações paraeclesiásticas que entraram no país nos anos 50, todas elas norte-
americanas. Assim, como evitar aquilo que foi cultivado na própria denominação? A
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
333
contradição interna do presbiterianismo brasileiro justifica a situação na qual ele se
encontra.
Isto posto, tendo-se constatado uma mudança sensível na função da música no culto da IPB,
o culto caminha para a mudança de seu princípio básico. Junto à possibilidade tão
impensada pelo presbiterianismo, a antiga tensão na área hinódica desta denominação enfim
pode ser encerrada. Isso já está acontecendo parcialmente, porque, em igrejas que adotaram
o modelo de adoração, essa produção musical cúltica vem sendo exercida por um novo
grupo de pastores designados para tal função: o pastor do louvor.
Com isso, as novas demandas são adaptadas pela denominação e devolvidas ao leigo por
intermédio do representante legítimo da instituição, o sacerdote. Embora o pastor de louvor
ainda necessite do agente musical leigo para a execução da música, a proposta é inovadora,
porque nunca foi experimentada historicamente pela denominação e propõe considerar as
demandas culturais e sociais da produção da música cúltica. Com a atividade pastoral
dividida entre a prédica e a música, a IPB assume o enfraquecimento do sermão e, ao
mesmo tempo, volta a controlar a ação central do culto.
Portanto, um forte processo de modificação no princípio cúltico da IPB está ocorrendo em
parte do corpo de especialistas, o que implica nas possibilidades de mudança na produção
oficial cúltica ou na divisão do grupo de especialistas. Cisma ou inovação? A Igreja
Presbiteriana do Brasil, na atual conjuntura, vive a tensão constante dessas duas
possibilidades.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
334
BIBLIOGRAFIA
1- LIVROS
ADORNO, T. HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de janeiro, Zahar,
1995.
ADORNO, Theodor W. Filosofia da nova música. São Paulo, 2002.
ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo, Paz e Terra, 2002.
ADORNO, Theodor W. Introduction to the sociology of music. New York, Seabury
Press, 1976.
AHLSTROM, Sydney. A religious history of the american people. New Haven, Yale
University Press, 1973.
ALFORD, D. L. Pentecostal and charismatic music . In Burgess, Stanley M. and
McGee, Gary (editors).Dictionary of pentecostal and charismatic movementes. Gravel
Rapides, Midigan, Zondervan Publishing House, 1995.
ALLMEN, Jean. Jacques Von. O culto cristão: Teologia e prática. São Paulo, Aste,
1968.
ALMEIDA, Renato. História da música brasileira. Rio de Janeiro, F. Briguiet e Cia,
1942.
ALVARENGA, O. Música popular brasileira. Porto Alegre, Globo,1950.
ALVES, Elisabete J. C. Damião. Identidade calvinista litúrgica nas igrejas
presbiterianas no Brasil. Universidade Metodista de São Paulo ( Tese de Doutorado
em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 2003.
ALVES, Rubem. Protestantismo e repressão. São Paulo, Ática, 1979.
AMARAL, Leila. Carnaval da alma: comunidade, essência e sincretismo na nova era.
Petrópolis, Vozes, 2000.
ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo, Livraria Martins
Editora, 1980.
ANTONIAZZE, Alberto (org.). Nem anjos nem demônios. Petrópolis, Vozes, 1994.
ANTONIO, Josely de Moraes. História do desenvolvimento litúrgico na catedral
evangélica de São Paulo. Universidade metodista de São Paulo ( Dissertação de
Mestrado em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 1997.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo, Martins Fontes,
2000.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
335
ASSMANN, Hugo. A igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis,
Vozes, 1986.
ASSMANN, Hugo e Franz J. Hinkelammert, A idolatria do mercado: ensaio sobre
economia e teologia, Petrópolis, Vozes, 1989.
BABBA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte, UFMG, 2001.
BABIN, Paul e MCLUHAN, Marshal. Era eletrônica, um novo homem, um cristão
diferente. Lisboa, Multinova, 1978.
BAGGIO, Sandro R.. Revolução na música gospel: um avivamento musical em nossos
dias. São Paulo, Eclésia, 1997.
BAILEY, Albert E. The gospel in hymns: Background and interpretation. New York,
Scribner's, 1950.
BAIRD, Charles W.. A liturgia reformada: ensaio histórico. Santa Bárbara dOeste,
Socep, 2001.
BAKER, P. Way should the devil have all the good music? Waco, Word Books
Publisher, 1979.
BARBOSA, Sérgio Carlos Francisco. Religião e comunicação: A igreja eletrônica em
tempos de globalização gospel. Universidade Metodista de São Paulo, (Dissertação de
Mestrado em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 1997.
BARNA, George. O Marketing na Igreja, 2ª Ed. Rio de Janeiro, JUERP.
BARRENECHEA, Mariano Antonio. História estética de la musica. Buenos Aires,
Claridad, 1941.
BARROS FILHO, Clóvis; MARTINO, Luís Mauro Sá. O habitus na comunicação. São
Paulo, Paulus, 2003.
BARROS, Laan Mendes de. A canção de no início dos anos 70 harmonias e
dissonâncias. Instituto Metodista de Ensino Superior (Dissertação de Mestrado em
Comunicação), São Bernardo do Campo, 1998.
BARROS, Laan Mendes de. Canções da fé e liberdade 1. São Bernardo do Campo,
Imprensa Metodista, 1986.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro, Editora Elfos, 1995.
BAUDRILLARD, Jean. A sombra da maioria silenciosa: O fim do social e o
surgimento das massas. São Paulo, Brasiliense, 1985.
BAUDRILLARD, Jean. A transparência do mal. Campinas, 2004.
BAUDRILLLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa, relógio DAgua, 1991.
BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido:
A orientação do homem moderno. Petrópolis, Vozes, 2004.
BERGER, Peter. O dossel sagrado. São Paulo, Paulus, 1985.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
336
BERGER, Peter. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do
sobrenatural. Petrópolis, Vozes, 1997.
BERGER, Peter. A far glory: The quest for faith in an age of credulity, New York,
Doubleday, 1993.
BIBBY, R. Fragmented God: The Poverty and Potential of Religion in Canadá.
