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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
ANDRÉIA DARDE MARKS
A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS PARA
A INCLUSÃO SOCIAL E A CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA –
O EXEMPLO DO CEDEDICAI DE IJUÍ/RS
Ijuí (RS)
2008
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1
ANDRÉIA DARDE MARKS
A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS PARA
A INCLUSÃO SOCIAL E A CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA –
O EXEMPLO DO CEDEDICAI DE IJUÍ/RS
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação
Stricto Sensu, Mestrado em Desenvolvimento, Área de
Concentração: Gestão e Políticas de Desenvolvimento;
Linha de Pesquisa: Direito, Cidadania e
Desenvolvimento, da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí),
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Desenvolvimento.
Orientador: Professor Doutor Dejalma Cremonese
Ijuí (RS)
2008
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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
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elaborada por
ANDRÉIA DARDE MARKS
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Dejalma Cremonese (UNIJUÍ): _________________________________________
Prof. Dr. Everton Rodrigo Santos (FEEVALE): ___________________________________
Prof. Dr. Darcisio Corrêa (UNIJUÍ): ____________________________________________
Ijuí (RS), 28 de agosto de 2008.
3
A Elias que, na sua infância, e Andrei, na sua
adolescência, são a maior inspiração da minha vida.
A vocês, meus filhos, dedico este estudo.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida e pela Sua presença constante em todos os momentos.
Ao ilustre e querido professor doutor Dejalma Cremonese, meu orientador, a quem
devo a construção deste trabalho. Obrigada pela orientação, pela dedicação e paciência
sempre demonstradas. Pelo incentivo e pela preocupação com a consistência desta
dissertação, bem como nos trabalhos que estão por vir. Agradeço por compartilhar comigo seu
conhecimento e, principalmente, sua amizade.
Aos meus filhos, Andrei e Elias, pela paciência que tiveram comigo e pelo carinho
que sempre demonstraram. Por entenderem a importância deste trabalho e por terem me
apoiado nesta trajetória. Pelas horas que a mamãe esteve ausente nas brincadeiras. Fica a
promessa de recompensá-los com muitas outras horas felizes, sempre juntos.
Aos meus pais, por terem semeado em mim o desejo pelo conhecimento. Por todo o
sacrifício e o incentivo repassado durante a minha infância.
Ao Elói, pai dos meus filhos e hoje meu amigo, pelo apoio e incentivo. Agradeço por
acreditar no meu potencial e por ter participado na concretização dos meus estudos, inclusive
do Mestrado.
À querida professora doutora Raquel Sparemberger, minha professora do Mestrado
em Desenvolvimento que considero como amiga. Obrigada por ter sido sempre presente nas
sugestões e no incentivo deste trabalho. Pelo estágio de docência, que muito contribuiu para
minha realização profissional e reforçou meu desejo de prosseguir na vida acadêmica.
À professora mestra Eloísa Argerich, professora do curso de Direito, minha amiga de
coração. Agradeço pela dedicação revelada sempre, pelo incentivo antes e durante a
realização do Mestrado.
5
À professora doutora Sandra Beatriz Vicence Fernandes, professora do Mestrado
em Desenvolvimento e alguém que se tornou uma grande amiga. Agradeço pelo carinho,
apoio e amizade.
Ao professor doutor Darcísio Corrêa, professor no Mestrado em Desenvolvimento,
pelas sugestões e idéias ao projeto de pesquisa, que muito contribuíram para a
complementação deste trabalho. Obrigada por dividir seu imenso saber, pela disposição e pelo
atendimento prestativo sempre que foi necessário.
Às amigas e colegas de Mestrado, Klair Kemer, Fernanda Faistel, Franciele Faistel
e Patrícia Perondi, pelo carinho, alegria e amizade sincera compartilhada. Sucesso, meninas.
À professora mestra Vera Biolchi, ex-coordenadora do curso de Direito da
Ulbra/Carazinho, por ter acreditado em mim e no meu trabalho.
Às minhas colegas e amigas da Ulbra, professoras Fátima Hammastron e Rosângela
Werlang, pelo incentivo e palavras animadoras; professora Patrícia Borges Moura e Janete
Stoffel, colegas também de viagem, pelo carinho e incentivo na realização deste trabalho e
pelos momentos de descontração nas longas horas de estrada.
A Caroline Vogt, minha amiga, pelo carinho e palavras de apoio.
À senhora Leonides Maria Dupuy, representando toda a equipe do Cededicai, pela
disponibilidade e atenção nas informações que me foram concedidas sobre a ONG.
A todos vocês, meus agradecimentos.
6
“Ninguém nasce anjo ou demônio. Nascemos
apenas humanos. Como tais, cedo sonhamos ser livres. O
homem mais livre não é auto-suficiente, mas o mais
fraterno. Nossa liberdade nunca é absoluta. Como seres
livres, podemos aceitar as boas ou más influências do
meio no qual nascemos e crescemos. É certo que ninguém
se tornará criminoso simplesmente por força da moira ou
do destino, embora os condicionamentos psicológicos,
sociais, biológicos e econômicos sejam uma dura
realidade.”
Prof. Urbano Zilles
(extraído da obra de Prates, 2006)
7
RESUMO
Esta dissertação de Mestrado apresenta uma reflexão sobre a urgente e necessária
ressocialização de crianças e adolescentes infratores, efetuada por uma Organização Não-
Governamental, que efetiva uma ação de inclusão social, motivada pela ineficiência do
Estado, governos e organismos internacionais nas demandas de quem vive em situação de
vulnerabilidade social ou à margem da sociedade. A ONG, denominada Centro de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Cededicai), está localizada no município de Ijuí, Estado
do Rio Grande do Sul, Brasil. Nela, o estudo contempla ações que envolvem menores em
cumprimento de medidas socioeducativas por atos infracionais, de acordo com os preceitos do
Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal brasileira. As ONGs são
entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, estruturadas mediante a ação voluntária de
cidadãos e da cidadania. Para desenvolver a temática, a pesquisa baseou-se em referenciais
teóricos bibliográficos e nos registros de ações da ONG Cededicai. Neste sentido, o primeiro
capítulo traz o estudo sobre a construção do Estado: origem e evolução histórica; o segundo
capítulo refere-se ao Estado e aos direitos e cidadania; o terceiro capítulo registra a
importância da sociedade civil na concretização da inclusão social; o quarto capítulo trata da
ONG em estudo o Cededicai, exemplo de trabalho e inclusão social de uma ONG no
município de Ijuí/RS histórico e trajetória. Finalmente, a Conclusão traz considerações
acerca da totalidade do estudo, da importância das ONGs e sociedade civil na inclusão para o
fortalecimento do Estado, da democracia e do desenvolvimento.
Palavras-chave: ONGs. Cidadania. Menor infrator. Cededicai. Desenvolvimento.
8
ABSTRACT
This dissertation of master presents a reflection about an urgent and necessary children and
adolescent violators re-socialization, performed by a Non-Governmental Organization which
effects an action of social inclusion, motivated by the inefficiency of the State, governments
and international organizations in the demands of those living in a situation of social
vulnerability or on the fringes of society. The NGO named Centre for Defense of Rights of
the Child and Adolescent Cededicai is located in the municipality of Ijuí, State of Rio
Grande do Sul, Brazil. There, the study considers actions involving minors who are fulfilling
socio-educational measures for violate acts in accordance with the principles of the Statute of
the Child and Adolescent and the Brazilian Federal Constitution. The NGOs are philanthropic
entities and non-profit, structured by voluntary action of citizens and citizenship. To develop
the subject matter, the research based on theoretical bibliographic references, and on the
records of the NGO Cededicai. In this sense, chapter 1 brings the study about the construction
of the State: Origin and historical evolution, the chapter 2 refers to the state and to the rights
and citizenship, the chapter 3 effects the importance of civil society in achieving social
inclusion, the chapter 4 deals with the NGO under study, Cededicai: Example of work and
social inclusion of a NGO in the municipality of Ijuí / RS - Historical and trajectory and the
Conclusion brings considerations about the entire study, the importance of NGOs and civil
society in the inclusion, for the strengthening of the State, democracy and development.
Key words: NGOs. Citizenship. Minor violator. Cededicai. Development.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11
1 A CONSTRUÇÃO DO ESTADO: O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO
HISTÓRICA...........................................................................................................................15
1.1 A questão do Estado: das origens ao Estado moderno.......................................................15
1.2 O Estado contemporâneo....................................................................................................30
2 O ESTADO E OS DIREITOS DE CIDADANIA: A CONSTRUÇÃO DA
CIDADANIA NO BRASIL E A SUA DIFÍCIL TRAJETÓRIA........................................40
3 A IMPORTÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL NA CONCRETIZAÇÃO DA
INCLUSÃO SOCIAL.............................................................................................................60
3.1 Sociedade civil: conceitos gerais, historicidade e importância ..........................................60
3.2 O surgimento e a função das Organizações Não-Governamentais.....................................72
3.3 A ressocialização por meio das Organizações Não-Governamentais: uma visão
voltada à inclusão social de menores infratores .......................................................................77
3.3.1 Criança, adolescente e menor infrator: conceitos básicos...............................................77
3.3.2 A violência juvenil. Menores infratores..........................................................................79
3.3.3 Menores de rua. Conceito e identidade. A ressocialização de menores infratores
por meio das ONGs ..................................................................................................................84
4 A ONG CEDEDICAI: EXEMPLO DE TRABALHO E INCLUSÃO SOCIAL
DE UMA ONG NO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RSHISTÓRICO E TRAJETÓRIA .........89
4.1 Localização e historicidade do município de Ijuí/RS.........................................................89
4.1.1 Localização do município de Ijuí ....................................................................................89
4.1.2 Breve histórico do município de Ijuí...............................................................................91
4.2 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí – Cededicai:
uma ONG que visa à inclusão social........................................................................................92
4.2.1 Conceitos e objetivos da ONG Cededicai .......................................................................93
4.2.2 Missão, visão, negócio, valores e crenças do Cededicai.................................................96
4.2.3 Diretoria do Cededicai.....................................................................................................96
4.2.4 Conselho Fiscal do Cededicai .........................................................................................97
4.2.5 Alguns dos projetos mais importantes realizados pelo Cededicai...................................97
4.2.5.1 Projetos realizados anteriormente.................................................................................97
4.2.5.2 Atuais projetos desenvolvidos pelo Cededicai...........................................................100
4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90) e Constituição
Federal/1988. Previsões legais em defesa dos direitos da criança e do adolescente..............105
10
4.3.1 Medidas socieducativas. Previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente.......110
4.4 Uma análise crítica dos resultados da pesquisa: a ONG Cededicai e a questão da
ressocialização........................................................................................................................115
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................117
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................128
11
INTRODUÇÃO
Em nosso país são inúmeros os problemas sociais. Dentre eles encontra-se a situação
dos menores infratores, que aparecem como resultado de uma política econômica e social
excludente. Há, de fato, certo descaso por parte do Estado em relação a políticas de
atendimento a esses menores, uma vez que a Constituição Federal de 1988 assegura com
absoluta prioridade a instituição de programas que visem, justamente, ao atendimento às
classes menos favorecidas.
Importante nesse sentido é o papel do Estado como garantidor da ordem e da
concretização dos direitos e das garantias inerentes à vida de todos os cidadãos. Um Estado
que garanta e possibilite o exercício da cidadania, que nada mais é do que a realização do
indivíduo, pessoa portadora de direitos e de obrigações.
Sabe-se, por meio de estudos realizados, que desde tempos bem distantes, como na
Grécia antiga, ocorrem as primeiras referências ao Estado. Estado este que passou por vários
momentos no decorrer da História e que em cada tempo de sua existência teve um significado
e uma importância relevante para a sociedade da época, tendo como característica principal o
fato de ser, na verdade, uma experiência da modernidade.
Cabe lembrar que a criação do Estado teve como objetivos a proteção e a defesa dos
cidadãos que estão sob sua jurisdição. Sabe-se, porém, que muitas vezes o Estado torna-se
impotente diante das dificuldades surgidas diariamente em nossa sociedade globalizada.
Para suprir essa falta conta-se com a participação ativa da sociedade civil, na figura
das Organizações Não-Governamentais (ONGs), que tentam de certa forma suprir as lacunas
deixadas pelo Estado. São as ONGs organismos criados pela sociedade civil, por intermédio
da associação voluntária de cidadãos, não se configurando como estruturas
12
intergovernamentais ou organismos criados e sustentados pelos Estados modernos. São, sim,
estruturas voluntárias da cidadania, que surgiram a partir dos espaços deixados pelo aparelho
estatal, posto ter o Estado se mostrado incapaz de responder com eficiência e eficácia aos
problemas que afetam diversos segmentos da população.
É verdade que as relações entre o Estado e a sociedade civil têm se acentuado,
revelando, assim, em certas áreas, que organizações civis que não fazem parte do aparelho do
Estado estão assumindo um papel que a elas não cabe. Então, considerada a terceira via, a
sociedade civil passa a ser o ator fundamental que, por meio de ONGs, promove a cidadania e
defende os direitos, contribuindo dessa forma para a construção de uma sociedade mais
igualitária e justa. As ONGs nasceram, portanto, das necessidades da própria sociedade, que
busca, por seu intermédio, suprir as demandas e, assim, encontrar formas alternativas que
solucionem seus problemas.
Na cidade de Ijuí/RS existe uma ONG denominada Centro de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente de Ijuí (Cededicai), que se orienta pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Esse Centro atende menores
infratores que cumprem medidas socioeducativas visando à ressocialização dos mesmos. Essa
ONG se destina a ressocializar menores que cumprem Liberdade Assistida (LA) e Prestação
de Serviços à Comunidade (PSC). Tem como objetivos igualmente assegurar o exercício dos
direitos pessoais e sociais, a igualdade, a justiça, o respeito aos direitos humanos para a
construção da cidadania dos menores.
Cabe lembrar aqui o pensamento de Dimenstein ao mencionar que nenhuma nação
conseguiu prosseguir sem investir na infância. A viagem pelo conhecimento da infância é a
viagem pela profundeza de uma nação. A situação da infância é um fiel espelho de nosso
estágio de desenvolvimento econômico, político e social (apud PEREIRA, 2000).
Se faz relevante pensar que ser considerado cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no
destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Para Guarinello (2005), toda
pessoa é membro de uma comunidade, e esse fato lhe o direito de reivindicar direitos. A
essência da cidadania reside precisamente no caráter público, impessoal, em meio a
confrontos, nos limites de uma comunidade, as situações sociais, as aspirações, os desejos e
os interesses em conflito.
13
Este trabalho, além de mostrar preocupação com a realidade excludente em que se
encontram crianças e adolescentes, que vivem à margem da sociedade, objetiva analisar a
participação da sociedade civil no apoio ao Estado, uma vez que este se revela insuficiente
para atuar sozinho no combate às injustiças vividas por essa classe menos favorecida da
sociedade.
Num primeiro momento busca-se fazer um histórico da origem e formação do Estado.
Procura-se verificar as fases vividas pelo Estado desde os tempos da Grécia até chegar ao
Estado contemporâneo. Aborda-se então as garantias constitucionais com relação ao bem-
estar social dos cidadãos, ou seja, a capacidade do Estado em proporcionar aos indivíduos
uma vida digna com a efetiva realização dos direitos fundamentais. Para trabalhar essa
temática recorre-se às obras de Bedin (2000), Corrêa (2002), Filomeno (1997), Streck e
Morais (2004), Sadek e Weffort (2000), Morris (2005), Novaes (2003), Dallari (2005), Borón
et al. (1999), entre outros.
Após essa parte introdutória, em que se busca na História a origem e construção do
Estado, em um segundo momento parte-se para o estudo da cidadania e de sua real efetivação,
também no que diz respeito a sua difícil instituição, especialmente no Brasil. Tenta-se, dessa
forma, seguir os passos dados pela cidadania, desde os primórdios de sua origem a os
tempos atuais no objetivo de compreender e averiguar se, de fato, o Estado proporciona aos
indivíduos uma vida plena de direitos, levando-os a serem considerados como cidadãos.
Utiliza-se para a abordagem deste tema os autores Corrêa (2002), Bastos (1999), Barbalet
(1989), Bobbio (2002), Dal Ri Júnior (2003), Herkenhoff (2001), Vieira (2002), Cesar (2002),
Castel (2006), Carvalho (2002), entre outros.
Em um terceiro segmento aborda-se a questão da sociedade civil e a importância
fundamental do seu envolvimento para a efetivação da cidadania das pessoas que se
encontram em estado de exclusão social. Cabe salientar que a ênfase nessa abordagem é dada
às crianças e adolescentes que estão em situação de risco, em especial, os menores infratores,
na medida em que são considerados uma ameaça para a própria sociedade, visto estarem
constantemente envolvidos em atos infracionais, expondo sua vida e ao mesmo tempo
espalhando terror na população de forma quase geral.
Procura-se saber, então, sobre a participação da sociedade civil na tentativa de incluir
esses menores na sociedade, o que esta tem feito, justamente quando se fala nessa sociedade
14
civil estruturada sob a forma de organizações não-governamentais, ou ONGs, como são
conhecidas. Busca-se entender e averiguar quais são os trabalhos desenvolvidos por elas e
qual o beneficio que de fato proporcionam aos menores. Para o estudo destes assuntos busca-
se as obras de Vieira (2001); Santos (2003); Cremonese (2008); Pereira (1999); Borba e Silva
(2006); Gohn (2005); Vieira (2002); Bedin (2001), além de outras obras.
No quarto e último capítulo analisa-se uma ONG do município de Ijuí/RS,
denominada Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí Cededicai.
O Cededicai foi fundado em 29 de julho de 1999, e se constitui uma conquista do Estatuto da
Criança e do Adolescente ECA, na busca de defender e proteger os direitos das crianças e
dos adolescentes que se encontram em situação vulnerável na sociedade, proporcionando a
estes, projetos e programas socioeducativos que os elevem à condição de cidadãos. Para tratar
desse tema, busca-se as obras de Cremonese (2006), Relatório Cededicai (2008), Lei n.
8.069/90, Constituição Federal Brasileira (1988), Leite (2001), Tavares (1999), Saraiva
(2006), Liberati (2003), entre outros.
15
1 A CONSTRUÇÃO DO ESTADO: O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Este capítulo trata especificamente sobre o surgimento do Estado Moderno. Far-se-á,
primeiramente, um breve histórico sobre o aparecimento da figura Estado, haja vista
considerarmos relevante relembrar o que antecedeu e deu origem ao assim chamado Estado
Moderno.
Tratar-se-á, então, a respeito das origens do Estado Moderno, seus antecedentes, as
formas absolutas que marcaram a História, as formas liberais, os teóricos contratualistas que
são considerados importantes para a compreensão dessa teoria, até chegar ao Estado
contemporâneo.
Sendo assim, será analisado o Estado desde suas origens, passando-se da sua forma
absolutista ao estado Moderno. Neste sentido, lembra-se da grande importância do estudo do
Estado Social, ou, como mais conhecido, o Welfare State. Com isso, chega-se ao Estado
contemporâneo e com ele ao curioso Estado Neoliberal, todos considerados de suma
importância e influência, no sentido de terem feito toda a diferença na formação do Estado
contemporâneo.
Importante salientar a relevância de se abordar de início as questões de historicidade,
que na verdade nada mais são do que a base de todo o conhecimento que se foi adquirindo ao
longo da construção do Estado Moderno.
Estudar as origens que proporcionou argumentos e embasamentos assim essenciais
para a construção do conhecimento e enriquecimento da pesquisa com relação ao aparato
estatal. Constatou-se a grande importância do papel do Estado em garantir a efetivação do
exercício da cidadania, que se caracteriza como um direito de todo sujeito pertencente ao
Estado e que dele espera o respeito e o amparo devidos, além da garantia e inviolabilidade dos
direitos individuais e fundamentais, que são inerentes a todos os homens.
1.1 A questão do Estado: das origens ao Estado moderno
Vêm da Grécia as primeiras manifestações com relação ao Estado. Naquele tempo
Atenas, principalmente no auge de sua história, despontava como sendo a maior expoente da
democracia. Nesse período tem-se a presença de Platão, que defendia a idéia de superioridade
16
da sociedade política. Com isso, ocorreria a sublimação do poder em que os males não
cessariam para os humanos sem que antes a raça dos puros e verdadeiros filósofos chegasse
ao poder. Para Platão, a sociedade ideal seria aquela liderada pelos filósofos, possuidores de
uma alma racional.
1
Aristóteles, bastante incisivo, chamava a atenção para suas obras clássicas República e
Política, as quais considerava formas de governo ideais. Considerava-as, além disso, puras,
em oposição às impuras.
2
Sendo assim, os que detêm o poder político devem sempre deixar
suas paixões e seus interesses pessoais abaixo dos da sociedade que governam, para não
incorrerem numa forma impura de governar. No dizer de Filomeno (1997, p. 10), “isto vale
igualmente para os governos de um (“monarquia”, em contraposição à “tirania”), de uma
minoria (“democracia”, que é o antônimo de “demagogia”).”
Foi na Grécia que passaram a existir as primeiras manifestações e também
preocupações com o Estado, mesmo que este fosse confundido pelo mundo com a polis dos
gregos. Sendo assim, a aplicação das normas, as decisões então tomadas e a aplicação destas
eram limitadas aos muros de cada Cidade-Estado, pois cada uma delas possuía suas próprias
peculiaridades. Neste sentido, a culta Atenas surgia como sinônimo de democracia. Encontra-
se em Platão o destaque da idéia superior de sociedade política, ou seja, a sublimação do
poder. O filósofo enfatizava que os males não poderiam cessar para os homens sem que antes
aqueles que eram considerados puros e autênticos filósofos chegassem ao poder. Por este
motivo, reafirma-se que para Platão, essa deveria ser a sociedade ideal, ou seja, aquela então
governada por filósofos, porque somente estes possuíam o que ele chamava de alma racional
(FILOMENO, 1997, p. 9).
Para Roma a idéia de sociedade política era semelhante àquela definida pelos gregos.
Na verdade, naquele período não existia uma concepção clara de uma sociedade política mais
complexa e abrangente, o que levou os romanos a caracterizá-la como a civitas.
3
Verdade que
pelo Jus Gentium passou-se a conceder a cidadania romana também àquelas populações de
terras distantes conquistadas, tornando-se clara a noção de Estado juntamente com os
1
Platão foi um importante filósofo grego da Antigüidade. Nascido em Atenas, foi considerado um dos principais
pensadores gregos que influenciou de forma profunda a Filosofia ocidental.
2
Aristóteles, filósofo grego, discípulo de Platão. Criador do pensamento lógico. Valorizava a inteligência
humana. Estudo mais profundo sobre o assunto encontra-se na obra de Filomeno (1997).
3
Cidade de Roma. Posteriormente o termo foi estendido para designar as províncias próximas e mesmo as mais
distantes conquistadas. Importante lembrar aqui que o foco desta pesquisa não se detém sobre o Estado e a
cidadania antiga. Apenas se lembra brevemente alguns aspectos marcantes da história da Antigüidade.
17
elementos que o constituem, quais sejam: o território, a população e o direito, ao qual se
acopla o poder necessariamente.
A denominação de Estado, status em latim, que significa estar firme, é a situação
permanente de convivência que é ligada à sociedade política. Essa concepção aparece pela
primeira vez na obra O Príncipe, de Maquiavel, em 1513, e como bem salienta Dallari (2005,
p. 51), “passa a ser usada pelos italianos sempre ligada ao nome de uma cidade independente,
como, por exemplo, stato di Firenze.”
4
Maquiavel buscava um modelo adequado de governo. Estudava como se estabeleciam
e se mantinham as duas formas de governo que considerava possíveis, isto é, o principado e a
república. Estas formas correspondiam a duas distintas espécies de autoridade, ambas com os
seus devidos cuidados a serem tomados para que não sobreviessem tiranos que as
destruíssem. Segundo ele, para que se conquiste ou conserve um Estado é preciso possuir as
qualidades políticas do governante eficiente, ou seja, se faz necessário ter bondade, sabedoria,
complacência, bravura, honestidade, determinação, liderança, empatia com o povo. Segundo
Bobbio, foi Maquiavel quem cunhou o nome de Estado em sua obra O Príncipe, quando
mencionou que “Todos os Estados, os domínios todos que existiram e existem sobre os
homens, foram e são repúblicas ou principados.”
Gruppi (apud STRECK; MORAIS, 2004, p. 24) adverte que “tudo começou com
Maquiavel”. Neste sentido, menciona que se deveria chamar o Estado Moderno apenas de
Estado. No dizer dele, essa noção de Estado, unitário e possuidor de um poder próprio,
independente de quaisquer outros poderes, começa a surgir na segunda metade do século 15
na França, na Inglaterra e na Espanha e posteriormente na Itália.
Segundo este autor, o Estado Moderno desde o seu nascimento mostra dois elementos
que o diferenciam dos Estados passados. Uma das suas características é a autonomia, dotada
de plena soberania, que não permite que sua autoridade dependa de nenhuma outra. Outra
característica é a distinção que existe entre o Estado e a sociedade civil, que passa a ser
evidente no século 17, quando o Estado torna-se uma organização distinta da sociedade civil.
Outra particularidade é a que diferencia o Estado Moderno em relação ao Estado da
Idade Média, o qual é entendido como propriedade do seu senhor, é um Estado patrimonial; já
4
Em O Príncipe, Maquiavel mencionava que o príncipe é o único a poder decidir qual é o bem do Estado, o que
parecia colocá-lo, por intermédio das razões do Estado, acima das próprias leis.
18
o Estado Moderno é a identificação absoluta existente entre o Estado e o monarca, que
representa a soberania estatal.
5
Fortificou-se no mundo político a posição dos monarcas e se desenvolve o
nacionalismo. A concepção até então dominante do império de âmbito europeu se torna
esquecida. Do ponto de vista de Maquiavel, os Estados passam da monarquia à tirania, da
tirania à democracia, da democracia à oligarquia, da oligarquia à anarquia, da anarquia à
monarquia e assim segue.
6
Esse é o ciclo histórico da coisa pública ao qual Maquiavel se
referia. Ciclo este com base em indivíduos maus, levianos, covardes, negligentes, ingratos,
estúpidos, invejosos, etc.
7
O fato é que Maquiavel se prendia à verdade factual das coisas.
Importante lembrar que ele examinou e avaliou as formas de governos, os tipos de Estados,
instituições políticas, modos de administração do Estado, perfis de governantes, as relações
entre os governantes e os governados e vários outros aspectos e elementos da vida na
política.
8
Maquiavel revelava a sua preocupação inarredável, que era falar sobre o Estado. Como
mencionam Sadek e Weffort (2000, p. 17), referindo-se a Maquiavel, “de fato, sua
preocupação em todas as suas obras é o Estado [...]. O Estado real, capaz de impor a ordem
[...] seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta.”
9
Filomeno (1997, p. 58), com relação à origem do termo Estado, afirma que “antes de
mais nada, significa ‘estágio’, ‘fase’, ou ‘maneira de ser’ ou de ‘se apresentar’ alguma coisa.”
Em Roma, mesmo o Estado sendo conhecido como sociedade política, o detentor da
institucionalização do poder era Roma, sempre considerada o centro político daquele mundo,
era tida como a civitas.
10
Cabe lembrar que na Grécia, também não era empregado o termo
que correspondia ao Estado para as cidades, e sim o vocábulo polis, que por sua vez
5
Para aprofundar os estudos sobre Estado Moderno recomenda-se a obra de Bedin (2001).
6
Nesse sentido, para relembrar os tipos de governos existentes ao longo da história política, como a anarquia,
monarquia, tirania, teocracia, aristocracia, oligarquia e a democracia, sugere-se a obra O Príncipe, de
Maquiavel (1996).
7
Para Maquiavel a História se movimenta segundo a Fortuna e pela intervenção de homens dotados de virtù que
enfrentam a Fortuna e conformam a História. Se faz importante estar sempre preparado para o pior, sendo
assim, os homens devem ser contidos por mão firme.
8
Estudo mais aprofundado do assunto em questão é possível na obra O Príncipe.
9
Sobre o pensamento de Maquiavel com relação ao Estado, ver obra de Bedin (2001).
10
Civitas era a cidade cujos habitantes privilegiados detinham o ambicionado status civitatis, que os diferenciava
dos estrangeiros, dos escravos, dos plebeus, nos primórdios da história romana.
19
significava cidade no sentido mais exato. Salienta-se que os romanos ainda adotavam a
expressão res publica, mas acabou prevalecendo, depois, o termo statum.
11
Quanto à origem e formação do Estado, cabe salientar que há duas espécies de
indagações, uma no que diz respeito à época do aparecimento do Estado, e a outra quanto aos
motivos que foram determinantes para o surgimento dos Estados. Importante ressaltar que o
nome Estado tem o significado de situação permanente de convivência, ligada à sociedade
política. A denominação Estado vem do latim status”, que significa estar firme, lembra
Dallari (2005, p. 51). É fato, afirma o autor, que o nome Estado, que indica uma sociedade
política, aparece no século 16.
O surgimento do Estado ocorreu em virtude de o homem precisar encontrar satisfação
para as suas necessidades, que são fundamentais, justamente porque não se basta por si só. Ao
falar-se na origem histórica do Estado, sabe-se que o mesmo tem um significado mais
complexo que nação, e que surge quando o poder se institucionaliza. Neste sentido, quando
existir a clara definição sobre o núcleo do poder (o governo), da sociedade (uma nação ou
mais de uma), bem como das fontes que são subjetivas e objetivas das normas de conduta e de
características, nasce de fato o Estado. Mais do que uma verdade é a afirmação de que a
existência do Estado se caracteriza pela presença de vínculos políticos e jurídicos. Isso ocorre
na medida em que as pessoas passam a se tornar ligadas a um Estado determinado pela
nacionalidade, ligando-se também ao seu ordenamento jurídico.
12
De forma sucinta, vínculos políticos nada mais são do que a presença de relações entre
o Estado e os indivíduos, que por sua vez almejam a sua nacionalidade; os vínculos jurídicos
possuem extensão quanto à existência de relações bilaterais, que são atributivas e coercitivas,
e que se estabelecem entre os vários personagens que vivem no território de determinado
Estado. Então, pode-se dizer que o Estado tem a atribuição de criar, executar e aplicar seu
ordenamento jurídico, sempre visando ao bem comum dos cidadãos (FILOMENO, 1997, p.
59-66).
Morris (2005, p. 45) menciona que “antes de tudo, o Estado é uma particular forma de
organização política”. É verdade, salienta o autor, que Marx definia o Estado como uma
11
Res publica distinguia o que pertencia ao interesse público (as coisas de todos, e não particularmente de
alguém), do que se constituía o patrimônio privado de alguém. O statum definia o que era direito público. Foi
expressão utilizada primeiramente por Ulpiano, famoso jurisconsulto clássico romano.
12
Importante estudo sobre a identidade encontra-se na obra de Castells (2001).
20
entidade separada, além e fora da sociedade civil e que o considerava como sendo a forma de
organização que os burgueses adotam necessariamente como garantia de suas propriedades e
de seus interesses.
Joseph Raz (apud MORRIS, 2005, p. 45) reforça a idéia com o posicionamento de que
“o Estado [...] é organização política de uma sociedade; seu governo, o agente por meio do
qual atua, e a Lei o veículo pelo qual muito de seu poder é exercido”. Cabe aqui
complementar que o Estado é uma forma bem característica de organização política de uma
sociedade.
O Estado é uma nação organizada politicamente. Este é um conceito sintético que
demandaria desdobramentos mais esclarecedores, particularmente quanto aos conhecidos e
assim chamados elementos constitutivos do Estado, ou seja, o povo, o território e o governo
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 40).
13
Bodin (apud BEDIN, 2000, p. 29) argumenta que “por Estado deve-se entender o
governo justo que se exerce, com poder soberano, sobre diversas famílias e sobre tudo o que
elas têm de comum entre si”. Foi nos séculos 16 e 17 que o termo Estado passou a ser
admitido nos escritos franceses, ingleses e alemães. Sabe-se que na Espanha, até o século 18,
era denominado de estados.
14
Verdade é que o nome Estado aparece indicando uma sociedade
política, no século 16, sendo este um dos argumentos usados pelos autores que não
reconhecem a sua existência antes do século 17. Para estes, a questão vai além da
nomenclatura, em que pese que o nome/expressão Estado deve ser aplicado com
propriedade a uma sociedade política que seja dotada de certas características, e estas, bem
definidas.
Cabe aqui lembrar que foram as deficiências da sociedade política medieval que
determinaram as características fundamentais do Estado moderno: o despertar e a consciência
para a busca da unidade estatal que se tornaria concreta na afirmação de um poder soberano,
ou seja, supremo e reconhecido como o mais alto de todos dentro de um território assim
delimitado.
13
Mendes et al. (2008) ainda analisam nessa obra a questão do Estado de Direito.
14
Estados eram as grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos proprietários tinham poder
jurisdicional.
21
Importante esclarecer, quanto à classificação, que os Estados podem ser divididos
segundo o seu grau de influência na vida social e individual. São três os modelos principais.
Segundo Bastos (1999, p. 138) são eles o o Estado liberal, o Estado social e o Estado
totalitário”.
Lembra-se que o Estado Liberal ou também chamado de Constitucional, é aquele que
procurava com a maior eficiência o alcance da liberdade no seu sentido de não constranger a
pessoa. Como menciona o autor, o pressuposto principal é quanto ao máximo de bem-estar
comum que é atingido em todos os campos e com a menor presença do Estado. Trata-se aqui
de uma visão muito otimista, que parte da constatação em afirmar que o livre jogo dos
diversos egoísmos produzirá o bem-estar da coletividade (BASTOS, 1999, p. 138-139).
Importa saber também que é verdade afirmar que em vários aspectos a presença do
Estado foi necessária para suprir as omissões, na coibição de abusos e também para
empreender objetivos que não foram atingidos por essa livre iniciativa. Por esse motivo, deu-
se a origem do Estado Social.
É oportuno esclarecer o que Hobbes afirmava a respeito do Estado, ou seja, que ele é
criado pela arte. Assim, o grande Leviatã, que se chama Nação ou Estado, nada mais é do que
um homem artificial. Como bem lembra Ribeiro (apud SADEK; WEFFORT, 2000, p. 53),
“Hobbes tinha seu pensamento voltado para o estado de natureza.”
15
Sobre estado de natureza, cabe salientar que juntamente com Hobbes e Rousseau,
Locke foi um dos principais representantes do jusnaturalismo, ou seja, da teoria dos direitos
naturais. É verdade que o modelo jusnaturalista de Locke é semelhante ao de Hobbes, porque
ambos partem do estado de natureza, que por intermédio do contrato social faz a passagem
para o estado civil.
16
No que concerne ao Direito natural, Grócio foi o precursor da nova visão jurídica da
modernidade centrada no indivíduo. A teoria do Direito natural moderno tomou corpo sob a
forma do contratualismo. Desde esse momento a organização dos indivíduos em sociedade
15
Hobbes, filósofo contratualista, afirmava que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato, ou seja,
os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização, que só passariam a surgir depois de firmado
o pacto que estabeleceria as regras de convívio em sociedade e de subordinação política.
16
A obra Os clássicos da política, de Sadek e Weffort (2000), traz estudo mais aprofundado a respeito do
assunto em pauta.
22
passa a se justificar partindo do próprio homem, que estando em estado de natureza faz um
acordo, o pacto social, donde surge o Estado de Direito, pelo consenso legitimado.
Segundo Corrêa (2002, p. 53):
Hobbes, por sua vez, defende a alienação e renúncia de quase todos os direitos
naturais: o único direito ao qual o homem natural não renuncia é o direito à vida.
Com isso o fim do Estado e do Direito consiste em tornar os homens seguros (valor
de segurança), garantir a paz. Para preservar os valores fundamentais da vida e da
segurança, o contrato social de Hobbes delega ao Estado um poder muito forte,
representado pela imagem do Leviatã. Tal simbolização, ao contrário do que defende
Locke, estabelece os fundamentos teóricos do Estado autoritário, no qual legalidade
e legitimidade praticamente se identificam.
Relevante salientar o entendimento deste autor quando menciona que a invocação do
Direito natural moderno foi uma forma que as classes excluídas revoltadas contra a ordem
estabelecida encontraram para reivindicar, com legitimidade, novos direitos sem haver
apelação aos argumentos da tradição e das normas religiosas. Neste contexto, os ideais da
modernidade, vistos como direitos universais de todos os cidadãos, foram apropriados por um
grupo detentor do então novo poder econômico, politicamente legitimado e reproduzido.
