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I
Universidade Federal Fluminense
Programa de Pós
-
Graduação em História
Rômulo Luiz Xavier do Nascimento
O Desconforto da Governabilidade: aspectos da administração
no Brasil holandês
(1630
-
16
44)
Tese apresentada ao Programa de
Pós
-
G
raduaçã
o
em História da UFF, na linh
a de
pesquisa
Poder
e Sociedade
, como re
quisito
parcial para a obtenção
do título de Doutor
em História
.
Orientador (a): Profa Dra Maria de Fátima
Silva Gouvêa
Rio de Janeiro, 2008
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Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
II
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
N244 Nascimento, Rômulo Luiz Xavier do.
O “desconforto da governabilidade”: aspectos da administração no Brasil
holandês (1630
-
1644) / Rômulo Luiz Xavier do Nascimento.
2008.
319 f.
Orientador: M
aria de Fátima Silva Gouvêa.
Tese (Doutorado)
Universidade Federal Fluminense, Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2008.
Bibliografia: f. 303
-
319.
1.
Invasão holandesa
Brasil
Século XVII. 2. Administração públic
a. 3. Período
colonial, 1630
-
1644. 4. Nassau, Maurício, 1604
-
1679. I. Gouvêa, Maria de Fátima
Silva. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia. III. Título.
CDD 981.03
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III
Agradecimentos
Engana
-
se quem acha que uma tese é trabalho de uma só pessoa. Esta não poderia
ser diferente. Portanto, agradeço:
A minha orientadora Fátima Gouv
êa pela paciência e preciosos conselhos;
principalmente porque me deixou trabalhar com autonomia sem me deixar perder nos
arroubos pretenciosos do historiador iniciante;
Aos professores que me formaram:
Marcos Albuquerque e Veleda Lucena, pois
me iniciara
m na pesquisa; Virgínia Almoêdo, pela orientação e apoio no mestrado;
A Marcus Carvalho
pela
amizade e incentivo constantes; também por todas as
portas que me abriu;
Aos pro
fessores da UFF em especial Ronaldo Vainfas e Marta Abreu, pelas aulas
e apoio num momento difícil;
A Pollyanna Mendonça, pela amizade e apoio dispensados no Rio de Janeiro;
A Mariana Dantas, pela importante ajuda nos momentos finais.
A Flávio Gomes
pelo
s incentivos e oportunidades franqueadas;
A Reinaldo José
Carneiro
Leão pelo acesso a
o Instituto e pelas conversas
agradáveis e ao amigo Bruno Câmara, pelo incentivo e fotografia das fontes
;
A Levi, do LAPEH, pela paciência e presteza com que me auxiliou;
Aos amigos da graduação George Cabral, Lílian Raposo, Tatiana Ferraz, Juliana
Elias,
Onésimo Santos, Guilherme Medeiros, Gustavo Villar e e Andredick
A Edson Hely pelo importante apoio até então recebido;
Ao meu compadre e amigo Érico Valente (tico), pela amizade
antiga
e icentivos
constantes;
A Peron Rios, pela amizade e conselhos importantes;
A Emília e Thomas Habbe
ger
e Sandra Nascimento
, pelo
importante
apoio de
sempre
;
A minha cadela Batatinha pela companhia nas inúmeras madrugadas que passei
em claro;
A minha mulher, Aline Moraes de Carvalho, por cuidar tão bem
de mim e por ter
suport
ado, com muito amor e carinho, todos os momentos difíceis dessa viagem.
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IV
Dedicatória
Ao meu filho João,
que ainda não nasceu para o mundo, mas que já nasceu para mim
Em memória de:
Sandra Moraes de Carvalho
Fernando Carva
lho
Ricardo
Nascimento
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V
Resumo
Este trab
alho tem como objetivo tratar
, em linhas gerais, de questões administrativas no
Brasil holandês.
O primeiro capí
tulo enfatiza a dimensão atlântica da presença da
Companhia das Índias Ocidentais no Brasil
, desta
cando de que forma os neerlandeses se
inseriram no espaço atlântico ibérico. O segundo capítulo chama atenção para a
administração que antecedeu o governo de Maurício de Nassau, destacando, nos anos de
1635 e 1636, o surgimento de um pequeno comércio entre
portugueses e a Companhia.
Procuraremos aqui mostrar que havia um governo holandês apesar do clima de guerrilha
na capitania de Pernambuco. No terceiro capítulo analisamo
s as dificuldades de
abastecimento dos holandeses no Brasil antes e durante a adminis
tração nassoviana
(1637
-
44)
. Sobre este tópico temos, sobretudo, que Maurício de Nassau não conseguiu
superar a falta de farinha de mandioca para os seus efetivos. O quarto e último
capítulo
aborda o funcionamento das câmaras dos escabinos (espécie de trib
unais
de justiça
locais) nas várias partes da conquista holandesa, chamando a atenção para os problemas
vivenciados por essas câmaras no governo de Maurírico de Nassau. O objetivo primordial
desse trabalho é mostrar que havia administração da Companhia das
Índias Ocidentais no
Brasil antes da chegada de Maurício de Nassau, apesar do clima de guerra e que, na
administração do mesmo, tida como um período de apogeu da presença neerlandesa no
Brasil, as crises eram constantes.
Abstract
The purpose of this
work is to
deal , in general terms, with the administrative questions
of the Dutch period in Brazil. The first chapter enphasizes
the presence of the West
Indies Company in
Brazil,
and its Atlantic dimension. This
way, it looks at how the
Dutch
entered
the Iberian dominated atlantic.
The Second chapter draws attention to the government which preceded John Maurice
of
Nassau's administration, enphasizing the origin of
trade
between the Portuguese and the
Company
during the
years 1635 and 1636. I will
prove the existence of a Dutch
government, in spite of the tense atmonsphere in the State of Pernambuco.
In the third chapter I will analyse the supply difficulties faced by the Dutch before and
during Nassau's administration
(
1637
-
44). On this topic
I w
ill
show that Nassau had
difficulty to feel his troops due to manioc shortage. In the fourth chapter
I will
discuss
the work of the "Escabin Chambers" ( a type of local justice court) during the various
periods of the Duch conquest as well as the proble
ms faced by these courts during
Nassau'sadministration.
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VI
Siglas
AHU
Arquivo Histórico Ultramarino
LAPEH
Laboratório de Pesquisa e Ensino de História
RIAHGP
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano
WIC
West Indische Compangnie
VOC
Vereinigde Oost
-
Indische Com
pagnie
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VII
Sumário
Introdução
................................................................................................................ 8
Cap I
Brasil Holandês: uma história do Atlântico
Experiências ibéricas e neerlandesas .................................................................... 22
A diáspora sefardita e o Brasil holandês .............................................................. 46
Pernambuco: os portos e o Atlântico .....................................................................53
A Companhia das Índias Ocidentais.......................................................................62
Cap
II
Pernambuco Pré
-
nassoviano: a procura da ordem
Maurício de Nassau na História................................................................................77
O pequeno comércio e os
kleine profijten
.................................................................89
O papel da navegação................................................................................................132
Nordeste e o caribe: uma ligação possível...............................................................151
Cap
III
O problema do abastecimento
A e
scassez de víveres.................................................................................................156
Um
a herança problemática: a produção de farinha de mandioca no governo
nassoviano...................................................................................................................171
Cap IV O poder local
Os Escabinos................................................................................................................197
Aspectos e conflitos nos poderes locais .....................................................................218
Considerações finais.....................................................................................................264
Anexos
...........................................................................................................................266
Fontes............................................................................................................................301
Bibliografia ..................................................................................................................307
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8
Introdução
“... le
s serviteurs enfideles son
t
la ruine de la Companie”
.
1
Com esta simples
afirmação, o predicante calvinista Vicente Soler, em dezembro de 1637, expressou o seu
descontentamento com a Companhia das Índias Ocidentais (WIC)
que, havia sete anos,
fincara o pé em Pernambuco. Esta mesma companhia,
que no ano acima citado
completava dezesseis anos de sua fundação, colhia na América portuguesa os
infortúnios e sucessos de uma administração conturba
da. Por mais paradoxal que
seja,
tal binômio infortúnio/
sucesso
acompanhou boa parte da presença holandesa no Brasil.
Quem poderiam ser os “servidores infiéis” aos quais se referiu Vicente Soler? Seriam os
católicos luso
-
brasileiros, que estiveram quase se
mpre à beira de uma sedição? Seriam
os judeus sefarditas, que se enlanharam na economia do Brasil holandês a ponto de
provocar a insatisfação de calvinistas e católicos? Ou seriam os próprios funcionários da
Companhia das Índias Ocidentais, por vezes partí
cipes e artífices de atos de corrupção
no seio do governo batavo? Ou, finalmente, seria um pouco de tudo isso?
Seja como for,
este trabalho tentará desvendar, sem talvez responder de todo a essa pergunta, alguns
aspectos dos anos anteriores à presença de M
aurício de Nassau no Brasil (sobretudo os
anos de 1634
-
35
-
36) assim como durante a administração do mesmo (1637
-
1644).
O tema “Brasil holandês”, à parte os modismos que as recentes comemorações
do nascimento de Maurício de Nassau e da Batalha dos Guarara
pes sucitaram, é e
sempre será visitado. Pois é dessa forma que o historiador (re) inventa o passado,
produzindo narrativas que possam nos mostrar novos personagens
que nunca “falaram”
ao público leitor. Esse é o caso
, por exemplo,
do padre Manuel Moraes,
desenterrado de
seu contexto
seiscentista
por Ronaldo Vainfas
.
2
O próprio título de seu trabalho mais
recente
(‘Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês e processado pela Inquisição’)
trouxe à tona
a questão fidelidade/in
fidelidade proposta na dec
laração
do predicante
1
Coleção José Higino. Brieven em Papieren uit Brasilie. IAHGP. Na transcrição, optou
-
se por não
“atualizar” a escrita para as normas ortográficas contemporâneas da língua francesa.
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9
calvinista.
3
O trânsito entre estes dois pólos era muito comum num constante clima de
tensão vivenciado num contexto de guerra. Assim, Manuel Morais faria parte de um
grupo que poderia incluir João Fernandes Vieira e Domingos
Fernand
es
Calabar, para
não citarmos muitos outros sobre os quais nada
ou pouco
conhecemos. Até mesmo
figuras bem conhecidas, como o próprio Mauricio de Nassau, abrirão sempre brechas à
uma nova interpretação do passado, ainda que esse ‘passado’ nos dê sempre a i
mpressão
de ter sido totalmente contado. A própria biografia do nobr
e alemão, recentemente
revisitada por Evaldo Cabral de Mello, tem nos mostrado como a fugura de Maurício de
Nassau é atual.
Sobretudo quando nos mostra um Brasil “que poderia ter sido”.
As
sim,
muito embora a consistente produção até então existente sobre o tema “Brasil holandês”
tenda a nos conduzir à acomodação, é aí mesmo que a necessidade em se “atualizar o
passado” se apresenta. Muitas vezes para nos mostrar uma história “que não poderi
a ter
sido”. Ou melhor, um p
resente quase que totalmente vinculado a
um passado idílico.
Cabral de Me
llo mostrou isso ao registrar que Nassau, ainda q
ue humanista
e sensato
nas questões de governo, apoiou as suas práticas administrativas na plantação da ca
na
-
de
-
açúcar e no comércio de escravos. Práticas que não apontavam de forma alguma para
uma alternativa ao
status quo ante
da colonização
portuguesa, em que as i
nstituições
republicanas dos Paí
ses Baixos não tiveram vez.
4
É mais ou menos sob essa perpecti
va
que este trabalho se situa.
A
idéia de administração proposta
constantemente ao longo deste trabalho vai
além das descrições funcionais dos conselhos e do frio tratamento dado a alguns
setores
do governo neerlandês. Pelo contrário, leva em consideraçã
o a presença de um clima de
guerra que se mistura ao da própria
política
-
administrativa
da Companhia das Índias
Ocidentais (WIC).
Longe de antagonizar as práticas administrativas da WIC e a luso
-
brasileira, procuraremos interpretar um quadro de convivência
e, se isso for possível
considerar, de acomodação
entre as parte
s
envolvidas. Entendemos que o c
otidiano da
administração e o da conquista mili
tar se mistura
m
.
Os limites entre guerrilha e
administração serão, para o escopo deste trabalho, imprecisos. Nes
se sentido, não
3
VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuí
ta a serviço do Brasil holandês e processado pela Inquisição. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
4
MELLO, Evaldo Cabral de. Nassau: Governador do Brasil holandês.
São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
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10
entendemos a presença holandesa no Brasil como havendo comportado períodos de paz
e
guerra separadamente. O termo “acomodação” entre portugueses e neerlandeses talvez
seja o que mais se aproxime de nossa perspectiva de administração. Porta
nto, tratamos
sobremodo de administração
-
holandesa
-
no
-
Brasil.
Finalmente, ao tratar da política
-
administrativa holandesa no Brasil, faremos uso ao que propôs
Antônio Manuel
Hespanha acerca da nova história social, que forneceu, segundo ele, “um rosto à his
tória
política”. Assim, ao apontarmos, ao longo do trabalho, “rostos” e “pessoas” no caminhar
da administração da WIC no Brasil, teremos em mente a proximidade da política com o
“quotidiano do poder vivido” (expressão do autor).
5
Outro esclarecimento qu
e é preciso ser feito diz respeito ao uso da palavra
‘cidadão’ ou
borgelijck
(como aparece nas fontes)
algumas
vezes freqüente no texto. O
‘cidadão’ deste estudo não é ainda aquele que surgirá com a Revolução Francesa.
O
cidadã
o’ sobre o qual trataremos é
o mesmo a quem José Antônio Gonsalves de Mello
se referiu: apenas “burgueses ricos” ou “comerciantes
-
livres” (
vrijeluijden
).
Essas
expressões diziam respeito sobretudo aos “que não estavam à serviço da Companhia”.
6
Essa
mesma idéia de
cidadão
-
livre
foi
respeitada por Charles Boxer
em
Os Holandeses
5
HESPANHA, Antônio Manuel. Governo, elites e
competência social: sugestões para um entendimento
renovado da história das elites. In: Modos de Governar: Idéias e praticas políticas no império português.
Maria Fernanda Bicalho/Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs).
São Paulo: Alameda, 2005, p. 29. A discu
ssão
sobre política
-
administrativa passa evidentemente por uma discussão do conceito de poder que, segundo
Hespanha, “se tem diversificado e atomizado”. O mesmo tem justificado essa proprosição sob o argumento
de que “como se tem descoberto uma microfísica
do poder, que se infiltra molecularmente e todos os
nichos do tecido social. Como o parente não
-
exercício do poder (como no exemplo paradigmático do
liberalismo) é sempre uma devolução de poderes para outras instâncias (sejam elas a ciência, os agentes
ec
onômicos, as elites culturais, os fazedores de opinião). Quando o poder se capilariza, as suas
manifestações, a legitimidade para mandar e a disponibilidade para obedecer, passam a ser outras. O poder
interpersonaliza
-
se, depende dos factores moles que mov
em o interior de nós mesmos
os afectos, os
poderes de sedução, as hegemonias e dependências emocionais, os encantamentos e os aborrecimentos de
toda a espécie, beleza e fealdade”. Contrariamente a perspectiva de Hespanha, Laura de Mello e Souza
argumento
u que à despeito da crescente utilização da obra deste historiador nos trabalhos acadêmicos
brasileiros nos últimos anos, devemos ter cuidado ao fazer uso indiscriminado de sua análise para o caso
brasileiro “primeiro, porque a corrente à qual se filia
d
os estudos da historiografia constitucional alemã à
discussão mais contemporânea, voltada para a revisão daquilo que se convencionou chamar de Estado
Moderno
tem por objetivo as manifestações eminentemente européias do fenômeno”. Ver. SOUZA,
Laura de Mel
lo e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII.
São
Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp.52
-
53.
6
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos.
Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1987.
O autor deixa claro
que a categoria dos “cidadãos
-
livres” não se refere apenas àqueles que deixaram de ser
funcionários (
bedinaer
) da Companhia das Índias Ocidentais para ser tornarem comerciantes, mas também
artesãos, taverneiros, etc. Enfatizou Gonsalves de Mello que “tão
rapidamente cresceu esse número [de
cidadãos
-
livres] que, já em começo de 1634, podia
-
se arregimentar, somente no Recife, duas companhias
de burgueses, com efetivo de oitenta homens cada uma.
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11
no Brasil
.
7
Por
fim,
“c
idadãos” também assume
m
, nesse trabalho,
um sentido
geográfico
, significando mais um “
Einwohner einer Stadt
” (morador de uma cidade) do
que qualquer outra coisa.
8
O leitor talvez es
tranhe o pouco enfoque que será dado à questão religiosa da
administração do Brasil pela WIC. Sabe
-
se, no entanto, que a relig
ião corria de mãos
dadas com o qu
otidiano da administração. Não é à toa que os holandeses identificavam
os portugueses como
papist
en
(papistas)
, em sua maioria, e sabiam muito bem quem
eram os
jooden
(judeus)
que moravam nos limites de sua conquista.
Ocorre que, tratar
de questões religiosas no Brasil holandês é terefa que requer por si só grande esforço
que significaria
uma tese à p
arte. A
inda mais quando temos à disposição trabalhos como
o de Frans Leonard Schalckwijck
[
Igreja e Estado no Brasil Holandês
]
, o clássico estudo
de José Antônio Gonsalves de Mello
[
Gente da Nação
]
e outros mais recentes so
bre
cristãos
-
novos.
Essa lacuna,
infelizmente, vai permanecer. Há, entretanto, uma
referência mais geral ao aspecto religioso no primeiro capítulo, do qual trataremos mais
adiante.
Também no último, ao tratarm
os dos ‘podres locais’
, tocaremos de algum
modo em questões religiosas.
9
Ape
nas dois bons motivos para destacarmos o papel da religião no tema
Brasil
holandê
s
. São eles: a destruição de imagens do Convento dos Jesuítas (Olinda) quando
da invasão em 1630 e a aclamação de João Fernandes Vieira como líder
português n
a
luta “pela liberdade divina” no processo de expulsão dos holandeses em 1645.
Também
é importante não deixar de fora as disputas religiosas no seio da política
-
administrativa
da Companhia das Índias Ocidentais entre facções gomaristas (protestantes mais
radicais) e arminianos (protestantes menos radicais). A prórpria ascensão econômica dos
Países Baixos no século XVII esteve relacionada a perspectivas religiosas nas visões de
estudiosos como Karl Marx, Max Weber e Werner Sombart.
10
7
BOXER, Charles. Os holandeses no Brasil
.
Recife: CEPE, 2004
, p. 183.
8
Langenscheidts Grosswoerterbuch, 1998.
9
Essas primeiras justificativas têm a finalidade de antender às proposições feitas por parte da banca
quando da qualificação da tese em outubro de 2007. Outras sujestões terão vez ao longo do texto.
Res
salta
-
se que, naquela ocasião, o trabalho contava com apenas dois capítulos, apesar de ter as suas
diretrizes já assentadas.
10
Resume bem a relação entre capitalismo e religião o historiador Hugh Trevor
-
Roper da seguinte maneira;
“Karl Marx via o protes
tantismo como a ideologia do capitalismo, o epifenômeno religioso de um
fenômeno econômico. Max weber e Werner Sombart inverteram a fórmula. Julgando que o espírito
precedia a letra, postulavam um espírito criativo, “o espírito do capitalismo”. Weber e Som
bart, como
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12
Finalmente,
o apelo religioso do tema p
roposto encontra justicicativa num
discurso
provocativo
de Padre Antônio Vieira, quando o mesmo incitava os fiéis
católicos a pensarem as razões divinas no inferno vivido no Brasil. Diz um trecho
do
Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda
:
“Se determináveis dar estas mesmas terras aos Piratas de Holanda, porque
lhas
não destes enquanto eram agrestes e incultas, senão agora? Tantos serviços vos
tem feito essa gente pervertida e apóstata, que nos mandastes primeiro cá por
seus apo
sentadores, para lhe lavrarmos as terras, para lhe edificarmos as
Cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregares? Assim se hão de
lograr os hereges, e inimigos da Fé dos trabalhos Portugueses e dos suores
Católicos?
11
Do lado neerlandês
,
Johan Baers, testemunha da invasão a Pernambuco,
fez a s
eguinte
prédica em favor da WIC:
“[...] peço a Deus Onipotente que continue a abençoar muito a Companhia
Privilegiada das Índias Ocidentais, e secundá
-
la na sua boa intenção com a Sua
divina graça e assitência, assim como já obteve e tomou, por Sua divina graça,
por sua grande vantagem e proveito a praça de Olinda, donde brevemente
poderá tornar
-
se senhora de toda a costa do Brasil. [...] ela [a WIC] pretende a
propagação da Vossa palavra, para que
, segundo a Vissa Divina vontade, seja
ensinada e pregada pela força por todo o mundo”.
Logo, a apartir de relatos como o
s
de Vieira e Baers, temos uma conjuntura em que as disputas
religiosas tomavam parte nas questões temporais.
Marx, situavam a ascensão
do capitalismo moderno no século XVI, e portanto ambos buscavam a origem
do novo “espírito do capitalismo” nos acontecimentos desse século. Weber, seguido por Ernest Troeltsch,
econtrou
-
a na Reforma: o espírito do capit
alismo, dizia ele, surgiu como conseqüência direta da nova “ética
protestante”, tal como ensinada não por Lutero, mas por Calvino. Sombart rejeitou a tese de Weber e de
fato lhe aplicou alguns pesados e eficazes golpes. Mas, quando fez uma sugestão positiv
a, produziu uma
tese muito mais vulnerável. Sugeriu que os criadores do moderno capitalismo eram os judeus sefarditas
que, no século XVI, fugiram de Lisboa e Sevilha para Hamburgo e Amsterdã; e remontou o “espírito do
capitalismo” à ética judaica do Talmud
e”. Ref. TREVOR
-
ROPER, Hugh. A Crise do Século XVII:
Religiao, a Reforma & Mudança Social.
Topbooks: Rio de janeiro, 2007, p. 28.
11
“Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda” Ref. VIEIRA, Antônio.
Sermões. São Paulo: Hedra, 2
000, pp. 443
-
462.
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13
O
Outro dado que n
ão poderíamos deixar de mencionar diz respeito aos limites
geográficos da pesquisa. Afora o primeiro capítulo, em que a escala geográfica
alcançará principalmente o Atlântico, notadamente a sua porção sul, ao tratarmos
diretamente do Brasil holandês, a nos
sa escala se r
eduzirá a Pernambuco e Paraíba.
Outra oberservação é que nem todos os órgãos da administração holandesa serão
comtemplados neste estudo. Para ser mais preciso, priorizamos o Conselho Político, o
Alto e Secreto Conselho e os Escabinos, estes ú
ltimos na esfera do poder local
das
freguesias
.
12
O corte temporal é o período que se situa entre a conquista (1630) e o ú
ltimo ano
de Maricio de Nassau no Brasil (1644), ainda que as primeiras páginas nos tragam ao
debate
o período em torno da presença
neerlandesa em Pernambuco, ou seja, a primeira
metade do século XVII.
***
Tomando
como exemplo
a obra clássica do histroiador Charles Boxer,
The
Dutch Seaborn
e
Empire
,
partimos da idéia que a ocupação do Brasil pela Companhia
das Índias Ocidentais se inscreveu no que ele mesmo chamou de uma verdadeira “guerra
mundial”. A afamada luta dos neerlandeses contra a coroa de Castela provocou efeitos
em escala mundial.
Johnathan Israel descreveu bem esse quadro em artigo intitulado
A
Conflict of Empires: Spai
n and the Netherlands
1618
-
1648, no qual são deslindadas as
origens e conseqüências do luta entre a Espanha dos Filipes e os Paises Baixos da
plutocracia de Amsterdam.
13
O mesmo viu, sobretudo na “Trégua dos Onze Anos”,
entre a Espanha e os Países Baixos,
o momento decisivo para a ascenção batava,
12
Para um entendimento preliminar e bastante claro de quais instituiç
ões atuaram no Brasil holandês ver:
BOXER, Charles. Os holandeses no Brasil, WAETJEN, Hermann. O império colonial holandês no Brasil e
MELLO, José Antônio Gonsalves de.
Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo II: A administração
da conquista. Sobretudo, neste último trabalho, há uma parte introdutória que resume muito bem os órgãos
da Companhia das Índias Ocidentais instituídos no Brasil tais quais o Conselho Pol
ítico, o Alto e Secreto
Conselho, a Diretoria Delegada, o Conselho de Finanças, os Escabinos e Escoltetos, etc.
13
ISRAEL, J. I. A Conflict of Empires: Spain and Netherlands 1618
-
1648. In: Past and Present, No. 76,
1977, pp.34
-
74.
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14
concluindo que a mesma “ removeu todos os obstáculos a navegação neerlandsa com
Espanha e Portugal
” e que “os anos de trégua coincidiram com a transformação da
relação castelhano
-
neerlandesa em desvantagem para a
Espanha”.
14
E é nesse quadro
maior, melhor dizendo, nessa “escala maior” que se localiza o tema da presença
holandesa no Brasil.
Para uma “escala mundial” não faltam estudos importantes como
os de Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein. Ambos não resistira
m à “tentação” de
dedicar partes de
seus estudos à ascensão dos Paí
ses Baixos à condição de potência na
primeira metade do século XVII.
15
Apesar de transitar pela escala mundial, o primrio capítulo é dedicado às
dimensões atlânticas do império holandês. P
ortanto o seu título Brasil holandês: uma
história do Atlântico
reforça da idéia de que a presença holandesa em Pernambuco não
está circunscrita à história apenas de Pernambuco ou do Brasil, mas à história do
Atlântico sul. É bem verdade que, nos últimos a
nos, tem estado
em voga alguns
trabalhos inclui
ndo o Atlântico como espaço de análise.
No caso da história do Brasil,
chame
-
se a atenção para o estudo de Luiz Filipe de Alencastro
O
T
rato dos Viventes:
formação do Brasil no Atlântico sul
.
Muito embora este
autor tenha tratado do que ele
mesmo chamou de um “arquipélago lusófono composto dos enclaves da América
portuguesa e das feitorias de Angola”, separados e ao mesmo tempo unidos pelo
Atlântico, não prescindiu a uma análise do impacto que os holandeses pro
vocaram nesse
quinhão precioso do Império português.
16
Também não podemos esquecer que os
nerlandeses, sobretudo no caso do Brasil, passaram a interferir em algumas “redes
governativas no Atlântico Sul”, sobre o que trabalhou Maria de Fátima Gouvêa. Para
e
sta historiadora, a administração portuguesa no Atlântico encontrou nos casamentos e
nas relações de confiança e amizade em geral a tônica para a
“estruturação do campo
econômico, via o político e o social”.
17
Afinal de contas, a invasão holandesa atingiu
14
Ibid, p. 37. ainda s
egundo o autor: “ Cleary the truce years were a period of dramatic expansion in Dutch
navigation and trade ans Philip III’s ministers were inclined to link the two phenomena as
cause and
effect”.
15
Cito aqui os respectivos trabalhos
Economia, Sociedade e
Capitalismo
(Braudel) e
O Sistema Mundial
Moderno
(Wallerstein).
16
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico sul.
São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. Especificamente o capítulo VI, intitulado “as guerras pelos
mercados de
escravos”.
17
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Conexões imperiais: oficiais régios no Brasil e em Angola (c. 1680
-
1730). In: Modos de Governar ... p. 179.
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15
em cheio o comércio transatlântico que ligava Portugal, Pernambuco e Angola através
do açúcar,
pau
-
brasil e escravos.
Evidentemente, isso afetou as redes comerciais que
interligavam esses três pontos do Atlântico.
Essa referência ao espaço Atlântico é pr
esente sobr
etudo
em trabalhos relativos ao
comércio transatlântico de escravos.
18
Pieter Emmer é outro autor que desenvolveu bem
a expansão neerlandesa no Atlântico.
O ponto central do capítulo são as experiências luso
-
neerlandesas no Atlântico,
destacan
do a expansão holandesa na África e no Brasil. Merece destaque o caráter
Atlântico da guerra de resistência em Pernambuco, tendo como exemplo os
deslocamento de tropas e o abastecimento das milícias pernambucanas. Merece destaque
também o fato de que a ocu
pação de Pernambuco mexia com a geopolítica das coroas
ibéricas com relação a possível ocupação holandesa, a partir de Pernambuco, de outras
partes do Brasil como Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará.
19
Convém não esquecer
que a preocupação com a porção
norte do Brasil se deu em função com a proximidade
com o Caribe, que era por ande era escoada oficialmente a prata vinda de Potosi.
Preocupação, ressalte
-
se, mais para a Espanha
a
esse respeito.
18
Sobre os clássicos trabalhos acerca da escravidão no Atlântico veja
-
se: BOOGAART, Ernest
van den.
The trade between Wers
ten África and the Atlantic World, 1660
-
90. In: Journal of African History, 1992,
pp.
353
-
75; BOOGAART, Ernest van den e EMMER, Pieter C. The Dutch participation in the Atlantic
slave trade 1596
-
1650. In: J. Hogendorn e H. G
emery.
The uncommon market, Nova York, 1979, pp. 353
-
375. DUNN, Richard.
Sugar and Slaves
The rise of the planter class in the English West Indies, 1623
-
1713, Londres, 1972; ELTIS, David.
Economic growth and the ending of the transatlantic slave trade. N
ova
York. 1987. Idem, The relative importance of slaves and commodities in the Atlantic trade of seventeenth
century Africa.
In: Journal of african History., vol. 35, 1994, pp. 237
-
249;
EMMER, Pieter. The Dutch and
da making of the second Atlantic system.
In: Barbara L. Solow (org). Slavery and the rise of the Atlantic
system. Nova York, 1991, pp.71
-
95;
FAGE, J. D. African societies and the Atlantic slave trade.
In: Past
and Present, No 125, 1989, pp. 97
-
115; KLEIN, Herbert S. O tráfico de es
c
r
a
vos no Atlân
tico.
Ribeirão
Preto, SP: FUNTEC Editora, 2004; Idem, Recent trends in the study of Atlantic slave trade.
In: História y
Sociedad,
vol.
I, No 1, Porto Rico, 1988; KLEIN, Martin. The impacts of the Atlantic
slave trade on the
societies of Western Sudan.. In: The Atlantic slave trade
effects on economies, societies, and peoples in
Africa, the Americas and Europe. Londres, 1992; MILLER, Joseph. Mortality in the Atlantic slave trade
Statistical evidence on causality.In: Journal of Interdisciplinary Histor
y, 1981, pp. 385
-
423; POSTMA, J.
M. The Dutch in the Atlantic slave trade (1600
-
1815).
New York, 1980.; idem, The dispersal of African
slaves in the West by Dutch slae traders.
In: J. E. Inikori e S. L. Engerman. The Atlantic slave trade
effects on econo
mies, societies, and peoples in África, the américas and Europe.
Londres, 1992; RUSSEL
-
WOOD, A. J. R. Iberian expansion and the issue of Black slavery
Changing
P
ortuguese attitudes
1440
-
1770.
In: The American Historical Review, Vol. 8
3, No 1, 1978, pp.16
-
42.
19
Para esta parte do trabalho foram importantes algumas fontes portuguesas acerca da capitania de
Pernambuco e colhidas no Projeto Resgate. Inclusive mostrando qual era o estado dessa capitania nos anos
que precederam a invasão em fevereiro de 1630
. Isso tem como objetivo maior mostrar o “mundo” (já em
plena formação) que os holandeses encontraram.
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16
Para o historiador holandês Pieter Emmer, o Atlântico sobre
o qual falamos
oferecia aos holandeses uma boa possibilidade para
os mesmos “se beneficiarem de sua
economia”, diferenciando
-
se dos modos de colonização
espanhola
.
20
Passaram a
utilizar, a partir da ocupação do Nordeste, entrando com tudo nos “cultivos comerciais”
(expressão do autor) do açúcar baseado em mão
-
de
-
obra africana. Os nerlandeses
tornaram
-
se, portanto, “a prirmeira potência do norte da Europa
a controlar um
complexo agrícola”.
21
Como influência direta da natureza das terras tropicais, lugares
co
mo Barbados, Jamaica e Pernambuco apresentavam fatores favoráveis à atividade
canavieira tais quais: clima tropical, fácil acesso para as embarcações e “ventos aliseos
para fazer funcionar os moinhos e um bom solo”.
22
O Nordeste esteve no centro desse “At
lântico holandês”, uma vez que serviu de
ponte para a conquista de importantes portos da África centro
-
ocidental como São Jorge
da Mina e Luanda. Mas a ocupação e conquista do Nordeste se deu em meio a muita
guerrilha, sendo ajudada pela queda do Arraial Velho do Bom Jesus (1635). Nos anos de
1635 e 1636, que precederam à vinda de Maurício de Nassau
, a Companhia das Índias
Ocidentais começou a aliciar, em maior quantidade, “aliados” luso
-
brasileiros que não se
retiraram para a Bahia. Esse é o assunto do ter
ceiro capítulo, que terá como objetivo
principal comtrar que, antes da chegada de Nassau, nem tudo era guerrilha. Esboçava
-
se,
nesse curto período, o que as fontes chamam de
kleine profijten
(pequenos lucros ou
proveitos). Nesse período, esteve à frente da
administração, em nome da WIC, o
Conselho Político. Os seus membros, por sua vez, intiraram
-
se cada vez mais da malha
hidrográfica nordestina e deram vez a uma administração que se desenvolveu
primeiramente entre o Recife, Goiana e a
n
. Para tal, utilizara
m
-
se de pequenos iates e
chalupas na incursão de vários cursos d’água como o Capibaribe, Goiana, Ipojuca, entre
outros. Rios que,
no dizer quase literário de Gilberto Freyre, se prestaram bem a
20
EMMER, Pieter. Los holandeses y el reto Atlântico em el siglo XVII. In: PÉREZ, José Manuel Santos;
SOUZA, George Felix Cabral de (org). El Desafio ho
landês al domínio ibérico em Brasil em el siglo XVII.
Slamanca:
-
Aquilafuente, 2066, p. 22. As principais características da colonizacao ibérica, sobretudo
espanhola, eram: papel importante do assentamento, investimento de grande soma de dinheiro na Améri
ca
tropical e exploração de metais preciosos mediante trabalho indígena (cada vez mais em desuso nos fins do
século XVII).
21
Ibid. p. 23.
22
Idem. Segundo o autor, “en las plantaciones situadas cerca de águas com muchas mareas se podían
aprovechar las sub
idas e bajadas de estas mareas para hacer funcionar los ingenios de azúcar”.
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17
“colonização agrária da região”. Rios, portanto, “do açúcar”.
23
Assim, as mesmas
embarcações que transportavam soldados e armas, transportavam também os
administradores da conquista e protagonizavam
um clima de relativa paz com os luso
-
brasileiros. Temos, então, nos anos que antecedem à presença de Nassau no Brasil, u
m
principio de administração num quadro em que nem todas as tintas eram pintadas com as
cores da guerra.
É nessa fase
da ocupação
que o binômio gerra/administração caminham
lado
-
a
-
lado.
Se a perspectiva de uma administração holandesa quase inexistente em
função de
um clima de constante guerrilha, isto se deve sobretudo à narrativas produzidas pelos
cronistas da guerra holandesa como Diogo Lopes Santiag
o e
Duarte de Albuqueque
Coelho
.
Naturalmente, no intento de reforçar o calor da resistência hispano
-
luso
-
brasileira, esses cronistas
-
militares não tocaram no assunto
, o que era de se esperar.
24
Soma
-
se o fato de que o trabalho de Lopes Santiago,
Memórias Diárias da Guerra do
Brasil
, adquiriu um tom claramente panegírico à figura de João Fernandes Vieira
, o
ma
ior líder do movimento da Restauração Pernambucana.
Considerar esse espraiamento e consolidação da navegação fluvial na
administração da WIC no Brasil nos fornecerá argumentos para admitir que Mauricio de
Nassau, ao chegar em 1637, já se beneficiou de
sse sistema montado, em que a própria
noção territorial eu os neelandeses tinham do Nordeste era bem melhor que em 1630, ano
da invasão.
O terceiro capitulo emprestará à política
-
administrativa nassoviana (1637
-
1644)
um clima de constante crise. É dessa forma que procuraremos tratar da constante crise de
abastecimento da
conquesten
batava, sobretudo de farinha de mandioca. Assim, a um
clima de franca recuperação da economia açucareira, afastada a fase dos engenhos
destruídos pela “guerra velha”, a defic
iência de abstecimento das tropas corroe a
governabilidade do “príncipe humanista”.
Portanto, o que poderia ser visto como uma
“administração bem sucedida”, por um lado, pode ser visto como uma administração a
um passo do colapso. Vemos então um grave prob
lema na
pax nassoviana
.
Merecerá
23
FREYRE, Gilberto
. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vidae a paisagem do Nordeste do
Brasil.
São Paulo: Global, 2004, p. 58.
24
COELHO, Duarte de Albuquerque. M
emórias diárias da guerra do Brasil.
São Paulo: Beca, 2003.
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da guerra de Pernambuco.
Recife: CEPE, 2004.
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18
também
destaque a forma como Maurí
cio de Nassau é apresentado na história do Brasil,
conquanto essa reflexão já tenha sido feita com mais vagar e competência por Evaldo
Cabral de Mello.
25
O ponto
-
chave deste capítulo é o fato de que a fase de maior conquista
territorial da Companhia das Índias Ocidentais no Atlântico sul foi afetada por crises
como a de abstecimento e a da instalação dos poderes locais através das câmaras de
escabinos
, que serão vistos no capítulo final.
Por
último, os “poderes locais”. Através da análise do cotidiano das câmaras dos
escabinos no Brasil holandês, como representante do poder local nas diversas freguesias
da coquista,
procuraremos ver mais um obstáculo à administração nassoviana. A prática
reve
lou
-
se bem diferente da idéia. José Antônio Gonaslves de Mello
e Charles Boxer
comparam
as câmaras dos escabinos (juízes de primeira instância) às câmaras no mundo
português. Seriam, pois, o equivalente lusitano do poder local. Mário Neme, ao contrário,
ap
resentou diversas diferenças entre ambas instiuições.
26
Como visto, não foram apenas as redes comerciais do Atlântico Sul
(que
passavam pelo porto do Recife)
que foram atingidas
pela invasão holadesa, mas também
a estruturas político
-
administrativas locais. Nesse sentido, a câmaras de Olinda, Goiana e
da Paraíba, para não citarmos outras de menor expressão, deram lugar a uma
conformação de poder local em que os escabinos represe
ntavam uma espécie de tribunal
menor a serviço da administração superior da WIC
no Brasil.
E
ssa estrutura de poderes locais, que teve curso na administração
de Maurí
cio de
Nassau,
será vista, na prática, como um modelo problemático em meio a desconfianças
por parte dos batavos. Assim, em plena administração nassoviana, período tido c
omo o de
maior expressão da presença neerlandesa no Brasil, veremos como os poderes locais se
apresentavam como
problemáticos. Período em que a guerrilha constante havia
arrefecido, a fase nassoviana am
a
rgou uma administação em constante crise.
Assim, à
pa
rte os “grandes lucros” (
groote profijten
) auferido
s pela WIC nessa fase (1637
-
1644
),
a
administração do Brasil holandê se apresentava como frágil.
Essa perspectiva parece
contrastar bastante com o que considerou José Higino Pereira mais de cem anos atrás
25
Ver MELLO, Evaldo Cabral de.
Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana.
Rio de
Janeiro: Topbooks, 1
997. Principalmente o capitulo intitulado “Nostalgia nassoviana”.
26
Ver MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês; BOXER, Charles.
Os holandeses no Brasil. NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil holandês. São Paulo:
-
Ed. da
Universidade de São Paulo, 1971.
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19
quando afirmou, numa sessão do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano que “entre o período da conquista e a guerra da restauração houve um
intervalo de paz com os moradores, durante o qual um príncipe ilustre da casa de Nassau
organizou a colônia holandesa, introduzindo os costumes e as instituições nacionais”.
27
Em linhas gerais, este trabalho mostrará que, no período pré
-
nassoviano,
ainda
que
marcado pela guerrilha, havia administração da WIC no Brasil, enquanto que, na fase
nas
soviana, reputada por boa parte da historiografia do tema como sendo o apogeu
daquela administração, a governabilidade estava por um fio.
***
Algumas considerações devemos fazer sobre as fontes neerlandesas
utilizadas
ao
longo desse trabalho.
Trata
-
s
e, em geral, da Coleção José Higino e se encontra no
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP). A mando do
governo da Província de Pernambuco
e por inicativa d
o Instituto Arquelógico, José
Hygino Guarte Pereira (1847
-
1901
), empree
ndeu pesquisas nos Arquivos dos Estados
Gerais e no da Companhia das Índias Ocidentais nos anos de 1885 e 86.
28
27
Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. Sessão especial de 9 de maio de 1885.
p.8 In: Revista do IAHGP, Nos 29
-
30. Reedição fac
-
similar. Recife, 1977.
28
Ambos os fundos documentais passaram
, a partir de 1856, a fazer parte do Arquivo Geral do Reino dos
Países Baixos de Haia. Ref. Guia de fontes para a história do Brasil holandês: acervo de manuscritos em
arquivos holandeses. (orgs) Marcos Galindo e Lodewijk Hulsman. Parte das fontes utilizad
as na tese foram
traduzidas pelo projeto
Munumenta Higinea
, levado a cabo pelo professor e biblioteconomista Marcos
Galindo a partir de 2004. A tradução de algumas fontes da coleção José Higino (as Dagelijckse Notulen dos
anos de 1635 e 36) ficou a cargo d
e Pablo Bruins e Anne Blockland. Nas restantes, a responsabilidade é
toda do autor do presente trabalho. Na introdução de
Tempo dos Flamengos
, José Antônio Gonsalves de
Mello fez questão de destacar que a Coleção José Hygino era “a mais completa coleção ex
istente, fora da
Holanda, de documentos sobre o período da dominação neerlandesa do nordeste brasileiro. Nem sobre
outra documentação é que se baseou
-
o, sob certo aspecto, melhor trabalho sobre o assunto: o livro do
professor da Universidade de Munster Dr.
Hermann Waetjen, Das hollaendische Kolonialreich in Brasilien
[nesta tese utilizaremos a versão em português intitulado
O Império Colonial holandês no Brasil
]. Ref.
MELLO, op. cit., p. 22. O autor ainda chama atenção para o fato de que a sobredita coleção
comporta
“volumes de documentos que hoje [1947] não se sabe se serão ainda encontrados na Holanda, talvez tendo
tido o fim de tanta coisa valiosa, durante esta segunda grande guerra”. Também ressaltou Leonardo Dantas
Silva, sobre a Coleção José Hygino, qu
e foi “graças a tão importante acervo documental, pôde Alfredo de
Carvalho (1870
-
1916) e Francisco augusto Pereira da Costa (1851
-
1923) publicar, na Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico Pernambucano, algumas traduções de documentos preciosos bem
como vários
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20
Mais especificamente, a Coleção José Higino comporta fontes extraídas do
arquivo da Câmara da Zelândia (uma das que formavam a Companhia das Ín
dias
Ocidentais). Trata
-
se de dois grupos documentais menores: as
Bri
e
ven en Papiren uit
Brazilie
(Cartas e papéis do Brasil) e as
Dagelijkse Notulen
(Notas Diárias do Governo
holandês no Brasil). A principal diferença entre o primeiro e o segundo grupo de
fontes é
que, enquanto as
Brieven
assumen o caráter de cartas emitidas por elementos ligados à
administração ou não aos Países Baixos, as
Notulen
são extratos de reuniões passados à
administração supeiror da Companhia (o Conselho dos XIX) ou os Estados Gerais
pelos
administradores da conquista. Soma
-
se o fato de que algumas
Brieven
podem chegar a
con
ter mais de duas dezenas de pági
nas, sendo, em geral, bem mais extensas do que as
Notulen
ou atas.
Dada o seu caráter mais cotidiano da administração neerland
esa no Brasil, as
Dagelijkse Notulen
nos fornecem mais riquezas de detalhe do dia
-
a
-
dia da vida na
conquesten
batava. Sobre isso se expressou
o autor de
Tempo dos Flamengos
ao ter
confidenciado que
“incontestavelmente, a coleção Dagelijckse Notulen’ constitui um repositório de
dados a que poucas épocas da vida colonial brasileira podem se equiparar em
riqueza de documentação. Se se disser que aí estão referidos, dia por dia, todas as
questões levadas à decisão do Conselho Político, a princípio (1630
-
1636)
, do
Alto e Secreto Conselho (1637
-
1646) e do Governo Supremo (1647
-
1654)
compreender
-
se
-
á a importância dessa coleção de Mss.”
29
Não é à toa que, ainda em consonância com o que afirmou José Antônio
Gonsalves de Mello na passagem acima, as
Notulen
nos serão de grande utilidade quando
abordarmos a questão dos pequenos lucros, das pequenas embarcações e do dia
-
a
-
dia do
poder local no Brasil holandês.
ensaios sobre o Brasil holandês sem a necessidade do Brasil; o mesmo acontecendo nos anos quarenta deste
século com José Antônio Gonsalves de Mello”. Ref. Fontes, op. cit., p. XXXIII.
29
MELLO, op. cit., p.24.
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21
As fontes neerlandesas nos fornecem, em última instância, um bom manancial
para a história do Atlânti
co sul. Em meio a esse espaço, o Recife adquiriu um papel
importante como ponto de convergência das cartas que notici
avam os sucessos e revez
es
da Companhia das Índias Ocidentais
. Outras notícias dos próprios Países Baixos
chegavam a Pernambuco dando novid
ades da guerra que se travava entre prostestantes e
católicos.
Por fim, podemos estabelecer algumas comparações entre as fontes neerlandesas e
as fontes luso
-
brasileiras que serão utilizadas no curso desse trabalho. É que estas
últimas, notadamente as pro
cedentes do Arquivo
Histórico Ultramarino, expressam
, cada
qual, uma ‘tema’ ou assunto específico (decretos, provisões,
etc)
enquanto que as
Notulen
, pela sua própria natureza, condensam uma série de referências as mais díspares
possíveis.
Se atentarmos, m
ais uma vez, para as fontes neerlandesas, veremos que
elas
contêm
informações por vezes ignoradas (proprositadamente ou não) nos cronistas
portugueses. Assim é que apenas nas fontes neerlandesas podemos ter a noção mais clara
da penetração da WIC e do seu
corpo administrativo nos rios do Nordeste. As crônicas
luso
-
brasileiras, pelo contrário, perocupadas mais em contar o heroísmo do processo de
resistência dos “da terra”, realçou mais o constante clima da guerrilha bem como das
“vexações” porque passava a p
opulação do interior das capitanias de Pernambuco,
Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte.
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22
Capitulo I
Brasil Holandês: Uma história do Atlântico
1. Experiências ibéricas e neerlandesas
Eis um trecho de uma descrição portuguesa da r
egião de Serra Leoa, por volta de
1625:
“A verdadeira Serra Leoa, que se pode povoar e aproveitar, são umas
montanhas que estão entre o Nijota Garim, que fica ao norte, e a angra de
Bagara Bomba, que fica ao sudeste e sul; pela banda do ocidente, tem as
i
lhas Bravas e o mar oceano etiópico [...] Cabo Ledo que está a oito graus
da banda no norte e o Cabo Rapado, que está indo para Bagara Bomba em
sete graus e meio, onde ficam de fronte as Ilhas Bravas, bem perto da
terra, as quais estão desertas por serem pequenas, mas povoadas de sidras,
laranjas, limões, bananas e outras frutas, que a natureza cria; [...] O
principal lugar em que se pode povoar é em duas partes a saber, na
aguada onde haverá mui
to grosso trato por mar e terra
, mas é necessário
fortaleza po
r causa dos inimigos piratas holandeses e outras nações...”
30
Eis, também, um trecho de uma descrição holandesa da Capitania
de Pernambuco,
feita pouco depois da invasão de 1630:
“Em primeiro lugar, a jurisdição de Pernambuco estende
-
se até o Rio São
F
rancisco, cerca de 40 milhas para o sul; nesta região os poucos
habitantes, quase todos pastores, vivem unicamente de bois e vacas, para
a criação dos quais a terra se presta muito. [...] Das Curcuranas à cidade
de Pernambuco [Olinda] há umas cinco milhas
também para o interior,
notam
-
se ainda outros lugares: os Guararapes, Jaboatão, Muribara,
30
Monumenta Missionária African
a. África Ocidental (1623
-
1650). Segunda Série. Vol. V. P. 91 e 95.
Trata
-
se do
Memorial
de André Donelha a Francisco Vasconcelos da Cunha (7
-
11
-
1625)
. Este último,
por sua vez, fora nomeado há pouco, Governador de Cabo Verde.
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23
Camassarim e Várzea do Capibaribe; deve haver em todos esses lugares
bem 24 ou 26 engenhos, dos quais 13 ou 14 numa bela planície
denominada Várzea do Capibaribe, a 2 ou 3 milhas da cidade. [...]”
31
Ambas as descrições remetem a um ponto: a presença holandesa no Brasil resulta,
pois, de uma espacialidade maior. Assim, portugueses na África Ocidental “de olho” na
natureza, nas pessoas, nos “inimigos” do Velho Mundo, e
tc. Da mesma forma, no Brasil,
holandeses tentando desvelar um mundo que ambicionavam ocupar. E, de fato, o fizeram.
Na prática, um mundo de olho no outro, iam criando, cada qual a seu modo, impressões
de como o outro geria as suas conquistas. No caso de Pernambuco, foi um belg
a, Adrien
Verdonk um dos primeiros a descrever
com acuidade a costa da Capitania de
Pernambuco aos holandeses. Relatos estes, em sua maioria, com informações
pretensiosamente precisas. Os de Cabo Verde também não ficariam para trás.
A presença da Companhia das Índias Ocidentais em Pernambuco e em outras
partes do Nordeste não é tema apenas pertencente única e exclusivamente à história de
Pernambuco ou mesmo do Brasil. Trata
-
se de uma história do Atlântico. Pode até chegar
a ser mundi
al, como propôs Charles Boxer num de seus célebres estudos acerca do
Império
português. A história do Brasil Holandês é a que envolve três mundos: o
espanhol, o
português e, é claro, o dos Países Baixos.
A fim de exemplificar as conexões desse vasto mundo
atlântico
poderíamos citar
dois casos: um primeiro seria o fato de que muitos escravos levados para Manhatan, pelos
holandeses, vinham de Angola, levavam nomes portugueses e, na viagem atlântica, eram
capturados por navios holandeses. Em Pernambuco, no pr
imeiro quartel do século XVII,
podemos encontrar um caso em que um agente da Coroa
(espanhola) pediu
para ocupar
um cargo administrativo nesta capitania e
m
troca de serviços prestados em Tânger e
31
MELLO, José Antônio Gons
alves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo I: A economia
açucareira. MEC/SPHAN/Fundação Pro
-
Memoria. Recife, 1981. PP. 35 e 39. Trata
-
se da
Memória
oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco sobre a
situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande
segundo o que eu, Adrien Verdonk, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630.
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24
Angola. Assim transitavam os homens, livres ou não, comerciantes, religiosos, militares,
burocratas, escravos.
32
Neste trabalho não
pretende
mos
analisar
a Companhia das Índias Ocidentais
(WIC)
n
o universo atlântico
em profundidade
, tarefa essa impossível em uma só tese e
que soaria como pretensão. Contudo, ao não r
elacionar
mos
a presença batava em
Pernambuco com uma escal
a maior de análise, estaríamos tapando
os olhos ao que
tem
em comum (ou incomum) os Paí
ses Baixos e o mundo ibérico na primeira metade do
século XVII. Tampouco se trata aqui de fazermos uma história
comparativa destes dois
mundos. Veremos tão somente as vicissitudes da administração holandesa no Brasil,
sobretudo durante
a administração nassoviana. O tí
tulo escolhido para representá
-
la
O
desconforto da governabilidade
33
, parafraseando o
reconhecido es
tudo do historiador
Simon Schama acerca da cultura holandesa na sua idade de ouro, talvez seja o que melhor
represente as injunções daquela administração e, até mesmo, o próprio século XVII.
Sobre isso escreveu sabiamente Eduardo D`
Oliveira França, quando
denominou
este
século
como sendo o de
“procura de ordem”
. Segundo França, “s
éculo dominado pela
preocupação de impor ordem. Ordem política. Ordem social. Ordem econômica. Ordem
religiosa. Ordem no pensamento. Ordem na arte. Na linguagem. Nas relações
inte
rnacionais”.
34
Num plano geral, as lutas atlânticas
que envolveram o Brasil e os Paí
ses Baixos
tiveram como pano de fundo
“a vida religiosa arrepiada pela Reforma Protestante. As concepções
filosóficas renovadas pelo humanismo. A visão material do mundo
desmesurada pelas descobertas. A ordem política refeita pela centralização
monarca. [...] as sangrias demográficas da colonização e as profundas
alterações da vida cotidiana de cada um em conseqüência de tudo isso”
35
.
32
Neste caso em especifico, a transferência de militares dá
-
se pelos s
erviços prestados à coroa através de
um sistema de nobilitação quer seja por descendência nobre ou mesmo por serviços prestados ao rei. Sobre
isso, podemos citar o trabalho de Maria Beatriz Nizza da Silva, Ser Nobre na Colônia.
33
SCHAMA, Simon. O Desconfor
to da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro, uma
interpretação.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
34
FRANÇA, Eduardo D’Oliveira. Portugal na Época da Restauração.
São Paulo: Editora Hucitec, 1997,
p.35.
35
Ibid.
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25
O fato de, nesse estudo, a questão administrativa ganhar maior relevo, não quer dizer que
desconsideramos os embates religiosos entre papistas e protestantes. Nas próprias fontes
holandesas, as dissensões religiosas ocupam páginas importantes.
36
Nesse mundo atlântico se in
sere a Capitania de
Pernambuco, Itamaracá,
Paraíba,
Rio Grande (do
Norte), Ceará e Maranhão. Foram estes os
espaços ocupados pela
Companhia das Índias Ocidentais tendo como capital o Recife.
Contudo, a presença mais
intensa de batavos no Brasil se deu em Pernambuco, Itamarac
á e Paraiba.
A partir daqui,
alcançaram São Jorge da Mina (1637) e Luanda (1641). Coroava
-
se ai um “plano
atlântico” da companhia batava. O tenebroso, como era chamado o Atlântico,
era também
neerlandês.
Os diretores da WIC, com relação ao comércio, acons
elharam a Nassau, quando
de sua administração, e ao Alto Conselho que todos os navios vindos da Holanda
aportassem diretamente no Recife, pelo fato de aí ser o lugar “
onde as mais altas
autoridades residem
”.
37
Com isso, transformavam esta cidade no único ce
ntro comercial
do Brasil holandês. Com relação a esta atitude da Companhia, reforçou Luís da Câmara
Cascudo a posição do Recife e da Cidade Maurícia como o centro único do comércio da
WIC no Brasil. Segundo ele, isto tem a ver com uma prática adotada na Eu
ropa do Norte.
Ali, nas observações de Câmara Cascudo, se determinavam “
as feiras, os pontos centrais
e únicos de concentração e traficância
”.
Eviden
temente, na medida em que os Paí
ses Baixos se firmavam nesse espaço
outrora praticamente dominado pelas coroas ibéricas, tentativas fracassadas ocuparam um
espaço importante nessa ascensão neerlandesa. Chegaram vagarosamente à costa africana
desde fins do século XVI e inicio do XVII. Ocuparam Salvador por um ano (1624
-
25).
Aprisionaram o carregamento espanh
ol de prata em Cuba (1628). Estes são alguns
exemplos de conquistas. Contudo, muitos são os de fracasso
s. Talvez o maior deles tenha
sido
com relação
ao clima, tropical
, quente e úmido, que envolvia e fazia adoecer as
36
Para maior compreensão
dos problemas religiosos no Brasil Holandês, ver o clássico estudo do
historiador Frans Leonard Schalkwijk. (Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630
-
1654.
São Paulo:
Cultura Crista, 2004) Sobre a questão judaica é importante, entre outros, o clássico t
rabalho de José
Antonio Gonsalves de Mello (Gente da nação.
Recife: Massangana, 1978)
37
Dagelische Notulen. 02/06/1637. Coleção José Hygino. IAHGP.
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26
tropas da WIC com seus sol
d
ados neerla
ndeses, polones
es, alemães, belgas e ingleses.
Fugiam do inferno da Guerra dos Trinta Anos para o mundo das doenças tropicais. As
mesmas
não podiam deixar de afetar a lenta adaptação daqueles soldados
às matas do
Brasil
. Disso nos dá testemunho o diário de
guerra
escrito p
or Ambrósio Rischoffer,
soldado a
serviço da WIC em Pernambuco.
Do recrutamento na Europa às matas do Nordeste brasílico, as adversidades se
colocavam entre as fantasias que alimentavam aqueles soldados, quase sempre de origem
pobre, e
o que os mesmos teriam que enfrentar no cotidiano da guerrilha. Na Holanda, o
desejo de melhorar de vida através do serviço de três anos na Companhia. No Brasil, o
desejo de sobrevivência ao inferno que a guerrilha os propiciava. Logo se veria a WIC na
dif
ícil tarefa de conquistar um espaço ao mesmo tempo em que administrava infortúnios.
Sobre o destino daqueles soldados, muitas vezes as decisões em servir e para quem servir
eram tomadas no calor do momento. No caso do
Rischoffer,
natural de Strassburgo,
te
mos a seguinte prova desta situação:
“A nossa intenção era seguirmos para a Índia Oriental, mas, como não se
nos oferecesse ocasião para fazê
-
lo, e a Companhia das Índias Ocidentais
estivesse recrutando fortemente, fiz
-
me alistar junto com o meu camarada
Filipe de Haus, por oito florins holandeses mensais ...”
38
Ambrósio Rischoffer, ainda em abril de 1629, a partir da feira de Frankfurt, desejou se
lançar à vida de soldado mercenário, navegou
pel
o Reno até a Holanda, de onde
embarcou para o Brasil a pa
rtir do
porto de Texel, na Holanda. E
le
veio
na armada que
con
quistou Pernambuco. A sua sorte foi a de muitos outros que, meio
por acaso, entraram
nesse labirinto atlântico. A sua “experiência atlântica”, segundo o mapa de sua viagem,
levou
-
o
a
Lisboa, Aç
ores, Canárias, Cabo Verde, Fernando de Noronha, Pernambuco,
Haiti
e Cuba, antes de retornar ao mesmo porto de onde partira nos Paí
ses Baixos
.
Essa experiência não se limitou
aos soldados, mas se estende
u
aos
outros oficiais
superiores, sargentos, ‘cabo
s de guerra’,
burocratas civis, cidadãos
. Da mesma forma
,
do
lado português,
não foram raros os
casos
em que
homens saiam do Lamego, Trás
-
os
-
38
RICHSHOFFER, Ambrosio. Diário de um soldado.
Recife: CEPE, 2004. P. 7.
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27
Montes e, do porto de Via
na, ganhavam o mar em direção à
guerra de Pernambuco
39
após
a invasão batava em fevereiro
de 1630.
Acompanh
ando a circulação dos homens vinha
, inevitavelmente, a dos produtos.
Comércio e
abastecimento de tropas coexistia
m e faz
iam
da ocupação holandesa do
Bra
sil um acontecimento que produziu conseqüências internacionais
. Basta citar um caso
d
e remessa de tropas
e dois galeões espanhóis que se abasteciam de trigo, vinho e
carne
de porco na Andaluzia pelo fato de “lá serem estes bens mais baratos e em conta”. Isto
se
deu
já pela altura de 1635, na agonia da refrega que empreendiam os batavos na
conquista do Arraial Velho do Bom Jesus. Navios municiados
com arcabuzes e
mosquetes desembarcados pelo porto de Biscaia;
soldados e marinheiros vindos de
diversas comarcas portuguesas, todos com destino a algum porto da Capitania de
Pernambuco para abaste
cer a
gente de guerra na sua resistência inglória.
Os holandeses, por sua vez,
mesmo em Pernambuco, tinham notí
cia
s da guerra
que os Paí
ses Baixos empreendiam contra a Espanha. Assim foi que, numa Ata do
Conselho Político Holandês, de meados de 1635, fic
aram sabendo no Recife da vitória
das tropas comandadas pelo Príncipe de Orange nas praças de Landen, Thienen, Wahen e
Brussel. Essa notícia foi trazida pelos tripulantes do navio
Elckmaer
, que aportou no
Recife no dia 30 de agosto daquele ano.
40
A simple
s iminência da guerra cria
naturalmente um clima de medo, confirmando
o conhecido trabalho de Jean Delumeau. Foi durante a ocupação holandesa em Salvador,
em
1624, que a coroa ibérica ficou de sobreaviso para que o
“inimigo herege” não se
espalhas
se pelas
outras capitanias. Em julho deste mesmo ano, numa consulta do
Conselho da
Fazenda ao rei Filipe III, é dito
que se pague a pólvora que deve ir para a
Capitania de Pernambuco sendo descontado o montante com o dinheiro que devia o
Consulado da Casa da Índia
aos celeiros de trigo
de Serpa e Moura, em Portugal.
41
Notamos, portanto, não apenas o caminho físico das provisões, mas, sobretudo o caminho
burocrático. A situação de Portugal,
subordinado à coroa de Castela
,
poderia aumentar o
39
Expressão frequentemente en
contrada em fontes coêvas para designar a primeira fase da resistência ludo
-
brasileira aos holandeses de 1630 à 1636.
40
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 30/08/1635.
41
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D. 100.
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28
tempo de espera por alguma
decisão
contrária
. Dez anos depois, essa demora custaria
muito aos luso
-
brasileiros que defendiam Pernambuco.
Sobre o comércio de pau
-
brasil, temos a entender um pouco sobre o
funcionamento do frete. Na década
anterior a
ocupação de Pernambuco
pela WIC
,
são
vários os casos e
m que o a
lmoxarifado desta Capitania informa
va
ao rei acerca do
pagamento do frete de pau
-
brasil que se envia ao reino com o dinheiro dos “direitos do
contrato dos escravos de Angola”. Renda dos contratos de transporte
e comercializaçã
o
de escravos de Angola pagando aos mestres dos navios que transportavam pau
-
brasil para
a Euro
pa. Só num semestre,
de
400 a 500 quintais
da madeira
saí
ram de Pernambuco
dessa forma
. Vale dizer que se solicitava o pagamento através da Fazenda Real.
42
Esse
s exemplo
s
nos fornecem os bastidores da
opulenta
capitania fundada por
Duarte Coelho
e gente de sua cepa
, assim referida pelo Frei Manuel Ca
lado às vésperas
de ser invadida
pelos holandeses
. Foi esse o mundo que os holandeses encontraram. É
bem verdade
que, do ponto de vista do frei, as coisas tivessem
se
dado mais em função de
um castigo divino, visão essa muito própria de um século barroco, do que mesmo por
injunções meramente temporais. A invasão holandesa a Pernambuco era, pois, um castigo
divino. Em
suas palavras, era a reprimenda a uma terra onde “as usuras, onzenas, e
ganhos ilícitos era cousa ordinária, os amancebamentos públicos sem emenda alguma,
porque o dinheiro fazia suspender o castigo, as ladroices, e roubos sem carapuça de
rebuço ...”
43
Enf
im, são muitas as comparações
que o frei faz
de Olinda a
Sodoma e
Gomorra de forma a justificar as vicissitudes temporais dentro de um plano divino.
Outra relação a
“escala A
tlântica
do problema que pretendemos discutir seria a
que liga a crise da prod
ução açucareira em Pernambuco, na segunda década do século
XVII, e uma crise conjuntural da
própria
eco
nomia A
tlântica. Essa relação foi
evidenciada, para o estudo do Brasil holandês, por Evaldo Cabral de Mello, baseado nos
trabalhos de Pierre Chaunnu e Fréderic Mauro. Sobre isso, afirmou Cabral de Mello:
42
Verifi
cando os meses de janeiro, fevereiro e março de 1624, podemos computar nove casos desse tipo,
perfazendo um pouco mais de 400 quintais de pau
-
brasil. Ref. LAPEH (UFPE). Projeto Resgate.
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Docs. 87/88/89/90/91/92/93 e 96.
43
CALADO, Manoe
l, [1584
-
1654] O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade.
5.ed.
Recife. CEPE,
2004. V.l., p. 39.
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29
“As conclusões a que chegou Fréderic Mauro apontam na mesma direção
[das conclusões de Chaunnu]: a uma fase de expansão da economia
açucareira até cerca de 1600, caracterizada pelo crescimento da produçã
o
e pelo aumento dos preços, suceder
-
se
-
á uma fase de estabilização que se
prolongara até pelas alturas de 1625”.
44
Podemos perceber que, pelo menos do ponto de vista da economia açucareira, o
contexto de ocupação holandesa na Bahia (1624) e em Pernambuc
o (1630), era mesmo o
de crise do açúcar. A ocupação obedecia também a outros móbiles. Prova disto é o que
podemos encontrar na documentação holandesa referente a Pernambuco. Aqui, não são
menos importantes os interesses da WIC no comércio de madeira, de e
scravos e, não
raro, a insistência em encontrar ouro e prata no Novo Mundo.
Sobre o interesse neerlandês em metais preciosos, uma questão: teriam eles,
através do Brasil, a franca
intenção de “cercar” a América espanhola e estar
em
mais
próximos da prata de Potosí. Talvez si
m
, dado que a expedição feita ao Chile pelo
Capitão Brow
ser, a partir do Recife, em 1643
, reforça essa intenção.
Evidentemente, não
desmereça
mo
s o papel do açúcar neste jogo.
45
Assim como os portugueses, os holandeses tinham as suas super
stições. Quando
de um eclipse solar ocorrido em dezembro de 1640, contou Gaspar Baléus que algumas
pessoas “interpretando esta privação da luz celeste como o ocaso do desaparecimento do
explendor hispânico nas terras do Ocidente, exaltavam ao Conde [Mauríc
io de Nassau]
por quem pôde ser empanado o intenso fulgor do poderio real”. Este
é um
sinal de
superstição bastante cartesiana, já que foi bem estudado pelos astrônomos holandeses da
época. A exposição de seus efeitos
foi percebida
, ainda segundo as crônic
as de Gaspar
Barléus, em diversas partes do Atlântico e segundo “a
spectos diversos conforme os
paí
ses onde era [o eclipse] visível, em razão das diferenças de longitude e latitude da
44
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada. Rio de Janeiro, Forense
-
Universitaria; São Paulo, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1975. PP. 52
-
53. Semelh
antemente, a análise de Pierre Chaunnu diz que a fase
de expansão da economia açucareira no Brasil teria ido até próximo de 1610, se estabilizando até quase
1630.
45
A documentação a qual nos referimos é a Coleção José Higyno, que utilizaremos fartamente ao
longo
deste trabalho. Aqui, ao logo de suas quase 12 mil páginas, podemos encontrar varias referências ao
comércio de pau
-
brasil e também à insistência das autoridades neerlandesas em promover
expeditien
(expedições) ao interior com o fim de encontrar our
o e prata.
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30
esfera celeste”. Assim, apareceu nas crônicas de Barléus o Atlântico que
pôde contemplar
este “eclipse premonitório” através da menção a lugares como Ni
carágua, Cartagena,
Porto Seguro
, Angola e Rio da Prata.
46
O
Atlântico
também circulava através dos nomes
. O próprio iate que tomou
Ambró
sio Rishchoffer para regressar à Euro
pa levava o nome de
Itamaracá
e
freqüentava assiduamente o Caribe. Por o
utro lado, em Itamaracá
[Pernambuco]
,
imprimiu
-
se uma marca holandesa ao se colocar como nome de uma fortificação um
membro da família Orange
-
Nassau. Nome brasileiro, de origem tupi,
em embarcação
batava. Nome holandês em fortificação construída no Brasil. Tal a experiência das trocas.
M
ais exemplos: no Recife, edificou
-
se
um pequeno mundo criado pelos invasores que
dão nome aos espaços. Desta forma, temos uma
wij
nstraaten
(rua do vin
ho),
joodenstraaten
(rua dos judeus), entre outros
. Todos locais designados numa gramática
estranha ao universo ibérico, uma pequena Holanda, ao mesmo tempo provinciana e
co
smopolita, na Capitania de Pernambuco.
Entre a África, Portugal e
o
Brasil esta
va o mundo atlântico ibérico, que cederia
espaço aos holandeses. Port
anto, um mundo que pré
-
existia a
invasão de 1630
, com as
suas bases c
ulturais e
socioeconômicas totais
(ou relativamente?) formadas. Os
holandeses não criaram um novo Brasil, mas transformaram ou tentaram transformar uma
estrutura anterior sendo, em alguns casos, bem sucedidos. Administrativament
e, já existia
em Pernambuco
uma estrutura burocrática com todas as suas práticas e vícios. Era
preciso aos recém chagados entender esse
status quo
ante
, dominar os códigos daquela
sociedade e, só assim, implantar a sua política administrativa.
Estamos falando aqui de uma confluência de dois modelos administrativos
distintos dentro de um mesmo espaço e época. Poderiam existir pontos em comum nessas
duas formas de gerir um território colonizado? Talvez sim. Nesse sentido, tentaremos
discutir ao longo desse trabalho as possíveis diferenças e, porque não, as possíveis zonas
de
acomodação, de entendimento. Nos
vinte quatro anos de ocupação nem tudo era
guerrilha e emboscadas. Era também entendimento, acordos, neg
ócios em comum,
acordos
de paz.
46
BARLÉUS, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 205.
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31
Certamente
,
um momento propício para desvelarmos a convivência destes dois
mundos seja o da administração nassoviana, de 1637 a 1644. Período ao mesmo de trégua
entre Portugal e Holanda e “guerra fria” entre brasílicos e holandeses. A aparente e
relativa tranqüilidade do governo de Mauricio de Nassau escondia o gérmen da revolta
luso
-
brasileira que veio a se revelar em 1645 com o nome de
Guerra Pela Liberdade
Divi
na.
47
É
sobretudo
nesse momento, em pouco mais de sete anos, que devemos
entender a convivência desses dois mundos.
O tema proposto para este capitulo Uma História do Atlântico
pode nos remeter a
uma discussão sobre noção de
Império
português no Antigo Re
gime. Esta reflexão é
muito importante porque foi neste
mundo que se infiltraram os Paí
ses Baixos. Trata
-
se
aqui, sobretudo, de entender a história do Brasil com os holandeses e não
apenas
a
história dos holandeses no Brasil.
É mesmo Evaldo C. de Mello q
uem vai colocar essa dimensão atlântica da
presença holandesa no Brasil. Num dos primeiros capítulos de Olinda Restaurada, Cabral
de Mello analisa como a resistência luso
-
brasileira financiou a guerra através do açúcar
produzido pelos engenhos que ainda nã
o haviam sido alcançados pelos hol
andeses. Os
portos por onde era escoada
aquela produção minguavam à medida que a WIC os
ocupa
va
. Pode
-
se afirmar que a ocupação do porto de Nazaré (Cabo de Santo Agostinho)
dificultou bastante a comunicação entre o Arraial
Velho
do Bom Jesus
e a Europa. A
partir de meados de 1635, os portos de Portugal e Espanha ficavam mais distantes. Até
então, eram pelos portos mais próximos do Recife que chegavam o apoio logístico para a
resistência. As condições de desembarque de tropa
s e logística era
m
bem conhecidas em
Espanha e Portugal. As
escápulas do açúcar
(como enfatizou Evaldo Cabral de Mello
)
eram, ao mesmo tempo, portos e portas de entrada para qualquer reforço externo.
48
47
Diogo Lopes Santiago vincula a Restauração Pernambucana à pas
sagens bíblicas em que a Providência
Divina atuou nos momentos de maior sofrimento do “povo de Israel”. Ao justificar a aclamação de
Fernandes Vieira para líder da guerra da “liberdade Divina”, ressaltou: “ Este Pernambuco, que chamam
Nova Lusitânia ou nov
o Portugal, teve um homem (e tem hoje) com o nome venturoso de João, que na
língua hebraica significa boa graça, o qual com sua bondade, boa graça, afabilidade, liberdade e outras
virtudes morais de que foi dotado, veio a ser o impulsor e origem desta vent
urosa liberdade quando os
moradores estavam em tão ínfimo grau de miséria, tão derrocados, tão oprimidos, com tão pouco ânimo e
tão vexado da tirania holandesa, tão atribulados com imaginações, tão carregados de de tributos e tão faltos
do necessário [..]
Ref. SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco.
Recife: CEPE,
2004, p. 172.
48
MELLO, Olinda Restaurada, p.58.
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32
Enquanto os holandeses tentavam expulsar as tropas d
e Matias de Albuquerque
para a Bahia, o comércio português continuava (ou tentava continuar) como sempre foi.
Assim é que, em agosto de 1636, trazia
-
se vinho e tecidos de linho da Ilhas Atlânticas
para serem vendidos na Bahia. O frete ficaria por conta da
Fazenda Real e o dinheiro das
transações deveria ir para os agentes do serviço Real.
49
Alguns anos
mais
tarde, esse
comércio transatlântico ficaria seriamente ameaçado pelas conquistas holandesas de
Angola. Não é à toa que, numa
brieven
holandesa, Nassau e o
Alto Conselho escreviam
aos diretores da WIC acerca da conquistas de Sergipe, Maranhão, São Tomé e Angola
como sendo “lugares de grande importância para nosso Estado”.
50
Numa escala maior que a de Pernambuco, temos uma discussão atinente aos
port
os do At
lântico. Assim, Biscaia e
Cádis
na Espanha, Viana e
Lisboa
em Portugal
e
Nazaré (este ao sul do Recife) figuram no mesmo contexto. Armas e munições que
vinham da Andaluzia,
gente de mar
e
de terra
51
que eram recrutados por várias comarcas
portuguesas, carne
de porco e trigo que provinham de várias outras partes da Península
Ibérica. Tudo isso aproximou esses espaços, que a guerra não raro tentava separar.
Conforme a situação
momentânea das tropas em contenda
, os espaços de influência
Ibérica e holandesa iam se alterando. Essa mesma distância entre os portos foi aumentada
pela burocracia na organização e despacho do que se pretende enviar para o socorro de
Pernambuco. Da Andaluzia ao Arraial do Bom Jesus, as ordens de provisões esbarravam
muitas vezes na falta
de recursos das alfândegas, almoxarifados, e outras instâncias da
administração. A ordem, partindo de Madri, atinge Portugal pouco preparado para
cumpri
-
las.
52
Em uma consulta do Conselho da Fazenda ao Rei (D. Filipe III), discute
-
se
um memorial do então Vedor Geral da Armada de Mar e Oceano, D. Antônio de Ortega y
Camudio,
em que se solicita que a coroa portuguesa forneça recursos para se equipar dois
49
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_005, Cx1, D. 20.
50
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie.
Mi
ssiva de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.
30/04/1642. Onde se lê: De extensie van dês Compagnies limiten van tijt tot tijt sôo
serienslijcken bij V. Ed. gerecommendeert hebben wij ter eerster bequame gelegentheijt nos doenlijck
sijnde, nier a
leene met groot ijner behartigt maer door Godes zegen daertoe genracht dat de capitania van
Sergippe del Rey, het rijcke van Angola, de eylanden St Thomé ende Maranhoon onder Udl.
Gehoorsaemckeyt gebracht ende dese conquesten sijn geanexeert,
plaetsen van
soodanige consideratien
voor onser staet
van de welcke wij nos verseeckert hebben […]”
51
Colocou
-
se em itálico para se reproduzir como se apresenta na documentação coêva.
52
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D.158.
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33
gale
ões espanhóis que sairiam da Baí
a de Cádiz e iria socorrer o Arraial do Bom Jesus.
Diz um trecho da di
ta consulta:
“E visto neste Conselho que este Memorial pareceu representar a Vossa
Magestade que a fazenda da dita Coroa se acha tão exaurida, que não há
cabedal com que se possa aqui para a armada com a brevidade que se
pretendem. E achando
-
se as coisas
em aperto, não é possível
preveneirem
-
se os bastimentos de que se tratam para os dois galeões da
Coroa de Castela por empréstimo e que não tem lugar quando faltem o
dinheiro necessário para acudir as persistas necessidades deste Reino [...]
que os mantimentos se façam em Cádiz e Sevilha porque lá é o trigo mais
barato e melhor, e nesta cidade [Cádiz] se compram os trigos de
Andaluzia com maiores despesas, e os vinhos são lá melhores e de mais
acomodado preço, e as carnes de porco de muito boa qualidade pel
o que
nenhuma coisa pode ser mais certa e conveniente que trazerem de Cádiz
os galeões que se acham neste porto...”
53
Não teríamos aí, necessariamente, uma situação de ‘desinteresse’
das duas coroas.
O prejuízo era sentido pelos campanhistas abrigados n
o Arraial
Velho
do Bom Jesus no
cotidiano da guerrilha. No tempo desta Consulta, restavam apenas quatro meses para o
Arraial cair em poder dos holandeses. Vale ressaltar a re
l
ação de compra dos bens acima
requeridos com a região da Andaluzia. Para o século
XVI, traçou o historiador Fernand
Braudel um quadro bem positivo desta região ao tratar da relação entre as regiões baixas
da Espanha
e o comércio intercontinental. Nesse sentido, a região onde se assenta
m
as
cidades de Córdoba e Sevilha, viu
-
se na condição de “celeiro da Espanha”. Para Braudel,
“foi a sua própria riqueza que estimulou
se não mesmo for
çou
a Andaluzia a
extravasar
os seus limites geográficos”.
54
Parece que o alto custo do trigo naquela região
deve
-
se ao fato de, já no século XVI,
as plan
ícies andaluzas dependiam do abastecimento
53
Idem.
54
BRAUDEL
, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico. Vol. I. Martins Fontes, 1983, p.99.
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34
do Norte da África.
55
Ao tratar especificamente de Sevilha, o autor de
O Mediterrâneo
refere
-
se ao fato de que esta cidade foi beneficiada pelo monopólio de recebimento da
prata proveniente
do México e do Peru, já
q
ue “ a rota da América está condicionada
pelos ventos alíseos, e Sevilha é a base naval mais próxima da área de passagem desses
ventos”. Finalmente, Fernand Braudel não tarda a estabelecer uma relação entre os
Paí
ses
Baixos e a Andaluzia quando afirma que:
“Os barcos do Norte, bretões, ingleses, zelandeses ou holandeses, afluem
a Sevilha sobretudo em busca de azeite e vinho, e de forma alguma
apenas de sal de San Lucar
sem rival para a salga do bacalhau
ou dos
produtos das Índias”.
56
Podemos ter u
m outro exemplo desta
conjuntura atlântica
que envo
lveu as
coroas ibéricas e os Paí
ses Baixos através de um pedido do então Capitão
-
Mor de
Pernambuco, Matias de Albuquerque, para que se reforçasse militarmente a Capitania. Já
em 1624, expressa a Consulta do Conselho da fazenda ao rei [Filipe III]:
“ Pede [Matias de Albuquerque] que se lhe mande algumas pessoas
praticas em milícias. E pareceu se lhe devem mandar. Alguns artilheiros.
Pareceu que dos que houverem se lhe mandem. Seis ou oito mil arcabuzes
de
Biscaia. [...] muito chumbo feito em pelouros. Pareceu que se lhe
devem mandar quarenta quintais, parte feitos em
munição e parte e f
alta
[?] Muito murrão. [...] Piques. [...] Pás de ferro. [...] Enxadas. [...] peças
de artilharia de bronze [...]”.
57
55
Sobre as planícies da Andaluzia, coloca Braudel: “ Exportadoras de azeite, de uvas, de vinhos, e também
de tecidos e de objetos manufacturados, as cidades andaluzas v
ivem do trigo do Norte da Africa, e quem
domina esse trigo tem
-
nas de certo modo à mercê”. Prossegue Fernand Braudel: “ ... no século XVI, essa
grandeza ainda persiste, embora tenha sido necessário que cicatrizassem as feridas causadas pela
reconquista cri
stã do século XIII. [...] De qualquer modo, a Andaluzia continua a ser uma região magnifica
, “celeiro, pomar, adega e estábulo da Espanha” (APUD. G. Botero, p.8), destinatária habitual dos elogios
dos embaixadores venezianos nas suas
Relazioni
...” Op. Ci
t. p.98.
56
Idem, p.99.
57
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 101.
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35
Alé
m da lista de necessidades elencadas por
Matias de
Albuquerque, temos
também um pedido de remessa de galinhas, vinho e azeite. Lembrou
o dito Capitão ao rei
“para estas coisas não faltarem em Pernambuco”. Quanto aos arcabuzes, parece que o
pedido não foi aceito, visto que muitos deles seriam enviados, de outras partes de C
astela,
para a
capitania de Pernambuco. O que importa nesta Consult
a é a relação entre
Biscaia e
Pernambuco, entre a Coroa de Castela e o aprovisionamento desta parte da América
portuguesa
. Por esse
tempo, agosto de 1624,
os holandeses
estavam
bem perto
de
Pernambuco
, na Bahia. Daí a preocupação de Matias de Albuquerque. Muito do que foi
pedido foi enviado pela coroa de Castela, com o fim de manter, no dizer do historiador
Fernand Braudel,
o “compósito
Império
espanhol”.
58
Alguns meses antes desta cart
a de
Matias de Albuqueque, o ex
-
Governador Geral do Brasil, Gaspar de Souza, informava ao
rei da dificuldade de se consolidar a conquista do Maranhão pela escassez de recursos,
que deveriam vir
“dos rendimentos da Capitania de Pernambuco”. Justificavam os
oficiais da câmara de Olinda a falta de recursos em razão da construção de obras
públicas. Gaspar de Souza fechou a discussão considerando que “vista a ditta imposição
não poder servir para o in
tento da conquista [do maranhão] o Rendimento dos Dízimos
ser tão limitado [...]”
59
O mesmo sugeriu que o rei completasse com as despesas da
conquista. Eis apresentados alguns exemplos das vicissitudes do mundo ibérico no
Atlântico sul no contexto da invasão holandesa.
Do outro lado do
Atlântico,
precisamente na África
centro
-
ocidental (Costa da
Guiné
)
60
, os holandeses já haviam se inserido nas conquistas portuguesas. Não apenas os
holandeses, mas ingleses e franceses figuravam nos relatórios que eram r
emetidos ao
reino. Num deles, do ano de 1624
, consta que “do Cabo Verde a Breziguixhe averá
quatro ou sinco legoas, adonde o olandez tem huã fortaleza com prezidio de soldados,
58
BRAUDEL, Fernand. Op. Cit. Ppx....
(verificar)
59
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 94.
60
De fato, a presença holandesa na costa
da Guiné já se fazia desde antes de 1617, quando decidiram
construir, próximo à El
-
Mina, uma pequena fortificação. o Forte Nassau, em Mori. Na descrição do
historiador J. Bato’ora Mewuda, “En réalité, le petit fort Guillaume
-
de
-
Nassau de Mori, abrite en 16
17, une
guarnison de quatre
-
vingt personnes; et cette anneé
-
là les Hollandais décident d’améliorer les defénses de
leur château en le transformant en une forteresse inexpugnable et en amenagéant par conséquent de
boulevards de tout côtés, un puits intérieu
r pour le cas oú aucun securs ne peut leur venir par la mer.” Ref.
NEWUDA, opus. cit., pp.474.
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36
com muita fazenda, com que fazem seu comercio”.
61
No porto de Ioala, por exemplo
,
holandeses, franceses e ingleses comerciavam às largas couro
, marfim, cera, âmbar, ouro
e escravos. Nessa região, os holandeses se faziam
conhecedores de muitos cursos d’água
como o Rio do Ouro, o Gâmbia e o de São Domingos. Deste último, para se ter uma
idéia, os holandeses rem
etiam
alguns
escravos para Cartagena.
Evidentemente, reconstruir uma história do Atlântico através da presença
neerlandesa no Brasil é tarefa impossível, já que esse corte espacial abarca um período
bem maior que os vinte e quatro
anos da WIC em Pernambuco. Contudo, podemos
entrever tal presença à luz de um contexto menos hemisférico, menos unilateral. Assim,
torna
-
se importante perceber a chegada batava como que “encaixada” numa estrutura
mental e político
-
administrativa pré
-
exist
entes. Havia, então, um
Império ibérico
, com
seus problemas e descaminhos, mas, ainda assim, um
Império
. Mesmo durante a
ocupação holandesa, as coroas ibéricas mantinham, paralelamente, um olho no que ainda
remanescia sob seus domínios, e outro na tentativa de reaver os territórios conquistados.
62
Antes mesmo do tempo dos flamengos
, o
Atlântico
sul ibérico pode ser entendido
também pelo viés da ocupação de cargos. Assim foi o caso, dentre muitos, de um
Bartolomeu Ferraz de Meneses que, através de Requerim
ento
63
, em setembro de 1626,
pedia ao Rei para exercer o cargo de Provedor Mor da Fazenda de Pernambuco “em
remuneração de serviços pr
estados em Angola”. Ocorre que
o suplicante havia, poucos
anos antes, fugido da cidade do Porto por ocasião da invasão do P
rior do Crato e
recebido, por parte do rei, o comando da fortaleza de Massangano, em Angola. Parece
que a estada em Angola não agradou nem um pouco ao Bartolomeu Ferraz de Meneses,
uma vez que “a fortaleza de Massangano não é a que podia esperar da grandez
a de Vossa
Magestade por haver sido seu pai das pessoas principais da cidade do Porto e seu avô o
coronel Bartolomeu Ferraz de Andrade...”. Completando os feitos do avô
de Bartolomeu
Meneses
, temos:
61
Roteiro da Costa da Guine (1635). BNM., Ms. 3015, fls. 189
-
201 v. In: Monumenta Missionaria
Africana (1623
-
1650). Vl. V. pp. 287
-
293.
62
O máximo que a expan
são holandesa, através da Companhia das Índias Ocidentais, atingiu foi, no Brasil,
um território que ia da foz do Rio São Francisco (fronteira sul) ate São Luis do Maranhão (fronteira norte).
Na África, os portos de Benguela, Luanda, São Jorge da Mina e a
Ilha São Tomé também foram
arrebatadas aos holandeses.
63
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. Ref. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, doc. 119.
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37
“...pessoa que serviu os reis passados na Ordenança da
Milícia da
Comarca de Porta Alegre, Castelo da Vide, Arronches, ensinando os
capitães, soldados e mestres daquela Comarca, servindo também em
diligências de importância...servindo muitos outros anos em Tanger...”.
64
As relações de parentesco podiam entrar no jogo e mudar, a qualquer momento, a
sorte de um burocrata na estrutura do
Império
. Pernambuco, como já se disse, dispunha
de portos bem freqüentados pelo comércio legal e ilegal. Juntamente com a opulência da
Vila de Olinda, largamente ressaltada por cronistas como Duarte de Albuquerque Coelho
e Frei Manuel C
alado na década que antecedera a invasão a Pernambuco, temos a
corrupção de agentes dessa mesma burocracia.
Retomando aos anos que antecedera
m a
invasão de Pernambuco, podemos citar
um exemplo de
“infiltração” neerlandesa no império luso
-
espanhol. Em maio de 1623,
uma pequena esquadra
saída de Pernambuco obteve informações “de um forte eu os
holandeses lá tinham, com outros dois e negros da Guiné, a uma roça de plantar tabaco e
e
ra prático em aquele grão rio [Amazonas]”.
65
A preocupação com a entrada
do Amazonas era uma constante nessa fase que
antecedeu a chegada dos holandeses em Pernambuco. Frei Vicente do Salvador justificou
tal preocupação da seguinte maneira: “por dizerem que por ali podia ti
rar a sua prata do
Potuci [Potosí] com menos gasto”.
66
Para uma pequena armada que partiu em direção ao
Pará, o rei espanhol proveu a Bento Maciel Parente a função de comandante da expedição
mediante ajuda dos capitães de Pernambuco, Rio Grande do Norte, M
aranhão e Pará. O
de Pernambuco, Matias de Albuquerque, contribuiu com “uma lancha com dezessete
soldados e o piloto Antônio Vicente, mui experimentado em aquela navegação, e lhe
carregou, na caravela oito mil cruzados de diversas ordens de fazendas”.
67
E
ssas passagens de Frei Vicente do Salvador ratificam duas situações
. A
pri
m
e
ira
é a relação
de anterioridade entre potugueses e batavos na costa brasileira,
especificamente no estuário do Amazonas. A segunda é a ação coordenada das capitanias
64
Idem.
65
SALVADOR, Frei Vicente, op. cit. p. 356.
66
Idem.
67
Idem p. 355.
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38
sob a coroa i
bérica em termos de ajuda a uma expedição. Dessa vez, os holandeses se
colocaram mais diretamente contra os interesses de Castela pelo fato de ameaça o eixo da
economia espanhola nas Américas
:
a prata de Potosi.
Esta ação coordenada entre as
capitanias, qu
e empresta ao tema
Brasil holandês
uma dimensão extra
-
capitania de
Pernambuco, tem outro exmplo numa carta régia de 1635, em que Filipe III dava ordens
para que se contivesse os ânimos dos índios e portugueses da Paraíba que estavam sob o
domínio neerlandê
s e que a Bahia e as capitanias do sul se reforçassem com homens e
munições.
68
Sobre a situação do Pará mencionada anteriormente, antes mesmo das apreciações
de Frei Vicente do Salvador, o seu Capitão
-
mor Manuel de Souza de Eça
fez saber ao rei,
através d
e uma Consulta do Conselho da Fazenda da necessidade de se enviar padres
jesuítas e da ordem de Santo Antônio para doutrinação dos índios e contenção das
“heresias estrangeiras”.
69
No mesmo ano em que os holandeses ocuparam Salvador,
1624,
ouviu
-
se em Madri
a notícia de que a WIC intentava ocupar a capitania do Pará
com quatro
naus.
70
Mesmo após a ocupação do N
ordeste pelos neerlandeses, a
preocupação com a “ameaça batava” persistia nesta capitania. Em duas ocasiões, no ano
de 1638, o então Capitão
-
mor
Manue
l Madeira, pedia ao rei que enviasse presos
sentenciados e degredados do Brasil para combater os “rebeldes holandeses” naquela
capitania.
71
O medo de uma invasão holandesa foi também presente no Maranhão alguns anos
a
n
tes da ocupação de Pernambuco. Em
dezembro de 1619,
Diogo da Costa Machado
alertava ao rei da necessidade de construção de engenhos, fabrico
in loco
de navios e,
sobretudo, envio de armas e munições.
72
Alguns anos depois, em 1624, o seu sucessor, o
Capitão
-
mor Antônio Muniz Barreiros, ant
e a ocupação de Salvador pela WIC, pedia ao
reino mais urgência no envio de munições e defesa da capitania, incluindo a manutenção
de fortificações já existentes.
