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Tatiana de Freitas Ordonhes de Mello
DA MEDIAÇÃO DO PROFESSOR
ÀS MEDIAÇÕES DOS SUJEITOS
- ADULTOS E CRIAAS -
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Departamento de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Rio de Janeiro
Abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610389/CA
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Tatiana de Freitas Ordonhes de Mello
DA MEDIAÇÃO DO PROFESSOR
ÀS MEDIAÇÕES DOS SUJEITOS - ADULTOS E CRIANÇAS -
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação da PUC-Rio como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre.
Orientadora: Sonia Kramer
Rio de Janeiro
Abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610389/CA
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Tatiana de Freitas Ordonhes de Mello
DA MEDIAÇÃO DO PROFESSOR ÀS MEDIAÇÕES
DOS SUJEITOS - ADULTOS E CRIANÇAS -
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação do
Centro de Teologia e Ciências Humanas da
PUC-Rio. Aprovada pela comissão
Examinadora abaixo assinada.
Profª Sonia Kramer
Orientadora
PUC-Rio
Profª Isabel Lellis
Presidente
PUC-Rio
Profª Hilda Aparecida Micarello
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
CES/JF
Prof º Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial de Pós-
Graduação do Centro de Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 07de Abril de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610389/CA
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou Parcial do trabalho sem autorização do autor, do orientador
e da Universidade.
Tatiana de Freitas Ordonhes de Mello
Graduou-se em Pedagogia na UERJ (Universidade Estadual do Rio
de Janeiro) em 2001. Cursou a Especialização em Educação Infantil
Perspectivas do Trabalho em Creches e Pré-escolas na PUC/Rio.
Participou do Grupo de Pesquisa Infância, Formação e Cultura (Infoc)
da PUC/Rio no ano de 2007. Atuou como professora na educação
infantil da rede pública e particular do Rio de Janeiro durante dez anos
e, atualmente, coordena a educação infantil de uma escola da rede
pública do mesmo Município.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Mello, Tatiana de Freitas Ordonhes de
Da mediação do professor às mediações dos sujeitos
adultos e crianças na educação infantil / Tatiana de Freitas
Ordonhes de Mello; orientador: Sonia Kramer. – 2008.
139 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Educação Teses. 2. Interação. 3. Mediação
semiótico/pedagógica. 4. Educação infantil. 5. Signos. I. Kramer,
Sonia. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Educação. III. Título.
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Aos meus pais Raimundo e Fatima e a meu esposo Lucio,
amados companheiros nesta caminhada pela vida
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Agradecimentos
Ao chegar ao final deste trabalho, um agradecimento especial aos principais
mediadores em minha vida
acima de tudo a Deus, Luz e Graça constantes em minha existência;
a meus pais, fonte de amor, alegria e segurança desde o meu primeiro dia;
a Lucio, marido, amigo, amado... pela compreensão e estímulo de todas as horas;
a meu irmão Jucelino, exemplo de luta e superação, pela confiança e incentivo;
à minha família como um todo, que me ensinou que lutar com alegria é vencer;
aos amigos e amigas, diretores, coordenadores, professores, funcionários, pais e
alunos da Escola Oga Mitá, Escola Parque, Escola Casa Monte Alegre e Escola
Municipal Fundação Leão XIII, por todos os desafios vencidos juntos, por todo o
carinho e amor trocados no cotidiano, por tudo o que me ensinaram, enfim, por
tudo ou o que sou profissionalmente;
à Ana Paula, Katia Bizzo, Conceição Cristina, Daniela Guimarães e Léa Tiriba,
pelo carinho e amizade reafirmados em todos os momentos;
à querida Sonia Kramer, um agradecimento especial pela dedicação, carinho e
sensibilidade com que me acompanhou durante todo esse trabalho;
aos professores do Departamento de Educação e Pós-Graduação, em especial,
Maria Inês Marcondes, Isabel Lelis, Rosália Duarte, e Maria Apparecida Mamede
pelos conhecimentos compartilhados e, principalmente, pelas questões, em mim,
suscitadas;
ao professor Leandro Konder, pelas palavras oferecidas em minha chegada e que
me ampararam em todos os momentos do mestrado;
às amigas do Grupo de Pesquisa Infoc ,em especial, Anelise, Núbia, Silvia, e
Rejane pelas trocas, discussões e encorajamento;
aos amigos da turma de mestrado, em especial, Viviane, Beth, Cremilda, Vanessa
e Isabella pela cumplicidade, união, generosidade e alegria inesquecíveis;
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Ao CNPq e FAPERJ, pelo auxílio financeiro, sem o qual não seria possível este
trabalho;
e, por fim, à direção, professoras e crianças da escola pesquisada, pela
disponibilidade e interesse em deixar suas marcas neste trabalho.
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Resumo:
Mello, Tatiana de F. O., Kramer, Sonia. Da mediação do professor às
mediações dos sujeitos - adultos e crianças- na educação infantil. Rio de
Janeiro, 2008. 139p. Dissertação de mestrado. Departamento de educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O objetivo desta dissertação é analisar o que significa ou pode significar ser
um professor mediador na educação de crianças pequenas. O trabalho é
embasado pelo conceito de mediação semiótica de Vigotski, pelo conceito de
signo de Bakhtin e pelo referencial da Sociologia da Infância. Além disso, os
textos teóricos da década de 90 e 2000, que tratam do tema da mediação do
professor são referências para o estudo. Com o foco direcionado para as relações,
a pesquisa busca conhecer quais os tipos de mediação realizadas pelos sujeitos
adultos e crianças que integram duas turmas de educação infantil em uma escola
de ensino fundamental, compreendendo como eles se concebem e concebem suas
ações na escola. No contexto do trabalho de campo, as relações entre crianças,
adultos e signos mediadores permitiram a percepção de algumas recorrências e,
também, algumas diferenças nos tipos de mediações que ocorrem no cotidiano de
cada grupo. No caso das mediações dos adultos com as crianças das turmas A
(crianças de 4 anos) e B (crianças de 5 anos), são presentes as mediações do tipo
organizadoras, as do tipo desafiadoras no que diz respeito à convivência com os
colegas, as mediações do tipo informativas e as mediações do tipo instrutivas, ou
seja, “siga o modelo do professor”. No caso das mediações de crianças com
crianças e com adultos, foram observadas as que as crianças solicitam a
participação direta do adulto para resolver algo que sozinhas não conseguiram, as
que se inspiram nas falas ou atitudes do adulto sem a presença direta deste em
suas ações e as mediações que vão além do modelo adulto. Nestas relações,
signos revelam idéias e concepções importantes para uma discussão sobre as
práticas escolares para/ com as crianças pequenas.
Palavras-chaves
Interações, mediação semiótica/pedagógica, signos, educação infantil.
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Abstract
Mello, Tatiana de F. O., Kramer, Sonia (advisor). From mediator teacher
to mediator individuals - adults and children- in children education. Rio
de Janeiro, 2008. 139p. Msc. Dissertation. Departamento de educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The purpose of this research is to analyse what being a mediator teacher means or is
likely to mean in children education. This investigation is based on i) Vigotski's concept
of semiotic mediation, ii) on the concept of signs developed by Bakhtin; iii) on the studies
of early childhood Sociology, and, finally, iv) on the theoretical texts that approached the
topic between the 1990s and the year 2000. Focusing mainly on the relationship among
individuals, this study seeks to investigate the types of mediations which occur between
adults and children in the school environment. The research was carried out with two
different classes of four and five- year-old children pupils, respectively, in a state school
of Early Childhood Education and Primary School, with the purpose of comprehending
how children and adults perceive themselves and perceive their actions in that particular
environment. The field work provided a broad understanding of the mediating signs
existing in the relationship between children and adults, their recurrences and also the
differences in the types of mediation that occur in the every-day interaction in each
group. The mediations identified between the adults and the children in group A (four-
year-old children) and B (five-year-old children) are: the organising mediations;
challenging mediations, encountered in inter personal communication with their peers;
informative mediations, and instructive mediations which position the teachers as
"models to be immitated". As for the mediations occurring when adults and children are
engaged in joint activity, it could be noticed that mediation was necessary in situations in
which children often requested the adults as a support to appproach problems that they
were not be able to solve by themselves. There was also the kind of mediation which
could be found in the adults' speeches and attitudes, regardless of their presence. Finally,
it could be seen that some mediations were beyond the adult model. Yet, in all these
relations, the signs have proved to be crucial tools, in that they reveal important ideas and
concepts that enable us to discuss and reflect on the school practices regarding small
children.
Keywords
Interaction, semiotic, pedagogic, mediation, signs, children, education.
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Sumário
1. Introdução 11
2. O professor da educação infantil é - deve ser - um mediador? 16
2.1 A mediação dos signos na atividade humana – as
contribuições de Vigotski e Bakhtin para o campo da Educação 16
2.2 O tema da mediação do professor no campo teórico 22
2.3 O conceito de Mediação Semiótica e a concepção de
professor mediador nos diferentes textos oficiais 30
3. A educação infantil em uma escola de ensino fundamental 43
3.1 A contextualização da pesquisa 43
3.2 Opções teórico - metodológicas 45
3.2.1 A construção do objeto – o encontro do texto/contexto 45
3.2.2 O lugar do pesquisador e sua familiaridade com o
objeto de pesquisa 53
3.3 O contexto da educação infantil no município do Rio de Janeiro 56
3.4 A escola e seus sujeitos – crianças, familiares e professores 60
4. A mediação dos sujeitos no cotidiano da educação infantil 74
4.1 Ser criança 75
4.1.1 O que dizem as crianças e os adultos sobre ser criança e
ser adulto 77
4.1.2 Como as crianças atuam na escola e medeiam as ações de
outras crianças e adultos 83
4.2 Os signos (conhecimentos) que circulam nas turmas de
educação infantil em uma escola de ensino fundamental 96
4.2.1 O que dizem as crianças e os adultos sobre os signos
(conhecimentos) da educação infantil? 98
4.2.2 Os signos (conhecimentos) que estão explícitos no cenário
da escola 102
4.3 Ser adulto e professor na educação infantil 109
4.3.1 Os tipos de mediação dos adultos com as crianças pequenas -
o limite tênue entre o desafio e o direcionamento 113
5. Considerações Finais 124
6. Referências bibliográficas 130
7. Anexos 134
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“Qualquer idéia que te agrade / por isto mesmo...é tua. /
O autor nada mais fez que vestir a verdade / Que dentro em ti se achava nua...”
Mário Quintana
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1. Introdução
No campo da educação brasileira, principalmente na década de 90, a
concepção do professor como mediador ganhou um lugar comum nos textos
oficiais e na fala dos educadores.
No entanto, é possível afirmar que ainda são
poucos os trabalhos científicos que se dedicam a conhecer como esta concepção
de professor vem sendo posta na prática por educadores, especialmente, os da
educação infantil. A partir desta constatação, a pesquisa que será apresentada
neste trabalho, se pôs a revolver o terreno teórico sobre o qual esta concepção está
assentada, para encontrar as raízes e as premissas teóricas que a sustentam e
buscar relações com a prática dos sujeitos que compõem a cena real de turmas de
educação infantil.
Um dado importante da construção desta pesquisa é o processo no qual seu
objeto foi construído. Para pensar a questão do papel do professor como
mediador, precisei realizar um processo de afastamento de minha própria prática
como professora e, desta forma, ter um olhar mais amplo sobre o campo e sobre a
prática de outros educadores. Este processo de construção do objeto de pesquisa
se inicia bem antes de minha incursão ao mestrado. Durante a construção de
minha monografia
1
, percebi o quanto esta questão da mediação se repetia nas
mais diferentes discussões, perpassando os mais diferentes assuntos sobre a escola
e a infância. Neste período, refleti sobre minha vida e minha prática como
professora, na tentativa de encontrar os percursos que me levaram a internalizar
esta idéia do professor como mediador. Diferentes passagens em minha formação
profissional serviram de alicerce a esta construção, como, por exemplo, o tempo
em que realizei o curso normal, o tempo do curso de Pedagogia, e,
principalmente, o tempo em que trabalhei em uma escola que embasava sua
proposta e prática em concepções construtivistas de Piaget, na concepção
histórico-cultural de desenvolvimento de Vigotski e nos quatro pilares da
pedagogia Freinet (cooperação, comunicação, afetividade, registro).
Uma das conclusões do meu trabalho monográfico foi a de que a idéia de
mediação do professor não teria apenas um sentido, mas múltiplos sentidos que
resultavam de diferentes leituras e vivências dos professores. No meu caso, esta
1 A Mediação do Professor e seus Múltiplos Sentidos na Vida e Na Escola.
Monografia aprovada no curso de especialização em educação infantil, PUC-Rio,
2005
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idéia da mediação do outro na constituição do sujeito encontrou terreno bastante
fértil em
minha identidade profissional, por conta das marcas de uma história
familiar e, também, das trocas vividas em uma escola com um intenso
projeto/processo coletivo. Para me expressar melhor, faço minhas as palavras do
poeta Mário Quintana: “Qualquer idéia que te agrade / por isto mesmo...é tua. / O
autor nada mais fez que vestir a verdade / Que dentro em ti se achava nua...”
(2005, p. 79) Ou seja, a idéia ou o conceito de professor mediador me atingiu de
um modo muito singular na medida em que precisava de um respaldo teórico para
entender o que eu considerava como única forma de viver a educação - junto do
outro e com o outro.
Diante deste encontro com os significados que a idéia de mediação do
professor tiveram em minha vida pessoal e profissional, passei a me questionar
como isto vem ocorrendo com os outros educadores, especialmente, os
professores da educação infantil. O que significa esta idéia para os outros
professores? Eles concordam que o professor de crianças pequenas precisa ser um
mediador? Eles se consideram professores mediadores? Saberiam dizer sobre
quais bases teóricas está pautada esta afirmação? Para responder a estas
perguntas, exercito um processo de distanciamento e aproximação constante das
idéias concebidas e construídas em minha própria experiência com a intenção de
ver o outro.
Nesta direção, oriento-me a partir dos trabalhos de Bakhtin sobre a ética
do acontecimento discursivo nas ciências humanas, sob o qual o conceito de
exotopia
2
é fundante. Este teórico nos alerta para o fato de que, quando olhamos
o outro o fazemos, também, internamente. O outro indivíduo está fora e diante
de mim não externa mas também internamente. (...) Ao me vivenciar fora de
mim no outro, os vivenciamentos têm uma exterioridade interior voltada para
mim no outro, têm uma feição interna que posso e devo contemplar com amor.”
(2003. p. 93) O eu singular focaliza sua lente sobre o outro a partir de sua
experiência singular no mundo, obtendo, então, uma visão que nunca é neutra.
Por isso, com o intuito de ver o outro, é preciso olhar para dentro de nós e
demarcar o lugar de onde pretendemos falar. Assim, se poderá afirmar que “A
existência foi estabelecida de uma vez por todas e de forma irrevogável entre
2 Bakhtin, 2003
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mim, que sou o único, e todos os outros para mim; a posição na existência está
tomada, e agora qualquer ato e qualquer juízo de valor podem partir dessa
posição, e eles a antecipam para si”. (BAKHTIN, 2003, p. 118)
O lugar de onde falo é o de pesquisadora que, além disso, possui
experiência de oito anos em turmas de educação infantil e ensino fundamental no
município do Rio de Janeiro e que, há alguns anos, vem refletindo sobre o tema da
mediação do professor. Minha atuação no grupo de pesquisa Infância, Formação
e Cultura / Infoc, da PUC/RIO, deu-me a oportunidade de participar de uma
pesquisa desenvolvida em 20 instituições públicas de educação infantil
3
deste
mesmo Município e discutir como se dão as interações entre crianças e adultos e
entre crianças e crianças, percebendo as marcas de identidade, diversidade e
autoridade que compõem este contexto. Esta discussão sobre as interações,
realizada no grupo de pesquisa, exigiu a ampliação do meu olhar sobre o tema
particular de minha dissertação - a mediação do professor, pois apontava a
necessidade de reconhecer, também, a importância das mediações dos outros
sujeitos – adultos e crianças – envolvidos no cotidiano das turmas.
Com o objeto de pesquisa desta dissertação ampliado, fui à uma escola
ouvir alguns dos adultos envolvidos com a educação infantil para entender quais
suas concepções de criança, de educação infantil e conhecer como eles
compreendiam seus papéis de adulto/professor que trabalha com as crianças
pequenas. Observei, no cotidiano, o modo como os professores interagem com
suas crianças e como o espaço e o tempo são organizados para o diálogo com elas.
Por outro lado, observei as crianças para entender como elas interagem com
determinadas ações dos professores e conversei com elas sobre o que pensam
sobre a escola e sobre o mundo. Como afirma Bakhtin (1990), as relações entre
os sujeitos são perpassadas por diferentes informações - signos presentes na
consciência de cada um que vão interferindo na ão e na construção de novos
signos do outro. Na escola, estes signos se apresentam nos espaços, nos materiais
e nas falas dos sujeitos. Desta forma, perceber e conhecer estes signos trazidos
pelos adultos e pelas crianças da pesquisa tornou-se um dos objetivos
fundamentais deste trabalho em sua proposta de compreender esta relação entre
os sujeitos.
3 Creches, escolas exclusivas de educação infantil e escolas de ensino
fundamental com turmas de educação infantil
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Para alcançar estes objetivos propostos e buscar responder às questões
formuladas no início desta dissertação, foi necessário estabelecer um diálogo
permanente entre o campo teórico e o campo da prática. Partindo do princípio de
que a concepção de professor mediador está presente no discurso do sistema
municipal de ensino do Rio de Janeiro e que todo professor, cada qual à sua
maneira, é um mediador, questiono: como os textos oficiais que regulamentam o
município do Rio de Janeiro abordam o tema da mediação do professor na
educação infantil? Quais relações podemos fazer entre esse discurso teórico e as
práticas?
O primeiro capítulo começa com a apresentação do início da viagem feita
pelo plano teórico, trazendo o conceito de mediação dos signos na perspectiva de
Vigostki e suas relações possíveis com os estudos filosóficos da linguagem de
Bakhtin. Estes dois autores são utilizados como fundamento de alguns dos textos
oficiais e científicos encontrados ao longo da pesquisa. Na segunda e na terceira
partes, é apresentado o levantamento que foi realizado sobre o tema da mediação
do professor nos textos do campo científico e nos textos oficiais, localizando tanto
o conceito de mediação de Vigotski quanto a concepção de professor mediador.
Neste último caso, foram privilegiados os trabalhos que discutem o papel do
professor de educação infantil.
Após essa primeira parte, com a bagagem organizada, o segundo
capítulo apresenta a breve parada de abastecimento, realizada pelo eu-pesquisador
e explicita os planos de viagem, os objetivos e as opções metodológicas que foram
feitas para a entrada e para a permanência no campo da prática, privilegiando a
perspectiva da Sociologia da Infância como embasamento para um olhar sobre
ações e mediações das crianças
4
. Além disso, apresenta um contexto maior da
educação infantil do Rio de Janeiro nos dias atuais, critérios de escolha e qual a
escola escolhida para o pouso da pesquisa. Como se trata de uma escola de ensino
fundamental com turmas de educação infantil, esta parte do trabalho busca as suas
especificidades, apresentando como os projetos institucionais e as rotinas
instituídas se relacionam com os projetos pedagógicos e com as experiências de
professores e crianças nas turmas. Na primeira escala dessa viagem, os demais
sujeitos da pesquisa - adultos e crianças de turmas de educação infantil - tomam
4 Nos estudos da Sociologia da Infância a criança é reconhecida como sujeito
participante e criador de culturas.
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15
seus assentos com suas histórias pessoais e suas vivências, para possibilitar a
chegada ao destino final, que é conhecer as suas ações e mediações no contexto
escolar, objetivo principal da pesquisa.
O terceiro e último capítulo traz o percurso feito na prática, no qual a
pesquisa se volta para o cotidiano das duas turmas selecionadas. O foco, então, é
colocado nas relações entre professores, crianças e conhecimento, analisando
como as crianças e os professores percebem seus papéis e os dos outros, e como
percebem a questão do conhecimento e do saber nas turmas de educação infantil.
Apresenta ações e mediações de crianças e adultos nos momentos da roda, nos das
brincadeiras na sala e no pátio e nos das atividades dirigidas, buscando as
recorrências, as similaridades e as diferenças entre as turmas, as professoras e as
crianças. Analisa, também, os signos presentes nos suportes teóricos e materiais
utilizados como subsídios para estas ações das crianças e dos adultos, procurando
neles as concepções e idéias que são valorizadas por estes sujeitos e pela escola.
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2 - O professor da educação infantil é deve ser um
mediador?
2.1 - A mediação dos signos na atividade humana As contribuições
de Vigotski e Bakhtin para o campo da Educação.
O conceito de mediação dos signos nas atividades práticas e mentais
do homem, construído pelo psicólogo russo Lev Vigotski em seus estudos sobre o
desenvolvimento humano, tem sido um conceito bastante utilizado pelos
educadores brasileiros, nos últimos 30 anos, em pesquisas sobre a formação de
professores e em reflexões sobre o papel dos professores nas salas de aula.
Inspirado no materialismo histórico e dialético de Marx, Vigotski construiu uma
trajetória peculiar de pesquisa e estudos para a época. Sua teoria sócio-cultural
dos processos psicológicos superiores constituiu uma forte crítica tanto às teorias
baseadas em princípios derivados da psicologia animal quanto àquelas que
acreditam que o desenvolvimento humano resulta de processos maturacionais,
unicamente relacionados a processos internos. Nela, busca relacionar as mudanças
históricas da sociedade com questões psicológicas concretas, e,
conseqüentemente, entender de que forma o outro - seja ele o ambiente, um objeto
ou um outro sujeito - interfere no desenvolvimento e na constituição do sujeito.
Um dos seus objetivos centrais é compreender de que forma o homem transforma
a natureza através da criação de instrumentos, e como ele é transformado pelo
mesmo processo.
Vigotski, acompanhado de seus colaboradores,
1
criou um método para
averiguar o comportamento dos indivíduos diante de uma tarefa desafiadora com
o intuito de tornar mais observáveis os processos psicológicos superiores. Este
método funcional de estimulação dupla se constituía na oferta de um objeto neutro
ao sujeito pesquisado, que lhe servia como auxiliar na execução da tarefa proposta
pelos pesquisadores. (2003, p.54) Concluíram que o indivíduo, em situações de
desafio ou de dificuldade para realizar uma tarefa sozinho, apenas com os
materiais internos e externos de que dispunha, busca o auxílio de outros signos.
Este seria um dos casos que Vigotski denominou de “atividade mediada”, pois
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17
entre o sujeito e a ação - entre o estímulo e a resposta - um estímulo (signo)
mediador. Segundo seus experimentos, porém, isso varia de crianças de idade pré-
escolar para crianças em idade escolar, e destas para os adultos. Assim, no caso
das crianças entre 5 e 6 anos de idade, o uso de signos externos para a realização
de uma atividade psicológica até pode ocorrer, mas não de forma proposital e
instrumental. (Vigotski, 2003, p. 62) Por outro lado, a criança pequena, entre 4 e 6
anos de idade, é capaz de utilizar um signo como mediador: por exemplo, uma
figura, quando esta apresenta uma forma que se relaciona diretamente com a
palavra a ser lembrada.
Em seus estudos sobre a linguagem, Vigotski considerou a fala como
um dos signos mais importantes na mediação do desenvolvimento do indivíduo,
seja ela a de uma criança bem pequena, que apenas balbucia ou chora, ou a da que
utiliza a fala para pedir ajuda ao outro. Estas manifestações diferentes das
linguagens são consideradas mediadoras, pois ganham “uma função organizadora
específica” (2003, p.36) que produz transformações no modo como o sujeito
interage e interfere no meio em que vive. As crianças passam a ver o mundo, não
apenas através dos olhos, mas também através da fala. No caso daquelas que
possuem uma fala socializada, segundo Vigotski, esta (fala) tem uma função
interpessoal que, mais tarde, será internalizada, ganhando uma função
intrapessoal. Pelas palavras, as crianças isolam elementos individuais,
superando assim, a estrutura natural do campo sensorial e formando novos
(introduzidos artificialmente e dinâmicos) centros estruturais.” (2003, p.43). O
autor reconhece a importância das relações com indivíduos mais experientes para
o desenvolvimento do sujeito, pois este irá interagir com novas palavras, novos
significados e novos modos de se relacionar com os materiais. Alerta, porém, que
as crianças não são ensinadas pelos adultos a mediarem suas atividades práticas
ou mentais com o uso de signos, nem tampouco isso se desenvolve intuitivamente,
mas através de um processo dialógico complexo que depende de uma série de
transformações qualitativas que ocorrem no indivíduo, à medida que ele vai
vivendo diferentes experiências. (2003, p. 60)
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18
Cabe perguntar de que modo essa mediação do adulto se na escola
e quais características da mediação desse professor de crianças pequenas, e como
a linguagem desse professor - seja ela verbal, corporal ou artística - tem mediado
as relações criança/criança, criança/ adulto e criança/conhecimento.
Outro aspecto importante do trabalho de Vigotski, que ajuda a pensar
a relação entre adultos e crianças na escola, diz respeito à relação entre o
desenvolvimento e a aprendizagem. Ao considerar que todo aprendizado começa
muito antes do sujeito freqüentar a escola, ele considera que o aluno não é como
uma página em branco em que o professor poderá escrever aquilo que considerar
apropriado. Toda a sua experiência anterior estará se relacionando com aquilo que
irá vivenciar na escola. O professor passa a ter grande destaque, a partir da
premissa de que o desenvolvimento mental da criança passa a ser entendido não
apenas pelos processos que ela dominou (nível de desenvolvimento real) mas,
prospectivamente, pelos processos que ainda estão em formação (nível de
desenvolvimento potencial).
No nível de desenvolvimento real, a criança é capaz de realizar
determinadas tarefas sozinha; e no nível de desenvolvimento potencial, a criança é
capaz de realizar determinadas tarefas com o auxílio de alguém mais experiente.
As novas aprendizagens vão criando zonas de desenvolvimento proximal (1993,
p. 118) sobre as quais o outro estará interferindo com a sua mediação. Este
conceito suscita algumas questões sobre os diferentes papéis do professor na
mediação da aprendizagem dos alunos. De acordo com esse conceito, é possível
pensar nas diferentes possibilidades de ação do professor como modelo,
orientador, organizador, transmissor de informação ou desafiador. De que forma o
professor da educação infantil pode se relacionar com a criança pequena visando a
possibilitar novas aprendizagens e, possivelmente, contribuir para o seu
desenvolvimento? Em que medida suas ações “exemplares” medeiam o
aprendizado das crianças pequenas? Em quais situações age como um orientador?
Em quais situações age como um desafiador? Em quais situações age apenas
como um transmissor de informação? Partimos dos pressupostos vigotskianos
sobre as atividades mediadas por signos como parte essencial do desenvolvimento
das funções mentais superiores para chegarmos aos estudos filosóficos da
linguagem de Bakhtin e aprofundar o conceito de signos.
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19
Em seus estudos, Bakhtin faz uma reflexão ampla sobre os signos,
sobre a forma como são construídos em relação à estrutura maior da sociedade e
sua influência sobre a constituição de cada indivíduo em particular. “Tudo que é
ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia”. (1990, p.31). Isto é, todos os
objetos naturais, tecnológicos ou de consumo podem tornar-se signos à medida
que recebem uma carga de valor semiótico e se tornam uma imagem simbólica.
Todo signo é construído coletivamente em processo de interação e, para isso, “é
essencial que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem grupo”
(BAKHTIN, p. 35). Este coletivo é marcado pela realidade social, histórica e
econômica de sua época e define a criação e a manutenção de determinados
signos, a partir de um índice de valor específico. Ou seja, a criação do signo está
intimamente ligada a um acordo social e depende das condições econômicas de
uma sociedade.
Para que o objeto pertencente a qualquer esfera da realidade entre no
horizonte social do grupo e desencadeie uma reação semiótico-ideológica, é
indispensável que ele esteja ligado às condições sócio-econômicas
essenciais do referido grupo, que concerne de alguma maneira as bases de
sua existência material”. (BAKHTIN, 1990, p.45)
Porém, esta criação e manutenção dos signos nem sempre se de
maneira consensual entre o indivíduo e a superestrutura, podendo ocorrer também
a partir de confrontos de interesses sociais no âmbito das lutas de classes, o que
confere aos signos um caráter histórico e móvel no decorrer da História. Por outro
lado, ele chama atenção para o fato de que mesmo que o índice de valor seja
social, alcança a consciência individual, tornando-se índice individual de valor.
Para ele, então, “a consciência é um fato sócio-ideológico” (1990, p. 35) e com a
intenção de estudá-la, torná-la palpável e observável, criou o que chamou de a
filosofia do signo”, a filosofia da palavra, pois “o signo ideológico é o território
comum, tanto do psiquismo quanto da ideologia; um território concreto, sociológico e
significante”(BAKHTIN, p. 58). A partir dessas premissas, questionou como seria
possível, então, separar o psiquismo subjetivo individual e a ideologia em sentido
restrito. Adiantou que, “Todo signo ideológico exterior, qualquer que seja sua
natureza, banha-se nos signos interiores, na consciência. Ele nasce deste oceano de
signos interiores e aí continua a viver(...) ( p.57).
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Para diferenciar o signo interior do signo exterior, ou a dimensão do
psiquismo da dimensão ideológica, Bakhtin lança mão do conceito de
individualidade, afirmando que esta não seria apenas a expressão do indivíduo
natural isolado.
Neste sentido, meu pensamento, desde a origem, pertence ao sistema
ideológico e é subordinado a suas leis. Mas, ao mesmo tempo, ele também
pertence a um o
utro sistema único, e igualmente possuidor de suas próprias
leis específicas, o sistema do meu psiquismo. O caráter único desse sistema
não é determinado somente pela unicidade de meu organismo biológico,
mas pela totalidade das condições vitais e sociais que esse organismo se
encontra colocado.” ( 1990, p. 59)
Portanto, para o autor, toda a atividade mental é exprimível, ou seja,
constitui uma expressão em potencial. O meio fundamental para que isto ocorra é
a palavra.
2
“Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde
se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória” (1990, p. 62).
Assim, descarta a idéia de um estudo da linguagem que não leve em conta o
contexto social no qual ela é produzida e a unicidade da experiência de cada
indivíduo.
Aprofundar o conceito de signo torna-se necessário para
compreendermos as relações que ocorrem dentro da escola, pois nela coexistem
uma multiplicidade de valores que estão, a todo momento, construindo,
reconstruindo e reafirmando diferentes signos. Os signos internos ou externos
trazidos pelas crianças, pelos adultos e os preexistentes na instituição entram em
confronto todo o tempo, fazendo emergir novos signos.
Os estudos sobre a relação entre as interações sociais, as
aprendizagens construídas na escola e o desenvolvimento humano realizados por
Vigotski têm servido de base para discussões teórico-práticas realizadas na escola.
Sua pesquisa sobre a mediação semiótica, especialmente a mediação da
linguagem, tem alimentado a construção da concepção do professor como
professor mediador, isto é, aquele que possui posição privilegiada no diálogo com
os alunos, interferindo na construção de conceitos, de (pré)conceitos e nas
diferentes situações de aprendizagens criadas por sua linguagem, por suas ações e
pelo uso dos mais distintos materiais. Esta relação, segundo Bakhtin, é dialógica,
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pois não somente o professor se relaciona com os saberes dos alunos e propõe
desafios, mas estes também detêm conhecimento e acumulam significados sobre o
professor e sobre o mundo, o que acaba por interferir em todo o processo. As
vivências diferentes de cada um, os signos internos com os quais cada um conta
para se relacionar com o mundo, muitas vezes, se chocam com os de outros
indivíduos.
Neste sentido, apesar de enfatizarmos a relevância do conceito
vigostskiano de mediação dos signos nas discussões sobre os processos de ensino
e aprendizagem, não podemos deixar de problematizar as leituras e apropriações
aligeiradas das teorias e pesquisas realizadas em áreas como a Psicologia ou a
Sociologia para o campo educacional. Muitas dessas apropriações têm deixado de
fora a complexidade das relações que ocorrem na escola como, por exemplo, o
conceito de atividade mediada que, ao ser trazido para o campo da educação, tem
sido tomado como um processo mecanizado, deixando de fora a questão das
vivências singulares de cada indivíduo, suas histórias e suas marcas. Tanto os
adultos quanto as crianças, antes de se encontrarem na escola vivenciaram
muitas experiências e, a partir delas, construíram um repertório de signos que
determina o modo como irão se relacionar com os outros e com os objetos de
conhecimento. Não apenas as crianças são mediadas pela linguagem e por outros
signos trazidos pelos adultos e pela escola, mas os adultos também têm suas
atividades mediadas, sendo esses encontros marcados pelos confrontos
ideológicos e pelas divergências de idéias.
A partir dessas premissas, podemos discutir sobre questões como:
quais signos estão sendo atualizados pelos professores da educação infantil? Quais
signos estão sendo atualizados pelas crianças nas relações com outras crianças e
com os adultos? Com quais signos a escola de educação infantil tem trabalhado?
Analisaremos essas questões no terceiro capítulo, quando trabalharemos com as
observações de campo e as entrevistas. Por enquanto, vamos nos ater à análise de
como este tema da mediação do professor de crianças pequenas tem sido abordado
nas produções do campo científico, buscando as raízes teóricas que,
possivelmente, embasam esta concepção.
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2.2 - O tema da mediação do professor no campo teórico.
Fazer um levantamento sobre os trabalhos do campo teórico-científico
que se dedicam ao tema da mediação do professor na educação de crianças
pequenas se configurou mais complexo do que o esperado. Isto ocorreu por dois
motivos: pela escassez de trabalhos que tratem objetivamente do tema e, ao
mesmo tempo, pela quantidade de trabalhos que se aproximam mas não abordam
diretamente a questão. Por esta razão, a pesquisa, que inicialmente se limitaria a
dois periódicos de importância no campo da pesquisa educacional (Revista de
Educação Brasileira e Cadernos de Pesquisa), se estendeu a textos publicados em
livros, a artigos publicados em outras revistas e a trabalhos apresentados no GT 07
- Educação de Crianças de 0 a 6 anos - da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Educação (Anped), dos anos 90 aos dias de hoje. O primeiro
levantamento mostrou a multiplicidade de temas afins e colocou o desafio de
selecionar os trabalhos que, juntos, ajudariam a traçar um panorama sobre o tema,
trazendo as principais questões levantadas pelos autores nestas duas últimas
décadas.