Corrêa (2002, p. 62) complementa:
Com a implantação do emergente sistema capitalista no campo da economia e com a
consolidação do Estado liberal-burguês no campo da política, esse discurso se
tornou uma máscara humanista e gica para a tomada do poder pela burguesia em
seu único proveito. Ao invés de o discurso do Direito natural constituir-se em teoria
científica e racional, como queriam os jusnaturalistas do contratualismo
individualista, tornou-se ideologia enquanto tal teoria se prestou para ocultar a
realidade no seu todo [...].
Bem comenta o autor, e é interessante relembrar que essa classe social, que surgiu
num contexto histórico bastante conturbado e marcado por desigualdades juridicamente
declaradas por um sistema de ordens, acabou tomando conta de um discurso de longo alcance
ético, vindo a se firmar como classe dominante politicamente. Com isso, os ideais modernos,
denominados de direitos universais de todos os cidadãos, que deveriam se universalizar numa
nova formação social, mais justa e igualitária, passaram a ser apropriados pelo grupo detentor
no novo poder econômico, então legitimado e reproduzido.
Salienta Corrêa (2002, p. 63) ainda que “a nova ideologia política se traduz numa
linguagem jurídica, caracterizada pelos termos liberdade, igualdade, direitos, lei, autonomia
de vontade, contrato, neutralidade jurisdicional, etc.” Assim, a sociedade moderna, conhecida
por novas estruturas econômicas, originárias do sistema capitalista, precisava se libertar dos
23
agentes econômicos para que emergisse a nova gica do capitalismo mercantil. É importante
registrar que no mundo moderno ocorrem grandes extensões das comunidades estatais, com a
universalização do trabalho.
Com referência à construção da cidadania moderna, o discurso do Direito natural,
visto como um direito igual para todos, que propaga a dignidade da pessoa humana, passou a
servir ao discurso ideológico em favor do exercício da dominação política de uma classe
sobre a outra.
17
Ainda segundo a concepção de Corrêa (2002, p. 82):
Se por um lado a teoria do Direito natural foi um agente de libertação no que diz
respeito à opressão e à desigualdade institucionalizada do Antigo Regime, fazendo a
revolução contra o Estado feudal em nome de uma utopia emancipatória, por outro,
após a consolidação do Estado liberal-burguês, serviu como representação simbólica
de caráter ideológico, ocultando e mascarando a realidade de um sistema excludente,
que não permite a universalização dos valores fundamentais da modernidade.
O jusnaturalismo assumiu, primeiramente na Idade Moderna, um caráter
revolucionário e de transformação, a partir da Escola do Direito Natural racional dos grandes
filósofos contratualistas dos séculos 17 e 18. A sua construção teórica buscou um fundamento
novo, voltado para o humano, como forma de explicar o Direito e o Estado, ou seja, os
direitos naturais do homem.
No que diz respeito ao termo justiça, para Corrêa (2002, p. 138), “o termo justiça é dos
mais dinâmicos no universo significativo da trajetória humana.” O autor qualifica esse termo
como de conceito ambíguo e de difícil explicação, pois se manifesta num contexto de grandes
contradições e desigualdades sociais. Por esse motivo, para Bobbio, é melhor considerar a
justiça como sendo uma noção ética fundamental e não determinada, ou seja, deve haver
justiça na vida em sociedade. É a justiça vista numa perspectiva de um dever-ser, como um
valor social.
O ideal que inspirou o Estado contemporâneo nasceu na Europa. Passou a se
disseminar pelo mundo todo, mesmo em meio a guerras, revoluções e imposições. Por outro
lado, em alguns lugares e para alguns povos, tornou-se um pesadelo enorme. Trezentos anos
de elaboração teórica e de luta marcantes nos séculos 16, 17 e 18 na Europa passaram a mudar
também os conceitos de ciência, religião e política (NOVAES, 2003, p. 232).
17
Sobre Estado e cidadania modernos ver obra de Bedin (2000).
24
Para Dallari (2005, p. 70) “os tratados de paz de Westfália tiveram o caráter de
documentação da existência de um novo tipo de Estado, com característica básica de unidade
territorial dotada de um poder soberano.” Assim era o então Estado Moderno, cujas marcas
fundamentais foram se desenvolvendo e o Estado passou a ter a definição e a preservação dos
seus próprios objetivos.
Cabe observar que é impossível se ter uma idéia completa de Estado sem haver
consciência de sua finalidade. Villeneuve menciona que “a legitimidade de todos os atos do
Estado depende de sua adequação às finalidades.” (apud DALLARI, 2005, p. 103). Os fins
podem ser objetivos ou subjetivos (quanto a uma definição mais geral) e fins expansivos,
limitados e relativos (quanto ao relacionamento do Estado em função dos objetivos a atingir).
Quanto ao conceito de Estado, sabe-se que havia na Grécia. Porém, segundo
pesquisadores, pode-se afirmar que ele é visto e considerado como uma experiência da
modernidade. Assim, conforme pesquisadores sobre o tema, cabe lembrar que o Estado, em
sua evolução, passa por várias etapas, desde a monarquia até a democracia e aos Estados
totalitários.
Para a filosofia política moderna, o Estado é um artifício. Lembra Christopher W.
Morris (2005, p. 22) que, “embora os filósofos modernos possam discutir se os humanos são
por natureza criaturas sociais, praticamente todos concordam que os Estados são artificiais.”
Destaca ainda o autor que o Estado é uma organização política com meios próprios de
administração e de controle que se revelam altamente centralizados.
Nesse sentido, importante se faz ressaltar o que Morris (2005, p. 23) quer dizer quando
escreve:
O Estado, portanto, concebido como artificial, deve ser entendido como criado para
nossos fins, nossa proteção e nossa defesa. Embora teóricos sociais modernos
possam discordar sobre a precedência explanatória de indivíduos em relação aos
Estados, eles quase nunca discordam quanto à precedência normativa entre eles.
Lembra ainda o autor que o que somos pode ser determinado, muitas vezes, pelas
formas como nos organizamos socialmente. A adequação às formas de organização e
sociabilidade passa a ser determinada pelo sucesso em atender a nossos próprios fins. Com
esse pensamento, os filósofos da modernidade passam a conceber Estados de uma forma
instrumental.
25
Correta e objetiva é a afirmação do autor quando frisa que “os Estados devem ser
considerados bons quando satisfazem as finalidades humanas.” (MORRIS, 2005, p. 24). É
consenso que o Estado deve se preocupar com o bem-estar social de seu povo e estar atento às
necessidades advindas da grande mutação evolutiva, inclusive, que a humanidade vem
sofrendo ao longo dos tempos. Então, a afirmação de que o Estado é justificado desde que
venha a ser agradável a seus membros, torna-se oportuna.
Os pensadores contratualistas e também os economistas políticos concordam de forma
quase unânime que os Estados devem buscar formas de adequação que possam servir aos fins
de seu povo. Isto porque, se os indivíduos agirem por conta própria, poderão se defrontar com
problemas coletivos. O importante aqui é a ressalva de que “o resultado de seus atos
individuais não é tão bom para cada um quanto seria se fossem capazes de coordenar ou
cooperar de algum modo. [...] os indivíduos serão deixados à sua própria vontade, serão
incapazes de atingir bem seus fins.” (MORRIS, 2005, p. 27).
Na visão de muitos teóricos, os governos são provedores de soluções para muitos dos
problemas surgidos na coletividade. Com isso, a ausência de governo torna os indivíduos
incapazes de administrarem com eficácia a ordem social. Nesse sentido, Morris (2005, p. 28)
observa que têm os governos
o dever de construir e manter certas facilidades públicas e certas instituições, que
jamais podem ser somente do interesse de um único indivíduo ou pequeno número
de indivíduos construir e manter, porque o benefício obtido nunca poderia
compensar seu custo a qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos,
embora possa freqüentemente fazer muito mais que isto para uma grande sociedade.
Fala-se, atualmente, da igualdade entre os indivíduos. Os governos devem propor
políticas que alcancem todos os cidadãos, que efetivem e proporcionem a cidadania aos
indivíduos. Assim, reforça-se o pensamento de que as políticas devem estar sempre voltadas
para o beneficio de todos e não apenas de um pequeno grupo de indivíduos, que se tornariam,
então, privilegiados.
A grande maioria dos autores argumenta que a sociedade hoje denominada Estado é
igual àquela que existiu antigamente, porém com nomes diferentes. Por esse motivo,
defendem que o Estado e a própria sociedade sempre existiram. Dessa forma, desde que o
homem vive na Terra ele está integrado numa organização social, e esta, por sua vez, dotada
de poder e autoridade para controlar o comportamento do grupo como um todo.
18
18
Meyer, historiador das sociedades antigas, e Koppers, etnólogo (apud DALLARI, 2005, p. 52), destacam que o
Estado é um elemento universal na organização social humana. Meyer também afirma ser o Estado o
26
Outros autores, por sua vez, alertam que a sociedade humana existiu sem a presença
do Estado em certo período. Após, este foi criado com o propósito de atender às necessidades
ou conveniências de grupos sociais. Lembra Schmidt que autores que só aceitam o Estado
como sendo a sociedade política dotada de características muito bem definidas.
19
Faz-se
necessário frisar o que o autor descreve quando trata das causas do aparecimento dos Estados.
Lembra Dallari (2005, p. 53) que:
duas questões diferentes a serem tratadas: de um lado, existe o problema da
formação originária dos Estados, partindo de agrupamentos humanos ainda não
integrados em qualquer Estado; diferente dessa é a questão da formação de novos
Estados a partir de outros preexistentes, podendo-se designar esta forma como
derivada.
Entende-se, pelo exposto, que existe a formação originária do Estado, de um lado, e a
formação derivada, de outro. A originaria ocorre no momento em que se formam grupos de
indivíduos ainda não integrados a Estado algum; e a derivada, quando esses grupos já
existentes dão origem a novos Estados. O autor salienta ser nos dias de hoje quase improvável
que se possa visualizar a formação originária de um Estado. Afirma, porém, que, mediante
estudos feitos pela Antropologia Cultural muito tempo, pode-se formular hipóteses quanto
ao futuro do Estado.
As principais teorias que objetivam explicar a formação originária do Estado ocorrem
por meio de dois grandes grupos. Segundo Dallari (2005, p. 54), tais teorias são: “As teorias
que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado; e as teorias que sustentam a
formação contratual dos Estados.” As teorias sobre a formação natural do Estado tratam de
um tipo em que não coincidência quanto à causa, porém é comum a afirmação de que o
Estado se forma naturalmente e não por um ato que seja puramente voluntário. as teorias
quanto à formação contratual dos Estados possuem uma apresentação comum, mesmo com
algumas divergências entre si com relação às causas. Existe, assim, a crença de que foi a
vontade de alguns homens, ou talvez de todos eles, que levou à criação do Estado. São estes
os defensores da concepção contratualista do Estado.
Existem igualmente as teorias não-contratualistas. Entre elas as que concentram maior
expressão são as teorias de origem familiar ou patriarcal, situadas no núcleo social
princípio organizador e unificador em toda organização social da humanidade, tendo-o como onipresente na
sociedade humana.
19
Schmidt (apud DALLARI, 2005, p. 53) menciona que o conceito de Estado não é um conceito geral que vale
para todos os tempos. É um conceito histórico concreto surgido no momento em que nascem a idéia e a
prática da soberania, ocorrida no século 17.
27
fundamental da família. Segundo essas teorias, cada família primitiva ampliou-se e deu
origem a um Estado; as teorias de origem em atos de força e violência ou de conquista. Estas,
por sua vez, sustentam que o Estado nasce da conjunção de dominantes e dominados. Nesse
sentido, vale relembrar Oppenheimer (apud DALLARI, 2005, p. 54) quando ressalta “ter sido
criado o Estado para regular as relações entre vencedores e vencidos.”
Existe ainda a teoria sobre a origem do Estado em causas econômicas ou patrimoniais.
Segundo alguns autores, essa teoria pode ter sido formulada por Platão em seu livro A
República. Lembra Dallari (2005, p. 54) que em um dos Diálogos, do livro II, Platão
menciona que “um Estado nasce das necessidades dos homens; ninguém basta a si mesmo,
mas todos nós precisamos de muitas coisas.”
Ressalta-se, todavia, que entre as teorias que sustentam a origem do Estado por
motivos econômicos, a que mais repercutiu na prática foi, e é até hoje, a teoria de Marx e
Engels. Para este último autor, o Estado não nasceu com a sociedade, mas é um produto dela
quando esta chega a determinado estágio de desenvolvimento. Sendo assim, Engels (apud
DALLARI, 2005, p. 55-56) chega à conclusão de que era preciso existir
uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as
tradições comunistas da constituição gentílica; que não só consagrasse a propriedade
privada, antes tão pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o
objetivo mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o selo geral
do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que
se desenvolviam umas sobre as outras [...] uma instituição que, em uma palavra, não
perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de
a classe possuidora explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a
segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.
A crença em tal origem trouxe reflexos em dois pontos fundamentais da teoria de
Marx com relação ao Estado, ou seja, a qualificação do Estado como sendo um instrumento
da burguesia para explorar o proletariado e a afirmação de que poderá o Estado ser extinto
futuramente, por ter sido criado de forma puramente artificial, com o intuito de satisfazer
apenas a uma pequena minoria.
Por fim, existe a teoria da origem do Estado no desenvolvimento interno da sociedade.
Para essa teoria, o Estado é um germe em potencial, em todas as sociedades humanas.
20
Nesse
caso, não existe a influência de fatores externos à sociedade, é o seu próprio desenvolvimento
de forma espontânea que daria origem ao Estado.
21
20
Robert Lowie é o principal representante da teoria da origem no desenvolvimento interno da sociedade.
21
Para aprofundar o estudo com relação a Estado e sociedade, na visão de Hegel, sugere-se a obra de Lefebure e
Macherey (1999).
28
Com relação aos fins do Estado, Bastos (1999, p. 47) explicita que, “por ser o Estado
uma instituição multifacetária, vários são os seus fins; dentre eles destacam-se a defesa, o bem
comum, o progresso, a educação, a cultura e a saúde.” Vale salientar que para a definição dos
fins do Estado é preciso considerar que sendo ele uma instituição, deve ser compreendido
como ente que está em constante transformação em razão do seu próprio desenvolvimento.
Importante lembrar que o Estado é o locus privilegiado de emancipação da
normatividade.
22
Na realidade, foram as deficiências da sociedade política medieval que
determinaram as características fundamentais do Estado Moderno, que se compõe de território
e povo, estes seus elementos materiais; e o governo, o poder, a autoridade ou o soberano,
como elementos formais. Há, ainda, um quarto elemento trazido por alguns autores, que é a
finalidade. O Estado deve ter uma finalidade peculiar, que justifique a sua existência
(STRECK; MORAIS, 2004, p. 24).
Torna-se necessário complementar aqui que o Estado tem um poder que é legitimado
pelo Direito, que é uma regra emanada da sociedade com fundamento na lei moral, na lei
social. É sabido que o Direito está diretamente ligado a uma sociedade organizada, posto que
é por meio dele que serão criadas as normas que irão regulamentar a vida em sociedade
(BASTOS, 1999, p. 54-55).
23
Ensinam Streck e Morais (2004, p. 25) que “o Estado moderno, como algo novo,
insere-se perfeitamente em uma descontinuidade histórica.”
24
Assim, o Estado moderno se
constitui e se desenvolve como resultado de quatro movimentos, quais sejam: de centralização
e concentração do poder; de supressão ou rarefação; de redução da população e de um
movimento em virtude do qual este poder do Estado se destaca, separa e isola da sociedade.
25
Importante a definição de Estado dada por Morris (2005, p. 45) ao esclarecer que “o
Estado é uma particular forma de organização política”. Assim, do ponto de vista de Marx,
22
Aprofundam os autores, na mesma obra, a passagem da forma estatal para o Estado moderno, e a principal
forma estatal pré-moderna: o medievo.
23
O Estado de Direito consiste na existência de uma ordem jurídica capaz de enunciar e tutelar os direitos de
cada um dos cidadãos. Devem existir direitos que protejam o cidadão das arbitrariedades do Estado, isto é,
deve haver direitos contra o próprio Estado. O Estado de Direito está subordinado apenas ao Direito, que tem
a proposta de regular não apenas a vida, mas também a atividade estatal, juntamente com o funcionamento de
seus órgãos.
24
No sentido de que um dos maiores argumentos que confirma a tese é de que “o processo inexorável de
concentração do poder de comando sobre um determinado território bastante vasto [...] é uma emanação da
vontade do soberano e do aparato coativo [...] necessário para o efetivo exercício dos poderes aumentados.”
(STRECK; MORAIS, 2004, p. 25).
25
Para complementar o estudo sobre sociedade civil e sociedade política, na visão de Hegel, ver a obra de Soares
(2006).
29
salienta o autor, visto a emancipação da propriedade privada em relação à comunidade,
tornou-se o Estado uma entidade separada, além da sociedade civil e também fora da mesma.
O Estado não passa de uma forma de organização que os burgueses adotam tanto para
propósitos internos quanto externos visando à garantia mútua da sua propriedade e dos seus
interesses.
26
Assim, Streck e Morais (2004, p. 41) relembram as palavras de Engels, para quem “a
síntese da sociedade civilizada é o Estado, que, em todas as épocas conhecidas, tem sido o
Estado da classe preponderante e essencialmente, a máquina de opressão da classe explorada
e subjugada.” Para estes autores, Marx e Engels reconheceram no Estado o fim da opressão de
uma classe sobre outra.
27
É verdade que a democratização das relações sociais teve o significado de abertura dos
canais que tornaram possível qualificar e quantificar as demandas por parte da sociedade civil
ante a incorporação dos novos atores, como também diante das novas questões que se faziam
presentes.
28
Estas novas questões, ou novas políticas, necessitavam de respostas inéditas não
pelo seu conteúdo, mas também por serem precursoras dos mecanismos que dariam conta
suficientemente e com eficiência das mesmas.
29
Importa fazer referência ao declínio da sociedade internacional moderna surgida da
Paz de Westfália e o ruir de seus pilares mais sólidos. Estes representavam um período de
afirmação do Estado Moderno, visto então como uma entidade política autônoma, com o
monopólio da coação física legítima e igualmente soberana, como em todos os outros Estados
Modernos. Sendo assim o Estado, no cenário do mundo moderno, se conformou com a potên-
cia soberana de uma política independente. Isso fez com que se fortalecesse o pensamento de
que as relações internacionais são sempre políticas de poder (BEDIN, 2001, p. 351-352).
Ainda cabe salientar a concepção de Morais (2002, p. 80) quando menciona que:
desaparecido, transformado ou minimizado o poder do Estado (Moderno) a
soberania e em face desta íntima conexão, pode-se perguntar para onde se dirige o
constitucionalismo, e, especial quando o agigantamento do poder privado e de
26
Ainda sobre conceito de Estado, indica-se a obra de Zippelius (1997).
27
O pensamento de Marx é uma das mais vigorosas reações às doutrinas clássicas da teologia estatal, levando à
negação do Estado, ou seja, a sua extinção. O Estado é, assim, superestrutura do modo de produção
capitalista. Hegel e Engels afirmam ser o Estado produto da sociedade ao chegar a uma determinada fase de
desenvolvimento.
28
Movimentos sociais, em particular os movimentos dos trabalhadores que ingressavam no novo sistema fabril.
29
Políticas como regulação das relações de trabalho, seguridade social, educação, saúde, infra-estrutura urbana,
política energética, política de transportes, infra-estrutura industrial, câmbio, juros, etc.
30
outros centros decisórios faz sombra à tradicional suprema potestade estatal,
implicando, muitas vezes, a sua incapacitação em reagir ou controlar as decisões
tomadas alhures, ou mesmo ter de se adaptar aos interesses [...].
Nesse sentido, é possível perceber que o Estado-nação se necessariamente obrigado
a rever sua política legislativa. Precisa reformular a sua estrutura. A partir de tais reflexões,
urge repensar o Estado contemporâneo sob o ponto de vista da estrutura que este comporta.
Neste contexto é que se fez importante o surgimento do Welfare State com a proposta
de um Estado Social de caráter intervencionista e também garantidor dos direitos de todos os
seus cidadãos. Cabe salientar que a construção do Welfare State significou um processo de
anos, uma trajetória histórica.
30
História essa que lembra a luta dos movimentos dos operários
pela conquista de uma regulação que pudesse promover e também garantir as conquistas
sociais. Estes pensamentos deram impulso na passagem do Estado Mínimo para o Estado
Social de caráter intervencionista.
31
Além desses fatos todos relatados, faz-se necessário enfatizar o papel
importantíssimo do Estado Social na concretização de tais direitos. Pela relevante importância
histórica, torna-se fundamental a análise de tais assuntos, que serão abordados no tópico
seguinte ao se tratar do Estado contemporâneo.
1.2 O Estado contemporâneo
A partir dos séculos 17 e 18 tornou-se possível observar o modelo organicista e o
modelo individualista de sociedade. É a visibilidade do marco histórico divisor das sociedades
tradicionais e modernas. Segundo Bedin (2000, p. 22), “o individualismo é o valor central da
sociedade moderna.” Foi o seu aparecimento, inclusive, que possibilitou o surgimento dos
direitos do homem. Segundo Dumont (apud BEDIN, 2000, p. 24), “o indivíduo está agora no
mundo, e o valor individualista reina sem restrições. Temos diante de nós o indivíduo no
mundo.” Sob esta concepção, está o homem pronto para ser a base de um novo modelo de
sociedade.
32
30
O mesmo processo acompanha o desenvolvimento do projeto liberal transformado em Estado do Bem-Estar
Social. Isso, no decorrer da primeira metade do século 20, ganhando contornos definitivos após a Segunda
Guerra Mundial.
31
Direitos relativos às relações de produção. Direito à previdência, assistência social, transporte, salubridade
pública, moradia, etc.
32
Ainda sobre as versões diferentes a respeito do individuo no conceito de Hobbes, Locke e Rousseau, ver obra
de Bedin (2000, p. 24-25).
31
A Revolução Francesa inaugura este modelo de Estado com fundamento na
Constituição que organiza, garante e descreve os direitos dos cidadãos. Por causa dessa
formalidade na Constituição fica claro que antes desta não havia Estado algum. Isto porque
constituir significa justamente organizar, dar nascimento. O Estado que possui Constituição é,
então, aquele que foi feito, organizado, aquele que nasceu para garantir a execução dos
direitos das pessoas que estão sob a proteção desse Estado protetor e garantidor (NOVAES,
2003, p. 232).
É importante lembrar que a Revolução Francesa teve seu início em 1789, com a queda
da Bastilha. Seu término ocorreu em 1799, com o golpe de Estado do 18 Brumário. Essa
Revolução ficou conhecida como a revolução da liberdade e da igualdade, que teve uma
representação e mudança que muito significaram para a História da humanidade. A partir
dela, foram declarados os direitos do homem, em 1789. Falava-se, nesse tempo, na unificação
do Estado e houve o reconhecimento de que o povo era o portador da soberania, e não os reis.
Nas palavras de Reale (apud BASTOS, 1999, p.141):
Após a Revolução o Estado unifica-se, e o Direito Positivo nacional passa a formar
uma soberania nacional. Vale como proclamação da exclusividade, no território
nacional, de um Direito Positivo Estatal superior aos demais ordenamentos. É essa a
primeira conseqüência do reconhecimento de que não pode haver privilégios locais,
éticos ou nobiliárquicos, ou seja, de que não podem existir ordenamentos jurídicos
superiores ao ordenamento jurídico nacional, perante o qual vale um princípio de
igualdade entre os obrigados.
Nesse rumo, cabe salientar que as maiores conquistas da Revolução Francesa foram
sem sombra de dúvidas a institucionalização das liberdades individuais e os avanços que
levaram à igualdade entre os homens, além da proclamação da soberania do povo e da
necessidade de um regime que fosse representativo, que tivesse como base a escolha pelo
povo de seus governantes e a descentralização.
Cabe aqui assinalar que o Republicanismo francês sofreu forte influência das idéias
humanistas do século 18, e que estas atingiram seu ápice com a Revolução Francesa e as suas
conseqüências. Segundo Agra (2005, p. 29), importa lembrar que o lema liberdade,
igualdade e fraternidade formou seu núcleo axiológico básico, o que permitiu o florescimento
das virtudes civis com o objetivo de livrar a população do domínio feudal secular.”
33
33
Sobre o princípio da igualdade na visão dos republicanos, verificar a obra de Agra (2005, p. 93).
32
É consenso entre os estudiosos que nenhuma outra revolução teve tamanha
significação e contribuição para o direito à liberdade dos cidadãos quanto a que ocorreu na
França em 1789.
34
O Estado é o órgão que deve promover e assegurar o desenvolvimento da
liberdade. É sua função dar força ao princípio da liberdade para todas as pessoas, sem levar
em conta a sua situação econômica, social, cultural, entre outras.
Pode-se dizer que o pacto ocorrido no século 18 recebeu o nome de Constituição. Os
poderes do povo livre passariam ao Estado assim como estavam expressos na sua Carta Mag-
na, levando em consideração a vontade do próprio povo, ditada por meios que a Constituição
estabelecesse. A Constituição detinha a soberania popular e nada lhe poderia ser superior.
Assim, os Estados constitucionais nasceram com a missão de construir comunidades
de indivíduos com direitos iguais, livres para manifestarem suas vontades individuais e
soberanas, em que o único limite seria justamente a individualidade e a liberdade do outro. Ao
Estado cabe o papel de garantir as liberdades e os direitos. A soberania e os direitos humanos
são as duas bases do Estado contemporâneo. Diz-se que a soberania foi pensada como sendo
uma criação dos homens em sociedade.
Novaes (2003, p. 237) cita Locke, o qual afirmava que “o Estado tem a função de
preservar a liberdade e a propriedade de cada um, julgando as disputas e pleitos de acordo
com as leis que foram feitas, mas que o limite da execução destas leis é o próprio país.”
Lembra este autor que se faz necessário repensar o Estado contemporâneo sob a
perspectiva de uma estrutura que lhe é própria, com as transformações que são impostas e
operadas pela agregação da questão social. Isto lhe concede um caráter finalístico de função
social, levando-o a um Estado Social de caráter obrigatoriamente intervencionista (MORAIS,
2002, p. 34).
Falando-se nesse Estado Social, pode-se afirmar que foi com as Constituições
mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919 que o modelo constitucional do Welfare State, ou o
Estado de Bem-Estar Social, principiou sua construção. O Welfare State seria o Estado no
qual o cidadão, independentemente de sua situação social, tem direito a ser protegido, por
intermédio de mecanismos e prestações públicas estatais, emergindo assim a questão da igual-
dade como o fundamento para a atitude intervencionista do Estado (MORAIS, 2002, p. 38).
34
Sobre os impactos e as inovações da Revolução Industrial, ver obra de Odete Maria de Oliveira (2005b).
33
Como mencionado anteriormente, a formação deste Estado é algo que perpassa
muitos anos. É possível dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento do projeto
liberal transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira metade do
século 20, ganhando contornos definitivos após a Segunda Guerra Mundial. Para Morais
(2002, p. 38), a história desta passagem tem vínculo especial com a luta dos movimentos
operários pela conquista de uma regulação/garantia/promoção da chamada questão social.
Característica do Welfare State, a idéia de intervenção não é novidade surgida no século 20.
Assim o Estado, com sua ordem jurídica, implica intervenção.
Cabe lembrar e reconhecer, conforme Morais (2002, p. 35), “que o processo de
crescimento/aprofundamento/transformação do papel, do conteúdo e das formas de atuação do
Estado não beneficiou unicamente as classes trabalhadoras.” O papel do Estado, em vários
setores, possibilitou investimentos em estruturas básicas que alavancaram o processo
produtivo industrial, as quais mostraram-se viáveis para o investimento privado.
35
Essa dupla
face faz parte da peculiar trajetória do Estado Social em que a intervenção pública refletia as
reivindicações dos movimentos sociais, e ao mesmo tempo a ação intervencionista do Estado
tornava possível a flexibilização do sistema, o que garantia a sua própria manutenção e
continuidade, bem como dava condições de infra-estrutura para o seu desenvolvimento.
Constatado o progresso por parte do Estado nas atividades econômicas, sociais,
previdenciárias, educacionais, entre outras, o Estado visto como liberal vê-se a um passo de
um Estado social. Cabe destacar que a presença do Estado se fazia absolutamente necessária
para a correção de desequilíbrios muito grandes a que foram submetidas as sociedades
ocidentais que, por sua vez, não tinham um comportamento disciplinar com relação a sua
economia, ou seja, não possuíam um planejamento centralizado.
Nesse ínterim, o Estado passou a assumir um papel de controlador, regulador da
economia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Por assim dizer, o Estado
tornou-se um gigante, um grande empregador, dando complexidade à vida social. Fala-se,
nesse momento, da burocracia estatal (BASTOS, 1999, p. 142).
Recorre-se, aqui, ao que alguns autores relatam sobre o abalo ocorrido ao denominado
compromisso do keynesianismo, ou seja, o da democracia capitalista. Segundo vários autores,
até o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a ideologia oficial do que chamavam de
35
Construção de usinas hidrelétricas, estradas, financiamentos, etc.
34
compromisso de classe, quando diferentes grupos podiam entrar em conflito nos limites do
sistema capitalista e democrático. Por esse motivo a crise do keynesianismo é entendida como
uma crise do capitalismo democrático.
O keynesianismo, desde o pós-guerra, defendeu a tese de que o Estado poderia
harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da
economia. Foram fornecidas as bases para que ocorresse o compromisso de classe, oferecendo
aos partidos políticos representantes dos trabalhadores uma justificativa para que exercessem
o governo em sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de emprego e na
redistribuição de renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado era visto
como provedor de serviços sociais e também um regulador de mercado, sendo dessa forma o
mediador das relações e dos conflitos sociais.
A crise do keynesianismo, portanto, nada mais é do que a crise das políticas de
administração de demanda, isto é, quando aparecem sinais de insuficiência de capital, as
políticas que são voltadas à eliminação da junção entre a produção corrente e a produção po-
tencial não mais apontam soluções (BRESSER PEREIRA; WILHELM; SOLA, 1999, p. 225).
Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, “apesar de sustentado o conteúdo próprio
do Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua revisão frente à própria
disfunção ou desenvolvimento do modelo clássico do liberalismo”. Sendo assim, o Estado
conserva aqueles valores jurídico-políticos clássicos, entretanto, em consonância com o
sentido que vem tomando no curso histórico, como também com as necessidades e as
condições da sociedade do momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e
direitos com relação às prestações do Estado. Se faz necessário corrigir o individualismo
liberal por meio de garantias coletivas. Isso se dá pela correção do liberalismo clássico pela
reunião do capitalismo na busca do bem-estar social que é a fórmula geradora do Welfare
State neocapitalista no pós-Segunda Guerra Mundial.
Cabe trazer a afirmação de Streck e Morais (2004, p. 91) quando observam que “com
o Estado social e Direito revela-se um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-
estar geral que garanta o desenvolvimento da pessoa humana.”
36
36
Sobre o Estado social e o enfrentamento de suas crises, ver obra de Morais (2002).
35
É correto afirmar que a luta pelo reconhecimento e respeito aos direitos do homem
surgiu com acontecimentos políticos dos séculos 17 e 18, e estes passaram por vários
momentos até que se desse às gerações de direitos.
Conforme Bedin (2000, p. 79), “a luta pelo reconhecimento e pelo respeito aos direitos
do homem enfrentou duras críticas e, não obstante, chegou ao final deste século, para amplos
setores da população, como uma das grandes conquistas da humanidade.” Quando o autor se
refere a duras críticas, significa que estas provêm do que por ele é denominado de pólos
políticos opostos, ou seja, o pólo da direita e o pólo da esquerda, que na verdade são dois
posicionamentos políticos, o da direita tradicional e o da esquerda tradicional.
37
Para esclarecer melhor, cabe dizer que essa luta por reconhecimento e respeito a esses
direitos nada mais é do que um empreendimento de tradição no sentido de uma evolução de
grande monta.
38
Essa evolução expansiva é reconhecida como vitoriosa, visto ter enfrentado
as diversidades, as críticas e mesmo assim tornou-se uma das maiores conquistas do homem.
Críticas essas no sentido dos dois pólos políticos opostos, ou seja, o da direita e do da
esquerda.
O modelo, então liberal, acabou sofrendo várias crises e o Estado, por sua vez,
também enfrentou muitas transformações.
39
Neste sentido, emerge uma nova proposta de
Estado, ou seja, a proposta neoliberal. Um movimento reconhecido como sendo de cunho
econômico, político e jurídico, e que teve seu início na década de 70 e sua consolidação,
justamente com as mudanças ocorridas, na década de 80. Constituiu-se como um modelo para
todo o mundo, em que na verdade o mercado é quem organiza a sociedade, estabelecendo os
critérios de distribuição de renda. É, na verdade, o oposto do mercado livre.
40
Nasceu o neoliberalismo, logo depois da Segunda Guerra Mundial, na Europa e na
América do Norte, onde imperava o capitalismo. O neoliberalismo foi uma reação teórica e
política contra o Estado intervencionista e de bem-estar. O caminho da servidão, obra de
Friedrich Hayek, publicada em 1944, foi nada mais do que o texto de origem do
neoliberalismo. Mencionava o ataque contra qualquer limitação aos mecanismos de mercado
por parte do Estado, que denunciavam a ameaça mortal à liberdade, tanto econômica como
política. Hayek afirmava que apesar das boas intenções, a social-democracia moderada da
37
Para estudo mais aprofundado do tema, pesquisar a obra de Bedin (2000).
38
Ver obra de Bobbio (1992).
39
Sobre as deficiências do capitalismo global, consultar Soros (2003).
40
Sobre globalização econômica e neoliberalismo, ver obra de Santos (2005).
36
Inglaterra conduzia a um desastre idêntico àquele causado pelo nazismo alemão, ou seja, uma
servidão moderna (ANDERSON et al., 1995, p. 9).
41
A verdade, como afirma o autor, é que o neoliberalismo é um movimento ideológico,
em escala mundial, como o próprio capitalismo jamais havia atingido no passado. Segundo
Anderson et al. (1995, p. 22), “trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente,
militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição
estrutural e sua extensão internacional.” Salienta, ainda, que qualquer balanço do
neoliberalismo poderá ser feito apenas provisoriamente, por ser este um movimento
inacabado.
É possível concluir, entretanto, que economicamente falando o neoliberalismo
fracassou, não obtendo sucesso na revitalização básica do capitalismo avançado. Já no aspecto
social, o neoliberalismo alcançou muitos de seus objetivos. Neste sentido, criou sociedades
marcadamente desiguais, mesmo que não tão desestatizadas como intencionalmente
propusera. Ideológica e politicamente falando, o neoliberalismo alcançou êxito disseminando
a idéia de que não há alternativas para seus princípios e que todos precisam adaptar-se as suas
normas (ANDERSON et al., 1995, p. 22-23).
Para Salama et al. (1995, p. 53), é preciso “rejeitar o dogmatismo neoliberal e começar
a pensar em novas e criativas vias de saída da crise do capitalismo.” Sendo assim, é
necessário que se tenha uma visão ética e uma compreensão científica radicalmente oposta à
própria crise que se pretende superar.
42
O pensamento neoliberal precisa ser abandonado. É
necessário que se entenda a realidade e as necessidades trazidas pela crise causada pelo
próprio neoliberalismo para que seja possível sanar ou pelo menos amenizar os problemas
existentes.
No entendimento de Bedin (2000, p. 83), “os neoliberais expõem às sociedades
comunistas e às sociedades nazistas e fascistas o fato de que são formações históricas
totalitárias [...] e como tais, afiguram-se como formas opressoras da liberdade individual.”
43
Sendo assim, as sociedades comunistas que tiveram seu surgimento com a Revolução Russa
de 1917, passam pelas sociedades nazistas e fascistas, chegando às sociedades democráticas
41
Hayek argumenta que o novo igualitarismo promovido pelo Estado de bem-estar social destruía a liberdade
dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, visto que desta, correspondia à prosperidade de todos. Destaca,
portanto, que a desigualdade era valor positivo, imprescindível, para as sociedades ocidentais.
42
Ainda sobre os ajustes neoliberais, a pobreza e a cidadania democrática, ver estudo aprofundado por Borón, na
obra de Sader e Gentili (1995).
43
Importante lembrar que a obra de Bedin (2000) aborda o tema relacionado à base teórica do neoliberalismo.