Toronto, Stodard, 1990.
BINGEMER, Maria Clara Luchetti (org). O impacto da modernidade sobre a religião.
São Paulo, Loyola, 1992.
BITTENCOURT FILHO, J. Alternativa dos desesperados: Como se pode ler o
pentecostalismo autônomo. Rio de Janeiro, CEDI, 1991.
BITTENCOURT FILHO, J. Matriz religiosa brasileira: religiosidade e mudança social.
Petrópolis, Vozes, 2003.
BITUM, Ricardo. O neopentecostalismo e a sua inserção no mercado moderno.
Instituto Metodista de Ensino Superior (Dissertação de Mestrado em Ciências da
Religião), São Bernardo do Campo, 1996.
BLOOM, Harold. La religion em los Estados Unidos: El surgimento de la nacion
poscristiana, Mexico, Fondo de Cultura Economico, 1994.
BOROBIO, D. A celebração da Igreja. São Paulo: Loyola, 1990.
BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular. Petrópolis, Vozes, 1986.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo, Edusp, 1988.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 1987.
BOURDIEU, Pierre. La distinción: Critério y bases sociales del gusto. Santafé de
Bogotá, Taurus, 2000.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2003.
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.
BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: Sobre a teoria da ação. Campinas, 1997.
BRAGA, Henriqueta R. F. Do coral e sua projeção na história da música. Rio de
Janeiro, Kosmos, 1958.
BRAGA, Henriqueta R. F. Música sacra evangélica no Brasil: Contribuição à sua
história. Rio de Janeiro, Kosmos, 1961.
BRAND
ÃO, Carlos Rodrigues. Memória do sagrado: estudos de religião e ritual. São
Paulo, Paulinas, 1985.
BRIGS, A. e BURKE, Peter. Uma história social da mídia. Rio de janeiro, Zahar, 2004.
BRITO, Enio José da Costa. Identidade cultural e experiência religiosa. São Paulo,
Olho Dágua, 2000.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
337
BROSE, Reinaldo. Cristãos usando o meio de comunicação social: Telehomilética. São
Paulo, Paulinas, 1980.
BROSE, Reinaldo. Visitante eletrônico. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista,
1986.
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo, Unesp, 2000.
BUYERS, Paul E. A vida de Dwight L.Moody:evangelista e pregador leigo (1837-
1899). São Paulo, Imprensa Metodista, 1940.
BUYST, I. Como estudar liturgia: Princípios de ciência litúrgica. São Paulo, Paulinas,
1990.
BUYST, I. O mistério celebrado: Memória e compromisso. Petrópolis, Vozes, 1998.
CALVANI, Carlos Eduardo Brandão. Teologia e MPB. São Paulo, Loyola, 1998.
CALVINO, J.Institucion de la religion cristiana. Buenos Aires, Nueva criación, 1967.
CALVINO, J.O livro dos salmos. São Paulo, Paracletos, 1999
CAMPBELL, Colin.A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de
Janeiro, Rocco, 2001.
CAMPOS, Leonildo S. Teatro, templo e mercado: Organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal. Petrópolis, Vozes, 1997.
CANCLINI, Nestor Garcia. A socialização da arte: Teoria e prática da América Latina.
São Paulo, Cultrix, 1980.
CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo,
Brasiliense, 1983.
CANCLINI, Nestor Garcia. Imaginários urbanos. Buenos Aires, Eudeba, 1999.
CANCLINI, Nestor Garcia.Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997.
CANCLINI, Nestor Garcia.Culturas Híbridas. São Paulo, Edusp, 2003.
CARDOSO, Douglas N. Convertendo através da música: A história de Salmos e Hinos.
São Bernardo do Campo, Edição do Autor, 2005.
CARDOSO, Douglas N. Sarah Poulton Kalley (1825-1907): Professora, missionária e
poetisa. Universidade Metodista de São Paulo ( Tese de Doutorado em Ciências da
Religião), São Bernardo do Campo, 2004.
CARVALHOSA, M. P. B. Manual do culto: Igreja Presbiteriana no Brasil. Rio de
Janeiro, S.C.P. 1906.
CAZENEUVE, Jean. E VICTOROFF, David. Dicionário de Sociologia, Lisboa, Verbo,
1982.
CAZENEUVE, Jean. Sociologia do rito, Porto, Editora Rés, s/d.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
338
CCM BRASIL MAGAZINE. São Paulo, Editora Renascer.
CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della musica nel Brasile. Milano, Fratelli Riccioni,
1926.
CHAUÍ, Marilena de Souza. Cultura e democracia: o discurso competente e outras
falas. São Paulo, Moderna, 1981.
CHESTUNUT, A. Competitive spirits: Latin Americas new religious economy. New
York: Oxford Uuniversity Press, 2003.
COBB, P. The study of liturgy. New York, Oxford University Press, 1980.
COELHO NETO, J. Teixeira. Semiótica, informação e comunicação. São Paulo,
Perspectiva, 1983.
COHN, Gabriel (org). Weber. Grandes Cientistas Sociais, v.13. São Paulo, Ática, 2000.
CONE, James A. The Spirituals and the blues: an interpretation. New York, Seabury
Press, 1972.
CONSUMIDOR CRISTÃO. Atibaia. EBF Editora.
CULLEN, S. J. Música sacra: Subsídios para uma interpretação musical. Brasília,
Musimed, 1983.
CULLMANN, O. La Fe y el culto en la Iglesia primitiva. Madrid: Studium, 1971.
CUNHA, Magali do Nascimento. Consumo: Novo apelo evangélico em tempos de
cultura gospel’”. In: Estudos de religião. São Bernardo do Campo, UMESP,
AnoXVIII, n. 26, junho de 2004.
CUNHA, Magali do Nascimento. Vinho nove em odres velhos: um olhar
comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil.
Universidade de São Paulo ( Tese de Doutorado em Ciências da Comunicação) São
Paulo, 2004.
CUSIC, Don. The sound of light: History of gospel music. Bowling Green, State
University, 1990.
DALIMORE, Arnold. George Whitefield: the life and times of the great evangelist of
eighteenth-century revival. Pnnsylvania, Banner of Truth Trust, 1975.
