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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO /MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E
HISTÓRIA DA ARTE
A PINTURA FRANCISCANA DOS SÉCULOS XVIII E XIX
NA CIDADE DE SÃO PAULO: FONTES E MENTALIDADE
Maria Lucia Bighetti Fioravanti
Orientador: Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini
São Paulo
2007
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2
MARIA LUCIA BIGHETTI FIORAVANTI
A PINTURA FRANCISCANA DOS SÉCULOS XVIII E XIX
NA CIDADE DE SÃO PAULO: FONTES E MENTALIDADE
Dissertação apresentada à Universidade
de São Paulo como requisito para
obtenção do título de Mestre em Estética
e História da Arte.
Orientador: Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini
SÃO PAULO
2007
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3
Assinaturas dos membros da Comissão Julgadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
Data ____/____/____
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
À Profª Drª Daisy do Valle Machado Peccinini.
Ao Prof. Dr. Paulo César Garcez Marins.
Ao Prof. Dr. Percival Tirapeli.
À Profª Drª Elza Ajzemberg, coordenadora do Programa de Pós-Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo.
À Neusa Brandão, Analista Acadêmica do Programa de Pós- Graduação
Interunidades em Estética e História da Arte. MAC / USP.
A todos os professores e colegas do Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Estética e História da Arte. MAC / USP.
Aos amigos.
Ao amigo Renato Rezende
À Madre Eliana Cristina, Superiora do Mosteiro da Luz.
Ao Padre Celso Pedro da Silva, Capelão do Mosteiro da Luz.
À Irmã Claudia Hodecker, do Arquivo do Mosteiro da Luz.
Ao Sr. João Azarias de Sobral, Ministro da Venerável Ordem Terceira da Penitência
Do Seráphico Pai São Francisco, de São Paulo.
A Sra Vilma Saraiva Sato, Irmã da Venerável Ordem Terceira da Penitência Do
Seráphico Pai São Francisco, de São Paulo.
Ao Sr. Severino, da Venerável Ordem Terceira da Penitência Do Seráphico Pai São
Francisco, de São Paulo.
Ao Frei Pedro da Silva Pinheiro, do Convento de São Francisco.
5
Ao Frei Regis e a Sra. Elisabeth, dos Arquivos Franciscanos.
À Rosangela Reis Costa, do Grupo Oficina De Restauro.
À Nancy Valente e Claudio Maiolino do escritório Albatroz.
Ao Sr. Jesus Carlos, da Imagenlatina Fotografias.
Aos meus filhos.
6
DEDICO ESTE TRABALHO À MINHA FAMÍLIA
7
RESUMO
Propomos apresentar o estudo das pinturas produzidas em igrejas
franciscanas da cidade de São Paulo, durante o período que vai das últimas
décadas do século XVIII à metade do século XIX.
A pesquisa engloba os forros pintados e os quadros de três edificações: a
Igreja conventual de São Francisco, a Capela da Venerável Ordem Terceira do
Seráphico Pai São Francisco e a Igreja e o Coro do Mosteiro da Luz, este último
um estudo inédito, dada a inacessibilidade da edificação, localizada dentro da
clausura.
A pesquisa das pinturas e dos documentos existentes nos arquivos dessas
instituições permitiu estabelecer os motivos que levaram os religiosos da Ordem
Franciscana a se tornarem seus comitentes e muitas vezes seus próprios autores.
Investigamos as fontes destas pinturas, bem como a mentalidade que transitava
no universo em que essas obras extremamente simbólicas foram produzidas.
PALAVRAS-CHAVE
ARTES VISUAIS, PINTURA, ARTE-SACRA, FRANCISCANOS, SÉCULO XVIII, SÉCULO
XIX, ICONOGRAFIA, SÃO PAULO.
8
ABSTRACT
Our proposal is to present an analysis of paintings produced in Franciscan
churches of the city of Sao Paulo from the last decades of the 18
th
Century to mid-
19
th
Century.
The research includes the painted ceilings and the canvases of three
buildings: The Saint Francis Conventual Church, the Chapel of the Venerable Third
Order of the Seraphic Father Saint Francis and the Church and the Chorus of the
Monastery of Luz, the latter being an unprecedented study, given its inaccessibility
due to a regime of clausure.
The research of the paintings and the existing documents in the archives of
these institutions allowed the establishment of the motives that brought the friars of
the Franciscan Order to commission them and to often be their authors. We
investigated the sources of these paintings, as well as the dominating mentality of
the universe where these extremely symbolic works were produced.
KEYWORDS
VISUAL ARTS, PAINTING, RELIGIOUS PAINTING, FRANCISCANS, 18
TH
CENTURY, 19
TH
CENTURY, ICONOGRAPHY, SÃO PAULO.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - FRANCISCANOS NO BRASIL E RETÓRICA ARTÍSTICA
1. As especificidades da arte
franciscana............................................................................................................20
1.1. Arte como Retórica: as experiências jesuíticas, beneditinas e carmelitas
em São
Paulo............................................................................................................25
1.2 Arte como Retórica: as experiências franciscanas em São
Paulo....................................................................................................................33
2. A formação cultural e conceitos devocionais: estatutos, devoções e sua
influência na arte a partir das experiências franciscanas em São
Paulo...........40
3. As ordens terceiras e as condições da encomenda na
Colônia......................67
4. Temática e
iconografia.........................................................................................75
CAPÍTULO II - A PRESENÇA FRANCISCANA NA SÃO PAULO DA PÓS
RESTAURAÇÃO AO SÉCULO XIX; O EMPREENDEDORISMO ARTÍSTICO
1. A Província Franciscana da Conceição no Brasil Meridional e suas
pinturas.....................................................................................................................
87
1.1 As igrejas franciscanas brasileiras com pinturas de forro: panorama da
pintura fluminense e da pintura
mineira................................................................87
2. A pintura colonial franciscana em São Paulo: artistas e
obras.......................103
2.1.São Paulo pós-restauração da
Capitania.........................................................103
2. 2. As condições do trabalho artístico
colonial................................................118
2. 3. Pintores atuantes na cidade de São
Paulo..................................................124
CAPÍTULO III – AS PINTURAS: DISCURSO VISUAL-TEOLÓGICO, TÉCNICAS,
AUTORIA, DATAÇÃO
10
1. Barroco e
cronologia.........................................................................................149
2. Fontes Literárias e Fontes
iconográficas........................................................154
3. Apresentação e análise das
obras....................................................................171
3.1. Igreja Conventual de São Francisco de São
Paulo......................................171
3. 2. Igreja da Venerável Ordem Terceira do Seráphico Pai São Francisco de
São
Paulo................................................................................................................231
3. 3. Igreja e Coro do Mosteiro da
Luz..................................................................324
CONSIDERAÇÕES
FINAIS.....................................................................................397
REFERÊNCIAS..................................................................................................405
11
INTRODUÇÃO
A Arte Sacra produzida em São Paulo pelos franciscanos que participaram
dos desdobramentos culturais pelos quais a cidade passou desde sua fundação,
tornou-se um ponto de interesse em nossas pesquisas, iniciadas com um trabalho
de conclusão de curso de especialização, em 2002.
Naquela ocasião, limitamo-nos a apresentar três forros franciscanos de São
Paulo: a pintura do teto da nave da Igreja de São Francisco, da Capela-Mor da
Igreja dos Terceiros Franciscanos e do coro da Igreja do Mosteiro da Luz.
Inicialmente, esta pesquisa foi despertada pelo estudo dos mesmos forros,
mas ganhou uma abrangência ao voltar-se para as manifestações pictóricas
executadas na Província Franciscana da Conceição no Brasil Meridional, em
especial as de São Paulo, cuja investigação revelou questões importantes para o
entendimento da arte encomendada pela Ordem Franciscana no período de seu
florescimento, que foi do final do século XVIII até meados do XIX.
O exame dessas questões remeteu aos tetos e ampliou-se às demais
manifestações pictóricas que decoram as três edificações franciscanas, abarcando
a pintura de teto da nave da Igreja do Convento de São Francisco, a pintura de
teto da Capela-Mor e dos painéis da Igreja da Venerável Ordem Terceira do
Seráphico Pai São Francisco, bem como as pinturas que decoram as paredes da
Capela-Mor da igreja e as do teto do coro do Mosteiro da Luz.
Propomos gerar, com a pesquisa e monografia, uma compreensão
relacional entre formas, instituições, religiosidade e sociedade, no sentido de
analisar a imaginária dentro do qual essas obras franciscanas, carregadas de
simbolismo, foram encomendadas e produzidas.
Buscamos estabelecer desdobramentos referentes aos motivos que
tornaram os franciscanos comitentes dessas manifestações artísticas, além dos
modelos nos quais modelos se espelharam os mestres pintores que as realizaram.
12
Entre os objetivos que impulsionaram este trabalho está a idéia de
valorização da ainda tão pouco estudada arte sacra paulistana desse período,
além de trazer a público um patrimônio da cidade de São Paulo, constituído pelas
pinturas franciscanas, principalmente a produção vista no teto do coro da Igreja da
Luz.
O desafio que representou a pintura do forro, do coro da Igreja do Mosteiro
da Luz, que é de difícil acesso por estar dentro do espaço sagrado da clausura
das irmãs, foi um alento para que nos debruçássemos sobre fontes da época,
como os manuscritos de Frei Galvão, arquiteto do mosteiro, além de estatutos e
livros de crônicas, documentos franqueados pelas religiosas.
Foi uma pesquisa intensa e continuada, sob condições nem sempre
favoráveis, enfrentando restrições e proibições de acesso a alguns arquivos.
Todo material encontrado em exame de fontes da época foi submetido a
uma ação hermenêutica, que resultou em informações esclarecedoras, inclusive
da datação das pinturas do forro do coro da Igreja da Luz, bem como algumas
conclusões, como a indicação da autoria e da iconografia existente sob a pintura
do forro da Igreja Conventual de São Francisco.
Por uma feliz circunstância, esse último edifício está sendo totalmente
restaurado, o que veio revelar partes do teto e resgatar uma pintura anterior. Isto
confirmou nossa avaliação de que o que estava sendo apresentado,resultante de
uma intervenção mais recente,era na verdade uma perversão da verdadeira obra
artística executada após incêndio ocorrido em 1880.
Desenvolvemos o trabalho pelo método comparativo, refletindo sobre as
especificidades que diferenciam a arte sacra de cada ordem religiosa presente no
Brasil no momento enfocado pela pesquisa, ou seja, o discurso que compõe a arte
religiosa franciscana em relação aos padrões iconográficos vinculados aos
jesuítas, beneditinos e carmelitas.
Os beneditinos tinham o interesse artístico equilibrado entre imaginária e
talhas e muito pouco voltado às pinturas. os carmelitas tinham suas pinturas
voltadas para a representação de santos e beatos ligados às devoções da Ordem,
enquanto que os jesuítas, possuidores de grande cultura, sacralizaram o passado
13
clássico na decoração de suas igrejas, com motivos de grotescos e folhas de
acanto.
A Arte franciscana é significativa no sentido em que transforma a
mensagem européia numa cultura própria, voltada para as classes populares.
Além da forma, há um conteúdo dirigido a uma população especifica, com a
finalidade de evangelizar os índios e dar suporte espiritual aos colonos, e que se
modifica de acordo com o espaço geográfico e o público a quem se destina. A
pintura das igrejas franciscanas apresentam cenas repletas de simbolismos, com
figuras e cenas ligadas à vida do fundador e de seus companheiros, sempre
fazendo paralelo da vida de São Francisco com a vida de Cristo.
Pudemos constatar algumas diferenças entre os forros franciscanos que
examinamos, no tocante ao tema desenvolvido. No teto do coro da Igreja da Luz e
no teto da Capela-Mor da Venerável Ordem Terceira Franciscana, ambos recintos
destinados exclusivamente às religiosas do mosteiro e aos irmãos terceiros,
respectivamente, o conteúdo das pinturas revela cenas da vida do Santo, como
exemplo a ser seguido pelos membros das comunidades.
Porém, na igreja conventual de São Francisco está pintado o forro da nave,
que é local do templo destinado aos fiéis. Por esse motivo, para efeito de
evangelização e de manutenção da fé da população, todo o conteúdo dessas
pinturas remete ao pensamento franciscano
1
e exorta a necessidade do
desprendimento para com as vaidades humanas, utilizando como exemplo santos
franciscanos, além do próprio Francisco de Assis, que está representado no
medalhão central, que relembra a cena da indulgência da Porciúncula
2
.
Tomamos por base bibliográfica alguns autores voltados para o
franciscanismo, como Le Goff, Frei Ortman, Frei Bove, Frei Rower e Carlos
Brunetto, além das referências teóricas contidas em Hanna Levy, Germain Bazin,
Miriam Oliveira, Mario de Andrade e Benedito Lima de Toledo, entre outros.
1
[...] A todos longe das hierarquias, das categorias, das compartimentações, propõe um único
modelo, o Cristo, um único programa, ”seguir nu o Cristo nu”.[...] LE GOFF, Jacques. São
Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 38.
2
Obtida do Papa Honório III, em 1216, que prometia Indulgência Plenária, a todos que visitassem
o santuário no dia 2 de Agosto. In: IDEM, IBIDEM. P.82
14
Nos arquivos do Convento de São Francisco, do Mosteiro da Luz e da
Ordem Terceira Franciscana conseguimos examinar livros de crônicas, livros de
receitas e despesas e de guardiões, além de farta documentação com registros,
que empregamos como fontes, somadas às próprias pinturas.
No arquivo da Igreja da Luz obtivemos permissão para examinar estatutos
manuscritos por Frei Galvão, o fundador e construtor do Mosteiro, assim como
conselhos e registros, através dos quais pudemos ter noção da forma de pensar e
dos conceitos adotados e difundidos pela Ordem.
Para compreender a Arte Franciscana, é fundamental conhecer o
pensamento mantido pelos religiosos e pelas ordens terceiras, uma vez que nesse
período os artistas tinham que adequar seu trabalho à intervenção dos frades e
irmãos terceiros, mentores de sua produção. Eram costumes e tradições
devocionais trazidos de Portugal e adaptados à nova cultura e ao novo meio.
Para isso é interessante lembrar que, durante quatro séculos
3
, a Igreja no
Brasil esteve sob os direitos do Padroado
4
, e só a partir da Proclamação da
República, em 1889, essa situação foi modificada, com a separação entre Igreja e
Estado.
Essa importância da relação entre Padroado e evangelização e as
dinâmicas que a envolvem, como, por exemplo, a união Altar e Trono
5
, têm que
ser levadas em conta para o entendimento dos demais aspectos da Igreja
6
no
Brasil português, uma vez que, em relação ao Clero, o instrumento de poder Real
para assuntos de Padroado constituía-se na Mesa de Consciência e Ordem.
3
Introduzido no Brasil [...] por meio da bula Super specula militantis Ecclesiae, do papa Julio III em
25 de fevereiro de 1551[...] In: SOUZA, Pde. Ney. Catolicismo em São Paulo Ed. Paulinas. São
Paulo: 2004.P.19
4
[...] O sistema de padroado, tratado aqui, é na forma mais usual e genérica, o direito de
administrar os assuntos religiosos no ultramar, privilégios concedidos pela Santa Sé aos reis de
Portugal, e de que, posteriormente, também gozaram os imperadores do Brasil [...].In: IDEM,
IBIDEM 23 nota 12.
5
[...] O padroado que irá reger durante séculos as relações entre os dois poderes na América
hispano-portuguesa, é fundamentalmente uma criação jurídica do mundo medieval [...]. IDEM,
IBIDEM. P. 23
6
De fato, no processo histórico, a instituição do Padroado, está intimamente ligada às Ordens
Militares em especial à Ordem de Cristo que em Portugal sucedeu a Ordem dos Templários em
1318. Embora de maneira diversa das guerras de Cruzadas, essa instituição jurídica concedida
pelos sumos-pontífices aos reis de Portugal, foi também um instrumento para a implantação da
doutrina nas colônias da África, Ásia e no Brasil. IDEM, IBIDEM. P. 20 a 27.
15
Dentro deste quadro, que às vezes gerava conflitos e outras conivências,
desenrolou-se o cotidiano econômico, político e religioso do Brasil e de São Paulo.
Como o Padroado foi uma concessão feita livremente pelos papas aos reis
de Portugal, a evangelização da Igreja, desde a Colônia, estava intimamente
ligada aos padrões culturais portugueses, dentro dos interesses políticos da
metrópole. “[...] Reforçava se a idéia de que a Igreja colonial estava sob o controle
imediato da Coroa, salvo em assuntos referentes ao dogma e a doutrina [...]”.
7
De fato, conforme o programa da Contra Reforma, a arte era um importante
instrumento de conversão, com uma função retórica e narrativa da doutrina a ser
comunicada. Tanto que, principalmente na Península Ibérica, a expressão da idéia
religiosa era imposta sobre qualquer outro aspecto da manifestação artística. Os
religiosos vinham para a Colônia com dois objetivos específicos: manter a dos
lusitanos que aqui se encontravam e trabalhar para a evangelização dos índios.
Realmente, é necessário pontuar que a Ordem Franciscana marcou
presença no Brasil desde o descobrimento, pois Frei Henrique Soares de
Coimbra, o superior dos missionários que vieram na expedição com Cabral, era
franciscano, e aqui rezou a primeira missa.
Outro dado interessante para se destacar é o fato de que, no Brasil, as
representações franciscanas sempre foram fiéis aos modelos vindo da metrópole,
no que diz respeito à iconografia, mas com diferentes interpretações do tema,
segundo a região brasileira em que eram produzidas.
Para reconstruirmos esse campo artístico, utilizamos como fontes primárias
tanto as pinturas, que foram analisadas e fotografadas no próprio local, quanto os
documentos e manuscritos existentes no arquivo da Luz, no arquivo da Ordem
Terceira de São Francisco, nos arquivos dos Franciscanos e do IEB
8
, todos
devidamente fotografados, sempre que nos foi permitido. Além disso, fez parte da
investigação o levantamento da bibliografia existente, incluindo as dissertações
sobre o assunto.
7
SOUZA, Pde. Ney. Catolicismo em São Paulo. São Paulo: Ed. Paulinas, 2004. P. 26.
8
INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS / USP.
16
Por meio dos registros documentados, pudemos investigar algumas pistas,
assim como fazer referência aos artistas que trabalharam na cidade de São Paulo
nesta época.
No primeiro capítulo, procuramos efetuar um estudo sobre a evolução das
mentalidades e as imagens artísticas que a elas se associam, levando em
consideração que a retórica da pregação, de acordo com o Concílio de Trento, fez
da arte o seu grande instrumento.
Conseqüentemente, as ordens religiosas que vieram para a Colônia tiveram
participação importante e ativa na arquitetura, na imaginária, na pintura e na arte
sacra em geral. Cada Ordem deu sua colaboração para a arte do Brasil, de
maneira específica e diferente de acordo com o pensamento religioso e com a
formação de seus membros.
Ainda verificamos que são elementos importantes para a configuração
dessas diferenças os espaços geográficos ocupados, tanto dentro do Brasil
quanto nos conventos e igrejas, além das características do público a quem se
destinava essa arte e o tipo de mensagem que continha.
De fato, a arte do Novo Mundo manifestou-se através de diversos
discursos, e nesse sentido é possível reconhecer muitas diferenças entre as
imagens vinculadas às distintas ordens, bem como as especificidades que
diferenciam os carmelitas dos beneditinos, dos jesuítas e dos franciscanos.
Em São Paulo, não foi diferente do restante do Brasil, e essas
especificidades podem ser observadas nas expressões artísticas contidas em
suas igrejas e conventos, assim como nas intenções teológicas que se pode ler
nessas imagens.
No discurso franciscano, a mensagem iconográfica vinda da Europa foi se
transformando, até obter uma leitura propriamente brasileira.
Procuramos, portanto, levar em conta dois aspectos: a importância das
tradições religiosas próprias da Ordem e a intervenção dos frades como mentores
do trabalho artístico, o que gerou, nesta análise, o valor de se examinar as
devoções próprias da Ordem e a formação cultural dos frades, bem como os
17
conceitos devocionais que regem a comunidade e a influência que os estatutos
franciscanos exerceram na encomenda das obras.
Para tanto, os documentos que encontramos nos diversos arquivos
pesquisados constituíram fontes ricas de informação.
Ainda neste capítulo, referimo-nos à temática e à iconografia das obras e à
importância das veneráveis ordens terceiras, cuja ação teve grande influência na
sociedade, que se converteram em promotoras da atividade artística,
destacando a atuação dos terceiros franciscanos.
O capítulo II refere-se à presença franciscana na cidade de São Paulo,
exatamente no período pós-restauração da Capitania, além do empreendedorismo
artístico que aconteceu nessa época.
Inicialmente, mencionamos a instalação da Província Franciscana da
Conceição no Brasil Meridional, e suas pinturas nas igrejas fluminenses e
mineiras, num período em que aconteciam transformações no mundo ocidental,
sob o influxo das idéias do Iluminismo, que trouxeram conseqüências para as
colônias, como a expulsão dos jesuítas, entre outras.
Essa questão da expulsão permitiu refletir sobre a formação de um vácuo
territorial, político e religioso da maior importância para a expansão franciscana,
pois os colégios dos jesuítas foram substituídos por escolas das ordens
remanescentes, principalmente as da Ordem Franciscana.
Em São Paulo, o confisco do edifício do Colégio dos Jesuítas, em 1760, por
ordem do Marquês de Pombal, pode ser considerado um marco de uma nova
época para a cidade, uma vez que se instalou o palácio dos capitães-generais,
em vistas da reconstituição da Capitania de São Paulo, que havia sido
desmembrada com a perda de sua autonomia.
Realmente, com a nomeação do primeiro Capitão-General, Dom Luiz
Antônio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Mateus,
9
a vida cultural da
cidade ampliou-se, e todo esse desenvolvimento possibilitou que, na segunda
9
O Morgado de Mateus governou de 1766 a 1776, tendo sido além de administrador, um estadista
e um urbanizador.
18
metade dos anos setecentos, as ordens religiosas estivessem reedificando e
ornamentando suas igrejas.
A restauração da capitania, o florescimento e a grande atividade artística e
cultural desse período, além das reformas das igrejas existentes e a construção de
outras, conduziram-nos a refletir sobre as condições do trabalho artístico colonial,
sua forma de organização e os pintores que trabalhavam na cidade nesse tempo,
assim como a relação entre esses artistas que produziam as obras e os mentores
que as encomendavam.
No terceiro capítulo, discorremos sobre as pinturas das edificações
franciscanas da cidade de São Paulo em geral, enfatizando a pintura existente nos
tetos.
Apresentamos a questão do Barroco, como estilo que fundamentou a Arte
Sacra, sob a égide da Contra Reforma, por três séculos, pois cronologicamente
essas manifestações artísticas estenderam-se até o século XIX na Metrópole, e
conseqüentemente no novo Mundo.
Apoiamo-nos na metodologia de Giulio Carlo Argan, que afirma que a
história da arte é uma história de valores, e decidimos elaborar os contornos do
Barroco não como um fenômeno de linguagem definida, mas como um período de
criação artística associada a um momento histórico, como afirma Affonso Ávila:
[...] Para nós brasileiros falar do Barroco é falar de nossa própria origem
cultural, de nossa própria formação histórica, das raízes de nossa maneira
própria e íntima de ver, de sentir, de exprimir uma experiência do real que
a arte só faz transfundir e sublimar[...].
10
Neste contexto cultural e artístico, abordamos em seguida as fontes
iconográficas mais comuns no período, que eram as gravuras em edições alemãs,
italianas e principalmente flamengas, presentes nas bíblias ou em estampas de
livros que eram trazidos ao Novo Mundo pelas ordens religiosas.
Para conhecer a circulação de estampas existentes na cidade naquela
época, procuramos as edições de livros com ilustrações e gravuras sacras, que
possam ter sido utilizados como modelo pelos franciscanos em São Paulo.
10
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 119
19
Fizemos tentativas que não deram resultado, tanto no arquivo do Franciscanos
quanto na Biblioteca da Faculdade de Direito, que abriga os livros que
pertenceram à Ordem Franciscana. Por esse motivo, apresentamos neste capítulo
gravuras, principalmente flamengas e alemãs, encontradas em outras publicações,
porém contendo muitos elementos em comum com as pinturas que são objeto de
nosso estudo.
Após essas considerações, realizamos a análise das pinturas quanto ao
discurso-visual, às técnicas, à autoria e à datação, quando foi possível.
A pesquisa levou à reflexão de tentar buscar as matrizes literárias e
iconográficas nas quais essas obras poderiam ter se originado. Nessa tentativa de
estabelecer as fontes referenciais, foi de fundamental importância introduzir as
narrativas e as gravuras concomitantemente com as fotografias das obras e dos
documentos.
Todo o processo de estabelecimento de interações e afinidades entre a
massa de documentos, sejam de ordem textual ou iconográfica, foi instrumentada
pela disciplina auxiliar da História, a Hermenêutica, da qual demos um peso
relevante na metodologia da pesquisa.
Consciente de que não existem conclusões para um trabalho de reflexão,
que deve estar sempre aberto a novas leituras e contribuições, as considerações
finais que encerram este trabalho são mais de natureza de desenhar
conceitualmente o tema pesquisado, reforçando a articulação dos novos dados
obtidos
20
CAPÍTULO I
FRANCISCANOS NO BRASIL E RETÓRICA ARTÍSTICA
[...] O passado é interessante não somente como beleza que dele
souberam extrair os artistas para quem constituía o presente, mas igualmente
como passado, por seu valor histórico. O mesmo ocorre com o presente.
11
Baudelaire
1. As Especificidades da Arte Franciscana
A implantação da Ordem Franciscana no Brasil, assim com em toda a
América, vinha embasada no sentimento missional que concebia o Novo Mundo
como um espaço onde poderiam coexistir a idéia de evangelização dos índios e a
manutenção da fé dos colonos.
Esses missionários foram particularmente diferenciados, como cita Atance-
Claro:
[...] Llamados Padres de América la historia de los franciscanos em el
Nuevo Mundo representa uma epopeya de obras religiosas y culturales que
conmueve profundamente a todo espíritu abierto a las grandes
manifestaciones del pensamiento y del corazón. Desde su comienzo no há
habido empresa de importancia donde no se viera, al lado del gallardo
conquistador,el tosco y entranãble sayal franciscano. Em muchos lugares
fueram los primeros que plantaram la Cruz de Cristo [...]
12
11
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. O pintor da vida moderna. São Paulo: Editora
Paz e Terra, 2002, p. 08.
12
ATANCE-CLARO, M. Carmem Garcia. In: Barroco Hiispanoamericano en Chile. CULTURAL 3C
para El Arte. Madri: Talleres gráficos Brizzolis, 2002, p. 175.
21
22
FIGURA 1: A gravura representa um franciscano catequizando uma
multidão indígena em Nova Espanha, no México, por meio de pinturas.
Portada da Iª Parte de Los Veinte Libros Rituales Y Monarchia Yindiana
de Juan de Torquemada. Publicado em Sevilha em 1615.
13
13
Biblioteca Nacional de Madri. In: Barroco Hispanoamericano en Chile. CULTURAL 3C para El
Arte. Madri: Talleres gráficos Brizzolis, 2002, p. 20.
23
A retórica da pregação, de acordo com o Concílio de Trento, fazia da Arte o
seu grande instrumento, tanto que, para o desenvolvimento de suas Missões, os
franciscanos e as demais ordens religiosas que aqui atuavam na colonização
utilizavam a arte como meio de comunicação e conversão.
Conseqüentemente, as ordens religiosas que vieram para a Colônia tiveram
participação importante e ativa na arquitetura, na imaginária, na pintura e na arte
sacra em geral.
Cada Ordem teve peculiaridades na produção artística realizada no Brasil,
de acordo com o pensamento religioso que as orientava, e também em
consonância com a formação de seus membros.
Ainda são elementos importantes para a configuração dessas diferenças os
espaços geográficos ocupado no Brasil, o papel dos conventos e igrejas, bem
como o público a quem se destinava essa produção artística, e o tipo de
mensagem que continha.
Em São Paulo, não foi diferente do restante do Brasil, e um olhar mais
atento poderia nos revelar particularidades, principalmente da pintura franciscana
ali realizada, que é o foco deste trabalho. Essa especificidade pode ser observada
nas expressões artísticas em paredes e tetos, assim como nas intenções
teológicas.
Esta reflexão tem início analisando quando se deu a chegada e instalação
de cada Ordem no Brasil, e mais especificamente em São Paulo, além de suas
devoções, o que as distinguia e o que lhes era próprio.
Embora pioneiros, os franciscanos não foram a primeira Ordem a se instalar
definitivamente no Brasil. Com a esquadra de Cabral, veio de Portugal Dom
Henrique de Coimbra, que era franciscano, e a quem coube rezar a primeira missa
no Brasil.
24
[...] A terra de Vera Cruz, de Santa Cruz, do Brasil foi descoberta em 1500,
para o Rei por D. Pedro Álvares Cabral, para a santa Religião pelos
Franciscanos. Achavam-se estes em companhia de Cabral, que navegava
para as Índias. Frei Henrique, Superior da caravana de missionários,
celebrou no dia 26 de Abril, domingo de Páscoa, a primeira Missa [...].
14
Essa presença inaugural não garantiu, entretanto, uma sedimentação
imediata, pois a primeira expedição franciscana, composta de seis religiosos
pertencentes à Província de Santo Antonio dos Currais, chegaria ao Brasil na
segunda metade do século XVI.
A fundação do primeiro convento franciscano no Brasil aconteceu em
Olinda, Pernambuco
15
. Trata-se da Igreja e Convento de Nossa Senhora das
Neves, cuja construção começou em 1585, quando Maria da Rosa, irmã terceira,
doou a igreja e vários terrenos ao padre Custódio. Junto a ela estabeleceu-se a
Ordem Terceira, cuja talha da capela data da época de D. João V.
16
A invasão
holandesa, em 1631, danificou e arruinou esse conjunto arquitetônico, cujos restos
podem ser vistos nos quadros de Franz Post, pintor da missão artística de
Maurício de Nassau.
Por outro lado, a primeira Ordem que chegou ao Brasil foi a dos Jesuítas, no
ano de 1549, desembarcando nas capitanias de São Vicente e Bahia, e se
estabelecendo em várias outras capitanias nas décadas seguintes. Na capitania
de o Vicente, sua ação evangelizadora espalhou-se pelo planalto, onde os
padres da Companhia fundaram numerosas missões em torno do colégio de
Piratininga, iniciado em 1554. O trabalho missionário dos jesuítas dava, pois,
grande ênfase à instrução, tanto para os nativos quanto para os colonos, e para
isso fundaram numerosas escolas, igrejas e capelas, em diversos pontos da
América portuguesa. Em seguida, duas ordens, a Carmelita e a Beneditina,
instalaram-se em São Paulo. Os primeiros instalaram-se em 1594, sendo que a
fundação do Mosteiro de o Bento ocorreu em 14 de Julho de 1598. Essas
14
ROWËR, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F.M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5, São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 19.
15
[...] com projeto de frei Francisco dos Santos [...] In TIRAPELI, Percival & PFEIFFER, Wolfgang,
As mais belas igrejas do Brasil. São Paulo: Metalivros, 2000. P. 53.
16
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa Barroca no Brasil. V.1. Rio de Janeiro: Record, 1956.
P.128.
25
comunidades vinham para auxiliar a ação apostólica dos jesuítas, além de trazer
severidade à vida considerada por eles como rude, dos colonos vicentinos.
17
Já a presença dos frades franciscanos em São Paulo aconteceu somente 42
anos mais tarde, em 5 de janeiro de 1640, quando sete frades, oriundos do
claustro do Rio de Janeiro, fundaram o Convento paulistano.
Por volta de 1750, as províncias franciscanas contavam com inúmeras
casas, colégios e missões, havendo em o Paulo conventos estabelecidos em
Santos, São Sebastião, Taubaté e Itu, garantindo à Ordem grande projeção no
território paulista.
1.1. Arte como retórica: as experiências jesuíticas, beneditinas e carmelitas
em São Paulo
De fato, entre todas as ordens religiosas vindas durante a colonização, a de
fundação mais recente era a Companhia de Jesus, criada por Santo Inácio de
Loyola na Espanha, em 27 de setembro de 1540. Inácio nasceu na Espanha em
1491, em uma família nobre, e em 1522 tornou-se peregrino, abandonando tudo
para levar uma vida de pobreza, viajando a seguir para Jerusalém. Ao retornar,
seguiu para Paris, onde fez estudos de teologia e filosofia, e influenciou
companheiros, que se entusiasmaram com seu projeto de vida, e com os quais
mais tarde fundou a Companhia de Jesus, dedicada ao ensino e às missões.
Nesse quesito, os jesuítas tinham como proposta pedagógica a Ratio Studiorum,
que se tornou famosa entre as metodologias das principais universidades
européias dos séculos XVI e XVII, surgida da necessidade de unificar o
procedimento pedagógico da companhia de Jesus, diante do grande número de
colégios para formação das elites nobres e da expansão missionária.
Esse perfil da Ordem propicia que, no início, os jesuítas representassem,
em suas manifestações artísticas, os grandes conceitos da religião, como as
alegorias de fé, esperança, caridade e as virtudes. Expressavam-se em
17
ROWËR, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5, São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 75.
26
decorações florais contendo folhas de acanto, cujo simbolismo, de acordo com a
Bíblia (Gênesis 3,18), deriva essencialmente dos espinhos dessa planta, no
sentido de que a provação vencida transforma-se em glória. Ao lado delas,
aparecem também cenas de Cristo Salvador, da Imaculada e grandes
simbolismos ligados à Transubstanciação e à Eucaristia. Estes temas foram
utilizados até que Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e outros santos
jesuítas fossem canonizados, passando a integrar a iconografia dos inacianos.
Também na arte da Oratória, muito usada como instrumento de divulgação
da doutrina, o jesuíta Padre Antonio Vieira, com seus sermões proferidos no
século XVII, destacou-se com muitos livros e discursos e sermões nos templos.
Depois de muitos problemas com administração real portuguesa, os jesuítas
foram expulsos de todos os territórios dos Bragança, em 1759, por ordem
executada pelo marquês de Pombal
18
. Embora a restauração da Ordem tenha
sido em 1814, a volta deles ao Brasil ocorre somente em 1842.
19
As obras de pintura realizadas pelos jesuítas no Brasil não possuem,
entretanto, este caráter explicitamente retórico. Pinturas no forro da sacristia do
colégio de Salvador apresentam as efígies dos padres mais célebres da
Companhia, bem como os santificados, mas não discursos visuais mais
complexos de teor teológico. As naves das igrejas de Salvador, Olinda, Recife,
Belém, Reritiba ou dos Reis Magos também não possuíam pinturas expressivas
ou que apresentassem discursos visuais. O mesmo ocorria com as igrejas
paulistas, como a do Bom Jesus, no pátio paulistano, com forro em caixotões sem
qualquer decoração pictórica expressiva.
Na capela-mor da igreja do Embu, em São Paulo, exibe-se um dos mais
importantes testemunhos da pintura jesuítica que restaram no Estado. Seu forro
possui bordas com motivos de chinoiserie, além de pinturas, que também se
estendem por todo o teto da igreja:
18
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782). Figura-chave na reconstrução de Lisboa
depois do terremoto de 1755. Sua preeminência e poder como primeiro-ministro coincidiram com o
reinado de Dom José I (1750-1777). In: MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal Paradoxo do
Iluminismo. São Paulo. Paz e Terra: 1996. P. 4.
19
ROWËR, Frei Basílio, O.F.M. Páginas da Vida Franciscana. Rio de Janeiro: Vozes, 1957. P. 81.
27
[...] Ricamente trabalhadas num padrão fitomórfico com flores e folhas de
acanto entrelaçadas. Essa pintura decorativa denominada grotesco chegou
ao Brasil por intermédio dos jesuítas, que a aplicaram na decoração dos
forros de templos, seminários e sacristias de suas fundações brasileiras
[...].
20
Essa ornamentação
21
utiliza tonalidades de vermelho e castanho, bastante
fortes, tendo nas molduras grande influência chinesa. Os motivos restringem-se
aos espaços internos, nas molduras que revestem o forro. Sempre com uma
cercadura de chinesices, aparecem também motivos simbólicos da Paixão de
Cristo. O que predomina, porém, são os florais arcaizantes inspirados nas
iluminuras medievais e renascentistas.
22
Os jesuítas eram detentores de grande cultura, e, portanto conhecedores da
imaginária da Antigüidade clássica e do Renascimento. Este passado clássico foi
sacralizado na decoração de suas igrejas, com motivos como grotescos e folhas
de acanto. O resultado, entretanto, é sobretudo decorativo, e não discursivo.
Diferenciando-se dos jesuítas, os franciscanos apresentam, na pintura de
suas igrejas, representações repletas de simbolismos, com figuras e cenas ligadas
à vida do fundador e de seus companheiros, sempre fazendo paralelo da vida de
São Francisco com a vida de Cristo. Além da forma, há um conteúdo dirigido a
uma população especifica, com a finalidade de evangelizar os índios e dar suporte
espiritual aos colonos, que se modifica de acordo com o espaço geográfico e o
público a quem se destina. Nesta comparação inicial entre as retóricas artísticas
das ordens religiosas atuantes no cenário colonial, a Ordem de São Bento
posiciona-se próxima aos jesuítas, no tocante à utilização da pintura como veículo
de conversão e ensinamento religioso.
O fundador da Ordem dos beneditinos foi Bento de Núrsia, nascido em 480
d.C. na cidade de Núrsia, região da Úmbria, na Itália, onde acabou estabelecendo
um monastério com a construção do Mosteiro de Monte Cassino, em 529. Iniciou
então uma vida monástica de comunidade, regida por preceitos, aos quais se
convencionou chamar de Santa Regra, que passaram a constituir os fundamentos
20
TIRAPELI, Percival. Igrejas paulistas: Barroco e Rococó São Paulo: EDUNESP, 2003. P. 234.
21
IDEM. IBIDEM. P. 234.
22
IDEM. IBIDEM. P. 23.
28
da Ordem Beneditina e influenciaram, com o passar dos séculos, muitas outras
ordens. A princípio, cada mosteiro beneditino devia ser uma unidade autônoma,
onde a vida religiosa devia prover de alimentos até artefatos. Não havia grande
preocupação com a evangelização, e sim com a oração e com a proteção dos
textos religiosos, que deviam ser cuidadosamente estudados e copiados, sem que
houvesse contato expressivo com o mundo exterior.
Seguindo esses preceitos europeus, os Beneditinos estabelecem-se no
Brasil na penúltima década do século XVI, quando a congregação portuguesa
enviou um grupo de monges a Salvador. Já em 1582, ou 1586
23
, aqueles
pioneiros, protegidos por grandes doações de Catarina Paraguaçu, conseguiram
que o Mosteiro de Salvador fosse elevado à categoria de Abadia.
Em 1598, os beneditinos chegaram a São Paulo, onde receberam da
Câmara da vila uma área que havia sido a aldeia do cacique Tibiriçá.
começaram seus trabalhos, conseguindo, em começo do século XVII,
resultados positivos, pois a comunidade beneditina apresentava sinais de
crescimento com a chegada de novos monges, a ponto de, em 1635, ser elevada
a Abadia, que em seus primeiros 85 anos chamou-se Nossa Senhora do
Monteserrate, passando a chamar-se Nossa Senhora da Assunção a partir de
1720.
Também em São Paulo, os monges beneditinos desenvolviam atividades
internas, relacionadas à vida monástica contemplativa, supervisionando ainda
suas numerosas fazendas. Dedicavam-se, como recomendava a regra de São
Bento, às orações, ao mosteiro e ao trabalho agrícola, seguindo o princípio Ora et
Labora, definido por seu fundador.
Em São Paulo, durante seis décadas
24
, desde o final do século XVII,
também cuidaram da catequese dos índios do sítio dos Pinheiros, trabalho esse
que lhes rendia uma quantia irrisória, paga pela Coroa. Uma vez que isso era uma
imposição à Igreja Católica pelo sistema de Padroado, as ordens beneditinas
tiravam seu sustento do trabalho nas fazendas, como a Fazenda de São Caetano
23
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa Barroca no Brasil. V.1. Rio de Janeiro: Record, 1956. P.
22.
24
SOUZA, Pde. Ney. Catolicismo em São Paulo. São Paulo: Ed. Paulinas, 2004. P. 55.
29
(de 1631 a 1877), que compreendia uma parcela do atual município de São
Caetano do Sul, e continha uma olaria, que se desenvolveu de tal forma que
durante seu governo (1765 a 1775), o Morgado de Mateus, primeiro capitão
general da Capitania de São Paulo, chegou a sugerir à Metrópole, inutilmente, que
se investisse numa indústria ali.
Quanto à produção de arte em São Paulo, sabe-se que os mosteiros foram
decisivos para a difusão das técnicas de escultura em cerâmica, na capitania e em
seu planalto, devido ao trabalho do célebre escultor seiscentista Frei Agostinho de
Jesus.
Hoje, restam algumas imagens e talhas do acervo beneditino. Entre as
pinturas que ainda constam do acervo, um trabalho de José Patrício da Silva
Manso, em formato oval, executado sobre madeira, representando São Bento
entregando a Nova Regra à Igreja.
25
São atribuídos a José Patrício, além da obra
acima mencionada, mais três painéis, Anunciação, Visitação e Senhora da
Conceição
26
, sendo que este último, pintado entre 1795 e 1800, ainda ornamenta
o claustro.
27
Os temas abordados nessas pinturas remetem ao dogma da
Imaculada Conceição, a passagens ligadas ao nascimento de Jesus, São Bento,
Santa Escolástica, invocações a Maria e a entrega da Regra à Igreja. Tanto na
igreja paulistana (cujo interior foi registrado em fotografias no século XIX), quanto
nas igrejas de Sorocaba e Santos, o interesse artístico esteve equilibrado entre
imaginário, talhas e pintura, sem grande destaque a esta última. Ao contrário,
portanto, do que ocorria nas igrejas franciscanas, não se nas obras
arquitetônicas beneditinas uma preocupação maior em fazer da pintura um veículo
de transmissão das passagens e acontecimentos que marcaram a trajetória da
vida do fundador e da Ordem, tal como faziam os franciscanos.
Outra ordem que participou da vida colonial paulistana foi a Carmelita
Calçada, cujos primeiros representantes chegaram ao Brasil, vindos de Portugal,
em 1583, fundando várias províncias, entre elas a província do Sul, que incluía
25
TIRAPELI, Percival. Igrejas paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: EDUNESP, 2003. P. 196.
26
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O mestre-pintor José Patrício da Silva Manso e a pintura
paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado. São Paulo. 1997. P. 86.
27
IDEM. IBIDEM. P. 135.
30
São Paulo, fundada em 1598. Os carmelitas foram os primeiros religiosos que se
estabeleceram no Brasil depois dos jesuítas. Possuíram conventos das capitanias
do Pará a São Vicente, além de várias missões na Bacia Amazônica.
28
A instalação dos carmelitas no alto da colina que ladeava a baixada do
Tamanduateí ocorreu em 1590, tendo sido iniciada, já em 1592, a construção da
Igreja do Carmo, que existiu com reformas na atual avenida Rangel Pestana até a
década de 1920. Junto a essa edificação, surgiu em 1594 a Ordem Terceira do
Carmo, que perdura até hoje. Santos e Itu também abrigaram conventos
carmelitas e capelas terceiras.
A ordem Carmelita Calçada teve sua origem mística no ano de 1200, no
Monte Carmelo, próximo à atual cidade israelense de Haifa. Foi formada por
frades, monjas e Ordem Terceira, que procuraram desenvolver, na espiritualidade,
a comunhão fraterna, a abnegação evangélica e o espírito missionário. O Carmelo
é contemplativo e apostólico, dedicando-se à pastoral e à vida missionária,
sempre se valendo das devoções, como sua origem, em santo Elias
29
e a
dedicação à Virgem Maria, expressa iconograficamente por Nossa Senhora do
Carmo, que representa uma visão de São Simão Stock ao receber o escapulário
30
das mãos da Mãe de Deus.
Estão também entre os santos carmelitas, entre outros, Santa Tereza
D'Avila e São João da Cruz, responsáveis pela reforma da Ordem que daria
origem aos chamados carmelitas descalços, que durante o período colonial
também se estabeleceram no Brasil. Em São Paulo, a reforma carmelita descalça
orientou o Recolhimento de Santa Tereza, situado nas proximidades do convento
masculino calçado.
Algumas dessas devoções estão expressas artisticamente nas pinturas que
ainda decoram a Igreja da Ordem Terceira do Carmo, em São Paulo, onde, no
28
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol.II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 35.
29
Profeta Elias, considerado o pai fundador espiritual do Carmelo, e que segundo a Bíblia foi
arrebatado por um carro de fogo.
30
Escapulário: espécie de avental que os monges usavam e usam até hoje, e que teve suas
dimensões reduzidas, com sua difusão, para ser dado aos fiéis, representando de um lado Nossa
Senhora do Carmo, e do outro, o brasão do Carmo, ou o Coração de Jesus.
31
final do século XVIII, dois artistas foram encarregados da maior parte dessas
obras.
O primeiro desses artistas é José Patrício da Silva Manso
,31
a quem Mario
de Andrade, baseado em recibos da Ordem, identificou e atribuiu a autoria do
tema Nossa Senhora do Carmo entrega o Escapulário a Santa Tereza (1785/86)
32
, pintado no centro do forro da sacristia, representando Santa Teresa recebendo
de Nossa Senhora o escapulário e o Menino Jesus.
O segundo artista foi o padre Jesuíno de Monte Carmelo, descoberto por
Mario de Andrade (1945), que escreveu sua biografia no livro Padre Jesuíno de
Monte Carmelo. O padre realizou, além das pinturas para os terceiros de São
Paulo, um grande acervo de pinturas decorativas nas igrejas de Itu, especialmente
no convento carmelita.
Entre 1796 e 1797, Monte Carmelo executou a pintura do forro dos terceiros
carmelitas de São Paulo, onde aproveitou as linhas arquitetônicas, que formam
espaços, para representar, de corpo inteiro, beatos e beatas carmelitas, em seis
grupos com quatro figuras, cada um nascendo diretamente da cimalha. Segundo
Mario, Monte Carmelo teria pintado primeiro a nave, depois a capela-mor, e, por
último, o teto do coro, executado após sua ordenação. Existe ainda, no corredor
de acesso à Sacristia, uma série de pinturas, possivelmente do mesmo autor,
representando a biografia de Santa Tereza, que eram
caixotões de madeira, do
teto da igreja do Recolhimento de Santa Tereza.
33
Assim, as pinturas carmelitas podem ser consideradas devocionais no
sentido de que representam os santos e beatos que compõem as devoções da
Ordem Carmelita, porém apenas os apresentam, não parecendo existir uma
preocupação maior em expressar, ao público, passagens ou acontecimentos da
vida dos santos, como ocorre com as pinturas franciscanas. Os pontos em comum
entre as duas ordens ficam por conta da referência ao profeta Elias e à execução
31
[...] Pintor mineiro, nascido por volta de 1753 e falecido em 1801, trabalhou em São Paulo de
1777 a 1801. [...] In: ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O mestre-pintor José Patrício da Silva Manso
e a pintura paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo. 1997. P. 54.
32
IDEM. IBIDEM. P. 85.
33
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo:Livraria Martins Editora,
1944. P. 145.
32
da decoração pelo artista José Patrício, que trabalhou na mesma época, na Igreja
da Ordem Terceira Franciscana. Isso poderia, talvez, ser considerado um
elemento afirmativo da participação dos frades como mentores do trabalho
artístico, no sentido de que, apesar da técnica do artista ser a mesma, o conteúdo
é muito diferente em cada uma das ordens.
Esse quadro dos elementos característicos de cada ordem e a influencia
que tiveram na arte colonial pode ser então complementado pela constatação de
que, nos primeiros tempos do Brasil, os franciscanos exerceram ativamente o seu
ministério em missões volantes, atendendo a colonos e índios, e que a pregação
era um elemento básico da vida religiosa.
34
34
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 140.
33
1.2. Arte como retórica: as experiências franciscanas em São Paulo
Com efeito, já na segunda metade do século XVII era muito grande o
número de franciscanos que, inclusive, não se limitavam unicamente às
imediações das povoações paulistas, mas percorriam o interior alugares bem
longínquos, levando o evangelho aos índios e tomando parte nas Bandeiras
Paulistas, como capelães.
35
Para isso, seguiam os fundamentos da Ordem, originados nas idéias de seu
fundador, São Francisco de Assis, que se chamava Francisco Bernardone e
nasceu em 1182, em Úmbria, região da Itália na comuna de Assis, nas encostas
do monte Subasio, filho de Pedro Bernardone, um rico negociante.
Francisco, após alguns agitados anos de juventude, largou família e bens
materiais para se dedicar aos necessitados. Aos poucos, vários outros jovens o
acompanharam nessa empreitada, até que Inocêncio III lhes concedeu, em 1208,
a permissão de pregar seu novo conceito evangélico. A partir daí, passaram a ir
de cidade em cidade, difundindo uma religião ao alcance popular. Nesse
momento, a Europa estava sendo invadida por seitas que propagavam focos de
heresia, e Francisco, ao contrário, foi a Roma buscar o consentimento papal.
Francisco de Assis morreu em 1226 e foi canonizado em 1228. Logo após, o papa
Gregório IX, anteriormente Cardeal Ugolino, que havia sido grande amigo de
Francisco, encomendou sua biografia a Tomas de Celano, seu contemporâneo e
primeiro biógrafo, autor de A vida de São Francisco, aprovada pelo Papa em 1229.
[...] O franciscanismo foi um grande movimento religioso que, mais do que
as outras ordens mendicantes agitou, marcou, impregnou o conjunto da
sociedade cristã do século XIII, século em que nasceu. Utilizou métodos
novos de apostolado. Rompendo com o isolamento do monaquismo
anterior, despachou seus membros pelas estradas, mas, sobretudo os
mantinha nas cidades, então em pleno desenvolvimento, no coração da
sociedade. [...].
36
35
WER, Pe. Dr. h.c.Frei Basílio O.F.M. Páginas da história Franciscana no Brasil. São Paulo:
ED. Vozes, 1957. P. 97.
36
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2005. P. 125.
34
De todas essas reflexões, o que fica presente quanto à especificidade da
arte franciscana colonial, em relação à arte das outras ordens religiosas, é a
preocupação em atribuir grande importância ao ser humano e em manter a
simplicidade.
De fato, o franciscanismo, de acordo com Le Goff, observa o mesmo
[...] cuidado de São Francisco e de seus discípulos de se dirigirem ao
conjunto da sociedade (‘todos os homens, todas as criaturas’, omnes
homines, omnes creaturae) leva-os a utilizar sistemas de denominação
abrangendo todas as categorias sociais [...].
37
A Arte teve grande importância para os franciscanos como instrumento
facilitador para o cumprimento de sua missão evangelizadora.
Essa intenção de utilizar a Arte como retórica, para divulgar as devoções
franciscanas e os dogmas da Igreja, manifestou-se no Brasil colonial em diversas
regiões, pois há pinturas importantes nos conventos e capelas terceiras da
Paraíba, Igaraçu, Olinda, Recife, Penedo e Salvador. Além disso, os franciscanos
foram, sem qualquer dúvida, os maiores encomendantes de painéis de azulejos
portugueses com representações de cenas bíblicas ou de virtudes, o que reforça
sua aproximação das artes como forma de retórica a fim de evangelizar e
converter os indígenas, além de reforçar a fé dos colonos. São exemplos os
conjuntos azulejares franciscanos da Paraíba, de Salvador,
38
Igaraçu, Olinda,
Recife, São Francisco do Conde ou Rio de Janeiro, que podiam ser aplicados nos
claustros, naves e sacristias.
37
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2005.
P.
124.
38
Convento e Igreja de São Francisco e sua Ordem Terceira de Salvador na Bahia, (1746/48).
[...] 37 painéis de azulejos recortados [...] provenientes de Lisboa, presumivelmente da oficina de
Bartolomeu Antunes. [...] In, PAIS, Alexandre Nobre. REVISTA OCEANOS. Azulejos Portugal e
Brasil. Número 36/37Outubro 1998 / Março Lisboa: 1999. P. 100.
35
36
Figura 2
F
i
Figura 2A
37
Também para o Convento de Santa Clara, das franciscanas/clarissas de Salvador,
encomendaram numerosos painéis, seguindo a tendência masculina.
Esta característica, aliás, foi retomada pelos franciscanos paulistas no
século XX, pois encomendaram painéis neocoloniais para as capelas-mores dos
conventos de São Paulo e Santos, já que não puderam ser ornados no período
colonial, devido à pobreza dos claustros paulistas, face aos nordestinos ou do
fluminenses.
No altar-mor da igreja conventual de São Francisco de o Paulo,
fotografamos quatro painéis que se constituem num exemplo desse fato.
Figura 2-Os Estigmas -Trata-se de um painel feito em azulejos nas cores
branco e azul, representando São Francisco, no Monte Alverne, recebendo os
Estigmas, ajoelhado diante do Cristo Seráfico, tendo ao fundo grupos de anjos.
Todo o conjunto tem, como cercadura, elementos arquitetônicos encimados no
centro, pelo emblema franciscano, ladeado por dois grandes jarros floridos
39
sobre
falsas colunas. Está assinado e datado. Autoria: Carlos Mancini em 23/02/1950.