37
contemporâneas, conhecidas como Welfare State. O neoliberalismo é definido como uma
reação profunda e compacta aos três tipos de sociedades surgidas, comunista, nazista e
fascista.
Filomeno (1997, p. 147) entende que “a regra geral do neoliberalismo [...] é a ampla
liberdade de iniciativa econômica, respeitados os princípios [...].” Sendo assim, o
neoliberalismo nada mais é do que a ampla liberdade de iniciativa e o exercício da atividade
ou profissão. Tal liberdade, contudo, não deve comprometer a justiça social, visto ser esta um
dos pressupostos do próprio bem comum do Estado.
A esse respeito posiciona-se Borón et al. (1999, p. 7-8):
O surgimento de um pequeno conglomerado de gigantescas empresas
transnacionais, os “novos Leviatãs”, cuja escala planetária e gravitação social os
torna atores políticos de primeiríssima ordem, quase impossíveis de controlar e
causadores de um desequilíbrio dificilmente reparável no âmbito das instituições e
das práticas democráticas das sociedades capitalistas.
Talvez por esse motivo alguns estudiosos defendam o assim chamado triunfo final do
capitalismo, estando assegurada a democracia.
44
O neoliberalismo tornou-se o senso comum
de nosso tempo e de uma existência muito importante. Na verdade, o que melhor caracteriza o
neoliberalismo é a visível desigualdade social gerada por ele. Desigualdade a nível de país
como um todo, como de países e apenas de regiões.
Tomando como exemplo os países da América Latina, salientam Borón et al. (1999, p.
12) que “o fracasso econômico do neoliberalismo, nos mais diversos países da América
Latina, é tão evidente como foi o seu êxito no plano das idéias.” Neste sentido, afirmam os
autores, a lista de fracassos se amplia, com certeza.
Segundo este autor, cabe um questionamento com relação à valoração do modelo
econômico e social neoliberal, que segundo ele, quando funciona bem, gera desemprego em
níveis inéditos e escalas crescentes de pobreza. Afirma ainda que de nada adianta um
orçamento fiscal equilibrado, ou uma inflação zero, ou um superávit na balança comercial, se
as sociedades acabam desabando, com a miséria se proliferando tanto nas cidades quanto no
campo, e onde a cada dia existem mais e mais crianças crescendo nas ruas.
44
Neste sentido de democracia o correto é chamar de ideais democráticos. Ver obra de Sader e Gentili (1999).
38
Constata-se modernamente situações em que os desempregados formam uma legião
cada vez maior, e o emprego é precário, com salários insuficientes. Sociedades em que a
criminalidade é uma ameaça constante, esmagadora, e parte da sociedade se esforça para fazer
aquilo que pode para ostentar o luxo, enquanto outra parte dessa mesma sociedade não
consegue mais esconder a pobreza. Acredita-se que chegou o momento de fazer calar a
economia e de voltar a dar ouvidos à teoria política e à filosofia moral. A realidade é que as
sociedades construídas pelo neoliberalismo, ao longo dos anos, são piores que aquelas que as
precederam. São sociedades mais divididas e mais injustas, em que os cidadãos vivem sob
ameaças econômicas, trabalhistas, sociais e ecológicas (BORÓN et al., 1999, p. 55-58).
45
Importante a afirmação de Borón et al. (1995a, p. 287) ao declararem que
a herança do neoliberalismo é uma sociedade profundamente desagregada e
distorcida, com gravíssimas dificuldades em se constituir do ponto de vista da
integração social e com uma agressão permanente ao conceito e a prática da
cidadania [...]. A herança que deixa a experiência dos anos 80 é que, ao mesmo
tempo em que se produziu um avanço significativo nos processos de democratização
em grandes regiões do planeta (entre elas a América Latina) [...].
Para estes autores, portanto, é preciso democratizar o capitalismo e organizar o
Welfare State. Atualmente se faz importante desenhar uma estratégia de longa duração na luta
pelo social, pelo socialismo. É uma luta possível, luta de ideais que devem ser respeitados. O
socialismo, como alertam Borón et al. (1995, p. 191), “é uma combinação de ideais, de
grandes valores e de projetos concretos.”
Sendo assim, trata-se de uma luta não pelo socialismo, mas pelo que ele significa,
um conjunto de valores e um projeto que é necessário desenvolver com experiências
concretas. Verdade que os valores do socialismo, como a justiça, igualdade, liberdade,
cooperação, democracia, bem-estar, desenvolvimento integral do homem, são valores
clássicos, permanentes. Aconselham os autores que se deve acrescentar novos ideais a esse
conjunto de valores, entre eles o feminismo, a liberação feminina, a segurança ecológica e do
meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, o pacifismo, etc.
Lembrando então, e voltando um pouco no tempo, à idéia do Estado de Bem-Estar-
Social, um Estado intervencionista e promocional que envolve questões relacionadas ao
processo produtivo. É possível afirmar que o Welfare State emerge como conseqüência geral
das políticas definidas a partir das grandes guerras e das crises da década de 30, mesmo que
45
Ainda sobre neoliberalismo ver obras de Brum (1998) e Odete Maria de Oliveira (2005a).
39
sua constituição tenha ocorrido na segunda cada do século 20 (STRECK; MORAIS, 2004,
p. 70-71). Para os autores, o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar-Social dá-se por duas
razões, que são: ordem política, no sentido de luta pelos direitos individuais, políticos e
sociais; e pela natureza econômica, motivada pela transformação da sociedade agrária em
industrial, visto que o desenvolvimento industrial ocasionou o surgimento do problema da
segurança social.
46
Num plano mais atual, cabe lembrar o pensamento de Busatto e Feijó (2006, p. 69), ao
mencionarem que
O Estado passou por grandes alterações, iniciadas pelo movimento democrático
deflagrado nos Estados Unidos da América no final do século XVIII que iria
influenciar a grande maioria dos Estados europeus, trazendo à cena novos atores
os insatisfeitos com o status quo, os operários da nova industrialização, os novos
habitantes das cidades, os trabalhadores rurais sem propriedade e sem direitos. Uma
massa até então invisível, num mundo sem informação e quase estático, começa a
compreender seu papel e atuar no sentido de torná-lo reconhecido.
Sendo assim, novos ambientes foram criados pela sociedade ocidental em pouco mais
de 200 anos. Além das instituições tradicionais, os novos tempos trouxeram outras
instituições muito importantes para a concretização dos direitos da humanidade.
47
Cabe aqui a
máxima, defendida por Bobbio (1992, p. 1), de que, “haverá paz estável, uma paz que não
tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou
daquele Estado, mas do mundo.”
48
Na seqüência, o próximo capítulo aborda a questão da cidadania como parte integrante
dos direitos inerentes a cada pessoa, lembrando-se ainda da relevância do papel do Estado na
inserção do cidadão, pessoa portadora de direitos e deveres para com a sociedade e o próprio
Estado em que vive.
46
Para mais estudos sobre direitos sociais consultar obra de Vieira (2004).
47
Importante a leitura de tais instituições na obra de Busatto e Feijó (2006).
48
Ver obra de Bobbio (1992), A era dos direitos.
40
2 O ESTADO E OS DIREITOS DE CIDADANIA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
NO BRASIL E A SUA DIFÍCIL TRAJETÓRIA
Neste capítulo far-se-á um estudo sobre a cidadania, alertando para o fato de ser ela
considerada um direito de todos. Tratar-se-á das origens e dos conceitos de cidadania, desde a
Grécia antiga, até as conquistas modernas, especialmente com relação aos direitos civis,
sociais e políticos.
Também serão abordadas as revoluções liberais que ocorreram, especialmente no
século 20, que marcaram a História da humanidade. O mais relevante que se aponta, com
relação ao estudo da cidadania, é justamente a efetivação desta na concretização da inclusão
do indivíduo na sociedade em que este vive e se relaciona. Indivíduo este considerado parte
integrante e fundamental do Estado, e que por ele deve ser acolhido e respeitado como sujeito
portador de direitos e de deveres.
No prosseguimento dos estudos, e ainda sobre o tema cidadania, será investigada a
questão da cidadania no Brasil e a sua difícil construção. Serão utilizadas neste tópico
algumas das obras consideradas importantes com relação aos conceitos de cidadania. Salienta-
se, porém, que especificamente será trabalhada a obra de Carvalho (2002), em razão de esta
tratar de forma muito clara e objetiva a questão da cidadania e os percalços ocorridos na sua
construção em nosso país.
Iniciando os estudos a respeito da cidadania é correto afirmar que perante o Estado
todas as pessoas são consideradas nacionais ou estrangeiras. Nacional é aquela vinculada a
um Estado ou em virtude do jus sanguinis, ou do jus soli.
1
A cidadania implica a
nacionalidade, na medida em que todo cidadão é também nacional. É verdade, porém, que
nem todo nacional é cidadão, no sentido de este não gozar de seus direitos políticos.
Cabe recordar que a cidadania consiste na manifestação das prerrogativas políticas que
o cidadão possui dentro do Estado democrático. É a cidadania um estatuto jurídico que
abrange os direitos e também os deveres do indivíduo com relação ao Estado. Diferencia-se
aqui, cidadania de cidadão, justamente porque o termo cidadão designa o indivíduo na posse
dos seus direitos políticos. cidadania, por sua vez, é expressão da qualidade de ser cidadão,
1
Jus sanguinis, quando filho de pai nacional; jus soli, por ter nascido dentro do território daquele Estado.
41
o direito de fazer valer as prerrogativas que se originam de um Estado democrático.
2
Neste
sentido, o exercício da cidadania é fundamental. Sem ela, não que se falar em participação
política do indivíduo, não há que se falar em democracia (BASTOS, 1999, p. 70-72).
Pesquisadores pioneiros, ao estudar a cidadania, buscaram inspiração em realidades
vividas no mundo greco-romano, por meio dos clássicos passados pela própria tradição ao
Ocidente, que seriam, então, a idéia de democracia, de participação do povo, de liberdade do
indivíduo (GUARINELLO apud PINSKY; PINSKY, 2005, p. 29).
3
Nas lições de Barbalet (1989, p. 11), “a cidadania é tão velha como as comunidades
humanas sedentárias. Define os que são e os que não são membros de uma sociedade
comum”. A cidadania, segundo este autor, é vista sob uma perspectiva política. A cidadania
pode ser a participação em uma comunidade ou uma qualidade como membro dessa
comunidade. Ressalte-se que, no Estado democrático moderno, a base da cidadania é a
capacidade de participar no exercício do poder político.
4
A palavra cidadão, para os gregos antigos, traduzia a idéia de homem livre,
intimamente comprometido com a defesa dos interesses da cidade-Estado. Para os gregos,
essa concepção tinha fundamento numa antiga tradição ateniense, onde eram considerados
cidadãos todos os homens adultos que estivessem aptos a defender os interesses da polis, que
segundo a evolução da sociedade grega antiga, tinha como interesse proteger a cidade-Estado,
envolto em um sentimento subjetivo de bem comum no que dizia respeito à polis. Tal
sentimento transcendia a todos os interesses pessoais do cidadão.
É verdade que para os gregos somente eram entendidos como cidadãos aqueles que
faziam parte da polis. Eram considerados homens livres, virtuosos e sábios. A esse respeito
observa Dal Ri Júnior (2003, p. 27):
Eram considerados cidadãos todos os homens livres que pertenciam ao grupo dos
que contribuíam ativamente à organização da comunidade. Além de possuidor de
um vínculo de origem com o território da comunidade, o cidadão grego deveria ser
homem, livre, de grande despojamento pessoal e de participação, em prol dos
interesses da polis. Por conseguirem identificar os próprios interesses pessoais com
o da cidade-Estado, estes eram considerados homens “virtuosos” e “sábios”.
2
Para aprofundar mais sobre o conceito de cidadania, verificar as obras de Farah (2001); Baracho (1995);
Pandolfi (1999); Soromenho-Marques (1996).
3
Para o aprofundamento da historicidade na Antigüidade com relação às cidades-estado, recomenda-se a obra de
Pinsky e Pinsky (2005).
4
Segundo Barbalet (1989), a expansão da cidadania no Estado moderno é ao mesmo tempo a marca de contraste
das suas realizações e a base das suas limitações. A generalização da cidadania moderna vista sob a estrutura
social tem o significado de que todas as pessoas, consideradas cidadãs, são iguais perante a lei e que não se
fala, portanto, em pessoa ou grupo privilegiado.
42
Essa restrita concepção grega sobre quem poderia fazer parte da polis excluía do status
de cidadão as mulheres, os escravos e os metecos.
5
Vieira (2002, p. 15) salienta que,
nas sociedades primitivas, encontramos um direito carismático revelado pelos
profetas que interpretavam a vontade de Deus, e dos heróis míticos fundadores. No
direito revelado das sociedades primitivas, não existe ainda o conceito de normas
objetivas, isto é, não existe uma lei objetiva independente das ões. As ações e
normas são interligadas. O que predomina são os usos e os costumes; a ação não está
ainda orientada para deveres legais reconhecidos como coercitivos. Isto somente
ocorrerá na transição para o direito tradicional.
Menciona o autor que o status de cidadão, para os gregos, era concedido obedecendo
ao critério do jus sanguinis. Era cidadão, portanto, o indivíduo pertencente, por laços de
sangue, à classe dos cidadãos. Neste contexto, o reconhecimento ocorria sendo o indivíduo
fruto ou não de uma relação legítima. Tal reconhecimento da cidadania se dava quando o
jovem completava 18 anos, sendo ele apresentado para a Assembléia do Demo que, tomando
por base a sua ascendência, reconhecia ou negava-lhe o direito à cidadania (DAL RI JÚNIOR,
2003).
Percebe-se, então, o caráter oligárquico da primeira democracia. A existência de uma
classe social que se constituía por homens livres, detentores do poder político através do
status exclusivo de cidadão, dava, assim, acesso às funções políticas, e se perpetuava pela
transmissão da cidadania jus sanguinis, comprovando o quanto era impenetrável. Neste viés,
cabe ressaltar que poucos eram os metecos ou escravos que obtiveram reconhecimento como
cidadãos.
Dal Ri Júnior (2003, p. 29) esclarece que “foi Roma a primeira cidade-Estado a
instituir o conceito jurídico de cidadania, ligando-o intimamente à noção de status civitatis.
Coube ao Direito Romano, desde a sua gênese, evoluir tal conceito, servindo-se dele como
base para todo o seu ordenamento jurídico.”
É importante salientar que houve uma forte influência da cultura grega nos primeiros
séculos da história de Roma, condicionando, assim, a concepção de cidadão. Daí nasce e se
5
Todos os estrangeiros, originários de outras cidades-Estados gregas, que viviam em Atenas. Estes, por sua vez,
tinham garantidos apenas alguns direitos civis, mas não possuíam direitos políticos (DAL RI JÚNIOR, 2003,
p. 29).
43
desenvolve a civitas romana. O fato de o indivíduo pertencer ou não a uma determinada gens
6
romana, poderia reconhecer-lhe a cidadania. Mulheres, crianças, escravos, apátridas e
estrangeiros eram excluídos do direito à cidadania.
Nas Palavras de César (2002, p. 17), “o termo cidadão tem origem na expressão latina
civis, traduzido do grego polites, que significa o sócio da polis ou civitas, ou seja, da cidade-
Estado da Antiguidade Greco-Romana”. Sendo assim, cidadãos são apenas aqueles homens
que participam da gestão da cidade, podendo exercer os direitos políticos sem a necessidade
de serem representados. A participação direta, por assim dizer, na vida política, ocorria na
verdade quando votavam leis e quando exerciam funções públicas, como a judiciária, por
exemplo.
Na Idade dia o desenrolar da cidadania e da nacionalidade teve seu início, ou
primeira fase, no período do feudalismo, quando o território deixado pelo império antigo
passou a ser ocupado por pequenos Estados. Estes eram constituídos ou ligados por uma
religião, o cristianismo. Confirma Dal Ri Júnior (2003, p. 39) que,
A evolução da cidadania e da nacionalidade na Idade dia tem uma primeira fase
no período feudal, onde o espaço territorial deixado pelo antigo Império vem sendo
ocupado por uma multiplicidade de pequenos Estados. Os elementos fundamentais
desta nascente comunidade jurídica internacional podem ser reconhecidos na
chamada Respublica Chistiana. Isto porque tais Estados encontram-se estreitamente
ligados entre si por uma religião, o cristianismo, e por um elemento de coesão
política, a Igreja.
É no período que vai da queda do Império Romano até a coroação de Carlos Magno
como Imperador do Sacro Império Romano-Germânico que se efetiva a redução do status de
cidadão à condição de súdito. A esse respeito, lembra Dal Ri Júnior (2003, p. 49), sob o ponto
de vista de Jean Bodin, que “a relação entre soberano e cidadão baseia-se em uma série de
obrigações de um em relação ao outro: o cidadão deve ao soberano obediência e fidelidade,
enquanto o soberano deve ao cidadão justiça, conselho, conforto, ajuda e proteção.”
Cabe lembrar, então, que tendo se extinguido a civilização greco-romana na Idade
Média, o status civitatis passou a ser substituído por um sistema de relações hierárquicas de
cunho privado, que caracterizaram as relações sociopolíticas do feudalismo, e que fez
suprimir a cidadania como elemento de liberdade entre os iguais (CESAR, 2002, p. 18).
6
Antigos clãs romanos de origens rurais. Assim, o Direito Romano clássico previa que, quem pertencesse a um
determinado clã romano, teria o status de cidadão. As gens e a família eram consideradas organismos
anteriores à civitas, fundamentos da própria cidade-Estado. Pertencer a uma gens era pressuposto de liberdade,
essencial à concepção da cidadania no sistema romano.
44
O cidadão é, nesse período, quase como um objeto para o soberano, não podendo
jamais recusar sua condição. Assim, a cidadania é perpétua, originada do vínculo pessoal e
exclusivo entre soberano e súdito livre. É verdade, como bem explicita Cesar (2002, p. 19),
que “o avanço territorial e político do absolutismo monárquico, centralizador do poder
político, acabou, porém, por suprimir esses pequenos espaços de liberdade, somente
resgatados, através da via revolucionária, pelo pensamento liberal-burguês.”
Mais adiante na História, tendo sido vitorioso o pensamento liberal por intermédio das
revoluções burguesas que marcaram o cenário político europeu no século 18, tem-se a volta
da cidadania política. Visto isso, cabe ressaltar que diante do reconhecimento de que o ser
humano, como titular de direitos naturais, os quais o Estado deve tutelar e respeitar, e também
pelo fato de que apenas alguns tinham o direito à participação de decisões políticas, surge a
distinção entre os direitos civis (do homem) e direitos políticos (do cidadão).
7
Thomas Hobbes, ao contrário de Bodin, apresenta o soberano livre de vínculos com o
feudalismo, sendo que Bodin é fruto do renascimento francês, enquanto Hobbes se encontra
submerso no absolutismo inglês, onde o soberano é naturalmente absoluto. Assim, acaba por
dizimar todos os vínculos patrimoniais, corporativos e também familiares que poderiam
interferir na sua relação direta com os cidadãos e com a cidade (DAL RI JÚNIOR, 2003,
p. 52).
Nesse período, o cidadão, independente das suas origens, passa a ser igualado a todos
os outros cidadãos que fazem parte da população sob a autoridade do soberano. O cidadão é
um indivíduo igual a todos os demais. Assim, a relação direta entre o cidadão e o seu
soberano é revestida de um caráter impessoal, passando a constituir uma relação abstrata,
valorizando a dimensão individual.
Complementa Dal Ri Júnior (2003, p. 53) sobre o tema:
O nascimento do Estado, seguindo Thomas Hobbes, acontece nesta perspectiva
individualista. Enquanto Jean Bodin pressupunha uma batalha entre chefes de clãs
(coletividades), que culminava na vitória de um e na submissão de outro a este
vencedor, Hobbes afirma que o indivíduo, buscando uma fuga da guerra perpétua
instalada no estado de natureza, é conduzido irresistível e voluntariamente a se
submeter ao soberano. Isso porque, se não fosse o medo, por natureza os homens
seriam levados a dominar uns aos outros. Mas, por temor recíproco, procuram
individualmente a proteção do poder absoluto do soberano.
7
Cabe lembrar a Declaração de Direitos emanada da Revolução Francesa de 1789. Cita-se a obra de Cesar
(2002).
45
É, então, a partir do momento em que os indivíduos se sujeitam ao Estado, passando a
constituir parte deste grande mecanismo, passam também a ser reconhecidos como cidadãos.
Para Hobbes, o ato de sujeição é uma limitação à própria vontade do indivíduo-cidadão, que é
equacionada pela vontade do Estado.
Juntamente com essa sujeição está a obediência que o cidadão deve ao seu soberano.
Assim como Bodin, Hobbes também via nessa renúncia ao direito de resistência os
fundamentos da relação entre soberano e súdito. Então, a obrigação à obediência era elemento
considerado essencial para o governo do Estado.
Ressalta igualmente este autor que uma das mais importantes contribuições de Thomas
Hobbes é a concepção de igualdade entre os cidadãos sujeitos à autoridade estatal. Para ele, o
homem livre deve servir somente ao Estado. Seguindo o mesmo pensamento, Enrico Grosso
reforça que “a esfera jurídica do indivíduo é inteiramente definida e compreendida na relação
de sujeição” (apud DAL RI JÚNIOR, 2003).
A partir da premissa de igualdade, surge o princípio de que todos os homens são iguais
perante a lei. Instituído o Estado, mediante a conclusão do pacto de obediência ao soberano,
todo cidadão passa a se submeter às leis civis, iguais para todos. O autor observa que é nessa
passagem do estado de natureza para o estado civil que emerge a existência de uma
valorização da individualidade do cidadão através da igual sujeição à lei.
É importante lembrar a figura do cidadão enquanto sujeito de direito. O Estado,
produto da vontade do cidadão em se submeter ao poder soberano, deverá zelar pela
conservação da vida e da integridade física dos cidadãos. Da mesma forma, é concedido aos
mesmos o direito de defesa contra o próprio soberano, em casos de ameaça à própria vida ou
qualquer outro dano que venha a sofrer.
Prosseguindo, o autor faz menção a Samuel Von Pufendorf, tido como responsável por
reforçar o papel do cidadão no Estado moderno. Deu grande contribuição à Filosofia política e
jurídica do século 17, pregando os princípios jusnaturalistas de igualdade e de liberdade
natural entre os homens.
8
8
Um dos pais da cultura jurídica alemã. Nasceu na Saxônia, em 1632, de família luterana, e faleceu em Berlim,
em 1694.
46
Pufendorf era influenciado por Hugo Grotius, que defendia a relação entre soberano e
cidadão. Este deixa de ser mero governado, submetido ao poder absoluto e discricionário do
soberano, e passa a ser visto como associado.
9
A partir de então, o contrato social deixa de ser
um ato livre de submissão e passa a configurar uma convenção entre associados em prol da
comunidade em geral. Com isso, o futuro cidadão nasce e vive livre, sendo considerado igual
aos demais. Por essa razão, a superioridade natural de um homem não lhe o direito de
impor sua vontade aos outros, ou de submetê-los a sua autoridade.
Assim sendo:
Na visão de Samuel von Pufendorf, o indivíduo, ao caminhar em direção à
cidadania, não estaria vinculado a uma obrigação natural, baseada na força, de
submissão a um outro ser humano. A obediência nasceria de um consenso entre os
indivíduos sobre a necessidade de instituir a vida em sociedade, ou melhor, o
próprio Estado. Este se institucionaliza através do pacto entre os indivíduos que, a
partir daquele momento, passam a chamar-se cidadãos. Deste modo, a obediência se
caracteriza como fruto do consenso, gerado por uma convenção entre as partes,
convenção onde devem ser claros os benefícios que cada um receberá ao aderir.
(DAL RI JÚNIOR, 2003, p. 57).
Corrêa (2002, p. 140) leciona que, “o homem visto como indivíduo (animal racional)
se realiza eticamente buscando sua própria felicidade sob o controle das virtudes morais
(primordialmente a justiça).” Destaca este autor, com base no pensamento de Kant, que o
grande direito natural do homem, de onde se originam os demais, é a liberdade. Kant, em sua
teoria da moralidade, focaliza a vontade livre do homem, de um lado, e de outro, o dever
moral. Este, entendido como o comportamento que serve de normas gerais para a
humanidade. Segundo Corrêa, o maior desafio da contemporaneidade é a construção de uma
nova ordem social que mude a perspectiva da exclusão social. É imperativo criar novas
estruturas que priorizem as necessidades básicas das pessoas. Neste sentido, cabe conceituar o
que seja exclusão social. A noção de exclusão se impõe tardiamente com a crise da
representação da questão social.
10
Segundo Castel (2006, p. 63),
os excluídos constituem, propriamente,um conjunto de indivíduos separados de seus
atributos coletivos, entregues a si próprios, e que acumulam a maioria das
desvantagens sociais: pobreza, falta de trabalho, sociabilidade restrita, condições
precárias de moradia, grande exposição a todos os riscos da existência, etc.
9
Holandês, nascido em 1583 e falecido em 1645, é tido como um dos maiores expoentes do jusnaturalismo, e
pai do Direito Internacional Público. Teve o mérito de descanonizar o dogma do Direito, dando-lhe
reconhecimento puramente racional e não como reflexo de uma lei divina.
10
Balsa, Boneti e Soulet (2006) trabalham a questão das classes sociais e desigualdades antes da exclusão na
obra: Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social.
47
É consenso atualmente, segundo pesquisadores, que a realização individual dos seres
humanos decorre de uma ordem social que seja justa e que favoreça as condições materiais e
culturais de um povo. Obviamente quando se fala em ações no campo da subjetividade
remete-se ao fato de que estas dependem cada vez mais das ações e das decisões coletivas no
campo econômico, político e social.
Neste sentido, cabe lembrar Bobbio (2002, p. 43) quando traz em sua obra Igualdade e
Liberdade, o ponto específico sobre o ideal da igualdade:
a tendência no sentido de uma igualdade cada vez maior, como já havia observado
ou temido Tocqueville no século XIX, é irresistível: o igualitarismo, apesar da
aversão e da dura resistência que suscita em cada reviravolta da história, é uma das
grandes molas do desenvolvimento histórico.
Pelo exposto, é correto afirmar que a igualdade é a equalização dos diferentes. É nada
mais do que um ideal de permanência entre os homens que vivem em sociedade. Nesse viés,
toda discriminação superada é um verdadeiro progresso da civilização. Cabe lembrar que a
liberdade é a própria igualdade. Uma igualdade substancial, ou seja, a igualdade dos
igualitários.
11
É correta a afirmação de Corrêa (2002, p. 151) quando assegura:
Para se falar em ordem social justa é preciso optar por um princípio ético central,
universalizável, e que sirva de referência valorativa para a organização do espaço
público de convivência e sobrevivência dos cidadãos. Tal valor fundamental,
colocado como pressuposto indispensável para a organização de estruturas sociais
justas é, sem dúvida, a vida.
Ainda menciona o autor que, mesmo que não existam valores absolutos, visto que
estes são produtos histórico-culturais, faz-se necessária a opção por um valor que seja central.
Sendo assim, entende-se a vida como princípio fundamental, valor preponderante, que norteia
uma proposta política de mudança social voltada para a vivência da cidadania. Isto porque a
vida não se explica, mas se vive. Sem ela não haveria porque falar em prazer, desejo, amor,
justiça, liberdade ou qualquer outro valor humano (CORRÊA, 2002).
Assim, do ponto de vista da lógica existencial, em que o ser humano enquanto vida é
natureza, conclui-se que é natural que todos tenham direito igual à vida, o direito de usufruir
desse dom, que significa necessariamente o direito aos meios de vida, o direito a uma justiça
11
Importante o estudo do pensamento utópico ao pensamento revolucionário do igualitarismo. Ver obra de
Bobbio (2002).
48
de distribuição de bens materiais e culturais que a possam sustentar. Por isso, a vida, direito
de todos os seres humanos, exige um princípio complementar importante, ou seja, a vida
social justa. A cidadania deverá ser plena e universal.
Tem razão Corrêa (2002, p. 153) quando prescreve:
Lutar pela justiça é, pois, lutar politicamente por aqueles a quem é negada a
condição essencial da vida. É nesse espaço que justiça e direito se encontram no
esforço de se operacionalizar uma normatividade da vida contra a ética da morte a
prevalecer em nossa sociedade. Urge analisar as instituições jurídico-políticas com
base num projeto social voltado para a vida do ser humano, que enfatize sua
concretude de ser histórico, ao invés de convertê-lo em sujeito abstrato, isto é,
mercadoria enquanto força-de-trabalho e mero complexo de normas enquanto sujeito
jurídico proprietário de bens de mercado.
No que tange à noção moderna de cidadania, esta nasceu vinculada à questão do
direito, isto é, do discurso do jusnaturalismo.
12
Como refere Corrêa (2002), é verdade que a
origem da moderna noção de cidadania vincula-se à noção dos direitos humanos, justamente
por se tratar de direitos de cidadania.
Como bem lembra Morais (2002, p. 37), neste tema um aspecto assume grande
importância: “desaparece o caráter assistencial, caritativo da prestação de serviços e estes
passam a ser vistos como direitos próprios da cidadania, inerentes ao pressuposto da
dignidade da pessoa humana.” Desse modo, se constitui o patrimônio do cidadão, visto ainda
como aquele que adquire característica por sua relação de pertinência a uma determinada
comunidade estatal nos moldes tradicionais do Estado.
Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem sabe-se que a nova ordem da
cidadania possuía duas dimensões, ou seja, uma de cunho universal e outra nacional. Sendo
assim, todo homem passa a ser protegido em seus direitos naturais, não importando a sua
nacionalidade, isto é, somente os nacionais são tidos como titulares de direitos políticos.
Nesse contexto, porém, uma mudança no conceito de liberdade, o pilar da acepção
moderna de cidadania foi alterado.
Na Antigüidade os livres eram somente os indivíduos que tinham participação na res
publica, e que por isso, eram submetidos aos comandos estatais na vida privada. nos
tempos modernos, a participação no gerenciamento do Estado passa a ser indireta, por meio
12
Sobre o jusnaturalismo moderno ver obra de Vieira (2002).
49
da representação política, passando a liberdade a consistir em que não haja intervenção de
abusos do Estado na vida privada dos seus cidadãos (CESAR, 2002, p. 19-20).
13
Traz à lume o autor acima citado, as análises feitas por T. H. Marshall com relação à
cidadania social. Segundo Cesar (2002, p. 20-21), importa salientar que para Marshall, visto
ter este autor realizado suas análises justamente no período do boom do Welfare State inglês,
que,
a cidadania não abrange somente os direitos e deveres políticos, mas também
direitos civis e, principalmente, direitos sociais e econômicos, normatizados não
exclusivamente por concessão estatal, mas igualmente oriundos de conquistas
populares e efetivados através de um dinâmico processo social.
Neste sentido, divide-se o conceito moderno de cidadania em três partes, civil, política
e social. Salienta César que Marshall diferencia a cidadania moderna daquela existente na
Antiguidade e também no período feudal, visto que estas características eram reunidas numa
só, marca de desigualdades vividas.
14
Assim sendo, a concepção moderna de cidadania nada mais é do que um produto
histórico da própria modificação das relações sociais e políticas das sociedades, que acabaram
por originar os direitos civis primeiramente e os direitos políticos e sociais num segundo
momento.
Constatou Marshall que há uma separação entre os três elementos da cidadania.
Atribui-se, então, a estes, períodos diferentes. No século 18 tem-se os direitos civis como
sendo aqueles necessários às liberdades individuais: o direito de ir e vir, a liberdade de
imprensa, de ter pensamento, de fé religiosa; o direito à propriedade, direito de contratar,
direito à justiça, diferenciado este de todos os demais por ser o direito de pleitear direitos nas
condições de igualdade com a outra parte e o devido processo legal.
15
Após, vêm os direitos políticos, no século 19, dos quais um exemplo é o de votar e de
ser votado, de participar no exercício do poder político, no sentido de membro de um
organismo possuidor de autoridade política ou meramente como eleitor dos membros desse
mesmo organismo.
13
Ainda sobre a questão da liberdade e igualdade, ver obra de Bobbio (2002).
14
Ver obra de Vieira (2001), conceito de cidadania, segundo a concepção de Marshall.
15
Outras concepções com relação à cidadania sob a ótica de Marshall, ver obra de Vieira (2002).
50
Na seqüência tem-se os direitos sociais cuja materialização ocorreu no século 20. Os
direitos sociais são considerados como sendo todos aqueles que vão desde o direito ao
mínimo necessário para o bem-estar econômico e de segurança, ao direito de participar
completamente na herança social, gozando o cidadão de uma situação de vida civilizada,
conforme os padrões prevalecentes na sociedade em que está inserido (CESAR, 2002, p. 20-
22).
16
Então, é possível afirmar que a cidadania assumiu no decorrer da História várias
formas, de acordo com os diferentes contextos culturais de cada época. Diversas foram as
interpretações, e entre elas a clássica de Marshall, que analisou o caso da Inglaterra, que sem
pensar em universalizar acabou por generalizar a noção de cidadania e também dos elementos
que a constituem (VIEIRA, 2002, p. 22). É verdade que essa concepção dada por Marshall foi
alvo de várias críticas.
17
Relevante trazer à pauta a herança do neoliberalismo, especialmente no que tange à
cidadania. Segundo Borón et al. (1995b, p. 187),
a cidadania, que no fundo é um conjunto de direitos e intitlements sempre
arrancados graças às lutas democráticas das maiorias populares, fica cancelada pelas
políticas econômicas e sociais que excluem de seu exercício efetivo a grandes
setores da população. A “democratização” se expande no discurso e na ideologia dos
regimes democráticos, mas a cidadania é negada pelas políticas econômicas
neoliberais que tornam impossível o exercício dos direitos cidadãos. Quem não tem
casa, nem comida, nem trabalho, não pode exercer os direitos que, em principio, a
democracia concede a todos por igual.
Vale sempre destacar que cidadania é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à
igualdade perante a lei. É ter os direitos civis, políticos e sociais respeitados. É participar do
destino da sociedade. É votar e ser votado. Ter direito à educação, ao trabalho, ao salário
justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer os direitos civis, políticos e sociais, é exercer
a cidadania plena, é viver com dignidade.
Sabe-se que cidadania não possui uma definição estanque. É um conceito histórico,
como é do conhecimento de todos. Assim sendo, o seu sentido pode variar no tempo e no
espaço. E é verdade, também, que é diferente ser cidadão na Alemanha, nos Estados Unidos
ou no Brasil, não apenas pelas regras que definam quem é ou não titular da cidadania, mas
16
Importante estudo sobre o pensamento de Marshall sobre os direitos sociais, ver obra de Barbalet (1989).
17
Quanto às críticas, ver obra de Vieira (2002).
51
justamente pelos direitos e deveres que são distintos e que caracterizam o cidadão em cada um
dos Estados-nacionais contemporâneos.
Correto afirmar que mesmo dentro de cada Estado-nacional o conceito e a prática da
cidadania se modificaram ao longo dos últimos 200 ou 300 anos. Isso se verifica tanto com
relação à abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para sua população e ao grau de
participação política dos diferentes grupos, quanto aos direitos sociais, à proteção que é
oferecida pelos Estados aos que dela necessitam (PINSKY; PINSKY, 2005, p. 9-10). Nesse
sentido, não é possível imaginar uma única seqüência determinista e necessária para se falar
na evolução da cidadania em todos os países.
No caso do Brasil, é verdade dizer que quanto à questão da construção da cidadania,
esta percorreu um trajeto com muitas dificuldades.
18
Segundo destaca Gomes (2005, p. 462)
“a experiência de luta e organização dos trabalhadores no Brasil não está marcada tão-
somente pela formalização jurídica decretada pela abolição.” Verdade é que com o fim da
escravidão o processo de lutas e as desigualdades não desaparecem.
Ocorre, então, a reprodução das desigualdades, ganhando, assim, outras dimensões.
Neste cenário, a sociedade brasileira, mais do que se manter desigual em questões
econômicas, sociais e principalmente raciais, a partir de 1888, acaba por reproduzir e
aumentar tais desigualdades, marcando homens e mulheres etnicamente.
19
Pode-se dizer que a cidadania é assunto que muito preocupa aqueles que a estudam.