Neste intuito, optamos por criar três conjuntos de temas para a
abordagem, partindo do de sentido mais amplo para o mais objetivo, em
detrimento de separar por tipo de publicação. São eles: os trabalhos que abordam
a teoria histórico-cultural de Vigotski, analisando de que modo o conceito de
mediação semiótica é trazido para discutir as relações de ensino; os que discutem
a formação do professor de educação infantil; e os que abordam a idéia de
mediação do professor na educação infantil. São apresentadas algumas das
diferentes frentes que dão entrada ao tema no campo, sem a pretensão de esgotar a
análise. No terceiro capítulo, outros trabalhos são trazidos para um diálogo mais
específico com as questões que emergiram nas interações entre os adultos e as
crianças da escola pesquisada.
Em relação ao primeiro conjunto de trabalhos mais específicos sobre
Vigotski, encontramos um grande número de artigos publicados em livros e
periódicos e pesquisas apresentadas no GT 07 da Anped, dos quais selecionamos
os que enfocam a discussão sobre o papel do professor, considerando não somente
os trabalhos da educação infantil, mas também, os da educação em geral que
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tratam o tema. O relevo que a teoria de Vigotski ganha no campo da educação,
principalmente nos anos 90, pode ser verificado no artigo Manifesto:
Reformando as Humanidades e as Ciências Sociais, uma Perspectiva
Vigotskiana” (1996), no qual os autores espanhóis Bronckart, Clémence,
Shneuwly e Shurmans apresentam uma crítica ao confuso cenário da Psicologia e
afirmam a perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento como referencial
teórico para o campo das ciências humanas. Neste trabalho, a linguagem
(produções semióticas) é apontada como ponto central nas análises e nos estudos
sobre o desenvolvimento humano. Rejeitam tanto os estudos que ignoram as
propriedades do ambiente quanto os que as apresentam como universais, sem
perceberem a importância das experiências distintas de cada indivíduo. As
intervenções educativas são vistas como potencializadoras importantes do
desenvolvimento. “Desta perspectiva, os processos educacionais buscam
identificar e aproveitar as Zonas de Desenvolvimento Proximal” do educando
ou, em outras palavras, os passos psíquicos auto-reorganizadores do processo,
nos quais as intervenções sociais podem eficientemente introduzir novos
conteúdos” (1996, p.71). Indiretamente, o professor é chamado à cena, pois na
prática é ele o sujeito mais próximo do aluno e de seus processos de aprendizagem
na escola, sendo o responsável pela avaliação das melhores formas de trabalhar
com eles. A essa altura, fica claro que o papel definido para os professores na
teoria histórico-cultural em relação aos saberes das crianças, para além do aspecto
cognitivo das aprendizagens, considera também o afetivo e o emocional.
O artigo “Conceitos de Vigotski no Brasil: Produção Divulgada nos
Cadernos de Pesquisa(2004) apresenta uma crítica ao conjunto de trabalhos que
utilizam ou discutem os conceitos de Vigotski, publicados entre os anos de 1971 e
2000. Silva e Davis identificaram 37 artigos: 18,9% referiam-se à educação
infantil; 29,8% referiam-se ao processo ensino-aprendizagem e 24,3% à formação
e à prática docente. Os demais artigos abordam temas que não se aproximam dos
que são trabalhados na presente dissertação. Sobre a educação infantil, os textos
objetivaram discutir o resgate da atividade física no desenvolvimento infantil, a
relação com e sobre crianças em creches, a importância do brincar e as
concepções de infância. Em relação à formação e à prática docentes, os textos se
referem à produção do fracasso escolar, à formação docente, à identidade do
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professor, à prática docente com relação a saúde e às relações interpessoais no
cotidiano escolar. As autoras organizaram os conceitos apresentados nos artigos
em categorias: linguagem; pensamento e linguagem; desenvolvimento e
aprendizagem; concepção de homem e mundo, e crítica a Piaget.
Um dos problemas levantados pelas autoras, a partir da análise desses
artigos, foi o pouco aprofundamento nos conceitos de Vigotski, desperdiçando a
especificidade do trabalho deste autor. Por exemplo, o enfoque maior dado à
questão da interação em detrimento do que foi dado aos estudos sobre a
consciência e sobre a relação entre sentido/ significado e sobre as emoções.
Quanto ao conceito de mediação semiótica, elas afirmam que “alguns autores
desconsideram a que o signo surge a partir da atividade do indivíduo. E estudar
signo, sem a dimensão da atividade, é descaracterizar o signo” (2004). No
presente trabalho, procuramos não negar a importância dos estudos vigotskianos
no campo educacional. Pelo contrário, entendemos ser necessário maior
investimento por parte dos educadores em um aprofundamento nos conceitos
deste autor para que não se perca de vista suas referências teóricas.
O artigo “O Professor e o Ato de Ensinar”, publicado em 2005 nos
Cadernos de Pesquisa, faz uma análise mais específica sobre os conceitos de
mediaçãoe zona de desenvolvimento proximale suas relações com a idéia
de professor mediador. Tacca, Tunes e Junior se empenham em esclarecer a
perspectiva de Vigotski sobre o papel do educador na relação com seus alunos,
criticando a relação direta que se faz entre o conceito de mediação semiótica e a
concepção de professor mediador. Os autores afirmam que, nesta perspectiva, os
professores são encarados como “mero intermediário, um negociador que, em
princípio, permaneceria o mesmo pós-negociação”. Eles entendem que a posição
do professor é “junto” e não entre”. Portanto, o conceito de mediação (de
Vigotski) seria insuficiente para entender o papel do professor nas relações com as
crianças e com a cultura.
Em um segundo conjunto de trabalhos sobre a formação do professor
de educação infantil, selecionamos dois. No ano de 1998, período de grande
efervescência e de discussões calorosas no campo educacional por conta de
mudanças na LDB 9293/96 que previam a necessidade de formação do professor
em cursos universitários e em institutos superiores de Educação, Maria Lucia A.
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Machado apresenta, no GT 07 da Anped, o trabalho “Os Profissionais para a
Educação Infantil: a Idealização e o Acompanhamento”, que objetivava delinear
eixos e princípios que poderiam ser utilizados em cursos de formação de
“profissionais da educação infantil”. Dois desses eixos são indicados pela autora
como fundamentais para esta formação:
1 - Crescimento e Desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos. “a formação
do profissional precisa aliar conhecimentos advindos de diferentes áreas do
conhecimento, contemplando: (...) a aprendizagem, o desenvolvimento e o
ensino: a perspectiva da interação de crianças e adultos como meio para
formar e ampliar o conhecimento de si, do outro, do mundo da natureza e
da cultura”. (Machado, 1998, p.28)
2 - Intencionalidade educativa e pedagógica no cotidiano da instituição. (...)
a instituição precisa repensar os rituais consolidados no trabalho da equipe
de profissionais, a partir: (...) da organização dos espaços e materiais
disponíveis, das rotinas instituídas, dos agrupamentos de crianças e da
possibilidade de interferência dos profissionais.” (Machado, 1998 , p. 29)
No primeiro eixo, a autora se refere aos conhecimentos da área da
Psicologia sob influência da perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento,
colocando o foco na questão da interação dos indivíduos na produção de
conhecimento e de cultura. No segundo eixo, a autora se refere às práticas de
professores e de equipes pedagógicas, às ações organizadoras de espaço, tempo e
às relações que promovam a educação das crianças. No trecho abaixo, ela fala
sobre a questão da prática, definindo que um dos papéis dos adultos é o trabalho
com as diferentes linguagens:
Para que as interações adultos-crianças e crianças-crianças se viabilizem, e
para que a ampliação das possibilidades expressivas ocorra, é preciso que
este adulto domine as formas de expressão infantil.Torna-se crucial(...) o
domínio das técnicas expressivas nas mais diferentes linguagens.
(Machado, 1998, p. 12)
Ainda no campo da formação de professores de educação infantil,
selecionamos o artigo “A Construção da Identidade Docente: Relatos de
Educadores de Educação Infantil”, publicado em 2006, nos Cadernos de
Pesquisa. A pesquisa apresentada por Zilma Ramos de Oliveira é construída no
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contexto do Programa ADI Magistério” que tinha como objetivo a elevação da
escolarização de profissionais que trabalhavam nos centros de educação infantil
de São Paulo. Visava a compreender de que modo as diferentes experiências das
educadoras na vida pessoal, na escola e na participação no curso, contribuíam para
a construção de suas identidades docentes.
Chama atenção, no trabalho citado, a presença da perspectiva
histórico-cultural não apenas como conteúdo a ser passado para as professoras,
mas sua utilização como fonte de inspiração para a metodologia de trabalho das
profissionais que coordenaram e implementaram a formação. A dinâmica dos
cursos era pautada em atividades que partiam das questões e das experiências das
alunas, profissionais da educação infantil, como pode ser observado neste trecho:
“A meta era apoiar mudanças de concepções, atitudes e práticas referentes às
crianças (...) conforme eram criadas situações mediadoras de apropriação de
conceitos e habilidades interdisciplinares para a reflexão sobre o próprio
trabalho”. (2006)
A nosso ver, isso demonstra a preocupação dos educadores que
trabalharam no programa com uma formação de professores pautada na coerência
entre aquilo que se afirma e aquilo que se põe em prática. Ou seja, não teria
sentido ensinar às educadoras teorias sobre a mediação da aprendizagem se, ao
longo do curso, não houvesse troca, diálogo e mediação das aprendizagens de
todos os envolvidos naquele trabalho.
No terceiro grupo está, mais especificamente, a questão da mediação
dos professores no cotidiano da educação infantil que focaliza as relações
professor/aluno e professor/cultura/aluno. Nesta parte, estão os trabalhos que se
baseiam, explicitamente, no conceito de mediação semiótica de Vigotski e
também, os que abordam de alguma forma a questão das interações no espaço
escolar.
Entendendo que a relação mediadora do professor não se somente
através da linguagem verbal, mas, também, através de linguagens como a
corporal, a pictórica e a artística, explicitadas em suas mais diferentes ações,
trazemos para discussão uma pesquisa sobre a questão da rotina, pois
consideramos ser esta uma das marcas das ações dos professores nas escolas de
educação infantil e nas escolas de um modo geral. No texto “A Rotina nas
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Pedagogias da Educação Infantil: dos Binarismos à Complexidade” (2006),
Maria Carmem S. Barbosa busca ultrapassar os conceitos de positividade e
negatividade que têm sido atribuídos à rotina na educação infantil. Para isso, a
autora lança mão dos estudos de Basil Bernstein sobre os conceitos de pedagogia
visível e pedagogia invisível. Segundo a autora, apesar das regras de convivência e
das posições do professor e do aluno estarem mais explícitas na primeira, na
segunda, também estão presentes. Dessa forma, a rotina existe nas duas
pedagogias e são, normalmente, estabelecidas pelos adultos, agindo sobre a
mente, as emoções e o corpo de crianças e adultos. Sua proposta é que se conheça
como elas operam para que repensemos nossas ações.
Em sua análise, a autora afirma que na tentativa de abolir com a
atividade direcionada, aquela em que todos fazem uma mesma coisa ao mesmo
tempo, são propostas as oficinas e os laboratórios que, muitas vezes, revelam-se
tão estéreis e mecânicos como as anteriores. Em sua pesquisa de campo, observa
que muitos professores praticantes das pedagogias invisíveis adotam um discurso
sobre liberdade, auto-regulação, participação e flexibilidade que esconde uma
prática tão cerceadora como as que criticam. Barbosa aponta a necessidade de
deixarmos de lado as concepções que polarizam as questões como negativas ou
positivas, para podermos centrar atenção nas tensões reais que essas questões
suscitam. No caso da rotina, acredita que podemos vê-la como
“potencializadoras, geradoras do novo, da transgressão, do inusitado”.
O trabalho de Daniela Guimarães “A Pedagogia dos Pequenos: Uma
Contribuição dos Autores Italianos, apresentado no Gt 07 - da Anped, de 1999,
pode nos ajudar a achar pistas para refletirmos sobre a rotina na direção apontada
por Barbosa. Neste caso, a rotina da escola seria pensada como potência e não
como amarra cerceadora da criação e da transformação. Em seu trabalho,
Guimarães discute os pressupostos teórico/práticos apresentados pelos educadores
italianos sobre o trabalho pedagógico realizado com crianças pequenas de
algumas regiões da Itália. Na perspectiva desses autores, os adultos não o vistos
como ensinantes, como aqueles que devem transmitir saberes. Ele ganha “o papel
de parceiro, aprendiz e agenciador de relações”, o papel de mediador da
linguagem e de mediador nas ações de organização do espaço e do tempo das
atividades na escola.
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“A intervenção dos adultos assume uma função de mediação entre a criança
e a realidade e deve, portanto, ser gerida – através da proposta de estímulos
interessantes, diálogos, jogos de co-participação – de modo a deixar sempre
o maior espaço possível à fantasia e à inventividade das próprias crianças.”
(C.M., 1995, p.71 apud GUIMARÃES, 1999, p. 5)
3
O trabalho nessas escolas é pautado nas interações sociais, na relação,
a partir das quais vai sendo criado um conjunto de significados, uma espécie de
“história social” do grupo, sendo o professor uma das figuras mais importantes
na mediação destas trocas sociais que emprestam o tom a esses encontros entre
crianças, adultos e cultura.
Em relação à mediação da linguagem do professor inserida na rotina
de uma escola de crianças pequenas, no trabalho “As Rodinhas na Creche: Uma
Perspectiva de Investigação das Crianças de 4 e 5 Anos”, apresentado no GT 07
da Anped, em 2005, Ângela Brito apresenta pesquisa feita na Creche UFF,
fundamentada em estudos de Bakhtin e Vigotski sobre linguagem, na qual buscou
caracterizar as ações com a linguagem realizadas por adultos e crianças nos
momentos da roda. Segundo a autora, a rodinha na creche UFF tinha como
objetivo organizar o planejamento do dia, embora outros assuntos também fossem
conversados pelos participantes. Analisando, então, as falas de professores e
crianças, a autora conclui que a roda constitui um momento importante na
organização do trabalho pedagógico e, também, na organização e ampliação dos
saberes das crianças e dos adultos. Ficam evidenciados o papel que as
professoras e bolsistas assumem de responsáveis pelo encaminhamento das
atividades educativas, mediando, intervindo, estruturando os acontecimentos, de
forma a organizar a atividade da rodinha”.
Nesta revisão bibliográfica, a escolha dos artigos ou pesquisas
obedece à proposta de traçar um panorama do campo em relação ao tema da
mediação e ao papel do professor de educação infantil, buscando apresentar a
múltipla rede de sentidos que, a nosso ver, fundamentam uma concepção de
professor mediador. Em síntese: em dois trabalhos, o tema da mediação do
professor surge em uma perspectiva vigotskiana, que não se atém aos aspectos
cognitivos, mas colocam em destaque os aspectos emocionais e afetivos das
relações entre crianças, adultos e conhecimentos, alertando para o fato de que esta
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relação mediadora é dialógica. Em outro trabalho, aparece a preocupação com a
necessidade de um aprofundamento dos conceitos de Vigotski, sem deixar a obra
descontextualizada: por exemplo, os estudos sobre o signo que deixam de fora o
contexto da atividade em que são produzidos. Os trabalhos dedicados à formação
do professor de educação infantil enfatizam a importância do professor conhecer
as questões relativas ao desenvolvimento infantil de 0 a 6 anos, as diferentes
técnicas para as expressões da linguagem infantil, e formar consciência de seu
papel como aquele que interfere nas atividades dos alunos, organiza os espaços, os
materiais e a rotina de sua turma. Neste grupo, uma pesquisa sobre um projeto de
formação utilizou em sua própria dinâmica com as professoras, a perspectiva da
mediação da aprendizagem, partindo de conhecimentos prévios das participantes
para alcançar a construção de novos conceitos e concepções da prática educativa
com crianças pequenas. Dentre os trabalhos sobre a mediação do professor no
cotidiano, surge a discussão do tema da rotina, buscando uma ampliação para
além dos estigmas da negatividade e da positividade, refletindo sobre sua
complexidade. Outro trabalho apresenta a produção dos italianos e seu olhar sobre
o papel do professor, afirmando o lugar deste de mediador entre criança e
realidade, porém, não de maneira estéril, mas buscando atividades significativas
que possibilitem a fantasia e a criação infantil. Por último, o trabalho específico
sobre a mediação da linguagem por parte dos adultos nos momentos da roda como
organizadora das falas e do conhecimento produzido pelos participantes da
mesma.
A escolha desses artigos, devido à necessidade de uma escala de
prioridades, preteriu outros temas tão importantes quanto os tratados aqui como,
por exemplo, as discussões sobre a questão do cuidar e do educar (Maranhão,
2000), a discussão sobre o ambiente das creches e das escolas para o
desenvolvimento das crianças (Kishimoto, 2000; Lima e Bhering, 2006), a relação
entre meio ambiente, corpo e creche (TIRIBA, 2006) e a discussão sobre as
propostas curriculares das creches e pré-escolas (KRAMER, 2002) e tantos outros
temas publicados nos Cadernos de Pesquisa (KRAMER, 2004).
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2.3 - O conceito de mediação semiótica e a concepção de professor
mediador nos diferentes textos oficiais
Retomemos uma das questões colocadas por esta pesquisa. Como os
textos oficiais, que regulamentam o município do Rio de Janeiro, abordam o tema
da mediação do professor na educação infantil? Antes de direcionar minha análise
para o tema específico da mediação, proponho uma reflexão anterior sobre a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira 9394/ 96 que, em seu artigo 3º,
inciso III, preconiza o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas como
princípio da Educação Nacional”.
Apesar de valorizar a importância da diversidade de idéias, considero
que esta afirmação no início do texto da lei pode ser interpretada de forma
empobrecedora, embora o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas
sirvam ao objetivo de impulsionarem o diálogo e enriquecerem a construção de
projetos pedagógicos dos sistemas de ensino públicos e privados. Questiono,
então, a que ponto o inciso da lei tem sido usado como argumento para uma
prática desarticulada e contraditória dentro das escolas de um mesmo município?
No caso do tema da mediação do professor, o que se nas escolas é a
diversidade ou a contradição?
Analisemos, pois, a LDB de 9394/96 dentro de uma reflexão sobre o
que deve ser considerado na construção do projeto pedagógico de uma escola:
“Artigo 9º: A União incumbir-se-á de: (...) IV estabelecer, em
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus
conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;”
“Artigo 11: Os Municípios incumbir-se-ão de: (...) III - baixar normas
complementares para seu sistema de ensino.
Artigo 12: Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas
comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I-
elaborar e executar sua proposta pedagógica; (...)”
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Observamos a clareza com que a lei orienta os educadores para que
construam, em suas escolas, uma proposta pedagógica em consonância com as
normas do sistema de ensino de seu Município que, por sua vez, devem estar de
acordo com o Sistema Nacional. Porém, não temos clareza de como essa leitura é
feita pelos educadores. Por exemplo, se é entendido que, quando se fala em
normas, refere-se não apenas às questões de ordem aparentemente administrativa,
como o número máximo de alunos em turma ou o tipo de avaliação que será
considerado no momento e constará no sistema acadêmico mas, também, às
questões explicitamente pedagógicas, como as concepções de criança, de
educação, de currículo ou de processo ensino e aprendizagem. O que percebemos,
na prática, é que isto é muitas vezes desconsiderado e que alguns professores
justificam posições pedagógicas contrárias às do sistema, afirmando que o teor da
lei garante a “pluralidade de idéias”. Reafirmamos que não nos preocupa a
questão das diferenças no trabalho das escolas de uma mesma cidade ou mesmo
nas salas de aula de uma mesma escola, mas, sim, as práticas contraditórias que
podem camuflar falta de estudo e de discussão por parte dos educadores das
mesmas.
No texto do documento “Núcleo Curricular Básico Multieducação
do Município do Rio de Janeiro” (1996), esta questão é levantada quando seus
autores se referem à importância da teoria e do cuidado com sua apropriação por
parte dos educadores para a construção de um projeto pedagógico.
O fato de reconhecer que um só posicionamento teórico é insuficiente para
embasar um projeto pedagógico, não deve, no entanto ser confundido com
determinadas práticas que misturam “um pouquinho de cada teoria”
tornando o cotidiano escolar contraditório e incoerente.” (p. 35) (...) As
teorias iluminam possibilidades para trilhar certos caminhos pedagógicos
de maneira conseqüente.” (SME, 1996, p.37)
O movimento desencadeado no País, após a sanção da Lei 9394/96,
visando a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil, revela uma tentativa de trazer
alguma unidade pedagógica às escolas brasileiras. Não me alongarei na discussão
sobre os processos de construção desses documentos, mas é importante enfatizar
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que, tanto o movimento de elaboração quanto os documentos finalizados,
receberam contundentes críticas por não levarem em consideração as sugestões de
pesquisadores e instituições voltadas à educação.
No caso do município do Rio de Janeiro, o movimento começou antes
da aprovação da Lei, com o início da redação do - Núcleo Curricular Básico
Multieducação, ainda em 1995, quando os professores da rede escolar municipal
foram convidados a analisarem o esboço de proposta curricular elaborado pelo
Departamento Geral de Educação.
A chegada desses documentos às escolas não resultou,
necessariamente, em uma mudança estrutural da prática. Porém, com maior ou
menor intensidade, determinados conceitos e temas passaram a fazer parte do
ideário de cada um. A partir dessas idéias, cabe fazer um mergulho nos textos
oficiais relativos à educação infantil no País com um todo ((Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil vol. I ) e no Rio de Janeiro,
especificamente (Multieducação - Núcleo Curricular Básico), para verificar a
ocorrência dos múltiplos sentidos do conceito de mediação ou da idéia de
professor mediador nos dois trabalhos. Para isso, utilizaremos uma espécie de
sigla para os dois documentos - RCNei e Multieducação, respectivamente a fim
de tornar mais fluente o texto desta análise.
Este conceito de mediação e esta concepção de professor mediador
não surgem no texto do RCNei e na Multieducação descontextualizados, soltos,
mas fazem parte de um corpo teórico mais amplo. Nos dois documentos, a
fundamentação teórica é calcada nas bases da Psicologia Histórico - Cultural de
Desenvolvimento Humano, representada, principalmente, por Vigotski, como
pode ser constatado, por exemplo, na conceituação de criança apresentada no
RFCNei:
A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte
de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma
determinada cultura, em um determinado momento histórico. É
profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas
também a marca.” (BRASIL, 1998, Vol I, p. 21)
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No caso da Multieducação, um subcapítulo é dedicado inteiramente à
apresentação da teoria vigotskiana e, além disso, alguns subcapítulos, embasados
em leituras de outros autores contemporâneos que trabalham nesta mesma
perspectiva. O primeiro caso pode ser exemplificado com este trecho :
Para Vigotski, as origens da vida consciente e do pensamento abstrato
deveriam ser procuradas na interação do organismo com as condições de
vida social, e nas formas histórico-sociais de vida da espécie humana e não,
como muitos acreditavam, no mundo espiritual e sensorial do homem. Deste
modo, deve-se procurar analisar o reflexo do mundo exterior no mundo
interior dos indivíduos, a partir da interação destes sujeitos com a
realidade”. (SME, 1996, p.51)
No segundo caso, uma passagem da leitura que é feita na
Multieducação do trabalho de Smolka sobre a linguagem e a constituição do
sujeito no espaço escolar:
“(...)nenhuma criança pode ser considerada fora de seu espaço e tempo,
pois cada uma é um “eu” concreto que articula o mundo significativamente.
O universo de sentidos que cada um constrói, implica sempre as relações
com o “outro” Relações estas estabelecidas através das diferentes formas
de manifestação da linguagem. (...) A dimensão de mundo de cada um, a
singularidade que se cria, organiza-se, em grande parte, em função das
condições sociais em que se vive e, reorganiza-se a cada momento, em
função das condições de interação a que se estiver exposto”.
(SME, 1996, p. 66)
Dada esta contextualização do suporte teórico do conceito de
mediação e a concepção de professor mediador, voltemos a focar a análise nos
mesmos. Tanto no RCNei quanto na Multieducação multiplicidade de usos
para o termo mediação e, muitas vezes, seus sentidos se entrelaçam, tornando
difícil uma análise das idéias que permeiam os dois documentos. Por esta razão, a
distinção do termo nos dois textos se relaciona mais especificamente ao conceito
de “mediação semiótica”, elaborado por Vigotski, e a uma concepção mais geral
de professor mediador.
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No RFCNei, o tema da mediação aponta mais para a construção de
uma concepção de professor mediador e, neste caso, não são explicitadas as bases
teóricas sobre as quais esta concepção está fincada. Por outro lado, uma leitura um
pouco mais atenta não deixa dúvidas sobre os fortes traços de uma perspectiva
interacionista de desenvolvimento, como pode ser percebido, a seguir:
A intervenção do professor é necessária para que, na instituição de
educação infantil, as crianças possam, em situações de interação social ou
sozinhas, ampliar suas capacidades de apropriação de conceitos, dos
códigos sociais e das diferentes linguagens, por meio da expressão e da
comunicação de sentimentos e idéias, da experimentação, da reflexão, da
elaboração de perguntas e respostas, da construção de objetos e brinquedos
e etc.” (BRASIL, 1998, Vol I, p.30)
Nesta passagem, a concepção de professor mediador diz respeito a um
sujeito que em seu dia-a-dia garante espaço para a comunicação entre crianças e
adultos; aquele que possibilita a experimentação (pelo contexto, o termo se refere
a objetos, sentimentos, ações); aquele que permite que as crianças pensem sobre
estas ações, fazendo perguntas e buscando respostas para elas.
Logo em seguida, um trecho ainda com o foco no professor, apresenta,
aparentemente, uma leitura do conceito específico de “mediação semiótica” de
Vigotski.
Nessa perspectiva, o professor é mediador entre as crianças e os objetos
de conhecimento, organizando e propiciando espaços e situações de
aprendizagens que articulem os recursos e capacidades afetivas,
emocionais, sociais e cognitivas de cada criança aos seus conhecimentos
prévios e aos conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento
humano”. (BRASIL, 1998, Vol I, p.30 - grifos nossos)
O professor, assim, é colocado em uma posição - entre as crianças e
seus saberes antigos e os objetos de conhecimento novos – bastante semelhante ao
esquema de Vigotski, no qual o signo se posiciona entre o sujeito com
determinadas habilidades e a realidade prática ou psicológica desafiante. Assim,
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Sujeito ---- Signo mediador ---- Objeto (VIGOTSKI, 2003, p.53)
e
Aluno ---- Professor ---- Objeto de Conhecimento (BRASIL,1998,vol I, p.30)
A questão, aqui, não é discutir se é possível ou não uma aproximação
entre o conceito teórico e a relação professor e aluno, mas perceber os riscos de
uma simplificação desta aproximação o que, neste caso, incidirá no risco de
colocar o professor em um lugar que não representa a complexidade de seu papel
junto a seus alunos. Uma aproximação aligeirada pode colocar o professor na
mesma posição do signo que, na teoria, é dependente e é manipulado pela
vontade do sujeito. Um leitor deste texto, que tenha conhecimento do trabalho de
Vigotski, poderá confundir o papel interativo do professor, com o de quem, por
exemplo, organiza as situações de aprendizagens e não está dialogicamente
implicado com elas. (ANDRADA, 2006)
Tendo este cuidado de não simplificar a teoria e o de ampliar o olhar
sobre o papel do professor, compreende-se, assim, que este é um sujeito mediador
entre as crianças e os objetos de conhecimento, na medida em que,
dialogicamente, observa e interage com as crianças, para poder orientar o tempo e
os espaços de aprendizagens, buscando um encontro entre o que as crianças são
capazes de aprender e os diferentes saberes construídos pelo homem. A
linguagem do professor é considerada importante para intervir nas aprendizagens,
à medida que conhece cada aluno e suas possibilidades e interesses distintos.
Assim, apesar de estar baseada no conceito de mediação semiótica de Vigotski, a
concepção de professor mediador vai muito além dela.
Outro trecho trata da importância da mediação do professor no sentido
de organizar encontros entre crianças de diferentes idades para promover
aprendizagens:
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Para que as aprendizagens infantis ocorram com sucesso, é preciso que o
professor considere, na organização do trabalho educativo: * A interação
com crianças da mesma idade e de idades diferentes em situações diversas
como fator de promoção da aprendizagem e do desenvolvimento da
capacidade de relacionar-se(...) *Os conhecimentos prévios de
qualquer natureza, que as crianças já possuem sobre o assunto,
que elas aprendem por meio de uma construção interna ao
relacionar suas idéias com as novas informações que dispõem e com
as interações que estabelecem”. (BRASIL, 1998, p. 30)
O primeiro ponto fala de intervenção na organização do espaço de
trabalho entre as crianças e, novamente, a questão está embasada na perspectiva
de Vigotski sobre a questão do desenvolvimento e da aprendizagem. Nesta linha
de pensamento, define–se o conhecimento real e o conhecimento potencial, que
seria aquele que ainda está em processo de maturação (2003, p. 113) e é
apresentado o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que seria a
distância entre os dois. Para este autor, estas zonas seriam criadas à medida que os
sujeitos se relacionam com o novo, com situações desafiadoras e esta relação vai
possibilitando novas aprendizagens, ou seja, a cada novo desafio, novas zonas de
desenvolvimento proximal vão sendo criadas. Nessa análise, as parcerias são
trazidas para o centro da cena e, também, a ão de sujeitos mais experientes na
resolução de problemas que o sujeito ainda não é capaz de resolver sozinho. Aqui
não se está falando, diretamente, sobre o conceito de “mediação semiótica”, mas
de uma mediação entre os colegas, no sentido de uma interação que produz
mudança no desenvolvimento do sujeito. Seria um tipo de mediação em que a
criança busca o outro para auxiliá-la em determinada tarefa, ou o inverso disso,
auxilia o colega em determinada tarefa que já consegue cumprir, como quem
reprocessa suas aprendizagens.
No segundo ponto, faz-se referência ao processo interno que é
realizado pela criança em uma articulação sobre o que sabe e aquilo que está
sendo aprendido. Novamente, percebe-se uma aproximação com as pesquisas de
Vigotski sobre a mediação dos signos na construção dos processos de memória.
Nesta linha de pensamento, em determinados períodos da vida, o sujeito faz uso
de objetos para se lembrar de determinadas coisas e, à medida que se desenvolve,
este processo passa a acontecer internamente, ou seja, o signo é internalizado e
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capturado pela memória sempre que a situação tiver alguma relação com ele.
(VIGOTSKI, 2003, p. 59-60).
Até aqui pode-se perceber que este conceito de mediação é tratado de
modo amplo e multifacetado, servindo de base, inclusive, à construção de uma
concepção de professor. Nosso objetivo agora é perceber como isso acontece no
texto da Multieducação. Sua publicação foi anterior ao RCNei, o que os distingue
em alguns aspectos, como por exemplo, a amplitude. Enquanto o primeiro se
direciona a um sistema de ensino municipal e se dedica a todos os níveis da
educação básica, o RCNei é específico para a educação infantil.
Na Multieducação, o conceito de “mediação semiótica” de Vigotski é
abordado de forma mais explícita, dedicando-se um capítulo exclusivamente para
a apresentação dos estudos deste autor. A síntese dessas informações pode dar
uma idéia sobre como a concepção de professor mediador vai sendo construída ao
longo do texto.
A questão do desenvolvimento do sujeito é vista sob a perspectiva das
interações com o outro e com os objetos. “esse mesmo sujeito não é apenas ativo,
mas interativo, porque constitui conhecimentos e se constitui a partir de relações
intra e interpessoais.” (SME, 1996, p. 52) Aborda-se o tema da relação entre o
desenvolvimento e a aprendizagem, trazendo o conceito de zona de
desenvolvimento proximal para falar da distância entre as funções já consolidadas
no sujeito e as funções que estão em processo de amadurecimento. “(...) o nível de
desenvolvimento mental de um aluno não pode ser determinado apenas pelo que
consegue produzir de forma independente, é necessário conhecer o que consegue
realizar, muito embora ainda necessite do auxílio de outras pessoas para fazê-lo” (SME,
p.56). A partir desse ponto, a aprendizagem compartilhada (em interação com o
outro) ganha destaque na medida em que cria zonas de desenvolvimento proximal
ou que ajuda a consolidar funções que estavam em processo de maturação. É,
então, sobre estas premissas que o texto delineia alguns itens que apontam para
uma mudança muito ampla e complexa, não apenas da concepção de professor
1
,
como da concepção de escola
2
e da concepção sobre os processos de ensino e
aprendizagem
3,
propondo, inclusive, mudanças no tempo e espaço da organização
das salas de aula e da escola
4
. Os itens do texto, apresentados na íntegra, a seguir,
demonstram o quanto o conceito de “mediação semiótica” - que fundamenta o
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conceito de zona de desenvolvimento de aprendizagem - subsidiou os autores da
Multieducação em seu intento de transformar o paradigma escolar deste
município.
o processo de constituição de conhecimentos passa a ter uma
importância vital, e, portanto, dever ser considerado tão
importante quanto o produto (avaliação final);
3
o papel do professor muda radicalmente, a partir dessa
concepção. Ele não é mais aquele professor que se coloca como
centro do processo, que “ensina” para que os alunos
passivamente aprendam; tampouco é aquele organizador de
propostas de aprendizagens que os alunos deverão desenvolver
sem que ele tenha que intervir. Ele é o agente mediador deste
processo,
1
propondo desafios aos seus alunos e ajudando-os a
resolvê-los, realizando com eles ou proporcionando atividades
em grupo, em que aqueles que estiverem mais adiantados
poderão cooperar com os demais.
4
Nesta perspectiva, rompe-se com a falsa verdade de que o aluno
deve, sozinho, descobrir suas respostas; de que a aprendizagem
é resultado de uma atividade individual, basicamente
intrapessoal. Aquilo que o aluno realiza hoje com a ajuda dos
demais, estará realizando sozinho amanhã;
3
a aprendizagem escolar implica apropriações de conhecimentos,
que exigem planejamento constante e reorganização contínua de
experiências significativas para os alunos.