73
Também nesse contexto da invasão neerlandesa de
Salvador, o Governador do Maranhão reclamav
a da pouca atenção dada por Matias de
68
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU_ ACL_CU_014, c
x. 1, Doc. 25.
69
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 20.
70
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 28.
71
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 48.
72
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 35.
73
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 75.
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39
Albuquerque a defesa desta capitania. Quase quinze anos depois, o Maranhão viria a cair
em mãos da Companhia das Índias Ocidentais.
74
Vale ressaltar que a tardia ocupação das capitanias do Grão
-
Pará e Maranhão pela
c
oroa ibérica apresentava, na segunda década do século XVII, um quadro problemático
no qual se confrontavam portugueses e indígenas. No meio dessa querela estavam
algumas ordens religiosas. No Maranhão, por exemplo, a presença dos carmelitas foi
fundamental
na “conversão dos gentios” durante o processo de conquista.
75
No Pará, em
1619, o rei foi avisado, por dois capuchinhos, freis Cristóvão de São José e Antônio de
Merceana, de um levantamento contra os nativos por ordem de um capitão local.
76
Por
fim, ainda
nesse mesmo ano de 1619, índios da aldeia de Baqueriubu promoveram ataque
ao povoado de São Luí
s.
77
T
odo esse clima de in
s
tabilidade nas praças ibéricas do Norte
apresentou
-
se como terreno fértil à política agressiva da WIC. Tanto que a conquista do
Mara
nhão se deu de forma bem mais rápida do que em Pernambuco e Paraíba.
Parece que esta estrutura atlântica
luso
-
espanhola
foi bem compreendida pelos
neerlandeses. Isso se confirma pelo estratagema da Companhia das Índias Ocidentais
em,
conjuntamente, ocu
par, primeiro, Pernambuco
(1630)
e, depois, Angola
(1641). Os
holandeses procuraram
fechar
essas duas importantes
portas do Atlântic
o sul da mesma
forma que fizeram no Oriente com Ormuz e Málaca.
Era a continuação de uma guerra
que havia começado na Europ
a, se estendido pela Ásia e, com igual força,
atingido o
espaço Atlântico Sul
. Nesse espaço, Recife e Angola existiam numa relação de
contigüidade econômica, era uma
voorland
da outra e vice
-
versa.
78
Na teia do
Império
português ambos os espaços estavam ligados diretamente por atividades comerciais,
entre
outras. Muito do que se arrecadava com o direito de comércio de escravos de Luanda
servia para financiar o frete de pau
-
brasil arremetido a partir do porto do R
ecife ao reino.
Era esta uma prática comum bem antes dos holandeses chegarem a Pernambuco.
74
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 90.
75
LAPEH (UFPE). Projeto Resgate. AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 19.
76
AHU
_ ACL_CU_009, Cx
1, doc. 25.
77
AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 31.
78
O termo
vorland
é emprestado da geografia pelo historiador Russel
-
Wood. O mesmo utiliza
-
o para tratar
a questão do que é
periferia
no Império português. Diz o autor: “ Vorland refere
-
se a localidades que
não
têm contigüidade territorial com o
núcleo
, mas em relação às quais o
núcleo
tem uma intensa conexão [...]
Os portos aparecem dentro desta categoria”. RUSSEL
-
WOOD. A. J. R. Centros e Periferias no Mundo
Luso
-
Brasileiro, 1500
-
1808. Revista Brasileira de
História. V.18 n.36. São Paulo, 1998. Juntamente à
categoria de
vorland
, temos também as de
hinterland
e
umland
.
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40
A
relação do Brasil com Angola já ficou, diga
-
se de passagem, be
m evidenciada
no trabalho de Luís Filipe de Alencastro intitulado
O Trato dos Viventes
. No seu ponto de
vista, aquela relação se resume na segui
nte assertiva: “O Brasil tinha continuidade fora
das fronteiras americanas, em Angola”.
79
O autor conclui o seu pensamento acerca da
estreita e imprescindível relação Brasil
-
Angola ao considerar que “Cartas régias,
provisões, contratos da Coroa, atas do
s
co
nselhos palatinos, difundem o postulado
enunciado na guerra anti
-
holandesa: Angola sustenta o Brasil, o qual sustenta Portugal”.
80
De fato, o autor do
Trato dos Viventes
evidenciou as exportações comerciais do
Brasil para a África à luz das rotas e correntes do Atlântico Sul. Assim, dentre as diversas
combinações de rotas que envolviam Portugal, Brasil, Angola e a região do Rio da Prata,
havia aquela que fazia o caminho Brasil
Angola
-
Brasil.
81
Os produtos brasílicos que
alcançavam as feiras angolanas eram sobretudo a farinha de mandioca
82
e, em s
eguida, a
cachaça. Esta última teve nos engenhos fluminenses um de seus maiores fornecedores.
As trocas comerciais no império português mereceu do historiador inglês Russell
-
Wood um quadro abrangente das
comm
odities
comercializadas entre diversos pontos em
escala mundial. No seu livro
The Portugues
s Empire, Russel
-
Wood discrimina num
quadro geral, inclusive, trocas comerciais entre o Brasil e a África, onde bens como ouro,
prata, tabaco, além de escravos, evidentemente, eram comercializados.
83
Vale dizer que, no que se refere a dimensão atlântica da luta entre as coroas
ibéricas e a WIC, merece menção
o trabalho de Charles Boxer, “Os Holandeses no
Brasil”. Já no segundo capítulo, intitulado “A luta pela posse de Pernambuco”, Boxer tem
o cuidado de avaliar a tomada de Olinda e Recife e o seu impacto em Madri e Lisboa. O
historiador inglês colocou a questão holandesa nos dois lados do Atlântico, na medida em
79
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul.
São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 247.
80
Idem.
81
Idem, p. 248. As outras rotas especificadas pelo autor eram: 1) Portugal
-
Angola
-
Brasil
-
Portugal; 2)
Potugal
-
Brasil
-
Angola
-
Portugal; 3)Potugal
-
Brasil
-
Angola
-
Brasil
-
Portugal; 4) Portugal
-
Brasil
-
Angola
-
Prata
-
Portugal.
82
Sobre a farinha de mandioca b
rasileira na África, considerou Luis Filipe de Alencastro que alguns
cronistas, entre eles o frei Vicente do Salvador e Ambrósio Fernandes Brandão, “ressaltaram esse ‘ciclo’ da
mandioca’, ignorado pela historiografia, cujo pico teve lugar nos anos 1590
-
163
0, gerando novidades nas
duas margens do Atlântico”.
Idem, p. 251.
83
RUSSELL
-
WOOD, A. J. R.
Manchester:
-
Johns Ropkins, 1992.
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41
que se valeu de um número expressivo de
fontes em arq
uivos portugueses.
84
Aliás, a
perspectiva de
Império
português já er
a presente em sua obra de referê
ncia
O
Império
Marítimo Português
, onde o mesmo avalia a “guerra
mundial” entre Portugal e os Paí
ses
Baixos. É
também
nesse quadro mais amplo que se coloca a
ocupação do Brasil pelos
holandeses.
Se olharmos atentamente, e considerando que os holandeses brigavam sobretudo
contra
a coroa de Castela, as pretensões batavas davam a volta na América do Sul e
atingiam os vice
-
reinados da América espanhola. A expedi
ção a Calhau de Lima,
comand
ada pelo Capitão Browser em 1643
, evidencia o estratagema holandês ao sul do
Equador.
Os neerlandeses não deixaram de, inclusive no Brasil, adentrar o território em
conquista atrás de ouro e prata. Seguiam principalmente informa
ções fornecidas por
nativos e colonos, confirmando o pensamento de Sergio Buarque de Holanda acerca da
“geografia fantástica” da América.
85
Não são raras as referências nas fontes holandesas
em que os administradores da conquesten indagam a população local
acerca de possíveis
minas de ouro e de prata.
86
À parte a visão “arquetípica” que alimentou a mente do homem europeu, segundo
Buarque de Holanda, acrescentemos a “visão objetiva”, que dizia respeito ao real
conhecimento do espaço ocupado ou a expandir. Não
era novidade, já nas primeiras
décadas do século XVII, que o porto do Recife recebia navios de diversas partes do
mundo sul e norte
A
tlântico
, assim como do mundo
Í
ndico.
José Antônio Gonsalves de
Mello descreveu bem as várias visitas de
navios hamburgues
es e flamengos
ao porto do
Recife.
87
Este, situado em posição estratégica no Atlântico, era ponto de parada de navios
84
As observações de Boxer sobre a presença neerlandesa no Brasil se baseiam
-
se em obras que destacam
fontes coêvas em Portugal.
Dentre elas,
Elementos para a história do município de Lisboa
, publicada em
1887 por Freire de Oliveira e a Collecção Chronológica, 1627
-
1633, documentos publicados por Andrade e
Silva. Ref. BOXER, C. R. Os Holandeses no Brasil. Recife: CEPE, 2004.
85
Serg
io Buarque de Holanda,
Visão do Paraíso
, p.67: “A geografia fantástica do Brasil, como do restante
da América, se tem como fundamento, em grande parte, as narrativas que os conquistadores ouviram ou
quiseram ouvir dos indígenas, achou
-
se além disso contami
nada, desde cedo, por determinados motivos
que, sem grande exagero, se podem chamar arquetipicos”.
86
Procurando mostrar um caráter mais internacional da invasão holandesa a Pernambuco, Charles Boxer
cita as instruções dadas ao Almirante Lonck pouco antes
de seu desembarque. Nesse documento, o dito
Almirante foi designado para, tão logo conquistar o Nordeste, conquistar também a Bahia, Rio de Janeiro e
Buenos Aires. Aliás, já Jose Antônio G. de Mello, havia, segundo Boxer, feito uso desse documento em seu
l
ivro
Tempo dos Flamengos
.
87
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Urcas hamburguesas no porto de Pernambuco. PP.... (completar
referência)
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42
em longo trânsito. Uma vez atracados, sofriam reparos, descarregavam escravos vindos
de Guiné
e Angola
, carregavam
-
se de madeira e, sobretu
do, faziam contrabando de ouro
e prata de Potosí. A atividade de contrabando li
gava Pernambuco a região
do Prata, por
onde descia o carregamento desviado do Peru. Assim, podemos ver essas duas regiões
como
vorland
uma da outra. Neste caso, diga
-
se de passa
gem, transgredindo as relações
com o centro. Teríamos então uma
anti
-
vorland
, já que a relação de
vorland
só tem
sentido em relação a um núcleo, no caso, Madri ou Lisboa.
O conhecimento holandês acerca do Brasil não era ingênuo, ainda que incompleto
e
restrito principalmente aos portos e barras e as relações econômicas mais importantes.
A produção de açúcar, por exemplo, de grande interesse às refinarias dos Paises Baixos,
já era rastreada pelos holandeses através de contatos estabelecidos e Pernambuco.
Um
ano antes da invasão a Salvador, sabia
-
se aproximadamente a produção anual dos
engenhos de Pernambuco.
Na Holanda, os
panfleten
circulavam entre a gente comum a
tentar convencê
-
los da aposta nas ações da WIC. Pequenos e médios burgueses entraram
nessa
empresa. Uma destes panfletos, denominado
Lista do que o Brasil pode produzir
anualmente
, que circulou nos Paí
ses Baixos em 1923, calculava que a Companhia
poderia obter anualmente 4.800.000 florins ao ano com o negócio do
açúcar.
88
Um outro
documento, cha
mado
Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de
Itamaracá e Paraíba
, discrimina os donos de cada engenho e quantas arrobas
produzia
m.
89
As informações colhidas pela Companhia a
ntes da invasão foram
fornecidas
principalmente
por moradores loca
is em contato com mercadores neerlandeses.
Informações valiosas ofereceu o belga Adrien Verdonck, residente em Pernambuco desde
1618. A
memoire
oferecida pelo brabantino em 1630,
ainda
no inicio da presença
holandesa em Pernambuco, talvez tenha sido um dos
mais detalhados do
cumento
s acerca
da nova conquista. Nele
, Verdonck
vai além da simples menção a
produção açucareira e
descreve
o curso
dos rios
(s
obre o que discorreremos no capí
tulo seguinte ao tratar da
88
Neste mesmo ano, 1623, há um outro
pamfleten
denominado
Uma relação dos engenhos de Pernambuco,
Itamaracá e Paraíba e
m 1623
. As informações teriam sido fornecidas aos Estados Gerais por um cristão
novo chamado José Israel da Costa. O mesmo teria vivido na Bahia antes da invasão em 1623. Sobre isso
ver. José Antônio Gonsalves de Mello, Fontes para a História do Brasil Hol
andês: A administração da
conquista. IPHAN/MEC: Recife, 1981.
89
Ibidem.
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43
navegação no Brasil pré
-
nassoviano),
a
criação de
pequeno gado, roças, pescado e,
inclusive, minas de
prata.
90
Uma vez sediada
no Recife, a WIC detinha uma espécie de
“po
sto avançado” para lidar com o Atlântico S
ul. As informações de campanhas que
davam notícias acerca da
gelegenthijt
(situação
; ocasião
)
de, por exemplo,
Curaçau e
outros pontos do Caribe passavam muitas vezes por Pernambuco.
Na escala atlântica, pelo menos para os holandeses, a importância do nordeste do
Brasil reside sobretudo no fato de, a partir deste território, ter a proximidad
e de outros.
Ao tempo do Governo Nassoviano, por exemplo, será posto em prática
o estratagema sul
atlântico da Companhia das Índias Ocidentais através da relação de Pernambuco com São
Tomé, São Jorge da Mina e Angola. Relação que já existia antes com os po
rtugueses, mas
que agora passava a existir sob o domínio Batavo.
Evidentemente, a permanência holandesa no Brasil não seguiu uma política
-
administrativa homogênea, monolítica, como poderia supor uma perspectiva teleológica.
Pelo contrário, seguiu caminhos
ínvios, incertos e cheios de dúvidas por part
e
dos
dirigentes e burocratas da Companhia.
Sobre os três primeiros anos
b
asta que nos
atenhamos a algumas considerações feitas por José Antônio Gonsalves de Mello, para
termos uma idéia desses
“anos terribilli
s”
.
Ainda e
ncurralados no Recife, tal era a vida
dos holandeses:
“A situação alimentar chegou a extremos terríveis; durante t
rês longos
anos
os documentos estão cheios de suplicas e queixas. [...] Alguns
soldados com escorbuto que receberam limões vindos
de Olind
a
‘atribuiram a sua cura a eles, abaixo de Deus’”.
91
Ao mesmo tempo em que problemas dessa ordem eram experimentados,
guardava
-
se
certo
otimismo com a inicial conquista de Olinda, tendo o Recife como
porto. Já no primeiro mês em Pernambuco, a p
osição da recente conquista denunciava a
90
Começando a sua descrição a partir do Rio São Francisco, Adrien Verdonck afirma haver ali, milhas
adentro, minas de prata que teriam sido exploradas por volta de 1620. À época, o r
ei da Espanha teria
proibido a exploração da mesma. Mais tarde, iriam os holandeses empreender expedições São Francisco
adentro.
91
MELLO, Jose Antonio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos.
Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1987, pp. 41 e 42. Aqui, o auto
r se utiliza de informações fornecidas pelo Conselho Político, sediado no
Recife, ao Conselho dos XIX na Holanda.
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44
perspectiva neerlandesa de uma conquista em grande escala. Nesse sentido, afirmou o
então
primeiro gouverneur do Brasil Holandês, o Coronel Diedrich Wanderburch:
“Não tenho a menor dúvida de que os senhores direto
res nos auxiliarão
nesta vitória, a fim de que possam, dentro em breve, colher
-
lhe os frutos.
[...] uma cidade mediante o domínio da qual todo o Brasil poderá ser
dominado [...] por intermédio dela, todo o Brasil poderá ser subjugado e
submetido com poucas
despesas, e toda a navegação costeira será
inteiramente perturbada e arruinada, único meio de privar deste comércio
o inimigo comum e de reduzir os habitantes a uma recíproca amizade e a
uma aliança confederada”.
92
Mais uma vez aqui, podemos perceber o
estratagema da WIC para além de
Pernambuco, tendo Olinda e Recife como base
s
. Aliás, além mesmo do Brasil, tal
estratagema para o
A
tlântico
S
ul por parte da Companhia das Índias Ocidentais se
apresenta, segundo o historiador britânico A. J.
Russel
l
-
Wood,
c
omo tema a ser mais
explorado.
93
No caso do Atlântico N
orte existem
sem dúvidas vários trabalhos acerca da
WIC naquelas partes, sobretudo em Nova York.
A Companhia das Índias Orientais,
“irmã mais velha” da WIC, interessa mais ao estudo de historiadores pri
ncipalmente
neerlandeses talvez pelo fato de ter sido mais exitosa em suas empreitadas às coroas
ibéricas.
Esse
A
tlântico
, ao mesmo tempo ibérico e holandês, tinha como ponto de
confluência o Recife, transformado numa espécie de quartel g
eneral das operaç
ões da
WIC no Hemisfério S
ul. Favorecido pela posição geográfica e pelo regime dos ventos e
correntes atlânticas, o Recife adquiriu importância antes mesmo na condição de porto do
92
Missiva do Coronel D. van Veerderburch aos Estados Gerais. In: Documentos Holandeses. Ministério da
Educação e Saúde. Vol.I, 1945, p.30.
93
Segundo
Russel
L
-
Wood: “ raramente os historiadores da Companhia Holandesa Oriental se debruçam
sobre as atividades da Companhia Holandesa Ocidental. [...] Em geral os historiadores têm focalizado seja
o Brasil e a presença portuguesa nos dois lados do Atlântico, seja o Estado da Índia”. Ref. O Antigo regime
nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (séculos XVI e XVIII)
Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, pp. 15 e 16. No prefácio deste livro, Russel
-
Wood considera que os únicos responsáveis
por esse estudo sistemático da Companhia das Índias Ocidentais foram Charles Boxer e Amaral Lapa.
Contudo, foi notável a pesquisa empreendida pelo historiador alemão Hermann Wartjen ,
Das
Holaendische Kolonialreich in Brasilien
(O Império Colonial Holandês
no Brasil)
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45
que na de vila. Partia de
seu cais boa parte do açúcar consumido na Europa.
Desde fins
do século XVI
e inicio do XVII, notadamente na
primeira década
deste último
, vários
foram os navios
que aportaram em seu porto
vindos do norte da Europa transportando
sobretudo açúcar. Por volta de 1590, temos em torno de 20 urcas e, quinze anos
depois,
mais de 70 navios anuais.
94
Neste mesmo período temos que a disputa e
ntre as coroas
ibéricas e os Paí
ses do Norte da Europa, deixando o Atlântico mais para a condição de
mare liberum, levou os neerlandeses a atacarem as possessões portuguesas.
Os d
esvios do
pau
-
brasil e do açúcar produzido em Pernambuco trouxeram
a esta capitania, em 1607, o
Desemba
rgador Sebastião de Carvalho, com a finalidade de fiscalizar o
comércio entre
Pernambuco e o R
eino.
Ao analisar os
“Livros de saídas de urcas do Porto d
o Recife”,
entre os anos de 1595 e 1605
,
José Antônio Gonsalves de Mello constatou
a grande
quantidade de açúcar que tomava o rumo dos portos de Flandres em vez dos de Portugal.
Sem contar os navios que eram aprisionados por piratas ingleses e holandeses,
que
navegavam próximos às ilhas Açores e Madeira e atacavam, em média, 15 a 20 navios
portugueses por ano. Só entre os anos 1589 e 1591 foram 34 navios.
95
Há, em meio a isso tudo, uma questão técnica. Portugal,
muitas vezes, passou a
aceitar
que o açúcar
fosse transportado por navios alemães e neerlandeses, as ditas urcas
(Hulk em holandês e alemão
arcaico
). Tratava
-
se de um tipo de barco forte e que poderia
ser bem artilhado, além de suportar muita carga. As caravelas portuguesas, ao contrário,
tornavam
-
s
e presas fáceis aos corsários, de tal forma que o Padre Antônio Vieira chegou
a chamá
-
las de “escolas de fugir
”.
96
A urca, tipo de navio que transitava mais no
comércio da Europa setentrional, passou a ser u
tilizada com freqüência
ao sul do
Equador. Nessa
fase de expansão da economia açucareira, até pouco antes da invasão a
Pernambuco, em 1630, os holandeses teriam desviado “mais da metade do cultivo anual
94
MELLO, Jose Antônio Gonsalves de. Os Livros das Saídas das Urcas do Porto do Recife, 1595
-
1605. In:
Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.Vol. LVIII.
Recife, 1993,
pp.21
-
85. Entre os anos acima citados, temo
s que a maior parte dos navios que arribavam em Pernambuco
eram urcas provenientes de Hamburgo, algumas da Antuérpia e umas poucas de Lubeck.
95
O prejuízo que o desvio de cargas para portos do norte da Europa acarretava era que os impostos da Sisa
e a Diz
ima, sobre a mercadoria transportada e comercializada, não iam para os portos portugueses. De
diversas formas a coroa portuguesa tentou resolver este problema. Uma delas foi fazendo com que as taxas
passassem a ser cobradas já no Brasil. A sisa, por exempl
o, passou a ser cobrada, por algum tempo, nas
alfândegas.
96
MELLO, Idem. P.26.
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46
de açúcar infiltrando
-
se no comércio e transportando a mercadoria
entre Portugal e
Brasil”, como obser
vou
o historiador holandês
P
ieter
Emmer.
97
De uma forma geral, a união das coroas espanhola e portuguesa levou, em
diversos pontos do
A
tlântico
, comercian
tes portugueses a estabelecerem
representações
comerciais em diversas partes da América espanhola como México, Cartagena, Sevilha e
Buenos Aires. Não é toa que “A prata do Potosí circulava corrente
mente no Brasil do
século XVII”
98
, inclusive em Pernambuco. Com a invasão holandesa essa rede foi, de
alguma forma, atingida. Entretanto, para não perdermos as s
imultaneidades das coisas,
vale salientar que, no mesmo ano em que Nassau conquistou são Jorge da Mina, 1637, os
portugueses conseguiram romper com a linha de Tordesilhas ao chegar a margem norte
do Amazonas. Belém havia sido fundada vinte anos antes. Um ano depois, Pedro Teixeira
percorreu o Amazonas até atingir Quito e mostrar aos espanhóis a importância daquele
quinhão do Novo Mundo.
99
As operações da WIC no Atlântico, a partir de Pernambuco,
corriam lado a lado com a consolidação da presença portuguesa n
o Norte.
2. A Diáspora Sefardita e o Brasil Holandês
Outro fator de grande importância na inserção do Brasil Holandês na
História do
Atlântico
é o que se refere às redes comerciais familiares, principalmente sefarditas. A
diáspora sefardita, tema qu
e vem sendo bem freqüentado nos últimos anos
,
perpassa em
cheio a presença holandesa no Brasil. Desde que mui
tos deles tomaram o rumo dos
Paí
ses Baixos no final do século XVI, criaram comunidades principalmente em
Amsterdam.
A adaptação à língua neerland
esa fo
i inicialmente fator limitante a
expansão de
seus negócios numa cidade que acolhia, por razões religiosas ou econômicas, gente da
Turquia, França,
Moscou e Polônia. Foi mesmo a
trégua
entre a Espanha os Paises
Baixos, a partir de 1609, que permitiu à
quelas comunidades sefarditas pôr em prática
97
EMMER, Pieter.
Los Holandeses y el Reto Atllántico en el Siglo XVII.
In: El Desafio Holandês al
Domínio Ibérico em Brasil em el Siglo XVII.
Ediciones Universidad Salamanca,
2006, p.27. APUD.
SCHWARTZ, S. B. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society.
Bahia, 1550
-
1845.
Cambridge: University Press, 1985, p. 168.
98
BERNARD, Carmen; GRUZINSKI, Serge. Historia do Novo Mundo 2: As Mestiçagens.
São Paulo:
Editora da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 517.
99
Ib
i
dem.
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47
todo o
seu
backgroud
no comércio colonial português.
O desenvolvimento dessa
empreitada não se deu repentinamente. Como bem afirm
ou Miriam Bodiam, “What had
bega
n as a small nucleous of merchant families had de
veloped by 1639 into a relatively
conspicuous community of well over a thousand persons”.
100
É bom lembrar que, em
1635, vários judeus migraram para o Recife após a queda do Arraial Velho
do Bom Jesus
em busca de oportunidades. Neste caso, eram em sua maiori
a famílias modestas.
Contudo, vieram no rastro da ocupaçã
o holandesa, que permitiu um trâ
nsito considerável
de sefarditas no espaço Atlântico.
Para o período que antecede a invasão a Pernambuco, há também razões para
supor que a Trégua dos Doze Anos
(160
9
-
1621), entre Espanha e Paí
ses Baixos tenha
sido talvez mais importante para os emigrados sefarditas do que mesmo para os
holandeses de Amsterdam. Isso se deveu ao fato de que, segundo o historiador Pi
eter
Emer, “o transporte, o comé
rcio e a finalizaç
ão d
o açúcar b
rasileiro durante a
trégua com
a Espanha (1609
-
1621) foram, todavia, realizados com companheiros portugueses e com
cristãos novos e judeus sefarditas”.
101
Os holandeses sofriam, enquanto compradores do
açúcar brasileiro, a concorrência das cidades
alemãs
, da Inglaterra e da França.
Ainda segundo
Mirian
Bodian, os sefarditas que emigraram para Amsterdam bem
poderiam ter ido para outras comunidades como Veneza, Livorno ou Constantinopla. A
escolha de Amsterdam não pode ser atribuída diretamente a questões religiosas
, uma vez
que, mesmo em Amsterdam, o judaísmo não era tolerado oficialmente. Também
poderiam ter ido para a Alemanha, Londres ou França, mas preferiram a cidade mais
importante da Holanda. Portanto, a emigração sefardita de Portugal para a
Holanda aceita
mais a justificativa econômica, segundo a qual Amsterdam tornava
-
se interessante
enquanto centro comercial emergente de produtos coloniais no Atlântico.
102
A cidade que cresceu em volta do dique de Amstel possuía, ao tempo de 1610,
a
bolsa
de valores mais importante da Europa. Muito embora, antes mesmo da bolsa de
100
BODIAN, Miriam. Hebrews of the Portuguese Nation: Conversos and Community in early Modern
Amsterdam.
-
Indiana University Press: 1997, p.5.
Ao tratar da formação de uma nova identidade sefa
rdita
em Amsterdam, a autora considera a situação dos judeus portugueses frente ao calvinismo holandês e,
sobretudo, ao judaísmo rabínico, do qual encontravam
-
se afastados à algumas gerações.
Sobre isso,
considera que : “When conversos left the Península a
fter generations of isolation from traditional jewish
life, they brought with them notions of Judaism that were anomalous and rudimentary”.
(p.18).
101
EMMER, Idem.
102
Idem, pp. 25
-
26.
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48
Amsterdam, tivessem existido na Europa outros mercados de valores, o de Amsterdam
tornou
-
se singular pelo “volume, a fluidez, a publicidade, a liberdade especulativa das
transaçõe
s
”, como disse Fernand
Braudel.
103
Na bolsa de Amsterdam eram especulados
produtos como o açúcar, o pau
-
brasil, o fumo, entre vários outros. As
sim, não seria difícil
percebermos que a situação da lavoura canavieira em poder da WIC no Brasil interessava
sobre
maneira aos especuladores daquela praça. Uma guerra prolongada poderia significar
baixa nas ações das
commodities
tropicais. As possibilidades deste mercado de ações
atraíram, sem dúvida, a recém chegada elite marrana portuguesa, interessada que estava
nos
comércios de açúcar e, posteriormente, de escravos. Também desta forma, estão
interligados diversas partes do Atlântico no período atinente a presença batava
no Brasil,
em diversos ramos
da atividad
e econômica. Notí
cias do Brasil,
por exemplo, que eram
tr
ansmitidas
pelos
pamfleten
de Amsterdam
, suscitavam apostas sobre o desfecho de
qualquer fato relevante na lut
a entre as tropas da WIC e o exé
rcito luso
-
brasileiro em
Pernambuco. Essa situação ficou bem registrada na pesquisa de José Antônio Gonsalves
de M
ello
sobre “gente da nação”
.
104
O interesse econômico dos judeus portugueses em migrarem para os Países
Baixos foi a tônica do pensamento do historiador João Lúcio de Azevedo, para o qual “os
judeus escolheram como refúgio a Holanda por ser mais opulento,
do que sustentar que
deles proveio essa opulência”.
105
Azevedo reforça que, das
primeiras migrações para os
Paí
ses Baixos em fins do século XVI, “na Holanda encontravam
-
se muitos destituídos de
cabedal”.
106
Parece que a Holanda como “terra das o
portunidades” p
ara os sefarditas
portugueses
foi a mais próxima e viável possibilidade de fuga. Com relação a
103
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (Século
s XV
-
XVIII): Os Jogos da
Troca.
São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.82. Sobre a anterioridade de outros mercados de valores afirma
Braudel: “ Os títulos da divida pública do Estado começaram muito cedo a ser negociados em Veneza, em
Florença mesmo antes d
e 1328, em Gênova, onde há um mercado ativo de
luoghi
e
paghe
da
Casa de San
Giorgio
, para não falar nas
Kuxen
, as ações das minas alemães cotadas desde o século XV nas feiras de
Leipzig, dos
juros
espanhóis, das obrigações francesas emitidas pelo Paço Mun
icipal de Paris (1522) ou do
mercado das obrigações das cidades asiáticas, já no século XV”. (p.82)
104
MELLO, José Antônio Gonsalves de. A Nação Judaica do Brasil Holandês . In: Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol.XL
VIII
Recife: 1976, p.229. Ao investigar
fontes de tabeliães de Amsterdam, Gonsalves de Mello demonstrou diversas apostas acerca de situações
vividas na guerra holandesa em Pernambuco, tal qual a queda (ou não) do Forte de Nazaré (Cabo de Santo
Agostinho)
antes ou depois de determinado período, etc.
105
AZEVEDO, João Lúcio de. História dos Cristãos
-
Novos Portugueses.
Clássica Editora:Lisboa, 1989,
p. 29.
106
Idem.
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49
participação dos judeus na fundação das Companhias das Índias Orientais e Ocidentais,
conclui Azevedo:
“Mas nenhum deles [judeus] exerceu lugar primacial nessa
s instituições,
nem em parte alguma aparecem provas de haver contribuído de modo
notável a acção destes adventícios para a extraordinária expansão das
forças vitais de uma nacionalidade, que gloriosamente afirmava o seu
direito à existência”.
107
A
import
ância econômica que os Paí
ses baixos tiveram para os judeus também
pode ser vista no quadro de uma rede de comércio que lig
ava, não raro, o Oriente Médio
a
Europa Ocidental. Redes longas de comércio que traziam até Amsterdam mercadores
de diversas nacionalidades, inclusive armênios. Mas
foi a diáspora sefardita do início da
Era M
oderna que contribuiu para dar impulso à nascente província calvinista. Nas
palavras de Fernand Braudel, “Amsterdam, Hamburgo são os pontos de chegada
privilegiados de mercadores já ricos ou que depressa enriquecem de novo. Não há duvida
de que contribuíram para a expansão comercial da Holanda ...”.
108
É bom não esquecermos que, aliada
s
as questões
identitárias da formação destes
grupos de “judeus novos” frente aos calvinistas e o próprio judaísmo rabínico, as relações
econômicas tiveram um outro rumo a partir da presença destes grupos no Recife. Em
diversos pontos da atividade econômica a participação judaica esteve presente. A relação
da
gente da nação
com a Companhia das Índias Oci
dentais nem sempre era amistosa, de
forma que a sua presença em diversas partes da
conquista
holandesa gerava, não raro,
problemas nos quais, quase sempre, a religião servia como pretexto de perseguições de
caráter econômico. Vale salientar
, como já foi di
to,
que os judeus tiveram participação,
ainda que modesta, no capital subscrito para a fundação da WIC.
107
Idem.
108
BRAUDEL, Fernand. Civilizacao Material, Economia e Capitalismo (Séculos XV a XV
III): Os Jogos
das Trocas.
São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.134. O autor ressalta, a partir da diáspora sefardita da
época moderna, um incremento das redes de comércio judias tanto em direção à Península Ibérica como em
direção a partes do Mediterrâne
o, tais quais Veneza, Mântua, Ferrara e Livorno. Sobre as migrações
atlânticas, afirma que “não há duvidas de que estejam [os judeus] também entre os obreiros das primeiras
grandezas coloniais da América, especialmente no que diz respeito à expansão da can
a e ao comercio de
açúcar no Brasil e nas Antilhas”.
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50
A importância de Amsterdam para os judeus emigrados para o Brasil era grande,
uma vez que vários pedidos de emigração foram apresentados à própria Câma
ra de
Amsterdam. Desta forma,
em
setembro de 1635, já vencida a resistência luso
-
brasileira
do Arraial do Bom Jesus, vários foram os pedidos de famílias marranas, entre ricos e
pobres
, para virem residir no Brasil.
109
Um outro ponto que envolve a relação
entre judeus sefarditas, cristãos
-
novos
e
Brasil Holandês diz respeito a
s informações que instigaram a vinda da WIC para
Pernambuc
o. Cristãos
-
novos que residiam
nesta capitania teriam, possivelmente,
instigado a invasão holandesa. De modo um pouco diverso a esta suposição,
José Antônio
Gonsalves de Mello considerou que “elementos estrangeiros residentes no Brasil ou aqui
conservados como prisioneiros, revelaram noticias valiosas sobre o país”.
110
Tal o caso de
Gedeon Morris de Jonge, Dierick Ruiters e Johan M
axwell. O próprio Adrien Verdonck,
mercador residente no Recife ao tempo da invasão, serviu de informante à WIC, como se
vê em sua
memoire,
citada no início deste capí
tulo. Por outro lado, não
é
menos verdade
que, uma vez em Pernambuco, muitos cristãos
-
nov
os se reconverteram à Lei Mosaica
.
111
Em se tratando especificamente da atividade açucareira, a participação judaica já
se fazia desde a fase das plantações de açúcar nas ilhas do
Atlântico
. Como observou
Stuarrt Schwartz, esses financiamentos davam
-
se, s
obretudo, entre negociantes e agentes
c
omerciais genoveses e judeus. Tu
do indica que muitos destes comerciantes judeus
acompanharam o êxito da empresa açucareira da Ilha da Madeira, laboratório do que viria
a ser feito em Pernambuco na segunda metade do sé
culo XVI.
112
No Brasil, a primeira visitação do Santo Oficio (1501
-
1595) permitiu, segundo
E
valdo
Cabral de Mello,
a que tivéssemos uma primeira noção acerca da “açucarocracia”
do Recôncavo baiano e de Pernambuco. Assim, pudemos saber mais sobre “a estrut
ura
109
Idem, MELLO, pp. 230
-
233.
110
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida
e na cultura do norte do Brasil.
Editora Massangana: Recife, 1987, pp.230
-
231. Para justificar a
influencia dos cristãos
-
novos que residiam no Brasil na invasão holandesa, o autor recorreu à peça teatral
contemporânea de Lope de Vega,
El Brasil Restituído
.
111
Idem. O autor lançou mão de Frei Manuel Calado para mostrar algumas d
as famílias de cristãos
-
novos
de Pernambuco que se converteram ao judaísmo quando da invasão holandesa. São eles Gaspar Francisco
da Costa, Baltasar da Fonsaca, Vasco Fernandes, Manoel Rodrigues Mendes, Simão do Vale, etc.
112
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Int
ernos: Engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550
-
1835.
-
São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 25.
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51
social das grandes áreas de produção açu
careira da América Portuguesa
”.
113
Ao analisar
os extratos que compunham a sociedade açucareira que antecedeu à invasão holandesa,
considerou Cabral de Mello que
a acucarocracia ante
-
bellum compreendia um segund
o extrato, também
de origem urbana, os mercadores cristãos
-
novos, certamente o segmento
mais dinâmico dela, uma espécie
de cunha do grande comé
rcio colonial
na etapa produtiva da economia açucareira”.
114
Vale esclarecer que, ainda segundo Evaldo
Cabral de Mello
, o primeiro extrato da
sociedade açucareira
ante
-
bellum
era formado “
não por
rurículas
afidalgados do
imaginário nativista mas por citadinos, entenda
-
se, indivíduos procedentes das grandes
cidades marítimas (Lisboa,
Porto, Viana, Aveiro); ou de mé
dias e pequenas vilas do
interior de Portugal”.
115
Também é fato que muitos deles enxergavam os seus engenhos
como extensão ou mesmo “prolongamento lucrativo das suas lojas de Olinda e
Salvador”.
116
Temos, então, já em Pernambuco, a presença de cristãos
-
novos
nas redes ou
“dinastias comerciais”, como observou E. Cabral de Mello, no Atlântico
pré
-
invasão.
No iní
cio da colonização, ainda no século XVI, a coroa portuguesa, através da
Casa da Índia, fazia contratos com diversos grupos comerciais. Alguns deles era
m, não
raro,
de cristãos
-
novos.
117
Finalmente, ao avaliar as relações entre sefarditas e a WIC no
comércio do açúcar, considerou Philip Curtin que a migração atlântica da produção de
açúcar para o Caribe, após a Restauração, foi obra de cristãos
-
novos “sob a
bandeira
113
MELLO, Evaldo Cabral de. Os Alecrins no Canavial: A acucarocracia Pernambucana no Ante
-
Bellum
(1570
-
1630). Revista do Instituto, Arqueológico, Hi
stórico e Geográfico Pernambucano. Vol. LVII. Recife,
1984, p. 145.
114
Idem, p.152. O autor afirma que este extrato cristão
-
novo tinha uma situação financeira “mais sólida do
que os cristãos
-
velhos”.
115
Idem, p. 150.
116
Idem.
117
CURTIN, Philip D. Curtin.
The Rise and Fall of the Plantation Complex: Essays in Atlantic History.
Cambridge University Press: 1990, p.49. Sobre os primeiros comerciantes no Brasil considera o autor:
“...some were not even portuguese
The crown being less nationalistic about Brazi
l than about more
obviously valuable overseas territories. Anyone could trade, so long as the crown received its determined
share”.
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52
holandesa”.
Conclui Curtin que “many important Sephardic Jewish families of the
Caribbean
today
trace their presence to this migration”.
118
Contudo, não convém generalizar esta inserção dos judeus ou cristãos
-
novos nas
atividades coloniais sob p
ena de incorrermos em
precipitações
ou conceitos mal
ave
riguados. Como já se observou,
a ‘recriação’ de um judaísmo rabínico fora da
Península Ibérica foi um processo traumático para aqueles já há al
gumas gerações
afastados das prá
ticas tradicionais. Na Ho
landa, por exemplo, o processo de
transforma
ção de cristãos
-
novos em
judeus
novos
não foi linear e sempre exitoso. Pelo
contrário, muitos dos sef
arditas que migraram para os Paí
ses Baixos traziam em suas
identidades atitudes próprias da Península Ibérica (iberismos)
. A convivência com grupos
ashkenazitas
também não resultou tão s
imples. Do ponto de vista especí
fico das relações
de identidade, a dubiedade de cristãos
-
n
ovos portugueses deve ser levada
em
consideração. Principalmente aquelas gerações afastadas do período da conversão forç
ada
a que foram submetidos em Portugal e na Espanha. Como afirmou Charles Boxer:
“Muitos, talvez a maioria, desses ‘cristã
os
-
novos’ oscilavam entre as duas
religiões, e praticavam ora uma, ora outra, às vezes as duas
simultaneamente. E a razão disso era uma genuína incerteza ou indecisão
sobre qual delas era a verdadeira religião, ou se, na prática, era possível
concilia
-
las”.
119
A dubiedade na afiliação religiosa pode ter levado, não raro, a uma certa dúvida
nas opções políti
cas. Em se tratando da adesão de cristãos
-
novos de Pernambuco aos
invasores holandeses, nem todos se colocaram ao lado ou
van dienst
(
a
serviço) da
Companhia das Índias Ocidentais. Criar uma relação necessária entre cristãos
-
novos e a
invasão batava pode s
er, de alguma forma,
algo
precipitado. Tal foi o caso, por exemplo,
de Manoel Gomes Chacon
(Chacã
o)
, cristão
-
novo que se converteu ao judaísmo rabínico
no Brasil Holandês e, no limiar da Restauração, voltou a professar a fé católica. O seu
caso foi particu
larmente analisado por Ronaldo Vainfas. Para ele, o lavrador de canas de
118
Idem, p. 82.
119
BOXER, Charles R. A Igreja Militante e a Expansão Ibérica (1440
-
1770).
São Paulo: Companhia da
Letras,
2007, p.110.
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53
Itamaracá, que passou a freqüentar a sinagoga do Recife,
e
se sentiu
entre
a família que
havia deixado e os negócios com os judeus de Maurícia que haveria de deixar
às vésperas
da Restauração. Chacon foi preso, enviado à Bahia, julgado pelo auto
-
de
-
fé de 1647, mas
não foi ‘relaxado ao braço secular’.
3. Pernambuco: os portos e o
Atlântico
No dia 17 de dezembro de 1642, partiu do porto do Recife os navios St. Pieter
,
Buyeman e D
olphin em direção a
Barbados. Em seguida, as e
mbarcações seguiriam para
os Paí
ses Baixos levando, certamente, as novidades acerca da recém conquista da
Companhia das Índias Ocidentais:
o
Maranhão. Essa conexão direta Recife
-
Barbados
,
oferecia a Maurí
cio de
Nassau e ao Conselho que o asses
sorava um maior raio de ação
alé
m da esc
ala nordestina. Estava
o Recife inserido numa
weltwirtschaft
(economia
-
mundo
denominada por Immanuel Wallerstein
) holandesa que, pela época acima, já
contava com a participação diret
a de Angola. Viagens como esta se tornaram
comuns
porquanto durou a presença nassoviana no Brasil.
120
Já me
ncionamos na secção I deste capí
tulo a importância que teve o porto do
Recife enq
uanto ponto geo
-
estratégico no A
tlântico. Certamente, ao intentarem a
ocupação de Pernambuco, esse fato não passou despercebido aos neerlandeses. Também
não podemos associar a vinda da Companhia das Índias Ocidentais para o Brasil apenas
por este prisma. Se assim tivesse sido, a estada batava em Salvador anos antes não teri
a
acontecido. Sendo mais claro, procuraremos nesta secção perceber a importância do
porto do Recife não apenas enquanto local de desembarque do açúcar
que abastecia boa
parte dos países da Europa ocidental na segunda metade do século XVI, mas sobretudo o
porto do Recife como um meio, uma passagem, para outros pontos do Atlântico.
Não seria heresia considerar que, primeiro, veio o porto, depois, a cidade. É fato
que o litoral nordestino, principalmente entre Natal e Salvador, oferece boas condições de
a
portagem e também serve de via de acesso a outros pontos do
A
tlântico
. Contudo, a
120
IAHGP. Coleção José Higyno.
Brieven em Paieren uit brasilie.
Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX. 08/04/1642.
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54
importância do Recife se deve a muitas vantagens associadas. Em Pernambuco mesmo,
os portos de Pau Amarelo e Nazaré, este último ao sul do Recife, represe
ntaram
alternativas de aportagem ao Recife. O porto de Nazaré, por exemplo, bem que serviu aos
lus
o
-
brasileiros como uma das “escá
pulas do açúcar”
(expressão de Evaldo Cabral
d
e
Mello)
enquanto os holandeses não se assenhoreavam dos engenhos do litoral sul de
Pernambuco.
A
invasão holandesa a Pernambuco em 1630 veio a mudar a freqüência de
embarcações dos portos próximos a esta capitania, e mesmo nela. Observou Evaldo
Cabral de Mello que
“antes de 1630, os pequenos portos ao norte e ao sul do Recife eram utilizados
com fre
qüência durante os meses de verão. Só no Recife e na Paraíba
, os
senhores de engenho e comerciantes de açúcar dispunham de transporte para o
Reino Unido durante todo o ano. A queda do Recife em 1630 determinou uma
redistribuição da navegação em favor da Paraíba e também dos portos menores,
especialmente o do Cabo de Santo Agostinho, os
q
uais passaram a ser mais
procurados , escoando em conjunto mais açúcar do que o porto da Paraíba”
.
121
A existência de portos é fundamental nas condições de ocupação de um território,
sobretudo numa época em que a tecnologia ainda não havia compensado as rudezas da
navegação transatlântica. Regime dos ventos, correntes, conhecimento de acidentes
geográficos, tudo isso era fundamental às aventuras ou desventuras marítimas. Em
Pernambuco, o Cabo de Santo Agostinho (ao sul do Recife) no
s
serve como um exemplo
de acidente geográfico
referê
ncia na “planície lí
quida” (a expressão é de Fernand
Braudel) que é o Atlântico. O Cabo de Santo Agostinho era, para os navegadores do
século
XVI, uma efeméride
na navegação do A
tlântico
sul.
122
É certo, portanto, que,
121
MELLO, op. cit., p59.
122
[
apud
].
“a corrente equatorial que vem da África se bifurca no Cabo de São Roque
e uma de suas
bifurcações segue a costa Norte do Brasil e das Guianas e chega às Antilhas, enquanto a outra segue até o
sul, paralela à costa Brasileira e constitui a corrente do Brasil; nos meses de junho a setembro , que era
quando os barcos que saiam da
Península Ibérica chegavam ao Brasil, as correntes nas imediações do Cabo
de São Roque se dirigem a NW e se a sua ação se junta à das monções do Sul, que alcançam então sua
maior identidade, se compreende facilmente que aos barcos a vela era sumamente dif
ícil vencer esses
obstáculos para dirigir
-
se ao Sul , sendo muitas vezes arrastados até as Antilhas. Em troca, alcançando
-
se o
Cabo de Santo Agostinho se cai dentro da corrente do Brasil e é fácil prosseguir a viagem para o sul. A
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55
quem quer que estivesse na carreira das Índias Orientais, sabia muito bem precisar o
Cabo (como é popularmente conhecido), na Capita
nia de Pernambuco. Segundo Ulysses
Pernambucano
de Mello, “era o Cabo de Santo Agostinho e suas proximidades o lugar
para onde se dirigiam os navios dispersos que cruzavam o atlântico sul, constituindo
-
se
no local de mais fácil identificação para os q
ue vinham do Hemisfério Norte”.
123
Esses
pormenores da
navegação sul
-
atlântica já foram bem explorados por Luis Fi
lipe de
Alencastro, que observou
:
“Na altura do Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco) a corrente
Subequatorial se bifurca, dando lugar à corrente das Guianas, que deriva
costa acima até o Caribe,
e à corrente do Brasil, descendo costa abaixo.
Fenômeno que explica o interesse dos holandeses, durante sua ofensiva
na América do Sul, em ganhar o controle do arquipélago de Fernando de
Noronha, entrada de duas rotas estratégicas para os ataques contra o
Império
Filipino: a das Antilhas e a que descia pela costa brasileira”.
124
Ao norte do Recife, a praia de Pau Amarelo (como fora acima observado)
oferecia
boas condições de aportagem. Não é à toa que foi lá que desembarcaram mais de vinte
navios das tro
pas da Companhia das Índias Ocidentais em 1630. A outra metade
estacionou no porto do Recife. O próprio nome ‘Pernambuco’, que significa algo como
‘pedra vazada’ em tupi
-
guarani, deve a sua origem a uma barreira de
arrecifes que, como
era vaz
ada, permitia
a passagem de embarcações que ficavam protegidas por sua barra.
eleição do Cabo de Santo
Agostinho como ponto que satisfaz plenamente as condições indicadas supõe
viagens anteriores que impuseram o conhecimento dessas características, impossíveis de se obter de uma
única vez em navegação” In: MELLO, Ulysses Pernambucano de. O Cabo de Santo ago
stinho e a Baia de
Suape. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano:
-
Vol. LIII. Recife, 1981,
p. 38.
123
Idem. O autor considera que o Cabo já aparece bem representado em cartas náuticas do inicio do século
XVI, como as de
Caverio, Magiollo (1504), A. Vespucio (1505), Kustmann II, Waldseemuller (1508) e
Ruysch (1508).
124
ALENCASTRO, Luis Filipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico sul.
São
Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 57
-
58.
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56
Localizava
-
se esta barra nas imediações da Vila de Igarassu (norte do Recife). Logo,
surgiu o topônimo Pernambuco a partir de um porto.
125
Com o iní
cio da economia açucareira em Pernambuco e o
seu desenvolvimento na
segundo metade do século XVI, tais portos passaram a ter, na prática, uma função a mais
do que oferecer boas condições de aportagem. A expansão da economia açucareira, aliada
a extração de pau
-
brasil, aument
ou a importância dos port
os do N
ordeste do Brasil.
Como em Pernambuco se produzia a maior parte do açúcar consumido na Europa, já no
último quartel do século XVI, teve no porto do Recife a sua mais importante porta de
saída daquele produto. A partir de então os navios passaram a f
reqüentar o Nordeste não
apenas para se afastar da cabotagem ao longo da África, e sim para fazer comércio.
126
Mas estes portos eram também, e muitas vezes, de contrabando. Vejam
-
se os
casos do Porto dos Franceses (Alagoas)
e Pitimbu (norte de Pernambuc
o
), fartamente
utilizados pelos franceses
para desviar açúcar e madeira
das capitanias de Pernambuco e
Itamar
acá.
127
O próprio porto do Recife
protagonizou um comércio ilegal de madeira,
açúcar e, inclusive, prata de Potosí desviad
a pelo R
io da Prata
. Nas r
elações atlânticas, o
contrabando esteve presente e precisou sobremodo de lugares ermos
para o seu êxito.
128
O interesse da WIC na prata espanhola era evidente. Uma vez estabelecidos no
Caribe, os holandeses “cercavam” as saídas da prata do México e do Peru.
Por volta de
1630
-
1640, a produção argentífera daquelas minas ainda se revelava atraente aos batavos.
125
MEDEIROS, G
uilherme de Souza. Cruzando o Tenebroso: A Arte da Navegação no Inicio do Século
XVI em Pernambuco. Dissertação de Mestrado defendida em 2000 (UFPE). P. (?)
126
Acerca da navegacao no litoral do Nordeste, escreveu Philip Curtin: “ Brazil was, first and fore
most, a
place the Portuguese had to pass on the way to India.
Once past the bulge of Africa and the doldrums, the
most direct route to the Cape of the Good Hope was in the teeth of the southeast trade winds. To avoid this,
mariners sailed as close to the t
rade as possible
just as they headed back toward Europe took a detour
away from the Saharan coast of Africa. As a result, they passed very close to the northeastern bulge of
Brazil. Ref. CURTIN, Philip D. The Rise and Fall of the Plantation Complex: Essa
ys in Atlantic History.
Cambridge University Press, 1990, p. 48.
127
Sobre a presença de franceses em Itamaracá e Paraiba, afirmou Capistrano de Abreu: “ Os petiguares da
serra entretinham boa relacao boas relações com os colonos; [...] os da praia, sempre
amigos dos franceses,
faziam com estes bons negócios na Paraiba”. Essa referência é do século XVI (segunda metade), fase em
que a presença francesa era constante na costa do Brasil. (Capítulos de História Colonial: 1500
-
1800.
Rio de Janeiro: Civilizaç
ão Brasileira, Brasília, 1976, p. 56)
128
Sobre o contrabando na America do Sul envolvendo Pernambuco, afirmou Fernand Braudel: “Do Brasil
para o Rio da Prata, um tráfico continuo de pequenas naus de umas quarenta toneladas trazia à socapa
acucar, arroz, te
cidos, escravos negros, talvez ouro. Regressavam
‘carregados de reaes de prata’
.
Paralelamente, pelo Rio da Prata, vinham mercadores do Peru com espécies para comprar mercadorias em
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro. Os lucros destes tráficos ilegais , se
gundo um mercador, Francisco
Soares (1597), iam de 100% a 500% e, se acreditarmos no que ele diz, chegavam a 1.000%”.
Ref.
BRAUDEL,
Opus. Cit, p. 135.
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57
Merece destaque, também, a economia que girava em torno da atividade mineradora, que
era o comércio de roupas, vinho da Espanha e escravos africanos que
circulava nas vilas
mineiras. Todas essas mercadorias eram pagas com grandes quantidades de metal
precio
so. Cert
amente os comerciantes ligados a
WIC quiseram entrar nestes “circuitos
econômicos, energizados pela mineração”, como destacou Peter
Backwell.
129
No
processo de colonização da América desenvolveu
-
se desde cedo uma classe social local
(os crioullos), os quais colocaram as colônias espanholas, cada vez mais, numa relação de
independência da Espanha. Como observou John Lynch:
“ By the 1640’s certain
sectors of the American economy
-
shipbuilding, agriculture,
and invest in overseas trade
were far more buoyant than their couterparts in spain. The
economic independence of America, and its superior capital resources, denotated a
fundamental shift of
balance wirhin the Hispanic world.
Economically, at least the
dominant partner was now America [...]”
130
Essa relativa independência econômica da América espanhola em relação a sua
metrópole
foi, ainda segundo Lynch, mais prejudicial à Espanha do que mes
mo os
agravos por ela sofridos por
parte dos holandeses através da
s
guerras de independência
dos Paí
ses Baixos.
Como conseqüência da atividade mineradora, as cidades passavam a concentrar
grandes populações para os padrões da época. Para se ter idéia, a
cidade de Lima
comportava,
em 1610
,
algo em torno de 25 mil habitantes.
131
Lima concentrava em torno
de si um co
mércio interessante. Não foi por acaso
que os holandeses empreenderam
expedições à
costa peruana e chilena
a partir de Pernambuco. Ao redor das
cidades
mineradoras se estabeleciam as
haciendas
,
fontes
constantes de abastecimento de ví
veres
para a população mineradora.
129
BAKEWELL, Peter. A Mineração na América Espanhola Colonial.
In: História da América Latina:
América L
atina Colonial, vol. II / Leslie Bethel (org).
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
Brasília, 2004, p. 102.
130
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Vol II. New York:
-
New York University Press, 1984,
p.13.
131
MOERNER, Magnus.
A Economi
a e a Sociedade Rural da América do Sul Espanhola no Periodo
Colonial.
In: História da América Latina: América Latina Colonial, vol. II / Leslie Bethel (org).
São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Brasília, 2004, p. 194.
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58
Para a primeira metade do século XVII, podemos considerar a prata e o comércio
de gêneros alimentícios com
o sendo o que mais inter
essava a
Companhia das Índias
Ocidentais na América espanhola. Quanto
a
venda de escravos para o trabalho nas minas,
ainda não seria o momento, uma vez que por essa época os holandeses ainda estivessem
iniciando diretamente
o com
ércio com a África C
entro
-O
cidental. Além do mais, o
aumento da mão
-
de
-
obra escrava africana nas minas do Peru e México não se deu ainda
no século XVII e sim no XVIII.
132
No iní
cio da década de 1640
,
era mais interessante para a WIC vender escravos
para algumas fazendas de açúcar no Caribe que ali se instalavam. Barbados era um desses
lugares. De várias maneiras os holandeses cercavam os espanhóis, sendo mais ostensivos
em Pernambuco e no litoral brasileiro. O interesse holandês pelos metais preciosos no
Brasil foi evidenciado por He
rmann Waetjen, que se referiu às expedições realizadas ao
interior de Pernambuco e Paraiba em busca de ouro e prata. Tudo isso se deu já no
governo de Mauricio de Nassau que, segundo Waetjen, “satisfazia [Nassau] o ardente
desejo dos seus patrões da Holand
a, dos quais grande número esperava ver realizado no
Brasil o sonho do ‘el dorado’”.
133
A atuação dos holandeses contra a Espanha data desde bem antes da fundação da
Companhia das Índias Ocidentais, em 1621. John Lynch chega a relacionar a crise do
comérci
o da Espanha com as suas colônias na América com os sucessivos ataques de
“inimigos estrangeiros”, entre eles, os holandeses. Essa crise do comércio transatlântico
situa
-
se já na primeira década do século XVII e esteve na conjuntura de uma crise
européia marcada pela inflação que durou quase um século (1550
-
1650).
134
Retomando as ambições da WIC no Caribe, e a relação que isto tem com a prata e
ouro espanhóis, temos uma passagem do cronista Gaspar Barleus em que o mesmo narra
132
Ibidem. Segundo
o autor, “na costa peruana os escravos africanos constituíram parte importante da
força de trabalho rural. Em 1767 os jesuítas empregavam 5224 escravos, 62 por cento nas fazendas de
cana
-
de
-
açúcar, 30 por cento nos vinhedos. Esses escravos muitas vezes re
cebiam pedaços de terra onde
podiam cultivar seus próprios alimentos”. P. 195.
133
WAETJEN, op. cit. p. 2
09. O autor se refere a duas exp
edições incentivadas por Nassau no ano de 1637
em “abas de
serra de Pernambuco” e a expedição empreendida por Elias H
e
rckmans ao interior
. Ambas
sem sucesso. No Ceará, uma expedição comandada por Mathias Beck teve mais êxito, tendo encontrado
uma mina de prata “aparentemente rica”, mas que não chegou a ser explorada.
134
LYNCH, John. Spain under the Habsburgs. Vol II. New
York:
-
New York University Press, 1984, p.
11.
Segundo o autor, “ a crise pode ser datada precisamente entre os anos 1598 e 1620 e se tratou de uma
crise de mudança da tendência econômica do século XVI”.
Na Espanha, o contexto foi de
“empobrecimento da p
opulação rural, depopulação e recessão do comércio com as colônias americanas”.
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59
uma tentativa dos holandeses par
a se apoderarem dos carregamentos para a Europa. Em
setembro de 1640, uma expedição comandada pelos almirantes Jol e Lichthart intentou
com vinte navios capturar a prata vinda das minas de Potosí
a partir do porto de Havana.
A operaçã
o foi malsucedida. Segundo Barlé
us:
Frustou
-
se
-
lhes, porém, a expectativa. A sede do dinheiro não sofre delongas, e
nada se ficou sabendo da outiva sobre a chegada da frota da prata, por mais que
se interrogassem a respeito pescadores apanhados aqui e acolá. Cada uma delas
ef
etivamente, por ótimos alvitres e por prudente receio, permaneceu nos seus
respectivos portos, não achando razoável expor à ambição armada o ouro e a
prata que levavam [...]
135
A importância do Caribe para a Companhia das Índias Ocidentais se deve também
ao fato de ficar a meio caminho entre a América do Sul e do Norte. Mais
especificamente, a corrente do Gulf Strean permitia a circulação de embarcações entre a
Europa, América do Norte e Caribe, como destacaram os historiadores Peter Linebaugh e
Marcus Red
iker ao tratarem da circularidade de pessoas no Atlântico Norte e Caribe.
Como eles mesmos destacaram:
The planetary currents of the North Atlantic are circular. Eupeans pass by Africa
to the Caribbean and then to North America. The Gulf Stream then at t
hree knots
moves north to the Labrador and Artic currents, which moves eastward , as the
North Atlantic Drift, to temper the climates of northwestern Europe.
136
Uma outra forma de atacar o Império espanhol sem ser pelo Caribe foi a ocupação
de Angola
em
1641. Tomou parte da mesma o Almirante Jol citado acima. Da fracassada
expedição
a
Cuba para a bem sucedida conquista de São Paulo de Luanda, a WIC atingia
135
BARLÉ
U, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no Brasil.
Belo
Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 2
04.
136
LINE
N
BAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. The Many
-
Headed Hydra: sailors, Slaves, Commoners,
and the Hidden History of the Revolutionary Atlantic.
Boston:
-
Beacon Press, 2000, p. 1.
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60
a Espanha impedindo que 15.000 negros saíssem de Angola para trabalhar nas minas do
Peru e do Méxic
o.
137
O Recife antes da invasão holandesa, enquanto porto da então florescente vila de
Olinda, já tinha um caráter de ‘cidade
-
etapa’ na economia
-
mundo do
A
tlântico
. Tendo
como ‘cidade
-
pólo’ Lisboa, passou, após a invasão a girar, de forma direta, na órbita
de
Amsterdam, o maior empório comercial da primeira metade do século XVII. E foi
mesmo durante a presença holandesa que a cidade do Recife deixou a condição de
“povo” para a de núcleo urbano com problemas de superpopulação, inclusive. Ao
descreve
r o Recif
e por volta de 1636, José Antônio
Gonsalves de Mello não deixou de
mencionar os altíssimos preços de imóveis bem como a circulação constante de gente de
diversas partes da Europa. O Recife deixava de ser um “burgo triste e sem vida”
138
para
ser um important
e
entreposto comercial para os Países Baixos, pelo menos para uma
parte da burguesia de Amsterdam.
Evidentemente, não podemos comparar o porto do Recife com os de Amsterdam e
Antuérpia, os quais podiam comportar mais de mil embarcações de uma só vez. Nes
tes
ancoradouros existiam diversas embarcações que chegavam do Báltico após pescarem
centenas de baleias e aproveitarem seus derivados. Chegavam a lucrar com essa atividade
mais de 2 milhões de florins a cada temporada. O maior de todos esses comércios era
mesmo o de Arenque, chamado de moedernegotie, ou ‘negócio mãe'.
A presença holandesa fez com que o Recife se conectasse mais diretamente a
outras partes do Atlântico como, por exemplo, o Car
ibe. Assim, como veremos em
capí
tulo mais adiante, navios como
o Holandia,
De Wapen van Hoor
e
Bonte Coe
, bem
conhecidos das fontes coê
vas, faziam viagens a Curaçau, Barbados, Santa Bárbara e
Cuba. Em agosto de 1635, de uma só vez, zarparam do porto do Recife em direção a
Cuba os navios
De Zujdsterre
, Schoop,
De Meerm
ine
e
Angola
levando vários soldados
137
Barleus, op. cit. p. 214. Segundo o cronista: “ Efetivamente, o próp
ri
o
rei da Espanha se acostumou a
leva
r dali anualmente 15.000 negros, dos quais se utilizava para trabalharem nas minas do Ocidente.
É,
pois, certo que o rei tentará extremos para recuperar o Reino de Angola, de tanta importância para o
império hispânico”
.
138
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida
e na cultura do norte do Brasil.
Editora Massangana: Recife, 1987, p. 35. Palavras do autor: “Burgo triste
e abndonado [o Recife], que os nobres de Olind
a deviam atravessar pisando em ponta de pé, receando os
alagados e os mangues; burgo de marinheiros e de gente ligada ao serviço do porto; burgo triste, sem vida
própria, para onde até a água tinha de vir de Olinda”.
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61
luso
-
brasileiros como prisioneiros.
139
A queda do Arraial
Velho
do Bom Jesus, em
1635,
terminava com parte de seus soldados nas ilhas do Caribe, q
ue de lá prosseguiam para os
Paí
ses Baixos.
Retomando a discussão da pos
ição estratégica de Pernambuco, quando não do
Nordeste, temos um trecho do relato feito por um administrador holandês em 1633. Diz
ele:
“Esta conquista nos fornece meios para outros empreendimentos
importantes, tais como a conquista do Brasil meridional ‘
[...], o desvio do
comércio de Angola, a anexação do Rio da Prata e a navegação do Chile e
de todo o mar do Pacifico; e ao passo que este pais seria para nossa
Companhia das Índias Ocidentais uma estação de parada cômoda e segura
[...]”.
140
A partir
desse relato, podemos perceber a dimensão da
conquesten
h
olandesa:
açambarcar o N
ordeste
para depois açambarcar outros domínios ibéricos. As intenções
holandesas aumentam até a importância que tinha esta parte do Atlântico
S
ul para a WIC,
econômica e geopo
lítica. Seja como for, eis aqui o gé
rmen
, se não um antecedente da
idéia que ser
ia colocada em prática por Maurí
cio de Nassau quando de seu governo
(1637
-
1644), quando o mesmo, a partir do Recife, atacou El Mina, Angola e o Chile.
141
Uma história do A
tlânti
co que se estendeu ao Pací
fico. Por enqu
anto, fiquemos com o
Atlântico
S
ul
apenas
.
139
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijk
se notulen van de Hooge Raden in Brasilie.
17/08/1635.
140
Relatório do Conselho político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais à 11 de julho de 1633. In: Doc
umentos
Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, pp. 125/126.
141
As intenções flamengas no Nordeste enquanto ponto estratégico no Atlântico Sul evidencia
-
se após a
tomada de São Jorge da Mina, em 1637, quando os primeiros navios da WIC pas
saram a trazer escravos
diretamente dos portos africanos. Para o ano de 1639, já é possível identificar a chegada de navios das
regiões próximas ao Castelo da Mina sobretudo “peças de escravos” (
stuck negers
). Numa ocasião, aportou
no Recife os navios
Cam
el
e
Charitas
, trazendo pouco mais de 300 escravos, sendo 150 provenientes de El
Mina e 174 do porto de Ardras. Também trouxeram ouro e uma carta do administrador Willem Willeckems
do Cabo Lopez. IAHGP. Coleção José Higino.
Birven em Papieren uit brasilie.
29/04/1639.
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62
4. A
Companhia das Índias Ocidentais
A ocupação do Brasil pelos holandeses não foi fortuita. Essa observação, apesar
de óbvia para quem trabalha este tema, não nos exi
me de uma reflexão acerca do que
foram as companhias de
comércio do século XVII. Nos Paí
ses Baixos, em particular, o
paulatino processo de independência do domínio espanhol teve como principal
conseqüência a criação da Companhia das Índias Orientais (VOC)
e, a sua “irmã mais
nova”, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC). Temos, de antemão, que a primeira
exerceu grande influência sobre a segunda.
Evidentemente, o grande cenário para essa discussão passa pela ascensão do
capitalismo e na forma como ele se expressou entre nações protestantes e católicas. Sobre
esse assunto, Hugh Trevor
-
Hoper epressou que em lugares como Milão e Antuérpia, “o
capitalismo independente definhou” e que “os únicos grandes lucros nos negócios eram
os lucros do capitalismo de Estado”. Enfim, para a Espanha, a situação era a seguinte: “A
plutocracia genovesa, tolerada como enclave urbano autogovernado, a fim de ser o
financiador estatal do império espanhol, e investindo seus lucros em funções, títulos e
terras dentro desse império, é típica dessa história”.
142
Assim, em oposicão ao ca
pitalismo
“independente” dos Paí
ses Baixos, a influência do império espanhol no “capitalismo de
Estado” foi determinante nos Paí
ses da Contra
-
Reforma.
143
Mesmo assim, essa dico
tomia
entre o capitalismo em paí
ses da Reforma e da Contra
-
Reforma não pode ser tão radical,
uma vez que mesmo um teórico da república mercantil como Paolo Sarpi, permaneceu no
seio da Igreja católica. Só que na república de Sarpi, Veneza, a Igreja se via separada do
Estado. Ele não era, pois, a” Igreja desse Estado”, como concluiu Trevor
-
Roper.
144
Por outro lado, o fato de o capitalismo livre
-
empreendedorista ter preponderado
nos Países protestantes não torna fraco o papel do Estado. Pelo contrário, no caso dos
Países Baixos, a aparente
ausência do Estado faz parte de uma idéia que foi encampada
142
TREVOR
-
R
OPER, Hugh. A Crise do Século XVII: Religiao, a Reforma & Mudança Social
.
Topbooks: Rio de janeiro, 2007, p. 73.
143
O autor tipificou a sociedade espanhola como
“feudal”, arcaica, acidentalmente alçada ao poder mundial
pela prat
a da América”. De uma forma geral, também tipificou Trevor
-
Hoper a forma de capitalismo
espanhola, ou ”dos estados principescos” como uma regressão econômica e até ironiza ao insinuar que “por
volta de 1640, o apoio espanhol podia ser de pouca valia para q
ualquer um; mas nessa época as sociedades
da Europa da Contra
-
Reforma estavam estabelecidas: estabelecidas em declínio econômico”.
144
TREVOR
-
ROPER, idem, p.80.
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63
por muitos historiadores que não entendiam que a riqueza de uma sociedade refeletia
num Estado mais forte e não necessariamente absolutista.
145
O pensamento da fra
gilidade
do governo nos Paí
ses Bai
xos pode encontar eco nas rivalidades que sempre existiram
entre a plutocracia da Província da Holanda e o poder dos Stathouders, que controlavam
as Províncias do interior e eram elementos da casa de Orange
-
Nassau. No entanto, apesar
de
ssas disputas domést
icas, os Paí
ses Baixos nunca deixaram de exercer o seu poder
externo no século que ficou conhecido como “o século de ouro” para a Holanda: o século
XVII. Do que concluímos que o governo sobreviveu as turbulências provinciais.
As companhias holandesas das
Í
ndias Orientais e Ocidentais têm origens numa
tendência já verificada na Europa Ocidental desde a segunda metade do século XVI. São
as chamadas sociedades de capitais, apelidadas pelos ingleses de
Joint Stock Companies
(sociedades
por ações)
.
146
Na própri
a
Inglaterra
, por volta de 1550, formou
-
se
a primeira
sociedade de ações, a
Moscovy Companie
. Já na França, observou Fernand Braudel, a
instituição das sociedades de ações apareceu mais lentam
ente que na Inglaterra e nos
Paí
ses Baixos. Contudo, foi mesmo n
o século XVII que se consolidaram as grande
s
companhias comerciais, e à sombra de uma condição sine qua no
n,
segundo o autor de
O
Mediterrâneo
: a de que “só há crescimento significativo da empresa quando há
associação com o Estado
o Estado, a mais coloss
al das empresas modernas que,
crescendo sozinho, tem o privilégio de fazer crescer as outras”.
147
Essa declaração
mostra por si
só a importância q
ue o Estado, inclusive o dos Países B
aixos, possuíam no
floresci
mento de companhias do porte da
VOC e da WIC. E
foi de
suas grandes e
organizadas companhias de comércio que, ainda segundo Frenand Braudel, “as
Províncias Unidas e a Inglaterra se serviram para conquistar o mundo”.
148
145
O historiador Franand Braudel, apoiado nos estudos de Immanuel W
allers
tein
, ao considerar que
governo e sociedade fazem parte de um mesmo bloco. Ainda segundoBraudel, no centro de qualquer
economia
-
mundo, a figura do Estado é tanto mais “temida e venerada”, quanto mais riqueza e dinamismo
econômico ele puder trazer para si. Esse foi o caso de Vene
za (século XVI), Holanda (século XVII) e
Inglaterra (século XVIII). Ref. BRAUDEL, Civilização Material e Capitalismo, O Tempo do Mundo, p. 40.
146
Sobre esse assunto, Braudel reitera a anterioridade das “
sociedades de aç
ões
” à segunda metade do
século XVI a
o afirmar que “ já antes do século XV, os navios do Mediterrâneo são muitas vezes
propriedades divididas em ações
chamadas
partes
em Veneza,
luoghi
em Gênova,
carrati
na maior parte
das cidades italianas,
quiratz
ou
carats
em Marselha”. Ref. BRAUDEL, Civ
ilização Material e
Capitalismo, Os Jogos das Trocas, p. 388.
147
Idem, p. 391.
148
Idem, p. 392.
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64
Uma condição para o sucesso das grandes companhias de comércio que
concordamos ter sido imprescindível: a concessão de privilégios por parte do Estado. Tal
concessão caracterizaria as grandes companhias como estados dentro de estados? Essa
questão pode ser a
penas retórica, mas vale a pena
ser discutida para o ca
so particular da
Companhia
das Í
ndias Ocidentais na secção seguinte. De antemão, consideremos que tais
sociedades por ações
tinham por prática tomar a seu talante áreas de comércio muito
distantes de suas sedes. No negócio de longa distância, para tomarmos como exemplo os
Paí
ses Bai
xos, uma
das companhias que antecedeu a Companhias das Í
ndias Ocidentais
chamava
-
se “Companhias para lugares distantes” (Compagnie Van Verre
).
A relação entre capitalismo,
estado e comércio de longa distânncia data desde
o
século XVI. Nos paí
ses ibéricos,
a criação da
Carrera de las Indias
(Espanha) e da
Casa
da Índia
(Portugal) são exemplos daquela associação. Contudo, nesses paí
ses, a coerção e
a
fiscalização do Estado tendiam a ser enormes, se comparadas aos Países Baixos.
149
Antes de entrarmos nas gran
de
s companhias de comércio dos Paí
ses Baixos,
convém lembrar das companhias inglesas do fim do século XV e inicio do XVI.
Eram
elas a
Merchant of the Staple
e a
Merchant Adv
enturers.
A primeira congregava
exportadores de lã e a segunda de tecidos. Mais uma vez, Fernand Braudel chama atenção
para o fato do caráter quase sempre “aventureiro” dos negociantes destas primeiras
companhias de comércio em alusão ao nome desta última companhia acima citada.
150
Conseguintemente, foram fundadas as companhias da Moscóvia
(1555), a do Levante
(
L
evant Company
, em 1585). Finalmente, em 1599, formou
-
se a
Companhia Inglesa das
Índias Orientais.
Apesar de pouco estudada, como aponta o historiador turco Mehmet Bulut, a
presença holandesa no Império Otomano existia desde o sécul
o XVI.
O mesmo verificou
que
“Although formal diplomatic relations between the Ottoman Empire and the Dutch
149
Idem.
150
Idem, p. 396.
No entanto, Braudel considera que a
Merchant Adventurers Company
era administrada
como uma “corporação”
, em que “os membros da companh
ia são irmãos entre si, e suas mulheres, irmãs.
Os irmãos devem ir todos juntos aos ofícios religiosos, aos enterros. Estão proibidos de se portar mal, de
pronunciar palavras grosseiras, de se embriagar, de tornar
-
se espetáculo para os outros [...]”. Assim
reproduziu o autor parte do estatuto da companhia.
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65
Republic were first stablished in 1612, commercial contacts had already been made by
travellers and by merchants engaged in Mediterranean trade bef
ore 1600”.
151
Em p
rirmeiro plano, os olhos dos paí
ses capitalistas emergentes no século XVII
estavam voltados para o Oriente das especiarias, te
rreno já bem conhecido pelos paí
ses
ibéricos, sobretudo Portugal. A inserção portuguesa na Ásia eral tal que fez
jus à
afirmação de Charles Boxer de que
“nada é mais notável do que o modo como os portugueses conseguiram
assegurar e manter, por quase todo o século XVI, uma posição dominante
no comércio marítimo do oceano Índico e uma parte muito importante no
que s
e fazia a leste do estreito de Malaca”.
152
E
foi para esse destino que os Paí
ses Baixos lançaram o
s
seu
s
olhar
es através.
P
rimeiro, com a
Compagnie Van Verre
, em fins do século XVI e, no alvorecer do século
XVII, com a Companhia das Índias Orientais (VOC)
. A atu
ação desta última sobretudo
no O
ceano Índico é que influenciará, alguns anos mais tarde, a criação da Companhia das
Índias Ocidentais (WIC).
No século XVII as possessões portuguesas no Oriente foram seriamente atingidas
pela VOC no que diz respeito
ao comércio lusitano ai enraizado desde o século anterior.
O avanço de Portugal em direção ao Oriente fez parte de um processo, não
necessariamente consciente de expansão, como demostrou Charles Boxer, mas
certamente “surgiram de uma mistura de fatores re
ligiosos, econômicos, estratégicos e
políticos, é claro que nem sempre dosados nas mesmas proporções”.
153
Também ficou
claro que
, segundo o autor, o deslanchar de Portugal na colonização ultramarina se deu
sob o clima de paz interna que o seu território expe
rimentou ao longo de todo o século
XV
, enquanto os outros países da Europa Ocidental estavam envolvidos de alguma forma
com guerras civis internas ou ameaças estrangeiras. Finalmente, como fator religioso,
mas indubitavelmente, econômico, a conquista de Ce
uta aos “infiéis” hereges conbinou
151
BULUT, Mehmet.
The Role of the Ottomans and Dutch in the Commercial Integration between the
levant and Atlantic in the Seventeenth Century. In: Journal of the Economic and Social History of the
Orient,
Vol. 45, No. 2 (2002), pp. 197
-
230.
152
BOXER, Charles.
O Império Marítimo Português.
S
ã
o Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.
52.
153
Idem, p. 33.
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66
mais de um
fator
para o avanço da coroa portuguesa em território africano.
154
É forte a
tese, ainda segundo Charles Boxer, acerca dos interesses econômicos de Portugal na
ocupação daquela p
raça, uma vez que, a partir dali
p
oderiam estabelecer contatos com o
comércio de ouro desde há muito
existente nas terras do alto Ní
ger e do rio Senegal.
Assim, os portgueses promoveram o carreamento desse comércio de ouro do Sudão
ocidental, que se fazia no interior, para o litoral.
155
Que
fique claro, portanto que a
coroa
portuguesa
procurava manter o monopólio do comércio de ouro, escravos e especiarias
em geral, muito embora, em alguns casos isolados, a coroa tenha concedido os direitos de
importação de marfim e escravos a alguns indivíd
uos mediante, é evidente, o
pagamento
de
licença.
No Índico, o império português consolidou
-
se no grosso trato com as cidades
suális da costa orient
al da África (Mombaça, Quíloa, M
elinde e Pate) que, segundo
Charles Boxer, eram “todas possuidoras de alto
nível de florescimento cultural e
prosperidade comercial”.
156
O estabelecimento dos portugueses no Índico situou
-
se entre
as cidades acima citadas e o Timor, passando por importantes entrepostos comerciais
como Mascat, Ormuz, Diu, Bombaim, Goa, Calecute, Cei
lão, Meliapor, Negapatão,
Pegu, Sião, Malaca, Macau e Ilhas Molucas, para não citarmos outros. Ao longo do
século XVII, quase todo esse território foi alvo da Companhia das Índias Orientais.
Quando os hola
ndeses partiram para tomar o quinhão ibérico na Á
si
a, já estavam bem
conscientes do que iriam encontar.
Antes de se “aventurar” no Oriente com uma grande companhia de comércio, as
experiências anteriores colhidas pelos neerlandeses mostraram aos empreendedores
holandeses e zelandeses que “ leurs succès durable exigeait une organization rigoureuse”,
como afirmou o historiador Yves Cazaux.
157
O mesmo resume o êxito neerlandês no
Oriente da seguinte forma:
154
Boxer, no tocante a tomada de Ceuta, chamou a atençao p
ara o motivo eminentemente econô
mico da
con
q
uist
a de Ceuta
, uma vez que se tratava de um centro comercial florescente à época, dotado de uma boa
condição de aportagem que seria fundamental para uma futura expansão portuguesa através do estreito de
Gibraltar.
155
Tal empreitada levada
a cabo pela coroa po
rtuguesa foi lucrativa
, haja vista que, só no reinado de dom.
Manuel I (1496
-
1521), os portugueses truxeram de São Jorge da Mina, anualmente, 170 mil dobras de ouro
a cada ano em média.
Ref. BOXER, op. cit. p. 45.
156
Idem, p. 55.
157
CAZAUX, op. cit., p. 24
1.
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67
“ L’organization néerlandaise, qu’il faut examiner avec attention, n’enlève rien
de sés qualité aventureuses et même héroiques à l’entreprise, mais par le calcul
des risques et grâce à des mecanismes de compensation, elle évite qu’une série de
désastres subis ici et là n’entraîne la ruine de l’ensemble. On reconnaît lê
mélange du réalisme et du revê qui carac
térise lês Provinces
-
Unies”.
158
Evidentemente, a “dose de realismo” holandês não impediu, no caso da
Companhia das Índ
ias Ocidentais, os insucessos que
a mesma experientou no Brasil.
Sobre a VOC, temos que a partir de sua criação em 1602, não demorararia muito para
que
algumas das mais importantes possesões portuguesas caíssem em mãos batavas.
Dirigindo a sua teia comercial para Bali, Amboina e Molucas, a VOC ocupou Jacarta
(Batávia) em 1621 e em Malaca (1640) durante a revolta de Portugal contra a Espanha.
O
ano seguinte, 1641, assitiu à instalação dos holandeses no Ceilão bem como na costa do
Coromandel. Vale salientar que os agentes da VOC já haviam feito contato com o Japão
e, em 1616, obtiveram ai algumas concessões de grosso trato.
159
Tão logo iniciou
o século XVII, e a Companhia das Índias Orientais já
empreendiam enfrentamentos aos p
ortugueses instalados no Índico
. Tal quadro se
estendeu até a assinatura da Paz da Holanda em 1668. Durante todo esse tempo, já à
altura das lutas entre portugueses e hola
ndeses no Atlântico
-
Sul, formou
-
se um quadro
que levou o historiador Charles Boxer a considerar como uma verdadeira guerra
158
Idem, p. 242. O lastro do s
ucesso da VOC no Oriente foram
, en
t
re outrso fatores,
a poderosa marinha
mercante de que dispunham os neerlandeses (segundo o autor, “encore une autre statistique globale: aux
alentours de 1660, les Provinces
-
Unies posséder
ont lês trois quarts de la flotte de commerce mondiale”),
assim como de um arrojado sistema de seguros de cargas tal ponto de organização que “ dés lê debut de la
guerre des Trente Ans, elles parviennent à garantir lês risques de mer pour une prime de dix
por cent em
temps de guerre, de huit pour cent em temps de paix, et même moins cher encore, quand la conjoncture
s’améliore. Ces tarifs à Amsterdam sont souvent inférieurs de moitié aux tarifs français correspondents”.
Convém lembrar da importância das companhias inglesa e holandesa na Ásia.
Em trabalho acerca das
grandes companhias de comércio, os historiadores da economia Ann Carlos e Stephen Nicholas
enfatizaram que “
if
one looks at only a fraction of the transactions, the invoicing of goods between the
factory at batvia (present
-
day Jakarta, Indonésia) and the head office of the Dutch East
Índia Company, the
volume of transactions filled ‘more than 500 fat volumes from the 17
th
century’.
“ Os autores também
observam que este número o volume comercial int
ra
-
asiático, nem as transacoes entre feitorias da
companhia e mercadores locais no Oriente Médio, India, Batávia e Japão.
Ref.
CARLOS, Ann M. ,
NICHOLAS, Stephen.
In: The Business History Review, Vol.62, No. 3 (1988), pp.401.
159
Yves Casaux enfatiza os c
ontatos neerlandeses no extremo Oriente com Osaka, Cantão e Formosa,
salientando também que desde 1616 o chá da China já tomava o rumo do entreposto que seria holandês de
Batávia.
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68
mundial à qual já nos referimos na seção anterior. No Oriente, a Companhia das Índias
Orientais (VOC) e, no Atlântico
-
Sul, a Companhia das Índias Ocidentais (WIC).
Um Historiador indiano, Sanjay Subramanyam, além de seguir os caminhos
abertos por Boxer, nos dá bem a medida do conflito luso
-
neerlandês pelo controle dos
entrepostos comerciais do Golfo de Bangala. Aqui, pontos nevrálgico
s do comércio do
Índico como Negapatão e Paleacate (costa
leste da Índia) foram alcançado
s pelas
companhias de comércio neerlandesas, mas com maior autonom
ia dos nativos para
negociarem com o invasor. Vale salientar que estas localidades tinham desde há mu
ito,
antes mesmo da chegada dos portugueses, um comércio constituído bem como um nível
de organização política mais consolidado que o das tribos tupis do litoral brasileiro .
160
Subrahmanyam, ao mesmo tempo
em
que considera o caráter mundial da luta
en
tre portugueses e holandeses, mergulha na especificidade da administração local que
os portugueses instalaram em termos de fixação de câmaras e delimitações de espaços.
Deste modo, temos uma perspectiva de um historiador nativo que mergulhou não só em
font
es portuguesas como naquelas referentes à Companhia das Índias O
rientais em
arquivos da Holanda
. A chegada dos holandeses nestes espaços, já no início do século
XVII, desarticula as relações comercias de Portugal constituídas com muita persistência
pelos p
repostos do
s
rei
s
em início do século XVI.
161
Se
foi verdade que a presença neerlandesa no Oriente produzia histórias
fantásticas na mente dos contemporâneos, como bem ressaltou Simon Schama
162
,
também não foi menos verdade que as questões político
-
administrat
ivas foram relatadas
por agentes neerlandeses pertencentes à Companhia das Índias Orientais neste quadrante.
Desse modo, o mesmo homem que poderia se deslumbrar com as fantasiosas viagens do
navio Botencoe
bem como as aventuras de seus marujos, também se d
ecepcionava com as
perdas da Companhia das Índias Ocidentais na América portuguesa.
Um caso a ser citado, um ponto de comércio português n
o Golfo de Bengala:
Negapatão. Este, por sua vez, localiza
-
se na costa Leste do subcontinente
indiano, quase
160
SUBRAHMANYAM, Sanjay.
Guerra e Comércio:
A Presença Portuguesa no Golfo d
e Bengala
(1500
-
1700)
.
Lisboa: Edições 70, 1989.
161
O portugueses instituíram várias rotas (carreiras) comerciais no Golfo de Bengala. As mais conhecidas
e citadas por Subrahmanyam são as que tinham como itnerário Malaca
-
Paleacate
-
Malaca, Goa
-
Paleacate
-
Mala
ca
-
Goa, Malaca
-
Pegu
-
Malaca e Goa
-
Paleacate
-
Pegu
-
Goa.
162
SHAMA, Simon, op. cit.
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69
em fre
nte a ilha do Sri Lanka e à poucos quilômetros de Goa, situada na costa Oeste do
Malabar.
Em 1642, atac
ar
am os holandeses, sob o comando do Almirante Cornelis
Leendertszoon Blauw, a possessão portuguesa de Negapatão. Aqui, negociam uma
recompensa de 50.000 patacas de resgate. A empresa malogrou em função da resistência
local e a consequência administrativa foi que os Eleitos (administradores portugueses
locais) que
Goa tomasse conta de Negapatão
.
O que se seguiu aqui foi a instalação de
uma Câmara Municipa
l para substituir os Eleitos, além de nomeação de um Capitão
-
mor e o reforço da fortificação
. Tal atitude, por parte da Coroa portuguesa
,
não fora
tomada doze anos antes com relação a Pernambuco que, mesmo após a ocupação de
Salvador pelos holandeses (1624
-
1625) permaneceu mal
guarnecido.
163
Entretanto, os holandeses na Ásia se beneficiavam das represálias que sofriam os
portugueses dos nativos. Narram os holandeses, em depoimento encontrado por
Subrahmanyam nas fontes neerlandesas, o ataque que sofreu a p
ovoação portuguesa por
parte das forças de Tanjavur, em princípios de 1632, pelo fato da comunidade mercantil
aí instalada não ter conseguido o suficiente para paga
r os tributos que lhes permitissem
fazer o comércio
. Aqui em Bengala, pelo menos, estavam os
portugueses entre uma
poderosa estrutura nativa, os Nayaka
164
, e os holandeses. Situação
, aliás
, diferente do
Brasil, onde puderam subordinar os ameríndios e imp
or
-
lhes uma política hegemônica
.
Em dado momento, Nayakas e holandeses se “congeminaram”, no diz
er de
Subramanyan, para tomar Negapatão aos portugueses.
Por fim, chama a atenção Sanjay S
ubrahmanyam para o fato de que
em certa
medida, a lição que os portugueses, tal como os holandeses, não aprenderam, se resumia
a isto: poucos seriam os “
príncipes p
agãos ou mouros” capazes de suportar, de boa
vontade, a imposição de verem uma “aldeia indefesa” transformada em povoação
fortificada ..
.”.
165
Além de frisar bem que, malgrado o controle neerlandês de Negapatão
163
As crônicas de
Brito Freyre
mostram a dificuldade em se treinar um exército de última hora ante uma
invasão holandesa a Pernambuco. Outro cronista,
Gabriel Soares de Souza
em 1
587, já observara a
necessidade de melhor defesa da costa brasileira. A própria presença francesa no litoral brasileiro até fins
do século XV, como observou
Capistrano de Abreu
, fornece subsídio a este argumento.
164
Assinala Sanjay Subrahmanyam o governo do
chefe Nayaka, Vijayaraghava, que liderou de 1634 até
1637.
165
. SUBRAHMANYAM, op. cit. pp. 104.
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70
nas décadas de 1650 e 1660, haveria sempre, em
outras localidades próximas, um
espaço para os comerciantes privados portugueses. Afinal de contas, como tivemos no
Brasil os luso
-
brasileiros a desempenhar um comércio próprio, houve na Índia os “luso
-
indianos” a fazerem o mesmo.
No Ceilão, a prirmeira
“visita” neerlandesa deu
-
se já no primeiro ano de
existência da VOC. Conta
-
nos um arquivista holandês do inicio do século passado, o Sr.
R. G. Antonisz, que a o primeiro de sua nação a por os pés no Ceilão foi o Almirante
Joris van Spilbergen em 1602.
O pr
imeiro contato foi bastante positivo, uma vez que
“the kandya king, who was by this time heartly tired of the Potuguese, received
him in the most friendly manner, and promised him, in return for assitance
against the Portuguese, every facility for trade
and for the building of fortresses
on the coast”.
Mas a presença efetiva da VOC naquele território se deu mesmo em 1637, no mesmo
ano em que a WIC, a partrir do Recife, conquista
va Sã
o Jorge da Mina.
A
administração só vingaria a apartir de 1640, restan
do aos portugueses a ocupação de
Colombo, que viriam a perder finalmente em 1656.
166
Assim como no Brasil, onde um governo civil tendeu a sobrepujar o militar,
também no Ceilão, a fórmula fora a mesma. Segundo R. G. Antonisz, no Ceilão, a
necessidade de se
procurar um equilíbrio social veio imediatamente após o
estabelecimento de um governo civil.
167
No topo da administração estava um
Governador que era acessorado por um Conselho Político (Political Concil), composto
por dez dos maiores funcionários da VOC. Em seguida, abaixo do Governador, vinham
os
Comanndeurs das subregiões de Jafnna e Galé, que tinham o status de Governadores
Provinciais (Provincial Governors). Estes, finalmente, eram acessorados por conselhos
políticos locais, mas subordinados ao Conselho
Político maior. Os
Commandeurs
podeiam ter assento no Conselho Político do Ceilão (o conselho maior) e, uma vez
estando em Colombo (centro administrativo), tinham precedência sobre os outros
166
ANTONISZ, R. G. The Dutch in Ceylon: Glimpses of their life and times.
(Lecture). Ceylon Examiner
Press, 1905, p. 03.
167
Idem, p. 4.
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71
conselheiros políticos.
168
Esta composição político
-
administrativa da VOC no Ceilão foi
copiada, guardada as diferenças de escala, no Brasil. Aqui, inicialmente, existia também
um
Gouverneur
acessorado por um Conselho Político.
No organograma da VOC prorposto por R. G. Antonisz, os funcionários
(
servants
; ‘dinaer’s em
neerlandês
) da companhia na administração do Ceilão dividiam
-
se em quatro categorias: Política, Naval, Militar (soldados) e Mecânicos. Curiosamente,
na categorias dos servidores políticos se encontravam os mercadores superiores
(
oppercoopman
), os mercadore
s “medianos” (
koopman
) e os sub
-
mercadores
(
ondercoopman
).