DAMIÃO, Elisabete J. C. A Reforma Calvinista e o ritmo litúrgico. Universidade
Metodista de São Paulo. (Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião), São
Bernardo do Campo, 1998.
DAVIES, J. G. A dictionary of liturgy and worship. London, SCM Press, 1974.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.
DIAS, Arlindo P. Domingão do cristão: Estratégias de comunicação da Igreja Católica.
São Paulo, Salesiana, 2001.
DIAZ BORDENAV, Juan E. Além dos meios e mensagem. Rio de Janeiro: Vozes, 1983.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
339
DIEZ MACHO, A. La Iglesia primitiva, médio ambiente, organización y culto.
Salamanca, Siguime, 1974.
DI SANTE, Carmine. Liturgia judaica: fontes, estrutura, orações e festas. São Paulo,
Paulus, 2004
DOLGHIE, Jacqueline Z. A experiência do sujeito no espaço cúltico.
In.Religare.BIANCO, G. ; NICOLINI, M.(orgs). São Paulo, All Print, 2005.
DOLGHIE, Jacqueline Z. Uma análise dos novos paradigmas religiosos brasileiros.
In: Um olhar sobre ética e cidadania. DE LIBERAL, M. (org). São Paulo, Ed.
Mackenzie, 2002.
DOLGHIE, Jacqueline Z. A Renascer em cristo e o mercado de música gospel no
Brasil. Universidade Metodista de São Paulo. (Dissertação de mestrado em Ciências da
Religião), São Bernardo do Campo, 2002.
DOLGHIE, Jacqueline, Z. A Igreja Renascer em Cristo e a consolidação do mercado
de música gospel no Brasil: Uma análise das estratégias de marketing In: Ciências
Sociales y Religion. Porto Alegre, Associación de Cientistas Sociales de la Religión Del
Mercosur. Ano 6, n.6, outubro de 2004.
DROOGERS, André. A religiosidade mínima brasileira. In: Religião e sociedade. rio
de janeiro, v.14, n.2, p.62-87, mar.1987.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo, Perspectiva, 2004.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares de vida religiosa. São Paulo, Paulinas,
1989.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo, Martins fontes,
1999.
ECO, Umberto. A estrutura ausente. São Paulo, Edusp e Perspectiva, 1971.
ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo, Perspectiva, 1968.
ELIAS, Norbert. Mozart: Sociologia de um gênio. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.
ELIAS, Norbert.O processo civilizador: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro,
Zahar, 1994.
ELLUL, Jacques, A palavra Humilhada, São Paulo, Paulinias, 1984.
FAUSTINI, J. W. Música e adoração. São Paulo, Publicação Coral Religiosa "Evelina
Harper", 1973.
FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo, Studio
Nobel, 1995.
FEATHERSTONE, M. O desmanche da cultura: globaliza
ção, pós-modernismo e
identidade. São Paulo, Studio Nobel, s/d.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
340
FERNANDES, Rubem César. Os cavaleiros do Bom Jesus:uma introdução às religiões
populares. São Paulo, Brasiliense, 1982.
FINDLAY, James F. Dwight Moody:american evangelist (1837-1899).Chicago,
University of Chicago Press, 1969.
FINKE R. e STARK, R. Religious economies and sacred canopies: Religious
mobilization in American Cities, 1906. In: American Sociological Review, 53: 41-49,
1988.
FINKE, R. Religions Deregulation: Origins and conseqüences. Journal of Church and
State, 132: 609- 26, 1990.
FINKE, R. e IANNACCONE, L. R. Supply-side exolanations for religious change in
América In: The Annals, 527:27-39, 1993.
FINKE, R. e STARK, R. The churching of America 1776 -1990: Winners and losers
in our religion economy.New Brunswick, Nj: Rutgers University Press, 1992.
FINKE, R. e STARK, R. How upstart sects won America:1776-1850. In: Journal for
the Scientific Study os Religion. 28(1): 27-44, 1989.
FONSECA, Alexandre. Evangélicos e mídia no Brasil. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, (Dissertação de Mestrado), Rio de Janeiro, 1997.
FOUCALT, M. Microfísica do poder. São Paulo, Paz e Terra, 2006.
FRAZER, James. La rama dorada: Magia y religion, México, Fondo de Cultura
Econômica, 1991.
FREDDI FILHO, Sérgio P. Tendências musicais de igrejas presbiterianas
independentes da cidade de São Paulo. Universidade metodista de São Paulo, (Tese de
Doutorado em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 2000.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: Da constituinte ao impeachment.
Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1993.
FRESTON, Paul. Evangélicos na política brasileira: História ambígua e desafio ético,
Curitiba, Encontrão Editora, 1994.
FURUNO, Daniel J. "Festejada por todos". Show Gospel: O guia da música evangélica.
São Paulo, a.1, n.1, p.14, 2000.
GABLER, J.Vida, o filme: Como o entretenimento conquistou a realidade. São Paulo,
Companhia das Letras, 1999.
GALINDO, Daniel. Religião, mídia e entretenimento: o culto tecnofun. In: Estudos
de Religião. São Bernardo do Campo, UMESP, Ano XVIII, n.26, junho de 2004.
GALINDO, Daniel dos Santos; TONDATO, Márcia P. Mágic Park Aparecida: O
profano e o Sagrado mediados pela cultura do lazer. In: Comunicação e Sociedade. N.
34 São Bernardo do Campo: Umesp, 2000.
GEERTZ, Clifford.
A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
341
GELINEAU, Joseph. Canto e música no culto cristão: princípios, leis e aplicações.
Petrópolis, Vozes, 1968.
GELLNER, Ernest. Pós-modernismo, razão e religião, Lisboa, Instituto Piaget, 1994.
GIDDENS, Anthony.Em defesa da sociologia: Ensaios, interpretações e tréplicas. São
Paulo, UNESP, 2000.
GIL, Antonio C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Atlas, 1991.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes, 1975.
GOLDMAN, Simão.A civilização do consumo em massa. Porto Alegre, Artes& Letras,
1970.