2
A reorganização das experiências de aprendizagem devem
considerar o quanto de colaboração o aluno ainda necessita,
para chegar a produzir determinadas atividades, de forma
independente. Desta forma o professor poderá avaliar, durante o
processo, não somente o nível das propostas que estão sendo
feitas, mas, sobretudo, o nível de desenvolvimento real do aluno
revelado através da produção independente bem como o seu
nível de desenvolvimento proximal onde ainda necessita de
ajuda. Chega-se assim, a um conhecimento muito maior da
realidade do aluno, do “curso interno de seu desenvolvimento”,
tendo condições de prever o quanto de ajuda ainda necessita, e
como se deve reorientar o planejamento para apoiar este aluno;
4
Com suas intervenções estará contribuindo para o
fortalecimento de funções ainda não consolidadas ou para
abertura de zonas de desenvolvimento proximal.
Para que todo este processo tenha condição de se consolidar, o
diálogo deve permear constantemente o trabalho escolar; para
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Vigotski a linguagem é a ferramenta psicológica mais
importante;
2 , 4
Desta maneira é possível verificar não apenas o que o aluno é
num dado momento, mas o que pode vir a ser;
4
Rompe-se com o conceito de que as turma devem ser
organizadas buscando-se uma homogeneidade”.
4
(SME, 1996, p. 56)
São premissas bastante claras para a organização do trabalho escolar,
na qual os papéis do professor e de alunos não são estáticos mas flexíveis. O
professor, além de organizador das atividades para a aprendizagem, é um
provocador, um desafiador que busca desequilibrar os alunos, isoladamente ou
buscando parcerias entre as crianças com intenção de produzir novas
aprendizagens e fazer avançar seus processos de desenvolvimento. Além disso, o
conhecimento também não é visto como algo estático, mas construído
coletivamente e significativamente. A linguagem ganha destaque como o meio
essencial pelo qual estes sujeitos irão se conhecer e trocar suas experiências e
saberes.
Em outro trecho, a linguagem se destaca, também, como mediadora
dos processos de desenvolvimento das funções superiores psicológicas dos
indivíduos.
Em seus trabalhos, Vigostki aponta para importância da linguagem como
instrumento de pensamento, afirmando que a função planejadora da fala
introduz mudanças qualitativas na forma de cognição da criança,
reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção
voluntária, a formação de conceitos, etc
A linguagem é considerada por este autor como um instrumento, pois ela
atuaria para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções
psicológicas superiores, tanto quanto instrumentos criados pelos homens
modificam as formas humanas de vida.
(SME, 1996p.69).
Reporta-se, aqui, ao conceito de “mediação semiótica” para ressaltar a
importância da fala no desenvolvimento do pensamento humano.
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Em outros momentos do texto, autoras como Regina de Assis, Iza
Locatelli e Zilma de Oliveira alimentam a discussão sobre a questão do
desenvolvimento (ainda em uma perspectiva interacionista) e da constituição do
sujeito, com maior atenção à diversidade de formas com que esse processo se
em cada um. Esta questão é discutida ao longo de 18 páginas, nas quais reafirma-
se a idéia de que cada indivíduo se constitui de modo diferente de acordo com as
próprias experiências de vida, “Entendemos por diversidade, aspectos da vida de
crianças e adolescentes e as maneiras que cada um deles têm de construir valores e
significados que derivam de sua condição étnica, de gênero e das condições sócio-
econômicas-culturais em que estão inseridos. (SME, 1996, p. 67) e de como este
indivíduo se relacionou com outros indivíduos. A linguagem, pois, é entendida
como questão primordial na construção dos saberes que o indivíduo tem do
mundo e de si mesmo.
Através da interação mediada pela linguagem, seja do tipo
expressivo- postural, gestual ou a lingüística propriamente dita,
diferentes significações vão sendo construídas, partilhadas,
modificadas. Grande parte do que chega até nós surge através da
interação com o outro (...) Ao retornar para si próprio, as palavras
impregnadas de sentido deste outro” são internalizadas, numa
espécie de diálogo interior que serve à estruturação da própria
singularidade de cada um. (SME, 1996, p.68)
A partir dessa premissa, volta-se o olhar para a construção do
conhecimento e para a mediação do professor. O processo não se como em
uma rua de mão única, na qual o professor ensinaria e os alunos aprenderiam,
mas, como um processo que acontece entre idas e vindas, à medida que o
professor interage com o aluno entendendo o que é de seu interesse, o que pode
vir a ser e como irá direcionar ações para que se amplie a discussão sobre os
assuntos.
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41
A mediação sujeito / objeto do conhecimento não passa apenas pelas
estruturas cognitivas, mas envolve a questão das interações, afetos,
rejeições, relações sociais e situações de ensino, constituindo-se a
construção do conhecimento numa mediação intersubjetiva. (...) Vista desta
forma, cresce de importância o papel do professor na mediação do aluno
como objeto de conhecimento, podendo-se falar da construção do
conhecimento, como sendo um processo interativo. (SME, 1996, p.82)
No capítulo anterior, se apontava para essa questão dialógica de
idas e vindas do processo de construção de conhecimento, no qual os alunos, no
cotidiano da sala de aula, também medeiam as aprendizagens do professor.
Vale destacar que, durante este processo de construção compartilhada,
não se verifica apenas no aluno a abertura de zonas de desenvolvimento
proximal. Este movimento contínuo exerce uma influência relevante nas
zonas de desenvolvimento proximal do próprio professor, transformando as
relações entre todos, e propiciando maior compreensão do contexto de
ensinar e aprender”. (SME,1996, p. 58)
Observa-se, pois, na análise da Multieducação, a profundidade com
que o tema da mediação é abordado. A teoria é acompanhada de uma ampla
explicação sobre o conceito de “mediação semiótica”, logo depois, relacionada
aos exemplos práticos do cotidiano. Porém, esses exemplos quase não fazem
alusão às crianças pequenas, deixando esta lacuna para o entendimento dos
educadores da educação infantil. Na Multieducação, fala-se de uma postura do
professor diante dos alunos, do conhecimento e dos objetos, mas tudo de forma
generalizada. Como ficam as crianças de 0 a 6 anos? Como o professor destas
crianças se constitui na prática como um mediador? Como os pequenos pensam e
interagem com os objetos, com as informações e com o conhecimento? Este
professor deve interagir de outras formas com a memória e com o pensamento das
crianças pequenas? Este hiato, sem dúvida, pode gerar modos diferentes e
contraditórios de compreensão do papel do professor da educação infantil como
mediador no sistema de ensino do Rio de Janeiro.
No caso do RFCNei, como foi abordado anteriormente, o conceito de
“mediação semiótica” se confunde com a concepção de professor mediador,
incorrendo no risco de uma interpretação enviesada ou empobrecida do tema em
questão. A partir da análise dos dois documentos, emergem algumas perguntas
que, apesar de terem sido incluídas nas entrevistas, não serão respondidas, ao
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longo deste trabalho, por fugir a seu objeto de estudo: a Multieducação e o
RFCNei vêm sendo trabalhados pelas escolas? Dão ou não dão suporte teórico ao
trabalho dos professores da educação infantil?
Os próximos capítulos estão voltados para perguntas específicas sobre
as mediações dos sujeitos adultos e crianças no contexto escolar da educação
infantil, colocadas ao longo deste primeiro capítulo, apresentando a pesquisa de
campo, realizada em um escola do município do Rio de Janeiro. São sete meses de
observação das ações de crianças e de professores de duas turmas da pré-escola
(crianças de 4 e 5 anos) e do trabalho pedagógico da escola como um todo e,
também, de construção de um diálogo permanente com estes sujeitos sobre suas
concepções de educação infantil e de ser adulto e ser criança nesses espaços.
Porém, antes de mergulhar no cotidiano propriamente dito das turmas, descrevo as
opções metodológicas que foram utilizadas no estudo de campo, assim como
apresento a escola, com sua estrutura e prática, contextualizando-a no cenário
educacional do município em que está inserida.
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3 - A educação infantil em uma escola de ensino
fundamental
Como explicitado, esta dissertação tem como objetivo compreender
a mediação do professor na educação de crianças pequenas, pautada no diálogo
com esses sujeitos adultos e crianças - e na observação de suas ações em salas
de aula de educação infantil do município do Rio de Janeiro. Ultrapassando os
limites de um estudo teórico, visa a perceber como este conceito ou concepção de
professor tem sido compreendido e se constituído no dia-a-dia das escolas. Para
isto, considerados os limites de tempo da pesquisa, tornaram-se necessários alguns
recortes e encaminhamentos teórico-metodológicos.
No inicio deste segundo capítulo, apresento o modo como as
proposições este trabalho foram lapidadas e enriquecidas com a minha
participação no grupo de pesquisas “Infância, Formação e Cultura/Infoc” da PUC-
Rio
1
. No segundo momento, é a vez de uma reflexão teórico-metodológica sobre
o percurso do pesquisador na construção e na relação com o objeto desta pesquisa.
Na terceira parte, contextualizo a educação infantil no sistema de ensino do
município do Rio de Janeiro e apresento a escola e seus sujeitos – adultos,
crianças e familiares – participantes da pesquisa.
3.1 - A contextualização da pesquisa:
.
Integrada ao grupo de pesquisas “Infância, Formação e Cultura/Infoc”,
especificamente, ao projeto “Crianças e adultos em diferentes contextos: a
infância, a cultura contemporânea e a educação”, esta pesquisa teve seu
processo facilitado e enriquecido por discussões e trabalho coletivo. O projeto em
curso do grupo Infoc pretende conhecer e compreender interações de adultos e
crianças em 20 instituições municipais de educação infantil do Rio de Janeiro
(Kramer, 2004; Barbosa, Kramer e Pereira, 2005), abrindo espaço para uma
1 Pesquisa, coordenada por Sonia Kramer, com apoio do CNPQ e da FAPERJ, interinstitucional,
desenvolvida por graduandos, especialistas em educação infantil, mestrandos e doutorandos e
professores do Programa de Pós-Graduação em educação da PUC-Rio, Unirio e UFRJ.
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discussão sobre diferentes questões, tais como: o que adultos e crianças entendem
sobre ser criança? Como as culturas infantis têm sido percebidas pelos adultos?
Como é possível assegurar que a educação cumpra seu papel no desenvolvimento
e no acesso aos conhecimentos, diante da heterogeneidade das populações
infantis? Assim, como é possível perceber, as temáticas iniciais do projeto são
muito próximas da discussão desta pesquisa sobre a mediação do professor na
educação de crianças pequenas, o que justificava uma integração. Assim, a
riqueza deste encontro permeou todo o processo de desenvolvimento da pesquisa,
desde a escolha da escola onde seria realizada a pesquisa de campo e as decisões
metodológicas, até à lapidação das questões e objetivos do trabalho.
Como a pesquisa institucional estava em andamento, a escolha da
escola foi pautada para atender às minhas necessidades individuais de
pesquisadora e às do grupo de pesquisa. Após inserção do grupo Infoc no campo,
em 2005, das 20 instituições indicadas pela Secretaria de Educação do Município,
em 2006, foram selecionadas as (seis) que apresentaram marcas visíveis de
positividades nas interações entre adultos e crianças. Dentre estas, duas creches,
duas escolas exclusivas de educação infantil
2
e duas escolas do primeiro segmento
do ensino fundamental com turmas de educação infantil. A escola, selecionada
para a realização desta pesquisa, atendia aos critérios propostos por esta
dissertação, por incluir turmas dos últimos anos da educação infantil e por ir ao
encontro da proposição do grupo de manter um pesquisador por mais tempo na
instituição.
2 Escolas que atendem à educação infantil com crianças a partir de 4 anos completados até 28 de
fevereiro de cada ano.
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Neste período, a escola atendia a educação infantil de 4 a 5 anos em
quatro turmas (duas no turno da manhã e duas, no da tarde), e a 12 turmas do
primeiro ciclo e dos dois primeiros anos do segundo ciclo de formação
3.
De
acordo com o objetivo proposto, foram selecionadas as duas turmas de educação
infantil do horário da manhã para serem pesquisadas. Ao longo do texto, faremos
referência a elas como turma A (crianças que iniciaram o ano com 4 anos -
professora Maria) e turma B (crianças que iniciaram o ano com 5 anos
professora Ana.)
4
3.2 - Opções teórico-metodológicas
3.2.1 - A construção do objeto – o encontro do texto / contexto
Esta dissertação foi construída a partir de uma rede de elementos
tecida entre o campo da teoria e o campo da prática. Falas e experiências dos
adultos e das crianças pequenas que atuam nas salas de aula alimentaram e
ajudaram a refinar as questões de pesquisa sobre a mediação do professor assim
como determinaram a ampliação do campo teórico. Este, por outro lado,
subsidiou a análise, ora sobre a instituição escola, ora às ações de cada criança e
de cada adulto no cotidiano das relações. Vamos ao texto:
O número crescente de crianças matriculadas em creches e escolas de
educação infantil (KRAMER, 1992) tem impulsionado diferentes discussões em
torno das relações que são travadas nesses espaços entre adultos e crianças.
Porém, pensar os papéis dos adultos e os das crianças nessas instituições, assim
como as sutilezas e os desafios que marcam esses encontros, não é uma tarefa
fácil. Em função disso, esta dissertação propõe um diálogo entre os campos da
Psicologia e da Sociologia, no qual os diferentes olhares sobre o adulto, a criança
e a relação entre eles possam se encontrar e se entrelaçar. Para isso, tornou-se
essencial estudar a teoria de Vigotski sobre a criança, seu desenvolvimento e sua
3 O sistema de ciclos do município do Rio de Janeiro se caracteriza pela organização do ensino
fundamental em três ciclos de três anos cada (na antiga organização seria do C.A a série, da
a série, da a série) nos quais o aluno tem aprovação continuada garantida nos dois
primeiros anos de cada um deles. Em 2007, ficou estabelecido que a reprovação do aluno
poderia ocorrer no último ano de cada ciclo, no caso dessa necessidade ser constatada pelo
Conselho de Classe.
4 Por opção metodológica, o nome da diretora, professoras e crianças apresentados nesta
dissertação são fictícios.
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relação com os adultos e com o mundo, e relacioná-la com a concepção de criança
construída pelos teóricos da Sociologia da Infância. Este diálogo foi possível na
medida em que, apesar dos objetivos diferentes do trabalho de Vigotski e dos
sociólogos da infância, as duas vertentes propõem uma perspectiva sócio-histórica
para pensar as crianças e suas relações com o mundo.
Vigotski entende que a convivência com o adulto interfere no
desenvolvimento da criança através de uma “mediação semiótica” (2003, p.71-
p.76), a partir da qual seu pensamento e seu comportamento prático, natural, se
modificam na interação com os signos (linguagem oral, gestual, escrita, etc...)
trazidos pelo adulto. Pensemos no exemplo de um menino (que já controla seus
esfíncteres) que, ao chegar à escola, urina na plantinha do pátio. A professora
mostra que um banheiro no qual todos os meninos devem fazer suas
necessidades fisiológicas. Ao ver outros colegas utilizando aquele espaço, a
criança passa a fazer o mesmo. Ela está realizando uma atividade mediada pelos
signos de um comportamento socializado apresentado pelo adulto. Isto não
significa, porém, que a criança compreendeu os motivos pelos quais não deveria
urinar na planta, ou que seria capaz de generalizar o comportamento em outros
espaços, ou mesmo que não voltaria a tentar burlar regras de comportamento da
escola, mas apenas que, ao desejar fazer suas necessidades, lembraria a existência
do banheiro e o significado de urinar fora dele.
Na pesquisa, o conceito de mediação semiótica foi base para uma
discussão sobre as relações dialógicas entre adultos e crianças. Esse conceito foi
utilizado para pensar as mediações feitas pelo professor e pelas crianças através de
múltiplas linguagens, não somente a verbal, mas também a gestual, a lúdica, a
artística, enfim, os diferentes tipos de ações e intervenções realizadas no
tempo/espaço da sala de aula. Isso porque a linguagem do professor e da criança -
seja ela verbal, corporal ou artística - pode mediar as relações criança/criança,
criança/ adulto e criança/conhecimento.
Porém, o conceito de mediação semiótica (atividade mediada por
signos) não foi suficiente para compreender os múltiplos tipos de mediações que
ocorriam nas interações entre adultos e crianças, criança e ambiente e entre
crianças que convivem nas escolas, o que tornou necessário irmos além dele.
Vigotski afirma que existe uma gama de atividades cognitivas mediadas por
outros elementos que não os signos. “Poder-se-iam arrolar várias outras
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atividades mediadas; a atividade cognitiva não se limita ao uso de instrumentos
ou signos.” (2003, p. 72).
O objeto de pesquisa, como explicitado no capítulo anterior, foi
construído a partir desta leitura de Vigotski, principalmente, sobre o conceito de
atividade mediada, relacionado ao estudo de Bakhtin sobre a construção dos
signos, de mergulho nos textos oficiais (RFCNEI e Multieducação) que
apresentam o papel do professor de educação infantil e, finalmente, de um quadro
formado pelos trabalhos e pesquisas do campo da educação sobre o tema da
mediação do professor, realizados nas décadas de 90 e 2000.
A partir disso, trabalhamos com o conceito de mediação semiótica
pedagógica, entendendo essa mediação como toda e qualquer ação ou intervenção
no tempo e no espaço da escola que interfiram ou modifiquem as ações e a
construção de novos signos por parte de outros sujeitos envolvidos. E essas ações
do adulto estão impregnadas de conteúdo ideológico, podendo, por isso, serem
consideradas semiótico/pedagógicas. Neste sentido, a dissertação ultrapassa a
idéia de um adulto mediador, pois não somente ele medeia
semiótico/pedagogicamente as ações e aprendizagens das crianças, mas também
as crianças medeiam as aprendizagens e as ações desses adultos e de outras
crianças.
Para avançar na discussão sobre a criança como sujeito mediador e
transformador do espaço da escola, foi preciso ir além das fronteiras do campo da
Psicologia, trazendo propostas da Sociologia da Infância para definirem a
concepção de criança com a qual pretendemos trabalhar. Na perspectiva da
Sociologia da Infância, só é possível entender a criança, contextualizada em seu
tempo e espaço, e no bojo de determinada concepção de infância. Por esta razão,
a proposta de estudar as relações contemporâneas que se estabelecem entre
adultos e crianças na escola não pode ter uma perspectiva generalizante, pois a
variação das condições sociais em que esses sujeitos estão incluídos as
caracterizam de forma bastante heterogênea. (SARMENTO e PINTO, 1997). No
conceito de geração, reelaborado por Sarmento (2005), a infância é definida como
uma categoria que se constitui historicamente em um processo que lhe atribui
determinado estatuto social que, por sua vez, orienta o olhar e as ações dos adultos
para suas crianças. Entrelaçados a este estatuto social, também interagem no
processo de constituição da infância, as questões demográficas, econômicas, de
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classe social e de gênero. Porém, Sarmento ressalta que essa estrutura - geração
da infância, criada pelo efeito desses diferentes fatores - não é fixa. Ela se
atualiza, a cada momento, pelas tensões e interações que ocorrem entre crianças, e
entre estas e adultos. Como é possível perceber, construir um caminho para a
análise deste processo no âmbito das ciências sociais não é simples, pois demanda
a quebra de uma concepção que instituiu a infância como algo universal e
imutável. E ainda, a necessidade de um aprofundamento das questões histórico-
políticas que estão intimamente relacionadas às discussões sobre direitos das
crianças. (SARMENTO e PINTO, 1997, p.17)
Para clarear as demandas apontadas acima, Claude Javeau (2005)
alerta para a importância de percebermos as distinções e os diferentes
direcionamentos que os termos “criança”, “infância” e “crianças” têm recebido
nos estudos da infância. Ele afirma que o uso do termo criança foi ou tem sido
relacionado a um sentido mais individualizante ou psicologizante, uma concepção
de criança como ser em desenvolvimento, descolada das condições sociais nas
quais convive. Por outro lado, o conceito infância, muitas vezes, tem sido
utilizado por um discurso macro sociológico e econômico que procura controlar
os custos que esta parcela, dita improdutiva, da população demanda. Sua proposta
é que o mais apropriado é utilizar o termo “crianças”, pois remete a uma
perspectiva mais antropológica, na qual estes indivíduos constituem uma
população ou um conjunto de populações com pleno direito (científico), com seus
traços culturais, seus ritos, suas linguagens, suas “imagens-ações” ou, menos
preciso no tempo e no espaço, com suas estruturas e seus “modelos de ações”
etc.” (JAVEAU, p.385)
Esta seria a concepção central da Sociologia da Infância: considerar as
crianças como atores sociais, com plenos direitos, produtores de uma cultura que
tem suas especificidades, mas que se constrói em determinadas condições sociais.
Esta concepção permite realizar uma análise mais historicizada e, em
conseqüência, mais contextualizada, das crianças com as quais trabalhamos. Ela
nos chama atenção para a necessidade de entender as crianças no seu tempo e em
seu espaço, levando em consideração as condições sócio-econômicas nas quais
convivem.
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Nesta direção, Sarmento (2005) faz uma interessante reflexão sobre
uma das marcas da infância da modernidade, que seria a institucionalização. Ele
entende que o número crescente de creches, escolas e outros locais de
atendimento se configura, cada vez mais, como um afastamento da criança do
mundo adulto. Nesta perspectiva de afastamento, reserva-se para ela um lugar
mais distanciado da vida social, com alto grau de dependência e forte ênfase nos
seus não saberes e incapacidades. Diante desse processo de institucionalização
moderna da infância, apontado por Sarmento, podemos nos perguntar sobre
quais espaços são garantidos nessas instituições para as crianças serem entendidas
verdadeiramente como atores sociais, de modo que se possibilite construir e
reconstruir suas culturas, enquanto constroem a cultura escolar (JULIA, 2001).
Toda a instituição escolar, inclusive as direcionadas às crianças
pequenas, têm a educação dos sujeitos como um de seus principais objetivos.
Este fenômeno pode ser explicado através de um resgate histórico do surgimento e
da trajetória dessas instituições (KUHLMANN JR, 2002). Por outro lado, as
discussões realizadas pelos estudiosos da área têm colocado muitas questões à
prova, reforçando as tensões entre as diferentes concepções de educação infantil.
A partir disso, surgem novos papéis para professores e alunos, deslocando-os de
seus lugares fixos de mestres e aprendizes e entendendo que cada um, com suas
experiências sociais distintas, terá sempre algo a ensinar ao outro. Neste sentido,
uma clara congruência com os estudos de Vigotski, pois apesar de este ter
focado a maior parte de sua pesquisa na criança, isso nos possibilita, também,
pensar sobre o processo de desenvolvimento que ocorre com os adultos. A matriz
de seu trabalho é a perspectiva que coloca, em primeiro plano, a história e a
cultura atuando sobre o desenvolvimento do indivíduo, não separando, assim,
crianças e adultos. Ao afirmar que a criança aprende na interação com alguém
mais experiente, favorece pensar que os adultos também aprendem com alguém
mais experiente e que não são poucas as vezes que esse alguém é uma criança.
Algumas pesquisas empíricas apresentam essa questão sobre os papéis
de professores e alunos nas aprendizagens escolares, como é o caso de Maria
Cecília Góes (1997, p. 13), que faz uma crítica ao apagamento do professor.
Segundo esta autora, esse apagamento ocorre nos trabalhos em que os processos
de conhecimento são entendidos como uma construção individual. Por esta razão,
em suas pesquisas não coloca o foco nem na criança nem no professor, mas na
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50
relação existente entre os dois sujeitos envolvidos. Ela propõe uma concepção de
sujeito interativo, que constrói conhecimento em processos prioritariamente
mediados pelo outro. Góes atenta, também, para o fato de que se algum sujeito é
silenciado nesse processo, a relação esta comprometida e, por isso, critica o
silenciamento das crianças, quando apenas a professora conta as próprias
experiências sem que as crianças tenham oportunidade de narrarem as suas.
(1997, p. 19) Neste ponto, retornamos às propostas da Sociologia da Infância,
pois sabemos que este silenciamento da criança ainda é muito freqüente na
maioria das instituições, pois, com a intenção de ensinar o maior número possível
de conteúdos e de hábitos considerados importantes para a criança no futuro,
educadores não abrem brechas para olhar a criança no presente.
Nesta pesquisa, ouvi e observei os professores e as crianças para
entender como estes se percebem no contexto da educação infantil, como
interagem e medeiam as ações dos outros sujeitos no espaço/ tempo das salas de
aula. E, também, como as crianças participam das atividades propostas e das
conversas com os adultos, ou como criam suas próprias propostas de ação.
Voltando à questão da mediação semiótico/pedagógica - objeto da
pesquisa - as ações e interações entre os sujeitos não se dão no vazio: são, o tempo
inteiro, perpassadas por diferentes informações - signos - que vão interferindo na
ação e na construção de novos signos por parte do outro, como já foi ressaltado na
introdução deste trabalho. Na escola, estes signos se apresentam nas falas, nas
paredes, nos objetos, nas expressões corpóreo-faciais dos sujeitos, enfim, em cada
espaço, por menor que seja; são manifestados nos momentos de conversa nas
rodas e em outros diálogos; estão nos materiais produzidos por crianças e adultos,
como, por exemplo, desenhos ou outros trabalhos plásticos; também estão
presentes nos seus objetos pessoais e nas suas ões. Portanto, para compreender
as mediações de adultos e crianças tomei como essencial a análise dos signos
apresentados por estes sujeitos.
Também explicitado na introdução desta dissertação, está o processo
pelo qual o objeto desta pesquisa foi sendo reconstruído na medida em que
entrelaçávamos os pressupostos teóricos e o cotidiano da escola observada
5
. Da
mesma forma, algumas das questões iniciais que foram pensadas no início do
5 Ver página 13.
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51
estudo teórico sobre as mediações, ao longo das observações do cotidiano, elas
foram repensadas, reconstruídas, algumas foram excluídas e outras incluídas.
Para a redefinição destas questões e a busca de suas possíveis respostas foi
necessário a observação do cotidiano das turmas A e B, durante quatro horas, uma
a duas vezes por semana, durante seis meses (três meses em cada uma), dentro de
uma perspectiva etnógrafica, no que diz respeito à produção de registros densos
das relações entre os sujeitos da escola. O propósito era conhecer as ações de
adultos e crianças no cotidiano escolar, e as culturas infantis, analisando os signos
apresentados por estes sujeitos nesta relação. As questões definidas para a
pesquisa a partir da reflexão teórica sobre o cotidiano foram:
de que modo ocorrem as mediações de adultos e crianças - nos momentos das
rodas, da confecção dos trabalhos plásticos e do letramento - na resolução de
conflitos, na organização do tempo, nas brincadeiras e na organização dos
murais e do ambiente, seja através da fala, do uso de objetos, de gestos, enfim,
dos mais diferentes signos?
quando as mediações dos adultos são informativas do tipo que acrescenta
explicações sobre um tema específico? Quando são do tipo instrutivas ou
“siga o modelo” - de exemplo dado pelo professor? Quando são do tipo
desafiadoras - o adulto coloca as crianças no centro da ação, para pensar ou
agir sobre algo? Quando são apenas organizadoras da fala ou da ação da
criança e do grupo?
Como as crianças lidam com cada um desses tipos de mediação citados,
realizados pelos adultos?
De acordo com a orientação sócio-histórica para as pesquisas qualitativas,
essas professoras e esses alunos são sujeitos e, por isso, precisam ser
contextualizados em suas histórias. Como explica Maria Teresa Freitas, Procura-
se, portanto, compreender os sujeitos envolvidos na investigação para, através
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52
deles, compreender também o seu contexto.” (2003, p.27) Por esta razão, além da
observação, a pesquisa deu voz às professoras, através de entrevistas semi-
estruturadas, para entender como pensam e realizam suas interações e mediações
com as crianças da educação infantil. Assim, durante as entrevistas, busquei
conhecer as histórias pessoais e profissionais dos adultos e seus percursos
individuais de formação, com o intuito de compreender melhor suas ações e
práticas com as crianças. Quanto às crianças, optei por conversas informais,
durante as atividades vivenciadas no cotidiano, e por uma conversa formal,
combinada com cada grupo, ao final da pesquisa, para falarmos das suas
concepções de adulto e delas mesmas, e das suas relações com a escola.
Após os primeiros meses de observação e de conversas com adultos e
crianças na escola foi possível perceber a recorrência de algumas tendências nas
ações e mediações das professoras com as crianças, das crianças com as
professoras e das crianças entre sí, assim como algumas marcas que
diferenciavam os adultos entre si e as marcas das culturas das crianças que as
diferenciavam dos adultos. Desta forma, algumas das questões de pesquisa foram
lapidadas e, posteriormente, transformadas em categorias para a análise do campo.
Estas categorias de análise são apresentadas, simplificadamente a seguir, e
aprofundadas no terceiro capítulo:
Os signos expressos na fala, nas ações e nas produções dos adultos da escola,
especificamente, das professoras das turmas e das crianças.
As ações e mediações em que as crianças contam com o auxílio direto dos
adultos.
As ações das crianças que são mediadas internamente, sem a presença direta
do adulto.
As ações e mediações das crianças que utilizam formas que vão além do modo
que os adultos costumam lidar com o outro e com o mundo à sua volta.
As mediações informativas dos adultos
, do tipo em que ele oferece
explicações sobre um tema planejado para o trabalho ou não;
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As mediações instrutivas ou “siga o modelo” dos adultos, do tipo em que este
oferece um modelo padrão ou não, para ação e produção das crianças;
As mediações desafiadoras dos adultos, quando este coloca as crianças no
centro da ação, para pensar ou agir sobre algo;
As mediações organizadoras dos adultos, quando este interfere no tempo e no
espaço das atividades do grupo, podendo realizar isto com todos ao mesmo
tempo ou individualmente.
Este processo de reconstrução do objeto, das questões da pesquisa e
das categorias de análise se deu em meio a uma intensa reflexão sobre o meu
lugar no campo de pesquisa e meu lugar na escola, visto que minha experiência
como professora de crianças pequenas não poderia ser deixada de fora dos portões
da escola a ser pesquisada. Por esta razão, foi necessário tornar consciente e
refletir sobre cada opção metodológica e cada foco colocado por mim para este
trabalho.
3.2.2 O lugar do pesquisador e sua familiaridade com o objeto de
pesquisa
Considerando os oito anos de trabalho realizado em cinco diferentes
escolas do município do Rio de Janeiro, acredito ser importante incluir, na
pesquisa, questões que foram surgindo ao longo de minha trajetória como
professora e como coordenadora. Por outro lado, estar durante tanto tempo
envolvida nesse contexto e tê-lo estudado poderia ser prejudicial no que diz
respeito à deformação do olhar causado por (pré)conceitos e (pré)julgamentos.
Sem dúvida, a pesquisa é permeada por muitas de minhas próprias inquietações,
como, por exemplo, a falta de discussão especificamente sobre a mediação do
professor de crianças pequenas, assim como a escassez de trabalhos teóricos que
privilegiem a experiência destes professores e motivem o debate.
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54
Para evitar esses desvios do olhar, redobrei a atenção, durante todo o
processo, desde a construção do objeto de pesquisa até as observações de campo.
Atenta a meu lugar de pesquisadora, procurei afastar, sempre que necessário, o
olhar de minha própria experiência como professora, assumindo os meus não
saberes, deixando que as situações e experiências de outras professoras e das
crianças repercutissem em meu caderno de campo e, somente em um segundo
momento, pensar sobre elas. Para me ajudar nessa tarefa, busquei no conceito de
exotopia de Bakhtin, (FREITAS, KRAMER E SOUZA, 2003), uma perspectiva
de deslocamento de posições de meu olhar, pois, segundo as autoras exotopia
significa desdobramento de olhares, a partir de um lugar exterior” (p.14). No meu
caso, tanto no processo de observação do campo quanto no de análise dos textos,
um distanciamento de minha própria experiência como professora me permitiu ver
para além dela, conhecer outras formas de lidar com a educação de crianças
pequenas. Por outro lado, ter consciência e agregar a meu olhar de pesquisadora
experiências de quem também é professora, me ajudou a tirar alguns us que,
possivelmente, encobririam situações e discussões, e repensar questões dadas até
então como finalizadas e acabadas. Ainda assim, mesmo tendo consciência de
meu papel como sujeito pesquisador, a tarefa de ver e conhecer não foi fácil, pois
como afirma Bakhtin (2003, p.118) no acontecimento singular e único da
existência, é impossível ser neutro. Só de meu lugar singular é possível elucidar o
sentido do acontecimento do processo de realização, que se torna mais claro à
medida que aumenta a intensidade com que nele me radico”. Portanto,
aproximação e afastamento dos acontecimentos foram processos contínuos e
paralelos, que resultaram, como não poderia deixar de ser, em um olhar possível -
não o verdadeiro nem o único – sobre a realidade.
Desde o início, estava claro que seria necessária uma reflexão
constante sobre as relações entre pesquisador e demais sujeitos da pesquisa -
professores, crianças e adultos da escola. Para evitar um distanciamento dos
adultos e crianças envolvidos, a elucidação de como seria a pesquisa e um
permanente diálogo sobre seu processo foi o caminho adotado para que eles, aos
poucos, fossem ficando mais à vontade em minha presença.
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55
Nos primeiros dias, conheci a direção da escola e apresentei meu
projeto de pesquisa. Explicitei que eu também era professora do município do
Rio de Janeiro e, que como pesquisadora, tinha interesse em conhecer as práticas
e concepções de outros professores, principalmente, aquelas que poderiam ser
avaliadas como positivas. Deixei claro que meu objetivo não era apontar erros,
mas obter respostas para algumas questões fundamentais pois, naturalmente, se
dispusesse de todas as respostas não precisaria pesquisar. Expliquei, porém, que
não deixaria de discutir as ambigüidades (positividades e negatividades) das
práticas observadas na escola. Cuidei para que o objeto de estudo as mediações
dos adultos e das crianças - não fosse explicitado, o que poderia interferir nas
ações e práticas dos sujeitos da pesquisa. Apresentei para a direção e para as
professoras minha opção de não colocar o foco somente nos adultos, mas também
nas crianças e nas relações entre eles.
Aos poucos, a direção foi se abrindo e liberando a pesquisa nas duas
turmas, apesar da preocupação demonstrada com o fato de uma das professoras
não ter experiência com educação infantil. Alertou, também, para o fato de a
professora que antes liderava o trabalho do grupo de professoras da educação
infantil, agora estar atuando na sala de leitura. Percebi que a direção não estava à
vontade com a minha entrada na turma da professora nova em educação infantil.