Segundo alguns pesquisadores, ela ainda é aplicada em certos casos, baseada em direitos do
tempo da Idade Antiga. O que causa perplexidade é que isso ocorre hoje, sendo que se vive
num país democrático como o Brasil, onde a cidadania é considerada um direito fundamental
da pessoa, integrante do princípio da dignidade da pessoa humana.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a cidadania juntamente com a
dignidade da pessoa humana, a soberania, os valores sociais do trabalho e também da livre
iniciativa e do pluralismo político foram alcançados e tidos como fundamentos do Estado
18
Faz-se um apanhado relembrando a definição de cidadania oferecida por alguns autores, em especial a obra de
Carvalho (2002), por ser rica em conteúdo sobre o tema em questão. Salienta-se ainda, a obra de Callage Neto
(2002) para aprofundamento maior sobre o tema.
19
O escravo vira negro. Houve políticas públicas que no período republicano reforçaram a intolerância contra a
população negra. Período de concentração fundiária nas áreas rurais, marginalização e repressão nas áreas
urbanas. Na obra, o autor trabalha mais profundamente a historicidade dos quilombos no Brasil. Para maiores
estudos ver obra de Pinsky e Pinsky (2005).
52
Democrático de Direito brasileiro. Neste sentido, o Estado passou a ser o espaço público, o
meio de acesso à cidadania.
A Constituição de 1988 outorgou a todos os cidadãos uma espécie de soberania
juntamente ao Estado. Correto afirmar aqui que a declaração constitucional dos direitos do
cidadão equipara-se à declaração constitucional dos deveres do Estado. Na verdade, o que a
Constituição declara é que tanto os direitos fundamentais quanto os fundamentos do Estado
Democrático de Direito são deveres do Estado.
Os debates sobre cidadania surgiram no interior de Estados nacionais impactados pelas
transformações sociais produzidas pelo capitalismo.
20
No Brasil, o surgimento e instauração
do mercado livre de trabalho datam no final do século 19. A nova ordem política, que teve sua
consagração na Constituição de 1891, concedeu o direito de votar e de ser votado a todos os
homens maiores de 21 anos de idade, excluindo-se, no entanto, os mendigos, os analfabetos,
praças de pré e religiosos sujeitos a voto de obediência que importasse na renúncia da
liberdade individual.
21
Nesse período não havia nenhuma menção aos direitos sociais.
22
Era uma época em
que a esmagadora maioria da população vivia nas áreas rurais e se submetia às vontades dos
grandes proprietários.
23
Correto afirmar que nesse período, por não existir freio institucional,
acabava sendo favorecido o patronato, que fazia valer seus interesses e impunha suas
condições no momento de contratar a força de trabalho (LUCA, 2005, p. 469-471).
Cabe, portanto, lembrar alguns conceitos, primeiramente, de cidadania. Neste viés,
para Herkenhoff (2001, p. 18), “cidadania é uma palavra de curso corrente, isto é, está no
vocabulário cotidiano: nos jornais, no rádio, na televisão, na conversação.”
24
Sabendo-se que cidadão é todo indivíduo que goza de seus direitos civis e políticos, é
verdadeiro afirmar que cidadania é, portanto, a qualidade ou o estado de ser cidadão.
25
Sendo
20
Ver artigo interessante sobre “a era da globalização e a emergente cidadania mundial”, na obra de Dal Ri Jr. e
Oliveira (2003). Ainda sobre globalização, globalismo e globalidade, ver obra de Oliveira (2004).
21
Sobre a cidadania feminina, ver texto de Moraes, na obra de Pinsky e Pinsky (2005).
22
Sobre igualdade, justiça social, o direito constitucional como a cidadania dos outros, e o direito constitucional
como bem comum, ver a obra de Carducci (2003).
23
O autor faz um levantamento, no mesmo texto, sobre a porcentagem de brasileiros que residiam nas cidades e
sobre o analfabetismo.
24
O autor trabalha na obra toda a historicidade da cidadania no Brasil, desde a noção inicial de Constituição
passando pela análise das Constituições brasileiras.
25
Sobre o cidadão como ator principal da atuação política, ver obra de Agra (2005). Também sobre a cidadania
ativa, consultar Benevides (1991).
53
assim, segundo o autor, ser cidadão implica ter e exercer a cidadania, em gozar, então, dos
direitos civis e políticos, além de cumprir com os deveres para com o Estado e para com a
comunidade.
26
É verdade que o conceito de cidadania, nos dias atuais, não envolve apenas um
conteúdo civil e político, como originalmente.
27
Modernamente falando, a cidadania abrange
igualmente outras dimensões.
28
A cidadania implica, na verdade, a nacionalidade, na medida em que todo cidadão é
considerado também nacional.
29
Como afirma Bastos (1999, p. 70), porém, “nem todo
nacional, todavia, é cidadão. Basta que não esteja em gozo dos direitos políticos [...]
substanciados na possibilidade de ser eleito.”
Importante alertar que a cidadania é a manifestação das prerrogativas políticas que
uma pessoa possui dentro de um Estado democrático. A cidadania é um estatuto jurídico no
qual se encontram os direitos e os deveres da pessoa com relação ao Estado. A palavra
cidadão está voltada ao desígnio do indivíduo na posse de seus direitos políticos. É a
cidadania a expressão da qualidade de cidadão, no direito de fazer valer as prerrogativas que
provêem de um Estado democrático.
30
Importante lembrar que o exercício da cidadania é de extrema relevância, porque sem
ele não que se falar em participação política do indivíduo, tanto nos negócios do Estado,
quanto em áreas de interesse público. Não se falando em exercício de cidadania, não há que se
falar também em democracia (BASTOS, 1999, p. 71-72).
31
Cabe a afirmação de Herkenhoff (2002, p. 33) em que
a própria cidadania ampliou sua dimensão política, mas esta sempre constituiu uma
das características da cidadania. Com essa ampliação cresceu também sua
importância na vida do país. De modo que se pode afirmar: ser cidadão, no atual
momento da vida brasileira, em síntese, é: ter direito de votar, ter direito de ser
votado, ter direito de participar da vida política.
Neste sentido, sabe-se que a cidadania possui uma dimensão existencial, ou seja, o
exercício da cidadania é uma condição para que alguém possa realmente ser uma pessoa.
32
Ser
26
Sobre cidadania indígena ver texto de Gomes, na obra de Pinsky e Pinsky (2005).
27
Sobre democracia, cidadania e globalização ver obra de Streck e Morais (2004). Ainda sobre direito, cidadania
e democracia ver obra de Vieira (2002).
28
Com relação às dimensões social, econômica, educacional e existencial, ver obra de Herkenhoff (2001).
29
Mais conceitos sobre cidadania em obra de Herkenhoff (2002).
30
Importante verificar a obra de Busatto e Feijó (2006), sobre o cidadão gestor e a felicidade.
31
Ainda sobre democracia, a democratização brasileira, consultar Santos (2002).
32
Ainda sobre a cidadania ver obra de Herkenhoff (2001).
54
uma pessoa significa ter sua dignidade humana respeitada.
33
É essa dimensão existencial da
cidadania que torna as pessoas conscientes de que ser um cidadão é ser respeitado como
pessoa humana.
34
Com relação à cidadania no Brasil, cabe lembrar o que frisa Castro Jr. (2003, p. 247),
quando adverte:
A cidadania no Brasil, ainda encontra-se em fase incipiente de concretização, seja
pela falta da percepção dos direitos fundamentais pela maioria da sociedade civil,
comprovada através de pesquisas empíricas, seja pelo seu baixo grau de
associativismo, o que possibilita a manutenção da desigualdade social e da omissão
do Estado e das autoridades brasileiras, nesse âmbito, cujo sistema judicial atravessa
grave crise de legitimidade.
Na percepção deste estudioso, no Brasil uma cultura de certeza da existência de
impunidade. É essa incerteza de punição que, segundo ele, se constitui uma das causas do
subdesenvolvimento da nação, cujas raízes são históricas.
No Brasil, os direitos políticos foram concebidos antes que o povo tivesse adquirido os
direitos civis. Cabe lembrar que os brasileiros não tiveram uma participação na reivindicação
e conquista de seus direitos. Sendo assim, os direitos políticos nasceram sem que houvesse a
ativa vontade do povo, o que veio a prejudicar a consolidação da consciência da cidadania no
Brasil, agravado pela falta do sentimento constitucional.
35
Segundo Carvalho (2002, p. 7), “o esforço de reconstrução, melhor dito, de construção
da democracia no Brasil ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, em 1985. Uma das
marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania.” Em outras palavras, todos
adotavam a expressão. A cidadania caiu na boca do povo, como menciona o autor,
substituindo o próprio povo na retórica política. Prova disso é que, estando-se no auge do
entusiasmo cívico, a Constituição de 1988 tornou-se conhecida como Constituição cidadã.
Faz-se necessário, no entanto, que se reflita sobre a questão da cidadania, sobre o seu
significado, suas perspectivas. É importante esclarecer que o exercício de determinados direi-
tos não gera aos cidadãos, automaticamente, o gozo de outros, porque a cidadania inclui vá-
rias dimensões, e algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena que in-
33
O autor aprofunda, na mesma obra, o estudo sobre a dignidade da pessoa humana.
34
A pessoa humana é portadora, segundo o autor, de espírito, de inteligência, de memória. É ela quem constrói a
história e assim, transmite às outras gerações o patrimônio moral e físico das gerações anteriores.
35
Importante salientar o que o autor escreve sobre o peso da herança colonial brasileira no campo dos direitos
civis, a herança da escravidão. Ver obra de Dal Ri Júnior e Oliveira (2003).
55
tegre liberdade, participação e igualdade para todos os cidadãos é um ideal que tem servido de
parâmetro de qualidade da cidadania nos países nos vários momentos históricos de cada um.
A cidadania se desdobra em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão que vive com
plenitude seria aquele que fosse detentor de todos eles. Os cidadãos incompletos, os
portadores apenas de alguns direitos, e os que não possuíssem nenhum deles seriam os
chamados não-cidadãos. Carvalho (2002, p. 9), a esse respeito, destaca:
[...] direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à
igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o
trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a
inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela
autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo
legal regular. São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça
independente, eficiente, barata e acessível a todos. São eles que garantem as relações
civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil surgida com o
desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual.
O autor ainda menciona a possibilidade de haver direitos civis sem a presença dos
direitos políticos, mas não o contrário. Sem os direitos civis existe o vazio de conteúdo,
servindo apenas para a justificação de governos e não para a representação dos cidadãos.
Os direitos civis garantem a vida em sociedade, os direitos políticos garantem a
participação no governo e os direitos sociais têm o objetivo de garantir a participação na
riqueza da coletividade, incluindo o direito à educação, ao trabalho e um salário justo, à
saúde, à aposentadoria, etc. e o que afiança a vigência deste direito é a eficiência do poder
Executivo (CARVALHO, 2002, p. 10). Os direitos sociais garantem à população socialmente
organizada a redução das desigualdades que são produzidas pelo capitalismo, fornecendo o
mínimo de bem-estar para todos, pois sua idéia central é a justiça social.
36
Reforça Carvalho (2002) que ao longo de toda a trajetória e do esforço da construção
do cidadão brasileiro chega-se ao final da jornada com um sentimento de insatisfação.
Menciona que houve progressos, mas lembra que também foram lentos, não ocultando o lon-
go caminho que ainda é preciso percorrer. É impossível ocultar os milhões de pobres, de de-
sempregados, de analfabetos e semi-analfabetos, das vítimas da violência particular e oficial.
O fato é que se reduziu a expectativa de que a democracia política pode resolver rapidamente
os problemas decorrentes da pobreza e da desigualdade social vivenciadas atualmente.
36
O autor, em sua obra, faz um retrospecto da cidadania, desde a independência, em 1822, até nossos dias. Para
esclarecimento, a pesquisa em questão trata dos aspectos da cidadania nos dias atuais.
56
Importante trazer a contribuição do autor com relação à inversão dos direitos ocorridos
no Brasil. Para Carvalho (2002, p. 219):
A cronologia e a lógica da seqüência descrita por Marshall foram invertidas no
Brasil. Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de
supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se
tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra [...].
Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da seqüência de Marshall,
continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada
de cabeça para baixo.
O que o autor constata é que na seqüência inglesa existia uma lógica que reforçava a
convicção da democracia. As liberdades civis vieram em primeiro lugar, e eram garantidas
por um poder Judiciário independente, cada vez mais, do poder Executivo.
Assim sendo, pode-se concluir que foi com base no exercício das liberdades que se
expandiram os direitos políticos, que se consolidaram pelos partidos e também pelo poder
Legislativo. Por fim, pela ação dos partidos e do Congresso, foram votados os direitos sociais
e postos em prática pelo poder Executivo. A base de tudo, então, eram as liberdades civis.
Neste sentido, é importante relembrar a reflexão sobre a questão da cidadania sob as
dimensões jurídica e política. Segundo Corrêa (2003, p. 39), “a dimensão jurídica da
cidadania caracteriza-se pelo vínculo que o cidadão tem com a comunidade político-estatal, na
qual é reconhecido como sujeito de direitos e de deveres.” Este é o direito a ter direitos, o
pressuposto para que se possa falar a respeito de direitos humanos. Verdade é, afirma o autor,
que esse simples vínculo jurídico com uma comunidade política qualquer não assegura a
efetiva participação do indivíduo nos espaços blicos necessários para a concretização de
sua dignidade de ser cidadão.
Sendo assim, faz-se necessário referir a dimensão política. Nessa dimensão a
cidadania passa a ser entendida, conforme Corrêa (2003, p. 39-40), como “um processo de
construção do acesso aos espaços públicos, indispensáveis à realização plena de cada
cidadão.” Cabe ressaltar, como leciona o autor, que a cidadania, sendo um processo que
constrói espaços públicos compartilhados por todos em condições de sobrevivência digna,
aponta para a urgência de uma democracia concreta da sociedade.
Analisando a situação do Brasil, a participação política destinava-se em grande parte a
garantir as liberdades civis. Os direitos sociais eram considerados incompatíveis com os
57
direitos civis e políticos, e a proteção do Estado a certos indivíduos originava a desigualdade
perante a lei, que interferia na liberdade de trabalho e na livre competição.
Como bem relata Carvalho (2002, p. 220), “o auxílio do Estado era visto como
restrição à liberdade individual do beneficiado [...]. mais tarde esses direitos passaram a
ser considerados compatíveis com os outros direitos [...].”
O autor salienta que não existe apenas um caminho que leve até a cidadania. Lembra,
entretanto, da eficácia da democracia. como um ponto desfavorável à concretização da
democracia a excessiva valorização e centralidade do poder Executivo, o que leva a entender
o governo como o ramo mais importante do poder.
Sem dúvida, adverte Carvalho (2002), foi esse fascínio por um Executivo forte que
deu a vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, em 1993, por ocasião do
plebiscito. É a visão do Estado como o detentor de todo o poder, um distribuidor paternalista.
Nesse sentido, a ação política passa a ser negociada diretamente com o governo, sem
necessitar passar pela mediação da representação. Ainda conforme Carvalho (2002, p. 221),
“essa cultura orientada mais para o Estado do que para a representação é o que chamamos de
‘estadania’, em contraste com a cidadania.”
Cabe salientar que como o governo democrático teve uma experiência de curto prazo,
os problemas sociais m aumentando e se agravando cada vez mais. Cresce a impaciência da
população com o funcionamento moroso do mecanismo de decisão democrático. Origina-se aí
a busca apressada de soluções, por intermédio de líderes carismáticos e messiânicos.
37
Como
recorda o autor, pelo menos três dos cinco presidentes eleitos pelo voto popular depois de
1945, ou seja, Vargas, Jânio Quadros e Collor, possuíam traços considerados messiânicos.
Bem lembrado o fato de que nenhum deles concluiu seu mandato, muito por não concordarem
com as regras do governo representativo, principalmente com o papel do Congresso.
38
Entende-se pertinente a afirmação de Carvalho (2002, p. 223) quando diz que “a
ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com que os interesses corporativos
consigam prevalecer.” Assim, a representação política não resolve os imensos problemas de
37
O autor se refere à expressão messiânico no sentido de que, juntamente com a preferência pelo Executivo, está
a busca por um messias político que venha a ser, literalmente, o salvador da pátria.
38
Carvalho (2002) analisa a valorização do Executivo e a desvalorização do Legislativo, e o desprestígio
generalizado que dos políticos frente a população, em especial com relação aos vereadores, deputados e
senadores.
58
grande parte da população. Há, segundo este autor, uma redução do papel dos legisladores,
para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores de cunho pessoal perante o
Executivo. Seria uma “esquizofrenia política”.
39
Este autor defende que é preciso que se ênfase à organização da sociedade. A
inversão ocorrida da seqüência dos direitos reforçou a supremacia do Estado entre nós. Para
Carvalho (2002, p. 227),
se algo importante a fazer em termos de consolidação democrática, é reforçar a
organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, para
democratizar o poder. A organização da sociedade não precisa e não deve ser feita
contra o Estado em si. Ela deve ser feita contra o Estado clientelista, corporativo,
colonizado.
Afirma ainda, o autor, que experiências recentes sugerem certo otimismo ao
apontarem em direção à colaboração entre a sociedade e o Estado. Destaca as organizações
não-governamentais que, mesmo não fazendo parte do governo, desenvolvem atividades de
interesse público. São entidades que se multiplicaram nos anos finais da ditadura, passando a
substituir os movimentos sociais urbanos. É da colaboração entre essas organizações e os
governos municipais, estaduais e federal que resultam experiências novas e que caminham na
tentativa de solucionar os problemas sociais, principalmente os relacionados à educação e aos
direitos civis.
40
Prega este autor que a desigualdade é a escravidão. Essa escravidão é uma doença que
corrói a vida cívica, impedindo a construção da nação e a constituição de uma sociedade
democrática. A democracia precária em que se vive atualmente não seria capaz de sobreviver
à espera de que se extirpe de vez a terrível doença da desigualdade social (CARVALHO,
2002, p. 227-229).
É com essa visão, de que é de vital importância o trabalho realizado pela sociedade
civil juntamente com o Estado, haja vista a incapacidade de este sozinho resolver as questões
sociais que abalam a população do país, que no próximo tópico analisa-se a relevante
participação da sociedade civil e também das organizações não-governamentais (objeto
principal desta pesquisa), na conquista da efetiva concretização da inclusão social. Recorda-se
39
É, por exemplo, a questão do eleitor que vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais; o
deputado que apóia o governo em troca de verbas e de cargos para que possa distribuí-los a seus eleitores.
Então, os eleitores desprezam os políticos, mas votam neles em troca de benefícios pessoais.
40
Sobre as organizações não-governamentais, tratar-se-á mais adiante em um tópico especifico, visto ser ponto
central da pesquisa, dentro do capitulo onde será abordado sobre a importância da Sociedade Civil na
efetivação da inclusão social.
59
a referência, em especial da pesquisa em pauta, à questão dos menores infratores, crianças e
adolescentes que vivem à margem de uma sociedade cada vez mais excludente.
Certos de que essa situação merece preocupação, com base em estudos e na
constatação da realidade excludente, é que será analisada a seguir, a fundamental importância
do papel da sociedade civil e das organizações não-governamentais na tentativa de
proporcionar o exercício da cidadania a milhares de menores que vivem em abandono.
60
3 A IMPORTÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL NA CONCRETIZAÇÃO DA
INCLUSÃO SOCIAL
Este capítulo tem como objetivo trabalhar a questão da relevante participação da
sociedade civil, juntamente com as organizações não-governamentais, na concretização da
conquista dos direitos de exercício da cidadania, para que de fato ocorra a inclusão social das
pessoas que vivem atualmente à margem da sociedade.
Importa lembrar que o Estado, por si só, não tem condições de proporcionar essa
igualdade a todos, cujos motivos foram estudados anteriormente. Neste sentido, a
participação da sociedade civil, na tentativa de garantir uma vida mais digna aos cidadãos é de
suma importância para esta pesquisa, que tem como foco exclusivo a ressocialização de
menores infratores, que contam para tanto com a colaboração das organizações não-
governamentais.
Abordar-se-á, primeiramente, a questão da sociedade civil, seus conceitos gerais,
importância e historicidade. E, posteriormente, passar-se-á ao estudo das organizações não-
governamentais e a ressocialização de menores infratores.
1
3.1 Sociedade civil: conceitos gerais, historicidade e importância
Convém lembrar, antes de introduzir o significado de sociedade civil, que a cidadania
nada mais é do que a relação que existe entre Estado e cidadão. E, assim como a cidadania e
seu conceito, a noção de sociedade civil constitui-se alvo de muitas discussões.
Importante ressaltar, primeiramente, que foi graças às construções teóricas de
Habermas, quanto ao espaço público, e de Cohen e Arato, com relação à reconstrução da
sociedade civil, que se pôde chegar às quatro conhecidas esferas da sociedade, que são: as
esferas privada, de mercado, pública e estatal, e que dessa forma vieram a permitir a ligação
entre os conceitos de cidadania e sociedade civil (VIEIRA, 2001, p. 36).
1
Serão tratados neste tópico alguns dos autores principais sobre o tema. Sendo assim, menciona-se Vieira
(2001); Santos (2003); Cremonese (2008); Bresser Pereira (1999); Borba e Silva (2006); Gohn (2005); Vieira
(2002); Bedin (2001), entre outros.
61
Menciona ainda este autor que, na teoria de Marx, sociedade civil é uma esfera não-
estatal de influência emergente do capitalismo e também da industrialização. Relata que numa
visão normativa, leva em consideração o desenvolvimento da efetiva proteção dos cidadãos
contra os abusos de que pode ser tima. Salienta ainda, com relação à visão das Ciências
Sociais, a interação que ocorre entre grupos voluntários na esfera não-estatal. Conforme
Vieira (2001, p. 36), “sociedade civil representa uma esfera de discurso público dinâmico e
participativo entre o Estado, a esfera pública composta de organizações voluntárias, e a esfera
do mercado referente a empresas privadas e sindicatos.”
Cabe afirmar aqui a diferença estabelecida pelo autor com relação à cidadania e à
sociedade civil. Constata-se que a cidadania é reforçada pelo Estado, enquanto que a
sociedade civil abrange grupos em harmonia ou em conflito. A sociedade civil cria grupos e
faz pressão em direção a determinadas opções políticas que, em conseqüência, produzem
estruturas institucionais que acabam por favorecer a própria cidadania. Consiste a sociedade
civil, principalmente, na esfera pública, onde as associações e as organizações engajadas
lutam pela cidadania.
2
que se abordar igualmente a questão do dualismo Estado/sociedade civil. Este é o
mais importante dualismo no moderno pensamento do mundo ocidental. Nesse sentido, o
Estado é uma realidade que foi construída, é uma criação artificial e moderna se comparada
com a sociedade civil. Observa-se que foi Hayek quem melhor expressou a idéia de que as
sociedades são formadas, enquanto que os Estados são feitos. Assim o Estado, enquanto uma
realidade construída, é a condição necessária da realidade da sociedade civil.
Santos (2003, p. 120) alerta que, “segundo o pensamento de Hegel, a sociedade civil é
uma fase de transição da evolução da ‘idéia’, sendo a fase final do Estado.” Prossegue
afirmando que a família é considerada a tese, a sociedade civil é a antítese e o Estado a
síntese. Assim, a sociedade civil é, na verdade, o domínio de interesses particulares e o
egoísmo. Será superado pelo Estado, que é o supremo unificador dos interesses e que
concretiza a conscientização moral.
Conforme menciona o autor, em Hegel existem duas linhas de pensamento sobre o
Estado e a sociedade civil, uma delas é subsidiária do pensamento liberal inglês e francês, e
trabalha a distinção que há entre o conceito de Estado e de sociedade civil, sendo elas
2
Relevante salientar que o autor trabalha tópico sobre a sociedade civil segundo a ONU, e sobre a ascensão da
sociedade civil global. Ver obra de Vieira (2001).
62
consideradas entidades contraditórias. A outra, de feição hegeliana, traz a idéia de que o
conceito de sociedade civil não se encontra no mesmo nível de especulação que o conceito de
Estado.
3
Pelo pensar dessas duas linhas de pensamento, pode-se afirmar que a separação entre
o Estado e a sociedade civil, tendo ambos conceitos opostos e abstratos, torna-se uma teoria
de difícil sustentação.
4
Com relação à dicotomia Estado/sociedade civil, e a evidente natureza da noção do
econômico como sendo um domínio autônomo e separado e das noções de político e jurídico
como sendo atributos de exclusividade do Estado, Santos (2003, p. 122) argumenta que,
a separação entre o político e o econômico permitiu, por um lado, a naturalização da
exploração econômica capitalista, e, por outro, a neutralização do potencial
revolucionário da política liberal, dois processos que convergiram para a
consolidação do modelo capitalista das relações sociais. Se, num exercício [...]. Pela
primeira vez na história, o Estado tornou-se verdadeiramente público, isto é, deixou
de constituir propriedade privada de qualquer grupo específico. A concessão de
direitos cívicos e políticos e a conseqüente universalização da cidadania
transformaram o Estado na consubstanciação teórica do ideal democrático de
participação igualitária no domínio social.
Para este autor, a crítica à distinção Estado/sociedade civil enfrenta três objeções que
são fundamentais: a objeção de que não parece correto que se coloque em causa esta distinção
justo no momento em que a sociedade civil parece estar sob reemergência do jugo do Estado,
tornando-se autônoma com relação a ele, mostrando-se capaz de desempenhar as funções que
anteriormente eram confiadas ao Estado; a objeção de que mesmo admitindo que a distinção é
passível de críticas, é difícil de encontrar uma alternativa que conceitue, enquanto perdurar a
lógica da ordem do pensamento social burguês; e a objeção de que principalmente em
sociedades periféricas e semiperiféricas, como a que se vive, e que se caracterizam por uma
sociedade civil fraca, por ser pouco organizada e também pouco autônoma, torna-se perigoso
politicamente pôr-se em causa a distinção Estado/sociedade civil (SANTOS, 2003, p. 123).
5
3
Bresser Pereira (1999) lembra que Marx afirmou que o Estado era uma superestrutura da base econômica
existente na sociedade. Sugeriu, também, que o agente da mudança ou da reforma do Estado passasse a ser o
proletariado e sua vanguarda intelectual e política.
4
Se houver interesse em aprofundar esse assunto, destaca-se que o autor trabalha, na mesma obra, a questão da
separação feita por Marx entre economia e política, que reduziu a política e o direito à ão estatal. Para o
autor, Marx não conseguiu perceber o sentido real das relações econômicas, que eram ao mesmo tempo
relações de fortes traços políticos e jurídicos na sua constituição estrutural.
5
O autor esclarece que a questão da reemergência da sociedade civil é assunto complexo, que remete ao estudo
das várias sociedades civis, ou seja, a concepção clássica de sociedade civil, e o discurso político conservador
nas sociedades capitalistas centrais, periféricas ou semiperiféricas; os novos movimentos sociais e a idéia de
uma sociedade civil pós-burguesa e antimaterialista; e a sociedade civil socialista, que dominou a reflexão
teórica na fase final dos regimes socialistas. Interessante mencionar que com relação aos movimentos sociais,
o autor discute na obra um pico referente aos novos movimentos sociais e outro sobre a subjetividade e
cidadania nos novos movimentos sociais.
63
Para Bobbio (1983 apud CREMONESE, 2008, p. 152),
O conceito “sociedade civil” vem sendo muito aplicado por comentadores e teórico
das Ciências Sociais e Ciências Humanas nos diais atuais, porém aparece hoje como
sendo exatamente o oposto do que era no princípio. Primeiramente, a expressão
“sociedade civil”, no sentido original, nos remete para o início da Modernidade
(séculos 16-17), mais precisamente para os teóricos jusnaturalistas como Thomas
Hobbes e John Locke. Para estes pensadores, a sociedade civil contrapõe-se à
“sociedade natural”, sendo sinônimo de sociedade política, ou seja, o próprio
Estado. A sociedade civil nasce com o jusnaturalismo de Hobbes, varia
sensivelmente entre os pensadores posteriores, sem perder o seu sentido original,
estendendo-se até a posição de Kant.
Na época, a sociedade civil era entendida como a própria constituição do Estado.
Então, há uma Constituição garantidora da propriedade, da segurança, da paz, da decência, da
participação, da ciência e da bondade. Em nossos dias, ao contrário, a sociedade civil é
entendida como a esfera das relações entre os indivíduos, entre os grupos e entre classes
sociais, que passam a se desenvolver à margem das relações de poder caracterizadas pelas
instituições estatais.
Bobbio cita Max Weber para explicar a sociedade civil na atualidade. Para Max
Weber, a sociedade civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço das
relações do poder legítimo. Assim, sociedade civil e o Estado não são duas entidades sem
relação entre si, pois entre elas existe uma contínua interação. Cabe afirmar o que diz
Cremonese (2008, p. 155) quando menciona que “a sociedade civil organizada garante a
possibilidade do surgimento e organização de inúmeras instituições e movimentos sociais
capazes de atuar, em suas respectivas atividades, na transformação das realidades sociais em
que se encontram. De fato, a sociedade civil é, por definição, o espaço das lutas sociais.”
Desde o momento histórico do surgimento do Estado moderno, a problemática da
relação entre este e a sociedade é ponto central de estudos para a Sociologia e a Ciência
Política. Surge o problema da construção e consolidação do Estado nacional diante de uma
sociedade fragmentada e oligárquica, luta que durou séculos na Europa, e que nos países em
desenvolvimento só terminou há pouco tempo. Presenciou-se a luta da burguesia liberal
contra a aristocracia e da burocracia socialista contra a burguesia. Enquanto essas lutas se
travavam, uma sociedade civil se afirmava perante o Estado, com os regimes autoritários
sendo substituídos por regimes democráticos (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 67).
Foi a partir dos anos 70 que o Estado, consolidado em relação à sociedade, entra na
crise fiscal, ao mesmo tempo em que é posta em questão a sua estratégia de intervenção no
64
econômico e no social. Diante dessa situação crítica, acentuada pela globalização, torna-se
prioritária uma reforma ou uma reconstrução do Estado. Ao mesmo tempo, ganha mais
amplitude a questão do papel do mercado na coordenação do sistema econômico. Ante a crise
do Estado e do desafio que a globalização representava, a sociedade civil de cada país
democrático mostrou o desejo de redefinição do papel do Estado, sem reduzi-lo ao mínimo,
mas no sentido de fortalecê-lo, na tentativa de assegurar que os respectivos governos
pudessem assim garantir, internamente, a ordem, a eficiência produtiva e a justiça social,
tornando o plano internacional viável e afirmando os interesses nacionais. Ante os desafios e
as transformações sociais que ocorriam, quando se tinha o avanço da tecnologia em um
quadro de maior democracia juntamente com desequilíbrios sociais crescentes, a sociedade
civil assumia um papel estratégico na reforma das instituições básicas, isto é, o Estado e o
mercado. Nesse sentido, para que ocorresse o aprofundamento da democracia, ela mesma teria
de mudar sua atuação.
6
Menciona Bresser Pereira (1999, p. 70) que, “entre a sociedade de um lado, e o Estado
e o mercado, de outro, temos a sociedade civil”. A sociedade civil, enquanto entidade
intermediária, é vista como agente ou ator social concreto ou real. Estado e mercado são
instituições criadas pela sociedade para regular ou coordenar a vida social, ditando as normas
do mercado para que haja a coordenação da produção de bens e de serviços realizados pelos
indivíduos e pelas empresas. Sendo o Estado e o mercado criações da sociedade, constituem
as extensões da vida social, que necessitam atualmente ser revistas e reformadas. É claro que
a sociedade tem um caráter sociológico, enquanto o Estado e o mercado são considerados
instituições. O Estado é uma instituição política por excelência. O mercado, a instituição
econômica. A sociedade estruturada na forma de sociedade civil torna-se o ator principal, de
fundamental importância, operando reformas institucionais do Estado e do mercado.
Salienta ainda o autor que a sociedade civil é o agente que transforma as sociedades
democráticas. Afirma Bresser Pereira (1999, p. 72) sobre este tema:
a sociedade civil é, em relação ao Estado, um fenômeno histórico que resulta do
processo de diferenciação social; e, ela própria, é o resultado de um processo interno
de transformação no qual os agentes individuais que dela participam tendem a se
tornar mais iguais, e, assim, a sociedade civil, mais democrática [...]. Assim como o
Estado defende, com freqüência, os interesses privados, a sociedade civil pode lutar
pelo interesse geral, mas a defesa de interesses particulares é inerente à própria idéia
de sociedade civil.
6
O autor destaca que a sociedade civil é a parte da sociedade que se encontra fora do aparelho do Estado. Sob a
ótica da política, sociedade civil e Estado juntos constituem o Estado-Nação ou o país. Do ponto de vista
sociológico, formam a sociedade ou o sistema social.
65
Verdade é que a sociedade civil, estando situada entre a sociedade e o Estado,
abandona seu papel passivo, dominado pelo Estado ou pelo mercado, passando a buscar ativa
reforma do Estado e do mercado.
Convém lembrar que para Borba e Silva (2006, p. 105), “a expressão ‘sociedade civil’
possui uma longa e complexa trajetória na história do pensamento político. Ela perpassa
autores gregos (Aristóteles), modernos (Hobbes, Locke, Rousseau) e vários contemporâneos
(Keane, Cohen, Arato, Habermas).”
7
Cohen e Arato (apud BORBA; SILVA, 2006, p. 106), definem sociedade civil como
“o conjunto de condições e atores situados nas três dimensões que compõem o mundo da
vida, que são a cultura, a sociedade e a personalidade.” Assim, a sociedade seria estruturada
em torno da noção de movimentos democratizantes e autolimitados, no sentido de expandir e
de proteger os espaços para as liberdades negativas e positivas, como também para a recriação
de formas igualitárias de solidariedade sem prejudicar a auto-regulação econômica.
No entendimento destes autores, entre os atores da sociedade civil encontram-se os
movimentos sociais, as organizações não-governamentais, as associações de moradores, os
grupos de base e de mútua ajuda, as associações filantrópicas, os sindicatos, as entidades
estudantis, assim como todas as formas existentes de associativismo, àqueles informais e
esporádicos, que se empenham na busca de soluções aos problemas sociais, ampliando os
direitos políticos e a conscientização da cidadania.
8
São homens e mulheres engajados na
cidadania ativa, agindo e transformando a sociedade (BORBA; SILVA, 2006, p. 107).
Retomando o conceito de sociedade civil, segundo Gohn (2005, p. 61-62):
O leque de interpretações sobre o significado do termo sociedade civil é amplo.
Mesmo dentre os liberais, eternos defensores do termo, também não é una a
interpretação. Temos desde aqueles [...] até liberais da corrente humanista, que
atribuem como espaço da sociedade civil [...]. Outros advogam como sinônimo de
civilidade. Recentemente observa-se no Ocidente o crescimento da interpretação da
sociedade civil como aperfeiçoamento dos processos deliberativos democráticos,
para criar mais espaço público.
Explica a autora que foi a partir do pensamento de Aristóteles que emergiu o conceito
de sociedade civil. A expressão koinonia polítike, que em latim quer significa societas civilis,
7
Os autores se referem às duas tradições de conceito de sociedade civil, que são a dualista e a triádica. A de
abordagem triádica interpreta a sociedade civil como fazendo parte de uma terceira esfera da vida social,
contrapondo-se ao Estado e ao mercado.
8
Ainda sobre movimentos sociais ver obras de Barbalet (1989) e de Touraine (1998).
66
tem a ver com uma comunidade pública ético-política, que possui um ethos compartilhado
pelas pessoas que a constituem.
Nas palavras de Gohn (2005, p. 62), “a separação sociedade civil - Estado vem a
acontecer, na Idade Moderna, a partir dos escritos de Ferguson e Paine.” Ferguson ressalta o
fato de que o Estado não é uma extensão imediata da sociedade civil. Anos depois Paine
amplia o conceito de Ferguson, defendendo a limitação do poder do Estado em nome da
preservação da sociedade civil.
Para os jusnaturalistas, a exemplo de Hobbes, Locke e Kant, é entendida a sociedade
civil na situação de oposição à natureza. Para Hobbes e Locke a sociedade civil tem dupla
aparência, a de sociedade política e a de sociedade civilizada. Hobbes considerava a sociedade
civil e todos os que a seguiam como aquela que se opõe à etapa primitiva da humanidade, o
estado selvagem.
Não a separação entre sociedade política e sociedade civilizada, na atualidade.
Rousseau, de pensamento diferente dos autores dos séculos 17 e 18, pensava ser a sociedade
civil a sociedade civilizada, no sentido da não-barbárie, mas necessariamente, uma sociedade
política. Esta, então, virá a surgir no contrato social, sendo uma recuperação do estado de
natureza e uma superação da sociedade civil. Cabe recordar que foi essa visão do
jusnaturalismo do Direito natural que alicerçou as bases da Declaração dos Direitos do
Homem da Revolução Francesa (GOHN, 2005, p. 62-63).