GOMES, Antonio Máspoli de Araújo. Religião, educação e progresso. São Paulo,
Mackenzie, 2000.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos mártires. Coleção Uma história ilustrada do
cristianismo. V.1. São Paulo, Vida Nova, 1989.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Gigantes.Coleção Uma história ilustrada do
cristianismo. V. 2, São Paulo, Vida Nova, 1988.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores. Coleção: Uma história ilustrada do
cristianismo. V. 6, São Paulo, Vida Nova, 1989.
GOTTWALD, Norman K. As tribos de Yahweh: Uma sociologia da Religião de Israel
liberto- 1250-1050 a.C.. São Paulo, Paulus, 2004.
GRAMSCI, Antonio. Cartas do cárcere. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1966.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1982.
GROVES. Dictionary of music and musicians. Eric Blom (ed.). New York, Norton,
1960.
GUARESCHI, P. Comunicação e poder: A presença e o papel dos meios de
comunicação de massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis, Vozes, 1981.
GUERRA, Lemuel D. Mercado religioso no Brasil: Competição, demanda e dinâmica
da esfera da religião no Brasil. João Pessoa, Idéia, 2003.
GUTIERREZ, B. e CAMPOS, L. S. (editores). Na força do Espírito: Os pentecostais na
América Latina, um desafio aos protestantes históricos. São Paulo, Aipral/Pendão Real,
1996.
HACK, Osvaldo H.
Mackenzie College e o ensino superior brasileiro: uma proposta de
universidade. Universidade metodista de São Paulo (Doutorado em Ciências da
Religião) São Bernardo do Campo, 2001.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
342
HACK, Osvaldo H. Protestantismo e educação brasileira. São Paulo, Cultura Cristã,
2000.
HAHN, Carl J. História do culto protestante no Brasil. São Paulo, ASTE, 1989.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de janeiro, DP&A, 2003
(a)
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo
Horizonte/Brasília, UFMG/UNESCO, 2003 (b).
HARVEY, David. Condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. São Paulo, Loyola, 2005.
HAUSER, Arnold. Sociologia del arte. V. 4. Barcelona, Labor, 1977.
HAYMAN, J. Gould. History of the methodist revival. London, T. Wolmer, s.d.p.
HERSCOVICI, Alain. Economia da cultura e da comunicação. Vitória, UFES, 1995.
HERZHAFF, Gerard. Blues. Campinas, Papirus, 1989.
HIRUMA, Ciro Hiroshi. Iconografia do rock: consumo e ideologia na cultura de
massa. Universidade de São Paulo, (Dissertação de Mestrado em Comunicação), São
Paulo, 2003.
HOGGART, Richard. A utilização da cultura:Aspectos da vida cultural da classe
trabalhadora. Lisboa, Presença, 1973.
HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga; (orgs.). Teorias
da comunicação: conceitos escolas e tendências. Petrópolis, Vozes, 2001.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras,
2002.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem. São Paulo, Brasiliense,
1980.
HOLM, J. e BOWKER, J. Práticas de culto. Portugal: Publicações Europa-América,
1997.
HOUTART, François. Mercado e religião. São Paulo, Cortez, 2003.
HOUTART, François.Sociologia da religião. São Paulo, Ática, 1994.
HUDSON, Winthrop S. American portestantism. Chicago, University of Chicago Press,
1961.
HUFF JR, Arnaldo Erico.
Culto cristão, experiência religiosa e espiritualidade: Uma
busca de aproximação entre culto e vida. Universidade de São Leopoldo ( Mestrado em
Ciências da Religião), São Leopoldo, 1996.
HUSTAD, Donald P. A música na igreja. São Paulo, Vida Nova, 1991.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
343
IANNACCONE, L. R. Rassessing Church Growth: Atatisfical Pitfalls and their
conseqüences In: Journal for the Study of Religion, 35(3): 197-216, 1996.
IANNACCONE, L. R. Religius Markets and Economics of Religion. In: Social
Compass, 39:123-31, 1992b.
IANNACCONE, L. R. Sacrifice and Stigma: Reucinh free-riding in cults, communes,
and other collectives. In: Journal of political Economy,100: 271-192, 1992a.
IANNACCONE, L. R. Why strict churches are strong In: American Journal os
Sociology, 99: 1180-1211, 1994.
IANNACCONE, L. R. e FINKE, R. Supply-side explanations for religious change;
In: The Annals, 527:27-39, 1993.
IANNACCONE, L.R. The consequences of religious market structure. Santa Clara,
Sage Publications, 1991.
IANNI, Octávio. A sociedade global.Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993.
IANNI, Octávio. Imperialismo e cultura. Petrópolis, Vozes, 1976.
IANNI, Octávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996.
ICHTER, Bill H. (org).A música sacra e sua história. Rio de Janeiro, JUERP, 1976.
ICHTER, Bill H.. Vultos da música evangélica no Brasil, Rio de Janeiro, Junta de
Educação Religiosa. Publicações, 1967.
IRWIN, C. H. Juan Calvino: Su vida e su obra. México, Alba, 1947.
JAMBEIRO, Othon.Canção de massa: As condições da produção. São Paulo, Pioneira,
1975.
JAMESON, Frederic. Modernidade singular: Ensaio sobre a ontologia do presente. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: A lógica cultural do capitalismo tardio. São
Paulo, Ática, 2004.
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo e sociedade de consumo, in Novos Estudos
Cebrap, (12), 1985.
JAMESON, Frederic.Espaço e imagem. Rio de Janeiro, UFRJ, 1994.
JAMESON, Frederic.O marxismo tardio. São Paulo, UNESP, 1997.
JULIAN, J. A dictionary of hymnology.v.2, New York, Dover Publications, 1957.
KATZ, E.; Gurevitch, M.; Hass, H. On the use off Mass Media for important things,
American Sociological Rewiew, 1973.
KEITH, Edmund D. Hinódia cristã. Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 1960.
KIEFER, Bruno. História da música brasileira. Porto Alegre, Movimento, 1976.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
344
KLEIN, Carlos J. Sacramentos na tradição reformada: a presença da teologia
sacramental zuingliana em igrejas no Brasil. São Paulo, fonte Editorial, 2005.