169
Essa junção de funções político
-
econômicas não nos deve ser
estranha, dado o caréter eminentemente comercial do empreendeimento. No caso da
Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, muito embora
não tenhamos a
nomenclatrura, tal qual havia no Ceilão, de “mercadores” para algum funcionário ligado
diteratemente à WIC, sabemos que o comércio era controlado pelos conselheiros
políticos.
Estes deveriam, em principio, ser versados também em matéria de
comércio.
Ao tratarmos, no curso deste trabalho, acerca dos “pequenos proveitos” auferidos pela
WIC no Nordeste, ter
e
mos a oportunidade d
e perceber
a fiscalização do comércio por
parte do Conselho Político e dos Diretores Delegados.
Seja como for, as com
posições político adminis
trativas, tanto da VOC como da
W
IC, ainda se situavam em meio a um processo de burocratização do capitalismo, em
que determinadas funções não estavam plenamente definidas. Concorre talvez para esse
fato a recente formação política
dos Paises Baixos. Nesse tocante, observou bem
Lodewijk Hulsman que “a espansão da república neerlandesa exigiu a fundação de
organizações cada vez mais complexas, [...] A República, entretanto, tinha pouca
experiência em gerenciamento de grandes organizaç
ões [...]”. Mais ainda, este autor
registra a anterioridade do
modus operandi
da Companhia das Índias Ocidentais
alegando que
“a administração da WIC se baseava no modelo desenvolvido por armadores
neerlandeses durante o século XVI. Este modelo era dividido em três partes: os
acionistas investiam capital na empresa; os empresários, muitas vezes acionistas
168
Idem, p. 9.
169
Para o autor, os servidores politicos poderiam ser equiparados aos funcionários públicos de nossos dias.
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72
majoritários, equipavam as embarcações e a diretoria formada pelos
empresários registrava o investimento dos acionistas, os contratos de emprego,
alugue
l de facilidades, gastos de equipagem etc. O comissário e o capitão eram
responsáveis pela execussão do empreendimento e, no final da viagem,
relatavam aos empresários os acontecimentos. O comissário operava registrando
os estoques do barco e mantendo o livro de registros dos empregados. Ele era o
responsável pelo registro das trocas comerciais enquanto o capitão mantinha o
diário de viagem. Esta documentação entrava no aquivo da diretoria, os
empresários pagavam a tripulação, vendiam a carga e o barco e re
tiravam o
lucro de seu investimento. No final, o balanço das atividades era divulgado
entre os acionistas e empresários por meio de editais.”
170
Talvez a diferença entre uma companhia deste porte para um empreendimento
do século XVI diferisse apenas no conteúdo e não na forma. No século XVII, o acúmulo
de capital e a capacidade associativa entre os empreendedores certamente era maior que
nas sociedades do século anterior. De uma forma suscinta, este é o organograma
formulado por Lodewijk Hulsman para a Companhia das Índias Ocidentais no Brasil nos
pirmeiros anos de sua permanência no Brasil.
170
HUSMAN, Lodewijk. Guia para o estudo das Atas Diárias do Alto Conselho da Companhia das Índias
Ocidentais no Recife (1635
-
1654).
In: Monumenta Hyginia. Rec
ife, 2005, p.28 (mimeo)
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73
Fonte: HULSMAN, op. cit., p.29.
171
Evidentemente, esse não é um quadro definitivo. Mais adiante, a
nomeação de um Alto e Secreto Co
nselho e das Câmaras dos Escabinos na
administração nassoviana irá modificar este organograma. A referência ao Alto
Conselho é sobretudo retórica, mais no sentido de haver um poder colegiado civil acima
do poder militar. Este “Alto Conselho” não é o mesmo
que será instituído ao tempo de
Maurício de Nassau. A posição do “Governador” ao lado do “Conselho Politico” não
correspondia à prática, já que este era sempre fiscalizado e sobrepujado pelo Conselho
Político e, nos anos de 1633
-
34, pelos Diretores Delegad
os. Estes últimos eram
membros do Conselho dos XIX que vieram a Pernambuco para resolver desavenças
entre o então
Gouverneur
, o Coronel Diedrick van Wanderburch e o Conselho Político.
Foram eles Mathias van Ceulen (pela Câmara de Amsterdam) e Johan Ghijsel
in (pela
Câmara da Zelândia).
172
Este “rearranjo” na administração, por si só, já mudaria o
organograma acima. A justiça, por sua vez, poderia ser aplicada pelo Conselho Político.
Apesar da herança seicentista do funcionamento da WIC, como propôs
Loudewijk H
ulsman, foi no futuro do capitalismo multinacional que uma companhia
171
Esse organograma foi elaborado pelo autor, menos a inserção do Conselho Político no quadro central
logo abaixo do Conselho dos XIX.
172
MELLO, Fontes para a hisória do Brasil Holandês, p. 11.
Conselho dos XIX
Governador
Alto Conselho
ou
Conselho Politico
Justiça
Oficiais
Soldados
Comissário
s
Commissen
Marinheiros e outros
empregados
Clientes Fornecedores
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74
organizada nos moldes acima influenciou. Nesse sentido, Ann M. Carlos e Stephen
Nicholas enfatizaram o argumento de que o crescimento e a expansão de firmas
multinacionais não foi necessa
riamente um
“American phenomenon”
com raízes no
período pó
s
-
1950. Pelo contrário, eles destacaram que
“surprisingly, the early sixteenth
-
and seventeenth
-
century trading companies
the English and Dutch East Índia companies, the Muskovy Company
which
t
raded goods and services acroos national boundaries and had a geographical
reach rivaling today’s largest multinational firms, have been generally
ignored.”
173
Assim como as companhias multinacionais do século XX, as companhias dos
séculos XVII e XVIII c
ompartilham características semelhantes como o grande volume
de transações e os mecanismos de controle administrativo para manter
-
se bem
informadas e reduzir os custos das transações internacionais.
174
Um organograma para a administração do Ceilão pela Comp
anhia das Índias
Orientais, a partir do estudo de R. G. Antonisz seria apresentado da seguinte forma:
173
CARLOS, Ann M. , NICHOLAS, Stephen.
In: The Business History Review, Vol.62, No. 3 (1988),
pp.398.
174
Os autores, com esse argumento, concluem que “in these two critical respects, the early trading
companies were indeed an
a
logues
to the modern multinational”.
Conselho dos XVII
Conselho Politico
Governador
Commandeurs
(governadores
provinciais)
Conselhos Politicos
Locais
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75
Ressalta
-
se que, no caso do Ceilão, os Commandeurs ou
Provintial Governors
assistiam nas cidades de Jaffna e Galle. A dimensão territorial do território conquistado
pelos holandeses no Brasil tornava a administração das localidades mais afastadas do
Recife cada vez mais difícil. Ao contrário do que encontraram os administradores da
VOC em áreas menores como o Ceilão e Batávia (atual Jacarta).
Uma outra característica comum das duas companhias em questão foi o caráter
monopolístico do empreendimento. E não poderia ser diferente. Os privilégios
concedidos a elas pelos Estados Gerais geraram ciúmes nos comercientes que ficaram d
e
fora do empreendemimento. A isso se referiu Fernand Braudel, quando afirmou que
é espantoso, de fato, que os mercadores holandeses, acossados pela
V.O.C. (Vereenidge Oost
-
Indische Compagnie) e ciosos de seus
privilégios, lancem ou sustentem com seus
próprios capitais as
companhias das Índias rivais, as da Inglaterra, da Dinamarca, da Suécia,
da França, até mesmo a Companhia de Ostende”.
O autor ainda chama atenção para a associação entre esses mercadores holandeses,
espécie de
outsiders
dos grandes
negócios da companhia, e as atividades de corso
barbarescos que atuavam no mar do Norte.
175
Percebemos então, que o modelo dessas
grandes companhias de comércio não figurava como unanimidade na costelação dos
interesses comerciais dos mercadores dos Paises B
aixos. Isso ficou bastante
evidenciado, no caso do Brasil, nos desentendimentos entre os mercadores de
Amsterdam e o resto da WIC no decorrer da empresa do Brasil.
Um caso emblemático, citado por W. J. Van Hoboken, diz respeito aos irmãos
Bicker, ricos m
ercadores amsterdaneses e co
-
fundadores da Companhia das Índias
Ocidentais. Segundo o historiador neerlandês, tão logo as ações da WIC subiram de
valor após o apresamento da prata espanhola por Piet Hein em 1629, Cornelis Bicker e o
175
BRAUDEL, op. cit., p. 187. Co
m isso o autor justifica o caráter, por vezes, contraditório entre os
interesses de Estado e os interesses dos comerciantes neerlandeses, lembrando que os holandeses foram
expulsos de Pernam
buco com armas compradas aos pró
prios neerlandeses e
que foi com a
rmas batavas que
Luis XIV atacou os Paises Baixos, em 1672. Finalmente, para Braudel, isto se deve ao fato de que, nos
Países Baixos, “o mercador é rei e o interesse comercial desempenha na Holanda o papel de razão de
Estado”.
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76
seu irmão trataram de vender suas ações e rivalizarem com a com
panhia no comércio do
Brasil. Para J. Van Hoboken,
“sua atitude era típica da de muitas pessoas dos círculos comerciais de
Amsterdam; elas viam mais lucros no comércio livre com as áreas
recentemente conquistadas d
o Brasil do que na manutenção estrita do
monopólio da Companhia”.
176
Os sucessos da VOC suscitaram a fundação da WIC, na esperança de que esta
última obtivesse o mesmo êxito. Contudo, a experiência demonstrou o contrário. A sorte
da WIC conheceu outros ventos dos da sua congênere mais velha. Immanuel Walerstein
ressaltou que a maior diferença entre as duas companhias estava “na base social de
apoio de cada uma”. Assim, enquanto a VOC era controlada por mercadores de
Amsterdam, partidários da paz com a E
spanha, na WIC preponderava a “facção da
guerra”, calvivnistas mais estritos e mais ligados ao grupo orangista.
177
Mesmo guardando diferenças nas suas respectivas composições, as duas
companhias caminhavam pelo mesmo princípio: o do lucro pelo comércio ma
s, se
necessário, a guerra. A forma de administrar no ultramar não seria, porém, a mesma em
todos os casos.
176
HOBOKEN, op. cit., pp.319
-
320.
177
WALLERSTEIN, Immanuel, op. cit., p. 58.
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77
Capitulo II
Pernambuco Pré
-
nassoviano: A procura da ordem
1. Mauricio de Nassau na História
Num de seus trabalhos sobre o
Brasil Holandês, Evaldo Cabral de Mello fez uma
importante reflexão acerca do que ele chamou de ‘memória da guerra holandesa’. Para
isso, recorreu habilmente aos cronistas. Duarte de Albuquerque Coelho, Francisco de
Brito Freire, Frei Manuel Calado, Diogo Lopes Santiago, entre outros, são analisados em
suas perspectivas, coerências ou incoerências.
Também
não faltou o “panegírico”
Gaspar
Barléus. Extemporâneo à ocupação, o Frei Jaboatão não escapou às observações de
Cabral de Mello. A
esse
estudo ele denominou “o inventário da memória”.
178
Sobre essa “memória” da ocupação neerlandesa é que se constituiu, digamos
assim, uma outra memória, a dos historiadores do século XIX e primeira metade do XX.
Se, por um lado, a ocupação do Brasil pela Companhia das Índias
Ocidentais ocupa
pouco espaço na bibliografia neerlandesa, por outro, o mesmo não pode ser dito com
relação ao Brasil.
179
Não é novidade para ninguém a importância que a ocupação batava
ainda
guarda no imaginário de muitos historiadores acadêmicos ou não.
Na “genealogia da memória”, se é que assim podemos falar, temos que um dos
principais cronistas a engrandecer a figura de Nassau tenha sido o Frei Manuel Calado. E
foi essa memória que se preservou até o século XIX. Percebeu isto
Evaldo Cabral de
Mello
qu
ando afirmou que “para o pernambucano da primeira metade do século XIX
como para seus pais e avós setecentistas, só escapavam à condenação geral da
experiência neerlandesa Nassau e os melhoramentos de que dotara o Brasil Holandês”.
180
O mesmo vai mais longe
em suas análises, admitindo que “ao Lucideno, deve
-
se,
desde logo, a dicotomia entre a ação do conde, favorável aos luso
-
brasileiros, e o
178
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: O Imaginário da Restauração Pernambucana.
Rio de Janeiro:
Topbooks, 1997.
179
Uma das razões para este fato pode ser o fato de que a WIC, em relação à Companhia das Í
ndias
Orientais (VOC), obteve menores êxitos em termos de lucro. Criada em 1602, a Companhia das Índias
Orientais lançou
-
se cedo ao comércio com a Ásia. A Companhia das Índias Ocidentais procurou seguir o
seu modelo administrativo.
180
Idem, p. 330.
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78
comportamento sem grandeza dos administradores holandeses, seus subalternos”.
181
Por
fim, considerou Evaldo Cabral de M
ello que “na rejeição cultural do neerlandês pelo
luso
-
brasileiro atuavam, além do preconceito religioso, o sentimento monárquico e o
orgulho estamental. Uma coisa era servir à realeza, outra bem diferente servir a um
governo de comerciantes”.
182
Esses seria
m, na visão de Evaldo Cabral de Mello, os
fatores que contavam a favor de Nassau. Este, por seu turno, fazia lembrar aos luso
-
brasileiros instituições e costumes que lhes eram muito caros
. Entre ela
s, a monarquia.
É natural que toda mudança brusca de co
njuntura não só produza futuras
“impressões”, como também busque mitos que a suportem. À frente dessa tarefa,
principalmente a da criação de mitos, existem os “arquitetos da memória”. Geralmente,
são pessoas letradas ligadas a algum grupo social ou polític
o que lideram o processo de
ruptura do
status quo ante
.
No processo de formação dos Paí
ses Baixos, por exemplo,
temos que os seus “arquitetos” recorreram ao período em que a Holanda era ocupada
pelos romanos para que se justificasse a nascente república co
m uma identidade
própria.
183
Na história do Brasil, a figura de Nassau passou intocável
por
todos esses anos,
desde a independência até os dias de hoje. De 1822 até o presente, a historiografia sempre
teceu elogios à sua figura como arguto administrador de qualidades superiores aos outros
administradores que passaram pelo Brasil Holandês. No
início do
século XX, o
historiador alemão Hermann Waetjen empreendeu uma grande pesquisa documental
acerca da presença da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil. Na s
ua obra
Das
Hollandische Kolonialreich in Brasilien
(O Império Colonial Holandês no Brasil),
Waetjen apresentou uma visão da administração holandesa pré
-
nassoviana de uma forma
muito negativa. Considerou ele o seguinte:
“A WIC precisava cuidar da colônia
conquistada de modo muito
differente do adoptado até então; de fazer sacrifícios em dinheiro,
de realizar reformas na administração, no exercito e no
181
Idem
, p. 331.
182
Idem, p. 338.
183
Esse processo foi bem analisado pelo historiador Simon Schama, que aponta as influências romanas
(Tácito, Plínio e Estrabão) nas idéias de uma identidade neerlandesa de figuras como Van de Vonde, Gijsel
e Hugo Grorius.
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79
comm
issariado; se não quiser ver a e
mpresa brasileira resultar
num tremendo fiasco
”.
184
Hermann Waetjen
prossegue em seu “discurso do demérito” da administração
antes de Nassau ao afirmar que “faltava na Colônia uma mão firme para manter a coesão
do todo
”.
185
Vale dizer que o discurso de Waetjen contra a administração pré
-
nassoviana
baseou
-
se, sobretudo, em
duas cartas escri
ta pelo Coronel Artischofscki
e dois membros
do Conselho Político ao Conselho dos XIX, nas quais se pintava um quadro pessimista da
administração holandesa no Brasil. Criou
-
se
, então, uma situação necessária à vinda
de
Nassau. Aliás, como
o próprio Hermann Waetjen
colocou, a nomeação de Mauricio de
Nassau para governar o Brasil havia começado nos Paises Baixos. Dessa forma, enquanto
as tropas de Wanderbuch (coronel e primeiro governador do Brasil Holandês
186
)
expiavam nas matas de Pernambuco, em 1632, na Holanda, a fama de Nassau se fazia no
episódio do cerco a Maarstricht pelas tropas espanholas. Pouco antes de sua vinda ao
Brasil, “com a rendição do Forte Schenckenschanz o nome de João Mauricio
popularizou
-
se em todas as partes da Republica
”.
187
Muito embora tenha
Hermann
Waetjen apresentado um Nassau ‘necessário’, o
mesmo não deixou de tratar das outras instâncias da administração como o Alto Conselho
(
Hooge Raden
), o Conselho Político (
Politicque Raden
) e as Câmaras dos Escabinos
(
Schepenen). Também pesava criticamente as afirmações de Nassau, ao dizer que:
“Quando o Statthalter, na primeira carta que mandou de
Pernambuco, manifestou a opinião de que o Brasil criteriosamente
administrado poderia vir a
ser melhor fonte
de renda para a WIC
,
184
WAET
JEN, Hermann. O Domínio Colonial Hollandez no Brasil.
Companhia Editora nacional, 1938,
p. 135.
185
Idem, p.136.
186
Apesar do titulo de
gouverneur
, Diedrich Wnaderburch não tinha poderes além do Politicque Raden
(Conselho Político), este último composto
por civis. Segundo Waetjen, o coronel não dispunha de uma
posição de primus inter paris na administração da conquista. Essa situação gerou em si muita disputa entre
autoridades civis e militares no inicio da ocupação neerlandesa.
187
Idem, p.141.
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80
não fez mais do que exprimir o parecer partilhado por todos os
conhecedores da terra
”.
188
Evidentemente, o “começo” para Nassau, não foi mesmo começo para os
primeiros administradores. Numa das primeiras correspondê
ncias enviadas de Olinda aos
Paí
ses Ba
ixos, considerou o Coronel Governador Wanderburch
(ainda no in
í
cio da
conquista)
a sua frustração em ver que os seus objetivos não haviam sido atingidos
plenamente. Claro que ele enfrentava problemas de ordem mais imediata como a
necessidade de fortificaçã
o do Recife. O primeiro governador do Brasil Holandês
reclamava mesmo “dos caminhos sinuosos, moléstias, mortalidade, falta de ví
veres, lenta
esperança de socorros, chuva forte, calor excessivo...” e f
echava as reclamações
afirmando que estavam
“quase todo
s os elementos contra nós”. Esse, pelo menos, não
parece ser um quadro
otimista.
189
A emergência da figura de Maurí
cio de Nassau na história do Brasil vem junto à
emergência em se retomar a história do Brasil Holandês no curso do século XIX. Esse foi
um
processo, como foi dito acima, profundamente ligado a dois fatores. O primeiro, a
necessidade em se construir uma “História do Brasil” após a Independência. Segundo, a
necessidade em se conhecer a história pela pretensa imparcialidade do positivismo do
séc
ulo XIX. Foi mesmo em 1883 que, a mando do governo da Província de Pernambuco,
o jurista e historiador José Hi
gino Duarte Pereira, foi aos Paí
ses Baixos e coligiu uma
imensa quantidade de documentos acerca do Brasil Holandês. Ao retornar a Pernambuco,
teve
vez, em uma reunião do Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico
Pernambucano, a leitura de sua “prestação de contas” da frutífera viagem aos arquivos
neerlandeses. Antes de dar a palavra a Higino, falou o presidente daquela instituição:
“No immenso
campo da histó
ri
a toda colheita é victó
ria de resultados
vantajosos para
a sciencia ; e quando essa histó
ria nos interessa de perto,
como a da luta esforçada do amor da pátria contra a ambição do
188
Idem, p
. 145.
189
Documentos Holandeses. Ministério da Educação e Saúde, 1945, pp. 55/56. Missiva do Governador D.
Van Weerdenburch, em Olinda, aos Estados Gerais.
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81
estrangeiro invasor, recresce o nosso empenho em investigar
tudo quanto
fizeram os valentes libertadores do solo Pernambucano”.
190
Esse discurso congrega os dois elementos, nacionalismo e “conhecimento real do
passado”. Talvez não necessariamente um nacionalismo, mas uma questão de “recuperar”
a história local, ma
is provinciana mesmo. Tanto é assim, que o presidente termina o seu
intróito afirmando que as pesquisas de Higino “devem contribuir para o lustre e renome
de nossa cara província
[Pernambuco]”.
191
Em seguida, o discurso de José Higino tem iní
cio com a ref
erência aos períodos
antes (1630
-
1636) e depois (1645
-
1654) de Nassau como sendo tempos difíceis em que
“u
ma resistência tenaz conseguiu ‘
rechassar os invesores
”. As armas dos da terra falou
mais alto que a dos invasores “hereges”. Contudo, a
o se referir
ao Governo de Maurí
cio
de Nassau (1637
-
1644), enfatizou o jurista pernambucano:
“Entre o período da con
quista
e da guerra houve um intervallo de paz
com os moradores, durante o qual um príncipe illustre de casa de Nassau
organizou a colônia hollandeza, i
ntroduzindo os costumes e as
instituições nacionaes”.
192
À quais “instituições nacionaes” se referiu Higino? Por suas
palavras, passou
incólume a crí
ticas o período nassoviano (1637
-
1644). José Higino também elo
giava a
própria ascensão dos Paí
ses Baixos
frente aos Habsburgos. Um outro ponto interessante
colocado por ele e que justificaria a busca por fontes na Holanda seria, entre outros, os
“feitos de guerra”. Nesse ponto, os “brasileiros” sairiam, com a
vitória frente às tropas da
WIC,
enaltecido
s
por
t
erem expulsado
um exército a serviço de uma potência mundial.
Parece que
o discurso de Higino
era mesmo a favor de sua Província que, afinal de
contas, “foi a sede do governo colonial, o centro das operações do inimigo, e cujo solo
tantas vezes ensopou o s
angue vertido pelos nossos antepassados na luta que travaram
190
Revista do IAHGP, Números 29 e 30. Reedição fac
-
similar. Recife, 1977 [1884], pp. 5 e 6.
191
Idem
, p.6.
192
Idem, pp. 8 e 9.
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82
com os invasores
”.
193
José
Higino exaltava os holandeses, quando convinha, para exaltar
mais ainda os “pernambucanos”
que resistiram e os expulsaram
. Não relatava, também
quando
convinha, a importância dos Países Baixos por puro amor à Província.
Em se tratando dos “feitos de guerra”, as idéias de José Higino bem lembram as
de Adolfo de Varnhagem. Este, por sua vez, foi considerado por José Higino como
“investigador paciente e exato
mas nem sem
pre historiador imparcial”. Até a ida do
historiador pernambucano para os arquivos holandeses, os mais importantes trabalhos
baseados em fontes batavas haviam sido os de P. N
etscher e o do próprio Varnhagen.
194
Temos, em meio a essa discussão, que, a partir
da pesquisa de
José
Higino nos Paí
ses
Baixos, não apenas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tinha um
corpus
documental de fontes neerlandesas. Agora, o Instituto Histórico Pernambucano passava a
abrigar fontes não menos importantes. A temática do Brasil holandês teve a sua ‘infância’
em meio a uma rivalidade entre institutos históricos no século XIX.
Quem faz uma reflexão preciosa do livro de Varnhagem acerca das lutas contra os
holandeses é o historiador Arno Wehling num prefácio de
edição rec
ente. Para Wehling,
um dos objetivos
de
Varnhagen com esta sua obra teria sido “uma estratégia da memória
para convencer os seus contemporâneos”, no sentido de lembrar aos brasileiros que
estavam havia dois anos na Guerra do Paraguai que, na ocupação holan
desa, lutou
-
se 24
anos contra um inimigo forte.
195
Fica claro que, para José Higino, a luta era de
Pernambuco contra a Holanda, enquanto que para Varnhagen, era do Brasil (ainda que
colônia
no século XVII
) contra a Holanda. Varnhagen e Higino, positivistas
que eram,
viam o passado como exemplo. Ou melhor, viam a guerra contra os holandeses como um
“aprendizado” para o presente. Nessa escolha temática, ou seja, na preferência por “feitos
militares”, ficou reduzido o
papel de outras áreas da
administração
da W
IC no Brasil
.
193
Idem, p. 9.
194
Utilizou a documentação colhida na Holanda entre 1850 e 1854 pelo Dr. Joaquim Caetano da Silva.
195
Prefácio do Livro História das Lutas com os Holandeses no Brasil, Francisco A. de Varnhagen.
Rio de
janeiro: B
iblioteca do Exercito, 2002, p. 7. O prefaciador destaca um trecho do discurso de Varnhagen , no
qual o mesmo afirma: “ Achávamos por motivos de serviço publico, no Rio de Janeiro, e acidentalmente
em Petrópolis, e ainda estava por decidir a titânica luta
que o Brasil sustentou no Paraguai, e nem sequer as
armas aliadas haviam vencido o Humaitá e éramos testemunha do desfalecimento de alguns, quando, com o
assentimento de vários amigos, nos pareceu que nos deixaria de concorrer a acaroçoar os que já se
quei
xavam de uma guerra de mais de dois anos, a avivar
-
lhes a lembrança, apresentando
-
lhes de uma forma
conveniente, o exemplo de outra mais antiga, em que o próprio Brasil, ainda então insignificante colônia,
havia lutado, durante 24 anos, sem descanso, e por
fim vencido, contra uma das nações naquele tempo mais
guerreiras da Europa”.
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83
Contudo, ao defender a s
ua “missão” aos arquivos dos Paí
ses Baixos, José Higino
chamou a atenção para o fato de que as fontes coligidas por ele “vêm lançar muita luz
sobre aquillo que nós menos conhecemos
os pormenores da administração, os
costumes, o
modus vivendi
da colônia”. O mesmo fecha o seu discurso se referindo à
possibilidade de, a partir da coleção que levaria o seu nome, “estudar todas as relações
sociaes da colônia Neerlandeza do Brazil”.
196
Em termos de “afiliação histórica”, perece que José Higino, ao se declarar a favor
do estudo das relações sociais, se aproxima do positivismo de Arnold Toynbee. Ao
mesmo preocupava o estudo das relações entre as sociedades ou culturas diferentes.
197
Segundo o historiador Collingwood, uma das ‘ca
tegorias’ do estudo de uma cultura na
perspectiva de Toynbee seria a de interregnum
ou
época de crise
, que seria, nas palavras
de Collingwood, “o período caótico entre a queda duma sociedade e a ascensão duma
outra sua descendente”.
198
Curioso é que, no disc
urso
de ‘prestação de contas’ de José
Higino, o mesmo se referiu
à necessidade de se buscar novas fontes sobre o passado
numa época de decadência
econômica
da Província de Pernambuco e do “abatimento do
espírito público”.
199
Para Higino, o resgate do passad
o poderia redimir o presente de
crise de sua Província.
Retomando a perspectiva nassoviana de Varnhagem, temos que o mesmo se
referia a ele da seguinte forma: “este chefe era nada menos do que um Príncipe que aos
mais qualificados dotes de capitão presti
gioso reunia os de prudente juiz e honrado
administrador”.
200
Ao analisarmos a expressão “nada menos que um príncipe”, fica claro
a preferência de Varnhagen pela nobreza de Mauricio de Nassau, cuja origem contrastava
com a de muitos administradores que vieram para o Brasil antes dele. Ocorre que Nassau
e Varnhagen pertenciam a um mesmo
stablishment
, para usarmos um termo caro ao
sociólogo
-
historiador Nobert Elias. E é a partir do capitulo V de sua “Historia das Lutas
com os Holandeses no Brasil” que
Varnhage
n
vai começar a tratar do tema da
196
Op. Cit. , p.15.
197
Ao se referir a Toynbee, o também historiador inglês C. R. Collingwood afirmou: “ O campo de acção
do historiador [para Toynbee] oferece
-
lhes uma variedad
e infinita de trabalhos, mas, entre estes, os mais
importantes dizem respeito à diferenciação destas entidades chamadas sociedades e ao estudo das relações
entre elas”. Ref. COLLINGWOOD, C. R. A Idéia de História.
Martins Fontes: Lisboa, 1972, p. 204.
198
Idem, pp. 204/205.
199
Op. Cit. , p.9.
200
Op. Cit, p.137.
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84
administração. Para ele, o período anterior estava eminentemente mergulhado na
guerrilha e na desordem. Mauricio de Nassau viria, pois, para corrigir esta falha.
No aspecto militar, os elogios de Varnhagen as façanhas de
Nassau é patente.
Quando ele expulsa a resistência luso
-
brasileira para além do Rio São Francisco, destaca
o historiador: “Animado por tão fácil vitória, não podia Nassau dar férias. Preferia
aproveitar
-
se da estrela que tanto para ele brilhava, destacand
o para o sul, por terra,
Sigismundo Schkoppe
”.
201
Por outro lado, as ‘façanhas’ protagonizadas pelo Almirante
Lichthart são adjetivadas. Sobre um ataque empreendido p
or este último a
Ilhéus, refere
-
se Varnhagen: “ ...tratou de fazer aos nossos todo o mal qu
e pode”.
202
Talvez a passagem
de ‘história das lutas’
que mais marque a personalidade administrativa de Nassau, na
ótica de Varnhagen
, seja a seguinte
:
“Na capital [Recife], dedicou
-
se Nassau com empenho aos assuntos de
governo e a fazer prosperar o Estado
. Conciliando a severidade com a
prudência, conseguiu que todos os magistrados e empregados cumprissem
os seus deveres, premiando os bons, corrigindo e estimulando os tíbios e
demitindo os incorrigíveis”.
203
Parece que o Nassau de Varnhagen teve mesmo um papel ‘civilizador’, na medida
em que reorganizava a economia, distribuía a justiça de forma coerente, construía e
reformava as fortificações que fossem necessárias e, sobretudo, preocupava
-
se c
om as
‘ciências’ no Novo Mundo.
O ilustre historiador
do Impéri
o nos legou um Nassau que
praticamente construiu um Brasil holandês
O historiador inglês Robert Southey, na sua faustosa “História do Brasil”,
dividida em três volumes, referiu
-
se a Nassau como sendo “homem digno de ter sido o
fundador do mais duradouro
império”. As “sábias medidas” que Mauricio de Nassau
tomou após a sua chegada, haviam de ter bom êxito, segundo Southey, devido à
“confiança posta nos seus talentos e probabilidade de que o seu nascimento e influência
lhe tornaria permanente a autoridade”.
O Nassau de Southey não é diferente do de
201
Idem, p. 143.
202
Idem.
203
Idem, p. 144.
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85
Varnhagen. No trato com os da terra, diz o historiador, “cada colono era olhado como
amigo” pelo o conde. Mas essa era inicialmente a política da Companhia e era também o
que buscava o governo holandês antes da vi
nda de Nassau, em janeiro de 1637. Não
interessava à companhia a destruição dos engenhos e sim a cooperação com os senhores
de engenhos e lavradores. Uma perspectiva “personalista” que granjeou a Nassau o cetro
da justiça foi a maneira com que ele lidou co
m os prisioneiros, com “concessões e
generosidades”, o que diminuiu a “aversão que os portugueses votavam aos seus
conquistadores”. As opiniões de Robert Southey sobre Nassau estavam baseadas nas
crônicas de Gaspar Barléus e Nieouhoff. Naturalmente, em se
tratando do primeiro
(Barléus), as opiniões acerca de Nassau haveriam de ser as mais positivas possíveis, já
que ele se destinou a escrever uma história panegírica sobre o príncipe alemão. Logo, o
Nassau de Robert Southey era o mesmo de Barléus.
204
Southey e
vocou a sua principal
fonte sobre Nassau da seguinte forma:
“O seu próprio historiador [Barleus] confessa que os peculatos,
impiedades, roubos, assassínios e luxuria infrene desta gente a tornara
infame. Passava em rifão que nada era pecado daquele lado
da linha, e na
verdade era como o ditado fosse artigo de fé, tão habituais e atrozes os
crimes. Uma rígida justiça depressa conteve esses miseráveis. Nassau, diz
Barleus, fez mais homens de bem do que veio achar, e todos faziam agora
o seu dever, que porqu
e lhes volvesse a boa vontade, quer porque lhes
fizesse sentir a necessidade disso”.
205
Por fim, a opini
ão que Southey, baseado em Barlé
us, tinha da fase do governo
pré
-
nassoviano era tal que tudo nesta fase estava mal resolvido, confuso e arbitrário. A
a
dministração pré
-
nassoviana do
Conselho Político
206
precisava ser corrigida e colocada
em bom funcionamento.
204
SOUTHEY, Robert.
História do Brasil. Vol. I. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, pp.
394/395.
205
Idem.
206
Corpo civil de administradores q
ue respondiam pela administração superior da conquista. Em teoria,
este conselho foi concebido para comportar o número de nove membros e os seus representantes deviam
entender de questões de justiça, política e comércio. Funcionou de 1630 a 1633, quando fo
i substituído por
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86
Muito embora Southey tenha
tido
uma visão de Nas
sau aproximada da que teve
Barlé
us, devemos levar em consideração o lapso de tempo que sepa
ram os d
ois
historiadores. Barlé
us pertencia a um mundo em que as histórias eram “instrumentos
recorrentes apropriados para comprovar doutrinas morais, teológicas, jurídicas ou
políticas”. No caso dele, principalmente morais e teológicas. Essa
referência a como se
fazia história no século XVII foi bem expressa por Reinhart Koseleck.
207
Outro historiador novecentista, Heinrich Handelmann, apontou as vantagens
pessoais de Nassau na condução do Brasil Holandês. Assim, para Handelmann, Maurí
cio
de Nassau vinha governar
“com igual zelo e aptidão os grandes problemas como os
pequenos
”.
208
Ao se referir à maneira como Maurício de Nassau conduziu o seu governo,
Handelmann expôs que “sob o governo sábio do Conde Moritz de Nassau foi ali
efetivamente estabelecido o fundamento para o progresso interno muito prometedor
”.
209
É curioso como Handelmann analisa uma proposta de Nassau aos diretores da
Companhia (os Heren XIX) acerca de se distribuir terras aos soldados no Brasil após o
fim de seus serviços
militares.
210
O historiador al
emão compara tal iniciativa “à medida
da antiga Roma”. Também da mesma forma que outros historiadores de seu tempo, H.
Handelmann não deixou de ressaltar as qualidades pessoais de seu conterrâneo,
destacando nele “a origem régia, o cavalheirismo e a amável
simplicidade”. Era Nassau
um sábio nobre que governava para uma república. A sua “orig
em régia” emprestava aos
Países Baixos um colorido especial na condução dos negócios da Companhia das Índias
Ocidentais no Brasil.
uma “Diretoria Delegada”, representada pelos senhores Mathias van ceulen e Johan Gijseling. Em 1634, o
Conselho Político reassumiu a dianteira na administração superior do Brasil holandês, tendo como
representantes Serveas Carpentier, Wil
lem Schott, Jacob Stachhouwer, Johan Wijntgis e Ippo Eissens. A
partir de 1637, quando da chgada de Mauricio de Nassau e o Alto Conselho, o Conselho Político deixou de
ser o órgão máximo da administração do Brasil Holandês e passaram a funcionar como um tr
ibunal de
segunda instância.
207
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de
Janeiro: Contraponto: Ed. PUC
-
Rio, 2006, p. 43.
208
HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia;
São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1982, p. 182.
209
Idem, p. 192. Nesse momento, o autor se refere aos territórios em poder da WIC após a perda do
Maranhão e o Ceará, que eram as capitanias do Rio Grande do Norte, Paraíba, Itamaracá, Pernambuco
e
Sergipe.
210
Curiosamente, esta mesma proposta hvaia sido feita em 1634 pelo Conselho Político. Tratava
-
se, na
ocasião, de assentar ex
-
soldados da WIC na Ilha de Itamaracá e ai plantarem uma diversidade de culturas.
(ver nótulas diárias)
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87
Muito embora, na análise de Handelmann acerca do Brasil Holandês, Maurí
cio de
Nassau ocupe um lugar especial, nem por isso o historiador deixou de considerar a
importância da administração pré
-
nassoviana. Ao se referir ao
Conselho Político
, ele
afirmou que “quanto à atividade dessa administração, foi ela em geral branda e orientada
no sentido de reconciliar os portugueses
-
brasileiros com a dominação holandesa
”.
211
Se
alguma coisa não funcionou nessa fase pré
-
nassoviana, ainda segundo Handelmann, era
porque as “autoridades subalternas” ao Cons
elho Político não cooperaram. Ele se refer
ia
principalmente aos militares como sendo “mercenários lansquenetes embrutecidos”.
Diferentemente de muitos autores contemporâneos, Handelmann não detratou a
administração do Conselho Político. É que este distin
gue a administração civil daquela
praticada pelos militares. Robert Southey, ao contrário, tratava de “holandeses” de uma
forma homogênea. Ao mesmo tempo em que ressalta medidas de pacificação promovida
pelo governo holandês no Brasil, como foi o que se su
cedeu na conquista da Paraíba em
1634, Southey ressaltou o “proceder nefando” dos holandeses na capitulação do Arraial
Velho do Bom Jesus.
212
Tradicionalmente, construiu
-
se uma periodização da ocupação holandesa, que foi
dividida em três fases: A resistê
ncia (1630
-
1636), a fase nassoviana (1637
-
1644) e a fase
da Restauração de Pernambuco (1645
-
1654). A “construção” da imagem de Nassau,
como bem assinalou Evaldo Cabral de Mello, deveu
-
se sobremodo às crônicas que não
deixavam de exaltar a figura dele por motivos que já foram acima colocados.
213
Cronistas
como Frei Manuel Calado e Francisco de Brito Freire, ao exaltarem as qualidades de bom
administrador de Mauricio de Nassau, contribuíram para que a sua figura resumisse uma
periodização. Por exclusão, restava o antes e o depois dele.
Problematizando essa periodização clássica da ocupação holandesa, poderíamos
perceber a “fase nassoviana” mais como uma continuidade da fase que a precedeu
(1635
-
36)
do que mesmo como uma ruptura. Certamente, os historiadores qu
e, pela estrutura de
seus estudos
e pela importância que deram a diversas questões da ocupação holandesa,
foram José Antonio Gonsalves de Mello e
Evaldo Cabral de Mello. Em seus respectivos
trabalhos,
Tempo dos Flamengos
e
Olinda Restaurada
, pelo menos apa
rentemente, some
211
Idem, p. 180.
Handelmann chama aos Conselho Politico de “Conselho dos Cinco”.
212
SOUTHEY, op. cit. pp 372
-
373.
213
MELLO, op. cit. , p. 339.
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88
a periodização tradicional do Brasil Holandês. Neles, os capítulos não seguem uma
ordenação cronológica que obedeça àquela periodização. Até o trabalho de Charles
Boxer, que é do ano de 1961, passando pelos de Waetjen, Southey, Handelmann
e
Varnhagem, em ordem regressa, a abordagem da História do Brasi
l Holandês seguia ao
“padrão trí
bio” do antes, durante e depois de Nassau. Vale ressaltar, contudo, que entre
Boxer e Varnhagem, existe uma grande diferença nos enfoques e escalas. Enquanto o
primeiro emprestou à história do Brasil Holandês a sua perspectiva de “império”, o
segundo manteve a sua narrativa na escala brasileira, detalhando principalmente as
operações militares. Prova disto é que, no primeiro capitulo de Os Holandeses no Brasil
,
C
harles Boxer ex
põe as divergências entre os Paí
ses Baixos e as coroas ibéricas que
resultaram na criação da Companhia das Índias Ocidentais.
214
Todos estes autores e
lencados, Varnhagen, Southey e
Handelmann corroboraram
para assegurar para a posteridad
e um Mauricio de Nassau como personalidade singular,
cujo governo marcou profundamente a presença holandesa no Brasil. Por outro lado, não
é nosso objetivo aqui ‘perseguir’ ou mesmo pôr em xeque o Nassau Histórico. Toda essa
discussão retoma o que foi dito, com bastante propriedade, por Evaldo Cabral de Mello
e
que está assinalado no iní
cio deste capitulo. O que nos interessa é saber até que ponto
essa historiografia novecent
ista e até do século XX isolou
o “Brasil Nassoviano” da fase
anterior, que praticam
ente cimentou, em diversos aspectos, o teatro de manobra do
príncipe alemão. As secções que se seguem procurarão, mais à luz das fontes que do
discurso, caracterizar essa fase que antecedeu a vinda de Nassau. Trataremos,
fundamentalmente, dos anos de 1635 e 1636.
214
Em
Os Holandeses no Brasil
, as primeiras páginas se destinam a entender de que modo a os holandeses
entraram no Atlântico Sul
até decidirem pela ocupação da Bahia e Pernambuco. Intitulado
Primeiros
Movimentos (1621
-
1629)
, as primeiras secções do primeiro capitulo são as seguintes: 1. O assalto holandês
ao mundo colonial ibérico, 2. Usselincx e a formação da Companhia das Índias
Ocidentais e 3. A trégua
dos doze anos e suas repercussões.
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89
2.
O pequen
o comércio e os
“kleine profijten
A administração do Brasil holandês foi pensada de maneira que o poder civil
estivesse acima do militar. Dessa forma, instituiu
-
se, desde o primeiro ano da conquista,
um Conselho Político para
se sobrepor ao
go
verneu
r,
cujo poder era, apesar do tí
tulo,
menor que o dos conselheiros políticos.
215
O primeiro governador do Brasil holandês foi
o Coronel Diedrick van Wanderbuch, que ficou no cargo até 1634. Hermann Waetjen
compara a função do Governad
or no Brasil holandês com a desempenhada nas Índias
Orientais da seguinte forma:
Enquanto nas Índias Orientais o Governador, de inicio, desempenhava as funções
de presidente do Colégio dos Conselheiros (ou Junta do Conselho) no Brasil não
lhe cabia nem m
esmo o privilégio de “primus inter pares”
”.
216
A aplicação da justiça ficava a cargo tanto do Governador como do Conselho Político.
Sobre a competência exata do Conselho Político, afirmou Hermann Waetjen que a falta de
informações nas fontes dificulta
-
nos
o seu conhecimento detalhado. Entretanto, resumiu
,
com
base em evidências
,
a sua função como se segue: manter a ordem no território recém conquistado,
fiscalizar a aplicação das ordens dos diretores da WIC e castigar as transgressões destas, cuidar
do apr
ovisionamento das tropas e da remessa de açúcar e pau
-
brasil para a Holanda. É de
Hermann Waetjen o melhor estudo sobre as instâncias administrativas no Brasil Holandês. A ele
se referiu José Antônio Gonsalves de Mello ao escrever alguns breves comentários
acerca da
administração do Brasil Holandês.
217
Na estrutura do Conselho Político, os funcionários
subalternos aos conselheiros eram o secretário, um escrivão, um auditor, dois oficiais, um
carrasco, um ajudante do carrasco e um servente do Conselho.
218
C
om o passar dos primeiros anos, os agentes da WIC iam se ambientando ao dia
-
a
-
dia. A guerrilha const
ante também oferecia ‘brechas’ à
administração. E eram nesses
momentos que apareciam os
kleine profijten
(pequenos lucros). Através do pequeno
215
Segundo Hermann Waetjen: “Apesar, porém, do titulo pomposo de “governador”, não lhe era conferida
plena autoridade senão em matéria militar”. Ref. WAETJEN, op. Cit. p. 292.
216
Idem, pp. 29
2-
293.
217
No livro “Fontes para a História do Brasil Holandês” (p.9), Gonsalves de Mello destaca um capitulo do
clássico livro de Hermann Waetjen “O Dominio Colonial Holandês no Brasil”, em que este ultimo trata
especificamente sobre o tema.
218
WAETJEN, op
. Cit., p. 308.
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90
comércio, tentativas esporádicas de bom relacionamento entre a WIC e os luso
-
brasileiros
se su
cediam. Em muitos casos,
funcionários civis que pediam desligamento da
Companhia para comercializar diversos produtos passaram a contribuir para u
ma situação
de entendimento
e
ntre
neerlandeses e luso
-
brasileiros.
Em março de 1635, J
ohan Wijnants deixou de servir a
WIC na qualidade de
‘comissário de bens’ para se tornar um
‘vrijluiden’
(cidadão livre) e pediu permissão para
comprar “5 pipas de vinho e um barril de farinha”
219
. Wijnants casou
-
se com a filha de
um senhor de engenho de Goiana e via nesta nova condição a oportunidade de recomeçar
a vida longe da guerra
, ou pelo menos longe do serviço militar
. Jacob Duinckercker,
capitão do navio ‘O brasão de Hoor”, também tornou
-
se
cidadão
-
livre e passou a fornecer
pau
-
brasil para a própria Companhia. Duinckercker foi substituído por Claes Janssen na
sua antiga função de comandante, que partiu para a Holanda carregando açúcar e pau
-
brasil. Jacob Duickercker certamente havia percebido
as possibiliddes particulares de
lucro no comércio de madeira em vez de ficar sempre atrelado a
sua anterior
condição de
chefe de embarcação. Basta saber que o pau
-
brasil e
ra requisitado às largas nos Paí
ses
Baixos. Em Amsterdam, p
or exemplo, havia um pre
sídio (
R
asphuis
) que utilizava muito
o pau
-
brasil para o serviço de marcenaria realizado pelos detentos.
220
Em iní
cio de abril de 1635, a chalupa
Duitzendbeen
(A centopéia)
trouxe de
Itamaracá um cidadão
-
livre trazendo uma boa quantidade de bananas e coco
s para o
Recife. Essa mesma embarcação trouxe, dias depois, um carregamento de 320 cocos, dos
quais a metade pertencia ao ‘vrijluiden’ de nome Barttholomeus. A outra metade ficava
com a Companhia. Esta, por sua vez, ofereceu, através de seu comissário
(apr
ovisionador), os cocos a um pequeno comerciante pela soma de 5 stuivers a unidade.
No final, ficou mesmo por 4, uma vez que, segundo o comprador, “a
s pessoas têm muito
acesso ao líquido” pelo fato de estar o país “
parcialmente aberto para poderem
trafegar
.
221
Esta informação do “país parcialmente aberto” nos mostra algo interessante.
219
IAHGP.
Coleção José Higino. Dageliscke Notulen. 27/03/1635.
220
SCHAMA, Simon. O Desconforto da riqueza: A cultura holandesa na época de ouro, uma interpretação.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 29. Destacou o autor: “Em 1599,
a cidade concedeu aos
supervisores da Tugthuis o monopólio de pau
-
brasil pulverizado para seus trabalhos de tinturaria, e a partir
daí a casa passou a ser chamada coloquialmente Rasphuis (serraria). Pois esse era o regime que deveria
transformar ociosos, p
arasitas, mendigos e os mais diversos inúteis em criaturas sociais trabalhadeiras e
responsáveis”.
221
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 13/04/1635.
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91
É que, em meio à guerrilha, a circulação de pessoas começava a se normalizar, o que
seria melhor para o comércio, mesmo que incipiente. Tanto melhor circulavam as
pessoas, tanto
mais
se dinamizava
o pequeno comércio.
Isto, é claro, desde que não
estivessem em guerra.
A associação dos cidadãos
-
livres com a Companhia era, em principio, benéfica.
Esses pequenos comerciantes funcionavam como elementos ancilares na vida econômica
d
a
conquesten
. Mas poderiam também
prejudicá
-
la
. Um
vrijluiden
de nome Jan van
Eijsens foi pego por um auditor ao tentar contrabandear água
-
ardente utilizando um barco
de sua propriedade. Parece que o comércio de água
-
ardente era mais interessante que o de
água
-
de
-
coco. O contrabandista foi punido com uma multa de 30
florins.
222
O problema do contrabando de ví
veres existia concomitante a organização
administrativa. É bom observar que as autoridades, na figura do Conselho Político, não
estavam alheias a est
e problema. Com um olho na guerra e outro no comércio, os
conselheiros políticos procuravam coibir os excessos da corrupção. Ocorre que, na
medida em que a conquista se expandia, também crescia a necessidade de distribuição de
bens de comércio. Até os mese
s de abril
-
maio de 1635, os holandeses já haviam ocupado
a Várzea do Capibaribe, Goiana, Igarassu, Paraíba e Rio Grande do Norte. Veja
-
se a
freqüência de embarcações entre o Recife e estes pontos ao logo dos anos que
prec
ederam a
vinda de Nassau em 1637 (v
er anexo ao final do capítulo
). Na proporção
em que iam conquistando os vilarejos e povoados, o governo civil ia implantando a
‘normalidade’ através de um pequeno comércio. Começa
va ai um “relativo” momento de
entrendimento entre a WIC e os moradores.
Ne
sse estudo, o clima de
relativa
estabilização do
Brasil Holandês começa antes
da chegada de Maurício de Nassau. A capilarização do poder batavo procurava nos
kleine
profijten
uma forma de ligar a população local aos propósitos da Companhia. Os
cidadãos
-
liv
res foram figuras importantes nesse aspecto.
T
ratando dos comissários de
bens,
função já acima referida,
vale menção uma
referência feita a essa categoria de funcionário por uma fonte coeva da seguinte maneira:
222
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 21/04/1635.
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92
“Os comissários são sem exceção pequenos
condes; vivem, comem, bebem,
vestem e aprontam
-
se como gente graúda, principalmente os que superintendem,
a artilharia, os viveres, as mercadorias e os açúcares da Companhia; tudo são
vestidos preciosos, mesa preciosa, cavalos, criados, etc. Donde tudo ist
o provém,
que o medite quem toca”.
223
Em geral, os comissários eram responsáveis pelos armazéns ou pela guarda de
determinados produtos. Havia, pois, os que regulavam os ví
veres
das tropas
, o açúcar e as
mercadorias para venda.
224
Esta função de
comissário
s
de bens
poderia ser então fonte
constantes problemas
ao Conselho Político. Responsáveis pelo abastecimento das
embarcações, os
‘commissaris van goederen’
, como eram chamados, viviam no limite
entre a legalidade e a ilegalidade. Eles sabiam os caminhos da
s mercadorias e, de alguma
forma, o controle delas. Um aprovisionador de nome Arnold Venerman, foi preso por não
prestar contas à Companhia. O caso foi diligentemente acompanhado por um auditor.
225
Por essa época, mencionou José Antônio Gon
salves de
Mello, um documento
que
aponta indícios de corrupção na própria administração superior do Brasil holandês,
ou seja, no seio do próprio Conselho Político.
Segundo ele “é e
m relação a este período
(1635
-
36) que ocorreram acusações graves de extorsões, roubos
e até morte por parte dos
mesmos”.
226
Apesar de tudo, um pequeno comércio começava a existir.
Na tentativa de um entendimento ‘invasor
-
invadido’ o pequeno comércio junto
aos portugueses era fundamental. Assim foi o caso de Domingos Dias, português, que
v
endeu à Companhia 85 arrobas de açúcar ao preço de 13 schellings cada. O tesoureiro
Willen Schott pagou
-
lhe a quantia
de 348 florins e 19,5 stuivers pelo
carregamento
completo.
227
Até entre os que estavam sitiados no Arraial Velho do Bom Jesus, como foi
o c
aso de
Agostinho de Holanda, podemos en
contrar fornecedores de ví
veres aos
holandeses.
Agostinho de
Holanda foi enforcado pelos seguidores de Matias de
223
APUD, MELLO, Fontes para a
História do Brasil Holandês, p. 36.
224
Idem.
225
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 25/04/1635.
226
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil holandês, tomo II, p. 12.
227
Idem.
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93
Albuquerque. A informação chegou à WIC por intermédio de seu servente, que também
falou da carência de farinha e carne que existia no Arraial.
228
A guerrilha escondia
os
‘pequenos negócios’. Em meio a cercos, observações de
ambos os lados e espionagens, a tentativa de acordo aparecia no fornecimento clandestino
de ví
veres. Mas esse fornecimento, por vezes, p
rescindia a uma fiscalização por parte de
algum membro do Conselho Político, que chegou até a criar um edital
229
em que proibia o
recebimento de açúcar ou qualquer provisão dos portugueses sem antes passar por uma
fiscalização deles próprios. Quem não seguis
se essas ordens teriam os seus bens
confiscados. Nesse edital, proibiu
-
se, inclusive, que os portugueses vendessem bebidas
alcoólicas nas estradas sem antes passarem pela fiscalização do Conselho Político. Para
consolidar o controle, montou
-
se uma feira em frente à residência deste conselho.
Havia, pelo menos em teoria, um esforço do Concelho Político em colocar as
coisas em ordem. Não deixaram eles [os conselheiros políticos] de confirmar a punição
dos infratores “segundo alguns outros artigos relacionados à justiça”.
Durante as operações ao interior, o pequeno comércio também poderia ser feito
entre a companhia e os próprios soldados. Numa mata próxima a Porto Calvo (sul da
Capitania de Pernambuco) achou
-
se 116 caixas de açúcar. Como elas estavam muito
pesadas para serem transportadas até o litoral (onde aguardavam os navios), o jeito foi
-
las aos soldados para que os mesmos se sentissem ‘estimulados’ a
carregá
-
las
às
embarcações e, depois, vendê
-
las. O fato é que a própria companhia foi quem comprou o
açúcar. Os valores foram pagos pelos comissários de bens. Certamente a WIC ia revender
as 116 caixas por preços mais altos na Europa. Para a soldadesca, o valor pago (de três a
quatro soldos por libra de açúcar) aliviava as dificuldades do cotidiano de so
ldos
frequentemente atrasados.
230
Até meados de 1634, a situação da WIC no Brasil era muito difícil sob vários
aspectos. No entanto, as várias entradas que os militares faziam para o interior
fazia
m
com que conhecessem mais outras vilas e lugarejos, princ
ipalmente aqueles situados na
228
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke
Notulen. 27/04/1635.
229
IAHGP. Coleção José Higyno. Dageliscke Notulen. 28/04/1635.
230
Relatório dos Senhores Delegados no Brasil, M. van Ceulen e Johan Gijselingh, dirigido aos diretores da
Companhia das Índias Ocidentais a 5 de janeiro de 1634. In: Docu
mentos Holandeses. 1 vol. Ministério da
Educação e Saúde, 1945, p. 141)
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94
parte sul da Capitania de Pernambuco. Assim, numa dessas
expeditien
, relataram o
seguinte:
“Em Alagoa do Sul, que se estende para o sul atrás de Porto dos
Franceses, incendiamos um povoado ou povoação considerável, chamada
N
ostre Signore de Conceipcao, que, em extensão e beleza de arquitetura,
não era menor que a cidadezinha de Garacu
[Igarassu]
”.
231
A comparação do povoado de Nossa Senhora da Conceição com a vila de
Igarassu (norte do Recife) denota já um parâmetro local de
comparação. Após três anos
de ocupação, era possível ter uma noção mais clara das freguesias locais, principalmente
as de Pernambuco. Desde muito cedo, nas fontes holandesas, além da ciência da divisão
dos territórios em capitanias, a WIC já demonstrava o seu conhecimento das subdivisões
mais em termos de freguesias do que mesmo em jurisdições alcançadas pelas câmaras
locais. Isso será evidenciado mais adiante, quando trataremos das composições das
câmaras dos Escabinos.
Houve esforço, por parte do Conselho Político, para pôr em ordem a produção de
açúcar. Em inicio de 1634, a Companhia proveu, entre outros, o ex
-
soldado Berthlot
Bertholtsen, “casado aqui com uma mulher do país”, para que ele pudesse plantar açúcar.
Foram
-
lhe
fornecid
os, inclusive, “algu
ns negros e materiais para empregar tudo em
proveito da Companhia”.
232
Outro exemplo de retomada de produção açucareira foi a
aliança com senhores de engenho antigos incentivada pelo governo civil. Pouco ao norte
do Recife, nos engenhos que margeavam o peque
no rio Araripe, os moradores locais
passaram a colaborar com a Companhia, tanto negociando caixas de açúcar, como
fornecendo aos holandeses informações acerca dos sitiados no Arraial Velho do Bom
Jesus.
Outro ‘colaborador’ da WIC foi Gonsalves de Almeida
que, entrando no Recife
com duas caixas de açúcar, foi punido por não ter dado satisfação a Companhia. Com
relação a esse delito, decidiu o Conselho Politico pela advertência e confisco de suas
231
Idem.
232
Idem, p. 151.
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95
caixas. Nesse caso, falou
-
se em ‘crime capital’, pelo fato d
o português ter ignorado as
ordens da Companhia. Mas prevaleceu o arbítrio, apelando
-
se para o bom senso. Era
dessa forma que se aplicava, na maioria dos casos, o direito no Brasil Holandês. Mais por
‘arbitria’
que por
‘justitia’
. Situações novas requeriam
soluções que prescindiam à lei
escrita.
Não seria de estranhar, pois, que o afamado jurista holandês, Hugo Grótius, que
também prestou serviço às grandes companhias de comércio holandesas,
optava por um
equeilíbrio entre a lei escrita e o bom
-
senso, sobre
tudo num mundo marcado por brigas
religiosas em que o direito deveria ser dessacralizado. Soma
-
se o fato de que, por essa
época, o direito “dessacralizado” neerlandês se encontrava em fase formação.
233
A racionalidade legal batava era refratada por uma prática local anterior. No caso
acima citado, era bem normal que a produção de açúcar viesse para o Recife, vindo de
qualquer par
te da Capitania de Pernambuco. É
bem possível que Gonsalves Almeida
realmente ignorasse as ordens da Companhia.
234
Uma questão
que
merece ser analisada neste caso, e diz respeito mais ao caráter
da WIC. Ao se referir que “não se pode permitir que os direitos da Companhia sejam
colocados de lado”, temos ai uma questão de sobe
rania enquanto “essência da
Repú
blica”. Este preceito, co
mo esta aqui colocado, foi primeiramente observado por
Jean Bodin. Soberania, diga
-
se de passagem, da própria Companhia frente aos Estados
Gerais
dos Países Baixos.
235
Outro caso de transgressão foi o do comissário Veneman, que ficou preso em sua
residência “por causa de sua negligência, quando prestou conta de sua administração e da
má organização de suas contas”.
236
Entretanto, como este quebrou as suas algemas e
“continuou os seus atos do mesmo modo”, a punição foi “cavalgar em cavalo de
madeira” (tipo d
e tortura) e não receber mais que um rancho de soldado. Não se fala em
233
Ver VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
O autor chama a atenção para a “ obra composta no cative
iro da fortaleza de Gorkum e muito consultada na
Holanda, a Inleindinge tot de Hollandsche Rechtsgellerdheid, a introdução ao ensino do direito holandês,
publicada em 1631 [...] Ali se encontra a prova de que os horizontes de Grócio estendem
-
se para além d
o
direito público; de que ele é o continuador de Connan, de Doneau e de Althusius, e um dos artesãos desses
direitos
comuns
, meio romanos e meio consuetudinários, que tendem, sob a égide da razão, a substituir os
direitos múltiplos da sociedade medieval do
s Estados da Europa moderna.”
234
IAHGP. Coleção Jose Higino.
Dagelijckse Notulen. 29
.04.1635.
235
GOYARD
-
FABRE, Simone.
Os Principios Filosóficos do Direito Político Moderno.
São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p. 23.
236
IAHGP. Coleção José Higino. Dageli
jkse Notulen. 30/05/1635.
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96
pena de morte, mas fica claro que a punição existia como exemplo a futuras atividades
ilícitas. Tais punições se nos apresentam como algo que contrasta com a situação pintada
por Waetje
n antes da vinda de Nassau, como sendo a de uma “completa desordem”.
Varnhagen, por sua vez
, admite apenas para a época de Nassau a decisão de que
todos os empregados cumpriam com os seus deveres. Como se só a partir de então, o
governo passasse a concil
iar “a severidade com a prudência
”.
237
Nos casos acima
citados, parece que estes dois “ingredientes” já estão misturados antes mesmo da vinda
do
Stathouder
Maurício de Nassau. Assim, a severidade se encontrava na punição em si,
enquanto que a prudência esta
va na intensidade das penas, que podiam ser abrandadas.
Não se podia simplesmente punir com a morte um funcionário da Compan
hia por
qualquer motivo. Nos Paí
ses Baixos, as penas de morte eram aplicadas para casos de
crimes contra a família ou “contra a ordem sexual ‘natural’ que exigiam a extirpação pela
água
”.
238
Assim declarou
Simom Schama,
um o estudioso da sociedade
e cultura
holandesa
. O mesmo observou como as penas eram aplicadas
nos Paí
ses Baixos. Lá, as
mesmas
eram aplicadas segundo vários critérios,
em que se
observavam
vários graus de
confinamento, desde prisões de três e seis
meses até a prisão perpétua. E
m caso de
homicídio, dependendo da idade do réu, a pena não era capital. Diferentemente da
Holanda, cujas penas eram aplicadas, nas cidades, pelos
schout (cherife) e auxiliado por
um grupo de magistrados (schepenen), no Brasil pré
-
nassoviano a função
ficava a cargo
do Conselho Político.
Cada espaço da conquista tinha a sua burocracia. No caso dos comissários de bens
era interessante exercer essa f
unção em pontos importantes da conquista. Para Goiana,
por exemplo, Vincent Drillenburch, que já era Comissário de Bens no Recife, pediu para
substituir o anterior Jan Wijnants. Drillenburch fo
i indicado pelo conselheiro polí
tico o
Sr. Ippo Eijssens. A vil
a de Goiana era, mesmo
antes
da invasão
de
1630, um ponto de
comércio importante entre Pernambuco, Paraíba e Itamaracá.
Fica,
até os dias de hoje,
envolta numa interessante rede fluvial. Para que o pequeno comércio funcionasse
, devia
-
se provide
nciar as emb
arcações para levar
ao Recife os açúcares dos plantadores já
‘aliados’ à Companhia. Um dos conselheiros, Willem Schott, solicitou
um barco no Rio
237
VARNHAGEN, F. A. de. História das Lutas com os Holandeses no Brasil, p. 144.
238
SCHAMA, Simon. O Desconforto da Riqueza: A cultura holandesa na Época de Ouro.
São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, pp. 34
-
35.
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97
da Jangada, para atravessar a produção do engenho de Michel Paes. O pedido não foi
satisfeito e o açúcar deveria mesmo vir por terra.
239
O
sistema
de transporte de açúcar, pelo menos dos engenhos situados ao norte e
sul do Recife, era, via de regra, fluvial, de forma que os açúcares eram trazidos ao porto
desta cidade por barcos pequenos. As fontes batavas os deno
minam
baercqiens
ou
baerquiens
. Eram as mesmas descritas por Giberto Freyre
como
barcaças
que, até início
do século passado, traziam “açúcar, sal, madeira e cocos para o Recife”. O autor fez
questã
o de descrevê
-
las c
o
mo tendo um “feitio colonial”.
240
N
a fase
inicial da guerra, muitos desses barcos ti
nham sido destruídos ou mesmo
levados para a Bahia pelos luso
-
brasileiros. Esses barcos pequenos eram peças
importantes no processo de deslocamento do produto até o porto. Um transporte mais
lento poderia até e
ncarecer o produto. Os menores barcos neerlandeses, as chalupas e os
iates, não podiam realizar essa função, uma vez que estavam comprometidos com
missões militares. Mesmo assim, sempre que possível, quando estas embarcações traziam
ou levavam tropas e arm
as para certas localidades, transportavam também caixas de
açúcar. Soma
-
se ao fato de que esses iates traziam açúcar através de saques. Um deles,
que teve vez no sul da capitania de Pernambuco, trouxe aos armazéns do Recife mais de
2.500 caixas de
açúcar.
241
Se o constante estado de guerrilhas dificultava o transporte do produto por terra,
o fato deles passarem a ser transportados pelos rios não era estranho aos batavos já
afeitos ao transporte fluvial na própria Holanda. Como observou Fernando Braudel, na
Holanda, “most goods travelled by water”.
242
Na
Vaterland
, o comércio de bens quase
não se utilizou do “
overland transport
. Percebemos, pois, que o constante estado de
beligerância não impediu a que o Conselho Político iniciasse, ainda que com dissabores,
a suas práticas administrativas. Como estratégia de dominação, um modelo
239
IAHGP. Coleçã
o José Higino. Dagelijkse Notulen. 30. 04. 1635.
240
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a pasaigem do Nordeste do
Brasil.
São Paulo: Global, 2004, p. 68.
241
Relatório dos Senhores Delegados no Brasil, M. van Ceulen e Johan Gijselingh, dirigido aos diretores da
Companhia das Índias Ocidentais a 5 de janeiro de 1634. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da
Educação e Saúde, 1945. (especificar a página)
242
BRAUDEL, Fernand.
Economia e capitalismo
. p. 350.
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98
administrativo foi sendo adotado na medida em que, timidamente, foram os holandeses
obtendo relativa cooperação da população local.
Outro sinal do lento, mas não imperceptível
ajus
tamento
243
da economia no
Brasil Holandês antes do governo nassoviano, foram os pedidos de trabalho, já aceitos na
própria Holanda, para determinados ofícios. Só para o ofício de ajudante de padeiro,
vieram, em maio de 1635, Dirkson van Bueren, Jan Neeuwbur
gen, Herman Srucker van
Eijssens, Jan Albrechts de Waerden, Jan de Fijn, Gerrit Strijte, Willen Haermens, Hans
Conhad van Boeren, Matheus Abrahans e Lambert Everts. Soma
-
se a esse grupo Jan
Barentsen, que foi ser chefe
-
padeiro na Paraíba recebendo 17 florins por mês.
244
Apesar desse quadro, observou o historiador Hermann Waetjen que “até fins de
1635 poucos foram os pedidos de transporte para a América do Sul que transitaram pelos
escritórios do WIC” para diversos ofícios. Para ele, que empreendeu um
a grande pesquisa
nos arquivos da Companhia, os pedidos de emigração só aumentaram consideravelmente
após a vinda de Nassau em 1637.
245
Esse pequeno comércio representava uma grande vitória para uma companhia de
acionistas, sobretudo porque satisfazia a u
ma das condições de existência de uma
companhia dessa natureza. Fernand Braudel, que trabalhou magnificamente a ascensão
do capitalismo no ocidente, observou as três condições necessárias para a efetivação do
monopólio de uma companhia, que são: “o Estado, mais ou menos eficaz, nunca ausente;
o mundo mercantil, isto é, os capitais, o banco, o crédito, os clientes”.
246
Finalmente, a
terceira “condição”: “uma zona de comércio para ser explorada de longe, a qual, por si
só, determina muitas coisas”.
247
Essa tercei
ra condição ou “realidade”, como disse
Braudel, é a que nos alcança. Em Pernambuco, z
ona de comércio distante dos Paí
ses
Baixos, o incipiente contato da WIC com os lavradores e senhores de engenho locais,
fazia parte dessa terceira “realidade”. É assim que
podemos entender um inicio de
243
Se co
mpararmos com os três primeiros anos da conquista, percebemos que a partir de 1635 passa a
existir um maior interesse, devido ao arrefecimento da guerrilha, no exercício de diversos oficios no Brasil
Holandês.
244
IAHP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notu
len. 01.05.1635.
245
WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Holandês no Brasil, p. 379.
246
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo.
São Paulo: Martins Fontes,
1996, pp. 392
-
393.
247
Idem.
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99
“interlúdio de paz” para a WIC, através de seus agentes e também para os produtores
locais.
Vejamos, pois pela ótica destes últimos. Pedir empréstimos era uma prática antiga
entre os plantadores de cana em Pernambuco. Compr
ar a prazo também. Assim
adquiriam
-
se
, inclusive, escravos. Quando as safras de cana não vinga
vam, por diversos
motivos, as dí
vidas certamente aumentavam. Nesse sentido, a invasão holandesa veio a
livrar muitos senhores de engenho e lavradores de suas divi
das antigas. Dessa forma, os
kleine profijten
foram importantes não apenas para a Companhia (satisfazendo a terceira
“condição” do monopólio), mas também para os lavradores que se apartaram da
resistência.
Em abril de 1634, a companhia já contava com a c
olaboração de alguns senhores
de engenhos e
lavradores como Pedro da Rocha L
eitão, Gonçalo Novo de Lira, Gaspar
Ximenes e Francisco da Costa Brandão. Este último, por sua vez, trouxe consigo alguns
outros moradores para ganhar a salvaguarda da Companhia. A
partir disso, considerou o
Conselho Político que “as
pessoas
estão retornando aos domínios” da Companhia.
Praticamente a um ano da queda do Arraial, muitos moradores, do Cabo de Santo
Agostinho até Itamaracá, rendiam
-
se às garantias oferecidas pelos holan
deses. Mais
ainda, é bem possível que alguns deles já servissem há mais tempo aos holandeses, visto
que, numa
brieven,
há referência de “renovação das salvaguardas”.
248
Muitos civis
aceitaram, sob a condição de garantia de seus bens, a subordinação ao invaso
r.
Por outro lado, a manutenção de seus negócios já era assegurada pelo Regimento
da WIC. Os empréstimos só voltariam a acontecer, grosso modo, na administração de
Nassau e do Alto Conselho anos depois. Em Itamaracá, alguns soldados holandeses,
passados
os três anos de serviço militar, obtiveram a condição de cidadão
-
livre. Aqui,
“muitos colonos começam a se fortalecer, [..] vindo morar na ilha na condição de
cidadão
-
livre e agricultores [...]”. Muitos são provenientes da
França
, Inglaterra,
248
IAHGP. Coleção José Higino.
Brieven em Papie
ren uit brasilie.18/04/1634. Onde se lê: “ soo hebben
verscheyden inwoonders versocht vernieuwinge van de salveguardes ende onder anderen eenen signor
d’Ingenho Francisco da Costa Brandaon, die wij onlanghs hebben does affbranden, comt ook het hooft in
de
schoot leegen ende versouckt saveguard, doch is alles affgeslaegen, alsoo wij sien daer niets met is te
proffiteren, soodat dit volckie ook al is vertreckende, soodat nu alles van de Cabo aff tot Goyana toe is
verlaten.”
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100
Alemanha, além da Holanda e Portugal. Estes últimos sendo os que já haviam aceitado a
salvaguarda.
249
Essa “vitória de Pirro” da Companhia deve ser vista frente a uma escala micro.
Evidentemente, até a queda do Arraial, em meados de 1635, e mesmo depois, o grosso da
pro
dução açucareira era escoado para Portugal por portos ainda não ocupados pelos
holandeses. Eram as “escápulas” do açúcar sobre o que falou Evaldo Cabral de Mello.
Enquanto os holandeses apenas estavam no Recife,
bem no inicio da conquista, saí
a do
porto da Paraíba um navio carregado com 400 caixas de açúcar. E foi esse mesmo navio
que comunicou às coroas ibéricas acerca da invasão a Pernambuco.
250
E eram por portos
ainda não conquistados que passavam os
groote profijten
(grandes lucros), os quais a
WIC só obtinha mediante apreensões.
Voltando ao ‘pequeno comércio’, entendemos a boa receptividade batava ao
compararmos com uma conjuntura de quatros anos antes, 1631. Naquele ano, certa vez,
chegaram as autoridades holandesas a considerar que “não há esperança
de entabular
relações de comércio e de negócios aqui”
251
. As dificuldades dos três primeiros anos de
ocupação impediam o pequeno comércio por diversos motivos. Para ter acesso aos
engenhos da interlândia era necessário, antes de tudo, conhecer os caminhos e
pequenos
cursos d’água. O Governador Wanderburch, em meados de 1633, desabafava aos
diretores da Companhia quando se referiria ao
“pequeno número de embarcações convenientes, mudança de clima,
ignorância dos canais e passos pouco examinados pelos marinh
eiros antes
dessa época, falta de bons guias e outras dificuldades pelas quais ótimos
249
Idem. Onde se lê: “ de coloniers
beginnen opt eyland sterck te werden, veele voor desen op St
Christoffel ende andere plaetsen, daer colonien sijn gewoont hebbende, nu hier haren tijt uitgedient
hebbende sijn opt eylandt gaen woonen om haer als sijnde vrijluiden met het planten te generen
, daer siijn
alle natien France, engelsche, Duytsche, Nederlanders ende Portugesen, ook eenige Brasilianen stileren
haer meest op den maniva ofte mandioca te planten om farinha de pao van te maecken doch het land is soo
vol groot mieren met scheeren, [...]
dat de farinha geen arbeijtsloon sal voortbrengen maer alle andere
gewassen ende vruchten als bacovas, bananas, potatos, ananas, pompoenem, meloenen, cocos papayas,
boonen ende diergelijcke meer het in overvloet ende soo schoon als ergens in Brasil [...]”
250
Carta dos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais de Zelândia aos Estados Gerais. 23 de abril de
1630. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p.37.
251
Missiva do Governador D. Van Weerdenbuch, em Antonio Vaaz, aos
Estados Gerais. 03 de agosto de
1631. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 71. Esses eram os
“tempos difíceis” aos quais se referia José Antonio Gonsalves de Mello.
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101
empreendimentos tomavam um curso contrário ao que nos havíamos a
nós próprios prometido”.
252
A superação desses problemas seria fundamental para que tivesse curso os
“óti
mos empreendimentos” da Companhia no Brasil. Por mais que os holandeses
estivessem bem informados acerca dos principais portos e vilas do Nordeste, não eram da
mesma forma acerca das estradas e pequenos rios. Isso veio com o cotidiano das
incursões. Essa e
ra ainda uma fase de reconhecimento da
conquesten.
Essa espécie de
proto
-
história
dos holandeses em Pernambuco, que foram os primeiros três ou quatro
anos, talvez não devesse passar incólume na história do Brasil holandês. As incursões ao
interior ajudavam a WIC a conhecer melhor o mundo entorno dos engenhos e os próprios
engenhos. Para que o pequeno comércio de 1635 e 36 passasse a existir era necessário
conhecer aquele mundo, que não se encontrava necessariamente muralhas a dentro do
Recife, ainda que o porto e os armazéns fossem extensões do que se iniciava nas unidades
produtivas.
253
Esse mundo pré
-
nassoviano, dos ‘tempos difíceis’, é meio obscuro na
historiografia do Brasil Holandês do século passado. Não que historiadores como
Waetjen, Boxer ou Gons
alves de
Mello não tenham visto as minudê
ncias desses
primeiros anos. Contudo, restringiram mais as suas análises na resistência do Arraial, na
fortificação do Recife e na desagregação da produção açucareira
(o que de fato se
verificou)
. Do lado luso
-
brasi
leiro, os
pequenos lucros
vinham às escondidas. Por portos
que não o do Recife, Itamaracá e Santo Agostinho, os navios continuavam a chegar e a
desembarcar açúcar e outros bens de comércio.
Em fins de maio de 1635, os holandeses, a partir de uma expeditien,
souberam por
um informante que um senhor de engenho chamado Cristóvão Botelho, que era
proprietário em Camaragibe, havia mandado um navio desembarcar açúcar na Ilha
252
Relatório do Governador D. Van Weerdenburch aos
Estados Gerais. 11 de julho de 1633. In:
Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 114.
253
Idem. Relato de Wanderburch: “muita incursão na região [entorno de Igarassu] foi por nós feita com
nossa pequena tropa; diversos bons en
genhos, armazéns e navios com açúcar e fumo (que não sabíamos por
segurança de outra forma) foram queimados por nós, diversos açúcares foram tomados por nós nos canais,
dos quais trazemos conosco uma boa parte...” .
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102
Terceira e, de lá, retornado a Pernambuco “algodão, linho e outros bens de comércio”.
254
E
m Pernambuco, o navio aportou no rio Santo Antônio, bem ao sul do Recife. Ao norte
do Recife, a situação parecia encontrar a sua
quase
normalidade.
A ligação Recife
-
Goiana
-
Paraíba já parecia se consolidar mesmo antes da queda
do Arraial. Pouco mais de um
mês antes da derrota de Albuquerque,
j
atches
holandeses
carregavam açúcar em Goiana para o porto da Paraíba. Assim, a embarcação
De
Goutvinck
transportava de Goiana para a Paraíba as quantidades de caixas de açúcar que
deveriam encher os navios deste porto
.
255
A importância de Goiana e da Paraíba está evidenciada numa
notulen
que se
refere a possível aprox
imação de tropas luso
-
brasileira
s “indo em direção a Goiana
destruirá tudo o que ali se encontra, causando prejuízo à Companhia. Mas também é
possível que
o inimigo esteja indo em direção à Paraíba para acabar com tudo nesta
província”.
256
O receio da WIC em perder estes pontos de conquista levou o Conselho
Político a designar 600 homens para as duas regiões. Esse estado de tensão atingiu a
relação entre os ci
dadãos
-
livres e os moradores portugueses, em que ficava proibido o
comércio entre eles. Situações como estas colocavam em xeque a relação entre a WIC e
os moradores luso
-
brasileiros, abalando a relação de entendimento entre essas duas
partes. A companhia t
inha motivos para esses “medos de traições”, visto que, por essa
mesma época, “alguns portugueses, que estavam sob nossa salvaguarda [salvaguarda
holandesa], ajudaram traiçoeiramente o inimigo”. O resultado é que estes “traiçoeiros” à
companhia foram mandados presos às Índias Ocidentais.
Era difícil a obtenção da paz.
257
Bastava a aproximação de soldados luso
-
brasileiros para os moradores ficarem exaltados. Na Paraíba, Eduardo Gomes da Silveira
e Simão Soares foram acusados de planejarem “uma traição contra
o Estado”, aliciando
índios para atacar a vila de Goiana. Entretanto, a conspiração foi delatada pelo primo do
254
IAHGP. Coleção José Higino. Dageli
jckse Notulen. 24/05/1635. De fato, Cristóvão Botelho possuía 2
engenhos nas proximidades de Porto Calvo. O seu nome consta num levantamento sobre o Brasil Holandês,
aliás, o primeiro depois da chegada de Mauricio de Nassau. Ref. Breve discurso sobre o Est
ado das quatro
capitanias conquistadas, de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do
Brasil. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês. Tomo I.
MEC/IPHAN/FUNDAÇAO PRÓ
-
MEMÓRIA, Recif
e, 1981, pp. 77
-
129.
255
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
256
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/04/1636.
257
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/04/1636.
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103
próprio Silveira, Domingues da Silveira. A pena para Gomes da Silveira foi o exílio,
enquanto que Simão Soares foi torturado para poder fornecer
à companhia mais
informações acerca de sua participação no plano.
258
Apesar dessas ameaças, a WIC ainda
podia contar co
m ‘colaboradores’ portugueses.
A própria navegação na Paraiba era
facilitada pelo rio de mesmo nome. Na
s crônicas de Frei Vicente do Salvad
or, o rio
Paraiba
é muito maior porto e capaz de maiores embarcações que o de Pernambuco”.
Facilitado pela boa profundidade, o rio Paraiba, mesmo há uma légoa de sua foz,
dispunha de boas condições
de aportagens e canais
“por onde podem navegar
grandes
caraveloes”.
259
Sobre Goiana, um dado importante. Das regiões conquistadas pela WIC no Brasil,
desde 1630, a de Goiana foi a primeira na qual os luso
-
brasileiros se organizaram com
consentimento do Conselho Político. Um de seus conselheiros, Ippo Eijss
ens, em janeiro
de 1630, informou aos demais administradores que tinha promovido “a eleição de oficiais
para a Câmara da Capitania de Goiana”. Haveria alguma relação entre a freqüência do
comércio com a vila de Goiana e a reestruturação do pode local, aind
a que sob as vistas
dos holandeses? Os luso
-
brasileiros escolhidos foram Gonsalvo Garibaldi, Caldas de
Ruiz, Vaz Pinto, Cosmo da Silva, Agostinho Nunes e Conrado de Liz. Os mesmos
tiveram que “fazer juramentos” perante a administração Batava.
Essa primei
ra organização do poder local luso
-
brasileiro em Goiana pode ser
compreendida como um acontecimento a favor do entendimento entre holandeses e
população local. Convém lembrar que, nessa mesma época, a resistência luso
-
brasileira
se encontrava há poucas léguas dali, precisamente no sul da capitania de Pernambuco. A
referência feita pelos holandeses à “câmara da capitania de Goiana” demonstra, de certa
forma, um certo “deconhecimento” territorial anterior, uma vez que a vila era a mais
importante da Capitani
a de Itamaracá antes da invasão. Posteriormente, os neerlandeses
258
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijcks
e Notulen. 05/05/1636.
259
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil.
-
Belo Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1982, p. 184.
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104
vão dividir os territórios conquistados como
jurisditien
(jurisdições). Goiana vai ser
entendida como uma dessas jurisdições.
260
Há poucas léguas dali, soldados da WIC e tropas volantes luso
-
b
r
asileiras se
atacavam
. A interlândia se dividia entre a guerrilha e o comércio. Entre a ordem e a
desordem. Soma
-
se o fato de que as autoridades holandesas consideravam os seus
efetivos insuficientes tanto para manter a conquista como para avançar nelas.
A essa
altura, o Conselho Político e as autoridades militares, expressavam a necessidade de
expandir a conquista para o sul, para o lado de “Muribeca, Ipojuca, Porto Calvo e outros
lugares com uma grande quantidade de homens ... fazendo
, desta maneira, que
em todo
paí
s se garanta o fornecimento de farinha e animais”.
261
Por razões óbvias, o maior inimigo dos pequenos lucros da Companhia era a
resistência local sediada no Arraial Velho do Bom Jesus. Contudo, uma outra razão um
pouco menos óbvia é que os iates
e chalupas holandesas tinham que se dividir entre as
operações militares e o transporte de mercadorias entre uma e outra parte da conquista.
Esse primeiro alargamento da conquista, do Recife até a Paraíba, já apresentava os seus
inconvenientes. Principalmente no que se refere a distribuição dos administradores pelas
“jurisdições”. Houve um momento em que, no Recife, só residia um conselheiro político
e que era responsável por administrar todas as finanças da conquista bem como “
de todos
os problemas do Rec
ife
.
262
Há motivos, entretanto, para crer que esse “pequeno comércio” não estivesse
centralizado no Recife. Antes, pelo contrário, dava
-
se em situações bem circunstanciais.
O
C
onselh
o Político relatou, certa vez, da necessidade de se proibir a presença de
portugueses no Recife
“porque eles vêm espionar a nossa situação, usando o pretexto de comércio. E,
visto que nós atualmente não temos bens de comércio, faz com que a vinda deles
ao Recife se torne desnecessária”.
263
260
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 20/01/1636.
261
IAHGP. Coleção José Hig
ino. Dagelijckse Notulen. 29/05/1635.
262
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/05/1635.
263
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/05/1635.
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105
No tocante a territorialidade, o Con
selho Político obedecia à mesma divisão
anterior à conquista. Isso se explica quando, numa ata, vemos uma referência a um
membro do mesmo conselho, Ippo Eijssens, que se encontra na função de “Diretor geral
da Capitania de Itamaracá”, tendo a vila de Goian
a como base de operações. O mesmo
Eijssens pediu à companhia que mandasse para Goiana “gente qualificada e com
experiência, que pudesse se encarregar das embarcações
”.
264
Mas o comércio dá sinais
de estruturação na medida em que soldados passam a condição d
e cidadão
-
livre. Isaak
Jacobsz van Sas obteve a condição de vrijluiden e passou a comprar e abater animais para
a WIC. Hendrick van Ent Haecx, deixou a sua condição de assistente de marceneiro pela
de cidadão
-
livre e D
irck Janz, um “empacotador de ví
veres”
, também fez o mesmo.
265
Vale dizer que, no caso dos soldados, a situação de cidadão
-
livre só era permitida ao
termino de seu “contrato de trabalho”, que durava três anos. Até ex
-
escravos, que
serviram à Companhia na condição de soldados, requereram e ganha
ram, terminado os
três anos de serviço, a condição de cidadão
-
livre. Esse foi o destino de Manoel de Barros
e Gaspar Rodrigues.
266
De ex
-
escravo à
vrijluiden, Barros e Rodriguues serviram à WIC
na “guerra velha”, só que contra os luso
-
brasileiros. Ganharam
soldo e, estando sujeito ao
mesmo tempo de serviço que os outros soldados europeus, tornaram
-
se livres para
exercer outras funções.
Ocorre que muitos desses soldados tinham um ofí
cio além da experiência militar.
Não podemos esquecer que se tratava de um e
xército mercenário. Veja
-
se o caso do
soldado Ertman Nuser, que obteve a condição de
vrijluiden
para exercer a sua profissão
de ourives.
267
No comércio do pau
-
brasil, que parecia ser já um bom neg
ócio para os
cidadãos
-
livres, Roeland Carpentier, encarregado
de fornecer pau
-
brasil à Companhia,
recebeu de uma só vez a quantia de 1200 florins pela madeira colhida. Sobre o c
omércio
de pau
-
brasil, em especí
fico, temos que esse produto era muito bem vindo na casa de
detenção de Amsterdam, apelidada de Rasphuis (serraria), como já fora dito.
268
264
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 16/05/1635.
265
Idem.
266
IAHGP. Coleç
ão José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/09/1635.
267
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 01/06/1635.
268
Op. Cit. P. 29.
Lá, segundo Simon Schama, a cidade concedeu o monopólio de pau
-
brasil aos
supervisores da casa de detenção, conhecida inicia
lmente pelo nome de
Tugthuis
. Lá, os presos aprendiam
o oficio da marcenaria e carpintaria. Para Schama “esse era o regime que deveria transformar ociosos,
parasitas, mendigos e os mais diversos inúteis em criaturas sociais trabalhadeiras e responsáveis”.
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106
O cidadão
-
livre, muitas vezes, fazia por sua conta e risco o trabalho que a
Companhia precisava, pois não recebia mais salário desta. Para a WIC, era uma maneira
de diminuir os gastos com salário. Para os cidadãos
-
livres, er
a uma forma de arriscar a
sorte. Provavelmente, a experiência de muitos soldados dava
-
lhes gabarito para exercer
determinadas funções, como fornecer madeira e carne à própria WIC. Essa espécie de
“trabalho indireto” coloca alguns cidadãos
-
livres numa condi
ção de semi
-
empregado
s
da
Companhia, contrariando um pouco a visão de José Antônio Gonsalves de Mello,
segundo o qual estavam completamente desvinculados dela. Mas também é verdade,
ainda segundo Gonsalves de Mello, que os
vrijeluiden
não eram necessariame
nte
dienaeren
, ou seja, servidores da WIC.
269
Em diversas campanhas ao interior eles
tomavam conhecimento dos caminhos, rios, portos
e pessoas com quem se informar e até
dividir
os
kleine profijten. Estas foram conquistas que se deram numa escala micro e qu
e
se afasta um pouco da visão de um Brasil holandês pré nassoviano mergulhado
exclusivamente na guerrilha e no medo constante.
A per
spectiva do Brasil holandês pré
-
nassoviano mergulhado na guerilha encontra
a sua razão de ser nas crônicas acerca dos primeiros anos da WIC no Brasil.
Ao trarar do
que se sucedeu após a conquista da Paraiba em 1634, Diogo Lopes Santiago registrou:
“Depois que os holandeses tomaram a Paraíba para se congraçarem com os
moradores e assegurarem em sua amizade, fizeram com eles a
ssento de contrato
mui favoráveis, a saber: que lhes concederiam o viverem na pureza de sua fé
católica romana com suas igrejas abertas e sacerdotes, e que se não metriam nas
cousas tocantes ao eclesiástico, e que concediam aos moradores todas suas
fazenda
s e escravos livremente, e que os conservariam em sua posse, e os
defenderiam de toda sorte d’inimigos, e lhe acudiriam com todo gênero de
mercadorias, e lhe pagariam os frutos da terra por seu justo preço, e lhe
guardariam em tudo justiça e liberdade, com
pressuposto que lhe pagariam os
dízimos e mais tributos que costumavam pagar a seu Rei. Ficaram os moradores
da Paraíba um algum tanto consolados com estes e outros mais favoráveis
assentos que com eles celebraram, porém pelo tempo emdiante bem
269
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos.
Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1987, p. 52.
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107
experiment
aram uantas vezes lhes foram quebrados, assim os eu com eles como
com os moradores de Pernambuco fizeram [...]”.
270
Residente em Pernambuco ao tempo da invasão, em 1630, o mestre em Gramática
Diogo Lopes Santiago viveu no meio da guerra e chegou a residi
r próximo ao Arraial
Velho do Bom Jesus e “assim como vizinho tão próximo se informava com muita
diligência e
escrevia as cousas que iam sucedendo na guerra [...]”.
271
Mais preocupado
em narrar os feitos de João Fernandes Vieira na Restauração Pernambucana,
Lopes
Santiago dedicou a maior parte de suas crônicas à fase que foi de 1645 a 1654.
272
Dessa
forma, conquanto a sua obra tenha nos apresentado um rico material acerca da luta contra
os holandeses, os anos de 1635
-
36, pelo menos, foram dedicados à narrativa
do que se
sucedia na parte sul da Capitania de Pernambuco, na qual se encontravam as forças de
resistência luso
-
brasileiras. O que acontecia ao norte do Recife, após a conquista de
Goiana, Paraíba e Itamaracá, podemos saber através das atas da WIC no Bras
il utilizadas
neste capítulo. Se analisarmos a freqüência de embarcações no porto do Recife ao final
deste capítulo nos anos acima mencionados, poderemos perceber os indícios de uma
ligação entre esta parte recém
-
conquistada pela WIC.
Os pequenos proveito
s obtidos pela WIC, sobretudo a partir da derrocada do
Arraial Velho, representaram uma reação, ainda que tímida, aos prejuízos causados aos
holandeses pela guerra lenta suportada nos primeiros anos. Nas crônicas de Francisco de
Brito Freire, sustentavam o
s representantes do Conselho de Portugal que residiam em
Madri que
“continuarmo
-
la [a guerra] lenta em Pernambuco ficava tão útil e tão fácil aos
tesouros preciosos de Espanha como prejudicial e impossível aos cabedais
atenuados da Companhia. Que desenganada já dos prometidos interesses, pelos
excessivos gastos das contínuas assitências e das largas viagens, havia perdido do
270
SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco.
Recife: CEPE, 2004, p. 77.
271
Idem, p. 2.
272
Idem, p. 3. Segundo José Antônio Gonsalve
s de Mello, “Santiago oferece seu insubstituível depoimento
sobre a insurreição Pernambucana, isto é, sobre os acontecimentos posteriores a 1645. Depoimento que
deve sofrer crítica em relação aos louvores à ação desinteressada, segundo ele, de João Fernand
es Vieira.
Ao autor deve
-
se a importante descrição dos outeiros dos Guararapes e das suas vizinhanças e minuciosa
relação das várias fases das duas batalhas ali travadas”.
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108
grosso com que entrou a sessenta por cento. E como somava a opinião da honra
pela conta dos algarismos, fazendo da conquista mercancia, em não excedendo o
que adquirisse a espada ao que montasse a pena, obriga
-
la
-
ia a deixar o Brasil sua
mesma conveniência [...]”.
273
Essa passagem,
que teve vez ainda no calor dos primeiros anos da guerrilha,
mostra realmente o paradoxo da WIC no Brasil que era a persistência na luta malgrado as
perdas financeiras da mesma. Como se sabe ao longo deste capítulo, a persistência da
Companhia na sustentação da guerra, atendendo assim mais as espectativas da “facção da
guerra” desta empresa semi
-
privada, c
oroou
-
a com a experiência dos
kleine profijten
.