Hegel (século 19), todavia, foi o primeiro autor da modernidade a conferir centralidade
à idéia de sociedade civil, em que a teoria do conceito de sociedade civil tem efetividade. É
então que as regras de mercado assumem importância fundamental para que aconteça a
estrutura da sociedade civil. Hegel situa a sociedade civil entre as esferas da família e do
Estado.
Sendo assim, a sociedade civil passa a incorporar o sistema de necessidades, que seria
de questão econômica, e o aparato jurídico, a administração pública e a corporação. Para
Hegel, nem a família e nem o Estado têm a capacidade de preencher a vida dos indivíduos nas
sociedades modernas. Conforme Gohn (2005, p. 63), “sociedade civil, para Hegel, implica
simultaneamente determinações individualistas e a procura de um princípio ético que jamais
poderia vir do mercado, mas sim das corporações.”
67
Segundo esta autora, Marx argumentava que a sociedade civil não significava
instituições postas entre família e Estado, como queria Hegel. Para Marx, a base da economia
material acaba por modelar a religião, a Filosofia, as formas de expressão cultural e as
instituições existentes.
9
Gramsci, como lembra Gohn (2005, p. 64), “entra na história das idéias políticas como
sendo o primeiro autor a compreender o espaço da sociedade civil como o espaço de
organização da cultura.” A sociedade civil, segundo ele, se encontra na superestrutura social.
Conforme Gramsci, é preciso organizar a sociedade civil para que se democratize o Estado e
os seus aparelhos, a sociedade política. A sociedade civil, portanto, é uma esfera do ser social,
de luta pela hegemonia e pela conquista do poder político.
Gohn também traz a contribuição de Tocqueville e do seu fascínio pelas redes cívicas
americanas que nasceram de forma espontânea, surgidas da aspiração e do desejo de pessoas
livres. Para Tocqueville, como assevera Gohn (2005, p. 65), a sociedade civil “consiste numa
legião de entidades assistenciais, de caridade, fraternais, ligas cívicas (muito comuns no seu
tempo), associações religiosas, etc.” Sendo assim, observa-se que as discussões sobre
sociedade civil, segundo a teoria de Tocqueville, partem de análises do micro, do local, da
comunidade, e observa as relações entre os indivíduos, como se formam os grupos e como as
lideranças se portam.
10
Com relação ao significado de sociedade civil no Brasil e na América latina, a autora
relata que já foram muitas as concepções apresentadas. O conceito vem sofrendo
reformulações juntamente com os momentos da conjuntura política do país e da trajetória das
lutas sociais ocorridas. Surge no período chamado de transição da democracia. Tornou-se um
símbolo da participação e da organização da população civil no Brasil, na luta contra o regime
militar. Nesse sentido, surge uma nova visão da política nacional, acreditando-se que a
sociedade civil deveria possibilitar, por meio de sua organização, a alteração do status quo no
plano do Estado, então dominado pelos militares, em um regime não-democrático, visando às
políticas públicas que privilegiavam o grande capital, considerando somente as demandas de
parcelas daquelas camadas médias e altas da população que atuavam no processo de
9
A autora faz menção à questão da luta de classes.
10
Faz menção, a autora, às outras duas formas históricas do conceito de sociedade civil: uma de visão num
campo de interesses puramente privados, a outra voltada aos laços e relações informais. A sociedade civil
passa a ser vista mais do que um grande guarda-chuva que abriga o que foge ao âmbito estatal. É a sociedade
civil percebida como sendo uma comunidade civil.
68
acumulação das emergentes indústrias filiais das empresas multinacionais. Isso estimulou o
surgimento de várias práticas coletivas internas na sociedade civil, na busca de reivindicar os
bens, os serviços e os direitos sociopolíticos que eram negados pelo regime político existente
na época (GOHN, 2005, p. 70-71).
11
É esse o momento em que novos atores destacam-se, como os movimentos sociais
populares urbanos, que reivindicavam bens e serviços públicos, assim como terra e moradia.
Surgem múltiplos movimentos sociais que buscavam o reconhecimento dos direitos sociais e
culturais da modernidade, como a raça, o gênero, o sexo, a qualidade de vida, o meio
ambiente, a segurança, os direitos humanos, etc. Como afirma Gohn (2005, p. 72),
o pólo de identificação destes diferentes atores sociais era a reivindicação de mais
liberdade e justiça social. O campo dos novos atores ampliou o leque dos sujeitos
históricos em lutas concentradas nos sindicatos ou nos partidos políticos. Houve,
portanto, uma ampliação e uma pluralização dos grupos organizados, que
redundaram na criação de movimentos, associações, instituições e ONGs.
O paradigma, então, com os movimentos populares nos anos 70-80, era de
fundamentos que fossem semelhantes aos da educação popular. Esses fundamentos
centravam-se na valorização da cultura popular, no diálogo, na ética, na democracia, sempre
em busca da construção de relações sociais mais justas.
12
Ao longo dos anos 90 a sociedade civil se ampliou. O descentramento do sujeito e a
emergência da pluralidade dos atores originaram um outro conceito, o de cidadania, que
permaneceu com a mesma ênfase na idéia que possuía na década de 80.
13
É verdade que a
noção da cidadania já existia nos anos 80, mas foi na década de 90 que ela passou a incorporar
os discursos oficiais na busca de participação civil, de exercício da vida civil, da
responsabilidade social dos cidadãos, considerando os seus direitos e deveres por meio de
parcerias nas políticas sociais do governo.
Nesse novo cenário mais amplo da sociedade civil, o entrelaçamento com a
sociedade política, o que vem a colaborar para o caráter contraditório e fragmentado que o
Estado adquire nos anos 90. Emerge, então, o denominado espaço público não-estatal, onde se
11
A autora discorre sobre o principal eixo de articulação da sociedade civil no período, o eixo de autonomia, ou
seja, a organização independente do Estado. Era a autonomia também considerada um discurso estratégico
que evitava as alianças espúrias.
12
A autora trata no texto sobre outros campos de renovações, como a construção das identidades e da força
social organizada, que deram novos significados para a política, no sentido do cotidiano da população. Eram
os chamados novos movimentos sociais, os novos atores sociais.
13
Com relação à descentralização de políticas sociais e a necessidade de planejamento e coordenação, ver obra
de Bercovici (2004).
69
situam os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e os representantes do
poder público em atendimento às demandas sociais. Demandas estas que passam a ser
consideradas parte da questão social do país, tendo-se o problema do desemprego como o
ponto central da questão social.
Segundo Gohn (2005, p. 78),
a importância da participação da sociedade civil se faz nesse contexto não apenas
para ocupar espaços antes dominados por representantes de interesses econômicos,
encravados no Estado e seus aparelhos. A importância se faz para democratizar a
gestão da coisa pública, para inverter as prioridades das administrações no sentido
de políticas que atendam não apenas às questões emergenciais, a partir do espólio de
recursos miseráveis destinados às áreas sociais.
Os novos atores que entram na cena política precisam de espaço na sociedade civil,
pois ela é detentora do poder, do papel central e o Estado é considerado, então, apenas um
instrumento de auxílio à sociedade civil.
14
Faz-se importante abordar, também, a questão do ressurgimento contemporâneo do
conceito de sociedade civil. Segundo Vieira (2002, p. 44), “o conceito de sociedade civil tem
sido interpretado como a expressão teórica da luta dos movimentos sociais contra o
autoritarismo dos regimes comunistas e das ditaduras militares em rias partes do mundo,
especialmente no Leste Europeu e na América Latina.”
Verdade é que o conceito de sociedade civil vem sendo empregado cada dia mais para
indicar o território social, ameaçado pela idéia dos mecanismos político-administrativos e
também econômicos, assim como para apontar o lugar fundamental para que ocorra a
expansão da democracia.
Este estudioso define a reconstrução com base no modelo tripartite, no qual se
distingue sociedade civil do Estado e da economia. É a concepção da sociedade civil como
parte da esfera da interação social entre a economia e o Estado. A sociedade civil moderna
passa a se institucionalizar por intermédio de leis e de direitos subjetivos que causam a
estabilidade da diferença social.
15
A função, ou seja, o papel político da sociedade civil, está ligado à geração de
influência na esfera pública cultural. Para Vieira (2002, p. 46),
14
Ainda sobre os movimentos sociais e seus novos atores, ver obra de Brum (1998).
15
Mais estudo sobre os movimentos sociais e justiça social, consultar Relatório Azul (SUDBRACK, 2006).
70
a sociedade civil representa apenas uma dimensão do mundo sociológico de normas,
práticas, papéis, relações, competências ou um ângulo particular de olhar este
mundo do ponto de vista da construção de associações conscientes, vida associativa,
auto-organização e comunicação organizada. A sociedade civil tem assim um âmbito
limitado, é parte da categoria mais ampla do “social” ou do “mundo da vida”.
Refere-se às estruturas de socialização, associação e formas organizadas de
comunicação do mundo da vida, na medida em que estas estão sendo
institucionalizadas.
Cabe afirmar aqui que as normas da sociedade civil, ou seja, os direitos individuais, a
privacidade, as associações voluntárias, a legalidade formal, a pluralidade, a publicidade, a
livre iniciativa, foram institucionalizadas de uma forma heterogênea e contraditória nas
sociedades do Ocidente, que acabaram por entrar em conflito com a lógica da economia do
lucro e a gica da política do poder. Daí, conclui o autor, decorre a grande importância dos
movimentos sociais que aparecem justamente para defender os espaços de liberdade, então
ameaçados pela lógica do sistema.
Continua o autor esclarecendo que faz parte da política da sociedade civil, além da
contestação realizada, a questão das formas institucionais de participação.
16
É correto afirmar
que a relação existente entre a sociedade civil e a ação coletiva é de suma importância para
que se constitua o assim chamado novo paradigma. Nesse sentido, a sociedade civil deixa de
ser apenas passiva, tornando-se ativa com seus atores coletivos que se auto-constituem
(VIEIRA, 2002, p. 47-48).
17
Cabe mencionar a questão do protagonismo dos Movimentos Sociais no Brasil. Sabe-
se que ocorreram a partir dos anos 90, momento em que houve perda da visibilidade política
no urbano. Isso aconteceu em três momentos, ou seja, de 1990 a 1995; de 1995 a 2000; e do
início deste novo século até os dias atuais.
Sendo assim, no que se refere aos movimentos sociais, cabe salientar aqui suas crises e
seus novos rumos. Gohn (2005, p. 79) salienta que:
vários analistas diagnosticaram que houve crise nos movimentos sociais populares
urbanos, nos primeiros cinco anos dos anos 90, no sentido de que eles tiveram
reduzido, naqueles anos, parte do seu poder de pressão direta que haviam
conquistado nos anos 80. Isso se deu em função de vários fatos novos, que explicam
as alterações que ocorreram em suas dinâmicas cotidianas. É bom lembrar que o país
saia de uma etapa de conquistas de novos direitos constitucionais, a maioria dos
quais precisava ser regulamentada. A volta das eleições diretas em todos os níveis
governamentais também alterou a dinâmica das lutas sociais porque se tratava agora
de democratizar os espaços públicos estatais.
16
Questões a ver com votar, militar em partidos políticos, formar grupos de interesses ou lobbies.
17
Para maior aprofundamento, o autor traz, na mesma obra, a questão das raízes teórico-históricas da sociedade
civil, assim como sobre os movimentos sociais e os grupos de interesse.
71
Foi nesse mesmo período que o governo federal passou a pôr em prática as políticas
neoliberais em todos os níveis. Essas políticas, por sua vez, geraram desemprego, aumentando
assim a pobreza e a violência, rural e urbana.
18
Foi nessa fase que sofreram críticas as
mobilizações nas ruas e os movimentos de protesto. Até a educação popular e o trabalho de
base junto aos grupos populares sofreram críticas. Falava-se, na verdade, numa reformulação
interna e externa do papel dos movimentos sociais na sociedade. Cabe lembrar, nesse
contexto, o surgimento de um novo sujeito sociopolítico, oriundo de movimentos sociais
populares do campo, e que passou a ganhar força. Eram os chamados sem-terra, que
integravam um movimento denominado de MST.
Para Gohn (2005, p. 80),
as mudanças na conjuntura política levaram também à emergência, ou ao
fortalecimento, de outros atores sociais relevantes na sociedade civil, tais como as
ONGs e outras entidades do Terceiro Setor. Os movimentos populares passaram a
ter outros aliados, e/ou competidores, na disputa entre os grupos organizados para
demandar as necessidades sociais ao poder público, ou organizar trabalhos coletivos
para resolver estas demandas entre os próprios necessitados.
Relembra-se que as políticas neoliberais emergem no final dos anos 90, período em
que o moderno passou a ser visto como responsável pelo atraso, momento em que o
crescimento da pobreza, do desemprego e da violência urbana acabaram transferindo a
questão social para as grandes cidades.
Dessa forma, ressalta a autora, se torna ainda mais importante o papel da sociedade
civil, que ainda se encontra em fase de construção histórica. A cada ano que passa o seu
significado sofre transformações. Lembra ainda, que os principais atores protagonistas da
sociedade civil na atualidade são os movimentos sociais, as comissões, os grupos e as
entidades de direitos humanos e de defesa das pessoas excluídas por causas econômicas, de
gênero, raça, credo, etnia, portadores de necessidades especiais, as associações e cooperativas
autogestionárias das redes de economia popular solidária, várias associações e entidades de
perfis diversos do Terceiro Setor, etc, além das Organizações Não-Governamentais, mais
conhecidas por ONGs. As ONGs são consideradas o principal canal para que os excluídos
levem ao mundo suas vozes de protestos pela injustiça social.
18
Sobre pobreza, exclusão social, justiça social, igualdade, violência, ver obras de Delmas-Marty (2003),
Bauman (2007), Castel (2006), Corrêa (2003), Agra (2005), Nascimento (1997), Bobbio (2002), Sen (2000).
72
Sendo assim, e por este motivo, será tratado no tópico seguinte, com exclusividade, o
surgimento e a relevante importância das Organizações Não-Governamentais, as ONGs,
associações voluntárias de pessoas/cidadãos, uma criação da sociedade civil na busca pela
ressocialização e inclusão social.
3.2 O surgimento e a função das Organizações Não-Governamentais
Este item analisa a questão da importância das Organizações Não-Governamentais.
Faz-se um apanhado sobre a historicidade, trazendo-se suas definições e sua importância no
contexto de sua trajetória.
19
As Organizações Não-Governamentais (ONGs), bem como as organizações
internacionais, se constituíram em novos e dinâmicos atores das relações internacionais. As
ONGs são organismos criados pela sociedade civil, por intermédio da associação voluntária
de cidadãos. Elas não se caracterizam como estruturas intergovernamentais, ou como
organismos criados e sustentados pelos Estados modernos. São consideradas, sim, estruturas
voluntárias da cidadania (BEDIN, 2001, p. 296).
As ONGs aparecem para ocupar os espaços vazios deixados pelo Estado e pelas
organizações internacionais, que foram incapazes de, em muitas situações, dar soluções aos
graves problemas vividos pelos mais variados segmentos da sociedade mundial. Assim, e
cada vez mais, o Estado perde sua credibilidade, no sentido de ter capacidade para atender às
demandas de problemas sociais, bem como de propiciar o bem-estar social, melhorando a
qualidade de vida da população.
As ONGs apareceram por volta dos anos 70 do século 20. Surgiram nos países
desenvolvidos e se espalharam pelo mundo todo, como uma forma alternativa de gestão da
sociedade, diferentes das adotadas pelo Estado moderno e pelas organizações internacionais.
20
Então, como bem define Bedin (2001, p. 297), “as organizações não-governamentais
nasceram, portanto, das necessidades da própria sociedade, que busca, através delas, suprir
suas demandas e delinear formas alternativas de solucionar os seus problemas.”
19
Para aprofundar este assunto, recorrer às obras de Bedin (2001), Vieira (2002), Gohn (2005), Cesar (2002),
entre outros.
20
Ainda sobre essa questão histórica, ver obra de Gohn (2005) e Danziato (1998).
73
Defini-se o vínculo importante que entre as ONGs e a noção de autogestão como
sendo formas alternativas desburocratizadas de organização da sociedade. São as ONGs
consideradas estruturas com maior flexibilidade e de maior agilidade, pois possuem políticas
diferentes daquelas instituída pelas burocracias estatais. É a busca de identidade mais livre,
espontânea e voluntária, aproveitando as oportunidades e as circunstâncias de intercâmbio
entre as entidades participantes.
Lembra Bedin (2001, p. 298) que o aparecimento das ONGs vincula-se ao que ele
chama de “grau de maturidade e de participação dos cidadãos na sociedade”. Isso aponta para
novas formas de representação política e a decadência da tradicional forma de participação da
população. As ONGs são criação da iniciativa privada, que atuam sem fins lucrativos,
atividade de interesse geral, desvinculada da ordem nacional. Pode-se dizer também que é
todo agrupamento, associação ou movimento que se constitui por particulares que pertencem
a diferentes países, que possuem a visão do alcance de objetivos sem fim lucrativo. As ONGs
defendem valores e interesses morais, religiosos, ideológicos, culturais e que de início se
organizam em âmbito nacional.
Segundo Vieira (2002, p. 67), as ONGs são “movimentos centrados nos temas de
democratização, cidadania, liberdades, identidade cultural, além daqueles que constituem a
“herança comum da humanidade” (sustentabilidade da vida humana na Terra, meio ambiente
global, desarmamento nuclear).” Existem igualmente as ONGs transnacionais, por exemplo,
os Tratados Alternativos das ONGs aprovados no Fórum Global na Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu na Rio/92. Este é um
verdadeiro exemplo de uma ONG transnacional.
21
Informa este autor que segundo dados do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), a atuação das ONGs acaba beneficiando cerca de 250 milhões de
pessoas nos países em fase de desenvolvimento.
Sabe-se que existem ONGs que trabalham nos planos nacionais, locais, regionais e em
âmbito internacional. Comum é a associação de ONGs em redes, que aumentam sua eficácia e
seu campo de atuação. As ONGs, em alguns países, podem ajudar a formular as políticas
públicas, fiscalizar projetos, denunciar arbitrariedades do governo. Podem ser, também,
associações civis de base, ter políticas de alianças de caráter duplo.
21
O autor trata da questão das ONGs em âmbito mundial. Ver Vieira (2001).
74
A verdade, porém, é que as ONGs possuem responsabilidade na sociedade civil, muito
além do que foi citado. Têm um papel de vital importância, buscando alternativas para a
crise ecológica e a crise social que ameaçam o mundo mediante a globalização da pobreza,
que abate cada vez mais a humanidade (VIEIRA, 2002, p. 68).
Para Danziato (1998, p.194), as ONGs são
organizações que se constituíram em torno de um ideal de democracia, de exercício
de cidadania, cujo eixo central refere-se ao poder, notadamente o poder exercido
pelo Estado, cuja lógica política, econômica, social e cultural é excludente, uma vez
que não privilegia a população como um todo. Assim, desde que se inseriram
socialmente, não concebem uma prática desvencilhada das questões políticas,
econômicas, sociais e culturais, uma vez que se entende que é neste âmbito que se
a exclusão dos indivíduos e, portanto, o impedimento do exercício da cidadania e
realização de uma democracia plena.
As ONGs, na verdade, pautam-se no compromisso de uma ética que objetiva à
emancipação do sujeito, encaminhando-o para a efetivação de sua cidadania.
Cabe ressaltar que as ONGs tornam-se a cada dia que passa mais e mais importantes.
Construíram uma verdadeira rede, teia, trama, na sociedade globalizada em que se vive, assim
como o fazem os grupos privados em uma sociedade nacional. Neste sentido, traz-se a
observação de Gohn (2005, p. 95), que diz que ONG “é um grupo de pessoas que produz um
certo tipo de conhecimento e ajuda a sociedade civil a produzir novos direitos.”
Com relação à história das ONGs, foi apenas no mundo moderno que surgiram os
organismos internacionais semelhantes às ONGs.
22
É possível concluir que um dos
antecedentes considerados mais importantes das ONGs foi a criação do ComiInternacional
da Cruz Vermelha (CICV) no ano de 1863.
23
Como recorda Bedin (2001, p. 300-301),
além dessa marca, de serem organismos que surgiram mais propriamente no mundo
moderno, as organizações não-governamentais possuem, ainda, como marca
fundamental, a sua relação, inicial, com as ordens religiosas. Daí, portanto, a
afirmação de SEITENFUS de que “as primeiras manifestações de solidariedade
internacional nascem com a religião. Ao desconhecer as fronteiras nacionais, as
ordens religiosas criaram atividades que escapavam ao controle do Estado”, criando
espaços para a atuação futura das organizações não-governamentais.
22
Menciona o autor o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1863). Este movimento laico e pioneiro assumiu
papel importantíssimo em prol da marcha do direito humanitário.
23
Comitê que mesmo tendo vínculo com o Direito interno da Suíça, possui estatuto internacional de
reconhecimento pelos Estados signatários das Convenções de Genebra. O CICV é, então, um órgão híbrido,
tratando-se de uma organização especializada suíça de vocação a nível internacional. Esse comitê tem sido, ao
longo de sua história, uma organização que se destaca pelo trabalho de cunho humanitário que desenvolve, em
relação às pessoas atingidas pela guerra, os feridos, os desaparecidos, os detidos e os prisioneiros, concedendo
proteção a essas pessoas, sejam elas civis ou militares.
75
É importante relembrar que o processo de evolução das ONGs, até a aproximação com
o século 20, dividiu-se em períodos. Em primeiro lugar, partindo dos antecedentes históricos e
se estendendo até o século 19, com nculo com a vida religiosa, com a criação de mosteiros,
as ordens hospitalares e as peregrinações; em segundo plano, parte da metade do século 19
chegando até quase o final deste, caracterizado pela criação dos chamados movimentos de
Cáritas (Alemanha - 1897) e do Exército da Salvação (Londres 1865); o terceiro período,
que se inicia no final do século 19 e prossegue até os dias atuais, é marcado pela criação dos
organismos de alcance nacional e internacional. Possui agenda de trabalhos diversificados, de
conflitos ao redor do mundo, problemas no Terceiro Mundo, a defesa dos direitos humanos e
também ecológicos, entre outros (BEDIN, 2001).
24
A expressão organizações não-governamentais (ONGs) vem de longa data. Ainda nos
primórdios da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 1945, grupos e entidades
diversos auxiliavam a delegação americana na Conferência Internacional de São Francisco.
Tais grupos foram denominados de Non-Governmental Organizations, opondo-se à expressão
Intergovenmental Organizations (CESAR, 2002, p. 31).
Organização não-governamental foi a expressão escolhida pelas agências
internacionais de financiamento para denominar as entidades que faziam a intermediação
entre as organizações de base, na instituição de projetos de financiamento. Várias foram as
denominações atribuídas a essas entidades. O fato é que as ONGs buscaram institucionalizar-
se, adquirindo personalidade jurídica própria, executando suas ações por intermédio do
financiamento de seus projetos por outras organizações que se destinam ao mesmo fim ou
mesmo por Estados, principalmente estrangeiros. Situam-se no conhecido Terceiro Setor das
sociedades modernas (a sociedade civil organizada), contrapondo-se ao Estado e ao mercado,
outros setores de considerável relevância tradicional.
Quanto às formas de atuação das ONGs, três são as consideradas básicas: a) da
organização, que possui três modelos em si: 1) organização formada e controlada por um
grupo de pessoas, com estatuto de auto-renovação; 2) confederação de organizações
independentes na busca de combinar as suas atividades, servindo de modelo para a Federação
Internacional de Direitos Humanos; e 3) entidade de estrutura central e democrática, tendo
unidades constituintes no controle da organização e realizando as suas atividades nas mais
variadas áreas de especialização; b) com referência à informação, diga-se, a atividade de
24
O autor trabalha, ainda, a questão das características principais e as formas de classificação das ONGs.
76
maior importância realizada pelas ONGs em nossos dias. Esta forma tem por objetivo
informar, provocando os órgãos governamentais no que diz respeito à proteção dos bens e dos
direitos dos cidadãos. Também levam ao povo as informações quanto às ações e as omissões
estatais, disseminando os mecanismos protetivos; c) no que diz respeito à esfera da ação,
buscam as ONGs a intervenção direta nos fenômenos que são objeto de seu interesse,
mediante instrumentos legais, como ações judiciais, protestos públicos, entre outros (CESAR,
2002, p. 33).
Lembra o autor que há uma discussão com relação à legitimidade das ONGs. Nesse
sentido, afirma Cesar (2002, p. 35) que, “já que, sendo instituições privadas (associações,
institutos, fundações, etc.), não devem satisfação a ninguém, a não ser a si próprias.”
denúncias da atuação de oligopólios que se disfarçam de ONGs. Além disso, menciona-se a
questão da discussão sobre o destino dos recursos arrecadados por elas, uma vez que não se
vinculam à prestação pública de contas. Neste caso, a má gestão é alvo de críticas também.
Para além destas críticas soma-se a dos que atacam a postura de muitas ONGs, que
passam a se alimentar do fracasso do Estado e de suas políticas, sem as quais as mesmas
deixariam de existir, visto que configuram atualmente uma atividade de prestação de serviço
bem rentável, mesmo que possuam cláusulas em seus estatutos de não terem fim lucrativo.
Cabe observar, porém, que mesmo havendo desvios e desconfianças, deve-se destacar
a grande importância das ONGs no que diz respeito à integração da sociedade civil, mediante
os projetos que defendem e que valorizam os interesses da coletividade e dos excluídos,
criando, em muitos casos, políticas públicas que concretizam e efetivam, com certeza, a
cidadania dos indivíduos.
Sugere Gohn (2005, p. 100), que “existe a necessidade de aumentar o número de
estudos sobre as ONGs para se ter conhecimento de sua realidade, sobre sua natureza,
comportamento e papel na sociedade.” Fala-se num controle social qualificado.
São necessárias estatísticas, diz a autora, que forneçam o número de ONGs que se
criam e que se mantêm por esses intelectuais, especialmente do mundo acadêmico. Salienta
que a universidade não tem dado relevância devida a essas questões, visto que as pessoas que
realmente estudam as ONGs são assessores, dirigentes ou membros de equipes das próprias
ONGs. Até mesmo os autores de estudos relacionados às ONGs, como dissertações e teses,
acabam por ser professores ou pesquisadores das universidades e também são membros das
77
ONGs. É preciso que se tenha pesquisadores de fora das ONGs, que se preocupem com a
democracia, que realmente busquem a ética e a justiça social.
O próximo tópico trata da importante questão da ressocialização, ou do
empoderamento, por meio dos trabalhos desenvolvidos pelas ONGs, que cada vez mais
acentuam a tendência de fortalecimento de suas alianças com a sociedade civil, na busca
insistente de incluir ou reincluir pessoas jogadas à margem de uma sociedade que sofre, a
cada dia que passa, com os novos e crescentes desafios desse mundo globalizado.
3.3 A ressocialização por meio das Organizações Não-Governamentais: uma visão
voltada à inclusão social de menores infratores
Neste item aborda-se as ONGs, definidas como mecanismos de suma importância para
a reintegração do menor que se encontra à margem da sociedade, dando-se especial ênfase no
caso do menor infrator. As ONGs objetivam propiciar a efetivação da cidadania, direito
fundamental de todo indivíduo, de todo cidadão, da criança e do adolescente, cidadãos por
excelência. Neste sentido, tratar-se-á, primeiramente, o conceito de menor infrator, passando-
se para um breve estudo sobre a questão da violência juvenil, dando-se prosseguimento ao
assunto das ONGs e da questão da ressocialização desses menores.
3.3.1 Criança, adolescente e menor infrator: conceitos básicos
Para definir menor infrator, cabe em primeiro lugar conceituar o que é criança e
adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/90, em seu artigo
2º, estabelece: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”
25
Diversos são os autores que apresentam algumas restrições quanto ao limite de 12
anos para o início da adolescência. Isto se justifica porque essa afirmação, em muitos casos,
não condiz com a realidade da evolução biológica nos dias atuais. É fato que se vive em uma
sociedade de constantes evoluções, portanto, o pensamento das crianças e adolescentes,
conseqüentemente, acompanha essa evolução no pensar (LIBERATI, 2003, p. 16).
25
Sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90 se fará, posteriormente, um breve estudo
no tópico 4.2.
78
Conforme este autor, essa distinção é importante pela razão de ser a infância um
período de decisões, no qual ocorre o desenvolvimento da pessoa humana. São ao valores que
a criança adquire quando pequena que ela leva para a sua adolescência e que formam o caráter
que esta passará a ter no que diz respeito ao campo da moral.
26
Para Liberati (2003, p. 17), “na realidade, os conceitos de crianças e adolescentes e
seus limites etários são variáveis.” Conforme dados estatísticos da ONU, em 74 países o
critério cronológico se fixa em 15 anos; em 10 países, em 16 anos; em 31 países, em 18 anos
e em 6 países, mais de 18 anos.”
27
Por este motivo o ECA se referiu às crianças e adolescentes
como seres humanos em condições peculiares de desenvolvimento, visto cada um ser
diferente do outro, mas que devem ser sempre, em todas as situações, respeitados
ontologicamente falando.
Quando de trata da definição de menor, na linguagem técnico-jurídica, menciona
Liberati (2003, p. 17) que menor “designa aquela pessoa que não atingiu ainda a maioridade,
ou seja, 18 anos. A ele não se atribui a imputabilidade penal, nos termos do artigo 104 do
ECA c/c art. 27, CP.”
28
Destaca-se que a palavra menor, segundo o antigo Código de Menores, fazia menção
àquele ser humano carente, abandonado, delinqüente, infrator, egresso da Fundação Estadual
do Bem-Estar do Menor (FEBEM), o chamado trombadinha, pivete, etc. A expressão menor,
assim, trazia consigo os rótulos que colocava esses sujeitos sob o estigma de uma situação de
irregularidades.
Lembra o autor que essa terminologia causava muitos traumas e a marginalização nas
crianças assim denominadas como tal. Acrescenta-se que o legislador, justamente, teve em
mente, com as expressões genéricas de criança e de adolescente, não tornar particular, não
generalizar os termos de marginalização que marcam, agridem e que deixam traumas para a
vida toda do menor assim denominado (LIBERATI, 2003, p. 17).
26
Sobre a questão do convívio social da criança e também da importância do papel da família na vida e formação
do ser em construção, ver importante obra de Ariès (1981).
27
O autor menciona o médico psiquiatra, psicólogo e também bacharel em Direito Haim Grünspun, que entende
a puberdade como sendo caracterizada pelo momento em que aparecem os primeiros sinais exteriores da
maturação sexual. A adolescência vai do fim da puberdade até próximo aos 18 anos, ou de forma antecipada
aos 16 anos, nos dias atuais.
28
Imputabilidade é um termo utilizado pelo Direito Penal para atribuir a alguém a responsabilidade por seus
atos.
79
É necessário, porém, abordar a problemática do menor. Importante se faz lembrar que
todos de maneira geral estão envolvidos com a real situação em que se encontram as crianças
e os adolescentes de rua. Sabe-se que estes vivem à margem dessa atual sociedade cada vez
mais excludente e que a conseqüência desta exclusão, muitas vezes, leva a quadros de
violência juvenil, gerada em grande parte por crianças e adolescentes que vivem, perambulam
pelas ruas em busca de respostas a seus anseios e angústias diárias, carentes que são de uma
boa estrutura familiar. Esses assuntos serão abordados no tópico seguinte.
3.3.2 A violência juvenil. Menores infratores
Com relação à problemática do menor, cabe salientar novamente que todos são
levados a pensar na situação real em que se encontram aquelas crianças e adolescentes que
não possuem o aparato familiar para seu desenvolvimento pleno e saudável.
É verdade que mesmo que se tenha conhecimento da questão do menor, é preciso ter
presente os mínimos padrões de dignidade humana que muitas dessas crianças e adolescentes
desfrutam atualmente.
Dessa forma, para Paula (1989, p. 49),
somente através da transformação das políticas de assistência social, nas quais
incluo a Política Nacional do Bem-Estar do Menor; somente através da
transformação das políticas sociais tidas como fundamentais, como trabalho,
educação, saúde, habitação, etc., em instrumentos efetivos para a concretização dos
direitos sociais, políticos, econômicos e aqueles concernentes à pessoa humana,
conjunto este convencionalmente chamado de “cidadania”, poderemos, de fato,
construir uma sociedade justa.
É perceptível, então, a grande relevância das políticas públicas, mas em forma de
ações que realmente proporcionem o bem-estar social.
29
Que haja, de fato, uma preocupação
com as crianças e os adolescentes no sentido de atendimento as suas necessidades básicas,
primordiais, mormente quando se sabe estarem estes à margem da sociedade, pelo fato de,
principalmente, não terem uma estrutura familiar que os apóie, que os eduque, que os
proteja.
30
29
Importante referência de Leite (2001), que trabalha em sua obra sobre políticas públicas a partir do governo de
Getúlio Vargas.
30
Sobre as políticas de atendimento a menores infratores, ou seja, medidas socioeducativas, tratar-se-á em tópico
específico mais adiante no trabalho.
80
Cabe salientar que o autor se refere às políticas voltadas para questões como as da
baixa renda das famílias dos menores, que vivem em situação de pobreza absoluta e relativa;
mortalidade infantil, pelas condições nutricionais muito precárias; saneamento básico não
acessível; trabalho infantil; abandono da escola; menores abandonados que fazem da rua sua
própria casa, etc (PAULA, 1989, p. 49-51).
31
Sobre a violência juvenil, como resposta ao acentuado grau de violência urbana, cabe
citar a importante observação de Oliveira (2005a, p. 14), quando menciona que
a violência juvenil desperta sobressaltos na população, uma vez que o
comportamento violento dos adolescentes aparece associado ao aumento da
violência urbana, ao mesmo tempo em que a mídia apresenta, com um certo
destaque, indicativos sobre uma suposta periculosidade juvenil. No caso brasileiro,
ao lado de jovens infratores transformados em manchetes da cobertura da imprensa,
milhares de outros são vitimados em homicídios que sedimentam as estatísticas, mas
praticamente permanecem quase invisíveis nas notas sumárias das páginas policiais.
Em comum, tais situações implicam em um certo anonimato, pois desses jovens
pouco sabemos, seja quando eles matam, seja quando eles morrem.
Sobre a violência juvenil a autora ainda reforça a questão do que ela chama de a
“masculinização da violência juvenil” que caracteriza o gênero masculino como a máquina
mortífera.
32
Segundo a autora, e com base no Mapa da Violência, é possível constatar que as
mortes ocorridas por homicídios no Brasil são notoriamente masculinas.
33
Isso acontece tanto
na população total, da qual somente 8,3% são mulheres, ou na população juvenil, em que
apenas 6,7% são do sexo feminino. Aduz ainda a autora que esses dados acompanham uma
tendência, no plano mundial, em que meninos acabam por apresentar taxas de mortalidade
mais altas do que as meninas. Estas taxas relacionam-se a homicídios, à violência no trânsito,
a suicídios, etc. (OLIVEIRA, 2005a, p 14-15).
34
No que respeita à violência em si, destaca-se o conceito de Hartmann (2005, p. 45),
segundo o qual
a violência é o que as sociedades carregam de pior. Nada é mais uniformemente
detestável pela modernidade e pós-modernidade do que a prática da violência.
Paradoxalmente, a violência é praticada, de formas variadas, em qualquer sociedade.
A história da humanidade é escrita em nossos livros com uma ênfase nos grandes
31
Com relação ao abandono infantil, a autora trabalha a questão da infância abandonada no Brasil Colônia e no
Brasil Império. Ver obra de Leite (2001).
32
Sobre a criança e a mídia, consultar a obra de Carlsson e Feilitzen (2002).
33
Mapa da violência, em Waiselfisz, 2002.
34
A autora ainda menciona em sua obra a questão dos delitos que são cometidos em grande parte pelos homens.
Afirma que no sistema socioeducativo, para cada 100 adolescentes encontra-se o equivalente a seis meninas
nas unidades de internação. Assim como no sistema penal, dos 100 mil presos, apenas 4% são do sexo
feminino e entre elas se encontra menos casos de homicídios.
81
atos violentos praticados através dos tempos. A história particular de cada um
também pode ser marcada pelos atos violentos sofridos. A violência, muitas vezes,
parece estar situada no limite do suportável. [...]. Uma prática violenta
necessariamente manifesta uma diferença. Nesta manifestação da diferença de
posições podemos fazer a hipótese de que se trata de um jogo de reconhecimento
[...].