FIGURA 2 A -Santa Clara recebe o Hábito - Esta cena apresenta a
santa ajoelhada aos pés de São Francisco, em atitude de humildade e como sinal
de submissão em sua qualidade de filha espiritual do santo, com quem se
aconselhará durante toda sua vida religiosa. Alguns frades presenciam esse
momento, e um deles segura o hábito e a corda com nós, dos franciscanos, que
Clara vestirá ao renunciar ao mundo. Como símbolo dessa renúncia, suas roupas
de aristocrata estão no chão, ao seu lado.
Tomas de Celano foi encarregado por Alexandre IV de escrever a biografia
de Santa Clara, intitulada Legenda de Santa Clara (1255-1256)
40
, obra que relata
este episódio no Capítulo 7,2.
O trabalho foi resolvido em azulejaria nas cores branca e azul, contornado
com cercadura idêntica aos demais. Está datado de 19/04/1950, e assinado por
Carlos Mancini.
39
[...] chamados também de albarradas [...] MAIA Pedro Moacir. In REVISTA OCEANOS. Azulejos
Portugal e Brasil. Número 36/37Outubro 1998 / Março Lisboa: 1999. P. 89.
40
ATANCE-DE-CLARO, M.Carmen Garcia In CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano
Americano em Chile. Madri: Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis, 2002. P. 69.
38
FIGURA
3
FIGURA 3 A
39
As peças trazem a indicação de que foram produzidas no Liceu de Artes e
Ofícios de São Paulo, e embora produzidas no século XX, seguem o modelo
utilizado na Colônia, uma vez que o emprego de painéis de azulejos, em
combinação com talha dourada, sempre foi uma característica portuguesa e luso-
brasileira na decoração de igrejas e altares. Esse material foi aplicado tanto em
painéis grandes quanto em pequenos “tapetes” policromos.
No entanto, o mais comum era aparecerem em grandes cenas, como as
apresentadas aqui, com personagens e quase sempre nas cores branco e azul,
por influência da produção holandesa, que por sua vez imitava a porcelana
chinesa em seus ateliês de Delft, Roterdã e Amsterdã.
A criação mais original da azulejaria portuguesa chama-se Painéis
figurados ou historiados
41
, porque contam uma história na qual estão presentes
figuras formando um quadro composto de muitos azulejos.
FIGURA 3-A indulgência da Porciúncula. Neste painel, constituído de
azulejos pintados nas cores branco e azul e datado de 18/01/1950, assinado por
Carlos Mancini, está retratada a cena da Porciúncula: o Francisco ajoelhado
aos pés de Jesus e Nossa Senhora, que, sentados sobre nuvens, concedem-lhe a
indulgência.
Figura 3 A -São Francisco e os Frades. Com cercadura idêntica à dos
painéis anteriores, e igualmente produzido em azulejos azul e branco, apresenta
um altar como o cenário da cena, com 11 figuras, sendo que duas ao centro se
acham em pé, rodeadas por nove ajoelhadas. Todos vestem o hábito franciscano
e representam, provavelmente, São Francisco e seus companheiros reunidos,
tendo como cenário um altar no interior de uma igreja. O personagem central tem
uma das mãos estendida em direção a um dos frades, como que entregando a
corda que envolve o hábito franciscano ao redor da cintura. Também é assinado
por Carlos Mancini e datado de 25-5-1950.
41
MAIA Pedro Moacir. In REVISTA OCEANOS. Azulejos Portugal e Brasil. Número 36/37Outubro
1998 / Março Lisboa: 1999. P. 88.
40
2. A formação cultural e conceitos devocionais: estatutos e devoções
e sua influência na arte a partir das experiências franciscanas em São Paulo
A ausência de seminários no Brasil obrigou muitos seminaristas a estudar
em Portugal, pois foi somente em 1739 foi criado o primeiro Seminário estável no
Brasil, com o nome de Seminário de São José, no Rio de Janeiro, pelo franciscano
Dom Frei Antonio de Guadalupe, Bispo do Rio de Janeiro entre 1725 e 1740.
42
Em seu retorno ao Brasil, traziam todas as características lusitanas, seja no
pensamento religioso ou na expressão da fé, tendo como única novidade a
catequese. Nesse sentido, era necessário o conhecimento das línguas indígenas
para maior compreensão, o que, no entanto quase não teve influência na criação
artística. Por outro lado, a prática da doutrinação deu origem a uma maior
dramaticidade e didatismo nas cenas sacras.
Os critérios propiciados por religiosos e aceitos pela sociedade colonial
estavam estreitamente ligados às diretrizes das províncias franciscanas
portuguesas. Aliás, nesse sentido, os portugueses apresentavam o mesmo
espírito contra-reformista que os espanhóis.
[...] Tanto los motivos religiosos que guiaron a la espiritualidad franciscana
como las formas devocionales de expresar los sentimientos no pueden
separarse de lo acontecido em la metrópoli [...].
43
Assim, é preciso pensar na questão, aqui no Brasil, da formação de
identidades culturais diferentes, que combinaram a espiritualidade portuguesa com
a nova realidade da Colônia. A formação cultural dos frades é importante neste
ponto, porque eram eles, na maior parte das vezes, os encarregados das
diretrizes dos trabalhos artísticos, o que gerou o valor de se examinar as devoções
próprias da Ordem, fundamental para a interpretação da arte franciscana. Com
efeito, os conceitos devocionais eram transmitidos por livros, e semelhantes em
tudo aos da Metrópole.
42
Disponível em <www.arquidiocese.org.br> Acesso em 26/10/2006.
43
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 83.
41
La devocion es la herramienta de la que se vale la Iglesia para extender
la comprensión de los mistérios religiosos al conjunto de la sociedad, a
quien va dirigido este tipo de libro.
Com estas palavras refere-se Brunetto
44
aos livros, como por exemplo, o de
um dos mais importantes cronistas franciscanos do período colonial, frei Apolinário
da Conceição, impresso em Lisboa em 1746 e dedicado a difundir a devoção à
Imaculada Conceição.
Realmente, a devoção à Imaculada Conceição tem lugar importante na
religiosidade franciscana, e como tal foi implantada no Brasil, ao lado do culto a
São Francisco e a Santo Antonio, bem como de outras devoções da Ordem, como
São Domingo de Gusmão e o Arcanjo São Miguel.
Dentro deste contexto, como fonte primária, os Estatutos permitem uma
análise do aspecto de formação dos frades, ao mencionar as devoções da Ordem.
Este fato revela-se também no caso paulista, uma vez que encontramos inúmeros
exemplos nos arquivos examinados para este estudo, tal como o Estatuto das
Recolhidas do mosteiro da Luz, que apresenta às religiosas, além das devoções,
os objetivos, os deveres e obrigações assumidas, ensinando as normas da vida
religiosa.
Cristóphoro Bove refere-se à importância do Estatuto da Divina Providência
de São Paulo, que Frei Galvão escreveu para as recolhidas, como base da
construção do Mosteiro da Luz, afirmando: “[...] O Estatuto pode ser considerado a
obra mais importante de Frei Galvão, porque por estas normas escritas firmou a
fundação que fizera em 1774 [...]”
45
44
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 70.
45
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P.164.
42
[...] Além de levar avante uma obra, como foi conseguir material, mão-de-
obra e recursos para erguer o Recolhimento da Luz, seu zelo pela glória de
Deus fez com que consagrasse tempo de seus dias para pensar num
Estatuto que assegurasse a vida das recolhidas na busca da perfeição
religiosa, sem falar da constante preocupação com sua formação religiosa
e espiritual [...].
46
Os trechos abaixo, que fazem parte do Estatuto das Recolhidas do Mosteiro
da Luz, foi manuscrito em 1788 por Frei Antonio de Sant’Anna Galvão, fundador
do mosteiro e da Igreja da Luz, encontra-se no Arquivo da referida instituição e
demonstra as devoções e práticas decorrentes delas: “[...] Particular devoção que
as religiosas deste convento devem ter para com Maria Ssma. Nos seus cultos e
obséquios [...]”
47
A esse respeito, Bove afirma que:
[...] Do texto e do contexto tudo indica que o autor é Frei Galvão.[...]
O novo Recolhimento [...] se distinguiu pela devoção à Imaculada
Conceição e pela laus perenis ao Santíssimo Sacramento, além do
espírito de contínua penitência e de extrema pobreza.
48
Podemos perceber grandes devoções franciscanas mencionadas nestes
textos como, por exemplo: A Divina Providência, a Imaculada Conceição e a
Adoração ao Ssmo. Sacramento. Referem-se também à pobreza e à penitência,
atitudes profundamente ligadas à mentalidade da Ordem; ao chamado decoro,
que regulamentava e guiava a criação das obras destinadas às igrejas e
conventos.
46
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão de
França)O.F.M, Desc. Biografia comentada, Vol .II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P.155.
47
IDEM, IBIDEM. P. 80.
48
Laus Perenis -Adoração Perpétua ao Ssmo. Sacramento. In BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv.
Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão de França). O.F.M, Desc. Biografia
comentada, Vol.I I, 5 .São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 111.
43
44
FIGURA 4
[...] Sédula Irrevogável de filial entrega a Mª SS., minha Senhora, digna May e
Advogada.[...]
45
FIGURA 4
Outro exemplo é o documento de autoria de Frei Galvão, datado de
09/11/1766, que se encontra no Arquivo do Mosteiro da Luz, intitulado Sédula
Irrevogável de filial entrega a Mª SS., Minha Senhora, digna May e Advogada.
49
Bove define este documento da seguinte forma:
[...] Esta sédula é a síntese de devoção de Frei Antonio à Maria [...] esta
entrega pode ser considerada como fruto de seus estudos feitos com
espírito de fé, resultado de sua formação, bem como uma resposta à
tradicional devoção à Imaculada Conceição da Virgem Maria, tão própria e
sempre cultivada pela Ordem Franciscana. [...].
50
Realmente, a representação da devoção à Virgem Maria, que se constituiu
numa das grandes controvérsias teológicas dos séculos XVII e XVIII, refletiu-se
nas manifestações artísticas, uma vez que a Ordem Franciscana tornou-se grande
defensora da Imaculada Conceição
51
, cujo tema faz parte de sua iconografia.
Neste outro exemplo, retirado do quarto capítulo do Livro de Crônicas,
Tomo 1774, manuscrito a 27 de Agosto de 1941, disponível no arquivo da Igreja
da Luz, fica o registro de como as irmãs eram encorajadas ao exercício da
extrema pobreza, onde as palavras expressam, além disso, a valorização pelos
franciscanos de virtudes e da entrega à devoção da Divina Providência:
49
Arquivo da Luz. , Original Manuscrito por Frei Galvão e firmado com próprio sangue de acordo
com BOVE. Pe. Cristóphoro. O.F.M.conv. Relator. In Frei Antonio de Santana Galvão. São Paulo:
Loyola, 1993. P. 79 e 233.
50
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma, 1993. P. 79.
51
LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, 6,1942. P. 44.
46
[...] Página 11 Grandes Virtudes que no começo do convento praticaram
as Recolhidas.
Quando no jantar se fazia mingao de tapioca, ralo, para se por no
refeitório; isto se comia e ficava-se muito alegre e satisfeita com a Divina
Providência que era toda nossa consolação.
Página 13 Nosso fundador (deixou escripto uma das primitivas Irmãs)
recomendava muita pobreza em tudo [...].
Realmente, são inúmeras recomendações, desde a forma de fazer as
orações até a definição de comportamentos que devem ser adotados. Estes são
detalhados e compõem uma longa lista, que diz respeito às devoções, à pobreza,
ao respeito que deve ser mantido entre elas, às relações com os seculares, ao
cultivo das virtudes do silêncio, da obediência, da paciência, do amor ao próximo,
da compostura na maneira de se vestir e de se portar, entre outros.
Estes conselhos têm fundamento na importância da simplicidade e do ser
humano, de acordo com o pensamento franciscano, tendo refletido
inevitavelmente na escolha dos temas pintados no coro da igreja da Luz, uma vez
que era um local de uso exclusivo das irmãs, fazendo parte da clausura, como
ainda hoje.
Quanto à questão devocional, é preciso ressaltar que as devoções eram
trazidas da Metrópole até por governantes, como é o caso da piedade por Nossa
Senhora dos Prazeres, de acordo com o exemplo que se encontra no arquivo da
Luz:
47
48
FIGURA 5
Livro de Crônicas de 1774 a 1941 – I TOMO
52
52
ARQUIVO DA LUZ.
49
No Livro de Crônicas de 1774 a 1941 Tomo, à f ª19/20, Capítulo VIII,
está registrada a instituição de uma devoção trazida de Portugal por Dom Luis
Antonio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Matheus, primeiro governador-
general da Capitania de São Paulo, responsável pela doação das terras e pela
autorização para que Frei Galvão pudesse fundar o Mosteiro da Luz, que
fotografamos:
FIGURA 5
[...] Instituição da Irmandade da Nobreza dedicada a festejar
A Virgem Maria, Nossa Senhora
com o especioso título
dos Prazeres. Instituída por D.Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão.
Morgado de Mateus.
Governador e Capitão Geral desta Capitania de
São Paulo.
Em novo Recolhimento que fundou no
Campo da Luz.
Ano 1775
[...] Instituição à especial devoção que consagro a Virgem Maria,
NossavSenhora com o Espicioso Título dos Prazeres [...] dita Senhora
minha Madrinha e Padroeira da minha Casa e Morgado de Mateus me tem
movido a fazer a sua festa todos os annos que tenho governado esta
capitania em o dia da primeira Segunda-feira depois da Dominica in Albis,
em a igreja da mesma Senhora no Campo da Luz, subúrbios desta cidade
[....]
São Paulo oito de maio de mil setecentos e setenta e cinco.
Sello-D. Luiz Antônio de Souza.[...]
Percebemos, portanto, que o conteúdo das bibliotecas dos conventos é
testemunho da cultura franciscana e de um passado cultural, porém é muito difícil
encontrar esses livros, em geral porque não foram conservados. Quando existem,
o acesso a eles é muito complexo.
53
Brunetto
54
cita o capítulo XVI dos Estatutos elaborados para a Província
franciscana de Santo Antonio,
55
que versa sobre leitores de Filosofia, indicando a
53
No decorrer deste trabalho fomos à biblioteca franciscana, incorporada à biblioteca da Faculdade
de Direito da USP no Largo de São Francisco, que possui livros raros. Porém, apesar da boa
vontade das bibliotecárias, não conseguimos títulos que contivessem gravuras franciscanas.
54
BRUNETTO, Carlos Javier Castro Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 89.
50
leitura obrigatória das pautas de Duns Escoto, tido como escritor indispensável do
pensamento franciscano, defensor do dogma da Imaculada.
Era por esses estatutos que os frades eram incentivados a escrever livros, e
recebiam toda a facilidade se tivessem o desejo de sair a público divulgando seus
escritos através de sermões.
Sobre essa questão da oratória, a igreja católica reconhecia, desde o século
XIV, o sermão e o teatro como importantes meios de edificação coletiva
56
. Como
prova disso, temos o fato de que, no século XVII, a Contra Reforma explorou a
fundo suas possibilidades retóricas, que acabaram por influenciar também a
arquitetura e a decoração das igrejas.
No frontispício dos Estatutos elaborados para a Província de Santo Antonio
está a seguinte advertência:
[...] Tirados de Vários Estatutos da Ordem:
Dos Autores dos Livros.
Havendo algum Religioso que se queyra occupar em compor alguns livros
de edificação, ou utilidade para o povo, o Irmão Ministro lhe dará todo o
favor, & ajuda possível a nosso estado para sahir com ele a público. [...]
57
De fato, os Estatutos da Província da Imaculada Conceição, à qual pertencia
a Capitania de São Paulo, são muito semelhantes em todos os pontos aos
Estatutos da Província de Santo Antônio, acima mencionados, permitindo
reflexões sobre ambos.
55
BRUNETTO, Carlos Javier Castro Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. Província de Santo Antonio do Brasil criada em 1657, com sede capitular no
convento de Olinda e responsável pelas capitanias do Norte. P. 52.
56
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus São Paulo: COSAC & NAIFY, 2003. P. 56.
57
IDEM, IBIDEM. P. 90.
51
52
Figura 6
“[...] Doutrina e respeito da visoins,
revelaçoins, ou outras couzas q’podem
acontecer ou no interior, ou no exterior
aos olhos do corpo [...]”.
58
FIGURA 7
Manuscritos de Frei Galvão
59
58
ARQUIVO DA LUZ. Pasta: Doutrina sobre Visões, Revelações, e Direção Espiritual.
59
IDEM, IBIDEM.
53
A seguir são apresentados alguns exemplos de documentos dos arquivos
do Mosteiro da Luz e da Ordem Terceira Franciscana de São Paulo.
Figuras 6 e 7.
Na pasta com a etiqueta Visões e doutrinas, revelações e direção espiritual
encontramos alguns manuscritos atribuídos a Frei Galvão.
60
Estes documentos, que foram fotografados, fazem parte de um conjunto e
trazem doutrinas a respeito da resistência às tentações e da necessidade da
confiança na Providência Divina, preocupações franciscanas sempre presentes
em inúmeras pinturas da Ordem. Este conjunto tem por título “[...] Doutrina a
Respeito da visoins, revelaçoins, ou outras couzas q’podem acontecer ou no
interior, ou no exterior aos olhos do corpo [...]”, e é interpretado por Bove como
“[...] um documento simples, profundo, de orientação espiritual”.
61
60
ARQUIVO DA LUZ. Pasta: “Doutrina sobre Visões, revelações, e direção espiritual”.
61
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada. Vol. II, 5. São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 234.
54
Figura 8
Frontispício do Estatuto das Recolhidas da Divina Providência.
62
62
ARQUIVO DA LUZ. Original manuscrito por Frei Galvão datado de 1788.
55
FIGURA 8
Fotografamos o frontispício manuscrito do Estatuto das Recolhidas da
Conceição, que apresenta as regras a serem seguidas pelas religiosas, e onde se
lê:
ADONAI
Domine Rex saeculorum qui sedéns super thronum tuae magnitudinis [...]
Principia o Estatuto das Recolhidas da Conceição da Divina Providencia
desta Cidade de São Paulo, religiosamente congregadas.
Em o seu novo convento no anno 1788.
56
Figura 9
Estatuto das Recolhidas da Divina Providência
63
[...] Da Obrigação do Coro e Oficio Divino [...]
63
ARQUIVO DA LUZ. Estatuto manuscrito atribuído a Frei Galvão.
57
FIGURA 9
Documento manuscrito que faz parte do Estatuto das Recolhidas da
Conceição da Divina Providência, onde se pode ler a regra número 2, que trata
das obrigações do coro:
[...] Ordem das Religiosas Concepcionistas, Aprovada por Julio Segundo.
Das Obrigações do Choro e Officio Divino
2
Rezarão em Choro as Recolhidas
usando os Ritos
q. costumão os Religiosos Menores desta Província de N.Sra. da
Conceição[...]
Entendemos, portanto, que as freiras deviam utilizar, no coro, os mesmos
ritos empregados pelos religiosos da Ordem Primeira Franciscana.
58
FIGURA 10
[...] Estatutos Particulares desta Venerável Ordem Terceira [...].
[...] 16 de janeiro de 1686 [...].
64
64
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA DE SÃO PAULO. Livro de Actas. P. 3
59
FIGURA 10
Encontramos nos arquivos da Ordem Terceira de São Francisco paulistana
alguns estatutos, como este que pudemos fotografar, datado de 1686.
60
FIGURA 11
[...] Livro de Actas 3-11-1727 a 1789.[...]
65
65
Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco, de São Paulo.
61
FIGURA 11
Livro de Actas da Ordem Terceira de o Francisco, onde encontramos
vários registros interessantes para a pesquisa, e nos quais notamos que, nos
estatutos, nas referências às construções, é clara a indicação para que fosse
mantido o estado de pobreza na arquitetura dos conventos, pois os frades tinham
que se ater à Teoria do Decoro, que consiste na visão da arte dentro da
adequação da imagem à idéia religiosa.
Este conceito era contradito na preocupação dos franciscanos para com o
engrandecimento dos templos e dos conjuntos conventuais, com o objetivo de
enaltecer as formas externas de culto nas igrejas, além de engrandecer a Odem,
melhorando o aspecto das dependências dos conventos.
Essas obras realizadas nos conventos costumam ser mencionadas nos
Livros dos Guardiões, e quanto a isto Brunneto
66
ressalta que, em inúmeras
ocasiões, existe a referência a um frade participando de um feito artístico, como
mentor ou diretor de um programa, o que acarreta a necessidade de se conhecer
o pensamento destes religiosos, encarregados de transmitir aos artistas as formas
e conteúdos que deveriam representar nas pinturas ou nas esculturas, com a
finalidade de atingir adequadamente o público.
66
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 97.
62
FIGURA 12
Pode-se ler na quinta linha do manuscrito:
[...] Comissário actual Frei Antonio de Sant’Anna Galvão [...]
67
67
Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco, de São Paulo. Livro de Actas 1727 a 1789.
Assinatura de Frei Galvão no termo de Posse de Comissário.
63
FIGURA 12
No Livro de Actas fotografamos o documento relativo à posse de um
ministro da Ordem Terceira, com assinatura do comissário Frei Antonio de
Sant’Anna Galvão, em 18/10/1776.
Com efeito, em São Paulo, Frei Antônio de Sant'Anna Galvão foi eleito
guardião do Convento de São Francisco, em 24/02/1798, e em 28/03/1801, tendo
participado das reformas da igreja da Ordem Terceira, de onde foi comissário,
tomando posse em 09/03/1776, bem como da construção da Igreja e do Mosteiro
da Luz, fundado em 1774. Em 1798 e em 1801 foi eleito guardião do Convento de
São Francisco.
Em relação à primeira eleição para guardião, Rower comenta: [...] Frei
Galvão não foi exonerado da Guardiania, mas continuou zelando pelas Recolhidas
durante um ano e meio a contento de todos. [...]
68
Por essas atribuições do frei, no mesmo período das três instituições
franciscanas, percebe-se que as reformas e construções podem ter feito parte de
um processo artístico e arquitetônico sob seu comando.
68
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II. 5. São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 198.
64
FIGURA 13
Estatuto das Recolhidas da Divina Providência.
Capitulo 17
65
A trajetória de poder de Frei Galvão, à frente tanto das instituições franciscanas
quanto de um programa de construção das edificações, é atestada em vários
documentos, como o da fotografia que aparece a seguir.
FIGURA 13
Figura de página dos Estatutos elaborados por Frei Galvão para as irmãs do
Recolhimento da Luz
69
Do profundo respeito q’ se deve ao
templo do Senhor e a seus
Ministros
§17
E por q’ o templo para maior comodidade e facilidade nos exercícios
espirituais, estão contíguos aos dormitórios das religiosas [...]
Observemse
[...] Don Mateus de Abreu Pereira Bispo de São Paulo.
70
Pelas palavras contidas neste manuscrito, percebemos que até a
disposição dos dormitórios, na concepção e construção dos conventos, era
pensada de acordo com a necessidade de facilitar as obrigações espirituais das
religiosas que ali habitavam, o que se constitui num exemplo da questão
devocional e espiritual definindo a arquitetura.
Nos arquivos do Mosteiro da Luz, também encontramos outros manuscritos
de Frei Galvão, nos quais ele descreve o edifício, observando que a construção
tem causado admiração tanto aos paulistas quanto aos habitantes de capitanias
vizinhas, numa demonstração da importância do Convento tanto do ponto de vista
religioso quanto do social. Outro elemento de reflexão do frei é o montante de
recursos investidos, e a necessidade de uma soma tão considerável quanto a já
despendida, dando testemunho de sua mentalidade de homem de e religioso
69
ARQUIVO DA LUZ-Manuscrito sem data.
70
Dom Matheus de Abreu Pereira, quarto Bispo de São Paulo. Tomou posse em 31/05/1797. Em
seu tempo, destacou-se o curso de Filosofia dado no Convento dos Franciscanos, que de 1804 a
1818 praticamente monopolizou o ensino dessa disciplina. In: BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv.
Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão de França)O.F. M, Desc. Biografia
comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 38.
66
franciscano, atribuindo-as à Providencia Divina, uma das várias devoções
franciscanas trazidas de Portugal.
Dos escritos de Frei Galvão:
71
[...] Tem este edifício de comprido 240 e tantos palmos e de largo 170 e
tantos, com uma área grande no meio, uma cerca extensa, etc.etc.etc. obra
da Providência que tem causado admiração aos Snrs. Paulistas,
famigerada e notória às Capitanias circunvizinhas: [..]Tem de gasto na
construção desta obra mais de 13$000 cruzados, e julgo que ainda levará e
gastará outro tanto; porem não dá cuidado, porque quem deu e fez com
tanta facilidade e liberalidade, dará mais para a glória da sua admirável
Providencia [...].
Pudemos então obter alguma noção de como pensava o fundador do
Mosteiro e Igreja da Luz, através de seus escritos, sobretudo nos parágrafos
anteriores, que sintetizam a questão de que é fundamental avaliar a mentalidade
dos religiosos franciscanos, para que se possa analisar sua arte.
71
ARQUIVO DA LUZ /. Manuscrito. TOMO I – 1774- Capitulo IV. P. 17.
67
3. As Ordens Terceiras e as condições da encomenda na Colônia
[...] um fato, concernente à condição do trabalho artístico colonial em
geral [...] que a grande maioria das obras religiosas - talvez todas era
executada de acordo com um programa provavelmente bem detalhado,
imposto aos artistas pelas comunidades religiosas que encomendavam o
trabalho.
72
Desde os setecentos, cresceu em todo o Brasil a importância das ordens
terceiras e irmandades religiosas.
Em Minas Gerais, por exemplo, foi efetiva a predominância dos leigos, em
todos os aspectos relacionados com a transmissão do culto, tanto por ações
quanto por participação coletiva. Constituem-se sua principal ação a construção e
manutenção de igrejas e capelas, bem como celebrações dos rituais e do culto, na
maior parte das vezes associados a irmandades, as quais tiveram grande
importância como agentes promotores, organizadores e financiadores, estando
presentes em vários setores da vida religiosa da colônia.
As ordens terceiras sinalizam a vinculação leiga às tradicionais ordens
religiosas, especialmente a franciscana, a carmelita, e a dominicana.
Ainda segundo Miriam Oliveira,
73
as irmandades se constituíram numa
forma de sobrevivência religiosa das corporações de ofício medievais. Essas
associações tinham como finalidade agrupar-se para defender interesses comuns
de caráter religioso, assistencial ou ocupacional, e com isso seu desempenho foi
determinante na formação da sociedade brasileira, uma vez que se reuniam por
meio da identificação por classes e grupos sociais.
Outros traços de afinidade, como o socioeconômico e a cor de pele,
ajudaram a definir os grupos em sua formação. As irmandades da Misericórdia e
do Santíssimo Sacramento, as Ordens Terceiras franciscana e carmelita apenas
recebiam brancos e altos dignitários políticos, agricultores, comerciantes,
72
LEVY, Hanna. A pintura Colonial do Rio de Janeiro. Revista do SPHAN. Nº 6 Rio de Janeiro.
1942. P. 28.
73
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify,
2003 P. 167.
68
proprietários abastados, intelectuais e outros expoentes das camadas mais
elevadas da população.
74
Encontramos comprovação desse fato no texto que faz menção ao
governador de São Paulo como membro da Ordem Terceira Franciscana,
participando das festas religiosas da cidade:
[...] O governador de São Paulo D.Luis Antonio de Souza Botelho e
Mourão, já havia recebido o hábito da Ordem Terceira franciscana em
Portugal, mas somente em São Paulo fez sua profissão, aos quatro de
Outubro de 1766 dia de o Francisco de Assis. Esta expressão de
religiosidade da suprema autoridade da capitania pôs em movimento, sem
dúvida, a pacata cidade colonial, e constituiu um acontecimento social[... ],
Livro IIº das Profissões, fª 55v da Capela[...].
75
No seu oposto, os escravos africanos associavam-se às irmandades como a
de Nossa Senhora do Rosário ou de São Benedito, entre outroas. Na posição
intermediária estavam as irmandades de mulatos, crioulos e pretos forros, como
de as de São José, de Santana e de São Gonçalo Garcia, entre outras.
76
Nesse tempo, segundo Mirian Ribeiro de Oliveira,
77
um terço dos dias do
ano era ocupado por festas religiosas, festividades de caráter ordinário e também
comemorações ligadas à Semana Santa, Páscoa e Natal, subsidiadas pelas
câmaras locais, por ter caráter oficial no reino português.
Frei Ortman inicia o capítulo IV de seu livro sobre a história da Capela da
Ordem Terciária Franciscana da seguinte forma: “[...] Notável na história da Ordem
Terceira e de sua fraternidade paulopolitana é a procissão da penitência ou da
Quarta-Feira de Cinzas [...]”.
78
74
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify,
2003. P. 167.
75
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 119.
76
OLIVEIRA Miriam. O Rococó Religioso no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. P. 168
77
IDEM. IBIDEM. P. 168.
78
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 113.
69
70
FIGURA 14
Despeza
[...] Festividades das Chagas [...]
79
79
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA. Livro de Receita e Despesas de 1782/83. P. 95.
71
FIGURA 14
De fato, encontramos referências às Festas de Chagas e Procissão de
Cinzas,
80
como o registro de despesas efetuadas para essa festividade, que
fotografamos, no arquivo da Ordem Terceira de São Francisco de São Paulo.
Sobre a questão das irmandades, Miriam Oliveira comenta a dificuldade de
justificar o importante desenvolvimento na construção de conventos no século
XVIII, devido às idéias dos filósofos racionalistas, que vinham minando as bases
desses sistemas de organizações religiosas.
No entanto, apesar da influência anticlerical do Iluminismo, da expulsão dos
jesuítas em 1759 e da crise que se generalizou nas demais ordens, de alguma
forma gerada por demasiadas influências do poder laico, Miriam Oliveira
81
considera que, no Brasil o século XVIII foi um grande culo religioso,
embasando este pensamento na constatação de que foram inúmeras as
construções religiosas nesse período, sendo que, na sua maioria, por iniciativa
das confrarias, irmandades e ordens terceiras, todas formadas por irmãos leigos.
De fato, não existem conceitos iconográficos locais que diferem de uma
região para outra, talvez porque tenha existido um elemento de coesão de grande
força, e que se constituiu na Ordem Terceira da Penitência, dos franciscanos.
82
Com efeito, suas expressões mais características aconteceram na região de
Minas Gerais, que não conheceu fundações conventuais por proibição expressa
do governo português. Houve também, porém, um desenvolvimento acentuado de
irmandades setecentistas no Rio de Janeiro, em Pernambuco e em outras regiões
brasileiras, como São Paulo, onde se localiza A Ordem Terceira de São Francisco,
um dos objetos deste estudo.
As irmandades eram clientes por excelência da encomenda religiosa no
século XVIII. As únicas exceções eram as matrizes e as capelas de irmandade de
80
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA. Livro de Receita e Despesa de 1782/83. P. 95.
81
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil São Paulo: Cosac & Naify,
2003 P. 167.
82
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 131.
72
negros, talvez porque fosse preciso reunir um patrimônio para possuir uma capela
própria, e esses fundos eram provenientes de anuidades pagas pelos irmãos,
além de derivarem de legados diversos, cuja utilização era empregada para a
obtenção da licença, a compra de terreno, a elaboração do risco e o contrato da
obra.
Nesse sentido, de acordo com o Concílio de Trento, a concessão de licença
era da competência dos bispos da região. Com a política de Pombal, no entanto,
os pedidos de licença passaram a ter que ser submetidos à Mesa de Consciência
e de Ordens, de Lisboa.
Em São Paulo, essa proeminência dos terceiros manifestou-se claramente
no século XVIII, mediante a ampliação das instalações dos carmelitas e também
dos franciscanos, cujas capelas passaram a rivalizar, em luxo e escala, com as
igrejas conventuais.
A igreja da Ordem Terceira do Carmo foi fundada em 1697. Segundo Mario
de Andrade,
83
foi alvo de muitas benfeitorias durante o século XVIII, entrando em
sua fase de maior atividade construtiva entre outubro de 1792 e outubro de 1793,
quando os terceiros resolveram complementar a funcionalidade e a decoração do
edifício. O mesmo autor afirma que existem registros de pagamentos feitos a
mestres pintores e entalhadores em 1760, em 1785 e 1794, assim como em 1796
e 1797 aparecem indicações de pagamentos a Jesuíno de Monte Carmelo.
Da mesma forma, no livro de Frei Ortman sobre a capela dos terceiros
franciscanos está escrito:
[...] Nenhuns pormenores nos vieram de como se edificou a primitiva
capela. Que foi iniciada em 1676, o sabemos, graças a um documento
que chegou até nós só por uma feliz coincidência. [...].
[...] Grande deve ter sido a ânsia dos Irmãos Terceiros de possuírem sua
própria capela, pois a fraternidade contava em 1676 mais de trinta
anos de vida [...] A ela se haviam filiado muitas das principais famílias da
vila, que se notabilizaram nos grandes acontecimentos da época. [...].
84
83
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 160.
84
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN nº 16,1951. P. 18.
73
A partir de 1676, os irmãos da Ordem Terceira puderam contar com uma
capela cujo arco ficava na parede da igreja conventual de São Francisco. Sua
construção teria sido terminada em 1736, mas no ano de 1754 ficou
estabelecido seu patrimônio e a abertura do Livro de Receitas e Despesas, sendo
que daí em diante existem registros das aquisições, benfeitorias e reformas.
No entanto, desde o segundo quarto do século XVIII, segundo Ortman
85
, os
irmãos passaram a ter vida de corporação mais progressista, dando ênfase ao
desenvolvimento da ordem nas esferas espiritual e material, quando aconteceram
grandes donativos e um substancial aumento dos trabalhos e benfeitorias em sua
capela: “[...] nestas construções, acrescimentos e benfeitorias, os Irmãos haviam
despendido, até 1754, dezassete mil cruzados [...]”.
86
Todo esse dinamismo deveu-se à profunda transformação na estrutura
social e econômica do povo paulista, resultante do Ciclo do Ouro, nas Minas
Gerais, e da instalação de um governo próprio em São Paulo, em 1721.
[...] No século XVII, as confrarias se contentavam com uma capela, da qual
faziam as despesas, na igreja paroquial ou em algum convento. No século
XVIII, elas quiseram ter sua própria capela [...].
87
Depois de mais de um século, os terceiros sentiram necessidade de
aumentar a igreja, e para isso contaram, em 25/10/1783, com a doação, por parte
dos superiores da Província, de um pedaço de terreno do convento franciscano,
para que pudessem levantar sua nova capela, que foi inaugurada em 1788. É
interessante frisar que a construção foi feita sem que a capela antiga fosse
demolida, e que a solução encontrada foi atravessá-la. Fizeram também outras
dependências.
Dentro da questão da arte franciscana, até este ponto, abordamos quais
eram as circunstancias da Colônia que possibilitaram manifestações artísticas.
Consideramos a situação cultural e devocional, bem como as condições em que
85
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN nº 16,1951. P. 31.
86
IDEM. IBIDEM. P. 34.
87
BAZIN, Germain. A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. V.1. Rio de Janeiro: Record, 1956. P.
32.
74
eram feitas as encomendas e as construções da Ordem Franciscana no Brasil. A
seguir, passaremos a focalizar a iconografia das imagens franciscanas e os temas
privilegiados pelos comitentes.
75
4. Temática e iconografia
Apesar do espaço geográfico da Colônia estar localizado o longe, o
padrão artístico a ser seguido chegava de Portugal e Espanha através de livros.
Assim é que, para o período de esplendor artístico dos conventos, iniciado no
século XVIII, Portugal passou a enviar grande parte dos livros e estampas para
que os artífices usassem como modelo na execução de suas obras de arte.
Brunetto afirma que, no acervo de obras raras das bibliotecas brasileiras,
existem livros publicados nesse século e gravuras lisboetas, vindas das casas dos
principais gravadores lusos, sendo que isso pode ser comprovado através de
consulta na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
88
Os cronistas franciscanos,
como frei Jaboatão, faziam comentários sobre a adaptação da obra ao espaço
conventual, dentro do conceito do decoro.
De fato, analisando arquivos em São Paulo, realmente encontramos
registros interessantes, porém não conseguimos localizar ainda livros com
gravuras que pudessem ter sido usados pelos pintores e comitentes das obras
que fazem parte desta pesquisa.
No entanto, é provável que todas essas informações não chegassem além
dos clérigos, frades e mesas de ordens terceiras, não atingindo os artistas e os
mentores, que muitas vezes eram simples seculares, fazendo com que a criação
artística fosse mais um resultado de uma intuição estética
89
e de uma certeza
formal do que da aplicação de regras vindas da Europa. Segundo Brunetto, “[...]
Uno de los aspectos más interesantes del arte brasileño es, precisamente, el
contemplar la evolución de uma mentalidad artística europea em el Nuevo Mundo
[...]”.
90
É possível perceber esse fato, por exemplo, no emprego do barro, que era
um material considerado pobre pelo Decoro, e que no Brasil adquiriu uma grande
importância, sem influir na expressão da idéia religiosa:
88
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 123.
89
IDEM. IBIDEM. P. 125. nota nº 15 a respeito de Lourival Gomes Machado
90
.IDEM, IBIDEM. P. 131.
76
[...] A imaginária paulista é basicamente de barro por tradição formada nos
interesses modestos do comércio colonial. São minoria as imagens
eruditas de madeira encontradas em São Paulo [...].
91
Sempre tendo em mente que Portugal achava-se sob o regime do
Padroado, e que a cultura da Ordem Franciscana compartilhava das
características portuguesas, tanto no pensamento como na expressão da fé, é
fácil deduzir que os franciscanos que chegaram ao Novo Mundo, sendo
portugueses, traziam logicamente os costumes religiosos e as tradições
devocionais de sua terra natal.
92
Com efeito, Francisco de Assis foi um dos inspiradores da reforma religiosa
do século XIII, que se manifestou na arte pelo surgimento do naturalismo, que por
sua vez é um dos valores do gótico. Por isso, ao começar o povoamento e a
cristianização do Brasil, no século XVI, as imagens de São Francisco, presentes
em Portugal desde o gótico, proliferaram dentro dos programas da Contra
Reforma e da evangelização da Colônia.
93
Desde os primórdios da Ordem, os franciscanos conseguiram uma grande
penetração em Portugal, sendo que, entre seus primeiros membros, estão Santo
Antonio de Pádua e Santa Isabel de Portugal, umas das grandes devoções entre
os terciários.
É preciso no estudo da arte franciscana levar em conta, portanto, dois
aspectos: a importância das tradições religiosas próprias da Ordem e a
intervenção dos frades como mentores do trabalho artístico.
Bruneto propõe estabelecer dois níveis de representações franciscanas: as
que seguem fielmente o modelo português e aquelas que, partindo de um
esquema semelhante e sem serem transformadas na representação, adquirem um
significado diferente.
Ainda segundo esse autor:
91
ETZEL, Eduardo. Imagem Sacra Brasileira. São Paulo: CESP, 1979. P. 37.
92
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 67.
92
IDEM, IBIDEM. P. 133.
77
[...] Os estudos na área da iconografia cristã [...] demonstraram que, nas
artes figurativas e particularmente na pintura e na escultura, o século XVIII
é o prolongamento natural do século XVII, que fixou a iconografia religiosa
do barroco a partir das normas emanadas do Concílio de Trento [...].
94
Realmente, na arte brasileira um aspecto que contempla a evolução de
uma mentalidade artística européia no Novo Mundo, porque apesar das
representações franciscanas não divergirem dos modelos iconográficos lusitanos,
elas apresentam diferentes interpretações, de acordo a história social, diferente
daquela do meio onde estes esquemas iconográficos originaram-se.
95
Com efeito,
96
fica muito difícil estabelecer uma cronologia para a chegada
dos temas religiosos franciscanos de Portugal, porque muitas das primeiras obras
desapareceram, e entre as conservadas é preciso adivinhar sua datação, em
função do estilo e técnica, por falta de outras fontes.
O que é realmente significativo, no entanto, é que alguns temas alcançaram
grande popularidade, e outros não. Descobrir estas razões, segundo alguns
autores, seria de grande interesse para a sociologia da arte como uma análise do
que conduzia os artistas e os comanditários ao eleger um determinado tema em
detrimento de outro. Provavelmente, essa questão tem a ver com a mentalidade e
a estrutura de uma nova sociedade, baseada em padrões diferentes da Metrópole.
Nesse sentido, no âmbito devocional, existem duas diferenças essenciais
com respeito a Portugal: em primeiro lugar, o culto aos santos negros, como São
Benedito - que em Portugal chamava-se São Benito de Palermo - e Santo Antonio
de Catigeró - cujo nome europeu é São Filadelfo que, por possuírem pele negra,
gozaram do apreço especial da população, formada por escravos e negros
libertos, que com eles se identificava; e, em segundo lugar, a evangelização dos
índios, que, por razões óbvias, não existia em Portugal.
Portanto, por vezes a simplicidade franciscana ficou registrada no meio
artístico por meio de parcos recursos figurativos, estando essa simplicidade e a
94
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus São Paulo: COSAC & NAIFY, 2003. P. 57.
95
IDEM, IBIDEM. P. 83.
96
BRUNETTO
,
Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P.131, 141,142.
78
generalização dos motivos intimamente ligados às questões sociais, mais do que
à recusa de outros temas, vindos de Portugal ou tirados de gravuras de livros ou
azulejos, como no claustro de São Francisco e Ordem Terceira de Salvador, entre
outros do Nordeste.
Convém ressaltar que não se pode esquecer que a grande parte dos que
emigravam para o Brasil no século XVI procedia das classes mais humildes de
Portugal, o que faz supor que também acontecia o mesmo com muitos religiosos.
Ao lado da simplicidade exigida pelo Decoro, esse é um elemento que demandava
que a imagem que identificasse São Francisco, bem como os valores que esta
representava, fossem simples tanto para os indígenas quanto para os colonos
cristãos europeus, uma vez que estes eram carentes de uma sólida formação
cultural.
Dessa forma, a associação entre sermão e artes plásticas era a mais
favorável para mostrar os ideais da igreja tridentina, o que gerou uma arte
pensada para contribuir com a missão dos frades, simples de compreender, mas
muito rica em conteúdos temáticos.
[...] consideramos que la veneración a San Francisco fue tan importante em
los países ibéricos durante los siglos XVI-XVII que llegó a constituir uno de
los temas más brillantes em la poesia y la oratória barroca [...]
97
Brunetto faz uma referência que considera de alto interesse por estar
vinculada ao Brasil. Trata-se de um sermão do padre Antonio Vieira, no qual o
orador insistia no valor da Vera Efígie de Cristo na figura de Francisco:
[...] Reuestese o mesmo Christo de Serafim: hum Serafim da suprema
Hyerarquia se transforma em Christo: ambos impressos, & ambos
impressores, & estes foraõ os nobilíssimos artífices, que imprimirão, &
tornaram a estampar as Chagas no corpo de Francisco: para que
obrasse aqui o Amor, o que hauia ali executado o odio: & para que nós,
que nam podemos ver as Chagas de Christo em Christo, sem horror da
maldade humana, víssemos as Chagas de Crhisto em Francisco so ò
com admiraçam da Bondade Divina.
98
97
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P.136, 137,139.
98
IDEM, IBIDEM. P. 131,135,140.
79
Ainda com referência aos temas, no Brasil, as cenas da vida do santo eram
até muito freqüentes nos conventos, mas, dentro da mentalidade brasileira, a
preferência recaía sempre sobre a imagem simbólica do Alter Christus.
De fato, este é o tópico fundamental dos franciscanos, que se remete à
importância do recebimento das Chagas, e que foi sempre privilegiado nas
representações artísticas de seu fundador, tanto em Portugal quanto no Brasil.
Realmente, nas Chagas encontra-se o essencial da mensagem artística,
pois é através dela que o fundador da Ordem é apresentado pela Igreja como
Vera Efígie de Cristo, ou seja, São Francisco de Assis. O Alter Christus ou Vera
Efígie de Cristo é uma imagem-símbolo que aparece em toda a América
espanhola e no Brasil, tanto em escultura quanto em pintura e literatura, como
vemos comprovada nesta poesia do dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega
(1562-1635):
Y estais em Dios transformado
Tanto, que decir podeis
Que Dios se parece a vos
Y a Dios pareceis.
Al vivo, em fin, retratado
Francisco em vos está Dios
Y vos em el trasladado,y em cada uno están los dos...
Francisco, vos no sois Dios;
Mas tal librea traeis que Dios se parece a vos
Y vos a Dios pareceis
Isso se evidencia no exame dos estatutos provinciais, que mostram a
preocupação de fomentar a pregação através da oratória, como atividade
fundamental nos centros urbanos, baseada nas formas literárias barrocas, onde se
recomendava aos frades uma máxima referente à simplicidade dos recursos.
Com efeito, dentro da iconografia franciscana a representação da
estigmatização constitui ela mesma num sermão, pois seu conteúdo é o tema que
melhor se coaduna com as necessidades espirituais do povo da Colônia, uma vez
que referir-se aos diferentes momentos da vida do santo, com base em passagens
de sua vida recolhidas por hagiógrafos e biógrafos, seria um recurso mais
complicado, e, portanto, reservado para a erudição da comunidade, mas que, no
80
entanto, constitui um grupo interessante de representação franciscana. Talvez por
isso mesmo essas representações sejam encontradas com mais freqüência em
paredes de igrejas ou de claustros.
Para demonstrar esses fatos, realmente encontramos em São Paulo o coro
da Igreja da Luz com o teto decorado com seis cenas da Vida de São Francisco:
Nascimento, Francisco Socorre um Pobre, A Renúncia, Os Primeiros
Franciscanos, A Estigmatização e a Morte de São Francisco ou Trânsito de o
Francisco. Esse local é de uso restrito das irmãs concepcionistas, pois faz parte
de sua clausura. Outro exemplo encontra-se no forro da capela-mor da Ordem
Terceira, espaço reservado para o uso dos irmãos terciários, onde está expressa a
cena Subida de São Francisco aos céus num carro de fogo, uma das cenas da
vida do santo contada por Celano
99
em Vida Primeira de São Francisco.
também é possível encontrar painéis retratando a Indulgência da Porciúncula, A
Divina Justiça, Renúncia, Morte e Estigmas, em paredes laterais da capela-mor.
Conseqüentemente, o discurso verdadeiramente significativo para a
população a quem se destinava, tanto para a catequese quanto para a edificação
espiritual, constituiu o tema Estigmas ou Chagas, que aparece obrigatoriamente
em qualquer representação do santo, para provar que ele está entre os preferidos
de Cristo. Este momento do recebimento das Chagas tem no Brasil duas fases de
representação: a primeira mostra o santo exibindo simplesmente suas chagas; e a
segunda mostra reproduções dos modelos europeus
100
. Nesta última podemos
enquadrar as pinturas existentes na Capela da Ordem Terceira paulista e no Coro
da Igreja da Luz, em que o santo é representado com os braços abertos, ao
receber os estigmas do Cristo Seráphico.
Ainda dentro do modelo São Francisco Alter-Crhistus, podemos encontrar
algumas variantes, como a que adquire um caráter que não é especificamente
99
Tomas de Celano, primeiro biógrafo de São Francisco. Escreveu Vida Primeira de São
Francisco, aprovada pelo Papa Gregório IX em 1229. In: SPOTO, Donald. Francisco de Assis o
Santo Relutante. São Paulo: Objetiva, 2003 P. 319.
100
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996 [...] um dos exemplos mais antigos é a pintura realizada por Francisco Xavier
Meireles em 1754 iluminou o livro da fundação da Venerável Ordem Terceira de Ouro Preto, e
ainda na mesma igreja existe um relevo em pedra sabão de Antonio Francisco Lisboa o aleijadinho
(data provável 1766). [...] P.154.
81
franciscano, quando o santo tem ao lado a caveira e o cilício - como sinal de
penitência ou sustentando a cruz do patriarca - que o identifica como fundador
da Ordem - ou ainda na representação da imagem mais pura de Francisco,
apenas contemplando o crucifixo, que se constitui no modelo mais popular em
Portugal, depois da estigmatização: “[...] la presencia de la calavera em manos de
San Francisco está más relacionada com los motivos iconográficos desarrollados
em Itália desde el siglo XVI [...]”.
101
101
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 145.
82
Figura 15
A Visão de São Francisco sobre a Dignidade do Sacerdócio
Os Estigmas ou Chagas
83
De fato, existem exemplos no coro da Luz onde a caveira aparece
posicionada no chão ao lado de São Francisco, na cena que o representa
recebendo os Estigmas, e na representação dos Primeiros Franciscanos, em que
o fundador da Ordem sustém a Cruz do Patriarca.
Figuras 15 - Na capela da Ordem Terceira Franciscana existem dois
quadros posicionados na parede do arco-cruzeiro, com as pinturas Visão de São
Francisco sobre a Dignidade do Sacerdócio no qual o santo sustenta uma caveira
nas mãos, e Estigmas ou Chagas, onde São Francisco contempla a cruz, tendo ao
lado um crânio
102
.
É certo que as irmandades terceiras possuíam gravuras procedentes da
Europa impressas em livros de espiritualidade, que constituíam as fontes
teoricamente mais usuais, porém não se pode deixar de pensar que fosse comum,
no Brasil, recorrer às composições de artífices brasileiros já célebres em seu
tempo.
103
Nesse sentido, cabe uma reflexão sobre as pinturas do coro da Luz
Renuncia de São Francisco e Morte de São Francisco:
Estas obras seguem a mesma composição dos quadros de igual tema que se
encontram nas paredes laterais da capela-mor da igreja da Ordem Terciária,
atribuídos a José Patrício da Silva Manso, conhecido pintor das igrejas de São
Paulo. Teria o autor da Luz baseado-se nas pinturas terciárias?
Este assunto está muito vinculado às interpretações da Contra Reforma, e se
ajusta à idéia do Alter Christus
104
. Neste trabalho, não pudemos encontrar esse
modelo desenvolvido em pinturas nas igrejas paulistanas.
102
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996 [...] Um ejemplo similar em lo que respecta a la fidelidad al tema de la
estigmatizacion sería la pintura conservada em el templo terciário franciscano de São Paulo.Esta
obra tal vez se incluya em el conjunto de las que realizara el pintor José Patrício entre 1791 y
1792, demontrando el conocimiento del tema,tal vez a través de gravados.[...] P. 157.
103
Um ejemplo similar em lo que respecta a la fidelidad al tema de la estigmatizacion sería la
pintura conservada em el templo terciário franciscano de São Paulo.Esta obra tal vez se incluya em
el conjunto de las que realizara el pintor José Patrício entre 1791 y 1792, demontrando el
conocimiento del tema,tal vez a través de gravados.[...] In: IDEM, IBIDEM. P. 158.
104
[...] as primeiras imagens na arte européia que refletem este tema são as gravuras flamengas de
Hyeronimus Wierix (1553-1619) e obras como as do Convento de Valencia em 1620 de Francisco
Ribalta e de Murillo em 1668 para os capuchinhos em Sevilla. In: IDEM IBIDEM. p. 162.
84
FIGURA 16
.
Altar-Mor da capela da Ordem Terceira de São Francisco SP
85
FIGURA 16 - No altar-mor da Ordem Terceira existe, no entanto, um conjunto
escultórico do Pai Seráfico que apresenta o santo com os braços abertos diante
do Cristo alado na cruz.
Outra grande devoção franciscana refere-se a Santo Antonio de Pádua, que
também é o santo português por excelência. Somados estes dois valores, tanto o
religioso como o nacional, sua difusão ficou a cargo dos franciscanos, que usaram
como instrumento a oratória, a pintura e a arte em geral, razão pela qual os
primeiros conventos brasileiros foram dedicados a essa devoção.
Esse era um culto que possuía, no Brasil, a mesma força que em Portugal, e
que mantinha os laços de união com a Metrópole. Com o tempo, no entanto, esse
tema popular vindo de Portugal e difundido pelos portugueses vai perdendo o
valor nacional, para no século XVIII tornar-se um vínculo apenas devocional.
Em São Paulo, porém, as imagens de Santo Antonio pintadas em igrejas
franciscanas são escassas, sendo encontradas somente no coro da Igreja da Luz,
na cena dos Primeiros Franciscanos, em que ele se acha representado. Talvez
haja alguma representação dessa devoção nas pinturas da Igreja de São
Francisco, cuja iconografia ainda não conseguimos interpretar totalmente.
Dentro da evolução dessas devoções nessa época, tanto em razão dos novos
grupos sociais que se formaram quanto pela importância adquirida pela Ordem
Terceira da Penitência dos Franciscanos, os santos terciários começaram a
ganhar destaque.
[...] Sin enbargo la presencia notable de efígies de santos terciários em las
iglesias de Brasil no puede pasar desapercibido para los historiadores, ya
que ni em los templos franciscanos portugueses ni em los espanõles se
halla um cúmulo semejante de representaciones de los mismos. [....]
105
As ordens terceiras encarregavam-se de divulgar, em suas igrejas, santos que
haviam sido terciários, e neste aspecto a arte brasileira diferencia-se muito da arte
portuguesa e espanhola.
105
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996, p. 192.
86
Nessas igrejas e nos conventos, podemos encontrar Santa Clara, São
Boaventura e São Pedro de Alcântara, assim como são apresentados outros
santos, como Santa Isabel de Hungria, São Roque, São Benedito e Santo Antonio
de Catigeró. Quanto a esses dois últimos, são representados portando rosas, para
simbolizar a caridade, com o intuito de valorizar essa virtude diante da população
negra, notadamente do Nordeste brasileiro, o que faz a imagem adquirir um valor
social.