Podemos entender o paradoxo acima mencionado considerando também que a guerrilha,
ao mesmo tempo em que exauria os recursos da WIC, dotava os seus soldados de
experiência na guerra
-
de
-
mato.
E isso logo foi percebido pelos portugueses no Reino que
observaram que “nem obstava que já a experiência de dois anos houvesse dado algum
conhecimento à imperícia estrangeira; porque enqunt
o aprenderam os holandeses a
prá
tica do país, ensinaram aos moradores a disciplina d
a guerra”.
274
Retomando a questão dos cidadãos
-
livres,
p
odia ocorrer destes
virem direto dos
Paises Baixos
numa condição
q
ue não a
de soldados. De uma só vez, o navio
“Speeljacht”, da Câmara de Amsterdam, desembarcou no Recife alguns
vrijluiden
especializ
ados em plantação de tabaco e um farmacêutico.
275
Mais contribuições de moradores. Ainda em agosto de 1635, o comerciante
português Aleixo Peres da Mota forneceu à Companhia 231 arrobas de açúcar branco e
46 arrobas de açúcar mascavo. Por isso, recebeu a soma de aproximadamente 900 florins,
sendo a arroba do branco vendida a 12 schellings e a do mascavo pela metade.
276
O caso
de Peres da Mota é interessante porque ele “adiantou” à Companhia a quantia de 885
273
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica.
São P
aulo: Beca Produções
culturais, 2001, pp. 139
-
140.
274
Idem.
275
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/08/1635. É possível que determinadas
especializações fossem mais bem pagas no Brasil do que nos Paises Baixos, dada a reativa escassez de
mão
-
de
-
obra no Brasil Holandês. Simom Schama, para o caso dos Paises Baixos, observou que aqui, ao
contrário do que possamos imaginar, “a mão
-
de
-
obra não especializada sempre esteve em posição tão boa
quanto a de sua contrapartida, ou até melhor, ao longo dos
cem anos que se estendem de 1580 a 1680”. Ref.
Op. Cit. P. 171.
276
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
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109
florins pelo aluguel de carroças e a aquisição de farinha e animais. Mota, comerciante que
era, provavelmente traria aos navios da WIC mais
caixas de
açúcar
perdidas
de engenhos
do interior. Também é possível que comercializasse a farinha comprada à mesma. Aliás,
quanto a farinha, alimento preciosíssimo à
soldadesca, era, não raro, obtido em
campanhas no interior e redistribuídos pela tropa. De uma vez só, o
iatche
“De
Goutvinck” trouxe do Cabo de Santo Agostinho um carregamento de 800 alqueires de
farinha para ser distribuído “entre os soldados em lugar do
pão”.
277
Outro português que servia a C
ompanhia era Pedro da Cunha, que recebeu 20
caixas de açúcar que aquela lhe devia. Tais caixas vieram da conquista do Arraial do
Bom Jesus como resultado do saque lá feito pelas tropas holandesas.
278
Muitos outros
por
tugueses prestaram, na condição de comerciantes, serviços para
a WIC em lugares distantes de Pernambuco. Esse foi o caso de alguns “barcos
portugueses vindos de Porto Calvo”
279
e cujos donos pedira
m permissão, mediante
juramento a
WIC, para irem ao Caribe e
de lá trazer produtos de volta para o Recife. A
condição para a partida era de que levassem os prisioneiros portugueses capturados na
refrega do Arraial Velho e que fossem lá desembarcados. Esse caso figura como uma
exceção. Não se sabe se estes navios po
rtugueses retornaram a Pernambuco ou
aproveitaram a situação para fugirem dos neerlandeses.
O primeiro historiador a pesquisar com detalhes os anos que precedem a vinda de
Nassau, especificamente 1635 e 1636, José Antônio Gonsalves de Mello, mostrou a
mud
ança quase radical do cotidiano do Brasil Holandês após a rendição do Arraial Velho
do Bom Jesus (meados de 1635). Nesses dois anos, aumentou bastante o fluxo migratório
de colonos neerlandeses e judeus. No Recife e na Ilha de Antônio Vaz, a especulação
im
obiliária já se fazia presente. Com um pequeno comércio praticamente consolidado,
começaram a ser criadas as feiras. Dentre elas, o
vismarcket
(mercado de peixe). O dado
da existência de um mercado em agosto 1636 nos remete as relações de sociabilidade que
aí têm curso. Pelo exposto em reunião do Conselho Político, “foi lido em voz alta os
regulamentos relacionados ao mercado de peixe”.
280
277
Idem.
278
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
279
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen.
05/09/1635.
280
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 16/08/1636.
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110
A existência de um mercado ou de uma feira regular nos leva a refletir na
existência de um cotidiano que se forma na con
quista. No caso do “mercado de peixes”
ou “de pescado”, que passou a funcionar no Recife a partir de agosto de 1635, temos ai
um mercado especializado. A regularidade do
vismarckt
foi bem notada por Gonsalves de
Mello nas documentações.
Talvez seja bom no
tar a relação da feira com as pessoas que a elas recorrem pela
assertiva de Fernand Braudel, segundo a qual “é um centro natural de vida social”.
281
Evidentemente, não tratamos aqui das grandes feiras de Par
is e das maiores cidades dos
Paí
ses Baixos da mesm
a época. Contudo, na construção da vida urbana do Recife de
1635
e 36, o mercado se junta a outros elementos como a própria urbanização, a
fiscalização da limpeza, enfim, a constituição de um espaço público, muito embora
tratemos ainda de uma época em que
a fronteira entre o público e o privado seja ainda
muito tênue.
José Antônio
Gonsalves de Mello foi quem chamou a atenção para a criação
de “serviços públicos” nesta fase pré
-
nassoviana como a divisão do Recife em dois
territórios (norte e sul) e a instala
ção dos serviços de bombeiro (os
brantmeesters
), que
deveriam ser pagos pela comunidade e recebiam 18 florins por mês.
282
Os colaboradores vão aparecendo, por vezes anonimamente. Numa carta que o
conselheiro Carpentier enviou da Paraíba, o mesmo pedia que d
o Recife se enviasse uma
boa soma de dinheiro “porque a companhia devia muito aos moradores deste local”.
283
Em Pernambuco, dois meses após a queda do Arraial do Bom Jesus, a preocupação do
Conselho Político com a obtenção de açúcar levou os administradores
a lidarem com o
problema do aprovisionamento do produto nos armazéns. Em afogados e no Recife, os
armazéns se encontravam “em mau estado e, na maioria das vezes, só se utiliza a metade
da capacidade de armazenamento destes estabelecimentos, o que está ger
ando uma
grande perda para a Companhia e para os portugueses”.
284
A WIC tinha já um
comiss
responsável por tomar conta dos armazéns, mas
resolveu tirá
-
lo dessa função e se utilizar dos serviços do vrijluiden
Duarte Saraiva. Este,
281
BRAUDEL, Op. Cit. p. 16.
O autor prossegue a sua analise das feiras da seguinte forma: “É nela que as
pessoas se encontram, conversam, se insultam, passam das ameaças às vias de
fato, é nela que nascem
alguns incidentes, depois processos reveladores de cumplicidades, é nela que ocorrem as pouco freqüentes
intervenções da ronda ... é nela que circulam as novidades políticas e as outras”.
282
MELLO, Op. Cit. P. 56.
283
IAHGP.
Coleç
ão José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/08/1635.
284
Idem.
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111
por sua vez, “tomará conta
dos armazéns, para que e
le receba o açúcar e os armazéns
gerando proveitos para si mesmo”. A WIC não pagava nada a Saraiva, mas este teria a
liberdade de ganhar no comércio com os comerciantes privados. O certo é que, a essa
altura, a Companhia já dispunh
a de um comércio com diversos elementos luso
-
brasileiros. Ao tentar diminuir os gastos com funcionários e ‘delegar’ determinadas
funções a cidadãos
-
livres como Duarte Sar
aiva, ela
tentava racionalizar as finanças e
colocar os seus ex
-
empregados em outras frentes de conquista.
A expansão da conquista exigia alocação de profissionais que fossem capazes de
fazer as contas e dar conta mesmo de todo o comércio local. Assim, os comissários de
bens eram requisitados em várias partes. Junto a eles, os caixas e tes
oureiros. Os fiscais
também se faziam presentes. Um deles, De Ridder, foi quem confiscou para a Companhia
engenhos em Pernambuco, Paraíba, Itamaracá e Porto Calvo. Como ele não recebeu por
isto, a WIC decidiu pagar
-
lhe 50 florins de gratificação.
285
O alar
gamento da conquista tinha os seus incovenientes para a WIC,
principalmente no tocante ao pagamento de salários aos seus
dienaers
(servidores). Esse
foi o caso de Jacob Pieterz Tolck, mestre de equipamento (
equipage
) no Recife que pediu
um aumento de salário alegando que “o serviço está mais difícil atualmente em razão das
conquistas no sul e no norte”.
286
Nessa situação, os funcionários teriam que atender em
diversos pontos e com a requerida diligência. Tolck teve o seu salário aumentado para
140 florins.
Em se tratando do Conselho Político, temos que cada um dos conselheiros tinha
autonomia para governar uma parte da
conquesten.
Contudo, a autonomia se dava mais
na coordenação das ações que mesmo na decisão delas por apenas um elemento. Assim,
na reforma d
o Forte Orange, decidiram os conselheiros políticos que o responsável pela
Capitania de Itamaracá, Ippo Eijssens, coordenaria as atividades.
287
Até as questões
militares eram propostas pelo Conselho. Prima
-
se pela autoridade civil acima da militar,
o que é
natural de uma companhia oriunda de um país que, não fazia muito, havia se
libertado do absolutismo
Habsburgo. Essa revolta dos Paí
ses Baixos contra a Espanha
teve o
seu primeiro capí
tulo quando da abdicação de Carlos V ao trono em 1555,
285
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 17/09/1635.
286
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 29/09/1635.
287
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 19/09/1635.
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112
passando as Províncias Neerlandesas a serem não mais parte de um império, mas parte de
um domínio espanhol. Essa situação em si levou a que, segundo
John Lynch,
os
neerlandeses se sentissem como se tivessem perdido o status. Para
Lynch
, aos olhos dos
holandeses, “fazer part
e de um império, igual às outras partes, era uma coisa, enquanto
que ser um domínio espanhol era outra”.
288
O poder conselhio exercido pelos holandeses tinha os seus dramas na relação
centralização
-
descentralizaçao administrativa, repressão
-
delegação de aut
onomia,
autoridade sem autoritarismo. Se o autoritarismo fosse a tônica da política administrativa
holandesa no Brasil holandês, não fariam diferente do que fez o Duque de Alba a mando
de Filipe II décadas atrás.
289
Mas como ser prudente e “racionalizar” a administração em
tempos de guerra? Paradoxalmente, foi a própria guerrilha que permitiu à WIC um
melhor conhecimento do território, do mundo das matas. Foi a guerrilha que permitiu a
atualização de mapas holandeses após 1630. Às vésperas da chegada de Nassa
u, o que os
holandeses conheciam do Brasil superava em muito as informações fornecidas por
Adrien Verdonck quando da invasão. Uma fonte portuguesa nos deixa entrever a inserção
dos holandeses em território de domínio luso
-
brasileiro. Numa das ajudas de soc
orro aos
sitiados no Arraial velho do Bom Jesus, as autoridades portuguesas estavam cientes que
em alguns rios como o Coruripe, Formoso, Camaragibe e Serinhaém, “entram
inimigos”.
290
Nos Paises Baixos, a situação não era fácil. Enquanto o Conselho Político e
o
corpo militar tentavam expulsar a resistência cada vez mais para o sul, o Príncipe de
Orange conquistava as cidades brabantinas de Landen, Wahen, Diest, Thienen e
Aerschott e que continuariam a sua marcha em direção a Brussel e Mechelen. Essas
informaçõ
es foram sabidas no Recife pelo comandante do navio Alckmaer, que aportou a
30 de agosto de 1635.
291
288
LYNC
H,
John.
Spain under the Habsburgs.
New York: New York Universisty Press, 1984, p. 288.
289
Em 1567, o Duque de alba foi enviado aos Paises Baixos para reprimir as revoltas que surgiam nessa
parte do império espanhol.
Sobre esse momento, observou David Lynch o seguinte: “ Philip II’s tiny
domination in the north became a gigantic battllerfield, the weakest sector of his defenses, consuming his
men and money voraciously”.
290
LAPEH (UFPE). AHU. Cód. 24, fl.21.
Sobre o Requerimento hão de levar os capitães d
as caravelas que
hão de socorrer ao Brasil, dinheriro em credito, contos particulares.
291
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/08/1635.
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113
A consolidação da conquista do Brasil, muito embora fosse obra de uma
companhia organizada, era realizada por cidadãos de uma república jovem. As própr
ias
narrativas de heróis que eram publicadas na Holanda na primeira metade do século XVII
,
tinham grande aceitação do público. Assim, histórias de capitães que se tornavam piratas
e heróis de navios naufragados no Caribe ou no Índico tornavam
-
se facilmente
best
sellers
. Temos aí, segundo Simon Schama, a figura dos “cidadãos
-
heróis numa república
jovem que repudiara a aura imperial dos Habsburg”.
292
Dessa forma, na administração, a
procura de um modelo mais racional e concelhio era um desafio, principalmente
nos
termos de um empreendimento colonial. Por mais que a WIC tivesse informações sobre o
Brasil, ainda assim, não imaginariam que fossem encontrar tantos obstáculos à rendição
dos
luso
-
brasileiros. Ainda nos primeiros anos, escreveu Wanderburch ao Conselho
dos
XIX:
“O ponto principal sobre que se baseiam os Senhores Diretores, no
tocante à incorporação desta região brasileira, foi acreditarem que,
fechando
-
se bem o pais, forçar
-
se
-
iam os habitantes, pela falta de
provisões e pela suspensão do comércio, a
pôr
-
se de acordo conosco, mas,
neste particular, estão inteiramente enganados, porque tal região, que foi
possuída durante mais de 70 anos sem guerra nenhuma, tem sido tão
cultivada, que, sem falar no vinho e no óleo, pode prover suficientemente
às sua pró
prias necessidades...”
293
Parece que as informações colhidas antes da invasão não foram suficientes para
uma conquista rápida. Mesmo assim, houve, desde essa fase inicial, indícios de
colaboração da população local com os batavos. Por outro lado, não p
odemos exagerar a
colocação do governador holandês da fartura da terra “tão cultivada”. Contra a versão da
“fartura” da capitania duartina, considerou E. Cabral de Mello que a “prosperidade
material já não correspondia à realidade da Nova Lusitânia na segu
nda e terceira décadas
292
SHAMA, Op. Cit. p.40.
293
Missiva do Goverenador D. van Wanderburch aos Estados Gerais. 03/08/1631. In:
Documentos
Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 74.
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114
do século XVII”.
294
Logo, chegaram os neerlandeses no curso de uma crise econômica.
Foi mesmo Wanderbuch que considerou que “se se pode dar crédito aos prisioneiros, os
próprios habitantes estariam bem inclinados a entrar em entendime
nto conosco, se dentro
de 6 ou 8 meses o novo socorro da Espanha não viesse aliviá
-
los.”
295
O primeiro Governador do Brasil Holandês, que aliás era militar, mesmo não
havendo consolidado a conquista, estava confiante no estabelecimento do comércio entre
a
WIC e a população local. Convém lembrar que as adversidades experimentadas pelos
soldados dificultavam mais ainda a conquista nos primeiros três anos. Segundo relatos,
eles “não têm outra coisa que comer senão uma alimentação salgada e insuportável, favas
e outras coisas semelhantes; além disso, como se não bastasse, tal alimentação é muito
ruim...”
296
Essa mesma alimentação foi motivo de comentário do Marquês de Basto,
ressaltada por Evaldo Cabral de Mello na sua obra Olinda Restaurada.
297
Ocorre que, a
respo
nsabilidade pelo abastecimento das tropas ficava a cargo da própria companhia. Esta
chegava ao cúmulo de enviar alimentos estragados tais como carne, pão, trigo mourisco e
farinha de cevada.
A exposição da miséria da soldadesca pode nos levar a refletir a
cerca dos
primeiros quatro anos da presença holandesa, em que o maior problema da administração
era lidar com a escassez de dinheiro e de alimento. Ao nos depararmos com as diversas
missivas enviadas pelo Governador Vanderburch aos Estados Gerais, tomamos
ciência do
primeiro obstáculo aos
kleine profijten
:
o estado de debilidade das tropas. Os baixos
salários, “o exatamente suficiente para meias e sapatos”, levavam muitos deles a
realizarem trabalhos extras. Muitas vezes, dada a debilidade física, chegavam
a não
agüentar sequer carregar um carrinho de mão. Por fim, Wanderbuch encerrou o problema
ao considerar que
“um soldado, mesmo o melhor que se possa imaginar, está sempre
inclinado à mudança, crendo sempre que se achará melhor alhures,
294
MELLO, Op. Cit. p. 52.
295
Idem.
O Socorro espanhol ao qual se refere o documento era a esquadra comandada por Dom Antônio
D`Oquendo.
296
Missiva do Goverenador D. van Wanderburch
aos Estados Gerais. 09/11/1631. Ref. Op. Cit. p. 89.
297
Afirmou o Marques de Basto: “estando eles [os holandeses] em terra havia tanto tempo, ainda
navegavam, pois nao tinham outros mantimentos mais que salgados”. APUD. MELLO, Evaldo cabral de.
Olinda Res
taurada. São Paulo. EDUSP, 1975, p. 45.
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115
consoante tive a
prova diversas vezes na Itália, Alemanha, Suécia,
Hungria e outros lugares, onde, entretanto, tinham em abundância o que
comer e o que beber ...”.
298
-
se, pois, que a resistência do Arraial não era o único e maior problema a ser
enfrentado pelos neerlandeses na conquista de Pernambuco.
O pequeno comércio só apareceria mesmo a partir de 1635 em diante. Não que os
problemas com o reforço e aprovisionamento de tropas houvessem terminados. Essa foi
sempre uma constante durante a presença holandesa no Brasil
. Não podemos, todavia,
negar que a expulsão da resistência para o sul, facilitou em muito o acesso da WIC a uma
série de bens escondidos nas matas ou em poder dos luso
-
brasileiros. De uma só vez, um
iate holandês trouxe uma boa quantidade de farinha das r
oças do Cabo de Santo
Agostinho
em agosto de 1635
.
299
Certamente a farinha estava escondida e, na correria da
guerrilha, havia sido largada aos holandeses que a trouxeram ao Recife.
Outro fator que contribuiu para o surgimento dessa nova fase (a dos pequ
enos
lucros), além da derrota do Arraial, foi a dinamização das navegações em rios que
levavam ao interior. Por enquanto, tratemos ainda dos
kleine profijten
.
É também possível que o pequeno comércio se fizesse nas proximidades d
os
lugares de confronto com finalidade
de, além do
pequeno lucro,
angariar a confiança dos
por
tugueses que residiam no entorno
. É assim que o cruzador Camarivogel transportou
para o sul da capitania de Pernambuco, além de viveres e 80 soldados, alguns produtos
para serem comercial
izados.
300
A essa altura, Matias de Albuquerque estava com a sua
tropa nas proximidades de Porto Calvo.
A localização da resistência ao sul de Per
nambuco fez com que o tráfego nos
poucos caminhos que existiam
ficasse menos tenso ao norte do Recife. Assim,
era
possível se loco
mover sem que os milicianos luso
-
brasileiros
pudesse
m
alcançar. Foi
assim que o conselheiro político Ippo Eissens partiu sozinho, certa vez, para Itamaracá,
por terra, coisa essa impensada um ano
antes.
301
Em 22 de outubro, o Coronel
298
Idem, p. 90.
299
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
300
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 23/09/1635.
301
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 30/09/1635.
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116
St
achhouwer ia também por terra até o sul de Pernambuco a fim de tratar de negócios
com o Conselheiro Willem Schott.
302
Além de cuidar de assuntos militares, Stachhouwer
iria também tratar de “negócios”.
O açúcar que se consegue armazenar nos armazéns do Rec
ife eram vendidos pela
Companhia diretamente aos navios de carga que viessem fornecer materiais
a
ela mesma.
Em outubro de
16
35, o navio de carga
Speeljacht
forneceu alguns produtos à WIC tais
quais: 13 carrinhos de mão, 3 rodas soltas, pescado dos paises
nórdicos, 25 estacas de
madeira, 3 serrotes, 6 grozas e 40 machados. Tudo isso, segundo a documentação, foi
vendido pelo preço que o comandante Jan Maarte
nsz Clotendraeijer pagou nos Paí
ses
Baixos. O capitão comprou, em contrapartida, açúcar pelo preço de
4 stuivers a caixa.
303
No mesmo dia em que chegou o navio acima, chegou também um outro da Câmara de
Amsterdam, que trouxe, além de mantimentos, bens de comércio para os cidadãos
-
livres.
É difícil precisar a quantidade, em fins de 1635, de
vrijluiden
ou “
comerciantes
livres” que viviam no Brasil Holandês. Gonsalves de Mello refere
-
se a mais ou menos
oitenta. Havia os que vinham diretamente da Holanda nesta condição sem antes terem
sido empregados da WIC, como foi o caso de Cornelis Danielsz e Nicolaes de H
aen.
304
Estes pediram permissão para dispor de uma casa em Antonio Vaz. No Recife, a situação
imobiliária encontrava
-
se insustentável, com uma população considerável vivendo num
curto espaço e tendo que pagar caro pelos aluguéis.
Gonsalves de
Mello observou
que a
falta de casas, nos anos de 1635 e 36, no Recife, era um fato sem contestação.
Com a invasão, a Companhia confiscou vários terrenos e casas. Em Nova
Amsterdam (Nova York), por volta de 1624/25, o administrador da colônia e o seu
conselho era orientado a distribuir terra aos colonos de acordo com o tamanho da família.
Antes, porém, considerou uma pesquisadora do tema, Adriana Zwieten, que havia um
reconhecimento formal, por parte da Companhia das Índias Ocidentais, da propriedade da
terra aos índios,
de quem era inicialmente adquirida mediante pagamento.
305
302
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 22/10/1635.
303
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/10/1635.
304
IAHGP. Coleção José Higino.
Da
gelijckse Notulen. 12/10/1635.
305
ZWIETEN, Adriana. “Conversisng with each other, among other thin
gs of the sale of houses”: Buying
and Selling
Real Property in New Amsterdam.
P. 3. Segundo a autora, essa era uma pratica que se fazia em
todos os Paises Baixos desde a Idade Média. A transação se dava em frente às autoridades municipais ou
magistrados lo
cais, que eram os escabinos (schepenen)
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117
Reconhecia
-
se aos nativos americanos o “immediate rigtht of possession to the soil”. No
caso do Recife e Antônio Vaz, como muitos donos não voltaram para reclamar as suas
propriedades, foram as mesm
as confiscadas. Era a política da Companhia o
reconhecimento da propriedade. No Brasil, o Recife era o lugar onde esses “cidadãos
livres” moravam. Em Antônio Vaz ainda se dispunha de espaços vazios para a construção
de casas. As construções das mesmas tinh
am que seguir um padrão e um terreno poderia
ser adquirido por 600 florins.
306
Os cidadãos
-
livres que prosperavam podiam ampliar os seus investimentos em
outras atividades que não apenas o comércio. Assim fez Jacques Hack, que pretendeu
adquirir um engenho
próximo ao Recife e que foi abandonado pelo seu dono na invasão.
De inicio, o tal engenho, que pertenceu a certo Ambró
sio Machado,
foi adquirido por um
fiscal da C
ompanhia pelos seus bon
s serviços prestados a mesma
. A documentação não
informa o nome do fis
cal, mas podemos afirmar que um
dinaer
(servidor) da WIC
poderia ser bem recompensado. Alguns dias depois, o mesmo Hack voltou a pedir ao
Conselho Político a propriedade de outro engenho confiscado pela companhia e situado
na Várzea. Dessa vez ele não encontrou concorrente e foi prontamente atendido.
307
A vida econômica e social começava a se refazer na capitania de Pernambuco e,
consequentemente, fazia
-
se necessário um incremento na normatização do comércio.
Sobre o comércio de grapa (espécie de cachaça fe
ita de cana) e cerveja incidiu uma lei
que proibia a venda desses produtos a altos preços, sob pena de quem o fizesse ser
“punido pela soma de 50 florins e a confiscação do produto”.
A reestruturação
econômica após a queda do Arraial do Bom Jesus encontrava uma companhia com pouco
dinheiro em caixa, inclusive para que esta pagasse aos cidadãos livres que lhe fornecia
produtos. Jacob Duinkercker, que fornecia madeira à WIC, pediu um adiantamento em
dinheiro para poder pagar aos seus empregados. Visto que
a
C
ompanhia não dispunha de
dinheiro no momento, deu
-
lhe permissão para adquirir outras cargas de comerciant
es
livres em nome dela própria.
308
É bom entendermos um pouco os limites desse “livre comércio” dos
vrijluiden
.
Não se tratava, pois, de uma liberdad
e de comércio nos termos de um
laissez faire
306
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 31/10/1635.
307
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 18/10/1635.
308
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/10/1635.
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118
contemporâneo. Ao contrário, qualquer decisão de caráter comercial, pelo menos em
teoria, tinha que passar pelas atas do Conselho Político, elemento de regulação dessas
atividades no Brasil. Mesmo assim, é bem possível também que algumas firmas de médio
porte estabelecidas no Recife já não ficassem nos “pequenos lucros”. E foi para trabalhar
numa dessas firmas que Samuel Gerritz pediu permissão a
WIC para dei
xar a sua função
de comiss de ví
veres na Paraíba e se t
ornar cidadão
-
livre a se “ocupar com negócios” na
firma de Isaac de Rassiére. É curioso que o mesmo Rassiére é quem, pouco tempo depois,
será solicitado pela Companhia a fornecê
-
la 4000 florins em espécie, já que havia falta de
dinheiro em caixa. Em contra
partida, o comerciante livre seria reembolsado com açúcar
branco e mascavo fornecido a baixo custo pelos armazéns da Companhia.
309
O ano de 35 parece ter sido mesmo um marco na presença holandesa no Brasil.
Entabulado já um pequeno e médio comércio, grand
e parte favorecido pela relativa
situação de paz, o Conselho Político passou a se preocupar com o recebimento de
imigrantes com o fito de fazer comércio na conquesten. Dentre os que pediram passagem
à Companhia para residirem no Brasil estavam muitos judeu
s. De dezembro de 1635 até
o final de 1636, Gonsalves de Mello anotou trinta e dois pedidos de emigração dos Paí
ses
Baixos para Pernambuco. Dentre eles, Moisés Neto, Issac Navarro e Matatias Cohen
pediram licença para ir ao Brasil na condição de burgueses.
Também viria um tal Arão
Navarro com as suas mercadorias. Já Benjamin de Pina vinha na condição de particular e
correspondente comercial. Até de Hamburgo vinham pessoas, como foi o caso de Daniel
Gabilho, que veio servir na firma de Duarte Saraiva, já estabilizado em Pernambuco.
As relações familiares sefarditas continuavam em Pernambuco juntamente com os
negócios. Assim, vinham desembarcar no Recife muitos parentes de judeus já
estabelecidos a fim de incrementar os negócios. Podíamos, neste caso especí
f
ico, citar os
irmãos Jacob e Moisés Nunes, que, já sendo comerciantes em Amsterdam, pedem para ir
com mais um sócio para o Brasil.
310
Este último, Moisés Nunes,
três anos depois de sua
chegada ao Recife, passava a ser carregador de diversos navios da WIC, a
tividade que
passou a compartilhar com a compra e venda de escravos nos anos do governo de
Mauricio de Nassau. Em 1672, tinha a coroa portuguesa como sua credora na quantia de
309
IAHGP. Coleção José
Higino. Dagelijckse Notulen. 19/10/1635.
310
Idem.
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119
quase 80 mil florins. O seu irmão, Jacob,
tornou
-
se
credor de 6 mil florins
da m
esma
coroa naquele mesmo ano.
311
S
eria bom
, porém,
ressaltar que nem todos os judeus eram comerciantes abastados. Isso
se percebe no pedido de Manuel Mendes de Castro para trazer ao Brasil “toda uma nação
hebraica de 200 almas, ricos e pobres
.
312
A vinda
ao Brasil de grupos sefarditas veio em
boa hora certamente em função da abertura de oportunidades. Muito embora a maneira
holandesa de ter acolhido os judeus possa ser visto, segundo Simon Shama, como “o
locus classicus
do pluralismo saudável”, o mundo ne
erlandês apresentava
-
lhes restrições
em algumas áreas da produção como a de refino de açúcar. Contudo, ainda se faziam
presente no comércio do Báltico e, mais expressivamente, no processamento de tabaco
através de suas “conexões brasileiras”.
313
Ainda num
misto de guerra e estabilização da economia, na medida em que a
primeira ia se afastando, a segunda parecia mais provável. Tão logo os holandeses
expulsaram as tropas do Conde de Bagnuolo de Porto Calvo, encontraram nos habitantes
locais boa acolhida, pois
estavam com intenções de comerciar com a WIC. Como nessa
campanha na parte sul da cap
itania de Pernambuco faltasse ví
veres às tropas, foi pedido
grande soma em dinheiro para se comprar animais e farinha para as tropas lá
est
acionadas. Naturalmente esses v
í
veres seriam comprados aos comerciantes locais. O
impasse se deu na possibilidade de falta de dinheiro em caixa ou de bens de comércio nos
armazéns do Recife, o que realmente veio a aconte
cer. Para solucionar o caso, a
C
ompanhia pediu que um “vrijluiden”
chamado Johannes Terwijden fornecesse uma
carga de bens de comércio a um valor de 2292 florins, dinheiro qu
e ainda remanescia no
caixa da C
ompanhia.
314
Percebe
-
se, mais uma vez, a estreita relação entre os cidadãos
livres e a WIC. Ainda que não fossem funcio
nários diretos da mesma, sua função de
dienaers
(servidores), ainda que indireto, era tão importante como a de um fiscal ou de
um comissário de bens. Dentre os “bens de comércio” fornecido por Terwijden,
encontramos tecidos (cetim e veludo), chapéus, meias e camisas de algodão.
311
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Gente da Nação: judeus residentes no Brasil holandês, 1630
-54.
In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Recife, 1979, pp. 162
-
63.
312
R
evista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. N. 48. Recife, 1976, p. 230
-
233.
313
SCHAMA, Op. cit. p. 578/579. O autor enfatiza que “só gradativamente os judeus foram admitidos em
algumas guildas”.
314
IAHGP. Coleção José Higino. Dag
elijckse Notulen. 22/10/1635.
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120
Outro
exemplo de relação entre companhia e vrijluiden
podemos verificar no caso
da falta de sal. Segundo relatou ao Conselho um capitão de navio que servia à WIC,
Claez Cornelisz, estava “havendo uma grande falta de sal neste lito
ral”. O problema seria
amenizado com a sua demissão da WIC e conseqüente passagem a condição de cidadão
-
livre para comercializar o produto. O Conselho Político considerou a proprosta
“caso ele fosse contratado para buscar sal em salinas navegando com seu
s
próprios recursos e levando sua própria tripulação ... Em seguida, os sal seria
vendido nesta cidade [Recife] ou em algum outro porto, aos habitantes ou a
Companhia, que também precisa do produto...”
315
Uma das condições impostas pela WIC era a de que ele pagasse, naturalmente, os
impostos arbitrados por ela. Mas Claez Cornelisz não ficou por aí, passou também a
transportar, por conta própria, para a WIC, as caixas de açúcar que os comerciantes livres
forneciam à Companhia. Os serviços do capitão, agora na condição de livre
-
comerciante,
faziam com que, no caso do transporte de açúcar, dos armazéns para os navios, não
passasse a ser mais feito pelos barcos da própria Companhia. Outro fato a ser observado é
que
Cornelisz já servia desde o iní
cio da invasão
no Brasil a ponto de saber das
necessidades de sal ao longo do litoral que a conquista alcançava. Este é um exemplo de
pequeno comerciante que, ao longo de seu trabalho como “servidor” da Companhia,
conseguiu juntar dinheiro para comprar a sua própria emba
rcação. Certamente um soldo
de capitão de navio não era o mesmo de um soldado. Resolvia, pelo menos
temporariamente, o problema do escoamento da produção de açúcar da Paraíba e regiões
circunvizinhas. Também em Ipojuca, cidadãos livres forneciam pau
-
brasil
à Companhia
utilizando
-
se de barcos da mesma.
316
À falta de dinheiro em espéc
ie, os pagamentos eram feitos com
mercadorias que
tivessem aceitabilidade na colônia. Os contratadores de pau
-
brasil da companhia,
Roeland Carpentier e Hans Willen Louissen,
317
re
ceberam vinho como pagamento da
madeira fornecida. No caso acima citado, do comércio com moradores de Porto Calvo
315
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 24/10/1635.
316
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
317
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 06/11/1635.
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121
também se deu o mesmo. Outro caso foi o do comerciante Isaac de Rassiére, que
emprestou dinheiro à Companhia para que esta comprasse aos morad
ores “farinha e
animais” para o abastecimento de tropas. Rassiére seria ressarcido com açúcar que, no
momento, estava sendo estocado no Cabo de Santo Agostinho ou “que ainda terá que ser
recebido”.
318
Nesse caso, os habitantes, de inicio, hav
iam se recusado
a fornecer os
veres pelo fato da Companhia não dispor de dinheiro em espécie. Nem por isso eles
foram punidos. Pelo contrário, o Conselho Político se esforçava por normalizar a relação
com os moradores do interior. Para garantir “farinha e animais” para
abastecer as tropas,
os cidadãos livres entram mais uma vez como intermediadores. Numa ocasião, a partir de
uma constatação do conselheiro político
Willem Schott, a C
ompanhia, para adquirir
veres, teve que comprar panos de algodão dos
vrijluiden
para tro
car por ví
ver
es
fornecidos por portugueses que estavam em Muribeca (sul do Recife).
319
Com o arrefecimento da
guerra velha
(1630
-
37)
, eram as plantações de açúcar
que deveriam voltar a fazer parte do dia
-
a
-
dia da conquista. O esforço mais efetivo nesse
s
entido começou em fins de 1635. Assim é que um engenho às margens do rio Igarassu
ficou sob a guarda provisória de Vicente Cerqueira até que a Companhia regularizasse a
situação do mesmo. Nove escravos desse engenho foram transferidos para o engenho
Massia
pe.
320
O próprio Governador, Sigismund van Schcoppe, adquiriu um engenho
pertencente a João Paes Barreto em sociedade com o fiscal Nicolaas de Ridder. Como o
açude do dito engenho tinha secado, foi
-
lhes oferecido um outro engenho chamado
Guerra.
321
O Conselho
Político também cogitou em preparar, para o ano de 1636, a
recuperação do engenho Velho (ou Veloso), situado no Cabo de Santo Agostinho, após
um inventário do mesmo. Encontravam
-
se, muitas vezes, nessas unidades produtivas,
muitos escravos que não haviam seguido os seus senhores para a Bahia.
A ocupação desses espaços na interlândia aparecia
a
essa altura como “prêmios”
da guerrilha. Funcionários e militares a serviço da companhia pediam, muitas vezes como
“bons serviços” prestados, que se deixasse ocupar
esse ou aquele espaço. Em 17 de
novembro, o Major pediu permissão para construir uma casa na região dos Afogados e o
318
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 17/11/1635. A documentação não especifica o
lugar que residiam estes moradores.
319
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 08/01/1636.
320
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
321
IAHGP. Coleção J
osé Higino. Dagelijckse Notulen. 08/11/1635.
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122
Comissário de bens Willem Doncker requereu “um certo pedaço de terra, situado na
Várzea, que pertenceu a Filipe Monteiro...”
322
A WIC concedeu, contanto que obedecesse
“às mesmas condições que também foram impostas a outras pessoas”, ou seja, que se
pagasse à companhia pela aquisição da terra. Esse já é fato conhecido da historiografia.
José Antonio Gonsalves de Mello já evidenciou que
“che
fes militares, funcionários civis, inclusive vários conselheiros
políticos, afora comerciantes holandeses e alguns judeus fizeram
-
se
senhores de engenho, adquirindo propriedades confiscadas pela
Companhia”.
323
A normalidade retorna em for
ma de problemas.
Problemas de ví
veres das tropas,
na falta de dinheiro em espécie e na condu
ção dos serviços. Os primeiros anos da
presença holandesa não deram
tempo e condições às autoridades holandesas de
perceberem certas nuances no cotidiano da conquesten
. Nesse sentid
o, o que era comum
antes da invasão, aos olhos
dos luso
-
brasileiros, não o era
, pós Arraial Velho do Bom
Jesus, aos olhos do Conselho Político. Antônio Gomes Saloeiro, falou ao conselho
Político que “na época do rei da Espanha, durante algum tempo, tinha a
dquirido o direito
de fazer a travessia do rio da Jangada, e requer poder continuar exercendo esta função”.
Saloeiro foi atendido em seu pedido, contanto que pagasse à WIC o que pagava “no
tempo do rei da Espanha”.
324
Além do que, os militares da Companhia
estavam livres
das taxas de passagem. Os mesmos, por vezes, tiravam vantagens de suas prerrogativas
para fazer comércio mesmo pertencendo à condição de “servidor” da Companhia.
Hendrick de Cock, capitão do navio “De Orangieboom” foi punido pela Companhia p
or
ter vendido aos portugueses roupas “saqueadas” em campanhas. Pagou, como espécie de
multa, o equivalente a 26% do que arrecadou com a venda, que foram 312 florins. O
monopólio comercial da WIC era sagrado e a condição de servidor não poderia ocorrer
par
alelamente a de comerciante.
325
322
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen.
17/11/1635.
323
MELLO, op. Cit, p. 48.
324
IAHGP.
Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/11/1635.
325
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 1
7/11/1635.
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123
Numa comparação mais geral, podemos admitir que o monopólio c
omercial
exercido pela WIC
a coloca numa mesma conjuntura que as monarquias que a cerca. No
contexto do desenvolvimento do capitalismo, o monopólio comercial exist
e como
condição importante para o enriquecimento do Estado. Isso, se considerarmos a WIC
como um Estado, haja vista as suas prerrogativas.
326
As atitudes de entendimento entre
Companhia das Índias Ocidentais e a população local não é algo que deve ser visto
com
espanto. Nos anos de 1635 e 36, temos uma conjuntura de uma implantação mais efetiva
da administração da WIC sobre um modelo político
-
administrativo anterior. Assim,
quando aparece
m
casos como os já citados de que o Conselho Político respeitava o
statu
s
quo ante,
ou seja, como era as coisas “no tempo do rei”, isso nada mais é do que uma
relação de “infiltração e imposição” de um estado sobre o outro. Para Braudel,
“assim como o capitalismo, ao desenvolver
-
se, não suprime as atividades
tradicionais em
que às vezes se apóia “como em muletas”, assim também o
Estado aceita construções políticas anteriores e se insinua no meio delas para lhes
impor, como pode, sua autoridade, sua moeda, seus impostos, sua justiça, a
língua em que dá ordens”.
327
A certeza q
ue o Conselho Político tinha de que parte da população l
ocal os
apoiava fica evidenciada
num trecho de uma
notulen,
em que se soube que uma frota
espanhola haveria de chegar a Pernambuco.
Diante disso, d
eterminou o conselho o
seguinte:
“Deliberamos que,
em razão da chegada de navios espanhóis, o juramento de
fidelidade que alguns moradores leais fizeram seja esquecido. E que os
moradores inimigos de nosso estado tendam a atacar os bons habitantes e retirá
-
los de nosso meio. Por isso, é muito necessário que os senhores
[Wilen]
Schott e
[Ippo]
Eijssens, um pelo sul e outro pelo norte, passem por estes lugares
326
Sobre isso considerou Fernand Barudel que “ o Estado moderno, tal como o capitalismo, recorre aos
monopolios para enriquecer: “ os portugueses, à pimenta; os espanhóis, à prata; os franceses, aos sal; os
suaecos, ao cobre; o para, ao alúmen”
. Ao que se deveria acrescentar, no tocante à Espanha, a Mesta,
monopólio da transumância ovina, e a Casa de la Contratacion, monopólio da ligação com o Novo Mundo”.
Ref. BRAUDEL, op. Cit. vol. II, p. 463.
327
Idem.
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124
diretamente, representando um bom governo e certificando a condição de nosso
estado, para assim animar os bons cidadãos e manter os maus habitantes à
d
istancia, assegurando o bem estar dessas pessoas com uma boa quantidade de
soldados”.
328
Essa passagem é importante, primeiro
, porque
nos revela o grau de tensão
que
passava a conquista, segundo, por que nos mostra a “estratégia” do governo civil em
consol
idar a conquista através da dissuasão de seus conquistados, os “bons cidadãos”. A
população civil, que de súditos passam à categoria de “cidadãos” é instada a colaborar
com a WIC com a contrapartida de ter o seu “bem estar” assegurado.
Se, por um lado,
o pequeno comércio aproximava os holandeses da população
local, por outro, diminuía os lucros da Companhia. Charles Boxer chama a atenção para
esse fato ao se referir às queixas que os diretores da WIC recebiam “por causa dos lucros
auferidos pela gente li
vre (
vrijluiden
)”.
329
Diante desse quadro, segundo Boxer, a própria
companhia não se sentia obrigada a dar as garantias prometidas aos moradores, os quais
na sua ótica faziam mais comércio com os cidadãos
-
livres. As coisas tomam
mesmo um
tom de desconfiança
quando
a
diferença religiosa entrava na questão. Essa relação
moradores
-
vrijluiden “favorecia os lavradores portugueses, papistas e traiçoeiros, em
detrimento dos investidores holandeses, protestantes e leais”.
330
Esse problema do
monopólio comercial da WIC foi expresso por Charles Boxer praticamente à
s
vésperas da
vinda de Nassau para o Brasil.
O problema dos cidadãos
-
livres
em relação a C
ompanhia se nos apresenta como
um fato paradoxal na administração holandesa pré
-
nassoviana principalmente porque,
com
o vimos em alguns casos acima, em várias ocasiões, foram os
vrijluiden
que
socorreram a WIC em situações de falta de dinheiro. Em algumas ocasiões, eles foram a
ponte entre o Conselho Político e a população local. Essa animosidade em relação aos
livre
-
come
rciantes partia principalmente de acionistas e representantes das câmaras da
Zelândia, Roterdã e Groningen. Nas atas do governo holandês, pelo menos, não se
verificam reclamações acerca dos vrijluiden. No entanto, a referência a essas vicissitudes
328
IAHGP. Coleção José Higino. Dag
elijc
kse Notulen. 28/11/1635.
329
BOXER, Charles. Os Holandeses no Brasil.
Recife: CEPE, 2004, p. 107.
330
Idem, p. 108.
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125
nos most
ra
as idiossincrasias da própria Companhia das Índias Ocidentais.
O Brasil
holandês não estava sob a responsabilidade de uma administração homogênea. O próprio
Charles Boxer, como outros, reconhecia a incapacidade da WIC para se assenhorear de
todo o comér
cio da
conquesten
, principalmente em termos de atendimento das
importações necessárias ao Nordeste. Essa foi a opinião dos representantes da câmara de
Amsterdam. Assim, o livre
-
comércio e, por extensão, os cidadãos
-
livres, tinham
participação importante no escopo da conquista.
Ainda refletindo sobre questão do monopólio comercial, temos no clássico estudo
de Fernand Braudel,
Economia e Capitalismo
, uma das chaves para entender a
complexidade do assunto na dinâmica econômica dos Paí
ses Bai
xos. Aqui, a nece
ssidade
do comé
rcio livre apresentava
-
se quase como algo indissociável do
ethos
neerlandês, na
medida em que “esses
interesses
[comerciais] comandam tudo, submergem tudo, o que
não conseguiram fazer nem as paixões religiosas, nem as paixões nacionais”.
331
N
os
Paises Baixos, o monopólio concedido pelos Estados Gerais
à
Companhia das Índias
Orientais (VOC), em 1603, levou outros comerciantes a fundarem outras companhias
rivais. Uma delas foi a própria WIC. Em resumo, nem todos os comerciantes dos Paises
Baixos
pertenciam a uma companhia de comércio. Essa era uma briga que começava na
Europa e continuava no Brasil. Os acionistas da WIC, nesse contexto, tinham medo que a
quebra do monopólio comercial por parte da mesma favorecesse aos livre
-
comerciantes
que começ
avam a pulular na
conquesten
brasileira. Finalmente, contra o
s
que queriam
manter a todo custo o monopólio, fica a opinião de que na Holanda
“o comércio é absolutamente livre, não se ordena absolutamente nada , eles não
tem outras regras a seguir que não
as dos seus interesses ; é uma máxima
estabelecida de que o Estado encara como coisa que lhe é essencial”.
332
Talvez, contudo, não devêssemos encarar esta situação dos
vrijluiden
contra alguns
acionistas da WIC não tanto como ‘paradoxal’, uma vez que trat
amos de um período
(inicio do século XVII) em que o capitalismo estava se formando. No Brasil, o ‘modelo’
331
BRAUDEL, Idem, p. 187.
332
Idem.
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126
de uma companhia de comércio estava sendo confrontado com uma realidade até certo
ponto nova.
Não há dú
vida
s
de que deixar de ser funcionário da co
mpanhia para ser cidadão
-
livre não era um mau negócio. Em janeiro de 1636, Joost Pietersz van der Bij, Jacob
Pietrsz e Sas Sickels deixaram a profissão de ferreiro para obter a condição de
vrijluiden.
333
Da mesma forma agiu o sargento Jan Jaspertsz., após o
término de seu
tempo de serviço para a WIC.
334
A situação de livre
-
comerciante não ensejava total
liberdade. Em caso de alerta, de aproximação iminente de tropas luso
-
brasileiras, o
Conselho Político podia expedir ord
ens para que os mesmos
se armassem e se
m
antivessem sempre alertas. Numa ocasião, ordenou
-
se que
“todos os cidadãos livres se armem com uma boa espingarda e que ninguém será
dispensado de marchas ou será liberado de ficar de sentinela, e que aqueles que
se recusarem serão punidos sem perdão”.
335
Em janeiro de 1636 o comércio já estava mais fortalecido no Brasil holandês, e os
problemas que estão relacionados a ele já estavam sendo sentidos. A necessidade de
controle por parte da Companhia tornava urgente a necessidade de um “centro” logístico
na conquista. Diga
-
se, centro logístico de controle do comércio realizado pela WIC. Num
episódio em que vários produtos chegaram dos Paises Baixos, o comissário de bens
Roeland Carpentier pediu para que os mesmos fossem desembarcados na Paraíba em vez
de n
o Recife. Essa decisão contrariava as normas da WIC que diziam que a revista e
controle dos bens importados deveriam ser feitos
no Recife. Entretanto, nesta praça
, a
carga “corre o perigo de furto por causa da grande quantidade de pessoas que estão
envolvi
das no processo de desempacotar e embalar”.
336
Nesse caso, a Paraiba é preferida
como local de desembarque das importações. É bom avaliar, nesta situação, que as regras
ou os editais da WIC poderiam sofrer alterações segundo o bom senso dos
administradores.
Na Paraiba, inclusive, já se cogitava na construção de armazéns “por
causa dos interesses comerciais”. Seria o caso aqui, também, de pensar sobre o que seria
333
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/01/1636.
334
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijc
kse Notulen. 14/01/1636.
335
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 17/01/1636.
336
Idem.
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127
um “centro administrativo”. Seria o mesmo que “centro comercial” ou “centro
deci
sório”? Ou as duas coisas juntas?
Nessa fase da conquista, tanto decisões importantes eram tomadas pelos
conselheiros políticos longe do Recife (se se pretende este como centro da administração
batava), como apareciam locais quase importantes como este no armazenamento d
e bens.
Este seria mesmo o caso da Paraíba. Após a sua conquista, em 1634, o seu porto passou a
despontar com espécie de “segunda opção” de armazenamento de bens para a companhia.
Aliás, a construção de armazéns era uma exigência premente dessa fase. A exi
stência
deles poderia significar um primeiro sinal de dinamicidade do comércio na conquista. Foi
a existência, em Amsterdam, de “mercadorias que se entulham nos armazéns e não param
de sair deles” que levou essa cidade a condição de maior centro comercial
do século
XVII. Armazéns que, segundo Braudel, “tem capacidade para engolir tudo”. Guardemos,
obviamente, as diferentes escalas entre o Recife e Amsterdam.
337
Maio
r volume de
comércio para esta ú
ltima.
Antes mesmo da invasão holandesa, em 1630, já existia
um ativo comércio na
Paraíba. À altura do ano de 36, vários portugueses já estavam a negociar com a WIC.
Diego Fernades, por exemplo, era um deles. O mesmo pediu permissão ao Conselho
Político para transportar para a Paraíba 6 caixas de açúcar e duas tonel
adas de biscoito
numa embarcação da própria companhia. O que lhe foi permitido mediante pagamento,
obviamente.
338
Pela quantidade de biscoitos podemos supor a existência de um comércio
que já começa a se afastar dos
kleine profijten
(pequenos lucros). Dina
mizava
-
se a
conquista.
Quanto ao que se colocou anteriormente, com relação a confiança ou não dos
holandeses nos moradores luso
-
brasileiros, torna
-
se difícil verificar minuciosamente essa
relação. Há, evidentemente, alguma
s exceções
. Contudo, é de se sup
or que muitos
moradores que se submeteram à WIC, pelo menos logo depois da difícil experiência dos
anos terribillis
, não tenham tentado “trair” a confiança dos invasores. Era de seus
interesses continuarem a vida econômica arrasada pela guerrilha. Na Paraí
ba, temos um
exemplo de exceção, que mostra os “bons serviços” prestados pelos da terra à
337
BRAUDEL, op. cit., pp. 216
-
217.
338
Idem.
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128
Compa
nhia. Manuel Graci [ou Garcia],
foi contratado pelo Conselho Político para ser
timoneiro de um cruzador holandês na campanha que estes moviam no sul de
Pernambuc
o em janeiro de 1636. O currículo de Graci era bom, uma vez que “a partir do
momento em que a Paraíba foi conquistada até a conquista do Cabo de Santo Agostinho,
serviu na função de prático e timoneiro no cruzador ‘De Cauwe’ da Zelândia”. Manuel
passou a r
eceber, a partir de janeiro de 1636, um salário de 36 florins mensais. Ele
chegou a receber uma recompensa de 50 florins da WIC por ter trazido da Paraíba para o
Recife alguns navios sem que tivessem sofrido avarias.
339
A WIC contava, não raro, com depoi
mentos de prisioneiros para aumentar o seu
cabedal de conhecimento de Pernambuco. Um deles, um português de Viana do
Castelo
chamado Bartolomeu Peres, fez crer à Companhia que
“a gente ordinária que não possui grandes bens trata de melhorar de
situação, e estão muito interessados em associar
-
se conosco para negociar
os frutos da terra; mas que os ricos e senhores de engenho não procuram
tanto de entrar em contato conosco; mas havendo ocasião de negociar
seus açúcares conosco, não se oporiam a isso:”
340
O
depoimento do Vianense é importante porque nos apresenta a heterogeneidade
social da capitania, na medida em que, os menos abastados viam na invasão holandesa
uma forma de enriquecimento que não tiveram até então. Para el
es, o pequeno comércio
com a WIC
v
inha em boa hora. Por isso, poderíamos inferir que é bem provável que entre
essa “gente ordinária” à qual se referia Bartolomeu Peres estivessem os pequenos
lavradores de cana ou até os senhores de engenhos menos abastados da porção norte da
Capitania. Alg
uns deles, como foi o caso de Gonçalo Novo de Lira, que tinha uma
propriedade às margens do rio Araripe, forneceu, ainda nos primeiros anos, caixas de
açúcar para a WIC. As suas terras ficam ao norte de Igarassu, portanto norte de
339
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 21/01/1636.
340
Interrogação de Bartolomeu Peres, natural de
Viana do Castelo, navegou a 6 a 7 anos ao Brasil onde
ficou domiciliado depois. In: Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio
da Prata, etc. Tirada de jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Rot
eiro de um Brasil
Desconhecido. Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007, p. 118.
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129
Pernambuco. Os engenhos q
ue mais produziam açúcar eram os da Várzea do Capibaribe
e
os da porção sul da capitania.
Às vésperas da chegada de Mauricio de Nassau, um problema que envolvia os
vrijluiden e a própria Companhia era o dos transportes de mercadorias. As reclamações
do Conselho Político diziam respeito ao transporte clandestino que os negociantes
-
livres
faziam entre a ilha de Antonio Vaz e o Recife, burlando o fisco da WIC. O problema foi
resolvido mediante o empréstimo de um barco pertencente a Jan Jacobsz “de modo que
eles também possam atravessar o que quiserem sem se utilizar de meios ilegais”. Apesar
disso, foram os cidadãos
-
livres que forneceram às tropas da WIC sitiadas no Cabo de
santo Agostinho nada menos que 100 carroças de viveres e 16 mil libras de pão de
fari
nha para servirem aos exércitos ali estacionados.
341
Observando os prós e os contras do pequeno comércio e dos
vrijluiden
na
conquista, a pergunta maior seria até que ponto esses dois elementos contribuíram para
um clima de estabilidade entre o Conselho Político e a população local. A existência de
um comércio que se dinamizava numa relação tensa entre administradores e população
local pode ser considerada como
bom sinal
no nível de conhecimento entre aquelas duas
partes. Na medida em que a vida econômica e
social se tornava relativamente mais
estável
, no período que vai da queda do Arraial Velho à vinda de Mauricio de Nassau, era
evidente o crescimento de problemas advindos dessa nova realidade. À parte problemas
de corrupção, conspirações e mau comportamen
to das tropas mercenárias da companhia,
não podemos descartar a existência de
um
cotidiano administrativo no Brasil Holandês. A
consolidação de um padrão de relações administrativas
entre as partes da conquista teria
como grande responsável uma rede de nav
egação que se utilizava, sobretudo, de
Jatchen
e
Chaloupen nos rios e pequenos portos do Nordeste.
341
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 04/07/1636.
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130
Quadro I
Relação dos funcionários (ou não) da WIC que se tornaram cidadãos
-
livres
relacionados nas Dagelijkse notulen
(1635
-
1636)
Nome
Data de dem
issão
Profissão que exercia
Jacob Duinkercker
27/03/1635
Capitão do navio”Het
Wapen van Hoorn”
Joahan Wijnants
-
Commis
Jan van Eijsens
-
-
Roeland Carpentier
-
-
Jacques Hack
-
-
Ertman Nuser
01/06/1635
soldado
Isaak Jacobs van Sas
16/06/1635
soldado
Manoel de Barros
05/09/1635
soldado
Gaspar Rodrigues
05/09/1635
soldado
Moisés Navarro
24/05/1635
Aspirante à oficial
Abrahan François
Cabeljau
-
-
Cornelis Metsu
Danielsz
-
-
Nicolaes de Haen
-
-
Samual Gerritsz
18/10/1635
Comissário de
bens
Isaac de Rassiiére
-
-
Jacob Jansz
22/10/1635
Mestre
-
de
-
obras
La Mars (Charles
Boucheron)
-
-
Jan Engelsen
03/11/1635
soldado
Hans Willem Louissen
-
-
Duarte Saraiva
-
-
François Blonde
-
-
Tjerck
-
-
Johannes Velthuijsen
28/12/1635
Comiss
ário de bens
Andries Pietersz
Mansveld
-
-
Joost Pietersz van der
03/01/1636
ferreiro
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131
Bij
Jacob Pietrsz
03/01/1636
ferreiro
Sas Sickels van Eskort
03/01/1636
ferreiro
Jan Jaspertsz
14/01/1636
sargento
Ottho Etmeijer
24/01/1636
-
Instavo
-
-
Vlugge
-
-
Manuel Graci
-
Capitão do navio ‘De
Cauwe’
Geronimo
Bartholomeus
-
-
Gilbert Ritskur
-
-
Jan Gerritsz
-
-
Opken Pieter
-
-
Juriaan Gerritsz
-
-
Jan Dircksen
-
-
Pieter Hardy
-
-
Jan Roeloffsz
-
-
Jan Adriesen
-
-
Pieter Back
-
-
Hendr
ick Jansz
-
-
Claes Jansz
-
-
Jan Jansz
-
-
Simon Nunes van
Norden
30/07/1636
-
Crhistoffel Eijerschettel
-
-
Aaron Navarro
-
-
Joost van den Boogaert
-
-
Jan Goutier
-
-
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132
3. O papel da navegação: entre a guerra e a
boa ordem
Quando Nassau
chegou com a sua comitiva ao Recife, em janeiro de 1637, não
havia um só curso d’água, entre o rio São Francisco e o Rio Grande do Norte, que não
fosse conhecido pelos holandeses. Pouco
a
pouco, foi
-
se estabelecendo uma malha de
navegação, tanto pelo litor
a
l, como pelos rios da costa do N
ordeste,
o
que facilitou a
administração do Conselho Político nos primeiros anos da conquista.
Logo na chegada, os holandeses contaram com a descrição,
na medida do possível
detalhada
,
das capitanias do Rio Grande, Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Tal descrição
é uma
memoire oferecida pelo brabantino Adrien Verdonck ao Conselho Político e escrita
em 20 de maio de 1630. Esse belga, segundo Gonsalves de Mello, vivia em Pernambuco
já desde pelo menos o ano de 1620 e era um en
tre outros neerlandeses e belgas que
viviam e faziam negócio nesta capitania.
342
Voltado para os negócios do açúcar,
Verdonck, dado o tempo em que já residia no Brasil, serviu de instrumento à WIC no que
diz respeito a se conhecer mais portos e interlândia.
Antes de “ser injustiçado pelos
holandeses” em 1631, por descobrirem que ficou do lado dos luso
-
brasileiros, Adrien
Verdonck legou aos novos invasores uma espécie de “manual” da terra.
Antes de atentarmos para a
memoire do brabantino conspirador, convém
lembrar
que, nos Paises Baixos, o nível de informação que se tinha de Pernambuco não era baixo.
Um documento de 1623, intitulado “Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco,
Ilha de Itamaracá e Paraíba”
, alimentou em muito o sonho dos holandeses de se
apoderarem do “ouro branco” nordestino. Um outro, do mesmo ano de 1623, intitulado
“Uma relação dos engenhos de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba”
, publicado nos
Paises Baixos
,
como muitos outros
pamphleten,
que incitavam as pessoas às apostas e
também ao i
nvestimento nas ações da Companhia das Índias Ocidentais, também nos
mostra a não ingenuidade batava acerca do lugar onde estavam pisando. Não
restam
342
Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho d
esta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande segundo o que eu, Adriaen Verdonck, posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630. In:
MELLO, José Antonio Gonsalves de
. Fontes para a historia do Brasil Holandês. Vol. I A administração da
conquista.
Recife: MEC/SPHAN, 1981, p.33. Numa pequena introdução ao documento, Gonsalves de
Mello se refere a “vários neerlandeses” e provenientes da “Províncias Obedientes” proprietá
rios de
engenho em Pernambuco quando da invasão, como é o caso Gaspar de Mere e Pedro Lahoest. Estes
“comerciantes ricos, como parece ser o caso de Adrien Verdonck”.
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133
dúvidas de
que, pelo menos uma década antes da invasão em 1630, a WIC estava cient
e
da produção média
da m
aior
parte dos engenhos do Nordeste. P
elo menos da Paraíba,
Itamaracá e Pernambuco. A relação de que dispunham discriminava o proprietário do
engenho e, em seguida, a quantidade de “açúcar macho” (branco e mascava
do) e açúcar
retame
produzido pelas unidade
s. O documento não nos fornece, porém, a precisa
localização dos engenhos.
Essa relação dos engenhos acima citada, segundo José Antônio Gonsalves de
Mello, não fazia parte de um simples
panphleten
, mas de um documento entregue em
forma de uma
memoire
aos
Estados Gerais dos Paises Baixos por volta de 1636 por um
judeu de origem portuguesa chamado José Israel da Costa. Portanto, seis anos depois da
invasão, muito embora se referindo à produção daqueles engenhos no ano de 1623. Em
termos gerais,
José Israel
da Costa, que residira muitos anos no Brasil entes da invasão,
forneceu aos holandeses informações acerca dos detalhes da produção açucareira, desde o
cuidado com os “cobres, madeiras, ferragens, carpinteiros, pedreiros, formas, carros,
servidores brancos,
a quem se dão bons salários e de comer cada ano, quantidade de
lenhas para arderem [o caldo do açúcar], caixões, bois, vacas, mantimentos [...] além dos
custos de 70 escravos que deve ter cada engenho [...]”.
343
José Israel da Costa fornece,
enfim, uma ‘rad
iografia’ do cotidiano da produção açucareira, com toda sua
complexidade e despesas.
Retomando ao documento de Adrien Verdonck, o mesmo nos parece mais
completo do que as informações oferecidas por José Israel da Costa. Em primeiro lugar,
chama à atenção
a maneira como Verdonck divide o espaço. Assim, na sua ‘divisão
territorial’, aparece
m
locais como “Rio São Francisco”, “Alagoas”, “Porto calvo”, entre
outros, ou seja, locais que se confundem com os nomes de rios (o próprio São Francisco e
Una) e de vilas
e povoados (Serinhaém, Ipojuca, etc). Para termos um exemplo dessa
divisão espacial, atualmente, Porto Calvo é uma cidade do Estado de Alagoas. Em inicio
do século XVII, a delimitação das localidades, aos olhos de pessoas como Adrien
343
“Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaraca e Paraiba
ano de 1
623”. In:
MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a historia do Brasil Holandês. Vol. I A administração da
conquista.
Recife: MEC/SPHAN, 1981, p. 22. Gonsalves de Mello nos apresentou a transcrição de partes
do documento.
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134
Verdonck, tinha outro
s referenciais. A concentração de engenhos seria um desses
referenciais.
O nosso objetivo aqui não é, vale ressaltar, fazer um estudo do relatório de Adrien
Verdonck. No entanto, ele nos importa na medida em que se apresentou como uma
maneira de entender o espaço da conquista a um grupo recém chegado ao Brasil. Precisar
até que ponto a sua
memoire
foi útil aos holandeses seria uma tarefa difícil, mas,
certamente, foi o que de mais detalhado teve o Conselho Político logo quando chegou a
Pernambuco.
O que
nos interessa mais di
retamente é a parte do relató
em que os rios são
descritos. Em Porto Calvo, o rio [cujo no
me não especifica Verdonck] tem
“de 9 a 10
braças de fundo, pelo qual se pode subir do mar para o povoado”. No povoado
denominado de ‘Una’ [nome
de um rio], “pode subir
-
se até ele [o povoado] em uma
chalupa”, ou seja, por um rio. O povoado de Serinhaém, por sua vez, “está a 2 milhas da
praia e as barcas sobem o rio para carregar açúcar [...]. O cronista completa sua descrição
do rio que passa por
Serinhaém especificando que “é pouco profundo na foz, onde não
tem mais de 7 a 8 pés d’água”. A primeira denominação dada a um rio por Verdonck
aparece na região de Ipojuca, com relação ao rio de mesmo nome. A localidade
impressionou o cronista, que confidenciou que
“nas cercanias há 13 ou 14 engenhos que fazem grande quantidade de açúcar ;
[...] para chegar
-
se ao primeiro desses engenhos, junto ao qual há um armazém
para onde é levado o açúcar de quase todos os engenhos próximos, tem
-
se de
subir o rio Ip
ojuca, situado logo adiante do Cabo de Santo Agostinho por espaço
de 2 milhas; junto à foz do rio há 2 ou três canhões a fim de impedir a entrada
ao inimigo e na mesma foz não há mais de 7 ou 8 pés de água; ai vão as barcas
carregar de 100 a 110 caixas de
açúcar para transporta
-
las ao Recife, como o
fazem em todos os outros lugares”.
344
Visto que a descrição de Adrien Verdonck é no sentido sul
-
norte, ao chegar à povoação
do Cabo de Santo Agostinho, ele considera que, nessa localidade,
344
Idem, pp. 37/38.
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135
“não havendo rio pa
ra subir
-
se até os engenhos, quase todo o açúcar tem
de ser transportado por terra até às barcas [possivelmente do rio Ipojuca] e
algum é levado para outro lugar e chega a foz de um rio chamado
Jangada, junto à Nossa Senhora da Candelária, umas três milhas
ao norte
do Cabo”.
345
Ao descrever o interior, numa povoação mais ao norte do Cabo denominada São
Lourenço [atualmente região da cidade de são Lourenço da Mata], com relação ao
transporte de pau
-
brasil, Verdonck afirma que “é [o pau
-
brasil] levado para se
r
transportando em outros carros para o Passo do Fidalgo, distante de Pernambuco cerca de
2 milhas, e para onde se vai em barcas que sobem o rio”.
346
Em Itamaracá, “tem um bom
rio, em que podem entrar navios de 14 pés de calado”. Já em Igarassu, ao descrever
o rio
Paratibe, afirma o cronista que “é ali [na altura da vila de Igarassu] muito largo, porém
adiante estreita
-
se e fica água morta com cinco palmos ou mais de fundo”. Para Filipéia
[João Pessoa], “chega um rio de 4 milhas de extensão e 14 pés de fundo,
de modo que os
navios que ali vão recebem os carregamentos [...] junto à cidade e, estando carregados,
descem de novo o rio, voltando para o mar [...]”.
347
Adrien Verdo
nck,
apresentava, portanto, em funç
ão do que se lembrava do muito
tempo
em que fizera co
mércio no Nordeste, resumidamente, a malha hidrográfica desse
espaço à luz de sua utilização para transporte de açúcar, pau
-
brasil e outros. O
conhecimento mais detalhado
por parte da WIC
viria, entretanto, com o dia
-
a
-
dia da
guerra e do estabelecimento do
pequeno comércio com a população local. Caminhando
lado
-
a
-
lado, estes dois elementos guerra
-
comércio, tenderam a se separar na medida em
que a resistência era vencida. Temos, sobretudo, que os primeiros seis anos da presença
do Conselho Político à frente da administração do Brasil Holandês, tenha sido a fase em
que se implantou toda uma rede de navegação nos rios do nordeste oriental.
A partir das operações de guerrilha adotadas em 1632, embarcações menores
como Iates e Chalupas passaram a ser utilizada
s no bloqueio de barras e incursões aos
rios para
fins de assalto e saques. O iní
cio de sua utilização foi discutido por Evaldo
345
Idem
.
346
Idem, p. 41.
347
Idem, p. 44.
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136
Cabral de Mello
348
que, apontando uma carta do Coronel Wanderburch aos Estados
Gerais, em novembro de 1631, situou a mudança de es
tratégia batava para empreender a
gue
rra de conquista. Na missiva, afirma o governador:
“Suas Graças [os Estados Gerais] ordenaram que se conservassem, sem exceção,
aqui na costa, todos os grandes navios e a frota inteira, o que não influirá de
modo algu
m em nossos fins, e não me parece que os grandes navios possam ser
de grande utilidade [...] o mais prudente em minha opinião seria retirar daqui os
ditos navios, pois que esta costa e estes portos são mais fáceis de defender por
meio de pequenos ‘yatchs’
e chalupas do
que por meio de navios grandes
[...]”.
349
Este parece ter sido o
turning point
da estratégia de defesa holandesa. A proposta
do governador militar foi seguida, de modo que em 1635 já se podia contar dezenas de
embarcações menores transitando n
os rios de Itamaracá, Pernambuco e Paraíba. Se
Wanderbuch estava ciente das descrições de Adrien Verdonck, feitas pouco mais de um
ano antes, é algo a se cogitar, vez que demonstra já ter conhecimento da profundidade das
barras e desembocaduras destes rios
, possíveis
, boa parte deles,
apenas de serem
navegados por embarcações de pequeno calado. Não é à toa que, sobre isso, comentou
Cabral de Mello que, a esse tempo, era “significativo o conhecimento pormenorizado de
que dispunham os holandeses acerca das co
ndições técnicas de navegação nos pequenos
rios do Nordeste oriental”.
350
Esse “conhecimento pormenorizado” de rios como o
Goiana, Camaragibe, Formoso, Serinhaém, São Miguel, entre outros, foi sobretudo
aurido nos diversos ataques aos engenhos e povoações lo
calizados em seus cursos
inferiores.
A
partir do ano de
1635, encontramos fartamente nas Nótulas Diárias (
Dagelijkse
Notulen
)
várias informações acerca da incursão de iates e chalupas aos rios do nordeste
.
348
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1979, p. 39. Com relação ao uso destas embarcações, em rios, a inferência é do próprio autor quando afirma
“o litoral do Nor
deste poderia ser melhor bloqueado mediante o emprego de iates e chalupas que poderiam
atacar os portos, fechar as barras dos rios ou subi
-
los para atacar os engenhos em suas margens”.
349
Missiva do Governador D. van Weerdenburch, em Antonio Vaz, aos Estad
os Gerais. 09/11/1631. In:
Documentos Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, p. 89.
350
MELLO, Idem.
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137
Todavia, não seria difícil de imaginar que elas
tenham sido utilizadas antes ainda nos
primeiros dois anos da conquista. Essa utilização seria, de inicio, mais de forma p
ontual
do que mesmo generalizada
, como vai se
r
de 1635 em diante. Ao lado do “pequeno
comércio”, que se fazia mais forte principalmente após a queda do Arraial Velho do Bom
Jesus, também a “pequena navegação”, que prescindia dos grandes navios, se constituía.
Na guerra de “guerrilha”, em que as operações pontuais valiam mais do que os
ataques frontais que exigiam um grande efetivo, da
mesma forma, as embarcações
menores valiam mais do que os grandes navios. A mudança da tática de guerra, mudaria,
por conseguinte, o cotidiano administrativo do Brasil holandês.
Um detalhe técnico. Na Europa, os barcos de pequena tonelagem tinham na Idad
e
Moderna uma presença na economia muito maior do que os grandes. Para Braudel, pelo
menos no aspecto mercantil, os barcos menores “carregam rapidamente, deixam os portos
à primeira rajada”.
351
Nos rios do Nordeste, eram as barcas
(ou barcaças)
que os
portu
gueses utilizavam para adentrarem os rios e colher as caixas de açúcar dos engenhos
em suas margens. Este pormenor, observado por Verdonck em sua memoire
, certamente
também
o foi pelos primeiros militares e civis que adentraram a interlândia em
campanhas
extenuantes. A prova disto são os relatórios de capitães de embarcações e
militares em geral compiladas por Johannes de Laet com o fim de instruir
Maurício de
Nassau acerca do Brasil.
352
Sobre o rio Cunhau, no Rio Grande do Norte, teve ciência a WIC que, a p
artir do
depoimento de um prisioneiro português, que tem, “doze pés de profundidade, duas
léguas ao sul da Ponte da Pipa [Ponta da praia de Pipa], os barcos entram quatro a cinco
léguas rio adentro com profundidade de 2, 2 1/2 e 3 braçadas, onde está um en
genho de
açúcar e onde se cultiva muito tabaco. [...] Teríamos entrado nele com a chalupa se o
tempo estivesse melhor
. Sobre a Paraíba, souberam que “é um rio grande; nunca entrou
nele senão de barco; na entrada tem uma curva e coroas de areia e de pedra.
Querendo
entrar nele, deveria
-
se mandar adiante uma chalupa veleira para sondar os baixios”.
353
351
BRAUDEL, Fernand. O Mediterraneo e o Mundo Mediterranico ao Tempo de Filipe II. Vol I.
Lisboa:
Martins Fontes, 1983, p. 330.
352
Joha
nnes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata, etc. Tirada de
jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil Desconhecido.
Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAP
A Editorial, 2007.
353
Ibidem, pp. 121
-
122.
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138
Sobre o Rio Goiana, na capitania de Itamaracá, souberam que “na desembocadura há uma
profundidade de só 8, 10 pés, mas dentro é muito profundo. Seis a sete légua
s rio adentro
há três a quatro engenhos, aonde os barcos navegam para carregar. [...] Dirigindo
-
se lá
com quatro a cinco chalupas expulsaria a todo
s e tomaria todos os açúcares”.
354
Da
mesma forma, outros rios foram descritos, especificamente do norte da cap
itania de
Pernambuco e Itamaracá, como o Massaranduba, Igarassu, Catuama e Maria Farinha. O
primeiro deles, para se ter uma idéia, é muito pouco conhecido atualmente. Entretanto, na
geografia dos engenhos dos séculos XVI e XVII, tinha uma importância que n
ão poderia
ser descartada. Ao descrecer o Rio Igarassu, consideraram que “por este rio é que [Matias
de] Albuquerque recebeu a maior parte da suas provisões, as quais chegaram com barcos
da Paraíba a Goiana, e logo detrás de Itamaracá e Igarassu”.
355
Essa ligação entre Paraíba
e Goiana, já evidenciada quando a questão é um estabelecimento de comércio regular
entre a WIC e a população local, tinha a sua anterioridade nas relações de comunicação
fluvial intracapitanias antes da invasão em 1630. O que não era no
vidade para a
resistência luso
-
brasileira sitiada no Arraial, era para os militares e conselheiros políticos
neerlandeses. Certamente, a localização do Arraial do Bom Jesus levou em consideração
essa malha de assistência fluvial que ligava a Paraíba àquela
fortificação. Quando nada,
para a WIC, a relação entre a navegação dos cursos d’água e a relativa normalização do
comércio da interlândia, é direta.
Quanto aos rios situados ao sul do Recife, o conhecimento holandês através do
depoimento de Peres segui
a a ordem. Ri
o das Jangadas, Ipojuca, Maracaí
pe, Formoso e
Una
356
. Neste último, “só entram barcos ligeiros”. Finalmente, no extremo sul da
capitania de Pernambuco, encontram o rio de Porto Calvo, no qual “os barcos entram seis
léguas rio adentro, ande estão três engenhos, uma légua afastados das margens do rio”. O
ultimo deles, o Rio Coruripe, “ao entrarmos com um iate ou uma chalupa, lá ainda
encontraría
mos paus bastantes para levar”.
357
Até a B
arra Grande (sul da capitania de
354
Ibibem, p. 125.
355
Ibidem.
356
O região do Rio Una, em especifico, mereceu a seguinte descrição de um depoente português: “ A aldeia
do Uma fica a dez léguas espanholas de Pernambuco, légua e meia terra adentro.
Lá há dois engenhos. O
rio se chama Uma, pelo qual os barcos entram até o primeiro engenho; o outro fica meia légua terra
adentro. Os açúcares são transportados até o rio em carros. O rio tem uma profundidade de apenas seis
pés”.
In: Johannes de Laet. Op.
Cit. p. 133.
357
Ibidem.
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139
Pernambuco), situada em carta
s náuticas antes da conquista, careceu de uma
“atualização” para os holandeses. Segundo a declaração e Manuel Vieira, “tem [Barra
Grande] tanta profundidade que uma carraca carregada poderia entrar nela; e, dentro do
porto, há ba
stante espaço para mil navi
os”.
358
Em todas essas descrições, vale ressaltar, a relação com o comércio de açúcar e
madeira era discriminada, além, é claro, das condições de navegabilidade. A malha de
com
unicação fluvial do São Francisco à Paraiba começava a ser conhecida, desbrava
da e
aparecia aos olhos dos holandeses como atualizações precisas do conhecimento da área
que ambicionavam dominar.
Antes mesmo da invasão, em 1630, os holandeses contavam com uma outra
minuciosa descrição dos índios Gaspar Paraupaba, Andrés Francisc
o e
P
edro Poti.
Também em seus relatos, esses
brasilianen
não deixaram de apontar os rios em que se
podiam usar embarcações pequenas. Assim, “uma légua da Baia da Traição há um
pequeno rio para
chalupas, chamado Camaratuba”. Mais ao norte da Paraíba, “a uma
lég
ua da Baia Formosa, segue um rio para iates, chamado Curimatau [...] os iates não
chegam tão longe, e deve continuar
-
se navegando uma légua em chalupas”. Por esse
depoimento, percebemos o maior alcance das chalupas na navegação fluvial. Convém
lembrar tamb
ém que, as informações dos índios aliados dos holandeses,
complementavam outras descrições de rios e vilas do interior, sempre observando as
condições de navegabilidade deles. Era muito importante se saber, além da profundidade
dos cursos d’água, em quais
lugares existiam esco
lhos ou rochas que não sobressaí
am à
flor da água, mas que podiam avariar qualquer embarcação.
A dominação dos rios poderia levar a dominação de áreas importantes. No caso da
Ilha de Itamaracá, por exemplo, escreveu o conselheiro Joha
nnes van
Walbeeck aos
Estados Gerais, “
estando em nosso poder os pequenos rios Maria Farinha e Goiana,
estaríamos também senhores da Ilha inteira”.
359
Vale ressaltar que, enquanto a conquista
por rios pode ser feita em qualquer época, a conquista por terra
se mostrava mais difícil
durante os chamados
regenen tijt
(tempos chuvosos ou estação das chuvas), que eram os
358
Johannes de Laet. Op.
Cit. p. 133.
359
Relatório do Conselho político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia das
Índias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais à 11 de julho de 1633
. In: Documentos
Holandeses. Vol. I. Ministério da Educação e Saúde. 1945, p. 127.
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140
meses de abril, maio, junho, julho e agosto.
360
Os mean
dros da conquista necessitava
de
uma adaptação ao clima. Não são raras as vezes em que as au
tor
idades reportavam aos
Países Bai
xos que as chuvas intensas haviam danificado paliçadas, estradas e pontes.
Esses primeiros anos eram, acima de tudo, de reconhecimento do interior da capitania de
Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Nas crônicas do Valeroso
Lucideno, o frei Manuel
“dos Óculos” narrou o drama da guerrilha ao dizer que os moradores civis luso
-
brasileiros, no início da resistência no Arraial Velho do Bom Jesus,
se foram indo para suas casas, outros afrouxaram do continuo trabalho, assim
diurn
o, como noturno [...] dizendo que trabalhassem os soldados, que haviam
vindo do reino, pois eram pagos, e se soubessem e experimentassem ao que sabia
o andar por matos, e atoleiros, o que eles ate então tinham feito [...]”.
361
Numa ata de 4 de julho de 163
6, o governo holandês, sobre uma operação militar
em Porto Calvo, considerou que “ nós tínhamos nos preparado para essa expedição, mas,
por causa do tempo, não a continuamos, [...] Visto que o pior, com relação `as chuvas, já
passou, faz
-
se necessário av
an
çar com destemor[...]”. Nesse caso em particular, as chuvas
tinham bloqueado “todas as passagens e estradas”.
362
A utilização de iates e chalupas em rios como tática de guerra supria as
dificuldades das guerrilhas terrestres. Soma
-
se o fato de que estas emba
rcações podiam
subir e descer rapidamente os cu
rsos inferiores daqueles rios.
O conhecimento
pormenorizado dos rios do Nordeste era também um complemento ao conhecimento
pormenorizado da costa e das desembocaduras dos mesmos rios. Se a defesa dos impérios
espanhol e português “era concebida em Madri ou em Lisboa em termos exclusivamente
navais”, como disse E. Cabral de Mello, em Pernambuco, no universo micro dos
engenhos e povoados às margens dos rios, essa defesa ficou a desejar. A resistência luso
-
361
CALADO, Manuel. O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade.
Recife: CEPE, 2004, P. 48. Até a
chegada de Mauricio de Nassau, em inicio de 1637, não encontramos nas crôn
icas referencias ao uso de
iates e chalupas por parte dos holandeses. Após a queda do Arraial Velho do Bom Jesus, preocupado em
narrar a situação da guerra na parte sul da Capitanias de Pernambuco, Manual Caldo não se referiu à porção
norte, que era a part
e em que se dava uma ligação comercial entre os holandeses e os moradores luso
-
brasileiros de Igarassu e Goiana.
362
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 04/07/1636.
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141
brasile
ira não dispunha de embarcações pequenas e artilhadas para fazer frente aos
holandeses na guerr
ilha fluvial.
As ‘barcas’ utilizadas largamente pelos lu
so
-
brasileiros
para transportar
, entre outros, açúcar e pau
-
brasil, não estavam preparadas para o escopo
da guerra como os iates neerlandeses. Com a invasão holandesa, é bem possível que a
resistência sitiada no Arraial velho do Bom Jesus ainda se utilizasse daquelas barcas para
transportar mantimentos vindos de Portugal e Espanha para propriedades do interio
r.
Como já é bem conhecido, até a queda daquela fortaleza, os sitiados continuavam
recebendo reforços em armas e ví
veres pelo porto de Nazaré, no cabo de Santo
Agostinho.
Retomando a questão da guerrilha por terra, devemos considerar que as
conquistas de Igarassu, Goiana, Itamaracá, Paraíba e Arraial Velho do Bom Jesus, foram
combinando cercos terrestres e bloqueio de barras. Não podemos, portanto, negar a
importância da “guerra frontal” na conquista holandesa. No entanto, foi no incremento do
pequeno comércio que as embarcações de pequeno porte tiveram um papel importante na
consolidação administrativa da companhia principalmente entre as
capitanias da Paraíba,
Itamaracá e
Pernambuco. Principalmente a partir do estreitamento dos contatos com os
povoados d
e Itamaracá, Filipéia (João Pessoa), Goiana, Igarassu e o Recife. E é
sobretudo na relação com o comércio e a administração que podemos discutir a
importância e função dos iates e chalupas nos rios daquelas regiões.
Para entendermos essa dinâmica logístic
o
-
administrativa é necessário, de
antemão, atentarmos para o fato de que os conselheiros políticos de distribuíam pelas
conquistas à medida que estas se faziam. Assim, Ippo Eijssens se ocupava da
administração de Goiana, Igarassu e Itamaracá, Serveas Carpe
ntier da Paraíba e Johan
Ginselling do Recife e porção sul da capitania
de Pernambuco
. Muitas vezes, eles se
demoravam longe do centro administrativo, o Recife e tomavam decisões em locais
afastados deste centro. Entretanto, reuniam
-
se constantemente no Re
cife. Analisando as
Atas de reunião do governo holandês
no Brasil em 1635 e 1636, não encontramos
indícios evidentes de que em todas as reuniões estivessem presentes todo o Conselho
Político. Em algumas das atas, quando se tratava de uma reunião de grande importância,
discriminava
-
se então a presença de todos. Na sessão de 29 de maio de 1635, estavam
presentes não só as autoridades militares (Schopp, Arzciz
e
nscki e Jan Lichthart) como
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142
também os conselheiros políticos (Serveas Carpentier, Johan Wijnants, Ipp
o Eijssens e
Jakob Stachouer). Faltava, contudo, o conselheiro Willem Schott, que exercia função de
tesoureiro. Nessa reunião, em especifico, decidiu
-
se unanimemente sobre questões
relativas às táticas de combate e falta de viveres.
363
Na reunião de 7 de jun
ho do mesmo
ano, praticamente não havia conselheiro político presente, pois tinham ido acompanhar as
tropas no sitio do Arraial Velho do Bom Jesus.
364
Já na de 9 de junho, apenas o Senhor
Wintijens acompanhava as discussões.
365
Quatro dias depois, chegaram à n
oite,
do
Arraial
, os senhores Serveas Carpentier e Ippo Eissens, mas não a tempo de participarem
da reunião. Em alguma reunião, era possível a presença de apenas um único conselheiro,
como aconteceu em 7 de setembro, onde apenas o Sr. Stachouwer se encontr
ava entre um
almirante e um coronel.
366
Finalmente, nas reuniões dos dias 13 e 17 de setembro, todos
estavam presentes. Nesta última, em particular, o Conselho Político decidiu como seriam
distribuídos os soldados pelos diversos pontos da conquista.
367
Não é p
ossível entender qual era a lógica de se enviar esse ou aquele conselheiro
para um determinado lugar. O que poderia contar, nesse sentido, era o fato de um
determinado conselheiro conhecer mais a região pelo fato de já ter feit
o parte de
operações militare
s ou
expeditien
aos locais que iriam dirigir futuramente. Afinal de
contas, eles não poderiam se colocar acima do poder militar sem conhecer os limites da
conquista. O aparato da WIC era numeroso. Diversos funcionários se enraizavam nas
conquistas. Com salários diversos, as várias funções eram preenchidas, muitas vezes, por
indicações de autoridades civis e militares e, para ser aprovado no exercício do novo
cargo, o individuo tinha que passar pela votação do Conselho Político.
Retomando as embarcações men
ores, já podemos observar o seu uso efetivo em
1634. Num relatório expedido aos Herren XIX (Diretores
da Companhia) os delegados
polí
ticos Ceulen e Gijseling reportaram que, numa das expedições ao litoral sul de
Pernambuco, destinar
am
os iates Pernambuco,
Concorde de Dordrecht, Naerden, Le
Renard, Chauve Souris, La Pivoine, L’Eperlan, La Balette, Arara, Ceulen e Lichhardt,
“com uma pequena chalupa a vela e dois grandes barcos”. Pelo número de tripulantes,
363
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 29/05/1635.
364
IAHGP. Col
eção José Higino. Dagelijkse Notulen. 07/06/1635.
365
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 09/06/1635.
366
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 07/09/1635.
367
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 13/09 e 17/09/1635.
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143
que eram de 600 homens, podemos presumir, para os ia
tes, algo em torno de 70 homens
por embarcação, contando com os dois barcos maiores. A expedição teve por objetivo
“fazer sentir ao inimigo nossas armas, nas localidades mais distantes [...] de maneira a
causar
-
lhe, em todos os rios e em todos os portos, todos os donos possíveis [...]”.
368
Com
essas embarcações, subiam rios nas proximidades de Porto
C
alvo
, quando a profundidade
permitia. Nos lugares mais rasos, apenas a chalupa poderia navegar. Em rio próximo a
Porto Calvo “quando pela tarde o comandante Lic
hthart chegou aqui com as pequenas
embarcações, o coronel e o comandante subiram o rio até duas ou três léguas além daqui,
onde também encontraram um armazém co
m grande quantidade de açúcar”.
369
A
expedição, durante a noite, subiu mais três ou quatro léguas
de rio utilizando
-
se de três
embarcações de pequeno porte até que “o rio se tornasse tão estreito, que não se podia
manejar os remos; além disso, ele se tornava cada vez menos profundo”.
370
Convém
lembrar que os holandeses encontraram algumas barcas portugu
esas carregadas ou não
com açúcar e outros produtos estacionados em alguns cursos d’água. Só a quantidade de
caixas de açúcar encontrada nessa expedição, aproximadamente 450 caixas, no dá bem a
medida desses butins. Até então, as embarcações que mais circu
lavam nos rios do
Nordeste eram as barcaças portuguesas. En
quanto o porto de Nazaré não caí
a em poder
dos holandeses, as barcaças portuguesas continuavam a carregar açúcar dos engenhos
e
levar ao porto. Vez ou outra, eram apreendidas pelos soldados da Comp
anhia.
Ao estabelecerem um
pequeno comércio com a população local, os holandeses,
muitas vezes através dos
‘vrijluiden’,
se serviam dos pequenos barcos (
baercqiens
)
portugueses. A expedição acima citada, encontrou pelo menos uns 45
baercquiens
.
371
Ao
contrá
rio das chalupas e Iates neerlandeses, as barcas portuguesas não apresentam seus
nomes mencionados na documentação. Se é que todas os tinham.
Em 1635 e 1636, já é possível falar numa maior regularidade de fluxo de barcas e
iates nos rios das capitanias da
Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Antes disso, não
podemos falar em um comércio mais regular entre holandeses e moradores, a não ser em
368
Documen
tos Holandeses, Op. Cit. p. 136.
369
Ibidem, p. 137/138.
370
Ibidem, p. 139.
371
1 barca próximo a Porto Calvo contendo 43 caixas de açúcar; 1 “pequena barca” em rio não mencionado
com 11 caixas de açúcar; 2 barcas no rio “Tatu Amunsá”; 2 barcas em Alagoas; 2
0 barcas em Porto do
Francês (Alagoas); 7 barcas no Rio Conjau; 1 pequena embarcação em Barra Grande carregada com e 2
caixas de tecidos
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144
casos esporádicos como o do português Manuel Jácome e Pedro da Rocha, plantadores de
açúcar de Itamaracá. O primeiro del
es, usou uma barca para fornecer açúcar aos
holandeses navegando pelo Rio Maria Farinha.
372
Jácome e Pedro Rocha foram
um dos
que
se apartaram da resistência luso
-
brasileira sitiada no Arraial
Velho do Bom Jesus
e
foram viver com alguns outros em Itamaracá junto aos holandeses.
Já nas crônicas de Francisco de Brito Freire podemos ter uma noção clara dos
principais rios e portos da capitania de Pernambuco. Como bom militar e estrategista,
Brito Freire se refere aos rios desta capitania como “de águas saudávei
s e caudalosas”.
Destes últimos, de um total de 25, são destacados 8: Jangada, Serinhaém, Formoso, das
Pedras, Camaragibe, Santo Antônio, São Miguel e São Francisco”. Já os portos,
preparados para “diferentes embarcações”, são os de Recife, Pontal de Santo
Agostinho,
Ilha de Santo Aleixo, Barra Grande, Jaraguá, Porto dos Franceses e Coruripe.
373
Evidentemente, todos esses rios e portos se tornaram importantes aos holandeses tanto no
aspecto militar quanto no administrativo.
Que os rios são um meio eficient
e para se chegar a algum lugar não é novidade
para ninguém. Entretanto, para o caso de Pernambuco, em particular, a função da
comun
icação fluvial era primordial, uma
vez que,
ainda
segundo Brito Freire, “
ordinariamente, por ser a terra tão coberta, se fazem quase todas as estradas do Brasil das
praias do mar”. Ou seja, poucos eram os caminhos por terra pelo interior. Logo,
confirma
-
se a importância da comunicação fluvial. Rios que, nos dias de hoje, estão
reduzidos praticamente a navegação de pescadores, n
a época h
olandesa, presenciaram em
grande intensidade as estratégias militares holandesas e portuguesas.
Evidentemente, entre os portos destacados acima, o do Recife merec
e
u especial
atenção do cronista militar. Para ele, “o porto do Recife, coração dos e
spíritos de
Pernambuco,
[...] por onde todas as drogas de mar afora entravam e todos os da terra
saiam ...”.
374
Em 1632, os holandeses já eram capazes de adentrar os rios do Nordeste.
Contudo, essas incursões eram menos sistemáticas. Neste mesmo ano, auxil
iados por
372
Idem Ibidem, p. 153.
373
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: Historia da Guerra Brasílica.
São Paulo: Beca
Produções
Culturais, 2001, p. 118.
374
Idem, p. 124.
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145
Domingos Fernandes Calabar, os holandeses aprisionaram algumas caravelas no Rio
Formoso. Os portugueses, numa das margens deste rio, guarda
vam
-
se em um fortin
protegido “
por duas peças e vinte homens de terra”
375
que logo foi destruído por um
efet
ivo de 600 homens distribuídos em 8 navios e 15 lanchas holandesas. Essa não era
ainda uma operação pontual, mas já se usava embarcações menores em operações
militares nos rios
. Dois anos depois os holandeses passariam a empregar efetivos bem
menores nesta
s incursões.