Então, decidi mudar os planos, pois, como afirma Gilberto Velho: “(...) Não
fórmulas nem receitas, e sim tentativas de armar estratégias e planos de
investigação que evitem esquematismos empobrecedores. Assim, cada
pesquisador deve buscar suas trilhas próprias a partir do repertório de mapas
possíveis”. (2003, p. 18)
Diante desta situação, optei por observar, num primeiro momento, apenas
a turma B, o que também veio a ser produtivo para a percepção das marcas de
identidade da turma e da professora. Após três meses no campo, a professora da
turma B precisou tirar um mês de licença, por conta de complicações no início da
gravidez. Entendi que estava ali uma excelente oportunidade para eu começar a
observação na turma A. Tanto em uma turma como na outra, minha aproximação
foi gradual. No primeiro dia, não usei o caderno de campo na sala e, nos dias
subseqüentes, pedi permissão às professoras e às crianças para anotar as conversas
durante as rodas em meu caderno. Muitas vezes, as crianças perguntavam sobre o
que estava sendo anotado e eu lia para elas, dizendo que estava escrevendo tudo o
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que eu via e ouvia. Nestes momentos, me pediam para escrever seus nomes e
algumas coisas que falavam. As professoras, por sua vez, não perguntavam
diretamente como as crianças, mas quando se fazia necessário, lia para elas
trechos das minhas conversas com as crianças e das crianças entre si. Em outras
situações, fazia comentários sobre as coisas que eu estava observando e anotando
e sentia que isto as deixavam mais à vontade em relação à minha presença na sala.
Em poucas situações, as professoras vinham até mim para justificar ações que
consideravam passíveis de críticas. Mesmo assim, utilizei o gravador nos
últimos meses da pesquisa, prioritariamente, nos momentos das rodas e nas
entrevistas com as professoras e as crianças.
Nas entrevistas com as professoras, além de conhecer as suas histórias
pessoais e profissionais, aproveitei para discutir e esclarecer algumas questões que
foram observadas no dia a dia com as turmas. nas entrevistas com a direção,
optei por discutir as concepções de educação infantil, de criança e de professor,
temas da gestão e questões levantadas nas observações do cotidiano da escola ,
das turmas ou na proposta pedagógica.
Com as crianças da turma A, perguntei quem gostaria de conversar
comigo e gravar suas falas no gravador. A maioria das crianças respondeu
positivamente, porém a conversa foi rápida, pois estavam mais interessadas em
ouvir suas próprias vozes no gravador do que propriamente, falar. Com as
crianças da turma B, o interesse pelo gravador também foi manifestado, mas a
conversa durou mais tempo. Foram realizadas em rodas e as crianças iam falando
na medida em que tinham algo a dizer. Em alguns momentos, foi preciso dirigir
as perguntas a uma criança de cada vez, para que eles pudessem se ouvir. Nas
duas turmas, ficaram explícitos a necessidade e o desejo das crianças de falar e de
deixar registrado as suas opiniões.
3.3 - O contexto da educação infantil no município do Rio de Janeiro
O município do Rio de Janeiro, como esclarece Corsino (2003), tem
em sua história marcas de uma relação muito própria com seu espaço natural e
marcas das relações desiguais que se estabeleceram em seu território entre os seus
diferentes povos indígenas, europeus e africanos desde a chegada dos
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portugueses. Os índios tamoios foram dizimados, os negros escravizados e, após
a abolição da escravatura, discriminados pelos brancos. Esta desigualdade social
se arrasta até hoje, pois apesar das lutas e reivindicações pela igualdade social
travadas por negros e brancos, ainda um número muito maior de negros em
bairros pobres e favelas do que em bairros nobres da cidade. Por outro lado, esta
mistura entre os povos trouxe uma diversidade cultural que, a meu ver, junto às
belezas naturais, ao Rio de Janeiro o título de Cidade Maravilhosa. Muitos
ritmos, crenças e costumes se misturaram, o samba desceu o morro e invadiu as
ruas, conquistando seu espaço e virando uma marca da alegria carioca.
Da baía de Guanabara ao maciço da Tijuca, passando pelo centro da
cidade, a vida pulsa em ritmo intenso. Nesta grande área, localiza-se um dos
principais portos e o maior pólo cultural da cidade com inúmeros teatros, cinemas
e museus. Suas ruas, antes tomadas por charretes e bondes, tornaram-se grandes
avenidas, repletas de carros particulares e diversas linhas de ônibus que vêm e
partem para outros bairros do Rio de Janeiro e para municípios vizinhos. Na zona
sul da cidade, beirando o mar e, no início da zona oeste, na Barra da Tijuca, estão
os bairros residenciais com a população de maior poder aquisitivo. Na zona norte,
os bairros mais próximos do centro como, por exemplo, a Tijuca e Vila Isabel são
áreas residenciais para famílias de poder aquisitivo de médio a alto, excluindo a
população das favelas que cercam os dois bairros. Os demais bairros da zona
norte também são residenciais mas comportam a maior parte da produção fabril e
uma população de poder aquisitivo mais baixo. Em outros bairros residenciais,
como os da zona oeste, com exceção da Barra da Tijuca e do Recreio, a população
em geral tem poder aquisitivo mais baixo.
A desigualdade sócio-econômica que caracteriza o município do Rio
de Janeiro, assim como outras metrópoles do Brasil e do mundo, traz em seu bojo
uma violência que se agrava devido à grande concentração de pessoas em
pequenos espaços, principalmente, nos bairros do centro e nas proximidades. As
favelas nas encostas dos morros crescem a olhos vistos, o que acentua as
condições precárias de habitação, saúde e educação. O atual prefeito, no início de
sua gestão anterior, deu início a um programa de urbanização das favelas cariocas,
chamado Favela-Bairro que, apesar de trazer melhorias físicas para essas
comunidades, não realizou a integração dessas pessoas com moradores dos bairros
vizinhos. (LESSA, 2000 apud CORSINO, 2003)
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Neste contexto social tão complexo é que está inserida a educação
pública do município do Rio de Janeiro. No ano de 2007, segundo dados da
prefeitura, a secretaria municipal de Educação contava com 744.858 alunos,
incluindo os da educação infantil, os do ensino fundamental, os dos programas de
educação especial e de jovens e adultos. Para gerir este gigantesco sistema a
prefeitura criou dez Coordenadorias Regionais de Educação - CREs, com o
objetivo de descentralizar as ações e conceder autonomia financeira e
administrativa para que as gestões de cada uma atendam às necessidades
específicas de cada região. Vale lembrar que esta autonomia é limitada, pois as
ações são integradas a projetos da secretaria.
Como mostrado no quadro 1, abaixo, cada CRE atende a diferentes
bairros de uma região, assim como as escolas de cada CRE também incluem
alunos que moram em diferentes bairros e comunidades das mais diversas
realidades econômicas e sociais.
Quadro 1 – Áreas de abrangência das Coordenadorias Regionais
de Educação – CREs do município do Rio de Janeiro
Fonte: Instituto Pereira Passos – Disponível em: www. rj.gov.br
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A educação infantil é organizada em creches (crianças de 0 a 3 anos),
em escolas exclusivas de educação infantil (atendem apenas as crianças de 4 e 5
anos) e em escolas de ensino fundamental que possuem turmas de educação
infantil (com crianças de 4 e 5 anos), Observa-se que esta organização é diferente
em outras cidades do País, como Belo Horizonte (DEBORTOLI, 2004) onde a
educação infantil é concentrada em estabelecimentos exclusivos para crianças de
0 a 6 anos, e em São Paulo, que conta com os Centros de Educação Infantil (CEI),
também para crianças dessa mesma faixa.
Como é possível notar no gráfico 1 e na tabela 1, em anexo, desde o
ano de 1992 até o ano de 2005, houve um crescimento contínuo do número de
turmas de educação infantil no município do Rio de Janeiro, o que pode ser
explicado pelos diferentes processos de mudança que ocorreram no cenário da
educação deste município e que são apresentados a seguir.
No caso das creches, se encaminhou um processo de municipalização
de uma parcela das creches que, até então, funcionavam sem auxílio financeiro e
administrativo da prefeitura, ou melhor esclarecendo, o processo de
conveniamento pela secretaria municipal de educação (SME) das creches antes
ligadas à secretaria municipal de assistência social (SMAS). De acordo com os
dados da matrícula do censo escolar, de 2004 para 2005 o número de creches
conveniadas à SME passa de 97 para 165, ao mesmo tempo em que o número de
creches ligadas a SMAS cai de 161 para 54.
6
Esta mudança nos números revela
um investimento neste segmento da educação, porém, não garantiu, infelizmente,
atendimento à demanda de crianças de 0 a 3 anos do município do Rio de Janeiro
nem a garantia na qualidade deste atendimento, que a elevação do número não
representou necessariamente, a construção de novas creches. No caso de algumas
das creches comunitárias integradas ao sistema público de educação, foram
incorporados prédios antigos, muitas vezes, não apropriados à educação de
crianças pequenas. Nesses casos, as profissionais que atuam diretamente com as
crianças não são contratadas pela Prefeitura, e sim, vinculadas e remuneradas por
instituições conveniadas ao município. A direção e as professoras articuladoras
(que funcionam como coordenadoras) são professoras concursadas da Prefeitura,
funcionárias efetivas do Município. No caso da pré-escola, o número crescente de
6 Ver tabela 2 e 3, em anexo.
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turmas também não significou, em sua totalidade, a construção de novas escolas.
Houve abertura de turmas de educação infantil de 4 e 5 anos em escolas do ensino
fundamental que incluem turmas de até o nono ano (antiga oitava-série).
Esta inserção da educação infantil em escolas que atendem a outros
segmentos da educação, foi um dos motivos que encaminhou esta pesquisa para
um estabelecimento também de ensino fundamental, a fim de ter percepção de
quais são as marcas de identidade da educação infantil, seu espaço e seu papel
dentro de uma escola com objetivos educacionais mais escolarizados. Como é a
transição das crianças para o ensino fundamental? Como o trabalho da educação
infantil se relaciona com os objetivos do ensino fundamental? Como é a relação
entre crianças desses dois segmentos dentro de um mesmo espaço?
3.4 - A escola e seus sujeitos – crianças, familiares e professores
Dando início a esta parte do trabalho, enfatizo que, por opção
metodológica, o nome da escola não será mencionado, assim como os nomes das
professoras e das crianças são nomes fictícios.
A escola está situada na zona norte do município do Rio de Janeiro,
próxima ao centro da cidade, em uma região composta por sete bairros: Alto da
Boa Vista, Andaraí, Praça da Bandeira, Grajaú, Maracanã, Tijuca e Vila Isabel.
Apesar do grande número de favelas na região, a escola se localiza em um local
relativamente distante dessas comunidades, atendendo a poucas famílias dessas
áreas mais pobres. De acordo com a direção, a maior parte dos alunos é composta
de filhos de porteiros de prédios vizinhos e de crianças egressas da rede particular
de ensino. A região, onde se localiza a escola, está classificada como:
“de alto desenvolvimento humano segundo o índice de Desenvolvimento Humano
(IDH= 0,914), e ocupa a posição quando consideradas todas as 12 regiões do
Plano Estratégico. Entre as dimensões que compõe o IDH, é a colocada em
longevidade (IDH- L=0837), em educação (IDH- E= 0983) e 2a em renda
(IDH – R= 0,022).”
7
7 Disponível em: http// www.rio-rj.gov.br/planoestrategico/
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Nas duas turmas pesquisadas, como pode ser conferido nos quadros
dois e três em anexo, alguns dados sobre as famílias convergem para os números
apontados pela Prefeitura. Na turma A, de um total de 45 pais (20 homens e 25
mulheres), que informaram a escolaridade, apenas um se declarou analfabeto; 18
completaram o primeiro grau; 12, o segundo grau; e quatro cursam ou cursaram o
ensino superior. Em relação às profissões /ocupações: apenas um pai se declarou
desempregado, a maioria exerce funções de baixa remuneração como faxineiros,
auxiliares de serviços gerais, porteiros e domésticas, e um grupo menor, funções
que possibilitam melhor rendimento que os demais, como auxiliares de escritório,
corretores de seguros, taxistas, professoras.
Em relação à turma B, os dados indicam uma escolarização um pouco
superior à da turma A. De um total de 42 responsáveis (19 pais e 23 es) que
informaram a escolaridade, nenhum se declarou analfabeto:18 completaram o
primeiro grau; 15, o segundo grau e sete cursaram o ensino superior.
8
Em relação
à profissão/ocupação, nenhum dos pais ou mães se declarou desempregado.
Comparada à turma A, o grupo de pais que ocupa funções de remuneração baixa é
menor - faxineiros, auxiliares de serviços gerais e domésticas - e um grupo maior
exerce funções de remuneração mais alta, como advogada, digitadora, zootecnista,
técnica de enfermagem, contadora, técnico de contabilidade, bombeiro e
terapeuta.
A escola está próxima a avenidas de grande movimento e fica ao lado
de um dos principais pontos turísticos da cidade. No ano da pesquisa, uma grande
obra no local, trouxe muito barulho e poeira para o interior da escola. Para
minimizar esses problemas, as professoras procuravam manter as janelas das
salas, que davam para o local da obra, sempre fechadas.
Durante a pesquisa, a escola atendia a 408 alunos em dois turnos de
horário parcial
9
, sendo quatro turmas de educação infantil (4 e 5 anos completados
até 28 de fevereiro) e doze turmas dos 5 primeiros anos do ensino fundamental (6
anos, completados de 28 de fevereiro em diante). Como é possível perceber no
quadro 3, em anexo, traçado a partir de dados obtidos nas fichas da secretaria da
8 Estes dados foram colhidos nas fichas de matrícula da secretaria da escola. Vale ressaltar que,
muitas vezes, o responsável pela efetuação da matrícula não é o mesmo funcionário e cada
um detalha mais ou menos as perguntas feitas aos pais.
9 Turno da manhã: das 7h e 15min às 11h e 45min ; Turno da tarde: das 12h e 45min às 17h e
15min.
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escola, as turmas de educação infantil têm um número de alunos próximo ou no
limite proposto pela SME, que é de 25 alunos; por outro lado, a diretora afirma
que o número de turmas de educação infantil da escola vem diminuindo, ao longo
dos anos, por conta da pouca procura.
Localiza-se em amplo terreno de 2.252.40 metros quadrados, dos
quais, apenas 888.29 de área construída (fundos) e 1.364.11 de área livre. Nessa
área externa, uma quadra poliesportiva coberta, um parque fechado com
brinquedos de ferro e de madeira novos (casinhas, dois escorregas, um balanço), e
piso de grama artificial; uma área livre com piso cimentado; uma casinha de
plástico e alguns bancos; um estacionamento de areia; uma espécie de pracinha
com bancos e mesas próximos à saída. Não caixa de areia. Também
muitas árvores que proporcionam sombra e brisa fresca em boa parte do dia. A
área interna é composta pela secretaria, almoxarifado, uma pequena sala para a
direção, banheiro, cozinha para os professores, refeitório espaçoso e arejado que
comporta duas turmas de 25 alunos, em média, cozinha pequena, despensa,
banheiro de funcionários, dois banheiros grandes - um de menina e outro de
menino - um largo corredor central com bebedouros e murais nas paredes, e 10
salas de aula, das quais uma funciona como sala de leitura e outra, como sala de
informática em fase de organização, à época da pesquisa.. Todos os espaços são
bem conservados e as paredes limpas, sem pichação. Ao lado da escola uma
quadra, emprestada por um clube, para atividades esportivas das turmas de
crianças mais velhas.
Comemorando 42 anos, a escola teve poucas diretoras que
permaneceram muitos anos em cada gestão. A atual diretora ficou como adjunta
por 10 anos e está seis anos - dois mandatos consecutivos - como diretora. As
gestões longas, neste caso, revelam um maior compromisso com a escola, o que
resulta em melhor administração, conservação e limpeza do prédio e dos bens
móveis e melhor organização do dia-a-dia da escola. No caso de falta de
professor, por exemplo, a solução adotada é a diretora adjunta, a coordenadora
pedagógica e a professora de sala de leitura se revezarem na substituição deste,
evitando dividir os alunos em outras turmas ou juntar duas turmas em um mesmo
espaço. O objetivo é interferir, o menos possível, no cotidiano de outras turmas,
que já têm um número grande de alunos. No período da pesquisa, poucos
professores faltaram ou tiraram licenças médicas, o que pode ser explicado pela
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fala de uma professora: A direção marca bem esta questão”. Outro reflexo deste
compromisso com o bem público pode ser observado na organização da sala de
leitura que possui vídeo, DVD, som e TV de 29 polegadas em bom estado de
conservação, dispostos à altura dos olhos das crianças, uma biblioteca variada de
livros de literatura e livros informativos bem organizados e conservados,
facilitando a pesquisa de professores e alunos. Conta, também, com um bom
acervo de fitas de vídeo de desenhos animados e de conteúdo científico. Durante
a pesquisa, foi possível observar a valorização dada a esses materiais e observar
como crianças e adultos utilizavam com freqüência este acervo. No caso dos
livros, percebia-se o empenho da professora da sala de leitura fazendo as
publicações circularem por todas as turmas e pelas mãos de cada criança, através
do sistema de empréstimo que permitia às crianças levarem os livros para casa.
Para isto, ela contava com a ajuda dos que chamava de monitores das turmas,
responsáveis por recolher os livros dos colegas e devolvê-los à sala de leitura.
Como afirma Daniela Guimarães (2007), ao focalizar o espaço de uma
instituição, marcas materiais e humanas indicam práticas, interações e
concepções vigentes. Porém, são as interações nestes espaços que definem os
sentidos reais para cada um deles.”
Em relação à comunicação e participação dos pais, são feitas reuniões
programadas: Uma reunião geral para todos os pais no início do ano, e outras
reuniões pedagógicas com os pais de cada turma, separadamente, após os
conselhos de classe. Além disso, são utilizadas agendas para comunicados e troca
de informações entre pais e professoras. De acordo com a direção, sempre que os
pais sentem necessidade de uma conversa, o compromisso é agendado com
urgência e, dentro do possível, realizado de pronto. Os pais têm acesso ao interior
da escola e contato diário direto com as professoras no horário da saída, pois as
crianças são entregues aos responsáveis nas porta das salas. A direção afirma,
ainda, que semestralmente são feitas consultas aos pais para avaliação do trabalho
da escola, porém, ainda assim, ela gostaria de contar com pais mais participativos
em certos momentos da escola.
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Em relação à proposta pedagógica da escola, alguns trechos indicam
os principais objetivos: estímulo ao hábito da leitura e ao uso do computador;
incentivo às artes e ao trabalho com diferentes linguagens, sempre pautado no
respeito à diversidade; incentivo à alimentação saudável, aos hábitos de higiene e
ao respeito ao próximo; incentivo ao trabalho com questões éticas e morais
através de narração de histórias e montagens teatrais. A meta principal, de acordo
com o texto, é formar sujeitos cônscios de seus direitos e deveres.
Desses objetivos, nas duas turmas observadas, percebe-se a ênfase
dada à leitura, através da narração de histórias diariamente na turma A e, pelo
menos, uma vez por semana, na turma B, e da colocação de um cesto de livros
variados - poesias, contos clássicos, informativos, narrativas curtas - à disposição
das crianças das duas turmas. No caso do trabalho diversificado,
10
os livros eram
colocados em uma ou em mais mesas, e uma das atividades preferidas das
crianças era contar histórias para os colegas, como se imitassem as professoras. O
objetivo de estimular o respeito ao próximo e de conscientizar as crianças de seus
direitos e deveres era exercitado de diferentes formas. Na turma B, as regras do
grupo, escritas pela professora e assinada pelas crianças, estavam em uma das
paredes, bem próximas aos olhos de todos. Nesta turma, em algumas situações, as
crianças eram chamadas a refletir sobre suas posturas e limites na relação com o
outro.
Quanto à higiene, as crianças das turmas observadas eram
incentivadas a lavar as mãos, antes da alimentação, e a escovar os dentes após
cada uma. Esta atividade era realizada de forma autônoma, requerendo poucas
intervenções das professoras. Durante o período de observação, não foram
realizadas atividades em que as professoras orientassem a escovação dentária,
excluindo as observações sobre o desperdício de água.
Nas turmas A e B, os trabalhos de arte, que estimulavam a percepção
das crianças em relação às diferentes culturas, foram realizados no período de
preparo para a festa do folclore, com narração de histórias do Boi-Bumbá e de
outros personagens, ensaios de músicas e danças do folclore e produção de
colagens e desenhos sobre o tema. Na turma A, as crianças cantavam e dançavam
com muita empolgação e dramatizavam passagens da música sobre o lobisomem,
10 Momento em que as crianças se dividem ou são divididas em grupos, pela professora, para
fazerem atividades diferentes, ao mesmo tempo.
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cantada por Ney Matogrosso, e da cantiga popular “Peneirou Xerém”. A
professora desta turma, Maria, ao final de uma destas atividades que misturavam
música e dança, comentou:
Eu gosto da diversidade, eu gosto da alegria, da música . Eu sou prima de
um músico, por isso adoro música.. Para eles,essa vivência é mais importante. A
vivência é mais importante que a escrita.”... ...“Eu cantei a música e eles gostaram
muito. Eles iam cantar a música “São João”, mas como não teve festa junina, vamos
cantar o ”Peneirou Xerém” ... ... Ah, ontem eu trouxe um coração e eles adoraram. Até
os que não queriam dançar, dançaram.”(Caderno de Campo, 17/08/2007)
Nesta fala, fica claro o interesse da professora em que todos
participem da atividade de artes, buscando a estratégia de mediar a relação da
criança com a música através de um objeto (brinquedo de pelúcia).
Em relação à alimentação, a maioria das crianças traz biscoitos
recheados e os de tipo salgadinho e condimentado. Alguns levavam sucos,
achocolatados ou iogurtes mas, mesmo assim, as professoras oferecem a comida
da escola e lêem o cardápio, insistindo um pouco para que comam a merenda
oferecida o que, em alguns casos, funciona. Em relação à informática, apesar dos
computadores nas duas salas, foi observada a realização de uma atividade
durante o período da pesquisa, o que ocorreu na turma A.
Quanto ao currículo, a cada ano, a coordenadora, junto ao grupo de
professoras, lança a proposta de um projeto, a partir das datas e eventos daquele
período ou por conta de algum objetivo específico, definindo o que deve ser
desenvolvido por toda a escola. No ano em que a pesquisa foi realizada, o tema
definido foi “Jogos do Pan-Americano”, e o foco foi no estudo da cidade do Rio
de Janeiro. Todas as turmas trabalhariam o mesmo tema, como explica a
coordenadora:
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“O projeto tinha três momentos. A gente usa muito as músicas.
Então vem Cristo Redentor braços abertos ... Então, seria a escola de braços
abertos para o Rio de Janeiro. Nós trabalhamos, no primeiro momento, o Rio, a
gente como turista da nossa própria cidade, os locais que a gente não conhece,
quais os pontos principais, quais os pontos mais conhecidos e com isso culminou
nas eleições das sete maravilhas do mundo. Que nesse ano, o projeto foi por
trimestre. A segunda etapa seria, se preparando para receber o pan americano e
essas pessoas que viriam participar dos jogos, de outras culturas, de outros
locais. Mas, principalmente, como a gente trabalharia isto dentro da cidade. E,
agora, nós estamos entrando na questão do Rio antigo, na memória do Rio de
Janeiro que, até por ter trabalhado no primeiro trimestre o Rio que a gente tem,
saber qual o Rio que a gente quer pro futuro. É um resgate de uma memória,
para uma construção de um futuro melhor para o Rio de Janeiro. A música está
sempre presente, a literatura, porque a criança aprende a ler e a escrever, lendo e
escrevendo, e... todas as outras linguagens que possam favorecer este trabalho.
De preferência que tudo esteja ligado de forma interdisciplinar.”. (Entrevista,
28//0/2007)
Ao ser indagada sobre como cada professora poderia trabalhar com as
especificidades de sua turma, principalmente, as de educação infantil, a
coordenadora afirmou que elas se reúnem e definem os objetivos e os conceitos
que serão trabalhados por cada grupo. “Mas cada professora tem a sua maneira
pessoal. A gente até coloca: Por que você não faz assim?” Mas, cada
professora coloca no seu trabalho um tom pessoal. Porque, na verdade, a gente
faz o que a gente acredita.” (Entrevista, 28/ 09/2007)
Na prática, na turma B, entre os meses de março, abril, maio e junho,
os trabalhos sobre o tema proposto foram atividades sobre os pontos turísticos:
painéis feitos com colagem de formas geométricas e desenhos das crianças sobre
os principais pontos turísticos da cidade; narração de histórias sobre os Jogos Pan-
Americanos
11
; construção de um quebra-cabeça para cortar e montar o mascote
do Pan Kauê; e trabalhos sobre as modalidades esportivas como desenhos e
recortes de jornais. Durante os meses de agosto, setembro e outubro, foi a vez de
excursões pela cidade – sessões no circo e no cinema - para as duas turmas. Além
do tema principal, outros versados para as datas comemorativas, como Dia das
Mães e Dia dos Pais, motivando o tema família; Dia do Meio Ambiente, Dia do
Folclore, Dia da Independência do Brasil, Semana do Livro, período de Festas
Juninas, início da Primavera e Dia da Criança.
11 No ano da pesquisa - 2007, o estado do Rio de Janeiro foi sede dos Jogos Pan-Americanos .
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Uma marca específica das turmas de educação infantil na escola de
ensino fundamental pesquisada é o tempo rígido da rotina de pátio e merenda.
Como existem muitas turmas de crianças maiores para merendar, estes momentos
dificilmente são modificados. A professora da turma B, porém, ao verificar que as
atividades iniciais do dia eram atrapalhadas pelo horário do recreio antes do
almoço e que as crianças ficavam muito agitadas no horário de merenda, optou,
no segundo semestre, pela ida ao parque após o almoço. Em sua opinião, as
crianças aproveitavam melhor e seu trabalho era facilitado, pois além da roda,
conseguia realizar alguma outra atividade logo no início do dia, quando as
crianças estavam mais calmas.
Conforme o apresentado acima, o planejamento de um tema único
para todas as turmas é uma marca dessa escola, o que influencia, de uma forma ou
de outra, o trabalho das turmas A e B. Nossa intenção aqui não é a de avaliar
negativa ou positivamente esta questão, mas perceber como um projeto único para
toda a escola pode enriquecer - ou não - o trabalho com as turmas de educação
infantil. Pelo que foi observado, o projeto “A Escola de Braços Abertos para o
Rio de Janeiro” não ganhou ênfase em nenhuma das duas turmas, que
privilegiaram atividades com outros objetivos: trabalho com os nomes; construção
da identidade do grupo na elaboração de regras de convivência e conhecimento
sobre as diferentes famílias, partindo de datas comemorativas ou eventos da
escola. Como a própria coordenadora relatou, durante a entrevista, o projeto foi
realizado de forma mais intensa no primeiro trimestre e no período próximo aos
Jogos; depois, as turmas maiores permaneceram com o projeto enquanto as de
educação infantil se voltaram para outros temas. Desta forma, o trabalho das
turmas pequenas era mais caracterizado por uma seqüência de atividades do que
propriamente pela execução de projetos. Na turma A, porém, as atividades eram
vivenciadas com muita intensidade pelas crianças como, por exemplo, o trabalho
sobre plantas em que elas plantaram e acompanharam a geminação de feijões.
Outra marca dessas turmas de crianças de 4 a 6 anos das escolas de
ensino fundamental é a convivência com outras crianças de várias faixas etárias.
Na escola pesquisada, havia um momento específico em que meninas da turma do
quinto ano (antiga quarta série) dirigiam-se para as salas de educação infantil. No
horário de seus recreios, elas se ofereciam para ajudar nas atividades. Algumas
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vezes chegavam no meio de um filme, outras, durante um momento de desenho, e
em outras, durante a brincadeira livre. As “meninas da quarta-série”, como eram
chamadas pelas professoras, gostavam muito desses encontros: sempre solícitas,
perguntavam o que poderiam fazer para ajudar as crianças. Os menores também
pareciam gostar bastante da presença das alunas maiores, recorrendo a elas nos
momentos de dificuldades com alguma tarefa solicitada pela professora. Os
meninos da quarta série, porém, não participaram de atividades com os pequenos
em nenhum dia observado na pesquisa. De acordo com a informação das
meninas, preferiam futebol.
As atividades coletivas, com crianças de todas as idades como, por
exemplo, o lançamento da rádio da escola, os jogos em equipe realizados pela
Guarda Municipal, a festa do folclore e o Dia das Crianças, são uma marca dessa
escola. Durante os eventos, as professoras permaneciam perto de seus alunos,
organizando e estimulando as turmas. Além desses momentos no dia-a-dia da
escola, não foram observados outros encontros entre as turmas de crianças
maiores e as de crianças menores, nem no pátio nem nas salas.
Marcas de Identidade das Turmas e das Professoras Pesquisadas
TURMA A – Professora Maria
Maria é uma professora com 43 anos de idade, filha de um contador e
metalúrgico com nível médio de escolaridade, e de uma modista, que completou o
curso normal. Fez questão de afirmar que seu avô era guarda municipal e muitos
de seus familiares, jornalistas, músicos e escritores. Foi noiva, algumas vezes,
esteve prestes a casar, mas não casou. Tem namorado e não tem filhos. De
acordo com seu relato, mora sozinha no bairro do Estácio, mas está pensando em
se mudar para o Leblon. Para isso, depende da venda de um apartamento na
Barra.da Tijuca. Além de trabalhar, pela manhã, como professora no Município, é
advogada empresarial e faz parte de uma pastoral católica franciscana, realizando
diferentes trabalhos voluntários. Afirma ter necessidade de ver coisas bonitas, de
ir a museus, teatros, cinemas, feiras culturais e científicas. Durante o período da
pesquisa, visitou a exposição sobre a vida de Che Guevara, freqüentou cinemas e
feiras científicas em universidades e instituições empresariais. Gosta de ouvir
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música e de ler jornais e revistas.
Seu ingresso no magistério se deu por um pedido da mãe que, apesar
de ter feito o normal, nunca lecionou. Segundo a professora, a mãe acreditava que
da família, era ela a que tinha o dom de ensinar e deveria cumprir a missão. Ela
alega, no entanto, que não queria nem mesmo prestar concurso, pois trabalhava
no gabinete militar do Palácio Guanabara e, segundo sua afirmação, ganhava bem
e estava bem assim. Ao passar no concurso, em 1987, com apenas 18 anos, foi
trabalhar em um CIEP, na entrada de uma favela, com uma turma de alunos de 14
e 15 anos.
“Foi ali que eu comecei a aprender o que era a vida. Eu não sabia o que
era a vida. Eu vim para o magistério para ensinar, mas eu aprendi muito mais. Eu não
sabia o que era essa miséria, essa dificuldade. Era um ambiente que as pessoas não
tinham condição. eu pegava o meu dinheiro e comprava talco. Eles não queriam
tomar banho. Então, eu dizia: Eu não vou botar talco. Eu vou botar talco”. (Entrevista,
09/10/2007)
Com mais de 20 anos de educação pública municipal, apenas dois anos
se dedicou à educação infantil incluindo a turma pesquisada.
Maria é uma professora dinâmica que organiza seu dia a dia de modo
flexível de acordo com o ritmo do grupo. Aparentemente, não segue um
planejamento rígido. Em sala, está sempre em movimento, raramente sentando,
apenas quando está na roda, lê as agendas ou auxilia as crianças em alguma
atividade. Gosta de falar e de contar histórias para crianças e adultos. Nestes
momentos, é visível seu prazer em narrar acontecimentos ou informar algo novo.
Uma das marcas de seu trabalho é o uso da linguagem oral para cantorias e
brincadeiras com palavras. Chama as crianças pelo nome, pelos sobrenomes ou
por apelidos criados carinhosamente, marcando uma proximidade e uma atenção
diferenciada a cada uma delas.
Outra marca de seu trabalho é a prioridade dada ao lúdico e às artes no
dia a dia. As crianças são incentivadas a cantarem, dançarem, contarem histórias
para os colegas e brincarem em grupo, a maior parte do tempo em que estão na
sala ou no pátio e, na maioria das vezes, participam ativamente desses momentos,
o que é uma marca do grupo. Por conta dessas atividades coletivas, as crianças
falam bastante, se expressam junto aos colegas e formam um grupo coeso que se
relaciona sem exclusão de nenhuma criança. Gostam de desenhar, permanecendo
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nesta atividade por bastante tempo e, também, de trabalharem com jogos e
brinquedos, formando aviões e outros objetos. Costumam freqüentar a escola
limpos, uniformes arrumados, e levam nas mochilas, além das agendas, material
para higiene pessoal. Nem todos levam merendeiras com lanches e alguns dos
que levam também comem a merenda da escola.
Sobre os temas e assuntos tratados pela professora, nos mês de agosto,
por exemplo, a turma A estava envolvida com histórias, músicas e brincadeiras do
folclore brasileiro. Ouviam longas histórias sobre a Mula-sem-Cabeça, o Saci, o
Boi Bumbá; dançavam e cantavam a música gravada por Ney Matogrosso Vira,
Vira Lobisomem” e músicas folclóricas como “Pisa o Milho” e “São João.”
Desenhavam motivados por essas histórias e faziam colagens como um Boi
Bumbá com aplicação de lantejoulas e saia de papel crepom.
TURMA B - Professora Ana
Uma jovem professora de 28 anos, filha de pais com bom nível de
escolaridade: o pai, com nível superior, professor de inglês,e a mãe, técnica em
processamento de dados e em patologia clínica. Casada, moradora do bairro do
Maracanã, engravidou no final do período da pesquisa e, por isso, segundo seu
depoimento, deixou de trabalhar em dois horários, ficando na escola, apenas, no
horário da manhã. Formada em Psicologia, completaria, no ano da pesquisa, sete
anos de experiência no magistério público municipal, cinco dos quais na escola
pesquisada. Segundo a professora, sua história com a educação se iniciou quando
ela, ainda pequena, acompanhava seu pai nas suas aulas noturnas e adorava. Já no
curso normal, seu entusiasmo era tanto que fazia estágio em turmas do maternal-
berçário à antiga quarta-série, e também, no supletivo. Porém, ao terminar o
curso, as dificuldades do sistema educacional privado, os baixos salários e
concepções de educação com as quais não concordava, levaram-na a prestar
concurso público. Neste espaço de sete anos, trabalhando na educação pública
municipal, havia lecionado em turmas de primeiro, segundo e terceiro anos, e
de educação infantil de 4 e 5 anos, quase sempre dobrando a carga horária,
trabalhando nove horas por dia. Ao todo, tinha cinco anos de experiência em
educação infantil.