KOTLER, P. e SHWUCH, N. Marketing for Congregations: Choosing tyo serve people
more effectively. Nashville, Abingdon Press, 1992.
KOTLER, P. Marketing para organizações não lucrativas. São Paulo, Atlas, 1988.
LATROPH, Gordon W. Culto y cultura en la Reforma Luterana. In: Dialogo entre
culto y cultura. Ginebra, Federación Luterana Mundial, 1994.
LE GOFF, Jacques. História e memória. São Paulo: UNIOCAMP, 1994.
LEFÈVRE, Fernando. O discurso do sujeito coletivo: uma nova abordagem
metodológica em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul, Educus, 2000.
LEITH, Jonh, H.A tradição reformada:Uma maneira de ser a comunidade cristã. São
Paulo, Pendão Real, 1997.
LÉONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro. São Paulo, Aste, 2002.
LIMA, Éber F. S. "Reflexões sobre a 'corinhologia' brasileira atual". Boletim Teológico,
Porto Alegre, Fraternidade teológica, n.5, março de 1991.
LOVELACE, Austin C.. Music and worship in the church. Nashville, Abingdon Press,
1960.
LUHMANN, N. Funktion der religion. Frankfurt, Suhrkamp,1982.
LUHMANN, N. Religious dogmatics and the evolution of societies. New York, E.
Mellen Press, 1984.
LUHMANN, N. Sistema sociale: Fundamenti di uma teoria generale. Boogna, Il
Mulino,1990.
LUHMANN, N. Strutura della societá e semântica. Roma-Bari, Laterza, 1983.
LUKACS, John. O fim de uma era. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005.
MADURO, Otto. Mapas para a festa: Reflexões latino-americanas sobre a crise e o
conhecimento. Petrópolis, Vozes, 1994.
MADURO, Otto. Religião e luta de classes. Petrópolis, Vozes, 1983.
MAFESOLI, M. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de
massa. Rio de Janeiro, Forense, 1987.
MALDONADO, Luis. Religiosidade popular: Nostalgia de lo mágico, Madrid,
Ediciones Cristiandad, 1975.
MARASCHIN, Jaci. "O canto e a expressão da vida: música popular e culto
evangélico". Cadernos de Pós-Graduação, Ciências da Religião, São Bernardo do
Campo, IMS, a.2, fev. de 1983.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
345
MARASCHIN, Jaci. A (im)possibilidade da expressão do sagrado. São Paulo,
Emblema, 2004.
MARASCHIN, Jaci. A beleza da santidade: Ensaios de liturgia. São Paulo, Associação
de Seminários Teológicos Evangélicos, 1996.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.
São Paulo, Loyola, 1999.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna entre secularização e
dessecularização. São Paulo, Paulinas, 1995.
MARTIN, D. A general theory of secularization. New York, harper and Row, 1978.
MARTIN, D.The religious and the secular. New York, Schocken Books, 1969.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro, 2003.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Mídia e poder simbólico.São Paulo, Paulus, 2003.
MARTINS, Luiz Candido. O culto como representação da memória religiosa.
Universidade Metodista de São Paulo ( Dissertação de Mestrado em Ciências da
Religião), São Bernardo do Campo, 2001.
MATAYOSHI, Leda Y. "Bem aventurados aqueles que se comunicam como marca..."
A Igreja Renascer em Cristo. Universidade de São Paulo, (Dissertação de Mestrado em
Ciências da Comunicação), São Paulo, 1999.
MATOS, Alderi Souza. Os pioneiros presbiterianos do Brasil. São Paulo, Cultura
Cristã, 2005.
MAUSS, Marcel. Institucion y culto.Barcelona, Barral, 1971.
MAXWELL, William. El culto Cristiano: Su evolucón y sus formas. Buenos Aires,
Methopress, 1963.
MCLUHAN, Marshal. Os meios de comunicação como extensões do homem. São
Paulo, Cultrix, 1969.
MELO, José Marques de. Comunicação e evangelização na sociedade glocal’”. In:
Estudos de Religião. São Bernardo do Campo, UMESP, Ano XVIII, n.26, junho de
2004.
MELO, José Marques de. História do pensamento comunicacional. São Paulo, Paulus,
2003.
MENDES, Marcel. Mackenzie em movimento: conjunturas decisivas na história de um
instituição educacional(1957-1973). Universidade de São Paulo ( Doutorado em história
Social), São Paulo, 2005.
MENDON
ÇA, Antonio G. Crise do culto protestante no BrasilIn: MENDONÇA;
VELASQUES, Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1990a
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
346
MENDONÇA, Antonio G. Evolução histórica e configuração atual do protestantismo
no Brasil In: MENDONÇA; VELASQUES. Introdução ao protestantismo no Brasil.
São Paulo, Loyola, 1990b.
MENDONÇA, Antonio G. O celeste porvir: Inserção do protestantismo no Brasil. São
Paulo, Aste, 1995.
MENDONÇA, Antonio G. O canto tradicional e a vida brasileira: O pensamento
protestante brasileiro através de seu cântico tradicional. A celebração da vida,
Cadernos de Pós-Graduação, Ciências da Religião,2, São Bernardo do Campo, IMS,
fev. 1983.
MENDONÇA, Antonio G. O protestantismo brasileiro em torno de si mesmo.
Cristianismo, São Paulo, Orgão Evangélico Ecumênico, a.25, n.212, jul. de 1977.
MENDONÇA, Antonio G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: O campo religioso
e seus personagens. São Bernardo do Campo, UMESP, 1997.
MENDONÇA, Antonio G. Vocação ao fundamentalismo:introdução ao espírito do
protestantismo de missão no Brasil. In: MENODNÇA;VELASQUES. Introdução ao
protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1990c.
MELO, José Marques de. Subdesenvolvimento, urbanização e comunicação. Petrópolis,
Vozes, 1976.
MICHAEL, Tilly.Assim viviam os contemporaneos de Jesus.Cotidiano e religiosidade
no judaismo antigo. São Paulo, Loyola, 2004.
MICKELM, Nathaniel. Christian worship : Studies in its history and meaning. London,
Oxford University Press, 1936.
MIÈGE, Bernard. O pensamento comunicacional. Petrópolis, Vozes, 2000.