A conquista da vila de Igarassu e da Ilha de Itamaracá em 1633 representou o
primeiro passo no domínio holandês da malha hidrográfica do litoral norte de
Pernambuco e da Capitania de Itamaracá. Havendo
-
se deslocado para o su
l do Recife, a
gue
rrilha
se afastava cada vez mais
da
porção norte da conquista. Pelo menos diminuía
ali a sua intensidade. A conseqüência disso é que foi justamente a partir da região de
Igarassu, Goiana e Itamaracá que começaram a aparecer os pequenos lucros.
A opção estratégica de se utilizar os rios em vez da guerra terrestre, por part
e dos
holandeses, teve suas razões. Brito Freire, referindo
-
se ao cerco batavo ao Arraial Velho
do Bom Jesus, dizia que a dificuldade de se carregar a artilharia por terra se dev
ia “a
campa
nha toda coberta de á
rvores ou de canaviais de açúcar”.
376
Nessa
s circunstâ
ncias,
“para bater o Real (Arraial)”, os holandeses desceram o rio Afogados
“crescido de presente de água do monte, embarcaram onze peças com muitas
munições em um navio sem vela a
companhado de uma lancha e duas barcaças.
Estas pela popa com infantaria e quatro roqueiros de seis libras em ambas”.
377
Nessa operação, apesar de já se utilizar o transporte fluvial com pequenas
embarcações, não havia menos que 400 soldados por terra.
A
invasão dos exércitos holandeses aos rios começavam a incomodar os luso
-
brasileiros. A adaptação à hidrografia local dos batavos foi destacada por Brito Freire ao
se referir à sumacas: “nadam em pouco fundo, guarnecidas em proporcionada artilharia,
se apr
oveitava delas o inimigo para melhor entrar nos muitos rios que deságuam por toda
375
Idem, p. 156.
376
Idem, p. 168.
377
Idem.
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146
a costa”.
378
Essa observação do militar cronista resumiu muito bem o propósito batavo
da utilização de barcos pequenos e artilhados na guerrilha.
As embarcações sem vela cita
das acima, algumas elas possivelmente lanchas,
eram utilizadas nessas incur
sões. Em início de 1634, Calabar
, no Rio Mamanguape
(Paraiba), “subindo em quatro lanchas e um patacho, tirou outro carregamento
de
açú
cares, queimando algumas embarcações que ainda estavam sem eles”.
379
Em março de 1635, já é possível detectarmos barcas e iates que tomavam parte
nos
kleine profiten
na parte norte da Capitania de Pernambuco, na capitania de Itamaracá
e na Paraíba. Os pontos do comércio, Recife
-
Goiana
-
Igarassu
-
I
tamaracá (ilha) e Filipéia
(João Pessoa), já ressaltados na secção anterior, eram, e ainda são interligados por uma
vasta rede hidrográfica. Curiosamente, a parte norte de Pernambuco, que antes da invasão
não produzia tanto açúcar como os engenhos do sul,
foi a que primeiro se dinamizou no
comércio que se utilizava de cursos d’água. Para se ter uma idéia, de Itamaracá era
possível navegar rio acima e chegar a Igarassu. Numa descrição, o Capitão Jacob
Piertersen Tolck,
“tendo levado de Tamarica [Itamaracá] uma escolta consigo, subiu o rio Garaçu
[Igarassu] e, apesar de estar ele seco em vários pontos, chegou ate bem perto da
cidadezinha, onde entrou e abateu tanta madeira quanto era possível embarcar e
transportar no barco”.
380
Itamaracá foi, curiosamente,
o primeiro lugar de construção de engenhos em
Pernambuco.
381
Ao norte do Recife, existem as duas maiores bacias hidrográficas do litoral Norte
de Pernambuco, que são a bacia do rio Goiana e a do rio Capibaribe. O rio Goiana, por
sua vez, se capilariza em vá
rios afluentes, entre eles o rio Igarassu. Da mesma forma, o
rio Capibaribe. No litoral Sul, os cursos d’água mais mencionados são: Massangana,
378
Idem, p. 172.
379
Idem, p. 180.
380
Ibidem, p. 154.
381
Segundo Gilberto Freyre, “A lavoura da cana no Nordeste
e pode
-
se acrescentar, no Brasil
parece
te
r começado nas terras de Itamaracá, à beira da água doce, como também da salgada; das duas águas ao
mesmo tempo. [...]”. Ref. FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a
paisagem do Nordeste do Brasil.
São Paulo: Global, 2
004, p.58.
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147
Maracaipe e Formoso; Estes são considerados os “rios Atlânticos”, pelo fato de nascerem
e desaguarem na zona lit
orânea. São rios perenes. Já os rios Pirapama, Ipojuca,
Serinhaém e Una, são considerados como ‘translitorâneos’, por nascerem no Agreste de
Pernambuco e tornarem
-
se perenes apenas ao percorrerem a Zona da Mata. Todos eles
apresentam vários afluentes, como
o Rio Gurjau, que é afluente do Rio Una, que foi
citado acima. O rio Serinhaém também apresenta diversos afluentes. Dentre eles os rios
Tapiruçu, Camagagibe e Amaragi.
382
Muitos destes rios, os considerados
“transatlânticos”, só eram navegáveis em seus curs
os inferiores e já próximos de
desaguarem no litoral. Daí o fato de que, em algumas incursões, o holandeses não podiam
adentrar nem com os iates, e sim com barcos ainda menores. Nesse sentido, os
baercquiens
(barquinhos) portugueses já eram embarcações bem
adaptadas
a
esses tipos
de rios. Reforça
-
se, então, o seu uso pelos holandeses. Sobre o uso das barcaças pelos
portugueses, considerou Gilberto Freyre que, ao tempo de Jerônimo de Albuquerque e
Vasco Fernandes Lucena (século XVI), “já moia cana em Igarass
u
terras alagadas e
donde as canas podiam vir de barcaça pelo rio”.
383
Muito embora, em favor do holandês, o próprio
Gilberto
Freyre houvesse
observado que “deu [os holandeses] a esta parte da América seus elementos
característicos de ordem: blocos de con
strução que representam um método ou um
sistema de conquista, de economia, de colonização, de domínio sobre as águas e sobre as
matas. E não uma série de aventuras a esmo, cada qual a seu jeito”, como fizeram os
portugueses, ele mesmo se rendeu ao fato de
que “mesmo assim, conservando curvas à
vontade, que elemento da natureza regional agiu mais poderosamente no sentido de
regularização da vida econômica e social dos colonos do Nordeste que esses rios
pequenos d
o extremo Nordeste e da Bahia?”
384
E era nesse m
undo de “regularização da
vida econômica e social” luso
-
brasileira, convulsionado pela invasão, que os holandeses
tentavam impor o seu
ritmo de conquista. Assim como fez
Evaldo Cabral de Mello, o
próprio Gilberto Frey
re chamou
à atenção para a importância
dos “pequenos rios do
382
Diagnóstico Sócioambiental do Litoral Sul de Pernambuco. Hidrografia. Publicações
CPRH/MMA/PNMA 2. 1 ed.
383
Freyre, Op. Cit., p. 58.
384
Ibdem. Idem, p. 59. Ao destacar a importância dos rios do Nordeste oriental, Freyre se refere ao estudo
d
o geógrafo francês Pierre Mombeig. Segundo Freyre, “rios sanchos
-
pancas, sem os arrojos quixotescos
dos grandes; prestando
-
se portanto às tarefas da sedentariedade e da fixação; aos deveres pachorrentos,
mas de modo nenhum vis, da antiga rotina agrícola”.
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148
extremo Nordeste”, “rios do tipo do Beberibe, do Jaboatão, do Una, do Serinhaém, do
Tambai, do Tibiri, do Ipojuca [...]”.
A conquista dos rios era algo que corria paralelamente à expulsão da resistência
luso
-
brasileira para a Bahia,
abalada após a queda do Arraial e junho de 1635. Assim,
enquanto iates e chalupas holandesas enfrentava
m
a resistência nos portos e rios do litoral
sul da capitania de Pernambuco, no norte, em rios como o Goiana e Igarassu,
enfrentavam os desafios de ganhar os primeiros lucros no comércio. Esse era o momento
em que soldados e funcionários da WIC tornavam
-
se comerciantes e que moradores luso
-
brasileiros menos abonados desertavam das fileiras de Matias de Albuquerque e
d
o
Conde de Bagnuolo para tentar enrique
cer nesse mesmo comércio com os invasores. É
bem possível, porém, que estes primeiros portugueses que passaram a comercializar com
a Co
mpanhia não viessem das camadas mais abastada
s da
nobreza da terra
. Assim, pela
diferença estatutária destes, uma vez q
ue não eram nobres, preferiram colocar os seus
interesses de comerciantes em primeiro plano a ter que se unir aos de Albuquerque por
uma “identidade reinifica”. Neste caso, como considerou Antônio Manuel Hespanha, a
identidade estatutária se sobrepunha à de reino ou nação.
385
Voltando aos anos
1635
e 36, em que o pequeno comércio de tornava inevitável,
temos que o contato com o porto da Paraiba já se tornara evidente. É o caso dos iates
“Ter Veere”
e
“T’Wapen van Hoorn”
que, em 29 de mar
ço de 1635, partira
m para os
Paí
ses Baixos e fizeram escala na Paraíba com uma carga de açúcar e pau
-
brasil.
Provavelmente, para completar a sua carga naquele porto.
386
No mês seguinte, veio de
Itamaracá para o Recife a chalupa
“Duitzendbeen”
, carregada de 2 pipas de cal, dez
enas
de cachos de banana e cocos. Parte da carga tinha sido trazida de Igarassu pelo rio de
mesmo nome. Esta mesma embarcação voltaria ao Recife uma semana depois carregada
de pouco mais de 300 cocos.
387
Ainda nesse mesmo mês (abril), dois
baerquiens
385
Segundo Hespanha e Ana Cristina Nogueira da Silva: “Para além de uma identidade “local” e “regional”
mais ou menos vincada, os portugueses acumulavam depois, como é natural numa sociedade de estados,
uma fortissima identidade estatutária, que fazia com que um nobre português se sentisse mais próximo de
um nobre castelhano do que de um peão portugues. Esses sentimentos de identidade estatutária
sobrepunham
-
se frequentemente, mesmo em momentos e em questões dramáticos, ao sentimento de
identidade reinícol
a”. Hespanha, António Manuel / SILVA, Ana Cristina Nogueira da. A Identidade
Portuguesa. In: História de Portugal: O Antigo Regime. Vol. VII
-
Rio de Mouro: Ind. Gráfica, 2002, p. 32.
386
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 29/03/1635.
387
IAH
GP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 06/04/1635.
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149
trouxer
am para o Recife 7 caixas de açúcar branco e mascavado.
388
Em abril, dois iates
trouxeram de Goiana para o Recife aproximadamente 80 caixas de açúcar.
389
No dia 24
de maio, iate “De Goutvinck” partiu do Recife para a Paraíba a fim de abastecer um
navio com 12
caixas de açúcar. Essas caixas foram pegas em Goiana, de modo que o
barco teve que subir e descer o Rio Goiana para, em seguida, chagar à Paraiba.
390
Esse
mesmo iate, quase três meses depois, retornou da região do Cabo de Santo Agostinho
com 800 alqueires de Farinha. É provável que tenha percorrido, neste caso, alguns rios da
localidade. Em 3 de novembro, chegou ao Recife o fluit “De Zeerob”, trazendo das
margens do Rio Ipojuca um certa quantidade de pau
-
brasil.
391
Se atentarmos para a movimentação das embarca
ções entre a Paraiba e
Pernambuco, poderemos observar que a freqüência deles era maior no litoral sul e sem
penetrarem demais nos rios. (
ver anexo I
)
Ocorre que, principalmente no ano de 1636, a
luta dos holandeses contra as tropas luso
-
brasileiras estacio
nadas entre Porto Calvo e
Barra Grande, exigiu uma presença maciça de embarcações do porte de um iate. Só no
ano de 1636, de 136 viagens de embarcações
a
diversas partes da conquista, 47 se
deveram a assistências de tropas e viveres às campanhas militares
no Sul da Capitania de
Pernambuco.
392
As embarcações, de uma forma geral, tanto as grande quanto as menores,
tinham que se dividir entre a guerra e a mercâ
ncia,
entre
as tropas e
os
goederen
(bens de
comércio). Balancear essa dupla função na era tarefa simpl
es. Entre a possibilidade de
expulsar de vez as tropas luso
-
brasileiras e a de engendrar um comércio com a população
local, a administração da
conquesten
se viu quase sempre dividida. Nesse ponto, parece
que a primeira opção lograva vencer.
Em fins de janeiro de 1636, o Conselheiro Político Ippo Eijssens pedia, através de
carta que enviou ao Recife, que fosse enviado um iate à Goiana para carregar
-
se de
388
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 13/04/1635.
389
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 22/04/1635.
390
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 24/05/1635.
391
IAH
GP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 03/11/1635.
392
Algumas embarcações tinham por finalidade patrulhar a costa. Enquanto ocorriam os enfrentamentos no
Sul da Capitania de Pernambuco, vários iates e navio eram designados para o litoral da Bahia. Co
m base
nas
Dagelijckse Notulen
, das 136 viagens de embarcações em direção ao sul no ano de 1636, temos um
total de: 1 viagem no inicio de março que envolveu os navios Salamander, Ter Tholen, De Faem, De
Maecht van Doot, Overijssel e Walcheren; 1 viagem no
dia 01 de março com o navio Out Vlissingen; o
mesmo navio chega ao Recife no dia 18 de abril trazendo da Bahia informações acerca da frota espanhola;
1 viagem do navio Sint Michiel, que regressou ao Recife no dia 24 de abril;
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150
açúcar. Nessa época, as embarcações holandesas iam constantemente em direção à Santo
Aleixo, Serinhaém, Cabo de Santo Agostinho, Porto Calvo e Barra Grande. Só para este
último local, registra
-
se aproximadamente 9 viagens em conexão com o
Recife.
393
Talvez umas das maiores contribuições da navegação nesses dois anos (1635 e
1636) tenha sido a importância qu
e ela assumiu no que se refere à comunicação entre os
administradores da conquista, ou seja, entre os conselheiros políticos. Dessa forma, as
embarcações, além de transportarem mercadorias e tropas, serviam de correio entre a
s
diversas partes do território
até então em poder da WIC
. Graças a isso, o conselheiro
Serveas Carpentier, que cuidava dos negócios da WIC na Paraiba
, expediu um iate
(cruzador) ao Recife para pedir provisões, como aconteceu por duas vezes em abril de
1635.
394
De Porto calvo, o Fiscal D
e Ridder remeteu, em fins de maio,
uma carta ao
conselho pedindo ví
veres para as tropas que estavam estacionadas na região.
395
No
sentido contrário, saiu do Recife o iate
De leeuwinne
em direção à Paraí
ba levando uma
carta para o Sr. Carpentier.
396
Frequentem
ente, quando chegavam navios dos Paises Baixos com cartas dos
administradores da Companhia,
a
s notí
cia
s
tinha
m
que ser repassada
s
para outras partes
da conquista. Esse foi o caso do navio
De Leeuwine
, que levou para a Paraiba algumas
instructiens
do Recife
.
397
Em dezembro de 1635, chegou ao Recife o iate
De Goutvinck
com missiva do Sr. Ippo Eissens, que na ocasião se encontrava na Paraiba.
398
Em janeiro
do ano seguinte, o mesmo Eijssens escreveu de Goiana, através de
uma galeota, que
precisava de ví
veres para a
s guarnições que estavam lá.
399
As trocas de missivas entre os
militares são mais numerosas que as trocadas entre os conselheiros políticos. Via de
regra, prefe
ria
-
se para esses fins os barcos
menores e mais rápidos, conhecidos como
393
É possivel, por outro lad
o, que esse numero seja bem maior, visto que várias embarcações que
chegavam ou saiam do porto do Recife provinham do sul da capitania de Pernambuco, que era onde se
encontrava maciçamente o exército neerlandês.
394
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse
Notulen. 16/04/1635 e 25/04/1635. Nas duas ocasiões foram
utilizados dois iates diferentes. Na primeira, foi o iate Gijseling e, na segunda vez, o iate De Spewer van
Zeeland.
395
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 27/05/1635. A missiva foi tra
zida pelo navio
Erasmus.
396
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 06/08/1635.
397
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 14/03/1636.
398
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 17/12/1635.
399
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijc
kse Notulen. 24/01/1636.
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151
fluitschepen
ou “navios q
ue fluem
”.
400
Hernamm Waetjen inclui nesse grupo de
embarcação os iates e as sumacas, embarcações “de um mastro só” que “no Brasil
achavam multíplice emprego nos serviços de cabotagem e patrulhamento
”.
401
Outras
características dos
fluiten
é que podiam naveg
ar com mais eficácia à flor da água e se
adaptavam a qualquer mudança de vento. Essas condições faziam
-
na ideal na incursão de
rios de pouca profundidade. Como pudemos observar, nesta secção, elas tiveram usos
além dos militares no Brasil holandês.
4. Nordeste e Caribe: uma ligação possível
Não foi por mero acaso que demos ao primeiro capitulo o titulo
Brasil holandês:
Uma Historia do Atlântico.
Pelo contrário, acreditamos que apenas uma visão de
conjunto ofereça a este estudo uma proposta ao mesmo tem
po regional e internacional,
microscópica ou macroscópica. Da mesma forma que a Companhia das Índias
Ocidentais, também as coroas ibéricas raciocinavam em termos de uma guerra
internacional, que envolvia o Índico, o Atlântico e o Pací
fico. Mas fiquemos ape
nas com
este último, para fins didáticos.
Até aqui, ao analisar a tentativa do Conselho Político de fazer com que a
administração obtenha os sonhados
profijten
(proveitos) levando em consideração a
navegação de cabotagem ou pelos rios e o pequeno comércio, temos
uma visão mais local
da pr
esença holandesa no Brasil. Aliá
s, essa divisão entre administração, comércio e
guerra se dá de forma mais didática do que se nos apresenta nas fontes. E nem poderia.
No século XVII, a fronteira entre uma coisa e outra é praticamente inexistente. Assim, ao
tratar de guerra e açúcar no Brasil Holandês, levando em consideração as estratégias luso
-
brasileiras de escoar a produção em meio à guerrilha, encontra o seu correlato na
tentativa da WIC em conciliar os “pequenos lucros”
e a mesma guerrilha. Às vésperas da
400
Uma boa explicacao sobre esse tipo de embarcacao nos oferece o historiador Herman Waetjen que
colocou o seguinte: “somos muito bem informados pelas sólidas investigações de Bernhard Hagedorn.
Segundo elle affirma, a denominação
“Fleute, Fliete, Fluit” está ligada à palavra “fliessen” (fluir, correr,
deslisar) e quer dizer o mesmo que “navio que deslisa ou corre adiante”. Ref. WAETJEN, Hermann. O
Domínio Colonial Holandês no Brasil. 1938, p. 526.
401
Idem.
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152
vinda de Nassau para o Brasil, a administração por parte do
Politicque Raden
havia
adquirido um grau de complexidade que já era possível, pelo menos no Recife
e região
próxima
, se falar em um cotidiano. É bem verdade que a guerra não havia terminado, mas
também não era menos verdade que a vida social, de alguma maneira, fosse mais presente
a partir de 1635. As razões disso já explicitamos acima.
Na esteira de uma perspectiva atlântica, temos que a própria Companhia não
olhava apenas para o Nordeste. Em 1633, por exemplo, um dos conselheiros políticos
chamava a atenção para as ligações entre o Nordeste e outros pontos como o Rio da
Prata, o Chile e até as Índias Orientais. Chegara
m, inclusive, a considerar que “este paí
s
seria para nossa Companhia das Índias Ocidentais uma estação de Parada cômoda e
segura
”.
402
Para o Norte, muito embora a WIC tenha consolidado a conquista com a ocupação
de São Luis, em 1640, houve embarcações que passaram a fazer escala no Caribe antes
d
e regressarem aos Paises Baixos. Mas, antes entrarmos nessa questão, retomemos
as
conexões que a WIC podiam fazer frente às coroas ibéricas. Numa descrição anônima
sobre a região do Rio da Prata, feita por alguém
a
bordo do navio
De Windhond
, de 1628,
con
sta:
“O Brasil venderia a eles [comerciantes locais] suas manufaturas [...], que são
muito procurados pelos habitantes do Rio da Prata e de todo o Mar do Sul; [...]
Angola venderia a eles uma quantidade notável de escravos [...] porque é fato
conhecido q
ue os portugueses mandaram e venderam todos os anos de Luanda
entre seis e sete mil negros, que de lá são mandados ao interior e vendidos de
uma mão à outra, até chegarem às minas. Em troca deles os mercadores de
Angola receberam trigo, milho e também prat
a e ouro
”.
403
Pelo relato acima, cinco anos antes do relatório do conselheiro político, a WIC
estava ciente das conexões entre Angola e o Rio da Prata. Sabiam também que os
402
Carta de Walbeeck ao
Conselho dos XIX, Op. Cit, p. 126.
403
Consideracoes a respeito do Rio da Prata. In: Johannes e Laet [1637]. Roteiro de um Brasil
desconhecido: Descrição da costa do Brasil. Capa Editorial, 2007, p. 304. Segundo o lingüista holandês B.
N. Teensma “ pelas ca
racterísticas litográficas e lingüísticas do texto holandês é provável que seja de
autoria de Willem Joster Glimer.
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153
espanhóis preferiam descarregar os seus metais de Potosi pelo Norte, por terra a
Cartagena e, daí em diante, por mar ate a Europa. Nesse sentido, o avanço holandês em
direção ao norte (Rio Grande, Ceará e Maranhão) viria a preencher essa lacuna.
A
preocupação das coroas ibéricas com as capitanias ao norte de Pernambuco ficou
evident
e quando, numa Carta Régia destinada ao Conselho da Fazenda em 1634, Filipe
III chamou a atenção para necessidade em se proteger o Rio Grande do Norte, Maranhão
e Grão
-
Pará. Havendo aprestado algumas embarcações em socorro de Pernambuco,
considerou em suas ordens o seguinte:
“E porque o Rio Grande há mister com
que
pode
r
fazer oposição ao enemigo
para que não entre a terra adentro e nella lhe senhoria em que fica o Rio Grande
do Seare [Ceará] e D’Aly ao Maçanhão [Maranhão] e Gráo Pará que são praças
muy im
portantes. E de que podem tirar os enemigos grande proveito pelas
madeiras que aly há para fabricar navios e terá aly os milhores portos do Brasil
que seria do dano que se deixa hir se dessem por essas praças [...]”
404
Pelo visto os socorros vieram um po
uco tarde, uma vez que os holandeses, já no
final do ano de 1634, estendiam as suas tropas à Paraiba e ao Rio Grande. A conquista do
Ceará e do Maranhão esperaria mais alguns anos. O importante é salientar que, tanto os
holandeses quanto as coroas ibéricas
estavam cientes de suas fragilidades militares
405
e
da importância geo
-
estratégica das capitanias ao norte de Pernambuco. A consolidação da
conquista de Pernambuco era já meio caminho para a conquista da porção
norte do
Brasil. Mesmo depois da saída dos ho
landeses do Brasil, em 1654, navios holandeses
freqüentavam o litoral do Rio Grande do Norte. Em 1662, um parecer do Conselho
Ultramarino dava noticias do contrabando de pau
-
brasil no litoral potiguar feito pelos
holandeses. O dito parecer registrava que o
s holandeses “vinhão ca
rregar pa
o Brasil, que
naquelle sitio avia feito e deixado hú hollandéz, antes que à terra se rendesse aos nossos
404
LAPEH. Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D.127. “Carta Régia (minuta de capítulo) do rei
[D. Filipe III] ao Conselho da Fazenda, ord
enando o envio de quatro esquadras das duas coroas com
homens, armas e munições, para socorrer a Capitania de Pernambuco, impedindo que o inimigo se espanhe
pelas Capitanias do Rio Grande do Norte, Maranhão e Grão Para”.
405
Idem. Segundo o mesmo documento:
“ [...] a experiência tem mostrado que muita parte dos maus
sucessos que há havido no Brasil he por falta de cabeças que governem a guerra [...]
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154
[...]”.
406
Em 1662, a costa do Rio Grande do Norte ainda era muito desabitada, o que
favorecia o contrabando.
Por outro
lado, já que os holandeses não conseguiram conquistar a região do
Prata, valeria a pena investir mais se aproximar mais do Caribe. Um grande incentivo
seria, sem dúvida, a proximidade da frota da prata. Outra observação: tanto o relato de
um anônimo sobre a região do Prata como o relatório do conselheiro político convergem
numa coisa: no “desvio do comér
cio de Angola”.
407
A captura da frota da prata na costa de Cuba, em 1628, representou um grande
golpe contra a Espanha, uma vez que os banqueiros genoveses
passaram a investir menos
no negócio das minas. Assim, a casa de Madrid passou a compensar a falta de recursos
com o aumento dos impostos. Esse subterfúgio de Castela desagradou, sobretudo,
aos
catalães e aos
portugueses.
408
Antes mesmo desse episódio, em
1624, a WIC havia enviado uma expedição de
reconhecimento ao Caribe, com uma forca superior a 1000 homens. Logo em seguida,
atacaram a
Bahia.
409
Seis anos depois desta expedição ao caribe, algumas embarcações
que dela fizeram parte haveriam de estar em Per
nambuco.
As descrições que a WIC
tinha
desde o Rio da Prata ao extremo norte do Maranhão
municiavam
-
lhes
de um
conhecimento relevante para se chegar ao Caribe. Do ponto de vista da navegação em si,
sair de Pernambuco rumo ao Caribe pode ser uma aventura, d
ependendo da época em que
se navegue. Segundo relatórios de navegação, em certos meses do ano, os ventos
N
ordeste empurram as águas para o sul, dificultando a navegação em direção ao norte.
As viagens de navios holandeses para as Índias Ocidentais, parti
ndo de
Pernambuco, começaram ainda na época dos “tempos difíceis”. Em abril de 1632, alguns
navios partiram em direção ao Caribe, num dos quai
s se encontrava o soldado
Ambrósio
Richoffer, que registrou o percurso das embarcações pelas ilhas de Barbados, Sa
nta
406
LAPEH. Projeto Resgate. AHU_ACL_CU_018, Cx.1, D.6. Parecer do [conselheiro do Conselho
Ultramarino] Felici
ano Dourado, sobre uma devassa acerca do cntrabando de pau
-
brasil feito pelos
holandeses no poto de João Lostao, no Rio Grande do Norte.
407
Relatório do… , op. cit, p. 126.
408
BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo: do barroco ao moder
no (1492
-
1800).
Rio de janeiro: Record, 2003, p. 236. Paradoxalmente, essa vitória holandesa na captura da prata
espanhola, segundo o autor, complicava a situação da Companhia das Índias Ocidentais porque “com o
poder espanhol enfraquecido no Atlântico,
parte se sua raison d’être
deixou de existir
pelo menos aos
olhos daqueles excluídos de seus privilégios”.
409
Ibidem, Idem, p. 235.
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155
Lúcia, Martinica, São Domingos, São Martinho, Tortugas, Bonaire e Cuba. Junto aos 10
navios mencionados pelo cronista, haviam mais 4 navios carregados de açúcar de
Pernambuco. Estes, contudo, não fizeram escala no Caribe.
410
Nessa escala, os
holandeses
carregaram suas embarcações com sal antes de voltarem aos Paises Baixos.
Algumas poucas viagens de navios saídos de Pernambuco em direção às Índias
Ocidentais foram registradas pela documentação. Em agosto de 1635, os navios De
Swaem, Erasmus, Mercurius e Ernestus receberam a missão de car
regar sal e madeira em
Curaçau.
411
Em setembro (dia 23), o navio Alkmaer, cuja carga não foi especificada,
também partiu rumo ao Caribe.
412
Finalmente, poucos dias depois, o Westfrieslant,
acompanhado de uma chalupa, foi incum
bido de completar a sua carga nas Índia
s
Ocidentais.
413
Em linhas gerais, para além de uma concepção estatalista de administração, na
qual se detaca apenas os órgãos da administração em si, temos que o papel das
embarcações na promoção do pequeno comércio
figura como um elemento da política
administrativa tão importante como a instituição de um Conselho Político. Assim, a
distribuição dessas embarcações, seja nas operações militares de reconhecimento, seja no
cotidiano dos
kleine profijten
entrava com a
mes
mo relevância da organização
burocrática em si na concepção de administração do período.
410
RICHSHOFFER, Ambrosio. Diario de um soldado (1629
-
1632).
Recife: CEPE, 2004.
411
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijc
kse Notulen. 13/08/1635.
412
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 23/09/1635.
413
IAHGP. Coleção Jose Higyno. Dagelijckse Notulen. 30/09/1635.
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156
Capitulo III
O problema do abastecimento
1.
A
escassez de ví
veres
Ao longo da resistência e Restauração de Pernambuco, o abastecimento das
tropa
s
era
dependente, grande modo, da farinha de mandioca. Sobre o suprimento de tropas,
Evaldo Cabral de Mello chegou a considerar que
“neste setor fundamental de uma economia de
ancien régime
, que é o dos
cereais, o reino está de todo despreparado para satisfaze
r as exigências da
expansão ultramarina, em geral, e da colonização do Brasil, em
particular”.
414
Na falta de um abastecimento regular de trigo, vingou, para o português no Brasil
a farinha de mandioca.
Enquanto Nassau e o Alto Conselho
se esforçava
m
par
a produzir farinha a uma
nível máximo em todas
as freguesias, Portugal enviava para os luso
-
brasileiros
envolvidos na guerra um abastecimento de 10900 alqueires de “farinha da terra”, 240
alqueires de sal, 113 queijos flamengos e 22 pipas de vinha da Ilha
da Madeira.
415
Uma das principais
preocupações de Nassau e
d
o Alto Conselho ao assumir o
governo do Brasil holandês foi o incremento da produção de farinha de mandioca. Isso
era compreensível, visto que o efetivo neerlandês girava em torno de 5.000 soldado
s,
pouco mais ou menos.
416
Evidentemente, aos olhos dos holandeses, a farinha de
414
MELLO, Op. Cit, p. 191. O autor considera que a mudança da dieta do po
r
tuguês em lugares de clima
tr
opical
era “menos um resultado de uma capacidade especial de amoldação do que da impossibilidade de
obter um suprimento regular e abundante de trigo e outros víveres de origem européia”.
415
LAPEH. Projeto Resgate. Carta ao rei sobre o comércio e cobrança d
e direitos do sal no porto da Bahia
e a invasão dos holandeses à costa brasileira. [1640].
416
IAHGP. Coleção
José
Higino. Dagelijckse Notulen.
28/01/1637. Espalhados por diversos pontos da
conquista, a distribuição era a seguinte: 541 soldados nas guarniçõ
es do Recife; 231 na região dos
Afogados; 81 homens em Muribeca; 91 em São Lourenço; 257 no Cabo de Santo Agostinho; 289 em
Itamaracá; 665 na Paraiba; 137 no Rio Grande; Esse número, era elastecido, tendo
-
se ai o
Groot leger
(grande exército), que elevava
o efetivo para mais 2894 homens. Finalmente, soma
-
se o efetivo de índios
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157
mandioca também tinha uma importância relevante no abastecimento das tropas, visto
que abastecimento da Europa era, via de regra, insuficiente.
Ainda nos primeiros anos da co
nquista, a WIC, a partir principalmente de
campanhas militares, tomou conhecimento dos locais em que a mandioca era plantada.
Em meados de 1633, o Conselho Político enviou aos Paises Baixos um relatório no qual
discriminava os locais das
rossas.
Assim, tom
ou
-
se conhecimento
da presença dessa
roças
nas freguesias de Serinhaém, nas proximidades do São Francisco,
e em
Porto
Calvo. No relatório, consideram, em linhas gerais que do “rio São Francisco até Porto
Calvo, oferecem [as localidades] abundância de gado,
tabaco, farinha e algodão”. Isso
para se referir a parte sul da capitania de Pernambuco. Em direção à Paraiba, te
mos que
as localidades não eram
“mais desprovidas de farinha e gado”.
417
Observaram bem os
batavos que “a farinha, proveniente da raiz mandioca,
serve
-
lhe de pão, a aos naturais,
tanto portugueses como brasileiros, preferem
-
na ao nosso trigo”.
418
Certamente, foram
essas localidades que forneceram farinha para as tropas que se aventuraram nas
campanhas de conquista da Paraiba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará.
419
Apesar de elogiarem, ainda segundo o relatório do Conselho Político, a riqueza
alimentar do Brasil, os holandeses não deixaram de registrar que “a condição de perfeição
do Brasil nada deixa a desejar, senão trigo, vinho e azeite”. C
ontud
o, os mesmos
acharam
o trigo, no Brasil, “supérfluo”, devido à possibilidade de se produzir farinha de
mandioca.
420
Em outra carta não deixaram de considerar a oportunidade de se diversificar
armados (600), de marinheiros com possibilidades de combater (1000) e do pessoal do trem de artilharia
(6000). Fica de fora, nessa contagem,
o vliegende leger
(exército volante) com m
ais 604 soldados.
417
Relatório do Conselho Politico aos Estados Gerais.
11/07/1633. In: Documentos Holandeses, op. Cit,
pp.118
-
120.
418
Idem, p. 122.
419
Evaldo Cabral de Mello chamou a atenção, em
específico, para a campanha do M
aranhão, em 1614, que
conto
u com bem menos de 3000 alqueires para uma
tropa
de 800 homens
. Segundo ele: “Apesar dos
esforços do Governador [Gaspar de Souza], despachando oficiais da coroa pelas Freguesias de Pernambuco
para recolher farinha, os resultados ficaram certamente muito aq
uém dos 3.000 alqueires prometidos [...]”
Op cit, p. 192.
420
Ibidem. Idem. Sobre a possibilidade da cultura do t
rigo no Brasil, observaram que “não deu ainda
resultados satisfatórios nas vizinhanças da costa do mar; entretanto, como o Peru, que está situ
ado sob o
mesmo grau, produz trigo em abundância, não há dúvida de que, se se quiser cuidar disso à serio (porque os
portugueses, só tendo em vista os lucros extraordinários da cana de açúcar, não se ocupam senão dessa
cultura), a terra não deixara, também
a este respeito, de dar prova de sua fecundidade.
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158
a agricultura. Para tal, certa vez, a Ilha de Fernando de Nor
onha seria um lugar ideal
“para cultivar a terra [...] com todas as espécies de frutos e plantas
”.
421
Do lado luso
-
brasileiro, Francisco de Brito
Freire se referiu
à falta de
farinha no
Arraial do Bom Jesus da seguinte maneira:
“dias houve que em que se de
u de ração a
cada soldado uma só espiga de milho grosso”. Isso se deu justamente pela carência de
farinha de mandioca, “ordinário pão da terra, esperdiçada e despendida”. Nessa fase da
guerra, o preço da farinha aumentou vertiginosamente, de maneira que an
tes da refrega,
comprava
-
se um alqueire por um preço bem mais barato do que quando começou. O
cronista deixou claro o processo de fabricação da farinha e a sua possibilidade de se
conservar, quando seca, até seis meses. Finalmente, o lugar dessa provisão e
ntre as tropas
era o melhor depois do trigo.
422
É possível que nas imediações das instâncias do Arraial Velho do Bom Jesus não
se encontrasse muitas provi
sões para abastecer as tropas de
resistência luso
-
brasileiras.
Duarte de Albuquerque Coelho comentou a insatisfação de muitos, quando da decisão em
se construir a fortificação, pelo fato de se tratar de um local faltando
todo o necessário
para poder sustentar
-
se
”.
423
As considerações dess
es do
i
s cronistas sugerem uma carestia
de farinha par
a
se sustentar um
a guerra de grande
s
proporções. Mesmo assim, no correr
da “guerra velha”, os holandeses conseguiam se apoderar, mediante saque, de provisões
nas
vilas em que chegavam. Manuel C
alado, ao descrever a entrada dos holandeses em
Porto Calvo
, na
ocasião da retir
ada do exército do Conde de Bagnuolo, observou que
“acharam muitas pipas de vinho e azeite e muita farinha
”.
424
As tropas neerlandesas, antes da chegada de Mauricio de Nassau e do Alto
Conselho, contava
m com o fornecimento de ví
veres também por parte dos
v
rijluiden
421
Relatorio de M. Van Ceulen e Johan Gyselingh aos Diretores da Companhia.
11/03/1634. Op. Cit. p.
151.
422
FREIRE, Fran
cisco de Brito. Nova Lusitania: História da Guerra Brasílica.
ed. ataul.
São Pa
ulo:
Beca Produções Culturais, 2001, p. 129. Vale destacar a descrição pormenorizada que o autor faz do
processo de produção da farinha de mandioca. “Esta farinha, que chamam comumente de pau, se faz de
uma raiz com nabo, cujo nome é mandioca. A mandioca d
ivide
-
se em perluxas e diversas espécies de
outras plantas, com a mesma propriedade. Cresce de pequena estaca, ao igual das ervas que mais se
levantam da terra, sazonando
-
se em menos de um ano. O sumo é mortalmente venenoso. O amego lavado e
espremido se c
ose no forno em vasos largos, desfeito como o cuzcuz da Europa. Desta sorte lavram esta
farinha que, sustentando geralmente todo o Estado do Brasil, obram os índios de três castas: a que chamam
uitinga, uieçacoatinga e uiatá”.
423
COELHO,
Duarte de Albuque
rque. Memórias diárias da Guerra do Brasil.
São Paulo: Beca, 2003, p.
47.
424
CALADO, Manoel. O Valeroso Lucideno e o Triunfo da Liberdade.
Recife: CEPE, 2004, p. 57.
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159
quando se fizesse necessário. Em janeiro de 1636, quando a WIC empreendia campanha
extenuantes no sul da capitania de Pernambuco, decidiu o Conselh
o Político exigir dos
comerciantes livres os ví
veres necessário
s
para as tropas
,
“levando em conta
a escassez
de nossos armazéns
”.
425
Dos ví
veres que foram enviados para Barra Grande, local dos
conflitos, 200 tonéis er
am de farinha. Os outros
eram: 2 tonéis de manteiga; 20 tonéis de
carne; 9 tonéis de toucinho; 100 tonéis de cevada; 9 tonéis de ervilha e
15 tonéis de
feijão.
426
Notemos
que a quantidade de farinha era 10 vezes superior a de carne, proteína
importante ao dia
-
a
-
dia da guerra. A importância dada pelos batavos
a
essa “munição de
boca” era tanta que, certa vez, por não dispor de meios para acond
icioná
-
la, compraram
100 sacas de um comerciante.
427
De qualquer forma, a dieta das tropas holandesas contava, e muito, com provisões
da terra, principalmente peixes. Aliás, essa complementação era sempre bem vinda face
a
pouca oportunidade que a monocultu
ra dera a diversificação da
agri
cultura. Em
Itamaracá, pelo menos, os holandeses começaram a diversificar a produção de gêneros
ainda antes da vinda de Nassau. Alagoas, por sua vez, era um bom manancial de peixes.
Gilberto Freyre, ao se referir à dieta de
pescadores de Pernambuco, observou que “é a
gente mais pobre que fica com esses peixes mais bonitos para o seu almoço e para a sua
ceia com farinha de mandioca e molho de pimenta”.
428
Contudo, havia possibilidades de
destruições de culturas em razão das che
ias, em que plantações
que ficavam
às margens
dos cursos d’água do
N
ordeste ficavam arrasadas.
429
Para os soldados e marinheiros, as dificuldades alimentares no Nordeste podiam
contrastar, em muito, com o que lhes era oferecido a bordo. Simon Schama, acerca
desse
importante pormenor, escreveu que “em 1636, o almirantado de Amsterdam determinou
que todo homem a bordo recebesse semanalmente 250 gramas de queijo, 250 de manteiga
e 2,5 quilo de pão, cabendo aos oficiais rações duplas”. Segundo ele, as tripulações
425
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen.
17/01/1636.
426
Idem.
427
IAHGP. Col
eção Jose Higino. Dagelijckse Notulen.
13/02/1636.
428
FREYRE, Gilberto.
Nordeste: Aspectos da influê
ncia da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do
Brasil.
São Paulo: Global, 2004, p. 69.
429
Idem. Sobre isso, observou Freyre que “Nem sempre tem sid
o idílicas as relações entre a gente e a água
desta sub
-
região do Nordeste onde faltar para as necessidades maiores do homem, a água não falta nunca
(porque os rios verdadeiramente da mata nunca secam de todo nem os olhos d’água ficam estorricados),
mas on
de `as vezes transborda desadorada e terrível. As grandes cheias deixam sem mocambo centenas de
gente pobre. [...] A água de repente se torna o maior inimigo do homem, dos bichos, das plantas”. p, 70.
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160
gozavam de uma boa dieta em alto mar.
430
Na viagem
para o Brasil, relatou o soldado
Ambrósio Richs
hoffer que, antes de embaracar
com
os seus companheiros de viagem:
“demos várias salvas e fomos novamente conduzidos para os transportes, depois de nos
haverm
os regalado com pão, queijo, manteiga, arenques frescos e cerveja, do que mais
tarde sentimos grande falta
”.
431
Já embarcados, o cronista nos infor
mou acerca da
distribuição de víveres por pessoa:
“cada tripulante recebia 4,5 libras de biscoito, 0,5 libra
de manteiga e um pouco
de vinagre. [...] Tinhamos por semana dois dias de carne e um de toucinho para o
jantar, junto com um prato redondo de favas, 0,5 libras para cada um; isto era aos
Domingos, Terças e Quintas
-
Feiras. Nos demais dias davam
-
nos um prat
o de
aveia mondada, ou cevada, ou ervilhas, e algumas vezes bacalhau, porém de tudo
tão pouco que dois homens com bom apetite teriam devorado as rações dos
oito”.
432
Essa descrição, muita embora bastante parcial, contradiz a anterior do Simom
Schama, que r
essaltou a boa dieta em alto mar dos
marinheiros que serviam aos Paí
ses
Bai
xos. O fato é que normalmente
a alime
ntação transatlântica
poderia ser
complementada pela pesca dura
nte a viagem. Na frota que
invadiu
Pernambuco, durante
a travessia atlântica
, os
holandeses
aprisionaram uma fragata espanhola que vinha de
Angola e trazia consigo uma carga de farinha, ainda segundo Richshoffer.
433
Finalmente,
ao conquistarem o Recife, descr
eveu
este último
que as únicas mercadorias que
encontram deixadas pelos luso
-
br
asileiros foram “apenas de pouco mais ou m
enos cem
430
SCHAMA, Simon. O desconforto da Riqueza: A cultura h
olandesa na Época de Ouro.
São Paulo:
Companhia das Letras, 1992, p. 179. Onde se lê: “Talvez o exemplo mais confiável do que os holandeses
entendiam por ‘suficiência decente’
uma alimentação que evitasse os perigosos extremos da cozinha
gorda e magra
fosse o da cozinha dos navios. O passadio naval seguia rigorosamente as noções oficiais da
norma alimentar, pois os navio holandeses eram considerados pequenas repúblicas [...] Assim como se
orgulhava de seus navios impecavelmente, a Marinha holandesa ta
mbém se empenhava em oferecer uma
alimentação que superasse o passadio miserável a que a maioria dos marujos estava condenada, sobretudo
em viagens longas. [...] Como os holandeses nunca recorreram ao recrutamento compulsório,
provavelmente a dieta generos
a constituía forma de atrair tripulantes entre populações maritimas
estrangeiras e nativas”.
431
RICHSHOFFER,
Ambrósio. O Diário
de um S
oldado
.
Recife: CEPE, 2004, p. 9.
432
Idem, p. 14. Para agravar a situação, os tripulantes recebiam
diariamente “um
a medida de água, a maior
parte das vezes fétida, e cada tripulante recebia tres grandes queijos flamengos para toda a viagem”.
433
Richshoffer, op. cit. p. 57. Possivelmente, tra
tava
-
se de farinha de trigo e nã
o de mandioca.
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161
caixas de açúcar, um nú
mero considerável de pipas, que são tonéis, com vinho de
Espanha”. No entanto, nenhum armazenamento de farinha de
mandioca.
434
O primeiro
carregamento de trigo que os soldados da
WI
C
receberam
após a
invasão (dez meses
depois) foi trazido ao Recife pela embarcação
Zuikerbrood
, trazendo consigo também
biscoito.
435
Uma vez em terra, a situação seria bem diferente. Disputando o mesmo espaço,
holandeses e luso
-
brasileiros haveriam de encontrar melhor saída para o abaste
cimento de
seus efetivos. De iní
cio, levavam vantagens os luso
-
brasileiros, que contavam com a
ajuda de vivandeiros que plantavam roças nas imediações do Arraial Velho do Bom
Jesus. A ajuda alimentar vinda da Europa era mais difícil. Mais fácil era o envio de armas
e pólvoras. Em abril de 1630, ainda no início da presença holandesa em Pernambuco, um
decreto do Governador Geral do Brasil logrou enviar “300 arcabuzes e manufatura de 40
quintais de pólvora que é o que está resoluto vá nas duas caravelas que a conforme ao que
tudo isto importar se poder consultar a Vossa majestade fosse servido mandar dar o
direito necessário”.
436
O
abastecimento da resistência luso
-
brasileira teria mesmo que vir do próprio
Brasil. Num outro decr
eto de 1630, o govern
ador do Brasil recomendava, a tí
tulo de
antecipação, a qualquer armada que fosse em socorro de Pernambuco que:
“em razão de se mandarem a Pernambuco, e as mais capitanias que se tivesse por
necessário as ordens que cumprirem para se
semearem nelas todos os
mantimentos que da terra na maior quantidade puder ser [...]” E prossegue, em
especifico sobre o abastecimento de farinha: “... que o pressuposto da prevenção
que é necessária para a armada que chegue aquela costa possa está prevenidos; a
Martin de Sá capitão
-
mor do Rio de Janeiro, se deve particularmente escrever,
procure com os mestres daquela capitania, levem a maior quantidade de farinha,
a que chamam mandioca e se vão armazenar, para que com o aviso que se lhe
mandar, o possa mandar embarcar da costa os pagamentos que se lhe ordenar ; a
434
Idem, p. 73.
435
Idem, p. 96
.
436
LAPEH. UFPE. (AHU. Codice 476. fl. 89v). Sobre o decreto do governador acerca do Socorro que se há
de mandar ao Brasil, pelo aviso que se teve de estarem 55 vilas de inimigos em Pernambuco.
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162
mesma prevenção se deve mandar as mais capitanias do Brasil, e ainda conforme
onde a abundância de mandioca.”
437
Este decreto, ainda bem intencionado, recomendava que as capitanias da
Paraíba e
Itamaracá, que ainda não haviam caído em poder dos holandeses, abastecessem o Arraial
Velho do bom Jesus
de farinha de mandioca. Parece que só Itamaracá, como bem
observou Evaldo Cabral de Mello, conseguiu esse feito.
438
Mesmo assim, a penúria era
grande pa
ra ambos os lados da contenda, com uma pequena “vantagem” para os luso
-
brasileiros que, conhecedores da terra, conseguiam buscar farinha “até os limites da
fronteira colonizadora”, completa Cabral de Mello.
439
Da mesma forma que os holandeses souberam que
no Arraial do Bom Jesus “o
inimigo [luso
-
brasileiros], devido à falta de alimento, está disposto a negoc
iar
440
,
também soube
ram que “aportou, vindo da Paraí
ba, por causa da falta de mantimentos o
cruzador
‘De Meerminne’
”.
441
Parte da tropa luso
-
brasileira q
ue fugiu em direção
ao
Cabo de santo Agostinho ficava numa situação de penúria, visto que não dispunham “de
alimentos para mais do que 14 dias, e que eles estão comendo muita carne de cavalo, que
quase está se acabando, e dizem que Luis barbalho Bezerra, que ali está no comando, não
quer outra coisa a ano ser fugir com um pequeno grupo do Cabo
”.
442
A essa altura da
guerra, meados de 1635, a diferença entre os dois lados era que os luso
-
brasileiros
estavam prestes a se evadirem de Pernambuco e que o desafio d
e abastecer as tropas com
gêneros locais cabia aos invasores.
Retomando a situação das tropas luso
-
brasileiras situadas no Arraial, temos que a
falta do poder de combate devido
à escassez
de ví
veres desafia um pouco
a assertiva de
Jerônimo de Albuquerque de que na guerra brasílica os homens se contentavam com “um
437
LAPEH. UFPE. (AHU, Cod. 476. fls. 126/127.
24/05/1630) Sob
re se mandar ordem ao Brasil para se
provirem os mantimentos que antecipado para quando for armada que ha de ir de Socorro a Pernambuco.
438
MELLO, Op. cit. p. 194. “Mas da capitania de Itamaracá e de algumas freguesias de Pernambuco
chegava alguma ajuda: s
obretudo em farinha e peixe seco.
O autor também avaliou os racionamentos que
Matias de Albuquerque obrigara aos sitiados no Arraial, uma vez que “a escassez atingiu de forma
praticamente aguda a farinha de mandioca, devido ao abandono das roças pelos mora
dores que acorriam
para a defesa da capitania, tendo
-
se chegado a estreiteza de dar aos soldados a ração de uma única espiga
de milho”.
439
Idem, p. 195.
440
IAHGP. Coleção
José
Higino. Dagelijckse Notulen.
07/06/1635.
441
IAHGP. Coleção
José
Higino. Dagelijck
se Notulen.
08/06/1635.
442
IAHGP. Coleção
José
Higino. Dagelijckse Notulen.
13/06/1635.
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163
punhado de farinha e um pedaço de cobra”
. Pelo contrário, muito embora o
endurcisement
de um combatente luso
-
brasileiro seja maior que a do europeu nos
trópicos, isso não significa superestimar a
resistência
do
primeiro. Provavelmente a
assertiva de Jerônimo de Albuquerque era uma hipérbole em defesa de sua classe.
443
Certamente, ao contrário dos desvalidos do Arraial Velho do Bom Jesus, a
situação alimentar da WI
C não descia ao nível da quase t
otal carência
alimentar, pois
podiam abastecer, para a campanha do sul da capitania de Pernambuco
,
os navios
De
Meermine
(com 60 homens para o tempo de seis meses) e o barco Nossa Senhora do
Ó
(com 38 homens para o período de 5 meses).
444
No entanto, muitas vezes, não sabemos os
detalhes desse abastecimento, e é bem possível que a ração recebida pelos soldados da
companhia não satisfizesse a tropa. Pelo menos nas crônicas de Ambrósio Richshoffer,
houve casos de deserção por parte do exército neerlandês, já qu
e “as mais das vezes as
rações de pão ou provisões distribuídas para oito dias mal chegam para dois, sendo até
devorados cães, gatos e ratos
”. O mesmo complementa o sofrimento
da
s tropas
dizendo
que “assim achamo
-
nos na alternativa de ou expulsarmos o inim
igo da sua vantajosa
posição ou morreremos de fome”.
445
Esta breve consideração destoa da fa
r
tura alimentar
nos navios holandeses, apontada por Simom Schama.
Uma vez
em terra, os holandeses sentiram
necessidade de procurar com que
alimentar os seus soldad
os com recursos da própria terra em que queriam se instalar. O
demorar da “guerra volante”
(de emboscadas)
empreendida por Matias de Albuquerque
colocava as tropas da Companhia, cada vez mais, em situações de problemas internos.
Por isso se entende a alcun
ha de
anos terribilis
que se emprestou aos primeiros anos dos
holandeses no Brasil. N
ão foi à
toa que os batavos deram o nome de
Desafio ao diabo
(
Trots den duivel) ao Forte das Cinco Pontas localizado na Ilha de Antonio
Vaz.
446
A
variedade dos ví
veres en
viados ao Brasil pela WIC era inversament
e
proporcional à quantidade dele
s. Nem todos os carregamentos eram satisfatórios, como
avaliou Hermann Waetjen, de forma que a companhia procurava “suprir as faltas de um
443
SOUZA, Laura de
Mello e
.
Formas provisórias de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas
fronteiras e nas fortificações. In: História da vida privada na América p
ortuguesa
São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p. 46.
444
IAHGP. Coleção
José
Higino. Dagelijckse Notulen.
30/06/1635.
445
Richshoffer, op. cit. p. 88.
446
Idem, p. 92.
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164
carregamento com as mercadorias do seguinte”
. Via de regra, quando se enviava
mantimentos, a variedade contava com “carne salgada, toucinho, pão, legumes, bacalhau
manteiga, queijo, sal, azeite, vinho, cerveja, vinagre e óleo de baleia
”.
447
Hermann
Waetjen
também avaliou o preço médio de algumas mercadorias no Brasil, considerando
-
os em “tempos normais”, possivelmente para o período nassoviano.
448
Segue o quadro:
Artigos Em florins
1 pão
0.20
1 libra de carne
0.30
1 libra de toucinho
0,40
1 libra de queijo
0,40
1 libra de manteiga holl
1.
1 quarta de feijão
0,15
1 quarta de ervilhas 0,15
1 quarta de cevadinha
0,25
1 libra de fa
rinha de trigo
0,25
1 alqueire de farinha
1,50
1 libra de farinha de centeio
0,15
1 libra de presunto
0,40
1 libra peixe
-
salpreso 0,20
1 libra de bacalhau 0,15
1 quartinho de azeite 1,50
1 quartilho de vinho espanhol
1,50
1 quartilho de vinho francês 1.
1 quartilho de conhaque
1,75
1 quartilho de cerveja da Zelândia
0,50
1 quartilho de cerveja de De
lft
0,75
447
WAETJEN, op. cit. p. 478. Sobre o preço de alguns produtos, infere Waetjen: “
Quand
o porém os navio
tardavam, as colheitas eram más, o inimigo invadia o território da colônia ou a falta de numerário de
tornava sensível, então os preços dos viveres subiam rapidamente como se impelidos por uma potente
mola. Especialmnte os da manteiga, do
queijo e do vinho. Estes três artigos eram os que sofriam mais fortes
oscilações no mercado de Recife e eram por isso objeto de especulação preferido pelos comerciantes livres
e judeus”.
448
Certamente esses preços foram avaliados para o periodo nassoviano
, quando,
s
egundo
o autor, a pa
rtir
de 1640,
trazia
-
se bacalhau para ser vendido no Brasil.
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165
1 quartilho de cerveja d
e Rotterdam
0,55
Fonte: WAETJEN, Hermann. O Domínio Colonial Holandês no Brasil. [1938], p. 482.
Caloricamente, a ração média de um soldado da Companhia das Índias Ocidentais
era de ap
roximadamente 3.400 calorias, quantidade essa satisfatória para trabalhos que
exigiam esforço. Isso foi observado por Evaldo C. de Mello num estudo de Michel
Morineau. Contudo, contra essa constatação, Mello observou bem que
“embora se possam encarar as
conclusões do Sr. Morineu como uma
aproximação útil ao problema, caberia assinalar que não se baseiam numa análise
das condições reais do abastecimento das tropas neerlandesas no Brasil, supondo
condições normais que foram antes a exceção do que a regra”.
449
Em se tratando do regime alimentar na Holanda, Simom Schama considerou o
queijo, por exemplo, como pertencendo ao grupo de alimentos “de qualidades morais
generalizantes”, uma vez que, ao ser prazerosamente degustado por todos, isso por si só
“anulava
as diferenças sociais na comunidade nacional
”.
450
Para o
propósito da guerra
, a
comunhão pelo queijo traria, sobretudo, o
espírito de corpo
que uma difícil empreitada
exigia.
Pelo menos antes de embarcar para o Brasil, como foi citado por Ambrósio
Richshof
fer, a ceia de queijo poderia dar a falsa impressão de fartura que os soldados
poderiam encontrar no Novo Mundo. Já o açúcar, na qualidade de “alimento pagão”,
poderia afastar o homem da retidão moral.
É evidente que, numa situação de guerra, a preocupa
ção imediata com a
sobrevivência torna
-
se refratária às considerações de ordem moral, de modo que a
449
MELLO, op. cit. p. 185. O autor constatou a pouca resistência do soldado do soldado vindo do Reino a
Pernambuco e notou a sua pouca resistência orgânica ao clima
. De forma contraria, os soldados do norte da
Europa eram mais resistentes que os portugueses, agüentando mais o cansaço das campanhas.
450
SCHAMA,
op. cit. p. 168.
O contrá
rio também
é
verdadeiro.
Algumas comidas eram mal vistas,
principalmente pela religi
ão calvinista. Observou Schama: “Especiarias exóticas, em especial as das Índias
Orientais, como canela e macis, com sua fragrância inebriante e sua origem paga (ao contrario das raízes e
legumes nacionais), podiam afastar os homens da culinária caseira e
da moralidade comum. [...] Mas o
grande inimigo, agente incansável de Satanás, era o açúcar. Entrando na República em quantidades
adequadas para reduzir suficientemente o fator custo e chegar às mesas das camadas medias, o açúcar
brasileiro alimentava o ap
etite dos holandeses por doces
apetite então já sedimentado.”
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166
Companhia das Índias Ocidentais, no Brasil, tentava diversificar ao máximo e, na medida
do possível, a dieta.
Em 1635, já é possível saber que existiam di
versas ‘padarias’ (
backerij
)
espalhadas pela conquista. Isto porque, de uma só vez, chegaram alguns assistentes de
padeiros para exercerem os
seus ofícios em Pernambuco, na Paraí
ba e Itamaracá. O
salário de um assistente de padeiro era de 13 ou 14 florins
por mês. O “padeiro
-
chefe”
chegava a ganhar 17.
451
Para se ter uma idéia, um soldado recebia 8 florins/mês.
Provavelmente, a maior parte dos pães distribuídos na
conquesten
eram de trigo, ainda
por volta de 1635. Um navio que partia do Recife em direção aos
Paises Baixos, foi
aprovisionado com nada menos que 1000 arrobas de pão. É bem possível que esse pão
fosse de farinha de trigo e não de mandioca, visto que ainda estava no tempo da “guerra
velha” e não haveria tempo de se produzir uma quantidade grande de
farinha de
mandioca para se fazer um milhar de arrobas de pão. Soma
-
se
o fato de que a mandioca
tem
ciclo de um ano. Se houvessem plantado a mandioca em 1634, talvez não colhessem
tanto, dado qu
e boa parte dos soldados estava e operações militares contra o
Arraial do
Bom Jesus e nos portos do litoral sul de Pernambuco, como ainda o estavam em maio de
1635, quando desembarcava o sobredito navio.
452
Nos cinco primeiros anos da presença holandesa no Brasil, a complementação dos
veres que vinham dos Paises Baixos era feita com a pilhagem e a caça. No ano de 1635,
o fornecimento de vive
res vindos da Europa se deu em nove
ocasiões. Desse grupo de
embarcações, a única que discrimina a sua carga é o navio Walcheren, com farinha (de
trigo) e outros.
453
Este número, s
e comparado ao aprovisionamento do ano de 1630
(primeiro ano da ocupação) é bem inferior. Em 1630, foram 35
abastecimentos de
provisões e ví
veres de navios que entraram no porto do Recife.
454
(
ver anexo I
).
Podemos entender o maior aprovisionamento para o a
no de
16
30 pelo maior número de
soldados que foram enviados ao Brasil, se comparado a 1635. Por outro lado, é possível
que
neste último ano, com o arrefecimento da
guerrilha, tenha possibilitado o acesso da
WIC às fontes locais. Esse foi o caso do iate
De
Goutvinck
que, em agosto de 1635,
451
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen.
11/05/1635.
452
Idem.
453
Fonte: Dagelijckse Notulen do ano de 1635.
454
Fonte: Richshoffer, op. cit.
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167
trouxe do Cabo de Santo Agostinho uma carga de 800 alqueires de farinha obtida
mediante pilhagem.
455
A expansão da conquista levava inevitavelmente à necessidade de se aumentar o
aprovisionamento da tropa
s
. Para se ter uma
idéia, o comissário de bens Crispijnsz ficou
de aprovisionar o iate
De leeuwerick
para uma viagem de três meses e com uma
tripulação de 21 homens. Mais difícil ainda era prover o Forte Ceulen (Rio grande do
Norte) com mantimentos para 300 homens por três
meses.
456
Em agosto de 1635, foram
feitos pedidos de ervilha, feijão e cevada para 100 homens que estavam acampados em
Barra Grande (sul de Pernambuco
).
457
Uma relação a ser feita é a que diz respeito ao crescimento do pequeno
comércio
e o abastecimento d
e ví
veres vindos dos Paises Baixos. À medida que mai
s bens de
comércio eram enviados para o Brasil, menos espaç
o sobraria nos navios para os ví
veres
e provisões.
O
arrefecimento da guerrilha no sul de Pernambuco diminuía, pelo menos por
hora, o ritmo de
campanhas naquela área. Mas certamente outras frentes de combate
haveriam de ser abertas. Em setembro de 1635, o Conselho Político dispôs o seu “plano
de ocupação” para diversas partes da conquista. Nesse plano, a distribuição das tropas era
a seguinte: Ri
o Grande do Norte (200 homens), Maranguape (150), Paraiba (700),
Itamaracá (400), Recife e fortificações em torno (700), Cabo de Santo Agostinho (250),
Barra Grande (200), Porto Calvo (200). Para o Rio São Francisco e Peripueira, mais ao
sul, as projeções
seriam de 400 soldados no primeiro e 200 no segundo ponto. Isso
perfazia um total de 3500 homens em fortificações.
458
Um exemplo da dinâmica do abastecimento e suas exigências: num dos relatórios
dos quais se serviu a WIC para se conhecer mais o Brasil, a
recomendação era que, após
a conquista, seria necessário “deixar uma guarnição adequada na fortaleza, fortificá
-
la
contra as violências, aprovisioná
-
la de todo o necessário”. Neste relato, fornecido por
indígenas levados à Holanda, aparecem “recomendações
” de como se conquistar o Rio
Grande e estabelecer contato com as tribos das proximidades. Para tal, os navios
455
IAHGP.
Coleção
José
Higino. Dagelijc
kse Notulen.
06/08/1635.
456
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen.
24/05/1635.
457
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen.
13/08/1635.
458
IAHGP. Coleção Jose Higino. Dagelijckse Notulen.
17/09/1635.
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168
deveri
am estar carregados, além dos ví
veres, de mercadorias de troca (
cargasoen) para o
trato com os tapuias e
brasilianen
. Sobre os recursos loc
ais, os informantes ainda
opinaram para que a WIC não duvidasse de que “eles [os indígenas locais] contenham
boa quantidade de farinha, ervilhas, feijão e outras vitualhas dos selvagens para mandar a
Pernambuco”.
459
De fato, quanto mais distante do Recife ficasse qualquer conquista holandesa,
melhor pensado deveria ser o aprovisionamento, uma vez que a
navegação n
em sempre
era favorável em determinadas épocas do ano. Para o rio Grande do Norte, por exemplo,
devia
-
se evitar a navegação nos meses de setembro
-
outubro
-
novembro, ocasião em que a
monção de verão (que trás o vento do nordeste) empurra as águas para o sul.
460
Diante
desse quadro, qual seria a estratégia de aprovisionamento da WIC nos anos seguintes?
Retomando ao tema da produção de farinha de mand
ioca, temos que os
holandeses, desde os relatos de Adrien Verdonck, ou até antes, haviam tomado
conhecimento das áreas de cultivo. Assim, foi reportado sobre a região do São Francisco,
que
as pessoas “fazem também ali bastante farinha”. Nessa área, muito e
mbora a
produçã
o de açúcar seja inexpressiva (se comparada aos engenhos da Várzea ou da região
do rio U
na
e do rio Serinhaém), a mandioca dividia o solo com o fumo.
461
em
Alagoas,
nos informes do cronista, produzia
m
e
plantavam “a maior parte da farinha q
ue vem para
Pernambuco”. Além da farinha, também produziam bastante fumo e comercializavam
muito pescado seco e outros gêneros alimentícios.
462
Da mesma forma, Porto Calvo e a
região do Rio Una tinham, além de muito gado, “bastante farinha”. Esta última, co
m a
peculiaridade de se produzir milho.
463
Serinhaém e Ipojuca, além de muitos cereais e
459
“Descrição da costa do noroeste do
Brasil entre Pernambuco e rio Camocipe, do Relatório dos
brasilianos seguintes: Gaspar Paraupaba do Ceará, de idade de 60 anos; Andrés Francisco do Ceará, da
idade de 50 anos; Antônio Paraupaba de Tubussuram, que fica na distancia de 2 dias no interior da Paraiba,
da idade de 30 anos; Pedro Poti, da idade de 20 anos” [1629].
In: DE LAET, Johannes. Roteiro de um
Brasil desconhecido: descrição das costas do Brasil [1637]. KAPA Editorial, 2007. O relatório data do ano
d 1629.
460
Correntes e ventos na costa do
Brasil e entre Angola.
In: DE LAET, op, cit, p.
110.
461
Memória ofereci
da ao Senhor Presidente e mais S
enhores do Conselho
desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraiba e Rio
Grand
e. 20 de maio de 1630. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil
Holandês.
Recife: MEC/IPHAN, 1980, p. 35.
462
Idem, p. 36.
463
Idem, p. 36/37.
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169
pau
-
brasil, também parecia
m ser bons fornecedores
de farinha.
464
No litoral sul de
Pernambuco, no tocante a produção de gêneros, o Cabo de Santo Agostinho parece ser a
e
xceção, uma vez que
“quanto a cereais, farinha, fumo, gado e peixe quase nada vem dali porquanto os
habitantes apenas plantam, fabricam, criam e pescam o necessário ao seu
consumo, dedicando
-
se principalmente à cultura da cana”.
465
A
região da Várzea d
o Capibaribe, apesar de produzir “muita farinha, que
ordinariamente é a m
elhor da terra”, destinava a mesma
para o consumo de seus
moradores.
466
A
oeste do Recife, no interior, a região de São Lourenço, denominada por
Verdonck como “mata do Brasil”, produzi
a, além de fumo, feijão e milho, uma
boa
quantidade de farinha”. Ao norte do Recife, as localidades de Goiana, Araripe e Igarassu,
passam despercebidas quanto a
cultura
da mandioca. Por fim, a Paraí
ba
apre
sentava uma
cultura de mandioca inexpressiva, “de
pouca consideração”.
467
Três anos depois, o
conselheiro político Joannes van Walbeeck, também ressaltava a produção de farinha de
m
andioca, principalmente ao sul
do Recife (freguesias de São Francisco, Porto Calvo,
Alagoas, etc). Sobre a agricultura de subsi
stência, especificou que “a farinha feita das
raízes da mandioca serve
-
lhes [aos portugueses e luso
-
brasileiros] de pão , e é mais
agradável aos portugueses e brasilianos do que o nosso trigo”.
468
Os holandeses encontraram no Brasil portugueses mais afeito
s e adaptados à dieta
da farinha de mandioca, resultado de quase cem
anos de convivênc
ia com os nativos.
Restava aos soldados europeus
a
serviço da WIC se adaptarem a um novo regime.
Certamente, a primeira leva de soldados que vei
o em 1630 e que retornou
aos Paí
ses
Baixos em fins de 1632 ainda não contou com a farinha de mandioca no seu dia
-
a
-
dia. Os
mais adaptados à dieta brasílica e à guerrilha eram mesmo os soldados luso
-
brasileiros,
sobre os quais destacou Evaldo Cabral de Mello que
464
Idem, p. 37/38.
465
Idem, p. 38.
466
Idem, p. 39.
467
Idem, p.44.
468
Relatorio de J
oannes van Walbeeck.
In: DE LAET, op. Cit. p. 159.
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170
“não exageraria q
uem imputasse a agilidade dos soldados da terra, tão
admirada pelas autoridades neerlandesas, não apenas às características
físicas da população luso
-
brasileira, também por ela descrita como
pequena e seca de corpo, mas tamb
ém ao gosto da roupa leve e
sumá
ria”.
469
Do lado holandês, podemos dizer
que
em
quase todas as campanhas empreendidas até
1635, era com o
escasso
t
rigo e outros cereais dos Paí
ses Baixos que teriam de contar os
soldados da WIC.
Certamente, quase todos estes pontos da capitania de Pernambuco situados acima
forneciam farinha aos sitiados no Arraial Velho do Bom Jesus no inicio da guerrilha.
Todavia, não dispomos de dados da produção de mandioca por localidade. É de se supor
que ela tenha sido baixa, mesmo levando
-
se em consideração a
s localidades que
remetiam farinha para o Recife. Lembremos que a população de Olinda foi para o Arraial
se juntar à resistência, aume
ntando assim a necessidade de ví
veres. A guerra de
resistência pôs fim à regularidade da produção de farinha tanto dos loc
ais próximos ao
Arraial, como do sul da Capitania de Pernambuco
. Com alguma possibilidade, deve
ter
sido retomada após a queda do Arraial em Goiana, Itamaracá e na Paraiba.
A emergência dos kleine profijten
nos anos 1635 e 1636, que trouxe co
nsigo um
mai
or dinamismo do comé
rcio interno, também possibilitou a que se pensasse no
próxi
mo passo para a produção dos ví
ve
res, que passava principalmente pelo incremento
da produção de farinha de mandioca. Pelo menos até a chegada de Mauricio de Nassau e
do
Hooge R
aden
(Alto Conselho), no período acima citado, havia tempo de plantar as
primeiras roças. Com o retorno de muitos moradores para suas casas, ressurgia não só a
possibilidade de se plantar e colher o açúcar, mas de, aos olhos da Companhia, direcionar
a plan
tação de mandioca para uma escala certamente maior do que se fazia an
tes da
invasão. Antes deste, n
ão apenas Pernambuco, mas também a Bahia consumia gêneros
alimentícios da Capitania de São Paulo, sob
r
e o que escreveu John Monteiro. A
dificuldade de abaste
cimento de gêneros mesmo antes da invasão holandesa se devia,
sobretudo, ao aumento
pari passu
da população branca e livre com o conseqüente
469
MELLO, op. cit. p. 187.
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171
aumento da produção açucareira em fins do século XVI e inicio do XVII. Existia então,
como bem estudou
John
Monteir
o, um “circuito comercial intercapitanias”. A ocupação
holandesa viria a tolher este abastecimento e, em contrapartida, tentar suprir a falta
daqueles gêneros.
470
Como v
eremos adiante, dentro da finalidade
da Companhia das
Índias Ocidentais no Atlântico, o
problema do abastecimento de gêneros em geral, e da
produção de farinha, em particular, era um problema interno e externo à
conquesten
holandesa.
2.
Uma herança problemática: A produção da farinha de mandioca no governo
nassoviano
Num relatório envi
ado do Brasil aos diretores da Companhia das Índias
Ocidentais, Mauricio de Nassau e o Alto Conselho, entre
outros assuntos, informavam
sobre
o que consumiam os portugueses. Nessa avaliação:
“Não há profusão nos seus alimentos, pois podem sustentar
-
se mu
ito bem com
um pouco de farinha e um peixinho seco, conquanto tenham galinhas, perus,
porcos, carneiros e outros animais, de que também usam de mistura com aqueles
mantimentos [...] Tem belíssimas frutas, como laranjas, limões, melões,
melancias, abóboras,
pacovas, bananas, ananazes, batatas, maracujá
-
açu,
maracujá
-
mirim, araticum
-
apê e o belo e mais delicioso dos frutos, a mangaba e
ainda vários legumes, milho, arroz e outros mais, de que fazem diversidade de
confeitados. Estes são muito sãos, e deles com
em em quantidade”.
471
Esse relato se deu um ano após a chegada de Nassau e os seus conselheiros. Afora
a farinha e o peixe seco, a variedade alimentar existia incorporando
-
se à cultura local os
470
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirant
es nas orige
ns de São Paulo.
São
Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 100. Sobre a expansão bandeirante no Plan
alto Paulista e a
economia açucareira observou o autor: “Com o advento do século XVII, estes movimentos vieram ao
encontro de dois impulsos externos. Primeiro, o rápido crescimento da economia açucareira a partir de
1580, sobretudo nas capitanias de Pernam
buco, Bahia e, em escala menos, Rio de Janeiro, fez surgir nas
zonas secundárias oportunidades para criadores de gado e produtores de gêneros de abastecimento”.
471
Breve
Discurso sobre o estado das qua
t
r
o capitanias conquistadas no Brasil, pelos holandes
es, 14 de
Janeiro de 1638.
In: MELLO, op. Cit, p. 109.
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172
gêneros holandeses. Dois anos depois, foi o Alto Conselheiro Adrien van der Dussen que,
no seu relatório, dedicou à mandioca um tópico à parte. Dussen ressaltou, em comparação
aos cereais dos P
ses Baixos, a mandioca, dado que no Brasil deve
-
se apenas “lançar à
terra as sementes para colher as sementes: lá se planta o que não se aproveita do arbusto,
sem que nada se perca da raiz ou do que serve para alimento”.
472
Como se observou anteriormen
te, o abastecimento de ví
veres vindo dos Paises
Baixos era, quase sempre, insuficiente aos soldados da WIC no Brasil.
No ano que
antecedeu à vinda de Nassau, 1636, aproximadam
ente 18 embarcações trouxeram
veres, mas trouxeram também mais soldados, munições e mercadorias para serem
vendidas aos
vrijluiden
. No final das contas,
era constante a falta de alimentos
para as
t
ropas. Soma
-
se o fato de que, nos anos de
1635
e 36, o envio de mantimentos para as
tropas estacionadas no litoral sul da capitania de Pernambuco
era cada vez mais
necessário
. (
ver anexo I
)
O deslocamento das tropas
para o sul da capitania, ao mesmo temp
o em que
exigia mais provisões para os soldados do
front
, fez com que as freguesias mais próximas
ao Recife ficassem um tanto afastadas da guerrilha. Aos poucos, l
ocais como a V
árzea e
Igarassu, por exemplo, começaram a ser ocupados por luso
-
brasileiros que aceitaram a
dominação batava e retomaram a produção de açúcar. E é no esteio da retomada da
produção de açúcar, que Na
ssau e o Alto Conselho procuraram
, nas propriedades
daquelas freguesias, o incremento da produção de farinha de mandioca.
Entretanto,
antes mesmo da execução desse intuito, a transição entre a “guerra
velha” e a nova ordem imposta por Nassau viveu um período de transição em que as
propriedades eram retomadas, ou por
novos senhores de engenho ou até
mesmo por
autoridades militares
ou civi
s holandesas. Mas o iní
cio da produção sistematizada de
farinha não se deu de forma monolít
ica e sem problemas. Pelo contrár
io, implicou numa
relação tensa entre os administradores e a população local.
473
Em 1637, a conquista
em Pernambuco foi dividida
em quatro
jurisdições
(
jurisditien
), cada qual contendo uma câmara que a representasse. No primeiro relatório
472
Relatório sobre o Estado das Capit
a
nias conquistadas no Brasil, apresentado pelo Senhor Adriaen van
der Dussen ao Conselho dos XIX na Câmara de
Amsterdam, em 4 de abril de 1640. In: MELLO, op, cit.
p.
198.
473
Sobretudo, senhores de engenho.
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173
que procurou dar conta da administração no Brasil holandês já na gestão de Nassau e do
Alto Conselho, em 1638, muitos eram os engenhos que ainda n
ão tinham moído. No
termo da Câmara da jurisdição do São Francisco, a mais meridional dos territórios
conquistados, expôs o relatório que muitos dos 15 engenhos que existem nos seus limites
não iriam moer dentro de um curto prazo, “porquanto em razão da gu
erra e de terem por
aí passado recentemente os exércitos
de um e outro lado, estão sem dú
vida muito
arruinado
s
”. Em seguida, na jurisdição ou distrito de Serinhaém, apenas 5 engenhos (no
total de 18) iriam moer. Na jurisdição de Olinda (que englobava as fr
eguesias de Ipojuca,
Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão, Muribeca, Várzea e São Lourenço), do tot
al de 67
engenhos, apenas 47 moíam. Na jurisdição de Igarassu, do total
de 8, um engenho apenas
não moí
a. O território da Capitania de Itamaracá contava com os
engenhos das
localidades de Goiana, Taquara, Tejucupapo e Araripe, e do total de 20 unida
des, 8 não
davam safra. Na Paraí
ba a situação era bem melhor que nas outras partes da conquista,
uma
vez que lá apenas 2 engenhos não moíam, de um total de 20. Finalme
nte, no Rio
Grande, apenas 1 engenho dava seus frutos. Logo, em termos aproximados, de um total
de 147 engenhos, é certo que 89 davam cana até à época do relatório. Isto sem contar os
engenhos da jurisdição do São Francisco que ainda iam moer e não foram
discriminados.
474
Mais da metade dos engenhos de toda essa área havia retomado a sua
capacidade produtiva. Em termos relativos, os engenhos mais produtivos até então eram
os da Capitania de Itamaracá e os da jurisdição de Igarassu. Em termos absolutos, os da
freguesia da Várzea (jurisdição de Olinda).
O iní
cio da produção sistematizada de farinha
de mandioca
teve vez dentro de um
quadro administrativo mais complexo após a vinda de Nassau e do Alto Conselho.
Até
1636, era o Conselho Político que exercia a maior autoridade nas conquistas. A partir de
1637, Nassau e seus ministros implementaram as câmaras de escabinos (
schepenen
) nas
diversas
jurisdições
(
jurisditien
)
que especificamos acima. O papel dessas câmaras
analisaremos mais adiante. Por enquanto, basta
-
nos saber
que os escabinos ficavam, entre
ou
tras funções,
com
a fiscalização da finta de farinha que cada engenho deveria fornecer.
474
Breve discurso sobre o Estado das quarto capitanias conquiatadas, de Pernambuco, Itamaraca, Paraiba e
Rio Grande, situadas nap arte setentrional do Brasil.
In: MELLO, Fontes para a História do Brasil
Holandês.
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174
O incremento d
a produção de far
inha se deu no mesmo momento
da retomada da
produção de açúcar nos engenhos.
A “guerra
velha” destruiu quase todas as propriedades
e seus materiais de produção. O grau de dificuldade em “pacificar” a conquista através
das campanhas de expulsão das tropas de resistência luso
-
brasileira para o sul concorria
com a retomada da produção açucareir
a.
Outro dado é o crescimento demográfico em torno do Recife. Essa informação,
que dificilmente pode ser precisada, fica sempre no campo da especulação. Pela altura do
ano de 1641, além da população do Recife, que girava em torno
de
cinco a seis mil
pesso
as
, agrupavam
-
se
próximas
várias aldeias de
brasilianen
. Essa concentração
populacional deve
-
se sobretudo ao fato também de que entre Itamaracá e a Várzea do Rio
Una se situar a grande maioria dos engenhos moentes. O investimento na retomada da
produção aç
ucareira
era alto. Para se ter uma noção
, num engenho puxado a bois, o
investimento chegava a pouco mais de 2000 florins anuais. Os gastos incluíam o salário
do feitor (375 florins), o mestre de açúcar (150 florins), o purgador (37florins e 10
stuivers), o
responsável pelo carregamento da produção (225 florins), madeira para
carvão (375 florins) e reparações na instalação (750 florins).
475
Em fins de1637, a Companhia dispunha de 7000 alqueires de farinha de mandioca
para abastecer um efetivo de 2250 soldado
s e marinheiros.
476
É bem possível que a
conquista de São Jorge da Mina, que ocorreu poucos meses antes e saiu do Recife, tivesse
se beneficiado da farinha de mandioca no abastecimento das tropas. Futuramente, a
conquista de Angola, em 1641, precisaria de muito mais.
Como foi dito aind
a no início deste capí
tulo, o entendimento da produção de
farinha de mandioca no período nassoviano passa pela compreensão da administração
local. Mais especificamente, eram os escabinos que, juizes nas diversas
jurisditien
da
conquista, deveriam cobrar uma espécie de finta ou contribuição do produto. Assim é
que, em abril de 1639, o escabino da jurisdição de Olind
a, Gaspar Dias Ferreira,
informou
a Nassau e ao Alto Conselho a situação dos moradores das freguesias da
Várzea, M
uribeca, Santo Amaro e Cabo de Santo Agostinho. O fato é que os ditos
475
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 26/05/1637. Este cá
lculo não leva em consideração
os bois e os escravos
. O cálculo para a produção do engenho em questão era para 25 tarefas de cana
-
de
-
acucar, que poderia render 500 arrobas de açúcar.
476
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 04/11/1637.
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175
moradores não conseguiram plantar a quantidade exigida e pediram, através de Dias
Ferreira, que o Alto Governo abrisse mão de metade da quantidade exigida.
477
Uma das
“desculpas” fornecida
s pelos moradores é que não só as roças não vingaram, mas “a
velha farinha foi consumida” (
de oude mandioqua geconsummeert
). Certamente, nessas
freguesias, a passagem de uma agricultura de subsistência para uma agricultura de maior
escala talvez não fosse tarefa fácil. O fato é que, no ano de 1639
, segundo os cálculos de
Hermann Waetjen, o quilo da farinha custava mais do que o do trigo.
A organização do plantio adquiriu ares de mais organizada em julho de 1639,
quando Nassau e o Alto Conselho lançou um
edital (
placard
), para que cada senhor de
engenho e lavrador, tanto holandeses quanto portugueses, plantassem 500 covas de
mandicoca por escravo num espaço de 6 meses.
478
A distribuição de farinha por quotas fixas pelos moradores locais obedecia ao que
na G
uerra dos Trinta Anos chamava
-
se “sistema de contribuição” (
kontribuitionssystem
),
ao que se referiu Evaldo Cabral de Mello. No entanto, o mesmo se referiu ao “sistema de
contribuição” nos termos da resistência luso
-
brasileira, em que
“durante a resistência, o provimento do Arraial e seguramente de outras praças
-
fortes foi confiado a vivandeiros (expressão utilizada por cronistas como frei
Manuel Calado e Brito Freyre), um método mais apropriado à existência
relativamente sedentária de guarnições do que a
um exército em marcha”.
479
Parece que esta forma de “cota fixa” também valia para os holandeses, sobretudo
quando se trata de um exército cuja maioria do efetivo estava confinada em fortificações.
Prática de aprovisionamento européia aplicada no Brasil na
ssoviano.
480
O preço
do alqueire de farinha, por volta
de 1642, foi fornecido por Johan
Nieuhof, segundo o qual
477
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 12/04/1639. Onde se lê: “Welcke alles
geconsidereert sijn goet gevonden de bovengesegde freguesias te remitteren, de hefte van de farinha daer
opgefinteert waeren”.
478
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen.
22/07/1639.
479
CABRAL DE MELLO,
Evaldo.
Olinda Restaurada, op.
cit. p. 193.
480
Idem. Paro lado luso
-
brasileiro, o kontribuitionsystem, segundo o autor, foi adotado sobretudo a par
tir
de 1635, quando o exército estava acampado ao sul da Capitania de Pernambuco.
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176
“o governo dá por mês aos soldados holandeses e nativos meio alqueire (7 litros)
de farinha, a cada um. O preço do alqueire, na média, regula
quatro florins, ora
mais ora menos”.
481
Segundo Watjen, para o período da administração nassoviana, “a farinha não era
exportada, pois toda a produção era consumida no paí
s, sem nada restar”.
482
Seria mesmo
difícil a exportação deste gênero, dada a constân
cia e volume das campanhas
empreendidas pela WIC em várias partes do Brasil
. O autor também assegurou que a
remessa de farinha de trigo não cessou, mesmo com a produção de farinha de mandioca,
“afim de que a colônia se achasse sempre garantida, no caso de
estrago das plantações
pelas intempéries ou por força das inundações
”.
483
Outra peculiaridade do sistema de cobrança por contribuição imposto por Nassau
e o Alto Conselho é que a cobrança e fiscalização era tarefa da administração local civil e
não por mi
litares. É que o relativo clima de paz que passou a existir a partir de 1637,
como fora para os luso
-
brasileiros nos anos analisados por Cabral de Mello, permiti
u uma
certa
calma da administração superior para implantar um modus operandi
administrativo
que
permitisse a fiscalização nas freguesias sem as urgências de uma guerra imediata.
Apesar disso, o desconforto rondava as freguesias, de forma que as tropas luso
-
brasileiras
não davam trégua aos holandeses e cruzavam constantemente as fronteiras do Br
asil
holandês, atingindo diversas jurisdições e destruindo plantações de cana
-
de
-
açúcar
e
roças de mandioca.
Também era possível que militares ajudassem na fiscalização, sobretudo nas
freguesias em que ainda não existissem os escabinos. Foi o caso do Co
ronel Hans Koin
que reportou à administração superior que a Freguesia de Serinhaém levantaria 3.200
alqueires de farinha a partir de 175.670 covas de mandioca plantadas.
484
A n
otí
cia era de
julho de 1639 e a promessa da farinha era para dentro de um mês.
481
APUD. Waetjen, op. cit. p. 446.
482
Watjen, op. cit. p. 447. O autor também assegurou que a remessa de farinha de trigo não cessou mesmo
com a produção de farinha de mandio
ca.
483
Idem. P. 447.
484
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
22/07/1639. No qual se lê: “ De Heer colonel Coin,
rappoteert mede soo dat volgens de Commissie hem opgeleyt, hij de rossas hadden doen texeren in de
fregasie van Serinhain ende onde
r alle de invonders bevonden te sijn 175670 covas van achtman den ende
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177
A
s roças de Serinhaém, freguesia situada ao sul da capitania de Pernambuco,
certamente seria
m
bem vindas às tropas da WIC. Já o responsável pela administração da
capitania de Itamaracá, Pieter Mortamer, informou que aquela região produzia 20.000
alqueires f
arinh
a. No entanto, o mesmo reforçou
a necessidade de se tomar parte dessa
produção para o sustento dos moradores locais (de inwoonders met souden behouden om
te leven
).
485
A produção de farinha por alqueire de Itamaracá, mais de cinco vezes maior
que a fre
guesia de Serinhaém, pode nos dar bem a medida de que ao norte de
Pernambuco o plantio da mandioca já estava bem consolidado. Talvez isso se devesse ao
fato de que esta parte da conquista estivesse menos vulnerável aos ataques lu
s
o
-
brasileiros. Não foi à t
oa que o pequeno comércio, já vist
o no capitulo anterior, teve
iní
cio naquela área, que incorporava a jurisdição de Goiana. Na própria ilha de Itamaracá,
já é sabido que o increm
ento da produção de ví
veres, incluindo a farinha, já se fazia
desde antes da v
inda de Nassau e do Alto Conselho. Já as freguesias ao sul de
Pernambuco, como é o caso de Serinhaém, ficaram até 1636, e mesmo depois, sujeitas
aos ataques das tropas luso
-
brasileiras vindas da Bahia. Muitos militares
a
serviço da
Companhia andavam nas ma
tas do sul a destruírem e causarem terror à população local,
fato este que já foi bem documentado.
A produção de farinha da jurisdição de Olinda também era bem menor do que a
da capitania de Itamaracá. Ficava em torno de 2.320 alqueires. Curios
o é que a
produção
da freguesia
d
a Várzea do Capibaribe,
apenas 253 alqueires, contra 828 da freguesia de
Santo Amaro e 876 de Muribeca. Isto talvez se explique pelo fato de que na Várzea a
produção de açúcar tivesse retornado de forma efetiva, uma vez que lá, por e
ssa época,
aproximadamente 50 engenhos moíam. Sobrava
m
terras para a mandioca?
486
Na
jurisdição de Olinda, ao contrário da Capitania de Itamaracá, o número de engenhos
moentes era na ordem de 12 ou treze unidades (de um total de 20). Logo, sobrava
m
terras
pa
ra a mandioca.
daer em boven out, welck getaxeert, nae consideratie van iegelijcx gront ende vruchtbaerheijdt als desselfs
sullen t samem aen de compagne binnen den tijt van een maent uitleveren 3.20
0 alquer farinha”.
485
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
26/07/1639.
486
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
23/08/1639. Na qual se lê: “ Alsoo de Schepenen
van Olinda met haer districten nos lijsten hebben overgelevert hoe veel f
arinha de volgende freguesias os
souden leveren uit de mandioques die boven de 8 maenden out sijnd te weeten: Moribequa (876 alquires);
St Amaro (828), de Varges (253 ½), Biberibe (76 ½); Paratibi ende Jagoaribi (285)”.
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178
Até o momento, pudemos observar que o conhecimento das condições de
produção de farinha pelas diversas freguesias demandava algum tempo, de forma que
houve, conforme condições específicas, diferenças na produção de cada uma. Outro dado
impo
rtante é que as chuvas poderiam influir no resultado final do fornecimento da quota
de mandioca. Enquanto a parte sul da capitania de Pernambuco, zona climática conhecida
como Mata Úmida, o índice pluviométrico era alto, ao norte de Pernambuco, a Mata Seca
propiciava, pela menor quantidade de chuvas, uma maior produção de farinha. Logo, o
clima funcionava como uma importante variável na produção da “munição de boca”.
Par
ece que a farinha não era suficiente para abastecer
os soldados das guarnições.
Em nov
embro de 1639, o Alto Governo rec
ebia notí
cias dos comandantes dos efetivos
das guarnições de Serinhaém, Un
a, Alagoas,
Porto Calvo e até mesmo da Paraí
ba, que
diziam que os moradores não vinham fornecendo farinha (
dat sij geen farinha naer de
eijsch ofte n
ootdruft voor de guarnisoenen van de inwoonders connen becomen
).
487
Viv
iam apenas com um pouco d
e pão de trigo.
Assim, as “necessidades da
s
guarnições”
,
sendo mal atendidas, faziam soçobrar os sonhos da WIC de ocupação do Nordeste.
As guarnições acima es
peravam ansiosamente pela chegada de suprimentos
dos
Paí
ses Baixos. Por isso, percebe
-
se que, muito embora não estejamos nos “tempos
difíceis” de Wanderbuch, o problema do abastecimento das tropas continua no Brasil
nassoviano. A tentativa de racionalizar
a produção de farinha não
encontrava o sucesso
na prática
.
No caso do Nordeste, se havia divergências entre os modelos de colonização
português e holandês, como
bem
observou Sérgio Buarque de Holanda, as dificuldades
de abastecimento local laçaram com igua
l força a coroa portuguesa e a Companhia das
Índias Ocidentais.
488
Se havia pl
ano de abstecimento da WIC
para a ocupação do
Nordeste, o mesmo não incluía o abastecimento sistemático das tropas com a farinha
487
IAHGP. Coleção José Higyno. Dag
elijckse notulen.
08/11/1639. Quem enviou as cartas se referindo às
dificuldades do abastecimento de farinha nas diversas guarnições foram o Coronel Coin (Serinhaém), o
Capitão Preston (Una), Major Piccart (Paraiba), Capitao Preston (São Lourenço), Major M
ansfeld
(Alagoas) e o Diretor Bas (Porto Calvo).