Ainda segundo seu relato, por conta da gravidez, afastou-se da sua
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função no horário da tarde, o que diminuiu a sua renda: a individual passou a ser,
em média, de mil reais e a familiar, de três mil reais. Questionada sobre o que
achava do trabalho em dois horários de 7h e 15m às 11h e 45m e de 12h e 45m
às 17h e 15m - a
professora declara:
“É você ficar presa o dia inteiro na escola, não ter tempo para fazer nada.
Você não tem tempo para ir a médico. Você não tem tempo para ir a banco(...) Você fica
presa o tempo todo, de segunda a sexta, é bem complicado. (...) Eu acho que não rende
igual . Não é que, necessariamente, você vai render mais de manhã ou de tarde, mas,
um dia vai render mais e outro, vai render menos”. (Entrevista, 27/09/2007)
As atividades culturais preferidas de Ana são assistir a DVDs alugados
em casa ou navegar pela internet, onde lê a maior parte das notícias diárias.
Quase o freqüenta teatros, museus e galerias, com exceção de alguma peça
especial em cartaz, ou de alguma exposição que atraia seu interesse. Freqüenta
cinemas quando tem algum filme que lhe chame atenção, principalmente, os
infantis. Reclama do frio excessivo nas salas de cinema e do amontoamento de
pessoas em determinadas casas de shows, preferindo espaços menores com menos
agitação. Suas leituras atuais estão voltadas ao tema da gestação. Segundo ela, é
assinante de um jornal e uma revista semanal. Afirma ter lido bastante durante
os cursos Normal, de Educação Infantil e de Psicologia, porém, não se considera
uma leitora voraz, pois, para ler um livro este precisa lhe agradar logo de início
pois do contrário se desinteressa.
Na escola, Ana se revela uma pessoa calma e séria. Segue um ritmo
tranqüilo, distante do que seria o de uma pessoa agitada. Apesar de falar rápido
com os adultos, quando se dirige às crianças, o faz de modo pausado, sem
infantilizações ou empobrecimento do discurso. Durante a pesquisa em sua
turma, dificilmente alterava o tom de voz ou parecia perder a calma no trato com
as crianças, sendo, porém, competente e firme nos momentos em que uma criança
atrapalhava as outras. Ao falar sobre o que entende como educação infantil, sua
visão se aproxima da visão da direção e da visão da coordenadora pedagógica da
escola:
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“(...)que aqui a educão infantil é a menina dos olhos da Paula
(coordenadora pedagógica), sempre foi. Então a gente tem todo um trabalho, um
apoio, uma coisa voltada, para que eles se desenvolvam, para que eles brinquem,
sim, para que eles descubram, para que eles estejam o tempo todo em contato
com o letramento, com a letra, com os livros, com as histórias, com recontos, com
filmes, com música. Que eles possam reproduzir isso, que eles possam recontar,
que eles se desenvolvam assim mesmo, sem de repente aquela coisa massificante
de saber que está aprendendo.” (Entrevista 27/09/2007)
Neste relato, a professora utiliza os termos desenvolvimento e
descoberta, que ocorrem na educação infantil a partir do contato e da vivência
com as linguagens da brincadeira, da literatura, do cinema e da música. Nas
observações de campo, essas linguagens estiveram presentes, durante todo o
período da pesquisa, o que será aprofundado no próximo capítulo. Por outro lado,
não foram observadas atividades de criação por parte das crianças, utilizando
essas linguagens para produzir suas próprias músicas ou histórias.
Uma das marcas do trabalho de Ana é a rotina de atividades com
algumas delas se repetindo quase sempre na mesma ordem, como a roda no
horário da chegada, o pátio, atividades nas mesas com o uso de folhas xerocadas
ou não, a merenda, o dia da novidade e o dia do vídeo na sexta-feira, a leitura de
histórias, antes ou depois do pátio. Esta prática parece influenciar na autonomia
do grupo, que se organiza para cada uma delas com desenvoltura, sem que a
professora, muitas vezes, precise intervir. Muito intensos e ativos, os alunos
apresentavam, em geral, autonomia para se locomoverem em todo o espaço
escolar, para organizarem suas brincadeiras na sala e no pátio, para resolverem
conflitos com os colegas; e mostravam autonomia, também, no uso de materiais
como folha, canetinhas e giz de cera, sem que, muitas vezes, a professora
precisasse interferir. Buscavam espaço nas rodas de conversa para expressarem
idéias, contarem novidades, reclamarem de um amigo, na maioria das vezes,
demonstravam entusiasmo, formando um grupo bastante integrado.
Outra marca da turma é a forma como chegavam limpos e bem
arrumados à escola, com uniforme completo, mochilas, agendas, a maioria com
merendeiras e lanches variados (biscoitos, achocolatados, iogurtes, bolos, etc...).
No pátio, um grupo de meninos se dirigia para a quadra para jogar futebol e outro
grupo, ficava no parque dividindo espaços e brincadeiras de pega-pega e de
dramatizações com as meninas.
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Após esta apresentação inicial das professoras e do panorama geral de
cada turma, podemos fazer algumas aproximações com a contextualização sócio-
econômica da região em que está localizada a escola, onde reside a maior parte
das famílias das crianças participantes da pesquisa: As professoras, Ana e Maria,
residem em apartamentos localizados em áreas de população com nível sócio-
econômico médio e têm acesso a bens culturais e materiais. As famílias das
crianças, em sua maioria, se declaram com empregos, e escolaridade de, no
mínimo, primeiro grau completo. A escola, como foi relatado, conta com um
prédio em excelente estado de conservação, tecnologia áudio-visual e biblioteca
de excelente qualidade. No próximo capítulo, o trabalho se voltará às relações
entre crianças e adultos, buscando responder às questões mais específicas postas
no capítulo I, no que diz respeito às mediações semiótico/pedagógicas presentes
na educação infantil.
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4 - A mediação dos sujeitos no cotidiano da educação
infantil
No primeiro capítulo, o estudo do conceito de mediação semiótica de
Vigotski e os estudos dos signos de Bakhtin foram relacionados às diferentes
produções do campo da pesquisa da década de 90 aos dias atuais e aos principais
textos oficiais que regulamentam a educação infantil do município do Rio de
Janeiro. Após este aprofundamento teórico sobre o tema da mediação, no segundo
capítulo, é feito o primeiro pouso no campo com a contextualização desta
pesquisa no bojo da pesquisa institucional
1
e a localização da escola pesquisada
no contexto geral da educação do município do Rio de Janeiro. Na sua segunda
parte, entram em cena as histórias dos sujeitos crianças/ adultos/ professores /
direção/ pesquisadora que falam e interagem na pesquisa. Neste terceiro e último
capítulo, com o objeto de pesquisa e as opções teórico-metodológicas melhor
definidos, o objetivo central é conhecer as mediações que são realizadas, na
prática, pelos sujeitos que compõem as turmas de educação infantil de uma escola
que também conta com turmas do ensino fundamental no município do Rio de
Janeiro.
Baseado na dialética de Marx, Leandro Konder (2007) explica que o
conhecimento da totalidade, o conhecimento de um conceito abstrato, implica
analisarmos seu “recheio”, as partes, os conceitos mais simples que o constituem.
Portanto, compreender as mediações entre os sujeitos, implica um esforço de
conhecer quem são estes sujeitos e quais os signos acionados por eles em suas
relações. Nesta perspectiva, tanto no trabalho de pesquisa quanto na elaboração
do texto propriamente dito, lanço um olhar mais abrangente e mais teórico, me
aproximando do conceito maior de mediação semiótica e, depois de um processo
longo de reflexão, desdobro-o em três dimensões de análise: a criança, o adulto e
os signos mediadores, entendendo que essas partes se entrecruzam, se
transformam e se completam mutuamente, formando o todo das relações de
mediação.
Este capítulo parte das culturas infantis para compreendermos quem
são as crianças, como elas vêem o mundo em que vivem, como vêem sua
1 INFOC – Grupo de pesquisa inter-institucional – Ver capítulo 2
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75
condição de crianças e quais expressões culturais são próprias da infância.
2
Em
um segundo momento, aborda os signos, trazidos na fala e na prática de crianças e
adultos que circulam nas salas de aula e na escola em questão; e, por último,
aborda as diferentes ações e mediações dos adultos no cotidiano de suas relações
com as crianças, apontando os tipos de mediações mais e menos recorrentes,
expressos pelas duas professoras participantes da pesquisa. As análises de todas
as observações no campo foram realizadas a partir das categorias apresentadas,
inicialmente, no segundo capítulo
3
e serão aprofundadas agora.
4.1 - Ser criança
Considerando a infância como uma construção social que se modifica
no tempo e no conjunto da sociedade, de acordo com as diferentes intenções e
características de cada grupo social, Manuel Pinto (1997, p.43) analisa
historicamente seu surgimento, afirmando que apenas a partir de meados do
século XIX é que a infância começa a ganhar expressão social, não apenas no
plano dos conceitos e princípios, mas na prática social generalizada. Segundo este
autor, o olhar para a infância como tempo específico da vida humana, surge na
idade moderna como um referencial para as classes superiores, como uma
concepção que veio a reboque das intenções de preparação da criança para o
futuro, intimamente ligada à aprendizagem e à escolarização. Para as classes
populares, este referencial da infância como tempo de preparação para a vida
adulta, teve uma inserção bem mais lenta da que ocorreu com as classes abastadas
e, hoje, em alguns contextos permanecem, a meu ver, as duas referências: a
infância como atuação produtiva e, simultaneamente, como preparação.
De acordo com gine Sirota (2001), em levantamento feito sobre os
trabalhos do campo da Sociologia da Infância sobre o tema ser criança e, mais
especificamente, sobre o conceito do que seria o “ofício de criança”
4
,
na literatura
francesa e inglesa, afirma que As crianças devem ser consideradas como atores
em sentido pleno e não simplesmente como seres em devir.” (p.19) Portanto, a
2 Ver PINTO, 1997, p.62
3 Ver página 45.
4 Conceito elaborado pelos sociólogos da infância em contraponto a trabalhos sociológicos que
se dedicam a estudos sobre o “ofício de aluno”. Na perspectiva do “ofício de criança” a
infância é pensada em seu sentido pleno, para além de sua relação com as regras familiares e
escolares.
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autora pensa a criança como sujeito que constrói maneiras singulares de viver,
pensar e construir o mundo em que vivem. Nesta perspectiva de conhecer estes
modos específicos das crianças se relacionarem com as outras crianças, com os
adultos, com a escola e com o mundo à sua volta, neste capítulo, serão
apresentados depoimentos e relatos de ações observadas no cotidiano das turmas
A e B. O objetivo, com isso, é perceber como estas crianças se compreendem
como crianças, como entendem os adultos e as diferentes formas com que atuam
no espaço escolar, reproduzindo-o e/ou transformando-o.
Para alcançar este objetivo, além das observações do cotidiano das
crianças na sala de aula, no pátio, no refeitório, na sala de leitura e nos corredores,
em alguns momentos, estando as crianças envolvidas em alguma atividade, eu me
aproximava e, com a autorização delas, observava suas brincadeiras de dentro das
brincadeiras, participando quando convocada por elas.
5
Muitas vezes, enquanto
manuseavam livros ou contavam histórias para os amigos, me pediam para eu ler
junto com elas, ou quando desenhavam, me pediam para eu desenhar. Nestes
casos, normalmente eu estava com o caderno escrevendo e, por opção, não
desenhava com elas. Então, elas pediam para que eu lesse um trecho do que eu
havia escrito para elas. Percebia que elas gostavam muito desses momentos,
talvez porque vissem as suas histórias, suas ações, nomes e falas valorizadas
naquele caderno. Este interesse das crianças em saber o que eu escrevia e, até
mesmo, o prazer demonstrado por eu escrever nele seus nomes e suas histórias,
também se repetiu com outras integrantes do grupo de pesquisa que estiveram em
outras escolas de educação infantil. Porém, para que isso não atrapalhasse os
objetivos das atividades da professora com as crianças ou tomasse uma proporção
que resultasse em interferência excessiva no comportamento delas diante da
minha presença, prometi que, em breve e com mais calma, eu conversaria com
elas sobre as coisas que eu escrevia. Assim, unindo o desejo de expressão das
crianças e o meu interesse em ouvi-las, nos últimos dias da pesquisa no campo,
propus uma conversa a cada turma, convidando as crianças à roda para falarem
sobre elas mesmas e sobre as coisas que eu havia escrito no caderno. Na turma A,
esta conversa aconteceu em um dia, porém, na turma B, por conta de um
alongamento da conversa, durou dois dias. Nas duas turmas, apesar de
5 Sobre a entrada e a aceitação no campo de pesquisa com crianças ver Corsaro (2005)
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convidadas, nominalmente, para a conversa, algumas crianças se aproximavam e
se afastavam da roda de acordo com o próprio interesse, pois não era objetivo da
pesquisa realizar uma roda de conversa do tipo em que todas as crianças são
obrigadas a participar. Pelo contrário, nosso interesse era que as crianças
desejosas de manifestar opiniões e deixar suas marcas na pesquisa,tivessem seu
lugar garantido. Desta forma, pedi às crianças que, caso desejassem fazer outra
coisa naquele momento, cuidassem para não fazer muito barulho, pois a conversa
seria gravada. Isto ocorreu na maior parte do tempo das entrevistas.
4.1.1 - O que dizem as crianças e os adultos sobre ser criança e ser
adulto
A conversa com as crianças se deu sem a participação direta das
professoras que, apesar de estarem na sala, estavam envolvidas em outras
atividades. Na roda, liguei o gravador (já usado por mim durante os últimos
meses) e passei de ouvido em ouvido para que as crianças ouvissem o som de
suas falas gravadas, anteriormente. Meu objetivo era de que elas percebessem que
nossas vozes, nossas opiniões ficavam registradas naquele aparelho. Expliquei
que depois eu iria ouvir e escrever em um “livro” tudo o que havíamos
conversado. Mesmo assim, elas não pareciam inibidas ou preocupadas com isso;
a maioria queria falar e todos ao mesmo tempo. Essa euforia fez com que eu
optasse por iniciar as conversas me dirigindo a uma criança, especificamente,
depois, deixava a conversa fluir. Caso a conversa voltasse a ficar confusa, eu me
dirigia novamente a uma criança de cada vez.
Desta forma, iniciei a conversa na turma A, perguntando à Carolina:
Pesq: O que é que você acha que é ser criança?
Carolina: É... É se alimentar, é fazer exercícios. Pra crescer...
Pesq: Ah, por quê? Vocês são pequenos? Você disse que tem que crescer?
Carolina: Sim
Pesq: E no que vocês crianças são diferentes dos adultos?
Túlio (que, normalmente, está fora das atividades coletivas) se aproxima e diz:
Por que os adultos são grandes e a gente é pequeno... Porque eu tenho quatro
anos. E os adultos são iguais a criança.
(Turma A - 21/09/2007)
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Na turma B, repeti o mesmo processo, a mesma pergunta:
Pesq: Girlene o que para você é ser criança? Você é criança ou adulta?
Girlene: Criança, ué?
Pesq: Por quê?
Luis: Porque ela é pequena.
Girlene: Eu não sou pequena.
Pesq: Não? Ela diz que não é pequena.
Luis: Ela é um pouco pequena, porque ela não é maior que você. Amanda e
outras crianças falam juntas: Ela é média. Ela é meio média, porque ela é
pequena.
Pesq: E o que faz a gente virar adulto?
Crianças falam ao mesmo tempo: Crescer. Comer comida. Comer bastante.
Doce faz ficar pequenininho.
Luis: Tia, eu vou virar bebê de volta.
Luis Carlos: Comer arroz, feijão, alface, carne, legumes e cebola, tomate e
batata.
(Turma B - 28/09/2007)
Nas falas das crianças das duas turmas, A e B, ser criança está
relacionado à questão do tamanho. Ser grande é ser adulto e ser pequeno é ser
criança. A questão da alimentação para crescer aparece nas duas turmas. Porém,
ao mesmo tempo em que definem que ser adulto é ser grande, algumas crianças da
turma B, durante a conversa, se negam a aceitar que são pequenas. Túlio traz uma
explicação que se diferencia da dos colegas quando, mesmo percebendo as
diferenças de tamanho e idade, diz que adultos são iguais às crianças. Percebe
semelhanças entre adultos e crianças, talvez, pelo fato de serem todos humanos.
Girlene não se percebe como pequena. Diz que não é pequena, pois,
aparentemente, não usa como referencial o tamanho do adulto.
Continuando a conversa sobre as coisas que criança faz, pergunto se
alguma diferença das coisas que adulto faz. As crianças ficam pensativas e me
dirijo a uma criança, individualmente, que responde:
Paulo Ricardo: Você trabalha e a gente brinca.
Pesq: Ah, nossa... Eu trabalho e vocês brincam.
Carolina: Para ganhar dinheiro.
Pesq: E agora eu vou perguntar outra coisa. O Paulo Ricardo disse que adulto
trabalha e criança brinca. Aí, a Carolina disse que a gente ganha dinheiro.
Vocês acham que vocês também trabalham?
(Alguns respondem sim e outros não).
Pesq.: Vocês acham que vocês também trabalham?
Crianças (ao mesmo tempo): Nããããão!
Pablo: Sim.
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Ariel: É porque... é porque... a gente é bonito. E, também, porque os nossos pais
têm que trabalhar.
Pesq: Uhmmmm... E você poderia ir trabalhar também?
Ariel: Não
Pesq: E por que não?
Carolina: Porque ela é criança.
Ariel: Porque a gente tem que estudar.
(Turma A - 21/09/2007)
Na outra turma:
Pesq: O que criança faz diferente do adulto. O que adulto não faz?
Girlene: Brincar.
Algumas crianças, eufóricas, falam ao mesmo tempo, não sendo possível
identificar, na gravação, quais são: dormir, brincar no parquinho, não pode ir à
piscina, não solta pipa. O adulto não pode brincar na casinha. O adulto não
pode ficar na creche da criança. O bebê não pode mexer no fogo. Não pode
chorar.
(Turma B - 04/10/2007)
Para além das diferenças de tamanho, com esta pergunta sobre as
diferenças entre o que o adulto faz e o que a criança faz, as crianças das duas
turmas marcam uma outra diferença explícita entre o que é ser adulto e ser
criança, no que diz respeito às suas funções sociais. Para elas, o mundo adulto e o
mundo da criança são mundos diferentes e polarizados. Na turma A, a escola
aparece como uma função das crianças e o lugar do trabalho, uma função do
adulto. Ariel vai ainda mais além, afirmando que estudar é uma obrigação da
criança. São elas que equiparam a escola que, nesse caso é de educação infantil,
ao trabalho do adulto e nas dobras dos depoimentos dados, surge a escola não
apenas como um direito, mas um dever das crianças pequenas. Müller (2006), em
sua pesquisa em uma escola pública de Porto Alegre, mais especificamente, na
turma do pré
6
, observa que tanto as crianças, quanto as professoras chamam de
trabalho toda e qualquer forma de expressão gráfica ou plástica realizada na
educação infantil. Para além dos limites desta pesquisa, fica a questão: a escola
de educação infantil tem se constituído como um direito ou como um dever da
criança pequena?
6 As turmas do pré seriam as turmas, compostas por crianças entre cinco e seis anos, que
antecedem a turma de alfabetização.
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Nas falas da turma B, a brincadeira aparece como uma exclusividade
do mundo infantil e o adulto é visto como aquele, que além de não poder brincar
nos espaços “da criança” (no entendimento delas), não pode ter atitudes comuns
aos seres humanos, como dormir e chorar.
Uma outra questão que apareceu no caderno de campo e nas conversas
com as crianças das duas turmas é o interesse pelo tema “namoro”.
Pesq: O que adulto pode que criança não pode?
Uma criança: Tomar banho sozinha.
Luis Carlos complementa: Pequena, bebê.
Pesq: E vocês tomam banho sozinhos?
Crianças: Eu tomo. Eu tomo. (Vários)
Luis: Eu, eu tenho namorada e gosto de beijar na boca.
Pesq: Para vocês o que é ser criança?
Luis: Eu quero ser bebê.
Pesq: Por quê?
Luis: Porque bebê brinca muito e ganha as coisas.
Pesq: Tem bebê na sua casa?
Luis: Não.
Pesq: Então como você sabe?
Luis: Porque eu sei.
Pesq: Porque quando eu era bebê, eu ganhava muitas coisas.
Pesq: É
Luis: Eu ganhava brinquedo todo dia. Eu ia no shopping eu comia pizza.
Pesq: E agora você não ganha mais.
Luis: Não... porque agora eu sou grande.
Pesq: Você já é grande? Quantos anos você tem?
Luis: Seis.
(Turma B - 04/10/2007)
Algumas crianças se manifestam dizendo que namoram, enquanto
outras discordam, repetindo uma fala comum aos adultos (inclusive a professora
Ana) de que criança não pode namorar. Ao mesmo tempo em que Luis (às
gargalhadas) afirma que tem namorada, ele manifesta o desejo de voltar a ser bebê
para usufruir das regalias que não tem mais, deixando transparecer, assim, como a
construção de sua identidade é um processo fluido, de idas e vindas, construções e
reconstruções. Esta fala explicita o modo pelo qual as crianças transitam entre o
passado, presente e futuro, sem se limitarem aos aspectos do tempo real.
Para conhecer o que pensam as professoras sobre ser criança e ser
adulto, foram feitas quatro entrevistas: com a diretora principal, com a
coordenadora, com a professora Ana e com a professora Maria. Realizadas,
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individualmente, fora das salas de aula ou das salas da direção, tiveram decursos
diferentes, com algumas perguntas estruturadas e outras que surgiram no decorrer
do diálogo com cada uma delas. Apesar das perguntas serem diferentes, ser
criança, ser adulto e a concepção de educação infantil foram temas comuns a
todas elas.
Segundo a coordenadora pedagógica,
Ser criança é tudo de bom, a princípio. A criança é inocente por
natureza, criativa, motivada, não precisa ninguém motivá-la, qualquer coisa e ela
se motiva. E tem tudo ali. Está pronta, prontíssima. Não tem nada que preparar.
Ela vem pronta com todos os conhecimentos e as concepções que ela tem, no
mundo de criança dela. A gente só tem que trabalhar com esse mundo. Ela está
inserida numa realidade nova na escola, onde ela vai ter outras coisas para fazer,
ter outras linguagens para trabalhar e demonstrar isso de outras formas e
colocar toda a criatividade ali... e para completar, é a base de tudo na vida da
gente. Tudo o que a gente é, a gente começou a construir quando era criança.”
(28/09/2007)
No início de sua fala, a coordenadora pedagógica diz que ser criança é
tudo de bom (neste momento ri, demonstrando cansaço), como se comparasse ao
mundo adulto, de muito trabalho. Porém, logo ressalva com a expressão “a
princípio”, demonstrando que sabe que a realidade das crianças nem sempre é tão
boa assim. Marca uma diferença entre ser criança e ser adulto, trazendo à sua fala
a motivação e a criatividade como algo intrínseco à criança, que não precisa de
ninguém para motivá-la. Acredita que a criança tem um modo distinto de
entender o mundo: vão construindo concepções e formando conceitos a partir das
próprias experiências. Chama atenção para o fato de que a escola deve trabalhar
com esse mundo da criança, mas não na perspectiva do preparo.
Sobre as características da criança pequena, ela fala (...) É diferente.
A criança tem o movimento diferente dos outros. E ela necessita disso. Desse
movimento”. A coordenadora também se mostra atenta à questão da disposição
física, pois a dinâmica e a concentração são características diferenciadas na
criança pequena, na criança maior ou no adulto, exigindo movimentos também
diferenciados do adulto. Para a diretora,
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Ser criança é você estar livre de compromissos, de
responsabilidades... pesadas claro. Ser criança é poder viver. Agora, na escola,
ser criança é diferente porque ele é todo direcionado para uma rotina e tudo com
horário. Aqui na escola, em qualquer escola, por mais liberdade que se à
criança, ela tem um horário para fazer as coisas. Ela precisa respeitar
determinadas normas, determinadas regras de convivência. Mas, eu acho que ser
criança é viver livremente. Eu acho que a criança precisa de um adulto sim.
Para sobreviver, para que suas necessidades básicas sejam satisfeitas. Mas aqui
na escola, a gente acredita que a escola funciona com a criança. A escola
pode funcionar sem direção, ela pode funcionar até sem professor regente. A
escola funciona com alunos sem uma família estruturada, mas a escola não
funciona sem o aluno. A gente tenta mostrar para a criança que o principal
objetivo da escola é o aluno. Eu sempre falo para os professores que se eu tiver
que favorecer alguém, o segmento que eu vou favorecer é o do aluno. O objetivo
principal é o desenvolvimento do aluno. Agora eu espero que o aluno da
educação infantil, ele entre para a escola, ele conviva com a escola sem uma dor
muito grande.” (27/09/10)
A diretora traz o tema da liberdade na infância fora da escola e, por
isso, a sua preocupação em tornar o ingresso na escola o menos doloroso possível,
que a convivência com regras, horários e rotina seria algo inevitável. Sua fala
aponta para uma preocupação com a entrada e com a adaptação das crianças
pequenas à escola, porém ela não chega a detalhar nenhuma ação concreta de
como isso é feito. O sofrimento parece inevitável.
Maria diz sobre a criança:
“É um ser em desenvolvimento, que está vindo para a escola. Alguns
estão vindo para a escola pela primeira vez. Alguns são oriundos de creche, mas
tem alunos aqui de todo jeito, alguns muito tímidos, com dificuldades de fala,
dificuldades de se expressar. Com problema de fono, muito introvertidos. É um
grupo muito eclético”.(09/10/2007)
A fala desta professora também revela atenção com a chegada da
criança na escola, com ênfase nas diferenças individuais. Maria, assim como a
coordenadora pedagógica, apresenta a criança como um sujeito com seus saberes
e suas histórias individuais. Neste sentido, aproximam-se da concepção de que a
chegada na escola não é um momento apenas de adaptação para as crianças, mas
de conhecimento mútuo e de troca. Na fala da direção, este olhar para a adaptação
como um momento de atenção especial para a criança também aparece, mas a
preocupação com a adequação das crianças à rotina escolar emerge como uma
dificuldade que a escola ainda não conseguiu resolver.
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4.1.2- Como as crianças atuam na escola e medeiam as ações de
outras crianças e adultos
Na análise das observações das crianças como protagonistas das
ações, é possível perceber que alguns temas e situações são recorrentes nas duas
turmas. Esta recorrência foi o critério principal na seleção dos eventos que fazem
parte do texto. Outro critério utilizado na análise e na apresentação desses
episódios do campo, foi conhecer o tipo de participação dos adultos nessas ações
das crianças. São distinguidas aquelas situações em que as crianças contam com o
auxílio direto dos adultos daquelas em que as ações das crianças são mediadas
internamente, sem a presença direta do adulto; e, por fim, aquelas em que as
crianças utilizam-se de formas que vão além do modo que os adultos costumam
lidar com o outro e com o mundo à sua volta. As ações específicas que emergiram
em cada uma das turmas também serão apresentadas, em um segundo momento,
para ampliar o cenário de observação e permitir o reconhecimento das diferenças
de cada grupo.
Em várias situações, tanto na turma A quanto na turma B, as crianças
buscavam o adulto para ajudá-las a resolver algo que sozinhas não estavam
conseguindo. Nesses casos, era solicitada a mediação direta do adulto. Vejamos:
Situação 1-
(Marília começou a pegar nas pontas do cabelo de Amanda, como quem estava
experimentando sensações e observando).
Amanda reclamou para a professora: Ana, a Marília está mexendo no meu cabelo
e eu já pedi para ela parar e ela não parou.
Profª. Ana diz: Ô Marília, a gente conversou de que a gente pode mexer no
cabelo do amigo, mas quando o amigo gosta. A Amanda não disse que não
gosta?
Marília faz com a cabeça que sim.
Amanda fala baixinho: Às vezes, eu gosto.
(Turma B, 31/03/2007)
Situação 2 -
Jorge diz: Tia, todo dia quando você fala, ele (Breno) fica me beliscando e
falando.
Ana: Vamos ficar direito.
Minutos antes, Amanda, ao lado de Laís, dizia: Vamos ficar quietinhas.
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(Demonstrando chateação quando duas colegas a chamam, enquanto a
professora está falando).
(Turma B, 11/06/2007)
Situação 3 -
(Um grupo brinca com um jogo de plástico de parafusos e porcas).
A pesquisadora vai até a mesa e Pablo diz: Olha. A pesq pergunta: O que é isso?
(Ele não responde.)
Rodrigo, que está ao lado diz: É para fingir que é helicóptero.
Denis pega o martelo da mão de Rodrigo. Rodrigo diz: Me (Denis puxa de
sua mão). Me dá. Denis diz: Me dá só um instantinho. E não devolve.
Aí o Rodrigo pôs a mão na bochecha, faz cara de triste, enche os olhos de água.
Maria (prof.) vê e diz: O que foi Rodrigo?
Rodrigo: O Denis pegou meu martelo.
Maria: Ah, tem que pedir.
Pablo: Mas, ele pediu.
Rodrigo: Mas, ele puxou da minha mão.
Maria: Não pode, tem que pedir.
(Turma A, 30/08/2007)
Nas três situações apresentadas, as crianças tentam resolver sozinhas
questões com os colegas na tentativa de garantir um brinquedo ou um espaço.
Discutindo, falando, tentam fazer valer as regras estabelecidas no grupo. Quando,
após varias tentativas, como nos dois primeiros episódios da turma B, não
conseguem resolver com seus pares, pedem o auxílio do adulto para colocarem
um ponto final no conflito que as estavam incomodando. No último episódio,
na turma A, é a professora que observa que uma criança está triste e pergunta o
que é, reiniciando a conversa que havia sido interrompida, pois a criança havia
desistido, a contragosto, de seu objeto. Nesses casos, as ações das professoras se
aproximam do que os Referenciais Nacionais da Educação Infantil apresentam
como concepção de educar:
“Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados,
brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que
possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis
de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude
básica de aceitação, respeito, confiança, e o acesso, pelas crianças,
aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural”
(BRASIL,1998, p. 23)
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Em outras situações, mesmo sem a presença direta do adulto na ação
das crianças, era perceptível a influência dele nos momentos de organização e
participação destas em diferentes atividades. As crianças agiam em função do
adulto. Por isso, chamei esta mediação de indireta.
Situação 1 -
(Durante uma atividade de desenho, Ana Júlia se aproxima da pesquisadora
fazendo questão de saber se ela havia visto o seu desenho e escrita).
Ana Julia: Olha, eu estou de cabelos coloridos. Meu nome tem três as.
(Turma B, 11/04/2007)
Situação 2 -
(Enquanto a pesquisadora observa o grupo,
Carolina pega os números de borracha) e diz:
O que é? Você sabe?
A pesquisadora responde, dizendo os números.
Logo, várias crianças se aproximam, cada um pega um número e dizem: E esse?
E esse outro?
(Turma A, 23/08/2007)
Nestes dois casos, é interessante observar que as crianças fazem
questão de apresentar aos adultos seus saberes adquiridos, pois parecem
conhecer o que as professoras esperam delas em termos de conteúdos escolares e
desejam se destacar. No primeiro caso, a criança mal conheceu a pesquisadora e
foi mostrar que dominava o conhecimento das letras do nome e das cores. No
segundo caso, além das crianças mostrarem que sabiam os números, ainda testam
os saberes de um adulto, divertindo-se com a brincadeira de colocá-lo à prova.
Observações semelhantes foram feitas por Müller (2006).
Em outras situações, mesmo sem a presença direta dos adultos ou de
outras crianças, as crianças agiam e até repetiam as falas:
Situação 1-
Estavam quase todos sentados em mini-grupos de três ou quatro crianças,
brincando de carros, bonecas. As crianças que não trouxeram novidades não
eram convidadas pelos amigos para brincarem.
Jair se aproximou de um grupo para brincar. Ele chegou e pegou o carro
vermelho. Ana Júlia lhe falou: Solta, menino, não brinca com o vermelho. Ele
não respondeu, mas continuou puxando o carro.
(Turma B - 04/05/2007)
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Situação 2 -
Maria, a professora, observando o movimento disperso das crianças diz: Vamos
sentar na rodinha? (Algumas meninas sentam e pegam uns livros para olhar. Os
demais começam a se espalhar pela sala. Um grupo vai para a casinha de
bonecas
7
, um grupo pega os livros gigantes, um grupo faz casinha de livros.
Janaína: Tia, vou contar história.
(A professora não vai para a roda e Janaína senta na cadeira e lê para as
crianças que estão lá)
(Turma A,09/08/2007)
Situação 3 -
Após Maria jogar com as crianças um jogo que ela mesma inventou, sai da sala
para ir à secretaria:
No início, as crianças começaram a querer puxar o brinquedo do colega.
Pablo diz: Pára, vai quebrar. Você já foi.
Branca diz: Agora é uma menina. Ela não foi.
Aos poucos, tudo foi para o lugar. O jogo continuou com as músicas que a
professora já havia ensinado para a comemoração.
Um coro: É canja, é canja, é canja de galinha, arranja outro time para jogar na
nossa linha.
(Turma A, 17/08/2007 )
Situação 4 -
As meninas da quarta série entraram na sala pedindo para ajudar. Eram quatro
meninas. A professora foi clara: Vejam se conseguem fazer eles assistirem o
filme. Mais que depressa, elas colocaram todos sentados e disseram em tom
ríspido.
Olhem para a tv.
As crianças olhavam e logo depois começavam a conversar. As meninas da
quarta série continuaram insistindo. Luis se levantou e começou a falar alto.
Uma das meninas da quarta série o chamou e disse: Você quer fazer um desenho
ali na mesa? Ele disse: Quero. (Assim, ele fez).
Logo, outras crianças viram e começaram a pedir para desenhar.
Ana interveio e disse: Ah... não. Podem tratar de ver o filme.