MONTEIRO, Simei de Barros. O cântico da vida: Análise de conceitos fundamentais
expressos nos cânticos das igrejas evangélicas no Brasil. São Bernardo do Campo,
ASTE/Ciências da Religião, 1991.
MORDUCHOWICZ, Roxana. El capital cultural de los jóvenes. Buenos Aires, Fondo
de Cultura Economica, 2003.
MOREIRA, A. E ZICMAN, RT. (orgs).Misticismo e novas religiões. Petrópolis, Vozes,
1994.
MORIN, Edgar. Cultura de massa do século XX: o espírito do tempo II: Necrose. Rio
de Janeiro, Forense, 1977.
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: O espírito do tempo, I: Neurose. Rio
de Janeiro, Forense Universitária, 1990.
MOSCOVICI, S.
A máquina de fazer deuses. Rio de Janeiro, Imago, 1990.
MOTA, Carlos Guilherme. A ideologia da cultura brasileira. São Paulo, Ática, 1977.
NASSAU, Rolando de. Dicionário de música evangélica. Brasília, S.C.P., 1994.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
347
NEGRÃO, Lísias N. "Mercadolicismo - mercado na religião e religião no mercado".
Estudos de religião, São Bernardo do Campo, UMESP, a.14, n.18, p.55-65, junho de
2000.
NETTL, Paul. De Lutero a Bach. Buenos Aires, La Aurora, 1950.
NIEBURH, H. R. Cristo e a cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
NIEBURH, H. Richard. As origens sociais das denominações cristãs. São Paulo, Aste,
1992.
NOVAES, Gilson Alberto.Políticas de comunicação da igreja presbiteriana do Brasil:
análise do período contemporâneo:1994-2002. Universidade Metodista de São Paulo
(Mestrado em Comunicação Social), São Bernardo do Campo, 2002.
O DIRETÓRIO DE CULTO DE WESTMINSTER. São Paulo, Os Puritanos, 2000
O LEVITA. São Paulo, Editora Escala Ltda.
O'DEA, Thomas F. Sociologia da religião. São Paulo, Pioneira, 1969.
ODERIGO, N. R. O. La musica afronorteamericana. Buenos Aires, Editorial
Universitaria de Buenos Aires, 1962.
OLIVEIRA, N. R.; ZUIN, Antonio A.; PUCCI, Bruno. (orgs).Teoria crítica, estética e
educação. São Paulo, Unimep/ Autores Associados, 2001.
OLIVER, Paul. Gospel, blues e jazz. Porto Alegre, ZCPM, 1989.
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994.
PARKER, Cristian. Religião popular e modernização capitalista: Outra lógica na
América Latina. Petrópolis, Vozes, 1996.
PEREIRA, Kenny Alberto Simões. Lutero e a música: Perspectivas para hoje.
(Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 2001.
PORTO, H. A fraternidade cristã-judaica: sua história. São Paulo, Conselho de
Fraternidade Cristão-judaico, 1971.
PORTO, H. Judeus e cristãos. São Paulo, Rio de Janeiro, 1976.
PORTO, H. Liturgia Judaica e Liturgia Cristã. São Paulo, Paulinas, 1977.
PRANDI, Reginaldo. Um sopro de espírito. São Paulo, Edusp, 1997.
RAMOS, Luiz Costa. Os corinhos: Uma abordagem pastoral na hinologia preferida
dos protestantes carismáticos brasileiros. Universidade Metodista de São Paulo,
(Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 1996.
RAYNOR, Henry. História social da música. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
REILY, Duncan. A. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo, Aste,
2003.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
348
REILY, Duncan A. Momentos decisivos do metodismo.São Paulo, Imprensa metodista,
1991.
REILY, Duncan A. Nós e o culto: um estudo da liturgia cristã. São Bernardo do
Campo, Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1977.
REILY, Duncan A. O culto no protestantismo puritano-pietista In: Estudos de
Religião. São Bernardo do Campo, IMS, V.1, N.2, outubro, 1985.
MICHAEL, Tilly.Assim viviam os contemporaneos de Jesus.Cotidiano e religiosidade
no judaismo antigo. São Paulo, Loyola, 2004.
REIS, Manuel. Linguagem/Poesia/Música. Guimarães, Centro de Estudos do
Humanismo Crítico, 2002.
REVISTA GOSPEL. São Paulo, Editora JMT Associados Ltda.
RIBEIRO, Bonaerges. Protestantismo e cultura brasileira. São Paulo, Casa Editora
Presbiteriana, 1981.
RIVERA, Paulo Barrera. Desencantamento e reencantamento: Sociologia da pregação
protestante na América Latina. In: Estudos de Religião. São Bernardo do Campo,
UMESP, Ano XVI, n. 23, dezembro de 2002.
RIVERA, Paulo Barrera. Tradição, transmissão e emoção religiosa: Sociologia do
protestantismo contemporâneo na América Latina. São Paulo, Olho dágua, 2001.
ROSA, Júlio. O Evangelho Quadrangular no Brasil: Fundação e expansão da Cruzada
Nacional de Evangelização. Belo Horizonte, Betânia, 1978.
ROSENBERG, Bernard e WHITE, David M. (org). Cultura de massas. São Paulo,
Cultrix, 1975.
ROUTLEY, Erik. Thentieth century church music. New York, Oxford University Press,
1971.
RUBIM, A.; BENTZ, I. M. G. e PINTO, M. J. Produção e recepção dos sentidos
mediáticos. Petrópolis, Vozes, 1998.
RÜDIGER, Francisco. Civilização e barbárie na crítica da cultura contemporânea. Porto
Alegre, Edipucrs, 2002.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura de mídias. São Paulo, Experimento, 2000.
SANTOS, Valdevino R. Tempos de exaltação: Um estudo sobre a música e a glossolalia
na Igreja do Evangelho Quadrangular. São Paulo, Anna Blume, 2002.
SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achile(orgs).Dicionário de liturgia. São Paulo,
Paulinas, 1992.
SAUSSURE, Jean de.
Ecole de Calvin. Paris, Ed Je Sers, 1930.
SEGALEN, M. Ritos e rituais. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002.