488
Seg
undo Sérgio Buarque de Holanda, “o sucesso de um tipo de colonização como o dos holandeses
poderia fundar
-
se, ao contrário, na organização de um sistema eficiente de defesa para a sociedade dos
conqui
stadores contra princípios tão dissolventes. [...] O que faltava em plasticidade aos holandeses
sobrava
-
lhes, sem dúvida, em espírito de empreendimento metódico e coordenado, em capacidade de
trabalho e coesão social”. Ref. Raízes do Brasil, p. 62.
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179
local. Foi só com o correr da presença no Brasil q
ue o Conselho Político e,
posteriormente, Nassau adotaram um “plano emer
gencial” de abastecimento. Dessa
forma
, portugueses e holandeses se assemelhavam pelo fato de agirem segundo as
necessidades do momento.
A
ssim sendo, portugueses e neerlandeses se asse
melhavam no
pragmatismo. Nassau não transpôs
o problema do abastecimento, herança de seus
antecessores.
A falta de víveres para as tropas limitava a expansão neerlandesa no Nordeste
como
veremos
no exemplo a seguir.
E
m maio de 1635
, o Conselho Político ju
stificava a
dificuldade em se enviar um maior efetivo para operações no litoral da Bahia da segunte
forma:
“O fato de não podermos mandar mais soldados imediatamente está relacionado,
de um lado, com a grande falta de provisões que nós temos neste país e
, por
outro, porque os marinheiros dos navios que se encontram em Barra Grande
estão sendo utilizados na ocupação de Porto Calvo em campanhas terrestres”
.
489
Numa outra ocasião, em setembro de 1635, o Conselho Político festejava a
expulsão das tropas luso
-
brasileiras do Rio Grande do Norte até São Gonçalo. Mas
lamentava a presença das tropas comandadas por Matias de Albuquerque e o Conde de
Bagnuolo ao norte de Alagoas. Para derrotá
-
las,
pensavam os conselheiros políticos e os
oficiais militares que deveria
se fazer uma grande ofensiva que contasse com
embarcações bem abastecidas. Após várias conjecturas e reuniões, concluíram os
administradores o que se segue:
“Nós compartilhamos da opinião de que uma embarcação bem abastecida é
difícil de se arranjar, principalmente porque lugares como a Paraíba e o Cabo de
Santo Agostinho devem ser abastecidos urgentemente com víveres e outros bens
[...]”.
490
489
IA
HGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
29/05/1635.
490
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
13/09/1635.
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180
Na mesma ata do governo holandês mencionada logo acima, o Conselho Político
deixava exposto a herança do mau ab
a
stecimento que legariam
a
Nassau
na seguinte
passagem:
“[...] se levou em consideração que o exército deverá ser abastecido
continuamente de farinha e animais, assim como outros lugares que quase não
têm mais nada. Para realizar esta operação quase não teríamos mais dinheiro em
caixa e os portugueses não querem vender a crédito porque muitos já estão lhes
devendo. Levando em conta alguns assuntos, torna
-
se claro porque o conselho
terminou a reunião neste ponto e que os outros pontos serão discutidos na
pr
óxima reunião depois que tenhamos discutido sobre este problema”.
491
Estes exemplos citados acima nos mostram bem as limitações
da expansão
territorial batava em função da dificuldade de aprovisionamente. Da mesma forma,
algumas décadas antes, os portu
gueses sentiram nas suas campanhas de conquista da
Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Maranhão.
A importância dada à farinha de mandioca por Nassau encontra mais um
precendente na administração que o antecedera nas proposições do conselheiro Jacob
Stach
ouwer. Apresenta
-
nos uma
not
ulen
:
“O Senhor Stachouwer proprõe, tendo em vista que nós não temos condições de
comprar bastante farinha por causa da escassez de meios líquidos e tendo em
vista que a farinha de trigo que chegou aqui em abundância não é tão
nutritiva
como a farinha de mandioca, se não é aconselhável fazer uma troca da farinha de
trigo pela farinha de mandioca com os portugueses [...] o mesmo foi aprovado
sob a condição de que no mínimo a troca seja feita pela mesma quantidade de
farinha de m
andioca que temos em farinha de trigo, isto em benefício da
Companhia”.
492
Em 1640, o
medo do
mau
abastecimento das tropas holandesas chegava num
momento em que o iate
Siara
trazia ao Recife a informação de
que
os espanhóis
491
Idem.
492
Idem, 08/04/1636.
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181
preparavam uma armada para at
acar o Recife.
493
Nas recomendações que foram dadas
aos comandantes de diversas guarnições, um delas era de que deveriam, através de seus
aprovisionadores, juntar toda a farinha disponível para a possível utilização em
campanhas. Assim fez os Comissários de Bens Hondius e Alber Gerritz com a farinha do
Cabo de santo Agostinho. Era necessário se ter provisões para os 12 navios que serviam
na ocasião no Brasil.
494
Apesar das reclamações dos chefes das diversas guarnições,
em novembro de
1639
na Paraíba, os es
cabinos mandavam dizer que poderia se esperar muito da
contribuição da capitania, porém não informando a quantid
ade de farinha a ser
produzida.
495
O aviso vinha em boa hora para as
guanisioen
(guarnições) que estavam
estacionadas lá. Um mês depois, o conselh
eiro Daniel Alberti informava que se
esperasse, num curto prazo, a quantia de trezentos alqueires de farinha. A população
local, na falta do produto, se sustentava com milho e bananas.
496
De uma forma geral, pouco se sabe acerca da adaptação dos soldados
da
Companhia das Índias Ocidentais à farinha de mandioca. É possível, contudo, que nem
todos os soldados se afeiçoassem à raiz. Pelo menos na crônica de Pierre Moreau, a
farinha de mandioca “causa aos europeus, quando se alimentam sempre dela, o mesmo
efe
ito: ataca e ofende o estômago e, com o correr do tempo, corrompe o sangue, muda a
cor e debilita os nervos”.
497
Talvez possamos ver com reservas as considerações de
Moreau, uma vez que suas crônicas se referiam à fase final da ocupação holandesa no
Brasil,
numa fase de grande d
esestruturação da produção de ví
veres. Soma
-
se o fato
de
que é
possível que os ví
veres que viessem dos Paí
ses Baixos estivessem estragados,
provocando problemas de saúde aos soldados que os consumissem. Esse exemplo já
vimos nos prime
iros anos da ocupação, sobre os quais no
s referimos anteriormente
. Mas
Pierre Moreau nos dá uma outra pista, que é a
de que o Recife e a Cidade Maurí
cia
493
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
13/11/1639.
494
Idem, eram os navios De Witte L
eeu
, Tertoolen, d’Eendragt, de h
aes, Westwouderkerk, De Prins, P
rins
Hendrick, de Hoope, de Saeijer, de Stockvis e Soutkas.
495
IAHGP. Coleção José Higyno.
Dagelijckse notulen.
21/11/1639. Onde se lê: “
De schepen van P
araiba
van wegen de gemeente der selver Ca
pitanie remonstreren dat haer landen soo veel farinha met connen
uitgeven als tot behouff van guarnisoen ende haere families van noode he
b
ben
…”
496
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse notulen.
21/12/1639.
497
MOREAU, Pierre. História das ultimas lutas
n
o Brasil entre holandeses
e portugueses e relação da
viagem ao pais dos tapuias (Roulox Baro).
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade
de São Paulo, 1979, p. 46.
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182
(edificada na Ilha de Antônio Vaz a mando de Nassau)
se
abastecia
m
às largas dos
veres
provenientes d
a interlândia em seu entorno. Pelo menos isso ficou claro no caso
da falta de “frutas e refrescos” que os moradores do Recife sofreram nos últimos anos da
ocupação holandesa, porque “privados de todos os socorros dos campos”.
498
A tentativa de se aumentar
a produção de farinha imposta por Nassau, nunca
atingiu um nível satisfatório. José Antônio Gonsalves de Mello descreveu bem este
desconforto ao tratar da constante insufici
ência na sua distribuição
. Nas fortificaçõ
es, a
situação da carência de ví
veres ch
egava a tal ponto que Nassau afirmou: “ai os ratos
morrem de fome nos armazéns”.
499
O
autor de
Tempo dos Flamengos tratou a política de
produção direcionada de farinha de mandioca implementada por Nassau como um sinal
de preocupação dele em relação à monocultura. Dessa forma,
“apesar, porém, de todas as dificuldades, de todos os vexames suportados
pelos moradores e da insuficiência das colheitas, Nassau persistiu na sua
política de incrementar a produção de farinha, combatendo, como podia,
os efeitos da mo
nocultura”.
500
Para Gonsalves de Mello, havia mesmo “um programa” de Mauricio de Nassau para
combater a monocultura, tendo como principais opositores os senhores de engenho.
501
A
atividade açucareira, com toda a sua complexidade, exauria a mão
-
de
-
obra escr
ava. No
final das contas, não dava tempo
aos escravos
de trabalharem na planta
ção e corte da
cana e, na entre
safra, produzir a finta de 500 covas exigidas pela administração
superior.
502
Vale salientar que os lavradores ficavam com a obrigação de fornecer 10
00
alqueires de farinha.
498
Idem.
499
IAHGP. Coleção José Higino.
Brieven em Papieren uit Brasili
e.
1640. onde se lê: “ in forten sonder
vivres, daer de ratten in de magasijnen van honger sterven”.
500
MELLO, op. cit. p. 152.
501
Idem, p. 153.
502
Segundo Mello, “já ficou referido qu
e, em 1637, os Vereadores da Câ
mara de Olinda previram uma
fome geral, p
orque os moradores haviam alugado os seus negros para a plantação de canaviais. Em 1639 os
senhores de engenho e lavradores alegaram que não poderiam plantar, ao todo, 500 covas de mandioca por
escravo nos meses de janeiro e agosto, porque em agosto e set
embro os negros estavam ocupados com o
corte da cana, o seu transporte,a moagem etc.”
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183
Outro aspecto a ser considerado seria, talvez, a insuficiência de mão
-
de
-
obra
escrava para o cultivo da mandioca. Para os anos de 1638, 39 e 40, o número de escravos
vendidos em Pernambuco era de, respectivamente, 1.711, 1.802 e
1.188. Parece muito,
mas parece
também
que este número de escravos para o período e
m
questão não
satisfazia ainda à demanda para a produção total dos engenhos da conquista. Para ser ter
uma idéia, a população escrava em Pernambuco antes da chegada dos hola
ndeses era de
aproximadamente 5.000 almas. No auge da importação de escravos para Pernambuco, os
holandeses puderam contar com pouco mais de 5. 500 deles, no ano de 1644.
503
Na tensão do cotidiano, as notí
cias que vinham de fora da conquista poderiam
inte
rferir
no deslocamento de um determinado efetivo de uma para outra região.
Consequentemente, o local que “abrigava” a tropa
, pela proximidade,
deveria forne
cer a
farinha necessária. Em iní
cio de 1640, a WIC teve “muitas informações de que os
inimigos estavam armados com 56 velas e havia se alojado em Alagoas vindos da Bahia”.
Dentre essas embarcações, havia 33 navios de guerra (oorlogschepen). Como mesmo
informou a
brieven
, tal esquadra “estava destinada a permanecer naquela costa com o fim
único de fazer g
uerra”. Diante desse quadro, instalou
-
se o medo e as medidas para o
abastecimento foram tomadas. Desde janeiro, as tropas do major Mansveldt estiveram em
Alagoas, retirando
-
se logo em seguida para Porto Calvo, onde os moradores foram
intimados a fornecerem
mais farinha. Parece que aí
as tropas de Mansveldt receberam
muita farin
ha
(
heeft ons seer veel farinha uitgelevert
). Estas situações exigiam bastante
do abastecimento das tropas. Especificamente, nessa mesma época, soube
-
se no Recif
e
que Filipe Camarão e
Capitão B
arbalho haviam cruzado o Rio São Francisco com um
efetivo de 1.500 homens, indo se estabelecer em Alagoas. Diante desse quadro, o Major
Cornelis van der Brande escrevia ao Alto Conselho no Recife, pedindo medidas com
relação ao aprovisionamento.
Van der Brande estava no limite da
conquista
, no Forte
Mauricio.
504
Essas notícias
mobilizavam todas as fortificações holandesas. Por extensão, os
moradores ficavam de sobreavisos. Diante desse quadro de medo e tensão, não fica difícil
503
WAETJEN, op. cit. p. 487. Sobre o numero de escravos encontrados pelos holandeses em Pernambuco
quando da invasão em 1630, considerou Hermann Waetjen: “muito longe es
tavam de satisfazer às carências
d
e trabalhadores escravos para o
serviç
o
agrícola
na colônia”.
504
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien.
Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.
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184
imaginar que o incre
mento da produção de farinha por Nassau tivesse se dado mais pela
necessidade de abastecimento imediato das tropas do que mesmo pela preocupação do
príncipe em acabar com os malefícios da monocultura. Homem de Guerra, prático nas
estratégias, Nassau saberi
a bem procurar alternativas para encontrar recursos locais de
abastecimento. Antes mesmo de vir ao Brasil, ele estava bem informado do hábito da
plantação de farinha pelos moradores.
A falta de farinha atingia sobretudo a população civil mais pobre. Doi
s anos após
as publicações dos editais para a pro
dução de farinha, o Alto Governo
informava que
“não se podia mais obter farinha e carne da terra” e que “a farinha disponível chegava
agora ao fim”.
505
Na substituição da farinha, alimentavam
-
se de milho.
Po
r vezes, a Companhia contava com algum apresamento. Em 24 de abril de
1640, o navio holandês
Alckmaer
chegou ao Recife trazendo uma caravela que cruzava o
litoral
da Bahia com uma boa carga de ví
veres. A embarcação havia saído de Lisboa no
dia 5 de feverei
ro transportava trigo, óleo, bacalhau e outros produtos. O apresamento foi
comemorado por Nassau e o Alto Conselho, principalmente quanto ao bacalhau, dada a
“necessidad
e de carne em diversas partes, a
s quais serão supridos por
mais 4 ou
5
semanas”.
506
As c
ampanhas militares empreen
didas além do rio São Francisco
causavam
diver
sos males a
população civil. Em meados de 1640, Nassau expediu uma
structie
ao
Coronel Hans van Koin que comandou uma expedição ao norte da Bahia (
noord qwartier
van Bahia)
e, uma de s
uas ordens era a destruição de plantações de mandioca que
encontrassem pela frente. Isso ficou bem especificado no artigo 9 da Instrução.
507
Por
505
Idem. Onde se lê: “de farinha en vlee
s is niet langer uit lant te becomen, men moet de armen
inwoonderen die maer twee aff 3 koeyen hebben om van de melck met haer kinderen t eleven deselve
affperssen, jae met gewelt nemen ende noch sijnder soo qualijck meer te krigen.
De farinha is nu ook ga
ns
te eynde […]”
506
IAHGP. Coleção José Higino.
Briven en Paieren uit Brasilien.
Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.
7 de
Maio de 1640.
Onde se lê:
“De bekomene bacaljau slaecht
o
n
s seer wel in dese in
dese schaersheyt van beesten, om d
at wij het gebreck van vlees in verscheyden plaetsen binnen t’lands
daermede voor 4 aff 5 weecken suppleeren, doende aen yder 3 tt visch tot 5 stuyvers tt ter
weecke tot
rantsoen uitgeven”.
507
IAHGP. Coleção José Higino. Briven en Paieren uit Brasilien. “I
nstructie van wegen sujn Excie voor
den Ed. Gestrengen Hans van Koin Colonel gaende als hooft ende generael commando hebbende over de
troupen ende de scheepen die men voornemmers is aen Rio Reael oft daer ontrent op des viants boden, dese
naest maenden te
doen begienen ende onderhouden” Recife, 23 de maio de 1640.
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185
vezes, a remessa de ví
veres era prejudicada pelo fato da mercadoria se estragar. Certa
vez, o navio do vrijluiden Abrahan Geurtsen, perdeu mais da metade de sua carga.
A insuficiência do abastecimento de farinha de mandioca pode ser percebida pela
falta da farinha de trigo. Em meados de 1641, Nassau e o Alto Conselho confirmou
claramente que “o trigo é o mais neces
sário de todos os mantimentos e é o que agente
mais espera que se traga”.
508
A expectativa do “pessoal de guerra” (
krijsvolck
) pode
indicar mesmo a preferência que os soldados da WIC tinham pelo trigo em detrimento da
farinha de mandioca. Isso reforça a opinião exposta acima por Pierre Moreau, da
inadaptabilidade dos soldados da Companhia à raiz da terra.
As dificuldades alimentares do “pessoal de guerra”, contraditoriamente,
gerava
m
algum dividendo para a própria Companhia, uma vez que na falta de comida, “gastavam
os seus
penningen
nos armazéns” da C
ompanhia.
509
A dieta era complementada pelo
estoque de peixe enviado dos Paí
ses Baixos que remanesciam nos armazéns da WIC. A
carne de boi atingia um alto preço em razão da carência de animais. Muitos deles estav
am
sendo utilizados em atividades nos engenhos (moagem e carro de boi).
510
Em Angola, as tropas holandesas sitiadas em Luanda
compravam
mantimentos
dos portugueses que ocupavam o interior ao longo do rio Kuanza e nas regiões
Massangano e Cambambe. Também l
á, como bem observou Alberto da Costa e Silva,
quando ambas as partes não estavam em conflito, faziam comércio entre si. Dessa forma,
os holandeses compravam aos portugueses principalmente manteiga, queijo e azeite.
511
Na África centro
-
ocidental, as brigas i
ntertribais influenciavam bastante o abastecimento
dos soldados da WIC. Enquanto em Pernambuco fornecimento de farinha enquanto
gênero de primeira necessidade era prejudicado pela insuficiência do solo e destruição
das roças por campanhistas luso
-
brasileir
os, nas proximidades de Angola, os portugueses
508
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie.
Carta de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.
1641.
Onde se lê: “ Het meel is het noodigste van alle vivres, dat best kan
verwaert
worden, ende aen den man gebracht worden”.
509
Idem, “ …, dan hare penningen in de magasijnen te besteeden. Met de stockvis die bij Uwe Ed e.
gesonden wort…”
510
Idem.
511
SILVA,
Alberto da Costa. A manilha e o libambo: a Africa e a escravidao (1500
-
1700).
Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 466.
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186
construiram um arraial na foz do Rio Gango (por volta de 1643) com o fim de destruir as
terras que os congueses cultivavam para abastecer os holandeses.
512
Tudo leva a crer que, na África, a destruição sistemá
tica de roças como tática de
guerra de ambos os lados era mais prejudicial aos holandeses que mesmo aos
portugueses, de forma que é bem possível que
a WIC houvesse recorrido aos ví
veres do
Brasil. No entanto, a carestia alimentar teve mais uma “solução loc
al”, de forma que os
holandeses sentiram
-
se obrigados a negociar com os portugueses um comércio sem
hostilidades. Finalmente, para
Alberto da
Costa e Silva, “teriam sido, aliás, as
necessidades de abastecimento em torno de Luanda, a terra era sáfara e po
uco produzia
o que moveu os flamengos a negociar o documento”.
513
A farinha de mandioca poderia alimentar os escravos nas viagens de volta ao
Brasil. Nessa perspectiva, o aumento do tráfico de escravos a partir da conquista de São
Jorge da Mina pela WIC p
oderia ter demandado uma quantidade cada vez maior de
farinha. A troca deste produto por escravos pode ter sido, o que não foi regra, efetuada a
partir da segunda década do século XVII em Angola pelos portugueses.
514
Sobre os números do comércio de escravos,
tem
-
se como valor estimado a
quantidade de pouco mais de 23 mil “peças de negros” (
stucks negros
) entre os anos de
1636 e 1645. O auge da importação de escravos se deu no ano de 1644 (5.565),
coincidentemente o último ano da presença de Nassau no Brasil.
515
Mas o local de onde
provinham os escravos vindos para o Brasil não eram os mesmos. Mesmo após a
conquista de Luanda, em 1641, muitos escravos provinham dos portos mais ao norte, da
Costa da Guiné, Mina, dos portos de Calabar, do Cabo Lopez e de Ardras.
A
ntes da
conquista de Angola, em 1641, e mesmo
bem antes de se dedicarem ao trá
fico negreiro,
conheciam bem os portos ao sul do Cabo Lopez para adquirir sobretudo marfim. Mesmo
estabelecidos na Mina e em Axim, a WIC procurava controlar, como destacou Albert
o da
Costa e Silva, “os escoadouros do ouro”. O mesmo também observou que, mesmo em El
512
Idem, p. 469.
513
Idem.
514
Idem, p.864.
515
WAETJEN, op. cit., p. 487. A tabela de escravos vendidos no leilão do Recife e apresentada por
Hermann W
aetjen é fruto de informações
colhidas no “Anuário
Historico Hanseático de 1913”.
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187
Mina, os holandeses iam pegar escravos sobretudo na Senegâmbia para não esbarrarem
n
os territórios dominados pelo manicongo.
516
Tabela II
Números do tráfico de escravo
s para o Recife
Navio
Chegada
Escravos (peça)
Procedência
Mortos
De Camel
Charitas
29/04/1640
325
Mina e Ardras
27
Die Swarter
Aercob
08/09/1640
369
Cabo Lopez e
Calabar
90
St. Joan Batista
08/09/1640
Cabo Lopez e
Calabar
90
Leeuwine
08/03/
1641
265
Ardras e Calabar
51
De Swarten Arent
30/06/1641
263
Mina e Calabar
60
Thuis
21/10/1641
89
Angola
13
Nassau
07/02/1642
391
Costa da Guiné
60
Matanca
11/03/1642
349
Costa da Guiné
70
-
04/1642
367
Angola e “bosques
da Guiné” (t’bosch
van Guin
aea)
43
Leyden
08/08/1642
65
São Tomé e Costa
da Guiné
14
Mauritius
Prince
11/1642
312
Luanda
-
Gheelde Rhec
05/01/1643
147
“bosque da Guiné”
-
Nassau
26/08/1642
-
Guiné e São Tomé
-
‘T Wapen van
Mademblick
17/01/1643
-
Guiné
-
Nassau
232
Guiné
-
Het Wapen van
Doordrecht
26/01/1
643
146
Angola
-
516
COSTA E SILVA, op. cit. , p. 664.
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188
De Camel
12/02/1643
345
Guiné
75
De Beigvis
12/05/1643
350
Luanda
“boa parte da carga
morreu”
Den Swarten Arent
Guiné
-
Bejvis
-
Brack
28/05/1643
Angola
-
Walckeren
20/10/1643
595
Angola
-
Entre março de 1641 e novembro de 1642, foram registrados pelo menos seis
carregamentos de escravos provenientes daquelas partes. Em pouco mais de dois casos, a
carga humana veio de Angola.
517
No ano de 1643, a freqüência era maior dos navios
prove
nientes de Angola. Um deles, o conhecido
Walckeren
, trouxe ao Recife nada menos
que 595 escravos.
518
Vale acrescentar que até a data do leilão, na Rua dos Judeus, a
alimentação dos escravos
fic
ava a cargo da Companhia. Muita
s
vezes, os escravos
ficavam até uma semana sob responsabilidade da WIC.
A viagem entre Angola e Recife durava aproximadamente 35 dias, já a de El
Mina e Recife demorava mais um pouco. Era necessário prover os escravos durante, pelo
menos, mais de 30 dias. Dada a situação de penúria po
rque passavam os soldados da
WIC no Brasil, não é de se surpreender que os editais para plantação de mandioca
exigidos por Nassau e o Alto Conselho a partir de 1639 fossem para os escravos do
tráfico. Soma
-
se o fato de que, dependendo de onde viessem no in
terior da África, é bem
possível que alguns escravos não tenham se adaptado à dieta da farinha de mandioca nas
viagens e no Brasil.
519
Em se tratando da troca de produtos, por escravos, no caso dos holandeses, vários
produtos comprados em Gênova a baixíssim
o custo eram levados para os portos do
tráfico.
520
Votando ao abastecimento de farinha de mandioca, temos que as poucas milhares
de covas que poderiam ser produzidas pelas freguesias de Pernambuco e Paraiba fossem
517
IAHGP. Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 1641 (8 de março, 30 de junho, 21 de novembro) e
1642 (7 de fevereiro, 11 de março, abril, 08 de agosto e novembro).
518
IAHGP. Coleção J
osé Higino.
Dagelijckse Notulen. 20/10/1643.
519
COSTA E SILVA, op. cit.
p. 870.
520
WAETJEN, op.cit., p. 486.
Outros produtos eram trocados por escravos nos portos africanos tais quais:
a cachaça, o fumo, búzios do litoral baiano, pólvora, etc. Ver. Costa e
Silva, op. Cit. , p. 865.
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189
insuficientes para abastecer os escravos n
a viagem atlântica, numa média de pouco mais
de
mil peças ao ano. Não bastava a
Nassau conquistar o principal ponto de desembarque
de escravos para as Américas. Em principio, a estratégia militar que levou, logo após a
aclamação de D. João IV ao trono, os
holandeses a se apoderarem de Luanda foi um
sucesso.
Luis
Filipe de Alencastro descreve bem as estratégias da WIC até chegar a
conquista de Luanda, em 1641. Segundo ele,
“constatando que Pinda e Mina não davam conta do fornecimento de escravos a
Pernambu
co, o
Statthouter
(Nassau) deixa a Bahia de lado e lança seus navios
sobre o pólo econômico complementar à Nova Holanda. Sobre o maior mercado
atlântico de cativos: Angola”.
521
A tomada de Angola veio num bom momento não apenas do ponto de vista do
abaste
cimento dos engenhos de Pernambuco pela WIC, mas também pelo fato de os
escravos daquela região estarem mais acostumados à dieta da farinha de mandioca na
viagem transatlântica do que aqueles dos portos da Guiné, mais ao norte de Luanda,
como já foi dito.
O tempo que os navios europeus ficavam nos portos africanos até completarem a
carga de escravos requeria da WIC a manutenção de víveres para a tripulação, agravando
assim o abastecimento das tropas.
522
Como um exemplo, temos o navio Nassau, que veio
de S
ão Tomé e da Costa da Guiné em agosto de 1642 e novamente da Guiné em janeiro
de 1643.
523
No entanto, o cotidiano da ocupação de Angola e adjacências revelou as suas
armadilhas. Da mesma forma que a WIC não conquistou de pronto o interior de
Pernambuco, em A
ngola, a interlândia permanecia sob o controle dos portugueses. Nas
freguesias de Igarassu, Serinhaém e na Várzea do Capibaribe é possível que alguns
521
ALENCASTRO, op. Cit. p. 213.
522
Segundo Alberto da Costa e Silva: “Era comum que um navio chegasse a um porto e nao encontrasse
senão alguns poucos escravos
disponiveis. Tinha com freqüência de esperar semanas ancorado, para p
or a
bordo uma ou duas dezenas, muitas vezes a adquirir as peças por unidade, dia a dia. Em geral, velejava de
ancoradouro em ancoradouro, ao longo do litoral, a comerciar em cada um deles, nisto podendo ganhar
meio ano, antes de completar a carga”. P. 867
-
868.
523
IAHGP.
Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 26/08/1642 e 26/01/1643.
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190
senhores de engenho e lavradores sonegassem ou fizessem “corpo mole” à finta de
farinha que deveriam dar todos os anos.
Contudo, em algumas situações, poderia haver ‘cooperação’ entre produtores de
açúcar (senhores de engenho e lavradores) e a WIC. Em dezembro de 1643, pouco tempo
entes do retorno de Mauricio de Nassau aos Paises Baixos,
houve
uma série de
r
eclamações dos senhores de engenho e lavradores da
s
freguesias da Várzea do
Capibaribe em relação à baixa produtividade de açúcar pela perda de escravos
doentes de
bexiga (
De sterste uit de Bexigas ofte kinderpocken, die de negros in so
o grooter
quantitijt
weggenomen heeft [...]
)
. Em vista disso, a companhia forneceria escravos aos
plantadores em troca de farinha de mandioca (
welcke labradores
de compagnie negros
sal mogen geven om daervoor met farinha betaelt te worden
)
.
A troca de escravos por farinha f
oi extendida a outras freguesias. Para resolver o
caso, Nassau e o Alto Conselho deviam enviar duas pessoas a todas as freguesias para
escolher os lavradores com maiores perdas de cativos.
524
Parece que, dessa forma,
Nassau
podeira obter farinha para o abstecimento de suas tropas.
No auge de sua extensão territorial, o Brasil holandês, não apenas o Brasil, mas
também Luanda, uma outra importante conquista de Nassau, sofria de abastecimento de
viveres.
No Brasil, Nassau achou por bem fazer de Alagoas uma esp
écie de ‘celeiro’ da
conquista batava em março de 1642.
525
Se havia falta de farinha de trigo para o abastecimento dos soldados da WIC no
Brasil, sobretudo no período nassoviano (1637
-
1644), isto de deve a uma série de fatores.
Na Europa, a Guerra dos Trin
ta Anos diminuía a produção em muitos territórios. As
próprias disputas no seio da Companhia das Índias Ocidentais, cuja crise financeira já se
esboçava ao longo da década de 30, tornavam os abastecimentos de trigo para o efetivo
do Brasil cada vez mais es
casso.
Paradoxalmente, os mercadores holandeses foram os
maiores fornecedores de trigo da Europa Ocidental já desde o fim da Idade Média.
Primeiro, mercadores da Liga Hanseática, depois, mercadores sobretudo de Amsterdam
(isso já no século XVII), passaram
a centralizar o comércio de grãos em geral a fixar o
seu preço. É certo então
que, como afirmou Jean Louis Flandrin, os trigos do Báltico
524
IAHGP. Coleção José higino.
Brieven en Papieren uit Brasilien.
Dez/1643.
525
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês. Tomo 2, p. 103.
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191
trazido pelos holandeses “permitiram alimentar populações urbanas cada vez mais
numerosas na Europa Ocidental, e não apenas em tempos de crise”.
526
No Brasil, a possibilidade em se produzir a farinha de mandioca em larga escala
também guardava as suas limitações. A montagem do sistema colonial baseado na mão
-
de
-
obra escrava veio a incrementar o uso da terra na subsistênci
a das populações
escravas. Antes da instalação desse sistema, a produção de mandioca levada a cabo pelos
tupi no litoral não era intensa e não disputava terras com a cana
-
de
-
açúcar. Waren Dean
fez uma precisa obervação sobre este pormenor importante ao diz
er que “os t
upis não
submetiam
seus vizinhos a escravidão e tributo, o que poderia ter estimulado o uso mais
intensivo da terra”.
527
Outra observação precisa desse mesmo autor acerca da “produção”
de mandioca pré
-
monocultura
da cana diz:
“Os tupis conseguiam produzir excedentes e estocá
-
los. O método mais fácil era
simplesmente deixar de colher as raízes de mandioca que amadureciam. Os
estoques assim preservados ficavam mais a salvo de saqueadores e pragas,
embora começassem a perder palatabilidades e qualidades nutritivas após alguns
meses. Na verdade, os solos podem ter sido avaliados em parte segundo a
capacidade de armazenar mandioca. [...] É evidente que suas reservas de
alimentos eram enormes: proviam facilmente grandes frotas
espanholas e
portuguesas em trânsito com os gêneros alimentícios para a viagem de volta.”
528
Após a montagem da estrutura canavieira no Nordeste, ficou certo de que o
abastecimento do Brasil não poderia contar com o reino. Crises sucessivas no
abastecimento do reino e espalhamento da cultura da cana
-
de
-
açúcar nas ilhas atlânticas e
no Brasil, deixaram pouco espaço para a diversificação da
produção agrícola. Ainda no
iní
cio da ocupação holandesa, destaca Evaldo Cabral de Mello, “a ajuda enviada pela
coroa era toda em homens, a
rmas
e munições, raramente em ví
veres”.
529
Uma vez no
526
FLANDRIN, Jean
-
Louis. História da Alimentação.
São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p. 537.
527
DEAN, Warren. A Ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
São Paulo:
Comapnhia das Letras, 1996, p. 49.
528
Idem.
529
MELLO, op.
cit., p. 195.
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192
Brasil, a WIC passou a seguir o exemplo dos brasílicos no consumo da farinha de
mandioca.
Evaldo
Cabral de Mello ressaltou bem a fracassada política para a obtenção de
farinha de mandioca levada a cabo por Nass
au mediante o pagamento de uma qu
ota. Em
alguns casos, frisou o mesmo, o
produto era obtido
através da violência. Tal atitude por
parte do governo holandês teria provocado muita insatisfação
da população local, que
passou
a sabotar a política de quotas
da WIC.
530
Contrariando a perspectiva de Hermann
Waetjen, segundo a qual “ farinha não era exportada, pois toda a produção era consumida
no pais, sem nada restar”
531
, Evaldo C. de Mello, baseado em Frei Manuel Calado,
r
eforçou o abastecimento de
farinha par
a os soldados de Angola, São Jorge da Mina e
São Tomé.
532
Contudo, é bem possível que a produção de farinha de mandioca no
governo nassoviano não atingisse quantidade necessária para tal.
Final
mente, Evaldo
Cabral de Mello re
sume a problemática da política d
e abastecimento do governo
Nassoviano da seguinte maneira:
“A política nassoviana de abastecimento visou assim primordialmente a atender
às necessidades do exé
rcito e da burocracia holandeses em particular, e dos
consumidores urbanos, em geral, juntando
-s
e à longa lista dos ressentimentos da
gente da terra, na medida mesmo em que o Brasil holandês, interesses urbanos e
interesses rurais coincidiam grosso modo com conquistadores e conqu
istados”.
533
No Brasil nassoviano, a demanda pela farinha não permitia os
estoques de farinha
dos
períodos pré e proto
-
coloniais.
Nassau propôs a colonização de Alagoas através do
retorno de portugueses fugidos para a Bahia em 1640. Em opinião contrária, o Conselho
dos XIX preferiu que a região fosse colonizada apenas por neerl
andeses e outros de
na
ções protestantes.
Quem relatou esta relação África Ocidental
Brasil holandês
no que co
ncerne ao
abastecimento de víveres foi Gaspar Barléus, observando que
530
Idem, p. 205. O autor considera que “não foram só os lavradores de mandioca a sabotarem a politica
governamental, que criou a insatisfação em todo o meio rural, sendo mencionada por Calado entre as
causas do movimento restaurador de 1645”
.
531
WAETJEN, Hermann. Op. cit., p. 447.
532
MELLO, op. cit., p. 204.
533
Idem, p. 206.
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193
“por esta ocasião, extrema necessidade de mantimento oprimia Luanda, ass
im
como o Brasil. Não se acreditava houvesse outro remédio para tal carestia senão
a diligente cultura das terras em Alagoas”.
534
O historiador laudatório
de Mauricio de Nassau observou bem que “declaravam
os portugueses que outrora nem o Brasil os havia p
rovido de vitualhas, sendo preciso
pedi
-
las a Portugal
ou aos ribeirinhos do São Francisco”.
535
Numa
generale missive
analisada por Gonsalves de Mello,
consta que
:
“S. Excia. [Nassau], tendo refletido nessa questão e inquieto com a demora na
remessa de so
corros e temendo que agora e no futuro todo este Estado possa estar
ameaçado, pois que, não obstante os editais publicados acerca da plantação de
mandioca, a farinha continua por um alto preço, propôs em nossa reunião de 28
de julho o povoamento das Alagoa
s, sustentando ser este o único remédio
para
evitar a fome neste paí
s
, pois que os portugueses informaram que, antigamente,
enquanto as Alagoas estiveram despovoadas, sendo necessário que os viveres
viessem de Portugal, do Rio de Janeiro e de outros lugare
s longínquos”.
536
Pelo exposto acima, percebemos que a necessidade de aumentar a produção de
mandioca através da ocupação efetiva de Alagoas foi um problema percebi
do pelos
portugueses desde o iní
cio da colonização no século XVI.
Mais uma vez, a necessida
de
de ocupaçã
o dessa parte da conquista mostrou,
pela falta de viveres (sobretu
do a farinha
de mandioca) o fracasso da política de abastecimento implementada por Nassau.
A necessidade de farinha esbarrou na pouca oportunidade que a agricultura
p
oderia dar
aos emigrados dos Paí
ses Baixos b
em como aos portugueses, em sua
maior
parte já envolvidos com os engenhos moentes.
Sobre isso, enfatizou Hendrick de
Moucheron, num relatório acerca da situação de Alagoas em 1643:
534
Tradução de José Antônio Gonsalves de Mello. (Ref. Fontes para a História do Brasil holandês, p. 113)
535
Idem.
536
Idem, p. 117.
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194
“os neerlandeses e os súditos de outras nações, que se passaram para o Brasil a
fim de estabelecer aqui a sua residência, são ordinariamente pessoas de poucas
posses, e as mais das vezes o seu fito é vender alguma mercadoria, estabelecer
taverna ou exercer algum oficio, e poucos são os que se ocupam com engenhos,
com a criação de animais, com a plantação de cana ou a cultura das terras. Do
pequeno número que a isso se tem dedicado, quase que nenhum há que tenha
tirado proveito, não só por falta de conhecimento do trabalho que empreendem,
como pr
incipalmente porque, sendo no Brasil as mercadorias européias muito
caras, a agricultura não pode dar os frutos que lhes premitam manter
-
se
devidamente, conforme a condição que tinham em sua pátria”.
537
Hendrick de Mouchero
n
foi indicado por Nassau e pelo
Alto Conselho para
administrar a região de Alagoas, Porto Calvo e São Miguel bem como para estudar as
perspectivas em se recolonizar a região. O estudo de Mouchero
n
conclui relatando que:
“ Dantes era tão grande a abundância de farinha que, muitas vezes, o alqueire se
vendia aí por um schelling, porquanto produziam mensalmente oito mil alqueires,
de sorte que havia uma grande navegação para a exportação de viveres para o
Recife”.
538
O problema do abast
ecimento de fa
rinha já se revelou deficitário
desd
e o seu
inicio. Num relatório feito pelo Alto Conselheiro Adrien van Bullestrate verificou
-
se a
seguinte situação na freguesia do Cabo de Santo Agostinho:
“Fiz vir a minha presença os fintadores da freguesia, a saber, Albert Garritsz
Wedda, Filipe Paes e
Luis de Paiva
, os quais declaravam que todas as semanas
fintavam 34 alqueires [de farinha], que entregavam ao comissário. Feita a conta,
verificou
-
se que os
soldados da guarnição não presisavam senão de 24 alquires.
Ouvido a respeito, o comissário esclareceu que ele ainda não tinha recebido toda
537
Relatório sobre a situação das Alagoa
s em outubro de 1643; apresentado pelo asessor Johannes van
Walbeeck e por Hendrick de Moucheron, diretor do mesmo distrito e dos distritos vizinhos, em
desempenho do encargo que lhes foi dado por sua Excia. e pelos nobres membros do Alto Conselho. In:
MEL
LO, op. cit., p. 133.
538
Idem, p. 135.
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195
a finta e que quando recebia mais do que precisava, vendia em proveito da
Companhia”.
539
Longe do Recife, as relações
entre funcionários da WIC e fintadores era
m
conflituosa
s. Ao mesmo tempo, muitos moradores que n
ão produziram farinha de
mandioca na mesma freguesia do Cabo se justicicavam perante a WIC com a desculpa de
“fortes chuvas caídas nos meses de inverno e também a grande estiagem”, que
terminaram por estragar os roçados.
Podemos ver que a boa ideí
a de Nas
sau em se produzir mais farinha
, idéi
a essa
tão reverenciada por Barléus, não funcionava na prática. Em Ipojuca, a produção seman
al
ficava em torno de 12 alqueires, segundo o mesmo relatório.
As notas do conselheiro
Bullestrate também se referiram a farinh
a que foi encontrada e
m
mal estado de
conservação no Forte Mauricio (margem do S
ão Francisco). A providência que
seria
tomada a esse r
espeito foi de trazer ví
veres dos armazéns do Recife.
Enfim, muito
embora o sobretido relatório de viagem de Adrien van B
ullestrate trata
-
se de diversos
assuntos, a preocupação em fiscalizar o fornecimento de farinha para as guarnições era
uma constante. Essa cobrança recaia sobretudo nos ombros dos escabinos. E
ssa questão
será tratada no capítulo seguinte.
As urgências das
operações militares requeriam farinha em quantidades que nem
sempre poderiam ser levantadas. Em meados de 1640, Nassau dava conta ao Conselho
dos XIX acerca da necessidade de farinha para os navios que por hora cruzavam a costa,
além de alertar para o fat
o de que a fari
nha se estragava (no caso dos so
ldados que
marchavam em terra), ao menor sinal de humidade (de shepen
op de cust cruydende, ofte
op tochten gaende gaende moeten broot hebben, de soldaten te landwaert in
marchierende, om dat de minste nattich
eiijt de farinha bederft ...)
540
Percebe
-
se que o
problema não dizia respeito apenas a obtenção de farinha mas, sobretudo, a conservação
da mesma. A mandioca podia se estragar tanto nas campanhas militares nos “tempos de
chuva” (
regenen tijten) como nos arm
azéns.
Para se ter uma idéia, numa expedição
539
Notas do que se passou na minha viagem, desde 15 [sic] de dezembro de 1641 até 24 de janeiro do
anoseguinte de 1642. In: MELLO, op. cit., 148.
540
IAHGP. Coleção José Higino.
Brieven em papieren uit brasilie.
Carta
de Nassau e do Alto Conselho ao
Conselho dos XIX.
07/05/1640.
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196
empreendida por Nassau em direção ao R
io Real, havia necessidade de ví
veres para
alimentar aproximadamente 2400 militares (entre marinheiros e soldados).
541
Se a contribuição de farinha era fiscalizada pelos esc
abinos, a compra de alguns
produtos para a WIC de livres comerciantes fazia parte de uma das atribuições do
Conselho Político. Em fins de 1640, este conselho adquiriu de alguns ‘vrijluidens’ uma
boa quantidade de farinha de trigo trazida dos Paises Baixos. Além da função judicante, o
Conselho Político continuava desempenhando a função de aprovisionador, de agentes da
WIC para o aprovisionamento.
542
Na fase que antecede a criação do Conselho de Justiça,
o conselho Político estava em diversos ramos da administ
ração da WIC. Poderíamos
chamar esse arranjo político
-
administrativo da WIC no Brasil como ‘carente de
organização’? Concentração de mais de uma função num mesmo órgão administrativo se
ria o mesmo que indefinição das funções administrativas? Em vez de res
pondermos
apressadamente a essas questões, temos que apelar para o fato de que a própria WIC não
tinha um plano estrito e definitivo para a administração do Brasil. Pelo contrário, no caso
do Conselho Político, foi a realidade do cotidiano da conquista que
foi mudando a forma
de atuação deste órgão da administração superior.
541
Idem. 05/1640.
542
Idem.
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197
Capitulo
I
V
O p
oder local
1. Os escabinos
Uma das medidas administrativas adotadas por M
a
urí
cio de Nassau foi a
implantação, em grande parte da conquista, das câmaras
dos escabinos (
shepenen). Essa
instituição respondia pelo poder local em diversas jurisdições
dentro e fora da capitania
de Pernambuco.
O obj
etivo deste capítulo será entender
, na medida do possível,
o funcionamento
desta estrutura administrativa desde a
sua
implantação em 1637 até 16
44
, véspera do
movimento da Restauração Pernambucana. Antes de mais nada, seria bom ressaltar que a
instituição do escabinato, enquanto representativa do poder local nos Paises Baixos,
deriva de uma tradição do poder local que
não foi instituído repentinamente na Idade
Moderna. Pelo contrário, os juizes escabinos eram representantes do poder local com
bases
sobretudo numa herança medieval.
Antes de mais nada, devemos admitir
que
as informações
sobre os escabinos são
bastante
esparsas e, em alguns casos, repetitivas. No entanto, mesmo na dificuldade da
busca de detalhes de seu funcionamento
cotidiano, além do que foi observado pelos
trabalhos de José Antônio Gonsalves de Mello
, pensamos ser necessário
pensar a
instituição do es
cabinato no Brasil Holandês como a força e a frequeza da administração
nassoviana. Também
é difícil acompanhar, nas localidades aonde se formaram as
câmaras dos escabinos, a interferência de outras esferas da administração da WIC, como
o Alto Conselho e o Conselho Político.
Limitando o nosso espaço
de aná
lise
, temos que a instituição dos escabinos no
Brasil holandês se sobrepôs ao poder local representado
antes pelas
câmaras
.
543
Na
capitania de Pernambuco, ao tempo da invasão em 1630, era a câmara de Olinda
a que
543
Segundo Charles Boxer, sobre os escabinos: “ficavam abaixo na escala administrativa os conselhos
regionais ou municipais, criados em 1637, em substituição às câmara
s portuguesas”. Ref. BOXER, op. cit.,
p.182. Hermann Waetjen também fazia a mesma comparação, ressaltando a superioridade das câmaras
neerlandesas em relação às portuguesas. Ref. WAETJEN, op. cit., p. 201.
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198
mais influía nas jurisdições locais.
Logo, deu
-
se a existência das câmaras de
escabinos
em locais de tradição camarária
baseada
no mundo português.
Mais que isso. Os
escabinos
544
administraram toda uma população civil afeita ao modus faciendi da
polít
ica
administrativa
ibérica.
Para nosso estudo, a comparação entre o escabinato e o poder local no império
português é inevitável
, ainda que o foco deste capí
tulo seja
contar a história daquela
instituição no Brasil holandês.
A invasão holandesa encontrou
um Po
rtugal submetido à casa dos Áustrias
. Em
termos de instauração de um modelo administrativo, devemos admitir que os holandeses
encontraram um mundo de tradições
ibé
ricas
, em que os poderes locais eram
representados pelas câmaras municipais. Ao tratar
desse traço ibérico no iní
cio da Idade
Moderna, Stuart Schwartz e James Lockhart ressaltaram o fato de que
“A cidade ibérica, com seus direitos e privilégios tradicionais, suas funções
político
-
simbólicas e seu amplo domínio sobre os recursos sociais e ec
onômicos
dos habitantes da região, era um teatro de ações de toda a sociedade, e não
apenas metade de uma dicotomia urbano
-
rural como pode ter acontecido com
mais freqüência no norte da Europa”.
545
Para esses autores, a “cidade ibérica” regia, através de
seus vereadores das
câmaras municipais, as atividades econômicas de seu entorno. Assim, por mais que a
fonte de riqueza local estivesse assentada no campo
(na atividade canavieira)
, os
detentores desta riqueza tinham uma “base urbana”, ou uma referência ur
bana. Podemos
admitir esta situação para o poder local na capitania de Pernambuco dos século
s
XVI e
XVII que, assentados sobretudo na produção açucareira dos engenhos do interior, tinham
os seus interesses representados pela câmara de Olinda, principal nic
ho do poder local.
As declarações apresentadas acima acerca da quebra da dicotomia rural
-
urbano na função
da cidade no mundo ibérico vêm em consonância com o que considerou Sérgio Buarque
de Holanda, segundo o qual os neerlandeses eram uma.
544
Ao longo deste capítulo usaremos as palavras
es
cabinos
e
escabinato
, sendo os primeiros aqueles que
exerciam o cargo e, o último, o próprio cargo, a instituição.
545
A América Latina na época colonial / James Lockhart e Stuat B. Schwartz.
Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 22.
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199
“população cos
mopolita, instável, de caráter predominantemente urbano [...]
estimulando, assim, de modo prematuro, a divisão clássica entre o engenho e a
cidade, entre o senhor rural e o mascate, divisão que encheria, mais tarde, quase
toda a história pernambucana”.
546
Ainda na perspectiva de Schwartz e Lockhart, temos a seguinte descrição genérica
do poder local ibérico:
“No nível local ou provincial, o órgão principal, o Conselho Municipal, era
também cole
giado; era ainda mais isolado que
os outros, porque, embora
as
nomeações precisassem da sansão
real, eram, em ú
ltima instâ
ncia, geradas
localmente. Os membros do conselho eram cidadãos importantes e não
funcionários treinados, e os conselhos, que representavam interesses locais, não
pertenciam, em essência, ao gove
rno real”.
547
Finalmente, tanto Schwa
r
tz como Lockhart percebem o governo ibérico moderno
com fragmentado, muito embora “uma faceta essencial da sociedade”. Para eles,
“a
ideologia de um estado ativista já surgira, mas não seria nada mais do que palavras
até
que acontecimentos poste
riores, a
p
a
rtir do século XVIII, começassem a lhe dar mais
substância”.
548
Nos países ibéricos, a politica local respaldava os interesses comerciais locais. No
caso de Pernambuco, era o comércio do açúcar. No nascente capitali
smo mercantil, a
atividade açucareira ligava Pernambuco aos maiores portos de comércio da Europa
ocidental, tal qual f
icou salientado no primeiro capí
tulo deste trabalho. Assim, ainda que
o poder local, através da câmara de Olinda, tivesse uma expressão pr
ovinciana, os
546
HOLANDA
, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 63. O
autor complementa a idéia argumentando que “Esse processo urbano era ocorrência nova na vida brasileira,
e ocorrência que ajuda a melhor distinguir, um do outro, os pr
ocessos colonizadores de “flamengos” e
portugueses. Ao passo que em todo o resto do Brasil as cidades continuavam simples e pobres
dependências dos domínios rurais, a metrópole pernabucana “vivia por si”.
547
Idem, p. 30.
548
Idem, p. 32.
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200
interesses de seus representantes ecoavam p
ara os quatro cantos do espaço A
tlântico.
Para o comércio do açú
car, concorreram capita
is genoveses, sefarditas dos Paí
ses Baixos
e, não raro, sevilhanos com representações em Lisboa e Porto. Pernambuco
era uma parte
desta cadeia.
549
No clássico estudo
Os Donos do Poder
, de Raymundo Faoro, a administração
moderna do estado português baseava
-
se sobretudo no patrimonialismo burocrático.
Contudo, ele chama a atenção para o sentido moderno de burocracia. E
sta então, não
seria a que se entende atualmente, “como aparelho racional, mas da apropriação do cargo
o cargo carregado do poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da
esfera própria de competência [...]”.
550
Raymundo Faoro encerra a sua v
isão do Estado
moderno português qualificando
-
o da segu
inte maneira: “ ... não é uma pi
râmide
autoritária , mas um feixe de cargos, reunidos por coordenação , com respeito à
aristocracia dos subordinados”.
Essa visão geral do modo de governar português
ap
resentada por Faoro baseia
-
se na perspectiva clássica de Max Weber, notadamente do
seu livro
Wirtschaft und Gesel
l
schaft
(Economia e Sociedade). Através sobretudo da
classificação dos “modelos de administração” propostos por Max Weber, Raymundo
Faoro quali
ficou a
“dominação legitima”
no Antigo Regime lusitano como a baseada no
carisma.
551
Na capitania de Pernambuco, é bem provável que existisse mais o carisma
da
”nobreza da terra”, espécie de elite local que plantava açúcar e ocupava os postos de
vereador
es na câmara de Olinda.
A relação da capitania de Pernambuco, através de seu
549
Sobre a atividad
e comercial na Península Ibérica moderna, afirmaram Schartz e Lockhart: “
Antigamente era comum encontrar afirmações de que os ibericos evitavam ligações com os negócios e
eram, no fundo, anticomerciais. Embora seja verdade que os italianos, e em especial
os genoveses, tenham
desempenhado papel importante no desenvolvimento do comércio de longa distância no mundo ibérico, os
habitantes da Península tinham seus próprios mercadores e suas próprias tradições comerciais. Os
genoveses e europeus do Norte forneci
am bens manufaturados à Península em troca de produtos agrícolas
de Castela, sal e peixe de Portugal e certa quantidade de artigos de luxo vindos de toda a Península. Mas
havia ibéricos que competiam ou, às vezes, cooperavam com eles: castelhanos de Burgos
e de Medina del
Campo (cidade totalmente comercial, com uma feira famosa) que participavam do comércio exportador de
lã, mercadores e investidores portugueses em vinho e açúcar, que se concentravam em Lisboa e no Porto e,
naturalmente, as grandes familias
catalãs de Barcelona”. (Idem, p. 35)
550
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro.
São Paulo:
Globo, 2001, p. 102.
551
Em nota, esclarece Raymundo Faoro: “ Distingue o sociólogo alemão [Max Weber], em contribuição
or
iginal à ciência política, três tipos puros de dominação legitima: a racional, a tradicional e a carismática.
A autoridade repousa sobre a entrega emocional , extraquotidiana, à santidade, heroísmo ou exemplaridade
de uma pessoa e das disposições por ela c
riadas ou reveladas [...] Op, cit., p. 845.
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201
poder local, com a coroa portuguesa oscilou entre a obediência e o auto
-
governo. Mais
obediência do que autonomia. As vilas fundadas no Brasil vieram, ainda na perspectiva
de Raym
undo Faoro, antes do povoamento.
552
Impõe
-
se uma ordem jurídico
-
politica
antes mesmo de se povoar. Finalmente, a visão deste autor acerca do poder local pode ser
resumida na seguinte passagem:
“Uma visão moderna do instituto poderia desorientar o historia
dor, acaso
seduzido com o
self
-
government
saxônio
: o município não criava nenhum
sistema representativo, nem visava à autonomia que depois adquiriu,
abusivamente aos olhos da coroa. A base urbana era o desmentido à entrega do
poder
aos latifundiários, base mais tarde alargada em movimento oposto às suas
inspirações originais.”
553
A perspectiva de Raymundo Faoro acerca do poder local no Brasil, muito embora
desenca
ntada de uma perspectiva contemporânea de representatividade, entendia o poder
central, metropolitano, dentro de uma visão centralizadora. Assim,
o município, como as capitanias e o governo
-
geral, obedecia, no molde de
outorga de poder pú
blico, ao qua
dro da monarquia centralizada do século XVI,
gerida pelo estamento, cada vez mais burocrático”.
554
De maneira contrária ao que pensava Raymundo Faoro, outros estudos
mais atuais
vieram a contribuir para uma perspectiva diferente acerca da centralização do poder no
Anti
go Regime. Dentre eles
, destaca
m
-
se os de Antônio Manuel Hespanha, para o qual os
poderes do rei eram bastante limitados na formação do Estado Moderno. Essa limitação
dos poderes do monarca no Antigo Regime, encontrou eco também nos trabalhos de
Em
m
anuel Le Roy Ladurie e X
a
vier Pujol.
555
Para Antônio Manuel Hespanha, existiu um
552
Segundo o autor: “Os primeiros municípios criados no Brasil, com o nome de vilas
São Vicente e
Piratininga, de onde sairiam São Paulo e Santos
precederam ao povoamento. A organização jurídica
modelou o es
tabelecimento social e a ordem econômica.” Op. cit. p. 171.
553
Ibidem.
554
Idem, p. 172.
555
Ver: LE ROY LADURIE. Emmanuel. O Estado Monárquico. França (1460
-
1610).
São Paulo:
Companhia das Letras, 1994; PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e localismo? Sobre a
s relações políticas e
culturais entre capital e territórios nas monarquias européias dos séculos XVI e XVII. In: Penélope: Fazer e
desfazer historia, n. 6, Lisboa, 1991.
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202
equí
voco, por parte de historiadores pós Revolução Francesa ao analisarem as instituições
no Antigo Regime. Essa idéia pode ser resumida na proposição de que
,
no domínio da
história institucional, alguns historiadores impuseram “acriticamente ao passado as
categoria
s, as classificações e os paradigmas do presente”.
556
Nesse sentido, projetou
-
se
para os séculos que antecederam ao Iluminismo uma visão de poder na qual o poder
político se opõe aos interesses particulares. Para António Manuel Hespanha,
“na verdade, a te
oria social e jurídica da Idade Média e da Época Moderna,
embora distinga o interesse dos particulares do interesse geral, considera
-
os
como componentes harmônicos duma unidade mais vasta, o bem comum
. Em
termos tais que o fim do poder não seria a prossecução dum interesse diferente
do dos particulares, eventualmente à custa dum certo sacrifício do interesse
destes últimos , mas a salvaguarda da natural harmonia desses interesses, quer
entre si, quer com o interesse superior da comunidade”.
557
Por fim, A
ntó
nio Manuel Hespanha destaca que, entre as “deformações” que o
“pa
radigma estadualista” imprimiu a
histó
ria institucional do Antigo Regime foi a noção
de separação (
trennungsdenken
) entre os direitos público e privado.
558
Em r
esumo,
baseado na perspectiva
do teórico alemão
Otto Brunner, conclui Hespanha acerca do
poder no período em questão:
556
HESPANHA, António Manuel. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime.
Lisb
oa: Fundação
Calouste Gulbenkian, s/d, p. 25. O autor afirma que a perspectiva de “Estado” contemporânea (o
“paradigma estadualista”) foi empregada ao Antigo Regime. Segundo ele: “uma manifestação desta
tendência é constituída pelo uso, na historiografia s
obre a sociedade e o poder político pré
-
revolucionários
do “paradigma estadualista” e das conseqüentes contraposições entre “Estado” e “sociedade civil”,
“interesse público (direito público)”/”interesse primeiro (direito privado)”. Para ele, esta distinção
entre
Estado/sociedade civil, só passou a predominar no fim do Antigo Regime, “ embora se possam encontrar
manifestações incipientes destas distinções na literatura política e jurídica anterior [...]”. Op. cit., pp. 26
-
27.
557
Ibidem, p. 29.
558
Concepçã
o desenvolvida por Otto Brunner, da qual faz uso o autor. Segundo Hespanha: “coube a O.
Brunner um papel central na critica do “paradigma estadualista” na historiografia política e institucional do
Antigo Regime europeu. A sua obra central é expressamente
dirigida contra a “idéia de separação”
(trennungsdenken) que, a seu ver, reduzira e distorcera as perspectivas históricas sobre o sistema de poder
anterior ao iluminismo e à revolução. Brunner propõe, assim, um reencontro entre a história jurídico
-
constitu
cional e a historia social que restaure o caráter global e indiferenciado dos mecanismos do poder no
período pré
-
estatal e que deixe de novo aparecer o caráter “plural” da constituição política da época”. P. 32.
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203
“caráter globalizante dos mecanismos de poder ou, utilizando uma forma mais
tradicional, confusão entre autoridade e propriedade, pluralismo político e,
consequentem
ente, indistinção entre “Estado” e “sociedade civil” são, deste
modo, os traços estruturais do sistema político e institucional pré
-
revolucionário
[...]”
559
Entre a pers
pectiva de Raymundo Faoro e Antó
nio Manuel Hespanha sobre o
poder monárquico, temos qu
e este último entend
e a idéia de soberania
como uma
“hierarquização dos vários centros do poder, para uma “preeminência” ou
“superioridade” de um deles sobre os outros, mas não para uma idéia duma posse
exclusiva e ilimitada do poder político pela entidade soberana”.
É esta última
perspectiva, utilizada por Antó
nio Manuel Hespanha, que
adotaremos para a nossa perspectiva do poder
institucional no Antigo Regime para
tratarmos das câmaras dos escabinos no Brasil holandês.
A referência que fazemos ao poder local no mundo português se deve ao
fato de
que é a estrutura camará
ria deste mesmo universo que nos serve de parâmetro de
comparação com o escabinato. Não podemos, todavia, esquecermos que tratamos única e
exclusivamente de entender o escabinato no Brasil
e sob a tutela da Companhia das
Índias Ocidentais. Certamente, no Brasil, dada a especificidade das circunstâncias, a
histó
ria da instituição do escabinato
obedeceu a móbiles
distintos dos que vigiam nos
Paí
ses Baixos. Isso se deveu sobretudo ao fato de qu
e, no Brasil, a necessidade de
interagir com o poder local pré
-
existente
(que se constituía de luso
-
brasileiros com
representação na câmara) falou alto na implantação dessa instituição.
Apesar de compartimentarmos um pequeno estudo sobre os escabin
os no B
rasil
holandês em um capítulo, pensamos que o entendimento dessa instituição perpassa vários
aspectos do cotidiano da conquista, que requer discussões de caráter socioeconômicos da
mesma. Afinal de contas, tratamos de um período em que a esfera econômica e
ngloba a
esfera do poder, haja vista a indistinção dos espaços de poder acima mencionada.
Interessa
-
nos, então, falar do escabinato em relação ao cotidiano da conquista.
559
Idem, p. 36.
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204
Antes mesmo de enveredarmos no tema em tela, devemos entender como os
administ
rador
es
da WIC passaram interpretar
a administração local
desde antes da
instalação dos escabinos. Que noção de espaço administrativo os holandeses adquiriram
no Brasil e como passaram a trabalhar esses espaços?
A partir das fontes primá
rias, desde o iní
cio da c
onquista,
fica claro que os
holandeses utilizavam os termos
Capitania
e
jurisdição
(jurisditie). O conhecimento
desses espaços jurídico
-
administrativos, mais pormenorizadamente, só v
iria com o
tempo. Na medida
em que iam conhecendo o território (no sentido
geográfico), os
conselheiros políticos, principais responsáveis pela administração pré
-
nassoviana,
iam
desvelando o que desde cedo ouviam acerca da capitania e das jurisdições de
Pernambuco e adjacências.
Como nas operações militares
,
as autoridades civis
, em
algumas delas, estavam presente
s
, os mesmos aproveitavam os momentos de trégua para
colher informações acerca do cotidiano dos engenhos, da produção deles, dos
proprietários que participavam do poder local. Os senhores de engenho tinham, como já é
bem
conhecido, assento no senado da câmara de Olinda, cuja jurisdição
se estendia até a
região do Cabo de Santo Agostinho.
Nos primeiros três anos, é bem verdade que
a constante guerrilha houvesse
limitado
a administração neerlandesa à apenas se defender dos
ataques luso
-
brasileiros e
de criar um sistema de fortificação capaz de, pelo menos, assegurar o Recife e seus
arredores. Portanto, pouco tempo deveria lhes sobrar para a administração civil. Foi
preciso arrefecer a guerrilha para que se criasse um cotidi
ano em que as relações sociais
se restabelecessem para que a administração local passasse a ser possível.
A primeira noção territorial que os holandeses tiveram no Brasil tinha um caráter
mais geográfico para atender a fins militares. Foi através da const
rução de fortificações
que, num primeiro momento,
os agentes administrativos
passaram a compreender o
espaço. Assim é que, em maio de 1631, o governador Coronel Wanderburch enviou aos
Estados Gerais da Holanda “o desenho da Ilha de Tamarica (Itamaracá), fe
ito a olho
[...]”.
560
A construção de um sistema de fortificação no Recife levou a que, sobretudo, se
conhecesse em detalhes os limites deste território. Nesta mesma missiva citada acima, o
560
“Fragmento ou post
-
scrip
tum achado com uma carta do governador D. Van Weerdenburch, em Antônio
Vaz, aos Estados Gerais, e a ela pertencente”. In. Documentos Holandeses, p. 70.
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205
governador prometeu enviar aos diretores da WIC “uma carta de nossa
fortificação em
Antônio Vaz [...], mas da próxima vez enviarei uma também de todas as fortificações
[...]”.
561
Mais importante que o Recife, cuja ocupação efetiva só teve vez a partir de 1631,
foi o conhecimento do espaço ocupado pela vila de Olinda que
preocupou os holandeses.
Difícil de ser fortificada, a vila de Olinda, situada em cima de um monte,
quase que foi
preterida pela Ilha de Itamaracá para ser a sede do Brasil holandês. Nessa disputa, ganhou
o
Recife. Numa operação militar à Ilha de Itamaracá
, que contou com elementos da
administração civil, produziu
-
se uma espécie de relatório misto, no qual se narrou o
seguinte:
“[...] depois de trem desembarcado sem acidentes, os delegados do conselho
político, os oficiais superior
es das tropas e os chefe
s da mar
inha procederam a
uma inspeção local e
, segundo parecer unânime, que deram por escrito,
verificaram que diante de uma força como a acima mencionada a cidadela é
inexpugnável, visto como se acha numa alta montanha, tão escarpada de todos os
lados, q
ue nem um homem, que nada tivesse eu carregar, seria capaz de galga
-
la,
quanto mais com as suas armas. Além disso, em quase toda parte, ao redor, há
pântanos, e de tal forma providos de mato,
que não é possível abrir caminho
através dele [...]”.
562
Relató
rios como este, para fins eminentemente militares, dotaram posteriormente
os administradores civis para o conheciment
o do território que pretendiam administrar.
Aliá
s, os limites entre a administração civil e militar são bastante estreitos no Brasil
holand
ês
como no Brasil luso
-
americano
. Inserido no século
XVII,
como já fora dito
neste trabalho,
o tema faz parte de uma época em que guerra e administração se
confundia
m
. Num primeiro momento, o conhecimento territorial dos civis foi obtido a
partir de operaç
ões militares.
561
Ibidem.
562
Missiva do Governador D. van Weerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Gerais. 31/05/1631
. In:
Documentos Holandeses, p. 68.
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206
É num relatório enviado aos diretores da WIC pelo conselheiro político Jan Van
Walbeeck, datado de julho de 1633,
é
que percebemos a noção holandesa do território
além do senso puramente geográfico. Diz parte deste relatório:
“Para começa
r pela capitania de Pernambuco (da qual é senhor e proprietário
Duarte D’Albuquerque Coelho, irmão de Matias D’Albuquerque, atualmente
governador desta capitania, e superintendente e inspetor das capitanias situadas
ao norte), esta capitania, de nome e de
fato a maior, e ultrapassando de muito
todas as outras, tem seu começo no Rio São Francisco, 50 léguas ao sul do Recife
de Pernambuco
e termina cinco léguas ao norte do Recife no Rio de Garaçu
[Igarassu]; neste distrito, contando do sul, as principais freguesias e povoações
são: a freguesia ou penedo de São Francisco, as duas Alagoas, Porto Calvo, São
Gonçalo, Serinhain [Serianhém]. São Miguel de Pojuca [Ipojuca], Santo Antônio
de Cabo [Cabo de Santo Agostinho], Moribeca
[Muribeca]
, Varga de Capiberibe
[Vár
zea do Capibaribe], São Lourenço e Garaçu”.
563
Ao longo deste relatório, por sinal
bastante extenso, todas estas freguesias são
descritas. Nas próprias fontes, os holandeses utilizam literalmente o termo
freguesia
.
Três
anos antes, num outro relatório o
ferecido aos holandeses pelo brabantino Adrien
Verdonck, o termo ‘freguesia’ não é mencionado. A descrição dos lugares é feita
utilizando
-
se a denominação ‘povoado’. Desta forma, lugares como Una, Serinhaém,
Ipojuca, entre outros, são referidos enquanto ‘p
ovoados’ grandes ou pequenos. O termo
‘jurisdição’
aparece relacionado
à Capitania de Pernambuco
, logo,
‘jurisdição de
Pernambuco’
. Nas descrições de Verdonck, valiosas em termos geográficos, as
freguesias
, definitivamente,
não aparecem.
564
Certamente, as
intermitências da guerrilha não dava
m
aos holandeses tempo para
o funcionamento da administração local.
Assim, o restabelecimento da administração
local após a invasão só se daria afetivamente após a expulsão da resistência luso
-
563
“Relatório do Conselho Político no Brasil Jean de Walbeeck, apresentado aos diretores da Companhia
das Indias Ocidentais a 2 de julho de 1633, lido pelos Estados Gerais a 11 de julho de 1633”. Op. cit., p.
117.
564
“M
emória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de Pernambuco,
sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande segundo o que eu, Adrriaen Verdonck, posso me recordar.
Escrita em 20 de maio de 1630”. In:
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Op. cit., pp. 35
-
46.
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207
brasileira para a Bahia.
No
entanto, como ficou exemplificado no capitulo II
, o
restabelecimento do pequeno comércio nos anos de 1635
-
36, já sinalizava para o
rearranjo territorial
. A situação política se resolvia a p
artir de uma situação econômica,
em que foram importantes os “pequenos proveitos”.
Até 1633
-
34, as referências às localidades se traduziam nos engenhos, povoados e
aldeias de
brasilianen. O regimento da WIC para a administração da conquista não fazia
alusão ao poder local. Nele rezava apenas a instituição de um consel
ho civil composto
pelo Conselho Político
e com função judicante
.
565
Mesmo assi
m, haviam divergências
entre as esferas civil e militar
.
De fato, as competências entre o governo civil e militar
eram quase sempre confundidas. Numa observação de José Antônio G. de Mello:
“O Conselho [político] era presidido sucessivamente por cada um dos seus
membros, por períodos de trinta dias e tinha autoridade superior em toda a
administração. Ao tratar de questões militares ou outras de maior importância
poderia convocar o
General e o Governador, isto é, os comandantes superiores da
Marinha e do Exército”.
566
Desentendimentos entre o Conselho Politico e o Governador Wanderburch acerca da
administracao superior da conquista fizeram com que viessem ao Recife dois membros d
o
Conselho dos XIX, Matias Van Ceulen e Joham Gijselin. Estes ficaram exercendo, até fins de
1634, o cargo de “Diretores Delegados”. Nos anos de 1635 e 1636, o Conselho Político reassumiu
a administração superior nas pessoas de Serveas Carpentier, Willem Schott, Jacob Stachhouwer,
Johan Wijntgis e Ippo Eisens, sendo o cargo de Governador exercido por Sigismund von
Schkopp. José Antônio Gonsalves de Mello apontou que “’é em
relação
a esse período que
ocorreram acusações graves de extorsões, roubos e até mort
es por parte dos mesmos”.
567
Voltando a tratar das jurisdições locais, temos que os holandeses tiveram que
entender primeiro como a população estava inserida numa rede de poder que ligava o rei
565
Segundo Gonsalves de Mello: “ Quando foi decidida a conquista de Pernambuco (1629), o Conselho dos
XIX organizou e os Estados Gerais aprovaram um “Regimento do g
overno das praças conquistadas ou que
forem conquistadas nas Índias Ocidentais”, isto é, nas Américas. Nele se determinava que elas seriam
administradas por um Conselho (que viria a ser chamado de Conselho Político, isto é, civil) formado por
nove membros,
naturais das Provincias Unidas ou nelas residentes há mais de sete anos, professando a
Religião Reformada e versados “nas matérias de policia, justiça e comércio ou, pelo menos, em alguma das
ditas matérias””. Op. cit. p.9.
566
Idem, tomo II, p. 10.
567
Ide
m, p. 12.
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208
ao vereador da câmara. Vale ressaltar que, quando falamos d
a população local, tratamos
de senhores de engenho e pessoas de proeminência na capitan
ia.
O sentido de jurisdição
que atribuímos aqui entende que o poder político local
, representado pelos senhores de
engenho, guardava certa autonomia em relação ao poder
central.
568
Examinando as fontes relativa
s
aos anos de 1635
-
36
podemos ter uma idéia do
papel desempenhado pelo Conselho Político em Pernambuco.
Administrando a capitania
da Paraiba, o conselheiro político Serveas Carpentier, em inicio de abril de 1635,
es
creveu uma carta ao comissário Crispijnsz pedindo provisões para as tropas lá
instaladas.
569
Exercia, assim, uma função de aprovisionador militar, sem ser
necessariamente um militar. Da mesma forma, o responsável pelo aprovisionamento da
Ilha de Itamaracá,
o Capitão Jacob Petri,
enviava ao Recife algumas pipas de cal.
570
Ao
que parece, essa função podia ser exercida tanto por um civil como por um militar
superior. Não havia uma linha que separava exatamente as atividades do cotidiano
administrativo. A atividade que diferenciava mais um conselheiro político de um militar
superior era a inserção no âmbito da justiça
civil, atribuição do Conselho Político
.
A 11
de abril desse mesmo ano, é sabido que o conselheiro Willem Schott tomava vez nas
operações militares do Coronel Artishoffscki.
571
Por vezes, parece que autoridades civis e militares tomavam decisões em
conjunto.
Numa das operações de cerco ao Arraial Velho do Bom Jesus, o Governador
Schkopp, o Coronel Artisch
o
ff
sck
e o conselheiro político Jacob Stachouwer
decidiram
juntos acerca do deslocamento de tropas da guarnição de Itamaracá para as proximidades
do Arraial. Foi uma decisão de emergência e ficou registrado na ata de reunião do
Conselho Político que foi feita “oralmente porque o Presidente [Johan] Wijtg
is e o fiscal
se encontravam junto ao exército”.
572
568
Cf segundo Hespanha, op. cit. pp. 59
-
60. “O poder político (a “jurisdição”, na linguagem da época) dos
corpos periféricos constituía então uma limitação inultrapassável do poder central, uma vez que, dada a já
referida concepção patrimonial d
o poder político, as faculdades (que hoje diríamos públicas) desses corpos
eram consideradas como integradas no seu patrimônio, aí figurando como uma casa ou uma quinta, enfim,
como direitos adquiridos ou radicados que o rei nunca poderia violar”.
569
IAHG
P. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 05/04/1635.
570
Idem, 06/04/1635.
571
Idem, 11/04/1635.
572
Idem. Quanto ao presidente do Conselho Político, temos que o mesmo, como fica claro na
notulen
, se
encontrava em outra área, junto ao grosso do exército m
óvel da WIC.
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209
A primazia do poder civil sobre o militar fica mesmo
evidenciada
quando Willem
Schott diz para o Governador Van Schkop permanecer em determinado lugar “a espera
de outras ordens”. O
gouverneu
r,
, como é re
ferido nas fontes, não tinha, em relação ao
colégio dos C
onselheiros Políticos,
a posição de
primus inter pares
.
Certamente o
governador Sigismund Von Schkop se conformava com esta situação. Pelo menos mais
do que o primeiro governador do Brasil holandês,
o Coronel Diedrick Wanderburch
.
Este, por sua vez, bateu muito
de frente com o Conse
lho Político entre 1630 e 1633.
Da primeira formação administrativa no Brasil holandês, definindo essa relação
poder civil/poder militar, observou Hermann Waetjen:
“Quer
endo a WIC submeter á sua própria administração as novas terras, junatara
á expedição de Loncq três comissários: Johan de Bruyne [...], Philips
Serooskerken e Horatio Calendrini. Deviam eles,, em nome da Companhia, como
‘Conselheiros Politicos’
titulo qu
e conservaram daí em diante
assumir a
administração das terras con
q
uistadas. Devia também fazer parte desse Conselho
(Kollegium) o Coronel waerdenburch, nesse ínterim promovido a governador.
Tinha ele assento e voto no Concelho, cabia
-
lhe exclusivamente
a
responsabilidade pelos negócios militares, mas em todos os outros assuntos
nenhum decisão podia tomar sem a aprovação dos Conselheiros Políticos. Não
podia também exercer o cargo de Presidente, o qual era mensalmente alternado
entre os Conselheiros”.
573
Em resumo, os primeiros elementos da administração holandesa a governar
menores porções de território e a tomarem conhecimento das questões locais foram os
conselheiros Políticos. Antes da chegada de Mauricio de Nassau e do Alto Conselho, a
WIC já dispun
ha de vários relatórios acerca das diversas localidades e freguesias sob o
domínio holandês.
574
De uma forma geral, nos
dois anos que antecedem a instalação dos escabinos
(1635
-
36), as atividades que mais ocupavam os conselheiros políticos eram aquelas
ref
erentes a problemas internos de administração de recursos financeiros e provisões da
573
WAETJEN, Hermann. Op.
cit. , p.105.
574
Ver MELLO, José Antônio Gonsalves de.
Fontes para a História do Brasil holandês. Tomo II. A
administração da conquista.
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210
própria companhia. O contato mais direto com as questões legais com a população lu
so
-
brasileira ainda se fazia inc
ipiente. Com estamos tratando ainda da fase dos
kleine
pr
ofijten
, sobre o que nos referimos anteriormente, a exação da justiça e do policiamento
por parte daquele conselho ficaria em segundo plano. A consolidação da economia, para
compens
ar as perdas que a WIC havia até
então tido com a guerra, exigia uma
fiscal
ização dos bens (
goede
nen
) e finanças. Nas obras de reparo do Forte Ernestus, por
exemplo, o Conselheiro Willem Schott, que exercia a função de Tesoureiro, foi
encarregado de pagar aos trabalhadores Jan Hart e seu sócio, dos quais
foram
descontados
“os ali
mentos e os materiais que eles usaram”.
575
Este é um ponto onde
guerra e administração não se dissociam.
Pelo que ficou exposto acima, o Conselho Pol
i
tico acumulava funções judicantes,
de admi
nistração do comércio e polícia, mas
sobretudo na fiscalização
do comércio que
os conselheiros atuaram. Numa ocasião, chegou a reunião, como uma das pautas, u
ma
denúncia de contrabando de ví
veres que estaria sendo feito pelos navios ancorados no
Recife. A conseqüência dessa denúncia foi a abertura de uma investigação
e a promessa
de que “aqueles
que
estão fazendo contrabando de cargas em seus navios serão
punidos”.
576
Os gastos exagerados com a guerra de conquista faziam com que os olhos da
administração civil do
Politique Raden
não se decuidassem da fiscalização do
apro
visionamento.
Na tentativa de consolidação da economia dos “tempos difíceis”, o
acondicionamento das caixas de açúcar em armazéns era fundamental. Foi assim que
se
pediu autorização ao conselheiro Willem Shott para que fosse “reparada com
brevidade”
577
uma
casa em Muribeca p
ara o acondicionamento do produto
. Para tal
necessitava
-
se de telhas, “dois carpinteiros, pregos e um pedreiro
”. A importância de
aprovisonamento de açúcar ao sul do Recife
facilitava aos exércitos que por hora
percorriam os engenhos aban
donados às margens dos rios do litoral sul da capitania de
Pernambuco.
Muito embora o Recife, resguardado por um seguro sistema de
fortificações, fosse o lugar mais propício para o armazenamento de açúcar, era
emergencial para a WIC dispor de outros locais
.
Na construção de uma pequena
575
IAHGP, Coleção José Higino, Dagelijkse Notulen , 15/04/1635.
576
Idem, 19/04/16
35.
577
Idem, 20/04/1635.
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211
fortificação (reduto) próximo ao Arraial do Bom Jesus, quem deu as ordens foram o
Coronel Ar
tischofscki e o conselheiro Jacob Stachouwer. Para esse fim f
oram
convocados 300 marinheiros.
578
O C
onselho Político
, dedicando
-
se efe
tivamente
ao
comércio e a guerra, passava ao largo
da perspectiva de poderes locais
fora do Recife
.
Era preciso que a vida no interior
se normalizasse
principalmente no litoral sul
. Ao norte
do Recife,
como já foi observado no capitulo II,
na região que c
ompreende Goiana,
Itamaracá e Igarassu, os moradores do interior começavam a retornar para as suas
propriedades.
A administração pré
-
nassoviana, em meio a
inda a
uma guerra constante, tinha
uma preocupação mais imediata do ponto de vista econômico. A pilhag
em
aind
a
era,
na
quelas circunstâncias, uma das
forma
s
de se tirar algum proveito da nova conquista.
Era um momento em que a administração da WIC estava mais voltada para si própria.
Ocupava o espaço
luso
-
brasileiro, mas lidava com a própria sovrevivência,
tomando
decisão dentro do próprio raio de ação. O contato mais constante com os luso
-
brasileiros,
os “da terra”, nas questões mais simples do
cotidiano, só se daria mais a pa
rtir da queda
do Arraial Velho do Bom Jesus (meados de 1635). O governo nassoviano
veio a
consolidadar a administração local num contexto de retomada da produção de açúcar e do
comércio em geral.
A situação dos “pequenos lucros”, exposta no segundo capítulo, não era
ainda a
da recomposição
dos poderes locais nos moldes das câmaras de e
scabinos. No entanto,
em algumas localidades, as condições para o exercício do poder local estavam em
progresso. Assim, ao falar dos
kleine porfijten
, estamos indo além da questão comercial e
considerando as primeiras “aliança” entre os holandeses e os lus
o
-
brasileiros. E foram
alguns elementos desse “primeiro contato” que vieram a ocupar, tanto como eleitores
quanto como escabinos
, as estruturas do poder local. Isso será visto adiante. Por
enquanto, vamos tratar apenas do poder local na ótica dos holandese
s antes da
implantação do escabinato por Nassau.
As instâncias administrativas da WIC no Brasil foram descritas por José Antônio
Gonsalves de Mello
em termos gerais, servindo
-
nos até o presente de referência para
quem queira trabalhar a questão político
-
a
dministrativa no Brasil holandês.
O Conselho
578
Idem, 22/04/1635.
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212
Político foi o órgão pensado para administrar questões relativas ao poder policial, justiça
e comércio.
579
Em princípio, o que a WIC imaginava para a administração do Brasil era a
redução do controle de vários esp
aços a um único órgão: o Conselho Político. Essa
posição “centralista”, que teve como base o Recife, ignorou as injunções locais.
A
economia açucareira, espalhada por diversas freguesias, não poderia prescindir de
situações locais de natureza geográfica, política ou social.
Os primeiros relatórios remetidos aos Paises Baixos
procuraram entender essas
particularidades. Num relatório acerca da capitania da Paraiba aos Estados
Gerais, o
conselheiro Serveas C
arpentier compara a Vila de Filipé
ia (que
deu origem
à atual João
Pessoa) à cidade de Geertruidenberg na Holanda e deixando bem claro que ali residia “o
Tribunal de Justiça e juntamente o clero e os burgueses”.
580
Das impressões que os
holandeses tiveram ao descrever a capitania da Paraíba, nos interessa sabe
r que
identificaram, no espaço da vila, os elementos da justiça e do comércio. Assim, remetiam
informações
aos seus correlatos nos Paises Baixos, muito embora as municipalidades
funcionassem de forma pouco diversa aqui.
Politicamente, as municipalidades n
os Paises Baixos gozavam de maior
autonomia que no império português. Ain
da que a recente historiografia, sobretudo
brasileira, venha contestando a situação de total subordinação das câmaras no mundo
português ao poder central, elas ainda guardavam um quê
de sujeição ao poder do
monarca. Nos Paises Baixos, ao contrário, as formações municipais guardavam uma
considerável autonomia frente ao poder dos Estados Gerais dos Paises Baixos. Na
verdade, todos os municípios possuíam representações nesses Estados. Na
formação da
Companhia das Índias Ocidentais, o município que mais contribuiu para sua subscrição
de capital inicial foi o de Amsterdam. E é a essa municipalidade que podemos tomar
como parâmetro ao tratarmos dos holandeses no Brasil. Contudo, desde já, val
e antecipar
que não pretendemos fazer nesse trabalho uma tese de comparação extensiva entre a
maior ou menor autonomia das municipalidades nos mundos português e holandês. O
próprio poder centralizador da Companhia das Índias Ocidentais por si só já afasta
ria a
possibilidades de um
self government
no escabinato. Assim,
a instauração por Nassau de
579
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Tomo II, p. 9.
580
Idem, p.42.
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213
um poder
local que combinava elementos neerlandeses e luso
-
brasileiros poderia dar uma
falsa idéia de autonomia para as administrações locais no Brasil holandês.
N
esse sentido,
ainda está em voga a perspectiva de Mário Neme ao contestar a tese de José Antônio
Gonsalves de Mello, segundo o qual o escabinato representou uma fase “democrática” no
“tempo dos flamengos”.
581
Ao descrever parte do funcionamento dessa instituição, Mário
Neme obrsevou:
“Como ocorria no caso do Conselho Político, também os membros dos colégios de
escabinos tinham de julgar as causas segundo o bom entendimento de cada um, e é por
isso que dizemos que talvez em nenhuma parte do mundo ocidental
d
e então a garantia de
direito dependeu tanto da personalidade dos juízes quanto no Brasil holandês”.
582
Nos relatórios administrativos observados por Johannes de Laet, ele mesmo sendo
um dos diretores da WIC, encontramos a influência de algumas pessoas que
ocupavam
cargos nas municipalidades mais importantes dos Paises Baixos. De fato, as câmaras mais
importantes dos Paí
ses Baixos estavam representadas na administração da Companhia
das Índias Ocidentais no Brasil
através de suas câ
maras de comércio. Assim,
como
poderia existir uma autonomia administrativa no Brasil de poderes locais subordinados a
outros poderes locais? Johan de Laet nomeou com clareza alguns diretores da WIC até o
ano de 1636 e que atuaram como escabinos nos Países Baixos. São eles: Jan Gij
sbertsz de
Vries (escabino de Amsterdam), Albert Coenraets Burgh (escabino de Amsterdam),
Willem van Moerberghen (escabino de Leiden), o próprio de Laet (escabino por Leide),
Simon van der Does (escabino por Amsterdam), Warner Ernst van Bassen (escabino po
r
Amsterdam). Pelas demais câmaras, Zelândia, Roterdam e Mosa e Holanda Setentrional,
não encontramos escabinos como tendo sido diret
ores da WIC até 1636. É possível
que
os escabinos neerlandeses do Brasil nunca tivessem desempenhado esta fun
ção nos seus
l
ocais de origem.
583
Diferentemente da Capitania de Pernambuco, em que as freguesias são
especificadas
nos relatórios enviados aos Paí
ses Baixos, na Paraiba, não se fez esse tipo
581
NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil Holandês. Editora da Universidade de São Paulo: São
Pau
lo, 1971, p. 219.
582
Idem, p. 221.
583
DE LAET, Johan. Jaerlijck Verhael ... p. 33.
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214
de descrição das localidades. Acerca do controle do comércio de açúcar, o r
elatório acima
se referiu
enfaticamente ao caminho percorrido por esse produto para ser exportado da
seguinte maneira:
“O açúcar estando fabricado e encaixado é conduzido para certos passos ou
armazéns situados à margem do rio Paraíba, para poder ser fac
ilmente
embarcado; há presentemente dois deles, um pertencente a Paulo de Almeida do
lado norte do rio e o outro, que é o principal, a Manuel de Almeida. Esses passos
têm seus privilégios, ninguém podendo ter outro perto dele. Cada caixa que é
trazida ali, paga por todo tempo que permanecer um schelling, se a marcarem,
mais um e se
quiserem pesar mais dois; o senhor do passo é mestre de balança
juramentado. Todo o açúcar que é levado
ali toma o competente registro num
livro, assim como quando sai de lá. Alguém que leve lá algum açúcar, recebe um
recibo do senhor do passo o qual ele representa j
untamente com uma amostra aos
que
o quiserem comprar, e, tendo
-
o vendido, entrega a nota ao contador que
retira por meio dela o seu açúcar”.
584
Essa passagem nos revel
a, do lado do Consel
heiro Político Serveas Carpentier, o
registro não apenas do “caminho” que percorria a produção
açucareira na Capitania da
Paraí
ba, mas dos privilégios do passos e seus detentores. Os holandese
s
tomavam ciência,
assim, do
status quo ante
da produçã
o e escoamento do açúcar local. A questão dos
privilégios dos paços envolvia questões jurídicas locais. Qualquer passo na administração
holandesa no sentido de “desconsiderar” privilégios de elementos portgueses anteriores à
invasão, poderia causar problemas na condução do governo local.
Na medida em que iam conquistando espaço, a WIC colocava guarnições em
diversas freguesias. Assim é que alguns conselheiros adiministravam cada qual um
espaço distinto. Em novembro de 1635, os conselheiros Wille
m Schott e Ippo Eisens
“pediram ao Conselho permissão para partir, a saber, o senhor Schott em direção ao
Cabo, e o senhor Eisens para a ilha de Itamaracá, a fim de colocar tudo em ordem nos
lugarem onde eles governavam”.
585
Os conselheiros políticos, civis
, assumiam os
584
Idem, p. 50.
585
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijkse Notulen. 19/11/1635.
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215
poderes locais em função sobret
udo da administração militar (ví
veres, roupas, soldos) e
da interação entre neerlandeses e a população local
(visto no capítulo II)
. Os
kleine
profijten
surgiram
num contexto de administração civil baseada, em p
arte, em ocupações
militares.
Coincidentemente, as divisões territoriais adotadas pelos neerlandeses
correspondiam às freguesias antes existentes, no caso da capitania de Pernambuco. No
Brasil holandês, as freguesias não foram extintas, apenas mudaram de
donos. No entanto,
perspectiva espacial que os neerlandeses empregaram às freguesias não se deu no plano
de circunscrições religiosas. Pelo contrário, a WIC olhou as freguesias como limites
territoriais laicos.
Essa inversão na perspectiva do espaço territ
orial luso
-
americano por
parte dos neerlandeses reforça a idéia proprosta por Antônio Manuel Hespanha e Ana
Cristina Nogueira da Silva acerca do espaço como “uma realidade construída e não uma
extensão bruta e objetiva”.
586
Se houve impacto nas freguesias a
pós a ocupação
holandesa, ele deve ter se dado mais na noção religiosa que esses espaços sucitavam na
população local,
uma vez que a WIC governava um espaço anteriormente inserido
na
lógica territorial do Antigo Regime português. No entanto, a freguesia à
maneira
holandesa não impediu as relações comerciais entre os produtores de açúcar e a WIC.
A
administração neerlandesa impôs à territorialidade luso
-
brasileira uma territorialidade
econômica, baseada fundamentalmente nas relações entre a Companhia e a pro
dução
açucareira da interlândia. E
a isso se adap
taram bem vários senhores de engenho.
Obervemos, finalmente, que os holandeses não alteraram as estruturas econômicas de
Pernambuco, baseadas na monocultura e na escravidão
, daí a relativa facilidade com que
alguns senhores de engenho se ad
a
ptaram à administração da WIC.
Por outro lado, fica bem claro, através de uma ata de setembro de 1635, que a
preocupação maior de civis e militares na ocupação do território até então conquistado
era mesmo o litoral. Nes
sa áp
oca, o grosso das tropas estava destinado a se posicionar no
Rio Grande (200 homens), Maranguape (150), Paraíba (700), Itamaracá (400), Recife e
fortificações em torno (700), Cabo de Santo Agostinho (250), Porto Calvo (200), Rio São
586
SILVA, Ana Cristina Nogueira da; HESPANHA, Antônio Manuel. O quadro espacial. In: História
de
Portugal, op. cit., p. 45.
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216
Francisco (400), P
eripueira (200).
587
Essa preocupação com o litoral era bastante
plausível para a época, uma vez que a concepção de superiroridade militar
e desfesa dos
territórios conquistados se dava eminentemente em termos marítimos.
588
Pouco
a
pouco, ao interiorizarem a conquista, a WIC foi se firmando nas vilas do
interior como Goiana e Igarassu. Nessas freguesias, pode
-
se dizer que também vigorava a
defesa por via naval, só que agora com barcos menores que permitissem a navegação
fluvial. Isso já foi ressaltado no segu
ndo capitulo, entretanto em termos sobretudo
comerciais. Na medida em que um sistema de navegação fluvial se consolidava nas
freguesias da interlândia, cresciam as possibilidades de policiamento e fiscalização da
administração local já na fase de implantaç
ão do sistema de escabinato. Ao inicar o seu
governo com a implantação das diversas câmaras de escabinos, Mauricio de Nassau e o
seu Alto Conselho já podiam contar com a ligação eficaz via fluvial entre o Recife e as
freguesias do interior. Por volta de 16
37
-
38, até às vésperas da Restauração
pernambucana (1645), este sistema de comunicação fluvial estava tão consolidado, que as
viagens inter freguesias já
quase
não aparecem mencionadas nas fontes coêvas
de tão
constantes que eram. Esta foi uma conquista do
s anos 1635
-
1636. Logo, a implantação do
escabina
to surge também no rastro da consolidação de um
sistema de navegação
fluvial
que descortinou privilégios locais de moradores que detinham direitos de navegação
sobre determinados passos.