Pelo exposto, pode-se concluir que o ato de violência, muitas vezes, nada mais é do
que a busca de um reconhecimento, uma forma de chamar a atenção para o sofrimento que
está sendo vivido pelo agente do ato de violência ou do ato infracional.
35
O que não justifica a
prática destes atos, contrários à norma jurídica, ou às normas de convívio em sociedade.
Colocam-se, porém, como ponderações que tentam explicar algumas manifestações do
complexo comportamento humano.
36
Importante a afirmação de Prates (2006, p. 27), que define violência como sendo
um fenômeno que acompanha o homem desde seus primórdios e se manifesta de
diversificadas formas, como por exemplo: quando se faz presente em instituições
valiosas ao homem como na família e na escola, por meio da criminalidade
crescente; e na forma de expectativa de violência, quando serve a interesses de
manipulação por meio da veiculação do pânico.
Na concepção deste autor, a violência contra a criança e o adolescente é cada vez mais
freqüente e notória. Essa situação atinge índices bastante altos, o que a torna uma questão
alarmante. Grande parcela de crianças e de jovens são vítimas de abandono material e
emocional, além de sofrerem também a exploração no trabalho infantil, violência física, abuso
sexual, e ainda são vítimas da discriminação e do desamparo por parte do governo.
É importante lembrar que pela própria instabilidade emocional, característica da
criança e do adolescente, ser em formação, percebe-se neles a insegurança causada pelo
avanço cronológico e pelo desenvolvimento físico. Por este motivo é que se faz necessário o
apoio e a estabilidade, componentes necessários para a sua formação e para um crescimento
saudável. Salienta o autor que quando o menor passa por situações de violência, sente-se
desamparado e frágil.
37
35
Ato infracional é a atividade praticada que corresponde a uma conduta descrita na lei como sendo crime ou
contravenção. Ao adolescente que pratica ato infracional, o ECA prevê no artigo 112, I ao VII, as medidas
socioeducativas, assunto que será tratado posteriormente.
36
Sobre violência ainda tem-se os textos de Bley (2005) e de Viola (2005). Ainda sobre as relações entre a
violência, drogas e o laço social, ver textos de Conte (2005) e Rosa Jr. (2005).
37
O autor destaca a importância da família para o desenvolvimento da criança. Lembra que para Freud, a família
é de valor fundamental. Freud demonstrou que a mente humana não é algo previamente dado, e sim, uma
estrutura que se constrói e com mais significado na infância. Isso ocorre mediante um longo processo de
formação da personalidade e do estabelecimento de nculos afetivos e emocionais, que se manifestam dentro
da estrutura familiar.
82
O autor ressalta que a questão da violência familiar freqüentemente é a determinante
nas fugas dos lares. Daí uma das explicações de as crianças e os adolescentes irem para as
ruas. Há relatos sobre adolescentes tachados de delinqüentes cuja causa preponderante estava
no fato de saírem de seus lares e passarem a viver pelas ruas. Envolvem-se em situações de
furtos, roubos, prostituição, uso de drogas, como meros pedintes, além daqueles que são
apenas vagantes (PRATES, 2006, p. 27-30).
38
Com relação à criminalidade juvenil, Prates (2006, p. 35) afirma que
a criminalidade juvenil pode se originar de diversos fatores; a família com vínculos
fragilizados, a exclusão educacional e o abandono govenamental são circunstâncias
importantes e determinantes de grande parte deste processo dissociativo crescente
em nossa sociedade. Processo no qual o adolescente rotulado de “marginal” é, em
realidade, vítima de uma sociedade que se isenta de responsabilidade, que possui
uma concepção pejorativa e maniqueísta dos fenômenos psicossociais, que
desconhece ou que não quer conhecer a sua realidade.
É importante trazer à lume que a criminalidade vem se tornando crescente na
sociedade brasileira. É a criminalidade uma das várias maneiras de manifestações da violência
que muito tempo preocupa os órgãos de segurança pública em diversos países. O Brasil é
considerado um dos países mais violentos do mundo. Então, é correto afirmar que a questão
da criminalidade é problema muito sério e que merece atenção urgente dos setores públicos
no sentido de conter sua proliferação desequilibrada como vem ocorrendo nos últimos
tempos.
Conforme Volpi (2001, p. 13), “as crianças e os adolescentes são os cidadãos do Brasil
que representam a parcela mais exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e
pela sociedade.”
Essa é uma realidade cruel que vem contra o que prega a Constituição Federal e suas
leis complementares. Observa ainda o autor que os maus-tratos, o abuso, a exploração sexual,
o trabalho infantil irregular e escravo, as formas ilegais de adoções, o tráfico, os
desaparecimentos, o extermínio, a tortura, a fome, etc., ainda fazem parte da realidade que se
vive.
38
O autor defende a importância da escola, juntamente com a família, para a construção saudável da criança e do
adolescente.
83
O crescimento da criminalidade e a conseqüente violência envolvendo menores, fazem
com que surja uma intolerância social para com os adolescentes envolvidos em atos
infracionais.
39
É senso comum que a insegurança social e a eficácia precária do aparato estatal
acabam gerando uma revolta na população. Essa revolta se dirige aos menores infratores,
atribuindo-lhes responsabilidades que vão bem além, muitas vezes, das conseqüências dos
atos praticados por eles.
40
Com base no que foi mencionado a respeito da violência juvenil e da
vulnerabilidade a que se expõem diariamente milhares de crianças e adolescentes que vivem a
situação do desprezo, do abandono, é que se fará a seguir um breve estudo sobre os menores
infratores e os menores de rua.
Sabe-se, porém, que nem todo menor infrator é morador de rua. Pode-se então afirmar
que quanto à tipologia (tipos de meninos de rua) existem os chamados(as) meninos(as) na rua,
que passam boa parte do seu tempo nas ruas, e os meninos(as) de rua, que vivem, habitam
permanentemente nas ruas.
Na seqüência passa-se ao tópico que trabalhará o conceito e a identidade desses
menores excluídos, analisando a tentativa de ressocialização das crianças e dos adolescentes
excluídos por meio das ONGs.
39
Cabe mencionar o posicionamento de Volpi (2001), com relação ao problema do aumento ou não da violência
juvenil. Ele acredita não existirem dados confiáveis e que estabeleçam uma análise a partir de uma série
histórica e que permita a observação e a evolução desse fenômeno. Diz que quando esses dados existem
utilizam-se de fontes e métodos diferentes, o que torna difícil a confiabilidade. Sendo assim, segundo o autor,
quando se fala em violência juvenil, se expressa o que se está sentindo ou a opinião sobre tal assunto.
Ressalta, porém, que nenhum órgão oficial produziu dados, e nem há alguma pesquisa de âmbito nacional que
possa sustentar essa afirmação. Volpi fala nos mitos da violência juvenil. São estes o hiperdimensionamento
do problema (quando as notícias veiculadas nos meios de comunicação social, e as opiniões das pessoas que
atuam com o tema, e até os cidadãos, afirmam ser milhões de adolescentes a cometerem delitos), a
periculosidade dos adolescentes (no sentido da tendência à prática de delitos cada vez mais graves contra a
pessoa e contra o patrimônio). Dependendo da região do país, diferencia-se quanto ao patrimônio ou a pessoa,
e o mito da irresponsabilidade do adolescente (que se sustenta na idéia de que o adolescente estaria mais
propenso a cometer atos infracionais em função da legislação ser muito branda na sua punição). Há, na
verdade, uma confusão entre inimputabilidade penal e impunidade. O fato de o adolescente ser penalmente
inimputável não o exime de cumprir com suas responsabilidades. Isso ocorre por meio das medidas
socioeducativas e com a privação de liberdade.
40
Lembra o autor que a criminalidade passa a ser a razão maior do fracasso socioeconômico e político do país.
Ainda relata que criminoso é aquele que pertence a classes consideradas inferiores, que foge ao padrão ideal
previsto pela classe dominante. Representam essas minorias uma classe que mostra a rebeldia das massas
desesperadas e que por isso se contrapõe ao sistema político do momento. É por este motivo que devem ser
mantidos fora do sistema. Além disso, o autor trabalha sobre o tema da redução da maioridade penal, assunto
que com certeza é de interesse e importância, e que servirá para estudos posteriores.
84
3.3.3 Menores de rua. Conceito e identidade. A ressocialização de menores infratores
por meio das ONGs
Com relação aos menores de rua, é verdade que para poder defini-los basta recordar
dizer que são, em princípio, menores abandonados.
41
São crianças que não possuem família
ou alguém que as proteja e cuide delas.
42
Essa ausência faz com que a responsabilidade se
transfira para a sociedade de maneira geral. Isso gera uma indefinição a respeito dos papéis
que cada um tem ou deve cumprir na sociedade.
Sendo assim, a população, por sua vez, reclama de suas autoridades uma providência
com relação às crianças que passam a viver nas ruas. Emergem então as entidades
filantrópicas que objetivam tirá-las das ruas; o trabalho dos centros de defesa de direitos das
crianças e dos adolescentes que tentam impedir a ida destes menores às ruas; tem-se ainda as
ONGs, criadas para atender às demandas, etc (LEITE, 2001, p. 8).
43
Com base no exposto passa-se à discussão a respeito dos menores de rua. Conforme
Leite (2001, p. 8), “essas crianças representam uma ameaça para a paz da sociedade.
Entretanto, se o entendermos como um mito a ser desvendado, ele pode também ser encarado
como um desafio, convidando-nos a buscar soluções que vêm sendo tentadas.” Sabe-se que
muitas destas crianças e/ou adolescentes residentes das ruas acabam se tornando infratores.
Aprendem nas ruas aquilo que vivenciam e descobrem ali o caminho do crime e da
violência.
44
Explicar o problema social da infância pobre brasileira é tarefa árdua. Para que se
consiga definir os meninos de rua, informa a autora, que se recordar que eles são
considerados fragmentos sociais das cidades grandes. Eles vieram romper as regras e as
normas sociais que excluem a maioria da população. Preocupam-se em denunciar para toda a
sociedade a realidade que é desconhecida de muitos, ou seja, que milhões de crianças e de
jovens vivem na extrema pobreza, sem condições de mudar o seu destino (LEITE, 2001, p.
48).
41
Sobre o abandono do pai, ver texto de Pereira (1999).
42
Quanto à importância da família e do município com relação às políticas públicas de proteção e o
desenvolvimento da criança e do adolescente, ver texto de Carvalho (1999).
43
Salienta-se que com relação aos centros de defesa e às ONGs, abordar-se-á em ponto específico, por se tratar
do foco desta pesquisa.
44
Importante o tema sobre a relação que sobre a questão da violência urbana e a descrença da política. Ver
texto de Keil (2005). Sobre a violência sob a ótica dos direitos fundamentais e sob o prisma das liberdades
públicas, ver obra de Paula (1989).
85
Segundo a autora, esses meninos, justamente por sobreviverem nas ruas, encontram-se
numa situação de tamanha desesperança que acabam, por esse motivo, desafiando as regras da
sociedade onde vivem. Ao mesmo tempo, deixam bem clara a vulnerabilidade à qual se vêem
expostos. Importa acrescentar que esses frágeis seres humanos ora são vistos pela própria
opinião pública como agressivos e até monstruosos, ora como seres carentes e infelizes.
Sendo assim, se vistos sob a perspectiva de monstros, convém eliminá-los. Se não, cabe ter-se
piedade e prestar-lhes o auxílio devido.
45
Segundo Leite (2001, p. 52), “os meninos de rua trazem ainda mais uma contradição e
um enigma a ser decifrado: eles não conseguem vencer a sociedade, mas também não são
vencidos por ela”. Podem demonstrar essa invencibilidade mediante formas variadas. É na
vivência do dia-dia, na tentativa de permanecer vivo, que surge a motivação para a questão da
sobrevivência e a superação da morte. Esses menores são definidos de sujos, violentos e
agressivos, perversos, criminosos natos, desocupados, etc. Há, porém, o inverso, a concepção
de que são apenas pobres seres carentes, desprezados, infelizes e sozinhos no mundo. Destaca
a autora, a identidade imaginária, que só faz correspondência a uma parte do que essas
crianças realmente são.
Alerta ainda a autora que muitas dessas crianças evadiram-se de casa devido aos maus
tratos sofridos ou por causa da fome intensa e constante. Para que essa vivência (ou
sobrevivência) nas ruas seja viável, é preciso que façam uso da imaginação e que recriem, a
todo momento, suas estratégias de ação, uma mistura de criatividade e sagacidade.
46
Leite (2001, p. 59) assevera que “para os meninos de rua roubar não é um crime, e sim
um ato de muitos significados: é uma forma de conseguir dinheiro para alguma necessidade
imediata, de causar terror, de se divertir, e até mesmo uma brincadeira.” Também é verdade
que roubar pode ter o significado de aproveitar uma oportunidade, de ter reconhecimento, de
aparecer. É ser ativo e não passivo, no sentido de não se conformar ou ficar esperando apenas
por esmolas. Neste caso, a identidade é conquistada por meio dos roubos e furtos. É a questão
de ser protagonista e não figurante, no relacionamento com a população. Afinal, é melhor ser
conhecido inclusive como pivete do que não ser nada, ninguém. É melhor do que passar
despercebido, reforça a autora.
45
Sobre a questão da rua como sendo habitat das crianças e o perfil desses menores, ver texto de Boal e
Frangella (2000).
46
Sobre a família de crianças em situação de rua, ver texto de Carvalho (2000).
86
Reforça Saraiva (2006, p. 34) dizendo que:
Ainda funciona em nossa sociedade, produto da discriminação e do preconceito de
quem ainda distingue criança de menores, uma certa lógica, em especial com a
adolescência excluída, de que estes seriam adolescentes diferentes dos outros (os
incluídos). No tratamento distinto que é dado aos jovens, a uns justificando e a
outros implacavelmente cobrando uma postura adulta, resulta a conclusão de que
seriam eles diferentes entre si.
A realidade é que a humanidade atravessa um momento de grande prevalência do “ter”
em detrimento do “ser”. Nesse sentido, é bem possível que se tenha duas adolescências, uma
daqueles que podem ser adolescentes, e outra dos que não possuem esse direito. A
adolescência é um estágio de desenvolvimento físico e psíquico pelo qual todas as pessoas,
independentemente de serem pobres ou nobres, acabam tendo que passar (SARAIVA, 2006,
p. 34-35).
47
Quanto à compreensão da adolescência e a relação que tem com a lei, do ponto de
vista de particularidades que as crianças e os adolescentes possuem, esta nada mais é do que
um conceito universal, sob o abrigo da Convenção das Nações Unidas no que diz respeito aos
direitos da criança. Assim também ocorre em toda norma internacional que trata da questão de
proteção aos direitos da criança e do adolescente. Esse conjunto de normas chama-se Doutrina
das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança. É, na verdade, um corpo de leis
internacionais mas que têm força de lei interna para os países que são signatários, entre eles o
Brasil (SARAIVA, 2006, p. 38).
O autor igualmente refere-se à questão do clamor social no que diz respeito ao menor
infrator. Existe, segundo ele, uma equivocada idéia de que nada acontece ao menor que
comete uma infração. uma noção errada de impunidade e isso faz com que se tenha uma
resposta negativa à efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mormente com o
aumento da criminalidade e da violência constatado nos últimos tempos. Lembra Saraiva
(2006, p. 48) que,
ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema legal
implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente contempla um modelo de
responsabilidade juvenil, fazendo estes jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos de
direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, sancionando medidas
socioeducativas, inclusive com privação de liberdade, com natureza sancionária e
prevalente conteúdo pedagógico.
47
Especificamente sobre a fase da adolescência, ver capítulo da obra de Prates (2006).
87
O menor infrator acaba tendo de responder por seus atos, e o faz por intermédio das
medidas socioeducativas, um dos tipos de sanções penais, aplicadas aos jovens. Conforme
lembra Konzen (apud SARAIVA, 2006, p. 48), “o Estatuto da Criança e do Adolescente
arrola, um a um, minuciosamente, os direitos individuais do adolescente autor de ato
infracional, as garantias processuais deste mesmo infrator e o rito procedimental da
apuração.”
48
Neste sentido, e voltando-se ao tema das ONGs, torna-se clara agora a percepção da
grande importância destas na ressocialização da massa excluída, principalmente nos casos de
crianças e adolescentes, seres ainda em formação física e intelectual.
Observa-se atualmente a ativa presença, cada vez mais marcante, dessas organizações
na sociedade.
49
Cabe salientar que, como diz Gohn (2005, p. 90), “no universo temático das
ONGs encontramos atuações nos seguintes campos: I) Direitos de Terceira Geração: gênero,
meio ambiente (físico, vegetal e animal); direitos humanos, etnias, sexo. Direitos de cidadania
em suma; II) Áreas Sociais Básicas – Direitos Sociais de Primeira Geração: Saúde, Educação,
Moradia, Alimentação; III) Grupos Sociais clássicos no atendimento da Assistência Social:
crianças, jovens/adolescentes, idosos; IV) Grupos vulneráveis e causas sociais: pobreza
socioeconômica.
No que tange às ONGs e à questão da adolescência, Leite (2001, p. 34) esclarece:
[...] na verdade, a partir de 1982, houve um aumento considerável de ONGs criadas
para atender à infância e à adolescência, com objetivos diversos. A grande maioria
visava “ocupar” os jovens, algumas delas enfocando atividades de lazer, esportes e
artes; outras buscando a geração de renda ou a capacitação profissional e a iniciação
no trabalho. Havia também as que se dedicavam à proteção e defesa de direitos das
crianças e dos jovens, outras ainda que desenvolviam ações na área da saúde
preventiva. Essas ONGs atuavam no vazio deixado pelos poderes públicos e pelas
entidades filantrópicas e tiveram também um papel muito importante nas denúncias
de extermínio de jovens, que a partir de 1989 alcançaram repercussão internacional.
O que se sabe a respeito do que foi referido anteriormente é que tais inovações não
conseguiram solucionar o principal, ou seja, a promoção da escolaridade, a vida profissional,
a inserção social de milhares de brasileiros, jovens que ainda permanecem à margem da
sociedade, e, consequentemente, fazem parte do quadro de exclusão social.
48
Com relação às medidas socioeducativas, o tema será trabalhado juntamente com o tópico que abordará o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
49
Ver obra de Bedin (2001) sobre as características, as formas de classificação, a importância e as perspectivas
das ONGs.
88
É pertinente salientar o que Danziato (1998) constata a respeito das ONGs que
trabalham com crianças e adolescentes. A autora entende que essas ONGs, além de
perceberem as carências materiais em que se encontram esses sujeitos, preocupam-se em
atender às suas necessidades mais prementes, tendo em vista que não é a condição de carente
em que se encontram que os define, mas sim o contexto em que eles se inserem. Neste
sentido, defende a autora que se faz oportuno repensar o atual contexto para que se promova a
mudança necessária e para que essas crianças e adolescentes possam se firmar como sujeitos
dignos de direitos (DANZIATO, 1998, p. 144).
50
Dessa forma é importante que se lute por uma sociedade civil forte e que se preocupe
em analisar as propostas e a efetividade das ONGs e de todas as políticas que envolvem os
interesses dos menores.
Tendo em vista o exposto, o próximo capítulo se ocupará da proposta de uma ONG
situada no município de Ijuí/RS, que atende a crianças e adolescentes que se encontram em
situação de risco, visando a sua inserção social e à concretização da cidadania.
50
A autora apresenta em sua obra uma demarcação local das ONGs no Ceará, em uma pesquisa desenvolvida
pelo projeto Desenvolvimento Institucional e Metodologias de Trabalho em ONGs no Nordeste (DEMO).
89
4 A ONG CEDEDICAI: EXEMPLO DE TRABALHO E INCLUSÃO SOCIAL DE
UMA ONG NO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS – HISTÓRICO E TRAJETÓRIA
Primeiramente, se faz pertinente falar a respeito da localização e da historicidade do
município de Ijuí/RS, visto a atuação da ONG Cededicai nesta cidade. Assim, antes de se
falar a respeito da ONG, se fará este breve estudo.
Após esses apontamentos, se fará o reconhecimento da ONG, no que tange à sua
origem, propostas e objetivos. Far-se-á um apanhado de todos os projetos em execução, suas
finalidades, pessoas envolvidas que trabalham na ONG e os resultados obtidos até o presente
momento.
4.1 Localização e historicidade do município de Ijuí/RS
Visto a ONG Cededicai se situar no município de Ijuí, este tópico apresentará a
localização e breve histórico da cidade de Ijuí. Sendo assim, far-se-á primeiramente um
apontamento da localização e da formação social do município, com a apresentação do mapa
de sua localização, e, após, se fa uma breve explanação da evolução histórica, social e
econômica da cidade de Ijuí. Ressalta-se que toda informação obtida sobre esses dados se
extraiu da obra de Cremonese (2006).
4.1.1 Localização do município de Ijuí
Quanto à localização, o município de Ijuí se localiza na Microrregião Geográfica
compondo, conjuntamente com outras microrregiões, a Mesorregião Geográfica do Noroeste
rio-grandense. Sobre os arranjos administrativos do Governo do Estado do Rio Grande do
Sul, Ijuí integra o Conselho Regional de Desenvolvimento do Noroeste Colonial. Conforme a
organização administrativa regional, o município integra a Associação dos Municípios do
Planalto Médio (AMUPLAM).
O território do município de Ijuí está entre as coordenadas geográficas 28º 03’ 27.658”
Sul e 28º 32’ 17.26” Sul de latitude; e 53º 45’ 41.74” Oeste e 54º08’ 43.85” Oeste de
longitude, estando, a sede, a uma altitude de 328 metros acima do nível do mar.
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O município de Ijuí também é conhecido como a “Colméia do Trabalho”, tendo
recebido este título através de um concurso que foi promovido pelo Jornal Correio Serrano,
em 1944: “O nome simbólico escolhido em 06/10 de 1944 para Ijuí foi ‘Colméia do
Trabalho’, nome preservado até os dias atuais, que significa o trabalho constante e
progressivo do povo de nossa terra.” (CORREIO SERRANO, 27 de outubro de 1944, p. 5).
No entanto, foram encontrados registros deste codinome “Colméia do Trabalho” antes da
referida data.
Figura 1: Mapa do município de Ijuí.
Fonte: Unijuí. Geoprocessamento e Análise Territorial (2005).
Ijuí se situa a uma distância de aproximadamente 400 km da capital Porto Alegre. O
município se limita, atualmente, ao norte, com os municípios de Ajuricaba, Nova Ramada e
Chiapetta; ao sul, com Augusto Pestana e Boa Vista do Cadeado; a leste, com Bozano e
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Ajuricaba; e a oeste, com Catuípe e Coronel Barros. Segundo a Fundação de Economia e
Estatística (FEE), o município tem um Produto Interno Bruto (PIB) per capita anual de,
aproximadamente, R$ 9.800,00.
Dados atuais informam uma área total do município que, segundo o IBGE, é de 689,1
km². A área urbana conta com 31,7 km² (1990). Estima-se que a população que reside na
cidade de Ijuí até 2005, gira em torno de 78.461 habitantes, sendo 38.083 homens (48,5%) e
40.378 mulheres (51,5%). Na zona rural, vivem apenas 11.064 pessoas, (14%) da população;
enquanto na zona urbana, 67.397 pessoas, 86% da população.
4.1.2 Breve histórico do município de Ijuí
No que diz respeito à origem de Ijuí, pode-se dizer que a Colônia “Ijuhy” foi fundada
oficialmente em 19 de outubro de 1890 por imigrantes russos que se instalaram na localidade.
Vale mencionar que, nesse período, Ijuhy era parte do quinto distrito de Cruz Alta.
O nome Ijuhy foi dado pelos índios guaranis ao rio que perpassa o município. Seu
significado varia conforme a grafia que se lhe dá. Escrevendo Ihjui entende-se rio das rãs”,
talvez o significado original; Juhy significaria “rio dos espinhos”; Jujuhy, “rio dos
pintassilgos”; mas Ijuhy, a grafia que aparece em todos os documentos até a década de 1940,
pode significar “rio das águas divinas” ou “rio da abelha divina” (LAZZAROTTO apud
CREMONESE, 2006, p. 112). Estudos indicam que, anterior aos imigrantes, a região e,
especificamente, o território de Ijuhy já era habitado por caboclos nativos e índios guaranis.
A criação da colônia se deu por intermédio do engenheiro José Manoel da Siqueira
Couto, que tomou a iniciativa e, depois de feita a demarcação, distribuiu vários lotes urbanos
da sede colonial a 22 pessoas. Foram mais de cem famílias assentadas nesses lotes rurais.
Passados 20 meses, retirou-se o engenheiro, deixando encarregado da colônia o agrimensor
Ernesto Mützel Filho. Foi na data de 6 de dezembro de 1898, que foi nomeado para diretor o
Dr. Augusto Pestana, que a dirigiu até a sua constituição em município, em 1912, pelo
Decreto n. 1.814, de 31 de janeiro, do Governo do Estado.
Foram motivos estratégicos os que tornaram interessante a ocupação de Ijuhy: defesa
de fronteira e, também, diminuição dos custos dos gêneros alimentícios. A maioria dos
habitantes de Ijuhy era descendente de imigrantes provenientes das “Colônias Velhas”, que se
localizavam nos vales do Rio Jacuí e seus afluentes.
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Após se ter criado o município, o Dr. Pestana se afastou da administração municipal,
vindo então Antônio Soares de Barros, o Coronel Dico, como era chamado, a ser nomeado
Intendente do município. O Cel. Dico era, concomitantemente, chefe político, dirigindo o
Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) municipal.
Depois de se estabelecer em Ijuí, o Cel. Dico iniciou uma longa trajetória de
administrar o município. Já em 1910, aceitou ser correspondente do Banco Nacional do
Comércio. Foi amigo próximo do então diretor Augusto Pestana, e em 11 de julho de 1912,
ocupou o cargo de Intendente Provisório da Colônia de Ijuí, ficando até 30 de dezembro do
mesmo ano.
Convém lembrar que a colônia de Ijuhy abrigou, desde o início, diversidades
multiétnicas. Em meados de 1890, eram 19 os idiomas falados na região. Nos anos 30, o
cenário multi-racial de Ijuhy se consolidava.
Cabe ressaltar, porém, que o município tem sofrido, nas últimas décadas, uma alta
migração em sua população, que busca, em outras regiões do Estado (metropolitana de Porto
Alegre, Vale dos Sinos e Caxias do Sul), ou do país (Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso,
Goiás, Bahia), possibilidades melhores de vida, ou seja, empregos e novas oportunidades.
Ao contrário de outras épocas, quando a economia do município era industrial ou
agrícola, atualmente tem-se o setor de serviços que responde pelo maior incremento da
economia da cidade de Ijuí.
4.2 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí – Cededicai: uma
ONG que visa à inclusão social
Após breve historicidade e localização de Ijuí, far-se-ão os apontamentos importantes
sobre o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí (Cededicai), foco
principal da presente pesquisa. Serão vistas, então, as propostas e objetivos da ONG, as
pessoas que a integram, desde as que a administram até as que voluntariamente a ela se
dedicam e alguns dos projetos desenvolvidos e ou os que atualmente estão em andamento.
Também será mencionado a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.
8.069/90, o que vem a ser essa lei e o que ela regula, assim como sobre as medidas
socioeducativas, sua importância e seus objetivos no que se refere às suas propostas e
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fundamentos, uma vez que a ONG Cededicai trabalha com medidas socioeducativas,
respeitando e seguindo as orientações do ECA.
Ao final, se colocará uma observação a respeito da questão de ressocialização. Far-se-
á uma análise dos resultados obtidos pela ONG, constatando se casos de reincidência de
menores infratores ou não.
4.2.1 Conceitos e objetivos da ONG Cededicai
A ONG Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí
(Cededicai) é um exemplo de participação ativa de pessoas que se voltam à defesa dos direitos
das crianças e dos adolescentes, todos engajados em projetos que visam à ressocialização de
menores e jovens que vivem em situações de risco, à margem da sociedade.
O Cededicai se situa na Rua do Comércio, 563/2º andar, Centro, em Ijuí/RS, o Cep é
98700-000. Fone/fax: (55)3333-3381. E-mail: cededic[email protected]. Registro Civil de
Pessoa Jurídica n. 425, folha 297 do livro A-1. Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica é
n. 03.384.612/0001-13. Utilidade Pública Municipal Decreto Executivo n. 2.573-GAB, de
05/10/1999.
A ONG Cededicai foi fundada em 29 de julho de 1999. É uma organização não-
governamental, sem fins lucrativos, que se originou pela iniciativa de um grupo de 48 pessoas
e instituições, objetivando assegurar o exercício dos direitos pessoais e sociais, a liberdade, o
bem-estar, o desenvolvimento individual e coletivo, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Sua localização é de fácil
acesso, tendo endereço central, apresentando uma fachada de notória identificação.
As instalações da ONG contam com uma secretaria, um almoxarifado, uma sala com
dupla função, com classes e cadeiras para reuniões e para a realização das oficinas e um
banheiro comum. Possui dois computadores, impressora, acesso à Internet, telefone e fax,
duas escrivaninhas, armários para biblioteca e o acervo de pastas organizadoras, murais,
expositores dos produtos, mesa para reuniões, cadeiras, fogão, liquidificador industrial,
geladeira, prensa e suporte para água mineral.
Baseia-se na harmonia social e se compromete com a solução pacífica das
controvérsias, assim como no respeito aos direitos humanos, à legislação federal, estadual e
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municipal, em especial ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consoante a Lei
Federal n. 8.069, sancionada em 13 de julho de 1990.
Atualmente, o Cededicai desenvolve projetos que beneficiam crianças e adolescentes
em situação de vulnerabilidade social, mediante parceria entre escolas, instituições, famílias,
Conselho Tutelar e PEMSE (por meio da Secretaria Municipal do município, que envia
adolescentes que devem cumprir medidas socieducativas). Esses adolescentes cumprem as
medidas socieducativas de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Nesse momento, não
há o cumprimento de medidas socieducativas de Liberdade Assistida (LA).
Os projetos desenvolvidos pela ONG também visam propiciar o desenvolvimento da
percepção do ser cidadão e a busca do reconhecimento da auto-estima em cada um dos
participantes. A importância da construção da definição do ser cidadão e a concepção de
pessoa portadora de direitos e deveres, como sendo indivíduo digno de ter seus direitos
respeitados e protegidos, são trabalhos que o Cededicai desenvolve.
O Cededicai, como ONG sem fins lucrativos, estrutura-se de forma horizontal,
evitando mecanismos burocráticos complexos em seu funcionamento. Com isso, imprime
agilidade tal na promoção de eventos e na aprendizagem contínua de seus participantes o que
permite dar visibilidade rápida a suas ações e obter resultados palpáveis.
Para além do empenho de seus participantes, as parcerias desburocratizadas com
diferentes segmentos da comunidade contribuem na obtenção de tais resultados. Não poderia
ser diferente diante da complexidade e rapidez com que a realidade se reorganiza,
apresentando novas demandas a cada instante, especialmente considerando a realidade do
universo infanto-juvenil. Essa agilidade, porém, está condicionada ao profissionalismo de
seus participantes efetivos, visto que se persegue a garantia da credibilidade, visibilidade e
fidedignidade.
A agilidade e seriedade no trabalho da ONG não se dá, entretanto, sem alguns ônus,
entre eles o do compromisso de dar respostas maduras e integradas a mais curto prazo
possível do que é exigido das demais organizações e o de receber pressões por resultados de
transformação junto a seu público beneficiado.
Ainda que mecanismos de gestão empresarial inspirem certas práticas funcionais, tais
modelos e verdades passam pela recriação inerente ao processo de adequação da sua missão e
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visão à realidade dos atores que justificam a existência da ONG. Isso significa o permanente
diálogo com a realidade, com os objetivos da ONG e de seus projetos e, por conseguinte, o
exercício de revisão de acordos, a cada novo fato ocorrido. É verdade que isso se não sem
conflitos, ou seja, a negociação é constante tanto quanto aquela feita por um pai diante de seu
filho adolescente em processo de constituir-se adulto.
Nesse exercício permanente de construção e reconstrução da ONG e de seus
participantes, confirma-se que não uma única verdade e, se assim fosse, significaria que a
verdade de alguns teria maior validade ou autoridade do que a dos outros. A ONG entende
que muitas verdades, no entanto, e defende que algumas verdades que são sim
melhores, do contrário, não se justificaria o trabalho de uma ONG que preconiza defender
crianças e adolescentes.
Existem verdades que percorrem direção contrária aos Direitos Humanos. Verdades
essas que, muitas vezes, colocam crianças e adolescentes em situações desumanas. Defende a
ONG, portanto, a acolhida crítica das verdades, evitando assim cair na consciência ingênua do
determinismo e da bondade descuidada das análises, da crítica, da decisão pró-ativa tão cara à
justiça. A bondade é um gesto fácil, naturalizado. Ao contrário dela, a justiça é de difícil
encaminhamento. Pode parecer antipática e, para muitos, o caminho inverso da bondade, no
entanto, imprime a força do educativo, reeducativo e da dignidade à vida de qualquer cidadão.
A ditadura deixou o nefasto legado da impunidade, que vem traçando outro rumo na história
do Brasil e uma ONG como o Cededicai, imbuída da proposta de prevenção da violência, terá
que colocar na pauta de suas discussões e práticas os valores afetos à justiça reflexiva e
restaurativa.
O grande papel do Cededicai é irradiar as possibilidades de transformação da realidade
de forma compartilhada, contagiando as pessoas da comunidade por meio dos projetos sociais
que devolvam minimamente a dignidade para aqueles que, de alguma forma, sofrem exclusão
social e desamparo. Esse compromisso implica a negociação de verdades, a desconstrução e
ampliação de sentidos dos conceitos relativos às suas propostas e políticas e, por fim, a
realização de posturas práticas, cabendo-lhe tornar-se uma, entre outras tantas, entidade
educadora que inspire práticas para a concretização da cidadania.
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4.2.2 Missão, visão, negócio, valores e crenças do Cededicai
É importante que se lembre a forma como a ONG Cededicai divide seus objetivos e
propostas:
1 Missão do Cededicai: defender e proteger os direitos das crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social, incentivando-os por meio de programas e projetos
socioeducativos, que os valorizem enquanto seres sociais.
2 Visão do Cededicai: orientar crianças e adolescentes, fortalecendo-os para enfrentar
situações de vulnerabilidade social em defesa própria e/ou buscando ajuda de forma a
constituírem-se em cidadãos respeitados, responsáveis e pró-ativos.
3 Negócio do Cededicai: implementar projetos sociais destinados ao público infanto-
juvenil por meio da realização de oficinas socioeducativo-profissionalizantes,
proporcionando a inclusão social, desenvolvendo a dignidade da pessoa humana,
reduzindo a violência e a pobreza. Envolver a comunidade em geral por meio das
parcerias.
4 Valores do Cededicai: honestidade, justiça, paz, perdão educativo e inclusão social.
5 Crenças do Cededicai:
cultivar a paz exige mais energia do que a guerra;
errar é humano, portanto, erros fazem parte do processo de aprendizagem;
as diferenças colorem o mundo, complementam e não fragmentam as relações e
atividades humanas;
as certezas são provisórias e exigem dúvidas e pesquisa.
4.2.3 Diretoria do Cededicai
A diretoria do Cededicai é composta pelas seguintes pessoas:
Presidente: Adriana Motta Dias da Silva, CPF n. 025.460.747/09, RG n. 0331994947,
telefones: (55) 3332-9876; Cel (55) 135-5029. E-mail: adrimot[email protected].
Vice-Presidente: Maria Luiza Lucchesi
1º Secretário: José Festa
2º Secretário: Mônica Brandt
1ª Tesoureira: Edi Ida Nast de Lima
2º Tesoureiro: Dilceu Batista da Silva
Secretária Executiva Voluntária: Leonides Maria Dupuy
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4.2.4 Conselho Fiscal do Cededicai
O Conselho fiscal do Cededicai conta com os seguintes integrantes:
a) Associação Comercial e Industrial de Ijuí – ACI
- Titular: Loide Hildebrandt Gaspary
- Suplente: Orlando Romeu Etgeton
b) Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado –
FIDENE
- Titular: Roselaine Shuster Scheren
- Suplente: Miguel Arcanjo Zortea
c) Rotary Club Ijuí Nova Geração
- Titular: Aracy Marques da Silva Copetti
- Suplente: Cecília Kolankiewicz
4.2.5 Alguns dos projetos mais importantes realizados pelo Cededicai
4.2.5.1 Projetos realizados anteriormente
a) Projeto Amai (Atendimento Municipal de Adolescentes Infratores)
Este projeto se constituiu na aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto,
cujo objetivo era o de redução dos índices de reincidência em atos infracionais. Havia ainda,
neste projeto, verbas de auxílio para o acompanhamento e internação daqueles que eram
dependentes químicos.
b) Projeto Recriar
O projeto Recriar trabalhou com o atendimento das medidas socieducativas em meio
aberto, ou seja, o cumprimento das medidas. Neste projeto, os adolescentes recebiam cestas
básicas, agasalhos e tênis.