SEGNINI, Liliana R. Petrilli. A liturgia do poder. São Paulo, Educ, 1988
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
349
SEGUI, Ary de Camargo.A relação entre a religião e a educação física na Associação
Cristã de Moços de São Paulo. Universidade Metodista de São Paulo (Doutorado em
Ciências da Religião), São Bernardo do Campo, 1998.
SELIVON, Márcia. O discurso da Igreja Renascer em Cristo: Uma abordagem dos
valores e das estratégias argumentativas. (Dissertação de Mestrado pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP), São Paulo, 2004.
SHOW GOSPEL: O GUIA DE MÚSICA EVANGÉLICA. São Paulo e Rio de Janeiro,
Editora Espetáculo.
SIEPIERSKI, Carlos Tadeu. O sagrado num mundo em transformação. São Paulo,
ABHR, 2003.
SIGNINI, Liliana R. Petrilli. A liturgia do poder. São Paulo, Educ, 1988.
SILVA, Débora Pereira da. O reencantamento de um mundo que não se desencantou:
Religião e propaganda na sociedade de consumo. Pontifícia Universidade Católica
(Mestrado em Ciências da Religião), São Paulo, 2003.
SILVA, Dionísio Oliveira da. O sagrado como mercadoria: Aspectos e implicações
para uma experiência religiosa. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião), São Paulo, 1998.
SILVA, Fábio Henrique Pereira. O novo canto da terra: estudo sobre sua contribuição
à renovação litúrgica musical das igrejas evangélicas. Universidade Metodista de São
Paulo ( Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião), São Bernardo do Campo,
2001.
SLATER, Phil.Origem e significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro, Zahar,
1978.
SOUSA, Mauro Wilton de (org). Sujeito, o lado oculto do receptor. São paulo,
Brasiliense, 1995.
SOUZA, Beatriz Muniz; MARTINO, Luís Mauro Sá. (orgs) Sociologia da religião e
mudança social: Católicos, protestantes e novos movimentos religiosos no Brasil. São
Paulo, Paulus, 2004.
SOUZA, Jessé. O malandro e o protestante:A tese weberiana e a singularidade cultural
brasileira. Brasília, UnB, 1999.
SOUZA, O. Fantasia de Brasil: As identificações na busca da identidade nacional. Rio
de Janeiro, Escuta, 1994.
SPENCER, J. M. Black hymnody: The himnological history of the African-American
church. Knoxiville, The Tennesse University Press, 1992.
STARK, R. ; IANNACCONE, L. R. A supply-side interpretation of the
secularization of Europe. In: Journal for the Scientific Study of Religion, 33: 230-52,
1994.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
350
STARK, R. ; IANNACCONE, L.R. Sociology of religion. Enciclopedia of Sociology.,
2029-2037. New York, Macmilian, 1992.
STARK, R. From church-sect to religious economics. In:The sacred in a Post-
secular Age. Berkeley, University of California Press, 1985a.
STARK, R. Europes receptivy to religious movementes. In:Religious moivements:
Genesis, Exodus and numbers. New Ypok, Paragon, 1985b.
STARK, R. E BAINBRIDGE, W.S. A theory of religon. Bern, Peter Lang, 1987.
STARK, R.; FINKE, G. e IANNACCONE, L. R. Pluralism and piety: England and
Wales. In: Journal for the Scientific Study of Religion, (34) 4: 431-444, 1994.
STEERE, Dwight. Music in protestant worship. Richmond, John Knox Press, 1960.
STEVENSON, Robert M.. Patterns of protestant Church music. London, Duke
University Press, 1953.
SWEET, William W. Revivalism in America. New York, Charles Scribner´s Sons,
1944.
SUNG, Jung Mo. Sujeito e sociedades complexas: Para repensar os horizontes utópicos.
Petrópolis, Vozes, 2002.
SWINGEWOOD, Alan. Mito da cultura de massa. Rio de Janeiro, Intersciência, 1978.
TAME, David. O poder oculto da música. São Paulo, Cultrix, 1984.
TEIXEIRA, Faustino (org). Sociologia da religião: Enfoques teóricos. Petrópolis,
Vozes, 2003.
TEIXEIRA, N. C. Comunicação na liturgia. São Paulo: Paulinas, 2003.
TERRIN, Aldo Natale. Antropologia e horizontes do sagrado: Culturas e religiões. São
Paulo, Paulus, 2004.
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1988.
THOMPSON, John B. A Mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis,
Vozes, 2004.
TILLY, Michael.Assim viviam os contemporâneos de Jesus.Cotidiano e religiosidade
no judaismo antigo. São Paulo, Loyola, 2004.
TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade.Petrópolis, Vozes, 2002.
VAJTA, Vilmos. An Interpretation. Philadelphia, Muhlenberg, 1958.
VALLE, Edenio e QUEIROZ, José. (org). A cultura do povo. São Paulo, Cortez &
Moraes, Educ, 1979.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
351
VELASQUES FILHO, Prócoro. Deus como emoção: origens históricas e teológicas do
protestantismo evangelical. In: MENDONÇA; VELASQUES. Introdução ao
protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1990a.
VELASQUES FILHO , Prócoro. Protestantismo no Brasil: da teologia à liturgia. In:
MENDONÇA; VELASQUES. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo,
Loyola, 1990b.
VERHUL, A.. Introduccion a la liturgia: para uma teologia del culto. Barcelona, Herder,
1961.
VIANA, Juracy Fialho. A igreja em festa. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1985.
VICENTINI, Érica de Campos. Sérgio Pimenta: Canção e propaganda religiosa (1968-
1987). Universidade de São Paulo ( Dissertação de mestrado em História Social), São
Paulo, 2000.
VON ALLMEN, J.J. O culto cristão: Teologia e prática. São Paulo, Aste, 1968.
WACH, Joachim. Sociologia da religião. São Paulo, Paulinas, 1990.
WANDERLEY, Ruy. História da música sacra. São Paulo, Redijo, 1977.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Pioneira,
2000 (a).
WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 2, Brasília, UnB, 1999.
WEBER, Max. Economia e sociedade. V.1, Brasília, UnB, 2000 (b).
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Guanabara, 1978.