Sobre a transição
do modelo político
-
administrativo luso
-
brasileiro para o
neerlandês poderíamos admitir uma grande mudança? Pelo menos nas questões
comerciais, o que vigorava eram os preceitos do
direito romano (
gemeene ordre
).
589
Nessa questão, a transiçã
o não deve ter si
do difícil, uma vez que o direito comum
(
gemeene
) era uma herança também compartilhada por Portugal.
Essa perspectiva foi
587
Idem, 17/09/1635.
588
Ver Olinda Restaurada, op. cit., p. 21. Muito embora Evaldo C. de Mello tenha considerado que a defesa
dos impérios espanhol e português no inicio em fins do século XVI e inicio do XVII era tida em term
os
“exclusivamente navais”, o mesmo poderia se dar para os Paises Baixos. A ocupação do litoral por tropas
em diversas guarnições dava grandes possibilidades de cabotagens e empreitadas por partes dos navios de
guerra e marcantes da WIC ou a serviço da mes
ma. Na conquista do Nordeste pelos holandeses, estratégias
terrestres e marítimas se combinavam. Não é à toa que a superioridade naval neerlandesa afetou
sobremaneira as coroas ibéricas nesse período. O autor considera a importância da defesa naval no caso
de
Portugal e Paises Baixos quando afirma que “para espanhóis e portugueses, como mais tarde para
holandeses, ingleses e franceses, o poder naval parecia dotado da mesma eficácia final que se atribuia ao
bombardeio aéreo estratégico durante a Segunda Guer
ra Mundial e mesmo depois”.
589
MELLO, idem, p. 10.
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217
veementemente defendida, entre outros, por Raymundo Faoro.
Na formação do E
stado
português o dire
ito romano sobreviveu à Idade Mé
dia e
à superposição do direito
visigodo.
590
Vale lem
brar, como foi ressaltado no iní
cio deste estudo, que co
merciantes
de Portugal e dos Paí
ses Baixos realizavam entre si atividades comerciais deste a Idade
Média. Certamente, houve uma espécie de “língua comum
” nas relações comerciais de
longo curso entre as duas partes.
Entre os séculos XI e XIII, apesar da exígua burguesia
portuguesa desse período, a litoral centro
-
norte de Portugal era bem conhecido por
normandos e flamengos. Data dessa época
o iní
cio do com
é
rcio de longa distância entre
Porugal e o norte europeu.
591
Já mais tarde, no século XV, a atividade da pesca do
ar
enque em grande escala pelos Países Baixos irá colocar Portugal no circuito neerlandês
do
moeder negocie
(comércio mãe) do mares Báltico e do
Norte. É que o sal utilizado
pelos holandeses para conservar o arenque vinha em larga escala de Setúbal (sul de
Lisboa). A presença neerlandesa na atividade pesqueira foi identificada por Immanuel
Wallerstein já por volta de 1400, momento em que “a eficiê
ncia produtiva holandesa
consumou
-
se primeiramente sob a forma historicamente mais antiga da produção de
alimentos, neste caso a captura de peixes [...]”.
592
Ao iniciarem as primeiras trocas comerciais após a invasão de 1630, os luso
-
brasileiros só haveriam
de se adptar ao sistema monetário da Holanda. Contudo, temos
que grande parte dos pagamentos, inclusive de soldos, era
m feitos
em mercadorias.
590
Segundo o autor: “As colunas fundamentais, sobre as quais assentaria o Estado portugues, estavam
presentes, plenamente elaboradas, no direiro romano. O príncipe, com a qualidade de senhor do Estado,
pro
prietário eminente ou virtual sobre todas as pessoas e bens, define
-
se, como ideia dominante, na
monarquia romana. O rei, supremo comandante militar, cuja autoridade se prolonga na administração e na
justiça, encontra reconhecimento no período clássico da
história imperial”. Ref. FAORO, Raymundo. Os
Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro.
São Paulo: Globo, 2001, p. 27.
591
Na perspectiva do historiador Oliveira Marques” “ Não sobreviveram grandes vestigios de comércio
externo, embora as
costas e os portos de Portugal fossem bem conhecidos de normandos e cruzados, que
regularmente faziam escalas por eles, com fins múltiplus, desde o século IX até meados do século XIII.
Podem datar
-
se, porém, de 1194, os começos de um comércio a longa dist
ância, data em que um navio
flamengo carregado de mercadoria naufragou em costas portuguesas”. Ref. História de Portugal. Palas
Editores, Lisboa, s/d, p.104.
592
WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema mundial moderno.
Edições Afrontamento: Porto, 1974, p.47.
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218
2.
Aspectos e conflitos nos poderes locais
A implantação das diversas câmaras de escabinos se deu em maio
r número na
Capitania de Pernambuco. A título de comparação, na Capitania da Paraí
ba só existia um
conselho de escabinos. A imediata resposta para essa questão pode nos remeter a uma
afirmação bastante simplista, segundo a qual foi apenas em Pernambuco que
a presença
neerlandesa se deu de forma mais intensa. Contudo, uma questão puxa a outra. Não se
devia essa presença “mais intensa” da Companhia das Índias Ocidentais em Pernambuco
a
uma conseqüência do fato de que aqui estava concentrada a grande maioria d
os
engenhos produtivos do Nordeste, para não dizer do Brasil? De fato, essa explicação
pode nos levar a consideração de fa
tores econômicos como det
e
rminantes
de situações
políticas. No entanto, não há como descartar essa versão, sobretudo pelo fato de que
os
primeiros relatórios da WIC acerca do Nordeste discrimina
m
muito bem a quantidade de
freguesias e, em seguida, a quantidade de engenhos por freguesia.
Resumindo o que foi a experiência do escabinato, Mário Neme considerou que
“no caso do Brasil hola
ndês, em virtude das funções centralizadoras em
que investira a junta de governo de Recife, as câmaras de escabinos muito
pouco tinham que fazer, na verdade, em m
atéria de administração
local”.
593
Ainda que pertinente e interessante esta visão de
Mário Nem
e acerca das
atividades dos escabinos no Brasil holandês,
ela
pode nos apresentar uma situação de
“vazio institucional”, segundo a qual a administração local seria dispensável. Este
argumento pode esconder a complexidade da administração das freguesias e a
importância que cada uma delas, quando representada por elementos luso
-
brasileiros e
neerlandeses, poderia ter no “controle” que o centro administrativo (o Recife) exercia
sobretudo em Pernambuco.
593
Idem.
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219
A invasão holandesa, ao mesmo tempo em que desorganizou
a produção
açucareira, desorganizou também a vida local. Dessa forma, tanto os senhores de
engenho como moradores mais simples (chamados vivandeiros pelos cronistas)
foram
atingidos por tal desorganização
. Na
s fontes luso
-
brasileiras e neerlandesas aparec
em
apenas alguns nomes de moradores, geralmente senhores de engenho.
Pouco antes da
invasão, os que não eram militares, tanto no Recife c
omo fora dele, eram tratados
genericamente como “moradores” pelas crônicas de Duarte de Albuquerque Coelho. Para
o mesm
o, fora os militares, “somente havia os moradores que, por não serem soldados,
nos apertos tratam somente de salvar suas mulheres, filhos e fazendas”.
594
Nessa
narrativa, a referência ao espaço político local aparece na seguinte passagem:
Por meio de band
os, publicou em todas as freguesias de fora [de Olinda] que,
livre e seguramente, podiam vir todos que se achassem prisoneiros por crimes ou
dividas,
e segundo procedessem na defesa, se perdoaria aos
qu
e
não tivessem
parte, conforme as ordens reais que tin
ha”.
595
A iminência da invasão
nos mostra a tomada de decisões de Matias de
Albuquerque sobre as localidades a fim de se engrossar as fileiras da defesa. Contudo, a
principal vila a qual se refere o cronista é mesmo a de Olinda, da qual não poderiam
sair
os moradores com suas “mulheres, filhos e fazendas”. Esta foi uma estratégia de Matias
de Albuquerque para conter os moradores da vila na defesa da terra.
No Recife, povoação
mais próxima de Olinda, mais ainda assim sob a jurisdição da mesma, morav
am
aproximadamente 150 pesssoas.
596
Aos poucos, Duarte de Albuquerque Coelho deixa aparecer as localidades fora de
Olinda, notadamente ao Norte. Assim, foram nomeados os responsáveis pela defesa dos
“distritos” de Paratibi (Paratibe), São Lourenço e Igarassu.
Eram eles, respectivamente,
Paulo Leitão, Henrique Alonso Pereira e Pedro da Rocha Leitão. O liroral norte,
especificamente no Forte de Pau Amarelo, estava guardado por um militar que serviu no
Rio Grande do Norte, o capitão André Pereira Temudo.
Dos três
citados acima, o nome
594
COELHO, Duarte de Albuquerque, p.
24.
595
Idem.
596
Idem, p. 25.
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220
de Pedro da Rocha
Leitão, provavelmente morador
na jurisdição de Igarassu, aparece
numa relação da produção açucareira de engenhos das capitanias de Pernambuco, Ilha de
Itamaracá e Paraiba. Produtor de açúcar, Rocha Leitão tirou, no
ano de 1623, mais de
duas mil arrobas de açúcar branco e mascavado e 674 de açúcar retame.
597
Ele não
estava entre os que mais porduziam açúcar em Pernambuco. Os que mais porduziam,
chegavam a 7, 8, 9, 10 e até 11 mil arrobas de açúcar branco e mascavado.
598
Nas
localidades da Várzea, Muribeca e Santo Amaro mais moradores (senhores de engenho
civis) defendiam as suas localidades. Eram eles, por ordem, Francisco Monteiro Bezerra,
Miguel de Abreu Soares e Manuel da Costa Calheiros.
599
O primeiro, Francisco Bezer
ra,
produzia em 1623
-
24, quase 6 mil arrobas de açúcar no ano.
600
De uma forma geral, as
localidades aparecem primeiro nas crônicas nas Memórias Diárias da Guerra Brasílica
num contexto de defesa por seus moradores civis. Talvez sejam a estes ‘moradores’ ou
‘inwoonders’
que se refiram as fontes neerlandesas. Ou seja,
morador como sinônimo de
produtores de açúcar.
A instalação do escabinato não foi algo tão simples de ser feito. Pelo contrário,
exigiu t
oda uma estratégia para que os poderes locais
passassem a funcionar em
consonância com os interesses dos ‘poderes do centro’ (Nassau e o Alto Conselho).
Numa
notulen
de junho de 1637, o governo holandês deixou bem claro que os futuros
escabinos luso
-
brasileiros deveriam conhecer bem os costumes e leis portugueses
(
de
wetten ende costumen van Portugal
).
601
Essa condição, por si só, mostra como
os
holandeses não poderiam prescindir das leis anteriores. Nesse sentido, as câma
ras dos
esabinos não representaram necessariamente uma ruptura com a situação anterior. Para o
s
luso
-
brasileiros, não deveria ser extinto o direiro português. Para os neerlandeses, fazia
-
se
597
“ Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaracá e Pariba
ano de 1623” In:
MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. Vol. 1
. pp. 28
-
32.
598
Segundo a “lista…”, os maiores produtores de açúcar
(em arrobas)
das Capitanias da Paraiba, Ilha de
Itamaracá e Pernambuco eram seguintes: Manual Saraiva de Mendonça (11.620), Jerônimo Couto (10.317)
,
Jerônimo Paes (9.520), Pedro da Cunha d
e Andrade (9.035), Gregório de Barros Pereira (9.021) e Antônio
D’olanda (9.000). A média produz em torno de 4 a 5 mil arrobas ao ano.
599
COELHO, op. cit., p. 26.
600
“lista…”
601
IAHGP.
Coleção José Higino.
Dagelijckse Notulen. 27/06/1637.
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221
necessário conhecer as leis portuguesas para saber lidar com situações que envolvessem
os costumes “do tempo do rei”.
602
Na função judicante, os escabinos, tanto
neerlandeses como luso
-
brasileiros,
deveriam incorporar dois mundos jurídicos: o neerlandês e o Ibérico
. Isto pelo menos em
teoria. Assim, ao contrário da pesrpectiva ‘esvaziada’ do poder do escabinato proprosta
por Mário Neme, pensamos
que os escabinos
n
eerlandeses
estavam à espera de um
mundo complexo, em que as freguesias dispunham de suas peculiaridades geográficas e
de grupos de poder.
A partir de 1637, ano em que se formaram as primeiras câmaras de
escabinos no Brasil holandês, escabinos como Wilhelm
Doncker e Jacques Hack já
tinham o conhecimento, senão pleno, quase que total de como funcionavam algumas
localidades em Pernambuco e na Paraíba. Soma
-
se o fato de que alguns deles, em contato
com elementos do Conselho Político tenham, antes da administra
ção nassoviana, tomado
conhecimento das dificuldades em se administrar qualquer parte do Nordeste até então
conquistada.
Coube ao Conselho Político procurar, em cada território onde se constituiria uma
câmara de escabinos, os moradores mais probos e hab
ilitados em matéria de lei
(no caso
dos luso
-
brasileiros). Este foi
o primeiro passo
na escolha dos ‘oficiais cicis’ (
civille
officianten
). Os moradores selecionados nas esferas locais seriam em numero de 20 ou 30
e seriam eleitores que estariam habilitado
s a selecionar os esbaninos portugueses. A
escolha dos escabinos não seria, pois, fruto de um sufrágio direto. Nem poderia, visto
que, mesmo nos Paises Baixos, onde o sistema de representatividade sugeria um maior
grau de “democracia” (se comparado ao
Anti
go Regime ibérico), as tomadas de decisões,
inclusive ao nível dos Estados Gerais, davam
-
se mais num nível de convencimento do
que mesmo por voto direto. Este tipo de sufrágio só faz sentido num mundo pós
Mostequieu, a apatir do qual haveria uma ‘quebra’ d
a sociedade estamental. Na Holanda
setecentista, mesmo existindo um capitalismo financeiro em curso, a ruptura de uma
sociedade medieval com seus sistemas de representatividades ainda sobreviviam.
Escolhido
s
os eleitores, feitas as indicações para os esca
binos locais, uma lista de nomes
deveria se enviada para que Nas
sau nomeasse quais escabinos finalmente representariam
602
É bastante co
mum, nas fonts em holandês, a referência à situações que ocorreram antes de 1630 (ano da
i
nvasã
o holandesa) como sendo situações que se passaram “no tempo do rei” (
tijt van de king
).
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222
as suas respectivas localidades.
603
Vale ressaltar que a própria palavra em neerlandês da
época (oficiais civis)
guarda uma sem
e
lhança dire
ta com o correlato em português
(oficial da câmara). As câmaras d
e
veriam ser renovadas anualmente, seguindo o mesmo
processo eletivo.
Antes de passarmos às primeiras listas de escabinos, devemos fazer algumas
observações com relação ao Conselho Político
na implantação do escabinato. De grande
influência na administração da conquista antes da vinda de Nassau, este Conselho
dispunha de informações
importantes e das quais Nassau se serviria quando de seu
governo. Servaes Carpentier pode servir de exemplo par
a esta questão, uma vez que
serviu no Brasil na qualidade de conselheiro político, administrando a Paraíba em 1635 e
36. Havendo ele desempenhado funções administrativas e judicantes no Brasil,
Carpentier apresentou minucioso relatório
aos d
iretores da WIC
em 1635
, fornecendo
detalhes do funcionamento daquela capitania. De sua experiência administrativa se valeu
Maurício de Nassau ao lhe incorporar na função de assessor do Alto Conselho.
Serveas
Carpentier era homem bem relacionado na conquista, tendo como
cunhado um Alto
Conselheiro conhecido como Hendrick Hamel, que fora também comerciante no Brasil
holandês.
604
Uma outra figura importante, Elias Herckmans, que chegou a Pernambuco
em dezembro de 1635, participou ativamente da administração da Paraíba e do R
io
Grande nos anos seguintes. Herckmans foi responsável por instruir os escabinos
neerlandeses e portugueses no direito civil e criminal vigente nos Países Baixos.
605
Na
sua
Descrição geral da capitania da Paraíba
,
datada de 1639, Elias Herckmans
descreveu b
em como se dava a
administração desta capitania antes da invasão holandesa.
De certo, nomes de portugueses que foram indicados para escabinos já eram de
conhecimento do Conselho Político nos anos de 1635 e 36.
No iní
cio de julho de 1637, foram escolhido
s os
eleitores dos escabinos da
Paraí
ba. Uma lista com 15 nomes foi enviada desta capitania ao Recife pelo Conselheiro
Elias Herckmans. A lista dos eleitores era a seguinte:
603
IAHGP, idem. Onde se lê: “ te weten dat den politiuen Raet sal verkies
inge doen van 20 a 30 van de
qualificeerte van de Capitanie die electors sullen sijn soo lange sij leven ende electie doen van ‘civille
officianten”.
604
Informação fornecida por José Antônio Gonsalves de Mello.
Ver. MELLO, Fontes para a história do
Brasil
holandês, tomo II, p. 51, nota 51.
605
Idem, pp. 56
-
54.
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223
1. J
orge Homem Pinto
2. Francisco Camelo de Valcáçe
r
3. Francisco D’orado
4. Hen
ks Fransen
5. Eduard Hunnickhoven
6. Gaspar Fernandes Dourado
7. Jacque van der Neevens
8. Bento de Reguo Bezerra
9. Jan van Pool
10. Samuel Gerards
11. Manuel D’Azevedo
12. Manuel Dalmeida
13. Isaak de Rasiere
14. Pieter van Wijden
15. Cornelis Jucisens
Dos nomes acima, foram eleitos escabinos:
1. Jorge Homem Pinto
2. Isaak de Rasiere
3. Manuel Dalmeida
4. Jan van Pool
5. Gaspar Fenandes Dourado
Vale ressaltar que o processo de eleição de escabinos na Paraiba foi mediado pelo
conselheiro Elias Haerckmans. Este, por sua vez, conhecia bastante os moradores daquela
região, pois foi o primeiro a administrá
-
la
após sua conquista pelos holandeses e
m fins de
1634.
A pressa em se fazer a eleição na Paraiba se justifica talvez pelo fato de ser o
segundo mais
impontante porto do Brasil holandês. Essa posição
a Paraiba já havia
conquistado no período dos ‘pequenos lucros’ dos anos 1635
-
36. Após a queda do Arraial
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224
Velho do Bo
m Jesus (meados de 1635) a Paraí
ba viveu um clima de recuperação do
comércio, ainda que
em pequena escala. Não só a Paraiba, mas também Goiana e
Itamaracá forneceram, como foi visto no capitulo II, os
pri
meiros proveitos para a WIC
.
Dentre os eleitos, vale destacar que
Isaak de Rasiere já figura
va
como
um conhecido
nosso
da fase pré
-
nassoviana
. O mesmo, na fase dos
kleine profijten
, atuava como
cidadão
-
livre e havia emprestado grande soma de dinheiro à WIC no Brasil. É provável
que, já por volta de 1635, ele já fizesse comércio na capitania da Paraíba. Parte de seu
cap
ital pode ter ajudado alg
uns en
g
e
nhos da Paraiba a retomarem a sua produção. Afora
estas especulações, o
certo é que ele gozava de prestí
gio, pelo menos para a WIC, na
Paraíba.
Era importante para a administração de Nassau e do Alto conselho ter como
escabino, entre outros, pessoa
s de sua confiança nas esferas locais.
Rasierre tornou
-
se
senhor de engenho na Paraiba.
Outro nome da lista de ‘eleitores’
, Jorge Homem Pinto, também
assumiu a
propriedade de um en
genho na localidade. Outro senhor de engenho e eleitor na Paraiba
era Franc
isco Camelo de Valcacer. Nem Jorge Homem Pinto, nem Francisco Camelo de
Valcacer seguiram Matias de Albuquerque na sua defesa no Arraial Velho do Bom Jesus.
Coincidentemente, são esses dois nomes que encabeç
am a lista de eleitores da Paraí
ba.
Manuel D’Alme
ida, por seu turno, detinha, antes
da invasão, o privilégio de um
importante pass
o no rio Paraí
ba por onde atravessava a produção de açúcar. Como já foi
mencionado anteriormente, segundo o relatório de Serveas Carpentier, “esses passos tem
seus privilégios, ninguém podendo ter outro perto deles”.
606
Por fim, Jorge Homem Pinto
e Manuel D’Almeida estiveram entre os primeiros escabinos
eleitos
da capitania da
Paraí
ba.
Alguns dos antigos proprietárias abandonaram os seus engenhos e fugiram com
Albuquerque para a
Bahia. Foi o caso de Jorge Lopes Brandão, Luis Brandão e Manuel
Pires Correia. Nem todos os senhores de engenho da Paraí
ba
que permaneceram entraram
para
lista de
primeiros
leitores. Assim, Antônio Valadares, Duarte
Gomes da Silveira,
Antônio Pinto de Mendonça, João Araújo de Freitas, Fernando Álvares Romão e João de
Souto, que, ao que parecem, permaneceram na Capitania, não lograram espaço entre os
eleitore
s
na
primeira lista preparada por Elias Herckmans.
Jan van Poel (ou Jan van Ool)
606
MELLO, op. cit., p. 50.
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225
tornou
-
se proprietá
rio de dois enhenhos (o Espirito Santo e o Santo Antônio). Essa
inversão, ou seja, holandeses se tornando senhores
-
de
-
engenho nos revela, num contexto
de exercício de um poder local, que a instituição do escabinato, pelo menos neste aspecto,
não diferia da
câmara no mundo português. Houve
, em alguns casos,
uma espécie de
continuísmo
na relação ocupação de cargo no poder local/representante de uma
aristocracia agrária.
Diante do exposto, qual seria a lógica de formação de uma lista de eleitores luso
-
br
asileiros para representar o seu grupo? Pelo menos o argumento simplista de que ser
proprietário de um engenho era garantia de
ser eleitor ou escabino não se
verificou,
uma
vez que alguns deles que p
ermaneceram na capitania não tiveram espaço nessa
conform
ação de poder.
Um
outro
critério pode ter sido o conhecimento das leis e costumes porugueses.
Nesse quesito, Mário Neme, ao comparar o conhecimento jurídico dos escabinos
holandeses com portugueses, afirma que estes últimos dominavam melhor o seu sistema
de leis. Para ele:
“É de se presumir que estes juizes dos pequenos núcleos portugueses, arcando
pessoalmente com toda a responsabilidade dos julgamentos
, cuidassem de
conhecer melhor as leis, de estudar com maior atenção os casos e de orientar
-
se,
nas su
as decisões, tanto pelas regras jurídicas quanto pelas normas morais e
éticas que regiam o corpo social”.
607
Do lado dos esc
abinos holandeses, Mério Neme apontou a incapacidade
dos
mesmos, dada a inabilidade jurídica de muitos deles. Por outro lado, a
falta de habilidade
jurídica poderia ser compansada pela habilidade comercial, de maneira que estes
escabinos holandeses atuassem bem na esfera da fisc
alização da produção local de
açúcar.
Pelo menos na escolha dos eleitores para a câmara de Porto Calvo, o
Conselho
Político foi avisado de que as pessoas mais conhecidas (
personen best bekent
) da WIC
naquela localidade eram Rodrigo de Barros Pimentel, Miguel Camelo de Queiroga,
Diogo Gonsalves da Costa, Miguel Gonsalves Mazagão e Miguel Barbosa.
608
Não foi
607
NEME, op. cit., p. 221.
608
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 12/05/1638.
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226
por
acaso que Miguel Queiroga e Miguel Mazagão serviram por mais de uma ocasião em
Porto Calvo.
A primeira lista de eleitores do “distrito da cidade de Olinda e Recife”
, preparada
pelo Alto Conselheiro Shilt, já era bem maior que a da Paraiba. São eles:
1. Jacob Stachouer
2. Gaspar da Silva
3. Nicolas de Rider
4. Pedro da Cunha Dourado
5. Willen Doncker
6. Pedro Lopes de Vera
7. Elbers Chrisping
8. João Carneiro de Maris
9. Jaque Hack
10. Theodosius Lempreur
11. Fernando Vale
12. Jan Schaep
13. Antônio de Belchiors
14. Matheus Bec
15. Arnau DOlanda
16. Cheristoffel Airschettel
17.
B
ernardim de C
arvalho
18. Bartholomeus van Ceulen
19. Gaspar Dias Ferreira
20. Jos van de Boogart
21. Francisco de Brito
22. Michiel Hendrickx
23. Luiz Braz Bezerra
Essa lista p
rovocou desagrado em alguns eleitores, que apontaram a origem
judaica de Pedro Lopes de Vera (omdat van joodsche geslachte
waren
), Fernando Vale e
Gaspar Dias Ferreira. Este último, por sua vez, afirmou que os seus antecedentes “eram
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227
cristãos velhos” (
oude
kristen
en
waren
) e que “era tão nobre quanto os outros que ali
estavam presentes (ende van soo noble geslaerchte des yemant die daer present waren
)
609
De todos
aqueles nomes indicados para vot
ar e ser
em
votados, chegou
-
se a uma
lis
ta menor de 14 nomes:
1.
Jacob Stachouer
2. Willen Doncker
3. Jaques Hack
4. Michiel Hendrickx
5. Christoffel Airschettel
6. Elbert Chrispynsen
7. Francisco de Brito Pereira
8. J
oão Carneiro Mariz
9. Jan van den Boogart
10. Antônio da Silva
11. Gaspar Dias Ferreira
12. Paulo D’Ar
aújo
13. Arnau D’Olanda
14. Francisco Dandrade
Dessa lista de eleitores, Francisco de Brito era proprietário de um engenho na
Várzea, Gaspar Dias Ferreira havia comprado à WIC os engenhos Santa Maria e Santo
André na freguesia de Muribeca.
610
João Carneiro
Mariz comprou da WIC o engenho
Sibiró de Cima, na Freguesia de Ipojuca e se tornava
um novo senhor
-
de
-
engenho.
611
Pelo menos numa lista de proprietários de engenhos das capitanias da Paraíba,
Pernambuco e Itamaracá,
datada de 1623,
o seu nome não aparece.
612
Arnau de Holanda
era proprietário do engenho São João, na freguesia de São Lourenço.
O mais antigo
porprietário de engenho dos até então elencados parece ter sido Antônio da Silva, dono
do engenho São Braz na freguesia do Cabo de Santo Agostinho. O seu no
me consta na
609
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 07/08/1637.
610
MELLO, op. cit.,
p.86.
611
Idem, p. 83.
612
“Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambuco, Ilha de Itamaracá e Paraíba
ano de 1623”. In:
MELLO, op. cit., p.28.
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228
lista de proprietários de 1623.
Dos neerlandeses, Jacques Hack havia adquirido um
engenho na freguesia da Várzea.
613
Sobre a composição das listas de eleitores nas diversas localidades,
temos que as
sua
composição
poderia
variar. Em medos de 16
39, as câmaras de Olinda e da Paraíba
encontravam
-
se vacantes. Para Olinda, ingressaram como novos eleitores Jacob Alrichts,
Hans van der Goes e Gillis Kroll. Para a Paraíba, foram escolhidos Pieter Coets e Jaspar
van Sulphen.
614
Realizadas as listas de el
eitores e es
cabinos para as câmaras da Paraí
ba e Olinda,
no segundo ano de vigência do escabinato, alguns nomes começavam a representar
perigo à administração nassoviana
. Do
lado luso
-
brasileiro, enquanto
o
nome João
Fernandes Vieira, futuro escabino da câmara de Mauricía, adquiria visibilidade e respeito
por parte dos holandeses, outros amigos seus caíam em desconfiança.
615
Foi o caso dos
senhores de engenho e também eleitores João Carneiro de Mariz e Arnau de Holanda, em
Pernambuco e Duarte Gomes da Silvei
ra e João do Souto na Paraiba
. Esse grupo foi
preso em 2 de agosto de 1638 s
ob acusação de se corresponder e dar
acolhidas aos
campanhistas luso
-
brasileiros. S
egundo conclusão de
José Antônio Gonsalves de Mello,
em relação a este episódio,
“foram apreendidos todos os papéis dos acusados e estabelecida uma comissão
de inquérito.
Depois de longa demora, nada se apurou contra eles. Entretanto,
morrera na prisão Pedro da Cunha de Andrade
, um dos mais prestigiados entre os
acusados
”.
616
Talvez esse fato expliq
ue a não escolha de um nome como Arnau de Holanda,
tradicional senhor de engenho em Pernambuco, para compor o seleto grupo de escabinos
613
MELLO, op. cit., p.87.
614
IAHGP. Coleção José Higino
. Dagelijckse Notulen. 10/06/39.
615
MELLO, José Antôni
o Gonsalves de. João Fernandes Viera: Mestre
-
de
-
Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco, op. cit. , p. 50. Segundo o autor: “Em 12 de agosto, ainda em 1638, Viera arrematou, em
seu proprio nome, por 26.000 florins, o contrato anual da “pensão”, sobre os
açúcares dos enegenhos de
Pernambuco. Por esta mesma época (entre 1 de agosto e 6 de outubro de 1638), Viera adquiriu a crédito,
em leilão, “para o Senhor Jacob Stachouwer”, um partido de canas que pertencera a Luís Barbalho Bezerra,
por 28.500 florins”.
616
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Viera: Mestre
-
de
-
Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco, op. cit. , pp. 50
-
51.
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229
de Olinda
nos anos de 1638
-
39.
617
O panegírico Gaspar Barléus registrou esse episódio
da “conjura de portugueses acredita
da, mas não provada” ao mesmo tempo em que
celebrava a cessão, por parte de Nassau, brasões de selo às câmaras provinciais para a
autenticação de atos públicos. Também deixou claro que, sobre a suposta counjura,
“esses acontecimentos afrontavam o nosso imp
ério, sem consentir que se co
nsiderasse
inteiramente feliz”.
618
Fica claro que Gaspar Barléus, no intuito de não enxergar a
gravidade da situação que envolvia eleitores e escabinos portugueses, não relacionou os
nomes aos cargos. Por último, pode ter concorri
do para a “liberação” dos pró
-
homens
acima o fato de que
o ano de 1638 dava boas perspectivas na safra de açúcar “em razão
das chuvas moderadas e tempestivas, que dava aos agricultores esperança de 18.000
caixas”.
619
No caso de Duarte Gomes da Silveira, não foi esquecido, por parte de Nassau
e do Alto Conselho, do “auxílio por ele pre
s
tado na expugnação da Paraiba”.
620
Seja
como for, o fato é que, desde o início de sua aplicação, o sistema do escabinato se
apresentava como algo frágil, dada a permanente tensão
entre neerlandeses e luso
-
brasileiros. Aliás, essa fragilidade da administração holandesa já fora exposta no capítulo
anterior.
A base social da economia açucareira, a classe dos senhores
-
de
-
engenho,
representava a incerteza aos olhos dos administradores batavos.
O sistema do esca
binato se adaptava, no Brasil, às necessidades e possibilidades
do momento. Vejamos dois casos: Em julho de 1639, o Alto Conselheiro Nuno Olpherdi,
em viagem à região do São Francisco, aconselhou Nassau a instituir uma câmara de
e
scabinos nesta parte da conquista. Dois anos após a instituição do escabinato, a fronteira
sul do Brasil holandês passaria a ganhar um tribunal local. Nuno Olpherdi observou na
região diversos incovenientes naquele distrito, cujos moradores não tinham a qu
em
recorrer em questões civis e criminais senão à gurnição local. A demora em se instalar
uma câmara de escabinos nesta região demosntra a deficiência da administração
nassoviana em alcançar legalmente todo o território conquistado.
621
O segundo exemplo
617
Como se vê nos anexos, Arnau de Holanda só representará a Câmara de Escabinos da Cidade Maurícia
bem mais tarde, na g
estão de 1643
-
44.
618
BARLEUS, op. cit. p. 103.
619
Idem, p.103.
620
Idem, p.105.
621
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 13/07/1639. Na qual se lê: “ De edele heer Nuno
Ulpherdi rapporteerende, hoe nodich was in Rio Sto Francisco ook een camera v
a schepenen geordeneert
werde, met conde de saecke van justitie aldaer waerneme”.
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230
da a
daptação do escabinato às realidades locais temos em Porto Calvo. Nesse distrito,
alguns escabinos holandeses permaneceram até três anos seguidos no cargo (o permitido
era de, no máximo, dois anos). Este foi o caso dos escabinos Davids de Vries, Jan
Fletch
er
e Jacob Welthuisen que serviram em Porto Calvo nos anos de 1642, 43 e 44. O
argumento da administração superior foi de que aí residiam poucos holandeses para se
revezarem na função.
622
Nassau e o Alto Conselho não não deviam temer apenas aos luso
-
brasil
eiros, mas
também aos próprios neerlandeses. Em julho de 1639, chegou ao conhecimento da
administração superior, através de informações fornecidas por comerciantes que “muitos
escabinos que regressam aos Países Baixos são pessoas que contraíram muitas
dívi
das”.
623
O cuidade que Nassau e o Alto Conselho, assessorados pelo Conselho
Político nas diversas localidades, deveriam ter com relação à probidade dos portugueses
que iriam compor as diversas câmaras de escabinos
fez a WIC se esquecer da probidade
de seus p
róprios agentes. A denúncia é de que esses escabinos individados estariam
embarcando de volta para os Países Baixos “sem o conhecimento dos capitães dos
navios” (
bujten de kennisse van de schippers
)
. Essa situação acima relatada contradiz as
opiniões de He
rmann Waetjen ao afirmar que “enquanto João Maurício teve em suas
mãos as rédeas do governo, a terra conservou
-
se geralmente quieta,
-
pelo menos as
capitanias principais foram preservadas de pesadas tempestades”.
624
Hermann Waetjen
relacionou o “controle” da administração por parte de Nassau com a criação das câmaras
de escabinos. A prática mostrou que esse controle não se verificava. Soma
-
se o fato que
a opinião de Waetjen acerca das câmaras portuguesas era bastante negativa, chegando ele
a considerá
-
las
como “mal organizadas”.
625
Assim,
retomando a primeira lista de eleitores de Olinda,
foram excluídos Pero
Lopes de Vera e Fernando Vale
626
, considerados ‘inabilitados’ por serem supostamente
judaizantes.
Essa intolerância religiosa se deu mais em função de u
ma oposição dos
622
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 28/06/1642.
623
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 05/07/1639.
624
WAETJEN, op.cit. p. 201.
625
Idem.
626
José
Antônio
Gonsalves de Mello referiu
-
se
a este fato e registrou este episódio.
Ref. MELLO, Revista
do IAHGP/separata do vol. 51. Gente da nação: Judeus residentes no Brasil holandês, 1630
-
54.
Recife,
1979, p. 78.
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231
cristãos
-
velhos portugueses que não queriam dividir o mesmo espaço de poder como os
supostos judaizantes.
Finalmente, no dia 24 de setembro de 1637, foram escolhidos por Nassau e o Alto
Conselho para exercerem a função de escabinos de Olin
da
:
1. Willen Doncker
2. Jaques Hack
3. Francisco de Brito Pereira
4. Gaspar Dias Ferreira
5. João Carneiro Maris
Dos três escabinos portugueses escolhidos, cada um representava uma freguesia
diferente, talvez como estratégia de Nassau e do Alto Cons
elho em não
concentrar juizes
de uma
mesma região
ou freguesia. Foi decidido que eles deveriam residir e Olinda, local
das audiências. Com isso, a vila de Olinda nã
o ressurgia apenas como um conjunto de
edificações
, mas também como um locus juridicus
, pape
l que sempre teve na capitania de
Pernambuco.
Um dado importante dessa eleição em Olinda é de que, pela primeir
vez, aparece
na documentação a
função dos escabinos. Deveriam, sobretudo, administrar a justiça e
exercer o poder policial (
justitie ende polit
ie mochten administreren
). Mas a
notulen
datada de 25 de setembro
, um dia após a es
c
olha dos escabinos, de
i
xou claro que os
mesmos deveriam ser instruídos por um membro do Alto Conselho, um membro do
Conselho Político e um Advogado Fiscal sobre os procedim
entos legais e de acordo com
o direito dos Estados Gerais da Holanda.
627
Essa eleição de escabinos em Olinda pode ser um caso emblamático, sobretu
do
porque nos suscita uma série
de questões. Primeiro porque, o cuidado que se teve em
detalhar as funções do
poder local, coisa que nã
o foi feita para o caso da Paraí
ba. Mas
isso não importa tanto, já que era tão óbvio que não carecia de detalhamento em fontes. O
que
podemos depreender dessas considerações acima é o interesse que despertava a
função nesse ‘distrito’. E isto também por razões óbvias. Olinda e Recife, unido
s numa só
627
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse N
otulen. 25/09/1637.
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232
área jurisdiconal, e geograficamente o ‘centro do poder’ na
conquesten
bata
va. Isso em si
guardava vantagens e desvantagens para os que iam desempenhar as funções de
escabinos
.
Vale ressaltar que as câmaras dos escabinos traziam uma nova realidade jurídica
aos portugueses. A maior diferença entre as câmaras portuguesas e dos escabinos foi
descrita por Mário Neme como se segue:
“[...] nas capitanias portuguesas, nas quais vigoravam as O
rdenações do reino,
além das devassas a que estavam sujeitos os julgadores e todos os funcionários
da justiça, das sentenças dos juízes ordinários das vilas e cidades, em causas de
certo valor para cima, autores e réus podiam apelar, primeiro para o ouvido
r da
capitania (juiz de segunda instância), depois para o ouvidor
-
geral da Bahia (com
função de corregedor)
, e, finalmente, para tribunais da metrópole. Sob os
holandeses, das decisões dos escabinos só cabia recurso, e assim mesmo apenas
em certos casos, para o Conselho Político, cujos membros [...] exerciam também
funções de administração como funcionários subordinados ao Conselho Supremo
[Alto Conselho]
e eram, ao mesmo tempo, procuradores dos negócios da
Companhia”.
628
A vantagem mais visível de um pode
r local junto a um poder central é a de se
estar próximo ao também centro econômico da conquista. Não podemos nos esquecer que
o Recife funcionou como uma espécie de ‘cidade armazém’, para onde convergiam os
principais produtos negociados na conquista. Ass
im, armazéns de açúcar e pau
-
brasil,
mercados de escravos e outros produtos, orbitavam em torno de seu porto. Poderia
-
se
dizer de um Recife como uma miniatura de Amsterdam. Ao tempo de Nassau e do Alto
Conselho, não tínhamos apenas os pequenos lucros, mas
os grandes lucros (
groote
profijten
). O Recife possuía uma população de mais de 3 mil pessoas, a ilha de Antônio
Vaz vivia em meio a um violento processo de especulação imobiliária.
En
fim, pelo
menos nos limites destes dois burgos, o comércio vicejava
e er
a interessante a
aproximidade
com eles. As
possibilidades de contato com vá
rias partes do Atlântico
poderia despertar em indivíduos como o Jaques Hack e
Gaspar Dias Ferreira o desejo de
628
NEME, op. cit., p. 222.
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233
empreitadas mercantis com a África Centro
-
Ocidental e com o Caribe. Nã
o é à toa que
foi po
r
essa época que a ilha de Barbados deu início às suas primeiras plantações de cana
-
de
-
açúcar a apartir de pessoas que estiveram em Pernambuco.
Sobre Gaspar Dias
Ferreira, afirmou José Antoônio Gonsalves de Mello que “era um tipo de ave
ntureiro
intelectual, com boa instrução latina e autor de escritos muito interessantes; baseou
-
se e
sua amizade com Nassau a sua ambição de riqueza”.
629
Por isso depreendemos a
importância, sobretudo para Nassau, da indicação de seu nome para escabino de Olinda.
As possibilidades de progredir comercialmente é um fator que liga uma influência
loca
l (ou uma ocupação no poder local do Recife)
através de um car
go judicante aos
objetivos de expansão econômica.
No caso mencionado acima acerca da desqualificação d
e Pero Lopes de Vera para
a condição de el
e
itor e escabino de Olinda,
ainda que este fosse pro
pr
ietário de dois
engenhos em Ser
inhaém (engenho Serinhaém e São Braz)
, isto não lhe garantiu assento
entre os escabinos.
Na definição da alçada dos escabinos, f
icou determinado que os mesmos
atuariam em sentenças de um valor até 100 guldens. Isto já foi refre
r
ido por Hermann
Waetjen e José A. Gonsalves de Mello. Contudo, não foi uma decisão
repentiva. Ela só
veio expressa quase um mês após a eleição dos escabinos
em setembro de 1637.
630
O que
nos interessa neste caso dos limites das setenças dos escabinos (e a
decisão se estendeu à
todas as câmaras ‘dat alle camaras sullen mogen bij arrest setencieren
...’) é que foi algo
que não
foi decidido instantaneamente. Pelo
contrário, foi necessário praticamente um
mês para que essa decisão fosse tomada. Isso demonstra que a implantação do escabinato
não era algo monolítico e automático. Pelo contário, estava
-
se tentando uma um modelo
de administração local
presente nos paí
s
es do norte da Europa nos
trópicos. Por mais que
a instituição
tentasse presenvar a sua origem, os problemas com os quais ela lidou no
Brasil foram bem diversos daqueles vivenciados nos Países Baixos.
629
MELLO, op. cit., p. 52.
630
IAHGP. Coleção José Higyno. Dagelijckse Notulen. 27/10/1637. Na qual se lê: “op het versouck van de
schepenen van Olinda te weten I wat saecke sende tot wat waerde ofte somme sij
bij arrest sullen mogen
sententierenn sijn her datter appel van haere setencie mochte wellen. Soo is met sijn Excellentie goet
gevonden dat alle camaras sullen mogen bij arreste setentieren in saecken die maer een honders guldens
ende daer beneden waerdigh
sijnde”.
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234
Por vezes, Nassau e o Alto Coselho eram consultados p
elos escabinos de Olinda.
Em fins de 1637, o Alto Governo foi consultado a respeito do pagamento de capitães
-
do
-
mato para a captura de escravos fugidos dos engenhos daquela jurisdição. O
representante dos m
oradores foi o escabino Gaspar D
ias Ferreira. Sobr
e o assunto foi
aconselhado que o
s
capitães
-
de
-
mato deveriam receber 150 guldens anualmente.
631
Essa
figura do escabino enquanto mediador entre os moradores e o Alto Governo pode ser
visto neste caso
acima. Teoricamente, eles deveriam
ser os olhos do Alto Go
verno nas
localidades. O que Gaspar Dias Ferreira observou nos engenhos da jurisdição de Olinda
era que a plantação de mandioca no ano de 1637 tinha sido ba
s
tante exígua, daí
certamente a necessidade de se ter mais negros para o plantio.
632
Esse caso do paga
mento
de capitães do mato jogava a instituição dos escabinos num emaranhad
o de problemas
estranhos aos Países Baixos. A imersão neerlandesa diretamente no mundo da escravidão,
desde a
compra diretas de cativos em São Jorge
Mina e Luanda até a captura de es
cravos
fugidos, reverberava nas instituiç
ões do poder local representado
pelos escabinos. Vivia
-
se no Brasil uma espécie escabinato à maneira atlântica. Nesse sentido, qualquer reflexão
sobra a experiência dos escabinos no Brasil deve levar em consideração
a seriedade que
isso implicou. Essa não foi uma experiência simplesmen
te inócua, como tenta parecer
rio Neme ao esvaziar o papel dos escabinos no Brasil.
Seis meses depois da implantação das câmaras de escabinos na Paraí
aba e Olinda,
che
gou a vez do ‘d
istrito’
de Igarassu, d
e menor jusrisdição que os demais. F
o
ram
indicados para eleitores:
1. Sebastião Lopes da Fonseca
2. Inácio Paes de Chaves
3. Sebastião Gomes Machuca
4. Sebastião Vieira
5. João Dias Leite
6. Domingos Mendes Braga
631
Idem, 30/12/1638. na qual se lê: “ De cameren van Olinda vooderen versoercht sijnde ons met haer
adveijs te … wat ordre bequamelijcke sonde gestalt werderop de captos do campo ende haere soldadten,
soo geconpacert de shepen Gaspar Dias Ferrei
ra ende gehoort sijn advijs.
Is geresolveert dat men de capts
do campo ijder jaerlicx aen gagie van f. 150.
632
Idem. No qual se lê: “ Alsoo voor desen de Camara van Olinda wat voor gehouden, hoe dat de
inwonderen dit jaer wienich mandioque oft rossas soude
n planten also se alle hare negros gebruyckten”.
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235
7. Thomé Gomes
8.
João Freire
9. Marcus Dias de Lucena
Foram eleitos os seguintes nomes:
1. Sebastião Lopes da Fonseca
2. Sebastião Vieira
3. Domingos Mendes Braga
De menor jurisdição, Igarassu não
precisou
de nenhum holandês. No primeiro
relatório redigido por Nassau n
o Brasil, em 1638, nenhum dos nomes acima aparece
como proprietários de engenho em Igarassu. Ou situavam
-
se na classe dos lavradores, ou
na dos comerciantes.
633
Um dos senhores
-
de
-
engenho em Igarassu era o cristão
-
novo
Domingos da Costa Brandão, que pode ter sido exluído da câmara dos escabinos pela sua
ascendência judaica, tal qual Pero Lopes de Vera
. Costa Brandão era proprietário do
engenho Jaracutinga, sob a invocação de São Filipe e Santiago. Segundo depoimentos à
inquisição recolhidos de alguns cristãos
-
novos, Domingos da Costa Brandão já residia no
Recife à época da invasão (1630) e exercia também a atividade de comerciante em
Olinda.
634
Olinda, ao contrário tinha uma jurisdição que ia até Ipojuca, no litoral sul.
Era o
maior distrito e abarcava várias
freguesias, desde a Várzea do Capibaribe até o Cabo de
Santo Agostinho. Essa jurisdição de Olinda, sob os holandeses, correspondia à jurisdição
de Olinda sob os portugueses.
Na Paraiba, um ano após
a primeira eleição, o sistema de jurisdição local
foi
re
pensado. Foi decidido
por Nassau e
p
elo Alto Conselho que a câmara da
Paraiba seria
constituída por três neerlandeses e dois portugueses
. Também foi decidido que, todo ano,
633
MELLO, op. cit., p.89.
Breve discurso sobre o Estado das quatro capitanias conquistadas, de
Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do Brasil.
Segundo o
relatório, dos
oito engenhos de Igarassu, constavam como proprietários os descendentes de Pero da Rocha
Leitão (que foi enforcado no Arraial Velho do Bom Jesus por ter se correspondido com os holandeses),
Manuel Jácome Bezerra, Domingos Velho Freire, Gonçalo Novo de Lira
, Domingos da Costa Brandão,
João Lourenço Francez e um outro pertencente à Ordem dos Beneditinos.
634
MELLO, José Antônio Gonsalves de.
Gente da Nação: Judeus residentes no Brasil Holandês (1630
-
54).
In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Vol.51. Recife, 1979, p. 67.
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236
permanece
riam
dois escabinos do ano anterior (
soo is ook geresolveert alle jaren tw
ee
van de oude schepenen te continuiren
).
635
Essa regra foi descumprida, como no caso de
Porto Calvo citado acima.
Aos poucos, o que seria, segundo alguns historiadores, um “modelo ideal” de
administração das localidades, mostra os seus desconfortos e pro
blemas. Da p
arte
neerlandesa, havia sempre
medo de uma traição por parte de algum escabino português.
Mauricio de Nassau e o alto Conselho, no caso citado acima da maioria de escabinos na
câmara
da Paraiba, acataram uma reclamação dos escabinos holandeses
preocupados com
a maioria portuguesa naquela jurisdição.
O Alto Governo chegou a considerar a medida
como “mais segura para nosso estado” (securder voor onsen staet
).
Na segunda eleição para a câmara da Paraiba em 1638, foi feita a seguinte lista de
elei
tores:
1. Geraldo Mendes
2. Rafael Carvalho
3. Duarte Gomes da Silveira
4. João do Souto
5. Francisco Camelo de Valcá
cer
6. Manoel D’Azevedo
7. Meuno France
8. Eduart Munickhoven
9. Gijsbert Dionijs
Nessa nova lista para eleitores na Paraiba ingressara
m os senhores de Engenho
João do Souto (engenho Santa Luzia) e Duarte Gomes da Silveira (engenho Salvador)
.
Não apenas as listas de
escabinos eleitos podiam ser modificadas, mas também as
relações de eleitores. Essa “proposição” dos eleitores por parte do
governo holandês
colocava no poder local elementos holandeses sobretudo ligados ao comércio.
Dos antigos escabinos, permaneceram Jan van Pol e Manuel D’Almeida. O novos
eleitos foram:
635
IAHGP. Coleção José Higino. Dagel
ijckse Notulen. 25/07/1638.
A notulen deixa bem claro que estes
escabinos não podem permanecer por mais de dois anos consecutivos (“Hets evenwel dat se niet meer als
enns
twee jaren achter den anderen mogen dienen, nider den derden jaer moeten geexcuseert warden”.
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237
1. Alonso França
2. Geraldo Mendes
3. Eduart Munickhoven
Essa c
onstante regulação das esferas locais contrasta com a experiência municipal
nos Paises Baixos. Um estudioso da história da Companhia das Índias Ocidentais, W. J.
van Hoboken, chamou a antenção para a autonomia municipal neerlandesa e a sua relação
com a pr
osperidade econômica dos Paises Baixos. Levando em consideração alguns
argumentos de Huizinga, observou Hoboken que:
“Ele [Johan Huizinga] rejeita a idéia de que a Holanda deveu a sua
prosperidade econômica ao desenvolvimento de idéias econômicas
avançada
s. Pelo contrário, foi essencialmente o velho principio medieval
da liberdade municipal que continuou a dominar a vida econômica.
Huizinga assinala que o vigor interno da estreita organização municipal
não foi suficiente para explicar o extraordinário cres
cimento da juvem
Republica; foram antes as condições políticas da Europa que permitiram
aos habitantes dos Paises Baixos utilizarem
-
se plenamente da sua
liberdade e das suas capacidades inatas”.
636
O argumento de Hoboken, levando em consideracão parte do
pensamento de
Johan Huizinga, considera a fundação da Companhia das Índias Ocidentais como
conseqüência da liberdade política de um povo que herdou da Idade Média a autonomia
do poder local. Contudo, no Brasil holandês, esses poderes, pulverizados na conq
uesten
,
não eram autônomos na medida em que respondiam às instruções do Consellho Político e
de Nassau e o Alto Conselho. Afasta
-
se
então a falsa idéia de democracia do escabinato
brasileiro.
Se na esfera do comércio portugueses e halandeses se entendiam,
o mesmo não se
pode dizer das questões cíveis e criminais. Por vezes, a interferência do Alto Governo
(Nassau e o Alto Conselho)
se fazia necessária na aplicação do direito nas localidades.
636
HOBOKEN, W. J. van.
A Companhia das Indias Ocidentais: fatores politicos da sua ascensão e
declinio.
In. Revista do IAHGP. Separata do vol, 49.
Recife, 1977, p
. 309.
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238
Passado um ano da primeira eleição para escabinos, o Alto Governo
achou prudente que
o Alto Conselheiro Serveas Carpentier e o Conselheiro Político Johan Boedecker
“formulassem
instruções para os escoltetos
637
e escabinos em matérias de policia
e justiça bem como ordenações sobre matéria de casamentos e outros necessári
as
ao melhor governo. As instruções devem ser estendidas aos secretários dos
escabinos”.
638
Como visto, as “instruções” deveriam ser estendidas aos assessores dos escabinos
para que não houvesse confusão no limite de suas jurisdições .
Analisando a insti
tuição dos escabinos, Mário Neme destacou que a própria
Holanda carecia de uma estrutura jurídica orgânica ao nível dos municípios. Daí, a seu
ver, a ausência, no Brasil holandês, de “um corpo de legislação geral, um corpus júris que
contemplasse o direito
publico, o
direito privado, o direito penal
, o direito processual
civil e criminal [...]”.
639
O poder local existia com leis e costumes das províncias da
Holanda e da Frísia Ocidental. Era apenas uma adptação
de costumes provinciais dos
Paí
ses Baixos em in
stituições locais na América potuguesa.
Baseado no argumento da
“vazio normativo” das câmaras dos escabinos, Mário Neme fechou a questão afirmando
veementemente que “talvez em nenhuma parte do mundo ocidental de então a garantia de
direito dependeu tanto da personalidade dos juizes quanto no Brasil holandês”.
640
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o autor de
Fórmulas Políticas no Brasil
Holandês
critica o principio de reprentatividade do poder local no Brasil holandês,
exarceba o caráter representativo da câmara no Brasil colonial denominando
-
a como uma
instituição de “caráter democrático indiscutível”.
Em relação a isso, os estudos mais
recentes acerca do município no império português tem desmentido às largas esta visão
do poder local. Para afirmar o que afirmou, Mário Neme se apoiou no fato de que
637
Exerciam função policial e fiscalizavam os escabinos.
638
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. Na qual se lê: “[…] om te formeren instruction voor
de scholtetten ende schepenen in politie ende justitie, als mede ordenantien over huwelii
jxsaecken ende
andere tot better regeringe nodig sullen beconden warden, ales mede instruction voor secretarissen van de
schepenen […]”.
639
NEME, op. cit., p. 220.
640
Idem.
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239
“as câmaras municipais do Brasil já haviam nascido conformadas e
reguladas por um corpo de leis que lhes dava não só um caráter
democrático indiscutível, mais ainda um razoável grau de autonomia,
deconhecido em paises mais evoluídos da época”.
641
Ocorre que o “corpo de leis” ao qual estavam subordinados os poderes locais no
Brasil nem sempre funcionava na prática. Julgar um melhor ou pior funcionamento de um
poder l
ocal
pela existência ou não de um conjunto de leis orgânicas seria não considerar
a
diferença entre o direito
nos livros e
o
d
ireito na vida
, como ressaltou recentemente
António Manuel H
espanha.
Assim, Mário Neme comungava de uma perspectiva
“em que o poder era algo produzido pelo direito
, nos luga
res designados
pelo direito, com os agentes nomeados pelo direito e sob as formas
prescritas pelo direito. Este encerramento jurídico do poder atenuou
-
se um
tanto com o advento das instituições que, pelo menos, distinguiu mais
claramente o direito dos livr
os (
law in the books
) do direito tal como ele
era vivido no quotidiano (law in action
).
642
Também não parece plusí
vel, ainda segundo Mário Neme, que a Companhia
das
Índias Ocidentais
fosse apenas uma organização comercial desprovida de ordenamento
jurídi
co ou necessariamente incapaz
totalmente
de conduzir um processo de consquista e
expansão territorial e comercial
. O que é justo observar é que a mesma encontrava
-
se
ainda em seu estágio inicial de vida e, por isso mesmo, muitas “experiências” eram feitas
em mat
éria de administração colonial
ultramarina
. Vigorava, na experiência do
escabinato no Brasil, o
la
w in action
.
A segunda eleição para a câmara de escabinos de Olinda (em junho de 1638) deu
a maioria para os holandeses. Dos escabinos da primeira gest
ão, ficaram Willen
Doncker
e Gaspar Dias Ferreira, aos quais se juntaram Gaspar van Niehof van der Ley, Samuel
641
Idem, p. 225.
642
HESPANHA, António Manuel. Governo, elites e competência social:
sugestões para um entendimento
renovado da história das elites.
In: Modos e Governar: idéias e práticas políticas no Império portugues.
Maria Fernanda Bicalho e Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs).
São Paulo: Alameda, 2005, p. 39.
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240
Halters e Luiz Brás Bezerra.
Enquanto isso, para câmara de Igarassu, foram nomeados
:
Francisco Dias de Oliveira, João Lourenço Francez e Leonardo
Dias
. Algumas
considerações podemos fazer em relação a lista de eleitores das câmaras de Olinda e
Igarassu. A primeira delas é que, em ambos os casos, alguns nomes foram substituídos
em relação à primeira eleição. No caso de Olinda, nesta segunda eleição,
a quantidade de
eleitores se reduziu bastante em relação à primeira, de 23 nomes para 15.
Ao mesmo
tempo, foram nomeados para escabinos
, na freguesia de
Serinhaém
,
Miguel Fernandes de
Sá, Gaspar Correia Réguo e Francisco de la Tour.
643
Poucos
dias d
epois
,
o Conselho Político preparou a lista de elitores do Rio Grande
(do Norte).
Os primeiros eleitores do Rio Grande são os seguintes:
1. Simão Nunes Correia
2. Francisco Mendes da Fonseca
3. João Borges Souto Maior
4. Estevão Machado
5. Manuel Roiz Pimentel
6. Domingos Carvalho DAzevedo
7.
Diogo Dias Soares
8. Pero Xará Ravasco
9. Manuel Pinheiro
10. João Leitão Navarro
11. Filipe Parede
12. Jan Bonania (?)
13. Joorge Gaartzman
Finalmente, foram indicados por Nassau e pelo Alto Conselho para a função de
esc
abinos no Rio Grande:
1. Domingos Carvalho DAzevedo
2. Pero Xará Ravasco
3.
Manuel Pinheiro
643
IAHGP. Coleção José Hi
gino. Dagelijckse Notulen. 26/06/1638.
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241
4. Andries Classen Quartz
O que, de inicio, podemos observar nessa primeira lista para escabinos na
capitania do Rio Grande é que nela predominam praticamente por
tugueses. Outra
observação é de
que o nome de Andries Classen Q
uartz, que não estava na lista de
eleitores, foi incorporado aos escabinos escolhidos pelo Alto Governo. Essa
predominância de nomes portugueses na lista de eleitores do Rio Grande poderia
sign
ificar des
leixo da administração da WIC
nessa região? Certamente não, uma vez
que
se tratava de um distrito
estra
tégico no Atlântico sul, uma vez que servia
de ponto de
escala para os navios que iam ao Ceará, Maranhão e Caribe. Além do que a quantidade de
sal e madeira era extraída daquela região em e
scala considerável. Ainda no iní
cio da
invasão neerlandesa em 1630, a coroa ibérica cham
ava a atenção para o risco dos
holandeses
atingirem o Rio Grande e o Ceará para não se servirem da madeira de boa
qualidad
e que havia naqueles lugares.
Nesse distrito do Rio Grande
, temos que o que menos importava à WIC era a
quantidade de açúcar produzida. Não se tratava de uma região como a capitania de
Pernambuco, com uma quantidade considerada de engenhos.
Segundo um rel
atório de
1638, existiam apenas dois engenhos na capitania do Rio Grande, que estava subdividida
em quatro freguesias. Ainda segundo este relatório, efetuado um ano após a chegada de
Mauricio de Nassau, a principal atividade do Rio Grande era a pecuária. A
s quatro
fregue
sias que ai existiam ficaram suj
eitas a
apenas uma câmara de escabino
s
.
Da principal contribuição desta capitania para a Companhia, o relatório
acima
deixa saber que ela “já está dando muito gado, que é conduzido para a Paraiba, Itamaracá
e
Pernambuco, onde parte dele forma novos currais e parte é utilizada para o corte e para
trabalhar nos carros e nos engenhos”.
644
Do primeiro ano de atividade da câmara no Rio
Grande, o relatório também considerou que:
“A câmara desta
capitania
está em Potigi (Potengi) com licença de S. Excia e dos
Altos e Secretos Conselheiros, trabalhando para agregar ai uma população que dê
644
Breve Discurso sobre o estado da
s
quatro
Capitanias conuistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de
Janeiro de 1638.
In: MELLO, op. cit. p. 95.
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242
começo a uma cidade; dará ai suas audiências, e para este fim levantará uma casa
pública, com a contribuição dos moradores, cada um
conforme suas posses”.
645
Vale registrar que este relatório, tendo sido o primeiro realizado após a chegada
de Mauricio de Nassau, como bem observou José Antônio Gonsalve
s de Mello, faz
questão de registrar a
tarefa dos escabinos na conquista.
Do resumo d
a atuação dos
“colégios subalternos de justiça” (maneira como foram tartadas as câmaras dos
escabinos), registrou
-
se o seguinte:
“Há alguns meses que os colégios dos escabinos se acham instalados e
funcionam, mas até o presente não tem sido possível que procedam conforme as
ordenações e o estilo da Holanda e Frísia Ocidental, primeiro porque é coisa
muito grave fazer com que um povo inteiro mude de leis, ordem e estilo, e
aprenda um novo est
ilo
; e segundo por causa da diferença da língua, e por ser
difícil
verter as nossas ordenações do holandês para o português, no que
entretanto estamos muito empenhados, e em brave lhes daremos traduzidas em
português as ordenações sobre coisas de justiça, tanto quanto
forem concernentes
a esses colé
gios”.
646
Como já foi
afirmado anteriormente, a
s
Câmaras de escabinos funcionavam como
tribunais de primeira instância, enquanto que o Conselho Político era o tribunal ao qual
os moradores poderiam apelar em segunda instância. A relação entre essas duas
instâncias da administração nem sempre era pacifica. As listas de escabinos nas diversas
jurisdições eram “preparadas” por conselheiros políticos. Pelo me
nos nesse prorpósito,
havia int
erferência de uma esfera em outra. No primeiro relatório feita por Nassau acerca
da
conquesten
que referimos acima, a preocupação com o conhecimento jurídico, por
parte do Governo Supremo, é maior para o Conselho Político. Isso assim se justifica:
“Como as principais funções do Colégio dos Conselheiros Políticos dizem
respeito à justiça, é da mais alta conveniência que as exerçam alguns juristas, que
não somente tenham aprendido a teoria na Academia, mas também, se for
645
Idem.
646
Idem, p. 97.
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243
possível, tenham freqüentado os tribunais durante alguns anos e sejam instruídos
na prá
tica e com experiência nela”.
647
Ao tratar
dos escabinos, parece que a maior exigênci
a não era necessariamente o
domí
nio dos conceitos e práticas jurisdicionais, mas sim a preocupação com a idoneidade
dos comp
onentes das câmaras.
Nassau se referiu aos escabinos como “colégios
subalternos de justiç
a”.
A
s “instruções” legais eram passadas pelo Governo Supremo
(Nassau e o Alto Governo) e, ocasionamente, pelo Conselho Político aos escabinos.
Em 19 de janeiro de 1639, um escolteto (policial) de Itamaracá havia consultado a
câmara de escabinos daquela j
urisdição acerca
das “instruções” que deveriam dar aos
“capitães de campo” ou capitães de mato.
648
A maneira da administração local
em lidar
com os problemas do qu
otidiano, pelo menos para os holandeses, exigia algum tipo de
instrução ou ordenamento por escr
ito.
As relações nem sempre amistosas entre os escabinos e o Conselho Político
poderiam colocar em dúvidas os limites de ação deste órgão da administração batava. O
colégio dos conselheiros políticos não
queriam ver o seu poder dimi
nuido, como fora
certa
vez mencionado numa missiva. Era necessário o apoio de Nassau e do Alto
Conselho no estabelecimento da autoridade deste conselho (
en wilde hopen dat sijn Exc
ende E E het recht ende authoriteit van de Herren Politijcque Raden
).
649
A idéia de
reforço
d auto
ridade
do Conselho Politico foi bem expressa aos Senhores do XIX
e aos
Estados Gerais dos Paises Baixos
foi uma constante.
Em meados de 1640, Nassau e o
Alto Conselho reforçaram o primado da “administração da justiça” pelo Conselho
Político. (
Goede ordre t
e stellen op de Administratie van justitie, onde de Politique
Raden, em allen anderen dieneren van de Compie, daer toe te houden [...]
) Nessa
647
Idem.
648
IAHGP. Coleção José Higino. Dagel
ijckse notulen. 19/01/1639. Onde se lê: “ Joahannes Lustry, schout
in de Capitania van Itamarica bij requeste van wegende Camere van de selve capitania, versouckende opt
tractemente ende instructie voord den Cap de campo, waerop een person mochte verwitlic
h worden die
chargie aen te nemen”.
649
Cartas e papéis do Brasil (Elias Herckmans ao Consalho dos XIX) 1640 (escrita na época do ataque do
Conde da Torre).
Na qual se lê: “sich onderstaen heeft den Gecommitteerden Politijcken Raede te
ontrecken (retirar) h
et recht, authoritijt en respect dat volgens instructie en commissie bij de E.
Vergaderinge van XIX denselve toegelijt (permitir) is ,…” “en wilde hopen dat sijn Exc ende E E het recht
ende authoriteit van de Herren Politijcque Raden noch meer sonden will
en verminderen (diminuir, minorar)
ende betroyen, waerop naer naer een cleijn gespreck nuy gelast worden int vertreck te gaen ,…”
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244
missiva, seguia ainda, endereçada a Nassau e ao Alto Conselho, algumas instruções em
forma de artigos
.
(
dat ook he
t Collegie der Politique Raden volgens het articule van
haerlieden instructie wert gelast den Gouverneur ende de Hooge Raden onderweerpen te
sijn, ende gehouden deselve [...]
)
650
Nas jurisdições da Paraí
ba e Olinda, os assessores das respectivas câmaras
rel
ataram ao Governo Supremo o problema em se atravessar os ca
r
regamentos de açúcar
pelos passos dos rios Tiberi (Paraiba) e no Varadouro (Olinda).
O problema, reportado ao
Alto Conselho e a Nassau exigiu uma “ordenância provisória” (
provisionelle
orden
antie
)
.
651
Uma problema local, neste caso da travessia e acondicionamento de
açúcar em duas jurisdições se constituía em porblema para o Governo Supremo
qu
e
esperava pela sua resolução. Os escabinos, que poderiam interferir em questões
administrativas locais, ficaram de fora da decisão final. No caso da Paraiba, mais distante
do Recife, o problema do transporte de açúcar
também
não foi solucionado localmente.
No auge da presença holandesa no Brasil, quando muitos engenhos haviam retomado a
sua produção, alguns prob
lemas persistiam e encontravam a suas resoluções a nível do
poder
centralizado e
m Maurício de Nassau e do Alto C
onselho
. Essa centralização do
poder decisório por si
s só retira a condição de executor
local da administração pelos
escabinos e os colocavam al
gumas
vezes na condição
meramente
de relator
es
dos
problemas locais.
Uma função
importante
desempenhada pelos escabinos era a fiscalização das
roças de mandioca. Da Paraiba, em dezembro de 1639, o Alto Conselheiro Daniel Alberti
informava que as roças da
Paraiba foram visitadas pelos escabinos daquela capitania e
que a produção estaria em tono de 300 alqueires. Deu conta também de que lá as famílias
sustentam também
da cultura do
milho.
652
De fato, na Paraiba, os planos de Nassau e do
Alto Governo começariam a ser minados. Em inicio de 1640, já se tinha noticia que Vidal
de Negreiros havia percorrido a região do Tiberi, nas proximidades de um engenho
650
Brie
ven en Papieren uit Brasilie, carta de Nassau e do Alto Conselho aos Estados Gerais e ao Conselho
dos XIX. 13/12/1640.
651
Idem, 07/02/1639.
652
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 21/12/39. na qual se lê: “ Ontfangen een missive
van de Heer Daniel van Paraiba, inhoudende onder anderen dat de schepenen van Paraiba de geheele
capitania door geweest waeren om te
rossas te besichten, end dat deselve rapporteerde soo grooten gebreck
van farinha over al te sijn […]”
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245
pertencente a Josias Mariscal.
653
Certamente, aqueles escabinos luso
-
brasileiros que, na
Paraiba, alimentasse u
m desejo de se ver livre do jugo neerlandês, poderiam, em face
dessas incursões
dos luso
-
brasileiros, boicotar
as ordens de Nassau e do Alto Conselho.
Soma
-
se o fato de que, pela mesma época, vazava o alerta de que uma armada espanhola
havia sido vista no
litoral da Paraiba.
654
Essa era uma guerra silenciosa, diferente daquela
vivenciada nos primeiros anos da presença holandesa
no Brasil. O desejo secreto
de
alguns
moradores portugueses em se verem livres deve ter sido alimentado sobretudo por
causa dos tiros
de
canhões espanhóis que puderam ser ouvidos à noite do dia 10 de
janeiro (...
dat de sapaensche schepen des nachts veel canoschoten hadden gedoen
)
Não era só a Paraiba que se viu, na perspectiva holandesa, ameaçada pela
incursão
de luso
-
brasileiros. O medo se estendia para os ditritos ao sul do Recife, como o
Cabo de Santo Agostinho e Serinhaém. A ameaça de uma invasão da armada espanhola
mencionada acima provocou um deslocamento de tropas para esses lugares, sobretudo
porque “os inimigos passaram próximo
a Serinhaem” (
den
vijant beneden serinhain
waeren gepasseerte )
.
655
Foi resolvido por Nassau e pelo Alto Conselho o envio de cinco
companhias de soldados para os distritos do sul de Pernambuco.
A missão
certamente
tinha o duplo objetivo
de proteger aqueles
territórios bem como evitar o contato de
moradores locais com as tropas de Filipe Camarão. Eram essas as tensões a que estavam
submetidos os escabinos nas diversas
jurisditien
do Bras
i
l holandês. Nesse sentido, os
escabinos tinham que lidar com um constan
te clima de iminente combate. Não era, pois,
uma condição normal de exercício do poder local.
Se, como consideramos, acima, os escabinos não representavam um
self
government
na conquista batava, muito menos o era em situações de perigo iminente, em
que se
viam cercados e vigiados por tropas da WIC. Esse estado de tensão quebra, por si
só, a perspectiva dos anos miribilis do governo de Mauricio de Nassau. Soma
-
se o fato de
que o deslocamento de tropas para as localidades poderia, de uma hora para a outra,
provocar atritos entre as populações locais e os próprios soldados da WIC.
653
Idem, 11/01/1640.
654
Idem.
655
Idem, 15/01/1640. Onde se lê: “ Irm is geresolveert noch vijff compagnien onder den Sergent major
Crayt van Cabot en wa
chten, ende de Colonel Hans van Hoin soot e senden waermede hij over de duijsent
man sterck sal sijn, ende gelast dat hij daermede Camaron soude gemoet trecken…]”
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246
As fontes neerlandesas dis
postas na Coleção José Higyno (
as Atas do Governo
Holandês e as Cartas do Brasil) não nos mostram
um número grande de excessos
cometidos por
militares da W
IC e civis locais, muito embora isso já tenha sido
encontrado desde o trabalho de Hermann Waetjen e José Antônio Gonsalves de Mello.
A
ocupação neerlandesa certamente aumentou as populações das localidades pelo número
de soldados das guanicões em todas ela
s. Em março de 1640, tal era a distribuição dos
efetivos por localidades
656
:
Serinhaén
8 companhias e 200 brasilianen
Cabo de Santo Agostinho 7 companhias e 100 brasilianen
Candelária (Entre o Recife e o Cabo) 8 companhias e 150 brasilianen
Pau Amarelo 9 companhias e 300 brasilianen
São Lourenço 3 companhias e 150 brasilianen
Itamaracá 3 companhias e 300 brasilianen
Goiana 800 brasilianen
Cabo Branco (Paraiba) 150 brasilianen
Dada a relação parcial de soldados nas localidades, é de se pre
sumir que houvesse
constantes choques entre eles e a população local, sobretudo nos períodos de pouca
comida
para as guarnicões.
Outro caso encontrado numa
brieven
nos mostra bem o desconforto dos escabinos
nas localidades. Foi sabido que um grupo de mong
es beneditinos que moravam no
engenho Massurepe, em Igarassu, mantinham contatos através de cartas com luso
-
brasileiros na Bahia. Diante disso, a administração superior ficou com receio de um
movimento de revolta
luso
-
brasileira
(
om de alarm ende revolte o
nder de Portuguesen
ontstecken
) e incumbiu os escabinos da jurisdição de Igarassu a tomarem informações
acerca desse fato.
657
Provavelmente, a essa altura, as autoridades neerlandesas
confiassem mais nos escabinos neerlandeses que mesmo nos luso
-
brasileiros.
Esta função
656
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en Paieren uit Brasilie.
Foi omitido aqui o número de
soldados
nas guarnicões d
o Recife pelo fato de que aqui
influ
ência dos escabinos (câmara de Olinda) ser ofuscada
pelo Conselho Político, Alto Governo e Nassau.
657
Idem.
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247
de descobrir qualquer denúncia de ameaça à ordem da WIC no governo do Brasil nas
localidades dava uma dinamicidade às atividades dos escabinos, demonstrando assim o
cotidiano da administração local. Diante de uma ameaça de invasão por tropas
de
Espanha e Portugal,
o Alto Governo holandês redimenc
ionava a função dos escabinos,
pa
ssando de judicantes para investigadores.
A grande extensão da conquista levou Nassau e o Alto Conselho a considerar as
dificuldades de comunicação
entre a administraç
ão superior
e as localidades. A
reclamação era que as ordens vindas do Recife não estavam sendo, nas localidades mais
distantes do Recife, prontamente atendidas.
658
Achou
-
se necessário um maior número de
conselheiros políticos em algumas partes da conquista
, que foram as seguintes: Paraiba,
Itamaracá,
Serinhaé
m ou Porto Calvo e Rio São Francisco.
Nesse sentido, Nassau e o
Alto Conselho concluíram ser
necessário que estas “partes da conquista” (
quartieren
)
“fossem ocupadas por Conselheiros Políticos” (
waer Po
lityeque Raiden geoccupeert
werden). Para tal, era preciso que fossem enviados dos Paises Baixos mais 4 pessoas para
o cumprimento desta missão, “dos quais nós precisamos de mais um ou dois conselheiros
que residam naquelas áreas
, e que po
ssam dirigir os n
egócios da Com
panhia
.
(
Ondertuschen sullen Uld. seer wel doen nach 4 Politijcque Raiden te senden, op dat wij
noch een aff twee in affgelegene plaetsen daer die seer nodich sijn mogen doen resideren,
ende des Compies saecken dirigeren
)
659
Esta
brieven
most
ra bem a preocupação de
Nassau e do Alto Conselho com o a
n
damento da administração local de seus interesses
.
O medo de uma revolta por parte dos luso
-
brasileiros era constante e, ademais, a
administração superior sabia que os escabinos portugueses seriam
um perigo para o
andamento da justiça local. Os Conselheiros Políticos, ao contrár
io, tendiam a ser
mais
fieis à WIC que os escabinos portugueses.
A implementação de uma administração local
no Brasil hoandês
era uma tarefa
difícil. O
s
caso
s
acima nos apre
senta
m
uma administração nassoviana minada por
insatisfações e precariedades na condução da justiça nos vários locais da conquesten
. As
658
Idem.
Na qual se lê: “ Alsoo de cust van Brasil sôo verre die hij de Compie is gecon
questeert, over de
100 mijlen is streckende, sôo is bevonden dat in alle onse ordre ende bevelen soodanich, noch sôo
pro
m
pteli
jck werden geexecuteert als de geode regieringe tot weltland van de Compie was vereijschende”.
659
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en Papieren uit Brasilie.
02/03/1639. Nessa mesma missiva, José
Antônio Gonsalves de Mello
nos apresentou a criação de uma câmara de escabinos na Cidade Mauricia
(Recife e Antônio Vaz).
(ver. MELLO, Tempo dos Flamengos, pgs. 61
-
62)
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248
coisas da administração eram mais claras e visíveis no Recife e Olinda do que mesmo nos
locais mais distantes ao norte e
ao sul do centro político
-
administrativo. Especialmente
no Recife, onde residiam Nassau e o Alto Conselho, a fiscalização era mais eficiente que
em Porto Calvo e Paraiba, por exemplo.
Na proximidade de
um ataque externo, como foi o promovido pelo
Conde d
a
Torre
, em 1640
, Nas
sau e o Alto Conselho expediram
uma
instructie
660
, espé
cie de
regimento momentâneo que guiasse as tropas nas suas ações contra os ataques luso
-
brasileiros.
A
instructie
datada de 17 de abril de 1640, chamou
à responsabilidade
elementos
do Alto Conselho, do Conselho Político e oficiaias militares. Deixou de fora os
escabinos em suas diversas jurisdições.
Soma
-
se o fato de que, nesses momentos de
possíveis confrontos, Nassau e o Alto Conselho retirava das localidades os conselheiros
políti
cos, um dos
principais observadores dos escabinos junto às autoridades centrais.
Numa segunda
instructien
, emitida antes de uma expedição ao Rio Real, Nassau
enviou com as tropas o conselheiro político Nieulant.
661
Repetia
-
se aqui a mesma fórmula
utilizada
antes da chegada de Nassau e do Alto Conselho: o poder civil (representado
pelo Conselho Político) acompanhando o poder militar.
Nessa situação, as localidades
ficavam à mercê única e exclusivamente dos escabinos.
A mobilidade social a que poderiam ter ac
esso os senhores de engenho menos
abastados no Brasil Holandês é algo que não pode ser desprezado, sobretudo em locais
aonde a produção de açúcar nã
o era tão significativa
como na capitania de Pernambuco.
Na Paraiba, por exemplo, a pobreza de seus moradore
s, em relação a Pernambuco, foi
percebida pelo Alto Conselheiro Elias Herckmans. O mesmo não d
e
ixou de observar que
esta “capitania é uma nova Província que é habitada por portugueses há pouco tempo, e
há não mais que 50 anos se planta açúcar lá. O povo ai
não
é muito rico [...]”.
662
Em
660
IHGP. Coleção Jo
sé Higino. Brieven en Papieren uit Brasilie. 17/04/1640
.
Tal expediçãorumaria na
direção sul de Pernambuco.
”Instructie van wegen sijn Excell J. Maurits; Grave van Nassau etc. als
Gouverneur, Cap. ende Admirael General over de Conquesten van Brazil, mitsga
ders de Ed.
Heren van de
Hoogen ende secreten Raide voor den Ed. Manhaften Heer Jan corneliszen Lichthart, Leuten Admirael
van sijn welgemelde Excie ende de Heere Charles de Toulon, commandeur over de militaire tropen, gaende
op de aenstende expeditie sui
dtwaerts”
661
Idem, 23/05/1640.
“ Instructie van wegen sijn Excie voor den Ed. Gestrongen Hans van Koin Colonel
gaende als hooft ende het generael commando hebbende over de troupen ende de scheepen die men
voornemmers is aen Rio Reael oft daer ontraent op
des viants boden, dese naest maenden te doen logieren
ende onderhouden”.
662
Idem, 08/09/1640. Carta de Elias Haerckmans ao Conselho dos XIX.
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249
1643, um ex escabino de Olinda adquiriu um engenho “no distrito de Igarassu”. O mesmo
não consta na lista dos produtores de açúcar na Capitania de Pernambuco antes da
invasão.
663
Os “julgamentos” dos escabinos poderiam, quase
sempre, aparecer em forma de
propostas ao Governo Supremo. Esse foi o caso dos escabinos da Cidade Mauricia que
apresentaram a administração superior uma espécie de “tabelamento” dos preços do pão,
da cerveja e do vinho.
664
Naturalmente, trantando
-
se da mais
importante câmara de
escabinos da
conquesten
holandesa, a questão dos preços destes produtos tem
importância pelo maior consumo destes produtos nos limites do centro político
-
administrativo. Naturalmente, a demanda por decisões da população do Recife e de
Antonio Vaz
colocavam os escabinos no centro das reclamações da população local, mas
não como árbitros finais dessas reivindicações.
Em localidades mais distantes, como no
Rio Grande (do norte), os escabinos poderiam ter uma maior autonomia, sobretudo
quando se tratava de situações extremas. No inicio de 1643, um incidente envolvendo um
comandeur de índios, Jacob Rabbi, levou a que os escabinos desta capitania tomassem a
decisão de prendê
-
lo. Evidentemente, em primeiro lugar, a decisão teve que ser
comunic
ada ao Alto Conselho e a Nassau.
665
No mesmo Rio Grande foram separadas as jurisdições de Potengi e Cunhau, cada
qual com o seu conselho (
vergaderinge
). Por ordem de Nassau e do Alto Governo, o
número de escabinos na capitania do Rio Grande deveria aumentar
de 3 para 5,
certamente para atender à demanda dos problemas locais.
666
A mesma recome
ndação
dada no iní
cio da implantação das diversas
câmaras de escabinos na conquista
em 1638
(execução de atividades de direito civil e criminal, etc...), foi dada no Rio
Grande cinco
anos depois na “reforma” que foi feita no poder local. Esse episódio nos mostra uma
capacidade de adptação do
escabinato
às circunstâncias. Temos, através desse caso, que
tal instituição estava longe do monolitismo, mesmo não funcionando como
um
auto
governo
local. No Rio Grande, as situações do quotidiano determinaram a criação de
mais um conselho de escabinos.
663
IAHGP. Coleção José Higino. 01/1643
664
Idem, 30/01/1643.
665
Idem, 19/02/1643.
666
Idem.
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250
A relativa autonomia dos escabinos situava
-
se nos limites da administ
ração
central e, em ultima instâ
ncia, do Conselho dos XIX (diret
ores da WIC). Mesmo assim,
não podemos dizer que, no Brasil Holandês, os ecabinos tinham pouco a fazer. Admitir
isso seria o mesmo que admitir a proeminência
do
law in the books
em relaçã
o ao
law in
life
.
A fiscalização da finta da farinha de mandioca q
ue era cobrada nas localidades,
como já foi dito, era função dos escabinos
. Essa cota seria para abastecer as guarnições
do Recife.
667
O papel dos escabinos foi o de visitar as localidades nas imediações e trazer
informações (
berichten
) a Nassau e o Alto Gov
erno. A presença de um holandês nessa
fiscalização nos mostra bem a desconfiança em relação aos portugueses que deveriam
contribuir com a finta.
A última eleição para a câm
ara de escabinos da Cidade Maurí
cia, antes da volta
de Nassau para os Paises Baixos
, em 2 de junho de 1643
668
, foram escolhidos para a
função:
1. Christoffel Eyerchettel
2. Matthis Becx
3. Abraham de Vries
4. Guihelme Schu
5. Abraham Francisco Cabellian
6. Hugo Graswinckel
7. Gillis van Luffel
8. Bartholomeus van Ceulen
9. Jacques Jacques van Ceulen
Como escabinos portugueses temos:
1. Gaspar Dias Ferreira
2. Cosme de Castro
667
IAHGP. Coleção José H
igino. Dagelijckse Notulen. 07/05/1643.
668
Idem, 02/06/1643
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251
3. Antônio de Abreu
4. Arnau de Holanda
5. Antônio da Silva Barbosa
6. Paulo Araújo de Azevedo
A maior câmara de escabinos da
conquesten
holandesa comportava n
ão apenas
um maior número de integrantes em relação a qualquer outra, como também assegurava a
ampla maioria para os neerlandeses (9 neerlandeses contra 6 portugueses). Outra
observação é que alguns nomes que estão não lista, como os de Gaspar Dias Ferreir
a e
Arnau de Holanda, exerceram a função de escabinos na primeira eleição para escabinos
em Olinda no ano de 1638. A Cidade Maurícia, que compreendia o Recife e Antônio
Vaz, havia ganho o
status
de cidade pelos poderes da Companhia das Índias Ocidentais e
representavam um local de interesse econômico por conta de ser centro comercial da
conquista. Também era grande a população que residia dentro de seus domínios.
Certamente er
a mais interessante para Ferreira e Holanda a inserção nessa câmara.
A atuação do
s escabinos nas localidades não impedia que o Conselho Político ai
interviesse. Pelo contrário, por vezes, os senhores de engenho e lavradores recorriam a
esta in
s
tância para relatar as suas necessidades. Em janeiro de 1642, alguns deles
manifestaram, atra
vés do Conselho Político, a necessidade de “negros e bois” para as
suas fazendas.
669
A constante fiscalização dos conselheiros políticos, ainda que meio
velada, interferia na esfera local e limitava “os passos” dos juizes escabinos.
Não existia,
de fato, uma autonomia das câmaras locais. Poucos dias depois, um escabino da capita
nia
da Paraiba, Manoel de Queiró
s Siqueira, q
ueixou
-
se ao
Conselho
dos XIX
acerca de uma
epidemia de bexiga que custou a vida de duzentos escravos, o que comprometia a
produção de açú
car local e, consequentemente, as dividas que alguns senhores de
engenho e lavradores tinham com a WIC. O escabino falava em nome dos senhores de
engenho daquela capitania.
670
669
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen. 03/01/1642
670
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen.
16/01/1642. Na qual se lê: “Is door Manoel Queiros
Sequeiro, schepenen van de camer
van Paraiba een requeste ter vergaderinge gepresenteert, uit den name
van de senhores de ingenios ende labradores van deselve capitania, wesende
bij deselve onderteckent,
waermedeversochten tem aen sien van de destructie door den oorlogh geleden, den over
loopvan wateren
die het riet ende de plantagien wel te helft hadden doen uitsterven, ende tem doordien om de sieckte van de
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252
Não havia necessariamente uma obrigatoriedade na ligação entre as localidades a
administração superior. Por vezes, os próprios senhores de engenho tinham acesso direto
ao Alto Consalho e a Nassau. Foi o caso de João Carneiro de Maris e e seu filho que, para
tratarem de questões de dividas
à WIC, reportaram
-
se diretam
ente à Nassau e o
Alto
Conselho.
671
As recomendações dadas por Nassau e o Alto Conselho às localidades eram em
forma de editais (
placcard
) e diziam respeito a
diversos assuntos. Os maiores
intermediadores destes editais eram os escabinos. Poderíamos dize que esses editais er
am
os equivalentes às
instructien
em tempo
s de iminentes
confronto
s
militar
es
. Na verdade,
um placcard poderia ser chamado de
instructien
(instruções), uma vez que se
assemelhavam na forma. Cabia aos escabinos, tanto portugueses como neerlandeses
,
levar as ordens da administração superior por escrito
e fazer com que a população local,
sem falta de qualquer morador, recebesse as tais recomendações.
Em 21 de março de 1642, um edital foi expedido para a plantação de farinha nas
localidades. As instruções nel
e contidas
guiavam os escabinos na execução das ordens
expedidas por Nassau e pelo Alto Conselho. Tal peça jurídica era cheia de detalhes, que
iam desde quais terras poderiam plantar ou não mandioca até o intervalo de tempo em
que os senhores de engenho e lavradores deveriam fornecê
-
la à WIC.
672
Ao todo, trata
-
se
de 15 ordens a serem seguidas pelos escabinos e retransmitidas aos agricultores dos
diversos distritos de Pernambuco.
Uma outra
instructien,
datada de 26 de março, dizia
respeito a alguns procedimentos que deveriam ser tomados na jurisdição de Alagoas.
673
À margem das funções eminentemente judicantes, os escabinos
percorriam as
localidades e relatavam qualquer tipo de problema à administração superior. Certa vez,
em visita as freguesias do Cabo, Ip
ojuca e Muribeca, alguns escabinos da Cidade
Mauricia, Garpar Ley (Vand der Ley) e Manuel Fernades da Cruz, “convocou” Nassau e
o Alto Conselho e o Conselho Político “ a visitarem e se informarem acerca da situação
dessas freguesias” (
een reyse derwaerts t
e doe nom haer op de gelegentheit van deselve
bisigas, die meer als duysent negros weghgemekt hadde, ende de eresterende negros die de sieckte ont
komem warensoo swack [...]”
671
I
dem, 05/02/1642.
672
Idem, 21/03/1642. “Instructie voor de Herren schepenen, die ten platten lande gecomuniceert worden
om die invonderen op de plantinge van farinha te taxeren”.
673
Idem, 26/03/1642.
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253
fregasie aldaer present sijnde te informeren
[...])
674
Pelo exposto, não bastava que os
escabinos, mesmo os neerlandeses, expusessem a situação das localidades. Era necessário
que se fizessem presentes nas fregue
sias as outras instâ
ncias da administração
acima das
câmaras locais. Nos locais nais distantes do Recife, como no Rio Grande, o poder local
ficava, grosso modo, nas mãos do escolteto, espécie de policial ou burgomestre.
Numa
aldeia chamada ‘Apowapa’, comun
icou um pred
icante de nome Leoninus a
Nassau e ao
seu Conselho de que o local ficaria “sob às vistas do Escolteto (
onder’t opsicht van de
schout gestaen heeft
).
675
Estes dois exemplos citados acima nos mostra
m
que o exercicio do poder local no
Brasil holan
dês não se deu uniformemente. Pelo
contrário, teve de se ajustar a
situações
particulares
. As próprias aldeias, que devereiam se geridas por um
commandeur
,
poderia
m
estar sob a supervisão de um outro elemento da administração local.
Com
relação ao primeiro exemplo, temos que a maior presença das autoridades superiores nas
localidades não se dava nos primeiros anos do escabinato. Na medida em que as
campanhas contra
-
ofensivas promovidas por tropas volantes vindas da Bahia assolavam
os canaviais de Pernambuco, o medo que a administração superiror passo
u
a a
limentar de
uma rebelião nos en
g
en
hos era cada vez maior. Daí certamente uma maior fiscalização
sobre os escabinos.
Evidentemente, o relativo “interlúdio de paz”
que existiu no Brasil
Nassoviano fez com que
as autoridades superiores tivessem mais tempo para essas
visitas, salvo em casos de iminentes ataques por mar de luso
-
brasileiros.
Os en
genhos das
localidades acima mencianadas (Cabo, Ipojuca e Serinhaém) eram importantes na
produção açucareira de Pernambuco.
Soma
-
se o fato de que Serinhaém e
o Cabo de Santo
Agostinho eram portas
de entrada para a capitania de Pernambuco. Cabo de Santo
Agostinho, pelo seu porto de Nazaré e Serinhaém, por terra. Era esta a freguesia mais
habitada do domínio sul do Brasil hol
andês.
A visita de Nassau e do Alto Conselho a
estas localidades só se dará sete dias depois da ‘
recomendaçã
o’ dos escabinos acima
citados.
676
O resultado dessa visita foi que a administração superior decidiu, em caráter
provisório, implementar 43 artigos d
e um código de normas chamado Instruções Gerais
674
Idem, 15/05/1642.
675
Idem, 14/05/1642.
676
Idem, 22/05
/1642.
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254
(
generalen instructien
).
677
Esta decisão se
deu pouco tempo após a eleição dos novos
escabinos d
a C
idade Maurícia. Esta última,
que
era responsável por reger as le
is naquelas
localidades.
Qual era a ocupação d
os escabinos? Ligamos, de antemão, muitos deles à de
plantadores de cana
-
de
-
açúcar. Mas, muitos deles, exerciam também a a
tividade
comercial. Jorge Homem
Pinto, um dos primeiros escabinos da Paraiba, por volta de
junho de 1642, tinha uma considerável divid
a com a WIC, que fora, naquela ocasião,
amortizada em três pagamentos anuas.
678
Poderia, num caso desses, haver choques de
interesses entre o “fazer cumprir as leis” e as necessidades econômicas do comércio de
açúcar? Um escabino cada vez mais endividado cu
mpriria bem o seu papel na justiça
local?
O envolvimento de holandeses na economia açucareira se deu em diversos níveis.