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c) Projeto ECA vai à Escola
Esse projeto visava levar até as escolas do município, oficinas e palestras direcionadas
às crianças, adolescentes, pais e professores. Era feita a divulgação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). Tinha a proposta de mostrar os direitos e os deveres da criança e do
adolescente perante a sociedade.
d) Projeto Roda Gaúcha
O projeto Roda Gaúcha se preocupou em trabalhar as diferenças e práticas
cooperativas. Visou à formação de professores do programa de Educação de Jovens e Adultos
(EJA). Esse projeto alcançou a abrangência das cidades de Ajuricaba, Augusto Pestana,
Catuípe, Chiapetta, Condor, Ijuí, Inhacorá, Jóia, Panambi, cujo público-alvo são 230
professores estaduais que atuam em turmas do EJA.
Este projeto foi financiado pela Fundação Abrinq e teve como parceiros e apoiadores:
Unijuí, Programa Crer para Ver, 36ª CRE, Rotary Club Ijuí Nova Geração. O Projeto Roda
Gaúcha contou com a coordenação da Profª MSc. Armgard Lutz (Unijuí e Cededicai), a co-
coordenação de Nádia da 36ª CRE, e outros professores.
Atividades desenvolvidas no projeto:
seleção de um ou dois professores por escola, do EJA, seguindo os critérios necessários
para participar da elaboração de um livro didático para o EJA;
encontros quinzenais com o grupo de professores representantes por escola do EJA com o
fim de desenvolver um conjunto de atividades necessárias para a produção do livro do
EJA;
relatos de experiências acumuladas com os alunos do EJA, facilidades e dificuldades;
pesquisa junto aos alunos para definir, segundo suas concepções, o conteúdo que deveria
integrar um livro didático do EJA;
encontros de estudos teóricos referentes a temas como metodologias de ensino, didática,
teorias como ensinar a pensar, relação teoria e prática etc;
coleta e seleção de textos e produções de alunos e professores do EJA;
definição dos eixos-filtro para definir o livro;
definição dos capítulos ou partes do livro;
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definição da introdução do livro;
participação do Seminário de Caxias do Sul/RS, sobre “Nossa Escola pesquisa Sua
Opinião” (NEPSO);
participação no Seminário Leitura Levada a Sério;
participação no Seminário do Delac/Unijuí;
participação na Jornada de Pesquisa e Extensão da Unijuí – com apresentação de trabalho.
Em dezembro de 2007 foi concluído o Projeto Roda Gaúcha, que teve início em 7 de
março de 2005, perfazendo um total de dois anos e nove meses de andamento. Após seu
término, os materiais e equipamentos utilizados continuam sob a responsabilidade da ex-
coordenadora, Armgard Lutz.
e) Projeto Ecos da Vida
O projeto Ecos da Vida desenvolveu uma oficina semanal no turno da tarde, às
quintas-feiras, de reciclagem de papel e marcenaria, para adolescentes em conflito com a lei,
que foram encaminhados pelo Programa de Execução de Medidas Socioeducativas (PEMSE),
da Secretaria Municipal de Assistência Social. Nesse projeto foram atendidos
aproximadamente 10 adolescentes, que contou com a presença da professora Judith Gastaldo,
orientando os adolescentes na reciclagem de fibras e papéis, a psicóloga e professora de artes
Marines Pollo, orientando e assessorando os adolescentes, e de Leonides Maria Dupuy e Lígia
Cínara Shuinsekel, como coordenadoras do projeto.
Esse projeto desenvolveu suas atividades até maio de 2007, sem recursos financeiros
e, sim, apenas do trabalho voluntário da equipe.
Atividades desenvolvidas no projeto:
revestimento de massa de papel machê em esculturas de animais;
confecções de esculturas estilizadas e confecção de bolinhas para colares em papel machê;
pintura de garrafas artesanais confeccionadas com papel machê;
montagem de colares em papel machê;
lixamento em peças de madeira para a confecção de bonecos pinóquios e palhaços;
pintura em verniz das peças de madeira;
montagem dos cabelos dos palhaços com lã;
grupos de estudos com Roda de Opinião;
100
desenvolvimento cultural pessoal através das oficinas realizadas;
revisão das peças confeccionadas.
As atividades desenvolvidas não tiveram continuidade após o mês de maio de 2007
devido ao fato de não mais serem encaminhados adolescentes de Prestação de Serviço à
Comunidade pelo PEMSE para prestarem atendimento no Cededicai.
4.2.5.2 Atuais projetos desenvolvidos pelo Cededicai
a) Projeto Criarte
O Projeto Criarte recebe apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio
da Fundação Pão dos Pobres de Santo Antônio. Oferece a 20 adolescentes e jovens de ambos
os sexos, com idade entre 16 e 24 anos, oficinas educativas através de atividades em madeira
e reciclagem.
Desenvolve, também, um trabalho voltado para a questão do desenvolvimento
humano, aliado a uma equipe multidisciplinar que trabalha diversos temas, adotando uma
metodologia diversificada. Isto acontece por meio de palestras, sessões de filmes, roda de
opinião e o curso de empreendedorismo e reciclagem em parceria com o SENAC. Ao final do
Projeto haverá a entrega de certificados aos participantes do Projeto Criarte.
b) Projeto Cri-Ação Gepeto
O Projeto Cri-Ação Gepeto é desenvolvido desde 2005 com o apoio da Brazil
Foundation. Hoje, recebe apoio por intermédio do Projeto Criança Esperança, em parceria
com a Unesco.
Atende a 40 adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 12 a 18 anos, em que,
sob forma de oficinas educativas, são realizadas atividades em madeira que consistem na
montagem e acabamento de brinquedos e de artefatos.
Desenvolve o trabalho voltado ao crescimento e desenvolvimento humano e, para
tanto, conta com uma equipe multidisciplinar que trabalha diversos temas, adotando uma
metodologia diversificada, por meio de palestras, filmes, dinâmicas e debate de opiniões.
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Importa mencionar que o Projeto Cri-Ação Gepeto recebeu uma doação dirigida do
Banco de Dados da Brazil Foundation, onde está inscrito, no mês de maio de 2007, que
remunerou a equipe até outubro de 2007. Nos meses de fevereiro a abril e dezembro, a equipe
do projeto trabalhou voluntariamente.
Atividades desenvolvidas no projeto:
lixamento e pintura de pinóquios;
confecção de um novo boneco de madeira: o palhaço;
pintura em verniz das peças em madeira dos bonecos pinóquio e dos palhaços;
montagem de pinóquios e palhaços;
pintura dos pés e mãos dos palhaços;
colocação de lã na cabeça dos palhaços;
participação de alunos do terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Evangélico Augusto
Pestana (CEAP), que realizaram um trabalho voluntário com as crianças e adolescentes do
Projeto Cri-Ação Gepeto por meio do Comitê Pela Vida. Este trabalho teve como objetivo
conscientizar os participantes do projeto sobre os cuidados que se deve ter com o meio
ambiente. As atividades desenvolvidas incluíram confecção de cartazes com o tema
“poluição” e exibição do filme “O dia depois de amanhã”, com o tema aquecimento
global, seguido de roda de opinião sobre o filme. Cada criança e adolescente desenvolveu
uma redação sobre o filme assistido. Ainda, os alunos do CEAP se integraram aos
participantes do Projeto Cri-Ação Gepeto para a realização das tarefas de confecção dos
bonecos de madeira (palhaços);
visita da ex-presidente do Cededicai, professora Armgard Lutz, que entrevistou os
participantes do projeto e suas coordenadoras para desenvolver sua tese de doutorado;
exibição da filmagem da entrevista para os participantes do projeto;
colocações aos adolescentes sobre o trabalho realizado no Cededicai. Colocações dos
adolescentes veteranos aos novos integrantes do projeto;
reunião e integração com os responsáveis pelos participantes do projeto;
colocações acerca do Projeto Cri-Ação Gepeto, principalmente no que se refere a fazer a
oficina com dedicação e empenho;
os responsáveis acompanharam seus filhos para o recebimento da mesada, pelos trabalhos
desenvolvidos;
revisão do trabalho produzido;
questionário sobre como cada adolescente se sentiu ao participar do projeto;
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organização de materiais, planejamento, reuniões. Expectativas e avaliações sobre o
trabalho desenvolvido com o Projeto;
colocações das coordenadoras Lígia Shuinsekel e Marines Pollo sobre as abreviaturas dos
nomes; identidade de cada um (prenome e nome) como sendo uma das formas de
reconhecimento da pessoa individual;
realização de uma confraternização com os participantes do projeto em comemoração ao
Dia das Crianças. Ao final, cada criança recebeu de presente uma barra de chocolate;
Realização de uma confraternização com os participantes do projeto para comemorar o
Natal, onde foi feito um sorteio entre as crianças e os adolescentes, que ganharam
brinquedos doados;
após o término de cada oficina, os adolescentes eram os responsáveis pela limpeza e pela
organização da sala (desenvolvimento do espírito de colaboração, solidariedade e de
equipe).
A ONG Cededicai ainda participa de Campanhas. Algumas das Campanhas
desenvolvidas:
a) “Não vamos dar esmolas, vamos das as mãos!O objetivo desta campanha era o de
combater esmolas dadas às crianças e aos adolescentes e incentivar a população à doação
dos valores ao Fundo Card (Fundo da Criança e do Adolescente).
b) “Seja Humano, Denuncie!” Tinha como objetivo maior a denúncia de agressões e maus
tratos a crianças e adolescentes.
Importa mencionar que o Cededicai, desde março de 2006, faz parte, na categoria de
sócio-fundador, da Associação Rede Gaúcha de Integração Social (ARGIS), que é uma
iniciativa inovadora para desenvolver a cultura associativa entre organizações por meio de
convênio das Universidades, da Secretaria do Desenvolvimento Empresarial (SEDAI) e de
instituições sem fins lucrativos.
Através da Rede de Integração Social, participa do Sábado Solidário Nacional, Dia
Solidário Cotrijuí e Dia Solidário Cliente Zaffari, onde arrecada doações de alimentos que são
repassados às crianças e adolescentes do projeto, no lanche e aos seus familiares.
A ONG Cededicai conta com o apoio e colaboração das seguintes parcerias:
1 Padaria Oficina do Sabor, que fornece lanches para as crianças e os adolescentes que são
freqüentadores das oficinas;
2 Rotary club Ijuí Nova Geração;
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3 Studio fotográfico Mauro Spinato, que fornece fotos 3x4 a um adolescente por semana,
para que o mesmo encaminhe seus documentos pessoais;
4 Videosfera Locadora, que fornece uma fita de filme gratuito por mês para os adolescentes
que freqüentam as oficinas. A locadora também expõe os produtos confeccionados pelas
crianças e adolescentes que estão inscritos nos projetos;
5 Art Fácil, que empresta modelos de brinquedos e expõe os produtos confeccionados nas
oficinas;
6 Lar da Criança Henrique Liebich, que empresta o maquinário para o marceneiro Ronei
Harter preparar as peças para a oficina do Projeto Cri-Ação Gepeto.
Locais onde são expostos os produtos confeccionados no Cededicai pelas crianças e
adolescentes:
1 Bazar Paraty;
2 Farmácia do Sesi;
3 Livraria Centenária;
4 Loja de artesanato Arte Fácil, de Marlene Bardini Dürks;
5 Loja Cantu´s;
6 Videosfera Locadora;
7 Casa das Linhas;
8 Posto Antonello;
9 Eroni Achert, que expõe os produtos do Cededicai nas feiras do município e da região.
Participações e colaborações importantes na divulgação dos produtos confeccionados
pelas crianças e adolescentes, assim como dos projetos:
1 Participação no evento “Integrando as Diferenças”, realizado no dia 31 de maio de 2007,
na Praça da República em Ijuí, organizado pela Rede de Integração Social;
2 Exposição de Produtos na Expo-Ijuí 2007, em outubro de 2007, através de Eroni Achert
em seu stand de exposição;
3 Participação na comemoração do primeiro aniversário da Rede de Integração Social, no
dia 26 de outubro de 2007, no Lar da Criança Henrique Liebich.
Visitas que foram recebidas pelo Cededicai:
1. Estudante de Intercâmbio da Unijuí, Laure Frisa, vinda da cidade de Lion, na França, que
esteve em Ijuí até setembro de 2007, realizando estudo sobre as entidades integrantes da
Rede de Integração Social, e visitou várias vezes a ONG para conhecer o seu trabalho.
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2. Mestrando em Filosofia da Unij e Pós-Graduado em Direitos Humanos, Leandro
Andrighetti, que atualmente realiza trabalho voluntário no Cededicai, participando das
oficinas do Projeto Cri-Ação Gepeto, interagindo com as crianças e adolescentes.
Participação do Cededicai em reuniões e cursos importantes:
1. Reuniões do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA)
realizadas mensalmente na Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS);
2. Reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS), realizadas
mensalmente na Secretaria Municipal de Assistência Social;
3. Reuniões da Associação Redes de Integração Social, realizadas mensalmente;
4. Reuniões do COREDE;
5. Reuniões do CONAB;
6. Reuniões com o Judiciário para discutir a execução e andamento das medidas
socioeducativas;
7. Participação da Presidente do Cededicai, Adriana Motta Dias da Silva, no curso Formatos
Brasil, realizado no Senac, em parceria com a Rede de Integração Social;
8. Viagem de Leonides Dupuy a Porto Alegre, para participar da VI Conferência Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos dias 26 e 27 de setembro de 2007;
9. Participação de Adriana Motta Dias da Silva, Leonides Dupuy, Lígia Cinara Schuinsekel,
Marines Pollo e Leandro Andrighetti (Equipe do Cededicai) no curso de Elaboração de
Projetos Sociais, duração de 16 horas, realizado no Senac, nos dias 28 e 29 de novembro
de 2007, ministrado pela socióloga Juceli da Silva, de Porto Alegre;
10. Viagem da Presidente do Cededicai, Adriana Motta Dias da Silva, e da tesoureira, Edi Ida
Nast de Lima, a Porto Alegre, para participar da apresentação dos resultados da Rede
Parceria Social. Nesse momento foi realizada, também, a assinatura do Termo de
Compromisso com a instituição “Pão dos Pobres de Santo Antônio”.
Doações feitas ao Cededicai:
doação de um computador, feita pelo Sr. Vilson, funcionário do Jornal da Manha de Ijuí;
doação de brinquedos (jogos, carrinhos, bichos de pelúcia) por Carlos Bozetto e esposa;
doações de lanches, pelo Supermercado Unisuper, Panificadora Oficina do Sabor, Padaria
Leal, Padaria Di Pani, Cotrijuí.
Projetos enviados para a Rede Parceria Social, dia 15 de agosto de 2007:
“Projeto Criarte”, enviado à Fundação Pão dos Pobres de Santo Antônio;
105
“Projeto Ecos da Vida”, enviado ao Instituto Nestor de Paula;
“Projeto Agir Interagindo”, enviado ao SESI (Por uma Juventude Cidadã);
“Projeto Agir, Incluir e Qualificar” (em parceria com a ACATA Associação dos
Catadores de Lixo), Projeto Integrado de Meio Ambiente e Geração de Renda – PRIMAR;
“Projeto Criarte Santander”, enviado ao Banco Santander em março de 2007;
“Projeto Educar Transformando”, enviado ao Banco Santander em setembro de 2007;
“Projeto Cri-Ação Gepeto”, enviado ao Criança Esperança em 29 de setembro de 2007;
“Projeto Arte Virtual”, inclusão sócio-digital de adolescentes em situação de
vulnerabilidade, enviado ao Senador Paulo Paim, em 26 de outubro de 2007.
Projetos que foram aprovados em 2007 para receber apoio no ano de 2008. Projetos
que estão em andamento no ano de 2008.
1. “Projeto Criarte”, com o apoio da Rede Parceria Social, através da Fundação Pão dos
Pobres de Santo Antônio, sendo contemplado com o valor de R$ 29.900,00 (vinte e nove
mil e novecentos reais). Este projeto pretende dar atendimento a 20 adolescentes e jovens,
entre 16 e 24 anos de idade, de ambos os sexos e que sejam matriculados na rede de
ensino. Ao término do projeto, serão entregues certificados a todos os participantes;
2. “Projeto Cri-Ação Gepeto”, através do Programa Criança Esperança/Unesco, sendo
contemplado com o valor de R$ 60.316,00 (sessenta mil, trezentos e dezesseis reais). O
Projeto Cri-Ação Gepeto pretende dar atendimento a crianças e adolescentes entre 12 e 18
anos de idade, de ambos os sexos, no período de 12 meses, em turno inverso ao da escola.
Cabe salientar que outras organizações sociais, bem como as empresas de Ijuí, vêm
demonstrando interesse pelo trabalho desenvolvido pela ONG, e isto vem sendo
acompanhado da abertura de seus espaços para a divulgação dos produtos, das ações, das
campanhas. Abertura para participar de reuniões com o fim de tratar de questões que possam
ampliar ou qualificar as ações do Cededicai.
4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Lei n. 8.069/90) e Constituição
Federal/1988. Previsões legais em defesa dos direitos da criança e do adolescente
Visto a ONG Cededicai cumprir as medidas socioeducativas, estabelecidas pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cabe se fazer, primeiramente, um breve
histórico do Estatuto com relação ao seu surgimento e relevância na defesa dos direitos da
criança e do adolescente.
106
É verdade que muito tempo a sociedade demonstra certa preocupação com relação
à criança e ao adolescente. Já nas Ordenações Filipinas, entre 1603 a 1830, era feita menção
ao assunto.
1
No ano de 1927, o Decreto 17.943-A, de 12 de outubro, constituiu o Código de
Menores Leis n. 6.697/79 e 4.513/64, que acabou por concretizar dispositivos legais que se
voltaram à questão da menoridade-pátria-infratora. Esse código teve a previsão de proteção e
assistência aos menores de 18 anos. Foi proposto ao menor infrator um tratamento apropriado
a suas condições de saúde, além da posterior reinserção no seu âmbito familiar. Ao menor
pervertido ou àquele que fosse abandonado foi pensado na internação em escola de reforma,
no período de três a sete anos. Quanto ao menor delinqüente, ou menor visto como perigoso, a
lei ordenou que este fosse remetido a estabelecimento especial ou à prisão comum e mantido
separado dos delinqüentes adultos. Sendo assim, percebe-se a proteção ampla ao menor
infrator, através de medidas de procedimentos e educativas (PRATES, 2006, p. 53).
2
Lembra o autor que o passo mais importante em direção ao progresso evolutivo da
proteção à criança e ao adolescente se deu na promulgação da Constituição Federal de 1988
(CF/88). A Carta Magna tem atenção especial voltada à infância e adolescência,
especificamente no capítulo VII. O artigo 227, da CF/88, consagra, com prioridade absoluta, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e na comunidade em que se insere.
É prevista ainda a punição por qualquer forma de negligência, discriminação, violência,
crueldade, opressão contra a criança e o adolescente.
Mas cabe relembrar um pouco da história que antecede o surgimento do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Foi nos anos 80 que começaram a aflorar as questões de cunho
ético e social. A situação da pobreza e do desamparo, menciona-se a questão dos menores
de rua, passa a ser cada vez mais visível no que diz respeito ao problema social da infância.
Neste sentido, era evidente que o Código de Menores, pelo seu estilo repressor, impedia um
desenvolvimento salutar e que beneficiasse a infância. Sendo assim, através do Unicef
3
, da
Funabem
4
e da Secretaria de Ação Social do Governo Federal, foram propostos projetos de
1
Sobre a história anterior ao Estatuto, ver obra de Danziato (1998).
2
Sobre os documentos internacionais e as doutrinas de proteção à criança e ao adolescente, ver obra de Pereira
(1999).
3
Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
4
Funabem – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.
107
implantação alternativos à instituição fechada para o atendimento, a princípio, de menores de
rua, que em 1985 criou o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, tendo elegido
uma coordenadoria em nível nacional (LEITE, 2001, p. 41-42).
Juntamente, por meio de líderes de âmbito jurídico e social, passaram a ser discutidos
aspectos sobre uma nova lei de atendimento aos interesses da sociedade de forma geral. Um
dos pontos importantes em discussão era de que o Estado deveria oferecer assistência e
educação, proporcionando dignidade e respeito a todas as crianças e jovens do Brasil e não
apenas às minorias dominantes.
Foi então nesse contexto que se elaborou o Estatuto da Criança e do Adolescente, sob
a coordenação do rum Nacional de Entidades de Defesa da Criança e do Adolescente
(DCA), que surgiu da articulação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
contando com a técnica de um grupo de juízes, de promotores públicos e da Funabem. O ECA
tornou-se lei em 1990, sendo aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Governo Federal
(LEITE, 2001, p. 42).
5
Sabe-se que a forma como o ECA se elaborou e foi pensado, e o fato de possibilitar a
participação dos vários atores da sociedade, é o que deu força, impulso para a credibilidade na
sua implantação, pois, segundo Leite (2001, p. 44), o ECA,
além de introduzir inovações legais na área do Direito do Menor, como: articulação
e descentralização das ações; a criança e o adolescente vistos como cidadãos sujeitos
de direitos e, como tais, passíveis de proteção integral e prioritária, no que se refere
ao desenvolvimento físico, psíquico, intelectual, social e cultural; introdução de
medidas de caráter socioeducativo; substituição do modelo punitivo e coercitivo
pelo da reabilitação psicossocial e da reinserção na sociedade; abolição do termo
menor, que rotulava a criança e o adolescente passíveis de segregação.
Fala-se, então, de importantes e significativas mudanças, no sentido de ressocializar
crianças e adolescentes que vivem à margem da sociedade excludente. Mudanças a ponto de
torná-los cidadãos dignos de respeito e de proteção integral
,
proporcionando-lhes, juntamente
com as medidas de cumprimento, um desenvolvimento de cunho educacional, social, cultural,
intelectual, psicológico, que virão em benefício da auto-afirmação e da auto-estima que essas
crianças e adolescentes tanto necessitam obter.
5
A autora faz um quadro comparativo das grandes diferenças entre o Código de Menores e a Política do Bem-
Estar do Menor.
108
Pode-se afirmar também que, com a aprovação do ECA, a família passou a fazer parte
do processo de inserção social de seus filhos, recebendo o suporte adequado para que possa
agir e ajudar sua criança ou adolescente a fazer parte da sociedade em que está inserido.
Pondera a autora que mesmo apesar das inovações ocorridas pelo ECA, ao cuidar da
infância pobre, é verdade que ainda existe muito por se fazer para que haja sua efetiva
implementação. Precisa-se de eco no que tange ao aspecto educacional e social, ou seja, a
prática das medidas socioeducativas como realmente o fez a previsão legal, que até o
momento ainda não acontece como a proposta inicial. Para que isso se efetive, é necessário
que se abandone a histórica atitude autoritária com relação à pobreza, visto que, com o ECA e
a Constituição Federal, esses passaram a ter o reconhecimento como sendo sujeitos de direitos
e voz para reclamarem dos maus tratos contra eles cometidos (LEITE, 2001, p. 44).
6
Quanto a essa resistência demonstrada pela própria sociedade com relação à
implementação do ECA, afirma Tavares (1999, p. 627) que
esta forma de agir, fruto de concepções e estruturas viciadas, torna difícil e
trabalhosa a tarefa de assegurar os direitos da parcela mais desprotegida da
sociedade, previstos na lei. Sendo necessário e urgente transformar todos os
cidadãos em defensores do ECA, um bom começo é aproveitar a relação cotidiana
professor-aluno-escola-comunidade e fazer das pessoas que freqüentam este espaço
conhecedores, divulgadores e defensores da Lei.
Na verdade, se trata de uma conscientização que precisa urgentemente ser feita. É
necessário que se consiga incutir na mente das pessoas a importância da prestação da
solidariedade, assim como a ciência de que não são apenas pequenos fragmentos da sociedade
que fazem a cidadania, e sim a união de todos, da sociedade em conjunto é que poderá se ter
resultados efetivos e sólidos.
Então, falando-se agora na estrutura normativa do ECA, ele é composto por 267
artigos, e se constitui em dois livros que são o da Parte Geral, indo do artigo ao 85, e o da
Parte Especial, que vai do artigo 86 ao 258. Ainda possui as Disposições Finais e Transitórias,
nos artigos 259 ao 267.
6
A autora ainda trabalha sobre o lobby que vem sendo articulado pelo Congresso para que alguns pontos do
ECA passem a ser modificados, principalmente no que se refere à questão da redução da maioridade penal.
Além disso, é preciso que se tenha a visão para as instituições como a escola, as casas de acolhimento e os
locais que têm como objetivo o cumprimento da sentença de privação de liberdade, de que estas necessitam
sofrer alterações na sua filosofia e no método de trabalho, no sentido de poderem dar atendimento às normas
estabelecidas no ECA. Fala-se em profissionais que sejam preparados para atuar nesses estabelecimentos e que
tenham a visão de auxílio à criança ou ao adolescente.
109
O ECA, Lei 8.069/90, é uma norma de abrangência ampla em proteção aos direitos da
criança e do adolescente e o respeito à condição especial da criança e do adolescente como
pessoa em fase de desenvolvimento. Ainda, leva em conta os cuidados da população, a
inimputabilidade dos menores de 18 anos, assim como outras medidas que podem ser tomadas
pelo Estado em conjunto com a sociedade, prevendo a ressocialização do menor infrator e as
medidas socieoeducativas que podem ser aplicadas quando da prática de atos infracionais
(PRATES, 2006, p. 57).
7
Menciona o autor que o ECA representa um grande passo na política de atendimento e
de desenvolvimento social de crianças e adolescentes. São vários princípios gerais e
fundamentais que fazem parte do Estatuto.
Entre os principais, tem-se: a) o princípio de atendimento integral (arts. 3º, e 7º),
que trata da proteção integral da criança e do adolescente dignidade, liberdade,
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, social etc.; b) o princípio da garantia
prioritária (art. 4º, alíneas a, b, c e d), garante a primazia de proteção e socorro; c) o princípio
de prevalência dos interesses da criança e do adolescente (art. 6º),
8
interpreta a lei com a
finalidade social, princípio da indisponibilidade dos direitos da criança e do adolescente (art.
27), que dispõe sobre o estado de filiação; d) o princípio do compromisso (art. 32), trata da
guarda ou tutela da criança ou do adolescente; e) o princípio da respeitabilidade (arts. 18, 124,
V e 178), a criança e o adolescente devem estar protegidos de atos desumanos, de violência,
de vexames, trata-se do respeito e da dignidade da criança e do adolescente; f) o princípio da
prevenção geral (arts. 54, I a VIII e 70), é dever do Estado garantir à criança e ao adolescente
o ensino fundamental etc.; g) o princípio da prevenção especial (art. 74) com respeito a
diversões e eventos públicos abrangendo crianças e adolescentes; h) o princípio da proteção
estatal (art. 101), determinando ao Estado a executar programas de desenvolvimento
biopsíquico, social, familiar, comunitário às crianças e adolescentes; i) o princípio da
reeducação e reintegração da criança e do adolescente (art. 119, I a IV), dando apoio à família
dos adolescentes e das crianças, orientando estes através de programas de auxílio e de
assistência; j) o princípio da escolarização fundamental e profissionalizante (arts. 120, §§ 1º, e
124, XI)
9
; k) o princípio da gratuidade (art. 141, §§ 1º e 2º), garante às crianças e aos
adolescentes o livre acesso à prestação jurisdicional; l) o princípio da sigilosidade (art. 143),
7
Sobre a teoria do delito e a questão da percepção dos adolescentes egressos de instituições de privação de
liberdade, ver obra de Volpi (2001).
8
Sobre o princípio do melhor interesse da criança e sua aplicação, ver obra de Pereira (1999).
9
Quanto à questão do trabalho na infância e na adolescência, ver obra de Minharro (2003).
110
que determina o sigilo absoluto quanto à autoria de ato infracional, m) o princípio do
contraditório (art. 170 a 190), que segue a orientação constitucional na garantia da ampla
defesa e isonomia de tratamento judicial aos acusados (PRATES, 2006, p. 57-59). Menciona
o autor que o ECA é uma das legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à
questão da proteção aos direitos da criança e do adolescente.
O ECA se organiza em três eixos que são centrais. São os chamados Sistemas de
Garantias. É um tríplice sistema que atua harmoniosamente entre si, com acionamento
sucessivo ou simultâneo. Este consiste num sistema primário, secundário e terciário de
garantias. O primeiro tem a visão voltada para a universalidade da população infanto-juvenil
brasileira, sem fazer distinções quaisquer. Estabelece os fundamentos da política pública que
deve entrar em execução. Estão presentes nos arts. e 85 a 87 do ECA. O segundo tem o
foco voltado para a criança e o adolescente enquanto vitimados, pela vulnerabilidade em seus
direitos fundamentais. Este tem como operador originário o Conselho Tutelar, fundamenta-se
nos arts. 98, 101 e 136 do ECA. Prevê a Lei a aplicação de Medidas Protetivas em face das
crianças autoras de condutas de infração e, ainda, admite a aplicação subsidiária de Medida de
Proteção ao próprio adolescente em conflito com a lei, conforme previsão legal no art. 112,
VI, do ECA; e o terceiro, que é o que trabalha o adolescente em conflito com a lei, na
condição de vitimizador. Tem como fundamentação o art. 103 do ECA, consagrando um
modelo de Direito Penal Juvenil (SARAIVA, 2006, p. 59).
Falando-se nesses sistemas e garantias que ao mesmo tempo protegem a criança e o
adolescente, mas também servem como forma de repreender os atos cometidos que venham
defrontar a harmonia em sociedade, percebe-se que a lei trata o menor não apenas como
vítima, mas também como alguém que, tendo vitimado outro, em ato de infração, deverá ser
responsabilizado. Claro que se fala de um “responsabilizar” no sentido mais educativo do que,
puramente, repressor, o que não significa que o menor infrator não responda por seus atos.
Nesse sentido, o próximo tópico tratará das medidas de proteção à criança e ao
adolescente, com a visão especialmente voltada para as medidas socieducativas.
4.3.1 Medidas socieducativas. Previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente
Ao se falar em medidas socioeducatinas, é importante lembrar que essas nada mais são
do que a manifestação do Estado, que responde ao ato infracional, praticado por menores de
111
18 anos. As medidas socieducativas possuem uma natureza jurídica impositiva, sancionatória
e também retributiva. O objetivo da medida socioeducativa é o de tentar impedir a
reincidência dos menores; por este motivo, também, esse trabalho é desenvolvido com um fim
pedagógico-educativo (LIBERATI, 2003, p. 101).
Sob o ponto de vista desse fim pedagógico-educativo, pode-se dizer, então, que o
interesse em que o menor responda pelo dano que causou no ato de infração, assim como
também, que, ao fazê-lo, possa aprender e desenvolver de alguma forma a sociabilidade e a
noção de responsabilidade para com a comunidade na qual ele vive. Além do grande objetivo,
que é o de desenvolver nele um sentimento de amparo e de cidadania.
As medidas socioeducativas possuem um caráter impositivo, no sentido de que,
independente da vontade daquele que cometeu o ato de infração, elas serão aplicadas.
Possuem, então, um cunho de sanção no sentido de que, com a ão ou omissão, o menor
infrator acabou por descumprir uma norma, quebrando regras importantes de convivência e de
obediência a todos. É também medida de natureza retributiva. Na verdade, uma resposta do
Estado ao ato infracional assim praticado e tipificado (LIBERATI, 2003, p. 101).
É preciso que aconteça essa resposta do Estado. O infrator deve ser responsabilizado
pelo ato cometido. É uma resposta que a própria sociedade necessita ter. Essa sanção serve
para que o menor infrator se veja em situação de desconforto, por haver desrespeitado um
princípio de convivência em sociedade.
Segundo Saraiva (2006, p. 60), “as medidas socieducativas se fazem aplicáveis apenas
a adolescentes autores de ato infracional, apurada sua responsabilidade após o devido
processo legal.” Assim, depois de se ter o autor e o delito tipificado, far-se-á o devido
encaminhamento processual para que se saiba quais as medidas cabíveis ao fato delituoso.
Tudo deve ser averiguado para que a medida imposta de fato seja cabível.
As medidas socioeducativas estão previstas no ECA, no art. 112 e respectivos incisos.
Estas são: I, advertência; II, obrigação de reparar o dano; III, prestação de serviços a
comunidade; IV, liberdade assistida; V, inserção em regime de semi-liberdade; VI, internação
em estabelecimento educacional.
Importante lembrar que, quanto à natureza jurídica das medidas socioeducativas, é a
de sanção socioeducativa e tem uma finalidade pedagógica, no sentido de entender como
112
sendo uma socioeducação. Neste sentido, por ser sanção, diz-se também ter natureza
retributiva, pois somente àquele que cometeu o ato de infração cabe-lhe a aplicação. Tem,
portanto, força coercitiva, que é imposta ao adolescente.
Então, as medidas socioeducativas são estabelecidas no art. 112 do ECA, que se
aplicam a adolescentes que cometem atos infracionais, ou seja, a toda conduta descrita como
sendo crime ou sendo contravenção penal, conforme o art. 103, ECA.
10
As medidas socieducativas dividem-se em dois grupos diferentes. São eles: o primeiro
grupo, que inclui as medidas não-privativas de liberdade, que são as de advertência, reparação
de dano, prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida. O segundo grupo seria o
que possui maior conteúdo aflitivo, que é executada no momento de submissão do
adolescente infrator à privação de liberdade, ou seja, a semiliberdade e internamento, com ou
sem atividades externas, cuja aplicação será feita somente em casos típicos do art. 122 do
ECA (SARAIVA, 2006, p. 149).
11
É muito importante lembrar que, independente de qual
seja a medida socieducativa em questão a ser cumprida, tenha seu início em audiência
admonitória que seja própria.
12
Cabe mencionar, então, em vista desta pesquisa, quanto às chamadas medidas
socioeducativas não-privativas de liberdade. A proposta do ECA é a de municipalização do
atendimento, ou seja, que os programas sejam desenvolvidos pelos municípios ou por eles
juntamente com as ONGs.
13
É, portanto, a união entre o município e a sociedade civil através das ONGs, com o
objetivo de ressocializar a criança e o adolescente. É importante esse trabalho em conjunto,
10
Contravenção penal é a infração que a lei, de forma isolada, pune com pena de prisão simples ou então de
multa, ou as duas, de maneira alternativa ou cumulada. É, na verdade, um crime de menor potencial ofensivo,
que se enquadra dentro das normas legais que regem as contravenções penais. É, portanto, um ato ilícito
menos importante que o crime.
11
Lembra-se que é o juiz quem tem autoridade para aplicar a medida socioeducativa. Sempre será a autoridade
judiciária, conforme a Súmula 108 do STJ, quando diz que “a aplicação de medidas socioeducativas ao
adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.” A ação do Poder Judiciário
na execução das medidas socioeducativas refere-se ao aspecto jurídico propriamente de agir quanto às
decisões nas questões, em julgar os casos extinguindo ou dando prosseguimento na medida socioeducativa.
12
Audiência admonitória é a chamada ao adolescente, seus pais ou representantes, juntamente com a presença do
Ministério Público e Defensoria, onde o juiz procederá à admoestação em caso de advertência ou poderá
estabelecer a formalização das regras para a reparação do dano causado, e ainda em casos de PSC - Prestação
de Serviços à Comunidade, ou LA – Liberdade Assistida. Trata-se, na verdade, de audiência onde o executado
é orientado e também advertido das condições que lhe são impostas no regime semi-aberto ou aberto. Essa
audiência possui um caráter simbólico de manifestação do exercício da função jurisdicional do Estado. É a
função paternalista do Poder Judiciário, no sentido justamente de advertir. Ver também obra de Liberati
(2003).
13
Lembra-se que o Cededicai trabalha em parceria com a Prefeitura Municipal.