No entanto, não temos conhecimento da fonte em que se inspiraram os
mestres e os comitentes para reproduzir estes santos terciários, como Santa
Bona, Santo Lúcio, Santa Humiliana e São Luis Rei de França, entre outros.
Na igreja da Ordem Terceira de São Paulo existem embaixo do coro quatro
Santos Retratos que representam São Gualter, Santa Humiliana, Santa Isabel de
Hungria e São Roque. Ortman
106
cita mais dois que estariam nas salas superiores,
os quais não nos foi permitido ver e nem fotografar.
No medalhão central
107
da nave dessa mesma igreja podem ser vistos Santa
Bona e São Lúcio, na pintura São Francisco Entrega as Regras a Bona e Lucio, no
painel atribuído a José Patrício.
No próximo capítulo pretendemos enfocar a grande contribuição dos
franciscanos para a arte do Novo Mundo, com representações de pinturas de forro
em templos e conventos de todo o Brasil, enfatizando as pinturas dos tetos das
igrejas franciscanas da cidade de São Paulo.
De fato, a presença franciscana em São Paulo resultou num exemplo dessas
manifestações artísticas. Ressalte-se aqui que o empreendedorismo artístico teve
como mentores os frades e os irmãos terciários, no período que vai de meados do
século XVIII, com a restauração da capitania, até meados do século XIX, quando
há uma diminuição dessa participação. A execução dos trabalhos ficou a cargo de
mestres-pintores, grandes colaboradores das ordens na decoração das igrejas e
conventos.
106
ORTMAN, Frei Adalberto O. F. M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16, 1951, p. 93.
107
Foto no Capítulo III. P.144
87
CAPÍTULO II
A PRESENÇA FRANCISCANA NA SÃO PAULO, DA PÓS-RESTAURAÇÃO AO
SÉCULO XIX; O EMPREENDEDORISMO ARTÍSTICO
1. A Província Franciscana da Conceição no Brasil Meridional e suas
Pinturas
1.1 As igrejas franciscanas brasileiras com pinturas de forro: panorama da
pintura fluminense e mineira
[...] el complejo analisis de la obra de arte em su contexto debe iniciarse
con el conocimiento de la cultura que rodeaba a los mentores, protagnistas
en la misma medida que los artífices en la concepcion del trabajo plástico.
108
No Brasil estão distribuídos inúmeros exemplos de manifestações artísticas
franciscanas, atestando a extensão alcançada pela Ordem, ao fazer seu trabalho
de manutenção da fé dos colonos e de catequese dos indígenas.
109
108
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996, p. 84.
109
QUADRO DAS IGREJAS FRANCISCANAS BRASILEIRAS, COM PINTURA DE FORRO.
Pernambuco:
1.Olinda
- Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves e Ordem Terceira de São
Francisco, datada de 1585, possui forro em gamela, com pintura sobre painéis. 2. Igaraçu -Igreja
e Convento de Santo Antônio, de 1588, a pintura do forro da nave representa a vida de São
Bernardino, São Diogo, São Pedro e São Nicolau. Autor José de Oliveira Barbosa (Rabelo). 3.
Recife-Igreja e Convento de Santo Antonio e Capela dos Noviços da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis ou Capela Dourada. Data do Século XVII e XVIII e a pintura da nave (nove
painéis representando santos da Ordem) data do período de 1700/02 atribuída a José Pinhão de
Matos.
Paraíba: 1. João Pessoa - Igreja e Convento de Santo Antônio e ordem Terceira de São
Francisco, séculos XVI, XVII, XVIII, segundo Carlos Ott a pintura do teto da nave é de José
Joaquim da Rocha.
Rio de Janeiro: 1. Cidade do Rio de Janeiro - Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da
Penitência de 1718 -1773. A pintura do teto da capela-mor é em estilo ilusionista, considerada a
primeira obra do gênero feita no Brasil, de autoria de Caetano da Costa Coelho. 1734/36.
Minas Gerais: 1. Mariana -Igreja da Ordem Terceira de o Francisco de Assis - pintura da Nave
O Dilúvio, autoria de Francisco Xavier Carneiro. 2.Ouro Preto - Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis da Penitência tem pintura no teto da nave, que representa a Virgem da
Porciúncula de autoria de Manuel da Costa Athaide em 1802.
Bahia: Salvador 1. Igreja do Convento de o Francisco - pintura do teto de frei Jerônimo da
Graça. 2. Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência - pintura do teto da nave de
Antonio Joaquim Franco Velasco.
88
De fato, a presença franciscana no Brasil remonta à vinda de Cabral, uma
vez que foi um franciscano
110
que rezou a primeira missa no momento da
descoberta. No entanto, a fundação da primeira Custódia brasileira ocorreu
somente em 13/03/1584, por um decreto do Capítulo de Lisboa.
Como conseqüência da rápida expansão da Ordem em nosso país, essa
Custódia tornou-se independente da província-mãe de Portugal, recebendo o
nome de Província de Santo Antonio. Com a fundação do primeiro convento, em
Olinda, o trabalho dos frades foi ganhando fama nas outras capitanias, havendo
solicitações para a fundação de conventos provenientes de várias localidades,
como Bahia, Paraíba e Vitória, no Espírito Santo.
Mais tarde, com o desmembramento da Província de Santo Antonio, que
passou a gerir somente os conventos localizados nas capitanias ao norte da
colônia, foi criada, pelo Papa Clemente X, a Província da Imaculada Conceição,
em 15/07/1675. Esta ficou encarregada das casas franciscanas do sul, que
abarcariam os atuais estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Goiás e São Paulo, onde estão as pinturas focalizadas por esta pesquisa.
De acordo com afirmação de Rowër, a Província Meridional teve seu
período de florescimento na segunda metade do século XVIII: “[...] O tempo áureo
da Província franciscana do sul do Brasil decorreu de 1740 a 80 [...]”
111
Como introdução ao exame da arte da Ordem Franciscana de São Paulo,
optamos por tecer um panorama artístico das regiões do Rio de Janeiro e de
Minas Gerais, participantes da mesma Província, porque à medida que
estudávamos Hanna Levy e Miriam Oliveira sentíamos necessidade e interesse
em ampliar e aprofundar o conhecimento sobre o tema, além de, com esse
procedimento, obter um parâmetro mais amplo, dada a importância da arte desses
locais em relação à coincidência de elementos com as obras analisadas nesta
110
RÖWER, Pe. Dr. h. c.Frei Basílio O. F. M. Páginas da história Franciscana no Brasil. São
Paulo: Vozes, 1957. [...] A terra de Vera Cruz, de Santa Cruz, do Brasil foi descoberta, em 1500,
para o Rei por D. Pedro Alvarez Cabral, para a santa Religião pelos Franciscanos. Achavam-se
estes em companhia de Cabral, que navegava para as Índias. Frei Henrique, Superior da caravana
de missionários, celebrou no dia 26 de Abril [...] [...] a primeira Missa [...].
111
IDEM, IBIDEM. P. 111.
89
pesquisa, e da afinidade de esquemas de composição, de palheta e de identidade
iconográfica da Ordem.
É importante pontuar que, nas pinturas coloniais fluminenses nesse período,
eram relativamente raras as representações de assuntos religiosos gerais, talvez
porque a maioria dos altares era decorada por esculturas, e não por painéis, e
também porque, no Novo Mundo, não havia razão para expressar controvérsias
sobre interpretações das histórias blicas ou de dogmas. Também não havia
razão para discussões sobre problemas teológicos, embora na Europa, a partir do
final do século XVI, proliferassem representações de temas cuja intenção era
gerada pela luta contra o Protestantismo, como a virgem, o purgatório, o papado,
os sacramentos e os santos, entre outros.
A finalidade da Igreja, em relação ao Brasil, era a catequese e a
sustentação da fé dos colonos, que aqui não era preciso defender-se do
Protestantismo, não havendo, portanto, razão para exaltar estes temas da Contra
Reforma, usados na Europa.
Como a maioria das obras coloniais do Rio de Janeiro que chegaram até
nós é de cunho religioso, de acordo com Hanna Levy,
112
é preciso levar em conta
os assuntos iconográficos religiosos que elas contêm, dividindo os temas em dois
grupos: os que pertencem à iconografia religiosa em geral e aqueles que fazem
parte da iconografia particular, das diferentes ordens comitentes, onde se
enquadram também as obras analisadas neste trabalho.
[...] É natural, uma vez que as pinturas eram principalmente encomendadas
pelas ordens, que prevalecessem aqui os assuntos particularmente ligados
à história das respectivas comunidades religiosas [...].
113
A cidade do Rio de Janeiro converteu-se na capital da Colônia e em um dos
seus mais importantes centros culturais, a partir de 1763, sendo que a construção
do Convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro foi concluída alguns anos antes
desse evento, em 1632. Essa instituição foi considerada a principal casa, o centro
112
LEVY, Hanna A Pintura colonial no Rio de Janeiro, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional 6, Rio de Janeiro, 1942, p. 39.
113
IDEM, IBIDEM. p. 40.
90
de onde a ão franciscana irradiava-se para as capitanias do sul, tendo sido
usada pela Ordem, junto com a capela vizinha dos terciários de São Francisco da
Penitência, para divulgar suas mensagens devocionais por meio das
manifestações artísticas.
No convento franciscano carioca, como destaca Hanna Levy
114
, a imagem
mais venerada é Santo Antonio do Relento. Por tratar-se de uma peça antiga,
datada de 1621, pode indicar como essa devoção instalou-se cedo na Colônia, e é
um bom exemplo de iconografia particular de uma Ordem.
Em seu trabalho sobre a pintura colonial dessa região, Hanna Levy
115
afirma
que a representação da Imaculada é rara na pintura e mais freqüente na escultura,
apontando duas exceções, que se encontram no convento franciscano de Santo
Antonio, e ressaltando que essa representação faz parte da iconografia
franciscana, assim como, no tocante à concepção do assunto, as pinturas
religiosas coloniais do Rio de Janeiro correspondem à nova iconografia que se
formou na arte européia, desde o final do século XVI, com a Contra Reforma.
Um bom exemplo de iconografia própria dos franciscanos é a pintura do teto
da capela-mor da igreja da Ordem Terceira de São Francisco, do Rio de Janeiro,
que representa a Apoteose do Patriarca da Ordem, cuja autoria é atribuída, com
base em documentação, ao mestre Caetano da Costa Coelho (1734/1746).
116
Traçando um paralelo entre essa obra e a pintura da Capela-Mor da Igreja
da Ordem Terceira de São Paulo, Frei Ortman afirma: “[...] Como se vê, os que
encomendaram esta obra, conheciam as pinturas deslumbrantes no teto da igreja
da Ordem da Penitência do Rio de Janeiro [...]”.
117
O frei sugere, portanto, que o trabalho carioca serviu de inspiração a quem
fez a encomenda em São Paulo, o que também serve como reflexão em relação à
questão da iconografia própria de cada Ordem, um tema, uma composição
114
. LEVY, Hanna. A Pintura colonial no Rio de Janeiro, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional 6, Rio de Janeiro, 1942, p. 184.
115
IDEM. IBIDEM. P. 51.
116
BATISTA, Nair. Caetano da Costa Coelho e a pintura da Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência, Revista do SPHAN, Rio de Janeiro: 5,1954.P. 130
117
ORTMANN, Frei Adalberto O. F. M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16, 1951, p. 97.
91
servindo de modelo de uma cidade para a outra, mesmo que haja distância de
tempo.
Ainda citando a Igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro, lá
se encontram dois painéis na sacristia, ambos relacionados à obra de Manuel Dias
de Oliveira Brasiliense (O Romano, 1774-1831) e que representam o Nascimento
de São Francisco e São Francisco recebendo as Chagas, temas idênticos aos que
se encontram na capela paulistana dos terceiros e no coro da Igreja da Luz, em
São Paulo.
De fato, convém destacar que o que acontecia, tanto nas comunidades
religiosas que se estabeleceram na Colônia quanto nas européias, é que as
mesmas figuras santas eram representadas, porém ou não expressavam as
mesmas cenas, ou quando eram episódios iguais, recebiam tratamento diferente,
em sua maioria, embora essa diversidade não correspondesse ao conteúdo, mas
à forma.
Na arte barroca as representações características mostram visões celestes,
momentos de exaltação e cenas de martírio, das quais, mesmo sendo raras,
existem exemplos no Rio de Janeiro, como a pintura do teto do Convento de
Santo Antonio, que apresenta, no medalhão central, Santo Antonio recebendo o
Menino Jesus. Por outro lado, a pintura do forro da Ordem Terceira, do mesmo
convento, tem painel pintado dentro do ilusionismo arquitetônico, com balcões e
pilastras, anjos voando, guirlandas de flores trazendo, no medalhão central, São
Francisco ajoelhado rezando perante Cristo e a Virgem, provavelmente
representando a cena da Porciúncula.
Para Hanna Levy, esses são os dois modelos que oferecem, na pintura
fluminense, o aspecto mais barroco, tanto no conteúdo quanto na forma.
Reforçando a idéia de temas coincidentes, observamos que o mesmo episódio é
apresentado no teto da nave da igreja conventual de São Francisco, em São
Paulo.
92
Ainda no Rio de Janeiro, na capela-mor da igreja do Convento de Santo
Antonio e nas paredes laterais da Igreja de São Francisco da Penitência, existem
representações de cenas milagrosas, expressando momentos da vida de Santo
Antonio e de São Francisco, que, ao contrário das pinturas de seus respectivos
tetos, não acentuam os elementos constitutivos da retórica da Contra Reforma: a
exaltação, o misticismo e o sobrenatural.
No entanto, mesmo em algumas obras coloniais fluminenses que
representam imagens de êxtase e visões celestiais está presente a simplicidade e
a sobriedade, que não fazem parte do barroco. São obras cujo teor tem caráter
místico e extático, porém o tratamento dado a esse conteúdo, do ponto de vista da
forma, é extremamente simples e sóbrio, muito de acordo com o espírito
franciscano. Ou seja, não existem elementos que demonstrem inspiração barroca,
pois predomina uma tendência mais terrestre, mesmo quando o assunto trata do
sobrenatural. É bom ressaltar, fazendo uma comparação, que enquadramos a
pintura do teto do coro da Igreja da Luz dentro desse padrão, sendo que a
temática escolhida para a decoração das paredes laterais refere-se também a
cenas da vida de São Francisco.
Outras características
118
da pintura fluminense são detalhes como fundos de
paisagem, que apesar de raros, não possuem traços que possam servir de
identificação do lugar onde viveu o artista que os pintou, como as torres e cúpulas,
que não faziam parte da arquitetura colonial carioca e que aparecem nos fundos
arquitetônicos, bem como os tipos de indumentária que são imaginários, pois não
correspondem a uma moda portuguesa ou brasileira. De fato, esses são dados
que podem ser igualmente observados nas pinturas paulistanas que compõem
esta pesquisa.
118
LEVY, Hanna A Pintura colonial no Rio de Janeiro, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional 6, Rio de Janeiro, 1942. P. 61.
93
94
FIGURA 17 A. FIGURA 17 B
PINTURAS:
Morte de São Francisco e Renúncia aos Bens Terrenos.
Capela da Venerável Ordem Terceira de São Francisco.
São Paulo.
95
Entre as características apontadas por Hanna Levy
119
estão os elementos
que compõem os tipos humanos, surpreendentemente semelhantes entre si, como
variação de um mesmo modelo, pois ostentam cabeça de um oval acentuado,
sobrancelhas muito curvas e afastadas dos olhos, bastante amendoados,
pálpebras pesadas e o nariz arrebitado, na maioria das vezes. Além de
apresentarem pescoço grosso e forte, corpo com baixa estatura, incluindo, dentro
desse padrão, as representações dos anjos.
FIGURA 17A e 17 B.
Esses elementos constantes dos tipos humanos que compõem a pintura
fluminense podem ser aplicados às manifestações artísticas das igrejas
franciscanas de São Paulo, como, aliás, afirma Frei Ortman, referindo-se a dois
quadros que se encontram nas paredes da capela da Ordem Terceira paulista,
Morte de São Francisco e Renúncia aos Bens Terrenos: “[...] A caracterização que
Hanna Levy dá aos tipos humanos representados pelos pintores fluminenses
adapta-se integralmente às figuras dos nossos dois quadros [...]”.
120
Quanto à fisionomia, pouca variação de expressão, o que torna o rosto
quase impassível, não havendo traços tipicamente brasileiros ou luso-brasileiros,
mas apenas uma repetição de características comuns a todos,
o que é um indício
seguro de que havia uma fonte comum de inspiração dos pintores coloniais, que,
sem dúvida, eram as gravuras de assuntos religiosos europeus, existentes em
vários livros das bibliotecas dos conventos, o que explicaria o caráter tão pouco
barroco da pintura fluminense, fato que pudemos observar nas obras paulistanas.
119
. LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, 6, 1942, p. 62.
120
ORTMAN, Frei Adalberto O. F. M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16, 1951, p.100.
96
FIGURA 18
Medalhão Central do
Teto do coro da igreja da Luz.
São Paulo
FIGURA 19
Medalhão Central do Teto
da Nave da Igreja de São
Francisco.
São Paulo
97
Com relação às gravuras, é fato que não estampavam as obras de artistas
barrocos, com exceção dos trabalhos de Rubens, e sim a produção de artistas
italianos e flamengos ecléticos, pós-renascentistas, o que sugere que os autores
das obras das igrejas brasileiras não fizeram simples cópias delas, mas sim as
utilizaram mais como modelo e como inspiração, conforme Hanna Levy:
[...] Repetimos mais uma vez que não queremos com isso dizer que as
obras coloniais sejam simples cópias de modelos europeus. Insistimos,
porém, no fato de que, na quase totalidade, os pintores se inspiraram em
gravuras européias [...].
121
Como exemplo, Hanna Levy cita o Cristo do painel central da capela-mor da
Igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: “[...] parece ser a
reprodução, igualmente em sentido inverso, do Cristo da obra de Herrera, o Velho:
Visão de S. Basílio. [...]”.
122
Notamos que a mesma referência pode ser
observada nos tetos paulistas, tanto na Coroação
da Virgem pela Santíssima Trindade (FIGURA
18), no forro do coro da Igreja da Luz, quanto na
Visão da Porciúncula (FIGURA 19), pintada no
teto da nave da Igreja de São Francisco.
FIGURA 19 A
Francisco Herrera, o Velho.
Visão de São Basílio, 1638-39.
Sevilha, Museo de Bellas Artes, tela, 5,55 x 2,87.
121
LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN n. 6, Rio de Janeiro, 1942, p. 63.
122
IDEM, IBIDEM. p. 64.
98
De fato, é preciso pensar que, de acordo com Hanna Levy, essas pinturas
sacras interessam: “[...] menos no seu valor artístico autônomo do que no seu
valor de elemento integrante e indispensável da decoração total dos interiores das
Igrejas. [...]”
123
Realmente, pudemos constatar, no decorrer desta análise, que nas igrejas
paulistanas, apesar de haver cenas que representam êxtase, como por exemplo a
representação de São Francisco Recebendo os Estigmas,
124
um tema de extrema
dramaticidade, o tratamento de simplicidade e sobriedade dado a ela e a todas as
outras nada tem de barroco, pois pouco apelo místico. Não existem elementos
que demonstrem inspiração barroca, pois predomina uma tendência mais
terrestre, mesmo quando o conteúdo é sobrenatural.
Para concluir essas reflexões sobre o trabalho de pintura colonial
fluminense, Hanna Levy menciona a evolução das obras dos séculos XVII, XVIII e
XIX, subdividindo-as em três fases: as composições brias, severas, em meados
do século XVIII; as composições mais complicadas, barrocas, em torno de 1740,
embora o primeiro tipo tenha continuado a existir; e a última fase, fim do século
XVIII e início do XIX, com estilo novamente calmo e simples.
Comparando estes conceitos e levando em consideração que, no Brasil, os
estilos sobrepõem-se e se encontram fora do tempo, as obras dos forros
analisados nesta pesquisa apresentam muitos elementos que coincidem com a
descrição da terceira fase, e datas que se encontram dentro do período que vai do
fim do século XVIII a meados do século XIX. A data atribuída à pintura da Igreja de
São Francisco é 1843, a do coro da Luz fica fixada, através do manuscrito
125
que
encontramos no Arquivo do Mosteiro, dentro do período que vai de 1802 a 1821, e
as pinturas da capela-mor da Ordem Terceira são datadas de 1790/1793, de
acordo com os recibos do autor, José Patrício da Silva Manso, que constam da
123
. LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN n. 6, Rio de Janeiro, 1942, p. 76.
124
Esse tema está representado em duas edificações: no coro da igreja da Luz e na igreja da
Ordem Terceira de São Paulo.
125
Capítulo III. Fotos 31, 32,33. Arquivo do Mosteiro da Luz. Pasta: Doutrinas e Conselhos de Frei
Galvão – Anotações da Irmã que conviveu com ele. [...] Original manuscrito. Obs: Possui uma
cópia datilografada com a data 1821.
99
38 no ano de 1791 do Livro de Receitas e Despesas iniciado em 1782/83 e
terminado em 1851.
Assim como o Rio de Janeiro, a Capitania de Minas também fazia parte da
Província da Imaculada Conceição. Nessa região, porém, houve uma mudança
significativa da arte franciscana em relação às outras regiões brasileiras, porque
os mentores das obras artísticas passaram a ser os irmãos terciários, em vez dos
frades.
Essa situação decorreu do fato de a Coroa não ver com bons olhos a
presença do Clero na região aurífera, expulsando as Ordens monásticas regulares
franciscanas, carmelitas, jesuítas da capitania de Minas Gerais, nos anos 20
do século XVIII, sendo que, em conseqüência disto, os conventos e mosteiros não
podiam ser erguidos na região. De fato, tal determinação incentivou o
aparecimento das ordens religiosas leigas, que representavam vários segmentos
da sociedade. As irmandades dedicadas a Nossa Senhora do Rosário e a Nossa
Senhora das Mercês eram freqüentadas por pardos e negros, enquanto que na
cidade de Vila Rica de Ouro Preto as irmandades terceiras, em especial a
franciscana e a carmelita, contaram, entre seus membros, com as pessoas mais
destacadas e importantes, assim como tiveram suas igrejas decoradas pelos
artistas mais afamados. Essa situação das irmandades repetia-se em São Paulo,
a despeito da presença das ordens primeira e segunda.
Embora nas irmandades e nas ordens terceiras houvesse uma alteração em
relação aos comanditários das obras sacras, não houve registro de mudança no
gosto, nem na iconografia. Com efeito, a colonização de Minas tem uma diferença
fundamental em relação às das regiões mais ao litoral, porque o interior (Minas e
Goiás) foi descoberto por brasileiros que levaram uma cultura criada no Brasil,
mesmo tendo uma grande influência lusitana, e, como conseqüência, as imagens
artísticas apresentam um sentido dramático e teatral, que é um elemento
essencial.
De fato, a teatralidade é um dos conceitos mais importantes na abordagem
da arte franciscana em Minas, sendo que o sentido dramático é fundamental para
a compreensão da arte setecentista mineira, como diz Brunetto: “[...] que a pesar
100
de contar com las materias primas para tallar obras de calidad y entalladores y
escultores conocedores del oficio – preferían lo espetacular a lo íntimo [...]”.
126
Com a proibição de instalação da Ordem Primeira, os seculares
impulsionavam a devoção dos frades aos santos, garantindo assim a presença
franciscana, e com isso difundindo, indiretamente, os esquemas iconográficos
franciscanos, com suas especificidades.
As pinturas de perspectiva dos forros das igrejas mineiras constituem dois
grupos. No primeiro, os esquemas de composição barroca predominam na região
de Diamantina, que teve evolução artística autônoma do rococó desenvolvido em
Vila Rica.
127
Já na região de Ouro Preto são raros os tetos desse tipo, pois
predominam amplamente os forros rococó, com composições de cores claras,
leves e graciosas, onde os vazios adquirem uma função de valor.
128
O artista que
passou a dominar um novo período do ciclo rococó da pintura de perspectiva, na
região de Ouro Preto a partir do começo do século XIX, foi Manoel da Costa
Ataíde (1762-1830), cuja obra teve grande influência, se for considerado o grande
número de discípulos e seguidores.
129
Embora Ataíde usasse como modelo de sua pintura gravuras contidas em
missais e em bíblias, suas figuras não são cópias, pois lhes dava um tom pessoal,
tornando-as brasileiras. Pintou santos, anjos e madonas mulatos, com liberdade
de composição, usando cores puras como vermelho e azul, fazendo pouco uso
das cores terrosas e do claro-escuro, aplicando óleo no quadro central e têmpera
nas áreas laterais.
126
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 231, 233
127
IDEM, IBIDEM. P. 274. Tem como principal pintor José Soares de Araújo nascido em Braga,
com pinturas de colorido sombrio, em composições com todos os espaços preenchidos, bem ao
estilo barroco.
128
IDEM, IBIDEM. P. 274.Com relação à pintura, aparece o motivo ornamental da rocalha, no forro
da nave de Santa Efigênia de Ouro Preto datado de 1768, considerado de transição Na capela -
mor do Santuário de Bom Jesus de Congonhas do Campo, em 1773/ 74, pintura de Bernardo Pires
da Silva como para comprovar a conclusão dessa assimilação e transição Ainda dentro desse
primeiro período do ciclo rococó, da pintura de perspectiva da região de Ouro Preto, que se situa
nas três últimas décadas do século XVIII, é fundamental citar a pintura do forro da nave e também
do Santuário de Congonhas, executada entre 1777/ 87, por João Nepomuceno Correa e Castro,
129
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus São Paulo: COSAC & NAIFY, 2003. P. 279.
101
Poderíamos pensar que talvez sua influência tivesse chegado até São
Paulo, porque na cúpula do Zimbório, na capela dos terceiros em São Paulo,
estão pintados dois anjos mulatos e um negro.
130
Poucos trabalhos de Mestre Ataíde são documentados, por isso é difícil
estabelecer uma cronologia, embora sua vasta obra possa ser dividida em forros
de perspectiva, pinturas sobre tela e pinturas decorativas.
131
As pinturas de ordens terceiras mineiras podem ter repercutido em São
Paulo em função da circulação, pois o fluxo comercial entre São Paulo e Minas
Gerais teria contribuído até para o trânsito de artistas, como parece ser o caso de
José Patrício da Silva Manso, nascido em Minas no ano de 1753 e morador da
capitania de São Paulo desde 1777, como indica Maria Lucilia V. Araujo, em seu
trabalho sobre o mestre pintor,
132
no qual compara a pintura do teto da capela-
mor da Ordem Terceira Franciscana de São Paulo à pintura do teto da nave da
Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Sabará, em Minas Gerais:
[...] A composição de teto da igreja do Carmo de Sabará tem tema do qual
derivou o tema da composição da igreja paulista, S. Elias é levado aos
céus num carro de fogo. O pintor foi Joaquim José da Rocha
133
no fim do
setecentos. A descrição que Luís Jardim faz desse teto corresponde em
muito à concepção da pintura de teto da igreja dos terceiros de S.
Francisco de S. Paulo. [...].
134
130
Pintura de Manoel da Costa Vale, ano 1798/99, cujo pagamento figura no Arquivo da Ordem
Terceira, no Livro das Recepções e Despesas, fª. 62 v.
131
Alguns forros que podem ser atribuídos com segurança, a Ataíde são: A nave de S. Francisco
de Assis de Ouro Preto, considerada sua obra-prima entre 1801 e 1812; A capela-mor da Matriz
de Santo Antônio de Santa Bárbara em 1806; Capela-mor da Matriz de Itaverava em 1811; A
Capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Mariana em 1823; Em 1818/ 19 retocou o
teto da nave do Santuário de Congonhas. Apesar da grande influência de Ataíde, esse esquema
de composição para forros de pintura de perspectiva não foi o único na região, tendo o pintor
Francisco Xavier Carneiro adotado um segundo modelo na capela do Bom Jesus de Itabirito, que
por ser mais simplificado e de execução mais fácil foi muito utilizado em São João Del Rei, Sabará
e Diamantina, que juntamente com Ouro Preto fecham o Ciclo Rococó de Minas Gerais.
In:OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus. São Paulo: COSAC & NAIFY, 2003. P. 274.
132
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 8 e P. 54.
133
Esse pintor é citado com o nome de Joaquim Gonçalves da Rocha nascido em 1755. In:
NEGRO Carlos Del. Contribuição ao estudo da pintura mineira. Rio de Janeiro: DPHAN, 1958. P.
119.
134
. ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 113.
102
É interessante notar que vários tetos mineiros utilizaram, como tema da
“visão” celestial pintada no teto, A Coroação da Virgem pela Santíssima Trindade,
como é o caso da igreja-matriz de Vitoriano Veloso, onde:
[...] A “visão” celestial é reproduzida diretamente, sem mediação da
habitual tarja com cercadura de rocalhas. Uma compacta moldura de
nuvens cinzentas e querubins realiza essa função,...[...].
135
É interessante ressaltar que essa descrição do teto mineiro corresponde
aos principais elementos que observamos no teto do coro da Luz, em São Paulo.
Apresentamos, até este ponto, um plano geral das manifestações artísticas
da Ordem no Brasil, em especial a produção do Rio de Janeiro e de Minas Gerais,
ambas capitanias pertencentes à Província Franciscana da Imaculada Conceição,
com a intenção de obter um parâmetro, para a seguir analisar a arte franciscana
em São Paulo.
135
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus São Paulo: COSAC & NAIFY, 2003. P. 287.
103
2. A pintura colonial franciscana em São Paulo: artistas e obras
São Paulo teve sua cota de manifestações artísticas marcadas de forma
diferenciada por uma conjuntura histórica, cujo ponto de partida foi a
administração do Morgado de Mateus, no momento de restauração da capitania
concomitante com a política de Pombal.
Foi um período de empreendedorismo, florescimento e desenvolvimento em
vários segmentos, que na arte resultou na decoração de edificações religiosas de
várias comunidades, e que no caso dos franciscanos abrange as três ordens: a
Ordem Primeira, com a Igreja de São Francisco do convento dos frades, a Ordem
Segunda, com a Igreja do Mosteiro da Luz das irmãs Concepcionistas, e a Ordem
Terceira, com a Capela de São Francisco da Penitência, dos irmãos leigos.
Esse aumento de atividades artísticas nas igrejas e conventos fica patente
no trecho da carta que o Morgado de Mateus mandou, em 1766, para Pombal,
então Conde de Oeiras, descrevendo a cidade e citando reformas e construções
nos edifícios religiosos:
[...] Está edificada a cidade de São Paulo, no meio de uma grande campina
em sítio um pouco elevado, que a descobre toda em roda.[...] todas as
paredes dos edifícios são de terra; os portais e alisares de pau, por ser
muito rara a pedra, mas não deixa de ter conventos, e bons templos, e
altas torres da mesma matéria com bastante segurança e duração; os mais
suntuosos e melhores são a Sé, este colégio que foi dos Jesuítas,
especialmente o seminário em que estou aquartelado, a Igreja do Carmo, e
seu convento que se está reedificando, a de São Bento, que o está
acabada, e o de São Francisco que é antigo, e o pretendem reformar
[...].
136
A seguir, optamos por tecer um panorama da sociedade paulistana do
período em questão, na qual se deu a produção de arte sacra abordada.
2.1 São Paulo pós-restauração da Capitania
136
TOLEDO, Benedito Lima. São Paulo três cidades em um século. São Paulo: COSACNAIFY,
Livraria duas Cidades, 2004. P. 11.
104
Conhecer a cultura e a mentalidade da sociedade de São Paulo no período
que vai de meados do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX é
imprescindível para pensar a Ordem Franciscana e suas manifestações artísticas
na cidade.
No final do século XVIII, ocorreram grandes transformações no mundo
ocidental, sob o influxo das idéias do Iluminismo.
137
[...] Uma visão de conjunto da Europa setecentista revela que o poder da
Igreja, solidamente implantado no século XVII com o apoio do Estado,
permaneceu praticamente inalterado em países de forte tradição católica,
tais como Portugal, Espanha, Itália, Áustria, Alemanha do Sul, Polônia e
Boêmia (atual República Tcheca), onde a cristã das populações
continuou se alimentando nas fontes medieval e contra-reformista,
inspiradoras da arte religiosa nas diversas versões do barroco tardio e do
rococó.[...].
138
De fato, no Colégio das Artes, em Coimbra, os membros da Companhia de
Jesus já tinham compreendido a necessidade de se voltarem para a ciência,
acompanhando o resto da Europa. O Iluminismo português, no entanto, teve um
matiz diferente dos outros, porque os iluminados lutavam contra a teologia e a
filosofia, sem deixar de se considerar católicos e sem negar a religião.
Surgiram, como sinal dos novos tempos, produções como O verdadeiro
método de estudar, de Padre Luís Antonio Vernéy (1713-1792)
139
, valorizando a
ciência, os conhecimentos técnicos e o racionalismo. Consta que esse autor
enviava de Roma suas idéias, dirigidas ao rei D. José I e seu primeiro ministro,
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782).
Acontece que os adeptos do Iluminismo queriam se livrar da Escolástica,
adotada pelos jesuítas, os quais tanto no Brasil quanto em Portugal detinham
praticamente o monopólio do ensino, a ponto de, em São Paulo, todos que faziam
137
O pensamento ilustrado e o liberalismo começaram a ganhar terreno a partir dos filósofos
franceses Voltaire e Rousseau, quando se fortaleceu na França, a crença na supremacia da razão
e o desejo de resultados práticos no combate às injustiças e desigualdades, que resultaram em
ataques à Igreja, governo, judiciário etc. O comportamento filosófico, científico e racional que se
afastava das superstições existente em grande parte da Europa do século XVIII, caracterizam o
iluminismo ou Idade da Razão.
138
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus São Paulo: Cosac & Naify, 2003. P. 55.
139
Padre da Congregação do Oratório, (em Portugal, a Congregação do Oratório foi uma das mais
importantes instituições na expansão do Iluminismo, servindo de contraponto aos jesuítas), que em
1741 foi nomeado pelo Papa, Arcediago de Évora, e ordenado sacerdote em 1749.
105
exame para serem ordenados, mesmo os do clero secular, tinham que a eles se
submeter, no recém-fundado Primeiro Seminário Interno para a Diocese.
O fato de os jesuítas exercerem grande influência na corte portuguesa,
como confessores e diretores espirituais, revelando-se importantes nas missões,
no ensino e na cultura, acarretou na Corte certo desconforto na administração da
Metrópole, e uma certa rivalidade com as outras ordens religiosas.
Como o objetivo da política de Pombal era a subordinação da Igreja ao
Estado português, a Coroa decidiu perseguir os jesuítas e expulsá-los de todos os
seus territórios
140
e com isso pode-se dizer que Pombal oficializou o Iluminismo no
Brasil.
Formou-se assim em São Paulo um vácuo territorial, político, cultural e
religioso, da maior importância para a expansão franciscana, sendo que os
colégios dos Jesuítas foram sendo substituídos por escolas das ordens
remanescentes, entre elas a Ordem Franciscana.
Com efeito, acabando o monopólio de ensino dos jesuítas, os franciscanos
franquearam suas próprias classes ao clero secular e regular. Os estudos
compreendiam três anos de Filosofia, divididos em Lógica, Ética e Física, sendo
que Teologia compreendia três anos de Dogma e Moral. Podemos destacar, entre
os alunos, personalidades como Frei Francisco de Montalverne, considerado um
iluminista formado em São Paulo.
141
O confisco do edifício do Colégio dos Jesuítas, em São Paulo, ocorreu em
1760. Esse ato pode ser considerado um marco de uma nova época para a
cidade, uma vez que se instalou o palácio dos capitães-generais, em vistas
da reconstituição da Capitania de São Paulo, que havia sido desmembrada com a
perda de sua autonomia.
De fato, desde 1720 a Capitania de São Paulo havia sido separada da
região de Minas, em virtude da descoberta de riquezas, o que provocou um
140
[...] Um alvará real,em 3 de setembro de 1759,declarou que estavam em rebelião contra a
coroa, reforçando o decreto real de 21 de julho do mesmo ano, que ordenava a prisão e a expulsão
dos jesuítas do Brasil [...]IN: MAXWELL, Kenneth. Marques de Pombal Paradoxo do Iluminismo.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. P. 91.
141
ALMEIDA, Aluísio. Enxertos de uma Obra Completa. In MOURA, C. E.Marcondes de. Org. Vida
Cotidiana em São Paulo no século XIX. São Paulo: Ateliê Editorial/UNESP, 1999. P. 52.
106
choque entre paulistas e forasteiros.
142
Conseqüentemente, como São Paulo
apresentava economia escassa e população dispersa, passou a não ter interesse
para a Fazenda Real, e assim terminou por perder, em 1748, sua autonomia
política, após a criação das capitanias de Goiás e Mato Grosso, ficando então sua
administração subordinada ao capitão-general do Rio de Janeiro.
Finalmente, após muitas reivindicações dos paulistas, em 14/12/1764, o
Marquês de Pombal restaurou a Capitania de São Paulo
143
e nomeou Capitão-
General (1755-1765), Dom Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado
de Mateus (1722/1798).
144
[...] Portanto, no mais ativo dos capitães generais que teve o Brasil na fase
final do período pombalino é preciso ver comportamentos inerentes à sua
posição social, a sua religiosidade e a sua formação militar.[...].
145
É importante pontuar que essa retomada de autonomia era um elemento
decisivo na política de defesa da Colônia, além de ter sido um fator de grande
desenvolvimento cultural, social e político da Capitania, principalmente de sua
capital.
Com efeito, a cidade de São Paulo preparava-se desde julho de 1765 para
a chegada do capitão-general, o que aconteceu quase um ano depois, em abril de
142
Guerra dos Emboabas.
143
Tendo como capital São Paulo, que passara a categoria de cidade desde 1711. IN: SOUZA,
Pde. Ney. Catolicismo em São Paulo São Paulo: Ed. Paulinas, 2004. P. 111.
144
BELLOTO, Heloisa Liberali. Autoridade e conflito no Brasil Colonial: O Governo do Morgado de
Mateus. 1755-1765Secretaria de Estado e Cultura. São Paulo: 1979 - Dom Luiz Antônio era um
fidalgo de Traz-os-Montes, um militar de carreira; o Solar de Mateus construído nas proximidades
de Vila-Real, a casa de sua família, é hoje um monumento nacional em Portugal. Pode-se pensar
nele como “um homem do seu tempo”, portanto, do século XVIII na península ibérica. Trazia
instruções que compreendiam especialmente três pontos: A conquista do sertão, a defesa contra o
Espanhol e a questão do envolvimento dos jesuítas com os índios, as quais ele tentou cumprir
durante os dez anos de seu mandato. Em relação à política e urbanização, o Morgado tinha
preocupação com a implantação de povoações, pois sabia que a fixação da população era muito
importante para o desenvolvimento econômico e social da Capitania. Estruturou então um plano de
trabalho para fundar mais povoações. A mais lucrativa atividade de São Paulo era nesse tempo, o
comércio de muares além de um pequeno comércio de escravos, utilizados somente para serviços
domésticos, sendo que a maior parte da população se ocupava apenas com a auto-subsistência e
onde o artesanato servia para suporte apenas das necessidades locais. Os esforços do Morgado
em relação à indústria em torno do ferro e de madeira, por conseqüência da militarização, porém
não deram os frutos que o capitão desejava. Deve-se ao governo do Morgado (1766 a 1776) o
florescimento da cultura canavieira e o enriquecimento da Capitania de São Paulo e de sua capital
administrativa, a cidade de São Paulo, que se tornaram produtoras externas de bens agrícolas.
145
IDEM, IBIDEM. P. 65
107
1766, quando a Câmara recebeu o comunicado de sua entrada blica na cidade
de São Paulo. O Morgado foi então esperado por um cortejo, formado pelas mais
altas autoridades eclesiásticas, políticas e militares e seu governo, durou dez
anos. Dom Luis Antonio revelou-se um administrador, um estadista e urbanizador
que valorizava a cultura, dando início a um período dos mais felizes para a
Capitania.
[...] Quanto à educação, D.Luís Antonio viu com muita precisão quais as
necessidades neste campo, na colônia de um modo geral. Era preciso dar
condições aos jovens, no sentido de aprenderem ofícios.Com esse tipo de
conhecimento e preparo é que poderiam pleitear ter ocupações que lhes
proporcionasse rendimentos.[...].
146
De fato, o antigo colégio dos jesuítas tornou-se a sede do poder real, e esse
mesmo espaço também continuou dedicado à educação, sempre sob a égide da
coroa, com relevante ação.
[...] Na cidade de São Paulo a cultura iluminista penetrou com o capitão
general D. Luiz Antonio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de
Mateus, amigo de particular confiança de Pombal e o terceiro Bispo de
São Paulo, Dom Frei Manoel da Ressurreição, que instalou sua residência
no antigo colégio dos Jesuítas, onde começou a funcionar o seminário
episcopal com aulas de filosofia e teologia nos moldes da reforma
pombalina. [...].
147
notícias de que o frei franciscano Dom Manuel da Ressurreição, que no
período de 1774 a 1789 foi o terceiro bispo de São Paulo, dava aulas
pessoalmente no palácio, alem de colocar sua biblioteca, de 1.548 volumes, à
disposição de todos os seminaristas e pessoas que quisessem ter acesso à
cultura.
148
É importante assinalar que foi também esse prelado que participou, em
1774, da inauguração e da tomada de hábito das primeiras irmãs concepcionistas,
do Recolhimento de Nossa Senhora da Luz, onde se encontram as pinturas do
146
BELLOTO, Heloisa Liberali. Autoridade e conflito no Brasil Colonial: O Governo do Morgado de
Mateus. 1755-1765. Secretaria de Estado e Cultura. São Paulo: 1979. P. 245.
147
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol.II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 37, 38.
148
In: BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio
Galvão de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol.II, 5 São Paulo: Ed. Roma, 1993. P. 37,
38.
108
coro da Igreja da Luz, como atesta o documento que localizamos em seus
arquivos e cujo trecho transcrevemos abaixo:
[...] Notícia Histórica do Convento de Nossa Sra. da Luz da Divina
Providência de São Paulo.
Capítulo XVII, página 7
No dia oito de Setembro do mesmo anno da fundação, 1774, receberam o
hábito das mãos do Exmo. Bispo D. Frei Manoel da Ressurreição, as nove
primeiras concepcionistas[...]
149
Na realidade, por essa época ensinavam na capital de São Paulo três
professores, na área de humanidades: o de latim, o de retórica e o de filosofia, os
quais eram examinados pelo bispo, que como diretor de estudos depois os
apresentava ao capitão-general, que os nomeava. Houve uma intenção de
ampliação dos estudos com aulas de geometria, porém os planos do Morgado
foram frustrados, por insuficiência de matrículas:
[...] A aula de geometria, entretanto, parece ter sido inovação do Morgado
de Mateus. Em 1770 expedia um Edital a respeito. Avisava sobre a
abertura de uma Aula de Geometria na cidade de São Paulo, destinada
antes de tudo aos soldados.[...].
150
Um bom exemplo das reformas no ensino que Pombal instituía na
metrópole, e especialmente na Universidade de Coimbra, é a carta enviada pelo
Morgado de Mateus para o Guardião do Convento de o Francisco, datada de
30/03/1772:
[...] Em 1770, o Governador avisava os padres do Convento de São
Francisco da Cidade de São Paulo, onde iam se abrir as “Aulas de
Estudos”, que se orientassem pelo livro que lhes era remetido:
Compendio Histórico do estado da Universidade de Coimbra”. Nele
ficavam demonstrados “os estragos, que tem padecido os Estudos das
Sciencias da Universidade de Coimbra depois que os padres da
Companhia lhe mudarão os seus antigos Estatutos”.[...].
151
149
ARQUIVO DA LUZ. Livro de Crônica, 1774 a 1941, I TOMO.
150
BELLOTTO, Heloisa Liberali. Autoridade e conflito no Brasil Colonial: o Governo do Morgado de
Mateus. 1755-1765. Secretaria de Estado e Cultura. São Paulo: 1979. P. 247.
151
IDEM, IBIDEM. P. 247.
109
Dentro desses objetivos, é possível afirmar que havia, por parte de Dom
Luiz Antonio, uma preocupação em dar ênfase e organizar a vida cultural da
cidade de forma sistemática, incentivando várias modalidades de manifestações,
como o divertimento das óperas, as procissões e as demonstrações musicais,
destacando-se a fundação da Academia dos Felizes, que pode ser considerada a
primeira Academia de Letras de São Paulo. De fato, o capitão-general organizou
uma sessão inaugural, em 25/08/1770, para festejar Santa Ana e entronizá-la no
altar novo que mandara erigir na igreja do Colégio.
A essa solenidade, que se tornou o maior evento visto na cidade até
então, compareceram várias autoridades, além de acadêmicos que participaram
com composições literárias, dentre eles Frei Antonio de San’tanna Galvão,
fundador do Mosteiro da Luz, que contribuiu com 16 poesias.
110
FIGURA 20
RELAÇÃO
Das
FESTAS
PUBLICAS QUE
na
CIDADE DE
SÃO PAULO
fez
mo mo
OILL. .
EEX.
SENHOR
GOVERNADOR,
ECAPITÃO
GENERAL
O
D.LUIS ANT.
D’SOUZA
EM LOUVOR DA
SENHORA
S.ANNA
COMAOCASIÃO
DE COLLOCAR,
A
Sua Imagem em
o Altar novo da
Igreja do
Collegio
ANNOD’I770
152
152
HORCH. Rosemarie. IEB-Coleção Yan de Almeida Prado. Relação de Manuscritos. Código 39
A Academia dos Felizes. P.29ª (trata-se de códice manuscrito de calígrafo)
111
FIGURA 20
Em pesquisa no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) encontramos na
relação das festas públicas realizadas na cidade de São Paulo documentos que se
referem à Academia dos Felizes, como, por exemplo, a Portada Desenhada, que
fotografamos para apresentar neste trabalho, além de algumas páginas do Códice
Manuscrito.
153
153
HORCH, Rosemarie E. IEB-Coleção Ian de Almeida Prado. Relação de Manuscritos. Código 39,
Academia dos Felizes. P.29ª (trata-se de códice manuscrito de calígrafo).
112
FIGURA 21
Iº parágrafo:
A Academia que
se fez na Igreja do Collegio desta
Cida
de em o Sábado 25 de Agosto,
que foi
o penúltimo dia destas Festas [...]
IIº Parágrafo:
Oração do Presi
dente da Academia que foi
o Dr. Juiz de Fora da Villa
de Santos José Gomes Pinto
de Moraes.
Figura da página 28 do Códice.
113
FIGURA 21
A página de 28, do Códice Manuscrito expressa o registro da Academia
que se fez no colégio da cidade, em 25/08/1770, um sábado, penúltimo dia das
festas, e que traz impressas as palavras que compõem a oração do presidente da
Academia, o Dr. José Gomes Pinto de Moraes, juiz da Villa de Santos, dirigida ao
Nobilíssimo Congresso.
114
FIGURA 22
115
FIGURA 22
O empreendedorismo artístico de São Paulo aconteceu dentro de um
contexto favorável à ampliação política, religiosa e cultural da cidade, como atesta
o último parágrafo da página 34 do Códice Manuscrito, em que o orador
apresenta-se na inauguração da Academia dos Felizes felicitando a boa situação
da Capitania, no governo do Morgado, com as seguintes palavras: “[...] Feliz
Capitania, q diversa teves agora, sete – comparas com o q fosse em outros
Governos! Fostes sempre nobre, mas nunca tão culta, sempre valeroza, mas hoje
mais disciplinada.[...]”.
Este texto confirma que houve realmente um avanço que atingiu vários
segmentos da cidade, o que certamente possibilitou que, na segunda metade dos
setecentos, as ordens religiosas estivessem reedificando e ornamentando suas
igrejas. Essas reformas aconteceram principalmente nas ordens terceiras, que
eram irmandades ricas, influentes organizações de auxílio-mútuo, tendo a elite
como associados, acumulando paralelamente as funções religiosas e financeiras,
pois aplicavam capital na construção de templos, em tradicionais procissões e
cerimônias de enterro, sendo que eram os frades e irmãos terceiros que detinham
a maioria das encomendas feitas aos mestres-pintores.
116
FIGURA 23
Título:
[...] Santíssima Gloriozissima
Anna
Laudibus celebratur
Juxta Ecclesiastica Verba. [...].
[...] Hymnus[...]
117
Neste evento, que marcou a inauguração da Primeira Academia de Letras
de o Paulo, destacou-se Frei Antonio de Sant’Anna Galvão,
154
que apresentou
16 composições em língua latina. Nessa produção, desenvolveu o tema relativo a
Santa Ana, por ser a padroeira de sua família, os Galvão de França de
Guaratinguetá, além dele próprio, do Morgado de Mateus e da cidade de São
Paulo.
FIGURA 23
Abaixo, a frase inicial escrita em latim e a tradução da primeira das 16
obras poéticas apresentadas por Frei Galvão na Academia dos Felizes, e que faz
parte do Códice Manuscrito:
[...] Santíssima Gloriozissima Anna
Laudibus celebratur
Juxta Ecclesiastica Verba
[...] Hymnus [...]
[...] A santíssima e gloriozissima Ana é celebrada com louvores.
Conforme o metro e as palavras eclesiásticas.
Louvemos todos a Mulher Genitora da Virgem Mãe que refulge
Com excelsa glória na ínclita ara do louvor.Ferida do celeste
amor exorta todos a desprezarem o nocivo mundo,
convidando aos bens celestiais. Exalta os suplicantes; colocada
nas culminâncias do altar, alcança a glória da terra e
Igualmente as alegrias do céu; ó Ana, que clemente favorece os mortais,
pedimos o prêmio do céu, por tua intercessão.[...].
155
154
Nota da autora: Frade franciscano fundador e construtor do Mosteiro e igreja da Luz.
155
. Tradução do texto da poesia, pelo professor Dr. Alexandre Corrêa. In: BOVE, Pe. Cristóforo,
O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão de França)O.F. M, Desc.
Biografia comentada, Vol.I I, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 94.
118
2.2. As condições do trabalho artístico colonial
[...] O papel dos mestres - de – obras foi fundamental para a construção de igrejas
de todo o país no século XVIII [...].
156
De uma maneira geral, as obras de construção de edifícios religiosos dos
séculos XVII e XVIII seguiam rigorosamente etapas definidas em contratos
estabelecidos entre a Mesa das Irmandades e os profissionais responsáveis pela
execução do trabalho. Esses profissionais eram chamados mestres-de-obra ou
mestres de risco, sendo que se incluía nessa categoria uma gama de
trabalhadores, desde oficiais mecânicos e mestres de oficio, como pedreiros,
carpinteiros com conhecimentos práticos de construção, até engenheiros militares.
No entanto, muitas vezes juristas e religiosos forneceram riscos para construções
sacras, como o bacharel Antonio Pereira de Souza Calheiros, autor do projeto da
Igreja do Rosário de Ouro Preto
157
e o religioso Frei Antonio de Sant’Anna Galvão,
o arquiteto do Mosteiro e Igreja da Luz, em São Paulo.
Com efeito, como freqüentemente os frades eram os autores do risco, sua
intervenção logicamente devia ser constante nos canteiros de obra, para
acompanhar as fases seguintes, como foi o caso do Mosteiro da Luz, onde Frei
Galvão cuidou de todas as etapas.
Todavia, era a partir da arrematação
158
da obra, posta em praça pelo
sistema de concorrências, que o trabalho dos mestres-de-obra realmente
começava, pois se comprometiam com a assinatura de contratos, com garantia de
fiadores e pela execução de todos os trabalhos previstos no Risco, dentro das
condições combinadas.
156
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus São Paulo: Cosac & Naify, 2003. P.174.
157
IDEM, IBIDEM. P. 178
158
IDEM, IBIDEM. P. 174.
119
120
FIGURA 24
“[...] Despeza feita pelo Sr. Syndico Cap. M. José Correa de Moraes com as
Obras da Nova Igreja desta Venerável Ordem 3ª no referido tempo.[...]
[...] Pagou de 37 ferias a Pedreiros e Serventes.[...].
159
159
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA DE SÃO PAULO -Livro de Receita e Despesa FOTO ML
121
O sistema mais usual era o de arrematações separadas, nas diferentes
etapas da construção e ornamentação, pois a cada uma delas correspondiam
contratos com especificações e datas de entrega diferentes, seguindo uma
espécie de cronograma, que tinha início pelas obras de alvenaria e cantaria,
seguido pelas obras de carpintaria, serralheria, talha, escultura e pintura, entre
outras.
Nos arquivos que examinamos foram encontrados vários contratos desta
natureza, como este registro do arquivo da Ordem Terceira de São Paulo, no Livro
de Receita e Despesas, iniciado em 1782/83. Nestas anotações podemos
perceber que o síndico Capitão M.José Correa de Moraes, pagou 37 férias de
pedreiros e serventes, além da compra de pregos de várias qualidades, despesas
estas que estão relacionadas com a reforma da nova igreja dos terceiros.
Com referência aos diferentes ofícios, todos esses profissionais pertenciam
à categoria genérica de oficiais mecânicos, e desde o século XVIII constituíam
uma classe à parte, anexada à dos profissionais liberais. Havia, porém, uma
divisão de acordo com a natureza de suas funções, sendo que eram os
entalhadores, os escultores e os pintores que ficavam responsáveis pela
ornamentação.
Apesar de haver o reconhecimento de que as artes por eles exercidas eram
liberais por natureza,
160
ainda assim estavam ligados às tradições corporativistas
sob alguns aspectos, como a aprendizagem e sua inclusão na sociedade por meio
de classes específicas.
Sobre o assunto que se refere à estruturação profissional dos artistas
coloniais, Frei Ortman
161
não encontrou documentos provando se em São Paulo
existia uma organização social e profissional de pintores, mas afirma que é certo
que a licença para exercer o artesanato era outorgada por edital público pelo
Magistrado Municipal. Portanto, é certo que havia em todos os ofícios mecânicos,
160
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus Cosac & Naify São Paulo: 2003. P. 177.
161
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 89.
122
mestres e oficiais, tanto que, nas citações que encontramos nos arquivos da
Ordem Terceira de São Francisco, tanto João Pereira da Silva como José Patrício
da Silva Manso (? -1801), recebem sempre o título de Mestre antes de seus
nomes, fazendo supor que os pintores, assim como os demais oficiais possuíssem
regimentos que regularizavam os exames profissionais, o número de aprendizes,
os materiais empregados na obra e os trabalhos pertencentes a esse ofício.
Como não existiam, nessa época, escolas de ensino artístico especializado,
os candidatos a essas profissões precisavam fazer parte de oficinas dirigidas por
mestres. Realmente, existem notícias de professores que tiveram alunos que
viriam a se tornar grandes artistas, como escreve Miriam Oliveira:
[...] Um professor afamado no Brasil setecentista foi o desenhista e abridor
de cunhos, João Gomes Batista, que teve alunos importantes no Rio de
Janeiro e em Vila Rica, entre os quais Antonio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho.[...]
162
Como exemplo desse tipo de ensino em São Paulo pode ser lembrado o
Padre Jesuíno de Monte Carmelo (1764-1819), discípulo de José Patrício da Silva
Manso, tendo começado como seu ajudante, em pinturas de igrejas da cidade de
Itu, em São Paulo.
Mario de Andrade a eles se refere como tendo sido dois dos maiores artistas
da Capitania de São Paulo.
[...] Santos era pobre de pintura nesse tempo e se deu em Jesuíno e em
José Patrício da Silva Manso dois dos maiores pintores coloniais da
capitania, nunca apreciou muito decorações pintadas para suas igrejas. [...]
163
De fato, a Matriz Nova de Itu, inaugurada em 1780,
164
foi pintada por José
Patrício da Silva Manso, que pode ser considerado um pintor erudito e que tornou
162
OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes
Europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. P. 178.
163
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 32.
164
IDEM, IBIDEM. P. 40.
123
Jesuíno Francisco de Paula Gusmão seu auxiliar nesse trabalho, tendo ainda lhe
conseguido a encomenda de quadros para a capela-mor dessa mesma Matriz.
165
Porém, não se tem notícia de uma escola de pintura em São Paulo antes de
1849, quando efetivamente foi estabelecida pelo governo da Província a primeira
escola de pintura de São Paulo, fundada por Jorge José Pinto Vedras e que
funcionou até 1865.
Contudo, é fato que a grande maioria das obras religiosas era executada de
acordo com um programa imposto ao artista pelas Ordens.
[...] é fora de duvida que os pintores coloniais - da mesma forma, aliás, que
seus colegas europeus contemporâneos - receberam os programas para
as suas obras religiosas da parte das autoridades competentes [...].
166
Os religiosos e as Ordens Terceiras têm que ser vistos como mentores do
trabalho artístico porque, em geral, encomendavam obras sobre temas ligados às
suas histórias, utilizando como modelo estampas de bíblias, missais ou livros com
gravuras flamengas e alemãs
167
.
De fato, também era raro que o artista-autor assinasse a obra, pois, na
sociedade colonial, o pintor não era considerado pelo público como artista livre,
criador, consciente de sua individualidade.
Entretanto, por todas essas características, é muito grande a dificuldade para
se encontrar documentos, e principalmente registros, que contenham dados sobre
os pintores atuantes nesse período, em São Paulo. Procuramos então compor
esse cenário, com os elementos disponíveis nos arquivos e na bibliografia que
examinamos.
165
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 41.
166
LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, 6,1942. P. 28.
167
IDEM, IBIDEM. P. 62, 63.
124
2.3. Pintores atuantes na cidade de São Paulo
Havia poucos artistas residentes na cidade de São Paulo. Portanto, no
início, quando era necessário um especialista não encontrado na cidade, eram
contratados mestres pintores de outras capitanias, e essa circulação possibilitava
que as técnicas e temas fossem divulgados.
Fazer o levantamento dos nomes de pessoas ligadas às artes religiosas que
circulavam na cidade foi bastante complicado, porque esbarramos em inúmeras
dificuldades, como o acesso a documentos ou mesmo a inexistência de registros, o
que justifica casos onde pudemos citar o nome do artista, embora algumas vezes
tenha sido possível resgatar informações mais detalhadas.
Pensamos em usar como critério de apresentação a ordem cronológica em
que são citados, nos livros dos arquivos e nos registros das irmandades, bem como
das ordens onde desenvolveram suas obras.
Uma das primeiras datas diz respeito a Antonio dos Santos Viana, citado
nos documentos do arquivo da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, em
1762/63, como tendo feito trabalhos artísticos na igreja dos terceiros carmelitanos:
“[...] se pagou a Antônio dos Santos Viana para dourar e pintar quatro altares da
capela e cinco tribunas, do altar do Senhor da coluna [...]”.
168
Outro apontamento, desta vez referente a João Pereira da Silva, tendo sido
registrada no Livro de Patrimônio fª 33 vss., que se encontra no Arquivo da Ordem
Terceira de São Francisco, num documento de 1768: “[...] Por dinheiro que pagou
ao nosso Irmão João Pereira da Silva da pintura de doze painéis que se acham no
corredor da capela, sacristia e dos altares colaterais a 10$000rs... 120$000rs [...]”.
169
É preciso levar em conta que houve uma grande mobilização artística da
Ordem Terceira Paulistana entre os anos de 1767 e 1768
170
, período em que,
além dos doze painéis lançados no Livro de Patrimônio, foi renovado o quadro de
168
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 156.
169
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951.
P. 321.
170
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 90.
125
São Francisco no teto do Consistório, além de outras pinturas que podem ter sido
quadros ou só decorações.
De fato, é possível que João Pereira da Silva tenha realizado todos esses
trabalhos, conforme hipótese levantada por Frei Ortman, que apesar de não ter
encontrado nenhuma descrição deles até o momento de sua pesquisa, calculou
que alguns devem ter sobrevivido às reformas de 1783 e passado a fazer parte da
ornamentação da igreja na reconstrução.
Este artista era filiado à Ordem Terceira desde 1760, casado com Catarina
Xavier Assunção, também irmã terceira, sendo português ou oriundo de outra
cidade. Porém, há notícias de que morava em São Paulo já em 1755.
171
Em 1761 e 1768, este artista foi eleito mesário da Ordem Terceira
Franciscana, e registrado no livro das eleições com a qualificação de pintor à
frente de seu nome, ou, como aparece no Livro de Profissões da Ordem Terceira
de São Paulo, com o título de mestre.
172
Por todos esses indícios, pode ser
considerado como membro atuante da irmandade dos terceiros franciscanos de
São Paulo, juntamente com sua família, uma vez que teve filhas que também
pertenceram à Ordem.
Tinha também certa influência na sociedade, conforme registro dos
Recenseamentos, pois exerceu o cargo de Capitão da Ordenança de São Miguel
e da Penha, para o qual foi indicado pelo Senado da Câmara em 1768. É
interessante observar essa dupla condição de vida profissional que mesclava o
artista com o militar, que pode sugerir que o artesanal referente à pintura era
pouco valorizado.
Sua participação artística deu-se em outras comunidades além da
franciscana, já que Mário de Andrade também se refere a esse artista como sendo
o primeiro pintor mencionado nos documentos da Ordem Terceira do Carmo de
171
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 90[...] porque nesta data o vemos
ocupado em trabalhos para Ordem Terceira. [...].[...] Não encontramos sua carta de exame no
Registro Geral. Mas não cremos que a Ordem tivesse chamado para tão importantes trabalhos
pessoa que não fôsse legalmente habilitada e por isto, talvez, teria adquirido esta carta de “licença
geral” fora de São Paulo [...].
172
IDEM, IBIDEM. P. 90[...] mestre pintor e morador ao pé da ponte do Carmo.[...].
126
São Paulo, contratado para pintar o teto da capela-mor.
173
É um contrato que
consta da folha 41 do livro de Atas e Termos 3, datado de 24/08/1759, onde
está registrado o acordo e o valor de 64 mil réis, cifra confirmada no Livro de
Receitas e Despesas 15, que, aliás, apresenta outros pagamentos feitos ao
mesmo artista, até o ano de 1768.
174
Portanto, deduzimos que seu trabalho compreendia tanto pintura
propriamente dita (de quadros, painéis e paredes) quanto douração e talha.
Quando pensamos nos artistas atuantes desse período, não podemos
deixar de considerar que as ordens religiosas formavam artistas entre seus
membros, sendo que os frades eram, muitas vezes, diretamente encarregados da
tarefa ou de apresentar as diretrizes do trabalho artístico, como divulgadores das
devoções religiosas, sempre apontando o conceito e as fontes de inspiração, ao
artífice que o realizaria
175
. É bom ressaltar que, nesses casos, o pensamento dos
religiosos seguia características portuguesas, tanto de pensamento quanto de
expressão de fé, devido à formação que os membros da ordem recebiam nos
seminários.
Ainda em alusão a esse assunto, é interessante saber que, em 1717, foram
publicados os Estatutos da Província Franciscana da Imaculada Conceição, onde
existe um capitulo que determina a forma pela qual se deveria dirigir a construção
de um convento.
176
Essas regras referiam-se desde os materiais a serem utilizados até a
necessidade de manter a construção em estado de pobreza, porém mantendo o
decoro,
177
de acordo com os conceitos da Ordem, sempre obedecendo às
173
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944.P.153.
174
IDEM, IBIDEM. P.154 [...] que logo se ajustou com João Pereira da Silva por preço de sessenta
e quatro mil-réis ficando ele obrigado a pôr tôdas as tintas que for necessário exceto o andaime
que este será obrigado a ordem a pô-lo pronto; outrossim será ele dito obrigado a pintar o antedito
fôrro(não se falou antes em nenhum fôrro) a (letra ilegível) andando da mesma sorte que estava o
antigo,só com a diferença de que no meio levará uma tarja e dentro dela a Sra. Teresa,e a dita
obra a dará acabada te ao último de janeiro,[... ]
174
175
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 85.
176
IDEM, IBIDEM. P. 95.
177
.Termo usado pelos tratadistas hispânicos durante os séculos XVI e XVII que define o padrão
que guiará a execução da imagem artística, adequada ao cumprimento do decreto tridentino. Um
127
tradições da Metrópole. Realmente, pode-se constatar esse fato pelos livros dos
Guardiões, que detalham as obras realizadas durante a vigência trienal de cada
um deles.
Entre os frades que se dedicaram ao serviço artístico, citados como tendo
sido os artífices do século XVIII, encontramos referências a Frei Francisco Solano
Benjamim, que nasceu em Vila de Santana de Macacu, no Rio de Janeiro, em
cerca de 1750.
178
Esse frade franciscano, do Convento de Santo Antonio do Rio
de Janeiro, pode ser considerado um pintor auto-didata: era desenhista e foi
designado pelo Vice-Rei Luis de Vascocellos e Souza para acompanhar a
expedição de Frei Mariano da Conceição Veloso, com a incumbência de ilustrar
seu livro, Flora Fluminense. Na arte sacra, entre outras obras o frei executou
pinturas decorativas no Convento de Santo Antonio, em São Paulo, sendo que a
maior parte delas foi perdida.
Em Röwer, referindo-se ao Convento de S. Francisco de São Paulo, Frei
Francisco Solano é citado: “[...] frei Francisco Solano, porteiro do Convento, de
1804 a 08 [...] [...] Do mesmo Frei Solano lemos em Civezza
179
que decorou o
claustro do Convento com afrescos [...]”.
Frei Antonio de Sant’Anna Galvão, paulista de Guaratinguetá, nascido em
1738/39 está incluído também entre os artistas religiosos da Ordem Franciscana
que atuaram em São Paulo neste período.
180
Estudou no Seminário dos Jesuítas
de Belém (1752/1756)
181
na Vila de Cachoeira, na Bahia, famoso pela formação
de seus alunos, tendo se tornado franciscano em 1760, ocasião em que foi
enviado para o Convento de São Boaventura, em Macacu, no Rio de Janeiro.
conceito que predominou em Portugal e Espanha com postulados muito estreitos e limitadores da
liberdade criadora. IN: BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em
Brasil. Santa Cruz de Tenerife: 1996. P. 110, nota 2.
178
IDEM, IBIDEM. P.106.
179
Storia della missione francescane IN: RÖWER, P e. Dr. h. c.Frei Basílio O.F.M. Páginas da
História Franciscana no Brasil. São Paulo Vozes: 1957.P. 111.Nota 97
180
MARISTELA. Frei Galvão; Bandeirante de Cristo. o Paulo: Mosteiro da Imaculada Conceição
da Luz. 1978. P. 15.
181
BOVE Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 49.
128
Após esse período foi designado, para estudar filosofia e teologia
182
no convento
franciscano de São Paulo, momento em que Frei Galvão pode testemunhar, com a
ocorrência de inúmeras obras da ordem, a efervescência artística religiosa na
cidade.
Isso contribuiu, sem dúvida, para que, no decorrer da década de 1770, Frei
Galvão manifestasse sua criatividade, revelando-se como grande arquiteto da
época em São Paulo, fazendo os riscos e se tornando o construtor do
Recolhimento da Luz e da Igreja da Luz, fundados em 1774 e inaugurados
respectivamente em 1778 e 1802, onde trabalhou com suas próprias mãos,
ajudado pelas primeiras religiosas e pelos escravos.
Frei Galvão pode ser considerado um artista de seu tempo, que além de
poeta
183
foi importante arquiteto, tendo sido ao mesmo tempo mentor e artífice de
sua obra. Era homem de cultura e preparo teológico, sendo logo notado pelas
pessoas cultas da cidade e pelo povo da cidade de São Paulo, gozando de grande
prestígio, por sua personalidade intelectual e sensível, voltada para a vivência dos
preceitos franciscanos.
É importante frisar que na década de setenta ele exercia o posto de porteiro
do Convento de São Francisco, da cidade de São Paulo (1773),
184
de comissário
da Ordem Terceira de São Francisco de São Paulo, que ocupou por vários anos,
(de 1776 a 1780)
185
e confessor (desde 1770), do Recolhimento carmelita de
Santa Tereza.
186
O desempenho dessas funções ocorreu justamente no período
em que aconteceram as tratativas para a reforma e ampliação da capela dos
terceiros e sua conseqüente separação da igreja do Convento de São Francisco
(de 1783 a 1787), onde parece ter contribuído de forma significativa.
182
[...] Foi admitido ao estudo de filosofia no convento de São Paulo a 24 de julho de 1762 [...] In:
BOVE Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão de
França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 74-77.
183
IDEM, IBIDEM. P. 93. Inauguração em 1770, da primeira Academia de Letras de São Paulo,
tendo participado da sessão literária solene, com 16 composições em língua latina.
184
IDEM, IBIDEM. P. 93.
185
IDEM, IBIDEM. P. 89
186
[...] Rua de Santa Tereza (atual Roberto Simonsen) [...]. IN: BUENO, Beatriz Siqueira. Tecido
Urbano e mercado imobiliário em São Paulo: metodologia de estudo com base na Décima Urbana
de 1809. P. 75. IN: Anais do Museu Paulista. [...].
129
De fato, a cúpula octogonal do Zimbório dos terceiros tem sua arquitetura
atribuída a frei Galvão, assim como é de autoria dele a da igreja do Mosteiro da
Luz das Irmãs Concepcionistas, uma raridade nas edificações religiosas
brasileiras, uma vez que o uso da taipa dificultava a concretização de plantas
poligonais.
187
Outro elemento coincidente nessas duas construções paulistanas refere-se
ao eixo principal que foi mudado: a Ordem Terceira tinha anteriormente entrada
pela igreja de São Francisco, e passou a ter pelo Largo de São Francisco; a Igreja
da Luz achava-se voltada para cidade e teve seu frontispício mudado, por seu
construtor, para o caminho do Guarepe, que hoje em dia é a avenida Tiradentes.
Essa característica demonstra que os octógonos centrais, constantes dos dois
edifícios, foram pensados para tornar essas mudanças quase imperceptíveis.
Nos arquivos do Mosteiro da Luz encontramos em manuscritos de Frei
Galvão anotações trazendo a descrição da obra e considerações sobre o impacto
causado na sociedade:
188
[...] Tem este edifício de compridos 240 e tantos palmos e de largo 170 e
tantos, com uma área grande no meio, uma cerca extensa, etc.etc.etc.
obra da Providência que tem causado admiração aos Snrs. Paulistas,
famigerada e notória às Capitanias vizinhas: [...] Tem de gasto na
construção desta obra mais de 13$000 cruzados, e julgo que ainda levará
e gastará outro tanto; porem não dá cuidado, porque quem deu e fez com
tanta facilidade e liberdade, dará mais para a glória da sua admirável
Providencia. [...].
A afirmação de que a construção tem causado admiração aos paulistas,
bem como às capitanias vizinhas, reforça a idéia da proporção que tomou a
construção do Convento, tanto do ponto de vista religioso quanto do social. Outro
elemento importante que fica visível nessa análise é a constatação do montante
de recursos investido e a necessidade de ter que ainda conseguir uma soma tão
considerável quanto a já despendida.
Na conclusão do texto temos a exemplificação da mentalidade franciscana,
quando o frei atribui a generosidade que gerou as doações à Providencia Divina,
187
TOLEDO, Benedito Lima. Igrejas Paulistanas de Planta Octogonal. Revista da Universidade
São Paulo. 2 Agosto 1986.P.123
188
Arquivo da Luz.TOMO I1774 a 27 de Agosto de 1941-Manuscrito -Capitulo IV p.17.
130
que se constitui numa das devoções trazidas de Portugal pela Ordem,
demonstrando ao mesmo tempo confiança e esperança, virtudes valorizadas pela
Regra, na recepção de novos recursos para complementar sua obra.
Essa contribuição de Frei Galvão para a arquitetura das igrejas
franciscanas tem uma importância fundamental para a compreensão das pinturas
dos seus forros. Isto porque, no mundo barroco, um profundo entrosamento
entre as manifestações das artes da pintura, da escultura e da arquitetura.
Outro personagem relevante em relação à pintura paulista nesse período é
José Patrício da Silva Manso, que trabalhou em São Paulo de 1777 a 1801, e cujo
local de nascimento pode ter sido Santos
189
ou Minas Gerais,
190
tendo morrido em
São Paulo, em 27/05/1801.
José Patrício trabalhava como mestre-pintor dourador e restaurador,
realizando, em 1777, sua primeira obra de vulto em São Paulo, com a decoração
da Igreja de São Bento e a produção de quatro painéis da vida de São Bento, hoje
desaparecidos.
Entre 1780 e 1785, deixou São Paulo e executou pinturas na capela-mor da
nova Matriz de Itu, além de algumas telas grandes, onde teve como ajudante
Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, que se tornou mais tarde o Padre Jesuíno
de Monte Carmelo.
De volta a São Paulo, trabalhou na Igreja da Ordem Terceira do Carmo,
onde em 1785/86 pintou um painel no teto da sacristia, com o tema Nossa
Senhora do Carmo entrega o escapulário a Santa Tereza.
191
Trabalhou também
nessa igreja como dourador, o que consta do Livro de Despesas dos terceiros
carmelitas referente ao período de 1797/ 98: “[...], mas eis que na folha seguinte,
referente sempre ao mesmo período, pagam 10$070 “para bôlo a José Patrício”
“[...] Não parece haver dúvida que este José Patrício trabalhou nos púlpitos [...]”.
189
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 32.
190
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 8.
191
IDEM, IBIDEM. P. 85.
131
Esse artista interessa diretamente nesta pesquisa por ter recebido uma
importante encomenda em 1790 /1793,
192
para realizar a decoração com a pintura
São Francisco subindo ao céu num carro de fogo, no teto da capela-mor da Igreja
da Ordem Terceira de São Francisco de São Paulo, cuja comprovação de
pagamento encontra-se no documento que fotografamos que consta do Livro de
Receitas e Despesas 1782/1851, fª. 38.
192
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P.85
132
FIGURA 24 A
Registro de Pagamento a José Patrício. Arquivo da V.O.T.
133
Outras pinturas que se encontram na Ordem Terceira Franciscana lhe são
atribuídas por Frei Ortman e Dom Clemente da Silva Nigra, como por exemplo o
pequeno medalhão do centro do teto da nave (1790-93) representando São
Francisco entrega as Regras aos Irmãos Lucio e Bona.
Existem controvérsias na atribuição a José Patrício de outros trabalhos que
se encontram nessa mesma igreja, os dois painéis das paredes da capela-mor, A
Renúncia de São Francisco aos Bens Terrenos e Morte de São Francisco.
193
Ainda são atribuídos a esse pintor os seis Santos Retratos, (1790/1793) que
representam, de corpo inteiro, santos terceiros dos quais quatro se encontram
debaixo do coro: S Humiliana viúva, Stª Isabel da Hungria, São Roque e São
Gualter. Quanto aos outros dois, estão numa sala do pavimento superior da igreja,
retratando, num deles Stº Elzeario e Stª Delfina, e no outro São Lucio e Stª
Bona.
194
A última obra de Silva Manso foi São Bento Entregando as Regras,
realizada em 1795/1800
195
, para a Igreja de São Bento em São Paulo. Consta que
também pintou para os mosteiros beneditinos de Santos, assim como são
atribuídas a ele, por Dom Clemente da Silva Nigra, oito painéis ovais, no Mosteiro
de São Bento do Rio de Janeiro.
193
[...]D. Clemente Maria da Silva Nigra reavaliou essa atribuição das obras de José Patrício da
Silva Manso na igreja dos terceiros franciscanos e citou (sem esclarecimentos) que Morte e
Renuncia de S. Francisco seriam painéis do pintor José Patrício da Silva Manso[...].IN: ARAUJO,
Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura Paulistana do
Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P.84.
194
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 110.
195
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 137.
134
Figura 25
Capa do Livro de Patrimônio,
fotografada no Arquivo da
Ordem Terceira.
São Paulo.
“Livro nº 10
“Formação de
Patrimônio”
“Livro do Syndico”.
6 -11 -1754 a Outubro
1801.
FIGURA 26
“23 de Janrº
de 1789.
196
– “... ao pintor
Boaventura de
ir batumar o
zimbório $
640”.
196
ARQUIVO-Ordem Terceira de São Francisco de São Paulo. Livro nº 10. Ps. 89 e 90
135
Durante o trabalho de pesquisa nos deparamos com documentos que
atestam que houve, em São Paulo, um Pintor Boaventura, que trabalhou na
Ordem Terceira de São Francisco, e pudemos fotografar, no arquivo dessa
irmandade, o Livro 10 de Formação de Patrimônio, Livro do Syndico, de 6 -11 -
1754 a Outubro 1801,
197
onde se acha assentado um registro de pagamento a
esse artista.
FIGURA 25 - Fotografamos a página com o apontamento do trabalho
realizado que comprova o pagamento de $640, para o Pintor Boaventura passar
betume no Zimbório da capela terciária franciscana, em 23/01/1789.
FIGURA 26 - Coincidentemente, os livros dos arquivos carmelitas, fazem
referências ao Pintor Boaventura, com relação às despesas para dourar oito varas
de pálio, conforme informação obtida por Mario de Andrade: “[...] Mas quem
dourou foi o pintor Boaventura dos Santos, que ainda faz o mesmo trabalho em
cinqüenta castiçais”.
198
A partir desses registros poderíamos pensar que esse profissional se
dedicasse mais à douração e acabamentos, do que a pintura de painéis.
197
Arquivo da Ordem Terceira de São Paulo Livro nº 10. Ps. 89 e 90
198
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P.159.
136
FIGURA 27
FIGURA 28
137
Mais um pintor, Manoel da Costa, foi localizado na continuidade da
pesquisa.
Examinamos e fotografamos no arquivo da Ordem Terceira Franciscana o
Livro de Receita e Despesas (início em 1782/83), a página 62 v., FIGURA 27, que
contém o registro do pagamento, feito ao pintor Manoel da Costa (ou Manoel da
Costa Vale), pela pintura do Zimbório, (1798/1799).
199
FIGURA 28.
“[...] Que se pagou ao Pintor Manoel da Costa de pintar o Zimbório 20$000[...]”.
As pinturas que compõem a cúpula do zimbório de forma octogonal
representam os Estigmas, as Virtudes Teológicas, o Hábito, as Regras, a
Santíssima Trindade e os Votos, e estão distribuídas em painéis trapezoidais, ao
redor da pintura central que apresenta o emblema da Ordem Franciscana.
Se levarmos em conta a anotação apresentada por Mario de Andrade do
pagamento feito a Manoel da Costa, no período de 1793/94, que consta dos livros
do Arquivo da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, fica evidente que esse
artista atuava em mais de uma irmandade, na cidade de São Paulo.
[...] pintor Irmão Manuel da Costa, de ouro, preparos e feitio de dourar uma cruz
para o altar-mor [...].
200
199
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951.P.109
200
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 261, Nota 43.
138
Outro pintor importante que circulou por São Paulo nessa época foi Jesuíno
Francisco de Paula Gusmão, apresentado por Mario de Andrade, no livro Padre
Jesuíno de Monte Carmelo, num trabalho que reuniu muitos dados referentes à sua
biografia, como o local de nascimento em Santos em 1764, e o tardio ingresso na
vida religiosa, quando se tornou o padre Jesuíno de Monte Carmelo.
201
À medida em que se avança nessa leitura, fica evidente que, na construção
de seu perfil artístico, o biógrafo apóia-se em elementos constitutivos da
personalidade do biografado e em seus traços físicos, especialmente a cor da pele,
elementos que deixaram marcas em sua pintura:
[...] Pobre, mulatinho sem pai, a instrução inicial de Jesuíno foi quase nula,
porque desde muito cedo ele se viu no imperativo de trabalhar pra viver. Era
muito religioso por natureza. O seu espírito vivaz se libertava das
precariedades terrenas que o castigavam, pela compensação das coisas
divinas, especialmente o culto da Senhora do Carmo [..]. Não se sabe com
quem nem como aprendeu o ofício. [...].
202
O autor ressalta ainda que as barreiras sociais contra as quais o artista se
defrontou, tanto em Santos quanto em Itu, imprimiram características próprias em
sua obra.
Achamos interessante destacar que o florescimento artístico da região, o
desenvolvimento das outras ordens religiosas, em especial o dos franciscanos,
evidencia-se com alguns comentários escritos por Mario de Andrade que cercam o
relato da ida de Jesuíno a Itu, em 1781, quando acompanhou um frade carmelita
de Santos: “[...] Jesuíno Francisco encontrou Itu nessa arrancada artístico-
religiosa [...]”
203
Ainda, Mario de Andrade escreveu:
“[...] Mas por 1780, no tempo de Jesuíno
Francisco, os padres eram muitos. Não só os franciscanos estavam em plena
florescência, mas os carmelitanos também, em glória, riqueza e número. [...]”.
204
201
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P.19
202
IDEM. IBIDEM. P.31, 32.
203
IDEM. IBIDEM. P. 43.
204
IDEM, IBIDEM. P. 39.
139
Percebe-se, portanto, que no final do século XVIII e nas primeiras décadas do
século XIX, em vários pontos da capitania como Santos, Itu e na própria cidade de
São Paulo, havia um empreendedorismo artístico envolvendo a arte religiosa.
Fazendo, sem dúvida, parte dessa ampliação das manifestações artísticas, a
obra de Jesuíno pode ser pensada em dois momentos: as produções do padre
Jesuíno de Monte Carmelo, no período de 18...? a 1817,
205
e toda a sua obra
restante produzida no período, em que o artista era ainda um leigo, uma vez que
foi somente após o término das pinturas paulistanas que Jesuíno retornou a Itu,
dando início à sua vida de sacerdote, rezando sua primeira missa em 16/07/1798:
“[...] De garantido e conhecido só sabemos que o padre pintou os oito retratos
carmelitanos do patrocínio. Tudo o mais é obra do leigo Jesuíno Francisco de
Paula Gusmão. [...]”
206
Na cidade São Paulo, no período que vai de 1795 a 1797,
207
Jesuíno
produziu trabalhos para as igrejas carmelitanas: “[...] Jesuíno Francisco é
convidado a decorar as igrejas carmelitanas de São Paulo [...]”
208
.
De fato, nesses três anos na capital paulista, foram três as obras de vulto de
Jesuíno: seu primeiro trabalho foi a pintura do teto da igreja do convento do
Carmo, que se perdeu quando da desapropriação do edifício, em 1929; em
seguida, o teto em caixotões, constituído de 18 quadros a óleo sobre madeira,
para o convento das freiras de Santa Tereza, representando cenas biográficas da
santa; e, finalmente, a pintura do teto da nave da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo.
De acordo com documentos, a pintura do forro da nave da igreja da Ordem
Terceira carmelita foi a última obra paulistana de Jesuíno, pois seu nome aparece
mencionado nos lançamentos dos Livros de Despesas e Receitas, do período de
1796/97.
209
205
. ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P.87.
206
.IDEM, IBIDEM. P. 85.
207
IDEM. . IBIDEM P. 86.
208
IDEM. . IBIDEM P. 51.
209
[...] Ao Jesuíno por conta da pintura do côro 2$000[...]. P. 163. [...] Dinheiro que se deu a
Jesuíno por duas vezes de pintar a capela: 150$000[...] IN: IDEM, IBIDEM. P. 162, 163.
140
É importante ressaltar que o trabalho realizado no teto da nave da Igreja dos
Terceiros Carmelitas tem notáveis afinidades com os esquemas compositivos dos
tetos franciscanos, tanto da igreja conventual quanto no coro da Igreja da Luz e da
capela-mor da Ordem Terceira, uma vez que em todas elas os personagens estão
dispostos com os pés nascendo direto do entablamento, como se descrito em
Mario de Andrade:
[...] O artista concebe erigir o retrato inteiro de esquadrões de beatos e
beatos carmelitanos, se erguendo do entablamento. [...] Os vinte e quatro
beatos do teto da nave são a obra de maior vulto que nos ficou de Jesuíno
Francisco [...]
210
210
ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1944. P. 168.
141
142
FIGURA 29
143
Nesse exame, encontramos e fotografamos, nos arquivos do Mosteiro da Luz,
o documento que narra a história do Convento, fazendo menção ao franciscano Frei
Lucas José da Purificação
211
, que com a morte de Frei Galvão, em 1822, tornou-se
seu sucessor, diretor e capelão do Mosteiro. FIGURA 29
Por esse relato pudemos perceber que se tratava de mais um artista
religioso, pois Frei Lucas encarregou-se de todas as atribuições que o cargo lhe
conferia, dando continuidade ao trabalho de seu antecessor, inclusive em
questões artísticas e arquitetônicas, como terminar a douração da Igreja e
proceder à finalização da construção da torre sineira, que tinham ficado
inacabadas:
[...] Frei Lucas foi o sucessor de nosso santo fundador e se aplicou no
desempenho desse cargo [...]
[...] Frei Lucas, de sua parte trabalhava por aperfeiçoar tudo quanto nosso
santo fundador deixou para terminar. Chamou uma Senhora que entendia
de douração (cama) para vir ensinar as irmãs e estas mesmas douraram
toda a igreja, ficando uma maravilha o trabalho delas.[...]
[...] Frei Lucas ensinava, também às irmãs o canto Gregoriano, pintura e
quando era preciso fazia as vezes de medico.[...].
212
Fazendo parte do universo artístico da cidade sabe-se também que havia
algumas irmãs
do Mosteiro da Luz que faziam esculturas de imagens de santos
213
e pinturas, de acordo com a seguinte passagem referente à visita do Imperador D.
Pedro II, ao Recolhimento:
[...] A 2 de Março de 1846, por ocasião da visita de D. Pedro II e da
Imperatriz D. Teresa Cristina a São Paulo [...] Na sacristia apreciou o
monarca um quadro pintado a óleo por uma das Irmãs, Ana da Conceição,
herdeira dos dotes artísticos do pai, o pintor Francisco das Chagas Silva.
[...].
214
211
MARISTELA. Frei Galvão; Bandeirante de Cristo. São Paulo: Mosteiro da Imaculada
Conceição da Luz. 1978. P.136 (1) e infra.
212
ARQUIVO DA LUZ-Datilografado Sobre a História do Convento da Luz. Notícias do Revmo. Frei
Lucas. (1823-1842). Pasta 1 Gaveta 2. (Frei Lucas sucedeu a Frei Galvão, fundador do mosteiro e
igreja da Luz.).
213
MARISTELA. Frei Galvão; Bandeirante de Cristo. São Paulo: Mosteiro da Imaculada Conceição
da Luz. 1978 P.136
214
IDEM, IBIDEM. P. 87, 88.
144
Observamos que além de nomear a irmã Ana da Conceição o trecho traz
mais um nome para figurar em nossa lista, o pintor Francisco das Chagas Silva,
do qual não conseguimos nenhuma outra alusão.
Outra referência a artistas dessa época é a menção ao pagamento
conferido em 1843 ao Pintor Quadros, no Livro de Receitas e Despesas, f. ª
295
215
, da Ordem Terceira de São Francisco, que diz: “[...] Por pintar os quatro
painéis debaixo do côro e dourar parte deles e os dois painéis da capela-mor, e
várias miudezas ao pintor Quadros – 86$000 rs. [...]”.
Com referência a esse pintor, Frei Ortman exprime dúvidas quanto a que
tipo de trabalho foi executado, e reflete se teriam sido pinturas originais ou
simplesmente restaurações e acabamentos.
[...] Seis paineis feitos em 1843 pelo pintor Quadros, quatro debaixo do
côro e 2 na capela-mor; seriam os quatro “retratos” e os dois da Renúncia
e da Morte de São Francisco. [...].
[...] a não ser que os trabalhos do pintor Quadros não teriam sido originais
e somente restaurações. [...]
216
.
De fato, de acordo com o costume da época, o artífice se omitia de assinar
a produção, o que traz dificuldades na hora do exame por documentos, como
afirma esse autor, pontificando um problema comum, encontrado em pesquisas
desse tipo:
[...] Cremos que as fontes documentárias não resolvem a questão da
maior parte desses painéis, sendo, portanto necessário recorrer a estudo
acurado de suas qualidades intrínsecas e conferi-las com outros painéis
de autoria incontestada.[...].
217
Finalmente, esse panorama sobre a situação da pintura franciscana de São
Paulo, no período que decorre da segunda metade do século XVIII à metade do
XIX, vem desembocar, no Império, na criação da Primeira Escola de Pintura de
215
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 88.
216
IDEM, IBIDEM. P. 93.
217
Conclusões de Frei Ortman. In: IDEM. IBIDEM. P.110.
145
São Paulo,
218
que em 1849 foi estabelecida pelo governo da Província e que
funcionou até 1865, tendo sido fundada por Jorge José Pinto Vedras.
O interesse em fazer esse registro, embora que cronologicamente esteja
fora do Período Colonial, resulta do fato de que existem cinco obras da autoria de
Vedras na Igreja do Mosteiro da Luz, em São Paulo: são os quatro quadros que
representam os quatro evangelistas, Marcos, Lucas, Mateus e João, localizados
nas paredes laterais da capela-mor, além de um grande quadro representando a
Virgem, no corpo da igreja.
Além disso, existe o fato de que, no início de seu funcionamento, a escola
instalou-se no Palácio do Governo, antigo colégio dos jesuítas, para depois passar
para uma das salas da Faculdade de Direito no Largo de São Francisco.
218
ORTMAN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 98.
146
FIGURA 30
Página do Almanak Paulistano, de 1856.
[...] Almanak Paulistano [...]
[...] Resumo da Lei n. 21 de 20 de Março de 1856. [...].
[...] (Fixa a despesa e orça a Receita provincial para o anno
financeiro de 1856 - 1857)...].
[...] Escola de Pintura 800$000[...].
147
FIGURA 30 - Na pesquisa que realizamos no Instituto de Estudos
Brasileiros (IEB), nos deparamos com uma curiosa referência relacionando o
orçamento da cidade à Escola de Pintura: o resumo da Lei n. 31, 20/1856, que se
encontra no registro do Almanak Paulistano
219
, o qual fotografamos, destinava
800$000 para a Escola de Pintura, nos anos de 1856/57.
O que nos fez refletir sobre a importância conferida à Arte pela cidade de
São Paulo, já que a municipalidade destinava nesse ano uma verba de seu
orçamento à Escola de Pintura.
Ao finalizar essa cartografia da vida artística da cidade, notamos que num
mesmo período de tempo vários pintores prestavam serviço em duas ordens
diferentes, tanto na franciscana quanto na carmelita, o que tornou possível pensar
nos pontos de afinidade com os esquemas compositivos levantados pela
pesquisa.
De fato, percebe-se a cristalização de um código para a realização de
programas distintos e próprios de cada instituição, como a disposição de figuras
cujos pés nascem a partir do entablamento, os fundos que apresentam paisagens
áridas, sem nenhuma característica própria, as fisionomias pouco expressivas e
uniformes. No entanto, existe grande diferenciação no que se refere aos temas e
iconografia, que ficavam a cargo da ordem encomendante. A elas cabia a escolha
que mais atendesse às suas necessidades.
Mesmo com as dificuldades alegadas, foi possível, ao longo deste
capítulo, reconstituir de alguma forma o cenário que englobava a sociedade
paulistana, no período em que houve a produção das manifestações artísticas
focalizadas nesta pesquisa.
Refletindo sobre esse apanhado de notícias relativo a São Paulo, após a
restauração da Capitania, onde foi enfocado o florescimento da grande atividade
artística e cultural havida nesse período, que redundou nas reformas das igrejas
existentes e a construção de outras, consideramos que essa foi uma estrutura
necessária, para dar continuidade ao trabalho no próximo capítulo.
219
Instituto de Estudos Brasileiros IEB /USP ALMANAK PAULISTANO. São Paulo Ano de 1856 P.
199.
148
Nele, discorreremos sobre o histórico das três edificações franciscanas da
cidade de São Paulo e apresentaremos suas pinturas, dando ênfase aos tetos, e
sempre que possível, fazendo referência à datação e autoria de cada uma, além
de indicar as fontes presumíveis que as fundamentaram, tanto literárias quanto
iconográficas, complementando com a apresentação de fotos e documentos.
149
CAPÍTULO III
PINTURAS: DISCURSO VISUAL-TEOLÓGICO, TÉCNICAS, AUTORIA,
DATAÇÃO
1. Barroco e cronologia
[...] Da conjunção de força e forma significante, de evento e palavra,
nasce a simbolização, que se mantém e se transmite na história do culto e da
cultura. [...].
Alfredo Bosi
220
Para compreender a arte franciscana é necessário também conhecer os
conceitos, os pensamentos teóricos mantidos por clérigos e irmandades terceiras
aos quais o trabalho artístico tinha que se adequar.
Affonso Sant’Anna diz a respeito do Barroco: “[...] O Barroco, mais que um
estilo de época, pode ser uma estratégia de representação e de organização do
pensamento. Nesse sentido ele é intemporal. [...]”.
221
Brunetto define o conceito de Barroco como expressão plástica da Contra
Reforma no Brasil e única forma possível de manifestação artística: “[...] Es decir,
lo barroco era la única salida viable para la expression de la Fé [...]”.
222
De acordo com o que esse autor afirma, para estudar as representações
artísticas das devoções franciscanas é preciso tentar compreender a questão
complexa de até que ponto o Barroco era escolhido pelos brasileiros, e a razão do
imobilismo das formas iconográficas franciscanas, desde a época colonial até
praticamente o século XX.
Primeiramente, essa arte ajustava-se à mensagem tridentina contida no
Decoro, o qual devia guiar a execução da imagem artística, adequando-a às
virtudes do personagem representado, sempre dentro de regras muito rígidas, que
220
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. P. 383.
221
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Barroco do Quadrado à Elipse. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
P. 268.
222
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 120.
150
no caso eram apoiadas muito mais no conceito em vigor em toda a Península
Ibérica e suas áreas de influência, do que no cumprimento do Decreto de Trento.
De fato, menciona-se a Península Ibérica uma vez que Portugal e Espanha,
durante os séculos XVI e XVII, devido à união das duas coroas (1580-1640),
compartilhavam uma experiência religiosa comum ligada à Contra Reforma. Entre
os protagonistas dessa reforma católica figuravam santos importantes nas
devoções de ambos os países, e o Brasil, como colônia portuguesa, não poderia
manifestar um pensamento filosófico diferente da metrópole.
No século XVII, quando se define o estilo Barroco,
223
Portugal deixa de ser
o grande centro de criatividade artística do período manuelino e passa a receber
influências de arte vindas do exterior, utilizadas com uniformidade na cultura
lusitana, especificamente como veículo religioso, o que tornou o motivo sacro
praticamente único na arte do país, relegando outros gêneros para segunda
ordem. “[...] El Barroco portugués, será, por tanto, um estilo expresivo de los
ideales contrarreformistas, y de aquéllos destinados a exaltar el concepto de
Estado [...]”
224
Portanto, com a independência da Espanha, na segunda metade do século
XVII, e com a casa de Bragança inserida no mundo moderno, o Barroco português
tornou-se um estilo para expressar os ideais contrareformistas e o conceito de
nação.
Posteriormente, em relação ao século XVIII, caracteriza-se um novo
período, marcado pelo poder da monarquia dentro do conceito estatal, e porque,
apesar de fundamentais, as obras artísticas religiosas passaram a compartilhar
espaço com outros gêneros artísticos.
Podemos então falar de duas expressões do Barroco, o seiscentista
religioso baseado no decoro contrareformista e o setecentista, marcado pela
223
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996.. [...] como senãla el historiador luso José Roberto Gomes Machado [...]. In
BRUNETTO. P. 111.
224
IDEM, IBIDEM. P. 112.
151
imposição do Estado na vida pública portuguesa, com Dom João V, Dom José I e
com o Marquês de Pombal, com quem se introduzirá a ilustração.
225
Assim sendo, para estudarmos a arte portuguesa Barroca devemos levar
em consideração o estilo, que possui características múltiplas, e as datas
variáveis, mas que sempre se manifestou centrado nos ideais do Estado Moderno:
a religião e o absolutismo.
Dessa forma, o Barroco pode ser considerado como um período de criação
artística associada a um momento histórico, e não como uma linguagem
definida.
226
Se pensarmos na arte colonial brasileira e de boa parte da época imperial, a
categoria Barroco persiste e tem uma continuidade, sempre que servir para
expressar o ideal religioso trazido pelos portugueses, durante os séculos XVI e
XVII, quando começou a se formar a identidade brasileira.
[...] el lenguage barroco en Brasil no es um estilo más que se superpone a
outro puesto que nada había antes
227
, así que el Barroco es la única
solución viable que encontraron los hombres del Seiscientos llegados a
poblar esas nuevas tierras[...]
Para a identificação do Barroco e da Arte Colonial,
228
Affonso Ávila afirma:
[...] Para nós brasileiros falar do barroco é falar de nossa própria origem
cultural, de nossa própria formação histórica, das raízes de nossa maneira
própria e íntima de ver, de sentir, de exprimir uma experiência do real que a
arte só faz transfundir e sublimar.[...]
Podemos, portanto, entender o Barroco no Brasil como um estilo que se
ajusta a uma época, principalmente uma forma de sentir e expressar esse
sentimento que consiste, no ideal religioso da Contra Reforma e no desejo de
ascensão social dos grupos aqui estabelecidos, que formavam o poder adquirido
de uma pequena nobreza local. O Barroco no Brasil responderá mais a um
conceito social do que à fidelidade a um conceito artístico.
225
BRUNETTO. Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996.P.114
226
IDEM. IBIDEM. P.115
227
IDEM. IBIDEM. P. 119.[...] se refere apenas às artes ocidentais. Não exclui as manifestações
indígenas [...].
228
IDEM. IBIDEM. 119
152
A arte criada em torno dos franciscanos, nas três ordens, compartilha de
todas as características gerais atribuídas à arte colonial e imperial, e todos os
artistas que trabalharam para os conventos, igrejas e ordens terceiras ativeram-se
aos mesmos pressupostos teóricos.
O Barroco perdurou no Brasil enquanto existiu a mentalidade que lhe deu
origem. Enquanto perduraram as encomendas artísticas, o estilo e a ideologia que
o sustentavam, ele existiu, desaparecendo com a crise da Igreja no Brasil,
especialmente a crise das ordens religiosas.
No que se refere à cronologia, podemos dizer que, em Portugal, até o fim do
século XVIII, existiu o espírito barroco, tomando como um exemplo tardio do
sentimento que inspirou a arte portuguesa, a Basílica da Estrela, erigida entre
1779 e 1790, constituindo uma das grandes construções religiosas de Lisboa, na
época do Marquês de Pombal.
Essas manifestações artísticas estenderam-se até durante o século XIX na
metrópole, e por conseqüência na Colônia.
Realmente, durante o século XIX, na Europa, a formulação da iconografia
franciscana teve uma variação em Portugal, Espanha, Itália e França, a qual
justamente com a vinda da Missão Francesa ao Brasil, a partir de 1816, teve
grande influência, que abarcou os principais centros urbanos, como Rio de Janeiro
e São Paulo, que se tornaram exceções na questão da tradição autenticamente
colonial que remete a Minas e Bahia, que despontavam como novos núcleos de
renovação cultural e artística do Novo Mundo.
229
Portanto, em relação à cronologia, no Brasil não existiram fases marcadas,
pois a transição foi suave e a evolução artística acompanhou as modificações
sociais desde o século XVIII, ao longo do qual se formou definitivamente uma
sociedade profundamente religiosa e escravagista, que foi perdendo lentamente
suas características e elementos de sociedade moderna durante os últimos anos
do século XIX, culminando com a Lei Áurea e a Proclamação da República.
229
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P.110
153
Enquanto tudo isso acontecia, Minas Gerais, Goiás, Bahia e o Nordeste, como
principais centros artísticos, ainda viviam um clima de Barroco tardio.
Miriam Oliveira
230
nos conta que o poder da Igreja implantado de forma
sólida com o apoio do Estado, no século XVII, permaneceu inalterado em países
como Portugal, Espanha, Itália, Áustria, Alemanha, Polônia e Boêmia, onde os
fiéis seguiam como fonte de alimento espiritual os ideais medievais e contra-
reformistas, nos quais a arte sacra do Barroco tardio e do rococó se inspirava.
Foram poucas as novidades na iconografia religiosa do rococó setecentista,
que continuou a difundir o culto às imagens, às relíquias e às visões, e a utilizar os
temas típicos do Barroco contra-reformista em oposição aos protestantes.
Ainda é importante ressaltar que a influência do Espírito do Século
(racionalismo, hedonismo, anti-religiosismo
231
) determinou um tratamento formal
tendendo ao refinamento, ao maneirismo e a uma tensão menor.
Assim, na metade dos setecentos, a arte em Portugal dividia-se em duas
correntes estilísticas: o Barroco tardio de influência italiana e as novas influências
do rococó de vertentes francesa e alemã.
Aqui na Colônia, o Barroco Setecentista diz respeito à terceira grande época
das manifestações artísticas mineiras, que corresponde à evolução do Rococó e
que vai de 1760 até o final do Barroco, data que relacionamos ao objeto de estudo
em análise.
Às vezes fica quase impossível designar como sendo da esfera do Barroco
tardio ou do rococó uma obra que apresenta elementos dos dois estilos, e por
esse motivo Miriam Oliveira afirma: “[...] nada impede que sejam identificadas e
analisadas em sua especificidade formal [...]”.
232
Em São Paulo, por exemplo, aparecem os tetos curvos franciscanos
pintados sobre buas corridas com elementos do Rococó e do Barroco, como na
capela-mor da Ordem Terceira de São Francisco, na Igreja de São Francisco e no
coro da Igreja da Luz.
230
OLIVEIRA, Miriam Andrade de. O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes Europeus Y
São Paulo: Cosac & Naif, 2003. P.55
231
IDEM, IBIDEM. P. 52.
232
IDEM, IBIDEM. P. 59.
154
2. Fontes literárias e fontes iconográficas
[...] O estudo das fontes, constitue a base indispensável, a parte mais
importante e, não raro, a parte mais difícil de qualquer trabalho histórico
que pretenda ser mais do que uma simples enumeração de fatos
isolados.[...].
Hanna Levy.
233
Para proceder ao estudo das manifestações de arte sacra franciscana, no
que se refere à iconografia, à técnica, à datação e aos temas, tomamos como
fontes diretas as próprias obras ainda existentes, além de documentos dos
arquivos das irmandades e da Ordem, tais como os livros de despesas, de
crônicas, os estatutos e os registros e manuscritos, referentes a assuntos
diversos.
De fato, de acordo com Hanna Levy
234
, as fontes se dividem em dois
grupos gerais: as que foram produzidas intencionalmente para elucidar datação,
dados biográficos e autoria de uma obra e aquelas que são casuais. “[…] De uma
maneira geral, tudo - até as coisas aparentemente mais distantes do problema -
pode tornar-se uma fonte preciosa”. […]
De acordo com esse conceito, consideramos como uma Fonte Indireta
Casual o seguinte documento, que encontramos ao nos debruçarmos sobre o
conteúdo do arquivo do Mosteiro da Luz, na pasta denominada [...] Doutrinas e
Conselhos de Frei Galvão – Anotações da Irmã que conviveu com ele. [...].
235
.
Trata-se de registro em manuscritos de autoria das próprias irmãs, contendo
as doutrinas e conselhos ministrados pelo fundador do Mosteiro às religiosas, ao
qual Bove, em sua biografia documentada, caracteriza da seguinte forma:
[...] Podemos classificar este documento como notas ou anotações que
as primeiras recolhidas do Recolhimento da Luz fizeram com relação a
orientações práticas dadas pelo seu venerando Fundador, Frei Galvão. São
47 itens, onde conselhos se juntam a orientações, sobretudo para o bom
andamento da comunidade e do relacionamento fraterno entre as irmãs [...]
236
.
233
LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, 6,1942. P. 7.
234
IDEM, IBIDEM. P. 9.
235
ARQUIVO DA LUZ Original manuscrito. Obs: Possui uma cópia datilografada com a data 1821.
236
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F.M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 . São Paulo: Ed. Roma 1993. P.157.
155
156
Figura 31
157
Na referida pasta, encontra-se além de um manuscrito original assinado por
Rita Maria do Cenáculo, Irmã Clara, sem data, outro manuscrito de mesmo teor,
porém datado de 1821, assinado por Francisca de Jesus além de uma pia
datilografada, sendo que pudemos fotografar ambos documentos:
FIGURA 31- No frontispício, de um dos manuscritos é possível ler o seguinte
título: [...] Doutrinas e Concelhos que nos tem dado o Rmo Sr. Pe. Deffinidor Frei
Antonio de Sta. Anna Galvão nosso Confessor e Prellado que nos criou desde o
princípio e fundação deste recolhimento [...].
Ainda foi possível notar, no final da primeira página, junto ao carimbo do
arquivo do Mosteiro, a inscrição a lápis, a qual pensamos que seja a assinatura da
irmã que possuiu este caderninho: “[...] Rita M. do Cenáculo [...].[...] Ir Clara
[...]”.
De acordo com Hanna Levy: “[…] A utilidade ou o valor de qualquer fonte
depende, pois, sempre da pergunta formulada pelo pesquisador”. […]
.
237
De fato, desse ponto em diante, várias questões surgiram a respeito dessas
orientações dirigidas às religiosas, principalmente se encaradas como fontes que
poderiam nos esclarecer bastante sobre a mentalidade e os pensamentos dos
integrantes da Ordem.
237
. LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, 6,1942. P. 7.
158
Figura 32
159
FIGURA 32 - Dessa forma, nossa atenção foi despertada pelas palavras, que
fotografamos, concernentes ao capítulo 41 onde se pode ler a seguinte frase:
Cap 41 - [...] Mandou q. nos dias de N. Snr
a
e S
tos
q. ystão pintados no Choro, se
cante o Magnificat as oito oras.[...].
238
Nossa reflexão concentrou-se sobre o segmento que diz “os santos que
estão pintados no coro”, e concluímos que no tempo de Rita Maria do Cenáculo,
ou Irmã Clara, que conviveu com Frei Galvão, havia uma pintura de santos no
coro da Igreja do Mosteiro da Luz, que pode bem ser aquela que se encontra
até hoje.
238
ARQUIVO DA LUZ. Manuscritos em formato de caderno. Pasta: ”Doutrinas e Conselhos de Frei
Galvão - Anotações da Irmã que conviveu com ele”.
160
Figura 33
161
FIGURA 33 - Foi possível fazer o registro fotográfico de um segundo
manuscrito original, contido na mesma pasta, exibindo as mesmas orientações do
anterior, inclusive o capítulo 41 que interessa diretamente a esse trabalho,
assinado por irmã Francisca Maria de Jesus, com a diferença que este está
datado de 1821.
Ao nos voltarmos para a bibliografia utilizada para esta pesquisa foi
igualmente interessante encontrar, entre os dados apresentados pelo Padre
Cristofhoro Bove, relator da biografia documentada de Frei Galvão, o texto
Doutrinas e Conselhos de Frei Galvão Anotações da Irmã que conviveu com ele
transcrito na íntegra e em português atual, tendo o autor destacado o segmento do
capítulo 41, onde aparece a citação referente às pinturas: “[...] Mandou também q.
nos dias de N.Snr. ª e dos Santos (que estão pintados no teto) do Choro se cante
o Magnificat depois de Missa se houver, ou a noite [...]”
239
O detalhe que chama a atenção é a frase contida entre parênteses, que diz
“que estão pintados no teto”.
Assim é que, ao que tudo indica, esses apontamentos das irmãs que
conviveram com Frei Galvão podem ser considerados como fonte não intencional
de datação, se forem pensados dentro do conceito em que Hanna Levy divide as
fontes em Diretas e Indiretas.
Ora, se considerarmos que esse trecho tenha sido escrito pelas religiosas
contemporâneas ao Frei, significa que, desde essa época (período entre a
inauguração da igreja em 1802
240
e a data do manuscrito 1821) os santos estão
pintados no teto, o que torna o capítulo 41 do documento manuscrito uma fonte de
datação não produzida intencionalmente e por isso de extrema importância, que
se pode estabelecer o espaço de tempo compreendido entre 1802 e 1821, ou
seja, ao primeiro quarto do século XIX, como datação para a pintura do coro da
Luz.
239
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol.II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993.P.163
240
ARQUIVO DO MOSTEIRO DA LUZ. Livro de Crônica Tomo I, f ª 10 v. Sobre a Inauguração da
igreja e coro da Luz em 15 de agosto de 1802.
162
Ainda com relação à questão das fontes, procuramos, sempre que possível
neste capítulo, anexar às obras que compõem a pesquisa gravuras que podem ter
se constituído em fontes iconográficas, possivelmente utilizadas como modelo
pelos pintores e por seus contratantes, sem deixar de mencionar as narrativas,
verdadeiras fontes literárias que serviram de fundamento para o trabalho dos
gravadores.
Não foi possível ainda localizarmos na biblioteca da Faculdade de São
Francisco edições de livros antigos com estampas e gravuras sacras que tenham
efetivamente pertencido à Ordem Franciscana, e que possam ter sido utilizados
como modelo das pinturas que compõem esta pesquisa. No entanto,
apresentaremos no trabalho exemplares de outras bibliotecas que possuem
elementos coincidentes com essas pinturas.
De fato, as fontes iconográficas mais comuns na Colônia eram as gravuras
em edições alemãs, italianas e principalmente flamengas, que ilustravam as
bíblias ou davam origem a estampas que ilustravam livros trazidos ao Novo
Mundo pelas ordens religiosas.
Sabe-se que o fator desencadeante dessas produções impressas teve
início com as grandes mudanças que aconteceram na Renascença e que abriram
caminho para que os esquemas que regiam a humanidade séculos tomassem
outros rumos. Assim, com o Humanismo surgiram novas condições políticas e
sociais, numerosos descobrimentos e invenções científicas que culminaram num
dos mais importantes conflitos que sacudiram a Europa, responsável por
conseqüências que tiveram repercussão em todos os níveis: a Reforma
Protestante (1517), que se iniciou nos Países Baixos, com Lutero, e se ramificou
em vários outros focos, fazendo com que a Igreja Católica colocasse em marcha a
Contra Reforma, num movimento de luta contra todos esses acontecimentos.
É nesse momento que a imprensa teve um papel fundamental, tanto na
transmissão dos novos saberes advindos da vida cultural do Renascimento,
quanto na divulgação das doutrinas religiosas. Os artífices levavam desde então
muito a sério a questão dos temas e a forma correta de sua representação
iconográfica.
163
Em geral, os artistas protestantes preferiam os temas do Antigo
Testamento, dando preferência a Abraão, Judite, Davi e Salomão como
personagens exemplarizantes, enquanto que os católicos mostravam preferência
pela Vida de Cristo, Seus Ensinamentos, Bem-Aventuranças e Parábolas, além de
temas ligados à Virgem Maria e aos Santos.
A arte foi posta a serviço da Igreja, como explica Alexandre Nobre Pais:
[...] a prática da meditação assistida por imagens assenta na capacidade
que esta tem de a partir de descrições reais, produzir representações
mentais com o objectivo de captar o que está materialmente ausente.[...].
[...] quem medita deve representar mentalmente cenas, tal como o pintor
representa fracções do mundo real. Assim o Homem contemplativo imita
Cristo, tal como o artista copia seu modelo. [...].
241
Com efeito, as diretrizes do Concílio de Trento, no Século XVI, foram muito
bem aceitas nos Paises Baixos do Sul, tendo a imprensa sida utilizada como um
instrumento para atingir as metas de luta pela defesa da fé, diante da ameaça do
protestantismo.
[...] La estética del grabado flamenco y holandês que se crea em estos
anos es totalmente genuína y determinante del arte de los Países Bajos.
Se nutrió de três corrientes fundamentales: la italiana,la alemana y la
autóctona.[...].
242
Na realidade, quase todos os artistas dos Países Baixos desta época
realizaram viagens à Itália, com estadias mais ou menos prolongadas, atraídos
pelos grandes do Renascimento, baseando suas composições no trabalho dos
mestres italianos. Um exemplo é a produção de Philipe Soye, provavelmente
procedente da região belga de Limburgo, que foi discípulo de Cornelis Cort
243
de
1566 a 1572, em Roma, com obras baseadas em Michelangelo.
De fato, os conflitos religiosos e políticos afetaram a vida dos artistas e o
tratamento dado às imagens, tanto que, desde o princípio da Reforma até o
Concílio de Trento e a Contra Reforma, a representação de cenas religiosas
241
PAIS, Alexandre Nobre. IN: Revista Oceanos. Azulejos Portugal e Brasil. Número 36/37Outubro
1998 / Março Lisboa: 1999. P.101.
242
CATÁLOGO, Arte Del Grabado flamenco y holandês. Biblioteca Nacional. ELECTA. Madri:
2001. P. 17
243
IDEM, IBIDEM. .P.50 e 58.
164
sofreu diversas evoluções e se manifestou de diferentes formas, segundo as
tendências religiosas de seus autores e comitentes.
Em razão da época iconoclasta, alguns artistas dos Países Baixos tiveram
seus ateliês afetados, de tal modo que alguns que viviam no Norte precisaram se
transladar para o Sul, como foi o caso de Philipp Galle, que se fixou em Amberes
(Antuérpia), montando uma gráfica denominada Au Fleur Blanc, responsável pela
difusão de inúmeras imagens de artistas católicos.
Assim é que, dentro desse contexto, foi criado um estilo de gravuras o qual,
mesmo se levando em conta a diferença entre as regiões Norte e Sul, tem
características que aos poucos foram se diferenciando do estilo de outras grandes
escolas do século XVI, como a alemã, a italiana e a francesa. Esse estilo vai
desembocar na arte da gravura mais importante do século XVII, com três grandes
nomes: Rubens, Van Dyck e Rembrandt.
Em vista disso, as edições, como principalmente as matrizes e gravuras nas
quais os impressores flamengos tinham tanta tradição, adquiriram um
desenvolvimento até então desconhecido. Entre eles pode-se citar Philipp Galle,
Tomaz Leu e Jean de Leclerc.
244
A importância da gravura como fonte das manifestações pictóricas traz à
tona os textos nos quais seus autores baseavam-se, uma vez que, como se sabe,
é na narrativa literária que o caráter miraculoso da imagem fundamenta-se e o
histórico do objeto artístico define seu potencial de intervenção.
245
De fato, a imagem miraculosa precisa da narrativa que as palavras não
têm a natureza de representar, e é a representação pictórica ou escultórica que
torna presente o que não está presente, expressando fatos que devem ser
rememorados pelos fiéis, uma vez que a figuração precisão melhor do fato; é a
imagem produzindo efeitos como agente simbólico.
244
GUARDA, Gabriel. O.S.B. Um mundo maravillado In: CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco
Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madrid: 2002. P. 24.
245
FREEDBERG, David. The Power of Images. The University of Chicago Press 1989 Chicago. P.
188.
165
Esse efeito depende do tratamento dado à imagem. Para tentar estabelecer
uma chave que explique como a imagem votiva funciona,
246
Kriss-Rettenbeck
estabeleceu três procedimentos: Praesentatio, referindo-se às práticas da
narração presente, Promulgatio, em relação ao tratamento diferenciado, pois é o
tratamento que faz dela uma imagem votiva, e o Dedicatio, que é o
reconhecimento dessa imagem como oficialmente miraculosa.
Dentro dessas considerações, a iconografia tipicamente franciscana tem
sua origem na literatura da Ordem, que remonta à idade Média, cujo conteúdo
repleto de conotações divinas e evangélicas constituiu fonte literária para
fundamentar as manifestações artísticas, que tinham por finalidade difundir os
ensinamentos de seu fundador.
[...] o cristianismo dos franciscanos expandiu-se não só através da
pregação, mas também pelas obras escritas e, conforme afirma Émile
Mâle, ”nesta época não obra artística que se explique sem ser por um
livro” [...]. [...] Para explicar uma obra de arte do século XV não são
suficientes nem as finas apreciações do amador nem a sua visão mais
engenhosa. É preciso encontrar o livro que o autor tem sob seus olhos, ou,
se não puder indicar o livro, fazer compreender de que trabalho do
pensamento religioso saiu a obra desses artistas.[...]
247
Como se sabe, o encargo de escrever a primeira biografia de São Francisco
foi confiado a Tomás de Celano, pelo Papa Gregório IX, logo após a canonização
do santo, em 1228, e teve o título de A Vida de São Francisco. O objetivo dessa
encomenda era louvar o biografado, edificar o leitor e justificar a manutenção e a
expansão da Ordem Franciscana, apresentando São Francisco como um grande
Santo, imitador perfeito de Cristo
248
.
Celano, que entrou para a Fraternidade em 1213 e que certamente
conheceu o santo, escreveu quatro obras sobre ele: A Vida Primeira, a Legenda
para uso no Coro
, em 1230, e a pedido dos irmãos franciscanos, em 1244,
Lembrança do Desejo de uma Alma, cujo teor se constituía na compilação de
anedotas e histórias, que não estavam na primeira narrativa, além de O Tratado
246
FREEDBERG, David. The Power of Images. The University of Chicago Press 1989 Chicago.P.
187.
247
BATORÉO, Manuel. Gravuras de Incunábulos Em Pintura Portuguesa Manoelino-Joanina.
Texto publicado em Uma Vida em História. Estudos em Homenagem a Antonio Borges Coelho,
Lisboa, Caminho, 2001 p. 287-314.
248
SPOTO, Donald. Francisco de Assis o Santo Relutante Objetiva. Rio de Janeiro: 2002. P. 319.
166
sobre os Milagres, onde são relatadas maravilhas atribuídas a o Francisco em
vida e depois da morte, e que foi terminado em 1252.
Outras obras literárias provenientes dessa mesma época são: A Legenda
Maior e A Legenda Menor de São Boaventura, e ainda Os três Companheiros, O
Anônimo de Perusa, A Florinhas, os escritos de Joaquim de Fiore, Bartolomeu de
Pisa, Pedro de Alva e Astorga e Miguel dela Puríssima.
No entanto, estes autores da Idade Média, produtores desses maravilhosos
relatos da vida de São Francisco, foram proibidos no princípio do século XIV por
terem como inspiração a radicalidade do exemplo do Santo e pela visão
messiânica da Ordem. Porém, foram ressuscitados pela Igreja, que a partir da
Contra Reforma passou a impulsionar o retorno às fontes, uma vez que o Concílio
de Trento pregava austeridade e uma vida mais santa.
É interessante observar que esses relatos encerram partes de
intencionalidade, o que faz com que a interpretação dos fatos varie de acordo com
a evolução da Ordem.
Nesse sentido, é preciso que se compreenda que, de acordo com Padre
Gabriel Guarda,
249
para um biógrafo do século XIII, os valores simbólicos e a
exemplaridade eram mais importantes que o sentido crítico, a precisão cronológica
e as categorias científicas de hoje em dia. É uma literatura medieval, com um
estilo que corresponde ao período, e sincrônica à vida de São Francisco, sempre
utilizada como fonte recorrente para a representação pictórica dessas narrativas.
De fato, se examinarmos as fontes iconográficas e as fontes literárias,
identificando as possíveis especificidades que cada sistema de comunicação tem
e que determinam o conteúdo final, veremos que imagem e texto tratam de um
mesmo tema, que as premissas são as mesmas, mas determinam diferentes
conteúdos por se expressarem com atributos visuais no caso da imagem ou com
palavras no caso do texto.
Portanto, texto e imagem falam das mesmas coisas, expressam o mesmo
acontecimento, o mesmo tema, mas de forma muito diferente. Pode-se deduzir
249
GUARDA, Gabriel. O.S.B. Um mundo maravillado In: CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco
Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madrid: 2002. P.23
167
que o conteúdo não é tudo e que o específico verbal difere do visual. Com efeito,
no caso das obras sacras franciscanas enfocadas nesta pesquisa, verificamos que
os destinatários eram diferentes, uma vez que o texto direcionava-se para a
sociedade medieval com objetivo de louvar o biografado e edificar o leitor,
justificando a necessidade de tornar oficial a Ordem Franciscana, enquanto que a
imagem tinha como finalidade a transmissão de cultura e culto da metrópole ao
Novo Mundo, a serviço da Igreja e da catequese, onde o efeito da representação
pictórica teria uma penetração instantânea, mais imediata.
Os jesuítas socorreram-se da imagem como parte prévia do processo de
meditação. São Francisco de Borja escreveu...”[...] Para hallar mayor
facilidad em la meditación se pone uma imagen que represente el mistério
evangélico,y así, antes de 182comenzar la meditación, mirará la imagen y
particularmente advertrá lo que em ella hay que advertir, para
considerarloen la meditación mejor y para sacar mayor provecho de
ella;...” [...].
250
Assim sendo, a narrativa é ação, as palavras escritas fluem além dos limites
do texto - no caso a biografia escrita na Idade Média - a narrativa existe no tempo.
A imagem, no entanto, expressa o fato para que os fiéis rememorem, produz
efeitos como agente simbólico, sua apresentação é instantânea numa superfície
específica - no caso o teto de uma igreja colonial paulistana - podendo-se concluir
que ela existe no espaço.
Dessa forma, a palavra tem peso diferente da imagem, sendo que a
espiritualidade fundamentada em textos não tem a mesma direção, nem o mesmo
efeito, que a espiritualidade fundamentada em imagens.
[...] Se num primeiro olhar podemos ser surpreendidos pela riqueza
decorativa de um espaço consagrado à pobreza, condição veiculada
pelos ensinamentos do fundador da Ordem, esta, mais do que exemplo
de megalomania ou ostentação deve ser entendida à luz de uma
rigorosa vontade moralizante que a imagem permite, ”mais do que mil
palavras”, alcançar.[...].
251
250
PAIS, Alexandre Nobre. In REVISTA OCEANOS. Azulejos Portugal e Brasil. Número
36/37Outubro 1998 / Março Lisboa: 1999. P. 101.
251
.IDEM, IBIDEM. P. 101.
168
Assim é que os temas simbólicos, com um caráter de imagem-símbolo, são
os que mais prevalecem na Arte Franciscana, como é o caso de São Francisco,
representado como espelho de Cristo o Alter Christus; de fato, São Francisco
como Fundador da Ordem e As Chagas de São Francisco, constituem o principal
assunto, que pode ser comprovado pelas imagens escultóricas ou pictóricas, onde
esse tema aparece sempre muito valorizado.
No coro da Igreja da Luz existe essa representação dos Estigmas ou
Chagas e na Igreja da Ordem Terceira também. No entanto, as cenas que narram
a vida do santo são mais encontradas em conventos, como é o caso da Igreja de
São Francisco e do coro da Igreja da Luz.
De fato, os espaços de clausura dos conventos e os claustros detinham um
propósito exemplar; comparativamente, no coro da Luz, que se encontra no
recinto reservado à clausura. O programa iconográfico específico configura lições
morais relativas a passagens da vida de o Francisco, acessíveis somente às
irmãs concepcionistas que habitam o mosteiro até hoje.
Após refletirmos sobre as fontes que originaram as imagens, passaremos à
apresentação e à análise histórico-estilística das três edificações franciscanas e as
manifestações artísticas que elas contém.
169
170
Figura 34
Igreja Conventual de São Francisco de São Paulo.
171
3. Apresentação e análise das obras
3.1. Igreja Conventual de São Francisco de São Paulo
Figura 34 - Desde muito cedo, os franciscanos foram insistentemente solicitados a
fundar um convento em São Paulo, da mesma forma que aconteceu em outras
regiões brasileiras, como cita frei Röwer em seu livro sobre a ordem:
[...] Lemos em Frei Vicente do Salvador, que acabou sua História do
Brasil em 1627, que muitos anos antes se pedira de S. Paulo, com
instâncias e promessas, quisesse a Custódia fundar um Convento de
Nossa Seráfica Ordem e para isso se tinha destinado um tio
conveniente.[...].
252
Estes insistentes pedidos puderam ser atendidos quando em
05/01/1640
253
os franciscanos fundadores do Convento de São Francisco
chegaram a São Paulo vindos do Rio de Janeiro, indo residir provisoriamente
numa casa em frente à ermida de Santo Antônio
254
. No ano de 1642 tomaram
posse de um novo sítio, no atual Largo de São Francisco, onde iniciaram de forma
modesta, em taipa, a construção do Convento que tinha tamanho superior aos
outros da época e que foi inaugurado em 17/09/1647, na festa das Chagas de São
Francisco.
Inicialmente a construção do convento era toda de taipa, com um único
andar além do térreo e a igreja era baixa com frontispício em estilo jesuítico, de
acordo com a descrição de Frei Röwer:
252
RÖWER, Pe. Dr. h.c.Frei Basílio O.F.M. Páginas da História Franciscana no Brasil, São Paulo:
ED. Vozes, 1957. P. 78.
253
Neste ano em 13 de julho, os paulistas expulsaram os jesuítas do aldeamento de Barueri por
questões indígenas; o restabelecimento da Companhia se deu em 1653. IN: SOUZA, Pde. Ney.
Catolicismo em São Paulo Ed. Paulinas. São Paulo: 2004. P. 97
254
[...] O sítio em questão, sem podermos precisar a sua extensão, ficava em frente de uma capela
de S. Antonio, que, pelas indicações contidas no documento que abaixo transcrevemos, devia ser
a atual, embora modificada capela de S. Antônio, perto do viaduto do Chá [...] In: RÖWER, Pe. Dr.
h.c.Frei Basílio O.F.M. Páginas da História Franciscana no Brasil, São Paulo: ED. Vozes, 1957. P.
79.
172
[...] Em tamanho era maior do que todos os outros que se construíram
naquela época [...] Nos fundos avançava a construção no lado direito de
quem está na frente do edifício, avanço que era formado pela capela-mor
da igreja e sacristia por detrás.[...].
255
Rower também se refere a grandes reformas na igreja, em 1774, de acordo
com manuscrito de 1759:
[...] Para tanto altearam as paredes laterais, doze palmos, o que obrigava
a renovar todo o teto [...] Atacou-se em seguida o frontispício, que, com a
tôrre, foi todo reedificado em estilo barroco, como se apresenta até hoje
[...].
256
Ocorreu que, em São Paulo, a comunidade desenvolveu-se e se tornou
numerosa a ponto do Guardião Frei José da Natividade Amorim, que tomou posse
no Capítulo de 21/08/1784, executar várias obras, tais como: a construção dos
jazigos para os religiosos falecidos, o aumento de todo o convento, a colocação de
refeitório, cozinha e dispensa. Ainda em uma ala nova, no andar de cima, foi
instaladas a livraria, as novas celas e a construção de uma enfermaria para os
escravos.
257
Porém, o tempo áureo da Província Franciscana da Conceição no Brasil
Meridional decorreu entre 1740 e 1785, pois no começo do século XIX, aos
poucos vai desaparecendo a vida de comunidade florescente, numa decadência
que nessa época atingiu todas as ordens religiosas no Brasil, culminando com
requisição do convento franciscano, pelo governo, que o escolheu para fazer
funcionar seu curso jurídico (1828).
Hoje em dia a Igreja dos frades é o único edifício do centro de São Paulo
que pertence ao século XVII, com exceção da galilé que é de 1787 e da capela-
mor reconstruída depois do incêndio de 1880.
É interessante que pudemos constatar, ao longo da pesquisa, através de
documentos que fotografamos, que a igreja sofreu várias outras reformas e nesse
255
WER, Pe. Dr. h.c.Frei Basílio O.F.M. Páginas da história Franciscana no Brasil, São Paulo:
ED. Vozes, 1957. P.84
256
De acordo com manuscrito de frei José de São Cosme, em 1759.IN: IDEM, IBIDEM P. 105.
257
IDEM, IBIDEM. P. 112.
173
sentido é importante registrar o restauro de 2007, que está sendo feito justamente
no ano em que estamos terminando de escrever esta dissertação.
Diante desse fato, percebemos que as imagens que fotografamos nos anos
de 2004 e 2005 escondiam uma pintura bem diferente da anterior, tanto no
traçado quanto na palheta, que vem sendo revelada à medida em que o trabalho
avança, desvendando até componentes que se achavam totalmente encobertos
anteriormente.
Como conseqüência disso, deste ponto em diante vamos anexar à
descrição das obras, sempre que houver, referências e fotos das partes que
estão reparadas, assim como das prospecções feitas pelos restauradores, que
revelam elementos que ainda se encontram por baixo de várias camadas de tinta.
174
Figura 35
Interior da Igreja de São Francisco Vista Geral da Nave e ao fundo a capela-mor.
FIGURA 35 A
Prospecção feita pelos restauradores em 2007, onde já se vê uma parte da pintura
existente anteriormente, no teto da capela-mor.
175
Figura 35 - Em nossas primeiras visitas à igreja de São Francisco,
encontramos o teto da capela-mo, muito simples, em formato de berço e pintado
de branco, sem nenhum vestígio de decoração. No entanto, posteriormente, ao
examinarmos, os arquivos franciscanos nos deparamos com uma tese de 1951,
que descrevia as manifestações pictóricas que enfeitavam o teto da capela-mor:
[...] As pinturas do teto quer da nave principal quer da capela-mor, que
foram executadas por artistas naturalmente reputados na época o
bastante interessantes. As da capela-mor feitas após o incêndio de 1880
são delicadíssimas e demonstram leveza de traço que contrastam com as
figuras austeras do teto da nave principal.[...].
258
Estas afirmações a respeito da pintura delicada que haveria na capela-mor
levaram-nos, num primeiro momento, a certas reflexões, como: a que pintura da
capela-mor, feita depois do incêndio, o autor estaria se referindo? Teria ligação
com a reforma da pintura ou restauro efetuados por Franz Bathe, datado de 1951,
cujo registro fotografamos do Livro de Crônicas dos franciscanos? Ou, existiriam
anteriormente delicadíssimas pinturas na capela-mor?
Figura 35 A - Ao tomarmos contato com o trabalho de recuperação do
patrimônio artístico da igreja, que vem sendo feito em 2007, estas dúvidas em
parte ficaram esclarecidas, pois pela prospecção feita no teto da capela-mor, que
fotografamos, foi realmente revelada a existência de um trabalho artístico, por
baixo da atual pintura branca.
258
ARQUIVO FRANCISCANO. ANDRADE, João Francisco Portilho. A Igreja e o Convento de São
Francisco em São Paulo. Tese do Concurso para provimento da cadeira de Arquitetura Analítica da
Faculdade de Arquitetura Mackenzie. São Paulo 1951. P. 59.
176
Figura 36
Vista da Pintura do Teto da Nave
177
Figura 36 - Fotografamos o teto da nave que foi construído em forma de
berço e revestido de tábuas, pintadas de azul bem claro
259
e colocadas no sentido
longitudinal.
O forro é inteiramente ornado com pinturas centrais e laterais, referentes a
santos e passagens da história franciscana. A pintura estende-se desde o arco
cruzeiro, continuando sobre o coro que termina numa parede onde existem três
janelas e um óculo na parte superior, com vista para o exterior da igreja. Na nave
o forro é separado das paredes por uma cimalha pintada na cor bege.
No começo da pesquisa não foi possível resolver a questão da autoria e da
datação das pinturas, pois a única afirmação que encontramos foi em Röwer: “[...]
Ignoramos quem o artista e quando ornou o teto da igreja com pinturas que
representam S. Francisco e alguns Santos da Ordem.”
260
Porém, com os trabalhos de recuperação pelos quais a igreja vem
passando em 2007, e graças às informações que obtivemos a respeito do
levantamento histórico feito para o laudo
261
do restauro, ficamos sabendo que:
[...] Os tetos da Igreja receberam pintura clássica” baseada em desenhos
apresentados por Luiz Rodrigues Lisboa, em 1740, que foi também o autor
dos retábulos originais. Em 1880, um incêndio originado na faculdade de
Direito atingiu a igreja, e acabou com sua ornamentação interna.[...]
262
,
De fato, pelo histórico do edifício, em 16/02/1880, um incêndio destruiu a
capela-mor, tendo sido salva apenas a imagem de São Francisco, sendo que após
esse incidente a Irmandade Acadêmica de São Francisco, que cuidava da igreja,
desde 1860, e da qual faziam parte os Lentes da Faculdade de Direito, entre eles
professores, doutores e bacharéis formados, além de estudantes, procedeu a uma
259
Nota da autora: Com os trabalhos do restauro de 2007 esta tinta está sendo retirada.
260
RÖWER, Pe. Dr. h.c. Frei Basílio O.F.M. Páginas da História Franciscana no Brasil, São Paulo,
Vozes: 1957. P.105
261
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007 IN: e-mail datado de 25 de Abril de 2007.
262
IDEM, IBIDEM.
178
grande reforma e doou um novo altar-mor, que é proveniente de Munique, na
Alemanha, tendo sido sagrado em 1880,
263
por D. Lino.
Os relatórios da equipe de restauradores, baseados em fontes de pesquisa
como documentos e atas da Arquidiocese de São Paulo, afirmam que os retábulos
fora montados nas dependências da Faculdade de Direito de São Paulo, pelo
artista Franz Xavier Rietzler:
[...] Francisco Xavier Rietzler, escultor premiado do Instituto Artístico de
Munique, foi contratado para executar um altar em carvalho policromado e
dourado; três grandes imagens (São Pedro de Alcântara São Domingos e
a Santíssima Trindade); pintura a óleo do teto segundo esboço
apresentado pela Ordem, entre outras artes.[...].
264
Em seguida, a engenheira responsável pela recuperação da edificação e
suas decorações conclui:
[...] Desta forma a originalidade do forro é relativa. Não é o primeiro forro
pintado, mas é o único que temos. [...] Antes do restauro, (2007) todo o
fundo havia sido recoberto com tinta azul, em 1970. Pela dificuldade
encontrada para a intervenção, elementos como nuvens, raios, palavras,
etc, foram total ou parcialmente encobertos, o que alterou
significativamente a leitura iconográfica. Atualmente, na medida do
possível, estamos removendo esta camada de intervenção e devolvendo a
dignidade iconográfica perdida. [...].
265
Sobre a iconografia das representações contidas no forro, a mesma
profissional ainda nos informou que:
[...] um santo que pode estar representado no teto é São Boaventura
(1182 1226). Doutor da igreja, e um dos fundadores da ordem
franciscana, em 1254 foi sagrado cardeal e bispo de Albano. É
freqüentemente representada com barrete doutoral, capa pluvial e
sobrepeliz sob a qual aparece o hábito franciscano; como atributo pode
trazer chapéu de cardeal, mitra, báculo, livro, pena e uma pequena igreja,
ou ainda aparece portando a árvore da cruz. [...]. É ainda figura
obrigatoriamente presente o Papa Inocêncio III, que aprovou a primeira
regra da ordem. [...].
263
RÖWER, Pe. Dr. h.c. Frei Basílio O.F.M. Páginas da História Franciscana no Brasil, São Paulo,
Vozes: 1957. P.121
264
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007. IN: e-mail datado de 25 de abril de 2007.
265
IDEM, IBIDEM.
179
180
Figura 37
Livro de Crônicas de 1908,
do
Arquivo Franciscano
181
Examinando documentos nos arquivos dos Franciscanos, encontramos
datas que se referem às várias reformas sofridas pela igreja,
266
assim como o
registro da reforma de 1951,
no Livro de Crônicas de 1908, do qual a primeira
página tem o seguinte título: Chronica da Residência dos Frades Menores de São
Paulo anno 1908.
À página final do Livro de Crônicas de 1908 é possível ver o carimbo do
Arquivo Franciscano e a data de 15/12/1952.
Figura 37- Do Livro de Crônicas de 1908 do Arquivo Franciscano: O texto
abaixo, que fotografamos, se encontra a pagina 145 v. ano de 1951, do Livro de
Crônicas de 1908, e registra a reforma efetuada na igreja conventual de São
Francisco, no ano de 1951. A anotação da margem diz Obras Igreja.
Em seguida vem a explicação:
[...] No decorrer deste ano de 1951, passou o interior da nossa Igreja de
São Francisco por uma ótima reforma. O pintor Francisco Bäthe pintou o
fôrro, as paredes e o púlpito e os doirou, lavou e pintou o altar-mor
doirando-o em parte tendo deixado sem alteração o ouro velho que é mais
precioso. [...]
De fato, verificamos em nossa primeira visita que na igreja de São
Francisco, logo abaixo da primeira cena do lado da Epistola, aparece a seguinte
assinatura: Franz Bäthe 1951.
A existência dessa assinatura, aliada à leitura do termo pintou o fôrro,
usado pelo cronista franciscano no texto, gerou o seguinte questionamento:
poderia esta assinatura referir-se ao autor de uma pintura, ou teria havido apenas
uma restauração ou mesmo simples retoques, como nos sugere Hanna Levy: “Nos
tempos modernos, uma inscrição, gravada na própria obra, indica às vezes a
ultima restauração feita”?
267
266
ARQUIVO DOS FRANCISCANOS. ANDRADE, João Francisco Portilho. A Igreja e o Convento
de São Francisco de São Paulo Tese: 1951 o Paulo P. 30 {...} Reformas e Acréscimos: 1784
quando o Guardião era Frei José da Natividade Amorim. ) 1827, novas alterações com a
instalação do curso jurídico; Reforma no casarão e na igreja pelo incêndio de 1880; 4ªgrande
reforma em 1886. em 1913/14abertura da clarabóia na abóboda do altar-mor por ordem de Frei
Felipe Niggemeier para iluminar melhor a talha do retábulo [...].
267
LEVY, Hanna. A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns aspectos.
Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, 6,1942. P. 22.
182
Porém, essa questão ficou respondida em 2007, com a descoberta da
produção de Rietzler, ficando claro que Franz Bathe pintou por cima das pinturas,
que existiam desde a reforma que se seguiu ao incêndio de 1880, tendo feito
um trabalho de restauração.
183
184
Figura 38
Descrição do forro da nave e da capela-mor - 1951
185
FIGURA 38 - Ainda dentro do assunto referente às reformas do ano
de 1951, encontramos nos Arquivos Franciscanos, uma tese datada deste mesmo
ano, que na página 56 fornece-nos uma descrição do estado da pintura nesse
ano:
[...] Os forros de tábuas de cedro, unidos com juntas de chanfro pregadas
nas próprias vigas dos soalhos superiores, eram bem feitos.
Posteriormente nas diversas reformas foi empregado o tipo usual na
época: de ”camisa e saia“, levando em volta uma cimalha também de
cedro e com desenho bastante simples...
As abóbadas da nave e da capela-mor da igreja, feitas com tábuas
pregadas no sentido longitudinal, foram decoradas com [...]
268
268
ARQUIVO FRANCISCANO. ARQUIVO FRANCISCANO. ANDRADE, João Francisco Portilho. A
Igreja e o Convento de São Francisco em São Paulo. Tese do Concurso para provimento da
cadeira de Arquitetura Analítica da Faculdade de Arquitetura Mackenzie. São Paulo 1951. P.56
186
Figura 39
Continuação da descrição do forro à página 57.
187
FIGURA 39 - A descrição do estado do forro em 1951 se estende até
a página 57, onde podemos ler, logo no primeiro parágrafo, o seguinte:
[...] pinturas a óleo alusivas à vida de São Francisco e de santos da
Ordem.Essas pinturas se o fôsse uma goteira que apareceu no
teto(parte da Abóboda sobre o côro)estariam perfeiras até hoje.O óleo
inalterávelusado pelo artista,que infelizmente não foi identificado,vem
comprovar que em muitas coisas os antigos eram mais caprichosos que os
modernos.[...].
269
É interessante observar que a data de 1951 coincide com a do Livro de
Crônicas acima mencionado, onde está registrada uma grande reforma citando
como pintor, Franz Bathe.Também se percebe por esses registros que o autor
refere-se à pintura como sendo coisa antiga, muito anterior a 1951, quando a tese
foi escrita, o que é mais um indício de que Franz Bathe tenha sido responsável
apenas por uma espécie de restauro, e posterior à publicação da tese, o que
realmente veio a ser confirmado com a revelação de 2007.
269
ARQUIVO FRANCISCANO. ANDRADE, João Francisco Portilho. A Igreja e o Convento de São
Francisco em São Paulo. Tese do Concurso para provimento da cadeira de Arquitetura Analítica da
Faculdade de Arquitetura Mackenzie. São Paulo 1951. P.57
188
Figura 40
A Porciúncula
Pintura do teto da Nave da igreja do convento de São Francisco.
Medalhão Central
189
A decoração do teto da nave é composta por três cenas, e a que forma o
medalhão central representa o Milagre da Porciúncula, que consiste no encontro
do Santo, fundador da Ordem, com Cristo e a Virgem Maria, que lhe concedem a
Indulgência da Porciúncula.
Trata-se de um episódio em que São Francisco, ao ser chamado por anjos,
aproxima-se da Igreja de Santa Maria dos Anjos e se depara com Cristo e a
Virgem, que lhe concedem a Indulgência da Porciúncula. Essa indulgência foi
concedida pelo papa Honório II, em 1216, a todos os que visitassem o santuário
no dia 2 de agosto.
270
A representação deste fato surgiu no final do século XVI, tendo sido muito
bem acolhida pela popularidade que alcançou a Indulgência da Porciúncula, que
atende plenamente aos objetivos de Trento.
É interessante observar que este é um tema recorrente nas igrejas
franciscanas, porque esta cena está repetida num quadro da parede lateral da
capela-mor na igreja da Ordem Terceira Franciscana. Comparativamente,
observamos que cada ordem ressalta um privilégio: os carmelitas o escapulário,
os dominicanos o rosário e os franciscanos, o grande perdão do mês de agosto.
271
Figura 40 - A descrição da obra a seguir é anterior à restauração de 2007,
sendo que após esse evento notamos uma enorme diferença, tanto na cor quanto
na forma, além da revelação de detalhes que estavam escondidos sob as
camadas de tinta.
Bem ao centro da nave, um grande medalhão mostra Jesus Cristo
segurando uma cruz, recostado num globo azul, envolvido num manto vermelho
que recobre os membros inferiores, deixando o torso e os braços nus. Ao seu lado
encontra-se a Virgem Maria, vestida em túnica vermelha e manto azul esvoaçante.
Os dois personagens estão sentados sobre nuvens de cores bastante
acinzentadas. Sobre suas cabeças, a alguma distância, um anjo em sobre
270
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Record. Rio de Janeiro. 2005. P. 82.
271
ATANCE-DE-CLARO, M.Carmen Garcia In CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano
Americano em Chile. Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 82.
190
nuvens segura uma espécie de véu, que forma uma guirlanda sobre sua cabeça;
tem, a seus pés, no meio das nuvens, dois querubins com asas azuis e vermelhas.
Tanto Jesus quanto Maria erguem suas mãos, num gesto de benção, sobre
a cabeça de São Francisco, que se encontra ajoelhado e inclinado
respeitosamente. Logo abaixo deles, e também sobre nuvens, ladeado por dois
anjos, com grandes asas azuis e vermelhas assim como seus mantos,
representados de corpo inteiro e recostados em nuvens. Do lado de Jesus existe
uma meia figura de anjo com grandes asas azuis e manto vermelho e azul assim
como três querubins logo abaixo. Do lado de Maria, representado em meia figura
com asas vermelhas, um anjinho loiro estende os braços. Logo abaixo,
encontramos três querubins de um lado e dois querubins do outro. As cores mais
usadas são vermelho ou azul forte, branco, tons de cinza e tons de terra.
Com a ação do restauro para perceber que a pintura que está sendo
exposta é muito diferente em todos os aspectos da acima descrita. As partes
desvendadas mostram formas mais suaves, cores mais fluidas, fundo formado por
tábuas apenas enceradas em tom castanho, substituindo o azul anterior, o que
modifica muito o conjunto.
Como fonte literária desse episódio aqui representado citamos a narração
de um dos biógrafos de São Francisco, Frei Pedro de Alva y Astorga no texto: São
Francisco, Prodígio da Natureza, Portento de Graça in Apparatus Operis, Tabula
VI.
191
192
FIGURA 41 FIGURA
41 A
A mesma cena pintada no teto da nave, localizada junto ao arco-
cruzeiro, antes e após do restauro de 2007.
193
Como na anterior, a descrição que se segue foi baseada na pintura que
havia antes da restauração de 2007, deixando claro que difere bastante do
resultado obtido, com a recuperação das cores e das formas originais.
Figura 41 - Anteriormente fotografamos a primeira cena perto do arco-
cruzeiro, onde temos representado São Francisco com o menino Jesus nos
braços, ajoelhado sobre nuvens; pairando um pouco acima dele, do lado do
evangelho, está uma figura feminina, vestindo uma túnica vermelha, tendo sobre
ela um manto azul escuro que esvoaça (a representação da Virgem Maria)
cercada de querubins, entre nuvens que estão pintadas de uma cor entre o
cinzento e o bege, com alguns detalhes brancos; o santo veste hábito na cor
marrom,cercado de raios, cuja luminosidade foi resolvida na cor amarela. Todas
as asas dos anjos são pintadas nas cores vermelho e azul forte.
FIGURA 41a - No entanto, foram revelados, a partir de 2007, elementos
dessa composição que estavam escondidos pelas camadas de tinta, como por
exemplo, os raios na cor vermelha que emanam do menino Jesus, nos braços do
Santo, e que incidem diretamente na parede lateral da igreja, onde hoje aparecem
pintados dois frades, prostrados por terra, que anteriormente tinham sido
totalmente encobertos por tinta azul. Esses dados podem trazer nova luz sobre o
significado da iconografia, o que fica como sugestão para uma próxima pesquisa.
Quanto ao estilo e composição, pode-se dizer que além da revelação
iconográfica, que antes se achava oculta, evidenciou-se toda a expressão e leveza
da pintura, que havia perdido a suavidade e leveza dos traços e das cores
originais.
194
Figura 42
195
FIGURA 42
Quanto às fontes iconográficas que podem ter dado origem a esse trabalho,
apresentamos uma gravura que contém elementos coincidentes com os da
pintura: trata-se de um trabalho que localizamos no Livro, Vita et Admiranda
Historia Seraphici, Ordinis Minorim fundatoris, iconubus & elogiis. Latino
Germanicis Illustrata. Augspurg: M.Magdal. Utz Scheneiderin, 1694.
272
:
Entre outras, traz a seguinte inscrição um pouco apagada:
BEATA VIRGO EI PUERUM JESUM IN ULNAS OFFERT BOM:C: j.
A.M.W.fez.
3
Tivemos dificuldade em encontrar o significado da iconografia, porém
pensamos que esta pintura pode ter como tema o episódio denominado a
Natividade de Greccio,
uma iconografia sugerindo que “Deus glorificava em tudo
seu servo”, conforme diz São Boaventura em seu relato desse fato, transcrito
abaixo.
Dentro dessa idéia, tomamos como fontes literárias a narração da
passagem que se refere ao Natal de Greccio, que se encontra na biografia de São
Francisco, escrita por São Boaventura, intitulada
Legenda de São Francisco,
no
Capítulo X:
Zelo na oração e poder de sua prece, 7.[...] Três anos antes de sua morte,
resolveu celebrar com a maior solenidade possível, perto de Greccio, a
memória da Natividade do Menino Jesus, a fim de aumentar a devoção
dos habitantes. Mas para que ninguém pudesse tachar esta festa de
ridícula novidade, pediu e obteve do Sumo Pontífice licença para celebrá-
la. Francisco mandou, pois preparar um presépio e trazer muito feno,
juntamente com um burrinho e um boi, dispondo tudo ordenadamente;
reuniram-se os irmãos chamados dos diversos lugares; acorreu o povo,
ressoaram vozes de júbilo por toda parte e a multidão de luzes e archotes
resplandecentes juntamente com os cânticos sonoros que brotavam dos
peitos simples e piedosos transformaram aquela noite num dia claro,
esplêndido e festivo. E Francisco estava diante do rústico presépio em
êxtase, banhado de lágrimas e cheio de gozo celestial. Principiou então a
missa solene, na qual Francisco, que oficiava como diácono, cantou o
Evangelho. Pregou em seguida ao povo e falou-lhe do nascimento do Rei
272
HEMER, Mattaeus, Franciscan Institute Library. St. Bonaventure University. USA
196
pobre a quem ele chamava com ternura e amor de Menino de Belém.
Havia entre os assistentes um soldado muito piedoso e leal que, movido
por seu amor a Cristo, renunciou à milícia secular e se uniu estreitamente
ao servo de Deus. Chamava-se João de Greccio, que afirmou ter visto no
presépio, reclinado e dormindo, um menino extremamente lindo, ao
qual tomou entre seus braços o bem-aventurado Francisco, como se
quisesse despertá-lo suavemente do sono. Que esta visão do piedoso
soldado é totalmente certa garante-o não a santidade de quem a teve,
como também sua veracidade e a evidenciam os milagres que a seguir se
realizaram; pois o exemplo de Francisco, mesmo considerado do ponto de
vista humano, tem poder para excitar a fé de Cristo nos corações mais
frios. E aquele feno do presépio, cuidadosamente conservado, foi remédio
eficaz para curar milagrosamente os animais enfermos e como antídoto
contra outras muitas classes de peste. Deus glorificava em tudo o seu
servo e provava pelos milagres evidentes o poder de suas preces e de
sua santidade. [...]
O mesmo relato pode ser encontrado em outro biógrafo, Frei Tomas de
Celano, na obra Vida Primeira, Livro I, Capítulo 30, p. 84 e 87.
Segundo Maria Carmem Garcia Atance de Claro
273
, este episódio é
considerado um acontecimento muito importante porque constitui a instituição do
Natal e sua introdução na espiritualidade cristã.
273
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile. Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P.110.
197
198
Figura 43
Pintura do teto da Nave junto ao Coro.
199
Durante esta pesquisa, não foi possível encontrar uma explicação definitiva
para a iconografia que decora o espaço acima do coro, composto por três grandes
painéis, que podem ser pensados como partes de um conjunto, no que se refere a
uma cena do episódio, denominado Uma Luz os Guia, contado por São
Boaventura, no qual certa vez dois anjos guiaram o santo através de caminhos
escuros.
Figura 43 - No primeiro dos três painéis podemos ver a representação de
São Francisco ajoelhado sobre nuvens, pintadas em tom cinza, olhando para o
alto, onde se encontra o segundo painel que revela um anjo, pairando no ar, com
a mão levantada, como que indicando o caminho. O personagem principal está
ajoelhado em atitude de espanto e veste o hábito marrom dos frades menores.
Trata-se de uma composição de traços pesados, assim como a palheta,
que utilizou muitos cinzas e tons terrosos nas nuvens, assim como nas grandes
asas acinzentas do anjo, que foi retratado envolto num manto vermelho.
Convém lembrar que esta descrição da pintura é anterior ao restauro de
2007
e que certamente embaixo dela haverá outra versão, com cores e traços
bastante diferentes do que fotografamos para este trabalho.
200
Figura 44
Teto do coro
201
Figura 44 - O terceiro painel, localizado acima do coro, evoca dois anjos
grandes voando, ostentando entre as mãos um objeto brilhante para o qual
existem duas possibilidades de interpretação, de acordo com as duas sugestões
iconográficas que apresentamos: um feixe de luz para iluminar o caminho do
santo, ou um recipiente de vidro, contendo água.
Diante dessa dúvida, a interpretação correta dessa iconografia fica
temporariamente em aberto, podendo tornar-se objeto de uma próxima pesquisa.
202
Figura 45
Vista dos três painéis reunidos.
203
FIGURA 45 - Os três painéis apresentados anteriormente formando a
representação de único episódio.
Se interpretarmos essa pintura como sendo alusiva ao episódio de Uma Luz
os Guia, devemos levar em consideração que, de acordo com Maria Carmen G.
Claro,
274
o significado alegórico desta iconografia encontrou terreno fértil no Novo
Mundo, onde o espírito franciscano levava a luz da evangelização aos
colonizados, Para a Instituição franciscana, a Luz Divina sempre esteve presente,
mesmo nos momentos mais críticos; a defesa da Regra criada pelo santo, a
crença da perenidade da Ordem mantida e transmitida através dos séculos
sempre se nutriu da luz do Espírito Santo. Ainda para ela a cena implica num certo
providencialismo que sempre nutriu a Ordem desde as suas origens, sem contar
que se remete a uma passagem da Bíblia (Êxodo, 23,20) que diz: “[...] Eis que
envio um anjo adiante de ti, para guardar-te pelo caminho, e conduzir-te ao lugar
que te tenho preparado. [...]”.
Como fonte literária que serviu de base para a iconografia, cito o texto de
São Boaventura, biógrafo de São Francisco, que se encontra em Legenda de São
Francisco Capitulo V, 12: Uma Luz os Guia:
[...] Uma outra ocasião indo pregar com um irmão entre a Lombardia e a
Marca de Treviso, sobreveio a noite e ainda se encontravam às margens
do rio Pó. Era muito perigoso continuar naquela escuridão sem enxergar e
no meio de terras alagadas. O companheiro disse ao santo: "Pai, reza a
Deus que nos livre dos perigos que nos ameaçam!" Com sua imensa
confiança, disse o santo: "Deus pode, se agrada à sua bondade, dissipar
as trevas e nos dar a luz benéfica". Mal acabara de falar, uma luz
miraculosa os envolveu e embora mais além fosse noite total, eles viam
claramente e num grande raio a estrada e suas redondezas. Essa luz foi
guia do corpo e conforto para a alma deles, e após uma longa caminhada,
chegaram à hospedaria, sem dificuldade, cantando hinos e cânticos de
louvor. Considerai, pois, quanta e quão admirável foi a virtude deste santo,
a cujo império e vontade o fogo apaga seu ardor, a água se converte em
vinho generoso, os anjos o recreiam com suas celestiais harmonias e a luz
divina lhe indica o caminho, demonstrando-se dessa forma que todas as
criaturas do mundo contribuíam sensivelmente para manifestar a
santidade de nosso grande patriarca.
São Francisco caminhava numa noite escura e perigosa quando pediu
proteção a Deus; imediatamente uma luz esplendorosa, aparece
permitindo que ele e seu companheiro sigam caminhando. [...].
274
. CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile. Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 96.
204
Figura 46
Lado da Epístola-Cena I, antes do restauro de 2007.
FIGURA 46 A – cena I depois do restauro de 2007
205
Do lado da Epístola estão pintadas cinco cenas laterais, e todas
representam vários santos franciscanos, além do próprio São Francisco, e se
remetem a assuntos ligados à recusa, à vaidade humana e às dignidades da
Igreja. “[...] Que todos os irmãos abstenham-se de mostrar qualquer poder ou
superioridade, principalmente entre si. [...]”.
275
FIGURA 46 - Na primeira cena, perto do Arco-Cruzeiro, temos uma figura
com trajes militares portando elmo e armadura, em atitude de respeito, e outra
representando um santo que, com uma das mãos, aponta o céu, e com a outra,
faz o gesto de abençoar.
Convém ressaltar que abaixo desse trabalho pode-se ler a inscrição já
citada anteriormente: FRANZ BATHE 30 - VIII – 1951
Concluímos inicialmente que este trabalho, como todos os outros que
compõem o teto da nave, resultou numa composição pesada, pintada em cores
muito escuras, com abundancia de cinzas e vermelhos, tendo como cenário uma
paisagem árida, formada de pequenas montanhas ou montes.
FIGURA 46 A. – Porém, para nossa surpresa, quando tornamos a examinar
essa cena, em março de 2007, depois que já tinham sido retiradas várias camadas
de tinta, verificamos a existência de elementos pictóricos que antes não era
possível distinguir porque haviam sido encobertos com tinta azul.
Surgiram então duas versões para explicar iconograficamente o que está
representado. De acordo com a primeira delas, a figura vestida com o hábito
marrom amarrado com uma corda representa Santo Antonio, tendo uma das mãos
apontando o alto, enquanto gesticula com a outra, sendo que de sua boca
emanam linhas que representam palavras, pois, de acordo com informação do
restaurador,
276
esses raios podem estar aludindo ao dom da palavra atribuído a
Santo Antonio, que era convertido em instrumento para evangelizar pessoas.
Com efeito, pode-se atestar esse fato na carta em que São Francisco o
autoriza a usar esse dom e seus conhecimentos:
[...] Escritos de San Francisco.[...].
275
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Record. Rio de Janeiro. 2005. P.72
276
CARVALHO, Cláudio Albino. Coordenador. ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro.
206
[...] Carta enviada a san Antonio de Pádua.[...].
[...] Al Hermano Antonio, mi bispo, el hermano Francisco:
Salud. Me agrada que enseñess la Sagrada Teologia a los hermanos,a
condicion de que por razón de este estúdio,no apagues el espíritu de la
oración y devocion como se contiene em la regla. [...].
277
Ou, segundo Nancy Valente
278
, existe uma outra versão para a temática
desta cena:
[...] Este personagem poderia estar representando São Salvador de Horta
(? 1567), irmão leigo franciscano que se tornou célebre por suas curas
milagrosas. Uma das suas representações mais frequentes é com
palavras que lhe saem dos lábios, muito similar ao que temos nesta cena
em que da boca de um franciscano saem raios em direção a uma espécie
de soldado. (LOREDO, Wanda Martins. Iconografia Religiosa: Dicionário
Prático de Identificação. Rio de Janeiro. Pluri, 2002).
É interessante ressaltar, mais uma vez, que causa impacto verificar que
após o restauro as pinturas adquiriram cores e até formas bem diferentes do que
encontramos primeiramente.
277
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile. Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 112.
278
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007. IN: e-mail datado de 25 de abril de 2007.
207
208
FIGURA 47- Antes do restauro de 2007
.
FIGURA 47 A - Após o restauro de 2007
209
.
FIGURAS 47 e 47 A
Neste trabalho, o autor pintou um anjo em pleno vôo, entregando um hábito
franciscano a um cavalheiro, que se encontra ajoelhado, tendo ao seu lado uma
coroa pousada sobre o chão. Como na cena anterior, a composição do cenário
que se encontra na parte posterior às figuras mostra uma paisagem formada por
pequenas montanhas, na cor marrom, desprovidas de qualquer referência
geográfica ou espacial.
O hábito franciscano simboliza o apego à vida religiosa e a renúncia ao
mundo com seus prazeres, ao mesmo tempo em que a coroa tombada no chão
significa o desprezo pelo poder e pela vaidade do mundo.
Essa iconografia tem por finalidade a evocação de uma vida de renúncia e
dedicação ao saber e à humildade como meio eficaz de se alcançar o contato com
Deus.
Para complementar, recebemos a seguinte informação da restauradora, em
2007:
[...] Do lado da epístola temos a representação de São Luis de Tolosa
(1274 – 1297). Luís renunciou ao trono de Nápoles e tornou-se franciscano
e bispo de Toledo. É normalmente representado com ornamentos
episcopais sobre burel franciscano. Numa das mãos pode trazer lírios ou
rosas, na outra a coroa real, a que renunciou. Esta pode aparecer junto a
seus pés, que é o nosso caso.
279
(Fonte: CUNHA, Maria José da Conceição. Iconografia Cristã. Ouro Preto,
UFOP, /IAC. 1993 p. 84) [...].
Realmente, a representação de um rei santo, que renuncia à coroa, para se
tornar um franciscano, reforça a idéia de que a Ordem valia-se desse instrumento,
a Arte, para exortar os fiéis e os próprios frades, a escolher o caminho da
humildade para chegar a Deus.
279
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007. IN: e-mail datado de 25 de abril de 2007.
210
FIGURA 48
211
FIGURA 48
A terceira cena do lado da epístola mostra um cavalheiro ajoelhado e
coberto por um manto real oferecendo a espada e a coroa a outro personagem
com trajes vermelhos, talvez de cardeal, portando báculo e mitra, e com uma
postura que indica recusa, tanto pelo rosto voltado para o lado oposto quanto pela
mão levantada, como que num gesto de negação.
É uma situação que sugere a abdicação do poder, da renúncia à
materialidade como referência ao tema da valorização da humildade, tão caro aos
franciscanos, ou seja, Recusa à Vaidade Humana e a Dignidade do Sacerdócio.
Achamos importante ressaltar que é bastante comum encontrarmos a
inclusão de cenas com propósito moralizante, pintadas nas igrejas e claustros, de
acordo com comentário de Alexandre Nobre Pais:
[...] é nossa opinião que estas imagens reflectem, subliminarmente, uma
vontade edificadora confrontando os/as religiosos/as com a fugacidade
dos prazeres mundanos,
de uma alegria efémera, onde o verdadeiro prazer se encontra banido
[...].
280
280
PAIS, Alexandre Nobre In REVISTA OCEANOS. Azulejos Portugal e Brasil. Número
36/37Outubro 1998 / Março Lisboa: 1999.P.101
212
Figura 49
213
Figura 49
Esta quarta pintura do lado da epístola traz dois personagens vestindo o
hábito franciscano, tendo atada à cintura a corda com três nós que simbolizam a
Pobreza, a Castidade e a Obediência. Quanto às cores utilizadas, é
importante
observar que o hábito dos dois personagens está pintado com uma cor muito
escura, quase negra, o que contraria o tradicional marrom dos franciscanos. Este,
no entanto, é um fato que precisará ser revisto após os trabalhos de restauração
de 2007 ficarem concluídos.
Os dois personagens trazem a mão esquerda ao peito, segurando o que
lembra a forma de um coração, rodeado de raios de luz. Enquanto com a mão
direita o primeiro segura um cálice encimado por uma serpente enrodilhada, o
segundo personagem levanta com a mão esquerda um crucifixo. A seus pés, um
báculo e uma mitra jazem no chão, reforçando a idéia de renúncia às dignidades
eclesiásticas, pois a representação do báculo aos pés do personagem também é
um atributo iconográfico que marca o desprezo pelas honras e pelo poder.
281
Surgem várias versões quanto ao tema representado. Uma informação
interessante que obtivemos é de que o cálice e a serpente são freqüentemente
atribuídos a São João Evangelista
282
, e outra, conseguida com a restauradora em
2007, fala do missionário franciscano, São Bernardino de Siena:
[...] A figura que segura o cálice de onde sai uma cobra e que tem no peito
um sol em chamas com o emblema CRIST I HS possivelmente é São
Bernardino de Siena (1380 -1444), cujo atributo principal é o emblema de
Cristo, denominado Monograma Bernardino do Nome de Jesus.
São também seus atributos, o rosário e três mitras (chapéu de bispo) aos
pés, simbolizando três renúncias às dignidades episcopais.(ROIG, Juan.
Iconografia de Los Santos. Barcelona: Omega, 1950). [...].
283
:
281
RENAULT, CHRISTOPHE. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France.
2002. P. 74.
282
IDEM, IBIDEM. P. 40.
283
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007. IN: e-mail datado de 25 de abril de 2007.
214
FIGURA 50
215
Figura 50
Nesta cena, uma figura representando um papa, provavelmente Inocêncio
III, traz sobre a cabeça a tiara papal, como atributo
de sua autoridade
284
e segura
com as mãos a mitra, que entrega juntamente com o báculo a um cardeal,
possivelmente, o Cardeal Ugolino, que se tornou Papa Gregório IX e que
ascendeu ao pontificado em 1227, tendo sido sempre um grande protetor de São
Francisco.
Realmente, contam seus biógrafos que, em 1208, São Francisco e seus
companheiros obtiveram de Inocêncio III permissão para pregar seu novo
conceito, tendo como ideal de vida a imitação de Cristo. Este feito constituirá a
estrutura de um novo cristianismo, eminentemente popular, ao qual todos serão
chamados, e aconteceu num momento em que na Europa ocorreu o nascimento
de várias seitas religiosas, na sua maioria questionando a autoridade papal e
pregando heresias. Francisco, ao contrário, foi a Roma pedir permissão papal. “La
obediencia franciscana a Roma será siempre proverbial”.
285
A composição, os traços e a palheta deste trabalho obedecem ao mesmo
esquema das demais. Nesta ocasião ainda não se consegue ver o que existe por
baixo, porque o restauro ainda não chegou nesse trecho do teto.
284
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 68.
285
IDEM, IBIDEM. P. 64.
216
.
FIGURA 51-Dois frades Prostrados.
217
Figura 51 - Do lado do Evangelho estão registradas cinco cenas, sendo que
a primeira perto do arco cruzeiro traz dois frades prostrados.
Neste ponto é preciso explicar que, quando fotografamos pela primeira vez
as pinturas dessa igreja, causou-nos estranheza o fato de que desse lado
houvessem quatro cenas, uma vez que do lado da Epístola encontramos cinco
composições.
E qual não foi nossa surpresa quando, em 2007, com a ação dos
restauradores, nos depararmos com uma das mais belas expressões artísticas
dessa igreja, que é a cena que aparece logo ao lado do arco cruzeiro,
representando dois franciscanos prostrados por terra, em atitude de submissão,
enquanto recebem raios que os atingem a partir do menino Jesus, que se
encontra nos braços de São Francisco, no centro do teto da nave.
Notamos que o esquema compositivo desta cena é pouco usual e
comovente, no sentido de expressar fortemente o conceito de providencialismo
franciscano.
É interessante observar que essas figuras e elementos, como os raios
vermelhos, tinham sido simplesmente apagadas e mescladas às montanhas que
compõem o cenário, durante alguma das inúmeras reformas às quais esse recinto
foi submetido.
A fotografia que apresentamos é da cena restaurada, e atesta como
realmente essa pintura original difere do restante. Concluímos que toda a arte
exposta até agora pelos trabalhos de restauração denuncia que seu autor foi um
pintor com um estilo popular, de valor, com bom colorido e composição.
218
FIGURA 52 - anterior à restauração de 2007
FIGURA 52 A - Posterior à restauração de 2007
219
A FIGURA 52 foi feita antes da restauração e a FIGURA 52 A, durante o
ano de 2007, quando estavam sendo desenvolvidos os trabalhos de recuperação
do teto.
Este quadro traz um personagem vestido com hábito de franciscano, talvez
São Francisco, que está ajoelhado tendo as mãos juntas sobre o peito, e
parecendo beber de um cálice pintado de amarelo dourado, que lhe é oferecido
por uma figura feminina, a Virgem Maria que se encontra sentada sobre nuvens.
Essa mulher está envolvida por um manto azul escuro sobre uma túnica
vermelha da qual se a frente. Traz um pesado véu escuro sobre a cabeça.
Existem nuvens ao redor das figuras.
Num primeiro momento, não encontramos o significado desta cena, porém
mais tarde, pelas informações da responsável
286
pelo restauro de 2007 soubemos
que ”São Pascoal Baião, terciário franciscano, traz como atributo uma custódia.
(CUNHA, Maria José da Conceição. Iconografia Cristã. Ouro Preto: UFOP /IAC,
1993, P. 84)”.
Nesse caso poderíamos talvez rever a interpretação desta imagem,
pensando na entrega de uma custódia ao mencionado São Pascoal Baião, assim
como terá que ser motivo de revisão tudo que alude à composição, cores e técnica
adotadas, quando as camadas de tinta que a recobrem forem totalmente retiradas.
286
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007. IN: e-mail datado de 25 de abril de 2007.
220
FIGURA 53
.
221
FIGURA 53 - Nesta terceira cena, ao lado do Evangelho estão dois
personagens, um de cada lado de
uma mesa, onde se vêem expostas três mitras
enfileiradas; um deles encontra-se sentado em um trono, portando um manto real
enfeitado de arminho, e tendo a cabeça coroada; do outro lado, um frade vestindo
um hábito franciscano faz um gesto com as duas mãos, como que recusando o
que lhe está sendo oferecido.
Este tema deve fazer alusão à Recusa às Dignidades Eclesiásticas e à
Vaidade Humana, assim como os anteriores, vindo em defesa da uniformidade e
da união fraterna. De fato, quando faz referência aos conceitos-chave da
mentalidade e da sensibilidade, comuns à sociedade do século XIII, para buscar
definir as atitudes dos franciscanos em face desses modelos, Le Goff assim se
manifesta, em relação ao padrão ligado à estrutura da sociedade religiosa:
[...] Detesta tudo que é superior”, tudo aquilo que se define por partículas
de superioridade: magis-(magnus, magister, magnatus), prae-
(praelatus, prior), super-(superior, superbus). Os que pretende exaltar
são os depreciados pela sociedade: minores, subditi. O que ele deseja
em sua ordem é a uniformitas, a igualdade (II Cel, 191). [...]
287
Realmente, Tomas de Celano traduz essa idéia em seus escritos:
Como fomentava a unidade entre os filhos, sobre a qual falou na
forma de um enigma. 191
1 Sempre manteve um desejo constante e um esforço vigilante para
preservar entre seus filhos o vínculo da unidade, para que os que foram
trazidos pelo mesmo espírito e gerados mesmo pai c fossem formados
pacificamente no seio da mesma e.
2 Queria que os grandes se unissem aos pequenos, que os sábios e os
simples vivessem em comunhão fraterna e que os que se encontrassem
longe sentissem que estavam ligados pelo amor.
288
Em relação à identidade do personagem retratado neste espaço, fomos
informadas em 2007, que:
[...] outra representação presente é a de São Luís, rei de França (1215
1270). Foi rei da França por 33 anos com o título de Luís IX, e participou
de 2 cruzadas. Pode ser representado vestindo hábito franciscano ou
trajes régios coroa e cetro, como o apresentado no lado do evangelho.
Pode trazer numa das mãos uma coroa de espinhos e os três cravos da
287
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Record. Rio de Janeiro. 2005.P.214
288
CELANO, Tomaso de. Vida II.. Capitulo 144, 191, 1, 2.
222
crucificação. (CUNHA, Maria José da Conceição. Iconografia Cristã. Ouro
Preto: UFOP /IAC, 1993, P. 84). [...] [...] três mitras simbolizam as
dignidades episcopais. [...]. (ROIG, Juan. Iconografia de Los Santos.
Barcelona: Omega, 1950).
289
289
VALENTE, Nancy. Engenheira Química especialista em restauração de Obras de Arte.
ALBATROZ, arquitetura-construção e restauro. Relatório da igreja feito pela empresa Albatroz,
responsável pelo restauro em 2007. IN: e-mail datado de 25 de abril de 2007.
223
224
FIGURA 54
225
A quarta cena ao lado do evangelho apresenta como tema o biógrafo de
São Francisco, São Boaventura, sentado em seu escritório com seus atributos
iconográficos de Doutor da Igreja, ou seja, a pena na o, o livro e a sobrepeliz,
como que a ressaltar seu papel de biógrafo do Santo.
À sua frente o fundador da Ordem Franciscana, acompanhado de um anjo,
como uma visão celestial, talvez para reforçar a luz que ilumina esses escritos.
No concernente a cor, técnica, estilo e composição, não difere das demais
cenas expressas no recinto.
Pensamos que esta pintura, assim como a que se segue, podem estar
relacionadas entre si, representando o episódio narrado por Frei Rodolfo
Tossianense, que traz em sua narrativa o texto contido em História das três
Religiões Seráficas, livro I, página 97 e Vida de São Boaventura, Cap, 8.
290
[...] Fue el Seráfico Doctor de la Iglesia San Buenaventura, famoso
cronista de la vida y milagros de su Padre y Nuestro Padre San Francisco,
y estando um dia escribiendo la vida, transportado em dios y em la
contemplación y em maravillas que com su siervo San Francisco obro, fue
el Angélico Doctor Santo Tomás de Aquino su fiel amigo y amabilíssimo
condiscípulo a visitarle,y mirandole por los resquícios de la puerta de su
celda en aquel éxtasis y celestial arrobo, volviéndose a los que le
acompañaban les dijo: Dejemos al Santo que trabaja por el Santo, dando
título de Santo a San Buenaventura, estando aún em vida.[...]
290
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile. Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 154.
226
FIGURA 55
227
Figura 55 - No painel, está representado novamente São Boaventura, que
se encontra em pé, portando os atributos iconográficos de cardeal, por sua
vestimenta e ao mesmo tempo como Doutor da Igreja, por estar com a pena na
mão.
São Tomaz de Aquino apresenta-se sentado e pode ser reconhecido
iconograficamente pelo sol sobre o peito, símbolo de sabedoria, por ser autor da
célebre Catena Áurea, tendo às costas um par de asas, talvez porque asas, na
tradição cristã, são signos da missão divina, o que se encaixa com o messianismo
franciscano em relação à missão evangelizadora no Novo Mundo.
291
291
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano en Chile. Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 30.
228
Figura 56
O cadeiral do coro da igreja conventual de são Francisco de São Paulo.
229
Figura 56 - Embora nosso foco esteja voltado para as pinturas, não
conseguimos deixar de registrar fotograficamente o cadeiral que encontramos no
coro. Trata-se de móvel bastante antigo, que nos chamou atenção porque se acha
até hoje da mesma forma como foram descritos em 1950, por Frei wer em seu
livro, no trecho em que cita as crônicas de Frei Apolinário:
[...] Os assentos do ro, de madeira de lei, conservados até hoje, eram
os melhores em toda a Província franciscana, e também da sacristia
afirma Frei Apolinário que não tinha igual nos outros Conventos, quer
dizer, antes de se fazer a atual sacristia do Convento de S. Antonio do
Rio.[...].
292
É interessante constatar que Röwer limita o tempo de Frei Apolinário dentro
do período compreendido até os primeiros decênios do século XVIII,
293
o que nos
dá também idéia de datação dessa peça do mobiliário da igreja franciscana.
292
WER, Pe. Dr. h. c.Frei Basílio O.F.M. Páginas da história Franciscana no Brasil. São Paulo
Vozes: 1957. P. 85
293
IDEM, IBIDEM. P. 85.
230
Figura 57
Igreja da Venerável Ordem Terceira do Seráfico Pai São Francisco.
231
3. 2. Igreja da Venerável Ordem Terceira do Seráphico Pai São Francisco de
São Paulo
Figura 57 A Igreja da Venerável Ordem Terceira do Seráfico Pai São
Francisco de São Paulo.
Era comum que nos conventos houvessem ordens seculares para aqueles
fiéis que quisessem aperfeiçoar sua fé cristã. Desse modo, em São Paulo estavam
muitas das principais famílias da vila, filiadas à Ordem Franciscana.
Segundo frei Ortman, um manuscrito existente no convento de Santo
Antônio do Rio de Janeiro, denominado Memória sobre a fundação do Convento
de o Francisco de São Paulo, escrito em 1743, menciona a igreja dos frades
franciscanos paulistana e também a Capela da Fraternidade da Ordem Terceira:
“Neste Convento se acha cita hua capela cujo arco está na parede da nossa
Igreja, a qual pertence à Ordem Terceira da Penitęncia.”
294
Realmente, durante um pouco mais de um século, os terceiros, que formam
uma fraternidade canônica, usaram essa capela construída em 1676. Tendo
decidido fazer uma capela maior, pediram aos superiores da Província um pedaço
de terreno que lhes foi concedido na sessão de 25/11/1783.
294
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 87
232
FIGURA 58
[...] Benção da Nova Capella [...].
295
295
Arquivo Ordem Terceira de São Francisco SP. Livro de Actas (3/11/1727 a 1789). P. 115.
233
FIGURA 58 - Documento do Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco
de São Paulo, datado de 09/07/1787, que registra a bênção da nova capela. De
fato, sabe-se que a Ordem Terceira construiu a sua atual capela sem demolir a
primitiva, mas atravessando-a, podendo ser considerada bastante exuberante em
relação à sua decoração, ornada com pinturas e talha, tendo sido inaugurada em
11/09/1788.
Esse impulso, essa fertilidade de manifestações artísticas deveu-se ao fato
de que em São Paulo, a partir do segundo quarto do século XVIII, os irmãos da
Ordem Terceira voltados para o desenvolvimento da Ordem passaram a
demonstrar uma produtividade e um espírito progressista que acompanhava a
transformação da estrutura social dos paulistas dessa época, desde a instalação
de um governo próprio em São Paulo, em 1721, e como resultado da descoberta
do ouro das Minas Gerais. Esses fatos deram forma à vida da coletividade, com a
instalação de um mecanismo administrativo, e, como conseqüência, os hábitos
tornaram-se mais polidos e urbanos, os gostos mais requintados e a educação
mais esclarecida.
234
Figura 59
235
Figura 59 - A capela-mor da igreja dos terceiros é recoberta por um teto em
abóbada de berço, cujo entabuamento foi feito no sentido longitudinal e pintado de
azul. Sobre ele existe uma grande pintura representando São Francisco subindo
aos céus num carro de fogo.
296
Esse trabalho ocupa grande extensão e está disposto em três painéis, um
central e dois laterais e retrata o tema que apresenta o Santo, como um outro
profeta Elias.
O altar-mor é todo ornado com talha dourada, assim como os altares
laterais.
296
Ortman dá como título: Glorificação de São Francisco IN: ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M.
História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de São Francisco em São Paulo. São
Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 96.
236
Figura 60
São Francisco subindo ao céu num carro de fogo
237
Figura 60 Na cena central do teto da Capela-Mor temos o assunto
denominado São Francisco subindo aos céus num carro de fogo, um tema
antiqüíssimo porque apresenta São Francisco num carro de fogo subindo aos
céus como se fosse um outro Santo Elias.
297
.
Realmente, os primeiros biógrafos de São Francisco fazem alusão a fatos
de sua vida semelhantes a esse,
298
o que explica a apresentação do santo como
um outro Elias.
No centro da pintura vemos São Francisco pairando sentado numa espécie
de carro, rodeado de fogo. O santo encontra-se reclinado no carro, com o rosto
voltado para o alto e os braços abertos, como que chamando os quinze frades que
o rodeiam, e que se encontram dispostos em dois grupos pintados de cada lado, a
partir da cimalha todos vestidos com hábitos franciscanos na cor marrom e tendo
atadas à cintura a corda com três nós, que identifica a Ordem.
Trata-se de uma pintura vibrante, principalmente pelas cores fortes nela
empregadas, havendo muito vermelho, amarelo, laranja e preto.
297
Religioso que inspirou a fundação da Ordem Carmelita; segundo a tradição cristã o Paraíso
antes da Ressurreição de Cristo é sempre representado como jardim fechado” (Hortus conclusus)
sendo que, os únicos personagens que podem aparecer nele são Elias e Enoc, que foram
arrebatados em vida sem passar pela morte. IN: CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano
Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 35.
298
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16, 1951. P. 97.
238
Figura 61
São Francisco subindo ao céu num carro de fogo
239
Figura 61
Apresentamos como fonte iconográfica a gravação que representa o
mesmo tema, e possui vários elementos coincidentes com os da pintura dos
terceiros, intitulada O carro de fogo, da qual conseguimos um detalhe.
Trata-se de trabalho impresso pela firma de Felipe e Cornélio Galle,
localizada em Amberes e datada de 1587, ou seja, no século XVI.
(Laboratório fotográfico Biblioteca Nacional de Madrid.)
299
299
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 66.
240
Figura 62
Centro e lateral da Capela- Mor
241
Figura 62 - Nesta fotografia, que define o centro e uma das laterais da
capela-mor, podemos constatar que a cena toda é emoldurada por uma pintura
ilusionista, representando talhas de madeira dourada composta por rocalhas, bem
ao estilo Rococó, encimadas por guirlandas de flores, cuja palheta vibrante
acompanha o restante da pintura e cujo detalhamento se percebe na Figura 62 A.
FIGURA 62 A
Detalhe
242
Figura 63
Figura 63 Para compor o tema, do lado esquerdo de quem olha o
altar mor, foi retratado um grupo, de oito frades, em atitude de quem está
assistindo a aparição do santo, tendo seus corpos posicionados de forma
expressiva e dramática bem ao gosto barroco. É interessante observar que o
dramatismo é manifesto mais por posturas e gestos do que pelas expressões
fisionômicas, que, aliás, se repetem em todas as figuras.
243
FIGURA 64
FIGURA 64 - No lado oposto ao grupo de oito frades estão retratados, sete
franciscanos contemplando a cena miraculosa que se desenrola no alto, passando
ao espectador uma atmosfera emocional que se manifesta pela postura corporal,
sem afetar as fisionomias que, no entanto, que como no painel anterior,
conservam expressões uniformes.
244
Podemos citar duas fontes literárias nas quais essas imagens se baseiam.
A primeira delas são os escritos de São Boaventura, em Legenda Maior de São
Boaventura, no Capítulo XV, 8, no qual o biógrafo se refere ao outro Elias:
[...]8. No ano do Senhor de 1230, dia 25 de maio, durante o capítulo geral
reunido em Assis, os irmãos transportaram para a basílica construída em
sua honra o corpo do santo consagrado ao Senhor. Durante a trasladação
desse tesouro sagrado marcado com o selo do Grande Rei, aquele cujas
marcas ele trazia dignou-se, por seu intermédio, realizar numerosos
milagres para que, ao odor suavíssimo que desprendia, fossem os fiéis
atraídos a correr em seguimento de Cristo. Efetivamente, era muito justo
que aquele a quem Deus havia trasladado, como em outro tempo a
Enoque (cf. Gn 5,24), ao paraíso da mais sublime contemplação, por ter
sido durante a vida tão fiel ao amado, e a quem havia arrebatado ao céu
em um carro de fogo, por seu ardente zelo de caridade, como a outro Elias
(cf. 4Rs 2,11), era muito justo que aqueles ossos benditos de Francisco,
que haviam de germinar maravilhosamente, espalhassem agradabilíssimo
perfume desde seu sepulcro, como flores de primavera plantadas nos
jardins do céu [...].
A outra fonte é a biografia de Frei Tomas de Celano, na obra Vida Primeira
de São Francisco, Parte Iª, Capítulo XVIII, 47, na qual é apresentado o episódio: O
carro de fogo. Conhecimento das coisas ausentes .
[...] 47. Porque caminhavam com simplicidade diante de Deus e com
segurança diante dos homens, nessa ocasião mereceram os frades a
alegria de uma revelação divina. Certa noite, inflamados pelo Espírito
Santo, estavam cantando suplicantes o pai-nosso sobre uma melodia
religiosa (pois não rezavam só nas horas marcadas mas em qualquer
hora, uma vez que não tinham preocupações terrenas), quando o bem-
aventurado pai se ausentou corporalmente deles. pela meia-noite,
quando alguns frades descansavam e outros rezavam em silêncio com
devoção,entrou pela pequena porta um rutilante carro de fogo, deu duas
ou três voltas para cá e para lá na casa, tendo sobre ele um globo enorme,
que era parecido com o sol e iluminou a noite. Os que estavam acordados
se espantaram e os que estavam dormindo se assustaram, pois sentiram
uma claridade não corporal mas também interior. Reuniram-se e
começaram a discutir entre si o que seria aquilo: por força e graça de toda
aquela luz, cada um enxergava a consciência do outro.
Compreenderam afinal que a alma do santo pai brilhava com tamanho
fulgor que, sobretudo por sua pureza e por seu zeloso cuidado pelos filhos,
tinha conseguido de Deus a graça desse enorme benefício [...].
245
246
FIGURA 65
Registro de Pagamento a José Patrício Da Silva Manso, 1791.
247
Em referência à atribuição e datação dessas pinturas, sabemos, de acordo
com alguns autores e também com documentos que examinamos e que se
encontram nos arquivos da Ordem Terceira, que essa pintura é atribuída a José
Patrício da Silva Manso, e datada entre 1790/93.
300
[...] José Patrício recebeu importante encomenda em 1785, para realizar a
pintura do teto da capela-mor da Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco, que tem por tema A Glorificação de São Francisco.[...].
301
FIGURA 65 - De fato, registramos nesta foto o documento que comprova o
pagamento feito a José Patrício da Silva Manso, que se encontra assinalado no
Livro de Receitas e Despesas 1782/1851, fª. 38, (1791)
302
: “Em 1791 –[...] Pelo
que se deu a José Patrício dos painéis grandes da Capela mor 20$000 [...]”.
300
ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. O mestre-pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. Página 85.
301
ORTMAN, Adalberto. História da antiga Capela da Ordem Terceira Da Penitência de São
Francisco em São Paulo. P. 96.
302
IDEM. P. 87.
248
Figura 66
Renúncia Aos Bens terrenos
249
Em ambas as paredes da capela-mor encontram-se quatro pinturas,
distribuídas duas do lado da epístola e duas do lado do evangelho:
FIGURA 66 - A foto do quadro Renúncia aos Bens Terrenos mostra a que
composição retrata, bem ao centro, o santo representado se despindo de suas
ricas vestes, ajoelhado diante de Dom Guido, o bispo de Assis vestido com batina
e murça roxa, sentado num trono de dossel forrado de vermelho. No chão está
jogado o desprezado vestuário, a espada de fidalgo, o chapéu e as botinas.
O personagem central leva amarrado no braço direito o cilício em sinal de
penitência e em primeiro plano à direita tendo a seu o lado o pai Pietro
Bernardone, apresentado com traje e penteado de fidalgo, mostrando atitude de
descontentamento; enquanto isso do outro lado, alguns clérigos observam o
desenrolar da cena, sendo que dois deles sustêm nas mãos o hábito simples, com
o qual São Francisco passará a se vestir.
Nesta cena o santo põe de lado seu pai natural, seu nome, seu berço, sua
riqueza e seu bem estar e adota oficial e formalmente a Deus como seu Único Pai.
Nesse instante tem início sua vida de Poverello.
A respeito do tema, Le Goff comenta sobre o desprendimento franciscano
para com os bens materiais: “A todos, longe das hierarquias, das categorias, das
compartimentações, propõe um único modelo, o Cristo, um único programa,
‘seguir nu o Cristo nu’”.
303
303
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Record. Rio de Janeiro. 2005. P. 38.
250
FIGURA 67
Morte de São Francisco
251
FIGURA 67 - Esta obra retrata o momento da morte do santo franciscano,
em um ambiente de paredes nuas, tendo em primeiro plano o fundador da ordem
deitado no chão, coberto apenas com uma faixa de pano branco na altura dos
quadris.
Um grupo de frades encontra-se à sua volta, de maneira que o corpo fica
bem visível ao espectador.
Ajoelhada aos pés do santo está Giacomina dei Settesoli, uma senhora
romana que São Francisco chamava de Frei Jacoba e que acorrera a um
chamado seu. Um dos personagens acha-se voltado para janela, tendo um livro
nas mãos, enquanto no céu, ao fundo, vê-se a representação de um cometa que,
conforme se conta, foi visto na hora da morte do fundador da Ordem.
A questão da composição das duas pinturas, tanto Renúncia aos bens
terrenos e como Morte de São Francisco, fica assim definida por Brunetto:
[...] Em las dos pinturas el autor preferido las composiciones complejas
basadas em los grupos de participantes em la escena que crean
superfícies triangulares[...]Este esquema habia sido muy difundido em las
artes plásticas europeas desde el siglo XIV com las pinturas de Giotto[...]
304
Frei Ortman, em considerações que se referem às figuras atarracadas, aos
pescoços fortes e aos rostos quase sem expressão nas fisionomias, que
caracterizam esses dois quadros, comenta:
[...] a caracterização que Hanna Levy dá aos tipos humanos representados
pelos pintores fluminenses, adapta-se integralmente às figuras dos nossos
dois quadros: cabeças de um oval acentuado, olhos de forma amendoada,
as sobrancelhas muito curvadas e relativamente afastadas dos olhos,
pálpebras pesadas e o nariz freqüentemente arrebitado. [...].
305
Essas pinturas são coincidentes com as que existem no teto do coro da
Luz, tanto na escolha do tema como no desenvolvimento da composição, embora
contenham mais detalhes e denotem uma maior erudição do autor. A constatação
desse fato gerou alguns questionamentos a respeito se teria o autor da Luz sido
304
. BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo y Arte Barroco en Brasil. Atribui a João
Pereira da Silva 1768. Página 167
305
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 101.
252
influenciado por essas obras ou se seria ele um discípulo do mestre que as
produziu, porém ainda não conseguimos respostas adequadas.
Encontramos algumas controvérsias quanto à autoria dessas obras, uma
vez que Dom Clemente da Silva Nigra
306
atribui o trabalho a José Patrício da Silva
Manso enquanto Frei Ortman
307
levanta a questão entre dois pintores, ou João
Pereira da Silva (1768) ou o pintor Quadros (1843). São questões que ainda têm
que ser resolvidas
A seguir, para a apresentação dos próximos seis quadros, que são A
indulgência da Porciúncula e a Divina Justiça que estão localizados na parede
lateral do altar-mor, os dois que se encontram no arco do cruzeiro, a Visão de São
Francisco sobre a Dignidade do Sacerdócio e São Francisco Recebendo as
Chagas e os localizados nas paredes da sacristia intitulados Visita a Isabel e
Jesus entre os Doutores, achamos importante registrar os comentários de Frei
Ortman, que estão expressos no livro História da Capela de São Francisco em
São Paulo, à página 95.
Nestas referências o autor levanta questões expressando dúvidas quanto à
autoria e fazendo um paralelo com a obra de Vegas:
[...] Estes seis quadros, muito primorosos, executados por um pintor
adestrado e de formatura acadêmica, divergem muito de todos os outros
da mesma igreja [...] Quem teria sido seu autor? Admitindo um pintor
paulista, este, necessariamente, ter-se-ia aprimorado na arte de pintura
em centros de cultura mais adiantada do que era o São Paulo daqueles
tempos. Os quadros da primeira escola paulista de pintura, fundada por
Jorge José Pinto Vedras no quarto decênio do século XIX, não se lhes
avantajam na concepção artística, no desenbaraçõ de seus desenhos e na
maestria colorística [...].
É interessante notar por tais explicações que Frei Adalberto Ortman
considerou esses seis trabalhos, como sendo de igual teor em técnica, estilo e
composição:
[...] Todos eles, composições de valor artístico, revelam, a mão de mestre
hábil e rotineiro, respiram graciosidade e o arrebatamento alegre das
306
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA /USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P.84
307
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951.P.93 e 102
253
pinturas da época do ancien gime: o seu colorido vivo e macioso de
tons rosáceos, ou claro-amarelos e claro-azuis; [...].
[...] Além do colorismo luminoso e da virtuosidade do desenho, agradam
neles os tipos humanos, sem aquela uniformidade e impassibilidade
características das fisionomias coloniais.[...].
308
308
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 94.
254
FIGURA 68
.
A Indulgência da Porciúncula
255
Julgamos que esta série de pinturas A indulgência da Porciúncula, A Divina
Justiça, A Visão de São Francisco sobre a Dignidade do Sacerdócio, Visita a
Isabel e Jesus entre os Doutores, possui grande qualidade artística.
De fato, são comentários de Frei Ortman
309
, nos seguintes termos:
[...] êstes seis quadros, muito primorosos, executados por um pintor
adestrado e de formatura acadêmica, divergem muito de todos os outros
da mesma igreja [...] [...] Admitindo um pintor paulista, este
necessàriamente, ter-se-ia aprimorado na arte de pintura em centros de
cultura mais adiantada do que era o São Paulo daqueles tempos [...].
FIGURA 68 Na pintura A Indulgência da Porciúncula, temos a
representação do episódio em que São Francisco, ao ser chamado por anjos, se
aproxima da igreja de Santa Maria dos Anjos e se depara com Cristo e a Virgem,
que lhe concedem a Indulgência da Porciúncula.
Essa indulgência foi concedida pelo papa Honório II,em 1216, a todos os
que visitassem o santuário no dia 2 de agosto.
310
Coincidentemente este tema também aparece pintado no medalhão central
do fôrro da nave da igreja conventual de São Francisco.
No plano superior do quadro estão Cristo e a Virgem sobre nuvens,
pairando sobre o altar da igreja santa Maria dos Anjos. No plano inferior, São
Francisco, ajoelhado em atitude de súplica, tem o rosto voltado para o chão,
ostentando uma chaga bem visível no pé que aparece sob o hábito.
Num degrau coberto por um tapete de cor verde está depositado um
crânio,
311
ao redor do qual se acham espalhadas rosas
312
e uma espécie de vaso
de metal acobreado.
Podemos considerar como fonte literária a narrativa de Frei Pedro de Alva y
Astorga, intitulada
São Francisco, Prodígio da Natureza, Portento de Graça,
Apparatus Operis, Tabula VI.
313
309
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 95.
310
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Record. Rio de Janeiro. 2005. P. 82.
311
Simboliza vanitas.
312
[...] Na iconografia crisa rosa é ou a taça que recolhe o sangue de Cristo, ou a transfiguração
das gotas desse sangue, ou o signo das chagas de Cristo [...].In CHEVALIER, Jean e
GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro. José Olympio. 2005. P. 788.
313
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile .Corporacion
256
Figura 69
Parede Lateral da Capela-Mor; Lado do Evangelho Superior.
A Divina Justiça
Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 82.
257
Figura 69 - a pintura A Divina Justiça, localizada na parte superior da
parede da capela-mor do lado do Evangelho, representa Cristo e a Virgem Maria,
que pairam sobre o globo terrestre, tendo diante de si São Francisco e São
Domingos ajoelhados pedindo misericórdia pelo mundo pecador.
Este tema tem raízes na iconografia surgida com o concílio de Trento e
remete ao episódio acontecido quando São Domingos e São Francisco estavam
em Roma a fim de obterem do papa as confirmações de suas ordens. Conta a
tradição que numa noite, o fundador da ordem dominicana em sonho, Cristo
que sustém na mão três lanças destinadas ao mundo e quando a Virgem lhe
pergunta o que pretende, ele diz: Este mundo que está é repleto de três vícios:
o orgulho, a concupiscência e a avareza eis porque quero destruí-lo com estas
três lanças. Maria intercede, indicando para o trabalho de conversão do mundo os
dois santos e coincidentemente, São Francisco teve o mesmo sonho.
314
É interessante que o Domingos, na tradição cristã, também costuma ser
representado por uma estrela, como símbolo iconográfico inspirado numa antiga
lenda, segundo a qual em seu nascimento uma estrela pousou em sua frente,
assim como a iconografia que traz o cachorro branco e preto, com a tocha de fogo
entre os dentes, ao lado de São Domingos, é um símbolo que aparece
regularmente na representação do santo.
315
Quanto ao significado das três lanças na mão de Cristo, referem-se às três
tragédias humanas: a peste, a fome e a guerra.
Esse trabalho adquire sentido porque ambos os fundadores são revestidos
de uma conotação Messiânica: Cristo detém o castigo ao mundo diante da
314
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints. Editions Jean -Paul Gisserot. Luçon: France. 2002
-[...] P. 180.
315
A mãe de São Domingos sonhou durante sua gravidez que levava em seu ventre um pequeno
cão portando nas mandíbulas uma tocha iluminada que clarearia todo o universo. Daí a imagem de
Domingos interpretada como o cão de guarda da Igreja contra a heresia [...]. IN: IDEM, IBIDEM. P.
49.
258
intercessão dos santos, numa espécie de nova Redenção, apoiada na obra de
franciscanos e dominicanos, ao mesmo tempo missionária e apostólica. Esta
característica se embrica diretamente com o [...] “providencialismo” de ambas
órdines [...]”.
316
De fato, com a aparição da Companhia de Jesus, franciscanos e
dominicanos se reconheceram entre si como irmãos, sendo que a importância de
uma iconografia conjunta se deve ao fato de que a Evangelização no Novo
Mundo, ao menos no começo, girava basicamente em torno de ambos santos.
A união dos dois santos colocava em relevo a fraternidade que existia entre
as duas Ordens, e chegava à devoção popular fundindo ambas em um mesmo
ideal que era A implantação do Reino de Deus, portanto essa disposição adquiriu
todo o sentido no Novo Mundo, onde grande parte da evangelização era feita
pelas duas Ordens.
Como Fontes literárias que narram este episódio podemos citar Frei Miguel
de La Purúissima, Vida Evangélica e Apostólica dos Frades Menores, parte,
tratado V, Cap I e Frei Gerardo de Frachet, Vitae Fratrum, Parte 1ª, Capítulo I – 3.
316
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile. Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 79.
259
260
FIGURA 70
A Dignidade do Sacerdócio
261
Nas paredes do arco do zimbório existem dois grandes quadros, com o
título respectivamente de A Visão de o Francisco sobre a Dignidade do
Sacerdócio e Os Estigmas.
FIGURA 70 Na Visão, o artista resolveu a composição, colocando em
primeiro plano o santo ajoelhado e segurando um crânio nas mãos, sendo que
sobre sua cabeça, pairam dois anjos que demonstram um recipiente de vidro que
parece conter água. O fundo do quadro foi preenchido com uma paisagem na
qual, se árvores, montes e nuvens. As cores empregadas tendem aos tons
terrosos com nuances de vermelho e azul.
Cores, estilo, composição denotam grande erudição e quanto à iconografia
nota-se também nessa obra, a caveira na mão do santo como referência à
penitência.
317
A respeito desta obra e sobre este tema, Ortman escreve as
seguintes considerações:
[...] chama atenção de um quadro congênere da autoria de José Ribeira,
existente no museu do Prado em Madri.[...] Dois anjos aparecem ao santo
Ribeira retrata apenas um anjo e, mostrando-lhe um copo de cristal,
contendo água puríssima, ensinam-lhe que a alma do sacerdote deve
assemelhar-se à pureza e limpidez da água.
318
Na igreja conventual de São Francisco observamos uma pintura contendo
atributos iconográficos semelhantes.
317
BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo Y Arte Barroco em Brasil. Santa Cruz de
Tenerife: 1996. P. 144.
318
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 95.
262
Figura 71
Os Estigmas ou Chagas
263
FIGURA 71 – O segundo quadro refere-se aos Estigmas ou Chagas e
apresenta São Francisco, ajoelhado diante da cruz de onde emanam
representações de raios na cor vermelha, que incidem sobre seus pés, mãos e
coração, lembrando ao observador o momento em que as chagas de Cristo foram
impressas. Esse episódio é importantíssimo para os franciscanos,
319
porque
apresenta seu fundador como o Alter-Christus, ou seja, um outro Cristo, e tem
como fonte literária a seguinte narrativa:
Legenda Menor de São Boaventura. Capítulo 6-Estigmas[...] 1. Francisco
era um fiel servidor de Cristo. Dois anos antes de sua morte, havendo
iniciado um retiro de Quaresma em honra de São Miguel num monte muito
alto chamado Alverne, sentiu com maior abundância do que nunca a
suavidade da contemplação celeste, o ardor dos desejos sobrenaturais e a
profusão das graças divinas. Transportado até Deus num fogo de amor ser
fico, e transformado pelos arroubos de uma profunda compaixão naquele
que, em seus extremos de amor, quis ser crucificado, orava certa manhã
numa das partes do monte. Aproximava-se a festa da Exaltação da Santa
Cruz, quando ele viu descer do alto do céu, dir-se-ia, um serafim de seis
asas flamejantes, o qual, num rápido vôo, chegou perto do lugar onde
estava o homem de Deus. O personagem apareceu-lhe não apenas
munido de asas, mas também crucificado, mãos e pés estendidos e. atado
a uma cruz. Duas asas elevavam-se por cima de sua cabeça, duas outras
estavam abertas para o vôo, e as duas últimas cobriam-lhe o corpo.
2. Tal aparição deixou Francisco mergulhado num profundo êxtase,
enquanto em sua alma se mesclavam a tristeza e a alegria: uma alegria
transbordante ao contemplar a Cristo que se lhe manifestava de uma
maneira tão milagrosa e familiar, mas ao mesmo tempo uma dor imensa,
pois a visão da cruz traspassava sua alma com uma espada de dor e de
compaixão . Aquele que assim externamente aparecia o iluminava também
internamente. Francisco compreendeu então que os sofrimentos da paixão
de modo algum podem atingir um serafim que é um espírito imortal. Mas
essa visão lhe fora concedida para lhe ensinar que não era o martírio do
corpo, mas o amor a incendiar sua alma que deveria transformá-lo,
tornando-o semelhante a Jesus crucificado. Após uma conversação
familiar, que nunca foi revelada aos outros, desapareceu aquela visão ,
deixando-lhe o coração inflamado de um ardor ser fico e imprimindo-lhe na
carne a semelhança externa com o Crucificado, como a marca de um
sinete deixado na cera que o calor do fogo fez derreter.
3. Logo começaram, com efeito, a aparecer em suas mãos e pés as
marcas dos cravos. Via-se a cabeça desses cravos na palma da mão e no
dorso dos pés; a ponta saía do outro lado. A cabeça era redonda e escura;
a ponta, bastante longa, achatada e recurva, surgia no meio de um
inchaço de carne por cima da pele. Por baixo dos pés, a ponta torcida dos
cravos era tão saliente que o impedia de apoiar a planta dos pés no chão e
facilmente se poderia fazer entrar um dedo da mão no arco de circulo que
ela formava ao se curvar. Fui informado disso por pessoas que viram os
319
O tema que se refere aos Estigmas ou Chagas de São Francisco está igualmente pintado no
coro da Igreja da Luz, embora resolvido com iconografia diferente.
264
estigmas com os próprios olhos. O lado direito estava marcado com uma
chaga vermelha, feita, dir-se-ia, por uma lança; da ferida corria abundante
sangue, freqüentemente, molhando as roupas internas e a túnica. Os
Irmãos encarregados de lavar suas roupas constataram com toda
segurança que o servo de Deus trazia, em seu lado, bem como nas mãos
e nos pés, a marca real de sua semelhança com o Crucificado. [...]
265
266
Figura 72
São Francisco recebendo os Estigmas
267
FIGURA 72 - exemplo de gravura
320
que contém elementos que coincidem
com a pintura dos terceiros, assim como com a pintura existente no coro do
mosteiro da Luz, na qual aparecem Cristo com as asas de um Serafim no Monte
Alverne, onde o santo havia se retirado para orar junto com seu companheiro frei
Leão. Das chagas de Cristo emanam raios que incidem sobre as mãos, pés e
peito do santo, da mesma forma que na pintura dos terceiros. Nessa cena a figura
de o Francisco é relacionada com Cristo e a de frei Leão com a dos apóstolos,
remetendo ao Monte das Oliveiras.
Trata-se de uma Água-forte e Buril, medindo 425x295 mm. e traz por título,
São Francisco recebendo os estigmas, de autoria de Phillipe Soye (1538-1572). A
data do trabalho está estabelecida entre 1555 e 1562 e embora tenha sido muito
utilizada neste século e nos precedentes essa iconografia remonta ao século XIII.
320
Soye f. Federicus Zuccarus de s. Ângelo inven.- Romae: ex Typis Ant. D. Salamanca. In:
CATÁLOGO. El Arte Del Grabado flamenco y holandês. Biblioteca Nacional. ELECTA. Madri: 2001.
P. 59.
268
Figura 73
Visita a Isabel
269
Na sacristia da Ordem Terceira, dois quadros estão posicionados nas
paredes, Visita a Isabel e Jesus entre os Doutores.
FIGURA 73 - Na composição, onde em primeiro plano estão representadas
bem detalhadas, duas figuras femininas muito próximas uma da outra, Maria e
Isabel que se acham ladeadas por dois homens, em segundo plano. Toda a cena
remete ao encontro de José e Maria com Isabel e seu marido.
A palheta de cores alegres, principalmente azuis e verdes, ressalta os
tecidos com seus panejamentos, que dão a sensação de movimento, como se
flutuassem.
270
Figura 74
Jesus entre os Doutores
271
FIGURA 74 - No centro desta tela Jesus entre os Doutores. o artista
representou Jesus Menino sentado num dos degraus que compõem uma
escadaria gesticulando com os braços abertos, a uma platéia de senhores que o
escutam com atenção.
O tom azul da túnica do menino é realçado em contraposição aos tons
terrosos que constituem a maior parte da palheta.
Esta produção, no entender de Ortman, pertence à mesma categoria de
Visita a Isabel, guardando os mesmos elementos quanto à composição, colorido e
técnica empregada.
Observamos que na capela dedicada a São Miguel, existem seis
pequenos quadros, cujo tema é a Paixão de Cristo.Frei Ortman, os registrou em
seu livro e deles fez os seguintes comentários:
[...] 6 painéis da Paixão (pendurados atualmente no braço oposto à capela
da Conceição) [...].
321
[...] Dez painéis existentes em 1756,6 da Paixão e 4 dos novíssimos,
dos quais atualmente existem ainda os 6 da Paixão.
322
[...].
[...] Não pode haver dúvida que os seis painéis da Paixão possuem valor
importante para os estudos iconográficos, da velha Paulicéia [...].
[...] possuem, em alto grau, o que chamamos valor documentário [...]
323
[...] Quadros singelos, de dimensões medianas: 0,85 x 0,60 m,despidos de
atavios aparelhados,escapam facilmente,por causa do seu tom escuro, à
atenção do observador. Nenhuma paisagem ou outro qualquer acessório,
que possa desviar a vista das figuras principais. O pintor não usa de paleta
opulenta, dispensa tudo que é supérfluo. Concentra tôda a técnica e todo o
seu gênio inspirador em duas, três pessoas, cheias de vida e
movimentação, ou reproduzindo fisionomias que fazem transparecer os
sentimentos interiores, e pelo escuro-claro consegue uma plasticidade
realista e vigorosa.[...]
324
O livro de Frei Ortman é de 1951. No entanto, pudemos encontrar estes
painéis no mesmo lugar descrito por ele, na capela de São Miguel, que
antigamente dava acesso para a igreja da ordem primeira e que está em frente à
capela da Conceição. Para o nosso trabalho fotografamos as seis obras e
optamos por utilizar as descrições e comentários de Frei Adalberto Ortman em seu
321
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 93.
322
. IDEM, IBIDEM. P. 92.
323
IDEM. P. 105.
324
IDEM. P. 103.
272
livro sobre a capela da Ordem Terceira por sua propriedade e por revelarem um
pouco da visão e das devoções de um franciscano.
273
274
Figura 75
Jesus no Horto das Oliveiras
275
FIGURA 75 A respeito de Jesus no Horto das Oliveiras, Frei Ortman
comentou:
[...] Duas figuras, Jesus e o anjo. Jesus de perfil, ajoelhado, o rosto
espiritualizado e emagrecido, ergue a vista para um anjo em miniatura,
descendo das nuvens e segurando na mão direita um cálice. No fundo
aparecem ramos de Oliveiras. Todo o quadro é muito escuro, donde sai
Jesus, vestido de túnica vermelha e manto verde, os braços, as mãos e
dedos, muito finos e delicados, estendidos para o anjo.[...]
325
325
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951.P 103.
276
Figura 76
Prisão de Jesus
277
FIGURA 76 - A Prisão de Jesus, de acordo com a descrição de Ortman:
[...] Três figuras. Jesus vestido de túnica ou saial de cor vermelha, que
cobre todo o corpo, desde o pescoço até o chão. Do pescoço lhe cai, pela
frente, uma corrente de ferro, pesada e grossa. Dois soldados, de lado a
lado, com elmos de ferro, vestidos de couraça de couro um, de ferro o
outro, agarram a Jesus, arrastando-o a passos ligeiros. O soldado do lado
esquerdo o contempla maravilhado, e o outro segue, de olhos baixos, os
passos arrastados dele. [...]
326
326
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16, 1951. P. 104.
278
Figura 77
A Flagelação
279
FIGURA 77 - A Flagelação, na versão de Frei Adalberto Ortman.
[...] Duas figuras. O corpo nu de Jesus, apenas vestidos pelos rins, é de
boa anatomia. Encostado e amarrado a uma coluna baixa, volta a cabeça
para o lado oposto ao verdugo. A expressão fisionômica do seu rosto é
mais de indiferença do que de resignação.O carrasco, ao contrário é todo
movimento: levanta as pernas escachadas, os pés nas pontas dos dedos;
a mão direita, a segurar um galho de espinhos, levantada, pronta para a
chicoteada;com o outro braço acompanha o movimento de avanço em
direção contrária. Tôda a figura do carrasco é muito expressiva, a
arremessar-se com fúria sobre a vítima. O fundo do quadro, como todos os
demais é escuro. [...]
327
327
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 104.
280
Figura 78
A Coroação de Espinhos
281
FIGURA 78 - A representação de A Coroação de Espinhos, assim foi
comentada pelo frei franciscano:
[...] Quatro figuras. Cristo, de corpo agachado e baixo, sentado num banco
de pedras, as mãos amarradas, o manto de púrpura por sobre os joelhos. Ao
seu lado direito está sentado um verdugo, tipo africano ou mourisco, quase
nu, o rosto emoldurado de barba branca, olhando para Jesus e, com um
braço estendido atrás das costas de Jesus, oferece-lhe com o outro uma
cana verde. Os outros dois carrascos, atrás de Jesus, de pé, aplicam,
atarefados, tôda a sua atenção a imprimir, com suas quatro varas, a coroa
de espinhos na cabeça dele. O do lado esquerdo, em farda de soldado,
vestido de gibão de couro e boina vermelha é um tipo oriental, o do lado
direito, de raça nórdica, cabelos louros, vestuário verde. [...]
328
328
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 104.
282
Figura 79
Ecce Homo
283
FIGURA 79 - Ecce Homo, na visão de Frei Ortman:
[...] Duas figuras. Pintura interessante e expressiva. Cristo, no primeiro
plano, á esquerda; Pilatos, um pouco mais no fundo, à direita, atrás de
uma balaustrada, estende a mão direita, levantando o manto de púrpura,
que cobre o corpo nu de Jesus, apenas coberto, pelos rins, de um pano
branco. Jesus te as munhecas amarradas e com a mão direita segura a
cana verde. Sua fisionomia é inexpressiva. Pilatos, ao contrário, mostra
emoções de tristeza e compaixão.
É representado com barrete vermelho, guarnecido de um feixe enrolado de
fazenda branca, O manto de cor verde-azul, na mão esquerda a vara,
atributo da judicatura [...]
329
.
329
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16, 1951. P. 104,105.
284
Figura 80
Via Crucis
285
FIGURA 80 - A Via Crucis, foi comentada e descrita por Ortman:
[...] Duas figuras. Jesus, de meia volta, caído de frente nos joelhos diante
de uma rocha, na qual se apóia, como que descansando, ambas as mãos,
ocupa quase todo o quadro. O rosto voltado para o espectador, com
expressão comovente, pede compaixão, ou, melhor, parece dizer: eis o
que sofro por ti!Simão Cireneu, de fisionomia nobre e respeitosa, as
pálpebras caídas, atrás de Jesus,estende as duas mão, agarrando a cruz,
que pesa sobre o ombro traseiro dele, e cuja trave dianteira está enterrada
no chão. O vestuário das duas figuras é de cor cinzento vermelho. [...].
330
O fato de, nessas pinturas, ter sido adotado o tema da Paixão vem
confirmar mais uma vez, como o emprego de imagens da vida de Cristo, foi um
esquema sempre muito utilizado pelos religiosos franciscanos, como exemplo
edificante para ser copiado pelos fiéis em suas meditações.
A respeito de datação e autoria, Frei Ortman pouco esclarece em sua
abordagem do assunto, pela grande quantidade de anotações dúbias encontradas
por ele nos livros da ordem e que não elucidam a quais painéis se referem. Parece
que existiam, antes de 1756 (ano do inventário das alfaias), conforme citação
abaixo, porem são mencionados de novo em 1771:
[...] De um termo de 1736 sabemos, que a Mesa administrava caixa
reservada e dinheiro exclusivamente destinado para a obra dos painéis
[...].[...] Desta época datam, não duvidamos, os seis painéis da Paixão,
ainda hoje existentes na igreja da mesma Ordem.[...].
331
1771 - Livro Inventário 17 v. “10 painéis - 6 da Paixão no Cap.º
(Capítulo?) e 4 na sacristia,da Morte,Juízo,Inferno e Paraíso.
332
Ortman vale-se ainda do fato destes painéis serem de pequena dimensão,
como indício de sua antiguidade, achando razoável que os irmãos em seus
primeiros tempos não fizessem grandes encomendas.
330
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 105.
331
IDEM, IBIDEM. . P. 85.
332
IDEM, IBIDEM. P. 86.
286
Na verdade, esse autor levanta a questão de que não garantias de que
os seis painéis da Paixão, citados nos documentos de 1756, sejam os mesmos
que ele examinou em 1951, o que vale ainda hoje em dia em qualquer análise que
se faça desse patrimônio, sendo que é imprescindível que, em qualquer tempo,
reserve-se para essas obras um lugar de destaque:
[...] Mas cremos, que um estudo de rigorosa análise dêstes seis quadros
há de constatar, que merecem da parte de iconófilos paulistas a sua
devida apreciação, não apenas por sua antiguidade, mas ainda por seus
valores artísticos, que lhes segurarão um lugar de destaque entre todas as
pinturas hoje existentes na igreja da Ordem Terceira da Penitência de São
Paulo. [...].
333
333
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 109.
287
288
Figura 81
São Francisco Entrega as Regras aos Irmãos Lúcio e Bona.
289
FIGURA 81 - O Medalhão Central da Nave é um pequeno medalhão
representando o tema São Francisco entrega as Regras aos Irmãos Lucio e Bona,
e mostra São Francisco entregando o livro da Regra aos dois irmãos terceiros
Lúcio e Bona, que estão representados de joelhos.
De acordo com a tradição franciscana, Lucio e Bona teriam sido amigos de
infância do santo, e mais tarde casados, foram convertidos por São Francisco,
sendo que, a partir desse fato, passaram a liderar os irmãos terceiros da cidade.
O medalhão é bastante pequeno em proporção ao tamanho da nave, porém
é possível, para quem se encontra nos bancos da igreja, ler a palavra Regra
escrita no pergaminho que São Francisco tem nas mãos.
As roupas e as expressões são rígidas e montanhas áridas ao fundo
como paisagem, porém trata-se de uma pintura delicada, circundada por uma
moldura no formato oval, que remete a um detalhe arquitetônico e que idéia de
ser um fino pergaminho se desenrolando. Como na maioria das pinturas do
período, nenhuma expressão caracteriza a individualidade dos retratados.
Quanto à autoria e datação, o trabalho é atribuído por alguns autores, a
José Patrício da Silva Manso, entre os anos de 1790-1793.
334
334
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência de
São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 93; ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros.
O mestre-pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura Paulistana do Setecentos. ECA/ USP.
Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 122.
290
Figura 82
A Capela da
Conceição
FIGURA 82 - A Capela da Conceição é ornada com um retábulo de
madeira, com trabalho de douração, tendo no altar a imagem de Nossa Senhora
da Conceição.
As seguintes palavras de Frei Ortman esclarecem o pouco que se sabe
sobre essa capela:
[...] Poucas notícias temos do segundo altar lateral, de Nª da
Conceição. É provável que uma imagem desta invocação tenha tido o seu
lugar na capela de longa data, e talvez seria a mesma da procissão de
Cinzas, de que fala uma relação de 1711.Mas o altar supomos foi
colocado somente na segunda década do século XVIII,época aliás em que
escasseiam as informações. Melhor nos informa sobre isso o inventário de
1756, pois sabemos, por aí, que a imagem ostentava então riqueza
excepcional, prova de ter sido sempre objeto de preferência e de especial
carinho da parte da fraternidade.[...]
291
[...] Aliás, todo o ouro, que a Ordem possuía em alfaias, era de da
Conceição.[...].
335
Esse local nos interessa diretamente porque em suas paredes estão quatro
quadros que expressam passagens da vida de Jesus, e porque a Imaculada
Conceição é uma das devoções mais caras ao Franciscanismo.
Os quatro painéis da capela da Conceição têm como tema passagens da
vida de Jesus, representando a Anunciação, o Nascimento, a Apresentação ao
Templo e a Adoração dos Reis Magos.
Ortman refere-se a suas medidas: [...] Todos nas mesmas dimensões: 1,58
x 1,28 m [...], e afirma que esses quadros contêm elementos em comum com
obras do pintor Jorge José Pinto Vedras, criador da Primeira Escola de Pintura
paulistana, entre elas, as cinco pinturas que se encontram no Mosteiro da Luz.
336
[...] O processo pictórico dos quadros da Igreja da Luz, que tínhamos
ocasião de conhecer de perto, e da capela da Conceição da nossa igreja,
é, em todos eles de pronunciada paridade. [...]. [...] revelam indiscutível
afinidade com as obras da primeira Escola Paulista de Pintura [...].
Discordamos dessa afirmação, pois o grupo de pinturas da Ordem Terceira
tem muito mais pronunciada relação pelos tons castanhos e avermelhados
decorrentes de possível influência da Escola de Utrecht, século XVII, herdeira de
Rembrandt, enquanto que a pintura de Vedras apresenta uma veladura de tons
acinzentados como característica.
335
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 70.
336
IDEM, IBIDEM. P. 98.
292
Figura 83
Anunciação
293
FIGURA 83 - O quadro A Anunciação a Maria tem uma composição
triangular tendo de um lado a Virgem Maria, representada vestindo um manto azul
sobre túnica branca, ajoelhada levando uma das os ao peito enquanto a outra
mão descansa sobre um livro aberto.
Do outro lado, pairando sobre uma nuvem branca, um anjo, vestido com
túnica vermelha e ostentando grandes asas azuis, representa o Anjo Gabriel que
anuncia a vinda do Messias, mantendo uma das mãos levantada, e segurando
com a outra o símbolo da pureza, representado por dois lírios.
No alto, pintado em amarelo ouro cercado de raios, paira o Espírito Santo,
representado por uma pomba de asas abertas.
O tema refere-se à Anunciação da vinda do Cristo e se baseia no relato de
Lucas
337
, que traz nessa narrativa a figura do Arcanjo Gabriel, anunciando a Maria
que ela será a mãe do Filho de Deus.
338
337
EVANGELHO SEGUNDO LUCAS, Capítulo I, versos 26 a 38.
338
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints. Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France.
2002. P.18
294
Figura 84
Nascimento de Jesus
295
FIGURA 84 - Neste trabalho, o Nascimento de Jesus, a cena do presépio
está presente numa composição que apresenta as três figuras, Jesus Menino,
José e Maria em primeiro plano. Em segundo plano três personagens observam o
Menino deitado sobre palha em uma manjedoura, na frente da qual foi pintado um
cabritinho de cor branca.
No alto do quadro, um querubim estende com as duas mãos uma faixa
(símbolo parlante) onde se acha uma inscrição que não nos foi possível conhecer,
uma vez que o quadro está posicionado no alto da parede.
Existe muita luz em torno da cabeça do bebê, assim como nas figuras
masculinas, em especial na de São José na qual foi enfatizada a força pelo
volume da musculatura de braços e pernas.
A palheta traz predominância de tons vermelhos e terrosos bastante
escuros, remetendo a uma atmosfera noturna.
296
Figura 85
Apresentação ao Templo
297
FIGURA 85 - Como nas anteriores, A Apresentação de Jesus ao Templo,
tem composição triangular e possui como centro, a figura iluminada do sacerdote,
que mantém a face voltada para o alto, enquanto ergue as mãos sustentando a
criança que acabou de receber de Maria, que por sua vez se encontra ajoelhada.
Ao lado, um pouco para segundo plano, José segura uma vela acesa,
mantendo a cabeça baixa, ladeado por dois personagens que observam à cena
com curiosidade.
É uma pintura de fundo escuro, onde foi usada uma palheta de cores fortes
e vibrantes, principalmente nos panejamentos dos mantos que envolvem os
corpos dos circunstantes.
298
Figura 86
Adoração dos Magos
299
FIGURA 86 - Neste quadro, Adoração dos Magos.
339
Maria em primeiro
plano segura em seu colo o Menino Jesus, tendo à sua volta os três Reis
ajoelhados em atitude de espanto e adoração. A seus pés estão depositados os
presentes ofertados por eles a Jesus, enquanto José conserva-se atrás da
Virgem, observando a cena.
Sobre o episódio registrado na pintura, conta-se que os Reis Magos foram
advertidos por uma estrela do nascimento de um Rei, na Judéia e ao chegarem
em Belém, guiados por esta estrela encontraram o Menino Jesus num estábulo.
Em número de três, eles representam iconograficamente as três idades da
vida ou as três partes do mundo conhecidas na Idade Média: a Ásia, a África e a
Europa.
A composição obedece às mesmas regras das pinturas anteriores e a
paisagem do fundo remete à Antiguidade clássica com colunas e montanhas. O
colorido todo obedece a uma palheta de tons terrosos, com exceção do corpo do
Menino e do manto verde de Nossa Senhora.
Fazem parte do acervo pictórico dos terceiros, os quatro painéis em baixo
do coro que correspondem aos seis Santos-Retratos, citados por Ortman,
340
dos
quais conseguimos ver e fotografar os quatro quadros que estão na igreja,
debaixo do coro; o autor se refere a mais dois quadros que representam Santo
Elzeário e Santa Delfina e São Lúcio e Santa Bona, que segundo ele se
encontravam em uma das salas do andar superior da igreja, porém quando lá
estivemos para fotografar essas pinturas não pudemos conferir se ainda
continuam no mesmo local, pois a passagem para esse recinto estava interditada
em virtude do mau estado de conservação das escadas.
339
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 98.
340
IDEM, IBIDEM. P. 99.
300
É interessante registrar que o tema referente aos Santos Terceiros constitui
uma iconografia sempre muito difundida nas igrejas da Ordem Terceira de São
Francisco.
No concernente à autoria, estas obras foram atribuídas a José Patrício da
Silva Manso, por peritagem e análise documental feitas por Dom Clemente da
Silva Nigra. A datação foi fixada entre 1790 e 1793.
341
[...] Sugere um erudito e profundo conhecedor da iconografia paulista,
atribuir a José Patrício os seis santos-retratos, que então teriam sido
pintados para o corpo da igreja por 77$240rs, em 1791/92 [...].
No entanto, Frei Ortman apresenta em seu livro uma hipótese controversa
sobre a autoria:
[...] Os seis painéis retratos” hoje ainda existentes (quatro debaixo do
côro e dois numa sala do andar superior), que não correspondem ao estilo
e à técnica de José Patrício, poderiam, portanto ser anteriores à atual
igreja reedificada e nela colocados até o ano de 1828, quando deram lugar
aos atuais altares laterais: hipótese facilmente sustentada tanto pelas
dimensões dos quadros, 2,27 x 1,68 m, como pelo seu estilo colonial.[...].
342
341
ARAUJO, Maria Lucilia Viveiros. O Mestre Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos, página 115.
342
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 102.
301
302
FIGURA 87
Registro de Pagamento ao Pintor Quadros
303
FIGURA 87 - Embora a atribuição da autoria desses quadros esteja um pouco
confusa no livro de Frei Ortman, encontramos registros de pagamento ao pintor
Quadros, neste documento de 1843, que se encontra no Arquivo da Ordem
Terceira e que fotografamos, que podem estar se referindo aos santos retratos:
“[...] P. Pintar os 4 Paineis debaixo do coro,e doirar parte delles e os dois painéis
da capela-mor e várias miudezas ao Pintor Quadros 86$400”.
343
No entanto, segundo Ortman, a definição das obras às quais o registro do
arquivo refere-se é a seguinte: “[...] seis painéis feitos em 1843 pelo pintor
Quadros, quatro em baixo do côro e dois na capela-mor; seriam os quatro retratos
e os dois da Renúncia e da Morte de São Francisco”.
Essas dúvidas nos levam a refletir que será necessário um exame mais
acurado para tentar chegar a um esclarecimento da questão.
343
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA. Livro de Receita e Despesa 1782 / 83. Datado de
06/10/1843.
304
Figura 88
São Gualter:
305
FIGURA 88 - No quadro que mede 1,70 x 2,40, está retratado São Gualter
com seus atributos de bispo onde notamos uma preocupação do artista na
riqueza de detalhes das roupas, no tecido bordado,nas rendas e nos dourados e
pedrarias.
O tema refere-se a um dos dois primeiros franciscanos que chegaram a
Portugal em 1217, Fr. Zacarias e Fr. Gualter, sendo que este último ainda hoje
nome às festas da cidade de Guimarães.
O personagem retratado está posicionado no centro do suporte à frente de
uma paisagem formada por montanhas e vegetação encimadas por algumas
nuvens e na base estão pintados os seguintes dizeres: S. Gualter Bispo de
Teveres.
344
O colorido remete a tons terrosos que podem não corresponder à palheta
original, pois se percebe a necessidade de uma limpeza e restauração na obra.
344
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O Mestre – Pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 118.
306
FIGURA 89
São Roque
307
FIGURA 89 - Nesta obra, São Roque é representado com os atributos dos
peregrinos,
345
o bastão e a concha,
346
por ter passado a maior parte de sua vida
nas rotas de peregrinos. Conta a tradição que Roque adquiriu a peste em uma de
suas viagens, por isso em sua iconografia aparece mostrando uma úlcera sobre a
coxa.
347
Outro detalhe identificador da história do santo é o cão, com o pão entre
os dentes.
348
Na composição dos terceiros, o retratado está vestido com o hábito dos
franciscanos atado com a corda de três nós, encontra-se na posição central e ao
fundo do lado esquerdo do observador, existe uma construção que lembra um
mosteiro.
Na questão das cores, constatamos a predominância dos tons de terra, e
como em todos os outros, a urgência de um tratamento de restauro.
345
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002.
P. 48
346
A concha marinha e as ostras expressam a ressurreição, no simbolismo da arte cristã. ELIADE,
Mircea. Imagens e símbolos. Martins Fontes São Paulo: 2002. P. 130.
347
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O mestre-pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA/ USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P. 115.
348
RENAULT, christophe. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002.
P. 48. [...] São Roque 1350-1380. .Ele foi nutrido por um cão, que roubava a cada dia, um pão de
seu senhor, [...].
308
Figura 90
Santa Isabel da Hungria
309
F OTO 90 - Nesta representação de Santa Isabel da Hungria,
349
a santa
está retratada conforme descrição abaixo:
[...] Santa Isabel de Hungria é representada com túnica escura amarrada
com cordão franciscano de três nós; tecido branco envolvendo os cabelos
e véu negro descendo da cabeça ao chão.[...] Conta-se que era filha de
André II, rei da Hungria, nasceu em Presburgo.[...] Entrou na ordem de
São Francisco em 1228. É freqüentemente representada com avental
cheio de rosas, às vezes com três coroas indicando: origem principesca,
casamento e glorificação. As rosas originam-se da lenda de que distribuía
pão para os pobres e que repreendida pelo marido os pães se
transformaram em rosas. [...]
350
Com efeito, na iconografia as rosas podem aparecer simbolizando a
caridade, virtude que é exercida pelos terceiros, o que justifica apresentarem
santos que deram exemplos de caridade cristã.
No entanto, como o quadro está posicionado sobre o local onde as velas
são acesas pelos fiéis que visitam a igreja, fica difícil distinguir estes detalhes;
apenas é possível apontar que a figura segura nas mãos o que parece um
pequeno livro, e que do seu lado direito, apoiada no chão, existe uma forma que
remete a uma coroa real.
349
Casou-se com o margrave, Herman de Thuringe em 1221. Ficou viúva em 1227. Tem sido
representada pelos artistas tanto como princesa como terceira franciscana. In: RENAULT,
Christophe. Reconaitre les Saints. Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002. P. 65.
350
ARAUJO, Maria Lucília Viveiros. O mestre-pintor José Patrício da Silva Manso e a Pintura
Paulistana do Setecentos. ECA /USP. Dissertação de Mestrado São Paulo: 1997. P.121.
310
Figura 91
B.Humiliana Viúva
311
FIGURA 91 - Aqui aparece como tema a Beata Humiliana Viúva,
representada abraçada à cruz e trajada com o hábito franciscano, levando
amarrada na cintura a corda de três nós, como símbolo da ordem.
Esta peça artística tem, assim como as demais, suas formas e colorido
muito desgastado pela poluição e pelo tempo. Possui a mesma composição
apresentada, ou seja, a personagem na parte central do quadro emoldurada por
uma paisagem com poucos recursos, formada por pequenas elevações e plantas.
Na base ostenta uma inscrição que diz: B.Humiliana Viúva
312
Figura 92
A Cúpula do Zimbório
313
A igreja da Venerável Ordem terceira possui transcepto com grande cúpula
octogonal e seu zimbório.
Todo esse conjunto é ornado, hoje em dia, com sete painéis pintados, fruto
de uma reforma realizada anteriormente, da qual tivemos notícia por referencias
contidas no Capítulo VIII do Livro de Despesas e Receitas, do arquivo da Ordem
Terceira:
[...] 4º Livro de Termos.
[...] fª 26 r 19 /4/ 1799 Têrmo de Mesa para reforma da obra do zimbório
que se achava demolido e podre.
[...] Irmão ministro, o tenente – coronel José Mendes Costa, por este
proposto, que sendo obrigado a mandar trabalhar no zimbório da capela
desta Ordem, pelo dano que nele se observa, foi ele achado inteiramente
podre e danificado, ameaçando total ruína pela observação que nele
fizeram vários mestres carpinteiros e ultimamente o sargento-mor João da
Costa, engenheiro de sua majestade, [...] e assentaram que se fechasse o
telhado na forma do corpo da igreja, e que se abririam duas janelas em
correspondência aos dois painéis, que ficam na frente do arco do altar da
Conceição e do arco que passa para a igreja dos Rdos. Religiosos, nos
quais se poriam vidraças no lugar dos mesmos painéis para dar claridade
em compensação da que de faltar pela que entrava pela cabeça do
zimbório, [...].
351
De acordo com o relatado nesse texto, anteriormente nesse local teria
havido painéis de madeira (uma vez que estavam apodrecendo) que poderiam
ter essa forma octogonal. Posteriormente, em 1799, dois painéis foram retirados e
substituídos por vidraças.
FIGURA 92 - Seis painéis em forma de trapézio, com pinturas que
simbolizam
os Estigmas, as Virtudes Teológicas, o Hábito, as Regras, a
Santíssima Trindade e os Votos rodeando um painel circular central com o
símbolo franciscano, dois braços cruzados sobre uma cruz
352
, circundado por
anjos. Todas as pinturas têm igualmente fundo azul com estrelas na cor amarela.
351
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 334, 335.
352
Remonta ao século XV e representa os braços cruzados de Cristo e de Francisco; o de Cristo a
esquerda de quem olha, nu ou com manga mostra a chaga e o de S. Francisco sustem a cruz,
aparece sempre com o hábito e é o da direita de quem olha.
314
Quanto à arquitetura, deve-se essa cúpula octogonal a Frei Antonio de
Sant’Anna Galvão.
353
É interessante notar que a forma octogonal simboliza a ressurreição e
evoca a vida,
354
tanto que nas igrejas católicas também as pias batismais têm
freqüentemente uma base de forma octogonal, ou são erigidas sobre uma rotunda
de oito pilares.
353
FIORAVANTI Maria Lucia Bighetti. Artistas das Igrejas Franciscanas de São Paulo: As Cúpulas
Octogonais e Frei Galvão. In AJZEMBERG, Elza org. Estética USP 70 anos. Interunidades de Pós-
Graduação em Estética e História da Arte. São Paulo: 2004. P. 128.
354
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro. José
Olympio. 2005. P. 651.
315
316
Figura 93
Os Estigmas
As Virtudes Teológicas
O Hábito.
317
FIGURA 93 Registramos nesta fotografia três pinturas que compõem a
cúpula, observando que apresentam “cintas parlantes”, com as palavras: Os
Estigmas, As Virtudes Teológicas e O Hábito, ou seja, realçando
símbolos
franciscanos.
É interessante notar que no painel correspondente ao episódio em que
Cristo imprime em São Francisco as chagas existem dois anjos, um de pele
branca e outro de pele negra, ambos ladeados por dois querubins
355
, apontando
para um círculo rodeado de raios na cor amarela, onde se vê cinco chagas
pintadas na cor vermelha.
Ao lado, representando as virtudes da fé, esperança e caridade, vemos,
dentro do rculo rodeado de raios e estrelas, um coração, uma cruz e uma
âncora. Nesta pintura, um dos pequenos anjos tem a pele branca e o outro é
mulato.
Em seguida vemos, como nas outras duas pinturas, o círculo de luz
contendo a corda com nós, que faz parte do hábito franciscano, sendo que os
anjos são ambos de pele branca.
Representar anjos negros e mulatos faz parte da iconografia do final do
século XVIII e início do século XIX, observável em pinturas de mineiros como José
da Costa Ataíde e José Patrício da Costa Manso, como também na área de São
Paulo, Jesuíno de Monte Carmelo.
Manoel da Costa Vale encontra-se incluído nesse tipo de manifestação que
evidencia a inegável presença africana na cultura e na sociedade da época.
355
[...] as representações angélicas reduzidas à figuração de cabecinhas com asas, popularmente
chamadas de querubins pelo mundo luso-brasileiro [...].IN: OLIVEIRA, Miriam Andrade Ribeiro de.
O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes Europeus São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
318
Figura 94
Os Votos
A Ssª Trindade
As Regras
319
FIGURA 94 Este conjunto de pinturas, que juntamente com as anteriores
compõem a cúpula do Zimbório, teve sua composição resolvida da mesma forma
e seus temas são Os Votos, A Ssª Trindade e as Regras, que aludem às
devoções e tradições franciscanas.
Na primeira representação, no interior do círculo luminoso, está pintado um
ramo de lírios, para o qual apontam dois anjos, um de pele branca e um mulato,
tendo ao seu lado dois querubins.
Para a Ssma. Trindade, um triângulo foi pintado dentro do círculo, com os
símbolos do Pai do Filho e do Espírito Santo, rodeado, aliás, como em todos os
outros, por anjos.
E, finalmente, no último, um livro aberto sobre uma cruz e todo circundado
de estrelas, que espelha as leis que regem a Ordem.
320
Figura 95
Registro do Pagamento ao Pintor Manoel da Costa
321
FIGURA 95
A autoria dessas pinturas é atribuída a Manoel da Costa Vale ou Manoel da
Costa, cujo pagamento figura no arquivo da Ordem Terceira, no Livro das
Recepções e Despesas, fª. 62 v, ano 1798 /99, o qual fotografamos ao examinar
os arquivos da Ordem Terceira. No registro está escrito
:”
[...] O que se pagou ao
Pintor Manoel da Costa de pintar o Zimbório [...]”.
356
356
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA Livro de Receita e Despesas. Início em 1782/83. P. 62
322
Figura 96
Registro de Pagamento ao pintor Boaventura.
323
FIGURA 96 – Fotografamos este documento do arquivo da Ordem Terceira,
onde encontramos o registro do Livro 10, de Formação de Patrimônio, datado
de 06/11/1758 a outubro de 1801, Livro do Syndico à página 90, que atesta a
despesa feita para com o pintor Boaventura, por betumar o Zimbório: “[...] Syndico
Cap.m José Correa de Moraes, principio -23 de Janrº de 1789 página 89/90.
Despesa feita plo Syndico o [...]. [...] Ao pintor Boaventura de ir batumar o
Zimbório $ 640 [...]”.
357
Como sabemos que a reforma para abrir duas janelas foi feita em 1799, fica
claro que a despesa feita para betumar registrada pelo sindico aconteceu dez
anos antes; diante desse fato nos questionamos se teria existido alguma pintura
anterior à reforma de 1799, ou se o pintor Boaventura teria feito uma espécie
de conservação das partes de madeira.
357
ARQUIVO DA ORDEM TERCEIRA. Livro do Syndico. Página 89, 90.
324
3.3. Igreja e Coro do Mosteiro da Luz
Figura 97
Mosteiro e Igreja da Luz
325
FIGURA 97 - A Igreja do Mosteiro da Luz em São Paulo e seu respectivo
coro foram construídos por Frei Antônio de Sant'Anna Galvão, e a inauguração
ocorreu em 15/08/1802.
De acordo com a história, entre suas múltiplas atribuições de frade
franciscano, Frei Galvão desempenhava o cargo de confessor do Recolhimento
Carmelita de Santa Teresa, em 1769 e 1770, que era a primeira casa religiosa de
São Paulo, para senhoras piedosas, fundada em 1685.
Uma das recolhidas do Recolhimento de Santa Tereza, irmã Elena Maria do
Espírito Santo, revelou ao Frei ter recebido uma mensagem de Jesus Cristo para
que ela fundasse um novo recolhimento; diante de seus insistentes pedidos de
ajuda, Frei Galvão submeteu o caso a vários sacerdotes e teólogos competentes,
de quem obteve avaliação favorável ao projeto.
358
Ao ser informado desse fato o Governador da Capitania, Dom Luiz Antônio
de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Mateus mostrou-se partidário à
realização da obra, dando autorização numa carta oficial em 1773.
Dom Luis doou terras de sua propriedade e a fundação deu-se em ato
público a 02/02/1774, com uma comitiva de pessoas ilustres, autoridades civis e
religiosas da cidade de São Paulo, que fizeram a o percurso que ia do
Recolhimento de Santa Teresa ao Campo da Luz. Contando com essa proteção
do governador, foi possível inaugurar uma pequena casa, ao lado da Capela de
Nossa Senhora da Luz, datada de 1603, que se achava no local onde hoje é o
bairro da Luz, então denominado Campo do Guaré, por causa do riozinho
Guarepe.
De fato, essa capela havia sido restaurada em 1765, pelo Morgado de
Mateus, quando de sua chegada a São Paulo, e usada por ele para celebrar sua
padroeira, Nossa Senhora dos Prazeres.
358
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol.II, 5. São Paulo: Ed. Roma 1993. P.107.
326
Como atesta a Carta de Sesmaria de 1775, o Morgado doou o terreno para
o Recolhimento:
[...] Em 7 de Maio de 1775 o mesmo Capitão General D. Luiz Antonio de
Souza doou a terra para a construção do Recolhimento do Campo da Luz
através de Carta de Sesmaria ou de doação de terra.
359
Carta de Sesmaria ao Recolhimento do Campo da Luz.
D. Luis Antonio de Souza etc. Faço saber aos que minha carta de
Sesmaria virem que atendendo a me representar para sua petição O
Capitão José Gonçalves Coelho como procurador de todas as utilidades do
novo Recolhimento de N. Sra. Dos Prazeres do Campo da Luz[ ...]
Por conseguinte, foi nesse sítio que se instalou a nova comunidade formada
por irmã Elena e mais oito companheiras, que passou a seguir a Ordem das
Concepcionistas
360
, tomando o nome de Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição da Divina Providência.
Ao examinar os documentos do arquivo notamos referências que
demonstram como o Morgado de Mateus era favorável à construção do
Recolhimento da Luz, a exemplo dos registros envolvendo as negociações,
referentes à aquisição de um órgão, que havia pertencido aos jesuítas, para que
fosse instalado no Recolhimento.
No primeiro deles ficamos sabendo que um certo Capitão Francisco Xavier
da Costa Valle arrematou, em praça pública, um órgão que pertencera aos
jesuítas da igreja da Aldeia da Serra, conforme explica o requerimento que
transcrevemos abaixo:
São Paulo, 28 de Fevereiro de 1774.
Entregue -se ao Supº o Órgão de que faz menção este requerimento.
359
BOVE. Pde. Cristóphoro. O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio
Galvão de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol.II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993 P.133 –
(Íntegra da Carta Tirada do Arquivo do Estado de São Paulo-Sesmarias Patentes e Provisões T. 9.
P. 188 v. e 189).
360
Ordem fundada, em 1484 por Beatriz Menezes da Silva (Ceuta 1424-Toledo 1490), em Toledo
na Espanha. No Brasil, a ordem chegou em 1678 no Rio de Janeiro e por volta de 1733 foi
construído o mosteiro da Lapa em Salvador na Bahia, onde por ocasião da invasão das tropas do
General Madeira, em 1822, a abadessa Madre Joana Angélica de Jesus deu a vida em defesa das
Irmãs.
327
[...] pertencentes à igreja da Aldeia de Itapecerica, administrada
antigamente pelos denominados jesuítas extintos, se acha incluído um
órgão [...] [...] o qual parece ser o mesmo que no dia 21 de Abril de 1764
arrematou em praça blica o Capªº Francisco Xavier da Costa Valle pelo
preço de 55$000 em que foi avaliado. [...].
E.R.M.
361
361
No Arquivo do Mosteiro da Luz, pudemos constatar esse episódio registrado, tanto no Livro de
Crônicas, Iº Tomo, de 1774 a 27 de Agosto de 1941 à página 29.
328
FIGURA 98
Compra do órgão
329
FIGURA 98 Foi possível fotografar, nos Cadernos Manuscritos, o
documento que menciona a compra do órgão, efetuada pelo Capitão-General,
com o intuito de aparelhar a comunidade para melhor louvar o Santíssimo
Sacramento, do qual transcrevemos algumas frases:
[...] Informe a Contadoria Geral. S. Paulo 7 de fevereiro de 1776
Diz D. Luiz Antonio de Souza Que sendo General desta Capitania fundou
o Recolhimento de N. S. da Luz, e para melhor louvarem ao Ssmo
Sacramento, comprou ao Capªº Joaquim Xer da Costa Vale um Órgão
que este rematou na praça que se fazia dos bens dos Denominados JES.
Uitas desta cidade que foi [...] na Aldeia de Itapecerica [...] para a seu
tempo entregar no mesmo Recolhimento[...]
E.R.M.
362
Fica claro o empenho do governador para com essa instituição, o que de
certa forma possibilitou o florescimento da arte franciscana, pois são anotações
que revelam seu interesse em auxiliar na montagem da igreja, em tornar tudo de
acordo e completo, para que se pudesse desempenhar melhor as orações e os
louvores às devoções da Ordem.
Quanto ao trabalho artístico de Frei Antônio de Sant'Anna Galvão, é
inegável que se revelou um bom arquiteto no projeto do Mosteiro da Luz, da Igreja
e do Coro, um conjunto de edificações arejadas, constituído de largos corredores,
com abertura para pátios com jardim. Mostrou também possuir uma percepção do
espaço urbano, alterando a disposição original da Igreja com a criação do
frontispício para o Campo da Luz, hoje a Avenida Tiradentes, tendo também
deixado um Risco, que é o desenho do projeto, gravado na parede de sua cela,
representando a torre sineira.
362
ARQUIVO do Mosteiro da Luz. Em Cadernos Manuscritos sobre a História do Convento da Luz,
Fª 15 - Compra do órgão em 7/2/1776.
330
Figura 99
Relação Breve e Sucinta - Documento manuscrito por Frei Galvão.
331
FIGURA 99 - No arquivo da Luz encontramos o documento, que
fotografamos, manuscrito por Frei Galvão, que consiste na biografia da fundadora
do Recolhimento e na descrição da construção, tanto do novo Recolhimento
quanto da primitiva igreja e de seus respectivos problemas do qual transcrevemos
o título: “Relação breve e succinta da Serva de D.s Elena Maria do Esp. S.to
(espírito Santo) fundadora do novo Recolhim.to de N.Sra.a da Com.çam da Divina
Provid. a; e fallecida em a mesma Caza da sua fundação, com grandes créditos
de virtude: sd.”
363
Comentando este documento, Bove escreve :
A Relação Breve é um verdadeiro relatório que Frei Antonio de Sant’Anna
Galvão faz a um certo “Sr. Tenente Coronel “. Não aparece data, mas,
como fala da morte de Madre Elena, o escrito remonta aos anos de 1775
ou depois [...]
364
Achamos importante para a pesquisa a transcrição de alguns trechos deste
documento, que se referem à fundação, à construção e à formação do mosteiro:
[...] Nesta Capela de N. Snr.a da Luz mto. Antiga na sua fundação e por
este motivo aruinada foi posta a primeira pedra deste espiritual edifício a
Serva de D.s e logo depois concorrerão alguas Donzelas pobres,e devotas
sua companhia;e como os corredores da dita Capela são estreitos,e
nelles se formarão as celas pª moradia da quela pobre comunidade ficarão
ellas totalmente emcomodadas sendo os corredores de poucos palmos de
largo,e as celas pelo mesmo consegte. ainda q. com mta. satisfação da
fundadora a quem lhes bastava hua cova para sua morada.[...].
363
ARQUIVO DA LUZ. Fotografia do documento original manuscrito por frei Galvão a respeito da
fundadora irmã Elena do Espírito Santo, contido na pasta (Manuscritos e outros Documentos -
Gaveta 1) e transcrição do Livro de Crônicas I Tomo 1774 /1941. Fl. 1 5-17 v.
364
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P. 113.
332
As notícias dão conta de que eram oito as primeiras irmãs, porém com o
tempo esse número aumentou e foi preciso que Frei Galvão fundasse um novo
Convento e Igreja.
Apesar das condições econômicas, religiosas e políticas da época estarem
difíceis, foi projetado um vasto e sólido edifício, porém sem luxo, o que demonstra
que já havia nele, como bom arquiteto que foi, uma preocupação com espaço, luz,
e ar, fazendo então uma construção definitiva que perdura até nossos dias.
Não dispondo de meios financeiros, o Frei procurou levantá-los pedindo
esmolas, e ao lado disso algumas irmãs pertencentes a ricas famílias ofereceram
dotes e também escravos para o trabalho. Eram várias as atribuições de Frei
Galvão: engenheiro, arquiteto, mestre-de-obras e pedreiro. Por outro lado,
algumas irmãs ajudavam no trabalho esculpindo imagens para a Igreja e fazendo
o trabalho doméstico. Foram grandes colaboradores seus os humildes escravos,
fazendo o trabalho de construção, que era lento e pesado, onde foi usada terra
socada e madeiras cujo corte e transporte eram feitos pela força braçal, sendo
trazidas em carros de bois desde Santo Amaro, em forma de grandes troncos. A
taipa era socada num trabalho monótono e cansativo, o que nos faz pensar
nesses homens, que fizeram as paredes que vemos hoje, levantaram as vigas
gigantescas que sustentam o telhado e as portas imensas.
Em outro trecho do mesmo documento fica claro o cuidado em manter o
conceito de pobreza, tão importante para os franciscanos, ou seja, percebemos
que os conceitos seguidos pela ordem tiveram influência até na arquitetura:
[...] Como, porém a Igreja velha ameaça ruína, e está o fronte espicio
espaçado, e o dormitório he m.
to
acanhado, conforme relatei, e o numero
das q. dezejão a vida da Providência Div.a vai sendo maior,fundou-se
novo Conv.
to
e Igreja na qual podessem viver inda q. pobres com mais
respiração e desafogo.[...]. [...] Fica a dita obra com 22 celas em circulo
das 3 faces,q.olhão os campos, ficando as outras faces
correspondentes a área livres,sem celas para maior desafogo.[...] .
365
365
BOVE, Pe. Cristóforo, O.F.M. Conv. Relator. Frei Antonio de Santana Galvão; (Antonio Galvão
de França)O.F. M, Desc. Biografia comentada, Vol. II, 5 São Paulo: Ed. Roma 1993. P 115 e
Arquivo do Mosteiro da Luz. Manuscrito de Frei Galvão - Relação Breve e Sucinta.
333
Figura 100
Figura 101
Interior da Igreja da Luz
FIGURA 100 Esta foto reproduz uma vista geral do altar-mor, do retábulo
e dos quadros das paredes laterais, da Igreja da Luz.
FIGURA 101 - Em outro ângulo se observa, além do altar-mor, os dois
retábulos laterais que compõem o corpo da igreja.
Seguem-se vários documentos que encontramos e fotografamos em
pesquisa, no arquivo do Mosteiro da Luz, e que são relativos à história de sua
fundação, estruturação e manifestações pictóricas.
334
Figura 102
Capa de Livro de Assentamentos
Figura 103
Arquivo da Luz
Página de Rosto do Livro de
Assentamentos.
Manuscrito. Ano de 1774
335
FIGURA 102 - Em diversas ocasiões em que visitamos o arquivo da Luz,
pudemos examinar o Livro de Assentamentos de 1774 a 1908, manuscrito e com
capa de couro na cor marrom, lavrado com volutas em relevo, conforme visto na
Figura.
O volume contém um total de 188 páginas de papel de cor bege, das quais
só 83 estão escritas, e foi iniciado em 1774, sendo que o último assentamento tem
a data de 1908.
Notamos, na contracapa, uma folha de papel colada, referente à Bênção do
Cemitério em 25/09/1845, e um documento manuscrito em latim, conservado na
primeira página.
FIGURA 103 No Livro de Assentamentos, achamos conveniente
fotografar a página de rosto, que guarda um registro manuscrito que se refere às
primeiras irmãs e à fundação do mosteiro, do qual apresentamos a transcrição:
Recolhimento de Nossa Senhor Da Conceição da Divina Providência da
Cidade de S. Paulo
Assentamentos de todas as Irmans, que entrão neste Recolhimento, em
que se da hua breve notícia da sua
fundação, e da vida de sua fundadoura, e Mestra Madre Elena do
Esp.to S.to.
Anno de 1774
366
366
ARQUIVO DA LUZ. Livro de Assentamentos. I Tomo. 1774 a 1908.
336
Figura 104
Página de Rosto do Livro de Crônicas. Tomo I - 1774 a 1941.
Figura 105
Capítulo III do Livro de Crônicas
[...] Da Fundação do Recolhimento [...]
337
Entre os documentos que examinamos, o Livro de Crônicas, Tomo I de
1774 a 1941
367
, é curioso por ser manuscrito em tinta azul, e por registrar notícias
que dizem respeito à fundação do recolhimento.
FIGURA 104 - Foi preciso fotografar a página de rosto dividida em duas
partes, para focalizar melhor o título anotado no livro: Noticia Histórica Do
Convento de Nossa S
ra
Da Conceição da Paz da Divina Providência De São
Paulo. Iº Tomo.
É importante afirmar que estão inseridos neste livro textos que nos
forneceram dados bastante significativos quanto à formação e estruturação do
mosteiro, como, por exemplo, o capítulo I que relata Precedentes do Convento da
Luz, e o capítulo II, contendo o Termo de Aprovação licença concedido pela
Câmara desta cidade, para a fundação do Recolhimento de Nossa Senhora da
Luz, por pedido do Illmo. Exmo. Sr. Governador D. Luiz Antonio de Souza.
Figura 105 O título do documento fotografado no Arquivo da Luz
evidencia as notícias sobre a fundação do Convento e Igreja da Luz, no capítulo III
do Livro de Crônicas: Da fundação do Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição da Divina Providência da Cidade de São Paulo 1774.
Entre as crônicas ainda registros das reformas, da relação de síndicos
que atuaram no Mosteiro e de mudanças ocorridas através dos anos, o que
transforma o documento em fonte preciosa para a pesquisa.
367
ARQUIVO DA LUZ. Livro de Crônica. I Tomo. 1774 a 1941.
338
Figura 106
A Assumpção de Nossa Senhora e os Doutores da Igreja.
339
A decoração pictórica da Igreja da Luz restringe-se a cinco quadros, sendo
um na nave em frente à porta de entrada, representando a Assumpção da Virgem
Maria e os Doutores da igreja e nas paredes laterais do altar-mor, quatro grandes
quadros em formato oval, dois de cada lado, onde estão pintados os quatro
evangelistas. A autoria dos cinco trabalhos é atribuída a Jorge José Pinto Vedras,
diretor da Primeira Escola Paulista de Pintura, que funcionou de 1849 a 1865.
Frei Ortman
368
assim se refere a estas obras, fazendo comparação com os
quatro quadros da capela da Conceição da Ordem Terceira:
[...] revelam indiscutível afinidade com as obras da primeira escola paulista
de pintura. [...].
[...] Antonio Egídio Martins em São Paulo Antigo [...] fala [...] de cinco na
igreja do Recolhimento da Luz [...]. [...] O processo pictórico dos quadros
da igreja da Luz, que tínhamos ocasião de conhecer de perto, e da capela
da Conceição da nossa igreja, é, em todos eles, de pronunciada paridade.
No colorido predomina o cinzento; no desenho nota-se certa virtuosidade
de movimento e ritmo; na concepção idealista, pouca ou nula inspiração
religiosa. [...].
FIGURA 106 - colocado na parede em frente à porta de entrada, o quadro A
Assumpção de Nossa Senhora e os Doutores da Igreja é uma obra de grandes
proporções com formato retangular.
Trata-se de uma composição em que os elementos celestes foram
colocados na parte superior e os terrestres na parte inferior, enquanto que a
palheta apresenta tons esfumaçados, com cores impregnadas de cinza. Nela está
representa a Virgem Maria vestida com um manto azul, sobre túnica branca,
trazendo os braços abertos, enquanto é sustentada por dois grandes anjos e dois
querubins, sobre as nuvens que se abrem num clarão. Vários anjinhos, de quem
aparecem as cabeças circundadas por asas, rodeiam o conjunto, que está
pintado na metade superior do quadro.
Na metade inferior, seis doutores da igreja estão sentados entre colunas;
dois deles olham para a aparição no alto, com expressão de espanto, enquanto os
quatro personagens restantes mostram-se absortos em suas leituras. Todos têm
368
ORTMANN, Frei Adalberto O.F.M. História da Antiga Capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo. São Paulo: DPHAN, 16,1951. P. 98.
340
sobre as cabeças a auréola da santidade, e apenas um destaca-se pela cor do
manto vermelho que o envolve.
Na coluna pintada à direita do quadro, assim como no degrau sobre o qual
se sentam os personagens, existe a seguinte inscrição:
Os S
to
S Doutores da Igreja
Ao Exmo Sr. Dr. Josino do Nascimento e Silva.
Prezidente da Província.
Na coluna à esquerda acha-se pintada a seguinte assinatura: Jorge Vedras
e seus discípulos J.L.C. Neves, E.B. Dillon, J.S.Mello, J.A.F. ALM_d
ANNO MDCCCLIII
O tema remete à Visão Mística dos Doutores da Igreja e a Assumpção de
Maria, uma iconografia que apareceu verdadeiramente na idade Média e se refere
à elevação de Maria ao céu, uma tradição sustentada pela confirmação dos
doutores da Igreja.
369
O título de Doutores da Igreja designa escritores eclesiásticos importantes,
e são assim considerados Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Gregório, São
Jerônimo, São Tomaz de Aquino, São Boaventura, o Bernardo, Santa Tereza
d’Ávila, e Santa Tereza de Lisieux.
370
369
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002.
P. 24.
370
IDEM. IBIDEM. P. 78.
341
342
Figura 107
.
São Lucas
343
Após o exame do quadro dedicado à Maria, voltamo-nos para o próximo
tema escolhido pelos franciscanos para figurar artisticamente na Igreja da Luz,
que diz respeito aos quatro evangelistas, Mateus e João, que eram dois dos doze
apóstolos, e Marcos e Lucas, que contrariamente aos dois primeiros não
conheceram Jesus e escreveram seu Evangelho na segunda metade do
século.
Quanto à iconografia, os evangelistas eram conhecidos por seus nomes na
antiguidade, e os símbolos que os identificam apareceram somente a partir do
século V.
371
FIGURA 107 - São Lucas com o Touro Alado é um quadro de formato oval,
que representa o evangelista contra um fundo azul, envolto em manto e túnica nas
cores verde e marrom, tendo sobre a cabeça uma espécie de turbante branco.
Segura em uma de suas mãos a pena, com que escreve o evangelho, enquanto
que com a outra sustenta pincéis e uma palheta de pintura, sendo que na parte
inferior da composição vê-se um touro alado.
São Lucas sempre é simbolizado tendo ao lado um touro ou um boi alado.
Além disso, sua iconografia apresenta muitas vezes um cavalete ou uma palheta
de pintor, cujo significado remonta ao VIº século e mostra Lucas como retratista da
Virgem, elemento que constatamos estar presente na pintura da Igreja da Luz.
371
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002.
P. 90.
344
Figura 108
São João
345
FIGURA 108 - Em São João com a Águia, o personagem principal é
retratado erguendo a mão direita, que segura a pena, com a qual redige o
evangelho nas folhas de um grande livro apoiado nas costas de uma águia, que
traz pendurado no bico o tinteiro do qual o evangelista retira a tinta que utiliza no
trabalho.
De fato, os artistas têm representado seguidamente João redigindo o
Apocalipse na Ilha de Patmos, acompanhado de uma águia que lhe serve de
apoio enquanto escreve, provavelmente porque durante a antiguidade a águia
encarnou a força de Deus, e dentro da religião cristã ela representa a força
possante de Deus Pai ou a Ascensão de Cristo, o que se torna um símbolo da
Ressurreição.
372
A composição apresenta cores fortes como as complementares verde e
vermelho, utilizadas nas roupas do evangelista, assim como os tons de azul e
rosa, que constituem o fundo celeste, repleto de nuvens.
372
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002.
P. 11.
346
Figura 109
São Mateus
347
FIGURA 109 - Nesta produção, São Mateus vestido com túnica azul e
manto amarelo ouro, empunha a pena com a mão direita, enquanto um anjo de
asas brancas o auxilia na tarefa, sustentando o livro e o tinteiro. Como nas
pinturas anteriores, o fundo do quadro representa uma visão do céu.
Iconograficamente, Mateus é sempre representado com um anjo, uma vez
que no Cristianismo os anjos são os mensageiros de Deus e assumem a ligação
entre o Céu e a Terra, assumindo a missão de defendê-los contra os espíritos
infernais.
373
373
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints. Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France.
2002. P. 13.
348
Figura 110
São Marcos
349
FIGURA 110 - Vedras nos apresenta Marcos entretido na leitura de uma
folha de papel que segura juntamente com as penas, tendo abaixo dele um leão
alado, representado com expressão humana do qual se vê a cabeça e as asas.
É interessante perceber que o animal apresenta para o espectador um livro aberto
numa página que contém escritos. Toda cena tem como fundo uma paisagem
celeste.
Na iconografia medieval, a cabeça e a parte anterior do leão correspondem
à Natureza Divina de Cristo, e O Leão de Judá, de que se fala nas escrituras,
manifesta-se na figura de Cristo.
O leão é também símbolo de Cristo Juiz e Cristo Doutor, e nessa
mesma perspectiva é emblemático do evangelista São Marcos.
374
374
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2005. P. 539.
350
FIGURA 111
Altar do Consistório
FIGURA 112
351
FIGURA 111 e FIGURA 112 - Quando fomos visitar o coro da igreja da Luz
encontramos o delicado altar do consistório, que se trata de uma peça pequena,
de madeira toda pintada na cor azul e ouro.
Possui três nichos contendo santos, e é coberto por um dossel contornado
com entalhe rendilhado, dourado e decorado com ramos de flores nas cores
branca e vermelha.
Interessamo-nos pela pintura composta de ramos, que a partir de um
pequeno vaso estendem-se por toda a superfície, rodeando a figura de uma
pomba branca, que simboliza o Espírito Santo, posicionada no centro da peça.
Os nichos são emoldurados por delicado trabalho de entalhador, tendo em
primeiro plano o sacrário, cuja porta tem talha que representa folhas de parreira e
cachos de uva. Iconograficamente a videira é um símbolo importante, pois os
textos evangélicos trazem constantemente a videira como uma alegoria do Reino
dos Céus, cujo fruto é a Eucaristia.
Recebemos a informação da Abadessa,
375
que este trabalho tem a autoria
atribuída a Frei Galvão tendo, provavelmente, sido o Sacrário original usado pelo
fundador do Mosteiro.
Assim é que não pudemos deixar de levantar as seguintes questões: teria
esse pequeno altar servido, nos primeiros tempos, enquanto a igreja não havia
ainda sido inaugurada, para rezar missas, para guardar o Ssmo. Sacramento ou
para a distribuição da comunhão?
O documento abaixo, que está no arquivo da Luz, refere-se a dois locais
onde se realizaram essas cerimônias: em primeiro lugar a Capela do Calvário,
durante dois anos e meio, e em seguida a Capela do Capítulo, já no novo prédio,
em cujo teto, segundo a cronista, havia uma pintura, à qual não conseguimos ter
acesso, mas tivemos a confirmação, pela abadessa, de sua existência até os dias
de hoje. Será que as delicadas flores do altar azul fariam parte da decoração
desse local, combinando com os ramos de flores descritos pela cronista?
375
Mosteiro da Luz - Informação que obtivemos através da Abadessa Eliana Cristina em 14 de
junho de 2005.
352
Transcrição do Livro de Crônicas TOMO I
f. 80[...] Nessa visita D. Duarte, S.Exª Rvª benzeu a Capela do Calvário.
A referida Capela do Calvário, nosso antigo noviciado, por um escripto das
primitivas irmãs, conjeturamos ter sido a capela onde por dois annos o a e
meio, mais ou menos, conservou se o SS. Sacr. Sta Missa comunhão,
servindo de coro às religiosas, o corredor de fronte. E isso talvez logo que
passaram para o novo prédio, pois que depois desse tempo passou-se o
SS. Sacr. para a Capella do Capítulo, onde esteve 12 anos, até que se
concluiu a igreja 15/08/1802. dada a comodidade da situação desta sala e
mesmo pelas decorações que nela se notam, nós ensinamos a crer que
fora esta então a capela do Rosário que serviu de igreja nos primeiros
tempos. Quando entramos neste santo convento em 1894 esta era a sala
do noviciado, a qual era toda decorada com ramos de flores e festões que
faziam a ao redor do forro. Com o tempo mandaram fazer uma acareação
e cobriu se toda a pintura. Precisando pois arranjar-se logar decoroso e
digno onde se pudesse colocar as imagens do calvário não poderíamos
encontrar outro senão este de tão grande veneração ; e por que
mandamos melhor adaptá-la fazendo um dossel para as imagens.
Para fazer-se nova pintura foi preciso tirar a última caiação, percebeu-se
então os antigos ramos de pintura que ahi existiam no forro. Tivermos
então o cuidado de faze- los revelar para assim conservar documentos
tão preciosos.
Na capela colocamos dous relicarios contendo preciosas relíquias que
andavam guardadas por diversas partes do mosteiro, e os nichos da Bemª
Beatriz, de São Miguel e de menina Maria.
Terminada em fevereiro e benzida em 19 /3/1932
É possível, portanto, pensar na datação da pintura do teto com [...] ramos
de flores e festões que faziam cercadura ao redor do fôrro [...] da sala mencionada
no documento pela irmã e do altar como tendo sido anterior a inauguração da
Igreja.
353
354
Figura 113
Manuscrito que se refere à Inauguração da Igreja e do Coro da Luz.
355
Figura 113 - Este documento, que analisamos e fotografamos no arquivo da
Luz, e que atesta a data da Inauguração da Igreja e de seu respectivo coro, fato
que se deu em 15/08/1802, é importante para esta pesquisa à medida que situa o
início das atividades do coro, que possui pinturas focadas nesta análise.
Transcrição da folha 10:
376
“[...] Aos 25/03/1788 inauguraram o novo
convento; E quasi dous annos e meio e tiveram o SS. na Capella de cima, onde
ouviam missa e comungavam, servindo de côro o corredor de fronte [...]”.
Antes de analisar as pinturas existentes do coro da Igreja da Luz, achamos
conveniente descrever o espaço onde elas estão inseridas, pois o coro das irmãs
faz parte do recinto onde está localizada a clausura, de difícil acesso ao público.
É um recinto amplo de forma retangular, com os dois lados retilíneos
menores medindo 7,10 m, sendo que um deles está voltado para a Igreja e está
vedado por uma treliça, e o outro volta-se para o exterior, cujo muro possui três
janelas embaixo e um óculo na parte superior. Os dois lados maiores medem 12,5
m e possuem apenas uma porta em cada um.
O teto foi construído com tábuas de aproximadamente 30 cm de largura,
colocadas em sentido longitudinal em relação às paredes maiores, de madeira na
cor natural, em forma de abóbada de berço, e está decorado, ao longo das
laterais, com pinturas que representam as seguintes cenas da vida de São
Francisco: o Nascimento, a Pobreza, a Renúncia, os Primeiros Franciscanos, os
Estigmas, a Morte. As figuras pintadas nas laterais medem aproximadamente 2,00
a 3,00 m de altura.
No centro do teto, um medalhão representa a Coroação de Nossa Senhora
pela Santíssima Trindade, porém não existe uma ornamentação de parapeitos e
molduras, uma vez que as imagens que compõem as cenas laterais saem direto
da cimalha, pintada em scaiola, que separa as paredes da abóbada que forma o
teto.
Ainda não foram localizadas provas documentais referentes à autoria e à
datação da pintura do teto do Coro da Igreja da Luz. No entanto, encontramos o
mencionado manuscrito das irmãs que conviveram com Frei Galvão,
377
que
passamos a considerar como fonte casual indireta e que nos permitiu colocar a
376
ARQUIVO DA LUZ. Pasta 1. Gaveta 2.”Sobre a História do Convento da Luz ”. Crônicas f.10.
377
Ver Capítulo III, fotos 31, 32, 33.
356
execução desse trabalho artístico no período que vai de 1802 a 1821, ou seja, no
primeiro quarto do século XIX.
357
358
Figura 114
Pintura do teto do coro da igreja da Luz.
Vista da treliça do arco que para a
igreja.
Figura 115
Pintura do teto do coro da igreja da Luz.
Vista do óculo que dá para o exterior
359
FIGURA 114 Fotografamos no coro a treliça, que para o recinto da
igreja, e que demonstra a necessidade do arco ser vedado, pelo fato de ser
localizado dentro do espaço da clausura.
Existe em frente à treliça, que foi executada em madeira e pintada de
branco, um pequeno altar com a imagem de Jesus Cristo Crucificado, diante do
qual as irmãs fazem suas orações.
FIGURA 115 - Na parede fronteira à treliça existem três grandes janelas e
um óculo, pelos quais entra luz externa, e em ambas fotografias pode-se ter uma
vista geral da pintura do teto.
360
Figura 116
Medalhão Central da Pintura do teto do Coro da igreja da Luz.
Coroação da Virgem Maria pela Santíssima Trindade.
361
FIGURA 116 - A pintura central pode ser considerada a pintura mais
importante do coro até por sua localização, porque no Barroco o centro era
comumente reservado para o tema principal.
Representa Nossa Senhora sobre as nuvens, sendo coroada por Deus Pai
e por Deus Filho, sendo que sobre as três figuras paira uma pomba, que
representa o Espírito Santo, completando assim a Santíssima Trindade.
Quanto ao tema e à iconografia, esta cena passa-se depois da Assumpção,
mostrando a Trindade coroando a Virgem, que recebe a benção ao subir aos
céus. Esse assunto apareceu no Iº século, graças a um texto apócrifo de um Bispo
da Ásia Menor, para retornar somente no VIº século, por Gregoire de Tours, e
mais tarde, novamente, já no século XIII, na Légende Dorée.
378
O rosto da Virgem destaca-se dos demais
379
tanto pela técnica quanto pela
expressão, a cor da pele, o desenho do nariz, olhos, as sobrancelhas e também
pelo sorriso meigo, que acompanha o olhar sereno. Poder-se-ia supor que foi
pintado por um mestre, enquanto os alunos faziam as outras partes?
Ao considerarmos forma e estilo, notamos que as mãos mostram alguma
expressão e movimento, os pés possuem dedos bem desenhados cujo volume
resulta de um sombreado sutil e a encarnação é obtida através de sombras feitas
378
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints. Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France.
2002. P. 66.
379
Foi executada uma restauração em toda a igreja e coro da Luz, que começou em meados de
2001, pelo Grupo Oficina de Restauro de Belo Horizonte, tendo como responsável Rosangela Reis
Costa, que nesse mesmo ano me forneceu estas informações:
No coro não foi feita uma restauração, apenas a remoção de algumas camadas muito espessas
de verniz que cobria tudo como um véu, alterando a leitura, pois parecia um filme marrom por cima
da pintura.
Esse verniz possivelmente de Laca, tinha uma camada de milímetros, muito grosseira. A
restauradora chegou à conclusão da possibilidade de ser verniz de laca, a partir de testes com
solventes e exames organolépticos, ou seja, das características visuais. A camada de verniz
estava oxidada, o que dá o tom marrom. Procedeu-se então apenas à remoção, para uma
posterior avaliação para talvez poder restaurar, mais tarde.
A técnica e o material usados pelo artista provavelmente foi o óleo ou tempera gorda, porque
existe a oxidação que o óleo provoca, sendo que o branco não é tão branco, não somente pela
pátina do tempo, mas também pela oxidação.
No quesito conservação nota-se trincas, perdas no suporte, remendo no entabuamento, e tudo o
mais permanece como estava antes da remoção da camada de verniz, pois, não foi feito nenhum
trabalho com a pintura propriamente dita. Apenas depois disso foi aplicada uma camada de fixador
para conservação.
Quanto às cores usadas como não houve restauração, não houve estudo dessas cores.
362
em tons ligeiramente mais escuros, o que suaviza os contornos, principalmente
nas pernas do anjo, que voa de costas para quem olha a cena. No tocante à
expressão das figuras, pode-se afirmar que é estática, contida, com gestual
rococó.
Ao redor do medalhão, decorando as paredes laterais, existem pinturas que
em ambos os lados representam cenas da vida de São Francisco.
É importante notar que são pinturas de traçado simples, que registram
momentos significativos, repletos de mensagens para as monjas, pontuando os
ensinamentos de São Francisco.
Desse ponto de vista, foram selecionados para a decoração do teto motivos
edificantes e exemplares, como a visão do nascimento do santo de Assis, que a
exemplo de Cristo também teve uma manjedoura, seguindo-se a representação da
decisão que o santo tomou ao repartir tudo o que possuía com os menos
favorecidos. Depois, foi selecionada a alusão à escolha que o Poverello fez,
renunciando ao mundo e à sua materialidade, além da menção à sua condição de
seguidor de Cristo, junto com seus primeiros companheiros, a referência ao
grande encontro com o Cristo Seráfico, no Monte Alverne, onde, como um Alter-
Christus, recebeu as chagas e finalmente o momento de sua morte e a visão da
subida de sua alma aos céus
Assim é que encontramos, do lado da Epístola, junto ao arco com treliça
que dá para a igreja, três cenas: O Nascimento, A Pobreza, A Renúncia; e do lado
do Evangelho, começando pela cena junto à parede que para o exterior, os
Primeiros Franciscanos, Os Estigmas e A Morte de São Francisco.
363
364
Figura 117
Pintura lateral do teto do coro da igreja da Luz.
O Nascimento de São Francisco
365
FIGURA 117 - Do lado esquerdo da cena, O Nascimento de o Francisco,
vê-se a mãe do Santo deitada no leito e do lado oposto uma manjedoura.
Mais para o centro da obra, entre o leito e a manjedoura, duas figuras, uma
mulher e um anjo, o qual sustém o recém-nascido e o assinala com uma cruz no
ombro, gesto que iconograficamente simboliza o sofrimento, a dor e o sacrifício.
Nesse sentido, se a cruz possui na tradição cristã o significado de dor e de
sacrifício, ao ser associada a Cristo e Francisco, seu significado magnífica-se
porque abarca o mistério da Redenção e da Estigmatização, que constituem a
máxima glorificação franciscana.
Inclusive, é bom ressaltar que a cena do nascimento guarda semelhanças
com Belém, como, por exemplo, a manjedoura, que adquire conotações divinas e
evangélicas: São Francisco o Alter-Christus.
Trata-se de uma composição com palheta de cores bastante suaves, onde
foram trabalhados mais os tons pastel do que os tons terrosos, dando certo ar de
leveza e alegria, embora quase não se distinga emoção nas expressões
fisionômicas.
A obra de Frei Miguel de La Puríssima, a narrativa Vida Evangélica e
Apostólica dos Frades Menores, parte, Tratado II, Capítulo III, pode ser
considerada como fonte literária, com elementos que se ajustam à pintura:
[...]Y em el mismo dia que nació Nuestro padre San Francisco llegó um
ángel em figura de pobre peregrino suplicando limosna y pidió...ver el niño
nacido,y la madre envio. Y al punto que vio al nino, tomóle em sus brazos
y despues de echarle la bendición, hízole sobre su hombro derecho um
cruz...y al instante quedó esculpida [...].
366
Figura 118
Gravura
367
Como fonte iconográfica, conquanto não tenha sido possível encontrarmos
na Biblioteca da Faculdade de Direito de São Francisco, apesar do esforço das
bibliotecárias, nenhum livro de ilustrações que pudessem nos dar idéia da
circulação de estampas da época, procuramos gravuras flamengas e alemãs, que
possuíssem alguns elementos coincidentes com os das pinturas.
FIGURA 118 Na gravura, Nascimento de São Francisco, impressa por Felipe e
Cornélio Galle em Amberes, no ano de 1587
380
, consideramos como pontos em
comum com a pintura do coro o fato de que a cena é composta por três figuras,
duas mulheres e um anjo, que carrega o bebê no colo, enfatizando o sinal de
santidade no ombro.
380
Laboratório Fotográfico Biblioteca Nacional de Madri In: CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco
Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 34.
368
Figura 119
Pintura lateral do teto do coro da igreja da Luz.
São Francisco entrega suas vestes a um pobre
369
FIGURA 119 - A composição de São Francisco Entrega suas Vestes a um
Pobre é bastante simples, e como nas outras cenas, não existe registro de
emoção nas feições dos personagens. É uma pintura cujo uso de vermelho
brilhante fica restrito às roupas do Santo, porém para o restante da composição o
colorido puxa mais para tons de terra.
Neste painel, que traz como pano de fundo uma paisagem com várias
construções, que representam provavelmente a cidade de Assis, vemos o Santo
se desfazendo e oferecendo suas ricas roupagens de cavalheiro diante de um
homem maltrapilho, gesto que prenuncia seu futuro ideal de pobreza.
381
Os elementos iconográficos da pintura são facilmente detectados na
narrativa do episódio que foi relatado por Frei Tomás de Celano na obra Vida
Segunda de São Francisco Parte Iª, Capítulo I.
Libertado da prisão pouco tempo depois, tornou-se ainda mais bondoso
para com os necessitados.
2 Resolveu, desde então, não desviar o rosto de pobre nenhum (cfr. Tb
4,7), de ninguém que ao pedir lembrasse o amor de Deus.
3 Um dia encontrou um cavaleiro pobre e quase nu, ficou com pena e,
levado pelo amor de Cristo, deu-lhe generosamente a roupa elegante que
estava vestindo.
4 O que fez menos do que o santíssimo Martinho, a não ser que, embora
tivessem o mesmo modo de pensar e de agir, foram diferentes no modo?
5 Este deu primeiro as vestes e depois o resto; aquele, tendo dado tudo
primeiro, deu a roupa no final: ambos viveram pobres e moderados no
mundo, ambos entraram ricos no céu.
6 Aquele, soldado mas pobre, vestiu um pobre com uma parte de sua
roupa. Este, que não era soldado, mas rico, vestiu com uma roupa boa um
pobre soldado.
7 Ambos, por terem obedecido ao mandamento de Cristo, mereceram uma
visão de Cristo: Um foi louvado pela perfeição e o outro recebeu um
convite muito honroso para o que ainda tinha que fazer.
Este acontecimento também foi descrito por outros cronistas, que se
ocuparam da biografia do fundador da Ordem Franciscana, como Frei Lucas
381
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis.
Madri: 2002. P. 50.
370
Uvaddingus, autor
de Anais dos Irmãos Menores, e Frei Bartolomé di Pisa, que
escreveu o l Livro das Conformidades.
371
372
Figura 120
Pintura lateral do teto do coro da igreja da Luz.
Renúncia aos Bens Terrenos
373
FIGURA 120 - A abordagem do episódio Renúncia aos Bens Terrenos, em
que o Santo abandona seu pai terreno e se entrega ao Pai Celeste adotando Deus
como seu único Pai, é o assunto deste painel.
De fato, diante do Bispo da diocese de Assis Dom Guido, o Santo despreza
seu pai, Pedro Bernardone, seus bens e seu lar, adotando Deus como seu Único
Pai, e assumindo plenamente a vida de pobreza e renúncia, iniciando nesse
instante sua vida de Poverello.
Sua nudez na representação simboliza o desprendimento total, e como
outro Cristo no Calvário, Francisco transforma a humilhação em grandeza.
382
A pintura retrata justamente esse momento em que, ajoelhado diante do
Bispo Francisco, livra-se das roupas, tendo à frente seu pai, que o observa,
enquanto mais três figuras participam da cena, sendo que uma delas estende na
direção do Santo o humilde hábito que usará desse dia em diante.
Todos os participantes vestem roupas escuras, com exceção do bispo e de
Francisco, que veste calções brancos tendo em volta da cintura um cilício com o
qual se penitencia. Os personagens expressam gestos dramáticos, porém
estáticos, e suas fisionomias denotam pouca emoção, característica que, aliás,
repete-se em todas as representações.
A composição do painel é simples e traz poucas cores, que se repetem
bastante, pois na palheta empregada pelo artista o toque de cor forte fica por
conta das cortinas que cobrem o trono do Bispo e quanto ao traçado, ressaltamos
que parece existir certo desacerto do desenho, nas pernas do personagem
ajoelhado.
É interessante pontuar que essa iconografia remete ao quadro deste
mesmo tema, que se encontra na parede lateral do altar-mor da igreja da Ordem
Terceira Franciscana, o que nos faz questionar se o autor da pintura do coro teria
se inspirado no trabalho da capela dos terceiros.
382
GARCIA - ATTANCE, Maria Carmem de Claro. In CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco
Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 58.
374
Figura 121
Gravura
375
FIGURA 121 - Entre as fontes iconográficas que possam ter servido de modelo ao
pintor ou ao comitente da obra, encontramos um trabalho impresso por Felipe e
Cornélio Galle, em Amberes, no ano de 1587:
383
, com o título de São Francisco
Renuncia aos Bens Terrenos (detalhes).
Nessa composição, temos o santo de Assis retirando suas roupas, o Bispo,
as cortinas e muitos outros elementos iconográficos coincidentes com o painel em
questão.
Quanto às fontes literárias, novamente fomos encontrar em Frei Tomas de
Celano, In Vida Primeira de São Francisco, Parte Iª, Capítulo VI, 14 e 1, a
narrativa da qual se originou a iconografia desse episódio, bem como suas
características:
[...] 1 Diante do bispo, não se demorou e nada o deteve: sem dizer nem
esperar palavra, despiu e jogou suas roupas, devolvendo-as ao pai.
2 Não guardou nem as calças: ficou completamente nu diante de todos.
3 O bispo, compreendendo sua atitude e admirando muito seu fervor e
constância, levantou-se prontamente e o acolheu em seus braços,
envolvendo-o no manto.
4 Compreendeu claramente que era uma disposição divina e percebeu
que os gestos do homem de Deus, que estava presenciando, encerravam
algum mistério.
5 Tornou-se, desde então, seu protetor, animando-o, confortando-o e
abraçando-o nas entranhas da caridade.
6 É aqui que o nu luta com o adversário nu e, desprezando as coisas que
são do mundo, aspira apenas à justiça de Deus.
7 Foi assim que Francisco tratou de desprezar a própria vida, deixando de
lado toda solicitude mundana, para encontrar como um pobre a paz no
caminho que lhe fora aberto: só a parede da carne separava-o ainda da
visão celeste.[...].
Por sua vez, outro biógrafo do santo, São Boaventura, in Legenda Menor.
Capítulo I Sua Conversão -7, traz referências a essa passagem:
[...] 7. Mais enraivecido e furioso que todos estava seu pai, que parecia ter
esquecido os laços de sangue e todo sentimento de compaixão. Arrastou o
filho para casa, espancou-o e o lançou na prisão, para fazer a alma de
Francisco voltar-se novamente aos suaves encantos do mundo, magoando
e maltratando seu corpo. Mas teve que se render à evidência: o servo do
Senhor estava disposto a suportar por Cristo os piores tratamentos. Viu
claramente que não conseguiria demovê-lo de seus objetivos e fez
questão cerrada de levá-lo diante do bispo da cidade, nas mãos do qual
Francisco renunciaria a seus direitos de herança de toda a fortuna paterna.
O servo do Senhor aceitou a proposta de boa mente. Ao chegar à
383
Laboratório fotográfico da Biblioteca Nacional de Madrid In: CULTURAL, 3C para el Arte.
Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 58.
376
presença do bispo, sem hesitar por um instante, sem esperar ordens nem
exigir explicações, tirou todas as suas vestes e mesmo os calções. E como
ébrio de espírito, não teve vergonha de sua total nudez diante de todos os
assistentes, por amor daquele que por nós foi atado à cruz, nu. [...].
377
378
Figura 122
Pintura lateral do teto do coro da igreja da Luz.
São Francisco e os Primeiros franciscanos
Ou
São Francisco Alferes de Cristo
379
FIGURA 122 Realmente, neste painel está expresso o tema São
Francisco e os Primeiros Franciscanos Ou São Francisco Alferes de Cristo, que
mostra o próprio São Francisco seguindo a figura de Cristo, junto com Santa
Clara, o cardeal Boaventura, que se tornou o primeiro cardeal franciscano, Santo
Antônio de Pádua, que no princípio fazia parte da Ordem dos agostinianos e mais
tarde se tornou
franciscano, e outros companheiros.
Segundo informação de irmã Cláudia Hodecker, responsável pelo arquivo
do Convento da Luz, estes personagens em procissão seguindo Cristo
representam São Francisco e os primeiros membros da comunidade franciscana.
Com efeito, esse episódio inspira-se nos textos de Frei Miguel de La
Puríssima, que vinculam São Francisco à obra da Redenção, por um especial
privilégio de Deus.
está representado o Santo, como porta estandarte da Cruz, guiando as
Ordens dos Frades Menores e das Clarissas, enquanto segue os passos de
Cristo. Convém ressaltar que neste evento confirma-se a profecia do Abade
Joaquim
384
e o providencialismo que caracteriza a Ordem, que no Novo Mundo
concebe a evangelização como uma Cruzada.
Iconograficamente, Santa Clara pode ser identificada graças ao cálice que
carrega,
385
embora seja comum também que ela seja representada segurando a
Cruz ou um ramo de oliveira, que faz alusão à entrada de Jesus em Jerusalém, e
de sua passagem no Monte das Oliveiras; quanto à Cruz, simboliza grande amor
que Clara devotava ao crucifixo e o sofrimento de Cristo. Essa santa é conhecida
384
[...]O Abade Joaquim de Fiore,e Natural da Calábria, e ativo entre 1132 e1202, foi o fundador do
monastério cisterciense;, através de seus escritos integrou a corrente milenarista. Propôs idéias
que sugeriam o advento de uma nova era em que surgiriam dois filhos da Igreja que
desenvolveriam novas ordens, tendo sido interpretadas pelos franciscanos e dominicanos como as
profecias da vinda de seus fundadores São Francisco e São Domingos. Ele também mandou que
representassem São Francisco com os estigmas em pintura na basílica de São Marcos em
Veneza[...].IN: CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion
Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 23 e 31.
385
[...] Em 1240, durante invasões do exército de Frederico II, a Santa intervém contra atos de
vandalismo em Assis, fazendo os soldados retrocederem diante da Eucaristia que ela apresentava
[...]. IN: GARCIA - ATTANCE, Maria Carmem de Claro. In CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco
Hispano Americano em Chile. Corporacion Talleres Gráficos Brizzolis. Madri: 2002.P.156.
380
por sua generosidade e sua fidelidade a São Francisco, com quem partilhou os
sofrimentos e um ideal de vida austera.
386
Além de Clara, todos os membros da procissão carregam cruzes de
madeira, simbolizando a Paixão de Cristo, já que na tradição cristã a cruz possui o
significado de dor e sacrifício. Ao ser associada a Cristo e Francisco, seu
significado implica os mistérios da Redenção e da Estigmatização, que consistem
na máxima glorificação franciscana.
O personagem com roupas de Cardeal seria São Boaventura, e logo atrás
dele, uma personagem feminina, com hábito franciscano, carrega, além da cruz,
um buquê de rosas que constitui um atributo iconográfico de Santa Isabel de
Hungria, que simboliza a caridade, outra tradição da Ordem.
Quanto às considerações formais e estilísticas, vale ressaltar que houve
uma vontade do artista de imprimir movimento aos personagens, porém eles ainda
são muito estáticos, embora seu gestual seja bastante dramático, barroco, no
entanto sem traduzir emoções definidas nas expressões fisionômicas,
Nota-se que não foi possível obter panejamentos leves e esvoaçantes,
assim como o “claro-escuro” foi conseguido com o emprego de preto em algumas
partes, enquanto que em outras, com tons mais fortes sobre os mais suaves. Não
existe uma paisagem formando o fundo da cena, sendo que os personagens dão a
impressão de estar subindo em relação ao entablamento, pois enquanto os pés
dos últimos da fila encontram-se escondidos, os dois primeiros, Jesus e São
Francisco, deixam entrever pés descalços quase pairando no ar.
386
RENAULT, Christophe. Reconaitre les Saints.Editions Jean-Paul Gisserot. Luçon: France. 2002.
P. 69.
381
382
Figura 123
Gravura
.
Figura 124
Miniatura do Códice La
Franceschina Biblioteca da
Porciúncula.
387
387
POLIDORO, GIANMARIA. Francisco. Editoras Vozes, Petrópolis: 1999. P. 37.
383
FIGURA 123 - Como fontes iconográficas possíveis selecionamos a gravura
do Livro, Vita et Admiranda Historia Seraphici, Ordinis Minorim fundatoris,
iconubus & elogiis. In: Latino Germanicis Illustrata. Augspurg: M.Magdal. Utz
Scheneiderin, 1694,
388
por tratar-se de uma imagem que se refere ao mesmo
tema, embora aqui Francisco, ao encabeçar a fila de franciscanos, empunhe uma
bandeira, e não uma cruz.
FIGURA 124 - Na miniatura intitulada Frades no Seguimento de Cristo e de
Francisco, In, Códice La Franceschina, que se encontra na Biblioteca da
Porciúncula
389
, encontramos características, que lembram a pintura do coro da
Luz, como é o caso do elemento cruz que todos os personagens carregam.
A narrativa em que essas imagens apóiam-se e que podemos considerar
como fonte literária é de Frei Miguel de La Puríssima, In Vida Evangélica, Parte 3ª,
Tratado III, Capítulo VI.
[...] Por privilegio especial, concedido por Cristo a Nuestro Padre San
Francisco después de darle las llagas, em senãl de que era su Alferez;
como él mismo, después de muerto, se apareció a um Santo religioso y
refirió lo que Cristo le dijo.[...].
Parte 3ª, Tratado I, Capítulo II.
[...]Y entonces vio que Cristo levantaba el brazo derecho y de la llaga de la
costilla salía Nuestro Padre San Francisco, com el estandarte real de Vera
Cruz y traz él salía gran número de sus frailes [...].
390
.
Parte 2ª,Tratado V, Capítulo
[...]La razon porque Cristo Senõr Nuestro imprimio las llagas em Nuestro
Padre San Francisco es para que como Alferez suyo em el tiempo y fin del
mundo, reduzca a los hombres a la verdadera fé de Cristo y camino de la
salvacion.[...].
Parte 3ª, Tratado III, Capítulo XIII.
[...] Siendo Nuestro Padre San Francisco um vivo retrato de Cristo como
companerro suyo semejante a él, salido y edificado de la sangre de su
costado para la obra de la reparación. Por lo cual podemos decir, si decir
se puede, que todos los hombres hasta el fin Del mundo están bajo el
amparo Del Seráfico Padre y a él sujetos como Alferez de Cristo, pues
tiene em sus manos su estandarte real de la Sagrada Cruz y está
representando em la tierras u persona... [...].
388
HEMER, Mattaeus, Franciscan Institute Library. St. Bonaventure University.
389
POLIDORO, Gianmaria. Francisco. Editora Vozes. Petrópolis: 1999. P. 37.
390
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 156.
384
FIGURA 125
Pintura lateral do teto do coro da igreja da Luz.
Os Estigmas
385
FIGURA 125 - O episódio, Os Estigmas, retratado neste painel constitui o
centro da iconografia Franciscana, e desde Giotto vem sendo representado em
pintura. Nesse sentido, os estigmas o vistos como ferimentos idênticos às cinco
chagas de Cristo, situadas nas mãos, nos pés e no lado direito.
É uma cena que representa um momento de êxtase, porém o tratamento de
simplicidade e sobriedade dado a ela, como em todas as outras pintadas no coro,
tem pouco apelo místico, com ausência de elementos que demonstrem inspiração
barroca, pois nelas predomina uma tendência mais terrestre, mesmo quando o
conteúdo é sobrenatural.
Pode-se ver ao centro o santo ajoelhado sobre pequenas elevações,
representando o Monte Alverne, com os braços abertos em atitude de entrega
ante a imagem de Cristo, representado crucificado e com seis asas de Serafim,
enquanto se à direita, mais abaixo, em atitude de espanto, a figura de Frei
Leão. Traços de tinta vermelha saem das chagas de Cristo e se ligam a São
Francisco, como raios que deixam impressos os estigmas nos pés, mãos e peito
do Santo, que tem ao lado um livro, uma caveira e um cilício.
As cores usadas nessa composição são o vermelho, o marrom, o verde e
alguns elementos em amarelo, porém predominando sempre os tons terrosos.
Este tema refere-se à história de que certa vez São Francisco foi ao Monte
Alverne com Frei Leão e Frei Rufino, para orar e fazer penitencia, quando lhe
apareceu um Cristo crucificado com asas de Serafim, que lhe transmitiu as chagas
da crucifixão, tendo este fato acontecido no dia 14 de setembro, dia da celebração
da Exaltação da Cruz.
391
391
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile.Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 116.
386
FIGURA 126
Gravura
387
É sabido que as gravuras flamengas ofereceram cenas que foram
reinterpretadas
pelos pintores, assim a iconografia do santo de Assis recebendo
os estigmas foi bastante utilizada no século XVI, e seus precedentes remontam ao
século XIII.
Geralmente, as imagens representam Cristo alado como um Serafim no
Monte Alverne, onde o santo retirado fazia suas orações no dia da Exaltação da
Cruz, assim como é comum que das Chagas de Cristo emanem raios que as
reproduzem no santo. Não se pode deixar de pensar que há, nesse tema, um
paralelo entre o santo e Cristo, o monte Alverne e o monte das Oliveiras e o irmão
Leon com os apóstolos.
FIGURA 126 - No entanto, neste outro exemplo de gravação, percebemos
mais elementos em comum com a cena pintada no teto do coro, como o santo
ajoelhado, os raios marcando as chagas e a posição do Cristo entre nuvens,
embora invertida. Na peça está acima da cena a inscrição: “STIGMATUM CHIST
IN FRANCISCO DEMONSTRATIO”.
De fato, a iconografia franciscana foi bastante fundamentada na narrativa
de biógrafos do Santo, e o episódio da estigmatização consiste no ponto
culminante da tese alegórica Franciscus Alter Christus, e relembra Jesus no Horto.
textos sobre o assunto escritos por vários autores, como Frei Bartolomé
de Piza, Frei Pedro de Alva y Astorga, São Boaventura, Tomas de Celano, e as
Florezinhas
392
, sendo que transcrevemos abaixo os três últimos citados:
In: Legenda Menor de São Boaventura, Capítulo 6.
[...] Francisco era um fiel servidor de Cristo. Dois anos antes de sua morte,
havendo iniciado um retiro de Quaresma em honra de São Miguel num
monte muito alto chamado Alverne, sentiu com maior abundância do que
nunca a suavidade da contemplação celeste. Transportado até Deus num
fogo de amor seráfico, e transformado por uma profunda compaixão
n'Aquele que, em seus extremos de amor, quis ser crucificado, orava certa
manhã numa das partes do monte.
Aproximava-se a festa da Exaltação da Santa Cruz, quando ele viu descer
do alto do céu, um serafim de seis asas flamejantes, o qual, num rápido
vôo, chegou perto do lugar onde estava o homem de Deus. O personagem
392
Fioretti, [...] compilação em italiano reunindo cerca de um século depois da morte de
S.Francisco pequenas narrativas edificantes [...] IN: LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis.
Rio de Janeiro: Record, 2005. P. 57.
388
apareceu-lhe não apenas munido de asas, mas também crucificado, mãos
e pés estendidos e atados a uma cruz. Duas asas elevaram-se por cima
de sua cabeça, duas outras estavam abertas para o vôo, e as duas últimas
cobriam-lhe o corpo.
Tal aparição deixou Francisco mergulhado num profundo êxtase, enquanto
em sua alma se mesclavam a tristeza e a alegria: uma alegria
transbordante ao contemplar a Cristo que se lhe manifestava de uma
maneira tão milagrosa e familiar, mas ao mesmo tempo uma dor imensa,
pois a visão da cruz transpassava sua alma como uma espada de dor e de
compaixão.
Aquele que assim externamente aparecia o iluminava também
internamente. Francisco compreendeu então que os sofrimentos da paixão
de modo algum podem atingir um serafim que é um espírito imortal. Mas
essa visão lhe fora concedida para lhe ensinar que não era o martírio do
corpo, mas o amor a incendiar sua alma que deveria transformá-lo,
tornando-o semelhante a Jesus crucificado.
Após uma conversação familiar, que nunca foi revelada aos outros,
desapareceu aquela visão, deixando-lhe o coração inflamado de um ardor
seráfico e imprimindo-lhe na carne a semelhança externa com o
Crucificado, como a marca de um sinete deixado na cera que o calor do
fogo faz derreter.
Logo começaram a aparecer em suas mãos e pés as marcas dos cravos.
Via-se a cabeça desses cravos na palma da mão e no dorso dos pés; a
ponta saía do outro lado. O lado direito estava marcado com uma chaga
vermelha, feita por lança; da ferida corria abundante sangue.
Freqüentemente, molhando as roupas internas e a túnica. Fui informado
disso por pessoas que viram os estigmas com os próprios olhos.
Os irmãos encarregados de lavar suas roupas constataram com toda
segurança que o servo de Deus trazia, em seu lado bem como nas mãos e
pés, a marca real de sua semelhança com o Crucificado.
In: Tomás de Celano - Vida II, 211.
[...] Francisco tinha morrido para o mundo, mas Cristo estava vivo nele.
As delícias do mundo eram uma cruz para ele, porque levava a cruz
enraizada em seu coração.
Por isso fulgiam exteriormente em sua carne os estigmas, cuja raiz tinha
penetrado profundamente em seu coração. [...].
3. As Floresinhas, 2ª parte, Consideração III.
[...] Terceira consideração dos sagrados santos estigmas.
“Chegando à terceira consideração, sobre a aparição seráfica e a
impressão dos sagrados santos estigmas, devemos considerar que,
aproximando-se a festa da santíssima Cruz do s de setembro, uma
noite Frei Leão foi ao lugar e na hora habituais para dizer matinas com
São Francisco. Quando, na cabeça da ponte, disse, como costumava,
Domine, labia mea aperies, e São Francisco não respondeu, Frei Leão não
voltou atrás, como São Francisco tinha mandado, mas com boa e santa
intenção atravessou a ponte e entrou quietamente em sua cela.
Não o encontrando, pensou que ele estivesse em oração em algum lugar
pelo bosque. Então saiu para fora e, devagarinho, à luz da lua, ia
procurando-o pelo bosque. Finalmente, ouviu a voz de São Francisco e,
389
aproximando-se, viu que ele estava de joelhos em oração, com o rosto e
as mãos levantados para o céu e, com fervor de espírito dizia: “Quem és
tu, ó dulcíssimo Deus meu? Quem sou eu, vilíssimo verme e inútil servo
teu?”. Repetia sempre essas mesmas palavras e não dizia nenhuma outra
coisa. Por isso Frei Leão, muito admirado disso, levantou os olhos e olhou
para o céu. Olhando assim, viu baixar do céu uma chama de fogo
belíssima e esplendidíssima, que, descendo, pousou na cabeça de São
Francisco. Ouvia que saía uma voz dessa chama, que falava com São
Francisco. Mas Frei Leão não entendia as palavras. Vendo isso e
achando-se indigno de estar tão perto daquele lugar santo onde estava
aquela admirável aparição, e temendo ainda ofender São Francisco ou
perturbá-lo de sua consideração, se fosse ouvido por ele, voltou atrás
quietinho e, estando de longe, esperava ver o fim. Olhando fixamente, viu
São Francisco estender três vezes as mãos para a chama e, finalmente,
depois de um longo espaço, viu a chama voltar para o céu. Então moveu-
se segura e alegremente, afastando-se da visão e voltando para a sua
cela[...]
[...] E quando assim estava, inflamando-se nessa contemplação, naquela
mesma manhã viu vir do céu um Serafim com seis asas resplandecentes e
em fogo [...]
[...] Esse Serafim, voando rapidamente aproximou-se de São Francisco de
forma que ele podia discerni-lo, e conheceu claramente que tinha em si a
imagem de um homem crucificado. E suas asas eram dispostas de
maneira que duas asas estendiam-se sobre a cabeça, duas se abriam
para voar e as outras duas cobriam todo o seu corpo. Vendo isso, São
Francisco ficou fortemente espantado e ao mesmo tempo ficou cheio de
alegria pelo gracioso aspecto de Cristo, que lhe aparecia tão familiarmente
e o olhava tão graciosamente. Mas, por outro lado, vendo-o crucificado na
cruz, tinha uma desmesurada dor de compaixão. E as palavras foram
estas: Sabes, disse Cristo, o que eu te fiz? Eu te dei os Estigmas que são
os sinais da minha paixão, para que tu sejas o meu porta-bandeira. E,
assim como no dia de minha morte desci ao limbo, e carreguei todas as
almas que lá encontrei em virtude de meus Estigmas, assim te concedo
que, cada ano, no dia da tua morte, possas ir ao purgatório e trazer todas
as almas das tuas três Ordens, isto é, Menores, Irmãs e Continentes, e
também dos outros que a ti forem muito devotos e que lá encontrares, em
virtude dos teus Estigmas, e as leves para a glória do paraíso, para que
sejas conforme a mim na morte, como és na vida [...].
390
FIGURA 127
Pintura lateral do teto do coro da igreja da Luz.
Trânsito ou A Morte de São Francisco
391
FIGURA 127 - Nesta representação do instante da morte do fundador da
Ordem Franciscana Trânsito ou A Morte de São Francisco, estão pintados doze
personagens.
No centro, o santo acha-se deitado sobre uma esteira no chão, com a mão
levantada, num gesto de benção; está quase nu, tendo apenas um pano que lhe
envolve os quadris, simbolizando o desapego do mundo. Ao redor dele, em
diferentes posições, nove frades, seus filhos espirituais, e a senhora Jacoba de
Settesoli.
393
Podemos observar que de sua boca sai um raio de luz, símbolo da alma
liberada de qualquer laço terreno.
394
Existe nessa cena um detalhe que quase passa despercebido por estar
posicionado longe do contexto, e com a cor extremamente desbotada: trata-se de
uma forma branca que paira acima dos personagens como se estivesse no céu, e
que está representando o cometa que dizem ter sido avistado por um frade, no
exato momento da morte de São Francisco. Em uma outra versão conta-se que
Frei Agostinho viu ascender ao céu o Santo, como se fosse um cometa.
As figuras possuem expressão fisionômica similar, e muito embora estejam
retratadas em posição estática apresentam gestos dramáticos, que nos enviam
uma mensagem de dor e tristeza. Todos os olhos dos personagens que compõem
a cena encontram-se abaixados, assim como suas cabeças se mantêm inclinadas
de lado; nota-se que, em relação aos outros personagens da cena, as mãos de
São Francisco receberam um outro tratamento, o que as tornou mais detalhadas e
expressivas.
No tocante à composição e à resolução formal e colorística, segue a
mesma linha das demais pinturas do recinto, pois as cores são essencialmente
terrosas, com exceção da roupa azul da mulher. Para conseguir o sombreado das
cores escuras foi usado o preto, e nas cores claras o volume foi conseguido
usando tom sobre tom. A utilização de branco entra onde foi necessário o aspecto
393
[...] Nobre dama romana, Giacomina dei Settesogli, que ele chamava de “frate Giacomina” [...]
IN: LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Record. Rio de Janeiro. 2005. P. 99.
394
CULTURAL, 3C para el Arte. Barroco Hispano Americano em Chile..Corporacion Talleres
Gráficos Brizzolis. Madri: 2002. P. 128.
392
de brilho, assim como no lenço e na túnica do santo, embora seja um branco um
tanto escurecido, sujo.
393
394
FIGURA 128
Gravura
395
FIGURA 128 - Como fonte iconográfica, encontramos a gravura Morte
de São Francisco, impressa por Felipe e Cornélio Galle, em Amberes em 1587,
com a inscrição na moldura de cima onde se lê OBITUS ATQUE AD COELIS
EMIGRATIO”.
Foi possível constatar que neste trabalho existem detalhes que se
assemelham aos da pintura, como a idéia da alma emergindo da boca do santo no
momento de sua morte, conquanto na gravura, além do raio de luz, notamos um
pequeno corpo desenhado, a posição semelhante do corpo, se bem que do lado
inverso, os companheiros de São Francisco e o registro do clarão provocado pelo
cometa no céu.
395
São vários os biógrafos de São Francisco que relatam esse acontecimento,
em narrativas que constituíram os fundamentos para a iconografia da Ordem. Uma
das versões que noticia o ocorrido é a Legenda Menor de São Boaventura, In
Capítulo 7:
[...] Dois anos depois de receber os estigmas, vinte anos após sua
conversão, pediu para ser transportado a Santa Maria da Porciúncula a fim
de pagar seu tributo à morte e receber em troca e em recompensa a
eternidade, no mesmo local em que, pela Mãe de Deus, ele mesmo
conhecera o espírito de graça e de perfeição. Chegado a esse locai e
querendo mostrar pelo exemplo que nada tinha de comum com o mundo,
nesta doença que deveria ser a última, mandou que o colocassem nu
sobre a terra, a fim de nesta última hora, em que o inimigo desfecharia
talvez contra ele o último assalto, ele pudesse lutar nu contra um
adversário nu. La estava ele deitado, atleta nu, sobre a terra e na poeira, a
mão levada à chaga do lado direito para ocultá-la aos olhares dos
presentes, fixando o céu, como gostava de fazer, fisionomia tranqüila e
aspirando com todas as veras de sua alma à glória eterna. Começou então
a louvar o Altíssimo por tanta glória: a de ir para ele inteiramente livre,
desembaraçado de tudo. Todos os seus filhos formavam por assim dizer
uma coroa em volta do patriarca dos pobres; Por fim, tendo-se realizado
nele todos os planos de Deus, o bem-aventurado adormeceu no Senhor,
rezando e cantando um salmo. Sua santíssima alma se desprendeu da
carne para ser absorvida no abismo da claridade de Deus. Na mesma hora
precisamente, um de seus Irmãos e companheiros, conhecido por sua
santidade, viu a alma do santo subindo diretamente para o céu sob a
forma de uma estrela esplêndida levada por branca nuvem que pairava
sobre imensa extensão de água; alma rutilante de pureza, a reluzir os
méritos acumulados, subia com toda a riqueza das graças recebidas e das
virtudes que o tinham conformado à imagem de Deus, para gozar sem
demora da visão da luz e da glória eternas [...].
395
Laboratório fotográfico Biblioteca Nacional de Madrid.
396
Este capítulo mapeou as obras da arte pictórica que decoram as igrejas
franciscanas de São Paulo, do período que vai das últimas décadas do século
XVIII às últimas do século XIX.
Essas manifestações artísticas são um testemunho do pensamento e da
mentalidade franciscana e a representação sensível de sua influência na
estruturação da cidade e da sociedade paulistana, como encomendantes de obras
de arte que se concretizaram pelo trabalho dos mestres pintores.
A respeito dessa união entre arte e Igreja no Novo Mundo, particularmente
no Brasil, Germain Bazin comenta:
[...] no Brasil, até a segunda metade do século XVIII, a arte foi quase que
exclusivamente religiosa. A igreja é, portanto, o lugar para o qual
convergem as aspirações de transcendência, buscadas pelas almas ainda
primitivas deste período “colonial”... [...] A esta população, mesclada de
forma tão estranha, resultado de uma singular mistura de raças e
civilizações, vivendo nas terras virgens do Brasil nunca antes influenciadas
por qualquer outra cultura, a Igreja vem trazer o único universo mental
capaz de alimentar estes homens desenraizados: os brancos de sua terra,
os negros da África e os índios, de sua maneira de viver tradicional. [...].
396
396
BAZIN, Germain. A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. V.1. Rio de Janeiro: Record, 1956.
P. 11.
397
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Julgamos que uma pesquisa nunca está definitivamente terminada, por
outro lado, ao final de um percurso de investigação e reflexão sobre o tema das
pinturas franciscanas em São Paulo, algumas considerações podem ser
colocadas.
Em primeiro lugar, toda essa experiência nos permitiu chegar a
conhecimentos inéditos, como o estudo da pintura do forro do coro da Igreja da
Luz, pelo fato desse recinto estar localizado dentro de uma clausura e inacessível
ao público.
Um dos principais aspectos que decorreu do nosso estudo foi a verificação
de que, no Brasil, os franciscanos, aliás como todas as outras ordens religiosas,
usaram a arte como instrumento facilitador de sua ação evangelizadora, e como
meio de comunicação e conversão. Ressalta-se que suas produções artísticas
contêm especificidades, apresentando cenas repletas de simbolismos, figuras e
temas ligados à vida do fundador e de seus companheiros, sempre fazendo
paralelo da vida de São Francisco com a vida de Cristo.
É uma arte simples de compreender e riquíssima em conteúdos temáticos,
sendo que nos novos domínios portugueses não houve a preocupação da Ordem
em exaltar temas relativos a dogmas como defesa contra a ameaça do
Protestantismo, da forma que ocorria na Europa, trazendo, no entanto, todas as
características lusitanas quanto ao pensamento religioso e à expressão da fé, e
tendo como única novidade a catequese destinada aos índios.
O que nos levou a pensar, na questão da formação de identidades culturais
diferentes que combinaram a espiritualidade portuguesa com a nova realidade da
Colônia, pois há nas obras um conteúdo dirigido a uma população específica, com
a finalidade de evangelizar os índios e dar suporte espiritual aos colonos, e que se
modifica conforme o espaço geográfico e conforme o público a quem se
destinavam.
Realmente, pudemos constatar em São Paulo que um exemplo deste tipo
de contextualização acontece na pintura do teto da capela-mor dos terceiros
398
franciscanos, um local destinado aos membros da irmandade que exibe uma cena
com propósito edificante, na medida em que retrata um fato excepcional da vida
de São Francisco, na pintura que se intitula São Francisco sobe aos céus num
carro de fogo, onde o Santo é comparado a outro Elias.
No entanto, na nave da mesma igreja, local destinado ao público em geral,
está a pintura que mostra o Francisco entregando a Regra a Lucio e Bona, dois
santos terceiros, com o objetivo claro de propagar a fé no fundador da Ordem,
fazer conhecer seus preceitos e chamar novos membros, a fim de aumentar a
comunidade de terceiros.
No coro da Luz, que está localizado dentro do espaço da clausura, de uso
exclusivo das monjas, a pintura do teto refere-se às principais passagens da vida
do Santo, entre elas o momento em que Francisco recebe os estigmas como um
Alter-Christus, provavelmente com intenção de servir a contemplação dessas
imagens como estímulo e exemplo durante suas orações.
Não podemos pensar nessas manifestações artísticas sem estabelecer o
contexto em que foram encomendadas e produzidas. Verificamos que, no período
a que este estudo se refere houve em São Paulo um avanço que atingiu vários
segmentos da cidade, decorrente das políticas do Morgado de Mateus no
momento da restauração da Capitania de São Paulo, o que certamente
possibilitou que as ordens religiosas reedificassem e ornamentassem suas igrejas.
Como nessa época Frei Antonio de Sant’Anna Galvão exerceu funções nas
três instituições franciscanas em foco, sendo comprovadamente o arquiteto do
Mosteiro da Luz, podemos refletir que estas reformas e construções fizeram parte
de um processo artístico e arquitetônico sob seu comando.
Outro fato que merece destaque surgiu quando procedemos à análise dos
pintores atuantes na cidade, e constatamos a coincidência de que no mesmo
período de tempo alguns pintores prestavam serviço em duas ordens diferentes, e
que as pinturas traziam pontos de afinidade na composição e até na forma. Esses
elementos nos levaram a concluir sobre a existência da cristalização de um
código, para a realização de programas distintos e próprios de cada instituição.
São exemplos disso as figuras cujos pés nascem a partir do entablamento, os
399
fundos que apresentam paisagens áridas, sem nenhuma característica própria, e
as fisionomias pouco expressivas e uniformes.
Em nossa reflexão, julgamos que é essencial avaliar a mentalidade dos
religiosos franciscanos, pois tanto os frades como os irmãos terceiros têm que ser
vistos como mentores do trabalho artístico, que encomendavam obras sobre
temas geralmente ligados às suas histórias, utilizando como modelo estampas de
bíblias e missais trazidos de Portugal, ou livros com gravuras flamengas e alemãs.
Não conseguimos, no entanto, acessar as fontes iconográficas, de onde os
artistas e comitentes retiravam seus modelos, apesar de termos procurado na
Biblioteca dos Franciscanos, localizada na Faculdade de Direito da USP e na
Biblioteca Municipal Mario de Andrade, livros antigos que nos fornecessem a
circulação de estampas daquela época.
Como os conceitos devocionais eram transmitidos por livros e estatutos, foi
possível perceber que o conteúdo das bibliotecas e arquivos dos conventos
testemunha o passado cultural dos franciscanos, o que se confirmou quando
pudemos obter uma noção do pensamento de Frei Antonio de Sant’Anna Galvão
através de seus manuscritos, que analisamos nos arquivos do Mosteiro da Luz.
No exame que fizemos dos arquivos tanto do Mosteiro da Luz, bem como os da
Venerável Ordem Terceira, constatamos em livros de atas e de despesas e em
livros de crônicas que o principal tema franciscano remete à devoção às Chagas
de Cristo e ao recebimento dos Estigmas por seu fundador. Trata(m)-se do(s)
tema(s) sempre privilegiado(s) nas festas religiosas, nas procissões e ao que nos
interessa diretamente: nas representações artísticas.
Constatamos, através desses documentos, registros de devoções próprias dos
terceiros e do grande desenvolvimento que envolveu a irmandade, acompanhando
a profunda transformação pela qual passaram os paulistas, no século XVIII.
Percebemos que, de maneira geral, as ordens terceiras encarregavam-se de
divulgar, em suas igrejas, santos que haviam pertencido à irmandade, o que serviu
como elemento de coesão de grande força, divulgando conceitos iconográficos
que se repetiram nas diferentes regiões brasileiras.
400
Portanto, as pinturas de ordens terceiras mineiras podem ter repercutido em
São Paulo, em função da circulação, pois o fluxo comercial entre São Paulo e
Minas teria contribuído até para o trânsito de artistas, como parece ser o caso de
José Patrício da Silva Manso, autor da pintura do teto da capela-mor dos terceiros
(1790/93), nascido em Minas no ano de 1753, e morando na Capitania de São
Paulo desde 1777.
Esta pesquisa permitiu que divulgássemos a autoria comprovada de José
Patrício da Silva Manso da pintura do teto da capela-mor e da nave da Ordem
Terceira. Outra atribuição documentada que pudemos fazer foi a de Manoel da
Costa Vale, como autor da pintura do Zimbório dos terceiros.
Tivemos oportunidade de entrevistar os restauradores do teto da igreja
conventual de São Francisco, em fevereiro de 2007, que basearam sua pesquisa
em várias fontes, entre elas, documentos e atas da Arquidiocese de São Paulo,
confirmando a autoria da pintura a óleo, segundo esboço apresentado pela
Ordem, por Francisco Xavier Rietzler, datada aproximadamente de 1884/86.
Ainda não foram localizadas provas documentais referentes à autoria e à
datação da pintura do teto do Coro da Igreja da Luz, tais como termos de
contratação de artistas ou recibos de pagamento. Entretanto, encontramos os
mencionados manuscritos
397
das irmãs que conviveram com Frei Galvão, que
passamos a considerar como fonte casual primária, e que nos permitiu colocar a
execução desse trabalho artístico no período que vai de 1802 a 1821, ou seja, no
primeiro quarto do século XIX, tendo possibilidades de se recuar para os últimos
anos do século XVIII, período da finalização da edificação, com a inauguração do
convento em 1788 e da igreja e do coro em 1802.
Gostaríamos de deixar registrado que obtivemos da atual Abadessa irmã Eliana
Cristina do Mosteiro da Luz a confirmação de que na capela do calvário (dentro da
clausura) existe uma pintura antiga no teto com [...] ramos de flores e festões que
faziam cercadura ao redor do fôrro [...] [...]percebeu-se então os antigos ramos de
pintura que ahi existiam no forro [...] conforme as palavras com as quais a
397
Ver Capítulo III, fotos 31, 32,33.
401
descreve em documento existente no arquivo, uma irmã concepcionista, que
entrou no noviciado em 1894.
O exame que fizemos em obras e documentos resultou em algumas
questões que requerem reflexão, como o fato de notarmos que existem pinturas
coincidentes, no teto do coro da Luz e nas paredes do altar-mor da Ordem
Terceira, tanto na escolha do tema quanto no desenvolvimento da composição
intitulada A morte de São Francisco e A Renúncia aos Bens Terrenos, embora as
que pertencem à capela dos terceiros contenham mais detalhes e denotem uma
maior erudição do autor. Esse fato possibilitou que nos questionássemos se teria o
autor da Luz sido influenciado por essas obras ou teria ele sido um discípulo do
mestre que as produziu. Mais um tema e composição recorrente em duas igrejas
diferentes caberiam dentro desta mesma chave: estamos nos referindo à pintura
Indulgência da Porciúncula, no medalhão central da igreja conventual de São
Francisco, e do quadro localizado na parede lateral da capela-mor dos terceiros,
nas quais se percebe uma sincronia referente ao tema, aos elementos
iconográficos e à composição.
Foi interessante constatar que, em 1951, Frei Ortman contabilizou 22 obras
na capela dos terceiros, e que na abordagem da mesma questão neste trabalho
constatamos que fazem parte do acervo dos terceiros 20 dessas obras, às quais
conseguimos registrar e devidamente fotografar. As exceções são as duas
pinturas dos Santos Retratos, que se achavam no andar superior, ao qual não
obtivemos autorização de acesso, ficando em aberto a verificação da presença
delas ou não.
Quando iniciamos esta pesquisa, fotografamos todo o teto da igreja de São
Francisco, porém para nossa surpresa a partir de 2007 elas se modificaram pela
ação de restauradores, que estão descobrindo uma nova pintura embaixo da que
registramos. Pelo que se consegue ver, concluímos que toda a arte exposta até
agora pelos trabalhos de restauração denuncia que seu autor foi um pintor com
um estilo popular, de valor, com bom colorido e composição. Sabemos agora que
a questão da assinatura de Franz Bathe datada de 1951 indica apenas que ele
402
deve ter sido responsável por uma espécie de restauro, que perverteu a obra
original que agora vem à superfície.
Outra questão que se esclareceu depois que tomarmos contato com o
trabalho de recuperação do patrimônio artístico da igreja, em 2007, foi a revelação
da existência de uma pintura floral no teto da capela-mor, que anteriormente
estava pintada de branco, mas da qual tínhamos notícias por leituras que fizemos.
No entanto, restaram muitas dúvidas a respeito da iconografia das pinturas
do teto da igreja de São Francisco, da qual não foi possível saber todo o
significado.
Quanto à autoria, da pintura do teto do coro da Luz, dada a inexistência de
registros de pagamentos feitos a artistas de um lado, e por outro, considerando as
referências que se seguem, acreditamos na possibilidade das pinturas do coro
terem sido realizadas pelo próprio Frei Galvão e pelas primitivas irmãs auxiliados
pelos escravos e talvez supervisionados por um mestre-pintor.
Baseamo-nos em fatos encontrados na bibliografia e nos manuscritos de
Frei Galvão e das irmãs que conviveram com ele, e que dizem respeito à história e
à construção do convento. Somam-se à primeira visita que fizemos ao coro da
Luz, quando ouvimos de irmã Claudia Hoedcker, responsável pelo arquivo do
Mosteiro, a afirmação de que as pinturas daquele local tiveram a autoria das
primeiras irmãs, e que essa informação tem sido transmitida oralmente entre as
monjas, através dos anos.
Inclusive localizamos uma talha que se acha no consistório da igreja, que,
segundo a Abadessa irmã Eliana Cristina nos afirmou em 14 de junho de 2005,
possui por volta de duzentos anos, pois se trata do sacrário usado por Frei Galvão
nos primeiros tempos.
Essa peça, que fotografamos, produzida em madeira entalhada, possui
baldaquino decorado com pintura composta de motivos florais e uma pomba
representando o Espírito Santo, e pode ser pensada como uma manifestação
artística cuja talha, douração e pintura tenham sido executadas pelas primitivas
freiras e escravos sob a supervisão do construtor do mosteiro.
403
Sabemos também por Maristela
398
, que Frei Galvão,
[...] confundia-se com os operários, trabalhando com as próprias mãos [...]
[...] Era tudo: engenheiro, mestre de obras e pedreiro. [...] não queremos
deixar esquecidos os mais dedicados e laboriosos colaboradores de sua
obra ingente, os humildes e obscuros escravos.[...]. ]. [.] Desde o começo,
Frei Galvão os teve em grande número graças a três irmãs: Tereza de
Jesus, Isabel de Sant’Ana e Ana Maria de São José. Eram estas moças
filhas de Luís Ferreira Botelho e Maria Diniz de Jesus, ricos proprietários
residentes nas Minas de Paranapanema onde possuíam muitas terras e
abundante escravatura. [...].[...] Parte dos dotes destas moças era
constituída de muitos escravos.[...]. [...] Começando a construção, vieram
chegando os escravos das irmãs Ferreira, no mínimo uns trinta. [...].[...]
Sobre as imagens da igreja, interessante tradição a respeito de santo
Antonio. Assim como algumas outras, foi feita pelas antigas Irmãs. [...].
Por outro lado, fotografamos documentação do arquivo que afirma que Frei
Lucas José da Purificação, sucessor imediato de Frei Galvão após sua morte,
continuou a obra tanto na construção da torre sineira quanto nos serviços de
douração e pintura, ajudado pelas irmãs.
Ainda nos arquivos da Luz, encontramos o manuscrito com o tulo de
Religiosas Do Convento da Luz e suas Relações Genealógicas
399
, onde sob o
número 13, está Anna da Conceição 1818-1855, filha de Maria Antonia de Jesus e
Francisco das Chagas Silva, que foi protagonista de um episódio que consta do
livro de Maristela à página 88, que diz ”[...] um quadro pintado a óleo por uma das
Irmãs, Ana da Conceição, herdeira dos dotes artísticos do pai, o pintor Francisco
das Chagas Silva. [...]”.
Por todos esses indícios, este é um ponto que pode ser motivo de novas
investigações e reflexões.
A inspiração barroca é muito terrena, os santos têm aparência humana, o
próprio Concílio de Trento faz gerar a arte da Contra Reforma e em seqüência o
Barroco humanizando os santos, para que as imagens assim possam converter e
inspirar as almas dos fiéis à sua contemplação. Dada esta natureza retórica da
imagística barroca, devemos acrescentar à singularidade das ordens franciscanas,
seu despojamento, as regras ou votos de pobreza e caridade, tomando em conta
398
MARISTELA. Frei Galvão; Bandeirante de Cristo. São Paulo: Mosteiro da Imaculada Conceição
da Luz. 1978.P.101 e 136
399
ARQUIVO DA LUZ: Sobre a História do Convento da Luz. Pasta 1,Gaveta 2.
404
a forte presença da temática da vida de São Francisco e sua intimidade com o
Cristo Crucificado, e que atuavam como instrumento de conversão e de inspiração
ao fervor religioso e mesmo místico.
Se de um lado estes fatos resultam nas composições de cenas e imagens
austeras, sem a expressividade emocional de outras manifestações franciscanas
no Brasil, mas evidentes em São Paulo, de outro lado deve-se a fatores de
ausência de mestres de qualidade, senão episodicamente, no caso da restauração
da Capitania, que por sua condição econômica ainda em desenvolvimento, carecia
da presença de bons mestres europeus, religiosos ou não, desconhecendo-se
recursos técnicos e de efeitos de impacto-ópticos, dinâmicas de gestos e
corporais, presentes no Barroco-Rococó europeu e em várias regiões mais ricas
da Colônia, mesmo nas edificações franciscanas da Bahia, Minas Gerais,
Pernambuco e Rio de Janeiro.
Em decorrência desta pesquisa, descobrimos a singularidade da arte
franciscana em São Paulo, delineada por características próprias como a questão
ascética que se reflete na forma, pelo despojamento que faz parte do pensamento
franciscano, aliado às dificuldades técnicas de produção artística que resultaram
em composições bem diferenciadas das apresentadas pelos locais mais
desenvolvidos da Colônia.
É uma arte que possui a emoção contemplativa da imaginária franciscana,
ou seja, uma expressão de êxtase místico, porém mais contida e apresentada de
forma despojada.
405
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