Desde neerlandeses que se tornaram senhores de engenho até comerciantes de escravos.
Na Paraiba, um ex
-
funcionário da WIC, Jan Wijna
nts
, adquiriu, em julho
de 1642, o
direito de cobrar os dízimos por um valor de 27.500 florins.
679
Numa fase em que a
produção açucareira estava enfrentando crises sucessivas (peste de bexiga, ataques aos
canaviais pelos luso
-
brasileiros), o endividamento entre os produtores de cana (alg
uns
escabinos) poderia gerar problemas entre cobrador
-
endividado.
Aliás, esse foi um dos
motivos maiores
para o inicio
da Restauração Pernambu
cana.
Na capitania de
Pernambuco, dada a maior quantidade e produtividade dos enge
nhos, o co
n
tratador dos
dízimos arrematou o diretito de cobrança pela quantia de 128 mil florins.
680
Nesse
espaço, o maior controle da administração local foi, na medida do possível, reforçado.
Talvez seja por isso que a reação luso
-
brasileira tenha se iniciado em seus en
g
e
nhos.
A co
brança aos devedores passava pelas mãos dos escabinos, mas os pagamentos
deveriam ser entregues aos tesoureiros da WIC.
681
Nos Paises Baixos, segundo
Marjoleijn ‘T Hart, “most part
o
f collectors were controlled by local magistra
tes”.
682
No
677
Idem, 19/06/1742.
678
Idem, 16/05/1642.
679
Idem, 31/07/1642.
680
Idem.
681
15/08/1642.
682
‘T HART, Marjolijn, op. cit.
,
675.
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255
Brasil holandês, os magistrado
s locais não controlavam a coleta de taxas. A WIC era
muito restrita quanto ao controle das finanças na conquesten.
Um personagem que começa a aparecer na documentação neerlandesa é a figura
“secretário do tribunal
de justiça”
(
secretaris van de gerechtsbancke
), a
inda que se saiba
qu
e os escabinos tinham acessores. Mas as nomeações para essa função fica evidente nas
fontes em função da complexa relação dos escabinos nas localidades. Uma dessas
dificuldades diz respeito a aplicação das le
is.
Em setembro de 1642, dois secretários de
justiça neerlandeses foram nomeados para as freguesias de
Goiana e Serinhaém.
Assim,
foram indicados para secretários,
nas respectivas freguesias
, Cornelis Steulingh e
Hendrick Stewijs.
683
Seis anos após a criação do escabinato, é mais freqüente nas fontes a presença do
Conselho de Justiça (
Raet van Justitien
)
. Sobre este conselho, considerou José Antônio
Gonsalves de Mello:
“Na década de 1640 foi o Conselho Político substituído pelo Conse
lho de Justiça,
talvez na mesma altura em que foi criado o Conselho de Finanças (1641). Como
passaram para o novo órgão
os Conselheiros do
Político, a nova designação
parece ter tardado a ser adotada, e as primeiras cartas com tal referência somente
aparec
em em 1644”.
684
Contrariando parte da consideração acima, temos que nas Atas do Alto Conselho
já aparecem referências ao Conselho de Justiça no ano de 1642, e não em 1644.
Precisamente na nótula diária (
dagelijckse notulen
) do dia 09 de stembro deste me
smo
ano. Nessa época, ele já vigia e era reconhecido nas fontes coêvas. De fato, o “novo
Conselho Político
(
a apartir de então Conselho de Justiça)” era nada mais que uma
redução deste as funções meramente judicantes. Antes exerciam a dupla função jurídica
e
administrativa. No inicio do escabinato, existia o Conselho Político como um tribunal de
segunda instância e como uma espécie de “poder fiscalizador” da atuação dos escabinos
nas localidades. Agora, temos o Conselho de Justiça que designa os seus secret
ários para
atuarem nas localidades. Eles (os conselheiros de ju
stiça) não precisam fiscalizar
mais
683
09/09/1642.
684
MELLO, José Antônio Gonsalves de.
Fontes para a História do Brasil Holandês. Op. cit., p.20.
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256
ostensivamente como andam as atividades dos escabinos.
Com o passar dos anos, a
administração nassoviana tornava
-
se mais complexa e cheia de meandros, de for
ma que
uma instância procurava se inteirar bem da outra.
De uma forma geral, as municipalidades no Brasil holandês foram comparadas às
câmaras no mundo português por Mário Neme como tendo menos liberdade de ação que
estas últimas. No entanto,
uma maior co
mparação pode se feita entre o poder local no
Brasil holandês e nos Paises Baixos. Analisando as cidades nos Paises Baixos nos séculos
XVI e XVII, Marlolein ‘T Hart considerou que “o estado holandês dos séculos dezessete
e dezoito era uma federação com pou
ca centralização. Esta era, por vezes, até ameaçada
por uma desintegração [...]”.
685
Percebemos, por essa passagem
, que o problema da
centralização
-
descentralização não era apenas comum na monarquia portuguesa. Pelo
contrário, perseguia também a história dos Paises Baixos pós independência espanhola.
Se tormarmos como parâmetro a câmara de Olinda, sede da capitania de
Pernambuco antes da invasão holandesa, e a cidade de Amsterdam, temos que, ao
contrário da primeira, cuja interlândia estava calcada na gran
de lavoura, Amsterdam
dispunha de uma “interlândia próspera’, ainda na concepção de Marjolein ‘T Hart.
686
A
única municipalidade no Brasil holandês, com status de “cidade”, inclusive reconhecida
pelos próprios batavos, era a Cidade Mauricia, que compreendia
o Recife e a Ilha de
Antônio Vaz. Esta, no auge da ocupação holandesa, tinha mais de 5 mil habitantes.
Mesmo assim, a Cidade Maurícia, cuja câmara de escabinos era a mais expressiva e
influente da
conquesten
, tinha uma população inexpressiva se comparada
às cidades
holandesas da época. Para se ter uma idéia, por volta de 1630, Amsterdam contava com
pouco mais de 100 mil habitantes, seguida de Leidem (44.800 hab
itantes
) e Haarlem
(39.50
0 hab
itantes
). Mesmo as cidades medianas
da Província da Holanda, como H
aia
(22.500 hab
itantes
)
e Gouda (17. 500 hab
itantes
), tinham bem mais moradores que a
Cidade Mauricia.
687
Talvez seja essa acomparaçã
o que devamos fazer, não a da Cidade
685
‘T HART, Ma
rj
olein. Cities and Statemaking in the Dutch Republic, 1580
-
1680. In: Theory and Society,
vol. 18, No. 5. Special Issue on Cities and States in Europa, 1000
-
1800, 1989, p. 663.
686
Idem, p. 664. O caso vale não apenas para Amsterdam, mas para as outras cida
des da Provi
n
cia da
Holanda.
Segundo ‘T Hart: “ The advantage for Holland was that it could dispose of a well
-
developed
“hinterland” that had prospered while Holland wal still a backwater in international relations and that
provided models of tech
nonlogy,
institutions, and capital”.
687
Idem, p. 665.
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257
Mauricia com a municipalidade no mundo portugues, mas com as municipalidades no
mundo h
olandês.
Sobre a câma
ra dos escabinos da Cidade Mauricia, observou José Antônio
Gonsalves de Mell
o que os mesmos tinham a pretençã
o de assumir, além das funções
judicantes, as funções administrativas. Segundo Gonsalves de Mello:
“Entre os privilégios pre
tendidos estava a criação do cargo de
Burgomestres de Mauricia, função que daria a um certo número de
burgueses o encargo de administrar a cidade, permanecendo a Câmara de
Escabinos com a função de tribunal de justiça de primeira instância”.
688
O Al
to Conselho foi contrário às pretensões dos escabinos de Mauricia, com a
justificativa de que os burgomestres pudessem não obedecer a Administração Superior.
689
Nas jurisdições do interior, a função mais comum dos escabinos era a de fiscalizar
o abastecime
nto das tropas. Em 6 de outubro de 1642, os escabinos e os seus secretários,
acompanhados do escolteto de cada jurisdição, constataram que havia falta de farinha de
mandioca na guarnição de Serinhaém.
690
Um mês depois, na jurisdição de Porto Calvo,
houve de
sentendimentos entre os escabinos holandeses e portugueses
(
den Portuguese
schepenen oppositie de geordeneerende finta met executie
)
quanto a ordem para se
recolher a finta da farinha dos moradoers locais. Isso provocou, evidentemente,
desagravo por parte
dos escabinos neerlandeses.
691
O Alto Conselho e Nassau
resolveram enviar mais um secretrário holandês para a localidade. No tocante a cobrança
da finta de farinha nas freguesias do interior
, os escabinos eram uma espé
cie de ponte
entre os soldados holandeses das guanições e os moradores civis. Podriam, assim, evitar a
cobrança direta da farinha pelos militares. Se isso foi uma atitude pensada ou não pela
administração nassoviana, não podemos afirmar pelas fontes neerlandesas. Os
pormenores do abastecimento
de farinha no Brasil holandês ainda são obscuros.
Seguramente, a fiscalização das cotas se tornou uma das atribuições mais
importantes dos
688
MELLO, op. cit., p.28.
689
Idem, p. 29.
690
IAHGP. Coleção José Higino. Dagelijckse Notulen, 06/10/1642.
691
Idem, 07/11/1642.
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258
escabinos em vá
rias localidades.
Não deixava essa de ser uma função logística que
assumiam os escabinos.
Retomando a
perspectiva apresentada por Mário Neme, de que os escabinos
“pouco ou nada tinh
am a fazer”
, podemos supor que havia uma c
omunicação rotineira
entre as câ
maras dos escabi
nos e o Conselho dos XIX nos Paí
ses Baixos. Numa ata
de
1642, Nassau e o Alto Conselh
o
dava ordens para que todas as câ
maras fizessem cópias
de suas nótulas (diários) “os quais devem ser enviados ao Conselho dos XIX (
sullen
overschicken om die aen de Vergaderinge van de XIX te senden [...]
).
692
Contudo, não
podemos ter certeza até que ponto
os diretores da
WIC tinham a real ciência do que
se
passava nas diversas partes da conquista. Pelo menos até essa data, não temos registro em
fontes de que as câmaras d
e escabinos tinham que enviar có
pias de suas anotações aos
Senhores dos XIX. Convém não
esquecer que, entre os escabinos e os
Herren Negentien
(como eram conhecidos tais diretores), havia o Conselho Político ( à essa altura
conv
ertido em Conselho de Justiça), Nassau e o Alto Governo.
Anteriormente, foi debatido nesse trabalho a importância
que tinham os escabinos
da Cidade Mauricia e o medo que a administração superior tinha de que
eles passassem a
desobedecer ao Alto Conselho e Nassau. Essa foi a observação feita por Gonsalves de
Mello ao notar como a criação do cargo de buromestres na Cida
de Mauricia
propiciaria
este clima de animosidade. O autor situou, em nota, a referência à criação
daquela função
num memorial da câmara dirigida ao Conselho e a Nassau.
693
No entanto, ainda segundo
esta mesma referência, os senhores XIX concederam a criaçã
o da função de Pensionário,
ou alguém
“a quem incumbisse o exame das peças dos processos”
.
694
Em dezembro de
1643, as atribuições do Pensionário
foram especificadas em uma correspondência. Ao
todo, tratam
-
se de 12 ite
ns (ou artigos). De inicio, diz
em
a
s
‘instructien’
que o documento
teria sido pensado pelos escabinos e pelo escolteto da Cidade Mauricia.
695
Essas
instruções, que foram apresentadas ao Alto Conselho e Nassau, foram concebidas quase
um ano após a vinda de Lamair para assumir a função de Pensionári
o.
Ao contrário do
692
Idem, 18/12/1642.
693
MELLO, José Antônio Gonsalves de.
Fontes para a história do
Brasil holandês. Tomo 2, p. 29, nota 41.
694
Idem.
695
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en papieren uit Brasilie.
Instructie geconcipieert bij de heeren
scholtes schepenen der stadt Mauritia op approbatie van sijn Excellentie de Edelle heeren hooge secret
e
Raiden, waernaer de heer Jabob Lamair, pendionaris derselver stadt sich sal hebben te reguleren.
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259
que temiam os Altos Conselheiros, que era o excesso poder do pensionário, as instruções
viria
m
justamente para restringi
-
lo (
sich sal hebben te reguleren
). O maior atributo do
Pensionário seria o de ser experimentado em matéria
de direit
o civil e criminal. Assim,
assessorava aos escabinos de Mauricia “em todas as matérias, tanto civis quanto
criminais” (
in alle saecken, soo civiel als criminele
).
696
A necessidade de um Pensionário nos traz o argumento de que, já passados quase
cinco anos da instituição do escabinato na conquista holandesa por Nassau, os problemas
concernentes à justiça ainda persistiam. Diante disso, podemos concluir que os escabinos
e o Conselho de Justiça
não tinham competência para analisar questões jurídicas? Outro
dad
o é que
o pedido para a
nomeação
de um pensionário no
Brasil holandês partiu dos
pró
p
r
ios escabinos da câmara da Cidade Mauricia, e não de Mauricio de Nassau e do Alto
Conselho.
697
O Pensionário no Brasil holandês seria uma espécie de secretário
qualificado
dos escabinos. Um dos pontos de suas atrubuições dizia que o mesmo deveria
percorrer as freguesias e anotar as reclamações e, “de volta à casa, deveria entregar em
mãos dos senhores escolteto e escabinos todos os papéis q
ue contenham as suas
descrições (
E
nde thuijs comende, sal hij overleveren in handen van de heeren schoudt ;
schepenen alle de paieren bij hem in deschrige commissie ge
l
eght
).
A relação entre os escabinos portugueses e a WIC piorava com o tempo. Em
inicio de 1643, u
m dos primeiros eleitor
es e esca
binos da câmara de Olinda, João
Carneiro de Maris, devia à companhia a soma de 83 mil guldens por empréstimo
contraído. Carneiro de Maris morava na freguesia de Ipojuca e, juntamente com o seu
filho, Francisco Carneiro, teve a sua produção prejudi
cada pela perda de escravos por
bexiga.
698
A última proposta para composição de câmara de escabinos foi a que fez o
responsável pela administração do Maranhão, Jan Bas. Este escreveu a Nassau e ao Alto
Conselho em inicio de abril de 1642, alegando necessi
dade de
“se manter a boa justiça e
punir os maus” (
[...]in sijn goet recht sonde mogen gemaintineert
ende de bose gestreft
696
Segundo Gonsalves de Mello, “ao Pensionário, sempre formado em direito civil, competia o exame das
questões
submetidas ao Conselho, representando
-
o em púb
lico e responsabilizando
-
se pela redação e
guarda dos documentos oficiais”. Ref. MELLO, op. cit. pp. 29
-
30.
698
IAHGP. Brieven en paieren uit Brasilien. Brieven aen sijn Excellentie mitsgaders de Edelle Heeren van
de Hogen ende secreten Rade in Brasil.
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260
worden, sôo ist da teen bancque van justitie hebbe geformeert ende gestelt 4 van de
bequamste inwoonderen a
l
s schepenen
[...]
)
699
No Ma
ranhão
, quatro moradores se
tornariam escabinos.
Em maio de 1640, numa nótula, podemos encontrar algo sobre a comunicação
entre os escabinos e a diretoria da Companhia das Índias Ocidentais
. A mesma
dava
-
se
através do Conselho Político, que enviava anual
mente o que se sucedia nas localidades.
Assim, o que acontecia ao nível dos “governos menores” (
subalterne gouvernmenten
) e
nas diversas câmaras de escabinos (
gericht bancken
).
700
As fontes menionam constantemente a preocupação de Nassau e do Alto
Conselho
em “ordenar que cada um dos escabin
os possa
protamente administrar a
justiça” (ordeneren dat sij aen yder een prompt recht souden administreren
).
701
Isso foi
particularmente verificado ao tempo da guerra com a armada do Conde da Torre (Dom
Jorge Mascarenhas
), em inicio de 1640, ocasi
ão em que, simultaneamente, cam
panhistas
vindos da Bahia cruzaram as freguesias do interior de Pernmabuco e Paraiba. Nassau
vivia preocupado com a possibilidade de comunicação entre os moradores do interior e os
campan
histas. Eis
ai mais uma atribuição
para os escabinos: além de tomar conta da
justiça nas localidades, impedir a ameaça vinda da Bahia. Mas a justiça
e o seu bom
andamento significa
va, sobretudo, cobrar as dí
vidas e taxar (
belasten
)
os devedores da
WIC nas localidades.
Ainda tratando da comunicação entre os escabinos e os Diretores da WIC,
podemos afirmar que desde a sua instituição (1637), as cartas ou atas das câmaras eram
remetidas aos diretores independentemente da intermediação do Conselho Político. Numa
brieve d
e inicio
de 1638, consta que “todas as câ
maras ou escabinos de todas as
jurisdições e outros oficiais que estão nas localidades escrevem aos “Uld”” (senhores dos
XIX)
(
de cameren ofte schepenen van alle jurisditien ende alle andere officieren gelast
aen U
ld. Te
schrijven, [...]”)
702
Nessa missiva, de Nassau aos Senhores XIX, seguiam
para os Paises Baixos cartas das câmaras de Olinda, Igarassu, Itamaracá e Serinhaém.
Pelo menos aparentemente, o controle do Brasil holandês parecia ser total por parte dos
699
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en paieren uit Brasilien. 08/04/1642.
700
IAHGP. Coleção José Higino. Brieven en paieren uit Brasilien. 07/05/1640.
701
Idem.
702
Idem, 1638.
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261
diret
ores (bewindhebbers) da WIC. Havia, p
ois, ligação direta entre as “câ
maras
suba
lternas” e o poder maior da Companhia das Índias Ocidentais.
Alguns meses depois,
ainda no ano de 1638, problemas relativos ao comércio local que envolviam portugueses
e holande
ses levaram o
conselheiro Johan Gijseling
a
reforçar
a possibilidade dos
escabinos em se comunicar diretamente com os diretores da WIC. Frisou a administração
superior que “todas as capitanias Pernambuco, Goiana, Itamaracá, Paraiba, e Rio Grande
foram estimuladas a
enviarem carta
s ao Conselho dos XIX e tratarem desse mesmo
assunto” (
[...] alle dese capitanias Pernambuco, Goiana, tamarica, Paraiba, ende Rio
Grande hunne respective cameren van justitie geanimeert om desen aen de vergaderinge
de XIX brieven
t
e schicken ende te soleren over dit selfde poinct,[...]
)
703
Basta saber (o
que as fontes não especificam) se a possibilidade
de comunicação entre os escabinos e o
Conselho dos XIX valia também para os escabinos portugueses.
Um outro ponto dessa
passagem aci
ma é
que o conselheiro batavo trata G
oiana como ‘capitania’. Isto se deva
talvez pelo fato desta possuir uma câmara de escabinos.
O conflito de jurisdições e de esferas de poder no Brasil holandês era também um
reflexo da situação política vivida nos Pai
ses Baixos. Marjoleij ‘T Hart descreve as
disputas de poder nas Províncias Neerlandesas da seguinte forma:
“The relation between the States General
the federative sovereign body with
representatives of the seven sovereign provinces
and the Council of
State
made up
of provincial delegates and the captain general (the Stadthouder), the
executive power
was characterized by many disputes over competence.
Instructions were vague and subject to several interpretations”.
704
Na sua biografia acerca de Joã
o Fernandes Vieira, José Antônio Gonsalves de
Mello, destacou bem a atuação do líder madeirense na articulação do movimento da
Restauração Pernambucana.
705
Vieira, assim como vários outros portugueses, havia
ocupado o cargo de escabino na câmara mais influe
nte do Brasil holandês: a da Cidade
Maurícia.
703
Idem, 18/03/1638. Missiva de Johan Gijseling ao Conselho dos XIX.
704
‘T HART,
op. cit., p. 669.
705
MELLO, José Antônio Gonsalves de. João Fernandes Vieira: Mestre
-
de
-
Campo do Terço de Infantaria
de Pernambuco.
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000.
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262
A figura de Fernandes Vieira, exaltada em grande parte por cronistas da guerra
holandesa, passou da condição de simples imigrande sem fortuna ou nobreza
, para a de
senhor de vários en
genhos e homem de confianç
a dos próprios holandeses alguns meses
depois da queda do Arraial Velho do Bom Jesus (1635). Eleitor da câmara de escabinos
de Maurícia por um bom tempo, a relação de João Fernandes Vieira com o exercício do
poder local no Brasil holandês é um caso exempla
r. Primeiro que, ao mesmo tempo em
que exercia o cargo de escabino ascendia socialmente e ganhava influência na
comunidade luso
-
brasileira e mesmo neerlandesa.
Às
véspera
s
do movimento de
Restauração, já no ano de 1645, João Fernandes Vie
i
ra “continuou a d
issimular os seus
proprósitos”
706
de insurreição aos holandeses, segundo apontou José Antônio Gonsalves
de Mello.
Na qualidade de escabino da Cidade Maurícia,
Fernandes Vieira
percorria
distâncias desde os engenhos da Várzea, região mais próxima ao Recife,
até o Cabo de
Santo Agostinho e Ipojuca mais ao sul. Nesse sentido, Fernandes Vieira acompanhou de
perto, na qualidade de escabino e senhor
-
de
-
engenho
, as relações entre a WIC e os
poderes locais julgando processos e fazendo valer as combranças de Nassau
e do Alto
Conselho em várias freguesias. Pelo menos a cobrança de cotas de farinha por agricultor
Fernades Vieira não havia esquecido, prática que exercerá alguns anos depois ao assumir
o governo de Angola.
O exemplo de Fernandes Vieira, enquanto escabin
o português da câmara mais
importante do Brasil holandês, talvez seja o que mais tenha representado o desconforto da
administração nassoviana.
Do lado neerlandês, o contato com um elemento local que
exercia liderança em seu grupo era fundamental para enrai
zar as suas teias
administrativas na conquista.
Após o regresso de Nassau para os Países Baixos, em maio de 1644, o Alto
Conselho, representado pelos senhores Hamel, Bas e Bullestrate, sofreu com a
diminuição no orçamento que a WIC dispensava ao Brasil Ho
landês.
707
A perda do
Maranhão e do Ceará havia dado ânimos aos luso
-
brasileiros que queriam se livrar do
706
Idem, p. 134. Dois anos antes, em 1643,
ele havia sido acusado de conspirar contra a WIC, mas nada foi
provado. Segundo o autor, Fernandes Vieira alegou que “continuava a viver sossegadamente em seus
engenhos” e não a planejar qualquer insurreição contra os neerlandeses.
707
WAETJEN, op. cit., p.
222.
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263
governo
holandês.
Para reaver os prejuízos da manutenção do Bra
sil, os Diretores da
WIC ordenaram
a cobrança aos devedores da mesma. Entre eles, Fernan
des Vieira e
Jorge Homem Pinto na Paraíba. Hermann Waetjen descreve bem este quadro da seguinte
forma:
“Dentro de pouco tempo uma terrível excitação se apoderou da população da
Nova Holanda, dedicada a fabricação do açúcar e a agricultura em geral.
Chovia
m requerimentos, memoriais e representações, tendentes a demonstrar
claramente ao alto Conselho que não era possível que ele continuasse a proceder
daquela forma, sem perigo de provocar uma grande insurreição”.
708
A essa altura
(segundo semestre de 164
4 e início de 1645)
, as condições de
trabalho das câmaras de escabinos, à exceção da câmara de Maurícia, foram
desmanteladas. André Vidal de Negreiros e Fernandes Vieira preparavam a restauração
de Pernambuco. Mostrava João Fernandes Vieira a sua outra fac
e à WIC, a face que
confirmou o deconforto experimentado por Nassau durante a sua presença no Brasil.
708
Idem, p. 225.
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264
Consideracões finais
Os aspectos da administração da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil
ressaltados neste trabalho de fato não esg
otariam os problemas que os batavos
vivenciaram na sua
conquesten
que durou pouco mais de duas décadas. Longe, porém, de
apresentarmos conclusões radicais que atendam a uma deter
minada hipótese ou
hipóteses, pu
demos, nos meandros das fontes, retomar os tem
as da guerrilha e da justiça
no Brasil holandês.
No esteio
de trabalhos anteriores, muito be
m elaborados
, este trabalho procurou
percorrer pequenas brechas abertas por historiadores sobretudo nacionais. Tornou
-
se
difícil, em certos momentos, transpormos o
s limites das fontes e tornar mais claro o dia
-
a
-
dia da administração como no caso dos escabinos.
No entanto, ao menos, foi possível
realizar uma ligação entre essa instituição e a situação administratica anterior (dos anos
1635
-
36). Os escabinos, portugueses e neerlandeses, não surgiram do nada ou da idéia de
se implantar tribunais locais pura e simplesmente. Pelo contrário, a instituição é que veio
encontrar no Brasil elementos já anteriormente ligados à WIC. Nesse sentido, pudemos
ver continuidades entre o governo nassoviano e a fase dos
kleine profijten
. Continuidades
porque o sistema de comunicação fluvial do qual se serviu a administração de Nassau
teve início antes de sua chegada. Continuidades, também, pelo fato de Nassau ter herdado
a falta de víver
es para as tropas e ter aprendido (na medida do possível) à força a se
abastecer sem ter que olhar para o oceano a espera de uma remessa de víveres dos Países
Baixos. Méritos de Nassau? Pode ser. No entanto, são méritos também que o conde
alemão pode muito bem dividir com alguns administradores
e militares
que vieram antes
dele. Não se trata, que isso fique bem evidente, de diminuir o papel de Nassau
no
governo do Brasil. Trata
-
se, pois, de não reduzirmo
s o governo do Brasil
holandês à
sua
pessoa.
Outros
“desconfortos” poderiam ser verificados na administração nassoviana, mas
que infelizmente não puderam ser abordados neste trabalho. Seria talvez a ocasião de se
suge
rir um quinto capítulo que tratasse de três temas menores. Um primeiro seria estudar
como N
assau e o Alto Conselho lidou com a fuga de escravos e os pr
e
juízos que os
bosnegers
(negros da mata) causavam aos proprietários do interior. Como se sabe, no
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265
Brasil, os neerlandeses passavam a ter contato mais direto com as vicissitudes de uma
sociedade e
scravista. Não é a toa que tinham a palavra “capitão
-
de
-
campo” e a
atividade de perseguir quilombolas como algo novo em seus currículos. Afinal de contas,
não foi de uma hora para outra que se fez um Jan Blaer. No caso deste último, por
exemplo, a acapa
cidade de alcançar os mocambos dos Palmares
foi resultado de anos de
quase mimetismo à geografia local
e de adptação ao clima. Jan Blaer tornou
-
se mesmo
um capitão
-
do
-
mato tal qual os brasílicos que exerciam esta atividade. Outra questão, ou
“desconforto” que enfrentou Maurício de Nassau e o Alto Conselho foi a dificuldade em
se resolver problemas que ocorriam em lugares tão distantes do Recife como no Rio
Grande, no Maranhão e no São Francisco.
Maurício
Nassau se via cercado de pequenas e
grandes escalas d
e ação.
No final das contas, a sua incapacidade para a resolução de
problemas nos limites da conquista chegou logo após a sua brilhante idéia em conqusitar
o Maranhão, Sergipe, São Jorge da Mina e Luanda. Se, por um lado, Nassau “fechava” o
Atlântico
sul
à
s coroas ibéricas, fazendo dele o seu
mare clausum
, por outro, começava
ele mesmo a perceber as dificuldades em se governar sem apoio bélico
e financeiro
.
Nassau, mais que qualquer um outro,
tinha uma boa noção dos problemas que o
acompanhavam em torno do Recife e longe dele.
A questão do abastecimento de farinha de mandioca para a WIC continua ainda
em aberto. Qual seria o volume da produção de farinha das aldeias indígenas dispostas ao
redor do Recife? Ela era para o consumo próprio ou se destinava també
m às tropas
neerlandesas? Pelo jeito, as dúvidas são maiores que as conclusões.
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266
Anexo I
Tráfego de embarcações em Pernambuco
1630
Natureza
Nome
Chegada/saída
Soldados
Carga
Procedência
/destino
Câmara
1. navio
s
(9
embarcações)
-
10/03
cheg
ada
665
-
Paises
Baixos
(procede)
-
2.
Iate
De Braeck
10/03
Saída
-
-
Paises
Baixos
(destinos)
-
3. navios (8
embarcações)
-
23/03
(saída)
709
-
-
Ilha Santa
Helena
(destino)
-
4. navios (5
embarcações)
-
15 e 16/04
(
chegada
)
-
Viveres
Países
Baixo
s
(procede)
-
5.
navios (4
embarcações)
-
24/04
(saída)
-
açúcar
Paises
Baixos
(destino)
-
6. navios (3
embarcações)
-
30/04
(chegada)
150
Víveres e
munições
Países
Baixos
(procede)
-
7. navios (8
embarcações)
-
05/05
(saída)
-
-
Índias
Ocidentais
(des
tino)
-
8. navios (2
embarcações)
-
08/05
(chegada)
-
-
Países
Baixos
(procede)
-
9. navio
-
09/05
(chegada)
-
-
Paises
Baixos
(procede)
-
10. navio
-
23/05
-
-
Países
-
709
Com o objetivo de espreitar embarcações espanholas.
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267
(chegada)
Baixos
11. Iate
-
29/07
(saída)
Soldados
inválidos
-
Países
Baixos
(
destino)
-
12. navio
Gellerlandt
13. navio
Bruin Visch
31/07
(chegada)
55
Víveres
Países
Baixos
(procede)
-
14. Iate
-
13/08
(chegada)
-
15. navios (2
embarcações)
-
17/
08
(chegada)
“poucos
soldados”
Víveres e
munições
Países
Baixos
(procede)
-
16. navios (6
embarcações)
-
19/08
(saída)
-
-
Países
Baixos
(destino)
-
17. Iate
Bruin Visch
20/08
(saída)
Escravos
para
servir à
WIC
-
Fernando
de Noronha
-
18. Iate
-
11/09
(chegada)
-
Víveres
Países
Baixos
(procede)
Zelând
ia
19. navio
-
Holanda
20. navio
-
20/09
(chegada)
64
Víveres e
munições
Países
Baixos
(procede)
Zelândia
21. Iate
-
30/09
(chegada)
40
-
Países
Baixos
(procede)
Holanda
22. Iate
Overijssel
02/10
(saída)
120
710
Pau
-
brasil
e sinos
Paises
Baixos
(destino)
-
23. Iate
De
Leeuwein
08/10
(saída)
-
Variados
objetos
711
Países
Baixos
(destino)
-
24. navios (11
23/10
Bahia
712
710
Dentre eles, alguns cegos.
711
Possivelmente resultado de pilhagens.
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268
embarcações)
-
(saída)
-
-
(destino)
-
25. navio
De Swarte
Ruyter
-
26. navio
Arca Noe
27/10
(saída)
-
-
Paises
Baixos
(destino)
-
27. Iate
Pernambuco
31/10
(chegada)
-
-
Países
Baixos
(procede)
-
28. Iate
Curae
-
-
29. ‘navio
mercante’
713
-
-
80
Víveres e
material
de
construção
Países
Baixos
(procede)
-
30. Charrua
714
Enc
khuisen
17/11
(chegada)
50
Víveres
Países
Baixos
(procede)
-
31. Charrua
-
30/11
(chegada)
-
Sal,
cebolas e
alho
715
-
-
32. navio
-
04/12
(chegada)
40
Viveres
Países
Baixos
(procede)
Groeningen
33. navios (6
embarcações)
-
05/12
(chegada)
-
Açúcar e
fumo
716
Bahia e
Cabo de
Santo
Agostinho
(procede)
-
1631
1. navio
-
01/01
50
Objetos
Países
-
712
Com a missão de patrulhar o litoral.
713
O cronista parece discernir aqui entre ‘navio mercante’ e ‘navio
de guerra’, do que depreende que os
outros navios mencionados são ‘mercantes’. Quanto a carga, é bem provável que os soldados tivessem
vindo no Iate, enquanto que os viveres e o material de construção no ‘navio mercante’.
714
Espécie de embarcação de peque
no/médio porte.
715
Resultado de uma presa de embarcação espanhola, onde se aprisionou 15 pessoas.
716
Resultado do apresamento de uma caravela portuguesa.
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269
(chegada)
variados
Baixos
(procede)
2. navio
-
02/01
(chegada)
40
-
-
-
3. barca
Zuickerbroode
04/01
(saída)
-
-
-
4. navios
718
(3
embarcações)
-
05/01
(saída)
-
-
Índias
Ocidentais
(desti
no
-
Ilha de São
Martinho)
717
-
5.
navio
De Kat
719
07/01
(chegada)
-
Víveres
Países
Baixos
(procede)
-
6. navio
-
11/01
(chegada)
-
84 caixas de
açúcar
720
-
-
7. navio
Amersfoort
14/01
(chegada)
50
Víveres
Países
Baixos
(procede)
-
8. Iate
(cruzador)
-
17/01
(chegada)
-
Armas e
provisões
721
-
-
9. navios ( 2
embarcações)
-
24/01
(chegada)
90
Provisões
Países
Baixos
(procede)
-
10. navios (2
embarcações)
-
27/01
(chegada)
100
-
Países
Baixos
(procede)
-
11. navio
-
14/02
(chegada)
-
Viveres
Países
Baixos
(procede)
-
12. navio
-
15/02
(chegada)
-
-
Costa do
Nordeste
722
(procede)
-
717
A finalidade era de ser carregada, na dita ilha, de alguma carga que o cronista não especifica.
718
O cronista especifica como sendo “navios de provisões”.
719
O cronista brinca com o nome ‘De Kat’ (o gato) ao afirmar que “o gato traz comida para o rato
faminto”. Isso, é claro, em alusão à falta de víveres entre as tropas da WIC que serviam em Pernambuco.
720
Resultado do apresamento de uma pequena caravela espanhola.
721
Carga proveniente do apresamento de uma barca espanhola.
722
O cronista refere
-
se como sendo um navio que “saiu à aventura”/ Possivelmente no litoral do Nordeste.
Trouxe como prisioneiro um
pirata francês.
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270
13. navios (2
embarcações)
723
-
16/02
(chegada)
-
-
Europa
-
14. Iate
Den Eenhoorn
24/03
(saí
da)
Soldados
inválidos
-
Países
Baixos
(destino)
-
15. navio e 2
chalupas
-
26/03
(saída)
2
companhias
de
escopeteiros
-
Cabo de
Santo
Agostinho
(destino)
-
16. navios (3
embarcações)
-
-
-
Litoral da
Bahia
(procede)
-
17. charrua
-
28/03
(chegada)
-
Pranchões e
diversos
materiais
Países
Baixos
(procede)
-
18. navio
-
02/04
(chegada)
45
-
Países
Baixos
(procede)
-
19
.
navios (3
embarcações)
-
06/04
(chegada)
50
Provisões
Países
Baixos
(procede)
-
20. navios (5
embarcações)
e
uma
charrua
Prins Willem,
Uytrecht, De
Windhond, De
Raaf
14/04
(chegada)
Não
especifica
Provisões
Países
Baixos
(procede)
-
21. navios (2
embarcações)
De Otter; De
Voghel
Phoenix
24/04
(chegada)
Não
especifica
Viveres e
provisões
Países
Baixos
(procede)
-
22. chalupa
-
30/04
(chegada)
-
-
Itamaracá
(procede)
-
23.
navio
Griffoen
11/05
(chegada)
50
Provisões
Países
Baixos
-
723
Segundo o cronista: “Trazem notícia [os navios] de que D. Frederico [D. Fradique] partira da Espanha,
com 64 velas, não se sabendo se pretende vir aqui [para Pernambuco]. Referiram também que sua
Majestade o Rei da Inglaterra mandara eui
par 100 navios, e que em Bleney estavam 11 prontos para
seguirem a mencionada frota espanhola”. Ref. RICHSHOFFER, op. cit., p. 104.
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271
(procede)
24. navio
Amsterdam
13/05
(chegada)
Quantidade
não
especificada
Objetos
utilitários
Países
Baixos
(procede)
-
25. navio
Holanda
18/05
(chegada)
100
Viveres
Países
Baixos
(procede)
-
26. navio
De Halve
Maen
21/05
(chegada)
-
Vitualhas
Países
Baixos
(procede)
-
27.
navio
mercante’
(1)
e charrua (1)
-
25/05
(chegada)
30
Provisões
Paí
ses
Baixos
(procede)
-
28. charruas
(2
embarcações)
-
29/05
(chegada)
51
Viveres
Países
Baixos
(procede)
-
29. navio
-
30/05
(chegada)
“pouca
tropa”
Viveres e
munições
Países
Baixos
(procede)
-
30. navio
Dortrecht
31/05
(chegada)
104
-
P
aíses
Baixos
(procede)
-
31. navio
Prins
Mauritius
04/06
(chegada)
-
150 caixas
de açúcar e
tabaco
724
Cabo de
Santo
Agostinho
(procede)
-
32. navios
mercantes (2
embarcações)
-
-
Provisões
Países
Baixos
(procede)
-
33. Iate
Amersfoort
05/06
(chegada)
-
150 tonéis
de vinho
espanhol e
10 peças de
Litoral da
Bahia
(procede)
-
724
Resultado do apresamento de um navio espanhol.
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272
artilharia
725
34. navio
Arca Noe
07/06
(chegada)
-
Vinho de
Espanha e
mercadorias
726
Países
Baixos
(procede)
-
35. navio
Donderkloot
10/06
(chegada)
90
150 pip
as de
vinho
espanhol
727
Países
Baixos
(procede)
-
36. navio
-
17/09
(chegada)
-
-
Países
Baixos
(procede)
-
37. navios (16
embarcações)
-
22/09
(chegada)
-
-
Países
Baixos
(procede)
-
38. navio
Omlandia
20/10
(chegada)
Sem
soldados
Víveres
Paíse
s
Baixos
(procede)
-
39. navio
-
21/10
(chegada)
-
Provisões
Países
Baixos
(procede)
-
40. navio
De Goude
Leeuw
21/11
(procede)
-
-
Países
Baixos
(procede)
-
41. navios (19
embarcações)
-
02/12
728
(saída)
-
-
Paraíba
(destino)
-
42. navios (19
embarcações)
-
14/12
(chegada)
-
-
Paraíba
(procede)
-
43. navios (14
navios)
-
21/12
(saída)
19
companhias
-
Rio Grande
do Norte
(destino)
-
725
Resultado do apresamento de um navio espanhol. Dessa vez, segundo o cro
nista, “o capitão e todos os
tripulantes foram salvos e trazidos prisioneiros para aqui [o Recife]; assim como muitas cartas achadas com
eles foram entregues junto com o capitão espanhol ao Governador”. RISCHOFFER, op. cit., p. 118.
726
Resultado do apresam
ento de um navio espanhol que ia comerciar escravos em Angola.
727
Resultado do apresamento de um navio espanhol.
728
Segundo carta do Coronel Wanderbuch aos Estados Gerais, a saída deu
-
se no dia 03 de dezembro e
utilizou
-
se 14 embarcacações em vez de 19, co
mo registrou Rischoffer. Podemos, seguramente, dar mais
crédito à informação do primeiro. Ref. Documentos holandeses, op. cit, p. 97.
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273
1632
1.
navios (19
embarcações)
-
15/01
(saída)
13
companhias
-
Litoral Sul
de
Pernambuco,
Rio Formo
so
(destino)
-
2. chalupas
-
02/02
(saída)
13
companhias
-
Itamaracá
(destino)
-
3. navios
-
18/02
(saída)
300 soldados
doentes
-
Fernando de
Noronha
(destino)
-
4. Iate
De Eenhoon
28/02
(chegada)
-
-
Países Baixos
(procede)
-
5. Iate
De
Brack
11/03
(chegada)
-
260 caixas
de açúcar e
tabaco
729
Países Baixos
(procede)
-
6. navios (19
embarcações)
-
11/03
(saída)
14
companhias
-
Cabo de
Santo
Agostinho
(destino)
-
7. navios (12
embarcações)
-
14/03
(chegada)
-
-
Litoral Sul
de
Per
nambuco
(procede)
-
8. navios (7
embarcações)
-
20/03
(chegada)
-
Açúcar
730
Rio Formoso
(procede)
-
9. charruas
(2
embarcações)
-
21/03
(chegada)
34
Provisões
Países Baixos
(procede)
-
10. navios (2
embarcações)
Donderkloot
e De Goude
Leeuwe
01/04
(
saída)
Primeiras
tropas
“velhas”
-
Índias
Ocidentais
(destino)
-
729
Resultado de apresamento de uma caravela espanhola.
730
Resultado de apresamento de duas caravelas espanholas “bem carre
gadas de açúcar” próximo ao Rio
Formoso.
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274
que
serviram em
Pernmabuco
11. navios (4
embarcações)
Arca Noe,
Het Wapen
van Delft,
De Faeger,
Pater
-
Açúcar
Países Baixos
(destino)
-
12. navios (6
embarcações)
-
11/04
(saída)
Soldados
veteranos
-
Índias
Ocidentais
(destino)
-
Tabela de embarcações que entraram e saíram do porto Recife
731
(Ano 1635)
Natureza
Nome
Data
Soldados
Carga e/ou
informações
Procedência/desti
no
Câmara
1. Navio
Walcheren
27/03
entrada
166
Farin
ha e
outros
Paises Baixos
(procede)
Zelândia
2.Cruzador
DeVlederm
uis
29/03
entrada
-
-
Barra Grande
(procede)
-
3.Cruzador
Ter Veere
29/03
saída
-
Açúcar e pau
-
brasil
Paraíba e Paises
Baixos (destino)
-
4.Cruzador
T’Wapen
van Hoorn
29/03
saída
-
Açúca
r e Pau
-
brasil
Paraíba e Paises
Baixos
(destino)
-
5. Navio
Adam e Eva
02/04
entrada
89
Munições e
provisões
Paises Baixos
(procede)
Groningen
6. Navio
Salamander
02/04
entrada
200
Munições e
provisões
Paises Baixos
(procede)
Amsterda
m
7. Barco
Gijseli
ng
05/04
entrada
-
-
Paraíba
(procede)
-
8.Chalupa
Duitzendbee
n
06/04
entrada
-
2 pipas de
cal;700
bananas e 20
Itamaracá
(procede)
-
731
Informações Colhida nas
Dagelijckse
Notulen
do governo holandês no Brasil.
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275
cocos de
Igarassu
9. Navio
Walcheren
06/04
saida
-
Provisões e
munições
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
Zelândia
10. Navio
Ter Veere
11/04
entrada
Quantida
de não
informada
Provisões
outros
Paises Baixos
(procede)
Zelândia
11.Navio
Sint Martijn
12/04
entrada
48
Provisões
Paises Baixos
(procede)
Zelândia
12.Chalupa
Duizenbeen
13/04
entrada
-
320 cocos
Itamaracá
(proce
de)
-
13.cruzador
De
Vledermuis
13/04
saida
-
-
Barra Grande
(destino)
-
14.cruzador
De Bonte
Craij
13/04
saida
-
-
Cabo de Santo
Agostinho e Barra
Grande
(destino)
-
15.cruzador
Ceulen
13/04
entrada
-
-
Não informada
-
16.cruzador
Ceulen
15/04
saida
-
Provisões
Sul de Pernambuco
(destino)
-
17.navio
(aprisionado
pelo cruzador
Itamaracá)
Nossa
Senhora do
Carmo
15/04
chegada
-
93,5 pipas de
vinho
Costa de Angola
(procede)
-
18.cruzador
Gijseling
16/04
chegada
-
Cartas do Sr.
Carpentier
pedindo
prov
isões
Paraíba
(procede)
-
19.navio
Sint Martha
16/04
chagada
-
-
-
Zelândia
20. 2 barcos
-
16/04
chagada
-
7 caixas de
açúcar branco
e mascavado
Ilha em frente ao
Forte Amélia
(procede)
-
21. cruzador
Lichthart
(sofreu
avarias)
19/04
chegada
-
-
Sul d
e Pernambuco
(procede)
-
22. cruzador
Lichthart
21/04
saida
-
Provisões
Sul de Pernambuco
(destino)
-
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276
23. cruzador
De
Goutvinck
-
-
24.cruzador
De S
preeuw
22/04
chagada
-
68,5 caixas de
açúcar para a
WIC e 15 para
serem
vendidas a
particulares
Goiana
(procede)
-
25.cruzador
Gijseling
23/04
Saída
Efetivo
não
informado
Provisões e
carta ao
comandante
Lichthardt
Porto Calvo
(destino)
-
26.cruzador
De
Vledermuis
24/04
chagada
-
Carta do
comandante
Lichthardt
Barra Grande
(procede)
-
27.cruzador
De S
perwer
van Zeeland
25/04
chagada
-
Carta de
Carpentier
solicitando
viveres
Paraíba
(procede)
Zelândia
28.navio
De Liefde
27/04
chegada
37
Descarregou
em função de
uma
tempestade na
Inglaterra
Paises Baixos
(procede)
Amsterda
m
29.cruzador
De Sperwer
01/
05
saida
-
Missiva para
Carpentier e
2.700 florins
Paraíba
(destino)
Zelândia
30.cruzador
De
Goutvinck
01/05
saida
-
-
Goiana
(destino)
-
31.cruzador
De Spreeuw
01/05
saida
-
Missiva para
Eijsens e 1.200
florins
Goiana
(destino)
Zelândia
32. chalupa
G
roningen
04/05
chegada
-
Missiva do
Capitão Jacob
Petri e 6 pipas
de cal
Itamaracá
-
33.cruzador
Gijseling
07/05
saida
36
Provisões para
o governador e
o Sr. Schott
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
-
34.cruzador
De
Vliegende
Sperwer
12/05
chegada
-
-
Porto Calvo
(procede)
-
35.cruzador
De
23/05
-
-
Porto calvo
-
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277
Leeuwerick
chegada
(procede)
36. cruzador
De
Goutvinck
24/05
saida
-
Carregará 12
caixas de
açúcar,
passará em
Goiana e irá
abastecer um
navio na
Paraiba
Itamaracá, Goiana
e Paraíba
(dest
ino)
-
37. cruzador
Schoppe
25/05
chegada
-
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
38.barco
Obs:
aprisionado
pelo cruzador
Schoppe no
Cabo de Sto
Agostinho
Nossa
Senhora do
Rosário
25/05
Chegada
1 capitão e
cinco
marinheir
os
100 potes
pequenos de
óleo de
feijão,
72 tonéis de
bacalhau,12
tonéis de
sardinha, 3000
vadem de
pavio e 4
toneis de
farinha
portuguesa
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
39. navio
Pernambuc
o
27/05
chegada
-
Açúcar
Porto Calvo
(procede)
-
40. navio
Erasmus
27/05
chegada
-
Carta do
Fiscal de
Ridder
pedindo
viveres
Porto Calvo
(procede)
-
41. cruzador
De Bonte
Craij
27/05
chegada
-
Madeira para
as padarias do
Recife
Itamaracá
(procede)
-
42. cruzador
De
Leeuwerick
27/05
Saída
21
Provisões para
o Forte Ceulen
Rio Grande do
Nort
e
(destino)
-
43. barco
Nossa
Senhora do
Rosário
27/05
Saída
-
Missiva para o
capitão Jan
Vos
Sul de Pernambuco
(destino)
-
44. navio
Mauritius
29/05
-
Provisões
Alagoas
-
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278
Saída
(destino)
45. cruzador
Gijseling
29/05
chegada
-
Açúcar e
missiva do
ca
pitão de
Ridder
Porto Calvo
(procede)
-
46. cruzador
Schoppe
30/05
saida
-
2 missivas
para o capitão
de Ridder e
provisões
Porto calvo
(destino)
-
47. cruzador
De
Meerminne
08/06
chegada
-
Sem provisões
Paraíba
(procede)
Amsterda
m
48. cruzador
De
Mee
rminne
16/06
chegada
-
-
Ilha de Santo
Aleixo
(procede)
Amsterda
m
49. navio
Fluit
Het Land
van Belofte
19/06
chegada
Sem
soldados
Provisões
Paises Baixos
(procede)
Amsterda
m
50. navio
De
Winthond
van Hoorn
19/06
chegada
-
Sem provisões
Cabo de Santo
Ag
ostinho
(procede)
-
51. navio
De Moriaen
28/06
Saída
-
Provisões e
munições
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
-
52. cruzador
De
Vledermuis
29/06
chegada
-
-
Bahia
(procede)
-
53. cruzador
Snaphaen
29/06
saida
-
Busca de
materiais para
a construção
do
forte de
Barra Grande
Não informado
-
54. navio
Het Land
van Belofte
10/07
saida
-
Será
carregado de
sal
Índias Ocidentais e
Paises baixos
-
55. cruzador
De
Meermine
17/07
saida
soldados
portugues
es
prisioneir
os
-
Cuba e Paises
Baixos
(destino)
Amsterd
a
m
56. cruzador
De
Zuijdsterre
17/07
saida
soldados
portugues
es
prisioneir
-
Cuba e Paises
Baixos
(destino)
Zelândia
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279
os
57. cruzador
Schoope
17/07
Saída
soldados
portugues
es
prisioneir
os
-
Cuba e Recife
(destino)
-
58. barco
Angola
17/07
Saída
soldado
s
portugues
es
prisioneir
os
-
Cuba e Paises
Baixos
(destino)
-
59. cruzador
De
Kemphaen
17/07
chegada
-
Carta do
Fiscal de
Ridder
Barra Grande
(procede)
-
60. cruzador
De Bonte
Craij
30/07
chegada
-
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
61.cruzador
De
Ke
mphaen
30/07
chegada
-
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
62.cruzador
De
Winthond
van Hoor
30/07
chegada
-
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
63. navio
Enckhuisen
02/08
chegada
-
Aprisionou um
navio de
Lubeck no
litoral da
Bahia
Bahia
(procede)
-
64. navio
(aprisionado)
Não
informado
02/08
chegada
-
27 peças de
artilharia,
tabaco, pau
-
brasil e 1.900
caixas de
açúcar
Bahia
(procede)
-
65. cruzador
Ceulen
02/08
Saida
-
-
-
-
66. cruzador
De
kemphaen
02/08
Saída
-
Provisões
Porto Calvo
(destino)
-
67.cruzador
De
Vinthond
van Hoor
02/08
Saída
-
Provisões
Porto Calvo
(destino)
-
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280
68.cruzador
De Spreeuw
04/08
chegada
-
-
Porto Calvo
(procede)
Amsterda
m
69. cruzador
De
Vliegende
Spewer
06/08
Chegada
-
-
Não informado
-
70. cruzador
Tortelduijf
06/08
Chegada
-
-
Não informado
-
71. navio
De Bonte
Craij
06/08
Chegada
Quantida
de não
informada
Viveres,
artigos para o
comércio e
material para
o exército;
missiva da
Câmara de
Groningen
Paises Baixos
(procede)
Groningen
72. cruzador
De
Leeuwinne
06/08
Saída
-
Missiva para
Carpentier
Paraíba
(destino)
Zelândia
73.cruzador
De
Kemphaen
06/08
Chegada
-
-
74. cruzador
De
Goutvinck
06/08
Chegada
800 alqueires
de farinha
-
7
5. cruzador
De
Winthond
de Hoor
06/08
Chegada
Soldados
espanhóis
prisioneir
os
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
76. navio
De Swaen
77. navio
Erasmus
78.navio
Mercurius
79. navio
Ernestus
13/08
Saida
Não
informado
Provisões
(receberam
instruções
para
carregarem
-
se
de sal e
madeira em
Curaçau)
Índias
Ocidentais(Ilhas
Marguerita e
Curaçau)
(destino)
-
80. barco
-
13/08
chegada
-
-
Porto Calvo
(procede)
-
81. cruzador
Ceulen
13/08
chegada
-
24 caixas de
açúcar do
Arraial do
Bom Jesus
-
-
82. cruzador
Deventer
16/08
chega
da
-
Provisões
-
-
83. navio
Salamander
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281
84. navio
Walcheren
85. navio
De Maagd
van Dort
86. navio
De Faem
16/08
chegada
-
Poucas
provisões
Litoral da Bahia
(procedem)
-
87. navio
Westfrieslan
d
16/08
chegada
94
Provis
ões e
cartas da
Câmara de
Maas
Paises Baixos
(procede)
Maas
(Roterdam
)
88. cruzador
De
Kemphaen
16/08
chegada
-
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
89. cruzador
De
Vliegende
Sperwer
16/08
Saída
-
Provisões
Barra Grande,
Porto Calvo e
Santo Antô
nio
(destino)
Delft
90. cruzador
De
Canarievoge
l
17/08
Chegada
-
Trouxe carta
de Arcizewnsk
Santo Antônio
(procede)
-
91. cruzador
De Spreeuw
26/08
Saída
-
Viveres e
munições
Santo Antonio
(destino)
Amsterda
m
92.barco
(grande)
-
26/08
chegada
-
Ca
rtas
pedindo
viveres
Santo Antonio
(procede)
-
93. navio
Enckhuisen
28/08
chegada
-
Será
carregado de
açúcar
-
-
94. barco
(avariado)
De Nortsche
pip
30/08
chegada
-
-
Santo Antônio
(procede)
-
95. navio
Alckmaer
30/08
chegada
-
Viveres,
material de
t
rem e bens
para comércio
Paises Baixos
(procede)
Amsterda
m
96. cruzador
(avariado)
De
Vliegende
Spreeuw
30/08
chegada
-
-
Barra Grande
(procede)
Maas
(Roterdam
)
97. 3 barcos
portugueses
-
05/09
chegada
-
-
Porto Calvo
(procedem)
-
98. navio
Overijsel
-
-
-
99. navio
De Haes
0
7/09
Saída
-
-
Bahia
(destino)
-
100. barcos
-
08/09
Prisioneir
-
Índias Ocidentais
-
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282
portugueses
Saída
os luso
-
brasileiros
(destino)
101.cruzador
De Spreeuw
10/09
Chegada
-
-
Paraíba
(procede)
Zelândia
102.cruzador
Lichth
art
12/09
Saída
-
Viveres e
artilharia
São Gonçalo
(destino)
-
103.cruzador
De Spreeuw
13/09
Chegada
-
-
Porto Calvo
(procedência)
Amsterda
m
104. navio
Salamander
-
-
-
105 navio
Walckeren
-
-
-
106. navio
D
e Maagd
van Doort
-
-
-
107. navio
De Faem
18/09
Saída
-
-
Barra Grande
(destino)
-
108. navio
De Sperwer
18/09
chegada
-
-
Barra Grande
(procede)
Zelândia
109. navio
Alckmaer
23/09
Saída
-
Carga não
especificada
Índias Ocidentais e
Paises Baixos
(destino)
Amsterda
m
110.cruzador
D
e
Canarievoge
l
23/09
Saida
80
Viveres e
produtos para
comércio
Sul de Pernambuco
(destino)
-
111.navio
De
Wesfrieslan
dt
-
Carga não
especificada
-
112.chalupa
(acompanhan
d o o navio
Westferieslan
d)
-
30/09
Saída
-
Completara a
sua carga nas
Índias
Ocidentais
Índias Ocidentais e
Paises baixos
(destino)
-
113.cruzador
De
Goutvinck
30/09
chegada
-
Viveres
Itamaracá
(procede)
-
114.chalupa
Groningen
30/09
chegada
-
-
Não informado
-
115.cruzador
De
Bontecraij
30/09
chegada
-
-
Rio Grande do
Norte
(procedência)
-
116. navio
Overijssel
30/09
chagada
-
-
Bahia
(procedência)
-
117.cruzador
De
Bontecraij
03/10
Saída
-
Pau
-
brasil
para abastecer
o navio De
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
-
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283
Moriaen
118.navio de
carga
De
Wassende
Maen
03/10
Saída
-
-
Índias Ocidentais e
Paises Baixos
-
119.cruzador
De
Canarievoge
l
05/10
chegada
-
Carta do
Governador
pedindo 3 Cias
de soldados
São Gonçalo
(procedência)
-
120. navio
Ter Toolen
05/10
Saída
Quantida
de não
informada
Viveres
Sul de Pernambuco
(de
stino)
-
121.cruzador
De Spreeuw
05/10
Saída
-
Viveres
Sul de Pernambuco
(destino)
Amsterda
m
122.navio
Overijssel
05/10
chegada
-
-
Paraíba
(procede)
-
123. barco
(fluit)
Passmoij
08/10
Saida
-
Será
abastecido
pelo navio
Hércules
Ilha de Santo
Aleixo
(destino)
-
124.cruzador
De Cambe
08/10
Saída
-
Viveres e
munições
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
-
125. navio
Sint Clara
08/10
chegada
-
Bens de
comércio,
ervilhas,
feijão, cevada
e farinha/carta
do Cons. XIX
Paises Baixos
(procede)
Amsterda
m
12
6. galeão
De Doffer
08/10
Saída
-
Controlar o
descarregame
nto do
Hércules
Ilha de Santo
Aleixo
(destino)
-
127.cruzador
De
Bontecreij
12/10
chegada
-
Pau
-
brasil
Rio Grande do
Norte
(procede)
-
128.cruzador
Kemphaen
12/10
chegada
-
-
Santo Antonio
(pro
cede)
-
129.cruzador
Lichthart
12/10
chegada
-
-
Santo Antonio
(procede)
-
130.cruzador
De
Leeuwerick
18/10
Saída
-
Viveres
Paraíba
(destino)
-
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284
131.galeota
Het Duifjie
18/10
chegada
-
Tinha levado
materiais p/ a
ilha
Itamaracá
(procede)
-
132. navio
De
Speeljatch
19/10
Saída
-
Recebera a
carga do
Hércules
Ilha de Santo
Aleixo
(destino)
-
133. galeota
De Doffer
27/10
chegada
-
-
Ilha de Santo
Aleixo
(procede)
-
134.cruzador
Itamaracá
31/10
chegada
-
Pau
-
brasil
Ilha de Santo
Aleixo
(procede)
-
135
.cruzador
De
Winthond
van Hoor
31/10
Saída
-
Viveres e
munições
Santo Antonio
(destino)
-
136.cruzador
De Cauwe
31/10
Saída
-
Viveres
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
Zelândia
137. fluit
De Zeerob
03/11
Chegada e
saída
(permanênc
ia de 1 hora
no Rec
ife)
-
Pau
-
brasil e
cidadãos livres
Ipojuca
(destino)
-
138.cruzador
De Spreeuw
08/11
chegada
-
-
Santo Antônio
(procede)
Amstrerda
m
139.cruzador
Lichthart
09/11
Saída
-
Viveres
Barra Grande
(destino)
-
140. navio
De
Oragieboom
09/11
chegada
-
Óleo e
vinho
aprisionados
em butim
Paises Baixos
(procede)
Zelândia
141.cruzador
De Bonte
Craij
13/11
chegada
-
Lenha para
padaria
Itamaracá
(procede)
-
142.navio
De Moriaen
19/11
chegada
-
Pau
-
brasil e
açúcar
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
143.cruzad
or
De
Goutvinck
19/11
chegada
-
Lenha para
padaria
Paraíba
(procede)
-
144.cruzador
De Bonte
Craij
20/11
Saída
-
Viveres
Itamaracá
(destino)
-
145. navio
De Doffer
20/11
-
Cartas de
Sul de Pernambuco
-
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285
chegada
Arcizensck
(procede)
146.cruzador
De Spr
eeuw
23/11
Saída
-
Viveres e
munições
Sul de Pernambuco
(destino)
Amsterda
m
147.cruzador
De Spewer
26/11
Saída
-
Viveres
Barra Grande
(destino)
Zelândia
148.cruzador
De
Kemphaen
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
149.cruzador
De
Winthon
d
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
150.cruzador
De Spreeuw
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
151. navio
Ter Tholen
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
152 .navio
Salamander
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destin
o)
-
153 .navio
De Maagd
van Dort
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
154. navio
Walcheren
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
155. navio
De Faem
27/11
Saída
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
156. navio
Goeree
27/11
Saída
-
-
Su
l de Pernambuco
(destino)
-
157. cruzador
Het Haentje
27/11
chegada
-
Cartas
informando as
vitórias da
Espanha sobre
terras
neerlandesas
Amsterdam
(procede)
-
158. cruzador
Het Haentje
28/11
saida
-
-
Norte de
Pernambuco
(destino)
-
159. cruzador
De
Mee
rmine
28/11
Saída
-
-
Norte de
Pernambuco
(destino)
Zelândia
160. cruzador
De Sperwer
28/11
Saída
-
Viveres e
munições
Sul de
Pernambuco(?)
(destino)
-
161. cruzador
-
06/12
chegada
-
Veio
comercializar
pau
-
brasil
Paises Baixos
(procedência)
-
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286
162.
cruzador
De
Goutvinck
06/12
Saída
-
Viveres
Paraíba
(destino)
-
163. cruzador
De
Meermine
06/12
Saída
-
Viveres
Sul de Pernambuco
(destino)
-
164. cruzador
Canarevogel
06/12
Saída
-
Viveres
Sul de Pernambuco
(destino)
-
167.navio
Het Haus
van Na
ssau
06/12
Chegada
-
Foi buscar a
carga do navio
Hercules
Ilha de Santo
Aleixo
(procede)
-
168. navio
Spitsbergen
07/12
Chegada
Cidadãos
livres
Bens de
comércio,
vinho e
vinagre para a
WIC
Paises Baixos
(procede)
-
169. navio
De Sperwer
de Zeland
07/12
Chegada
-
Trouxe
informes
acerca da
marcha de
Arcizenski
para Alagoas
Barra Grande
(procede)
-
170. chalupa
-
07/12
Chegada
-
Informa
acerca do
carregamento
do navio
Mauritius
Paraíba
(procede)
-
171. navio
Overijssel
07/12
Saída
-
-
Ilha de
Santo
Aleixo
(destino)
-
172. cruzador
De
winthond
van Hoor
15/12
Chegada
-
-
Foi buscar os
navios que se
encontravam nas
latitudes 10 e 11
graus de latitude
-
173. cruzador
De
Leeuwinwe
15/12
Chegada
-
-
Latitude 10 e 11
graus
(procede)
-
174. cruza
dor
Zeeridder
15/12
Chegada
-
-
Latitude 10 e 11
graus
(procede)
-
175. cruzador
Ceulen
15/12
Chegada
-
Informa cerca
da falta de
Sul de Pernambuco
(procede)
-
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287
viveres das
tropas de
Alagoas
176. galeota
De Doffer
16/12
Chegada
-
Açúcar
Barra Grande
(procede)
-
177. cruzador
De
Sprreeuw
de Zelândia
16/12
Chegada
-
Informa
acerca da
vinda da
esquadra
espanhola
-
-
178. cruzador
De Cauwe
16/12
Chegada
-
Informa a
falta de viveres
do Sr.
Stachouwer
-
Zelândia
179. cruzador
De
Canarivogel
17
/12
Chegada
-
-
-
-
180. cruzador
De
Goutvinck
17/12
Chegada
-
Missiva do Sr.
Eijsens
Paraíba
(procede)
-
181. galeota
De Duijft
23/12
Chegada
-
-
Barra Grande
(procede)
-
182. cruzador
De Cauwe
23/12
Saída
-
Provisões
Itamaracá
(destino)
-
183. navio
De
Holandsche
Tuijn
23/12
Chegada
-
Bens para os
cidadãos
livres,
viveres,armas
e material de
artilharia
Amsterdam
(procede)
Amsterdã
184. navio
Enckhuisen
23/12
Saída
-
Pau
-
brasil
-
-
185. cruzador
Het Haentje
27/12
Chegada
-
Noticias do
p
ossível
ataque inimigo
por terra
Sul de Pernambuco
(procede)
-
186. cruzador
Lichhart
27/12
Chegada
-
Noticias do
possível
ataque inimigo
por terra
Sul de Pernambuco
(procede)
-
187. cruzador
De
Canarivogel
31/12
Chegada
-
-
Sul de Pernambuco
(proced
e)
-
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288
(Ano 1636)
Natureza
Nome
Data
Soldados
Carga
Procedência/destino
Câmara
1. cruzador
Goutvinck
03/01
Saída
-
-
Paraíba
(destino)
-
2. cruzador
De Doffer
03/01
Saída
-
-
Paraíba
(destino)
-
3. cruzador
Ceulen
03/01
Saída
-
Viveres
S
ul de Pernambuco
(destino)
-
4. cruzador
De Cauwe
07/01
Saída
-
Munições
Sul de Pernambuco
(destino)
-
5. cruzador
De Phaesant
07/01
Chegada
-
62 caixas de
açúcar
Ilha de Santo
Aleixo
(procede)
-
6. navio
Goeree
07/01
Chegada
-
-
Barra Grande
(pro
cede)
-
7. cruzador
De Bonte
Craij
08/01
Saída
-
Munição
Sul de Pernambuco
(destino)
-
8. cruzador
De
Canarivogel
17/01
Saída
-
Viveres e
munição
Barra Grande
(destino)
-
9. cruzador
De winhond
van Hoorn
18/01
chegada
-
Cartas
pedindo
viveres
Barra
Grande
(procede)
-
10. cruzador
De Doffer
18/01
Saída
-
Mercadorias
para cidadãos
livres e viveres
para as
guarnições
Paraíba
(destino)
-
11. cruzador
Lichthart
18/01
Saída
-
Viveres
Barra Grande
(destino)
-
12. navio
Salamander
-
-
13. navio
Walcheren
-
-
14. navio
Ht Wapen
van
Mademblick
-
-
15. navio
De Faem
-
-
16. navio
Overijssel
-
-
17. navio
Ter Toolen
-
-
18. navio
Goeree
19/01
Saída
-
Navegar em
direção a
Peripueira e
transportar o
exército de
Arcizenscki
até Barra
Grande
Peripueira/Barra
Grande
(destino)
-
19. chalupa
-
19/01
(chegada)
-
-
Serinhaém
(procede)
-
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289
20. navio
De
Meerminne
19/01
Chegada
Quantidade
não
informada
-
Paraíba
(procede)
-
21. navio
De
Leeuwinne
19/01
Saída
-
-
-
Zelândia
22. navio
De goutvinck
19/01
Saída
-
Bens de
cidadãos livres
Paraíba
(destino)
-
23. navio
Out
Vlissingen
19/01
Chegada
-
-
Santo Aleixo
(procede)
-
24. navio
De Cauwe
19/01
Chegada
-
-
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
25.cruzador
De Haes
-
-
26. cruzador
De Winthond
van Hoorn
20/01
Sa
ída
-
Viveres e
material para
construção de
fornos
Barra Grande
(destino)
-
26. cruzador
Het Haentje
21/01
Chegada
-
Trouxe
noticias da
derrota de
Rojas y Borja
em Porto
Calvo
Barra Grande
(procede)
-
27. cruzador
Vliegendehart
21/01
Saída
-
Viveres
Barra Grande
(destino)
-
28. cruzador
De
Meerminne
22/01
Saída
-
Viveres e
recomendações
para que se
inspecione a
milícia
Itamaracá
(destino)
-
29. galeota
De Doffer
24/01
chegada
-
Missiva do Sr.
Eisens pe
dindo
viveres e um
cruzador para
transportar
açúcar
Goiana
(procede)
-
30. galeota
De Doffer
27/01
Saída
Doentes e
feridos
-
Itamaracá
(destino)
-
31. navio
Amsterdam
27/01
Chegada
Não
informado
Viveres e
material de
trem
Amsterdam
(procedência)
-
32. cruzador
De Phaesant
27/01
-
Viveres
Cabo de Santo
-
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290
Saída
Agostinho
(destino)
33. cruzador
De Goutvinck
28/01
Chegada
-
-
Paraíba
(procede)
-
34. galeota
De Doffer
01/02
Chegada
-
Carta pedindo
material de
construção
para
construção do
Forte Or
ange
Itamaracá
(procede)
-
35. cruzador
-
01/02
Chegada
-
Informações
sobre 13
navios
holandeses que
estavam na
ilha de Santo
Aleixo
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
Zelândia
36. navio
Out
Vlissingen
04/02
Chegada
-
Noticia acerca
de ataque do
in
imigo a
guarnições da
região
Barra Grande
(procede)
-
37. navio
De
Meerminne
06/02
Saída
-
Viveres
Rio Grande do
Norte
(procede)
-
38. navio
De
Leeuwinne
06/02
Saída
-
Viveres
Paraíba
(destino)
-
39. galeota
De Duijff
12/02
Chegada
-
-
Barra Grande
(procede)
-
40. navio
Salamander
-
-
-
41. navio
Ter Toolen
-
-
-
42. navio
De Faem
-
-
-
43. navio
Dordrecht
-
-
-
44. navio
Overijssel
-
-
-
45. navio
Walcheren
13/02
Saida
-
-
Sul de Pernambuco
(destino)
-
46. navio
De Phaesa
nt
13/02
Chegada
-
Missiva
pedindo
viveres
Cabo de Santo
Agostinho
(procede)
-
47. cruzador
Ceulen
13/02
Chegada
-
Missiva
pedindo
viveres
Barra Grande
(procede)
-
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291
48. navio
Enckhuijsen
-
-
-
49. navio
De Tijger
-
-
-
50. navio
De Moriaen
-
-
-
51. navio
De Bonte
Coeij
-
-
-
52. navio
St Clara *
732
-
-
53. navio
Speeljatch*
-
-
54. navio
Spitsbergen*
-
-
55. navio
De
Leeuwinne*
-
-
56. navio
Pasm
oij*
-
-
57. navio
Mauritius*
-
-
58. navio
Zeerob*
-
Açúcar e pau
-
brasil
Paises Baixos
(destino)
-
59. cruzador
Lichthart
22/02
Saída
-
Viveres
Itamaracá
(destino)
-
60. cruzador
De Haen
23/02
Saída
-
Viveres
Sul de Pernambuco
(destino)
-
61. navio
Out
Vlissingen
07/03
Chegada
-
Tro
uxe
informações
da luta
travada entre
navios da WIC
e 2 galeões
espanhóis no
litoral da
Bahia
733
Litoral da Bahia
(procede)
-
62. navio
Salamander
-
-
-
63. navio
Ter Tholen
-
-
-
64. navio
D
e Faem
-
-
-
65. navio
De Maecht
van Doot
-
-
-
66. navio
Overijssel
-
-
-
67. navio
Walcheren
-
-
-
68. navio
De
Holandsche
Tuijn
12/03
Chegada
-
-
Litoral da Bahia
(procede)
-
732
(com asterisco) Embarcações saídas da Paraíba.
733
A noticia trazida por esta embarcação foi que os navios Salamander, Ter Tholen, De Fa
em, De Maecht
van Doort, Overijssel, Walcheren, Out Vlisssingen e De Holandsche Tuijn entraram em combate contra
dois galeões e um patacho espanhóis no litoral da Bahia. Na refrega, o navio Salamander saiu com o mastro
do traquete e o grande mastro avariad
os.
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292
69. navio
Ter Tholen
12/03
Saída
-
-
Baia Formosa
(destino)
-
70. cruzador
De Sperwer
14/03
Chegada
-
-
Sul de Pernambuco
(procede)
-
71. navio
De
Leeuwvinne
14/03
Saída
-
Levou algumas
“instructies”
do Recife
Paraíba
(destino)
-
72. cruzador
De Duijff
14/03
Chegada
9
prisioneiros
luso
-
brasileiros
734
-
Sul de Pernambuco
(proc
ede)
-
73. navio
De Duijff
18/03
Saída
-
Viveres
Paraíba
(destino)
-
74. cruzador
De Haen
20/03
Chegada
-
-
Serinhaém
(procede)
-
75. navio
De Liefde
Cidadãos
-
livres
76. navio
De Trompet
-
Informações
das
embarcações
que viriam à
seguir
735
Pa
ises Baixos
(procede)
Amsterdam
77.cruzador
De Goutvinck
-
-
Paraíba
(procede)
-
78.cruzador
De Zeeridder
-
-
Zelândia
79.cruzador
De
Kemphaen
21/03
Chegada
-
-
Sul de Pernambuco
(procede)
-
80.cruzador
De Spreeuw
21
/03
Saída
-
Bens de
consumo
Goiana
(destino)
Zelândia
81.cruzador
De Doffer
21/03
Chegada
-
-
Serinhaém
(procede)
-
82. navio
Het Land van
Belofte
22/03
Chegada
-
Viveres
Paises Baixos
-
734
Entre eles, tinham 1 Alferes e 3 frades capuchinhos. Trouxeram também cartas para o almirante
Lichthart informando que os cruzadores De Spreweuw, De Winthond e De Leewinne navegariam até o
Porto Francisco (altura de Camaragibe?).
735
Segundo os tr
ipulantes, sete embarcacoes viriam, em seguida, carregadas de viveres. A documentação
chama estes navio de Amsterdam de “navios de carga”. Os navios partiram de Texel no dia 1 de dezembro
de 1635.
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293
83. navio
Haerlem
736
24/03
Chegada
Soldados e
marujos
bens de
comércio e
viveres
(procede)
-
84.cruzador
De Doffer
26/03
Saída
-
Bens de
comércio
Paraíba
(destino)
-
85. navio
Ter Tholen
-
-
Baia Formosa
(procede)
-
86.cruzador
De Phaesant
26/03
Chegada
-
-
Serinhaém
(procede
)
-
87. navio
De Crabbe
-
-
Paises Baixos
(procede)
-
88.cruzador
Ceulen
27/03
Chegada
-
-
Serinhaem
(procede)
-
89.cruzador
De Duijff
31/03
Chegada
-
-
Paraíba
(procede)
-
90. navio
Out
Vlissingen
01/04
Saída
-
-
Litoral da Bahia
737
(destino)
-
91.cruzador
De Brack
5 soldados
-
Paises Baixos
(procede)
Groningen
92.cruzador
Lichthart
01/04
Chegada
-
18 caixas de
açúcar
-
93.cruzador
Ceulen
13/04
Chegada
-
-
Serinhaem
(procede)
-
94.cruzador
De Spreeuw
15/04
Chegada
-
-
Paraíba
(procede)
-
95. navio
Zeelandt
-
-
-
96. navio
Domburch
-
-
-
97. navio
De Soone
738
15/04
Chegada
-
-
Paises Baixos
(procede)
-
98.cruzador
De
Leeuwerick
-
Viveres
Paraíba
(destino)
-
9
9.cruzador
Ceulen
-
-
Serinhaém
(destino)
-
100.
cruzador
De Spreeuw
17/04
Saída
-
Viveres
Sul de Pernambuco
(destino)
-
736
Junto ao Haerlem vieram mais 15 navios, que sairam dos P
aises Baixos no dia 15 de Janeiro. Todos
carregados de soldados, marinheiros, viveres e produtos para serem vendidos pelos cidadãos
-
livres. A
documentação, infelizmente, não especifica as embarcações. Chamou
-
se a atenção do navio Haerlem, pelo
fato desse t
er trazido o conselheiro político Hendrick Schilt.
737
Foi em missão de saber se a armada espanhola ainda se encontrava nalgum porto daquela região.
738
Tais embarcações traziam uma embarcação ganhada aos luso
-
brasileiros (ao que tudo indica). A presa
estava
cheia de vinho e viveres.
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294
101. navio
Out
Vlissingen
18/04
Chegada
-
Informações
sobre a frota
espanhola
Litoral da Bahia
(procede)
-
102. navio
Goeree
18/0
4
Saída
“tapuias”
Viveres
Sul de Pernambuco
(destino)
-
103.
cruzador
Lichthart
21/04
Chegada
-
-
Goiana
(procede)
-
104.
Cruzador
De Cauwe
24/04
Chegada
-
-
Sul de Pernambuco
(procede)
-
105.
Cruzador
De Phaesant
24/04
Saída
-
Bens
de
comércio
Itamaracá
(destino)
-
106. navio
Sint Michiel
-
Informações
de navios na
Bahia
Litoral da Bahia
(procede)
Roterdam
107.
cruzador
De
Vledermuis
-
-
Paraíba
(procede)
-
108.
cruzador
Ceulen
26/04
Chegada
-
Informando
qu
e as tropas
lá estavam sob
o comando do
governador
Serinhaém
(procede)
-
109.
cruzador
De Sperwer
-
Munição para
guerra
Goiana
(destino)
-
110.
Cruzador
Ceulen
27/04
Saída
-
Cartas para o
Governador
Provavelmente
para Serinhaém
-
111.
C
ruzadores
739
-
27/04
Chegada
-
Aprisionaram
um barco
espanhol
Sul de Pernambuco
(procede)
-
112.
cruzador
De Doffer
-
Munição de
guerra
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
-
113.
cruzador
De Duijffer
-
-
-
114.
Cruzador
De
Vledermuis
29/04
Saída
-
-
São Gonçalo
-
739
Os nomes das embarcações não foram informados. O barco espanhol aprisionado transportava 36
prisioneiros (marinheiros, brasilianos e escravos). Também trazia muitas cartas que revelavam planos dos
luso
-
brasileiros em atacar as
tropas da WIC a partir de Porto Calvo com um efetivo de 600 homens.
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295
115.
cruzador
De Haen
-
-
-
116.
cruzador
De
Kemphaen
-
-
(desti
no)
740
-
117.
cruzador
De Sperwer
-
Informações
de que os luso
-
brasileiros
tinham feito
um ataque ao
forte de
Peripueira
São Gonçalo
(procede)
-
118.
cruzador
Lichthart
29/04
Chegada
-
-
Serinhaém
(procede)
-
119. navio
Het Wapen
van
Medenblick
-
-
-
120. navio
Out
Vlissingen
-
-
São Gonçalo
(destino)
741
-
121. navio
De Witte
Valck
29/04
Saída
-
-
Paraíba
(destino)
742
-
122. navio
Kampen
-
-
-
123. navio
De Faem
-
-
-
124. navio
Overijssel
-
-
-
125 navio
Walcheren
01/05
Saída
-
-
Ilha de Santo
Aleixo
(destino)
743
-
126. navio
Ter Tholen
05/05
Saída
-
-
Paraíba
(destino)
-
127. navio
Amste
rdam
-
-
-
128. navio
Salamander
-
-
-
129. navio
De
Hollandsche
Tuin
08/05
(saída)
-
-
Ilha de Santo
Aleixo
(destino)
-
130. navio
Haarlem
-
-
-
131. navio
De Goude
Leeuw
-
-
-
132. navio
Nassau
08/05
(saída)
-
-
Ilha de Santo
Aleixo
(destino)
-
740
Para fins de patrulhamento da costa sul da conquista, as instruções foram dadas no sentido de que essas
embarcações deveriam navegar ao máximo para o sul e o maximo possivel longed a c
osta.
741
O destino era se encontrar com as embarcações De Duijffer, De Vledermuis, De Haen e De Kemphaen
nos limites das latitudes 10 e 11,5 graus sul.
742
Foi ser carregado na Paraiba.
743
Na verdade, o destino final será cruzar o litoral da Bahia.
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296
133.cruzador
De Doffer
-
-
134.cruzador
De Dijffer
12/05
(saída)
-
Viveres e
outros
Cabo de Santo
Agostinho
(destino)
-
135. navio
De Zoutberg
19/05
(saída)
-
Soldados
744
Serinhaém
(destino)
-
136.cruzador
Vledermuis
04/07
(chegada)
-
Carta
relatando a
falta de viveres
São Gonçalo
(procede)
-
Anexo II
Lista de escabinos no Brasil Holandês (1637
-
1643)
745
Câmara da Paraíba
1637
-
38
Jorge Homem Pinto, Manuel D’Almeida, Isaacq de Rasiere, Garpar Fernandes
Dourado e Jan van Ool
1638
-
39
Jan van Ool e Manuel D’Almeida (reconduzidos), Alonso Francez, Geraldo Mendes
e Eduart Munickhoven
1639
-
40
Geraldo Mendes e Alonso Francez (reconduzidos), Manuel D’Azevedo, Francisco
Camelo de Valcácer, Manuel da Costa
1641
-
42
Francisco Gomes de Muniz,
Gaspar van Solpten, Pieter Coets, Jacob Phibel,
Jacques van der Neese, Manuel Queiroz Siqueira e Sebastião da Cunha
744
A
not
ulen
fala que a embarcação
irá
se encontrar com outras que estão no sul da capitania de
Pernambuco
. Fala
-
se numa quantidade de 2100 homens. Possivelmente, esse efetivo não era todo para o
navio em questão e sim seria dividido entre as embarcações que lá es
tavam.
745
Atas do Governo Holandês no Brasil.
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297
1642
-
43
Manuel Queiroz Siqueira, Sebastião da Cunha, Sam
uel Gerards, Michiel van de
Veen
e, Pieter Toenemann, Jan van Oolen e André Dias
Figueredo
1643
-
44
Jan van Ool, Michiel van de Veene, Gaspar do Valle, Tomé (?) Leitão, Antônio de
Mattos Cardoso e André Dias Figueredo
Câmara de Itamaracá
1637
-
38
Johan Wijnants, Roelant Carpentier, Gonsalvo Cabral de Caldas, João Garcez, e
Estevão
Couceiro de Serqueira
1638
-
39
Johan Wijnants e Estevão Couceiro de Serqueira (reconduzidos), David van Kessel,
Joris Stuart e Francisco de Souza Brito
1639
-
40
Francisco de Souza Brito e David van kessel (reconduzidos), Gonsalvo Cabral de
Caldas, João Garcez e Pieter Seullin
1641
-
42
Johannes Carpentier, Couret Pauli, Estevão de Couceiro Siqueira, David van kessel,
Jan Haeck, Francisco de Souza Brito e Rui vaz Pinto
1642
-
43
David van kessel, Francisco de Souza Brito, Rui vaz Pinto, Michiel Hendricks
, Jan
(Johan) Wijnants, Francisco Soares e Noel de la Garame
1643
-
44
Michiel Hendricks, Jan Wijnants, Francisco Soares, Laubrecht Lieuvenso (?), Pieter
Seullen, Pedro de Freitas e Jorge de Castro Vieira
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298
Câmara de Igarassu
1637
-
38
João Malheiros da Rocha, Francisco Dias D’Oliveira e André Dias de Figueredo
1638
-
39
Francisco Dias D’Oliveira (reconduzido), João Lourenço Francez e Bernardo Dias
1639
-
40
João Lourenço Francez (reconduzido), Vicente Serqueira e Pedro Mariz
1641
-
42
Gonsalvo Novo de Lira, João Malheiros da Rocha, Jacob de Poex, Willen Elpingsten
1642
-
43
Gonsalvo Novo de Lira, Willen Elpingsten, Jaques Ballon, João
Pimentel e Vicente
C
erqueira
1643
-
44
Jacques de Ballon, João Pimentel, Vicente Cerqueira, Johannes Pretorius e
Franc
isco Dias D’Oliveira
Câmara de Serinhaém
1637
-
38
Miguel de Sá, Guillen Placcard e Jaques Pires
1638
-
39
Miguel de Sá (reconduzido), Garpar Correia Réguo e Francisco de la Tour
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299
1639
-
40
Gaspar Correia Réguo (reconduzido), Roelant Carpentier e Ma
nuel Velho Ferreira
1641
-
42
Francisco de la Tour, Roberto Cadarte, Jan Dapper Steijn, Francisco Fernandes
Anjo, Manuel da Cunha D’Andrade e Miguel Sá
1642
-
43
Matheus Ves, Manuel da Cunha D’Andrade, Guillame Plancker, Diogo Nunes
Fontes e Francisco Fernandes Anjo
1643
-
44
Guillame Plancker, Diogo Nunes Fontes, Francisco Fernando Anjo, johan Hick e
Roelant Carpentier
Câmara de Porto Calvo
1639
-
40
Manuel de Queiroga, Manuel de Gonsalves Mazagão, Francisco de Souza Falcão
Julien de Lima e David d
e Vries
1641
-
42
David de Vries, Jan Fletcher, André da Rocha Dantas, Bartholomeu Luis
D’
Almeida, Jacob Welthuisen, Gaspar Gonsalves Filgueiras e Domingos Mazagão
1642
-
43
David de Vries, Jan Fletcher, Jacob Wel
t
huisen, Gaspar Gonsalves Mazagão,
Francis
co de Souza Falcão e Francisco Alves Pinto
1643
-
44
Davids de Vries, Jan Fletcher,
Jacob Welthuisen, Francisco de S
ouza Falcão,
Antônio Alvares Pinto e Balthazar Leitão D’Olanda
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300
Câmara do Distrito de São Francisco
1639
-
40
João Fernandes de Paiva,
João Velho Tinoco
(?)
, Gaspar Gonsalves Novo
, Moraes
de Barros e Valentin da Rocha Pitta
1641
-
42
João Fernandes de Paiva, João Velho, Gaspar Fernandes, Domingos Martins e
Diogo Fernandes Cardoso
1642
-
43
Manuel Gomes Rebelo, Roque Leitão, Antônio de S
ouza, Diego da Costa
, Coubert
van Couverden
Câmara de Olinda e Cidade Maurícia
746
1637
-
38
Wilhelm Doncker, Jacques hack, Francisco de Brito Pereira, Gaspar Dias Ferreira e
João Carneiro de Mariz
1638
-
39
Wilhelm Doncker e Gaspar Dias Ferreira (reconduz
idos), Casper van Niehof van
der Ley, Samuel Halters e Luís Braz Bezerra
1639
-
40
Samuel Halters e Luís Braz Bezerra (reconduzidos), Antônio de Bulhões, Paulo de
Araújo de Azevedo e Christoffel Eyerschettel
Com a transferência da câmara para Antônio Vaz,
foram acrescidos ao conselho
Theodosius l’Empereur, Abrahan Francisco Cabeljau, Bartholomeus van Ceulen e
Gaspar Dias Ferreira
1640
-
41
Gaspar Dias Ferreira (reconduzido), Gillis van Luffel, Mathis Beck, Gregório de
Barros Pereira, Cosmo de Castro Passos e Antônio Vieira
746
Lista extraída do levantamento realizado por José Antônio Gonsalves de Mello.
Ref. Fontes para a
História do Brasil Holandês, tomo II, A Administração da Conquista.
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301
1641
-
42
Gillis van Luffel, Mathis Beck, Gregório de Barros Pereira, Cosmo de Castro Passos
e Antônio Vieira (reconduzidos), Samuel Halters, Jacob Coets, Hans van der Góes e
João Fernandes Vieira
1642
-
43
Samuel Halters, Jacob Coets, H
ans van der Goes e João Fernandes Vieira
(reconduzidos), Albert Warsonck, gillis Krol, Antônio Cavalcanti, Antônio de
Bulhões e Francisco Berenguer de Andrade
1643
-
44
Albert Warnsinck, Gillis Krol, Antônio Cavalcanti
e Francisco B
ereng
uer de
Andrade (rec
onduzidos), C
rhistiffel
Eyerschettel, Mathijs Beck, Bartholomeus van
Ceulen, Antônio de Abreu e Arnau de Holanda
Fontes primárias
IAHGP
(Coleção José Higino)
Dagelijckse Notulen (1635
-
1644)
Brieven e
n
Papieren uit Brasilie
Projeto Resgate
LA
PEH (UFPE)
Capitania de Pernambuco
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, D. 100.
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 87
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 88
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 89
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 90
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302
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 91
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 92
AHU_A
CL_CU_015, Cx.2, Doc 93
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc 96
AHU_ACL_CU_005, Cx1, Doc. 20.
AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 94
AHU_ACL_CU_015, cx.2, doc. 101
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, doc. 119
AHU_ACL_CU_015, Cx.2, Doc.158
Capitania da Paraíba
AHU_ ACL_CU_014, cx. 1, Doc. 25.
Capitania do Maranhão
AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 19.
AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 20.
AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 25.
AHU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 31.
AHU
_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 35.
AHU
_ ACL_CU_009_, Cx 1, doc. 75.
A
HU
_ ACL_CU_009, Cx 1, doc. 90.
Capitania do Pará
AHU
_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 20.
AHU
_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 28.
AHU
_ ACL_CU_013_, Cx 1, doc. 48.
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303
Outros
AHU. Cód. 24, fl.21.
Fontes primárias impressas
BAERS, Padre João. Olinda Conquistada. Recife: CEPE, 2004.
BARLÉUS, Gaspar. História dos fatos recentemente praticados durante oito anos no
Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.
BRÁSIO, Antônio (org). Monumenta Missionária Afric
ana
. 2
a
série (África Ocidental
Central), 15 vols., Lisboa, 1953
-
88.
Breve Discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas no Brasil, pelos
holandeses, 14 de Janeiro de 1638. In: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para
a história do Brasi
l Holandês. Tomo II: A administração da Conquista.
MEC/SPHAN/Fundação Pro
-
Memória. Recife, 1981
CALADO, Manoel, [1584
-
1654] O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade.
Vols I e
II
Recife. CEPE, 2004.
Carta dos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais de Zelândia aos Estados Gerais.
23 de abril de 1630. In: Documentos Holandeses. 1 vol. Ministério da Educação e Saúde,
1945.
Conferência Sobre as Índias Ocidentais
(anônimo). Trad. Hipólito Overmeer. São
Paulo: Ed. Giordano, 1999.
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304
COELHO, Duarte d
e Albuquerque. Memórias diárias da guerra do Brasil.
São Paulo:
Beca, 2003.
Descrição da costa do noroeste do Brasil entre Pernambuco e rio Camocipe, do
Relatório dos brasilianos seguintes: Gaspar Paraupaba do Ceará, de idade de 60 anos;
Andrés Franci
sco do Ceará, da idade de 50 anos; Antônio Paraupaba de Tubussuram,
que fica na distancia de 2 dias no interior da Paraiba, da idade de 30 anos; Pedro Poti,
da idade de 20 anos” [1629].
In: DE LAET, Johannes. Roteiro de um Brasil
desconhecido: descrição das costas do Brasil [1637]. KAPA Editorial, 2007.
FREIRE, Francisco de Brito. Nova Lusitânia: Historia da Guerra Brasílica.
São Paulo:
Beca Produções Culturais, 2001.
Interrogação de Bartolomeu Peres, natural de Viana do Castelo, navegou a 6 a 7 anos
ao
Brasil onde ficou domiciliado depois. In: Johannes de Laet. Descrição das Costas do
Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata, etc. Tirada de jornais de bordo, declarações
oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de um Brasil Desconhecido. Manuscr
ito do John
Carter Brown Library, Providence. KAPA Editorial, 2007.
Johannes de Laet. Descrição das Costas do Brasil, e mais para o sul até o Rio da Prata,
etc. Tirada de jornais de bordo, declarações oficiais, etc. de 1624 a 1637. In: Roteiro de
um Bra
sil Desconhecido. Manuscrito do John Carter Brown Library, Providence. KAPA
Editorial, 2007.
DE LAET, Johannes.
Iaerlijck Verhael de Verichtinghen de Geotroeerde West
-
Indische Compagnie.
Haia, 1644. Trad. bras. J. H. Duarte Pereira e P. Souto Maior
.
Hist
ória ou Anais dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais
. 2
vols. Rio de Janeiro:Biblioteca Nacional, , 1916
-
25.
Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do Conselho desta cidade de
Pernambuco sobre a situação, lugares, aldeias e comércio da mesma cidade, bem como
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