113
onde todos atuam unidos, no combate à exclusão social. O pensamento do ECA é o de
mostrar a necessidade e a grande importância que em todos trabalharem juntos, em prol de
causa tão nobre quanto a de cuidar e proteger a infância e a adolescência.
Sendo assim, quanto aos programas de execução da medida socioeducativa em meio
aberto, é visado o atendimento de adolescentes, em prestação de serviços à comunidade e em
liberdade assistida. Ainda, a permissão de que o adolescente seja incluído em programas
protetivos de que dispõe a comunidade onde reside, conforme menciona o art. 112, inciso VII,
do ECA (SARAIVA, 2006, p. 156).
14
O inciso III do art. 112 do ECA autoriza que se aplique a medida socioeducativa de
prestação de serviços à comunidade. Conforme Liberati (2003, p. 102),
a cada dia que passa, percebe-se que a medida ou pena privativa de liberdade não
traz benefícios para o segregado nem para a comunidade onde ele vive. Já são muito
conhecidas as razões da falência do regime carcerário no País, das dificuldades de
mantê-lo e dos resultados obtidos. Por outro lado, com a opção de aplicar a medida
socializante e educativa da prestação de serviços comunitários, o infrator e a
comunidade vão perceber a finalidade educativa da medida.
Na verdade, o autor faz uma crítica ao sistema penitenciário falido que é aplicado no
Brasil. Seria necessário fazer uma reestruturação nesse sistema, tornando-o eficaz e com uma
visão voltada à reinserção do preso na comunidade, o que, na prática, percebe-se que não
acontece. Por este motivo, se pensa na medida socioeducativa, no sentido de aplicá-la a
infrações leves e pelo caráter educativo e pedagógico que possui.
15
Outra medida não-privativa de liberdade sugerida pelo ECA é a chamada Liberdade
Assistida (LA). Segundo Prates (2006, p. 45), a LA é a:
medida de caráter educativo e preventivo de fundamental importância, em que o
adolescente infrator será atendido em meio aberto. É dirigida, de regra, a
adolescentes reincidentes, que terão um programa especial de atendimento e que
serão supervisionados por autoridade competente, para serem reintegrados à
comunidade, à escola e ao mercado de trabalho.
Percebe-se, também, na medida de LA, o mesmo aspecto e caráter educacional-
pedagógico. Há o objetivo de proporcionar a ressocialização do menor. Através da supervisão,
o menor será orientado e avaliado, sendo lembrado de que a reincidência no ato infracional
14
Sobre esse tema, ver obra de Volpi e Saraiva (1998), Paula (1989).
15
Sobre o ECA e o Código Penal, no que se refere aos atos infracionais previstos no ECA e à identificação que
estes possuem das condutas tipificadas no Código Penal, ver artigo de Jaime Neto e Teixeira (2000).
114
poderá lhe acarretar sérias conseqüências, e que é o interesse de todos os que estão envolvidos
com ele, de trazê-lo de volta ao convívio salutar na comunidade em que ele está inserido.
Sendo assim, cabe lembrar quanto às medidas socioeducativas, que a PSC é uma
maneira de tratamento em meio livre que torna possível ao menor infrator a sua reinserção na
sociedade em que vive. Isso se através da realização de trabalhos, mantendo-se o contato
com os familiares e a comunidade do menor, para que possam ajudá-lo na sua readaptação à
sociedade.
Com relação ao trabalho a que se refere no parágrafo anterior, cabe mencionar que o
artigo 68 do ECA traz o conceito de trabalho educativo. Este é uma atividade laboral
organizada por entidades governamentais ou não-govenamentais sem fins lucrativos. Possui
exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e também social da criança e do
adolescente. Neste sentido, esclarece-se que eventuais valores que o menor venha a adquirir
por haver participado com o seu trabalho ou a venda de algum produto, não se configuram
liame empregatício. Ocorre na verdade, uma certa retribuição ao menor pela sua boa conduta
no cumprimento da medida. Serve como incentivo para que este continue contribuindo em
beneficio próprio, da sua família e da sociedade (MINHARRO, 2003, p. 85).
Oportuno lembrar que a Constituição Federal proíbe todo e qualquer trabalho ao
menor de 16 anos, a não ser em casos de aprendiz, a partir dos 14 anos. Sendo assim, por
força da CF/88, ou o adolescente será empregado a partir dos 16 anos ou será aprendiz a partir
dos 14 anos.
16
Na PSC, no entanto, o infrator realiza serviços gratuitos e de interesse geral da
comunidade. Quanto ao período do seu trabalho, não poderá ser superior a seis meses e nem a
oito horas semanais. Também haverá prestações aos sábados, domingos, feriados ou durante a
semana, não podendo interferir na freqüência escolar ou na jornada do trabalho. O menor irá
prestar trabalho a entidades assistenciais, escolas, hospitais, creches, asilos etc., desde que
entidades filantrópicas. É uma medida importante e eficaz, assim como a LA. Ocorre, muitas
vezes, a determinação de o infrator cumprir ambas ao mesmo tempo. Esse processo vem
sendo utilizado para infrações de maior gravidade, após período de internação (PRATES,
2006, p. 73-76).
16
Não se aprofundará sobre esse tema, apenas lembra-se a restrição colocada pela Constituição Federal sobre a
questão do trabalho infantil.
115
O autor menciona ainda que a PSC possui um caráter social, pois o trabalho colaborará
com entidades filantrópicas. Tem também seu caráter pedagógico, no sentido de que o
adolescente, ao realizar seu trabalho, se sentirá útil e importante na sociedade. Menciona
ainda que, se for correta a aplicação da PSC, como determina o ECA, pode contribuir muito
para que diminua o preconceito social e seja superado o estigma de delinqüência que marca
tanto essas crianças e adolescentes, e que, sem dúvida, é um dos fatores de maior revolta e
sentimento de baixa auto-estima que os desmotiva a deixar o comportamento irregular
(PRATES, 2006, p. 78).
É verdade afirmar, portanto, que para a aplicação eficaz de qualquer medida
socioeducativa, é preciso incentivo e organização do Estado no sentido de tentar encontrar
alternativas fundamentais para a inclusão social da criança e do adolescente. É preciso a
consciência de todos da responsabilidade no que diz respeito ao bem dos menores. É
primordial que funcione o caráter pedagógico e humanitário de uma medida socieducativa
para que os menores infratores possam deixar de fazer parte dessa realidade excludente,
desumana. O importante, além da questão social de conflitos entre os menores infratores e a
sociedade, é demonstrar a esses o interesse no bem-estar social de todos.
4.4 Uma análise crítica dos resultados da pesquisa: a ONG Cededicai e a questão da
ressocialização
Quanto à análise, pode-se dizer que, com base na convivência e nos questionamentos
verbais realizados pela própria ONG, sobre como cada adolescente se sentiu ao participar dos
projetos, o que se observa é que de fato uma grande satisfação dos adolescentes com a
realização desses trabalhos.
Além dessa perceptível satisfação que envolve o sentimento e a sensação de ser pessoa
útil, foi explicitado por eles o importante fato de receberem a mesada, que muito contribuiu
para o orçamento de toda a família, motivo que muitas vezes, os levava até as ruas, numa
tentativa de levar o sustento para casa.
É notório, nos participantes, em sua grande maioria, um sentimento de auto-estima
elevada onde transparece a alegria de uma conquista. Fica claro o fato de que esse
envolvimento se faz necessário, que se fala na ressocialização da criança e do adolescente.
Isso permite a eles uma reflexão quanto aos atos infracionais anteriormente cometidos.
116
relatos de alguns adolescentes que até se consideram felizes pelo fato de terem
conhecido a ONG. Acreditam que, se não tivessem cometido tais atos de infração, não teriam
tido a oportunidade de conhecê-la e, assim, a oportunidade de realização de tais projetos.
Sabe-se, e percebe-se, porém, que nem todos os adolescentes envolvidos se sentem da
mesma forma. Existem crianças e adolescentes com pouca vontade de envolvimento e
participação nos projetos. Afirmam estar na ONG por se tratar de ordem judicial apenas e que
não se sentem à vontade em participar e nem de realizar nada para serem pessoas melhores.
Não demonstram sentimento algum de cidadania. Para estes, pouco importa a sociedade e o
que ela pensa a respeito deles.
O que de fato existe nesses poucos participantes é uma sensação de revolta muito
grande. Revolta esta que fica clara e estampada no tom de voz e na expressão facial de cada
um. É uma sensação de desesperança, de revolta contra tudo e contra todos. Nada agradável
de se ouvir.
Ao conversar com esses adolescentes, se nota, infelizmente, tristeza, fragilidade e total
fragmentação de sentimento de auto-estima com relação à importância pela própria vida. Cabe
afirmar, então, que é de se pensar, cada vez mais, em propostas que venham a trabalhar essas
questões que são tão importantes para a ressocialização dessas crianças e adolescentes.
Isso reafirma, mais uma vez, a necessidade de uma preocupação com esses menores.
Preocupação esta que deve partir do Estado e da sociedade como um todo, visto serem estes
menores o futuro da nação. E, para além de toda teoria, seja social, filosófica ou jurídica, cabe
a ressalva de que importante é pensar na pessoa humana naturalmente digna de respeito.
Utopia ou não, fica a proposta de uma preocupação com o futuro. O amanhã depende
da participação e contribuição de todos. Isso se de fato houver interesse pela continuação da
humanidade, devendo a vida ser considerada como o maior bem, o bem supremo.
Acredita-se na proposta e nos objetivos da ONG Cededicai. Verifica-se que é possível
ressocializar, mesmo enfrentando algumas dificuldades e até descrenças com relação ao
trabalho das ONGs. E, mesmo que não seja possível a inclusão social de todos, vale a chance
de se poder “salvar” a vida de pelo menos uma parte dessas crianças e adolescentes. Ainda
mais quando o que se observa é que ocorre, de fato, a ressocialização em grande parte.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término deste trabalho é possível perceber a importância da participação do Estado
no que diz respeito à questão da exclusão social. Faz-se necessária uma urgente preocupação,
de fato, do Estado, com a situação degradante em que se encontram milhares de pessoas que
vivem à margem da sociedade, cada dia mais excludente. Percebe-se, também, não a
importância como a necessidade da participação da sociedade civil para uma real efetivação
da cidadania.
Voltando-se ao foco principal desta pesquisa, ou seja, a ressocialização de crianças e
adolescentes que vivem em situações de risco, percebe-se o mesmo descaso do Estado. São
muitas as crianças e adolescentes que vivem de forma desumana e degradante. É notória, e
cada vez maior, a violência contra os menores, o abuso, o desprezo e o desrespeito com
crianças e adolescentes em toda parte do país. Mas qual seria, afinal, o papel do Estado com
relação à proteção de seus cidadãos, e mais, de suas crianças e adolescentes? O que deveria
ele fazer para resolver essa situação? E, ainda, seria ele capaz de, sozinho, sanar esses
problemas que assolam gravemente a população brasileira?
Por este motivo e para que se chegasse a algumas respostas, foi necessária a
construção de um entendimento do Estado, partindo-se desde o seu surgimento e passando
pelas evoluções ao longo de sua história, até se conseguir chegar ao Estado e sua estrutura nos
tempos atuais.
Iniciando-se a pesquisa, fez-se um apanhado histórico, percorrendo desde as origens
do Estado clássico até chegar ao Estado contemporâneo, ou seja, observou-se desde os
primórdios do Estado clássico (greco-romano), passando-se ao Estado medieval (com a forte
presença da Igreja no poder), após, ao Estado moderno (com a presença do absolutismo e do
liberalismo), até se chegar ao Estado contemporâneo (o Estado social do Welfare State e do
neoliberalismo).
118
No primeiro capítulo trabalhou-se, então, o surgimento do Estado Moderno com seus
antecedentes e suas formas absolutas que marcaram a história. Foram vistas, também, as
formas liberais, com os teóricos contratualistas, que foram de suma importância para o
entendimento dessa teoria. Para tanto, buscou-se inicialmente lembrar desde a Grécia Antiga,
onde se encontram as primeiras manifestações com relação ao Estado, e o surgimento de
Atenas, considerada como a máxima da democracia. Tempo em que se teve a presença de
Platão, importante filósofo grego da Antigüidade e considerado um dos principais pensadores
gregos, que destacava a idéia de superioridade da sociedade política. Falava Platão na raça
dos puros e verdadeiros filósofos, e que estes é que deveriam chegar ao poder. Por isso é que,
para ele, a sociedade ideal seria aquela que fosse liderada pelos que possuíam alma racional,
ou seja, pelos filósofos.
Além da importante participação de Platão, teve-se a grande contribuição do também
grego e filósofo Aristóteles, discípulo de Platão e que era bastante incisivo, chamando a
atenção com suas clássicas teorias sobre República e Política. Como formas de governo, eram
consideradas ideais para Aristóteles, teorias puras que iriam se contrapor às impuras. Portanto,
na maneira de pensar de Aristóteles, aqueles que detêm o poder político devem deixar as suas
paixões e os seus interesses de cunho pessoal sempre abaixo dos interesses da sociedade que
governam, no sentido de, assim, não incorrerem numa forma impura de governar.
Sendo assim, pode-se dizer que na Grécia surgiram as primeiras manifestações e
preocupações com o Estado. Mas é verdade que a denominação de Estado, ou status em latim,
de significado forte, firme, é na verdade, a situação permanente de convivência e de ligação à
sociedade política. Concepção essa contemplada na obra de Maquiavel, O Príncipe, em 1513.
Maquiavel buscava um modelo de governo que fosse adequado. Por esse motivo é que,
mencionam alguns pesquisadores e doutrinadores, tudo começou com Maquiavel. Ele se
prendia à verdade dos fatos e das coisas, tendo examinado e avaliado as formas de governo,
os tipos de Estado, as instituições políticas, os modos de administração do Estado, os perfis de
governantes, as relações entre os governantes e os governados e vários outros aspectos e
elementos importantes da vida na política.
O Estado, então, surge pela necessidade que o homem tem de encontrar satisfação para
as suas necessidades fundamentais, pois ele não se basta por si só. É assim, o Estado uma
forma mais complexa do que nação, que passa a surgir quando o poder se institucionaliza.
Foram as deficiências da sociedade política medieval que determinaram as características
119
fundamentais do Estado Moderno e o despertar da consciência para a busca da unidade estatal
que se tornaria real na afirmação de uma soberania, ou seja, um governo supremo e
reconhecido como o mais alto de todos dentro de um território delimitado.
Prosseguindo nos estudos, passa-se posteriormente ao Estado Liberal, também
chamado de Estado Constitucional. Este procurava a eficiência na questão da liberdade do
não-constrangimento da pessoa. O grande pressuposto principal deste Estado Liberal é quanto
ao bem-estar comum, atingido em todos os campos e com a menor presença do Estado.
Assim, tem-se uma visão bastante otimista, que parte da constatação do livre jogo dos
diversos egoísmos que passará a produzir o bem-estar da coletividade. Porém, a verdade é
que, em vários aspectos, a presença do Estado foi necessária para suprir certas omissões, tanto
na coibição de abusos, como também para empreender objetivos que não foram atingidos por
essa livre iniciativa. Por esse motivo, deu origem ao Estado Social.
Prosseguindo na História, pode-se afirmar que, com Grócio, tem-se a nova visão
jurídica da modernidade centrada no indivíduo. Assim, a teoria do direito natural moderno
tomou corpo sob a forma do contratualismo. Foi a partir desse momento que a organização
dos indivíduos em sociedade passou a ter justificativa que parte do próprio homem que,
estando em estado de natureza, faz um acordo, chamado de pacto social, donde surge o
Estado-de-Direito, pelo então consenso legitimado.
O conceito de Estado, entretanto, é recente. Assim, o Estado passa a ser visto e
considerado uma experiência da modernidade, passando por várias etapas, desde a monarquia
até a democracia e aos Estados totalitários. Falou-se também do declínio da sociedade
internacional moderna surgida com a Paz de Westfália e o ruir de seus pilares mais sólidos.
Esse é um período de afirmação do Estado moderno como uma entidade política autônoma, de
um monopólio da coação física legítima e soberana. Deste modo, o Estado, no decorrer do
mundo moderno, acabou por se conformar com a potência soberana e uma política
independente.
Neste sentido, é visível notar que o Estado-nação precisa rever a sua política
legislativa. Nesse período, se fez necessária uma reformulação de sua estrutura. Assim, o
surgimento do Welfare State trouxe uma proposta inovadora do Estado Social de caráter
intervencionista, mas também garantidor dos direitos de seus cidadãos. Ingressa-se, então, no
Estado contemporâneo em que se percebe a forma avassaladora do neoliberalismo a invadir o
mundo.
120
Neste cenário, é preciso que se repense o Estado contemporâneo do ponto de vista de
uma estrutura que lhe é própria, tendo em vista as transformações que lhes são impostas no
que tange à questão social. Isto lhe concede um caráter finalístico de função social, o que
significa que o leva a um Estado Social de caráter necessário e, obrigatoriamente,
intervencionista.
É necessário, portanto, segundo sugerem pesquisadores, que se organize o Welfare
State. Nos tempos atuais, é muito importante a busca de novas estratégias de longa duração,
na luta pelo social, pelo interesse de todos. Trata-se de uma luta possível, luta por ideais que
devem ser respeitados, luta pelos direitos fundamentais, pelos direitos que dizem respeito à
dignidade da pessoa humana, direitos do ser cidadão.
O segundo capítulo trata justamente da questão da cidadania. Constatou-se que ela é
um direito de todos. Trabalhou-se desde os tempos gregos até os dias atuais para perceber
suas conquistas nos direitos civis, sociais e políticos. Mencionou-se sobre as revoluções do
liberalismo, muito marcantes para a humanidade.
Com relação ao estudo da cidadania, ficou evidente a importância de sua efetivação
para a real concretização da inclusão do indivíduo na sociedade em que vive e se relaciona.
Este indivíduo é considerado como alguém que integra o Estado, e por este motivo deve ser
acolhido e respeitado como pessoa humana, portadora de direitos.
Quando se menciona a respeito da cidadania em termos de Brasil, lembrou-se também
do quão difícil foi para este construí-la. Pode-se afirmar que a cidadania é um estatuto jurídico
e este possui os direitos e os deveres do indivíduo com relação ao Estado. Sendo assim,
diferencia-se a expressão cidadania de cidadão. Cidadão é o indivíduo na posse dos seus
direitos políticos, enquanto que cidadania é expressão da qualidade de ser cidadão, com o
direito de fazer valer as prerrogativas que provêem de um Estado que é democrático. Então,
diz-se que exercitar a cidadania é de fundamental importância para o indivíduo, por ser um
direito seu. Tanto isso é verdade que, sem ela, não há que se falar em participação do
individuo, não há que se falar em democracia.
Salienta-se que o cidadão, independente das suas origens, deve ser igualado a todos os
outros cidadãos que fazem parte do conjunto da sociedade. O cidadão é um indivíduo, igual a
todos os demais. A partir desta premissa de igualdade surge o princípio de que todos os
homens são iguais perante a lei. É importante lembrar da figura do cidadão enquanto sujeito
121
de direito. O Estado é um produto da vontade do cidadão, que se submete ao seu poder.
Assim, cabe ao Estado zelar pela conservação da vida e da integridade física dos seus
cidadãos.
Importa lembrar que, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, nessa
nova ordem de cidadania existiam duas dimensões, uma universal e outra nacional. Por esse
motivo é que todo homem passa a ter protegidos os seus direitos naturais. É certa a conclusão
de que ter cidadania é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, é ter igualdade perante a
lei. É ter respeitados os direitos civis, políticos e sociais. É poder participar do destino da
sociedade. Votar, ser votado, ter direito à educação, ao trabalho, a um salário justo, ter direito
à saúde, a uma vida com dignidade. Para se exercer uma cidadania plena, importa que se
exerçam os direitos civis, políticos e sociais. Aí, sim, fala-se em viver com dignidade.
Quando se menciona a respeito da cidadania no Brasil, percebe-se que uma
reprodução de desigualdades e que estas se reproduzem de tal forma, ganhando, assim, outras
dimensões. Mas é verdade que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
cidadania, juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, passa a ser o
fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro. Motivo pelo qual o Estado passou a
ser o espaço público de acesso à cidadania.
A Constituição de 1988 outorgou a todos os cidadãos uma soberania juntamente ao
Estado. A declaração constitucional dos direitos do cidadão equipara-se à declaração
constitucional dos deveres do Estado. Portanto, o que a Constituição declara é que os direitos
fundamentais ou os fundamentos do Estado democrático de direito são um dever do próprio
Estado.
Ao se estudar sobre a cidadania, fica claro que cidadão é o indivíduo que goza de seus
direitos civis e políticos e, por extensão, é verdade dizer que cidadania, nada mais é do que a
qualidade ou o estado de ser cidadão. Assim, ser cidadão implica ter e também exercer a
cidadania. Poder gozar dos direitos civis e políticos e cumprir com os deveres para com o
Estado e a comunidade.
Viu-se que a cidadania é a manifestação das prerrogativas políticas que uma pessoa
possui dentro de um Estado democrático. É um estatuto jurídico onde se encontram os direitos
e os deveres da pessoa com relação ao Estado. A expressão cidadão volta-se ao desígnio do
indivíduo na posse de seus direitos políticos. É a cidadania tida como sendo a qualidade de ser
cidadão.
122
Voltando-se ao caso do Brasil, constata-se que os direitos políticos foram concebidos
antes que o povo tivesse adquirido os direitos civis. Tanto é verdade que os brasileiros não
tiveram uma participação na reivindicação e conquista de seus próprios direitos. Ou seja, os
direitos políticos aconteceram sem a manifestação da vontade do povo, o que sem dúvida
prejudicou a percepção da consciência da cidadania no Brasil.
Fica claro, portanto, que se faz necessária uma reflexão sobre o problema da
cidadania. Que se pense a respeito de seu real significado e de suas perspectivas. Saber que,
quando a cidadania é plena, ela integra liberdade, participação e igualdade para todos. Esse,
diga-se, é um ideal que serve de parâmetro de qualidade da cidadania.
Após realizar o estudo sobre o Estado e a cidadania, pode-se perceber que o Estado,
por si só, não possui as condições necessárias de proporcionar a igualdade a todos os
cidadãos, visto os motivos colocados anteriormente. Entra-se, então, na participação da
sociedade civil, na representação das ONGs, como sendo uma tentativa de garantir uma vida
mais digna aos cidadãos, tema este tratado no terceiro capítulo da pesquisa.
A sociedade civil é uma esfera não-estatal de influência emergente do capitalismo e
também da industrialização que leva em consideração a efetiva proteção dos cidadãos contra
os abusos de direitos. Ela é a representação de uma esfera do discurso público dinâmico e
participativo entre o Estado, a esfera pública, composta de organizações voluntárias, e a esfera
do mercado, referente a empresas privadas e sindicatos.
Convém mencionar que a cidadania é reforçada pelo Estado, enquanto a sociedade
civil abrange grupos em harmonia ou em conflito. A sociedade civil cria seus grupos, fazendo
pressão sobre determinadas opções políticas, que acabam por produzir estruturas
institucionais que vêm a favorecer, por sua vez, a própria cidadania. A sociedade civil
consiste assim, e principalmente, na esfera pública, onde a luta das associações e das
organizações que se envolvem na discussão pela cidadania.
É pertinente também que se fale sobre a questão da dualidade Estado e sociedade civil.
É este o mais importante dualismo no moderno pensamento do mundo ocidental. Isso porque
o Estado é uma realidade que foi construída, é uma criação artificial e moderna se comparada
com a sociedade civil. Então, as sociedades são formadas, enquanto que os Estados são feitos.
Neste sentido, pode-se dizer que o Estado, enquanto uma realidade construída é a própria
condição necessária da existência da sociedade civil. Por esse motivo é que alguns autores
123
compreendem a sociedade civil como a própria constituição do Estado. Assim, há uma
Constituição que garante a segurança, a paz, a decência, a participação, a propriedade, etc.
Atualmente, a sociedade civil é entendida como a esfera das relações entre os
indivíduos, entre os grupos e entre as classes sociais que passam a se desenvolver à margem
das relações de poder caracterizadas pelas instituições estatais. Cabe dizer que a sociedade
civil e o Estado são duas entidades com relação entre si, pois entre elas existe um contínuo
relacionamento. É verdade que a sociedade civil, de forma organizada, poderá garantir e
possibilitar que surjam organizações, instituições e movimentos sociais que sejam realmente
capazes de atuar, transformando assim a cruel realidade social. A sociedade civil é, sem
dúvida, o espaço das lutas sociais.
Analistas asseguram que, desde o momento histórico do surgimento do Estado
moderno, a problemática da relação entre o Estado e a sociedade é ponto central de vários
estudos. Verifica-se o problema da construção e da consolidação do Estado nacional frente à
situação de uma sociedade fragmentada. Mas foi a partir da década de 70 que o Estado,
consolidado em relação à sociedade, entra na crise fiscal, ao mesmo tempo em que é colocada
em questão a sua estratégia de intervenção nos campos econômico e social. Nessa situação,
acentuada pela globalização, é necessária uma reforma ou a própria reconstrução do Estado.
Diante da crise do Estado e do grande desafio que a globalização representava, a
sociedade civil se mostrou interessada na redefinição do papel do Estado para, mediante
intervenções, fortalecê-lo. Por isso se pode dizer que é verdade que a sociedade civil, estando
entre a sociedade e o Estado, deixa de ter um caráter de passividade.
Cabe lembrar que, entre os atores da sociedade civil, estão os movimentos sociais, as
ONGs, as associações de moradores e as entidades filantrópicas, os grupos de base e de mútua
ajuda, os sindicatos, as entidades estudantis, todas as formas de associativismo, informais e
esporádicas. Todos esses lutam para tentar encontrar soluções aos problemas sociais,
ampliando os direitos políticos e a conscientização da cidadania. Fazem parte da sociedade
civil homens e mulheres engajados na cidadania ativa, agindo e transformando a sociedade.
É importante lembrar que as políticas neoliberais se consolidam no final dos anos 90,
período em que o moderno passou a ser visto como o atraso. A partir daí se deu o crescimento
descontrolado da pobreza, do desemprego e da violência urbana. Neste contexto, tão desigual,
se torna ainda mais importante o papel da sociedade civil, na tentativa de sanar, ou pelo
menos amenizar, a tamanha crise de desigualdades. É pertinente afirmar que a sociedade civil
124
ainda está em fase de construção histórica. Isto se porque a cada dia que passa o seu
significado se transforma, mais e mais. Mas, de fato, pode-se afirmar que sua participação
muito contribui para a concretização de uma realidade mais humana, de uma efetiva
cidadania.
A participação ativa da sociedade civil se também por meio do funcionamento das
Organizações Não-Governamentais (ONGs). Estas se constituíram em novos e dinâmicos
atores. As ONGs são organismos criados pela sociedade civil, por intermédio da associação
voluntária de cidadãos. Elas não se configuram como estruturas intergovernamentais, ou
como organismos criados e sustentados pelos Estados modernos. São consideradas as
estruturas voluntárias da cidadania.
Surgem as ONGs por causa dos espaços vazios deixados pelo Estado e pelas
organizações internacionais devido à incapacidade desses em muitas situações. Pelo fato de
não terem solucionado vários problemas vividos pelos mais variados segmentos do povo, e
isso, diga-se, também em nível mundial. Desta forma, o Estado perde cada vez mais sua
credibilidade, no sentido de ter capacidade em dar atendimento às demandas de problemas
sociais, bem como de poder propiciar o bem-estar social e melhorar a qualidade de vida da
população.
As ONGs surgiram por volta dos anos 70 (século 20), nos países considerados
desenvolvidos e se espalharam pelo mundo todo, como uma forma alternativa de gestão da
sociedade, diferente das suscitadas pelo Estado moderno e pelas organizações internacionais.
Elas nasceram, é verdade, da grande necessidade que a sociedade enfrentava. Por intermédio
das ONGs, a sociedade tem buscado suprir suas necessidades e ver formas que sejam
alternativas para a solução dos problemas sociais que assolam a população.
Com o surgimento das ONGs, há uma verdadeira maturidade e participação das
pessoas, dos cidadãos, nas questões da sociedade. São as novas formas de representação
política. As ONGs são uma criação de iniciativa privada, e atuam sem fins lucrativos em
atividades de interesse geral. Consideram-se movimentos que visam trabalhar temas
democráticos, a cidadania, as liberdades, a identidade cultural e, é claro, as questões voltadas
para a sustentabilidade da vida humana na Terra, o meio ambiente global, o desarmamento
nuclear, etc.
De fato, as ONGs possuem responsabilidade muito grande na sociedade civil. Um
papel de crucial importância, que busca alternativas para a crise ecológica e a crise social que
125
vêm ameaçando o mundo, por intermédio da globalização da pobreza, que assola cada vez
mais a humanidade. Elas têm o compromisso de uma ética que objetiva a emancipação do
sujeito, proporcionando-lhe a efetivação de sua cidadania.
O trabalho que as ONGs realizam é, na verdade, um trabalho árduo, no sentido de que
o combate à discriminação social, à pobreza em grandes proporções e tudo o que isso implica,
não é de fácil resolução. Faz-se necessária a participação, o envolvimento de pessoas que
realmente tenham a vontade de lutar contra as desigualdades desumanas que varrem a
esperança e a dignidade de milhares de seres humanos. Essas questões colocam em dúvida o
desenvolvimento da humanidade. Como, porém, em meio a tantas desigualdades e incertezas,
em meio a tanta pobreza e injustiças sociais, será possível que se fale em desenvolvimento?
É neste sentido que cabe lembrar os fins e os meios do desenvolvimento que Amartya
Sen (2000) coloca de forma magnífica em sua obra Desenvolvimento como liberdade sobre tal
questão. Segundo o autor, uma visão que considera a questão do desenvolvimento um
processo que se efetiva de modo feroz e com muito sangue, suor e lágrimas. É preciso que se
pense em redes de segurança social de proteção aos pobres, no fornecimento de serviços
sociais para a população em geral, no afastamento da inflexibilidade das diretrizes em
respostas às dificuldades assim identificadas. É necessária muita disciplina para que ocorra o
desenvolvimento. Este deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que
as pessoas devam desfrutar. Essa expansão da liberdade é considerada o fim primordial e o
principal meio do desenvolvimento. O autor a considera o papel constitutivo e instrumental no
desenvolvimento para o enriquecimento da vida humana. Tais liberdades substantivas inserem
as capacidades que são elementares, como a de ter condições de evitar as privações da fome, a
subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, assim como as liberdades que dizem
respeito a saber ler, calcular, ter participação política, liberdade de expressão, etc. Na
percepção constitutiva, o desenvolvimento envolve a expansão de liberdades que são
humanas. A sua avaliação se baseia, necessariamente, em tal consideração.
O autor ainda considera que as liberdades são integrantes do enriquecimento desse
processo de desenvolvimento. Ele menciona a liberdade como meio, ou seja, a liberdade
instrumental. Cita alguns tipos de liberdades instrumentais, como as liberdades políticas, as
facilidades econômicas, as oportunidades sociais, as garantias de transparência, a segurança
protetora. São essas liberdades instrumentais que podem contribuir para a capacidade geral da
pessoa poder viver livremente e umas complementam as outras, visto que a liberdade não é
considerada apenas o objetivo primordial do desenvolvimento, e, sim, o principal meio.
126
Cabe dar mais ênfase, neste momento, em função desta pesquisa, às oportunidades
sociais. Estas são, segundo Sen (2000, p. 56),
as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde, etc., as
quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor. Essas
facilidades são importantes não para a condução da vida privada (como, por
exemplo, levar uma vida saudável, livrando-se de morbidez evitável e da morte
prematura), mas também para uma participação mais efetiva em atividades
econômicas e políticas.
Sen (2000) continua se referindo à questão da pobreza como uma privação das
capacidades básicas. Ele não a pobreza apenas como uma questão de renda baixa, vai
muito além disso. Menciona a pobreza de renda e a pobreza de capacidade, ou seja, pobreza
como inadequação de capacidade e pobreza como baixo nível de renda. Para ele, as duas estão
vinculadas, tanto é verdade que a renda é um meio muito importante de se obter capacidades.
Além disso, o autor adverte sobre a questão do desemprego como outro fator gerador de
impedimento do desenvolvimento. Diz que os efeitos do desemprego, além da perda de renda,
têm a ver com a própria vida das pessoas. Ele pode causar vários outros tipos de privações.
Existem provas de que o desemprego abala o psicológico, pois o indivíduo se numa
situação de perda de motivação para viver, perda de suas habilidades e da autoconfiança.
Ainda, há o aumento de doenças, perturbações das relações familiares e da vida em sociedade.
Isso vem a intensificar a exclusão social e a própria questão da violência, cada vez mais
presente nos dias atuais.
É verdade que muitas crianças se encontram hoje em situação de risco, por todos os
fatos anteriormente ditos. Na verdade, são vários os motivos que levam muitas vezes milhares
de crianças e adolescentes a buscar nas ruas soluções variadas para seus problemas. Cita-se a
fome, o desemprego dos pais, a falta de educação, etc., como os motivos mais admitidos. Mas
sabe-se que vários outros que se seguem. Os maus tratos, o desprezo, o desamparo levam,
a cada dia que passa, estes seres ao universo das drogas e da prostituição, do furto, do roubo,
do homicídio, do suicídio, etc., aumentando o quadro de alarmante violência.
Continuando, então, a se falar da importância da sociedade civil e das ONGs como
forma que amenizar o quadro de exclusão social, cabe lembrar que uma crítica a respeito
da legitimidade das ONGs. Alguns autores críticos reivindicam a possibilidade de
averiguação do funcionamento destas e se, de fato, a visão é de incluir. Dizem esses críticos
que muitas destas ONGs podem, na verdade, apenas se aproveitar do fracasso do Estado e de
suas políticas, cabendo então uma certa fiscalização neste sentido.
127
Mesmo assim, existindo críticas, havendo desvios e incertezas, é de se concluir que é
de suma importância a participação das ONGs no que tange à integração da sociedade civil
mediante os projetos que defendem e valorizam os interesses da coletividade e das pessoas
excluídas. Efetivam, em muitos casos, políticas públicas que concretizam e possibilitam a
cidadania dos indivíduos, em especial dos menores que estão em situação de risco.
Sendo assim, trabalhou-se ainda, no terceiro capítulo, a questão da ressocialização do
menor infrator. Utilizaram-se conceitos extraídos de doutrinas para que se pudesse situar o
leitor quanto à figura e às características deste menor que cumpre medidas socioeducativas.
Lembra-se que, além disso, relatou-se a respeito da violência juvenil, por se tratar de uma
realidade na vida de muitas crianças e adolescentes que vivem, ou que passam a maior parte
de seu tempo nas ruas.
Por fim, no quarto capítulo se trabalhou sobre a ONG Cededicai, do município de Ijuí.
Falou-se do papel que esta desenvolve com crianças e adolescentes, na busca de
ressocialização de crianças e adolescentes. Percebeu-se que o Cededicai é uma ONG sem fins
lucrativos que desenvolve projetos com vistas a propiciar o desenvolvimento da percepção do
ser cidadão, da busca do reconhecimento da auto-estima. A importância da construção da
definição do ser cidadão e a concepção de pessoa portadora de direitos e deveres como
indivíduo digno de ter seus direitos respeitados e protegidos são trabalhos que o Cededicai
vem desenvolvendo e obtendo bons resultados até os dias atuais.
Esta pesquisa mostra que, apesar de tantos motivos que causam decepções e
desesperanças em uma realidade social excludente, onde é possível a constatação da situação
desumana em que se encontram crianças e adolescentes, ainda pode-se dizer que que se
falar em esperança. Utopia ou não, é preciso que se vislumbrem novas oportunidades para a
resolução dos problemas sociais que assolam a nação brasileira, seu povo e o seu futuro, que
são as crianças e os adolescentes. É preciso que se lute diariamente para a concretização da
real e tão almejada cidadania.
Concluindo, acredita-se que o futuro pode ser moldado por todos, basta que se tenha
como base as escolhas certas. Que se tenha o interesse em respeitar os valores, as liberdades,
os direitos fundamentais. Que se priorize o ser humano e que se materialize a dignidade da
pessoa humana.
128
REFERÊNCIAS
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ANDERSON, Perry et al. Balanço do neoliberalismo. In: SADER; GENTILI (Orgs.). Pós-
neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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“Orientador: Dejalma Cremonese”.
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Cremonese, Dejalma. II. Título.
CDU: 061.2
342.71
Catalogação na Publicação
Patrícia da Rosa Corrêa
CRB10 / 1652