263
FIGURA 71 – O segundo quadro refere-se aos Estigmas ou Chagas e
apresenta São Francisco, ajoelhado diante da cruz de onde emanam
representações de raios na cor vermelha, que incidem sobre seus pés, mãos e
coração, lembrando ao observador o momento em que as chagas de Cristo foram
impressas. Esse episódio é importantíssimo para os franciscanos,
319
porque
apresenta seu fundador como o Alter-Christus, ou seja, um outro Cristo, e tem
como fonte literária a seguinte narrativa:
Legenda Menor de São Boaventura. Capítulo 6-Estigmas[...] 1. Francisco
era um fiel servidor de Cristo. Dois anos antes de sua morte, havendo
iniciado um retiro de Quaresma em honra de São Miguel num monte muito
alto chamado Alverne, sentiu com maior abundância do que nunca a
suavidade da contemplação celeste, o ardor dos desejos sobrenaturais e a
profusão das graças divinas. Transportado até Deus num fogo de amor ser
fico, e transformado pelos arroubos de uma profunda compaixão naquele
que, em seus extremos de amor, quis ser crucificado, orava certa manhã
numa das partes do monte. Aproximava-se a festa da Exaltação da Santa
Cruz, quando ele viu descer do alto do céu, dir-se-ia, um serafim de seis
asas flamejantes, o qual, num rápido vôo, chegou perto do lugar onde
estava o homem de Deus. O personagem apareceu-lhe não apenas
munido de asas, mas também crucificado, mãos e pés estendidos e. atado
a uma cruz. Duas asas elevavam-se por cima de sua cabeça, duas outras
estavam abertas para o vôo, e as duas últimas cobriam-lhe o corpo.
2. Tal aparição deixou Francisco mergulhado num profundo êxtase,
enquanto em sua alma se mesclavam a tristeza e a alegria: uma alegria
transbordante ao contemplar a Cristo que se lhe manifestava de uma
maneira tão milagrosa e familiar, mas ao mesmo tempo uma dor imensa,
pois a visão da cruz traspassava sua alma com uma espada de dor e de
compaixão . Aquele que assim externamente aparecia o iluminava também
internamente. Francisco compreendeu então que os sofrimentos da paixão
de modo algum podem atingir um serafim que é um espírito imortal. Mas
essa visão lhe fora concedida para lhe ensinar que não era o martírio do
corpo, mas o amor a incendiar sua alma que deveria transformá-lo,
tornando-o semelhante a Jesus crucificado. Após uma conversação
familiar, que nunca foi revelada aos outros, desapareceu aquela visão ,
deixando-lhe o coração inflamado de um ardor ser fico e imprimindo-lhe na
carne a semelhança externa com o Crucificado, como a marca de um
sinete deixado na cera que o calor do fogo fez derreter.
3. Logo começaram, com efeito, a aparecer em suas mãos e pés as
marcas dos cravos. Via-se a cabeça desses cravos na palma da mão e no
dorso dos pés; a ponta saía do outro lado. A cabeça era redonda e escura;
a ponta, bastante longa, achatada e recurva, surgia no meio de um
inchaço de carne por cima da pele. Por baixo dos pés, a ponta torcida dos
cravos era tão saliente que o impedia de apoiar a planta dos pés no chão e
facilmente se poderia fazer entrar um dedo da mão no arco de circulo que
ela formava ao se curvar. Fui informado disso por pessoas que viram os
319
O tema que se refere aos Estigmas ou Chagas de São Francisco está igualmente pintado no
coro da Igreja da Luz, embora resolvido com iconografia diferente.