(Turma B e alunas da quarta.série - 11/ 04/2007)
Nestes quatro episódios, as crianças repetem falas e gestos das
professoras em suas relações com os amigos. No primeiro, a criança revela em
sua fala uma reprodução da fala adulta, marcada pelas questões de gênero
existentes nas escolas. O menino não discute a questão, deixando a dúvida sobre
se concorda ou discorda da regra apresentada pela colega. No caso das alunas da
7 Uma casa de plástico que comporta em média quatro crianças, com brinquedos do tipo
bonecas e panelinhas.
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quarta série, elas reproduziram o modelo de adulto, neste caso, autoritário,
deixando transparecer as experiências que já tiveram na escola ou em outros
ambientes. Por outro lado, quando perceberam que suas atitudes não estavam
dando certo, propuseram a uma criança que fosse desenhar, demonstrando serem
capazes de atitudes flexíveis aprendidas, provavelmente, nesses mesmos
ambientes. Sobre isto, Ribes (2003) discute a questão da cópia e da criação,
chamando atenção para os estudos de Vigotski sobre a importância da criança
imitar o modelo adulto como parte de um processo de criação.
Durante as produções de trabalhos de arte plásticas, o modelo de
adulto também estava presente:
Situação 1
Amanda saiu de sua mesa e foi até à mesa em que a pesquisadora estava com
outras crianças e começou a dar opiniões sobre os desenhos dos colegas (com
uma postura semelhante a de uma professora ou de uma criança mais velha.):
Muito bonito.
(Turma B 11/04/2007)
Situação 2
A profª Maria diz: Janaína, ajuda ele aqui. ( Janaína começa a pintar o trabalho
de Pierre)
Profª Maria: Mas não é para fazer para ele, é para mandar ele fazer.
Janaína pega o lápis e faz a linha ligando a figura do gorro do saci ao saci.
Depois pega o giz e pinta. (Pierre olha atentamente).
Janaína diz: Pinta as bolinhas bem forte. (Mas, ela mesma continua pintando)
Pierre diz: Deixa eu pintar.
(Turma A, 23/08/2007)
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Situação 3
Pierre, em uma das mesas, começa a amassar o giz com o relógio de madeira.
Profª Maria levanta, vai até ele e diz: Vem, vem para a roda Ele se refugia.
Profª Maria diz: Ah, você quer ficar no hipopótamo?
Pierre não voltou para o lugar e se escondeu atrás do computador.
Profª Maria disse: Eu não vou trazer surpresa para quem não está bonzinho.
Hoje nós vamos comer bolo da Íris que sobrou de ontem, da festa do folclore e eu
só vou dar para quem estiver legal.
Íris diz: vou dar para quem estiver anjnho. (Imitando uma fala de Maria)
Rapidamente o menino volta para a roda.
( Turma A, 23/08/2007)
Nestes três episódios, Amanda, Janaina e Íris assumem o lugar da
professora como mediadora nas atividades de artes plásticas e no momento da
roda de conversa, utilizando ações e falas inspiradas no modelo do adulto.
Mesmo não fazendo uma análise crítica dos instrumentos utilizados pelas crianças
que estavam liderando as ações, é fato que elas foram bem sucedidas em seus
objetivos de informar um modelo considerado, por elas, correto para os colegas.
No caso, abaixo, o modelo utilizado não era o do adulto, mas o de
um colega:
(Nas mesas, as crianças já haviam iniciado os desenhos).
Túlio disse: Eu não quero ser rosa, quero ser azul igual ao Marlon. (Túlio havia
desenhado ele mesmo como uma menina rosa, perto de uma casa) Porém, ele
continuou seu desenho. (observei que tanto a menina quanto a casa desenhadas
eram bastante parecidos com os de Marília que também estava na mesa).
(Turma B - 11/04/2007)
Na atividade de artes plásticas, especificamente as de desenho sem
interferência do professor
8
, o desenho do colega serviu como referência para o
seu. Túlio desenhou como o da colega e, posteriormente, criticou a si mesmo pelo
fato de ter se desenhado rosa, apresentando as marcas de gênero que já fazem
parte de sua consciência.
8 Chamei assim as atividades em que a professora não oferecia nenhuma orientação oral ou
nenhuma figura pré-estabelecida para a criança usar como referência para sua produção
plástica.
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Por outro lado, em outras situações, a ação da criança se
diferenciava, superava e, em alguns momentos, subvertia, o modelo do
adulto.
Situação 1
(A professora propõe à turma que está em roda, que faça com ela os painéis
coletivos dos pontos turísticos do Rio de Janeiro. Neste momento, alguns se
levantam. Amanda e Marcos vão até a pesquisadora. Amanda faz carinho no seu
cabelo. Enquanto isso, algumas crianças que estavam mais longe se deitaram no
chão. Ana não reclamou.
Ela ia narrando: Vou dividir o papel.
Todos ficaram olhando. (Ela fez um traçado de ondas similares à calçada de
Copacabana).
Alguém sussurrou: Desenha bem!
Cada um ia pintando um pedaço, definido por Ana: Amanda fez nuvens. Thayran
fez o sol. Luis Carlos pintou a nuvem.
Amanda disse: Que bonito, você pintando a minha nuvem.
Luis Carlos e Laís estavam no espelho há algum tempo.
Ana disse: Vem ver, Luís e Laís.
Luís disse: Tá ficando bonito.
(Turma B, 04/05/2007)
Situação 2 -
Profª Maria chama: Gente, vamos ouvir uma história? Vem, rápido. O último que
chegar vai virar mulher do padre.
A maioria das crianças chegou perto, rápido. Porém, outros ficaram na casinha e
Maria foi até lá chamá-los: Vem! Vem!
O Túlio demorou e não veio. Maria o chamou algumas vezes, mas não o obrigou a
ouvir história e ele ficou lendo revistinhas. De vez em quando, ele olhava para a
professora e para o livro. Esticava bem os olhos e depois voltava a olhar a
revistinha.
(Durante a história algumas crianças interferiram.)
Lucio disse em voz alta para a professora: Eu estou de olho neles. (Turma A,
09/08/2007)
Nestes dois casos, as crianças estão, aparentemente, fora das
atividades propostas pelo adulto, mas, na verdade, mostram-se atentas ao que está
acontecendo com o grupo. Estas situações eram constantes nas duas turmas e não
eram raras as vezes em que as crianças que estavam de fora da atividade coletiva
manifestavam-se em relação ao assunto das outras crianças, fazendo gestos ou
comentários. Estas atitudes fogem a um modelo de aluno que, ainda hoje, é
valorizado em algumas escolas: aquele que está o tempo todo predisposto a
reproduzir o que a professora fala ou faz.
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90
Após a leitura de uma história que mobilizou bastante Maria e a
turma:
Profª Maria diz: Vamos fazer a dramatização.
Íris diz: Eu quero ser a moça que quer um namorado.
Profª Maria: Quem quer ser o príncipe?
Lucio: Eu quero ser.
(Pierre não sai da casinha, local que seria de outro personagem, o principal)
Profª Maria diz: Pierre, você é o prefeito. (Mas ele insiste em ficar dentro da
casinha)
Mara diz: Você cuida da cidade inteira.
Durante a dramatização, Lucio corre atrás de Pierre que havia gritado em seu
ouvido. Lucio agarra e segura Pierre para não atrapalhar a brincadeira. Pierre
empurra. Lucio empurra Pierre com força e ele cai no chão. Pierre faz cara de
que machucou.
Lucio olha e diz: “É, eu bati nele, para ele ver só”
Pierre continuou triste.
Pierre sentou em uma mesa. Ygor começou a mexer no cabelo de Lucio. Pierre
se aproximou e começou a alisar o seu cabelo, também. Esfregava para todo o
lado. Lucio deixou ele participar da brincadeira por alguns minutos, fazendo-se
como um fantoche que o dono balança para todos os lados. De repente, Pierre
deu um tapa no rosto do Lucio com força, deixando a marca dos cinco dedos em
sua bochecha. Lucio não chorou e saiu da cadeira. Sentou em outra cadeira com
uma cara de decepção e não reagiu.
(Turma A, 25/10/2007)
Neste episódio, as crianças acabam agindo além da ação da
professora. Na situação inicial da dramatização, a professora tenta delimitar os
papéis, mas uma criança não aceita. Imediatamente, Íris se esforça em explicar
que a função do colega também é de extrema importância para a história. Logo
depois, a criança volta a se manifestar, interferindo no andamento da
dramatização, gritando no ouvido de alguns colegas. Lucio entra em ação. Desta
vez, tenta segurar Pierre à força para que ele não impeça a brincadeira. Inicia-se
um conflito físico, que passa por um interessante e demorado momento de
reconciliação que é interrompido por um outro momento de conflito físico. É
como se a criança que foi afetada pela outra - neste caso, o Pierre - não esquecesse
do ocorrido. Ele faz uma aproximação cautelosa, consciente ou não, e, logo
depois, expressa sua insatisfação em forma de agressão, novamente. Sobre estas
manifestações de resistência por parte de Pierre, semelhantes observações foram
feitas por Alcântara, (2006) em turmas de crianças de 0 a 3 anos, em Sergipe.
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Voltemos às ações infantis que se diferenciam do modelo adulto:
Situação 1 -
Na roda, Profª Ana senta e a conversa de duplas vão se dissipando.
Profª Ana faz: Pshiii! Pshiiii! (lentamente, baixinho, com muita calma).
Ela pergunta: A mamãe gostou do presente? (blusa oferecida no Dia das Mães).
Amanda: Minha mãe está se acostumando!
Jorge: Minha mãe gostou.
Cayan: Minha mãe vestiu e foi comprar biscoito. Ela estava dormindo.
(Aos poucos, a conversa vai tomando o rumo, aparentemente, da fantasia.)
Luis Carlos: Minha mãe botou a roupa no meu pai, em mim, para ir escolher um
filhote de tubarão e de baleia para a família.
(Turma B,14/05/2007)
Situação 2 -
No refeitório, Thayran propõe: Vamos fazer um piquenique?
Denílson responde: Vamos. Enquanto abre o lanche diz: Ih, não tem toalhinha.
Como faz piquenique sem toalhinha?
(O biscoito de Denílson cai na mesa).
Thayran diz: Deixa que depois eu limpo.
Ruan não trouxe lanche, mas Thayran lhe dá biscoitos, espontaneamente.
Denílson pega um pano. Limpa tudo.
Cayan vem para perto com um prato de comida.
Denilson abre o pacote de biscoito Clube Social. A fita (fecho) com cola vira
brinquedo, que ele põe na testa de Thayran.
O biscoito é quebrado e vira bola. Aos poucos, é consumido em pedacinhos.
As bolas do biscoito Elma Chips viram bolas.
(Natasha está na mesa desde o início, mas pouco participa).
Fez comentários sobre o assunto iniciado: Flamengo e Botafogo
(Eles estavam tão eufóricos com o futebol que bateram de cabeça. Repetiram a
cena, algumas vezes, como se fosse um replay e riam muito. Mesmo com tudo
isso, todo o biscoito foi consumido).
(Turma B, 14 /05/2007)
Situação 3 -
(Durante uma produção plástica, sentadas nas mesas, cada criança recebe uma
folha dobrada e giz de cera e a proposta da professora é fazer uma escola). Aos
poucos, vão desenhando pessoas, flores, sol e cada escola vai ficando diferente
uma da outra.
A professora propõe: Eu tive uma idéia, vamos fazer uns braços para a escola?
As estagiárias cortaram e colaram braços nas escolas das crianças.
Logo depois, as crianças estavam colocando as escolas para se abraçarem,
para darem tchau umas paras as outras.
(Turma A, 28/09/2007)
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Estes três episódios trazem a marca da fantasia, muito recorrente nas
ações das crianças das duas turmas. Em diferentes situações, tanto no pátio, na
sala de aula, no refeitório, quanto nos corredores, as crianças davam novos
significados aos lápis e papéis, às sementes das árvores, a brinquedos e a peças de
jogos, enfim, a diferentes tipos de material. A marca da fantasia e da recriação se
apresentou, também, na invenção de histórias que misturavam fatos do mundo
real com fatos do mundo imaginário, como foi observado por Vigotski (2003,
1987), Benjamin (1987), Silvia (2004) e muitos outros pesquisadores da infância.
No pátio, outros tipos de brincadeiras eram comuns às duas turmas:
Situação 1 -
(Três meninas, Vivian, Fatima e Elaine, deram as mãos e começaram a correr de
um lado para o outro do pátio).
Uma gritou: Olha a mula sem cabeça!
Daí, começaram a correr da casinha de plástico até o outro lado do pátio,
repetidas vezes.
Depois de alguns minutos, Lucio, Mara e Paulo Ricardo estavam na
brincadeira.
Em determinado momento, a criança, que era a mula, não queria mais correr
atrás dos colegas. Lucio e Paulo bateram com as mãos em Mara de leve para a
instigar e correram olhando para trás. Mara correu para pegá-los.
(Turma A - 09/08/2007)
Situação 2 -
Ana Julia: Eu sou mulher /homem aranha.
Breno: Peguem... ela é uma intrusa.
Ana Julia: Eu sou do bem.
Natasha está por perto e agarra Ana Julia junto com os meninos.
Todos correm para pegá-la pelo pátio.
Breno diz: Quem me pega? Todos correm atrás dele.
(Turma B, 28/05/2008)
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Situação 3 -
As crianças se dividem em pequenos grupos. Thayran, Denílson e Cayan são os
Power Rangers
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- Eles vão para a casinha de madeira e fazem alguns
combinados bem baixinho e correm gritando: Vermelho, Preto, Branco. (como se
apresentassem seus personagens).
Enquanto brincam vão narrando. Aí, eu caio e você fica me olhando.
(Turma B, 11/06/2007)
Outra marca importante das crianças das duas turmas eram as
brincadeiras de fuga, que ocorriam, principalmente, no pátio. Como pôde ser
visto em algumas situações, as crianças planejaram seus personagens e ações,
mas, na maioria das vezes, isto era definido durante a própria brincadeira, a partir
de gritos e gestos que determinavam quem era o pegador da vez.
Quanto às ações e signos mais recorrentes nas observações da turma
A, eram comuns as ações das crianças que mediavam as ações da professora,
no que diz respeito às escolhas das atividades:
Situação 1-
(Em roda, as crianças e a professora cantavam várias músicas e dançavam).
Enquanto cantavam havia umas oito crianças de fora. Elaine pegou a caixa do
dominó de madeira e ficou jogando com Vivian. Pablo e Robson pegaram os
números e ficaram brincando sozinhos. Túlio ficou, como de costume, ao redor
com outro jogo.
Depois de quatro músicas, repetidas algumas vezes, as crianças que estavam na
roda saíram da roda e se dirigiram aos jogos. Maria falou: Ah! Então vamos
trabalhar nas mesinhas.
Maria chama: Vamos fazer a rodinha?
As crianças respondem com um sonoro: Nãão!
(Turma A, 09/08/2007)
9 Super-heróis japoneses
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Situação 2 -
Em roda, Maria conversa sobre o filme que viram no cinema, no dia anterior.
Maria: Gente quem gostou do cinema?
Crianças : EEEUUU...
(Começa um coro): história, história, história.
Maria vê alguém com brinquedo e diz: Guarda, senão o colega vai querer.
Outro coro: Eu quero, eu quero.
Maria começa a falar do filme para a pesquisadora e para as crianças.
Começa outro coro: Parquinho, parquinho.
Maria: O que é isso? Vocês não sabem que nós temos uma programação? Para
que isso? Nós temos a hora do leite. A hora do parque.
(Turma A - 28/09/2007)
Uma marca das relações das crianças dessa turma com a professora é a
troca. Constantemente, a professora parava o que estava fazendo para observar o
movimento que indicava outros interesses das crianças em determinado momento.
As crianças, por sua vez, faziam escolhas que interferiam e transformavam o
tempo e o espaço das atividades da turma, como pôde ser visto nos episódios
acima. Não dúvidas de que a postura flexível do adulto oportunizava essas
manifestações e posições das crianças.
A noção de tempo e da morte foi outro tema que emergiu em
diferentes conversas com as crianças:
(Lucio sentado no pátio, chama atenção da pesquisadora e começa a falar)
Minha mãe não gosta que meu irmão me as coisas. Ela fica brigando
comigo. Mas eu só pego uma coisa.
(Maria aparece e começa a brincar e Lucio sai correndo e vai brincar de saci
junto dela).
(Depois da brincadeira, ele volta).
Pesq (retomando a conversa): Você é muito inteligente.
Lucio diz: Eu sou. Eu já tenho cinco anos.
Pesq (percebe que Lucio dá grandeza aos cinco anos): Você já é um adulto?
Lucio: É, quase. Eu tinha zero ano, um ano, dois anos, três, quatro e agora eu
tenho cinco anos. Depois, seis. Meu irmão tem sete anos.
Pesq: Ele é grande?
Lucio: É. Ele vai fazer oito, nove, dez, onze. Depois, quando ele fizer onze e
mais ele vai ficar velhinho. Depois ele vai morrer.
Pesq: Você quer ficar velhinho?
Lucio: Não. Quando eu ficar velhinho eu vou morrer e meu corpinho vai... virar
bebê de novo.
(Turma A - 24/08/2008)
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As crianças apresentavam um modo particular de explicar o tempo e
as transformações da vida. Algumas vezes, se aproximavam do mundo adulto,
demonstrando alguma familiaridade com o tempo cronológico; outras vezes,
criavam explicações e organizações próprias. O tema da morte veio à tona em
outros momentos do campo, indicando ser algo que mobilizava bastante as
crianças.
Em relação às ações e signos mais recorrentes nas observações da
turma B, o interesse pela escrita é evidenciado, principalmente, pela busca por
livros de literatura e revistas em quadrinhos, mas também por ser comum ver
algumas crianças lendo cartazes e as fichas de nome dos colegas.
(No refeitório, os meninos estavam fazendo futebol com pedaços de biscoitos
sobre a mesa).
Ricardo se levanta para ver o que a pesquisadora está anotando.
Pesq. lhe diz: Eu estou escrevendo a história do futebol.
Então, ele diz: Nós temos uma história de futebol.
Pesquisadora: Depois, você me mostra?
Ele faz que sim com um gesto.
A pesquisadora sai para pegar uma laranja e quando volta os meninos da mesa
haviam se levantado para ver seu caderno, Denilson fingia que lia: Jogo de
futebol – Denilson ganhou! Flamengo ganhou! (Com muita empolgação)
(Turma B, 14/05/2007)
Outras ações das crianças deste grupo por exemplo, as tentativas de
marcar alguma diferença durante as atividades coletivas foram recorrentes
durante o trabalho.
(Sentadas e enfileiradas na quadra, as crianças estão à espera da inauguração da
rádio da escola. Na turma B, algumas crianças estão eufóricas e fazem de tudo
para se destacarem e aparecerem). Tula faz dois chifres na Maria Júlia, como se
estivessem sendo fotografadas.
(Crianças de outras turmas fazem o mesmo).
Uma aluna do primeiro ano do ciclo levanta a boneca, outra coloca na cabeça
seu arco com borboletas penduradas.
(Turma B - 03/10/2007)
Nas situações mais coletivas, como eventos e festividades, em que
toda a escola se reunia, as crianças se esforçavam para marcar alguma diferença
dentro do grupo organizado de forma padronizada.
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4.2 Os signos (conhecimentos) que circulam nas turmas de
educação infantil em uma escola, também, de ensino fundamental
Os signos são criados e manipulados pelos sujeitos em diferentes
momentos da vida, inclusive na escola, para a realização de diferentes atividades
mentais, sociais e naturais como, por exemplo, categorizar, auto-regular suas
ações e ativar a memória lógica. No ambiente escolar, especialmente, esses
signos não surgem espontaneamente, pois, na maioria das vezes, são trazidos
pelos adultos com alguma intencionalidade educativa, inseridos no campo
pedagógico com uma nova roupagem, ganhando diferentes nomes como, por
exemplo, conhecimentos e conteúdos programáticos. Nestes casos, o adulto toma
o lugar de mediador, selecionando, organizando e disponibilizando signos
(conhecimentos e conteúdos) que proporcionam novas possibilidades para as
ações internas e externas das crianças.
Estes signos (conhecimentos), por sua vez, o chegam à escola
apenas pelas mãos do professor. Muitas vezes, estão presentes na escola, nas
normas de comportamento fixadas pela direção, na forma em que o tempo é
concebido e organizado, nos rituais, nos livros, vídeos e cds da biblioteca, nos
jogos e brinquedos, nas revistas enviadas pela secretaria municipal de Educação,
enfim, nos mais diferentes materiais e práticas da instituição, pois, como afirma
Machado (1996):
“Mesmo no caso do conhecimento dado pela experiência direta da criança,
esta experiência ocorre em um determinado contexto físico e social e,
portanto, o“outro” se faz presente sob a forma de tradição, hábito,
normas e valores, enfim, sob a forma de cultura, mediador sempre presente
na situação de interação. (p.30)
Nestas situações, os signos da instituição é que tomam o lugar de
mediadores na relação entre o adulto/ professor e a criança, o que passa, muitas
vezes, despercebido por estes sujeitos da ação. Em outras situações são as
crianças que utilizam em suas vivências em família e no contato com diferentes
mídias, signos que são lançados e ressignificados na relação com as outras
crianças e com os adultos. Assim, a criança é que ocupa o lugar de mediador
entre o adulto e as outras crianças, e entre os adultos e a escola.
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Diante desta diversidade de ações mediadoras, a análise dos signos
acionados nas turmas pesquisadas, trazidos por sujeitos participantes direta ou
indiretamente da ação educativa, é primordial para a aproximação com o objeto de
estudo. Esclareço que, na pesquisa de campo, utilizei a palavra conhecimento no
lugar de signo para facilitar o entendimento das professoras e crianças e, por esta
razão, serão utilizados os dois termos nesta apresentação.
Quanto às crianças e o que dizem sobre as diferenças entre o que os
adultos fazem e o que as crianças fazem, Íris e Pablo responderam que elas
estudam e trabalham. Então, questionei aonde as crianças trabalhavam. Pablo e
Íris afirmaram que era na escola.
Pesq: E o que é que vocês fazem na escola? Quando é que vocês trabalham na
escola? Qual é o trabalho?
Rafael: É desenhar e escutar historinha.
Pesq: O que mais vocês fazem na escola?
Pablo: Brincar.
Pesq: O que é que você faz de trabalho aqui na escola?
Túlio: Eu faço desenho.
Fatima: Eu faço trabalho e desenho.
Carolina: Eu aprendi a estudar.
Pesq: O que você estuda aqui na escola?
Carolina: Para ficar educada.
Pesq: E para aprender o quê?
Carolina: Para aprender a ler, a escrever.
Pesq: O que você já aprendeu?
Carolina: Fazer o nome, o nome da minha mãe, o nome do meu pai e o da minha
avó.
Carolina: Eu aprendi a escrever... ..a minha, mãe... a minha tia. E eu sou feliz
porque eu tenho um montão de pessoas.
Mara: E eu aprendi o a,e,i,o,u.
Ygor: Eu aprendi a vir para a escola quietinho. Depois de escrever o nome
(todos falam desse aprendizado)
(Turma A, 21/09/2007)
Na turma B, a conversa não parte do tema do trabalho, pois as
crianças não levantaram essa questão, inicialmente:
Pesq: O que é que criança faz na escola?
Uma criança: Eu brinco no parquinho, no pula-pula.
Luis: A gente vai pro lanche, depois do lanche, parquinho. Depois do
parquinho... Depois do parquinho... Depois na sala, desenho, depois do desenho,
depois do desenho,... e depois a gente vai embora.
Pesq: E o que é que vocês aprendem aqui na escola?
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Uma criança: A estudar. Ah! trabalhinho, ué.
Outra criança: aprendi a escrever, desenhar, pedir para tia papel, no banheiro
não tem papel, a gente aprende a pedir papel.
Andréa: Aprendi a ler.
Pesq: A ler o quê?
Andréa: Eu leio os nomes.
Tânia: Eu aprendi a copiar o que meu pai manda. Eu aprendi a ler o alfabeto.
Eu aprendi todos os números.
Pesq: O que vocês aprenderam com os amigos? O que os amigos ensinaram?
Crianças: Pique-pega.
Andréa: Eu já ensinei meu amigo dançar.
Marília: Amarelinha.
Girlene: Eu aprendi a pular corda com minha amiga.
Outra criança: Eu aprendi com meu pai.
Criança: Com a minha tia eu já aprendi a escrever.
Túlio: Eu aprendi a não brigar com os colegas e nem brigar com a professora.
Cayan: Eu aprendi quando jogar bola, não dar bolada no amigo.
(Turma B, 04/10/2007)
Nos dois diálogos, as crianças se reportam a conhecimentos formais
e a conhecimentos adquiridos espontaneamente em sua relação com a
professora e com outras crianças. Os temas desenho e brincadeira são muito
enfatizados pelas crianças das duas turmas, o que foi semelhante também na fala
das duas professoras e observado também na prática. As letras e os números
aparecem com mais ênfase na turma B, o que converge para as observações de
campo e para a fala das professoras, apresentadas a seguir. O aprendizado das
regras de convivência aparece tanto na turma A quanto na turma B, o controle
do tempo da rotina emerge, significantemente, na fala de uma criança da turma
B, o que é uma marca da prática da professora desta turma.
4.2.1- O que dizem as crianças e os adultos sobre os signos
(conhecimentos) da educação infantil
Na fala de cada um dos adultos participantes das entrevistas
individuais - diretora, coordenadora pedagógica e professoras das turmas A e B - é
possível perceber aproximações naquilo que são considerados como signos
(conhecimentos) que são importantes, que circulam ou devem circular nas turmas
de educação infantil. Por outro lado, a ênfase dada a cada signo (conhecimento) e
o modo pelo qual eles devem ser abordados são bastante diferenciados na
concepção de cada uma das entrevistadas. Como não é objetivo central desta
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pesquisa, não faremos uma crítica aprofundada às concepções de conhecimento,
escola ou relação ensino e aprendizagem, apresentadas por esses adultos
participantes. Assim, nos limitaremos a construir um cenário onde seja possível
perceber as aproximações, as sutis diferenças e as contradições entre cada uma
dessas concepções e práticas dentro da mesma escola e, possivelmente, relacioná-
las às de outras escolas de educação infantil.
Questionadas sobre as coisas que achavam importantes para as
crianças vivenciarem ou quais ações os adultos deveriam realizar com as crianças
neste período da educação infantil, o tema da leitura apareceu em todas as
entrevistas. A diretora afirma que,
“Mesmo a criança que tenha algum movimento de leitura na casa
dela, na educação infantil ela tem um foco diferente. A criança vai ter espaço
para falar, para ouvir o colega, para brincar e ali é onde começa o trabalho
propriamente dito da escola. Foi uma avaliação dos professores da escola, em
que foi pedido às professoras da educação infantil para que elas dessem mais
ênfase à questão do primeiro olhar da alfabetização. Fosse realizado um
trabalho em que as crianças fossem para o período inicial com alguns pré-
requisitos bem dominados. Foi pedido que as crianças de quatro anos, no final
do ano, tivesse conhecimento, contatos com as letras do alfabeto, que
reconhecesse os nomes dos colegas, identificasse as letrinhas iniciais desses
nomes e daí buscar alguma coisa, não uma sistematização. E para as crianças de
cinco aninhos, que eles já tivessem uma preocupação de escrever do jeito deles
(...)” (Entrevista, 27/09/2007)
Para a coordenadora pedagógica,
“o professor tem que proporcionar à criança o desenvolvimento de
sua oralidade, mostrar o mundo da escrita, não de uma forma como a gente
aprendeu, mas entrar no mundo da literatura, porque muitos não têm
oportunidade em casa e a escola funciona como um intermediário, uma nova
porta e uma nova chance. Que a criança entenda a escrita como parte da vida
dela e não como uma coisa muito distante. Porque se você trabalha com um texto
coletivo feito pala turma você mostra que aquilo é nosso. Aquilo não é uma coisa
distante. Aquilo é nosso, todo mundo fez. Todo mundo participou”. (Entrevista,
28/09/2007)
A professora Ana, como a coordenadora, também fala do próprio
trabalho apontando para uma metodologia mais inovadora de trabalho com a
leitura :
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“A gente tem todo um trabalho, um apoio, voltado para que eles se
desenvolvam, para que eles brinquem, sim, para que eles descubram, para que
eles estejam o tempo todo em contato com o letramento, com a letra, com livros,
com histórias, com recontos, com filmes, com música, com o que for. Que eles
possam reproduzir isso, que eles possam recontar, que eles se desenvolvam assim
mesmo, sem de repente aquela coisa massificante de saber que está aprendendo.
É engraçado que, às vezes, eles perguntam “não vai ter trabalhinho hoje? A
gente pode ter feito um montão de coisas, mas se não tiver aquela folha, eles
acham que não fizeram trabalhinhos. E, agora, eles perguntam menos isso. Acho
que isso já foi desmistificado na cabecinha deles”. (Entrevista, 27/09/2007)
A professora Maria traz a questão da identidade:
“Eles estão despertando para esse lado, que você pode ajudar, que
você pode ser feliz, que você pode ter amigos, que você pode, que você é capaz,
que você faz. Se você errar, você também pode acertar. Se brigou com o colega,
pode pedir desculpas, entendeu? Se expressar, dar o seu pitaco. É isso que eles
são. (...) Outra coisa, melhorar a auto-estima. Se gostar ,se amar, se querer bem,
se cuidar, estar sempre bonito, se valorizar, escrever o nome, descobrir que ele
tem um nome. Isto é a identidade dele. (Entrevista, 09/10/2007)
A diretora fala sobre a questão da leitura apresentada como um pré-
requisito pelas professoras do ensino fundamental. Ela e a coordenadora
entendem que o espaço escolar é um local diferenciado do ambiente familiar para
a leitura, pois enseja a troca entre crianças e adultos. A diretora, a coordenadora
pedagógica e a professora Ana falam da importância da criança conhecer o
primeiro nome, as letras do alfabeto e realizarem a escrita espontânea. A
coordenadora afirma que este contato com a leitura deve ser contextualizado na
vida das crianças e, como a professora Maria, chama atenção para o conhecimento
do nome. Na turma A, era escrito com a função de nomear as produções plásticas,
um trabalho de construção das identidades das crianças, porém, em diferentes
situações observadas no campo, tanto na turma A quanto na turma B, eram as
professoras que definiam sobre o que iria ser escrito, deixando de lado a
oportunidade de construir os textos com temas e situações que surgissem da
vivência e da necessidade de registro das crianças. Esta mesma observação foi
feita por Corsino (2004), após pesquisar duas turmas de educação infantil do
município do Rio de Janeiro.
Os temas da arte e da brincadeira aparecem com força em todas as
quatro entrevistas, como pôde ser visto acima, na da professora Ana e nos
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depoimentos que seguem abaixo:
“Eu acho que deveria ter mais trabalhos com arte. Mais atividades
artísticas durante a rodinha, tivesse mais pintura com cavalete, trabalhos
manuais e não ficasse no desenho, no desenho, no desenho”. ( Entrevista /
Diretora, 27/19/2007)
“O professor deve utilizar de toda a criatividade que a criança tem
para as artes, para a sica, para jogar. Entender o mecanismo de um jogo, de
convivência dentro de um jogo, de respeitar um colega. Trabalhar os conceitos
matemáticos da mesma forma, enfim, todo o trabalho que você vai desenvolver na
sua vida começa na educação infantil e esse professor precisa ter consciência
disso. Ele não está ali apenas para receber beijinho e para ficar brincando.
Ele está ali para brincar, mas para brincar seriamente. Brincando com outros
objetivos. Porque a criança não percebe, para ela você está brincando. Mas
você tem um objetivo que é a aprendizagem do aluno. E a escola é para isso,
para você proporcionar estes momentos de aprendizagem. E você não pode
negar isso para a criança. E ela aprende o tempo todo e em todos os lugares. Não só
na escola. Mas, a escola é o lugar que sistematiza isso. Ela pega um programa que
você viu na televisão. Ela pega uma coisa que ela viu na rua, uma coisa que o pai e a
mãe falaram e ela vai juntando tudo e, na escola, às vezes, vem essa informação que ela
já tem esse conhecimento, na escola é sistematizado”.
(Entrevista / Coordenadora, 28/09/2007)
Eu procuro incentivar a imaginação, a recortar, a pintar, as cores, a
estética, o bom gosto, o gosto pela leitura, a expressão, a linguagem. Eu acho
que naturalmente, daqui para frente, eles vão se encaminhar para aquilo que eles
gostam. Eles estão despertando para esse lado, que você pode ajudar, que você pode ser
feliz, que você pode ter amigos, que você pode, que você é capaz, que você faz... Se você
errar, você também pode acertar. Se brigou com o colega, pode pedir desculpas,
entendeu? Se expressar, dar o seu pitaco. (...) E, muitas vezes, eu estou aprendendo
com eles também. Muitas das vezes, eles sentam aqui, contam história pro outro.
Um se mete na vida do outro. Brincam de pai, dão bronca no outro. Eles brigam
e, ao mesmo tempo, que eu separo: “Um na China, um na Palestina e outro na
Argentina” Quando eu viro as costas, está tudo agarradinho de novo.”
( Entrevista / Prof ª Maria, 09/10/2007)
Na fala da diretora é explicitado o desejo de ver maior variedade nos
trabalhos de artes plásticas das turmas de educação infantil, mostrando-se
insatisfeita com o monopólio do desenho, o que é um fato, tanto na turma A
quanto na turma B. A coordenadora pedagógica e a professora Ana colocam
ênfase no trabalho com as múltiplas linguagens da arte. A primeira enfatiza que o
professor deve aproveitar, deve trabalhar com a criatividade da criança e com sua
facilidade em vivenciar a arte; já a professora Ana, apresenta o trabalho com artes
como um trabalho mais de reprodução, não valorizando as potencialidades de
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criação, o que pôde ser observado na prática. O brincar não é enfatizado pela
professora Ana e, no caso da coordenadora, é visto como algo que se justifica
quando a brincadeira tem uma “seriedade”, uma intenção, e funciona como uma
alavanca para alcançar outros objetivos. A professora Maria, por sua vez, entende
que a arte se justifica em si mesma, quando diz que a estética, o gosto pela música
precisam fazer parte da vida das crianças, assim como, entende que a brincadeira
também é importante para a criança, que aprende vivenciando outros papéis nos
momentos de conflito e imitando ações do adulto, processo este que ela chama de
natural, pois o desvincula de um planejamento mais rígido. Ela também
reconhece ela mesma como sujeito em processo de aprendizagem. Os focos de
seu trabalho são postos na questão da auto-estima, no conhecimento sobre si
mesmo e nas relações com o outro. No geral, os depoimentos das professoras Ana
e Maria convergem para suas práticas junto às crianças, o que seanalisado com
mais profundidade nos próximos sub-capítulos.
4.2.2 - Signos (conhecimentos) que estão explícitos no cenário da
escola
Além dos depoimentos dos adultos e das crianças transcritos, é
importante observar e identificar nos materiais e nas práticas da escola quais
signos estavam sendo valorizados. Por conta dos limites deste trabalho, nos
restringiremos a apresentar os signos (conhecimentos), trazidos pelas professoras,
mais recorrentes nas produções plásticas e nas dinâmicas da rotina de cada turma,
entendendo que, nos episódios de interação entre crianças e crianças, e entre
adultos e crianças, apresentados no subcapítulo anterior e no posterior, outros
signos expressos pelos sujeitos foram e serão melhor analisados.
Vamos aos materiais da sala e às propostas de atividades de cada
turma:
Material fixo nas paredes da Turma A:
* Painéis de papel com as letras do alfabeto e os nomes das crianças da turma da
tarde.
* Calendário de madeira que não é usado freqüentemente.
* Painéis com os números de um a dez em tampinhas de refrigerante.
* Hipopótamo sorridente de emborrachado .
* Um desenho de uma menina morena e de um menino branco com o uniforme
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da escola
10
.
Diferentes jogos e brinquedos à disposição das crianças.
Material temporário nas paredes da Turma A:
* Uma lista de nomes de bichos que são aves, em letras bastão.
* No mural, produção das crianças de desenho e colagem, feita a partir da história
João e o de Feijão. (O desenho era livre. A professora deu as folhinhas
cortadas e passou cola. A palha era cortada, a galinha era dobrada. Fizeram
bolas de papel crepom. Não havia modelo na parede, porém várias intervenções
da professora no painel das crianças).
* No outro mural, modelos para atividades plásticas e de escrita. (A silhueta do
Brasil para as crianças colarem graminha verde imitando uma árvore). A palavra
criança em letra bastão. O coração com o nome "Brasil”dentro.
* Plantação de feijões, em potes de plástico.
* Cartazes que a professora chamou de apoio. Cartazes de revistas com
personagens do folclore. (As crianças vão até eles, apontam e falam as
informações que já têm sobre cada personagem).
Alguns trabalhos plásticos do primeiro e segundo semestre:
* Silhueta em folha A3 de boneco e foto da criança pequena ao lado.
* Um papel mimeografado com uma figura de boneca.
* Um painel com um triângulo para desenhar a barraca e bandeirinhas coladas no
barbante. (As crianças coloriram a barraca e o resto já havia sido feito pela
professora).
* Xerox da turma da Mônica no futebol com o passarinho. (Crianças colorem e
contam as estrelas colocando os algarismos).
* Desenhos sobre as histórias ouvidas.
* Jogo dos cinco erros turma da Mônica (colocar o número de um a cinco em
cada erro.)
* Ligar o saci ao chapéu certo. (Ligar e colorir).
* Sereia (colar uma cabeça de revista no rabo da sereia de papel. Pintar o céu.)
* Mula sem cabeça xerocada. (Pintar o mato e colar celofane já cortado no fogo)
* Xerox do folclore e contagem e algarismos na etiqueta até seis. Objetivo:
pintar.
* Uma camisa de papel para pintar o papai.
* A silhueta de um dorso para desenhar o papai e escrever o nome dele.
* Após mostrar a cena da tela “O Grito do Ipiranga”, a professora deu um
formato de chapéu de jornal para as crianças colorirem e desenharem o resto da
cena.
* Ligue os pontos e adivinhe o bicho. De um a 15.
* Xerox com desenho de um caldeirão para colar legumes, a partir da história
10 As figuras representando os alunos em tamanho natural, chamaram atenção por não
representarem os alunos negros.
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“Sopa de Pedra”
Observando, principalmente, as ações dos sujeitos da Turma A,
algumas das histórias contadas pela professora, assim como as paredes com os
trabalhos plásticos e de letramento, é possível perceber o quanto as diferentes
linguagens estão presentes e medeiam as ações de crianças e adultos. Durante o
período de pesquisa no campo, a música, a dança e a literatura foram as
linguagens mais acionadas pela professora, sendo intensificadas durante o período
de aproximação das Festas Juninas e do Dia do Folclore. No mês de agosto, os
murais receberam cartazes de revistas educativas com figuras dos personagens do
folclore brasileiro, como boto, curupira, mula-sem-cabeça. Durante as manhãs,
aconteciam verdadeiros musicais quando a professora, junto com as crianças,
cantava e dançava músicas como “Vira Lobisomem”, gravada por Ney
Matogrosso e músicas folclóricas. As histórias escolhidas contavam com riqueza
de linguagem a lenda do Boi Bumbá, da mula-sem-cabeça e outras. Para a festa
do folclore, as crianças trouxeram comidas típicas de regiões do Brasil.
Outras datas comemorativas eram marcadas com diferentes tipos de
trabalho, como no Dia da Independência, em que a professora trouxe uma pintura
que retratava o grito da Independência e conversou com as crianças sobre o que
significava ser independente. Ela perguntou às crianças o que elas eram capazes
de realizar sozinhas e fez a relação com a História do Brasil. Em uma conversa
informal, Maria manifestou incômodo com o fato da escola não valorizar
determinadas datas como, por exemplo, Natal e a lenda do Papai Noel. Para ela a
escola subestima a capacidade de entendimento da criança.
“Acho que isto é uma lenda que precisa ser contada. É claro que eu
não vou dar o tom de consumismo mercenário. O Papai Noel seria um homem
que, a exemplo dos Três Reis Magos, queria presentear as crianças e como não
havia fábrica de brinquedos, ele produzia seus brinquedos para distribuir.
Precisamos ir fundo na cultura”.
(Caderno de Campo, 23/ 08/ 2007)
Neste caso, fica explícito o conflito vivido pela professora
acostumada a trabalhar com turmas de crianças maiores e abordar certas datas
comemorativas, e a dificuldade de colocar estes temas para uma discussão
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aprofundada na escola. Por outro lado, a professora revela uma posição
interessante em relação aos signos presentes na cultura brasileira que, em sua
opinião, não podem ser ignorados. Maria traz estes elementos respaldada pela
importância de se discutir a cultura como algo rico em valores, mas a questão da
diversidade religiosa não foi mencionada por ela.
Em relação ao letramento, as crianças manuseiam livros, escrevem
seus nomes em todos os trabalhos com uso de uma ficha de apoio ou não, algumas
vezes, copiam palavras relacionadas aos temas falados no dia-a-dia, escolhidas
pela professora, demonstrando, no geral, interesse por essas atividades.
No caso dos trabalhos plásticos, realizam desenhos - mediados pelos
pedidos da professora - de figuras pré-construídas, ou a partir de uma história
contada. Não foi presenciada nenhuma atividade de pintura ou de invenção de
histórias pelas crianças e as colagens sempre se pautavam em um objetivo
estabelecido previamente pela professora, deixando pouco espaço para a criação
livre.
Material fixo nas paredes da Turma B:
* Placas de emborrachado com números e quantidades correspondentes.
* Painéis do tipo abecedário com os nomes das crianças da turma da manhã e da
tarde.
Ao longo do ano , foi preenchido com rótulos:
Ex: B: Barra – Bradesco - Bombril- Bisnaguito -Baby -Wipes.
* As regras de convivência com as assinaturas das crianças em baixo.
* Calendário de madeira com dia do mês,dia da semana, mês, ano, clima.
* Chamada com fichas de nomes, separando as de menina e menino.
* Nuvem simpática de emborrachado, no mural.
* Uma papeleira que nem sempre tinha papel.
* Diferentes jogos e brinquedos à disposição.
Material temporário nas paredes da Turma B:
* Abecedário com palavras e desenhos de bichos, na altura dos olhos das
crianças.
* Um abecedário com nomes de bichos e desenhos de crianças.
* Um abecedário com letras grandes e pequeníssimas figuras de bichos.
Alguns trabalhos plásticos do segundo semestre:
* Folhas com desenhos feitos com hidrocor e giz de cera, sem interferência do
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adulto.
* Folhas com cruzadinhas de palavras relacionadas aos temas comentados pela
professora.
* Folhas com caça-palavras de palavras relacionadas aos temas comentados pela
professora.
* Folhas com escritas espontâneas das crianças (não foi possível observar
nenhum desses momentos de escrita espontânea das crianças).
Observando as ações dos sujeitos da turma B e os materiais
apresentados acima, percebemos que a linguagem das artes mais utilizada é a da
literatura, pois, a partir do tema escolhido para ser trabalhado em dado período, é
selecionado pela professora um conjunto de histórias que será lido para as
crianças. Estas também têm o costume de buscar os livros na estante para folheá-
los e contar histórias para os amigos. As rodas de conversa e de atividades eram
diárias e contavam tanto com a fala da professora Ana quanto com a das crianças.
Estas se sentiam à vontade para se expressarem e, muitas vezes, assuntos
enriquecedores eram trazidos por elas e mediados pela professora. Esta mediação,
porém, era aligeirada sem um enriquecimento ou a criação de um diálogo entre
crianças e crianças, pois a todas elas deveria ser dada a oportunidade de falar.
Em uma das situações, o tema da diferença dos cabelos de negros e
de brancos foi trazido por Amanda – uma menina negra de cabelos bem enrolados
- que, de acordo com o depoimento da professora, chegou em casa reclamando
que estava incomodada porque os colegas mexiam em seus cabelos. Os pais de
Amanda, então, questionaram em um bilhete enviado à professora o que estava
sendo feito pela escola para se trabalhar as diferenças e a história da África,
conforme o exigido por lei atualmente. A professora e a coordenadora
pedagógica responderam que este trabalho acontecia em meio aos projetos gerais
da escola como, por exemplo, o projeto sobre o Pan-Americano em que todos os
povos e suas diferenças são abordados. Em uma das rodas em que eu estava
presente, Marília mexeu no cabelo de Amanda que reclamou com a professora
Ana. Ana pediu que Marília respeitasse a o pedido de Amanda e não a
incomodasse.
11
Diante desta situação que havia envolvido os pais de Amanda e as
crianças da turma, a professora da sala de leitura e a professora Ana, aproveitando
a proximidade com o Dia das Mães, escolheram para contar às crianças, livros que
11 Este episódio foi trazido na íntegra na página.
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traziam histórias sobre as diferentes famílias e, em algumas delas, os
protagonistas eram negros.
* O segredo de mãe Docelina Ziraldo (conta a história de uma mulher negra que faz
doces, mora em um sítio e tem muitos amigos bichos, índios e sacis.)
* Banho! - Mariana Massarane (uma família de quatro filhos de cor negra que vive
aventuras em uma banheira).
* As panquecas de Mama Panya.- De Mary e Rich Chamberlin. (Uma mulher negra que
conta a história de um dia em sua família e na sua aldeia).
* “Pais e Mães” - Nelson Albissú (conta as diferenças das famílias)
(Caderno de campo, 11/ 04/2007 )
Por outro lado, este trabalho não foi aprofundado pela professora que
optou por continuar com as atividades sobre o Pan-Americano e sobre o Dia
das Mães.
No período da pesquisa de campo, a música aparece apenas com o
objetivo de transmitir conteúdos ou organizar as crianças na fila. A pintura, a
dança e o teatro eram pouco ou nada presentes no dia a dia. As folhas
mimeografadas com atividades de contagem, escrita e o “recorte e monte” eram
muito utilizadas, ocorrendo poucas atividades com outros materiais plásticos. A
brincadeira de “faz de conta” na sala não era diária, sendo mais freqüente o uso
de jogos de montar e encaixe. O deo era um dos materiais mais utilizados -
quase toda semana - com o objetivo de enriquecer temas trabalhados pela turma,
como pode ser percebido na fala de Ana:
“Um dia, as crianças da quarta-série, espontaneamente, pediram para
contar a história “Como é feito um arco íris?” As crianças adoraram e ficaram super-
interessadas no assunto. Então, peguei um dvd, aquele da coleção” De Onde Vem a
Onda?” Então, tinha a explicação científica de onde vem o arco íris?” (Caderno de
campo, 11/ 04/2007 )
Além disso, o vídeo, assim como outras mídias, vai muito além de
enriquecer um tema, pois instiga motes para discussão e desperta interesses, como
está exemplificado no próximo relato, quando a criança percebeu a semelhança
entre o personagem e o seu reflexo na água e verbalizou o que havia percebido.
Amanda disse: Quando eles bebem água juntos, eles são gêmeos.(Turma B -
04/05/2007)
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Chegando ao final desta parte do trabalho, concluímos que os adultos -
embora na professora Maria em menor grau - concebem a educação infantil como
um momento da educação intimamente ligado à educação formal do ensino
fundamental, na qual alguns signos (conhecimentos) devem ser apreendidos e
internalizados. Acredito que o fato da professora Ana trabalhar com uma turma de
crianças que vai para o primeiro ano do ciclo (antiga classe de alfabetização do
Município) faz com que essa preocupação se intensifique. Esta questão denota
nas falas das crianças, o que provavelmente pode ser explicado pela influência dos
adultos não só os da escola, como também seus familiares.
Todavia, todos - também com maior ou menor intensidade -
concordam que este é um período especial, no qual a brincadeira está presente e
não pode ser negada. No geral, destaca-se um positivo trabalho com as
manifestações da cultura popular brasileira, principalmente, através da literatura,
embora, nas duas turmas, ainda haja uma escassez de produções plásticas ou de
registros escritos que garantam voz e espaço de expressão genuína às crianças,
como sugere Corsino (2004):
“Observei que o sujeito da linguagem está com pouco espaço de se
dizer. Chega à pré-escola com quatro anos, sem saber o seu próprio
nome. Anonimamente, chama a si próprio e os outros de Nem. Os
professores da educação infantil lhes devolvem o nome, dando lhes
mais que uma ficha escrita. Precisam agora dar a eles a fala. A
narrativa de suas histórias, a construção de suas leituras de mundo, a
produção de significados e o registro de seus textos (...)”
Isto é proposto pela coordenadora pedagógica, como está explícito em
um depoimento apresentado mais acima. Essa prática pedagógica, porém, por
interferir na vida de muitas pessoas - adultos, crianças e seus familiares revela-
se um exercício de transformação que leva tempo. As professoras Ana e Maria
estão em processo de reflexão sobre a prática, e como pôde ser observado no
cotidiano, buscam acertar, trazendo a literatura como uma das marcas do próprio
trabalho e as rodas de conversa como momento de expressão das crianças. Esse
esforço fica comprometido pela experiência de Ana com crianças pequenas em
escolas que valorizavam a reprodução em detrimento da criação e, no caso de
Maria, apesar de sua longa experiência com o magistério, era praticamente o seu
primeiro ano de trabalho com uma turma de educação infantil.
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Estas ações das duas professoras são colocadas em foco, a partir de
agora, e poderão ser melhor analisadas.
4.3 – Ser adulto e professor na educação infantil
Como foi explicitado no segundo capítulo, é preciso considerar que as
duas professoras participantes da pesquisa são pessoas com experiências de vida,
formação, tempo e percursos na profissão muito distintos. Essas diferenças, sem
dúvida alguma, marcam suas práticas de modo igualmente distintos. Como
afirma Kramer (2003, p.84) “Também a vida de um professor não se limita a ser
um espaço entre a data do concurso (ou contratação) e a de sua aposentadoria.
Um e outro - aluno e professor - são seres históricos porque imprimem marcas na
escola e fora dela. São autores”. Imbuído dessa idéia, o trabalho traz a voz e a
prática dessas educadoras como ponto crucial para uma discussão do conceito de
mediação pedagógica, buscando compreender os modos pelos quais cada uma
dessas educadoras entende o seu papel na educação de crianças pequenas e como
as professoras que estão nas salas de aula medeiam as ações das crianças e as suas
aprendizagens.
Zilma Ramos de Oliveira (2002) esclarece que,
“novas perspectivas com respeito ao ato de ensinar consideram que
há uma construção de significações (afetos e conhecimentos) por
parte da criança desde o nascimento, mediada por parceiros mais
experientes, em situações que, como apontamos, constituem uma
relação de ensinar, ou seja, de apontar signos. Supera-se, assim a
tradicional definição do ensino como prática associada à transmissão
de conceitos, geralmente, elaborados dentro de disciplinas
acadêmicas”. (p. 26)
e é, nesta perspectiva, que analisamos as ações dessas professoras, percebendo a
tensão entre as marcas desse tipo de modelo de educação tradicional que
estiveram presentes em suas formações e em suas experiências práticas e as
marcas da superação, em busca de um modelo mais democrático de educação. É
previdente salientar que entendemos as práticas pedagógicas para além de
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categorias simplistas que poderiam classificá-las, exclusivamente, como positivas
ou negativas. Pelo contrário, entendemos que cada gesto ou tomada de decisão de
um professor se caracteriza pela tensão entre os diferentes fatores que interferem
em uma escola. Por isso, para analisá-los, é necessário um cuidadoso processo de
aproximação e afastamento, buscando olhar cada questão a partir de diferentes
referenciais, levantando os aspectos positivos e negativos dos mesmos.
Nas quatro entrevistas, as professoras afirmam que o professor da
educação infantil tem um papel diferenciado do papel do professor de
crianças maiores.
“Eu acho que a grande diferença é que na educação infantil ... até o
olhar do professor é diferente. Na educação infantil, o professor vai ficar com o
aluno e vai fazer as atividades bem lúdicas. Até o professor que chega na escola
e a gente pergunta: trabalhou com educação infantil? E ele diz: Não, mas eu
sei que tem que fazer rodinha. Então, é aquele momento do falar da criança, de
despertar o interesse da criança ... Ele querendo ou não querendo, ele tem que ser
uma pessoa carinhosa. Que esteja disponível para brincar, sentar no chão, sujar
sua roupa, tem que ser um professor que tem olhar diferente sobre o aluno. É que
a criança da educação infantil precisa muito da intervenção desse professor. Tem
aluno que é muito dependente. E ele precisa estar disposto a intervir desta
maneira. Muitas vezes, o aluno precisa de um colinho e um olhar diferente. É
estar disposto a dar aquele colinho.” (Entrevista / Diretora, 27/09/2007)
“Você tem que ter paciência. Precisa gostar daquela criança que está
ali, porque não adianta você está ali se estiver contrariado. Precisa estar
disposto. Ter muita atividade, muita disposição física mesmo, para acompanhar
aquele ritmo que é, quanto menor a criança, o ritmo é mais intenso, de
deslocamento, de ação. A concentração é menor. Não para a gente ficar
falando durante horas sobre a mesma coisa. Ele precisa acompanhar e respeitar.
Senão, a gente fica: Não levanta, senta. Você tem que ir aos poucos, colocando
outras situações. Olha, vamos sentar todos. O que é que você tem para me
dizer? E estar aberto para ouvir. Para fazer uma brincadeira. Para aprender
uma música nova, uma história que ela quer que você conte, um vídeo que ela viu.
Até para um desabafo, porque a professora é sua companheira de todo dia e ela
estabelece essa relação”. (Entrevista / Coordenadora, 28/10/2007)
A diretora e a coordenadora pedagógica chamam atenção para a
questão da disponibilidade para o brincar. Enfatizam questões como ter
paciência e ser dinâmico para acompanhar o ritmo e as necessidades da criança
pequena. Dando continuidade, falam mais sobre as ações práticas desse
professor.
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“Qualquer produção que o aluno faça é perfeita, porque ele tentou e
deu o melhor de si... Agora, tem criança que faz qualquer de qualquer jeito e
eu acho que o professor tem que intervir.” O que você quis fazer com isso aqui,
para fazer de outra maneira?” Então, na medida em que o professor está em
contato, ele vai vendo quando a criança faz por fazer e quando ele se
esforça.”(Diretora, 27/09/2007)
“O professor serve para isso: para estar interferindo, mediando e
proporcionando essa aprendizagem. Essa é uma discussão constante, até para
você não estar bloqueando o seu aluno ou para não deixar ele muito solto. Agora
é hora de brincar. Cada um num canto. Mas, ele não está ali para mostrar como
funciona um jogo. Ele não está aproveitando aquela atividade para conversar
sobre aquilo. Pois é ali que está a aprendizagem, na interação com o outro.
Então, é um momento de você estar auxiliando, não de estar atrapalhando, mas
é... percebendo e até intermediando, se precisar, intervindo que seria a palavra
mais correta. Então, a gente tenta que o professor entenda essa sua atuação. Por
isso que ela tem que ser tão dinâmica. Pois se ela diz: Agora é hora de brincar
cada um por si e não presenciar, não participar, não interferir, na verdade, não
está acompanhando a dinâmica da turma.” (Entrevista /Coordenadora
Pedagógica, 28/09/2007)
“Não... eu acredito que seja importante a participação do professor
até nessa questão de levar. Não de dizer para eles: É isso, é aquilo, mas de
repente intermediar... para que eles possam descobrir, possam ser estimulados.
Quando vêm com um desenho que tem um bonequinho... “Mas, o que está
faltando nesse desenho? Não tem mais coisa? Não tem céu? Não tem chão?”
Sem a criança continua, mas não tem céu... Vomais ou menos direcionar para
que ele amplie aquele desenho. Essa coisa de tirar esse medo de escrever. “Não
sei”. Até pouco tempo eles faziam isso... “Não, mas eu não sei... Não mais é do
seu jeito, como é que você acha que é?” Se faltar uma letra ou outra, a gente
chega: Aqui é ma, a criança botou ma digamos, mas no ele não botou o c
então: que letra com o a faria o cá? Quando é muito próximo da palavra certa,
de uma grafia correta, a gente ainda pode levar ele a descobrir que falta uma
letrinha para o som ser exatamente daquele jeito. Quando ele está naquela fase
que ele atribui uma letra para cada sílaba, mas que naquela fase porque ele
tem aquele discernimento, a gente não fica forçando tanto”. (Entrevista /
Professora Ana, 27/09/2007)
A diretora, a coordenadora pedagógica e a professora Ana falam do
papel do adulto como mediador em diferentes momentos do dia-a-dia, inclusive,
na construção de conceitos específicos de matemática e da língua escrita.
Nestes casos, as ações mediadoras devem ser diversas, incluindo momentos
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dedicados somente à observação, deixando a criança desenvolver ações por conta
própria, e outros, de intervenção, auxiliando ou desafiando a criança a agir ou a
construir conhecimentos sobre algum objeto. A professora Ana fala do cuidado
diferenciado que tem com cada criança, respeitando seus limites, o que pôde ser
observado na prática.
Sobre os momentos de conflito ou de transgressão das crianças, Ana
complementa:
“Em relação ao comportamento, eu acho que tem momentos que você
não precisa intervir, desde que não esteja atrapalhando os outros. É até uma
forma de você observar o que é que eles estão fazendo. Agora, claro, se estiver
batendo, se estiver implicando, se estiver rabiscando o outro, a gente tem que
intervir.” (Entrevista, 27/10/2007)
A professora Maria faz um depoimento semelhante ao da professora
Ana:
“Eu também ensino que eles tem que resolver o problema deles.
Brigou com o colega tem que resolver aqui, não é ficar com aquele negócio: Oh,
mãe! O fulano fez isso, o fulano me deu língua. Vai e resolve com o fulano.
Quando também não me obedece, eu também digo: Não quero falar com você.
Também eu falo as coisas com você e você não me obedece. Não, Não, tia, não”.
Não quero falar, estou zangada. Eu falo assim: estou zangada. Eu também tenho
que observar até a fala dele, a movimentação deles com os colegas. Ajudando os
colegas. Eu observo para ver até onde vai. Se eu vir que está extrapolando o limite, eu
interfiro. Vai e conserta, pede desculpas, arruma, cata, limpa.” (Entrevista,
09/10/2007)
As professoras Ana e Maria afirmam que deixam as crianças
resolverem os seus conflitos na maior parte das vezes sozinhas, intervindo
apenas nos casos-limite, em que a criança pode atrapalhar ou machucar um
colega, ou destruir algum material. Como foi observado na prática, Ana se utiliza
de regras coletivas coladas na parede para embasar suas ações nesses momentos.
Maria, por sua vez, apresenta-se como sujeito pertencente ao grupo, que está
incomodada com a ação da criança. Seus sentimentos são apresentados em
primeiro plano, como visto em episódio que será descrito mas, na prática, isso não
a impedia de estar atenta ao cuidado devido aos colegas e aos materiais nesses
momentos de conversa com as crianças.
A professora Maria fala sobre sua relação com o tempo da aula e com
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o tempo de cada criança:
“Meu papel é o de estimular, incentivar, é de intermediar, é de mediar
essa aprendizagem. Observar. Às vezes, eles trazem uma novidade, eu falo
sobre aquela novidade. Às vezes, a gente está fazendo uma atividade e surge ali,
naquele momento, eu aproveito aquele momento. E cada um é do seu jeitinho.
Eu acho que eu tenho que respeitar, é um ser humano, sabe. Eu tenho que
acolher, motivar. Ah, eu não sei! Sabe sim! Se não souber faz de novo. A tia
está aqui. Eu interfiro quando tem briga. Quando tem jogo no chão, quando
tem livro no chão. Eu digo: Vamos parar, vai mixar. O tempo para mim não é
bem... Quando eu acabo a minha aula, eu estou tranqüila, porque eu não deixei
nada sem fazer. (Entrevista, 09/10/2007)
Esta relação com o tempo pôde ser verificada na prática, à medida que
Maria não apresentava um planejamento rígido, flexibilizando os horários de
atividades, caso não se encaixassem com o horário da merenda ou o do pátio,
postura esta que transgredia os combinados da escola.
4.3.1 - Os tipos de mediação dos adultos com as crianças pequenas
– o limite tênue entre o desafio e o direcionamento
Nesta parte do trabalho, procuramos categorizar as ações das
professoras responsáveis pelas turma A e B, levando em consideração aquilo que
era mais expressivo em suas práticas mediadoras com as crianças. O objetivo é
perceber as sutilezas que separam ações mais diretivas das mais desafiadoras,
percebendo a ambigüidade com que cada uma se apresentava no cotidiano. A
positividade e a negatividade para a formação do grupo e das crianças
individualmente serão observadas nas diferentes situações vividas por cada uma
delas. Ações mediadoras tipo informativas são aquelas em que o professor expõe
o que sabe sobre um assunto que tenha a ver com algum tema trabalhado no
momento, ou mesmo sobre algum assunto que queira dividir com as crianças.
Ações mediadoras do tipo instrutivas ou ‘siga um modelo’ seriam aquelas em que
o professor instruía como fazer algo, dando um modelo ou se oferecendo como
modelo para as crianças. Categorizei como ações mediadoras desafiadoras
aquelas que colocam a criança no centro da cena, colocam-na para pensar e para
criar possibilidades de ação. Já as ações organizadoras são aquelas em que a
professora coloca determinada ordenação nas ações e nas falas das crianças do
grupo.
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Turma A:
Uma das marcas do trabalho de Maria são as ações mediadoras do
tipo informativas, principalmente, nos momentos de roda. Durante a leitura de
uma história, muitas vezes, Maria pára e comenta a história ou explica o sentido
de palavras possivelmente desconhecidas pelas crianças. “Casebre é uma casa
pobre”. “Pajé é médico de índios, sabedor da medicina das ervas”. A história era
sobre o Boi Bumbá e Maria explica a história dos índios que viveram nas fazendas
e serviam para trabalhar apenas com os bois, não se deixando escravizar. As
crianças iniciam a atividade um pouco dispersos, conversando, olhando
eventualmente para o lado, para os colegas. Aos poucos, no entanto, os olhos vão
se fixando na professora.
Em outro momento,
(Durante uma conversa na roda, Maria pega uma folha com figuras de meios de
transporte. Mostra para as crianças e pergunta): “Qual o transporte que anda
no ar? Qual o que anda na terra?
As crianças iam falando: “Helicóptero. Avião”.
Maria: E asa delta?
Maria começa a falar do tempo em que não tinha carro e não tinha ônibus.
Maria: O príncipe D. Pedro andava de quê?
Crianças: Cavalos.
Maria: Mula. Antigamente, com as ruas cheias de pedras e buracos, as mulas
tinham mais estrutura. (13/09/2007)
Durante as conversas nas rodas, Maria se esmera nos comentários,
narrando fatos ou explicando conceitos que, muitas vezes, vão além dos temas
centrais em pauta. Nestes momentos, um clima envolvente toma conta da sala, é
atraída a atenção das crianças que olham fixamente para a professora.
Outra marca das práticas mediadoras dessa professora são as que
chamamos de instrutivas ou “siga o modelo”, quando ela participa efetivamente
de atividades musicais e jogos ensinando às crianças regras, cantorias e tons, ou
quando dança, ensinando coreografias.
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(As crianças pegaram os jogos que quiseram.)
Maria disse: Aqui é o escritório.
Na mesa do bafo
12
, nove crianças, das quais quatro sentadas.
Maria jogou junto, dizendo:
Uma menina e um menino.
Vai. Ih, não conseguiu.
Agora, um menino.
Um ponto para os meninos
Mais um ponto.
Depois, cantava para as crianças. É canja, é canja, é canja de galinha. (Fazia
festa com as crianças). (17/08/2007)
Nessas situações, a maior parte das crianças se envolve, demonstrando
prazer em participar de tais atividades. Nos momentos em que a professora não
participava diretamente, era comum ouvir as crianças reproduzindo as falas dela
para organizar uma brincadeira ou para contar uma história.
(Após a brincadeira de soldado, a professora sugere que as crianças façam
chapéus)
Maria: Olha... vocês vão fazer assim. (dobra o papel na frente deles, na mesa).
Lucio: Eu não sei.
Maria: Sabe sim. Olha, a Vivian vai te ensinar. (enquanto isso, Maria vai de
mesa em mesa dobrando.)
Maria: Agora, eu vou pegar a cola.
(Maria pega a cola e passa de mesa em mesa colando as pontas):
Oh, agora é só pintar. O chapéu do soldado é verde.
Uma criança diz: A fulana pintou de amarelo.
Maria: Ah, vai ficar feio. O chapéu do soldado é verde.
(Cada criança vai pintando o chapéu de um jeito, mas da mesma cor)
Pierre diz: Olha, ela está pintando de outra cor.
(Elaine que pintava de vermelho, depois da observação, pega o verde).
(Enquanto isso, da outra mesa, Maria diz: Marcha soldado, cabeça de papel,
quem não tiver chapéu, não vai marchar no meu quartel. Diz isso porque percebe
que Túlio não estava realizando a atividade).
Juliana diz: Olha aqui (mostrando seu chapéu).
Maria diz: Que lindo soldado, Juliana. (30/08/2007)
Essas mediações do tipo “siga o modelo” eram constantes na turma A.
Durante as atividades plásticas, Maria direcionava as ações das crianças,
escolhendo as cores, dando formas recortadas, colando os materiais nos lugares
12 Bafo era uma brincadeira inventada pela professora com um brinquedo de plástico que engolia
pequenos objetos. Cada criança batia uma vez com ele na tentativa de pegar um objeto.
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que considerava correto, muito preocupada com o resultado e menos com o
processo de criação. As crianças observavam, atentamente, e, em sua maioria,
seguiam as suas ordens. Nestes casos, ela acreditava que existia um modelo
correto e, por isso, não permitia que as crianças experimentassem outros materiais.
Nas atividades de desenho, não costumava direcionar tanto, apenas dizia sobre o
que deveria ser o desenho. Por exemplo, “vamos desenhar o papai ou vamos fazer
um desenho sobre a história”.
As ações mediadoras desafiadoras não eram uma tônica na prática
desta turma, ocorrendo, poucas vezes, durante o período de pesquisa.
Situação 1-
(Vivian, como de costume, chegou ao pátio e se sentou no banco marrom ao lado
da professora).
Maria diz: Vá brincar com a Fátima. Vai, Fátima, dê a mão para ela.
Vivian sai do lugar, timidamente, mas começa a passear de mãos dadas com
Fátima e logo já está correndo pelo pátio.(09/08/2007)
Situação 2
(Na roda, como quem vai começar a contar uma história)
Maria diz: O que é, O que é?
Muitas crianças param, entendendo o tom de brincadeira. Maria o texto do
livro fazendo tom de suspense e faz comentários: Tem que pensar para dar
resposta. Tem gente que fala sem pensar. Durante uns vinte minutos, Maria lê os
trechos do livro “O que é, O que é? Muitas crianças acertam a resposta e ficam
felizes com isso. Pablo diz: A Branca está olhando. Não pode!” (23/08/2007)
Nos episódios acima, normalmente, os desafios se configuravam nos
momentos em que perguntas eram feitas às crianças sobre algum tema
trabalhado anteriormente, quando Maria propunha uma brincadeira e ficava de
longe observando.
As mediações do tipo organizadoras são as mais presentes, o que se
pode explicar pelo fato de a professora ser a principal responsável pela dinâmica
das atividades. Estas mediações ocorriam durante os momentos da roda, os da
alimentação, os das atividades de higiene, os das atividades plásticas, enfim,
durante todos os momentos do cotidiano em que a professora julgava necessária
sua participação.
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Situação 1-
(Maria dividiu o grupo em quatro mesas. Um grupo com jogo de construção. um
com livro na cesta verde um com massinha e um com maior com seis crianças -
na produção de colagem. O único critério foi separar as seis crianças que não
haviam feito a colagem. ) Maria cortou bonecos de revista, depois perguntou:
Quem mora na sua casa?
As crianças responderam de acordo com suas realidades diferentes. Maria foi
passando cola e as crianças foram colando. Este primeiro momento durou 30
minutos.
Maria trocou as crianças de mesa.
Ela disse: Vocês querem ouvir musiquinha depois?
As crianças: Queremos.
Maria: Então, fiquem bem calminhos, que eu vou colocar a musiquinha.
(Os grupos, sem a presença da professora, trabalharam com autonomia. Maria
só pediu, de vez em quando, que não fizessem barulho). (03/05/2007)
Situação 2-
(Depois do horário do lanche algumas crianças se encaminham para a pia para
escovar os dentes. Algumas pegam as caixas de jogos e blocos e não escovam os
dentes).
Maria diz: Vou dividir. Um grupo de sete vai para dentro da casinha.
Maria diz: Não pode ser todo mundo. (23/08/2007)
Situação 3-
(Durante uma atividade plástica, Maria oferece uma folha fotocopiada para as
crianças colorirem a mula com giz de cera e colarem fogo de celofane nela).
Todas as crianças desenham o mato, fazem a colagem do fogo.
Maria diz: Agora, silêncio, acabou a bagunça. Não é para falar, é para pintar. O
grupo vai aos poucos se acalmando, silenciando e trabalhando cada um com sua
mula. Maria diz: Vamos pintar o matinho. Elaine pinta de amarelo. Maria diz:
Ih, a grama dela é amarela. Pablo diz: Eu pintei de vermelho aqui. Maria diz em
tom normal: Você pintou de vermelho a sua mula.
Quem ia acabando, entregava para a professora e ela ia guardando. As crianças
continuavam sentadas, conversando com os colegas das mesas ou ficavam em
silêncio. Maria começou a cantar baixinho com Juliana e Carolina.
Maria: Não é para vir aqui. Eu vou aí. (Só uma criança se levantou para mostrar
o trabalho a ela).
Maria, depois, foi distribuindo os bois bumbás para eles colarem a saia.
(24/08/2007)
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Como pôde ser observado nesses episódios, as atividades plásticas, em
sua maioria, eram realizadas com o grupo todo, ao mesmo tempo, porém,
materiais como cola, tesoura e papéis diversos não eram colocados à disposição
das crianças, fazendo com que Maria tivesse que ajudar uma criança de cada vez a
colar ou a recortar. Ela afirmava que a escola não lhe dava material suficiente
para uma utilização mais à vontade, o que também foi observado na turma B em
relação à massinha e às canetas hidrocores. Na falta de materiais, as professoras
usavam o próprio dinheiro ou recebiam doações dos pais.
Em muitos momentos, as crianças da turma A se dividiam em mesas
com materiais diferentes como, por exemplo, jogos, livros e brinquedos e Maria
intervinha, apenas, quando o número de crianças dentro da casinha era muito
grande ou quando ocorria algum conflito.
Turma B
As mediações do tipo informativas não eram constantes na turma B.
Elas ocorriam, poucas vezes, como pode ser visto no episódio abaixo, sendo mais
limitadas aos temas planejados pela professora.
(Em roda)
Ana pergunta: O que tem na praia?
Crianças: Areia, água, céu, tem as ondas.
Ana: Vamos fazer a calçada. E continua falando: Depois da calçada, vêm a
areia, o mar e o céu. (mostrando o lugar de cada coisa no papel). (04/05/2007)
Os momentos da roda eram mais dedicados a atividades como
chamadas com fichas de nome, calendário e a hora da novidade, trazida pelas
crianças. Presenciei algumas conversas sobre situações do cotidiano da turma ou
sobre alguma situação do tipo presente que havia sido dado aos pais, porém eram
raras histórias e/ou informações variadas trazidas pela professora.
Identifiquei algumas mediações do tipo instrutivas ou “siga o
modelo” na turma B, mas de modo diferente das mediações da professora da
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turma A. Eram mais constantes durante as atividades de letramento, quando a
professora dava instruções para as crianças realizarem atividades em folhas
fotocopiadas, como veremos a seguir:
(Grupos de quatro crianças em cada mesa com canetinhas, giz de cera e uma
folha xerocada).
Na folha, três pedidos: O primeiro : escreva seu nome. ( dispostos um quadrado
para cada letra). O segundo: pintar os quadradinhos de acordo com o número de
letras. E o terceiro: escrever o nome de forma corrente dentro de um retângulo
grande.
O procedimento adotado pela professora foi o seguinte:
Levantou-se e, de frente para a turma, deu explicações sobre as três ações que
deveriam realizar no trabalho. (Calmamente, convocou todos a olharem para ela.
Quando começou a falar, alguns ainda conversavam nas mesas, mas,
rapidamente, se calaram e prestaram atenção).
Algumas (duas ou três) crianças se levantaram e pediram mais explicação. Ana
percebeu que precisaria explicar uma parte de cada vez. Então, disse: Vou
explicar aos poucos.
Foi até às mesas, em pé, explicando a quem dizia ter dúvidas ou a quem estava
fazendo diferente do que havia pedido. (Com o dedo no papel) É para contar as
letras e depois pintar os quadrados.
No caso do erro, ela apontava. Explicava objetivamente o que deveria ter sido
feito, mas não demonstrava nenhum sentimento de insatisfação. Você pintou
quadradinhos demais. Vamos contar aqui. E não brigava. (11/04/2007)
Um outro tipo de modelo muito utilizado por Ana é a própria
organização da rotina:
(Durante a exibição de um filme, a professora tentou conversar com as crianças
para pararem de conversar, mas não adiantava. Depois de alguns instantes,
voltavam a conversar uns com os outros.Então, ela falou mais seriamente, em
tom de reclamação. Alguns se concentraram, outros não. Ela insistiu por um
bom tempo.)
Disse ela, à pesquisadora: Eu até poderia fazer outra coisa, mas eles vão
começar a fazer isso sempre. (11/04/2007)
Nesta situação, como em muitas outras, a professora se utiliza do
modelo de rotina criado por ela mesma para ajudar as crianças a se organizarem.
Por outro lado, observei que Ana estava atenta ao grupo e, ao longo do ano, fez
modificações no horário do pátio para atender à demanda de um horário de pátio
mais longo. Uma marca da positividade desta ação de Ana foi constatada no
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modo como as crianças se organizavam na roda, nas atividades diversificadas
13
e
no pátio sem que a professora precisasse orientá-los o tempo inteiro em cada uma
delas. Maria Lucia Barbosa (2006) fala sobre as ambigüidades com que o tema da
rotina vem se apresentando no cenário da Educação, afastando o que seria um
olhar simplista sobre o tema, visto habitualmente apenas por seus aspectos
negativos.
Voltando a análise desta categoria, as atividades em que a professora
poderia ser modelo para as crianças, como os momentos das brincadeiras, são
raras, o que não impede que as crianças brinquem muito. Nas atividades plásticas,
a professora muitas fotocópias com formas prontas, mas também são comuns
os desenhos em que não há interferência.
As ações mediadoras do tipo desafiadoras são muito presentes nesta
turma, principalmente, no que diz respeito aos momentos de conflito entre as
crianças. Vejamos:
(No pátio, as crianças estão brincando)
Luis Carlos diz: Tia, o Marcos me bateu.
Profª Ana responde: Chama ele aqui.
Quando ele atende, Ana, com calma e em tom baixo, olha nos seus olhos e diz:
Vocês não são amigos? Pede desculpas.
Ele pede desculpas e sorri. (11/04/2007)
A professora Ana age como aquela que coloca a criança para pensar,
solucionar, não superestimando nem subestimando o valor das situações de
agressão. Incentiva para que as crianças resolvam sozinhas as questões com os
colegas. Estas atitudes garantiam um clima de tranqüilidade ao grupo que,
dificilmente, se envolvia em brigas ou agressões.
Outras ações desafiadoras acontecem durante a organização de
alguma atividade ou na construção de algum conceito, como nos episódios a
seguir:
Situação 1 -
(Durante a exibição de um filme as crianças saíram de seus lugares, deitaram no
chão, voltaram para o lugar. Uns ficaram deitados de baixo da cadeira e uma
criança “denunciou” para a professora. Ana disse: Pode ficar, não está
atrapalhando ninguém.
(04/ 05/ 2007)
13 Chamo, assim, os momentos em que as crianças organizadas em grupos que utilizam
materiais variados.
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Situação 2 -
Ana fez a roda para distribuir as produções do mês para as crianças levarem
para casa. Chamou duas crianças para pegarem as pastas e distribuírem. Elas
conseguiram distribuir sem que a professora precisasse ajudar. As crianças não
se agitaram, naquele momento. Com a roda bem aberta, Ana escolheu Jorge e
Cayan para ajudá-la a distribuir as produções. Isto agilizou o processo e tudo foi
distribuído sem grandes problemas. (18/05/2007)
Situação 3 -
Amanda pergunta: “Qual é o seu nome?”
Eu respondo: “O meu nome?” E respondo: “Tatiana”.
Amanda: “Ela não está no alfabeto”.
Ana: “E onde é que ela entra? (Referindo-se ao espaço da letra no painel do
alfabeto).
Amanda: “No Tá.”
Ana: “Mas qual é a letra?”
Amanda: “T”(14/05/2007)
Situação 4 -
(Durante uma atividade de escrita do nome)
Ana diz: “Você pintou quadradinhos demais. Vamos contar aqui”.
A criança conta e desta vez acerta. (11/04/2007)
Situação 5 -
(Na roda, a atividade de chamada.)
Cada um pegou um nome e escondeu. Então, um de cada vez entregava o nome
ao colega.
Após todos falarem o nome que haviam pego, Ana escolheu três crianças p/
contar: Primeiro, os meninos, depois as meninas e por último todos. (11/06/07)
Ana costumava fazer muitas mediações desafiadoras em relação aos
conceitos matemáticos e à leitura e a escrita. Fazia perguntas objetivas sobre
determinadas situações e, dificilmente, dava respostas prontas para as crianças.
Um dos momentos em que Ana agia mais constantemente como
organizadora era durante as rodas de conversa, como nos dois episódios a seguir:
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Situação 1 -
Girlene: Meu padrinho mora aqui pertinho.
Marcos: Meu pai pintou minha bicicleta?
Ana: De que cor?
Marcos: Uma cor que eu não sei.
Marília: A minha cama é a de cima e a da Ana Clara é a de baixo.
Ana pergunta: Qual os nomes dos seus irmãos? (14/05/2007)
Situação 2 -
Na roda, crianças e professora cantam a música da novidade. Cada um conta a
sua novidade.
No início, estavam um pouco desanimados, mas logo se animaram.
Quando um colega falava junto, Ana dizia: Agora eu vou ouvir... o Lucas...
(Chamava atenção uma só vez).
No final as crianças começaram a falar juntos. Ana disse: Eu não vou deixar
mais algumas crianças falarem primeiro, porque depois não escutam os amigos.
(11/06/2007)
Ana procura garantir o espaço para cada criança expressar suas idéias
e saberes, também, em atividades como a chamada e brincadeiras com os nomes.
Nestes momentos utiliza bastante a música como um instrumento organizador:
(Na roda, a professora começa a cantar uma música que diz os nomes de todos.
Alguns parecem ficar envergonhados ao ouvirem seus nomes, mas demonstram
alegria, sorrindo e fazendo “Caras e bocas”. “Bom dia Cayan, bom dia Girlene,
bom dia Thayran, e cante esta canção paran, paran, paran. (A música imita o
som e o movimento de uma guitarra, que as crianças repetem com alegria).
(14/05/2007)
Outras situações em que ações organizadoras é durante as
atividades nas mesas em que separa um número equivalente de meninos e de
meninas e, durante outras, quando escolhe os materiais que vão para cada grupo e
como serão utilizados:
Durante a atividade de pintura Ana diz: Não, é um pincel para cada criança, é
um pincel para cada pote de tinta. (Ela não dá nenhuma outra instrução. Não faz
nenhuma outra mediação)
Em um momento diz: Se continuar misturando a tinta vou ter que acabar com a
pintura.
(11/06/2007)
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O desafio de selecionar um conjunto de episódios com as ações
mediadoras de adultos e crianças, se tornou mais fácil na medida em que assumi o
objetivo de apresentar a complexidade que é flagrante no cotidiano das relações
de um grupo de sujeitos únicos e diferentes. Traços de positividade e
negatividade acompanham cada ação que, a meu ver, constituem toda e qualquer
relação humana. Por outro lado, como é o papel do campo da pesquisa apontar
possibilidades de reflexão e crescimento, finalizo esta dissertação com algumas
considerações que não são finais, na medida em que são questões que
permanecem em aberto para uma retomada do diálogo com os sujeitos
participantes da pesquisa e com o campo da pesquisa como um todo.
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5. Considerações Finais
“No fim, realizada a viagem do mais complexo (ainda abstrato)
ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais
complexo (já concreto) a expressão
(...)passa a ter um conteúdo bem determinado. (...) é a unidade
na diversidade”.
(Konder 2007, p. 45)
Neste momento, após me dedicar ao conhecimento das partes que
compõem as relações as crianças pequenas, os adultos, os signos e a
escola/instituição – me volto para o que é mais complexo e desafiador neste
trabalho: compreender as mediações semiótico/pedagógicas desses sujeitos.
Lanço mão da sabedoria de Konder (2007) que ensina que após conhecer o
“recheio”, as partes, o todo de um conceito, ele deixa de ser abstrato e ganha
concretude, tornando-se único na diversidade. Daí, podemos (re)conhecer como
concretas e únicas as mediações de adultos e crianças apresentadas neste trabalho,
se considerarmos que falamos sobre sujeitos únicos, marcados por experiências
sociais diversas que compõem as suas histórias de vida.
Como o tulo deste trabalho prenuncia e as observações da prática
comprovaram, tanto os adultos quanto as crianças são sujeitos mediadores da
educação infantil por fazerem uso de signos construídos ou assimilados fora e
dentro do espaço escolar. Com eles se relacionam no dia-a-dia, interferindo e
transformando as ações de outras crianças e de adultos também, em movimento
permanente, moto-contínuo, em exercício vigoroso de transformação. Ampliar o
conceito de mediação semiótica para o de mediação semiótico / pedagógica não
foi uma opção, mas uma necessidade imposta à pesquisa, visto que um leque
de ações de crianças junto a outras crianças e de adultos junto a outras crianças,
repletas de signos e intenções de aprender e de ensinar, que vão muito além das
mediações na formação de conceitos e das outras mediações estudadas por
Vigotski. Alguns olhares sobre esses tipos de mediação na construção de
conceitos em turmas de crianças maiores podem ser encontrados nos trabalhos de
Fontana (2001) e de Oliveira (2001), mas como o alvo do presente trabalho era as
crianças da educação infantil, optei por um olhar mais amplo sobre as mediações.
Uma escola de ensino fundamental que abrigue turmas de educação
infantil está constituída por signos postos antes mesmo da entrada da criança:
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regras, normas e rituais que, no caso da pesquisa, são pouco modificados após a
chegada dela. Isto foi levantado pela diretora como uma questão irremediável,
pois, segundo ela, mesmo no caso das escolas mais flexíveis, o sofrimento é
inerente à entrada da criança na escola. Os horários rígidos de merenda e lanche,
requisito da rotina de uma escola com mais de duzentos alunos por turno, nem
sempre podem ser conciliados com necessidades das crianças pequenas e de suas
professoras, como pôde ser observado tanto na turma A quanto na turma B. Deixo
uma questão sem resposta: dentro da realidade de uma escola com tantas crianças,
são possíveis horários e regras mais flexíveis para atender às necessidades
específicas das professoras e das crianças?
Outra questão, é a escola contar com uma única coordenadora
pedagógica para a formação de dezesseis professoras e 408 alunos. Ela afirma que
trabalha com os temas mais gerais da educação, utilizando poucas vezes, por falta
de tempo, o material da Multieducação e dos RFCNei disponíveis nos centros de
estudos. Duas horas quinzenais são as únicas que as professoras têm, sem as
crianças, para planejamento, avaliação, organização de eventos e estudo. A
coordenadora finaliza a questão dizendo que tenta conversar com as professoras
sobre questões do cotidiano das turmas, aproveitando as “brechas”, muitas vezes,
no corredor, pois não tempo para conversas individuais. Durante as
observações, percebi que a coordenadora pedagógica estava sempre caminhando
pela escola, conversando com as professoras e organizando atividades coletivas,
porém, este trabalho era dificultado pelas freqüentes substituições de professor
que ela, assim como a diretora adjunta e a professora de sala de leitura, fazia nos
casos de professores saírem de licença. Estas substituições tinham por objetivo
não deixar nenhuma turma voltar para casa sem aula nem distribuir crianças em
outras salas, o que deixaria as turmas com superlotação. Esta falta de estrutura
pessoal, comum a outras escolas da rede, me levam a concluir que os adultos que
trabalham com as crianças pequenas ficam muito sozinhos em suas salas, com
suas dúvidas e questões, e que o crescimento do trabalho das escolas de ensino
fundamental com turmas de educação infantil depende de algumas modificações
na estrutura do sistema/escola, como garantia de maior tempo para o centro de
estudos, o que possibilitaria momentos de troca específicos sobre a educação dos
pequenos. Também seria ideal contar com um professor substituto por escola para
os casos de um professor adoecer ou ser encaminhado para algum curso.
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Outra questão que merece ser repensada é o estabelecimento de um
tema único, chamado de projeto, para toda a escola. Isto se torna positivo na
medida em que garante um trabalho coletivo de toda a escola e momentos de troca
entre as dezesseis turmas Por outro lado, é negativo à medida que as professoras
deixam de atentar para outras questões pulsantes que emergem durante o convívio
diário, como, por exemplo, o tema das diferenças étnico/raciais que surgiu e foi
abordado de forma aligeirada por Ana, ou o tema da dramatização, que poderia
virar um projeto à imagem e semelhança da turma da professora Maria. Esta
diversidade das turmas e das crianças acaba por não ter espaço durante a
realização de um projeto central da escola.
Em relação à diversidade, constatei que os livros adotados pelas
professoras traziam signos variados de tipos de famílias, características humanas
diferentes, assim como temas sociais como a solidariedade e a compaixão. Por
outro lado, como sugere Canen (2001), estes temas não eram aproximados às
experiências da turma, que possuíam crianças bastante diferentes, vindas de
famílias com formações variadas. O trabalho sobre identidade aparecia no mural
de cada turma com exposição de fotos das crianças em família, e na maneira com
que as crianças eram nomeadas pelas professoras. A professora Maria inventava
apelidos a partir dos sobrenomes, dos nomes ou das características de cada criança
e as chamava assim durante todo o dia, excluindo os momentos de chamada ou
quando escrevia seus nomes nas produções plásticas.
Nas ações das crianças, alguns signos como a morte, o namoro, ser
grande e ser pequeno se evidenciavam e temas diferenciados surgiam durante as
brincadeiras. Todavia, na maioria das vezes, não viravam tema de trabalho nem
assunto das rodas de conversa, nem ganhavam espaço nas produções plásticas e
nos murais. Como propõe Guimarães (2004), uma brincadeira de salão de beleza
vivida pelas crianças pode virar tema para um projeto de trabalho da turma.
Outra marca observada nas ações das crianças é a busca pelo
agrupamento, imitando outras crianças durante as brincadeiras ou durante a
realização de um desenho, ou se divertindo em transgredir algum combinado do
grupo. Em outras ocasiões, alguns tentam se destacar como diferentes em
atividade em grupo como, por exemplo, nas festividades ou nos ensaios e em
atividades do cotidiano como a roda. A fantasia está presente em quase todos os
momentos. Soltam a imaginação nas rodas ou enquanto guardam seus trabalhos
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nas pastas; no pátio ou enquanto se equilibram nas linhas do piso do corredor;
durante as atividades plásticas ou quando vivenciam os personagens de uma
história. Barbosa (2004) afirma que mesmo com uma rotina demarcada por
atividades direcionadas pelos adultos, as crianças brincam e brincam quase todo o
tempo.
Em relação aos signos trazidos pelas professoras, chamou atenção, por
exemplo, as questões de religiosidade da professora Maria para que, segundo ela
não era dado espaço de discussão junto à direção. Outros signos foram
observados nos traços de escolarização da professora Ana porque, na visão da
escola, isso era necessário a uma turma que antecede a da alfabetização. A meu
ver, estes temas precisam ser pensados e discutidos no coletivo dos professores e,
posteriormente, com as famílias dos alunos, para que se escolha a melhor forma
de trabalhá-los - ou não - no espaço institucional.
A partir da análise das entrevistas e das mediações das crianças e dos
adultos da pesquisa, foi possível fazer algumas inferências já apresentadas e
aprofundadas no terceiro capítulo e que serão sintetizadas aqui:
As professoras entendem que são mediadoras, mas consideram que estão
mediando apenas quando fazem uma intervenção nas atividades ou em alguma
situação, desconsiderando os outros tipos de mediação.
Consideram que a criança pequena tem as suas especificidades e um modo de
conhecer o mundo diferenciado do modo adulto, principalmente, pela
ludicidade.
As professoras incentivam as mediações das crianças, principalmente, nos
momentos de resolução de conflitos e durante as produções plásticas.
As crianças medeiam as ações de crianças e adultos, utilizando-se de falas e de
modelos apreendidos na relação com o adulto mas também, através de seu
modo peculiar de ver e agir na relação com o mundo.
A professora Maria realiza muitas atividades informativas durante as rodas. As
mediações organizadoras ocorrem, principalmente, na preparação das
brincadeiras e nas atividades das mesas. As mediações do tipo “siga o
modelo” têm positividade quando ocorrem nos momentos em que brinca,
canta e dança com as crianças. A negatividade fica por conta de quando ela
oferece modelos prontos nas atividades plásticas. As atividades desafiadoras
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são pouco presentes, ocorrendo nos momentos em que faz perguntas sobre um
tema trabalhado anteriormente.
A professora Ana realiza poucas mediações informativas. As mediações
organizadoras ocorrem, principalmente, nos momentos de roda, quando se
empenha para que todos possam falar e, também, quando organiza as mesas
para o trabalho diversificado. Suas ações mediadoras desafiadoras ocorrem
nos momentos de conflito e também quando trabalha com escrita e
matemática. Suas ações instrutivas ou “siga o modelo” ocorrem com
freqüência quando ensina às crianças realizar uma atividade numa folha
fotocopiada.
Apesar das diferenças apontadas nas ações das professoras, as crianças
das duas turmas, no geral, se envolviam com as propostas apresentadas e
demonstravam felicidade em estar no ambiente escolar. Durante o período de
observação, foram poucos os momentos de brigas entre as crianças, que agiam
com autonomia dentro da sala de aula. Também foram raros os momentos de
elevação de voz por parte das professoras, o que proporcionava um clima ameno e
tranqüilo, comum às duas turmas. As diferenças entre os trabalhos das
professoras, porém, geraram alguns desentendimentos ou dúvidas por parte dos
pais e da direção. Estas questões não foram abordadas por conta do limite do
trabalho e para não desviar o foco do principal que era as relações entre as
crianças e as professoras. No entanto, acredito que as diferenças de concepções
dentro da escola precisam vir a ser tema de um debate futuro, não a fim de
evitar dúvidas e/ou comparações por parte das famílias como, principalmente
para, aumentar a possibilidade de crescimento do trabalho do grupo.
Para finalizar, saliento os possíveis problemas de aproximações mais
“forçadas” ou pouco elaboradas entre a teoria e a prática, pois, mesmo
acreditando que a teoria deve - e pode ser - utilizada para iluminar e compreender
as práticas educativas, é de fundamental importância não se perder de vista as
singularidades e especificidades existentes entre o campo da pesquisa e o
cotidiano escolar. Nesta dissertação, busquei o diálogo entre os dois campos,
acreditando que o tema da mediação, tanto na educação infantil quanto na
educação em geral, ainda tem um longo caminho a percorrer.
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Depois de todo esse tempo de observação, do convívio diário na
escola, das ricas conversas com crianças e professoras, de todas as entrevistas
realizadas, de todas as leituras feitas, das muitas gravações e anotações no
caderno de campo, concluo que essa aproximação entre teoria e cotidiano escolar
pode render bons frutos, sim, e que essa harmonia é possível. As mediações
semiótico/pedagógicas estão em diferentes espaços e tempos da escola e
podem ser compreendidas e vivenciadas na perspectiva dos sujeitos únicos. É
preciso ter consciência disso e convergir todos os interesses em torno da criança
pequena: atenção, carinho, respeito aos seus saberes e a suas necessidades são
sentimentos que devem ser professados por todos os sujeitos envolvidos com a
educação dela. Esta medida é que revela maior ou menor positividade das ações
dos adultos e que podem contribuir efetivamente para que nossas crianças, quando
adultos, se tornem grandes.
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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resistência” nas dobras do processo de socialização. Trabalho apresentado na Anped,
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133
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_____________La Imaginacion y el arte em la infância. México: Hispanicas, 1987.
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134
ANEXO
Gráfico1
1
Fonte: Instituto Pereira Passos
Tabela 1
Fonte: Instituto Pereira Passos
1
Disponível em: www.rio.rj.gov.br/ippp
Ano
Turmas Alunos
Número Número
1992
814
-
19 153
- -
24
1993
831 2,1 21 311 11,3 11,3 26
1994
970 16,7 23 575 10,6 23,1 24
1995
1 222 26,0 29 392 24,7 53,5 24
1996
1 511 23,6 36 112 22,9 88,5 24
1997
1 884 24,7 45 998 27,4 140,2 24
1998
2 114 12,2 51 833 12,7 170,6 25
1999
2 275 7,6 56 267 8,6 193,8 25
2000
2 913 28,0 71 868 27,7 275,2 25
2001
3 060 5,0 75 034 4,4 291,8 25
2002
3 423 11,9 83 945 11,9 338,3 25
2003
3 717 8,6 92 193 9,8 381,4 25
2004
3 871 4,1 95 672 3,8 399,5 25
2005
4 064 5,0 99 797 4,3 421,1 25
2006
3 919 -3,6 95 024 -4,8 396,1 24
2007
3 819 -2,55 92 246 -2,92 381,63 24
Tabela 1189 - crescimento percentual anual, crescimento acumulado e relação aluno/turma - 1992 / 2007
Relação
aluno/turma
Crescimento
%
Crescimento
%
Crescimento
acumulado (%)
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135
Tabela 2
2
2
Disponível em: www.rio.rj.gov.br/ippp
as Coordenações Regionais de Educação - 2004.
SME (1) NAC (3)
Total 97 8 534 25 1 708 136 9 423
4 260 2 177 14 928
13 1 101 12 686 41 2 827
6 550 1 96 12 849
11 944 4 277 22 1 841
5 466 - - 6 350
9 710 2 113 8 502
11 837 - - 14 1 065
6 447 3 224 7 350
5 508 - - 5 244
10º 27 2 711 1 135 7 467
Fonte : Matrícula do Censo Escolar de 2004 / Secretaria Municipal de Educação - SME.
Notas:
1)Dados referentes às creches conveniadas com a Secretaria Municipal de Educação (SME).
2) Dados referentes às creches conveniadas com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), e que recebem apoio nutricional.
3)cleo de Atendimento à Criança (NAC) - faz parte as creches comunitárias ainda em processo de
adaptação às ex igências de funcionamento. Ligado à SMAS.
Tabela 1744 - Educação Infantil - Número de creches conveniadas, segundo
Coordenação
Regional de
Educão
Total de
alunos
SMAS
Nutricional (2)
Total de
alunos
Total de
alunos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610389/CA
136
Tabela 3
3
-
3
Disponível em: www.rio.rj.gov.br/ippp
Coordenações Regionais de Educação - 2005.
SME (1) Total de alunos Total de alunos NAC (3) Total de alunos
Total 165 13 836 8 433 46 2 968
4 462 2 130 3 203
37 2 954 5 243 16 1 033
16 1 358 - - 2 130
23 1 952 - - 3 231
8 642 - - 2 61
12 868 - - 6 350
14 1 200 - - 6 466
11 761 1 60 4 225
7 524 - - 2 144
10º 33 3 115 - - 2 125
Fonte : Matrícula do Censo Escolar de 2005 / Secretaria Municipal de Educação - SME.
Notas:
1)Dados referentes às creches conveniadas com a Secretaria Municipal de Educação (SME).
2) Dados referentes às creches conveniadas com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), e que recebem apoio nutricional.
3)cleo de Atendimento à Criança (NAC) - faz parte as creches comunitárias ainda em processo de adaptação às ex igências de funcionamento. Ligado à SMAS.
Tabela 1744 - Educação Infantil - Número de creches conveniadas, segundo as
Coordenação
Regional de
Educão
SMAS
Nutricional (2)
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137
QUADRO 1 - Número de turmas e alunos da escola
TURMA TURNO TOTAL DE
ALUNOS
Nº DE MENINAS
Nº DE MENINOS
EI-20 Manhã 24 12 12
EI-21 Tarde 22 8 14
EI-10 Manhã 25 11 14
EI-11 Tarde 25 16 9
1101 Manhã 19 10 9
1102 Tarde 23 8 15
1103 Manhã 19 9 10
1201 Manhã 24 14 10
1202 Tarde 24 14 10
1203 Tarde 24 16 08
1301 Manhã 33 12 21
1302 Tarde 33 15 18
1401 Manhã 29 18 11
1402 Tarde 29 14 15
1501 Manhã 29 16 13
1502 Tarde 26 12 14
-------------------
-----------
-------------------
-----------
-------------------
-----------
------------------------
------
------------------------
------
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138
QUADRO 2 – Escolaridade e profissão /ocupação das famílias da turma A:
ALUNOS PROFISSÃO PAI ESCOLARIDAD
E PAI
PROFISSÃO MÃE ESCOLARIDAD
E MÃE
RELIGIÃO
ARIEL MENSAGEIRO 2º GRAU DO LAR 2º GRAU EVANGÉLICA
BRANCA TAXISTA 2º GRAU DO LAR SUPERIOR CATÓLICA
ELAINE -------------------- ------------------- TELEMART GRAU CRISTÃ UNIVERSAL
BELA VIGIA
GRAU
INCOMPLETO
ACOMPANHANTE
GRAU
INCOMPLETO
CATÓLICA
DIEGO CARPINTEIRO
GRAU
INCOMPLETO
DO LAR 2º GRAU CATÓLICA
LÚCIO MOTORISTA
PARTICULAR
1º GRAU PROFESSORA SUPERIOR CATÓLICA
DOUGLAS -----------------------
GRAU
INCOMPLETO
COMÉRCIO 2º GRAU CATÓLICA
FATIMA AUX. SERVIÇOS GERAIS
1º GRAU DOMÉSTICA 1º GRAU CATÓLICA
CAROLINA VIGIA 1º GRAU DOMÉSTICA 1º GRAU CATÓLICA
JANAÍNA LANTERNEIRO GRAU DOMÉSTICA GRAU CALICA
ÍRIS ------------------------ SUPERIOR
CURSANDO
CORRETORA DE SEGUROS GRAfU CATÓLICA
JOANA AUX. SERVIÇOS GERAIS
1º GRAU DO LAR 1º GRAU CATÓLICA
JULIANA PEDREIRO 1º GRAU AUX. DE ESTOQUE 1º GRAU CATÓLICA
MARA DESEMPREGADO 2º GRAU DEMONSTRADORA GRAU CALICA
NELSON ESTOQUISTA 2º GRAU BABÁ SUPERIOR MESSIÂNICA
PIERRE LAVADOR DE CARRO
GRAU
INCOMPLETO
DOMÉSTICA
GRAU
INCOMPLETO
CATÓLICA
PABLO AUX. ESCRITÓRIO GRAU PROFESSORA 2º GRAU ----------------------
PAULO
RICARDO
------------------------ ---------------------
-
MANICURE 1º GRAU EVANGÉLICA
ASSEMBLÉIA DE
DEUS
YGOR VIGIA ---------------------
-
DOMÉSTICA
GRAU
INCOMPLETO
CATÓLICA
RAFAEL MOTORISTA 1º GRAU DO LAR 1º GRAU CATÓLICA
TÚLIO DEPOSISTA GRAU DO LAR 1º GRAU CALICA
ROBSON FAXINEIRO ANALFABETO
BABÁ
GRAU
INCOMPLETO
CATÓLICA
VIVIAN PORTEIRO 1º GRAU DO LAR 1º GRAU CATÓLICA
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139
QUADRO 3 – Escolaridade e profissão /ocupação das famílias da turma B:
ALUNOS PROFISSÃO PAI ESCOLARIDADE
PAI
PROFISSÃO MÃE ESCOLARIDADE MÃE RELIGIÃO
ANA JULIA MAQUINISTA 2º GRAU RECEPCIONISTA 2º GRAU CALICA
AMANDA BOMBEIRO
MILITAR
SUPERIOR ESTILISTA 2º GRAU EVANGÉLICA
ANDRÉA PORTEIRO GRAU
INCOMPLETO
DOMÉSTICA GRAU
INCOMPLETO
CATÓLICA
BRENDA TERAPEUTA 2º GRAU DIGITADORA 2º GRAU CALICA
BRENO PRESTAÇÃO
SERVIÇO
SUPERIOR ADVOGADA SUPEROR CATÓLICA
CAYAN ------------------------ ------------------------ ZOOTECNISTA SUPERIOR EVANGÉLICA
DENÍLSON AUTÔNOMO 1º GRAU VENDEDORA 2º GRAU CATÓLICA
DÊNIS BALCONISTA 1º GRAU DOMÉSTICA 1º GRAU CATÓLICA
GIRLENE TÉC. TELEFONIA 2º GRAU PROFESSORA GRAU CALICA
IANCA AUX. SERVIÇOS
GERAIS
1º GRAU --------------------- --------------------- CATÓLICA
JORGE ------------------------ 2º GRAU TELEMAR SUPERIOR CALICA
JAIR MOTORISTA
ÔNIBUS
2º GRAU COSTUREIRA 1º GRAU CATÓLICA
LAÍS PORTEIRO GRAU
INCOMPLETO
COSTUREIRA GRAU
INCOMPLETO
CATÓLICA
LUIS
CARLOS
VENDEDOR 2º GRAU VENDEDORA SUPERIOR ESPÍRITA
LUIS ------------------------ 1º GRAU DOMÉSTICA 1º GRAU CALICA
LAILA TÉCNICO DE
CONTABILIDADE
2º GRAU CONTADORA SUPERIOR CATÓLICA
MARÍLIA ------------------------ ------------------------ DO LAR 1º GRAU CATÓLICA
MARLON DEPOSISTA 1º GRAU DO LAR 1º GRAU CATÓLICA
MARCOS MEC DE
REFRIGERAÇÃO
1º GRAU ----------------------- ------------------------ CATÓLICA
THAYRAN PORTEIRO 1º GRAU DOMÉSTICA 1º GRAU CALICA
RICARDO FAXINEIRO 1º GRAU LAR 1º GRAU ---------------------
TÂNIA ------------------------ ----------------------- LAR 2º GRAU ---------------------
NATASHA BALCONISTA 1º GRAU DOMÉSTICA 1º GRAU CATÓLICA
TÚLIO VENDEDOR 2º GRAU TEC.
ENFERMEIRA
2º GRAU CATÓLICA
RUAN ------------------------ ------------------------ DO LAR 1º GRAU ----------------------
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