WEBER, Max. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. São Paulo, Edusp,
1995.
WEIGANDT, Ernesto W.. Dialogo entre culto y cultura. Ginebra, Federación Luterana
Mundial, 1994.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. São Leopoldo, Sinodal, 1997.
WILLAIME, Jean-Paul. O pastor protestante como tipo específico de clérigo In:
Estudos de Religião. São Bernardo do Campo, UMESP, Ano XVII, n.25, dezembro de
2003.
WILLAIME, Jean-Paul. La precarité protestante: Sociologie du protestantisme
contemporain. Genevé, Labor et Fides, 1992.
WILLAINE, Jean-Paul. Prédica, culto protestante e mutações contemporâneas do
religioso. In: Estudos de Religião. São Bernardo do Campo, UMESP, Ano XVI, n.23,
dezembro de 2002.
WILLIANS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
WILLIANS, Raymond. The long Revolution. Harmondsmorth, Peguin, 1965.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
352
WILLIANS, Raymond.Cultura e sociedade. São Paulo, Nacional, 1969.
WILLMORE, G. Black religion and black radiscalism. Gaedem City, Anchor Press,
1973.
WILSON, B. e CRESSWELL, J. (orgs).new religious movements: Challenge and
response. Londres, Routledge, 1999.
2. REVISTAS
CCM BRASIL MAGAZINE. São Paulo, Editora Renascer.
CONSUMIDOR CRISTÃO. São Paulo. s/e
GOSPEL MAGAZINE. Rio de Janeiro. s/e
O LEVITA. São Paulo, Editora Escala Ltda.
REVISTA GOSPEL. São Paulo, Editora JMT Associados Ltda.
REVISTA BACKSTAGE. Rio de Janeiro. Editora H. Sheldon
REVISTA IGREJA. São Paulo, EBF Editora
SHOW GOSPEL: O GUIA DE MÚSICA EVANGÉLICA. São Paulo e Rio de Janeiro,
Editora Espetáculo.
3- ENTREVISTAS
ARAÚJO, Mauro
BANDA Louvor Arte e Cia
BANDA Vestigium Dei
CARMINATE, Wagner
FAUSTINI, João Wilson
KERR, Paulo Péricles
MARASCHIN, Jaci
MATOS, Alderi de Souza
OLIVEIRA, Valdomiro Pires
PONTES, Marcos
ROMERA, Michelle
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
353
ANEXOS
1-Questionário jovens
Sexo ( ) Feminino ( ) masculino
Idade ( ) 14 a 18 ( ) 19 a 25 ( )26 a 30
Escolaridade
( ) não estudou
( ) ensino fundamental ( ) ensino médio ( )ensino superior
( ) especialização ou pós-graduação
Ocupação
( ) Não trabalha ( ) atualmente está desempregado
( ) Empregado? Em que? ________________________
Estado Civil ( ) casado ( ) Solteiro ( )Separado/divorciado ( )viúvo
Local onde mora é:
( ) casa alugada ( ) casa de parentes ( ) casa própria
Seu local de moradia tem:
TV ( ) sim ( )não
Vídeo ( ) sim ( ) não
Computador ( ) sim ( ) não
Aparelho de som ( ) sim ( ) não
DVD ( ) sim ( ) não
Igreja:_______________________________
Quanto tempo está nessa igreja?______
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
354
Você lê revistas evangélicas?
( ) não
( ) sim. Qual?__________________________________________
Você ouve rádios evangélicas?
( ) não
( ) sim. Qual?___________________________________________
Você procura informações do mundo musical evangélico ou gospel pela internet?
( ) não
( ) sim
Você compra CDS de música gospel (música evangélica)?
( ) não
( ) sim
Qual seu estilo gospel preferido?
( ) louvor e adoração
( ) música evangelística
( ) rock
( ) outros.________________________________________________
Indique os dois últimos CDs gospel (evangélico) que você comprou:
1._________________________________________________________
2._________________________________________________________
Você tem bandas ou cantores evangélicos ou gospel preferidos?
( ) não
( ) sim.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
355
Coloque em ordem de preferência os nomes:
1.____________________________________________
2.____________________________________________
3.____________________________________________
4.____________________________________________
Você já participou de eventos gospel?
( ) não
( ) sim
De quais eventos evangélicos ou gospel relacionados você participou? (pode indicar
mais de um)
( ) gravação lançamentos de CDs
( ) shows de bandas gospel
( ) eventos de adoração
Caso tenha participado de eventos musicais gospel, que coisas foram mais marcantes
para você? (você pode indicar mais de uma opção)
( ) o tipo de música cantada
( ) a presença de minha banda ou cantor preferido
( ) a multidão reunida
( ) a performance do grupo ( o show, as coreografias, o visual , etc)
( ) a diversão proporcionada
( ) a liberdade de expressão
( ) a experiência religiosa/espiritual
( ) a adoração em conjunto
De forma geral, você gosta do culto de sua igreja?
( ) sim.
( ) não.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
356
Indique o que você mais gosta no culto de sua Igreja:
_____________________________________
Que grupos musicais existem na sua igreja?
( ) coral misto ( tradicional). Quantos?_____
( ) equipes de louvor. Quantas?______
( ) solistas
( ) outros. _____________________________
Caso você goste do louvor da sua Igreja, o que mais lhe atrai nele? (você pode escolher
mais de uma opção)
( ) o estilo musical
( ) a técnica do grupo de louvor
( ) a ministração do louvor
( ) a liberdade de expressão no louvor
( ) a espiritualidade do grupo ou do dirigente de louvor
( ) a experiência religiosa/espiritual no momento de louvor
( ) outros
Você considera que a vida espiritual do grupo de louvor é importante?
( ) não
( ) sim
Você considera que o dirigente de louvor ou líder de louvor:(pode escolher mais de uma
opção)
( ) tem a função de conduzir musicalmente a congregação
( )tem uma função espiritual.
pdfMachine
Is a pdf writer that produces quality PDF files with ease!
Produce quality PDF files in seconds and preserve the integrity of your original documents. Compatible across
nearly all Windows platforms, if you can print from a windows application you can use pdfMachine.
Get yours now!
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo