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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
EM HISTÓRIA DAS RELAÇÕES POLÍTICAS
FLAVIA COELHO DIAS
HABITAÇÃO SOCIAL – UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS
POLITICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS:
O CASO DE VITÓRIA
VITÓRIA
2008
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FLAVIA COELHO DIAS
HABITAÇÃO SOCIAL – UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS
POLITICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS:
O CASO DE VITÓRIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em História do Departamento de
História da Universidade Federal do Espírito
Santo, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre em História das Relações
Políticas, na área de concentração em Estado e
Políticas Públicas.
Orientadora: Profª Drª Wania Malheiros Barbosa
Alves.
VITÓRIA
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Dias, Flavia Coelho, 1969 -
D541h Habitação social : uma análise histórica das politicas públicas
habitacionais : o caso de Vitória / Flavia Coelho Dias. – 2008.
102 f. : il.
Orientadora: Wania Malheiros Barbosa Alves.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Política habitacional. 2. Banco Nacional da Habitação (Brasil). 3.
Habitação popular. 4. Vitória (ES). I. Alves, Wania Malheiros Barbosa. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e
Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
FLAVIA COELHO DIAS
HABITAÇÃO SOCIAL – UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS
POLITICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS:
O CASO DE VITÓRIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História do Departamento de História
da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre
em História das Relações Políticas, na área de concentração em Estado e Políticas Públicas.
COMISSÂO EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dra. Wania Malheiros Barbosa Alves
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcus Zanotti Soares
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcia Barros Ferreira Rodrigues
A Taís e João Pedro, que me fazem
querer ser uma pessoa melhor
Ao meu pai, pelo amor e apoio
incondicional sempre
A minha mãe, mesmo distante, meu
exemplo de coragem e determinação
A Cintia e Caio, que mesmo que não
saibam, são minha fonte de força e
inspiração
Ao Rominho, pela paz que trouxe para
minha vida
meu amor e gratidão eternos
A CASA EDIFICADA
“Edificai vossa casa. Em pó ou argila,
em rocha se preciso
que a edifiqueis. Ou espuma ou brisa.
Edificai que esse é o vosso
exercício e vosso abrigo.
Edificai para sempre ou por um
momento que seja. E será para sempre
ainda que por um breve tempo.
(......................)
Mas no instante em que disserdes: é a minha
casa,
cuidai de a terdes edificado no amor, a fim
de que
não vos pareça o que não é: a vossa casa”
Roberto Almada
RESUMO
A dissertação estuda a trajetória das políticas de habitação no Brasil e as
transformações ocorridas ao longo dos anos nas ações implementadas pelos
diversos governos no campo da moradia popular, a partir do ano de 1886 até o ano
2000. Seu objetivo é analisar as iniciativas governamentais que buscaram diminuir
o déficit habitacional e a importância delas para o desenvolvimento urbano. Busca
ainda entender os motivos que levaram à falência as políticas habitacionais
anteriores ao BNH, destacando o contexto em que o Banco foi criado, sua forma de
funcionamento, causas de extinção e os caminhos que as políticas públicas voltadas
para a área de habitação social tomaram após a sua dissolução, que significou
também a diminuição de investimentos no setor da habitação de interesse social.
Para o entendimento deste processo, foi utilizada como fonte de pesquisa a
documentação que registrou a trajetória destas políticas governamentais, além de
bibliografia sobre o tema. Foi realizado recorte específico para a cidade de Vitória,
capital do Estado do Espírito Santo, município particular no que tange as
características físicas e de desenvolvimento urbano. A análise será realizada através
da caracterização da capital, do levantamento dos investimentos do BNH na cidade,
além de incluir uma defesa sobre a necessidade de fortalecer a autonomia municipal
na implementação de políticas públicas de habitação.
Palavras-chave: políticas habitacionais, Banco Nacional da Habitação, habitação de
interesse social, Vitória
ABSTRACT
T
The dissertation examines the trajectory of the policies of housing in Brazil and the
changes over the years in the actions implemented by the various governments in
the field of housing popular, from the year of 1886 by 2000. Its goal is to examine the
government initiatives seeking reduce the housing deficit and the importance of them
for urban development. Search still understand the reasons that led to the bankruptcy
housing policies prior to the BNH, highlighting the context in which the Bank was
established, its way of functioning, causes of extinction in the ways that public
policies directed to the area of social housing took after its dissolution, which also
meant the decline of investments in the housing sector of social concern. To the
understanding of this process, was used as a source of research documentation
which recorded the trajectory of these government policies, in addition to literature on
the subject. Was conducted crop specific to the city of Vitoria, capital of the state of
Espirito Santo, council particularly in terms of the physical characteristics and urban
development. The analysis will be carried out through the characterization of the
capital, the lifting of the BNH investments in the city, and include a defence on the
need to strengthen local autonomy in the implementation of public policies for
housing.
Keywords: housing policies, the National Bank for Housing, housing, social interest,
Victoria
LISTAS DE TABELAS
Tabela 1 - IAPI – Conjuntos Residenciais (situação a 31 de dezembro
de 1950) ................................................................................
29
Tabela 2 -
Empréstimos aprovados pela Carteira de Operação Social
do BNH - 1964/1980 .............................................................
62
Tabela 3 -
Distribuição Obrigatória dos Recursos Aplicados em
Caderneta de Poupança ......................................................
76
Tabela 4 -
Comparação entre Componentes do Déficit Habitacional –
Brasil, Unidades da Federação e Regiões Metropolitanas –
2000 .....................................................................................
80
Tabela 5 -
Unidades entregues em Vitória com financiamento do SFH
(de 1970 a 1988) ..................................................................
93
LISTAS DE SIGLAS
APE - Associações de Poupança e Empréstimos
BNH – Banco Nacional da Habitação
CEF – Caixa Econômica Federal
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
COHAB - Companhia de Habitação
COS - Carteira de Operação Social
FCVS – Fundo de Compensação das Variações Salariais
FCP – Fundação da Casa Popular
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IAP - Institutos de Aposentadoria e Pensões
INOCOOP - Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais
MBES – Ministério da Habitação e do Bem Estar Social
MHU – Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente
PCM - Plano de Correção Monetária
PES - Plano de Equivalência Salarial
PLANASA - Plano Nacional do Saneamento
PLANHAP – Plano Nacional da Habitação Popular
PNH – Plano Nacional de Habitação
PRHOEMP - Programa Habitacional Empresa
PROEC - Programa de Equipamentos Comunitários
SBH - Sistema Brasileiro da Habitação
SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SCI - Sociedades de Crédito Imobiliário
SEAC - Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária
SEPURB - Secretaria de Política Urbana
SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SFH - Sistema Financeiro da Habitação
SFS - Sistema Financeiro de Saneamento
UPC - Unidades Padrão de Capital do BNH
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 12
1 A AÇÃO GOVERNAMENTAL PRÉ BNH – DE 1886 A 1964 – O
PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS
NO BRASIL ..........................................................................................
18
1.1 A AÇÃO GOVERNAMENTAL NO II REINADO – DE1886 a 1933 ....... 18
1.2 OS IAP's – DE 1933 A 1946 ................................................................. 25
1.3 A FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR – 1946 ........................................ 31
2 BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO: A SOLUÇÃO PARA
QUESTÃO HABITACIONAL? ..............................................................
39
2.1 ESTABELECIMENTO E ORGANIZAÇÃO DO BNH ............................. 39
2.2 O PLANO NACIONAL DA HABITAÇÃO POPULAR – PLANHAP ........ 55
2.3 OUTROS PROGRAMAS HABITACIONAIS .......................................... 57
2.3.1 Programa de Créditos Cooperativos ................................................. 57
2.3.2 Institutos Oficiais de Previdência ..................................................... 59
2.3.3. PHROEMP – Programa Habitacional Empresa ................................. 59
2.3.4 PROEC – Programa de Equipamentos Comunitários ..................... 59
2.3.5 Aquisição de material de construção ............................................... 60
2.4 BNH – O COMEÇO DO FIM.................................................................. 61
2.4.1 Alguns resultados ............................................................................... 61
2.4.2 O Cenário da Crise .............................................................................. 63
3 PERSPECTIVAS DA POLÍTICA HABITACIONAL PÓS BNH .............
70
3.1 AS PRIMEIRAS TENTATIVAS PÓS BNH – DE 1986 A 1989 .............. 70
3.2
A SECRETARIA ESPECIAL DE HABITAÇÃO E AÇÃO
COMUNITÁRIA – SEAC – DE 1989 A 1995 .........................................
73
3.3
UMA NOVA TENTATIVA: A SECRETARIA ESPECIAL DE
DESENVOLVIMENTO URBANO – SEDU – DE 1995 A 2000 .............
74
3.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL 78
3.5
SINAIS DE SOLUÇÃO PARA A CRISE HABITACIONAL: A
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS ....................
81
4
A POLÍTICA DE HABITAÇÃO NOS MUNICÍPIOS: O CASO VITÓRIA
84
4.1 CARACTERÍSTICAS DA CIDADE ........................................................ 84
4.2
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA – CAUSAS DA EXPANSÃO
POPULACIONAL EM VITÓRIA .............................................................
86
4.3 INTERVENÇÕES HABITACIONAIS NO MUNICÍPIO ........................... 88
4.4 O QUADRO DA HABITAÇÃO POPULAR EM VITÓRIA PÓS BNH ...... 94
CONCLUSÃO ........................................................................................ 96
LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO .................................................... 99
12
INTRODUÇÃO
A modernização econômica e o progresso têm exigido uma redefinição do papel dos
governos devido à dificuldade de formulação de um projeto nacional único que
atenda a demanda crescente de políticas regionalizadas que possam oferecer
soluções às necessidades dos municípios brasileiros.
Especialmente as políticas habitacionais no Brasil foram marcadas pela inconstância
de ações governamentais e pela ocupação desordenada do solo urbano,
particularmente caracterizadas pela dificuldade de atender as especificidades de
cada município.
Sabe-se que o a maior iniciativa do Governo Federal no que tange às políticas
públicas de habitação, foi a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), em
1964. O BNH funcionou até 1986, e neste período foi a principal instituição federal
de desenvolvimento urbano, operando como gestor do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS) e como formulador e implementador do Sistema
Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro do Saneamento (SFS).
Após a extinção do Banco, houve um esvaziamento institucional com relação a
investimentos públicos para a área de habitação. As funções de elaborador e
executor das políticas de habitação foram assumidas pela Caixa Econômica Federal
(atual executora do sistema) e por órgãos como secretarias e ministérios,
responsáveis pela elaboração das políticas. Ficaram, então, desconcentradas
politicamente e, conseqüentemente, desarticuladas.
A situação torna-se ainda mais grave quando o foco é voltado para a parcela da
população de baixa renda, historicamente excluída das ações do mercado privado
relativas a financiamentos de longo prazo.
13
Ao longo do período 1886 – 2000, apesar das ações implementadas pelos
sucessivos governos, não foi possível registrar resultados que representassem o
nível de crescimento da população mal alojada. Para amenizar esse problema, a
partir de 1964, criou-se o BNH. Sua principal função seria produzir unidades
habitacionais destinadas à população carente. Apesar dessa política ter se
apresentado mais expressiva que a anterior, não atendeu satisfatoriamente à
população de baixa renda.
No decorrer do período examinado houve numerosas alterações na política
habitacional brasileira. Primeiramente, revelam mudanças de objetivos, pois partiam
de um momento em que a meta fundamental era a de construir casas para atrair
mão-de-obra estrangeira. Depois, passou-se para uma etapa em que a intenção era
de proporcionar moradia para o operariado urbano. E por fim, chegou-se à criação
do BNH e do Sistema Financeiro de Habitação, cujo objetivo primordial era construir
casas para proporcionar emprego aos operários, através de maior movimentação do
setor da construção civil.
No entanto, observou-se nessas transformações, uma progressiva desatenção com
a qualidade das habitações destinadas à população de baixa renda. O fato talvez
possa ser explicado pela mudança de objetivo da política adotada em cada
momento histórico, uma vez que deixava clara a ausência de linearidade e
continuidade nas políticas habitacionais.
Por outro lado, de uma instituição pública como o BNH, criada com propósitos
eminentemente sociais, cujos recursos provem na sua quase totalidade de
empréstimos compulsórios da população assalariada do país, espera-se
precisamente a adoção de critérios não apenas econômicos.
Essas políticas habitacionais serão objeto de estudo crítico através de levantamento
bibliográfico relacionado à evolução das políticas governamentais na área
habitacional, desenvolvidas pelo Governo Federal desde o Segundo Reinado.
Passará pelas diversas estruturas estabelecidas pelo governo para atendimento da
questão habitacional até chegar à organização e extinção do Banco Nacional da
Habitação, por meio da análise dos fatores que influenciaram a sua formação e
término. Essa análise não ficaria completa sem o conhecimento dos caminhos
14
percorridos pela política habitacional pós BNH, o que estende o estudo até o ano
2000.
Então, a fim de entender o formato que foi dado, historicamente, às políticas
habitacionais no Brasil, será utilizado como referencial teórico a história política
governamental das ações direcionadas à área habitacional no país.
A revisão da literatura para o estabelecimento do referencial teórico que sustentasse
o desenvolvimento desta pesquisa, exigiu que o estudo fosse dividido em quatro
partes:
No primeiro momento, serão pesquisadas as políticas habitacionais implementadas
pelos governos federais entre 1886 e 1964. O foco será no início no Segundo
Reinado, na época em que o trabalho livre passou a substituir o trabalho escravo, já
que a questão habitacional e seus problemas só começaram a preocupar quando as
cidades converteram-se no principal centro de atividades econômicas, mais
especificamente no final do século XIX, após a abolição da escravatura e a
proclamação do regime republicano.
A estruturação e formação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões e sua
interlocução com a oferta de moradias, além do estabelecimento da Fundação da
Casa Popular, também serão alvo de análise detalhada. A Fundação da Casa
Popular passou a concentrar, em 1946, as operações imobiliárias e o financiamento
das carteiras prediais dos Institutos ou Caixas de Aposentadorias e Pensões, numa
clara tentativa do poder público em sistematizar as atividades, até então dispersas,
de todos os órgãos que estavam intervindo no campo da habitação destinada às
populações de baixa renda.
A segunda parte do trabalho se dedicará a estudar mais de perto a criação,
funcionamento e resultados do Banco Nacional da Habitação, criado em 1964, após
a supressão da FCP, bem como seus programas, realizando uma tentativa de
compreender o contexto em que se deu a sua extinção, em 1986.
O BNH foi criado como parte de um Sistema Financeiro criado cujo objetivo foi
atender às necessidades habitacionais, especialmente, das classes de menor renda.
15
A criação do SFH e do BNH pode ser considerada a ação mais estruturada de
sistematização governamental no campo habitacional e, mais especialmente, no
campo da habitação popular. Isso se traduz no artigo 1°da lei 4.380, que determinou
que o Governo Federal deveria formular a política nacional de habitação e
planejamento territorial, através da coordenação das ações dos órgãos públicos e da
orientação a iniciativa privada a fim de estimular a construção de habitações de
interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente
pelas classes da população de menor renda, motivo pelo qual o tema deve ser alvo
de um capítulo dedicado a entender as suas peculiaridades.
Apesar de todos os esforços estabelecidos pelo Governo Federal para manutenção
do Banco, pois objetivava manter o desempenho financeiro e a capacidade de
pagamento dos mutuários, em 1985 o BNH, órgão responsável pela política
habitacional no país desde 1964, passava por grave crise institucional, ocasionada
principalmente pelo acúmulo de déficits.
Em 1986, o Banco foi extinto. Apresentava um quadro de baixo desempenho social,
altos índices de inadimplência, baixa liquidez, além do descontentamento dos
mutuários.
Cabe aqui uma análise dos caminhos que a política habitacional no país seguiu após
1986, visto que a ação voltada para resolver a questão da moradia mais organizada
na história do país havia fracassado.
Esta questão será abordada na terceira parte do estudo, que se dedicará a explorar
as perspectivas da política habitacional pós BNH, descrevendo as ações realizadas
no governo até o ano 2000. Ressalte-se que há uma tentativa, ainda neste capítulo,
de defender a autonomia dos municípios em relação à capacidade de implementar
ações de combate ao déficit habitacional.
Isso se deve principalmente, pelo fato de que, até então, todas as políticas
relacionadas à questão da moradia se concentraram na esfera federal, desprezando,
desta forma, as potencialidades de cada município em gerenciar soluções para os
aspectos mais críticos do déficit habitacional, que, pela própria dimensão do país,
possui muitas particularidades.
16
Desta forma, uma das propostas deste trabalho é conhecer os resultados práticos
das ações estabelecidas pelo BNH em um município, estudando especialmente, o
município de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, devido aos aspectos
particulares que a cidade apresenta e de como uma política direcionada a atender
essas necessidades poderia ser eficaz no enfrentamento do déficit habitacional.
Vitória possui peculiaridades topográficas e históricas (urbanização e centro
econômico e financeiro recentes), que a tornam uma cidade exemplar do problema
que se pretende estudar. Dentre elas, é possível citar:
1) Uma extensa área litorânea que a enquadra na legislação de Terrenos de
Marinha. Isso acaba por aumentar consideravelmente o valor dos imóveis, devido
aos tributos, estimulando a ilegalidade e assim dificulta a regularização da
documentação dos imóveis no município;
2) Vitória, por ser uma ilha, apresenta sua parte continental muito reduzida, além de
ser rodeada por montanhas. Possui uma área de 81 km², equivalente a apenas
0,18% do território estadual e 5,5% dos 1.461 quilômetros da Grande Vitória, sendo,
portanto, o menor município desta região. Essas características dificultam a criação
de bairros periféricos e de alternativas mais acessíveis à população de baixa renda.
3) O reduzido espaço geográfico para expansão imobiliária na capital do Espírito
Santo estimula a especulação imobiliária. Os terrenos à venda na região são cada
vez em menor quantidade, o que aumenta a demanda pela procura, ao mesmo
tempo em que diminui a oferta de áreas livres.
4) A ausência de políticas habitacionais que privilegiem as características
particulares de Vitória aliadas à ausência de políticas públicas federais criaram,
como na maioria dos municípios, um bolsão de construções irregulares e moradias
as quais não oferecem aos moradores as condições mínimas de habitabilidade.
O enfrentamento da questão habitacional não pode ser desvinculada da
necessidade de ordenação do espaço urbano e do processo de crescimento e
desenvolvimento das cidades. Cabem ações governamentais em prol da população
tradicionalmente excluída da possibilidade de obter moradia própria. É com base
17
neste dado que se justifica, então, o estudo, já que qualquer ação de sucesso futura
depende do entendimento das ações passadas.
18
1 - A AÇÃO GOVERNAMENTAL PRÉ BNH – DE 1886 A 1964 - O
PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NO
BRASIL
1.1 – A AÇÃO GOVERNAMENTAL NO II REINADO – DE1886 a 1933
Pode–se afirmar que a intervenção do governo na área habitacional popular teve
início no Segundo Reinado, na época em que o trabalho livre passou a substituir o
trabalho escravo, já que a questão habitacional e seus problemas só começaram a
preocupar quando as cidades converteram-se no principal centro de atividades
econômicas, mais especificamente no final do século XIX, após a abolição da
escravatura e a proclamação do regime republicano.
Analisando o período compreendido entre 1831 e 1840, observa-se que a abdicação
de D. Pedro I e a instalação do Governo da Regência fizeram com que
aprofundassem as revoltas de Norte a Sul do país a favor da Federação e da
República, prevalecendo a unidade territorial e a hegemonia dos senhores.
Apesar da crescente oposição dos ingleses ao tráfico negreiro, somente no período
1830-1939, chegaram ao Brasil aproximadamente 350 mil escravos. Eram enviados
às plantações de café do Rio de Janeiro e São Paulo. Naquela época, a população
brasileira alcançava o número de 4,5 milhões de habitantes, com metade livre e
metade escrava.
Mesmo com o crescimento populacional, ainda não se observava problemas com
relação à moradia no país, já que a metade da população era de escravos, as
senzalas davam conta de abrigá-los. A moradia do homem livre, tanto no campo
como nos povoados, vilas e cidades, eram feitas de taipa, adobe e palha.
Em 1831, foi criada a primeira Caixa Econômica do Brasil
1
. Apesar de possuir
organização precária, acabou dando origem às Caixas Econômicas oficiais
2
, já no
1
Criada pelo Dr. José Florindo de Figueiredo Rocha, de caráter privado.
2
Com a criação das Sociedades Anônimas pelo Dec. n.°575 de 10 de janeiro de 1849, começam a
ser autorizadas várias Caixas Econômicas pelo Brasil. A partir de 1860 as Caixas Econômicas
passam a ser regulamentadas pela Lei n.° 1.083 de 22 de agosto; em 12 de janeiro do ano seguinte
19
período do II Reinado. Não se conhecem detalhes de seu funcionamento, inclusive
datas do início e encerramento de suas atividades. Sabe-se apenas que duraram 28
anos.
Ainda nas fazendas e engenhos, os senhores davam aos seus escravos apenas as
condições materiais mínimas indispensáveis à sua sobrevivência e reprodução.
Desta forma, a moradia não desempenhava papel importante entre essas condições,
“pois, segundo se dizia, para manter o escravo apto para o trabalho bastavam os
“três P – pão, pau e pano
3
”.
Quando se faz referência à habitação do escravo, fala-se da senzala, a qual era
mais apropriada para manter os trabalhadores sem possibilidade de fuga do que
propriamente oferecer-lhe condições de moradia.
Nesse particular, parece ter havido, no correr do
tempo, uma involução, ditada pelo pioramento das
relações entre senhores e escravos. As primeiras
habitações a estes destinadas teriam sido os
casebres de taipa, cobertos de palha, construídos
nas vizinhanças das casas-grandes. Pobres e
desconfortáveis como deveriam ser, acomodava-
se, em cada um deles, um grupo familiar. A
senzala, com a amplitude necessária para alojar
dezenas ou centenas de “peças”, isto é, os braços
válidos para a labuta no campo, deveria oferecer o
máximo de segurança para impedir as saídas
noturnas ou fugas para os quilombos. E, na
medida em que a docilidade dos negros foi
diminuindo e transformando-se em luta aberta
contra os senhores, à senzala passou a
apresentar uma configuração construtiva que a
aproximava cada vez mais de um presídio.
(FINEP, 1983: 15)
Como demonstrado, as senzalas eram ambientes com pouca ventilação e muita
sujeira, propícias a focos de doenças, isso leva à Câmara a criar uma resolução
(datada de 1855) recomendando aos fazendeiros medidas de higiene e melhoria da
alimentação
4
.
são aprovados os estatutos da Caixa Hipotecária da Bahia e o Monte Socorro da Corte, no Rio de
Janeiro; observa-se que o texto legal que cria os estatutos da Caixa de Valença , BA (Dec. n.° 1.080
– 11 de dezembro de 1852) permitia o acesso de escravos à Caixa desde que encaminhados e
aprovados por seu senhor.
3
FINEP/GAP, 1983:15
4
Recomenda que os fazendeiros tomem medidas de higiene indispensáveis nas condições atuais
das fazendas, onde, por via de regra, a alimentação dos escravos é má, e as senzalas imundas, com
20
Porém, além de escravos, os engenhos e fazendas possuíam ainda trabalhadores
(geralmente brancos ou negros libertos) a quem os proprietários ‘davam’ casa e terra
em troca de dias de serviço. Estes trabalhadores alimentavam-se de feijão e milho
que plantavam e eram obrigados a vender as sobras aos donos das terras. No
entanto, acabavam formando uma legião de ‘sem terra’ perseguidos pelos posseiros
das vizinhanças, já que eram sempre ameaçados de ver seus casebres incendiados
quando havia interesse em expulsá-los das propriedades.
Nas cidades, ainda não estava consolidada a prática de invasão ilegal de terrenos
no meio urbano, e as moradias existentes à época – cortiços
5
, estalagens, etc. -
tinham o benefício de sua localização próxima a locais de trabalho.
Entretanto, na última década do século XIX, houve um crescimento industrial e as
fábricas, em processo de expansão, passaram a localizar-se nos bairros. Em virtude
disso, tornaram-se os cortiços moradia tanto para seus trabalhadores quanto para os
artífices, pedreiros, carpinteiros, marceneiros e alfaiates.
Observa-se o crescimento populacional urbano a partir de 1850:
A partir da proibição do tráfico negreiro em 1850, e
por força da capitalização do boom cafeeiro e da
expansão econômica que ocorre até 1875,
progressivamente crescem nos centros urbanos
mais desenvolvidos e populosos novos tipos de
habitações coletivas, verdadeiras senzalas
urbanas, focos de doenças endêmicas para
abrigar os novos habitantes: os cortiços e
cabeças-de-porco que serviam de moradia para
4% da população do Rio por volta de 1869 e
chegaram a 25% nos primeiros anos da República
6
.
Em agosto de 1855, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro promulga edital
determinando que qualquer nova construção de cortiço deveria ser submetida à sua
aprovação, chegando, em setembro de 1876, a proibir a construção de cortiços,
demonstrando preocupação com as precárias condições dessas habitações. Apesar
das proibições, as construções deste tipo de habitação proliferaram pela cidade.
muita gente amontoada em espaços exíguos.” (FINEP, 1983:16, apud Stein, Stanley J. Grandeza e
decadência do café. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1961, p. 221)
5
Fileiras de pequenas casas, umas pegadas às outras, com instalações sanitárias, cozinhas ou bicas
d’água de uso comunitário, localizadas em um pátio e utilizada por todos os moradores
6
FINEP/GAP, 1983: 26
21
Observou-se seu crescimento, após 1886, com o início da imigração européia e
agravado pela Abolição da Escravatura, em 1888.
O processo de industrialização por que passa o país é acompanhado de um rápido
crescimento populacional, que de 8 milhões de habitantes em 1850 – sendo 2,5
milhões de escravos – o Brasil passa a ter dez milhões em 1872
7
.
Ao final de 1882, o Império lança decretos nos quais concede favores às empresas
que produzirem habitações para seus operários e classes pobres. Estes decretos
8
estabelecem normas e exigências relativas às obras e saneamento, sendo criada,
inclusive, a Junta Central de Higiene Pública, para aprovação das obras.
Esta ação pode ser justificada tanto pelo interesse do governo e das indústrias em
atrair trabalhadores imigrantes, que na ocasião eram qualificados como melhores
que a mão-de-obra local e também mais exigente com relação ao conforto domiciliar,
quanto pela questão da higiene, a fim de evitar epidemias, freqüentes em época de
escassos recursos médico-sanitários e controle da saúde pública.
Esse movimento de industrialização, iniciado no Brasil a partir de 1870, somado ao
aumento da imigração interna e externa e a natural expansão da ocupação urbana
desenharam um cenário habitacional novo que acabou por requerer do Poder
Público alguma ação específica neste sentido.
A partir do ano de 1886, observou-se em São Paulo, o crescimento acentuado da
população, ocasionando um aumento das construções na cidade, e isso agravou as
condições sanitárias. Os cortiços passaram a ser vistos como foco de doença e
desordem, precisando ser saneados.
Um Decreto datado de 1886 cria o Código de Posturas do Município de São Paulo e
determina, ao tratar das “Habitações das Classes Populares”, a proibição terminante
de construção de cortiços.
7
Registrado pelo primeiro censo realizado no Brasil.
8
Dec. n.°3.151 (1882), Decs. n.° 9.509 a 9.511 (todos em 1885).
22
O município passa a ser responsável por providenciar o desaparecimento dos
existentes, além de ficar determinado que as vilas operárias se estabelecessem fora
da aglomeração urbana.
Nessa perspectiva, a Lei nº 375 do Município de
São Paulo, publicada em 1898, proíbe os cortiços
infectos e insalubres, determinando sua demolição
ou reconstrução em conformidade com o padrão
municipal. Por outro lado, a Lei 413 de 1901
isenta de impostos municipais as vilas operárias
que fossem construídas conforme o padrão
estabelecido pela Prefeitura e fora do perímetro
central da cidade.
9
A edificação de vilas operárias cresceu com os incentivos dados pelo Governo, que
através de decreto
10
, estabeleceu isenção de impostos por 15 ou 20 anos às
indústrias que construíssem moradias destinadas aos operários e pobres, de acordo
com as características determinadas no regulamento.
O período compreendido entre anos de 1891 e 1901 registra a entrada de imigrantes
no Brasil com um número que ultrapassava os registros anteriores, chegando a
1.125.000 pessoas. Eles se fixaram tanto nas plantações de café no Centro-Sul
quanto nas atividades urbanas, em conseqüência disso, houve aumento da
quantidade de vilas operárias rurais e de habitações urbanas como os cortiços e
estalagens, já que estes se juntavam aos escravos libertos que haviam rumado para
as cidades
11
. As grandes indústrias estabelecidas nas cidades acabaram sendo
cercadas de aglomerados habitacionais, as quais, semelhantes às colônias erguidas
nas fazendas, foram chamadas de vilas operárias.
O governo percebe, então, que deveria intervir de modo a regulamentar a expansão
desse novo tipo de moradia urbana e, através de decreto, passa a estabelecer
regras para as casas destinadas a operários e classes pobres. Os planos definitivos
de construção deveriam continuar atendendo às exigências da Junta Central de
Higiene Pública e deveriam ser aprovados pelo Governo.
9
Bonduki, 1982:89 apud Silva, 1989:37
10
Dec. n.° 3.151, de 09 de dezembro de 1882
11
Em 1890, de acordo com o Censo Demográfico, verifica-se que no Distrito Federal (RJ) 23,3% da
população de 522.651 habitantes era constituída de estrangeiros e brasileiros naturalizados. Nessa
mesma data existiam no Distrito Federal 1449 habitações coletivas nas quais estavam presentes
18.338 famílias, isto é, cerca de uma quarta parte do número de famílias recenseadas (71.807).
Provavelmente a maioria dessas habitações era formada por cortiços.
23
As concessões e facilidades, similares às do período do Império, foram destinadas a
empresas criadas com finalidade de construir habitações populares
12
. Estes planos
de construção deveriam ser apresentados ao Governo no prazo máximo de dois
meses; após, o concessionário se obrigava a incorporar uma companhia no prazo de
seis meses a partir da aprovação dos planos. Em três anos, as habitações que
substituíssem os cortiços, (os quais deveriam ser demolidos em proporção às casas
construídas), deveriam estar prontas. A empresa concessionária deveria ainda
indenizar os proprietários dos cortiços em valores relacionados aos materiais e mão-
de-obra por eles utilizados na construção destes cortiços.
É fundamental ressaltar que as moradias construídas seriam oferecidas aos
moradores em regime de aluguel, tabelados pela construtora que, em contrapartida
das obrigações assumidas, teria isenção dos impostos predial e de transmissão (no
momento das vendas) por prazos de até 20 anos.
No período do governo de Rodrigues Alves (1902 – 1906), houve a posse do
engenheiro Francisco Pereira Passos na Prefeitura do Rio de Janeiro a 3 de janeiro
de 1903. nessa época, iniciou-se a remodelação urbanística da capital federal que
modificou profundamente a paisagem da cidade, através da abertura de avenidas,
implantação de rede de abastecimento d’água e coleta de esgotos, levando à
demolição de cerca de 3 mil cortiços e estalagens.
Porém, a derrubada dessas moradias não foi acompanhada da construção de novas
habitações, o que levou a população desalojada a buscar abrigo na periferia urbana
e nos morros, até então quase desertos. Principiou-se assim, a formação das
primeiras favelas.
Sobre o assunto, Silva (1989), acrescenta:
Na época de Pereira Passos, a habitação
proletária urbana sofre, do Rio de Janeiro, uma
“limpeza“ e reconstrução maciça. Com a abertura
das ruas e avenidas centrais da cidade, há a
demolição de inúmeros cortiços, não se
registrando, em contrapartida, a substituição das
habitações demolidas por moradia de baixo custo.
12
Decretos n.°843, 894 895, de 1890, para o Banco de Operários, Companhia Nacional de
Construções e Companhia Técnico-Construtora, respectivamente. Nesse mesmo ano de 1890 a
Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro possuía quase todas as vilas operárias da cidade, não
pertencentes às indústrias, construídas nos subúrbios em substituição aos cortiços eliminados
24
Só a abertura da Avenida Central, hoje Avenida
Rio Branco, exigiu a demolição de duas ou três mil
casas. E uma Lei Municipal de 10 de fevereiro de
1903 proíbe todos os reparos em cortiços. A
conseqüência inevitável foi a elevação substancial
dos aluguéis e moradias populares.
13
Diante dos fatos, a Prefeitura iniciou a primeira ação concreta no campo da
habitação popular, entregando em 1906 120 unidades habitacionais destinadas a
operários
14
.
Em uma ação federal, em 1915, o Ministério da Fazenda foi autorizado, através de
abertura de crédito, a custear despesas de administração e construção de vilas
operárias. Ainda em 1915 foi aprovado o novo Regulamento para as Caixas
Econômicas Federais
15
, e em 1916 a Lei n.° 1.544 autorizou os Governos Estaduais
a fundarem suas Caixas Econômicas.
Em 1920, o governo Epitácio Pessoa iniciou a política oficial de construção de casas
de aluguel para operários e proletários
16
, mantendo ainda a concessão de
construção a terceiros, como visto anteriormente.
Em São Paulo, entre os anos 1910 e 1920, a habitação popular era
predominantemente constituída por moradias alugadas. Naquela época, o Estado
vivia a fase forte da economia cafeeira, e se estabelecia como centro urbano onde
se concentrava o comércio, a rede bancária e um movimento industrial significativo,
que acabava por atrair um número de trabalhadores ocupantes destas moradias.
Com o crescimento industrial consolidado a partir de 1920, a concentração de
trabalhadores em volta das fábricas deu lugar, lentamente, a um processo de
segregação da habitação popular, passando do modelo baseado no aluguel em
cortiços, para o modelo de moradias próprias auto-construídas em periferias,
identificadas a partir de 1940
17
.
13
(Leeds & Leeds, 1978:189-90, apud Silva, 1989:38).
14
Localizados na Avenida Salvador de Sá e Rua São Leopoldo (ainda existentes em 1983)
FINEP/GAP 1983, p.38
15
Decreto n.° 11.820
16
Decreto n.° 4.209
17
Silva, 1989, p. 37
25
Em 1923 registrou-se a criação da primeira Caixa de Aposentadoria e Pensão
18
,
destinada aos funcionários de cada Estrada de Ferro do país. Essa ação é
considerada como o início das organizações de seguro social no Brasil e já em 1930,
foram criadas as Carteiras Imobiliárias das Caixas de Aposentadoria e Pensões
19
,
assumindo importantes responsabilidades no campo da habitação.
Em 1926, a Prefeitura do Distrito Federal (RJ), o Ministério da Justiça e o
Departamento de Saúde Pública se unem para solucionar o que chamaram de crise
da habitação, mas sem nenhuma ação direta. Apenas, em 1927, o Departamento
de Saúde Pública destruiu o que julgava serem “núcleos malsãos” e alojou
temporariamente os desabrigados pela ação.
1.2 – OS IAP's – DE 1933 A 1946
Observa-se que no período de 1930 a 1940 a população cresceu de 30 para 40
milhões – aproximadamente 2,5% ao ano – e em 1940 mais de 30% da população já
vivia nas cidades.
A preocupação do governo sobre a questão habitacional pode ser percebida
também através da autorização às Caixas de Aposentadoria e Pensões
20
para
financiamento de moradias para seus segurados.
Em 1933, foram criadas organizações de âmbito nacional, em substituição a muitas
Caixas de Aposentadoria e Pensões. Eram chamados Institutos de Aposentadoria e
Pensões. O primeiro Instituto foi o da categoria dos marítimos, incluindo o pessoal
da marinha mercante, vindo depois o dos comerciários, o dos trabalhadores em
trapiches e armazéns, o dos estivadores e o dos bancários
21
.
18
Decreto n.°4.682
19
O decreto ficou historicamente conhecido como “Lei Eloi Chaves”
20
Em 1930, com a criação do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, já existiam no país 47
Caixas de Pensões, com cerca de 14.000 segurados.
21
São escassas as fontes sobre as realizações dos IAPs; as informações coletadas estão registradas
no período de 1942 / 1950 e no ano de 1966, datas dos relatórios obtidos. FINEP, 1983, p. 45
26
Após a aprovação do decreto que regulamentava a aplicação de receitas das Caixas
e Institutos na construção de casas, em 1932
22
, ficou determinado que
[...] caberia ao Conselho Nacional do Trabalho a
autorização às entidades com patrimônio superior
a 500 contos de réis, para conceder
financiamentos destinados à construção de casas.
As prestações mensais deveriam compreender um
quota de conservação da casa “contra efeitos do
tempo”, fixada em 3% ao ano. O valor das
prestações não poderia exceder a 30% do total
dos vencimentos do prestamista.
23
Com a consolidação de algumas fusões de antigas Caixas, a quantidade Institutos
de Caixas e Pensões correspondia a 107 em todo o país, que contavam com cerca
de 844.801 associados.
As primeiras unidades habitacionais construídas pelos Institutos foram em 1933 (11
no Rio de Janeiro e 38 em Porto Alegre). Durante 1935, 37 prédios surgiram no Rio,
dois em Porto Alegre e um em Belo Horizonte; e, finalmente, em 1937, mais dois
prédios em Belo Horizonte.
Com os IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), o equacionamento do
problema passa às mãos do Governo. Observa-se que a nova política dedica-se ao
atendimento da mão-de-obra produtiva, especialmente dos trabalhadores da
indústria e dos transportes, deixando de lado a população marginalizada, que acaba
por aumentar a ocupação dos morros no Rio de Janeiro, além de fixar outras formas
de aglomerações espontâneas pelos principais centros do país.
O Código de Obras do Rio de Janeiro
24
, o qual pode ser considerado a primeira Lei a
prever a substituição das favelas por habitações para serem vendidas a pessoas
que fossem reconhecidas como pobres pelo Governo, determinou que não fossem
construídas novas casas nas favelas. Além disso, proibia qualquer melhoria nas
casas existentes.
22
Decreto n.° 21.326
23
FINEP/GAP, 1983, p.46
24
Decreto n.° 6000, de 1937
27
Registra-se que quase todos os governos, a partir de 1930, chegaram a admitir a
possibilidade de extinção, substituição ou remoção dos núcleos de favelados nas
grandes cidades brasileiras.
Verifica-se, a partir dessa época, a crise do modelo habitacional até então utilizado -
representado pelo aluguel de moradias. A partir de meados da década de 30, o
processo inflacionário começa a desestimular a construção de casa para aluguel, e a
especulação de terrenos e imóveis urbanos começa a se dar num ritmo acelerado.
A crise habitacional no país é acelerada com a instituição da Lei do Inquilinato, que
estabeleceu controle dos valores das locações residenciais, estimulando a
construção de casas para venda, as quais não eram acessíveis aos trabalhadores
de menor poder aquisitivo. Assim sendo, eles acabavam sendo obrigados a recorrer
à autoconstrução e à favela.
Este Código de Obras representou uma tentativa de limitar a expansão e melhoria
das favelas, já que, além de reconhecer a existência das favelas, a lei previa a
eliminação e substituição das favelas por “núcleos de habitações do tipo
mínimo”,determinando a construção de habitações populares (“habitações
proletárias”) a serem vendidas para pessoas reconhecidamente pobres
25
.
Assim, em 1937, o Estado criou os Parques Proletários do Rio de Janeiro. Esses
parques deveriam servir de abrigo provisório para famílias faveladas desabrigadas,
mas constituiram-se de casas coletivas de madeira, enfileiradas. Elas serviram de
suporte para remoções compulsórias e tornaram-se, para muitos, a única
possibilidade de uma habitação permanente, representando uma primeira tentativa
de política habitacional
26
.
Também em 1937, são criadas as Carteiras Prediais, vinculadas ao sistema de
previdência social. Significa que o Estado pela primeira vez assume a
responsabilidade pela oferta de habitações a todos os segmentos da população
urbana. Todavia, a política que tinha como proposta ser includente, ofereceu um
25
Artigo 347
26
Silva, 1989, p. 39
28
atendimento restrito aos associados dos institutos de previdência, pautando-se por
uma atuação fragmentária e pouco relevante quantitativamente
27
.
Desta forma, fica claro que a ação governamental se baseava na crença de que a
questão habitacional seria resolvida com a repressão dessas ocupações
espontâneas e criação de dispositivos de isenção de impostos às empresas que
construíssem casas para população de baixa renda, como se pode observar através
da ação da Prefeitura do Distrito Federal (RJ), que, a partir de 1940, criou um
programa de erradicação de favelas pela criação dos Parques Proletários
Provisórios.
Na mesma época, os IAPs estabeleceram um novo padrão construtivo: a construção
de conjuntos ao invés de casas individuais. Principalmente o IAPI - Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários. “Tal orientação foi justificada pela
necessidade de aplicar as reservas financeiras dos Institutos no “seguro social
brasileiro”, contando-se que essas inversões pudessem assegurar uma renda média
de cinco por cento anuais”. (FINEP/GAP, 1983, p.54)
Tais inversões deveriam ser feitas para constituição de um patrimônio próprio de
renda satisfatória e com acentuadas possibilidades de valorização, em aplicações
imobiliárias de finalidade social e, especialmente, de benefício direto aos associados
em financiamentos de empreendimentos de caráter industrial ou imobiliário, em
títulos do Estado ou em valores mobiliários de rendimento fixo e em depósitos
bancários.
As inversões imobiliárias foram de duas categorias: as aplicações imobiliárias para
uso ou renda e as aplicações imobiliárias de interesse social, que consistiram na
construção de conjuntos residenciais, sendo intensificada nos principais centros
industriais do país.
27
A intervenção direta do estado no setor habitacional, em 1937, com a criação das Carteiras
Prediais, deve ser compreendida no contexto do desenvolvimento econômico e político da época,
quando se dava o agravamento das condições habitacionais do meio urbano pelo impacto das
crescentes taxas de urbanização em decorrência do redirecionamento econômico do setor agrário
para o industrial. Ao mesmo tempo, a população operaria evolui significativamente, passando de
149.140, em 1907, para 781.185, em 1940 (FIBGE, Censos Industriais, 1940-1950, apud Silva, 1983,
p.38).
29
Por isso, a justificativa pela opção dos conjuntos é a obtenção de residências de
custo baixo, condizentes com a capacidade aquisitiva do trabalhador, com limite
baixo para despesas de habitação.
Porém mais tarde chegou-se à conclusão de que os projetos governamentais
desenvolvidos pelos Institutos enfrentariam graves problemas devido às crescentes
altas dos custos de construção e da inflação a qual diminuía o valor real dos salários
dos trabalhadores, fazendo com que os Institutos tivessem que absorver os
prejuízos decorrentes da desvalorização da moeda.
O quadro a seguir ilustra a quantidade de conjuntos residenciais construídos, em
construção, ou em fase de projeto em dezembro de 1950:
IAPI – CONJUNTOS RESIDENCIAIS (situação a 31 de dezembro de 1950)
Conjuntos Localização N.° de unidades
1 Salvador Bahia 696
2 Coqueirinho Fortaleza – Ceará 150
3 Aquidabã Distrito Federal (RJ) 32
4 Areal Distrito Federal (RJ) 600
5 Bangu Distrito Federal (RJ) 5.000
6 Cabuçu Distrito Federal (RJ) 124
7 Cascadura Distrito Federal (RJ) 115
8 Del Castilho Distrito Federal (RJ) 1.520
9 Honório Gurgel Distrito Federal (RJ) 156
10 Jorge Rudge Distrito Federal (RJ) 96
11 Moça Bonita Distrito Federal (RJ) 498
12 Penha Distrito Federal (RJ) 1.248
13 Quitungo Distrito Federal (RJ) 252
14 Realengo Distrito Federal (RJ) 2.344
30
15 Terra Nova Distrito Federal (RJ) 253
16 Vitória Espírito Santo 36
17 Goiânia Goiás 60
18 Bairro Industriário Belo Horizonte – Minas Gerais 928
19 São Braz Belém – Pará 198
20 Areias Recife – Pernambuco 1.450
21 Vila Teresa Petrópolis – Rio de Janeiro 187
22 Passo da Areia Porto Alegre – RS 2.496
23 Novo Hamburgo Rio Grande do Sul 411
24 Saco dos Limões Florianópolis – SC 100
25 Gracuri São Paulo (capital) 34
26 Mooca São Paulo (capital) 576
27 Várzea do Carmo São Paulo (capital) 4.038
28 Vila Heliópolis São Paulo (capital) 36
29 Vila Maria Zália São Paulo (capital) 54
30 Vila Mariana São Paulo (capital) 97
31 Campinas São Paulo 304
32 Jundiaí São Paulo 200
33 Osasco São Paulo 4.000
34 Santo André São Paulo 3.000
35 Sorocaba São Paulo 150
36 Taubaté São Paulo 148
TOTAIS 31.587
Fonte: Pedro, Alim – Seguro Social, a indústria brasileira, o instituto dos industriários. IAPI, 1950,
apud FINEP, 1983, p. 56
Apesar da intervenção dos Institutos na questão habitacional, nota-se que os
resultados foram inexpressivos na solução da construção de moradias para todos os
associados.
31
1.3 – A FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR - 1946
Em 1° de maio de 1946, o governo Dutra instituiu a criação da Fundação da Casa
Popular
28
, que passou a concentrar as operações imobiliárias e o financiamento das
carteiras prediais dos Institutos ou Caixas de Aposentadorias e Pensões.
Demonstrou-se, desta forma, a tentativa do poder público em sistematizar as
atividades, até então dispersas, de todos os órgãos que estavam intervindo no
campo da habitação destinada às populações de baixa renda.
A Fundação da Casa Popular foi o primeiro órgão,
de âmbito nacional, voltado exclusivamente para a
provisão de residências às populações de pequeno
poder aquisitivo. Os Institutos e Caixas de
Aposentadorias e Pensões, antes dela, através das
cartas prediais, vinham atuando na área
fragmentariamente, pois atendiam apenas a
associados.
29
A criação da Fundação da Casa Popular aconteceu com o objetivo de proporcionar a
aquisição ou construção de moradia própria à população de baixa renda, além de
financiar os estabelecimentos industriais que construíssem residências para seus
trabalhadores.
O Presidente Dutra, ainda no ano de 1946, constitui uma Comissão Interministerial
com o objetivo de estudar as causas da formação de favelas, além das suas
condições. O resultado dessa pesquisa proíbiu a construção de novas casas nas
favelas e impediu o aluguel e venda das casas abandonadas, além de indicar a
necessidade de agilizar a execução de projetos de urbanização em terras da
Prefeitura, a fim de evitar a invasão e posterior transformação em favelas.
Recomendou ainda às instituições federais que se prevenissem contra a formação
de favelas em suas terras através das medidas legais já existentes, o que indicou a
necessidade da construção de moradias para esses trabalhadores
30
.
Em setembro de 1946 as atribuições da Fundação foram ampliadas
31
, e a instituição
passou a ser responsável também por investir em melhorias habitacionais, financiar
28
Decreto-lei n.° 9.218
29
Azevedo, 1982, p.19
30
Leeds & Leeds, 1978:201, apud Silva, 1989, p. 41
31
Decreto-lei n.° 9.777
32
construções de iniciativa de Prefeituras Municipais ou empresas industriais ou
comerciais sem objetivo de lucro, financiar obras urbanísticas – água, esgoto,
energia elétrica, etc., proceder estudos e pesquisas de métodos e processos de
barateamento da construção de habitações populares, financiar indústrias de
materiais de construção, e finalmente, realizar todas as operações que dissessem
respeito à melhor execução de suas finalidades.
Observa-se que, se os objetivos da Fundação foram ampliados consideravelmente,
a sua atuação também foi ampliada para todo o território nacional. Para tanto, foi
concedido pelo Governo dotação inicial de 2 milhões de cruzeiros
32
, além da receita
propiciada pela imposto de 1% sobre o valor do imóvel adquirido, quando este fosse
igual ou superior a 100 mil cruzeiros, cobrado em conjunto com o imposto de
transmissão.
Dois anos mais tarde, a Fundação já havia construído 1.336 unidades habitacionais,
somadas 3.515 em 1949, mas caindo para apenas 28 em 1952, totalizando 4.879
em 12 Estados do país, quando, devido aos limitados recursos financeiros, passou a
construir casas para venda em terrenos cedidos pelas Prefeitura Municipais. Esta
ação mostrou-se discordante da política anterior dos IAPs
33
.
A Fundação continuou desenvolvendo alguns trabalhos até 1955, diminuindo seu
ritmo de construções quando então paralisou completamente suas atividades em
1960.
A análise de Azevedo (1982) a respeito do que considera serem as causas do
insucesso da Fundação, remete para além das dificuldades técnicas, financeiras e
administrativas de gerenciar tantas frentes de trabalho. Para ele,
[...] no plano político, muitos desses objetivos
poderiam ser considerados assuntos de “peculiar
interesse” do município, faltando-lhe competência
constitucional para atuar livremente nessas áreas.
Tampouco dispunha a Fundação de respaldo
político, traduzido em recursos financeiros, apoio
dos Estados ou legislação que lhe conferisse
32
Além de dotação financeiro-orçamentária, o Governo também determinou que passaria a ser da
Fundação todo material permanente utilizado pelas Comissões de Eficiência extintas pelo Decreto-lei
n.°9.503 de 23 de junho de 1946.
33
Construção de conjuntos de edifício para aluguel à seus associados.
33
monopólio de algum recurso crítico, que lhe desse
posição de vantagem para negociar com os
municípios.
34
A Fundação da Casa Popular era dependente da dotação orçamentária da União, o
que significava fonte inexpressiva de receita e tornava a Fundação pouco auto-
suficiente e vulnerável às oscilações da sua conjuntura financeira.
As construções eram feitas, em sua maioria, através do regime de empreitada com
licitação. Os projetos arquitetônicos eram sempre desenvolvidos pela própria
Fundação Casa Popular, através de termo de compromisso firmado entre a Fundação
e os municípios. Cabia a estes a doação do terreno e a realização de obras de infra-
estrutura, água, luz e esgoto. Os municípios solicitavam à Fundação a construção de
conjuntos, quando esta analisava a viabilidade da implantação levando em conta as
necessidades locais, o apoio da prefeitura e a ordem das solicitações. Porém,
registra o autor: “a decisão de onde construir muitas vezes baseou-se em
considerações de interesse clientelístico. Motivações políticas teriam, entretanto,
peso ainda maior na alocação das casas entre os postulantes
35
.
Na prática, o acesso ao financiamento da casa própria era limitado. Havia registro de
pressões clientelísticas e de imposições políticas, que tornavam o processo
desacreditado pela população. A existência de restrições de informações, prazo,
número de inscrições e de unidades oferecidas reduziam as possibilidades de amplo
atendimento. Os critérios de elegibilidade não eram claros e havia uma idéia comum
de que a existência de “contatos certos” facilitariam a tramitação de papéis.
Acossada por pressões políticas, de difícil
superação, e sem dispor de fonte estável de
recursos, que lhe permitisse fazer frente a
conjunturas desfavoráveis, a Fundação da Casa
Popular não foi capaz e alcançar maturidade
institucional traduzida em paradigmas
universalistas, em firmeza de objetivos e em
prestigio organizacional. A imagem que dela ficou
era a de um órgão à deriva, despersonalizado, que
vagava ao sabor das injunções e das
características transitórias dos seus chefes
36
.
34
Azevedo, 1982, p.22
35
Azevedo, 1982, p. 27
36
Azevedo, 1982, p. 30
34
Olhando por outro ângulo, percebe-se que à margem das ações desenvolvidas pela
Fundação da Casa Popular, os governos prosseguiram na tentativa de reprimir a
ocupação espontânea através de leis reguladoras
37
. Para tanto, e objetivando
realizar levantamento acerca da problemática a ser enfrentada, em 1948 é realizado
no Rio de Janeiro o primeiro “Censo Oficial de Favelas”
38
, o qual deveria originar um
plano a ser executado pela Prefeitura do Distrito Federal (RJ), e em que
posteriormente o Governo Federal abre créditos para a melhoria de condições
habitacionais dos favelados
39
.
Em 1952, é criado o Serviço de Recuperação das Favelas, órgão subordinado à
Secretaria de Saúde e Assistência. Esse departamento não se subordinava ao
Departamento de Segurança Pública, como ocorria, até então, com as instituições
que tratavam das favelas.
Observa-se, a partir do ano de 1950, uma diminuição da construção de conjuntos
habitacionais pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão. Este fato se deve à
redução de recursos ocasionado, principalmente, pela inflação, já que os valores das
casas continuavam fixos. Como alternativa, foi reduzido o tamanho dos conjuntos
residenciais e das unidades habitacionais, como mostram os dados: num período de
cinco anos - de 1945 a 1950 - foram construídos 72 conjuntos com 19.670 unidades
habitacionais, enquanto que, de 1950 a 1964 – 14 anos, apenas 121 conjuntos, com
11.429 moradias foram edificados
40
.
O governo Kubitschek (1956 – 1961) deu pouca atenção à questão habitacional,
visto que em seu Plano de Metas não havia qualquer alusão a este assunto. Isso só
agrava a crise habitacional, que ganhou novas características a partir da década de
1960.
37
Exemplos dessa postura são o Decreto n.° 8.938 de 20 de janeiro de 1946, que “proíbe a
construção de favelas no meio urbano”, e a criação pelo prefeito Mendes de Moraes (RJ/DF) em
1947, da Comissão para Extinção de Favelas.
38
O levantamento acusou a existência de casebres, com a população de 138.837 favelados. A 1° de
julho de 1950, o Serviço Nacional de Recenseamento irá mostrar um número de favelados superior,
ou seja, 169.305 habitantes nas 58 favelas recenseadas, representando 7,12% da população total.
(FINEP, 1983, p.66)
39
Lei n.° 2.875 de 19 de setembro de 1956, conhecida como “Lei das Favelas”. Abre créditos para a
Cruzada São Sebastião (RJ / DF), Serviço Social Contra o Mocambo (PE / Recife), Prefeitura
Municipal de São Paulo e de Vitória/ES.
40
Farah, 1985, p.77, apud Silva, 1989
35
O período, sob impacto dos processos de industrialização, de urbanização e de
maior liberdade das camadas operárias e rurais, transformou o problema
habitacional em uma questão mais complexa do que a construção de casas ou
conjuntos. Associado à própria discussão do modelo de desenvolvimento lançado
pelo Governo da época, a solução do problema habitacional passa a envolver
questões como reforma agrária e urbana (propriedade da terra).
Durante o governo Kubitschek (1956-1960), talvez
um dos domínios da política social mais relegados
a segundo plano tenha sido a habitação popular.
Adota como diretriz a recomendação de que os
órgãos previdenciários complementassem a ação
da FCP, que se destinava a construir moradia para
pessoas carentes, independente de serem ou não
beneficiarias de qualquer instituto ou caixa de
aposentadoria. Todavia, na prática o que se
constata é um maior agravamento das condições
habitacionais das massas populares, num período
em que se acentua um processo crescente de
urbanização, estimulado pela deterioração da vida
do campo e o impacto da grande arrancada
desenvolvimentista assumida nesse governo.
Esse período é considerado áureo no
desenvolvimento econômico nacional, quando se
encerra a primeira fase da Revolução Industrial
brasileira e se parte para a internacionalização da
economia, marcando a fase de entrada do
capitalismo monopolista no Brasil, onde a ênfase
passa a ser dada à implantação de uma indústria
pesada, com destaque para uma poderosa
indústria automobilística
41
.
Em 1960, a situação habitacional dos grandes centros urbanos agrava-se diante do
processo crescente de ocupação dos morros por cortiços e habitações precárias e
do registro do crescimento dos índices de urbanização.
Tentando diminuir a crise habitacional estabelecida, o então Presidente, Jânio
Quadros, decreta a criação do Plano de Assistência Habitacional, que deveria, a
curto prazo, revigorar a FCP
42
. Todavia, a curta permanência de Jânio no poder não
41
Silva, 1989, p.44
42
Deveria ser introduzida uma inovação quanto ao pagamento das casas que se fazia em valor fixo,
passando a adotar uma proporcionalidade do salário mínimo. A médio prazo, seria criado o Instituto
Brasileiro de Habitação, que pode ser comparado a uma espécie de precursor do BNH, com vistas a
ocupar os vazios da política habitacional, então adotada, em termos de superar o quadro pouco
integrado e de desperdício. Volta-se também para a ampliação das fontes de recursos quem além
das dotações orçamentárias e da arrecadação resultante da renda de patrimônio, doações e
contribuições de organismos internacionais, eram previstas outras fontes de recursos, como
contribuição de 1% sobre a folha de pagamento da remuneração dos empregados, a cargo do
empregador, adicional de 50% ao imposto de consumo sobre fósforo e 40% sobre bebidas e uma
36
permitiu a viabilização desses planos, já que Jânio Quadros renuncia em 25 de
agosto de 1961, com menos de sete meses no poder.
A Revolução Cubana de 1959
43
influenciou a Agência para o Desenvolvimento
Internacional
44
a dinamizar o Fundo de Empréstimos para o Desenvolvimento (DFL),
que basicamente tinha a função de combater qualquer repercussão negativa desta
Revolução nos países latino-americanos através da destinação do recurso à
construção de moradias, que iniciou o repasse dos recursos a partir de 1961.
O 87° Congresso do Senado dos Estados Unidos
45
, acontecido em 1962,
reconheceu a relação entre a “estabilidade das nações livres subdesenvolvidas no
mundo” e a questão habitacional, colocando em patamar prioritário o tema moradia.
Este fato influenciou diretamente o poder público brasileiro, observado através da
criação de órgãos como o Instituto Brasileiro de Habitação e o Conselho Federal da
Habitação, em 1961
46
. Essas Instituições procuraram construir o maior número
possível de moradias no menor espaço de tempo, de acordo com a orientação da
Aliança para o Progresso e como solução para a crise estabelecida.
Os primeiros resultados foram conjuntos de casas isoladas, para onde foram
removidos os moradores de doze favelas do Rio de Janeiro.
Porém, essas áreas tinham uma distância de 30 a 40 quilômetros das
desapropriadas, além de não possuírem sistemas de transporte e infra-estrutura
urbana eficientes. Isso causava impacto negativo da qualidade de vida da
população removida para os novos conjuntos. A própria Aliança para o Progresso
depois considerou que era necessário rever a construção intensiva de casas com
baixo custo como solução ideal para a crise habitacional da América Latina
47
.
taxa de habitação, a ser cobrada através do selo, relativa a contrato de imóveis e criação de bônus de
habitação através da emissão de títulos de valor reajustável e de subscrição compulsória (Azevedo,
1982, p.51, apud Silva, 1989, p.46).
43
No escopo da Revolução Cubana havia uma promessa de Fidel Castro de reforma social para o
proletariado urbano e, mais especificamente, de uma Reforma Urbana.
44
USAID – U.S. Agency for Internactional Development, com sede em Washigton,foi criada em
04/09/1961, pelo Presidente John F. Kennedy, com o objetivo de oferecer suporte econômico e
técnico à diversas nações em desenvolvimento no mundo.
45
“Subcomissão de Moradias”, da “Comissão de Atividades Bancárias e Meio Circulante”.
46
FINEP, 1983, p.67
47
Carta Semanal, edição de março de 1966
37
Em 1963, João Goulart, em sua posse, afirmou ao Congresso Nacional que buscaria
resolver a crise habitacional tratando-a desde as suas origens:
Os problemas relacionados com a moradia
popular, em particular nos grandes centros
urbanos, serão objeto de mensagem especial ao
Congresso Nacional, na qual se dará o primeiro
passo para a formulação de uma política
habitacional capaz de disciplinar o vertiginoso e
desordenado crescimento urbano. Não
desconhecemos que somente o desenvolvimento
do país, aumentando a riqueza nacional, poderá
elevar o nível de vida do povo, proporcionando-
lhes adequadas condições de residência. Mas
também não ignoramos que a falta de uma
legislação reguladora tem permitido que a indústria
de construção se transforme em presa favorita de
especuladores, impedindo o acesso à residência
própria das camadas mais pobres da nossa
população
48
.
Desta forma, o Conselho Federal da Habitação passou a ter um papel importante na
execução dessa política habitacional, influenciado pelo Seminário de Habitação e de
Reforma Urbana
49
.
Temas discutidos neste Seminário recomendam a criação, pelo Governo Federal, de
um órgão que centralizasse a política habitacional do país, com autonomia financeira
e competência sobre todo território nacional, incorporando, inclusive, a Fundação da
Casa Popular e o Conselho Federal de Habitação.
Como atribuições desse órgão constaria:
a) a fixação de diretrizes da política habitacional e de planejamento territorial do
país, através da elaboração dos planos nacionais;
b) a determinação de ações, através do Plano Nacional Territorial, para atacar o
problema da distribuição demográfica, os aspectos sociais do
desenvolvimento econômico, as reservas para expansão urbana e áreas
48
FINEP/GAP, 1983, p.68
49
Reconheceu em seu documento final “que a situação habitacional é de suma gravidade,
caracterizando-se, essencialmente, pela desproporção cada vez maior, nos centros urbanos, entre o
salário ou a renda familiar e o preço de locação ou de aquisição da moradia e pelo déficit crescente
de disponibilidade de prédios residenciais, em relação à demanda do povo brasileiro, uma vez que o
significativo número de habitações construídas tem-se destinado quase exclusivamente às classes
economicamente mais favorecidas”. Documento final do SHRu, in “Arquitetura”, Revista do Instituto
de Arquitetos do Brasil, n° 15, setembro de 1963, p. 19 – 24, apud FINEP, 1983, p. 69)
38
florestais, proteção de mananciais e regiões de valor turístico, aplicando os
princípios consagrados pelos Congressos Internacionais de Arquitetura;
c) correção do déficit habitacional através do Plano Nacional de Habitação, além
de suprir a constante demanda de habitações, serviços e equipamentos
urbanos.
Porém, o país atravessava uma fase de declínio econômico, e a questão
habitacional foi contemplada quase tão somente pelo planejamento governamental
que considerou a necessidade de coordenação de recursos e atividades
desenvolvidas pelos órgãos encarregados da habitação: Carteiras Imobiliárias dos
Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões e FCP. Além dessa coordenação,
incrementou a iniciativa privada; apoiou a construção civil; estudos e pesquisas
sobre residências; e criou o Conselho Federal de Habitação, como órgão executor
do planejamento governamental
50
.
50
João Goulart admitia que, em 1963, o déficit habitacional no país já girava em torno de 5 milhões de
unidades, e que o problema de moradia já atingia, em grande escala, também a classe média. (Silva,
1989, p.47)
39
2 - BANCO NACIONAL DA HABITAÇÃO: A SOLUÇÃO PARA
QUESTÃO HABITACIONAL?
2.1 – ESTABELECIMENTO E ORGANIZAÇÃO DO BNH
O cenário político que se formou em 1964 apresentou como presidente eleito pelo
Congresso Nacional o general Castelo Branco. Durante os três anos do seu
governo, foi possível diminuir as taxas de inflação que registravam crescimento
desde 1960
51
.
Também no seu governo foi criado em 21 de agosto de 1964, pelo Congresso
Nacional, o Banco Nacional da Habitação – BNH
52
.
Ao assumir o poder, o governo militar se defrontou
com uma problemática social determinada por dois
eixos fundamentais: a situação critica vivenciada
pelas massas urbanas, com o crescimento do
exército industrial de reserva e com o poder
aquisitivo deteriorado pela elevada inflação. Para
enfrentar essa problemática, o governo cria o BNH
como proposta de solução para a cidade [...]”
53
.
O BNH passou a instituir um Sistema Financeiro criado com o objetivo de “promover
a construção e a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor
renda
54
. Isso introduzia o mecanismo da correção monetária nos planos
habitacionais, a fim de que a importância paga pelos financiados fosse suficiente
para a construção de outra casa de igual valor, além de evitar, em época de alta
taxa inflacionária, que a deterioração do valor dos recursos aplicados reduzisse a
níveis sempre menores o valor desses recursos em retorno para futura e continuada
reaplicação
55
.
51
FINEP/GAP, 1983, p.83
52
Lei nº 4.380
53
Azevedo, 1982, p.59, apud Silva, 1989, p.49
54
Bolaffi, 1977, p.48
55
Cabem sobre a correção monetária algumas considerações. O BNH não objetivava lucro com a
sua aplicação, por utilizá-la tanto nas operações ativas, como nas passivas. A mesma correção que
incidia sobre os financiamentos destinados à aquisição de casa própria incidia sobre as letras
imobiliárias, sobre os depósitos em caderneta de poupança e, o que é mais importante, sobre as
contas dos trabalhadores optantes do FGTS. (Elias, 1980, p.13)
40
A preocupação com a finalidade social das unidades habitacionais a serem
construídas vinha expressa no artigo 11 da lei, a qual determinava que os recursos
destinados ao setor habitacional pelas entidades estatais de economia mista em que
o Poder Público fosse majoritário deveriam ser assim aplicados: “I – no mínimo 70%
deverão estar aplicados em habitações de valor unitário compreendido entre 200 e
300 vezes o maior salário mínimo mensal vigente no país, vedadas as aplicações
em habitações de valor unitário superior a 300 vezes o maior salário mínimo mensal
citado”
56
.
O Banco Nacional da Habitação e o Sistema Financeiro da Habitação
57
podem ser
considerados o mais elevado nível de coordenação e sistematização da intervenção
governamental no campo habitacional e, mais especialmente, no campo da
habitação popular. Essa afirmação fica clara no artigo 1°da lei 4.380, que
determinava que o Governo Federal deveria formular a política nacional de
habitação e planejamento territorial, através da coordenação das ações dos órgãos
públicos e da orientação a iniciativa privada a fim de estimular a construção de
habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria,
especialmente pelas classes da população de menor renda
58
.
Sua criação se deu após acirrado debate no Congresso Nacional, com a
participação de organizações profissionais como o Instituto de Arquitetos do Brasil,
Clube da Engenharia e Sindicato da Construção Civil.
No artigo 8°, constavam os órgãos que formavam o SFH: Banco Nacional da
Habitação, órgãos federais, estaduais e municipais que operassem no financiamento
e comercialização de moradias, sociedades de crédito imobiliário e fundações,
cooperativas e outras associações cujo objetivo fosse a construção ou aquisição da
casa própria, sem a finalidade de lucro.
Além da criação do SFH, o período ainda evidenciou reformas de modernização
fiscal e monetária, como a instituição da correção monetária, a criação do Imposto
de Circulação de Mercadorias (ICM), a criação do Banco Central, a criação do
56
FINEP/GAP, 1983, p.88
57
Instituídos pela Lei n.° 4.380, de 21 de agosto de 1964
58
FINEP/GAP, 1983
41
Sistema Financeiro da Habitação e a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço – FGTS. “Essa lei teve importantes repercussões no mercado de capitais e
na construção civil. Os recursos provenientes de sua implantação passaram a ser
geridos pelo Banco Nacional da Habitação, representando uma poupança
compulsória extremamente necessária ao sistema financeiro”
59
.
A inovação mais rigorosa foi a instituição da
correção monetária fixada no artigo 5°: “observado
o disposto na presente lei, os contratos de venda
ou construção de habitações para pagamento a
prazo ou de empréstimos para aquisição ou
construção de habitações poderão prever o
reajustamento das prestações mensais de
amortização e juros, com a conseqüente correção
do valor monetário da dívida toda vez que o
salário mínimo legal for alterado”
60
.
Registre-se que, em 1960, cerca de 45% do total de brasileiros vivia em cidades e
dez anos mais tarde, este percentual atingiu o patamar de 56%, o que desencadeou
uma urbanização crescente, porém desequilibrada e informal, através da ocupação
de áreas periféricas. Isso acabou por produzir uma enorme necessidade de uma
intervenção governamental em equipamentos de infra-estrutura
61
.
Os objetivos da criação do BNH e dos demais órgãos a ele relacionados sempre
foram explícitos em todos os documentos oficiais da instituição, e mais claramente
no relatório referente ao exercício de 1969, foram definidos como
62
:
1- Coordenação da política habitacional e do financiamento para o saneamento;
2- Difusão da propriedade residencial, especialmente entre as classes menos
favorecidas;
3- Melhoria do padrão habitacional e do ambiente, bem como eliminação de
favelas;
4- Redução do preço da habitação pelo aumento da oferta, da economia de
escala na produção, do aumento da produtividade nas indústrias da
construção civil e redução de intermediários;
59
Lei n.° 5.107, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em substituição à cláusula de
estabilidade do tempo de serviço da CLT. FINEP/GAP, 1983
60
, Idem, p. 88
61
in, FIBGE “Sinopse preliminar do Censo Demográfico”, IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980,
vol 1, Tomo 1, N.° 1 pág. XXXI), apud FINEP/GAP, 1983, p.84
62
Bolaffi, 1977, p.49
42
5- Melhoria sanitária da população;
6- Redistribuição regional dos investimentos;
7- Estimulo à poupança privada;
8- Aumento na eficiência da aplicação dos recursos estaduais e municipais;
9- Aumento de investimentos nas indústrias de construção civil, materiais de
construção e de bens de consumo durável, atendimento da demanda
reprimida – e de forma atenuada, mas permanente, para o atendimento das
demandas vegetativas e de reposição;
10- Aumento da oferta de emprego permitindo absorver mão-de-obra não
especializada;
11- Criação de pólos de desenvolvimento com a conseqüente melhoria das
condições de vida nas áreas rurais.
Quando o BNH foi criado, prevaleceu a impressão
de que seus objetivos latentes seriam os de
constituí-lo na pedra angular de toda a política
antiinflacionária que estava sendo desencadeada
e, ao mesmo tempo, esperava-se que o novo
regime conseguisse capitalizar politicamente as
repercussões favoráveis sobre a opinião pública,
decorrentes de uma oferta maciça de habitações
populares
63
.
A habitação é assumida, então, como eixo da política urbana, constituindo as favelas
como primeiro alvo, destava-se o programa de remoção massiva dos favelados para
“casas embrião” e apartamentos, em áreas afastadas, principalmente no Rio de
Janeiro.
A adoção do programa de desfavelamento em massa contribuiu para que o mercado
popular se beneficiasse, nesse primeiro momento, com 40,7% das habitações
financiadas pelo BNH de 1964 a 1969
64
.
A lei 4.380 criou ainda as Sociedades de Crédito Imobiliário (que poderiam receber
depósitos de particulares e emitir letras imobiliárias) e o Serviço Federal de
Habitação e Urbanismo / SERFHAU que deveria desempenhar algumas das
atribuições antes executadas pela Fundação da Casa Popular, como “promover
63
Bolaffi, 1977, p.49
64
Azevedo & Andrade, 1982:91, apud Silva, 1989, p.52
43
pesquisas e estudos relativos ao déficit habitacional, aspectos do planejamento
físico, técnico e sócio-econômico da habitação”
65
.
Nas Disposições Gerais da referida lei, deve-se destacar ainda o fim dos IAP’s como
operadores de atividades habitacionais, os quais deveriam passar seus segurados
ao novo sistema, além de serem obrigados a vender seus conjuntos e unidades
residenciais, extinguindo o regime de locação de imóveis antes praticado por estes
institutos.
A legislação também autorizou a exploração da Loteria Federal pela Caixa
Econômica Federal, a qual deveria aplicar setenta por cento da renda líquida na
construção de habitações de valor unitário inferior a 60 vezes o maior salário mínimo
vigente no país.
As atividades do Sistema formado na época pelo
BNH tem início com a criação de cooperativas
habitacionais abertas, sob a orientação de
empresário privados, objetivando captar recursos
da população, os quais, somados aos de origem
governamental, seriam utilizados na construção de
grandes conjuntos habitacionais. A meta a que os
administradores se propunham era acabar dentro
do prazo de quatro anos com o déficit existente,
estimado na ocasião em torno de 8 milhões de
unidades.
66
O Banco foi constituído com um capital de um bilhão de cruzeiros antigos, cujo
crescimento estava assegurado pela arrecadação compulsória de 1% da folha dos
salários sujeitos à CLT do país
67
.
Porém, o capital inicial do BNH se mostraria insuficiente para atender ao déficit
habitacional que se fazia presente, indicando a necessidade de se buscarem outras
fontes de recursos. Então, depois de 1967, o BNH assumiu a gestão dos depósitos
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
68
, que passou a constituir a principal
fonte de recursos financeiros do Banco.
65
FINEP/GAP, 1983, p.89
66
Revista Civilização Brasileira n.° 8, apud FINEP/GAP:1983, p.90
67
Bolaffi, 1977:48
68
O FGTS é formado pela contribuição obrigatória, efetuada pelas empresas, de 8% dos salários
pagos mensalmente aos trabalhadores subordinados aos dispositivos da CLT. FINEP/GAP, 1983.
44
Desta forma, o governo reunia recursos pertencentes aos trabalhadores
assalariados para promover a construção de casas que deveriam se destinar a eles
próprios.
O FGTS, como fonte de recursos, foi instituído em 1966, estabelecido com o objetivo
de assegurar ao empregado uma indenização pelo seu tempo de serviço.
69
A utilização do FGTS seria autorizada para o fim de reduzir, amortizar ou liquidar o
valor do financiamento concedido por Agente do SFH, para aquisição de moradia
própria, ao empregado que contasse com 5 anos de serviço na mesma empresa ou
em empresas diferentes, na condição de optante pelo regime do FGTS.
Foram criadas também letras imobiliárias e cadernetas de poupança, que eram
recursos captados de forma voluntária junto ao público, através das entidades do
Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE (instituído em 1967), para
formar a fase de instrumentação financeira do Sistema Brasileiro da Habitação –
SBH, que já nascia com o desafio de atender ao mesmo tempo às pessoas de
relativo poder aquisitivo e às de menos recursos financeiros, estas em maior
número.
No entanto, o sistema encontrava dificuldades na
aplicação desses fundos. Tanto os do FGTS
como os do SBPE deveriam sofrer correção
monetária e render juros, periodicamente: tratava-
se de um dinheiro caro, que exigia uma
rentabilidade suficiente para custear o Banco
Nacional da Habitação e todo o Sistema. E
também os recursos cresciam numa velocidade
maior do que o BNH poderia colocá-los por meio
de seus programas, obrigando-o a soluções nem
sempre adequadas.
70
Uma das dificuldades encontradas pelo Banco foi identificar terrenos baratos para a
construção de moradias com custos finais baixos, o que acabou por afastar os
projetos habitacionais para áreas sem infra-estrutura urbana. Isso obrigava ao
69
Criado pela Lei n.°5.107, de setembro de 1966, O FGTS é uma reserva monetária que se acumula
permanentemente em favor do trabalhador, pela compulsoriedade da arrecadação e pelo vencimento
de juros e correção monetária sobre as importâncias recolhidas. Os recursos do FGTS são resultado
de contribuição obrigatória dos empregadores equivalente a 8% da remuneração paga aos
empregados. O FGTS deveria atuar como uma espécie de “seguro desemprego”, para cobrir os
casos de dispensa do empregado, ou de pecúlio propriamente dito, com a liberação do saldo por
motivo de aposentadoria, casamento ou pagamento das prestações de financiamento habitacional.
70
FINEP/GAP, 1983:90
45
Sistema e aos municípios uma intervenção no sentido de atender a carência de
serviços básicos da região.
Com a gestão dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e após
implantado o SBPE, o BNH, em 1969, devido aos seus recursos, tornou-se o
segundo Banco do país, precedido apenas pelo Banco do Brasil.
Registre-se que a tentativa de resolução do problema residencial através da criação
do BNH e do SFH não diminui a crise de infra-estrutura urbana, ocasionada pelo
deslocamento de famílias inteiras para os grandes centros
71
.
De acordo com a política estabelecida pelo Governo Federal, o BNH teria como
objetivo promover o desenvolvimento urbano integrado. Pata tanto, deveria exercer,
simultaneamente, as funções de
72
:
I – Órgão central do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), do Sistema
Financeiro do Saneamento (SFS) e dos sistemas financeiros conexos,
subsidiários ou complementares daqueles, constituídos ou a serem criados;
II - Órgão gestor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS);
III – Órgão de crédito responsável pelo estímulo e controle da formação,
mobilização e aplicação de poupanças e outros recursos no financiamento de:
a) Planejamento, produção e comercialização de habitações;
b) Planejamento e realização de obras e serviços de infra-estrutura urbana e
comunitária, especialmente os relativos a saneamento básico;
c) Indústrias de materiais de construção e indústrias de construção civil;
d) Estudos, pesquisas, assistência técnica e demais serviços correlatos às
atividades indicadas nas alíneas e itens precedentes.
71
Depois de cem anos de industrialização, o número de pessoas em áreas urbanas, no fim do XIX,
era de cerca de 250 milhões, para uma população mundial de 1,6 bilhão. Isso significa que as
cidades tinham, antes de começar o século XX, 15% da população mundial. Em 1960, essa
população urbana saltou para 1 bilhão de pessoas, num mundo de 3 bilhões. (Elias, 1980 :10)
72
Idem, pág. 15
46
O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) tinha como finalidade básica facilitar e
promover a construção e aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de
menor renda da população. Era integrado pelo Banco Nacional da Habitação –
BNH; pelos órgãos federais, estaduais e municipais do setor; pelas entidades que
compõe o SBPE; pelas Fundações, Cooperativas e outras associações.
Todas as aplicações do Sistema tinham por objetivo a aquisição da casa para
residência do adquirente, sua família e seus dependentes.
Além de gestor central do sistema habitacional e órgão central do SFH, o BNH
possuía outras atribuições:
- Determinar normas gerais de organização e operação dos Sistemas,
controlando e fiscalizando a respectiva execução;
- Disciplinar a constituição, o reconhecimento, o credenciamento e o
funcionamento dos Agentes dos Sistemas, fiscalizando-lhes a atuação e
aplicando-lhes sanções;
- Estabelecer as condições gerais e especiais para captação, mobilização e
aplicação de poupanças e outros recursos, inclusive no que diz respeito a
objetivos, limites ativos e passivos, prazos e garantias, juros, encargos, sanções
e demais aspectos técnicos, administrativos, econômicos e financeiros.
O Sistema Financeiro de Saneamento era o suporte financeiro, técnico e operacional
do Plano Nacional do Saneamento – PLANASA e também tinha no BNH o seu órgão
central.
É sabido que todo processo de urbanização tem que vir associado ao
desenvolvimento econômico e social do país, já que envolve a expansão dos
serviços públicos para atender o aumento acentuado de população nas cidades.
Desta forma, com o objetivo de estruturar as cidades com os serviços básicos
primários que atendessem as necessidades surgidas do aumento da população
urbana, o PLANASA foi criado como instrumento de planejamento para
enfrentamento das questões relacionadas aos problemas de abastecimento de água
e esgoto.
47
Seu objetivo era desenvolver companhias e bancos estaduais, além de empresas
privadas de consultoria de construção e de material e equipamentos para a
consolidação dos sistemas de abastecimento de água e esgoto em todo o país,
visando basicamente à eliminação do déficit do setor de saneamento básico, através
da parceria entre Governo Federal, Estados e Municípios. Segundo dados do
FINEP, o objetivo do PLANASA era dotar 80% da população brasileira de serviços
de água encanada e 50% beneficiada com serviços de esgotos sanitários, dentro do
prazo de 10 anos
73
.
Já o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, tinha como principal
função a captação da poupança voluntária do público e sua canalização para o setor
habitacional. Isso seria feito através de dois instrumentos básicos: as cadernetas
de poupança e as letras imobiliárias. As aplicações do SBPE destinaram-se a
financiar a produção e comercialização de habitações. Seus mutuários eram os
industriais da construção civil (construtores, incorporadores e outros promotores) e o
adquirente final.
Vale registrar que através da instituição da correção monetária – a qual garantiria a
manutenção do poder aquisitivo dos capitais aplicados e certificaria os juros
recebidos como lucros reais – o hábito da poupança foi restabelecido no país
74
.
Além dos sistemas descritos anteriormente, o BNH ainda possuía atividades
complementares de seguros e garantias, que eram os seguros e fundos de garantia.
Eles foram instituídos com o objetivo de evitar que os diversos fluxos de captação e
aplicação de recursos financeiros sofressem solução de continuidade, já que, desde
a criação do BNH, o governo sempre considerou prioridade estabelecer um conjunto
de medidas de proteção aos recursos financeiros administrados pelo Banco, e aos
adquirentes da casa própria.
Os Fundos administrados pelo BNH garantiam os recursos do público em caderneta
de poupança, em letras imobiliárias e na manutenção do fluxo de retorno do capital
dos financiadores
75
.
73
FINEP/GAP,1983, p.90
74
Elias, 1980, p.28
48
Carneiro
76
, assim representa o esquema do SFH:
FGTS
BNH
Letras Hipotecárias
Caderneta de Poupança
Sociedades de Crédito Imobiliário
Consultores
Mutuários
Nesta representação, ao autor demonstra que os recursos arrecadados pelo FGTS
eram geridos e aplicados pelo BNH no financiamento e refinanciamento de
construção de conjuntos habitacionais diretamente ou indiretamente, através de
refinanciamentos parciais às sociedades de crédito imobiliário, as quais podiam
também captar recursos junto ao público através da caderneta de poupança e das
letras hipotecárias. Assim, era oferecida aos mutuários a possibilidade de adquirir
imóveis a prazo, os quais, por sua vez, eram repassados, pelo construtor, às
sociedades de crédito imobiliário como garantias aos empréstimos fornecidos.
O SFH era ainda composto por agentes dos Sistemas do BNH, constituídos de
bancos de segunda linha de atuação, responsáveis pelo desenvolvimento das
75
Pode-se destacar as coberturas da apólice do seguro habitacional dirigidas a riscos específicos,
como seguros de danos físicos nos imóveis, seguro por morte e invalidez permanente, seguro do
crédito e seguro de responsabilidade civil do construtor.
76
Carneiro, 2003, p.24
49
operações. Eram classificados de acordo com suas características e competências,
assim denominados
77
:
I – Agentes promotores
Tinham como função organizar, implantar, promover e acompanhar o
desenvolvimento dos programas a cargo do BNH:
a) Companhias de Habitação (COHABs e órgãos assemelhados)
b) Cooperativas Habitacionais
c) Institutos de Previdência Social, Montepios Estaduais ou Municipais
d) Construtores em geral, cadastrados no BNH
e) Carteiras Hipotecárias dos Clubes e Associações Militares, Caixas Militares
f) Sociedades de Crédito Imobiliário
g) Associações de Poupança e Empréstimo
h) Caixas Econômicas
i) Agentes Promotores do Sistema Financeiro do Saneamento – SFS
j) Fundações
k) Órgãos Regionais ou Estaduais de Desenvolvimento
l) Entidades executivas de Áreas Metropolitanas
m) Entidades Metropolitanas, intermunicipais ou municipais incumbidas da
elaboração e/ou execução de programas e projetos de desenvolvimento
urbano
n) Governos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal
o) Órgãos da administração indireta dos Estados e Municípios
p) Empresas públicas ou privadas
q) Concessionárias de serviços públicos
r) Órgãos autônomos responsáveis pelos Sistemas Financiados
s) Outras entidades, a critério do BNH
II – Agentes Financeiros
77
Elias, 1980, p.31
50
Tinham como função aplicar os recursos emprestados pelo BNH, agindo como
seu mutuário e como mutuante dos beneficiários finais:
a) Associações de Poupança e Empréstimo
b) Caixas Econômicas
c) Sociedades de Crédito Imobiliário
d) Companhias de Habitação (COHABs) e órgãos assemelhados
e) Institutos de Previdência Social, Montepios Estaduais ou Municipais
f) Bancos Federais, Regionais e Estaduais de Desenvolvimento
g) Companhias Estaduais de Desenvolvimento autorizadas a funcionar como
instituições financeiras
h) Bancos de Investimento
i) Bancos Comerciais
j) Bancos em que a União, os Estados ou Municípios sejam detentores do
controle acionário
k) Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico – BNDE
l) Banco do Brasil
m) Companhias Hipotecárias
n) Estabelecimentos de crédito organizados sob a forma de Sociedades
Anônimas, preferencialmente sob controle acionário do Estado
o) Instituições Financeiras Públicas ou Privadas
p) Empresas Privadas
q) Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento
r) Outras Entidades, a critério do BNH
III – Agentes para atividades complementares
Tinham como função colaborar com o BNH ou agir em seu nome no
desenvolvimento de atividades complementares, em especial as de natureza
técnica:
a) Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOPs)
b) Companhias seguradoras
c) Órgãos técnicos do Sistema Financeiro do Saneamento
d) Companhias de Habitação (COHABs) e órgãos assemelhados
51
IV – Agentes Depositários
Tinham como função receber e manter em depósito recursos em nome do BNH:
os estabelecimentos bancários arrecadadores do FGTS.
V – Agentes Especiais
Definidos em lei ou por ato próprio do BNH, que delimitava suas atribuições:
a) Banco do Brasil
b) BNDE
c) Bancos Oficiais e de economia mista
d) Bancos Regionais e Estaduais de Desenvolvimento
e) Companhias Estaduais de Desenvolvimento, devidamente legalizadas como
Instituições Financeiras
f) Caixas Econômicas
g) Empresas privadas e/ou concessionárias de serviços públicos
h) COHABs e órgãos assemelhados
i) INOCOOPs
j) Outras entidades, a critério do BNH
Em nível orçamentário, o BNH separava as operações de financiamento por
programas e subprogramas:
I – Habitação
Operações relativas à aplicação de recursos financeiros destinados a produzir
e/ou comercializar habitações
II – Desenvolvimento Urbano
Operações relativas à aplicação de recursos financeiros destinados ao
aproveitamento de núcleos urbanos e à complementação da infra-estrutura
básica, nela se incluindo os programas de urbanização, saneamento, transportes,
52
equipamentos comunitários, bem como elaboração de planos, programas e
projetos.
III – Habitação – Operações Complementares
Operações relativas à aplicação de recursos financeiros destinados à criação de
condições infra-estruturais e de apoio para a produção, comercialização e/ou
complementação de habitações, bem como à reativação do setor de materiais de
construção, objetivando o desenvolvimento e execução do Plano Nacional da
Habitação.
IV – Operações de Apoio Técnico e Financeiro
Operações relativas à aplicação de recursos destinados a promover e estimular o
apoio logístico necessário à implementação do Plano Nacional da Habitação,
bem como aos estudos e pesquisas, treinamento e assistência técnica
necessários à consecução dos objetivos dos Planos Nacionais da Habitação e
Saneamento.
V – Operações Complementares Financeiras
Operações exclusivamente financeiras, destinadas a garantir o equilíbrio
financeiro do BNH e das entidades integrantes dos Sistemas sob sua gestão.
VI – Outras operações do SFH
Operações realizadas diretamente pelos Agentes Financeiros do SFH, com recursos
próprios ou provenientes da captação da poupança voluntária, destinadas à
produção e comercialização de habitações e à criação de condições infra-estruturas
básicas para o desenvolvimento dos projetos habitacionais.
Ainda descrevendo os elementos organizacionais do BNH, destaca-se que, para
efeito de financiamento pelo SFH, o mercado habitacional brasileiro era dividido em
três faixas:
53
A primeira faixa compreendia as populações de mais baixa renda, que são atendidas
através do PLANHAP
78
. O limite de financiamento para esse grupo era de 500
UPC
79
.
A segunda faixa compreendia as populações de renda média inferior, atendidas
pelas Cooperativas Habitacionais. A área de atuação dessas Cooperativas, em
matéria de financiamento, situava-se entre 500 a 2.000 UPC, embora não
estivessem impedidas de operar aquém ou além desses limites.
A terceira faixa do mercado compreendia as populações de renda média superior,
que eram atendidas pelas entidades que integram o SBPE. O financiamento
máximo era de 3.500 UPC.
Apesar das três faixas distintas de mercado, havia apenas um regulamento para
todas as condições gerais de financiamento. O valor unitário do financiamento –
entendido como a operação de crédito entre os Agentes Financeiros os adquirentes
de casa própria – que compreendia principal, taxa e seguros - não poderia ser
superior a 3.500 UPC e 90% do menor dos valores de compra e venda e de
avaliação.
A amortização dos financiamentos era feita em prestações mensais
80
, podendo ser
reajustadas, segundo o Plano de Correção Monetária – PCM; ou o Plano de
Equivalência Salarial - PES, à opção do beneficiário final.
O BNH determinou o prazo de 25 anos para financiamento de valor igual ou inferior
a 1.500 UPC, diminuindo progressivamente até 15 anos para financiamentos de
valores mais altos.
Esta sistemática permitiu às famílias de menor nível de renda tomarem
financiamentos relativamente mais elevados, comprometendo menor parcela de sua
renda familiar com o pagamento da prestação
81
.
78
Plano Nacional da Habitação Popular
79
A Unidade Padrão de Capital era a moeda do SFH para a correção dos empréstimos concedidos,
além dos juros, incidentes sobre os saldos devedores. Neves, 1998.
80
Condições estabelecidas segundo o Sistema de Amortização com Prestação em Progressão
Aritmética, Resoluções do BNH n° 15 e 16, ambas de 1979. Elias, 1980, p.36
54
Porém, outro aspecto da questão continuava a preocupar os responsáveis pela
política habitacional: a maior parte dos recursos estava sendo aplicada em
construções para as classes médias e alta, que eram aquelas as quais dispunham
de poder aquisitivo suficiente para adquirir as moradias pelo sistema financeiro.
Além do reduzido número de ofertas habitacionais oferecidas à parcela mais carente
da população, esta ainda encontrava dificuldades em saldar seus compromissos.
Isso acabava por atrasar o pagamento das prestações de seu contrato com o BNH
e, ainda, parte considerável negava-se a ocupar os conjuntos construídos pelas
COHABs, devido à grande distância que os separava do centro urbano e à total
precariedade dos serviços públicos disponíveis
82
.
Tratava-se de grande distorção, uma vez que
grande parte dos recursos oriundos do FGTS e
mesmo do SBPE estava sendo aplicada para
melhora a qualidade de moradia das camadas da
população mais bem remuneradas. Mais ainda:
nessa altura, no início dos anos 1970, um
sofisticado sistema financeiro já estava montado,
pleno de normas e regulamentos internos e
apoiados em uma intrincada teia de leis e
decretos[...] As dificuldades do governo na
condução da política habitacional acabaram por
favorecer aos empresários imobiliários que se
transformaram nos seus maiores beneficiados
auferindo crescentes lucros com a especulação
nos preços das terras urbanas.
83
Some-se a essas questões, a necessidade de fazer frente aos elevados custos
atingidos pelo sistema financeiro e a necessidade de se colocar produtos
compatíveis com o poder aquisitivo da população, o que acabou por diminuir
progressivamente a área construída das unidades habitacionais e a qualidade de
seus acabamentos.
Devido à ausência histórica de uma política habitacional que atendesse às
demandas de moradia urbana da população com renda de até cinco salários
mínimos, a qual, conseqüentemente tornou-se o público mais necessitado de
81
Elias, 1980, p.37
82
FINEP/GAP, 1983, p.92
83
Idem
55
intervenção governamental, foi criado o Plano Nacional de Habitação Popular, que
será alvo de uma análise mais detalhada.
2.2 - O PLANO NACIONAL DA HABITAÇÃO POPULAR - PLANHAP
No início de 1973, o Governo Federal lançou o PLANHAP – Plano Nacional da
Habitação Popular, afirmando seu objetivo de eliminar o déficit habitacional nas
faixas de menor poder aquisitivo e prometendo investir esforços e recursos na
construção de um milhão de moradias por ano nos próximos dez anos.
Paralelamente, a população total aproximava-se
dos 120 milhões de habitantes. Mais de dois
terços dela vivendo em cidades cada vez mais
problemáticas, evidenciando as dificuldades
fixadas pelo contínuo processo de urbanização
frente ao crescente custo dos equipamentos e
serviços urbanos e reduzida capacidade aquisitiva
da população.
84
É importante registrar o impacto que a afirmação causou na ocasião, já que, desde a
sua criação m 1964, até o fim de 1972, o BNH ainda não havia atingido o total de
duzentas mil unidades construídas
85
.
Por Habitação Popular, cuja crise de moradias tinha como maior demanda reprimida
visto a carência de investimentos públicos e o crescimento desordenado dos centros
urbanos, o BNH considerou como sendo aquela cujo preço de venda do imóvel não
superasse 500 UPC, para uma família com renda de até 5 salários mínimos.
Nesse campo, como nos demais, o Banco atuava como organismo financiador de
segunda linha, ou seja, através de Agentes Financeiros e Promotores, que seriam as
Companhias de Habitação Popular (COHABs)
86
, parceiros fundamentais na
viabilização das ações do BNH.
84
FINEP/GAP, 1983, p.92
85
Idem
86
Empresas imobiliárias controladas pelos Governos Estaduais e/ou Municipais e que se dedicavam
ao planejamento e execução de projetos habitacionais destinados às famílias de nível mais baixo de
renda.
56
Em 1978, existiam no Brasil, 32 COHABs ou órgãos assemelhados, sendo 10 de
âmbito municipal ou intermunicipal e 22 pertencentes aos Governos dos Estados e
Distrito Federal.
O PLANHAP foi instituído em 1973 para modificar a forma de atuação do BNH no
campo da habitação popular. Tinha os seguintes objetivos:
a) Reduzir gradualmente o déficit habitacional urbano e atendimento à demanda
gerada pelos contínuos e crescentes fluxos migratórios;
b) Oferecer condições à melhoria e/ou ampliação de habitações já existentes;
c) Promover o acesso das famílias de menor renda aos serviços urbanos
essenciais;
d) Estimular a promoção social das famílias e sua progressiva integração na
organização comunitária.
Ressalte-se que, dadas as suas condições
peculiares, o PLANHAP é visto pelo BNH, não
apenas como um programa de financiamento da
casa própria, mas como um instrumento efetivo de
melhoria de qualidade de vida e abertura de novas
oportunidades para as famílias de menor poder
aquisitivo
87
.
O BNH estabeleceu o critério que os investimentos em habitações deveriam ser
proporcionais à distribuição geográfica, determinando prioridade de intervenção em
centros mais populosos, ou seja, nas áreas metropolitanas e cidades com população
igual ou superior a 50 mil habitantes, nas cidades de crescimento demográfico
superior à média nacional do Estado respectivo e nas cidades em processo de
desenvolvimento industrial acelerado.
Estes critérios fizeram com que o PLANHAP criasse mecanismos capazes de
promover a cooperação entre a União, os Estados e os Municípios, através do
estabelecimento de convênios com os Governos Estaduais para implantação do
Plano em cada Estado, indicando metas e recursos financeiros a aplicar. As
modalidades de financiamento disponibilizadas pelo BNH aos agentes operadores
do Plano incluíam:
87
Elias, 1980, p.39
57
a) Empréstimos para aquisição antecipada de terrenos, com vistas a garantir a
disponibilidade de áreas de execução de projetos habitacionais num período
de até 4 anos;
b) Empréstimos para urbanização de áreas e comercialização de lotes
urbanizados;
c) Empréstimos para construção de conjuntos de habitações completas;
d) Empréstimos para aquisição de conjuntos habitacionais prontos, em
execução ou a executar;
e) Empréstimos para financiar a aquisição de materiais destinados à construção,
conclusão, ampliação, e/ou melhoria da habitação;
f) Empréstimos para todos os serviços urbanos essenciais (água, saneamento
básico, energia elétrica, escolas, estabelecimentos comerciais, centros
comunitários, centros de saúde, etc.)
Estes financiamentos concedidos seriam amortizáveis mensalmente, em prazos de
até 300 meses (25 anos) e taxas de juros que variavam entre 1 e 5% ao ano, em
função do valor unitário do crédito aberto pelo Agente.
Registre-se, porém, que os investimentos públicos em infra-estrutura urbana
88
não
estariam incluídos nos valores de venda das residências ou do lote urbanizado.
Estes investimentos representavam um subsídio que, em certos casos, chegava a
ultrapassar 50% do investimento total do projeto. Os Estados, Municípios ou
respectivas empresas concessionárias de serviço público financiavam tais gastos
com recursos próprios ou utilizando empréstimos do BNH, confirmando a versão de
que o apoio dos poderes públicos dos Estados e Municípios era fundamental para
que o BNH concedesse seus empréstimos e assim as famílias beneficiárias
poderiam incorporar-se ao processo urbano.
2.3 – OUTROS PROGRAMAS HABITACIONAIS
2.3.1 – Programa de Créditos Cooperativos
88
Água potável, esgotos sanitários, energia elétrica, construção de escolas, abertura e pavimentação
de vias de acesso, implantação de áreas de lazer, etc.
58
O Programa de Créditos Cooperativos caracterizava-se por viabilizar a construção
de unidades residenciais através de entidades denominadas Cooperativas
Habitacionais
89
.
Este objetivo era alcançado pela construção de empreendimentos habitacionais,
previamente aprovados pelo BNH, com as características básicas de possuírem as
unidades próximas umas das outras.
O BNH determinava que as Cooperativas deveriam obter, preferencialmente, a
assistência do INOCOOP existente na região onde se localizava a sede do
empreendimento, e com ela contrataria serviços de orientação, assessoria técnica,
fiscalização na execução dos empreendimentos e acompanhamento de suas
atividades administrativas
90
.
Os INOCOOPs tinham a finalidade de orientar estas cooperativas em todas as
operações necessárias para a construção de conjuntos habitacionais, o que se fazia
pela cobrança de uma taxa de 3,8% a 5,8% sobre o valor do projeto da cooperativa.
Os recursos para os empreendimentos eram concedidos pelo BNH através de seus
agentes financeiros. Estes agentes foram introduzidos no sistema em novembro de
1971, passando a ser responsáveis por receber e administrar e repassar para as
cooperativas os recursos do BNH. Anteriormente isto era feito pelo próprio BNH, o
que foi modificado quando o órgão passou a ser um banco de segunda linha.
Segundo Peruzzo
91
, o que se registrou, porém, foi que as cooperativas se
constituíram e funcionaram pró-forma, já que de fato estavam subordinadas às
construtoras e ao agente financeiro.
89
Sociedades civis de responsabilidade limitada, sem fins lucrativos, constituídas com base em leis
especificas, além de normas e instruções expedidas pelo BNH. Tinham por objetivo proporcionar,
exclusivamente a seus associados, a construção e aquisição da casa própria, a preço de custo, e a
promover-lhes a integração sócio-comunitaria. Elias, 1980, p.41
90
Decretos n.º 58,377, de 9 de maio de 1966, cria o Plano de Financiamento de Cooperativas
Operárias. Este decreto determina também que o BNH preste assistência técnica às cooperativas
mediante os Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP), criados em 1966.
91
Peruzzo,1984
59
O agente financeiro passou a ser um intermediário que onerou o montante das
prestações mensais em razão da cobrança de juros e taxas pelos serviços
prestados. Some-se a esse fato que ele acabou por se apropriar de uma fatia dos
recursos do SFH, já que conservava em seu poder os recursos financeiros
referentes às prestações recebidas durante um ano, antes de devolvê-los ao BNH
92
.
Este mesmo agente financeiro, juntamente com as construtoras, controlavam as
diretorias das cooperativas, inclusive pela introdução de funcionários seus no quadro
de sócios.
A partir de novembro de 1975, o BNH passou a autorizar a compra de terrenos sem
projeto e de empreendimentos habitacionais a executar, sem execução ou já
executados, o que ofereceu à clientela projetos definidos e, na maioria das vezes,
repassados aqueles que não foram comercialmente bem-sucedidos
93
.
2.3.2 – Institutos Oficiais de Previdência
Os Institutos Oficiais de Previdência atuavam como Agentes Financeiros e
Promotores do BNH com o objetivo de propiciar a casa própria para seus
contribuintes.
2.3.3 – PHROEMP – Programa Habitacional Empresa
O PHROEMP era um programa habitacional voltado às empresas interessadas na
oferta de moradia própria para seus empregados, que poderiam recorrer ao SFH
através do Programa.
Não há registro de dados sobre o número de atendimentos realizados pelo
Programa.
2.3.4 – PROEC – Programa de Equipamentos Comunitários
92
Bolaffi, 1979
93
Abramildes apud Peruzzo, 1984, p.53
60
Alguns autores ressaltam que um dos aspectos mais positivos do BNH seria a sua
capacidade de compreender atividades que atendessem às diversas necessidades
ações voltadas para o desenvolvimento urbano brasileiro:
O BNH pode ser considerado como o mais
expressivo agente financeiro para a transformação
do processo de urbanização brasileiro em
processo de desenvolvimento urbano. Isso é
confirmado pela abrangência de sua atuação, que
atinge quase todas as fases do processo, a partir
dos investimentos em planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano
94
.
Dentre essas ações, pode-se destacar o Programa de Equipamentos Comunitários –
PROEC, cuja finalidade era construir unidades imobiliárias que se destinassem a
abrigar escolas, creches, clinicas médicas, dentárias ou postos de saúde e lojas
para pequeno comércio ou de interesse da comunidade local.
Para ter acesso ao financiamento oferecido pelo Programa, os interessados em
realizar empreendimentos em terreno próprio, poderiam solicitar empréstimos aos
agentes financeiros do SBPE.
2.3.5 – Aquisição de material de construção
O acesso ao financiamento para aquisição de material de construção, objetivava
conceder créditos aos consumidores de materiais de construção pelas linhas de
crédito operadas pela rede de bancos comerciais do país, buscando, desta forma, a
descentralização do acesso ao crédito
95
.
Para a efetivação da proposta, o Programa dividiu-se em três subprogramas: o
RECON, cujo objetivo era destinar crédito ao consumidor de materiais de
construção; o REINVEST e o REGIR, destinados ao financiamento do ativo fixo
96
e
94
Elias 1980, p.42
95
Idem, p. 49
96
O mesmo que Ativo Permanente, é a parte do ativo que expressa os valores que não se destinam à
venda, mas ao uso; tais valores, embora não usados, ficam como que em reserva, porém sem
nenhuma intenção de venda ou alienação. Parte do ativo que expressa o valor das imobilizações de
uso ou de lastro. Encerra as contas de Bens Móveis, Terrenos, Prédios, Veículos, Marcas de Fábrica,
Patentes, Aviamentos, etc. É a parte que expressa o Capital Fixo da empresa. Sá, 1995, p.35-36.
61
do capital de giro
97
, respectivamente, das indústrias produtoras de materiais de
construção.
2.4 – BNH – O COMEÇO DO FIM
2.4.1 – Alguns resultados
A partir de 1975 o SBPE supera em depósito o FGTS e em dezembro de 1984 o
FGTS representa 35%da poupança do SFH, enquanto que o SBPE representa 65%
do total
98
.
Azevedo e Andrade, registram os seguintes números relativos a atuação do BNH:
[...] até o final de 1980 o SFH concede os
seguintes financiamentos habitacionais para a
clientela dos mercados: popular, com 1.004.884
unidades, ou seja, 35%; econômico, com 627.824
unidades, ou seja, 21,58%; e o médio com
1.241.175, ou seja, 43,2%, perfazendo um total de
2.873.883 unidade habitacionais
99
.
Tabela I
Empréstimos aprovados pela Carteira de Operação Social – COS - do BNH,
segundo o ano da construção 1964/1980, para Conjuntos Cohabs e residências
construídas diretamente pelo banco para a população de baixa renda:
97
Capital em circulação ou movimentação. Montante de recursos que não está imobilizado e estão
em constante movimentação no dia-a-dia da empresa. Os principais elementos que o compõem são:
Caixa e Bancos conta Movimento, Duplicatas a receber e Estoques. Schrickel, 1997, p.164-165
98
O BNH passa recursos para os agentes privados do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
(SBPE). O SFH conta com recursos provenientes da poupança popular. A poupança é compulsória
(FGTS) ou voluntária (cadernetas de poupança e letras imobiliárias). É no campo da poupança
voluntária que atuam os agentes Privados, Sociedades de Credito Imobiliário, Associações de
Poupança e Empréstimo, bem como as Caixas Econômicas. Essas instituições constituem o SBPE.
Azevedo e Andrade, apud Peruzzo, 1984, p.48
99
Azevedo e Andrade apud Peruzzo, 1984, p.47
62
Ano Unidades
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
8.614
14.716
11.299
41.333
44.516
57.746
21.846
17.951
11.961
17.157
7.831
44.584
90.215
97.352
183.268
134.609
199.883
Fonte: BNH. Departamento de Planejamento e Coordenação (Dplan). Rio, 1981
100
Como observado na Tabela 1, no ano de 1974 financiou-se a menor quantidade de
unidades habitacionais para a população de baixa renda. Peruzzo (1984) justifica
esses números a partir de uma relação com a fase do “milagre econômico
brasileiro”, no governo Médice, em que se buscou “introduzir a eficiência empresarial
na política habitacional, bem como evitar as críticas dos mutuários e dos segmentos
interessados na entrega ao setor privado de uma área que possibilitasse a
acumulação a partir da poupança popular e do respaldo estatal”.
Esse quadro é revertido após o fim do aquecimento econômico, e o aumento dos
investimentos públicos na habitação popular, quando se criaram novos mecanismos
para a retomada dos financiamentos para habitações populares:
100
Azevedo e Andrade apud Peruzzo, 1984, p. 49
63
O governo Geisel contempla o fim do “milagre
econômico brasileiro” e não consegue impedir o
crescimento da pressão social de participação
política. Então, a busca de legitimação do regime
se respalda em mecanismos como os do aumento
dos investimentos públicos na habitação popular.
E poder-se-ia sugerir a hipótese de que os
investimentos públicos na habitação popular
crescem quando a atividade econômica decresce
(o regime buscando legitimação) e decrescem
quando a economia do país cresce e a ação
política passa pela obstrução dos canais de
participação política
101
Ao longo da existência do BNH, foram financiadas 4,5 milhões de unidades
habitacionais, porém deste total, apenas 33,5% foram formalmente destinadas aos
setores populares.
Assim, a partir de 1975, o Banco criou uma série de projetos especiais voltados para
as camadas de renda mais baixa da população. Entre as moradias populares
financiadas, somente 17,6% eram oriundas destes programas especiais. Por outro
lado, quase metade das unidades financiadas (48,8%) foram destinadas aos setores
de classe média de altos rendimentos (mercado médio). Em resumo, havia
consenso sobre a crise do Sistema Financeiro da Habitação e a necessidade de sua
reestruturação
102
.
2.4.2 – O Cenário da Crise
A Fundação da Casa Popular sofreu críticas do setor de planejamento do BNH com
relação a sua incapacidade de controlar recursos próprios, já que dependia
exclusivamente da dotação orçamentária do Governo Federal.
Ao contrário, o SFH, implantado juntamente com o BNH, pretendia ser capaz de
obter retorno do capital aplicado, o que o tornaria apto a conseguir maior capacidade
de investimentos na área habitacional.
Para tanto, foram criadas duas linhas de crédito destinadas à produção de novas
moradias: o FGTS, de caráter compulsório, era destinado à construção de casas de
101
Peruzzo, 1984, p.48
102
Azevedo, 1996, p.79
64
interesse social (conjuntos populares e cooperativas), e as cadernetas de poupança,
de caráter voluntário, voltadas ao financiamento de moradias para as classes
médias e altas.
Apesar de sua sofisticada engenharia institucional,
logo nos seus primeiros anos, o SFH enfrentou
problemas de difícil superação. O primeiro deles
decorreu das dificuldades dos mutuários – mesmo
os de maior renda – em acompanhar as
indexações periódicas das prestações, pois estas
não coincidiam com os reajustamentos dos seus
salários. Objetivando contornar esta situação, foi
generalizado o Plano de Equivalência Salarial; as
prestações eram reajustadas anualmente tendo
como parâmetro o aumento médio dos salários
103
.
Esta medida gerou um desequilíbrio entre o ressarcimento do financiamento e o
crescimento do saldo devedor, já que este continuava a ser reajustado
trimestralmente pela UPC.
Com o objetivo de diminuir essa defasagem, foi criado do FCVS – Fundo de
Compensação das Variações Salariais, que deveria cobrir eventuais saldos
devedores e débitos ao final do período de financiamento
104
.
Apesar da melhora acentuada do desempenho do Sistema, a mudança implantada
não foi por si só capaz de resolver os problemas de inadimplência da maioria dos
mutuários.
A partir de 1973, há uma elevação do número de salários mínimos para a clientela
candidata à habitação financiada. O mercado da habitação popular, que atendia aos
candidatos de renda mensal de até três salários mínimos, passa a ser estendido
para até 5 salários, enquanto o mercado econômico, cuja renda da clientela podia
variar entre 3 e 5 salários, passa para mais de 5 salários o limite superior; e o
mercado médio passou a se situar acima de 6 salários mínimos.
A necessidade de elevação do número de salários mínimos para os candidatos à
casa própria justifica-se por, além do achatamento salarial
105
, ocasionado pela
103
Azevedo, 1996, p.76
104
O Fundo era composto por um percentual das prestações de todos os mutuários. Inicialmente, o
FCVS somente seria usado caso houvesse débitos do mutuário após decorrido o prazo de uma vez e
meia o período de financiamento inicial. Posteriormente, o Fundo passa a cobrir os débitos logo após
a conclusão do tempo de financiamento estabelecido pelo contrato de compra da residência.
Azevedo, 1996, p.77
65
elevação do Índice de Preços, também pela inadimplência (considerada pelo atraso
de mais de três meses nos pagamentos) por parte dos mutuários do mercado
popular. Enquanto até o ano de 1973, a inadimplência atingia em média 36,3% dos
contratos, chegando anteriormente a níveis de 65%, a partir desta data registraram-
se a queda nos números de inadimplentes e desistentes
106
.
[...] na impossibilidade da população arcar
financeiramente com o compromisso imposto, a
PHB vive a sua primeira crise expressa por
elevados índices de inadimplência, sendo que, em
31 de dezembro de 1974, 93% dos mutuários do
Sistema Financeiro de Habitação se encontravam
com uma ou até mais de três prestações em
atraso. Essa situação contribui para profundas
alterações na PHB, direcionando-a para a
elitização de seus programas.
107
Apesar da criação do PLANHAP, e junto com ele a promessa de construção um
milhão de moradias por ano nos próximos dez anos, os números registraram para o
mesmo ano de 1973 a construção de apenas 17.717 unidades em todo o país e para
o ano seguinte (1974) a redução desse total para 12.651 unidades. Somente em
1980 ultrapassou-se, pela primeira vez, a marca das cem mil unidades (145.922 em
todo o país)
108
.
Em termos quantitativos, a versão oficial afirma que o Sistema Financeiro da
Habitação alimentou a produção de 1.118.059 unidades habitacionais, ao longo de
seus 19 anos de existência (ago / 67 – jun / 83), distribuídos de acordo com o dados
do próprio BNH
109
.
Contudo, em 1983 a nova administração do BNH foi obrigada a realizar uma revisão
dos programas existentes e das suas linhas de financiamento. Esta mudança foi
motivada pela reduzido número de construções de novas moradias, agravado pelo
intenso crescimento populacional, contínua ocupação dos centros urbanos e maior
pressão dessa população urbana pelo oferecimento de programas que atendesse a
essa população de baixa renda. Foram então anunciadas algumas modificações na
105
Estima-se que houve uma diminuição do salário mínimo real durante a primeira década de
existência do BNH, em torno de 30% (Peruzzo, 1984, p.46)
106
Azevedo e Andrade, apud Peruzzo, 1984, p.47
107
Silva, 1989, p.52
108
FINEP/GAP, 1983, p.92
109
Idem
66
estrutura estabelecida em 1964, objetivando oferecer maior eficácia e melhor
aplicação para os recursos gerenciados pelo Banco
110
.
A recuperação do salário mínimo real, depois de dez anos de queda, além da opção
das Companhias Habitacionais por uma clientela de renda mais alta foram também
fatores importantes para a diminuição dos níveis de inadimplência. “[...] Assim, se
nos primeiros anos do Banco Nacional da Habitação a maior parte dos mutuários
possuía renda média mensal entre um a três salários mínimos, a partir de meados
da década de setenta, a clientela majoritária passa a situar-se na faixa de três a
cinco salários”
111
.
Em 1983 e 1984, pela primeira vez na história do Banco, a indexação das
mensalidades superou o aumento médio dos salários das classes média e alta,
aumentando os níveis de inadimplência entre os mutuários de Cooperativas (classe
de renda média baixa) e do SBPE (classes de renda média e alta).
A conjuntura era de crise, com reflexo sobre o
nível de emprego e com grande rotatividade de
mão-de-obra não qualificada por iniciativa
empresarial, a fim de evitar os reajustes
compulsórios. Face a esta situação, os níveis de
inadimplência cresceram também entre os
mutuários dos programas convencionais de
habitação popular das COHABs, ainda que em
níveis bem inferiores aos existentes entre aqueles
que compraram seus imóveis através de
Cooperativas Habitacionais e agentes do Sistema
Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE
(Caixas Econômicas, Sociedades de Crédito
Imobiliários – SCIs, Associações de Poupança e
Empréstimos – APEs)
112
.
Então, em 1985, o BNH, órgão responsável pela política habitacional no país desde
1964, passava por grave crise institucional, ocasionada principalmente pelo acúmulo
de déficits.
As modificações realizadas durante a vigência do Banco, com o objetivo de tornar
compatível o seu desempenho financeiro e a capacidade de pagamento dos
beneficiários, não se mostraram suficientes para garantir a sua eficiência.
110
FINEP/GAP, 1983
111
Azevedo, 1996, p.77
112
Idem, p. 78
67
Neste momento, o próprio governo questionava a capacidade do BNH em promover
a construção de unidades habitacionais para a população de baixa renda na
quantidade que se fazia necessária, além de discutir a forma de captar recursos e
oferecer o financiamento para novas moradias
113
.
Naquele ano, o quadro habitacional apresentava baixo desempenho social, altos
índices de inadimplência, baixa liquidez, além do descontentamento dos mutuários,
que se organizaram nacionalmente a fim de pressionar os governos a resolver a
crise existente.
Então, no mês de março de 1985, formou-se um grupo de trabalho
114
que deveria
propor soluções para o desequilíbrio que se apresentava. Porém, o grupo não
conseguiu chegar a um acordo sobre as soluções para o problema existente.
Após pressões e contra pressões, mobilização de
parlamentares e partidos em muita discussão
interna, o governo finalmente tomou a decisão
final. Todos os mutuários teriam reajuste de
112%, desde que optassem pela semestralidade
das correções (UNICAMP, 1987). Os que
desejasse manter as indexações anuais teriam um
aumento correspondente à correção monetária
plena, ou seja de 246,3%. Desnecessário dizer
que, excetuando uma minoria de mal informados e
de decisões não racionais, a quase totalidade dos
mutuários optou pela primeira alternativa, que
incorporava a principal reivindicação da
Coordenação Nacional dos Mutuários (112% de
reajuste)
115
.
Dentre os desdobramentos dessa decisão para o SFH, pode ser destacado como
positivo o atendimento à solicitação dos mutuários, que finalizaram as mobilizações,
além da diminuição, a curto prazo, da inadimplência, além do aumento da liquidez.
Contudo, a concessão de subsídio único a todos os mutuários agravou o déficit já
existente no SFH, já que não houve nenhuma outra medida compensatória, e
beneficiou famílias de renda média e alta, então maioria dos mutuários do Banco.
113
Azevedo, 1996, p.79
114
O grupo de trabalho era formado por entidades como: CNM – Comissão Nacional dos Mutuários;
DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Econômicos e Estatísticos; ABC – Associação
Brasileira das COHABs; ABECIP – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliários e de
Poupança. Azevedo, 1996, p.79
115
Idem
68
Apesar da retórica reformista, a política financeira das novas autoridades não só
aumentou consideravelmente o déficit do SFH, como o transformou em um
instrumento que beneficiou enormemente os mutuários das faixas mais altas”
116
.
Porém, para Carneiro
117
o ponto que se mostrou fatal ao SFH foi o desequilíbrio
gerado pelos critérios de reajuste das prestações e do principal da dívida, visto que
no princípio, todos os valores financiados eram reajustados pelo salário mínimo.
Contudo, em 1965 foi determinado que a UPC
118
seguisse os mesmos índices de
variação das ORTN
119
. No entanto, foi mantido o reajuste das prestações baseado
na variação do salário mínimo, o que criou uma discrepância entre o valor das
prestações e o principal da dívida
120
.
Em 1967, foi instituído um novo plano de reajustamento, cujas prestações se
mantiveram corrigidas anualmente conforme o salário mínimo. Mas como garantia
de quitação total do financiamento ao fim do prazo (tanto para os mutuários, que
passariam a garantir o fim do saldo residual, quanto para as entidades de crédito,
que garantiriam o fim da dívida), foi criado o Fundo de Compensação de Variações
Salariais (FCVS). Este Fundo receberia recursos das contribuições feitas pelos
mutuários que optassem pela cobertura.
A mudança, ao invés de mostrar-se eficiente, gerou enormes saldos residuais ao
final do período de financiamento, principalmente devido à inflação observada a
partir de 1980. Como proposto, o FCVS assumiu o pagamento desses saldos
residuais, porém, rapidamente as obrigações com esses pagamentos superaram as
contribuições feitas pelos mutuários para constituição do Fundo.
Obviamente, a conseqüência dos fatos foi uma dívida no FCVS que atingiu valores
superiores a 50 bilhões de reais
121
. A título de exemplo, em muitos casos, as
prestações dos financiamentos mais antigos não davam cobertura a mais que 15%
116
Azevedo, 1996, p.80
117
Carneiro, 2003, p. 26
118
Unidade Padrão de Capital, utilizada como indexador do principal da dívida do mutuário
119
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
120
Carneiro, 2003, p. 26
121
Valores do ano de 2003
69
do valor dos juros devidos, criando amortizações negativas que impossibilitaram a
manutenção do Fundo
122
.
Havia uma forte inclinação institucional a uma reforma profunda no SFH, que
culminou com o desenvolvimento de debates regionais ao quais envolveram setores
universitários, entidades de classe e associações de mutuários. Neles, discutiram-
se medidas de descentralização do BNH e mudanças nas formas de financiamento e
operação do Sistema.
Além da questão econômica, o BNH passava por uma profunda crise com relação a
sua capacidade de manter-se próximo aos seus objetivos originais. Isso acabou
levando o descrédito do Banco como órgão máximo da política habitacional
brasileira.
Alguns fatores desse descrédito foram amplamente divulgados pela imprensa
brasileira, entre eles:
- A submissão da política diretiva do BNH a interesses empresariais que nem
sempre primavam pelo rigor técnico na aprovação de projetos habitacionais a serem
financiados, muitos dos quais comprometidos também com interesses políticos;
- A própria escassez de recursos para aplicação na construção de novas moradias;
- A confusão que se formou frente às diversas e ineficazes mudanças na atualização
dos valores das prestações para amortização dos financiamentos, fazendo com que
os critérios adotados acabassem sendo impedimentos à capacidade de pagamento
dos mutuários, transformando os saldos devedores em intermináveis dívidas.
No auge dessas discussões, o governo decreta a extinção do Banco. “A forma como
se deu esta decisão foi motivo de surpresa para as entidades envolvidas na
reformulação do SFH, uma vez que ocorreu de forma abrupta e sem margem para
contrapropostas
123
.
122
Carneiro, 2003
123
Azevedo, 1996, p.81
70
3 - PERSPECTIVAS DA POLÍTICA HABITACIONAL PÓS BNH
3.1 – AS PRIMEIRAS TENTATIVAS PÓS BNH – DE 1986 A 1989
Dentre as críticas feitas à atuação do BNH, está a sua incapacidade em atender a
população de baixa renda (inicialmente objetivo principal de sua criação),
ocasionada pela desarticulação entre as ações dos órgãos responsáveis pela
construção das moradias populares e os encarregados dos serviços urbanos. Esse
desequilíbrio acarretou a construção de grandes conjuntos geralmente construídos
em locais distantes e sem infra-estrutura, como alternativa para baratear o custo das
habitações.
Destaca-se também seu modelo financeiro, que se revelou inadequado em uma
economia com processo inflacionário acelerado; e que, apesar dos esforços e
mudanças efetuadas na estrutura do Banco ao longo de sua existência, não
conseguiu superar a crise do SFH, que acabou extinto.
A extinção do BNH deixou uma lacuna institucional no tocante à questão
habitacional, que envolveu a desarticulação, fragmentação e perda de capacidade
decisória com relação à política habitacional no Brasil, junto com a redução
significativa dos recursos disponibilizados para o investimento no setor.
As atribuições do BNH foram transferidas para a Caixa Econômica Federal, mas
com a área de habitação vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente (MDU), responsável pelas políticas habitacionais e de saneamento básico,
desenvolvimento urbano e meio ambiente.
Transferir as atividades do BNH para a Caixa Econômica Federal significou
direcionar as questões urbana e habitacional a uma instituição em que esses temas
são objetivos secundários. Leve-se em consideração que, ainda que a CEF fosse
considerada uma agência financeira com vocação social, possuía, naturalmente,
características inerentes a um banco comercial que, entre outras necessidades, está
a de equilíbrio financeiro e de retorno do capital aplicado. Isto posto, estabelecer
71
como prioridade os programas alternativos, voltados para os setores de menor renda
e que exigem altos subsídios e envolvimento institucional, tornou-se inviável
124
.
Fica clara a dificuldade inicial na implementação de uma ação governamental eficaz
que atendesse às necessidades habitacionais da população brasileira, visto que o
planejamento das ações estaria sob responsabilidade do MDU; enquanto a
implantação da política ficaria a cargo do Ministério da Fazenda (órgão a que a CEF
estava vinculada).
Em 1987, o MDU é transformado em Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio
Ambiente (MHU), acumulando as competências do antigo setor, mais as políticas de
transportes urbanos e a Caixa Econômica Federal. No ano de 1988, ocorrem novas
mudanças, com a criação do Ministério da Habitação e do Bem Estar Social (MBES),
que concentrou a gestão da política habitacional do país.
Evidentemente, poder-se-ia argumentar que a
política urbana e habitacional estará a cargo do
Ministério respectivo, atuando a Caixa apenas
como órgão gerenciador do Sistema. Vale
lembrar, entretanto, que também no passado
recente a política urbana e habitacional esteve
vinculada formalmente a outros órgãos
(SERFHAU, CNDU, Ministério do
Desenvolvimento Urbano). Apesar disso, na
pratica, por ter controle sobre recursos críticos,
coube ao BNH a definição e implementação
concreta da política. Não havia porque supor que
com a Caixa Econômica ocorresse uma situação
diferente. Assim, apesar dos discursos e das
diversas mudanças ministeriais – Ministério do
Desenvolvimento Urbano, Ministério da Habitação
e Urbanismo, Ministério da Habitação e Bem Estar
Social - a Caixa Econômica Federal foi o carro
chefe da política habitacional, pelo menos
referente àquela política vinculada ao Sistema
Financeiro da Habitação.
125
A Constituição promulgada em 1988 consolidou o período de transição democrática
e alavancou os municípios à condição de entes federados a partir de um conjunto de
propostas descentralizadoras. Isso provocou uma redefinição da estrutura do
Estado brasileiro.
124
Azevedo, 1996
125
Azevedo, 1996, p. 81
72
Almeida (2003) analisa que a valorização da política local foi fundamental no
processo de democratização do Brasil nos anos 80, já que as propostas
democráticas eram baseadas na descentralização e na ampliação da participação e
controle dos cidadãos sobre os atos dos governantes:
O município foi transformado em ente federativo,
caso único nos sistemas federais
contemporâneos. Ganhou autonomia plena nos
âmbitos político, administrativo, legislativo e
financeiro. Ademais, o município foi o principal
beneficiário da descentralização de recursos, que
se avolumaram com a ampliação das
transferências constitucionais.
126
Para a efetivação do processo de descentralização proposto pela nova Constituição,
há de se estabelecer uma definição de competências, e é essa a tentativa do
governo, quando passa para os Estados e Municípios a gestão dos programas
sociais, entre eles o de habitação, que poderia se efetivar por iniciativa própria, por
adesão a algum programa proposto por outro nível de governo ou por imposição
Constitucional
127
.
O que se observa, no entanto, é a dificuldade da implementação de ações efetivas,
talvez pela ausência de uma definição clara de papéis entre os entes federados, que
frequentemente tinham suas ações iniciativas limitadas pela União:
Segundo Azevedo (1996), em 1987, primeiro ano após a extinção do Banco
Nacional da Habitação, as COHABs financiaram 113.389 casas populares em todo o
país. Porém, devido às mudanças provocadas na política habitacional pela
Resolução 1464
128
, durante o primeiro semestre de 1988 esse número caiu para
30.646 unidades. Com a justificativa de controlar nas dívidas dos estados e
municípios, essa Resolução determinou medidas restritivas de acesso a crédito
pelas COHABs, e assim acabaram por influenciar também a CEF, o que fez com
que, na prática, os créditos para o financiamento de habitações populares fosse
transferido para o mercado privado.
126
Almeida, 2003, p.126
127
Ministério das Cidades, 2006, p.10
128
Criada em 26/0288, pelo Conselho Monetário Nacional
73
Ressalte-se que essa iniciativa acabou por diminuir a capacidade dos estados e
municípios de criar alternativas de atendimento à questão habitacional, cada vez
mais premente.
3.2 – A Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária – SEAC –
de 1989 a 1995
Em março de 1989, é extinto o MBES e criada a Secretaria Especial de Habitação e
Ação Comunitária – SEAC, sob competência do Ministério do Interior, mas com as
atividades financeiras do SFH e da CEF vinculadas ao Ministério da Fazenda.
O programa habitacional da SEAC funcionava com verba orçamentária a fundo
perdido e se propunha a atingir as famílias com renda mensal inferior a três salários
mínimos, normalmente não atendidas pelos programas de financiamento
habitacionais tradicionais.
A efetivação do programa se daria através do estabelecimento de uma parceria
entre a SEAC, a instituição conveniada
129
e a Sociedade Comunitária Habitacional,
formada pelos participantes de cada projeto.
Porém, logo se percebeu a dificuldade de cumprimento das metas programadas,
ocasionada principalmente pelo processo inflacionário, que causava um aumento
descontrolado dos preços dos materiais de construção e dos serviços.
Visto do ponto de vista formal, pode-se dizer que
no curto espaço de menos de dois anos o
Programa se propôs a financiar cerca de 550.000
unidades habitacionais (SEAC, 1988), sendo que
neste mesmo período as COHABs financiaram
menos de 150.000 (CEF, 1988). Supõe-se que
mais de um terço das unidades financiadas não
tenham sido construídas devido, entre outros, a
fatores como baixo financiamento unitário, inflação
galopante e má utilização dos recursos.
130
129
Poderia ser a prefeitura ou um órgão do governo estadual. Na maioria dos estados, o escritório
local da SEAC realizava diretamente convênios com as prefeituras. Em alguns estados, no entanto,
as atividades da SEAC foram centralizadas em um único órgão estadual, que coordenava e promovia
o programa, normalmente com um nome de identificação estadual. Azevedo, 1996, p.82
130
Idem
74
A SEAC tinha como proposta a valorização da iniciativa dos Estados e Municípios
com o objetivo de permitir maior autonomia dos governos locais. Como uma das
primeiras dificuldades encontradas foi a de cunho financeiro, já que os recursos do
FGTS não foram suficientes para atender todas as necessidades iniciais, deu-se a
suspensão temporária de sua utilização e a dependência das disponibilidades
financeiras de recursos da União
131
.
Azevedo (1996) desataca que a trajetória da SEAC é o exemplo clássico da
ausência de uma política clara para o setor habitacional. Originariamente vinculada
à Secretaria de Planejamento, a SEAC é transferida para a Casa Civil da
Presidência da República até a criação do Ministério da Habitação e do Bem Estar
Social, quando, então, passa a fazer parte deste ministério. Com sua extinção,
torna-se parte integrante do Ministério da Previdência, acabando, com a revogação
deste Ministério, por vincular-se ao Ministério do Interior.
Sobre o tema, Carneiro (2003) acrescenta:
A instabilidade macroeconômica vivida neste
período acentuou a fragilidade da estrutura
contábil dos principais agentes financeiros. Isto
porque o caráter pró-cíclico das fontes de recursos
do SFH, devido à forte correlação existente entre
depósitos de poupança e recursos do FGTS com
ciclos econômicos, potencializa, em períodos
recessivos, o problema de descasamento de prazo
entre o ativo dos agentes, composto por fontes de
curto prazo, e o passivo, caracterizado por títulos
de longo prazo. Dada esta evolução observada,
os recursos do SFH, que eram responsáveis pela
produção de 38% das unidades entre 1973 e
1980, viu sua participação cair para níveis em
torno de 20% de 1981 até 1994
132
.
3.3 – Uma nova tentativa: A Secretaria Especial de Desenvolvimento
Urbano – SEDU – de 1995 a 2000
131
Ministério das Cidades, 2006, p.10
132
Carneiro, 2003, p.29
75
Em 1995, o governo federal realiza mais uma reforma nas políticas habitacionais,
criando a Secretaria de Política Urbana (SEPURB), responsável pela formulação da
Política Nacional de Habitação e ligada ao Ministério do Planejamento e Orçamento.
Porém, a promessa de reforma e novas ações direcionadas à questão habitacional
não trouxe as mudanças esperadas. Nem mesmo a sua transformação em
Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU) conseguiu modificar o
quadro existente de ausência de recursos financeiros e falta de capacidade de
intervenção no atendimento à demanda crescente de política habitacional.
Este quadro se reafirma quando se analisa o reduzido número de unidades
habitacionais construídas após a extinção do BNH. Em seu total, o SFH financiou a
aquisição de 6,8 milhões de moradias em 37 anos de funcionamento, a maior parte
referente à construção de novas moradias. Apesar do crescimento contínuo no
número de moradias financiadas – atingindo o auge de 627 mil no ano de 1980 - a
elevação da inflação nos anos seguintes, somado ao colapso do FCVS, ocasionou o
desgaste do sistema, reduzindo o número de financiamentos para menos de 150 mil
unidades entre 1983 e 1996
133
.
Em 1994, uma mudança no cenário econômico desperta no setor imobiliário uma
perspectiva otimista: a implantação do Plano Real e a conseqüente estabilidade
econômica trazida com ele. Contudo, as expectativas não se consolidam, devido a
[...] combinação de altos índices de inadimplência
dos mutuários com custo de oportunidade
exorbitante, medido pelas taxas de juros reais
oferecidas pelos títulos públicos durante todo o
Plano Real, fez com que instituições financeiras
privadas desconsiderassem a atividade de
concessão de crédito de longo prazo para
aquisição de habitações no Brasil. O montante
total destinado a financiamentos imobiliários por
parte destas instituições é limitado a obrigação
legal
134
.
A legislação brasileira determinava que os recursos aplicados em Caderneta de
Poupança deveriam ter uma distribuição obrigatória, em que 56% do montante
disponível deveria ser utilizado em financiamentos no âmbito do SFH, 7% deveria
atender aos financiamentos habitacionais efetuados pelas taxas de mercado, 7%
133
Carneiro, 2003
134
Carneiro, 2003, p.30
76
seriam utilizados em outras operações de financiamento imobiliário, 15% seria
depositado compulsoriamente no Banco Central e 15% seria uma faixa de livre
aplicação como demonstrado em Tabela a seguir:
Distribuição Obrigatória dos Recursos Aplicados em Caderneta de Poupança
Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3 Faixa 4 Faixa 5
Montante
Disponível
56% 7% 7% 15% 15%
Utilização
Financiamen
tos no âmbito
do SFH
Financiamen
tos
habitacionais
nas taxas de
mercado
Outras
operações de
Financiamen
to Imobiliário
Depósito
compulsório
no Banco
Central
Faixa de
livre
aplicação
Aquisição de terreno Faixa 5
Construção ou ampliação de imóvel residencial Faixas 1, 2, 3 e 5
Construção ou ampliação de imóvel comercial Faixas 3 e 5
Fonte: Carneiro, 2003, p.30
Segundo dados pesquisados, cerca de 80% da verba total destinada ao
financiamento imobiliário no período era oriunda de recursos dos próprios
incorporadores. Este quadro justifica a reduzida capacidade de geração de novas
unidades habitacionais, agravando o déficit habitacional
135
no país. Portanto, a
principal causa deste déficit foi a incapacidade da classe média em obter
financiamentos suficientes – 50 a 75% do valor do imóvel, além dos baixos níveis de
renda de grande parte da população, excluídos do mercado privado de
financiamento imobiliário de longo prazo.
Carneiro (2003) analisa as características do mercado brasileiro e suas implicações
com o mercado habitacional:
135
O conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente às deficiências do estoque de
moradias. Engloba tanto aquelas moradias sem condições de serem habitadas devido à precariedade
das construções ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e que devem ser
repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque, decorrente da coabitação familiar ou da
moradia em locais destinados a fins não residenciais. O déficit habitacional pode ser entendido,
portanto, como “déficit por reposição do estoque” e como “déficit por incremento do estoque”.
Fundação João Pinheiro, 2005, p.7
77
Acima de 50% da economia brasileira tem sua base no mercado informal;
As fontes de recursos para financiamento imobiliário para a população de
baixa renda estão pulverizadas entre as prefeituras, governos estaduais e
CEF, porém, não existe um plano nacional consistente e comum para redução
do déficit habitacional que atinjam, em sua maior parte, esse público;
As políticas de financiamento existentes apontam critérios de seleção
baseados principalmente na comprovação de renda e outros fatores que
falham pela ausência de transparência e objetividade;
Não existe securitização que garanta os pagamentos nos financiamentos de
longo prazo, apesar da existência dos pilares legais;
Os juros aplicados nos contratos de longo prazo (20 anos ou mais) possuem
taxas reais acima de 10%, tornando-os muitas vezes, inviáveis;
Apesar de não existirem dados definitivos sobre a inadimplência, estima-se
que seja entre 7 e 10% dos contratos, influenciando negativamente no
mercado privado da habitação;
Praticamente não há financiamento privado para a construção, sendo que a
maior parte é advinda dos financiamentos da CEF;
A urbanização no país se dá de forma dispersada, indicando que os planos e
soluços até podem ter supervisão federal, mas a criação e implantação
devem ser de responsabilidade de órgãos regionais.
O déficit habitacional chega a 6,5 milhões de unidades, sem perspectivas imediatas
de melhora, já que, de acordo com os dados descritos anteriormente, a ausência de
uma definição de papeis entre as três esferas do poder: municipal, estadual e
federal, no que se refere à política habitacional para a população de baixa renda,
acaba por salientar a exclusão dessa camada da possibilidade de obter uma
moradia que ofereça condições mínimas de habitabilidade, além de impulsionar o
crescimento urbano desordenado.
Apenas a título de destaque, não se pode ignorar a interdependência da questão
habitacional com outras políticas urbanas, o que sinaliza que nem sempre um
simples incremento dos programas de moradia se apresenta como a solução mais
indicada para melhorar as condições de vida da camada mais pobre. Os programas
habitacionais podem ser inviabilizados caso as outras políticas urbanas – transporte,
energia elétrica, esgotamento sanitário, abastecimento de água, saúde, educação,
78
não sejam integrados a eles
136
. Daí a necessidade da existência de uma diretriz que
sinalize os papéis de cada esfera de governo no que diz respeito ao
desenvolvimento urbano no Brasil.
3.4 – CONSIDERAÇÕES SOBRE O DÉFICIT HABITACIONAL NO
BRASIL
A questão da mensuração do déficit habitacional no país não apresenta um
consenso no que diz respeito à metodologia, o que ocasiona, dependendo dos
fatores considerados, resultados diferentes.
Há que se destacar que a principal dificuldade é, a grande extensão territorial de um
país como o Brasil, e consequentemente, com diferenças regionais,
socioeconômicas e culturais, muito discrepantes, agrupar características que
definam a quantidade de habitações necessárias levando-se em consideração todas
as variáveis envolvidas nessa mensuração (e menos sujeitos a distorções
relacionadas a heterogeneidade das condições socioeconômicas das diferentes
regiões).
Desta forma, neste estudo, a referência metodológica adotada será a utilizada pela
Fundação João Pinheiro (2005), que buscou coletar elementos que estivessem, ao
maior grau possível, independentes das influências regionais citadas
anteriormente
137
.
A metodologia da Fundação João Pinheiro (2005) trabalhou considerando dois
segmentos distintos:
Déficit habitacional – necessidade de construção de novas moradias para a
solução de problemas sociais e específicos de habitação, ligado diretamente
às deficiências do estoque de moradias. Engloba tanto moradias sem
136
Azevedo, 1996
137
Destaque-se que a referida metodologia é a mesma adotada pelo governo federal, pela maioria
dos governos estaduais, governos municipais e centros de pesquisa e universidades.
79
condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em
virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e devem ser repostas,
como à necessidade de incremento do estoque decorrente da coabitação
familiar
138
, da moradia em locais destinados a fins não residenciais e o
chamado “ônus excessivo com aluguel” (grupos de famílias urbanas com
renda familiar de até três salários mínimos, que moram em domicílios urbanos
que despendem mais de 30% de sua renda com aluguel).
Inadequação de moradias
139
– reflete problemas na qualidade de vida dos
moradores que não se relacionam ao dimensionamento do estoque de
habitações, mas à especificidades internas desse estoque. Seu
dimensionamento é voltado à estruturação de políticas complementares de
construção de moradias, voltadas à melhoria do estoque já existente.
A metodologia desenvolvida para o cálculo das necessidades habitacionais foi
desenvolvida tendo como base de informações a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), do IBGE. O resultado aponta uma estimativa para o ano de
2000 o déficit de 6.656.526 novas moradias, em que as regiões Nordeste e Sudeste
representam 75% do déficit habitacional do país.
A tabela a seguir ilustra os componentes do déficit habitacional por região:
Comparação entre Componentes do Déficit Habitacional – Brasil, Unidades da
Federação e Regiões Metropolitanas - 2000
138
Coabitação familiar compreende a soma das famílias conviventes secundárias que vivem junto
com a outra família em um mesmo domicílio e das que vivem em cômodos cedidos ou alugados. As
famílias conviventes secundárias são constituídas por, no mínimo, duas pessoas ligadas por laço de
parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência e que residem em um mesmo
domicílio com outra família, denominada principal. O responsável pela família principal é também
responsável pelo domicílio. As famílias residentes em cômodos cedidos ou alugados foram incluídas
no déficit habitacional porque esse tipo de moradia mascara situação real de coabitação em
domicílios formalmente distintos. Fundação João Pinheiro. 2005, p. 7-8
139
São chamadas de habitações inadequadas aquelas que não proporcionam aos seus moradores
condições desejáveis de habitabilidade, o que não implica, contudo, na necessidade de construção
de novas unidades. Seriam os domicílios carentes de infra-estrutura, com adensamento excessivo de
moradores, com problemas de natureza fundiária ou sem unidade sanitária domiciliar exclusiva. O
adensamento excessivo ocorre quando o domicílio apresenta um número médio de moradores
superior a três por dormitório. O número de dormitórios corresponde ao total de cômodos, que em
caráter permanente, serviam de dormitório para os moradores do domicílio. A inadequação fundiária
refere-se aos casos em que pelo menos um dos moradores do domicílio tem a propriedade da
moradia, mas não possui total ou parcialmente, o terreno ou a fração ideal de terreno em que aquela
se localiza. Fundação João Pinheiro, 2005, p. 8-9
80
Região
Habitação
precária e
Coabitação
Ônus excessivo
com aluguel
Depreciação
Total
Norte 400.146 30.503 2.833 433.482
Nordeste 2.295.760 310.144 25.986 2.631.790
Sudeste 1.731.362 608.592 72.506 2.412.460
Minas Gerais 434.850 185.884 11.323 632.057
Espírito Santo 93.019 19.613 727 113.359
Rio de Janeiro 365.086 108.606 31.595 505.287
São Paulo 838.407 294.489 28.861 1.161.757
Sul 528.020 148.231 14.061 690.312
Centro Oeste 371.474 115.396 1.612 488.482
Brasil 5.326.762 1.212.766 116.998 6.656.526
Fonte: Fundação José Pinheiro: 2001
Segundo os dados da pesquisa, habitação precária e coabitação representam o
maior componente do déficit, com uma participação de 80%. Na região Sudeste,
onde se localizam os maiores centro urbanos, o déficit habitacional causado por
ônus excessivo com aluguel é o maior de todos, com uma representação de 25% do
total, causado pelos altos aluguéis cobrados nestes centros. Enquanto isso,nas
regiões Norte e Nordeste, que se apresentam como regiões menos desenvolvidas,
habitação precária e coabitação, representam 87% do total do déficit
140
.
Um aspecto referente ao déficit habitacional merece destaque: a renda das famílias
que necessitam de novas moradias. A pesquisa aponta que 83,2% do déficit total
encontra-se na faixa de famílias com renda inferior a três salários mínimos, sendo
para a região Sudeste, 78% e 91% para a região Nordeste. A região que apresenta
o menor percentual de déficit nesta faixa é a região metropolitana de São Paulo,
contando com 71,2% do total. A pouca diferença entre a região com maior déficit e a
140
Carneiro: 2003
81
região com menor déficit aponta que a inexistência de políticas habitacionais que
atendam a essa população de baixa renda é comum em todo o país, excluindo essa
parcela da população ao acesso à moradia digna.
3.5 – SINAIS DE SOLUÇÃO PARA A CRISE HABITACIONAL: A
MUNICIPALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS
É recorrente a discussão sobre a necessidade de traçar estratégias para a solução
da crise habitacional instalada no país e agravada após a extinção do Banco
Nacional da Habitação. Esta necessidade é agravada pela urgência com que aflora
a exclusão da população de baixa renda dos programas de financiamento a longo
prazo para imóveis de interesse social, visto que a maior dificuldade é a
comprovação da capacidade de pagamento destes empréstimos.
É sabido que a classe média e alta possuem características diferentes da população
de classe mais baixa, e em geral, aquelas conseguem alcançar a moradia própria
através das alternativas oferecidas pelo mercado privado, o que não acontece com
as famílias de baixa renda.
A discussão sobre o tema possui um ponto em comum entre todos os autores
pesquisados: a necessidade da participação direta do poder público no sentido de
intermediar a aquisição de imóveis para a população não atendida por esse mercado
privado e, portanto, excluída da possibilidade de adquirir imóvel financiado.
[...] Todos os países que conseguiram, ao longo
dos anos, combater a falta de moradias para a
população de baixa renda, o fizeram através da
concessão explícita de subsídios à aquisição das
unidades. Até mesmo em países mais
desenvolvidos, cujas populações têm maior
capacidade de pagamento, há a destinação de
recursos a fundos perdidos para modelos com o
mesmo objetivo
141
.
141
Carneiro, 2003, p.133
82
Alguns autores defendem inclusive, o deslocamento dos riscos do setor privado para
os setor público, colocando-o como garantidor dos financiamentos concedidos, como
garantia contra a inadimplência, além da concessão de subsídios para diminuir o
saldo devedor, o que geraria condições para o pagamento das prestações mensais
até a amortização total da dívida.
Estas questões envolvem também a definição de um sistema de pagamento das
prestações mensais por parte dos mutuários que dê aos beneficiários condições de
manter o pagamento das prestações. Há que se levar em conta que só se consegue
manter os pagamentos se o valor de cada prestação for compatível com a renda
familiar, destacando que qualquer variação da relação renda x prestação podem
ocasionar a interrupção dos pagamentos, o que, a longo prazo, significaria o colapso
do sistema de financiamentos.
É fato que, como citado anteriormente, as características (socioeconômicas e
culturais) são marcadas pela sua extensão territorial. Daí surge o principal aspecto
que deve delinear as decisões futuras sobre o atendimento à demanda habitacional
crescente: as ações centralizadas e homogêneas a todo o território nacional não
serão capazes de atender a todas as necessidades particulares que cada território
brasileiro possui.
Isto posto, a sinalização de qualquer política pública deve estar permeada pelo
respeito às características e potencialidades das diferentes regiões do país, sem
desprezar a autonomia conferida aos municípios pela Constituição de 1988.
Em 10 de julho de 2001, através da regulamentação dos artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988, foi sancionada a Lei denominada Estatuto da Cidade,
com o objetivo de estabelecer normas que regulem o uso da propriedade urbana em
prol do bem coletivo, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental.
Esta legislação prevê, através da gestão democrática da cidade – órgãos
colegiados, audiências e consultas públicas e conferências sobre assuntos de
interesse urbano, instrumentos que privilegiem a participação dos municípios nas
deliberações e encaminhamentos necessários para a aplicação do previsto em Lei
(desapropriações, uso capião, entre outras). Porém, a participação dos municípios
83
permaneceu limitada à discussão acerca de assuntos já previstos e determinados
pela Lei, o que manteve, até o ano 2000, a autonomia do município extremamente
reduzida.
A ausência de definição legal sobre as atribuições dos entes federados: União,
Estados e Municípios em relação ao papel de cada um na destinação de recursos e
responsabilização a respeito do déficit habitacional, regularização fundiária e
ocupação desordenada do solo urbano, dificulta uma ação efetiva dos municípios
frente à crise habitacional.
A lógica seria empoderar o poder local e determinar a divisão das atribuições entre
as esferas Federal, Estadual e Municipal, concedendo ao município a autonomia
necessária à execução de políticas habitacionais eficientes.
Municipalizar as políticas públicas significa principalmente institucionalizar uma
responsabilização crescente nos municípios, já que não se estabelece um
crescimento das responsabilidades legais, que só podem ser efetivamente
assumidas com a gerência dos recursos e controle político administrativo os quais
estejam apoiados em uma legislação clara e atual.
84
4 - AS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO NOS MUNICÍPIOS: O CASO
VITÓRIA
4.1 - CARACTERÍSTICAS DA CIDADE
Um capítulo dedicado à cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, tem
como objetivo realizar uma análise da trajetória das políticas habitacionais partindo
da realidade local de uma cidade.
No caso de Vitória, foco dessa investigação empírica, observa-se que o crescimento
vivenciado pela capital do Estado do Espírito Santo, nos últimos anos, sugere a
necessidade de uma política habitacional que privilegie as especificidades do
mercado imobiliário, a sua topografia, e as características do clima e cultura locais.
Entende-se que esta cidade, especialmente por suas peculiaridades topográficas e
históricas (urbanização e centro econômico e financeiro recentes), é um bom
exemplo do problema a que se pretende estudar, já que apresenta uma série de
particularidades agravantes da questão habitacional:
A capital do Estado do Espírito Santo possui uma grande área litorânea, isso a
enquadra na legislação do ano de 1831, que trata dos Terrenos de Marinha
142
.
Essa legislação, por ser extremamente antiga, encontra-se desatualizada devido ao
crescimento da cidade, e acaba por aumentar consideravelmente o valor dos
imóveis, devido aos tributos, estimulando a ilegalidade e dificultando a regularização
da documentação dos imóveis no município.
Além de estar em uma área litorânea, Vitória possui características peculiares com
relação a sua topografia. Por ser uma ilha, a parte continental é muito reduzida, além
de ser rodeada por montanhas. Possui uma área de 81 km², equivalente a apenas
142
Essa legislação determina que os terrenos localizados a 33 metros da média das marés altas
daquele ano, serão terrenos da União, e por isso, não podem ser vendidos. Quando autorizada à
ocupação, deve ser paga uma taxa equivalente a 5% do valor do terreno ao ano. O ocupante passa
então, a ser considerado foreiro da União, devendo recolher anualmente mais 0,6 % do valor do
terreno.
85
0,18% do território estadual e 5,5% dos 1.461 quilômetros da Grande Vitória, sendo,
portanto, o menor município desta região.
Essas características dificultam a criação de bairros periféricos e de alternativas
mais acessíveis à população de baixa renda.
O reduzido espaço geográfico para expansão imobiliária na capital do Espírito Santo
é a terceira particularidade: a especulação imobiliária. Os terrenos à venda na
região são cada vez em menor quantidade, o que aumenta a demanda pela procura,
ao mesmo tempo em que diminui a oferta de áreas livres.
A ausência de políticas habitacionais que privilegiem as características particulares
de Vitória, aliadas à ausência de políticas públicas federais, criaram, como na
maioria dos municípios, um bolsão de construções irregulares e moradias que não
oferecem aos moradores as condições mínimas de habitabilidade. Essas baixas
condições de habitabilidade criam situações de exclusão social, causadas,
basicamente, por uma defasagem entre o ritmo de crescimento populacional e o
baixo investimento em políticas públicas que privilegiem a construção de novas
residências, justificando o surgimento da “população periférica”
143
, composta
predominantemente por famílias de baixa renda.
Segundo dados da Secretaria de Habitação de Vitória (2003), a situação fundiária do
Município pode ser sintetizada da seguinte forma:
- Vivem em situação precária no município aproximadamente 86.500 pessoas,
correspondente a 30% da população do município, abrangendo cerca de 24.500
domicílios (IBGE/PMV);
- As áreas ocupadas pela população de baixa renda estão difusamente
distribuídas pelo município;
- Os loteamentos ilegais representam 49,42% da área urbana do município
(IBGE/PMV)
143
Ribeiro,1983
86
A soma dessas particularidades faz de Vitória um município típico no que diz
respeito à indispensabilidade de planejamento e execução de políticas habitacionais.
4.2 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA – CAUSAS DA EXPANSÃO
POPULACIONAL EM VITÓRIA
Alguns fatores exerceram influência na transformação da cidade de Vitória,
impulsionando o crescimento demográfico e, em conseqüência, a necessidade de
um aumento da oferta de imóveis destinados à moradia.
Um dos pontos que merece destaque é o processo de crescimento urbano
registrado na capital a partir dos anos 60, que foi aumentado pela migração da
população anteriormente agrária para a capital, atraída pelo processo de
industrialização e promessa de oferta de serviços, empregos e melhoria de
qualidade de vida
144
.
Merece destaque o vazio demográfico que caracterizava o Estado do Espírito Santo
já no início do século XX: Vitória, sua capital, no ano de 1908, contava com uma
população de aproximadamente 12.000 habitantes somente
145
.
Registre-se que o Estado do Espírito Santo possuía como característica econômica
o cultivo de café, conforme registra Siqueira:
O café influenciou profundamente a evolução da
economia do Espírito Santo nos últimos anos do
século XIX e no início do século XX. [...] Cultivado
para fins de exportação, o café expandiu-se no
território capixaba, constituindo sem dúvida um
dos principais fatores do crescimento
socioeconômico do Espírito Santo. Em termos de
infra-estrutura sócio-econômica quase tudo que se
fez no Estado foi produto do café; não se pode
contestar que ele foi o ouro verde que provocou a
abertura de estradas e naturalmente gerou
144
Bogus, 1981, p.20-29, apud Peruzzo, 1984
145
Bittencourt, 2002
87
recursos para o desenvolvimento do Espírito
Santo.
146
A produção cafeeira acabou por dar oportunidades ao desenvolvimento econômico
da capital do Estado, que através do seu porto
147
, absorvia cada vez mais o
comércio estadual.
Porém, em paralelo a atividade agrícola, algumas correntes de estudiosos julgavam
a agricultura como fator de entrave ao desenvolvimento, e defendiam que era
necessário modernizar a exploração rural com o uso de novas técnicas e com a
exploração de novas lavouras
148
.
Então, nos anos 66 e 67, o Governo Federal promove a erradicação de 185 milhões
de pés de café, o que representava cerca de 45% do total existente no Espírito
Santo. A erradicação de deu mediante o pagamento de determinada importância por
pé arrancado, desde que fosse substituído por outra cultura que não o café.
O argumento utilizado pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC) era a necessidade de
eliminar o café de tipo inferior. O que se viu, entretanto, foi a efetiva eliminação de
cafezais, pois apesar do Governo Federal ter subsidiado a sua erradicação, este não
ofereceu nenhum tipo de incentivo para o cultivo de novas lavouras. Como
conseqüência, 50 mil empregos rurais foram suprimidos, liberando cerca de 150 mil
habitantes do campo
149
.
Esta população agrária, então sem trabalho, ruma para as cidades, principalmente
para Vitória, em busca de trabalho. A opção de moradia para esses novos
moradores da capital, a grande maioria sem condições de adquirir sequer terreno
para autoconstrução
150
, é a ocupação irregular de morros e mangues.
146
Siqueira, 1995, p. 57
147
Do início da República até 1920, o porto de Vitória teve um considerável crescimento, [...] já se
destacava como o terceiro porto exportador de café no Brasil. Sua exportação crescia
acentuadamente e no final da década de 1920, chegou a exportar 92% do café capixaba. Siqueira,
1995, p. 74.
148
Campos Junior, 1998
149
Peruzzo, 1984
150
O processo de autoconstrução [...] torna-se mais ativo na década de 50, intensificando-se ainda
mais na década de 60. Está vinculado ao processo de industrialização e crescimento urbano. Trata-
se de um processo de construção de moradias para uso próprio, geralmente em locais sem infra-
estrutura, realizadas pelas famílias (portanto, sem contratação de mão-de-obra), nos fins-de-semana
e sem orientação técnica. Rodrigues, 1988.
88
Registre-se a influência dos grandes projetos industriais
151
, apoiados pelo governo
do Estado e localizados na capital ou próximo dela. Dentre eles, destacam-se o
Porto de Tubarão, Porto de Praia Mole, Porto de Capuaba, Usina de Pelotização,
Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), CIVIT (Centro Industrial de Vitória),
Aracruz Celulose, Estaleiro de reparos navais, além de outros projetos.
Sobre o tema, Bittencourt afirma:
[...] os dirigentes, com o apoio federal, partiram
para uma política de diversificação da base
econômica. Principalmente, para o incentivo de um
processo de industrialização. Dessa vez, com
vistas à sua concentração na área da Grande
Vitória, que já canalizava, por sua vez, as
correntes migratórias do interior, atraídas pelo
Porto e por outros empreendimentos como a
Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Ferro
e Aço de Vitória, ou ainda, por outras unidades
produtivas já tradicionais do setor secundário.
152
Os trabalhadores rurais, mais atraídos então pela ampliação das ofertas de emprego
geradas pelos grandes projetos, dirigem-se em número considerável para a região
de Vitória, provocando a alta da procura de moradias e o adensamento das
ocupações irregulares.
O fato pode ser comprovado por dados do IBGE, que registra o aumento de
aproximadamente 160 mil pessoas na década de 60, chegando a 332.483 pessoas
em 1970 e 694.322 pessoas em 1980, na Grande Vitória
153
.
4.3 – INTERVENÇÕES HABITACIONAIS NO MUNICÍPIO – ALGUNS
RESULTADOS
Quando se fala em produção de moradias na cidade de Vitória, observa-se a quase
inexistência de construção de moradias para venda por parte do mercado privado
151
Estes grandes projetos que se localizaram junto à Vitória contaram com recursos do capital
internacional, do governo federal e de empresários nacionais. Peruzzo, 1984
152
Bittencourt, 2002, p. 215-216
153
Campos Júnior, 1998.
89
até o início dos anos 50. Nesta época, predominava a construção por encomenda,
que funcionava com o objetivo de atender demandas especificas por imóveis
residenciais.
A maioria da população do Espírito Santo vivia na área rural – em 1950 a população
urbana representava apenas 20% da população do Estado, e só a partir dos anos 70
esse número se inverte, passando a representar 67% da população total em 1980
154
.
Contudo, existem registros de iniciativas de construção de moradias pelo governo.
Inicialmente, foram construídas casas para funcionários públicos e mais tarde
registra-se a construção de habitações para associados dos institutos de
aposentadoria e pensões das entidades de classe.
A primeira iniciativa aconteceu durante o governo Jerônimo Monteiro, entre os anos
1908 e 1912, em que foram construídas casas para os funcionários públicos no
Parque Moscoso. Depois, entre os anos de 1924 e 1928 (governo Florentino
Ávidos), também foram edificadas moradias para funcionários públicos no bairro de
Jucutuquara. Não foram localizados registros de outras entidades de classe que
tenham construído casas para seus associados
155
.
Somente em 1951, durante a administração de Jones dos Santos Neves, com a
finalidade de constituir um bairro operário, destinado a trabalhadores da Vale do Rio
Doce, foi construído um conjunto residencial no município de Vila Velha, no bairro
hoje conhecido como IBES
156
.
No cerne das mudanças sócio-econômicas ocorridas em Vitória a partir dos anos 60,
e apoiados pela legislação do BNH, que previa a existência de órgãos responsáveis
pelo desenvolvimento de suas operações, um grupo de empresários locais, ligados a
companhias de construção civil, fundam o INOCOOP/ES
157
em agosto de 1968.
154
Campos Júnior, 1998
155
Admite-se que os funcionários públicos tenham tido a maior representatividade política entre
aqueles trabalhadores das outras áreas no que tange a concessão de moradias à época. Campos
Júnior, 1998.
156
É interessante registrar que o bairro tem hoje esse nome porque a construção do conjunto
habitacional (Conjunto Alda Santos Neves) se deu através do Instituto do Bem-Estar Social do
Espírito Santo – IBES. Campos Júnior, 1998.
157
O INOCOOP/ES era um agente promotor do BNH, fundado como um instituto sem fins lucrativos,
com a função de organizar a produção de habitações. Como regra geral, os INOCOOPs nasceram
90
Depois de formado, o INOCOOP/ES passou a estimular a formação de cooperativas
para aquisição de imóveis residenciais. No início do seu funcionamento, a inscrição
dos candidatos à casa própria se deu vinculada às categorias profissionais
158
, e
eram realizadas junto às maiores empresas nas cidades e aos órgãos públicos.
Consequentemente, só poderia se candidatar o trabalhador que fosse sindicalizado
ou que pertencesse a associações trabalhistas.
Basicamente, o programa de cooperativas funcionava na lógica de manter o mínimo
de custos para seu funcionamento, além da taxa de prestação da assessoria técnica
que deveria ser paga ao INOCOOP. Os valores, fixados pelo BNH, eram incluídos
nas planilhas de orçamento dos empreendimentos. Após construídos
159
, os
mutuários assinavam um contrato com o agente financeiro do empreendimento para
o pagamento dos financiamentos
160
.
Nesse momento, é possível afirmar que realmente se efetivava o caráter social do
BNH,através do programa de cooperativas habitacionais, visto que famílias com
renda entre três e oito salários mínimos (houve casos de atendimento a
cooperativados com renda inferior a um salário mínimo), puderam ser contempladas
com moradias próprias
161
. Preencheu-se, desta forma, a lacuna habitacional
existente de um público não atendido pelo mercado privado.
Assim, no início dos anos 70, começam a surgir os primeiros empreendimentos na
área hoje conhecida como Jardim da Penha, quando o INOCOOP/ES, em dezembro
de entidades ou associações de caráter assistencial ou de relevância social, sem fins lucrativos, cujos
integrantes firmavam o documento estatutário original, dando-lhes a forma jurídica de sociedades
sem finalidade econômica. [...] O INOCOOP do Espírito Santo surgiu do Movimento Familiar Cristão.
O registro dos atos constitutivos ocorreu em maio de 1968 e a autorização de funcionamento pelo
BNH em agosto de 1968. Neves, 1998.
158
As cinco primeiras cooperativas organizadas foram a Cooperativa Habitacional dos Subtenentes e
Sargentos da Guarnição Militar de Vitória – COOPHABMI-VT, a dos Trabalhadores do Espírito Santo
– COOPTRAB-ES, a dos Bancários de Vitória – COOPBANC-VT, a dos Trabalhadores da Grande
Vitória – COOPGRANVIT e a dos Trabalhadores de Cachoeiro do Itapemirim – COOPHAB-CI. Idem.
159
As cooperativas deveriam oferecer habitações a preço de custo. O cálculo do custo da casa é
feito não por ocasião da inscrição do candidato, mas depois que a obra foi concluída, tanto assim que
ao se inscrever não se sabe quanto vai se pagar pela casa a que se candidata. Peruzzo, 1984, p.63.
160
Como explicitado no capítulo 2, o BNH funcionava como banco de segunda linha. financiando os
projetos habitacionais, (já que era gestor dos recursos do SFH), mas pelo intermédio de outros
agentes: bancos, sociedades de crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimo, que
apareciam em primeira linha, financiando as moradias para os mutuários.
161
Os empreendimentos foram espalhados por todo o estado do Espírito Santo, constituídos de
prédios com apartamentos de três quartos com área de até 95 m², ou de casas com metragem
variando entre 36 a 80 m², Neves, 1998.
91
de 1969, adquire quatro quadras, medindo 44.000 m², de Maria Silvia Klaczko e
outras pessoas físicas.
Registre-se que o bairro Jardim da Penha situava-se entre o centro de Vitória e o
Porto de Tubarão, a usina de Pelotização, a Companhia Siderúrgica de Tubarão e
outras empresas, como fábricas de cimento, que estão se instalando na capital. Era
uma das únicas opções de área para construção de conjuntos habitacionais, visto
que as áreas do centro da cidades eram extremamente valorizadas, enquanto
crescia a valorização do bairro Praia do Canto, na zona norte da cidade. As áreas
valorizadas seriam muito dispendiosas, o que oneraria sobremaneira o valor do
empreendimento, inviabilizando-o.
Jardim da Penha ainda era um bairro com muito espaço para construção, além de
oferecer uma área sem acidentes geográficos impeditivos à ocupação residencial
intensa.
Inicia-se, assim, a construção dos prédios de apartamentos com área de 45, 50, 60,
70 e 80 m² em 91 edifícios de quatro andares, sem elevador, contendo cada um oito
ou 16 unidades residenciais, perfazendo o total de 1.136. Esses prédios foram
destinados às cooperativas de comerciários, bancários, ferroviários, servidores
públicos e outros trabalhadores sindicalizados.
O projeto se dividiu em dois programas. No primeiro, com 288 unidades, as obras
de construção começam a primeiro de agosto de 1970 e terminam a 31 de outubro
de 1972. E
devido ao êxito do primeiro programa atendendo à
demanda do mercado, o INOCOOP/ES partiu para
a montagem do segundo plano, denominado
Parque Residencial Jones dos Santos Neves, que
foi elaborado em 1972 para associados das
Cooperativas Habitacionais Operárias da
Fundação Vale do Rio Doce (COOPHABVALE),
dos trabalhadores da Grande Vitória
(COOPGRANVIT), dos Servidores Civis do
Espírito Santo (COOPSERVICI/ES) e dos
Bancários de Vitória (COOPBANC)
162
162
INOCOOP/ES; s/d:1, apud Peruzzo, 1984, p.70
92
O segundo programa, com 848 apartamentos, teve início em primeiro de fevereiro de
1973 e terminou em 20 de junho de 1975.
As obras de infra-estrutura foram realizadas por órgãos públicos, e possuíram rede
de abastecimento de água, energia elétrica, drenagem, galerias pluviais e
pavimentação de algumas ruas, tanto internas ao conjunto como de acesso a este.
Em julho de 1978, o Instituto orientou a construção de 96 apartamentos em dois
prédios localizados no Bairro Barro Vermelho, bairro vizinho à Praia do Canto,
enquanto ainda era possível o pagamento do valor do terreno pelos cooperados.
Entre 1977 e 1980, ainda foi possível a construção de 105 casas para profissionais
liberais na região da Mata da Praia (bairro situado na região de Camburi, próximo à
Jardim da Penha), e no limite com o atual Bairro República, 240 apartamentos de
sala, três quartos com dependências, em prédios de três pavimentos sem elevador
mas com vagas de garagem
163
.
É claro que o predomínio da construção de apartamentos, ao invés de casas, explica
o fator preço do terreno, justificada quando se percebe a limitada área livre para
construção em Vitória.
O processo de valorização imobiliária dos terrenos de Jardim da Penha acabou por
impedir a continuidade da construção de outros empreendimentos no bairro. A
alternativa para o INOCOOP/ES foi continuar procurando áreas ainda vazias e
pouco valorizadas na cidade, levando-a em direção ao bairro Jardim Camburi, onde,
em 1986, o BNH financiou a construção de alguns apartamentos com recursos do
SFH.
O BNH, através do seu programa de cooperativas habitacionais, obteve os melhores
resultados entre os anos 1975 e 1984, período em que foram entregues cerca de
75% de todas as unidades habitacionais construídas ao longo de sua história, com
recursos do SFH, como demonstrado na tabela a seguir, que ilustra os resultados de
Vitória:
163
Neves, 1998.
93
Unidades entregues em Vitória com financiamento do SFH (de 1970 a 1988)
Ano N° Casas N° Apartamentos Total de unidades
1972 0 288 288
1974 0 104 104
1975 0 744 744
1977 0 96 96
1978 105 24 129
1980 0 336 336
1988 0 444 444
TOTAL 105 2036 2141
Fonte: Neves, 1998
Cabe mencionar que, assim como no resto do país, na cidade de Vitória, alguns
fatores influenciaram o processo de desgaste do SFH/BNH, que foram
164
:
- Alto índice de inadimplência no pagamento das prestações por parte dos
mutuários;
- Elevado número de transferência de unidades entre mutuários e não mutuários,
que criavam os chamados “contratos de gaveta”, evitando a renegociação direta da
dívida com os agentes financeiros e, assim, o aumento do valor das prestações,
afetando o processo de cobrança e execução das inadimplências;
- Perda de renda do trabalhador brasileiro, sacrificando-o no pagamento das
prestações do financiamento.
Estes fatores, somados à crise nacional por que passava o BNH, levaram a extinção
do Banco em 1986, como visto anteriormente, fazendo com que o programa de
cooperativas, instrumento utilizado pelo Banco para construção de moradias mais
eficaz na capital do Estado do Espírito Santo, tivesse fim.
Registre-se que o INOCOOP/ES, como instituição sem fins lucrativos e agente
promotor do BNH no estado, ainda sobreviveu após a extinção do Banco. Porém, a
dificuldade de estabelecer novos contratos com cooperativas, somada a indefinição
164
Neves, 1998.
94
do poder público frente à questão habitacional, dificultou sua permanência no
mercado no modelo em que funcionava até então
165
.
4.4 – O QUADRO DA HABITAÇÃO POPULAR EM VITÓRIA PÓS BNH
É fato que apesar dos resultados apresentados pelas construções viabilizadas pelo
BNH durante a sua vigência, a crise habitacional no município de Vitória está longe
de ter alcançado a solução.
Os empreendimentos entregues até 1988 e as ações posteriores à extinção do BNH
não acompanharam o ritmo de crescimento estabelecido na capital nos últimos anos,
que refletiram o crescimento econômico do Estado através do aumento de empresas
nacionais e multinacionais no município de Vitória, ocasionando,consequentemente,
o crescimento urbano e populacional.
Em que pese às benesses trazidas à população moradora da capital, o crescimento
urbano desordenado e a ausência de uma política habitacional clara e eficiente
tornam o déficit habitacional uma das questões mais graves que se apresentam e
cobram por intervenção imediata.
Segundo dados da Secretaria de Habitação de Vitória, a situação fundiária do
Município, no ano de 2000, pode ser sintetizada da seguinte forma:
- Vivem em situação precária na cidade aproximadamente 86.500 pessoas,
correspondente a 30% da população do município, abrangendo cerca de 24.500
domicílios;
- As áreas ocupadas pela população de baixa renda estão difusamente
distribuídas pelo município;
- Os loteamentos ilegais representam 49,42% da área urbana do município;
165
O INOCOOP/ES permaneceu em funcionamento, adaptando-se às novas regras do SFH e às
características do mercado , agora trabalhando com a idéia de autofinanciamento das habitações,
que seriam obras custeadas com os recursos das poupanças dos associados. Os primeiros
empreendimentos nesse modelo foram concluídos e entregues em 1991. Entre 1991 e abril de 1998,
foram construídos em Vitória 1158 unidades tendo como base o novo modelo adotado.
95
- Existem mais de 3.000 moradias precárias situadas em áreas de alto risco
geológico.
A soma dessas particularidades faz de Vitória um município típico no que diz
respeito à indispensabilidade de planejamento e na execução das políticas
habitacionais.
As atuais ações do Governo Federal de proposição de políticas públicas de
habitação, apesar da tentativa de aproximação das questões municipais através de
ações como a criação do Ministério das Cidades que objetiva conhecer a realidade
dos municípios, não consegue se apropriar completamente das características
regionais e, assim, atender às necessidades da população local. Portanto, observa-
se um avanço, ainda que de curto alcance para propiciar a eficiência das políticas
habitacionais locais.
As políticas habitacionais oferecidas pela Caixa Econômica Federal, que concentrou
os programas habitacionais após a extinção do BNH, não atingem diretamente a
população mais necessitada de políticas públicas que permitam o acesso à moradia
regular e que não possuem renda mínima para comprometer com prestações de
casa própria no mercado imobiliário, isto é, sem subsídio público. Assim, pode-se
considerar que estes programas atendem apenas à população de classe média e
média alta, pela dificuldade de acesso da camada mais pobre da população, já não
contemplam a realidade deste grupo de pessoas.
Desta forma, pretende-se defender, no presente estudo, a hipótese de que a solução
do problema em foco depende de um novo desenho legal da relação do Estado
federal e administrações locais.
Isso significa dizer que a eficácia das políticas públicas de habitação nas áreas
urbanas brasileiras, vincula-se a uma autonomia das cidades para implementar
políticas, cabendo à federação a definição das linhas gerais da política habitacional
urbana com relação a recursos, direitos e deveres entre federação e município.
96
CONCLUSÃO
É fato que muito já foi realizado no tocante políticas habitacionais. É fato também
que muito ainda há por fazer.
O processo de desenvolvimento brasileiro e, consequentemente, da questão da
moradia, marcado por inúmeras mudanças de direcionamento até o ano 2000, ainda
não havia encontrado uma saída que apontasse para a solução, cada vez mais
necessária, para o déficit habitacional crescente no país.
A simples tendência de demolição de unidades consideradas inadequadas, aliada à
construção, quase sempre em quantidade menor, de unidades para abrigar a
população desalojada, somada à transferência dessa população para a periferia
urbana não pode ser assumida como política de habitação.
Em período mais recente, mais intensamente a partir dos anos oitenta, pode-se
observar um certo grau de organização social (traduzido no surgimento de grande
quantidade de associações de moradores), provocando uma mudança de atitude,
em que alguns programas e planos de urbanização e melhoria das habitações vem
sendo implantados em diferentes Estados buscando solução adequada para a
fixação da população em suas áreas faveladas ou carentes.
Porém, está sempre presente junto a essas questões o problema do custo da terra
urbana, que acaba repetindo a ação de deslocar as moradias de interesse social
para as periferias, onde seu custo é mais baixo.
O resultado se faz visível quando se observa que o crescimento das necessidades
habitacionais, nos últimos dez anos, apresenta-se em índices muito superiores ao
crescimento da população em geral e essas necessidades se manifestam cada vez
mais concentradas nas faixas de renda mais baixa, localizadas espacialmente,
principalmente, nas regiões metropolitanas.
97
A conseqüência é um déficit de moradias que se amplia a cada dia, especialmente
nas faixas de renda até 2 salários mínimos, representando, em 2000, cerca de 4,2
milhões de moradias. Esse fato evidencia o fracasso dos programas públicos e a
incapacidade dos mecanismos de mercado para o enfrentamento do problema bem
com a absoluta necessidade de se encontrarem mecanismos de atendimento
dirigidos às faixas de menor renda.
É importante ressaltar que o acelerado crescimento das favelas nas últimas décadas
é importante indicador do agravamento do problema habitacional no país e da
necessidade de se organizar uma estratégia abrangente para enfrentá-lo. Esse
acelerado crescimento das favelas e dos loteamentos irregulares demonstra
claramente que a produção informal de moradias precárias em assentamentos
ilegais tem sido a forma “solução” promovida pela própria população nas faixas de
mais baixa renda.
São claras as demonstrações da existência de limitações à produção de habitações
que enfrentem o déficit habitacional existente atualmente no país. Desta forma, a
questão habitacional está longe de alcançar solução imediata. Some-se a isso,
algumas limitações políticas e econômicas que se apresentaram nos fins da década
de 90:
- Não se vislumbra, desde então, a possibilidade de uma retomada de crescimento
como acontecida nos anos 70, o que impede uma nova intervenção pública (no
campo econômico e social) como ocorreu no período citado. Isto significa, entre
outras coisas, que a retomada das atividades imobiliárias como na época da
expansão do Sistema Financeiro da Habitação, encontra-se descartada.
- A reestruturação do Sistema Financeiro da Habitação depende de uma questão
estrutural, relacionada ao déficit financeiro do SFH, calculado, no início dos anos
2000, em torno de 20 bilhões de dólares. Esta questão produz a necessidade da
definição de alternativas que possibilitem criar novas formas de financiamento de
moradias a longo prazo, em larga escala e de fluxo constante.
98
Algumas alternativas começam a se delinear a partir do ano 2000, principalmente
devido à ausência de programas federais e estaduais de longa duração. A primeira
seria a adoção de pequenos programas compartilhados e apoiados pelas três
esferas de governo e direcionados a clientelas específicas.
Essas ações podem ser interpretadas como políticas distributivas que privilegiem
especialmente grupos de baixa renda, naturalmente excluídos do mercado privado,
já que a ausência de estrutura maior consistente de financiamento habitacional pode
vir a criar uma rede de distribuição de moradias sem a contrapartida financeira, ou
no máximo com um retorno simbólico, mas soaria como uma alternativa á ausência
de uma ação sistemática.
Em segundo lugar é possível imaginar outras estratégias alternativas visando a
resolução gradativa da questão da moradia, tal como: a criação de cooperativas
para construção de habitações coletivas, privilegiando a ausência do incorporador,
com o objetivo de reduzir o custo final da moradia e recuperação de antigos bairros,
comumente desvalorizados devido ao novo desenho das cidades, com posterior
destinação à população popular.
De qualquer forma, o desafio está em formular políticas voltadas para o setor da
habitação popular que sejam capazes de elevar significativamente a produção de
novas unidades, partindo de uma situação inicial de grande defasagem e taxas de
crescimento da população urbana superiores a 2% ao ano. Ou seja, é fundamental a
existência de fontes permanentes de financiamentos destinados à cobertura das
ações promovidas pelo poder público, em volume suficiente para enfrentar o grande
déficit existente.
Concluindo, defende-se, como alternativa imediata a dar início à solução da grave
crise habitacional, o fortalecimento da autonomia dos municípios, transformando-os
em protagonistas das ações voltadas ao enfrentamento dos problemas
habitacionais.
99
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